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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE GEOCNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
“Agendas & agências: a espacialidade dos movimentos sociais a
partir do Pré-Vestibular para Negros e Carentes
Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação
em Geografia da Universidade Federal
Fluminense como requisito para a obtenção do
grau de Doutor em Geografia.
Renato Emerson Nascimento dos Santos
Niterói
Dezembro de 2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE GEOCNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
“Agendas & agências: a espacialidade dos movimentos sociais a partir do
Pré-Vestibular para Negros e Carentes”
Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação
em Geografia da Universidade Federal
Fluminense como requisito para a obtenção do
grau de Doutor em Geografia.
Renato Emerson Nascimento dos Santos
Banca Examinadora
Carlos Walter Porto Gonçalves (Orientador)
(PPGEO-UFF)
Carlos Bernardo Vainer (Co-Orientador)
(IPPUR-UFRJ)
Ana Clara Torres Ribeiro
(IPPUR-UFRJ)
Ruy Moreira
(PPGEO-UFF)
Ivaldo Lima
(PPGEO-UFF)
Niterói
2006
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Agradecimentos
Este é o momento de agradecer a todos que participaram não apenas à feitura do
meu doutorado, mas sim, de toda a caminhada que fiz até aqui. Muita gente, de distintas
formas, consciente e inconscientemente, me ajudou. Alguns não estão mais perto de mim,
não estão mais neste mundo, ou estão em lugares deste mundo que, pelas trajetórias e não
pelas distâncias físicas, se fazem longe de mim. Agradeço a todos.
Agrado aos meus orientadores, por tudo o que já fizeram por mim
intelectual, acadêmica e pessoalmente.
Agradeço a Carlos Walter que, além de provocador, me abriu perspectivas
analíticas e políticas. Desde nossos primeiros contatos na AGB, sempre aprendi muito com
ele. Certa vez, fizemos uma viagem perdida a Friburgo, para uma atividade do CREA – ele
como presidente da AGB e eu como representante da AGB-Rio. Foi um dia inteiro de
diálogos sobre tudo. Acho que ali foi plantada uma das sementes que hoje dão vez a este
trabalho.
Agradeço a Vainer, que é, além de uma referência intelectual, um apoio pessoal
sem o qual não chegaria aqui. Desde a minha graduação, quando fui seu bolsista, o apoio
incondicional a todas as discuses que propus, sempre me dando liberdade intelectual, me
faz seu eterno devedor. Espero estar pagando aqui uma prestação desta dívida que
considero impagável, pelas ajudas que ele me deu, pelas inspirações, pelas orientações e
pela paciência.
Agradeço também aos demais membros da Banca Examinadora – Ana Clara
Torres Ribeiro, Ruy Moreira e Ivaldo Lima -, em nome dos quais eu estendo também um
agradecimento a todos os professores que já tive, na graduação, no mestrado e nos
doutorados. Rogério Haesbaert deveria também fazer parte desta banca, mas foi
impossibilitado – a ele agradeço também pelas leituras que fez nos seminários e na
qualificação, momentos de extrema riqueza e contribuição para este trabalho. Destaco aqui
a influência intelectual que venho tendo de Ana Clara, uma fonte de inspiração e
conhecimentos desde antes mesmo de eu me tornar aluno dela no mestrado e no doutorado.
Espero estar fazendo jus minimamente à sua contribuição.
Diversos professores foram importantes na minha caminhada. Na Geografia da
UFRJ, no IPPUR, na UFF, agradeço a todos eles. Sem querer cometer injustiças com
ninguém, destacarei apenas o prof. Roberto Lobato Corrêa, que também é uma fonte de
inspiração para o meu olhar espacial. Aprendi muito com ele na graduação e no mestrado, e
jamais me cansarei de agradecê-lo e homenageá-lo. Ele merece.
Tenho muito a agradecer também ao meu Departamento, o DGEO-FFP/UERJ.
Sem todo o apoio que recebi desde que lá ingressei, não conseguiria realizar e concluir este
trabalho. Agradeço a todos os professores, funcionários e meus alunos, nas pessoas dos
professores Floriano Godinho de Oliveira (quem me convidou para dar aulas lá) e Charlles
da França Antunes (que sempre me apoiou em tudo que fiz).
Institucional e academicamente agradeço também ao Concurso Negro e
Educação, organizado pela ANPED e pela ONG Ação Educativa com financiamento da
Fundação Ford. Não apenas o suporte financeiro do Concurso me foi fundamental para
4
estruturar esta pesquisa, mas também o convívio pessoal e acadêmico com os professores
da banca do concurso e meus companheiros de “turma” me enriqueceram por demais.
Agradeço a contribuição de Fabíola do Nascimento Camilo, Márcia Menezes e
Gláucia Amaral, que trabalharam comigo em diferentes momentos desta pesquisa, e foram
fundamentais na organização e sistematização do acervo que reuni, bem como numa
primeira leitura do material.
Gostaria de agradecer a todos os que constroem em construíram esta caminhada
do movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes, tanto nos seus fóruns coletivos, no
cotidiano dos núcleos, e nas diversas arenas paralelas e ocultas de articulação, discussão e
intervenção que também constituem o movimento desde seu início, que é anterior a 1993.
Em especial, agradeço aos militantes que me concederam riquíssimas
entrevistas: Frei David, Fernando Pinheiro, Jobson Lopes, Robson Leite, Frei Tatá, Geanne
Campos, Nelson Oliveira, Zeca Esteves, Nilton Júnior, Alexandre Nascimento e Juca
Ribeiro. A eles, se somam aos incontáveis depoimentos que colhi ao longo desses anos
circulando por núcleos e interagindo com muita gente que me ensinou muita coisa.
Agradeço especialmente também àqueles que me disponibilizaram sua
documentação sobre o movimento para copiar: Marcio Flávio, Fernando Pinheiro, Simone
Seguins, Juca Ribeiro, Nilton Júnior, Zeca Esteves, entre outros.
Agradeço muito também aos meus companheiros de caminhada no Pré Rocinha
e no Pré Tijuca. Tudo que vivi neles me trouxe um aprendizado que não dá pra colocar no
papel.
Muitos amigos me ajudaram também nesta caminhada, com apoio, carinho,
companheirismo e trabalho também!! Como é impossível citar a todos, os represento
através de quatro que colaboraram num momento pretérito, mas crucial: a coleta de dados
para a minha monografia! Daniela Feteira Soares, Eduardo Machado dos Santos, Kayobi
Vargas e Roberto Marques, então colegas na graduação, foram comigo coletar dados da
Prefeitura do Rio de Janeiro, multiplicando meus bros num momento bastante raro e
curto de permissão para coletar. Creio que eles simbolizam uma lista extensa, que tem
também Antônio de Oliveira Jr. (que me levou para o IPPUR)e muitos outros.
Tenho dívidas pessoais de gratidão com muitas pessoas.
Agradeço a Adriana pela compreensão no acompanhamento da fase final do
trabalho, um suporte emocional sem o qual ele não sairia.
E, por fim, agradeço a toda minha família. Ela sempre me foi fundamental, foi
dela quem sempre me veio o apoio que me fez acreditar ser possível avançar mesmo nos
momentos mais difíceis.
Dedico este trabalho às memórias de Zabdil do Nascimento e Theodorico dos
Santos. Pena não tê-los comigo neste momento. Dedico também às presenças de Maria
Aparecida do Nascimento e Yolanda Moncada dos Santos, cujas trajetórias de vida e
esforço em prol de todos me dão sempre mais força.
Rio de Janeiro
quase verão de 2006
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Resumo
O presente trabalho discute formas de leitura dos movimentos sociais a partir do arcabouço
conceitual da Geografia. Trabalhando com a idéia de “espacialidades dos movimentos
sociais”, são apontadas e tensionadas algumas possibilidades, chamadas de dimensões
espaciais”, a partir da análise do movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes. São
discutidas oito dimensões espaciais, raciocínios centrados no espaço: a
materialização/manifestação – a cartografia do movimento social em ato; recortes espaciais
e as contruções identitárias; território & territorialidades; ação & temário, agendas; ação &
interlocutores; ação & desdobramentos, impactos, efeitos, causas, origem; esferas
institucionais como distintas dimensões espaçotemporais; e os sujeitos da construção dos
movimentos. Cada um destes aspectos é desenvolvido como possibilidade de interpretação
dos movimentos sociais a partir de raciocínios espaciais, e tais tensionamentos são base
para a reconstituição espaço-temporal do movimento Pré-Vestibular para Negros e
Carentes.
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Abstract
The present work argues forms of reading of the social movements from conceptual
framework of Geography. Working with the idea of “spatialities of the social movements”,
some possibilities are pointed and developed, called “spatial dimensions”, from the analysis
of the case of Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Eight spatial dimensions are argued,
ways of thinking centered on the space: the materialization/manifestation - the cartography
of the social movement in act; space areas and the identity constructions; territory &
territorialities; action & agenda; action & interlocutors; action & impacts, effects, causes,
origins; institutional spheres as distinct space-time dimensions; and the individual of the
social movements construction. Each one of these aspects is developed as possibility of
interpretation of the social movements thinking from the space, and such developments are
base for the reconstitution space-time of the Pré-Vestibular para Negros e Carentes.
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Résumé
Présent travail discute des formes de lecture des mouvements sociaux en partant de la
structure conceptuelle de la Géographie. En travaillant avec l'idée de «spatialités des
mouvements sociaux», ils sont indiqués et développées quelques possibilités, appelées de
«dimensions spatiales», en partant de l'analyse du mouvement Pré-Vestibular para Negros
e Carentes. On discute huit dimensions spatiales, raisonnements centrés dans l'espace : la
matérialisation/manifestation - la cartographie du mouvement social dans acte ; découpages
spatiaux et les constructions d'identité ; territoire et territorialités ; action et ordres du jour;
action et interlocuteurs ; action et dédoublages, impacts, effets, causes, origine; sphères
institutionnelles comme de distinctes dimensions espace-temps; et les sujets de la
construction des mouvements. Chacun de ces aspects est développé mange possibilité
d'interptation des mouvements sociaux en partant de raisonnements spatiaux, et tels
développements sont base pour la reconstitution espace-temps du mouvement Pré-
Vestibular para Negros e Carentes.
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ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO: A ESPACIALIDADE DA AÇÃO ................................................. 15
2. GEOGRAFIA E MOVIMENTOS SOCIAIS............................................................ 27
2.1. Geografia da organização dos movimentos sociais................................................. 31
2.2. Geografia das lutas sociais..................................................................................... 46
2.3. Geo-grafias dos movimentos sociais: Proposições de categorias no debate Geografia
& Movimentos Sociais.................................................................................... 56
3. GEOGRAFIA E POLÍTICA: A QUESTÃO DA ESCALA ..................................... 84
3.1. Escala enquanto representação e instrumento de análise ........................................ 88
3.2. A Escala enquanto nível: o problema das hierarquias e determinações espaciais.... 92
3.2.1. Os fenômenos são pluri-escalares ................................................................... 95
3.2.2. Do Território-Zona ao Território-Rede: Fragmentação, desencaixe, co-presença
e outros desafios da contemporaneidade ................................................................. 100
3.3. A escala enquanto dimensão espaço-temporal da sociedade e o problema das
fricções......................................................................................................... 108
3.3.1. Indissociabilidade entre Espaço e Tempo: novas narrativas e o papel da escala
............................................................................................................................... 112
3.3.2. Escala, espaço e tempo: os eventos enquanto matriz ..................................... 121
3.4. Escala e política: a escala enquanto arena ou nível de regulação (e a organização do
Estado) ......................................................................................................... 124
4. TENSIONANDO A IMAGINAÇÃO GEOGRÁFICA: DIMENSÕES ESPACIAIS
DOS MOVIMENTOS SOCIAIS ................................................................................. 134
4.1. Materialização/Manifestação: a cartografia do movimento social em ato ............. 137
4.2. Recortes Espaciais e as Construções Identitárias.................................................. 150
4.3. Territorio & Terriorialidades ............................................................................... 162
4.4. Ação & temário, agendas..................................................................................... 176
4.5. Ação & interlocutores.......................................................................................... 181
4.6. Ação & desdobramentos, impactos, efeitos, causas, origem................................. 196
4.7. Esferas institucionais do movimento como distintas dimensões espaço-temporais 203
4.8. Sujeitos ............................................................................................................... 214
5. O PRÉ-VESTIBULAR PARA NEGROS E CARENTES: MÚLTIPLAS
EXPERIÊNCIAS DE ESPO-TEMPO NO FAZER DA POLÍTICA.................... 228
5.1. Pré-Vestibulares para Negros: Embates entre Agendas na Construção de um
Movimento ................................................................................................... 233
5.2. As Institucionalidades do PVNC como Arenas de Disputa e Legitimação............ 249
5.3. A Política nas Práticas Cotidianas: Hierarquização, Resistências e Hibridações na
Difusão de Problemáticas.............................................................................. 261
9
5.3.1. Irradião & Encadeamento (1): A Negação da Política no Cotidiano do
Movimento............................................................................................................. 265
5.3.2. Irradiação & Encadeamento (2): o campo “Autonomista-Espontaneísta” ..... 274
5.4. O campo Amplo ou Gramsciano.......................................................................... 284
5.5. Reconhecimento Institucional & Empobrecimento das Agendas: o Enfraquecimento
do PVNC...................................................................................................... 289
5.6.Sujeitos da construção do movimentotrajetórias espaciais do fazer político....... 300
5.6.1. Frei David Raimundo dos Santos...................................................................... 301
5.6.2. Juca Ribeiro...................................................................................................... 309
5.6.3. Fernando Pinheiro ............................................................................................ 318
6. CONCLUSÃO.......................................................................................................... 324
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 330
TRADUÇÕES DAS CITAÇÕES EM LÍNGUA ESTRANGEIRA............................ 342
10
LISTA DE MAPAS E CARTOGRAMAS
MAPA 01 – Favelas e Associações de Moradores por Regiões Administrativas na
Cidade do Rio de Janeiro – Maria Therezinha de Segadas Soares
MAPA 02 – Segunda Fase de Expansão do MAB (1978-1979) – Júlia Adão
Bernardes
MAPA 03 - Terceira Fase de Expansão do MAB (1979-191) –lia Adão
Bernardes
MAPA 04 – Brasil – Vítimas fatais de conflitos ocorridos no campo (1985-186) –
Ariovaldo Umbelino de Oliveira
MAPA 05 – Brasil – Geografia das Ocupações de Terras (1988-2005) – Bernardo
Mançano Fernandes
MAPA 06 – A Cartografia das Territorialidades Indígena e Seringueira – Carlos
Walter Porto Gonçalves
MAPA 07 – Geografia dos Conflitos Sociais no Acre (1970-1990) - Carlos Walter
Porto Gonçalves
MAPA 08 – Mapa dos Conflitos Ambientais na Amazônia Legal
MAPA 09 – Cartograma “Ação dos Agentes Sanitários em 1999 e 2000 na Cidade
do Rio de Janeiro – Ana Clara Torres Ribeiro
MAPA 10 – Eventos ocorridos em 2000 (protestos contra a violência) – Ana Clara
Torres Ribeiro
MAPA 11 – Atos Públicos e passeatas em 2000 (Cidade do Rio de Janeiro) – Ana
Clara Torres Ribeiro
MAPA 12 – Mapa de Localização dos Estudos de Caso de Lecourt & Baudelle
MAPA 13 – Distância no espaço e experiência associativa – Lecourt & Baudelle
MAPA 14 – Geografia do projeto TGV Bretagne-Pays de la Loire e Geografia da
Mobilização – Lecourt & Baudelle
MAPA 15 – Mapa dos cursos já vinculados à rede PVNC
LISTA DE DIAGRAMAS
Diagrama 1: Escala como tamanho – Representação de escalas e terminologia
comparativa de hierarquias regionais de Haggett
Diagrama 2 - Geografia Temporal (Time Geography) de Hagerstränd (1969)
Diagrama 3 – Núcleos da Rede PVNC por ano e por município
Diagrama 4 – Proposta de organicidade para o movimento dos Prés – Frei David
Raimundo dos Santos
Diagrama 5 – 2 Planos de Construção do PVNC
Diagrama 6 – Jogos políticos internos do Movimento PVNC: o papel da questão
racial
11
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 – Lista dos Documentos do Acervo sobre o Movimento Pré-Vestibular para
Negros e Carentes
1. JORNAIS E INFORMATIVOS ................................................................................. 354
1.1 Do Movimento........................................................................................................ 354
1.1.1 PVNC............................................................................................................... 354
1.1.2 Educafro........................................................................................................... 357
1.1.3 Afro-Informativo .............................................................................................. 358
1.1.4 PEC-Informe Solidário ..................................................................................... 359
1.1.5 Boletim Prés-Vestibulares Populares ................................................................ 359
1.1.6 Jornal Info Educafro e Pec-Informe Solidário ................................................... 360
1.2 De fora do Movimento com matéria sobre:.............................................................. 360
1.2.1 Movimento do PVNC....................................................................................... 360
1.2.2 Vestibular......................................................................................................... 363
1.2.3 Educação.......................................................................................................... 364
1.2.4 Movimento Social, Cultura e Sociedade............................................................ 365
1.2.5 Questão Racial.................................................................................................. 366
1.2.6 Jornal IBASE ................................................................................................... 367
1.2.7 PNDH em Movimento...................................................................................... 367
1.2.8 ADUFRJ .......................................................................................................... 367
1.2.9 Revistas............................................................................................................ 368
1.2.10 AMACOMERGE-A Voz da Comunidade....................................................... 368
2. DOCUMENTOS DO MOVIMENTO PVNC ............................................................. 369
2.1 De Estruturação....................................................................................................... 369
2.1.1 Perfil dos alunos............................................................................................... 369
2.1.2 Questionário Sócio-econômico cultural do PVNC ............................................ 369
2.1.3 Carta de Princípios ........................................................................................... 370
2.1.4 Fichas de inscrições .......................................................................................... 370
2.2 Registros de reuniões............................................................................................... 371
2.2.1 Assembléias...................................................................................................... 371
2.2.2 Do Conselho..................................................................................................... 372
2.2.3 De Núcleos....................................................................................................... 384
2.2.4 Do Movimento com órgãos públicos e privados................................................ 384
2.2.5 Seminários........................................................................................................ 385
2.3 Documentos das Equipes de Reflexão ..................................................................... 386
2.3.1 Pedagica ....................................................................................................... 386
2.3.2 Racial ............................................................................................................... 386
2.3.3 "Grupo de Estudos" .......................................................................................... 387
2.4 Textos de discussão................................................................................................. 387
2.4.1 De membros do PVNC ..................................................................................... 387
2.4.2 Textos que relatam a Hisria do PVNC ........................................................... 391
12
2.5 Programa de Disciplina ........................................................................................... 392
2.5.1 Cultura e Cidadania .......................................................................................... 392
2.6 Tesouraria ............................................................................................................... 393
2.6.1 Proposta de Financiamento ............................................................................... 393
2.6.2 Demonstrativos Financeiros.............................................................................. 393
2.6.3 Prestação de contas........................................................................................... 393
2.6.4 Livro de Caixa.................................................................................................. 394
2.6.5 Relação de núcleos contribuintes ...................................................................... 394
2.6.6 Mapa de Gastos ................................................................................................ 395
2.6.7 Relatório financeiro de festas............................................................................ 395
2.6.8 Entrada da Tesouraria (contribuições dos núcleos)............................................ 395
2.6.9 Recibos de repasse de contribuições dos prés.................................................... 396
2.6.10 Outros (Notas fiscais, recibos de pequenas despesas, ext.banrios)................ 396
2.7 Listagens................................................................................................................. 396
2.7.1 Resumo de Visitas ............................................................................................ 396
2.7.2 Listagem de Núcleos ........................................................................................ 396
2.7.3 Lista de Aprovados PVNC................................................................................ 397
2.7.4 Listagens de alunos isentos da taxa do vestibular .............................................. 397
2.7.5 Listagem dos alunos inscritos no vestibular da PUC ......................................... 397
2.7.6 Listagens de professores voluntários................................................................. 398
2.8 Campanhas.............................................................................................................. 398
2.8.1 Divulgação de festas, eventos e inscrições ........................................................ 398
2.9 Encontros e Eventos................................................................................................ 400
2.9.1 Documentos de participação em eventos e encontros ........................................ 400
2.9.2 Relatório de reunião cursos de PVNC............................................................... 402
3. TEXTOS DE DISCUSSÃO DE FORA DO MOVIMENTO....................................... 403
3.1 Educação................................................................................................................. 403
3.2 Questão Racial ........................................................................................................ 404
3.3 Projetos e Textos a respeito de Leis que enfoquem a Questão Racial ....................... 406
3.4 Textos sobre outros pré-vestibulares ou falando sobre. ............................................ 406
3.5 Movimento Negro ................................................................................................... 408
3.6 Textos de Órgãos Públicos ...................................................................................... 408
3.6.1 Secretaria de Educação ..................................................................................... 408
3.6.2 Projeto de Orçamento Público (IBASE)............................................................ 409
3.6.3 Liminares Judiciais........................................................................................... 409
3.7 Documentos de encontros e seminários de educação de fora do Movimento ou
falando sobre ................................................................................................... 409
3.8 Vestibular................................................................................................................ 411
3.9 Catálogos de Editores.............................................................................................. 412
3.10 E-mail (assuntos diversos)..................................................................................... 412
3.11 Mapa de espalhamento dos prés pelo RJ................................................................ 412
13
ANEXO 2 - Entrevistas
ENTREVISTAS DO CONCURSO NEGRO E EDUCAÇÃO ........................................ 415
Entrevista a Frei David Raimundo dos Santos ............................................................ 416
Entrevista com Jobson Lopes – (01/09/2002) ............................................................. 425
Entrevista com Fernando Pinheiro – Setembro de 2002.............................................. 428
ENTREVISTAS RECENTES........................................................................................ 445
Entrevista com Alexandre Nascimento (27/09/2006).................................................. 446
Entrevista com Fernando Pinheiro do PVNC em 14 de fevereiro de 2006-03-22 ........ 466
Entrevista com Frei Tatá - Frei Athaylton J.M. Belo (24/08/2006) ............................. 475
Entrevista com Geanne Pereira Campos ..................................................................... 481
Entrevista com Juca Ribeiro- Dia 05/05/06................................................................. 497
Entrevista com Juca Ribeiro- Dia 29/08/06................................................................. 503
Entrevista com Nelson (24/08/2006) Nelson Silva de Oliveira.................................... 527
Entrevista com Nilton Junior - 26.12.2005 ................................................................. 539
Entrevista com Robson Leite...................................................................................... 571
Entrevista com o Zeca Esteves ................................................................................... 594
14
15
1. INTRODUÇÃO: A ESPACIALIDADE DAÃO
A discussão sobre a espacialidade dos movimentos sociais trafega por terrenos
movediços, inexplorados e inseguros – porém, absolutamente férteis, do ponto de vista do
tensionamento das leituras do mundo que, todavia, podem se unir e combinar para formar
um campo dialógico do conhecimento científico denominado Geografia. Tal campo – que
poderíamos delimitar como aquele que celebra a primazia dos raciocínios centrados no
espaço -, tem como uma das marcas na contemporaneidade a multiplicação de perspectivas
teóricas de observação orientadas por posições poticas subalternas (ver Soja, 1996),
através de uma aproximação com movimentos sociais.
Não obstante tal aproximação – a qual, diga-se de passagem, não é
exclusividade da Geografia –, ainda temos um vasto caminho a trilhar na construção de um
olhar geográfico sobre os movimentos sociais. Esta tese se pretende uma modesta
contribuão neste sentido.
Optamos aqui por tensionar o que estamos chamando de “espacialidade(s) dos
movimentos sociais”. Para isto, buscamos compreender ltiplas dimensões espaciais
inerentes aos movimentos sociais, concernentes tanto à sua dinâmica de estruturação
interna (suas estruturas organizativas e institucionais, os sujeitos, as arenas de disputa, as
agendas que se entrecruzam, etc.), quanto suas estratégias de interlocução externa.
Propomos que todos estes aspectos ou são claramente espaciais (ou, às vezes,
espacializáveis), ou tem rebatimentos e desdobramentos espaciais, ou são diretamente
orientados por construções espaciais.
As espacialidades dos movimentos sociais o, portanto, as múltiplas dimensões
espaciais que regulam, condicionam, são inerentes, oferecem possibilidades, orientam as
ações elaboradas (ou não) como estratégias de intervenção dos/nos movimentos. Isto
implica, necessariamente, um exercício de “imaginação geográfica” (ou, imaginação
espacial) atras de um tensionamento dos aspectos observados tomando por base os
conceitos e categorias que estruturam as análises e raciocínios centrados no espaço.
Buscaremos, portanto, identificar dimensões espaciais da existência e da ação social para
refletir sobre possibilidades de leitura dos movimentos sociais a partir de olhares espaciais.
16
Tal exercício requererá uma apreciação dos processos de construção cotidiana
de um movimento, seus embates, valores, as intervenções, os sujeitos, etc. Ou seja, um
exercício de reconstituições espaço-temporais quase que etnográficas. Os movimentos nada
mais são do que uma forma de ação social, estruturados sobre pactos possíveis através da
difusão e solidificação de culturas cívicas e poticas. Nosso desafio exige um olhar sobre
os processos de estruturação destes pactos e destas culturas, uma perspectiva de análise dos
movimentos que nos permita pensá-los como sendo - a um tempo e dialeticamente - uma
forma específica de ação social (dentre diversas possíveis e existentes) e também a
convergência de múltiplas e diversas formas de ação social – e, em particular, da ação
social no campo da Política.
Esta leitura dos movimentos como uma forma e, ao mesmo tempo, convergência
de múltiplas formas de ação social é fundamental para a proposta e preocupação com o
debate sobre espacialidades dos movimentos sociais. Ela surgiu no seio de nossa
experiência junto ao movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes, do qual
participamos entre 1996 e 2002 (nos núcleos Rocinha e Tijuca), e que nos propomos a
analisar nesta tese. Criado na década de 1990 na Baixada Fluminense - região da periferia
da metrópole do Rio de Janeiro que é um dos principais bolsões de pobreza do Brasil - o
Pré-Vestibular para Negros e Carentes por pouco tempo foi apenas um curso preparatório
para os exames de seleção em universidades destinado ao atendimento de estudantes negros
e pobres. Em muito pouco tempo de existência ele se tornou um dos mais importantes
movimentos sociais no campo da luta anti-racismo no Brasil; se tornou um dos principais
interlocutores de diferentes níveis de governo no debate sobre a democratização do ensino
superior (promovendo já um cruzamento entre lutas no mundo da educação e lutas contra o
racismo e as desigualdades raciais); foi o disseminador de uma forma de ação social que se
capilarizou pela sociedade com enorme velocidade, tendo alcançado a formação de quase
90 núcleos vinculados a ele na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e também um
número muito maior de cursos pré-vestibulares populares (alternativos, populares, entre
outros) não somente no Rio de Janeiro, mas por todo o Brasil; foi objeto de disputas por
hegemonia, significado, concepções, projetos, etc., entre sujeitos que participavam de jogos
e disputas em outros campos; foi ambiente de formação de sujeitos, de liberação de
energias utópicas e potências de sujeitos, de inserção na potica de indivíduos que negavam
17
sua ação potica ou jamais se haviam confrontado aos jogos da potica – um espaço de
convergência de indivíduos com múltiplas experiências espaciais de sociabilização e do
fazer potico.
Compreender esta convergência de múltiplas experiências foi nosso primeiro
desafio, encarado no próprio cotidiano. Cabe aqui uma passagem com tom autobiográfico,
para melhor situar o leitor – e, na qual, usaremos uma narrativa em primeira pessoa. Iniciei
minha trajetória no Pré-Vestibular para Negros e Carentes através de um convite para dar
aulas de Geografia no Pré Rocinha no início de 1996. Naquele momento, eu estava
cursando o mestrado, e tinha como projeto de tese um estudo sobre a dinâmica do mercado
imobilrio em favela e no entorno, com o objetivo de compreender os reflexos desta
vizinhança. O caso que eu pretendia estudar era exatamente o da Rocinha com São
Conrado. O convite para dar aula no Pré-Vestibular foi percebido, então, como uma ótima
oportunidade de inserção na favela, de estabelecer contatos e diálogos para a pesquisa. Fato
é que a pesquisa foi abandonada logo em seguida, mas a relação com o Pré-Vestibular
permaneceu, e foi se fortalecendo com o tempo.
O meu primeiro contato efetivo com o Pré-Vestibular, entretanto, não foi dando
aula. Na semana em que daria a primeira aula, não teria aulas, porque haveria naquele
domingo uma assembléia sediada pelo Pré-Rocinha. Eu não tinha nenhuma idéia do que era
o Pré-Vestibular para Negros e Carentes, e, muito menos, do que era uma Assembléia Geral
– nem planejava ir. Mas, um amigo que era professor de um núcleo em Caxias insistiu para
que eu fosse, e, lá chegando, um primeiro susto: num belo domingo de sol, havia algo em
torno de 700 pessoas na Assembléia. Uma grande agitação com debates extremamente
acalorados, sobre questões que me passavam ao largo. Para quem ingressava no Pré
pensando em dar aulas, ver alunos sendo aprovados, e fazer uma dissertação de mestrado, a
agressividade nos debates não era nada atrativa. Somente muito tempo depois fui ter a
noção do que aquela Assembléia significava para o movimento: nela é que foi decidido que
o Pré-Vestibular para Negros e Carentes não aceitaria financiamento externo, debate que
vinha se acirrando desde a sua criação e crescimento. Talvez, aquela tenha sido exatamente
a mais importante das Assembias realizadas pelo movimento.
18
A coordenação do Pré Rocinha não dava estímulos a professores e alunos para
participar dos debates daqueles que eu depois percebi como fóruns coletivos de discussão
do movimento – num primeiro momento, sequer pensava em movimento. Mesmo
internamente, nas tomadas de decisão relativas à própria dinâmica do núcleo, pouco era
coletivizado. A relação que naquele início eu estabeleci com o núcleo – dar as aulas e mais
nada - foi mudando gradativamente, no primeiro ano. Como a minha aula era a última da
manhã, eu permanecia lá e almoçava junto com os alunos e com coordenadores, um contato
que foi mudando meu envolvimento e postura em relação ao Pré. No segundo ano, em
1997, assumi também a disciplina Cultura e Cidadania – até o momento em que tive um
atrito com a coordenação do núcleo, que me destituiu da condução da disciplina. Ocorreu
que numa Assembia realizada no Pré Henfil, em São João de Meriti, alguns membros da
coordenação me vieram apresentar o Frei David Raimundo dos Santos, me dizendo para
marcar com ele uma palestra na aula de Cultura e Cidadania. Na hora, trocamos contatos.
Em seguida, fui até os membros da coordenação, reclamei que tinha um planejamento que
estava sendo desrespeitado e que, mesmo eu não me envolvendo na dinâmica potica do
movimento, compreendia o Frei David como um sujeito representativo de uma visão, e que
considerava correto chamar também para conversar com os alunos alguém representativo
de outras visões do movimento. Disseram-me pra escolher alguém e conversar novamente
com a coordenação. A pessoa a quem eu convidei foi severamente rejeitada pela
coordenação e eu, destitdo da condução de Cultura e Cidadania, continuando apenas com
Geografia. Este episódio selou uma ruptura com a coordenação que foi se acirrando e me
levou a, no ano seguinte, me envolver num conflito que levou à destituição daquela
coordenação.
Um novo grupo então assumiu a coordenação, e nos lançamos ao desafio de
reconstituição de um quadro de professores, então esfacelado. Esta mudança aconteceu por
volta de agosto de 1998, num momento em que muitos professores já haviam saído – e,
deixado os alunos sem as respectivas disciplinas -, a evasão dos alunos era maior do que
nos outros anos, e a percepção de que o Pré Rocinha iria acabar era quase generalizada.
Conseguimos constituir um novo quadro de professores, chamando amigos e colocando
anúncios em universidades – sobretudo na PUC, onde estudava um dos ex-alunos que
estava no grupo que assumiu a coordenação. No final daquele ano, iniciamos reuniões com
19
o novo quadro de professores, encontros dos quais participavam também alunos e ex-
alunos. Foi o momento em que nos vimos diante do desafio de pensar a globalidade do
fazer do Pré. Eram decisões de caráter pedagógico mas, sobretudo, político – que iam desde
estratégias de divulgação, critérios de seleção dos alunos, horários de funcionamento, a
relação e o envolvimento dos professores, a relação do Pré com a comunidade, a relação do
Pré com o movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes, entre outras tantas.
Num clima marcado pela coletivização das decisões, a heterogeneidade do novo
grupo dava o tom: havia ali uma minoria de pessoas da Rocinha – a maioria dos professores
era de fora, e todos moravam na Zona Sul; entre os professores, a grande maioria era de
classe média; apenas três dos professores e coordenadores eram negros; apenas eu
freqüentava as Assembléias do movimento – e, apenas as Assembléias, pois eram os
antigos coordenadores que iam às reuniões do Conselho e participavam de outros fóruns
coletivos do movimento; praticamente nenhum dos professores e coordenadores participava
de alguma outra iniciativa de caráter político.
Neste quadro, algumas decisões e falas me chamavam a atenção. Primeiramente,
o Pré Rocinha se desvinculou do movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes e se
transformou no Pré-Vestibular Comunitário da Rocinha – uma mudança que, para uns,
objetivava fortalecer as relações do Pré com a Rocinha, transformando-o num ator político
local mas, para outros, esta mudança trazia o alívio do fim da idéia de uma coisa “para
negros” (isto unia aqueles que moravam na Rocinha, e que alegavam que a favela era
majoritariamente de nordestinos, e aqueles que moravam fora que eram brancos e
moradores da Zona Sul, que não gostavam da racialização da iniciativa). Em segundo,
comamos a discutir o que seria este caráter de ator potico local, focado na
comunidade”. Neste momento, começam a se levantar vozes se opondo ao “potico”, que,
alguns propúnhamos, deveria perpassar o pedagógico (as nossas aulas) e o envolvimento
dos professores, coordenadores e alunos. Propúnhamos que o Pré, pra ser efetivamente
comunitário, deveria ser no futuro composto apenas por pessoas da comunidade – ou seja,
nós que não éramos da Rocinha deveríamos trabalhar para construir um quadro de
coordenadores e professores da localidade. Esta idéia teve grande rejeição, num debate em
que apareceram falas rejeitando a potica e falas negando (e rejeitando) a dimensão potica
de sua ação, o que fez com que este tensionamento começasse a perpassar todas as decisões
20
do P – como, por exemplo, o que fazer com alunos faltosos e professores que não
compareciam às reuniões, só se dispunham a dar as suas aulas. “Se o projeto é para incluir,
não podemos excluir o aluno porque ele falta ou escolhe as aulas que assiste!”; “Eu venho
dar a minha aula e pronto. Não devemos forçar o aluno a vir se ele não quer. Eu quero que
o aluno venha assistir à minha aula porque ele a considera importante pra ele!”; “Se o
negócio é trabalhar politicamente, não podemos tirar o professor que só quer dar a sua aula
– temos que trabalhar para conscientizá-lo”; “Eu dou a minha aula, e isso não tem nada a
ver com potica de educação. Quem tem que melhorar a educação é o governo, e eu não
tenho nada a ver com isso”; Nem todo mundo quer saber de potica. Vocês têm que saber
respeitar quem não quer saber de potica!”. Estas eram algumas frases freqüentes às quais
eu e mais alguns nos contrapúnhamos, evocando o compromisso necessariamente potico
do estar ali.
Nestes debates surgiu uma inquietação: como era possível estarmos eu e um
grupo de pessoas com valores, ideologias, projetos, envolvimentos, significados tão
distintos, díspares e antagônicos, mas convergindo para uma mesma iniciativa? Será que a
composição social heterogênea
1
era o suficiente para explicar a diversidade de posições? Se
sim, como explicar a convergência de pessoas de níveis socioecomicos tão distintos?
Valores, significados, representações e intenções como a solidariedade, a caridade, a
filantropia, a culpa ou desencargo de consciência (“Eu faço a minha parte. Se os outros não
fazem, não é problema meu”) convergindo conflituosamente com o desejo de politização e
da transformação social. Eu me perguntava: isto é só aqui no Pré Rocinha, onde boa parte
dos professores é da classe média da Zona Sul ou nos prés na Baixada Fluminense também
é assim? Nas andanças por outros pré-vestibulares populares – vinculados ao Pré-
Vestibular para Negros e Carentes e não vinculados
2
-, fazendo amizades, trocando
experiências, dando palestras para a disciplina Cultura e Cidadania, freqüentando as
Assembléias do Pré-Vestibular para Negros e Carentes, eu fui percebendo que esta
1
Num teste de aplicação de questionário que fizemos no ano de 2002, vimos que entre os professores do Pré
Rocinha havia desempregados, estudantes, profissionais, aposentados, favelados e moradores de Ipanema e da
Urca. Uma professora, por exemplo, tinha uma renda familiar de R$14.000,00.
2
Em 1988 e 2000-2001 eu fui professor do Pré Tijuca, vinculado ao Pré-Vestibular para Negros e Carentes, e,
no ano de 1999, eu fui professor durante dois meses do curso do Centro de Estudos e Ações Solidárias da
Maré (CEASM). Cabe registro também à nossa passagem pelo Grupo de Trabalho sobre Educação Popular da
Associação do Geógrafos Brasileiros (AGB) do Rio de Janeiro, que, pela sua composição de pessoas que
davam aula em pré-vestibulares populares, focou o seu trabalho neles. O GT funcionou entre 1999 e 2000.
21
multiplicidade de perspectivas e de posturas em relação ao Pré era algo quase que
generalizado.
Na busca da compreensão desta converncia nasceu a primeira versão do nosso
projeto de doutorado. As questões foram se enriquecendo e, logo em seguida, veio a
oportunidade de um apoio para a pesquisa através do Concurso Negro e Educação,
organizado pela Associão Nacional de Programas de Pós-Graduação em Educação
(ANPED) e pela ONG Ação Educativa, com suporte financeiro da Fundação Ford.
Competimos - e fomos agraciados no concurso - com uma pesquisa que buscava
compreender a dinâmica de inserção da questão racial no Pré-Vestibular para Negros e
Carentes, colocada inicialmente através do debate raça & classe. A pesquisa nos
possibilitou um contato novo com o movimento. Estabelecemos contatos com fundadores,
lideranças, coordenadores de núcleos, professores, alunos, ex-alunos, entre outros.
Passamos um ano e meio freqüentando todas as reuniões dos runs coletivos. Coletamos
um vasto material, um acervo então com 463 documentos impressos e fitas de vídeo VHS
com gravações de Assembléias, aulas inaugurais e outros momentos de construção dos
prés. Circulamos por dezenas de núcleos, fazendo as pesquisas e ministrando palestras para
a disciplina Cultura e Cidadania. Esta circulação mudou não apenas nossa visão sobre o
movimento, mas a nossa própria posição dentro dele: se, até então, eu jamais havia
participado das disputas, dos embates e dos debates nos fóruns coletivos, sendo atuante
apenas no âmbito do núcleo Rocinha, a partir daí comecei a ter a minha leitura do
movimento valorizada nestesruns.
O foco da pesquisa na questão racial foi de extrema riqueza. Mesmo sendo
enunciada como uma questão central para o movimento, pude perceber através dela a
complexidade dos processos de negociação que permitiam o estar junto na iniciativa.
Percebi o quanto ela não era apenas uma agenda, mas, acima de tudo, uma agência: um
campo de ação, um objeto de intervenção que é, mais do que isso, um instrumento de
intervenção que cacifa interlocutores para outras disputas. Percebemos nela a conflitividade
da negociação: ela era afirmada e negada. Entretanto, afirmação e negação praticamente
não se confrontavam! Existiam espaços (lugares e/ou momentos – na verdade, arenas!)
onde ela era afirmada, onde ninguém a negava, e onde o donio de um discurso sobre ela
era um trunfo hierarquizador; de outro lado, havia espaços (lugares e/ou momentos
22
também, outras arenas!) onde a negação era não somente permitida, mas muitas vezes
hegemônica! Percebemos ali uma complexidade na estruturação do movimento, do que nos
sobressaltava uma tida divisão entre o cotidiano dos núcleos (o qual, até então, eu
vivencia com intensidade nos Prés Rocinha e Tijuca) e os fóruns coletivos - os quais, até
então, eu freqüentava mas não participava ativamente, não intervinha nem disputava e cuja
dinâmica, por isso, não integrava minha “experiência do movimento”.
Este olhar, de que havia distintas “experiências de movimento”, que eram
organizadas em lugares do fazer - com arenas, agendas e agências próprias – nos despertou
novas interrogações. Comecei a observar a constituição do movimento enquanto
movimento, seu histórico, sua estrutura, suas dimicas, suas temporalidades, suas
hierarquias. E, comecei a formular a hipótese de que as “experiências de movimento” que
eu começava a distinguir poderiam ser compreendidas como experiências espaciais do fazer
potico – e isto me obrigaria a buscar uma multiplicidade de perspectivas analíticas.
Quando confeccionamos a primeira versão do mapa dos núcleos do Pré-Vestibular para
Negros e Carentes, dentro do GT de Educação Popular da AGB, criei a convicção de que
aquela geo-grafia não era uma geografia de lugares que tinham em comum algum tipo de
relação com as desigualdades na educação ou nas desigualdades raciais, duas bandeiras
principais do movimento – já percebia ali que aquela era uma geo-grafia de redes sociais,
redes poticas, redes de amizade mobilizando e canalizando energias (mais ou menos)
utópicas para uma forma de ação. Quando circulei pelos núcleos, ouvi depoimentos
relatando distintas relações deles com os locais em que estavam inseridos, diferentes
padrões de interlocução com os atores políticos do local. Quando mergulhei nos embates e
conflitos pela condução do movimento, criei a convicção de que aqueles que disputavam
partiam de (e, rumavam para) experiências distintas de movimento e experiências distintas
do fazer potico, experiências que tinham nas narrativas escalares uma interessante chave
de leitura – lideranças nacionais, lideranças regionais, “não-lideranças”! O mergulho nestes
embates me fez compreender a constituição de campos ideológicos no movimento e, esta
percepção veio acompanhada da informação de que alguns campos tinham “lugares” de
referência para seus encontros: o grupo eclesial tinha o Salão Quilombo na Igreja Matriz de
o Jo de Meriti; o grupo chamado de “Campo Amplo ou Gramsciano” era um conjunto
de pessoas que costumavam se encontrar no final da tarde/começo da noite de sábado (após
23
o término das aulas nos prés) num botequim apelidado de “Hepatite” em São João de Meriti
(sem combinação prévia, todo mundo sabia que estariam lá). Esses locais eram “arenas
ocultas” de construção do movimento! Comecei a olhar, portanto, a constituição de arenas e
a organização dos espaços do fazer potico (sobretudo os fóruns coletivos de construção do
movimento) como um padrão de organização (institucional, imaginária) do espaço, com a
função de disciplinar” as experiências do fazer político no movimento. Era, portanto, o
fazer do movimento como experiência espacial!
A partir destas elucubrações, comecei a pensar no desafio de ler a dinâmica do
movimento a partir de raciocínios centrados no espaço. Pensar como a organização
institucional do movimento pode ser lida como uma organização espacial das experiências
do fazer potico; pensar como os indivíduos transitam por estes espaços através de
aprendizados de digos, comportamentos, comandos, práticas, normas de conduta que
podem ser então, lidos como (aprendizados de) experiências espaciais; pensar a
geograficidade das formas de materialização do movimento, como ele cria os seus próprios
“sistemas de objetos” e “sistemas de ações”; pensar como a organização do fazer potico
na sociedade enseja também padrões e experiências espaciais, com as quais o movimento
precisa aprender a lidar. Enfim, pensar quais as possibilidades de compreensão do
movimento a partir de raciocínios centrados no espaço, e, daí, pensar em “dimensões
espaciais”.
Acreditamos que tais olhares são cruciais para compreender a dinâmica do Pré-
Vestibular para Negros e Carentes. Contribui, também, na compreensão das experiências do
fazer potico, crucial para a constituição de sujeitos e para aqueles que, como nós, são
atraídos e movidos pelo anseio da transformação social. Com efeito, quando nos colocamos
a pensar os movimentos, estamos a pensar para os movimentos. Aprender sobre estas
experiências contribui para aperfeiçoá-las, contribui para aperfeiçoar o nosso fazer potico.
E, para quem reflete academicamente sobre os movimentos sociais – e, em particular, no
campo da Geografia -, o exercício da imaginação geográfica é algo que vem ganhando
força – é o que nos mostram os trabalhos de Porto-Gonçalves e Mançano Fernandes, que
m trilhando este caminho.
24
Este é o desafio que nos colocamos no presente trabalho, para o quê iniciamos
com uma revisão de literatura sobre os movimentos sociais na Geografia Brasileira. Este
primeiro catulo tem como objetivo identificar tendências analíticas, explorando as
possibilidades que cada uma delas nos abre para a alise dos movimentos sociais – por
isso, não é um levantamento exaustivo, mas sim, se pretende um quadro de referências de
possibilidades analíticas. É neste sentido que nos restringimos à Geografia Brasileira, e não
inserimos nesta revisão autores de outras nacionalidades.
Em seguida, apontando para uma abertura de perspectiva no olhar espacial
acerca dos movimentos, da ação social e da potica, nos debruçamos sobre o conceito de
escala. Este capítulo tem como função explorar a polissemia do conceito de escala para
iluminar o que estamos chamando de “pensar sobre o espaço” e “pensar a partir do espaço”.
Com efeito, o percurso que realizaremos parte de uma perspectiva que “coisifica” a escala
para uma outra que a toma como referencial para compreensão e intervenção nos jogos de
poder. Acreditamos que é esta última perspectiva que se encontra subjacente à profusão de
narrativas escalares na contemporaneidade e, para compreender a experiência da potica
como uma experiência espacial, a escala é hoje um conceito fundamental. Por este fato,
acreditarmos ser ele o que nos permite uma abertura mais radical no olhar espacial sobre o
movimento social que estudamos, e assim nos debruçamos sobre ele e não sobre outros
conceitos fundamentais da análise espacial – como, por exemplo, o conceito de território e
os de territorialização, des-territorialização, re-territorialização e des-re-territorialização,
com os quais também dialogamos.
No quarto capítulo nos lançamos ao desenvolvimento de alguns olhares
espaciais sobre os movimentos sociais, que chamamos de “dimensões espaciais” – na
verdade, algumas possibilidades de raciocínios centrados no espaço. Desenvolvemos oito
dimensões espaciais, sem a pretensão de esgotamento de possibilidades, mas sim, com o
intuito de provocação. Neste capítulo, dialogamos com diversos autores, geógrafos e não
geógrafos, brasileiros e não brasileiros, que analisam movimentos sociais de distintas
conformações: o importante aqui é a afirmação das espacialidades, que é o objetivo central
de nosso trabalho. Cumpre, portanto, o papel de abertura de perspectivas analíticas.
25
Esta busca da abertura de perspectivas, tensionando os debates teóricos sobre
a(s) espacialidade(s) dos movimentos sociais é o que nos fez deixar como último capítulo
exatamente aquele em que exploramos o Pré-Vestibular para Negros e Carentes. São, na
verdade, duas decisões: primeiro, a separação entre os capítulos teóricos e o catulo em
que apresentamos e exploramos o movimento do qual partem nossas análises; em segundo,
o deixamos para o final do trabalho. Tais decisões se devem ao próprio desenrolar do fazer
do trabalho. Pretendíamos, inicialmente, fazer um trabalho em que os debates teóricos se
entrelaçassem com a reconstituição do movimento. Entretanto, no desenrolar do processo
nos envolvemos de tal forma com as discussões teóricas que, num certo momento,
percebemos que seria impossível um texto único – seria necessário algum grau de
separação, visto que os debates teóricos ganharam tal “vida própria” que já não cabiam
dentro do texto sobre o movimento. O capítulo sobre as dimensões espaciais evidencia isso
através de um “detalhe”: ele era composto, até certo momento, de sete dimensões! A
exploração da literatura nos fez incorporar mais uma dimensão que não emanou
diretamente da análise do P-Vestibular para Negros e Carentes, o debate sobre o território
e as territorialidades. Neste momento, optamos pela dissociação entre teoria e empiria: no
capítulo sobre as dimensões, propositalmente não exemplificamos com o P-Vestibular
para Negros e Carentes! Esta dissociação de forma alguma significa que os capítulos não
dialogam entre si – ao contrário, eles se complementam de tal forma que o leitor pode
inclusive iniciar a leitura pelo capítulo sobre o Pré-Vestibular para Negros e Carentes, sem
prejuízo da compreensão do trabalho ou da perda de seu sentido de organicidade e da
vinculação entre os capítulos. O que nos levou a tais decisões foi tão somente a intenção de
tensionar mais livremente os debates conceituais que sustentam o olhar sobre o movimento
que realizamos no último capítulo.
O capítulo sobre o movimento é, portanto, uma reconstituição espaço-temporal,
que tenta mostrar a história do Pré-Vestibular para Negros e Carentes mas, ao mesmo
tempo, evidenciar suas espacialidades: a distribuição espacial dos cleos – e, a sua
vinculação com redes sociais e poticas; sua relação com lugares, no que tange a dinâmicas
identitárias, às suas formas inserção política em bairros, municípios, etc.; as dimensões
espaciais de suas agendas de discussão e intervenção; os interlocutores com quem o
movimento , de diferentes maneiras, dialoga em bairros, em municípios, no estado e na
26
escala nacional; as redes do acontecer que constituem origem e impactos/desdobramentos
da ação no movimento; as esferas institucionais do movimento conformando padrões de
organização espaço-temporal (com uma nítida lógica escalar), hierarquizando arenas que
funcionam como mecanismos de hierarquização dos sujeitos; e, as espacialidades do fazer
político dos próprios sujeitos que construíam o movimento - afirmando e negando a
potica, buscamos mostrar uma diversidade de experiências espaciais do fazer potico.
Para desenvolver este último aspecto, nos lançamos no final do capítulo a uma tentativa de
reconstituição de trajetórias espaciais do fazer potico de três sujeitos que ativamente
disputaram a construção do movimento, o que, acreditamos, influenciou sua inserção e a
construção de campos ideológicos no Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Este capítulo
é, portanto, embebido nos debates teóricos que fazemos nos outros, que nos permitem
iluminar a dinâmica do Pré-Vestibular para Negros e Carentes através do debate sobre as
espacialidades dos movimentos sociais.
27
2. GEOGRAFIA E MOVIMENTOS SOCIAIS
A proposição de um cabedal analítico sobre os movimentos sociais a partir de
olhares da Geografia - ou, a partir de raciocínios centrados no espaço - requer,
necessariamente, um olhar sobre como o tema dos movimentos sociais vem sendo tratado
no âmbito desta disciplina. Com efeito, muitos geógrafos vêm, de distintas formas, se
envolvendo com a temática dos movimentos sociais. De outro lado, há uma tendência de
incorporação, por outros cientistas que trabalham a temática dos movimentos sociais, da
análise espacial, que, se nunca foi um monopólio dos geógrafos, ocupou sempre posição
marginal nas demais cncias humanas. Esta segunda tendência se insere num movimento
de afirmação do espaço na teoria social (sobretudo na crítica), o qual Soja (1993) explorou
com bastante atenção – e que é objeto de observões críticas por parte de Souza (1988a).
Por ora, é relevante um olhar sobre as diferentes formas de aproximação da
Geografia e dos geógrafos em relação aos movimentos sociais, mas, devemos atentar para o
fato de que as duas tendências apontadas ocorrem simultânea e, podemos dizer,
imbricadamente: a afirmação do espaço na teoria social se dá num contexto de mudanças
paradigmáticas onde, sobretudo aqueles campos do pensamento social preocupados com a
transformação da realidade são impactados pelo revisionismo de utopias, dentro do qual os
movimentos sociais emergem na cena potica e anatica como possíveis sujeitos da
transformação - uma espécie de "príncipe de Maquiavel", aquele que principia o processo,
papel que até pouco tempo atrás as utopias orbitantes em torno do cabedal marxiano
acreditavam caber ao proletariado representado pelo partido
3
. A valorização da diversidade
de experiências de luta contra as forças hegemônicas do capitalismo na era da globalização
vem promovendo então, a convergência dos olhares sobre os movimentos sociais e a
afirmação do espo enquanto dimeno fundamental da experiência socialmovimento
teórico e analítico que pode ser exemplificado atualmente com a proposta da sociologia
3
Souza (1988b) aponta como partes de um revisionismo teórico gestado no seio do “Eurocomunismo” -
confrontado a decepções na atuação dos partidos comunistas na Europa – a promoção (no plano analítico, é
claro) do deslocamento darmula “Capital & Trabalho” de uma leitura “Proletariado & Burguesia” para
“Camadas não Monopolistas &, Capital Monopolista”, com a perspectiva de alianças interclassistas, bem
como a emergência do debate autonomista na virada dos anos 70 para os anos 80. De acordo com a leitura do
autor, é neste quadro que os movimentos sociais começam a ser vistos como centrais no processo de
transformação social em diversas correntes políticas e teóricas.
28
das emergências” e a “sociologia das ausências” de Boaventura de Souza Santos, ou com o
debate sobre os “saberes subalternos e liminares” de Walter Mignolo, dentre outras
perspectivas contemporâneas.
Neste cenário, que se inicia na segunda metade dos anos 1960, a temática dos
movimentos sociais vai gradativamente se tornando mais robusta em termos de corpus
teórico e proeminência no pensamento social, assim como o espaço – este, até então,
secundarizado em relação ao tempo enquanto dimensão fundante da experiência social, e
que passa a representar diversidade de experiências e de mediações dos jogos e conflitos
sociais. Mesmo em se tratando de temas bastante antigos no conhecimento científico
(sobretudo o espaço, que remonta às próprias origens da ciência!!), podemos indicar que
movimentos sociais e espaço são, portanto, em período recente, objetos de reflexão cujo
desenvolvimento co-incide no pensamento social crítico, evidentemente de maneira
distinta, mas com importantes convergências analíticas - ainda que nem sempre flagrantes
ou manifestas. Cientistas sociais trabalhando sobre movimentos sociais se aproximam dos
debates sobre o espaço, e Geógrafos se aproximam dos movimentos sociais.
É neste último movimento que nos deteremos agora, atentando para as múltiplas
formas desta aproximação: diversos geógrafos - engajados ou não - tomam os movimentos
sociais como objeto de sua reflexão, ao passo que diversos geógrafos - engajados ou não -
tomam os movimentos sociais como motivadores de sua reflexão. Não nos ateremos aqui
aos engajamentos, mas sim, aos desdobramentos analíticos de tais formas de aproximação.
Procuramos, neste sentido, trabalhar com uma sistematização das idéias que,
longe de buscar apontar um encadeamento evolutivo dos diferentes trabalhos que a
Geografia - e, mais atentamente, a Geografia Brasileira - vem fazendo sobre os
Movimentos Sociais, tenta encontrar os diálogos capazes de sustentar as bases analíticas da
construção da nossa proposta de olhar sobre a(s) espacialidade(s) dos movimentos sociais,
as dimensões espaciais dos movimentos. Neste sentido, trabalharemos aqui com uma
divisão tripartite das tendências analíticas identificadas, quais sejam:
1) Geografia da organização dos movimentos sociais – Conjunto de trabalhos que abordam
mais descritivamente as formas de organização dos movimentos e sua "configuração
espacial" (mapeamentos das estruturas dos movimentos), configurações estas que buscam
29
quase sempre o remetimento a refencias espaciais que se assemelham aos recortes
político-administrativos do Estado. Os movimentos são apresentados no que tange à sua
estrutura organizativa e às agendas mobilizadoras, mas estas são realçadas em sua
interlocução com o Estado, o que envolve/evidencia não somente uma (determinada e, ao
nosso ver, restrita) leitura sobre o que é o fazer da potica, mas também, em termos de
configuração espacial, os circunscreve em recortes potico-administrativos que são
compreendidos como construções escalares (quase sempre progressivas, da menor em
termos de abrangência territorial, que seria o bairro, o local, até a maior nestes termos, que
seria a internacional e/ou mundial) que assim orientam as espacialidades dos movimentos.
Representam com proemincia esta tendência analítica alguns trabalhos de geógrafos
sobre associação de moradores, dos quais exploraremos aqui os de Maria Terezinha de
Soares Segadas, Satiê Mizubuti e Julia Adão Bernardes. O aludido caráter descritivo da
abordagem das organizações dos movimentos não exclui os desenvolvimentos teórico-
analíticos nestes estudos, na direção de uma conceituação de espaço social, ou, do espaço
das contradições sociais como sendo o motor da configuração dos movimentos - orientação
proeminente, dentre os estudos que aqui resgataremos, sobretudo no de Júlia Adão
Bernardes;
2) Geografia das lutas sociais – Esta tendência é composta por uma vasta produção que não
se remete diretamente às organizações que “personificam” os movimentos sociais, mas sim,
trabalha as formas de “materialização” das lutas e dos conflitos sociais no espaço, enquanto
expressão concreta das contradições sociais - estudos que descrevem não as organizações
dos movimentos, mas espacializam as formas das lutas e as dimensões de evidência dos
conflitos. Esta tendência analítica se insere cabalmente no movimento de afirmação do
espaço na teoria social, particularmente a teoria social crítica, e por isso apresenta o
processo de produção do espaço capitalista como sendo pleno de contradições, e são estas
que vão se configurar nos motores da criação dos movimentos sociais. Em fina sintonia
com o marxismo (sobretudo, o estruturalista), vai-se propor que as ações dos movimentos
sociais são a expressão da luta contra o capitalismo (ainda que, na maioria das vezes, sem
aprofundamentos ou discuses teóricas acerca do próprio conceito de movimentos
sociais), e o espaço enquanto uma "instância" do social tem nas
manifestações/materializações das lutas dos movimentos sociais as grafagens desta luta.
30
Estes trabalhos faziam parte, semvida, de um projeto potico, teórico e epistemológico
para a Geografia que, no caso brasileiro, fervilhava através de um processo que Roberto
Lobato Corrêa batizou de "Movimento de Renovação da Geografia Brasileira".
Exemplificaremos tal tendência aqui através da exploração de trabalhos de Ariovaldo
Umbelino de Oliveira e Marcelo José Lopes de Souza (ainda que, como veremos, este seja
um crítico do marxismo estruturalista e das leituras sobre os movimentos sociais derivados
deste). Mesmo aproximando autores de matrizes teóricas distintas, acreditamos haver
proximidades nas imagens espaciais que constroem a partir da temática dos movimentos
sociais;
3) Geo-grafias dos movimentos sociais: Proposições de categorias no debate Geografia &
Movimentos Sociais - tendência recente na relação entre Geografia e Movimentos Sociais,
que se caracteriza por um duplo percurso analítico: (i) de um lado, surgem esforços para a
proposição de categorias analíticas de leitura dos movimentos sociais a partir do arcabouço
conceitual da Geografia contemporânea - tomando o espaço como objeto e enquanto base
do método; (ii) de outro, também há esforços no sentido da proposição de movimento
social mesmo enquanto categoria de pensamento na geografia, momento em que o
movimento social deixa de ser objeto e passa a ser, ele mesmo, um instrumento analítico
para o desvendamento de novas espacialidades e territorialidades, como portador de novas
ordens espaciais latentes que, através de sua ão (que é, neste sentido, também uma
categoria não apenas potica ou sociológica mas também espacial, geográfica, e fortemente
distinta da forma como esta ciência tradicionalmente a tratava), se tornam patentes na
espacialização da sociedade. Os trabalhos de Bernardo Mançano Fernandes e de Carlos
Walter Porto Goalveso os mais proeminentes nesta tendência, e serão pors aqui
explorados. Fernandes se coloca abertamente tal objetivo, dizendo que seus trabalhos
"resultam de um desafio no sentido de superar os conteúdos sociológicos do conceito de
movimento social, muito utilizado nos trabalhos de geógrafos, mas que pouco contribui
para a compreensão dos processos desenvolvidos pelos movimentos produtores e
construtores de espaços e transformadores de espaços em territórios" (Fernandes & Silva,
2005, pg. 87).
Acreditamos que estas tendências apontadas/propostas, muito menos do que
constituírem uma narrativa com caráter de “evolução” do tratamento dado à temática dos
31
movimentos sociais pela Geografia, permitem discernir diferentes formas de tratamento que
esta disciplina a ela conferiu, ou, mostram como diferentes leituras sobre os movimentos
sociais através de “raciocínios centrados no espaço” já vêm indicando diferentes
espacialidades dos movimentos sociais”. Neste sentido, a apresentação na forma de
tendências” tem o objetivo de discernir e explorar potenciais analíticos em sua
diversidade, e não afirmar “superioridades”, que já apontamos como falsos pressupostos,
empobrecedores dos potenciais que cada abordagem nos oferece.
O objetivo aqui é, portanto, identificar e explorar as “imagens espaciais” que
vêm sendo constituídas pela Geografia Brasileira no tratamento dos movimentos sociais.
Esta é a razão pela qual aglutinamos, nas tendências propostas, autores distantes do ponto
de vista das suas matrizes e orientações teóricas e políticas, mas cujas geografias dos
movimentos sociais se nos apresentam como próximas. Autores que podemos identificar
como sendo de filiação (ou, influenciados por teóricos de matriz) marxista podem produzir
imagens espaciais de leitura dos movimentos sociais que, em grande medida, se
assemelham àquelas oferecidas por autores não (ou mesmo, anti) marxistas. O fio condutor,
neste sentido, não é a filiação ou a orientação teórica de cada autor, mas sim, a imagem
espacial produzida como fruto da assunção dos movimentos sociais como objeto ou como
motivador da sua reflexão. Sabemos que com isso contrariamos algumas percepções dos
campos teóricos e poticos que estruturam as visões da Geografia Brasileira, mas,
acreditamos ser uma forma útil e profícua para iluminar uma reflexão sobre o(s)
tratamento(s) que ela vem conferindo à temática dos movimentos sociais, superior a uma
abordagem remetida a priori às filiações teóricas e poticas.
2.1. Geografia da organização dos movimentos sociais
Na quase totalidade das correntes de pensamento e análise da Geografia
enquanto ciência, o ponto de partida do processo de produção do conhecimento é a
observação da realidade. Não seria exagero afirmar que a descrição, como passo seguinte,
também é marcante nos percursos analíticos desta ciência – apenas na chamada Geografia
Quantitativa (também chamada de Nova Geografia ou mesmo Geografia Teorética) se
32
buscou algo radicalmente distinto e mesmo divergente dos percursos que têm na
observação e/ou descrição pontos de partida indispensáveis.
Nos debates que a Geografia vem travando em torno da temática dos
Movimentos Sociais os percursos analíticos marcados pela observação e descrição do real
também são marcantes. Orientados por distintos matizes teóricos no que concerne às
concepções de espaço e também de movimentos sociais, o que lhes atribui diversidade e
multiplicidade de enfoques, tais trabalhos desempenham o fundamental papel de fixação
e consolidação da temática na Geografia, ainda que sofram acusações de má Sociologia. O
remetimento e a busca de correlações entre a constituição, formatos organizacionais e/ou
temário/agenda de lutas dos movimentos com as esferas oficiais do Estado são, via de
regra, a estratégia (ou, mesmo, a fundamentação) de afirmação de seu caráter espacial e,
com isso, a afirmação dos trabalhos como sendo “Geografia”. Isso não isenta tais trabalhos
daquelas críticas, mas viabiliza sua luta pela inserção nos espaços institucionais da
produção do conhecimento desta disciplina, possibilitando assim a difusão do temário e a
sua afirmação no campo.
A espacialidade dos movimentos sociais emerge aí, então, como sendo “ditada
pela configurão espacial dos recortes potico-administrativos do Estado, quando não é a
própria! Esta vinculação, ou, por que não dizê-lo, aprisionamento, opera através de um
duplo empobrecimento teórico: de um lado, tem-se que a condição de movimento social é
atribuída (ou, reconhecida), via de regra, apenas àquelas iniciativas/organizações coletivas
que em sua constituição estabelecem algum tipo de mediação com o aparelho de Estado,
com conseqüentes rebatimentos passíveis de observação/descrição por uma geografia que
valoriza as empirias e as materialidades espaciais. Ressalte-se que tal restrão não é
privilégio dos geógrafos, estando presente mesmo nos debates acerca da definição do que é
movimento social nas Ciências Sociais. De outro lado, a valorização de empirias e
permanências na própria concepção de espaço que orienta tais construções aprisiona a
configuração espacial em recortes pré-concebidos – urbano, rural, local, regional, nacional,
internacional. Nestes casos, a espacialidade dos movimentos só existiria se pudesse ser
enquadrada” - analítica, mas também empiricamente, posto que há que respeitar o primado
da observação e da descrição nesta tendência - em algum destes recortes, que já existe ex
ante a própria configurão e análise do movimento. Ressalve-se que não é de todo
33
destituído de sentido tomar os recortes potico-administrativos como base para a análise
dos processos e embates no campo da potica, sobretudo se considerarmos, como o faz
Giddens (1981), que esses recortes são “containeres de poder” e, assim, conformam
padrões de conflitividade e de jogo potico. Entretanto, o que apontamos aqui, é a restrição
da potica a estes jogos e mecanismos institucionais de representação e exercício
(conflitivo) do poder.
Constitui-se, a partir destas bases, uma série de estudos que descrevem as
organizações dos movimentos, espacializando-as e enfocando sobretudo a construção de
núcleos de base e das entidades federativas – o que chamamos aqui, então, de uma
Geografia da organização dos movimentos sociais”. Podemos, arbitrariamente, dividir tais
trabalhos entre (i) os estudos “estritamente descritivos”, do ponto de vista geográfico, que
recorrem a teorizações das Ciências Sociais mais que da Geografia; e (ii) os estudos que
têm na descrição das formas organizativas dos movimentos o seu eixo central, mas buscam
uma articulação conceitual entre espaço e movimentos sociais, estes sendo apresentados
como reveladores das contradições do sistema capitalista.
Um trabalho bastante ilustrativo da “Geografia da organização dos movimentos
sociais” é o artigo "Movimentos Sociais Urbanos: as Associações de Moradores de Favelas
do Município do Rio de Janeiro", de autoria de Maria Theresinha de Segadas Soares,
publicado em 1989 na Revista Brasileira de Geografia. Evidenciando inequivocamente a
supremacia das Ciências Sociais na análise dos movimentos sociais, a autora realiza um
percurso marcado por dois movimentos analíticos:
(i) Primeiramente, ela busca caracterizar as Associações de Moradores de Favelas como um
"movimento social urbano". Isto é, na verdade, resposta a um debate que se desenrola com
muito vigor na Sociologia, onde diferentes correntes de pensamento propõem, a partir de
diversas matrizes e propondo diversos critérios, definições de quais iniciativas de ação
coletiva se enquadram na categoria de movimentos sociais, ou não. Neste sentido, a autora
recorre a Manuel Castells, que aponta que
"(...) o movimento social urbano resulta da coincidência de três elementos
fundamentais:
a) um conteúdo social sem ambigüidade;
b) uma base social homogênea;
c) uma organização política, cujos militantes vivem no local, assumem a
coordenação da luta e estão vinculados à base social." (Soares, 1989, pg. 97)
34
A partir destes apontamentos ela busca - através de rigorosos e minuciosos observação e
acompanhamento da história e da configuração das organizações e do associativismo de
moradores de favelas até a data da publicação - elencar elementos empíricos que
respondam aos 3 critérios apontados por Castells como necessários à caracterização como
Movimento Social Urbano;
(ii) Em segundo, ela busca mostrar a "geografia" das associações, compreendida como sua
distribuição pelo espaço urbano - este, lido através das desigualdades emanadas do modelo
centro-periferia, e esquadrinhado pelas divisões administrativas (no caso, a Região
Administrativa, unidade espacial de planejamento adotada pela prefeitura do Rio de Janeiro
que compreende um bairro ou uma junção de bairros). Este espaço, segundo sua
abordagem, tem reflexos diretos não somente na distribuição das associações mas, também
nas suas próprias práticas (como o controle urbanístico e o controle das transações
imobiliárias). Ela mapeia, portanto, onde estão localizadas as associações e quais são as
práticas exercidas por elas. A passagem a seguir mostra não somente a “geografia do
movimento” detectada por ela, mas denota também a influência de uma leitura do espaço
urbano através do modelo centro-periferia que, no caso do Rio de Janeiro, foi bastante
explorada na década de 70 e 80 nos trabalhos de David Vetter e Rosa Massena:
"Sem dúvida, as Associações de Moradores de Favelados constituem hoje a base
do movimento, verificando-se, também, que há um maior grau de associativismo
(criação de AM) no núcleo da cidade. À medida que vai se afastando
espacialmente deste núcleo, ocorre uma diminuição do número de AMs. As
favelas situadas no núcleo apresentam, quase todas, mais de 50% de associações,
em relação ao total de favelas. Esse alto grau de associativismo registrado nessa
área deve-se a esse núcleo ser o de maior poder econômico e, também, de mais
alto padrão cultural do município. Por serem essas favelas periferias imediatas dos
vários bairros que constituem o núcleo, ocorre aí, maior conscientização da
população favelada e mesmo um certo efeito-demonstração. nas áreas mais
distantes, isto é, na periferia do município, todas as RAs apresentam cifras abaixo
de 50% da AM, mostrando mais baixo grau de associativismo que no núcleo.
Quanto à expansão espacial da AM do Município do Rio de Janeiro, pode-se afirmar
que ela se deu do núcleo para a periferia do município. Até 1964, 63,3% das AMs
existentes estavam localizadas no núcleo e, a partir de então, a situação se inverteu,
sendo até 1982 (período de realização do cadastro do IPLAN), já se contavam 56,3%
de AM na periferia do município. A multiplicação das Associações de Moradores
nessa periferia se explica, em parte, pela própria expansão da 'cidade legal' para essa
área e pelos problemas vivenciados com as remoções do núcleo." (Segadas Soares,
1989, pg. 102)
35
MAPA
Há, flagrantemente, uma preocupação em estabelecer correlações entre a
configuração espacial (espaço urbano marcado pela clivagem entre núcleo e periferia
4
) e o
surgimento de associações de moradores, o que a autora chama de associativismo – o que
difere, qualitativamente, de outras abordagens que apresentam tal fenômeno como
expressão de conflitos e lutas sociais decorrentes da ordem capitalista vista em sua
dimensão espacial. Esta outra abordagem aparece no estudo de Satiê Mizubuti, sua tese de
doutorado intitulada “O Movimento Associativo de Bairro em Niterói (RJ)”, defendida no
ano de 1986. Em sua abordagem,
“As favelas e os bairros periféricos representam os sub-espaços onde se processa a
reprodução ampliada do proletariado urbano, reverso da moeda da acumulação
baseada na industrialização substitutiva de importações e do capitalismo
monopolista cada vez mais associado ao capital multinacional.” (Mizubuti, 1986,
pg. 18)
4
Cabe aqui uma breve consideração acerca da noção de periferia que emerge na narrativa de Soares,
“coisificada na forma do acesso e provimento carente das materialidades do consumo individual e coletivo,
em desvantagem em relação ao centro. Esta leitura não atenta para o caráter político e relacional da própria
definição de centro e periferia, concernente a relações de dominação e subalternização que são mecanismos de
reprodução e perpetuação das desigualdades. Ou seja, centro e periferia não são distinções decorrentes (ex
post) das desigualdades espacialmente estruturadas – visão que lastreia sua infeliz correlação de uma
proporcionalidade direta entre proximidade do centro, conscientização e qualidade do associativismo político
-, mas sim, relações que perpetuam às próprias desigualdades! Diversas manifestações políticas e culturais
vêm, diante disto, denunciando este caráter relacional através da ressignificação da idéia de periferia, como é
o caso do movimento Hip Hop, que vai investir em novas grafias do lugar periférico, atribuindo a ele uma
significação positiva que subverte o “estigma da periferia” pela afirmação de um “sujeito (jovem) da
periferia”. Sobre o movimento Hip Hop, ver Rodrigues (2005).
MAPA 01 – FAVELAS E ASSOCIAÇÕES DE MORADORES POR REGIÕES
ADMINISTRATIVAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
AUTORA: MARIA THERESINHA DE SEGADAS SOARES
FONTE DOS DADOS: IPLAN-RIO, 1982
36
Seu ponto de partida é, portanto, a complexificacão do tecido social urbano sob
a égide do capitalismo monopolista, dependente e periférico, como motor da conformação
dos movimentos sociais urbanos e do estabelecimento de diferentes nuances nas formas de
atuação, temário, relação com as esferas do Estado, etc. A autora opera, portanto, baseada
na idéia de que os conflitos gerados no seio da chamada “questão urbana” se dão tomando
por base a contradição capital & trabalho, mas, com a inserção desse dado novo, que é a
formação de um complexo tecido social, os conflitos não se dão rigidamente entre classes
homogêneas internamente mas sim, heterogêneas: as associações observadas representam
bairros ou localidades de composições sociais distintas umas das outras, bem como
ltiplas internamente.
Mizubuti explora como as diferenças e contradições internas à base social dos
movimentos influenciam diretamente na construção do seu perfil de atuação. A autora
mostra como associações de moradores de bairros de composição social heterogênea vivem
conflitos e contradições de interesses: por exemplo, em bairros que congregam moradores
favelados e de classe média, ou, outro exemplo, bairros favelados onde proprietários e
inquilinos - estes últimos, muitas vezes, se posicionando contra melhorias que poderiam
encarecer os aluguéis e até causar a chamada "expulsão branca" pelo encarecimento dos
imóveis, obrigando-os a se deslocar então para bairros mais longínquos.
Para observar esta heterogeneidadecio-espacial na base da constituição do
ator potico (as associações de moradores) e no seu perfil de atuação, ela vai então
estabelecer uma categorização espacial distinguindo bairros de classe média, de periferia e
de favelas, e realiza seu estudo observando aspectos na descrição do processo histórico de
formação e atuação de associações de moradores nestes contextos. A autora observa seis
casos no município de Niterói, enfocando quais são as agendas mobilizadoras das
associações, as estruturas internas de cada uma, quem são os indivíduos mais engajados,
quais são e como se dão as relações entre as associações e partidos poticos, bem como os
engajamentos de seus militantes e a instauração de disputas partidárias dentro das
associações, etc., sempre chamando a atenção para o papel dos interlocutores “externos” e
para o cenário potico do período estudado (final dos anos 1970 e início dos anos 1980),
marcado pelo enfraquecimento do regime militar e pela “abertura democrática”, com a
emergência de novas forças poticas num sistema pluripartidarista.
37
Outro aspecto para o qual a autora chama a atenção é a própria complexificação
da estrutura urbana e dos padrões de segregação sócio-espacial de Niterói, na base da
eleão dos conflitos motivadores do ativismo na forma das associações. Aponta, neste
sentido, um dado bastante interessante e, de certa forma, paradoxal: a definição do Estado
como interlocutor/antagonista quase que exclusivo das lutas das associações - com exceção
da luta pelo transporte e da luta pela propriedade da terra, situações em que, mesmo
identificados os agentes capitalistas cujos interesses eram conflitantes com os da base social
das associações, o Estado ainda era o interlocutor privilegiado. Paradoxal porque, de acordo
com a autora e com os autores que mais influenciam seu trabalho, as lutas eram na verdade
uma complexificação da luta contra o capital, no caso, através do padrão de urbanização
ditado pelo capital monopolista. Entretanto, o capital – ou, frações dele – em poucas
situações é acionado como antagonista das lutas, papel relegado quase sempre ao Estado.
É este foco no Estado como interlocutor central que vai (re)definir a
espacialização das associações, construindo então uma outra entidade de caráter federativo
em Niterói – contando, segundo ela, com papel decisivo da atuação da direção da
Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro (FAMERJ) -, a
Federação das Associações de Moradores de Niterói (FAMNIT). A eleição de um
interlocutor central para todas as lutas vai servir como elemento aglutinador que suplanta as
diferenças entre as associações, permitindo assim a criação da entidade de caráter
federativo:
“Confrontar o governo, enquanto representante dos interesses das classes
dominantes, é um dos mecanismos pelos quais o movimento tem conseguido
atenuar as suas próprias contradições internas.” (pg. 281)
A definição do sistema de disposições que alavancam o movimento associativo
através de eventos e momentos em que se fortalece essa relação antagônica com o
Estado/Governo condiciona então um formato organizativo das entidades espelhando as
esferas administrativas desse mesmo Estado. Isso aparece, no trabalho de Mizubuti, como
sendo um fator mais importante do que uma percepção e assunção de uma consciência
societal por parte dos sujeitos de que a luta das associações é uma luta contra o sistema
capitalista em sua essência, o que levaria a uma redefinição da espacialidade da ação e,
conseqüentemente, condicionaria ou possibilitaria novos padrões de espacialidade deste
ator potico. Observa-se que é mesmo a relação com as esferas do Estado o fator
38
preponderante na definição dos padrões de espacialidade organizativa e de ação dos
movimentos. A autora chega até a apontar a importância de outros interlocutores no
processo organizativo dos movimentos, como os partidos (cuja disputa, quando
internalizada no movimento pode levar à destruição deste), a Igreja e outras instituições (ela
mostra como o SESC foi fundamental no processo de criação da Federação Municipal).
Mas, é a relação com o Estado que aparece como a interlocução com influência decisiva
para as Associações.
Visto sob esta ótica, o trabalho indica que, mesmo sendo integrante do quadro
de uma luta contra o capital, não é a relação com este que vai ser decisiva enquanto
definidora das possibilidades de construção dos movimentos sociais. Este campo de
possibilidades aparece no trabalho delia Adão Bernardes, que, deslocando o foco da
construção dos movimentos da relão com os interlocutores, fez um estudo sobre
associações de moradores, tomando o caso da constituição do Movimento de Amigos de
Bairros (MAB) do município de Nova Iguaçu, uma federação de associações criada na
virada das décadas de 1970 e 1980 neste núcleo periférico da Metrópole do Rio de Janeiro,
na região conhecida como Baixada Fluminense.
Com forte inflncia da Sociologia Urbana (e, em especial, seus
desenvolvimentos marxistas) dos anos 70, destacadamente de autores como Manuel
Castells, Jordi Borja e Jean Lojkine, a autora descreve o processo de produção do espaço
periférico (Nova Iguaçu) como expressão das contradições da Urbanização Capitalista,
espaço da reprodução da dominação e dos dominados. Nesta perspectiva, o urbano,
enquanto lócus privilegiado da acumulação capitalista, contém a materialização (no espaço
necessariamente segregado) das esferas da produção e da reprodução do capital e da força
de trabalho - a segregação sócio-espacial marca, portanto, no espaço urbano, as
contradições e as desigualdades da urbanização capitalista, grafagem no espaço da luta de
classes
5
. A expressão espacial das contradições emerge como condicionante (ressalte-se:
5
“A organização do espaço revela (...) a existência de diferentes classes sociais, definidas pelo lugar que
ocupam no processo de produção, posição denunciada pela localização dessas classes no espaço.” (Bernardes,
1983, pg. 18)
39
como possibilidade, não como determinação apriorística) da consciência dos conflitos, que
ora se consubstanciam no movimento social
6
. A contribuição da Geografia seria, portanto,
"identificar as articulações espaciais (sociais e políticas) que possibilitam o
surgimento dos movimentos reivindicatórios, cabendo perguntar que elementos
intrínsecos se desenvolveram neste espaço ou foram para ele trazidos, deflagrando
a mobilização." (pg. 11)
O espaço emerge, portanto, não apenas como reflexo da sociedade, mas como
um dos elementos que é, ao mesmo tempo, condicionante de suas dinâmicas. Isto implica
uma dissociação analítica entre espaço e sociedade, mas que a própria autora, adiantando
algo que será posteriormente desenvolvido por Gonçalves (2001), mostra ser válida ou
procua apenas enquanto instrumento heurístico, pois a própria leitura dos movimentos
sociais através de relações espaciais já os apresenta como indissociáveis:
"(...) na nossa maneira de ver, o caminho a ser seguido para perceber as
articulações que se produzem entre espaço e movimentos reivindicatórios é o
mesmo que permite entender a organização sócio-espacial, isto é, a forma como a
sociedade se organiza no espaço e de como essa organização espacial interfere na
estrutura da sociedade. Em outras palavras, como espaço e sociedade via
movimento se transformam." (Ao, op. cit., pg. 24, grifo da autora)
Ela mostra, neste sentido, como se construiu o Movimento de Amigos de
Bairro de Nova Iguaçu, a partir de um trabalho comunitário organizado pela Igreja: através
do contato com médicos que trabalhavam como "agentes sociais" (esta era sua
denominação no ocio), alguns moradores foram desenvolvendo a consciência da natureza
potica dos problemas vividos no cotidiano de seus bairros. De um trabalho de saúde
comunitária "strictu sensu", os encontros se transformaram em momentos de organização
potica para um movimento reivindicatório, que gradativamente foi articulando outros
bairros e construindo uma entidade de caráter federativo.
O movimento analítico central do trabalho de Adão é a indicação (conforme
comenta sobre este trabalho Ramos, 2003, pg. 83) da dimensão espacial na escala do bairro
6
"Trata-se daqueles espaços que por assim se apresentarem são mais desvalorizados, tornando-se de certa
forma mais acessíveis à reprodução de amplas camadas do proletariado urbano e, conseqüentemente, mais
favoráveis à produção de bases organizativas de resistência na esfera da reprodução.
O espaço pode ser compreendido, portanto, como uma realidade contraditória, como um conjunto de relações
sociais contraditórias e conflitivas mais ou menos cristalizadas. É na manifestação social e política concreta
dessas contradições que são gerados os conflitos que, por sua vez, podem se constituir em caminhos de
transformação.
Não queremos dizer com as afirmações acima que a organização do espaço implique, automaticamente, no
surgimento de movimentos reivindicatórios urbanos. A problemática muitas vezes está presente no espaço,
seu desenho lá se encontra, mas este fato não é suficiente, pois, desenho espacial, vida urbana e vivência do
político são coisas diferentes." (Bernardes, 1983, pg. 11)
40
como potência potica de reivindicações. A partir do caso estudado, entretanto, há uma
concentração do foco analítico nesta escala, visto que as estratégias e tentativas de atuação
potica em outras escalas pelo movimento estudado foram frustradas - tanto as lutas junto à
prefeitura municipal quanto as tentativas de encaminhamento de suas reivindicações ao
governo do estado. Junto a este último, num dado momento a estratégia tinha como
objetivo também aproveitar um contexto em que prefeitura e governo estadual eram
ocupados por partidos diferentes e antagônicos, estimulando esta oposição entre forças
poticas e entre "escalas"/níveis de governo: não deu certo, nenhum dos dois se mostrou
sensível às reivindicações. Exemplificando com a luta contra a cobrança ilegal de uma taxa
por direções de escolas públicas, a autora aponta como raiz do insucesso a falta de
"correspondência" entre a escala (ou, mais precisamente, a abrangência espacial)
mobilizada e a escala de governo interpelada, condicionando uma falta de forças da luta:
"(...) o alvo desta luta acabou por centrar-se em direções de escolas locais,
constituindo tal procedimento a única alternativa que se colocava para estes bairros
em luta, já que se ressentia da falta de uma articulação com o número significativo
de bairros que acumulasse forças para pressionar o verdadeiro alvo, que era a
Secretaria Estadual e a Secretaria Municipal de Educação." (Bernardes, pp. 176-
177)
Mesmo sem desenvolver esta discussão no plano conceitual, retendo-se apenas
ao plano da empiria, a autora trava, portanto, um debate onde a questão que emerge é a
dissociação e, no caso, oposição, entre a escala pertinente e a escala possível da luta. O
debate sobre o poder/capacidade de articular escalas, que posteriormente desenvolvem
Swinguedow e Vainer, e que faltou ao MAB e enfraqueceu sua luta, não aparece, mesmo
apesar de o trabalho mostrar veementemente que nem sempre ir a outra escala garante o
sucesso da luta/movimento, e que é necessário escolher bem o interlocutor (ou o
antagonista) certo operante/atuante em cada escala – debate sobre a dissociação anatica
entre a escala pertinente e a escala possível da luta.
Outra conseqüência do aprisionamento/desenvolvimento na/da escala do bairro
enquanto potência, é um certo privilégio da dimeno temporal da organização do
movimento, em detrimento das nuances da complexidade de dimensões espaciais da
potica, na análise da própria empiria. Com efeito, isto aparece quando a autora mostra que
o crescimento do movimento, que em três anos passa de 15 para 69 núcleos (entre
Associações de Moradores, Grupos de Amigos de Bairro ou Comissões de Bairro), foi, de
41
certa forma, um dos fatores que levaram ao seu enfraquecimento. As passagens seguintes
mostram o movimento analítico da autora:
"A exigência da publicação de um plano de aplicação de recursos da Prefeitura e
não de um plano dos moradores, expressa a própria trajetória do MAB, pois que
este sempre buscou pressionar o poder público muito mais em cima da unificação
da denúncia coletiva dos problemas e de sua não resolução, o que, a nosso ver,
reflete, a inexistência de um plano e de uma tática de luta elaborados a partir do
estabelecimento de uma pauta de reivindicações que fosse formulada tendo em
vista as reivindicações mais urgentes dos bairros, assim como, a seleção das
prioridades comuns aos mesmos. Desta forma o movimento se unificaria não a
partir da insatisfação geral, mas fundamentalmente a partir de reivindicações
comuns.
Em outras palavras, o que se observa por parte do MAB é um trabalho que se
pauta mais por unificar o descontentamento e o clamor da população do que a
unificação dos bairros a partir da seleção de reivindicações comuns derivadas de
problemas e interesses de resolução também comuns." (pg. 178, grifo da autora)
"Portanto, não havia um plano dos moradores porque não se definiram nem se
avaliaram, nem se unificaram as prioridades a partir do conjunto dos bairros; assim
sendo, que diferença fazia estabelecer prazos se não havia plano? Aqueles não
poderiam ser estabelecidos na medida em que não se definiram urgências que se
tornassem exigências de fato. Em suma, a ausência de plano e prazos corresponde
a deficiências de organização do movimento que se ressentia da definição clara de
objetivos e táticas para atingi-los." (pg. 180)
A falta de plano, prazos e de estabelecimento de prioridades pelo movimento
aparecem como uma deficiência na incorporação da dimensão do tempo na definição de
"táticas" e "estratégias" na construção do movimento. Na verdade, podemos defender que
se tratava, mais do que um problema de organização no tempo, de um problema de
organização no espaço! A unificação de prioridades dos diferentes bairros dependia da
assunção de que o MAB, enquanto federação, significava a organização do movimento em
uma escala diferente da do bairro, a escala do munipio, onde o diálogo se dava com
interlocutores e em arenas onde as regras eram distintas da organização na escala do bairro.
E isso implicava a criação de uma nova "práxis" da potica, de novos habitus,
vocabulários, expectativas, culturas e códigos políticos, "municipais" e não "de bairro". A
organização em escala municipal, no caso em tela, continuou com o mesmo comportamento
da organização na escala de bairros, sendo apenas a soma destes, e a não construção de uma
nova escala enquanto arena, plano de organização e regulão espaço-temporal do fazer da
potica distinto daquele, que se traduzisse em adequações do fazer da potica expresso no
funcionamento eão cotidianos da nova esfera institucional, espaço-temporalmente
distintos. Tal problema emerge na própria interlocução com a prefeitura, que, ao se
institucionalizar, acaba por congelar os avanços e conquistas da luta do MAB:
42
"(...) apesar da convocação massiva, da importância nurica, da visibilidade
blica, o MAB perdeu a oportunidade de legitimar uma ofensiva e acabou
ficando à mercê do plano e dos prazos estipulados pelo prefeito.
Depois da assembia os bairros voltam à rotina das idas à Prefeitura e apenas a
coordenação assumia a negociação, o que trazia sérios prejuízos ao movimento,
estabelecendo defasagem entre esses contatos e a chegada de informações aos
bairros, não ficando claro para as pessoas os encaminhamentos dados." (pg. 180)
O estudo de Adão, portanto, mesmo apesar de concentrar seus esforços teórico-
conceituais na enunciação da dimensão espacial da escala do bairro enquanto potência para
a construção de movimentos reivindicatórios, movimento analítico de grande valia dentro
da tendência de afirmação do espaço na teoria social crítica, como aponta Soja, nos fornece
valiosos elementos empíricos para a análise dos movimentos sociais baseada nas 7
dimensões espaciais que aqui estamos propondo! Em seu trabalho aparecem as dimensões
da materialização espacial do movimento, a relação entre as agendas mobilizadas pelos
movimentos e os recortes espaciais que cada agenda, o que podemos sistematizar na forma
das seguintes discussões:
1) o processo de irradiação espacial/difusão territorial do MAB, que é na verdade a
materialização espacial do movimento, periodizado pela autora em 4 fases – (i) o
surgimento, marcado pelo trabalho dos médicos agentes sociais da Cáritas Diocesana, com
a organização de alguns núcleos em torno da paróquia de Parque Flora e a aglutinação
potica de alguns bairros que já tinham Associação de Moradores, quando o movimento
alcança o número de 15 núcleos; (ii) o 1
o
ciclo de expansão, com o alcance da visibilidade
pública através da realização da primeira Assembléia, quando o número de núcleos passa
de 15 para 34 novas e antigas associações; (iii) o 2
o
ciclo de expansão, que corresponde ao
apogeu da visibilidade pública do MAB e tem como ponto culminante a segunda
Assembléia, quando o movimento atinge a marca dos 69 núcleos; (iv) a fase de crise do
movimento, caracterizada por uma alta rotatividade e efemeridade na participação de
núcleos no MAB - entre os núcleos que aderiram ao movimento entre 1978 e 1979, 31 já
haviam se desligado dele quando da realização do Segundo Congresso Municipal de
Associações de Moradores de Nova Iguaçu em 1981! Em contrapartida, no mesmo período
26 novos bairros haviam ingressado na entidade! A autora atribui estas adesões ao fato de
"muitos desses bairros já se encontrarem na esfera de influência do MAB e contarem com
um processo embrionário de organização dos moradores" (pg. 191). É a passagem do
43
estado de latência, de potência, à ação, à materialização da luta na forma do movimento
social;
MAPA 02
2) a importância dos interlocutores na construção (mesmo da espacialidade!!) do
movimento - ela aponta, primeiro, no surgimento do MAB, a importância da Igreja que, no
seu processo de territorialização, realizava através da Cáritas Diocesana o trabalho dos
médicos agentes sociais, que redundou na organização inicial do MAB. Foi, portanto, no
seio do desenvolvimento de um processo de territorialização eclesial que tinha como
estratégia espacial privilegiada a criação das comunidades de base que se criou e se
fortaleceu o ativismo de bairro do MAB. Além disso, a Igreja fornecia o espaço físico onde
se realizavam as reuniões de diversos núcleos, alguns apenas na sua fase de constituição,
outros durante mais tempo. Na fase inicial do MAB a igreja era, portanto, o interlocutor que
possibilitava a sua expansão
7
Posteriormente, o interlocutor que redefine o caráter espacial
do movimento, consolidando-o enquanto referência municipal, foi a própria Prefeitura, na
7
"Dessa forma 8 bairros serão atingidos quase que simultaneamente, valendo ressaltar que tal expansão era
muito facilitada pelo fato de que as pessoas contactadas nos novos bairros, via de regra, pertenciam à Igreja, o
que constituía um denominador comum entre estas e as lideranças do Parque Flora, estabelecendo-se,
portanto, condições favoráveis tanto para a transmissão como para a receptividade daquela 'Boa Nova', aqui
entendida como a experiência de organização que estava se desenvolvendo em Parque Flora." (pg. 155)
44
medida em que, num contexto periférico e ainda marcado pela ditadura militar, ou seja, de
baixo nível de reconhecimento das lutas e anseios populares por parte das esferas
governamentais, ela reconhecia o MAB enquanto interlocutor da população no
encaminhamento de suas necessidades e reivindicações. Isto significava uma possibilidade
(não efetivada em sua plenitude) de mudança radical na cultura potica local, visto que o
movimento, ao criar ou se constituir num canal de interlocução entre a populão e a
prefeitura, passa a ocupar um espaço até então exclusivamente reservado às práticas de
políticos clientelistas. Por isso, o MAB, nos momentos em que conseguia, através da
criação de fatos poticos, tensionar a Prefeitura e catalisar publicamente a sua atenção,
atraía a adesão massiva para a sua estrutura federativa de novos bairros, com novas e/ou já
existentes associações de moradores. Foi assim por ocasião da primeira Assembia, em
1978, quando o número de núcleos associativos do MAB passou de 15 para 34, e da
segunda Assembléia, em que o documento manifesto foi assinado por 69 núcleos. Ela nos
mostra, também, a complexidade disto que nós estamos chamando de interlocução e sua
relação com as dimensões espaciais de construção do movimento: não é apenas o fato de a
Prefeitura reconhecer formalmente o MAB enquanto legítimo representante de anseios
populares que o valida e legitima comolo de atração e referência de movimento
municipal e por isso ele agrega cada vez mais núcleos, mas sim, a sua capacidade efetiva de
produzir fatos e resultados junto à Prefeitura. Com efeito, se a primeira e a segunda
Assembléias foram de certa forma marcantes pela conjugação entre, de um lado,
tensionamento e reconhecimento do MAB pela Prefeitura, e, de outro, reconhecimento
público e adesão de novos núcleos expandindo a sua territorialidade, observamos que nos
anos seguintes as passeatas, atos públicos reunindo milhares de pessoas e mesmo o 2
o
Congresso Municipal de Associações de Moradores, realizado em 1981, não se traduziram
em novos ciclos de expansão do movimento, o que é explicado pela autora como decorrente
de um aprendizado do poder público municipal sobre como neutralizar a eficácia das ações
do MAB (seja através da "burocratização" do encaminhamento e do não cumprimento de
suas reivindicações, seja através da cooptação política de suas lideranças, ou de outros
artifícios). Da mesma feita, suas tentativas de interlocução junto ao governo estadual não
alcançaram sucesso. Ou seja, a legitimação junto a um interlocutor, de forma a redefinir a
espacialidade de um movimento, ou uma nova espacialização de sua luta, se dá não apenas
45
pela estruturação de canais de diálogo, mas sim, pela sua capacidade de efetivamente
produzir respostas concretas por parte de interlocutores nas distintas escalas.
MAPA 03
3) a relação entre as agendas mobilizadas pelos movimentos e os recortes espaciais
pertinentes a cada agenda (relação “escala pertinente” & “escala possível” da luta) também
é outro aspecto que emerge na análise empírica de Ao, sendo um veio que ela explora
como um dos motivadores dos próprios fortalecimento e enfraquecimento do MAB, por
duas vias fundamentais – (i) fortalecimento das lutas cujo enfrentamento e avanços eram
possíveis na escala do bairro e (ii) enfraquecimento pela dificuldade de reconstituição dos
focos de luta quando do seu encaminhamento e interlocução nas escalas municipal e
estadual
8
. Ou seja, os momentos em que se alcança a adequação entre a escala possível e a
escala pertinente da luta serão aqueles em que o movimento consegue estender ao máximo
8
A seguinte passagem é lapidar: “O centro de gravidade do MAB passa a ser constituído, basicamente, pelas
audiências semanais na Prefeitura. São arrastados, para elas, o maior número de bairros que ali se somavam
numericamente, porém reivindicavam fragmentadamente, pois cada bairro continuava levando seu próprio
pacote de reivindicações. Cabe ressaltar que, assim como antes da Assembléia dos 800 não se observava
maior preocupação em se selecionar e unificar reivindicações a partir das prioridades estabelecidas pelos
bairros (...).” (pg. 170)
46
a sua potência dentro de seu campo de historicidade/espacialidade, que é fruto, portanto, de
sua própria construção.
O trabalho de Julia Adão Bernardes evidencia, portanto, múltiplas
possibilidades teóricas e analíticas que emergem a partir de uma abordagem empírica
centrada na constituição das esferas organizativas dos movimentos. Esta centralidade da
dimensão organizativa, entretanto, acaba impedindo o desenvolvimento das diversas
nuances espaciais que emergem das formas de luta e de encaminhamento desta, nuances
que aparecem em seu trabalho. Tais nuances serão realçadas, por outros autores, que vão
focar menos as esferas organizativas e, mais, as formas de luta dos movimentos.
2.2. Geografia das lutas sociais
Esta segunda tendência que estamos propondo reconhecer demarca trabalhos
que têm os movimentos sociais como motivadores, mas não como objeto em si: ou seja,
não há um remetimento direto às organizações decorrentes da ação coletiva, personificada
na forma dos movimentos sociais, mas sim, a busca da identificação das espacialidades dos
conflitos e das lutas sociais. Há, aqui, uma influência nítida do debate acerca da definição
do protagonista da transformação social, debate que se aquece com a crise e as decepções
acumuladas junto às experiências sobretudo do “eurocomunismo”. Se não está no partido,
onde está o porta-voz, o agente motor, a vanguarda, o líder condutor da transformação?
Será ele o movimento social? Mas, qual o movimento social, visto que as iniciativas
coletivas de luta quase nunca se colocam como agenda a transformação global das
sociedades? Esta indefinição é um problema conceitual e potico que acaba deslocando o
foco analítico para as lutas e para as contradições sociais, e menos para o ator movimentos
sociais.
Serão então, produzidas, geografias buscando desvendar e conscientizar acerca
dessas lutas. Alavancados por um comprometimento político com a transformão social, e
por um comprometimento de seu pensamento e de sua produção científica com esta
transformação, diversos autores vão construir geografias baseadas na idéia de que o
conhecimento deve "desvendar máscaras sociais", para utilizar uma expressão que dá título
47
a um importante artigo de Ruy Moreira (publicado em livro organizado por ele mesmo e
que reúne alguns dos principais autores desta corrente que Roberto Lobato Corrêa veio
posteriormente batizar de "Renovação da Geografia Brasileira"
9
) que não trabalha
diretamente a temática dos movimentos sociais, mas ancora teoricamente esta geografia das
lutas sociais. Esta "utilidade" da Geografia, partindo de que ela serve tanto à dominação
quanto à emancipação social, é que vai colocar a temática da luta potica no centro das
atenções desta corrente e, dentre os principais desdobramentos disto está a atenção aos
movimentos sociais e às geo-grafias produzidas por suas lutas.
Desvendar as máscaras sociais significa então desvelar os arranjos espaciais
enquanto expressão "concreta" das relações sociais de dominação, o que, dentro da
influência hegemônica do marxismo estruturalista sobre tal corrente era compreendido
como as relações de classe, conforme coloca Moreira:
"(...) a Geografia, através da análise dialética do arranjo do espaço, serve para
desvendarscaras sociais. Vale dizer, para desvendar as relações de classes que
produzem esse arranjo. É nossa opinião que por detrás de todo arranjo espacial
estão relações sociais, que nas condições históricas do presente são relações de
classes." (1982, pg. 35)
Através desta idéia, de que o arranjo espacial não apenas reflete, mas é ele
próprio expressão e dimensão das relações sociais, é que se faz uma relação entre os
"elementos do arranjo espacial" (os objetos e fatos espaciais) e a (categoria de) totalidade
social. Os elementos servem portanto como portadores das relações sociais, eles servem
para desvendá-las. Tal iia vai influenciar, nesta convergência entre a Geografia e a
temática dos movimentos sociais, uma série de trabalhos que, menos preocupados em
mostrar uma geografia das estruturas organizativas dos movimentos sociais, vai buscar
mostrar as geo-grafias das lutas sociais, que seriam a expressão espacial das relações e dos
conflitos de classe, a expressão espacial das contradições e dos conflitos numa sociedade
capitalista. O caminho analítico toma como ponto de partida uma “espaciologia das
contradições” da formaçãocio-espacial (que comporta a espacialização dos conflitos)
para atingir uma “espaciologia dos conflitos” que, influenciada pela idéia (talvez, um
9
Os desdobramentos desta corrente envolvem a redefinição teórica, epistemológica e empírica da própria
ciência geográfica, proposta influenciada em grande medida não somente pelo marxismo, mas também, pelos
trabalhos de autores da Geografia como Yves Lacoste (com "A Geografia - isto serve, antes de mais nada,
para fazer a guerra", publicado em 1977) e Milton Santos (sobretudo o livro "Por uma Geografia Nova",
publicado na época de seu retorno ao Brasil, em 1978).
48
paradigma) da conflitividade enquanto dimensão fundante das lutas sociais
10
, se
autonomiza analiticamente e vai ser ela a base para o desvendamento de contradições – o
que revela muitas contradições mas que, por outro lado, vai ocultar da análise todas as
formas de luta e ativismo não baseadas na conflitividade. Retornaremos a esta crítica mais
adiante. Nos interessa, neste ponto, compreender o percurso analítico desta geografia das
lutas sociais.
Um dos principais autores nesta tendência, a partir dos anos 1980, é Ariovaldo
Umbelino de Oliveira. Seus trabalhos tiveram crucial importância não apenas pela sua
qualidade, mas por terem sido fundamentais na construção e consolidação de um pólo
analítico para toda a Geografia Agrária, umlo que coloca os movimentos sociais como
chave para a compreensão do espaço agrário, e que vai se confrontar a uma outra tendência
que coloca o processo de modernização (mais em sua variante técnica e tecnológica do que
na de organização do processo e da divisão do trabalho) como pedra angular da
compreensão do espaço agro brasileiro. Oliveira vai construir uma geografia da
"materialização" das lutas e dos conflitos no campo, uma "grafagem" no espaço que é
expressão das contradições do capitalismo. Os movimentos sociais no campo, a partir de
sua abordagem, têm sua própria espacialidade redefinida, visto que, mesmo aqueles que
poderíamos chamar de “movimentos sociais locais” passam a ser interpretados como
expressões de contradições que em muito extrapolam a dimensão local, como ilustra a
seguinte passagem:
(...) o movimento das Ligas Camponesas tem que ser entendido, não como um
movimento local, mas como manifestação nacional de um estado de tensão e
injustiças a que estavam submetidos os trabalhadores do campo e as profundas
desigualdades nas condições gerais do desenvolvimento capitalista no país."
(1988, pg. 27)
A "geografia das lutas no campo", entretanto, não vai se debruçar centralmente
nas espacialidades dos movimentos. Numa sociedade marcada pelas desigualdades, pela
concentração de renda, pela vioncia como instrumento central nas estratégias de
reprodução do capitalismo no campo, o cerne de sua proposta será o desvendamento das
máscaras sociais, mostrando as expressões das contradições e as formas como se
materializa o conflito de classes naquele espaço. Ele constrói, então, uma "geografia da
10
Retornaremos a esta idéia da conflitividade enquanto dimensão fundante das relações e das lutas sociais
mais adiante, quando exploramos o trabalho de Carlos Walter Porto Gonçalves.
49
violência no campo", buscando afirmar a importância espacial de elementos do arranjo
social concernentes às expressões das lutas – elementos os quais, dentro de sua abordagem,
vão se constituir em “indicadores” do conflito de classes no espaço agrário. Neste sentido, o
autor vai então mostrar a distribuição espacial (com atenção para as áreas/regiões de
concentração):
- dos confrontos;
- dos assentamentos;
- das ocorrências de mortes;
- das revoltas;
- dos indígenas, dos posseiros, dos peões (peonagem), dos camponeses subordinados,
dos desapropriados nas grandes obras, dos "brasiguaios", dos sem terra e dos bóias-
frias;
- dos acampamentos (como forma de luta pela terra);
- dos interlocutores (mas não procura as arenas de embate e negociação).
A distribuição espacial destes elementos constrói a geografia das lutas no
campo, que, tributária das tradições poticas marxistas, têm no Partido e no Estado - e não,
nos movimentos sociais - referenciais inescapáveis. Estes pontos de partida são
fundamentais na construção da "geografia das lutas no campo": distribuão espacial dos
"elementos" (das lutas) e Estado e Partido Político enquanto referenciais. A passagem a
seguir mostra a construção desta busca da "distribuição espacial", que vai conferir
redobrada importância à identificação de áreas/regiões de concentração da ocorrência das
lutas:
"Desta forma, o campo brasileiro vai, no seio das contradições do
desenvolvimento capitalista no país, forjando sua unidade de luta na diversidade
das suas origens. É pois este o caminho para a sua compreeno e entendimento:
diverso e contraditório.
A distribuição territorial desses movimentos é também importante para sua
compreensão. O Brasil, com sua dimensão continental, tem comportado essa
diversidade de movimentos em partes diferentes de seu território. A localização,
portanto, dos diferentes movimentos no território pode e deve ser um caminho para
montarmos um quadro geral e simultâneo deles." (Oliveira, 1988, pg. 55-56, grifo
nosso)
50
MAPA 04
Fonte: Oliveira, Ariovaldo U. (2001).
A utilidade desta geografia na passagem acima aparece como sendo não
somente a denúncia das contradições e a apresentação das lutas - ela patenteia-se também
como um saber estratégico para a unificação destes movimentos que surgem, de maneira
desarticulada, como expressões das contradições do capitalismo. Neste ponto da reflexão é
que emerge a necessidade de articulação desses movimentos "isolados", o que Oliveira
aponta como sendo um papel privilegiado para o Partido Potico. E, segundo o autor, já
havia um interlocutor que vinha realizando tal tarefa, o Partido Comunista:
51
"Fundamentalmente, com a orientação do Partido Comunista do Brasil, é criada
em 1954 em São Paulo a ULTAB - Uno dos Lavradores e Trabalhadores
Agrícolas do Brasil - com a finalidade de coordenar
as associações camponesas
então existentes. Essa organização vai funcionar como instrumento de articulação
e organização do partido, na condução e unificação do processo de luta camponesa
no seio do processo de luta dos trabalhadores em geral do país. Este processo
deveria caminhar no sentido da revolução democrático-burguesa, como etapa para
a revolução socialista." (Idem, ibidem, pg. 28, grifos nossos)
Nesta passagem o autor aponta essas organizações, sob a orientação do Partido
Comunista do Brasil, como sendo as responsáveis pela promoção, à escala nacional, das
lutas camponesas. Diversas observações críticas poderiam ser feitas a tais postulações -
sobretudo, a anulação do próprio protagonismo daqueles que fazem o cotidiano das lutas
camponesas na definição das estratégias deste jogo de escalas das lutas, que aparecem
como “orientados” e “coordenados” pelo partido político!! Não desenvolveremos tais
observações, mas sim chamaremos a atenção para o fato de que, mesmo não realizando um
esforço de categorização espacial a partir desta relação analisada, esta "Geografia das
Lutas" nos mostra a importância da espacialidade dos interlocutores na
definição/redefinição da espacialidade (no caso, da escala) dos movimentos. Aparece, nesta
fala, que é o Partido o agente atuante na espacialidade/escala pertinente (não a única, mas a
privilegiada) da luta contra o capitalismo, no caso a escala do Estado-Nação, e ele é que vai
articular, orientar e coordenar a organização das lutas dos movimentos sociais para que elas
alcancem tal espacialidade/escala e assim realizem a plenitude de seu sentido histórico que
é a busca da transformação social do sistema capitalista. O interlocutor – que, nesta relação,
não é “antagonista” ao movimento – redefine a espacialidade do movimento.
Esta relação de interlocução entre os movimentos sociais e os partidos
poticos é um dos motivadores da discussão promovida por Marcelo Lopes de Souza na
dissertação de mestrado “O que pode o Ativismo de Bairro? – Reflexão sobre as limitações
e potencialidades do Ativismo de Bairro à luz de um pensamento autonomista”. Podemos
dizer que seu estudo se desenvolve sobre dois eixos centrais: (i) o tensionamento do papel
do espaço como condicionador/referencial das relações sociais, através do exame da
potencialidade potica e analítica da “territorialidade como dimensão catalisadora de
energias de luta popular”, com foco no ativismo de bairro e (ii) o debate sobre as
potencialidades e limites desta forma de ação social frente a (e, nas suas relações com)
outras formas então “consagradas” no debate sobre a transformação da sociedade pela via
52
revolucionária – ou seja, um debate direto com o campo do marxismo, hegemônico dentre
as utopias sociais no momento em que o trabalho foi produzido.
É exatamente esta crítica ao campo do marxismo - ideologia que orientava a
visão de mundo do autor, conforme ele próprio afirma - o motor do debate. A incapacidade
do marxismo de incorporar os diversos tipos de ativismos sociais de "fora da brica"
conduzem o autor a perceber o quanto os atores poticos lastreados nesta tradição
reproduziam, de diferentes formas, a heteronomia imanente às relações sociais e de poder,
que tanto é objeto de crítica enquanto dimensão fundante do capitalismo. Ele aponta como
a centralidade do partido na construção do caminho revolucionário e o foco destinado à
tomada do Estado pela grande maioria das experiências poticas de aplicação do marxismo
(seja nos Estados ditos comunistas, seja nos partidos comunistas de países de regime
capitalista) se escoram numa relação de dominação e de hierarquias, heteronomias,
anulando assim a possibilidade de estabelecimento de um projeto societário emancipador
baseado na autonomia. Cooptão, aparelhamento, doutrinamento,o formas de
consubstanciação desta heteronomia, constrda através de uma anti-dialogicidade (idéia de
inspiração "paulofreireana") que tem uma minoria na direção do partido
11
desempenhando a
função de centro emanador dos comandos revolucionários:
"(...) sem a intervenção educadora e comandadora do Partido, o proletariado jamais
se tornará efetivamente uma classe-para-si, revolucionária, à altura de sua missão
histórica; chega, no máximo, ao 'trade-unionismo', ao sindicalismo." (pg. 16)
O autor mostra, entretanto, a injustiça existente em creditar a inevitabilidade
desta hierarquia na relação entre partido e movimento social apenas às agremiações
afiliadas às tradições marxistas: partidos liberais, sociais democratas, e de todos os matizes
ideológicos tendem a estabelecer relações que têm a subalternização do movimento como
pilar central. O Estado também, independente do matiz ideológico hegemônico, igualmente
tende a estabelecer os mesmos padrões de relacionamento com os movimentos sociais.
Estado e Partido (agremiação potica que visa a hegemonia do Estado!)
funcionam, portanto, como instrumentos da reprodução da heteronomia, mas, a crítica
maior é direcionada ao campo marxista, por ser exatamente ele baseado na busca de uma
igualdade que pressupõe a quebra das relações heterônomas - a começar pela heteronomia
11
Minoria esta que ele chama "classe de gestores", acompanhando o pensador marxista português João
Bernardo.
53
do trabalho alienado (em seu sentido e em seu produto), fonte da extração de mais-valia na
exploração do homem pelo homem. Entretanto, a criação de uma "classe de gestores" e a
instauração do "centralismo democrático" atualiza, nas tradições e experiências derivadas
do marxismo, a alienação potica das massas. Mais do que isso, esta alienação já se inicia
pela própria forma como estas tradições e experiências lidam diretamente com a
experiência e com a condição humana, com a tecnologia e com a materialidade (espacial)
do capitalismo. Ao considerar como neutras a tecnologia e a materialidade (espacial) do
capitalismo, como se bastasse apenas que elas "trocassem de mãos" (da propriedade privada
à propriedade coletiva), perde-se o fato de que elas são também portadoras das relações
heterônomas, portanto, fundamentais para a própria alienação e reprodução do capitalismo -
elas condicionam experncias, influenciam vivências. É neste sentido que os marxismos
12
acabam ocultando, na verdade, sufocando energias e possibilidades de luta por uma
autonomia real. E, dentro destas, segundo o autor, está a luta de bairro.
Souza mostra como o ativismo de bairro, sendo uma forma de ativismo social, é
fruto de uma experiência espacial das expressões das contradições da estrutura social. Em
seu estudo o bairro é apresentado como o "centro de interesse da vida do citadino", fruto da
construção de interseções nos campos de subjetividade que são constituintes/constitdos
na/pela experiência de vida urbana de cada indivíduo:
"(...) realidades como os bairros, as unidades de vizinhança, etc. são lugares, ou
seja, Espaços internalizados mentalmente pelos indivíduos de uma coletividade,
que os têm como Espaços vividos e sentidos." (pg. 66)
Ele rejeita, entretanto, a exclusividade de noções tradicionais, do senso comum,
ou mesmo de vertentes acadêmicas de cunho culturalista acerca do bairro, bem como rejeita
também a idéia de que o ativismo social seja fruto exclusivo da estrutura social, que
independa da experiência social dos indivíduos, esta marcada pela materialiade (do urbano)
que estimula e condiciona processos criadores de relações, signos e conflitos. A
urbanidade, segundo ele, se de um lado condiciona e estimula a constituição dos
movimentos
13
, por ser ela portadora das contradições do capitalismo no espaço (urbano é
12
O marxismo é, então, visto “(...) enquanto pensamento comprometido com a continuidade do avanço
material advindo com o progresso tecnológico sob a batuta da burguesia. Comprometido, repita-se uma vez
mais, com algo de essencial da tecnologia e da espacialidade capitalistas.” (pg. 170)
13
"A reificação do urbano é a crescente percepção, pelo citadino, da cidade enquanto uma 'coisa' dotada de
'vida própria', responvel pelos seus próprios problemas. É o pressuposto cognitivo da identificação dos
problemas urbanos (questão da habitação, insuficiência dos equipamentos de consumo coletivo, aumento da
54
visto como o espaço capitalista por excelência, que "domina e subordina" o rural), por outro
este mesmo espaço é dotado de uma "inércia contra-revolucionária e anti-humanística (da
metrópole capitalista)".
Coloca-se portanto a complexidade, a energia de luta enquanto possibilidade
gerada no seio de uma espacialidade que, ao mesmo tempo (ou, dialeticamente!), é
portadora de forças inerciais que "aprisionam" estas energias. O espaço urbano, enquanto
reflexo e condicionante - um "prático inerte", conceito sartreano cuja influência na
espaciologia” Souza discute em outro trabalho (1988a) - , é possibilidade, e não
determinação. O autor é taxativo quando afirma que
"A dimensão objetiva da realidade social como um todo é historicamente
construída por homens que, apesar das interseções de subjetividades, a entendem,
em última análise, de modo singular cada um. A construção por conseguinte se dá,
da parte de cada indivíduo, com condicionamentos tanto inter-subjetivos quanto
estritamente subjetivosnicos). A realidade possui uma face una, o seu em-si
objetivo, face essa que é construída pelos homens a partir da dialética entre a inter-
subjetividade e suas subjetividades e a inércia e as necessidades impostas pela
materialidade existente. Não existe algo como uma face objetiva pura da realidade
social, tanto quanto não existe uma subjetividade que crie ou se imponha
absolutamente ao mundo. O que efetivamente existe são os múltiplos aspectos da
interação dessas duas dimensões, dessas duas faces.
(...) Os diferentes moradores não encaram o seu bairro exatamente da mesma
maneira, em que pese a interseção de subjetividades."
É na experiência que estas energias podem emergir ou não. E, ainda, podem
emergir de diferentes formas, como ele explora na seguinte passagem:
"Entre a intensa bairrofilia e a plena indiferença são tantas as possibilidades
quantos são os tons de cinza entre o branco e o preto. Certamente, a intensidade e
o tipo de participação individual para melhorar a vida no bairro dependem desses
condicionamentos da dialética objetivo/subjetivo referidos anteriormente. (...) Em
síntese, o desejo e a possibilidade de mudar de bairro; a maneira como se vivencia
o bairro onde se mora, como ele é visto, a imagem que dele se tem; a participação
ou a não-participação dos indivíduos junto aos problemas e à vida do bairro; tudo
isto está condicionado por uma dialética entre fatores objetivos -
proletário/burguês, antigo no bairro/recém chegado, inquilino/proprietário,
jovem/velho - e valorações diferenciadas - vinculadas à diversidade de vivências
da objetividade historicamente produzida. A apreciação desta dialética é
fundamental para se avaliar, sem parcializações, os vários tipos e os distintos
níveis de participação na vida do bairro." (pg. 59)
violência urbana, etc.) como mais ou menos desligados dos problemas que se manifestam nas esferas do
trabalho e do consumo de bens e serviços. É a expreso espacializante do processo de alienação capitalista
em geral, onde o homem que produz (artefatos, Espaço; mercadorias, enfim)o controla o processo
produtivo e se vê, ao final dele, apartado de seu produto. É, finalmente, o esquartejamento da instituição
sociedade, do modelo civilizatório, em esferas de influência dotadas cada uma de 'vida própria' e definidas por
pares de oposição compartimentados - Estado vs. moradores, capitalista vs. proletário (ou, mais amplamente,
patrão vs. empregado), vendedor vs. consumidor." (pg. 68)
55
Souza recusa, portanto, qualquer tom de determinação na relação entre o espaço
e as relações sociais, mas afirma esta forma de ação social enquanto um fato também
espacial ou, resultante de um remetimento ao espaço. Indica, portanto, uma das dimensões
espaciais dos movimentos sociais que defendemos no nosso trabalho, a idéia dos recortes
ou das referências espaciais como sendo base da construção identitária dos movimentos –
ou, um debate que fica no ar no trabalho de Souza, se esta referência espacial é a “base da
construção identitária DOS movimentos” ou se ela é a “base da construção identitária NOS
movimentos”, leitura que se faz mais próxima do trabalho do autor, se interpretamos que a
identidade do movimento é a identidade do TRABALHO contra o CAPITAL, que se
personifica, no caso do ativismo de bairro, na identidade do MORADOR contra o
ESTADO, conforme aparece na sua fala que transcrevemos na Nota de Rodapé número 13.
O movimento seria, então, o movimento de transformação social revolucionária contra o
capitalismo, que se consubstanciaria sob ltiplas formas de ativismos, dos quais o
ativismo de bairro seria uma forma, para a qual, o Espaço é fundamental:
“No caso do ativismo de bairro, o Espaço não é simplesmente um referencial
indireto ou secundário para as lutas, pouco indo além da condição de suporte
material. Ele é um referencial direto e decisivo, pois define territorialmente a base
social de um ativismo, de uma organização, aglutinando grupos e por vezes classes
diferentes; catalisa e referencia simbólica e politicamente o enfrentamento de uma
problemática com imediata expressão espacial: insuficiência dos equipamentos de
consumo coletivo, problemas habitacionais, segregação sócio-espacial,
intervenções urbanísticas autoritárias, centralização da gestão territorial,
massificação do bairro e deterioração da qualidade de vida urbana. Essa
característica do ativismo de bairro de riqueza de vínculos com o Espaço, essa sua
dimensão ‘telúrica’, é plena de conseqüências (...)” (pg. 42)
Souza, ao indicar então o ativismo de bairro como sendo “uma forma de
ativismo territorializado por excelência”, e a “territorialidade como dimensão catalisadora
de energias de luta popular”, faz coro com outros autores que vêm chamando a atenção para
esta relação entre espaço (recortes, referencias espaciais) e ação (ativismos e movimentos
sociais).
Há ainda que se chamar a atenção para um aspecto crucial nestes trabalhos que
estamos apontando como construtores de uma tendência analítica, a "Geografia das Lutas
Sociais". Mesmo não consolidando categorias específicas sobre os movimentos sociais a
partir de raciocínios centrados no espaço, eles contribuíram decisivamente na proposição de
corpus teóricos espaciais acerca das relações sociais, fortalecendo o status teórico e
ontológico do espo enquanto dimensão fundante das experiências sociais. Assim, além de
56
serem decisivos na afirmação da temática dos movimentos sociais no campo da Geografia,
eles contribuíram também para a afirmação desta enquanto instrumento de leitura das
dinâmicas e dos conflitos sociais, abrindo então caminhos para os estudos que propõem os
movimentos sociais enquanto categorias geogficas ou propõem categorias analíticas
espaciais para a leitura dos movimentos sociais.
2.3. Geo-grafias dos movimentos sociais: Proposições de categorias no
debate Geografia & Movimentos Sociais
A terceira tendência analítica que aqui propomos engloba trabalhos que,
recentemente, vêm investindo na construção de um cabedal conceitual no campo da
Geografia diretamente vinculado aos movimentos sociais. Na verdade, isto já aparecia nas
tendências que acabamos de apresentar, mas, um dado novo se nos apresenta: o esforço de
construção de categorias emergindo da análise dos movimentos sociais. Isto se diferencia
dos esforços analíticos anteriores, em que as teorizações se davam a partir da dimensão
espacial das relações sociais e dos conflitos sociais, e os movimentos sociais eram ou o
objeto da análise ou o motivador das análises onde as categorias eram “aplicadas”. Agora,
as teorizações e as categorias derivam precisamente dos movimentos sociais, constituindo
então instrumentos heurísticos espaciais voltados para a alise dos movimentos, ou, com a
própria proposição dos movimentos sociais enquanto uma categoria geográfica/espacial.
Podemos afirmar que esta tendência se constitui, na verdade, numa extensão do
projeto potico e acadêmico de produção de uma ciência geográfica comprometida com a
transformação do social. Entretanto, embebidos pela historicidade contemporânea, marcada
pela releitura crítica dos discursos utópicos de pretensão totalizante, chamados de “grandes
utopias”, os trabalhos que vêm se colocando este desafio da construção de categorias a
partir dos movimentos sociais são marcados pela busca da construção de referenciais
teóricos que tenham estreitado seus vínculos com as experiências sociais concretas. A
própria valorização dos movimentos sociais como possíveis portadores de utopias, por
algumas tradições discursivas (acadêmicas e poticas) já soa como um apelo à experiência
em sua “concretude” – não que os movimentos necessariamente tenham conseguido
57
consubstanciar os anseios apontados pelas utopias, mas a decepção destas com outros
atores eleva os movimentos. No caso da Geografia, emerge a preocupação com o território
e com as territorialidades (hegemônicas, subalternas, alternativas – elas afirmam na verdade
a fluidez e a transitoriedade do terririo!!), com o espaço e as espacialidades. Os
movimentos sociais vão emergir, em diversas leituras, como potenciais portadores de novas
territorialidades.
Um dos geógrafos brasileiros que mais vem se dedicando nos últimos anos à
construção de categorias de análise dos movimentos sociais a partir do arcabouço da
Geografia é Bernardo Mançano Fernandes. Suas pesquisas sobre o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) já se estendem por quase duas décadas, mas é a
partir de sua tese de doutorado que ganha maior relevo a construção de percursos teóricos
entre os campos da Geografia e da Política através dos movimentos sociais - Alentejano o
aponta como um "pioneiro na busca de uma teoria espacial para a ação dos movimentos
sociais rurais, em especial o MST" (2003, pg. 2). Nos aproveitando dos títulos de alguns de
seus mais marcantes trabalhos, poderíamos afirmar que Fernandes parte de uma Geografia
das Lutas pela terra para interpretar os "movimento sociais como categoria geográfica", o
que os consubstanciaria como "movimentos socioterritoriais".
Para dar cabo de tal tarefa, ele vem nos últimos anos estruturando um amplo
banco de dados sobre a luta pela terra, chamado de DataLuta (Banco de Dados da Luta pela
Terra), desenvolvido no âmbito de seu grupo de pesquisa, o NERA - Núcleo de Estudos,
Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária, fundado em 1998. O DataLuta é desenvolvido em
três versões, DataLuta Brasil, DataLuta MST e DataLuta Pontal do Paranapanema, . A
própria estruturação do DataLuta já nos anuncia que o trabalho tem o MST como foco
principal, mas não o único - nem como forma de organização da luta pela democratização
da terra nem como objeto da análise que se procede. Este ponto é fundamental e tem
conseqüências analíticas profundas, porque vai condicionar uma multiplicidade de
interlocuções para o NERA, que se consubstanciam em diversas assessorias (MST, Via
Campesina) e diversos convênios (CPT, Clacso), que permitem interlocuções constantes e
em diversas escalas (local, regional, nacional e internacional) que não somente aprofundam
58
as análises mas, nos interessa aqui particularmente, condicionam distintos âmbitos espaciais
de análise, permitindo assim a construção de uma geografia marcada pela diversidade.
O DataLuta sistematiza, no espaço e no tempo, dados relativos a ocupações de
terra, acampamentos e assentamentos rurais, violências na/contra a luta pela terra, como
eventos de violência contra pessoas e prisões ocorridas neste processo. A sistematização de
tais elementos subsidia a análise não somente da luta pela terra, mas sobretudo, da ação dos
movimentos sociais. Vamos destacar, no trabalho de Fernandes, 4 movimentos analíticos,
que constituem contribuição crucial em nosso tour pelos debates entre Geografia e
Movimentos Sociais: (i) o binômio Espacialização/Territorialização, dois processos/ações
geográficos estruturantes da análise espacial dos movimentos de luta pela terra; (ii) a idéia
de movimentos socioterritoriais, que são apontados como aqueles que têm o "espaço como
trunfo"; (iii) sua observação, no âmbito destes movimentos, da socialização potica como
uma experiência espacial - que afirma a experiência da política enquanto uma experiência
sócio-espacial; e (iv) sua análise de práticas e estratégias espaciais por parte dos
movimentos, que condiciona diferentes experiências (espaciais) do fazer da potica.
A espacialização e a territorialização da luta pela terra são apresentados por
Fernandes como, a um só tempo, processos e práticas espaciais. Elas emergem, enquanto
fatos espaciais, com a "criação e recriação de experiências" de luta. Ele busca avançar na
utilização de um conceito de espaço que é constituído por (e, ao mesmo tempo, constituinte
das) experiências sociais e, portanto, pensado enquanto diversidade de configurações e
diversidade de experiências
14
- ambas são, assim, resultado de lutas pela criação e recriação
da luta e das próprias formas de luta!
14
O próprio autor afirma buscar “(...) a compreensão dos espaços e dos territórios produzidos/construídos
pelos movimentos. Esses espaços são materializações, se concretizam na realidade, em lugares diversos,
espaços múltiplos. E é posvel mapeá-los de diferentes modos, contribuindo com leituras geográficas. Os
movimentos socioterritoriais para atingirem seus objetivos constroem espaços políticos, espacializam-se e se
territorializam." (Mançano & Silva, 2005, pg. 87)
59
Cada ocupação, cada assentamento, cada momento e cada ato da luta pela terra
será, portanto, uma experiência espacial, criada e recriada a partir de múltiplos referenciais.
A espacialização será, portanto, a (re)criação do movimento nos lugares, cujos conteúdos
60
sócio-espaciais singulares e particulares se refletem na organização do movimento,
interferindo na sua (re)criação. Ou, em suas próprias palavras, a espacialização "(...) é
compreendida pelo processo de produção e crião de espaços de luta para conquistar a
terra" (Fernandes & Silva, 2005, pg. 86), ela "(...) é um processo do movimento concreto da
ação em sua reprodução no espaço e no território" (Fernandes, 2001, pg. 54). Alentejano,
analisando o trabalho de Fernandes, define seu conceito de espacialização como sendo "o
processo através do qual os movimentos sociais rurais fazem avançar a luta pela terra, a
partir da combinação de estratégias múltiplas de mobilização e formação potica" (2005,
pg. 67).
É importante frisar que o trabalho de Fernandes é, todo o tempo, anatico e
afirmativo de um cater político transformador. Tal nculo lhe condiciona um sentido,
que se consubstancia na própria categoria que ele propõe: a espacialização da luta pela
terra, enquanto movimento concreto da ação, é apontada por ele como sendo a principal
forma de transformação da realidade da estrutura fundiária brasileira - contrapondo-se às
perspectivas que apontam as lentas (e, espacialmente quase que pontuais) transformações
como sendo resultantes de um processo de reforma agrária conduzido pelo Estado. E assim
o é exatamente pelo caráter espacial desta luta, pelo caráter transformador do espaço
constrdo no processo de espacialização.
A transformação do espaço é, em essência, a transformação da realidade. E esta
transformação não é apontada como não sendo apenas de caráter fundiário, mas das ordens
de valores, práticas e culturas nos lugares, na verdade transformações de projetos
societários, projetos de território! O espaço é transformado em terririo (movimento
analítico de inspiração Lefebvreana que ele toma de empréstimo também de Raffestin)
através das transformações nas relações sociais: a espacialização não compreende apenas a
apropriação de determinadas porções de terra, mas, essencialmente, a instauração de novas
formas de uso, novas formas de relação entre sociedade e natureza, novas formas de
organização social, novos projetos de uso de um espaço que se torna, assim, território. A
chamada terra de negócio e exploração é transformada em terra de trabalho. Enquanto
mudança nas relações sociais que enseja formas, valores e culturas de apropriação e uso do
espaço, a ocupação - forma-processo-ação que consubstancia esta espacialização da luta
pela terra - acaba por se constituir também em territorizalização:
61
"Os movimentos transformam espaços em territórios, se territorializam, são
desterritorializados e se reterritorializam, carregando consigo suas territorialidades.
A transformação do espaço em território acontece por meio da conflitualidade,
definida como estado permanente de conflitos no enfrentamento entre forças
políticas que procuram criar, conquistar e controlar terririos. A criação ou
conquista de um território acontece com a desterritorialização e com a
reterritorialização de outro. O território é espaço de dominação e resistência e por
essa razão carrega em si sua contradição." (2005, pg. 87)
Desta forma, incorpora-se uma noção de território como sendo locus de disputas
e contradições em ato.o é uma forma (ou fórmula "mecânica" das relações sociais) em
absoluto, que é reproduzida em cada lugar que o movimento da luta pela terra se
consubstancia, mas sim, um território da disputa permanente, com o sentido da
transformação destas relações sociais. Esta noção "dinâmica" do processo de
territorialização do movimento é, de certa forma, uma resposta à crítica feita por Alentejano
uma imagem do terririo do MST (ocupações e assentamentos) em que este aparece como
algo constituído em absoluto por relações já definidas por um projeto único, claro e
definido. Segundo este, não é a territorialização que forma território (espaço como trunfo)
como afirma Fernandes, porque não é donio de poder do movimento, como se este
organizasse o espaço e comandasse as práticas aí efetuadas, mas sim, espaço de
contradições e disputas cuja organização deriva de comandos emanados da ordem
capitalista (através do Estado) e comandos contestadores desta ordem - de que Alentejano
distingue aqueles oriundos dos projetos societários hegemônicos nos movimentos sociais de
luta pela terra (com destaque aí para o MST), e aqueles oriundos dos próprios agricultores
assentados, que por conta das especificidades (diria eu, espacialidades) de suas trajetórias e
vivências sociais, se distinguem, no cotidiano, daqueles propostos pelo (comando do)
movimento. Alentejano é taxativo quando afirma que
"Analisando comparativamente os assentamentos, percebemos que o uso do
espaço está diretamente relacionado com a história e perspectivas dos assentados,
mas essas perspectivas são construídas sob a influência dos projetos desenvolvidos
pelo poder público. (...) Os projetos públicos para o espaço (legislação municipal,
ambiental e fundiária) chocam-se com a territorialidade construída pela
comunidade local (...)". (2003, pg. 195)
Absoluto ou objeto de contradições e de conflitos, nos convém reter que a
transformação de espaço em território a que alude Fernandes comporta, efetivamente (i) a
proposição e a luta pela transformão e por outros projetos de espaço e território e (ii) que
isto é, incontestavelmente, um elemento fundamental na constituição das estratégias e das
racionalidades do movimento. Este último aspecto é fundamental, porque afirma o espaço
62
como um dado informador da ação do movimento, o que ele vai sistematizar através da
idéia de que os movimentos sociais que assim atuam são, na verdade, movimentos
socioterritoriais, aqueles que têm o espaço como trunfo - segundo movimento analítico
fundamental em nosso diálogo com Fernandes. Isto implica, necessariamente, um mergulho
na relação sujeito-espaço, e a afirmação de que esta relação perpassa a constituição das
racionalidades e estratégias. Aqui, é providencial a distinção que ele traça entre
movimentos socioterritoriais e movimentos socioespaciais, estes últimos, movimentos que
lutam por dimensões, recursos ou estruturas do espaço geográfico, mas não tomam o
espaço, transformado em território, como um trunfo em sua luta.
A idéia do espaço/território como trunfo concebe que a experiência da luta (ou,
poderíamos afirmar, a experiência do fazer da potica) é uma experiência espacial. O
espaço se torna trunfo ao se tornar território, portanto, por ser ele a base da criação e
recriação das experiências de resistência e transformação das relações sociais. É nas
relações sociais e nas ações de luta, experiências de espaço, vivenciadas nos territórios do
movimento e da luta pela terra, que é constrda e reconstrda (através de conflitos) a
própria consciência, enquanto aprendizado que se dá num processo histórico de construção
dessas experiências de resistência. Tal movimento analítico é fundamental em nossa
proposta das 7 dimensões de espacialidade dos movimentos sociais, pois aponta para o fato
de que a materialização dos movimentos, uma das dimensões que apontamos, é
indissociável da produção de sentidos no fazer da potica, indo portanto além da dimensão
material do espaço geográfico!
O espaço convertido em território emerge como algo fundamental para a
realização de um movimento social enquanto portador de potencial transformador da
sociedade, por ser essa conversão que permite a experiência de uma socialização que é
educadora, que é difusora de novos valores e projetos societários - ainda que estes sejam
objeto de tensões e conflitos constantes, conforme nos alerta Alentejano, devido às
diferentes experiências anteriores de que são portadores os indivíduos, os "homens e
mulheres de carne e osso" que constroem cotidianamente o movimento. O fazer da potica
aparece, então, não somente enquanto experiência de espaço, mas (talvez, até,
tautologicamente) como experiência/aprendizagem do próprio fazer potico! Este caráter
vai condicionar esforços de construção destes territórios enquanto "espaços de socialização
63
potica", lugares onde, através de práticas (diretamente concebidas para este fim ou não)
permitem a vinculação entre consciência e ação potica. São espaços de vivência,
interação, (i) constrdos para este fim, fortalecidos por outros lugares e momentos que
funcionam como (ii) "arenas ocultas" de socialização política que se complementam por
todo o (iii) cotidiano do fazer da luta. Fernandes decome tal experiência espacial em 3
dimensões, que têm relação com o fluxo da experiência potica do indivíduo no tempo:
1. a do espaço comunicativo - que ele aponta como sendo as primeiras reuniões das quais
participam os sem terra, momentos e espaços de socialização construídos com o fim de
politização, organizados institucionalmente: é “o momento da apresentação, do conhecer-se
e da definição dos objetivos”;
2. a do espaço interativo - que são outros momentos e espaços de socialização onde se dão
processos de aprendizado através da interação baseada na troca de experiências,
conhecimento e trajetórias de vida, fundamentais para a "conscientização da condição de
expropriados e explorados, [base da] construção da identidade sem terra" (de forma que “a
vida é experimentada como produtora de interações”), e para que se desenvolvam "as
condições subjetivas por meio do interesse e da vontade, reconhecendo seus direitos e
participando da construção de seus destinos", o que transforma esses espaços em
3. espaços geradores de sujeitos construindo suas próprias experiências - que são os
momentos e lugares onde e quando os sem terra vão, através de reuniões e diversas
atividades que podem durar meses ou até anos, e envolvendo um município, vários
municípios ou até mais de um estado – ou seja, as espacialidades diversas da construção do
movimento -, definir e redefinir suas estratégias de luta e atuação. É o fluxo contínuo do
movimento em luta, que é a ação e a reflexão como sendo indissociáveis e constantes.
Esta iia da socialização potica enquanto experiência espacial, de certa forma,
já aparecia na fala de Scherer-Warren (1993), quando a autora enfatizava a
experiência/vivência comunitária como estratégia de refundação da experiência potica no
MST, que emerge, segundo ela, como uma crítica à experiência autoritária que marca a
potica na América Latina. Vejamos esta sua passagem:
"A afirmação de novas relações societárias dá-se através da reapropriação política
do sentido das relações comunitárias. Estes movimentos crêem no poder da força
comunitária para a constituição histórica do grupo. É neste sentido que o
64
Movimento dos Sem Terra criou uma nova forma de fazer política e de vida
societária: os acampamentos coletivos. Enfatiza-se, neste caso, a importância das
relações comunitárias como forma de luta e como modo de vida." (Scherer-
Warren, 1993, pg. 55, grifo da autora)
Tal iia é desenvolvida por Fernandes através da enunciação e decomposição
dos momentos e dos lugares (mais do que nunca geográficos, mais do que nunca sociais)
em que se dão os aprendizados para a prática da potica/luta, através da comunicação.
Além das ocupações, acampamentos e assentamentos, que já podem ser apontados como
"territórios", como "trunfos conquistados pelo movimento em sua espacialização e
territorialização, ele enuncia que
"As Comunidades Eclesiais de Base - CEBs -, os sindicatos de trabalhadores
rurais, as escolas e as próprias moradiaso alguns dos principais lugares e
espaços sociais onde se realizam as reuniões dos trabalhos de base." ( Fernandes,
2001, pg. 54)
Esta relação de lugares remete (não exclusivamente, mas também) a momentos
de socialização potica para a luta antes mesmo da constituição dos territórios-trunfos do
movimento. Esta se coloca, então, como anterior enquanto criação, e presente nos
territórios-trunfo enquanto recriação da experiência potica, experiência que é, a um
tempo e indubitavelmente, individual e coletiva. Este aspecto é crucial, pois Fernandes
explora o quanto expectativas e divergências individuais podem interferir numa ação
coletiva, por exemplo, de realização de uma ocupação. Por isso a socialização é contínua no
tempo, até que se configurem quadros de disposição e envolvimento coletivo - quadros
onde se produzam convergências nas disposições para a ação, constrdas nas/pelas/através
das experiências poticas (espaciais) dos diferentes indivíduos. Ou seja, as distintas
vivências não podem ser uniformizadas, mas sim, unificadas, feitas convergir numa ão
que se torna, através desta convergência, uma ação coletiva.
A consideração das ações coletivas como momentos de convergência de
diferentes experiências (espaciais) de luta nos coloca diretamente o desafio de pensar não
somente os espaços constrdos com o fim de socialização potica, mas também os
impactos nesta socialização, dos atos de luta do movimento, como as ocupações de terras,
mas também as marchas e caminhadas, as ocupações de prédios públicos, as manifestações
em frente a agências bancárias e shopping centers, etc., e, sobretudo, os canais de
interlocução junto aos órgãos de poder. Cada uma destas ações confronta diretamente quem
as vivencia a um interlocutor (que, não necessariamente, é seu antagonista mais direto),
65
além de serem pensadas como atos sensibilizadores da "opinião pública", para assim
pressionar órgãos públicos municipais, estaduais e/ou federais. São, portanto, múltiplas
experiências espaciais da luta, do fazer da política:
1. para quem as concebe (aqueles que participam do que Fernandes chama de
"espaços de socialização propositiva"), a vivência da construção da melhor estratégia
(espacial), na definição (i) da repercussão almejada, (ii) do ato e do cenário (local) do ato a
ser executado, e (iii) do interlocutor a ser mobilizado - tais definições são cruciais para o
alcance dos objetivos e dos impactos (espaciais) desejados e planejados;
2. para quem participa delas (sem estar presente na concepção), elas funcionam
ao menos como momento de socialização potica, o que envolve também dimensões
espaciais intrínsecas - por exemplo, participar de uma marcha nacional para Brasília
envolve não apenas um deslocamento físico em escala nacional, mas também, encontros e
trocas de experiências entre indivíduos de diferentes locais e regiões, que proporciona uma
visão, um sentido nacional de uma luta individual ou local, assim como a consciência e a
expectativa de uma repercussão nacional (que pode ser percebida e/ou mensurada e/ou
compreendida pela cobertura do Jornal Nacional!!) e de respostas nacionais dadas por
interlocutores nacionais.
Este último exemplo se nos apresenta como bastante interessante porque ele
aponta para uma ação que é, neste ato, manifestamente nacional e que mobiliza uma ordem
de materialização que é nacional - cuja base são os próprios deslocamentos dos
trabalhadores. Há a convergência destes deslocamentos para um palco que é, em sua
própria razão de existir, o lócus do poder nacional, apesar de ser, enquanto lócus, também
um lugar - uma dupla condição de existência deste lugar no espaço da política. Uma outra
possibilidade de alcançar uma repercussão sem recorrer ao mesmo expediente, bastante
utilizada pelo MST é a realização de atos (que podem ser iguais ou distintos, porém
combinados) simultâneos em diferentes estados, como forma de buscar uma relação com a
escala de poder federal/nacional
15
. Esta co-ordenação (no sentido de ordenação conjunta,
15
Fernandes nos informa sobre isso quando enuncia que "No curso das experiências, os sem-terra passaram a
combinar várias formas de luta. Essas acontecem em separado ou simultaneamente com as ocupações de terra.
São as marchas ou caminhadas, as ocupações de prédios públicos e as manifestações defronte as agências
banrias. Esses atos intensificam as lutas e aumentam o poder de pressão dos trabalhadores na negociação
com os diferentes órgãos do governo." (2001, pg. 70-71)
66
articulada) dos atos os distingue em (atos,ões e mesmo os próprios movimentos)
"isolados" e "espacializados", estes últimos, na verdade, voltados para a produção de
diferentes ordens de impactos e desdobramentos, o que nos permite a dissociação entre a
"escala da origem" e a "escala dos impactos" (voltaremos a esta distinção mais adiante),
que podem ser, ambas, distintas da "escala do ato".
A dissociação entre as escalas da origem, dos atos e dos impactos na ação do
MST - tal qual ele nos é apresentado por Fernandes - ganha sua máxima extensão quando o
movimento consegue operar "saltos escalares", p. ex., a instauração de desdobramentos
nacionais a partir de ações locais, na verdade, articulando escalas. Voltaremos a isso mais
adiante, pois, o que nos interessa reter aqui é o fato de que tais operações são resultantes de
ações planejadas, de estratégias, de racionalidades (espaciais) que são, em suma, fruto de
conhecimentos adquiridos por militantes em suas experiências (espaciais) do fazer da
potica! Só é possível planejar e executar um ato "local" lhe atribuindo caráter e
desdobramentos "nacionais" quando de posse dos conhecimentos sobre como fazê-lo, quais
os capitais, os instrumentos, os interlocutores a mobilizar. Tais conhecimentos são recursos,
são capitais dos movimentos que se fazem presentes através de seus militantes. Estes são,
portanto, os portadores destes capitais, e os adquiriram em suas trajetórias, em suas
experiências de militância nos movimentos. Tais capitais são fundamentais, desde que
sejam mobilizados nos lugares (arenas) certos! Um acampamento dificilmente será o lócus
de decisão de uma marcha nacional - a não ser que, num determinado momento,
excepcionalmente seja mobilizado para tal. Ou seja, há uma organização racionalizada das
arenas, ou, das esferas institucionais do movimento, que define onde tais capitais serão
mobilizados e onde tais decisões são planejadas e definidas:
"Os espaços produzidos pelos movimentos socioterritoriaiso diversos eo
constituídos de acordo com as suas ações. Esses movimentos constroem espaços
de socialização política
e espaços de socialização propositiva, onde geram práticas
O autor propõe, a partir disso, a distinção analítica entre "ocupação de uma área determinada" e "ocupação
massiva": "No primeiro tipo, a ocupação é realizada com o objetivo de conquistar somente a área ocupada.
Portanto, as famílias são mobilizadas e se organizam para reivindicar a terra ocupada. Havendo famílias
remanescentes, iniciam uma nova luta para conquistar uma outra área. Cada ocupação resulta na conquista de
um assentamento. A lógica da organização das famílias é mobilizar conforme as áreas reivindicadas. Essa
gica muda com as ocupações massivas. Nesse caso, os sem-terra superaram a condição de ficarem limitados
ao tamanho da área reivindicada. O sentido da ocupação deixou de ser somente a conquista de determinada
área, e passou a ser o assentamento de todas as famílias, de modo que uma ocupação pode resultar em vários
assentamentos." (idem, pg. 72, grifo nosso)
67
de seu desenvolvimento. A construção de espaços políticos, sociais, culturais e
outros acontecem em diferentes lugares e territórios. A construção desses espaços
e seus dimensionamentos são essenciais para as ações dos sujeitos que procuram
transformar a realidade. Não existe transformação da realidade sem a criação de
espaços." (
Fernandes & Silva, 2005, pg. 89, grifos nossos)
Esta organização racionalizada dos espaços institucionais é, para nosso
movimento analítico, uma forma de organizar diferentes possibilidades de experiência
(espacial) do fazer da potica no movimento! As experiências (espaciais) do fazer da
potica das "lideranças nacionais" (ou "regionais"), base para as tomadas de decisões
estratégicas, esbarram e se chocam com vontades e disposições dos trabalhadores que
materializam o movimento, estes orientados por suas experiências "locais". É este choque
que nos traz Alentejano, como assinalamos anteriormente, em sua crítica à idéia de que
invariavelmente as práticas de apropriação de espaços pelo movimento - ocupações,
acampamentos e assentamentos - constituem territórios, enquanto espaços de domínio de
poder de ordenamento das relações sócio-espaciais cujos moldes são os determinados "pelo
movimento". Quando ele aponta que há choques entre os projetos societários hegemônicos
nos movimentos e aqueles projetos decorrentes das experiências dos próprios agricultores,
ele está nos oferecendo a idéia de um "choque espacial", um atrito entre visões, projetos e
comandos resultantes de diferentes experiências (espaciais) do fazer da potica, afirmando
assim o fazer da política enquanto (fruto da) experiência espacial.
* * *
Dentre os geógrafos brasileiros que se colocam a tarefa de produção de
categorias de análise dos movimentos sociais a partir do cabedal da Geografia, outro cuja
leitura é indispensável é Carlos Walter Porto Gonçalves. Seu trabalho, vinculado ao GT
“Hegemonias e Emancipações” da CLACSO, busca a construção de uma agenda de
pesquisa sobre os movimentos sociais a partir de lentes geográficas, agenda esta por ele
denominada "geograficidade dos movimentos sociais". Esta agenda tem, em sua
centralidade, a construção do conceito-síntese de "natureza sócio-espacial" dos movimentos
– ou, sócio-geográfica, que representa a inscrição geográfica de um movimento ou de um
conflito. Enquanto conceito-síntese, a natureza sócio-geográfica dos movimentos sociais
não busca uma única dimensão espacial dos movimentos, fruto de uma decomposição
analítica de diversas possibilidades de leitura espacial de aspectos dos movimentos, mas
68
sim, opera através de complexa observação e ponderação acerca de alguns pilares
interpretativos que, combinados, permitem identificá-la e defini-la.
Um longo percurso investigativo vem sendo trilhado para alicerçar esta
proposição. Destacamos, aqui, dois marcos - “momentos” ou, “trechos” - deste (nada linear,
cumulativo ou evolutivo) percurso: (i) a sua tese de doutorado, publicada na forma do livro
Geografando nos Varadouros do Mundo”, onde ele explora o conflito (social, ou, de
territorialidades) entre seringalistas e seringueiros no Acre; e (ii) a investigação que ele
procede através do projeto “Geografia dos Conflitos Sociais na América Latina e Caribe”,
calcada na análise dos cadastros do Observatório Social da América Latina e Caribe
(OSAL/CLACSO), que coleta um conjunto de dados sobre movimentos e formas de
ativismo social, a partir dos quais se processa uma espiral analítica que articula a
observação dos dados coletados, a análise destes dados, a proposição e aplicação de
categorias analíticas e a proposição de novas formas de estruturação do próprio banco de
dados. Ou seja, à medida que as análises vão sendo feitas sobre os dados, a construção de
categorias analíticas o raramente impulsiona propostas de redefinição da forma como os
dados são coletados e organizados, visando o seu aprimoramento e a abertura de novas
frentes de pesquisa e reflexão – esta, em constante diálogo direto com os próprios
movimentos sociais. A retro-alimentação entre a teoria e a “realidade empírica” é, portanto,
uma condição e um objetivo no processo investigativo. Este vínculo representa na verdade
um compromisso potico de construção de um conhecimento voltado para a transformação
e para o fortalecimento dos próprios movimentos, relação que faz parte da trajetória do
autor e da forma como ele se envolveu com esta temática, que é a própria participação junto
aos movimentos sociais – destaca-se, em sua trajetória, um longo período na Amazônia
junto aos seringueiros no período em que tinham como um dos líderes Chico Mendes, com
quem Porto-Gonçalves conviveu na prática do fazer da potica, e assessorou durante bom
tempo. Portanto, articular, e não fragmentar – como o positivismo fez com a ciência –, é a
operação lógica subjacente à estruturação do conceito de natureza sócio-geográfica,
operação que aparece em todos os postulados e momentos de sua proposta analítica.
É com esta diretriz que Porto-Gonçalves parte de (ou, trabalha pela construção e
afirmação de) um conceito de espaço que se caracteriza pela indissociabilidade analítica
entre a materialidade da configuração espacial, a natureza, e os constructos sociais,
69
econômicos e poticos – aspectos que comumente são separados nas tradições de
pensamento da Geografia. Tal concepção emerge com vigor, por exemplo, na passagem em
que ele coloca que
"(...) a colocação-seringal, além de um habitat, enquanto espaço de vida (que é) é,
também, um habitus (Bourdieu), implicando, portanto, um lugar onde certas
práticas e determinados comportamentos corporificados emprestam sentido à vida.
Aqui os corpos dos agricultore(a)s-seringueiro(a)s carregam, portam, com seus
ritmos, gestos, hábitos e costumes os seus valores e objetivos/sentidos." (pg. 236)
Esta concepção, que já vem se fazendo presente em outros trabalhos anteriores
do autor, (como, p. ex., no livro “Os (des)caminhos do meio ambiente”), o leva a apontar
que a sociedade, ao se constituir, constitui, no mesmo movimento, o seu espaço que é,
portanto, "parte" e "todo" deste processo - o espaço geográfico não apenas reflete os
movimentos, processos, contradições e conflitividades do jogo social, porque ele não é uma
instância separada da vida social. É neste sentido que Porto-Gonçalves mostra em sua tese
de doutorado como a constituição, em torno da economia extrativa do seringal, de uma
clivagem social entre o seringalista (dono do seringal, ou, "Coronel de Barranco") e o
seringueiro (simbolizado pela idéia do "Seringueiro Autônomo", trabalhador que é, a um só
tempo detentor/vendedor de sua força de trabalho e detentor dos conhecimentos necessários
à atividade; parte destes trabalhadores - os chamados "mateiros"- são, inclusive, detentores
dos conhecimentos sobre a natureza) se expressa num conflito entre territorialidades,
formas de organizar o espaço: a territorialidade seringalista e a territorialidade seringueira,
na verdade duas formas distintas de se relacionar com a natureza. É a partir disso que ele
vai afirmar os movimentos como sendo “experiências de conformação de novas
territorialidades a partir de diferentes topoi e suas diferentes epistemes”.
Esta conflitualidade é regulada - em seus ritmos, manifestação e intensidade -
pela dinâmica da historicidade da borracha no mercado mundial no processo de
industrialização, o que configura relações de regulação entre lugares, uma "(...) divisão
social do trabalho que se instaura entre Londres e Xapuri, entre Nova Iorque e Tarauacá,
entre Amsterdã e Feijó, entre Hamburgo e Cruzeiro do Sul (...)" (pg. 144).
O choque de territorialidades entre seringalistas e seringueiros é um choque
entre lógicas de reprodução social (da "pluriatividade" baseada no uso múltiplo dos
recursos naturais voltada para os diferentes valores de uso do seringueiro à monocultura do
70
látex, expressão do valor de troca que impulsiona o seringalista), lógicas de repartição dos
diferentes tipos de riqueza social (não só da concentração dos lucros com a extração e
comércio do látex, mas da própria redução e concentração do amplo espectro de
possibilidades exploratórias dos conhecimentos tradicionais, aos quais o autor chama de
"matrizes de racionalidade indígeno-caboclas", que são então destinados apenas ao látex).
Tal clivagem social é, portanto, "(...) a emergência de classes e segmentos de classes sociais
que se instituíam no mesmo processo em que definiam seu lugar e, assim, conformavam, na
relação/na luta, o seu espaço." (pg. 138) Desta maneira forma-se
"(...) uma microgeografia do poder que organiza o espaço no mesmo movimento
que organiza a hierarquia das relações sociais" (pg. 143),
do que emerge
"(...) uma noção de territorialidade que aparece diretamente vinculada à própria
conformação da natureza e à importância da floresta como recurso produtivo."
(Lucia Cunha, apud Porto-Gonçalves, pg. 242)
Sendo a clivagem social (que funda as lutas/conflitos sociais) ela mesma, um
fato inescapavelmente espacial, as lutas/conflitos são também espaciais – conflitos de
territorialidades. O movimento social será, portanto, também um fato espacial. É assim que
a concepção de geograficidade do social, esforço central na proposta de Porto Gonçalves,
aparece na análise dos movimentos sociais a partir da própria significação do que é um
movimento. O autor busca na física a idéia de que movimento é a mudança de posição - no
caso dos movimentos sociais, mudança de posição social e posição geográfica, visto que a
posição social compreende estruturas de relações sociais que se dão no (e, grafando o)
espaço, constituindo uma "ordem espacial hegenica". Os movimentos são então cruciais
no debate sobre a geograficidade do social por serem portadores de potenciais novas
relações (espaço-)sociais, relações sociais que ao serem baseadas na não verticalização, na
democracia na autonomia, abalam pilares instituintes das geografias do mundo
contemporâneo. Esta possibilidade de construção donovo pelos movimentos é
exatamente o cerne de sua “natureza sócio-geográfica”.
A natureza sócio-geográfica pode ser vista, então, enquanto instrumento heurístico e
também enquanto dimensão utópica dos movimentos, na medida em que os aponta como
potenciais portadores de possibilidades de construção de um outro mundo a partir de sua
espacialidade. Estabelece-se, portanto, uma relação analítica (e,
71
e
evidentemente, potica) entre espacialidade e relações sociais que, dentro dos movimentos
72
sociais, é a relação entre as suas espacialidades e o estabelecimento de ordens e relações
democráticas. A identificação destas espacialidades se dará pela identificação destas
ordens, das formas de relações intrínsecas aos movimentos, enfim, de diversos elementos
que enunciam (ou não) as possibilidades de instauração do novo pelos movimentos. Sua
compreensão parte, portanto, da análise de diversos atributos dos movimentos, atributos
que aparecem como chaves de leitura das relações estruturantes dos movimentos e, a partir
das quais, se constrói o novo, a transformação. Estes atributos vão, então, constituir uma
matriz de informações de cuja análise emerge a natureza sócio-geográfica dos movimentos.
Cabe ressaltar que a natureza sócio-geográfica resultante é, na verdade, uma
abertura de perspectiva anatica: não há o remetimento prévio a uma estrutura conceitual
de classificação espacial fechada, há o uso de instrumentos heurísticos de intelecção e
representação espaciais, como rural, urbano, local, regional, nacional, internacional, etc.
Estes, sendo qualificativos espaciais (há flagrante inflncia do conceito de formação
sócio-espacial, ou sócio-econômica, que condiciona a compreensão de rural e urbano como
distintas formas de organizar, perceber e viver o espaço), ou configurações escalares,
podem ainda ser combinados na definição da natureza sócio-geográfica de um caso de
movimento social específico - um conflito pode ser classificado, quanto à sua "Natureza
cio-Geográfica" como Rural e Local, ou Urbano e Nacional, por exemplo. Como o autor
ressalta a relação de imanência entre espaço geográfico e sociedade, negando
analiticamente a idéia de que um possa de alguma forma preceder o outro, o importante não
é o termo a ser utilizado, mas sim, o processo analítico, onde as qualificações serão
constrdas
16
. É no processo de análise que se revela a riqueza do conceito de natureza
sócio-geográfica e sua contribuição para a compreensão dos movimentos sociais.
16
“Nesses diferentes movimentos com potencial emancipatório é possível identificar algumas características
importantes, como (1) a luta pela apropriação das suas condições materiais de produção (água, gás, energia,
biodiversidade, terra, só para ficarmos com as explicitadas) assim como da criação das condições para sua
própria reprodução simbólica (escolas, universidades livres, rádios comunitárias, posses de rappers). Na
junção dessas duas dimensões é que a invenção de territórios ganha sentido, na exata medida que comporta as
dimensões material e simbólica geograficamente conformadas. Além disso, a formação social que enseja a
existência desses movimentos implica, como vimos insistindo, (2) a conformação simultânea de grupos,
segmentos, classes, etnias, comunidades, estamentos, camadas, enfim, distintas formações de sujeitos sociais
que buscam se realizar por meio de diferentes escalas e conformações territoriais. Walter Mignolo
caracterizou essa multi-escalaridade como histórias locais e projetos globais que se conformaram
reciprocamente.” (Porto-Gonçalves, 2006, pg. 32, grifo nosso)
73
Ao invés de uma classificação enquanto fim, portanto, ele aponta para a
(re)qualificação constante dos termos classificatórios. Rural e urbano não são então termos
que por si contemplam todas as realidades e definem a priori naturezas sócio-
geográficas: eles são indicativos de formações, de formas de relação entre sociedade e
natureza, de padrões de organização social, de sociabilidade e de territorialidades – que
precisam ser “abertos” a cada caso. O rural, para Porto-Gonçalves, compreende formações
sócio-espaciais onde o que se destaca é "a forma do homem se relacionar com a natureza".
Ele ressalva que não há homogeneidade nas formações sócio-espaciais rurais, ao contrário,
elas são ltiplas e diversas "experncias humanas". Entretanto, ele utiliza como critério
para a inserção destas diversas experiências dentro da mesma "rubrica" é "uma relação de
pertencimento e não de exclusão entre sociedade e natureza". Isto se dá pelo não primado
da razão, da técnica e da civilidade em diversas formações sócio-espaciais rurais que,
dentro de uma visão moderno-colonial eurocêntrica são classificadas como primitivas, ou,
atrasadas - ele cita quilombolas, Xavantes, Quíchuas, camponeses nordestinos, povos
mades do Saara, pescadores do Peru, Mapuches, etc. São experiências de populações que
"tem uma relação com a natureza totalmente diferente das sociedades modernas e sua
organização pressupõe um conhecimento construído na relação direta com os ciclos e
fenômenos da natureza, da qual eles são parte." Neste sentido, mesmo o campesinato
moderno, cuja reprodução pode depender parcialmente da venda de sua força de trabalho
em sistemas de exploração, é aquele grupo que, por trabalhar diretamente com a (ou, na)
natureza,
"(...) mediante processos de luta, negociação e possibilidades, ele pode conseguir
garantir diferentes margens de manobra para construir um projeto de autonomia.
Mesmo vivendo dentro de uma relação desigual, esse campesinato ainda vive do
trabalho na terra e não podemos nos esquecer que a maioria das suas lutas é para
conquistar efetivamente sua autonomia política, econômica e cultural, com o
objetivo de instituir sua própria territorialidade, que nesse caso, possui pelo menos
alguns dos parâmetros traçados por nós neste texto." (2005, pg. 20)
Já o espaço urbano, por sua vez, se caracteriza, acima de tudo, pela instauração
de formas de sociabilidade distintas, resultantes da instauração absoluta das mediações da
técnica, da divisão do trabalho e da racionalidade na relação entre sociedade e natureza. É
neste sentido que o urbano
“(...) entendido como um produto sócio-espacial, possui uma força aglutinadora,
como podemos observar em relação ao processo de industrialização e urbanização.
74
O urbano aglutina pessoas, capital, instituições financeiras, indústrias, comércio,
meios de produção, casas, portos, museus, centros administrativos, órgãos do
Estado, empresas, sindicatos, etc. O urbano concentra as instituições políticas,
econômicas e culturais que se colocam como hegemônicas na sua relação com
outros grupos/classes sociais (trabalhadores, camponeses, oligarquias rurais,
pobres urbanos, etc.); é o lugar dos centros de decies, de onde parte o controle
da produção, as decisões políticas, de produção de subjetividade (produção de
desejos, necessidades e símbolos hegemônicos) produção de modas e culturas de
massa. Ao mesmo tempo o urbano é o lugar do encontro entre as pessoas, encontro
das diferenças, das festas, das culturas populares, das práticas de resistência ao
poder hegemônico que se dá nos corpos, no tempo e no espaço. Enfim, o espaço
urbano é uma multiplicidade de sujeitos, instituições e práticas que se relacionam,
entram em tensão, em conflito e também produzem novas práticas e relações entre
as pessoas." (Idem, ibidem, pg. 22-23)
Assim, a inscriçãocio-geográfica não diz respeito ao local de materialização
do conflito ou do ato no conflito, ela tem a ver com a "natureza" (de onde nasce) da luta,
que ao estar relacionada ao espaço urbano ou rural, revela sua natureza sócio-geográfica. É
neste sentido que situações reveladoras de lutas e conflitos podem ocorrer no urbano, mas a
natureza sócio-geográfica da luta ser rural: é o exemplo de manifestações de pescadores,
indígenas ou camponeses que realizam atos e manifestações em áreas centrais de
metrópoles - ou, mesmo, em shopping centers, como já foi o caso do MST com o shopping
Rio Sul no Rio de Janeiro -, mas a natureza sócio-geográfica destes movimentos e destas
lutas são rurais, pois é neste espaço que estão as contradições que dão origem à luta (que
conforma estas contradições!). Isso pode indicar a percepção de uma hierarquia da
organização do espaço, que informa o exercício e os jogos de poder e da política pelos
diferentes atores - no caso, o movimento social.
Porto-Gonçalves, entretanto, aponta e busca superar limites da divisão
rural/urbano enquanto instrumentos de apreensão da natureza sócio-geográfica dos
movimentos e das lutas sociais. Ele chama a atenção para situações (i) onde conflitos e
movimentos "não tem a geograficidade como causa fundadora", situações que
"transcendem o espaço, ao mesmo tempo em que de alguma forma, está inscrita nele" - ele
exemplifica com o movimento feminista, cuja luta está tanto no rural, quanto no urbano, ela
está, na verdade, inscrita no corpo!
17
; (ii) conflitos que mobilizam tanto o rural quanto o
17
Agregaríamos aqui a observação de que estas lutas têm geograficidades que estão inscritas no corpo mas
isso não nega o fato de que ela conforma também lugares (assim como momentos, ou, contextos de
interação), lugares onde o corpo – ou, esta corporeidade – importa e lugares onde esta corporeidade não
importa, não é um dado mobilizado enquanto regulador de relações sociais. As lutas o feminismo e do anti-
racismo são marcadas, portanto, por uma complexidade que conforma padrões espaço-temporais fluidos. Mas,
75
urbano, conflitos que têm a geograficidade enquanto dimensão fundante, mas que não são
apreensíveis por esta forma de percebê-la. É neste ponto que os raciocínios escalares se
tornam cruciais para a definição da natureza sócio-geográfica, permitindo a apreensão da
natureza sócio-geográfica de movimentos e conflitos que estão tanto no rural quanto no
urbano, fugindo a esta di-visão, mas se remetendo ao espaço de outras formas. Torna-se
crucial, entretanto, discernir dois aspectos inerentes à inserção dos raciocínios escalares na
construção da natureza sócio-geográfica por Porto-Gonçalves, duas considerações que
devem ser agregadas ao uso do conceito de escala pelo autor. Um primeiro, diz respeito ao
fato de que, ao definir recortes espaciais do acontecer solidário, as escalas permitem a
agregação do urbano e do rural, analiticamente dissociados até aqui. Rural e urbano
conformam escalas locais, regionais, nacionais e mundiais. Mas, em segundo, enquanto
arenas ou níveis de organização e regulação do jogo político, Porto-Gonçalves vai apontar
as escalas poticas como sendo a extensão da importância, da intensidade e da mobilização
(transformadora) dos movimentos sociais. Movimentos sociais vão buscar redefinir suas
escalas, através de sua força potica (definida pela sua capacidade de articulação e seu grau
de organização), e, com isso, redefinir as escalas poticas dos conflitos:
"A capacidade de articulação e organização são cruciais para definir a escala
política do conflito. Os seringueiros são um exemplo de como um movimento
social que se manifesta localmente e regionalmente conseguiu alcançar uma escala
política mundial através das suas articulações políticas e com a mídia. Exemplo
semelhante é dos Zapatistas, que se lançaram em redes comunicacionais e com
isso conseguiram uma visibilidade que lhes permitiu uma série de articulações
políticas que viabilizam sua luta." (2005, pg. 32)
Neste sentido, ele propõe uma redefinição conceitual da própria escala tal qual
ela vem sendo debatida/constrda/utilizada na Geografia: da dualidade entre a escala
cartográfica (relações matemáticas que permitem a cartografagem dos fenômenos) e a
escala geogfica (área de ocorrência dos fenômenos no espaço real), ele propõe uma
terceira vertente, a escala potica, que seria a possibilidade de "apreender a capacidade de
articulação, organização, magnitude e inserção social de um conflito e dos movimentos
sociais". É neste sentido que um movimento pode, através da sua capacidade de articulação
e de organização, redefinir a própria natureza sócio-geográfica de sua luta: aqui, mais do
que em qualquer outro ponto de sua análise, a natureza sócio-geográfica aparece como
concordamos com Porto-Gonçalves que rural e urbano não são categorias eficazes para apreender esta
complexidade.
76
instrumento analítico e enquanto dimensão “utópica”! Daí a importância de constituição de
categorias de leitura, indicativas dos instrumentos que os movimentos podem mobilizar na
sua luta pela redefinição de territorialidades. Estas categorias serão os atributos da “matriz”
que constrói a natureza sócio-geográfica.
Os atributos analisados são (1) motivo/objeto do conflito, (2) protagonistas, (3)
antagonistas, (4) tipos de organização e (5) formas de manifestação, que, analisados
combinadamente, permitem a definição da (6) natureza sócio-geográfica. Faremos aqui
algumas breves digressões acerca de cada um destes atributos, trazendo exemplos de
possíveis caracterizações em cada um deles, mas, acima de tudo, tentando compreender a
contribuição que cada um deles traz na elaboração de raciocínios espaciais visando a
conformação da natureza sócio-geográfica dos movimentos sociais:
1) MOTIVO/ Objeto Do Conflito: Questões Trabalhistas (Emprego, Salário, Condições de
Trabalho), Terra, Território, Prodão Agrícola, Habitação, Saneamento,
Transporte, Energia, Segurança, Direitos Humanos, Saúde, Educação,
Previdência, P.A.E., Privatização, Soberania, Corrupção, Anti-Sistêmico,
Recursos Naturais/ Meio Ambiente, etc.
Os “motivos” são os objetivos gerais e/ou espeficos do processo de conflito dos
Movimentos Sociais, nas suas trajetórias de afirmação/territorialização. Não há no trabalho
de Porto-Gonçalves a preocupação de discernimento qualitativo, em relação aos objetivos
específicos que poderiam emergir de cada momento de emergência da conflitualidade
18
, de
acordo com o sujeito social. A apresentação dos objetivos, está relacionada à dinâmica de
contradição que engendra os próprios protagonistas envolvidos, sendo por isso
fundamental para a identificação da natureza sócio-geográfica do movimento social.
2) PROTAGONISTAS: Servidores Públicos (p. ex., Trabalhadores da Saúde – Público ou
Privado –, Trabalhadores da Educação – Público ou Privado), Camponeses,
Indígenas, Pescadores, Afro-descendentes, Moradores, Estudantes,
Desempregados, Trabalhadores Informais, Profissionais Liberais, Aposentados,
18
Não esqueçamos que estamos abordando aqui uma matriz que opera sobre informações coletadas sobre
eventos de conflitos, trabalho realizado pelo OSAL/CLACSO.
77
Detentos, Ecologistas, Multisetorial, Mulheres, GLS, Trabalhadores do Setor
Privado, Assalariados Rurais;
A idéia de “protagonista” aparece, em Porto-Gonçalves, como sendo ele o princípio da
ação, um princípio que é o “personagem” (sujeito) como indissociável de seu cenário
(espaço). Esta idéia dialoga diretamente com debates extensos (e, intermináveis) na
Sociologia e na Ciência Potica. Mas, o objetivo do autor é, na verdade, menos resolver
tais debates e muito mais perceber a geograficidade imanente a eles. Para isto, ele afirma
que
“Toda essa dinâmica de constituição dos sujeitos coletivos – a relação e mediação
das estruturas e dos sujeitos, a experiência das condições objetivas, a construção
de valores, significados, cultura – se dá em uma relação indissociável com o lugar
(socialmente constituído) de onde os protagonistas emergem. A constituição de
sujeitos sociais se dá a partir de determinados lugares sociais instituídos pela
dinâmica social e desses lugares emergem dinâmicas próprias, discursos e práticas
singulares, modos de agir e se organizar específicos, objetivos e particulares.
(...)
Esse processo de constituiçãocio-espacial é a organização da sociedade e seu
espaço, distribuindo atividades, conformando lugares, criando leis, normas,
regimes de propriedade, organização do trabalho, distribuição da riqueza
produzida, instituição de uma língua, códigos, cultura, valores, etc. Enfim, é
instituída uma determinada ordem sócio-espacial que vai conformar os lugares
sociais ocupados/constrdos/construtores dos grupos e classes sociais. É contra a
ordem sócio-espacial hegemônica que os protagonistas sociais se colocam em
movimento.” (2005, pg. 39)
Os protagonistas dos movimentos e das lutas sociais são, neste sentido, aqueles
que negam esta ordem sócio-espacial, são potenciais portadores de novas ordens sócio-
espaciais, são aqueles que negam o seu lugar (ou, o lugar que lhes é destinado pelos grupos
dominantes) numa ordem. Tal postulado dialoga com os campos de pensamento ligados à
transformação do social, sempre em busca da identificação do sujeito da transformação, o
príncipe de Maquiavel”. Entretanto, Porto-Gonçalves nega tal relação, colocando que
“Esse sujeito coletivo constituído nas e pelas lutas no decorrer do processo de
construção social não é nenhum sujeito histórico privilegiado, como é o caso do
proletariado dentro da tradição marxista (Luckacs e Marx), que está no centro dos
acontecimentos em função da sua posição dentro da estrutura social. Trata-se de
uma multiplicidade de sujeitos coletivos, de protagonistas sociais que possuem
possibilidades e potencialidades distintas, que não encarnam nenhuma função ou
privilégio dado a priori.” (idem, pg. 38)
O deslocamento de seu foco analítico desta problemática se dá, mais ainda,
através da afirmação do protagonismo como experiência espacial do fazer da potica.
78
Espacial porque ele se consubstancia através (da negação) do lugar que o protagonista
ocupa:
“(...) a geograficidade (lugares e territórios)o [sic.] constitutivos desses sujeitos
sociais coletivos. O processo de construção dos protagonistas é indissociável do
lugar de onde falam, de onde vivem.” (idem, pg. 38)
Neste sentido, o(s) protagonismo(s) pode(m) estar em qualquer lugar
geográfico, sendo impulsionado pelas experiências dos “homens de carne e osso”
19
.
Estando “em qualquer lugar”, o protagonismo na verdade enuncia ordens sócio-espaciais
que ele nega e que ele propõe através de sua luta. É neste sentido que ele é proposto como
um atributo construtor (ou, de compreensão) da natureza sócio-geográfica dos conflitos e
dos movimentos sociais: identificar um protagonista requer, necessariamente, remete-lo a
ordens de conflitos sócio-espaciais que o constituem enquanto tal, e permite também
discuti-lo como portador de novas ordens espaciais. Como coloca Porto-Gonçalves, “uma
análise dos protagonistas que não considere o lugar social que os constituem e que são
constituídos por eles, torna-se insuficiente”.
3) ANTAGONISTAS: Estado, Empresa Pública, Empresa Privada, Latifúndio, Banco,
Paramilitares;
A definição dos antagonistas é outro atributo que têm como função a definição do campo
de conflitualidade que engendra as lutas e os movimentos sociais, sendo crucial para a
definição das “formas de mediação que se estabelecem entre os protagonistas sociais e a
estrutura social”. Este elo analítico entre o antagonismo e a definição do campo de
conflitualidade numa estrutura social coloca uma complexidade na definição do
antagonista, pois, nos diferentes conflitos que emergem, muitas vezes o interlocutor de um
ato (de protesto, por exemplo) não é propriamente o ator social antagônico do movimento.
Muitos atos dos movimentos engendram na verdade tramas de interlocução aonde se
buscam aliados, ou, despertar aliados através da revelação de relações entre atores que
constroem “campos de antagonismo”, ou mesmo, chamar a atenção de toda a sociedade
19
“O protagonismo social significa que as pessoas tomam para si próprias o controle de suas vidas, constroem
estratégias de ação coletiva para se colocarem como sujeitos políticos efetivos, amenizando e buscando
superar os limites da democracia representativa e, principalmente, colocando-se como portadores de novos
direitos políticos, culturais, econômicos, estéticos, sexuais, etc.” (2005, pg. 34)
79
para uma determinada questão. É neste sentido que a identificação dos antagonistas é
fundamental para a compreensão de estratégias de conformação dos próprios
protagonistas, por conta da influência dos antagonismos na “construção de referenciais
poticos, éticos, estéticos, culturais, que vão dotar de significado a ‘realidade objetiva’”
que conforma os protagonistas.
4) TIPOS / FORMAS DE ORGANIZAÇÃO: Sindicatos, Associação da Sociedade Civil
(Profissionais Liberais), Associação de Moradores, ONG’s, Partidos Poticos,
Igreja, Ação Direta/Movimento espontâneo, Movimento de Guerrilha,
Movimento Camponês, Movimento Ingena, Multisetorial, Não Especificado;
Os tipos e as formas de organização aparecem, na proposta da identificação da
geograficidade do social, como um dos principais indicadores das geograficidades dos
movimentos sociais. Porto-Gonçalves aponta tal importância a partir de duas questões que
este atributo permite desenvolver, e, a estas, agregaríamos uma terceira, a partir da própria
exposição do autor. Primeiramente, ele aponta o tipo/forma de organização, enquanto
portador de relações entre os indivíduos envolvidos – concernentes à “maneira como os
protagonistas se organizam para estabelecer estratégias de luta, prioridades, objetivos,
prazos, normas, funções, hierarquias, responsabilidades”, etc. – que fazem como que ele
apareça como sendo uma possível projeção de novas relações sociais para o futuro que o
movimento pretende construir, um “prenúncio da ordem que se pretende estabelecer”, ou
mesmo, uma medida do compromisso dos protagonistas com seus discursos e objetivos”.
Com efeito, é no tipo e na forma de organização que ele proe que sejam identificadas as
reais “perspectivas democráticas, autoritária, reformista, corporativa ou autonomista”. Ele
chaga a afirmar que “a forma pela qual se constrói um movimento social é tão importante
quanto seus objetivos, pois é na própria construção que são desenvolvidas as
potencialidades transformadoras de seus protagonistas”.
Em segundo, é o tipo/forma de organização vai ser fundamental na
constituição da capacidade de articulação e mediação poticas que os movimentos sociais
vão constituir junto a outros atores sociais, que vai definir, em última análise, o próprio
alcance dos protagonistas na (re)construção da sociedade. Capacidade de articulação, neste
80
sentido, não é apenas a instituição de canais de interlocução junto a outros atores, mas sim,
a capacidade de relações e laços que provocam fatos, interferem na constituição de eventos.
Neste sentido é que as articulações vão se impor enquanto geograficidade dos movimentos,
porque
“elas são fundamentais para definir política e analiticamente a escala política dos
protagonistas, lembrando que escala política é a escala utilizada para apreender a
capacidade de articulação, organização, magnitude e inserção social de um conflito
e dos movimentos sociais. Em outras palavras, a escala política nos informa quais
níveis de poder (local, regional, nacional, continental, global) os protagonistas
conseguem acessar e utilizar em seu favor.” (idem, pg. 47)
A estes dois aspectos que Porto-Gonçalves aponta, acrescentaríamos – ou
melhor, destacaríamos um terceiro, ao qual ele alude mas não confere o mesmo status
analítico atribuído aos anteriores. Chamamos atenção para o papel que o tipo/forma de
organização tem na constituição da estratégia de luta dos movimentos sociais. Acreditamos
ser fundamental destacar este aspecto do tipo/forma de organização porque ele vai remeter
para o plano espacial - através dos raciocínios/narrativas escalares que apontamos nos
parágrafos anteriores - o elo entre a dimensão de projeto e a dimensão de capacidade dos
movimentos sociais. A estratégia emerge como um dado informado pelo espaço,
evidenciado pelo tipo de organização, de que se definem as interlocuções de acordo com as
capacidades dos movimentos.
5) TIPOS / FORMAS DE MANIFESTAÇÕES: Ocupação de Terra, Ocupação de Terra
Pública, Acampamento, Ocupação de Prédio Público, Bloqueio de Estrada,
Marcha, Greve, Greve de Fome, Ocupação de Empresa/fábrica, Paralisação,
Piquete, Ato Público/Passeata, Vigília, Motim, Ação armada, Confronto Direto.
Os tipos e as formas de manifestação são um atributo que informam sobre as estratégias
espaciais dos protagonistas, ou, melhor colocando, sobre como os protagonistas fazem um
uso político do espaço. Este uso político do espaço “implica em saber causar danos ao
inimigo, paralisar suas ações, ganhar visibilidade [apreensível por narrativas escalares,
como local, regional, global, etc.], garantir poder de reivindicação”, isto quando o sentido
da própria luta não é o controle do espaço, da organização e dos usos do espaço. Neste
sentido, as formas e os tipos de manifestação dizem de como os movimentos subvertem
81
ordens espaciais, impedem por um intervalo a continuidade de ordenamentos espaço-
temporais e usos do espaço, controlam o acesso a espaços, ritmos de fluxos, etc.
Ocupações, greves, piquetes, marchas, etc., passam a ser vistos pelo seu caráter de
intervenções espaciais, aspecto subjacente (e, muitas vezes, enunciado!) à definição das
estratégias pelas quais tais manifestações se consubstanciam.
Além deste aspecto basilar na construção da geograficidade dos movimentos
sociais, que é a forma como, através dos tipos/formas de manifestação os movimentos
operam “poticas de espaço”, há um outro ponto que merece atenção de nossa parte no
tratamento que Porto-Gonçalves confere a este atributo. Ele coloca que
“Os tipos de manifestações são as formas pelas quais os conflitos efetivamente se
concretizam. Uma manifestação é a concretização da ação desencadeada por um
protagonista, é o conflito enquanto ato. A manifestação é o conflito stricto sensu.
Sem a manifestação não é possível a existência de conflitos sociais
.” (idem, pg. 47,
grifo nosso)
Esta passagem traz à baila um aspecto que é central na abordagem proposta pelo
autor: o binômio conflito-conflitividade. O conflito – ou, nós preferiríamos, o evento-
conflito - é a matéria-prima de seu trabalho, visto que é ele que o banco de dados do
OSAL/CLACSO sistematiza e que Porto-Gonçalves analisa. Entretanto, a redução dos
conflitos aos eventos de manifestação pode ofuscar formas de ação (inclusive, dos
movimentos sociais) que não se dão através da manifestação enquanto conflito. Mais do
que isso, a própria idéia da reconstrução da política através de atos no cotidiano, sem a
enunciação do conflito, a que nos remete DeCerteau – e, que, para aludir a um exemplo
bastante vivo em nossa experiência e memória histórica, dava lugar a diversas formas de
resistência dos negros escravizados durante séculos no Brasil, como o banzo e o não
trabalho, e que se juntavam a formas de resistência através de manifestações de conflitos,
como por exemplo as rebeliões, as fugas e o quilombismo -, nos leva a compreender que os
conflitos não se consubstanciam exclusivamente através da “manifestação”. O não fazer ou
o fazer errado também podem elucidar conflitos. A distinção entre conflito e conflitividade
já aponta nesta direção:
“Enquanto o conflito é a manifestação concreta, empírica, das contradições em ato,
a conflitividade nos remeteria às suas condições de possibilidade, isto é, as
condições que tornam mais prováveis determinados conflitos do que outros. Isso
tem a ver com as conjunturas e, aqui, as questões relativas às escalas de tempo,
assim como as escalas geográficas, se impõem.” (idem, pg. 5)
82
Enquanto condição de possibilidade, a conflitividade engendra conflitos que não
envolvem também a manifestação, ou, padrões de manifestação não apreensíveis e/ou que
não dialogam com as culturas poticas hegemônicas atualmente, e que, portanto, podem ser
ocultados por uma supervalorização do conflito visto desta forma.
Além dos atributos, completam a matriz algumas informações que, mesmo
parecendo “formalidades cadastrais”, têm papel analítico crucial na definição da natureza
sócio-geográfica dos conflitos e dos movimentos: a localização no espaço e no tempo. Têm
papel fundamental porque, na análise de Porto-Gonçalves, a idéia da localização chama a
atenção para a dimensão ativa do espaço no processo de materialização das lutas - ao
invocar o lugar como instituído e instituinte, ele realça a materialização como um processo,
a coisificação como transformadora de si própria, e o espaço como uma condicionante
social.
* * *
Observamos neste capítulo algumas formas como a temática dos movimentos
sociais vem sendo observada pela Geografia Brasileira. Conforme apontamos no início, a
restrição à literatura brasileira parte do pressuposto de que, ao circunscrever nossa revisão,
poderíamos capturar nuances e tendências analíticas do tratamento dos movimentos sociais
na Geografia, mais do que se buscássemos autores de distintas nacionalidades de maneira
avulsa, sem a sua inserção nos campos dialógicos nos quais (e, a partir dos quais)
produzem. Neste sentido, ao trabalharmos com as três tendências apontadas, pudemos
observar distintos olhares sobre os movimentos sociais a partir da Geografia – ou, melhor
colocando, a partir de raciocínios centrados no espaço. Com efeito, se nos apresentam
tentativas de espacialização das formas de materialização e organização dos movimentos;
esforços de compreensão das formas de relação dos movimentos com os lugares;
espacialidades das estratégias poticas dos movimentos, concernentes às formas como eles
dialogam com interlocutores distintos e como eles se comportam no seu fazer potico;
leituras do cotidiano do fazer potico dos movimentos, atentando para lógicas espaciais de
83
organização racionalizada do fazer potico (arenas); enfim, uma série de espacialidades
emergem, de um lado, nos fornecendo rica fonte de inspiração para a construção de olhares
espaciais e, de outro lado, nos provocando ao tensionamento constante das bases
conceituais de análise espacial dos movimentos sociais. A tradição de análise do espaço
através das formas materializadas é suficiente para captar os sistemas de ação e de
significado, cruciais na compreensão dos movimentos sociais? Quais os tensionamentos
que precisamos fazer para que os conceitos fundantes da análise espacial possam ter sua
fertilidade potencializada na análise dos movimentos sociais? Tais questões talvez não
tenham uma resposta, e nem é nosso objetivo respondê-las aqui. Entretanto, elas nos
conduzem a um exercício de releitura de um conceito que consideramos central para nossos
objetivos: a escala. É sobre ele que nos debruçaremos no próximo capítulo.
84
3. GEOGRAFIA E POLÍTICA: A QUESTÃO DA ESCALA
“Queremos desenvolver um conceito político de escala. Esse conceito político de
escala refere-se ao grau de intensidade política, econômica, cultural agenciada
pelo conflito. Essa escala política se refere à capacidade de articulação e
organização dos protagonistas sociais e sua inserção no debate político público,
aberto com a sociedade. Essa escala política corresponde à relevância social do
conflito e revela diferenciados graus de conflitividade e contradições sociais.”
Carlos Walter Porto-Gonçalves
Os debates contemporâneos no campo que articula Geografia e Política m
instaurando novos marcos discursivos, conceitos, palavras e/ou signos explicativos que
permeiam as análises configurando estruturas de representação que desafiam antigos e
consagrados conceitos (instrumentos de desvendamento do real) a novos usos e
significados. Dentre estes, a marca da leitura espacial é embebida, de maneira pronunciada,
pela questão das escalas. Do local ao global, passando pelo regional, pelo nacional e outras
flexões e desdobramentos da noção – a escala é, atualmente, um conceito-chave na
compreensão e intervenção dos/nos “possíveis formatos das relações entre os diferentes
modos do fazer político e os seus conteúdos territoriais” (Castro, 1997, grifo da autora).
A utilização de raciocínios, estratégias e ações de caráter político centrados no
espaçoo é nada de novo na verdade, está na própria fundação da Geografia enquanto
Ciência, e em muito a precede. Entretanto, nos parece apropriado tomar como ponto de
partida a idéia de que num período recente a questão das escalas vem se tornando central na
construção de tais raciocínios. O debate que articula a Geografia à Potica problematizando
o conceito de escala tem, em sua centralidade, a obra de Yves Lacoste intitulada "A
Geografia - isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra", lançada na França em 1976.
Lacoste afirmou a dimensão potica como o fundamento próprio do fazer Geografia, que
orienta todas as formas e olhares desta ciência. O político em sua obra se afirma como
elemento central na abordagem geográfica, não apenas enquanto temática explorada, mas
sobretudo como fundamento daquilo que é produzido e difundido sob esta lente: aquilo que
se desvela ou que se oculta, e quem define o que se desvela e o que se oculta, são aspectos
subjacentes à construção do saber geográfico.
85
Conhecer o real é instrumento de poder, e o arcabouço analítico desenvolvido
no âmbito da ciência geográfica permite raciocínios e níveis de abstração fundamentais
para este conhecimento e para a definição de estratégias
20
. A dimensão do real que é objeto
da Geografia, na obra de Lacoste (1988), é a organização do espaço, cujo controle é
fundamental para a dominação - e, evidentemente, para a emancipação também. Esta
organização do espaço aludida diz respeito à distribuição dos elementos, das coisas e dos
fluxos de intercâmbio, cuja manipulação é o fim da Geografia:
"(...) Trata-se de modificar radicalmente a repartição espacial do povoamento
praticando, por meios vários, uma política de reagrupamento nos 'hameaux
estratégicos' e a urbanização forçada. (...)
Elas são ainda o resultado de uma estratégia deliberada e minuciosa, na qual os
diferentes elementos são cientificamente coordenados, no tempo e no espaço. (pp.
28-29)
(...)
É preciso perceber que o 'aménagement' do território não tem como único objetivo
o de maximizar o lucro, mas também o de organizar estrategicamente o espaço
econômico, social e político, de tal forma que o aparelho de Estado possa estar em
condições de abafar os movimentos populares." (pg. 30)
Lacoste afirma, desta maneira, a "importância estratégica dos raciocínios
centrados no espaço", que, em sua abordagem, reificam o primado da localização. Apesar
de afirmar o Estado como um agente central nestes jogos de poder, Lacoste já aponta que
ele não é o único agente a dispor deste saber
21
. Antecipa, para nossa discussão, a
compreensão do que Lechner nos traz ao apontar para três formas de coordenação social,
uma coordenação potica via Estado
22
, uma coordenação social via mercado
23
e uma
20
"A Geografia é, de início, um saber estratégico estreitamente ligado a um conjunto de práticas políticas e
militares e são tais práticas que exigem o conjunto articulado de informações extremamente variadas." (pg.
23) e "(...) a utilidade prática da análise do espaço [é], sobretudo (...) a condução da guerra, como ainda para a
organização do Estado e prática do poder." (pg. 25). Ambas citações de Lacoste (1976 – 1988 em nossa
edição).
21
"Esse conjunto de representações cartográficas e de conhecimentos bem variados, visto em sua relação com
o espaço terrestre e nas diferentes formas de pticas do poder, forma um saber claramente percebido como
estratégico por uma minoria dirigente, que a utiliza como instrumento de poder. À Geografia dos oficiais
decidindo com o auxílio das cartas a sua tática e a sua estratégia, à Geografia dos dirigentes do aparelho de
Estado, estruturando o seu espaço em províncias, departamentos, distritos, à Geografia dos exploradores
(oficiais, freqüentemente) que prepararam a conquista colonial e a 'valorização' se anexou a Geografia dos
Estados-maiores das grandes firmas e dos grandes bancos que decidem sobre a localização de seus
investimentos em plano regional, nacional e internacional." (Idem, ibidem, pg. 26)
22
“En la época moderna, la instancia privilegiada de coordinación social ha sido el Estado. (...) El Estado
representa una estructura de dominación legítima en tanto es reconocido como la autoridad máxima que tiene
el monopolio de tomar decisiones vinculantes para toda la población y, de ser necesario, imponerlas mediante
sanciones. Sobre la base de su posición como centro jerárquico de la sociedad, el Estado articula la vida social
mediante una coordinación política.” (Lechner, pg. 8) [TT.01]
86
coordenação social via redes sociais
24
: multiplicam-se os agentes, as arenas e as esferas de
poder onde o exercício potico define projetos, práticas, e usos do/no território.
Tais processos não anulam o Estado, mas complexificam drasticamente o
quadro das relações de poder – ou, ao menos, as leituras que delas realizamos. No quadro
anterior, podíamos aludir a uma primazia dos arranjos institucionais do Estado sobre as
funções de coordenação social, fundamentalmente de acomodação dos interesses e controle
dos conflitos em torno da definição dos usos e da repartição dos recursos e das riquezas
(naturais e sociais) do território. As esferas do Estado expressavam, desta forma, os
arranjos e as hegemonias existentes nos pactos/conflitos sócio-territoriais segundo os quais
os grupos se organizavam em busca do atendimento a (ou a imposição de) suas demandas e
anseios particulares vis-à-vis os interesses gerais. A organização dos arranjos institucionais
do Estado em níveis (hierárquicos) de governo com competências e atribuições distintas
condicionava uma multiescalaridade do poder sob a coordenação social do Estado. A
emergência e o fortalecimento de novas formas de coordenação social instaura novas arenas
de poder, cuja configuração rompe com as escalas instituídas pelos aparelhos de Estado.
Vainer é taxativo neste sentido quando afirma que
“as relações de escalao processos e relações sociais que têm uma dimensão
espacial/escalar. (...) Os processos de reprodução econômica e política não se
encaixam mais, necessariamente, nas mesmas jurisdições. Há uma ruptura geral
das relações escalares. (...) Há uma redefinição espacial, que tenho chamado de
reconfiguração das relações escalares, que está longe de ser o fim do Estado
Nacional, mas ao mesmo tempo está longe de ser uma mera permanência das
relações pré-existentes.o estamos face a uma simples questão geográfica,
porque estes processos têm extraordinários efeitos políticos. A construção de
atores políticos passa hoje por estratégias escalares distintas. (...) Essa
possibilidade de quebra de escalas, vale tanto na esfera da economia, quanto na da
política, da cultura e da constituição de sujeitos políticos. (...) o poder não reside
nem no global, nem no nacional, nem no local; o poder é a capacidade de articular
escalas. (2003, pg XXX)
23
“Desde finales de losos 70 la estrategia neoliberal denuncia los efectos paradójicos de la acción estatal –
por provocar un bloqueo del desarrollo social en lugar de fomentarlo -, a la par que impulsiona un conjunto de
medidas (liberalización de los mercados, desregulación, privatización, descentralización administrativa)
destinados a fortalecer el papel del mercado.” (idem, ibidem, pg. 10) [TT.02]
24
O autor chama atenção, na esteira da crise do Estado e também do projeto Neoliberal de coordenação social
via mercado, para “el proceso de diferenciacn funcional. Este proceso característico de la modernización da
lugar a que ciertas áreas de la vida social (economía, derecho, ciencia educación, política) desarrollen
racionalidades y dinámicas específicas, conformando ‘subsistemas funcionales’ relativamente cerrados y
autorreferidos. (...) En consecuencia (...) la política pierde su centralidad jerárquica de modo que cualquier
intervención política en otros subsistemas queda restringida. (...) [Ou seja] Mas que la eliminación de todo
centro, cabe presumir la desaparición de un centro único, capaz de ordenar al conjunto de la sociedad.” (idem,
ibidem, pg. 12). [TT.03]
87
O que é hoje, então, a escala? Enquanto conceito da ciência geográfica, ela
sempre funcionou como uma eficaz estratégia de leitura e aproximação do real, permitindo
associar dimensões à dinâmica dos fenômenos, e assim, indicando os campos de refencia
nos quais existiam a pertinência de um dado femeno (Castro, 1995) a partir da
construção de níveis de abstração que, na verdade, se prestavam a intenções de ação
previamente definidas
25
– ainda que isso não estivesse claro para o Geógrafo. Quando
diversos autores chamam a atenção para a profusão de “narrativas e metáforas escalares
(Howitt, 1998) e “poticas de escalas” (Swynguedow, 1997; Leitner, 1997; Vainer, 2001;
Lebel, 2004), o que parece estar sendo acionado não é somente um recurso analítico, mas
sim, um chamamento a novas configurações do fazer político onde, mais do que nunca, os
raciocínios, estratégias e ações centrados no espaço e nas escalas são trunfos fundamentais
na definição e imposição de projetos de sociedade e território. A questão da democracia na
potica emerge, mais do que nunca, como uma questão geográfica, espacial, uma questão
de escala. Não se tratam somente de embates teórico-metodológicos, como p. ex., entre o
micro e o macro, ou entre o universal e o particular e/ou singular – debates tradicionais e
fundadores da própria Geografia enquanto ciência e leitura da realidade. A freqüente
ingerência de ismos na utilização dos instrumentos analíticos mobilizados como
desdobramentos dos usos do conceito de escala (local, regional, nacional, global) nos faz
atentar para o fato dialético de que eles definitivamente não se prestam somente à análise,
mas fundamentalmente à construção da própria realidade.
Diante de tais questionamentos, buscaremos aqui percorrer uma trajetória
analítica que nos permita instrumentalizar estes novos usos do conceito de escala para
compreender a dimensão espacial do fazer potico no âmbito dos movimentos sociais. Esta
trajetória se inicia com um breve tour pela constituição da escala espacial enquanto
instrumento de interpretação do real, buscando captar os debates fundantes do conceito a
dualidade/complementaridade entre escala geográfica e cartográfica, a relação entre
conteúdo e dimensão, qualidade e medida dos fenômenos que o conceito opera. Em
25
Racine, Raffestin e Ruffy (1983) ponderam que “(...) a idéia de escala se impõe assim que aparece a
necessidade de ‘representar’ ou de ‘representar-se’ a realidade dentro da qual estamos imersos. Se não
recorrêssemos à noção de escala, seríamos pura e simplesmente afogados pela corrente de percepções que nos
assaltam ininterruptamente. (...) A escala aparece desde então como um filtro que empobrece a realidade mas
que preserva aquilo que é pertinente em relação a uma dada intenção.” (pp. 127-128) A escala é, portanto,
uma mediadora entre uma intenção e uma ação.
88
seguida, procuramos debater algumas questões que emergem do próprio desenvolvimento
da escala, em seu duplo e interligado papel de instrumento interpretativo e princípio de
organização da vida social. Contigüidade e hierarquia, as escalas enquanto níveis ou
patamares da realidade, e a emerncia de fenômenos para os quais noções como pluri-
escalaridade, desencaixe, fragmentação e co-presença se mostram eficazes instrumentos de
leitura impõem uma reconstrução das narrativas escalares. Na parte seguinte, dando
continuidade a uma releitura da noção de escala – e, evidentemente, afirmando sua
importância – para a compreensão dos fenômenos poticos na contemporaneidade,
tratamos de algumas nuances das narrativas escalares diante da emergência, segundo
diversos autores, de novas configurações nas relões entre espaço e tempo.
Na continuidade do trabalho, mais um tensionamento em torno da noção de
escala será acrescentado a este capitulo. Trataremos da escala enquanto arena e nível de
regulação, o que tem sua concretização mais evidente na estruturação do Estado.
Tentaremos discutir como a construção dos aparelhos de Estado, enquanto aparatos de
organização da esfera da potica, são escalas de organização do social, politicamente
constrdos e eleitos como as escalas privilegiadas, mas não são as únicas, que o agir
potico se dá em arenas e que estas são marcadas pela multiplicidade, e que elas são objeto
de manipulação pelos agentes e sujeitos, compondo assim uma dimensão estratégica
fundamental para o fazer da política, que merece ser compreendido e dominado pelos
movimentos sociais. Esperamos, através deste percurso, dar início à constituição das bases
teóricas para o exercício de imaginação geográfica que é a discussão das dimensões
espaciais dos movimentos sociais.
3.1. Escala enquanto representação e instrumento de análise
A escala é um conceito central no arcabouço teórico e instrumental da
Geografia. Sua definição navega num mar de discussões cuja primeira dicotomia aparente
transita entre dois pólos analíticos fundamentais: a escala cartográfica e a escala geográfica.
Tal dissociação, entretanto, nem sempre aparece enquanto oposição, sendo comum a
reificação de recortes espaciais baseados na assimilação destes doislos. Muitos autores
vêm apontando criticamente a perda de potencial explicativo do conceito pela vinculação
89
entendida como aprisionamento – da escala geográfica com a escala cartográfica. Tal
vinculação, fazendo coro a (ou, muitas vezes, derivando de) uma concepção topográfica e
métrica do espaço – muitos autores usam este termo ao invés de escala -, efetivamente,
submete a qualificação (concernente à problemática ou fenômeno em questão, seu
conteúdo) à dimensão (abrangência da área a ser circunscrita pelo femeno, seu
continente) do espaço (Grataloup, 1979).
A relação entre escala cartográfica – enquanto medida de proporção da
representação gráfica do terririo, passível de definição matemática expressa através de um
número (p. ex., 1:50.000) – e a escala geográfica – representação dos diferentes modos de
percepção e de concepção do real, o que pressupõe a construção de níveis de abstração e
objetivação – sempre possibilitou à Geografia o estabelecimento de uma coerência entre o
percebido e o concebido, através da articulação interpretativa entre níveis de análise, níveis
de conceituação, níveis de intervenção e níveis de realidade (Castro, op. Cit., 1996). A
analogia da escala com a idéia de nível conduz ao problema da determinação, ao qual
voltaremos adiante, mas este complexo conjunto de articulações analíticas permite que,
através de representações escalares, se alcance profícuas leituras do real. Mesmo diante dos
recentes desenvolvimentos da Física Quântica e relativista, a relação entre tamanho e
dinâmica de um femeno ainda permanece importante nos diversos campos do
conhecimento científico. Um bom exemplo nos é fornecido por Revel (1998), que, ao
discutir a abordagem micro-histórica, reflete que
“(...) a escolha de uma escala particular de observação produz efeitos de
conhecimento, e pode ser posta a serviço de estratégias de conhecimentos. Variar a
objetiva não significa apenas aumentar (ou diminuir) o tamanho do objeto no
visor, significa modificar sua forma e sua trama. Ou, para recorrer a um outro
sistema de referências, mudar as escalas de representação em cartografiao
consiste apenas em representar uma realidade constante em tamanho maior ou
menor, e sim em transformar o contdo da representação (ou seja, a escolha
daquilo que é representável). Notemos desde já que a dimensão ‘micro’ não goza,
nesse sentido, de nenhum privilégio especial. É o princípio da variação
que conta,
o a escolha de uma escala em particular.” (pg. 20, grifo nosso)
Na Geografia, tais considerações são, de maneira incisiva, apontadas por
Lacoste (op. Cit.). Utilizando-se do exemplo de um grupo aldeão, ele afirma a centralidade
da noção de escala ao trazer que as práticas e relações em que estão envolvidos os
indivíduos (ou as famílias) circunscrevem e/ou são circunscritas a recortes espaciais
distintos, que, inclusive, definem ou são apreendidos por escalas distintas. A correlação
90
entre escala geográfica e a escala cartográfica aparece, em Lacoste, como uma máxima,
visto que para ele a geograficidade se define essencialmente com referência à
cartografagem dos fenômenos, apreensão possível graças à escala
26
. A partir desta
evidência, este autor construiu uma problematização da escala dos fenômenos espaciais
enquanto princípio de ordenamento do real que remete primeiramente à
definição/identificação de diferentes “ordens de grandeza”, lidas por Castro (op. cit., pg.
122) como “espaços prévios de análise e de concepção, mapeáveis segundo critérios
amplamente conhecidos e recortados a partir de fenômenos tradicionalmente estudados na
Geografia”. A escala aparece, então, como medida de proporção entre a realidade e sua
representação, num raciocínio que aponta para a intrínseca vinculação entre as escalas
geográfica e cartográfica: os níveis de alise e recortes espaciais são, a um tempo, as
medidas de representação cartográfica, ou seja, o conteúdo é indissociável de sua
dimensão
27
. Daí decorre que a alteração de uma dimensão, da medida de um recorte
espacial, redunda numa alteração no próprio conteúdo de qualquer problemática: ou seja, ao
mudar a escala de observação são alterados, se ressignificam ou perdem
visibilidade/relevância os fenômenos, as relões ou as problemáticas analisadas. Para
explicar esta forma de tratar aquilo que posteriormente Revel chamou de “princípio da
variação”, Lacoste introduziu o conceito de “espacialidade diferencial”. Criticando a
Geografia Regional LaBlachiana, ele é taxativo:
“Entre todas essas cartas de escala tão desigual, não há somente diferenças
quantitativas, de acordo com o tamanho do espaço representado, mas também
diferenças qualitativas, pois um fenômeno só pode ser representado numa
determinada escala; em outras escalas ele não é representável ou seu significado é
modificado. É um problema essencial, mas difícil.” (pg. 74)
“É preciso perceber que a grande variedade das representações cartográficas, no
que concerne às escalas utilizadas é de fato significativa das diferenças que
existem entre vários tipos de raciocínios geográficos, diferenças essas que se
devem, em grande parte, ao tamanho bastante desigual dos espaços que elas
26
Na apresentação da edição brasileira de “A Geografia – Isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra”,
Vesentini comenta que, para Lacoste, “o ‘real’, o espaço geográfico, é tão somente aquilo que pode ser
mapeado, colocado sobre a carta, delimitado portanto com precio sobre o terreno e definido em termos de
escala cartográfica” (pg. 9).
27
Castro aponta severas críticas a tal vinculação, pois, segundo ela, “a escala é, na realidade, a medida que
confere visibilidade ao fenômeno. Ela não define, portanto, o nível de análise, nem pode ser confundida com
ele, estas são nões independentes conceitual e empiricamente. Emntese, a escala é um problema
epistemológico enquanto definidora de espaços de pertinência da medida dos fenômenos, porque enquanto
medida de proporção ela é um problema matemático. Ao definir a priori as ordens de grandeza significativas
para análise, Lacoste aprisionou o conceito de escala e transformou-o numa fórmula prévia, als já bastante
utilizada, para recortar o espaço geográfico.” (pg. 123)
91
consideram. Certos raciocínios não podem se formar se não forem examinados os
diferentes aspectos de um fenômeno sobre o conjunto do planeta”. (pg. 75)
Esta vinculação entre tamanho e conteúdo, que reifica os recortes espaciais,
sempre teve grande repercussão na Geografia, por oferecer possibilidades de ordenamento
do real a partir da configuração espacial das sociedades, conferindo assim legitimidade e
importância a este campo do conhecimento científico. Com base nela, Haggett estruturou
um quadro de comparação entre escalas que na verdade estrutura um conjunto de
terminologias apoiadas em ordens de grandeza que compõem hierarquias espaciais.
Diagrama 1: Escala como tamanho – Representação de escalas e terminologia
comparativa de hierarquias regionais de Haggett
Tamanho
aproximado(sq
miles)
Fennemann 1916 Unstead 1933 Linton 1936 Whittlesey 1954 Map scales for
analysis
10
-1
Site
10
Stow Stow Locality 1:10,000
10
2
District Tract Tract District 1:50,000
10
3
Section Sub-region Section Province 1:1,000,000
10
4
Province Minor region Province
10
5
Major division
Major division Realm 1:5,000,000
10
6
Major region Continent
Fonte: Haggett 1965: 264, apud Howitt (1998) [TT.04]
Tal estrutura de representação é presente nas Geografias que se praticam e;ou
ensinam, sendo inclusive base para a construção de estruturas curriculares (p. ex., a divisão
de disciplinas de modo a contemplar os recortes Mundo, Continentes, Brasil, Regiões,
Estados). Na verdade, tal estrutura de compreensão, representação e significação do mundo
está presente nas diversas ciências, inclusive em outras problemáticas que aqui nos
interessam centralmente, na busca da compreensão das espacialidades dos movimentos
sociais, como, p. ex., a questão do poder. Retornaremos a ela mais adiante, mas, a título de
ilustração, vale agora observar como a mesma estrutura informa a leitura que Sanchez sobre
tal problemática:
92
“Por un lado se habla de individuo, de grupos, y se puede pensar que el poder tiene
diversos grados según el nivel a que se establezcan las relaciones: irían desde unas
relaciones individuales o de pequeños grupos hasta unas relaciones sociales
globales. (...) De estos dos niveles de análisis del poder, bien como relaciones
individuales, bien como relaciones sociales globales, dejaremos de lado las
primeras para centrarnos en los aspectos globalizadores, macrosociales, del poder.
En este sentido, estamos de acuerdo con Poulantzas cuando considera que ‘el
concepto de poder no puede aplicarse a las relaciones interindividuales o a las
relaciones cuya constitución se presenta (...) independiente de su lugar en el
proceso de producción (...), por ejemplo, relaciones de amistad, o relaciones de
socios de una asociación deportiva, etc. Puede emplearse en este caso el concepto
de potencia’.” (pg. 43) [TT.05]
Esta leitura, tributária do marxismo estruturalista althusseriano, incorre na
mesma reificação da relação entre tamanho, proporção, alcance de um fenômeno, e sua
qualidade, seu conteúdo e o arcabouço conceitual aplivel para sua compreensão. Quais os
problemas decorrentes de tal reificação?
3.2. A Escala enquantovel: o problema das hierarquias e
determinações espaciais
A escala, enquanto instrumento analítico, sempre forneceu precioso suporte na
constituição dos sistemas lógicos que estruturam os olhares geográficos. Sendo um conceito
que permitia associar tamanhos, dimensões e proporções dos femenos aos instrumentos
explicativos - sobretudo através da idéia da espacialidade diferencial, de que "ao mudar a
escala, redefinem-se as problemáticas e mudam os próprios fenômenos" -, ela possibilitou a
constituição de conjuntos e diferenciações espaciais baseados nas noções de contigüidade
e hierarquia, o que sempre proporcionou imagens e representações seguras de um
ordenamento do mundo.
Em todos os campos da Geografia tais construções - descendentes diretas da
física newtoniana
28
, da geometria euclidiana-descartiana e da biologia darwinista - se
fizeram presentes. Desde os modelos centro-periferia à Geografia Regional LaBlachiana,
28
O’Neil realiza um breve tour por essa discussão, trazendo que "Na física, os grandes filósofos dos séculos
XVIII e XIX não levaram em conta os novos elementos da estrutura da matéria. Kant definiu a coesão como
‘uma atração concebida como só sendo ativa por contato, ou seja, sobre pequenas distâncias (contigüidade)’
(Parrochia, 1993, pg. 20). Ele distinguiu oslidos e os líquidos em função da possibilidade ou não de se
deslocar as partes de uns em relação aos outros. Os corpos são assim arrumados em função da escala do atrito,
que vai de um valor mais importante a um valor menor. Mas nenhuma concepção precisa foi desenvolvida,
nem no caso dos sólidos, nem no caso dos fluídos. Os estudos de Bravais (1845) demonstraram um princípio
de ordem tendo a centralidade e a hierarquia configurações presentes em todos os tamanhos e direções. Quer
dizer, ao mudar o tamanho (escala) e a direção, mantém-se o mesmo arranjo (Parrochia, 1993).” (pp.7-8)
93
passando pelos grandes Biomas (construídos por ecossistemas), essa visão do mundo -
hierarquias + contiguidades - fornecia conjuntos lógicos que proporcionavam segurança aos
analistas. Assim como um conjunto de células combinadas forma um tecido, um conjunto
de tecidos combinados forma um órgão, um conjunto de órgãos combinados forma um ser,
um conjunto de seres configuram espécies, gêneros, famílias, ordens, classes, filos e reinos;
elementos ou compostos químicos formam minerais, minerais formam rochas, rochas
formam formações rochosas ou complexos litológicos, formações rochosas formam a crosta
terrestre; a visão hierárquica-contígua-articuladora permitiu preconizar que um conjunto de
lugares forma uma região, um conjunto de regiões forma um país, um conjunto de países
forma um continente e um conjunto de continentes forma o mundo. Esta analogia ganhou
contornos superlativos na formulação de uma geografia regional por Herbertson, onde as
unidades regionais, criadas a partir das "repetões", constituíam entidades espaciais, numa
"tentativa de buscar os órgãos, tecidos e células do organismo vital que é a terra" (Bahiana,
1986).
Tais geografias alternavam ou combinavam a busca de repetições,
singularidades e correlações hierarquiveis. A imagem emergente era sempre de alguma
forma semelhante: conjuntos ou entidades espaciais se articulando/unindo constituindo
novos conjuntos ou entidades, em outra escala. Cada escala correspondia a um "nível de
agregação", passível de identificação sempre que a problemática ou fenômeno observado
sofria consideráveis mutações pela redefinição de dimensão do recorte espacial. Tal
representação conduz à percepção destes níveis de agregação, que são as escalas pensadas
como “patamares espaciais” articulados, mas em essência diferenciados e dissociados. Isto
porque a metáfora do nível (enquanto sobreposição na vertical de diferentes planos
horizontais) constrói a imagem da hierarquia entre as escalas espaciais. A construção
modelar de tal abordagem é o que Vainer chama de “babuska”. Neste modelo, a escala é
pensada como nível, e cada nível é composto pela soma e encaixe dos recortes territoriais
em escala imediatamente inferior em termos da área abrangida, preconizando também uma
relação de subordinação e hierarquia nas relações entre escalas, o que presta subsídio à
definição de ordens de centralidades em cada escala. Vainer nos explica didaticamente tal
modelo, iniciando com
94
“um exemplo: um município do interior de Minas Gerais mantinha suas relações –
e aí vale para o corcio, para as dinâmicas culturais e políticas – com a capital do
estado, que tinha relações com o centro nacional... e assim por diante. Então havia
o que eu chamo de relação escalar de tipo babuska (aquelas bonequinhas russas em
que uma vai entrando na outra). Quer dizer, o local encaixa no regional, que
encaixa no nacional e que encaixa no internacional.” (2003, pp. 7-8, mimeo).
Em certa medida, tal representação do espaço informa a “Teoria dos Lugares
Centrais”, projetos oficiais de regionalização (no caso brasileiro isso é patente) e a própria
forma como se constrói e interpreta, no caso brasileiro, a construção de um pacto nacional
de tipo federativo. Castro (1997) é lapidar, ao apontar que
“no processo de construção de uma federação no Brasil (...) a República adotou
uma estrutura federativa como mecanismo de descentralização do poder imperial,
definindo três esferas: a federal, a estadual e a municipal. (...) o pacto federativo
brasileiro permite a contraditória convivência entre um centralismo, que apenas em
curtos períodos da história, como aquele entre a implantação da República e a
Revolução de 1930, foi mais brando, um mandonismo local, que nem mesmo a
modernização do país foi capaz de eliminar e longos períodos de poder
autoritário.” (pg. 34)
Neste exemplo, o mais importante não são as escalas enquanto níveis em si, mas
o fato de que suas articulações são objetos de tensões através de relações de disputa e de
poder. A relação entre as escalas (articulação) é, portanto, além de dinâmica (no tempo, e
no espaço?) o sentido do poder, mais do que as escalas em si!!
Podemos elencar daí dois problemas que emergem para nossa leitura das
espacialidades dos movimentos sociais, ambos de caráter empírico e trico-metodológico:
primeiramente, a trans e a pluriescalaridade dos fenômenos – introduzindo graves
complicadores aos ordenamentos baseados nas hierarquias espaciais estruturantes (ou,
estruturadas através) das construções escalares; em segundo, a emergência de novos
padrões de relação espacial que, através da compressão da relação espaço-tempo, eliminam
(ou, pelo menos, reduzem drasticamente) a chamada “fricção da distância”, re-
hierarquizando lugares e agentes e construindo o que Pierre Veltz chama de “territórios-
rede”, em que a contiidade perde importância enquanto atributo definidor de tais relações
– o que “desencaixa” sujeitos e lugares, numa “esquizofrenia” de espaço-tempo que desfere
poderoso golpe nas narrativas escalares, baseadas em contiidades.
95
3.2.1. Os fenômenos são pluri-escalares
Em primeiro lugar, a imagem das escalas enquanto níveis distintos e
sobrepostos dificulta a percepção de que as experiências sociais são, em essência, pluri-
escalares. O próprio Lacoste, ao propor a iia de conjuntos espaciais enquanto construções
decorrentes da síntese de fenômenos e experiências pluri-escalares, paradoxalmente nos
fornece um bom ponto de partida para tal entendimento. Lacoste aponta para a tendência,
exacerbada na chamada Geografia Regional Francesa (de inspiração LaBlachiana), de
criação de entidades espaciais, recortes espaciais a partir da coincidência (nem sempre
exata) de limites definidos a partir de abordagens disciplinares distintas. O autor parte da
idéia da Geografia como ciência de síntese, que soma e articula conhecimentos oriundos de
distintas contribuições disciplinares:
“O método que permite pensar eficazmente, estrategicamente, a complexidade do
espaço terrestre é fundamentado, em grande parte, sobre a observação das
interseções dos múltiplos conjuntos espaciais que se podem formar e isolar pelo
raciocínio e pela observação precisa de suas configurações cartográficas. (pg. 68-
69)
(...)
Cada disciplina, cada maneira de apreender a realidade, destaca as características
espaciais da categoria de fenômenos que ela privilegia e traça os contornos sobre a
carta: conjuntos topográficos, climáticos, vegetais, conjuntos urbanos, conjuntos
étnicos, religiosos, conjuntos políticos, circunscrições administrativas, etc. Ora, é
importante destacar – o que é uma evidência muitas vezes esquecida – que não
existe, na maior parte das vezes, coincidência entre os contornos das diferentes
espécies de conjuntos espaciais que as diversas disciplinas delimitam para uma
mesma porção da superfície terrestre, o que demonstra a superposição das diversas
cartas temáticas (relevo, geologia, clima, povoamento, etc.).” (pg. 69-70)
Tal operação de delimitão de um recorte espacial aparece, portanto, como
uma arbitrária ação de compatibilização de interseções escalares através daquilo que
Racine, Raffestin e Ruffy chamaram de “esquecimento coerente”, que consiste em recortar
do conjunto de elementos reais (multi-escalares) um sub-conjunto pertinente. Em outra
passagem, Lacoste indica que um indivíduo ou um grupo participa de relações em distintas
escalas:
“as pessoas, cada vez mais diferenciadas profissionalmente, são individualmente
integradas (sem que elas tomem claramente conhecimento disso) em múltiplas
teias de relações sociais que funcionam sobre distâncias mais ou menos amplas
(relações de pato e empregados, vendedor e consumidores, administrador e
administrados...). Os organizadores e os responsáveis por cada uma dessas redes,
isto é, aqueles que detêm os poderes administrativos e financeiros, têm uma idéia
precisa de sua extensão e de sua configuração; quando um industrial ou um
comerciante não conhece bem a exteno de seu mercado, ele manda fazer, para
96
ser mais eficaz, um estudo onde será possível distinguir a influência que ele exerce
(e a que ele pode ter) a nível local, regional, nacional, levando em consideração as
posões de seus concorrentes.
Em contrapartida, na massa dos trabalhadores e dos consumidores, cada qual
tem um conhecimento bem parcial e bastante impreciso das múltiplas redes das
quais ele depende e de sua configuração. De fato, no espaço, essas diferentes redes
não se dispõem com contornos idênticos, elas ‘cobrem’ territórios de portes
bastante desiguais e seus limites se encavalam e se entrecruzam.” (pg. 45)
Outros autores, entretanto, vão mais além, e afirmam que um mesmo fenômeno
não somente pode ser observado, mas também produz efeitos e interage com outros
fenômenos em várias escalas, ou seja, os fenômenos são multi e inter-escalares. Um bom
exemplo de tal perspectiva nos é apresentado por Buleon (2002). Este autor, discutindo a
emergência da preocupação espacial (que ele chama de espacialidade) nas ciências
humanas, indica duas formas de abordagem que são diferentes mas que visam apreender a
mesma coisa:
Celle de la métrique, appuysée sur la quantification mobilisant une formalisation
statistique ou géométrique, et celle de l'analyse des processus, s'appuysant plus sur
une analyse qualitative et bâtissant des catégories conceptuelles. [TT.06]
Tal dissocião, segundo ele, limita o alcance da escala como instrumento
analítico. Com efeito, a iia de espacialidade diferencial, que aponta para a mudança da
natureza e da forma de um fenômeno quando se muda a escala de análise, nos desvia do
fato de que muitos femenos são, "a um só tempo", multi e inter escalares. Buleon
taxativamente afirma:
"Beaucoup de phénoménes sociaux, économiques, politiques courent
simultanément du local à international, em passant paréchelle de l'État-Nation et
divers niveaux infra-nationaux." (pg. 3) [TT.07]
Buleon se apóia no tradicional modelo "babuska" de representação escalar,
apesar de seu raciocínio ser exatamente uma crítica a este modelo. Ele estrutura sua
proposta, de múltiplas imbricações das diversas espacialidades dos femenos, ancorando-
se numa metáfora geométrica de duas dimensões - horizontal e vertical, o que de certo
modo enseja necessariamente a idéia das escalas como níveis superpostos. Sua definição de
imbricações não deixa dúvidas:
Horizontale car les spatialités propres à differents phénoménes se superposent, se
chevauchent sur la trame des concentrations humaines, des infrastructures et des
structures étatiques (villes, réseaux de transports, États-Nations, frontières,
découpages administratifs, etc.) pour donner cohérence à des formations ou des
combinaisons socio-spatiales. Verticale, car les développements propres à une
97
sphère de la réalité sociale s'effectuent tout au long d'un continuum spatial à de
multiples échelles. (Idem, ibidem)
(...)
Soulignons à ce pros que la combinaison dês échelles spatiales qu’avaient
reprise à leur compte plusieurs auteurs dan les années 70. La combinaison dês
échelles, ne postule pás de coupure, mais au contraire considère différentes formes
et facettes d’um même phénomène à différentes échelles, et donc em différents
lieux, pour lui redonner une cohérence globale, cohérence qu’il ne peut acquérir
que replacé dans um vaste jeu.” (idem, pg. 4) [TT.08]
Tal leitura nos coloca de frente a uma questão central ao pensar as narrativas
escalares. A escala, enquanto instrumento heurístico, nos permite distinguir níveis de
análise do real, mas, no real tais níveis não são níveis, mas sim, simultaneidades - dos
elementos, dos objetos e das ações que constroem o espaço geográfico. O que justifica as
narrativas escalares é, na verdade, a constatação de que as simultaneidades (referência
temporal) têm impactos, efeitos, em distintos âmbitos, recortes espaciais. Entretanto, muitas
delas, têm impactos (distintos) em diversas (e distintas) construções escalares. Isto nos
remete à questão de "o que" é um elemento geográfico ou geografável? Objetos, ações,
impactos/desdobramentos? A proposta de Buleon nos abre novas perspectivas de leitura da
escalaridade – ou melhor, da espacialidade – dos fenômenos, das ações, das relações e dos
próprios agentes sociais. Chamamos aqui atenção para três desdobramentos possíveis:
1. Os “elementos espaciais” são multi-escalares – objetos, ações, agentes –, o que implica
que uma escala sempre contenha em si também elementos, marcas de outras, que
estabelecem influência sobre processos e dinâmicas observáveis em ambas. Carlos
contribui elucidativamente ao colocar que
"(...) a globalização materializa-se concretamente no lugar, aqui se
lê/percebe/entende o mundo moderno em suas múltiplas dimensões, numa
perspectiva mais ampla, o que significa dizer que no lugar se vive, se realiza o
cotidiano e é aí que ganha expressão o mundial. O mundial que existe no local,
redefine seu conteúdo, sem todavia anularem-se as particularidades." (1996, pg.
15)
Talvez a melhor expressão disto seja a “onipresença” daquilo que Milton Santos chama de
Meio Técnico-Científico-Informacional, o predomínio da técnica enquanto mediação das
relações entre o Homem e a Natureza por todo o planeta na era da globalização. Giddens
(1990) também chama a atenção para isso, ao falar da organização racionalizada da vida
social moderna através da reprodução das instituições e dos “sistemas peritos” (descritos
como “sistemas de excelência técnica ou competência profissional que organizam grandes
98
áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje”, pg. 35). A técnica, a
racionalidade e o controle das rotinas, fundamentais na construção de uma ordem global
capitalista e moderna, invadem todos os locais, suprimindo e se conjugando com
expressões locais: elas estão em tudo, desde o padrão arquitetônico de nossas casas até a
constituição de nossos hábitos alimentícios. É evidente que um McDonald’s em Salvador
competindo com barracas e casas de acarajé pela freguesia que busca um lanche no final da
noite funciona muito melhor enquanto expressão do global no local, afinal, as grandes
empresas são comumente identificadas como os maiores protagonistas da globalização.
Mas, esta vai muito além, e inclui também a crescente utilização de alimentos
industrializados nas próprias residências da população baiana – ou o uso de ingredientes
industrializados mesmo para a preparação de pratos típicos da região. O global se
“presentifica” e “atualiza” no local.
2. Ou seja, no “plano” do real, coexistem os elementos que são separados nas
narrativas escalares através de operações de abstração, obviedade que traz sérias
implicações empíricas e analíticas. Convivem no mesmo “local” rugosidades decorrentes
de processos operados em distintas escalas, e sujeitos cujas ações são informadas por e
interagem com processos que ocorrem em distintas escalas. Por exemplo, os chamados
atores globais” convivem lado-a-lado com “atores não-globais” – inclusive aqueles
chamados de sujeitos ordinários por Michel DeCertau! Isto nos remete a pensar não apenas
o encontro entre um investidor da Bolsa de Nova Iorque ou um diretor de uma companhia
multinacional com um jornaleiro ou com um pedinte na rua (encontros que podem decisões
suas com impactos mundiais!!), mas também que redes sociais, configuradas por relações
cotidianas de indivíduos que compartilham ambientes comuns numa configuraçãocio-
espacial local podem ter interações cujo impacto abrange configurações escalares bem
distintas. Um bom exemplo nos é fornecido por Moacir Palmeira, que, analisando sua
experiência como diretor de recursos fundiários do Incra, mostrou como grupos de interesse
influenciavam decisões de caráter nacional da política do órgão através do estabelecimento
de relações pessoais fora das instalações do órgão, em arenas de encontros cujos conteúdos
normalmente não tem a mesma repercuso:
“Diferentemente de um modelo weberiano de burocracia, em que prevalecem
regras abstratas e impessoais e onde a hierarquia administrativa é um princípio
essencial, o que encontrei foi uma burocracia segmentada em verdadeiras facções,
99
cujos recortes não se confundiam com divisões funcionais, nem tampouco com
linhas político-partidárias, ou com eventuais diferenças de conceão do que fosse
reforma agrária ou do que devesse se a atuação do Incra. O que existia eram redes
de relações pessoais – pessoas que freqüentavam o mesmo clube, bebiam juntas,
jogavam futebol, ajudavam-se mutuamente, articulavam-se para controlar
determinados cargos – que se sobrepunham a questões ideológicas.” (1994, pg. 54)
Este exemplo nos evidencia não somente a importância das chamadas “arenas ocultas”, mas
o quanto a criação de lugares e momentos específicos para a realização de encontros,
relações de troca cuja configuração espacial de interesse abrange uma escala nacional têm,
no seu cotidiano, influências de relações teoricamente operantes em outras escalas, é algo
inevitável, fruto da mediação reguladora que os lugares exercem sobre as interações –
mesmo apesar do “desencaixe” das relações que aponta Giddens (1990), ao qual
retornaremos mais adiante.
3. Como decorrência disto, no mesmo “local” coexistem atores, fatos e ações cujos
desdobramentos operam em diversas escalas (espaciais e temporais), o que confere
particular complexidade (envolvendo efemeridade e imprevisibilidade) aos processos de
“encaixe e construção escalar”. Fragmentação e articulação ganham novos sentidos no
desenho de uma nova imagem de terririo enquanto construção de um ordenamento
escalar, onde um contato entre elementos estranhos entre si pode provocar a destruição de
uma ordem – que podemos representar através da imagem metafórica de um curto-circuito.
Um fato, um comando ou uma ação decorrente de um jogo de forças local pode implicar
conseqüências para atores globais, interferindo em dinâmicas nesta outra escala. Quando
Harvey (1992) chama nossa atenção para a estratégia do capital de “aniquilação do espaço
através do tempo”, e que como estratégia de resistência “os movimentos da classe
trabalhadora costumam ser melhores na organização e controle do lugar do que em
dominar o espaço”
29
(pg. 216), ele mostra aberta a possibilidade que tem um evento numa
escala de mobilizar e provocar desdobramentos em outras escalas. Lapidar, neste sentido,
vem sendo a extensão que consegue conferir à sua atuação o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), o que Garcia (2000) aponta como
“(...) repercutindo nacional e internacionalmente. A movimentação de cada grupo
de trabalhadores sem terra, cada reivindicação, cada ocupação/invasão (segundo
29
E, logo em seguida, o autor afirma que “movimentos de toda espécie – religiosos, místicos, sociais,
comunitários, humanitários, etc. – se definem diretamente em termos de um antagonismo ao poder do
dinheiro e das concepções racionalizadas do espaço e do tempo sobre a vida cotidiana”. (Harvey, 1992, pg.
217)
100
quem avalia), cada manifestação de qualquer uma das lideranças, cada prisão, cada
julgamento e cada massacre, mobiliza a opinião pública, obriga o governo a se
posicionar, exige que os partidos políticos se definam, torna-se notícia na mídia,
ainda que a contragosto dos senhores da terra. (pg. 7)
Atos semelhantes aos do MST têm lugar em todo o rural brasileiro, mas, empreendidos por
outros atores, não alcançam os mesmos âmbitos espaciais (escalas) de repercussão que tal
movimento consegue. Tal repercussão nada mais é do que um desdobramento de atos locais
(como uma ocupação/invasão de uma fazenda), junto a interlocutores e em arenas de poder
cujas escalas espaciais de intervenção mobilizadas são a nacional e até mesmo supra-
nacional. Um ato passa a ter significação e provocar reações em escalas diversas –
compreendidas como “campos de espacialidade” destas significações e das reações.
3.2.2. Do Território-Zona ao Território-Rede: Fragmentação,
desencaixe, co-presença e outros desafios da contemporaneidade
Tais considerações nos remetem diretamente à segunda questão de ordem
empírica e teórico-metodológica levantada sobre as narrativas escalares baseadas em níveis
hierárquicos: a idéia de escala se ancora numa imagem do território (ou do espaço) que
evoca relações entre elementos, objetos geográficos ou atores numa situação de
contiidade espacial. O terririo evocado nessa imagem é, necessariamente, aquilo que
podemos chamar território-zona. A esta representação do território, alguns autores vêm
opondo a iia de território-rede aqui destacamos as contribuições do francês Pierre
Veltz (1996). Tal formulação intenta reconstituir uma leitura geográfica (ou seja, que toma
como ponto de partida os instrumentos conceituais de compreensão do real baseados no
espaço) de relações (sociais, ecomicas, etc.) que tais instrumentos – ou a forma como
eles m sendo utilizados -, apontam comoo sendo pertencentes ao escopo da Geografia.
A aparente perda do poder de regulação das ações humanas pelo espaço – sintetizada na
antiga premissa da “fricção da distância” – é, na verdade, a fundação de novos padrões
espaciais de interação:
“Chacun sent bien que la carte traditionnelle, celle des étendues et de la distance
physique, n’est plus qu’une représentation parmi d’autres du monde, qu’uil
s’agisse de la sphère économique ou du monde vécu dês personnes. Lê découplage
entre distance spatiale et distance temporelle, la multiappartenance territoriale
d’um nombre croissant d’individus, l’écart croissant entre les référentiels
d’espace-temps dês personnes et dês groupes sociaux: tous ces mouvementes
dessinent une géographie complexe et paradoxale. (pp. 53-54)
101
(...)
La question est: comment décrire et comprendre um monde spatial où la principale
propriété de l’espace – la résistance physique à l’échange, et lê prix longtemps
considérable à payer pour réduire cette résistance – s’efface lentement mais
sûrement? La réponse que nous donnons dans ce livre consiste pour l’essentiel à
qualifier différemment l’organisation spatiale et sés enjeux: ceux-ci consistent
moins, désormains, dans la maîtrise dês coûts de la distance que dans la mise em
oeuvre d’effects sociaux de coordination et de relation. (pg. 54, grifo do autor)
[TT.09]
Para responder a tais desafios teórico-epistemológicos, este autor aponta um
conjunto de hipóteses explicativas que ele próprio classifica como “fenomenológicas”,
construídas a partir da crítica ao modelo Centro-Periferia como um modelo de relações
espaciais baseado na idéia de uma “segregação associada”, na qual as interdependências
entre os elementos (divisão do trabalho) definem uma vinculação que é a própria raiz da
desigualdade
30
. Segundo ele, na contemporaneidade ocorre uma progressiva desintegração
das periferias em relação a outros espaços, num padrão que chama de “segregação
dissociada”, onde a imagem do território aparenta-se mais a um mosaico onde partes
independentes se encaixam. Ao invés de se oporem em grandes blocos, o centro e a
periferia se interpenetram, com um contendo fragmentos do outro em seu interior, nuance
percebida através da mudança da escala de observação do território. As configurações
territoriais-escalares resultantes de tais processos são, então, assemelhadas a um mosaico-
fractal
31
, marcadas pelo desaparecimento progressivo do ordenamento do mundo baseado
em proximidade e distância.
O território-rede é, portanto, um territóriodescontínuo” e “mutifolheado”, já
que as redes são múltiplas, superpostas e emaranhadas, o que faz, por exemplo, que as
grandes cidades (ou fragmentos delas) apareçam mais como “nós” de redes do que centros
de comando de suas zonas ou hinterlândias, como preconizavam a idéia do território-zona e
o modelo Centro-Periferia. Tais representações são ancoradas numa construção do território
através de uma hierarquização das relações engendradas entre os elementos que o comem
– que, através da referência aos avanços técnicos das redes de comunicação, e, em
particular, aos desdobramentos produzidos no campo dos transportes de grande velocidade,
30
Tal postulado é particularmente marcante na idéia de “desenvolvimento desigual e combinado”, de Lênin,
trabalhada por Neil Smith.
31
“Lê territoire social et économique devient à la fois plus homogène, à large échelle, et plus fractionné, à
échelle fine. Il est probablement de plus em plus <<fractal>>, à l’image de ces structures géométriques qui
reproduisent um même motif d’inégalité à toutes les échelles.” (pg. 55) [TT.10]
102
com os chamados “efeito de túnel e o “processo de channelization”, desafiam a produção
de uma territorialidade contínua ao definir que relações espacialmente remotas possam ser
mais importantes que as que os mesmos entes mantém com outros espacialmente
próximos
32
. Qual a escala do terririo rede? Ou, quais os arranjos escalares construídos a
partir das redes?
Nas contribuições de Veltz, as interdependências de bens e serviços produzidos
em distantes pólos ecomicos se tornam mais importantes que as relações de curta
distância, o que faz com que a economia e os processos globais estejam imediatamente
presentes (e, conseqüentemente, sujeitos aos ruídos provocados) no local. Uma determinada
atividade ecomica “dinâmicainserida em redes globais da economia mundial da
circulação pode estar situada numa região sub-desenvolvida e economicamente deprimida –
por exemplo, a fruticultura na região de “Jualina” (mistura de Juazeiro e Petrolina, no
médio vale do São Francisco), que responde por um terço do valor das exportões
nacionais do setor, sendo 96% das exportações de uva e 90% das de manga. Tal
configuração faz conviver adjacentemente atividades reguladas, em última instância, pelas
taxas de juros dos mercados financeiros globais (o que lhe confere temporalidade não igual,
mas combinada com os ritmos da acumulação global em aceleração), e atividades em
franca decadência econômica, tecnológica e social, o que remete aos tempos lentos. No
caso de Jualina, convivem lado a lado grupos social e economicamente emergentes,
multilíngues e pluriculturais (italianos, japoneses, etc.), cujo corolário é o RiverShopping, e
as favelas das pessoas que ou estão desempregadas ou desempenham funções mal
remuneradas ou temporárias.
32
Veltz parte da tradicional geografia econômica regional, na qual, num universo de transportes “lentos” (ou,
suscetíveis àfricção da distância), os grandes centros o são por exercerem o papel de articulação dos
espaços próximos com o mundo longínquo, sendo as relações marcadas pela proximidade aquelas que ele
denomina “de primeira ordem”. Esta é a base para as estruturas hierárquicas piramidais urbanas e
administrativas. Com base nestas idéias, de influência organicista, surgiram a hierarquia urbana de Christaller,
e a teoria da localização industrial de Losch, em que as centralidades surgem pela concentração de serviços
“raros” e das atividades produtivas. Atualmente, na economia global, as interdependências de bens e serviços
produzidos em distantes pólos econômicos se tornam mais importantes que as relações de curta distância.
Desta forma, a economia global está imediatamente presente na economia local, mas as “relações horizontais
entre pólos de atividade são mais importantes que as relações verticais entre estes pólos e suas hinterlândias,
sejam estas regiões ou nações. O espo das pirâmides públicas e privadas continua presente, através da
hierarquia das cidades e suas fortes inércias. Mas a metáfora horizontal dos fluxos circulantes, durante muito
tempo ocultados pelas estruturas verticais encaixadas, assume papel central na leitura de Veltz. Duas
características se sobressaem nesta proposta: a predominância de relações horizontais (pólo-pólo) sobre as
relações verticais (pólo-hinterlândia), e a característica das relações estruturarem o desenho de uma “malha”,
e não de uma “pirâmide” ou “árvore”, metáforas mobilizadas para representar as relações hierárquicas.
103
Chico de Oliveira sempre nos elucidou como a modernização no Brasil
historicamente recriou laços de convincia (em certo sentido e para certos grupos,
hamônica) entre arcaico e moderno, e como a adoção de um padrão de acumulação de base
pobre no capitalismo tupiniquim sempre pôs lado-a-lado e em situações de
complementaridade ricos e pobres. Mas há algo de novo neste arranjo atual: a submissão de
espaços ou setores da economia nacional aos ritmos e ditames da acumulação global, em
detrimento das relações internas, “desencaixa” do território atividades, setores, lugares e
agentes, configurando rupturas ou desencaixes escalares. No caso da nova geografia
econômica brasileira, esta ruptura representa o fim de um projeto nacional (projeto não
apenas ecomico, mas de território também) de industrialização por substituição de
importações, que determinava um arranjo territorial-escalar de integração hierárquica e
subordinada entre suas partes, e o início de um novo projeto, ao qualnia Bacelar
denomina de “integração competitiva” de setores da economia nacional à economia
mundial da circulação, que privilegia os elos externos em detrimento das
complementaridades e interdependências internas.
A Geografia apontada nesta abordagem define a escalaridade de um ente pelas
suas relações, pelas transações (ecomicas, sociais, poticas) que ele realiza: é daí que se
definem os atores e os espaços globais e locais, por exemplo. Tal leitura nos remete a uma
constatação: o que define a escalaridade não é o ator, nem o recorte espacial, mas as
relações que este engendra e das quais participa. O aspecto excludente das redes (técnicas,
sociais, ecomicas, poticas, etc.) se revela pelo fato de que dois lugares ou agentes
adjacentes um ao outro podem experimentar ou participar de relações em escalaridades
distintas, pode um estar inserido em redes globais e outro não.
É necessário ressalvar aqui que há diversos tipos de redes globais”,
diferenciadas (i) pelo tipo de relações que se estabelecem entre os seus membros (que
definem também a natureza dos fluxos mobilizados), mas também (ii) pelos
desdobramentos destas relações no próprio espaço. Um grupo de amigos trocando e-mails,
ainda que estes estejam em diversas localizações do globo terrestre, configuram uma rede
que, efetivamente, não tem graves desdobramentos globais. A mobilização produtiva desta
comunicação pode mudar a ordem de conseqüências. Mais do que isso, se não se tratam de
simples amigos, mas aliados em torno de uma mesma luta potica, ou dirigentes de grandes
104
corporações trocando informações sobre seus negócios, estamos diante de outra “natureza”
de relações
33
. São distintas “redes globais”. Membros das três redes globais podem estar
numa mesma rua, mas a natureza espacial de suas articulações é radicalmente distinta. Mais
do que uma relação de co-presença (Giddens, 1989; Shields, 1992), coloca-se o velho
problema do conteúdo das interações e transações sociais entre indivíduos.
Esta problemática, que emerge vigorosamente a partir das contribuições de
Veltz, já se nos apresenta em outros autores anteriores. Que lições podemos apreender, por
exemplo, das trilhas de espaço-tempo de Hagerstrand? Sua Geografia Temporal (Time
Geography) propunha, através da cartografagem associando deslocamentos no espaço e no
tempo, a apreensão das experiências sócio-espaciais dos indiduos – compreendendo
movimentos no espaço e as interações sociais. Ele criou, com base nisto, prismas de tempo-
espaço, que definiriam os limites da mobilidade e da interatividade de um indivíduo.
Hägerstrand parte da constatação de que a complexificação das relações sociais
engendra também um tecido espacial mais complexo, onde fenômenos como a
especialização funcional dos lugares define que os encontros, as transações e interações
sociais ocorram em lugares específicos (e, também, em momentos específicos). A
sociedade depende destas transações, e a garantia de que elas ocorram (de forma ótima) é
fundamental para a reprodução social. Tais encontros, entretanto, se dão mediante a
covergência de trilhas que os indivíduos percorrem e constróem, trilhas no espaço e no
tempo, cujas "coincidências" permitem que dois indiduos ou mais realizem as interações.
Otimizar a organização do espaço para viabilizar as converncias corretas de trilhas de
espaço-tempo é tarefa do planejamento.
33
Milton Santos chega a distinguir/hierarquizar os agentes: "um decididor é aquele que pode escolher o que
vai ser difundido e, muito mais, aquele capaz de escolher a ação que, nesse sentido, se vai realizar. Essa idéia
é desenvolvida por J. Masini que inclui, entre os grandes decididores, os governos, as empresas
multinacionais, as organizações internacionais, as grandes agências de notícias, os chefes religiosos... A
escolha do homem comum, em muitas das ações que empreende, é limitada. Freqüentemente, o ator é apenas
o veículo da ação, e não o seu verdadeiro motor. Mas é sempre por sua corporeidade que o homem participa
do processo de ação." (2002, pg. 80)
105
Diagrama 2 – Geografia Temporal (Time Geography) de Hagerstränd (1969)
As trilhas e trajetórias percorridas e desenhadas pelos indivíduos dependem,
necessariamente, dos múltiplos papéis que estes desempenham num arranjo social dado, o
que significa dizer que elas são condicionadas, ou, efetivamente, dialogam com as culturas
e as regras sociais e aspectos técnicos, que variam no espaço e no tempo. Isto define
restrições nas trilhas e trajetórias, que Hägerstrand define de três naturezas: restrições de
capacidade, restrições de contato, e restrições de autoridade.
O trabalho de Hägerstrand esbarra, entretanto, em algumas limitações de sua
abordagem. Primeiramente, ele analisa apenas os padrões espaciais dos deslocamentos
operados pelos indivíduos, deslocamentos esses que são balizados, determinados,
regulados, mediados pelas transações sociais que os indivíduos têm que realizar, não
entrando nos detalhes da natureza e do conteúdo destas transações. Em segundo lugar, ele
analisa apenas as transações sociais que envolvem contato "físico", ou, no limite, encontros
entre os indivíduos - ele projeta para o futuro os padrões de relações mediados pelos
modernos meios de telecomunicação, eficaz estratégia de escapar a um complexificador de
106
sua problemática, já que, mesmo que longe do desenvolvimento e importância atual, esses
meios já existiam quando de suas reflexões.
Giddens (1989) aponta quatro limitações da Geografia Temporal de
Hagerstränd:
1. Opera com uma concepção simplista e redutora do agente humano, pois ao
sublinhar a corporalidade não considera os cenários e as complexas relações sociais que
condicionam seus projetos;
2. Acaba tendendo a cair na dualidade ação & estrutura;
3. Se concentra demais nas restrições, e pouco nos tipos de oportunidades e nos meios
de possibilitar a ação;
4. Envolve uma teoria do poder debilmente construída.
Este último aspecto é crucial para nossas reflexões, sobretudo por
considerarmos não uma limitação, mas uma potencialidade da Geografia Temporal: ela nos
possibilita pensar múltiplas espacialidades para os encontros/interações/transações sociais,
visto que, cada contexto de interação comporta relações de poder diferenciadas. A partir
disto, todos os elementos constitutivos do esquema de Hägerstrand podem ser tensionados
como possibilidades analíticas. Ao considerar os encontros de trilhas como interações
(ainda que em situações de co-presença), transões sociais, relações sociais e de poder,
podemos pensar os domínios como sendo as escalas de abrangência – representação ou
desdobramentos dessas transações, dessas relações de poder. Assim, indivíduos
experimentam, no seu cotidiano, transações (relações sociais e de poder) que têm
espacialidades, escalaridades distintas. Giddens abre tal perspectiva ao colocar que
“os domínios referem-se ao que eu prefiro chamar de regionalização do tempo-
espaço: o movimento de trajetórias de vida através de cenários de interação que
têm várias formas de demarcação espacial.” (1989, pg. 93)
Não são apenas os cenários que têm várias formas de demarcação espacial, mas
as próprias naturezas das interações se remetem a diferentes marcos espaciais – a
multiplicidade de papéis que cada indivíduo desempenha condiciona isto
34
. Giddens,
34
Essa multiplicidade de papéis é aludida por Hagerstränd, que afirma: "When, for example, in a general
equilibrium model, it is assumed that every individual performs a multitude of roles, it is also implicitly
admitted that location in space cannot effectively be separated from the flow of time. Sometimes, of course,
107
entretanto, dá um profícuo passo na definição de uma espaciologia das relações sociais e de
poder, considerando até a iia da materialidade do espaço como, em certa medida,
condicionante das relações sociais, quando ele discute as estações que Hagerstränd define:
“São ‘lugares ou pontos de parada’, nos quais a mobilidade física das trajetórias
dos agentes é suspensa ou reduzida por toda a duração de encontros ou ocasiões
sociais – enquanto locais em que se dá a interseção de atividades de rotina de
diferentes indiduos. Mas as características dos cenários tambémo usadas,
rotineiramente, para constituir o conteúdo significativo da interação (...). Assim, o
contexto liga os componentes mais íntimos e detalhados da interação às
propriedades muito mais amplas da institucionalização da vida social.
(...)
Assim, uma casa particular é um local que constitui uma ‘estação’ para um vasto
conjunto de interações no decorrer de um dia típico.” (pg. 96)
Anteriormente, ele já afirma que “os locais não são apenas lugares, mas cenários
de interação” (idem, pg. XXI, grifo do autor). No esquema de Hagerstränd, as estações são
pensadas como bases fixas a partir das quais os indivíduos, dentro de períodos recorrentes
de tempo – um dia, ou uma temporada, por exemplo – referenciavam padrões de
mobilidade. A leitura que faz Giddens nos permite pensar as estações como arenas – não
apenas as estações, mas também os pontos onde se dão os encontros através das interseções
nas trilhas. É nessas arenas que se dão os jogos de poder, através das interações entre os
indivíduos. Quando recordamos que o esquema de Hagerstränd tinha como propósito
exatamente planejar as trilhas e definir os locais de encontro, diante da necessidade que a
sociedade tem destes encontros, dispomos dos elementos necessários para associar as
estações e os pontos de encontro às arenas: não somente a sua existência é fundamental
para a construção das estruturas sociais, mas também a forma como elas são estruturadas e
as próprias normas de conduta são também objeto de disputa pelos indivíduos e atores
sociais, como trunfo para a implementação de seus projetos de sociedade. Giddens é quase
taxativo:
“Conforme Garfinkel demonstrou, de modo particularmente persuasivo, os
cenários são usados cronicamente – e, em grande parte, de maneiracita – por
atores sociais para confirmar o significado em atos comunicativos. Mas os
cenários também são regionalizados de formas que influenciam substancialmente o
an individual plays several roles at the same moment. But more often the roles exclude each other. They have
to be carried out within a given duration, at given times and places, and in conjunction with given groups or
other individuals an pieces of equipment. (...) Every point in space does not demand the same of him (...). It
means primarily that time has a critical importance when it comes to fitting people and things together for
functioning in socio-economic systems, whether these undergo long-term changes, or rest in something which
could be defined as a steady state". (pg. 10) [TT.11]
108
caráter serial dos encontros e são influenciados por este. A ‘fixidez’ de tempo-
espaço também significa normalmente fixidez social; o cater substancialmente
‘dado’ dos milieux físicos da vida cotidiana entrelaça-se com a rotina e é
profundamente influente nos contornos da reprodução institucional. A
regionalização também tem forte ressonância psicológica e social no que diz
respeito ao ‘ocultamento’ à visão de alguns tipos de atividades e de pessoas, e à
‘revelação’ de outros. (idem, pg. XXI)
3.3. A escala enquanto dimensão espaço-temporal da sociedade e
o problema das fricções
O debate sobre a escala tem como uma de suas principais nuances o fato de ser
um dos mais importantes e profícuos promotores da interseção entre Geografia e História,
ou, para sermos mais abrangentes, das relações entre espaço e tempo enquanto dimensões
da existência e da organização social. Enquanto instrumento heurístico e analítico que
permite associar dimensões (enquanto medidas de tamanho, ordens de grandeza) à
dinâmica de femenos, multiplicando assim níveis de abstração diretamente associados à
experiência emrica e concreta, a escala é uma ferramenta crucial para o diálogo entre
distintas percepções e concepções de espaço e tempo!
Diversas características e propriedades associadas à construção das noções de
espaço e tempo enquanto dimensões da existência e da experiência humana encontram na
escala um ponto de convergência, um elo analítico entre as duas noções. Espaço e tempo
são, na vasta e inesgotável literatura que os discute, concebidos/percebidos com um status
ontológico que lhes atribui dupla existência/percepção, uma absoluta (substantiva,
independente das coisas
35
) e outra relativa (existentes como medidas sensíveis das coisas),
leituras que em diversas tendências aparecem como divergentes, fundando os pares
discursivos espaço absoluto/tempo absoluto, espaço relativo/tempo relativo (Araújo, 2003).
Haesbaert (1993) nos oferece interessante sistematização das proximidades, interões e
contradições nas relações entre tais noções fundantes
36
. Aos espaço e tempo absolutos, o
autor associa respectivamente como expressões concretas Extensão e Duração, que
35
“(...) espaço e tempo como formas puras da intuição, como categorias da experncia tão abrangentes que
não podem, em si mesmas, entrar nas experiências das quais são a moldura e a condição de possibilidade
estrutural.” (Jameson, 2002, pg. 363)
36
O autor se baseia no trabalho de Oliveira (1982), “Espaço e tempo: compreensão materialista e dialética”.
In: Santos, M. (org.) Novos rumos da Geografia Brasileira.o Paulo, HUCITEC.
109
convergem nas propriedades universais de Unidade, Continuidade, Conservação,
Estabilidade, Homogeneidade e Finitude. Aos espaço e tempo relativos, ele associa
respectivamente como expressões concretas Ordenação (disposição ordenada) e Fluxo
(sucessão dos momentos), que se assimilam nas propriedades universais de Diversidade,
Descontinuidade, Mutação, Instabilidade, Heterogeneidade e Infinitude. Extensão e
Ordenação (expressões do espaço) e Duração e Fluxo (expressões do tempo) se associam,
definindo assim a interpenetração entre as noções absoluta e relativa de espaço e tempo.
O confronto entre tais tradições discursivas é um debate interminável, que tem
em sua matriz as concepções Kantiana e a Heideggeriana - debate tributário do legado de
concepções antagônicas sobre tempo e espaço de Leibniz e Newton
37
. Retornaremos a este
debate sobre as concepções de Kant e Heidegger de espaço e tempo mais adiante. Agora,
nos interessa reter as derivações de tal debate na construção de teorizações acerca da escala,
tanto no tocante ao espaço quanto ao tempo. Tais derivações se desdobram em construções
e debates bastante próximos, sobre as dualidades entre escalas cartográfica ou geográfica,
no tocante ao espaço, e escalas cronológica ou histórica, no caso do tempo. Se tais
abordagens durante longos períodos deram bons frutos através de sua oposição, de algumas
décadas pra cá o que vem surgindo é a tendência aos esforços pela sua compatibilização,
esforços que podem ser percebidos em diversos autores (cf., p. ex., Lacoste, 1988;
Haesbaert, 1993; Buleon, 2002), que vêm afirmando que a leitura do real através do uso dos
raciocínios escalares, tanto no que tange à dimensão do espaço quanto à dimensão do
tempo, tem na pertinência de uma escala em relação ao fenômeno uma questão
fundamental. Escalas fundam femenos, fundam formas de ver os femenos; femenos
possuem dimensões próprias, fundam escalas, fundam formas de ver e relacionar escalas.
Uma escala não é somente uma medida dimensional que se adapta à peculiaridade de um
fenômeno, requer mais. Haesbaert, tomando como exemplo a escala regional, nos auxilia ao
apontar que
"devemos conceber um 'conteúdo', um caráter minimamente conceitural (e não
puramente descritivo) a esta escala - inserir (...) o caráter da dinâmica
(política,
ecomica, cultural) que a região envolve, o que exclui a definição de limites
estanques para a escala regional e nos obriga a entender sua interação com outras
escalas." (1993, pg. 32, grifo nosso)
37
Araújo (2003) faz uma profunda releitura deste debate.
110
Desta forma, a compatibilização entre as noções de que espaço e tempo são
dimensões absolutas e relativas é uma racionalização em grande medida possível graças a
operações escalares - operações de identificação de escalas e femenos e, evidentemente,
de identificação das relações entre escalas e fenômenos. A escala aparece, portanto, como
um instrumento crucial na elaboração e estruturação, tanto de raciocínios centrados no
espaço quanto de raciocínios centrados no tempo: um conceito basilar para todas as
disciplinas, em particular para aquelas que se ocupam de espaço e tempo como objetos e
instrumentos nucleares - respectivamente, Geografia e História. Não integra nosso objetivo
aqui assumir a hercúlea tarefa de constituir uma historiografia de tais conceitos, mas
levantar algumas notas cruciais para pensar os múltiplos imbricamentos das formas
assumidas pelo fazer da potica nos marcos da contemporaneidade, tendo como centro suas
dimensões espaciais (espacialidades da ação)
38
, para o quê a escala se nos apresenta como
um desafio analítico primevo. Acreditamos ser a ação política uma (e fruto de umarie de)
experiência(s) de espaço-tempo, hipótese dentro da qual os raciocínios escalares têm papel
crucial. Propomos, para isso, que, mais do que uma noção que permite abstração através da
identificação de relações entre tamanho e femenos selecionados - relações identificadas
através de operações de decomposição de elementos, fatos e processos do real -, a escala
permite na verdade identificar e planejar ordenamentos operantes no plano do real,
ordenamentos nas próprias experiências sociais, nas experiências de espaço e tempo
individuais e sociais. As escalas espaço-temporais - resultantes da compatibilização entre
escala geográfica (ou espacial) e escala histórica (ou temporal) - são formas de
ordenamento de experiências vivenciadas diferencialmente pelos indivíduos, grupos,
sujeitos e agentes sociais. Isto significa afirmar a escala como algo além de uma forma de
representação ou um instrumento heurístico-analítico, significa afirmá-la como um dado do
real, intrinsecamente vinculado à dinâmica dos femenos - no caso, dos femenos
poticos. Neste sentido, para a proposta de debate a que nos remetemos, compreender a
pertinência e os ruídos decorrentes da associação da escala às dinâmicas e processos
espaço-temporais que comem as experiências individuais e sociais no campo da potica,
temos que encarar as questões colocadas por Haesbaert:
38
Acompanhamos aqui a proposta apontada por Giddens (1981), quando ele coloca que “A fundamental
component of my arguments is the supposition that the articulation of time-space relations in social systems
has to be examined in conjunction with the generation of power." (Giddens, 1981, pg. 3) [TT.12]
111
"primeiro, como podem ser definidas as escalas espaciais/geográficas e as escalas
temporais/históricas; e segundo, como estas escalas se relacionam/se imbricam e
se é possível reconhecer uma lógica neste relacionamento." (idem, pg. 31)
A hipótese que norteia nossas reflees é que tais escalas são indissociáveis!
Uma escala espacial, enquanto constituição de um plano de ordenação dum recorte do/no
espaço, só é possível graças a uma coerência, a uma ordem na dinâmica de objetos e ações,
o que pressupõe também coerências e ordenamentos temporais, em suas características
mais cruciais, duração e fluxo (que nos aparece enquanto uma sucessão, de alguma forma
encadeada, de momentos ou de eventos). A questão fundante, portanto, passa ser melhor
sintetizada por passagem posterior de Haesbaert, ao interrogar
"(…) como se dá a relação entre determinados ritmos de tempo (que denominamos
escalas temporais) e determinadas extensões/distribuições no espaço (escalas
geográficas ou espaciais)." (idem, pg. 38)
A operação de construção/definição/identificação de escalas (scalling process,
no dizer de autores como Brenner, 2001; Howitt, 2000, Swyngedouw, 1997) se constitui,
portanto, como um momento privilegiado para perceber (I) a indissociabilidade entre
espaço e tempo, mas também (ii) o quanto tempo e espaço são, como nos mostra Giddens
(1981), dimensões constitutivas dos sistemas sociais e, principalmente para nosso intento,
(iii) modos em que as relações entre objetos, eventos e açõeso expressadas. Diversos
autores vêm trabalhando neste sentido, afirmando a indissociabilidade entre espaço e tempo
e nos fornecendo procuos instrumentais analíticos de leitura dos processos políticos
através de raciocínios escalares. Vejamos a seguinte passagem, lapidar para as nossas
pretensões, de Silveira:
"Se uma noção de escala geográfica pode ser construída, ela será, sobretudo, uma
noção de tempo, o tempo nos lugares. Periodizações mundiais, nacionais e
regionais serão, assim, fundamentais para descortinar as funcionalizações do
tempo. Não será a regionalização uma 'periodização escalar'? (...) Delimitados os
sistemas de eventos - os períodos -, seria possível detectar de que forma as escalas
de ação se tornam escalas de império, isto é, uma chave para elaborar
intelectualmente, e depois representar, os recortes territoriais significativos."
(María Laura Silveira, "Escala geográfica: da ação ao império?", mimeo, 1996)
A autora, ao apontar que a regionalização é uma ‘periodização escalar’, afirma a
escala (que é resultante de esforços de regionalização) como uma entidade referente a
sistemas de coerência entre objetos e ações, elementos espaciais e temporais, ou,
configurações inevitavelmente espaço-temporais. Thrift também aponta na mesma direção:
112
"the essencial unit of geography is not spatial - it lies in regions of time-space an in
the relation of such units to the larger spatio-temporal configurations. Geography
is the study of these configurations." (Thrift, apud Kellerman, pg. 1) [TT.13]
Tal percurso analítico também aparece em Haesbaert, quando ressalta a
inexorabilidade da
"(...) interpenetração entre a 'duração' e o 'fluxo' do tempo e a 'extensão' e a
'ordenação' do espaço, pois a partir da teoria da relatividade ficaria estabelecido que
espaço e tempo 'não se modificam isoladamente, mas têm ligação indissolúvel um
com o outro', de modo a criar uma 'dependência das propriedades espaço-temporais
dos corpos em relação à velocidade do seu movimento'. Deste modo pode-se afirmar
que à tridimensionalidade do espaço se agregaria uma quarta dimensão, a do tempo,
profundamente articuladas." (op. cit., pg. 31)
3.3.1. Indissociabilidade entre Espaço e Tempo: novas narrativas e o
papel da escala
Na verdade, esta indissociabilidade entre espaço e tempo não é algo novo na
miríade de trabalhos que comem o que podemos chamar de “literatura espaciológica”. Os
estudos sobre difusão foram, talvez, um primeiro movimento na construção de uma leitura
do real onde tempo e espaço aparecem enquanto dimensões indissociáveis (Kellerman,
1989). Noções de tempo e espaço como indissociáveis emergem em diferentes contextos e
culturas, e não apenas nas racionalizações científicas ocidentais. Eles aparecem também
como síntese da experiência humana em construções míticas, algumas das quais, inclusive,
onde as idéias de recorrência (ciclos), linearidade e seqüencialidade (tempo como
encadeamento de eventos, com um início e um fim) vinculam a trajetória de vida e morte
aos mesmos sistemas de orientação e mensuração que, na tradição ocidental, constituem as
noções de espaço. Tuan (1978) nos auxilia ao colocar e exemplificar que
"Human time, like cosmogonic time, is directional. A human life begins at birth
and ends in death; and despite a common belief that death is a return to the womb
leading to re-birth, life is individually experienced as a one-way journey. (...)
Among Pueblo Indians the dead are believed to return to Shipap [região localizada
ao norte dos aludidos povoados], from which the ancestors originally emerged.
More often, however, death is a continuing journey from the centre of cosmic
space, either along the vertical axis or to one of the cardinal points." (pg. 9)
[TT.14]
As concepções de tempo cíclico e linear, na experiência humana, muito mais se
combinam do que se oem - apesar das disputas de representações que são empreendidas
em torno das duas. Só para trabalhar um outro exemplo, numa tradição discursiva bastante
113
distinta, lembramos que ao mostrar a diferença entre reprodução simples e reprodução
ampliada do capital, o que Marx nos mostra é como o caráter cíclico e repetitivo da
produção produz, na verdade, a linearidade da acumulação do capital. Ou seja, concepções
de tempo distintas, muitas vezes representadas como opostas, se combinam na experiência
social do capitalismo. É neste sentido que Kellerman afirma que
"Time may mean many things for individuals. It might be an experience, a major
dimension, an ordering framework, an event of biological significance.
Experiencial time, or lived time, refers to personalized images of time as being
short or long, passing fast or slowly. Time is a major dimension along wich all
events occur and around which human lifecycles evolve. It is an ordering
framework for events in terms of 'before' an 'after' and in terms of chains of events
or developments." (Kellerman, pg. 7, grifo nosso) [TT.15]
Este autor faz um interessante tour pela discussão sobre as relações entre espaço
e tempo, coletando contribuições de diversos autores. Uma procua citação que tomamos
emprestada dele, é a colocação de Luhmann, que fala de um "world time" como sendo
"an infinite series of temporal points compatible with the assignment of different
values to particular points in different system histories… it is a dimension of the
horizon of the world. Because it is measured uniformly, world time allows
processes in all systems to run simultaneously." (Kellerman, p. 7-8) [TT.16]
Tal apontamento, ainda que bastante genérico, nos permite (I) compatibilizar a
dimensão absoluta do tempo (mensurável, substantiva e cuja existência independe de
remetimento ou vinculação com as coisas) com a relativa (concernente aos ritmos, aos
eventos, etc.); (ii) compatibilizar a idéia de um tempo dos indivíduos com um tempo social,
o que remete também a uma inter-relação entre percepção e racionalização associadas ao
tempo; (iii) trabalhar com a idéia de que há tempos individuais e sociais, estruturando
sistemas coerentes internamente e interagindo entre si ("each process studied has to be
viewed as being part of a longer chain-process", idem, pg. 3), construindo experiências
sociais e individuais que são encadeadas constituindo redes de determinações temporais
(queo também espaciais!!). Ou seja, cadeias de interdependência espaço-temporal se
relacionam, com entrelaçamentos e descontinuidades, no fluxo ininterrupto do devir, ou,
with time, one order in space could be connected to another order in another
space”!!(Kellerman, op. cit., pg. 42).
Afirmar a indissociabilidade entre espaço e tempo, entretanto, ainda se mostra
insuficiente para nossos propósitos analíticos: isto carece ainda de qualificação, de
esclarecimento de como apontamos as formas de imbricamentos e feedbacks entre as duas
114
dimensões – bem como as percepções, estratégias e formas de ação potica construídas a
partir destas formas de imbricamentos. Com efeito, uma miade de perspectivas analíticas
se nos oferecem nesta direção, desde aquelas que afirmam a indissociabilidade como
entrelaçamento, até autores que reforçam, nos marcos da contemporaneidade, um embate
entre as duas dimensões! Um bom exemplo neste sentido nos é dado por Jameson, que,
propondo uma periodização histórica que afirma especificidades das dinâmicas sociais
contemporâneas, ao ponto de fundar um novo período histórico – as-modernidade -,
afirma a unicidade histórica atual exatamente por uma requalificação das dinâmicas espaço-
temporais, com a destruição da linearidade narrativa entre passado-presente-futuro, em que
o espaço ganha em importância enquanto sistema de referenciais para as experiências de
espaço-tempo e, desta forma, para a construção das interpretações e posições dos
indivíduos no mundo. A partir disso, segundo o autor, torna-se imperioso que
“(...) agora habitamos a sincronia e não a diacronia, e penso que é possível
argumentar, ao menos empiricamente, que nossa via cotidiana, nossas experiências
psíquicas, nossas linguagens culturais, são hoje dominadas pelas categorias de
espaço e não de tempo, como o eram no período anterior do alto modernismo.”
(1996, pg. 43)
“O presente se torna, assim, reificado, na ausência de uma relação coerente entre
passado, presente e futuro. Trata-se de uma ‘esquizofrenia’ onde se vivencia uma
série de ‘puros presentes, o relacionados no tempo’, rompendo-se a cadeia de
significação em puros significantes materiais presentificados” (Haesbaert, 2004,
pg. 153)
Haesbaert assim analisa esta indissociabilidade apresentada enquanto oposição
entre espaço e tempo:
“Daí o paradoxo: em plena ‘era do espaço’, temos também a era da
‘desterritorialização’, neste caso significando, de forma mais ampla,
‘desespacialização’. Seguindo o raciocínio de Jameson e de outros autores, não é
porque o espaço desapareceu’, mas sim porque ele adquiriu um peso tal que, visto
de maneira desproporcional e dicotomizada, ‘suplantou o tempo’. Tempo e espaço
teriam sido de tal forma dissociados que o que domina, na verdade, é um espaço
des-historicizado, um espaço sem tempo: ‘(...) vivemos a pura sincronia, diz
Jameson, um presente perpétuo – o ‘puro’ espaço que, por não existir nunca como
tal, quando isolado do tempo simplesmente desaparece. Dominados pelo espaço
sem tempo – ou, na perspectiva inversa, pelo tempo sem espaço -, perdemos o
‘verdadeiro’ espaço, que é o espaço densificado pela história e aberto às novas
possibilidades do futuro.” (pp. 155-156)
O que podemos reter de tal passagem, mais do que a idéia de que há uma
dissociação entre espaço e tempo, é sua indissociabilidade! O processo evidenciado é uma
substituição do tempo pelo espaço. Só é possível substituir algo por outro que, de alguma
forma, se apresente como equivalente do primeiro. O que Jameson apresenta, na verdade, é
115
como se funda, na atualidade, uma nova(?) forma de relação entre espaço e tempo, fruto de
manipulação estratégica dos planos (i) da coordenação de simultaneidades que constituem
as cadeias de interdependência espaço-temporal, (ii) da percepção que se constitui sobre
estas interdependências, na verdade as próprias leituras de mundo e posicionamentos dos
indivíduos neste mundo através de sistemas de referências espaço-temporais, e (iii) das
concepções de espaço e tempo que se constroem em torno desses processos.
O raciocínio trilhado por Jameson nos é lapidar. Ele mostra como uma
avalanche de formas de processamento e transmissão de informação, coordenadas e
combinadas segundo sua abordagem, mudam a nossa forma de ver o mundo, instaurando
percepções de espaço que anulam a dimensão histórica do tempo. A representação
imagética mais pertinente, segundo ele, é a TV por assinatura, onde o espectador tem a
possibilidade de, através do apertar de um botão, se transmutar de uma realidade
representada por um canal – a outra. Este ato representa, na verdade, uma dupla operação:
(i) de um lado, uma des-inserção do indivíduo duma realidade e a imediata re-inserção em
outra, o que nos permite uma bela analogia com o binômio desterritorialização-
reterritorialização, trabalhado por Deleuze e Guattari, e desenvolvido por Haesbaert (2004)
e Haesbaert e Bruce (2002); (ii) de outro, e condição da primeira, a constituição de uma
forma de organizar a realidade no plano da percepção, como um conjunto de canais
aparentemente desconexos entre si, dos quais os indivíduos podem participar
(desempenhando diferentes papéis, e ocupando diferentes posições) sem sequer sair do
lugar!! Os indivíduos são a unidade dos (“múltiplos” e desconexos) canais, que são as
múltiplas redes de relações e práticas em que eles se inserem, constituindo assim um
“modelo psicanalítico das múltiplas posições do sujeito” possível graças à possibilidade de
alternar realidades como “mudar de canal nos níveis perceptuais, culturais e psíquicos”
(Jameson, 1996, pg. 372). Isto tem um impacto brutal na percepção e concepção de espaço
e tempo na totalidade-mundo, agora constituída não mais em suas interdependências e
interrelações, mas através de operações de bricolagem que não reconstituem sentidos de
totalidade baseados em unicidade sistêmica como nos fornece, por exemplo, Wallerstein
(1991). Um exemplo que Jameson trabalha nos mostra a dimensão fragmentária e des-
historicizada que assume a percepção dos fatos no mundo:
116
"O flash ocasional de entendimento histórico que pode incidir sobre a 'situação
atual' pode então ocorrer através da modalidade pós-moderna (e quase espacial) de
recombinação das diferentes colunas de um jornal: e é essa operação espacial que
nós continuamos a chamar (usando uma linguagem temporal mais antiga) de
pensamento ou análise histórica. O derramamento de petróleo no Alaska, por
exemplo, coloca-se lado a lado com a última missão israelense de 'busca e
destruição' no sul do Líbano, ou vem logo depois dela na segmentação dos
noticrios de TV. Esses dois acontecimentos ativam zonas mentais de referência e
campos associativos completamente diferentes e irrelacionados, e isso não menos
devido ao fato de que no interior planetário estereotipado do 'espírito objetivo'
atual o Alaska está em algum outro lado do globo físico e espiritual, distante do
'Oriente Médio devastado pela guerra'. Nenhum exame introspectivo de nossa
história pessoal, e nenhuma inspeção das várias histórias objetivas (arquivadas sob
as rubricas Exxon, Alasca, Israel,bano), seria em si o mesmo suficiente para
desvelar a inter-relação dialética entre todas essas coisas, cujo episódio-Ur pode
ser encontrado na Guerra do Canal de Suez, que determinou a construção de
navios-tanque cada vez maiores, para circunavegar o cabo da Boa Esperança, e,
por outro lado, sua seqüência, em 1967, uma seqüência que fixou a geopolítica do
Oriente Médio em violência e miséria por mais de uma geração. Quero com isso
dizer que traçar as origens comuns – algo evidentemente indispensável para o que
normalmente consideramos um entendimento histórico concreto – não é mais uma
operação exatamente temporal ou genealógica, no sentido da lógica anterior da
historicidade ou da causalidade. (...)
Mas se a história se tornou espacial, também se tornaram espaciais sua repressão e
os mecanismos através dos quais evitamos pensar historicamente (o exemplo do
Alaska, de fato, nos oferece um esquema para um tipo de leitura bem calculado
para nos permitir ignorar as colunas contíguas do ponto de vista espacial); mas
agora tenho em mente uma estética mais ampla da informação na qual as
incompatibilidades genéricas detectadas na ficção pós-moderna adquirem um novo
tipo de força na realidade pós-moderna, impondo um novo decoro peculiar, ou
impassibilidade, segundo o qual a obrigação de não levar em conta os itens
classificados em outras colunas ou compartimentos abre a possibilidade de
construir uma falsa consciência que é taticamente muito mais avançada do que as
velhas e primitivas táticas da mentira (...) [compondo] uma nova maneira de fazer
a informação ficar mais difusa, tornando as representações improváveis,
desacreditando as posições políticas e seus discursos 'orgânicos' e, em suma,
conseguindo separar, como expôs Adorno, os 'fatos' da 'verdade'." (op. cit., pp.372-
373)
Requalifica-se, portanto, a dualidade entre um mundo que é cada vez maior e,
ao mesmo tempo, menor – esta já não encontra o mesmo sentido, ou inverso daquele que
atribuíra Hobsbawn (1989) ao mundo da década de 1780, menor porque menos conhecido,
menos utilizado” e menos ocupado, e maior pelas dificuldades atribuídas pela fricção das
distâncias e pela comparão entre uma percepção restrita ao lugar (num contexto marcado
por um baixo grau de circulação de pessoas, e também de informações) e uma imaginação
doresto do mundo”, o distante, como algo cuja vastidão se aproximava da idéia do
infinito. O mundo agora é menor pela possibilidade de acessar com relativa facilidade
informão sobre qualquer porção dele (do que, o recentemente lançado programa “Google
Earth”, de mapeamentos através de fotos, é talvez o maior corolário, nos trazendo uma
117
percepção de uma vigilância globalizada, capaz de vislumbrar cada movimento em cada
porção da superfície do globo terrestre!!), e, ao mesmo tempo maior, pela miríade de
possibilidades de inter-relões entre suas partes, não realizadas pela crescente
incapacidade a que somos condicionados pelo desenvolvimento de uma forma de
compreensão dos eventos de maneira compartimentalizada nos canais ou colunas
estruturantes dos níveis perceptuais, culturais e psíquicos, no dizer de Jameson.
A indissociabilidade entre espaço e tempo, na perspectiva que nos oferece
Jameson, tem como marca um presente espacial compartimentado em canais ou colunas,
dissociados pelo desenvolvimento de estruturas de percepção e cognição fragmentárias. Isto
nos remete a uma imagem do presente espacializado enquanto conjunto de simultaneidades
estanques, apontando a um só tempo que isto é fruto de estratégias do capitalismo na era da
s-modernidade, ou seja, é aproveitado enquanto instrumento criador de possibilidades,
do ponto de vista da continuidade de uma ordem, mas, acima de tudo, como uma limitação,
uma crítica a esta ordem, sobretudo do ponto de vista da cultura. Seu tom difere
substancialmente de um outro autor contemporâneo que afirma algo semelhante, o
português Boaventura de Souza Santos (2004). Este autor deixa transparecer, nesta
tendência à multiplicação de informações sobre diferentes partes do mundo, uma
possibilidade de constituição de uma visão do mundo enquanto pluralidade, o que poderia
(ou, para ser mais fiel à crença que sustenta sua argumentação, espera-se que deverá) levar
a uma valorização de experiências de espaço-tempo presente (ele não usa este termo, mas
podemos falar aqui de simultaneidades!) que alargam os horizontes de visão do mundo,
conduzindo assim ao avanço do pensamento, com o surgimento da chamada “Sociologia
das Ausências”. Esta Sociologia das Ausências se dá, portanto, segundo Boaventura,
através do que ele chama “expansão do presente”, que é uma ruptura com uma percepção
peculiar de temporalidade, ainda hegemônica, que vê o presente enquanto um “instante
fugidio, entrincheirado entre o passado e o futuro”, consubstanciado nas experiências do
aqui e agora”, ou seja, espacialmente restrito por uma expansão dos tempos passado e
futuro – que são experiências dilatadas pela concepção linear do tempo e a possibilidade de
planificação da história” – combinada com uma hierarquização de experiências constrda
através de uma “monocultura do tempo linear”, que permite assim a percepção de uma não-
118
contemporaneidade de experiências contemporâneas (assim, as simultaneidades são
diferenciadas produzindo hierarquias, onde algumas são transformadas em residualidades).
Dentro da abordagem de Boaventura, a expansão do presente, que é em nossos
termos a coordenação de simultaneidades, ou, dialogando com os termos de Jameson, a
mistura e inter-relação dos canais e das colunas perceptuais, culturais e psíquicas,
estruturando assim cadeias de interdependência espaço-temporal, se dá através do que ele
chama “trabalho de tradução”, a “criação de inteligibilidades múltiplas entre as
experiências posveis e disponíveis sem destruir a sua identidade”. Constituída enquanto
crítica a uma racionalidade ocidental que se universaliza como monotica, num projeto de
investigação proficuamente intitulado “A Reinvenção da Emancipação Social”, tal proposta
nada mais é do que a afirmação de que (i) já há uma coordenação de simultaneidades, que
ele associa à Globalização Neoliberal Capitalista, e (ii) que é possível uma Globalização
alternativa, protagonizada pelos Movimentos Sociais. Considerando que “a compreensão
do mundo e a forma como ela cria e legitima o poder social tem a ver com concepções do
tempo e da temporalidade”, o que Boaventura propõe é um choque de espaço-tempo,
através da reconstituição de relações escalares
39
! O que aparece como o impossível em
Jameson, aparece como campo de possibilidades em Boaventura através da reconstituição
das estruturas constitutivas e perceptivas de espaço-tempo: expansão do presente, contração
do futuro e trabalho de tradução são a reconstituição de cadeias de interdependência
espaço-temporal, onde a escala (aqui, portanto, vista como uma dimensão que
inexoravelmente é espacial e também temporal!), ou melhor, a operação de reestruturação
das escalas assume papel central estratégico. Boaventura propõe, portanto, que as
simultaneidades não sejam coordenadas de forma a reificarparalelismos”, mas sim,
cadeias de interdependência ou, no dizer de Milton Santos (2000, 2002, 2005), formas do
“acontecer solidário
40
. Escala é espaço e tempo, portanto; escala é política, portanto.
39
Ele aponta que “a quarta lógica da produção da inexistência é a lógica da escala dominante. Nos termos
desta lógica, a escala adotada como primordial determina a irrelevância de todas as outras possíveis escalas.
Na modernidade ocidental, a escala dominante aparece sob duas formas principais: o universal e o global. (...)
No âmbito dessa lógica, a não-exisncia é produzida sob a forma do particular e do local. As entidades ou
realidades definidas como particulares ou locais estão aprisionadas em escalas que as incapacitam de serem
alternativas credíveis ao que existe de modo universal ou global.” (pg. 788)
40
Cabe a ressalva: “A noção, aqui, de solidariedade, é aquela encontrada em Durkheim e não tem conotação
ética ou emocional. Trata-se de chamar a atenção para a realização compulsória de tarefas comuns, mesmo
que o projeto não seja comum.” (Santos, 2005, pg. 158, grifo nosso)
119
Um outro fértil conceito para pensar as novas configurações de espaço-tempo e
a questão da escala na contemporaneidade é o par conceitual encaixe/desencaixe, proposto
por Giddens (1991). Ele utiliza este par para explicar, nos marcos de uma "Modernidade
Radicalizada", a produção de ordenamentos nas relações sociais, como algo que
inegavelmente vincula os contextos sociais às dimensões de tempo e espaço:
"O problema da ordem é central à interpretação da limitação dos sistemas sociais,
porque é definido como uma questão de integração. (...) [portanto] Deveríamos
reformular a questão da ordem como um problema de como se nos sistemas
sociais 'a ligação' tempo e espaço. O problema da ordem é visto aqui como um
problema de distanciamento tempo-espaço - as condições nas quais o tempo e o
espaço são organizados de forma a vincular presença e ausência." (Giddens, 1991,
pp.22-23, primeiro grifo nosso, segundo grifo do autor)
Tais questões emergem com vigor no período histórico denominado
Modernidade porque nela sistemas técnicos e o uso reflexivo do conhecimento permitem o
‘esvaziamento’ tanto do espaço quanto do tempo, e a possibilidade de redefinição
coordenada de suas substâncias e dos arranjos decorrentes delas: múltiplas formas de
recombinação das dimensões de espaço e tempo em relação à atividade e às relações sociais
fazem com que, através de formas de organização racionalizada, as relações sociais cada
vez menos sejam reguladas pela mediação dos contextos de presença, do “contato
corporal”, do “aqui e agora”, de maneira que atos, fatos, indivíduos, organizações, enfim,
elementos identificados num local tenham sua dinâmica regulada ou relacionada a outros
localizados alhures, que remetem a grandes distâncias tempo-espaciais. A isto ele denomina
desencaixe dos sistemas sociais:
“Por desencaixe me refiro ao ‘deslocamento’ das relações sociais de contextos
locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-
espaço.” (idem, pg. 29)
“A estrutura conceitual do distanciamento tempo-espaço dirige nossa atenção às
complexas relações entre envolvimentos locais (circunstâncias de co-presea) e
interação através de distância (as conexões de presença e ausência). Na era
moderna, o nível de distanciamento tempo-espaço é muito maior do que em
qualquer período precedente, e as relações entre formas sociais e eventos locais e
distantes se tornam correspondentemente ‘alongadas’. A globalização se refere
essencialmente a este processo de alongamento, na medida em que as modalidades
de conexão entre diferentes regiões ou contextos sociais se enredaram através da
superfície da Terra como um todo. A globalização pode assim ser definida como a
intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades
distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos
ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético
porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção anversa às
relações muito distanciadas que os modelam.” (idem, pp. 69-70)
120
Complementa o conceito de desencaixe o conceito de reencaixe:
Com este termo me refiro à reapropriação ou remodelação de relações sociais
desencaixadas de forma a comprometê-las (embora parcial ou transitoriamente) a
condições locais de tempo e lugar. (...) Minhas teses gerais serão as de que todos
os mecanismos de desencaixe interagem com contextos reencaixados de ação, os
quais podem agir ou para sustentá-los ou para solapá-los (...)” (idem, pp. 83-84)
É flagrante o quanto tal combinação de conceitos aguça uma imaginação
geográfica, iluminando infinitos raciocínios centrados no espaço na leitura de femenos e
processos sociais na contemporaneidade. Haesbaert (2004), por exemplo, associa
desencaixe/reencaixe com o par desterritorialização/reterritorialização. O alongamento e o
distanciamento do tempo-espaço podem também ser em grande medida associados à
compressão tempo-espaço”, que vem sendo aludida por diversos autores e que talvez
tenha tido seu melhor desenvolvimento em Harvey (1992). O par encaixe/desencaixe
também inspira as releituras de narrativas escalares que aparecem em Vainer (2001),
Swinguedow (1997), Leitner (1997) e Buleon (2002), de onde podemos localizar uma
influência na idéia do “salto escalar (jumping scale”)
41
. O que tal instrumental nos
oferece, defendemos aqui, é um profícuo caminho para pensarmos a constituição de escalas
como um problema de coordenação de relações, ou, de instauração de ordenamentos
espaço-tempo enquanto conjuntos coerentes de objetos e ações, que podem estar distantes
entre si na supercie terrestre e adjacentes a outros objetos e ações que não participam dos
mesmos ordenamentos, ou seja, em situação de desencaixe”, não tendo suas dinâmicas
41
Ressalvamos aqui que, mesmo apesar do caráter seminal que a idéia de desencaixe/reencaixe tem para a
revio das narrativas escalares, o desenvolvimento que faz Giddens deste aspecto nos parece bastante
limitado. Mesmo construindo um discurso onde aparecem as escalas do Lugar, a do Estado-Nação e a Global,
ele concentra seus esforços analíticos mais precisamente na pertinência da relação entre recortes espaciais e
relações sociais, o que, além de uma crítica à pertinência do Estado Nação enquanto totalidade/comunidade
social, concentra a maior carga praticamente na oposição entre a primeira e a última escalas aludidas (isto
aparece com vigor quando ele coloca que “em condições de modernidade, uma quantidade cada vez maior de
pessoas vive em circunstâncias nas quais instituições desencaixadas, ligando práticas locais a relações sociais
globalizadas, organizam os aspectos principais da vida cotidiana”, 1991, pg. 83). Além de perder uma série de
nuances analíticas possibilitadas por um tensionamento às múltiplas complexibilidades das articulações e
jogos entre escalas na contemporaneidade, tal diretriz de Giddens acaba por negar à própria escala um status
conceitual em sua abordagem. Acreditamos que tal limite em sua abordagem decorre de três escolhas que ele
realiza: primeiro, a busca de um caráter universal aos dois mecanismos de desencaixe, as “fichas simbólicas e
os sistemas peritos”, o que restringe a possibilidade de observação de nuances nas mediações entre local e
global, e influencia as outras duas escolhas que aqui apontamos; segundo, sua concentração na ficha
simbólica dinheiro, descartando possibilidades como o poder ou a linguagem; terceiro, ao tomar as fichas
simbólicas e os sistemas peritos como sistemas abstratos, ele acaba, neste momento de sua análise, não
incorporando que, nas interações cotidianas (que ele denomina compromissos com rosto), estes são produtores
de hierarquias de poder (e, com isso, complexos diferenciais de desencaixe e reencaixe) entre os indivíduos -
retomamos este ponto em outro capítulo mais adiante, onde analisamos o poder. Mesmo assim, valemo-nos
aqui de uma possibilidade aberta por sua proposta.
121
reguladas pelos mesmos processos. Neste sentido, um elemento no espaço pode na verdade
ser integrante de uma ordem espaço-tempo (escala) e estar adjacente (ou, para utilizar a
terminologia de Giddens, em plena relação de “presença”) a outro pertencente a uma outra
ordem espaço-tempo. Devemos ressaltar que sua contiidade, evidentemente, pode lhe
imputar influências, comandos de algum tipo, que “podem agir para sustentá-los ou para
solapá-los”, ou não. Quando ocorre algum tipo de influência entre elementos integrantes de
distintas ordens espaço-tempo, optamos aqui por chamar “fricção espaço-temporal inter-
escalar”, para apontar um ruído, uma perturbação “inesperada” numa ordem, transgredindo
assim as mediações estabelecidas por um zoneamento do tempo-espaço sobre o fluxo das
práticas sociais rotinizadas.
O reconhecimento de uma escala passa, portanto, pela identificação de
coerências, interdependências e regulações entre elementos (objetos e ações, fixos e fluxos,
sujeitos e equipamentos, atos e comandos) cuja identificação passa por uma dimensão
espacial (extensão, duração, disposição ordenada) e temporal (duração, ritmo, sucessão dos
momentos). A escala aparece, portanto, como uma dimensão espaço-temporal da sociedade.
Resta, entretanto, identificar algumas pistas de como se consubstancia, no plano do real,
esta indissociabilidade entre espaço e tempo expressa através de ordenamentos que estamos
chamando de escalas.
3.3.2. Escala, espaço e tempo: os eventos enquanto matriz
Já vimos que, enquanto instrumento privilegiado para a identificação de
tamanhos, ordens de grandeza de fenômenos, a escala é limite. Já vimos também que,
enquanto conjunto sistêmico de ordenamentos de relações em espaço-tempo, a escala é
conteúdo. Sabemos também que, em sendo uma dimensão espaço-temporal da sociedade, a
escala é, em sua esncia, dinâmica. Dinâmica o somente enquanto algo mutável e não
estático, mas sobretudo porque ela é definidora de (e definida por) dinâmicas – os
ordenamentos, os femenos, nada mais são do que a dinâmica da sociedade e/ou da
natureza. É neste sentido que Milton Santos aponta como a pedra angular da relação entre
espaço e tempo o evento: o evento é, segundo ele, a própria matriz do tempo e do espaço!
122
Assumindo, evidentemente, a matriz Heideggeriana, que aponta espaço e tempo
como dimensões intnsecas e relacionadas à experiência e à existência sociais – mas, não
desprezando e sim, de certa forma, compatibilizando com a matriz Kantiana -, ele aponta
que “são os eventos que criam o tempo, como portadores da ação presente” e que “o tempo
somente é porque algo acontece, e onde algo acontece o tempo está” (2002, pg. 145).
Eles são a própria consubstanciação do tempo e do espaço (neste, enquanto
resultantes do “encontro” entre objetos e ações organizados de forma sistêmica), são a
ntese resultante da experiência enquanto convergência de todos os sentidos e dimensões
da mesma: o próximo e o distante no tempo (passado, presente e futuro) e no espaço (o
aqui, o ali e o alhures, todas as influências espaciais), o co-presente e o ausente se misturam
e se sintetizam no evento. Os eventos são pensados, desta forma, não enquanto
acontecimentos pontuais, situados numa fração do espaço e do tempo, mas enquanto “nós”
de redes de acontecimentos vinculados e interdependentes, as cadeias de interdependência
espo-temporal. Milton Santos é lapidar:
“Os eventos não se dão isoladamente mas em conjuntos sistêmicos – verdadeiras
‘situações’ – que são cada vez mais objeto de organização: na sua instalação, no
seu funcionamento e no respectivo controle e regulação. Dessa organização vão
depender, ao mesmo tempo, a duração e a amplitude do evento. Do nível de
organização depende a escala de sua regulação e a incidência sobre a área de
ocorrência do evento.” (2002, pg. 149)
Organização, funcionamento, controle, regulação, duração e amplitude,
extensão, aparecem nesta abordagem enquanto propriedades intrínsecas dos eventos
(conseqüentemente, das escalas), e que colocam imediatamente para o analista a questão da
ação (que detona um evento) e da racionalidade subjacente a ela, que a preside – e adiciona
a questão das ordens e dos comandos nos fluxos monitorados das práticas sociais
rotinizadas. Werlen (1992, 2000) radicaliza nesta direção, e propõe que o estudo do espaço
seja, na verdade, o estudo da ação, já que é esta a força-motriz da construção daquele. Aqui,
nos limitamos a apontar, concordando com a importância da ação na teoria espacial, que a
recíproca é verdadeira: o espaço é também fundamental na construção de uma teoria da
ação! Afinal, a leitura dos ordenamentos espaciais, enquanto cadeias de eventos
interdependentes, cadeias de determinações espaço-temporais, se torna crucial para
compreender não somente os conjuntos de comandos que presidem a ação, mas também,
seus conjuntos de desdobramentos no fluxo do devir. A escala enquanto dimensão espaço-
123
temporal da sociedade que expressa, influencia e consubstancia tais cadeias de
ordenamentos e interdependências, se constitui, portanto,o somente num instrumento
heurístico-analítico, mas numa instância do próprio fluxo das práticas sociais rotinizadas.
Somente assim podemos assumir que um mesmo indivíduo ocupe e desempenhe “múltiplas
posições de sujeito”, se envolvendo em diversas redes de relações, sendo que uma interfere
na dinâmica da outra não somente pelas operações de “reencaixe” (mediação e influencia
das relações locais) e pelas situações de fricção espaço-temporal inter-escalar, mas também
pelos imbricamentos, influencias e “desvios” no comportamento que se são constrdos na
indestrutível unidade do próprio individuo. Isto nos conduz à valorização dos modelos
psicanalíticos, mas, acima de tudo, nos coloca o desafio de compreender e reconstituir
geo-biografias”, campos de espacialidade que se entrecruzam construindo leituras de
mundo e da potica e que vão exercer papel crucial na produção de comandos que
informam a ação (mais especificamente para as nossas preocupações, a ação política).
Esta forma de ler os eventos nos remete, de imediato, para a dissociação que
Milton Santos indica entre a “escala da origem” (concernente às forças operantes, ao
recorte espacial, geográfico, econômico ou político de onde atuam as variáveis que
influenciam na construção de um evento) e a “escala do impacto” (que é a própria escala do
fenômeno, sua área de ocorrência de desdobramentos, sua extensão sensível). Remetemo-
nos, novamente, para a compreensão espacial dos eventos como redes do “acontecer
solidário”, em que
“Essa combinação de fins e meios, objetivos finais e objetivos intermediários,
muda ao longo do tempo. Por isso também muda a superfície de incidência, a área
de ocorrência, a situação e sua extensão. Vista desse modo, a escala é um limite e
um conteúdo, que estão sempre mudando, ao sabor das variáveis dinâmicas que
decidem sobre o acontecer regional.” (2002, pg. 151)
Este olhar para a escala enquanto conjunto de eventos articulados nos desafia a
refletir sobre a natureza das relações e das formas com que se estabelecem as solidariedades
entre os diferentes aconteceres. Milton Santos (2002) fala de 3 tipos de acontecer
solidário:
- o Hierárquico - baseado em relações marcadas pela assimetria de poder entre as partes
relacionadas, que ele chama de “verticalidades”, de que podemos pensar como exemplo as
cadeias produtivas globais, com seus centros de comando e nós produtivos, onde cada
124
ponto agrega e retém valores bastante diferenciados, de acordo com suas possibilidades de
inserção nas cadeias, mas também de acordo com seu poder de negociação de sua forma de
inserção;
- o Homólogo e o Complementarse baseiam em relações onde há igualdade, senão de
poder, de assimilação das informações que constroem a solidariedade, o que ele vai chamar
de “horizontalidades”. Aqui, a contiidade espacial aparece como um dado crucial na
construção da solidariedade.
Entretanto, nos resta uma importante questão. As solidariedades, ainda que
desprovidas da conotação moral que cerca o termo, não se constituem apenas de relações de
co-operação. Há solidariedades do acontecer cujo fundamento são, na verdade, relações de
regulação entre lugares, ou entre sujeitos; ou, interações e decies tomadas em
determinados lugares cujos desdobramentos (premeditadamente ou não) se fazem sentir
sobre lugares, sujeitos ou interações que se dão em outros lugares. O esforço de
coordenação destas relações de regulação – relações de poder, extensão espacial do poder –
na contemporaneidade, encontra no Estado sua maior expressão. A constituição de um
conjunto de instituições de regulação da vida é, na verdade, um mecanismo de controle e de
produção de solidariedades entre lugares. É, portanto, um processo de construção de escalas
– mas não o único baseado em relações de poder no campo da política. A escala nos
aparece, portanto, com uma arena ou esfera de regulão, de produção de ordenamentos
(lógicos) nas vinculações entre objetos eões.
3.4. Escala e política: a escala enquanto arena ou nível de
regulão (e a organização do Estado)
A idéia de que a escala (re)constitui, na verdade, a circunscrição de lógicas
(espaço-temporais) de ordenamentos das relações entre objetos e ações, quando tensionada
sob o ponto de vista da construção dos processos políticos, nos recoloca algumas tensões
analíticas. Primeiramente, desconstroem-se as reificações escalares, as concepções das
escalas como algo dado, pré-definido – a escala emerge, mais do que nunca, como fruto de
construção social por atores interferindo em processos econômicos, sociais e políticos.
125
Sendo construção social, fruto da ação, a escala é então uma instância de (ou da)
ação política que, através de aspectos e relações espaciais, revela como a política enquanto
campo das relações de poder transborda o espectro dos atores, da organização e das ações
do Estado. A escala revela (e é também mobilizada como um instrumento nas) relações de
poder, ela evidencia, serve como marco regulatório (enunciado ou ocultado) para elas, de
acordo com os jogos e conflitos de interesse
42
.
Esta perspectiva analítica sobre a escala requer, primeiro, uma leitura ampla e
aberta sobre poder, sobre as relações de poder e as práticas de poder, conduzindo a uma
indissociabilidade entre poder, práticas (ações) e escala (que emerge vigorosamente como
relação). As noções (de níveis) tradicionalmente associadas à idéia de escala (tanto as já
consagradas e não raro cristalizadas por reificações, como local, regional, nacional e global,
quanto aquelas vinculadas à ordem estatal federalista)o então transformadas em marcos
referenciais que alicerçam complexos jogos e processos que fundam novas escalas, ao
mesmo tempo que ressignificam, refuncionalizam, anulam ou ignoram estas "antigas".
Diversos autores vêm falando sobre isto que vem sendo chamado de "re-scalling
processes", perspectiva que nos coloca duas questões imediatas: primeiro, falar de uma
“potica de escalas” requer considerar a potica de interesses e a consciência (espacial??),
e as conexões entre elas!!; em segundo, isto requer também pensar as articulações
dialógicas entre o campo da potica consubstanciado nas diferentes esferas institucionais
(que têm como expressão central o Estado) que passam a configurar escalas, planos de
regulação, e outras esferas sociais (institucionalizadas ou não) que vão constituir também
planos ou circunscrições (mais ou menos) espaciais de atuão.
A segunda consideração acima coloca drasticamente as esferas institucionais do
Estado na condição de (mais uma) arena de conflitos poticos, que “dialoga” com outras
arenas. Entretanto, diversos autores compreendem a própria “política como uma arena, na
qual se desenrolam processos de poder, e a analisam levando em conta controvérsias
estratégicas guiadas por interesses ou por operações sistêmicas” (Habermas, 2003, pg. 9).
Nos confrontamos, então, à polissemia do conceito/iia de arena, visto que, nesta
colocação de Habermas, a arena é a própria natureza do campo da potica, que aparece
42
"Scale, then, is not simply an external fact awaiting discovery but a way of framing conceptions of reality"
(Delaney e Leitner, pg 94-95). [TT.17]
126
como constituído por embates. Quando colocamos o Estado como uma arena, esta é
pensada como lugar dos conflitos, não apenas (i) lugar físico, mas também (ii) lugar
enquanto plano de organização e realização dos conflitos, - papel que é exercido pelas (e
também nas, e através das) suas esferas institucionais (municipais, estaduais, nacionais)
ou... escalas!! Tais esferas, ao se constituírem como planos onde o alocados poderes,
atribuições e compromissos (em constante renegocião e redefinição), acabam também se
transformando em mecanismo organizador (no espo e no tempo) de disputas, embates e
alianças que constituem os jogos e processos políticos – como assim o faz, por exemplo, o
pacto federativo brasileiro, onde os mandonismos locais e regionais não raro dão origem a
municípios e estados. Funcionam, desta feita, como esferas de regulação da potica, e a
habilidade na sua manipulação e articulação (a “potica de escalas”) adquire condição de
saber estratégico – o “poder como a capacidade de articular escalas”, a que alude Vainer.
Os dois objetivos centrais da construção do aparelho de Estado - que legitimam
nele a vinculação das esferas da potica e do direito -, que são (i) a regulação de conflitos e
(ii) a persecução de fins (mais ou menos) coletivos, passam a ter na política de escalas, e
nos "re-scalling processes", uma via do estabelecimento de novas mediações entre os
agentes, que tensiona radicalmente o poder da arena Estado. Negri aponta a construção
desta arena como um esforço de racionalização geométrica do espaço potico, que tem
como objetivo primevo o próprio encapsulamento do poder:
"(...) a racionalização do 'espaço político' é, nessas experiências [o autor refere-se
às Revoluções Inglesa e Americana dos séculos XVII e XVIII], a modalidade
específica pela qual se opera o aprisionamento do poder constituinte e o
conseqüente desenvolvimento dos processos constitucionais. O poder constituinte
é, então, absorvido e mediado por um esquema espacial.
Esse esquema espacial constitui uma área de independência para o poder político e
lhe afirma a autonomia, após acionar um duplo mecanismo de organização do
social. Este mecanismo é, por um lado, direcionado para a representação
horizontal de todas as dimensões do social e, por outro lado, é predisposto à sua
mediação vertical. O poder constituído se apresenta como mediação centralizada, a
partir de um 'espaço' tornado 'político' porque totalmente absorvido pelo processo
de 'representação'. O poder constituinte é, assim, diluído no mecanismo
representativo e não pode mais se manifestar senão no 'espaço político'. Aqui, ele
reaparece travestido em atividade das cortes supremas ou em poder de iniciativa de
outros órgãos do Estado, mas sempre neutralizado. A divisão de poderes e o
controle recíproco dos óros do Estado, a generalização e a formalização dos
processos administrativos consolidam e fixam esse sistema de neutralização do
poder constituinte.
Neste caso, a racionalização do sistema político consiste, pois, na estabilização dos
seus elementos num esquema geométrico de controles." (Negri, pp. 433-434)
127
A constituição desta estrutura institucional se presta, dentro de sua perspectiva,
fundamentalmente ao controle potico e à conservação da hegemonia de determinados
interesses:
"O poder constituinte é então concebido como exterioridade ou mesmo como
interioridade a ser distribuída no espaço das mediações; de todo modo, porém, ele
deve ser neutralizado sempre que se apresentar como determinação inovadora. A
avaliação negativa do poder constituinte é sobredeterminada pela concepção
espacial de política - um espaço percorrido por uma geometria constitucional mais
ou menos formalizada, ora aberta, ora fechada, porém predisposta a controlar toda
inovação." (Negri, pg. 434)
Estageometria constitucional ou institucional” se presta, portanto, à
estabilização de uma ordem, ou, ao ajuste de “encaixes” de interlocutores na política,
segundo correlações de poder onde se estabelece uma hegemonia. A construção desta
geometria institucional é, sob este ângulo, a definição de arranjos escalares, onde a escala
emerge, mais do que nunca, como instrumento de poder, conforme apontou Lacoste!! A
desestabilização desta ordem, através da construção e consolidação de outras escalas de
mediação do jogo potico, pode tanto se prestar à transformação desta ordem – pensada
como a derrubada de uma ordem por atores para os quais a correlação de poderes é
desfavorável -, ou à (re)construção da ordem segundo novos interesses dos próprios atores
hegemônicos: estas duas possibilidades trabalham com a premissa de que os atores têm
estratégias poticas elaboradas fazendo uso de raciocínios escalares! Há, ainda, a
possibilidade da perturbação da ordem através de um curto-circuito, situação que
discutimos anteriormente, onde o “contato” entre elementos estranhos entre si do ponto de
vista das relações escalares (“encaixados” em redes do acontecer solidário operantes e
constituintes de escalas distintas) pode provocar a destruição de uma ordem.
Esta fragilidade dos ordenamentos constituídos pelas geometrias institucionais
organizadas em escalas é parte inexorável do sistema. Com efeito, o encapsulamento do
poder e das relações de poder em arenas institucionais constituídas exatamente para isto é
uma dimensão do projeto racional moderno-colonial que convive inevitavelmente com
estas “fricções”. Lançando mão de um léxico e de um cabedal analítico próprio, Habermas
se debruçou bastante sobre esta problemática , ao discutir que a democracia é um sistema
cuja construção extrapola, necessariamente, os limites institucionais das esferas potica
(institucional) e jurídica. O autor coloca que
128
"A soberania do povo retira-se para o anonimato dos processos democráticos e
para a implementação jurídica de seus pressupostos comunicativos pretensiosos
para fazer-se valer como poder produzido comunicativamente. Para sermos mais
precisos: esse poder resulta das interações entre a formação da vontade
institucionalizada constitucionalmente e esferas públicas mobilizadas
culturalmente, as quais encontram, por seu turno, uma base nas associações de
uma sociedade civil que se distancia tanto do Estado como da Economia". (pg. 24)
E acrescenta que
"(...) a política deliberativa continua fazendo parte de uma sociedade complexa, a
qual se subtrai, enquanto totalidade, da interpretação normativa do direito. Nesta
linha, a teoria do discurso considera o sistema político como um sistema de ação
ao lado de outros,o o centro, nem o ápice, muito menos o modelo estrutural da
sociedade. (...) a política deliberativa, que se realiza através dos procedimentos
formais da formação institucionalizada da opinião e da vontade, ou apenas
informalmente, nas redes da esfera pública política, mantém um nexo interno com
os contextos de um mundo da vida racionalizado. As comunicações políticas,
filtradas deliberativamente, dependem das fontes do mundo da vida – de uma
cultura política libertária e de uma socialização política esclarecida, especialmente
das iniciativas de associações que formam a opinião - as quais se formam e se
regeneram quase sempre de modo espontâneo, dificultando as intervenções diretas
do aparelho político." (Habermas, pg. 25, grifo do autor)
As arenas constituintes das geometrias institucionais dialogam, portanto, com
outras arenas (paralelas, com variados graus de institucionalização e reconhecimento junto
à esfera pública, “ocultas”, etc.), que podem se constituir reproduzindo a configuração
escalar daquela geometria institucional ou pode configurar novas escalas – e aí, o
importante é a capacidade de articular escalas! O próprio Habermas, em passagens
posteriores, nos inspira:
"Nos momentos em que são instaurados processos parlamentares, as competências
de decisão (e as respectivas responsabilidades políticas) constituem o ponto de
referência para a constituição de esferas públicas, social e temporalmente
limitadas, e para a organização argumentativa de negociações específicas." (pg.
32)
Assim,
"A formação da opinião, desatrelada das decisões, realiza-se numa rede pública e
inclusiva de esferas públicas subculturais que se sobrepõem umas às outras, cujas
fronteiras reais, sociais e temporais são fluidas. As estruturas de tal esfera pública
pluralista formam-se de modo mais ou menos espontâneo, num quadro garantido
pelos direitos humanos. E através das esferas públicas que se organizam no interior
de associações movimentam-se os fluxos comunicacionais, em prinpio
ilimitados, formando os componentes informais da esfera pública geral." (pg. 33)
Estas múltiplas “esferas públicas” funcionam como as aludidas arenas paralelas,
com variados graus de institucionalização e reconhecimento junto à esfera pública, ou
ocultas” - na verdade, "os lugares nos quais o poder 'ilegítimo' irrompe no fluxo do poder
129
regulado pelo Estado de direito"
43
. Wilke atenta para a "configuração das relações entre
sistemas parciais autônomos, interdependentes e capazes de ação, os quais não obedecem
mais ao primado de uma das partes, nem deduzem a racionalidade do sistema global da
validade daquilo que é universal, mas da harmonização reflexiva do particular."
44
(apud
Habermas, pg. 75) Este tipo de arranjo institucional do exercício da potica e do poder
configura sistemas de negociação não hierarquizados, onde uma esfera não detém
hegemonia ou primazia sobre as outras, ainda que pretenda ter. Tal situação depende,
evidentemente, de algum mecanismo argamassador, que neutralize ou torne evitáveis as
forcas disruptivas configuradas pelas diferenças em termos de critérios de agir, códigos e
semânticas – enfim, culturas poticas – bem como compatibilize eventuais divergentes
direções dos acontecimentos, que podem emergir como resultantes de forças operando em
distintas configurações escalares das redes do acontecer solidário.
Quando utilizamos o termo “arenas paralelas”, atentamos, nos valemos e
tensionamos o valor semântico que a geometria atribui ao paralelismo, o postulado de que
as paralelas só se encontram no infinito”: estamos aludindo a arenas em divergência, na
verdade, “territorialidades” divergentes, em conflito – o conflito é, portanto, (o) infinito!
Porto-Gonçalves chama a atenção para a (re)criação de arenas por movimentos sociais em
conflito com a territorialidade (encapsulamento da política!) “moderno-colonial do estado-
nação monocultural”, mas atenta também para as dificuldades e limites encontrados:
“O movimento Pachakutich, no Equador, que vinha apostando na organização de
base comunitária e distrital e recusando a hierarquia nacional com sua proposta de
‘confederação de comunidades’, vem experimentando os desafios e as
contradições de se inserir na escala nacional quando se envolve com as instituições
de representação nacional e se aproxima do governo de Lucio Gutierrez.
Ao mesmo tempo, não podemos olvidar que diferentes movimentos sociais, desde
os Povos da Floresta da Amazônia Brasileira, nos anos 80, aos afrodescendentes
do Pacífico Sul Colombiano, ao zapatismo e ao MST nos anos 90, vêm manejando
um complexo jogo de escalas local-regional-nacional-mundial contribuindo para a
reconfiguração geopolítica onde outras territorialidades, com base em outros
valores com forte potencial emancipatório vêm sendo ensejados, como vemos em
Chiapas, Seattle, Gênova e Porto Alegre. Lutas locais/regionais articuladas
43
O "Estado de direito", nesta assertiva, é um ponto de referência para uma esfera pública política, mas a
utilização deste esquema analítico para outros jogos políticos nos permite aproximar tal raciocínio para outros
sistemas institucionais que cumprem funções semelhantes, de organização do jogo político e da redução de
sua complexidade, conforme colocado por Habermas. No caso do Pré-Vestibular para Negros e Carentes,
podemos enquadrar as conflitualidades e fricções entre o plano dos fóruns coletivos e o plano do cotidiano
dos núcleos.
44
H. Wilke. Ironie des Staates. Frankfurt/M, 1992, apud Habermas, op. cit., pg. 75.
130
globalmente, ora passando pela escala nacional, ora passando ao seu largo. A
articulação para além da escala nacional que esses movimentos vêm estabelecendo
tem conseguido inibir o poder-sobre (Holloway, 2003) regional-nacional ao ganhar
visibilidade política. Todavia, não têm conseguido, até aqui, oferecer uma
alternativa à territorialidade moderno-colonial que se constituiu contra as
comunidades, contra o lugar, contra os do lugar, por meio do Estado Territorial
Monocultural e as relações assimétricas à escala mundial que sustém e que os
sustentam. Enfim, essa passagem da escala local, comunitária, para outras escalas,
seja ela regional, nacional ou mundial, é um dos maiores desafios dos movimentos
sociais para a conformação de outros territórios. (mimeo, 2005, pg. 33)
Articular escalas, se articular em escalas, reconstruir escalas não pode, portanto,
ser um exercício estratégico do fazer da potica que se restrinja a assumir como legítimas
as escalas existentes e já dadas: elas são resultado e instrumento de territorializações dos
grupos dominantes, territorializações que precisam ser desconstruídas também pelo jogo
escalar. Mais do que articular (as e nas) escalas, torna-se crucial construir escalas, construir
territorialidades – desterritorializar e reterritorializar poder! Este exercício não é em nada
fácil, sobretudo, pelo que Boaventura de Souza Santos já nos alertou: o projeto
moderno/colonial opera com a dissociação escalar, buscando hierarquizar os atores através
de uma suposta hierarquização entre escalas: o importante é o global, o universal (a língua,
o idioma, a cultura), e não o local, o particular (transformado em o dialeto, em folclore). É
no local que os dominados são “mantidos”, através da construção escalar hierárquica. Esta
compreensão das hierarquias concernentes ao jogo escalar conduz Porto-Gonçalves a
afirmar que:
“A escala política é a escala de importância, de mobilização. Ela é o grau de
intensidade com o qual o conflito atinge a sociedade. Essa intensidade depende
diretamente da força potica dos protagonistas, da sua capacidade de articulação
política, sua força econômica, das questões que os movimentos sociais colocam
para a sociedade e como a sociedade responde essas questões.
Um dos principais componentes para se entender a escala política é a capacidade
de articulação dos movimentos e seu grau de organização. Por exemplo, um
determinado movimento pode estar bem articulado em uma escala local, ou através
de uma rede se conectar e se articular com outros movimentos locais. (...) esse
movimento pode criar uma rede em várias cidades dentro de um estado, no
entanto, isso não garante que ele conseguirá se colocar em uma escala de poder
mais ampla, como a estadual. O fato de existir uma rede dentro de um estado, não
garante a essa rede o acesso a uma escala estadual, pois apesar da articulação, não
houve força política do movimento em alcançar outras escalas de poder e a partir
daí construir uma agenda de discussão.” (mimeo, s/d, pg. 32)
Mesmo parecendo recorrer a uma idéia de hierarquia de importância entre
escalas - com o que não concordamos, pois acreditamos que as hierarquias são entre atores,
do que as escalas são instrumentos -, Porto-Gonçalves nos coloca aspectos cruciais nesta
131
passagem: primeiro, ele aponta a escala como sendo objeto de intervenção dos movimentos,
que, portanto, realizam raciocínios escalares de ação; em segundo, ele realiza um esforço de
identificação dos elementos que devem ser mobilizados pelos movimentos para alcançar
escalas além do local (esta, ele aponta como sendo a escala primeva de ação), que são a
capacidade de articulação e o grau de organização, elementos que definem a “força” do
movimento, a qual possibilitará ou não a efetivação dos saltos escalares. Entretanto, esbarra
num aspecto: em sua exposição, contraditoriamente, as escalas aparecem como dadas, e
o, algo passível de construção pelos movimentos. Contraditoriamente porque ele afirma
exatamente os movimentos sociais como sendo portadores potenciais de novas
espacialidades e territorialidades, o que ensejaria a possibilidade da construção de arranjos
escalares do fazer da potica, pelos movimentos, que escapassem àqueles já reificados pelo
fazer da potica hegemônico, arranjos que, em sua fala, aparecem como possibilidades para
os movimentos sociais:
“Em outras palavras, a escala política nos informa quais níveis de poder (local,
regional, nacional, continental, global) os protagonistas conseguem acessar e
utilizar em seu favor.” (idem, ibidem, pg. 47, grifo nosso)
O recurso a estes recortes pode ensejar a queda numa armadilha que, mais do
que conceitual, é potica – ou melhor, ela nos indica a própria indissociabilidade entre o
conceitual e o político! Retornemos a Boaventura de Souza Santos, que nos alerta para o
fato de que a lógica escalar é uma lógica de legitimação e deslegitimação, de produção de
existências e não existências, num quadro onde os referenciais politicamente impostos
dizem respeito ao que ele chama de “monocultura do universal e do global”. Segundo esta
lógica, a definição de uma escala como primordial – ou, para dialogar com autores aqui
discutidos, a escala pertinente! – determina a irrelevância de todas as outras possíveis
escalas, deslegitimando assim atores que nelas construam seus sistemas de disposição e
ação. Ele aponta, então, que na modernidade ocidental, a escala primordial (que atende
conceitual e politicamente assim) à ordem hegemônica aparece sob as formas do universal
e do global:
“O universalismo é a escala das entidades ou realidades que vigoram
independentemente de contextos específicos. Tem, por isso, precedência sobre
todas as outras realidades que dependem de contextos e que, por essa razão, são
consideradas particulares ou vernáculas. A globalização é a escala que, durante os
últimos vinte anos, adquiriu uma importância sem precedentes nos mais diversos
campos sociais. Trata-se da escala que privilegia entidades ou realidades que
132
alargam o seu âmbito a todo o globo e que, ao fazê-lo, adquirem a prerrogativa de
designar entidades ou realidades rivais como locais. Segundo esta lógica, a não-
existência é produzida sob a forma do particular e do local. As entidades ou
realidades definidas como particulares ou locais estão aprisionadas em escalas que
as incapacitam de serem alternativas credíveis ao que existe de modo universal ou
global.” (2005, pg. 23)
As escalas emergem, portanto, como (i) campos de tensões
estruturados/estruturantes de correlações de forças entre atores em disputa; (ii) arenas de
jogos e do exercício de poder, na medida que elas definem/são definidas por estas tensões;
(iii) “níveis de regulação desta conflitualidade, através de um conjunto de esferas
institucionais que, tendo na contemporaneidade o estado(territorial)-nação como centro,
detém o manejo das “regras do jogo”; (iv) instrumento da dominação, pois, as escalas
privilegiadas enquanto arenas de jogos e exercício de poder - e, por conseguinte,
cristalizadas” na forma de esferas institucionais - são definidas pelos atores hegemônicos e
dominantes
45
.
Subjacentes aos arranjos escalares do fazer político se encontram, portanto,
estratégias de dominação e poder. Tais configurações nos provocam a pensar sobre como
tais estruturas são vivenciadas pelos indivíduos, e propor a iia de vivência de escala, que
nos remete à escalaridade dos jogos e arranjos (espaço-temporais) da potica dos quais os
indivíduos participam: indivíduos vivem o local; indivíduos participam da potica local;
indivíduos participam de jogos políticos municipais, estaduais, nacionais, internacionais.
As instituições, os campos do fazer potico nos quais os indivíduos se envolvem, se
estruturam através da lógica escalar – ou, dialogam com interlocutores em distintas escalas.
As vivências de escala correspondem, portanto, à forma como se os indivíduos se
posicionam no mundo - no duplo sentido de compreender a sua posição nos arranjos de
poder e tomar posição nestes arranjos. Esta tomada de posição pode representar a operação
da escala pelo sujeito, sendo esta operação um salto escalar, a reconstrução escalar, entre
45
É neste sentido que podemos nos arriscar a propor que, no caso brasileiro por exemplo, onde há uma forte
tendência a se associar o poder local ao municipal, não é o municipal que é transformado agora
analiticamente em local (numa operação arbitrária e empobrecedora), mas sim que, historicamente, foi o local
que foi transformado em municipalatravés da construção de um aparato/esfera institucional que
circunscrevesse espacialmente os “mandonismos locais e “coronelismos locais” e atendesse aos seus
interesses, possibilitando assim conferir longevidade a elites dominantes nesta escala. E assim, um pacto
federativo é construído através da tradução de pactos entre grupos dominantes para a forma de pactos entre
unidades administrativas da federação.
133
outras possibilidades. A escala é, portanto, um procuo instrumento de compreensão da
experiência do fazer potico e dos processos de constituição de sujeitos.
* * *
Nossa exploração pelo conceito de escala, em seus usos e implicações no fazer
potico nos conduz a apontar a necessidade de uma abertura radical na consideração de um
conceito que é, acima de tudo, polissêmico. Esta polissemia não diz respeito a diferentes
usos que a “palavra” escala permite, mas sim, ao que revela e ao que oculta o conceito de
escala, na leitura da organização espaço-temporal da sociedade em sua dimensão de poder.
É neste sentido que a escala, enquanto arena ou esfera de regulação da sociedade é
instrumento de poder e de manutenção de posições e de dominações, mas é também um
instrumento de identificações de posições no mundo, servindo assim também como
referência de compreensão do poder e instrumento também de perturbação e transformação
da ordem, na medida que ela é uma instância do próprio fluxo das pticas sociais
rotinizadas. Neste sentido, as referências escalares já reificadas – como local, regional,
estadual, nacional, entre outras – servem como produtores de percepções de vivências de
escala que se prestam à alienação e também a construções identitárias que instam à ação.
De instrumento heurístico que nos permite associar tamanhos e dinâmicas de fenômenos a
extensões no espaço e no tempo, as escalas são também ordenadores da percepção de
posições no mundo. Veremos, no próximo capítulo, como as referências e os jogos
escalares são cruciais para a intervenção dos movimentos sociais; veremos, também, como
a lógica escalar de organização das práticas sociais, de outro lado, é mobilizada no jogo
interno dos movimentos como instrumento de hierarquização de sujeitos, nas disputas pela
definição dos rumos da ação social. As narrativas escalares são, portanto, cruciais para
nossa proposta de leitura dos movimentos sociais através de raciocínios centrados no
espaço.
134
4. TENSIONANDO A IMAGINAÇÃO GEOGRÁFICA:
DIMENSÕES ESPACIAIS DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
"Os sujeitos sociais e a ação política apresentam, agora, maior complexidade,
confrontando paradigmas que orientaram, até há pouco tempo, os projetos de
transformação social. Estes sujeitos propõem novos híbridos institucionais,
atuam em várias escalas, exigem a releitura do Estado, defendem diferentes
sentidos de nação, rejuvenescem tradições e impedem a sua completa absorção
em instituições da modernidade."
(Ana Clara Torres Ribeiro, 2005, pg. 268)
A cena contemporânea – e/ou, nossa leitura sobre ela – é marcada por
multiplicidades. Aludimos aqui à multiplicidade de comandos, de fazeres da potica, de
projetos societários, de regulações, de agências e agenciamentos; multiplicidade de
experiências, de construções espaciais; multiplicidade de leituras, multiplicidade de
diálogos, multiplicidade de linguagens e códigos. Tal efervescência de multiplicidades não
é, de algum modo, resultante do fim de hierarquias, mas sim, da profusão de hierarquias e
tentativas de imposição de ordenamentos que consigam estabilizá-las. Por mais que o que
vejamos seja a extensão, a todos os planos da existência social, dos ditames das relações
capitalistas, estruturadas sobre a exploração de classes, fortalecem-se as agitações nos jogos
de disputa entre frações de classe e entre atores sociais, colocando as multiplicidades como
nica em diversos dos planos de interação – potica, ecomica, social, entre outras.
Multiplicidade, portanto, não anula as existências de hierarquias, nem as estruturas de
dominação e exploração, mas sim, torna-se mais um elemento do sistema.
Este marco complexifica as construções espaciais. O espaço, que já foi
concebido como absoluto, relativo ou relacional (Harvey, 1980), precisa ser percebido cada
vez mais como sendo a um só tempo absoluto, relativo e relacional! Prinpios e condições
de existência se hibridizam, proporcionando experiências espaciais múltiplas. Este é o
campo de referências reflexivas que nos levam a pensar em dimensões espaciais, ou,
espacialidades. Espacialidade como atributo dos entes, dos indivíduos, dos objetos, das
ações, dos atos, dos eventos, dos fatos, das relações e das hierarquias sociais: mistura de
raciocínios centrados no espaço, representações do espaço através de padrões
(cartografáveis ou não) simples e complexos. As espacialidades emergem com vigor na
135
cena contemporânea, por exemplo, quando observamos a profusão de narrativas escalares
que são cada vez mais utilizadas para descrever e analisar os processos de poder. Na
verdade, não só narrativas baseadas em escala (e jogos escalares), mas em diversos dos
conceitos fundamentais/fundadores da Geografia e da análise espacial: território, rede,
região, lugar, local, entre outros, são termos cada vez mais correntes nos debates acerca do
nosso mundo no nosso tempo.
Doreen Massey proe que devemos “pensar o social em termos de reais
multiplicidades de espaço-tempo”. Ela chama a atenção para o fato de que a complexidade
espacial – que pode parecer caótica e “deslocada” para alguns observadores como Fredric
Jameson - compreende arranjos:
“Space is created out of the vast intricacies, the incredible complexities, of the
interlocking and the non-interlocking, and the networks of relations at every scale
from local to global. What makes a particular view of these social relations
specifically spatial is their simultaneity. It is a simultaneity, also, which has
extension and configuration. But simultaneity is absolutely not stasis. Seeing space
as a moment in the intersection of configured social relations (rather than as an
absolute dimension) means that it cannot be seen as static.” (Massey, 1993, pg.
156) [TT.18]
Para Massey, “multiplicidade” é, em si, uma característica fundamental para se
compreender a espacialidade (ver também, Massey, 1999). Para nós, a multiplicidade tem
uma dupla influência: (i) multiplicidade de agenciamentos e formas de ação social; (ii)
multiplicidade de experiências espaciais em imbricação, concernentes aos múltiplos
ordenamentos e arranjos sociais de espaço-tempo – daí o recurso ao cabedal da análise
geográfica nas narrativas. A convergência destas duas influências analíticas nos leva a
pensar numa multiplicidade dos agenciamentos à disposição do agir: com efeito, a iia que
aqui pretendemos desenvolver, das dimensões espaciais dos movimentos sociais, tem esta
multiplicidade marcada no pressuposto de que os movimentos são, dialeticamente, uma
forma de ação social e ao mesmo tempo a convergência de múltiplas formas de ação social.
Sendo multiplicidade de formas de ação social, os movimentos sociais congregam relações
de ordem espacial construídas através de diversas experiências sociais do fazer potico – o
que não nos permite considerar apenas uma forma de ação dos/nos movimentos, como por
exemplo, a sua relão com a esfera da potica institucional que tem sua centralidade na
relação entre partidos poticos e esferas do Estado. Isto significa superar o dilema de Jordi
Borja que é criticado por Souza (1988b), o qual aponta que
136
"Borja, (...) na medida em que se preocupa exclusivamente com a eficácia das lutas
exteriorizadas e politicamente organizadas em modificar a estrutura urbana -
entendida como 'o conjunto de mecanismos e instituições que asseguram a
reprodução das condições gerais de produção numa unidade territorial' -
negligencia as experiências políticas e culturais desenvolvidas pelas 'classes
populares' em seu cotidiano." (pg. 102-103)
Partimos do pressuposto que os movimentos sociais contemplam ambas as
dimensões do fazer potico, além de outras!! O referido desprezo pelas "experiências
poticas e culturais desenvolvidas no cotidiano" ignora portanto dimensões internas aos
próprios movimentos. Relação e interlocução com o Estado; negação da esfera da potica
como sentido, dado ou condicionante da ação; negação da capacidade do Estado e busca do
preenchimento de lacunas sociais deixadas por este; a busca da transformação social como
revolução; a ação social na forma da caridade, movida por valores solidários mas negando a
potica; estabelecimento de redes de apoio mútuo e pressão; busca de interlocuções em
diversos planos e espaços; estabelecimento de discursos e constrão de redes discursivas e
de identidade, todas estas formas de ação social se misturam no cotidiano de construção dos
movimentos sociais! E, cada uma delas, bem como os contatos, os atritos, as fricções, as
hibridações, enfim, as múltiplas e distintas construções resultantes das relações entre estas
formas de ação social, engendram dimensões espaciais múltiplas e complexas, engendram
possibilidades de leitura espacial dos movimentos sociais.
É neste sentido que apontamos a necessidade de uma abertura radical de
perspectivas de análise espacial dos movimentos sociais, que aqui denominamos dimensões
espaciais dos movimentos ou espacialidades dos movimentos. A isto, estamos chamando
diferentes raciocínios espaciais de leitura dos movimentos – isto significa falar não apenas
sobre o espaço na leitura das diferentes formas de ação política convergentes na construção
dos movimentos sociais. Significa, além disso, falar sobre os movimentos sociais e sobre a
ação potica a partir do espaço, interpretar as relações estruturadas e estruturantes dos
jogos que constroem os movimentos sociais e a ação política através de raciocínios
espaciais, raciocínios centrados no espaço, tensionamentos analíticos baseados nos
conceitos da análise espacial (lugar, região, escala, território, entre outros). Falar não
apenas sobre o espaço e falar mais a partir do espaço significa considerar formas e
estruturas espaciais, mas considerar como também sendo passíveis de leitura a partir de
raciocínios espaciais os processos, funções, sujeitos, relações, comandos, etc. Este é o
137
desafio que ensaiamos nesta parte do trabalho – nada novo, pelo que vimos na releitura das
abordagens que vêm sendo feitas no âmbito da Geografia Brasileira sobre os movimentos
sociais. Pretendemos aqui tensionar possibilidades, sugerir, provocar e, acima de tudo,
inspirar – ao invés de pretensamente concluir.
É fundamental, portanto, frisar que ao apresentar esta proposta de análise dos
movimentos sociais na forma de dimensões (desenvolvemos aqui oito, sem a pretensão de
esgotar as possibilidades), longe de querer isolá-las nos processos cotidianos de construção
dos movimentos, o que queremos é mostrar que elas são, na verdade, instrumentos
manipuláveis através de operações de estratégias e racionalizações da luta dos movimentos.
Com efeito, a materialização, primeira dimensão a que chamamos a atenção, é plena de
significados que podem ser estrategicamente construídos, conferindo a ela poder de geração
de impactos e mobilização de interlocutores em diferentes ordens espaciais, por exemplo.
Entre um fato que origina um ato de um movimento e a definição de qual vai ser este ato,
há uma operação cognitiva de base estratégica que deve ser espacial, no sentido de conferir
àquele ato uma extensão máxima dentro de um "campo de espacialidade" – extensão que,
aqui, nem de longe remonta à dimensão física, mensurável em metros, quilômetros ou
qualquer outra medida, mas à ordem de desdobramentos poticos que o ato potencializa. E,
esta ordem, é espacial! Também a definição da espacialidade dos sujeitos que constroem o
movimento, que compreende suas experiências espaciais do fazer potico em lugares que
têm papéis de poder distintos, tem na construção de esferas institucionais a própria
"materialização" - são duas dimensões, portanto intrinsecamente vinculadas. A operação de
dissociação destas dimensões espaciais é, portanto, o recurso a uma operação de caráter
puramente heurístico, presta-se apenas à construção de um esquema analítico, cujo
objetivo, conforme assinalamos acima, é provocar, sugerir e inspirar novas análises.
4.1. Materialização/Manifestação: a cartografia do movimento social em ato
Das formas de espacialização a que estamos aludindo em nosso trabalho, a
primeira é a que chamamos de materialização/manifestação do movimento. Ela diz respeito
às diferentes formas pelas quais o movimento se faz presente, no espaço e no tempo, mas
138
cuja presentificação grafa e marca com precisão um ponto do espaço - é onde a ação do
movimento encontra um referencial de localização que é referencial não apenas para ele,
mas sobretudo, para a sociedade que o identifica.
Com esta definição, em nada rígida, chamamos a atenção para os locais onde o
movimento ocorre, através de diferentes vias. São as sedes, os locais onde ocorrem
manifestações públicas, os lugares onde o movimento instaura ações de combate e conflito,
entre outros - enfim, os receptáculos das ações “concretas” dos movimentos, que
constituem distintas maneiras de grafar, de impor novas grafias ao espaço: os
acampamentos e assentamentos de sem-terras, que materializam espacialmente o
movimento buscando a transformação de conteúdos sociais (relações, signos,
sociabilidades)
46
; as posses de hip-hop, que “(de)marcam” o espaço através de suas grafias
e práticas; os “piquetes”, as “puebladas” e as “sentadas” dos movimentos dos
desempregados argentinos, que se materializam interrompendo ou desacelerando os fluxos
no espaço
47
; os comitês de greve de diferentes categorias; as passeatas, atos públicos,
greves, piquetes, vigílias, manifestações em espaços públicos que buscam romper e/ou
subverter ordenamentos espaço-temporais dos usos designados para estes espaços; os
prédios ocupados, os núcleos de pré-vestibulares populares, entre outros.
A dimensão da materialização (optaremos daqui em diante por falar da
materialização como alusão às distintas formas do movimento em ato, das quais a
manifestação seria uma forma específica) é a transformação do ato/evento em “forma
espacial”, ou, em fato/elemento espacial – é onde/quando a narrativa que opera com base na
46
“Desde o momento de sua gestação até hoje a luta pela terra vem sendo constituída por ações que visam a
impulsionar a reforma agrária e a ocupação tem sido o instrumento destas ações. A ocupação tem resultado no
acampamento, que é a materialização dos sujeitos em ação, em luta.” (Simonetti, 2002, pg. 4)
47
O movimento dos piqueteiros é umaão coletiva gerada no seio da crise da implementação das reformas
neoliberais na Argentina ao longo dos anos 90, quando o país mergulhou numa intensa crise econômica e
social. A principal forma de manifestação é a ocupação de espaços públicos – ruas, caminhos e estradas – de
forma a interromper fluxos de pessoas e de mercadorias, atingindo assim a esfera da circulação de capital. Na
passagem do milênio, esta prática foi sendo reproduzida por todo o país: Segundo Hopstein, se em 1997
foram registrados 23 piquetes por todo o país, entre 1999 e 2000 eles foram766, em 2001 foram registrados
1383 e, até 26 de junho de 2002 haviam sido registrados 1609 piquetes! No caso argentino, outras formas de
materialização espacial registradas no mesmo período são também bastante interessantes: a sentada, forma de
protesto onde as pessoas ficam sentadas no chão a fim de paralisar atividades e interditar a circulação, e,
sobretudo, as puebladas, “situação de revolta massiva protagonizada e conduzida de maneira espontânea por
grupos ou coletivos que envolvem um número significativo de habitantes de uma cidade ou povoado –
pueblo” (Hopstein, op. Cit.).
139
dissociação entre processos sociais e formas espaciais se torna mais insuficiente. Enquanto
dimensão espacial, ela funda a possibilidade de construção de uma “cartografia do
movimento social em ato”, uma cartografia que desperta diversas questões: (i) primeiro, os
usos que vêm sendo feitos dessas cartografias; (ii) segundo, o que essas cartografias
expressam em termos de estratégias (espaciais) mobilizadas pelos movimentos, o que nos
remete a refletir sobre (iii) a influência do lugar vis-à-vis outros fatores na constrão
destas cartografias – a questão do “por que aqui e não em outro lugar”. Teceremos algumas
considerações acerca destas três questões que, como veremos, nos remeterão sempre a
refletir sobre outras dimensões espaciais dos movimentos sociais.
Cresce a preocupação e os esforços com a cartografagem dos movimentos
sociais “em ato”. A construção de uma cartografia dos movimentos e dos conflitos sociais,
como já pudemos observar, não é algo novo. A “Geografia das Lutas Sociais” construída
por Ariovaldo Umbelino de Oliveira, comos definimos anteriormente, já realizava tarefa
semelhante. Chamamos a atenção, agora, para o fato de que a valorização anatica da
conflitividade e dos conflitos enquanto chave para a compreensão das relações sociais, das
dimensões de exploração e de luta, da produção de carências sociais e da ação social contra
tais carências, vem provocando o surgimento de iniciativas voltadas para este mapeamento
de eventos e situações de conflito (manifestações, atos públicos, passeatas, etc.), que
constroem diversas cartografias da materialização de lutas e movimentos no espaço. Estas
cartografias vêm se tornando importantes instrumentos tanto para as lutas dos movimentos
como para a promoção de poticas públicas. Cabe aqui um breve mergulho em alguns
exemplos, explorando não somente os usos que vêm sendo dados a elas, mas também, às
formas como vêm sendo constituídas cartografias onde o mais importante nem sempre é o
mapa ou o cartograma produzido, mas sim, o próprio processo de constrão e os
aprendizados decorrentes dele: pensar sobre o espaço – desafiando os instrumentos de
representação de que dispomos e criando novos instrumentos e formas de representação que
mais se aproximam dos raciocínios espaciais que são construídos -, pensar no espaço –
identificando as construções e estruturas decorrentes dos enfrentamentos enunciados e
velados de cada realidade, um aprendizado de grande valia para os movimentos e para suas
poticas de identidade -, e pensar com o espaçoinformando a ação e redefinindo, assim,
140
práticas e estratégias. Com estas cartografias, aprendem os acadêmicos e aprendem os
movimentos.
Um exemplo é o recém lançado “Mapa dos Conflitos Socioambientais da
Amazônia Legal: Degradação ambiental, desigualdades sociais e injustiças ambientais
vivenciadas pelos Povos da Amazônia”, central na campanha “Na Floresta Tem Direitos:
Justiça Ambiental na Amazônia” uma iniciativa de movimentos sociais, entidades, ONGs e
redes da Amazônia. O mapa foi elaborado sob responsabilidade técnica da FASE
(Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional)
48
, através de uma
metodologia participativa: foram coletadas informações fornecidas pelos próprios
movimentos, em encontros e eventos, coleta executada em grande medida através da
exposição de mapas impressos aos participantes e lideranças dos movimentos que, nele,
indicavam os conflitos vivenciados e suas localizações – indicavam e qualificavam, na
verdade, os conflitos socioambientais, apontando as atividades e práticas que causam tal
degradação, sua localização e os atores aí envolvidos. Abrangendo toda a Amazônia Legal,
o Mapa vem sendo utilizado como um instrumento de dencia e pressão junto ao
Ministério Público Federal e outras autoridades competentes, e também para a articulação
de organizações, entidades, movimentos sociais na luta por alternativas locais que
assegurem o desenvolvimento da Amazônia com justiça ambiental e garantia dos direitos
humanos.
O Mapa opera com uma classificação dos conflitos por agenda, do que são
definidas 14 modalidades: Recursos Hídricos; Queimada e/ou Incêndios Provocados; Pesca
e/ou Caça Predatória; Extração Predatória de Recursos Naturais; Desmatamento; Garimpo;
Pecuária; Monocultivo; Extração Madeira; Grandes Projetos; Regularização Fundiária;
Ordenamento Territorial; Violência Física Declarada; Moradia. Foram identificados 675
focos de conflitos socioambientais por todo o território da Amazônia Legal que, tipificados
e associados cada qual a um símbolo, têm a sua espacialização (e, conseqüentemente,
identificados os focos de concentração) expressa no mapa. Outro aspecto interessante do
Mapa é o conjunto de objetivos elencados como motivadores para sua confecção, que
denotam as decisões estratégicas tomadas em torno dele: “(i) dar visibilidade aos conflitos
48
As informações a seguir, bem como o Mapa, foram extraídos da página de internet da FASE, endero
http://www.fase.org.br/noar/anexos/acervo/2_mapa_conflito_amazonia
(consulta realizada em 20/09/2006).
141
socioambientais na região; (ii) ser instrumento de preso e dencia; (iii) auxiliar no
diagnóstico local, desmistificando o que tem sido chamado por ‘desenvolvimento e
progresso’para a Amazônia; (iv) caráter educativo no sentido de possibilitar a organização e
mobilização; (v) viabilizar o diálogo com dados oficiais; (vi) contribuir no planejamento
das ações das organizações populares, indicando caminhos estratégicos e
alianças/parcerias”.
A estes, agrega-se um aspecto concernente à própria forma como o mapa é
construído: a metodologia participativa, “onde os próprios sujeitos coletivos, que conhecem
e vivenciam os impactos negativos das atividades degradadoras existentes em suas
localidades, identificam os conflitos e constroem o mapeamento”. Isto constitui-se,
cabalmente, num aprendizado da operação de referências espaciais no pensar e no fazer da
sua experiência de luta: ao indicarem sobre um mapa os conflitos vivenciados, sua
localização, quais são as “agressões” e os sujeitos coletivos envolvidos, os participantes
estão aprendendo e apreendendo novas formas de pensar para agir, o pensar no espaço, e o
pensar com o espaço.
142
Outro exemplo de uso desta “cartografia da materialização dos conflitos” é o
"Observatório dos Conflitos Urbanos na Cidade do Rio de Janeiro", uma iniciativa do
ETTERN/IPPUR/UFRJ (Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza do Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro
sob a coordenação de Carlos B. Vainer e Henri Acselrad) em parceria com a Câmara
Municipal do Rio de Janeiro, que tem como objetivo registrar, sistematizar, classificar e
mapear informações sobre lutas urbanas, movimentos sociais e as múltiplas e diversas
manifestações da conflitualidade na cidade do Rio de Janeiro, resultando numa base de
dados geo-referenciada disponibilizada on line para consulta pública. O resultado é um
mapa interativo, onde quem consulta pode construir uma cartografia de um conflito, de
atores, de formas de luta, ou ver quais os padrões de conflito que ocorrem em cada bairro,
etc. Objetiva ser um instrumento para análise, para a luta e, sobretudo, para o planejamento,
visto que trabalha conflitos relacionados às demandas ao acesso, uso e controle dos
recursos urbanos territorializados na cidade.
Compreendendo a cidade como arena e objeto de disputas, considera-se que os
conflitos são uma chave de leitura privilegiada para entender o espaço urbano:
“A diversidade e multiplicidade da cidade aparecem, quase em estado virgem, nos
conflitos, eles mesmos dispersos, múltiplos e diversos. Atores, objetos e objetivos
de conflitos, temporalidades, formas, geografias, retóricas e simbologias oferecem
um quadro complexo e diferenciado da cidade. Como e onde se manifestam os
conflitos? Que reivindicações, anseios e frustrações emergem? De que maneira a
desigualdade sócio-espacial se expõe a partir de informações sistemáticas?
Movimentos sociais organizados e manifestações de multidões, ações coletivas na
justiça ou abaixo-assinados, inúmeras são as formas através das quais a cidade
expõe sua desigualdade e, mais do que isso, elabora as formas de enfrentá-la.
(Vainer & Acselrad, 2006, pg. 6)
Compreende-se como conflito urbanotodo e qualquer confronto ou ligio
relativo à infraestrutura, serviços ou condições de vida urbanas, que envolva pelo menos
dois atores coletivos e/ou institucionais (inclusive o Estado) e se manifeste no espaço
público (vias públicas, meios de comunicação de massa, justiça, representações frente a
órgãos públicos, etc)”. É interessante aqui chamar atenção para esta concepção de “espaço
público” operada, que extrapola a dimensão material/física do espaço e das interações
sociais baseadas em co-presença – que poderiam ser classificadas em relações/usos
públicos e relações/usos do espaço privados -, para abranger também os ordenamentos
hierárquicos do espaço possibilitados pela organização institucional da polis e da potica, e
143
pelos mecanismos (midiáticos) de difusão irradiada de mensagens para uma coletividade,
que as recebe simultaneamente (Sodré, 1992). Espaço público e esfera pública se fundem
nesta abordagem.
Os conflitos são, então, classificados conforme os seguintes atributos: objeto do
conflito, formas assumidas pelo conflito e agentes envolvidos. Os dados são organizados
por bairro (localização no espaço) e por data de ocorrência (referência no tempo). Produz-
se então uma cartografia da ação social: não são os movimentos sociais o ator privilegiado,
trabalha-se com a ação coletiva que não necessariamente se localize no bojo de um
movimento. Ilumina-se com isto um conjunto de agenciamentos para a ação que não passa,
necessariamente, pelos mesmos percursos organizativos, identitários e estratégicos que são
mobilizados no fluxo do agir dos movimentos sociais. Esta sintonia acaba por valorizar os
possíveis papéis das localizações na construção do agir e dos conflitos.
Dentre as iniciativas de cartografagem da ação social, o projeto “Cartografias da
Ação e análise de conjuntura: Reivindicações e Protestos em contextos metropolitanos”,
desenvolvido pelo LASTRO (Laboratório da Conjuntura Social: Tecnologia e Território,
sob a coordenação de Ana Clara Torres Ribeiro) do IPPUR/UFRJ radicaliza naquilo que
aparece nos outros: nele, não se parte de uma concepção de estrutura social ou potica
prévia – admite-se que ela exista -, mas sim, busca-se a partir dos atos e dos gestos, a
construção de contextos (compreendidos como as relações espaço-temporais que
correspondem à sociologia do presente) que são, portanto, subordinados à ação. A
metrópole, entidade espacial de referência do trabalho, é encarada como uma infinitude de
possibilidades de ação, a partir do quê se prima por valorizar os gestos, o evento, o
inesperado, como chaves para a compreensão analítica da experiência urbana sobretudo no
que tange ao “tempo-espaço da ação das classes populares”. Fugacidade e transitoriedade
da ação, multiplicidade dos mecanismos produtores de ordens, comandos, controle e
repressão são marcos desta orientação.
Tal empreitada é executada através da sistematização e análise de informações
divulgadas pela grande imprensa sobre a ação social (circunscrita aqui aos eventos de
conflitos, reivindicações, protestos) em nove regiões metropolitanas brasileiras – de
preferência, informações que estejam disponíveis on line. Isto alimenta um banco de dados,
144
o Banco de Ações e Processos Sociais (BAPS), base para a produção de cartografias e
análises. O banco opera com as seguintes variáveis: sujeito da ação; objetivo da ação;
motivação da ação; formato assumido pela ação; resultado alcançado pela ação; opositores
da ação; período da ação; lugar da ação; duração da ação.
Fonte: LASTRO/IPPUR (2003) – Projeto Cartografias da Ação Social
Busca-se, ao valorizar os atos, a construção/revio de conceitos interpretativos:
micro-conjuntura urbana; involão intra-metropolitana; arena provisória; arena oculta;
pedagogia das ruas; imagem-síntese, superficialização de relações sociais; impulso global,
sistematicidade disruptiva; desadesão social; deslisamento de sentido da ação. Tais
conceitos não objetivam a redução da análise ao micro, e muito menos uma desatenção aos
raciocínios centrados no espaço, eles são na verdade instrumentos para que se persiga uma
alise transescalar de contextos, envolvendo a observação da territorialidade construída
pela ação, o estudo comparativo de lugares, o mapeamento experimental de redes sociais e
de processos de organização social”. As diretrizes analíticas gerais do projeto garantem esta
convergência entre as análises sociais e os raciocínios espaciais:
145
Fonte: LASTRO/IPPUR (2003) – Projeto Cartografias da Ação Social
Fonte: LASTRO/IPPUR (2003) – Projeto Cartografias da Ação Social
“(a) – a valorização do cotidiano e do lugar; (b) – o reconhecimento ético da
complexidade; (c) – o estudo crítico da racionalização das relações sociais e dos
processos de presentificação do tecido social; (d) – a preservação da preso
analítica que possibilita distinguir entre atividade e ação; (e) – o permanente
interesse pelos deslisamentos de sentido que modificam conseqüências da ação
social; (f) – a compreensão da indissociabilidade entre tempo e espaço nas
concretas manifestações da ação social; (g) – a articulação entre redes sociais e
técnicas na ampliação ou redução dos impactos da ação social; (h) – a vinculação,
através da noção de deriva, entre determinantes estruturais da ação social e a
146
incerteza originada da reestruturação metropolitana e da crise social; (i) – a
preservação do compromisso com a noção de totalidade aberta e tentativa,
indispensável à análise transescalar de contextos da ação social; (j) – a valorização
de cada gesto no estudo da dinâmica social em contextos metropolitanos; (k) – a
manutenção da dialeticidade entre as categorias sujeito social, ator político e
protagonista na compreensão da ação; (l) – a valorização de práticas que buscam
resistir à fragmentação social e à segregão espacial”.
Articula-e, portanto, a revisão dos conceitos interpretativos da ação (sempre
vinculando estrutura e conjuntura, o macro e o micro, o gesto e o sentido) ao tensionamento
das possíveis espacialidades dela. Neste sentido, não se produz uma cartografia, mas sim,
um conjunto de instrumentos de representação cartográfica que permitem explorar diversas
possibilidades de reconstituição do jogo social, procurando-se assim desvendar culturas,
comandos, espacialidades e, enfim, “a associão entre conjuntura social e conjuntura
econômica e potica; diagnósticos mais amplos de formas de organização social e
participação potica”. A análise comparativa entre nove contextos metropolitanos permite
investigar “femenos indicativos de sincronização da ação ao nível inter-metropolitano”.
Além do que concerne ao uso destas cartografias da ação, torna-se forçoso
refletir sobre o fato de que estes mapas de localizações constroem geo-grafias dos
movimentos, geo-grafias que nada têm de ingênuas, despretensiosas ou desprovidas de
causações, determinações, estratégias ou racionalidades. Com efeito, a pergunta “por que
aqui, e não ali ou alhures?” é uma pergunta cuja resposta, ainda que nem sempre elaborada
pelo sujeito da ação, remete às condições e determinações da efetivação da ação – além
disso, recordemos que o princípio da localização está nas próprias fundações da existência
da Geografia. Ainda que aceitemos admitir que uma certa dose de aleatoriedade possa
também governar em alguma medida a relação entre fenômenos sociais e espaço, tomamos
como ponto de partida a idéia de que “nada acontece (no lugar em que acontece) por
acaso”. O lugar, assim como o espaço, não é externo às relações sociais e de poder. Em
assim sendo, o lugar é produzido por meio dessas relações, sendo que os conflitos são a
melhor expressão das tensões que se conformam/ conformando o espaço. A localização dos
conflitos com todos os atributos a eles associados nos permite compreender a complexidade
das múltiplas hierarquias que conformam a sociedade e seu espaço]
Naquilo que concerne à relação entre um ato e a sua localização, de imediato,
voltamos a demarcar aqui duas perspectivas anaticas: uma primeira, diz respeito à
147
dimensão das “geometrias espaciais” da localização e a outra, à influência e jogos de
mediação que se estabelecem (e, são estabelecidos) na relação entre o
ato/fato/materialização e o local onde ocorre. Cabe retomar a idéia de situação, da qual
pretendemos atentar ao que revela, permite e deflagra a configuração espacial resultante ou
concernente a uma ou um conjunto de “materializações”. Vale então retomar o sentido da
idéia de situação a partir de Pierre George:
“O que caracteriza a pesquisa geográfica em relação às pesquisas das ciências
econômicas e sociais é situar os dados num meio que, indiferente no inquérito
sociológico, é, ao contrário, objeto de descrição qualitativa muito precisa pelo
geógrafo. Essa localização acompanha a pesquisa de relações consideradas hoje
como relações recíprocas e recorrentes, e também como relações insuficientes para
explicar a totalidade dos dados. O conjunto dessas relações contribui para
constituir uma situação. Uma situação é a resultante, num dado momento – que é,
por definição, o momento presente, em geografia – de um conjunto de ações que
se contrariam, se moderam ou se reforçam e sofrem os efeitos de acelerações, de
freios ou de inibição por parte dos elementos duráveis do meio e das seqüelas das
situações anteriores. Esta situação é, fundamentalmente, caracterizada pela
totalidade dos dados e fatores específicos de uma porção do espaço que é, salvo
nos casos-limites de margens inocupadas pelo homem, um espaço ordenado, uma
herança, isto é, um espaço natural humanizado.” (apud Harvey, 1980/1973, pg. IX)
Na mesma direção, Porto-Gonçalves (2002a) coloca que a idéia de situação
indica que toda ação é/está situada, enfim, se dá num sítio determinado - situ-ação - que co-
age no sentido preciso de agir com (co-agir). No que tange à ação social, este conjunto de
relações assume ímpar complexidade, tendo em vista as diferentes naturezas de possíveis
comandos, inflncias, (in)determinações que incidem sobre o fluxo do devir e do agir
social. Alguns autores vêm se debruçando sobre exemplos concretos nesta relão entre a
localização e a ação nos movimentos sociais. A diversidade de relações e fatores elencados
impede (ou, pelo menos, coloca muito além de nosso alcance analítico) a possibilidade de
generalizações. Reportemo-nos, então, a alguns exemplos. Oslender (2002) vêm
desenvolvendo estas questões, abordando a relação entre espaço, lugar e movimentos
sociais.
Para entender un movimiento construido sobre las bases de identidad colectiva
tenemos que entender los lugares específicos en los que se desenvuelve la accn
social del movimiento y donde estas identidades están construidas y articuladas
físicamente. Hay cuestiones concretas que surgen de las interacciones entre la
accn social de movimientos sociales y lugar: ¿mo impactan las
particularidades de un lugar sobre la gente que se organiza en un movimiento
social, y cómo dificultan, o al contrario, facilitan éstas la realización de acciones
colectivas? ¿Hasta qué punto influencian la experiencia de vivir en un lugar
determinado y los sentimientos subjetivos generados por ella la decisión de un
actor social de involucrarse en un movimiento social? ¿Qué papel juegan las
historias locales de un lugar en entender las formas en que la gente reflexiona
148
sobre su participación en un movimiento social? Pero tambn, ¿cómo explican las
características objetivas más amplias de un lugar, como el orden macro-político y
ecomico, la organización y articulación de resistencia en este lugar? ¿Cuáles son
las implicaciones de un medio ambiente particular para los procesos
organizativos? Quienes creen encontrar "respuestas obvias" a estas preguntas
cometen el error anteriormente analizado de ver espacio y lugar como meros
contextos dentro de cuales se desarrolla un conflicto determinado. Lo que trato de
mostrar aquí es que espacio y lugar son elementos constitutivos de las formas
espeficas en que se desarrolla un conflicto dado. Son precisamente estos
impactos concretos de espacio y lugar en la formación y el agenciamiento de
movimientos sociales que se trata de teorizar con el concepto de "espacialidad de
resistencia". (pg. 3) [TT.19]
Atenta-se, portanto, para o fato de que o lugar (e a localização) exerce papel
ativo em relação à própria ação (que o grafa), é uma dimensão constitutiva (imanente) dela
própria, diria Porto-Gonçalves. Silva (2006) explora tal idéia, afirmando que, subjacente à
ação política nos espaços públicos (passeatas, manifestações, cocios, etc.), há uma
“intencionalidade na apropriação dos signos espaciais”. Sendo o lugar (ou, como prefere o
autor, o “cenário”) da ação um sistema de signos e significados, a ação interage com ele se
apropriando dele em duas vertentes: uma dimensão funcional, que tem a ver com a
materialidade das formas – ele mostra, por exemplo, como uma marcha pelo centro de São
Paulo em 1964, a “Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade”, contra o então
presidente João Goulart, teve como protagonista central setores da Igreja, que se
apropriaram do trajeto para invocar o simbolismo de uma prociso –, e uma dimensão
simbólica, que remete ao significado do lugar na percepção e na memória coletiva – ele
exemplifica como, dias antes, o presidente João Goulart realizou um comício na Central do
Brasil, terminal ferroviário que atende às zonas norte, oeste e municípios da Baixada
Fluminense, zonas de concentração de classes trabalhadoras na metpole do Rio de
Janeiro, e por isso de forte apelo e identidade popular.
Neste sentido, a materialização também tem relação com a intenção, com a
intencionalidade relativa ao desdobramento decorrente do ato. Ou seja, as formas como os
movimentos se materializam informam sobre suas inteões, o que Ribeiro nos indica:
“A interrupção do trânsito, criando arriscadas arenas e provisórios espaços
públicos, tem sido praticada por diferentes categorias de trabalhadores e
movimentos sociais, demonstrando a ocorrência de um aprendizado das ruas e,
ainda, de resistências contra a reprodução (sistêmica, eficaz e excludente) da vida
urbana. A interrupção dos fluxos conduz, ao menos, a uma obrigada solidariedade
mecânica com aqueles que protestam, transformando a ruptura da rotina num
mecanismo de amplificação e de reforço automático da ação. Ser protagonista por
algumas horas, chamar a atenção da sociedade, da mídia, dos governantes, de
‘outros’ (independentemente de quem sejam) cria fatos, produz eventos,
149
transforma – por algum tempo e em alguns lugares – o teor hierárquico e
excludente das relações sociais cotidianas.” (2002, pg. 9)
As formas de materialização da ação, bem como sua localização são, portanto,
práticas espaciais dos movimentos sociais. Não é por outro motivo que diversos autores
vêm registrando formas de ação que têm remetimentos diretos à organização do espaço,
como nos aparece na seguinte passagem de Scherer-Warren:
"(...) várias formas de 'desobediência civil' passam a ser praticadas. Por exemplo,
Movimentos Sociais Urbanos utilizam a 'barricada', bloqueando ruas com galhos
de árvores, madeiras, etc. (Ribeiro, 1985, p. 136; Jacobi, 1985, p. 233);
Movimentos dos Sem-Terra acampam à beira de estradas ou em terras públicas ou
devolutas (Scherer-Warren, 1985); Movimentos das Barragens arrancam marcos
fincados nas terras pela Companhia Construtora (Scherer-Warren e Reis, 1985)."
(Scherer-Warren, 1993, pp. 54-55)
As “geometrias espaciais” da localização do “movimento em ato”, que aqui
chamamos de dimensão espacial da materialização dos movimentos, encerram, portanto,
uma série de outras possibilidades analíticas de exercício da imaginão geográfica. Uma
infinitude de raciocínios centrados no espaço emergem de um olhar mais acurado dessas
geometrias e de seus usos. Optamos aqui por distinguir tais possibilidades, desenvolvendo-
as como outras “dimensões espaciais dos movimentos sociais”.
Das influências (mútuas) entre a “localização” e a ação, discernimos (i) a
dimensão da influência/uso que os lugares (melhor dizendo, de um modo geral, os recortes
espaciais em diversas escalas) têm na construção identitária que agrega sujeitos em torno
dos (e, também, dentro dos próprios) movimentos; (ii) a influência que os lugares enquanto
espacialidades e territorialidades de organizações e relações sociais exercem enquanto
fundadores de ação, e (iii) as próprias geometrias espaciais de cada agenda de conflito
específico – agendas com distintos padrões de espacialidades que se entrecruzam nas
construções de “áreas ou campos de movimentos e ativismos sociais”.
Sobre a relão entre espacialidades, estratégias e ação, discernimos (i) o jogo
das geometrias espaciais concernentes de um lado às causas e à origem dos atos e, de outro,
os desdobramentos, impactos e efeitos destes atos; e (ii) as espacialidades dos próprios
interlocutores acionados nos conflitos e nas lutas. A tomada de decisões de estratégia
pelos/nos movimentos diz respeito também às formas como se relacionam, como se alocam
e se chocam poderes entre os sujeitos que constroem os movimentos. Estes jogos também
podem ser iluminados por raciocínios centrados no espaço, e deles discernimos (i) as
150
esferas institucionais dos movimentos sociais como sendo dimensões espaço-temporais do
fazer potico, o que nos permite propor (ii) os próprios sujeitos como sendo portadores de
espacialidades, constituídas pelas suas trajetórias poticas que apontamos como sendo
experiências espaciais - o fazer político enquanto experiência espacial.
4.2. Recortes Espaciais e as Construções Identitárias
Uma das idéias mais presentes nas interpretações correntes é a que chama a
atenção para, de um lado, um processo denominado Globalização, que acentuaria a
unificação do mundo em torno da “uniformização” de alguns pilares da vida humana (como
por exemplo, o recurso à técnica e ao mercado enquanto mediadores da relação entre
sociedade e natureza, na busca da satisfação das necessidades materiais dos seres
humanos), e, de outro lado, a essa suposta “uniformização” e “homogeneização”,
emergiriam as diferenças, de onde se explicaria o fortalecimento recente de regionalismos,
localismos e nacionalismos, além de etnicismos. Esta narrativa, escalar por excelência, nos
confronta ao inescapável fato de que surgem (ou, se tornam mais fortes e visíveis na cena
pública) na contemporaneidade uma miríade de movimentos em cuja base é mobilizado
algum recorte espacial (local, regional, etc.) como elemento enunciado de conformação
identitária.
O atrelamento de dimensões espaciais (ou, de recortes espaciais definidos a
partir de elementos poticos, históricos, naturais, etc.) a construções identitárias e embates
poticos nos direciona para o espaço como símbolo potico ou ferramenta política
(Kellerman, 1989) mobilizada em torno de projetos de uso e repartição dos recursos da
sociedade (naturais e/ou sociais). As disputas se deslocam para um campo discursivo em
torno da construção identitária, ou, no dizer de Bourdieu, das representações sobre o espaço
como sendo base para a construção potica de identidades. Isto remete o marco reflexivo
acerca das identidades baseadas em recortes espaciais para as disputas sociais, nas quais são
mobilizadas como instrumentos definidores de referenciais de agregação, de divisão e de
antagonismos.
151
É importante lembrar que, como nos coloca Stuart Hall, as identidades
funcionam como prinpios e referenciais de ordenamento da vida social que “(...)
costura[m] o sujeito à estrutura. Estabiliza[m] tanto os sujeitos quanto os mundos culturais
que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis” (2001, pg.
12). O jogo de instituição identitária é, portanto, um jogo de definição de comandos e
agenciamentos direcionadores da ação, e é para isto que se prestam tais tentativas de
“estabilização” dos sujeitos. Neste mesmo sentido, Bourdieu esclarece que
"A razão pela qual a submissão aos ritmos coletivos é exigida com tanto rigor é o
fato de as formas temporais ou estruturas espaciais estruturaremo somente a
representação do mundo do grupo, mas o próprio grupo, que organiza a si mesmo
de acordo com essa representação." (“Outline of a theory of practice”, 1977, pg.
163, apud Harvey, 1992/1989, pg. 198)
A construção de identidades – e, mais centrais em nossas preocupações, aquelas
baseadas em referenciais espaciais – serve, portanto, como um instrumento direcionador de
ações, emanador de controles e comandos a serviço de interesses conflitantes no jogo
social. Se, de um lado, esta abordagem nos permite compreender que tal operação integra
estratégias de disputas pelo controle social e pela definição de projetos de sociedade, ainda
permanecem interrogações no que diz respeito a (i) quais as razões (ou, os agenciamentos,
as condições) que permitem/definem a mobilização de um referencial espacial como
princípio conformador de identidades mobilizadas no jogo político (e não, outros princípios
conformadores de identidades); e (ii) se a assunção da disputa social como motivadora da
construção política de identidades espaciais elimina ou não o fato de que, independente
desta mobilização potica, essas identidades podem existir ou não – ou seja, se a utilização
potica de identidades espaciais “cria” as identidades ou “mobiliza”, “agencia” identidades
existentes; ou, uma terceira possibilidade, se ela cria identidades mobilizando relações entre
indivíduos e grupos sociais com o espaço, traços comuns no plano da vivência, relações
afetivas, heranças históricas e culturais, etc.
Com efeito, o jogo de disputas pela imposição de representações que constitui a
construção de identidades baseadas em enunciados espaciais nos insta a refletir sobre como
elas são constrdas (quais os tipos de relação entre identidade e recortes espaciais) e que
interesses às constroem e mobilizam. Tais questões se justificam para s pelo fato de que,
afinal, se as identidades referidas a recortes espaciais são objeto de construção e
mobilização por grupos de interesses, é porque esses grupos identificam estes recortes
152
como sendo os recortes concernentes às escalas pertinentes para o enfrentamento de outros
grupos de interesses (escalas pertinentes para a instrumentalização, que não
necessariamente são as mesmas escalas do enfrentamento! Uma identidade na escala
regional - supra-estadual - pode ser, e quase sempre é, mobilizada para enfrentamentos em
escala nacional, por exemplo), o que nos remete à dimensão da escalar (espacialidade) dos
atores/interlocutores no fazer potico.
Enquanto remetimento a recortes espaciais que ordenam, definem campos
agenciadores, campos de possibilidades à ação (e, evidentemente também, limites),
identidades fundadas em recortes espaciais orientam (i) a formão de movimentos sociais
e ativismos (de bairro, regionalistas, entre outros), bem como redes de movimentos, (ii)
orientam a construção e organização de esferas institucionais e/ou administrativas dentro de
movimentos - este aspecto será mais explorado adiante, num tópico específico - e, (iii)
orientam a formação de solidariedades internas aos jogos poticos dos movimentos
(constituindo grupos e “tendências” políticas internos aos movimentos, duradouros ou
efêmeros, mobilizados em momentos de disputa).
As construções identitárias baseadas em recortes espaciais podem, portanto, ser
mobilizadas de diferentes formas, tanto no que tange à ação coletiva como também a outras
esferas da vida social. Refletindo sobre a emergência do regionalismo – uma das mais
importantes formas de identidades baseadas em recortes espaciais na contemporaneidade -,
Abalos (1985) nos mostra que
"En algunos casos el regionalismo permanece en la esfera cultural y se expresa
mediante canciones, literatura, lenguaje, vestuario, tradiciones y otras, sin llegar a
expresarse en las formas tradicionales de acción política. En otros contextos las
demandas regionalistas son un componente importante de la vida local y nacional,
lo que se refleja en la participación electoral, en demostraciones públicas y en
actos terroristas entre otros." (pg. 380) [TT.20]
Torna-se forçoso, portanto, discernir a emergência das identidades de base
espacial das diferentes formas de sua mobilização no jogo social – e, neste momento, nos
interessa refletir sobre a construção de suas identidades, visto que a forma de mobilização
que nos interessa é a ação coletiva no plano da política. Tais construções identitárias só são
possíveis através de remetimentos a experiências de espaço, marcadas por vínculos com
referências espaciais. É importante lembrar que experiências de espaço (ou, a dimensão
153
espacial das relões sociais) o elemento indissociável (a não ser, no plano analítico, com
fins heurísticos) da própria construção das sociedades, como nos recorda Castro:
"(...) na geografia há uma forte consciência do poder simbólico do território,
estabelecido pelos seus conteúdos materiais, pela sua natureza, pela proxemia,
todos portadores de significados, algumas vezes múltiplos e identificáveis pelos
utilizadores dos lugares. Desse modo, o laço se torna lugar porque o imaginário
político se torna imaginário territorial e se alimenta dele. (Castro, 1997, pg. 176,
grifo da autora)
Conteúdos materiais do espaço, da natureza, relações definidas pela
proxemia
49
, e outros aspectos concernentes ao que chamamos de espaço desempenham
papel (como instituinte e instituído) na construção da sociedade, o que nos faz ressalvar que
a definição e mobilização de identidades baseadas em enunciados espaciais não são
resultados de desenvolvimentos seqüenciais onde há num primeiro momento a construção
do espaço, num segundo momento a construção de identidades baseadas em enunciados
espaciais e num terceiro momento a mobilização ou não dessas identidades. Estas
dimensões vão se constituindo umas às outras no devir histórico. E neste devir, enquanto
campo aberto de possibilidades, são construídas diferentes formas de identidade e de
mobilizações das identidades baseadas em enunciados espaciais, desde (i) a terra como
registro simlico, fonte de mbolos e significados, até (ii) a mobilização da natureza
como princípio identitário (que Castro, 1997, define como a “utilização de aspectos
particulares da natureza na construção do imaginário coletivo de uma sociedade e a
instrumentalização deste imaginário para ações de base potica no seu território”, como é o
caso do regionalismo do nordeste do Brasil em torno do problema da seca “climática”), que
passa pelas (disputas em torno das) formas de percepção coletiva da natureza, e (iii) a
mobilização de recortes espaciais (lugares, localidades, regiões intranacionais e
supranacionais, países, etc.) como base identitária em jogos poticos – sendo que estes
recortes já são, em si, fruto de construções culturais, sociais e poticas!
50
49
Ao aludirmos proxemia e a passagem de Castro “o laço se torna lugar”, estamos apontando que “o laço
(pode ou não) se tornar lugar! Conforme nos alertam Lecourt & Baudelle (2004), proximidade espacial não
representa, necessariamente, proximidade social! Portanto, nem sempre proxemia gera a constituição de laços
que se consubstanciem na forma de “unidades de mobilização” (Wagner, 2004).
50
Refletindo sobre a constrão de conflitos a partir da instalação de grandes projetos, Lecourt e Baudelle
apontam as identidades culturais relacionadas a recortes espaciais (identidades territorializadoras) como um
dos fatores a fortalecer o surgimento de ações coletivas e dos conflitos: “Un autre élément favorisant
l’apparition de conflits d’aménagement est l‘identité culturelle, qui elle-même favorise la proximité sociale.
Bruno Charlier, à propos des conflits environnementaux, a montré que les conflits étaient plus nombreux dans
les régions à forte identité culturelle. Plus précisément, une forte identité favoriserait l’émergence d’une
conflictualité environnementale, et en retour, celle-ci renforcerait le mouvement identitaire. Cette rétroaction
154
Distintos processos de construção e mobilização de identidades referidas a
recortes espaciais se nos apresentam baseados em formas de relação entre
indivíduos/grupos e recortes espaciais as quais aqui agrupamos em duas vertentes: uma
primeira sublinha o “apego aos lugares” (empregamos lugar aqui sem nenhuma referência
escalar), valorizando as dimensões subjetivas, simbólicas e afetivas desta relação com o
espaço, e a outra sublinha as “vivências e experiências de lugares”, valorizando a
experiência das condições materiais e “objetivas”
51
. Esta dissociação opera baseada no par
dialético objetividade/subjetividade, o que nos obriga a ressalvar enfaticamente o quanto
ela é artificial, e o quanto o limite que separa as duas formas de experiência é tênue, fugidio
cambiante e, muitas vezes imperceptível ou até mesmo inexistente. Intersubjetividades,
subjetivação de objetividades, objetivação de subjetividades, interseções de subjetividades,
são apenas alguns dos conceitos cunhados e largamente mobilizados para a relativização
desta dualidade entre percepções objetivas e subjetivas. Apesar de, nas colocações que se
seguem, trabalharmos com base nesta dissociação, acreditamos que tais relações se
combinam nas experncias individuais e coletivas.
Aludimos aqui enquanto identidades espaciais constituídas através do “apego
aos lugares” aquelas que mobilizam subjetividades e relações de afetividade entre
indivíduos e lugar. Yi-Fu Tuan desenvolve estas relações através do conceito de
Topofilia”, que dá nome a um de seus mais importantes livros. Em certa medida, o campo
da Psicologia Ambiental (ou Ecológica) se ateve mais a tais relações entre indivíduos e
ambientes geográficos” do que à própria Geografia. É neste campo que, segundo Macedo,
“Lugar é definido (...) como um subsistema da identidade do eu, resultante da
socialização e das interações com os ambientes físicos. Os lugares significativos
emergem em um contexto social, cultural e econômico,o geograficamente
localizados e fornecem aos indiduos uma identidade territorial subjetiva.
Ademais, os lugares não são estáticos, constituem-se a partir de um processo
dinâmico em que são continuamente construídos e desconstruídos e dotados de
novos significados a todo momento. Por fim, os lugares não têm o mesmo
significado para todas as pessoas (...), atuando diferencialmente na modificação
semble multiscalaire. A l’échelle de la Bretagne, les luttes antinucléaires suscitées par les projets de centrales
au Pellein ou à Plogoff durant les années 1975-1980 n’ont fait que renforcer un mouvement identitaire
préexistant. Aussi, ‘le mouvement écologiste breton se forge son identité à travers le mouvement culturel
breton, et profite du travail de se dernier qui a crée une conscience bretonne et donc une solidarité régionale.
(…) Mais il semble aussi que la réciproque sois vraie, c’es-à-dire que le mouvement écologiste a renforcé
l’attachement à la Bretagne, et confirmé voire fait progresser l’identité bretonne’.” (pg.11-12) [TT.21]
51
Ressalvamos aqui que não estabelecemos qualquer relação de caráter determinístico entre estas relações (o
apego aos lugares e a vivência e experiência de condições materiais e objetivas) e a construção de identidades
coletivas. Estas são possibilidades!
155
comportamental, nos pensamentos, nos sentimentos, nas interações sociais, no
bem-estarsico e no self.
Identidade espacial ou identidade de lugar é definida como uma subestrutura do
senso de identidade, consistindo em cognições – atitudes, valores, crenças – sobre
o mundo físico no qual as pessoas vivem. Essas cognições podem estar
relacionadas às memórias, idéias, atitudes, valores, preferências, significados e
concepções sobre comportamento e experiência ligados ao cotidiano.” (pg. 1-2)
Esta relação de apego também pode estar vinculada à construção de memórias
coletivas, remetendo-se à dimensão da construção de patrimônios culturais – que são,
flagrantemente, valorizações parciais da história definidos a partir do ponto de vista e do
posicionamento de interesses dos grupos que definem quais os bens investidos de valor (e,
aos quais, se agrega mais valor), e quais as heranças “desprezíveis” da história. Neste
sentido, como assinala Kohlsdorf (2005), tende-se crescentemente a valorizar-se a
construção de uma “educação patrimonial”, que sublinha as percepções cotidianas das
populações através não somente de bens como museus, monumentos ou áreas confinadas,
mas de traços identificadores de lugares que, na condição de “símbolos atuantes na
construção da memória social através de sua associão a eventos expressivos da [ou, de
uma dada e socialmente constrda e imposta] história coletiva”, funcionam como
instrumentos de “articulação contínua entre memória e identidade, necessária à formação da
cidadania por meio de lugares transformados em símbolos grupais”. Tal idéia, cuja
inspiração a autora credita a Merleau-Ponty, ruma no sentido da constituição de uma
política de identidade baseada em entidades espaciais, o que aparece nitidamente quando a
autora coloca que “é preciso explorar a ‘capacidade de fala’ dos lugares: eles nos contam
histórias, evocam lembranças, despertam expectativas e nos emocionam
diferencialmente
52
. Haesbaert (1996), mostrando a movimentação política separatista para
a construção de novos estados no oeste da Bahia, traz importante exemplo desta
mobilização de elementos que articulem memória e identidade:
52
Reforçamos que, aqui, “lugar” não tem qualquer conotação escalar, referindo-se a um ente espacial.
Podemos, inclusive, recordar a contribuição de Lencioni (1999) que, realizando uma revisão das abordagens
sobre a região na Geografia, aponta para a constituição de uma “Geografia Regional Fenomenológica”:
“Considerando os objetos como fenômenos e como estes aparecem na consciência, o enfoque regional passou
a desenvolver novos temas. A discussão sobre o modo do espaço ser percebido e sobre os significados e
valores modelados pela cultura e estrutura social atribuídos a este espaço passaram a ser analisados com o
objetivo de compreender o sentimento que os homens têm por pertencer a uma determinada região. Assim,
procurou-se apreender os laços afetivos que criam uma identidade regional. A identidade dos homens com a
rego se tornou, então, um problema central na Geografia Regional de inspiração fenomenológica.
A partir dessa perspectiva, os estudos regionais passaram a conceber o homem com seus valores culturais e
sociais, procurando superar o reducionismo de muitas análises que o consideram, acima de tudo, um ser
econômico ou um dado de uma matriz.” (pg. 154)
156
“Em busca de personagens e símbolos de referência as fronteiras reivindicadas
para o novo estado são em muito extrapoladas (recorrendo-se, por exemplo, ao
mineiro Guimarães Rosa e ao alagoano Delmiro Gouveia) e todas as condições
sociais se irmanam, do coronel e do patrão ao jagunço e ao remeiro. É esse o
verdadeiro milagre impetrado pela identidade territorial: soldar ideologicamente
(recorrendo a metáforas espaciais) o que está objetiva e hierarquicamente
separado.” (pg. 403)
Num outro caminho anatico, diversos autores – alguns, voltados para a
compreensão dos fenômenos de ação coletiva – vêm chamando a atenção para a construção
de identidades baseadas em referências espaciais em cuja constituição se encontram
percepções de condições “materiais” de vida comuns, quer sejam carências – aqui
compreendidas como deficiência no acesso a bens de consumo coletivos e demais
necessidades materiais à vida -, quer sejam a própria possessão de condições melhores do
que outros grupos e pessoas. Tais percepções podem emergir associadas a recortes
espaciais que circunscrevem grupos que então constituem identidades relacionando-as a tais
recortes – não apenas identidades, mas, para o que aqui nos interessa centralmente, grupos
de interesse que conformam ações coletivas. Movimentos de bairro, regionais, entre outros,
se formam neste caminho, tanto para a busca coletiva do suprimento de carências quanto
para a defesa de riquezas, vantagens e capitais que são percebidos como comuns nas
experiências de lugares”, compreendidas como sendo a forma como as pessoas
experimentam e percebem os lugares – que podem ser bairros, cidades, regiões ou países.
Um dos recortes espaciais que é operado como suporte identitário para
ativismos coletivos – muitas vezes, com explícitas alianças interclassistas – é o bairro.
Durante algum tempo, esta modalidade de ação coletiva, o ativismo de bairro, atraiu a
atenção de um mero significativo de analistas sociais – como exploramos no capítulo
referente aos movimentos sociais e a Geografia Brasileira. Vale aqui repetir esta lapidar
passagem de Souza, que, explorando a construção de ativismos de bairro, coloca que:
"No caso do ativismo de bairro, o Espaço não é simplesmente um referencial
indireto ou secundário para as lutas, pouco indo além da condição de suporte
material. Ele é um referencial direto e decisivo, pois: define territorialmente a base
social de um ativismo, de uma organização, aglutinando grupos e por vezes classes
diferentes; catalisa e referencia simbólica e politicamente o enfrentamento de uma
problemática com imediata expressão espacial: insuficiência dos equipamentos de
consumo coletivo, problemas habitacionais, segregação sócio-espacial,
intervenções urbanísticas autoritárias, centralização da gestão territorial,
massificação do bairro e deterioração da qualidade de vida urbana. Essa
característica do ativismo de bairro de riqueza de vínculos com o Espaço, essa sua
grande dimensão 'telúrica', é plena de conseqüências (...)",
157
entretanto, isso não significa
"(...) que o Espaço seja determinante do conjunto do processo por influenciar seus
alicerces; são as formas de produção material, política e cultural-simbólica do
Espaço que impõem certos limites, e não o Espaço em si mesmo, como se ele
fosse, a rigor, também um agente." (Souza, 1988b, pg. 42-43)
Segundo o autor, esta relação é uma relação complexa, instaurando distintas
formas de sistemas de disposições para a luta referida ao recorte espacial do bairro. Ele
aponta que, muitas vezes,
"(...) não estaremos diante de uma simples luta de bairro, mas de uma luta a partir
do bairro, ou, mesmo, de uma luta a partir também do bairro." (Souza, 1988b, pg.
117, grifos do autor)
O bairro não é o que impulsiona a luta - as motivações podem ser várias -, mas
ele é a “argamassa” da ação coletiva que pode congregar indivíduos movidos por diferentes
causas (de bairro”, “a partir do bairro” ou “a partir também do bairro”!). Afirma, portanto,
um recorte/entidade espacial enquanto dimensão que alicerça o movimento social, ou, uma
forma de ativismo social mas, de forma alguma, estabelece vinculação de determinação
entre uma coisa e outra. A vivência e a experiência de um espaço comum, no caso, o bairro,
não determina a constituição da ação potica coletiva, mas lhe serve de base (para a luta do
bairro ou a partir do bairro). O autor coloca que o ativismo de bairro
"(...) pode ser colocado como uma forma de ativismo urbano territorializada por
excelência. (...) O ativismo de bairro é aquele que emerge tendo por base social os
moradores de um bairro, isto é, não uma classe ou grupo de pessoas que se
vincule, enquanto ativistas, apenas indiretamente ao espaço político, mas uma
população que se define em princípio por sua relação com o Espaço
: enquanto
moradora, moradora de um bairro (ou fração de), o seu bairro, pelo qual deve
zelar, do qual deve cuidar. O Espaço é, assim, não um referencial meramente
organizacional ou secundário, como as células territoriais de um partido político,
mas um referencial catalítico primordial, simbólica, política e afetivamente."
(Souza, 1988b, pg. 115)
O bairro é,, o catalisador de energias, de disposições para a ação, por ser ele o
recorte espacial que funcionará como unificador de experiências (espaciais) das expressões
das contradições da estrutura social - ainda que este recorte apareça inicialmente como
fruto da construção de subjetividades individuais e, na situação em particular da ação social
coletiva, das interseções de subjetividades que definem um espectro de percepções e
reações que vão desde a bairrofilia até a plena indiferença dos indivíduos para com as
questões do/no bairro. Este caráter de construção social de uma interseção de subjetividades
percebida como unificadora de experiências de contradições, problemáticas e explorações
158
(isto sendo, evidentemente, objeto de disputas) é que permite a mobilização deste recorte
espacial, ou de outros recortes espaciais enquanto base identitária para a ação coletiva.
Este processo pode gerar tanto ações de base coletiva voltadas para a superação
de carências percebidas na esfera do bairro quanto para a preservação de riquezas e capitais
para os quais o bairro (ou, outro recorte espacial) é percebido como recorte que
circunscreve o grupo comum, e, também, percebido como a escala pertinente de
aglutinação para a açãocomo ente espacial reconhecido como tal pelos interlocutores
pertinentes. É neste sentido que o bairro vai funcionar tanto como a base para a conquista
de bens de consumo coletivos (a partir da organização funcional do espaço urbano na forma
de uma polaridade que dissocia o espaço da produção, a fábrica, e os espaços do consumo,
dentre os quais, o espaço da moradia, o que dissocia/unifica analiticamente também os
movimentos na esfera da produção daqueles na esfera do consumo) quanto para a
preservação de riquezas – como Mike Davis explora, sobre o caso de Los Angeles, no livro
“Cidade de Quartzo”, ou, como foi a atuação conservadora da Associação de Moradores da
Urca, bairro de elite do Rio de Janeiro, quando da ocasião da confecção do seu Projeto de
Estruturação Urbana em 1979. Neste caso, a associão teve destacado papel na definição
de parâmetros restritivos do uso do solo, visando a conservação de seu perfil urbanístico
diante de interesses do capital imobiliário de captar as mais valias (renda diferencial por
localização) decorrentes da valorização do bairro pela sua localização e pela própria
composição de vizinhança. Esta “conservação de perfil” urbanístico do bairro é também
uma preservação de perfil social e um mecanismo que acentua a tendência de valorização
crescente dos imóveis lá situados. O recorte espacial do bairro constrói – ou, circunscreve -,
portanto, um conjunto de condições sociais privilegiadas comuns, que são reproduzidas por
uma ação coletiva baseada nele.
Exploramos até aqui a construção de identidades baseadas em (ou, mobilizando)
recortes espaciais onde a vivência e a experiência eram fatores cruciais para o processo de
construção identitária. As formas, os processos e os elementos intrínsecos às percepções
dos recortes espaciais na construção destas identidades eram diversos, mas a vivência e a
experiência eram traços inescapáveis. A estas formas de construção identiria referida a
recortes espaciais, gostaríamos de agregar uma outra, na qual a vivência e a experiência são
passadas como herança, ou como referência a um passado comum: as identidades em
159
diáspora. Com efeito, diásporas são um dos traços centrais no mundo contemporâneo, em
que, conforme nos iluminou Gaudemar (1977), a mobilidade do capital impulsionou uma
mobilidade espacial do trabalho sem precedentes na história da humanidade.
Deslocamentos de toda escie, em todas as escalas, constituem grupos identitários em cuja
base está a referência a uma origem comum, uma origem que é também (ou,
primordialmente em alguns casos) um remetimento a referências espaciais!
Tais identidades conformam padrões de conflitualidade e de ação coletiva, que
chamam a atenção de diversos analistas. Haesbaert
53
, por exemplo, nos mostra a construção
de uma “ identidade (diaspórica) gaúcha”, construída a partir da emigração de trabalhadores
impulsionada pelo processo de modernização da agricultura no sul do país, através (i) da
associação de um conjunto de signos construtores de um “tipo ideal” (no sentido
weberiano) gaúcho – qualificativos atribuídos a eles que configuram “símbolos de
prestígio”, termo que ele toma de empréstimo a Goffman -, (ii) da reinvenção de tradições
(que redefine o próprio território de origem dos “gaúchos”, e lhes permite a sua
reterritorialização na diáspora), e (iii) do remetimentoo somente a um território de
origem (“o espaço geográfico da cultura gaúcha [compreendido como] aquele onde se
reproduz o hábito do chimarrão”), mas também às suas origens étnicas e culturais
européias, sobretudo alemã e italiana. A identidade diaspórica, neste caso, revela a mistura
de matrizes raciais, étnicas, culturais e... espaciais!! Com efeito, a refencia espacial de
origem é crucial neste caso.
Esta linha de associação entre referências espaciais e construções identitárias
vem sendo explorada também por autores que analisam a constituição dos Movimentos
Negros no continente americano. Estudos sobre as diferentes situações das populações que
vêm se autodenominando “afrodescendentes” em diversos países do sul ao norte do
continente americano vêm nos mostrando que complexos e diversos padrões de integração
social, assimilação, desaculturação, hierarquização, etc. entre os grupos raciais (padrões
que são socialmente denominados de “democracia racial”, “melting pot”, “salad bowl,
potica de embranquecimento”, “mosaico cultural”, “segregação e exclusão racial”, entre
outros nomes) conformam padrões igualmente complexos e diversos de constrões
53
Haesbaert, Rogério. Des-Territorialização e identidade – a rede ‘gaúcha no Nordeste. Niterói: EDUFF,
1997. Nos baseamos aqui na leitura feita por Ramos (2003).
160
identitárias, que são reconstruídas e transferidas de geração para geração nos tecidos das
sociedades. Com efeito, a emerncia de uma designação identitária “afrodescendente”,
diante dos diferentes padrões de miscigenação – que é, em alguns países, mobilizada
ideologicamente, como no caso do Brasil, onde é crucial para justificar a ideologia da
democracia racial, ou negada, como no caso dos Estados Unidos na ideologia do salad
bowle pela ideologia do “one drop, one blood, one race” - opera com o deslocamento da
descendência do campo da genética para o remetimento a uma referência espacial de
origem comum, a África. Mais do que isso, esta denominação ressignifica a própria idéia de
“raça”, mostrando como ela se constituiu não apenas com base na constituição biológica,
mas também, como nos alerta Quijano (2006), operando com um sistema de associação
entre esta constituição biológica e referências espaciais, de forma a ser um fator
estruturante de relações de poder:
La idea de ¨raza¨ es, con toda seguridad, el más eficaz instrumento de dominación
social inventado en los últimos 500 años. Producida en el mero comienzo de la
formación de América y del capitalismo, en el tránsito del siglo XV al XVI, en las
centurias siguientes fue impuesta sobre toda la poblacn del planeta como parte
de la dominación colonial de Europa
Impuesta como criterio básico de clasificación social universal de la poblacn del
mundo, según ella fueron distribuidas las principales nuevas identidades sociales y
geoculturales del mundo. De una parte: ¨Indio¨, ¨Negro¨, ¨Astico¨ (antes
¨Amarillos¨ y ¨Aceitunados¨), ¨Blanco¨ y ¨Mestizo¨. De la otra: ¨América¨,
¨Europa¨, ¨Africa¨, ¨Asia¨ y ¨Oceanía¨. Sobre ella se fundó el eurocentramiento del
poder mundial capitalista y la consiguiente distribución mundial del trabajo y del
intercambio. Y también sobre ella se trazaron las diferencias y distancias
espeficas en la respectiva configuración específica de poder, con sus cruciales
implicaciones en el proceso de democratización de sociedades y estados y de
formación de estados-nación modernos.
De ese modo, ¨raza¨, una manera y un resultado de la dominación colonial
moderna, pervad todos los ámbitos del poder mundial capitalista. En otros
términos, la colonialidad se constituyó en la piedra fundacional del patrón de poder
mundial capitalista, colonial/moderno y eurocentrado. Tal colonialidad del poder
ha probado ser más profunda y duradera que el colonialismo en cuyo seno fue
engendrado y al que ayudó a ser mundialmente impuesto. (pg. 1, grifo nosso)
[TT.22]
A idéia de raça que serve de base para esta constituição da colonialidade do
poder se estrutura, portanto, operando com categorias de fundo biológico que orientam
relões sociais, mas cuja afirmação parte de um sistema de remetimentos espaciais. E este
sistema de remetimentos espaciais é um dos elementos centrais que vai permitir a
constituição destas identidades diaspóricas. Hintzen (2002) chega a apontar que
“There is a common understanding of diasporic identity as the subjectivity
produced out of a collective phenomenon of displacement and dispersal from a
real or imagined homeland.” (pg. 1)) [TT.23]
161
O autor esclarece que tal remetimento é atualizado no cotidiano do presente,
sobretudo, através da discriminação racial - e, ra, aqui, não é um atributo genético, mas
um dado/construção social, um princípio regulador de relações sociais, que define
diferenciais de acesso aos benefícios materiais e simlicos (poticos, ecomicos,
culturais, etc.) da modernidade. As identidades diaspóricas são constituídas, portanto, como
instrumento e resposta a conflitos e disputas no jogo social, mas a sua base de conformação
é uma “experiência comum de espaço” – que é, no caso das populações negras nas
Américas, a experiência da des-territorialização e da reterritorialização marcada pela
exclusão do acesso aos benefícios materiais e simbólicos da modernidade: não há um
conjunto de referenciais culturais ou históricos comuns no remetimento à “terra-mãe”! O
autor aponta que
“The unifying theme of any particular diasporic imagination is the collective
memory of homeland. However, there is no single corpus of memory, and no
single imaginary of homeland, even for those identified singularly in ideologies of
racialized inclusion and exclusion. An individual can have many claims to
homeland and many diasporic imaginaries to call upon at a particular moment of
racial challenge.” (Hintzen, 2002, pg. 4) [TT.24]
O vínculo fundamental que atualiza (e aqui é, mais do que nunca um vínculo
que atua, um vínculo ativo) esta referência comum a uma terra mãe é exatamente a
legitimação da discriminação e da subalternização dos negros: a identificação entre raça
(negra, branca, amarela, indígena) com referências espaciais (África, Europa, Ásia,
América) legitima hierarquizações sociais como nos apontou Quijano, e constrói
identidades raciais operantes no cotidiano
54
- o que, por outro lado, ao unificar as
experiências de populações a partir de então classificadas como “negras”, proporciona a
54
Como coloca Hintzen, “Since race is integrally linked to territorial origins, then Diaspora, in the final
analysis, must be conceptualized racially. One may argue that whites, understood as those with originary
claims to Europe, belong everywhere as the bearers of civilization and as the nation’s protectors from crisis
and threat (Goldberg, 2002, p. 40). This point receives added importance because it allows for the inclusion of
continental Africans in black diasporic imagination. In racial terms, the African continent is cast as
uncivilized hinterland territories with the state as a civilizing outpost for containment, management, and
tutelage of its populations. In the discourse of modernity, continental Africans are understood to be subjects
of state control and management. Even when Africans control the apparatuses of the state, they continue to be
seen in historicist terms of immaturity, in continual need of the civilizing tutelages of the North. Thus, the
technologies of state power in Africa remain embedded in relations of coloniality because of the persistence
of relations of imperialism after the end of formal colonial governance. African states also retain relations of
dependency characterized by forms of exploitation, subordination, and expropriation constitutive of
coloniality. As a result they continue to suffer and the consequences of persistent underdevelopment. As such,
the incorporation of continental Africans into the modern state is just as ambiguous as, for example, black
populations in what is conventionally understood as the African Diaspora. It is this ambiguity of
(un)belonging that connects African subjectivity on the continent to black diasporic consciousness organized
around notions of universal black intimacy.” (pg. 5) [TT.25]
162
argamassa que fundamenta a construção de movimentos sociais a partir desta base por todo
o continente, e proporciona ainda a possibilidade de alianças e ativismos transnacionais.
Com efeito, cada realidade nacional americana possui formas distintas de
integração/discriminação racial, com distintas condições sociais dos negros, com distintas
matrizes culturais (alguns mais outros menos referenciados a práticas e heranças culturais
de África), quase todos com pouco ou mesmo nenhum conhecimento sobre suas reais raízes
africanas (conhecimentos sobre árvore genealógica, ou mesmo região de origem, matrizes
culturais ancestrais, sobrenomes, heranças lingüísticas identificáveis a contextos, e outros,
tudo isso é destruído pela colonização em troca de uma referência genérica: “África”!), e
pouco ou nenhum conhecimento mesmo sobre o que era ou o que é hoje a própria África! O
que permite a sua unificação, além da inserção subalternizada (dado que é comum também
a outros grupos!) é uma referência genérica de origem comum, uma referência que é
espacial, a África. É ela que, de alguma forma e em alguns contextos espeficos, unifica
negros estadunidenses, negros peruanos, negros brasileiros, negros guianenses, negros
cubanos, quilombolas, etc., ou seja, perpassa, hibridiza, tensiona, afirma e/ou revela outras
identidades – sobretudo, as nacionais!
4.3. Territorio & Terriorialidades
Dentre as formas de ação coletiva que operam com construções identitárias
baseadas em enunciados espaciais há uma que requer um olhar específico. Estamos
aludindo a um número crescente de lutas que vêm emergindo na cenablica nos últimos
tempos que apontam como referência territórios e territorialidades. Quando utilizamos o
termo “referência”, pretendemos chamar a atenção para a existência de distintas formas de
relação entre estes movimentos, seus territórios e suas territorialidades: movimentos são
fundados por territorialidades, no sentido de que têm nelas as relações e os embates sociais
que constroem os atores, suas identidades e sua condição de existência (como, por exemplo,
os seringueiros analisados por Carlos Walter Porto-Gonçalves, ou os movimentos negros da
costa do Oceano Pacífico da Combia analisados por Arturo Escobar e Ulrich Oslender);
movimentos defendem territórios e suas territorialidades (como os quilombolas, analisados
por Jo Maurício Arruti); movimentos buscam impor/imprimir novas territorialidades
163
(como o Movimento dos Sem Terra, analisados por Bernardo Mançano Fernandes). Não se
trata de uma referência a um recorte ou a um enunciado espacial (um bairro, um lugar, uma
região, etc.), como discutimos no tópico anterior, mas sim, diferentes formas de vínculo
entre a luta e as relações sociais que configuram os territórios e as territorialidades. Não são
lutas pelo recorte espacial (ou, pela propriedade), ou a partir do recorte espacial, mas sim,
pelo e a partir daquilo que ele contém e que o define: as relações sociais - em toda a sua
multidimensionalidade, envolvendo aquilo que dissociamos na razão ocidental como
cultural, potico, econômico, etc. Escobar (2004) fala desses movimentos como sendo
voltados para a “defesa de construções particulares do lugar”:
“Pode-se considerar que o objetivo de muitas lutas antiglobalização é a defesa de
concepções históricas do mundo e de práticas de construção do mundo particulares
e baseadas no lugar – mais precisamente, uma defesa de construções particulares
do lugar, incluindo as reorganizações deste consideradas necessárias segundo as
lutas de poder que nele se travam. (...) É possível descrevê-las como estratégias
subalternas de localização (contrariamente às estratégias de localização pelo
capital, que operam atras de meios completamente diferentes)” (pg. 650, grifos
do autor)
Podemos propor que são lutas, na verdade, contra processos de des-
territorialização. O tema da des-territorialização é daqueles que mais vêm despontando
como cruciais para compreender as geo-grafias do mundo hoje. Diversos autores, geógrafos
e não geógrafos de diversas partes do mundo vêm se debruçando sobre ele – dos quais,
destacamos a vasta e profunda pesquisa feita por Hasbaert (2004). Parece-nos indicado
tomar de empréstimo a seminal construção de um conceito que é múltiplo, o de “des-re-
territorialização”, explorado criticamente por Haesbaert, e que tem suas raízes em Deleuze
e Guattari. Apontando para a condição territorializada da existência – tudo contém,
indissociavelmente em si, o seu contexto que é sua territorialização, sem o que se
transforma, ou, se desterritorializa no mesmo movimento que se reterritorializa, se insere
num outro contexto de relações -, abre-se uma chave para a compreensão das relações
sociais de dominação e das forças de transformação/mudança do social. Baseado numa
extensa revisão, que aqui não cabe reconstituir, Haesbaert distingue três grandes dimensões
sociais a partir das quais a des-territorialização vem sendo tratada, que são a econômica, a
potica e a simbólica ou cultural. O próprio autor chama a atenção de que esta divisão não
é uma tentativa de fragmentação da realidade, mas sim, emerge dos próprios discursos
construídos sobre a des-territorialização. Com efeito, no plano do real, elas são
indissociáveis, e é exatamente esta indissociabilidade que aparece nas (ou, institui as) lutas
164
sociais que aqui invocamos como sendo lutas contra (ou, entre) diferentes formas de des-
territorialização (ou, de reterriorialização – na verdade, processos de des-re-
territorialização!), conforme elas vêm sendo interpretadas por vários autores.
A divisão em três grandes dimensões da des-re-territorialização nos ajuda,
entretanto, a identificar e mapear os processos e agentes contra os quais movimentos sociais
em diversos contextos vêm se insurgindo. Quanto à dimensão ecomica, emerge o capital,
em suas diferentes formas e relações de explorão. Se a globalização econômica e seus
fluxos aparecem como um poderoso processo desterritorializador na contemporaneidade, a
própria instauração das relações capitalistas também já pode ser lida como um momento
primevo da des-territorialização pelo capital: a dissociação entre trabalhador e os meios de
produção – que Marx descreve através dos processos de subordinação formal do
trabalhador ao capital (pela detenção/alienação da propriedade dos meios de produção) e
subordinação real do trabalhador ao capital (pela detenção/alienação do conhecimento do
processo de produção) – já é, em si, um processo de des-territorialização. Sabemos que a
acumulação primitiva enquanto processo histórico de separação entre produtor e meios de
produção é um conceito que, por mais que diversas correntes de filiação marxista (tenham
ou ainda) se esforcem para construir uma narrativa que a situe numa porção do espaço (a
Europa, e em particular a Inglaterra) e num intervalo do tempo (o início da Revolução
Industrial), se atualiza a todo momento (no sentido de que se faz atual, porque atua!),
desterritorializando e reproduzindo as relações capitalistas.
Separação entre produtor e meio de produção é o que se tenta praticar contra os
seringueiros na Amazônia, que reagem construindo uma luta que é a luta pela defesa de sua
territorialidade (a qual é também constituída nesta luta!), conforme nos mostrou Porto-
Gonçalves (2004). De acordo com o que o autor nos apontou, esta des-territorialização
contra a qual este movimento se insurge é tentada de diversas formas e não envolve,
necessariamente, o deslocamento físico dos trabalhadores para um outro espaço. Basta a
simples proposição da demarcação de um sistema de propriedade fundiária individual em
lotes de “X” hectares para cada um, para “defendê-los” do avanço de grileiros, e pronto, já
se inicia a sua des-territorialização, visto que a forma como eles se relacionam com a
natureza não é mediada pela apropriação individual de uma fração de terra: um seringueiro,
a partir de sua “colocação”, grafa no espaço da floresta a sua “estrada de seringa”, trajeto
165
no qual ele recolhe o látex de um conjunto de árvores. Esta “estrada” é que constitui a sua
área de exploração econômica, que têm geometrias variadas e que pode se cruzar com
estradas de outros seringueiros de colocações vizinhas, e ter inclusive árvores nestes
cruzamentos – os limites entre eles são sempre respeitados. Uma divisão em lotes se choca
com este arranjo espacial da produção, o que os seringueiros compreenderam e por isso
construíram a proposta da constituição das “Reservas Extrativistas”, forma de proteção que
compatibiliza o uso comunal da área de acordo com as geo-grafias conformadas pela
territorialidade seringueira. Este exemplo nos devolve à iia de que falar de
desterritorizalização implica a consideração de uma concepção de território que ultrapassa
sua dimensão material, ultrapassa a sua concretude, e envolve inescapavelmente as práticas
e as relações que se constroem nele – e que o constroem enquanto tal, conformando as
territorialidades dos agentes. Se, neste caso, a territorialidade funda a luta, em outros ela
informa ou alicerça uma estratégia utilizada para se alcançar um objetivo. Zibechi (2005)
nos traz um exemplo de luta que é assim constituída:
"(...) as formas de organização dos atuais movimentos tendem a reproduzir a vida
cotidiana, familiar e comunitária assumindo com freqüência a forma de redes de
auto-organização territorial. O levante aymara de setembro de 2000, na Bolívia,
revelou a importância da organização comunitária como ponto de partida e suporte
para a mobilização, inclusive para o sistema de 'turnos' que garantia os bloqueios
de estradas, e como esta estava convertendo-se na sustentação do poder
alternativo". (pg. 203)
Mais adiante ele coloca que
“(...) as novas territorialidades são o traço diferenciador mais importante dos
movimentos sociais latino-americanos, e o que está lhes dando a possibilidade de
reverter a derrota estratégica. Diferentemente do velho movimento operário e
camponês (no qual se inclam os índios
55
), os atuais movimentos estão
promovendo um novo padrão de organização do espaço geográfico, no qual
surgem novas práticas e relações sociais. A terra não é considerada apenas como
um meio de produção, o que supera uma concepção estreitamente economicista,
mas ao contrário, o território é o espaço no qual se constrói coletivamente uma
nova organização social, onde os novos sujeitos se instituem, instituindo seu
espaço e apropriando-se dele material e simbolicamente." (pg .204)
De outro lado, se as diferentes frações da classe capitalista desterritorializam
produtores para instaurar a sua territorialidade, reterritorializando assim os
produtores/trabalhadores segundo as relações que permitem a exploração, um dos agentes
centrais neste processo, que é a própria história do sistema capitalista, é o Estado.
Haesbaert (2004) chega a afirmar que
55
Eu afirmaria “no qual ERAM INCLUÍDOS os índios”...
166
“O aparecimento do Estado seria responsável pelo primeiro grande movimento de
des-territorialização, na medida em que ele imprime a divisão da terra pela
organização administrativa, fundiária e residencial. O Estado fixa o homem à terra,
mas o faz de forma despótica, organiza os corpos e os enunciados de outras
formas.” (pg. 194-195)
Mais do que “Nacional”, o Estado Moderno é o Estado Territorial por
excelência (Porto-Gonçalves, 1996), não apenas porque ele tem um vínculo com um
território, mas porque a organização do território é um de seus papéis primordiais nesta
ordem: desterritorializar e reterritorializar, através da organização administrativa, fundiária
e residencial do espaço e das relações sociais. Tal organização do espaço, que tem o Estado
como agente (ou, como instrumento dos agentes capitalistas!), é a tarefa que ele têm
enquanto parte constitutiva de um projeto de des-re-territorialização em escala global, o
projeto iluminista, ou, o projeto do capitalismo. Sob a influência direta do conceito de
“sistema-mundo” de Immanuel Wallerstein, Quijano (2005, 2006) nos mostra como este
projeto, de instituição de uma ordem moderno-colonial tinha, dentro das suas linhas
mestras, a reprodução da forma Estado-Nação (territorial!) por todo o globo – na verdade, a
reprodução da forma de organização social eurocêntrica, imposta sobre todas as culturas e
povos significados/designados como hierarquicamente inferiores a partir de sua raça que
tem, como vimos, uma referência de experiência não biológica, mas sim, social e espacial!
A violência às territorialidades torna-se, então, crucial dentro da ação deste
Estado, que vai emanar comandos organizacionais do social/espacial incongruentes com as
formações sociais não capitalistas. Emergem nos últimos tempos movimentos de confronto
a estes comandos - ou, tornam-se mais visíveis na cena pública e perceptíveis também em
diversas leituras acadêmicas, que conseguem superar os totalitarismos epistêmicos
intrínsecos à colonialidade do saber e do poder, que consideravam insignificantes tais vozes
(Escobar, 2004; Mignolo, 2003, 2004). Com efeito, há um crescente tensionamento
analítico, um mero crescente de trabalhos sobre movimentos sociais de luta por
territórios ou por territorialidades, movimentos contra processos e agentes
desterritorializadores – chamamos aqui a atenção para a força que esta leitura vem
ganhando em diversos autores latino-americanos. Não temos aqui a pretensão de identificar
os fatores que permitem este ganho de visibilidade destas lutas – se é um suposto
enfraquecimento do Estado, se é uma suposta valorização de diferenças culturais que
emerge como paradigma de regimes de acumulação baseados na extração de mais valias
167
relativas pela mobilização produtiva de singularidades dos territórios, se é a própria
superação de totalitarismos epistêmicos que “comprimiam o presentelendo-o como sendo
apenas uma experiência (a euro-ocidental) e calando as demais (como nos diz Boaventura
de Souza Santos), enfim, não defendemos uma ou outra destas possíveis respostas.
Gostaríamos, entretanto, de levantar algumas hipóteses basilares para as leituras
que apresentaremos, e que estruturam sentidos e conexões analíticas entre elas.
Primeiramente, se estamos aqui abordando movimentos de resistência aos comandos e
ordenamentos desterritorializadores do Estado (capitalista, ou, “a serviço” dos interesses do
Capital), precisamos ter em mente também que este Estado tem que ser duplamente
considerado como um agente mas também como uma arena. Isto significa compreendê-lo
como tendo suas ações como resultantes de jogos e embates de forças e interesses – o que,
mesmo sob a égide da hegemonia e dominação capitalistas, permite que ele seja também
visto como contendo interesses não capitalistas. Segundo, ao falarmos de ordenamento e
organização do espaço, temos que nos lembrar que este espaço não é, sob nenhum aspecto,
homogêneo, o que implica recordar que estes ordenamentos (ou, seus princípios) não são
absolutizados no espaço. Ou seja, além da ambivalência e hibridização a que os autores da
“Crítica Pós-Colonial”, notadamente Bhabha, aludem - que nos remete a uma assimilação
que subverte os princípios e os próprios códigos destes comandos, produzindo
ressignificações e minimamente preservando latências das territorialidades e formas de
organização que foram desterritorializadas -, o projeto modernizador deixa “lacunas
espaciais”, ou, produz um espaço onde há continuidades e descontinuidades – poderíamos
falar de “interstícios da modernidade”. Descontinuidades e hibridações (latências)
constituem um cenário procio para a emergência de formas de organização social
(territorialidades) que a leitura da modernização chamaria de “pretéritas”, e que aparecem
com vigor surpreendendo olhares menos atentos, olhares não pautados pela “Sociologia das
Emergências” de Boaventura de Souza Santos. Observemos alguns exemplos. Analisando
conflitos na cidade de El Alto de La Paz, na Bovia, Cardona (2005) nos fornece um
exemplo de conflito de espacialidades e territorialidades que é fruto de uma destas
hibridações resultantes de uma “frouxidão” da modernidade. Ele inicia sua narrativa
explicando como se apresenta a configuração espacial dos povos pré-colonização,
organização que resiste:
168
“La representación de la organización territorial del espacio en el Alto se mantiene
en base a conceptos del modernismo y se superpone con la configuración
imaginaria del espacio andino a través de los siguientes cuatro conceptos.
El Jatha, unidad tetralética andina que dinamiza cuatro ordenamientos: territorial,
produccn-económica, cultural-ritual y socio-político. El Ayllu, comunidad o
sistema organizativo multisectorial y multifacético, que siendo un espacio
territorial unitario se desdobla en dos parcialidades. El Marka, o territorio del
pueblo. Y el Suyu, región andina o forma de organización territorial a través de
espacio cordillerano. La falta de un o más de estos elementos es la desarmonía de
los factores del ayllu o el vivir mal en sufrimiento y pobreza como está ocurriendo
actualmente.” (pg. 297-298) [TT.26]
O autor mostra como o projeto da modernidade na Bolívia operou sob o signo
da negação das diferenças, o que levou à ignorância destas formas de organização sócio-
espacial das populações: a superposição das autoridades departamentais, urbanas e
provinciais constra uma geografia onde os ayllus, em muitos casos, sequer eram
registrados na cartografia do país. Este ocultamento, que é um projeto de destruição destas
territorialidades, opera também a negação simbólica da própria existência destas
populações, enquanto coletividades dotadas de patrimônios comuns. A aniquilação,
entretanto, não é completa, ela permite permanências, latências, que, em algum momento,
podem emergir na cena social e potica. É no contexto da crise deste Estado Moderno que
estas latências emergem:
“La población alta, estructurada en la cohesión socio-espacial que emerge de sus
propias estructuras sociales que se encuentran aún vigentes, resiste la imposición
de los mapas establecidos. Asimismo reclama sus orientaciones colectivas y busca
transformaciones sociopolítico espaciales en base a sus estructuras originarias.
Pregona también a las instituciones nacionales e internacionales, con la misma
fuerza de siempre y la entereza de hoy, “sarjam” (que en el idioma aymara
significa ándate), y despide a la representación transnacional francesa que
administraba el servicio de agua potable -, a la española – del servicio de energía
eléctrica – y las empresas que explotan los recursos naturales – como el gas – en
nuestro país.” (pg. 306) [TT.27]
Esta forma de construção de um movimento baseado em territorialidades,
baseado em constructos espaciais das relações sociais, e voltados para defendê-los e/ou
para im-los, vem sendo apontada também por Oslender (2002) que, observando os
movimentos negros na região da costa do Oceano Pacífico Colombiano, propõe o conceito
de “espacialidade de resistência”, idéia que busca conceitualizar as “formas concretas e
decisivas nas quais espaço e resistência interatuam e impactam um sobre o outro”. Vale
aqui reproduzir uma passagem do autor que, ainda um pouco longa, é muito elucidativa:
El río es además el espacio social de interacción cotidiana donde la gente viene a
barse, las mujeres lavan la ropa y los niños juegan. Estas actividades son de una
naturaleza casi ritual y están acompadas por carcajadas, juegos y el famoso
169
bochinche, los chismes que hacen reír a unos y desesperar a otros. Este escenario,
aun de expresión diaria, es lo más evidente en los días de mercado cuando llegan
embarcaciones grandes y pequeñas de cerca y lejos al mercado no sólo para
comprar productos pero también para intercambiar informacn y "echar cuentos".
El mercado es, especialmente para habitantes de comunidades más alejadas y
remotas, frecuentemente la única fuente de información y medio de comunicacn.
s importante que en el estricto sentido práctico, el río se vuelve el espacio
social per se de interacciones humanas cotidianas y el referente simbólico de la
identidad de la gente y de los grupos que se han asentado en sus orillas. El río
corre además por las imaginaciones de las comunidades negras y se ve reflejado en
las múltiples formas discursivas en que ellas se refieren a su entorno y su mundo,
adquiriendo el río así un papel central en los procesos de identificación colectiva
(Oslender 1999, Restrepo 1996). Como el geógrafo norteamericano Robert West
ya notó en 1957:
La gente de un determinado río se considera como comunidad. [...] Los negros ...
hablan de "nuestro río", o mencionan, por ejemplo, que "somos del río Guapi", o
"somos guapiseños" sic, indicando su apego social a uno específico. (West
1957:88)
La identificacn ribereña y el espacio acuático están de esta manera
profundamente inscritos en el sentido de lugar en el Pafico colombiano y han
construido lo que he denominado una "estructura actica de sentimiento"
(Oslender 2001a).
Estas relaciones sociales espacializadas de comunidades negras rurales a lo largo
de los ríos y de las cuencas fluviales ahora juegan un papel importante en los
nuevos contextos políticos de organización y movilizacn. De hecho, se puede
afirmar que el espacio acuático constituye una de las pre-condiciones espaciales
para la organización política en el Pacífico colombiano. Sin querer entrar en
detalle en estos complejos procesos políticos, podemos sin embargo afirmar que la
gran mayoría de comunidades negras se ha organizado en consejos comunitarios,
asociación política comunitaria introducida por la Ley 70, a lo largo de las cuencas
fluviales, reflejando de esta manera los específicos referentes culturales e
identitarios de la localidad en el Pacífico colombiano. Nació esta asociación
organizativa-espacial siguiendo a la "lógica del río" que es el ente central de la
vida social en comunidades negras rurales, como lo afirma la organización de base
"Proceso de Comunidades Negras" (PCN): [TT.28]
E continua:
“La lógica del río, que junto con el espacio acuático constituye la localidad en el
Pafico colombiano, ha sido entonces el factor espacial orientador en la
constitucn de consejos comunitarios a lo largo de las cuencas fluviales. Estos
consejos comunitarios actúan como principal autoridad territorial en las áreas
rurales del Pacífico colombiano que, guiados por los Planes de Manejo
desarrollados por las mismas comunidades con asistencia de instituciones
gubernamentales y ONGs, deciden entre otro sobre el uso y aprovechamiento de
los recursos naturales en su territorio. Estos son, por lo menos en la teoría, cambios
radicales de las formas de apropiación territorial, pues las empresas con un interés
en el aprovechamiento de los ricos recursos naturales de la región como son el
oro, la madera y el potencial agropecuario – están ahora obligadas a negociar
directamente con las comunidades rurales, y el Estado ya no puede simplemente
expedir concesiones a estas empresas pasando por alto así a las comunidades,
como sucedía antes de la Ley 70 del 1993. Al otro lado es importante resaltar que
estos procesos no simplemente siguen un modelo "ideal" de apropiacn territorial
colectiva de las comunidades negras en la región. Por el contrario, ni el Estado
colombiano, ni las grandes empresas respetan esta legislación como se debería
170
esperar. El Estado ha sido inclusive acusado de no apoyar suficientemente a las
comunidades negras en este difícil y largo proceso. Una perspectiva de lugar sobre
estos procesos espaciales de organización política nos alerta entonces tambn
sobre otras formas de creación de consejos comunitarios que no han seguido la
lógica del río, revelando, por ejemplo, cómo en muchos de esos casos la
constitucn de consejos comunitarios ha sido meditada por intereses y actores del
capital externo y del gobierno central (Oslender 2001b), hecho que frecuentemente
tiene un impacto negativo sobre la movilización local al largo plazo. Este enfoque
nos permite entonces diferenciar entre las distintas experiencias organizativas
dentro de comunidades negras, pues por supuesto no se trata de un grupo social
homogéneo sino de uno con una gama de intereses donde influyen otras categorías
a la de la etnicidad, como por ejemplo, clase, género y afiliación a la política
partidaria.” (2002, pg. XX?) [TT.29]
Escobar (2004) analisa o mesmo movimento, ressaltando seu papel de produtor
de novos conhecimentos, que se difundem pelos meios acadêmicos e são
traduzidos/convertidos em orientações para a construção de poticas públicas e para novos
desenhos espaciais de esferas do Estado. O autor ressalta a construção de um novo quadro
analítico no que diz respeito à ecologia potica praticada no movimento, com novas
conceitualizações de desenvolvimento, conservação e sustentabilidade:
“O quadro começa por olhar para o território como o espaço de apropriação
efetiva dos ecossistemas pelas comunidades locais (envolvendo, por exemplo, toda
a bacia de um rio e a utilização do território entre-rios). Considerando a região do
Pacífico como um todo, os ativistas introduziram a noção do Pacífico como uma
região-território de grupos étnicos, isto é, uma unidade ecológica e cultural
arduamente construída através dos séculos pelas múltiplas práticas dos grupos
negros e ingenas. Se o território é encarado como incorporando o projeto de vida
histórico das comunidades, a região-território é considerada uma construção
política para a defesa desse projeto e desses territórios específicos. Desta forma, a
região-território é vista como uma estratégia para a defesa e constrão da região-
território. A luta pelo território é, assim, uma luta cultural pela autonomia e pela
autodeterminação e uma luta ecogica pela defesa dos ecossistemas e modelos de
natureza locais.” (pg. 654)
A luta acaba por se constituir num processo de disputa e de imposição de
territorialidades à própria organização do Estado e à forma como ele se relaciona com o
território. O movimento aparece como um agente des-territorializador e re-territorializador
do Estado Moderno que ao longo da História foi (e, certamente, continua sendo) um agente
e um instrumento des-territorializador e re-territorializador das populações que constroem o
movimento. Tal desafio vem sendo colocado frontalmente nas propostas de construção
daquilo que vem sendo chamado de “Estado Plurinacional”, ou também de “Multiétnico
ou “Pluricultural” – isto vem sendo gestado de diferentes maneiras em países da América
Latina, e consiste na tentativa de incorporação da interculturalidade nas práticas e na
organização do Estado, no plano das políticas, dos discursos (idéias, imagens e projetos de
171
nação) e do espaço, numa perspectiva de valorização da diferença onde esta não esteja
subalternizada
56
, mas integrada à construção (pluri)nacional
57
.
Um dos países onde esta construção de um Estado Plurinacional vêm sendo
tentada é o Equador, onde, desde os anos 1960, organizações de base indígenas se
constituíram construindo articulações que desembocaram na criação de entidades regionais
que se reuniram no final dos anos 1980 e instauraram novas relações com o Estado
Nacional” na década de 1990 (Hidekazu, 2002). Isto culminou na criação do Movimiento
de Unidad Plurinacional Pachakutik – Nuevo País (MUPP-NP), que teve grande
repercussão nas eleições de 1996 e que veio a se tornar uma das forças poticas mais
atuantes na elaboração da Constituição Nacional de 1998, trazendo demandas e propostas
de povos indígenas que, até aquela década, tinham negada a sua constituão enquanto
sujeitos políticos pela utilização de uma ideologia integracionista que os incorporava à
sociedade nacional baseada na identidade cultural da mestiçagem - como braqueamento da
população, porque os indígenas (e, também, os afroequatorianos) eram concebidos, neste
projeto de nação, como “prehistoricos, estancados y estáticos” (Hidekazu, idem). Direitos
como à manutenção e desenvolvimento de suas identidades, tradições e culturas, à terra, aos
recursos naturais, ao acesso à educação bilíngüe, entre outros, foram alcançados.
Entretanto, diversos autores vêm apontando limitações nesses avanços: há, da parte do
Estado, um reconhecimento da diversidade e sua incorporação dentro do aparelho estatal,
mas, a concretização disto na forma de concessão de direitos específicos se dá através da
promoção de particularismos, o que resulta numa externalização do diverso, do outro, em
56
À perspectiva de uma inclusão subalternizada das diferenças, Escobar (2004) denomina como “uma
inclusão generosa do diverso dentro do ‘lado bom’ da modernidade”. Segundo sua perspectiva, não se pode
pensar em “lado bom e “lado mau da modernidade, como se bastasse a sua crítica e a adoção de uma
direção universal, na verdade “não pode haver um caminho, uni-versal. Tem de haver muitos caminhos, pluri-
versais.” (pg. 678)
57
Analizando o caso do Equador, que comentaremos a seguir, Walsh (2002) afirma que “Presentes en esta
construcción del proyecto intercultural están las formaciones, estructuras y resistencias, siempre penetradas
por lo cultural, las relaciones de desigualdad y las luchas y acciones para transformarlas, que tienen lugar en
distintos ámbitos. Están también los productos de las disputas históricas moldeadas por campos múltiples de
poder y las prácticas situadas por medio de las cuales identidades y lugares son cuestionados, producidos y
repensados dentro de espacios particulares. En este sentido, el paradigma de la interculturalidad no puede ser
pensado sin considerar las estrategias políticas contextualizadas, como tampoco sin asociarlo a las políticas
culturales de identidad y subjetividad. Las políticas culturales y las políticas de lugar se hallan entretejidas.
Por ello, la manera como la interculturalidad, como principio político e ideogico del movimiento indígena
ecuatoriano, ha sido conceptualizada por los individuos y por la colectividad, dentro de prácticas localizadas
como ‘sitios de resistencia’, demuestra que las subjetividades y las luchas se constituyen espacialmente.
(Walsh, 2002, pg. 3-4) [TT.30]
172
relação ao nacional-estatal (lido como o universal), e não a constituição de um
universalismo que incorpore o diverso e a diversidade na própria iia de nação (Walsh,
2002). Então, os preceitos culturais de cada povo são sempre secundarizados frente aos
interesses ecomicos sobre “seu patrimônio”. Por exemplo, a luta contra as empresas
petrolíferas mostra como a proteção constitucional ao solo esbarra nos interesses sobre os
recursos do subsolo, gerando situações em que estratégias de comunicação social (tanto por
parte das empresas quanto por parte do Estado) são agressivamente utilizadas para
acalmar” as populações indígenas diante da violação de seus direitos – paradoxalmente
(ou, elucidativamente) feita com amparo legal: o governo elaborou e decretou uma
regulação que permite a manutenção de uma ordem favorável à exploração, mostrando os
desafios da des-re-territorialização num estado pluricultural e plurinacional quando da
exposição aos interesses de atores capitalistas globais. Neste momento é que o Estado
aparece, mais do que nunca, como uma arena onde os conflitos e os jogos de poder são
deflagrados.
No caso equatoriano, parece prevalecer no Estado ainda o papel de des-re-
territorializador que a modernidade e o Capital lhe atribuíram. Esta parece ser a tônica
também na luta das comunidades remanescentes de quilombos no Brasil – que vêm, em
diversos contextos políticos e acadêmicos ganhando a denominação de “comunidades
negras rurais”. Desde a Constituição de 1988, estas comunidades têm reconhecido por lei o
direito à propriedade de suas terras, conquista que até o presente foi alcançada por um
número ainda reduzido. Pressão de grupos de poder, além da dificuldade do Estado
brasileiro de reconhecer diversidades culturais como geradoras de direitos e instauradoras
de regimes diferenciados de possessão e usos coletivos de seu patrimônio, são questões que
resultam em entraves burocráticos e legais à realização do que prevê a norma
constitucional. José Maurício Arruti, antropólogo da ONG Koinonia, instituição que
desenvolve importante trabalho de assessoria a estas comunidades, vêm se debruçando
sobre a temática, evidenciando os percalços desta tendência ao reconhecimento
pluricultural da realidade de nosso território pelo nosso Estado – dificuldade que não nasce
no Estado, mas que afeta tradições discursivas, levando a (ou, partindo da) separação
histórica entre os debates sobre o multiculturalismo e a reforma agrária, temas que a
173
problemática das comunidades remanescentes de quilombos colocam em inescapável
convergência:
“Grupos que lutam não só por ‘um pedaço de terra’ ou pela reparação de erros do
passado, mas também pela defesa de seus modos de vida e organização social
presentes, suas formas religiosas, rituais e de manuseio da natureza,assim como
por uma nova perspectiva de futuro, em que sejam considerados, dentro de suas
próprias peculiaridades, como atores relevantes no momento de formulação e
execução das poticas públicas.” (Arruti,2002, pg. 12)
São, portanto, quando observadas a suas heterogeneidades culturais, históricas,
de contato com a “civilização” e com o avanço da modernização, lutas pela preservação de
territórios sociais, de uso tradicional e muitas vezes coletivo, fundados em tradições
culturais e estruturas sociais que remetem a acervos muito distintos”. É neste sentido que
“(...) a expropriação da terra, nestes casos,o é de natureza apenas econômica ou
fundiária, nem atinge apenas a uma unidade produtiva de cada vez. Ela na verdade
atinge o grupo em sua integridade coletiva, ao destruir a base social de sua
memória, os seus laços políticos e suas formas de regulação econômica, ambos
fundados na vizinhança e na genealogia, implicando em efeitos de desagregação,
mas também em estratégias de resistência coletivas.” (pg. 15)
Esta construção de uma luta pela defesa de territórios e territorialidades, neste
caso das comunidades remanescentes de quilombos, traz à tona diversas questões.
Primeiramente, na constituição do ator coletivo da luta, emergem demarcações culturais
que são, também, espaciais: ao se falar de etnia, e não de raça, na identificação das
comunidades, demarca-se diferenças entre estas comunidades negras (predominantemente)
rurais e os movimentos negros (predominantemente) urbanos. As comunidades
remanescentes não são negros lutando pelo acesso a terra, são negros lutando pela
preservação de suas matrizes culturais, de saberes, de formas de relação entre sociedade e
natureza. Se cultura é, por excelência, dinâmica (e, com/como ela, os territórios e as
territorialidades), Arruti nos mostra como, mesmo diante das relações com outras formas de
relação sociedade & natureza,
“Aquelas formas de posse e organização social parecem ter continuado existindo
de formas mutantes, permanentemente adaptadas aos novos contextos legais e
regionais, sustentadas em laços comunais ou em compromissos precários com
aqueles que eram os seus próprios exploradores”. (pg. 14)
Isto resulta em uma
“(...) variedade de formas de relação entre organização social e uso da terra
definidos por meio de sistemas mnemônicos, genealógicos e mesmo míticos,
dando lugar a uma grande variedade de categorias locais de uso, tais como as
‘terras de preto’, as ‘terras de índio’ (não necessariamente ‘terras indígenas’), as
‘terras da Santa’, etc.” (pg. 14)
174
A emergência discursiva desta valorização das diferenças culturais, que
transforma a sua luta numa luta pelo território, segundo Arruti, é fruto do próprio processo
histórico de reconhecimento dos direitos dessas comunidades, onde disputas entre
representações identitárias (leituras de si próprios, que até mesmo reforçam práticas
ancestrais refundando tradições!) “recriam” o grupo:
“A apropriação da norma
58
por parte do movimento social ligado a essas
comunidades negras, quase todas acuadas por conflitos fundiários com grileiros
das terras que ocupam, muitas vezes há mais de cem anos, levou a uma
reinterpretação do termo quilombos. A tenncia hoje, ainda que não se tenha
definido uma legislação complementar ao artigo constitucional, é que, para efeitos
da lei, tome-se por ‘remanescente de quilombos’ todas aquelas comunidades
descendentes de grupos territorializados de antigos escravos ou de seus
descendentes diretos.
Como os movimentos negros brasileiros também só haviam assumido o termo
quilombo como uma espécie de acervo simbólico para suas lutas urbanas, sem
maiores conseqüências sobre sua histórica falta de atenção ao mundo rural, como
para o Estado brasileiro a questão negra sempre foi isolada como uma questão
cultural, esvaziada de seus significados políticos, isso colocou tais comunidades
negras rurais em uma situão curiosa. Elas são apoiadas e assessoradas por
entidades do movimento social originalmente ligadas às lutas indígenas, da mesma
forma que os recursos administrativos acionados pelo Estadom forte inspiração
no indigenismo oficial. Ocorre então a transmissão de uma experiência histórica da
luta por territórios étnicos das comunidades indígenas para as comunidades
negras.” (pg.11)
Não podemos aqui incorrer numa leitura deste trecho de Arruti que interprete
esta transmissão de experiências como uma evidencia de uma dissociação e diferenciação
absoluta entre comunidades indígenas e comunidades negras rurais, e dissociação e
diferenciação entre suas lutas – não é este o objetivo do próprio Arruti. Com efeito, em
diversos contextos há uma hibridação entre identidades indígenas e negras, povos sendo
identificados (e, se identificando) tanto como índios e como negros, uma identificação que
não é, de maneira alguma, apenas étnico-racial, mas que evoca também a experiência
comum da subalternidade em suas inserções sociais nos contextos regionais. Aires (2003)
nos mostra como os Índios Tapeba, no município de Caucaia no Ceará, se reconhecem e
são reconhecidos como índios e também como negros! O que Arruti sublinha é o
cruzamento, o afastamento e a complexificação de tradições discursivas no seio da luta dos
remanescentes de quilombos que, ao afirmar sua cultura e sua etnia, defendem modos de
58
O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988, que reconheceu o
direito que as comunidades remanescentes de quilombos têm direito às terras que ocupam e definiu a
obrigação do Estado de proceder os processos de legalização que consubstancia tal direito.
175
vida, padrões de coletividade e sociabilidade, enfim, defendem seus territórios! A
reinvenção dessas categorias, operada por estes movimentos, é uma estratégia de poder.
Portanto, aludimos aqui a lutas que, de diferentes formas, engendram
territorialidades no seu fazer: lutas pelo terririo (remanescentes de quilombos), lutas pela
preservação de sua territorialidade (seringueiros), lutas pela imposição de territorialidades
(negros do pacífico, sem terra) são ações coletivas que, articulando a “defesa do lugar”
(contra atores que vêm “de fora” impondo outras territorialidades e desterritorializando
estes grupos sociais) e a “defesa no lugar” (contra atores antagônicos do próprio lugar,
como os seringalistas que buscam explorar os seringueiros), vêm impondo, de forma
vigorosa, a releitura dos conceitos de território, territorialização, des-territorialização e re-
territorialização, e seu tensionamento analítico na produção de raciocínios interpretativos
acerca da ação social e dos movimentos sociais. Este tensionamento analítico vem fazendo
com que muitos autores venham propondo que a pior des-territorialização é a des-
territorialização do conhecimento! Apontando a necessidade da superação de totalitarismos
epistêmicos (constituintes da coloialidade do saber e do poder) que ocultam, desvalorizam e
subalternizam experiências sociais, vem se fortalecendo um movimento de “descolonização
do pensamento crítico” que volta-se para uma valorização de experiências e lutas sociais
até pouco tempo secundarizadas pela ditadura heurística da classificação
universal&particular, que se vale de lugares de enunciação, territórios, a partir do qual se
definem as classificações, o que é legítimo, o que é racional, o que é conhecimento e, o
mais importante e mais opressor, o que é real!! Autores como Boaventura de Souza Santos,
Arturo Escobar, Edgardo Lander, Walter Mignolo, Carlos Walter Porto Gonçalves, entre
outros, vêm chamando a atenção para o caráter territorializado das epistemes, o que, ao
negar a universalidade daquilo que até então era considerado universal (o primado do olhar
do homem, europeu e branco) abre a possibilidade da valorização e emergência de lutas
sociais ancoradas num discurso de uma outra política e na “anti-potica” (crítica à potica
institucional, partidária, centralizada no Estado e nos mecanismos institucionais de
exercício do poder) e na proposição de novas formas e desenhos institucionais de um
Estado Cultural” (e, Territorial!), desenhos que procurem abrigar formas culturais de
organização social e potica de populações que ainda preservam matrizes pré-coloniais (ou,
176
melhor colocando, não modernas), não adequadas às do Estado-nação-territorial-
eurocêntrico.
4.4. Ação & temário, agendas
Discutimos nos tópicos anteriores, ao abordarmos a relação de processos de
conformação identitária com os recortes espaciais e territorialidades, alguns aspectos que
estão na base da construção dos movimentos sociais: a mobilização de sistemas de
disposição que instam/direcionam a uma ação coletiva – e, nos casos abordados, sistemas
de disposição que estão relacionados a estruturas espaciais e às formas de percepção acerca
destas estruturas, às formas como elas são mobilizadas como base para a ação coletiva em
disputa de representações e interpretações acerca do real. Esta forma de relacionar
motivações e ação, através da mediação exercida pela disputa e imposição de
representações, tem inspiração em Bourdieu
59
, e permite compreender a relação entre a ação
e elementos de caráter estrutural da sociedade, as subjetividades presentes nas
representações e nas racionalidades dos agentes, os sistemas simbólicos de significados, de
representações, etc. Esta abordagem permite, na verdade, requalificar a relação entre uma
problemática – como, p. ex., a exploração, ou, p. ex., a distribuição discricionária do acesso
aos bens materiais e simbólicos da modernidade, etc., às quais aqui chamaremos de
agendas – e a ação, evitando automatismos entre a vivência/experiência e o agir, ou, entre
as condições materiais de existência e a busca de sua superação.
A compreensão dos movimentos sociais a partir das disputas de representações
que definem campos de ação – agências – nos permite estabelecer alguns tensionamentos
acerca das espacialidades dos movimentos sociais. Se os movimentos sociais se estruturam
tendo como um de seus elementos centrais as agendas de luta (bandeiras, ideologias,
carências, entre outros) que desempenham papel de instrumentos de conformação
identitária, e, se vivemos numa sociedade que, conforme aponta Porto-Gonçalves, institui o
59
Em seu livro “O poder simbólico”, ele coloca que “É este campo de lutas simbólicas (...) que temos de nos
aplicar se queremos compreender, sem nos conformarmos com a mitologia da tomada de consciência, a
passagem do sentido prático da posição ocupada, em si mesma dispovel para diferentes explicações, a
manifestações propriamente políticas.” (Bourdieu, 1989, pp. 151-2, grifo do autor)
177
seu espaço no mesmo movimento que é instituída por ele e nele
60
, torna-se instigante
refletir sobre a relação entre estas agendas e espacialidades dos movimentos sociais.
Desenvolveremos aqui duas questões: primeiro, as relativas aos rebatimentos espaciais
destas problemáticas, às suas geo-grafias; segundo, o como as agendas mobilizam (ou não)
redes discursivas e identitárias que podem redefinir espacialidades da ação social e dos
movimentos sociais. Sublinhe-se que esses lugares diferenciados só se compreendem por
meio das relações sociais e de poder que o constituem (e por meio dos quais se afirmam).
Enquanto fatos sociais, as problemáticas mobilizadas como agendas dos
movimentos sociais têm grafias no espaço: elas têm rebatimentos espaciais, elas o
grafadas no espaço – a estrutura segregada do espaço e a iia do desenvolvimento desigual
e combinado nos chamam a atenção para estas geo-grafias. Tanto relações de exploração
grafam o espaço e o estruturam como elemento crucial à sua realização e reprodução,
quanto os diferenciais no acesso aos bens materiais e simbólicos da modernidade são
grafados no espaço, conformando os lugares da pobreza e os lugares da riqueza, os espaços
do ter e os espaços do não ter, que consubstanciam espacializações de relações de
dominação como centro e periferia, e que informam não apenas subjetividades, mas se
constituem em dados mobilizados nas disputas por representações que vão construir
agenciamentos.
Com efeito, se, de um lado não podemos mais, após um longo debate
realizado, estabelecer relações de causa e efeito entre vivência e consciência, de outro lado,
vivência e experiência são fortes instrumentos de criação de subjetividades e identidades, o
que nos permite pensar a espacialidade “possível” da mobilização em torno de uma ação
coletiva como sendo aquela correspondente à espacialização das suas agendas fundantes: à
geografia da carência de saneamento, uma geografia de movimentos sociais na luta pelo
60
Porto-Gonçalves exemplifica ao colocar que “(...) uma sociedade que constitui suas relações por meio do
racismo, tenha em sua geografia lugares e espaços com as marcas dessa distinção social: no caso brasileiro, a
população negra é francamente majoritária nos presídios e absolutamente minoritária nas universidades; se
uma sociedade se constitui com base em relações de gênero assimétricas, os diferentesneros não
freqüentarão os mesmos espaços da mesma forma: as mulheres sabem, numa sociedade machista, que não
podem freqüentar qualquer lugar da cidade a qualquer hora do dia; se uma sociedade se constitui a partir de
relações de produção que canalizam o excedente (que bem pode ser a mais valia) para um dos pólos da
relação, sua geografia acusará “bairros ricos” e “bairros pobresou “países pobres” e “países ricos”. É
importante assinalar que essas diferentes configurações espaciais se constituem em espaços de conformação
das subjetividades de cada qual.” (2002a, pg. 4)
178
saneamento; à geografia da precariedade habitacional, uma geografia de movimentos
sociais pela habitação; à geografia da segregação racial, uma geografia das mobilizações e
ações contra o racismo, etc. Entretanto, como não há correlação direta entre experiência de
carência e reivindicação, ou, experiência de exploração e luta, estas geografias são apenas
possibilidades – são, campos de espacialidades possíveis. Todavia, a passagem da agenda à
ação não é autotica (Porto-Gonçalves, 2004).
Estas geografias das vivências de problemáticas comuns definem e se
constituem em excelentes instrumentos para a mobilização de energias poticas, e para o
estabelecimento de discursos comuns. Estas redes discursivas nos conduzem a refletir sobre
um outro aspecto na relação entre as espacialidades das agendas e as espacialidades dos
movimentos sociais: os discursos não correspondem ao real, mas sim, a significados
atribuídos a ele, a representações dele! Neste sentido, desloca-se para a interpretação
atribuída a uma experiência a possibilidade de construção de identidades, configuradas
então a partir destas redes discursivas. Este processo não é simples, e muito menos imune
aos deslizamentos e fricções impostas pelos sistemas de dominação. O projeto moderno-
colonial-eurocêntrico, ao instaurar – em muito, através da Ciência – a primazia de um
sistema heurístico baseado na dualidade universal-particular, conforme nos apontam
Escobar (2004), Mignolo (2003, 2004) e Boaventura de Souza Santos (2004), instituiu
também as universalidades possíveis, relegando pouco espaço para o reconhecimento de
outras conformações discursivas em todas as escalas. Os discursos
(utópicos/transformadores) alternativos a este projeto (sobretudo, o marxista), também
imersos em pretensões totalizantes, também acachaparam particularidades e outras
conformações discursivas em todas as escalas, em nome sempre de apenas uma identidade
discursiva possível!
A possibilidade de construção de identidades discursivas entre lutas, neste
quadro, dependia (depende) da capacidade de tradução dos signos da luta para os signos
universais dos discursos totalizantes. Isto remete a uma dupla via de reconstrução da
espacialidade das lutas: em primeiro lugar, a identificação com signos tornados universais
(como, p. ex., a luta Capital & Trabalho), que é diferente da vivência e da luta em torno da
179
mesma agenda
61
, se converte numa potica de identidade que aproxima lutas, muitas vezes,
relacionadas a agendas distintas. Uma luta pelo transporte público urbano pode se
identificar com uma luta de agricultores deslocados por um grande empreendimento: “são
duas lutas contra o avanço de um modelo de capitalismo!” Não somente se unificam as
lutas de agricultores no campo, mas estas se unificam com lutas no espaço urbano; não
somente se unificam lutas em países desenvolvidos, como lutas em países
subdesenvolvidos; na verdade, o significado aproxima as vivências!
Neste quadro, poderíamos dizer que, hoje, é a luta contra a globalização (que,
sintomaticamente, toma a própria denominação escalar enquanto representação de temários
e representações totalizantes) aquela que mais aproxima/unifica significados de luta, não
uniformizando significados, mas, sob a alcunha de ser um “movimento anti-sistêmico”,
promove uma unificação que busca congregar também a preservação e valorização de
signos particulares de luta. Escobar chega a apontar que
“Se algum consenso existe acerca de como os movimentos sociais
antiglobalização (MSAGs) funcionam, é o de que a) funcionam a várias escalas
(da local à global); b) não possuem estruturas centralizadas, centros de comando,
nem sequer um conjunto comum de reivindicações, mesmo que em dado momento
se possa afirmar terem um ‘inimigo comum’ (a globalização neoliberal); c) por
conseguinte, são tremendamente pluralistas, o que é visto por alguns como uma
força, e, por outros, como uma fraqueza; e d) a metáfora mais adequada para os
descrever é a das redes.” (pg. 644)
Analisando o Fórum Social Mundial, um dos epifenômenos deste movimento
anti-globalização
62
, Boaventura de Souza Santos (2005) aponta que ele é arena, é disputa
entre concepções: "(...) a utopia do FSM afirma-se mais como negatividade (a definição
daquilo que critica) do que como positividade (a definição daquilo a que aspira)". No
próprio interior deste “movimento anti-globalização” há muitos que recusam essa
61
Um exemplo do que aqui chamamos de vivência e luta da mesma agenda é o que nos apresentam Vainer &
Araújo, quando narram e analisam que “Em maio de 1991, reuniu-se em Brasília o I Congresso Nacional de
Trabalhadores Atingidos por Barragens. Da Amazônia, do Rio Grande do Sul, dos vales do São Francisco e
do Paraíba do Sul, um pouco de toda a parte, os trabalhadores falaram de suas experiências de luta, das ações
empreendidas pelas empresas elétricas, da terrível situação enfrentada pelas populações expulsas – ou
ameaçadas de expulsão – de suas terras, vilas e cidades para dar lugar a grandes reservatórios destinados a
armazenar água para a produção de energia elétrica. Falaram das realidades totalmente particulares de seus
municípios e regiões – os indígenas do Xingu e os colonos do Alto Uruguai, os trabalhadores sindicalizados
de Itaparica e os pequenos proprietários ribeirinhos do Jequitinhonha. Mas nem as diferenças de sotaque e
linguagem, nem a diversidade das referências econômicas, sociais e culturais constituíram obstáculo a que se
entendessem entre eles. O relato da situação de determinada região soava quase sempre familiar – como se
cada um visse no relato do outro a estória/história do que havia vivido ou terá de viver. Realidades regionais,
realidade nacional: múltiplas, uma.” (1992, pg. 9)
62
180
expressão, preferindo falar de movimento alter-globalista, alter-globalização ou que luta
por uma outra globalização (como preferia, por exemplo, Milton Santos). Constituem-se,
portanto, sistemas de significações que estruturam pactos ideológicos frouxos, em torno de
elementos comuns que, não necessariamente, atribuem significados universais às vivências.
Esta conformação nos conduz a refletir sobre um outro aspecto no que tange à reconstrução
da espacialidade das lutas através desta relação entre as agendas e a ação: a identificação
com sistemas de significados permite o acesso a redes discursivas que são, na verdade,
redes sociais e políticas – algumas delas, em escala planetária! Com efeito, não apenas a
luta antiglobalização, mas, ideologias difundidas globalmente – e, aqui, tomamos mais uma
vez como exemplo o marxismoconferem a possibilidade de inserção em redes que
possibilitam a redefinição de espacialidades de lutas, diálogos com interlocutores, acesso a
recursos (financeiros, comunicativos, das mais variadas ordens), etc. Grupos de pouca
expressão numérica e, muitas vezes, de curta expressividade e capacidade de repercussão
mesmo local passam a ser representados como “células” de ativismos atuantes (e, acima de
tudo, interpretados como sendo atuantes) em outras escalas, quando não, a escala global – a
escala pertinente de combate ao sistema capitalista. Ou seja, por mais “pontuais” que tais
iniciativas sejam, ao estabelecer pontes com redes discursivas em outras escalas, suas lutas
são ressignificadas. Lutas não vinculadas a redes discursivas podem, por outro lado,
desaparecer (ou, serem ocultadas) mesmo das narrativas da História
63
!
Tanto na constituição de pactos ideológicos frouxos (como o das lutas anti-
globalização), quanto na adesão a sistemas de significados ideológicos com maior grau de
63
Um exemplo desta abdução narrativa – acreditamos nós, pela influência que estas redes discursivas
exercem sobre visões de mundo, sobre critérios de verdade e sobre a produção acadêmica, condicionando
valorizações e desvalorizações - é a forma como, no livro de Maria da Glória Gohn intitulado “História dos
movimentos e lutas sociais”, uma obra dedicada a “resgatar na História do Brasil as ações empreendidas por
diferentes classes e categorias sociais em luta pela conquista de seus direitos ou bens (...) ou ainda ações
contra injustiças sociais,discriminações ou atentados contra a dignidade humana”, as ações do Movimento
Negro passem praticamente ao largo de quase toda a obra. Por exemplo, dentre as dezenas de iniciativas
registradas no período 1930-1945, constam a União Paulista dos Vendedores Ambulantes de Leite, a
Sociedade Brazilai Mosyar Korztarsargikor (entidade mutual húngara), e a fundação do Clube Beneficente
das Famílias dos Empregados Casados da Cia. City emo Paulo. Mas, não aprece, por exemplo, a Frente
Negra Brasileira que, entre 1932 e 1937, se organizou em 6 estados da federação, inclusive São Paulo,
unidade que aparece com maior número de registros no livro. Não hipotetizamos aqui uma recusa sistemática
da autora em fazer referências às diversas iniciativas do Movimento Negro Brasileiro – tarefa que ela realiza
ao registrar a fundação, em 1978, do Movimento Negro Unificado. Estamos apontando é que, num país que
tem como hegemônica a ideologia da democracia racial, as narrativas historiográficas – que a autora tomou
como fonte – sequer consideram o Movimento Negro um movimento social!
181
“sacralização”, o que redefine a espacialidade das lutas é a inserção nestas redes sociais e
políticas baseadas nas identidades discursivas! Ou seja, são os diálogos e interlocuções
permitidos (ou, vedados) a partir da definição da agenda enunciada como fundante da luta
do movimento.
4.5. Ação & interlocutores
Os discursos contemporâneos sobre a globalização têm como um de seus
elementos centrais um fortalecimento e difusão das narrativas escalares sobre os jogos e
disputas de poder no mundo. Já vimos em capítulo anterior que a emergência destas
narrativas, na verdade, evidencia alguns aspectos cruciais para a nossa análise: as escalas
são construções sociais, são planos de ordenamento e organização dos jogos político, social
e econômico; elas funcionam como eficazes instrumentos de controle de experiências
espaciais do fazer potico, afinal, a organização escalar hierárquica de fóruns decisórios
não tem como objetivo central a definição de hierarquias entre escalas, mas sim, hierarquias
entre decisores – é neste sentido que elas são contêineres, instrumentos e conteúdos de
poder, que definem leituras de mundo que orientam o posicionamento de sujeitos no
mundo, duplamente compreendido como a percepção das posições ocupadas por cada um
no mundo (posições fixas, trânsitos, movimentações, que seo em lugares, regiões, em
escalas!) e a tomada de posições por cada um neste mundo (o apresentar-se para o jogo, o
agir).
O famoso jargãopensar global, agir local (que muitos movimentos invertem,
e propõem o “pensar local, agir global!) nos evidencia este duplo jogo do posicionar-se no
mundo (perceber a sua posição e tomar posição), que têm nas escalas um referencial crucial
para a compreensão e para a ação dos atores políticos. Conforme nos auxilia Castro (1997),
“Parece evidente que a visibilidade das escalas territoriais de poder supõe,
necessariamente, a compreensão do significado dos interesses de diferentes atores
políticos, sobre porções diferenciadas do território, e as diferentes projeções
territoriais dos processos de decisão.” (pg. 36)
O ordenamento escalar da organização espaço-temporal da sociedade – que já é
a efetivação, em si, de um projeto hegemônico de sociedade que institui e é instituído por
182
esta organização – tem portanto como objetivo a “estabilização” do jogo social através do
estabelecimento das escalas enquanto planos de mediação de conflitos, ou, melhor dizendo,
campos de conflitividades. A legitimação e qualificação de uma escala e a sua (possível,
mas jamais automática) transformação em uma forma institucional de acomodação dos
interesses em disputa pressupõem, portanto, (i) a constituição de um campo de
conflitividade com relativa estabilidade e capacidade de se constituir uma esfera de
mediação e regulação do jogo social – a partir do quê podemos pensar, por exemplo, que
um local não é local por ser um “pequeno” recorte espacial, mas sim, por se constituir num
recorte que circunscreve espacialmente um jogo, um campo de conflitividade com relativa
estabilidade” (vista aqui mais como durabilidade) e capacidade de regulação de atores que
nele têm seus embates, conferindo-lhe organicidade – e, (ii) o estabelecimento de uma
hegemonia com capacidade de articulação com poderes/grupos de poder hegemônicos em
outras escalas – sobretudo para a transformação de seu campo de conflitividade num
aparelho institucional mediador, no qual, evidentemente, seu poder poderá se reproduzir.
Esta complexa construção faz com que as escalas, ao serem reificadas, sejam
confundidas como sendo o elemento definidor de uma unicidade que define os próprios
atores! O debate entre Michael Hanchard e a dupla Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant, em
torno da relação e atuação dos movimentos negros do Brasil e dos Estados Unidos nos
ilustra um pouco esta relação entre atores e escalas. Bourdieu e Wacquant, em seu artigo
“Sobre as artimanhas da razão imperialista”, apontam a mundialização de categorias de
pensamento e formas de ação constrdas no seio das relações e conflitos sociais
americanos para outros países como parte do imperialismo dos Estados Unidos
64
, que se
64
“O fato de que, no decorrer dos últimos anos, a sociodicéia racial (ou racista) tenha conseguido se
‘mundializar, perdendo ao mesmo tempo suas características de discurso justificador para uso interno ou
local, é, sem dúvida, urna das confirmações mais exemplares do império e da influência simbólicos que os
Estados Unidos exercem sobre toda espécie de produção erudita e, sobretudo, semi-erudita, em particular,
através do poder de consagração que esse país detém e dos benefícios materiais e simbólicos que a adesão
mais ou menos assumida ou vergonhosa ao modelo norte-americano proporciona aos pesquisadores dos países
dominados. (...) A violência simbólica nunca se exerce, de fato, sem uma forma de cumplicidade (extorquida)
daqueles que a sofrem e a "globalização" dos temas da doxa social americana ou de sua transcrição, mais ou
menos sublimada, no discurso semi-erudito não seria possível sem a colaboração, consciente ou inconsciente,
direta ou indiretamente interessada, não só de todos os "passadores" e importadores de produtos culturais com
grife ou dégriffés (editores, diretores de instituições culturais, museus, óperas, galerias de arte, revistas etc.)
que, no próprio país ou nos países-alvo, propõem e propagam, muitas vezes com toda a boa-fé, os produtos
culturais americanos, mas também de todas as instâncias culturais americanas que, sem estarem
explicitamente coordenadas, acompanham, orquestram e, até por vezes, organizam o processo de conversão
coletiva à nova Meca simbólica.” (Bourdieu & Wacquant, 2002, pg 21)
183
impõe por “sua capacidade para impor como universal o que têm de mais particular, ao
mesmo tempo em que fazem passar por excepcional o que têm de mais comum”. Hanchard,
que é citado pelos autores como um dos intelectuais “passadores” das iias e práticas do
imperialismo americano para o Brasil, responde que
“A crítica deles baseia-se em suposições e métodos analíticos críticos que
privilegiam o Estado nacional e a cultura ‘nacional’ como objetos únicos da
análise comparativa e, conseqüentemente, ignora como a política afro-brasileira,
os movimentos por direitos civis nos EUA, em particular, e a política negra
transnacional, de maneira mais geral, problematizam as distinções fáceis, até
mesmo superficiais, entre Estados-nações e populações imperialistas e
antiimperialistas dessa crítica. Ambos, o Movimento Negro brasileiro e o
movimento por direitos civis nos EUA, são analisados unicamente como
fenômenos de territórios nacionais, inteiramente auto-referentes (ou seja,
provincianos), sem ligações entre si.
Esta constelação particular de suposições e métodos exe uma combinação
latinista de Estado e nação, dentro da qual o popular nacional e o aparato do
Estado não se distinguem um do outro. Em sua visão, as populações nacionais são
alinhadas por fixidez territorial, cultural e no Estado. Assim, os cidadãos
brasileiros e norte-americanos em geral, e os afro-brasileiros e afro-norte-
americanos dos EUA em particular, são divididos de acordo com as coordenadas
acima mencionadas. É impossível, dentro desse molde, identificar e ler diferenças
culturais e ideológicas no interior dos Estados Unidos ou do Brasil. Também não
existe a possibilidade de divisões, interesses coincidentes, pontos em comum,
ideológicos ou culturais, que possam atravessar fronteiras de nação, ‘cultura
nacional e Estado’. Além disso, não se cogita a perspectiva de distinção interna, a
idéia de que o povo de um país possa compartilhar afinidades e políticas que, de
fato, vão contra o Estado, ou mesmo ideologias populares dominantes a respeito de
uma nação ou povo em particular. Isto não só constituiria uma surpresa para
indivíduos, organizações e movimentos dentro dos Estados Unidos, que há muito
tempo resistem a políticas - domésticas e de fora - de imperialismo e apartheid
social em casa e no estrangeiro, mas também um insulto. E o principal, em se
tratando de avaliar academicamente a crítica deles, é que Bourdieu e Wacquant
ignoram a complexidade ou especificidade da atuação negra, tanto no Brasil
quanto nos Estados Unidos, o que os leva a equacionar transnacionalismo negro
com imperialismo e política externa dos EUA. Em sua versão do etnocentrismo
político, são privilegiadas as políticas dos Estados-nações, enquanto mobilizações
de atores não estatais são negligenciadas e, quando identificadas, precariamente
compreendidas.” (Hanchard, 2002, pg. 68-69)
Hanchard indica, então, que Bourdieu e Wacquant operam com uma leitura que
associa diretamente o ator à escala que o define, como se ela ao se configurar no campo de
conflitividade que o gera, definisse sua identidade e o subsumisse a ela. Operam, na
verdade, com um mecanismo discursivo que transforma oposições em unidades, e, unidades
em oposições, que é o que Vainer & Araújo apontam sobre a constituição de uma “questão
regional” no Brasil na metade do século XX:
“(...) a instituão explícita de uma questão regional pelo Estado brasileiro, na
conjuntura da segunda metade dos anos de 1950, expressava uma operação com
dois objetivos e eficácias simultâneos: primeiro, encobrir o antagonismo
explorados X exploradores no interior do Nordeste e dissol-lo na entidade
184
região, buscando dessa forma transformar o que era (é) essencialmente oposição
em unidade; segundo, deslocar o conflito para as relações entre frações dominantes
regionais e frações hegemônicas nacionais, transformando o que era (é)
essencialmente unidade em oposição.” (1992, pg. 23, grifos dos autores)
O que Hanchard nos aponta, portanto, é a necessidade da leitura do nacional
como um “campo de conflitividades” – e, quando aludimos aqui a campos de
conflitividades, os tomamos como estruturações de sistemas posicionais complexos, não
baseados apenas em oposições entre antagonistas e protagonistas, mas também em
solidariedades, afinidades, indiferenças, afiliações, negações de tomada de posição, etc,
posições estas que são dinâmicas, cambiantes e, em nada, fixas. Por este caráter dinâmico,
complexo e, acima de tudo fluido destes sistemas de posições estruturados escalarmente,
preferimos trabalhar aqui com a idéia de interlocução entre atores. Além dos embates e das
oposições, os pactos, alianças (perenes, mais ou menos duradouras, ocasionais, efêmeras,
cambiantes no tempo e no espaço), diálogos, trocas de informações, de influências, etc., são
constituintes intrínsecos aos campos de conflitividade estruturantes da(s) sociedade(s)
contemporânea(s), que complexificam os arranjos escalares, reforçando ou perturbando as
estabilizações configuradoras de ordens, hegemonias e dominações. Não apenas o
antagonista de uma luta hoje pode ser um aliado amanhã, como também um antagonista de
um movimento ou de uma luta numa escala pode ser um aliado numa outra luta numa outra
escala – por exemplo, um organismo internacional de fomento pode apoiar movimentos
sociais de defesa ambiental na escala local, e ao mesmo tempo, no diálogo com o Estado
Nacional/Territorial em questão, ser exatamente aquele que pressiona pela adoção de um
modelo de desenvolvimento que depende inescapavelmente da degradação ambiental
contra a qual aquele movimento luta; um movimento pode buscar apoios para suas lutas
locais, regionais ou nacionais em escala internacional
65
– como o fizeram os seringueiros da
Amazônia sob a liderança de Chico Mendes nos anos 80; enfim, uma infinitude de
possibilidades se nos apresentam na constituição desta política de escalas, a que
Swinguedow (1997) e Vainer (2001) denominam jumping scale, conforme discutido
anteriormente. Trabalhamos aqui com a idéia de que podemos discernir inicialmente duas
65
Tais alianças, num primeiro olhar aparentemente contraditórias, configuram a fluidez, a complexidade e,
muitas vezes, o imediatismo (sem qualquer juízo de valor de nossa parte) nas estratégias de luta, que Burity
nos explica ao apontar como é que, na cena contemporânea, “Múltiplos atores, de diferentes dimensões, com
interesses comuns no curto prazo, mas divergentes ou diversos no médio e longo prazos, interagem em função
de objetivos concretos. As conees se forjam no cotidiano e somente assumem visibilidade nos momentos de
mobilização em vista de algum desafio ou problema. (2000)
185
atuações distintas nesta potica de escalas, tomando como exemplo a escala local como
base para a luta, mas acreditamos que estes raciocínios possam ser efetuados também
tomando-se outras escalas como base para a atuação: atores locais que dialogam com atores
em outras escalas para fortalecer a sua luta no local; atores que dialogam em outras escalas
e que se tornam atores nestas outras escalas, disputando agendas nestas outras escalas.
Chamamos a atenção para esta distinção - apesar de ela estar também diretamente
referindo-se à espacialidade do sujeito, que exploraremos mais adiante -, porque ela remete
ao estabelecimento de diferentes formas de interlocução, e de diferentes formas de relação
dos movimentos com seus interlocutores em diversas escalas. São, efetivamente, distintas
formas de os movimentos articularem escalas. São distintos conteúdos das transações e
interações que consubstanciam estas articulações escalares.
As configurações de alianças e embates que vão surgir a partir desta potica de
escalas são múltiplas, e vêm sendo observadas por diversos autores, tanto no que concerne
ao estabelecimento de interlocuções na forma de alianças em escalas diferentes da “luta
original” dos movimentos, quanto no que diz respeito ao estabelecimento de interlocuções
na forma de antagonismos. Estas configurações podem constituir novos atores em outras
escalas, ou mesmo, condicionar uma vinculação através de pactos ideológicos e/ou de luta
com atores e redes em escalas distintas daquela concernente à luta. Vamos observar alguns
exemplos, com o objetivo de analisar como os interlocutores têm
escalaridades/espacialidades e, de alguma forma, eles acabam por definir ou redefinir as
escalaridades/espacialidades dos movimentos.
Exploramos no tópico anterior como a globalização surge como agenda de luta e
mobilização de movimentos sociais no mundo inteiro. Ela, mais do que o processo de
internacionalização do capitalismo que a precedeu, coloca para a luta de imediato a
necessidade da identificação de interlocutores que necessitam ser duplamente
compreendidos: como agentes da globalização, beneficiários responsáveis pela
globalização ou construtores da forma como ela m sendo construída; como interlocutores
concretos com capacidade e poder de decisão, com os quais se pode estabelecer canais de
diálogo/conflito que efetivamente produzammbios nos rumos que a globalização e o
mundo vêm assumindo. É desta dupla compreensão/identificação que são eleitos, como
agentes da globalização e interlocutores das lutas contra ela, por exemplo, grandes
186
empresas (como McDonald’s, Coca-Cola, Nike, entre outras) e organismos multilaterais de
financiamento, agências e fóruns de desenvolvimento e de regulação de relações entre
economias nacionais (como a OMC, o Banco Mundial, o BID, G-8, por exemplo);
entidades individuais e também redes. Da mesma forma, os protagonistas das lutas anti-
globalização vão buscar se globalizar, na forma de atores “individuais” e de redes. Destas
formações, Escobar (2004), em sua análise sobre o Processo de Comunidades Negras
(PCN) da região do Pacífico Colombiano, inspirado na idéia de atores-rede de Bruno
Latour, aponta a formação de “Atores-Rede Dominantes” (ARDs) e “Atores-Rede
Subalternos” (ARSs), mostrando como estas interlocuções redefinem espacialidades dos
movimentos:
“As malhas [de movimentos e ativismos sociais] interagem com atores-rede
dominantes (ARDs) e hierárquicos enquanto parte integrante da sua luta (por
exemplo, redes estabelecidas por organizações como a OMC e o Banco Mundial, a
Convenção sobre a Biodiversidade, pesquisa sobre organismos geneticamente
modificados, empresas transnacionais como a Monsanto ou a Novartis, G-8, etc).
Esses confrontos podem ter também uma função catalítica (oposição
“galvanizante”).” (pg. 648)
Esta iia da “oposição galvanizante” é, quando analisada a partir de um
raciocínio centrado no espaço, a própria consubstanciação da construção de um ator (no
caso da exposição do autor, de um ator-rede) cuja espacialidade é definida pelo
interlocutor! O interlocutor (no caso, antagonista ou mesmo parceiro instituinte de um
processo de construção de um conhecimento) define o ator e, ao faze-lo, (re)define também
a sua espacialidade. Esta redefinição pode constituir um ator em escala compatível com o
antagonista ou fazer com que o ator “redefina sua atuação escalar”, buscando interlocuções
em outras escalas que fortaleçam a sua luta. A constituição de um ator em escala
compatível aparece na narrativa apresentada por Lecourt & Baudelle (2004) que analisam
como a implementação de grandes projetos gera uma mobilização cuja espacialidade tende
a acompanhar o projeto não somente em termos escalares, mas, da sua própria geometria
espacial! Os autores observam as geometrias espaciais da mobilização em três grandes
projetos, um trecho do TGV (Trem a Grande Velocidade), empreendimento de padrão
espacial “linear”, e que por isso tende a contar com maior número de focos de mobilização,
187
porém, mais dispersos e mais dificilmente unificados
66
(ver Mapas 12 13 e 14) e Projetos
pontuais”, como um plano de implementação de 5 centrais nucleares e um aeroporto
67
.
Diferentes padrões de mobilização contra os empreendimentos foram levadas a
cabo de acordo com as “proximidades sociais” e as “proximidades espaciais”, tensionadas
por efeitos de territorializações, redes de sociabilidade, perfil das populações, dinâmicas
patrimoniais, e identidades culturais, fatores que potencializam efeitos de ligação a partir
da instauração do conflito em torno da implementação dos projetos. No caso da linha do
TGV, o caráter “disperso” (e, aqui, disperso não atenta apenas para a geometria espacial,
mas para as fracas unidades das populações envolvidas em termos de territorialidades,
identidades culturais, redes de sociabilidade, etc.) dos focos de mobilização condicionou a
construção de estruturas associativas de caráter federativo, que articulava as entidades de
caráter (escalar) local:
“Ce passage du local au global que nécessite la mone en généralité passe
également par une extension du dispositif associatif. Dès lors, les associations
locales opposées au même projet se fédèrent. Cest en fait la géographie du projet
qui structure ce mouvement et organise la mise em réseau des associations locales.
Ainsi, le mouvement d’opposition au TGV Bretagne-Pays de la Loire s’est
structuré autour de deux fédérations: ALTO (Alternatives aux nouvelles Lignes
TGV Ouest) et LGV 53 (Fédération mayonnaise Alternative à toutes lignes à
Grandes Vitesses). (pg. 9) [TT.31]
Nesta situação, portanto, a espacialidade do interlocutor condiciona uma
reconfiguração organizativa” das lutas, para a constituição de uma entidade com
abrangência espacial compatível com a do projeto. No caso do Processo de Comunidades
Negras, Escobar trabalha, na verdade, com uma narrativa escalar onde dissocia uma rede do
movimento enraizada no lugar, compreendido como as “bases geográficas e povoações da
região do Pacífico” e, de outro lado, as vinculações regionais, nacionais e transnacionais
do PCN. Estas vinculações em outras escalas encontram malhas, redes de atores nas quais o
Processo de Comunidades Negras se imbrica de diversas formas e com as quais ele se
reconstrói. Ele busca compreender estas formas de imbricação que é, segundo sua leitura,
um salto escalar do movimento:
66
“(…) dans le cas des aménagements linéaires, la démultiplication des foyers de mobilisation des tracés
successivement envisagés donne lieu à une extensión significative du conflit mais en ordre dispersé, de sorte
que le passage à l’étape de la montée en géralité est plus laborieuse.” (pg. 13) [TT.32]
67
“(…) Un aménagement surfacique rend le processus de mobilisation plus aisé qu’un aménagement linéaire.
En effet, lorsqu’un seul site d’implantation est envisagé, la construction du mouvement est facilitée par le
caractére ponctuel de l’aménagement, clairement identifié par les constestataires.” (pg. 13) [TT.33]
188
189
190
“O que circula a malha são ativistas, modelos culturais, informação, quadros,
mensagens de correio eletrônico, comunicados, declarações, acordos e ações e
mobilizações concretas. Esta rede interliga-se cada vez mais com outras redes,
sejam estas atores-redes dominantes (ARDs) ou atores-redes subalternos (ARSs).
(...) Escusado será dizer que existem também imbricações entre uns e outros. Em
certos casos, as redes de oposição conseguem reconstituir, nos seus próprios
termos, lugares que fazem parte de ARDs. É claro que, por vezes e
reciprocamente, os ARDs reconstroem lugares de ARSs segundo os seus próprios
termos. Ao nível transnacional, a rede PCN torna-se parte de uma malha de
MSAGs (Movimentos Sociais Anti-Globalização), de alguns ARDs e também de
outros ARSs.” (pg. 661)
Como exemplos de Atores-Rede Dominantes (ARDs) com os quais o PCN
dialoga, o autor cita encontros do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Grupo de
trabalho das Nações Unidas sobre os Assuntos Indígenas, a Convenção sobre a
Biodiversidade e redes estabelecidas por organizações como a OMC. Como exemplos de
Atores-Rede Subalternos, ele menciona a Rede Afro-Americana, a Rede de Mulheres Afro-
Latino-Americanas, encontros binacionais dos povos negros da Colômbia e Equador, as
reuniões de preparação para a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação
Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância de Durban, África do Sul em 2001,
a participação na construção de eventos em torno do Plano Colômbia e sua vinculação a
ações naquilo que veio a se tornar o People’s Global Action Aganist Free Trade, incluindo
mobilizações antiglobalização em Genebra, Praga, Chiapas e na Índia, entre outras.
A narrativa apresentada por Escobar nos leva a interpretar o salto escalar
realizado pelo Processo de Comunidades Negras como um movimento de estabelecimento
de trocas e interlocuções com outras escalas (distintas daquela que é fundante da
territorialidade/espacialidade original do movimento), trocas estas que fortalecem ou
trazem ganhos para a luta do movimento em sua escala “matriz”. O movimento não se torna
um ator “decididor” (como diria Milton Santos, conforme aludimos anteriormente) em
outras escalas, mas sim, estabelece trocas com os atores destas outras, interlocuções que, de
diferentes maneiras, o fortalecem em sua luta junto aos interlocutores a Colômbia.
Esta busca por interlocuções internacionais para o fortalecimento de lutas locais,
regionais ou nacionais não pode ser interpretada como uma confirmação da supremacia da
escala maior em termos de abrangência espacial sobre a menor, como uma leitura desatenta
(ou, direcionada) poderia supor. Ela indica, na verdade, tendências de rearranjos nas
relações escalares que são rearranjos nas relações de poder. Sendo assim, não há escala
191
maior ou menor e, sim, estratégias escalares de poder, o que torna relevante distinguir quem
as agencia e em nome de quê. Com efeito, novas estratégias de dominação do imperialismo
vêm se configurando com base em novos ordenamentos escalares. Destacamos, aqui, os
papéis que as “agências multilateraism assumindo, com crescente influência sobre
Estados através de financiamentos a projetos (sobretudo sociais e de infraestrutura), que são
atrelados à difusão de modelos de desenvolvimento, de modelos de planejamento, modelos
de regulação, modelos de legislação, manipulação direta do arcabouço jurídico do país,
mas também o controle extensivo sobre as estruturas territoriais etc. Mais do que a
concessão dos recursos, estas agências vêm destacando técnicos que se capilarizam pelas
instâncias estatais de países que vão adotando seu receituário. Esta capilarização
(fundamental para as novas estratégias imperialistas) se dá em mão dupla: técnicos das
agências vêm para os países periféricos e ganham certa proximidade com os jogos internos
de poder destes países e, de outro lado, estas agências constituem fóruns e mecanismos de
interlocução com grupos desfavorecidos dos países periféricos (como os encontros do
Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Grupo de trabalho das Nações Unidas sobre
os Assuntos Indígenas e outros, citados por Escobar). Por meio deste aparato tensões são
amortecidas garantindo condições financeiras, políticas e sociais para a viabilização dos
investimentos econômicos do capital privado internacional (muitas vezes, conflitando-se
com interesses e controles de elites nacionais!), boa parte deles de exploração intensiva de
recursos naturais e infra-esturtura de alta rentabilidade e de retorno no curto prazo, que
estas agências vêm executando num contexto marcado pelo excesso de liquidez nos fundos
internacionais (Holt-Giménez, 2005). Estes mecanismos amortecedores de denúncias e
pressões sociais contra a “terceirização” dos impactos nefastos sociais e ambientais do
capitalismo globalizado acabam por constituir para atores desfavorecidos em contextos
locais, regionais e nacionais uma nova possibilidade estratégica de luta, a interlocução com
estes atores globais.
Este caminho foi trilhado por Chico Mendes, líder dos seringueiros do Acre
nas décadas de 1970 e 1980, cujo assassinato repercutiu primeiramente fora do Brasil para,
então, passar a ser noticiado no próprio país. Chico Mendes organizou, contra o avanço da
grilagem e do desmatamento e destruição das áreas dos seringueiros, atos de resistência
local - os chamados "empates", situação em que os seringueiros formavam correntes de
192
pessoas de mãos dadas para impedir o desmatamento e forçavam o der do grupo a assinar
um documento que garantia que o trabalho seria suspenso -, liderou a organização dos
seringueiros em sindicatos até constituir, em 1985 em Brasília, o "Primeiro Encontro
Nacional de Seringueiros da Amazônia", quando foi criado o Conselho Nacional dos
Seringueiros (CNS), e, até ser assassinado em dezembro de 1988, era um ativo articulador
do Primeiro Encontro dos Povos da Floresta, realizado em 1989, que uniu os representantes
do CNS e da "União das Nações Indígenas". Mesmo apesar desta atuação buscando
alianças em escala regional e nacional para suas lutas, a correlação de forças dificilmente se
lhe apresentava como favorável. Mas, foi a sua articulão internacional que conferiu maior
força à sua luta:
“Em 1987, Chico Mendes recebe a visita de alguns membros da ONU, em Xapuri,
onde puderam ver de perto a devastação da floresta e a expulsão dos seringueiros
causadas por projetos financiados por bancos internacionais. Dois meses depois,
Chico Mendes levava estas denúncias ao Senado norte-americano e à reunião de
um banco financiador, o BID. Trinta dias depois, os financiamentos aos projetos
devastadores são suspensos e Chico é acusado por fazendeiros e políticos de
prejudicar o "progresso" do Estado do Acre. Meses depois, Chico Mendes começa
a receber vários prêmios e reconhecimentos, nacionais e internacionais, como uma
das pessoas que mais se destacaram naquele ano em defesa da ecologia, como por
exemplo o prêmio "Global 500", oferecido pela própria ONU.” (Comitê Chico
Mendes, http://www.chicomendes.org/chicomendes01.php
, visita efetuada em
04/10/2006)
Além do prêmio "Global 500" da ONU, neste mesmo ano ele ganhou a
"Medalha do meio ambiente" da organização "Better World Society". O cancelamento de
empréstimos para pavimentação de rodovias na Amazônia a partir destas articulações de
Chico Mendes e do Conselho Nacional dos Seringueiros levaria, então, o governo
Brasileiro a revisar sua potica de desenvolvimento e em 1988 entrar em negociações
concretas sobre a criação das Reservas Extrativistas, proposta que possibilitaria a
preservação da floresta, da territorialidade seringueira e das terras indígenas. Vainer assim
comenta o exemplo de Chico Mendes:
“A construção de atores políticos passa hoje por estratégias escalares distintas. Eu
gosto de citar o caso do Chico Mendes: ele era um líder local que virou uma
personalidade mundial... e que somente depois, e em certa medida, como
conseqüência, virou, também, uma liderança nacional. Ou seja, ele não fez a
trajetória babuska, do local, para o nacional, para o internacional. Essa
possibilidade de quebra de escalas – há um autor belga, chamado Swynguedow,
que fala em “jumping scales” (pular escalas) -, que vale tanto na esfera da
economia, quanto na da política, da cultura e da constituição de sujeitos políticos.”
(2003, pg. XXX)
193
O salto escalar é, portanto, possível quando se consegue conjugar uma série de
fatores, como a escolha do interlocutor correto numa outra escala, a capacidade de se fazer
reconhecer por esse e por outros interlocutores nesta outra escala, a escolha da agenda
correta nesta outra escala, o donio dos códigos comportamentais do fazer potico nesta
outra escala (maneiras de agir, de provocar fatos, de repercutir, que são diferentes da escala
de origem), etc. Raros são os casos como o do agricultor francês José Bové que, após
liderar um ataque a um McDonald’s na Fraa, se tornou uma das referências mundiais na
luta anti-globalização. Matéria da Folha de São Paulo (28/01/2002) assim descreve:
“José Bové, 49, um criador de ovelhas da região francesa de Roquefort, ganhou
projeção internacional em agosto de 1999 quando liderou uma invasão ao
McDonald's de Millau, no sul da França, para protestar contra a sobretaxa de
produtos agrícolas nacionais e europeus imposta pelos EUA.
Preso com outros manifestantes, Bové passou 19 dias na cadeia e suscitou uma
comoção nacional que o transformou em uma espécie dembolo da França contra
a hegemonia norte-americana.
(...)
Uma de suas principais bandeiras é a resistência ao cultivo dos OGM (Organismos
Geneticamente Modificados). Com ela, Bové conseguiu criar uma cadeia de
solidariedade mundial, que inclui agricultores da África aos Estados Unidos.”
Bo se transformou numa referência o apenas de uma, mas de algumas das
mais fortes lutas contra a globalização, a luta contra os transgênicos, contra a exploração e
a expropriação na agricultura, os embates em torno de como os conhecimentos (tanto os
científicos quanto os não científicos) são articulados na consubstanciação desta exploração
e expropriação, entre outras. Nos espaços de articulação das lutas anti-globalização, como o
Fórum Social Mundial, ele passou a ocupar posição de destaque, inclusive participando de
outros atos públicos contra grandes empresas em diversos lugares do mundo. Torna-se
forçoso refletir que o ponto de partida desta sua transformação em referência mundial foi a
escolha do interlocutor de seu ato de protesto: o McDonald’s. Esta empresa é um dos
símbolos da globalização, não apenas em seus aspectos econômicos, mas também culturais
– o fast-food -, articulando lutas no agro (os sistemas de exploração agrícola e a
modificação genética) e no urbano (a superexploração da sua força de trabalho, o anti-
americanismo e a cultura fast-food). Com isso, o ato de protesto liderado por Bo mobiliza
sentimentos, identidades e identificações que constroem interseções de subjetividades e
objetividades de diversas lutas e sistemas de motivações em todo o mundo, possibilitando a
sua transformação em referência mundial. Entretanto, estes aspectos vinculados ao que seu
ato contra este interlocutor mobiliza são apenas o ponto de partida. O relato da Folha de
194
São Paulo nos indica mais pistas (um olhar mais aprofundado sobre o “caso Bové”
certamente nos traria outros aspectos): ele acaba encarnando um sentimento francês e
europeu contra a hegemonia norte-americana, o que lhe rende mais simpatias ainda na
Europa; ele coloca o agricultor francês (e, o europeu de um modo geral) na condição de
tima da globalização, e não na condição de beneficiários de uma mundialização
hierárquica eurocêntrica, da qual um dos aspectos mais contestados são os subsídios e a
proteção que os sistemas produtivos europeus recebem de seus governos e da União
Européia; além disso, ele é um europeu (!!), conta com os ganhos hierárquicos do
eurocentrismo e por estar no “centro do mundo”, de onde os fatos repercutem nesta escala.
Esta “posição central” de Bové, mais do que um dado a se acrescentar quando o
tomamos como exemplo, evidencia aspecto crucial para pensarmos espacialidades dos
atores e sujeitos através de narrativas escalares. O fato de sua posição “no centro” ser um
elemento a alçar sua atuação a um caráter escalar mundial nos revela o quanto as escalas
são instrumento de hierarquização de atores políticos, estruturada através da hierarquização
dos espaços. É isto que permite que algumas ONGs, “de países centrais”, se tornem ONGs
globais com maior facilidade que ONGs “de países periféricos”: a escala mundial é muitas
vezes, diante desta hierarquização espacial e (da) potica mundial, a escala (ou, o comando
emanado a partir)do centro do mundo, e não do mundo todo! Esta hierarquização é que vai
nos permitir indicar distintos tipos de “saltos escalares”, (i) aquele em que atores locais (ou,
tornados locais pela hierarquização do sistema-mundo!) dialogam com atores em outras
escalas, para fortalecer a sua luta no local (como Chico Mendes), e (ii) aquele em que
atores se transformam em interlocutores com capacidade de intervenção efetiva em outras
escalas, e não somente na sua escala de origem. Se transformar em interlocutor numa outra
escala representa ser reconhecido por interlocutores nesta outra escala; representa ser capaz
de mobilizar redes do acontecer solidário nesta outra escala; representa redefinir sua prática
potica, suas estratégias, seus condicionantes, e, muitas vezes, seu próprio formato
organizativo – atores-rede, atores em rizoma, diversas possibilidades vêm chamando a
atenção de analistas. Pode representar também ser subsumido por novas dinâmicas do fazer
potico, com a perda de foco da luta. Representa, acima de tudo, dominar os “jogos de
escalas” do fazer potico e das dinâmicas de poder.
195
Utilizar os “jogos de escalas” significa jogar com as armas do dominador, o que
nem sempre é fácil – sobretudo, porque luta-se contra a própria capacidade de renovação
das estruturas de dominação. Os movimentos lançam, frente isso, mão de diferentes
estratégias combinadas: estabelecem interlocuções em diversas escalas, articulam-se
criando atores-rede, redes de atores, fóruns, etc., constituindo assim malhas que são as
áreas de movimentos” a que alude Burity. São estratégias de constituição de interlocutores
que, espera-se, sejam considerados legítimos em suas interlocuções “na escala que der
certo”! O debate entre a “escala pertinente” e a “escala possível” da luta se complexifica
pelas estratégias de multiplicação de canais institucionais de diálogo da qual lança mão o
Estado e os atores dominantes e, diante disso, a múltipla filiação e a constituição de
variadas redes de atores e atores-rede é a esperança de que, em algum dos diálogos em
alguma das instâncias, os objetivos sejam alcançados. O trecho a seguir de Alfredo Wagner
de Almeida nos evidencia esta complexa “geografia das articulações de atores”:
Assim, tem-se a formação do Conselho Nacional dos Seringueiros (CSN), do
Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), do
Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE), da Coordenação Nacional de
Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), do
Movimento dos Ribeirinhos da Amazônia e de inúmeras outras associações, a
saber: dos castanheiros, dos piaçabeiros, dos extrativistas do arumã, dos
peconheiros e dos chamados caiçaras. Acrescente-se que o Movimento dos
atingidos de Barragem (MAB), o Movimento pela Sobrevivência da
Transamazônica, hoje intitulado Movimento pelo Desenvolvimento da
Transamazônica e do Xingu, o Movimento dos atingidos pela Base de foguetes de
Alcântara (MABE) e outros se articularam como resistência a medidas
governamentais e contra os impactos provocados por “grandes obras”, quais
sejam: rodovias, barragens, gasodutos, bases militares e campos de provas das
forças armadas. Acrescente-se ainda a União das Nações Indígenas (UNI), a
Coordenação Indígena da Amazônia Brasileira (COIAB) e o Conselho Indígena de
Roraima. Todas estas associações e entidades foram criadas entre 1988 e 1998 à
exceção do CNS e do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, que datam
de 1985 e da UNI que data de 1978. Eles funcionam através de redes de
organizações. A COIAB, por exemplo, foi criada em 19 de abril de 1989, em 2000
já articulava 64 entidades e em 2004 articulava 75, inclusive a Federação das
Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN).Observe-se que a FOIRN, em
1999 tinha 29 associações indígenas organizadas em rede através da ACIBRN-
Associação das Comunidades Indígenas Ribeirinhas e a ACIMRN-Associação das
Comunidades Indigenas do Médio Rio Negro. A COAPIMA (Coordenação das
Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão) foi criada em
setembro de 2003 e abrange lideranças de seis diferentes povos indígenas.
Verifica-se também que há associações que estão simultaneamente em duas ou
mais redes de movimentos o que desautoriza um simples somatório dos
componentes das redes sem os cuidados de neutralizar os casos de dupla
contagem.
A ACONERUQ - Associação das Comunidades Negras Rurais do Maranhão,
formada em novembro de 1997, em substituição à Coordenação Estadual
Provisória dos Quilombos, criada em 1995, congrega atualmente 246 (duzentas e
196
quarenta e seis) comunidades negras rurais, e se vincula à Coordenação Nacional
de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ). A
APOINME - Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e
Espírito Santo, fundada em 1995, congrega 30 etnias oficialmente reconhecidas e
outra dezena que reivindica o reconhecimento formal.
O Conselho dos Índios da cidade de Belém, que está em consolidação, congrega
pelo menos 04 etnias, e se articula com movimentos em formação nas aldeias
como o Conselho Indígena Munduruku do Alto Tapajós (CIMAT). (2004, pg. 18-
19)
São geo-grafias de articulações que desafiam não somente nossos instrumentos
de análise espacial do fazer potico mas, inclusive, nossa capacidade de representação
cartográfica destas formas de ação.
4.6. Ação & desdobramentos, impactos, efeitos, causas, origem
A definição e o estabelecimento de interlocuções em diferentes escalas, que
acabamos de abordar, nos remete diretamente à seara daquilo que vem sendo chamado por
diversos autores de “potica de escalas” - scalling processes, politics of scale, tais
denominações se referem não somente ao uso político das escalas mas, à própria
possibilidade de construção e reconstrução de escalas pela ação. A escala se apresenta
como um elemento crucial para a definição de estratégias e para o agir na potica, na
medida em que ela é o instrumento estruturante de jogos de encaixes, desencaixes e
reencaixes na relação entre (i) as espacialidades das estruturas sociais, dos jogos e lutas
com conformam campos de conflitividade, (ii) as arenas e os fóruns de decisão sobre eles, e
(iii) os próprios atores em disputa. Esta complexa engenharia de encaixes, desencaixes e
reencaixes é que nos permite dissociar as escalas como sendo dimensões espaço-temporais
de organização da sociedade, sistemas hierárquicos de poder e arena ou nível de regulação
das relações sociais.
Como as hierarquias não são entre escalas, mas sim, entre os atores, manipular
as escalas significa trunfo de poder. Esta manipulação pode se dar através da construção de
uma potica de interlocuções com atores em diferentes escalas, como acabamos de ver.
Mas, ela se dá de outras maneiras. Compreender escalas significa compreender os jogos e
as estratégias de poder. Portanto, devemos assumir que não deixar compreender as escalas
é um exercício estratégico de poder fundamental, como Lacoste bem nos mostrou – e que
197
coloca a construção de escalas como um instrumento de alienação! Os atores dominantes
desde sempre o fizeram – na guerra e no cotidiano, exercícios escalares são cruciais na
reprodução da dominação
68
.
O salto escalar por parte dos movimentos sociais é, portanto, não apenas o
recurso a interlocuções com agentes atuantes em outras escalas, ele requer também a
mobilização de eventos nestas outras escalas; implica a constituição de encadeamentos, de
ligações entre aquilo que os agentes dominantes que constroem e cristalizam a organização
da sociedade num determinado arranjo escalar exatamente procuram evitar: a constituição
de redes do acontecer solidário numa dimensão escalar de abrangência espacial que aos
dominados busca-se vedar através da construção de arenas escalares de acomodação de
conflitos. Quando Chico Mendes e os seringueiros conseguem estabelecer um diálogo que
faz com que o Banco Mundial suspenda financiamentos para estradas e infra-estruturas na
Amazônia, ele está mobilizando valores (preservacionismo), decisões (onde investir e como
investir), interlocutores (o próprio Banco Mundial mas também ARDs e ARSs vinculados à
questão ecológica, como as ONGs Ambientalistas) cujo dlogo, dentro do “pacto
federativo” brasileiro, deveria ser facultado exclusivamente ao Estado e aos grupos
dominantes – que, por sua vez, esperavam conter a atuação desta luta nas esferas municipal
(lembremo-nos que Chico Mendes foi vereador em Xapuri, município do estado do Acre),
estadual e, no máximo, nacional. Estas redes do acontecer solidário que ele alcançou é que
funcionaram como uma pressão ao Estado Brasileiro que teve que mobilizar um outro
“acontecer” para o local e para a região, que foi a negociação e a instituição de Reservas
Extrativistas.
68
Em Santos (1999), mostramos como, por exemplo, o projeto de modernização e ampliação do Porto de
Sepetiba, na metrópole do Rio de Janeiro, teve sua legitimação social construída através de um discurso que a
apontava como solução para problemas estruturais em três escalas: “(...) a pobreza na região do entorno do
porto [escala local], a decadência econômica do estado do Rio de Janeiro [escala estadual], a ineficiência
logística de transportes nacional e o ‘custo Brasil’ [escala nacional]” (pg. 1). A estas, o discurso articulava
ainda mais uma: Eliezer Batista, um dos ideólogos da Companhia Vale do Rio Doce (que adquiriu o controle
do porto e da malha ferroviária que o alimenta) e da reestruturação da infraestrutura logística brasileira nos
anos 90, afirmava que “A vocação econômica natural do futuro Porto de Sepetiba é a de tornar-se o
EPICENTRO DA LOGÍSTICA DE CONTÊINERES DO ATLÂNTICO SUL” (apud Santos, op. cit., pg. 1),
insinuando uma centralidade internacional do porto na escala internacional. Quase uma década depois do fim
das obras de modernização, talvez ainda haja alguém que acredite neste futuro prometido, apesar de o porto
continuar sendo praticamente de uso exclusivo da Companhia Siderúrgica Nacional (que, também privatizada,
assumiu juntamente com a Vale do Rio Doce o controle acionário do Porto e da sua malha ferroviária) que,
antes da modernização, já era responsável por 92% da movimentação de carga nele.
198
Conforme já discutimos, escalas não são níveis distintos superpostos, escalas
são simultaneidades assim organizadas e, essas simultaneidades são interdependentes e
interinfluentes – ou melhor, indissocveis!! As “fricções”o um dado crucial das escalas,
canal para o salto escalar. Juntamente com elas, a busca da mobilização de redes do
acontecer cuja repercussão atinja a abrangência espacial de outras escalas é via privilegiada
para o desencadeamento de reações dos interlocutores em outras escalas. Ou seja, se uma
forma de salto escalar é conseguir o diálogo, a interlocução com atores com capacidade de
decisão em outras escalas, produzir fatos que repercutam nestas outras escalas é também
uma maneira de provocar a reação destes interlocutores.
Coloca-se, neste sentido, uma outra possibilidade estratégica nas poticas de
escalas (politics of scale, scalling processes) para os movimentos sociais: a dissociação
entre a ação, os atos e as ordens espaciais mobilizada/mobilizadoras pela ação e pelos atos.
É a manipulação estratégica da dissociação entre a “escala do ato”, a “escala da origem do
ato” e a “escala do impacto”, a que nos chama a atenção Milton Santos, conforme
discutimos anteriormente, sendo a escala da origem a relativa às variáveis que influenciam
na construção de um evento (forças operantes, recorte espacial, geográfico, econômico ou
potico de onde atuam) e a escala do impacto a sua área de ocorrência de desdobramentos
(extensão sensível das redes e encadeamentos do acontecer solidário suscitado pelo evento,
que será a escala do femeno que se desdobra a partir do evento). Estratégias bem
sucedidas podem conferir à ação e a cada ato distintos “campos de espacialidade”,
ordenamentos no quais este ato ou ação repercute
69
. Esta repercussão, crucial para o alcance
a outras escalas, é, portanto, fruto de estratégias e evidentemente, resultante também de
disputas pela atribuição de significados aos fatos. Se, de um lado, temos e trabalharemos
aqui alguns exemplos de movimentos sociais que conseguem conferir significado e
69
Da mesma forma, temporalidade e historicidade são também construídos/impostos aos (ou, a partir de)
eventos. Por exemplo, as atrocidades cometidas contra os judeus pelo regime nazista não foram o único e nem
o pior (numericamente - esta é a única medida cavel para o sofrimento de um povo!) sistema de opreso e
violência na história da humanidade. A denominação destas atrocidades em específico como sendo o
holocausto, as coloca, dentre os crimes contra a humanidade, num outro patamar, sendo base e provocadoras
de desdobramentos futuros que são frutos da atribuição de significados pelas forças políticas, econômicas,
religiosas dominantes após a Segunda Guerra (esta também arbitrariamente significada como sendo
mundial!!!). Tais significados produzem desdobramentos até hoje, e provavelmente, continuarão ainda por
algum tempo. O mesmo não se consegue na luta dos povos indígenas dizimados, desaculturados e
desterritorializados nas Américas, nem na luta dos negros africanos e da diáspora africana, que foram por
séculos e ainda perduram sendo vítimas de sistemas de atrocidades.
199
repercussão nacional e mesmo internacional para atos locais, temos que recordar que a
definição dos impactos de uma ação depende não somente de atitudes estratégicas por parte
dos protagonistas, mas, também, das fricções derivadas das resistências dos antagonistas
dos movimentos! Ribeiro, analisando padrões de ação e manifestação de movimentos na
cena urbana contemporânea chama a atenção para o papel revertedor de significados e
neutralizador de ações muitas vezes desempenhado pela mídia, dizendo que
"Na veiculação deste tipo de ação, pela mídia, chama a atenção o fato de que o
gesto - detentor de alta carga simbólica e plasticidade - é mais noticiado do que o
discurso, fazendo com que o enunciado, que interpreta a ação, seja quase
exclusivamente reservado às instâncias administrativas, à própria mídia e a
analistas com presença sistemática na grande imprensa. Esta exclusão da fala do
'outro' transforma o gesto-imagem em signo de uma violência dita urbana,
basicamente irracional e sem sujeitos potenciais, colaborando para reproduzir
estereótipos; restringir, ainda mais, a comunicação interclassista e naturalizar a
morte." (2002, pg. 8)
Duas bifurcações analíticas se nos apresentam a partir dos apontamentos
anteriores: uma primeira, relacionada aos impactos da ação, diz respeito à dissociação entre
(i) as ações e estratégias voltadas para a garantir repercussão em abrangência espacial, e (ii)
à definição dos significados atribuídos à ação, que também são objeto de disputa. Estes
significados têm a ver com a definição da origem da ação, que nos impele a uma outra
bifurcação analítica por estar relacionada (i) à reconstituição de cadeias de fatos, eventos,
episódios e atos que originam um ato, e (ii) à reconstituição de cadeias de significações da
luta e da ação, que vão possibilitar a mobilização objetiva de aliados para a luta e a
mobilização de afinidades ideológicas e interseções de subjetividades que se traduzam em
cadeias de solidariedade para a ação. Este último ponto talvez seja o maior desafio, pois
representa atribuir significados que correspondam ao ato/ação/luta – com suas
espacialidades próprias, com suas construções e configurações escalares específicas – e
construir vínculos entre estes e outras ações/lutas. As utopias totalizantes cumpriam este
papel, acreditando-se que poderiam articular significados de ações/lutas em todas as
escalas, em todos os lugares, em todos os territórios, enfim, em todas as espacialidades e
historicidades do presente. A crise destes discursos, entretanto, torna mais difícil a
construção destas cadeias de significações que mobilizam afinidades e identificações. Não
somente esta crise dos discursos, mas também, as leituras das estruturas de espaço e tempo
na contemporaneidade, marcadas pela crescente miopia em relação às cadeias de
interdependência espaço-temporal dos fatos simultâneos no mundo, que conduz à
200
impossibilidade de construção de sentimentos de unicidade sistêmica e de totalidade, e de
articulação analítica entre simultaneidades – conforme comentamos sobre o que nos traz
Jameson (2002/1996). A agenda anti-globalização vem, de certa forma, sendo a mais
mobilizada na ocupação deste vácuo, quando pensamos em escala global. Em escalas
continentais, a descolonização vem também construindo alguns sentidos (identidades, anti-
imperialismo, multiculturalismo, diversidade, etc.), que em determinados contextos, ocupa
partes desse vácuo. (Mas, consideramos que o vácuo ainda é maior do que os espaços
ocupados por tais agendas).
O que vem se sobressaindo mais neste campo é a construção de desdobramentos
a partir de potencialização da repercussão dos atos e das lutas, configurando as mais
variadas respostas para a pergunta “qual a porção do espaço que é impactada pela ão de
um movimento, ou por um ato?” Outra questão fundamental é “o que define (ou, o que
precisa ser mobilizado para definir) a abrangência do impacto de uma ação ou de um ato de
um movimento?” Simonetti (2002) se colocou tais questões, comparando os casos do MST
no Brasil e do Zapatismo, ambos compreendidos como pertencendo ao campo dos
movimentos anti-globalização – o que já define identidades não somente entre eles mas
com um “campo de movimentos”, aspecto que, de alguma forma, já contribui para a
extrapolação do local enquanto escala de lutas. A autora aponta, para ambos os casos,
diferentes estratégias, mas um ponto em comum: o recurso à comunicação como elemento
estratégico fundamental
70
, cada qual à sua maneira.
O MST tem uma complexa estratégia de atuação em diversas escalas, que
combina não somente ações com desdobramentos em diversos âmbitos espaciais, mas
também no tempo. Eventos são produzidos para potencializar situações e construções
processuais. Poderíamos apontar a compatibilização de dois pontos principais: (i) os
processos a que Mançano denominou espacialização e territorialização da luta pela terra,
conjunto de estratégias de “intervenções localizadas” que garantem a difusão e abrangência
70
“Parte do sucesso do Movimento Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) no México e do Movimento dos
trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Brasil deve-se à sua estratégia de comunicação. Ambos utilizam-se
da mídia e Internet visando dar visibilidade a sua luta, divulgá-la para o mundo, ao mesmo tempo em que suas
estratégias de comunicação buscam conseguir apoio em momentos críticos dessas lutas. A capacidade desses
movimentos se comunicarem com o mundo e com as sociedades Mexicana e Brasileira acabou lançando
grupos, constituídos por culturas tradicionais, que possuem lutas localizadas territorialmente para a vanguarda
da política mundial nos anos 90 do século XX.” (Simonetti, 2002, pg. 1)
201
espacial em escala nacional da ação do movimento e (ii) a construção de canais de
comunicação que, produzindo “ataques de informação” em diferentes escalas, permitem o
tensionamento dos interlocutores e das esferas decisórias nas escalas pertinentes. A
estratégia de comunicação é, portanto, um recurso que complementa a espacialização do
movimento, como tensionamento aos interlocutores e esferas de decisão na escala que ele
se apresenta, quando estes não o reconhecem como um interlocutor ou não atendem ao seus
anseios. Simonetti assim descreve esta espacialização:
O MST tem gerado um processo de (re)territorialização de trabalhadores nas
terras conquistadas, que tem gerado continuadamente novas demandas baseadas na
tríade ocupação/acampamento/assentamento. Desde o momento de sua gestação
até hoje a luta pela terra vem sendo constituída por ações que visam a impulsionar
a reforma agrária e a ocupação tem sido o instrumento destas ações. A ocupação
tem resultado no acampamento, que é a materialização dos sujeitos em ação, em
luta. O assentamento representa o resultado do processo, a terra conquistada - a
apropriação do território capitalista aquele sob hegemonia capitalista que é
apropriado pelos camponeses. A apropriação do território, materializada no
assentamento, não esgota o processo de luta. Desdobra-se em outras lutas para a
conquista de crédito, infra-estrutura e demais condições necesrias para viabilizar
a produção e a vida nos assentamentos, como escola para as crianças e,
geralmente, para os adultos, postos de saúde, cooperativas, associações etc. Assim,
os camponeses continuam vinculados ao MST, mesmo depois de assentados tanto
para possibilitar as diversas lutas nos assentamentos, quanto outras lutas mais
gerais, dentre elas a conquista de novas terras, de políticas agrícolas dentre outras.
(Simonetti, 2002, pg. 4-5, grifo da autora)
Neste exemplo, não é um acampamento ou um assentamento que vai detonar
um processo nacional de reforma agrária, mas sim, uma articulação de diversos destes
espalhados por todo o território nacional. Neste sentido, instaura-se um jogo escalar onde a
articulação de iniciativas localizadas configura uma pressão que é nacionalizada. Não é a
nacionalização de um evento ou fato em um local, mas a articulação de locais (ou, de ações
localizadas) produzindo o nacional. Isto é fortalecido pelas estratégias que buscam
a criação de um espaço comunicativo, nas escalas local, nacional e internacional,
que visa dar visibilidade a sua luta bem como a outras temáticas políticas. O seu
impacto político ocorre principalmente no Brasil, embora existam comitês de
apoio no exterior, principalmente na Europa. O sentimento provocado pelo MST
no exterior é o dasolidariedade’ visto que suas reivindicações são consideradas
justas. (Simonetti, 2002, pg. 5)
Esse “espaço comunicativo” compreende não apenas um setor de comunicação
com profissionais contratados, mas também canais de interlocução e redes de apoio junto a
diversos atores e eficazes estratégias de uso da mídia – ainda que com a aberta
contrariedade de alguns órgãos que mantém perene campanha contrária ao MST. Desde a
escolha de locais de atos públicos ao recurso às ocupações – também “cirurgicamente”
202
escolhidas, desde beiras de estradas, terras improdutivas ou produtivas mas sob sistemas
considerados socialmente nocivos, a instalações de órgãos públicos a fazendas, inclusive a
do presidente da república, como fez na gestão de Fernando Henrique Cardoso!! -, os
gestos são calculados para repercutir imediatamente em escalas distintas dele, para
provocar rápida reação junto a interlocutores definidos.
Já o movimento Zapatista lança mão de estratégias distintas de comunicação
para repercutir sua luta e mobilizar solidariedades e interlocutores em distintas escalas.
Nascido da simbiose de diversas lutas com historicidades e espacialidades distintas – desde
a luta secular contra a opressão dos povos indígenas à luta contra o NAFTA -, ele vai,
através da comunicação, se tornar um dos símbolos da luta anti-globalização, o que torna os
apoios e os interlocutores aliados pluri-escalares, redes de solidariedades que nos mostra
Simonetti:
“o mesmo faz uso das palavras para contaminar o mundo atras das redes
modernas de comunicação visando abrir novos horizontes e possibilitando juntar
mundos antes incomunicáveis – os ingenas e a população urbana de diferentes
lugares do planeta” (pg. 10)
Segundo a autora
“A relação entre o Movimento Zapatista e o mundo passou a ser realizada através
de comunicados, escritos pelo subcomandante Marcos ou pelo Comitê Clandestino
Revolucionário Indígena. Os Zapatistas deram continuidade ao diálogo com o
governo que chegou em alguns momentos a circundar a Floresta de Lacandona
com seu exército desrespeitando os acordos de diálogo e provocando dificuldades
para as comunidades indígenas. Em poucos dias, respondendo aos apelos lançados
pelo correio eletrônico, pessoas comuns e ONGs pressionaram os representantes
do governo mexicano em seus países, a fim de que cessasse a repressão militar aos
Zapatistas. Ao mesmo tempo grupos de artistas, intelectuais e políticos mexicanos
pressionavam o governo a respeitar as comunidades indígenas. Essas ações
levaram a abandonar a ação militar, mas mostrou o efeito comunicativo do
Movimento Zapatista.
Desde então o Movimento Zapatista iniciou uma série de atividades políticas
concretas que quebraram os limites localizados de suas ações, realizando eventos
internacionais causadores de grandes impactos, tais como o 1° Encontro
Intercontinental pela Humanidade e contra o Neoliberalismo, realizado em 1996,
que levou para a Floresta de Lacandona delegações de todos os continentes. Ao
longo desses 8 anos de existência vem realizando grandes caminhadas, grandes
manifestações nas grandes cidades do México para dar visibilidade a sua luta. As
suas ações originaram uma nova forma de pressão política absolutamente difícil de
ser controlada, pelo fato de que embora as comunidades estejam localizadas
territorialmente possam levar o conflito para um espaço comunicativo sem
limites.” (pg. 7)
Estes dois movimentos, o MST do Brasil e o Movimento Zapatista do México,
lançam mão, portanto, de distintas estratégias escalares para o avanço de suas lutas. Em
203
comum, além da mobilização e articulação de diversas escalas de ação e interlocução, eles
têm o fato de que mantém-se firmes em suas formas de organização e escalas de luta:
ambos continuam sendo atores prioritariamente nacionais! Isto não exclui sua inserção
internacional. Ambos se articulam ao movimento Via Campesina, uma articulação
internacional de camponeses que é um ator-rede pluralista (pluricultural e que respeita a
autonomia das organizações afiliadas) que congrega organizações camponesas de dezenas
de países. Realizar o “salto escalar” pode ser, então, tanto constituir-se num ator em outra
escala quanto mobilizar impactos em escalas diversas de atos realizados numa escala.
4.7. Esferas institucionais do movimento como distintas dimensões espaço-temporais
Discutimos anteriormente a forma como as construções escalares são
instrumentos de poder, no sentido de que elas atualizam ordenamentos espaço-temporais da
sociedade se constituindo também em sistemas de ordenamentos de esferas e arenas de
poder e das regulações, e permitem seletividade dos acessos a essas esferas e arenas.
Debatemos diferentes estratégias que os movimentos sociais – enquanto ação coletiva que
se contrapõe aos projetos hegemônicos – lançam mão para intervir nas esferas e arenas aos
quais os ordenamentos escalares lhes vedam (ou, minimamente, dificultam) o acesso,
estratégias que abarcam o estabelecimento de distintas formas de interlocução
(antagonismos, alianças, entre outros, com as mais diversas extensões e solidez no espaço e
no tempo), e o estabelecimento de cadeias de significação e redes do acontecer solidário
que potencializam as ações dos movimentos em diferentes escalas. Tais dimensões atentam
para a leitura de um aspecto da ação dos movimentos sociais, que é sua intervenção na
sociedade, seus projetos, etc. Mesmo tendo perpassado tais olhares, não captamos, através
deles, o fato de que, “internamente”, os movimentos também são fruto de embates e
solidariedades – são fruto, fundamentalmente, de jogos e disputas de poder. Estes jogos e
disputas – juntamente com os objetivos e as normas ditadas “de fora pra dentro” do
movimento, pelas regras de interlocução e ação com as quais ele lida no jogo social –
também imprimem nos movimentos a necessidade de construção de engenharias
institucionais que são formas de organização que visam o acomodamento das tensões e
jogos de poder internos. As disputas e os jogos de poder que constituem campos de
204
conflitividade internos ao movimento – na verdade, estamos propondo que ele próprio é,
em si, um campo de conflitividade – engendram a constituição de esferas institucionais que
têm a função de tornar possível o “estar junto”, que é a própria coletivização da ação na
forma do movimento social. Propomos aqui que é possível lê-las também a partir de
raciocínios centrados no espaço – o que significa, então, ao mesmo tempo falar do espaço
(compreendê-lo enquanto estrutura) e falar a partir do espaço (utilizando-o como chave
para compreender as experncias e jogos sociais)!
O que propomos aqui como leitura das esferas institucionais dos movimentos
sociais a partir de raciocínios centrados no espaço incorre em dois movimentos analíticos
articulados: primeiramente, um olhar para elas como construções escalares (de mais fácil
inteligibilidade em movimentos onde a organização se dá de forma a “sobrepor” esferas
hierarquizadas), que configuram contêineres de poder na medida em que se constituem
cúpulas” dirigentes que se distanciam (em maior ou em menor grau) das “bases”; em
segundo, quando propomos a leitura destas esferas como escalas, como arenas de
construção dos movimentos, as estamos pensando não apenas como aparatos técnicos de
racionalização dos processos de tomada de decisão, mas, acima de tudo, como “lugares”,
que contém e são conformados por normas de conduta, de sociabilidade e de
comportamentos, práticas, ritmos e temporalidades do pensar e do fazer distintos. Isto nos
permitirá, no tópico seguinte, aventar o trânsito por estas esferas como (diversidade e
multiplicidade de) experiência espacial do fazer político.
Já vimos anteriormente que alguns autores vêm atentando para a forma como os
movimentos organizam suas relações – ou, como eles “organizam a sua organização”.
Porto-Gonçalves vem empreendendo esforços neste sentido, chamando a atenção para o
fato de que as formas como os movimentos se organizam prenunciam seus projetos de
sociedade, e por isso o autor as transformou num atributo de sua matriz analítica da
geograficidade dos movimentos sociais. Rodrigues (2005), que integra o laboratório de
pesquisa de Porto-Gonçalves, aponta que
"(...) podemos afirmar que as formas de organização não são meramente aspectos
formais pelas quais são estabelecidas responsabilidades, funções, normas, etc., mas
são uma parte constitutiva fundamental dos protagonistas para identificarmos as
possibilidades, potencialidades, limites e contradições entre o discurso e os
objetivos e as práticas efetivas que constituem um movimento social, pois nos
indicam a maneira como os protagonistas se organizam para estabelecer estratégias
205
de luta, prioridades, objetivos, prazos, normas, funções, hierarquias,
responsabilidade. Isso significa que uma série de relações sociais e de poder
criadas pelos protagonistas passa por este atributo. A instituição destas relações no
interior do movimento, de certa forma, é um prenúncio da ordem sócio-espacial
que se pretende estabelecer." (pg. 184)
As “formas de organização” dos movimentos manifestam, sob esta ótica, os
pades de relações sociais subjacentes aos seus projetos societários, se são marcados por
horizontalidades ou verticalidades, padrões de democracia, etc
71
. Mais do que isso, Porto-
Gonçalves interpreta a forma de organização como chave para a compreensão da
capacidade de articulação e inserção potica dos protagonistas no debate potico “mais
amplocom a sociedade – suas metas dialógicas e as interlocuções preconizadas.
Capacidade, nesta perspectiva, é vista como eficiência, eficácia no encaminhamento de seus
pleitos através da utilização de uma ou várias estratégias e táticas combinadas que passam
pela forma como o movimento se organiza – no dizer de Rodrigues, “planejar e executar
ações e práticas concretas para se atingir determinado objetivo” (op. cit., pg. 187).
As engenharias institucionais construídas nos movimentos sociais têm, portanto,
a múltipla função de (i) alocar as tensões internas entre distintos projetos de movimento e
de sociedade, ao mesmo tempo que têm que (ii) garantir que estas tensões não inviabilizem
oestar junto”, de maneira que (iii) se possa potencializar os capitais sociais e poticos que
este “estar junto” consubstancia como forma de estabelecer os diálogos necessários junto
aos atores sociais pertinentes num processo de viabilização dos projetos do movimento.
Hierarquias, autonomias, horizontalidades, verticalidades, solidariedades, coesão,
interdependências, distanciamentos, dentre outros princípios reguladores das formas de
organização, se simbiotizam nestas engenharias institucionais. A complexificação destes
aparatos institucionais é a própria complexificação das relações entre as forças políticas dos
movimentos – e, aqui, lembramos que podemos pensar em movimentos sociais
71
Recordamos que a matriz elaborada por Porto-Gonçalves não opera com classificações rígidas, mas sim,
tem na própria discussão de cada atributo, da forma como ele se apresenta em cada contexto, a sua riqueza
analítica. O autor não estabelece, portanto, um vínculo direto, uma correlação rígida e determinística, por
exemplo, entre uma estrutura organizacional hierárquica e ausência de democracia num movimento. Ele
propõe, para cada atributo – e, neste não de ser diferente –, a discussão e o processo de análise (e não de
classificação) como chaves para a compreensão. Neste sentido, abre a possibilidade de incorporação das
ressalvas apontadas por Poggiese, com o qual concordamos, de que “ante los debates respecto a democracia
participativa y las transformaciones normativas de nivel constitucional, hay una apelacn a instrumentos
metodogicos que se muestran como participativos (el planeamiento estratégico, la mediacn, lo consultivo)
pero funcionan como control social desvinculante y freno a la constitucn de nuevas prácticas, nuevos
actores y a la recomposición del tejido social.” (Poggiese, 2001, pg. 144) [TT.34]. Não há, por tanto, qualquer
correlação direta entre o formato do aparato institucional e a existência de uma democracia real.
206
centralizados em torno de uma organização institucional (como, por exemplo, o Movimento
de Atingidos por Barragem), mas que devemos pensar também nos movimentos em rede
(com maior ou menor grau de coesão, convergências e articulações, como por exemplo o
Movimento Negro Brasileiro), e nas redes de movimentos (como a Rede de Mulheres Afro-
Latino-Americanas). Movimentos “unificados”, movimentos em rede e redes de
movimento constroem distintos padrões de conformação institucional (ou não) de suas
arenas, esferas e fóruns cruciais para a sua luta e reprodução. Entre estas três formas (que,
aqui, estamos distinguindo daquilo que Melucci (1994) e Burity (2001) chamam de “áreas
de movimentos”), muitas vezes as diferenças são tênues, as hibridações são múltiplas e, os
estudos (sobretudo os de caráter etnográfico) são escassos. As dificuldades de
classificação” em uma ou em outra são maiores do que uma suposta “precisão
classificatória” a partir desta divio apontada. Podemos dizer que o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra é um movimento social, uma organização unificada.
Entretanto, não podemos esquecer que o MST é central mas não é o único ator na luta pela
terra e por transformações sociais no meio rural brasileiro, papel que ele compartilha com
diversas entidades (como o MLST, Movimento de Libertação dos Sem Terra, o Movimento
de Pequenos Agricultores, o próprio Movimento de Atingidos por Barragens, dentre outros)
e que nos levaria a perguntar: o MST é um movimento social ou uma organização dentro de
um movimento social em rede? Mais importante que a resposta aqui para nós é utilizar este
exemplo para observar o quanto tais classificações são fluidas e imprecisas
72
. Interessa-nos
observar as construções institucionais em suas variações enquanto instrumentos de alocação
de interesses e projetos e de viabilização de interlocuções e transformações sociais a partir
dos projetos de sociedade dos movimentos
73
.
72
Diversas leituras vêm sendo produzidas acerca destas formas de organização social baseadas em
hierarquias, horizontalidades, reciprocidades, etc., como a teoria dos “atores-rede” de Bruno Latour, a idéia de
“rizoma de Deleuze e Guattari, entre outros. Escobar chama a atenção para a dualidade entre hierarquias e
malhas. Malhas têm a ver com redes – não que as redes não tenham hierarquia -, elas partem de uma imagem
ou representação de organização onde aparecem estruturas resultantes da auto-organização: “a auto-
organização implica processos geradores de estruturas que resultam em agregados ou sistemas
autoconscientes. Há duas estruturas principais deste tipo: hierarquias e malhas. As hierarquias, dotadas de
metas conscientes e de mecanismos de controle abertos, são formadas pela distribuição dos elementos em
classes e categorias que se consolidam em estados permanentes (estratos) com as suas propriedades
emergentes (...) As malhas, por outro lado,o articulações de elementos heterogêneos em termos das suas
complementaridades funcionais, que resultam em estruturas estáveis.” (Escobar, 2004, pg. 645)
73
Analisando o movimento dos piqueteiros na Argentina, Hopstein coloca que “Hoje, em 2003, podemos
dizer que os piqueteros constituem um verdadeiro ‘movimento de movimentos’ já que ele agrupa uma
207
Neste sentido, nos é particularmente interessante analisar o como a
complexificação dos aparatos institucionais, sendo expressão da própria complexidade dos
jogos poticos, marcam a configuração de planos distintos de consubstanciação da potica
materializados em esferas institucionais não somente (em, variados graus) autônomas, mas,
essencialmente, diferenciadas. Habermas (2003), discutindo a crise de representatividade e
legitimidade do Estado enquanto mantenedor de uma unidade social global indica-nos
como uma das saídas que vêm sendo apontadas uma visão “neocorporativista”, de que ele
exemplifica Wilke, que defende a
"configuração das relações entre sistemas parciais aunomos, interdependentes e
capazes de ação, os quais não obedecem mais ao primado de uma das partes, nem
deduzem a racionalidade do sistema global da validade daquilo que é universal,
mas da harmonização reflexiva do particular." (Wilke, apud Habermas, pg. 75)
Este tipo de arranjo institucional do exercício da potica e do poder configura
sistemas de negociação não hierarquizados, onde uma esfera não detém hegemonia ou
primazia sobre as outras, ainda que pretenda ter – a racionalidade do sistema global
depende do alcance de um equilíbrio intersistêmico. Tal situação depende, evidentemente,
de algum mecanismo que opere como atrator, que neutralize ou torne evitáveis as forças
disruptivas configuradas pelas diferenças em termos de interesses em jogo e critérios de
agir,digos e semânticas - enfim, culturas poticas. Na verdade, defendemos aqui que tais
preocupações em relação a estas forças disruptivas estão presentes em qualquer que seja a
forma de organização do movimento social. Não aludimos aqui à potência ou à frouxidão
dos princípios identitários subjacentes ao estar junto, mas sim, ao fato de que a
complexificação das engenharias institucionais de organização dos movimentos constrói
uma multiplicidade de arenas que são distintos “lugares” com distintos “fazeres” da
potica. A construção de instituições (e, por conseguinte, de esferas institucionais) é um
mecanismo “disciplinador” da ação, visto que elas permitem a constituão de esquemas
duradouros de percepção, de pensamento e açãoelas alocam práticas do fazer potico em
lugares específicos de cada fazer. Ao chamarmos estas esferas de “lugares”, estamos
sugerindo que a elas correspondem a sistemas de práticas, a normas de conduta – estamos
variedade múltipla e heterogênea de experiências, ações e de agrupações constituídas por sujeitos de diversas
concepções e trajetórias de vida.” Podemos apontar que tal configuração é, a um só tempo, um “movimento
em rede”, no sentido de que realizam ações e interlocuções em uníssono, e uma “rede de movimentos”, no
sentido de que respeita-se a autonomia das estratégias locais de cada movimento. Definitivamente, as
organizações conformam um ator político a partir da semelhança de identidade, um ator que remete a uma
coletividade que é uma comunidade de luta.
208
nos aproximando de tendências analíticas que já são bastante trabalhadas nos campos da
Sociologia e da Psicologia. A idéia de lugar aqui extrapola em muito ossistemas de
objetos” relacionados à materialidade do espaço, e dá predominante relevo à dimensão
sistêmica da ação, de como esta se organiza no espaço, como esta organiza os espaços e a si
própria a partir dos espaços. Cabem aqui algumas especificações.
A idéia de que os "lugares" (ou, de maneira mais abrangente, os entes
espaciais, como os territórios, as regiões, etc. - os recortes espaciais que têm sentido
próprio) não são apenas recortes espaciais, mas, contém intrínseca e indissociavelmente
práticas sociais, normas de sociabilidade e conduta
74
, entre outras, está presente na
Geografia, mas, vem sendo objeto também de desenvolvimento por autores não geógrafos –
autores de diversas filiações disciplinares vêm buscando compreender como, na
constituição do tecido social, se organizam no espaço e no tempo práticas sociais
fundamentais à reprodução da sociedade. Giddens, Goffman, Foucault, Lefebvre, são
alguns que podemos citar neste enfrentamento. Eles desenvolvem o fato de que as práticas
sociais não apenas se dão no espaço e no tempo, mas, fundamentalmente, não se dão em
qualquer "ponto" do espaço ou em qualquer “ponto” do tempo. Elas dependem de
localização para ocorrerem (e, ocorrerem desempenhando suas funções sociais específicas),
e esta localização, longe de ser fortuita ou acidental, é resultante de construções e,
fundamentalmente, de aprendizados sociais: os indivíduos em seu processo de socialização
aprendem quais são os lugares de umas e os lugares de outras práticas sociais.
É evidente que cada sociedade, ou melhor, cada formação social, organiza da
sua forma as relações entre as práticas sociais necessárias à sua reprodução e os seus
lugares e os seus momentos. O projeto da modernidade, enquanto instauração de um
sistema-mundo moderno-colonial eurocentrado, teve na reprodução dos referenciais
eurocêntricos desta relação (práticas-lugares-momentos), um de seus eixos mais centrais
75
,
evidentemente, como potica de hierarquização social consubstanciada em espaços de
dominação e exclusão, que definem acessos diferenciados aos frutos materiais e simbólicos
74
De antemão, adiantamos o quão movediço é este terreno, sobretudo nas tradições sociológicas. Não estamos
aqui a afirmar que o comportamento humano é resultado de forças que estão além do controle dos atores
sociais, mas sim, chamar a atenção para os condicionamentos sócio-espaciais constrdos no próprio (e, sendo
eles mesmos o próprio) fluxo da reprodução da sociedade, realçando sua dimeno espacial.
75
A própria idéia de civilização (bem como a de educação) contempla exatamente essa vinculação, vista sob
uma perspectiva evolutiva e linear, onde a estruturação considerada mais desenvolvida (a européia) deveria
ser reproduzida, imposta a outras formações sociais.
209
desta modernidade – que o digam, por exemplo, negros, indígenas e mulheres diante da
difusão do meio técnico-científico-informacional, com a valorização do saber científico
enquanto discurso privilegiado de poder, da racialidade e do corte de gênero como
princípios hierarquizadores das relações sociais e dos padrões de consumo como
definidores e hierarquizadores de normas de conduta, dentre outros aspectos.
Em torno dessa relação (práticas-lugares-momentos), aqueles autores propõem
regionalizações que partem não do espaço, mas sim, de como se organizam nele práticas
sociais. Isto não é uma "secundarização" do espaço frente às relações sociais
76
, mas uma
leitura que, ao partir destes referenciais, torna mais complexa (e não, caótica, ininteligível
ou inexistente!!!) a relação entre lugares, momentos e práticas sociais. É aí que a
transitoriedade, a fluidez, a ambivalência, a invisibilidade e outros princípios estruturadores
das experiências sociais - que hoje vêm ganhando força enquanto princípios de leitura do
real - se tornam cruciais para compreender como lugares "sediam" e organizam a
convincia entre práticas sociais com normas, regras, condutas, etc., radicalmente distintos
e até mesmo incompatíveis. São aprendizados sociais que regulam comportamentos
cambiantes no espaço e no tempo: uma mesma localização física pode sediar relações e
práticas distintas, ser o “lugar” de interações distintas e até mesmo excludentes
77
, mas isto
implica em normas de conduta que orientam e disciplinam os comportamentos dos
indivíduos, que sabem qual é o momento correto para cada uma das interações. Como diz
Harvey, "a noção do senso comum de que 'há um tempo e um lugar para tudo' é absorvida
num conjunto de prescrições que replicam a ordem social ao atribuir sentidos sociais aos
espaços e tempos"
78
e é através da "relação dialética entre o corpo e uma organização
76
Giddens (1989), que não se compromete com a inscrição de seu trabalho num "território disciplinar", muito
menos o da Geografia, ao introduzir suas reflexões sobre a "regionalização", chega a afirmar que para ele,
"(...) a noção de regionalização é uma das mais significativas para a teoria social. Ela foi sempre uma
preocupação principal dos escritos de geógrafos, mas desejo encará-la como um conceito não tão puramente
espacial como eles habitualmente o vêem. A natureza localizada da interação social pode ser utilmente
examinada em relação com os diferentes locais através dos quais as atividades cotidianas dos indivíduos são
coordenadas. Os locais não são apenas lugares, mas cenários de interação"!! (Introdução, pg. XX-XXI)
77
Um exemplo da coexistência espacial de usos nos é a conformação de territórios fluidos da prostituição,
mostrada por Souza (1995), quando aborda áreas que, durante o dia, são ocupadas por moradores,
trabalhadores, etc., e, durante a noite, por prostitutas, travestis e michês. A organização compartilhada destes
territórios obedece a um reconhecimento mútuo de padrões definidos por horários – o espaço é organizado no
tempo! Esta organização passa, efetivamente, por aprendizados sociais que definem comportamentos e
reações diante de eventuais relações de sobreposição, coexistência e fricção.
78
Harvey, 1992, pg. 198.
210
estruturada do espaço e do tempo que as práticas e representações comuns são
determinadas"
79
.
É no bojo destas reflexões que pretendemos inserir a construção de esferas
institucionais de organização dos movimentos sociais – como resultantes de organizações,
estruturações no espaço e no tempo de práticas do fazer potico! Por exemplo, entre a
“base” e a “cúpula”, entre os “espaços de socialização política” do MST (aos quais nos
remete Fernandes em suas análises) e uma reunião de dirigentes nacionais da entidade, há
diferenças substanciais em termos de práticas, questões, embates discursos, desideratos,
preocupações, etc. Numa organização de tipo hierárquica como o MST, que dialoga com
diversas esferas de poder, estas distinções são patentes. A enciclopédia digital Wilkipédia
assim define a estrutura organizacional do MST:
“O MST se organiza em 24 estados brasileiros. Sua estrutura organizacional se
baseia em uma verticalidade iniciada nas brigadas (compostas por 50 famílias) e
seguindo pelos núcleos (grupo de 200 famílias), direção regional, direção estadual
e direção nacional. Paralelo a esta estrutura existe outra, a dos setores e coletivos,
que buscam trabalhar cada uma das frentes necessárias para a reforma agria
verdadeira. São setores do MST: Saúde, Direitos Humanos, Gênero, Educão,
Cultura, Comunicação, Formação, Projetos e Finanças, Produção, Cooperação e
Meio Ambiente e Frente de Massa. São coletivos do MST: juventude e relações
internacionais. Esses setores desenvolvem alternativas às políticas governamentais
convencionais, buscando sempre a perspectiva camponesa.
(...) A maior instância da organização é o Congresso Nacional, que acontece a cada
5 anos. No entanto, este congresso é apenas para ratificação das diretivas, não é
um momento de decisões. Os coordenadores e os dirigentes nacionais, por
exemplo, são escolhidos no Encontro Nacional, que acontece a cada dois anos. A
Coordenação Nacional é a instância operacional máxima da organização, que
conta com cerca de 120 membros. Embora um dos principais dirigentes públicos
do movimento seja João Pedro Stédile, a organização prefere não rotular alguém
com o título de principal dirigente, já que isso seria uma personalização; O MST
adota o princípio da dirão colegiada, onde todos os dirigentes têm o mesmo
nível de responsabilidade.
Esta organização hierárquica, baseada em verticalidades, representa uma
organização “rígida” da alocação das práticas do fazer potico no movimento
80
. Isto não
79
Bourdieu, apud Harvey, op. Cit., pg. 198.
80
Analisando as distintas organizações que conformam o “movimento dos piqueteiros” na Argentina,
Hopstein assim compara os processos decisórios de duas delas, que são, na verdade, dois modelos de
estabelecimento de fluxos de comando e de informações para a tomada de decisões: “As diversas agrupações
utilizam diferentes estratégias para decidir o programa de luta, sejam piquetes, passeatas ou qualquer outro
tipo de manifestação pública. No caso do MTD Solano, as propostas são discutidas de forma descentralizada,
a partir dos informes e discussões realizadas em cada um dos centros regionais. Em seguida, as decisões de
cada núcleo são encaminhadas para a assembléia geral, onde são avaliadas e votadas de forma coletiva. Nesse
âmbito, também são distribuídas as tarefas e funções que cada um dos membros deve assumir. Nos
agrupamentos vinculados à CTA, as decisões são tomadas de forma centralizada: as lideranças apontam as
propostas que são diretamente votadas "contra ou a favor" pelos membros.
211
elimina (i) as cargas de “aprendizados não objetivizados” sobre normas e padrões
comportamentais em cada uma destas esferas (que inclui não apenas padrões do que fazer,
mas, também, do o que pensar, como pensar, etc. – e que são apreensíveis através da
prática e da práxis, e não a partir de “atividades de formação”); nem (ii) a construção de
arenas ocultas”, que complementam e/ou subvertem a ordem estabelecida na estrutura
organizacional. Na verdade, tanto estes aprendizados quanto as arenas ocultas se
simbiotizam complexificando os padrões de organização no espaço/tempo das esferas
institucionais: uma esfera/arena oficial comporta fazeres e pensares distintos daqueles
prioritários para os quais ela foi definida – mas isso precisa ser efetuado de maneira a não
destruir a ordem! Goffman (1975) realiza lapidar esforço de intelecção desta faceta da
complexidade na relação práticas-lugares-momentos em sua exploração do
condicionamento que os lugares (ou, contextos, ou, cenários - conforme discutiremos a
seguir) exercem sobre os comportamentos, as atitudes e as práticas dos indivíduos.
Utilizando a metáfora da representação (não enquanto ideário constituinte de visões de
mundo ou visões sobre as coisas, mas representação no sentido dramatúrgico, enquanto
ação), ele aponta que muitas práticas de representação são dirigidas não para a platéia
(conjunto de indivíduos com quem um sujeito está se relacionando naquele contexto), mas
sim, para o próprio cenário - ou, no seu dizer, região de fachada, que é o "lugar onde a
representação é executada" (1975, pg. 102). O autor aponta a emergência de padrões de
comportamento que são seguidos pelos indivíduos - padrões que são na verdade regras de
decoro e de polidez -, padrões definidos pelos cenários por exincias de cunho moral e
instrumental
81
.
No pagrafo anterior tem-se a impressão de que utilizamos os termos lugar,
contexto e cenário como contendo a mesma carga semântica, mas é preciso discuti-
los/discerni-los. Estamos na verdade trabalhando com o discernimento entre contexto e
cenário, que consubstanciam o lugar de uma prática ou de significações. Um mesmo
81
“A representação de um indivíduo numa rego de fachada pode ser vista como um esfoo para dar a
aparência de que sua atividade nessa região mantém e incorpora certos padrões. Estes parecem dividir-se em
dois grandes grupos. Um grupo refere-se à maneira pela qual o ator trata a platéia, enquanto está empenhado
em falar com ela ou num intercâmbio de gestos que são substitutos para a fala. Estes padrões são chamados às
vezes de questão de polidez. O outro grupo de padrões diz respeito ao modo como o ator se comporta
enquanto está ao alcance visual ou auditivo da platéia, mas não necessariamente empenhado em conversar
com ela. Usarei o termo 'decoro' para me referir a este segundo grupo de padrões, embora algumas desculpas
e restrições tenham de ser acrescentadas para justificar este uso." (Goffman, 1975, pg. 102)
212
cenário pode condicionar/possibilitar práticas distintas em contextos distintos. Goffman,
trabalhando com a sua distinção entre "regiões de fachada" e "regiões de fundo", coloca
que
"(...) embora exista a tendência de uma região ser identificada como de fachada ou
de fundo de uma representação com a qual esteja regularmente ligada, há ainda
muitas regiões que funcionam numa ocasião e em certo sentido como região de
fachada, e em outra ocasião e em outro sentido como rego de fundo." (pg. 118)
Ou seja,
"(...) uma região que é de todo instituída como região de fachada para a
representação regular de uma dada prática funciona muitas vezes como região de
fundo (...) por conseguinte, devemos ter em mente que ao falar de regiões de
fachada e de fundo, falamos tomando como ponto de referência uma dada
representação e a função para a qual aquele lugar é usado no momento." (pg. 120)
Podemos, a partir disto, refletir que a alocação das práticas, dos pensares e dos
fazeres da potica nos movimentos sociais pressupõe a instauração das esferas
institucionais como fluxos espaço-temporais da ação, em que os “lugares” não são os
cenários físicos das interações, mas sim, as redes dialógicas que se constituem nas (e, que
constituem as) hierarquias organizativas dos movimentos. Por exemplo, dois ou mais
coordenadores ou dirigentes nacionais do MST visitando um acampamento, podem num
determinado momento se distanciar dos acampados e discutir questões de foro nacional do
movimento – questões que, se têm diretamente relação com o que ocorre no acampamento,
não fazem parte do fluxo rotineiro de discussão dos trabalhadores ali acampados e que
estão no exercício do movimento de territorializão da luta pela terra. Estamos discernindo
fluxos de relações interligados e interdependentes sistemicamente, mas organizados
hierarquicamente na forma das esferas institucionais do movimento de maneira a orientar
comportamentos, gerando aquilo que autores no campo da Psicologia Ambiental (ou,
Ecológica) chamam de “behavioral settings”, como nos esclarecem Carneiro e Binnesta
passagem:
"A concepção de behavior setting oferece a possibilidade de ordenar e
taxonomizar os acontecimentos da vida diária em unidades ou conjuntos de
acontecimentos naturais e, ao mesmo tempo, de compreendê-los e analisá-los
como subsistemas de conjuntos de acontecimentos estruturais e funcionais
superiores (exemplificando, instituões, subsistemas da organização política de
um município, estado ou país)." (Carneiro & Bindé, 1997, pg. 373, grifos dos
autores)
Giddens também transita por esta discussão sobre a construção de padrões de
comportamentos através da relação entre indivíduo, instituições e contextos sociais,
213
colocando a questão do posicionamento (enquanto multiplicidade de possibilidades) como
sendo algo crucial:
"Fundamental para a vida social é o posicionamento do corpo em encontros
sociais. 'Posicionamento' é aqui um termo muito rico. O corpo está posicionado
nas circunstâncias imediatas de co-presença em relação a outros (...) Entretanto, o
posicionamento deve também ser entendido em relação com a serialidade de
encontros no tempo-espaço. Todo e qualquer indivíduo está imediatamente
posicionado no fluxo da vida cotidiana; no tempo de vida que é a duração de sua
existência; e na duração do 'tempo institucional'; a estruturação 'supra-individual'
de instituições sociais. Finalmente, cada pessoa está posicionada, de um modo
'múltiplo', dentro de relações sociais conferidas por identidades sociais espeficas;
essa é a principal esfera de aplicação do conceito de papel social. As modalidades
de co-presença, mediadas diretamente pelas propriedades sensoriais do corpo, são
claramente distintas dos vínculos sociais e das formas de interação social
estabelecidas com outros ausentes no tempo ou no espaço.
o são apenas os indiduos que estão 'posicionados' em relação uns aos outros;
os contextos de interação social também estão." (Giddens, 1989, pg XX)
Isto introduz a problemática que o autor define como "relação entre integração
social e integração de sistema", que corresponde a como as interações entre indivíduos em
contextos de co-presença estão estruturalmente implicadas com sistemas de relações com
distanciamentos de tempo-espaço, através dos quais são constituídas instituições com
grande solidez e abrangência no tempo (duração) e no espaço (escala): as esferas
institucionais! Tal apontamento nos permite propor a iia de "vivência de escala" pelos
indivíduos, a que exploraremos nopico seguinte. Há contextos e interações de co-
presença cujos conteúdos são remetidos a durações e escalas diversas, que correspondem a
distintos âmbitos espaço-temporais de regulação que requerem tais contextos e interações
para a própria reprodução (no espaço e no tempo!!!) social. O pensar e o fazer se conectam,
portanto, a fluxos de relações com espacialidades distintas, que complexificam a relação
entre as materialidades (do corpo, dos objetos) e os ordenamentos dos fluxos em que se
insere a ação. Outro autor que nos auxilia neste raciocínio é De Certeau, quando ele coloca
que
"As estratégias são portanto ações que, graças ao postulado de um lugar de poder
(a propriedade de um próprio), elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos
totalizantes), capazes de articular um conjunto de lugares físicos onde as forças se
distribuem. Elas combinam esses três tipos de lugar e visam dominá-los uns pelos
outros. Privilegiam portanto as relações espaciais. Ao menos procuram elas reduzir
a esse tipo as relações temporais pela atribuição analítica de um lugar próprio a
cada elemento particular e pela organização combinatória dos movimentos
específicos a unidades ou a conjuntos de unidades." (DeCerteau, 1994, pg. 102)
82
82
Alertamos aqui que, com efeito, a distinção efetuada por DeCerteau entre estratégias e táticas, sendo a
primeira instrumento e obra das forças dominantes, e a segunda a arte resistente dos dominados ("os gestos
hábeis do 'fraco' na ordem estabelecida pelo 'forte'..."), deve ser utilizada com muito cuidado (mas, ao nosso
214
A relação práticas-lugares-momentos assume, portanto, uma dimensão
sistêmica que é determinada pelo exercício de poder, possibilitada pelas instituições
hierárquicas de aparatos institucionais, que consubstanciam relações de autoridade-
dependência entre os participantes de cada esfera. Esta imposição de relações de
autoridade-dependência é que vai transformar estes ordenamentos em potenciais forças
disruptivas do “estar junto”, pela publicização deste caráter hierárquico através da
emergência de diferenças nos discursos, nas práticas, nos comportamentos, entre outros, de
indivíduos que participam de diferentes sistemas de relação tempo-espaço: as fricções entre
diferentes experiências (espaciais) do fazer potico! As hierarquias nos movimentos
transparecem nos indivíduos, nos seus habitus, nos seus comportamentos, nas suas
racionalidades, no seu fazer, este influenciado pelas suas vivências/experiências dos
diferentes fóruns, das diferentes arenas, dos diferentes sistemas de relação espaço-tempo
das organizações dos movimentos. Enquanto sistemas de alocação e organização de
relações, as esferas institucionais organizam experiências (espaciais) do fazer potico.
4.8. Sujeitos
Aludimos aqui que a construção de arenas e esferas organizacionais nos
movimentos sociais instaura construções que podem ser lidas como hierarquias (espaciais)
de decisão e do fazer potico nos movimentos. O espaço, nesta perspectiva, é visto
enquanto diversidade, e, aqui, me refiro não apenas à sua dimensão material, mas,
diversidade do ponto de vista da organização/ordenamento dos processos e do campo da
política que ele conforma e que nele se conformam. Ordenamento aqui é utilizado
propositalmente, com o duplo sentido de construir uma ordem
e de dar uma ordem - a favor
de um(s) agente(s) e em detrimento de outro(s) agente(s), os ordenamentos e hierarquias
espaciais do fazer potico são instrumentos de poder. O fato de determinados pontos (nós,
lugares) do espaço (e do tempo) receberem atribuições valorativas (papéis sociais) distintas
ver, deve ser utilizada!!), conforme ele mesmo aconselha ao afirmar que "(...) os métodos praticados pela arte
da guerra cotidiana jamais se apresentem sob uma forma tão nítida, nem por isso é menos certo que apostas
feitas no lugar ou no tempo distinguem as maneiras de agir." (1994, pg. 102) Entretanto, não estamos aqui
fazendo uso desta distinção.
215
faz com que o trânsito dos indivíduos por esses ou aqueles espaços/lugares - diferenciados
pelos seus papéis de poder - lhes condicione distintas experiências espaciais de poder, que
têm papel crucial na própria constituição de cada indivíduo enquanto ser potico. A ação,
portanto, no campo potico, tem entre seus condicionantes a experiência espacial de cada
indivíduo. É evidente que não é apenas a passagem “física” de um indivíduo por um
espaço de exercício do poder” (ou, por um “espaço da subalternidade nas relações de
poder”!!) que vai exercer a plenitude da influência de sua experiência espacial no seu fazer
potico. Os papéis, as posições, os distintos capitais e outros fatores influenciam a maneira
como ele experimenta cada espaço/lugar, e como esta experiência influencia a formação de
seu “ethos potico-espacial”. Fluidez e transitoriedade são aqui princípios fundamentais da
leitura destas experiências espaciais: um indivíduo pode estar numa posição em contextos
sociais (em espaços de exercício do poder) num momento eo estar mais em outro
momento de sua trajetória; ele pode participar de redes do acontecer em “espaço da
subalternidade nas relações de poder” num intervalo de sua trajetória social, e participar de
redes do acontecer em “espaços de exercício do poder” num outro intervalo – e, por força
de diversos fatores, deixar de pertencer/freqüentar os “espaços de exercício do poder” num
intervalo seguinte!; um indivíduo pode ter sua origem social em espaços de não poder, se
integrar em redes de poder (que o “desterritorializame o “reterritorializam”), mas manter
vínculos de toda ordem nos seus espaços de origem social – permeados por situações de
estranhamento que denotam a des-territorialização que é a sua condição de existência em
relação àquele seu contexto de origem.
Goffman discute as diferenças nas formas com que cada indivíduo
experimenta as interações sociais, de acordo com a sua posição: os papéis diferenciados
implicam posturas diferenciadas, práticas diferenciadas, o que inclusive influencia a própria
maneira como os indivíduos se comportam mesmo quando não estão sob as restrições de
contexto. Isto tem um peso significativo na constituição dos próprios indiduos enquanto
sujeitos, impactando a forma como eles experimentam o fazer potico – de um modo geral,
a forma como eles experimentam as relações que comem a sua sociabilidade, das quais, o
fazer potico é um aspecto fundamental, independente de quais os contextos sociais e de
interação dos quais um indivíduo participe. Esta influência dos contextos e dos papéis na
216
constituição do próprio indivíduo aparece de maneira marcante nas seguintes passagens de
Goffman:
"(...) quanto mais alta for a posição do indivíduo na pimide de status, menor se
o número de pessoas com que pode manter familiaridade, menos tempo passará
nos bastidores e maior será a probabilidade de que sejam exigidas polidez e
decência de sua parte. Contudo, quando a ocasião e a companhiao próprias,
atores inteiramente sagrados agirão, ou serão solicitados a agir, de modo
completamente vulgar. (...) Há um interessante caso-limite dessa situação com
relação aos chefes de Estado, que não tem companheiros de equipe. Às vezes tais
indivíduos podem usar um grupo de amigos íntimos, a quem por cortesia dão a
categoria de companheiros de equipe, quando precisam de momentos de descanso
descontraído, constituindo isto um exemplo da função de 'companheiros'
previamente considerada."(pg. 124-125)
As posições – ou melhor, as experiências de posições de cada indivíduo (nas
redes do acontecer que são ordenamentos espaço-tempo) influenciam, portanto, na
constituição do seuself”, unidade que atualiza, presentifica suas experiências na ação: na
sua corporeidade, nos seus atos. Giddens nos auxilia quando coloca que
"O corpo é o 'locus' do self ativo, mas o self não é, apenas uma extensão das
características físicas do organismo que é o seu 'portador'. Teorizar o self significa
formular uma nova concepção de motivação (...) e relacionar a motivação com as
conexões entre as qualidades inconscientes e conscientes do agente." (1989, pg.
29)
Os atos, os comportamentos, a corporeidade, portanto, atualizam, presentificam
os distintos ordenamentos espaço-tempo no fluxo das ações dos indivíduos, no sentido de
que eles fornecem ao contexto os padrões que orientam os indivíduos. Estes padrões não
são em nada concernentes apenas à forma do agir, mas também, às intencionalidades deste
agir – atualizam-se, também, os embates, os projetos, os desideratos, concernentes às
vivências dos indivíduos nas redes do acontecer, nas redes do fazer, nas redes discursivas
(que são, evidentemente, arenas de conflitos!!), o que permite/condiciona que um
comportamento numa rede do acontecer sofra as inflncias de estratégias pensadas em
seus desdobramentos em outras redes do acontecer. Não são apenas as regras de “decoro
que condicionam os comportamentos, mas, efetivamente, os campos de conflitividade e
conflituosidade que informam o agir dos indiduos! Não podemos incorrer na rigidez de
propor que todos os atos de um indivíduo são definidos a partir da elaboração de quais os
seus desdobramentos e possibilidades (de capitalização) nas diferentes esferas e arenas do
fazer potico nas quais ele está inserido (dentro de um movimento e fora do movimento,
em “áreas de movimentos” e de ativismos, e em outros espaços do fazer potico), mas sim,
217
que estes influenciam de diferentes maneiras e em diferentes graus a sua intervenção
83
.
Quando falamos que um “atrito” entre indivíduos numa arena de um movimento é uma
fricção espacial, um atrito entre trajetórias e experiências do fazer político, devemos estar
atentos para o fato de que nem todos os elementos anteriores e simultâneos destas
trajetórias (embates, fóruns, lutas, outras arenas) necessariamente estão/são "presentes
presentificados" no ato em si. Mas, com efeito, eles informam, fazem parte da formação
dos comportamentos e dos desideratos (mesmo aqueles concernentes às subjetividades ou
"comandos emanados do subconsciente", as “conexões entre as qualidades inconscientes e
conscientes do agente” de que fala Giddens), ou, utilizando o léxico oferecido por
DeCerteau, se não definem o caminho, influenciam a "arte do fazer" do indivíduo.
Tais idéias colocam o indivíduo no centro das preocupações, o que não constitui
tradição no campo da Geografia, conforme nos aponta Lévy:
"La géographie a longtemps négligé l'individu comme porteur d'identité spatiale. Il
s'agit pourtant d'un complexe particuliéremente opérant, organisé autour de la
relation représantions/pratiques et spécifié par des conditions de production (ses
'origines' et sa 'biographie') jamais faciles à circoncrire." (Lévy, pg. 224) [TT.35]
Na Geografia, experiência e indiduo são duas chaves analíticas que, durante
muito tempo, foram postas de escanteio nas perspectivas críticas. A Geografia da
Percepção, derivada de tradições fenomenológicas, de certa forma atentou para elas,
entretanto, sem a inserção das relações de poder na análise. Yi-Fu Tuan, o mais importante
autor desta corrente, coloca a experiência de espaço como central, mas esta experiência é a
percepção do espaço, e não a percepção das relações de poder (nem no espaço, nem
conformando o espaço, nem sendo conformadas pelo ou no espaço!), razão pela qual ele
privilegia a dimensão sensório-motora da percepção mediada pelas filiações culturais dos
indivíduos:
“Experiência é um termo que abrange as diferentes maneiras através das quais uma
pessoa conhece e constrói a realidade” (1983, pg. 9)
“(...) a experiência implica a capacidade de aprender a partir da própria vivência.
Experienciar e aprender; significa atuar sobre o dado e criar a partir dele. O dado
não pode ser conhecido em sua essência. O que pode ser conhecido é uma
83
"(...) las sociedades contemporáneas deben establecer y renovar continuamente los pactos que las mantienen
unidas y orientan su acción. Este análisis es aplicable tanto al sistema em su conjunto como a la experiencia
de los individuos y los grupos. La identidad individual y social se enfrenta continuamente con la
incertidumbre generada por el flujo permanente de información, con el hecho de que los individuos
pertenecen de forma simultánea a una pluralidad de sistemas y con la proliferación de distintos marcos de
referencia espaciales y temporales." (Mellucci, 1994, pg. 133, grifo nosso) [TT.36]
218
realidade que é um constructo da experiência, uma criação de sentimento e
pensamento.” (idem, pg. 10)
Mais recentemente, vem ganhando força geografias constrdas através da
experiência, da alteridade e da diferença – as espacialidades da vida humana, no dizer de
Soja (1996). Alargando o escopo das problemáticas de caráter espacial e aguçando as
sensibilidades críticas, geografias produzidas buscando compreender a condição de
existência (lida como experiência espacial) de grupos subalternizados no jogo social vêm
dando lugar à crítica espacial feminista, às geo-grafias da crítica pós-colonial, à geografia
das relações raciais, dentre outras, que trazem à tona o como a discriminação, a
subalternização, a colonialidade, entre outras experiências de exploração e de
hierarquização social constroem (ou, dependem de) ordenamentos e estruturas espaço-
tempo para a sua reprodução. Poticas de identidade, poticas de diferença, poticas do
corpo, políticas culturais, todas elas têm como ponto central a compreensão da (e a
intervenção sobre a) maneira como estas relações produzem aprendizados de
comportamentos estruturados no espaço-tempo – quais os lugares e os contextos onde o
corpo, a raça, o gênero, a orientação sexual, a filiação cultural importam, são aspectos
reguladores das relações e interações sociais, e quais os lugares e contextos onde eles não
são!!! E, isso envolvendo os mesmos indivíduos que, em seus processos de sociabilização,
aprendem” onde e quando mobilizar e onde e quando não mobilizar estes aspectos como
reguladores das relações sociais, constituindo assim experiências (espaciais) de
sociabilidade que definem acessos diferenciados de grupos aos benefícios materiais e
simbólicos da modernidade – e, ao poder! Estas perspectivas recentes vêm trazendo o
indivíduo e a experiência para o centro das atenções em algumas reflexões no âmbito da
Geografia.
Por outro lado, os estudos sobre os movimentos sociais, em sua complexidade,
multiplicidade e diversidade de perspectivas analíticas, sempre foram balizados pela
polarização anatica em torno daquilo que Ribeiro (1991) sistematiza como (i) aqueles que
buscam apreendê-los a partir da análise das grandes estruturas de poder, e como os
movimentos sociais se relacionam com elas, valorizando as estratégias de luta, conflitos e
negociações com o Estado e com o Capital, e (ii) aqueles que os analisam a partir de uma
ênfase na cultura e na formão de identidades coletivas. Nesta dualidade analítica entre o
papel da concretude das condições materiais de existência e os processos de produção e
219
introjeção de subjetividades, pouco sobra de esforço analítico para a observação de
trajetórias e experiências individuais que envolvem uma complexidade de fatores que faz
com que mesmo indiduos de trajetórias sociais semelhantes em algum grau difiram
radicalmente em termos de relação com os movimentos sociais - e com a esfera da potica
de um modo geral
84
. A psicologia social vem buscando este caminho, através dos estudos
de formação de consciência.
Não podemos aqui cometer a injustiça de afirmar que o indivíduo venha sendo
negligenciado nas análises sobre os movimentos sociais. Com efeito, algumas
problemáticas acerca do indivíduo têm papel importante na literatura sobre o tema.
Desejamos, aqui, é explorar algumas potencialidades da análise da participação dos
indivíduos nos movimentos sociais como uma experiência social, e, mais particularmente
ainda, pensar as possibilidades quando analisamos esta experiência social munidos de
imaginação geográfica, o que nos leva a pensá-las como experiências espaciais. Alguns
autores já vêm dando profícuos passos neste sentido, inspirados na conceão de
experiência de Thompson (1981):
"Os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro deste termo [a
experiência] - não como sujeitos autônomos, ‘indivíduos livres’, mas como
pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas
como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida 'tratam' essa
experiência em sua consciência e sua cultura (as duas outras expressões excluídas
pela prática teórica [de Althusser]) das mais complexas maneiras (sim,
‘relativamente autônomas’) e em seguida (muitas vezes, mas nem sempre, através
de estruturas de classes resultantes) agem, por sua vez, sobre sua situação
determinada." (pg. 182)
Imbuído do objetivo de criticar a rigidez analítica do marxismo althusseriano,
Thompson vai, então, chamar a atenção para a experiência dos “homens e mulheres de
carne e osso”! A teoria (de classes) não pode ser anterior ou superior à experiência das
relações de classe pelas pessoas. Tal formulação de Thompson, que marca sua trajetória e
outras obras suas anteriores a “A Miséria da Teoria” que aqui citamos, já vinha tendo
desdobramentos e provocando tensionamentos metodológicos e analíticos junto aos
historiadores. Simona Cerruti, por exemplo, faz importante crítica aos resultados
alcançados por Thompson, ao mesmo tempo em que coloca a si mesma e à própria
84
Mesmo os estudos linha da “Teoria da Mobilização de Recursos” que, derivados dos esforços de
racionalização de comportamentos de indiduos realizados no âmbito da teoria do consumidor da
microeconomia, ao conduzir ao extremo o princípio das escolhas racionais individuais enquanto mobilizador
da ação coletiva (ver Olson, 1999), obscurecem a perspectiva da multiplicidade da experiência dos indiduos
enquanto condicionante da ação e das decisões.
220
perspectiva de análise processual em História, como devedores a Thompson! Segundo a
autora, mesmo com toda a sua genialidade e seminalidade, Thompson acaba sendo um
pouco vítima da própria armadilha que denunciou e que colaborou decisivamente para
desarmar:
“Sem dúvida Thompson dedica à agency – aos comportamentos dos atores – uma
parte importante de sua análise; o ator social que ele desenha é portanto um sujeito
ativo, que pode interpretar o mundo que o cerca e é capaz de articular uma
consciência de grupo. Mas é a concepção daquilo que faz a experiência que parece
redutora. Como sublinha ainda uma vez Sewell, nenhum elemento de ordem extra-
econômica é introduzido para dar conta do nascimento de uma consciência de
classe. A experiência vivida pelos indivíduos é única, e é ditada pelas relações de
produção que eles inevitavelmente conheceram. A classe existe portanto em si
mesma; ela está presente na estrutura econômica e está latente nos indivíduos, pois
estes últimos conhecem apenas uma única forma de relação. O determinismo
econômico contra o qual Thompson lutou resulta apenas um pouco menos rígido;
ele certamente não foi ultrapassado na sua análise. A posição na hierarquia social e
ecomica, a experiência, os interesses, ainda uma vez, estão estreitamente
associados uns aos outros. A estrutura se situa num plano distinto em relação aos
comportamentos individuais; ela é ao mesmo tempo externa e preexistente, e a
racionalidade dos atores não consiste em interagir com ela, mas apenas em reagir
contra ela, transformando-se em consciência de classe.” (Cerruti, 1996, pg. 186)
A autora vai, em seu estudo histórico intitulado “Processo e experiência:
indivíduos, grupos e identidades em Turim no século XVII”, buscar reconstituir os grupos
sociais a partir das relações que ligam os indivíduos, atentando para como a constituição da
pólis guarda influência direta de uma estratificação social que aparece em relações e redes
de matrimônio, de classificação profissional, de estatuto social, etc., e de convergências de
interesses, de cultura moral, de comportamentos, etc. Portanto, conformam-se comunidades
através de experiências, de construção de normas, de comportamentos, que ela investiga
através de um duplo caminho anatico:
“(...) de um lado, a individualização dos sujeitos que atuam no campo social; de
outro, a reconstituição, a mais pontual possível, de sua ppria experiência nos
diferentes contextos. O resultado é (...) uma reformulação da relação entre
conditioning e agency. O primeiro desses dois termos não é nem exterior nem
preexistente à atividade dos atores; as obrigações – ou, melhor dizendo, as regras
do jogo – são definidas pelas próprias relações sociais, mesmo que seus efeitos
muitas vezes ultrapassem a vontade ou a consciência de cada indivíduo.” (Cerruti,
pg. 188)
Segundo a autora, esta abordagem visa superar a oposição entre um paradigma
interpretativo e outro normativo da leitura do social, através de uma perspectiva relacional.
Isto torna-se possível na medida que
“A uma imagem da vida social governada por normas exteriores (e portanto a uma
visão do comportamento individual como expressão de uma adesão ou de uma
recusa dessas normas), opôs-se uma concepção muito menos linear mas bem mais
221
rica da relação existente entre os indivíduos e o mundo circundante. O indivíduo
pode ser visto como um ser racional e social que persegue objetivos; as regras e os
limites impostos às suas próprias capacidades de escolha estão essencialmente
inscritos nas relações sociais que ele mantém. Eles se situam portanto na rede de
obrigações, de expectativas, de reciprocidades que caracteriza a vida social. Numa
tal perspectiva, o centro da análise será constitdo pelo próprio processo social – e
portanto pelas interações individuais nos diferentes contextos sociais – e não
apenas pelas instituições. Das estruturas e das instituições, a atenção se desloca
para os processos e as interações. (...) Essa perspectiva relacional permite
reformular a relação existente entre as normas e os comportamentos. Em primeiro
lugar, ela enriquece nossa concepção de normas, pois estas não são definidas de
uma vez por todas a partir da posição formal ocupada pelos indivíduos na escala
social, maso produzidas e negociadas nas relações que eles mantêm. Ela
permite, além disso, definir a noção de experiência. O fato de reconstituir as inter-
relações implica que não se pode delimitar a priori os planos da pesquisa (limita-
los apenas às relações de produção, ou às relações de mercado, etc.); o contexto da
análise será definido pelos percursos individuais nas diferentes esferas da vida
social” (pg. 189)
Não estamos aqui analisando a relação de indivíduos com as suas posições e
com a luta de classes, mas sim, deslocando os eixos de poder e conflitividade para as
relações cotidianas de constituição dos grupos sociais – e, acreditamos, tal perspectiva
apresentada por Cerruti, baseada em Thompson, em muito nos auxilia, na medida em que
podemos ler estes percursos cio-poticos dos “homens e mulheres de carne e osso” como
sendo marcados, então, pelas suas posições – o que é objeto de diversificação nos seus
processos cotidianos do fazer potico, onde a hierarquização entre atores e agentes é
corporificada na definição de papéis diferenciados para os indivíduos. Esta diferenciação,
que é a estratificação posicional definida pelas suas inserções – e aí, não somente nos
movimentos sociais, mas em todos os seus contextos de interação social – constitui as suas
experiências, que podemos ler através de raciocínios centrados no espaço.
Em Porto-Gonçalves, a experiência e a vivência (de condições e relações sócio-
espaciais) aparecem como fundantes da construção dos (ou, da inserção de indivíduos em)
movimentos sociais. Rodrigues (2005), que tem seu trabalho inspirado no mesmo
arcabouço conceitual de Porto-Gonçalves (2002, 2003), coloca que
"Assim como as classes, os movimentos sociais se constituem neste processo de
vivência e experimentação de determinadas condições sócio-espaciais. Ao
experimentar tais condições, os protagonistas vão se constituindo durante o
processo, durante sua ação, como salientamos (...). A ação (colocar-se e imprimir
movimento) e a experiência são as categorias que apreendem de forma mais
adequada este processo de constituição de um movimento social." (pg. 181)
Tal abordagem nos é extremamente elucidativa na compreensão da articulação
entre (i) a subjetividade individual daqueles que participam do/ constroem os movimentos e
222
(ii) a dimensão de coletividade inerente aos movimentos, ou, de como os movimentos
podem ser lidos como uma tomada coletiva de posição dentro de uma dada estrutura social,
visando modificá-la, então, através da ação. Entretanto, ela valoriza um sentido desta
relação, sentido este que tem como referência a dimensão coletiva de
enunciação/representação/significação identitária do movimento, deixando escapar a
multiplicidade de nuances que, no cotidiano de construção do movimento, se colocam em
conflito. Ou seja, ao valorizar o movimento enquanto coletividade, valoriza aquilo que
poderíamos à primeira vista elencar como comum, mas que quando mergulhamos na
dimensão das dinâmicas internas dos movimentos, vemos que é objeto de disputas e
embates que são - propomos aqui - senão resultantes, influenciados pelo fato de que os
indivíduos que constroem os movimentos possuem distintas experiências e vivências. E
falamos de experiências e vivências (sociais e espaciais!!) do próprio fazer potico, “fora
dos movimentos” (nas múltiplas interações de que cada indivíduo participa desempenhando
ltiplos papéis) e inclusive dentro dos movimentos”. Ou seja, se de um lado a vivência e
a experiência de relações sociais, de relações de produção, de relações de exploração e de
exclusão, são todas fatores que influenciam na percepção de posições na estrutura social
que podem por sua vez influenciar a tomada de posições poticas em prol da transformação
destas estruturas, que se consubstanciaria no movimento social (e, nas diversas formas de
ação social), por outro podemos apontar também que a vincia e a experiência
possibilitam e influenciam uma diversidade de posições e percepções do fazer potico
pelos indivíduos na dinâmica interna dos movimentos sociais. A constituição de sistemas
hierárquicos de ordenamento espaço-tempo das tomadas de decisões e do fazer potico
como um todo nos movimentos condiciona experiências diferenciadas entre os indiduos,
que são então distinguidos e hierarquizados de distintas maneiras, e com diferentes graus de
publicização e assunção destas distinções e hierarquias. Tanto a existência das distinções e
hierarquias entre os indivíduos quanto a sua publicização, assunção e legitimação, são
aspectos fundamentais nas questões de democracia interna dos movimentos, podendo gerar
forças disruptivas ou não. Instauram tipificações, classificações entre os indivíduos:
lideranças, dirigentes, etc.
Scherer-Warren (1993) trabalha a iia de que há, em contato direto com os
movimentos sociais, figuras que ela chama de "mediadores", indivíduos (ou, dependendo
223
do caso e do ângulo que se analisa, instituições) que teriam, dentre outros papéis, o de
viabilizar a articulação entre as lutas específicas do movimento com as de outros
movimentos e com projetos mais gerais de transformação social. Estes seriam “(...)
intelectuais, agentes de pastoral, religiosos, educadores,deres poticos, etc., portadores de
experiência potica e conhecimento formal trazidos ‘de fora’ para atuar junto ao grupo-
base do movimento.” (pg. 49)
Estes mediadores são, segundo esta ótica, indivíduos que não somente (i) se
distinguem do ‘grupo-base’ que come o movimento - pela sua formação, capitais e
papéis próprios junto ao movimento -, mas sobretudo (ii) “externos” ao grupo-base e, por
que não dizê-lo, ao próprio movimento. Mas, e caso estes indivíduos fossem “internos” ao
grupo-base e ao movimento??
Mizubuti (1986) ilustra tal situação, mostrando em diversas associações de
moradores no município de Niterói, na passagem da década de 1970 para a de 1980, a
mistura de mediadores “internos” e “externos” à base social das iniciativas. O que se
sobressai na narrativa da autora - para nosso interesse aqui - é o fato de que aqueles
indivíduos que desempenharam papéis de mediação nos movimentos e que poderiam ser
considerados “internos” à base social, eram indivíduos que, ou já tinham experiências
políticas anteriores junto a partidos ou outras organizações, ou passaram a ter inseões
partidárias a partir de sua atuação nos movimentos. Ou seja, ou eram indivíduos que já
dispunham de “capitais poticos” ou que redefiniram suas experiências (inclusive
espaciais) do fazer potico, esta não se reduzindo apenas à atuação no movimento de
bairro
85
.
85
Exemplificando com o caso do bairro de Pendotiba, a autora indica que "Os principais líderes que se
destacaram durante esse movimento à época foram: a) Benoni Alencar Pereira - morador do bairro de
Matapaca, jornalista, mais tarde militante do PT, com tradição de luta em outros movimentos sociais; Valmir
Garcia da Silva, morador do bairro de Maceió, professor de ensino secundário, pertencente a tradicional
família 'PTBista' e mais tarde filiado ao PDT; c) Diógenes Ribeiro de Mendonça, residente em Matapaca,
aposentado, com tradição de militância partidária pregressa (Partido Republicano Trabalhista) e em
movimento associativao também (Centro Pró-Soerguimento de Pendotiba, no início dos anos 60).
Posteriormente filiou-se ao PDS; d) Cláudio Alencar, morador em Vila Progresso há pouco tempo, médico do
Posto de Saúde local, mais tarde filiado ao PT; e) Jeová Umbelino Freire, morador do Badú, mais tarde filiado
ao PDS; f) Sebastião Pereira, operário, com militância anterior em movimento da Igreja Católica; g) Jorge
Acaraú, pedreiro, analfabeto, com militância em movimento de favelado (Rocinha), antes de vir para Niterói."
(Mizubuti, pg. 130)
224
Este rico exemplo nos conduz inclusive a reler criticamente nossa própria
proposta de leitura das experiências do fazer potico através dos raciocínios espaciais. Com
efeito, torna-se forçoso sempre recordar que a hierarquia é um princípio fundamental nas
construções da política. Sendo a potica um campo constrdo por conflitos (uma arena!!),
o campo do poder – e o poder não é uma coisa, um instrumento do qual se pode fazer uso
quando quer, ou não fazê-lo quando não se quer, o poder é uma relação, algo imanente às
relões, que está posto e agindo inclusive nos momentos em que seu exercício não salta
aos olhos -, as hierarquias são a consolidação de um poder. Quando falamos de capitais que
possibilitam/condicionam distintas experiências do fazer potico – que podem ser lidas
através de raciocínios centrados no espaço, como p. ex., através de narrativas escalares –
não podemos pensar que as hierarquias se restringem às diferenças de experiências entre
espaços/arenas/escalas distintos. As hierarquias caracterizam também a forma como são
estruturadas as relações internas a cada um dos espaços/arenas/escalas distintos, e
condicionam diferentes formas e diferentes papéis de “mediação” e de “tradução”. Uma
figura que desempenha papel de liderança ou que dispõe de capital de visibilidade num
bairro pode ser (eternamente) alçada à condição de candidato a vereador ou deputado
estadual por um partido que sabe que a sua base não lhe permite alcançar um número de
votos necessários à eleição, mas que sabe também que aqueles votos são importantes na
constituição de coeficientes eleitorais que vão ajudar a eleger outros candidatos do partido
– é o chamado, entre os candidatos do partido, aquele “candidato de bairro”. Além disso,
outra questão que deve ser posta a esta leitura atenta para o que chamaríamos,
parafraseando a Física, o “problema da transferência e da conservação de energia”: os
capitais que permitem a um indivíduo experimentar uma determinada vivência espacial do
seu fazer potico não são, de forma alguma, “eternos”! Tais capitais podem se extinguir ou
se enfraquecer, e o indivíduo redefinir sua experiência do fazer potico.
Estes “mediadores” apresentados em ambos os exemplos são, na verdade,
indivíduos que circulam por diversos fóruns e arenas do fazer político, cuja experiência lhes
confere a capacidade (ou, o capital) de realizar operações de “tradução”, compreendida aqui
como construção de pontes dialógicas, instrumentos de inteligibilidades entre discursos,
práticas, idéias, representações, desideratos, etc., de uma arena para outra! Tal capacidade –
que é fruto de sua circulação, de suas trajetórias do fazer potico - lhes alça à condição de
225
“liderança”, ou, pelo menos, lhes coloca numa posição distinta dos indivíduos que
conformam as “bases” daqueles movimentos. Confere a estes indivíduos legitimidade e
reconhecimento para freqüentar espaços, arenas, para os quais os outros não se consideram
(ou, melhor, são levados a não se considerar) capacitados, por não serem portadores dos
mesmos códigos de comportamento apreendidos nestas experiências ou através de outros
trunfos.
Cabe neste momento chamar a atenção para o que nos indicam Modesto (2003),
Bernardes (1983) e Mizubuti (1986), de que a emergência dos movimentos de moradores
no período estudado por Mizubuti poderia estar representando o vetor da instauração de
uma nova cultura cívica e potica, que romperia com a mediação alienante que lideranças
locais cooptadas estabeleciam ao servirem de instrumento de relações clientelísticas entre
populações locais e poticos
86
. A emergência de lideranças da própria base social ao posto
de lideranças, e daí à experiência da inserção na potica através da via partidária, se, de um
lado, pode representar (ou, ser representada como) cooptação, de outro pode também
representar (ou, ser representada como) uma nova experiência espacial do fazer potico, de
indiduos/sujeitos que então redefinem as suas espacialidades e as suas experiências
espaciais - eles passam a partilhar de novas práticas sociais, novos habitus, comandos
valorativos e comportamentais, códigos de intelecção e de conduta, e diversos outros
atributos necessários à vivência e experiência das esferas do fazer potico nas quais se
inserem (ou,o inseridos) - processo no qual eles podem se distanciar de seus contextos de
origem também.
Torna-se interessante analisarmos, por exemplo, a trajetória (espacial) potica
de uma figura como Benedita da Silva, iniciada nos anos 1970 como liderança no
movimento de associação de moradores de favela – ela fundou e presidiu uma Associação
86
A própria Mizubuti também aponta este câmbio no caso em tela, afirmando que "Renascia assim o
movimento de bairro em Pendotiba. Diz-se renascia, porque no início dos anos 60 experiência semelhante
havia sido vivenciada, embora com abrangência territorial, social e política de menor significação. Entre 1960
e 64 e formado basicamente por moradores do Largo da Batalha e do Badu, funcionou o Centro Pró-
Melhoramentos de Pendotiba, cujo presidente desempenhava a função de cabo eleitoral de candidatos do PSP
(Partido Social Progressista). O referido Centro dizia-se apolítico, mas não passava de um órgão de clientela
política - uma correia de transmissão do partido no bairro - que trocava votos pela obtenção de algumas
vantagens. Esse Centro não se interessava em mobilizar muitos moradores e não travava lutas reivindicativas.
O grupo com pouco mais de dez pessoas, todas de classe média baixa, mantinha-se fechado em si mesmo em
comunicação direta com os políticos." (Mizubuti, pg. 132)
226
de Mulheres do Morro do Chapéu Mangueira, a partir do quê alçou sua militância à
Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro e ao Centro de
Mulheres de Favelas e Periferias -, o que lhe permitiu se eleger vereadora da cidade do Rio
de Janeiro em 1982 (quando popularizou a imagem de ser a única “mulher, negra, favelada
e do PT”, slogan que mostra na verdade um cruzamento de bandeiras, uma tentativa de
dialogicidade e tradução entre agendas e campos de luta!), e depois deputada federal em
1986 e 1990, senadora em 1994, vice-governadora em 1998 (tendo assumido a titularidade
do cargo por alguns meses em 2002) e ministra da ão Social em 2003. Esta trajetória -
que poderíamos qualificar como percorrendo um arranjo escalar do tipo “babuska”, no
dizer de Vainer - compreende, na verdade, um processo de constantes redefinições das
redes poticas, decisórias e do acontecer pelas quais Benedita da Silva se inseriu. Com
efeito, sendo atualmente uma referência nacional do Movimento Negro Brasileiro, e
integrando um seleto grupo de figuras de projeção nacional do partido que ocupa o governo
federal, ela em muito já se distanciou do cotidiano do fazer político que inicialmente a
projetou, nas escalas local e municipal referentes às lutas de favelados e mulheres. Seus
habitus, comandos valorativos e comportamentais,digos de intelecção e de conduta são
agora outros! As ordens de interesses, os campos de conflitividades, as redes dialógicas das
quais ela participa, são outros também: a sua experiência espacial do fazer potico
atualmente se refere à escala nacional e a articulações internacionais! Isto não exclui
estratégias de intervenções locais e municipais da sua atuação potica – ao contrário, isto
em muito até reforça a necessidade de intervenções nestas escalas, mas, pensadas sob a
ótica estratégica de seus desdobramentos e capitalizações nas escalas nacional e
internacional! Conforme discutimos, os elementos espaciais (dentre os quais, os sujeitos e
os agentes) são multi e pluri escalares, mas a organização escalar dos ordenamentos espaço-
tempo confere graus diferenciados de pertinência e de preferência às ordens escalares de
atuação.
Este tipo de situação, de redefinição escalar da atuação (não somente do fazer,
mas também do pensar, do que informa as condutas e estratégias, das maneiras de agir!) de
um indiduo nos permite propor a idéia de que os indivíduos têm uma vivência e
experiência de escala”. Aludimos aqui à inserção dos indivíduos em redes de relações e,
no caso que nos interessa, também, em esferas institucionais, cujas ordens de
227
desdobramentos no próprio espaço assumem extensão no tempo e no espaço além dos
contextos de co-presença dos quais o indivíduo participa – é distinto o conteúdo das
interações e transações sociais entre indivíduos. Nas transações sociais de que fazem
parte em seu cotidiano, os indivíduos participam de ordenamentos espaço tempo que são
vivências e experiências de escalas distintas. Vivemos todos experiências de escala, nos
distintos campos de interação social nos quais participamos – potico, profissional, etc.
Vivemos, todos, experiências de espaço. Ou, todos somos espaço!
228
5. O PRÉ-VESTIBULAR PARA NEGROS E CARENTES:
MÚLTIPLAS EXPERIÊNCIAS DE ESPAÇO-TEMPO NO
FAZER DA POLÍTICA
O presente trabalho tem como ponto de partida central o tensionamento entre
duas idéias assumidas como complementares. Primeiramente, a de que a compreensão
sobre os movimentos sociais pode ser fortalecida por um olhar espacial. Isto implica
afirmar que os aspectos constitutivos dos movimentos sociais (i) ou são claramente
espaciais (ou, às vezes, espacializáveis), (ii) têm rebatimentos e desdobramentos espaciais,
(iii) ouo diretamente orientados por constrões espaciais. Isto implica analisar o
movimento através de um olhar sobre o espaço e, a partir do espaço, ler o movimento a
partir de raciocínios centrados no espaço. Neste sentido, as dimensões espaciais que
trabalhamos no catulo anterior nos informam, por exemplo, que os processos de
construção identitária que fundam os movimentos (ou, lhes servem de argamassa que faz
convergir e agregar os indivíduos/sujeitos/atores que dele participam), as agendas de
intervenção, as práticas e formas de luta, as esferas institucionais que dão formato à
organização, as arenas e os atores privilegiados para interlocução, são passíveis de leitura
espacial.
A segunda idéia que funda este trabalho (que poderia também ser a primeira...),
é a de que o fazer potico (no caso em tela, nos movimentos sociais) é, também, uma
(acima de tudo, múltipla) experiência de espaço-tempo. Sujeitos, atores, entidades e
instâncias organizativas dos movimentos, ao construírem o movimento social, têm neste
fazer uma experiência de espaço-tempo. As dimensões da origem e dos impactos de suas
ações remetem à sua relação com o espaço, com as instâncias da formaçãocio-espacial
em que estão inseridos, com sua historicidade: assim como as dimensões temporais do
passado e do futuro, o espaço condiciona e reflete as ações (presente presentificado no
evento/ato, que é a espacialização do tempo
87
) dos/nos movimentos, portanto estaso
parte de sua experiência de espaço-tempo.
87
Milton Santos (2002) aponta que “Não há evento sem ator. Não há evento sem sujeito (...) [e] nesse sentido
toda teoria da ação é, também, uma teoria do evento e vice-versa. Essa assimilação da idéia de evento e da
idéia de ação é fundamental para a construção de uma teoria geográfica” (pp. 146-147), isto porque “(...) um
229
Destas idéias, depreendemos que os movimentos sociais são femenos sócio-
espaciais complexos, caracterizados por combinar múltiplas dimensões espaciais, as quais
denominamos aqui de espacialidade(s), algo que emerge como um dado relacional inerente
às ações e às coisas. Afirmar que isto é algo intrínseco aos movimentos sociais significa,
necessariamente, afirmar o espaço como dimensão ontológica da ação social – podemos
afirmar que os movimentos sociais são uma forma particular de ação social, mas que em
seu bojo combina diversas outras.
Estas proposições emergem da apreciação dos processos de construção cotidiana
de um movimento, seus embates, valores, as intervenções, os sujeitos, etc. - ou seja, um
exercício (quase etnográfico) de reconstituições espaço-temporais
88
. O movimento que aqui
analisamos é o P-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC), movimento nascido em
1993 na Baixada Fluminense - mas fruto de construções anteriores àquele ano e de
articulações entre redes sociais e poticas operantes em arenas e espaços de poder locais,
regionais e nacionais. Este movimento se difundiu chegando a contar com quase 90 núcleos
com expressão e atuação em diferentes escalas, que aglutinavam e formavam sujeitos que
intervinham em arenas e esferas de poder em diferentes escalas, e assumiam e
influenciavam agendas de intervenção com configurações espaciais múltiplas. De diferentes
formas combinadas, o movimento (re)constrói o espaço. Movimento é espaço.
As espacialidades dos movimentos sociais o, portanto, as múltiplas dimensões
espaciais que regulam, condicionam, são inerentes, oferecem possibilidades, orientam as
ações elaboradas (ou não) como estratégias de intervenção dos/nos movimentos. Isto
implica, necessariamente, um exercício de “imaginação geográfica” (ou, imaginação
espacial) atras de um tensionamento dos aspectos observados tomando por base os
conceitos e categorias que estruturam as análises e raciocínios baseados no espaço.
evento é um instante do tempo e um ponto do espaço. Na verdade trata-se de um instante do tempo dando-se
em um tempo do espaço (...), um ponto nesse espaço-tempo, um dado instante em um dado lugar.” (pg. 144)
Ou seja, “os eventos são, simultaneamente, a matriz do tempo e do espaço” (pg. 145). A ação, geradora do
evento, portanto, é uma presentificação da experiência de espaço-tempo do ator/sujeito.
88
Sposito e Fischer (2001), na apresentação do livro “A invenção do presente” de Alberto Melucci, nos
auxilia ao afirmar que para compreender os movimentos sociais é necesrio buscar “os elementos próprios de
uma sociedade complexa, que desvelam ‘dimensões culturais dos conflitos e a ação inovadora dos
movimentos sociais’. Essas dimensões incluem o tempo vivido pelas pessoas em seus cotidianos, assim como
nos microespaços em que circulam. A construção democrática passa a incluir, sem dicotomias entre público e
privado, a identidade que se fortalece, solidária e afetivamente, nos laços primários de idade, gênero, moradia
e etnia.” (pg. 19)
230
Buscaremos, portanto, analisar dimensões espaciais da existência e da ação
social para iluminar a dinâmica da construção do Pré-Vestibular para Negros e Carentes.
Esta dinâmica é marcada, sobretudo, pela velocidade de seu crescimento e difusão (de 1
núcleo em 1993 para 77 em 1999), e, da mesma forma, pela velocidade de sua decadência
no número de núcleos vinculados (em 2001, eram 32 núcleos vinculados à rede). Com
efeito, no final da década de 90 o PVNC, enquanto entidade, passa por um agudo processo
de esfacelamento e redução que, na verdade, mais representa uma redefinição do
movimento que sua decadência. O que ocorreu foi a criação de outras redes
89
, e a atuação
isolada” de diversos outros núcleos. Ou seja, o PVNC perde o status de núcleo
gravitacional único do movimento de pré-vestibulares populares, este sim, ainda em
fortalecimento e crescimento numérico – radicaliza-se, sobretudo após o ano de 2000, a
distinção entre entidade PVNC e Movimento dos Pré-Vestibulares Populares (para negros e
carentes, comunitários, alternativos, etc.), que a entidade simbolizava e que confundia-se
com ela no imaginário e na representação social. Se até então, a entidade se confundia com
o movimento, a partir de então outros atores são reconhecidos, o movimento se
reconfigurando, se hibridizando cada vez mais com outras iniciativas atuantes em campos
diversos e, podemos dizer, consolidando uma “área de movimento
90
.
89
Outras redes foram criadas e se nacionalizaram, com destaque para a Educafro (Educação e Cidadania para
os Afro-Descendentes e Carentes, que atua nos estados do Rio de Janeiro,o Paulo, Minas Gerais e Esrito
Santo, com mais de 190 núcleos e quase 10.000 alunos). Criada a partir de uma dissidência do próprio PVNC,
ela atraiu uma migração da maioria dos núcleos deste. Mesmo sem uma vinculação direta com o PVNC em
termos de migração de núcleos, podemos citar também como símbolo da nacionalização do movimento de
pré-vestibulares o MSU (Movimento dos Sem Universidade), que está estruturado em 10 estados - Bahia,
Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Paraná, São Paulo, Rio Grande do Norte, Rio de
Janeiro e Tocantins são citados em sua página na internet.
90
A “área de movimento” é uma noção cuja inspiração remete diretamente à obra de Alberto Melucci, e é
apresentada por Burity (2001), quando este analisa inter-relações entre movimentos sociais em Recife. Este
autor aponta que “(...) a experiência da cidadania não é mais a experncia de identidades integradas,
centradas, que se apresentam sempre da mesma maneira nos diferentes espaços públicos, e privados. Antes, a
cidadania se torna multi-dimensional, envolvendo às vezes as mesmas pessoas em relação com diferentes
instituições, repertórios de ação, formas de se apresentarem socialmente, maneiras de construírem sua
identidade. Como conseqüência, também a identidade dos atores coletivos assim constituídos apresenta as
marcas desta circulação – quer nas modalidades de asserção coletiva (que geram movimentos específicos),
quer na de disseminação de práticas originadas em algumas dessas experiências para outros espaços sociais
(gerando demandas novas nestes últimos e permitindo certas formas de articulação entre atores vários, que
podem levar à constituição de redes ou de ‘áreas de movimento’).” (pg. 6, grifos do autor). Devemos ressalvar
aqui que, a exemplo de Melucci, que em sua teoria dos movimentos sociais lançao do espaço como
metáfora de representação do todo social, ao utilizar os termos “áreas” e “espaços”, Burity também o faz, mas
esta relação entre o espaço e o tecido socialo é a mesma que ocupa centralidade em nosso trabalho. O
“espaço” que ancora nossa discussão sobre a “espacialidade” da ação social é o geográfico, e não uma
231
Tanto o surgimento quanto o crescimento, a forma de estruturão, o
fortalecimento e o enfraquecimento do PVNC são resultados de um conjunto de
construções identirias, alianças, embates e rupturas políticas em suas dinâmicas internas
que, hipotetizamos aqui, podem ser lidas/explicadas também através de raciocínios
centrados no espaço. Para construirmos tal leitura, nos lançaremos a uma apresentação da
trajetória de construção do PVNC, entre 1993 e 2001, período de criação, fortalecimento,
acirramento dos conflitos internos e enfraquecimento do PVNC. A história do PVNC é, de
um lado, um processo de construção, ampliação e enfraquecimento de fortes redes de
solidariedade estruturando um movimento social. De outra perspectiva, ela também é uma
seqüência de conflitos e embates em torno da autoridade potica na condução/capitalização
destas redes. Mais do que isso, ela é uma complexa construção de experiências de fazer
potico por indivíduos que, ingressando no movimento a partir de interesses, desideratos e
sensibilidades as mais diversas, são expostos a demandas que extrapolam suas expectativas
iniciais, entre os quais podemos exemplificar:
Pessoas movidas pela busca da transformação social através da militância em campos
específicos, que são confrontadas a novas agendas de intervenção num ambiente marcado
cada vez mais por uma cultura potica de compartilhamento de bandeiras, percebem no
movimento uma oportunidade privilegiada para a viabilização de seus anseios poticos
através do diálogo com interlocutores e esferas do Estado, mas que têm que negociar para
isso os enunciados de construção do movimento, suas bandeiras identitárias e suas agendas
de discuso e intervenção;
Pessoas oriundas de espaços periféricos da metrópole
91
, e que conseguem romper as
barreiras à mobilidade, têm acesso a bens educacionais e se inserem em redes relacionais
(poticas, acadêmicas, profissionais, etc.) que lhes permite experimentar e propor usos e
potencializações de seus recursos (ou, para utilizar o léxico de Bourdieu, seus capitais
sociais, dos quais a própria condição de carência e seu pertencimento aos espaços da
pobreza paradoxalmente são também constituintes) não facultados a todos aqueles que
metáfora, um instrumento explicativo, de sustentação de uma leitura da totalidade social, tal qual aparece
nesta passagem de Burity e nos trabalhos de Melucci.
91
Caracterizados pela carência material e pela exigüidade de oportunidades que tem na restrição à mobilidade
(em todos os seus sentidos, espacial, econômica, social, de inserção em redes sociais, educacional, etc.) e ao
acesso à informação uma marca.
232
vivem sob as mesmas privações de toda sorte – ascensão educacional acaba encontrando
terreno fértil para conversão em ascensão política e mesmo ecomica, ascensão potica no
movimento permite a inserção em redes que potencializam ascensão educacional;
Pessoas que ingressam movidas por valores como a solidariedade, emergente nos anos
90 diante do agravamento da crise social, interessadas em lecionar uma determinada
disciplina para ajudar outras a ascender educacionalmente através da aprovação no
vestibular, são instadas a discutir e definir critérios de seleção de alunos – etários, de renda,
raciais -, e através disso discutir a dimensão potica de sua participação no curso, mesmo
quando seu envolvimento é fruto também de uma negação da potica moderna, centrada no
Estado enquanto esfera prioritária de coordenação social, como via para a resolução dos
dilemas históricos da sociedade.
O resultado é uma complexa configuração, onde as particularidades e as
singularidades ganham relevo produzindo diferenciações na forma como indivíduos e
núcleos se relacionam com o fazer político. Novos sujeitos da construção potica são
formados, potências de sujeitos são liberadas, tensionando resistências, cristalizações e
correlações de poder estabelecidas.
Institucionalidades são criadas, atores são reconhecidos: o movimento PVNC se
torna um ator e interlocutor potico no debate sobre a democratização racial do ensino
superior, dialogando com diferentes esferas do Estado, inclusive com o Governo Federal;
alguns núcleos do PVNC se tornam atores poticos importantes em contextos locais –
sendo referência para discutir, às vezes, todas as questões e carências sentidas no local, e
não somente as referidas à questão racial e seu entrelaçamento com as desigualdades no
mundo da educação, que são eleitas como sendo as fundamentais do movimento; alguns
núcleos se tornam refencias poticas municipais; outros núcleos não se envolvem com
qualquer plano de intervenção potica; enfim, uma série de configurações possíveis se
materializam na relão entre os núcleos, o PVNC enquanto coletivo, e a dimensão da
intervenção no campo da potica.
As configurações emergentes deste processo de embates poticos na construção
do movimento, propomos aqui, tem nos raciocínios espaciais uma inspiradora chave de
leitura, o que veremos a seguir no histórico de formação do PVNC. Buscamos aqui
233
construir uma narrativa que mantenha uma coerência temporal linear, mas, como esta não é
a melhor para informar as simultaneidades nos arranjos potico-espaço-temporais que são
cruciais para nosso olhar sobre o movimento, esta linearidade temporal será rompida em
diversos pontos de nossa narrativa, para dar evidência a estas simultaneidades e para nos
permitir o desenvolvimento de algumas questões cruciais para compreender os fazeres do
movimento como experiências de espaço-tempo. Neste sentido, no momento em que
buscamos reconstituir as experiências de alguns dos sujeitos, como forma de permitir a
compreensão de que os embates/encontros entre eles é uma fricção entre experiências,
fazemos uso também de um outro recurso, que é o remetimento a textos sobre alguns destes
sujeitos. Estes textos se encontram no final deste capítulo, e foi a forma que encontramos
parao interromper o fluxo do texto. Nas passagens oportunas, em que exploramos a
intervenção de cada um dos três que buscamos reconstituir, há a indicação para a leitura do
texto respectivo que nos auxilia a compreender os agenciamentos que influenciam a sua
ação no movimento.
5.1. Pré-Vestibulares para Negros: Embates entre Agendas na Construção de
um Movimento
92
A idéia da constituição de cursos pré-vestibulares para grupos socialmente
desfavorecidos no Rio de Janeiro remonta, pelo menos, à década de 1970. Nascimento
(2002) localiza em 1976 a criação de um curso voltado para negros, organizado pelo Centro
de Estudos Brasil-África no Rio de Janeiro. Na década de 1980 também foram criados
outros cursos (como, por exemplo, o curso da então Associação dos Servidores da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, criado para atender prioritariamente os servidores
92
Esta reconstituão do histórico do Pré-Vestibular para Negros e Carentes foi feita através da exploração do
nosso acervo documental, que rne 612 documentos recolhidos na ocasião em que fomos agraciados com a
bolsa do Concurso Negro e Educação (promovido pela ANPED e com suporte financeiro da Fundação Ford),
e documentos recolhidos recentemente em nossas entrevistas - que são a segunda fonte de nossas
informações. Agradecemos a contribuição de todos que nos permitiram copiar seu material, em particular,
Marcio Flávio de Oliveira, Fernando Pinheiro, Simone Seguins, Juca Ribeiro, Nilton Junior e Zeca Esteves.
Fabíola do Nascimento Camilo, Márcia Menezes e Gláucia Amaral foram fundamentais na organização e
sistematização deste acervo, bem como numa primeira leitura do material. Tanto a lista dos documentos
quanto as entrevistas transcritas são apresentadas em anexo.
234
da universidade, familiares, entes próximos e pessoas de baixa renda), mas, foi na década
seguinte que ocorreu uma difusão massiva desta iniciativa (registra-se, por exemplo, no
início dos anos 1990 a criação do Mangueira Vestibulares, voltado para os estudantes de
uma escola na favela da Mangueira e moradores). A expressão mais importante deste
processo foi o Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC), pelo número de núcleos que
criou e congregou, e pelo seu caráter seminal – muitos cursos, mesmo que desvinculados
dele, surgiram a partir da ação direta ou da influência de seus militantes, difundindo seu
formato e alguns de seus princípios organizativos e ideológicos. O PVNC constituiu uma
rede que chegou a articular mais de 80 cursos pela Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
O primeirocleo do PVNC foi criado em São João de Meriti - na Baixada
Fluminense - em 1993, com uma equipe composta por quatro coordenadores e dez
professores. Esta iniciativa tinha, naquele momento, um caráter pontual e isolado, mas era
fruto de debates que já vinham sendo desenvolvidos alguns anos antes, por grupos ligados
aos Agentes da Pastoral do Negro (APNs), ligados à militância católica de corte racial,
juntamente com outros movimentos eclesiais de corte semelhante, como o GRENI (Grupo
de Reflexão de Religiosas/os Negras/os e Indígenas, que era vinculado à CRB, Conferência
dos Religiosos do Brasil, mas do qual participavam membros de religes não-católicas,
com destaque para a Metodista). Este grupo católico, cuja principal liderança nesta
empreitada era o Frei David Raimundo dos Santos, havia conseguido bolsas de estudo para
estudantes negros junto à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Estas
bolsas, que foram negociadas pelos APNs juntamente com o Instituto do Negro Padre
Batista (de São Paulo), valeriam para candidatos aprovados no final do ano de 1993, e o
grupo da Baixada Fluminense pôs-se então a refletir sobre como aproveitar estas bolsas
também para estudantes do Rio de Janeiro, e não somente de São Paulo. Neste bojo, surgiu
a idéia de um pré-vestibular voltado prioritariamente para as populações afro-descendentes
– idéia que foi decisivamente fortalecida após a tomada de conhecimento pelo Frei David
de um curso para negros promovido pelo Instituto Cultural Steve Biko, em Salvador
93
, e de
outros cursos populares no Rio de Janeiro, como o Mangueira Vestibulares.
93
Este curso foi apresentado para o Movimento Negro em escala nacional com grande repercussão no I
Seminário Nacional dos Estudantes Universitários Negros (SENUN), ocorrido em Salvador no ano de 1993.
Muitos daqueles que, posteriormente, vieram a se tornar professores e coordenadores de núcleos do Pré-
235
A estes grupos, se juntaram outros militantes interessados na iniciativa – não
mobilizados diretamente pela oportunidade das bolsas, ou pela confluência da iniciativa
com o corte racial, mas pela constatação da evidência de uma questão educacional: a má
qualidade do ensino na Baixada Fluminense. Quando da montagem do primeiro núcleo, a
estratégia de utilização da mídia por parte das lideranças ligadas a esse grupo – sobretudo o
Frei David Raimundo dos Santos – atraiu outros militantes. Na verdade, a dificuldade de
construção de um quadro de coordenadores e professores no próprio seio do campo da
milincia negra religiosa demandou a extrapolação da busca de pessoas para além do
campo negro-eclesial. Dentre eles, três foram de imediato incorporados no trabalho, e se
integraram assumindo juntamente com Frei David a coordenação do primeiro núcleo: eram
Alexandre do Nascimento, Luciano de Santana Dias e Antônio Dourado
94
.
A inserção desses três militantes na condição de condutores da primeira
experiência, juntamente com o Frei, foi fundamental na instauração de novos marcos para o
debate sobre o que a iniciativa viria a ser. Já antes de começarem as aulas, e logo em seus
primeiros meses de funcionamento, iniciaram-se os embates em torno da definição da
concepção do que seria o curso: seus objetivos, seu formato, sua atuação, as pautas de
discussão, etc.
O Frei David, de formação franciscana, apontava para a necessidade de criação
de um formato baseado na auto-gestão e na não criação de aparatos jurídico-institucionais -
modelo utilizado pela Igreja Católica em suas ações sociais -, de maneira a possibilitar a
mais ampla disseminação da experiência [Ver texto sobre o Frei David, pg.301]. Outros
militantes apontavam para a construção de um aparato institucional no formato de ONG,
visando assumir um espaço de atuação na Baixada que, diante das incipientes reformas no
setor estatal naquela época, vinha sendo ocupado por outras organizações. Com este
formato, a iia era buscar apoios financeiros e institucionais para sustentação do trabalho.
Vestibular para Negros e Carentes conheceram a experiência da Steve Biko no SENUN, o que lhes teve
grande influência.
94
Na entrevista que nos concedeu, Alexandre Nascimento coloca que o que movia os três a se inserir naquele
debate era sua vontade de fazer algo no campo da educação, como via para melhorar as condições sociais na
Baixada Fluminense, sob uma ótica não racial, mas com um corte “popular”: “(...) era importante fazer um
esforço de criar o pré-vestibular com a perspectiva de preparar estudantes pobres para a universidade. Nós,
ainda, nesse momento, nós três sobretudo – eu, Antonio e Luciano – nos moamos não em torno da questão
racial. Nos movíamos em torno da idéia de “popular” – pré-vestibular popular, fazer uma educação popular,
preparar estudantes populares, favamos assim, estudantes populares para a universidade pública.”
236
237
Este embate permitia vislumbrar a primeira grande cisão de caráter ideológico
no movimento, opondo de um lado, uma tendência que se articulou em torno do formato
eclesial, liderado por David, e uma outra tendência que defendia a autonomia organizativa
em relação às igrejas e propunha a construção de um aparato institucional próprio. O
pertencimento institucional é, evidentemente, um elemento mobilizador deste conflito, na
medida que ele define as possibilidades de cada indivíduo envolvido (nesta situação de
disputa pela liderança) efetuar uma capitalização futura do formato a ser assumido.
Entretanto, há duas dimensões que podemos desdobrar como conformadoras destas
propostas/comportamentos: uma, diz respeito à aludida capitalização futura, que só pode se
consubstanciar em arenas e esferas institucionais e de poder específicas de atuação de cada
sujeito – no caso em tela, por exemplo, um indiduo do grupo eclesial tem na Igreja um
dos espaços de capitalização potica (no futuro) dos rumos da iniciativa (bem como de uma
eventual posição de liderança do movimento) a partir do momento que, incorporando os
princípios organizativos dela, tal reprodução se traduzisse numa vinculação orgânica
(formalizada ou não) com a instituição católica. Tal capitalização (ou, transposição de
capitais) seria impossível para um sujeito que não transitasse pelas esferas, arenas e jogos
de poder da Igreja, ou seja, só seria possível para alguém que “jogasse” neste campo. Uma
segunda dimensão é aquela que remete às influências legadas pelas trajetórias pretéritas dos
sujeitos em disputa, que lhes sugere o controle do jogo dentro de regras às quais eles já são
afetos – algo crucial na manutenção daquilo que Werlen (2000), baseado na fenomenologia
existencial de Heidegger, chama de segurança ontológica e interpretativa do ser, “na qual as
alocações de significado mais abstratas e mais anônimas estão baseadas” (pg. 12). Ou seja,
antes de vislumbrar uma capitalização futura, as decisões e posições dos diferentes grupos
em torno do formato do movimento são orientadas também pela intenção de manter a
iniciativa (o jogo) dentro de regras em que cada membro em disputa se mantenha numa
maior sensação de conforto. Isto congrega suas vincias e experiências passadas como
informantes da construção de seu futuro.
Quando falamos aqui de capitalização da iniciativa, é preciso estar atento a um
aspecto: neste momento ainda não se pensava em “movimento”, sequer se tinha iia de
que algum dia se chegaria a esta configuração. O que existia era uma iniciativa pontual, que
já começava a ser objeto de disputa por aqueles que a constram. Para uns era (ou, deveria
238
ser) uma iniciativa no seio da militância católica racial - uma iniciativa dos Agentes de
Pastoral Negros
95
; para outros, era (ou, deveria ser) uma iniciativa no campo da educação
popular, que havia se iniciado no seio da militância católica mas queo era
necessariamente circunscrita à sua lógica, podendo (e, devendo) assumir outros formatos e
estabelecer outros diálogos preferenciais e ideologias fundantes
96
.
De fato, se este embate de concepções já comava a ocupar as entrelinhas da
iniciativa, ela estava embebida de caráter católico, como uma iniciativa no seio dos APNs:
ao convidar estes três militantes para fortalecer e dar cabo à iniciativa, Frei David lhes
delegou atribuições cruciais na criação do primeiro curso (arregimentar professores, definir
os formatos, horários, enfim, reger a construção de um projeto pedagógico, para o quê eles
visitaram outros cursos pré-vestibulares, comerciais e populares
97
), mas, o trabalho era
centralizado no Salão Quilombo e estava plenamente incorporado ao trabalho dos APNs.
As inscrições eram feitas pelos APNs; foi feita divulgação numa missa afro (uma missa
inculturada, celebrada pelo Frei David); as redes sociais constituídas em torno da militância
católica negra funcionavam como importante meio de divulgação (na entrevista a nós
concedida, Geanne Campos afirma que ela e Simone Seguins, alunas da primeira turma,
foram informadas sobre o pré atras de uma freira na igreja em Nova Campinas, onde elas
participavam de um grupo jovem); as reuniões de discussão e apresentação do curso aos
95
Esta concepção aparece claramente no Editorial do jornal O Quadro Negro, primeiro informativo do Pré-
Vestibular para Negros e Carentes, de agosto de 1994, quando se coloca que “O Curso Pré-Vestibular para
Negros e Carentes é um projeto alternativo de educação popular que foi construído pelo grupo de Agentes da
Pastoral Negra da Igreja da Matriz de São João de Meriti, por um grupo de Educadores Voluntários e
comprometidos com uma Educação para a cidadania. Hoje o Projeto conta com a participação de vários
Grupos, Comunidades e Movimentos Populares. A experiência em São João de Meriti já foi ampliada para
outras frentes de trabalho em funcionamento no Rio de Janeiro, Baixada e Petrópolis; e outras em fase de
estruturação.”
96
Por exemplo, no texto “Reflexão em defesa da proposta de financiamento para o Pré-Vestibular para
Negros e Carentes”, do final de 1996, Alexandre do Nascimento coloca que “A partir do surgimento de novos
cursos, o Movimento de Educação Popular ‘Pré-Vestibular para Negros e Carentes’ começou a ser construído.
(...) É importante lembrar que o Pré-Vestibular para Negro e Carentes nunca foi um trabalho exclusivo da
Igreja Calica e nem criado pelos APNs de São João de Meriti. Embora se tente veicular essa idéia, ela não é
verdadeira. Somente um membro da Igreja assumiu verdadeiramente a construção do Curso da Igreja da
Matriz em 1993, os demais professores e coordenadores são cidadãos trabalhadores e independentes, como a
grande maioria das pessoas que atuam no Movimento.
97
Alexandre Nascimento, em entrevista, nos afirma que “David pegou os nossos telefones, depois ele ligou e
marcou uma reunião. Nessa reunião ele coloca que ele tinha uma idéia, uma vontade de criar um curso pré-
vestibular para negros, estudantes da Baixada. E ele disse exatamente com essas palavras: “eu queria que
vocês fossem os mentores dessa idéia”. Abre aspas, “eu queria que vocês fossem os mentores dessa idéia”,
fecha aspas. A gente - a gente, quando eu falo, era eu, Luciano e Antonio -, nós ficamos empolgados com a
idéia, porque o Antonio fazia pedagogia...”
239
alunos eram, na verdade, reuniões dos APNs em que o curso era um ponto de pauta – o que,
com o tempo, foi também incorporando alguns alunos ao cotidiano dos APNs; os APNs,
durante o primeiro ano de funcionamento e mesmo no icio do segundo ano,
acompanhavam de perto o curso. Até então, podemos afirmar que o curso pré-vestibular
para negros e carentes (aqui, no singular mesmo!) era, portanto, uma iniciativa dos APNs
da Baixada Fluminense realizada na Igreja Matriz em São João de Meriti – uma iniciativa
que reunia católicos e leigos, como quase todos os trabalhos dos APNs e mesmo uma
grande porção das ações sociais das Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica.
A criação deste curso deu nova vida ao Salão Quilombo, instituindo nele uma
circulação que abrangia não somente a coordenação, mas também os alunos. Mesmo as
aulas sendo ministradas no Colégio Fluminense (chamado de Flusinho), a poucas quadras
da Igreja Matriz, o Quilombo era a referência de agregação dos alunos, ele era o ponto de
encontro de todos. Muitos dos alunos, que moravam longe, permaneciam lá nos intervalos,
lá almoçavam, e criava-se assim um convívio fortalecedor de laços. De outro lado, o Salão
Quilombo não era referência apenas para os participantes do curso pré-vestibular, mas, para
a militância religiosa negra da Baixada Fluminense. As missas inculturadas negras – bem
como o próprio trabalho dos APNs - reuniam religiosos de diferentes filiações, sendo
inclusive, muitas vezes, celebradas de maneira inter-religiosa, o apenas como missa, mas
como “ato ecumênico”.
Estes laços permitiram à iniciativa do curso pré-vestibular uma visibilidade
entre os religiosos negros de distintas igrejas que foi fundamental para a difusão da
experiência. No final de 1993, um ato ecumênico foi realizado, e outros padres e pastores já
mostravam interesse em replicar a experiência do pré-vestibular. Constituiu-se um
ambiente propício para o apoio à iniciativa por parte dos religiosos articulados no GRENI,
e com isso também veio o apoio da CRB. Tais apoios renderam ao pré as bolsas para os
alunos aprovados na PUC-Rio naquele ano
98
. Os apoios no meio religioso, o sucesso
98
A relação com a PUC do Rio de Janeiro foi sendo construída ao longo do segundo semestre de 1993.
Algumas explicações se nos apresentam para a mudança de foco da PUC-São Paulo para a Puc-Rio, sendo
que duas nos parecem as hipóteses mais prováveis: as dificuldades envolvidas na ida dos alunos da Baixada
Fluminense para estudar em São Paulo; e, a possibilidade do declínio da PUC-SP em relação à concessão das
200 bolsas prometidas. Com efeito, em nosso acervo dispomos de uma carta da PUC-SP enviada para o Frei
Davi, datada de 05 de maio de 1993, revelando dificuldades financeiras pelas quais a universidade passava, e
afirmando que “(...) dentre as medidas restritivas tomadas, está aquela deo conferir bolsas a alunos de
240
alcançado em termos de aprovação (fala-se num índice de aprovação de 34% dos
concluintes para universidades públicas, e 4 alunos aprovações para a PUC), e uma
significativa inserção na mídia
99
ampliaram significativamente a procura pelo pré. Se a
primeira turma, em 1993, iniciou-se com 98 alunos, na passagem para 1994 se inscreveram
716 candidatos a alunos do curso!
100
Não apenas alunos, mas, apareceram também novos
voluntários para serem professores e coordenadores. Em reuniões de balanço e avaliação, o
grupo começa então a traçar as estratégias para a disseminação do trabalho.
Cabe ressaltar que a própria disseminação como princípio e diretriz já se
constituiu numa primeira vitória eclesial, em muito possibilitada pela grande procura
instaurada pelo pré e pela atuação do Frei David em relação a esta procura, sempre
reunindo grupos de candidatos e os colocando frente à frente com os outros militantes para
solicitar mais vagas. Como o curso funcionava na Igreja, espaço institucional no qual ele
era a principal referência, toda a procura e as atenções eram dirigidas a ele, centralidade
primeiro ano, (...) porque estaríamos gerando expectativas dentre os vestibulandos, que não poderíamos
atender”. Não dispomos da resposta a esta correspondência, nem de eventuais réplicas, o que não nos permite
concluir acerca dos desdobramentos desta comunicação. De outro lado, numa carta que também dispomos,
datada de setembro de 1993 a coordenão do curso solicita a isenção de taxa de vestibular à PUC-Rio, que
responde negando mas se dispondo a dialogar. Esta primeira carta do curso à PUC é assinada por Alexandre
Nascimento, Luciano de Santana Dias e Antônio Dourado, e vai sem a assinatura do Frei Davi – o que
acreditamos ser função do cenário conservador em relação à discussão racial na diocese do Rio de Janeiro
naquele momento, que tinha à sua frente Dom Eugênio Salles. Logo em seguida, há uma carta do presidente
da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) ao reitor da PUC apresentando o curso pré-vestibular,
manifestando seu apoio à iniciativa, indicando Frei Davi como interlocutor legítimo junto à universidade, e
solicitando acolhida por parte dela. Esta posição se deveu aos apoios mobilizados no âmbito do GRENI e da
CRB, que renderam uma relação com a PUC do Rio de Janeiro que foi crucial para o crescimento do pré-
vestibular para negros e carentes, e para a sua transformação em Pré-Vestibular para Negros e Carentes (o
movimento, com letras maiúsculas!).
99
Em nosso acervo documental conseguimos coletar 11 matérias de jornal sobre o Pré-Vestibular para Negros
e Carentes em 1994 – sendo duas em janeiro, divulgando as inscrições. Antes do encerramento da inscrição,
no dia 23 de janeiro, o jornal O Dia publicou, no caderno Grande Rio, voltado para a Baixada Fluminense,
uma matéria de meia página intitulada “Curso para carente dá bolsa na PUC – Igreja Matriz de Meriti cria
pré-vestibular e faz convênio que permite aos aprovados estudarem de graça. Ainda há vagas para 94”, um
forte apelo propagandístico do curso chamando a atenção para as bolsas na PUC, mostrando os índices de
aprovação da primeira turma e entrevistando professores, um dos alunos aprovados e seus pais incluindo
foto deles e realçando a alegria da família. Destas 11 matérias coletadas, 4 são do jornal O Dia, então, o jornal
de maior circulação na Baixada Fluminense.
100
Esta inscrição durou meses, desde o final de 1993 até fevereiro de 1994. Seu impacto psicológico,
entretanto, fez-se sentir no dia 19 de fevereiro de 1994, data para a qual estava marcada a entrevista de
seleção com os candidatos. Imensas filas se formaram, construindo uma cena para a qual a maioria dos
coordenadores, professores, ex-alunos e demais colaboradores não estavam preparados! Reforçamos aqui o
papel da inserção midiática para este número, anunciando as inscrições e a disponibilidade de vagas e
chamando a atenção para os índices de aprovação e para as bolsas na PUC.
241
que permitia esta condução. Foi a sua capilaridade também em relação à militância
religiosa negra que lhe permitiu articular espaços para a abertura de novos cursos.
Neste cenário, a viabilização da própria difusão – bem como a forma como ela
seria exercida – vai gradativamente se transformando numa arena de disputas, onde cada
grupo lançava mão de seus capitais. A abertura de novos cursos dependia, basicamente, de
três elementos: a constituição de um grupo de pessoas com disposição para a condução do
trabalho; a formação de um quadro de professores; e a cessão de um espaço para o
desenvolvimento do trabalho. Na época, foi elaborado um texto mostrando passo-a-passo
como se construía um núcleo, uma espécie de cartilha de montagem de um curso com
aquele formato. Este texto enfatizava os vínculos com a escala local do núcleo, apontando a
necessidade de que tanto os coordenadores quanto os professores fossem da própria
localidade onde se situasse o núcleo – uma ênfase que aponta não somente a iia do local
como recorte espacial (ou escala) de intervenção, mas também uma estratégia de realização
de tal intervenção, uma estratégia de inserção no território social local, uma estratégia de
territorialização!
O grupo eclesial mobilizou então uma rede de contatos institucionais com
capacidade de cessão de espaços, o que imprimiu fortemente sua marca ao conjunto: dos
seis núcleos que começaram a funcionar já no início do ano de 1994 (o Pré-Matriz, que já
funcionava desde meados de 1993 mais cinco novos), cinco utilizavam espaços de igrejas
ou colégios religiosos, com apoio de lideranças eclesiais. Estas lideraas estimulavam a
assunção do trabalho por membros dos grupos de juventude das igrejas, o que ampliava o
leque de pessoas e organizações envolvidas: militantes da Juventude Operária Cristã,
Agentes da Pastoral da Juventude e outras, trabalhando juntamente com membros do
GRENI e da Pastoral do Negro, possibilitaram a criação dos núcleos Nilópolis (na Igreja
Nossa Senhora Aparecida), Rocinha (no Rio de Janeiro, na Igreja Metodista), Prainha (na
Creche Menino Jesus, das Irmãs Franciscanas, na comunidade da Prainha, em Caxias),
Pastoral da Juventude ou PJ (na Catedral do Centro de Caxias) e Metodista (no Colégio
Metodista no Centro de Caxias)
101
.
101
Listamos aqui apenas aqueles que temos registros seguros de que teriam comado seu funcionamento no
início de 1994. Com efeito, já havia outras frentes em formação e que foram identificadas em nossa pesquisa,
mas cujo início nossos registros datam de poucos meses depois, como maio, junho. Os prés Pilar e Nova
242
Além destes, foi criado também no início daquele mesmo ano o pré
ABM/GRUCON – que foi, na verdade, o segundo núcleo a ser criado. Este curso,
localizado em Villar dos Telles, em São João de Meriti, tinha como principal coordenador
Juca Ribeiro, militante ligado ao Partido dos Trabalhadores (havia sido candidato a vice-
prefeito daquele município no ano de 1992) e presidente estadual do Grupo de União e
Consciência Negra (GRUCON), uma entidade do movimento negro criada no seio da Igreja
Católica nos anos 1980 e estruturada em diversos estados do país. Juca era, portanto,
alguém de pronunciada trajetória potica no campo partidário (na escala local) e no campo
anti-racismo (em escala nacional) [Ver texto sobre Juca Ribeiro, pg. 309]. Através do
contato com o Frei, ele reuniu o grupo para montar o p, inicialmente encontrando
dificuldades para cessão de um espaço. Sua militância potica lhe rendeu o usufruto do
espaço na Federação das Associações de Moradores de São João de Meriti (ABM). Era,
portanto, também um curso gerado através das redes potico-sociais vinculadas ao grupo
de matriz eclesial, nucleado pelo Frei David. Na segunda metade da década de 1980,
sobretudo na época da Campanha da Fraternidade de 1988, que problematizava a questão
racial, Juca esteve muito ligado a David, tendo militado ativamente no seio da Igreja.
A localização dos cursos – dimensão espacial de manifestação do movimento,
que diz respeito ao lugar onde a ação se materializa – aparece, portanto, como resultante da
ativão de redes e vínculos sociais, que mobilizam recursos latentes, possibilidades, e não
justamente de uma singularização (no local) da carência ou mecanismo de exclusão que
funda o próprio movimento. Neste período de início da construção do movimento, ou seja,
de construção das formas e dos significados da ação
102
– o que envolve definições, mas
também consolidação e difusão das formas de ação como “aprendizagens” -, tais redes e
vínculos são ainda mais cruciais. A consolidação e a difusão destas aprendizagens permite a
replicação da ação, da experiência do fazer, e a localização de novos cursos no futuro vai,
Campinas (em Duque de Caxias), Gamboa (no Rio de Janeiro), Éden (em São João de Meriti) e Petrópolis,
são exemplos de cursos que iniciaram seu funcionamento logo em seguida: a velocidade do surgimento de
novos cursos – bem como a precariedade de muitos deles – era extrema.
102
Em Santos (2003b) apontamos que os pré-vestibulares populares, com destaque para o papel seminal do
PVNC, integraram um contexto social marcado pela criação, nos anos 90, de novas formas de ação.
Mostramos como esses cursos “(...) não apenas fundaram uma institucionalidade, mas inauguraram uma
forma embrionária de agir que comporta envolvimentos múltiplos, possibilitando a convergência múltipla de
ações – atos, significados, ideologias – que viabilizou a materialização dessa forma em distintos contextos
sociais.” (pp. 129-130)
243
gradativamente, se tornando menos dependente da qualidade e da força das redes e vínculos
sociais que foram determinantes no início do movimento.
Naquele momento, a difusão se consolida enquanto tendência, e as redes sociais
são mobilizadas pela criação de novos cursos: no final do ano de 1994, já eram 15
funcionando, com variados graus de disponibilidade e precariedade de condições materiais,
didático-pedagógicas, poticas, etc. O Diagrama “Núcleos da Rede PVNC por ano e por
município” mostra a evolução numérica dos núcleos do PVNC, por município e por ano,
entre sua criação em 1993 e 2002, e o Mapa 1 mostra os núcleos que, no mesmo intervalo,
foram vinculados à rede
103
. Ressalte-se que, neste desenrolar do ano de 1994 – período em
que a iniciativa começa a ser replicada –, que vai-se constituindo um sentimento de
constituição de um movimento. Este sentimento, com efeito, comporta a transformão do
próprio significado e do vocabulário associado aos cursos: se, no início de 1994 cada
iniciativa é chamada de “curso”, já em abril/maio se começa a chamar cada curso de
“frente”. Em 1995, começa a aparecer a denominação “núcleo”, que se cristalizou e até
hoje é utilizada no movimento. A mudança na denominação de cada iniciativa de “curso”,
para “frente”, e para “núcleo”, representa na verdade (i) uma crescente percepção do
crescimento do trabalho, que deixa de ser apenas um curso para se tornar um movimento,
mas que para isso, gradativamente (ii) vai se desvinculando de seu berço, os Agentes de
Pastoral Negros. “Frente” é uma denominação que realça uma origem comum, uma
“matriz” – este é o significado duplo que ganha o Pré Matriz, que assim se chama por estar
situado na Igreja Matriz, mas que se considerava neste momento (e, diversos de seus
militantes até hoje assim o colocam) a “matriz” de todas as iniciativas. Estas outras, por seu
turno, vão de imediato disputar a sua autonomia
104
, e é esta autonomia (fundamental para a
manutenção da coletivização, do estar junto) que vai aparecer na denominação de “núcleo”.
103
Chegamos a cogitar a elaboração de um mapa discernindo os núcleos funcionando em Igrejas (e,
informando a filiação religiosa), em escolas, em associações de moradores e outros espaços institucionais.
Entretanto, mesmo com toda a documentação de que dispomos, este mapa ficaria carecendo da informação
para uma quantidade muito significativa de núcleos, o que nos levou a desistir. O mesmo vale para o tipo de
assentamento em que os núcleos se situam – favelas, loteamentos, bairros populares, etc.
104
Esta disputa pela autonomia das novas “frentes” em relação ao Pré Matriz aparece logo na composição das
turmas, em que a coordenação do Matriz queria que os novos núcleos acolhessem os alunos excedentes dos
716 inscritos, mas os coodenadores dos novos núcleos queriam compor turmas com alunos de suas próprias
localidades. Na maioria das novas frentes, fez-se um misto, com alunos indicados pelo Matriz e alunos
selecionados pelos próprios.
244
Autonomia em relação ao Pré Matriz; autonomia em relação aos APNs; autonomia em
relação à Igreja Católica!
105
O coletivo ganhou então, no ano de 1994, além de um significativo crescimento
numérico, uma complexidade maior no tocante às ligações com outros movimentos
organizados, o que determina uma maior gama de influências ideológicas e de concepções
acerca do que o nascente movimento deveria ser. Inicia-se uma hierarquização simlica do
movimento, com a entrada de militantes com experiências e capitais acumulados em outros
movimentos, que multiplicam os interesses em jogo, e com isto passam a ser criadas novas
esferas e arenas de disputas. A questão da institucionalização ou não ganha um par, às
vezes a ela vinculado, às vezes discutido isoladamente, que é a questão do financiamento.
Aspectos onde as divergências eram radicais, instauram com grande força as intrigas
personalizadas e as especulações acerca dos interesses de cada um dos que então começam
a ser chamados de “os iluminados” ou “os intelectuais do movimento”, grupo
simbolicamente dominante dentro da hierarquia de sujeitos da construção do movimento,
portadores de maior experiência no fazer potico, além de capitais relacionais que os punha
em vantagem nas discussões e embates. Politicamente, entretanto, não havia unidade entre
estes, mas sim, uma disputa pela posição de liderança na construção do movimento, e os
chamados “iluminados” começam a constituir campos ideológicos que aglutinavam e
demarcavam tendências políticas. Eles comam a gradativamente se distinguirem em
Campo Negro-Eclesial (grupo vinculado à Igreja) e o chamado Campo “Amplo”, assim
denominado por reunir uma variedade de concepções, pautas e formas de atuação. A
unidade do Campo Amplo cresce, conforme abordaremos adiante, na contraposição em
relação ao Campo Negro-Eclesial.
105
Mais adiante veremos que a denominação de núcleo também funcionará como um instrumento de leitura e
construção de hierarquias na estrutura do movimento, na medida que é no momento que ela se consolida que
vai se consolidar também uma dissociação entre a dimensão do cotidiano (dos núcleos) dos fóruns coletivos,
que serão lidos - por aqueles que neles disputavam – como sendo a própria dimensão de movimento, o que
será a base para representações e leituras do Pré-Vestibular para Negros e Carentes através de campos
políticos e ideológicos.
245
Em torno destes embates onde as diverncias eram expcitas, orbitavam outras
discussões, mais amenas, em torno das quais se construíam consensos que serviam de
argamassa simbólica ao movimento. A principal discussão a ganhar esse tom foi a questão
246
racial, reforçada nos primeiros momentos. Apesar de algumas discordâncias e ressalvas
existentes no grupo inicial, a predominância da influência Negro-Eclesial foi marcante,
inclusive na definição do nome “Pré-Vestibular para Negros e Carentes”. Este nome, criado
ainda em 1993, foi aos poucos se firmando como referência para o movimento, sendo
oficialmente” assumido pelo conjunto apenas em agosto de 1995, na 8ª Assembléia dos
Núcleos. Até então, vários nomes apareciam – em matérias de jornais sobre a iniciativa, em
matérias dos informativos do próprio movimento e em textos de participantes do
movimento -, ou designando núcleos individualmente, ou designando o próprio movimento
como um todo, nomes como “Pré-Vestibular pela Cidadania”, “Prés-Vestibulares para
Juventude Negra e Empobrecida da Grande Rio de Janeiro”, “Curso Popular da Baixada” e
“Pré-Vestibular da Baixada” são alguns exemplos. Ou seja, tratava-se de um embate entre
bandeiras fundadoras do movimento, no qual a do anti-racismo se mostrou hegemônica,
confrontada a outras em cuja base de construção se encontravam identidades decorrentes de
construções espaciais
106
, ideológico-partidárias e outras.
Havia, flagrantemente, uma intenção de Frei David de construir uma iniciativa
que tivesse a questão racial como mote centralessa era a sua linha de atuação dentro da
Igreja, para a qual ele era designado – e, durante boa parte de sua trajetória, liberado de
obrigações vicariais - pela Ordem dos Franciscanos, e que ele vinha executando havia
praticamente uma década através da estruturação dos Agentes Pastorais Negros (sobretudo
nas paróquias de sua diocese), da construção da Comissão de Religiosos, Padres e
Seminaristas Negros do Rio de Janeiro, do GRENI e de suas mais diversas formas de
interveão. O grupo inicial, entretanto, era constituído também por pessoas que não
tinham a questão racial como elemento fundante de suas trajetórias de militância, o que
instaura o jogo em torno da definição não apenas de um nome, mas, de um princípio de
identidade da iniciativa, mote de agregação ou de afastamento de militantes e do
estabelecimento de vínculos ou de rupturas com outras lutas e com outras esferas do fazer
106
A defesa de uma identidade política da Baixada Fluminense se ancorava num grupo forte, com interesses
políticos nesta constrão. Esta relação entre identidades e o espaço é um tema que vem ganhando crescente
relevância enquanto desafio prático e dilema teórico, pois, como afirma Werlen (2000), “no nível do dia-a-dia
cada vez mais pessoas estão se tornando conscientes de que um número de problemas sociais envolvem de
alguma forma um componente espacial. O nacionalismo e o regionalismo são duas destas formas
extraordinariamente importantes. Ambos são expressões de uma combinação especifica desociedade’ e
‘espaço’. (pg. 7)
247
potico. Aí, a mobilização de suas redes sociais na arregimentação de novos militantes foi
fundamental para que Frei David conseguisse viabilizar a assunção do nome “negros e
carentes”, pois foi a agregação de novos “correligionários” da questão racial é que
viabilizou sua vitória enquanto mote central da iniciativa que, aos poucos, ia se
transformando e sendo percebida como um movimento. Juca Ribeiro, em entrevista a nós
concedida, chega a afirmar que
David tinha um dilema. Recuperando, que eu acho que é importante, eu acho que
ele tinha um dilema: ele queria montar um movimento de promoção de
oportunidades educacionais com um grupo que não tinha nenhuma vinculação e
até resistência com a questão racial. Entre os fundadores, existiam tensões claras
de resistência à questão racial. Isso faz parte da biografia dessas figuras. O fato do
David ter me chamado colaborou pra que a questão racial pudesse ter mais foco e
ele pudesse ter mais agentes pra promover um certo alinhamento com a questão
racial. (...) Eno, na realidade, ao ser chamado pro Pré-Vestibular para Negros e
Carentes, na realidade, o David precisava de quadros experientes na questão racial
que pudessem promover essa concepção de organização do discurso linear que
tinha que ser construído no pré-vestibular – que, na época, não era Pré-Vestibular
para Negros e Carentes.
(...) o Pré-Vestibular para Negros e Carentes tornou-se o Pré-Vestibular para
Negros e Carentes, “tornou-se”, não nasceu como. Agora, tornou-se por quê? Por
conta da “primeira geração”? A primeira geração não tinha peito pra fazer a defesa
disso, nem tinha interesse. tornou-se Pré-Vestibular para Negros e Carentes
quando o David percebeu que as condições estavam dadas. Estavam dadas pra ter
no mínimo aquela identidade vinculante a um mundo racializado. Afora isso,
certamente não entraria. Seria “Pré-Vestibular da Cidadania”, ou “Pré-Vestibular
Popular da Baixada”. Seria um nome assim difuso, e aí seria muito difícil você
sustentar uma luta com essas características.”
Coloca-se, portanto, que na passagem de uma iniciativa única – e, por que não
dizê-lo, pontual, isolada e mesmo paroquiana – para uma ação coletiva em franca
replicação e expansão, vão se instaurando disputas por aquilo que, cada vez mais, se
anunciava enquanto um movimento. Disputas (i) de concepções; (ii) por hegemonias; (iii)
entre diferentes experiências do fazer potico, que condicionam percepções, objetivos,
estratégias e táticas. Estas disputas apareciam, ainda em 1994, sobretudo nos debates sobre
a racialização da iniciativa, na busca de autonomia das “frentes” (que iam buscando se
transformar em “núcleos” autônomos!) diante da tendência à centralização no Pré
Matriz/Salão Quilombo, na proposição de uma institucionalização do movimento autônoma
em relação à Igreja Católica e aos APNs, na proposição da busca de financiamento para a
iniciativa, na definão do nome, entre outras.
248
Com quase 20 núcleos no final de 1994, o Pré-Vestibular para Negros e
Carentes já é bastante diferente do que era no início do ano. Cada vez mais ele é objeto de
disputas entre indivíduos que, orientados por concepções e projetos diferentes, vão lançar
mão de diversas estratégias, diante do fortalecimento de uma percepção de que aquela ação
estava desenvolvendo alto potencial de replicação, e de que não se tratava mais de uma
iniciativa pontual de poucas pessoas lutando contra tudo e contra todos – disputas pela
liderança, pela concepção, pelo significado, e pelos rumos daquilo que se percebia cada vez
mais como uma ação COLETIVA. Esta disputa é instaurada juntamente com a definão de
um conjunto de indivíduos que vão constituir um "micro campo de conflitividades", onde
vigoram normas de conduta específicas, onde eles são legitimados mutuamente - e,
automaticamente, deslegitimam outros -, onde se desenvolve um léxico próprio, e onde o
choque de experiências do fazer potico atinge a sua maior turbulência. Indivíduos ativistas
que militavam em outros campos e áreas de movimentos (como Frei Davi, Juca Ribeiro)
dialogando com indivíduos que não atuavam com a mesma intensidade em outros campos
(como Nilton Júnior, Alexandre do Nascimento, Zeca Esteves) vão constituindo um grupo
que será chamado de "os iluminados", como veremos a seguir.
Muitos dos embates se davam, segundo nossa perspectiva, por conta das
experiências (anteriores e contemporâneas) do fazer potico de cada um. Por exemplo, o
Frei Davi estava no PVNC mas, evidentemente, pensando também nas embates que travava
na Igreja. Assim como outras figuras. É humanamente impossível que um indivíduo, ao
penetrar num local que é constituído em arena de construção de um campo, onde
determinados embates concernentes àquele campo estão ocorrendo, imediatamente se
desligue dos embates que ele trava em outros fóruns e campos dos quais participa, sem ter
suas ações, atos e atitudes influenciados pelas ordens de interesses em jogo naqueles outros
fóruns e campos - é impossível fugir dessas tensões, sobretudo quando muitas vezes as
questões ou os interlocutoreso os mesmos. Se, de um lado um indivíduo como o Frei
David tem em sua ação as influências de todos estes elementos, de outro lado indivíduos
como Jobson Lopes e Fernando Pinheiro (sobre os quais falaremos mais adiantes) não os
têm e, mais ainda, são compelidos a (ou, não raro acabam por) desconfiar e rejeitar todos
estes condicionamentos "externos". Todas as aspas devem cicrunscrever e relativizar o
"externo" aqui, afinal, ao influenciarem a ação de indivíduos em seus atos de disputa (que
249
também são, obviamente, de atos de construção) do movimento, estes elementos se tornam
internos ao movimento.
5.2. As Institucionalidades do PVNC como Arenas de Disputa e Legitimação
O estabelecimento do nome Pré-Vestibular para Negros e Carentes resultou de
um processo de negociação onde, efetivamente, o que estava em jogo não era o nome em si,
mas a hegemonia na condução dos rumos do movimento: o nome é uma MARCA e, como
tal, demarca! Em busca desta hegemonia, uma série de práticas se constrói como
instrumentos de fortalecimento político destes sujeitos. Neste contexto, a questão racial
ganha status de dimensão construtiva consensual, e o conhecimento sobre a temática passa
então a conferir autoridade a seus portadores. Assim, os sujeitos da disputa, mesmo aqueles
que lutavam pela instituição de um corte popular ou classista, ou por outras identidades,
como a da Baixada, passam a assumi-la e utilizá-la como instrumento de fortalecimento de
sua autoridade simbólica.
Isto se torna patente na criação - e, sobretudo, na consolidação - da disciplina
Cultura e Cidadania. Ela surge como decorrência das discussões implementadas pelos
militantes que tinham como projeto um pré de corte popular, e viam o processo educativo
como uma possibilidade de adoção dessa postura. Cultura e Cidadania foi formulada como
o elo de converncia entre a preparação para o vestibular, a conscientização potica e a
busca de uma proposta pedagógica que pudesse estar adequada à realidade e aos interesses
dos segmentos sociais envolvidos no PVNC. Nos registros que coletamos – documentos e
entrevistas -, não conseguimos localizar um nascimento preciso para a disciplina. Há
depoimentos apontando que ela surgiu, ainda no ano de 1993, como alguns debates sem
freqüência regular (às vezes, inclusive, ocupando horários vagos por falta de professores)
impulsionados por eventos como as Chacinas da Candelária e Vigário Geral, bem como
pela questão racial, e depoimentos apontando que ela já existia desde o começo do curso.
Consideramos que, menos importante do que a precisão em seu nascimento, o importante
para nós é buscar compreender seu processo de consolidação, seus papéis e significados na
formação do Pré-Vestibular para Negros e Carentes.
250
Na formulação desta disciplina, considerava-se que uma Educação Popular,
enquanto finalidade pedagógica do curso, deveria ter um caráter potico de conscientização
das relações excludentes da sociedade, enfocando primordialmente as questões na escala
local e no plano do cotidiano das comunidades. Nas discussões originárias, a disciplina se
chamaria “Aspectos da Cultura Brasileira” – também aparece nos registros “Aspectos da
Cultura Popular Brasileira” -, por acreditar-se que a cultura é um ponto fundamental no
processo educacional – cultura entendida como algo amplo, dinâmico, que envolve todas as
dimensões da vida. O pré deveria, por conseguinte, preparar o aluno não apenas para o
vestibular, mas, sobretudo, para uma vida de luta potica pela emancipação e promoção
social das populações às quais ele pertence. Instauram-se, então, discussões acerca de como
consubstanciar tais propostas, através de um temário e de uma pedagogia específicos. Na
época, foi produzido um texto que circulou no movimento, acerca de como estruturar e
conduzir a disciplina. Este texto foi reproduzido em uma série de documentos de circulação
interna do PVNC – parte dele até na Carta de Princípios, documento máximo do
movimento, resultante de um longo processo de discussões que não se findaram mesmo
depois dela –, e expressa claramente a luta pela afirmação potico/intelectual de um campo:
“O trabalho Comunitário não quer ser uma extensão do automatismo de educação.
A coordenação, alunos e professores fazem destes Pré-Vestibulares espaços
alternativos para se discutirem e aprofundarem as grandes questões que angustiam
a Sociedade. Para isto foi criada a matéria CULTURA E CIDADANIA. Ela é
ministrada todos os sábados. Na matéria Cultura e Cidadania se debate com os
alunos e professores presentes, questões tais como: Racismo, Políticas Públicas,
Questões da Mulher, Ideologia do Embranquecimento, Vioncia Policial, Direitos
Constitucionais, Análise da Conjuntura, etc., tendo a mesma carga horária semanal
das outras disciplinas. No entanto, sua construção pedagógica é diferente, pois se
abre para que o conjunto construa uma nova visão de si e dos outros (Sociedade),
numa dinâmica que engloba: Debates, Análises de Filmes, Músicas e Textos,
Dinâmicas de Grupos, etc. Esta matéria não tem professor próprio, sendo animada
pela coordenação através de convites a pessoas especializadas nos vários assuntos
espeficos”. (grifo nosso)
Esta foi a oportunidade de capitalização da disciplina pelos “intelectuais” do
movimento. O referido texto apontava um temário básico e a necessidade de que os temas
fossem trabalhados na forma de palestras e debates com “pessoas especializadas nos vários
assuntos”. Num certo momento, mais precisamente no ano de 1996, chegou-se a produzir e
fazer circular uma lista de contatos de pessoas para ministrar palestras em Cultura e
Cidadania, lista esta que misturava os “iluminados” do movimento a outros intelectuais e
poticos de partidos de esquerda, simpáticos à questão racial ou outras das apontadas.
251
Criou-se, desta forma, um canal de circulação e de difusão da fala destes “intelectuais”
pelas bases de construção do movimento, canal este que poderia compensar, nos embates
poticos, o poder da rede mobilizada em torno do grupo eclesial: era esta rede, como vimos
anteriormente, o principal instrumento de crião de novos núcleos; era o Frei Davi aquele
que mais circulava pelos novos núcleos dando-lhes apoio e compartilhando aprendizados
experiências para a sua consolidação. Ressalte-se que Frei Davi, nesta fase, era liberado de
suas obrigações vicariais pela Ordem dos Franciscanos, para articular o fortalecimento do
debate racial no seio da ação católica. Cultura e Cidadania estabelece-se, portanto, num
formato que visa contrabalançar esta circulação conferindo mote e oportunidade para que
os outros “iluminados” do movimento também circulassem pelos núcleos.
Além da Cultura e Cidadania, outra forma de afirmação no movimento que
coma a ser utilizada por parte destes sujeitos era a estratégia do envolvimento múltiplo.
Alguns sujeitos começaram a criar a cultura do “professor/militante orgânico”, aquele que
participa de diversos núcleos. No auge do crescimento do PVNC, alguns indivíduos
chegaram a estar participando – como professor e/ou coordenador – de até 5 núcleos ao
mesmo tempo. Isto era uma forma de afirmação, primeiramente, da disposição construtiva
do sujeito para com o movimento e, sobretudo, de seu status de referência para o
movimento em sua disciplina/campo de atuação
107
.
Outras arenas ocultas são institdas pelo crescimento, no ano de 1994, deste
grupo dos “intelectuais”. A discussão sobre a qualidade do ensino – e sua compatibilização
com o debate potico – ganha corpo, e surge uma disputa simlica em torno da
competência na condução dos núcleos. Alguns núcleos passam a buscar/assumir o papel de
107
Não se pode afirmar categoricamente que todos os sujeitos que participavam de mais de um pré tivessem
estas intenções – afinal, como se costumava dizer no movimento, “o pré vicia!”. Entretanto, o que estamos
apontando aqui é a criação de uma “cultura”, de um habitus, que se presta a determinados fins na sua origem.
Com efeito, nem a própria atuação e garra política de alguns sujeitos podem ser inexoravelmente
subordinadas à existência de um projeto político subjacente por sua parte. A ação política não
necessariamente decorre de disposições surgidas no próprio campo de disputas políticas. Isto é o que
Maffesoli (1997) chama de “transfiguração do político”, sua extrapolação e fundação a partir de outras
dimensões do social: “existe portanto uma força, em muitos aspectos imaterial, direi imaginal, que funda o
político, serve-lhe de garantia e de legitimação ao longo das histórias humanas”. (pg. 30)
252
referência” de excelência para o movimento, isto significando bom índice de aprovação
nos vestibulares e intensa intervenção nos fóruns coletivos que iam se criando então
108
.
Neste ponto da nossa exposição, após a apresentação de alguns dos embates e
arenas ocultas de manifestação das disputas, devemos retomar que, ainda no ano de 1994
(e, sobretudo, no ano de 1995), além destas arenas – produzidas por e para sujeitos
definidos, aqueles possuidores dos capitais específicos necessários para nelas atuarem -, são
constituídos os espaços formais de disputa, discussão e deliberação dos rumos do
movimento. Como fóruns de discussão, produção e circulação de idéias, foram
constituídos um Jornal, as Equipes de Reflexão Racial e Pedagógica e os Semirios de
Formação. Como fóruns de deliberação, foram criados a Assembléia dos Núcleos (que se
reunia três vezes ao ano) e o Conselho do PVNC (com dois representantes por núcleo, se
reunindo uma vez a cada mês).
Este formato coma a ser constitdo em 1994 a partir da necessidade de
reunião e troca de experiência das diferentes “frentes”. Uma carta de 30 de abril de 1994,
assinada pelo Frei David e endereçada “às coordenações e professores dos pré-vestibulares
para negros e carentes” coloca que
“a autonomia dos ‘prés’ está possibilitando experiências diversas que, com certeza,
todos temos muito o que partilhar. (...) Diversas coordenações têm colocado a
necessidade e importância da organização de um SEMINÁRIO DOS ‘PRÉS’. Eis
alguns pontos que se propõem sejam trabalhados neste Seminário:
1) Avaliar estes dois primeiros meses de trabalho.
2) Refletir sobre os métodos e pedagogia aplicados.
3) Refletir sobre o extraordinário empenho e interesse dos alunos.
4) Refletir sobre os diferentes níveis de engajamento dos professores.
5) Discutir ns sub-grupos, compostos por professores de cada matéria (ex: grupo 1:
matemática; grupo 2: geografia; grupo 3: português, etc.) a sugestão de produzir
uma apostila específica para estes ‘prés’ alternativos, a ser adotada em 1995.
6) Discutir a necessidade ou não de se formar uma associação ou coordenação dos
‘prés’. (grifo nosso)
7) Avaliar a possibilidade de intensificar aulas extras aos domingos, bem como a
constituão de grupos de estudo, a partir de julho/94.
8) Estudar a possibilidade de organizar um simuladão envolvendo todos os ‘prés’.”
(grifo no original)
Aquilo que posteriormente veio a ser considerada a Primeira Assembléia do Pré-
Vestibular para Negros e Carentes, realizada em 12 de junho de 1994 era, portanto, um
Seminário dos Pres. A quantidade de pessoas presentes, 55 no total, considerada
108
Nas entrevistas que realizamos, são citados como núcleos que desempenharam o papel de referência, em
diferentes momentos, o Pré Matriz, Pré AFE (este talvez o que teve esta projeção por mais tempo), Pré ABM,
Pré Pavuna, Pré Petrópolis, entre outros.
253
surpreendente na época, por ser a primeira, e realizada no dia dos namorados de jogo da
seleção brasileira na parte da tarde (das 14 às 18h). Nela, se deliberou pela realização de
uma nova reunião no mês seguinte, o que foi se repetindo – eram reuniões mensais que, no
ano seguinte, começaram a ser chamadas de assembléias. Neste primeiro seminário-
assembléia ainda não havia uma consciência de movimento - havia a consciência de uma
multiplicação da experiência, ainda que com disparidades entre as diferentes "frentes". A
"consciência de movimento" é a consciência da dimensão potica da ação, da sua extensão
num campo de historicidade e de espacialidade, dos diálogos, dos significados e das
interlocuções possíveis. Neste seminário, as discussões eram estritamente pedagógicas. A
idéia da constituição de espaços de deliberação coletiva aparecia timidamente na proposta
da pauta – o ponto número 6 colocava “a necessidade OU NÃO de se formar uma
associação ou coordenação dos prés”! Neste momento, a replicação e coletivização ainda
eram dados novos, e os embates e disputas ainda eram nascentes. A velocidade da expansão
é que vai fazer crescer tanto a percepção de movimento quanto os embates: se o
seminário/primeira assembléia (na verdade, uma reunião!) ocorreu no dia 12/06/1994, no
Salão Quilombo, a segunda foi no dia 03/07/1994, ou seja, menos de um mês depois, na
ABM. Nela é colocada a proposta de um informativo. A terceira foi realizada em 28 de
agosto no Pré PJ, na Catedral do Centro de Caxias, e nela foi lançado já o primeiro número
do informativo, com o nome de Quadro Negro - que, posteriormente, veio a se tornar o
Azânia.
A idéia de constituição de um Jornal, de periodicidade mensal, que pudesse
propiciar a circulação das informações de interesse do movimento em todos os núcleos,
surgiu junto com a multiplicação do número de prés. A edição do Informativo PVNC, no
formato de duas páginas contendo informes de datas de reuniões e sobre procedimentos dos
alunos em relação aos vestibulares, ao invés de saciar a necessidade, aguçou ainda mais o
desejo coletivo de criação de um tablóide que comportasse textos mais substantivos acerca
das temáticas pomicas no seio do movimento. O Jornal teve sua primeira edão em
agosto de 1994 com o nome de “O Quadro Negro”, que despertou reações adversas de
diversas partes. O segundo número saiu com a alcunha de “Jornal Sem Nome”, em outubro
de 1994. Somente em 1995, foi adotado o nome de “Jornal Azânia”. O Azânia se
constituiu, durante um bom período, num espaço de legitimação e afirmação simbólica das
254
lideranças “intelectuais
109
, bem como um interessante termômetro das disputas que se
travavam no interior do movimento e dos consensos que constituíam a base de sua
integração.
Uma significativa parte dos textos de conteúdo veiculados no Azânia eram
produzidos pelas Equipes de Reflexão Pedagógica e Racial. Estas Equipes foram criadas
também em 1994, sob o apelo de que tais temas, diante do crescimento do PVNC,
mereciam ser aprofundados e seu acúmulo a partir destes grupos, coletivizado. Numa
corajosa operação de criação de um “setor de produção de idéias” para o movimento, se
constituíram dois grupos que, durante a maior parte do tempo em que estiveram em
atividade, eram compostos por aqueles que eram também os principais “articulistas” do
Jornal Azânia e, nos fóruns coletivos “oficiais”, também eram os que mais intervinham. Ou
seja, o Azânia surge como um meio de difuo privilegiado das idéias de um conjunto
restrito de sujeitos que, aparentemente, almejavam a concentração e o monopólio da
produção simlica” do movimento, agora coletivizada pela difusão irradiada da
informão que o tablóide procurava estabelecer – uma mudança de escala de intervenção!
Paralelamente a isto, foi-se gradativamente construindo, até sua “oficialização
em outubro de 1995, o Conselho Geral, estrutura de representação paritária entre os
núcleos, cada um com direito a dois delegados. Definiu-se o Conselho Geral como a
instância que representa o PVNC perante outros agentes da sociedade, e que ele se reúne
mensalmente, com exceção dos três meses no ano quando se realizam as Assembléias
Gerais. Esta definição do Conselho como a instância de representação do PVNC teve, em
princípio, a função de tentar resolver a questão da centralização em torno do Frei David e
do Salão Quilombo, questão que já começava a se apresentar desde a criação de outras
frentes no início de 1994 – como relatamos anteriormente através do exemplo da seleção
dos alunos, em que a coordenação do Pré Matriz queria alocar nos novos cursos os alunos
lá inscritos, e as coordenações dos núcleos queriam fazer os seus próprios processos
seletivos voltados para estudantes de seus locais. Tal conflito por esta centralização
109
Esta “monopolização” do Jornal por este segmento provocou um grupo a criar, em 1997, ou outro tablóide
alternativo, “Jornal A-nia”. Este tabide não teve sua circulão mantida, mas, assim como o “oficial”,
serviu como um veículo de fortalecimento, afirmação e legitimação de seus idealizadores/produtores. Mesmo
apesar dele não ter se “popularizado” tanto quanto o outro, é indicativo que pouco tempo depois, alguns de
seus redatores assumiram cargos na Secretaria e no Conselho Geral do PVNC.
255
aparece, também, na pauta da Primeira Assembléia, de junho de 1994, quando a proposta
de pauta, elaborada pelo Frei Davi, tem como um de seus pontos “discutir a necessidade ou
não de se formar uma associação ou coordenação dos prés”. Nilton Júnior foi, pelos nossos
registros, um dos primeiros a propor a crião do Conselho Geral, alegando a necessidade
de criação de um fórum concentrador das decisões, com maior dinamismo para se reunir e
deliberar do que então (em 1995), poderia ser feito no formato das Assembléias. Imbuído
da prática de elaboração de textos para discussão interna no movimento, em 1995 ele
escreveu “Por uma Coordenação Central”, no qual dizia:
"Esse texto serve como apresentação da proposta de se formar uma coordenação
central para o movimento dos Pré-Vestibulares para Negros e Carentes. E por que
uma coordenação central?
Hoje a realidade que conhecemos é a total autonomia dos núcleos dos prés
. No
entanto, sabemos que muitas das vezes um núcleo acaba mantendo uma relação de
dependência em relação a outro – seja de informações, de atividades, de
professores, de coordenação.
Sobre muitos aspectos a centralização de informações e atividades no Salão
Quilombo trouxe o atraso na socialização das mesmas, pois sofremos com a
dificuldade das distâncias geográficas e com a falta de tempo das coordenações,
que muitas das vezes não indo ao Salão Quilombo não souberam das conquistas
merecidamente alcançadas.
(...) uma instância que possa reunir todos os prés. E não falo de assembléias. As
relações de poder que se estabelecem hoje no movimento devem ser
democratizadas por essa instância." (grifos nossos)
Portanto, contrário tanto à centralização quanto à “autonomia total dos núcleos”,
este texto seria apresentado numa assembléia mas, numa decisão “de cúpula” tomada a
partir de uma proposta do Frei Davi, Niltonnior não o distribui e coma-se uma
negociação que desembocou num seminário, onde foi constituída uma comissão que
proporia um formato organizativo para o Pré-Vestibular para Negros e Carentes
110
, que
comportasse uma instância decisória e representativa não centralizada no Frei Davi e no Pré
Matriz/Salão Quilombo. Destas negociações, Frei Davi apresenta uma proposta de
organograma para o movimento (veja o Diagrama “Proposta de organicidade para o
110
Assim Niltonnior descreve o fato: “Eu conto mesmo isso sem problemas: na assembléia de Santa Clara
eu chego com o artigo xerocado, chama-se o artigo – um artigo bobo, que eu leio hoje. É aquelas coisas que
você lê e pensa “um dia eu escrevi isso daqui?”. Escrevi. Chama-se “Por uma coordenação central”. E o Davi
me chama, chama o Alexandre, chama o Juca, chama o Jocimar, chamou quem era no momento que estava
meio que liderando, conseguia influenciar, e ele me pede para não lançar o documento na assembléia: “eu
acho que não é o momento de um documento desse. Vai criar um problema... Vamos acordar o seguinte: entre
essa assembléia e a próxima a gente senta para discutir sobre essa questão”. E aí é chamado o primeiro
seminário, e aí eu topo isso. Eu topo isso tranqüilamente. Então, é formada uma comissão para discutir isso. E
a gente faz um encontro em Caxias, que é aquele relatório, tem até o relario aqui, esse aqui: “primeira
reunião de preparação dos seminários dos prés”, em 95. (...) Para a gente propor a organização para o PVNC,
que nem existia.”
256
ASSEMBLÉIA GERAL
CLEOS
PROPOSTA DE ORGANICIDADE PARA O MOVIMENTO DOS “PRÉS” –
FREI DAVID
CONSELHO GERAL
2 PORCLEOS
CONSELHO OPERATIVO
5 PESSOAS
(ELEITAS PELO CONSELHO GERAL)
REFLEXÃO R
ACIAL
REFLEXÃO PEDAGÓGICA
EQUIPE DO JORNAL
CONSELHO OPERATIVO
REUNIÃO SEMANAL
CONSELHO GERAL – REUNIÃO MENSAL
ASSEMBLÉIA GERAL UMA POR SEMESTRE
CLEOS CLEOS CLEOS
Fonte: Jornal Ania,
edição especial,
j
ul/1995, pg. 4.
movimento dos prés”), que é, com apenas uma alteração, o organograma aprovado e que
vigorou por anos no PVNC. Apenas o Conselho Operativo, uma instância proposta para
estar se encontrando e atuando numa temporalidade praticamente semelhante à da maioria
dos núcleos – encontros semanais -, não foi aprovado, além da periodicidade das
Assembléias, que, naquele momento passaram a ser de três por ano.
Nas entrevistas que fizemos, diversos dos sujeitos que naquele momento
disputavam o movimento nos fóruns coletivos nos apontam que estas instâncias tinham
como função brecar atitudes que eram vistas como diferentes manifestações de centralismo
por conta do Frei Davi, e, também, conferir ao Pré-Vestibular para Negros e Carentes uma
organicidade, dinâmica e identidade autônomas em relação aos APNs e à Igreja Católica.
Nilton Júnior, na entrevista que nos concedeu, afirma que
257
“() eu acho que o Davi tem seu projeto pessoal. Não é projeto pessoal no
sentido, assim fica muito maquiavélico, projeto pessoal parece que ele quer...o!
Ele nunca teve nada, tem um fusquinha muito do furreca, o é questão de
dinheiro. Mas é a questão de ter um projeto político racial. Que inclui a Igreja
Católica necessariamente. Que inclui necessariamente a Igreja Católica, e o projeto
racial que ele tem. (…) eu acho que esse projeto pessoal, o Davi tentou de toda
maneira não deixar com que o PVNC se constituísse enquanto movimento
autônomo. Então, não é à toa – hoje eu percebo isso, muita gente percebe isso
claramente – não é à toa que o Davi sempre articulou os grupos dentro do PVNC
para que não tivesse estatuto, não tivesse sede própria. (...) O Juca diz isso muito
bem no artigo “a questão financeira como um falso dilema”. A questão não era de
ter ou não dinheiro externo, mas foi isso que foi colocado desde o início das nossas
brigas com o Davi. Mas a questão era: receber dinheiro externo, financiamento
externo, para quê? Para ter sede, para ter estatuto, para ter autonomia, para se
constituir enquanto movimento, e não era ONG, ninguém queria virar uma ONG.
As pessoas queriam ter autonomia, né, falar pelo PVNC. O primeiro artigo que
propõe uma coordenação central foi meu.
A gente discute isso em função do meu texto. Isso aqui é o que o Davi evitou o
tempo todo. E aí, por que eu acho que ele evita o tempo todo? Ele evita
exatamente para isso, para que o PVNC não forme a sua própria identidade a-
partidária, e principalmente, a-religiosa. Não a-religiosa no sentido de não ter
religião.
Esta iia de que o Frei Davi tinha a sua ação no Pré-Vestibular para Negros e
Carentes movida por um projeto eclesial de intervenção na questão racial – ou, um projeto
racial de intervenção na Igreja! -, corrobora a nossa hipótese de que o seu fazer potico era
condicionado pela sua experncia (espacial) nos outros lugares, instituões e campos em
que ele disputava. Mais do que qualquer outra coisa, era a sua experiência (espacial) do
fazer potico, de circulação por arenas nacionais tanto dos embates eclesiais quanto do
movimento negro, na busca de uma democratização das relações raciais na sociedade
brasileira através da (e na) Igreja, que informava a sua ação no Pré-Vestibular para Negros
e Carentes. O outro lado da moeda é que pouco aparecia nos debates do movimento: o fato
de que os militantes que disputavam com Davi a condução do movimento também eram
influenciados e se moviam condicionados pelas suas experiências, pelos seus embates que
se davam também em outras esferas, arenas e campos do fazer potico – ou, pelas
derrotas” que alguns já haviam sofrido no próprio campo eclesial, que impelia a uma certa
repulsa a ele. Como efeito de tudo isso, o que nascera como uma crítica a um personalismo
acabou gerando um caldo de debates muito pessoais, e quase nada acerca da construção de
um projeto de movimento social! E, neste caldo, os debates sobre a organização, sobre o
financiamento, sobre o foco nas universidades públicas ou privadas, entre outros, eram
muito mais embates pela liderança do que debates pela construção de uma identidade real
258
para o movimento (por mais que a assunção de uma identidade possa ser vista como um
processo empobrecedor e castrador de outras possibilidades).
O grupo Eclesial passa a defender, ao invés da construção de uma identidade, a
busca da pluralidade. Documento assinado pelos APNs (Regional de São João de Meriti) e
pelo GRENI intitulado “Movimento do Pré-Vestibular para Negros e Carentes” coloca que
“Cartas e textos produzidos por alguns membros do movimento têm assumido
posturas dúbias, com insinuações e com meias verdades contra pessoas de nossa
caminhada, citando os AGENTES DE PASTORAL NEGROS, a IGREJA e os
religiosos, dando uma versão bastante truncada e estereotipada da Igreja, da vida
religiosa e dos Agentes de Pastoral Negros.
A nossa pergunta é: O QUE ESTÁ POR TRÁS DOS ATAQUES?
(...) é importante saber QUEM SÃO OS VERDADEIROS INIMIGOS! Destruir o
outro porque não pensa totalmente como quero que ele pense, corre o perigo de ser
confundido com os métodos usados pela ditadura militar.
Algumas posturas estão conseguindo muito mais destruir do que construir o
movimento. Será que as pessoas têm suficiente humildade e ‘cabeça fria’ para
perceber isto?
(...) Todos nós que estamos no movimento dos prés e, com consciência madura
permanecemos firmemente ligados às nossas igrejas e congregações queremos e
estamos conscientes de que estamos conseguindo colocar as estruturas da Igreja a
serviço do nosso movimento. Será que todos têm iia dosrios poderes de
dentro da Igreja com os quais mexemos para conseguir abertura da PUC no sentido
de ceder bolsas aos nossos estudantes? O novo não é fechar caminhos que outros
abriram com muito suor. O novo é o acolhimento da pluralidade: INVISTA NOS
OUTROS CAMINHOS QUE VOCÊ ACREDITA, SEM FECHAR OS JÁ
EXISTENTES!
(...)s oriundos do espaço católico, temos colocado esta credibilidade [da Igreja
Católica na sociedade] a serviço do nosso movimento. Muitas portas se abriram
nestes quatro anos. Fizemos isto conscientemente. O dia que nos provarem que
isto está errado, todos nós mudaremos de prática sem maiores problemas. Nos
condenar por isto, achamos que é um grande equívoco. (...)” (Destaques do próprio
original)
Torna-se patente que são os conflitos o motor da construção das esferas
organizativas – e, do próprio crescimento do movimento. A forma como se deu a criação do
Jornal Azânia, o Conselho dos Núcleos e as estruturas decisórias e de representação do Pré-
Vestibular para Negros e Carentes é lapidar do quanto o processo de estruturação do
movimento não é, conforme apontamos anteriormente, somente um processo de construção,
ampliação e enfraquecimento de fortes redes de solidariedade estruturando um movimento
social, mas também uma seqüência de conflitos e embates em torno da autoridade política
na condução/capitalização destas redes. Com efeito, tanto as estruturas criadas como
fóruns de coletivização de discussões, bem como o próprio temário das discussões,
podem ser encarados não apenas como frutos dos debates e dos conflitos (estruturas
estruturadas), mas também como arenas de desenvolvimento dos conflitos (estruturas
259
estruturantes), espaços e instrumentos nos quais (e através dos quais) os sujeitos vão
instituir sua legitimidade de portadores desta autoridade na enunciação do coletivo.
Os fóruns coletivos (de discussão e de deliberação) do movimento funcionam, portanto,
como meios, como instrumentos que permitem a hierarquização interna do movimento,
uma forma de construção de ordenamentos. Enquanto princípio construtor de
ordenamentos, entretanto, esta hierarquização é algo que se apresenta sempre como frágil e
essencialmente conflituosa, o que Melucci explica ao advertir que os movimentos sociais
são “fenômenos heterogêneos e fragmentados, que devem destinar muitos dos seus recursos
para gerir a complexidade e a diferenciação que os constitui” (2001, pg. 29). A constituição
de arenas “oficiais” de discussão e deliberão pelo movimento cria dois planos
diferenciados de construção do movimento, diferentes experiências (espaço-temporais) de
movimento, com regras, códigos, hábitos e agendas distintas: o plano dos fóruns coletivos e
o plano do cotidiano dos núcleos.
Numa primeira observação, o plano dos fóruns coletivos é a esfera privilegiada
(i) para a definição do que será o movimento, (ii) para a disputa pela hegemonia e liderança
e (ii) para a interlocução externa do movimento com outros atores da sociedade. É nele que
aparecem flagrantes os mecanismos e instrumentos de potencialização de sujeitos e também
as formas de capitalização das decisões tomadas pelo movimento. O nome, as bandeiras
identirias, as agendas de discussão e intervenção do movimento, os interlocutores
privilegiados (como aliados ou adversários), as arenas e espaços de poder nos quais o
movimento deve intervir e se fazer presente, os formatos de organização, etc., tudo isso é
definido, disputado e negociado nos fóruns coletivos “formais” – e, evidentemente, nas
arenas ocultas, nos lugares “não oficiais” de encontros que se constroem em torno deles. É
neles, portanto, que serão travados os embates entre aqueles que disputam a liderança do
movimento, que vão tentar impor seus projetos de movimento como forma de viabilizar
seus projetos de transformação societária.
É também neste plano, nos momentos de coletivização através dos encontros
111
que se fortalece o sentimento do movimento enquanto self, quando a consciência de
111
Os encontros aqui têm o sentido, na construção do movimento, daquilo que Hägerstrand (1970) define
como conexões nas trilhas de espaço-tempo que definem as experncias sócio-espaciais dos indivíduos, pois
é nestas que ocorrem as transações e interações sociais. Segundo o autor, planejar o espaço e o tempo dos
260
coletividade ativa os signos do pertencimento e tensiona motivações individuais perante
desideratos que são coletivos: os indivíduos se percebem parte integrante de um
movimento, de um coletivo. A Assembléia é o momento decisivo para este “salto” da
consciência de indivíduo para a consciência de grupo, quando a multiplicidade de núcleos é
anunciada ao microfone, estampada num quadro que apresenta os núcleos presentes,
assumida nos crachás que identificam os participantes na hora das votações e nos seus
diálogos. Os núcleos, identificados pelo seu nome que muitas vezes é também o nome da
localidade onde se situam (dos 87 núcleos que identificamos, 54 tinham o nome da sua
localidade, bairro ou município!), desenham para os participantes do movimento na
assembléia uma geografia metropolitana, constituída de lugares alheios, longínquos,
desconhecidos ou que despertam memórias de todos, inaugurando uma consciência de
coletivo que não emerge no cotidiano doscleos: é o coletivo enquanto self! Muitos
nomes de núcleos também remetem a personagens, fatos ou aspectos da história e da
cultura negro-brasileira
112
, elementos ocultados ou pouco mencionados nos discursos
oficiais da historiografia e da geografia do Brasil, constituindo signos de resistência
potico-cultural que vão (re)compondo identidades coletivas e funcionando como
bandeiras do pertencimento ao coletivo. A sensação de pequenez e isolamento que domina
a percepção dos indivíduos no seu fazer cotidiano dos núcleos dá lugar a uma sensação de
grandeza e coletividade quando se deparam, numa assembléia, com outros indivíduos
submetidos aos mesmos desafios e tensões nos mais distantes pontos da metrópole, em
dezenas de núcleos representados em cada assembléia. Todo tipo de interação ocorre, desde
a constituição de laços de amizade até trocas ideológicas, de práticas pedagógicas, de
compartilhamento de anseios, sonhos e expectativas, etc. Tais transações e interações
renovam e ampliam as energias, liberando potências de sujeito que vão garantir a
continuidade e o próprio crescimento do movimento. Com efeito, a experiência de
participação dos fóruns coletivos motiva, para um amplo número de indivíduos, um maior
engajamento e participação – pensados como seu envolvimento na construção dos prés
movimentos dos indivíduos é crucial para que as transações e interações ocorram, visto que é através delas
que se dá a reprodução do tecido social. Revestem-se, portanto, de papel estruturante na construção do
movimento social.
112
Zumbi dos Palmares, Dandara, Marinheiro João Cândido, Solano Trindade, Etu-Malaia, Castro Alves,
Cora Coralina, André Rebouças, Steve Biko, são alguns dos nomes dados a núcleos de Pré-Vestibular para
Negros e Carentes.
261
incorporando fazeres que extrapolam suas inserções enquanto alunos, professores ou
coordenadores de curso.
Uma Assembia Geral do PVNC emerge, portanto, como um momento de
construção do movimento que na verdade contém múltiplas arenas de disputa, interação e
transações de distintas naturezas! Há indivíduos que a experimentam de distintas formas, ao
estarem envolvidos em cada uma destas esferas de relações, que lhes demandam/instam
diferentes percepções dos atos dos outros, dos comportamentos e dos fatos que ocorrem na
Assembia. Estas diferentes experncias de um mesmo fato interativo (complexo), no
caso uma Assembléia, comporta diferentes visões/percepções/experiências de movimento,
das quais destacamos agora aqueles que o percebem enquanto movimento dentro da
sociedade, que pensam na sua interlocução com outros atores, que refletem e se
movimentam (ou seja, elaboram no plano da cognição que orienta seus atos) tendo como
objetivo elevar ao máximo a extensão de sua potência de sujeito e de movimento. Estes,
vêem o fórum coletivo como espaço de definição do que o PVNC é enquanto movimento
social, o que vai além do fazer cotidiano de cada núcleo.
O espaço dos fóruns coletivos é, portanto, o lugar/momento privilegiado de
construção onde emergem e são tratados os temários concernentes à transformação da
sociedade – cujos beneficiários não são somente os alunos em sua aprovação no vestibular
–, tendo por base a intervenção potica junto aos interlocutores e arenas (agências)
socialmente responsáveis por cada tema.
5.3. A Política nas Práticas Cotidianas: Hierarquização, Resistências e
Hibridações na Difusão de Problemáticas
Visto de outro ângulo, além destas arenas de discussão e embates, o movimento
não era constrdo apenas por estes sujeitos. Havia um trabalho cotidiano, nos próprios
prés, protagonizado por uma massa de indivíduos que, movidos por ideais distintos,
constram o movimento também. O cotidiano dos prés, base do movimento, era uma arena
de múltiplas percepções e temporalidades. Partiremos de uma descrição, para em seguida
discutirmos a complexidade das atuações e relações que se estabelecem neste plano de
262
constrão do movimento, e deste com os outros planos
113
. Distinguimos assim, no fazer
cotidiano dos núcleos, três temporalidades:
a) a dos alunos, cuja visão dos processos é, quando o indivíduo se resume ao
comportamento de um aluno, possivelmente fragmentária, assim como os conhecimentos
que ele recebe normalmente o são. Na sua imensa maioria, seu cotidiano no pré-vestibular é
o dos tempos curtos, dos alunos que ingressam – renovando as expectativas, os desideratos
e as leituras acerca do Pré – e evadem com extrema velocidade, a maioria bem antes dos
exames vestibulares. Aqueles que permanecem, entretanto, vivem a globalidade do núcleo,
sem necessariamente ter uma visão global sobre sua construção; interagem com todos os
professores e coordenadores, experimentam os resultados (e acusam deficiências) dos
trabalhos deles, mas sem necessariamente ter uma reflexão sobre a construção destes
trabalhos;
b) a temporalidade dos professores, das interações esporádicas, cuja leitura é fragmentária
e parcelar, derivação de um contato com a realidade do pré restrito a algumas horas por
semana, e muitas vezes sem outras trocas além das suas aulas;
c) e a dos coordenadores, daqueles que, de diferentes formas, constroem uma visão global
acerca do que se passa no seu núcleo. Muitas vezes, como decorrência da forma como se
consti o seu próprio envolvimento com esta “escala” de atuação, os coordenadores
acabam tendo uma visão também parcelar e fragmentária em relação às construções e
embates dos fóruns coletivos do movimento. A coordenação é o segmento sobre o qual
recai a maior parte das dificuldades decorrentes da necessidade de compatibilização dos
tempos distintos de quem compõe o Pré. É sobre eles que pesam as expectativas dos alunos,
as angústias dos professores, os comandos (que muitas vezes são auxílios e outras vezes são
“fardos”) das irradiações oriundas dos fóruns coletivos do movimento - constrdos a partir
de preocupações emanadas de quem pensa o movimento em outras temporalidades e
113
Adotamos, nesta primeira apresentação do cotidiano dos núcleos, uma visão funcional-determinista, como
se os indivíduos resumissem suas atuações ao exercio básico de funções estabelecidas dentro de uma
estrutura hierárquica e burocrática. Obviamente, sujeitos “quebram as restrições destas funções,
positivamente consubstanciando distintas práxis que são a própria realização da plenitude dos objetivos do
movimento – a compatibilização da qualidade pedagógica com o trabalho político, conforme discutiremos a
seguir.
263
escalas, mas cuja objetivação e subjetivação se rebatem inexoravelmente nas expectativas e
angústias com as quais eles convivem.
Surge daí um conflito que vai ganhar corpo, sobretudo a partir de 1995, na
construção do movimento: o crescente descompasso entre os encaminhamentos formulados
“no Olimpo” – conjunto de fóruns e arenas de embates apresentados anteriormente, espaços
dominados por um conjunto restrito de sujeitos, os chamados “iluminados” – e o cotidiano
de construção nos núcleos, que são as bases do movimento. Para melhor compreendermos
estes conflitos entre os dois planos de construção do movimento, podemos tomar de
empréstimo a citação que Muniz Sodré - falando do turbulento cruzamento entre dois
modelos de socialização presentes nas sociedades contemporâneas - faz de Guillaume, que
aponta:
“Um modelo muito geral de irradiação: um centro irradia efeitos das mensagens
simultaneamente sobre uma coletividade. Este modelo opõe-se a um outro, modelo
de encadeamento, que se caracteriza por uma circulação seqüencial dos efeitos na
coletividade. A epidemia, o rumor, a imitação, a circulação da violência pertencem a
este segundo modelo. As vacinas, os meios de comunicação de massa, o controle
social panóptico, a dissuasão militar dependem do primeiro”. (Guillaume, 1989, p.
36, apud Sodré, 1992, pp 14-15)
Em seguida, Sodré nos remete a uma necessária ressalva, que nos esclarece ainda mais:
“(...) A terminologia de Guillaume estabelece o real tradicional (modelo de
encadeamento) como gerador de uma socialidade popular ou epidêmica (épidémos:
sobre o povo) e opositivo à serialidade solipsista ou tecnonarcisista das relações
sociais engendradas pelo modelo de irradiação.
Na verdade, o termo ‘irradiação’ é problemático, porque já não se trata mais, na
contemporaneidade, de ‘irradiar (a partir de um centro) efeitos ou mensagens, uma
vez que os centros presumidos (que dariam integridade ao todo social)o falsos.
Mais do que centros, pode-se falar em ‘lugares’ de absorção e transformação do
fluxo histórico-dinâmico da vida social em projeções fantasiosas que, no entanto,
fingem dar conta da realidade em sua máxima objetivação.” (idem, pg. 15)
Tais passagens nos permitem compreender a construção de dois movimentos
distintos, com pautas distintas, formas de atuação distintas e, por que não dizê-lo, com
significativo grau de rejeição de “um” em relação à forma como o “outro” se comporta – ou
seja, além da produção de uma alteridade, uma leitura desta alteridade como algo portador
de uma dimensão essencialmente conflituosa. E este conflito também se desenvolve criando
suas próprias arenas de embates. A transformação das Assembléias de Núcleos, realizadas
até 1994, em Assembléias Gerais, e a eleição desta como fórum máximo e soberano de
deliberação do movimento são desdobramentos flagrantes da necessidade de negociação
264
entre uma minoria que se arrogava a autoridade na condução do movimento e uma maioria
que era às vezes mais, às vezes menos silenciosa, apática ou participante nos fóruns
coletivos, mas que essencialmente dava vida aos núcleos.
As Assembléias de Núcleos eram reuniões, em sua maioria, restritas aos
coordenadores dos núcleos e algumas figuras que se envolviam nas disputas coletivas, se
aglutinando em torno de alguma das lideranças. A criação das Assembléias Gerais, espaços
onde a voz e o voto eram, formalmente, universais, aumentou, do ponto de vista da “elite
potica do movimento”, a importância das bases. Isto provocou uma nova relação entre as
“lideranças” e a base do movimento, que cada vez mais passa a ser encarada como “massa
de manobra” nas votações. Os núcleos cujas lideranças eram mais atuantes nos fóruns
coletivos ampliam numericamente sua participação nas assembias, muitas vezes se
articulando a poticos e outras figuras locais na solicitação de ônibus para transportar os
“votantes”
114
. As agendas, entretanto, continuam descompassadas. Patentes deste
descompasso eram as constantes manifestações chamando a atenção para a necessidade de
multiplicação dos debates nos núcleos, fato esporadicamente consumado, primeiro por nem
114
Em matéria intitulada “Monopólio da fala nas Assembléias?”, publicada no Jornal Azânia, em novembro
de 1996 (pg. 4), Antônio Carlos Magalhães, coordenador do Pré Santana, era taxativo ao denunciar que “Na
XI Assembléia no Pré Nova Iguaçu, a chamadamassa de manobra não se expressou durante as falações.
Mas soube muito bem em qual proposta votar (...)”.
2
Planos de Constru
ç
ão do Movimento PVNC
Fóruns
Coletivos
X
Cotidiano
dos Núcleos
Assembléia
Geral, Conselho,
Jornal Azânia,
Equipes de
Reflexão
(Pedagógica e
Racial
)
Formação de correntes
político-ideológicas
disputando a condução
do movimento
Espaço de contradições e resistências
(1) Negação/negociação dos enunciados
de construção do movimento
(2) Formação e fortalecimento de novos
sujeitos, antagônicos àqueles
inicialmente dominantes nos fóruns
coletivos
Enunciação de agendas:
racial, desigualdades
educacionais
2 Planos
265
sempre ser interesse de quem coordena, segundo pelo distanciamento da vivência do
cotidiano dos núcleos e dos fóruns coletivos
115
.
A criação das estruturas, entretanto, não resolve nem mascara os descompassos
existentes entre os dois planos de construção do movimento, o plano dos fóruns
coletivos/Olimpo e o plano do cotidiano. Eles vão, gradativamente, ganhando contornos de
uma complexa gama de “tomada de posições” estratégicas de todas as partes, às vezes
rompidas por alguns sujeitos mais descontentes. Podemos dizer que, no plano do cotidiano,
derivam daí duas posturas. Uma primeira, de negação/negociação dos enunciados de
construção do movimento, hibridizados numa complexa operação cujos objetivos são, na
prática, a permanência no movimento e a inversão da agenda de ação. Uma segunda parte
para a contestação e denúncia do “estrelismo” e centralização na condução dos rumos do
movimento. Desta contestação surge um novo campo ideológico no seio do movimento,
chamado de “autonomista-espontaneísta”. Discutiremos, na seqüência, a primeira e, no
pico seguinte, a segunda postura.
5.3.1. Irradiação & Encadeamento (1): A Negação da Política no Cotidiano do
Movimento
A primeira reação à centralização e monopolização da produção de enunciados
que definem os sentidos e significados da ação no movimento é marcada por uma falsa
assimilação das agendas de ambos os “lados”, o plano das práticas cotidianas e o dos fóruns
coletivos. Num complexo “acordo tácito”, sujeitos se legitimam mutuamente nas suas
posições, como num diálogo onde as trocas não se correspondem. Ou seja, ocorre uma
autonomização crescente dos dois planos, cujo funcionamento assume caráter quase que
autárquico: as agendas não somente se afastam, mas se multiplicam e complexificam, com
alguns núcleos extrapolando aquilo que é apontado nos fóruns coletivos enquanto outros
não aplicam alguns dos preceitos fundamentais do movimento, constantes, por exemplo, da
115
Alexandre Nascimento (2000) indica esta fragmentação, apontando "(...) a dificuldade dos coordenadores
em articular os educadores aos objetivos, a pouca importância que grande parte dos participantes atribui às
questões e objetivos políticos do movimento, a baixa participação dos educadores nos debates e decisões do
movimento. Percebe-se um abismo entre as instâncias globais (Assembléia e Conselho) e os núcleos." (pg.
71)
266
Carta de Princípios. De outro lado, um crescente número de núcleos cada vez mais convive
com dilemas e desafios que passam ao largo das agendas de discussão dos fóruns coletivos,
onde as preocupações – ou, melhor colocando, as percepções de movimento – cada vez
mais mobilizam esforços em torno das interlocuções externas do movimento. Não
pretendemos apontar aqui a dissociação de tais intervenções, mas sim, uma fraqueza dos
mecanismos de mediação criados no seio do movimento – que servissem para não somente
dar coesão aos distintos planos, mas para garantir uma efetiva interlocução e integração
entre suas dinâmicas. Como resultado, apenas os núcleos onde há figuras que disputam
posições de liderança no fóruns coletivos (como, por exemplo, o Matriz, o AFE, o ABM, o
Nova Campinas) uma mais íntima correspondência com as agendas dos runs coletivos.
Mais do que isso, criam-se, nas práticas cotidianas dos núcleos, estratégias de
negação do PVNC enquanto movimento, com a negação da potica em seus diversos
planos. Primeiramente, negam-se as práticas poticas institdas no movimento, o que
coma pela própria aula de Cultura e Cidadania, que vai, em muitos núcleos, sendo
tacitamente secundarizada. Uma matéria veiculada no Azânia em out/96 denunciava:
“Vou citar alguns exemplos de atitudes próprias de quem subestima a importância
dessa maria:
a) Muitos prés têm somente 2 ou 1 aula de Cultura e Cidadania por mês;
b) Essa aula é geralmente colocada em horários ingratos, tanto para palestristas
(sic) quanto para alunos. Ex: primeira aula, última aula ou depois do almoço;
c) Há umfechar de olhos’ para ausência ou presença dos alunos nessa aula.
A matéria atribui esse boicote a
“(...) aqueles que acham essa matéria um ‘enche-saco’, e que é melhor estudar
Matemática, Física, Química e Biologia, que na verdade serão as matérias exigidas
nas provas. (...) existem pessoas voluntárias, corajosas e levadas por espírito
filantrópico, mas que ainda não conseguiram dar um passo qualitativo, no sentido de
livrar-se de uma visão innua (?) dos problemas sociais existentes em nosso país e
assim, acabam reproduzindo tais compreensões no interior dos núcleos. Se os alunos
o conseguem entender essas evidências, não é de se estranhar, mas os
coordenadores e professores...?”
Ou seja, contrapondo-se ao discurso central, que girava em torno da produção de
consciências calcadas pelas duas lutas fundantes do movimento
116
, dimensão de politização
da ação cuja máxima expressão era a força da disciplina Cultura e Cidadania, o plano do
116
Que eram a revero de duas distorções da sociedade: a péssima qualidade do ensino de 2º grau na Baixada
Fluminense, que praticamente eliminava as possibilidades de acesso do estudante da região ao ensino
superior; e o baixo percentual de estudantes negros e afro-descendentes nas universidades – segundo estes
documentos, apenas 5% dos universitários brasileiros eram negros, enquanto a população afro-descendente
significava 44% do total nacional.
267
cotidiano destilava uma infinitude de estratégias e táticas de negação e resistência, ainda
que estas não fossem enunciadas. Michel de Certeau nos informa na compreensão desta
mobilização das práticas cotidianas como uma esfera de resistência, ao indicar que
“O trivialo é mais o outro (encarregado de reconhecer a isenção do seu diretor de
cena); é a experiência produtora do texto. O enfoque da cultura começa quando o
homem ordinário se torna o narrador, quando define o lugar (comum) do discurso e o
espaço (anônimo) de seu desenvolvimento.
Este lugar é dado ao locutor do discurso como a qualquer outro. Ele é o ponto de
chegada de uma trajetória. Não é um estado, tara ou graça inicial, mas algo que veio
a ser, efeito de um processo de afastamento em relação a práticas reguladas e
falsificáveis, uma ultrapassagem do comum numa posição particular.” (Certeau,
1998, pg. 63-64)
O autor nos oferece um exemplo desta resistência ao discutir a problemática do
uso da língua como uma complexa relação que envolve o “contexto de uso”, como uma
necessária mediação que insere o ato de falar (prática da língua) na sua relação com as
circunstâncias. Certeau compreende que
“O enunciado, com efeito, supõe: 1. uma efetuação do sistema lingüístico por um
falar que atua as suas possibilidades (a língua só se torna real no ato de falar); 2. uma
apropriação dangua pelo locutor que a fala; 3. a implantação de um interlocutor e
por conseguinte a constituição de um contrato relacional ou de uma alocução; 4. a
instauração de um presente pelo ato do ‘eu’ que fala e, ao mesmo tempo, pois ‘o
presente é propriamente a fonte do tempo’, a organização de uma temporalidade (o
presente cria um antes e um depois) e a existência de um ‘agora que é presença no
mundo.
Esses elementos (realizar, apropriar-se, inserir-se numa rede relacional, situar-se no
tempo) fazem do enunciado, e secundariamente do uso, um nó de circunstâncias,
uma nodosidade inseparável do ‘contexto’, do qual abstratamente se distingue
indissociável do instante presente, de circunstâncias particulares e de um fazer
(produzir língua e modificar a dinâmica de uma relação), o ato de falar é um uso da
ngua e uma operação sobre ela.
(...) É necesrio ainda precisar a natureza dessas operações por outro prisma, não
mais a título da relação que mantém com um sistema ou uma ordem, mas enquanto
há relações de forças definindo as redes onde se inscrevem e delimitam as
circunstâncias de que podem aproveitar-se”. (pp. 96-97)
A “fala” dos sujeitos cuja esfera de ação se restringe ao cotidiano dos núcleos do
movimento, portanto, pode ser vista como “atualização” dos vocabulários e dos
significados produzidos e irradiados a partir do pretenso centro de produção e de difusão do
movimento, atualização que re-significa, atribui outros sentidos, numa dupla acepção do
termo “sentido”: sentido como significado, e sentido enquanto rumo a ser trilhado pela sua
atuação. Produzem-se então hibridações, onde as práticas são metonimizadas, subvertendo-
268
se os conceitos e os comandos emanados a partir do “centro, através da ambivalência
criada pela negação, variação, repetição e deslocamento.
Para manter a unidade, a negação se transforma em negociação, viabilizada pela
ambivalência do hibridismo (Bhabha, 1998). Nesta tática de negociação/negação, duas
dimensões basilares na enunciação do movimento vão sendo, gradativamente, hibridizadas
no trabalho: a dimensão potica e, como uma variante sua, mas que é elaborada em
separado no plano da consciência discursiva dos sujeitos, a dimensão racial. Cabem, aqui,
algumas elucubrações, de caráter exploratório, acerca do processo de instituição desta dupla
negação/negociação na ação dos sujeitos.
Enfatizaremos a dimensão da negação, visto que esta, no plano da problemática
que neste ponto nos interessa – que é o lugar da questão racial e a ação dos sujeitos no
PVNC - parte de uma operação de dissociação entre a consciência (conteúdos, valores) e
gestos (práticas) que, mais que uma simples separação, muitas vezes aparece como
ambigüidade e divergência. Tomamos como premissa a idéia de que o discurso da
dissociação da dimensão potica de uma ação social é expressão de uma possibilidade
inscrita num campo de historicidade específico. Maffesoli nos indica que este campo de
historicidade se abre nos marcos da modernidade, onde é a ascensão da razão – e seu
posterior declínio – que cria tais condições, ao afirmar que
“(...) a uma visão da sociedade planificada pela razão sucede inexoravelmente uma
mais justa apreciação das coisas, na complexidade, na ambivalência e mesmo na
ambigüidade destas.
Prática empírica cuidadosamente mascarada pelo homo politicus, em geral, pois é
justamente a racionalização fornecida por ele, e a abstração com a qual a envolve,
que assegura sua legitimidade e permite-lhe passar por útil. [Assim] (...) a coisa
pública tomou o caráter de exterioridade. Strictu sensu, sou alienado. Alienação que
não é mais, como no tempo de Marx, exclusiva do trabalho ou da economia, mas
atinge a totalidade da vida social.” (pp. 86-87)
É esta alienação que torna possível a dissociação, através de um processo
histórico de construção de uma esfera potica autônoma, aparentemente com vida própria,
que num momento permite o monopólio da razão no campo da política a um grupo
específico, o qual a praticava em instâncias dotadas pelo todo social de propriedade de por
ele responder. A significação de determinadas lutas como sendo de legítima natureza
potica - sobretudo aquelas que giravam em torno da condução, da definição de projetos e
diretrizes, disputas em torno da indução de uma totalidade social –, possibilitou que elas
269
adquirissem o monopólio do signo da política, desviando o fato de que esta é uma dimensão
fundante do todo social, imanente à própria condição de existência humana (Arendt, 2001)
e como tal impregna todas as suas ordens de relações.
As tentativas de instauração da igualdade universal através do campo da
potica, entretanto, são solapadas por freqüentes insucessos – ou pela significação dos
processos correntes através desta iia –, que a este campo relegam a imagem dos conflitos
sem sentido ou solução. Conflitos que fazem com que os sujeitos percebam a própria idéia
de constituição de uma alteridade – inerente à potica, assim como à própria idéia de
sociedade – como geradora de conflitos. Segundo Maffesoli (1997), esta percepção da
alteridade potica enquanto relação de conflito advém de que
“(...) no seio de uma mesma coletividade, o que se chama de ponto de vista intra-
específico, pode-se dizer que é a aceitação geral de um certo status quo fundador das
diversas estratificações sociais. [Decerto que] (...) na origem uma idéia fundadora.
Esta pode ser mito, história racional, fato legendário, pouco importa no caso, ela
serve de cimento social. Tal iia vale de substrato à dominação legítima do Estado.
e “Essa mesma idéia funda também o resultado do político: a vioncia
interespecífica, violência entre entidades distintas. (...) Essa ‘hostilidade
institucional’ nos permite pensar o político como a soma de uma série de
necessidades fatais, das convulsões políticas aos diferentes ódios sociais, sem
esquecer, claro, as inimizades particulares, o quinhão de toda e qualquer
sociedade”.(pp. 31-32)
E complementa:
“Temos o ponto de partida desse labirinto: coação, hostilidade, animosidade, litania
que se pode prosseguir à vontade, resumida na expressão violência fundadora. Toda
agregação social, vale lembrar, começa com ela. O outro em si mesmo é violência. O
outro me nega, e devo acomodar-me a essa negação, compor com ela. Desde aí
começa o político. Retomo aqui uma excelente definição de Julien Freund para quem
o político é ‘instância por excelência do desdobramento, da gestão e da solução dos
conflitos’. (...) Ora, o conflito é, na maior parte do tempo, nada menos do que
racional, mas preferencialmente transpassado pelo afeto, o que é singularmente
negado ou renegado pela maioria dos observadores sociais. (...) o pensamento
político tem tenncia a se definir em termos de pró ou contra; de tal maneira que
parece estruturar-se por ‘simpatia (ou antipatia), e não por lógica.” (pg. 33)
A percepção da alteridade e de sua (possível) dimensão de conflito potico, com
efeito, informa a construção dos ethos dos sujeitos, dimensão subjetiva fundamental à
alavancagem e significação de sua ação. No tocante à questão racial, chamam a atenção
dois posicionamentos de sujeitos bastante comuns nos marcos do movimento: aquele que a
nega enquanto dimensão fundadora de alteridade, portanto, de conflito e passível de
politização; e aquele que a assume e a partir dela instaura sua militância. Enunciaremos
então algumas notas sobre ambos.
270
O sujeito que nega o potico parte da “desilusão” com a potica enquanto via
para a sociedade igualitária, é o que transparece das notas até aqui elencadas. Maffesoli é
enfático:
“(...) tendo tomado consciência da saturação do político, a sociedade deve decretar
outra ética pública e por isso, mesmo que seja de maneira inconsciente, o político é
literalmente assassinado, sacrificado. (...) a energia coletiva, a força imaginal do
estar-junto busca uma via, fora de todos os caminhos balizados pelo racionalismo da
modernidade, sempre mantendo a exigência ética básica de toda sociedade,
aprendendo a viver, saindo de si, com o outro.” (idem, pg. 90)
Parte-se, nesta perspectiva, de uma identificação e reconhecimento de
alteridade, mas negando-se a dimensão potica da mesma, o que “condiciona” condutas
que afirmam e negam essa alteridade. Afirmação e negação que se transvestem de
acionamento e paralisação, de acordo com o contexto. Nesta situação a identificação,
enquanto significação do NÓS que nega a significação do OUTROS, tem lugar em
processos não convencionais da política. Retoma-se, no plano analítico, a idéia da
constituição dos “pactos narcísicos”, processos de identificação revestidos de
subliminaridade que permite sua própria negação, garantindo assim a formação do grupo –
com a constituição de seusdigos lingüísticos, éticos e de conduta - sem sua enunciação,
condição da negação de sua dimensão potica. Desta forma, se constitui um ethos (branco)
que se caracteriza mais pela negação da constituição do negro enquanto grupo específico do
que pela própria afirmação, apesar de admitir a diferença (Bento, 2002). A alteridade é
eficientemente acionada ou paralisada, de acordo com seus possíveis usos, permanecendo
intocados as vantagens e privilégios do grupo.
De outro lado, esta percepção de alteridade também informa o militante, aquele
que, contrariamente, se enuncia e politiza a relação. Num terreno movediço para a prática
potica, sua enunciação se constitui num ato que a um só tempo dispende e confere sua
força. Instaura-se, portanto, um novo ente potico, fruto da politização de uma consciência
que, para este ato, é negada pelo OUTRO. É na relação cotidiana que se constrói a
dissociação entre consciência da alteridade e sua correlata politização. Silva (2000),
estudando a ligação entre estes dois processos (inter)subjetivos em militantes do
Movimento Negro torna este processo patente:
“Enfatizando a postura de engajar-se nas ações coletivas de combate à
discriminação racial, notamos, que a formação da consciência política é
precedida pela consciência racial. Nesse sentido, o exame dos movimentos
271
sociais, que formam o campo do anti-racismo, tem como referência os processos
de socialização dos atores sociais implicados nessas lutas.” (pg. 87)
Desta forma instaura-se, no plano cotidiano da construção do movimento, um
amálgama de posições onde, em um grande número de núcleos, perdem-se a dimensão
potica e a problemática racial. Não é a simples reedição do debate Raça & Classe, mas,
visto do ponto de vista de quem crê num protagonismo social baseado na luta contra as
desigualdades raciais, um processo de transformação qualitativa das formas de expressão
do preconceito. Este processo seria marcado por uma
“diminuição das expressões [abertas, militantes e agressivas] do racismo (...) mais
aparente que real, pois as atitudes preconceituosas que não desafiam abertamente as
normas atuais anti-discriminatórias persistiriam no interior das consciências dos
indivíduos” (Camino et. al., 2001, pg. 15),
diante do fato de que
“nos últimos 30 ou 40 anos as sociedades modernas vêm desenvolvendo um conjunto
de restrições institucionais às práticas discriminatórias baseadas nas diferenças de
raça.” (idem, ibidem)
Neste contexto das relações raciais,
“O núcleo deste novo racismo estaria constituído, por um lado, pela afirmação de
valores igualitários (próprios dos-modernismo) e, por outro lado, pela oposição
(sempre em nome de valores pós-modernistas) a poticas congruentes com os
valores igualitários. Assim, uma política de quotas de ingresso na universidade para
minorias raciais é atacada em nome da igualdade de direitos para todas as pessoas,
independente da sua origem. (idem, ibidem)
Assim, um pré-vestibular para negros também é interpretado como uma
iniciativa que afirma o racismo. Este tipo de reação instaura um movimento que se repete
em diversos núcleos: num primeiro momento, a hibridização dos discursos anti-racistas
permite o “estar junto” do movimento, argamassando um cotidiano permeado pela negação
anônima - de sujeitos que se enunciam quando do enfraquecimento dos laços entre o
cotidiano do núcleo e a rede, o conjunto dos fóruns coletivos; então, num segundo
momento, detonado pelo enfraquecimento da rede ou por uma mudança de interesses ou
correlações que não fazem mais interessante o pertencimento, estes sujeitos enunciam esta
negação, conferindo diretrizes distintas ao núcleo.
272
Tal percurso é patente nas trajetórias de diversos núcleos, que, quando se
desvencilham da rede PVNC, passam a negar a questão racial como uma das bandeiras
fundantes do curso. O Pré-Rocinha é um exemplo de tal percurso. Ao sair do PVNC, em
1998, seus membros decidiram modificar seu nome para Pré-Vestibular Comunitário da
Rocinha, numa alteração resultante da converncia de duas negações: de um lado, sujeitos
que negavam a questão racial como motivação de ações, que estavam no pré até então mas
que consideravam sua denominação racista; de outro, sujeitos – a maioria da comunidade
que apontavam que o nome Negro afastava mais do que aglutinava naquela localidade, cuja
maioria dos moradores eles afirmavam serem nordestinos queo se identificavam como, e
nem com os negros. Este exemplo nos remete à observação de um outro aspecto: esta
negação da racialidade, no caso do Pré-Rocinha, não é ao mesmo tempo uma negação da
dimensão política, mas uma requalificação dela, através da busca pelo núcleo de uma
aproximação com o jogo potico do local onde estava inserido. O Pré-Rocinha, ao se
desvencilhar do PVNC, se tornou Pré-Vestibular Comunitário da Rocinha, e o aspecto
comunitário remetia a uma inserção do curso na vida potica local buscando transformá-lo
num ator político reconhecido. Esta inserção, um momento de re-territorialização do
núcleo (compreendida como inserção, como inscrição num dado território social),
demandava um diálogo com as agendas e com as identidades locais, para o que a retirada
Jogos Políticos Internos do Movimento PVNC: O papel da
Questão Racial
Lugares” da
Questão
Racial
N
unca foi somente um debate ou um corte
ideológico presente em momentos
específicos do movimento
No plano dos fóruns
coletivos, ela é arena de
conflitos e disputas entre
sujeitos, disputas pela
legitimação do poder de
enunciação e de definição
dos rumos e das próprias
estruturas (estruturantes e
estruturadas) do
movimento, ou seja,
disputas cujos
fundamentos não emergem
de divergências na própria
questao racial
No plano do
cotidiano dos
cleos, ela é
“negociada
(negada/afirmada),
enquanto dimensão
fundadora de
alteridade, portanto,
de conflito e passível
de politização
É AGENDA (pauta de discussão) e
AGÊNCIA (instrumento, campo, fórum
ou instância de intervenção) de sujeitos
em disputa pela hegemonia na condução
do movimento
273
da denominação “Para Negros” era uma condição. Não havia, portanto, uma negação da
dimensão política per se, mas sua negação na forma tal qual era enunciada e/ou praticada
nos fóruns coletivos, um afastamento entre agendas e agências.
Tais reações – à racialização das iniciativas e à assunção de sua intrínseca
dimensão potica – não podem ser absolutizadas em si. Defendemos aqui que elas são
fruto, fundamentalmente, de uma fricção de experiências espaço-temporais no fazer
político: o afastamento entre as agendas e os fazeres dos planos do cotidiano dos núcleos e
dos fóruns coletivos do movimento transforma em divergências ideológicas, de culturas
poticas, pessoais, etc., diferenças que emanam, segundo nossa hipótese de análise, do fato
de que os indivíduos têm sua ação informada pelas suas experiências de espaço-tempo, que
são diversas. Giddens (1989) aborda esta relação entre ação, intenção e o
controle/percepção das conseqüências, ao trabalhar o conceito de agência. Neste contexto
ele nos remete à importância das experiências de espaço-tempo na definição da ação,
colocando que
“geralmente é verdade que quanto mais as conseqüências de um ato se distanciam no
tempo e no espaço do contexto original desse ato
, menos provável é que essas
conseqüências sejam intencionais – mas isso, evidentemente, é influenciado pelo
alcance da cognoscitividade que os atores possuem e pelo poder que são capazes de
mobilizar. O habitual seria pensarmos sobre o que o agentefaz’ – em contraste com
as conseqüências decorrentes do que foi feito – em termos dos fenômenos que o
agente tem mais ou menos sob seu controle. Na maioria das esferas da vida, e das
formas de atividade, o âmbito do poder de controle limita-se aos contextos imediatos
de ação ou interação.” (1989, pg. 9, grifo nosso)
Isso não significa que não haja reais diferenças e divergências de projetos de
sociedade e de movimento, mas, enquanto disputas pelas representações que estruturam os
movimentos
117
, tais ações se inscrevem nos “fluxos monitorados” constituintes das
agências destes indivíduos. Por mais que os fóruns coletivos de construção do movimento
sejam arenas de encontro, embates, congregação e negociação deles, suas agências são
distintas, visto que as experiências que informam as suas açõeso distintas: experiência,
117
Bourdieu nos ilumina neste debate sobre como se estrutura um disputa pela instituição das representações
sobre as quais se alicerçam estas identidades coletivas que balizam a ação, no nosso caso, nos movimentos
sociais. O autor nos fala sobre as “lutas das classificações, [como sendo] lutas pelo monopólio de fazer ver e
fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo
social e, por este meio, de fazer e de desfazer os grupos. Com efeito, o que nelas está em jogo é o poder de
impor uma visão do mundo social através dos princípios de di-visão que, quando se impõem ao conjunto do
grupo, realizam o sentido e o consenso sobre o sentido e, em particular, sobre a identidade e a unidade do
grupo, que fazem a realidade da unidade e a identidade do grupo.” (1989, pg. 113)
274
aqui, não remete somente à idéia de um conjunto de atos, eventos e momentos constituintes
de sua trajetória no tempo passado, mas também à noção de simultaneidade, à extensão do
tempo-espaço presente das ações dos indivíduos/sujeitos, visto que eles atuam de diferentes
maneiras em vários contextos sociais que são espaços de consubstanciação do político. Os
papéis, os contextos em que cada indivíduo/sujeito se insere, constroem suas referências de
conduta, ou seja, orientam sua ação. Desta forma, num fórum coletivo de discussão e de
deliberação do movimento, se encontram indivíduos/sujeitos cujas experiências remetem a
outros movimentos, arenas e esferas de poder intervenientes em escala nacional,
indivíduos/sujeitos cujas experiências remetem a contextos políticos em escala local, e
outros que antes não haviam vivenciado o fazer potico de forma enunciada. Os atos, os
habitus, os interesses, as expectativas, as antecipações que norteiam cada ato, são
informados por tais experiências, configurando, desta forma, o que estamos chamando aqui
de fricção de experiências espaço-temporais no fazer potico – um choque entre indivíduos
com distintas vivências de escalas. Estas orientam as ações e também as percepções dos
indivíduos/sujeitos em embate, realçando a diferença que é significada como alteridade, e
transformada em signo emblemático fundador do conflito.
5.3.2. Irradiação & Encadeamento (2): o campo “Autonomista-Espontaneísta”
A segunda reação à hierarquização do PVNC é a contestação da autoridade
enunciativa dos “cabeças” do movimento. Um bom exemplo dela é a matéria “Monolio
da fala nas Assembléias?”, de Antônio Carlos Magalhães, coordenador do Pré Santana, no
Jornal Azânia de nov/1996, que é taxativa:
“Existe uma certa tradição ‘cruel nas assembléias e seminários, onde as ‘velhas’
lideranças do movimento monopolizam a fala com seu largo vocabulário acadêmico.
Não que isso seja proposital, mas cria nos ‘simples mortais’ que estão almejando o
ingresso ao nível superior, um sentimento de que não terão o mesmo nível de
articulação retórica evitando assim, pronunciar-se”. (pg. 4)
Tal tipo de manifestação, que torna flagrante a hierarquização do movimento e a
elitização de determinados fóruns, é elucidativa de um sentimento de negação das
lideranças e de seus habitus” - aqui expressos no seu “vocabulário acadêmico” -, que
275
ganha corpo entre os atores do cotidiano de sua construção. Além da hibridação discursiva
apontada acima, que se espraia pelo cotidiano de trabalho no âmbito dos núcleos, esta
negação também informa uma reação de alguns sujeitos nos próprios fóruns coletivos de
construção do PVNC. Desta reação, vai-se aos poucos construindo um novo campo no
movimento, o chamado “Autonomista-Espontaneista”, uma quarta corrente que vai aos
poucos ganhando força e, gradativamente, ocupando espaços nos fóruns coletivos.
A denominação “Autonomista-Espontaneista”, recentemente proposta por
Jobson Lopes, uma das principais referências deste grupo, os distingue da correntemente
utilizada até bem pouco tempo no movimento, quando eram predominantemente chamados
“Independentes
118
. Esta última integrava a classificação tripartite criada por Juca Ribeiro,
analisando os conflitos em torno da institucionalização e do financiamento dos cursos,
apontou três campos no PVNC:
“CAMPO ECLESIAL - De cunho religioso católico tradicional, centralizadores, rara
consciência avel de conjuntura, baseiam-se no voluntariado assistencialista e
paternalista, contrários ao financiamento externo, e também contrários à
regulamentação jurídica e institucionalização (o que favorece sua hegemonia),
descaraterizam as decisões do coletivo (Assembléias, Conselho Geral, Equipes).
CAMPO AMPLO - Heterogêneo ligado a vários segmentos do Movimento Popular,
partidos de esquerda, bastante experiência política, grande parte com nível superior
ou Pós-Graduandos, Agnósticos, Candomblecistas, Religiosos católicos, ecumênicos
e protestantes, defensores do financiamento externo e criação de estatutos, vêem com
reservas as ligações ou dependências com as instituições privadas de ensino,
priorizam a questão racial.
INDEPENDENTES - Também com curso superior na sua maioria, simpáticos ao
movimento, mas não envolvidos diretamente com as questões raciais étnicas,
participam pouco das instâncias de decisões.” (1996, apud
Esteves, pg. 15)
Esta classificação tripartite foi, da sua proposição até recentemente, a mais
utilizada no âmbito do movimento: ela não somente “capta” as disputas ocorridas e os
sujeitos atuantes até 1996, mas, efetivamente, ao criar a representação dos grupos, ela cria
identidades, ela na verdade tem um poder criador dos campos, na medida que estrutura
referenciais de aglutinação para os sujeitos. No caso, ela teve o mérito de, quando foi
elaborada, momento se discutia a institucionalização do PVNC e o financiamento externo,
118
Além da distinção entre “Independentes” e “Autonomistas-Espontaneistas”, Jobson também propõe que a
denominação mais adequada para o campo “Amplo” seja campo “Gramsciano”. Na entrevista concedida a
esta pesquisa, ele justifica: “Campo Amplo, que o pessoal chamava de Campo Amplo mas eu denominava
grupo Gramsciano, que tinha toda uma metodologia de concepção gramsciana, do intelectual orgânico. E por
isso estavam no PVNC; por que como era para universidade, [visavam] então formar intelectuais orgânicos
para discutir a questão racial e trabalhar a queso do negro.”
276
“isolar” o grupo eclesial liderado por Frei David – isto é nítido no fato de que o Campo
Amplo (que é, sintomaticamente, definido como heterogêneo!!) tinha como principal elo
identirio a oposição a ele! A identidade neste caso se constrói por oposição, o mostra o
caráter ativo desta “interpretação” do movimento.
Por outro lado, ainda era bastante incipiente a reação sistemática aos ocupantes
do “olimpo”, o que dava margens à impressão de que aquelas eram as únicas cabeças a
pensar globalmente o movimento. E esta imagem era amplamente explorada pelos sujeitos
dominantes, que buscavam ou legitimar essa hierarquia, ou instar osatores” do cotidiano a
se transformarem em “sujeitos”, protagonistas efetivos nos fóruns por eles considerados
máximos da construção do movimento. Um exemplo flagrante desta enunciação
provocativa é a distião, feita no III Seminário de Formação do PVNC - realizado em
1996, no pré Tijuca -, por Nilton Júnior, que enumera os participantes do PVNC como
“membros” e “usuários”. Em seu trabalho, o autor afirma que
“o membro participa das Assembléias, Semirios e outros momentos coletivos;
freqüenta assiduamente seu núcleo, toma parte das decisões coletivas, tem vio de
conjunto.(...) O usuário restringe-se a seu núcleo, sua visão é ‘aulística’, só se
importa com a aprovação no vestibular, não toma parte nas decisões coletivas.”
(Júnior, apud Nascimento, 2000, pg. 71)
Esta distinção trazia não somente uma provocação àqueles que pouco
participavam dos fóruns coletivos, mas também uma crítica à forma como se construía o
movimento. Naquele momento, Nilton Júnior, bastante ativo nos fóruns coletivos –
participou das Equipes de Reflexão Pedagógica e Racial, da Equipe do Jornal Azânia, e
intervinha freqüentemente nas Assembléias e reuniões – era considerado um dos principais
aliados de Frei David no “campo Negro-Eclesial”. Em 1996, entretanto, ele rompe com
David, e inicia um embate direto com este, acusando-o de centralismo na condução do
movimento, e de aproprião de suas instâncias e particularidades, agindo contra princípios
de conjunto que deveriam nortear o PVNC. Estas críticas - no bojo dos conflitos acerca da
institucionalização e do financiamento, que explodiram de vez (e implodiram o PVNC) na
Assembléia realizada na Rocinha no início de 1996 -, lhe renderam novos aliados: os
“intelectuais” do campo Amplo ou Gramsciano. Entretanto, a própria ambiidade de seu
discurso - que criticava o centralismo do Frei, mas ao mesmo tempo reivindicava um
controle efetivo sobre os prés, que segundo sua visão cresciam desordenadamente -, lhe
277
rendia opositores também. E são estes opositores que vão, diante dos conflitos, acusações e
seccionamentos que se avolumam entre os “cabeças” do PVNC, dar lugar a um novo
campo dentro do movimento, que aglutina indivíduos que, mesmo não adotando a prática
da organização nem da articulação sistemática, rejeitam uma e outra tendências.
Com efeito, como resultante das crescentes críticas que os “intelectuais”, de um
lado, faziam a Frei David – centralismo, promoção pessoal, apropriação do trabalho dos
núcleos através de um eficiente trabalho de mídia, em virtude de algum suposto projeto
pessoal -, e das desconfianças que cresciam em torno destes mesmos “intelectuais” – de
que eles almejavam a institucionalização do PVNC para obter fomento externo e se
locupletarem financeiramente –, algumas vozes, ao invés de se aglutinarem a um ou outro
grupo, optaram pela rejeição à própria idéia de construção de seccionamentos organizados
dentro do movimento, e por uma rejeição de lideranças, posições em muito influenciadas
pelas ideologias anarquistas e pelo ceticismo em relão à possibilidade de aparelhamento
do Projeto a partir de uma organização mais formal.
Estes novos sujeitos eram, em sua grande maioria, alunos e ex-alunos que se
tornaram universitários, e cuja primeira experiência de embate potico se dava quase
sempre no âmbito dos próprios núcleos. Este fenômeno ainda carece de uma investigação
mais aprofundada, mas é possível hipotetizar que a renovação das coordenações de boa
parte dos núcleos, que se dava por discordâncias de alunos e ex-alunos, às vezes também de
professores com a linha de atuação da coordenação
119
, era um dos principais motores da
formação de novos sujeitos no PVNC, e que aos poucos vai lançando aos fóruns coletivos
indivíduos cujos acúmulos de discuso eram fruto do próprio movimento. Isto poderia ser
encarado como um sucesso do trabalho de formação de novos quadros militantes - e,
positivamente, assim o é por muitos dos chamados “iluminados”. Paradoxalmente, serão
empoderados militantes que, não obstante haver convergências em termos de projetos
societários e agendas, vão se lançar ao embate direto com os fundadores. Na verdade, tal
desenrolar é possibilitado exatamente pela forma como se constituiu o movimento, o que é
em grande medida mérito destes chamados “iluminados”. Aspectos como a autonomia
decisória dos núcleos, a constituição de um cotidiano democrático onde tudo é negociado e
119
Salvo nos raros casos, como no núcleo PJ, onde todos os anos são realizadas eleições nas quais
obrigatoriamente uma nova coordenação deve ser eleita.
278
decidido, bem como o formato institucional que dá lugar a isso,o, efetivamente, frutos da
construção deles, e são fatores decisivos para a criação de “experiências” de potica destes
novos sujeitos. Com efeito, nos espaços formais de escolarização, bem como em outros
movimentos sociais, a formão e o empoderamento de novos sujeitos não necessariamente
ocorre com a mesma intensidade – sobretudo nos espaços formais de escolarização. A
possibilidade de instauração de pactos baseados em pluralidade potica é um atributo do
movimento que tem no seu formato institucional uma mola-mestra. Cabe aqui uma breve
digressão sobre este aspecto, que é crucial na constituição de novas experiências de
construção política.
Aludimos anteriormente que os pré-vestibulares populares já nasceram sob o
signo da pluralidade potica – no tocante às agendas poticas mobilizadas e ao perfil
daqueles que o constroem. Primeiramente, precisamos refletir sobre esta pluralidade. Numa
primeira observação, o pré-vestibular aparece como uma manifestação alicerçada sobre um
voluntarismo acrítico em relação à ordem social e aos processos de reprodução de injustiças
e desigualdades. Com efeito, a emergência na década de 90 de valores como a solidariedade
e participação, como contrapontos à emerncia de ordens e comandos emanados pela onda
neoliberal (Burity, 2001), criam um substrato social profícuo para iniciativas baseadas no
voluntariado, cujo signo mais emblemático foi a Ação da Cidadania contra a Miséria, a
Fome e Pela Vida, chamada de Campanha da Fome coordenada pelo sociólogo Herbert de
Souza, o Betinho. Os pré-vestibulares, sem dúvida, encontram neste contexto social uma
das condições necessárias para a sua replicação e difusão por todo o país.
Por outro lado, há também nos pré-vestibulares populares a motivação pela
milincia (anterior ao pré, e também o despertar para a militância de muitos indivíduos que
nunca antes haviam participado de outro movimento social), que vê a potica como sentido
da ação, e que de certa forma confere um sentido mais amplo à potica: é o fazer cotidiano
enquanto campo de possibilidades da transformação social (DeCerteau, 1994), que não se
restringe às esferas tradicionais de coordenação social num arranjo que tem o Estado como
ente central. Esta militância encontra no pré-vestibular um fértil terreno para difusão de
bandeiras e capilarização social de lutas, além da própria temática da democratização do
acesso ao ensino superior, que é consolidada na agenda do debate público pela própria
atuação e disseminação dos cursos. Desta forma, os interesses militantes em torno dos prés
279
se multiplicam, e diversos militantes e movimentos sociais começam a se envolver com o
fazer do pré-vestibular, ingressando ou iniciando um núcleo.
Estas duas vertentes, a daqueles que politizam sua inserção e a daqueles que
negam a dimensão potica de sua atuação, se imbricam na cotidianeidade dos cursos,
disputando cada momento de construção das iniciativas. Os pré-vestibulares aparecem,
portanto, como um movimento social em cuja base de formação e motivação não se
encontram projetos societários globalizantes alternativos ao hegemônico na nossa
sociedade, mas que se apóia num conjunto de valores e projetos que se referenciam a
múltiplas contradições. Se, à primeira vista, estes desejos e motivações podem parecer
antagônicos, há elementos e formatos organizacionais que permitem o estar junto, e servem
de argamasssa que congrega indivíduos oriundos de segmentos sociais distintos, com
atuações distintas, e também, portadores de valores e projetos societários distintos.
Configura-se, desta forma, uma iniciativa que se abre para um variado leque de
inserções e cruzamentos entre agendas de discussão e intervenção, o que permite a (e se
consti através da) agregação de indivíduos com interesses, ideologias e projetos
societários diferentes. Sob esta ótica, os pré-vestibulares funcionam como um espaço de
recomposição de identidades coletivas
, diante do esgarçamento do tecido social, tal qual
alude Mellucci (1994). Isto é possível, em grande medida, devido à sua estrutura
organizacional, que parte dos seguintes preceitos basilares:
a) a auto-gestão” – boa parte dos núcleos é coordenada pelos próprios alunos, ex-alunos e
professores. Este aspecto, de um lado, confere uma autonomia decisória aos núcleos que,
diante do afastamento e da tensão entre as agendas e enfrentamentos correntes no seu
cotidiano
120
, se torna um forte componente a facilitar sua ruptura com o movimento
organizado em rede (isto é mais forte e flagrante no PVNC, mas também é observável na
EDUCAFRO). De outro lado, esta autonomia acaba por valorizar os debates cotidianos dos
núcleos enquanto instâncias decisórias, o que tem como efeitos motivar, criar e fortalecer
sujeitos através de uma cultura de participação marcada por um padrão de democracia
120
E, no caso do PVNC, que estrutura uma rede, isto também é observado no plano dos fóruns coletivos de
construção do movimento, a Secretaria Geral, o Conselho dos Núcleos (que se reúne mensalmente), as
Assembléias Gerais (que ocorrem três vezes por ano), as Equipes de Reflexão Pedagógica e Racial. Estes
runs coletivos são instâncias de articulação política (decisória, discursiva e reflexiva) do movimento.
280
como relação, e não como formato institucional. Ainda que muitos núcleos sejam marcados
às vezes por gestões despóticas – afinal, toda revolução dos bichos pode ter seu porco!
121
–,
há um sem número de casos de conflito e até deposição de coordenações e professores por
alunos que então assumem a condução do núcleo, fatos pouco imagináveis nos espaços
formais de escolarização. Esta vivência insta os integrantes do pré-vestibular à participação
e politização, o que significa a responsabilidade na definição dos marcos ideológicos
norteadores de cada iniciativa. O pré-vestibular ganha, então, uma dimensão de formação
potica pela prática à qual os sujeitos são compelidos, o que se dá num contexto onde, mais
do que nunca, o cenário lega heranças e influências;
b) a quase inexistência de compromissos financeiros – normalmente os alunos
contribuem com algo em torno de 10% do salário nimo, verba destinada à aquisição do
material didático necessário, alimentação (nos cursos que funcionam aos sábados e
domingos durante todo o dia), custeio de passagem para os professores e, se possível, ajuda
aos alunos no pagamento das taxas de inscrão no vestibular, quando não conseguem
isenção. Este traço - que tem a marca flagrante da ala cristã de influência franciscana,
hegemônica na construção do PVNC - condiciona uma alergia de grande parte dos pré-
vestibulares populares ao financiamento – público ou empresarial. Esta não aceitação de
aportes externos inviabiliza parcerias e dinâmicas cooperativas de trabalho destes cursos
com o Estado e com o setor privado, criando um vazio nas tendências atuais de execução de
cursos pré-vestibulares como potica pública ou iniciativa vinculada a parcerias
empresariais, que vem sendo ocupado por ONGs, movimentos sociais e uma série de
organizações e atores atuantes em outros campos que se fortalecem e se territorializam - se
inscrevem no espaço e se inserem em contextos sociais locais - através da criação de cursos
pré-vestibulares financiados;
c) o trabalho voluntário - dos professores e coordenadores, num contexto marcado pela
desmobilização e esvaziamento de militância de diversos movimentos sociais no Brasil, e,
paradoxalmente, pela emergência de valores como a solidariedade e a participação, ainda
que marcados por uma negação da dimensão política de sua participação.
121
Alusão à célebre obra de George Orwell, A revolução dos bichos, crítica ao totalitarismo dos regimes
comunistas (em especial, o stalinista), em que uma revolução dos animais de uma fazenda, simbolizando uma
revolução popular, lugar a um regime ditatorial onde o tirano é o porco.
281
Este último aspecto, o trabalho voluntário, é fundamental na estruturação dos pré-
vestibulares populares, na medida que o pré-requisito necessário para alguém ingressar no
curso é – além do donio dos conteúdos de cada matéria, no caso dos professores – o
próprio desejo de ingressar no movimento. A dificuldade que a maioria das iniciativas têm
na arregimentação de professores voluntários faz com que se trabalhe com todos aqueles
que se apresentam como interessados, ou seja, na maioria dos cursos e com poucas
exceções, não há um ou um conjunto de critérios para a aglutinação de novos
militantes/colaboradores. Isto contribui para a (ao mesmo tempo em que é possibilitado
pela) agregação de indivíduos que nem sempre concordam ou partilham os marcos
ideológicos principais do movimento inicial, quais sejam, a discussão racial e as injustiças
no mundo da educação. Os prés são replicados e difundidos, portanto, a partir da agregação
de indivíduos que conformam, diante de suas diferenças e divergências ideológicas, pactos
ideológicos frouxos e, diga-se de passagem, muitas vezes de fácil ruptura, vide a alta
rotatividade de professores que caracteriza a maioria destes cursos. É, entretanto, a
frouxidão destes pactos, assentada por uma cultura potica de tolerância, o que permite a
difusão e o crescimento massivo em escala nacional dos pré-vestibulares nos anos 90,
contexto marcado pela crítica às meta-narrativas e aos constructos ideológicos de pretensão
totalizante.
Assim, os pré-vestibulares populares acabam por se constituir num espaço público
de socialização, um ator plural (ou, pluri-ideológico), onde se torna possível, através do
múltiplo pertencimento, a recomposição de identidades coletivas num cotidiano onde a
democracia (essencialmente conflitiva) é radicalizada – as decisões são coletivas e os
papéis são múltiplos e fundidos, alunos podem (e muitas vezes são) coordenadores,
professores, etc.
Esta base política de conformação confere à autonomia um papel fundamental
na construção dos aludidos pactos ideológicos frouxos que permitem o estar junto no fazer
dos pré-vestibulares populares. A autonomia vai, desta forma, se constituir num princípio
orientador dos mecanismos de agregação, com um impacto direto sobre a construção dos
projetos e das práticas pedagógicas dos/nos prés. O cotidiano dos núcleos é constituído por
momentos de construção, momentos decisórios, como a definição do número de vagas, os
critérios de seleção dos alunos, horários e dias de funcionamento, estratégias de divulgação,
282
etc. Nestes momentos, as opiniões individuais são valorizadas, o que estabelece relações de
simetria e horizontalidade entre os participantes. Isto contribui para o empoderamento de
novos sujeitos, pela vivência de um cotidiano democrático distinto da maior parte dos
outros espaços e relações sociais experimentadas pelos indivíduos. Os impactos de tal
valorização e empoderamento são diversos, indo desde um envolvimento apaixonado de
pessoas que, em seu ethos se sentem valorizadas, até outras que de tanto se envolver
desenvolvem estratégias subliminares de conservação de posições – p. ex., muitos alunos se
tornam coordenadores e se eternizam nesta condição, deixando inclusive de estudar e
abrindo mão de passar no vestibular e ingressar na universidade! O conforto e a segurança
gerados pela valorização de indivíduos que, na maioria das relações sociais que
experimentam se encontram em condição de subalternidade pode causar esta cristalização,
mas também leva a um empoderamento de outros que vão passar se sentir em condições de
intervir em outras esferas: a experiência potica democrática libera potências de sujeito!!
Tais potências o convergir para a constituão de um novo campo no movimento, o
chamado Autonomista-Espontansta.
Os militantes identificados neste novo campo, portanto, são sujeitos cujas
leituras sobre questões fundantes do movimento, em especial a questão racial, passam
confessamente por profundas mudanças a partir de sua vivência de PVNC, e se constroem
numa perspectiva de negação e antagonismo em relação àqueles que se consideram seus
“mestres”. Figuras como Jobson Lopes, Fernando Pinheiro [Ver texto sobre Fernando
Pinheiro, pg. 318], se juntam a outras com o Márcio Flávio Oliveira e Simone Seguins
(estes últimos eram, inicialmente, ligados ao grupo Negro-Eclesial, mas rompem com este)
para constituir um novocleo identitário contra os “intelectuais” do movimento. Neste
embate, colocam-se de um lado a ironia e a irreverência pelos Autonomistas-
Espontaneistas – acusadas de brincadeiras de adolescentes pelos “iluminados” -, e, de
outro, o discurso academicista e a experiência pelos intelectuais – acusados de estrelismo
pelos primeiros.
Cabe aqui, mais uma vez, ressaltar uma característica marcante deste coletivo:
sua rejeição a qualquer forma de organização, que nunca permitiu que se constituísse numa
articulação efetiva em torno de um projeto de movimento. Com efeito, movidos pelo
espontaneísmo”, estes indivíduos se mobilizavam mais pela negação de práticas do que
283
por interesses claramente identificados. Sua inexperiência em militância, acrescida do fato
de não serem oriundos e nem possrem nculos com nenhum outro movimento,
informavam um voluntarismo na sua participação e uma desafeição àqueles que se
apresentassem com ou deixassem transparecer qualquer outro tipo de envolvimento, ou que
inspirasse qualquer tipo de intenção de aparelhamento do movimento.
O voluntarismo espontaneísta conduzia a um atomicismo na sua atuação que
contrastava com as articulações costumeiras dos outros campos. O campo dos
Gramscianos”, por exemplo, durante um tempo tinha um ponto de referência de encontro,
um bar em São João de Meriti apelidado de “Hepatite”, para onde todos os sábados, a partir
do icio da noite, os indivíduos se dirigiam após as suas aulas. Neste ponto de referência,
que se transformou numa “arena oculta” de construção do movimento, o grupo discutia
e articulava seus projetos e estratégias de ação dentro do PVNC. Já os Espontaneístas
recusavam tal tipo de construção, funcionando como um grupo que só se constituía
enquanto tal na reação às ações dos outros grupos, sobretudo dos Gramscianos. Esta
passagem do depoimento de Fernando Pinheiro torna patente esta desarticulação e
desconfiança:
“É engraçado, porque neste mês de julho [1999], começaram as articulações para a
mudança da secretaria. Aí, o que acontece? O pessoal - no caso, os intelectuais - foi e
convidou a Simone e o Márcio para uma reunião para tentar configurar uma nova
Secretaria Geral. (...) Claro que não vão me chamar, né? Porque eu sou o ponto de
interrogação. Aí, foi muito engraçado, por que, qual foi o sentido da reunião? Que
eles iriam apoiar, no caso, a Simone e o Márcio para a Secretaria Geral e eles iam
querer pegar algumas outras funções, seja tesoureiros, seja secretários regionais.
Quem estava? Quem falou foi o Alexandre, o Zeca, tinha também a Marcilene, tinha
tamm um outro (...) o Aldacir, (...) e tinha um outro cara da Tijuca, o Roberto.
Eles fizeram a reunião e articularam em cima disso. E foi muito engraçado depois o
Márcio contando para mim, e eu: ‘beleza. Tá, tranqüilo, os caras estão nessa!’. Foi
nesse momento que a gente pensou em fazer parte da coordenação; tentar articular
alguma coisa no vel geral. Porque antes a gente não tinha pensado nisso. A gente
o tinha o projeto de tomar o PVNC, ou ser as lideranças. Agora, foi acontecendo, e
a gente viu a possibilidade de começar a fazer coisas que a gente queria e combater
as coisas que a gente achava equivocadas.”
Apesar das críticas que estes sujeitos sempre tiveram em relação à conduta de
Frei David e do campo Negro-Eclesial, seu poder de fogo freqüentemente se voltava contra
os Gramscianos, cujas leituras e projetos eram mais distantes dos Espontaneístas.
Favoráveis à institucionalização e ao financiamento do PVNC – além da instituição de
284
controles dos cursos, tanto no tocante à qualidade e às práticas pedagógicas
122
, quanto no
que diz respeito à politização no movimento -, os Gramscianos, cujo trunfo principal era
sua capacidade reflexiva e argumentativa, ao buscar sua legitimação através deste
instrumento, se enunciando enquanto autoridades da produção centralizada do
conhecimento, abriram flancos para a acusação de estrelismo e elitismo. O depoimento que
nos prestou Frei David ilustra a forma como passaram a ser interpretadas as propostas dos
intelectuais acerca da qualidade nos cursos:
“Olha só: aqui, é outro nó do Projeto. Há um grupo que radicaliza na qualidade, mas
o que é qualidade para esse grupo? Qualidade é obrigar o outro a entender o meu
pensar, a minha ideologia e seguir a minha ideologia. Para nós, o que é melhor?
Existir poucos prés, com um controle ideológico alto do comando central? Ou existir
vários prés, que vai dando empoderamento, qualidade pra essas pessoas procurarem
o que é melhor e, ao mesmo tempo, a pessoa vai se abrindo pra rever sua cabeça, sua
mentalidade, seu jeito de ser. E eu falo: a linha em que a gente tem investido é essa
aí. Pra nós, está em jogo não o meu quintal, es em jogo um projeto de Brasil. Eu
não vou mexer com o Brasil, mexendo só com o meu quintalzinho bem arrumadinho.
Então, a ideologia fechada, cerrada, que alguns têm querido implantar em
pouquinhos núcleos, pra mim isso não é a estratégia ideal.”
Tal posicionamento acaba por se constituir em mais um elemento viabilizador
de uma aliança tácita entre os campos Negro-Eclesial e os Independentes/Autonomistas-
Espontaneistas. Isto vai isolar os intelectuais, provocando cies que se avolumam,
sobretudo a partir da segunda metade de 1996 em diante.
5.4. O campo Amplo ou Gramsciano
Este atrito foi fundamental na definição de alguns dos mais importantes
conflitos da construção do PVNC, sendo estes decisivos para seus rumos e desdobramentos
atuais. As questões do financiamento externo e da institucionalização do PVNC foram
barradas pelo apoio decisivo dos Autonomistas-Espontaneistas - e de sua capacidade
congênita de mobilizar os “Independentes”, aqueles que não atentavam para os fóruns
coletivos – ao campo Negro-Eclesial. Com efeito, estas propostas defendidas pelos
122
Na assembléia realizada em abril de 1997 no pré Pilar, Mário Fumanga, filósofo e professor de redação do
pré AFE, propôs que o movimento instaurasse a discussão sobre a criação de critérios para seleção de
professores do PVNC. Tais critérios, que deveriam ser discutidos pelo movimento, deveriam levar em
consideração aspectos pedagógicos, da titulação, e até ideológicos também. Ele alegava que em muitos prés,
havia pessoas sem nenhuma formação acadêmica lecionando, o que comprometia a qualidade dos cursos,
comprometendo o atendimento às expectativas dos alunos.
285
intelectuais, foram ao longo de 1996 e 1997 sendo minadas pela difusão “anônima” –
aquela baseada na circulação pelo encadeamento das relações de coletividade à qual Muniz
Sodré chamou a atenção – da idéia de que a entrada de dinheiro no movimento serviria
para atender a indivíduos interessados em se locupletarem do trabalho no PVNC, e também
pela idéia de que suas originalidade e força decorriam exatamente do fato de não envolver
interesses financeiros, mas sim o trabalho voluntário e a militância. Esta difusão encadeada,
em muito potencializada pelos protestos e pela irreverência dos Autonomistas,isolou os
intelectuais do campo Amplo (ou, Gramsciano) no movimento, impondo-lhes sucessivas
derrotas nos pleitos realizados nas Assembléias
123
.
Estes embates, a ascensão de novos sujeitos, e as sucessivas derrotas,
coincidiram com uma tendência, que se iniciou em 1997, de evasão dos intelectuais do
campo “Gramsciano” do movimento. Movidos pelos desgastes destes embates internos ao
movimento – já em 1996, com o acirramento das disputas, iniciou-se uma prática de
acusações, denúncias e ameaças de processos jurídicos, além de desmoralizações pessoais -,
e pelos percalços das trajetórias (dificuldades e projetos) pessoais de cada um – apenas com
uma aferição pessoal se poderia precisar as motivações, visto que os indivíduos negam que
as derrotas e os desgastes tenham sido o motivo da arribação coletiva -, estes sujeitos vão,
gradativamente, esfacelando um dos pilares ideológicos da construção do PVNC. O
primeiro grande golpe foi a saída, em 1997, de Juca Ribeiro.
Juca Ribeiro era fundador-coordenador do núcleo ABM-Grucon, em São João
de Meriti, desde o início de 1994, quando o núcleo começou a funcionar. Portador de uma
bagagem de militância que lhe conferia experiência e contatos – já havia sido candidato,
pelo PT, a prefeito de São João de Meriti, onde se articulava a diversas entidades de luta
anti-racista -, foi ao longo do tempo se constituindo numa das principais referências de
liderança do movimento.
123
Em intervenção no II Encontro Nacional de Cursos Pré-Vestibulares Populares, realizado entre 30/08 e
02/09/2002, Juca Ribeiro afirmou, categoricamente, que um dos condicionantes do enfraquecimento do
PVNC foi o fato de os Espontaneistas terem potencializado e fortalecido o campo Negro-Eclesial. Juca
referia-se às votações sobre o financiamento e institucionalização, onde a aliança entre estes grupos selou um
formato que, segundo ele, levou o movimento ao enfraquecimento. Ele ainda levantou a contradição da
atuação do Negro-Eclesial, em particular do Frei David, que, após defender a não-institucionalização do
PVNC, fundou a Educafro, entidade juridicamente constituída segundo moldes em muito semelhantes ao que
os intelectuais propunham naquela época.
286
Suas articulações lhe possibilitavam viabilizar soluções para muitas das
dificuldades materiais do movimento, o que era inteligentemente capitalizado. Para citar
um exemplo, com a multiplicação do número de núcleos e com a crião das Assembléias,
uma das grandes dificuldades era a locomoção dos membros dos núcleos para participar
delas, visto que quase sempre eram realizadas em locais distantes para a maioria dos
núcleos. Através de seus contatos, ele sempre conseguia vários ônibus, que transportavam
membros de diversos núcleos, ganhando assim visibilidade e popularidade no movimento.
Sua inserção na Universidade – cursava pós-graduação na época – era
transformada num elaborado discurso sobre o PVNC: ele era um dos que mais produziam e
escreviam reflees sobre a dinâmica política do movimento, sendo, inclusive, o autor da
idéia da divio em “campos” Amplo e Negro-Eclesial. Afirmava ser o movimento fruto da
construção de um discurso comum, o da “democratização do ensino e do acesso das classes
de baixa renda à universidade”. Juca atuava intensamente nas diversas esferas de
construção do movimento: foi fundador, coordenador e professor de Cultura e Cidadania do
Pré-ABM/Grucon, membro da Equipe de Reflexão Racial, da equipe do Jornal Azânia, da
Secretaria Geral, de comissões de negociação de bolsas, etc. Nas Assembléias e nas
reuniões do Conselho era um dos mais atuantes, e cultivava o habitus de produção de textos
para propagação e discussão de suas iias.
Enunciador de uma vio global da construção do movimento, apontava que
havia quatro tipos possíveis de ações que envolviam os indivíduos no PVNC, e que dentro
deles aparecem a questão racial, ideológica e pedagógica, assim como seus interesses. Os
tipos apontados por ele eram: democrático-libertadora, espontaneísta, elitista e a engajada.
Ponderava que o PVNC poderia se transformar num movimento social se conseguisse
construir um projeto pedagógico e ideológico para os prés, o que dependia do
amadurecimento de seu caráter/concepção, objetivos, princípios, estrutura e instâncias de
construção.
Entretanto, em 1997, em meio a dificuldades financeiras – motivão sempre
alegada por seus colegas militantes mais próximos, em detrimento de qualquer afinidade
ideológica -, Juca deixou o movimento para ir trabalhar para o Partido da Frente Liberal
(PFL). A saída de Juca, logo após a decisão do movimento de recusar financiamento
287
externo, fortaleceu o clima de desconfiança em relão às intenções dos “intelectuais” do
movimento. Este clima se fortaleceu através de um patrulhamento que se estabeleceu em
relação aos envolvimentos que eles mantinham fora do movimento, muitos dos quais
passaram a ser encarados como capitalização do movimento em benefício (financeiro,
potico e até acadêmico) próprio, o que era utilizado contra eles. Podemos citar alguns
exemplos: a ligação de Zeca (Pré-AFE) com Ivanir dos Santos, do PT, era associada ao uso
eleitoreiro do movimento, que sempre se declarou supra e a-partidário; deste patrulhamento
não escapava o Frei David, eno próximo do vereador do PT Marcelo Dias; Jocimar
Araújo de Oliveira (Pré-Nova Iguaçu), trabalhava no grupo de pesquisa da profa. Ivone
Maggie, da UFRJ, e dele falavam que “fornecia” as informações sobre o movimento em
troca de uma inserção acadêmica.
Tal atmosfera de patrulhamento fortalecia a capacidade de mobilização dos
Espontaneistas, o que em muito se deve ao fato de os embates produzirem maiores
desgastes à figura de Frei David (e, conseqüentemente, ao campo Negro-Eclesial) e às
lideranças do campo Gramsciano. Isto começa a reorientar inclusive os “fluxos
migratórios” ideológicos dos sujeitos. Cabem aqui alguns exemplos a partir de uma
trajetória comum: o campo Negro-Eclesial sempre foi polarizado por Frei David, que
potencializava alguns sujeitos que se aproximavam dele e os alçava à condição de
lideranças. Este foi o caso de Nilton Júnior, de Geane Campos, Simone Seguins e de outros,
que ganharam visibilidade no movimento não somente graças à qualidade de suas atuações,
mas também à estratégia de fortalecimento de aliados utilizada pelo Frei. Num primeiro
momento, aqueles que por algum motivo rompiam com David tendiam a se aliar aos
intelectuais do movimento.
Assim foi com Nilton Júnior, primeira grande liderança de formação
Davinista” no movimento. Júnior não era um fundador do movimento (ele ingressou na
passagem de 1993 para 1994), mas era um dos principais professores do Pré-Matriz (e,
também, de outros núcleos, como o Nova Campinas) e, em 1996, rompe com David, passa
para o Pré-ABM/Grucon, coordenado por Juca Ribeiro. Neste momento, ele começa a
denunciar o centralismo e o personalismo do Frei, motivos de sua ruptura segundo o
depoimento que nos prestou. Cultivador do habitus de produzir textos para discussão, um
de seus escritos, intitulado “Reflexões”, acusa Frei David de apropriar-se do movimento, de
288
suas instâncias e particularidades, agindo contra os princípios do PVNC. O teor deste texto
foi considerado tão agressivo e pessoal, que rendeu um pedido público de desculpas, de
onde ele iniciou uma reflexão não somente sobre as práticas pessoais, mas sobre as
estruturas do PVNC. Passou, então, a consonar com o projeto de instauração de controles já
anteriormente preconizado pelos intelectuais, grupo que passou então a reforçar.
No momento em que o grupo do Campo Gramsciano começa a ser
bombardeado, os dissidentes do campo Negro-Eclesial passam a aderir à idéia da negação
de lideranças, fortalecendo aquilo que foi chamado de campo Autonomista-Espontaneista.
Assim o foi com Simone Seguins e Márcio Flávio Oliveira, estudantes da PUC que
romperam com David e passaram a integrar este outro grupo. Simone era, juntamente com
Geane Campos, chamada de “Davinete”, pelo investimento que o Frei fazia nas duas,
sobretudo no tocante ao trabalho de imprensa. Ambas eram os mbolos de mídia do
movimento, com aparições em jornais, revistas (como a Veja) e até no Fantástico. Todas as
reportagens sobre a luta dos alunos negros e carentes para ingressar e se manter na
universidade tinham as duas como destaque, e isto se devia ao Frei David. Ambas eram da
coordenação do Pré-Nova Campinas, e foram as primeiras alunas do PVNC a concluírem
um curso universitário. Simone, entretanto, a partir de 1998, começou a divergir de David,
sobretudo pelo seu personalismo, e rompeu com ele indo fortalecer o campo dos
Autonomistas-Espontanstas.
Neste clima de “fim de festa” após as derrotas nas questões da
institucionalização e do financiamento externo, inicia-se o esfacelamento do campo
Gramsciano, e, mesmo as vitórias parciais alcançadas – como a construção da Carta de
Princípios, uma tentativa de síntese potico-pedagógica das linhas mestras a serem
seguidas pelo PVNC, um instrumento de “controle” das práticas que era uma antiga luta do
grupo – não são potencializadas.
289
5.5. Reconhecimento Institucional & Empobrecimento das Agendas: o
Enfraquecimento do PVNC
Paralelamente aos conflitos internos do PVNC, o movimento vinha, desde 1996,
alcançando um crescente reconhecimento social. Com um vigoroso trabalho de inserção na
mídia, além dos contatos e vinculações que seus membros tinham com outras instituições e
movimentos sociais, o PVNC foi se constituindo num agente-chave na discussão de
diversas problemáticas em diferentes escalas: das questões das localidades ou bairros onde
se situavam, em que alguns núcleos eram bastante participativos, às questões racial e da
educação – esta última, sobretudo na democratização do acesso à universidade, mas que a
partir daí ganha outras intervenções também -, o PVNC foi se legitimando e assumindo o
duplo papel de formulador de agendas de discussão para a sociedade e de importante
interlocutor para outras agendas já colocadas ou em construção.
Este reconhecimento, no entanto, segue junto com a constituão de uma outra
entidade de caráter semelhante, que vai empreendendo contra o PVNC uma disputa pela
legitimidade na enunciação e intervenção nas agendas: a EDUCAFRO (Educação e
Cidadania de Afro-Descendentes e Carentes). Criada por Frei David no final de 1997 em
São Paulo, a Educafro surge num momento de grande questionamento da liderança e dos
interesses do Frei no PVNC, num contexto no qual ele vinha gradativamente perdendo
poder e legitimidade na definição dos rumos do movimento. Entretanto, ela surge
instaurando um duplo envolvimento por parte dele: ele não se desvincula do PVNC, ainda
permanece nele – até 2001 -, mas começa uma atuação dissimulada entre as duas entidades,
com um discurso “pra fora” que as confunde (“este movimento começou como PVNC,
agora é Educafro”), e outro “pra dentro” do PVNC que as distingue (primeiramente “a
Educafro só atua em São Paulo”, e posteriormente “a Educafro só trabalha no Rio de
Janeiro com o ‘pós-vestibular’, apenas em São Paulo ela trabalha com pré e pós-
vestibular”).
Esta dupla construção discursiva instaura, no movimento, uma indefinição
acerca do papel do Frei, que assim se protege dos ataques que se iniciam contra a criação da
Educafro. Externamente, ele a legitima, sempre a vinculando ao trabalho que ele
desempenhou na construção do PVNC. Desta forma, a legitimidade social que adquire o
290
‘Movimento’ de cursos pré-vestibulares para negros e carentes legitima as duas instituições,
PVNC e Educafro, que para a sociedade não se distinguem, nem nas suas práticas e nem na
sua institucionalidade: são vistas como a mesma organização, com um líder que é seu
porta-voz, o Frei David!
Paralelamente, ganha força e legitimidade na sociedade brasileira a luta anti-
racista. Beneficiado por um contexto internacional favorável – apoio de agências
multilaterais e a preparação da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação
Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada na África do Sul em 2001 – e pela
intensa atuação de outras entidades do movimento negro, o PVNC passa a ganhar destaque
e visibilidade nacional se tornando referência para a luta do povo negro na
contemporaneidade, e para a discussão sobre a democratização da educação. O Governo
Federal, pressionado internamente e externamente a assumir posicionamentos e tomar
providências acerca da questão racial, através da SEDH, a Secretaria de Estado dos Direitos
Humanos, começa a preparar seminários regionais e estabelecer contatos com entidades do
Movimento Negro, numa estratégia de coleta de experiências e informações que
subsidiassem estes posicionamentos e a construção de poticas. Em meio à miríade de
experiências observadas, acaba ganhando força a idéia de fortalecimento dos cursos pré-
vestibulares pois, am de serem a iniciativa que quantitativamente mais vem se
multiplicando, ou seja, vem mostrando capacidade de mobilização de subjetividades e
grande capilaridade social, a idéia de um curso em si não rompe com a ideologia do mérito,
um dos mitos de origem da nossa sociedade burguesa.
Isto faz com que poticos e diferentes instâncias do Estado comecem a chamar
o PVNC para dialogar sobre estas questões, abrindo novos canais de interlocução para o
movimento. O duplo envolvimento e legitimação a que aludimos no parágrafo anterior
fizeram com que o mesmo se estendesse à Educafro. Assim, em 1999 a SEDH convocou
uma reunião em Brasília com cursos pré-vestibulares de diversos estados, e lá estavam o
PVNC, representado por Alexandre do Nascimento, e a Educafro, representada por Frei
David. Da mesma forma, no mesmo ano, a Secretaria de Integração Racial do Governo do
Estado convidou o PVNC para compor junto com outras organizações não-governamentais
e entidades da sociedade civil, especialmente do Movimento Negro, o Núcleo sobre
Promoção da Igualdade de Oportunidades e Combate à Discriminação no Emprego e na
291
Profissão, e a Central de Movimentos Populares convidou o PVNC para participar do seu
segundo encontro nacional. O PVNC é, neste momento, reconhecido como um interlocutor
deste debate em escala nacional, atuando junto às esferas estatais e de poder nesta escala.
No final do ano de 2001, após estudos do Instituto de Pesquisa Ecomica Aplicada
então, o principal órgão formulador de poticas do governo federal – apontarem a
Educação como um campo marcado por desigualdades raciais, se fortalece a idéia da
intervenção no acesso ao ensino superior, com entidades e lideranças do Movimento Negro
cada vez mais aderindo à proposta da reserva de vagas em universidades públicas
proposta que culminou na promulgação de lei estadual no Rio de Janeiro. Diante deste
debate, o governo federal cria como alternativa um programa de apoio financeiro a cursos
pré-vestibulares com o corte racial, o Programa Diversidade na Universidade. O PVNC foi
um dos cursos utilizados como experncias-piloto para a construção do Programa, e desde
então vem fortalecendo a interlocução com ele. Esta interlocução é realizada, praticamente,
de maneira exclusiva por Alexandre Nascimento, que foi se consolidando como a pessoa de
referência para o governo federal: posteriormente, a partir do ano de 2003, em que se inicia
o processo de construção do projeto de lei que propõe uma Reforma da Educação Superior
– inicialmente chamada de Reforma Universitária -, PVNC e EDUCAFRO se tornam
interlocutores diretos do Governo Federal para a temática da democratização do ensino
superior, com Alexandre do Nascimento chegando a se reunir com o ministro da educação
e até mesmo com o presidente da república.
Este reconhecimento por parte de esferas estatais, que instauram um diálogo
voltado para a promoção de poticas públicas, influencia uma significativa mudança nas
pautas de discussão do PVNC. Mas esta mudança advém, sobretudo, da própria dinâmica
interna do movimento: com o esgotamento dos embates em torno da institucionalização e
do financiamento externo, reconstroem-se as agendas e as agências do movimento. E isto
vinha se definindo desde 1998: foi praticamente neste ano que nasceu a Educafro; foi nele
que estes embates foram definidos, afastando boa parte dos intelectuais do campo
Gramsciano, e, também, Frei David, que após a derrota daqueles, passou a ser a favor da
institucionalização; e, principalmente, foi em meio a estes embates que se gestou a Carta de
Princípios, sendo votada sua redação final em abril/99 numa Assembléia em Niterói com a
participação de 720 pessoas e 42 núcleos. A Carta de Princípios praticamente definiu a
292
ruptura do grupo ligado ao Frei, ao instituir que o aluno, para pleitear bolsa junto à
universidade particular com o aval do PVNC, deve estar prestando exames para pelo menos
uma universidade pública.
Esta definição da Carta de Princípios foi uma das mais conturbadas, sendo
decorrente de uma disputa por projeto de movimento e, também de maneira muito
marcante, disputa pela legitimidade de liderança do movimento. Com efeito, desde 1996,
alguns sujeitos começaram a atribuir ao Frei David uma atenção especial à PUC como
objetivo dos alunos, em detrimento das Universidades Públicas
124
, e sempre aludindo à
bandeira de luta do movimento que é a defesa do ensinoblico, gratuito e de qualidade em
todos os níveis. Após algum tempo com os discursos girando em torno desta temática,
iniciaram-se os ataques pessoais, destacando-se a hipótese de que o Frei privilegiava a PUC
com a intenção de ampliar o contingente de alunos do PVNC na instituição, para assim se
fortalecer no movimento por monopolizar a interlocução deste com a universidade, e se
fortalecer junto à universidade – pressionada pelo Ministério da Educação que questionava
isenções tributárias para instituições de ensino que se intitulavam entidades filantrópicas,
para o que as bolsas poderiam representar um bom atestado -, e também junto à Igreja
afastada de seus fiéis.
Em meio a esses ataques “ideológicos” e pessoais, a questão da relação do
PVNC com as bolsas das universidades particulares acaba por selar uma aliança entre os
Espontaneístas com os intelectuais contra o campo Negro-Eclesial que, no momento
seguinte, redunda na saída – ainda da maneira dissimulada a que aludimos acima - deste
grupo do PVNC. A atenção à estratégia de inserção de alunos em universidades privadas
através de bolsas já era assumidamente a linha de atuação da Educafro. Em carta enviada ao
Conselho Geral do PVNC, datada de 05 de fevereiro de 1999, o Conselho Gestor da
Educafro (quem assina é Frei David) coloca:
“Companheiros(as), nós da Educafro, viemos (sic) atras desta apresentar esta
entidade social popular ao PVNC, e queremos colocar com bastante transparência o
motivo de sua criação e seus reais objetivos (...)
124
A estas falas, Frei Davi sempre respondeu através de dois argumentos principais: um histórico – a
importância que estas bolsas tiveram para o crescimento do próprio PVNC; e outro social – o fato de que,
para a maioria dos alunos dos pré-vestibulares populares, devido à sua origem social, o ingresso com bolsa
numa universidade ou faculdade privada é uma asceno real, não apenas individual, mas para todo o
contexto social dos quais estes alunos são oriundos.
293
É do conhecimento de todos a preferência e a opção de luta do PVNC, e de todos
nós, por ‘uma educação pública e de qualidade’, porém é também conhecida a
incapacidade, o desinteresse, e a impossibilidade do sistema de ensino público
brasileiro de atender a crescente procura por uma vaga nas universidades públicas.
Contudo e apesar disto, muitas das nossas lideranças insistem em não aceitar as
bolsas de estudos’ conseguidas - com muita lutanas Universidades
Particulares’ como uma opção justa e concreta de possibilidade de acesso ao ensino
superior.
(...) Com o objetivo de qualificar e ampliar estas parcerias, e dirimir estes conflitos
dentro do seio do PVNC foi criada a Educafro, com a função específica de ser a
mediadora e a articuladora junto às diversas instituições particulares de ensino
superior (...)” (grifos do autor)
Este texto mostrava claramente o debate e a cisão que se anunciava. A derrota
na Assembléia dois meses depois instaurou de vez a atuação paralela da Educafro. No mês
seguinte, foi realizada uma reunião geral de todos os bolsistas universitários oriundos do
PVNC, para a qual a Educafro se armou, difundindo anteriormente um contundente
manifesto:
“Nos últimos 4 anos um pequeno setor dentro do PVNC (que ocupa quase 80% do
tempo das ‘falações’ dentro das assembléias e conselhos) implantou no movimento
um discurso contra o ingresso de estudantes com bolsas de estudos nas
Universidades Particulares. A grande maioria, nas assembléias e conselhos,
permanece num silêncio defensivo. O resultado é que cresceu bastante, no último
vestibular, a quantidade de pessoas do PVNC fazendo vestibular nas várias
particulares que nos cederam bolsas de estudos.
(...) Na última assembléia geral todos os presentes assistiram os inflamados discursos
contra o ingresso dos nossos alunos nas Universidades Particulares. Logo após
colocou-se em votação para saber se a assembléia queria ou não bolsas nas
Particulares. A grande maioria, mais ou menos 95% votou a favor! ‘Eles’ ficaram
estarrecidos. Portanto, a nossa postura de ter sempre lutado para fazer das
Universidades Particulares mais uma opção para o nosso alunado saiu vitoriosa!
Sentimo-nos plenamente confirmados e contemplados!
E agora: como ficam os coordenadores de núcleos que proibiam seus alunos de
fazerem vestibular nas particulares? Que punição receberão? Continuarão impunes?
o serão chamados a rever suas posições?”
Diante da negação (que se traduzia, na realidade, em apatia) dos outros campos
em relação à questão das bolsas de estudos em universidades particulares – opção
considerada bastante atraente por grande parte dos alunos, convencidos de que os
vestibulares nestas são de mais fácil aprovação -, a Educafro mergulha de cabeça na
estratégia de se firmar como interlocutor privilegiado junto a estas instituições, atraindo
assim legiões de estudantes interessados para suas atividades.
A legitimidade institucional alcançada junto ao Estado e setores da sociedade
civil, entretanto, condicionava que muitas agendas fossem comuns e compartilhadas pelas
294
duas instituições, o que permitiu, durante algum tempo, o duplo envolvimento do Frei e do
campo Negro-Eclesial em ambas. Foi o Frei David quem primeiro chamou a atenção do
PVNC, em reunião do Conselho realizada em agosto de 1999, para o processo de
instituição de leis que criam reservas de vagas para alunos negros e oriundos de escolas
públicas nas Universidades. Nesta reunião ele sugeriu que o PVNC procurasse
representantes legislativos para traçar estratégias de aprovação destas leis.
A partir de então, entretanto, o que se observou foi um afastamento gradativo do
grupo Negro-Eclesial em relação ao PVNC, e um fortalecimento da atuação da Educafro.
No ano de 2000, a Educafro iniciou uma rotina de reuniões próprias, mensais, obrigatórias
para os alunos que estivessem interessados em obter as bolsas negociadas pela instituição.
Isto era facultado também aos alunos de núcleos do PVNC, que então não se mobilizava
para a questão das bolsas. Esta inércia diante da monopolização pela Educafro, foi
deslocando crescentemente o interesse de alunos do PVNC.
O PVNC, por sua vez, naquele momento já sem os antigos grupos, e sem os
embates internos, ficou nas mãos dos militantes Autonomistas-Espontaneistas, além de uns
poucos remanescentes do grupo dos intelectuais – sobretudo Alexandre do Nascimento e
Zeca Esteves. Estes sujeitos, agora sem grandes antagonismos para canalizar suas energias,
tiveram gradativamente erodido o habitus de circular pelos núcleos para se fortalecerem
politicamente. Desta forma, a construção daqueles “falsos embates”, agendas de discussão
que na verdade tinham como objetivo legitimar porta-vozes, lideranças que se fortaleciam
pelo donio das pautas, perde sentido. O resultado é um esvaziamento do temário de
discussão do movimento: esvaziamento das próprias discussões que eram apontadas como
fundantes dele!
Este processo de esvaziamento dosruns coletivos de discusoo passava
despercebido. Ele já vinha sendo percebido desde 1999, ano em que, após a promulgação
da Carta de Princípios, torna-se perceptível um enfraquecimento e esgotamento das
energias militantes nestes fóruns. Tentativas de reconstituição e fortalecimento de esferas
de articulação e coletivização são realizadas, através da reconstrução das
institucionalidades – diversas propostas são feitas a partir de então. Uma delas foi a criação
das Secretarias Regionais. Como as reuniões do Conselho e mesmo as Assembléias iam
295
diminuindo em número de núcleos presentes, o que se preconizava era que as distâncias, as
dificuldades de comunicação e de identificação de traços comuns no trabalho cotidiano
eram os fatores de enfraquecimento das redes e de iniciativas de caráter coletivo que
articulassem distintos núcleos. Daí foi se fortalecendo a proposta das Secretarias Regionais,
uma tentativa de constituição de uma esfera “descentralizada” de articulação que
possibilitasse o fortalecimento de laços, a troca de experiências, o estabelecimento de
relações de apoio mútuo buscando soluções e ações conjuntas pelos núcleos de cada região.
Foram definidas 7 Secretarias (em alguns documentos, também chamadas de
Coordenões) Regionais: (I) regional São João de Meriti, Acari e Pavuna; (ii) Regional
Caxias, Petrópolis e Magé; (iii) Regional Nilópolis, Belford Roxo e Anchieta; (iv) Nova
Iguaçu e Queimados; (v) Regional Centro, Niterói e São Gonçalo; (vi) Regional Zona
Oeste; (vii) Regional Zona Norte.
Cada Secretaria regional contava com uma equipe de Coordenadores Regionais,
que teriam o papel de circular pelos núcleos fazendo articulações, levantando a realidade
dos núcleos, estimulando debates e “marcando a presença” do movimento nos núcleos. O
funcionamento efetivo das secretarias foi muito heterogêneo - no espaço e no tempo,
algumas funcionando e outras não. Mas, descontando-se esta heterogeneidade no
funcionamento, o que nos interessa aqui é o fato de que, pela primeira vez, o movimento
consti institucionalidades vinculadas a recortes espaciais – mais do que a identidades, a
recortes. Com efeito, esta divisão encerra (ou, parte de) uma regionalização que vincula tais
instâncias a lugares – bairros, regiões e/ou municípios. Até então, a identidade espacial que
operava no movimento era a “identidade da Baixada”: não somente a criação do Pré-
Vestibular para Negros e Carentes era enunciada como sendo, dentre outras razões, pela má
qualidade da educação na Baixada Fluminense, mas também havia uma percepção de que
era nesta região que o movimento era mais forte e presente – e, em particular, em São João
de Meriti. Dizia-se frequentemente que São João de Meriti tinha mais núcleos do que o Rio
de Janeiro, em termos absolutos! Nosso levantamento refuta tal informação, mas nem por
isso ignora – ao contrário, valoriza – a percepção de uma maior força do movimento neste
espaço: tal percepção decorre da força das redes sociais e poticas que constituíam esta
geografia da distribuição espacial dos núcleos (que apresentamos anteriormente no Mapa
15). Já colocamos anteriormente que esta distribuição e localização dos núcleos têm como
296
fator primordial não a singularização de lugares, mas sim, a mobilização destas redes
sociais. Nada mais coerente do que se perceber como mais fortes e presentes (mesmo em
termos numéricos) os lugares onde estas redes eram mais fortes! Num determinado
momento, também se difundiu a percepção de que, no município do Rio de Janeiro, apenas
a Zona Oeste tinha forte presença numérica de núcleos, e defendemos aqui que a razão é a
mesma: foi o fortalecimento da presença dos núcleos da Zona Oeste nos fóruns coletivos, e
seu potencial de articulação regional que fortaleceram a idéia de que lá eles eram mais
numerosos.
A constituição de Secretarias Regionais parte portanto da idéia de que a
proximidade espacial é a proximidade física, e que esta pode potencializar articulações,
redes e agregações – a partir dos recortes espaciais são construídas institucionalidades do
movimento! Como dissemos, isto funciona em algumas regionais e por alguns períodos, e o
que se observa é que esta construção de institucionalidades com base em recortes espaciais
não detonou também uma construção de identidades. Esta constituição de identidades
baseadas em recorte espacial, e acompanhada da constituição de uma institucionalidade vai
ocorrer apenas em um caso: o Fórum de Pré-Vestibulares de Jacarepaguá. O Fórum é uma
articulação de pré-vestibulares deste bairro da Zona Oeste, que agrega prés ligados ao
PVNC e também prés não vinculados a ele, que promovem uma série de ações conjuntas,
trocam apoios de todo tipo (pedagógico, potico, etc.), e que começaram tal dinâmica por
volta do ano de 2000, imprimindo uma dinâmica coletiva que é potencializada,
efetivamente, pela “identidade Jacarepaguá”.
Na entrevista concedida a nossa pesquisa, Robson Leite, fundador e um dos
principais articuladores do Fórum de Jacarepaguá aponta, por trás da coesão alcançada, a
existência de um “tronco” de origem comum dos núcleos (o primeiro núcleo criado,
segundo ele, foi o da Taquara, e este núcleo deu origem aos demais: Cidade de Deus,
Tijuquinha e Anil, a partir do qual surgiram também os núcleos Rio das Pedras e Gardênia
Azul), redes sociais e uma forte relação espacial de identidade. Ele coloca que
297
“(...) a gente começou ter a necessidade de pensar um pouco a dinâmica do pré com
relação ao local, a geografia do local, a análise cultural do local.”
125
Esta fala ressalta o fato de que, mais do que a facilidade de comunicação e a
própria facilidade de deslocamento físico, há peculiaridades de uma realidade regional de
Jacarepaguá que define que a maior parte dos núcleos estejam inseridos ou próximos de
comunidades que têm questões comuns, tem aspectos que são comuns no que toca à sua
inserção local, e isto aproxima suas realidades criando e fortalecendo uma identidade na
própria troca de experiências de como é que cada um lida com tais questões, de forma que a
experiência de um não elimina a experiência do outro. Ao contrário, o Fórum de
Jacarepaguá acabou se transformando num espaço de agregação com um dinamismo e
capacidade de instauração de dimicas que, de um caráter autônomo em relação ao PVNC
– e que poderia ser lido como uma possibilidade de cisão em relação ao movimento -,
passou a ser visto, a partir de certo momento, como um possível instrumento de
fortalecimento do movimento. Esta idéia, na verdade, estava presente no próprio
nascimento dorum, como assim o descreve Robson:
“Aproximadamente dois anos atrás, um grupo de militantes do PVNC (professores,
ex-alunos, coordenadores, pedagogos, psicólogos e militantes da educação),
especificamente dos núcleos Anil e Rio das Pedras propuseram reunirem-se com o
objetivo de auxiliar à secretaria geral do Movimente que passava por uma crise
estrutural de renovação de seus quadros.
Sendo assim, as reuniões teriam inicialmente o objetivo de indicar nomes para a Séc.
Geral e participar da organização e decisões do Movimento. O grupo daria suporte
aos futuros nomes da secretária do PVNC através de intervenções, indiretamente ou
diretamente.”
Com a dinamização do Fórum de Jacarepaguá, outros militantes começam a
vislumbrar a possibilidade de que a aglutinação de outros núcleos trouxesse para estes
outros também esta dinamização. Começou-se a propor a inserção de outros núcleos nele, o
que seus membros discordaram, o por um exclusivismo, mas pela leitura de que o seu
125
Como aspectos concernentes à “geografia local que unifica e potencializa esta “identidade Jacarepaguá”
fundante dorum, Robson Leite cita características (i) comuns ao bairro e aos locais onde os núcleos estão
inseridos, como o fato de que boa parte das comunidades carentes neste bairro são formadas por imigrantes
nordestinos, comunidades dominadas por grupos de extermínio (em substituição ao tráfico) vinculados a
partidos de direita (e a quadrilhas de venda ilegal de posses de lotes e habitações), especulação imobiliária
crescente (que condiciona uma elitização permeada por uma pobreza que cria grandes favelas – como a
Cidade de Deus, o Rio das Pedras e o Gardênia Azul – e pequenos núcleos de favelas pulverizados e quase
imperceptíveis), bem como (ii) problemas de funcionamento dos próprios núcleos, como a ausência de
professores, dificuldades de cessão de espaços nas escolasblicas da região para abertura dos núcleos e a
falta de articulação com a sociedade.
298
dinamismo era decorrente da identidade que o constituía não enquanto institucionalidade,
mas como espaço de agregação:
“Eu acho que esse caráter regional, teve uma época, inclusive, que o pessoal do
PVNC queria que o pessoal da Tijuca e Jacarezinho passasse para as reuniões do
nosso Fórum. Isso foi colocado em reunião de Assembléia. E a gente, não é que a
gente foi contrário a isso, a gente questionou um pouco essa atitude pela questão da
regionalização. Não que fosse fechado o fórum, “não, não pode”, poder pode, mas
tem que tomar cuidado no sentido de que está trazendo uma análise, primeiro
regional que a gente chama de distante. A gente tem uma reunião daqui a quinze
minutos na Taquara, dez minutos no Rio das Pedras: próximo. Já coloca o
Jacarezinho nisso: uma hora e meia. começa a ter uma questão geográfica distante
que vai dificultar até a nossa lógica das reuniões. Talvez fosse mais interessante que
o pessoal do Jacarezinho, juntamente com a Tijuca, com as comunidades locais,
formassem também um fórum. Formassem uma, como a gente chama dentro do pré,
surgiu esse nome, uma regional, uma regional especifica para esse grupo.”
(Entrevista de Robson Leite)
Num determinado momento, algumas pessoas do movimento chegaram a pensar
na possibilidade do Fórum de Jacerepaguá substituir a Secretaria Geral em algumas de suas
atribuições. Mesmo diante do enfraquecimento dos fóruns coletivos de construção do
movimento, o Fórum de Pré-Vestibulares de Jacarepaguá se mantinha com uma dinâmica
própria, com ligações (com setores da Igreja Católica, do PT, de outras organizações sociais
locais), com discussoes, com debates e com lutas que são próprias também – ou seja, ele
funcionava com uma dinâmica independente daquela que era a dinâmica dos fóruns
coletivos do PVNC, cujas centralidades eram dadas pelas redes sociais e pelos conflitos
identificados ao espo da Baixada Fluminense. Isto evidencia o apenas uma
fragmentação, mas um descentramento, um deslocamento da exclusividade e do centro
dinâmico do PVNC destas redes sociais, que, de certa forma, se esgotam no processo de
conflitos. No caso do Fórum de Jacarepaguá, não são os conflitos internos que determinam
a sua dinâmica, mas sim, as possibilidades de atuação e intervenção social que a
“identidade Jacarepaguá” potencializa. Esta identidade vinculada a um recorte espacial, no
entanto, é eficaz para construir uma articulação e uma institucionalidade dentro do PVNC,
mas não para assumir funções de caráter geral do movimento, que extrapolam o escopo das
questões que fundam esta identidade – e, com isso, frustra-se a iia dorum de
Jacarepaguá gradativamente assumir papéis dos fóruns coletivos do movimento.
Diante deste enfraquecimento dos fóruns coletivos e da dificuldade de
construção de alternativas a eles, ganha força definitivamente o isolamento dos núcleos,
299
cujas agendas passam a ser formuladas quase que exclusivamente pelos embates de seus
cotidianos. Com isto, ganha relevo exatamente a discussão que fortalece a Educafro: as
necessidades de aprovação dos alunos. Cresce assim um afastamento cada vez maior dos
núcleos em relação às instâncias coletivas de construção do PVNC, o que se reflete na
evasão de núcleos: pelos nossos registros, em 1999, um número de 77 núcleos se
apresentavam como vinculados à rede PVNC; em 2000, este número caiu para 71; mas, em
2001, ele caiu para 33 núcleos.
Esta redução do número de núcleos é a dimensão mais flagrante de um
enfraquecimento que tem outras manifestações:
o esfacelamento das esferas coletivas do movimento. No ano de 2002, o PVNC
realizou apenas duas assembias, quando o previsto na Carta de Princípios são três.
Além disso, todo mês se enfrentaram dificuldades para a realização das reuniões do
Conselho, quase sempre bastante esvaziadas. Já não haviam mais as Equipes de
Reflexão.
Tudo isto decorre da inexistência de canais de comunicação eficientes, ou, mais
incisivamente colocando, quase não há mais rede, no sentido de que não há fluxos
articulando a maior parte dos núcleos. Alguns poucos mantém trocas entre si, e
algumas delas se dão em paralelo às instâncias “oficiais” do movimento.
Empobreceram-se consideravelmente as agendas de discussão e de intervenção do
movimento. Paradoxalmente, o reconhecimento institucional por esferas públicas
vem “burocratizando” certas discussões no PVNC. O movimento, durante o ano de
2002, participava regularmente do fórum que discutia o Plano Estadual de
Educação, mas não havia discussões efetivas sobre o Plano. O movimento vem
participando ativamente das discussões acerca da implementação de reserva de
vagas na UERJ e, salvo a bem sucedida dinâmica de discussão implementada na
primeira Assembléia realizada no ano de 2002, quando os participantes foram
divididos em pequenos grupos misturando pessoas de diferentes núcleos, obrigando
assim a que todos se manifestassem, o que se observa é uma reduzida capacidade de
intervenção diante da multiplicidade de agendas que se lhe apresentam.
300
Neste cenário, a questão racial é muito pouco negada, mas, ao mesmo tempo,
apenas burocraticamente afirmada. O enfraquecimento generalizado dos trabalhos de
Cultura e Cidadania, espaços tradicionais de efetivão da discussão, pouco permitem
sobrar para uma consubstanciação da questão racial em atividades. O momento atual é
marcado, portanto, por um enfraquecimento do movimento, no qual seus sujeitos se
questionam não somente sobre o porquê deste enfraquecimento, mas, também, sobre qual
seria o sentido do movimento hoje.
Tais discussões, e estes padrões de afirmação e negação, tinham um “papel” na
dinâmica do movimento, fundamental para entender a forma como elas ocorriam – no
espaço e no tempo do movimento. Assim pode-se compreender as profundas diferenças
entre como se configurava o Pré-Vestibular para Negros e Carentes e como ele se encontra
hoje, a importância de alguns sujeitos-chave para a sua construção, seu papel na instituição
da pauta racial e a importância desta agenda na costura de uma unidade em torno de
turbulentos conflitos pelo poder.
O enfraquecimento dos conflitos após a saída de sujeitos cuja atuação se dava
nas (e, na verdade, constra as) instâncias coletivas do movimento esvazia as disputas
nestas esferas e esvazia as próprias esferas, já que estas não eram somente palco, mas,
fundamentalmente, fruto dos (e, instrumento nos) conflitos. Entretanto, este esvaziamento
não é indicativo de um enfraquecimento do movimento, mas sim, do desenho de uma nova
configuração. A desvinculação dos núcleos em relação ao PVNC, com a fundação da
EDUCAFRO, a multiplicação de núcleos independentes (ou, isolados, dependendo do
ponto de vista), e o engajamento de militantes formados no PVNC em outros movimentos
sociais indicam que se enfraqueceu a entidade, mas continua o movimento. Agora em
outras instâncias e escalas, com outras agendas e outras agências.
5.6.Sujeitos da construção do movimento – trajetórias espaciais do fazer
político
Nesta parte, buscamos fazer uma reconstituição dos sujeitos que se destacam no
processo de construção do movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes, tentando
301
sistematizar os elementos sua atuação e, a partir dos embates que os constituem como
militantes e que, portanto, informam suas decisões, ações e estratégias, reconstituindo suas
agências. Abraçamos aqui uma perspectiva hierarquizante do movimento, em contraposição
à própria abordagem DeCerteauniana, que valoriza o papel, a contribuição e a atuação do
indivíduo ordinário. Este (s), praticamente anônimo pela não visibilidade pública de suas
ões numa perspectiva individualizante, não serão objetos de nosso tensionamento
analítico. Trabalharemos aqui três exemplos, o Frei Davi Raimundo dos Santos, Juca
Ribeiro e Fernando Pinheiro.
5.6.1. Frei David Raimundo dos Santos
O Frei David Raimundo dos Santos é a figura central na constituição do Pré-
Vestibular para Negros e Carentes – e, do movimento de pré-vestibulares populares que se
constituiu no Brasil na década de 1990. Ordenado Sacerdote em 1983, quando se formou
em Filosofia e Teologia, desde o Seminário Franciscano de Petrópolis Frei David sofreu a
influência da Teologia da Libertação, que pregava que a Igreja Católica deveria estar mais
próxima dos setores da populão pobre - e foi o que ele fez desde então, mas voltado para
uma conscientização de que a maioria dos excluídos é negra. Isso despertou sua militância
negra, o levando a ser um dos articuladores do desenvolvimento da Teologia Negra no
Brasil, segundo a qual a fé cristã é discutida sob uma ótica africana e respeitando a
diversidade religiosa dos afro-brasileiros. Esta observação é fundamental para
compreendermos a sua atuação no Pré-Vestibular para Negros e Carentes, porque a
preocupação de Frei David estava sempre num cruzamento de preocupações: era com a
promoção social da população negra, era com a inserção da temática racial no cristianismo
- e, na Igreja Católica em particular. Com efeito, ele participou, ao longo da década de
1980, antes do Pré, de diversas iniciativas de articulação entre religiosos negros de distintas
filiações litúrgicas. Sua preocupação, entretanto, sempre foi nucleada pela relação do
catolicismo com as temáticas negras, as quais ele sempre trabalhou não somente pelo
fortalecimento, mas pela criação de estratégias de aceitão e acolhida no seio da Igreja
Católica.
302
Ao longo dos anos 1980, Frei David constituiu uma destacada trajetória: ele
organizou, na Baixada Fluminense, a formação de Agentes da Pastoral do Negro; ele
lançou pela Editora Vozes o Calendário Beleza Negra e a Coleção Negros em Libertação;
também foi eleito, tempos depois, membro da Secretaria Executiva Latino-Americana da
Pastoral Afro-Latina Americana e Caribenha;
Esta trajetória de Frei David está inserida num processo de fortalecimento da
temática da diversidade cultural e racial no seio da Igreja Católica, processo este que vinha
sendo construído e ganhando força desde o final da década de 1970, com o protagonismo
de outros religiosos e a criação de entidades e articulações estaduais e nacionais. O pequeno
número de lideranças religiosas negras nas diversas religiões cristãs, a percepção de
conflitos e embates semelhantes enfrentados por estas lideranças, a conscientização destas
lideranças dos papéis históricos que estas religiões tiveram nos processos de dominação e
exploração do povo negro, são apenas alguns dos fatores que constituíram um ambiente
para articulações entre religiosos em marcos racializados e pluri-religiosos. De outro lado, o
fortalecimento da Teologia da Libertação e um contexto em que – sobretudo a partir da
segunda metade da década de 1970 – a Igreja Católica busca uma maior capilaridade social
através de ações organizadas na forma de Comunidades Eclesiais de Base e formas
correlatas, reunindo grupos de conscientização e ação contando com religiosos ordenados,
leigos e mesmo não católicos eo religiosos, transformam a Igreja Católica num espaço
de agregação de militantes da luta anti-racismo. Por esta composição heterogênea tal
espaço será, sempre, um espaço marcado por conflitos e embates pela hegemonia e
concepção de ações que nascem dentro do espaço católico, mas que muitos de seus sujeitos
não são católicos - embates pela definição de um cater católico ou autônomo (não
católico ou não religioso mesmo) destas ações. Tal quadro é marcante na história do
GRUCON (Grupo de União e Consciência Negra), criado em 1981, e de diversas
iniciativas geradas no seio da ação dos Agentes de Pastoral Negros, e é o espelho dos
conflitos e da atuação de Frei Davi no Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Este quadro
nos auxilia a compreender a experiência espacial do fazer político do Frei Davi no seio da
Igreja, como ele vai gradativamente se tornando refencia nacional no seio da militância
racial religiosa – e do Movimento Negro Brasileiro de um modo geral.
303
A organização dos Agentes de Pastoral Negros, no seio da qual nasceu o Pré-
Vestibular para Negros e Carentes é uma história marcada por esta tensão, entre um
controle clerical e uma autonomia das ações. Com efeito, esta tensão hoje é flagrante na
transformação dos Agentes de Pastoral Negros em Pastoral Afro-Brasileira. Agentes de
Pastoral Negros são diferentes da Pastoral Afro-Brasileira. Os Agentes de Pastoral Negros
(APNs) eram uma "forma de ação de base". Esta misturava católicos de distintas posições,
leigos e inclusive pessoas de outras filiações religiosas. Esta composição estava ligada à
própria forma fluida e cambiante de relação dos APNs com a Igreja, em que co-existiam
situações de vínculo direto e situações de maior autonomia dos Agentes, que buscavam esta
autonomia se aproximando da configuração de ação como movimento social. Esta
"frouxidão" na relação sempre foi objeto de preocupação e de disputa, havendo os
partidários de uma vinculação sólida dos APNs com a Igreja - o que representaria, de um
lado, uma maior cobertura de sua atuação pela instituição e, também, tornaria esta forma de
ação social mais um instrumento de consolidação da questão racial no seio da Igreja
Católica, mas, de outro, representaria também uma necessidade de enquadramentos às
normas e comandos vigentes no ambiente eclesial -, e os partidários de uma maior
autonomia dos APNs, com a Igreja funcionando como um ambiente de "incubação" e como
um meio de difusão e territorialização da temática racial e do combate ao racismo pelo
Brasil afora. Partidário de uma maior vinculação com a Igreja, Frei Davi, discutindo a
relação dos APNs com a Igreja - sobre o quê ele identifica a Campanha da Fraternidade de
1988 como o "período de ouro" - fala que
"Várias dioceses, com prática libertadora, perguntavam-nos se éramos pastoral ou
movimento? A pergunta em si era justa e sincera. se nos assumíssemos como
pastoral, teríamos um tratamento próprio, como todas as demais pastorais. Se nos
assumíssemos como movimento, teríamos um tratamento comum aos demais
movimentos. Era justamente aqui que se verificava o curto-circuito: em muitas
regiões os APNs se apresentavam como um movimento mas queriam um tratamento
de pastoral.
No encontro das CEBs em Duque de Caxias, em 1989, é distribuída uma cartilha
com o título: "Brasil: assuma o seu rosto". O objetivo era o de aprofundar a ligação
com as CEBse partilhar um pouco o rumo da caminhada APN. Ali, em 14 pontos, se
apresentavam os objetivos dos APNs.
Em várias dioceses, periodicamente, representantes dos APNs participavam da
reunião do clero local para partilharem a caminhada. Isto mostrava que no diálogo e
busca de entendimento estava a solução dos conflitos. Infelizmente, assim que um
setor dos APNs, através destes diálogos, iam dizendo que não eram pastoral orgânica
mas sim um movimento, os padres, líderes leigos, bispos, foram mudando o
tratamento: passaram a tratar os APNs como movimento e não mais como pastoral.
304
Algumas dioceses chegaram mesmo a anunciar a Campanha da Fraternidade de 1988
em suas dioceses. Já outras seguiram o material paralelo elaborado pela Arquidiocese
do Rio de Janeiro. Pela primeira vez, na Igreja do Brasil, em 25 anos, uma
Campanha da Fraternidade é rachada por um conjunto de dioceses." (2003, pg. 6)
A Pastoral Afro-Brasileira foi criada em 1996, e, desde então, estas duas formas
de encaminhamento da questão racial no âmbito da Igreja Católica co-existem, de maneira
às vezes e em alguns lugares complementar, e às vezes e em alguns lugares de forma
conflitiva. Esta última tem uma institucionalidade, uma sede em Brasília de onde um Bispo
centraliza esta organização, e representa a ação dos partidários de um vínculo orgânico da
ação pastoral devotada à questão racial com a estrutura institucional da Igreja Católica. Frei
Tatá assim nos depõe:
"Nos APNs tinha gente de igreja, mas também um pessoal que era de candomblé, de
umbanda. Nasceu dentro da igreja, mas também era aberto, tanto é que hoje se fala
de Pastoral Afro, porque a gente continua dialogando com o pessoal, mas quase que
obrigatoriamente se fala assim ‘não, isso aqui é da Igreja, isso aqui não é tipo um
encontro ecumênico sem ninguém por trás’. Hoje tem um bispo responsável, tem
uma sede em Brasília, uma secretaria em Brasília, tem alguém lá, etc. antes, era
muito mais flexível. Nesse sentido, que eu falo, suponho, que, de uma certa forma,
entre aspas, há um racha, tanto de ter surgido PVNC, como você sai de APNs que
basicamente... por exemplo, falar de APNs, hoje, o pessoal de Porto Alegre ainda
fala, talvez, lá pro lado de Recife... mas os demais, falam de Pastoral Afro. Com
várias atividades. A gente tem, já há alguns anos, nós já estamos indo pra quinta
Romaria das Entidades Negras Católicas a Aparecida do Norte. Quem puxa, é a
Pastoral Afro. Pode ir o pessoal de Candomblé, vai. Mas, oficialmente, é a Igreja."
A necessidade histórica de acomodamento destas tensões, ao longo da trajetória
das lutas, criou outras institucionalidades, das quais destacamos aqui o GRENI - Grupo de
Reflexão de Religiosas/os Negras/os e Indígenas, ligado à CRB (Conferência dos
Religiosos do Brasil). A CRB, entidade de abrangência nacional, é constituída por vários
grupos de reflexão. Estes grupos “temáticos” são mais uma forma de organização a ação
social e de articulação intercultural da Igreja Católica, e, pela sua vinculação com a CRB,
m capacidade e legitimidade de diálogo com a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil) e com as mais altas estruturas de poder da Igreja Católica, estabelecendo
contatos e diálogos que se sobrepõem mesmo às ordens constituintes da Igreja no Brasil. É,
portanto, um importante espaço de poder, que abre – via CRB e CNBB – possibilidades de
intervenção junto às diversas instituições filiadas à Igreja Católica.
305
Neste bojo constituiu-se também nos anos 80 a Articulação Nacional dos Padres
e Bispos Negros e a Comissão de Religiosos Negros da Baixada. Ou seja, foi um peodo de
criação de fortalecimento de articulações de religiosos negros – católicos e não católicos –
que, de um lado, foram ao longo da década criando e ocupando porosidades no seio da
Igreja Católica e, por outro, constituindo e fortalecendo também um caráter que extrapola o
seio do catolicismo e o pprio cristianismo, instaurando a interculturalidade no seio das
leituras religiosas. Este último aspecto foi fundamental para que, na segunda metade
daquela década, começassem a ser disseminadas as chamadas “Missas Inculturadas
Negras” – missas que incorporam elementos de religiões e culturas afro-brasileiras ao ato
litúrgico católico – e os “Atos Ecumênicos Afro-Brasileiros” – celebrações comandadas por
sacerdotes de distintas religiões, padres, pastores, babalorixás, ialorixás, pais e mães de
santo, etc. Uma das referências neste processo era o Frei David, que chegou à Baixada
Fluminense com esta proposta, e, após a criação do Salão Quilombo na Igreja Matriz de
São João de Meriti, esta consolidou-se como uma referência de encontro destes religiosos
de distintas filiações.
Este momento foi de grande efervescência, sobretudo com a aproximação do
ano de 1988, ano do centenário da Abolição da Escravidão no Brasil. A milincia negra
conseguiu colocar a temática racial como mote da Campanha da Fraternidade da Igreja
Católica naquele ano (o que deflagrou um processo de extrema riqueza e significação na
construção posterior do Pré-Vestibular para Negros e Carentes). Nele, a mobilização da
questão racial no ambiente institucional/potico da Igreja conferiu à temática o duplo papel
de agenda e agência. Sendo um espaço marcado por profundas contradições em torno desta
temática - históricas, poticas, humanitárias, etc. -, visto que ela tensionava os
posicionamentos históricos da Igreja Católica em relação ao regime escravocrata, a pouca
presença de negros no clero brasileiro e as diferentes concepções sobre o papel da temática
racial na sociedade brasileira - desde os crentes no mito da democracia racial àqueles mais
progressistas e que, influenciados pela "Teologia da Libertação", buscavam a proposição de
uma "Teologia Negra da Libertação", que se consubstanciaria por uma ação social forte da
Igreja neste campo. Esta segunda concepção foi consolidando ao longo da década de 80
alguns núcleos de resistência e de formação de novos quadros no seio da Igreja.
306
Primeiramente, o GRUCON; depois, os Agentes de Pastoral Negros; e, a Comissão de
Padres e Seminaristas de Religiosos Negros do Rio de Janeiro.
A Campanha da Fraternidade assumiu como lema a frase "Ouvi o clamor desse
povo", voltada para os negros. Esta frase concorreu com outras duas, que mostravam esta
polarização entre partidários da idéia de que o Brasil era uma democracia racial - que
defendiam a frase "Muitas raças e um só povo" - e aqueles que denunciavam o racismo na
sociedade, que defendiam "Ouvi o clamor desse povo negro!"
126
. A estrutura hierárquica da
Igreja Católica opera com relativa autonomia (relativa mesmo!!) de suas divisões, o que
permite comportamentos diferenciados de um lugar para outro. No caso da Campanha, a
disputa de concepções se estendeu para a própria execução da Campanha, do que
chamamos a atenção para uma polarização de comportamentos entre as Dioceses do Rio de
Janeiro e a de Caxias/São João de Meriti. A primeira, comandada por Dom Eugênio Salles,
de orientação política mais conservadora, desobedeceu o lema da campanha, adotando um
lema mais afinado com suas concepções do Brasil como sendo uma democracia racial:
“Muitas raças e um só povo”. A segunda, comandada por Dom Mauro Morelli, adepto da
Teologia da Libertação, e progressista também no tocante à questão racial, radicalizou na
implementação da campanha. Esta "radicalização" se deu na forma da constituição do Salão
Quilombo, que acabou por se tornar uma referência de agregação de militantes anti-
racismo, católicos e não-católicos. Mais do que isto, esta radicalização se deu na forma da
construção de intensas agendas de atividades, que, podemos apontar, acabaram por se
tornar intensas em duas escalas: na escala "local", através de palestras e discussões; na
escala nacional, também ocorreram uma série de articulações e atividades que permitiram a
circulação de alguns militantes que se transformaram e se fortaleceram enquanto
referências deste debate nesta escala! É neste processo que o Frei David se consolida
enquanto referência nacional no seio da militância religiosa anti-racismo e, em particular,
126
Sobre esta disputa de concepções no âmbito da escolha do lema da Campanha da Fraternidade de 1988,
Maggie assim escreve: "A análise da Campanha da Fraternidade de 1988 permite uma reflexão mais
aprofundada sobre a questão. Pela primeira vez na história dessa campanha religiosa, o arcebispo do Rio
rompeu com as determinações elaboradas na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e criou uma
campanha própria. Na CNBB havia três propostas. Venceu o seguinte slogan: "Ouvi o clamor desse povo!" A
proposta derrotada dizia: "Ouvi o clamor desse povo negro!" O arcebispo do Rio, que também saiu derrotado,
queria: "Muitas raças e um só povo". Que diferença haverá entre essas opções? Por que a dificuldade de se
pensar e classificar relações entre "raças" como relações de diferenças marcadas no social? O povo é "negro",
o povo é muitas raças, o povo clama." (1994, pg. 6 ou 155)
307
no seio da Igreja Católica. Frei David passa a cumprir uma intensa agenda de viagens e
articulações, possibilitada pela sua vinculação com o GRENI, e desta com a CRB, o
transformando em referência nacional no meio eclesial para o debate racial; seu texto “Os
sete atos oficiais que decretaram a marginalização do povo negro no Brasil”, que servia de
base para boa parte de suas palestras, é amplamente divulgado e utilizado por outros
militantes no debate racial não somente dentro da Igreja, mas também fora dela.
Se, de um lado a Campanha da Fraternidade de 1988 fortaleceu Frei David
como referência para este debate, ela também serviu para mostrar as dificuldades da
inserção desta discussão no seio da Igreja Católica. Dom Eugênio Salles, mostrando o vigor
das resistências a esta temática, proibiu Frei David de celebrar na Diocese do Rio de
Janeiro! A experiência de se tornar referência, de um lado, e de outro sofrer conhecer os
enfrentamentos que marcam a luta do negro na sociedade brasileira, ambos os aspectos no
seio da Igreja, nos explicam a importância conferida por Frei David não somente à
construção de iniciativas, mas à forte vinculação destas com um caráter eclesial, como
forma de fortalecimento de sua luta no interior da Igreja Católica: o jogo institucional desta
passa a cada vez mais informar a sua ação. Neste sentido, o incentivo, a participação e o
compromisso das Dioceses, Regionais, Paróquias, Comunidades, dos Pastores e dos
Agentes de Pastoral (seja da Pastoral do Negro, seja da Pastoral Afro-Brasileira) são
fundamentais para o incremento e maior difusão da bandeira racial no seio da Igreja. Esta é
a agência de sua disputa, inclusive, no processo de construção do Pré-Vestibular para
Negros e Carentes e da EDUCAFRO (Educação e Cidadania dos Afro-Descendentes e
Carentes), cujo sentido de continuidade é um aspecto fundamental para o fortalecimento de
sua luta. Enquanto outros militantes da construção do Pré-Vestibular para Negros e
Carentes lutavam pela constituição de uma iniciativa queo estivesse sob a
institucionalidade da Igreja Católica e de seu clero, e, nesta linha, atribuem à EDUCAFRO
um significado de ser uma “dissidência do PVNC”, Frei Davi luta pela atribuição de um
sentido de continuidade. Configura-se, aqui, uma disputa de significado, uma tentativa de
constituição de um significado de continuidade da ação, que apresenta “Pré-Vestibular para
Negros e Carentes” como algo que nasceu a partir da Igreja, e que é distinto de “PVNC”.
Pré-Vestibular para Negros e Carentes, segundo este grupo eclesial, é a denominação para o
308
“movimento”, e não para a “entidade” que se apresenta como PVNC
127
- esta, segundo esta
leitura, é que seria uma “dissidência”, termo que aparece na fala de Frei Tatá:
"Você fala PVNC....o fala de Pré-Vestibular para Negros e Carentes. É verdade.
Mas, nesse tempo, se falava de Pré-Vestibular para Negros e Carentes, não existia
PVNC, né? 93, 94, é Pré-Vestibular para Negros e Carentes, que fica um bom tempo.
O próprio Pré-Vestibular para Negros e Carentes, com o tronco do Frei Davi, muda
de nome, vira Educafro. O PVNC, ele se constitui um grupo com o mesmo espírito,
mas, liderado por outras pessoas, como se fosse uma ‘dissidência’, certo? Então, isso
é uma coisa... acho que posso chamar de dissidência... a coisa cresceu e eu acho que
o pessoal quis... acho que até certo ponto, mas você teria que aprofundar com outra
pessoa, acho que no caso o próprio Frei Davi, alguém pra falar até que ponto é
dissidência ou não é."
Este sentido de continuidade aparece flagrantemente num texto de Frei David:
"A articulação das forças afrodescendentes civis com as religiosas nunca estiveram
num estágio tão avançado como nos últimos 5 anos. A experiência educativa popular
e racial iniciada pela Pastoral do Negro juntamente com o Grupo de Religiosos,
Seminaristas e Padres Negros através do GRENI cresceu e se alastrou em toda
sociedade periférica do Rio de Janeiro e do Brasil. Estima-se em mais de 700 grupos
de pré-vestibulares comunitários emrias religiões e entidades sendo que boa parte
trabalha a questão racial. O Pré-Vestibular para Negros e Carentes que nasceu a
partir da Pastoral do Negro já é uma grande realidade e está mudando o perfil dos
afrodescendentes brasileiros. Este resultado será largamente visto nos próximos 10
anos! A opção pelo investimento na Educação está sendo um dos passos mais
acertados na comunidade afrodescendente nos últimos 50 anos!" (Frei David
Raimundo dos Santos OFM, 2003)
A compreensão deste discurso é possível através da identificação do
cruzamento de agências pelas quais o Frei circula. A Igreja é o centro, mas, na sua trajetória
de construção do Pré-Vestibular para Negros e Carentes, ele vai gradativamente se
tornando também referência nacional no debate sobre a democratização do ensino superior,
sobretudo no tocante à reversão das desigualdades raciais. Este caráter nacional de sua ação
é fruto de sua liderança no PVNC: ele sobressai-se, principalmente na dia, como
fundador ou figura “chave” na trajetória do movimento, isto já antes mesmo da montagem
do primeiro núcleo – matéria de 02 de maio de 1993 do jornal O Dia, no caderno Grande
Rio (voltado para a Baixada Fluminense), intitulada “PUC dá 200 bolsas de estudo para
universitário negros”, mostra foto de Frei Davi e o apresenta (juntamente com o Instituto do
Negro Padre Batista) como sendo um dos articuladores das bolsas junto ao Cardeal de
SaoPaulo, Dom Paulo Evaristo Arns, e coloca que as inscrições devem ser feitas com ele,
127
Coincidência, verdade ou oportunidade aproveitada, o fato é que os militantes que hoje permanecem na
“entidade” Pré-Vestibular para Negros e Carentes a chama mais frequentemente de PVNC!
309
como o representante no estado da Articulação Nacional dos Padres e Bispos Negros. Esta
projeção de mídia é algo que ele vai sempre cultivar – o que lhe rende muitas inimizades no
movimento -, fortalecendo “pra fora” a sua imagem de liderança. “Pra dentro” do
movimento, ele teoriza e agiliza as discussões sobre a organização dos prés, utiliza seu
grande “poder carismático” e de grande articulador de bolsas de estudos - ele é o maior
responsável pelas negociações com instituições de ensino particulares -, sua interferência
nas Assembléias e nos fóruns coletivos, as palestras que este oferece nas aulas de Cultura e
Cidadania (abordando assuntos como negritude, organização popular, cidadania e religião,
além de um discurso em defesa das ações afirmativas e medidas poticas de inclusão), para
se cacifar continuamente como liderança principal do movimento. Como liderança do
movimento, ele passa a ser chamado a falar em diversos estados, e é com freqüência
convocado para dialogar com poderes estaduais (Governo Estadual e Assembléia
Legislativa, onde ele é sempre chamado a intervir em audiências públicas sobre a
democratização do ensino superior, debate que se acirrou no estado do Rio de Janeiro desde
2001, com a promulgação de uma lei definindo a reserva de vagas para estudantes negros
nas universidades estaduais), e federais (ele é interlocutor obrigatório também do
Ministério da Educação e da Presidência da República no processo da Reforma da
Educação Superior – inclusive, sendo apontado como um dos mentores indiretos do projeto
Universidade para Todos, o PROUNI, que concede bolsas de estudo em universidades
privadas como contrapartida da renúncia fiscal definida pela Constituição de 1988 para
algumas dessas entidades -, e do Congresso Nacional (que também o convoca para
audiências públicas acerca desta temática). Frei David é, sem dúvida, o principal
interlocutor político em escala nacional na temática da democratização racial do ensino
superior.
5.6.2. Juca Ribeiro
Um dos principais articuladores no processo de crescimento do PVNC foi, sem
dúvida, Juca Ribeiro. Ele participou de uma das primeiras reuniões para a criação do
310
primeiro núcleo, o da Matriz, em maio de 1993, mas, seu ingresso efetivo se deu a partir do
início de 1994, quando funda o núcleo ABM/GRUCON, em Vilar dos Telles. Seu ingresso
no movimento tem a ver com sua trajetória de militância e com o momento pelo qual ele
passava, em que estava no auge do desempenhar de um papel de importante liderança
popular dentro de um campo de esquerda em São João de Meriti, mas, sobretudo, pela sua
passagem anterior pela Igreja e por sua vinculação com o Frei David desde a década
anterior.
Desde a década de 1980 Juca Ribeiro já vinha militando no Movimento Negro.
Em 1983, ele participa de algumas reuniões do Grupo Afro-Cultural 20 de Novembro.
Desse grupo também participavam lideranças do Movimento Negro Unificado (MNU) e do
Centro de Articulação das Populações Marginalizadas (CEAP). No ano de 1984 Juca inicia
o curso de Ciências Sociais na UFRJ, e em 1986 começa a freqüentar reuniões com Abdias
Nascimento, da Secretaria do Negro do PDT. Essa aproximão ocorreu após Juca ter lido
um texto de Abdias Nascimento em 1985. Em 1986 também se aproxima das pastorais
sociais católicas, e, por isso, entra em contato com Frei David, passando a participar (na
condição de leigo) da Comiso de Religiosos, Seminaristas e Padres Negros do Rio de
Janeiro.
Juca começa a se aproximar efetivamente de Frei David por volta de 1987.
David chega a São João designado para cuidar da questão racial, através dos trabalhos
pastorais. Juca já estava próximo da Igreja Católica, pois participava como voluntário na
Pastoral da Criança. David vem com toda uma experiência e propostas concretas de
imersão na questão racial, vinculando-a com a Teologia da Libertação, a partir da qual ela
se inseria numa proposta de intervenção social de compromisso da Igreja com os pobres.
David coma a reunir um grupo em torno de sua liderança, que ganha força com a criação
da Comisão de Padres e Seminaristas e de Religiosos Negros do Estado do Rio de Janeiro.
Em torno de sua intervenção se fortalece também o trabalho dos Agentes de Pastoral
Negros, e também é criada uma comissão diocesana dos APNs - naquela diocese, que
abrangia Caxias e São João de Meriti, segundo Juca, havia entre 10 e 15 grupos de APNs -,
comissão esta da qual Juca Ribeiro faz parte, desempenhando papel de articulação não só
com os grupos de agentes pastorais daquela diocese, mas também de outras dioceses.
311
Esta inserção foi fundamental no desenho da trajetória potica de Juca Ribeiro.
A Igreja estava, no ano de 1987, preparando-se para a Campanha da Fraternidade de 1988,
que problematizava a temática racial. Era um momento onde articulações de religiosos
negros em escala nacional, que já vinham sendo constrdas desde o final da década de
1970, atingiam seu ápice enquanto elemento criador de tensões no corpo da Igreja, pela
mistura de questionamentos os mais diversos e a necessidade imediata de produção de
ações no âmbito da Campanha - criações que, evidentemente, enfrentavam fortíssimas
resistências em diversos âmbitos institucionais e espaciais da Igreja. Um número - diante do
porte da Igreja Católica brasileira, bastante pequeno - de religiosos informados para o
enfrentamento de tais desafios é intensivamente mobilizado, e Juca, na posição de próximo
ao Frei David, mesmo sendo um "leigo", passa a ser bastante acionado na execução de
atividades sobre a temática racial
128
. Frei David se fortaleceu neste momento como uma
figura de projeção nacional dentro das redes negro-eclesiais e ganha visibilidade nacional
dentro no âmbito do próprio Movimento Negro, e Juca Ribeiro inicia uma forte circulação
local junto às bases, capilarizando sua visibilidade e redefinindo a espacialidade de sua
atuação política.
Neste período, sobretudo no ano de 1988, forma-se uma agenda de trabalhos
que, em alguns momentos, segundo seu depoimento, chegou a fazer quase 10 palestras por
semana! Visitando Comunidades Eclesiais de Base nas paróquias da sua Diocese, Juca
ocupa, então, um espaço de circulação que lhe confere um importante "capital de
visibilidade" na Baixada Fluminense, sobretudo em seu município, São João de Meriti.
Como no ano de 1988 a questão racial emerge não apenas na Igreja, mas na sociedade
brasileira como um todo, outras demandas/oportunidades se lhe apresentam, sobretudo, um
128
Na entrevista concedida à nossa pesquisa, Juca afirma que “(...) naquele período, a questão racial, a Igreja
capitalizava a atenção de amplos setores. Porque em 88 teve a Campanha da Fraternidade. E, nos anos
anteriores, tinha um movimento muito forte, de fortalecimento e organização dos grupos negros dentro da
Igreja. Ou atras dos Agentes de Pastoral, ou através da articulação de religiosos negros dentro da Igreja.
Então, quando chegou em 88, na grande Campanha da Fraternidade, “Ouvi o clamor deste povo”, toda a
militância politizada negra da Igreja já estava preparada, pois já havia 2, 3 anos de preparação. Daí que, como
esse núcleo mais, eu diria, mais robusto e mais articulado tinha no Rio de Janeiro a sua referência, no
conjunto da Igreja – em São Paulo tamm existia uma boa referência, a partir do Padre Toninho e do Padre
Batista, falecido Padre Batista -, no Rio acabou se acentuando a visibilidade de alguns atores. E, entre esses
atores, pelo fato de eu estar muito pximo do Davi, acabava respingando em mim também, como referência.”
312
considerável espaço junto à mídia escrita da Baixada: são dezenas de entrevistas em jornais
escritos e algumas aparições em jornais televisivos.
Este capital de visibilidade era composto, na verdade, por uma dupla
construção: de um lado, ele torna-se conhecido do "povo" meritiense, ou, queremos dizer,
de pessoas que não experimentavam o fazer potico através de seus canais institucionais e
nem do fazer militante junto a movimentos sociais; de outro, ele intensifica, com esta
circulação, suas relações com redes potico-sociais de pessoas, organizações e instituições
que atuavam junto aos canais institucionais da política, e, também, se "reposiciona" (num
duplo sentido, ele passa a ocupar posição de maior visibilidade e projeção e também passa a
assumir novas posições em relação aos embates e campos) dentro do "jogo potico negro-
eclesial" e religioso.
No ano seguinte, 1989 Juca muda sua inserção no jogo político negro-eclesial.
Ele se afasta Agentes Pastorais Negros e se vincula ao Grupo de União e Consciência
Negra (GRUCON), do qual ele nos anos seguintes se tornaria presidente estadual, cargo
que ocupou por duas gestões seguidas num total de quatro anos. O GRUCON era uma
entidade nacional de caráter federativo, criada no seio da Igreja Católica, mas que vai
trilhando um caminho rumo à autonomia. Este reposicionamento representava, a um
tempo, (i) uma autonomia de ação em relação ao Frei David (o que não significa uma
ruptura com este), (ii) um movimento de afirmação de Juca Ribeiro enquanto liderança na
temática racial na Baixada Fluminense e (iii) a abertura de novos campos de possibilidades
de ação que viriam a reforçar esta condição de referência. Com efeito, no GRUCON, uma
entidade com autonomia institucional, jurídica e de atuação, logo no primeiro ano como
presidente estadual sua gestão conseguiu a aprovação de três projetos junto a diferentes
instituições de fomento (o CERIS, o Conselho Mundial de Igrejas - com sede em Genebra,
na Suíça -, e a entidade alemã Miserior), o que cacifa e legitima frente a outros atores
locais.
É importante aqui retomar o quadro analítico oferecido por Burity (2001), que,
refletindo criticamente sobre as práticas associativas locais, aponta a redefinão de um
espaço público local híbrido, onde tornam-se fluidas as fronteiras entre público e privado e
estatal e não estatal. Neste quadro, marcado por uma pauperização crescente decorrente do
313
avanço das políticas neoliberais, o holismo das carências vivenciadas nos espaços da
pobreza fazem com que as lideranças e as entidades locais absorvam novas técnicas de
"gestão social" que incluem, dentre elas, a prática da busca de parcerias como forma de
dividir e/ou viabilizar os custos da ação coletiva que passa a ter cada vez mais a função de
amortecer os efeitos desagregadores do aprofundamento da competitividade econômica, das
desigualdades sociais e dos padrões hierárquicos de relão social. Neste espaço híbrido de
construção de uma "cidadania de consumidores e de serviços", o múltiplo pertencimento
permite a construção de uma cultura cívica que articula o fortalecimento de redes sociais de
cooperação (associativismo) e, ao mesmo tempo, a intensificação da competição entre os
agentes participantes diretos dos jogos e disputas neste espaço. Assim, a aprovação de
projetos com financiamento junto a agências de fomento (sobretudo, as supra locais,
nacionais ou internacionais) torna-se um elemento cacifador de lideranças no jogo político
local.
Este quadro era reforçado por (e, dialeticamente, reforçava) uma outra das
vertentes de sua atuação, a sua vinculação ao Partido dos Trabalhadores. Juca se filiou ao
PT em 1987, na esteira da construção daquilo que Buriti (2001) e Melucci (1994)
chamariam de "área de movimento" popular em São João de Meriti. Com efeito, constituía-
se naquele local uma ambiência de ativismos populares estruturada em torno de alguns
eixos, que eram (i) o próprio Partido dos Trabalhadores, secundarizado pelo Partido
Democrático Trabalhista (PDT)
129
, (ii) a Igreja Calica (com as suas Comunidades
Eclesiais de Base e os agentes pastorais
130
), e (iii) o movimento associativista de moradores
- que consolidou a Associação de Bairros Meritienses. Segundo o próprio Juca,
129
Aludimos aqui apenas a estes dois partidos por terem sido aqueles que, nas narrativas de nossos
entrevistados, mantinham esta relação política com as organizações sociais do ativismo popular na região da
Baixada Fluminense. Outros partidos, nestas narrativas, aparecem mais como reproduzindo culturas políticas
marcadas pelo populismo e pela cooptação de lideranças, estabelecendo outro padrão de diálogo cotidiano
com a base social local.
130
Nelson Silva de Oliveira, em sua entrevista, nos reforça a idéia de que na Baixada, pra pensar movimento
social, tem ou houve ma ligação direta ou uma relação com a Igreja Católica. Movimentos sociais como as
Associações de Moradores na passagem das décadas de 1970 e 1980 - quando foram constituídas dezenas de
associações organizadas sobretudo em torno de três fortes federações municipais, MUB (Caxias), ABM (o
João de Meriti) e MAB (Nova Iguaçu) - partidos políticos como o PT e, também, o Pré-Vestibular para
Negros e Carentes têm, no trabalho da Igreja Católica e de seus Agentes de Pastorais um elemento
dinamizador de diversas formas: através dos trabalhos de conscientização dos problemas e estímulo à atuão;
através da constituição de arenas de encontros e interlocução de indivíduos de diferentes lugares, que então se
314
"a ABM, além de ser o espaço das associações de moradores, da federação das
associações de moradores, também de alguma forma tentava aglutinar o conjunto dos
movimentos sociais que estavam fora da órbita das associações de moradores. Eno,
na ABM, a gente se encontrava. Então, a ABM sentia que, sozinha, elao dava
conta de toda a realidade. Não é a toa que anos depois a ABM tornou-se Federação
das Entidades Populares de São João de Meriti. Então hoje, na realidade, ela não é
mais Federação das Associações de Moradores, mas ela é Federação das Associações
de organizações populares de São João de Meriti. (...) um fórum de aglutinação
também de outras instâncias... e de interseção de outras formas de militância..."
A configuração assumida por ambiência potica do ativismo popular permitia
uma circulação de indivíduos e capitais entre campos "específicos" de militância, e
constituíam uma esfera pública (em certa medida, "não estatal") em constante contato com
as esferas institucionais do fazer potico, através deste jogo partidário. No caso do Partido
dos Trabalhadores, um de nossos entrevistados
131
chama a atenção para um perfil
diferenciado de seu perfil na Baixada em relação ao Rio de Janeiro e a São Paulo: ali, não
havia sindicatos fortes, nem uma classe média intelectualizada forte, mas um movimento
popular fortemente vinculado ao trabalho de base da Igreja Católica. É nesta ambiência que
o ser construídos os quadros e as lideranças populares cujos capitais serão mobilizados
no jogo político partidário, para fazer frente às elites locais. Tal jogo vai, rapidamente, alçar
Juca Ribeiro à condição de referência partidária para a disputa eleitoral, pelo seu trânsito
junto a estas arenas tendo na questão racial sua principal bandeira, seu principal trunfo, seu
principal capital - em síntese, sua agência! PT e PDT eram os dois partidos que, no Rio de
Janeiro, apresentavam alguma acolhida para a temática racial - mas, num contexto
conflituoso dentro dos partidos (um pacto ideológico frouxo!!), e com poucos quadros
qualificados dentro deles para trabalhar tal questão. Neste cenário, nos momentos em que
os partidos eram instados a responder sobre esta temática, quem dispunha de tal
qualificação ganhava em visibilidade (circulação) e importância (legitimidade) dentro das
esferas do partido. Tal posição foi bem aproveitada por Juca Ribeiro, que se cacifou ao
fundar um núcleo de negros dentro do PT de São João de Meriti, reunindo entre 20 e 30
negros no grupo.
Em sua entrevista a nós concedida, Nelson Silva de Oliveira - Prof. de História
dos núcleos de Coelho da Rocha, Éden e Santa Clara e membro do Grupo de Reflexão
articulavam politicamente, da criação de espaços de circulão de militantes pelas ações das pastorais. Tudo
isto colaborava para a constituição de campos políticos de "ação popular”.
131
Nelson Silva de Oliveira.
315
Racial, que militou também no PT de São João de Meriti, chegando a ser candidato a
vereador, e que foi quem filiou Juca Ribeiro ao partido em 1987 - afirma que
"O PT sempre, na discussão racial e na discussão de gênero, ele queria fomentar, se
colocava, levantava a bandeira, mas não tinha elementos pra se discutir. Não tinham
grupos, o máximo que o PT fazia era criar o que na época se chamava núcleos não
tinha outro nome, era setorial, tipo os “núcleos de mulheres”, “de negros”. Era o
máximo que se fazia em termos de política mais efetiva, então, não tinha um trabalho
consistente em relação a isso. Então, quem entrava um pouco nesse viés conseguia
uma projeção que ocupava aquele espaço, e eu acho que o Juca soube bem ocupar
esse espaço, porque o Juca, desde que eu conheço o Juca, ele tem a discussão étnico-
racial como a discussão prioritária. Então, quando ele vai pro PT, ele está discutindo
isso. Além do mais, ele tem, além da discussão étnico-racial, ele tem elementos pra
discutir, não fica, não transformou isso numa ilha em relação a outras questões
sociais. Então, ele consegue esse espaço - muito rapidamente na minha avaliação –
muito por conta disso tamm. "
A conjunção de (i) uma circulação através da realização de atividades que
capilariza uma figura pública por comunidades de base, (ii) uma projeção midiática que
consolida a autoridade desta figura no debate e encaminhamentolido de uma questão, no
caso, a questão racial, mas com alta capacidade de articulação desta com outras temáticas
urgentes diante do "holismo das carências", e (iii) um aumento da interlocução com sujeitos
e entidades que constituíam este espaço público do fazer potico na Baixada, e (iv) a
intensificação de sua atuação dentro do Partido dos Trabalhadores e sua aproximação com
Jorge Florêncioliderança oriunda do movimento de associações de moradores de São
João, que integrou como tesoureiro algumas gestões da FAMERJ (Federão das
Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro) -, acabam por fazer com que, em
1991, Juca Ribeiro seja escolhido para compor, junto com este último, a chapa da
candidatura para a prefeitura de São João de Meriti no ano de 1992.
A eleição não foi vencida, como já era esperado, mas, rendeu uma maior
capilarização e articulação junto a movimentos e lideranças populares – além,
evidentemente, de um desgaste pessoal e algumas desavenças. Mas, foi neste momento de
maior visibilidade pública, em que ele havia se firmado como referência potica conhecida
na escala municipal – e, na verdade, junto a uma esfera pública e redes sociais do fazer
potico na região da Baixada Fluminense! – é que Juca Ribeiro vai se envolver na
construção do movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes.
316
Após um curto afastamento, em 1993 Juca é procurado por Frei David para
participar de uma reunião na qual seria discutida a criação do PVNC. Também participaram
dessa reunião alguns membros fundadores – em sua entrevista, ele cita Alexandre do
Nascimento, Zama, Jair, etc. Juca diz que até essa reunião só conhecia Jair, que também
participara do Grupo Afro Cultural 20 de Novembro. Estimulado pelo David, monta um
núcleo em 1994, e passa desde então a disputar intensamente o movimento – suas
concepções, formatos, práticas, liderança, etc. É no bojo deste quadro, deste
entrecruzamento de trilhas do fazer potico percorridas pelo sujeito, que se torna patente a
simbiotização, no agir do sujeito, dos fazeres, das práticas, das culturas, dos interessesum
entrecruzamento de agências que torna tênue, fluido e não raro inexistente o limite entre o
dentro e o fora do movimento: os sujeitos que eso dentro “trazem aprendizados de fora,
que geram/influenciam a dinâmica interna; os sujeitos trazem “interesses” que vêm de fora.
Ou seja, quando um sujeito como Juca Ribeiro pensava no movimento, quando ia construir,
disputar concepção, propor formatos, pensava naquele movimento mas (i) pensava também
no GRUCON, um grupo de militância na questão racial e religiosa que nasceu no seio da
Igreja Católica mas que gradativamente se afasta dela, ou seja, vive as tensões entre um
nascimento católico e uma trajetória de afirmação de uma autonomia em relação à Igreja;
(ii) pensava também na potica de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, no seu
campo de política e de militância. Ele tinha acabado de ser candidato a vice-prefeito. Então,
pensava na construção de um movimento popular e, mesmo que não tivesse o interesse de
capitalizar isso eleitoralmente, sua atuação era uma atuação pensando numa visão de
conjunto de avanço das lutas populares “na Baixada”. Uma pista que nos informa nesta
proposição é o próprio espaço que ele vai arrumar para constituir o segundo núcleo do
PVNC, o espaço da ABM, que é exatamente o lugar que em seu depoimento ele situa como
sendo o lugar de interseção e de confluência de diversos sujeitos e movimentos sociais:
uma arena central na constituição de um campo de múltiplo pertencimento!
Em 1996, quando ele vai criar o pré do GRUCON – separado da ABM,
localizado no bairro de Jardim Íris, funcionando no Colégio Estadual Francisca Jeremias da
Silveira Menezes -, ele concebe o novo núcleo de pré pensando na “repercussão” de um pré
com um modelo calcado na excelência, do ponto de vista pedagógico, mas também do
ponto de vista potico:
317
Aí, nesse pré-vestibular, eu reuni o que existia de melhor em termos de professores,
de engajamento. O Júnior deu aula nesse pré-vestibular (...) O Nelson foi desse pré-
vestibular, esse menino que faleceu, o Jocimar... enfim, eu reuni uma galera
politizada. Eu falei: “eu vou montar agora o melhor pré-vestibular!”. Na inauguração
eu levei o Afro-Reggae,e foi um barulhão e tal. E aí, eu fiquei ali mais um ano, um
ano ou dois anos... e foi o segundo núcleo que eu montei, também com grande
facilidade, com grande repercussão, né? Também, todos participavam das
assembléias com grande impacto.
Esta seleção dos professores levando em consideração sua qualidade pedagógica
e seu envolvimento político era a busca da afirmação de uma concepção de que o bom pré
era aquele que não só tinha uma boa aprovação no vestibular, mas tinha também um
trabalho potico de conscientização e de participação nos fóruns coletivos do movimento,
com ênfase para o campo das relações raciais – e isso, no auge da difusão dos núcleos com
precária estrutura, sofrendo da falta de materiais, da falta de professores e da precarização
também da dimensão potica no trabalho cotidiano, o que se tornava cada vez mais patente
na pobreza dos trabalhos com a disciplina Cultura e Cidadania e na baixa qualidade da
participação junto aos fóruns coletivos, tanto de coordenadores, quanto de professores e
alunos. Ali, se buscava exatamente o contrário disso: um modelo de pré que funcionasse
ancorado emlidos pilares pedagógicos e poticos, como contraponto à difusão
desenfreada. Tais escolhas se baseavam na repercussão que isso teria não só para o jogo
interno do PVNC, mas também junto ao movimento negro e aos movimentos populares na
Baixada, visto que ele sabia que aquela iniciativa iria se entrecruzar com outras
experiências.
Tal configuração de racionalidades torna dialética a relação entre o “dentro” e o
“fora” do movimento, no sentido de que, traziam-se aprendizados, culturas, habitus,
interesses de fora, que influenciavam a dinâmica interna, mas, a própria intenção de
interferir nesta dinâmica muitas vezes tinha como (pelo menos, parte, ou, um dos elementos
de sua) intenção também, interferir nestas outras dinâmicas de lutas das quais se
participava. Mais uma vez, precisamos aqui tensionar o melhor termo que encontramos
para explicar tal comportamento, que é “capitalizar”: por muito bom que ele seja, ele acaba
sendo ruim porque também traz consigo todo um ideário (moral) da acumulação capitalista
– bastante caro sobretudo para quem se posiciona num campo de esquerda, como nós -, que
remete a uma idéia de que “ele está pensando no benefício próprio”!! e etc. Não é isso que
318
eu estamos apontando, mas sim, aludimos ao fato de um sujeito pensar aquele movimento
trabalhando com as repercussões que ele vai ter em outros campos onde ele disputa.
5.6.3. Fernando Pinheiro
Fernando Pinheiro é identificado como sendo um dos principais membros do
grupo” que ficou conhecido no movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes como
os “autonomistas-espontaneístas”. Este grupo era, na verdade, um conjunto heterogêneo de
indivíduos que em comum tinham a sua juventude, a ausência de experiências de militância
em outros campos e, sobretudo, o seu comportamento político nos conflitos do movimento
- comportamento este marcado primeiramente pelas posições contrárias ao “personalismo
e “caciquismo” das lideranças identificadas como os “intelectuais” ou “iluminados”, a
irreverência, o ímpeto e, às vezes assemelhando-se e identificando-se como um traço de
influência anarquista, a recusa à institucionalizão do movimento.
Esta influência anarquista refletia-se não apenas na recusa à institucionalização
nos moldes em que ela era discutida (transformação do movimento em ONG,
financiamento, etc.), mas em críticas à própria dinâmica representativa, baseada em
“lideranças”, contra o quê eles preconizavam que o crucial era a conscientização de cada
indivíduo, e que cada um representava somente a si próprio.
A trajetória de militância efetiva destes se iniciou, para quase todos, no PVNC
neste sentido, eles são a plena realização dos anseios e objetivos do movimento, de
promover a ascensão educacional vinculada a uma atuação política contundente. Fernando
Pinheiro é um exemplo desta trajetória. Fernando começou a freqüentar o Pré Nova
Campinas na condição de aluno em 1997, em 1998 se incorporou à coordenação do núcleo,
de onde sai no mesmo ano para participar da fundação dois outros núcleos (Pré Piabetá e
Pré Parque Paulista) e, em 1999, já participava ativamente dos fóruns coletivos do
movimento, se tornando inclusive um dos tesoureiros do PVNC, função na qual ele
permaneceu até 2001.
319
Antes do PVNC, Fernando jamais havia tido envolvimento com movimento
social. Já havia participado de grupos de juventude na Igreja Católica – o que não chegou,
no seu caso, a constituir uma militância -, e, junto a outros jovens, produziu animações no
formato de “fanzines”. Como ele próprio relata,
“Aí terminei o segundo grau em 92 e fiquei 5 anos sem estudar, e somente em 97 que
entrei no PVNC.
O que eu estava fazendo? Servi no quartel; depois que eu saí do quartel fiquei
fazendo um bico aqui e outro ali... nada demais... fazia um cursinho no ali, outro
cursinho ali no SENAC, mas sem perspectivas. Só mesmo... tipo... um pouco de cada
vez.
Bem, aí antes de eu entrar no PVNC, em 96, foi quando eu realmente comecei a
interagir, e pensar um pouco diferente e passar a pensar um pouco mais nas questões
sociais, na tentativa de participar.
Eu antes de entrar no pré minha primeira inserção, assim, de querer inserir foi
quando eu conheci uns colegas que eram do movimento punk; e eu comecei a
também fazer Fanzine, e a gente começou a também conversar sobre várias coisas. E
eu comecei a querer participar de algumas coisas, a querer sair do cotidiano de Nova
Campinas, aquela parada amena, não renegando o local, claro, local onde eu tenho
minha referência muito forte, minha adolescência, minha infância, mas ampliando os
horizontes. E nessa ânsia de querer conhecer mais, de querer interagir de querer
criticar - que a gente fazia no Fanzine - que eu acabei entrando no núcleo do Pré-
Vestibular para Negros e Carentes. E é engraçado que meu pai e minha mãe já
falavam antes, né, do pré. Principalmente por causa de alguns amigos, meus que
tinham conseguido bolsa na PUC, no caso, o Márcio Flávio, em 96 para começar a
estudar em 97. Mas eu, em 96, eu não queria saber desse negócio de universidade,
até mesmo porque a universidadeo me representava nada, não tinha um porquê.
Na verdade, havia até um pouco de avero a este mundo acadêmico. Só que nessa
de querer compreender mais eu comecei a entrar em contato de novo com este meu
amigo, o Márcio Flávio, e ele começou a me contar o que era o PVNC, começou a
me contar esse negócio de assembléia, de conselho, e cada vez mais a minha ânsia
aumentava mais. E eu comecei a me integrar. O que me atraiu, na verdade,o foi a
possibilidade de eu fazer um curso superior, foi mesmo o estar entrando em um
negócio que ultrapassasse meu cotidiano e que eu pudesse também interagir e ajudar
e tal...
,, eu fui, entrei no pré. E por coincidência também, que foi uma coisa que de
certa forma ajudou, foi que a maioria das pessoas da coordenação eu conhecia, que
no caso eram a Geanne, Simone, e eram pessoas que participavam de grupo jovem, e
eu também participava de grupo jovem. Quero dizer, eu participava mais de corpo
físico, porque sempre gostei de participar de lugares que tinham bastante gente, eu
participava mais de corpo físico, sempre gostei porque a gente saía, tinha atividades,
tinha não sei o quê... e... desde, sei lá... desde 92, 91, sei lá, que eu tinha me afastado
um pouco da Igreja.”
Essa mistura de atração pelas relações pessoas e de amizade, com o apoio dado
pelos pais (em outra passagem da entrevista ele explora o estímulo dado por sua mãe para
ele ingressar no pré-vestibular), e com uma “vontade de participar” de algo que
ultrapassasse o cotidiano” lhe condiciona um ingresso no P-Vestibular para Negros e
Carentes desprovido de outras agências que de alguma forma influenciassem a sua ação e
320
intervenção no movimento. Com efeito, diferente de outros indivíduos que disputavam as
concepções e os rumos do movimento no âmbito dos fóruns coletivos em muito
condicionados pelas suas experiências pretéritas e (sobretudo as) simultâneas (a
reflexividade e a interinfluência destas experiências simultâneas nos impede de chamá-las
de paralelas!), ele ingressa “pensando o movimento pelo movimento”, encerrando nele, e a
partir daquilo que aprendia nele em termos de potica, a construção de sua intervenção.
Poderíamos sugerir que sua ação se pautava então numa experiência de espaço-
tempo local do fazer potico. Em parte, isto nos é pertinente: era nesta escala
(compreendida como ordenamento espaço-temporal das suas relações de sociabilidade) que
se davam as suas relações de sociabilidade, suas teias cio(pouco)poticas! Esta idéia de
sócio(pouco)políticas não é apenas um jogo de palavras, ela nos remete à compreensão de
que, até então, ele não havia jamais se embrenhado de forma orgânica num exercício de
jogo enunciadamente potico. Suas trilhas do fazer, até então, eram pautadas pela negação,
pelo não fazer, pelo fugidio, por tentativas erráticas que poderíamos assemelhar ao fazer do
sujeito ordinário de que nos fala Michel de Certeau. Neste sentido, a própria idéia de um
fazer local da potica deve ser tensionada: é no âmbito do próprio pré-vestibular que ele
inicia (i) uma experiência de relação social enunciadamente política, onde o jogo é,
enunciadamente, um jogo de poder, em que o poder é um elemento não oculto, mas
enunciado nas relações que constituem os fluxos de sociabilidade – processo em que o
indivíduo tem suas relações constantemente tensionadas, criticamente analisadas e
confrontadas a iias como “construção coletiva”, “democracia”, “autoritarismo”, etc.
132
; e
132
Esta experiência aparece nítida na seguinte passagem que relata o início de sua inserção: "Bem, nisso eu
comecei a participar... engraçado que eu comecei a participar de outras coisas, tipo, tinha reuniões do posto
médico da comunidade vizinha. Tinha um aluno lá que trabalhava no posto e tinha reuniões abertas a
comunidade, e aí eu comecei a participar, comecei a também querer ajudar. Eu estava nessa ânsia, né. Mas eu
acabei mesmo é ficando no pré; e meu primeiro contato que acho mais positivo no pré foi em uma assembléia,
em abril de 97, que por uma feliz coincidência foi no bairro de Pilar, que é um bairro próximo, fica em Caxias
também. E justamente em maio, aconteceu uma reunião do conselho que era em Imbariê, ou seja, perto
também de Nova Campinas e eu também fui. E comecei a ir e comecei a gostar daquele ambiente de
discussão, um ambiente de discussão muito maior, e muito mais intenso do que atualmente, infelizmente. (...)
Mas isso fez com que... eu ia amarradão, assim, mesmo sendo conselheiro, mesmo não sendo... eu ia
tranqüilo... tanto que na segunda assembléia que eu também fui, que foi em Niterói, foi mais distante, e no
terceiro, que estava sem local para ser realizado, e aí os conselheiros deram sugestão para ser em Nova
Campinas e mesmo sem ter consultado a gente, no caso, o núcleo, os alunos, a gente acabou fazendo mesmo a
assembléia, que a assembléia ficou meio grande, e tinha três semanas para organizar e acabou que na
verdade foram os alunos que organizaram. Mais particularmente eu e Beto, que era um outro aluno lá. E aí se
realizou a assembléia e foi tranqüilo. E nesse momento foi a prova de fogo para saber se eu realmente queria
participar de uma iniciativa coletiva ou não. E o engraçado é que o ambiente do pré-Nova Campina nem era
321
(ii) a constituição de uma percepção reflexiva do local do ponto de vista de sua dinâmica
potica e composição social.
Este desafio de constituição de uma nova leitura de sua realidade por parte de
indivíduos que, muito jovens – e, acima de tudo, sem experiência do fazer potico -,
assumem o compromisso de construção de um núcleo do Pré-Vestibular para Negros e
Carentes nos é informada num depoimento de Geanne Campos, que foi coordenadora do
núcleo Nova Campinas, exatamente este em que Fernando iniciou a sua trajetória no
PVNC. Aluna da primeira turma do movimento em 1993, ela assim nos descreve sua
apreensão quando lhe é colocada a provocação para a abertura de um núcleo:
"Eu ajudei lá [ela se refere ao Pré Matriz], nas entrevistas, pra fazer a organização do
pessoal de lá, mas eu comecei a montar um pré aqui. O pré aqui em Nova Campinas
começou em maio de 94. Eu ajudei lá, mas eu não tinha muita idéia de como fazer
um pré-vestibular, de como é que ia funcionar, não tinha muita idéia de como é que
era o lugar onde eu morava. Como é que as pessoas... se as pessoas terminavam... eu
tinha dúvidas disso, se as pessoas terminavam o segundo grau, se não terminavam,
eu não conhecia direito.
(...) No início era muito, aquela coisa que eu falei no início mesmo, de não ter noção,
eu não pensava politicamente nada! Pra mim não tinha, eu não sentia essa questão de
racismo, isso nunca foi uma discussão que eu... eu acho que eu aprendi demais com o
pré-vestibular, eu cresci muito, eu aprendi muita coisa, e aí, é claro que a vio
muda, é de ter o interesse de conhecer que espaço é esse que eu vivo, né? Quemo
essas pessoas? Terminam ou não terminam o segundo grau? E não terminam por
que? E estão aonde? E, essas pessoas começam a aparecer. A gente montou o pré-
vestibular, e faz faixa, e aí essas pessoas começam a aparecer. Essas que eu achava
que não existiam. Então, elas começam a aparecer, a gente começa a trabalhar, no
início muito guiadas pelo Frei David, de estar dizendo “não, tem que fazer isso,
aquilo”, de vir nas nossas reuniões e intervir mesmo e depois a gente foi construindo
um perfil de intervenção na comunidade mesmo, de estar discutindo, de estar
levando essa discussão racial pra dentro de Nova Campinas, que é um bairro que tem
a maioria de negros, e as pessoas não... tinha uma repulsa à questão do nome do pré.
A gente também teve dúvida, em botar Pré-Vestibular para Negros e Carentes, mas
botamos! E isso rendeu altas discussões. De ir pessoas na escola – a gente
funcionava na Afonso Arinos, na escola municipal -, de ir pessoas na escola."
O desafio era, portanto, maior do que simplesmente arregimentar uma equipe de
professores, conseguir um local para o funcionamento e iniciar o trabalho do curso. Era o
desafio de pensar potica e socialmente o local, pensar o jogo político do local, seus atores,
os comportamentos, as expectativas e as perspectivas dos indivíduos, a composição social
do local, quem eram os indivíduos e os atores que o compunham, e como estes viam a si
próprios e se viam neste jogo social local! Este câmbio na percepção do local – que deixa
propício para isso. Ali tinha uma coordenação muito centralizada, e na minha opinião, muito pouca abertura
para a participação real, muita cobrança e muito pouca abertura mesmo de diálogo (...)"
322
de ser uma referência de caráter afetivo (o lembrar da infância e da adolescência, como
Fernando coloca) e passa a ser um conjunto de referências para a ação potica – representa
o momento em que a percepção de uma posição passa a orientar tomadas de posição.
Podemos então falar de uma experiência do fazer potico vinculada à escala
local, o que vai orientar formas de perceber os jogos de relações entre os atores, e a
percepção e a tomada de posições em relação a estes atores. Fernando Pinheiro saiu do Pré
Nova Campinas em 1998 porque havia divergências entre os coordenadores. Após o racha,
ele e outros militantes do PVNC abrem dois núcleos: o de Parque Paulista e o de Piabetá.
Esses núcleos são diferentes uns dos outros, assim como esses lugares são diferentes uns
dos outros, e, um dos traços que diferenciam os pré-vestibulares é a forma como esses prés
se relacionam com o local e com o jogo político no local, que reflete também a diversidade
de situações no conjunto do movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes: alguns prés
viram referências de atuação política no local; alguns prés são somente pré-vestibulares,
preparam para o vestibular; outros são prés que discutem potica também, discutem
diversas dimensões poticas fazem um trabalho de conscientização voltado para o debate
de temas gerais da sociedade - o racismo, a exclusão no mundo da educação, a questão da
mulher - quer dizer, diversas dimensões da exclusão e da pobreza num âmbito geral da
sociedade; outros prés levam a discussão sobre a questão da carência para o plano local e
para o cotidiano dos indivíduos, dos alunos, dos professores, de todos que participam do
pré.
Nas entrevistas que nos concedeu, Fernando compara os núcleos Nova
Campinas, Parque Paulista e Piabetá. Segundo ele as características de cada local
influenciavam a atuação de cada núcleo. Nova Campinas tem sua origem em um conjunto
habitacional ocupado por famílias com a mesma faixa de renda, mas que, em sua maioria,
o possuíam vínculos anteriores – este não era um conjunto onde os moradores possuíam
alguma espécie de origem comum preferencial, como funcionários de algum órgão público
ou vinculados a alguma carteira previdenciária (como conjuntos do IAPI, IAPAS, ou
bancários, etc.), não eram moradores removidos de alguma favela (como a Cidade de Deus,
Vila Kennedy, etc.), e nem migrantes originados de algum lugar comum, como nordestinos
(como p. ex., a favela do Rio das Pedras). Já o Parque Paulista foi ocupado gradativamente
323
por loteamentos e possuía uma associação de moradores mais atuante que a dos outros dois
núcleos. Piabetá foi caracterizado como um bairro mais comercial e de passagem, bastante
movimentado por ser praticamente limítrofe entre Caxias e Magé e num antigo caminho
para subir a serra de Petpolis. O Pré Piabetá não tinha, na sua origem, nenhum morador
do local como coordenador, e a sua própria constituição já se deu negando a potica local:
um dos coordenadores havia estudado o ensino médio lá, e seus pais trabalhavam para a
prefeitura, contatos cruciais para a cessão do espaço de uma biblioteca municipal, mas que
lhes legou também um receio do uso eleitoral do curso, fatores que acabaram por
condicionar um movimento de afastamento do núcleo em relação à potica local. O núcleo
Parque Paulista, seguido pelo Nova Campinas, possuía maior atuação que o núcleo Piabetá.
Configura-se, portanto, um quadro de diferentes tipos de relação entre os
núcleos e a comunidade. Às vezes o núcleo era procurado por associações de moradores
para serem feitas articulações – caso do Parque Paulista, onde Fernando afirma que o pré
era visto por algumas pessoas da comunidade como lugar de “grandes conhecedores” (e aí
destacando a figura dos coordenadores, vistos como os “meninos que fazem faculdade”).
Ele diz que em determinadas situações se configurava uma relação verticalizada entre o pré
e a comunidade. Estas percepções, de qual é a composição social do local, quais são os
atores da política local, da relação do pré com esses outros atores, tudo isso configura a
constituição de uma experiência do fazer potico com base no local enquanto esfera social,
e se distingue da ausência de vivência de jogos políticos – que, aqui, distinguimos de
ausência do fazer potico! Como “sujeito ordinário decerteuniano”, Fernando Pinheiro
(bem como os outros autonomistas-espontaneístas e os outros indiduos que faziam o
movimento PVNC mas que não o disputavam nos fóruns coletivos) tinha uma experiência
do fazer potico, mas que se dava através da não participação em jogos políticos ou mesmo
da negação destes. Tinha, portanto, uma experiência (espacial) do fazer político, baseada
nas suas relações de sociabilidade que eram locais, ainda que ele não problematizasse a
dinâmica potica do local.
324
6. CONCLUSÃO
A construção de atores políticos passa hoje por estratégias escalares distintas.
(...) Essa possibilidade de quebra de escalas, vale tanto na esfera da economia,
quanto na da política, da cultura e da constituão de sujeitos políticos. (...) o
poder não reside nem no global, nem no nacional, nem no local; o poder é a
capacidade de articular escalas.
Carlos Vainer
O objetivo do presente trabalho era tensionar possibilidades de compreensão dos
movimentos sociais através do que chamamos de espacialidades. Partimos da idéia de que
tal leitura nos auxiliaria a compreender a dinâmica dos movimentos sociais – em particular,
do P-Vestibular para Negros e Carentes, explorado então como uma múltipla experiência
de espaço em suas diversas dimensões de formão.
Olhar o P-Vestibular para Negros e Carentes tomando-o como uma múltipla
experiência de espaço ajudou a compreender sua dinâmica e, sobretudo, seus embates que,
no fazer cotidiano do movimento e em diversos dos depoimentos colhidos, aparecem como
sendo embates (muito mais) pessoais e de diferenças de concepção. Tais interpretações
captam grande parte das razões da instauração de tensões internas que conduziram ao
esfacelamento e redefinição do movimento, com a saída de muitos militantes, com a
desfiliação de diversos núcleos e a criação da EDUCAFRO. Analisando estes embates
como sendo resultantes de fricções entre experiências (espaciais) do fazer potico, podem-
se compreender divergências e convergências no fazer potico das lutas dos Pré-
Vestibulares Populares
133
como não apenas de projeto e de concepção, mas, também, de
compreensão da experiência do outro.
Pensar estes atritos decorrentes das diferenças de experiências do fazer potico -
e do seu desconhecimento mútuo – é, portanto, um aspecto fundamental para a construção
de pactos políticos transformadores. Com todo o cuidado para não cair em determinismos
espaciais, as experiências espaciais do fazer político nos informam sobre os processos de
constituição de sujeitos e também sobre a construção dos seus atos de “se posicionar” –
133
“Pré-Vestibulares Populares” aqui reúne o Pré-Vestibular para Negros e Carentes, a EDUCAFRO e outros
núcleos não vinculados a nenhuma destas duas redes.
325
conhecer a sua posição e tomar posição, condição ativa inclusive daqueles sujeitos que
negam a política e negam a dimensão política de suas ações.
Esteencontro” entre indiduos com diferentes experiências, projetos,
percepções e expectativas em relação à sua ação no cotidiano do fazer do movimento social
Pré-Vestibular para Negros e Carentes condiciona, a um só tempo, (i) a convergência entre
o agir dos sujeitos, construindo diversas formas de ação social, e (ii) o choque entre estas
experiências dando lugar a conflitos entre eles. Para compreender a multiplicidade de ações
que constituem e são constituídas no seio do movimento social é preciso estar atento para o
fato de que ele é, em suma, uma estrutura marcada pelo ltipo pertencimento:ltiplo
pertencimento de seus indivíduos (que atuam nele e atuam em outros movimentos e campos
do fazer potico também), múltiplo pertencimento institucional (que aqui, diz respeito à
diversidade de interlocuções que o movimento estabelece, e que o fazem se reconstituir
para tais diálogos), e múltiplo pertencimento discursivo (de indivíduos e do movimento,
que entrecruza bandeiras, ideologias, redes e tradições discursivas).
Os movimentos se tornam, neste sentido, um espaço de convergência (e,
evidentemente, de choques) de lutas que, se remetendo a distintas contradições da
sociedade, remetem também a distintas formas de ação social, o que os transforma em
espaço de conflitos por hegemonia, por concepção, por práticas, etc. A dinâmica do Pré-
Vestibular para Negros e Carentes é um ótimo exemplo disso: nela se misturam
(convergindo e se atritando) lutas no mundo da educação, lutas no campo do anti-racismo,
pessoas atribuindo à sua ação um caráter revolucionário, a busca de um diálogo com o
Estado em prol da construção de poticas públicas, a negação do Estado enquanto ente
capaz de superar as contradições que servem de mote ao movimento, pessoas que negam a
potica, entre outras nuances!
Essas manifestações se simbiotizam fazendo com que o político apareça
claramente transfigurado, agendas se cruzando e dialogando – de maneira não harmônica, e
sim essencialmente conflituosa, mas sem que isso legitime a construção de instrumentos ou
mecanismos institucionais de expulsão – constituindo espaços de agregação e convergência
(mas também, de segregação!) de indivíduos oriundos de segmentos sociais distintos, com
atuações e envolvimentos distintos, portadores de valores e projetos societários diversos.
326
Num ambiente social onde os valores emanados da ideologia liberal apontam para a
competição, individualismo e concorrência, emergem solidariedades e uma cultura de
valorização da participação, associativismo e de obrigação social onde os indivíduos
buscam inserir-se em iniciativas que apontem para a superação do perverso quadro social:
oscleos do movimento se estruturam com base na auto-gestão, no trabalho voluntário e
na ausência de compromissos financeiros, “capturando” as potências e energias utópicas
geradas nesta ambiência social; de outro lado, o movimento vai ser também objeto de
conflitos pela sua condução por sujeitos que buscavam dialogar com o Estado, com partidos
poticos, com a Igreja, etc. Esta perspectiva analítica nos realça a importância dos
processos (internos) de construção dos movimentos sociais, para mais além do papel
transformador que têm a(s) sua(s) bandeira(s) de luta. Os movimentos aparecem, nesta ótica
– chamemo-la construtivista –, como pactos político-ideológicos, fruto de negociações
cotidianas entre indivíduos portadores de experiências histórico-sociais distintas.
Como forma de organização destes encontros, o movimento também organiza
suas arenas em esferas institucionais, mostrando como as práticas concernentes ao fazer
potico têm hora e lugar! Tal configuração coloca o processo de estruturação cotidiana do
movimento como um complexo jogo de transações sociais
(interações/relações/negociações) cotidianas que é, em essência, também um fato espacial.
As estruturas organizativas constrdas no movimento, enquanto definidoras de esferas
burocráticas instituintes de hierarquias entre indivíduos pelos seus diferenciais de poder
sobre tais esferas, aparecem também como fatos espaciais: são as escalas de intervenção de
cada sujeito. As normas organizativas de cada uma destas esferas funcionam como
comandos, ordens, valores e adestramentos que vão definir quem pode e quem não pode
intervir em cada âmbito do movimento. A complexificação/hierarquização organizativa é
uma experiência objetivamente escalar. No Pré-Vestibular Para Negros e Carentes chama
atenção a estruturação do movimento através de dois planos (que se vinculavam e
atritavam):
327
(i) O plano dos fóruns coletivos (Conselho dos Núcleos, Secretaria Geral, Assembias
Gerais, Jornal Azânia, Equipes de Reflexão Pedagógica e Racial, Seminários de
Formação, Coordenações Regionais), esferas dominadas hegemonicamente por alguns
sujeitos detentores de capitais (articulações, conhecimentos, heranças, backgrounds
institucionais) e interesses poticos que os punham em disputa pela hegemonia e
legitimidade na condução do movimento, para o quê mobilizavam “agendas e (em)
agências”;
(ii) O cotidiano dos núcleos, espaços de múltiplas percepções e temporalidades,
protagonizado por uma massa de indivíduos que, movidos por ideais distintos,
construíam um processo de socialização caracterizado pela ampla participação de
distintos sujeitos sociais e um cruzamento de visões de mundo e temários de discussão
muitas vezes divergentes e antagônicos.
Neste sentido, os traços organizativos (estruturas decisórias, de comunicação,
arenas oficiais de decisão e também as arenas “informais” ou ocultas, os instrumentos de
intervenção, os próprios valores, projetos e agendas) do movimento são resultantes de
embates entre sujeitos que buscam implementar seus projetos de forma a melhor capitalizá-
los e potencializar seus diálogos com as esferas de poder fora do movimento onde eles têm
maiores poderes de intervenção – e, neste sentido, as reconstituições das trajetórias de
milincia de Frei David Raimundo dos Santos e Juca Ribeiro fornecem rico material. Ou
seja, para as escalas (as esferas de poder não são escalares?) onde eles melhor
potencializam a sua ação, capitalizando isso na dinâmica interna do movimento e para fora
dele.
Enquanto conjunto de “lugares” do fazer potico, o movimento faz convergir
indivíduos com diferentes experiências espaciais de sociabilidade, de percepção e do fazer
político – indivíduos que vivem o local, indivíduos que circulam politicamente por fóruns e
arenas regionais, indivíduos que têm projeção e estabelecem diálogos nacionais,
construindo convergências e friões destas múltiplas experiências espaciais do fazer
potico.
O cruzamento de olhares para (i) as trajetórias espaciais do fazer potico, (ii)
para a dimensão organizacional das instituições da potica enquanto produtoras de
328
experncias e de alienações, e (iii) para os significados, os léxicos, os habitus, os códigos e
normas que regem os comportamentos conformando diferenteslugares” do fazer nos
possibilitam, portanto, a constituição de uma geo-grafia. Nesta, as posições (e os
posicionamentos) são constitdos através de aprendizados de sistemas de orientação
baseados em coordenadas não fixas: a organização das práticas sociais no espaço é que
condiciona estas geo-grafias, que são chaves para a leitura do social, geo-grafias que
informam aos indivíduos que cada “lugar” deve ser compreendido como experiência de
interação, e não somente a partir da sua constituição material. É a natureza das interações, a
sua inserção em redes do acontecer solidário, que vai definir se um encontro enseja uma
relação “local” (ou, do cotidiano de um núcleo) ou “regional” (ou, concernente a um fórum
coletivo). Arenas oficiais e arenas ocultas vão constituir “lugares” das interações que
podem não ter relações e desdobramentos (escala da origem, escala dos impactos) com o
núcleo (local) mas sim, para o movimento (regional).
Da mesma forma, estas arenas (lugares do fazer potico) vão organizar as
interações que vislumbram as interlocuções do movimento com outros atores da sociedade.
Enquanto agentes de processos de transformação, os movimentos sociais negam alguma
ordem que é, também, espacial – as agendas sobre as quais os movimentos intervêm têm
relação com os ordenamentos espaciais. Enquanto instrumentos do agir coletivo, os
movimentos sociais dialogam com distintos atores sociais, que ocupam posições nas esferas
institucionais que organizam (espacialmente) o campo do fazer potico – atores locais,
atores nacionais, atores mundiais, que, qualificados a partir destes referenciais espaciais,
evidenciam que os movimentos também têm espacialidade nesta interlocução. Este “sujeito
híbrido da cidadania” – tomando de empréstimo a expressão de Burity (2001) – abre um
variado leque de inserção e cruzamentos entre agendas de discussão e intervenção, o que
faz com que cada núcleo tenha uma distinta relação com as agendas locais. Com efeito, há
núcleos que são a principal referência de atuação potica nos locais onde estão inseridos, e
outros que são referências importantes na escala do seu município – ou seja, há núcleos
cujas agendas e agências (instâncias, fóruns, articulações, jogos de poder de que
participam) têm inscrição no espaço
em escala local e outros em escala municipal.
Enfim, ltiplas são as possibilidades de leitura dos movimentos sociais a partir
de raciocínios centrados no espaço. Os exercícios aqui realizados, despertados pela nossa
329
vivência e olhar sobre um movimento social, o Pré-Vestibular para Negros e Carentes,
apontam para esta multiplicidade. O desenvolvimento que fizemos aqui das oito dimensões
espaciais dos movimentos – que eram, na verdade, tensionamentos de raciocínios centrados
no espo para pensar os movimentos sociais subsidia este olhar, este tensionamento dos
instrumentos de compreensão e representação espacial da ação: cartografagens da ação, da
existência, das formas de luta, das percepções da luta, entre outras possibilidades. Se
advogamos aqui que as experiências de espaço informam a ação, compreendê-las e
representá-las é cada vez mais um desafio anatico fundamental. Isto nos coloca a
necessidade de mais estudos sobre trajetórias espaciais – geo-biografias, ego-geografias -,
e, em particular o que foi trabalhado, trajetórias espaciais do fazer potico.
Propomos, portanto, pensar sobre o espaço
e pensar a partir do espaço: ao falar
das grafagens do espaço engendradas pelos movimentos sociais, estamos lançando nosso
olhar para as estruturas do espaço, estamos pensando sobre o espaço; quando lançamos mão
do olhar para as estruturas, os padrões de organização do espaço, para a partir dele
observarmos os jogos de poder que ele reflete, que nele se conformam o estruturando -
utilizando e tensionando o arcabouço conceitual da análise espacial - estamos pensando a
partir do espaço. Este duplo olhar significa pensar o espaço enquanto estrutura e pensar o
espaço enquanto experiência: a organização do espaço é não apenas reflexo (estrutura
estruturada), mas instrumento e objeto de (disputas de) poder (sendo então, também uma
estrutura estruturante), e é vivenciada por indivíduos, que têm, portanto, diferentes
experiências de espaço.
As experiências sociais são experiências espaciais. As experiências
de poder são experiências espaciais. As experiências do fazer político são experiências
espaciais.
330
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342
TRADUÇÕES DAS CITAÇÕES EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
1. CAPÍTULO 3 “Geografia e Política: A questão da Escala”
TT.01 – página 85, nota de rodapé 22
Na época moderna, a instância privilegiada de coordenação social tem sido o Estado. (...)
O Estado representa uma estrutura de dominação legítima, ao ponto de ser reconhecido
como a autoridade máxima que tem o monopólio de tomar decisões vinculantes para toda a
população e, caso seja necessário, im-las mediante sanções. Baseado em sua posição de
centro hierárquico de toda a sociedade, o Estado articula a vida social mediante uma
coordenação potica.”
TT.02 – página 86, nota de rodapé 23
Desde o final dos anos 1970 a estratégia neoliberal denuncia os efeitos paradoxais da ação
estatal – como provocar um bloqueio do desenvolvimento social em lugar de fomentá-lo -,
ao mesmo tempo que impulsiona um conjunto de medidas (liberalização dos mercados,
desregulação, privatização, descentralização administrativa) destinados a fortalecer o papel
do mercado.
TT.03 – página 86, nota de rodapé 24
o processo de diferenciação funcional. Este processo característico da modernização
permite que certas áreas da vida social (economia, direito, ciência, educação, potica)
desenvolvam racionalidades e dinâmicas espeficas, conformando ‘subsistemas
funcionais relativamente fechados e autoreferenciados. (...) Em conseqüência (...) a
potica perde a sua centralidade hierárquica de modo que qualquer intervenção potica em
outros subsistemas fica restringida. (...) [ou seja] Mais que a eliminação de todo centro,
cabe presumir a desaparição de um centro único, capaz de ordenar ao conjunto da
sociedade.”
TT.04 – página 91
Tamanho
aproximado(sq
miles)
Fennemann 1916 Unstead 1933 Linton 1936 Whittlesey 1954 Escala
cartográfica de
análise
10
-1
Sítio
10
Stow Stow Localidade 1:10,000
10
2
Distrito Trecho Trecho Distrito 1:50,000
10
3
Seção Sub-região Seção Província 1:1,000,000
10
4
Província Micro-Região Província
10
5
Macro Divisão
Macro Divisão Reino 1:5,000,000
343
10
6
Macro Região Continente
TT.05 – página 92
Por um lado se fala de indivíduo, de grupos, e se pode pensar que o poder tem diversos
graus segundo o nível em que se estabeleçam as relações: elas iriam desde as relações
individuais ou de pequenos grupos até as relações sociais globais. (...) Destes dois níveis de
análise do poder, seja como relações individuais, seja como relações sociais globais,
deixaremos de lado as primeiras para centrarmos nos aspectos globalizadores,
macrossociais, do poder. Neste sentido, estamos de acordo com Poulantzas quando
considera que ‘o conceito de poder não pode aplicar-se às relações interindividuais ou às
relações cuja constituição se apresenta (...) independente de seu lugar no processo de
produção (...), por exemplo, relações de amizade, ou relações de sócios de uma associação
desportiva, etc. Pode empregar-se nestes casos o conceito de potência.”
TT.06 – página 96
“A da métrica, apoiada sobre a quantificação mobilizando uma formalização estatística ou
geométrica, e a da análise dos processos, mais apoiada sobre uma análise qualitativa e
construindo categorias conceituais.”
TT.07 – página 96
“Muitos femenos sociais, ecomicos, poticos ocorrem simultaneamente do local ao
internacional, passando pela escala do Estado-Nação e diversos níveis intra-nacionais.”
TT.08 – página 96-97
Horizontais eu chamo as espacialidades próprias a diferentes fenômenos se superpondo, se
entrelaçando sobre a trama das concentrações humanas, de infra-estruturas e das estruturas
estatais (cidades, redes de transportes, Estados-Nações, fronteiras, divisões administrativas,
etc.) para conferir coerências às formações ou às combinações sócio-espaciais. Verticais, eu
chamo os desenvolvimentos próprios a uma esfera da realidade social se efetuando ao
longo de um continuum espacial de ltiplas escalas.
(...)
Sublinhe-se nesta proposta que a combinação de escalas espaciais já foi bastante indicada
por autores nos anos 1970. A combinação de escalas, que não postula a sua negação [das
escalas], mas ao contrário considera diferentes formas e facetas de um mesmo femeno
em diferentes escalas, e em diferentes lugares, para lhe voltar a dar uma coerência global,
coerência que ele não pode adquirir sem ser re-localizado num vasto jogo.
TT.09 – página 100-101
Vem-se percebendo que a carta tradicional, que mostra as extensões e as distâncias físicas,
não é mais que uma representação - entre outras - do mundo, onde se opera a esfera
econômica ou o mundo vivido das pessoas. A dissociação entre distancia espacial e
distancia temporal, o múltiplo pertencimento territorial de um úmero crescente de
indivíduos, o desvio crescente entre os referenciais de espaço-tempo das pessoas e dos
grupos sociais: todos estes movimentos desenham uma geografia complexa e paradoxal.”
(...)
344
“A questão é: como descrever e compreender um mundo espacial onde a principal
propriedade do espaço – a resistência física às trocas, e o custo durante muito tempo
considerável a pagar para reduzir esta distância – de desmancha lenta, mas seguramente? A
resposta que damos neste livro consiste essencialmente em qualificar diferentemente a
organização espacial e seus desafios: estes consistem menos (...) na matriz de custos da
distância do que na mobilização dos efeitos sociais de coordenação e de relação.” (pg. 54,
grifo do autor)
TT.10 – página 101, nota de rodapé 31
O território social e econômico torna-se cada vez mais homogêneo, na larga escala, e mais
fracionado, na escala fina. Ele é, provavelmente, mais e mais <<fractal>>, à imagem destas
estruturas geométricas que reproduzem um mesmo padrão de desigualdade em todas as
escalas.” (pg. 55)
TT.11 – página 106-107, nota de rodapé 34
Quando, por exemplo, num modelo de equilíbrio geral, é assumido que todos os
indivíduos desempenham uma multiplicidade de papéis, também está implicitamente
admitido que a localização no espaço não pode efetivamente ser separada do fluxo do
tempo. Às vezes, é claro, um indiduo desempenha vários papéis ao mesmo tempo. Mas
com maior freqüência os papéis excluem uns aos outros. Eles têm que ser desempenhados
dentro de uma dada duração, em determinados tempos e lugares, e em conjunção com
outros dados grupos de outros indivíduos e peças de equipamento. (...) Nem todo ponto no
espaço demanda o mesmo do indivíduo (...). Isto significa primeiramente que o tempo tem
uma importância crítica quando ele incorpora pessoas e coisas juntos no funcionamento de
sistemascio-econômicos, ainda que estes se submetam a mudanças de longo termo, ou
permaneçam em algo que poderia ser definido como estado de constância.”
TT.12 – página 110, nota de rodapé 38
Um componente fundamental dos meus argumentos é a suposição de que a articulação
das relações de tempo-espaço nos sistemas sociais tem que ser examinada em conjunção
com a geração do poder.” (Giddens, 1981, pg. 3)
TT.13 – página 112
A unidade essencial da geografia não é espacial – ela reside em regiões de tempo-espaço e
na relação destas unidades com configurações espaço-temporais mais largas. Geografia é o
estudo destas configurações. (Thrift, apud Kellerman, pg. 1)
TT.14 – página 112
O tempo humano, como o tempo cosmogônico, é direcional. Uma vida humana começa no
nascimento e termina na morte; e a despeito de uma crença comum de que a morte é um
retorno ao ventre que leva a um renascimento, a vida é experimentada individualmente
como uma jornada de mão única. (...) Entre os “Pueblo Indians” a morte é vista como o
retorno ao Shipap [região localizada ao norte dos aludidos povoados], de onde os ancestrais
originalmente vieram. Muitas vezes, no entanto, a morte é uma jornada contínua do centro
cósmico do espaço, ao longo de um eixo vertical ou em direção de um dos pontos
cardinais.” (pg. 9)
345
TT.15 – página 113
O tempo pode significar várias coisas para os indivíduos. Ele pode ser uma experiência,
uma dimensão maior, uma estrutura de ordenamento, um evento de significado biológico.
O tempo experiencial, ou tempo vivido, se refere ás imagens personalizadas do tempo
como sendo curto ou longo, passando rápida ou lentamente. O tempo é uma dimeno
maior na qual todos os eventos ocorrem e em torno da qual os ciclos de vida humana se
desenvolvem. Isto é uma estrutura de ordenamento para os eventos em termos de ‘antes’ e
depois’, e em termos de encadeamentos de eventos ou desenvolvimentos.” (Kellerman, pg.
7, grifo nosso)
TT.16 – página 113
Uma série infinita de pontos temporais compatível com a indicação de diferentes valores
para pontos particulares em diferentes sistemas históricos... ele é uma dimensão do
horizonte do mundo. Por ser mensurado uniformemente, o tempo mundial permite que
processos em todos os sistemas ocorram simultaneamente.” (Kellerman, p. 7-8)
TT.17 – página 125, nota de rodapé 42
“A escala, portanto, não é simplesmente um fato externo aguardando seu descobrimento,
mas um modo de organização de concepções de realidade.” (Delaney e Leitner, pg 94-95).
2. CAPÍTULO 4 “Tensionando a imaginação geográfica: Dimensões espaciais dos
movimentos sociais”
TT.18 – página 135
O espaço emerge de vastas imbricações, de incríveis complexidades, de interligações e
não-interligações, e das redes de relações em todas as escalas do local ao global. O que
permite uma particular visão destas relações sociais como especificamente espaciais é a
sua simultaneidade. É a simultaneidade, também, que possui extensão e configuração. Mas,
simultaneidade não é estática. Ver espaço como um momento na interseção de relações
sociais configuradas (mais do que como uma dimensão absoluta) significa que ele não pode
ser visto como estático.” (Massey, 1993, pg. 156)
TT.19 – página 147-148
Para entender um movimento construído sobre as bases de identidade coletiva temos que
entender os lugares específicos nos quais se desenvolve a ação social do movimento e onde
estas identidades estão constrdas e articuladas fisicamente. Há questões concretas que
surgem das interações entre ação social de movimentos sociais e lugar: Como as
particularidades de um lugar impactam as pessoas que se organizam num movimento social
, e como dificultam, ou ao contrário, facilitam a realização de ações coletivas? Até que
ponto a experiência de viver em um determinado lugar e os sentimentos subjetivos gerados
por ela influenciam a decisão de um ator social e envolver-se num movimento social? Que
papel jogam as histórias locais de um lugar no entendimento das formas em que as pessoas
refletem sobre a sua participação em um movimento social? Mas também, em que medida
as características objetivas mais amplas de um lugar, como a ordem macro-política e
econômica explicam a organização e articulação de resistências neste lugar? Quais são as
implicações de um meio ambiente particular para os processos organizativos? Quem
acredita encontrar ‘respostas óbvias’ para estas perguntas comete um equívoco
346
anteriormente analisado de ver espaço e lugar como meros contextos dentro dos quais se
desenvolve um conflito determinado. O que trato de mostrar aqui é que espaço e lugar são
elementos constitutivos das formas específicas em que se desenvolve um conflito dado. São
precisamente estes impactos concretos de espaço e lugar na formação e no agenciamento de
movimentos sociais que se trata de teorizar com o conceito de ‘espacialidade de
resistência’. “ (mimeo, pg.
TT.20 – página 152
Em alguns casos o regionalismo permanece na esfera cultural e se expressa mediante
canções, literatura, linguagem, vestuário, tradições e outras, sem chegar a expressar-se nas
formas tradicionais de ação potica. Em outros contextos as demandas regionalistas são um
componente importante da vida local e nacional, o que se reflete na participação eleitoral,
em demonstrações públicas e em atos terroristas e em outros.” (pg. 380)
TT.21 – página 153-154, nota de rodapé 50
Um outro elemento favorecendo a aparição de conflitos de ordenamento é a identidade
cultural, que favorece – ela própria – a proximidade social. Bruno Charlier, a respeito dos
conflitos ambientais, mostra que os conflitos estariam mais numerosos nas regiões com
forte identidade cultural. Mais precisamente, uma forte identidade favoreceria a emergência
de uma conflitualidade ambiental, e, como resposta, ela reforçaria o movimento identitário.
Esta retroação parece multiescalar. Na escala da Bretanha, as lutas anti-nucleares suscitadas
pelos projetos de centrais em Pellein ou em Plogoff durante os anos 1975-1980 não fizeram
mais que reforçar um movimento identitário pré-existente. Assim, ‘o movimento ecologista
bretão forja sua identidade através do movimento cultural bretão, e aproveita o trabalho
anterior de criação de uma consciência bretã e de uma solidariedade regional. (...) Mas
parece assim que a recíproca é verdadeira, quer dizer, o movimento ecologista reforça a
ligação com a Bretanha, e confirma ou mesmo faz progredir a identidade bretã’.” (pg. 11-
12)
TT.22 – página 160
A idéia de “raça” é, seguramente, o mais eficaz instrumento de dominação social inventado
nos últimos 500 anos. Produzida no início da formação da América e do capitalismo, na
passagem do século XV para o XVI, nos séculos seguintes foi imposta sobre toda a
população do planeta como parte da dominação colonial da Europa.
Imposta como critério básico de classificação social universal da população do mundo, de
acordo com a idéia de “raça” foram distribuídas as principais novas identidades sociais e
geoculturais do mundo. Por um lado, “Índio”, “Negro”, “Asiático” (antes, “Amarelos” e
“ACEITUNADOS”), “Branco” e “Mestiço”; por outro, “América”, “Europa”, “Ásia”,
“África” e “Oceania”. Sobre ela se fundou o eurocentramento do poder mundial capitalista
e a conseguinte distribuição mundial do trabalho e do intercâmbio. E, também sobre ela, se
traçaram as diferenças e distâncias específicas nas respectivas configurações específicas de
poder das sociedades, com as suas cruciais implicações no processo de democratização de
sociedades e Estados, e da ppria formação de estados-nação modernos.
Deste modo, “raça”, uma maneira e um resultado da dominação colonial moderna, permeou
todos os âmbitos do poder mundial capitalista. Em outros termos, a colonialidade se
constituiu na pedra fundacional do padrão de poder mundial capitalista, colonial/moderno e
eurocentrado. Tal colonialidade do poder tem provado ser mais profunda e duradoura que o
347
próprio colonialismo em cujo seio foi engendrada, e que ajudou a ser mundialmente
imposto.
TT.23 – página 160
Há um entendimento comum das identidades diaspóricas como subjetividades produzidas
a partir de um femeno coletivo de desterritorialização e dispersão de uma terra-mãe real
ou imaginada.” (pg. 1)
TT.24 – página 161
O tema unificador de qualquer imaginação diaspórica particular é a memora coletiva de
uma terra de origem (“terra-mãe”). No entanto, não há um corpus único de memória, e não
um imaginário único da terra de origem, mesmo para aqueles identificados
singularmente nas ideologias de inclusão e exclusão racializadas. Um indivíduo pode ter
distintos apelos à terra de origem e diversos imaginários diaspóricos para recorrer num
momento particular de enfrentamento racial.” (Hintzen, 2002, pg. 4)
TT.25 – página 161, nota de rodapé 54
“A partir do momento em que raça é integralmente ligada às origens territoriais, então
Diáspora, numa análise final, deve ser conceitualizada racialmente. Pode-se argumentar que
brancos, compreendidos com aqueles que originariamente remetem à Europa, são
investidos em todos os lugares como os portadores da civilização e como os protetores da
nação das crises e ameaças (Goldberg, 2002, p. 40). Este ponto se reveste de maior
importância porque ele indica reservas à inclusão dos africanos na imaginação diasrica
negra. Em termos raciais, o continente africano é preconizado como uma região de
territórios não civilizados com o Estado sendo o aspecto civilizador definidor de
pertencimento, gerência e tutela das suas populações. No discurso da modernidade, os
africanos continentais são compreendidos como objetos do controle e da administração
estatal. Mesmo quando africanos controlam o aparato do estado, eles continuam a ser vistos
em termos históricos como imaturos, em contínua necessidade de tutelas civilizatórias dos
povos do Norte. Então, as tecnologias do poder de estado na África permanecem
mergulhadas em relações de colonialidade por causa da persistência de relações de
imperialismo depois do fim dos governos coloniais formai. Os Estados africanos também
retém relações de dependência caracterizada pelas formas de exploração, subordinação e
expropriação que são constitutivas da colonialidade. Como resultado eles perpetuam o
sofrimento e as conseqüências do subdesenvolvimento persistente. Desta forma, a
incorporação dos africanos no Estado Moderno é ambígua como, por exemplo, o é para as
populações que convencionalmente compreendemos como Diáspora Africana. É esta
ambigüidade do (não)pertencimento que conecta a subjetividade africana no continente à
consciência diaspórica organizada sobre noções de identidade negra.” (pg. 5)
TT.26 – página 168
“A representação da organização territorial do espaço no Alto se mantém baseada em
conceitos do modernismo e se superpõe com a configuração imaginaria do espaço através
dos seguintes quatro conceitos.
O Jatha, unidade tetralética andina que dinamiza quatro ordenamentos: territorial, da
produção econômica, cultural-ritual e sócio-político. O Ayllu, comunidade ou sistema
organizativo multisetorial e multifacético, que sendo um espaço territorial unitário se
348
desdobra em duas parcialidades. O Marka, o território do povo. E o Suyu, região andina ou
forma de organização territorial através do espaço da cordilheira. A falta de um ou mais
destes elementos é a desarmonia dos fatores do ayllu ou o viver mal, em sofrimento e
pobreza como está ocorrendo atualmente.” (pg. 297-298)
TT.27 – página 168
“A populão alteña, estruturada na coesão sócio-espacial que emerge de suas próprias
estruturas sociais que se encontram ainda vigentes, resiste à imposição dos mapas
estabelecidos. Desta forma, luta pelas suas orientações coletivas e busca transformações
sócio-políticas espaciais baseadas em suas estruturas originarias. Prega também para as
instituições nacionais e internacionais, com a mesma força de sempre e a completude de
hoje, “sarjam” (que no idioma aymara significa anda!), e rejeita a representação
transnacional francesa – que administrava o serviço de água potável -, a espanhola – do
serviço de energia elétrica – e as empresas que exploram os recursos naturais – como o gás
– em nosso país.” (pg. 306)
TT.28 – página 168-169
O rio é ainda o espaço social de interação cotidiana onde as pessoas vêm para banhar-se, as
mulheres lavam a roupa e as crianças brincam. Estas atividades são de uma natureza quase
ritual e estão acompanhadas por gargalhadas, jogos e o famoso ‘bonchinche, os cisnes que
fazem alguns rir e desespera a outros. Este cenário, ainda que de expressão diária, é o mais
evidente nos dias de mercado quando chegam embarcações grandes e pequenas de perto e
de longe, não só pra comprar produtos mas também para trocar informações e “contar
histórias”. O mercado e, especialmente para habitantes de comunidades isoladas e remotas,
frequentemente, a única fonte de informação e meio e comunicação mais importante do que
no estrito sentido prático, o rio se torna o espaço social per se de interações humanas
cotidianas e o referente simbólico da identidade da gente e dos grupos que estão assentados
em suas margens. O rio corre também pelas imaginações das comunidades negras e se vê
refletido nas múltiplas formas discursivas em que elas se referem ao seu entorno e seu
mundo, adquirindo o rio desta forma um papel central nos processos e identificação
coletiva (Oslender 1999, Restrepo 1996). Como o geógrafo norteamericano Robert West
notou em 1957:
‘A gente de um determinado rio se considera como uma comunidade. (...) Os negros falam
de ‘nosso rio’, ou mencionam, por exemplo, quesomos do rio Guapi, ou ‘somos
guapiseños’ (sic), indicando seu apego social a um rio específico.’ (West 1957:88)
A identificação ribeirinha e o espaço aquático estão desta maneira profundamente inscritos
no sentido de lugar no Pacífico colombiano e têm constrdo o que tenho denominado uma
‘estrutura aquática de sentimento’ (Oslender 2001a).
Estas relações sociais espacializadas de comunidades negras rurais ao longo dos rios e dos
vales fluviais agora jogam um papel importante nos novos contextos políticos de
organização e mobilização. De fato, se pode afirmar que o espaço aquático constitui uma
das pré-condições espaciais para a organização potica no Pacífico colombiano. Sem
querer entrar em detalhe nestes complexos processos poticos, podemos sem embargo
afirmar que a grande maioria de comunidades negras têm se organizado em conselhos
comunitários, associação potica comunitária introduzida pela Lei 70, ao longo dos vales
fluviais, refletindo desta maneira as especificidades dos referenciais culturais e identitários
da localidade no Pacífico colombiano. Esta associão organizativa-espacial nasceu
349
seguindo a ‘lógica do rio’ que é o ente central da vida social nas comunidades negras rurais,
como o afirma a organização de base ‘Processo de Comunidades Negras’ (PCN):
TT.29 – página 169-170
A lógica do rio, que junto com o espaço aquático constitui a localidade no Pacífico
colombiano, tem sido então o fator espacial orientador na constituição de conselhos
comunitários ao longo dos vales fluviais. Estes conselhos comunitários atuam como
principal autoridade territorial nas áreas rurais do Pacífico colombiano que, guiados pelos
Planos de Manejo desenvolvidos pelas mesmas comunidades com assistência de
instituições governamentais e ONGs decidem, entre outras coisas, sobre o uso e
aproveitamento dos recursos naturais em seu território. Estas são, pelo menos na teoria, as
mudanças radicais das formas de apropriação territorial, pois as empresas com interesses no
aproveitamento dos ricos recursos naturais da região – como são o ouro, a madeira e o
potencial agropecuário – estão agora obrigadas a negociar diretamente com as comunidades
rurais, e o Estado já não pode simplesmente expedir concessões a estas empresas passando
por cima das comunidades, como ocorria antes da Lei 70 de 1993. De outro lado, é
importante ressaltar que estes processos o seguem simplesmente um modelo ‘ideal’ de
apropriação territorial coletiva das comunidades negras na região. Pelo contrário, nem o
Estado colombiano, nem as grandes empresas respeitam esta legislação como se deveria
esperar. O Estado tem sido inclusive acusado de não apoiar suficientemente as
comunidades negras neste difícil e longo processo. Uma perspectiva de lugar sobre estes
processos espaciais de organização potica nos alerta então também sobre outras formas de
criação de conselhos comunitários que não tem seguido a lógica do rio, revelando, por
exemplo, como em muitos destes casos a constituição de conselhos comunitários tem sido
mediada por interesses e atores do capital externo e do governo central, fato que
frequentemente tem um impacto negativo sobre a mobilização local no longo prazo. Este
enfoque nos permite então diferenciar entre as distintas experiências organizativas dentro
de comunidades negras, pois efetivamente não se trata de um grupo social homoneo mas
sim com uma gama de interesses onde influem outras categorias além da etnicidade, como
por exemplo, classe, gênero e afiliação à política partidária. (2002, pg. XX?)
TT.30 – página 171
Presentes nesta construção do projeto intercultural estão as formações, estruturas e
resistências - sempre penetradas pelo cultural -, as relações de desigualdade e as lutas e
ações para transformá-las, que têm lugar em distintos âmbitos. Estão também os produtos
das disputas históricas moldadas por campos múltiplos de poder e as práticas situadas por
meio das quais identidades e lugares são questionados, produzidos e repensados dentro de
espaços particulares. Neste sentido, o paradigma da interculturalidade não pode ser pensado
sem considerar as estratégias poticas contextualizadas, nem tampouco se pode deixar de
associá-lo às poticas culturais de identidade e subjetividade. As poticas culturais e as
poticas de lugar se encontram imbricadas. Por isso, a maneira como a interculturalidade,
como princípio político e ideológico do movimento ingena equatoriano, tem sido
conceitualizada pelos indivíduos e pela coletividade, dentro de práticas localizadas como
‘sítios de resistência’, demonstra que as subjetividades e as lutas se constituem
espacialmente.” (Walsh, 2002, pg. 3-4)
TT.31 – página 187
350
Esta passagem do local ao global que necessita a elevação a um caráter de generalidade
passa igualmente por uma extensão do dispositivo associativo. Neste momento, as
associações locais opositoras ao projeto se associam. É na verdade a geografia do projeto
que estrutura o movimento e organiza o “pôr em rede” das associações locais. Assim, o
movimento de oposição ao TGV Bretanha-Pays de la Loire se estrutura em torno de duas
federações: ALTO (Alternatives aux nouvelles Lignes TGV Ouest) e LGV 53 (Fédération
mayonnaise Alternative à toutes lignes à Grandes Vitesses).” (pg. 9)
TT.32 – página 187, nota de rodapé 66
(...) nos empreendimentos lineares, a multiplicação de focos de mobilização nos traçados
sucessivamente propostos dão lugar a uma extensão significativa do conflito, mas numa
ordem dispersa, de maneira que a passagem à etapa de construção geralmente é mais
custosa. (pg. 13)
TT.33 – página 187, nota de rodapé 67
(...) Um empreendimento de superfície torna os processos de mobilização mais fácil que
um empreendimento linear. Com efeito, quando um local de implantação é proposto, a
construção do movimento é facilitada pelo caráter pontual do empreendimento, claramente
identificado pelos contestadores.” (pg. 13)
TT.34 – página 205, nota de rodapé 71
“Frente aos debates a respeito da democracia participativa e das transformações normativas
de nível constitucional, há uma apelação a instrumentos metodológicos que se mostram
como participativos (o planejamento estratégico, a mediação, o consultivo) mas funcionam
como controle social desvinculante e freio à constituição de novas práticas, novos atores e à
recomposição do tecido social.” (Poggiese, 2001, pg. 144)
TT.35 – página 217
A geografia durante muito tempo negligenciou o indiduo como portador de identidade
espacial. Ele corresponde a uma unidade complexa de ação, organizada em torno da relação
representações/práticas e a especificidade das condições de produção (suas ‘origens’ e sua
‘biografia’) jamais fáceis de circunscrever." (Lévy, pg. 224)
TT.36 – página 217, nota de rodapé 83
(...) as sociedades contemporâneas devem estabelecer e renovar continuamente os pactos
que as mantêm unidas e orientam sua ação. Esta análise é aplicável tanto ao sistema em seu
conjunto como à experiência dos indivíduos e grupos. A identidade individual e social se
enfrenta continuamente com a incerteza gerada pelo fluxo permanente de informação, com
o fato de que os indivíduos pertencem de forma simultânea a uma pluralidade de sistemas e
com a proliferação de distintos marcos de referência espaciais e temporais.” (Mellucci,
1994, pg. 133, grifo nosso)
351
“Agendas & agências: a espacialidade dos movimentos sociais a
partir do Pré-Vestibular para Negros e Carentes
Renato Emerson Nascimento dos Santos
ANEXO 1
LISTA DOS DOCUMENTOS DO ACERVO
SOBRE O MOVIMENTO PRÉ-VESTIBULAR
PARA NEGROS E CARENTES
352
1. JORNAIS E INFORMATIVOS ................................................................................. 354
1.1 Do Movimento ..................................................................................................... 354
1.1.1 PVNC............................................................................................................... 354
1.1.2 Educafro........................................................................................................... 357
1.1.3 Afro-Informativo.............................................................................................. 358
1.1.4 PEC-Informe Solidário ..................................................................................... 359
1.1.5 Boletim Prés-Vestibulares Populares ................................................................ 359
1.1.6 Jornal Info Educafro e Pec-Informe Solidário ................................................... 360
1.2 De fora do Movimento com matéria sobre:........................................................... 360
1.2.1 Movimento do PVNC....................................................................................... 360
1.2.2 Vestibular......................................................................................................... 363
1.2.3 Educação.......................................................................................................... 364
1.2.4 Movimento Social, Cultura e Sociedade............................................................ 365
1.2.5 Questão Racial.................................................................................................. 366
1.2.6 Jornal IBASE ................................................................................................... 367
1.2.7 PNDH em Movimento...................................................................................... 367
1.2.8 ADUFRJ .......................................................................................................... 367
1.2.9 Revistas............................................................................................................ 368
1.2.10 AMACOMERGE-A Voz da Comunidade....................................................... 368
2. DOCUMENTOS DO MOVIMENTO PVNC ............................................................. 369
2.1 De Estruturação.................................................................................................... 369
2.1.1 Perfil dos alunos............................................................................................... 369
2.1.2 Questionário Sócio-econômico cultural do PVNC ............................................ 369
2.1.3 Carta de Princípios ........................................................................................... 370
2.1.4 Fichas de inscrições .......................................................................................... 370
2.2 Registros de reuniões............................................................................................ 371
2.2.1 Assembléias...................................................................................................... 371
2.2.2 Do Conselho..................................................................................................... 372
2.2.3 De Núcleos....................................................................................................... 384
2.2.4 Do Movimento com órgãos públicos e privados................................................ 384
2.2.5 Seminários........................................................................................................ 385
2.3 Documentos das Equipes de Reflexão .................................................................. 386
2.3.1 Pedagica ....................................................................................................... 386
2.3.2 Racial ............................................................................................................... 386
2.3.3 "Grupo de Estudos" .......................................................................................... 387
2.4 Textos de discussão.............................................................................................. 387
2.4.1 De membros do PVNC ..................................................................................... 387
2.4.2 Textos que relatam a Hisria do PVNC ........................................................... 391
2.5 Programa de Disciplina ........................................................................................ 392
2.5.1 Cultura e Cidadania .......................................................................................... 392
2.6 Tesouraria ............................................................................................................ 393
2.6.1 Proposta de Financiamento ............................................................................... 393
2.6.2 Demonstrativos Financeiros.............................................................................. 393
353
2.6.3 Prestação de contas........................................................................................... 393
2.6.4 Livro de Caixa.................................................................................................. 394
2.6.5 Relação de núcleos contribuintes ...................................................................... 394
2.6.6 Mapa de Gastos ................................................................................................ 395
2.6.7 Relatório financeiro de festas............................................................................ 395
2.6.8 Entrada da Tesouraria (contribuições dos núcleos)............................................ 395
2.6.9 Recibos de repasse de contribuições dos prés.................................................... 396
2.6.10 Outros (Notas fiscais, recibos de pequenas despesas, ext.banrios)................ 396
2.7 Listagens.............................................................................................................. 396
2.7.1 Resumo de Visitas ............................................................................................ 396
2.7.2 Listagem de Núcleos ........................................................................................ 396
2.7.3 Lista de Aprovados PVNC................................................................................ 397
2.7.4 Listagens de alunos isentos da taxa do vestibular .............................................. 397
2.7.5 Listagem dos alunos inscritos no vestibular da PUC ......................................... 397
2.7.6 Listagens de professores voluntários................................................................. 398
2.8 Campanhas........................................................................................................... 398
2.8.1 Divulgação de festas, eventos e inscrições ........................................................ 398
2.9 Encontros e Eventos............................................................................................. 400
2.9.1 Documentos de participação em eventos e encontros ........................................ 400
2.9.2 Relatório de reunião cursos de PVNC............................................................... 402
3. TEXTOS DE DISCUSSÃO DE FORA DO MOVIMENTO....................................... 403
3.1 Educação.............................................................................................................. 403
3.2 Questão Racial ..................................................................................................... 404
3.3 Projetos e Textos a respeito de Leis que enfoquem a Questão Racial .................... 406
3.4 Textos sobre outros pré-vestibulares ou falando sobre. ......................................... 406
3.5 Movimento Negro ................................................................................................ 408
3.6 Textos de Órgãos Públicos ................................................................................... 408
3.6.1 Secretaria de Educação ..................................................................................... 408
3.6.2 Projeto de Orçamento Público (IBASE)............................................................ 409
3.6.3 Liminares Judiciais........................................................................................... 409
3.7 Documentos de encontros e seminários de educação de fora do Movimento ou
falando sobre ................................................................................................ 409
3.8 Vestibular............................................................................................................. 411
3.9 Catálogos de Editores........................................................................................... 412
3.10 E-mail (assuntos diversos).................................................................................. 412
3.11 Mapa de espalhamento dos prés pelo RJ............................................................. 412
GRADE DE CATALOGAÇÃO
1 JORNAIS E INFORMATIVOS
1.1 Do Movimento
1.1.1 PVNC
1.1.1.1 Azânia
Periódico Data Ano e edição tulo da matéria Autor / Fonte Assunto
1.
Azânia 1995/Maio Ano 2 PVNC
2. Azânia 1995/Julho Ano 2 PVNC
3. Azânia 1995/Outubro Ano 2 PVNC
4. Azânia 1996/Outubro Ano 3/nº 01 PVNC
5. Azânia 1996/Novembro Ano 3/nº 02 PVNC
6. Azânia 1997/Setembro PVNC
7. Azânia 1997/Novembro N°1 PVNC
8. Azânia 2004/Março Ano II/n 01
9. Azânia 2004/Julho Ano II/n 02
10. Azânia 2004/Outubro Ano II/n 3
11. Azânia 2004/Dezembro Ano II/n 4
1.1.1.1.1 Material para publicação no jornal
tulo Data Autor / Fonte Assunto
12. Texto Jornal Azânia Texto relatando a história do jornal; o significado de
seu nome. Convite aos membros do PVNC a
participarem do jornal.
13. A ocupação do território
brasileiro
1997 O Estado de São Paulo A ocupação de terra no Brasil
14. Contribuições para o
jornal Azânia
1999 AGBs-Rio e Niterói-
Grupo de Trabalho sobre
Pré-Vestibulares
Idéias de contribuição para o PVNC, conduzidas por
professores de geografia dos "prés" com o acréscimo
de um texto do escritor José Saramago.
355
Comunitários
15. Material sem título
16. Charge da Assembléia
17. Texto Registro de remanescentes de Quilombos.
1.1.1.2 Azônia
Periódico Data Ano e edição tulo da matéria Autor / Fonte Assunto
18
.
Azônia 1999/Julho Ano 1/nº 05 Fernando Pinheiro, Márcio Flávio,
colaboradores: Karina Lima e Wagner
Figueiredo.
1.1.1.3 O Quadro Negro
Periódico Data Ano e edição tulo da matéria Autor / Fonte Assunto
19. O Quadro
Negro
1994 /
Agosto e
Setembro
Ano 1/nº 00 Equipe do Jornal: Adriana
Quintan, Alexandre do
Nascimento, Nilton Júnior,
Alessandra Fontes,...
1.1.1.4 Jornal Sem Nome
Periódico Data Ano e edição tulo da matéria Autor / Fonte Assunto
20. Jornal Sem
Nome
1994/
Outubro
Ano 1/nº 01/2ª
edição
Equipe do Jornal: Adriana
Quintan, Alexandre do
Nascimento, Nilton Júnior,
Alessandra Fontes,...
1.1.1.5 Informativo PVNC
Periódico Data Ano e edição tulo da matéria Autor / Fonte Assunto
21. Informativo
PVNC
1994 Nº 04 PVNC
22. Informativo
PVNC
1994 Nº 05 PVNC
23. Informativo
PVNC
1994 Nº 06 PVNC
24. Informativo
PVNC
1994/1995 PVNC
25. Informativo
PVNC
1995 Secretaria do Conselho Geral
356
26. Informativo
PVNC
1997 Nº 09 PVNC
27. Informativo
PVNC
1997/jan/fev/mar Secretaria do Conselho Geral
28. Informativo
PVNC
1999/10 de junho Nº 01 Secretaria Geral PVNC
29. Informativo
PVNC
1999/20 de julho Nº 02 Secretaria Geral PVNC
30. Informativo
PVNC
1999/6 de agosto Nº 03 Secretaria Executiva PVNC
31. Informativo
PVNC
1999/Setembro Nº 04 Secretaria Executiva PVNC
32. Informativo
PVNC
1999/Dezembro Nº 05 Secretaria Executiva PVNC
33. Informativo
PVNC
2000/23 de
fevereiro
Nº 06 Secretaria Executiva PVNC
34. Informativo
PVNC-Regional
Nova Iguaçu
2000/Maio Nº 01 Regional N. Iguaçu
35. Informativo
PVNC-Regional
Nova Iguaçu
2000/Julho Nº 07 Regional N. Iguaçu
36. Informativo
PVNC-Regional
Nova Iguaçu
2000/Julho Nº 7,5 Regional N. Iguaçu
37. Informativo
PVNC
2000/Março Nº 07 Secretaria Executiva PVNC
38. Informativo
PVNC
2000/Maio Nº 08 Conselho Geral
39. Informativo
PVNC
2000/Novembro Nº 10 PVNC
40. Informatico
PVNC
2001/Maio Nº 11 PVNC
1.1.1.6 Jornal UNEC-Puc-Rio
Periódico Data Ano e edição tulo da matéria Autor / Fonte Assunto
357
41. UNEC-PUC
Informe
1998 Ano 1/nº 00 Universitários Negros e
Carentes da Puc-Rio
42. UNEC-PUC
Informe
1998/Maio Ano 1/nº 02 Universitários Negros e
Carentes da Puc-Rio
43. UNEC-PUC
Informe
1998/Julho Ano 1/nº 04 Universitários Negros e
Carentes da Puc-Rio
44. UNEC-PUC
Informe
1999/Abril Ano 2/nº 11 Universitários Negros e
Carentes da Puc-Rio
1.1.2 Educafro
1.1.2.1 Cartas enviadas e recebidas
1.1.2.1.1 Cartas enviadas
Destinatário Data Assunto
45. Departamento dos
Direitos Humanos.
Ministério da Justiça
(DF)
1999 Propostas para a reunião que aconteceu, em 17/09/99, organizada
pelo Depto. de Dir. Humanos de Brasília. O direcionamento das
propostas é para os afro-descendentes e a perspectiva de educação
para os mesmos.
1.1.2.1.2 Cartas Recebidas
Remetente Data Assunto
46. Fundação Vunesp
(Fundação para o
vestibular da
universidade
estadual paulista)
27/set/99 Envio de 1200 “Guias de Profissão” e folders; sobre alojamento para
carentes
1.1.2.2 Informativo Educafro-SP
Periódico Data Ano e edição tulo da matéria Autor / Fonte Assunto
47. Informativo Educafro-
SP
1999/23 de
setembro
Coordenação da
Educafro
48. Informativo Educafro
Nacional-Regional de
SP
Nº 23 Regional de São Paulo
49. Informativo Educafro
Nacional Regional de
SP
2002/Setembro N 56
358
50. Mini Info Semanal 2004/03 de
Setembro
1.1.2.3 Informativo Educafro-RJ
Periódico Data Ano e edição Título da matéria Autor / Fonte Assunto
51. Informativo
Educafro-RJ
1999/Junho e Julho Nº 20 Equipe da Educafro-Rio
52. Informatico
Educafro-RJ
1999/Julho e Agosto Nº 20 Equipe da Educafro-Rio
53. Informativo
Educafro
2001/Junho N 41
54. Informativo
Educafro-RJ
2004/Março N 74 Equipe Educafro-Rio
55. Informativo
Educafro
2004/Abril N 74
1.1.3 Afro-Informativo
Periódico Data Ano e edição Título da matéria Autor / Fonte Assunto
56. Afro-informativo 1997/Março N 01
57. Afro-informativo 1997/Abril N 02
58. Afro-informativo 1997/Junho N 03
59. Afro-informativo 1997/Julho N 04
60. Afro-informativo 1997/Agosto Nº 05 Conselho Editorial: Deputado
Marcelo Dias, Frei David, Samuel
Alves Silva, Leila Regina Silva
Soares e João Batista.
61. Afro-informativo 1997/Setembro Nº 06 Conselho Editorial: Deputado
Marcelo Dias, Frei David, Samuel
Alves Silva, Leila Regina Silva
Soares e João Batista.
62. Afro-informativo 1997/Dezembro N 09
63. Afro-informativo 1998/Janeiro Nº 10 Conselho Editorial: Deputado
Marcelo Dias, Frei David, Samuel
Alves Silva, Leila Regina Silva
359
Soares e João Batista.
64. Afro-informativo 1998/Fevereiro N 11
65. Afro-informativo 1998/Março N 13
66. Afro-informativo 1998/Junho Nº 14 Conselho Editorial: Deputado
Marcelo Dias, Frei David, Samuel
Alves Silva, Leila Regina Silva
Soares e João Batista.
67. Afro-informativo 1998/Julho Nº 15 Conselho Editorial: Deputado
Marcelo Dias, Frei David, Samuel
Alves Silva, Leila Regina Silva
Soares e João Batista.
68. Afro-informativo 1998/Agosto N 16
69. Afro-informativo 1998/Novembro
e Dezembro
Nº 19 Conselho Editorial: Andreia
Costa, Deputado Marcelo Dias,
Frei David, João Batista.
1.1.4 PEC-Informe Solidário
Periódico Data Ano e edição tulo da matéria Autor / Fonte Assunto
70. Pec-Progresso,
Educação e
Cidadania
2001/Outubro Ano 1/edição 001 Equipe do Pec: Coord.: Marcelo
Paxeco dos Santos e Nilo Sérgio
Lameira Borges.
71. Pec-Progresso,
Educação e
Cidadania
2001/Novembro Ano 1/edição 002 Equipe do Pec: Coord.: Marcelo
Paxeco dos Santos e Nilo Sérgio
Lameira Borges.
1.1.5 Boletim Prés-Vestibulares Populares
Periódico Data Ano e edição Título da matéria Autor / Fonte Assunto
72. Boletim Pré-
Vestibulares Populares
2000 Nº 0 Coord. do Boletim: Ricardo
Trazzi da UFES, sendo auxiliado
por Gilson Porto da UnB e Carmo
Thum da UFSC.
360
1.1.6 Jornal Info Educafro e Pec-Informe Solidário
Periódico Data
A
no e edição Título da matéria
A
utor / Fonte
A
ssunto
73. Jornal Info Educafro e
Pec-Informe Solidário
2002/Março
A
no 1/edição 001 Coord.: Nilo Sérgio Lameira
Borges, Arthur Pereira Jerônymo,
Gláucio Burle Machado Júnior,
V
anderlei das Neves Jesus. A
edição recebeu o apoio do
Núcleo de Comunicação
Comunitária Projeto Comunicar
Puc-Rio.
1.2 De fora do Movimento com matéria sobre:
1.2.1 Movimento do PVNC
Periódico Data
A
no e edição
T
ítulo da matéria Autor / Fonte
A
ssunto
74. O Dia 1993/02 de maio Puc dá 200 bolsas de
estudos para
universitários negros
75. O Dia 1994/23 de
Janeiro
Curso para carente dá
bolsa na PUC
Joana Costa Pré-vestibular da Igreja Matriz na
reportagem são citados Frei Davi
e Alexandre Nascimento como
fundadores do pré. Além de
mostrarem a dedicação de
professores e alunos,.
76. O Dia 1994/28 de
fevereiro
Sonho de pobre custa
barato na Baixada
77. O Dia 1994/13 de março Corrida para a faculdade
78. Jornal de Hoje 1994/17 de abril Curso alternativo abre
portas para a
Universidade
79. Maioria falante 1994/ maio/abril Pré-vestibular para
negros e carentes
80. O Globo 1994/ 08 de Lições de solidariedade
361
dezembro
81. O Dia 1995/05 de março Esforço, enfim,
recompensado
82. O Dia 1995/09 de abril Uff desiste de vestibular
para carentes na Baixada
83. Folha da
Baixada
1995/Maio/Juho Pré-vestibular para
estudantes carentes
84. Jornal Popular
Baixada
1995/15 de
Setembro
Curso PVNC Paulo Proença e
Francisco Pontes de
Miranda
85. Jornal Popular
Baixada
1995/15 de
Setembro
Educação e Cidadania-
Um desafio para o
educador.
Alexandre
Nascimento
86. Jornal da
Cidadania
1995/agosto Curso facilita acesso à
Universidade
87. Jornal Popular 1996
A
no VI n 167
(Petrópolis)
Negros e carentes estão
a caminho das
universidades
Regina Maria
Barbosa
88.
A
Dica 1996/Março N 9
89. Jornal da
Cidadania
1996/11 de abril
90. Jornal O Dia 1997/21 de
Outubro
Exclusão é escândalo Antônio Góis Entrevista com Frei David
91. O Globo 1997/Fevereiro Um pré-vestibular que
atende apenas negros e
carentes
92. O Globo 1997/13 de
Fevereiro
De Oswaldo Cruz para a
Universidade
93. Jornal da Amoc 1997/Dezembro N 5
94. Jornal do Brasil 1997/27 de
Novembro
Preconceito e Racismo Frei David Raimundo
dos Santos
95. O Dia 1998/29 de
Dezembro
Cursinho não é mais
problema para
v
estibulandos carentes
96. Jornal Nossa 1998/24 de Maio Estudar é para os pobres
A
matéria mostra Geane
362
Baixada ( ex-aluna do PVNC) como
exemplo.
97. Jornal O Globo 1999/24 de
Setembro
Juiz Federal determina
que UNI-RIO inclua
alunos carentes no
v
estibular
Resultado de uma ação judicial
f
eita pelo PVNC.
98. Jornal Extra 2000/02 de Julho Ano 3/Nº 820 A vez dos livros em
Caxias
Márcio Flávio e Simone aparecem
como articuladores, juntamente
com o apoio da PUC, para a
montagem de uma biblioteca na
baixada. Nesta mesma matéria é
citado o pré-Novo Estímulo.
99. Jornal
Espalhafato
2000/27 de
Setembro
Ano 3/Nº 12 O que é Serviço Social . No final desta máteria tem um
breve comentário a respeito dos
alunos bolsistas na PUC, dentre
eles, aqueles do PVNC
100. Jornal Extra 2000/02 de
Dezembro
Ano 3/Nº 973 O Prêmio Betinho de
Cidadania 2000
Mariana Moreira
(Profaª da PUC)
Prêmio ganho pelo PVNC
101. Jornal da PUC 2001/Outubro e
Novembro
Ano 13/Nº 109 Coordenadores se
reúnem para aprimorar o
PVNC
A matéria cita outros prés-
comunitários
102. Jornal da PUC 2001/Dezembro Ano 13/ Nº 103 Pré-Vestibular para
carentes ganha prêmio
Betinho 2000
103. Não
identificado
Contém uma matéria sobre o
surgimento e como funciona o
PVNC.
104. Jornal não
identificado
Pré-vestibular para
negros e carentes abre
mais inscrições
105. Jornal não
identificado
Dedicação e vontade na
ponta do lápis
106. Jornal não
identificado
Educação e vestibular.
Aula de solidariedade
363
1.2.2 Vestibular
Periódico Data Ano e edição Título da matéria Autor/Fonte Assunto
107. Jornal do Brasil 1994/18
de abril Pré-vestibular para pessoas pobres
108. Dia e Noite 1994/agosto Ano I N1 Inovão nos pré-vestibulares
109. Jornal de Hoje 1994/12 de
agosto
Ano XXII N
5642
Discriminação racial em debate na
Matriz
110. Grande Rio 1994/25 de
setembro
Cursos comunitários são a sda para
carentes
111. Jornal Local 1995/agosto Vestibular alternativo, sem medo de ser
feliz
112. Boletim
Informativo CRB-
RJ. Koinonia
1996/junho N 21
113. Revista Veja 1997/novembro Vestibular sem barreiras
114. Jornal O Globo 1999/08 de
Agosto
Nova classe média corre para a
Universidade
115. Jornal do Brasil 1999/15 de
Setembro
Isenção de taxa pode fazer UERJ
cancelar vestibular
116. Jornal dos Sports 1999/15 de
Setembro
Expo-jovem: novas oportunidades no
mercado
117. Jornal dos Sports 1999/17 de
Setembro
Vestibular da UFF, Inscrições CEFET
118. Jornal dos Sports 1999/20 de
Setembro
Inscrições UERJ, Concurso AFA
119. Jornal da Câmara 1999/22 de
Setembro
Ano 1/Nº 160 Aprovado primeiro projeto de iniciativa
popular
Publicado
em Brasília
120. Jornal Nossa
Baixada
1999/23 de
Setembro
Vestibular UERJ Isenção através de ação
judicial movida pelo PVNC.
121. Jornal dos Sports 1999/24 de
Setembro
Recorde de inscritos na UFF
122. Jornal do Brasil 1999/31 de
Outubro
Vestibulandos pobres que não se
classificaram terão financiamento para
estudar
364
123. Jornal O Dia 1999/20 de
Novembro
Instruções para vestibulandos chegarem
aos locais de prova cedo.
124. Jornal do Mec 2000/Março LDB dá origem ao Curso Normal
Superior
Publicado
em Brasília
125. Folha de São
Paulo
2000/17 de
Maio
Universidade: Estudantes invadem a
reitoria da USP
126. Jornal dos Sports 2000/29 de
Junho
Restrição do passe-livre para estudantes
de S. J. Meriti
127. Jornal Nossa
Baixada
2000/30 de
Junho
Estudantes fecham a Dutra Protesto de estudantes pelo
passe livre
128. Jornal
CCCP/Amoc
Ano 4 N 6
abril/maio
129. Não identificado UFF desiste de vestibular para carentes
na Baixada.
1.2.3 Educação
Periódico Data Ano e edição Título da matéria Autor/Fonte Assunto
130. Jornal Nossa
Baixada
1998/14 de
Junho
Somente 3% dos estudantes da região
estão cursando o 3º grau
131. Jornal do Brasil 1998/29 de
Outubro
Escola integral dará mais chance a
criança pobre
Ivanir dos
Santos
132. Jornal O Globo 1998/08 de
Novembro
A Fedentina Leandro
Konder
A questão dos recursos
para a Universidade
133. Jornal do Brasil 1999/29 de Abril Programa ajudará estudante negro Renato
Fagundes
134. Jornal da AGB
(seção Rio)
1999/Julho Ano 1/Nº 00 Uma breve análise das Reformas
Educacionais no RJ.
135. Jornal do Brasil 1999/06 de
Agosto
Um novo mutirão de educação
alternativa
Frei Betto Fala sobre o projeto da
Educafro. O 1º núcleo
formado em S. J. do Meriti.
136. Jornal O Dia 1999/17 de
Agosto
Sobre universidade, escola
pública
137. Jornal O Dia 1999/14 de
Setembro
Alunos carentes
conseguem, na justiça,
isenção no vestibular e
365
pobres nem sonham com a
universidade (entrevista)
138. Jornal O Dia 2000/25 de
janeiro
Pré-vestibular
139. Jornal do Brasil 2000/21 de
Maio
Pesquisa feita na PUC,
onde constata que
estudante desta
universidade dão mais
importância aos valores
materiais.
140. Jornal do Brasil 12 de Maio Militantes da esperança Fala sobre o programa de
bolsas para estudantes
negros da PUC
141. Texto (sem data) Programa de Bolsas de Estudos PUC-
SP
1.2.4 Movimento Social, Cultura e Sociedade
Periódico Data Ano e edição tulo da matéria Autor/Fonte Assunto
142. Carta da
coordenação
estadual do
APN para
jurema Batista
Sem data
143. Vanguarda
Operária
1999/Novembro Ano 3/Nº 07 Mobilizar a força da classe
operária para libertar Mumia
Abu-Jamal
Liga Quarta-
Internacionalista
do Brasil Seção da
liga pela IV
Internacional
Sobre a mobilização da
classe operária para a
libertação de Mumia Abu-
Jamal.
144. Jornal da Soma
Tesão
1998/Setembro Nº 08 O palhaço voluntário Discurso da
Servidão
Voluntária Etienne
de la Boétie
Sobre eleições de 1998 e
um artigo sobre
voluntariado.
145. Jornal do Brasil 1999/Agosto Tambores de Zambê batem
pela cultura
Lena Frias Sobre a cultura brasileira
146. Jornal do 2000/Abril e Maio Nº 1 Se essa grana fosse minha: o Sindicatos, Sobre sociedade e o
366
Plebiscito que daria para fazer com o
dinheiro da dívida
entidades e
movimentos
sociais
pagamento da dívida
externa
1.2.5 Questão Racial
Periódico Data Ano e edição Título da matéria Autor Assunto
147. Jornal O Dia-
Grande
Baixada
1993/02 de Maio Puc dá 200 bolsas de estudos
para universitários negros
Fala sobre a atuação de
Frei David e a criação do
curso em S. J. Meriti
148. Revista Veja 1999/08 de
Dezembro
Apartheid no campus Nota sobre o nº de alunos
pobres entre 1994 e 1998
na Puc.
149. Jornal do Brasil 2000/12 de Maio Capa: Pesquisa indica 93% de
racismo entre brasileiros
Pág.05 O racismo comprovado
em números 93% reconhecem
preconceito nos outros e só
12% em si mesmos.
"Sociedade desqualifica negro"
Lena Frias
150. Jornal da
SINTUFRJ
2000/Julho e
Agosto
Ano 15/Nº 427 Plenária de entidades negras
cria fórum nacional
SINTUFRJ Divulgação da festa de
Aniversário de 7 anos do
PVNC
151. Jornal Extra 2003/dezembro Uma prova de capacidade
152. Charge Vereda Tropical Sobre a utilização do termo
afrodescendente
153. OBSERVA-
Observatório
das ações
afirmativas no
ensino superior
2004/maio Mérito e Cor Renato Emerson
154. Periódico não
identificado
Semana de exaltação a cultura
negra na região
367
1.2.6 Jornal IBASE
Periódico Data Ano e edição tulo da matéria Autor/Fonte Assunto
155. Orçamento e
Democracia-
Debatendo e Políticas
Públicas
1999/Junho Ano 6/Nº 12 Ibase-Fundação Ford
156. Orçamento e
Democracia-
Transparência e
Responsabilidade
Social
1999/Outubro-
Dezembro
Ano 6/Nº 13 Ibase-Fundação Ford
157. Jornal da Cidadania-
IBASE
2000/Abril Ano 6/Nº 89 Ibase
1.2.7 PNDH em Movimento
Periódico Data Ano e edição tulo da matéria Autor/Fonte Assunto
158. Encarte do Jornal
Radical
1997/Junho Direitos Humanos Ministério da Justiça e Fundação
Athos Bulcão
159. Encarte do Jornal
Radical
1998/Outubro Direitos Humanos Ministério da Justiça e Fundação
Athos Bulcão
160. PNDH 1997/Novembro e
Dezembro
Ano 1/Nº 02 Ministério da Justiça Secretaria
Nacional dos Direitos Humanos
161. PNDH 1998/Maio e
Junho
Ano 1/Nº 05 Ministério da Justiça Secretaria
Nacional dos Direitos Humanos
162. PNDH 1998/Julho/
Setembro
Ano 1/Nº 06 Ministério da Justiça Secretaria
Nacional dos Direitos Humanos
163. PNDH-Edição
Especial
Ano 1/Nº 07 Ministério da Justiça Secretaria
Nacional dos Direitos Humanos
1.2.8 ADUFRJ
Periódico Data Ano e edição Título da matéria Autor Assunto
368
164. ADUFRJ 1999/Outubro Ano 5/ Reserva de vagas nas
Públicas?
Seção Sindical dos
Docentes da UFRJ
Andes Sindicato Nacional
1.2.9 Revistas
1.2.9.1 Raça
Periódico Data Ano e edição tulo da matéria Autor Assunto
165. Raça 1997/Outubro Ano 2/Nº 14 O Sonho da Faculdade
cada vez mais perto
Oswaldo
Faustino
Cursinhos alternativos
voltados para a populão
negra. O exemplo das
alunas da Puc, Geane e
Simone.
1.2.9.2 Ao Mestre com carinho
Periódico Data Ano e edição tulo da matéria Autor Assunto
166.
A
o Mestre com
carinho
1999/Novembro Ano 2/Nº 16 Retrato da Escola
Pública; Dia Nacional da
Consciência Negra
A
utor da 1ª matéria:
Eliane Cantanhêde
1.2.10 AMACOMERGE-A Voz da Comunidade
Periódico Data Ano e edição Título da matéria Autor Assunto
167. AMACOMERG-
A
voz
da comunidade
1999/Junho Ano 2/Nº 10 Frei David Um
exemplo de
grandeza
A
ntônio Nery Ferreira
(Presidente da
Associação)
369
2 DOCUMENTOS DO MOVIMENTO PVNC
2.1 De Estruturação
2.1.1 Perfil dos alunos
Documento Data Título Autor
168. Relatório de pesquisa sobre
perfil dos alunos
2000 Perfil dos alunos 2000
169. Pré da Amoc. Manual do aluno P
Amoc
170. Propostas da Comissão de
Perfis
1996 Perfis e Critérios de
Seleção de Alunos
2.1.2 Questionário Sócio-econômico cultural do PVNC
Documento Data Título Autor
171. Questionário Sócio-Econômico-
Cultural dos alunos PVNC-Regional
Nova Iguaçu
2000 Quest. Soc. Econ. Cult. dos
alunos PVNC
Regional Nova Iguaçu
172. Ficha de inscrição com questionário
cio-cultural
PVNC
173. Pedido de inscrição ficha com foto PVNC
174. Pedido de inscrição (modelo de
ficha)
PVNC
175. Orientação ao entrevistador
176. Ficha de matrícula
177. Programa de bolsas de estudos
Puc-SP. Ficha de inscrição
178. Questionário para avaliação Bolsas
Cândido Mendes
179. Declaração de alunos do PVNC
370
180. Solicitação de isenção da taxa do
vestibular (modelo de ficha)
181. Declaração de aluno do núcleo
AFE
1997/9
de junho
182. Questionário sócio-econômico e
cultural do PVNC
2.1.3 Carta de Princípios
Documento Data Título Autor
183. Manual do B-a Ba do blá-blá-blá 2000/Abril PVNC-Manual do B-a Bá do blá-
blá-blá (e informações úteis paro
o vestibulando)
Secretaria Geral do
PVNC (XX Assembléia)
184. Carta de Princípios Carta de Princípios
2.1.4 Fichas de inscrições
Documento Data Título Autor
185. Pedido de inscrição PVNC-Pedido de Inscrição
186. Ficha de inscrição 2001 Ficha de inscrição do PVNC-Paciência PVNC-Paciência
187. Ficha dos universitários ex
alunos do PVCN (modelo
de ficha)
188. Inscrição de núcleos.
Atualização (modelo de
ficha)
189. Ficha com dados pessoais
e sócio-econômicos de
candidatos
Pré Amoc
190. Cadastro para
empréstimos CRB
191. Modelo de car Pré Matriz
192. Controle de candidato PVNC
371
2.2 Registros de reuniões
2.2.1 Assembléias
2.2.1.1 Atas
Documento Data Autor Local
193. Crônicas de uma assembléia
cômica-capítulo 1
1996 Cristiano B. Vecchi (Coord.
Pré-Taquara estudante de
Direito-PUC)
Assembléia na
Rocinha
194. Programação da Assembléia
Geral PVNC
1999/25 de Julho Pré-Tijuca ISERJ-Tijuca
195. Ata da 20ª Assembléia do
PVNC
1999/25 de julho ISERJ-Tijuca
2.2.1.2 Lista de Presença
Documento Data Local
196. Lista de presença de Assembléia 1999/24 de Outubro
197. List. de Presença de Coord. e Conselheiros
na 23ª Assembléia Geral
2000/23 de Julho Universidade Católica de
Petrópolis
198. List. de Assembléia Geral Pré-AFE
2.2.1.3 Regimento Interno
Documento Conteúdo Autor
199. PVNC. Título II. Da estrutura
administrativa
200. Regimento Interno das
Assembléias do PVNC
Cap.I: Das assembléias gerais, ordirias e
extraordinárias, Cap.II: Das finalidades; Cap.III:
Das localidades das assembléias; Cap.IV: Da
Periodicidade
2.2.1.4 Questionários
Documento Data Autor Local
201.
Questionário de Consulta
distribuído na 23ª
Assembléia do PPVNC
1997/04 de Abril Secretaria do Conselho
Geral
Sede do MUB (Federação
das Ass. de Moradores)-
Duque de Caxias
372
2.2.2 Do Conselho
2.2.2.1 Atas
Documento Data Autor Local
202.
A
ta do II Seminário do PVNC
(plenário)
1994/03 de Julho
203. Ata da III Assembléia do PVNC 1994/28 de Agosto
204.
A
ta da primeira reunião de
preparação do seminário dos
pres
1995/10 de Outubro
205. Ata do Conselho Geral do PVNC 1996/01 de
Setembro
206. Ata do Conselho Geral 1996/01 de
Dezembro
207.
A
ta da reunião do Conselho
Geral
1997/04 de Maio
208.
A
ta da reunião do Conselho
Geral do PVNC
1997/02 de Março
209. Proposta de reunião de reflexão
interna
1996/16 de Março
210.
A
ta de Reunião do Conselho
Geral
1997/07 de Junho Secretaria Geral do PVNC PVNC-Jardim
Metrópole
211.
A
ta da Reunião do Conselho
Geral do Mês de Maio
PVNC-Vila Isabel
212.
A
ta da Reunião do Conselho
Geral
1999/01 de Agosto PVNC-Anil
213.
A
ta da Reunião do Conselho
Geral
1999/05 de
Setembro
PVNC-Metrópole
214.
A
ta da Reunião do Conselho
Geral
1999/07 de
Novembro
PVNC-Metrópole
215.
A
ta da 1ª Reunião Extraordinária
do Conselho Geral
2000/02 de Abril PVNC-Vila Isabel
2.2.2.2 Calendário de Atividades
Documento Data Autor Conteúdo
373
216. Calendário de Atividades de
1997
1997 Secretaria Geral do
Conselho
Reuniões do Cons. Geral,
Seminários de Formação e
Assembléias Gerais
217. Calendário Oficial do Conselho
Geral
1998 Secretaria Geral do
PVNC
Reuniões do Cons. Geral,
Seminários de Formação e
Assembléias Gerais
218. Calendário das atividades
ordinárias do conjunto do
PVNC
1999/12 de
dezembro
Secretaria Geral Reuniões do Cons. Geral,
Seminários de Formação e
Assembléias Gerais
219. Calendário das atividades do
conjunto do PVNC para o ano
2000
2000 Secretaria
Executiva do PVNC
Este calendário apresenta as
atividades do PVNC, mas somente
com algumas definições de datas e
nenhum local definido.
2.2.2.3 Lista de Presença
Documento Data Local Conselheiros (C)
e Visitantes (V)
Pauta
220. Presença no II
Seminário do PVNC
1994/03 de Julho
221. Presença na III
A
ssembléia Geral do
PVNC
1994/28 de
Agosto
222. Presença na I
Reunião preparatória
para o Seminário
1995/10 de
Junho
223. Presença no
conselho
07 de Maio C e V
224. Presença no
conselho
1998/06 de
Dezembro
Santa Cruz C Pauta está no verso do
documento
225. Presença na Reunião
Conselho Geral
1999/07 de
Fevereiro
C
226. Presença na Reunião
Extraordinária do
PVNC
1999/28 de
Fevereiro
C Relão do PVNC com
Educafro e comitê dastimas
227. Presença no
Conselho Geral
1999/03 de Julho Pré-Éden C
A
nálise de conduta, Informes,
Tesouraria, Núcleos,
Educafro/Vítimas da Lei da
374
Filantropia, Programa de TV.
228. Presença no
Conselho
1999/04 de Abril C e V
229. Presença no
Conselho
1999/02 de Maio Pré-Anil-
Jacarepaguá
C Informes, Esclarecimentos
230. Presença no
Conselho
Extraordinário
1999/23 de Maio C e V
231. Presença no
Conselho Geral
1999/06 de
Junho
Pré-Anil (-
Jacarepaguá)
C
232. Presença no
Conselho Geral
1999/01 de
Agosto
C e V
233. Presença no
Conselho Geral
1999/05 de
Setembro
C e V
234. Presença no
Conselho Geral
1999/07 de
Novembro
C e V
235. Presença no
Conselho Geral
1999/12 de
Dezembro
C e V
236. Presença no
Conselho Geral
2000/06 de
Fevereiro
C e V
237. Presença no
Conselho Geral
2000/12 de
Março
C e V
238. Presença no FÓRUM 2000/17 de
Março
239. Presença no
Conselho
Extraordinário
2000/2 de Abril C e V
240. Presença no
Conselho Geral
2000/25 de Maio Reunião sobre liminares
241. Presença na Reunião
Ordinária do
Conselho Geral
2000/04 de
Junho
C e V
242. Presença no
Conselho
Extraordinário
2000/07 de Julho C e V
2.2.2.4 Cartas de Assentamentos de prés
375
Data Núcleo Local
243. Rosa dos Ventos Paróquia N. S. da Conceição -
Nova Iguaçu
244. Marinheiro João Candido Centro-São João do Meriti
245. 1999/22 de Junho Grujoa-PJ Austin
246. 1997/02 de Novembro Cidade de Deus Cidade de Deus
247. 1997/07 de Dezembro Bairro Centenário Duque de Caxias
248. 1997 Nosso Legado Nilópolis
249. 1998/08 de Maio Colúmbia Pavuna
250. 1998/07 de Junho
A
ss. de Moradores do Conjunto
Cesarinho
Paciência
251. 1998/22 de Junho IPCN-Instituto de Pesquisas das
Culturas Negras
Centro
252. 1998/05 de Julho Paróquia da Sagrada Família Posse
253. 1998/05 de Julho Cabral Nilópolis
254. 1998/05 de Setembro Cesarão Santa Cruz
255. 1999/05 de Março Piabetá Magé
256. 1999/18 de Abril N. S. da Conceição Belford Roxo-Centro
257. 1999/18 de Abril Solidário Senador Camará Senador Camará
258. 1999/29 de Abril Pastoral da Juventude-PJ Nova Iguaçu-Posse
259. 1999/02 de Maio Complexo do Alemão Inhaúma-Complexo do Alemão
260. 1999/02 de Maio Solano Trindade Duque de Caxias
261. 1999/23 de Maio Cora Coralina Cidade dos Meninos-Duque de
Caxias
262. 1999/06 de Junho Engenho do Porto Engenho Porto-Duque de Caxias
263. 1999/06 de Junho Realengo Magalhães Bastos
264. 1999/07 de Junho Nova Campina Duque de Caxias
265. 1999/24 de Outubro São José Parque Analândia
266. 1999/06 de Novembro Castro Alves Saracuruna-Duque de Caxias
267. 2000/01 de Abril Cora Coralina Cidade dos Meninos-Duque de
Caxias
268. 2000/16 de Abril Jardim Sumaré São João do Meriti
269. 2000/16 de Abril Jacarezinho Jacarezinho
376
270. 2000/04 de Junho Consciência, União e Cidadania Praça Seca-Jacarepaguá
271. 2000/02 de Julho Parque Analândia São João do Meriti
272. 2000/23 de Julho Xerém Xerém
2.2.2.5 Cartas
2.2.2.5.1 Cartas Enviadas a membros do PVNC
Data Remetente Destinatário Assunto
273. 1993/05 de
Maio
Puc-SP Frei David
274. 1993/29 de
Novembro
PVNC Todos os
interessados no Pré-
vestibular 94
275. 1994/ 26 de
Fevereiro
PVNC Prof. Alair Moreira
Dias
276. 1994/30 de
A
bril
Gustavo José Cruz
Paróquia São
Jaime Apostolo
Frei David
277. 1994/13 de
Junho
Juca Ribeiro e Frei
David
Todos do PVNC
278. 1994/21 de
Junho
Uni-Rio
A
lexandre do
Nascimento e Luciano
de Santana Dias
279. 1994/29 de
Junho
Comissão
Brasileira de
Justiça e Paz
Frei David
280. 1994/21 de
Setembro
Nilton Jr. Equipe do Jornal e
todos do PVNC
281. 1994/30 de
Dezembro
Frei David Prof. Augusto
Sampaio
282. 1995/22
de
Março
Faculdade de
Filosofia, Ciência e
Letras de Duque de
Caxias
Frei David
283. 1996/03 de
Maio
Núcleo Nova
Campinas
Secretaria Geral do
PVNC
Nomeação de conselheiros e suplentes
deste pré.
377
284. 1996/03 de
A
gosto
Núcleo Tijuca Conselho Geral do
PVNC
Nomeação de conselheiros e suplentes
deste pré.
285. 1996/12 de
Novembro
Pré-AFE Todos do PVNC
286. 1997/12 de
Janeiro
Secretaria Geral do
Conselho do PVNC
Todos os
coordenadores de
núcleos
287. 1997/02 de
Fevereiro
Frei David Conselho Geral do
PVNC
288. 1997/12 de
Outubro
Geanne Campos e
Simone Seguins
A
os companheiros do
movimento PVNC
289. 1999/08 de
Março
Conselho Geral
PVNC
Geane (Tesoureira do
PVNC)
Prestação de contas do caixa do PVNC
290. 1999/23 de
Março
Conselho Geral
PVNC
Geane (Tesoureira do
PVNC)
Prestação de contas do caixa do PVNC
291. 1999/14 de
A
gosto
Núcleo Feuduc Coordenação Geral
do PVNC
Informativo sobre o número de alunos que
conseguiram ou não a isenção da TX de
v
estibular da UFRJ/2000.
292. 1999/01 de
Setembro
Secretaria
Executiva do PVNC
Tesouraria Discriminação dos valores e devolução de
materiais comprados pela secretaria e
t
esouraria, como parte da prestação de
contas a ser apresentada.
293. 1999/20 de
Setembro
Secretaria
Executiva do PVNC
Tesouraria Solicitação com urgência da discriminação
da carta pedida à tesouraria.
294. 2000/16 de
A
bril
Secretaria Geral Todos do PVNC Manifestação de indignação quanto a
doação que a UNESCO propôs ao PVNC.
OBS: No verso desta carta existe uma
cópia da ata da reunião extraordinária para
o assunto. Em outra carta, no verso, existe
uma cópia de carta enviada para Elaine
Inocêncio (Secret. de Direitos Humanos-
Ministério da Justiça.
295. Núcleo Vila Isabel Todos do PVNC Manisfesto de repúdio(Sobre ida à Porto
Seguro para comemorações do aniversário
do Brasil)
378
296. 2000/02 de
Julho
Núcleo São
Mateus
Secretaria Geral Comunicado à Secretaria Geral da
mudança no quadro de coordenadores do
PVNC-São Mateus.
297. 2000/03 de
Agosto
Coord. PVNC-
Feuduc
Professores do Pré-
Feuduc
Pedido para que os professores registrem
o conteúdo de cada aula dada no caderno
de registro do pré.
298. 2000/14 de
Setembro
Frei David PVNC Isenção para alunos do PVNC dada pela
UFRRJ
299. Núcleo Petrópolis Simone (Secretaria
Geral do PVNC)
Informe sobre os coordenadores e
conselheiros deste núcleo.
300. Carta Aberta a todos
os membros do
PVNC
Sobre o funcionamento da Tesouraria do
Pré.
301. Núcleo Henfil Todos os membros
do PVNC
Esclarecimento do núcleo para todos do
movimento
302. Todos os membros
do PVNC
PVNC força a UERJ a cumprir liminar que
dá concessão de isenção da taxa do
vestibular
303. 2000/05 de
Maio
Núcleo Bairro da
Luz
Conselho Geral do
PVNC
Apresentação de seus conselheiros, os
membros efetivos e suplentes ao
Conselho Geral do PVNC.
304. Núcleo São José Conselho Geral do
PVNC
Comunicado informando a escolha de
conselheiros e suplentes deste pré para as
reuniões do Conselho.
305. Sem data Andréa Couto Ao Conselho Geral
do PVNC
Política de finanças
2.2.2.5.2 Cartas enviadas a pessoas de fora do PVNC
Data Remetente Destinatário Assunto
306. 1993/14 De
Novembro
PVNC Reitor da Puc-Rio
379
307. 1994/07 de
Março
Carta aberta ao
Presidente da
República, ao
Ministro de Estado
de Educação e a
sociedade
brasileira
PVNC
308. 1994/15 de
Agosto
Frei David Dr. Ricardo de
Castro, Sub-reitor
para assuntos
comunitários
309. 1994/10 de
Agosto
Frei David (em
nome do PVNC)
Reitor da UFF e
equipe responsável
pelo Campus
avançado da Baixada
Fluminense
310. 1994/13 de
Setembro
Frei David African-Caribbean
Trade Bureau
311. 1994/16 de
Agosto
PVNC Prof. José Emanuel
cordenador do
Vest/Ufrj
312. 1995/Agosto PVNC (comissão
organizadora)
Todos do PVNC Carta convite.8
o
Assembléia dos pré-
vestibulares para negros e carentes
313. 1997/11 de
Junho
Ofício do PVNC
Núcleo AFE
Empresas Pedido de ingredientes para a confecção
de salgadinhos para a festa do Real
314. 1999/10 de
Setembro
PVNC Sra. Elaine Inocêncio
( Secret. da Comis.
de Dir. Humanos do
Ministério da Justiça)
Proposta de trabalho junto a Comissão de
Direitos Humanos
315. 1999/13 de
Setembro
PVNC Rádio Melodia Pedido de divulgação do Ato Público na
UERJ, relativo a liminar judicial a favor dos
alunos do PVNC.
316. 1999/03 de
Outubro
PVNC Secretaria Municipal
de Educação
(Carmen Lima C. de
Moura)
Pedido para disponibilização de espaço
em escolas públicas, para instalação dos
núcleos em particular a Esc. Mun. Orsina
Fonseca no período da noite.
380
317. 1999/15 de
Outubro
PVNC Elaine Inocêncio Relatório Preliminar (alterações feitas no
histórico do PVNC a respeito do relatório.)
318. 1999/22 de
Outubro
PVNC Sr. Prof. Augusto
Sampaio (M. D. Vice-
Reitor Comunitário)
Abaixo assinado relativo a concessão de
bolsas na Universidade para os alunos do
PVNC.
319. 1999/24 de
Novembro
PVNC Carlos Eduardo Reis
Cleto, Cláudio Bedran
e Equipe
Convite feito pelo PVNC para que os
destinatários participem da próxima
reunião do Conselho Geral do PVNC,
tendo em vista o empenho destes na luta
pelas isenções.
320. 1999/26 de
Novembro
PVNC Departamento de
Jornalismo da Rede
Globo
Divulgação da campanha de arrecadação
de mantimentos feita pelo PVNC-Piabetá.
321. 2000/12 de
Março
PVNC Aberta a populão Carta de repúdio à UFRJ devido a
mudanças feita no vestibular.
322. 2000/02 de
Abril
PVNC Sra. Elaine Inocêncio
( Secret. da Comis.
de Dir. Humanos do
Ministério da Justiça)
Esclarecimentos feitos pelo PVNC a
respeito da recusa ao financiamento da
UNESCO
323. 2000/16 de
Junho
PVNC Presidente da Escola
de Samba Unidos do
Grande-Rio
Solicitação do espaço da quadra da escola
para a realização da festa de 7 anos do
PVNC.
324. Membros da
Regional Nova
Iguaçu (Eduardo
Belo e Karina
Lima)
Carta aberta a todos
os membros do
PVNC
Carta de esclarecimento da Feira Popular
"E lá vai os outros 500".
2.2.2.5.3 Cartas Recebidas
Data Remetente Destinatário Assunto
325. 1995/04 de
Junho
UFF PVNC Edital da redução da taxa de inscrição
para o vestibular de 1996
326. 1997/25 de
Julho
Conselho Editorial do
Afro-Informativo
Conselho Geral do
PVNC
Sobre a publicação do Jornal com
matérias priorizando o PVNC e os
resultados desta iniciativa, vinda de uma
conversa com Frei David.
381
327. 1999/05 de
Fevereiro
Educafro Conselho Geral do
PVNC
Apresentação da Educafro enquanto
entidade ao PVNC e seus objetivos.
328. 1999/04 de
Outubro
Ministério da Justiça
(Sec. de Est. dos Dir.
Hum. Depto. Direitos
Humanos)
Márcio Flávio
(PVNC)
Referente ao relatório do PVNC em
comunicação com o Ministério da
Educação.
329. 1999/28 de
Setembro
Heraldo Bezerra Márcio Flávio
(PVNC)
Interesse sobre maiores detalhes sobre o
PVNC.
330. 2000/19 de
Junho
Tiago Moreira PVNC Voluntariado
331. 2000/02 de
Outubro
lia Ribeiro
(Pesquisadora do
IBASE)
PVNC Sobre o projeto de orçamento público e a
participação de membros do PVNC.
332. 2000/17 de
Março
COOPERVIP-
Cooperativa de
Produção e
Comercialização de
Serviços dos
Assentados de
Reforma Agrária
Vitória do Povo.
PVNC Pedido de participação do pré na
campanha de arrecadação de alimentos
para famílias assentadas.
333. Educafro PVNC Sobre os debates relativos a
Universidade Pública e Particular, onde
se constata que os alunos que voltam
para colaborar com o pré são oriundos
das universidades públicas.
334. Carta aberta aos
estudantes e a toda
população
Sobre a questão do passe livre.
2.2.2.6 Pautas de Reunião
Data Local Autor Pauta
335. 1997 1. Informes 2. Manifesto do Dia dos Estudantes 3.Avaliação da
Assembléia (Niterói) 4.Afro-Informativo X Azânia.
336. 1997/04 de Maio C. E. Fernando
Figueiredo-Imbariê
337. Sem data Proposta de Pauta do 1
o
Encontro do PVNC
382
338. 2000/10 de Janeiro S. E. F. Zeca 1. Informes 2. Situação de bolsista da Puc 3. Panorâmica dos resultados
da 1ª Fase das UFF/UERJ 4. Curso de formação de coordenadores 5.
Calendário 2000 6.Reativar o Jornal Azânia
339. 2000/11 de Março Pré-Henfil 1. Informes 2.Conjuntura do Mov. Negro Nacional/Cong. Mundial em 2001
Racismo na África do Sul 3.Debilidades do PVNC/Educafro 4.Isenções da
UERJ 5.Finanças 6. Locais para o seminário e assembléias 7.Conjuntura
político-partidária.
2.2.2.7 Eleições do Conselho
2.2.2.7.1 Inscrições de Chapas
Documento Data Remetente Destinário Autor Assunto
340 Carta de inscrição de
chapa na eleição
1999/29 de
Maio
Chapa
Refazendo a
Caminhada
Comissão
eleitoral do
PVNC-PJ
Prof. Márcio
Vinícius do Rosário
Hilário
Carta para oficializar inscrição da
chapa para a eleição da
coordenação 1999.
341 Documento de
esclarecimento da
postura do Prof. Márcio
Vinícius do R. Hilário
sobre sua postura no pré.
1999/01 de
Junho
PVNC-PJ A todos do Pré Prof. Márcio
Vinícius do Rosário
Hilário
Problemas que afetaram o Pré-
PJ que acarretaram na troca da
Coordenação
342 Proposta da chapa
Refazendo a Caminhada
Proposta para o funcionamento
do Pré: Formação de uma Eq.
Pedagógica, Eq. Econômica e
Eq. Secretaria
2.2.2.7.2 Listagem de Eleitores
Data Local Eleitores
343. 1999 PVNC-PJ Listagem de coordenadores
344. 1999 PVNC-PJ Listagem de professores
345. 1999 PVNC-PJ Listagem de ex-alunos coordenadores
346. 1999 PVNC-PJ Listagem de alunos da turma A
347. 1999 PVNC-PJ Listagem de alunos da Turma B
2.2.2.8 Cartas Informativas para núcleos
Data Destinatário Autor Assunto
383
348 Todos do PVNC Agentes da Pastoral do Negro-
Regional de S. J. de Meriti e
GRENI-Grupo de Reflexão sobre
Negros e Indígenas da
Conferência dos Religiosos do
Brasil.
Crescimento e Crise: Agentes sociais envolvidos com o PVNC
com postura duvidosa em relação ao movimento e suas forças
externas, como a Pastoral do Negro.
349 1994/30
de Abril
Coordenadores e
professores do
PVNC
Frei David
350 1995
Junho
Coordenadores
de núcleos do
PVNC
Equipe de preparação do 2
o
Seminário do PVNC
351 Carta debate-Debate sobre as doações feitas por outras
entidades. Tal temática tem como ponto principal: Como aceitar
doações feitas, ou não aceitá-las?
352 1997/10
de Março
Todos do PVNC Nilton Junior
2.2.2.9 Resumos e Relatórios
Documento Data Local Assunto Autor
353. Resumo da
segunda reunião
do Conselho Geral
1995/12 de
Novembro
Pré-Pavuna No resumo estão discriminados os
presentes, a composição da mesa e a
pauta: Constituição da equipe de
negociação de Bolsas com a PUC/RJ,
Agenda 1996 etc.
354. Pesquisa realizada
pela Secretaria do
Conselho Geral
1996/23 de Março
e 1996/30 de
Março
Secretaria do
Conselho Geral
Nesta pesquisa é feita uma análise dos prés
que compõem o PVNC sobre vários
aspectos, tais como: Assiduidade,
Composição étnica, Situação escolar etc.
355.Breve relato de
visitas a 14 núcleos
de Pré-Vestibular
Secretaria Geral Neste relato estão descritos alguns
aspectos principais verificados durante as
visitas feitas aos 24 núcleos em 1996 e
ainda inclui algumas informações sobre os
núcleos no ano de 1995
356. Sugestões práticas
para o bom
funcionamento da
Antônio Carlos de
Oliveira Magalhães,
David Raimundo dos
É indicado passo a passo e explicado os
procedimentos para o bom encaminhamento
de uma Assembléia.
384
Assembléia Geral Santos, Zeferino José
de Sousa Costa.
357.Relatório da I
Reunião de
professores da
Regional de Nova
Iguaçu
2000 Nova Iguaçu Propostas de maior integração entre todos
os núcleos do PVNC e discussão sobre a
metodologia que os professores adotam nas
aulas, além de troca de experiências.
Antônio Carlos de
Oliveira
Magalhães, David
Raimundo dos
Santos, Zeferino
José de Sousa
Costa.
358.Relatório Final Secretaria Geral Neste relatório estão descritas todas as
realizações feitas pelos componentes da
Secretaria Geral do ano de 1996.
Antônio Carlos de
Oliveira
Magalhães, David
Raimundo dos
Santos, Zeferino
José de Sousa
Costa.
2.2.2.9.1 Relatório de freqüência dos núcleos nas reuniões do conselho PVNC
Data Local Autor
359. 1999/2000 Conselho Geral do PVNC
2.2.3 De Núcleos
2.2.3.1 Declarações
Documento Data Local Autor
360. Declaração de
comprovação de
matrícula no pré.
Núcleo Imbariê-Duque de Caxias Coord. Geral do Núcleo Imbariê (Zildo)
2.2.4 Do Movimento com órgãos públicos e privados
2.2.4.1 Faculdades ( públicas e privadas)
Documento Data Remetente Destinatário Assunto Autor
385
361. Carta 1998/13 de
Abril
Equipe
Ampliada-PUC
Todos os bolsistas da Puc de
94 e 98
Esta equipe vai promover a
articulação entre a Puc e
os alunos bolsistas
oriundos do PVNC e
informações variadas.
362. Portaria GR Nº
3156, de 29 de
Abril de 1999
1999/29 de
Abril
Jacques Marcovitch (Reitor da
Universidade de São Paulo)
Criação junto à Reitoria da
USP, a Comissão
Permanente de Políticas
Públicas para a Populão
Negra
363. Carta 1999/05 de
Setembro
Conselho Geral
PVNC
Sub-reitoria de graduação da
UERJ
Carta comunicando a nova
composição da Secretaria
Executiva do PVNC eleita
no Conselho Geral de 2 de
maio de 1999
PVNC
364. Carta 2000/22 de
Maio
Pré-Técnico para
Carentes
Vice-Reitoria Comunitária da
Puc-Rio
Declaração de servo
voluntário prestado por
uma aluna da Puc ao Pré-
Técnico.
Coord. do Pré: Marcele
Christine Marcante
Moreira, Patrícia Elaine
Pereira dos Santos.
Padre Roberto Mello.
2.2.5 Seminários
2.2.5.1 Seminário de formação PVNC
Data Local Tema
365. 1996/15 de Junho Pré-Pavuna Política de Finanças
366. 1997/21 de Setembro Igreja Matriz de
Santa Cruz
Núcleos de PVNC e Relações Institucionais
367. 1997/28 de Setembro I Seminário de Mulheres do PVNC
368. 2000/25 de Junho Anil Universidade, Ação Afirmativa e Pré-Vestibulares Populares (Toda descrição da
programação)
Sem data Pré AFE Neo-liberalismo e Educação Brasileira
2.2.5.2 Seminários de fora do PVNC falando sobre o movimento
Data Local Tema
369. UERJ II Seminário Estadual: "A questão das relações raciais na Educação" Tema: PVNC-Projeto de
Educação Alternativo ou Excludente?
386
2.3 Documentos das Equipes de Reflexão
2.3.1 Pedagógica
2.3.1.1 Textos
Documento Data Local Tema Autor Assunto
370. Documento
proveniente do I
Seminário de
Formação do
PVNC/1998
1998/29 de
Março
Pré-Solano
Trindade (Jardim
Primavera)
Carta de Princípios Composição da Mesa: Prof. Alexandre
Nascimento (Pedagogo-Henfil),
Alessandro Basílio (Coord.-Henfil), José
Carlos Rodrigues Esteves (Pedagogo-
A
FE). Colaboradores: Zeca, Ester,
Elizangela e Walter.
371. Texto
A
educação como
projeto político
Alexandre do Nascimento Sobre a educação no país
como um veículo de
transformação social e
prática política.
372. Texto 1994/Ago e
Set
Grupo de Reflexão
Pedagógica
A
educação como sendo o meio para
que o educando tenha uma visão crítica
do mundo e exerça seu papel de
cidadão.
2.3.2 Racial
2.3.2.1 Textos
Documento Data Autor Assunto Local
373. Texto Equipe de Reflexão
Racial
Apresentação da Equipe de Reflexão
Racial e um breve esclarecimento da
sua intenção. Neste documento
também estão sendo divulgados os
membros desta equipe.
374. Ficha de inscrição para
núcleos mandarem seus
representantes para
participação no Seminário.
1998/20 de
Setembro
Equipe de Reflexão
Racial
Seminário: "A questão racial no PVNC".
Como se manifesta a questão racial no
PVNC, a discussão proposta nas aulas
de cultura e cidadania.
Coelho da Rocha-S.J. do
Meriti
387
2.3.3 "Grupo de Estudos"
2.3.3.1 Textos
Documento Data Local Autor
375. Documento
elaborado na
reunião de
reorganização do
Grupo de Estudos
Sem data Nilópolis
376. Convite do Grupo
de Estudos
1999/19 de
Setembro
Secretaria Geral e
Grupo de Estudos
Convite de Palestrantes para participação no Seminário de Formação
do PVNC. Tema: Projeto Político Pedagógico.
2.4 Textos de discussão
2.4.1 De membros do PVNC
Título Data Autor Assunto
377. A Festa dos Excluídos Nilton Júnior
378. Reflexão em defesa da proposta
financiamento para o PVNC.
1994 Alexandre Nascimento Nesse texto Alexandre fala da necessidade do financiamento
externo. Admite que no começo era contra, mas com o
crescimento do movimento percebeu que a falta de recursos
dificultava o trabalho dos núcleos Diz que o financiamento
daria mais autonomia aos pres, “tornando mais difícil a
tentativa de eclesialização e o exercício de poder que a
Igreja Católica exerce sobre o movimento”.
379. Discurso – Concessão da
Medalha Pedro Ernesto ao
PVNC pela Câmara Municipal
do RJ na pessoa do vereador
Edson Santos
Nilton Júnior
388
380. A participação dos movimentos
sociais na nova ordem e a
construção da cidadania, través
da implementação dos pré-
vestibulares para negros e
carentes na cidade do Rio de
Janeiro
Joel Araújo
381. Pensando com o gênero(NEC) –
Impressões sobre o papel do
PVNC
Maria Cláudia Cardoso
382. Conceitos e questões para o
debate sobre a Carta de
Princípios
Alexandre do Nascimento
383. Movimentos sociais, educação e
cidadania: um estudo sobre os
cursos pré-vestibulares
populares
1999 Dissertação de mestrado
de Alexandre do
Nascimento
384. Crônicas de uma assembléia
cômica Cap. I e II
Cristiano B. Vecchi
385. Criticar para melhorar Cecília Rodrigues
386. Geração Brasil do ano 2000:
uma nova estética
387. Proposta para discussão no
PVNC
Alexandre do Nascimento
388. Conceitos e questões para
debate no PVNC
Alexandre do Nascimento
389. Notas sobre pedagogia, cultura
e cidadania no PVNC
Alexandre do Nascimento
390. Educação como um projeto
político
Alexandre do Nascimento
391. PVNC – Princípios básicos
392. Movimento dos PVNC –
Crescimento e crise
GRENI
393. Por um pré democrático e de
lutas
Juca Ribeiro
389
394. Crescimento, crise , conflitos e
superação no movimento PVNC
Jul/Ago de 1996 Sérgio Max
395. Metodologia: um elemento
fundamental
Alexandre do Nascimento
396. A questão financeira como falso
dilema
Juca Ribeiro
397. Uma contribuição ao debate
sobre a função do Conselho
Geral
Jocimar Oliveira de Araújo
398. Sem medo de assumir a palavra O racismo construído historicamente pela sociedade
brasileira, ou melhor, os seguimentos dominantes que
manipulam aqueles que são oprimidos.
399. Negros e "Carentes" por que
não a Filosofia?
Mário Fumanga O surgimento e atuação do movimento social do PVNC
dentro do sistema capitalista e contrapondo-se ao mesmo,
além da indefinição de classes sociais as quais o PVNC se
destina. Daí a discussão de Negros e "Carentes".
400. Uma reflexão sobre projeto
político
Alexandre Nascimento Sendo o PVNC uma nova proposta de educação popular,
tem características de um movimento social e de ação
política. Mas internamente possui suas contradições. Neste
sentido qual seria o projeto político do PVNC?
401. Por uma coordenação central Nilton Júnior Proposta de uma coord. central do movimento PVNC para
melhor articulação e troca de informações.
402. PVNC (Histórico e Algumas
Reflexões)
Alexandre Nascimento
(Prof. de Cultura e
Cidadania e membro da
Equipe de Reflexão
Pedagógica)
Breve histórico e reflexão sobre objetivos, princípios e
organização.
403. Valor de inscrições é excludente Fornecido por Fernando
P. da Silva
O contraste entre as dificuldades financeiras do brasileiro e
as taxas de inscrições.
404. Caros amigos de todos os prés. Dayse Vianna Noval Carta reflexiva sobre a questão de recebimento de
financiamento externo do PVNC.
405. Política de Finanças-Decisões e
Contradições
André Couto Questionamentos sobre a proposta de financiamento do
PVNC. Nesta discussão entra a UNEC formado por ex-
alunos do PVNC.
406. Reflexões Nilton Júnior (Ex-Pré
Matriz)
Reflexões feitas a respeito do PVNC e suas práticas, assim
como as de seus agentes.
390
407. Proposta de organograma para
o movimento dos prés.
Frei David Raimundo dos
Santos
Estrutura desse organograma
408. Diga Sim Diga Não Discussão sobre o PVNC enquanto mov. social e o debate a
respeito do recebimento de financiamento.
409. A Espiritualidade do Negro na
Afro-Ameríndia
Frei David Raimundo dos
Santos
História da religião negra e suas implicações na sociedade
410. Por um projeto quilombola. Juca Ribeiro (Membro da
Eq. de Reflexão Racial e
Prof. de Cultura e
Cidadania)
Os tipos de atuação existentes no projeto PVNC.
411. Chegando a idade adulta (Uma
outra leitura do movimento dos
"Prés")
1995 Frei David Raimundo dos
Santos
Reflexões sobre o PVNC
412. Reflexões: um motivo de
esclarecimento
Nilton Junior Sobre o impacto do texto "Reflexões" na 10ª Assembléia
realizada na Rocinha em 14/04/96
413. Crescimento, Crises, Conflitos e
Superação no Movimento do
PVNC
1996/Julho e
Agosto
Sérgio Max Análise de várias temáticas que se encontram no movimento
PVNC feita por um de seus participantes.
414. Aos Companheiros do
Movimento PVNC
1997/12 de
Outubro
Geanne Pereira Campos
e Simone Baptista
Seguins
Trabalho desenvolvido dentro e fora da PUC feito pelas
primeiras alunas oriundas do PVNC.
415. Repensando o movimento após
a Assembléia
Wagner S. Figueiredo Críticas feitas por um coordenador do núcleo Vila Isabel
sobre os rumos do PVNC.
416. O Movimento do PVNC na
grande imprensa
Frei David Raimundo dos
Santos
Comemoração de 10 anos do Salão Quilombo e citação de
várias reportagens sobre a Baixada Fluminense
417. Proposta para uma política de
superação de desigualdades no
ensino superior
Alexandre Nascimento Denúncia sobre as condições desfavoráveis do Negro nas
escolas.
418. 112 Anos Depois Alexandre Nascimento Desigualdades sociais entre brancos e negros no Brasil.
419. Propostas para serem
apresentadas no Conselho do
PVNC-11/10/98
Nelson Silva de Oliveira
(Prof. de História dos
núcleos de Coelho da
Rocha, Éden e Santa
Clara e membro do Grupo
de Reflexão Racial).
Informativo sobre os seminários do PVNC em 1999
420. Preconceito Racial Sem data Zeferino Costa O texto fala da necessidade da sociedade se conscientizar
391
que todos são essencialmente iguais e devem ter os mesmos
direitos independentemente de sua religião, etnia e/ou
condição socioeconômica.
421. Democracia Racial Sem data Zeferino Costa Valorização do negro, discurso pela democracia racial.
422. Cidadania Sem data Zeferino Costa O autor chama a atenção para o uso exacerbado do termo
cidadania sem o real conhecimento de seu significado.
Segundo ele, algumas pessoas possuem que conhecimento
se aproveitam da ignorância dos menos favorecidos.
2.4.2 Textos que relatam a História do PVNC
T
ítulo Data
A
utor
A
ssunto
423
.
O que é PVNC (o nascimento)
424
.
Pré-vestibulares para Negros e
carentes: buscando o “inédito
v
iável”
1994 Solange Castellano
Fernandes Monteiro
Monografia falando sobre o PVNC (FAHUPE)
425
.
O que é PVNC (1) Pré Zumbi
426
.
PVNC (histórico) (www.terravista.pt)
427
.
O que são pré-vestibulares
comunitários
Outubro de 2001 Colm Ryam
428
.
Curso para carente é premiado
no Rio
Novembro de
2000
Colm Ryan Coletânea de pequenos textos
429
.
O Que é Pré-Vestibular para
Negros e Carentes
1995 Explica como nasceu o PVNC e como ele se estrutura. Faz um
resumo da História do PVNC.
430
.
Pré-Vestibular para Negros e
Carentes
1997/07 de
A
gosto
José Carlos Rodrigues
Esteves
Este documento está dividido em vários tópicos dentre eles:
Quem financia, Cultura e Cidadania, Balanço 1993/1994,
Funcionamento, Como está organizado o Pré-Vestibular, Como
se abre uma frente e Conclusão.
431
.
Manifesto de Fundação-Curso
Pré-Vestibular Popular Zumbi
dos Palmares
Pré-Zumbi Conscientizar os candidatos e professores do Pré-Zumbi dos
Palmares a adotarem a ideologia do PVNC, que é uma proposta
de mudanças social, através da educação.
432
.
Memorial Zumbi Fala sobre a História do PVNC, relatando todos os
procedimentos para montar um pré. A última página tem alguns
sites interessantes sobre Zumbi.
433
.
Nossa História (Pré-Tijuca) 1999/27 de
A
gosto
Édna Pinheiro Narrativa que descreve a trajetória do PVNC, desde a sua
f
ormação.
392
434
.
Fundação do Pré-Taquara 1994/27 de
A
gosto
Conta a história do Pré-Taquara desde a sua fundação.
435
.
PVNC 1999/2000 Descrição sobre a organização administrativa do PVNC na
gestão de 06/99 a 06/00.
436
.
Histórico do PVNC 1999 Secretaria Executiva do
PVNC
Breve relato da fundação PVNC.
437
.
Histórico do PVNC Frei David Raimundo dos
Santos
Depoimento de Frei David sobre o surgimento do PVNC
2.5 Programa de Disciplina
2.5.1 Cultura e Cidadania
Documento Data Local Autor
A
ssunto
438. Texto: Síntese da Palestra
sobre: "Teorias racistas como
fontes históricas para a
explicação do fracasso
escolar".
Palestrante: Maria
Helena Souza de Patto
Refere-se às várias explicações existentes sobre o
f
racasso das crianças que freqüentam a Escola Pública
de 1º grau no Brasil.
439. Programa de Cultura e
Cidadania
Núcleo Malcom X Pequeno roteiro de a
t
ividades realizadas em 3 dias
440. Colaboradores para aulas de
Cultura e Cidadania
Listagem de Nomes e Telefones dos palestrantes. Temas:
Negritude, Psicologia, Mulher, Educação, Política,
Cidadania.
441. Programa do Curso de
Cidadania e Cultura
1998 Núcleo ABM-S. J.
de Meriti
Orlando Junior Objetivos, Metodologia, Programa do 1º Semestre de
1998, Articulação com a coord. do Pré e Articulação com
a ABM.
442. Questionário para alunos do
Pré
2001 Núcleo ABM-S. J.
de Meriti
Orlando Junior Este questionário tem a intenção de conhecer os alunos
que formam a turma e suas opiniões e idéias a respeito
das aulas.
443. Calendário para as aulas e
propostas de módulos
393
2.6 Tesouraria
2.6.1 Proposta de Financiamento
Documento Data
A
utor
A
ssunto
444. Proposta de Planejamento
Financeiro-PVNC
Comissão de Planejamento das
Finanças PVNC
T
ópicos: Contribuição dos núcleos, Estrutura e Organização,
Disposições Gerais
445. Esclarecimento de prestação
de contas e Planejamento
financeiro
1999
A
na (Pré-PJ), Cecília (Pré-AFE),
Fernando (Pré-Piabetá)', Nelson
(Pré-Éden) e Simone (Pré-
Piabetá)
Documento feito por uma comissão de conselheiros para
esclarecimentos a respeito da confusa prestação de contas do
PVNC de 1997 a 1999; tentativa de elaborar um planejamento
f
inanceiro para o PVNC e averiguar a suspeita de Frei David
receber verba do Governo Federal em nome do PVNC.
446. Política de finanças do
movimento PVNC (Uma
Proposta para a revisão da
política de finanças)
447. Proposta: Financiamento
Externo
Objetivo Geral: Viabilizar
economicamente a estruturação e
a organização do PVNC no
t
ocante aos aspectos: Materiais
Pedagógicos e Tecnológicos.
448. Proposta do Pré-Santana
para política de finanças
2.6.2 Demonstrativos Financeiros
Documento Data
A
utor Assunto
449. Demonstrativo
Financeiro
1999/07 de
Novembro
T
esouraria do Conselho Geral:
A
lexandre do Nascimento e
Fernando P. da Silva
Descrição dos gastos da tesouraria (saídas e entradas)
2.6.3 Prestação de contas
Documento Data Autor
A
ssunto
394
450. Prestação de Contas 1998/ Agosto à
1999/Março
Responsável até Agosto: Milton
(Pré-Rocinha) e a partir de
Setembro: Geane (Pré-Nova
Campina)
Prestação de Contas
451. Demonstrativo de
prestação de contas
1999/05 de
Setembro
Tesouraria do Conselho Geral:
Alexandre do Nascimento e
Fernando P. da Silva
Prestação de contas referente ao mês de Julho
452. Demonstrativo de
prestação de contas
1999/08 de
Novembro
Alexandre do Nascimento Prestação de contas do mês de Outubro
453. Prestação de contas
de gastos em evento
2000/30 de Maio Márcio Flávio S. de Oliveira Prestação de contas da Secretaria Geral do PVNC feita à
t
esouraria do PVNC, relativos aos gastos no 1º Encontro
de Experiências de Pré-Vestibulares Populares.
454. Demonstrativo de
prestação de contas
2000/12 de Agosto Márcio Flávio S. de Oliveira Prestação de contas de Julho e Agosto de 2000.
455. Prestação de contas 1994/Setembro
456. Quadro Geral de
f
inanciamento
2.6.4 Livro de Caixa
Documento Data Autor Assunto
457. Livro caixa com registros de
entradas e sdas do caixa geral do
PVNC
1996/Janeiro à
1998/Julho
Conselho Geral-Tesouraria
458. Levantamento do Livro Caixa do
PVNC
1997/Junho à
1998/Julho
Tesoureiro responsável: José Carlos
R. Esteves
459. Como deveria estar o livro caixa 1997/Maio à
1999/Março
460. Atual situação do livro caixa da
Tesouraria do Cons. Geral do
PVNC
1997/Maio à
1998/Julho
2.6.5 Relação de núcleos contribuintes
Documento Data Autor Assunto
395
461. Planilhas de núcleos
contribuintes
1997/Maio à 1998/Dezembro
462. Planilha em branco de
núcleos contribuintes
1996 à 1997 Tesouraria da Secretaria do Cons.
Geral PVNC
463. Planilha de
contribuições de
núcleos
1996/1997/1998
464. Relão dos núcleos
contribuintes
1997/Maio à 1999/Fevereiro
465. Núcleos atrasados 1997/Maio à 1999/Março Tesouraria Geral do PVNC
466. Lista correspondente
ao repasse dos núcleos
à tesouraria
1999/Junho à 2000/Junho Tesouraria Geral do PVNC
467. Relão dos núcleos
que devem repassar os
atrasados à tesouraria
1997/Maio à 1999/Março Tesouraria Geral do PVNC
2.6.6 Mapa de Gastos
Documento Data Autor
468. Percentual do dinheiro gasto em atividades
do PVNC
1997/Maio à 1999/Março
2.6.7 Relatório financeiro de festas
Documento Data
469. Relatório Financeiro da Festa
de 7anos do PVNC
2.6.8 Entrada da Tesouraria (contribuições dos núcleos)
Documento Data Autor
A
ssunto
470. Demonstrativos de
contribuições à
T
esouraria Geral
1997/Maio à
1999/Fevereiro
Esses documentos são folhas avulsas, que descrevem entradas e
saídas do dinheiro do PVNC, relativo a contribuições dos núcleos.
Contribuições de prés que não possuem comprovantes, mas estão
registrados no livro caixa.
396
2.6.9 Recibos de repasse de contribuições dos prés
Documento Data
471. Recibos de vários núcleos do PVNC
referente a contribuição mensal de 10%
da renda de cada pré para a tesouraria.
1997/ 05 de Julho à 1999/07 de
Fevereiro
2.6.10 Outros (Notas fiscais, recibos de pequenas despesas, ext.bancários)
Documento Data
472. Recibos de pequenas despesas do PVNC 1997/1998/1999
473. Notas fiscais 1997/1998/1999
474. Extratos bancários 1997/1998/
475. Comprovante de depósito em conta
corrente
476. Recibos de repasse de verbas de núcleos
2.7 Listagens
2.7.1 Resumo de Visitas
Documento Data
A
utor
477. Relão de Cursos/Núcleos Comunitários-
V
estibular 2000-Resumo de Visitas
2000
2.7.2 Listagem de Núcleos
Documento Data
A
utor
478. Relão de endereços dos núcleos atualizada até
22/09/97
1997 Secretaria Executiva do PVNC
479. Relão de cursos/núcleos comunitários 2000 2000
V
estibular UERJ -2000
480. Listagem de núcleos pertencentes ao PVNC
481. Listagem de núcleos pertencentes ao PVNC
482. Ficha com nomes, endereços e contatos dos núcleos
397
483. Listagem de núcleos do PVNC 2005/12 de Janeiro
484. Listagem de prés vinculados e desvinculados à rede
PVNC por município e AP
485. Endereços dos prés que precisam de auxílio
2.7.3 Lista de Aprovados PVNC
Documento Data
A
utor
486. Listagem dos bolsistas da AFE 1995/Fevereiro
487. Listagem de aprovados por núcleos e
universidades-Vestibular 97/98
1997/1998
488. Listagem de Aprovados em
universidades públicas e particulares
OBS: No verso deste documento encontra-se parte de um
Informativo PVNC de Setembro de 1999. O assunto tratado é o 1º
Encontro Regional de Coordenações.
489. Listagem de Aprovados no Vestibular
2000
2000/29 de Março Núcleo Feuduc
490. Relão de alunos aprovados em 2000 2000 Núcleo Anil
491. Ficha de controle de inscrição e
aprovação no vestibular-2000
2000 Núcleo Petrópolis
2.7.4 Listagens de alunos isentos da taxa do vestibular
Documento Data Autor
492. Listagem de alunos isentos (100%) no
vestibular-UFRJ
1999/07 de Agosto Núcleo Matriz
493. Carta informativa sobre o concurso do
IME e o pedido de isenção
494. Lista de isentos da taxa de vestibular-
UERJ
Provavelmente UERJ. (A listagem de alunos compreende outros
cursos comunitários além do PVNC).
495. Lista de isentos da Estácio de Sá
2.7.5 Listagem dos alunos inscritos no vestibular da PUC
Documento Data Autor
496. Serviço Social PUC
398
497. Lista de candidatos que estão
prestando vestibular PUC-Rio 2000
2000
2.7.6 Listagens de professores voluntários
Documento Data Autor
498. Lista de Professores Voluntários
499. Perfis e Critérios de Seleção de
Professores
Sem data
2.8 Campanhas
2.8.1 Divulgação de festas, eventos e inscrições
Documento Data Evento Local Autor
500. Panfleto/Convite 28 de junho de
1994
Lula na Casa da
Cultura Encontro
com grupos afros e
de cultura
Casa da Cultura em São
João de Meriti.
501. Panfleto da campanha de
Jorge Florêncio. Manifesto
aos cidadãos meritienses
PT de São João de Meriti.
502. Divulgação de inscrição do
núcleo ABM/GRUCON
1995
503. Divulgação do Seminário
Ética e Cidadania com
Leonardo Boff
1995/14 de Maio
504. Divulgação da Assembléia
do PVNC
1995/27 de Agosto
505. Divulgação da XII Reunião
do Conselho Geral do
PVNC
1996/01 de
Dezembro
Caxias
506. Divulgação da Exposição
de fotos de Sebastião
Salgado - Terra
1997/Maio São João de Meriti
399
507. Folder AJAC – projeto
Universidade 2005 – Pré-
vestibular
508. Divulgação do Projeto
Educando – Termo de
compromisso
509. Divulgação da Aula
Inaugural
1997/12 de Abril Faculdade de
Enfermagem UFF Niterói
510. Divulgação da assembléia
geral
1999/25 de Julho ISERJ
511.
A
presentação do Projeto
Educando
512. Primeira Festa da Paquera
do PVNC
1999/03 Setembro Primeira Festa da
Paquera
Esporte Clube Único PVNC, com o apoio: Ver. Sérgio Cid
513. Lista de núcleos com
inscrições abertas
2000/06 de
Fevereiro
OBS: Esse material é destinado para
publicação no Jornal Extra.
514. Cartaz de divulgação de
festa: PVNC 7 anos
Cultura, Negritude e
Cidadania
2000/04 de
Outubro
Quadra da Grande Rio-
Caxias
PVNC
515. Divulgação de inscrições
para o Pré-PVNC
Março/10 e 17 Responsáveis: Marcilene, Vera, Leila
516. Ciclo de Debates 29 de Outubro Ciclo de Debates:
Biotecnologia X
Ética: Genoma,
Transgênicos,
Clonagem e Ética
Praça-Inácio Gomes PVNC, Lona Cultural Carlos Zéfiro, To
na Lona e PVNC
517. Divulgação do Seminário
Educação, Direito de
Todos?
518. Divulgação do 1
o
Show
Music da Baixada
Fluminense
519. Ofício n. 1576 Comunicado da
aprovação da
Moção de autoria
400
do vereador Edson
Santos
520. Divulgação do Pré-AMOC Informe de
atividades
521. Divulgação da Pré-Festa 1996/20 de Julho
522. Panfleto Entrega da Medalha
Pedro Ernesto a
Frei David
Câmara Municipal do Rio
de Janeiro
Jurema Batista
523. Divulgação do II Encontro
Nacional de Cursos Pré-
vestibulares Populares
2002
524. Divulgação de inscrições
Pré-Nova Campinas
1996
525. Panfleto: "A Xapa vai
Isquentar!"
Panfleto em defesa
da educação
pública de
qualidade
526. Panfleto: Campanha de
Educação: Sem medo de
lutar pela Educação
Pública!
PVNC
2.9 Encontros e Eventos
2.9.1 Documentos de participação em eventos e encontros
Documento Data Evento Local Autor Assunto
527. Carta convite
enviada ao Cons.
Geral do PVNC
1999/06 de
Julho
Núcleo sobre Promoção
da Igualdade de
Oportunidade e Combate
à Discriminação no
Emprego e na Profissão
Delegacia
Regional do
Trabalho e
Emprego
Carlos Alberto
Medeiros (Sub-
Secretário Adjunto da
Integração Racial)
Participação do PVNC junta a
esse núcleo de debates.
528. Carta convite da
Central de
Movimentos
1999/19 de
Julho
Central de
Movimentos
Populares
Propõe a participação do
PVNC para o fortalecimento
da luta e a construção do
401
Populares poder popular.
529. Carta de
esclarecimento e
consentimento de
entrevistas
2000/12 de
Dezembro
Entrevistas para pesquisa
de Doutorado
Silvani S. Valentim
(Candidata ao PHD na
Temple University,
Philadelphia-EUA)
Esta é uma carta de
consentimento e aprovação na
participação em entrevistas.
530. Carta convite
CEFET/RJ
2001/03 de
Agosto
Semana de Extensão
2001. Mesa: "Os avanços
e desafios do voluntariado
no Brasil".
CEFET-25 a 28
de Setembro
2001
Regina Fátima
Teixeira Silva (Chefe
do Depto. de
Extensão)-Assuntos
Comunitários
Participação do PVNC neste
evento
531. Carta convite-
REDE
2001/01 de
Novembro
Encaminhamento de um
exemplar do último jornal
da Rede, falando sobre
Educação no Brasil e a
discussão de cotas para
Negros. Além de convite
para o plebiscito popular.
Rede de
Centros de
Formação
Profissional do
Grande Rio
Rede Encaminhamento do Jornal
532. Comemoração do
Dia da Consciência
Negra
2000 Projeto: O Negro em
Movimento
PVNC/Sesc-
Petrópolis
Programação de todas as
atividades desenvolvidas no
Dia da Consciência Negra.
533. Comprovação de
pagamento de
inscrição e
certificado de
participação no
Fórum Social
Mundial
2002/05 de
Fevereiro
534.
A
ta da reunião da
Comissão do PVNC
sobre Brasil outros
500 Anos
2000/18 Março Calendário de atividades
do PVNC e do Brasil
outros 500
)
A
lex(Pré-Éden), Ana
Paula(Tijuca),
Édna(Tijuca),
Fernando (Piabetá) e
Robledo(Éden)
Reunião sobre as atividades
que o PVNC vão realizar
535. E-Mail 2000/24 de
Novembro
Comunicado a Premiação
do PVNC
Comunicando a premiação do
PVNC, pelo sucesso do curso,
na aprovação de alunos nas
universidades públicos.
402
2.9.2 Relatório de reunião cursos de PVNC
Documento Data Evento Autor
A
ssunto
536. Relatório
Preliminar-Reunião
Cursos de Pré-
V
estibular para
Negros e Carentes
1999/17 de
Setembr
Reunião Curso de Pré-
V
estibular para Negros
e Carentes
Elaine Inocêncio, Antônio
Carlos Malachias, Severino
Lepê Correia e Martis
Antônio Alves das Chagas.
Encontro promovido pela Secretaria de
Estado dos Direitos Humanos do Ministério
de Justiça a fim de implementação de
políticas públicas que promovam a
igualdade.
537. Implementação de
metas do PNDH na
perspectiva da
f
ormação de
Políticas Públicas
de Promoção da
Igualdade
1999/17 de
Setembro
Ministério da Justiça-
Secretaria de Estado. dos
Direitos Humanos Depto.
dos Direitos Humanos.
Dados dos participantes dessa reunião
403
3. TEXTOS DE DISCUSSÃO DE FORA DO MOVIMENTO
3.1 Educação
T
ítulo Data
A
utor
A
ssunto
538. Universidade e Cidadania Pesquisa sobre ausência dos negros nas
universidades.
539.
T
axas de inscrição, exclusão e
democracia
W
illiam Douglas Desigualdade entre o ensino primário e médio
em relão ao vestibular
540. Reserva de vagas em Universidades
Públicas, Igualdade e Democracia
W
illiam Douglas e Sylvio Motta Baixa qualidade do ensino fundamental e médio
541. Igualdade de direito x igualdade de
oportunidade: A questão da lei dos
50%.
Edvard Kardelj
A
lei dos 50%
542. Ensino seletivo por definição 1999/20 de Julho O Estado de São Paulo Reflexões sobre a educação brasileira
comparando-a com outros países.
543.
A
cesso a ensino superior será
regulamentado
1999/23 de Julho Demétrio Weber Conselho Nacional de Educação
544. Região une-se para abrir sala de aula
em paróquia
1999/16 de Agosto O Estado de São Paulo Nascimento da Educafro
545. Para críticos, lei não extingue
desigualdade
1999/04 de Setembro Gabriela Athias Reserva de vagas para estudantes de escola
pública.
546.
A
lunos ocupam salão nobre da reitoria
da UFRJ
1999/15 de Setembro
A
driana Ferreira Contestação do projeto do MEC de autonomia
das Universidades Federais.
547. Garotinho só negocia com a reitoria
(Greve)/UERJ quer apresentar
contraproposta/Bandejão
Folha Dirigida
548. Discurso proferido pelo Magnífico
Reitor da UFMG, Prof. Tomaz Aroldo
da Mota Santos, em reunião do
Conselho Pleno da Andifes.
1997/27 de Fevereiro O papel da Universidade e a populão negra
549.
T
abela-gráfico 1999/Outubro
A
tualização dos dados referentes ao acesso e
permanência do aluno nas escolas municipais.
404
550. MEC esclarece dúvidas sobre
autonomia
1999 MEC/Folha Dirigida
T
irar as dúvidas com relão a autonomia das
Universidades Federais
551. Número de aulas cria abismo entre
escolas particulares e públicas
1999/05 de Novembro O Globo/Vestibular Diferença da quantidade de aulas entre escolas
públicas e particulares.
552. Como está o ensino 1999/05 de Novembro O Globo/Vestibular Fraco desempenho das escolas públicas no
v
estibular.
553. Escola Técnica Federal de Química
abre cursos superiores em Nilópolis
1999/05 de Novembro Rubiana Peixoto -O Globo Cursos universitários na baixada
554. Garra, a principal arma 1999/05 de Novembro Rubiana Peixoto -O Globo Dificuldade dos estudantes de escolas públicas
para serem aprovados no vestibular.
555. Enem: carentes podem ficar isentos
de inscrição
O Globo Isenção da taxa da prova do Enem para
estudantes carentes.
556. Primeiro Encontro sobre Educação na
Baixada Fluminense
Grupo de União e Consciência
Negra/ Comissão de Religiosos
(as), Seminaristas e Padres
Negros.
557. Boletim do DCE UERJ 1999/23 de Setembro DCE-UERJ Eleição da nova Reitoria da UERJ
558. Perfomance das escolas no vestibular
UFRJ
1999 Site UFRJ Estatísticas das escolas com melhor desempenho
no vestibular UFRJ-2000.
3.2 Queso Racial
T
ítulo Data
A
utor
A
ssunto
559. O Negro no Mundo-Expressão da
Educação
Inês da Silveira-APEOESP
Subsede Suzano-SP
A
valia a desigualdade por três ângulos:
Conjuntura Mundial, Conjuntura Nacional e Lutas
e conquistas democráticas.
560. 13 de Maio. A abolição que não
aconteceu!
Comissão de gênero e anti-
racismo do PT-Caxias-RJ
Faz uma análise da sociedade brasileira a partir
da comemoração dos 500 anos de
descobrimento. Denuncia a situação de penúria
em que se encontram negros e índios.
561. Por que me olhou com tanto ódio?
T
rata-se de uma história que incentiva a reflexão
sobre o racismo e foi utilizada para fazerem os
deputados refletirem sobre o crime de racismo
cometido por um deles.
405
562. Por uma política compensatória Fontes Bibliográficas: The
Rockefeller Foundation,
Ronald Walters.
T
rata-se sobre políticas de ação afirmativa.
563.
T
exto para o estudo do tema: O Negro
e a participação política partidária.
Comissão dos religiosos(as),
padres e seminaristas
negros-RJ
A
valia a participação do negro na política.
564. Programa de Políticas Educacionais
para a Promoção da População Negra
no Brasil-EDUCAFRO
Educafro Sobre a situação brasileira no último censo do
IBGE a respeito da constituição da populão.
565.
A
lei do mais forte e o pêndulo da
História
Eduardo Bueno (Publicado
na revista Época)
A
colonização da América por parte dos
portugueses e espanhóis. O grande massacre
implementado por estes bárbaros.
566. Resposta a artigo de Eduardo Bueno Marco Antônio Perruso
(Mestre em
Sociologia/UFRJ)
Questiona o caráter civilizador apresentado por
Bueno em seu artigo, onde descreve a
colonização da América.
567. Sete atos oficiais que decretaram a
marginalização do povo negro no
Brasil.
Casa da Cultura Remonta a história do negro no Brasil para
mostrar como o Estado atuou, diretamente e de
maneira eficaz, na segregação dos negros no
t
erritório nacional.
568. Brasil: Justiça Social e o Negro Este texto tem por objetivo mostrar a situação
desfavorável em que se encontra o negro na
sociedade brasileira. Para alcançar este fim o
autor se utiliza de algumas estatísticas.
569. Afro-fobia; Ontem e Hoje Denuncia o processo de formação das elites
governantes do país, descendentes dos antigos
escravistas.
570. 500 anos da Mulher 2000/Março Walter Ceneviva -Folha de
SP (adaptação)
Descreve a discriminação contra a mulher,
através de uma análise histórica.
571. A população jovem branca e negra-
alguns indicadores de desigualdades
1999/23 de Setembro Site IBGE Vários gráficos demonstrativos sobre os jovens
brancos e negros.
572. Racismo em Copacabana O Globo Flagrante de conduta racista contra uma
proprietária de uma loja, discriminada por ser
negra.
573. Acesso do negro à universidade é
reivindicado
1999/18 de Setembro Chico Araújo-O Estado de
SP
Fala sobre o movimento feito por diversos
Estados (MG, MA, RJ, SP e etc.), reivindicando
políticas afirmativas para este grupo menos
406
favorecido na sociedade.
3.3 Projetos e Textos a respeito de Leis que enfoquem a Questão Racial
Documento Autor Assunto
574. Projeto de Lei do Senado Nº 52, de
1997
1997 Senado Federal Define os crimes de prática de racismo e
discriminação
575. Votos favoráveis ao projeto de lei
298/99, do Senador Antero Paes de
Barros, na Comissão de Educação,
em 22/06/99
1999/22 de Junho Senado Federal (Gabinete
do Senador: Antero Paes de
Barros)
Comentários de Gerson Camata (PMDB/ES) e
Heloisa Helena (PT/AL) sobre a Comissão de
Educação e sobre o Projeto de Lei 298/99. No
verso deste documento é descrita a Lei na
íntegra.
576. Relatório de formulário eviado a
instituições públicas de ensino
superior- Implementação de metas
do PNDH na perspectiva da
formulação de Políticas Públicas de
Promão da Igualdade.
1999/16 de Setembro PNDH Sobre o acesso aos cursos de nível superior para
negros e carentes (Tabulação da coleta de
dados)
577. Comunicado sobre o Processo Nº
051/96 do Conselho Universitário da
Universidade Federal do Amazonas
2000/26 de Abril Ivair Augusto Alves dos
Santos -Ministério da
Justiça-Secret. de Est. dos
Direitos Humanos
Ingresso de índios na UFA através da
representatividade da Federação das
Organizações indígenas do Rio Negro.
578. Projeto de Lei Nº 1653/2000 2000 Poder Executivo Lei de reserva de vagas na UERJ
3.4 Textos sobre outros pré-vestibulares ou falando sobre.
T
exto Data cleo
A
utor
A
ssunto
579. Perfil dos cursos de
pré-vestibular
Caracterização dos prés: 1 Comunitários, 2 Semi-
Comunitários, 3 Institucionais-Públicos, 5
Patrocinados
580.
V
estibulinhos
comunitários levam
carentes à
universidade
1999/16 de Agosto Márcia Vaisman ( O Estado
de SP)
Experiência de cursinhos pré-vestibulares (CCIS) e
Educafro
581. Cursinhos bons e de
graça
1999/23 de Setembro Pré-destinados a pessoas de baixa renda da
Escola Politécnica da USP.
407
582. Cursinhos beneficiam
negros e carentes
1999/16 de Agosto Seu Bairro-Norte (O Estado
de SP)
Página de rosto de site falando sobre os cursinhos
583. Projeto Experiências
de Pré-Vestibulares
Populares
Prof. Maristela Fantin-UFSC
e Deise Mancebo-UERJ
584. Cenário atual da
Cooperativa Stive Biko
e perspectivas de
superação dos
problemas
1999/16 de Setembro Relato de como está se desenvolvendo o curso
pré-vestibular
585.
A
bismo entre
estudantes
1999/07 de Julho Magno Maranhão Crítica feita a criação de um curso Pré-vestibular só
para negros.
586. Pré-vestibular dos
alunos da PUC-Rio
1995/09 de Outubro Pré-Vestibular dos
alunos da PUC-Rio
A
lunos envolvidos na
administração do pré-
v
estibular
Histórico e Objetivos
587. Democratização do
ensino-Entidade
oferece curso para
classe menos
f
avorecida
1998/11 de
Dezembro
Henrique Viard Sobre a organização e dificuldades dos alunos
588. Curso Pré-Vestibular
"Prof. Milton Santos"-
T
EZ-Trabalhos e
Estudos Zumbi
1999/Setembro Curso Pré-
V
estibular "Prof.
Milton Santos"
(Campo Grande)
Coord.: Márcia Catarina de
A
ndrade
Justificativa, objetivos e metodologia do projeto
589.
Z
umbi dos Palmares
Pré-Vestibular-Uma
alternativa educacional
solidária
1999
Z
PPV-Porto Alegre Histórico, Objetivos e outras informações
590. Pré-vestibular
Comunitário
2000/15 de Agosto Pré-Vestibular
Comunitário (Juiz
de Fora)
Coordenação do pré
A
presentação do projeto
591. Projeto Vestibular
Cidadão irá ajudar
j
ovens carentes
2000/27 de Março Projeto Vestibular
Cidadão (Volta
Redonda)
Diário do Vale Comentários sobre o pré.
592. Convite do Projeto
V
estibular Cidadão
2000/17 de Março Projeto Vestibular
Cidadão (Volta
Grupo de Voluntários do
Projeto
Convite para a comunidade de Niterói participar da
estruturação do projeto neste local. Além do
408
Redonda) destaque na formação cidadã, através de aulas de
História dos movimentos sociais em geral.
593. Modelo de inscrição do
Projeto Vestibular
Cidadão-Fase
experimental
2000 Projeto Vestibular
Cidadão-Núcleo
Niterói/VR
Coordenação Geral:
Jeferson, Zezinho, Valmir,
Henrique e Alexandre
Ficha de inscrição
594.
T
hema Educação-
Cursinhos
Comunitários
Independentes
T
hema Educação Cood: Prof. Neuza Poli/
Husani Kamau/ Mafoane
Odara
T
odo o histórico, objetivos e conquistas do pré.
595. Resumo Parcial dos
dados relativas às
inscrições do ano de
1999 no 1º núcleo
Z
umbi dos
Palmares Pré-
V
estibular
596. Instituto Cultural
Beneficente Steve Biko
(Estrutura
Organizativa)
Curso Pré-
V
estibular só para
negros
Instituto Cultural Beneficente
Steve Biko
Breve relato sobre a formação do pré e convite
f
eito a todos que queiram ser um sócio-
contribuinte. Estrutura organizativa.
3.5 Movimento Negro
T
exto Data
A
utor
A
ssunto
597. História e desafios do Movimento
Negro Unificado
Movimento Negro Unificado Descreve a trajetória do MNU e sua militância para
dar voz ao negro e diminuir a desigualdade entre
negros e não negros no país. Relata a participação
negra na política brasileira.
598. Movimento Negro e
Compromisso Social
1999/Maio Centro de Referência da
Cultura Negra
Manifesto do lançamento do PVNC em MG, Extrato
dos Estatutos, matérias que relatam a experiência
do PVNC em MG.
3.6 Textos de Órgãos Públicos
3.6.1 Secretaria de Educação
3.6.1.1 ENEM
Documento Data Autor Assunto
409
599. ENEM-Documento Básico Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais
600. Formulário completo do
Exame Nacional de Ensino
Médio
1999/17 de Setembro Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais
3.6.2 Projeto de Orçamento Público (IBASE)
Documento Data Autor Assunto
601. Relatório de Atividades Ibase Desenvolvimento das Oficinas "O orçamento também importa.
Prefeito por um dia - O Jogo do Orçamento". Ano I: Coordenado
pelos pesquisadores: Leonardo Mello e Júlia Ribeiro.
602. O Oamento também
importa
Ibase Planejamento e Prioridades no Orçamento Público
603. Prefeito por um dia -
Orçamento e Cidadania
Ibase
3.6.3 Liminares Judiciais
Documento Data Autor Assunto
604. Mandato de Segurança
Individual/Outros
2000/13 de
Julho
PVNC Mandato de segurança encaminhado ao Reitor da UFRJ, onde o
seu cumprimento determina a isenção de taxa do vestibular para
os alunos listados no documento anexo.
3.7 Documentos de encontros e seminários de educação de fora do Movimento ou falando sobre
Documento Data Evento Autor Assunto
605. Moção de apoio ao Movimento
Sem Terra
1996 ENESSO (Executiva Nacional
dos Estudantes de Servo
Social)
ENESSO (Executiva
Nacional dos Estudantes de
Serviço Social)
Apoio ao MST diante dos conflitos
ocorridos em Eldorado de Carajás.
Protesto dos estudantes de Serviço
Social em repúdio a violação dos
Direitos Humanos e o fim da
impunidade.
606. Análise do Substitutivo do
relator do PNE na Comissão de
Educação, Cultura e Deporto
1999/02 à 05
de Dezembro
3º Congresso Nacional de
Educação -III CONED (Porto
Alegre)
Fórum em defesa da escola
pública.
A
nálise do processo de tramitação do
projeto de lei do PNE da Sociedade
Brasileira e um outro proposto pelo
410
da Câmara Federal MEC, O PNE MEC.
607. Carta de Porto Alegre (III
CONED)
1999/05 de
Dezembro
III CONED Fórum em defesa da escola
pública.
Breve relato sobre a situação
político-social-educacional brasileira
e a construção do PNE-Sociedade
Brasileira
608. Relatório do III CONED III CONED Breve resumo feito pelos integrantes
do PVNC que participaram do III
CONED.
609. Divulgação feita na internet do I
Encontro de Experiências de
Pré-Vestibulares Populares
2000/03 de
Abril
I Encontro de Experiências de
Pré-Vestibulares Populares
Esclarecimento sobre o objetivo do
encontro e como participar
610. Relatório do I Encontro
Experiências de Pré-
Vestibulares Populares
2000/02 de
Maio
I Encontro de Experiências de
Pré-Vestibulares Populares
(UFSC)
Programão do evento e alguns
comentários a respeito
611. Ata do II Encontro de Pré-
Vestibular Popular do RJ
2000/14 de
Abril
II Encontro de Pré-Vestibular
Popular do RJ (UERJ)
Algumas resoluções e sugestões
tiradas neste encontro por membros
do PVNC e de outros prés.
612. Folder do I Encontro Estadual
de Geografia do RJ
2000/16 e 17
de Julho
I Encontro Estadual de Geógrafos
do RJ- Tema: “O Rio de Janeiro
na Formação Territorial do
Brasil”. (Centro Universitário
Augusto Motta)
Destaque para os grupos de
trabalho, onde são discutidos vários
assuntos, entre eles: Educação
Popular/Pré-Vestibular Popular
613. Educação, Justiça e Orçamento 1999/10 de
Dezembro
Ibase Proposta de realização de Oficinas
de Capacitação para a cidadania
através do Orçamento Público junto a
educadores e adultos envolvidos na
iniciativa do PVNC.
411
614. Divulgação do Centro de
Estudos Afro-Asiáticos
1999 Pesquisa sobre “O Negro no
Brasil” 11º Concurso de dotações
(Apoio Fundação Ford)
3.8 Vestibular
Texto Data Autor Assunto
615. Passe Livre para a
Universidade
Ediane Merola e Nívia
Carvalho
Aproveitamento do ENEM, para ingressar na faculdade. Este artigo
também fala da experiência da Puc-Rio, que já adotou o Enem como
critério de avaliação para o congresso de alunos.
616. Ato Vitória da Cidadania Sobre a conquista na justiça das isenções da taxa de vestibular dos
alunos do PVNC em 14 de Setembro de 1999.
617. Vestibular UERJ 9.579
beneficiados
1999 Folha Dirigida Total de alunos que receberam isenção de Taxa de vestibular 1999
UERJ
618. Será o fim do vestibular? 1999/23 de
Setembro
Lei de Diretrizes e Base (1996). Neste texto discute-se novas formas
de avaliação para o ingresso nas universidades públicas e os seus
impactos dentro das universidades.
619. Os horrores da intolerância
étnica
1999/03 de
Agosto
O Globo-Vestibular Reflexão histórica sobre a intolerância racial no mundo não só contra
negros, mas contra minorias étnicas em geral.
620. UFF concede isenção de taxa a
7 mil candidatos
1999/22 de
Outubro
Ediane Merola Taxa de inscrição no vestibular
621. Isenção de pagamento da taxa
de inscrição
Prazo para a retirada do material da isenção da UFRJ
622. Dois irmãos na luta por uma
vaga
1999/05 de
Novembro
O Globo-Educação Depoimento da vida de dois irmãos que intencionam entrar na
universidade pública, apesar não terem aulas nem de física nem de
química.
623. Valor de inscrição é excludente PVNC Valor da taxa de inscrição é muito cara e alunos pobres não tem como
pagar e fazer o vestibular. Este texto contém um gráfico sobre a
situação do ensino superior no país.
624. Vestibular-Cefet: inscrições
prorrogadas até dia 29
1999 Folha Dirigida Informações sobre os cursos superiores do Cefet
412
625. Universidades podem unificar
provas
1999/26 de
Outubro
Zip notícias A possibilidade das universidades públicas de São Paulo unificarem o
seu vestibular.
626. Vestibular UFRJ UFRJ Pedido de isenção da taxa de inscrição do vestibular, (parte do
calendário do vestibular). OBS: No verso desta folha contém:
informações sobre o vestibular da UNI-Rio (isenção) e do Enem
(isenção).
3.9 Catálogos de Editores
Documento Data Autor Assunto
627. Catálogos das Editoras Internet Listagem de endereços, telefones, fax e tipo de catálogos temáticos
3.10 E-mail (assuntos diversos)
Documento Data Autor Assunto
628. Entrevista para a revista Rits 2000/15 de Maio Pedido de resposta ao PVNC sobre o resultado da pesquisa (feita pela
UFF e o Ceap), a respeito se há ou não discriminação racial contra os
negros no Brasil.
629. Síntese sobre personalidade
jurídica
1999/8 de Agosto Eduardo Belo Esclarecimentos aos membros do PVNC sobre termos jurídicos,
necessários para a compreensão de futuros recebimentos de ajuda
externa pelo PVNC.
3.11 Mapa de espalhamento dos prés pelo RJ
Documento Data Autor Assunto
630. Pré-Vestibulares Comunitários da
Região Metropolitana do RJ
Grupo de Trabalho em Educação
Popular da AGB-Rio
Espalhamentos dos prés no RJ.
“Agendas & agências: a espacialidade dos movimentos sociais a
partir do Pré-Vestibular para Negros e Carentes
Renato Emerson Nascimento dos Santos
ANEXO 2
ENTREVISTAS
414
ENTREVISTAS DO CONCURSO NEGRO E EDUCAÇÃO ........................................ 415
Entrevista a Frei David Raimundo dos Santos ............................................................ 416
Entrevista com Jobson Lopes – (01/09/2002) ............................................................. 425
Entrevista com Fernando Pinheiro – Setembro de 2002.............................................. 428
ENTREVISTAS RECENTES........................................................................................ 445
Entrevista com Alexandre Nascimento (27/09/2006).................................................. 446
Entrevista com Fernando Pinheiro do PVNC em 14 de fevereiro de 2006-03-22 ........ 466
Entrevista com Frei Tatá - Frei Athaylton J.M. Belo (24/08/2006) ............................. 475
Entrevista com Geanne Pereira Campos ..................................................................... 481
Entrevista com Juca Ribeiro- Dia 05/05/06................................................................. 497
Entrevista com Juca Ribeiro- Dia 29/08/06................................................................. 503
Entrevista com Nelson (24/08/2006) Nelson Silva de Oliveira.................................... 527
Entrevista com Nilton Junior - 26.12.2005 ................................................................. 539
Entrevista com Robson Leite...................................................................................... 571
Entrevista com o Zeca Esteves ................................................................................... 594
415
ENTREVISTAS DO CONCURSO NEGRO E EDUCAÇÃO
416
Entrevista com Frei David Raimundo dos Santos
Rio de janeiro, de setembro de 2002. São Cristóo.
FREI DAVI: Então , para mim, a nível do histórico, uma determinante que mudou o rumo do
projeto de prés-vestibulares foi quando a gente, no convívio, e do fazer nascer a novidade,
investimos muito na intuição e fomos radicalmente contra a instituição. Então, na intuição, ou
seja, a intuição: é fundamental abrir espaços de solidariedade onde pobres dêem as mãos para
construir um espaço de libertação. Acontece na minha avaliação, eu estava vindo de uma
experiência forte do movimento negro, e o movimento negro tinha um discurso muito grande de
grupo, união e consciência negra. O que é isso? A união, na marra, como pré determinação, era o
forte. Tinha o Movimento Negro Unificado. O que é que é isso? Eles começavam do zero, com 2
ou 3, 4 ou 20 pessoas, não sei quantas, mas já decretando quem todos tinham que ser unidos.
Irmão, união nenhuma acontece por decreto, de modo que, para mim, era fundamental, e é
fundamental que o projeto nasça, e que a união deva ser conseqüência da afinidade, da descoberta
mútua, do querer somar...
(intervalo)
RENATO - Estávamos falando sobre a hegemonia da intuição sobre a instituição no momento de
criação dos prés.
FREI DAVI - Então, no nascimento do PVNC, na verdade nasceu então, com a conscncia da
multiplicação. Da multiplicação de experiências, sem ter compromisso com a instituição! Ou seja,
nenhum pré iria se institucionalizar enquanto movimento. Então, por exemplo, nós fomos ao Rio
Grande do Sul e levamos a experiência e então nasceu o trabalho lá. E quiseram colocar o nome
de Pré-vestibular para negros e carentes. Eu falei: “olha, seja livre: bota o que vocês quiserem”.
s queremos colocar um nome para puxar mais a questão do Zumbi dos Palmares; queremos
falar do negro sem falar negro no nome, então queamos colocar Zumbi dos Palmares...”; “então,
manda Brasa!”. E lá, então, no RS, é Pré-Zumbi dos Palmares.
No ES, o pessoal nasceu, foi aquilo um pouco que o Carvalho levantou lá no plenário. Ele
conheceu a experiência, e disse estar querendo fazer uma coisa diferente: “queremos fazer um
nome, queremos fazer um trabalho para todo mundo, então, vamos botar o nome de Universidade
para Todos”, então falei: “manda brasa”. Ou seja, a gente jogava a semente, como vai nascendo a
semente, cada modelo vai dizer. Então, no ES, por exemplo, o Universidade Para Todos nasceu
com uma forte visão de instituição. Ele já nasceu fazendo acordo com o Reitor da Federal do
Espírito Santo, concedendo para ele espaço nobre, com salas de aulas nobres, e toda estrutura; em
seguida, eles fizeram acordo com grandes empresas do ES, como a Companhia Vale do Rio Doce
e outras, e essas empresas apadrinhavam as turmas: uma turma de 50 alunos, uma turma de... e
assim vai. Hoje em dia, esse cursinho, Universidade Para Todos, é um cursinho que iniciou com a
intuição comunitária, mas se institucionalizou a tal ponto que ele hoje é uma pequena, é... é uma
empresa! Que manipula um valor financeiro muito alto por mês, tanto que os professores são
pagos e muito bem pagos. Para cada aluno que eles assumem a prefeitura paga “X” para eles, e
eles selecionam o aluno. Eno você vai encontrar lá muito aluno de vel econômico não
verdadeiro, ou seja, revela uma coisa, mas que é outra, e ocupando essa vaga lá.
Nesse Pré-Vestibular Universidade Para Todos, vamos dizer, ele hoje, tem um grande sucesso.
Porque ele é o segundo ou terceiro cursinho, de todos os cursinhos e escolas particulares ou
públicas do ES, ele é o segundo ou o terceiro que mais aprova no vestibular da Federal, ou seja, é
preciso avaliar. Só que para mim, o sucesso dele é um sucesso mentiroso...(a palavra mentiroso é
muito forte, apaga, por favor), o sucesso deles é um sucesso que eles não investiram no segmento
do compromisso inicial; eles passaram inconscientemente - acho que eles nem discutiram sobre
isso ainda -, mas na minha leitura, eles passaram a disputar público com os cursinhos pagos,
oferecendo cursos baratíssimos, de qualidade boa. E eles não têm um controle justo de pobreza,
mesmo falando que selecionam pobres, não têm este controle.
Então, com certeza, o sucesso deles está ligado ao fato de que recebem pessoas que tiveram, por
algum fator, uma escola de um ensino médio com a qualidade melhor do que o normal.
417
RENATO - Só uma pergunta: essa união, essa ligação do pensamento inicial, do grupo inicial,
entre a não institucionalização e a necessária disseminação da experiência, multiplicação da
experiência, de quê decorrem estas duas preocupações? Como é que se construíram essas duas
preocupações: isso veio da relação que membros inicias tinham com outros movimentos, da
experiência? De que debates surgiram essas duas preocupações?
FREI DAVI - Olha, pessoalmente, eu era alguém muito incomodado, muito inquieto nessa
realidade, por trazer comigo uma matriz franciscana. Eu tenho um compromisso com meu
fundador, Francisco de Assis, e olhando as obras de Francisco de Assis, no tempo dele, em 1200 e
alguma coisa, e olhando as obras de seus seguidores ao longo dos anos, inclusive aqui no Brasil,
eu descobri que vários trabalhos nasceram, a partir de franciscanos, no mundo inteiro, com a
radical compromisso com os pobres, mas, olha, mas, a medida em que ia se
institucionalizando, e se organizando, iam criando normas e mais normas, e automaticamente iam
mudando de público. Por exemplo, em SP, existe um colégio chamado Santo Antonio do Pari, um
colégio de ensino fundamental e ensino médio. Quando ele nasceu era radicalmente para pobres
lascados. Hoje em dia, as únicas três pessoas negras que estão no colégio, que eu coloquei lá, na
esperança de ter bolsa, após nove meses não conseguimos as bolsas e as crianças saíram de lá,
humilhadas, devendo tudo, sem poderem se matricular em outra escola. E é um colégio
franciscano.
Então, essa experiência, da instituição, que trago comigo, incide muito nos companheiros, no
nascente pré-vestibular comunitário, PVNC. E a gente colocou com muita rigidez a não
institucionalização. O PVNC até hoje não está institucionalizado, não tem isso, não tem estatuto
nem regimento, porque a discussão inicial que contagiou a caminhada. Segundo fator, já era a
colocação de outros companheiros, que se pensa em muito as ONGs, o grande volume de dinheiro
que elas consumiam e o pouco resultado concreto. Citava-se o IBASE, em outras ONGs que
existiam naquele período, e que eram referenciais. A avaliação era essa: as ONGs recebem das
entidades uma fortuna todo mês, gastam um dinheirão com profissionais e com estrutura, etc. E o
resultado concreto? Você não via com tanta tranqüilidade. E, após dois anos caminhando com
essa metodologia, medindo, pegando nas mãos, apalpando esses frutos, a gente se radicalizou na
convião de não crer na institucionalização. Bom, portanto, este momento da instituição e
intuição foi um momento forte que contagia tudo até hoje.
Por quê que nasceu a Educafro? Três fatores. Primeiro fator: as brigas internas levando o pessoal
a não discutir com razão, mas a discutir por ideologias. Por exemplo, eu te contei lá: estávamos
convictos, eu e um grupo estávamos convictos de que, ampliar a isenção da taxa do vestibular era
instrumento fundamental, necessário, para ampliar o ingresso do pobre. E aí, foi colocado em
várias reuniões. Em uma Assembléia, que colocamos isso pedindo que entrássemos para valer em
cada caminhada, grupos, como o de Jocimar, que morreu, Alexandre e vários outros, tomaram a
palavra e foram radicalmente contra em um discurso bastante equivocado dizendo que aquela
ação do Frei David era para exaltar a PUC e as universidades particulares e malhar, bater e
enfraquecer as universidades públicas. Enfraquecer. As palavras não esqueço: que este todo
nosso iria exaltar as universidades particulares, como boazinhas, e enfraquecer as universidades
publicas!
E aí então, a gente se deparou com este problema, e tomou a decisão: bom, tá.
O segundo grande conflito estourou lá na Assembléia da Rocinha (você estava nessa Assembléia?
Não lembra não?). Foi quando malharam radicalmente a PUC, malharam este acordo da PUC. E
estourou em cima da PUC este problema. E alguns da PUC me procuraram para saber por quê
aquela posição! Eu coloquei para a PUC que era um setorzinho dentro do movimento, que era um
setor meio ultra-radical e não tinha essa consciência da parceria, por isso essa postura meio
estranha.
O terceiro fator de que fez nascer a Educafro foi a minha ida para SP para fazer pós-graduação.
Você soube disso? Não, né? Então, eu, então morando no RJ, eu fui convocado para me preparar
para fazers-graduação em teologia com ênfase em aculturação, com a missão de ajudar a Igreja
a introduzir a cultura afro e a cultura indígena nas missas católicas. Esse era o meu projeto inicial.
E eu fui para lá em 97. E aí, também, me deram uma proibição explícita; em São Paulo eu era
418
proibido de militar. Meu trabalho era no RJ, e eu estava ali para estudar. E eu não poderia, em SP,
militar, porque eles sabiam que eu não ia levar a sério o estudo se eu pegasse milincia.
Nos primeiros meses eu fui muito radical: não peguei um trabalho em comunidade, não subi
morro, não fui em favelas, mas não resisti. E, então em SP, após uns três meses comecei já a me
entranhar na vida da comunidade. Por quê? Porque eu estava lá angustiado em ver o número de
afro descendentes em SP que não tinham acesso à universidade e nem sabiam como fazer para ter
acesso. Daí nasceu o primeiro pré-vestibular em SP. E, eu sabia que era uma estratégia para dar
empoderamento, dar desejo, dar interesse, dar garra para o povo era ver algum sucesso concreto
entre eles; ver pessoas vencendo. Porque o segredo do pobre está aí: o pobre precisar de ter coisas
concretas, o pobre está cansado de reuniões e blá blá blá. E nesse ponto, algumas entidades erram.
Investem em muitas reuniões bla bla bla e não entendem que primeiro você tem que dar a vitória,
porque aí você consegue convencer as pessoas de ir para o bla bla bla, e que é o bla bla bla que
vai ter o resultado concreto. Esta é a tese que agente usa na Educafro.
E aí então, uma vez nascido o pré-vestibular, e percebendo que ia ter uma grande expansão, mais
do que no RJ, o quê a gente fez? Primeiro: todos os erros que aconteceram lá, vamos evitar que
aconteça em SP.
RENATO - Que tipo de erros eram esses?
FREI DAVI - Os conflitos ideológicos, a intuição que era muito aberta, ou seja, você tinha: o
cara abre um pré e vinha quem quisesse, a estruturação era totalmente solta, não solta, era muito
da liberdade. Uma visão democrática desorganizada; democracia como instrumento máximo para
tudo, como se você esquecesse do idealismo, esquecesse da garra, do entusiasmo, ou seja, o que
vinha acontecendo? O PVNC, por exemplo, a coordenação central tem no máximo um ano,
acabava um ano, saiam aqueles caras e elegiam outros. Você via serem eleitas pessoas que não
tinham nenhuma seriedade, sem nenhuma garra e tinham interesses poticos que eram ligadas a
candidatos, que iam fazer campanhas para candidatos. Então esses são alguns erros que eu ia
percebendo que iam prejudicar o movimento. Também vi que, no conjunto, o trabalho estava
perdendo um pouco o rumo. Também vi que alguns princípios-chaves, que iam mudar a
caminhada, estavam se perdendo na raiz. Por exemplo, não se admitia em nossa experiência
nascente que um pré-vestibular, qualquer pré-vestibular chegasse ao segundo ano sem ter feito
uma ação concreta no seu bairro, ao nível da qualidade do ensino médio e discutir isso na
comunidade local. Então essa era a intenção inicial. É um principio que a gente achava que não
poderia se perder.
Então, em SP, por exemplo, com o trabalho da organização, por exemplo, o aluno recebe como
tarefa criar grupos de cinco a dez alunos e ir visitar as escolas públicas do bairro e fazer um
relatoriozinho sobre essas realidades. Então são coisas que para gente é fundamental para fazer
essa mudança acontecer.
Bom, o outro fator chave em SP, foi o seguinte: querendo ver os sinais de vitória concretos que
vem do povo, para contagiar o pessoal de maneira positiva, a gente procurou uma universidade
para fazer acordo de bolsas. Porque no RJ, o pessoal não admitia isso, mas o grande segredo do
boom do trabalho no RJ foi o acordo com a PUC. O pessoalo admite isso, mas eu tenho
consciência de que foi isso. Foi o grande boom, foi a linha que costurou, que provocou, que
motivou foi isso aí. Inclusive houve uma baita queda. Se você observar, de dois anos para cá
houve uma grande queda de nascimento de pré-vestibulares no RJ, e tem vários fatores: um dos
fatores é que um grupo de pessoas do PVNC foram para PUC, reclamar com a PUC que a
Educafro exigia trabalho comunitário, e isso prejudicava os estudos. Ora, a PUC que é viciada no
academicismo, o quê que ela fez? “Não, de jeito nenhum, a gente vai liberar os estudantes do
trabalho comunitário, queremos a qualidade acadêmica”. E, com essa afirmação do professor
Augusto, reitor comunitário, em reunião, se espalhou no conjunto todo dos antigos alunos da
PUC: “não, precisa de trabalho voluntário, não... isso é exigência da Educafro, vamos esquecer
isso aí”. Então, houve uma queda violenta, de mais ou menos 70% de trabalhos comunitários ou
mais. Você sabia disso? A fase está feia. Eu deixei isso acontecer, infelizmente eu deixei. Não
briguei. Eu sou muito de brigar quando eu acredito. Porque eu quero brigar na hora certa, e esta
hora está chegando para brigar. Eu quero provar para a PUC que aquela fala, que era uma fala que
o tinha consciência do que estava falando, que traz conseqüências sobretudo pros pobres. E que
419
era muito mais negócio para a PUC ela dar a bolsa e o cara trabalhar para os outros para ampliar a
vitória dos pobres do que parar no cara a viria da bolsa. Muito bem, meu plano é retomar com
garra o trabalho comunitário na PUC do Rio.
Eu tentei quatro vezes falar da vitória de São Paulo e não consegui. Outras iias boas estão
aparecendo. Há uma Universidade de São Paulo que nós escolhemos para ser a universidade
chave para provocarmos esse a. Os Franciscanos têm uma Universidade emo Paulo. Eu fui e
colei com o reitor e falei com ele da importância dele ser meu parceiro e ajudar o projeto a
acontecer. Então o Projeto lá em São Paulo foi com o mesmo nome, Pré-vestibular Comunitário,
não tinha troca de nome, não tinha essa preocupação de nome. Falávamos muito de PVNC,
usávamos todos os termos normais que se usavam. O reitor então falou: “Ok, está aprovado, vai
negociar com os setores Jurídico, Financeiro e Setor Social, que eu já autorizo”. Aí eu fui falar
com esses setores aí. Aí o Setor Jurídico e o Setor Financeiro pularam pra trás. “Se você vem sem
uma entidade, como é que s vamos assinar um acordo?”. Eu disse: “Não, mas eu tenho uma
entidade, e o nome é Pré-Vestibular para Negros e Carentes”. Eles disseram: “O quê? Pré-
Vestibular para Negros e Carentes? Você acha que a gente vai querer sofrer um processo por
racismo? Se nós assinarmos um acordo com vocês, racistas, vocês estão ferindo a Constituição!”
Bom, vou eu perder tempo em querer conscientizar o cara ali na hora de que ele estava enganado?
De jeito nenhum. O problema é o nome? Ok, a gente então vai fundar uma instituição com um
nome em que não aparece isso e ponto final. Então: “Ah! Tá bom. Vamos marcar a reunião para
quando? Segunda feira que vem.” Tinha cinco dias para inventarmos uma instituição.
Então, Renato, a gente reuniu um grupo de pessoas para discutir sobre. Isso foi em 97, e apareceu
esse nome. Na conversa com o pessoal da estrutura da faculdade, a palavra Educação, e a palavra
Cidadania foram muito queridas por eles. Eu falei que a gente tinha aulas de Cultura e Cidadania.
E eu falei pra eles que nós, comunidade negra, percebíamos a dificuldade que vários setores
tinham de entender a palavra “negro”, e no entanto nós estávamos achando que estaríamos
investindo em outras terminologias para trabalhar este problema. E a terminologia que estávamos
investindo era “afro-descendentes”. Ele falou “Ah! Muito simpática esta terminologia”. Esse cara
achou muito simpática a terminologia, e era o cara que poderia aprovar ou não. Pronto! E aí
discutimos estas questões com a nossa equipe lá de São Paulo e inventamos esse nome: Educação
e Cidadania de Afro-Descendentes e Carentes, sigla EDUCAFRO., chegamos lá no dia
marcado, com o nome da entidade, com dados, com um projeto de registro, e entregamos ao cara.
Educafro! Quer dizer educação, investir em educação, não é isso?” E falamos de educação para
ele, e não aprofundamos o resto dos termos. O fato é que o cara aprovou, passou, e ali
conseguimos as primeiras 46 bolsas de estudos, se não me engano. Rapaz, você já viu cair numa
favela um caminhão de balas, a criançada avançando, no tapa? Tinha só um núcleo de pré-
vestibular. A gente sabia que, daquele núcleo, talvez uns 10 alunos só, tinham cursos que os
interessasse naquela faculdade. Então nós abrimos e qualquer cidadão do Movimento Negro de
São Paulo poderia disputar aquelas bolsas. Nosso corte foi radicalmente racial, mais uma vez. Ao
nascer o PVNC, radicalizamos o corte racial. Lá em São Paulo radicalizamos o corte racial
também. E aí, cara, lotou de gente disputando essas bolsas, e ao invés de 45 eram 80 pessoas e nós
conseguimos botar quase todo mundo dentro da faculdade. Então oficializou-se o nome,
legitimou-se o trabalho, e esse pessoal que entrou nós começamos a investir muito em reuniões e
debates para esse pessoal abrir novos núcleos. Pronto! Em 98 – você está com o livrinho aí que foi
distribuído lá no encontro, referente ao primeiro encontro? Lá eu forneço os dados. Em 98 passou
a ter primeiro 6 prés-vestibulares, chegando a 19, planejando chegar ao final de 99 com 30 prés-
vestibulares. Em abril de 99 já tinham 30 pré-vestibulares! Hoje, em 2002, estamos com 104 pré-
vestibulares, todos ligados à EDUCAFRO. Neste trajeto aí, um 5 morreram, não tiveram liderança
pra botar pra frente. Uns quatro sram fora, inclusive um deles estava ali na reuno de ontem.
Você conhece a Mafuani? Estava ela e o irmão ali. A mãe dela é esposa do Ivair dos Santos, do
Ministério da Justiça. Ele é o pai da menina ali. A esposa dele veio procurar o EDUCAFRO para
pedir bolsa. Eu disse: “Olha, com uma condição, que você abra um pré-vestibular lá na sua
comunidade”. Ela abriu. Só, que é uma pessoa que tem uma história de ONG, projetos, esses
negócios assim, que eu sempre tive bronca. A gente percebeu que ela tinha outros interesses. E,
420
com o tempo, a gente viu que ela estava muito mais nessa linha aí de dinheiro. A gente a apertava:
“Olha, Pré-vestibular é isso e tal”. A gente apertou, e aí eles pularam fora.
Bom, portanto, a sua pergunta já está respondida?
RENATO - Sim. não falou do espírito da disseminação, por que essa idéia de aumentar, de
criar sempre mais núcleos. Isso é uma coisa desde o início, não?
FREI DAVI - Olha só: aqui, é outro nó do Projeto. Há um grupo que radicaliza na qualidade, mas
o que é qualidade para esse grupo? Qualidade é obrigar o outro a entender o meu pensar, a minha
ideologia e seguir a minha ideologia. Para nós, o que é melhor? Existir poucos pres, com um
controle ideológico alto do comando central? Ou existir vários pres, que vai dando
empoderamento, qualidade pra essas pessoas procurarem o que é melhor e, ao mesmo tempo, a
pessoa vai se abrindo pra rever sua cabeça, sua mentalidade, seu jeito de ser. E eu falo: a linha que
a gente tem investido é essa aí. Pra nós, está em jogo não o meu quintal, está em jogo um projeto
de Brasil. Eu não vou mexer com o Brasil, mexendo com o meu quintalzinho bem
arrumadinho. Então, a ideologia fechada, cerrada, que alguns têm querido implantar em
pouquinhos núcleos, pra mim isso não é a estratégia ideal. Eu vou dar um caso real: Petpolis.
Quando nasceu o núcleo de Petrópolis, a gente foi lá várias vezes, pra fazer nascer esse núcleo,
um dos rapazes que estava na coordenação do núcleo era radicalmente contra o nome negro no
projeto. E aí então eu falava pra ele que tinha toda uma estratégia, que isso não era problema. E
ele então acabou assimilando. Cara, um ano depois, eu estou em São Paulo, e chega uma cartinha
pra mim: “Davi, lendo jornal aqui, eu encontrei um artigo, e como você gosta desses negócios de
negro, das lutas do negro, eu estou mandando pra você”. Uma senhora, de Petpolis, lá da igreja
onde eu trabalhava foi quem me mandou. eu abrindo o recorte de jornal, vi esse rapaz, que era
contra a questão do negro, escrevendo um artigo num jornal lá de Petpolis, falando sobre a
importância do negro para a sociedade brasileira. Ora, então há a vontade de evolução. Se você
tivesse esse fechamento com a ideologia, só entra quem pensa como eu penso, você não teria
investido numa pessoa como aquela ali, por exemplo. Qual é a nossa metodologia, é essa aí: Não
ter nenhuma barreira ideológica. Todo e qualquer um que queira entrar, entre. Não temos
preocupação com qualidade agora. Você tem que se preocupar com o sonho. Só quem acredita
num sonho luta por um mundo melhor. Então, a gente tem investido em sonho, em vitória, em
garra, temos usado palavras de otimismo, pois a gente está vendo que o nosso povo está muito
quebrado. A auto-estima do nosso povo está muito destruída, e se você não tem estratégias para
esse pessoal mudar a estrutura deles, eleso vão muito longe não.
Bom, então por que o abrir prés demais, e não o outro método que é o de marcar uma linha de
qualidade, ideologia, e fechar. Pense bem: olhando agora, post facto, a gente colocava sempre
assim: “Olha gente. Pra mim, é fundamental que nasça um grupo querendo abrir um novo pré. E é
fundamental que esse grupo tenha o direito de daqui a um ano, dois anos, pegar o rumo que ele
quiser”. É comum, por exemplo, em São Paulo, grupos irem na EDUCAFRO – lá nós temos
uma organização que, toda quarta-feira, tem reunião para orientação de abertura de núcleos.
Qualquer cidadão vai lá, pega o material, o kit de abertura, e ele vai e abre o núcleo...
RENATO - Aqui vocês fizeram, em 94, uma cartilha de como abrir um pré. Você consegue
mapear quem era a favor de um discurso e quem era a favor desse controle de qualidade na
reprodução ideológica?
FREI DAVI - Olha, o Alexandre, por exemplo, foi sempre contra esse método de abrir muitos
núcleos. Eu me lembro que o primeiro grande conflito que eu tive com o Alexandre, em 93 já, no
ano de abertura, quando a gente se deparou... você já leu esse relato da abertura, quando a gente
então tinha lá 706 pessoas inscritas e 100 vagas. Selecionamos as pessoas, 650 passaram no
critério nosso de pobreza. Mas só tinham 100 vagas. Acolhemos 100, os outros quinhentos e
pouco a gente mandou voltar dias depois que a gente iria, também, abrir outros, iríamos provocar
novos prés. Aí eu fui em igrejas evangélicas, e etc. Nesse momento, o Alexandre começou a
criar várias vezes problemas, porque ele era contra a abertura de novos pres-vestibulares sem um
controle rígido. O Alexandre foi o grande mentor disso aí, de ter um controle rígido de qualidade,
várias vezes ele levantou em reunião de Conselho a proibição de abrir novos prés.
RENATO - Como é que era, naquele momento inicial, a relação do movimento com outras
entidades do Movimento Negro. Tinha gente envolvida, quem era?
421
FREI DAVI - A gente queria rejuvenescer a questão do negro na sociedade brasileira. Nós
percebíamos que esse grupo, que estava vindo a partir de uma consciência nova, para os pres-
vestibulares...
Percebemos então que várias coisas influenciaram para não termos um crescimento bom no
fortalecimento da questão do negro. Agora, com o EDUCAFRO/SP, quando nós chegamos a 100
cursos, avaliamos e vimos que é possível sim fazer grandes contribuições nessa linha. Quando
decidimos aprofundar a experiência em franquia social, ela vai ser uma injeção muito grande em
criar entidades com corte racial, mas de maneira concreta, não naquele estilo tradicional, antigo,
do IPCN, que era uma entidade para discutir a questão do negro. A gente acha que se discute
fazendo, não só discutindo. Então agora, quando você faz um trabalho a partir da negritude, vo
ao longo do processo do fazer vai discutindo. É uma maneira diferente de fazer o trabalho. E a
atual fase é esta. A gente vai introduzir lá em São Paulo, e aqui no Rio também. Vamos deixar
bem claro para todos os núcleos que estão associados à EDUCAFRO aqui no Rio, que vamos ter
alguns níveis de associão: teremos o núcleo que é filiado, e o núcleo que é associado – o termo
está ainda sendo estudado. O fato é que só vai poder ser associado o núcleo que assimilar as
propostas que estão nascendo aí. Então cada núcleo vai ser uma entidade; nós vamos dar a ele um
padrão de registro; ele segue se quiser ou não. O núcleo pode não ser nada também, não tem
problema. Só que a gente vai ter alguns núcleos que são os núcleos que estão na linha ideal, e
nesses a gente vai tranqüilamente legitimar, assinar a franquia de representação da entidade, no
sentido de fazer acontecer mesmo. Não sei se isso vai ser a grande transformação que a gente ta
imaginando que vai acontecer, não sei. Mas a gente está com expectativa de que isso vai provocar
uma nova qualidade de ação. Porque olha só, São Paulo: 104 núcleos. Pra nós é impossível que
em meio a esses 104, não tenham uns 20 núcleos que já tenham pique de sair pra uma caminhada
radical. Tem pessoas qualificadas, pessoas com consciência. De maneira que essas entidades
comecem a dar outros saltos. Enquanto EDUCAFRO, vão fazer aquilo que é a nossa missão em
nossa consciência: dar assessoria e embasamento para acontecer o pré-vestibular, e agora(...)
O INÍCIO
(...) e aí, encontramos um problema: não tínhamos professores negros capacitados. Eno tivemos
que abrir o pré-vestibular para acolher professores, por que não tinha. E aí tivemos que fazer um
apelo para professores. Saiu uma matéria no Jornal O Dia: “Olha nós estamos querendo fazer esse
trabalho, o trabalho está bem adiantado, falta mais professores para a gente fazer o trabalho
acontecer”. Então, a gente abriu para a sociedade. Nesta abertura para a sociedade, aparecem
Alexandre, Luciano e Antônio. Alexandre do Nascimento, Luciano e Antônio já se adiantaram.
Olha, Davi, vimos isso aí no jornal e viemos aqui pra ajudar.s temos contatos com
professores e podemos trazer mais professores”. O Alexandre vem nessa fase aí. Ele pode ser
histórico... E aí, ele já abre o jogo, que ele, Luciano e Antônio tinham interesse de abrir uma
ONG. E eu lhe abro o jogo.o queremos ONG, queremos trabalho voluntário, comunitário,
nada de ganhar dinheiro não. O Alexandre topa fazer o trabalho, entrar e me ajudar trazendo
professores. E aí a gente começa e abre o primeiro pré.
Ou coisa delicada, que eu não gostaria de falar, mas, história é história, você não pode negar pra
poder entender. Um professor me avisa: “Olha, Davi, o Alexandre fez um projeto financeiro
escondido para o nosso pré-vestibular aí”. Ali começou a minha bronca com o Alexandre, porque
ele, escondido, fez um projeto financeiro pedindo dinheiro pra ele. Você deveria entrevistar esse
professor, o Professor Zama. Ele é da primeiríssima equipe de professores que entrou no pré-
vestibular. E então o Alexandre vai, e... só que eu não jogo pra ele que eu sei disso, mas passei a
ter desconfiança desse cara.
Continuando, então, eu avancei... esta história, o incidente do projeto, foi pro mês de setembro,
outubro. Voltando pro mês de julho, estourou um baita conflito, que pra mim é um conflito
marcante do Projeto. O Alexandre e mais três professores, afro-descendentes e brancos, colocam a
mim e aos outros na parede: “Ou você tira o nome negro, ou a gente vai sair fora do Projeto”. O
Alexandre! Hoje, ele é um cara interessado. Pra mim, ele é um modelo de que vale a pena o
investimento, vale a pena investir. Alexandre era contra a questão racial. Ele tinha a leitura racial
dele, mas não com a qualidade que ele tem hoje. Então, ele e mais alguns professores foram
422
contra o nome negro no Projeto. Eles me botaram na parede: Ou tira o nome negro ous vamos
sair fora”.
Antes disso teve um outro incidente. Uma senhora loira vem, com os braços na cintura, com o
dedo em nossa cara, dizendo: “Vocês jogaram a minha filha pra fora porque ela é loira. Vocês são
racistas, eliminaram a minha filha porque ela é branca. Eu vou nadio Globo, Rádio Tupi, vou
denunciar vocês como racistas”. A mulher armou um barraco dos grandes. Ora, pra mim aquilo
era só o começo de muitas outras confues que iriam acontecer. E eu me sentia bastante
preparado pra esses conflitos. E ali, com muita paciência, explicamos à mulher o projeto, o drama
do negro na sociedade brasileira, e o porquê da nossa convicção, de que se ela era branca e tinha
um nível social melhor do que outros negros, que ela não tinha lugar ali dentro não. Não tinha
lugar mesmo, eu radicalizei. E alguns professores viram esse diálogo meu com a mulher, e isso aí
foi penetrando, e eles levaram aquela consciência pros outros. E foram levando como? Para
alguns professores, brancos e negros, que não tinham a consciência racial amadurecida, esse
trabalho ia botar todo mundo na cadeia, que eram um bando de cadeias. Eles estavam admitindo,
sem maldade, que eles estavam entrando numa fria. Eles queriam o Projeto, acreditavam no
Projeto, mas estavam com medo de ser uma armadilha contra eles mesmos, porque a gente
radicalizava na questão racial. Esse grupo vai, e bota pressão exigindo então a mudança do nome.
E depois de longos e longos debates... tinha uma ir, uma freira, irmã Luciana, que era uma
pessoa muito prática e pouco de se conversar. E tinha uma outra irmã, Leisa, que era brigona, uma
mulher meio raçuda, que brigava pra valer. Então nesse conjunto todo, depois de várias reuniões
de debate, a gente fez concessão, a gente deu o dedo pra não perder o braço. A gente admitiu a
proposta, a gente sugeriu e eles aceitaram, como maneira de resolver o problema, de conciliar o
problema, incluir o nome “carentes” no projeto, pra poder então eles continuarem.
RENATO - Foi essa irmã Leisa que sugeriu?
FREI DAVI - Não, a ir Leisa foi alguém que participou muito nesse momento tenso, e ajudou
a refletir muito. Eu não sei se foi ela, mas, em todo caso, a iia apareceu nesses debates, e a
solução seria essa, Pré-Vestibular para Negros e Carentes. E, ao colocar isto para esse grupo
radical, contra, o grupo aceitou, e a coisa pegou por aí. Criou uma calmaria. Calmaria que foi
temporária, por que, no ano seguinte, com a ampliação do número de núcleos, voltou à tona
aquela briga outra vez. Então, primeiro foi esta história aí. Em 93, nasceram os primeiros núcleos,
com essa historiazinha ali. Em 93, os primeiros vitoriosos que passaram no vestibular, eles
voltando nas suas comunidades, pras suas favelas, pros seus bairros, eles diziam: “eu sou um
universitário!”. Isso contagiou o povo das redondezas, e aí então isso fez com que, no segundo
ano, tivéssemos uma grande procura.
Aí é que entra o GRUCON, que é Grupo de União e Consciência Negra. Eu chego pro Juca e falo,
nós temos mais de 600 pessoas pobres e negras querendo fazer o pré-vestibular e não tem como.
A minha idéia é que o GRUCON abra um núcleo de pré-vestibular com corte de radicalidade
racial. O Juca levou isso pra lá pro grupo dele, e me parece que não foi bem sucedido não. No
meu estilo de ser, alguns acham que eu tenho esse hábito rápido demais, que acaba atrapalhando
ou outros... acontece que, quando o Juca falou que ia pensar, eu falei: “então ta, Juca. Eu já vou
preparando um grupo de alunos e vou marcar aqui pra eles voltarem aqui, pra pegar a sua
resposta. Aí marcamos com 70 alunos, e eu queria ajudar todo esse pessoal, eu sei que a esperança
é central. Marcamos a reunião para 20 dias depois daquele. Seria o prazo para abrir o pré,
conseguir o espaço. 20 dias depois o Juca não conseguiu. Então, o primeiro encontro do grupo de
pré-vestibular do GRUCON foi na Igreja Matriz, porque não tinha onde. A gente tinha que ter
uma estratégia para não deixar o pessoal sentir insegurança no grupo. De maneira que o Juca tinha
mais ou menos resolvida a sede da Federação das Associações de Moradores de São João de
Meriti, a ABM. Pois é, o Pré ABM era o Pré Grucon, que eles perderam por total falta de
qualidade de trabalho. O Juca e o grupo dele, do Consciência Negra, foram bastante omissos no
trabalho e perderam o domínio, perderam a administração mesmo, por total ausência. A ABM
assumiu o Pré. E em seguida, a ABM também, por total falta de presença perdeu a administração
e um grupo de alunos assumiu o pré ABM. O famoso pré ABM é essa história aí.
Portanto, olha só, iniciamos o pré-Matriz, em 93. Em 94, nasceu o segundo pré, qual foi? O pré-
Nilópolis, com o Frei Tatá. Quem era o Frei Tatá? Era um membro do GRENI. O que é GRENI?
423
Grupo de Reflexão sobre a Vida Religiosa Negra e Indígena. Frei Tatá fez nascer o pré em
Nilópolis. A irmã Luciana, que é do GRENI também, abriu o pré-Prainha. Prainha era um pré que
existia numa favela em Duque de Caxias num manguezal, e tinha o nome de Prainha. Era um
mangue desgraçado, que ficava ali no Parque Lafayete. Acontece que o pré Prainha, uns quatro
meses depois de existência, houve um tiroteio na favela e os professores e alunos ficaram presos,
detidos no pré, sem poder sair. Criou o maior pavor em todo mundo, e transferiram o pré Prainha
para o Pré Santa Clara. E quem coordenava esses pres era o GRENI, Irmã Luciana, o Sérgio
Manhães. Então, o Sérgio Manhães saiu com todo o grupo e transferiu o pré para o CIEP Santa
Clara.
Então veja: pré Matriz o primeiro; pré Nilópolis o segundo; Prainha o terceiro; ABM o quarto; Pré
Metodista o quinto. O quinto pré que nasceu foi na Igreja Metodista de Caxias, no Colégio
Metodista. Também esse grupo de que nasceu o pré Metodista era um grupo viciado em ONGs,
queria ganhar dinheiro com o pré. Olha, algumas coisas vocêo pode botaro, hein... senão
os caras vão me processar. E aí, esse pré Metodista, olha só que interessante... o famoso pré
AFE... vo conhece o Zeca? O Zeca é do pré AFE, mas o pré não era pré AFE. Era o pré
Metodista que a gente abriu e que deu um problema. Qual foi o problema? A diretora chegou
numa segunda feira lá, e encontrou os ventiladores ligados e o bebedouro d’água jorrando água
gelada direto. Parece que a última pessoa a beber água apertou de forma que a coisa engatou e não
parou de jorrar água, o cara não viu e deixou. E ainda, por coincidência, dois problemas. A
mulher chega segunda feira, vê aquilo, e expulsou sumariamente o pré da Igreja Metodista. A
gente conseguiu então levar pra AFE. Então o pré AFE nasceu desse quinto pré aí, que era o pré
Metodista. Daí pra frente, qual é o sexto, o sétimo pré, eu não consigo lembrar de mais nada.
Nasceram pres a torto e a direito. Mas esses primeiros cinco eu consigo com tranqüilidade afirmar
que foram os cinco primeiros pres, de maneira absoluta.
Mas a questão racial tinha em qual? Pré Matriz, pré Nilópolis, Grucon – no começo, pelo menos -,
pré Prainha. Estes tinham a questão racial. O pré Metodista começa a quebrar a questão racial. Ele
não vinha com muita força, apesar de nascer com um grupo negro. Não, não, não. Ele nasceu com
o corte racial, no grupo negro Metodista. Ele perdeu o corte racial quando foi pra AFE, ele perdeu
a radicalidade racial. Então, os cinco iniciais eram pres radicalmente raciais. Escolhemos a dedo,
né? Escolhemos, as equipes que faziam os núcleos nascer, eram todos comprometidos com essa
discussão.
RENATO - Os alunos eram todos negros?
FREI DAVI - Não. Nesse ponto a gente tinha a seguinte estratégia: deve ter, no mínimo, a
mesma porcentagem de negros que há na sociedade brasileira – e até hoje isso a gente leva a sério.
Então, 44%, quando se discutia o IBGE, e 59% quando se discutia o Datafolha como nosso
referencial.
Na minha leitura, o pré-vestibular tem duas vertentes: uma vertente Steve Biko, que é a vertente
onde o professor é pago, o aluno paga um salário mínimo, meio salário mínimo. Quais o os pres
que seguem essa vertente? Não sei, seria bom descobrir quais são os pres que seguem a vertente
Steve Biko. O CEASM é alguém que surgiu identificado com a vertente nossa, e depois mudou de
vertente. Porque a questão do projeto financeiro foi sempre um problema, ou, uma solução,
depende de como se encara. O fato é que, na minha leitura, 90% dos prés que nasceram no Brasil
todo nasceram com esse veio comunitário. E 10%, noximo, nasceram no outro veio
institucional, pagando professores, essas coisas assim. Não sei se você teria como pegar esses
dados um dia, mas seria bastante interessante. No Encontro, foi discutido isso, o perfil do pré que
poderia entrar na rede?
RENATO - Parece que o GT de Rede discutiu isso. Só que eu não estava naquele GT.
FREI DAVI - Porque vai ter grandes conflitos aí. Ali estava o pessoal do cursinho da Poli, você
conhece o cursinho Poli? Conhece a história dele um pouquinho, a prática dele? Eu acho que ele
reúne 10.000 pessoas, aplica uma prova e pega os melhores. O restante se dane. Ponto dois: cobra,
mensalmente do aluno, de 50 a 120 reais. Seria legal se você visse. Domingo que vem, não, no
outro domingo, o terceiro domingo do mês, tem o encontro do EDUCAFRO São Paulo. Você
poderia ir pra lá, pra ver de perto isso daí. Se você vai um dia antes, eu boto alguém pra te levar
pra conhecer o Poli, o Psico/USP, o do Consciência Negra da USP. A Mafuani é do Psico/USP.
424
Todos os três são da vertente Steve Biko, cobrando. Nasceram já assim. Vale a pena você ir,
porque você vai ver outra realidade. Eu ouso dizer que o que seria o PVNC, o projeto inicial, foi
aquele aplicado na EDUCAFRO/SP. Infelizmente é isso. E por que que não aconteceu aquele
projeto aqui? Porque a gente iniciou mesmo, com uma mentalidade completamente aberta, solta,
achando que a intuição era suficiente, que o problema do mundo... eu era de um grupo que
pensava o seguinte: o que vai mudar o mundo é a intuição e a garra no fazer. Eu era desse jeito,
pensava assim. O que vai mudar o mundo é justamente a radicalidade do que tem que fazer. Sem
estar preocupado com a continuidade, com a estruturação, porque a gente entendia que a estrutura,
ela é boa ou ruim, em função de quem está à frente dela. Ou seja, em qualquer momento, em
qualquer instituição, depende dos seus dirigentes. Se depende dos dirigentes, por que eu vou ter a
pretensão de fazer algo que ultrapasse a minha capacidade de definir. Então, essa é uma questão
complicada, a questão da ideologia. Você impor e exigir a sua ideologia. Pra gente, você deve
criar situações pra fazer a planta nascer. Se a planta quer jogar o tronco pra direita ou pra
esquerda, depende do vento, do contexto, da raiz dela. Ou seja, a gente acha que não podemos ter
a pretensão de querer o resultado fechadinho. Você deve ter condições para que a coisa cresça.
Essa é a nova fase EDUCAFRO. Queremos dar condição para que o pessoal pegue um outro
impulso. Eu vou acabar revelando mais uma outra coisa que eu não queria revelar. O que está por
trás da nova fase da EDUCAFRO? A convicção de que nós estamos chegando num período, o
Projeto chega num período de maturidade, onde vai enfrentar um problema que não prevíamos: o
alto nível de desemprego para o grupo universitário. Então, em nossa cabeça, infelizmente, essa
praga que é a ONG, essa tal da ONG, eu não gosto dela não. Mas a gente, na nossa cabeça, a
gente acha que cada núcleo, virando entidade, vai ser um laboratório de produção de trabalhos e
poticas públicas que vai precisar de gente pensante e técnicos. E esse pessoal que está se
formando vai ocupar essas funções aí. E vai, por um período ser trabalho.s vamos, então, gerar
empregos. No fundo, por trás de nossas cabeças está isso aí. Então eu te falei que hoje, essa nova
vertente que é a questão do emprego, e de que que eu falei? Isso: no fundo, são duas coisas mas
que é uma só. É que a gente está sentindo que o drama do emprego está muito grande e vai crescer
cada vez mais, e se não houver uma preocupação nossa de criar base para enfrentar esse
problema... porque não adianta, você tem que fazer gerar novos empregos. A disputa está
acirradíssima aí. Tem um caso que me deixou escandalizado. Você tem dezenas de pessoas
formadas no curso de Serviço Social da PUC, desempregadas. Isso me deixou desmontado.
Estamos suando tanto para fazer desempregados negros universitários. E daí, que a gente sonha
ter um departamento da EDUCAFRO pra cuidar só de empregabilidade. E assim vai...n
425
Entrevista com Jobson Lopes – (01/09/2002)
Renato: Ao discutir o pré como movimento social eu tento pegar todos os momentos de
construção desse movimento, quais são as pautas, quais são as agendas de discussão, quais são os
fóruns de constituição dessas agendas, quais são os locais dentro da estrutura do movimento,
quais são os momentos da instauração da discussão. Estou montando um histórico baseado nesta
perspectiva. A minha questão é: por quê os sujeitos se envolvem na construção deste movimento?
Por que as pessoas se inserem no pré-vestibular para negros e carentes? Com a ênfase de
descobrir quais são as razões, quais são os projetos desses agentes societários? Pois a minha idéia
é que o pré se consti a partir de sujeitos que têm projetos diferentes, que têm valores diferentes,
e que são bastante distintos. E com a ênfase sobre qual é o papel da questão racial como elemento
que aglutina sujeitos ou não. Bom, esse é o meu projeto de doutorado.
E eu estou também com uma pesquisa financiada pela ANPED, na qual estou refletindo como é
que o debate racial se insere no movimento. Como é que ele entra? Como é esta agenda é
colocada, como é que isso é constrdo. Então eu queria ouvir de você seu depoimento, como é
que esta questão é abordada?
Jobson: eu acho que esta idéia do trabalho voluntário é muito forte. Com o Betinho houve esta
explosão, né, e não é por um acaso que o pré surge, em 93; quando começa essa discussão do
Betinho, que vinha desde o inicio da década de 90. E o pré tomou esta forma. É esse momento
do trabalho voluntário que tem um peso muito grande.
O trabalho voluntário... foi aí que deu este salto. Estruturalmente falando, foi uma coisa
importante. Sem falar na discussão questão racial. Na realidade, trabalho voluntário e a discussão
racial é que eu acho que foram os motores que impulsionaram o PVNC.
Outra coisa também é que, e aí eu entro naquela discussão que eu levantei ontem, né... naquela
questão de formação de campos, né!? Que era bastante heterogêneo. Mas foi aglutinando no
Grupo Negro Eclesial, que era ligado a Pastoral; o Campo Amplo, que o pessoal chamava de
Campo Amplo mas eu denominava grupo Gramsciano, que tinha toda uma metodologia de
concepção gramsciana, do intelectual orgânico. E por isso estavam no PVNC; por que como era
para universidade, então formar intelectuais orgânicos para discutir a questão racial e trabalhar a
questão do negro. E entre os alunos, a grande maioria do alunos ficava nesse fogo cruzado; e
dessa insatisfação com estes dois grupos, acabou surgindo o Grupo Autônomo-Espontaneista.
Renato: Fala um pouco mais sobre a construção destes grupos.
Jobson: Bem, o Pastoral e o Gramsciano, esses dois campos, eram um só! Isso eu não cheguei a
falar. Foram eles que fundaram o pré. Teve uma reunião na Pastoral, onde tinham pessoas que
militavam ligadas à Pastoral, sendo da Pastoral ou não, simpatizantes. Pessoas ligadas ao
movimento negro, que se juntaram e montaram o pré. Então, era um grupo só. Eles chamaram os
alunos, que seria o outro campo, o terceiro campo, o Autônomo-Espontaneista.
Só que dentro deste grupo inicial começou a ter atrito. Pela postura de algumas pessoas,
consideradas personalistas, e também por causa da postura do grupo gramsciano, que tinham outra
visão. E começou a ter atrito. Só que só foi radicalizar quando surgiu a idéia do financiamento
externo. radicalizou todo o ambiente.
Aí foi até uma coisa que o Juca levantou na reunião passada, que o grupo autônomo potencializou
o campo negro eclesial. Por que, assim, o campo negro eclesial tem como infra-estrutura a própria
Igreja, a máquina da Igreja, mas se não tiver alguém para impulsionar, não adianta. E aí, de certa
forma, o campo, o grupo autônomo-espontaneista, ele... Houve uma aliança involuntária, que foi
na hora de barrar o financiamento externo, que eu acho que foi o grande momento que deu o
diferencial na discussão do movimento.O PVNC explodiu por que ele não é financiado, né?! Ele
pôde se multiplicar no espaço.
Renato: essa coisa do financiamento externo foi naquela assembléia da Rocinha...
Jobson: também.
Renato: naquele momento o PVNC já tinha quarenta e poucos núcleos, né!?
426
Jobson:...é... Já tinha uma organização. Mas estava muito incipiente...Nem se auto observava
como um movimento. Por que essa questão do financiamento externo era tão forte que não tinha
outra preocupação. O pessoal ia para a assembléia para discutir isso: “vamos montar uma
assembléia?” “ ...a gente tem uma instância soberana...”. A discussão já existia.
Renato:...Foi essa pauta, foi a agenda que criou...
Jobson: ... a estrutura! Tudo bem, o Juca... Os outros que estavam, vinham no conselho para
poder referendar o financiamento. Não precisa nem ser muito inteligente pra ver isso. Na verdade,
conselho pra quê?! Tinha o objetivo de... Tinha essa idéia de institucionalizar o pré. E pra isso
tinha que ter uma instância mínima. Só que no conselho não teve acordo, e teve que montar as
assembléias. A estrutura sujeitou-se à agenda mesmo. E esse grupo acabou sendo derrotado.
Várias vezes nas assembléias nesse tempo foi colocado esse princípio e aí esse grupo se
desgastou, por uma série de motivos e acabou saindo do pré, se dispersando. E esse grupo não
existe mais.
Mais tarde houve um embate do grupo Autônomo com o grupo Negro-Eclesial, que também
queria institucionalizar...e aí, o pessoal disse: “a gente estava unido para não institucionalizar, e aí
esse grupo vem com essa idéia também”. Aí teve o embate, que originou a Educafro. A Educafro
é o campo negro.
Renato: Além do David, quem mais é esse campo Negro-Eclesial?
Jobson: Só o David, né, cara. O David é o campo, e pessoas que estão em torno do David no
momento. Porque o David é tão personalista, que as pessoas não suportam e acabam saindo. Só
quem tem jogo de cintura. Ele fica lá isolado, mas ele potencializa algumas pessoas, não é só ele.
Ele potencializa algumas pessoas para formar novas lideranças. Ele também tem essa
preocupação, eu também não vou... Mas só que a dinâmica que ele dá é tal, que os melhores,
justamente as pessoas que ele escolhe, se revoltam contra ele.
Renato: como quem, por exemplo?
Jobson: A maioria das pessoas que estão na PUC, que estudaram na PUC e estão no PVNC são...
têm alguma história para contar. Seria até interessante você perguntar, conversar com pessoas,
tipo Márcio Flávio, a Simone. Eles têm uma visão, até porque eles são do PVNC e foram muito
ligados ao David, e hoje em dia, não têm mais essa ligação., já é uma outra visão.
Por que o grupo, parece até que foi uma organizão, o grupo Autônomo, não é uma organização,
é uma tendência dentro do movimento; uma coisa muito mais ampla. Mas existem algumas
pessoas que ficaram marcadas por causa disso. É o meu caso, o Robledo – você conheceu o
Robledo? -, o Wagner, a gente tinha essa postura de enfrentamento, e aí a gente também virou
meio que referência dessa tendência. Mas é uma tendência muito incerta. Hoje em dia eu não sei
se dá para a gente falar se existe ainda. Está em uma outra fase... O PVNC esmeio que numa
encruzilhada, não sei como vai ficar. Vai ter que dar esse salto de qualidade. Eu acho que esse
Encontro, de certa forma, aponta para isso. E vendo aqui, a hipótese é que o PVNC foi que deu
esse salto e iniciou esse processo de movimento de prés populares.
Tem mais alguma pergunta?
Renato: Sobre a questão racial? Como você a vê dentro do pré, antes e hoje.
Jobson: Bem, antes havia muita discussão racial. Mas era totalmente caótico. Então, tudo que
você puder imaginar sobre a questão racial, foi falado no pré: desde o cara que é contra os brancos
e até pessoas que têm medo dos negros. Assim...Toda aquela coisa de ah! Não, o racismo...
Assim o vai construir...”. Sabe, todo esse embate teve no pré. Hoje, as pessoas estão com uma
formação melhor; toda a sociedade está com uma formação melhor...Já está com essa questão da
ação afirmativa... houve um amadurecimento. E aí, já tem uma base, já se reconhece que o negro
foi prejudicado historicamente, antigamente não tinha essa noção. No começo, se achava que “Ah,
esses caras são recalcados! Eles querem é se dar bem, etc.”. Hoje em dia, você já vê que as
pessoas têm uma formação. Então, o pré vai ter que..., não só pré, mas o movimento negro, vai ter
que se reciclar para poder dar um norte político. É isso...e aí tem várias tendências. Varias leituras
que você também deve conhecer; mas há uma coisa, uma afinidade entre elas e os embates já não
são mais tão violentos, nem dentro do PVNC. Então as pessoas passam e o embate já não é tão
agressivo. Isso é algo positivo.
427
Renato: E aí, como é que eram esses embates, tinham alguma relação com esses campos? Ou
tinha algum campo que entrava mais?
Jobson: Com a questão da negritude?
Renato: É.
Jobson: Bom, aí já tem um acordo bem maior, um acordo bem maior mesmo. David, claro que
tinha o pessoal do Negro-Eclesial, o campo Amplo - os Gramscianos - e a gente, tem acordos, não
que seja a mesma leitura, mas no dia-a-dia, no embate potico, havia muita liberdade, e havia
muito aprendizado mútuo. Nesse ponto, talvez seja o único elo de unidade. O PVNC que não
rachou de vez foi pela questão racial, o grande pólo aglutinador; por que os outros pontos, rachou
mesmo. Isso é bem interessante.
Renato: O que eu tenho observado pelas coisas que eu estou colhendo, também pela minha
impressão - eu estou desde 96 no PVNC -, é que, até um certo momento, quando você tinha esses
embates entre esses grupos, você tinha muita discussão racial dentro do movimento; e hoje em dia
você não tem...
Jobson: Esgotou, né?! Vai ter que ser outro tipo, outro nível. Se foi até aquele nível e aí vai dizer
o quê? As pessoas têm que estudar mesmo..
Renato: Você acha que houve um esgotamento temático, então?
Jobson: não do tema, talvez dos temas. Por que alguém falar: “Ah! O negro foi prejudicado
historicamente!”, ou “Raça é uma criação histórica!”. “O Brasil se construiu pelo racismo”. Isso aí
todo mundo já sabe, já é de donioblico., esgotou. Agora vai ter que se aprofundar noutras
questões.
Renato: Então você acha que o debate se enfraqueceu pela dinâmica do esgotamento temático. O
tema vem sendo batido, repetitivo... Não tem nada a ver as disputas políticas internas do
movimento.
Jobson: Tem porque as pessoas saíram também. O grupo Gramsciano, apesar de tudo isso, tem
informão sobre a negritude. Ele saindo também prejudicou, mas a questão temática também
esgotou, e o esgotamento da questão temática também é importante. Talvez não seja mais
importe, realmente. O embate potico, a saída do grupo Juca, do Júnior, essa galera, a saída deles
foi mais forte, e empobreceu né?! Aí ficou o grupo Autônomo, o Negro-Eclesial, e ficou faltando
o terceiro elemento. Com essa questão da ação afirmativa, aí voltou a ter o diálogo e tomou um
outro gás; que eu acho agora vai ser mais saudável, por que não estão na mesma organização, no
mesmo espaço, acho que agora vai ter um outro rumo.
Renato: E a própria Cultura e Cidadania como um todo vem se enfraquecendo.
Jobson: Está se enfraquecendo. Porque a questão é o movimento, não adianta negar! Não tem
como negar. A questão racial é fundamental pro pré. Pros prés populares, não só o PVNC. Acho
que isso vai... tem que ver, como vai se criar uma agenda para discutir isso mais profundamente.
428
Entrevista com Fernando Pinheiro – Setembro de 2002
RENATO: eu queria conversar contigo umas coisas sobre sua experiência no movimento (...)
Ao discutir o pré como movimento social eu tento pegar todos os momentos de construção desse
movimento, quais são as pautas, quais são as agendas de discussão, quais são os fóruns de
constituição dessas agendas, quais são os locais dentro da estrutura do movimento, quais são os
momentos da instauração da discussão. Estou montando um histórico baseado nesta perspectiva.
A minha questão é: por quê os sujeitos se envolvem na construção deste movimento? Por que as
pessoas se inserem no pré-vestibular para negros e carentes? Com a ênfase de descobrir quais são
as razões, quais são os projetos desses agentes societários? Pois a minha idéia é que o pré se
consti a partir de sujeitos que têm projetos diferentes, que têm valores diferentes, e que são
bastante distintos. E com a ênfase sobre qual é o papel da questão racial como elemento que
aglutina sujeitos ouo. Bom, esse é o meu projeto de doutorado.
E eu estou também com uma pesquisa financiada pela ANPED/Ação Educativa, chamada
“Raça&Classe no Pré-Vestibular para Negros e Carentes”, cuja questão central é: como é que o
debate entre Raça e Classe se insere no movimento. Este é um debate antigo no Brasil, entre a
idéia de que as desigualdades raciais têm no fundo de origem a questão racial e a de que o fundo
de origem está na classe social. Como é que o embate ideológico entre esses dois sistemas de
classificação da sociedade se insere no movimento? Em que momentos isso surge? Em que
espaços do movimento o debate surge? Quem institui essas agendas? Como esta agenda é
colocada, como é que isso é constrdo. Então eu queria ouvir de você seu depoimento, como é
que esta questão é abordada?
FERNANDO: Caramba! É grande... se eu esquecer de algum ponto, depois você me pergunta de
novo. Bom, vou começar por como foi que eu me envolvi.
Bem, eu fui cara que sempre tive muita sorte, e hoje em dia, eu sempre falo que acabei me
tornando uma exceção à regra em várias coisas, tipo, eu nunca repeti de ano; sempre estudei em
escola pública, sempre gostei de estudar, e também sempre gostei de conversar, de me interar das
coisas que aconteciam em volta. Apesar de que eu nunca tive o projeto de fazer faculdade. E
quando eu estava no segundo grau eu resolvi; eu nem estava estudando, na verdade. Eu fiquei
empurrando com a barriga... na verdade eu queria ser reprovado, só para você ver como era...
mas, sabe como é o ensino público, né?! Os caras vão meio que empurrando a gente sem fazer
esforço. Aí terminei o segundo grau em 92 e fiquei 5 anos sem estudar, e somente em 97 que
entrei no PVNC.
O que eu estava fazendo? Servi no quartel; depois que eu saí do quartel fiquei fazendo um bico
aqui e outro ali... nada demais... fazia um cursinho no ali, outro cursinho ali no SENAC, mas sem
perspectivas. Só mesmo...tipo...um pouco de cada vez.
Bem, aí antes de eu entrar no PVNC, em 96, foi quando eu realmente comecei a interagir, e
pensar um pouco diferente e passar a pensar um pouco mais nas questões sociais, na tentativa de
participar.
Eu antes de entrar no pré minha primeira inserção, assim, de querer inserir foi quando eu conheci
uns colegas que eram do movimento punk; e eu comecei a também fazer Fanzine, e a gente
começou a também conversar sobre várias coisas. E eu comecei a querer participar de algumas
coisas, a querer sair do cotidiano de Nova Campina, aquela parada amena, não renegando o local,
claro, local onde eu tenho minha referência muito forte, minha adolescência, minha infância, mas
ampliando os horizontes. E nessa ânsia de querer conhecer mais, de querer interagir de querer
criticar, que a gente fazia no Fanzine, que eu acabei entrando no núcleo do Pré-Vestibular para
Negros e Carentes. E é engraçado que meu pai e minha mãe falavam antes, né, do pré.
Principalmente por causa de alguns amigos meus que já tinham conseguido bolsa na PUC, no
caso, o Márcio Flávio, em 96 para começar a estudar em 97. Mas eu, em 96, eu não queria saber
desse negócio de universidade, até mesmo porque a universidade não me representava nada, não
tinha um porque. Na verdade, havia até um pouco de aversão a este mundo acadêmico. Só que
429
nessa de querer compreender mais comecei a entrar em contato de novo com este meu amigo, né,
o Márcio Flávio, e ele começou a me contar o que era o PVNC, começou a me contar esse
negócio de assembléia, de conselho, e cada vez mais a minha ânsia aumentava mais. E eu comecei
a me integrar. O que me atraiu, na verdade, não foi a possibilidade de eu fazer um curso superior,
foi mesmo o estar entrando em um negócio que ultrapassasse meu cotidiano e que eu pudesse
também interagir e ajudar e tal...
, tá, aí eu fui, entrei no pré. E por coincidência também, que foi uma coisa que de certa forma
ajudou, foi que a maioria das pessoas da coordenação eu conhecia, que no caso eram a Geane,
Simone, e eram pessoas que participavam de grupo jovem, e eu também participava de grupo
jovem. Quero dizer, eu participava mais de corpo físico, porque sempre gostei de participar de
lugares que tinham bastante gente, eu participava mais de corposico, né, sempre gostei porque a
gente saía, tinha atividades, tinha não sei o quê...e...desde, sei lá...desde 92, 91, sei lá, que eu tinha
me afastado um pouco da Igreja.
E o quê que acontece? Eu tinha me afastado, e eles tinham seguido um curso que levou eles ao
PVNC e depois a montar um núcleo, no caso da Simone, a montar um núcleo Nova Campina,
desde de 1994. O núcleo funcionou desde 1994 e eu só fui entrar em contato com ele praticamente
em 1997; e o engraçado é que a gente teve esse afastamento, só que eu acabei mais ou menos
voltando ao convívio; e isso no caso me ajudou porque eu já conhecia, não era um ambiente tão
estranho por causa dessas pessoas.
Bem, nisso eu comecei a participar... engraçado que eu comecei a participar de outras coisas, tipo,
tinha reuniões do posto médico da comunidade vizinha. Tinha um aluno lá que trabalhava no
posto e tinha reuniões abertas a comunidade, e aí eu comecei a participar, comecei a também
querer ajudar. Eu estava nessa ânsia, né. Mas eu acabei mesmo é ficando no pré; e meu primeiro
contato que acho mais positivo no pré foi em uma assembléia, em abril de 97, que por uma feliz
coincidência foi no bairro de Pilar, que é um bairro próximo, fica em Caxias também. E
justamente em maio, aconteceu uma reunião do conselho que era em Imbariê, ou seja, perto
também de Nova Campina, e eu também fui. e comecei a ir e comecei a gostar daquele ambiente
de discussão, um ambiente de discussão muito maior, e muito mais intenso do que atualmente,
infelizmente. Infelizmente hoje não eso bom como naquela época.
Mas isso fez com que... eu ia amarradão, assim, mesmo sendo conselheiro, mesmo não sendo... eu
ia tranqüilo... tanto que na segunda assembléia que eu também fui, que foi em Niterói, foi mais
distante, e no terceiro, que estava sem local para ser realizado, e aí os conselheiros deram sugestão
para ser em Nova Campina e mesmo sem ter consultado a gente, no caso, o núcleo, os alunos, a
agente acabou fazendo mesmo a assembléia, só que a assembléia ficou meio grande, e tinha três
semanas para organizar e acabou que na verdade foram os alunos que organizaram. Mais
particularmente eu e Beto, que era um outro aluno lá. E aí se realizou a assembléia e foi tranqüilo.
E nesse momento foi a prova de fogo para saber se eu realmente queria participar de uma
iniciativa coletiva ou não. E o engraçado é que o ambiente do pré-Nova Campina nem era
procio para isso. Ali tinha uma coordenação muito centralizada, e na minha opinião, muito
pouca abertura para a participação real, muita cobrança e muito pouca abertura mesmo de diálogo,
tanto que eu provei isso na gestão de 98, que eu queria ajudar dando aula, né, e fui meio que
barrado; era eu e outro menino que íamos da aula juntos, e fomos barrados pela coordenação, mas,
isso não foi muito problema. Bem, e em 98 a gente foi tencionando até o final do ano, e houve um
racha, e do racha saíram dois prés. Um é o Pré-Vestibular Novo Estímulo, que funciona no bairro
vizinho Parque Paulista, e o outro que funciona em Piabetá. Eram alunos de 98 que resolveram
montar um pré em um bairro bem mais distante; pegar município que faz fronteira com Caxias,
Magé, num bairro que faz fronteira com Caxias; e a gente meio que abraçou lá, e montamos. Só
que nessa coisa, essa tensão foi tão grande que muitas pessoas saíram da coordenação e foram
para lá, sobraram quatro coordenadores de Nova Campina. E aí nessa, a gente, acabou... as
pessoas mais centrais, no caso, eu, o Márcio Flávio, e a Simone, acabamos continuando a estar
participando desses fóruns maiores, e em 99 a gente acabou...Ah! Em 98 foi um ano marcante
também com esta questão da participação para compreender a lógica coletiva do movimento
porque foi a época da criação da Carta de Princípios. Isso me marcou muito também porque eu
estive presente em um seminário que foi organizado para discutir a Carta de Princípios no começo
430
do ano, em 98; e depois ao longo foram assembléias onde foram discutidos e votados, ponto a
ponto, alguns mais outros menos – a Carta não saiu tão boa, foi confuso o processo. Mas ao longo
do tempo, a gente foi indo, caminhando e isso me deu uma certa dimensão de como é difícil
conciliar diferentes exigências e opções de vida, é difícil “pra caramba” sistematizar isso em um
documento que seja a cara, que seja a cara, a identidade. Isso é muito difícil. O engraçado é que
eu consegui não ficar desesperado com o “ demorando muito, tá demorando muito...” para votar,
né? “E aí, já acabou?” eu não ficava pensando nisso. Eu sabia...quer dizer, não é que eu sabia, eu
achava que as coisas não tinham sido construídas da noite para o dia; então, era melhor que seja
feito direito, né?
E a gente também participou dessa construção, a partir do momento que a gente chegou a fazer
propostas. Tipo, na Carta de Prinpios, para dar um exemplo, tem um item lá que fala da
Tesouraria, que se a Tesouraria Geral não apresentar a prestação de contas, os núcleos têm o
direito a não fazerem o repasse; só há o repasse depois que o tesoureiro fizer a prestação de
contas. Isso criou uma polemica lá, mas a gente conseguiu passar isso. Isso foi importante, foi um
dado assim, que mostrou que é possível participar e construir junto.
Renato - Fale um pouco mais sobre isso. Porque nessa época, em 98, teve dentro do Conselho
uma discussão grande sobre essa coisa do repasse e do financiamento porque não tinha prestação
de contas da Tesouraria, e na época a tesoureira era a Geane, que era do pré-Nova Campina.
Aproveita essa ponte, e me fala se isso tem a ver com as brigas do núcleo Nova Campina. Fala um
pouco mais sobre esse conflito no Nova Campina.
FERNANDO - A gente tinha na verdade, quando a gente cita o tempo, pô... isso tá gravado em
vídeo, esse momento que é muito interessante da questão Carta de Princípios, quando a gente
coloca essa questão de “se não tiver repasse”, que seria...a gente coloca isso também porque nós
sabíamos que não havia prestação de contas; eu me lembro até hoje que a pessoa que foi propor
isso lá, foi o Márcio, e as pessoas disseram que “ah..mas isso aí...”, e as pessoas riram, e acharam
graça, e falaram: ...ah...isso aí, pô, fala sério!” aí o Márcio ficou puto e falou: “que falario!
Não está tendo a prestação de contas há quase um ano. Fala sério eles. Fala sérios essa Tesouraria
que não presta contas.” E ele falou isso nesse momento, ou seja, a gente tinha consciência dessa
problemática. E a gente não estava falando isso à toa. Claro que a gente não ia, naquele momento
dar nome aos bois, tanto que é que a gente ficou esperando, cutucando para ver até que ponto a
Tesouraria Geral realmente ia se colocar. E como a gente viu que não dava, que as pessoas não
percebiam os sinais que a gente emitia, em março de 99, a gente foi e pros uma comissão para
estar fazendo o levantamento e, pegar todo o material da tesouraria, para fazer esse levantamento
e investigação. Digamos que a CPI, né. Essa investigação sobre a verba que os núcleos
repassavam para tesouraria geral. Nessa época, era época que estava sem tesoureiro. Tinha um
tesoureiro, que era o Zeca, mas que tinha saído, e quem estava temporariamente era a Geane, e
tinha, se não me falha a memória, três pessoas na Secretaria Geral. Quer dizer, eram para ter três
pessoas que era a Geane, a Deise, e o... agora não lembro se o Alexandre era.
Bem acabou que essa Deise tinha saído, ou seja, não tinha tesoureiro. A Geane teve que pegar
temporariamente, e esse temporariamente já estava se arrastando por quatro meses, quatro, cinco
meses. E na verdade a gente não confiava na Geane, esse era o ponto que você queria chegar, e
não confiava na Geane porque a gente teve uma experiência com ela núcleo, na coordenação. A
gente sabia muito bem que ela não era uma pessoa confiável, transparente, e isso fez com que os
nossos ânimos se acirrassem. Eu posso dizer isso com certeza. Ela não é uma pessoa que desse
realmente para se confiar. Vou dar um exemplo: eu me lembro dum bilhete que ela enviou, na
época a gente estava junto na Coordenação do Nova Campina, em 98. E tinha muita gente que
começou na coordenação, mas é aquele negócio, nem todo mundo estava trabalhando. Antes, no
começo do ano, como tinha muita gente, tinha se pensado em criar um sistema de organização da
coordenação, que ia ser a proposta dela, das pessoas do lado dela, incluindo a Sinone, que depois,
felizmente rachou com a Geane. Era montar coordenação e grupo de apóio: a coordenação
formada por seis pessoas, e o restante seria núcleo de apoio. Eu fui uma das pessoas que brigou,
que grupo de apoio” não! E briguei! E engraçado é que as pessoas não notaram - quero dizer, as
outras, que seriam o grupo de apoio junto comigo -, as pessoas levaram aquilo como se fosse só
um nome; só que o seguinte, eu também sabia que era só um nome. que naquela época eu
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também tinha clareza que, para mim e para o restante, era um simples nome, mas para quem, para
os seis que estavam na dita coordenação não era só um nome, era uma definição clara de quem ia
decidir as coisas, e quem ia executar. Nisso estava instalado, eu tinha clareza, que ali estava
instalado quem é que ia delimitar, quem tinha mais capacidade de decidir do que outros. E eu
briguei.
, chegou-se ao termo de colocar um outro nome... que era “coordenação adjunta”...acho que foi
isso o nome; só que como eu vi que não ia dar sangue nessa discussão...beleza...acabei com a
tensão. Fiquei mais calado e deixei o barco correr.
E isso foi no começo do ano, quando tinha começado as aulas. Nisso já rolava essa tensão. Ao
longo do ano, mais ou menos no meio do ano, aconteceu aquela coisa que sempre acontece nos
prés: uns trabalham mais que os outros. Aliás, isso acontece na sociedade como um todo, não é
nem nos prés. E eu estava sempre lá. Eu tinha pegado a coisa da questão da biblioteca, da coisa de
estar ali guardando os livros, a questão dos empréstimos, e algumas outras funções menores
assim. Mas, aí o que acontece, a nossa querida Geane manda um bilhete para todo mundo, eu
tenho ele guardado até hoje, falando o seguinte: “gostaríamos...” (eu estava chegando em casa da
faculdade, que eu tinha acabado de entrar em 98. “aqui um bilhete para você!”, minha mãe, né.
Abri e li, e está escrito assim, totalmente formal) “gostaríamos da sua presença..., estamos
convocando você para a reunião tal e em tal hora caso não compareça, será destituído de seu
cargo.” Cara, o sangue esquentou, esquentou, fiquei puto, comecei a reclamar, fiquei puto, fiquei
puto da vida. Isso foi na quinta-feira, na sexta-feira continuei puto, no sábado estava puto ainda.
Estava marcado para três horas, e eu pensei: vou chegar 03:20 para não, para a parada já ter
comado, senão vou falar merda; porque eu sempre chegava lá de manhã.
Quando eu cheguei lá as pessoas não tinham começado a reunião, as pessoas estavam enrolando,
todo mundo estava enrolando;rias pessoas tinham recebido o telegrama, algumas pessoas não
tinham recebido. Aí, quando começou a reunião, eu estava até calmo, fiquei lá sentado. E aí,
daqui a pouco começou: “não, porque a gente mandou, a gente resolveu mandar um telegrama
porque a gente queria conversar com cada para cada um assumir uma coisa”, com esse papo, né,
de cada um assumir uma coisa, cada um sabe da sua coisa, “e a gente queria saber se está mesmo
a fim de continuar”.
, pô, o que eu fiz: levantei a mão e comecei a descarregar. Falei: “vou falar umas coisas
pessoais”. Os caras lembram até hoje. E aí comecei, “Olha, não gostei de ter recebido isso; que
raio de troço é esse de carta?! Que historia é essa?”. E comecei a descascar. Eu estava tão
nervoso, eu estava tão puto, que eu falava sem escutar, e já queria pegar uma cadeira e jogar. Aí
eu falei “não! Vou sair; não tem como eu ficar aqui não”. Saí e fui embora. Aí o pessoal começou
a falar: “não, não vai não”. E eu escutei a Geane: “deixa ele ir, deixa ele ir”. Fui embora!
Aí na semana seguinte voltei, fui para o pré, comecei as minhas funções, como se nada tivesse
acontecido, na outra semana também. foi quando o pessoal chegou e disse: “Ah!... a gente
queria conversar com você”. Então, tá, mas ninguém falou nada. Durante a semana nada. Na outra
semana nada. , em um belo sábado, “pô a gente queria conversar e tal...”. aí, quando foi fazer a
reunião, o engraçado das seis pessoas da coordenação é que ninguém tinha conversado nada e
nem tinha discutido nada, não tinham decidido em que iam me interrogar. O engraçado é que eu
estava tão calmo, e não falava nada. E cada uma discutia uma com a outra, questionando o que eu
tinha feito. Cada uma tinha uma opinião, às vezes até de convergência. E eu lá, na boa. O
engraçado é que consegui sair bem, dei uma de um cara chamado David, fiz à lá David”, e
consegui conciliar bem as coisas, e ainda fazer uma proposta de usar as coisas que eu estava
pensando para os alunos. Foi muito engraçado isso. Mas, assim, porque notava realmente que,
quem mandava era ela. Outra coisa, depois eu fiquei sabendo que a decisão de mandar telegrama
foi coletiva, mas quem fez o texto foi a Geane. Ou seja, foi um texto marcado por uma pessoa só,
o qual não apresentou para outras pessoas. Ou seja, isso é uma característica muito complicada
para alguém que quer liderança de um movimento, e vai ter responsabilidade em uma tesouraria.
O nosso embate, por exemplo, quando a gente montou a comissão, eu, Márcio e Simone, com
certeza foi para investigar sim, pois seria uma coisa útil para o movimento, e também porque a
gente queria é tirar pessoas que a gente não concordava, e que estavam ali. que é claro que a
gente em nenhum momento não falou isso. Porque uma coisa são as coisas pessoais; pessoais não,
432
as discussões internas que aconteceram, os problemas internos de quando a gente era do pré.
Outra coisa é a gente numa reunião do Conselho, onde a gente tem uma gama maior de pessoas, a
gente não tem como. É claro que no final das contas a gente acabou não descobrindo nada que
incriminasse, dessa forma, a Geane.
Mas levantamos... foi uma confuo que eu me lembro até hoje. Conversando com a Karina, uma
colega lá de São João, ela é lá da UFRJ, que agora é tesoureira. E depois de um tempão
conversando com ela, ela veio me falar que as pessoas não sabiam quem era a gente, o quê que a
gente queria. Primeiro porque a gente era da PUC, e a galera da PUC eram os “meninos do
David”. Só que a gente não era “menino do David”. A gente começou a montar o UNEC, em 98,
na PUC, só que a UNEC era um projeto do David de intervenção na PUC. Só que não deu certo.
que a gente montou e a gente tinha um informativo; aí, no número quatro a gente meteu o pau
no David, que é um negócio de que ele estava envolvido com potica, através do Marcelo Dias e
tal. Aí os caras começaram e “pô, peraí!”. E de repente a gente começou a ir para esses embates
dentro do PVNC, então eles não sabiam quem era a gente, porque a gente também tinha uma
simpatia muito grande com os voluntaristas, como é que é?, o grupo Autônomo-Espontaneista. Eu
e Márcio tínhamos muito disso, a Simone já era a menina do David e amigona da Geane, que
rompeu com a Geane e tamm ninguém sabia para onde é que ela vai. O Márcio era o caladão,
que se dava bem com todo mundo, e eu era o ponto de interrogação, da onde eu tinha saído, na
verdade? E sempre estava falando, entendeu? De vez em quando eu andava com Wagner, o
Jobson, com o Robledo e tal.
A gente ainda estava em um momento muito interessante, porque em 99 foi um momento que o
Frei David está saindo e montando Educafro; e a gente chegando, e botando peso em cima da
investigação da tesouraria e a gente tinha que criar um impacto nos chamados intelectuais do pré;
e isso foi um impacto tremendo. Tanto é que depois, em julho, o quê que acontece, em maio a
gente apresenta, começa apresentar um relatório. E foi uma grande surpresa, porque ninguém
achou que ia dar em nada com dois meses para fazer, e enrolando, eles enrolando... porque eles
demoraram para entrar os documentos, e entregaram os documentos todos; e agente pensando, né:
, os caras vão maquiar tudo, e tal, eles devem estar se reunindo pra ver, e tudo...”. E nada,
entendeu! Os caras, os intelectuais, não maquiaram nada. Eu, sinceramente, se estivesse no lugar
deles, teria maquiado muita coisa. Eu teria sentado no computador e ficado uns dois dias só...
Não, entregaram para a gente assim, e ainda foram irresponsáveis porque demoraram para
entregar.
Eu e o Márcio ficamos impressionados porque os caras...que eu digo, não é bem assim, os caras,
né, no caso foi a Geane que entregou material. Ela demorou pra caramba e a gente também
pensou que ela estava maquiando o material.
Mas...não sei o que aconteceu. A gente fez perguntas... é engraçado que isso eu lembro até hoje
que a gente estava lá em Éden, a gente estava em um Conselho e a Simone queria conversar, a
gente estava em um bar, e a Simone “ah...vou conversar com o Zeca mesmo”, aí ele “ah, tá”, aí
ela, “não...vamos alí então”, aí a cara dele de surpresa, né. eles foram conversar em um canto
mais reservado, ou seja, os sujeitos não tinham realmente convicção de que a investigação ia dar
em nada, que a comissão não ia andar para frente e que era só mais um ponto de...
Renato - Fogo de palha?
FERNANDO - Isso, fogo de palha. E não foi fogo de palha, não. Aí eu digo que a gente soube
aparelhar muito bem rios pontos ali na PUC, mais especificamente o NEAM. que é onde o
Márcio e a Simone trabalham, que é tipo uma ONG que funciona na PUC. E a gente, várias vezes
a gente ficou lá, a gente ficou a madrugada fazendo, digitando os números, os valores, as contas e
os gastos da planilha inicial, a gente varou meia-noite, uma hora da manhã, duas horas da manhã,
tinha vezes que eu saia de meia-noite e ia para Caxias, tendo que voltar oito horas da manhã no
outro dia e no caso a gente tinha de ficar mesmo até tarde por que só podia fazer depois que a
chefe deles fosse embora. A gente foi lá, a gente ia empolgado, ficava vendo e “caramba, que
troco é esse?” e o Márcio e a Simone mais decepcionados ainda porque confiavam nas pessoas e
viram que os números eram da época do Zeca e outros que eram anteriores ao Zeca e viram
realmente que haviam erros, haviam falhas, e a gente tentou entrar em contato com essas pessoas.
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Bem, foi uma experiência rica. E depois quando a gente começou a apresentar, em maio, os
relatórios, tirando xerox, não sei o quê, começamos a apresentar propostas para a tesouraria. Aí o
povo viu que a parada era séria, tanto é que a gente chegou a fazer, no último dia de discussão do
relatório, foi numa reunião extraordinária, a segunda do ano - porque a primeira do ano foi para
discutir a Educafro -, deu 96 pessoas, foi improvisada e a gente só tinha duas semanas para
preparar. 96 pessoas, foi o conselho com o maior número de gente. Foi uma coisa pra aparecer
bem, mesmo, porque a gente chamou as pessoas iam lá pra fazer perguntas e as outras
responderem. O Zeca apareceu com uma carta, e os caras chegaram lá detonando o Zeca, o
pessoal chamando o cara de ladrão para baixo. O cara já foi lá preparado com uma carta relatando
e assumindo o erro. Dizendo que realmente tinha usado que estava desempregado, e tal, mais ou
menos uns R$700,00. E isso cortou muito, com a carta aí e “não...” aí o pessoal dor no coração...
Só que eu achei interessante o que eles colocaram lá: “não, ele quer pagar”. ... qual é o nome
daquele chato lá de Niterói? Que casou e foi para São Paulo? Grosso para caramba? É o..., chato
para caramba, ninguém gostava dele... era um negro, de óculos. Bem, o cara propôs que, o Zeca
queria pagar, né, aí o cara falou assim: “não, não”para o Zeca não pagar e tal, ele é um cara
militante...foi um momento de fraqueza.
Aí foi muito engraçado que o Zeca falou assim “não, eu vou pagar”. Por falar nisso está tudo
gravado em áudio, esse conselho. Não este conselho, mas outros, né. O primeiro conselho em
maio que a gente foi apresentar... está gravado em fita pequena. Mas depois eu tento achar. Tá em
fita. O engraçado é que quando a gente chegou para gravar as pessoas ficaram olhando e... “que
isso!?”. E eu lá gravando, né.
Bom, aí foi votado e, falou que ele ia ter que pagar e foi colocado. E eu acho que isso foi muito
legal. A Maria Claudia disse que nunca tinha ido a conselho nenhum, só foi neste conselho porque
sabia que o bicho ia pegar fogo. Fofoca pura...
E, pô, caraca, eu contei, eu contei. Às cinco horas da tarde, e começou às duas horas. Às cinco
horas da tarde tinha 96 pessoas. E deu uma polêmica, porque é o seguinte: todo mundo, a turma
do Alexandre tinha proposto, tinha citado que quando a gente pros a comissão, tinha falado
para a gente investigar também se o David estava recebendo dinheiro... parecia que ele estava
recebendo. que pô, a gente, no caso, as pessoas que propuseram isso acabaram indo fazer parte
da comissão também, que era formada por cinco pessoas. Só para lembrar: era eu, Simone, a
Cecília, da AFE que foi a mulher que falou da questão do David, o Nelson, de São João de Meriti,
e a menina lá do PJ, que é de Caxias, do núcleo-PJ, eu esqueci o nome da menina agora..
E o quê que acontece, como a gente estava a fim de discutir, quer dizer, era para meio engraçado,
estava eu, Simone e essa menina do PJ querendo saber o que tinha acontecido com o dinheiro, e
quando a gente apresentou que fazia quase dois anos que não se fazia prestação de contas...
Ah...só para registrar: a gente foi, falou da proposta e o pessoal: ah...que isso! Que não sei o
quê?”, lá no Éden. “Não, ó, a gente está propondo, como ponto de pauta. Daqui a pouco a gente
fala porque”. Aí, quando chegou o momento, a gente deu a porrada: “faz dois anos que, desde
maio de 97, na época da era desde 97 que não se faz prestação de conta”, que foi em abril de 97,
na primeira assembléia de 97, que não há prestação de contas. Aí o pessoal: “o que? É? Ihhh...”.
o pessoal despertou. Eu me lembro das pessoas falando Não, vocês propondo isso... estão
sendo muito radicais, o pessoal é militante que nem a gente...” Eu me lembro que as pessoas
vieram falar isso comigo, “não...vos estão muito empolgados”. Como se fosse uma proposta de
adolescentezinho revoltado.
E eu achei isso muito engraçado. Quando a gente passou a primeira justificativa, não havia gente
que não concordasse. E tinha gente falando, como o pessoal do núcleo PJ: “Se não tiver prestação
de contas não dou,o repasso mais 10%. Tinha gente falando isso, se colocando lá.
, o quê que acontece, estava eu, Simone e outra menina querendo ver essa questão do balanço
das contas; o Nelson querendo fazer propostas para a tesouraria; e a Cecília querendo investigar o
David, ou seja, estava toda arrumadinha. Só que a Cecília abandonou o barco, a outra menina
também e o Nelson ficou só com as propostas lá, e nada mais, praticamente não fez nada. Sobrou
para mim e para Simone analisar os dados e também o Márcio foi super importante nisso, porque
apesar de não ser um dos caras diretamente envolvidos, ele foi um dos que mais atuou ali para a
CPI da tesouraria acontecer.
434
Ah, é! Voltando lá para Nilópolis, tem também o momento que o David ameaçou o Alexandre
com um processo. O quê que o David fez? Como o Alexandre estava lá na mesa em que a gente
tinha levantado as interrogações, o David também pediu para falar, para se colocar porque o nome
dele apareceu cinco vezes no nosso relatório.
Renato - Isso no conselho em Nipolis.
FERNANDO - Em Nilópolis. Na Reunião Extraordiria em Nilópolis. Isso, isso... o David
estava lá e falou. Aí, o quê que o David fez: muito sacana, como sempre, ele antes já tinha
distribuído uma carta – foi o dia das cartas abertas ao conselho – para todo mundo e não deu uma
para o Alexandre. E ele leu no microfone. Foi muito hirio. Ele leu a carta e só no último
parágrafo ele cita que ele estava entrando com um processo, entrando com um processo por
calúnia não sei o quê...E no mesmo momento o David dá uma intimação, sei...alguma coisa...e
o Alexandre ficou pasmo. E todo mundo ficou assim: “Que isso!?”
E foi uma...eu mesmo fiquei bolado. E eu mesmo, depois, fui falar com o Alexandre, “pô,
Alexandre, isso a gente tem gravado no conselho, a gente tem algumas coisas gravadas tuas, e isso
não aparece. Você não fala que o cara roubou, ou que estava pegando...não tem nada não. Se vo
precisar das fitas, a gente está lá, a gente te empresta”. Ou seja, por mais divergências que eu
tivesse a algumas atuações do Alexandre, como ainda tenho, eu não ia deixar ou querer ver a forca
em cima do cara. Em hipótese nenhuma
que acabou que o Alexandre fez um documento por escrito e tal; e o David relevou, como um
bom franciscano, perdoou.
E isso causou muito rebuliço. E aí, o que vai acontecer. Isso foi em maio. Em junho é que teve a
discussão de propostas para a tesouraria, onde a gente fechou em julho, no meio de julho, que foi
no pré-Anil.
É engraçado, porque neste mês de julho, começaram as articulações para a mudança da secretaria.
, o quê que acontece. O pessoal foi e convidou, no caso, os intelectuais, convidou a Simone e o
Márcio para uma reunião para tentar configurar uma nova Secretaria Geral.
Renato - O grupo dos intelectuais convidou eles?
FERNANDO - Isso. Claro que não vão me chamar, né? Porque eu sou o ponto de interrogação.
, foi muito engraçado, por que qual foi o sentido da reunião? Que eles iriam apoiar, no caso, a
Simone e o Márcio, para a Secretaria Geral e eles iam querer pegar algumas outras funções, seja
tesoureiros, seja secretários regionais. Quem estava? Quem falou foi o Alexandre, o Zeca, tinha
também a Marcilene, tinha também um outro que eu agora não me lembro... o cara chato lá de
Niterói, o Aldacir, isso, o mais chato de todos, e tinha um outro cara lá da Tijuca, o Roberto. Eles
fizeram a reunião e articularam em cima disso. E foi muito engraçado depois o Márcio contando
para mim, e eu “beleza. Tá, está tranqüilo, os caras estão nessa!”.
, foi nesse momento que a gente pensou em fazer parte da coordenação; tentar articular alguma
coisa no nível geral. Porque antes a gente não tinha pensado nisso. A gente não tinha o projeto de
tomar o PVNC, ou ser as lideranças. Agora, foi acontecendo, e a gente viu a possibilidade de
comar a fazer coisas que a gente queria e combater as coisas que a gente achava equivocadas.
, a gente foi, a princípio eu não ia entrar em nada. Tem um negócio que eu não queria mas eu
vou contar. O quê que acontece? Foi lá, a Simone e o Marcio foram colocados como membros da
Secretaria Geral, e a gente ficou meio bolado porque ninguém concordava com o nome dela (pô,
falta muito detalhe...antes eu vou contar um negócio, depois eu conto os detalhezinhos). O quê vai
acontecer, a tesouraria geral era um cargo estratégico, que a gente tinha lutado para caramba
para...não...né... Eu não queria ser da tesouraria, né. Eu não era para ser tesouraria. Era para ser
outras pessoas; eu não ia entrar em nada. Ia só tentar assessorar o Márcio e a Simone. A gente já
tinha pensado nisso. Em ajudar, estar ali do lado e tal. Um anônimo que... anônimo entra aspas, é
claro, quando a gente participa da coisas mais ativamente a gente deixa de ser anônimo.
Principalmente do coletivo que a gente faz parte. Aí, o pessoal comou “ah...sugiro fulano” cada
um tirando um nome, e alguém vai e sugere o nome do Alexandre. Eu já tinha tirado meu nome
quando tinham sugerido. Aí eu pensei: “Peraí, o, quê isso, eu não confio no cara...”. Eu levantei
a mão e disse que queria re-colocar o meu nome. Aí depois eu tentei convencer a Karina a colocar
o nome dela também e aí eu fiz a defesa ao nome dela, só que infelizmente não deu, e na hora da
votação, foi quem: foi eu e o Alexandre. Eu recebi mais votos que Alexandre, e ele mais votos
435
que a Karina. Aí nisso eu fiquei vinte meses na tesouraria geral. Foram vinte meses muito bons e
muito ricos para a minha experiência. Eu vi a necessidade. Não foi porque eu queria, eu vi a
necessidade. Porque eu vi a possibilidade de ser jogado fora todo o nosso trabalho da
investigação. E foi isso que me levou.
RENATO - Você entrou quando na secretaria?
FERNANDO - Em julho de 99. Como tesoureiro. E fiquei até fevereiro de 2001.
E aí, o quê que vai acontecer. Esse conselho foi o momento final de rompimento com a questão da
Geane. Acabou assim. A gente estava querendo, eu e Márcio, -----------, não deixar passar e
montar uma carta aberta falando da Geane. Contando coisas que a gente queria contar. Acho que
era necessário. Sem medo de ser feliz.
A gente montou um texto básico. A gente já estava tendo um pouco de experiência nisso, de fazer
essa coisas, porque a gente já tinha montado um informativo chamado Azônia, um informativo
que a gente montou de sacanagem, cheio de erro de português e tal, meio zine, na minha época
ainda sofria muita influência dos punks.
Bem, aí, a gente fez, e a Simone foi totalmente contra, ela ainda guardava um pouco com ela essa
amizade de infância, da Geane, acho que era isso. E aí, em um belo dia lá, teve uma festa no pré-
Nova Campina, muito boa, adorei, e a gente levou um pessoal de Piabetá para ir para lá. Aí eu
encontrei um cara seboso, e comecei a conversar com ele, que é o Fumanga. Aí, tá, né “tá
afastado, e tal”. Aí, tá...daqui a pouco as duas chegaram para levar ele, a Geane e a (XXXX) para
cortar, para ele não falar comigo. Tudo bem. Aí, uma semana depois eles estavam fazendo um
jornalzinho do pré sobre a festa. E tinha uma notinha lá: nota 10, tipo, nota 10 para não sei o quê,
e nota 0 para não sei quê . Nota 0 para Fernando, Piabetá, por ter perturbado os professores...e
quem me deu isso? Isso foi em 99, né. Foi uma aluna de 98 que continuou lá no pré em 99, que
quando ela me viu, no ponto do ônibus, ela me mostrou. Aí nisso, em mostrei pro Márcio, que
mostrou pra Simone, e a Simone ficou tão puta que ela foi e aderiu à carta aberta. Aí pegou a carta
aberta, fez algumas modificações e colocou coisa também. Aí, ou seja, só quem assinou foi eu e o
rcio. Assinamos e distribuímos no conselho.
RENATO - Essa carta aberta saiu como carta aberta da coordenação do pré-Nova Campina
FERNANDO - Não. Isso foi em 99. Em 99, eu, Márcio e a Simone já tínhamos saído do pré-
Nova Campina. E montamos o pré-Novo Estímulo, do Parque Paulista. Saiu como Carta de
uma experiência pessoal com uma coordenadora; foi experiência pessoal de duas pessoas, de
mim, Fernando, e o Márcio Flávio, a gente assinou. Não foi de uma entidade, de nenhum grupo,
entidade, ou o que seja. Naquele momento a gente achava que tinha obrigação.
RENATO - Na ata acho que saiu como membros da Coordenação do Pré-Nova Campina.
FERNANDO - Não, não, não. Fomos nós dois.
RENATO - Agora, me diz uma coisa. Essa briga de vocês coma Geane. O problema era com a
Geane mesmo? Ou tinha ver com o fato da Geane ser a ... ela era a principal “davinete”, não é? A
“menininha dos olhos” do David? Tinha alguma coisa a ver com os conflitos, com as
discordâncias que vocês tinham com o David?
FERNANDO - Da minha parte não. Porque eu nem conhecia o David. Eu conheci o David
quando fui dar aula de cultura e cidadania e fui falar sobre negritude e, nessa época, eu fui fazer
perguntas me contrapondo, porque naquela época eu não sabia a discussão de ação afirmativa e
por aí vai, e eu achava que eu era contra, né. Mas apesar de ser contra, eu nunca demonizei, essa
coisa da ação afirmativa. Pelo menos isso eu tive já antes de entrar no pré. Não era pela Geane ser
davinete, era apenas pela questão de ela ser..., a centralização, não assumir determinadas coisas,
maquiar. E, a principal questão era essa. Não era que ela seja... muito pelo contrário. Por exemplo,
eu: eu só fui me inserir nesse processo mais amplo lá para 99, de fato. Antes era aquele processo
que a gente estava entrando, Simone e Márcio, já tinham toda uma visão de um processo mais
geral. Eu não, eu estava naquela coisa de entrar, tanto é que nem tinha terror. Se fosse para provar
um erro do David, eu tentaria provar. Se o erro era dos anarquistas, provaria também. Não é...
RENATO - O Azônia se construiu contra quem?
FERNANDO - Realmente, ele se construiu contra, mas eu não posso dizer que foi contra a
Geane. Porque a Geane o estava na época na secretaria...
PAREI AQUI
436
Foi o seguinte: eu, em uma dessas conversas com o Márcio, orcio disse que ------------------
muitos textos, que distribuíam os pensamentos, reflexão... e isso a gente achou que estava faltando
no pré. E como a gente já estava com esta experiência mesmo, eu estava, no caso, do zine, mais
empolgado naquela época, a gente resolveu fazer... depois a gente comou a fazer. Viu que não
tinha jornal. O jornal não saía. A gente tentou fazer parte de uma comissão de jornal com a
Cecília. Ela não conseguiu articular, acho que não soube aproveitar a nossa intenção. a gente
pensou: “quer saber então, foda-se! Vamos fazer”. A gente estava com gás. Vamos fazer.
Isso até foi bom. Eu e Márcio, acho que a gente consegue... a gente tem uma interação muito boa.
O que a gente quer, a gente vai e faz. O Azônia foi uma tentativa da gente começar a disseminar a
discussão, o quebra-pau mesmo. Eu me lembro que a gente fez um texto muito inico sobre o
Azânia, quer era assim “onde está o Wally? Quer dizer, Azânia?”, um textozinho assim, que na
verdade era mesmo para estar ajudando a esquentar um pouco o ambiente, vamos colocar dessa
forma; não era para atacar ninguém especificamente, apesar de que a gente colocava dessa forma,
a gente colocava o resumo do conselho anterior, a gente falava: “a secretaria esqueceu de falar
que tinha tantos prés, tantos núcleos, a secretaria não sei o que”. Mas nada muito forte, nada para
rachar. Era mais para dar uma agitada nas coisas. A gente até tentou se disponibilizar na gravação
da assembléia para quem quisesse. De Niterói. Era só pedir a cópia. A gente queria ajudar, queria
entrar com gás, queria fazer parte, ajudar, contribuir, e a gente não estava tendo muita resposta,
então fomos para os modos alternativos que a gente tinha capacidade na época.
RENATO - Eu lembro que nessa passagem de 98 para 99 já tinha nesse momento dois grupos
muito claramente bem constituídos, [Fernando: três grupos, né] é, três grupo, que era o chamado
campo negro eclesial, e o campo dos intelectuais, que estava meio entrando em um esfacelamento
nesta época, o Juca já tinha saído e ficou uma crise, o ------ também foi um impacto bastante
grande. Esses caras não só saíram, mas saíram e foram para a direita. O ------ foi trabalhar em
Duque de Caxias, e o Juca foi para o PFL...tinha um enfraquecimento. O Fumanga, por exemplo,
que era também meio desse campo, mas era também um ponto de interrogação, todo mundo
achava o Fumanga meio maluco às vezes, também o estava participando mais tanto, meio
que se sentia trdo. Com aquelas votações lá, o pessoal sentiu que ia perder, abandonaram ele e
no final, acho que foi até na assembia do Pilar mesmo (não foi a primeira que vo foi?), que o
Fumanga fez uma proposta e no final, a assembléia com 500 pessoas, ele ganhou três votos: o dele
e mais dois só e os caras colocando areia. Esse grupo era meio fraco. Agora eu lembro que tinha
algumas discussões fortes na época que era muito em relação com a ligação do David com o
Marcelo Dias, era uma no aparelhamento do movimento, a ligação do Zeca com o Evanir
também, que o pessoal acusava de aparelhamento... então, o quê que você acha dessas coisas aí?
Contas umas historinhas aí. Você entrando naquele momento, como é que você via as diversas
brigas entre esses três campos [os intelectuais, o negro eclesial e os autônomos espontâneistas], o
enfraquecimento de algum campo, e essas brigas em torno destas outras temáticas de ligação
política, de partido e tal...
FERNANDO - Primeiro eu era contra a partido, mais intransigente do que eu sou hoje em dia,
mas eu acho que a gente tem que se acomodar; se acomodar no sentido de que a gente tem de
trabalhar com o que tem na mão hoje em dia. Porque antigamente ainda tinha gente que se
contrapunha, contrapunha não, estavam contra e que estavam ali querendo atuar que era o Jobson,
o Vagner, o Robledo, e outras pessoas que --------- as secretarias gerais da época que dominavam,
eles tentavam articular as regionais e as regionais só chegaram a existir por causa deste campo dos
anarquistas, nesta tentativa de tentar centralizar algumas questões e tentar aumentar a participação
local. Hoje em dia, por que eu sou menos intransigente? Porque a gente tem que tentar trabalhar
com quem está disposto a trabalhar e participar. No caso, -----------do PT, tipo o Alexandre. -------
--------as pessoas não gostam do Alexandre, a maioria. Tudo bem, eu também, mas é o que tem;
então [quando as pessoas falam dele] “pô, vem para participar”. E a partir do momento que tem
gente atuando e participando, o cara vai acabar não conseguindo não dar conta, e aí, de repente,
ou vai sair fora ou vai participar menos. Isso é o movimento: você acha uma coisa, bate contra ela
para se contrapor e tenta jogar; tenta ver se as suas opiniões são melhores que as do outro, e nisso
você acaba carregando as pessoas que simpatizam e compartilham da sua opinião também. Agora,
se só reclama e não faz nada...então... “tchau e benção”.
437
Bem, a partir de 98 é um momento de eleição para presidente, deputados... e o engraçado é que
estes momentos de eleição sempre foram momentos perigosos no PVNC, não sei por que hoje em
dia está menos. O David foi uma pessoa que se posicionou contra ao aparelhamento, só que na
prática dava apoio ao aquele Marcelo Dias. Pelo menos eles apoiavam mesmo e assumiam, e
achavam que o movimento poderia conversar, discutir. Pelo menos a gente tem que respeitar. Eu
acho que é isso. Por mais que às vezes os candidatos que eles tenham resolvido apoiar não
sejam... sejam meio esquisitos, eles assumiam isso. O David não. O David ia naquela linha do
apoiar e não assumir, ou só assumir em determinados momentos e tal... isso eu acho muito
problemático.
O tal dos autonomistas, eles perderam muito espaço principalmente porque não conseguiram dar
conta; a partir que viram que não iam ter estrutura (isso na minha opinião), quando viram que não
iam ter infraestrutura para se contrapor, e colocar o discurso deles contra a PUC, a favor da
universidade pública, eles vão começando a sair. Deixando as coisas de lado, e vão começar a
militar em outras coisas. Vão vendo que não estavam conseguindo da conta da secretaria... o
Robledo é um cara que é traumatizado até hoje em dia do momento que ele foi da secretaria geral,
no conselho ---------da UERJ e tal, ele disse que era eram coisas que ele ------------------- linhas
paralelas, e ele com vontade de falar na reunião do conselho e não falou porqueo... quer dizer,
era um cara que foi fazendo -------mas foi chegando e não conseguiu dar conta da quantidade de
opiniões diferentes , de...
RENATO - Dos meandros da disputa potica, né?
FERNANDO - É. Isso, ótima definição. Eles começaram a estar presentes, mas não tanto como
antes. Eles começaram a se tornar muito mais cuidadosos no enfrentamento.
Bem, vamos para os grupos políticos. Historinha: eu me lembro, que eu também fiz parte de um
pré altamente ------------------------ com toda essa problemática. Tinha as meninas do David, a
Simone e tal...tinha todo um contexto ali. E eu sempre conversava muito com o Márcio, que era
um cara caladão, mas que ------- quase tudo que aconteceu no PVNC, caladão. observando. E
eu sabia mais ou menos que, era quem porque eu também ficava perguntando e ele ficava me
mostrando no dedo. -------- que aí entra o Marcelo Dias também.
Em 98, ele começou a dar aula de história do Brasil no pré-Nova Campina. Em 98. Ele começou
naquele negócio assim: uma semana o vai e na outra vai... e eu fiquei muito puto porque me
cortaram de dar a aula, e eu me disponibilizei a ajudar a ele, ajudar ao --------, a tirar xerox... E
umas duas ou três vezes eu fiquei dentro da sala de aula assistindo a aula dele, lá no canto, só
observando. Eu queria é ajudar mesmo. O cara gostava de mim, me achava legal...
ele sumiu. Sumiu um tempo, depois voltava. Aí veio como negócio do Marcelo Dias...
, num belo dia a chega no pré: “ah, semana que vem a gente vai dar simulado”. que no
colégio que a gente funcionava, o pré, ia ter uma festa das crianças e não ia poder usar o espaço.
o ------falou que tinha um--------lá em São João, --------Marcelo Dias, não sei o quê? Não vai
dar para a gente ir não; a gente pega um ônibus e vão para lá; vocês já não perdem o dia, vocês
vão de man para , fazem o simulado lá, e depois vai ter um evento lá, vai ter um salpicão e
tal...”.
, eu “que isso?!”, não vão discutir nem nada? “Ah, a gente vai, já está tudo certo”. ----------------
---------. E eu sabia que ele era panfletário político do Marcelo Dias. Que ele ia estar lá e de tarde
ele ia fazer sua fala...
, na manhã fiquei naquele de “vou não vou”, muito desgostoso, , fui... fui entrar no ônibus,
veio brincar comigo, todo alegrezinho. entrei. Fomos para lá. O pessoal fez o simulado. Depois
a gente foi até -------pré - Santa Clara. Primeiro a gente fez o teste na Pavuna, depois Santa Clara-
---------. O quê que acontece? Quando --------- do Marcelo Dias, fomos para o shopping Grande
Rio, ficamos um maior tempão , depois voltamos e já chegamos no final e ainda estavam o
David, o-----, o Zama, tinhas umas outras figuras lá também que eu não conheço, todos
articulando-------------.
A grande proposta do Marcelo Dias para os alunos dos ps era fazer um cadastro, para todo
mundo assinar, e ele ia dar um vale transporte para o pessoal para ajudar na passagem.
ele começou a distribuir. --------------pessoal só foi fazer colocações favoráveis a ele. E eu
passando mal de tão puto da vida, resolvi levantar a mão (e quando eu levanto a mão, ferrou.
438
vem merda no ventilador). Aí, o Zama falou “ah, fala, todo alegre! Aí eu falei “pó, eu acho que
está tudo errado. Amanhã tem conselho geral e tem outras queses partidárias -----------“, eu acho
complicado chegar lá e dar vale transporte; eu fiz uma críticazinha, uma crítica rasteira sobre a
proposta de dar vale transporte e tal. E isso deu uma comoção. E aí começaram a explicar que era-
---------------e a gente tem que ocupar os espaços, com aquele discurssinho, . E o pessoal não
compreendendo qual era o meu problema com a aquilo.Quer dizer, não é que eles não
compreendiam, simplesmente...E o engraçado é que vieram falar comigo dizendo que não era bem
assim, que eu era radical...
E a partir daí foi o caos, né; o cara não queria mais cruzar comigo.
, o Zama saiu. Sumiu. Depois disso. Aí o pré ficou sem aula. Então eu me propus a fazer grupo
de estudos. E comecei a fazer, apesar de não estar indo tanta gente.
Faltando duas semanas para as eleições, o nosso querido Zama entra em contato e fala que vai dar
aula. Duas semanas não, um mês. Não minto: antes, quando ele voltou, alguns alunos, uns cinco
ou seis, chegam e falam que não vão mais assistir aula. Que não concordavam com aquilo, que ele
estava se contrapondo. Eles falaram que não iam mais assistir a aula dele, e fizeram isso. Não
assistiram aula. Eu achei isso um máximo.
, quando ele sumiu, a gente começou a fazer os grupos de estudo.-----------------------------.
Quando estava chegando perto das eleições, o Zama aparece. O cara aparece e nem falou comigo.
Sacana. Quando ele acabou a aula dele, começou a distribuir panfletozinho. Vários alunos ficaram
putos da vida e deu discussão lá dentro e tudo.
Quando ele estava saindo ele veio falar com a gente. Eu fiquei sentado e não olhava para a cara
dele.
Ele chegou falando que a gente não compreendia as coisas, porque ---------...
Eu falei as coisas para ele, mas nem olhava para a cara dele para não ficar com raiva. O Márcio
também. Quando ele começou a falara a gente ficava nervoso. Ele ia se afastando... ia acusando
né, bem para o lado pessoal mesmo. Aí ele saiu. E ficou uma maior tensão, porque todo mundo
pensava que ia acontecer alguma coisa pior. saiu fora e nunca mais apareceu. Detalhe foi esse.
----------------------me acusou dizendo que eu tinha criticado, e que o motivo para ele ter se
afastado foi meu, e de quê que adianta eu ter feito críticas se nem ajudar eu tinha ajudado e tal. Aí
o pessoal disse que isso era mentira dizendo que eu tinha ajudado a fazer um grupo de estudo e
calaram a boca dele. Ou seja, ele falou que eu não ajudado nada e os alunos falaram que não era
bem assim: “o Fernando continuou aí ajudando e montou um grupo de estudo, e a gente... ele
propôs a estar aí ajudando na aula de história.
Foi um momento muito interante. Muito bom. A questãoo era nem dos partidos políticos, a
questão era o tipo, né. Ou seja, a gente --------esses fulanos----------um quer dar vale transporte,
como se isso fosse ajudar em muita coisa; o outro fica distribuindo panfleto e fazendo um
discurso, com o qual-------apartidário. Como é que fica a parada: de um lado eles querem coptar a
gente, querem usar o movimento como forma de coptar pessoas para estar em cima de seus
interesses. Tanto David, que estava apoiando aquele evento, como de repente... pelo menos aquele
grupo dos intelectuais assumiu realmente que achavam que tinha que ter um diálogo, uma
interação, sei lá.
O ruim disso é que isso fracionava muito as discussões. A gente perdeu muito tempo com essas
discussões. Discussões necessárias em algum momento, mas muito-------- e muita perda de tempo.
Acaba todo mundo dando uma volta partidária ouo, mas todo mundo concorda com a
autonomia. Tem que ter autonomia. Mas como é que vai se fazer autonomia? Tipo, hoje em dia:
hoje em dia é contra ao institucionalizar; hoje em dia eu acho que não deveria ter demonizado
tanto essa questão da institucionalização, essa questão do receber ajuda financeira em alguns
momentos específicos, de algumas formas, é claro que não para receber dinheiro para pagar
professor porque isso eu não concordo; mas para fazer algum tipo de atividade... acho que não
tem problema algum. Mas também, como é que a gente vai confiar nisso se a gente não tem o lado
bom da força, né? Nem a parte da Igreja maneira a gente conseguiu pegar, né? A parte de
Libertação foi pegar, justamente, o David. Que praga, não é?
Eu fico olhando assim: de repente, esses caras da teologia da libertação, aparentemente eles são
formadores. O David não. Ele pega um negócio, abraça e aparece que não quer largar o doce.
439
E eu acho que a gente tem com essas discussões. Eu acho que as pessoas às vezes não conseguiam
conciliar essas diferenças para tentar articular e montar um projeto. Na verdade, eles ---------- e
queriam partir para o embate, principalmente porque --------------------. E isso não ajudou muito o
movimento principalmente porque essas pessoas foram saindo, eles meio que foram se
desgastando, né. Uma vez uma cara falou que isso era muito desgastante e eu concordo com isso.
Eu acho também que a gente foi muito desgastante pelo seguinte: eu acho que como a gente é um
movimento de massa, um movimento de massa que tende a pegar a parte da populão que nunca
participou de um movimento social agente se defronta em um círculo vicioso, porque a gente
sempre pega os mesmos, acaba sempre colocando as mesmas questões que as pessoas não
participaram antes destas questões: sobre a questão do financiamento, sobre as questões de
infraestrutura, queso de estratégia, questão detica... Se a gente fosse um movimento de formar
quadros, e eles tivessem uma noção de estratégia como se a gente fosse os donos de uma verdade
bem construída, a gente não ia se defrontar com isso, porque quando aparecesse alguém que com
as dúvidas elementares, a gente ia passar o rodo e não ia nem dar atenção a essa pessoa. Porque a
gente ia estar preocupado com estrutura mais elaborantes que ia salvar o mundo.
A gente como é não assim, a gente é mais voluntaristas, a gente pega um camarada que nunca
passou por um movimento social, a gente pega a galera jovem que está conhecendo as coisas
ainda e tal. A gente sempre vai se defrontar com as coisas mais elementares. Com as duvidas e
discussões que vão sempre surgir, seja a questão racial do “eu sou negro ou não sou? O quê que
eu sou?”; aquelas questões de somos todos mestiços...--------------------------------------.
A gente está ali na Baixada. E agora que eu comecei a estudar na PUC a gente coma a ver legal
um monte de contraste, né. Eu fui dar uma aula de cultura e cidadania lá no pré que funciona no
Leblon, na Cruzada, em uma Igreja. Aí eu começando e tal, e falei “pó, vocês aqui são pobres,
estão na dificuldade, estão que nem eu que estou no---------------------------------------------------,
mas aqui vocês estão ------------aqui tem vários eventos acontecendo, por exemplo, a praia, que
quem paga é a prefeitura, tem vários teatros, exposições que muitas vezes são de graça...eles tem
mais colégio bem melhores dos que o da Baixada”, e fui colocando essas coisas e eles disseram
que “realmente”. O quê que eu quero dizer com isso, já na PUC é muito interessante que deu para
ter um contraste que até o cara que também é ferrado na zona sul ele tem situações, existem várias
situações que ele está bem melhor do que o cara que vive na Baixada. Ele tem muito mais
possibilidades de contatos do que quem está na Baixada. Ou seja, o movimento social que
nitidamente cresceu na Baixada, que nasceu tentando articular uma série de deficiências que
existem na Baixada, de contato e tal, vai ter sempre, por toda vida esses problemas com essas
duas elementares. Não tem como fugir. Eu tomei consciência disso, também o faz muito tempo,
né, ------------------------------- quando eu tive as mesmas duvidas, os mesmos problemas, aquela
mesma vontade de participar ----------- e o cara não sabe como... As pessoas negavam à gente
elementos para a gente estar articulando, e se contrapondo. Até mesmo, exemplos de vida de
lideranças. Foi cortado da gente. O processo histórico foi cruel com a gente, porque a gente não
confia um no outro. A gente não confia nem no outro e nem em quem--------de mais coisas. É
difícil você conseguir pessoas que confiam em você.
Por isso que eu acho que os prés do Rio, os núcleos do PVNC do Rio, são muito mais
problemáticos dos que os da Baixada. Por isso tem tão pouco núcleo na cidade do Rio do PVNC.
Por quê? Você já parou para pensar nisso?
RENATO - Não.
FERNANDO - Por quê? Bem, na cidade do Rio você tem imensa possibilidade de contatos, de
possibilidades. O quê que acontece: entre estes núcleos do PVNC, entre a coordenação do pré,
continuar a ser PVNC e virar uma ONG, eles vão querer criar uma ONG, porque tem mais redes
de contato, porque tem mais acesso a um tipo de informação que a gente lá na Baixada não tem.
Eu me lembro que na Cidade de Deus o pessoal tem uma problemática até hoje com um grupo
que quer transformar o pré em uma ONG, e o outro grupo que quer permanecer PVNC. Só que a
gente não consegue ter elementos suficientes a estar colocando de por que a ser PVNC; e o núcleo
da ONG tem o ------- todo articulado.
Eu tenho convicção de que isso dificulta muito na hora que a gente... Pó, lá na Baixada você vai
ver um monte de núcleo de PVNC porque é um modelo fácil de tratar,cil de ser criado em um
440
ambiente que tem pouca rede de contatos, pouca rede de financiamento, entendeu? De exemplos.
O exemplo na baixada é mesmo o “mãos à obra”, é “mão na massa”, por várias associação de
moradores que querem mesmo ser...; modelos de gente, de organização associativa, de movimento
social, de iniciativa.
Uma nunca fiquei muito traumatizado com a saída de alunos do pré. --------------eu quero correr
mais atrás deste aluno que está saindo.
RENATO - Você fala o quê? Evasão de alunos durante o ano letivo.
FERNANDO - É. Eu estou falando de algumas questões que dificultam a atuação dentro do
movimento.
RENATO - Você está falando da evasão? Ou do ex-aluno que passa e some?
FERNANDO - Não. É da evasão mesmo.
O aluno que passa e some é outro assunto.
Bem, é da evasão: eu, como professor, nunca fiquei muito traumatizado, porque eu sei que tem
coisas na vida que são mais fortes muitas vezes do que... O cotidiano é muito mais cruel,
infelizmente, na nossa vida: é o cara que vai arrumar emprego, constituir família, vários motivos.
Muitos pais não estimulam o filho a ficar no pré. É quase uma regra você ter pais que não
estimulam o cara estar no pré. Não tem dimensão da necessidade, da importância que é o cara
entrar na faculdade.
A gente tem que corrigir isso. A gente tem que criar uma ponte com esses pais, com esses
responsáveis, com esses maridos... Tem que estimular essas questões, fazer reuniões com os
familiares para estar colocando isso. Tem pais de alunas que acha que a filha vai para arrumar
namorado (“sábado inteiro------------------). E eu sei que tem essas probleticas. Infelizmente. Só
os elementos mais dinâmicos vão conseguir superar esse entrave e chegar no final do ano. Não
precisa nem passar no vestibular. Só a vitória do cara estudar o ano inteiro e conseguir fazer o
vestibular... É um sucesso... quer dizer, o sei se é um sucesso mesmo a palavra, mas é uma
conquista tão grande , tão fantástica para a realidade do brasileiro que –----------- a dimensão só
agora, recentemente.
Ontem estava vendo uma matéria, na internet, na Folha de são Paulo, que fizeram uma pesquisa lá
na... A FUVEST fez uma pesquisa que 77% dos alunos que se formaram no segundo grau eram de
escola pública, e só 45% foram fazer o vestibular. Ou seja, é regra o cara da escola pública não
fazer o vestibular. Primeiro porque? Porque os pais não incentivaram, ou o peso do colégio os
professores desestimulavam. Quando eu fazia segundo grau, os professores não estimulavam a
gente a fazer, tentar fazer correr atrás para entrar para uma faculdade, né. Como é que a gente vai
correr atrás, se faltam elementos para a gente, né? Falta informação. E o cara também acabava não
acreditando nele mesmo, e falava “eu não vou conseguir”, e resolve ir para o caminho mais fácil,
entre aspas, que é pagar uma faculdade. Ou seja, só o cara ir lá, e lutar pela questão da isenção,
né. ----------------. O cara fazer o vestibular, e peitar um sistema, quer dizer, podia estar peitando
de outra forma. Só isso o cara já está tendo uma experiência muito fantástica de vida que será uma
experiência que o cara vai estar levando para a vida inteira dele.
Por isso que, hoje em dia, eu falo em ressaltar essa questão da importância de fazer levantar a
auto-estima; estar se contrapondo... Eu acho que se a gente tiver um aluno em sala de aula, tem de
ser o mesmo vigor como se tivesse cinqüenta. Com a mesma satisfação. Eu não vou deixar cair o
vel. ---------------, justamente porque a gente trabalha com um material muito complicado que é
a esperança na vida das pessoas; a gente não tá... ------------- o que move o mundo, na verdade, é a
esperança; a gente está sempre na esperança de ter um emprego melhor, esperança de ter uma casa
melhor, esperança de comer uma mulher mais gostosa... Cada vez melhor. O que move a gente é a
esperança de conseguir alguma coisa. E se o cara baixa o nível, baixa a bola da situação...Pô, não
pode deixar isso acontecer.
RENATO - Me fala uma coisa. Você estava falando na diferença entre os prés na Baixada e os
prés do Rio. Eu fiquei muito curioso quando eu fui lá no Parque Paulista. ---------------------------.
Estava me falando dos problemas que estavam rolando na própria comunidade, lá no próprio
lugar, e os moradores vinham reclamar dos problemas do lugar com o pré; quer dizer, problemas
que não estavam ligados ao pré, como se o pré fosse uma associação de moradores; o pré era
referência política.
441
FERNANDO - Estava acontecendo...
Primeiro quando a gente entrou no Parque Paulista a gente meio que conseguiu
automaticamente... A gente fez um contato com a associação de moradores, e a gente conseguiu
trabalhar em um CIEP---------. Depois é que a gente mudou para um colégio estadual.
A gente começou a ir à reunião da associação de moradores, e eles acharam------------------------da
associação também. -----------------------------------------------.
E teve um caso que a gente estava ----------------------------------------------------------------------------
----------------
Só que o negocio ia acabar arrasando o ------------------------------------------
E teve um contato que a gente acabou fazendo que eles queriam interagir para divulgar isso, esse
material. A associação de moradores do bairro de --------- que era do lado do parque paulista. Eles
queriam divulgar isso, essa questão do... Porque tem muito jovem, né. -------------------------. A
gente da aula de cultura e cidadania. Fiz até ----------do pessoal. Mas os cara não vieram. Eles
queriam que a gente pegasse o material e desse uma analisada; porque eles já tinham um material
bom. Mas nós falávamos, e a gente queria que eles falassem. Só que parece que houve pontos de -
----------na comunidade que o conseguiram----------------. E todo mundo reconhece. Acha que
aquilo ali---------. Acha que você é jovem, universitário. Eu me lembro de uma reunião que a
gente foi para recolher alimentos, ------------------------------. Aí, a gente não estava, estávamos em
uma reunião do conselho de educação do bairro que a gente conseguiu montar. quando a gente
chegou a gente foi tratado tão bem que eu me senti mal. A gente estava na reunião deles, e a
reuno normal. E quando a gente foi falar------------ reunião mais organizada, reunião mais,
melhor, porque a gente fez umas propostas, a gente fez umas colocações nada demais! Estávamos
eu, Simone e Márcio. Nós três nos sentimos muito mal. Parecia que nós éramos os bam-bam-bans,
os garotos da faculdade, que montaram um pré e que tinham peito... E que a gente também fez
uma ponte com a PUC e conseguimos material de escritório: mesa, cadeira, uma porção de coisas
lá da PUC que iam jogar fora-------------------um caminhão e pegaram tudo.
Sabe aquele negócio de depositar uma esperança? Isso é horrível. Isso é péssimo. Foi quase
traumático.
Eu acho que é porque às vezes as pessoas na vêem que todo muno tem... é igual em capacidade.
RENATO - “Em terra de cego, quem sabe mentir é rei”. De repente vocês perceberam que vocês
estavam em uma terra de cego.
FERNANDO - É. Não tinha nada demais. A gente só estava fazendo uma faculdadezinha.
De repente foi mais traumático porque, quando a gente é da área, a gente se vê como mais um. Eu
quando eu vou para casa, eu chego no final de semana, eu chego em casa, e com quem eu vou
falar? Eu não tenho mais as relações que eu tinha antes com o pessoal da minha rua. E hoje em
dia, a faculdade de dar uma coisa muito horrível. Ela te faz olhar as coisas e ficar analisando.
Você não consegue mais ser espontâneo. Você começa a fichar e a catalogar coisas. Vofica
deslocado. Você não é nem lá, nem cá. Eu estou chegando na esquina e fico olhando aquelas
pessoas que você viu crescer e vai catalogando... O garoto da faculdade. Mas também, o quê que
eu vou conversar com eles também. A gente entra na faculdade e fica com uns papos mais
esquisitos, né. E eles não são tão espontâneos como antes.
Agora, a interação do pré com a comunidade também é uma coisa difícil talvez porque a gente
tem muito trabalho a se fazer, muito trabalho burocrático, muita coisinha, e como a gente não tem
ainda ------de formação, a gente não tem muita gente que pense de forma estratégica, de atuação.
Que a gente podia fazer e estar trabalhando muito. A gente tem um potencial que se a gente for
trabalhar em cima das grandes frustrações do movimento como às vezes acontece. Acho também
que as pessoas ficam naquele trabalhinho repetitivo e ficam meio frustradas; quer dizer, algumas
pessoas se dão bem nisso, né. Gostam. Se sentem bem.se sentem o der, o chefinho do pré.
Outras pessoas não, e até acabam largando o trabalho.
Fica difícil a gente conciliar o trabalho burocrático de atuação de pré, questões de curto prazo,
extremamente necessário para a gente costurar o médio e o curto prazo. A gente não pode perder
essa dimeno. Mas é difícil quando você vai fazer um trabalho mais-----------. Assim é claro -----
-consiga ter uma grande quantidade de coordenadores e você consiga setorizar o ... né. Mas como
é que a gente vai conseguir fazer isso? A gente tem que estar com lideranças com bastante
442
potencial agregador e que saiba, e que consiga estimular as pessoas a ter essa divisão sem ser
comandante.
RENATO - Agora tem prés que são... Isso é estrutura. Se você for pegar o -------. Tem prés que
são diferentes deste negócio, né?
FERNANDO - tem, o Rio das Pedras.
RENATO - Como é que é o Rio das Pedras. Eu não conheço.
FERNANDO - O Rio das Pedras tem uma -------, um certo contato muito maior com a
comunidade. Até porque tem umas figuras que tem uma------------------. Na verdade, quem
levou o pré para lá? Foi --------no meio de militância , que era de sindicatos, de coisas já bem
combativas, né. Eles sabem fazer a coisa liderança que sabe cativar. E o pessoal gosta de
participar. Muita gente que eu tenho contato do Rio das Pedras... Uma vez eles fizeram um fórum
no pré-Anil e do Rio das Pedras. Eram pessoas que eram do Anil e foram para Rio das Pedras
montar um outro pré. E não foi briga, não foi racha. Tanto é que eles mantêm a interação grande e
montaram até um fórum dos prés de Jacarepaguá para tentar costurar essa, chamar as pessoas. ----
--------------------. Eles também estão pensando na importância do núcleo para comunidade. Eu
tenho convicção nisso.
Tem outros assim: o pessoal de Pilares, eu fiquei sabendo que eles estavam com a idéia de montar
uma ONG para discutir coisas do bairro. Pilar é lá em Caxias. E estão conseguindo a adesão de
alguns coordenadores. Mas é uma forma de se estar pensando como a partir do núcleo como é que
aproximando, tentar fazer uma intervenção.
É claro que outros prés não têm nem como fazer isso, né. Tijuca, por exemplo. Não tem como.
RENATO - O ABM, como é?
FERNANDO - o ABM eu fiquei sabendo que estava em uma fase meio mal das pernas, né. Mas
o ABM eu sei que tinha uma galera muito boa lá, e eu até participei em 98, quando a gente fez
uma oficina para entrevistadores voltada para o pessoal do pré. Foi muito boa, foi muito rica.
Fui eu, a Mônica, do ABM, e a Rose, que era do (aquele perto da Pavuna, não lembro...). Bem, a
gente fez um negócio lá, com pessoal do ABM, que é um círculo muito interessante, sempre tem
muitas atividades lá. É uma galera forte. Pegou várias pessoas que eram dali. Que foram e
participaram --------------mais geral, que teve o Robledo, o Juca, se não me falha a memória. ------
------, se tem a Mônica, ---------.
O ABM --------------------te vários projetos lá que existiam antes do núcleo, ou seja, você tem
coisas acontecendo lá que o núcleo ABM não tinha muita interação para criar projetos. Ele
acabava se integrando nos projetos do ABM. Mas do que o ABM no núcleo.
RENATO - Tem mais alguma coisa que você queira falar? Me diz uma coisa, nessas minhas
andanças pelos prés nesse ano, uma coisa que me chamou atenção foi que a gente visitou 15 prés,
e em nenhum desses quinze prés eu vi alguém com programa de cultura e cidadania. Os prés no
começo tinham agenda, com pauta...É, eu já vi isso...
FERNANDO - É. Mais uma deficiência. Conseqüência da nossa falta de visão de estratégia, né.
Eu me lembro que quando existia a turma dos intelectuais, tinha uma lista de pessoas voluntárias
para a aula de cultura e cidadania e do tema referente. ----------------os núcleos. No Nova Campina
é que a gente começou, no ano de 98, esquematizando os pontos de aula de cultura e cidadania
que iam ter, pensando nos temas e outras coisas. Mas isso nunca deu certo.
Em Piabetá a gente nunca fez.
RENATO - Mas hoje em dia eu não vejo nem essa preocupação de fechar os temas e tal.
FERNANDO - Eu não sei. Acho que lá em Piabetá teve essa preocupação em tentar, mas acabou
não ocorrendo.
Eu acho difícil. Isso é falta mesmo, a conseqüência de pouca percepção de estratégia de médio e
longo prazo. E também, no caso da Baixada, foi mais pela rede de contatos; destes contatos para
estar fazendo isso, para estar realizando essas -------- de cultura e cidadania.
Essa nossa dificuldade de contatos acaba ajudando a gente não estar criando uma agenda. Apesar
que tem muitas, que eu vejo nos prés, pessoas que estão responsáveis pela aula de cultura e
cidadania. Na medida do possível, de repente, como a agente não tem uma grade estabelecida e
unificada de prioridades, as pessoas acabam pegando para si as exigências. E as exigências vão de
acordo com a percepção de quem está dando a aula de cultura e cidadania e da necessidade: se a
443
discussão é UERJ que está pegando fogo, vamos levar alguém para falar da potica de cotas, ação
afirmativa; se a discussão é violência, vamos levar alguém para falar da violência; se é AIDS, vai
ser AIDS; se o pessoal está querendo discutir o que quer que seja, vamos levar. As-------matando
um leão por dia. Isso é ruim. Isso é ruim para caramba. A gente perde dimensão e perde
flexibilidade. A gente tendo uma agenda mínima, a gente tem uma idéia do que é necessário, do
que é primordial ter, e a gente pode flexibilizar algumas coisa, né? Encaixar um tema em outro
dependendo da conjuntura.
Hoje me dia, eu queria estar muito----------- na aula de cultura e cidadania. Eu não queria dar mais
aula de história.----------. Hoje em dia, eu ia ser muito mais valioso dando aula de cultura e
cidadania porque eu tenho muito mais contatos.
O ----------- nunca teve tanta aula de cultura e cidadania como esse ano. Eu estou impressionado.
E também, porque tem outras pessoas que estão na faculdade e estão trazendo. E eu também.
Eu não queria abandonar a aula de história não. ----------------------para estar colocando questões.
Porque às vezes eu me acho na situação horrível de ser o cara que sempre esta trazendo coisas.
chega no final de semana, aí leva uma novidade--------------. É horrível isso. Ser a fonte para o
mundo externo é horrível. Porque eu não quero ser o dono de verdades nem dono de informações.
Porque as pessoas ficam dependendo de você para fazer coisas que você não vai dar conta. Das
necessidades coletivas. Eu acho que a gente tem que...
Da próxima reunião de grupo de estudos eu vou falar vamos comar a listar pessoas que estejam
dispostas a dar aula de cultura e cidadania a discutir temáticas para já começar já a no final do ano
estar distribuindo para todo mundo como ponto de referência.
RENATO - A minha teoria é esse enfraquecimento desse trabalho de cultura e cidadania, o fim
desta agenda... não sei se é fim da agenda, mas a questão que eu tenho é que no tempo dos
intelectuais, esse intelectuais entre aspas, eles tinham um papel de fomentar determinadas
discussões que acabavam meio que pautando algumas agendas mínimas tinha uns temas que eu vi
que estavam em vários programas de cultura e cidadania e que claramente eram trazidos por
alguns desses caras. A ppria instituição das -------- questão racial-------------------. quando
eles começam a sair, essas discussões que permeavam esses fóruns coletivos do movimento...
FERNANDO - Assim como a discussão das públicas quando os anarquistas comaram a sair
também enfraqueceu...
RENATO - Como é que você vê isso?
FERNANDO - Sei ...na verdade quando eu fui aluno eu tive pouquíssimas aulas de cultura e
cidadania o pessoal, apesar que o pessoal fez o programa, mas cumprir foi quase zero. Sei
lá...realmente é uma coisa a se pensar. Só que eu não sei realmente se--------------questão racial.
Acho que tinha mais nos embates lá do conselho e da assembléia, agora do dia da discussão sobre
a questão racial ainda mais nos embates do conselho a esse ponto chegava nas assembias e na
realidade do Nova Campina não tinha muito disso, sinceramente não lembro muito disso não.
Pelo contrário né...-------com mania de articular alguma coisa, ou discussão, ou seja, lá o que seja-
--------------------------------. Eu sei, eu acho mais que a fuão deles era mais de fomentar as
discussões nos conselhos e na assembléia. Realmente é claro que antigamente as pessoas falavam
tem pré que não tem nem aula de cultura e cidadania”. Fica uma coisa super negativa.
Realmente é uma coisa que tem bastante peso.
Não sei. Eu acho que a gente devia, dentro da realidade de aluno que eu fui, não tinha muito
sangue não.
RENATO - você fala do grupo dos anarquistas?
FERNANDO - Vou falar o que me contaram. Em 96, em uma assembléia que teve na Rocinha, e
foi uma assembléia que estava tentando se estudar uma nova estrutura do movimento, para o
movimento se transformar. Teve muito impacto uma apresentação de quem a gente chama de
braço direito do David, que era o --------, né. De uma -------que ele fez com o material que
mostrava algumas queses financeiras---------------para o David referente a apadrinhar alguns
alunos com dinheiro dos EUA de algumas famílias norte-americanas que queriam apadrinhar.
Algumas pessoas até tentaram fazer uma prova, alguma coisa assim, para estar possibilitando o
recebimento desta bolsa. Ele mostrou isso, mostrou isso como uma forma de colocar o discurso e
444
a prática, no caso do David. Discurso de não receber ajuda financeira e a prática de estar
estruturando para receber.
Talvez tenha até vários recortes de jornais que eles--------- referentes à tentativa do David de ser o
dono do movimento. Como se fosse o porta-voz e o mentor intelectual. Isso deu tanta polêmica
que dizem que o ----- teve que sair com muito cuidado -----------porque tinha gente que queria
bater nele e tudo-----. O --------foi muito estressante. Foi o ----------------------------
RENATO - Eu lembro que a assembia foi bastante braba, assim. Meu primeiro contato com o
PVNC foi essa assembia. Meu primeiro. Meu primeiro momento assim. Naquela semana, uma
menina que trabalhava comigo tinha me chamado para dar aula no pré rocinha. No dia, a galera
veio. Essa assembléia era concorrida porque tinha um negócio do financiamento externo. Aí eu
lembro que nego arrumou ônibus para caramba. O Juca parece que arrumou. O negócio era grande
mesmo. Aí eu
445
ENTREVISTAS RECENTES
446
Entrevista com Alexandre Nascimento (27/09/2006)
RENATO – Na verdade, meu trabalho começou sendo um trabalho sobre o PVNC e, hoje em dia,
nem é mais um trabalho sobre o PVNC. Eu acabo registrando porque não tem como jogar fora
todo o acúmulo que eu já tenho. Começou também, e existe uma expectativa de que eu fale sobre
isso. Mas, o meu trabalho é muito mais um trabalho de Geografia e Movimentos Sociais – é um
debate teórico sobre dimensões espaciais, quais são as possíveis dimensões espaciais dos
movimentos sociais, quais são as possibilidades de exploração dos movimentos sociais a partir da
Geografia, não é um olhar, mas os olhares, e, aí, eu não estou propondo um ponto de vista, mas,
vários pontos de vista. Tanto, que eu tirei o PVNC. Eu fiz uma revisão de literatura, sobre como a
Geografia vem tratando, e aí aponto que os trabalhos de geógrafos - não existe um trabalho de
referência nesse campo, existem alguns caras que trabalham sobre movimentos sociais, mas não
existe uma tentativa de sistematização sobre quais são as possibilidades, e é isso que eu estou
fazendo. E aí, eu estou propondo algumas coisas que aparecem nas entrelinhas de alguns
geógrafos: eu estou falando de 8 dimensões espaciais de análise dos movimentos sociais, 8
possibilidades de leitura dos movimentos sociais a partir de raciocínios espaciais. E, tem toda uma
discussão dentro de teorias de ação social também, eu falo que o movimento social é uma forma
de ação social, mas, na verdade, é a convergência de diferentes formas de ação social dentro dele,
e, no final, eu vou ler o PVNC a partir desse cabedal analítico. Então, já tem bastante coisa,
entrevistei um monte de gente. E, hoje, eu tenho algumas questões ainda sobre o PVNC, além de
evidentemente ter esse trabalho de confrontação de visões, afinal, eu entrevistei pessoas com
visões bastante diferentes – você fez isso na sua tese de mestrado também, sabe bem o que é isso.
ALEXANDRE – agora [no doutorado] eu não vou fazer isso não. Eu vou tentar só teorizar...
RENATO – é melhor pra não perder amigos!!! (risos) Mas, tem algumas coisas que eu ainda
tenho interrogações. Sobretudo, sobre a fase inicial do PVNC. E, eu queria que você me falasse
um pouco sobre o início do PVNC. Falasse um pouco da tua trajetória – esse é o primeiro ponto,
seria interessante você começar falando da tua trajetória de militância, como é que você começou,
aonde você circulou, quero dizer, como é que você foi se envolvendo até chegar no PVNC, e,
depois de chegar no PVNC, como é que a tua relação com a militância e com a participação
potica muda, se transforma – e aí, nisso, você ir inserindo essa coisa do começo do PVNC.
ALEXANDRE – bom, a minha militância pessoal ela começa no movimento de associação de
moradores ,em Belford Roxo, no bairro de Jambui/Nova Piam, que era o bairro em que eu morava
na época. Eu ainda era militar e, nessa época, tinha uma atuação muito tímida, mas, o que me
movia nessa atuação era aquela idéia de vomelhorar as condições de vida do bairro – da rua, do
bairro, etc. E, em Belford Roxo, no início da década de 90, por incrível que pareça, a grande
demanda das comunidades era o a gente chamava a “manilha”. O valor era a manilha. Ou seja, o
bairro em que eu morava, a rua em que eu morava, tinha duas valas, uma de cada lado, e sérios
problemas de saúde inclusive, problemas de risco de vida! Teve uma pessoa, certa vez teve um
morador que todo mundo gostava muito, negro, homem simples, semi-analfabeto, trabalhava
capinando quintal das pessoas, trabalhava com obra, e ele era epilético. Ele teve um ataque
epilético e caiu com o rosto numa vala dessa e morreu. Era de noite, não tinha ninguém para
socorre-lo e morreu ali asfixiado com o rosto dentro da lama preta da vala. Esse fato ajudou mais
ainda as pessoas a se mobilizar, e eu entrei nessa mobilização e que foi um momento que ao
mesmo tempo se criou a associação de moradores e a primeira demanda nossa foi tapar as valas.
Isso foi no início da década de 90. Foi quando surge o Joca, famoso Joca, na Baixada Fluminense.
O Joca surgiu com uma fábrica de manilha – ele dava manilha e se elegeu vereador, a primeira
eleição dele foi dando manilha pras ruas fazerem mutirões e tapar as valas.
RENATO – eleição de 92?
ALEXANDREisso foi em noventa.. não, 92 ele foi prefeito. Isso foi antes, noventa, eu
acho.... final de oitenta.. oitenta e nove, noventa. Porque também coincidiu esse momento um
pouco, foi o momento em que eu entrei na discussão político-partidária, que foi a partir da eleição
de 89, do debate, daquele debate forte da eleição de 89. E aí, a gente fazia tudo isso também
movido por aquela dinâmica da eleição. Enfim, esse é o início da minha militância, ela não teve
447
um contexto... eu não surgi, por exemplo, do movimento estudantil, da leitura de Marx, nada
disso. Era um outro tipo de milincia que surgia da necessidade real de fazer alguma coisa para a
melhoria das condições de vida. E não tinha nenhuma discussão racial nisso. Essa coisa toda foi
evoluindo, nesse momento eu também estava na faculdade, e ali eu comecei a ter contato através
de alguns professores, com algumas literaturas.... era ainda o momento da saída do regime militar,
estávamos naquele apêndice do José Sarney, apêndice do regime militar que foi o José Sarney, e
aí os professores, muitos professores davam textos marxistas, etc. a gente lia aquilo, etc, foi um
turbilhão de coisas no mesmo momento da minha vida que me levou pra milincia. Primeiro, a
militância ali na associação, depois a militância partidária. Eu era muito ligado – eu não cheguei a
ser do diretório – mas era muito ligado ao diretório dos estudantes que estava se criando naquele
momento. Logo após a minha formação eu me tornei professor da mesma faculdade, em que eu
me formei...
RENATO – que faculdade era essa??
ALEXANDRE - era a ABEU, uma faculdade particular da Baixada. E, começava a me relacionar
muito com os alunos, entre eles, esses alunos, o Luciano e o Antônio, que nós éramos amigos.
Nós, inclusive, é bom dizer, que eles não foram meus alunos, na verdade, nós entramos na
faculdade juntos, depois eles foram fazer outro curso – eu fiz o curso de pós-graduação e me
tornei professor, e eles foram fazer um outro curso. E ali, eles deram conseqüência à história do
movimento estudantil quando eu já era professor. E nós continuamos amigos. Numa das
conversas, das nossas andanças, nós descobrimos que em São João de Meriti havia um grupo
negro, e fomos lá visitar esse grupo negro e nós encontramos o Frei Davi. O Davi nos recebeu,
foi muito atencioso, recebeu, conversamos muito, falamos de questão racial, e aí, eu comprei
umas camisas, e uns bótons, essa coisa toda. E o Davi pegou os nossos telefones, depois ele ligou
e marcou uma reunião. Nessa reunião ele coloca que ele tinha uma idéia, uma vontade de criar um
curso pré-vestibular para negros, estudantes da Baixada. E ele disse exatamente com essas
palavras: “eu queria que vocês fossem os mentores dessa idéia”. Abre aspas, “eu queria que vocês
fossem os mentores dessa idéia”, fecha aspas. A gente - a gente, quando eu falo, era eu, Luciano e
Antonio -, nós ficamos empolgados com a idéia, porque o Antonio fazia pedagogia...
RENATO – só tinha vocês e ele nessa reunião?
ALEXANDRE – só, nós 4. apenas nós 4. Nós não tínhamos ainda o contexto, tínhamos recebido,
assim, com uma certa empolgação essa idéia, porque a gente sempre quis fazer alguma coisa
desse tipo na área da educação. Eu, nesse momento, não tava estudando filosofia formalmente,
mas fazia parte de um grupo de filosofia e estava lendo Foucault, Guattari, Deleuze, nesse
momento. Ainda sem nenhuma discussão racial. Bom, a gente saiu daquela reunião empolgado e
começamos a trabalhar em função dessa idéia, o que o foi uma coisa fácil... levantar alguns
dados, etc. e a gente, aí, nesse processo, começou a ver, a tomar conhecimento das desigualdades
raciais na área da educação. Sobretudo, nessa área do ensino superior – o baixo percentual de
negros nas universidades públicas; a questão da baixa qualidade do ensino público ali naquela
área, na Baixada Fluminense. Quer dizer, a gente viveu um grande período, na década de 80
sobretudo, um período em que tomou pulso no Brasil a dinâmica fordista, e aí, em face disso a
escola técnica – na Baixada Fluminense, a maioria das escolas de ensino médio eram técnicas, de
ensino profissionalizante, quase não se encontrava escolas de formação geral, ou seja, portanto
não se preparava para o vestibular, dentro daquela boa lógica de que “filho de operário vai ser, no
máximo, um gerente de nível médio”. Era o nosso sonho, né? Fazer o ensino médio e ir para uma
grande indústria, a vida estaria resolvida., que tudo isso acabou, nada disso deu certo, já
estávamos no governo Collor, e o Collor já começou a desarticular esse projeto e implantar o
neoliberalismo. Então, começamos a tomar conhecimento das desigualdades raciais, das questões
que estavam se colocando pra educação ali, a baixa qualidade dessa educação. E, vendo que a
idéia era importante. Era importante fazer isso, era importante fazer um esforço de criar o pré-
vestibular com a perspectiva de preparar estudantes pobres para a universidade. Nós, ainda, nesse
momento, nós três sobretudo – eu, Antonio e Luciano – nos movíamos não em torno da questão
racial. Nos movíamos em torno da idéia de “popular” – pré-vestibular popular, fazer uma
educação popular, preparar estudantes populares, falávamos assim, estudantes populares para a
universidade pública. A questão racial vem sendo inserida, o próprio frei Davi trouxe muitos
448
dados, muitas informações nessa área pra nós, e a gente debatia essas questões todas. E, nesse
processo, a gente foi fazendo contato com pessoas, sobretudo com pessoas que pudessem ser
professores – isso durou, se não me engano, de novembro de 1992, que foi quando nós
conhecemos o Davi, até junho de 1993, que foi quando inauguramos o primeiro curso. Então, foi
um processo de mais ou menos aí, um sete ou oito meses de gestação, de amadurecimento dessa
idéia, tanto na discussão mais teórica, potica, quanto nas tarefas pra viabilizar isso. Que tarefas
eram essas? A gente começou a visitar cursos pré-vestibulares pra saber de programas,
disciplinas, como é que se organizava, etc. um desses cursos, dois desses cursos que nós visitamos
foram o do SINTUFRJ – o curso do atual SINTUFRJ, que naquela época ainda era ASUFRJ -,
nós procuramos lá, para saber como é que eles faziam. Eles também tinham uma disciplina
chamada “Introdução ao Pensamento Crítico”, cujo objetivo era também oferecer conteúdos
políticos, informações sociais e políticas pros estudantes... o Mangueira Vestibulares, que a gente
tinha tomado conhecimento num seminário na UERJ, em que eles apresentaram o projeto deles.
Também fizemos uma conversa com eles, pra sabermos como é que eles se organizavam. O Davi
trouxe a informação de que, no ano anterior havia sido criada na Bahia a Cooperativa Steve Biko,
atual Instituto Steve Biko. Então, essas eram as nossas três referências de pré-vestibulares. E,
comamos a ver espaços.... também visitamos cursos pré-vestibulares comerciais. Visitamos o
MV1, visitamos alguns cursos na Baixada, um, inclusive, disse que faria uma ação social, disse
que doaria as apostilas, mas isso não se concretizou. Enfim, conseguimos, nessa trajetória toda
montar uma equipe de professores. A gente tinha dúvidas sobre a carga horária – e, fechamos que
tínhamos que fazer um curso aos sábados, era o possível a se fazer naquele momento e que todas
as disciplinas tinham que ser dadas aos sábados, uma hora por disciplina. Era um intensivo, de 7
às 7, de sete da manhã às sete da noite, com dez ou onze disciplinas. Isso foi toda nossa
programação. Começamos a fazer contatos com amigos, professores, que indicaram outros
professores. Muita gente interessante surgiu, entre esses professores o conhecido professor Zama
Reis, de história, que ficou conhecido nos pré-vestibulares, e outros colegas...
RENATO – o Zama já era seu amigo antes, né?
ALEXANDRE – é, o Zama era meu colega na ABEU, nós éramos professores na mesma
faculdade. Ele tinha sido meu professor anteriormente, depois viramos colegas na faculdade. E,
montamos uma equipe, fizemos duas reuniões com a comunidade, na igreja, e aí lançamos o
curso. Isso já em março, abril de 93. Lançamos o curso, as pessoas começaram a vir, ainda muito
tímidas fazer a inscrição. Ah, teve um dado importante, que antes teve uma missa afro – e, na
verdade, esse era o nosso interesse inicial, era conhecer como é que era uma missa afro e
acabamos começando a produzir um pré-vestibular! – e, nessa missa afro foi feita a divulgação
pra comunidade que estava ali no momento, a comunidade católica, de que o curso estava
comando, comariam as inscrições. Essa missa afro foi celebrada pelo Davi. E era uma coisa
ainda nova na Baixada Fluminense e muito polêmica. Naquele momento o arcebispo do Rio de
Janeiro ainda era o Dom Eugenio Sales, e ele era frontalmente contra as missas afro, e estava num
momento de debate muito intenso na Igreja, e que foi inclusive motivo de algumas reportagens na
televisão essa dinâmica das missas afro. Bom, e as inscrições foram abertas, poucas inscrições
foram sendo feitas até o momento em que o frei Davi resolveu acionar o Tim Lopes, que já era o
amigo dele – inclusive, nós conhecemos o Tim Lopes – e ele foi a pessoa que fez a primeira
reportagem divulgando as inscrições e aí foi uma explosão de gente pra fazer as inscrições. Foram
200 inscrições, selecionamos 100 pessoas, resolvemos fazer duas turmas. Começamos, e aí, a aula
inaugural foi uma aula na igreja de São João de Meriti, em 5 de junho de 1993, e, o espaço que
nós usávamos era no prédio do Colégio Fluminense, que é um prédio também que pertence à
Igreja – parte do colégio pertence à Igreja – e o Colégio cedeu duas salas numa unidade que ele
tem no Centro de São João de Meriti, e lá, a partir dessa data, nós começamos o curso com quase
100 alunos, duas turmas. E, o curso... bom, pra cada disciplina, tinha uma hora, eram todas as
disciplinas do ciclo comum do vestibular – matemática, português, geografia, química, histórica,
biologia, física, literatura, redação... se não estou esquecendo mais nenhuma... todas as
disciplinas. Não tinha ainda a disciplina Cultura e Cidadania. Bom, essa história começou
assim.... a gente não começou de uma análise maior do problema. A gente começou de uma
constatação em cima de dados. Eram duas as constatações: uma era a questão racial, ou seja, o
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baixo número de estudantes negros nas universidades; a outra era essa questão da qualidade ruim
do ensino na Baixada Fluminense, do ensino público, mas tanto do ensino público quanto do
ensino particular, que não preparava ninguém pro vestibular. Então, essas foram as duas
motivações importantes. Uma outra motivação, e que foi talvez a gota d’água desse processo, foi
o fato de que a PUC de São Paulo, através do Dom Paulo Evaristo Arns, conseguiu 200 bolsas
para jovens negros do país. Aí, a gente achou que a gente poderia organizar no Rio de Janeiro um
curso que pudesse também preparar o estudante para essas bolsas. Então, esse foi o início mais
detalhado, mais cotidiano do processo do pré-vestibular. Ao longo de 93, ficamos com essa turma,
dividida em duas salas. O trabalho foi muito intenso. Dois eventos naquele ano – dois tristes
eventos – nos motivaram a fazer a disciplina Cultura e Cidadania no final do ano, fruto de um
debate. Esses eventos foram a chacina da Canderia e a chacina de Vigário Geral, aonde jovens
negros, trabalhadores negros sobretudo, foram assassinados, infelizmente, e pela pocia. Esses
eventos fizeram com que s fizéssemos alguns debates, sobre a questão racial, sobre potica,
sobre violência, nos pré-vestibulares. Ao final do ano a nossa avaliação era que devíamos tornar
isso uma disciplina e, provisoriamente, nós demos o nome a essa disciplina de “Aspectos da
Cultura Brasileira”, foi um nome que eu sugeri, e, depois, no processo de amadurecimento do
debate vimos que esse nome não daria conta daquilo que nós queríamos fazer, e o Antonio sugeriu
o nome Cultura e Cidadania que foi imediatamente aceito porque apareceu como um nome
interessante e feliz. Bom, terminamos esse ano com, se não me engano, 30% de aprovações.
Alunos aprovados para a UFF, UERJ, Rural... eu acho que nesse primeiro anoo teve pra UFRJ.
E, quatro alunos aprovados pra PUC, três alunos aprovados pra PUC numa relação que nós
conseguimos construir e que nos concedeu bolsa pra esses alunos. Foram a Geanne, a Simone –
formadas, inclusive e o Allison. O Allison inclusive foi um aluno que passou em dois
vestibulares, na PUC e na UERJ – se não me engano, história na UERJ e serviço social na PUC.
Esses alunos na PUC ganharam bolsas, e a gente saiu com algumas avaliações nesse primeiro ano.
Uma avaliação foi essa que eu acabei de dizer, que nós deveríamos ter uma disciplina para
trabalhar as questões raciais e as outras questões pertinentes – potica, economia, as questões
locais -; e, uma outra avaliação também era que nós devêssemos começar um trabalho de divulgar
e disseminar a idéia. Esse foi um trabalho que teve um certo sucesso – nós começamos a divulgar
isso, o frei Davi tratou de divulgar isso pela Igreja, e nós fizemos outras divulgações em
sindicatos, ONGs, etc. No ano de 94, nós já começamos o ano com, se não me engano, 8 núcleos,
deixa eu ver se eu lembro aqui: além da igreja da Matriz, tínhamos a Igreja de Éden, São Mateus,
Nilópolis, o pré-vestibular da ABM, organizado pelo GRUCON, organizado pelo Juca Ribeiro, o
primeiro pré, o pré-vestibular Zumbi dos Palmares, também em Vilar dos Telles, que foi
organizado por nós mesmos numa escola... depois surgiu a Rocinha – mas a Rocinha surgiu num
outro movimento e depois se aliou, não foi uma ação nossa direta, mas foi motivado por nossa
ação e depois se aliou....
RENATO – uma ação de quem??
ALEXANDRE – Da Rocinha foi um pessoal, se não me engano, ligado a uma igreja evangélica.
Se não me engano, foi a Igreja Metodista, e, também, numa relação com a associação de
moradores da Rocinha. Mas também, pessoas que já conheciam o trabalho do Davi, teve um
apoio.... naquele momento, já no final de 93, havia alguns pastores evangélicos de algumas
igrejas, pastores negros, que começaram a fazer esse debate nas suas igrejas, que foi um debate
mais duro do que na Igreja Católica. Inclusive, foi um acontecimento importante que merece ser
citado, foi que ao final de 93 foi feita uma missa afro em novembro – não foi uma missa, foi um
ato ecumênico dirigido pelo Davi, mas que teve um pastor metodista, pessoas da Assembléia de
Deus, pessoas do Candomb... então, foi um ato ecumênico de evangélicos, católicos e pessoas
de religiões afro-brasileiras, em celebração do que nós consideramos um sucesso do pré-vestibular
em 93. nesse ato, já também tinham pastores, um ou dois pastores, que queriam levar essa questão
pras suas igrejas. Não no sentido de fazer um culto afro ainda, mas já discutindo a cultura negra,
esse legado dentro da igreja evangélica que era um grande desafio. Então, eu acho que o pré
Rocinha foi motivado também por isso. Tinha também um outro pré, que durou muito pouco,
organizado em Nova Iguaçu, no sindicato dos metalúrgicos, organizado por um vereador, que eu
não me recordo o nome, era um vereador do PT, acho que era Moacir... mas que não durou muito.
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Então, surgiram esses pres já em 94. Então, nós já começamos 94 com 800% maiores do que nós
éramos em 93. Ainda a Igreja Matriz centralizou, o nosso núcleo da Igreja Matriz centralizou
isso... as inscrições de 94 nós fizemos setecentas e poucas inscrições e distribuímos esses alunos
pelos demais cursos que estavam se apresentando ali. Alguns desses cursos, como o curso de
Éden, e o curso de São Mateus, foram organizados por ex-alunos da primeira turma. O curso de
Éden foi organizado por duas alunas, uma que passou pra pedagogia na UERJ, e uma que passou
pra letras na UFF, que eu não estou recordando o nome aqui. Eu lembro de uma aluna que passou
pra letras na UFF que é a Jurema que hoje é professora, já foi diretora de escola....e a outra que eu
não estou lembrando o nome. E aí, em 94, com a vinda de outras pessoas de outros grupos,
sobretudo com a vinda do Juca, do Grucon, a discussão racial ficou mais qualificada. O Juca
trouxe uma boa discussão, trouxe a discussão do movimento negro e outras discussões que
estavam sendo feitas na época, que era um momento, inclusive, em que o movimento negro se
preparava pra famosa marcha “Zumbi dos Palmares pela vida e pela cidadania”, em 95. Então, foi
um momento preparatório, em que nós inclusive fazíamos reuniões no IPCN, no CEAP... e
também foi o momento em que Carlos Minc propôs cotas na UERJ, um projeto de lei propondo
cotas de 20% para estudantes negros na UERJ, e que era um momento em que nem o movimento
negro, o movimento negro não estava com essa discussão amadurecida e, boa parte das lideranças
negras da época, inclusive eu, fomos contra o projeto, contra cotas para negros na audiência
pública – mas é porque não tinha nenhum amadurecimento disso. Então, a gente entrou num
momento em que esse debate estava sendo feito no movimento negro, das poticas afirmativas,
que chamávamos de discriminação positiva, e, potica de cotas, etc. marcha zumbi dos palmares,
e a gente se apresentando no movimento social como Pré-Vestibular para Negros e Carentes... o
que também não foi uma discussão tranqüila entre nós. Havia discordância de pessoas – eu,
inclusive cheguei a discordar desse nome no início, por considerar que esse nome praticava, era
também discriminatório. Hoje, eu estou convencido exatamente do contrário. E aí, no debate foi
produzido um bom texto que problematizava a questão do nome. Produzido por um grupo – que
se não me engano, o Davi, o Juca, nesse momento o Junior já estava... e também, 94 foi a entrada
de muita gente importante pro movimento, como foi o Junior , o Juca, o Zeca... basicamente esses
três que agregaram muitas coisas, vieram trazendo muitas coisas novas, ah, e também o Jocimar, o
nosso saudoso Jocimar, trazendo muitas coisas novas pra dentro do movimento. Foi um momento
em que nós comamos a fazer relações com outras entidades do movimento negro. A primeira
relação foi com o GRUCON, depois com o CEAP, IPCN, MNU, Agentes de Pastoral Negros...
algumas relações agregaram em conteúdos pra nossa discussão... e aí, a gente começou a ficar
conhecido. 94, então, o pré Matriz continuou liderando – o pré Matriz que eu falo não é porque o
pré era matriz, era o pré da Igreja Matriz – ele continua liderando o movimento e nós começamos
a ver que a necessidade de fazermos reuniões de articulação. E nós propusemos – inclusive, foi
uma proposta minha – um seminário, e esse seminário foi feito no dia 12 de junho de 1994, dia
dos namorados, um domingo. E não foi... alguns dizem que esta foi a primeira assembléia, na
verdade ele não tinha um caráter de assembléia, foi um seminário de troca de contatos entre os
cursos que estavam se denominando Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Dessa reunião nós
fizemos uma análise, fizemos uma dinâmica lá, de pontos positivos, negativos, quais eram as
nossas questões, as nossas bandeiras, etc. E,s marcamos a segunda reunião que, ao meu ver,
sim, esse segunda foi a primeira assembia do pré-vestibular, porque essa segunda teve uma
conotação de assembléia. Já a partir da Segunda Assembléia começou a se configurar as
diferenças de visões de mundo, e, portanto, as divergências de projeto de pré-vestibular. Essas
divergências se expressaram em termos....
Fita 2
Alexandre –Nessa Assembléia foram deliberadas coisas importantes para o movimento, entre elas
o Jornal –que não demos o nome, naquele momento foi criada uma equipe para o jornal, e aí,
algumas pessoas achavam que era importante, além do jornal, ter um informativo. Na verdade, o
que estava por trás disso era uma disputa pelos conteúdos. Então, um grupo ficou com o jornal –
nesse grupo eu estava – e outro grupo com o informativo – nesse grupo o Davi estava....
RENATO – quem mais estava no outro grupo? Dessas figuras....
451
ALEXANDRE – dessas figuras... digamos....
RENATO – Juca, Júnior?
ALEXANDRE – Não... no jornal, entramos... digamos... quero dizer, a polarização comou mais
entre eu e Davi nesse momento. O júnior, nesse momento, estava mais ligado ao Davi – até
porque o Júnior tinha, vinha... e, também, publicamente, o Davi era a grande pessoa pública,
então, a contestação, o fato de eu, Antônio e Luciano, começarmos a contestar o Davi vinha muito
mais das nossas relações internas do que uma questão política maior nesse início. Então, a gente
começou a ter discordâncias da condução do processo como coordenação: éramos 4
coordenadores e começamos a ter divergências no processo de coordenação. E aí, nesse momento,
o Júnior já tinha entrado pra essa coordenação, porque, era sempre um... Juca passou a fazer parte
disso também... a Bete, que era do Pré ABM, nesse momento também o Orlando Júnior, que
naquele momento estava fazendo o seu doutorado no IPPUR – também fez parte desse debate,
porque a ABM entrou nesse debate, que tinha uma relação com o IPPUR e com a FASE e,
justamente, o debate dele era um debate talvez parecido com o que você está fazendo agora que
era um debate do território, das políticas públicas, do impacto territorial do movimento, essas
coisas todas. Bom, outra decisão importante que também expressou a diverncia foi a criação do
chamado Grupo de Reflexão Racial, liderado pelo Davi, e Grupo de Reflexão Pedagógica,
liderado por mim. Eu ainda estava amadurecendo a discussão racial, e ainda fazia muitas críticas
do formato tradicional de como se fazia uma assembléia. Saímos dali com essa decisão, e, cada
assembléia a gente marcava a assembléia posterior. 94 e 95 nós fizemos aí, quase umas 20
assembléias, porque a gente marcava uma assembléia para o mês que vem, pra daqui a dois
meses, não tinha uma regularidade. Em face disso, e com essas divergências se acirrando, eu,
Antônio e Luciano saímos do Pré Matriz em setembro de 94 – e, eu repito, a diverncia era de
condução do processo, de coordenação. O Davi ficou na coordenação do Pré Matriz, com o
Júnior, sobretudo, e mais uma equipe, mas eram Davi e Júnior as pessoas de referência, e eu,
Antônio e Luciano fomos para o Pré Zumbi dos Palmares que nós tínhamos também criado no
início de 94. Nós estávamos com os dois pres, mas decidimos ficar só com um. Dali, a gente se
distanciou um pouco dessa discussão – nós mantivemos a nossa presença nas nossas assembléias
que eram feitas e a discussão na assembléia começou a ficar polarizada, justamente em torno de
o quê que era um pré-vestibular?”, “qual era a nossa atuação?”, “como é que nós deveríamos
conduzir essa discussão?”. Estava em pauta a discussão do nome, que venceu – no processo de
discussão, numa assembléia conturbada, se não me engano, em Nova Campinas, no pré Nova
Campinas, que foi criado pela Geane, uma ex-aluna -, em que se discutiu o nome e que ganhou a
proposta do nome ser Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Nesse momento eu já concordava
com o nome Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Então, a discussão começou a ficar
polarizada, no final de 95... em 95 também cresceu mais ainda o número de pres, surgiram pres
em outros municípios da Baixada – surgiu o Pré Santa Clara, que foi feito pelo, foi fundado pelo
Sérgio Max, que era seminarista na época... euo sei se o Sérgio Max hoje é padre...
RENATO – a informação que eu tinha era de que o Santa Clara foi um dos primeiros, tinha sido
criado em 94...
ALEXANDRE – é, ele foi criado em 94... foi um dos criados em 94. Inclusive, nós fizemos
muitas reuniões nesse pré, porque ele ficava num lugar bom de fazer reunião, num CIEP... e, na
verdade, ele foi organizado por Sérgio Max e, devemos fazer justiça, pela tia... ela era conhecida
como a Tia Ana, em São João de Meriti – uma militante negra, petista, de São João de Meriti
conhecidíssima por todo mundo, era militante também da Igreja Católica, do movimento de
pastoral negra. Surgiu também a discussão do Pré Petrópolis, que foi criado por uma professora
norte americana, que mora no Brasil, chamada Donna, até hoje mora em Petrópolis, que era
católica também e fez a proposta de fazer lá – e que eu, inclusive fui uma das pessoas que foi lá
em Petrópolis em várias reuniões ajudar a criar nesse momento o Pré Petrópolis, a discussão
estava sendo liderada pelo pessoal do CAAL, que era o Centro Amoroso Lima para a Liberdade...
Amoroso Lima, é esse o nome daquele teólogo e filósofo católico? Eu não sei se é Lima, é
Amoroso alguma coisa... Alceu Amoroso Lima para a Liberdade. Então, a discussão do Pré
Petrópolis também foi feita lá, já em meados de 94. em 95, então, começaram vários pres, eu não
vou me lembrar de todos eles aqui, e, no calor desse debate, 95 foi um ano muito rico, em que a
452
gente, em que a discussão racial e a discussão de concepção de pré-vestibular foi muito quente,
com muitos textos, nós fazíamos muitos textos. E, no cerne dessa discussão, estava a discuso
sobre financiamento: deveríamos ou não aceitar financiamento externo? Isso já no final de 95...
RENATO - antes de você entrar nisso, eu queria voltar em dias coisas, que você falou que
contrastam com outras narrativas que eu tive. Primeiro, você falou que no primeiro ano... não,
primeiro vamos nas coisas mais objetivas. Você falou que em 93 não tinha aula de Cultura e
Cidadania – começaram algumas atividades por conta de alguns eventos como as chacinas, etc... a
Geane tinha me falado que já tinham aulas de Cultura e Cidadania.
ALEXANDRE – não, o que não tinha era o seguinte... eu acho que a Geane tem razão em dizer
que houveram aulas com essa conotação. Mas nós não tínhamos o momento organizado de
Cultura e Cidadania, não era uma aula organizada que tinha todas as semanas. A gente começou
fazendo isso cobrindo a ausência de professores. A primeira aula, inclusive, foi eu e Antônio que
demos sobre... acho que era sobre o poder, alguma coisa assim, e fomos eu e o Antônio que
demos, pra cobrir alguma ausência. Depois, achamos que era importante continuar com essa
dinâmica. Vieram os eventos das chacinas, fizemos outras aulas. E, no final de 94, a gente
resolveu organizar isso como uma disciplina. Então, a Geane tem razão por um lado – quer, dizer,
já havia uma discussão mas não havia um momento organizado. Esse passou a ser a partir de 94.
Então, não é que haja uma divergência. A Cultura e Cidadania foi dar um nome a uma coisa que
nós começamos a fazer em 93- dar um nome e uma organização a uma coisa que nós começamos
a fazer em 93.
RENATO – compreendi. Outra coisa, que até foi a Geane que falou também, é o seguinte: pela
tua narrativa, em 93, desde que começou o trabalho com as primeiras reuniões – inclusive, o Juca,
disse que chegou a participar de reunião antes de começar esse primeiro núcleo em 93...
ALEXANDRE – sim, é porque eu, Antônio e o Luciano, justamente nós éramos de fora – o
debate já vinha sendo feito, dentro da Igreja. Só, que ele não conseguiu colocar o time na rua.
Quer dizer, quando o Frei Davi se interessa pelo nosso interesse em fazer educação, e diz pra
gente uma frase que eu não esqueço, de nós devíamos assumir a idéia e “sermos os mentores
desse processo”, era porque, justamente, ele encontrou em nós o que estava faltando.s,
educadores, professores, pedagogos, conhecíamos vários professores... era o que , de alguma
forma, faltava pra se concretizar a idéia. Então, nós na verdade, nós colocamos a idéia em prática.
RENATO – sim... o que a Geane falou, também, e isso é um ponto que eu acho que é mais
polêmico, digamos assim - mais controverso, não sei se polêmico -, ela disse que, em 93, desde a
primeira reunião que ela participou, antes de começar as aulas – ou seja, teve uma reunião com
aqueles que seriam os alunos primeiro, pra depois... foi uma reunião dia de semana, se não me
engano, numa quarta feira de noite, pra depois começar as aulas. Ela disse que, desde aquela
reunião, já era colocado pros alunos a idéia de que eles, depois de aprovados, abrissem novos
núcleos, que eles replicassem a idéia. Agora, na tua narrativa, você disse que a idéia de fazer
outros núcleos surgiu a partir da avaliação que teve no final do ano.
ALEXANDRE - não, é... é só... na verdade, tem uma falha minha aí. Eu volto sempre a dizer... a
Geane também, nesse caso, ela também tem razão. Já falávamos na perspectiva de que essa idéia
tinha que ser multiplicada pelas pessoas que estavam entrando ali. No final de 94, nós,
desenvolvemos uma ação organizada, nossa, de coordenação, pra incentivar outros núcleos a
fazer...
RENATO – no final de 94?
ALEXANDRE –o, 93, no final de 93. Nós comamos a desenvolver isso... inclusive nós... a
UBES aceitou um delegado nosso em seu congresso, que foram, se eu não me engano o Allison –
são dois delegados – e o Serginho, que era um diretor, lideranças da associão municipal de
estudantes secundaristas de São João de Meriti, mas eles estavam com dificuldade pela associação
e foram pelo Pré-vestibular, eles eram nossos alunos. E, justamente, o papel deles nesse congresso
era dizer na AMES da importância que a AMES assumisse o pré-vestibular como prática potica.
Isso foi no segundo semestre de 94. essa era uma coisa que nós já vínhamos falando no discurso, e
a Geane tem razão... 93, desculpe. A Geane tem razão, volto a dizer. Agora, no final de 93 nós
passamos a fazer isso de forma organizada – passamos a, nós saímos do discurso para as pessoas e
passamos a visitar os locais, nas igrejas, nas comunidades eclesiais, nos sindicatos, nas ONGs, nas
453
entidades do movimento negro e dizer pra eles “vocês têm que fazer pré-vestibular”. E aí, surgiu
inclusive um texto que é aquele feijão-com-arroz, de como se faz um pré-vestibular: passo 1,
passo 2..
RENATO – mas esse texto surgiu no final de 94...
ALEXANDRE – é, mas... esse texto surgiu em 94 como resultado desse processo
RENATO – foi no segundo semestre de 94...
ALEXANDRE – é, aí eu já não me recordo quando... porque, o Davi era que tinha a possibilidade
de viajar - ele, inclusive, incentivou a existência do Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares em Porto
Alegre! É uma rede que existe até hoje, tem 5 ou 6 pré-vestibulares e começou naquela época,
começou em 95 a partir dos debates que foram feitos em 94. então, na verdade, é uma questão de
memória mesmo, e, também, a posição que a Geane estava naquele momento que é uma posição
diferente das nossas. A gente estava justamente fazendo essas falas e, de fato, às vezes alguma
coisa foge da memória. Eu concordo com ela, ela tem razão, não há divergência no que a gente
está falando – eu estou, na verdade, aqui é às vezes pulando alguns dados.
RENATO – Não, eu digo que essa é uma questão entre aspas controversa, porque, quando eu fui
entrevistar o Nilton Junior, ele veio e afirmou categoricamente que a iia de reproduzir a
iniciativa surgiu no momento em que tiveram setecentos e tantos inscritos no começo de 94. Ele
falou “não, até aquilo ali não se tinha a idéia de reproduzir...”. E, aí, eu fiz alguns
questionamentos a ele, com base nas informações que eu tenho, e eu tinha indicações de que essa
idéia já existia antes...
ALEXANDRE a idéia existia antes. A idéia existe desde as primeiras reunes. A Geane tem
razão. Num segundo momento, a prática de fazer isso, de fazer esse incentivo de forma mais
organizada como prática pra fora.... uma coisa, era as reuniões com os alunos. Outra coisa, era
fazer isso pra fora, indo nas entidades e dizendo “vocês têm que fazer”. E o fato de ter tido 700
alunos foi um incentivo a mais, mas quando nós tivemos 700 alunos, já tinham outros núcleos. Já
existiam outros núcleos... na época...
RENATO – já existiam núcleos??
ALEXANDRE – é, porque, já existiam núcleos em formação”. Resultado dessa dinâmica de
fazer a coisa se multiplicar. Então, digamos: enquanto idéia, isso já existia desde o início;
enquanto estratégia, passou a existir pelo segundo semestre de 93, e não no momento das
inscrições. As inscrões... houve uma distribuição, e, aí, claro que, depois das inscrões, outros
núcleos surgiram – e aí, de certa forma, o Júnior também tem um pouco de razão. Porque outros
núcleos surgiram também a partir desta grande demanda. Porque, também, o quê que tinha? As
inscrições foram no início do ano, e, no início do ano, alguns cleos estavam sendo organizados
ainda. Então, a coisa meio que coincidia. Teve uma grande fila de alunos e, na medida que os
núcleos iam se organizando, a gente ia mandando, distribuindo, etc. Era como se a gente tivesse
feito uma central de inscrições lá na Igreja da Matriz – o que não impediu que os próprios pres
tivessem organizado as suas inscrições. Mas a grande massa foi toda procurar o Pré Matriz. E nós,
daí, houve um pouco a distribuição de alunos para outros núcleos que já estavam organizados ou
que estavam em processo de organização. Deixa eu ver se eu me recordo de algum aqui que foi
organizado.... eu acho que o próprio Santa Clara, ele surgiu nesse momento, com a demanda. E,
com uma demanda muito local havia um grande número de pessoas dali daquela comunidade
católica, que era ligado a uma comunidade católica de estudantes e a coisa ficou organizada no
Santa Clara. Foi organizado um núcleo também por uma freira.... na verdade, esse é que foi o
Santa Clara, que foi organizado primeiro no bairro... numa comunidade chamada Gramacho, que
não é o Jardim Gramacho, ali no início de Caxias perto da Linha Vermelha, e depois esse pré
vestibular foi transferido para São João de Meriti, num CIEP que é o Pré-Vestibular Santa Clara,
que é o nome da comunidade....
RENATO – primeiro era “Prainha”...
ALEXANDRE – Prainha! Isso, na comunidade da Prainha, organizado numa creche dirigida por
freiras –o sei qual era a ordem delas...
RENATO – tinha uma história lá de tiro...
ALEXANDRE – é, tinha uma história de violência, inclusive, em algumas reuniões a gente tinha
que entrar e fazer um determinado sinal com o carro pra que nós pudéssemos entrar, mas, tava
454
realmente muita violência e troca de tiros entre policiais e pessoas ligadas ao tráfico e depois esse
pré-vestibular foi transferido pra São João de Meriti... e, embora tenha sido transferido de Caxias
pra São João de Meriti essa distância é pouquinha, porque era perto. E era um momento que a
Linha Vermelha, inclusive, esse trecho da Linha Vermelha entre Ilha do Governador e Baixada
Fluminense estava sendo construído. Então, eu acho que, na verdade – aí, sim, uma
divergência com isso que onior falou, mas, também, o Júnior, ele participou, ele começou a
participar do pré a partir do início de 94, ele não pegou os detalhes que a Geane lembrou muito
bem de 1993, e que eu acabo esquecendo alguns aqui.
Bom, é isso, quer dizer, até esse momento, 93, 94... e voltando a falar de 95, que foi um momento
em que o debate, as divergências já estavam dadas, o debate se acirrou profundamente. Eu era
identificado como um campo, o Davi era identificado como um outro campo; no final de 95 essa
idéia de campos foi sistematizada pelo Juca num texto em que ele visualiza – um texto sobre a
questão do financiamento que ele coloca como uma falsa questão, que o debate, as divergências
sobre se aceitaríamos ou não dinheiro externo, ele tinha, segundo o Juca, um pano de fundo, e
esse pano de fundo era dado por uma divisão em dois campos poticos, que ele denominou um
campo de “campo negro-eclesial”, que é esse campo católico liderado pelo Frei Davi, e um campo
que ele chamou de “campo amplo”, que era um campo que não tinha uma liderança, embora eu
fosse identificado como a pessoa que polarizava com o Davi, mas que tinha muitas, digamos,
“lideranças”. Eu, Juca, Junior - Júnior veio um pouquinho depois -, Jocimar, Zeca, Zeferino – de
Petrópolis, que já estava trabalhando no pré-vestibular. E, começou um debate proposto pelo
Júnior, de que a gente devia começar a pensar numa coordenação geral, e até num estatuto. O
Júnior defendia um estatuto – e ele defendeu isso num texto chamado “Estatuto: uma maneira
madura de se relacionar”, uma coisa assim, defendendo um estatuto e uma coordenação geral. No
final de 95 nós fizemos um semirio num pré... ah, tinha também o Pré Pavuna, que foi um pré
importante, criado pelo Zama, o Zama Reis, e tinha um padre angolano que encampou a idéia,
agora eu não me lembro o nome, e abriu a igreja para esse pré-vestibular que foi, durante muito
tempo, o pré-vestibular que se tornou uma referência porque tinha muitos professores, um bom
trabalho pedagógico, boas discussões... nesse momento também entraram pessoas como o Gama –
foi uma pessoa que trouxe muitas coisas, o Gama era um angolano ex-guerrilheiro do MPLA,
agregou muito no debate que nós fazíamos -, a Elide, que era coordenadora lá do pré Pavuna,
ficou uns dois anos no pré-vestibular... também era um momento de campanha eleitoral, que um
grupo...
RENATO – a campanha de 96?
ALEXANDRE – campanha de 94... foi uma campanha para presidente da república e pra
deputados, governadores, etc. não a de 94, perdão, esse momento que eu ia falar agora foi a de 98
– 94o polarizou muito não, a campanha eleitoral... nós procuramos o Ivanir pra conversar, mas
não chegamos a fechar nenhuma coisa mais concreta. Depois, no pré-vestibular, nós chegamos a
ter pessoas ligadas ao Marcelo Dias – Júnior era uma dessas pessoas na época. Mas, em 94, o
Marcelo Dias não chegou a ter uma presença muito forte no pré-vestibular, era mais uma presença
de apoio, até porque algumas pessoas que entram no pré-vestibular eram membros do gabinete do
Marcelo Dias. Eu acho que o Juca, inclusive, o Juca ou o Júnior, era uma pessoa desse gabinete,
ligada, não sei se ele era funcionário do gabinete, se ele era liberado pelo gabinete, mas ele era
ligado ao Marcelo Dias, juntamente com o pessoal lá de Oswaldo Cruz, que também tinha um pré
organizado lá pelo pessoal do samba lá de Oswaldo Cruz, tinha lá o Agbara Dudu, tinha lá o
Mosa, etc. e o pré-vestibular tinha até o nome de um sambista.
Bom, aí eu vou tocar, 95 nós fizemos uma grande reunião pra discutir essa estrutura, o que seria a
estrutura do pré-vestibular, o que seria essa coordenação, que a gente resolveu chamar de
Conselho; o Jornal Azânia já estava funcionando como Jornal Azânia - esse debate aparece nos
números do Jornal Azânia, você deve ter acesso a isso porque você está com esse material todo lá;
esse debate aparece, inclusive, com desenho de organograma e tudo, de estrutura; nós chegamos a
uma estrutura mínima e resolvemos fazer uma secretaria, um conselho – que se reuniria todo mês,
e, dentro desse conselho, uma secretaria e uma tesouraria; essa primeira secretaria teve o Davi, o
Zeferino, se não me engano, um outro rapaz lá do pré Jardim Primavera, eu acho. E, foi feito um
trabalho de sistematização, de núcleos, um trabalho assim mais estatístico, de junção de dados –
455
um trabalho bom, inclusive, e eu não sei se esse trabalho se perdeu, ou, quem está com ele, eu
acho que o Davi está com esse trabalho, com o questionário, etc. E aí, a coisa começou a ficar
mais organizada: o conselho passou a ser a instância de coordenação do movimento e o conselho
organizava as assembléias. Então, mas o debate estava cada vez mais acirrado. Em 96, foi o nosso
ápice em termos de número de núcleos – eu acho que nós chegamos a 65 núcleos em 96 - tinha
núcleos na Zona Oeste... O Zeca nesse momento já tinha um papel importantíssimo – o Zeca fez
um investimento pessoal muito grande no pré-vestibular, que, inclusive, lhe custou o emprego na
empresa que ele trabalhava. E, 96 já começou quente, com o debate sobre financiamento e a
famosa assembléia da Rocinha, que quase o pessoal saiu no tapa. Foi uma assembléia de dedo na
cara e tudo, então, foi uma assembléia muito quente e em que prevaleceu a decisão de não ter
financiamento, ou seja, o campo negro-eclesial foi vitorioso naquele momento. Na sociedade
tinha o debate do Tiririca, que, inclusive, nessa assembléia da Rocinha, o Ivanir e o Sérgio
Martins estiveram presentes e fizeram a divulgação da ação judicial contra a musica do Tiririca;
também nessa assembléia foi discutido – como é que eu posso dizer, não é uma decisão, mas.... –
a ação do então vereador Edson Santos de conceder ao pré-vestibular a medalha Pedro Ernesto,
então, a discussão também passou a ser... a disputa estava em tudo, tava em tudo isso, passou a ser
quem receberia a medalha em nome do movimento e quais as pessoas que receberiam aquela
moção honrosa lá que vem junto com a medalha. Então, a idéia inicial do Edson Santos era que
essa medalha fosse recebida pelo Davi, mas o Davi... também tinha uma outra ação da Jurema
Batista que deu uma medalha pro Davi por serviços prestados à comunidade negra, não
especificamente pré-vestibular. Então, a do Edson Santos ficou pro movimento e o Davi abriu
mão de receber essa medalha e jogou a discussão para que uma pessoa fosse escolhida pelo
coletivo pra receber essa medalha. Até porque tinha essa polarização. Essa pessoa foi o Zama, que
recebeu a medalha.. mas, eu estou querendo te dizer, com todos esses eventos, é que por trás disso
tudo estava a disputa. A disputa por uma concepção de pré-vestibular. Há um texto também do
Jocimar que faz uma discussão muito interessante – uma discussão sociológica, usando os
conceitos de Hegemonia, uma discussão de base gramsciana. Nesse momento, vale lembrar, o
Jocimar era bolsista do Núcleo da Cor, e estava dentro de uma pesquisa da profa. Ivonne Maggie,
que era uma pesquisa sobre o pré-vestibular, sobre discursos, sobre a prática do pré-vestibular,
que é o que infelizmente a profa. Ivonne Maggie usa hoje pra ser contra as cotas dizendo que
naquele momentos éramos contra as cotas. Então, todo esse debate rolando na sociedade
Tiririca, os debates internos do PVNC, o pós marcha de 1995, como é que o movimento negro
estava se organizando, tudo isso... foi o ano também que eu entrei no mestrado, com a disposição
de fazer um trabalho sobre o pré-vestibular, eu comecei no segundo semestre de 96 na UERJ, e,
outras pessoas também foram estudar sobre o pré-vestibular: o Zeca estava fazendo a monografia
dele na UFF no curso de latu sensu de raça e etnia; Juca também, mas o Juca não discutiu o pré-
vestibular, ele discutiu eugenia; Jocimar numa outra área de pesquisa... então, nós estávamos ali
alinhando uma reflexão mais acadêmica com a potica interna do pré-vestibular, com a discussão
racial. Surgiu uma nova aglomeração trico-política dentro do pré-vestibular que foi o chamado
“Fórum Nagô” – você tem os documentos do Fórum Nagô? Ah, essa é uma pérola. O Fórum
Nagô foi um grupo que se organizou e as reuniões eram feitas na casa do Zeferino em Petpolis
aliás, uma bela casa, boas reuniões. E era justamente esse grupo – Jocimar, Juca....
LADO B
ALEXANDRE- Então, é importante se dizer que o Júnior foi a segunda pessoa a ter divergência
com o Davi – primeiro fui eu, e o grupo, Antônio e Luciano, depois foi o Júnior – uma
divergência política, assim, mais.... o Júnior rompeu com o Davi, em face de uma rie de
discordâncias que envolviam, inclusive, a questão de gestão de recursos – o que não quer dizer, eu
não quero dizer, em nenhum momento, que houve... o que havia era uma grande contradição, uma
aparente grande contradição. O frei Davi, que não defendia o financiamento teria recebido uma
verba de uma entidade norte americana e essa verba foi distribuída, foi dividida com alunos... ah,
tem um outro dado importante de 94! Final de 94, 95, que foi também um acordo com a
Universidade Estácio de Sá, na qual entraram 80 estudantes do PVNC pra fazer faculdade na
Estácio de Sá. E essa verba – eu lembrei disso por causa disso – essa verba foi, de alguma forma,
distribuída a esses estudantes. Então, foi uma ação, ao meu ver, inclusive uma boa ação, mas que
456
expressava uma contradição – quer dizer, como é que não se defende a questão do financiamento,
mas se aceita uma verba... na verdade, o que estava no pano de fundo, na questão do
financiamento, não era o financiamento, até porque hoje a EDUCAFRO é uma entidade
organizada e que é financiada pela Igreja, mesmo que indiretamente. Na verdade, a discussão que
se fazia era que, realmente não dava pra gente ter financiamento com tantas divergências. Então,
era uma disputa de concepções, uma disputa de poder que, de forma alguma, comportaria a gestão
de recursos. A gestão de recursos iria acirrar, ainda mais, os ânimos naquele momento. Bom,
volto pra 96, o ponto interessante de 96... não sei se 96, acho que não... 97... a Carta de Princípios.
97, a Carta de Princípios. Bom, então foram esses eventos, chegamos ao ápice do nosso número
de núcleos e já com um desgaste muito grande, quer dizer, praticamente já estava dada a
impossibilidade de continuarmos sendo um único grupo, o PVNC, porque, os dois campos, o
Amplo e o Negro-Eclesial e, depois, o Zeca propôs um outro campo, que ele chamou de “os
Independentes”, que, na visão dele, eram justamente as pessoas que não estavam nem num
campo, nem no outro, e que eram na verdade a maioria, e que acabaram sendo, ao meu ver, os
vitoriosos de boa parte desse processo, porque, essa discussão potica se dava num âmbito
pequeno, não era uma discussão generalizada, que estava no conjunto dos coordenadores e
educadores – eu já nem coloco os alunos nesse momento, nessa discussão, porque os alunos
estavam chegando. Claro que sempre tinha alunos – e a gente deve fazer, eu faria aqui alguns
destaques, como a Andréia Couto, por exemplo, que era uma aluna, a Cecília, que era muito
atuante, a Geane, a Simone, o Fernando...
RENATO – sim, mas eu diria que ela, o Fernando, todo mundo virou atuante depois que se tornou
ex-aluno!
ALEXANDRE –o, esseso... esses, durante, sendo alunos já passaram a se....
RENATO – não, a Geane e a Simone foram alunas na primeira turma...
ALEXANDRE – não, a Geane e a Simone não... a Geane e a Simone foram alunas da primeira
turma. Aí, foi depois.
RENATO – o Fernando também, depois que ele entrou para aquele grupo da UNEC lá é que ele...
ALEXANDRE – Não, mas o Fernando já começou a dar sinais nas assembléias de que seria uma
liderança despontando, já como aluno. E, a cecília, a Andréia Couto, e tinha outros tamm...
RENATO – a Cecília foi aluna?
ALEXANDRE – Cecília foi aluna, se não me engano, do Pré AFE..
RENATO – é? A informação que eu tinha era de que ela foi fundadora do Pré AFE! Em 94, ela já
estava lá antes do Zeca...
ALEXANDRE – eu não me recordo se ela foi aluna do Pré Afe. Ela foi aluna, sim, foi aluna...
RENATO – não foi do Matriz, também não?
ALEXANDRE – aí, eu não me recordo se foi do Matriz... ela entrou na Estácio de Sá, em 94, 95...
RENATO – todo mundo me diz que ela foi fundadora do Pré AFE, o Júnior, o Zeca..
ALEXANDRE – ah, sim,ela foi fundadora do Pré AFE, porque, na verdade – isso foi um outro
erro meu – o Pré AFE não começou como Pré AFE, ele começou como Pré Metodista, depois ele
foi pra AFE...
RENATO – sim, e mesmo no Metodista ela já estava no pré como coordenadora.... como
fundadora...
ALEXANDRE – Não, mas não como fundadora. Acho que o fundador ali, foi o Nelsinho. Aão
de criação daquele pré, quem desencadeou a fundação foi...
RENATO – não é o Nelson de São João não, né? Porque ele eu entrevistei, ele também não....
ALEXANDRE – aí, então, eu já o me recordo. Enfim, mas o Pré AFE, como Pré AFE, a
Cecília de fato é fundadora. O Zeca entrou, o Zeca entrou pra coordenação pedagógica do Matriz,
e ali fundou depois foi pro Pré AFE. Porque, vinham muitas pessoas nos procurar e dizer “ah, o
quê que eu posso fazer pra ajudar?” O Zeca foi uma dessas pessoas, que tinha acabado de se,
estava se formando em Pedagogia e veio numa perspectiva de contribuir. Muitas pessoas foram
assim. Bom, aí, a gente entra, ainda em 97, no calor dessa disputa; em 97, aí, é a informação que
eu tenho, não se se tem informações anteriores, mas em 97, se começa a gestar a EDUCAFRO,
ou, se não começou a gestar, ela começa a aparecer como EDUCAFRO, a denominação
EDUCAFRO. A gente não sabia exatamente o quê que era, se já era uma coisa constituída, se era
457
um projeto, mas, começou a se falar de EDUCAFRO. E, 97 foi um pouco uma coisa meio que um
marasmo no movimento. Porque, era como se a gente não tivesse muito condições de fazer
grandes debates poruqe os ânimos estavam bem acirrados. E, o ponto mais importante de 97 foi a
Carta de Princípios, que foi mais uma tentativa de... na verdade, a gente trocou o nome, era um
estatuto, a Carta de Princípios, ela surgiu como um estatuto que fosse um pouco normatizar,
regular a nossa relação, criar um conjunto de regras pra nossa relação – inclusive, para
caracterizar o quê que era um cleo do PVNC... e, primeiramente, a Carta de Prinpios foi uma
compilação das decisões já tomadas pelo Conselho e pela Assembléia. Foi feita uma cartilha,
inicialmente. Depois, essa cartilha passou por algumas discussões, um seminário em Caxias. E aí,
eu peguei a tarefa de sistematizar tudo, sistematizei tudo, eu e o Zeca, em pontos, e esses pontos
foram pra discuso em Assembia. Achamos que isso poderia ir pra uma única Assembia mas
isso durou 4 Assembléias ao longo de 1998. E, em outubro de 1998 essa Carta de Princípios foi
promulgada. 98, teve um dado importante, que foi a eleição, quando são trazidos pra dentro dos
pré-vestibulares, o Ivanir dos Santos por um campo – o Negro-Eclesial, aliás, perdão, o Campo
Amplo! – e Marcelo Dias por um outro campo – o Campo Negro-Eclesial. Duas lideranças
negras, que, na verdade, não deviam ter divergências, mas, eles são trazidos pro debate dentro do
pré-vestibular e eram apresentados como candidatos mesmo a deputado- o Ivanir a deputado
estadual... estadual mesmo, os dois a deputado estadual, o Marcelo Dias tentando a reeleição, e o
Ivanir candidato a deputado. E, nesse conjunto de coisas, uma série de relações a gente começou a
fazer com outras entidades do movimento negro. Surgiu, se eu não me engano, o pré do IPCN, o
pré Tijuca, e outros pres – o Pré Tijuca já era de antes, de 96- e, começa a haver... a EDUCAFRO
já está caracterizada, mas o Pré Matriz e o Davi não saem do Pré Vestibular para Negros e
Carentes, eles ficam nos dois durante um tempo. No ano de 98 também continua um debate
quente, começa a surgir, no governo federal, em face até da preparação pra Conferência de
Durban - e, a conferência antes de Durban, a Conferência Regional das Américas, em 2000, que
foi no Chile -, o governo federal começa a se mobilizar pra desenhar alguma potica de ação
afirmativa. O GTI foi um grupo que foi criado em 95 elaborou um relatório e nada foi colocado
em prática; depois, teve o Programa Nacional de Direitos Humanos – todos apontavam as ações
afirmativas, mas nada tinha sido colocado em prática. E, se aproximando da Conferência, o
governo federal começou a se mobilizar e surgiu uma proposta – surgiu no governo federal uma
das propostas de financiar cursos pré-vestibulares nos moldes, a referência éramos s. Esse
debate foi um debate que a gente assimilou ele de uma maneira enviesada, eram muitas
informações que não se confirmavam e chegou-se a se dizer inclusive, que o Frei Davi poderia
receber dinheiro em nome do pré-vestibular, desse processo. Foi atribuída a mim essa fala –
inclusive, teve, talvez tenha sido o momento de maior tensão entre o Davi e eu, que foi a ameaça
de o Davi me processar numa reunião aí, que foi feita no início de 2001... mas, não, foi uma carta
de um advogado, mas não chegou a processar. Aí, eu fiz uma carta-resposta, inclusive, resposta
mas na verdade uma carta explicando os fatos e que foi aceita e a coisa não foi pra frente. Mas
que gerou um tititi muito grande internamente. Um outro dado importante – a gente fica indo e
vindo porque eu vou lembrando das coisas -, mas, um outro dado importante é que, já em 97
comaram as chamadas ações judiciais pra garantir as isenções. E,, obrigamos um pouco as
universidades a olharem pra nós, e aí a começarem a prestar mais atenção e a vir conversar. A
UERJ foi a universidade que veio conversar – no momento o coordenador de vestibular era o
professor Paulo Fábio, tinha também o apoio do João Batista na UERJ, que era o coordenador da
Coordenação de Integração Comunitária, também um militante do movimento negro – e
comamos a manter uma relação em que havia um certo conflito. Quero dizer, a gente tinha um
setor conversando com a UERJ e outro setor processando a UERJ – assim como processávamos a
UFRJ, etc. Mas, os processos judiciais foram importantes porque foi justamente o que obrigou as
universidades a virem conversar. E começou a se pensar em poticas, proposições de leis
inclusive, pra regular um pouco essa relão – ou seja, os pré-vestibulares passaram a ser
reconhecidos como um movimento pelo Estado, pelas universidades, pelo Estado, etc. Já haviam
também proposições de cotas rolando no Congresso Nacional – eram cotas para estudantes de
escolasblicas, que nós apoiávamos, etc., mas que não foram pra frente; o Sarney tinha feito
uma proposta de cotas de 20% nas universidades para negros, eu acho que em 98 o Sarney faz
458
essa proposta, 96... em 99 o senador Antero Paes e Barros também fez uma proposição – mas aí,
de cotas de 50% para estudantes de escolasblicas; em 99 tem o ENEM, o segundo ENEM, eu
acho... mais uma vez colocamos a importância de que as entidades negras desenvolvessem cursos
pré-vestibulares, e o argumento que a gente usava era que os pré-vestibulares tinham o potencial
de dar ao movimento negro uma coisa que ele não tinha antes, que era uma base social em setores
populares – uma base ampla, não é que o movimento negro não tivesse essa base social, mas o
movimento negro era um movimento de entidades que eram propostas por uma pequena classe
média negra ligada a partidos poticos, às ONGS, e etc. o movimento negro... eu, hoje, tenho a
convião de que, há uma base social – tanto os pré-vestibulares, quanto o hip-hop, deram uma
outra conotação, agregaram um valor fundamental à luta contra o racismo no Brasil. Talvez, se
não fossem os p-vestibulares, a discussão sobre as cotas não teria ganho a força que ganhou –
em que pese o fato de que o movimento negro já diz isso desde antes; Abdias Nascimento, em
1948, no Jornal Quilombo, dizia, por exemplo, que, por enquanto não for universal o ensino
público, que o Estado admitisse estudantes negros como “pensionistas”: isso era cota; isso era
uma proposição de cotas, em outros termos, em 1948 no Jornal Quilombo. Mas, essa coisa, no
âmbito das poticas públicas, ganhou uma base por causa dos pré-vestibulares na década de 90.
Bom, aí, se não me engano, foi no final de 99 que a EDUCAFRO, que o Frei Davi resolve
realmente ficar só na EDUCAFRO, e aí, outros grupos do PVNC foram pra EDUCAFRO, boa
parte deles. Porque, tinha uma questão que era importante,que não é desprezível, e que inclusive
faz da EDUCAFRO uma entidade muito considerada por todo mundo, sobretudo pelos estudantes,
que o Davi sempre teve uma prática que s criticávamos muito mas que hoje eu tenho uma outra
posição o Davi sempre foi muito mais pragtico, imediatista, e fazia a discuso das bolsas,
não só a discussão, ele ia solicitar bolsas em universidades particulares, conseguir bolsas em
várias universidades particulares. E era, na verdade, o que os estudantes queriam – os estudantes
não queriam fazer discussão sobre hegemonia e projeto de sociedade, eles queriam ir pra
universidade, e o Davi fazia isso. A gente tinha uma concepção de um movimento que pudesse ter
um projeto político de sociedade, etc. e tal, mas acontece que nada é mais materialista do que a
inclusão material aqui e agora, e isso que o Davi fazia. Na verdade, a força do movimento é essa.
Assim como os Sem-Terra, a força dos Sem-Terra não é o discurso ideológico, mas o fato de que
os sem terra querem terra pra plantar, não é? Então, a força dos Sem-Terra vem do movimento
pragmático de buscar a terra, e não do discurso ideológico. Então, isso o Davi fazia, EDUCAFRO
fazia, continua fazendo. Então, no final de 99, ele resolveu ficar só na EDUCAFRO, se separar, e
houve a separação mesmo entre PVNC e a EDUCAFRO. O PVNC- e, em face disso, toda aquela
discussão pesada que mobilizava internamente, não existindo mais, começa a haver uma
desmobilização do movimento. E é um dado interessante da nossa história, é que o movimento
sempre foi muito... as discussões mais quentes eram as discussões internas. Então, era os
momentos em que a gente tinha divergência entre nós. Saindo o campo Negro-Eclesial que
fundou a EDUCAFRO,s ficamos sem esse debate mais quente, mas continuamos ainda na
trajetória de recuperar a dinâmica do movimento, o movimento continua, continuou a partir de
2000, participando do debate público e no debate interno – fazendo aulas, fazendo Cultura e
Cidadania; sempre tivemos muitos problemas, nunca foi, do ponto de vista pedagógico, por
exemplo, sempre tivemos muitos problemas de auncia de professores nas disciplinas, às vezes a
ausência da disciplina de Cultura e Cidadania, questões estruturais, como falta de recurso, mas, ao
meu ver, isso tudo é menos importante do que aquilo que o movimento expressa desde o início. O
quê que o movimento expressa? O movimento expressa a necessidade do que hoje nós chamamos
de reforma da universidade. Essa é uma grande demanda que, aos trancos e barrancos, vem
conseguindo – no Brasil há um aumento de escolaridade, muito tímido, mas há esse aumento, e os
setores populares chegaram, na década de 90, nas portas da universidade e querem entrar. É uma
multidão que passou a querer acessar a universidade. A universidade pública, que eu prefiro
chamar de estatal, até hoje não está preparada para isso – nunca teve, pois a universidade pública
no Brasil foi fundada pra reproduzir as desigualdades, e não pra ser pública de fato. Eu atribuo
isso um pouco à queda do projeto fordista de industrialização, com o neoliberalismo, com o
aumento da escolaridade das classes populares – todos esses são fatores que começam a levar os
setores populares a quererem acessar a universidade. A constatação também de que o ensino
459
médio não consegue mais proporcionar aquilo que era dito nas décadas de 60 a 80, que era a
entrada na indústria, ganhar um bom salário – é justamente essa que é a queda do projeto fordista,
de uma forma foi resumido no livro do Celso Furtado “Brasil: uma constrão interrompida”. E
aí, toda essa multidão quer ir pra universidade – o pré-vestibular expressa isso. Então, o pré-
vestibular – o PVNC em especial, e o EDUCAFRO também – não é uma “tecnologia” de
inclusão, ele é um movimento de abertura da universidade, ele quer a abertura da universidade.
Isso pra mim é mais importante do que a sala de aula, até porque a gente trabalha precariamente e
trabalha numa coisa que a gente não deveria trabalhar – e, aliás, uma coisa que eu acho que nem
deveria existir, que é o vestibular. Enfim...e isso aliado a quando vo faz alguns recortes raciais
dessa discussão, você vai ver que a população negra – isso todo mundo já sabe – ela está em
desvantagem em todos os indicadores, inclusive esse, do acesso ao ensino superior, como do nível
de escolaridade, tudo isso. Bom, você tem alguma questão?
RENATO – Eu queria retomar algumas coisas que você falou. Uma coisa que pra mim é
interessante é que, no meio da sua narrativa, você falou sobre o Pré Pavuna, que foi um pré criado
pelo Zama, no final de 94... ou 95?
ALEXANDRE – eu acho que foi no final de 94...
RENATO – sim, que você falou que durante algum tempo foi considerado um pré de referência.
Eu queria que você explorasse mais isso. Primeiro, o quê que era um pré de referência? Em
segundo, quais foram os pres que foram referência durante algum tempo e por que eles eram
referência? Quer dizer, o quê que é isso, o quê que você chamaria um pré de referência?
ALEXANDRE – eu chamaria um pré de referência... a gente pode colocar aírios fatores. Um
pré referência é um pré que tinha uma presença no conjunto do debate, uma presença forte e
organizada, mas que tinha também internamente – o Pré Pavuna, p.ex., tinha uma organização
pedagógica invejável pros outros: eram todas as disciplinas, o pessoal estudava sábado e
domingo.... eles levavam muito a sério o trabalho pedagógico, de sala de aula. É referência
também porque tinha um padre... eu estou tentando lembrar o nome do padre... não era o Roy, o
Roy nunca chegou a ser do pré-vestibular.... quem esteve mais próximo do pré-vestibular foi o
Tatá – que hoje eu acho que é o padre, eu acho, da Igreja Matriz...
RENATO – Ele não é o vigário lá não...
ALEXANDRE – mas ele fica lá...
RENATO – sim, eu entrevistei ele também...
ALEXANDRE – Esse padre, o nome eu não me recordo não.... ele chegou a dizer - e quem narra
isso é o Júnior, num texto; inclusive, o Júnior faz a crítica disso um pouco – de que o pré-
vestibular estava constituindo uma nova pastoral! Então, ele assumia o pré-vestibular como uma
atividade da Igreja! Nao como uma atividade na Igreja! Assumia como um projeto, ali, daquela
igreja. E, porque, a presença de professores como o Zama, o Gama, a Elide, que eram pessoas
muito consideradas no movimento. Então, esse mixto de coisas: organização, a presença potica
dos coordenadores desse pré no conjunto do movimento, isso tornava isso que eu chamei aí de
Pré de referência”. A gente pode dizer que o Pré AFE, durante muito tempo, foi um pré de
referência, justamente pela presença do Zeca, da Cecília e de alguns professores, como o Jairo, o
próprio Júnior, que sempre esteve próximo dali... o debate que eles faziam, as atividades que eles
faziam com os alunos, atividades extras, inclusive. Isso tornava esses pré, os pres que eram tidos
como modelos dentro do movimento, como foi inicialmente o Pré Matriz também, não é? Eu acho
que o próprio Pré Rocinha, o P Petrópolis – o Pré Petrópolis conseguiu agregar professores, por
exemplo, do Laboratório Nacional de Computação Científica, da UFRJ, da UCP, então, esses
professores traziam coisas novas, coisas que estavam sendo discutidas, pessoas que estavam na
pesquisa, no dia-a-dia da pesquisa... o Pré Matriz, por exemplo, teve o professor que chegou a
ser um pesquisador da FIOCRUZ, se não me engano o nome dele era Cláudio, que foi inclusive
diretor da Escola Técnica da FIOCRUZ. Mas, enfim, é um pouco isso que eu estou chamando de
pré de referência. Porque, tinham aqueles pres, muitos pres que surgiram e acabaram muito
rapidamente, porque surgiam nesse ímpeto, sem muito maior organização, surgiam sem ter um
grupo de professores fechado, surgiam sem ter um espaço adequado... então, esses pres não, eles
surgiram e duraram muito tempo, o Zeca, chegou um tempo em que o Zeca chegou a ser uma das
pessoas mais conhecidas do movimento, passou a falar em nome do movimento em eventos
460
externos, representava o movimento em várias atividades, foi secretário do movimento por duas
gestões seguidas, então, era uma pessoa muito querida e respeitada em todo o conjunto do
movimento. Assim como o Zama foi e essas eram as pessoas que eram coordenadoras também
desses pres, assim como o Júnior... onior foi, mas o Júnior foi coordenador do Pré Matriz, foi
coordenador do próprio Pré Matriz. Então, é um pouco isso que eu estou chamando de pré
referência, não no sentido de que era melhor mas no sentido de que tinha uma presença marcante
no conjunto do movimento. O Pré Tijuca também, teve esse momento, foi muito importante
também pro movimento. Então, era mais no nível de organização e o quanto os coordenadores e
também os professores desses pres traziam de debate pro movimento, é nesse sentido.
RENATO – um debate que durou muito tempo dentro do movimento que era sobre o quê que o
movimento ia ser. E aí, tinha essa coisa de grupos, pessoas que propunham uma coisa com poucos
núcleos, mas bem estruturados e, que se tivesse um controle da organização de novos núcleos, e
outro grupo que defendia a reprodução, entre aspas, “desenfreada” dos núcleos...
ALEXANDRE – eu, particularmente, era simpático às duas idéias. A disseminação, porque eu
acreditava nisso como um fator de pressão, mas, eu também ficava preocupado com o o que essa
disseminação desenfreada poderia acarretar. Quer dizer.. a gente sabe que no debate político, e no
debate sobre a promoção de política públicas, às vezes, você ter um certo nível de organização te
garante uma presença pública mais qualificada do que uma massa. Algumas pessoas diziam,
inclusive, em 96, 97, que o pré não cresceu, ele inchou... esse era o termo usado. Crescimento
seria outra coisa, seria um crescimento organizado, que a gente tinha que ter um projeto, etc. Eu
era um pouco dividido, eu era simpático às duas coisas porque essa coisa de projeto de sociedade,
embora eu tenha citado isso muitas vezes nas coisas que eu escrevi dentro do movimento....
FITA 3
ALEXANDRE - Eu era um pouco dividido, eu era simpático às duas coisas porque essa coisa de
projeto de sociedade, embora eu tenha citado isso muitas vezes nas coisas que eu escrevi dentro
do movimento..., isso já expressa um projeto. Que depois, mais tarde, quando eu comecei a ter
acesso a uma outra literatura, a um outro pensamento teórico, que é, basicamente, o pensamento
do Toni Negri, é que eu comecei a olhar, a ter um olhar um pouquinho diferente desse olhar mais
próximo de Gramsci, por exemplo, da hegemonia, de projeto societário, da disputa de hegemonia,
mas... e passar a pensar, por exemplo, de uma potica da multidão como um fator de
democratização. Um fato interessante é que os momentos que formam o Pré-Vestibular e o
movimento Hip Hop – eu gosto muito de falar desses dois movimentos – não são movimentos que
vem daquela lógica da reivindicação apenas, porque não são movimentos de classe média. Eles
são movimentos dos setores mais pobres da população; são movimentos híbridos; não são
movimentos identitários, em que pese o discurso de algumas pessoas, inclusive a minha em
alguns momentos; são movimentos de encontro, justamente, de uma multiplicidade, encontros
singulares, e que concorrem pra organização de uma coisa comum. É o que é comum é que faz,
que permite esse encontro, mas isso não cria uma identidade própria – hoje eu diria “graças a deus
queo cria! Não é um movimento identirio, é um movimento justamente de abertura, de
diversidades, mas que têm pontos em comum. Às vezes, há uma confusão entre “construção do
comum” e “construção de identidade”. Então, esse caráter híbrido – isso é uma coisa que eu estou
comando a pensar, eu estou até com dificuldade de falar disso nesse momento porque eu não
tenho ainda segurança trica disso ainda. É uma coisa que eu estou estudando nesse momento e
que vou aprofundar justamente pra minha discussão de tese. Porque, tem um negócio que sena
dinâmica da formação da sociedade brasileira que eu acho que o movimento negro passou a
desvalorizar porque ele se confundiu. A mestiçagem não é uma coisa criada pelas elites. A
mestiçagem é criada por um movimento de resistência, inclusive dos negros. O que as elites
fazem, diante dessa mestiçagem, é pegar isso e transformar em povo mestiço”, um discurso do
único”, então, passamos a ser todos mestiços. A mestiçagem não é uma criação das elites para
embranquecer, a mestiçagem ela é assimilada pelas elites no final do século XIX, início do século
XX e passam a usar esse discurso da mestiçagem como um caminho para o embranquecimento,
mas a mestiçagem já estava dada, em que pese também o fato de que essa mestiçagem também é
461
fruto de violência, mas não só. Ela é também fruto de um encontro, mesmo que conflituoso. E eu
acho que isso de alguma forma se retrata, essa um pouco.... por exemplo, a dinâmica dos
quilombos é uma dinâmica da mestiçagem. O quilombo não era um movimento identitário de
pureza racial (...) E é interessante falar isso porque eu estou lendo Euclides da Cunha nesse
momento, e Euclides da Cunha começa “Os sertões” extremamente racista, citando inclusive Nina
Rodrigues como referência... Nina Rodrigues? Sim, falando também que o mestiço era um
degenerado.. mas ele é louco, e vai mudando... a iia de que o sertanejo é forte já é parte do
entendimento dele de que ali há uma potência que se constitui naquela dinâmica, de Canudos e do
Sertão. “É um mestiço diferente”, diz ele, não é um degenerado. Eno, quando ele vai olhar
realmente a dinâmica, ele começa a mudar de posição.. eu ainda não cheguei no final, eu quero
ver o final do livro. Mas ele vai mudando de posição. Então, é interessante isso, e eu acho que isso
se retrata um pouco no pré-vestibular, e eu, particularmente, acho bom isso. Eu imagino que
alguns discursos, e aí, é uma outra coisa interessante. Assim como nada daquilo que as elites
projetaram foi assimilado daquela forma pela população, que continuou se mestando numa
perspectiva diferente daquela que as elites propunham, ao mesmo tempo que muitas das chamadas
lideraas do pré-vestibular falam determinadas coisas, a galera dentro do pré-vestibular faz
outra: são os “independentes!”. Esse movimento dos independentes, que é um pouco de coisas dos
encontros de dentro, de fora, etc. é que vai dando, modulando esse movimento. Então, isso que eu
falei, essa coisa dessa multiplicidade que o movimento expressa que é pra mim um elemento
inovador e produtivo – aí é a grande diferença! É produtivo, porque a resistência no pré-vestibular
se faz produzindo, produzindo educação. Você conhece muito bem a dificuldade que a gente tem
que nunca conseguimos fazer uma grande passeata. Já tentamos... mas nunca conseguimos fazer
uma grande passeata. Então, a nossa força está numa outra dinâmica, que é a dinâmica justamente
da resistência como produção. Ou, tomando como base o próprio Negri, da “re-existência”, da
re-significação”, que se faz na própria dinâmica, quer dizer, incluir é fundamental. Esse é um dos
motivos pelos quais eu passei a achar que a cota é fundamental, porque incluir é fundamental.
Nada mais materialista do que estar amanhã na universidade, ta certo? E não ter um projeto de
democratização da sociedade que a gente, sabe-se lá quando.... na verdade, a gente sabe que nunca
ele vai... a gente sabe que ele nunca vai se concretizar, porque ele simplesmente é um projeto! O
projeto do pré-vestibular é um processo, que vai se reconfigurando, se reconstituindo, agregando
novas coisas... e também é um processo que, obviamente, reproduz muitas coisas. Por exemplo,
tem muitas divergências, muitas coisas às vezes, que ao meu ver, a gente devia combater e a gente
reproduz, mas que é parte dessa dinâmica do ir e vir.... mas isso, de alguma forma, está ajudando à
sociedade, às potica públicas a serem repensadas – a própria universidade! O que melhor pra
universidade se repensar do que entrar gente que antes não estava lá? Não tem coisa melhor do
que isso. Se eu for esperar o “dia D” pra gente marcar a revolução... isso não vai acontecer nunca.
Então, é só entrando na universidade que a gente vai mudar, é ir arrebentando ela por dentro. É a
dinâmica do ébola”, ir se disseminando e se reproduzindo... fora ele não é nada... ele dentro, ele
vai se reproduzindo até arrebentar o sujeito...
RENATO – eu outro dia escutei uma expressão ótima, que é a “estratégia do cupim”, que é ir
comendo por dentro...
ALEXANDRE – é, e você me lembrou uma outra coisa interessante, que é uma análise do
Franklin Martins, que, depois que se libertou da Globo, está altamente de esquerda. O Franklin
Martins, ele criou uma figura, que ele chamou de “pedra no lago”. Ele disse que hoje, não se faz
potica como se joga uma pedra no lago, e o que que ele se referia quando falava em jogar pedra
no lago? Era mirar, por exemplo, a classe média, a grande formadora de opinião, e a classe média,
como uma pedra no lago, ela vai fazendo as opiniões serem disseminadas, como a onda, e ele diz
que hoje isso é diferente. O movimento que começa acontecer é um movimento contrário – quem
está acuado pelos setores populares é a classe média – isso se expressa, inclusive, por exemplo,
nesse momento, em que Lula, apesar da insatisfão dos setores médios, tem amplo apoio
popular, e é interessante como é que isso, quer dizer, o pré-vestibular é um dos sujeitos que fazem
parte dessa dinâmica. Porque a gente sempre teve parceiros, coloco entre aspas, alianças, coloco
entre aspas, que semrpe defenderam a democratização da universidade, etc., mas, na base de quê?
Do aumento domero de vagas, de mais verbas, e não sei o que, mas nunca discutindo a
462
universidade, a dinâmica da universidade. Ou seja, o que a gente precisa pra democratizar a
universidade é ampliar essa universidade que está aí. E aí, eu já diria, com base no pré-vestibular,
que essa universidade que está aí não serve pra gente. Ela aumenta, se ela mudar. Então, ela
tem que comar a se abrir. Então, tem que fazer o movimento do cupim mesmo – ou, do ebóla,
eu acho que a figura do ebóla é boa, porque penetra e vai se reproduzindo por dentro até
arrebentar.
RENATO – eu queria que você voltasse um pouco, e falasse um pouco mais da sua trajetória.
Depois, vofalou mais do PVNC, eu queria que você falasse mais da sua própria trajetória. Você
disse que chegou a participar antes, tinha um certo envolvimento com a associação de moradores
e também com o partido, com o PT. Quando você chegou lá no PVNC você era filiado ao PT? Era
militante?
ALEXANDRE – não, eu era militante não filiado. A filiação formal só veio depois. Mas eu era
bem atuante.
RENATO – Belford Roxo já era emancipado nesse momento?
ALEXANDRE – , tinha acabado de se emancipar, se emancipou em 92, quando teve a... não,
Belford Roxo se emancipou em 90, e em 92 teve a eleição pra prefeito, que foi o Joca o eleito.
Você quer saber o que? Como é que tem sido a minha trajetória? Bom eu acho que muda a minha
vida radicalmente, entrar no PVNC, estar no PVNC, e ter participado desse momento inicial de
fundação do PVNC e ao longo dessa trajetória. A primeira mudança é o impacto do que o PVNC
inicialmente faz - comigo, particularmente. É tanto que eu vou pra universidade – eu sou formado
em informática – e vou pra fazer o mestrado em educação pra discutir o PVNC! Discutir o
movimento social. Então, quer dizer, já é uma mudança na perspectiva mesmo, até profissional,
acadêmica e política.
RENATO – mas mesmo sendo formado em Informática, você dava aulas de informática, vo
apareceu naquele momento ali, 92, 93, já com pretensões educacionais....
ALEXANDRE – sim, é que em 92 eu li quase tudo do Paulo Freire... então, é... eu sempre gostei
muito de ler Paulo Freire e fui muito influenciado nesse momento pela leitura dele. A gente ficava
procurando, por exemplo, alfabetização... querendo montar uma turma de alfabetização pra
conscientizar as pessoas, etc. aquela dinâmica. Então, eu já entrei, na verdade, com a cabeça de
educador no PVNC, isso sim. Mas isso vem mudando muito. Primeiro, eu não estava na discussão
racial, entrei com o PVNC. Tanto o reconhecimento que eu tenho hoje, que o é essas coisas é
fruto disso. Quase tudo que eu faço hoje profissionalmente é fruto do trabalho do PVNC – na área
da educação principalmente. Eu continuo como professor de informática na escola técnica – eu
diria que, talvez, só essa parte da minha vida profissional não tem a influência direta do PVNC.
Mas, eu sou muito, assim, digamos, sensível às pessoas. Então, o quê que o PVNC acabou
fazendo na vida de muitas pessoas – às vezes, até mais do que na minha, porque, eu gravo na
minha memória falas, assim, importantes e emocionantes. Lembro de uma fala, de uma aluna de
94, que, na última aula se eu não me engano, ela disse “eu renasci politicamente dentro do
PVNC”. Então, tinha gente que nunca mais.. eu tinha um aluno do Jacarezinho que também fez
uma fala dizendo que o PVNC abriu pra ele uma perspectiva que não existia antes – ele estava no
tráfico... e hoje, é aluno da universidade! Pessoas com diversos problemas, pessoas que no
passado viveram das piores privações hoje são mestres! Porque passaram pelo PVNC! São
pessoas que tem uma presença pública, que tem uma produção acadêmica, profissional diversa,
que influenciam num debate que antes não se abria. Então, uma das coisas que eu também aprendi
no PVNC é que demanda não existe, demanda também se cria!o PVNC criou a demanda. Quer
dizer, a gente ajudou a criar a demanda pelo ensino superior, porque, o que tinha... há muita gente
que, se não fossem os pré-vestibulares, nem pensariam em ir pra universidade, se não fosse esse
tipo de pré-vestibular. Então, aí já se opera, aí, ao meu ver tem uma coisa– eu não sei se você está
investigando isso, mas tem pessoas que estão a fim de investigar isso – que é justamente o
impacto do p-vestibular em determinados territórios. A gente vê isso mais nos territórios que
são favelas – o impacto que isso causa nas famílias, nos territórios, quer dizer, essa mudança que
é o fazer o ensino superior. O Globo publicou no último sábado uma reportagem dizendo que com
o nível superior, as desigualdades são bem menores – as desigualdades salariais inclusive. A
pesquisa feita por uma pessoa que discorda da cota, mas uma pessoa que teve que dizer que é um
463
caso a pensar. Se não me engano, acho que é Ana Sabóia e... não me lembro, mas depois eu posso
te repassar essa reportagem. E que mostra fazendo um desmembramento racial. Entao, eu gosto
muito desse lado do PVNC – o lado de que as pessoas se encontram, se conhecem, conhecem
novas coisas, quer dizer... tem alunos aí que já foram pra Alemanha! Eu tenho aluno que foi pra
Alemanha pra estudar; eu tenho aluno que já está na Fraa fazendo mestrado; tenho alunos que
foram pros Estados Unidos em programas acadêmicos, coisas que essas pessoas não
imaginavam nunca que iam acontecer na vida delas. Mas que, ao entrar na universidade e ter
contato com um novo mundo, apesar das dificuldades, passaram a acessar outras possibilidades.
Então, o PVNC opera mudanças na vida, acaba sendo o ponto – ele não opera, mas é ponto de
partida para mudanças substantivas na vida de muitas pessoas aí. Na minha... é.. porque eu não
consigo, por exemplo, identificar uma mudança radical além do momento da entrada, do início do
PVNC. É porque é uma mudança atrás da outra, é como se eu estivesse num processo de
aprendizagem constante, e, de fato, é isso. Hoje, por exemplo, eu sou membro de uma comissão
lá, no MEC, também em função disso, do PVNC. Em função do reconhecimento público que o
PVNC me proporcionou como educador. E, em muitos momentos, nós somos chamados a opinar
– e eu, talvez, sou a pessoa que mais é chamada, até porque, daquele grupo de fundadores eu sou
o único que está, sou o mais velho dessa história, então eu ainda sou a pessoa mais chamada a
debater, a opinar, a falar sobre o movimento, a participar de proposições a partir da visão do
movimento. É como se eu... euo sou mais uma pessoa individual, um indivíduo... eu não falo
mais a partir de mim mesmo! Na educação eu não falo mais a partir de mim mesmo, falo a parir –
claro, a partir daquilo que eu aprendo no movimento. O que eu aprendo naqueles momentos que
eu tenho que representar, que eu tenho que ser porta-voz... até teoricamente mesmo, eu que vinha
lá daquela coisa do PT, e daqueles jargões do marxismo vulgar, muito cultivado entre nós, na
nossa esquerda, eu comecei a ver, muito antes de ir, inclusive, pro mestrado, que alguma coisa
estava errada, porque, o que se falava não era exatamente o que se dava.... como é que eu posso
exemplificar isso? O que se falava, teoricamente, por aí, pelas vozes da nossa esquerda, não era
exatamente o que a dinâmica do movimento mostrava – ou seja, havia uma contradição. Era essa
idéia mesmo, entre um projeto de sociedade que nunca vai ser concretizado porque é “apenas um
projeto”, e um projeto que é ao mesmo tempo um processo, é pragmático! Hoje eu acho que a
mudança é fruto do pragmático! Muito mais até do que fruto de uma teorização anterior. Pra mim,
o movimento hoje é ao contrário! Eu inclusive faço um movimento contrário do seu na pesquisa:
eu começo descrevendo o movimento. Depois, eu vou querer entender isso teoricamente. E, é
que eu vou buscar, que eu estou indo buscar algumas referências. Porque eu passei a trabalhar
com uma premissa de que a teoria é segunda. A teoria é fruto da dinâmica do movimento: quem
teoriza, na verdade, são os movimentos. Quem está na posição de escrever é quem de alguma
forma faz a leitura e a interpretação, a representação dessa dinâmica que o movimento constrói,
que as lutas constroem. Quer dizer, a inovação, ela é primeiro social, e depois é que ela vai ser
técnica, teórica, acadêmica, etc. E, nesse campo das ciências sociais, eu acho que o movimento,
eu acho que ele trouxe tudo isso pra mim, trouxe essa reflexão diferente, essa maneira diferente de
fazer a leitura da dinâmica social, da educação, da dinâmica social, etc. Eu acho que tem um dado
importante do (...) do PVNC – e aí, eu vou voltar a falar do PVNC que eu acho que eu sublinharia
isso, quero dizer, toda a minha trajetória é outra, do que aquela que eu vinha projetando antes de
entrar no PVNC. Eu estava me projetando como profissional de informática, etc. Aula pra mim,
em 92, 93, eu fazia como complementar e ela passou a ser a minha principal atividade, eu virei
professor de profissão a partir de 93, no final de 93 quando eu resolvi sair da empresa na qual eu
trabalhava e ser docente apenas. Porque eu trabalhava numa empresa e dava aula à noite- então,
era uma atividade complementar, não tinha, era não era a minha principal atividade e passou a ser,
essa foi uma mudança importante. Na área do conhecimento que se proporcionou na discussão
racial, das pessoas que eu passei a conhecer a partir do PVNC, que também agregaram muitas
coisas pra mim, tudo isso é esse conjunto de mudança que se deu na minha vida pessoal a partir
do PVNC, e que eu vejo que se dá na vida de muita gente que passa.. eu acho até que o impacto
entre os estudantes é bem maior, que não seja o impacto... estou dizendo na perspectiva de
produção de militantes, mas no reposicionamento social daquela pessoa. Quer dizer, a gente tem
grandes exemplos aí. Pessoas que se tornaram deres na sua comunidade e na sua família – como
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a Jô, por exemplo. Ela é a caçula na família dela, ela tem uma situação familiar, eu não sei nem se
eu devia estar falando da Jô aqui, por exemplo, ela tem uma vida familiar difícil, etc., tem uma
história de vida familiar difícil, mas que, a partir disso se transforma numa referência da família
dela, pra todas as coisas: ela é hoje professora universitária, mestre, está se preparando pro
doutorado, então é uma que ela nem devia imaginar que ia acontecer isso na vida dela. Porque é
tudo muito difícil, é tudo muito distante. E, a produção dessa demanda, essa coisa de ir junto,
muita gente junto fazendo isso, é que é a força do processo.
RENATO – tem mais alguma coisa que vc queria dizer?
ALEXANDRE – do ponto de vista dessa trajetória, a gente parou em 2000. de 2000 pra cá, o
PVNC mudou pouco...
RENATO – a minha pesquisa vai até aí também....
ALEXANDRE – ah... mudou pouco porque dá essa estagnada, mas houve momentos e
acontecimentos que o PVNC participou, e eu vou citar alguns: por exemplo, o PVNC foi
protagonista dos dois encontros nacionais de pré-vestibulares que aconteceram. Encontros
nacionais não no sentido de que (...), mas que foram reuniões de pré vestibulares de vários estados
que a gente chamou de nacional – embora o primeiro tenha sido uma proposição de uma pessoa
de Santa Catarina, do Carmo, mas a gente teve um papel importante naquele momento, e no
segundo nós fomos os protagonistas do encontro, que foi um encontro maior, mais organizado,
etc., a gente teve um apoio, lá em Nova Iguaçu. Outra coisa importante que é muito recente, foi a
nossa aliança, Davi, eu e José Jorge, pra produzir um manifesto em favor das cotas e do Estatuto
da Igualdade Racial. Esse manifesto, ele veio a equilibrar um pouco o debate, porque até então a
própria imprensa, e eu acho que o termômetro disso é a Rede Globo, vinha fazendo um debate
assim “o certo é ser contra as cotas”. Era a tonica do Jornal O Globo. Defender a cota é um erro.
Até o número de artigos, reportagens, etc., essa coisa equilibrou depois do manifesto. Porque, se
você reparar as entrelinhas dos conteúdos da Globo, e o próprio espaço que ela dá pra cada setor,
no debate de quem é contra, quem é a favor, com diversos argumentos, esse espaço até é hoje
mais equilibrado. Inclusive, o espaço material – se tem uma reportagem de uma página, no outro
dia eles vão colocar outra reportagem de uma página, ou dividem. Então, o discurso, por exemplo,
teve uma audiência pública que o Jornal Nacional disse o seguinte, que houveram oito professores
e ministros que foram falar a favor e apenas três especialistas que foram falar contra. Ou seja, a
sutileza aí é que, os especialistas, quem conhece, fala contra. Os outros são militantes,
professores, ministros que falam na paixão, com o coração, e não com a razão, com o
conhecimento. Isso mudou. Agora, são todos especialistas. Até porque o outro, o manifesto que
nós organizamos, congregou um grande número de intelectuais, eu diria que a Ivonne Maggie nos
ajudou profundamente com o manifesto dela – ajudou a nos unir. Então, a gente participou disso
como protagonista. É claro que tem aí um investimento meu, particular, muito forte nisso, mas eu
não faria isso sem o PVNC. Então, é o PVNC de alguma forma. A nossa presença, o esforço pra
estar presente no debate das cotas em Brasília – a EDUCAFRO tem mais facilidade do que nós de
estar lá, até porque o Davi, o trabalho dele é fazer a gestão disso, ele tem uma situação diferente,
queo cabe aqui discutir, dizer se é melhor ou pior, mas é diferente da minha, por exemplo, de
outras pessoas que têm que dar aula, trabalhar em empresa, etc., tem que dividir a militância.
Então, é um outro dado. De alguma forma, mesmo com as crises, ou , aquilo que a gente chama
de crises, enfraquecimento, não sei o que, há uma presença pública forte do PVNC no debate.
Quer dizer, aquilo que a gente expressa continua vivo, independente das nossas dificuldades
internas. Então, em muitos fóruns, eu estive presente, por exemplo, pra fazer uma fala que pessoas
como Sueli Carneiro, Ivanir dos Santos e outros teriam mais legitimidade histórica de fazer. Mas,
porque que fui eu e não eles? Por causa do pré-vestibular, da presença pública dos pré-
vestibulares. Não eu, mas o Davi também, s estamos sempre PVNC e EDUCAFRO nesses
momentos. Houve uma reunião com o presidente da república e nós fomos chamados a dar
opiniões – quer dizer, não exatamente a dar opinião, porque nenhum negro foi chamado a falar, e
eu só falei porque enviei um bilhete malcriado exigindo um espaço pra falar, que nenhum negro
ou negra tinha sido convidado pra falar. De cinqüenta, nesse evento, tinha apenas uns seis ou sete
negros. Então, isso teve um impacto. Quer dizer, já não se pode mais, diante de uma coisa dessas,
no Brasil, fechar os olhos. Ta certo? Então, “deixa o cara falar”. E era uma reunião, inclusive, que
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se esperava a presença de muitos educadores negros que têm uma bagagem inclusive maior de
estudos, pesquisas, etc., mas que não estavam lá. Estávamos lá eu e o Davi. Mas, por que? Por
causa dos pré-vestibulares. Então, eu continuo achando que o movimento está vivo, com todas as
dificuldades. Hoje eu também acho que a quantidade, pra esse debate público, ela não tem muita
influência. A quantidade de pessoas, a massa,? Mas isso continua sendo importante. O
conjunto dos pré-vestibulares é, hoje, o maior movimento urbano do país. não é organizado –
ou, quer dizer, não é organizado como uma única coisa, só não é uníssono. Ele é uma
multiplicidade de movimentos ou, como gosta de dizer o Giuseppe, ele é um “movimento de
movimentos”, ele não é um movimento que tem uma coordenação, uma direção, ele se move em
várias direções. E aí eu acho cada vez mais que é por isso que ele ajuda a transformar. Porque ele
traz a dinâmica da diversidade, ele traz o singular, isso tudo, pra construção de coisas comuns. Ele
continua tendo um impacto grande. Então, de 2000 pra cá, há uma certa, digamos, estabilidade do
movimento, a gente já não tem mais aqueles conflitos como tinha até 99, mas temos participado e
feito algumas coisas ainda importantes no debate público. E continuamos produzindo na sala de
aula. Continua acesa essa dinâmica da produção que é os pré-vestibulares.
466
Entrevista com Fernando Pinheiro do PVNC em 14 de fevereiro de
2006-03-22
Fita 1 lado A
Renato – Fernando, queria que você começasse falando que você participou mais ativamente de
três núcleos do PVNC. Primeiro o Nova Campina, onde você foi aluno, depois foi professor e
participou da coordenação também até ter aquele racha e depois você participou do Parque
Paulista, ajudou a criar o Parque Paulista e por ultimo o pré Piabetá. Eu queria que você falasse
desses três prés e ressaltasse como era a atuação desses núcleos com o local, como era a atuação
desses prés nos locais onde estavam inseridos. Dentre de Nova Campinas, dentro de Parque
Paulista e dentro de Piabetá. Eu sei que esses prés são diferentes uns dos outros, assim como esses
lugares são diferentes uns dos outros. Um dos traços que diferenciam os pré-vestibulares é a
forma como esses prés se relacionam com o local e com o jogo potico no local. Alguns prés
viram referencia de atuação política. Alguns prés são somente pré-vestibulares, preparam para o
vestibular; outros são prés que discutem política também, discutem diversas dimensões políticas e
esses discutem poticas fazem um trabalho de conscientização voltado para o debate de temas
gerais da sociedade - o racismo, a exclusão no mundo da educação, a questão da mulher - quer
dizer diversas dimensões da exclusão e da pobreza num âmbito geral da sociedade. Outros prés
levam a discussão sobre a questão da carência pro plano local e pro cotidiano dos indivíduos, dos
alunos, dos professores, de todos que participam do pré. Então eu gostaria que você falasse desses
três prés enfatizando como é essa relação dos prés com os temas poticos e também com o local,
como os temas locais apareciam, como as intervenções locais apareciam ou não na experiência de
cada um desses prés.
Fernando – Eu participei como aluno em 97 do pré Nova Campina, aí eu passei para Historia na
Puc e em 98 eu ajudei na coordenação e queria dar aula, mas não deu pra eu dar aula. Ao longo do
ano algumas coisas foram acontecendo e no final de 98 a gente racha e eu e mais algumas pessoas
abrimos dois núcleos, um que é no Parque Paulista, um bairro vizinho ao Nova Campina no
munipio de Caxias. Já o de Piabetá são mais ex alunos, no meio do ano a gente monta o núcleo
nesse bairro Piabetá no município de Magé. Isso tudo em 1999, o racha, esses dois núcleos. E
nesses dois núcleos aí sim eu entro como professor, como coordenador e professor. O núcleo de
Piabetá ainda existe, mas o do Parque Paulista parou há uns dois anos atrás e eu já tinha saído
antes. Hoje em dia a minha milincia nos núcleos é bem mais limitada. Eu acabei caindo em uma
militância em discussões mais gerais do movimento, políticas mais macro ou amplas. Estou até
tentando da uma retomada ao pré Piabetá, eu fui há umas duas semanas atrás e estão até muito
bem, tem bastante coordenadores, professores. A vida de mobilização e militância continua e até
muito bem. Voltando, eu participei em 97 do cleo Nova Campina e foi um momento muito
interessante porque eu estava mesmo querendo participar de algum movimento social. Uns
colegas meus que estavam dando aulas nesse núcleo me contavam essas discussões dentro do
PVNC e era uma época em que a discussão da Carta de Princípios estava começando pegar força.
Algumas coisas que hoje eu vejo sobre a identidade do movimento se consolidando. Isso, além do
desejo de entrar na faculdade, me atraia todo esse debate e participar de alguma coisa que
realmente eu pudesse ter voz e atuação isso também acabou me atraindo, mais até do que entrar
na faculdade. No núcleo Nova Campinas tinha vários colegas coordenadores e professores que
eram da época da igreja, do grupo jovem da igreja católica. Então não era uma ambiente de
pessoas desconhecidas. Eu participei de grupo jovem, catecismo, essas coisas assim... só que
nunca fui muito temente na cartilha ali né, na cartilha religiosa. Foi um momento bom, vendo a
minha formão essa questão do... tinha muitas atividades do grupo jovem eles participavam e
tentavam fazer bastante coisa. Chegou o momento que não dava mais pra mim e eu fui voltar a
ver essas pessoas... sei lá levou uns cinco anos, seis anos eu não tinha mais contato e eu tomei
esse contato... que seriam a Simone, a Geane, o Flavio, tinham umas pessoas que viraram alunos
como eu a Juliana, Aline, várias outras pessoas. Hoje em dia eu vejo que este contato anterior
acabou ajudando a divulgação para ter pessoas lá interessadas em participação social. O objetivo
mesmo era ter um tipo de inserção ou querer ter um tipo de inserção só que diferente da Igreja
467
Católica que vo está submetido a várias regras, tem padre, tem conselho... no préo, no pré a
gente podia mesmo testar, fazer coisas diferentes. Tudo bem que tinham regras básicas mas o
cotidiano dos núcleos a gente ia construindo junto isso eu acho que ajuda a gente que queria
participar. Tinha a Elisa também e não por coincidência essas pessoas acabaram indo para a
mesma faculdade, foi a PUC. O pré Nova Campina muita gente fazia pra PUC. Havia um certo
estímulo pra fazer pra PUC, pelas facilidades, pela questão das bolsas, a relação candidato vaga é
menor. Então isso acabava ajudando. Ali também era um núcleo que tinha saído a primeira turma
da PUC. A metade da turma era de Nova Campina, que eram a Geane e a Simone. Dos quatro que
passaram pra Puc em 93 duas eram do Nova Campina, a Simone e a Geane. As duas montaram o
pré Nova Campina, assim uma coisa vai levando a outra, são estímulos, a gente tem estímulos,
momentos apropriados e por vai. Só que é assim, algumas divergências que existiam no pré
eram fruto de uma época anterior. Divergências mais na ordem de como conduzir as coisas dentro
do núcleo. Não do interesse, não da identidade, do que era o PVNC, mas assim de como fazer as
coisas, de como executar, essas divergências acabavam desgastando. Então, entre a opção de você
continuar desgastando e montar outro núcleo. Parte da coordenação de 1998. E essa coordenação
do Parque Paulista foi feita por mim, pelo Márcio Flávio, Simone, Adriana que fez geografia na
PUC, tinha a Fernanda que fez História na PUC, tinha a irmã da Adriana que, não me lembro o
nome fazia informática mas eu nem ficou muito tempo ela saiu. A gente montou o núcleo Parque
Paulista num colégio estadual, o colégio estadual Minervina. Parte dos alunos de 1998 que eram
os alunos agitados que gostavam de participar e queriam realmente viver o movimento, eles vendo
aquele clima chato resolveram montar um núcleo em Piabetá. Eu numa coisa meio doida resolvi
fazer parte dos dois. Pessoalmente porque parte desses alunos eu acabei criando um certo vínculo
e certo convívio. Por exemplo, a gente sempre tinha grupos de estudos em 98 e eu, apesar de não
dar aula, ajudava nos grupos de estudo e isso acabou aproximando a gente. Na verdade eu só tinha
um deles que era o Cristiano que eu conhecia antes do pré. Só depois no pré que a gente foi
realmente se conhecer. Então abriu essa brecha, essa oportunidade em 99, montamos dois núcleos
e tentando implementar coisas que a gente achava que seria mais interessante, melhor, em
comparação ao núcleo Nova Campina. Engraçado, até as nossas referências negativas acabaram
criando, na nossa vio, uma coisa positiva. A questão do local? Só dizer mais ou menos onde
estava cada núcleo. O núcleo Nova Campina funcionava numa escola municipal e a escola
funcionava dentro do espaço da associação de moradores. A prefeitura alugou o espaço, deu uma
arrumada e transformou o espaço em salas de aula. É tipo um galpão, um salão para a comunidade
fazer suas festas e a associação preferiu alugar o espaço para o colégio, colégio municipal. A
gente o usava aos sábados de sete às oito da noite e aos domingos das oito ao meio dia. O pré
Parque Paulista funcionava dentro do cogio estadual Minervina, minto, no primeiro ano ele
funcionou num Ciep do Parque Paulista que também o Estado tomava conta e a gente conseguiu o
colégio Minervina. Nós achamos que era melhor e era. O local era de fácil acesso, vários ônibus,
supermercados perto, um local mais central. Não pro Parque Paulista mais para outros bairros e
em 2000 a gente mudou para o colégio Minervina. E em 1999 o núcleo Piabetá usava uma
biblioteca, uma biblioteca municipal. É até sacanagem chamar aquilo de biblioteca, era um local
improvisado. Era em cima da rodoviária, era um barulho tremendo e um calor infernal foi tudo
muito improvisado, se conseguiu umas cadeiras e um quadro de giz mais ou menos grande e a
gente improvisou, penduramos na parede e começamos a dar as aulas. Era um local legal, o ponto
pra ir embora era embaixo, era bem central. Em 2000 a gente mudou para um colégio estadual,
não lembro o nome agora. A gente mudou por dois motivos. Primeiro porque a gente precisava de
um espaço mesmo de escola. O segundo motivo era pra fugir dos compromissos poticos
partidários, porque quando a gente foi montar o pré, a gente teve uma dificuldade tremenda de
conseguir espaço em igreja, escolas. A pessoa que deu o ponta pé inicial na verdade foi o
Cristiano, na época ele era aluno do pré em 98 ele começou a correr atrás. Ele estudou em Piabetá
o segundo grau, conhecia muitas pessoas... Tinha uma senhora lá que tinha um núcleo de
consciência negra em Piabetá ele queria dar aula lá de alguma coisa e ele falou do pré e ela queria
montar o pré no espaço da ONG dela. Mas acabou não sendo lá e ela acabou não ajudando muito.
Então ele começou correr atrás por ele mesmo, eu entrei ajudando, alguns alunos começaram a
correr atrás junto. Nenhum coordenador do pré era morador de Piabetá, nem o Cristiano. Ele tinha
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muito contato por ter feito o segundo grau lá, sua rede de amigos era toda de Piabetá. Tinha um
outro coordenador que era de Nova Campina, outra da Taquara e um outro também de Nova
Campina. Tinha uma outra que era coordenadora e que voltou agora que também é da Taquara. O
que aconteceu? A gente chegou a ponto de recorrer à secretária de educação de Magé pra ela
arrumar uma escola pra gente. De que forma nós recorremos a ela? É que o Cristiano tinha um
amigo e que os pais tinham uma ligação com a prefeitura. A mãe trabalhava na secretaria de meio
ambiente e o pai era comerciante local sem muita influência partidária. Nós resolvemos marcar
uma reunião e foi uma conversa amigável a princípio ela dizia que não ia dar certo que ali havia
uma falsa elite. Na verdade ela dizia que com aquele nome as pessoas não iriam se escrever
participar e tudo mais. Aí ficamos esperando uma resposta, ficamos esperando e nada dela nos dar
uma resposta de algum colégio, de algum lugar. Então a gente ficou esperando e o Cristiano
recorreu novamente à mãe dele, do meio ambiente, e ela conversou diretamente com o prefeito. E
o local que a gente conseguiu foi esse da biblioteca. E a gente via de forma muito clara que a
gente tinha que sair daquela biblioteca em 2000 porque era um ano de eleição pra prefeito e a
gente não queria ser envolvido com nenhuma questão político-partidária ou projetos da prefeitura.
Nessas idas e vindas, fala com um e com outro, a gente conseguiu ir pro colégio Alda. Engraçado
que todo mundo falava que a diretora não ia aceitar a gente porque ela é firme, ela é toda dura.
Mas com a gente sempre foi razoável, apesar de às vezes ela ficar meio assim pra gente ela deu
confiança e nunca se arrependeu. Era questão de deixar a chave do colégio, do portão, do lugar
onde liga a energia elétrica. A gente tinha acesso, acesso restrito, mas tinha acesso. Diversas vezes
ela comprou a briga por a gente estar ali. A gente sempre teve muita clareza, das faixas, aqui era o
pré e a gente não usa subterfúgio pra conseguir as coisas e ficar mais um tempo algumas pessoas
olhavam meio torto por causa do nome, acho que ainda hoje algumas pessoas ainda estranham
esse nome e essa dinâmica de trabalho. Então é assim a gente começa 2000 mudando o local pra
fugir, mas é aparência. A prefeitura no começo de 2000 abre três pré-vestibulares comunitários
ela abre inscrição e... com certeza por interesses eleitorais. Mas acaba não dando muito certo, a
prefeitura acaba não sendo eleita.
Renato – Algum em Piabetá?
Fernando – Dois no centro de Magé e um em Piabetá. Mas era distante da gente, nem sei o
endereço. Também a gente nem procurou saber.
Renato – Piabetá é o maior núcleo depois do Centro, não é?
Fernando – De repente até que o maior que o centro. Porque a vida comercial deles é maior, mais
intensa, mais que na região de onde fica prefeitura. Piabetá é um bairro que fica na divisa com
Caxias e tem um fluxo muito grande de pessoas, é bastante intensa a vida lá. A relação local-
núcleos. Eu vou tentar definir as três da seguinte forma. O núcleo Nova Campina nasce dentro da
associação de moradores e já nasce com uma relação muito grande com os presidentes da
associação. Só que eu posso te afirmar que a associação de moradores de Nova Campina
praticamente não existe enquanto associação de moradores. Acaba se configurando em um local
de interesses. Uma pessoa querendo sempre se eleger, se eleger a candidato a vereador e acaba
nunca conseguindo.Então na verdade pode se dizer que é uma associação de fachada. Pode-se
dizer que são clientelistas no pior sentido posvel. Nova Campina como é um conjunto
habitacional, ele já nasce pronto. As pessoas vão morando lá aos poucos. O prédio que era do
BNDES era a associação de moradores. Então as pessoas acabam tomando a associão e tem
essa dificuldade de as pessoas se relacionarem, afinal são mais de 4 mil casas e mais de 10 mil
moradores, sei lá. Mas de qualquer forma a relação do pré junto a associação por causa da
autorização por estar lá, ocupando o espaço, ter a chave, ter acesso ao colégio, ao prédio da
associação. Tem a relação do local, essa questão da divulgação que havia uma grande procura. As
pessoas, na medida do possível, conheciam o pré. Sabiam que havia um pré que você,
praticamente, não pagava nada. Algumas vezes a gente tentou fazer atividades no dia da
conscncia negra, até fez, nos dois anos que eu participei. Ainda inicial e de forma muito tímida.
Tinha uma ótima relação com o pessoal da igreja, tanto que as vezes a gente fazia algumas aulas
extras lá na igreja católica ou mesmobado e domingo que as vezes tinha alguma atividade lá a
gente transferia a aula para a igreja católica. Essa proximidade de épocas anteriores ainda se
manteve. Em alguns momentos chegou a nascer uma vontade de fazer uma chapa para concorrer a
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associação de moradores. Só que houve um certo constrangimento, um certo medo para que as
pessoas montassem a chapa, então ela foi meio que desfeita. Num certo momento alguns
coordenadores chegaram a montar algum projeto... ligado a informática... nesse padrão mais
parecido com Ong. Acabou não indo muito para frente. A gente acabou se envolvendo... Porque
quando você entra na faculdade, os coordenadores estavam fazendo faculdade, o seu tempo fica
muito limitado. O seu tempo de estar no local, mesmo sendo, morador, você não vive tanto no seu
bairro como você vivia antes. As coisas acabam diminuindo, a interferência e tudo mais. Não sei...
é um desafio de pensar o pré se relacionando com o local, nunca parei muito para pensar sobre
isso. Estou fazendo um exercício de lembrar.
Renato – Me diz uma coisa aqui. Antes de pensar na coisa do local, vamos tentar constituir o que
era cada um desses locais. Vamos começar pelo Nova Campinas. Pelo que você estava falando o
Nova Campinas é um conjunto habitacional construído pelo Banerj, com 4.000 casas.
Fernando- E passou a ser habitado a partir de 1985. E eu fui pra lá em 86.
Renato Era um conjunto pra venda ou era remoção de algum lugar?
Fernando – Eu conheço como um lugar pra venda. Apesar de guardar características de conjunto
pra remoção.
Renato – Os moradores não possuem uma origem comum preferencial? Como por exemplo, não
pra dizer: os moradores da Vila Kennedy vieram removidos da favela tal... Ou Rio das pedras,
por exemplo, é lugar aonde as pessoas vieram do Nordeste... Quer dizer, os moradores que estão
lá e que foram pra lá não têm nenhuma identidade comum, não eram funcionários do Banerj? Não
tem nada a ver isso?
Fernando – Não. A prioridade, pelo que eu sei, não era para funcionários públicos. Até tinham
vários funcionários públicos, mas de baixo escalão e de órgãos muito diferentes. O que liga
realmente era uma renda que devia estar dentro do plano de compra. Um patamar de renda muito
parecido e eu vejo que ali têm muitos moradores do subúrbio e também de algumas áreas
favelizadas.
Renato – Eno não há nenhuma identidade comum preferencial.
Fernando – Os laços que você falou vão se construir aos poucos por esses os jovens. No meu
caso, por exemplo, a primeira vez que eu fui lá tinha dez anos, isso em 85 quando meu pai levou a
gente pra mostrar a casa. E efetivamente comamos a morar lá em 86. Então, quem vai realmente
construir os laços são os filhos dessas pessoas. Algumas coisas até facilitaram, as casas não
tinham muros. Foram construídos aos poucos, a cada mês, a gente ia se ajudando. Até 88 várias
casas ainda estavam sendo ocupadas. O processo de ocupação foi se arrastando por 3 ou 4 anos,
não saberia te dizer ao certo.
Renato – Os laços de identidade vão se construir lá. Não sei se era impressão minha das vezes
que passei por lá. Nunca fui ao pré Nova Campinas, mas fui em Piabetá e o ônibus passava por
Nova Campinas. E a impressão que tive foi que não há em Nova Campinas nenhum lugar que se
possa dizer que é ocentro nervoso”. Sempre tem um lugar... Parada Angélica tem uma pracinha,
coreto... Sempre tem um lugar que funciona como um ponto de encontro. Queria que vofalasse,
essa construção de identidade dos laços, das redes sociais dentro de Nova Campinas foram se
dando em torno de que? Uma coisa são as crianças...
Fernando - As esquinas.
Renato – Você menciona alguns lugares que são normalmente lugares de encontro A igreja, por
exemplo funciona como um lugar de produção...
Fernando – Funcionou. Não sei como está agora, mas na minha época funcionou bastante. O
baile Funk que era um grande espaço, espaço em tamanho. Tinha uma praça lá, eram poucas
praças, pequenas e bastante precárias. Eu costumo dizer “um pequeno redondinho” e que não dá
conta das necessidades do pessoal. Na época também tinham os “inferninhos” que tocavam forró,
lambada, etc. O centro nervoso era a rua da feira. Onde fui se construindo o comércio local. Mas
especificamente uma praça, um outro local, vonão tem. A minha adolescência eu passei na rua
dez, na esquina com o pessoal que eu me identificava mais. Isso na época que eu não estava mais
na igreja. Lá na rua dez a gente jogava basquete, foi evoluindo, a gente conseguiu uma tabela de
basquete oficial fizemos uma armão com perna de três, um buraco no chão. Ficou todo
direitinho com concreto, encaixávamos a tabela e jogávamos no meio da rua. Era basquete de rua
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mesmo. A rua, na verdade, se configura como um espaço de sociabilidade. Vovai vagando e
criando seus laços. Teve a época também das quadrilhas de festa junina. O colégio... o colégio
onde eu cursei de quinta a oitava séries ficava no limite de Nova Campinas, não ficava no meio do
bairro, fica na entrada. É um grande espaço de socialização...
Renato – Dessa entrada até outra localidade tem um vazio, não é?
Fernando – Tinha um vazio grande que podia ser aproveitado para construir qualquer coisa.
Foram construídos uns CIEPs, dois CIEPs na entrada. Era um espaço bem grande. O próprio
colégio estadual tem um espaço gigantesco do tamanho dos dois CIEPs e que na verdade não foi
bem aproveitado. Era um prédio de um pavimento só, a quadra também era bem simples.
Renato – E a associação de moradores? Como a associação surge nesse contexto?
Fernando – Bem eu não tenho como te dizer. Quando a associação surge, eu era criança. Eu
posso te dizer como era a relação partindo da questão do pré. A associação de moradores e de um
pavimento só. Eu me lembro da associação quando tinha um baile de carnaval e a gente sempre ia
lá. Lá tem uma ou outra atividade. Tem um telefone comunitário, um posto de telefone onde as
pessoas pagavam para ligar. Eu lembro que tinha lá um atendimento odontológico, assessoria
jurídica. Mas não era um espaço de ida de moradores. Tinha até um colega meu que brincava
dizendo que se quisesse encontrar o presidente da associação era só ir na rua sete que tinha um
boteco que era escritório dele. Ele tava sempre lá com os pés-de-cana “chapando”. Ele era
candidato a vereador.
Renato – Ele era de qual partido?
Fernando – Boa pergunta. Não sei.
Renato – Os partidos normalmente tem esses caras assim porque desde que o voto é por legenda,
o cara não vai se eleger, mas ele cata os votos do lugar que ajudam a eleger um outro sujeito do
partido. Então eles entram pra nunca se eleger e sim para catar os votos da identidade do bairro.
Todos os partidos têm isso. Uma vez ou outra que acontece um fenômeno diferente, o Nadinho de
Rio das Pedras se elegeu vereador pelo Rio agora.
Fernando – Não é um fenômeno, é uma coisa muito bem arquitetada e planejada. Acho que a
sociabilidade mesmo é pelas ruas. Não tem uns pontos fixos.
Renato – O pré chegou lá... Quem fundou o pré foi a Geane e a Simone.
Fernando – A Geane, a Simone, o Márcio Flávio, a Adriana euo sei se estava...
Renato – Orcio Fvio foi fundador também?
Fernando – Fundador. Ele já começou no primeiro ano como professor. Não tinha nem entrado
na faculdade ainda e estava dando aula de Química. O Márcio é uma figura engraçada porque ele
nunca foi aluno do pré. Ele já começou como professor.
Renato – Ele passou no vestibular. Ganhou a carta para a bolsa na PUC...
Fernando – É como participante. O cara participava desde 1993, ele participava das reuniões,
participava do primeirocleo Matriz. A namorada dele, a Simone, era de lá então ele sempre
estava por lá. No começo ele era bem calado. Só quando a gente racha é que ele se torna uma
figura mais atuante, mais expressiva dentro do movimento.
Renato – Esse grupo fundou o pré. Conversou com a associação para ceder o espaço, usou, mas
de certa forma, mesmo havendo inquietação em alguns momentos, o grupo nunca se meteu nos
assuntos da associação?
Fernando – Até onde eu sei não. Nunca pediu para indicar aluno. Ela realmente não se metia.
Eles guardavam autonomia.
Renato – E nem capitalizavam o pré nos momentos de eleição?
Fernando – Não por incrível que pareça eles nunca capitalizaram o pré. Nunca foi um estandarte.
Era uma relação, simplesmente de contato. Não sei porque isso, mas nunca... Já aconteceu da
direção do colégio se estranhar com a coordenação. Então você pede ajuda e o cara da associação
bate o martelo dizendo que vai ficar.
Renato – E o pré... Você chegou a ser responsável pela Cultura e Cidadania no Nova Campinas?
Fernando – Não. Apesar de estar sempre pensando coisas. Pra mais da metade da coordenação eu
não era uma pessoa muito querida. Era o grande intrometido.
Renato – E no trabalho do grupo de Cultura e Cidadania nunca tinha questões referentes ao lugar,
ao local?
471
Fernando – Não. Tinha a questão do incentivo, pedindo para as pessoas pensarem como elas
poderiam voltar para o seu local. É claro que a gente nunca sistematizou isso. Mas havia um
discurso que você deveria retornar, não precisava ser no pré, pra melhorar a condição do bairro. A
gente tinha a preocupação de colocar isso pros alunos, para eles pensarem muito nisso antes de
entrarem na universidade. A gente não dizia o que eles podiam fazer. Não ficava “elencando”,
Direito pode fazer isso, Engenharia pode fazer aquilo, etc. Mas a gente tinha essa preocupação. Se
o cara voltasse pro pré tudo bem, mas ele poderia fazer algo pro bairro. Ninguém ficava obrigado
a retornar ao pré. Essa nunca foi uma exigência. Mesmo pro pessoal que passasse pra PUC, por
causa das bolsas. Tinha época, mais ou menos 97, mais da metade dos alunos não eram moradores
do Nova Campinas. No ano seguinte a maioria absoluta era de Nova Campinas. Era um
movimento flutuante. No momento que eu fui aluno havia mais pessoas com mais idade. Em 98
quando eu entrei na coordenação tinha muita gente que tinha acabado o segundo grau, saindo da
adolescência. Pegando as fichas podia ver o perfil do alunado e tentar extrair um padrão a partir
das opções que a coordenação faz. A divulgação é sempre muito dentro do bairro. Você tem a
faixa na entrada do conjunto, num bairro um pouco longe, cartazes colados nos pontos de ônibus,
em algumas lojas. Mas é claro que o boca-a-boca era o mais importante. A gente dizia que tinha
que conquistar a mãe dos alunos, porque a mãe fazia o cara ir pro pré. Até eu fui fruto disso,
minha mãe ficava insistindo pra eu ir pro pré. Ela soube que alguns amigos meus entraram na
PUC. Mas eu resolvi entrar porque eu vi que tinha muito mais que a faculdade. Então, a base da
coordenação veio da origem do grupo jovem da igreja católica. Eram pessoas que já se conheciam
antes, estavam acostumados a fazer reuniões, tinham vontade de construir e de participar.
Renato – Eles já tinham alguma animosidade do tempo da igreja católica? Você falou que
algumas divergências que havia em Nova Campinas vinham de antes do pré. Entre essas pessoas
que vinham da igreja...
Fernando – Claro. É questão de diferença de atuação. Aquele pequeno poder. Era uma disputa
grande no começo do pré. As vezes, algumas pessoas pegam aquele pequeno poder quer ser o
coordenador e “sobe pra cabeça”. O cara acha que tem algum poder realmente e, às vezes, toma
atitudes como se fosse “o coordenador”, achando que são os responsáveis e que sem eles o pré
não funciona. Esse tipo de atitude acaba estressando os outros. Fica um mal-estar. Algumas
pessoas têm mais atitudes pra organizar as coisas, pra mandar, etc. Isso cria um certo inmodo.
Ainda mais quando você parte do pressuposto que todos são iguais, são capazes e estão num
movimento social de iguais. No grupo jovem já tinha um pouco isso, só que na igreja católica
você acaba tendo que tirar algumas referências, o cara que vai responder e é natural que isso
aconteça. Mas no pré não. No pré não tem porque acontecer. Eu mesmo tinha divergências com
essa base da coordenação, de como fazer as coisas. Também a gente era um pouco jovem, tudo é
festa, então a gente quer sempre ser ouvido... Eu ao entrar pro pré Nova Campinas, não tinha um
bom relacionamento com o pessoal lá, com a Geane, com a Simone. Essas coisas não diminuem
quando você muda de espaço de atuação, do grupo jovem para a coordenação do pré.
Renato – Agora fala um pouco do Parque Paulista.
Fernando – No parque Paulista a cessão era diretamente com a direção do colégio.Tínhamos uma
boa...
Renato – Mas no primeiro ano o Parque Paulista não era no colégio?
Fernando – Nos dois. No Ciep e no colégio estadual Minervina. Começou no Ciep e era bem
mais lá pra dentro do Parque Paulista. Isso pra nós não era muito bom porque a gente ficava
afastado do comércio, ficava afastado do transito do ônibus, de lugar pra comer, almoçar, tirar
xerox. Isso dificultava. Mas desde o primeiro ano, em 99, a gente já tinha contato com a
associação de moradores. A associação de moradores era bem diferente da de Nova Campinas
porque lá havia, realmente, a tentativa de fazer a associação se tornar algo mobilizador. Acho que
por causa da origem do bairro. Se Nova Campinas é formado por um conjunto habitacional,
Parque Paulista é um lugar que vai sendo loteado aos poucos.
Renato – As pessoas compram o lote e constroem.
Fernando – Mais ou menos. As pessoas vão comprando os terrenos, mas não é um loteamento
regular do tipo loteou de uma vez só e vai vendendo. Não, as coisas demoram anos. Eu não sei
dizer qual o primeiro loteamento do Parque Paulista, mas é dentro desse processo de grandes
472
terrenos. Casas com terrenos muito grandes que vão sendo desmembrados. Mas sempre em
épocas e momentos diferentes. Tem famílias que já têm 20 anos. Pessoas até que trabalharam na
construção de Nova Campinas. Isso no começo da década de 80. Tanto é que há cerca de dez anos
que o bairro vai ser asfaltado. Era tudo no mesmo padrão da Baixada, ruas de barro com valas e
esgoto a céu aberto. Tudo nesse padrão da Baixada Fluminense. Então a associação de moradores
tenta ser um espaço de mobilização para que se tenha projeto de urbanização, para que a
prefeitura olhe diferente, para que o governo do estado faça aplicações ali de infra-estrutura. Por
exemplo, uma das boas articulações que a gente fez foi mobiliar a associação de moradores. A
gente conseguiu uma doação de vários materiais da PUC. Coisas que o pessoal ia jogar fora.
Mesas, cadeiras, computadores velhos, etc. O pessoal pegou um caminhão e pegou todo o
material que a PUC não queria mais, mas que seria muito interessante para a associação de
moradores que estava sendo construída. A ultima vez que eu encontrei a vice-presidente da
associação daquela época ela estava em uma passeata no Largo da Carioca na luta pela melhoria
da habitação. Essa iia de mobilização não se perdeu. Na época a associação estava se
estruturando e ainda não tinham tanta participação como gostariam. Mas o pré, principalmente
depois que se mudou para o Minervina, acabou caindo nessa configuração mais de pré-vestibular.
A gente tentou algumas articulações com um senhor pra fazer um projeto grande de um centro
esportivo. A gente tentou ajudar pegando dados pra botar nesse projeto que ele queria. Depois
perdemos contato. Esqueci o nome dele.
Renato – Ele era de lá, da associão, de onde ele era?
Fernando – Era um cara que apareceu. Era até estranho isso. Ele morava lá.
Renato – Por que ele procurou o pré na associação?
Fernando – Não me lembro muito bem porque eu não era um dos que ficavam mais próximos,
foi mais a Adriana que fazia Geografia. Acho que ele procurou a gente porque sabia que éramos
universitários, nós poderíamos trazer algum conteúdo que ele achava que faltava no projeto dele.
Ele se mostrou ser uma pessoa sem vínculos partidários e pelo que a Adriana viu, ele realmente
não tinha. Mas as coisas foram muito rápidas, intensas. Então acabou-se muito voltado para as
questões do pré, pra questão das aulas e também a gente tinha uma outra dificuldade. A base da
coordenação, que também dava aula no pré, tava ligada a secretaria geral, às discussões mais
macro do movimento e tentava fazer o movimento acontecer, que era eu, a Simone e o Márcio
Flávio. Eu era tesoureiro geral e Márcio e Simone secretários gerais. Além de a gente montar o
pré, a gente também estava como secretários e tesoureiro gerais. E eu ainda coordenador e
professor do pré Piabetá. Era uma época frenética. E ainda tinha a faculdade, eu ia e voltava todo
dia porque não tinha lugar pra morar lá perto. Devido à base da secretaria geral e de um monte de
questões do movimento estar ali no Parque Paulista a gente acabou deixando o núcleo muito
vazio, muitos espaços ali constrdos de forma precária. Acontecia de a gente ter que sair para
reuniões e o núcleo ficar por conta dos alunos. Esse foi um dos motivos que me fizeram sair da
coordenação em 2001 e ficar só como professor. E, se não me falha a memória, em 2002 deixei de
ser professor. A gente teve uma reunião muito séria e eu discuti essa questão, estávamos eu,
Simone, Márcia e Adriana como coordenadores e eu coloquei a questão: ou agente assume o pré
ou fica no movimento. A gente não está dando conta e não está fazendo como deveria fazer. Só
que as pessoas achavam que tinha como e então fui voto vencido e fiquei só com professor.
Estava tentando dar uma outra dinâmica de trabalho. Já em Piabetá eu dei uma afastada e fiquei só
como ______ .
Fita 2 lado A
Mas a gente acabava ficando muito nas tarefas burocráticas do núcleo que demandam muitos
esforços e também tinha a falta de experiência de execução de projetos. A gente só vai descobrir
essas coisas quando entra na Universidade depois que entra em contato com certos circuitos
diferentes do movimento social. Eu acho que o núcleo do Parque Paulista ficou muito precarizado
devido a essas coisas que eu falei. Que a gente era da secretaria geral e fazia varias coisas além
das atividades internas do núcleo. A gente tinha uma certa maturidade maior naquele momento,
mas não conseguiu ver que tínhamos que fazer uma opção clara: o núcleo ou movimento. Não que
473
isso seja dicomico, você não precisa escolher entre um ou outro, mas em alguns momentos você
precisa dar mais peso à sua militância. Tanto que o núcleo Piabetá tinha uma base muito
preocupada com o geral, mas que se empenhou bastante no núcleo e isso fortaleceu, hoje em dia a
coordenação e vários professores são ex-alunos, este investimento que se fez no começo do pré é
o retorno que se tem.
Renato - No Parque Paulista não formaram ninguém.
Fernando – Formamos, mas de forma muito precária. Por mais que a pessoa esteja disposta, se
vocêo tiver pessoas pra dar uma referencia, a pessoa fica patinando no vazio, ela fica muito
solta e acaba não fortalecendo e o núcleo teve que parar as atividades. Era um espaço muito bom,
a gente tinha uma salinha que deveria ter sido uma biblioteca do colégio, mas eles deixavam nós
usarmos. Tínhamos lá um arquivo, tinha um computador bem simples, mas foi o que
conseguimos, tínhamos um monte de apostila e livros que levávamos para lá, mas só que não
conseguimos fortalecer um conjunto de ex-alunos para manter o núcleo.
Renato – Ninguém da coordenação morava lá também?
Fernando – Não, os primeiros alunos que comaram a participar eram moradores, mas nenhum
de nós, coordenadores, morávamos lá. Já em Piabetá no primeiro ano de formação já teve pessoas
que eram moradoras da comunidade, que encamparam o pré. Por exemplo, eu me lembro da
Deise, que era figura imprescindível para o núcleo de Piabetá se fortalecer. Porque a Deise no
primeiro dia de aula do núcleo de Piabetá estava lá, ela não tinha conseguido se inscrever, mas
quis ficar. A gente falou que tinha que fazer a inscrição e ir para a lista de espera, mas ela pediu
para ficar e ficou lá no cantinho dela, ela já tinha dois filhos e uma na época tinha 15 anos e o
marido também dava o maior apoio. Não demorou muito virou aluna, tava ali participando e
trabalhava ali perto numa Zona Eleitoral, ela estava sempre pelo centro e acabava ajudando
sempre que a gente precisava entregar algum documento, ou falar com alguém na biblioteca. Ela
era uma pessoa com muito gás. Tanto é que ela estava mais coordenadora que aluna. Isso influi
em 1999, ter uma cabeça mais madura, e muito mais tranqüila para essas coisas. Só que isso
acabou prejudicando-a, porque ela assumiu mais a figura de coordenadora e deixou de lado um
pouco papel de aluna. Tanto é que um pouco mais que em 2002, 2003 a filha dela estava sendo
nossa aluna, já tinha terminado o segundo grau e virou aluna. Em Piabetá a gente teve mais
chance de criar e fortalecer e fazer com que os alunos se sentissem donos do pré, donos do fazer
das atividades do núcleo, tanto é que a gente conseguiu fazer muitas atividades, assim festas para
arrecadar dinheiro, do que no Parque Paulista. Por exemplo, arrecadar dinheiro para pagar as
inscrições das faculdades, foi uma relação muito diferente. Apesar de eu achar que a atuação do
pré de Piabetá foi muito menor com a localidade por alguns motivos , como: não tem ali uma
associação de moradores clara que você possa interagir. A gente está ali no meio, centro de
Piabetá e o centro de Piabetá é muito comercial, é lugar de passagem, de vida muito intensa , mas
não está encravado num lugar onde tem casas. Apesar de a gente ter muito contato com a igreja
católica e fazíamos grupos de estudos , os colégios particulares cediam espaço, quando a gente
o podia usar o colégioblico no sábado e no domingo, isso quando a gente foi pro Colégio
Alda, colégio estadual e alguns momentos lá tinha ensaio da banda do colégio e era difícil. A
gente chegou a pensar uma atividade e comemoração dos cinco anos do núcleo, só que acabou
não indo em frente, porque a gente teve alguns problemas. Hoje em dia eu posso dizer que seus
fundadores não são mais a base do núcleo. Tem pelo menos um fundador que é o Cristiano, que
na época também professor de geografia, mas ele não é um dono do pré, ele não se vê uma pessoa
vital para o funcionamento do pré. Eu mesmo estou tentando voltar, mas na condição de
professor. Também já fui coordenador de Cultura e Cidadania, fiquei dando aula de História Geral
por três anos e voltei pra parte de cultura e cidadania. Só que , hoje em dia eu to querendo ir mais
devagar ser uma pessoa que possa ir lá para ajudar, de repente virar um coordenador que fique
abrindo e fechando portão. Gostaria de fazer um pouco este caminho de retorno. Agora, pelo que
eu vi esse ano está bem, tem mais de cem alunos, tem duas turmas, acho que são cento e vinte
alunos, tem aulas de 8 horas da manhã até as sete da noite no sábado e no domingo, que eu achei
ummulo, de oito da manhã até as quatro da tarde, coisa de doido. Tem muito mais professor
que espaço para dar aula. Fizeram uma coisa interessante este ano, que eu fiquei super bobo,
Cristiano fez um programinha com escala de professores, foram distribuídas cartas para todos os
474
professores, coordenadores. Ta muito legal! Eu acho que esses frutos que plantamos em 1999
estão dando certo. O pré criou uma dinâmica própria, não precisa fundadores irem lá pra dizer
como fazer.
Renato – Você falou que o pré Piabetá teve uma atuação menor e tentou explicar um pouco isto,
que as características do lugar são diferentes, é menos residencial e mais comercial e de
circulação e então você tem enraizamento menor de pessoas ali, diferente do Parque Paulista e
Nova Campinas. Aquela hora que você falou do Parque Paulista, por exemplo, você não falou que
a atuação local era tão grande assim. E em algum momento, não sei se foi na entrevista antes
dessa, você falou que você tinha me falado de uma atuação forte do pré Parque Paulista no lugar.
Em algum momento diante da fraqueza da associação de moradores o pré virou referencia potica
no local. Por questões diversas do lugar, as pessoas iam dialogar com o pré, não que o pré
resolvesse, mas as pessoas viam o pré como...
Fernando – Por exemplo, foi essa questão que eu falei da associão de moradores
____________ pra se fortalecer buscava a gente para fazer articulações. Acho até que ficávamos
até um pouco incomodados. Por sermos universitários as pessoas tratavam a gente como grandes
conhecedores e entendidos da realidade.
Renato – Se relacionavam com vos de baixo para cima.
Fernando – É... Eu me lembro que uma vez, eu Marcio e Simone, fomos entregar uns alimentos
que tínhamos recolhido junto aos alunos, pra inscrição que teve. Aí, a gente ao procurar a
associação de moradores, descobrimos que estava tendo uma reunião que era do setor da educação
que estava se formando, e eles quase que pediram desculpa pela desorganização da pauta que
tinham montado. E eles já tinham começado a reunião e nos sentimos incomodados com isso. Até
sugerimos algumas coisas e eles acharam legal e tal... foi uma relação meio que de cima para
baixo e eram pessoas bem mais velhas ques.
Renato - De cima para baixo do ponto de vista de vocês?
Fernando – É...Desculpa... Eles estavam se sentindo mais abaixo, sei lá intelectualmente,
politicamente... Eram mais velhos. Por exemplo, aquele senhor que procurou a gente para ajudar a
montar o projeto, que ele acabou sumindo. Tinha uma outra associação de moradores num
bairro vizinho que estavam com um problema sérios, porque tinha uma mineradora que queria
fazer a extração de um metal lá, Parque Eqüitativa o nome do bairro. Então eles entraram em
contato com a gente e ficamos dialogando, porque isso detonaria muito... que ali é uma área muito
verde, residencial de sítios, casas com piscinas. Eles captaram material, entraram com processo no
ministério público. Fizeram todo um levantamento da área, mananciais e de tudo que tinha lá e a
gente começou a dialogar porque quem participava desse grupo era professor de um cogio perto
que foi até meu professor no segundo grau. E a gente colocou para eles irem lá no pré, falarem um
pouco dessa luta, mas eles acabaram não indo. Parece que ficaram sem graça, parece que não
sabiam muito o que fazer. Eles quiseram dar o material para agente ministrar em Cultura e
Cidadania e as coisas acabavam acontecendo e parecia que agente ia entrando realmente de sola.
Estou pensando nisso agora, neste momento. A Adriana fazia geografia e fez na monografia dela
uma análise sobre o entorno do Parque Paulista e Nova Campina, questões do relevo. Aí quando
terminou um evento no Colégio Estadual Padre Anchieta ela foi convidada, ela falou. Então
assim, as pessoas mais ou menos sabiam que a gente estava ali e vira e mexe nos procuravam.
Efetivamente, como eu falei, a gente participava de algumas reuniões da associação e moradores.
que, eu acho que poderíamos ter dado mais gás. Estou fazendo essa avaliação agora, neste
momento. Eu realmente acho que poderíamos ter feito mais.
475
Entrevista com Frei Tatá - Frei Athaylton J.M. Belo (24/08/2006)
RENATO - Sobre esse início do Pré-Vestibular para Negros e Carentes, nos depoimentos que eu
venho colhendo, aparece muito a idéia que, dentro de uma certa abordagem trica, nós estamos
chamando de “área de movimento” – a idéia de que um movimento social não é uma apenas uma
organização em si, mas que existem outras esferas...
TATÁ – deixa eu discordar um pouquinho... mas eu acho que estou tentando esclarecer. Vo
fala PVNC... você não fala de Pré-Vestibular para Negros e Carentes. É verdade. Mas, nesse
tempo, se falava de Pré-Vestibular para Negros e Carentes, não existia PVNC, né? 93, 94, é Pré-
Vestibular para Negros e Carentes, que fica um bom tempo. O próprio Pré-Vestibular para Negros
e Carentes, com o tronco do Frei Davi, muda de nome, vira Educafro. O PVNC, ele se constitui
um grupo com o mesmo esrito, mas, liderado por outras pessoas, como se fosse uma
dissidência”, certo? Então, isso é uma coisa... acho que posso chamar de dissidência... a coisa
cresceu e eu acho que o pessoal quis... acho que até certo ponto, mas você teria que aprofundar
com outra pessoa, acho que no caso o próprio Frei Davi, alguém pra falar até que ponto é
dissidência ou não é.
Eu acho que eu posso contribuir contigo, de um modo especial, falando do GRENI, porque,
justamente em 94, eles precisavam de alguém pra ser funcionário mesmo, dentro da CRB,
Conferência dos Religiosos do Brasil, alguém que, além de estar dentro das comunidades, que era
o meu caso pois eu morava em Nilópolis, tinha um tempo pra ficar lá prestando serviço mesmo,
com um salário e tudo. eu posso te ajudar, eu fiquei lá um ano. Depois eu continuei ajudando,
mas, sem vínculo empregatício ou coisa assim, certo?
RENATO – O quê que era o GRENI? Me explica um pouco...
TATÁ – O GRENI era o Grupo de Reflexão Negro e Indígena. A CRB, ela é constituída por
vários grupos de reflexão. Além de ter uma presincia, essas coisas todas, entendeu? Na vida
religiosa existe uma coisa assim... assim como existe a Conferência dos Bispos do Brasil, CNBB,
existe a CRB, que reúne os religiosos... e é interessante, por exemplo, que eu descobri uma coisa
há pouco tempo: no Brasil a gente consegue reunir ELES e ELAS, religiosos e religiosas na
mesma esfera. Nos EUA, isso não acontece. Os religiosos estão dentro de uma organização, elas
em outra. Eles até se encontram, mas são independentes, e aqui é junto. Eu acho que aqui avança
mais, embora tenha uma contrapartida: lá, você vê que elas têm mais expressão. Então é isso. O
GRENI também foi fruto da própria igreja começar a perceber que tinha que fazer algo de
concreto em relação ao negro – não o negro que estava fora, mas o negro que estava dentro! Os
próprios religiosos, os próprios formandos.... basicamente, tudo isso vem assim num crescendo
desde 1988, na Campanha da Fraternidade. Foi crescendo, crescendo.. e a gente contou muito com
pessoas que estavam em cargos importantes e que tinham essa abertura. O próprio Padre Edênio
Vale (???) que era o presidente da CRB na época. Presidente Nacional! A sede nacional é aqui no
Rio de Janeiro, então, eu trabalhava justamente aqui na Cinelândia, que é a sede da nacional.
Existe a regional. A CRB tem a nacional que coordena todas as regionais. Todas as cidades
grandes e médias têm uma CRB. No Brasil inteiro. Até que eu viajei bastante. Dentro do GRENI,
eu fui pra Manaus, Brasília... levando essa discussão, de como articular os religiosos negros e, no
caso, não só negros, mas indígenas também. Por isso eu fui pra Manaus, porque lá, a questão dos
indígenas é maior, é mais evidente do que a questão afro. Tem também, mas é o contrário se vo
vai pra Salvador ou Rio de Janeiro. Então é isso que é a CRB, Conferência dos Religiosos do
Brasil.
RENATO – E reúne religiosos inclusive de fora da Igreja Católica? Ou não?
TATÁ – Olha só... é especificamente católica, mas, existem alguns grupos, na própria CRB, que
são grupos de caminhada, de resistência, e que na base, tem muito presente a questão do diálogo
religioso, tem presente a luta pela terra, tem presente a questão da mulher, dos pescadores, essas
coisas, ta entendendo? Coisas de fronteira, que nós chamamos, tá entendendo? Mas é um grupo da
igreja católica
RENATO E, nesses grupos mais de base se reúnem também religiosos de outras igrejas? No
GRENI, eu já ouvi falar que havia...
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TATÁmas, dentro dessa ótica que eu estou te falando, ta entendendo?? Se vome falar o que
vo é?”...“eu sou um frade franciscano”. Frade Franciscano é da Igreja Católica. Mas isso não
quer dizer que a gente – até mesmo por obrigação, como negro – não vai estar dialogando. E o
próprio mundo hoje exige isso, senão eu seria uma pessoa conservadora, o que eu não me
considero. Agora, pra entender um pouco a CRB, então, você tem a presidência, tem a nacional,
tem as regionais, e a gente trabalha com vários grupos... a área de educação, a área de inserção –
tem religiosos que estão nas favelas, nas periferias. Então, há grupos específicos que estão na
inserção. Grupos específicos na formação. Grupos específicos trabalhando com os negros. E você
tem reunes afins e tem reunes com todo mundo, e assim que se programa para o ano inteiro as
atividades. O GRENI surge dentro dessa ótica, e trouxe coisa boa. Por exemplo, assim como
surgiam os encontros dos padres e bispos negros e afro-brasileiros, surgiu o GRENI. Agora, qual
a importância do GRENI para o Pré-Vestibular? Por exemplo, um dos sucessos do Pré-Vestibular,
é que logo você encontrou apoio de padres como esse, o Padre Edênio. Através deles e de outras
pessoas, por exemplo, o Frei Davi encontrou apoio na PUC, e a PUC abriu as portas para o Pré-
Vestibular – há várias pessoas inclusive já formadas na PUC. Mais tarde eles mudaram, agora,
independente de onde vem, tem 100 vagas, é só você passar no vestibular, e tem 100 bolsas.
Antes, basicamente, eram todas as bolsas pra nós, quantos passassem. Inclusive, se a gente olhar
do ponto de vista de uma crítica, as pessoas vinham por causa da bolsa: “vou estudar na PUC”.
Foram abrindo as demais, mas assim, no como a PUC foi a que abriu, e o Pré-Vestibular
cresceu. E, com a solidariedade de muita gente, porque o Pré funciona dentro de uma
característica: espaços cedidos, professores voluntários, coordenação voluntária.... e, naquela
época, como é que surge GRENI, como é que surge Pastoral Afro. Hoje, inclusive, isso é
necessário, mas a gente nem tem mais perna, porque cresceu tanto.... tinha as importantes aulas de
Cultura e Cidadania, e isso era feito por militantes. Não só o professor voluntário, que também às
vezes conciliava as coisas, o religioso, e tal. Mas, era pra dizer assim ó: “você ta aqui no pré, mas
você tem que ser uma pessoa consciente; você vai pra puc, mas não esqueça a sua origem”...
trabalhar a auto-estima, tudo isso. Como religioso dentro desse grupo, esse foi um grupo de apoio
muito forte para esse início. Hoje, eu digo pra você, a coisa cresceu, graças a deus, abriu as portas
pro pessoal ir pra Cuba, e tal... e, no caso nosso aqui, digo Frei Tatá, Frei Davi, a Província
também abriu as portas. Hoje, a gente não fala mais em Pré-Vestibular para Negros e Carentes,
inclusive, o nome era assim provocativo, basicamente pra levantar uma reflexão. Carentes, era pra
vc... a discussão de cotas, por exemplo: como é que ficam os brancos? Se você se considera pobre
e carente, e você quer estudar conosco – porque tem muita gente que não quer essa fama - , a
porta está aberta. Você como pobre pode vir. Mas era pra negros e carentes, era esse o corte. E aí,
já dava uma discussão boa, “isso é racismo ao contrário”, não sei o quê, e tal. E, a gente saía
viajando por aí falando esse negócio, como hoje se fala de cotas. Eu fiquei de quarta feira a sexta
feira de manhã e de tarde, com horário de meia hora de almoço, falando com o pessoal do
Instituto de Educação sobre cotas. Era a mesma coisa naquela época. Era até mais difícil. Tinha
passagem de avião pra ir pra lá, e tinha a CRB por trás. CRB, no caso específico ali era o GRENI.
Tinha uma sala - tem até hoje, mas hoje a irmã Raimunda ta.
RENATO – e o GRENI foi criado quando? Foi antes do pré-vestibular?
TATÁ – acho que foi 93... 94... eu morava em Nilópolis... eu saí de Nilópolis em 97. eu acho que
foi 95 ou 96, porque eu passei um tempo nos EUA. E, quando a gente voltou pra lá, já estava
nessa articulação toda, e precisava de alguém mais ou menos que... eu era vigário paroquial, eu
não era pároco. Ao mesmo tempo que eu estava na paróquia, o pessoal falava “ah, você, arranja
um tempo!”, pra fazer esse trabalho fora, que era complicado você estar na paróquia e ainda fazer
o trabalho fora. Mas, como eu não era o pároco... foi nessa época, de 95 a 96.
RENATO - da APN vocêo participou?
TATÁ – Olha só... eu participei. Nos APNs tinha gente de igreja, mas também um pessoal que
era de candomblé, de umbanda. Nasceu dentro da igreja, mas também era aberto, tanto é que hoje
se fala de Pastoral Afro, porque a gente continua dialogando com o pessoal, mas quase que
obrigatoriamente se fala assim “não, isso aqui é da Igreja, isso aqui não é tipo um encontro
ecumênico sem ninguém por trás”. Hoje tem um bispo responsável, tem uma sede em Brasília,
uma secretaria em Brasília, tem alguém lá, etc. antes, era muito mais flexível. Nesse sentido, que
477
eu falo, suponho, que, de uma certa forma, entre aspas, há um racha, tanto de ter surgido PVNC,
como você sai de APNs que basicamente... por exemplo, falar de APNs, hoje, o pessoal de Porto
Alegre ainda fala, talvez, lá pro lado de Recife... mas os demais, falam de Pastoral Afro. Com
várias atividades. A gente tem, já há alguns anos, nós já estamos indo pra quinta Romaria das
Entidades Negras Católicas a Aparecida do Norte. Quem puxa, é a Pastoral Afro. Pode ir o
pessoal de Candomblé, vai. Mas, oficialmente, é a Igreja. Agora, nessa fase atual, basicamente, o
pré cresceu, cresceu muito, tem mais de dois mil grupos só em São Paulo, grupos de base, mas...
ah, a Pastoral Afro acompanha ainda?” eu diria que algumas pessoas acompanham, é como se
fosse assim, multiplicou tanto, que você não tem membros suficientes. Esse é um ganho em
termos de discussão da questão afro aqui no Brasil. Na sala de aula, no pré-vestibular, você tinha
100, 150, 120, e também você falava de negro lá, falava da questão racial dentro da sala de aula.
Num grupo de militantes, por melhor que seja uma reunião, você tem 30 pessoas – eu estou
falando de uma reunião boa, se der 30 pessoas. Então, a discussão ampliou, certo?
Negativamente, tem essa questão , de o cara vir mais em função da bolsa do que da discussão.
Mas isso eu acho que faz parte do jogo, e teríamos que ter capacidade de estar pra lá enfrentando
essas questões. Mas o espaço real estaria lá, isso foi criado. Isso vale pra negro e pra branco,
evangélico, quantas pessoas entrassem lá. E, até hoje. Com consciência, outros sem consciência
nenhuma, o pessoal está em função de querer ir à universidade. No caso do pré, a discussão de
cotas é hoje. Antes, era o caminho pra entrar na faculdade, tanto como pobre quanto carente, era o
pré. Não se falava de cotas, não tinha PROUNI, não tinha nada disso. Essas coisas tinham que ser
levadas pra sala de aula. Quem dera que nascesse tudo junto. Mas não foi isso. Isso veio com o
governo Lula, ampliando, e tal.
RENATO você estava falando de pessoas importantes no começo dessa caminhada, que
abriram espaço pra essa temática. Antes de começar o Pré-Vestibular para Negros e Carentes,
existia aqui o Salão Quilombo, e tinham as missas...
TATÁ – aí, é outra coisa.... antes de falar de GRENI, existia a Comissão de Religiosos Negros da
Baixada. Esse grupo... aí, vofala, antes de 1988, antes da Campanha da Fraterenidade, era um
grupo forte...
RENATO – e se reunia...
TATÁ - Se reunia aqui no Salão Quilombo, no antigo Salão Quilombo, que não existe mais,
existe a sala. Remanescente dissoo as nossas missas Afro, mensais, lá no Colégio São José aqui
na Periferia...
RENATO – Ainda tem?
TATÁ - As celebrações Afro. E eu sou o responsável. E a gente fez um outro trabalho, que já tem
cinco anos agora. Assim como tem o Pré-Vestibular, a gente criou o Inglês e o Espanhol
Comunitário.
RENATO - - você falou que...
TATÁ - a Comissão de Religiosos Negros da Baixada... do Rio de Janeiro. Com coisas bonitas,
enfrentamentos... naquela época, o cardeal era o Dom Eugênio... saiu uma cartilha antes da
Campanha da Fraternidade, preparando a Campanha... teve um trabalho antes do Encontro das
CEBs, em 1989, um trabalho muito bom. Então, esse grupo era anterior ao GRENI.
RENATO – e foi desse grupo que surgiu a idéia dos pré-vestibulares?
TATÁnão. Eu tenho a informação de que existia um trabalho em Salvador, com a Fundação
Steve Biko. Você sabia disso? Então, o Frei Davi trouxe essa idéia. Agora, o quê que acontece? A
primeira turma era uns 34 alunos, por aí. Aí, teve um rendimento, eu não sei direito...
RENATO – 16 pessoas passaram...
TATÁ – pra uma realidade nossa, de um trabalho alternativo, foi excelente. Mas também o se
sabe, não se tinha a dimensão de que a coisa ia tomar essa proporção...
RENATO – não existia essa iia??
TATÁ – da proporção que ia tomar?
RENATO – Mas existia a idéia de replicar a experiência...
TATÁ – não, o fato concreto é que em 93 houve essa experiência. A experiência foi boa? Foi boa.
Qualificou o trabalho e se acreditou mais no trabalho e em 94 continuou, ta entendendo?
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RENATO – Por que em 94... na minha pesquisa eu fui buscar os registros....e eu lembro, eu fiz
uma entrevista longa, de quase um dia inteiro com o Frei Davi, e ele me contando que, no final de
93, era um núcleo. E em 94, no começo do ano, já eram 5 núcleos. Começou acho que São
Mateus, Santa Clara, depois o Metodista, que era no centro de Caxias.... o que funcionava lá na
ABM também, e logo depois o Rocinha...
TATÁ Mas tu pode ver. Tudo no Rio de Janeiro. Tudo aonde tinha uma base: Comiso de
Religiosos, essas coisas todas...
RENATO – essa base então era a Comissão de Religiosos? Essa Comissão de Religiosos reunia
pessoas de fora da Igreja Católica também, né? Por que eu lembro que na Rocinha era na
Metodista...
TATÁ – Também... Comissão de Religiosos Negros do Rio de Janeiro. Mas, tinha muito
seminarista, tinha muita militância. A gente, basicamente, esse pessoal todo, eu nem vejo mais...
por exemplo, alguns, inclusive, metodistas também, até pastores, eu encontrei agora no dia 16 de
julho, na missa dos 25 anos da Diocese. Esse pessoal eu não vejo há anos... gente de cabeça
branca já...então, o movimento, com certeza você pode dizer assim: se acreditou nele, acreditou.
Teve um boom, teve um boom. Mas eu acho que o causador do boom foi esse trabalho anterior
dos grupos religiosos do Rio de Janeiro, o apoio do GRENI. Porque, se falasse também que não ia
ter bolsa, eu acho que também ia ser meio difícil... de que adianta você passar na faculdade – essa
é a discussão de hoje - e, como é que você se sustenta na faculdade hoje? Você come com o que?
Tira xerox com o que? Isso ajudou muito. Agora, de um modo geral, a grosso modo, ainda hoje
responde por uma alternativa? Meu ponto de vista é que, se não tivesse essa discussão de cotas, se
tivesse pré-vestibulares fortes, eu acho que de uma certa forma, o negro estaria... existe uma coisa
real. Naquela época, negros na faculdade, acho que não era 2%. Não sei quanto hoje, não sei se
chega...
RENATO – era muito pouco, eu estudei nessa época.
TATÁvocê partiu de um dado real, e os ganhos estão aí. Mas, no fundo, eu acho que hoje, essa
discussão que a gente teve agora, quando você fala de cotas e junto com isso tudo aí, a classe
média, ela está preocupada, e há um enfrentamento muito maior do que naquela época, no meu
ponto de vista. Se você pegar o jornal de hoje ou de ontem, parece que saiu algo... a discussão
ainda está muito quente.
RENATO – e eu acho que a tendência é ela cada vez pegar mais...
TATÁ – é, porque, eles conseguiram, o atual congresso aí, acho que o Renan Calheiros segurou,
deixa passar a eleição pra depois a gente voltar nessa discussão”. Pois o cara justamente trabalha
isso: “graças a deus a gente ganhou mais tempo pra discutir esse negócio”... eu falo a base
contrária...
RENATO – é, na esperança de vetar... agora, me fala... essa coisa, eu não tive tempo de
aprofundar. Como é que se construiu esse envolvimento do Frei Davi como figura central dentro
desse movimento?
TATÁ – tem uns tris assim, eu acho... por incrível que pareça, ainda hoje, você fala assim...
você é da igreja, você é um religioso, você é um pastor, as pessoas vão falar assim “eu acredito no
seu trabalho”. Isso é uma verdade. E não é só dentro desse aspecto não. Você pega por exemplo
aqui, em Miguel Couto, tem um trabalho muito bom do Padre Renato, um trabalho com meninos
de rua, essas coisas todas. O pessoal confia no Padre Renato, no trabalho que ele construiu ao
longo dos anos. Tipo assim, “eu não vou ser traído”, o dinheiro vem pra uma coisa e sai pra
outra.. e o pré, ele está construído em termos de recursos próprios. Você tinha até a sala cedida,
mas não tinha dinheiro de fora, como muitas coisas por aí. A Igreja, de um modo geral, não usa
dinheiro de fora. Foi até bom, tá entendendo? Mas depois do muro de Berlim, que caiu, as coisas
foram diminuindo.. então, essas duas coisas foram importantes. Credibilidade, recursos próprios.
Você chega no pré, tem gente até que atrasa, mas existe um compromisso... se suponha, 10% do
salário... hoje, R$35,00 se fosse o caso pagaria. Então, você não dependia... são duas coisas
fundamentais. E uma terceira coisa, é a coisa real. Existia uma demanda, que existe até hoje, de
uma coisa concreta, o anseio de chegar à universidade. Credibilidade, recursos próprios e
trabalhar numa coisa concreta. Aquela coisa que a gente falava.... você vinha para uma discussão
sobre racismo, essa coisa toda, válida, uma discussão importante, mas a pessoa se perguntava: “o
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quê que eu ganho com isso?” E agora, você vem e não: “com isso eu vou chegar na
universidade”....
RENATOmas, como é que isso surge? Você estava falando que o Davi conheceu a experiência
da Steve Biko, trouxe essa idéia pra cá, e aí, isso teve uma boa acolhida nessa Comissão de
Religiosos Negros e também junto a outras figuras da Igreja também que permitiu que você fosse
criando outros núcleos..
TATÁ – a minha resposta pra você pode ser limitada, mas pra mim está claro. Quando ele trouxe
a proposta, ele tinha uma base. Qual era a base dele? Essa Comissão de Religiosos Negros que foi
criada, e tem gente.. tem gente que hoje, nem está mais na Igreja, mas, em termos de saber o que
quer na vida, eles já descobriram... você pega um Geraldo, o cara hoje é doutor. A Silvia Regina,
ta na Costa Rica, ta entendendo?
RENATO – o Geraldo fazia parte dessa comissão também?
TATÁmesmo os leigos, por exemplo, o Zé Otávio, gente que ajudava, porque, paralelo a isso,
tinha os APNs, entendeu? Gente que conseguia fazer uma discussão trica muito boa... padre
Toninho, de São Paulo... é outra pessoa que você deveria procurar...
RENATO – a minha curiosidade é.. é uma iniciativa que tem uma boa acolhida, etc... consegue-
se ir replicando, multiplicando a experiência, e o Davi acaba se tornando..
TATÁ – porque é o seguinte... você fechou. Se você pega, por exemplo, o pré São Mateus. Se
você tivesse um grupo que quisesse abrir, entãos vamos ser a coordenação. Essa coordenação
vai atrás de professores voluntários. Você chega na Igreja, “você gostaria de dar aulas? O espaço
ta aqui...” você monta! Esse período embrionário, 93, 94, foi realmente de você construir a
direção. Essa questão, paga ou não paga... você viu que era importante.... é pouco, mas a pessoa
tem que valorizar, e de graça as pessoas não valorizavam... “ah, de graça não vale nada”... e,
também, uma coisa concreta, as pessoas estão sendo aprovadas, as pessoas estão recebendo
bolsas. O pessoal não ficou parado, o pessoal foi atrás de abrir portas na universidade, conversar
com um, conversar com outro. FEUDUC, não sei o que, foi abrindo portas. Algumas depois se
fecharam... umas são até fracas. O quê que é a UNIG hoje? Recentemente, veio todo mundo aqui,
na UNIGRANRIO. Ela nem chegou aqui ainda, só chegou o colégio de aplicação, mas se
dependesse, o pessoal tava lá abrindo a porta. Então as pessoas que chegaram na caminhada
encontraram um terreno pronto, mas o pessoal foi fazendo o terreno. Tanto é que o Frei Davi
era liberado. Eu nunca fui liberado. Entre aspas, eu fiquei liberado nessa época, 94. Eu era
funcionário, eu tinha que ficar um tempo na sala. Quando eu não estava na sala, estava viajando,
coisa assim. Basicamente, nessa época, o Frei Davi, pra se sustentar, era bótons, camisetas, ele
vendia... não é que ele não tinha o apoio da Igreja. Uma coisa maior, com certeza, se ele
precisasse... mas, gasolina, essas coisas assim... ele tinha o fusquinha, o próprio Salão Quilombo.
Se produziu muito material. Hoje, você... eu agora levei material pra Três Pontas, o pessoal
comprou o mínimo. Naquela época, o pessoal tinha uma sede. A questão negra estava na pele.
Hoje o pessoal até discute, mas, falta mais... vocêo vê, assim, grandes... as cotas trouxeram
novos embates, mas antes, era só o fato de você querer se permitir pensar como negro já era
embate. Tanto é que, pra garantir a afirmação, era “sou negro sim”, colocava lá na camiseta
“negro sim”. Tudo tinha afirmação, afirmação..
RENATO – essa liberação do Frei Davi sinaliza algum tipo de apoio à iniciativa....
TATÁ - a Província percebeu que era importante. Ele tinha tempo de estar articulando, o trabalho
dele era articular. Ele fazia um trabalho, por exemplo, chegava na época do 20 de novembro, ia
nas escolas, explicar pros jovens, usava muito slide, textos... .por exemplo, aquele texto “Os 7
atos oficiais”, a gente usou muito. Foi criado um espaço – eu até comentei isso na terça feira
passada – de você chegar ao ponto de ter alguém interessado em fazer tese de doutorado! Você
não é o único não.
RENATO felizmente,?
TATÁ – é, mas pra você ver o quanto de material que tem aí. É isso, né?
RENATO – eu queria que você falasse um pouco mais, sobre esse movimento de criação do
Salão Quilombo, que eu acho que é um marco da entrada da temática do negro dentro da Igreja, e
também das missas, eram as Missas Inculturadas, né?
480
TATÁ – eram e ainda são, Missas Inculturadas. Mas aí, é dentro de um movimento assim, que é
anterior ao p. E, ao mesmo tempo, sustentou muito o pré. Porque, por exemplo, o pessoal se
passava, ia pra Cuba, a despedida era uma grande celebração, mas, paralelamente a isso tinha os
casamentos afro, batizado afro, que ainda hoje é um desafio pra Igreja, e pra nós também.
RENATO – e ainda acontecem?
TATÁ – Graças a deus. De novo, a proporção até caiu, aquele boom vale pra tudo. Por outro lado,
é uma questão ainda desafio, que nós chamamos a questão da inculturação: a inculturação do
evangelho, inculturação da Igreja, como é que é essa aceitão não só do negro, mas, do
movimento popular dentro da Igreja. Isso é um desafio. É com essa vertente que eu tenho
procurado trabalhar, até porque, a gente apóia o pré-vestibular, mas eu trabalho Inglês e Espanhol
comunitário. É a mesma idéia: você tem espaço cedido, professor voluntário... uma coisa
concreta. Você hoje pega o currículo, qualquer uma pessoa ta : noções básicas de espanhol,
noções básicas de inglês, noções básicas de informática... faz parte do currículo pra vo entrar
em algum lugar, coisas que dificilmente alguém entre nós vai falar “ah, eu fiz um CNA, um
Fisk”... então a gente ta tentando oferecer isso, e, graças a deus, tem uma demanda também. A
gente não consegue ter a mesma proporção do pessoal do pré, até porque a gente trabalha com 3
anos, e o pré, dependendo do aluno, 8 meses ta resolvido... essa que é a realidade.
RENATO – ok, eu acho que.... ta bom.
481
Entrevista com Geanne Pereira Campos
GEANNE – tinha tanta confusão pessoal que, os alunos do pré, a gente teve uma turma que
gostava de ir nas assembléias pra ver. Eu não sei se você estava participando quando tinha
problema que era entre o Zama e Juca... então, terminava toda assembléia com alguém, um
esculhambando o outro.
RENATO – Zama e Juca?
GEANNE – Zama do Pavuna...
RENATO – Essa eu não sabia... porque, Zama saiu em 96, não foi? Ele foi trabalhar numa
secretaria de não sei o que, na prefeitura de Caxias ou de São João...
GEANNE – acho que foi de São João... foi, foi em 96, noventa e poucos... 94 comecou o pre..
o, acho que foi 98! Acho que eu saí do PVNC, comecei a sair em 98, 99, 2000 eu já tinha
decidido. Mas foi esse período, deve ter sido 97, 98... porque os nossos alunos queriam ir pra
assembléia pra ver o quê que o outro ia responder! Entendeu? Uma coisa assim, pessoal, ficava
um atacando o outro. Você vai crescer o que, assim? O interessante de levar os alunos pras
assembléias era pra ver o tamanho do movimento, pra ver a discussão do movimento, e não pra
ver essas picuinhas, essas coisas particulares, pessoais...
RENATOmas porque que eles brigavam?
GEANNE – o Zama e o Juca? Era assim, tinha, era tipo, duas facções dentro do PVNC, você
tinha o Frei Davi, aí tinha Zama, André, tinha uma galera que era do lado do Frei Davi e tinha
outra que era Juca, Jocemar, Júnior... era dividido, e aí eles brigavam
RENATO - e o Zama era junto com o Davi?
GEANNE – o Zama era junto com o Davi. Mesmo quando o Frei Davi sai, e monta a
EDUCAFRO, ele vai junto. O Zama tava junto até pouco tempo. Eu nem sei se ele ainda
continua, acho que ele continua dando aula só. Agora ele o ta mais... à frente, né? A Célia
também estava na EDUCAFRO...
RENATO – quando criou... isso eu lembro. Eu lembro que uma vez eu participei de um evento,
lá em Botafogo, que a Célia foi representando.
GEANNE – eu lembro que a grande disputa, a grande briga, era de receber ou não receber
financiamento. E aí, que o Frei Davi não concordava, porque ia mudar todas as características do
movimento e não sei o que. E o outro grupo falando que tinha que ter, que tinha que aceitar
financiamento, que tinha que ter uma sede, que tinha que ter máquina de xérox, que tinha que ter
uma central, e alguma coisa que representasse o PVNC e os outros não aceitavam. Mas acho que
virou pessoal mesmo, tinha umas coisas pessoais, eles ficavam discutindo o tempo todo. E sempre
acabava uma assembléia com um ou outro falando, e tem que continuar a novela (risos). Então,
vamos na outra assembléia pra ver o quê que o Juca vai falar, né? Porque o Zama que terminou....
sem noção! Sem condições... e a gente comou a se afastar mesmo do projeto. A gente ta
pensando uma outra forma de trabalhar, essa coisa regional mesmo, geográfico, pensando nesse
espaço aqui de Nova Campinas, quem são essas pessoas? O que fazer pra elas conhecerem esse
espaço? Pensar, trabalhar através das características que esses alunos trazem, desse espaço. E aí a
gente comou a pensar uma outra forma de trabalhar, abandonamos aquele...
RENATO – você foi da primeira turma, não é?
GEANNE – sim, eu fui da primeira turma...
RENATO – lá no Pré Matiz?
GEANNE – isso, lá em 93...
RENATO – como é que você chegou lá? Como é que você conheceu?
GEANNE – eu fazia parte de um grupo jovem de igreja, aqui em Nova Campinas, e aí, quem
falou do Frei Davi... eu soube do curso, não sei se foi em março, abril, eu estava fazendo curso no
Flama com o dinheiro que eu dava aula, porque eu dava aula na rede pública e dava o meu salário
todo no curso Flama. E aí, uma irmã da igreja - freira - falou comigo do Frei Davi, que estava
montando um curso em São João de Meriti, e que o curso era de graça, que era interessante e tal, e
eu fui pra lá, fui lá conhecer e comecei a estudar lá. Foi assim, eu fui por indicação de alguém da
Igreja mesmo, que falou que tinha um curso lá e aí eu fui pra ...
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RENATO – e a turma era como? A maioria das pessoas chegarm lá assim?
GEANNE - Bom, eu e a Simone, que a gente morava aqui perto, né? A gente foi junto, assim.
Tinha um menino do Parque Paulista também... tudo ligado à Igreja, né? Eu acho que sim.... a
maioria das pessoas era de São João, daquele espaço lá. Mas agora, o pessoal que foi daqui pra lá,
eu acho que sim, era tudo ligado à Igreja...
RENATO – é meio longinho daqui pra lá, né?
GEANNE – é bem longe! Eu nunca tinha ido em São João de Meriti. Depois, não saía mais de
!! (risos)
RENATO – E, daquele grupo inicial, da turma e dos professores.... vocês já militavam em
alguma coisa?
GEANNE – não... quer dizer, na Igreja, né? Eu era do movimento....
RENATO – mas na Igreja, o que vo participava.... era grupo de juventude? Tinha APN
também?
GEANNE – não, não tinha APN aqui... era Pastoral da Juventude...
RENATO – Não tinha discussão racial aqui?
GEANNE – não, não tinha discussão racial aqui...
RENATO – e, lá no pré, tinha, nesse primeiro ano?
GEANNE – sim, no pré tinha. Eu lembro que assim... a irmã me falou desse pré, aí, disse que ia
ter uma reunião, lá no Salão Quilombo. Eu fui pra reunião, pro pré-vestibular, pra cuidar do pré. E
a reunião era uma discussão alguma discussão sobre a questão racial, que eu achava que não tinha
nada a ver com o pré – eu fui pruma reunião sobre o pré-vestibular e encontrei uma outra coisa lá.
Era uma discussão sobre os APNs, uma reunião que tinha acho que toda quinta feira. E aí, ia se
falar sobre o pré-vestibular mas dentro daquela reunião. E tinha as aulas de Cultura e Cidadania,
onde a gente discutia a questão racial.
RENATO - quem coordenava as aulas de Cultura e Cidadania?
GEANNE – era o Alexandre... o Frei Davi...
RENATOjá tinha o nome de Cultura e Cidadania? Já se chamava Cultura e Cidadania?
GEANNE – é, se chamava, Cultura e Cidadania. Que era o diferencial, né? Era o diferencial de
outros pres, que eles explicavam, que era essa disciplina chamada de Cultura e Cidadania. Era o
Alexandre e o... como era o nome dele? Antonio Dourado! Isso, e o próprio Frei Davi, né? Eram
eles que coordenavam... eu não lembro de ter convidados, eu acho que o tinha. E os professores
participavam também da discussão.
RENATO – e aí, depois que – começou no meio do ano mais ou menos, né?
GEANNE – é, deve ter começado em junho, julho... por aí..
RENATO – e aí, no final do ano vocês passaram pra PUC?
GEANNE – é, no final do ano a gente passou pra PUC.
RENATO – e como é que foi a passagem do primeiro pro segundo ano, de 93 pra 94. todo mundo
fala do episódio da inscrição pra 94 onde apareceram setecentos e poucas pessoas. Em que se
inscreveram setecentas e poucas pessoas. Você estava nesse momento? Teve o primeiro ano, e aí,
no segundo ano, fizeram a chamada pra inscrição de novos alunos pro pré lá na Matriz. E aí, e eu
vi isso escrito emrios lugares, e todo mundo me fala nas entrevistas, sobre essa inscrão pra
novos alunos em que apareceram setecentos e poucas pessoas...
GEANNE – ah, sim, era muita gente, uma fila enorme!
RENATO – você estava?
GEANNE – sim, tava, a gente fazia entrevistas com as pessoas, era muita gente mesmo. Acho
que teve uma divulgação, eu não sei como é que foi isso, eu não lembro se isso ... porque teve
uma época que o pré aparecia demais em jornais, revistas... mas eu acho que, eu não sei como é
que isso se deu, mas era muita gente, muita gente mesmo. Eram umas filas horrorosas, muita
gente inscrita. E, encaminhava pra alguns pres ali próximo, mas na época não tinha tantos pres
assim, né? Mas era muita gente mesmo.
RENATO – e você ficou no Pré Matriz algum tempo depois?
GEANNEnão. Eu ajudei lá, nas entrevistas, pra fazer a organização do pessoal de lá, mas eu
comecei a montar um pré aqui. O pré aqui em Nova Campinas começou em maio de 94. Eu ajudei
lá, mas eu não tinha muita idéia de como fazer um pré-vestibuar, de como é que ia funcionar, não
483
tinha muita idéia de como é que era o lugar onde eu morava. Como é que as pessoas.. se as
pessoas terminavam... eu tinha dúvidas disso, se as pessoas terminavam o segundo grau, se o
terminavam, eu não conhecia direito. E aí eu tinha muita ligação com o Frei Davi pra estar me
ajudando neste sentido. E aí a gente montou aqui. As pessoas que iam pra lá começaram a estudar
aqui, né. E, ao mesmo tempo, a gente abriu um também no Pilar – que era um outro rapaz do
Parque Paulista que estudava lá na época que eu estudei, e montamos também na mesma época o
Pré Pilar. Pro pessoal daqui de cima.
RENATO – então teve esse movimento de pessoas da primeira turma começarem a abrir núcleos
no ano seguinte também? O Pilar foi em 94 também?
GEANNE – sim. Mas essa era a idéia do pré. Pelo menos, as reuniões que eu participei, no ano
que eu participei, a gente tinha muitas reuniões nesse sentido. Os professores falavam isso, as
pessoas falavam isso, o Frei Davi falava isso, que a idéia era que você fosse ajudado pelo projeto
e que você desse um retorno pro projeto. E, que retorno é esse? É você ajudar no pré – que era
no pré-matriz, onde eu estudava – ou montar um outro núcleo, ou fazer alguma coisa, mas dar um
retorno pra comunidade e não só entrar na universidade e largar pra lá. A gente era cobrado até,
pra fazer isso. Quando a gente passou pra PUC, tinha que ligar pro Davi, porque tinha um monte e
coisas que a gente tinha que fazer pra se inscrever. E, ele ficava perguntando: “e aí? E o pré-
vestibular? Vai fazer um pré-vestibular quando?” E tinha a UNEC também, que a gente montou
nessa época... que não tinha quase ninguém participando, né? Mas...
RENATO essa idéia, quero dizer, essa idéia não, esse constrangimento, essa pressão, pra você,
no ano seguinte montar um pré, então, isso já rolava em 93?
GEANNE – isso rolava já em 93, quero dizer, assim, não era uma pressão... pra mim, era tudo
muito novo. Eu não tinha contato com a discuso racial, não tinha nenhuma discussão racial.
Então, pra mim tudo era muito novo. Aquele Salão Quilombo era novo, com aquele monte de
figuras, né, de pessoas negras, e uma série de coisas que te levam a pensar essa questão, porque eu
não pensava de jeito nenhum. Então, pra mim, era muito novo. E essa de você estudar no pré e ter
que devolver alguma coisa, também era... eu me lembro que eu não me sentia constrangida com
isso, mas eu me sentia provocada a fazer alguma coisa embora não soubesse como fazer,
entendeu? Como é que eu vou montar um curso de pré-vestibular, onde eu vou arrumar professor,
como é que eu vou fazer isso, eu tinha um monte de questões com isso, mas eu me senti instigada
a fazer isso. Mas tinha uma cobrança. Isso já era falado no início do curso. A idéia que você
reproduza isso, como se você fosse um multiplicador. Então, você vem, se beneficia do projeto e
aí você se compromete – você não assina nada, mas você se compromete com aquelas pessoas de
que você vai devolver isso. Não necessariamente em São João de Meriti, onde você estuda, mas
no lugar onde você mora, ou um outro lugar. Mas que você meio que se compromete a estar
devolvendo o que... você foi beneficiado tem que devolver. E é uma coisa assim, que a gente
trabalha, até hoje no pré-vestibular a gente trabalha isso com os nossos alunos. Não de a gente
ficar pressionando o tempo todo “olha, cadê o pré? Não vai fazer?” Mas de eles estarem pensando
nesse espaço aqui, né, porque a maioria dos alunos que vêm, na entrevista que a gente faz, eles
falam “ah, mas eu vou entrar na universidade, vou arrumar um emprego, vou mudar daqui, aqui é
longe demais, é ruim demais”. Que é uma ilusão, né? Você não necessariamente vai entrar na
universidade, vai terminar, vai arrumar um emprego maravilhoso e vai sair da Baixada
Fluminense, sair de Nova Campinas. Essa não é a realidade que a gente vê, né? É sonho, é utopia.
E a gente tenta trabalhar com os alunos isso, não deles voltarem e ter que ficar no pré-vestibular,
ter que dar aula, mas de devolver de alguma forma pra esse espaço algum beneficio, de que esse
espoo vai mudar nada, vai ser sempre horrível e ruim se você não fizer nada. Se você sair
desse espaço. O que a gente trabalha também é essa idéia de o aluno estar passando alguma coisa
a partir do que ele estudou, e não necessariamente ele entra na universidade e volta já pra fazer
alguma coisa. Ele vai estudar, e a partir do que ele se formou, sei lá, em médico, em engenheiro,
em professor, ver o que ele pode fazer, a partir da área dele, pra essa comunidade. A gente precisa
de um monte de coisa, e o quê que ele pode fazer? Não necessariamente ele tem que voltar pra
dentro do pré, mas tentar fazer alguma coisa pra... e aí a gente faz todo um trabalho pra que ele
entenda o espaço onde ele está inserido e o quê que ele pode fazer, quais são as coisas que ele
pode fazer pra tentar melhorar o espaço onde ele vive, e não necessariamente ter o desespero de
484
sair daqui de qualquer jeito – até porque nem sempre isso é possível, né? Mas eu não me sentia
constrangida não, mas eu me sentia provocada, pra fazer uma coisa que eu não sabia muito como
fazer...
RENATO – eu estou falando nisso, você está me chamando a atenção... esse dado que você está
me trazendo é um dado novo. Você inclusive contradiz algumas coisas que vêm aparecendo em
algumas entrevistas. Por exemplo, o Nilton Júnior, na entrevista que eu fiz com ele, ele diz que ele
começou a participar do Pré Matriz no final de 93...
GEANNE – não, ele comou em 94...
RENATOnão, ele diz que foi no final de 93, mas ali, já estava acabando o ano, e aí falaram pra
ele voltar no começo de 94, e aí ele participou desse processo da inscrição também, etc. E ele
atribui essa idéia de criar novos núcleos e essa difusão a esse evento da inscrição onde apareceu
muita gente. Quer dizer, ele coloca que, nas reuniões que ele participou no final de 93, e, portanto,
antes dessa inscrição, ele acha que não existia a iia da replicação da experiência em outros
lugares. Pelo que você está falando, já existia...
GEANNE – Já existia! Na primeira reunião que eu fui isso já era colocado, que a iia era essa: é
mostrar que é possível, que existe uma falência da educação, as pessoas não conseguiam, tem um
mercado, transformam a educação num mercado, o pré-vestibular é carérrimo, você não
consegue... eu, por exemplo, pagava todo o meu salário num curso pré-vestibular. E aí, é um
absurdo, muita gente não tem como fazer isso, não entra na universidade. Então, eles falavam
muito disso, da questão de ter menos de 5% de negros dentro das universidades e de estar fazendo
um curso que mostre que é possível, é possível você fazer com que esses negros entrem na
universidade. E aí, só é possível, se você multiplicar essa iia, se volevar isso pra outros
lugares; quer dizer, você não é beneficiado pelo projeto e vai embora, acabou! Mas você tem um
compromisso com aquilo, então, você é beneficiado pelo projeto e dá um retorno pro projeto. E,
que retorno é esse? No início do projeto? É você estar montando um outro curso, tentar beneficiar
outros jovens que, como você, não tinham como entrar na universidade - a não ser se fosse na
sorte, né? Vai , faz a prova... porque, um pré-vestibular, pra pagar, é carésimo!! Então... e
continua sendo, né? Caríssimo... a idéia era essa. Na primeira reunião já tinha isso, e eu estava
durante o curso pensando como é que eu iria montar o curso, né? Sem pagar nada a ninguém!! Por
isso também que tinha aquelas intrigas homéricas, de que tem que ter uma sede, tem que receber
financiamento,o sei o quê, porque é um trabalho voluntário,? E eu pensava então, como é
que eu vou fazer várias pessoas trabalharem, doar o tempo, sem receber nada. Quer dizer, era
mostrar que isso é possível, isso é uma coisa bem... do início,? De que é voluntário, você doa
uma ou duas horas do seu tempo pra dar aula, e que é possível você estar colocando negros na
universidade a partir desse curso. E isso, desde o início. Eu acho que, aquele evento, eu não sei
como é que foi divulgado aquilo, entendeu, mas eu acho que, tipo assim, divulgaram sim! Porque,
quando passou 34%, acho que foi 34 ou 33% da turma, daquela primeira turma, que passaram pra
universidades públicas, né, e pra PUC também, e aí isso foi divulgado. Eu acho que isso saiu em
jornais... saiu o Allison – você conheceu o Allison?
RENATO – eu acho que sim....
GEANNE – o Allison passou pra UERJ, e pra PUC – ele fazia as duas. É, teve uma série de
entrevistas. Isso foi divulgado à beça. E as inscrições eram divulgadas também pelo jornal. Então,
o número de pessoas bem grande. E, apareceram um monte de pessoas também querendo
participar do movimento. Professores, pessoas que queriam montar... eu acho que também tem,
pode ser, de estar surgindo outros núcleos, a partir também disso por conta dessas pessoas que
apareceram – Zeca apareceu nisso, e aí montou a AFE, o núcleo AFE... e outras pessoas vinham
aparecendo dentro do projeto, e aí tinha uma, tipo uma cartilha, passo-a-passo de como montar o
pré-vestibular. E a gente ia passando isso pras pessoas. E eu acho que tem muito núcleo de alunos
também....
RENATO fala mais dessa reuno que vo está dizendo que participou, essa de início. Como é
que foi, quem é que tava nessa reunião?
GEANNE – nessa reunião estavam Alexandre, Antônio Dourado, Frei Davi, um professor, eu
acho que era de Física, acho que era Hermes... não me lembro muitoo, tinha um monte de
gente nessa reunião. Mas aí, eles estavam discutindo... eu não sei se eu cheguei no meio da
485
reunião, e eles estavam discutindo lá o documento que ia ter uma reunião, um encontro em São
Paulo, e aí iam levar uma representação do curso, sei lá, pra lá, e aí queriam saber a idéia, eles
estavam discutindo sobre a questão racial dentro da universidade, essa questão da discriminação,
não sei o que. E, depois, começaram a apresentar o pré-vestibular, o quê que seria o pré-
vestibular. A idéia inicial é que daria bolsas pra PUC de São Paulo, não era pra PUC do Rio
porque o Frei Davi tinha feito uma negociação e aí teria bolsas pra PUC de São Paulo. E aí,
estavam discutindo também essa questão da bolsa pra lá, quais eram os cursos que as pessoas
queriam fazer, porque ia ser a bolsa pra lá – depois que mudou, né, pra ser a bolsa pra PUC do
Rio. Então, tinha essas pessoas, estavam discutindo a questão racial, depois apresentaram o quê
que era o pré-vestibular, que ia acontecer aos sábados, aí falou dessa diferenciação, que tinha uma
matéria que era diferente, que era Cultura e Cidadania, que a gente ia estar trabalhando a questão
racial, e aí discutiram a questão do nome – o nome do pré-vestibular, Pré-Vesibular para Negros e
Carentes, e aí explicando que era, que o curso estava sendo idealizado pelo Frei Davi, mas que era
uma coisa que ele tinha visto em Salvador, um curso que era “para negros”, mas que no Rio de
Janeiro as pessoas não iam aceitar muito, mas que a iia tinha sido suavizada, pré-vestibular para
negros E para carentes, né? Que o nome era provocativo mesmo, que a idéia era que a gente
falasse, estudasse no curso e não tivesse vergonha de falar do curso, do nome do curso, porque era
provocativo também, que geraria discussão, que era interessante estar trazendo a discussão racial
pra roda, né, pra sociedade, estar discutindo esse nome. Foram faladas essas coisas; isso foi num
dia de semana, acho que foi numa quinta-feira, que era a reunião das APNs, e a gente começou a
estudar no sábado.
RENATO – os alunos já estavam todos nessa reunião? Quer dizer, isso foi uma reunião dos
APNs, que estavam..
GEANNE – tinha. É que os APNs ajudavam no começo lá, do Pré-Vestibular. Eles não davam
aula não, mas eles estavam sempre ajudando. Tinha uma ligação muito forte, eu acho, do núcleo
com os APNs, então, os alunos acabavam participando das reuniões dos APNs toda quinta feira,
ficavam o tempo todo no Salão Quilombo, as missas afro que começaram a surgir depois, a gente
ia em todas as missas afro, a turma ficou muito ligada àquele espaço ali do Quilombo. A gente
estudava ali no Flusinho, qualquer coisa a gente se encontrava ali no Quilombo, tudo era lá.
RENATO - e as aulas eram sábado ou durante a semana?
GEANNE – não, era no sábado. Essa reunião foi durante a semana, mas as aulas eram sábado o
dia todo.
RENATOinteressante você estar falando isso, porque você está mostrando algumas coisas que
já estavam presentes no começo e que um monte de gente me falou queforam aparecer depois,
como, por exemplo, a própria, o nome Cultura e Cidadania, todos tinham me falado que só tinha
aparecido depois. Agora, e, você...
GEANNE – eu acho que eu tenho um papel que eles davam, duas folhas, não sei se era
mimeografado ou se era xerocado aquilo, que fala do curso, e aí fala da aula de Cultura e
Cidadania, que era da primeira reuno...
RENATO – da primeira reunião que você foi?
GEANNE – é, que me deram lá o papel, que explicaram o quê que era o curso e tal. Porque,
primeiro, falaram de como era o curso...
RENATO – eu tenho documentos assim, mas que é de 94, 95, depois...
GEANNE – é, tem também de depois..
RENATO – por exemplo, a cartilha de como se montava um pré, por exemplo...
GEANNE – não, não era essa cartilha não, eram duas folhas, que falavam do pré, qual era iia
do pré, o nome do pré, porque esse nome...
RENATOisso é de 93 mesmo?
GEANNE – é, de quando eu fui pra reunião, é, 93, pra entrar no curso, que eles explicaram...
RENATO – e você tem isso?
GEANNE – tenho, eu tenho uma pasta que tem... eu vou procurar pra xerocar pra te dar.
RENATO – todo mundo ta fazendo isso, eu tenho um acervo lá em casa gigantesco...
GEANNE – o Júnior tem tudo!
486
RENATO – pois é, mas tudo que o Júnior tem eu tenho! Ele me passou o acervo dele, mas, antes
do Júnior, outro pessoal fez isso. O Márcio Flávio tinha muita coisa – na época do Negro e
Educação, eu montei um acervo de quatrocentos e cinqüenta e poucos documentos! Juntando tudo
– desde matérias de jornal, textos de pessoas militantes dentro do pré, textos sobre o pré, atas de
reunião, atas de assembléia, tudo! Hoje eu tenho mais de 500 documentos, pois o Júnior me
passou as coisas dele, que são bastante coisa.... tem duas semanas que eu devolvi o material dele
lá no IFCS, teve um debate lá e eu encontrei com ele; o Juca me passou o material dele também...
então, você pode me passar o seu material e, lembrando que a minha tese tem que ser terminada
daqui a um mês e meio, né?? (risos) A sua monografia, aquela que você fez... alguém me falou de
uma pós que você fez, acho que foi o Júnior, que falou que a monografia foi sobre o PVNC, não
é?
GEANNE – não, foi sobre um olhar do Movimento Negro para o PVNC. Eu tinha uma
inquietação de que, pra mim, desde que eu entrei no pré-vestibular, e aí por conta de estar
discutindo a questão racial, pra mim PVNC é Movimento Negro. Era movimento negro. PVNC
Movimento Negro. E aí, conversando com algumas pessoas do Movimento Negro que falavam
que não. E aí, eu resolvi estudar isso. Por que é que o PVNC não é Movimento Negro? O quê que
é Movimento Negro eno? Quem legitima quem pra dizer que isso ou aquilo, esse movimento ou
aquele lá é ou não é do Movimento Negro, entendeu? Por exemplo, aqui, o CAPEM. Se eu falo
que o CAPEM é Movimento Negro. Quem é que pode dizer que o CAPEM não é Movimento
Negro, ou que pode dizer “não, ele é Movimento Negro”? Entendeu, isso me... a minha
monografia está discutindo isso, como é que o Movimento Negro está vendo o PVNC...
RENATO – você entrevistou pessoas do Movimento Negro?
GEANNE entrevistei, entrevistei o Amauri, entrevistei o Iedo, entrevistei um outro, um
coroinha.... entrevistei o pessoal do Crioula, entrevistei uma galera. Mas é muito engraçado isso,
né? Como é que ele... e aí, o PVNC o é movimento negro – quer dizer, o era, né? Porque, se
agora, se eu retomasse a discuso o PVNC vira, é Movimento Negro, por conta da discussão das
cotas, e aí o PVNC passa a ser considerado Movimento Negro.
RENATO – eu quero ver esse trabalho, eu tenho que ler isso... (...) e aí, na época, eles falavam
pra você que não era Movimento Negro?
GEANNE – não, porque o PVNC... o Crioula, me deu uma explicão assim: o Crioula é
Movimento Negro! Porque ele trabalha com mulheres, mulheres negras. O PVNC trabalha pra
todo mundo! É Pré-Vestibular para Negros e Carentes. No carentes, entra todo mundo, então, não
é uma característica do Movimento Negro, o Movimento Negro trabalha para o Movimento Negro
e com o Movimento Negro – seja só com crianças, só com mulheres, só com.... mas, o PVNC não,
era muito aberto, tinha um leque, você pode estar discutindo a discussão racial, mas, não
necessariamente você é Movimento Negro. Movimento Negro trabalha para o negro! Só! E o
PVNC não fazia isso, né era aberto... então, não era Movimento Negro.
RENATO – eu tenho que pegar esse material!
GEANNE – é, dá vontade de retomar... porque, agora... por quê que o PVNC é Movimento
Negro? Porque eu tenho a impressão de que agora, se for conversar com as mesmas pessoas, elas
vão falar que o PVNC é Movimento Negro, por conta da discussão das cotas, e tal. O que é que
legitima? Eu quero estudar Movimento Negro. Só Movimento Negro, e na Baixada.
RENATO – e vai sair um mestradinho aí?
GEANNE – eu estou escrevendo o projeto... perdendo todos os prazos da inscrição!! (risos)
viajando igual a uma maluca, mas vou tentar pra UERJ e pra PUC – pra UFF eu perdi.
RENATO – pras Ciências Sociais?
GEANNE – pra Educação.
LADO B
RENATO – eu queria que você me falasse mais sobre essas coisas desse início. Uma tensão
muito forte que tinha – porque tem algumas coisas do início que pra mim ainda são meio difíceis
de constituir uma narrativa que me satisfaça. Todo mundo que eu entrevisto olha o início com os
olhos de hoje, mas muita coisa naquele momento era diferente, a percepção que se tinha era
487
diferente da que se tem hoje. Por exemplo, em 93, não se via, essa reunião que você foi, por mais
que se tivesse a idéia de reproduzir a experiência, ninguém tinha – eu acho, eu imagino – a idéia
de que ia se tornar o algo que se tornou, com esse tamanho, com essa repercussão, com os
diálogos que o movimento faz hoje. O Nilton Júnior, uma vez, na entrevista que ele me deu,
falava que essa percepção de que aquilo era um movimento apareceu a partir, sei lá, da sétima
ou oitava assembléia, em 95. aí é que se comou a falar: caramba...”. É aquela coisa que eu falo
no meu texto, que eu chamo de uma “geografia simbólica”, das pessoas irem pras assembléias e
olharem os crachás das outras, pra ver daonde era, e aí, um monte de lugar que você nunca ouviu
falar, e você começa a conversar com a pessoa e pergunta “onde é que fica” e tal, e aí você ganha
essa dimensão do que você estava falando há pouco, de os alunos verem o tamanho... em 93 não
tinha isso... e eu acho que até mesmo no icio de 94 não tinha isso. Então, reconstituir o que era
naquele momento é muito difícil porque as pessoas olham para aquilo com uma percepção de
hoje. Essa reunião que você foi, por exemplo, era uma reunião de APN com algumas pessoas que
iam começar o curso – que ainda era uma utopia, ninguém ali, eu acho, tinha idéia...
GEANNE – do que ia se tornar.
RENATO – Do que iria se tornar! Mas, ao mesmo tempo, você já tinha ali algumas tensões.
Tinham pessoas que eram a favor da questão racial e tinham pessoas que eram contra. Todo
mundo me fala – eu vou entrevistar ainda o Alexandre – que o Alexandre não era convicto em
relação à questão racial...
GEANNE – ele não era convicto? Eu não sei, ele estava lá falando... é, eu não sei... eu, Renato,
eu não tinha discussão nenhuma. Nenhuma, nenhuma. E eu achava tudo muito exagerado. Então,
imagina, uma pessoa que não tinha discussão, eu não tinha discuso racial nenhuma, não via
racismo em lugar nenhum, e aí, eu vou num lugar, em que as pessoas ficam o tempo todo, falando
de racismo o tempo todo. Aí, fala da universidade, porque você vai ser discriminado na
universidade, porque não sei o que.. eu achava muito exagerado. O Alexandre.. o Frei Davi
sempre foi muito mais, falava mais. Mas o alexandre também entrava na discussão, não sei se ele
era... contra? Contra a questao?o sei... também, eu não estava lá, na discussão deles, pra... eu
não tava na reunião, e aí, isso não... isso pra mim o fica claro, se ele era favor ou se era contra.
Mas que tinha, eu sei que sempre, em termos do nome, tinha uma discussão sobre essa questão de
pré-vestibular pra negros, de ser pré-vestibular para negros, somente pra negros. Como é que ia
impactar, como é que as pessoas iam ver isso. E aí, colocaram essa coisa de carente pra amenizar.
Mas, tinha uma discussão sempre em torno disso – aliás, várias reuniões, tinha, ia e voltava essa
discussão do nome. “mas não dá pra mudar, esse pré-vestibular pra negros e carentes?” E, ai, já
vamos discutir de novo! “não, mas é importante, pra levar a discussão”... quer dizer, tinha uma
discussão em torno disso, mas eu não sei se ele era a favor, se ele era contra... pra mim ele era a
favor, né, ele estava lá falando sobre isso...
RENATO – uma outra coisa que você falou que me chamou a atenção também, que eu achei
interessante, foi de como você, quando se colocava pra você, em 93, essa idéia de você criar um
outro pré aqui, as dúvidas e as inseguranças que apareciam. Porque você nunca tinha parado –
primeiro, “como é que eu vou fazer isso” ?
GEANNE – é, como é que eu vou arrumar os professores, como é que eu arrumo o espaço, e
como é que eu vou falar, porque, quer dizer, além de montar o curso e fazer isso funcionar, como
é que eu vou trabalhar as aulas de Cultura e Cidadania? Como é que eu vou falar de alguma coisa
que euo... porque eu participava das aulas de Cultura e Cidadania, eu ouvia, discutia, mas não
era uma coisa que... então, como é que eu vou fazer isso se eu via os coordenadores fazendo isso?
Como é que eu vou ser coordenadora e vou falar de alguma coisa que eu não.... eu tinha um monte
de inseguranças em relação a isso. Eu acho que 94, acho que o ano de 94 todo, até 95, que o Frei
Davi ficava acompanhando direto mesmo o curso, de conversar com os professores, de conversar
com os alunos; toda vez que a gente ia fazer uma reunião maior ele vinha, pra estar explicando o
quê que era, porque a gente não tinha muita segurança de como fazer aquilo. E tinha a questão do
nome também, a gente perdia professores por causa do nome – a gente chamava os professores,
“vou chamar o professor que me deu aula”... “ah, você o quer participar do pré-vestibular?”...
mas eu não ia lá discutir com ele o nome do pré-vestibular, o quê que a gente estava pensando
com um pré-vestibular, mas, que era um pré-vestibular para as pessoas da comunidade, e tal. E,
488
chegava lá, ele via a faixa... “Pré-Vestibular para Negros e Carentes!” E, aí, cada um faz uma
leitura, né? “ah, mas que preconceituoso, eu não vou dar aula num curso com esse nome!” E a
gente perdia professor, perdia professor por conta disso. E aí, a gente chamava o Frei Davi pra
conversar com o professor, porque não tinha muito como discutir com o homem revoltado: “o quê
que é isso? Que coisa absurda!” Tudo a gente chamava o Frei Davi pra conversar, pra resolver,
heeh. Até a gente ir pegando a forma, ir pensando o curso. Mas isso era muito difícil, mas era
como se eu tivesse uma obrigação de fazer aquilo, né? “Eu tenho que fazer alguma coisa, eu tenho
que dar um retorno”. Não sei como, né? Então, se eu tenho que dar, me ajuda, né?
RENATO – e, mais alguém além do Frei Davi fazia esse papel? Porque eu imagino que o Frei
Davi o fazia – imagino o, eu sei que ele não fazia isso só aqui. Ele fazia isso no Rocinha
também. O pessoal falava que ele deu muita força pro pré se consolidar. Mais alguém fazia isso
na época?
GEANNE não. Com o P Nova Campinas?
RENATO - ou com o Nova Campinas ou com outros pres. Algum desses militantes fundadores, e
tal, se tinha...
GEANNE ah, sim, o Alexandre ia, o Antônio Dourado também ia. Depois, com o tempo, à
medida que foi crescendo o movimento, entraram as outras pessoas, né, o Zeca também fazia
isso. Na verdade, acabou criando uma autonomia que aí as pessoas iam. Eu tenho, eu coordeno
um curso pré-vestibular aqui em Nova Campinas. Aí, a pessoa quer montar um em Parada
Angélica. Aí, vinha aqui pedir pra gente ir , não mais essa coisa de ir no Frei Davi, a não ser que
não conhecesse ninguém dos núcleos, né? Aí, ia direto no Frei Davi, mas, com o tempo, eu acho
que as próprias pessoas, os próprios coordenadores ajudavam nisso, de estar montando um outro
curso, de estar indo falar, como é que era. Eu me lembro da gente indo em Tinguá pra montar um
curso, pra falar pras pessoas como é que montava um curso. Eu acho que no início era meio
assim, ia o Frei Davi, eu acho que o Alexandre também fazia isso e o Antônio Dourado. Vo
entrevistou o Antônio Dourado? Ele estava na FEBF...
RENATO – não, eu nunca vi esse cara.... eu ouço falar dele mas eu nunca...
GEANNE – FEBFo, aquela escola técnica... me fugiu o nome... é FAETEC! Aqui de Piabetá.
Eu acho que eu tenho os contatos dele. Eu acho que seria interessante você entrevistar ele, porque
ele desaparece no processo. Tem esse início, ele está lá, eu me lembro dele muito forte,
participando das aulas de Cultura e Cidadania, e discutindo, e, aí, no momento que esses pres, que
coma a surgir um monte de pre, que o movimento coma a criar um corpo e a crescer, ele
some desse processo. E aí, eu não sei muito porque, mas ele desparece. Depois, eu fiquei sabendo
que ele tinha um curso, com o Alexandre, ele e o Alexandre tinham montado umcleo chamado,
eu acho que era Zumbi dos Palmares em Belford Roxo, e depois não soube mais. Eu encontrei
com ele no Fórum de Educação, em Porto Alegre, ele estava na FEBF e nessa FAETEC. Estava
dirigindo, como diretor na FAETEC aqui em Piabetá.
RENATO eu nunca vi. Ele aparece muito nos depoimentos, e tal, mas eu nunca vi. Aquilo que
o Juca – o Juca adora inventar palavras, ele é engraçado -, aquilo que ele chama de “geração
fundacional” do PVNC. A geração fundacional, todo mundo sumiu! Só ficou o Davi e o
Alexandre.
GEANNE – é verdade. É... até os professores sumiram. Não, com exceção do Zama.
RENATO – é... agora, me surpreende você falar que o Zama era muito ligado ao Davi também.
Porque a referência que eu tenho era de que o Zama era ligado ao Alexandre – eles eram muito
amigos antes do pré... o filho do Alexandre...
GEANNE – tem o nome de Zama! É, eles podiam ser amigos, mas, assim, no pré-vestibular, o
Zama chegou a parar de falar com o Alexandre! A gente chamou o Zama aqui, o Zama ia
participar, ele ia ser do conselho do CAPEM, não sei se do Conselho Consultivo, a gente chamou
ele pra alguma coisa e depois eu nem sei o que aconteceu, a gente não conversou mais com ele,
mas...
RENATO – é, mas tem mais conselheiro que aconteceu isso também, né? Tem mais conselheiro
que vocês chamaram e depois nunca mais conversaram, né? (risos)
489
GEANNE – é, né? O pessoal some, né? Mas ele ficou um bom tempo vindo aqui direto, a gente
ficava conversando, eu ficava sacaneando, porque eles pararam de se falar uma época, e eu
descobri que o nome do filho do Alexandre era Zama, igual ao filho do Júnior, né? Davi!
RENATO – ah, é? O nome do filho do Júnior é Davi?
GEANNE – aí eu falava: é igual ao problema de vocês! (risos) Aí eu ficava sacaneando o Zama.
Mas ele defendia o tempo todo o Frei Davi. Mas, teve uma época, pequena, na verdade, porque o
alexandre também ficava... mas eles conversavam, e depois abriram. Mas eles ficaram amigos
sim. Tinha uma, o Alexandre tinha uma grande admiração pelo Zama. Mas ele estava o tempo
todo, o Zama estava o tempo todo do lado do Davi. Naquelas... lembro da época das brigas,
lembra daquela assembléia lá do Pré Rocinha, aquela que teve que foi a maior confusão... tinha
uma separação, dois gurpos....
RENATO essa assembia foi o meu primeiro contato com o PVNC...
GEANNE – que horror!! (risos)
RENATO é, na semana que o pessoal me chamou pra dar aula no Rocinha, aí, tinha um amigo
meu... você conhece o Marcelo, que é professor de Geografia? Ele foi professor, por anos, do PJ e
da AFE...
GEANNE – eu sei, ele deu aula pra gente também...
RENATO – então, nessa assembléia, na semana o pessoal tinha me chamado pra dar aula no
Rocinha – porque tinha uma menina lá, a Lúcia, que era estagiária de um trabalho que eu estava
fazendo, uma consultoria que eu estava fazendo. Estava sem professor de Geografia e ela me
chamou. E eu falei “ah, beleza”. E aí, ela falou “ah, essa semana não vai ter aula porque vai ter
uma assembia no domingo. E , não falou mais nada. Aí, eu encontrei com o Marcelo na Lapa,
na sexta feira, e falei “pô, o pessoal me chamou pra dar aula na Rocinha, e tal”, e ele disse “ah, eu
já tinha te falado desse projeto, não sei o que...”. e aí, no domingo, ele passou lá em casa. Ele
pegou carona com algum dos pres em que dava aula que arrumou um ônibus, e desceu no meio do
caminho, na hora que o ônibus saiu do Rebouças, ele desceu e foi lá em casa em Botafogo pra me
buscar. Me acordou, falando “não, vamos lá na assembléia e tal”. E aí, eu nem sabia o quê que
era, não tinha noção nenhuma. Eu sabia que a confusão estava rolando...
GEANNE – você ficou chocado, não? O quê que é aquilo?
RENATO – chega uma hora que você... não era só eu não, um monte de gente ali.. quando você
entra, você não tem noção do movimento. Se você não tem trajetória de milincia, entao, você
não tem noção nenhuma do que está acontecendo ali. É um grande, uma grande feira, um grande
evento, gente pra caramba, mas você não tem muita noção do quê que está acontecendo. E aí...
GEANNE – as cartas...
RENATO – é, as cartas, os manifestos, e tal, essas coisas todas. E aí, acabou que chegou uma
hora, assim, depois do almoço – o pessoal não queria recomar depois do almoçco... e chegou
uma hora que, em frente à Metodista tinha um buteco, todo mundo ficava bebendo no buteco, e
aí tinha uma hora que tinha gente falando “não pode votar porque o pessoal tá bêbado!”, e tal.
(risos)
GEANNE – deprimente aquilo, horrível...
RENATO – histórica, né? ?
GEANNE – entao, aquela vez que eu fui lá no Rocinha, que eu te vi lá dando aula foi depois
daquela assembia?
RENATOfoi depois daquela assembléia. Foi você e o André, não é, pra fazer uma pesquisa?
GEANNE – isso, a gente era da Secretaria Geral, fomos pra fazer uma visita...
RENATO – é, foi depois daquela visita.... velhos tempos, não é? (risos) E era um negócio,
realmente, quando você entra, você não tem noção. Demora muito tempo até você tomar pé, e,
mesmo depois de algum tempo, em muitas daquelas disputas que rolavam ali no PVNC, eu me
mantive sempre fora – que é um outro fenômeno que eu acho interessante no PVNC também.
Vo tem pessoas queo super ativas no núcleo, mas que nas assembléias, nos conselhos, nesses
fóruns coletivos, não se envolvem. Eu era um. Aliás, o Pré Rocinha inteiro era assim. Até a época
que a gente resolveu romper com o PVNC, de 98 pra 99. mas é uma...
GEANNE – é sempre nesse período... engraçado, eu acho que nesse período o PVNC perdeu
muitos núcleos. 98, 99. foi exatamente nesse período também que a gente resolve não participar
490
mais, e aí começa a se afastar, até escrever uma carta mesmo e falar que a gente estava saindo,
?
RENATO – e vocês resolveram sair por que? O núcleo Nova Campinas era um núcleo bastante
ativo...
GEANNE – é, a gente participava de todas as coisas, estava sempre participando de alguma coisa
dentro da Secretaria... mas não tinha mais lógica, Renato.... chega uma hora que a pessoa não
consegue separar uma coisa é eu não concordar com você no plano das idéias, e aí eu vou
discutir com você no plano das idéias. Mas, quando a coisa vai pro plano pessoal, e aí eu começo
a xingar você Renato, porque você é isso, e você é aquilo.. e aí, nesse momento, no pré, isso
começou a acontecer, e as pessoas se odiando, sem se falar, era uma confusão, e aí cada uma, era
uma coisa louca – antes da assembléia, a gente recebia visita de um monte de gente, de um lado,
de outro, porque, “a gente vai colocar em pauta não sei o quê lá!”. Então, era uma coisa assim...
não estava construindo nada, sempre que a gente tentava construir alguma coisa com os alunos,
deles terem essa visão do movimento como um todo, de não se sentir que “ah, é um núcleo em
Nova Campinas, desgarrado”, mas tem um movimento, as pessoas estão se movimentando pra
entrar na universidade, tem toda uma discussão por trás disso, têm várias pessoas envolvidas
nisso. E aí, as assembléias o representavam mais isso pra gente, a gente teve que... porque
assim, os alunos mudam o tempo todo, eno não dá pra construir uma discussão que vá crescendo
nessas assembléias, porque muda tudo, muda ano, muda aluno! Não dava. Mas a idéia era de eles
estarem sentindo isso, de estarem participando, estarem discutindo. E não estava acrescentando
mais em nada, a gente levava aluno pra assembléia pra estar acompanhando discussão pessoal das
pessoas – e pessoas específicas, porque eram somente, tinha um grupo pequeno de pessoas que
ficavam o tempo todo naquelas discussões. E a gente começou a achar que aquilo não estava
acrescentando em nada pros nossos alunos e aí resolvemos nos afastar. E as confusões por causa
de grana também, meu deus do céu! Eram várias acusações. Tinha assembléia, seminário, que
chegaram a vir com uma intimação pra não sei quem ir lá se retratar, porque tinha acusado ele de
não sei o quê. Toda reunião tinha alguém acusando alguém de alguma coisa. E aí a gente acabou
se afastando...
RENATO – é, teve uma época que a baixaria era...
GEANNE – nossa, só não chegaram à agressão, porque aí era demais... era um monte de
acusação....
RENATO – 98 pra 99 você se formou, né?
GEANNE – não, eu me formei em 97, minha formatura foi em 98, janeiro de 98.
RENATO – e aí você começou a trabalhar? Você entrou na FASE quando?
GEANNE – não, eu entrei na FASE em 99... em 99 que eu entrei na FASE. Não, eu trabalhava na
PUC. Eu trabalhava no departamento de Serviço Social. Comecei a trabalhar lá fazendo estágio
durante o curso, e aí terminou a faculdade eu continuei trabalhando lá, trabalhei até eu acho que
98, e aí depois eu saí, aí fui dar aula, aí em 99 eu fui pra FASE, e fiquei até em 2004.
RENATOmas, o Nova Campinas, o pré foi até quando? Ele não existe mais, né?
GEANNE – não, ele existe ainda sim. O nosso núcleo de pré-vestibular é o p Nova Campinas –
não é PVNC...
RENATO - sim, o do CAPEM aqui é continuação... vocês não chegaram a parar em ano
nenhum?
GEANNE – não, não parou. A gente continuou, saímos do PVNC em 2000, no começo do ano
a gente mandou mesmo uma carta saindo do movimento e continuamos trabalhando. Continuamos
trabalhando com o pré, tanto é que ele se chama Pré-Vestibular Comunitário Muniz Sodré. E a
gente começou a fazer o nosso trabalho aqui sem ser PVNC. E aí, em 2003 a gente coma a
discutir a idéia do CAPEM, né, como é que a gente faz um trabalho pra mergulhar na educação e
não ficar só lá em cima na questão do pré-vestibular, porque aí é quem conseguiu chegar a
terminar o segundo grau. A iia era mergulhar mesmo, ir pra escola básica pra estar discutindo
dentro das escolas essa questão racial, porque a gente vê um monte de problemas que a gente tem
com os alunos, e ouve cada coisa absurda sobre essa questão, e o seu pertencimento étnico, que é
meio absurda. E a idéia é trabalhar mesmo, desde o início, a idéia era mergulhar. A gente
começou a discutir isso em 2003, mas aí tinha o pré-vestibular. Em 2004 a gente veio pra cá,
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conseguimos uma sede, começou a fazer um trabalho como CAPEM, mas aí a gente trouxe o pré-
vestibular junto.
RENATO – e esse pré foi fundado em 94?
GEANNE – isso, em maio de 94...
RENATO – e estava você, estava a Simone também... e tinha mais gente? De fundadores?
GEANNE – no pré? Tinha. Tinha eu, Simone, o Márcio Flávio... não, o Márcio Flávio não...
RENATO – o Márcio Flávio foi aluno da turma de 93?
GEANNE – não, o Márcio Fvio o estudou no pré.
RENATO – ah, ele não foi aluno do PVNC?
GEANNE ele não foi aluno do PVNC. Quem foi aluno do PVNC foi o Fernando. Foi nosso
aluno. O Márcio Flávio não, ele veio dar aula no pré – eu acho que ele estudava química, uma
coisa assim. Ele veio dar aula de química no pré, mas ele não foi aluno.
RENATO – eu pensei que ele tivesse sido aluno...
GEANNE não, ele não foi aluno.
RENATO – eu tenho uma outra questão pra te fazer. Você veio pro pré através desse grupo de
juventude na Igreja e depois, você, se aprofundou nessa atuação junto à Ireja?
GEANNE – não.
RENATO – ok, porque.. a Célia, ela sim...
GEANNE – assim... a Célia também se afastou da Igreja por conta do Pré... é porque é dicil de,
pelo menos pra mim, eu comecei a me envolver demais com as questões do pré-vestibular e
aquelas reuniões que cada dia era num lugar, lugares que a gente nunca ouviu falar e não sabia
nem como chegar - mas eu comecei a me envolver com aquilo e a ir em tudo quanto era reunião, e
eu fui deixando a Igreja meio que de lado. Quer dizer, hoje eu não participo mais de nada...
nem em missa. É difícil... mas eu era aquela baratinha de igreja, e aí, entrando do pré-vestibular
eu comecei a me envolver demais com as questões do pré e de estar discutindo outras coisas, e aí
entra na universidade, e quer dizer, começou a aumentar um monte de coisas e eu comecei a sair
da Igreja. Quer dizer, não foi aprofundar... eu ainda tentei, montar uma pastoral do negro na
Igreja, a gente teve algumas missas afro, mas, depois, tem uma resistência, né? Pelo menos, nessa
igreja, na igreja aqui, tem uma resistência. Mas aí, a gente ainda conseguiu fazer algumas coisas
depois...
RENATO – e quem celebrou essa missa?
GEANNE – Frei Davi. Ah, como é que era o nome daquele outro? Teve uma celebração que foi o
Max.... Sérgio Max, lembra do Sérgio? E a outra foi o Frei Davi.
RENATO – não, eu não conheci esse Sérgio Max. Ele também era padre?
GEANNE – não, ele era diácono, não sei... sei que ele sumiu, é outro que sumiu.
RENATO – ele também era desse grupo inicial, né?
GEANNE – é, não sei se de 93, 94, mas eu lembro, acho que ele morava ali no Quilombo,
naquela igreja, né? Sumiu também... mas eu não aprofundei isso dentro da Igreja não. Eu até
tentei fazer algumas coisas, mas depois, não levei à frente não.
RENATO – tem mais alguma coisa que você gostaria de falar?
GEANNE – eu acho que não...
RENATO eu tenho! (risos) Durante um tempo você era, você e a Simone, eu acho, eram as
principais, aquilo que o pessoal chama de “davinete”. (risos)
GEANNE – que horror! Eu não sabia disso! (risos)
RENATO tinham os “davinistas” isso te falaram, não?
GEANNE – não! Me conta, hahaha
RENATOnas minhas entrevistas, então, o pessoal abre o verbo! (risos) O “davinistas” eram as
pessoas que apoiavam o Davi, e tal. As “davinetes” eram as meninas de outro do Davi, que ele
levava pra tudo quanto é lugar., todo mundo fala de você e da Simone, que foram as que,
apareceram na Revista Veja, no Fantástico, e não sei o quê lá...
GEANNE – nossa, era um estresse!!
RENATO – era um estresse por que?
GEANNE – era porque, era muito engraçado, mas assim, eu não ficava de lado nenhum, eu não
era “davinete”, nem era do outro lado também. Eu participava do movimento, um movimento de
492
pré-vestibular, fazia o que tinha que fazer, não tinha essa história de... nunca, eu nunca
compactuei com nenhuma... tanto que eu ia nas reuniões de um, ia nas reuniões de outro, não
tinha isso. Agora, era um estresse, porque o Frei Davi, o quê que ele fazia? Ele indicava eu e a
Simone pra tudo quanto era coisa. Tinha, sei lá, pediam pra ele, ou sei lá, ele que pedia, não sei de
onde que saía tanta coisa assim, né, e ele dava os nossos telefones e contatos. E isso era um
estresse com o movimento, né? Porque isso, na verdade, o Frei Davi usava isso meio que a favor
dele, porque as pessoas iam o tempo todo contra ele porque só aparecia o nome dele em tudo
quanto era jornal. Qualquer entrevista era o Frei Davi, “o coordenador dos pré-vestibulares”, era
como se ele coordenasse todos os núcleos de pré-vestibulares e as pessoas tinham ojeriza, tinham
pavor disso, porque não mostrava o trabalho das outras pessoas, ele não abria e falavam que ele
era um centralizador, que ele era isso e que ele era aquilo. Então, ele não aparecia sozinho, toda
vez que ele ia aparecer ele colocava a gente pra falar alguma coisa. “Mas, Frei Davi, falar o que?”
e ele “não, é pra falar do curso, vocês foram as primeiras a se formar do movimento, e isso é
importante”. E a gente estava o tempo todo falando sobre isso e as pessoas o tempo todo achando
que a gente estava junto com o Frei Davi. Eu não tenho nada contra o Frei Davi, eu gosto muito
dele mas gosto muito das outras pessoas também. Mas era um estresse danado. Eu lembro de uma
assembléia, essa história da Revista Veja, teve uma assembléia que a gente chegou e aí estava um
estresse montado,? “Aqui a Geanne, de novo, na Vejinha agora,? Com o Frei Davi, o sei o
que lá”. A gente não tava com o Frei Davi, a gente foi pra falar, de novo, do movimento, de ter
me formado, não sei o quê... mas acho que ele meio que usava isso – “não, eu não estou sozinho
não, eu estou levando algumas pessoas, aqui!”. Eram sempre as mesmas pessoas! (risos) “Eu
estou, eu abro pras outras pessoas!” (risos) ele falava isso, né? As pessoas, teve uma reunião
explosiva, que foi no Pré Henfil, não sei se você estava, que era pra indagar o Frei Davi sobre
isso. Criaram uma comissão e aí chamamos o Davi pra ele falar por quê que ele fazia isso, porque
ele usava a mídia, falando o tempo todo como se ele fosse o dono do movimento, e não sei o que.
E o Frei Davi foi, um monte de pessoas apertando e ele falando que “mas eu dou o telefone de
todo mundo...”
FITA 2
GEANNE – “Davinete”, hahaha
RENATO – essa reunião, eu acho que eu não cheguei a ouvir... no Henfil...
GEANNEfoi engraçada essa reuno, porque foi uma reunião simplesmente pra falar com o
Frei Davi, pra que ele falasse porque que ele... porque ele não falava com as pessoas, explicasse
como é que era organizado o pré-vestibular, das assembléias, do conselho, que tinha as
representações, não sei o que. Teve uma assembléia, uma reunião, um conselho, que foi montada
uma comissão de comunicação. E aí, que tinha que ser respeitada essa comissão, então, qualquer
pessoa que fosse procurada pra falar sobre o movimento de pré-vestibulares, teria que passar o
contato pra essa comissão. Só que o Davi nunca respeitou essa comissão, e aí montaram,
marcaram uma reunião pra conversar sobre isso, porque ninguém agüentava mais essa história, de
passar o tempo todo no jornal que os pré-vestibulares eram “coordenados” pelo Frei Davi. Porque
ele tinha que pelo menos falar que os núcleos tinham uma autonomia, que cada pré tinha os seus
coordenadores, e que tinha um conselho. Ele foi pra reunião e o que ele respondeu foi isso, que
ele passava os contatos de todo mundo, ele falava isso, mas o jornalista bota o que ele quiser, ele
não tinha culpa das pessoas colocarem aquilo, que ele não falava aquilo, mas as pessoas
escreviam aquilo e ele não podia fazer nada. Mas que era melhor, mesmo saindo tudo errado,
falando que ele coordenava, não sei o quê lá, era interessante porque estava divulgando o pré-
vestibular. Se não tivesse divulgando nada era pior, não sei o quê... era o discurso dele. E aí, ele
sempre passava os nossos telefones, e... com a gente as pessoas conseguiam falar, né? Com o
resto do povo não conseguia. (risos) Ou seja, ele o passava! Não passava telefone nenhum. Mas
é engraçado, porque isso, assim, a gente não tinha nada combinado com o Frei Davi. E aí, eu não
sei dizer porque que ele fazia isso especificamente, né? Porque a gente nunca chegou em lugar
nenhum pra defender o Davi, a gente colocava o que a gente pensava, independente de estar de
acordo com o que o Frei Davi estava dizendo ou não. Mas ele sempre estava passando contato pra
493
gente estar falando do pré, mas geralmente era falando da nossa formatura, de ter sido as
primeiras alunas a se formar, de ter sido da primeira turma. E não tinha nada combinado com ele
especificamente, mas ele, não sei porque ele fazia isso. Mas que era um estresse negociar isso
com as pessoas. O pessoal ficava sem entender isso, era difícil. Ficavam analisando as coisas que
a gente falava. Não sei se foi na Veja, ou em qual, uma vez eu falei que o pré-vestibular era um
enigma, como é que, era uma coisa que surgia isso, se alastra. “mas você falou isso por que?”.
Porque o Frei Davi...” e, começavam a fazer uma analogia com as coisas que o Frei Davi
falava ou pensava... era um negócio complicado pra caramba. Mas até que era bom, a gente tinha
tantos professores por causa disso (risos). Alunos, eno... era uma divulgação e tanto...
RENATOagora, você esta falando que, hoje, o CAPEM, ele tem um perfil de atuação um
pouco diferente do que era o Pré-Vestibular. Você falou em duas coisas. Uma primeira, é que
vocês pensaram em fazer algo que acabou virando o CAPEM pensando numa intervenção que
pegasse toda a verticalidade do ensino, pegasse outros níveis de ensino, outros momentos e não só
o vestibular, entendendo a educação como um todo e não só o vestibular. E outra coisa que vo
falou, logo no começo da entrevista e me chamou a atenção, eu queria saber se isso tem a ver com
o perfil de atuação do CAPEM também, e se isso tinha um pouco com o perfil de atuação do
curso.Você falou que, quando começou a aparecer esse desafio de fazer um núcleo, você ainda
como aluna, lá em 93, no Matriz, você disse que, naquele momento, tudo era muito dúvida,
porque você não sabia como é que o lugar, como é que a comunidade ia reagir a isso, porque você
não tinha parado pra pensar sobre a comunidade em si, eu acho. Como é, se as pessoas
terminavam o segundo grau, se terminavam, por que não continuavam, você não tinha uma visão,
uma leitura, digamos assim, potica, do local, da comunidade. Isso mudou? Como é que isso
mudou? O pré, depois de algum tempo, ele assume um perfil de intervenção comunitária, que o
CAPEM me parece que tem, quer dizer, como é que você vê isso ai?
GEANNE – se mudou a minha visão?
RENATO – é, a sua visão e a atuação do pré e, hoje, do próprio CAPEM.
GEANNE assim, no início era muito, aquela coisa que eu falei no início mesmo, de não ter
noção, eu não pensava politicamente nada! Pra mim não tinha, eu não sentia essa questão de
racismo, isso nunca foi uma discussão que eu... eu acho que eu aprendi demais com o pré-
vestibular, eu cresci muito, eu aprendi muita coisa, e aí, é claro que a visão muda, é de ter o
interesse de conhecer que espaço é esse que eu vivo, né? Quem são essas pessoas? Terminam ou
não terminam o segundo grau? E não terminam por que? E estão aonde? E aí, essas pessoas
comam a aparecer. A gente montou o pré-vestibular, e faz faixa, e aí essas pessoas começam a
aparecer. Essas que eu achava que não existiam. Então, elas começam a aparecer, a gente começa
a trabalhar, no início muito guiadas pelo Frei Davi, de estar dizendo “não, tem que fazer isso,
aquilo”, de vir nas nossas reuniões e intervir mesmo e depois a gente foi construindo um perfil de
intervenção na comunidade mesmo, de estar discutindo, de estar levando essa discussão racial pra
dentro de Nova Campinas, que é um bairro que tem a maioria de negros, e as pessoas não... tinha
uma repulsa à questão do nome do pré. A gente também teve dúvida, em botar Pré-Vestibular
para Negros e Carentes, mas botamos! E isso rendeu altas discuses. De ir pessoas na escola – a
gente funcionava na Afonso Arinos, na escola municipal -, de ir pessoas na escola...
RENATO - Afonso Arinos!!! (risos)
GEANNE – de ir reclamar, porque essa faixa aqui é discriminação, que ia dar parte, e a diretora
chama a gente pra falar que não sei quem foi reclamar. “diretora, pede pra reclamar com a gente!
Vir num sábado, pra reclamar, pra conversar!”. Então, eu acho que assim, fez uma, o pré-
vestibular ele marcou presença em Nova Campinas. E é engraçado que o CAPEM, o CAPEM tem
um pouco disso, as pessoas vêem um pouco o CAPEM como o pré-vestibular. A gente está
conseguindo desvencilhar por causa dos grupos de trabalho, e tal, mas quando a gente desloca o
pré-vestibular do CIEP pra cá, as pessoas comam a ver o CAPEM como o pré-vestibular: “ah, o
pré-vestibular mudou de lugar, mudou de espaço!”. Porque ele marcou um espaço no bairro. Essas
discussões, a gente está fazendo essas coisas, está ajudando as pessoas a entrarem na
universidade... pessoas que não acreditavam, ah, esse troço de graça, que não vai funcionar!”.
Então, a gente tem uma série de alunos que hoje fazem o mestrado, que trabalham, que voltam pra
dar aula no pré, pessoas que já estão querendo fazer o doutorado, quer dizer, continuaram
494
estudando. Você muda, vofaz alguma transformação... pode ser mínima, do tamanho da
comunidade, mas faz uma transformação. E a visão é completamente outra, hoje, de 93, quando
eu entrava no pré. E a iia de mergulhar na educação é porque, assim, a gente ouve uma série de
coisas dos nossos alunos. Coisa de assim, você, Renato, negão. Tem na ficha “qual é a sua cor,
etnia, raça”. O sujeito ficar “mas qual é a minha cor?”. O cara botava branco. “Você é branco?”.
Eu sou branco!”. Como assim? E a gente ia trabalhando... a gente trabalhou com um aluno que
ele dizia que era “roxinho”... roxinho! Um negão, “roxinho”! mas a gente não fica batendo no
aluno dizendo “não, você é negro!”. A gente começou a fazer uma série de discussões com ele pra
ele descobrir que ele não é roxinho, que não existe essa coisa de roxinho e tal. E ai, com o tempo
a gente foi fazendo um trabalho com ele – com ele não, com a turma toda, né, mas ele foi sentindo
muito mais aquilo. E aí, quando ele consegue descobrir que ele não é roxinho, porque a mãe dele
falava que ele era roxinho – então ele era roxinho, ele não era branco, não era negro, ele era
roxinho – ele coma a chorar na turma, na sala! Porque a gente fez uma aula que a gente chamou
um professor, ele era professor nosso, de geografia, branco, e aí a gente conversou com a turma
que a gente ia trazer uma pessoa que era racista, que ela ia falar o que ela pensava e a turma ia
interagir com ela, mas tem que respeitá-la, porque era uma forma dela pensar. E que aí depois a
gente ia fazer uma discussão – mas o professor não era racista, era só pra ele falar pra ver como é
que a turma ia reagir: ele quase foi espancado na turma. Nessa aula, esse menino se ligou, né, ele
se sentiu tão humilhado que ele queria bater.. (risos)
RENATO – e vocês não filmaram isso não? Tinha que ter filmado isso!! Hhaa !! Seria como
“Olhos azuis!
GEANNE – não, poxa, mas isso foi muito... ele falou umas coisas absurdas pra turma, que ele
achava, falou das mulheres negras. E a turma assim, meio sem saber... depois, quiseram bater nele
mesmo, começaram a interagir, a discutir com ele. Mas foi muito interessante fazer isso. E, ele
começou chorar de nervoso. Mas é muito... foi muito legal essa atividade. E, esse aluno, quando
chega aqui no pré-vestibular, ele chega com um monte de problemas, e você, pra trabalhar essa
questão da auto-estima - tudo é motivo pro aluno desistir – a gente faz, a primeira prova da UERJ,
então, é uma evasão completa! Esse ano a gente está trabalhando a evasão feito umas
desesperadas. A gente ai na casa do aluno pra conversar com o pai, com a mãe, com o tio... “ta
acontecendo o quê?” A gente teve uma aluna que agora ela voltou. Ela tinha desistido depois do
simulado – a gente fez um simulado com ela, quer dizer, com ela não, com a turma, e aí ela foi
mal no simulado. Então, ela falou “eu não sirvo não, eu não sirvo pra fazer isso, eu não consigo,
eu vou desistir do curso”. Olha, e desistiu. A gente foi na casa dela encontrar com o marido dela,
pra ver se ele conversava com ela, e ele agora conseguiu trazer ela de volta. A gente não quer
perder aluno nenhum. A gente quer os alunos do início.... a gente tem 80% de negros, então a
gente quer que os nossos 80% sejam os mesmos que começaram em abril, que sejam os mesmos
no final do ano. Então a gente está trabalhando bastante essa questão da evasão. Mas a questão da
evasão tem muito a ver com a questão da auto-estima também, né? Da escola colocar na cabeça
do aluno que ele é incapaz, que o problema é dele que não consegue entender, que o problema é
dele, tudo é problema do aluno e não é problema da escola. E a gente via isso nesses anos todos
que gente vem trabalhando com esses alunos. A idéia do CAPEM é intervir nisso dentro da
escola, é de estar levando isso pra dentro da escola. A gente estar trabalhando com o professor e
com o próprio aluno essa questão que é diferente. Se aqui em Duque de Caxias a gente tem cerca
de 60% de negros, esses negros tamm estão dentro da escola, e a escola tem que pensar em ser
uma escola que é também pra esses negros, não dá pra ser uma escola que não abranja essas
pessoas.
RENATO – são 60% de negros na população de Caxias?
GEANNE - é negra. E essa população está dentro da escola, sendo discriminada, sendo... quer
dizer, elas não desistem de estudar, elas são expulsas, porque são sempre um problema. A gente
fez um trabalho ano passado com vídeo e palestras com jovens. Oferecemos à escola, e pedimos
que elas nos repassassem alunos, 30 alunos, que fossem problemas pra escola. Porque a gente vai
conversar com a diretora, e ela fica “ah, porque a gente tem um monte de problemas, os alunos,
deus, é horrível, porque tem drogas, porque tem isso, porque tem aquilo!”. Então está bom, a
gente quer esses alunos que a escola diz que é problema pra gente saber se... pra gente tentar fazer
495
um paralelo, pra ver se o aluno é problema mesmo, quais são os problemas que esse aluno tem pra
ele ser um aluno problema pra escola. Pedimos 30 alunos, os trinta alunos negros! , não tem
aluno branco problema??” E ela: “Não, a gente... 30 é muito pouco”, porque eles queriam dar
cento e não sei quanto! Eu falei “Olha, mas a sede do CAPEM não cabe, não tem condições da
gente trabalhar com cento e tantas pessoas”. “então, mas é muito pouco, então a gente pegou os
30 piores!” (risos) Os piores! Os piores!!
RENATO – vocês tinham que registrar essas coisas, Geanne, escrever isso...
GEANNE – é, né? E a gente fez um trabalho, e qual é o trabalho? É ver se os alunos têm
problema com a família, o aluno tem um monte de problema e a escola expulsa esse aluno. Eno
na escola, eu acho que a maioria das evasões não é evasão, é expulsão da escola. Não é um espaço
pra ele, a escola não faz alguma coisa que seja pra ele, ele não se sente... ele é o aluno-problema, é
o marginal, então, um monte de marginal! É uma coisa... a gente eno, tenta, a gente vai tentar
fazer no ano que vem de novo. A gente não fez esse ano, né? A gente fez uma bateria com
algumas escolas aqui no terceiro distrito pra estar fazendo um trabalho, pra ver se melhora, e a
gente começa a adaptar na escola: “mas não seria melhor fazer assim?” e aí a gente vê que o
problema é que o aluno tem uma série de problemas e que a escola.... que é o problema dos
moradores da Baixada Fluminense, que tem problemas com a família, tem um monte de
problemas.. e a escola não consegue ver isso e trabalhar essa realidade, ela trabalha uma outra
coisa. Então, o aluno, ele faz as coisas, às vezes – a gente tem alunos no próprio pré-vestibular – a
pessoa fala na sala, perturbando na aula, a gente chama ele pra conversar. “Mas o quê que ta
acontecendo, né?” E aí, a gente conversa muito sobre essa questão, sobre a questão racial.
Engraçado, você já reparou que seus amigos do curso brancos eles estão sentados na frente, a
gente não tem reclamação deles... e aí, por que será que a nossa cor sempre tem problema?” E aí a
gente começa a falar e o aluno começa a falar, que ele fica conversando na sala porque ele não
consegue se concentrar, porque está com a mãe – por exemplo, a gente ta com uma aluna que ela
tem 17 anos e a mãe obriga ela a vender salgados, porque o pai está desempregado, a mãe não sei
o quê que tem, obriga ela a ficar vendendo salgados na rua até não sei que horas, e aí ela não
consegue se concentrar... tem um monte de problemas, tem a outra que é espancada pela família
sei lá por causa de quê, a mulher aparece toda roxa aqui o tempo todo. A gente já foi lá tentar
conversar, mas não consegue. Tem uns problemas... e, às vezes a pessoa está ali, mas tem tanto
problema que ela não consegue se concentrar, e aí, você não tem uma escola que tenha uma
atenção a isso, que tente trabalhar os problemas que são do aluno, e pensar também
regionalmente. A gente tenta fazer um trabalho que pense muito o espaço Baixada Fluminense e
essa questão racial, questão de gênero, de estar tentando trabalhar essas coisas em conjunto. O
CAPEM tenta fazer esse trabalho especificamente dentro das escolas. E a gente faz esse trabalho
aqui também, mas a sede é muito pequena,? E a idéia inicial do CAPEM seria fazer um
trabalho sem ter sede, sem instituição, uma instituição sem muros, em que a gente vai pra dentro
da escola pra fazer o trabalho.
RENATO – essa relação com a comunidade, ela surgiu no CAPEM ou o pré já tinha um pouco
isso?
GEANNE – não, o pré já tinha um pouco isso. A gente fazia aulas de Cultura e Cidadania abertas
pra comunidade, e aí pedia pros alunos levarem os pais, irmãos, e eles iam. A gente abria, né, e
fazia outras coisas, fazia atividade de prevenção de DST, a gente fez duas festas de consciência
negra, e trouxe o pessoal do Afro-Reggae, fazia uma série de coisas e a gente começou a ter um
diálogo com a comunidade, mas bem no âmbito do pré-vestibular, e agora é que a gente começou
a ampliar isso com o CAPEM .Por isso muitos vêem o pré – é mais cil você perguntar onde é o
pré-vestibular do que onde é o CAPEM. “Onde é que fica o CAPEM?” “Não sei” e, “onde fica o
pré-vestibular?“o pré-vestibular é ali!”. Por conta dessa de ligar a pessoa a – ali é o pré-
vestibular, o pré-vestibular que estava lá e que veio pra cá. Mas a gente montou um conselho o
CAPEM tem um conselho de representantes da comunidade, e aí são representantes da
comunidade de Nova Campinas, e o entorno, Barro Branco, Parque Paulista – pra discutir as
questões daqui: o quê que eles acham que o CAPEM, dentro da área de educação, pode intervir,
além do trabalho junto às escolas, o quê que o CAPEM pode intervir? O quê que eles acham
interessante que o CAPEM faça dentro da nossa área em Nova Campinas. E aí eles vão sugerindo
496
coisas. A gente pensa projetos pra instituição a partir da demanda que eles trazem: “ah, é
interessante fazer um curso... ah, tem muitas mulheres...”. A gente tem um curso de grafite pra
mulheres, mas mulheres donas de casa, a partir de três filhos, desempregada, sem fonte de renda –
que é uma coisa que partiu dessas discussões do conselho. Fazer o quê? Tem uma série de
mulheres que não tem recurso e aí vive dessa coisa bolsa-família, bolsa-escola, bolsa não sei o
quê, e é interessante fazer alguma coisa para essas mulheres. A gente não achava interessante
fazer cursinho de fazer salgado, bolo, nada disso. A gente ficou discutindo um tempo pra pensar o
quê que a gente faria com essas mulheres, e pra sair um pouco desse universo doméstico, né? O
quê que a gente faz? E aí foi que a gente começou a ter iias, primeiro era pintor de paredes, as
mulheres vão começar a pintar as paredes em Nova Campinas. E aí, lembramos do Grafite. Então
vamos fazer grafite, que é uma coisa feita por jovens, a maioria homens, então poucas mulheres
fazendo grafite, e as mulheres jovens, então só aceitamos mulheres senhoras, a partir de três
filhos. E aí a gente começou a fazer, na semana passada. Tem umas camisetas, iradas, você viu
embaixo, a parede? Elas que fizeram, são alunas do curso “Gestando arte”. E são senhoras, de
mais ou menos uns quarenta e poucos.... elas fazem camiseta, fazem desenho em carro, parede. E
a gente gerencia o trabalho delas pra elas estarem tirando uma graninha. Agora a gente está vendo
com elas pra elas montarem uma cooperativa de grafiteiras – aí,vão fazendo o curso, que está
sendo numa escola aqui, a escolinha Lago Azul, e aí vão fazendo o curso com as mulheres aqui e
enquanto isso pegam em Caxias com representantes de movimento social, associação de
moradores, de Caxias como um todo, mas estão apanhando lá, no Centro de Caxias, na
SINDPETRO., eles dão o curso e aí vendem as camisetas delas, e as outras coisas, e ganham
uma graninha. E aí o conselho da comunidade serve pra isso ,pra gente estar interagindo no que é
possível fazer dentro da área de educação, né, e da questão racial. E dentro do pré-vestibular, que
esse ano está trazendo uma série de demandas pra gente. A turma desse ano é bem diferente, o
que nos causa uma preocupação porque ainda eles estão mais envolvidos com a questão racial, de
discutir a questão racial, do que estar vendo alguma coisa envolvidos com a questão do vestibular.
Então, o que está nos preocupando o tempo todo esse ano é isso, eles ficam o tempo todo usando
– gente, pelo amor de deus, a gente vai fazer esse monte de atividade, vai fazer, vai estar
organizando um evento da consciência negra no dia 20, e a gente está ensaiando uma peça, a
gente vai fazer desfile, vamos fazer mini-cursos, oficinas, etc. ,mas porque eles quiseram fazer
isso. Mas eles se envolvem demais com essa parte, e com a outra parte é mais... é justamente o
que a gente está preocupada é com isso, porque tem que as duas partes caminharem juntas,
senão... como é que faz pra entrar na universidade, não é? Mas, está tendo uma demanda muito
grande com outras escolas, a gente está conseguindo fazer com outras escolas, e com outras
instituições, por conta dos alunos do pré, estudando e fazendo discussão sobre história da África.
A gente fez um contato com os Maristas, que e na Tijuca, que indicaram pra gente por causa de
uma aluna nossa.... a mãe, que era nossa aluna, foi na escola falar que não discutia a questão
racial, se eles não conheciam a Lei 10.639. “Ah, mas a senhora tirou isso daonde?” “ah, mas
conversa lá, com o CAPEM, eu estudo lá, e não sei o quê!” e aí, a gente já marcou uma série de
atividades que a gente vai fazer com os profissionais do CESAM (?) que é dos Maristas. Com os
professores, sobre a Lei, pra eles começarem a trabalhar. E as escolas aqui perto, porque os alunos
reclamam, né? Teve um diretor que me ligou “o quê que você ta fazendo com os meu alunos? E
eu falei os seus alunos são meus alunos também... a gente não está fazendo nada, só debatendo,
discutindo”. E aí pediu também pra gente fazer, a gente faz um curso com os professores. Desde
2004 a gente faz um curso com os professores pra estar discutindo isso, como trabalhar isso em
sala de aula. E aí ele pediu pra gente fazer também e agente vai estar fazendo. Tem alguns
colégios que estão tomando ciência, contato por conta dos alunos, porque a gente faz a discussão
dentro do pré, nas aulas de Cultura e Cidadania, vai até a secretaria da escola, se tem algum
estranhamento, se tem problema, o embate com o professor, o embate com o colega, aí você
chega na direção não (...). Isso está bem interessante.
497
Entrevista com Juca Ribeiro- Dia 05/05/06
(1º lado)
RENATO - Eu estou fazendo uma discussão conceitual dentro de Geografia sobre quais são as
dimensões espaciais dos movimentos sociais (MS). O trabalho é de revisão conceitual, buscando
quais são os possíveis olhares que a Geografia - que é uma ciência que tem o espaço como objeto
e como método também - teria para contribuir na leitura e na compreensão dos MS.
Esse é um debate que já existe há algum tempo, mas existe um número muito pequeno de
trabalhos produzindo categorias analíticas a partir de raciocínios, como disse o geógrafo francês,
Yves Lacoste, a partir de raciocínios centrados no espaço. Então é isso que eu estou fazendo e
para tal estou propondo sete dimensões espaciais dos MS. E aí, estou pegando o PVNC que é um
movimento no qual eu tive uma participação, e já venho estudando há algum tempo, então já
conheço bastante razoavelmente e por ter envolvimento forte também com o PVNC e me permite
ter uma sensibilidade analítica bastante grande (... essa fala o entendi bem) então estou
propondo diversas dimensões espaciais.
Dentro dessas dimensões espaciais, eu estou discutindo a origem das ações do movimento,
quais são as problemáticas, as questões que geram as ações dentro do movimento. Estou
discutindo os impactos das ações do movimento, como também algumas dimensões espaciais e
trabalhando as esferas institucionais de organização do movimento, como também as esferas que
a gente pode trabalhar com diferentes dimensões espaciais (na esfera??) política. Estou
trabalhando também na inserção do movimento, dos tipos de inserção doscleos do movimento.
Aí eu falo que existem núcleos que tem uma dimensão que são uma referencia local, alguns
núcleos são referencias nos seus locais, nos bairros, referencia potica e de encaminhamento de
diversas questões que não passam necessariamente pelo vestibular nos seus locais. Tem núcleos
queo referencias municipais ou a na Região Metropolitana.
Os cleos que eram os mais fortes dentro do movimento no tempo em que você participou
eram núcleos em escala metropolitana, o núcleo do AFE, do Zeca, ou o ABM por exemplo. São
diversas formas de o movimento a partir de raciocínios centrados no espaço.
E umas das formas que eu estou trabalhando é a dimensão dos indivíduos. O fazer da potica é
uma experiência não só social mas é uma experiência espacial: enquanto experiência espacial o
fazer da potica é informado pela sua trajetória que é uma trajetória de referências espaciais que
te informam uma construção da tua experiência na potica.
O PVNC tem indivíduos, pessoas, e aí pegando aquelas arenas que foram cruciais de
construção do movimento, se tinha ali o embate entre indivíduos, sujeitos cujas referências
espaciais de construção das suas vies de movimento, visões de mundo e visões da potica, eram
diferentes. Então tinham pessoas ali que eram sujeitos cuja trajetória potica era no máximo local,
ou nada, ou nenhuma experiência de fazer política. Já outros tinham uma circulação regional/
municipal ou até mesmo nacional de arenas como o movimento negro (MN). O Frei Davi, por
exemplo, circulava em fóruns da igreja - e outras dimensões espaciais que informavam as
posições dele; diferente de outros indiduos , como por exemplo Jobson, ou Fernando Pinheiro
que não tinham circulado na política( ... não entendi o final da frase).
Então gostaria de comar a conversa contigo pelo seguinte: Dentro desta leitura desses
indivíduos, dessa coisa dos indivíduos serem portadores do espaço eu estou querendo pegar
alguns personagens, alguns sujeitos e trabalhar mais eles. Você é um desses. Estou te
transformando mesmo em objeto pro meu estudo, queria que você me fizesse um depoimento
sobre o pré, sobre o PVNC, a historia de construção do PVNC. Queria que você colocasse dentro
disso a tua trajetória, o que informou a tua trajetória antes de começar o PVNC. Você tinha sido
candidato a vice-prefeito de São João de Meriti, tinha um trânsito potico junto a outras arenas.
Então queria que você trouxesse um pouco essa fala, esse depoimento.
JUCA RIBEIRO- O despertar para a questão racial, particularmente no seio da minha família,
aconteceu exatamente no período da minha infância quando, num determinando momento, que eu
não posso lhe precisar qual foi o fato, mas certamente todas as crianças durante algum período da
498
tua vida acabam fazendo algum tipo de bagunça, algum tipo de brincadeira que desperta a ira dos
seus familiares.
Eu me lembro que eu provoquei a ira do meu avô e aí ele fez uma menção do tipo, como ele era
nordestino e “paraíba”, com o cabelo liso mas com a pele escura ele falou: - “Olha seu nego” e
alguma coisa assim, ao invés dele falar “seu Juca” ele falou “seu nego” então ele fez menção a
minha cor. Aquilo acho que ficou gravado no meu sub-consciente, ficou lá gravado em um HD
em alguma pasta sensorial. E daí eu cresci e me desenvolvi, muito vinculado à presença negra,
não só por pertencer a uma família de afro-descendente, mas também no auge da minha
adolescência a freqüentar os bailes blacks pelos idos dos anos 75/76 eu muito novo com
certamente 13/14/15 anos me empolgava muito pela influência de James Brown. Naquele período
tinham uns bailes de referencia de população negra em São João de Meriti, na baixada, e eu fui
um freqüentador assíduo desses bailes de soul music - particularmente um clube chamado Brasil
Novo no Bairro de Vila Rosali em SJM e posteriomente um clube que era garagem da empresa
(viação- grifo meu) Flores no centro de SJM, mas no plano na baixada fluminense onde eu até
hoje resido.
O que me despertava para questão racial, não de uma forma crítica e contemporânea comos
pensamos, era que existia um clube em SJM que não ia negros e nem tocava soul, iam
majoritariamente brancos e tocava muito rock progressivo, pauleira. Então eu me perguntava por
que negros iam a um determinado espaço e brancos iam a outro espaço. O território é divisor de
dimensões vivenciais, eu acho que você está indo no caminho correto, então a divisão do espaço,
como você tá trabalhando na suas mais varveis vertentes, realmente foi um componente
importante que veio a me influenciar posteriormente durante os anos 1980, exatamente em 1983
eu faço contato com o primeiro grupo negro que se chamou Grupo Afro Cultural 20 de novembro.
Inicialmente fui convidado por uma vizinha a participar de uma reunião na Pavuna, vou nessa
primeira reunião e vejo várias pessoas falando sobre negritude, entre essas pessoas do grupo
estavam o Aroldo membro do MNU, estavam o Jorge Damião do CEAP. Aí fui numa segunda
reunião que foi lá em Cabuçu, não houve uma terceira que eu fui.
Já em 1984 pra 1985 entro na universidade pra fazer Ciências Sociais e daí de 1986 eu começo a
freqüentar reuniões do Abdias Nascimento da Secretaria de Negros do PDT sem nenhuma
pretensão vinculativa institucional, aqui na 7 setembro(????).
RENATO - Como você chegou a essas reuniões?
JUCA RIBEIRO - eu cheguei nessas reuniões pq alguém tinha comentado que acontecia
reuniões dos negros do PDT. Tinha chegado em minhas mãos textos do Abdias e foi justamente
com o texto do Abdias que eu começo a despertar teoricamente para essa vertente. Daí em 1985 e
1986, nesse mesmo momento – eu já católico - me aproximo das pastorais sociais católicas
participando de algumas atividades, de uma comunidade eclesial chamada N. Senhora das Graças,
que era vinculada a uma paróquia de SJM. Eu ia eventualmente a algumas reuniões e nesse
mesmo peodo participo como voluntário na pastoral da criança. Nesse período surge em SJM,
em 1987, o Frei Davi, e eu estava perto da igreja, dentro da estrutura da igreja quando eu travo
contato com Davi. Faz quase 20 anos. Davi vem com a aquela experiência de imersão na questão
racial vinculando a teologia da libertação a toda aquela base teórica de intervenção social de
compromisso da igreja com os pobres, com os oprimidos que é a linha que eu acredito e
acreditava naquele período, e de alguma forma a gente acaba se envolvendo nas reuniões do Davi.
A gente passa a ter uma amizade verdadeiramente profunda, ao ponto de ele ir algumas vezes na
minha casa e ir na minha formatura de nível superior, ao ponto de levar meu pai e minha mãe no
autovel dele, de irmos juntos.
Tinha um grupo que girava em torno do Davi, ao qual que eu tinha ligação, que era a comissão de
padres e seminaristas e de religiosos negros do Estado do Rio de Janeiro, que como o nome está
dizendo é um agrupamento bem ampliado por categorias internas, e daí eu comecei a participar
eventualmente de algumas reunes dessa comissão e paralelamente o Davi estimulava a
organização de um grupo que já vinha circunstancialmente se organizando no Brasil que eram
chamados de Agentes de Pastoral Negros. Junto com o Davi criamos uma comissão diocesana de
499
agente de pastoral negro, era um grupo representante de núcleos de agentes de pastoral naquela
região da diocese, existiam mais de 10 ou 15 grupos de agente de pastoral negros, (... não
entendi..) pré-vestibular para negros e carentes. E eu fui membro dessa 1ª comissão diocesana,
além de estar articulando com os grupos de agentes pastorais negros daquela diocese me
articulava com agentes pastorais negros de outras dioceses - uma experiência nucleada e
capilarizada. E também existiam outras instâncias, outros padres envolvidos, tal como padre João
Munari, um italiano que era de Éden (bairro de SJM- grifo meu) e que reforçava a luta. Também
alguns seminaristas que tinham papel fundamental na articulação local, mas no plano estadual
com o Geraldo Rocha e Tião, na época era Tião de Volta Redonda e a Irmã Luciana que até hoje
está na Baixada Fluminense e a irmã Silvia que está na Costa Rica.
Então você tinha um time que trabalhava com a mística da teologia da libertação e a mística da
teologia da negritude alinhada com uma militância de protesto, de construção de uma identidade
religiosa, e uma identidade de protesto de bens que você não tem na sociedade de circunstâncias
de desigualdades que existia e existe na sociedade. É aquilo ali que me deu o caldo de formação,
muito voltada para organizações de base, um forte vinculo com as organizações. E a Igreja
naquele período me ensinava a como organizar. Eu tinha como vocação organizar. Mas a coisa
não era assim tão simples, os grupos não eram passivos, não tinham apenas uma identidade de
pertencimento que nos unia, mas existia distenções e contradições e divergências. Essas
diverncias foram se acumulando ponto a ponto.
Antes disso eu tinha ido a São Paulo participando de uma assembléia nacional de agentes de
pastorais negros, estou pontuando essa assembléia nacional onde eu pude participar de um evento
onde tinham no mínimo cercas de 700 pessoas, entre seminaristas, religiosos negros, padres... a
fina flor do MN da igreja, uma potência que eu nunca tinha visto a despeito de qualquer MN no
Brasil, eu via li de cara um plano estrutural e conjuntural daquele fenômeno no momento e já
tinha participado de outros encontros de capacitão de lideranças mais setorizadas no Sul, mais
particularmente em Curitiba e aí com um grupo mais restrito de militantes - aquela coisa das
lideranças do que existia de melhor do conjunto que agentes. Então são 2 experiências, do plano
nacional que tinha me alimentado, mas como eu disse anteriormente nem tudo eram flores.
Existiam muitos conflitos e muitos questionamentos em relação ao posicionamento de diversas
pessoas dentro dessa conjuntura da igreja. Entre as pessoas que eram extremamente questionadas
era o próprio Frei Davi por diversas razões: centralismo, autoritarismo carismático e por aí
sucessivamente.
De 1989 para 1990, resolvi dar uma parada, isso foi uma auto-reflexão de caráter pessoal. Como
tinha me formado no ano de 87/88 queria dar uma melhorada e uma refinada nessa estória da
universidade e eu não consegui, não tinha dado uma melhorada, não estava crente que o mestrado
seria um bom caminho ainda, também não estava satisfeito com a condição da igreja , com a
condição de militante, talvez uma outra via particular fosse o melhor caminho, uma alise
criteriosamente particular, sem nenhum vínculo ideológico mais refinado. De 1989 a 1991, mais
ou menos, estive próximo dos MS mas não muito estimulado a fazer uma inserção. É importante
colocar que em 1988 aconteceu a grande campanha da fraternidade da igreja “Ouvi o clamor
desse povo negro” e eu participei de forma ativa, visitando comunidades eclesiásticas de base,
várias igrejas na Região Metropolitana, fazendo diversas palestras, por baixo fazia 6 palestras por
semana. Era algo assim...
RENATO - Você tem esses registros?
JUCA RIBEIRO - Eu tenho esses registros, eu tenho essa agenda de 88 em casa, na minha mão.
Tipo, coisa de maluco. E eu estava me tornando uma referência muito forte nessa coisa da igreja.
Não porque eu quis ou queria ser, era algo natural. Talvez isso tenha refletido um pouco a minha
relação dentro do movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes que era uma relação
desprovida de qualquer pretensão de ser líder, isso é uma coisa que eu posso te falar. Eu nunca
tive essa pretensão, embora tenha despertado raiva e inveja e medo... em nenhum momento eu
disputava campo, eu era um “livre pensador”, diria assim, e em 88 isso era muito forte.
500
A campanha da fraternidade deu uma contribuição enorme ao Movimento Negro brasileiro, o que
ainda não foi efetivamente revisitado, nem pelo Movimento Negro nem pela academia. E
muita coisa produzida e que precisa ser repensada no plano de uma campanha que foi trabalhada
durante um ano sistematicamente pela Igreja Católica. Nós não podemos deixar de compreender
que esse momento da Igreja Católica foi um momento muito bonito, foi uns dos raros momentos
de aproximação da Igreja com o povo historicamente oprimido.
Em 1991 surge a proposta de eu ser vice-prefeito da cidade de SJM. Em 1991 eu entro em um
concurso público realizado pela ONG São Martinho, que precisava de funcionário e acabo sendo
selecionado, entre 30 pessoas, acabo entrando pra São Martinho e paralelamente a isso militando
próximo ao partido - diga-se de passagem quem me filou ao PT foi o Nelsinho, eu preenchi a
ficha dada da mão dele na minha casa em 1987, me filio em 1987.
De 1984 ate mais ou menos 1988 eu passei pelo partido político, li Abdias como inspirador,
tenho uma trajetória anterior. Em 1988 um Boom, 1988 e 1989 estava cansado - era um ritmo
alucinante. É importante dizer que entro pro banco Bamerindus como caixa acho que em 87, e ao
mesmo tempo eu estudava em Campo Grande e trabalhava em São Cristóvão: acabei tendo de
pedir pro Bamerindus me mandar embora, eu trabalhei 4 meses e além disso eu era militante, eu
chegava todos os dias na universidade atrasado. E alguns professores falavam assim: -“ Se você
continuar a chegar todo dia atrasado é preferível você não estudar e só trabalhar”. E eu optei por
estudar, mas era funcionário do Bamerindus, detalhe, o único caixa negro em 1987.
Então pra mim a disputa, eu topo a disputa, e sempre assumi enquanto eu disputava os melhores
cargos. Em 1991, venho para o São Martinho trabalhando como educador de meninos de rua,
posteriormente viro articulador, é uma espécie de coordenador de educadores e em 1991 coma
uma articulação em SJM pra saber quem era o vice, o candidato era claro o Jorge Florêncio , mas
o vice ninguém sabia. Como nos anos anteriores eu tive uma visibilidade considerável na
imprensa, e ate hoje eu tenho os jornais de diversas entrevistas que eu dei para O Dia - quase que
sistematicamente, artigos meus ou escritos ou de entrevistas, eu acabei tendo uma visibilidade
muito grande e daí foi natural ser chamado pra ser o vice.
RENATO - E essa visibilidade foi por conta da tua inserção na Igreja?
JUCA RIBEIRO - Na igreja! Na campanha da fraternidade fundamentalmente. É importante
colocar também que por volta de 1989 eu me afasto dos agentes pastorais negros e me vinculo ao
Grupo de União e Consciência Negra (GRUCON), um ano depois eu passei a ser presidente
estadual, fui durante duas gestões, 2 anos mais 2 anos. E depois fui inclusive tesoureiro desse
grupo no plano nacional.
RENATO - Explica como é a organização do grupo.
JUCA RIBEIRO - É uma organização nacional fundada em 1981, foi o primeiro grupo formado
pela Igreja Católica. Antes de existir os APN´s existia o grupo de união e consciência negra
fundado pela Igreja - a nata da teologia negra estava reunida nesse grupo. Foi o maior grupo negro
capilarizado no Brasil, enquanto estava na igreja católica. Em 83 se divide, o grupo laico sai mas
não deixando de ser católico. Uma coisa muito clara: “queremos uma organização que não seja da
igreja mas continuamos como católicos”. E o grupo que ficou resolveu ficar ainda como católicos
dentro da igreja resolvendo criar uma organização de agentes de pastoral negros. E o grupo
consciência negra era um grupo articulado nacionalmente pelo fato de ter tido aquela formação
dentro da Igreja Católica.
Em 1989 eu me vinculo ao grupo de consciência negra e anos depois passo a ser presidente
estadual no primeiro e segundo mandato. No meu primeiro mandato eu dei uma alta visibilidade
ao GRUCON. Com toda a experiência que eu tinha acumulado anteriormente na igreja e com os
vínculos que eu tinha, eu consegui aprovar literalmente 3 projetos pro GRUCON. eu aprovei, um
projetinho pra CERIS, para o conselho mundial de igrejas que fica em, a sede , não me lembro o
país e o outro pra Miserior (???) que fica na Alemanha. O primeiro mandato foi muito
interessante, no ano de 1991 e 1992.
501
Nesse período sou chamado pelo PT pra ser candidato e vou para São Martinho, você vai saber
operar isso dentro dos textos... eu trabalho de dia e faço campanha à noite e no final de semana.
(2º lado)
JUCA RIBEIRO - Nesse ano de 1992 meu pai aparentava ter problemas de saúde, e aí também
eu começava a sentir uma série de cobranças sobre o conceito de religiosidade, de mística em
relação a tudo o que a Igreja tinha me passado no campo da questão da negritude, um pouco a
minha insatisfação profissional e daí começo a fazer uma profunda reflexão e questionamentos
acerca, não de valores, mas daquilo que eu tinha constrdo naquele período pra mim. Eu tinha
chegado à conclusão que eu tinha feito muita doação pros outros, e pouca construção para minha
própria vida. No prazo de 10 anos eu tinha construído em termos de entrega pra militância, para a
luta negra, mas tinha produzido muito pouca pra mim, e isso foi horrível, muito ruim.
Daí que em 1993, meu pai continuou doente, final de 1993 ele vem a falecer e eu fico
efetivamente muito mal, uma crise muito difícil de se encarar. Daí eu tinha dado uma afastada
radical do Davi por conta de várias criticas que não eu tinha feito, mas um conjunto de gente
havia feito. De 1993 para 1994 Davi me chama em uma reunião em Tomazinho, disse que estava
organizando um movimento de pré-vestibular e perguntou se eu não estava a fim de ir com ele.
Daí eu fui nessa reunião, encontro o Alexandre, o Zumba também tava, o Jair e etc... Na realidade
estavam os fundadores.
RENATO - Você os conhecia?
JUCA RIBEIRO - Eu conhecia o Jair, não sei você se lembra, ele é um professor negro, ele
estava na reunião do Grupo AfroCultural 20 de Novembro. Foi a 1ª reunião que o Davi me
chamou, e não me lembro basicamente o conteúdo, mas era inserção no mundo acadêmico, pré-
vestibular. Pra mim aquela linguagem era nova era uma coisa plinçada (???) pelo Davi e isso no
2º semestre de 1993 ou 1994... pra você que esta trabalhando com terririo e data isso pode ser
um problema, mas seja como for o Davi me estimula a montar um núcleo em 1994, e eu topo.
Onde eu vou montar esse núcleo, quem sabe na ABM tem infra-estrutura, conheço todas as
pessoas, fui candidato a prefeito anteriormente, muitos são da igreja, são do movimento(??/), daí
eu faço uma proposta concreta à presidente na época (não sei se era a Lia), e ela cede o espaço.
Daí eu fundo o 2º núcleo do PVNC, o 1º foi o Pré Matriz e o 2º o Pré ABM, que funcionou quase
10 anos, uma pena que não funcionou 10 anos, aí é uma outra esfera.
RENATO - Eu queria que você falasse mais sobre a tua relão com o PT, você se filou em 1987
e foi convidado a ser candidato de 1991 pra 1992. Ao longo desse intervalo você militava também
no partido?
JUCA RIBEIRO - Militava ativamente, fui fundador do núcleo de negros do PT de SJM na
época. Um dos poucos núcleos existentes no estado, nessa época existia um núcleo da igreja
majoritariamente de militantes atuantes e que aglutinavam algo em torno de 20 pessoas. Umas das
testemunhas desse núcleo de negros do PT é a nossa pastora Cacá. Tinha uma participação
organizativa , orgânica, e fiz parte da articulação naquela época que era vinculada a igreja, hoje
nem tanto. Articulação daquela época era uma outra articulação uma presença de igreja, uma
mística muito forte, um grupo que, se não me falha a memória, nem tinha hegemonia partidária
dentro do PT como força potica. Então era um militante com uma forte vinculação na estrutura
partidária no apelo racial.
RENATO- E a tua circulação dentro do partido era em SJM mesmo?
JUCA RIBEIRO - Era basicamente em SJM, nunca tive pretensão de ampliar meus horizontes
no plano da articulação partidária e circunstancialmente eu cheguei a presenciar vinda de
502
militantes do pt aqui do RJ a irem ir a reuniões do núcleo de negros do PT de SJM para saber o
que estava acontecendo, tal era o modelo de organização que a gente estava consolidando lá.
RENATO - E vocês promoviam atividades?
JUCA RIBEIRO - As nossas atividades eram reuniões regulares, de reflexão, de intervenção no
interior do partido já que não existiam outros modelos, então era uma coisa embrionária.
Lamentavelmente hoje eu não sei como está composta essa articulação, essa força organizativa,
mas é uma pena que esse tipo de modelo não seja tão estimulado. A organização na forma de
núcleo de negros por diretório. Foi interessante, chegamos a construir algumas atividades, mas
mesclavam em termos de identidade, os negros que estavam no PT eram os que estavam na igreja
e que também estavam em algumas entidades da baixada. Estávamos sempre nos vendo.
RENATO - Quais eram essas entidades? Dá pra você pontuar algumas?
JUCA RIBEIRO - Na época, eram o Grupo de União e Consciência Negra em SJM, eram os
Agentes de Pastoral do Negro em SJM, existia uma entidade que temos que fazer uma menção
honrosa que é o Instituto de Pesquisas e Estudos das Culturas Yorubás, que era coordenada pela
Geisia e Jairo que tinha como objetivo promover estudos e pesquisas sobre as culturas yorubás e
propor pretensiosamente formas organizativas de resistências das comunidades de terreiros da
baixada.
RENATO - Então essa entidade extrapolava o âmbito da igreja católica.
JUCA RIBEIRO - Certamente, assim como o próprio Grupo de União e Consciência Negra
nesse momento extrapolava pelo seu apelo de independência, embora em sua maioria estivessem
negros católicos.
RENATO - As figuras circulavam nesses 3 fóruns, digamos assim.
JUCA RIBEIRO - Nesses 3 foruns, o Ipelcys (???) era uma instituição majoritariamente de
gente do candomblé mas fazia parte dessa rede de pessoas que circulavam mas nem tanto
vinculado organicamente ao PT, não temos notícias que tinha gente filiada ao pt. Isso é necessário
se falar.
RENATO - No GRUCON e na igreja...
JUCA RIBEIRO - Sim, tinha gente vinculada e filiada.
RENATO - Fale mais sobre seu vinculo na Igreja...
JUCA RIBEIRO - eu era um agente de pastoral, eu tinha uma identidade e nós construirmos
diversas ferramentas para trabalhar com as comunidades de base ou nos grupos que nos
solicitavam, não tínhamos lap top e nem celular, trabalhavam com transparências que eram
mediadas com fitas cassetes de histórias, uma delas que foi vitoriosa utilizada para
conscientização da populão negra naquela época, a fita foi apresentada mais de 10 mil vezes no
Brasil - era um cálculo estimado, era a “História que não foi contada”, não sei se você ouviu falar.
Era a história dos negros desde a saída da áfrica até 1988. Era uma narrativa feita pelo Seu
Sebastião que era do Grupo de União e Consciência Negra.s estimulávamos o grupo a fazer o
debate, nós íamos nas casas de família, nas igrejas nos bairros, era feito um trabalho voluntário de
massas, você conversava com a populão, de desenvolvimento com a população negra.
503
Entrevista com Juca Ribeiro- Dia 29/08/06
(1º lado)
RENATO Na outra conversa que a gente fez, no outro papo que a gente teve, você deu uma
explorada legal na tua trajetória. Eu queria retomar um pouco isso, antes da gente falar dos
embates internos do PVNC mesmo, e eu queria que vofizesse pra mim um mapeamento
também. Porque, conforme eu te falei, eu estou fazendo esse trabalho sobre as dimensões
espaciais do movimento, e eu cheguei a te falar naquele outro dia, que eu tenho a tese de que o
fazer da potica é uma experiência espacial. Então, são as experiências espaciais que informam a
maneira como você se comporta no fazer da política. E aí, eu cheguei a falar com você naquela
vez, que eu tenho a tese de que muitas das coisas que aconteceram no PVNC aconteceram por
influência, nos comportamentos de cada um, de outros embates que cada um trazia de outros
lugares em que participava. E aí, eu estou trabalhando com a idéia não só de movimentos sociais,
mas de “campos de movimentos sociais”, que é uma teoria de um italiano, o Alberto Melucci,
que, ao invés de você pensar no movimento social como “uma coisa”, uma entidade, uma
organização e tal, você tem áreas de movimento, campos de movimento, que reúnem diversas
entidades às vezes, diversas formas de ativismo, diversos ativistas, e o sujeito que está num lugar
está em outros também e ele carrega embates de um pro outro, ele carrega capitais de um pro
outro, carrega formas, comportamentos, etc. então, eu estou tentando agora, neste momento,
laar um olhar sobre isso. Sobretudo, o início do PVNC. Primeiro, pensar como é que aquela
coisa se constitui. Você era de Igreja, por exemplo. Tinha lá a relação com o Davi, com o Salão
Quilombo e tal. Mas, tinham outras coisas que influenciavam. Você, além da Igreja, tinha uma
militância – que você explorou naquela vez, naquele depoimento bastantes legal – no movimento
negro, no começo dos anos 80; a partir daí você começou a se envolver com a militância
partidária também. Você era do PSB primeiro, não é isso, e depois foi pro PT?
JUCA – Não, na realidade eu tive uma passagem “simpática” pelo PSB, não uma atividade
orgânica, coisa assim de um semestre. Você não pode chamar de uma coisa orgânica, né? Mas
tive uma passagem rápida. Inclusive, quem fez a minha filiação no PT, na época, foi o próprio
Nelsinho. O Nelsinho, ele praticamente levou a ficha dentro da minha casa e eu falei “vou me
filiar sim”. Isso foi em 87, mais ou menos. Mas eu acho que foi uma trajetória relativamente
rápida, na medida em que foi 87 eu me filio, e em 92 eu fui candidato a vice-prefeito, então foi
uma coisa rápida, né?
RENATO – uma ascensão meteórica!
JUCA – porque naquele período, a questão racial, a Igreja capitalizava a atenção de amplos
setores. Porque em 88 teve a Campanha da Fraternidade. E, nos anos anteriores, tinha um
movimento muito forte, de fortalecimento e organização dos grupos negros dentro da Igreja. Ou
através dos Agentes de Pastoral, ou através da articulação de religiosos negros dentro da Igreja.
Então, quando chegou em 88, na grande Campanha da Fraternidade, “Ouvi o clamor deste povo”,
toda a militância politizada negra da Igreja já estava preparada, pois há havia 2, 3 anos de
preparação. Daí que, como esse núcleo mais, eu diria, mais robusto e mais articulado tinha no Rio
de Janeiro a sua referência, no conjunto da Igreja – em São Paulo também existia uma boa
referência, a partir do Padre Toninho e do Padre Batista, falecido Padre Batista -, no Rio acabou
se acentuando a visibilidade de alguns atores. E, entre esses atores, pelo fato de eu estar muito
próximo do Davi, acabava respingando em mim também, como referência.
RENATO – O Davi já era uma referência nacional nessa época?
JUCA – O Davi estava tornando-se uma referência nacional...
RENATO – Por conta disso? Foi nesse processo ou ele já era antes?
JUCA – Não, estava tornando-se uma referência. Nesse período ele estava liberado pelos
franciscanos para assumir a organização e o fortalecimento da luta negra na sociedade e também
de uma composição negro-católica no interior da Igreja. Então, ele era liberado pelos franciscanos
como é hoje liberado ainda, né? Com outro viés. Então, naquela época eu tinha uma vinculação a
ele então acabava tendo visibilidade também, porque sabia dos principais passos que o Davi dava.
Na realidade o nosso relacionamento de militância, era esse tipo de relacionamento que a gente
504
está tendo aqui: almoçar junto, jantar junto, trocar iia, estar articulando e construindo,?
Então, eu me tornei uma referência importante por conta desse capital simlico que o Davi,?
E daí, quer dizer, isso se justifica, dessa trajetória metrica, de 87 estar me filiando e 92 estar
sendo candidato a vice-prefeito. Como você bem reparou, eu deixei alguns artigos d’O Dia
contigo. São alguns artigos. Na realidade, eu dei várias entrevistas pro jornal O Dia e outros
jornais nesse período. Eno eu acabei tendo uma grande visibilidade. Agora, nunca muito
associada ao desejo de me tornar um agente público, pelo contrario, as coisas aconteceram de uma
forma natural.
RENATO – Como é que era essa dinâmica, você que era da Igreja, uma coisa que eu estou
tentando entender e ainda não consegui capturar direito. Como é que era essa dinâmica de relação
dessa questão racial dentro da Igreja? Por que, de um lado, o surgimento do PVNC vem muito por
.... a própria APN é uma coisa que eu ainda não consegui entender muito bem. Porque, por
exemplo, você estava falando agora há pouco, na hora que a gente estava almoçando, dessa
diferença entre Agentes Pastorais Negros e pessoas filiadas à Agentes de Pastoral Negra.
JUCA – A distinção, esse conflito, e essa crença, vem exatamente de alguns conflitos de meados
dos anos 80 até o início dos anos 90. Os Agentes de Pastoral Negros no Brasil, eles eram todos os
agentes de pastoral. Em outras palavras: eram padres, agentes de pastoral; eram religiosos,
agentes de pastoral; e os leigos, agentes de pastoral. Na verdade, existia uma espécie de “status”
no campo dos Agentes de Pastoral Negros, que tornavam todos iguais. Então, o padre era agente
de pastoral negro, o leigo era agente de pastoral negro. Mas, na hora de algumas decisões serem
tomadas, existiam alguns desequilíbrios, por conta dessa hierarquia institucional pesar na tomada
das decisões. Nesse momento então, em função dessa tensão, surgiu então, em função de
interesses, poticos internos, em função de visão de mundo, em função da nova descoberta da
dimensão religiosa mística para além da dimensão católica, surgiram esses conflitos. Alguns
diziam: “eu quero continuar na Igreja, eu quero continuar sendo agente de pastoral negro, mas eu
o quero ter uma Pastoral. Eu sou um negro, porque eu estou dentro de algum tipo de pastoral
que a Igreja tem, das mais variadas pastorais. Como militante negro, articulado pra construir um
projeto eclesial da negritude enquanto igreja e jogar essa noção de negritude enquanto Igreja pra
fora, pra todos perceberem que a Igreja também pertence à população negra”. Então, essa era a
visao daqueles que tinham uma visão eu diria autônoma. Uma visão autônoma. E existia aqueles
que diziam “não, eu estou aqui, vocês estão aí, e ao estar na Igreja tem que estar vinculado a uma
pastoral”. Toda pastoral é um órgão institucional hierárquico, onde, logicamente, se você conhece
a Igreja, como a CNBB articula no Brasil, toda Pastoral tem um bispo auxiliar ou um bispo titular
que é, na realidade, “o cabeça”, articulador e responsável pela pastoral...
RENATO – em escala nacional?
JUCA – Em escala nacional! Então, isso tensionou muito, e toda aquela estrutura que foi criada
desde o início dos anos 80 até o início dos anos 90, se quebrou toda, se deteriorou toda, por conta
de várias dimensões de luta e conflito interno.
(PAUSA)
JUCA – Saí, por que? Problemas pessoais na minha vida aconteceram, novas dimensões
religiosas começaram a ocupar também as minhas preocupações enquanto ser existencial. E,
outros não... saíram porque tiveram conflitos. Eu não saí por esse motivo conflituosoideológico
ou dogmático. Não foi por conta disso. Então, essas duas divies, são duas divies que, de certa
forma, eu acho que permanecem até hoje, não tenho informações mas eu acho que você deve ter
conversado com Frei Tatá talvez ele tenha passado alguns dados novos pra você que você possa
estar cruzando informação. Mas é o que eu vivia naquela época.
RENATO - E, como é que você vê esse conflito, por que... nessa coisa da APN, nas pesquisas
que relacionam a questão racial com a educação – eu me lembro do tempo em que eu estava no
PPCOR -, eu comecei a recolher material sobre negro e a educação. E, eu encontrei ali, nesses
materiais, registros de encontros de APNs, por exemplo, no Sul, com uma discussão muito forte
dentro do campo da educação e do negro. Encontros, seminários formalizados, etc. Esses debates
sobre negro e educação que rolavam dentro das APNs, isso teve alguma relação com a criação do
PVNC?
505
JUCA – Eu acho que não. Eu nunca ouvi falar sobre isso e, na realidade, você tinha no Sul a Vera
Triumpho, que era a pessoa que tocava essa discussão lá no Sul junto com as APNs. Mas, no Rio
de Janeiro, efetivamente não existia.... nunca teve essa vinculação. E, eu te digo o seguinte: eu me
lembro, e eu acho que é um ponto importante a registrar na sua pesquisa, que pode colaborar
contigo... O Davi, claro, foi a fonte inspiradora, a fonte motivadora pra o que eu chamo da “1
a
geração”. Quem foi a “1
a
Geração”? Foi a geração fundacional. A 1
a
geração do Pré-Vestibular
para Negros e Carentes, foi a geração fundacional. Então, você tem os fundadores. Desses todos
fundadores, com exceção de um, absolutamente todos não tinham nenhum tipo de vinculação com
a questão racial – eu já tinha te falado isso, e se não falei estou falando agora. Nenhum deles tinha
vinculação direta ou indireta com a questão racial, com exceção de um, que era o Jair. Não sei se
você já ouviu falar desse nome. Esse Jair já tinha uma vinculação com a questão racial, pelo fato
de eu já ter participado com ele, pelo menos em uma reunião, do Grupo Afro-Cultural 20 de
Novembro – eu tinha te falado que eu cheguei a participar de duas reuniões. Por quê que eu digo
que é significativo? Porque o Davi tinha um dilema. Recuperando, que eu acho que é importante,
eu acho que ele tinha um dilema: ele queria montar um movimento de promoção de oportunidades
educacionais com um grupo que não tinha nenhuma vinculação e até resistência com a questão
racial. Entre os fundadores, existiam tensões claras de resistência à questão racial. Isso faz parte
da biografia dessas figuras. O fato do Davi ter me chamado colaborou pra que a questão racial
pudesse ter mais foco e ele pudesse ter mais agentes pra promover um certo alinhamento com a
questão racial. Quando eu entro? Eu chamo que eu não fui da 1
a
geração. Eu diria que eu fui da
Geração Intermediária” que vem logo em seguida, porque na realidade, eu participo de uma
reunião com todos os fundadores mas eu não me sinto fundador, já que só em abril ou maio de 94
eu monto o segundo núcleo de Pré-Vestibular para Negros e Carentes, que é o Pré
GRUCON/ABM. Por que? Eu era membro do GRUCON, eu era presidente, e acreditava que o
GRUCON tinha que se aliar à ABM, numa aliança e criar o Pré-Vestibular para Negros e
Carentes. A concepção era exatamente essa. Então, na realidade, ao ser chamado pro Pré-
Vestibular para Negros e Carentes, na realidade, o Davi precisava de quadros experientes na
questão racial que pudessem promover essa concepção de organização do discurso linear que
tinha que ser construído no pré-vestibular – que, na época, não era Pré-Vestibular para Negros e
Carentes. Também é importante ressaltar que o Pré-Vestibular para Negros e Carentes tornou-se
Pré-Vestibular para Negros e Carentes.
RENATO – era o quê na época?
JUCA – era qualquer coisa, menos Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Ele tornou-se Pré-
Vestibular para Negros e Carentes, ele não nasceu Pré-Vestibular para Negros e Carentes. E, foi
numa assembléia de Duque de Caxias que essa decisão foi tomada. E, eu, particularmente, na
época, – eu já tinha te comentado -, eu ia votar contra, ia defender “Pré-Vestibular para Negros”,
ou alguma coisa nesse viés mais radicalizado. Mas, houve a votação, e eu nem vi a votação. Eu
estava lá, na plenária e nem estava muito preocupado com isso -pra você perceber que eu tinha
uma espontaneidade muito clara. Eu sabia que um movimento com aquelas características naquele
momento tenderia a crescer, e que, em qualquer momento, o nome ou qualquer instância
construída poderia cair por terra. Mas, de fato, de fato, eu queria.... eu acho que isso é importante
colocar, ele tornou-se Pré-Vestibular para Negros e Carentes, e a necessidade de incorporar novos
quadros foi uma necessidade estrutural que deu pra capear e consolidar o que foi, há alguns anos
atrás, o Pré-Vestibular para Negros e Carentes. É importante destacar que, dos fundadores,
daqueles que iniciaram em 93, eu te garanto que mais de 80%o permaneceu nos próximos dois
anos subseqüentes, até 96... então, ué... a coisa do “mito fundacional” tem que ser repensada.
Tanto na qualidade, quanto no conteúdo quanto na forma. E aí, quem sai ganhando muito, é o
próprio Davi, que acaba sendo uma figura central no processo de construção, porque todos os
indivíduos que faziam parte desse processo acabaram sendo colocados “com vassoura embaixo do
tapete” da própria construção da história do Pré-Vestibular.
RENATO – quem você chamaria? Quais são os nomes que você elencaria nesse “núcleo
fundacional”, a “1
a
Geração”?
JUCA – hoje, por exemplo, estamos em 2006. certamente, essa é a 8
a
ou 9
a
geração... eu não
conto geração por ano. Eu conto geração por “ciclo de influência”. Eu compreendo geração por
506
ciclo de influencia. Então, eu diria que eu fui de uma geração intermediária, eu diria que eu fui da
geração que mais trabalhou a questão racial! Sob o ponto de vista não só de um trabalho orgânico,
mas também sob o ponto de vista da formação de quadros orgânicos. Então, quem eu chamaria,
que eu destacaria? Você tinha nesse fundador acho que era o Luciano, o Zama, o Alexandre, e foi
um outro grandão... o Antonio Dourado... o Jair... e mais 3 ou 4 nomes.
RENATO – o Zama também não era ligado à questão racial?
JUCA – eu nunca vi ele, na minha trajetória anterior, em luta racial nenhuma. Porque, eu sabia
quem era do movimento negro. Eno, se era, estava em outro território, vamos usar uma
linguagem geográfica. Não estava... ou era um visitante eventual em determinados eventos,
determinados espaços sociais coletivos do movimento negro, mas não era um militante orgânico,
nenhum deles, com exceção desse Jair.
RENATO – e eles militavam aonde? O Alexandre, ele militava em quê antes disso?
JUCA - não sei... o Antonio Dourado tinha uma formação marxista, crítica, etc... alguma coisa
nessa linha. Eu não sei se você conseguiu marcar alguma coisa com ele...
RENATO – não... esse cara eu já ouvi falar muito dele.... está naquela página, naquele
históricozinho que você sempre criticou.. realmente não dá pra manter aquilo... aparece o nome
dele mas eu nunca vi esse cara..
JUCA – Esse mito fundacional.... na realidade, nenhum deles tinha uma relação com a questão
racial. Eu acho que na tua pesquisa isso é fundamental. Nenhum deles tinha uma relação. Não
tinha, e, inclusive, tinham resistência. Então, a saída do Davi foi, inteligentemente, trazer gente
pra dar corpo ao discurso dele, que as pessoas tinham resistência. Então, isso é fundamental.
RENATO – isso que vo está falando é mesmo...
(PAUSA)
RENATO – Você está me colocando uma narrativa que eu, realmente, nunca tinha pensado nesse
sentido e nunca ninguém tinha me falado dessa maneira. E, aí, me traz uma outra questão: o Davi
já tinha aí uma trajetória, um caminho, com aliados, com pessoas que já vinham trabalhando,
construindo coisas com ele – como você, por exemplo -, mas, ao mesmo tempo, e aí, ele vai
constituir esse grupo fundacional com pessoas que não mexiam com a questão racial. Por que
então ele montou com esse grupo... primeiro: essa tua versão coloca o Davi como o centro
emanador, que chama pra construir o primeiro: “vamos montar o pré-vestibular”, concretamente.
JUCA – e ele atribui essa situação à experiência que acontecia lá na Steve Biko. E, efetivamente,
a história da presença dos APNs é um pouco confusa. Porque, efetiva, efetivamente mesmo, e aí
eu chamo de uma geração próximo à primeira, logo em seguida – quer dizer, o pré vestibular foi
montado em agosto de 93, não é isso? Junho... e eu monto um outro pré, o segundo pré com
menos de um ano. Eu poderia até me reivindicar como um fundador, mas aí eu nem me coloco
como fundador. E, nesse período, eu não vejo uma presença definitiva dos APNs nessa história
toda. O Davi tenta trazer os APNs, mas os APNs, têm dificuldade, têm muita dificuldade. Até
porque eu fui membro dos APNs em São João – eu fui fundador. Eu fui da 1
a
Comissão
Diocesana, que era São João e Caxias. Então, eu sabia o que estava rolando. Na realidade, o Davi,
ele, de forma muito habilidosa, utilizava o nome das APNs quando na realidade era ele próprio
particularmente que construía isso tudo, e nós sabemos que ele tem essa característica de operar
com base numa personalidade muito marcante...
RENATO mas, sabendo utilizar as ltiplas identidades pelas quais ele circula?
JUCA – A marca! As múltiplas identidades. Que é... antes ele tinha sido da Comissão de
Padres, Seminaristas e Religiosos Negros e, nessa comiso que hoje o existe maisele já
tinha tido alguns conflitos pelo fato de falar em nome dessa comissão. E, aí, o buraco era mais
embaixo! Vários padres, vários religiosos, vários seminaristas reunidos... então, você não pode
sair falando em nome deles senão o bicho pega, né?? Então, existiam precedentes conflituosos. A
gente pode até pensar mais na frente. Eu acho que agora se resolveu, porque foi montada uma
ONG só pra ele poder trabalhar... e aí, ele vai poder trabalhar do jeito que ele quer, porque, na
arena coletiva, a diversidade é o grande barato das relações vivenciais. E ele sempre teve
dificuldade de viver com o diferente, né? Com o outro...
RENATO – Isso que você está falando da relação dele com APNs, e tal, essa coisa dele
representar a APN.... isso já apareceu em outros momentos também da minha pesquisa. Acho que
507
foi o Nilton Jr., que me passou até uma carta dos APNs pra Jurema Batista, na Assembia
Legislativa dizendo que o Davio representava os APNs...
JUCA – Estou te dando em primeira mão que eu participei dessa reunião quando essa decisão foi
tomada. Essa decisão foi tomada...
RENATO – de fazer essa carta, você diz?
JUCA - Eu estava nessa reunião, como convidado, entre amigas – a maioria eram mulheres, que
tomaram essa decisão. Essa decisão foi tomada na Cidade de Deus, na casa de uma amiga minha,
e eu estava nessa reunião. Eu fui lá só pra tomar cerveja e trocar iia com as meninas. E elas
falaram: “estamos numa reunião pra decidir uma situação. É isso, e isso, e isso... vamos
encaminhar uma carta pra Jurema Batista!” E eu falei: “Eu estou aqui como observador e tomando
a minha cerveja”. Então, pra dizer que eu vi como essa carta foi produzida... na Cidade de Deus. E
é isso...
RENATO – agora, me diz uma coisa. O Davi, então, inspirado nessa experiência... ele relata
outras coisas também. Ele fala da história das bolsas em São Paulo – as bolsas que foram
concedidas em 92 pra PUC de São Paulo pelo D. Paulo Evaristo Arns. E aí, como ele tinha essa
ligação, ele era daqui do Rio, então não tinha como pensar numa coisa dos estudantes do Rio irem
fazer PUC em São Paulo, então, ele começou a pensar numa coisa aqui... até vir essa história do
pré – essa é a versão dele – até vir essa idéia de fazer um curso pré-vestibular pra criar
tensionamentos e tal.... e ele constituiu um grupo de pessoas de outras esferas – que é esse grupo
fundacional que vo está falando -, que o mexia com a questão racial.... surgiram essas
pessoas... e muitas delas saíram. Eu nunca vi o tal do Antonio Dourado, nem o tal do Luciano... e
tem um outro, o Zeferino também....
JUCA – O Zeferino eu acho que ele o faz parte do grupo fundacional não... eu acho que ele é
de uma geração igual à minha ou posterior. Ele é de Petrópolis.
RENATO - Pois é.naquele texto da página, ele aparece como fundador também. Mas aí, eu
sei que...
JUCA – até porque ele era de Petpolis.
RENATO – Pois é. Isso também. Outra pessoa me falou isso. E aí, ele, o Davi, ele vai e cria essa
iniciativa... pela conclusão que eu chego é que ele constitui esse grupo, chamou essas pessoas,
porque elas tinham algum vínculo com a educação, não com a questão do negro. Como era uma
iniciativa do campo da educação, ele conhecia pessoas que eram educadoras, etc. , mas que não
tinham um vínculo com a questão racial. E, depois, essa narrativa que você está fazendo é
bastante interessante – depois ele vem chamar pessoas que tinham a ver com a questão racial pra
racializar o negócio que esses educadoreso estavam...
JUCA – que não teria saído. Como até hoje você vê que – eu diria, um núcleo – o Pré-Vestibular
para Negros e Carentes tem um núcleo de tensão, um núcleo de resistência à questão racial! Até
hoje existe isso. Na realidade, se você não mantém um cleo de resistência na questão racial,
certamente a questão racial tende a se diluir e tende a se perder tornando-se então um pré-
vestibular com outro viés. Portanto, o que mantém o Pré-Vestibular para Negros e Carentes como
Pré-Vestibular para Negros e Carentes é exatamente esse viés. Eu estive num seminário na
Candido Mendes, quando uma liderança de um pré-vestibular com as mesmas características do
Pré-Vestibular para Negros e Carentes disse, olha: “60%, praticamente, dos nossos alunos, são
brancos”. Não sei se eu já tinha te falado isso, mas, pra mim, isso é complicado.
RENATO – circulando por núcleos pra dar aula de Cultura e Cidadania eu já vi isso. De chegar
no núcleo e a maioria dos alunos são brancos.
JUCA - na realidade, toda ação de natureza coletiva que vise beneficiar a população negra e de
alguma forma alcance a população branca, essa ação de benecio que alcança a população branca
tem impactos sobre o conjunto dos benefícios que vão ser gerados para a população negra de
forma negativa. Portanto, eu sou signatário de um movimento de promoção de igualdade de
oportunidades educacionais com radicalidade de foco na questão racial. Portanto, o EDUCAFRO
que tem quase 60% de brancos, que promove ações que eventualmente venham a beneficiar a
população negra, mas também esse benefício vem a se estender à população branca pobre, esse
benefício tem impacto sobre a população negra. Eu imagino que tenha, numa sociedade
racializada como a nossa. Isso aí ainda não está medido, mas precisa ser medido. Eu trabalho com
508
inserção no mercado de trabalho. Eu sei que os critérios adscritivos (sic) pra definão de
pertencimento, de incorporação no mercado de trabalho é o processo de cor e de aparência. Eu
uso critérios de promoção que eu sinto que é historicamente oprimida, no meu trabalho. Isso é
uma postura militante, progressista e afirmativa. Quem não pode me dizer que a postura de um
cara que está dentro do mercado, ele não possa ter uma postura oposta à minha, baseada em
critérios raciais de promoção de determinados padrões que não são os padrões... padrões de
estética mesmo? Bom, eu vou hoje empregar uma pessoa branca... porque aqui, é assim que é!”
então, vão os brancos dos pré-vestibulares populares, pobres! Brancos dos pré-vestibulares
populares! Parabéns! E aí, você vis-a-vis...
RENATO – Isso que você está falando é crucial pra gente pensar a constituição das ações
afirmativas... e eu venho chamando essa constituição do pré-vestibular, e essa abertura de
conceses do ponto de vista da racialidade, de “pactos ideológicos frouxos”. Todo mundo que eu
entrevisto chama a atenção pra isso, pra dificuldade – o Nelson explorou muito isso - que o PVNC
sempre teve de assumir identidades. E aí, agora, esse depoimento... assumir identidades do ponto
de vista político-partidário... assumir identidade do ponto de vista da radicalidade da racialização
e eu acho que o seu depoimento agora consegue me explicar o porquê disso. Porque a frouxidão
do pacto ideológico está na fundação do pré-vestibular. Ele já nasce de um pacto que é,
ideologicamente, frouxo. É o Davi com mais um cara que era da questão racial e o resto do grupo
que não topava... e, aí, pra fortalecer essa tendência ele começa a chamar, logo depois, pessoas –
como você – pra poder trazer e fortalecer, pra consolidar o discurso racial...
JUCA – senão, não tem saída. E, nesse período, foi o período que eu começo a produzir
pequenos papers, sem nenhum compromisso. E aí, faço “Por um projeto quilombola”... eram
coisas simples... começo a definir os campos... eu fiz uns três pequenos textos, apenas pra provar
que era possível produção teórico-ideológica. Pra um pré-vestibular progressista, tem um texto
um pouco melhor, que fala de um pré-vestibular progressista, pluralista, de massas... não sei se
você conhece esse texto... que é um chamado, de um campo ideológico mais à esquerda,
progressista e tal. Enfim, é quando começam a surgir os textos. Depois que eu faço o primeiro e o
segundo textos, começa todo mundo a fazer texto, e aí os textos comam a circular de forma
importante. Acho que o advento de uma... que a modernidade traz aos movimentos sociais,
determinados benefícios e determinados atrasos relativamente. Por exemplo, no nosso tempo, a
internet não era utilizada. Hoje você tem militantes cirbernéticos do Pré-Vestibular para Negros e
Carentes. Uma coisa inimaginável até o início dos anos 90. A nossa relação era pura e
simplesmente por telefone, por carta ou por um ponto de referência no sábado no final do dia –
que seria em São João de Meriti, no bar Hepatite, ou em Caxias lá em cima no Zeca, no Pré Afe,
na Pizzaria. Ou, algum bar da periferia, em algum lugar onde acontecia alguma coisa. Eu acho
que é importante pensar a importância da internet para o Pré-Vestibular para Negros e Carentes.
Não sei se você já parou pra pensar, mas a forma ágil como as pessoas agora podem se comunicar
e podem se articular é vertiginosa...
RENATO e não garante maior dinamismo, nem maior força....
JUCA – e não garante dinamismo, não garante aderência, é uma identidade virtual, é uma
militância virtual cujo DNA é muito frágil. A identidade somática é muito frágil. É uma coisa que
precisa ser pensada. Eu, de vez em quando visito, escrevo, faço parte da rede e percebo, “não,
vamos ter reunião aqui... vamos ter reunião ali, etc, etc.”.... mas, não consigo compreender a razão
de um volume tão grande de informações e, às vezes, muitas informações totalmente
desvinculadas de alguns objetivos do pré-vestibular e...
RENATO me fala um pouco mais sobre esses conflitos pra dentro da Igreja. De 93 pra 94 é um
momento de formão e tal. Em 94, começam a aparecer alguns núcleos, né, primeiro o ABM, aí
depois aparece o Santa Clara, o São Mateus, o Metodista, esses ainda no começo do ano... do
meio pro final do ano surge o Rocinha também...
JUCA – Rocinha... tem o AFE também que se destaca..
RENATO – não, AFE, eu falei, ele começou como Metodista, depois é que ele vai virar AFE...
JUCA – É. É que teve Metodista também aqui, no Centro da Cidade.
509
RENATOaliás, me fala um pouco sobre isso, você que conhece essa dinâmica religiosa.
Primeiro: em Caxias, um pré Metodista. Você está falando que teve outro Metodista aqui no
Centro. Na Rocinha, o pré começou também na Igreja Metodista...
JUCA – sim, é porque, na verdade, existia toda uma relação com a Igreja Metodista pelo fato de
ter sido uma Igreja da linha ecumênica. Então, o relacionamento, o diálogo, era muito comum. Eu
próprio, cheguei a participar de um evento, na Igreja Metodista de Coelho da Rocha, com o Davi,
com os pastores Metodistas. Uma celebração de uma dessas datas importantes pra comunidade
negra internacional. Então, isso se dá muito em função de um relacionamento anterior com as
estruturas orgânicas da Igreja Católica dessa pactuação de um relacionamento amistoso, de
valorização do diálogo inter-religioso. Mas, figuras, efetivamente, nesse período, eu não tenho
como precisar. Mas, quem negociava e pactuava, isso era sem dúvida nenhuma o Davi.
RENATO – e essa Comissão de Religiosos Negros.... o GRENI....
JUCA – A Comissão de Religiosos, eu acho que ela foi, eu não sei exatamente a data em que ela
se dissolveu... mas eu acho que está entre 2003 e 2004....
RENATO – Mas eram só católicos que participavam?
JUCA – só católicos. Padres, seminaristas e religiosos negros. Eventualmente, nesses encontros
de padres, seminaristas e religiosos negros, às vezes participava um ou outro pai de santo, que era
convidado pra estar um pouco que partilhando a experiência religiosa afrodescendente de matriz
africana. Mas, na realidade, eu participei de algumas reuniões e não sei a razão pela qual se
dissolveu,? Mas, existem, no Quilombo, vários textos sobre isso. Aliás, no Quilombo o, mas
agora, na Comunidade Santa Clara, muitos desses arquivos iam ser jogados fora, mas parece que
os Agentes da Pastoral Negra da Comunidade Santa Clara... Santa Clara o, Comunidade de São
José, é que parece que recuperaram uma série de arquivos, e esses arquivos estão guardados lá.
Então, é uma fonte importante, uma fonte primária importante pra se compreender um pouco
como é que se dava esse processo de conscientização. De fato, na época, o que o Davi produzia
eram papers – papers de página frente e verso de conteúdos. E aí, naquela época eu me lembro
que produziu os 7 pecados... as 7... que é a história de números, né? Os 7 atos oficiais que
determinaram a discriminação racial do negro no Brasil. Não sei se você já ouviu falar nesse texto
dos 7 atos oficiais... isso começou, rapaz, em 87. Eu vi esse texto sendo escrito, e eu acho que
talvez eu até digitei lá, nessa época e, que se tornou depois um marco importante.
RENATO – Eu queria entender mais essa coisa da relação com a Igreja, pra compreender
sobretudo a figura do Davi. Porque, eu tenho essa tese de que muitas das coisas que ele fazia, ele
fazia na capitalização, ou nos impactos que isso teria nos outros fóruns nos quais ele participava –
dentro da Igreja, etc. você chegou até a escrever um texto, aquele doprojeto oculto”, baseado
num documento que você tinha dos APNs, né??
JUCA – não, eu acho que era do GRENI... não, da CRB, onde se descrevia claramente que... eu
não sei, eu acho que... pra fora, no interior da Igreja, todo mundo da Igreja, religiosos, acreditava
que o Pré-Vestibular para Negros e Carentes era um movimento da Igreja, quando, na realidade,
no interior do Pré-Vestibular para Negros e Carentes ninguém sabia, ou imaginava, ou se percebia
como parte da Igreja. Mas, nesse texto do CRB, ficava claro que, para os religiosos da Igreja,
alguns setores progressistas, eles viam o Pré-Vestibular para Negros e Carentes como um
movimento da Igreja – deles! E aí, isso gerou um grande conflito. Porque, na realidade, na
realidade, o que eu imaginava e que eu chamava de projeto oculto, era transformar o Pré-
Vestibular para Negros e Carentes num movimento de matriz... não de natureza, nem de matriz,
mas de dependência ou de estrutura orgânica da Igreja - acho melhor isso: de estrutura orgânica
da Igreja. Não é à toa que anos depois o Davi cria um movimento de estrutura orgânica dentro da
Igreja. Mas o que eu chamava de projeto oculto, que eu falava e hoje eu posso dizer com a maior
tranqüilidade, é que na realidade a idéia era transformar o Pré-Vestibular para Negros e Carentes
num movimento orgânico da Igreja. E, na época, puxa, 95%, 98% das pessoas que tocavam o Pré-
Vestibular para Negros e Carentes o eram de Igreja. Embora, várias paróquias tinham
incorporado a iniciativa de organizar pré-vestibulares. Inclusive, as paróquias, ou os agentes, as
pessoas vinculadas a essas igrejas, se tornaram os núcleos principais de resistência ao discurso de
autonomia, de independência, de ser um movimento laico, né? Isso foi um momento muito duro.
Um movimento muito difícil, porque, na realidade, a prática pra golpear as lideranças do
510
movimento autônomo, do movimento progressista, de nós que tínhamos uma convicção autônoma
e laica, era exatamente de sermos golpeados não diretamente pela figura principal, mas por
lideranças intermediárias, que era assim que as coisas se operavam. E, é assim.. né? Que eu vejo,
tenho... acho que você deve ter um documento que diz que eu era contra a ida, era contra os
alunos da PUC, eu era contra a PUC, era contra a entrada de alunos na PUC, tem uma história
assim...eu acho que vo tem o texto que fala sobre isso. E é uma coisa ridícula. Foi um momento
muito baixo, de um debate muito ralo, muito baixo, foi um momento que alcançou o P-
Vestibular para Negros e Carentes. Mas, tudo foi fruto de um momento histórico. Hoje, eu penso
o Pré-Vestibular para Negros e Carentes e vejo que, alguns males que nós combatemos no
passado se reproduziram depois que o Davi saiu. Se reproduziu o personalismo, se reproduziu o
autoritarismo – não sei nem se a gente poderia chamar de autoritarismo... não sei se populista, eu
diria o autoritarismo simpático, mas, uma modalidade de autoritarismo que consegue se
encapsular de um discurso progressista. Então, isso pra mim é um motivo de tristeza...
RENATO – aonde você localiza isso??
JUCA – eu localizo na conduta das pessoas, na tendência ao centralismo, no centralismo... eu
acho que talvez a palavra autoritarismo não seja a melhor palavra. Talvez a melhor palavra seja no
centralismo. Centralismo, controlismo não um controlismo simpático, nenhum controlismo é
simpático, mas, talvez... é um outro nome, um outro nome que a gente poderia dar. E que não tem
saída. Porque, na realidade, é exatamente por esse núcleo centralista que depende a questão racial,
pra própria sobrevivência da questão racial dentro do Pré-Vestibular para Negros e Carentes.
Então, se você tira esse núcleo centralista, a questão racial se dilui e se perde.
(PAUSA)
JUCA – e qual era a grande idéia que se pensava? Era reproduzir quadros pra que esses quadros
pudessem assumir, de geração a geração, o Pré-Vestibular para Negros e Carentes. E eu falei: eu
to saindo... e saí”. O Nilton Júnior disse: eu to saindo... s”. Cada um deu a própria contribuição.
Mas eu tendo a dizer que algumas pessoas só sobrevivem, pra questão racial, enquanto estiverem
dentro do Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Fora do Pré-Vestibular para Negros e Carentes
dificilmente essas pessoas tendem a sobreviver – têm voz curta, não tem visibilidade e
credibilidade... eu tenho as minhas dúvidas...
RENATO – quem?
JUCA – Euo gostaria de colocar nomes... mas eu tenho as minhas dúvidas...
RENATOme fala então um pouco mais sobre essa relação do P-Vestibular para Negros e
Carentes com o Movimento Negro. E, eu chamaria a atenção pra duas coisas: uma é essa que
você acabou de falar – eu também não vou citar nomes, mas eu também acho!! (risos). Há uns
dois anos atrás eu fui a Brasília pra fazer uma selão de projetos desse programa que o MEC
tem, o Diversidade na Universidade. Chamaram uma comissão, e tal, e eu fui também. E, lá
chegando, a comissão tinha o Ivair Augusto, o Ubiratam Castro, a Edna Roland, vinha o
Nogueira, da SEPPIR, acabou não vindo ele, veio um outro cara, um tal de Ivan... e eu, perdido lá.
E, no meio do dia, eu conversando com a Edna Roland, ela virou e disse assim: “esse negócio de
pré-vestibular... eu estou muito admirada de estar aqui hoje fazendo um negócio desse, porque
essa coisa de pré-vestibular, quando começou nos anos 90, ninguém no Movimento Negro levava
isso a sério. Todo mundo dizia que isso era maluquice do Frei Davi... e tinha curso que quase não
tinha negro, etc... então, ninguém dizia que isso era Movimento Negro”. Ou seja, o pessoal do
Movimento Negro não assumia aquilo como Movimento Negro mesmo, por conta da coisa dos
pactos ideológicos frouxos”... e, segundo, essa coisa dela dizer que era maluquice do Frei Davi.
Essa fala dela me chama a atenção pra dois aspectos: primeiro, o Movimento Negro, naquele
momento, não identificava aquilo como sendo uma iniciativa do Movimento Negro, como uma
iniciativa Movimento Negro.
JUCA – posso te falar? Eu era coordenador, naquela época, eu era presidente estadual do Grupo
de União e Consciência Negra, uma organização nacional. Eu levei pra nossa assembléia do
Grupo de União e Consciência Negra, foi aprovado na assembléia e nós instalamos o segundo
núcleo. Então, isso não é verdade. Na prática, na prática, o GRUCON constituiu o segundo
núcleo. Foi um esforço nosso de constituir o movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes,
então, cai por terra essa iia. Agora, se não avançou, é porque a formação do Movimento Negro,
511
nunca foi uma formação de massas, nunca foi um movimento capilarizado, nunca foi um
movimento de demandas comunitárias. Hoje não, hoje o Movimento Negro eu te levo, no Rio
de Janeiro, lá no CCAP, você vai ver brancos pobres, muitos negros. Qual é discurso dentro?
Questão racial. Te levo lá na Mãe Torodi, a maioria negros, tem brancos no candomblé. Qual é o
discurso? Questão racial. Vai lá em Caxias, na Luana. É uma organização comunitária com todos
os problemas que a Luana tem de relacionamento com as pessoas. É uma organização
comunitária? É negra? É. E vo vai encontrar isso por aí. Então, hoje, vo tem – algumas mais
antigas, outras mais novas – organizações comunitárias. Diferenciadas, no discurso, pura
simplesmente de denúncia. Hoje você tem organizações negras comunitárias, não apenas de
lobbie. Então, quando o Pré-Vestibular para Negros e Carentes surgiu, ele surgiu de uma demanda
que tinha, que é a demanda da população negra. Ora, se tinham poucos negros nós podemos
trabalhar com duas perspectivas: que os brancos, ainda que pobres, são maioria e conseguem se
formar no segundo grau, então isso se reproduz; ou, nós não conseguimos alcançar negros com o
segundo grau formado pra compor a maioria das turmas. Ou, uma terceira hipótese, a de que os
negros não conseguem realmente se formar no curso secundário. Agora, te falo que é verdade: a
Edna tem razão. Em 96, eu fiz um curso com o Zequinha, o “Raça, etnias e educação no Brasil” –
da UFF, eu fui aluno da primeira turma do PENESB junto com o Zequinha -, e essa turma,
naquela turma, ninguém entendia a razão do Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Isso em 1996.
s recebíamos críticas das mais variadas dos militantes do movimento negro, que diziam pra
gente: “vocês vão formar uma nova geração de classe média negra, que não vai ter compromisso
com o conjunto da população negra”. E eu falava: “vocês são uns atrasados!”. Que modalidade de
movimento de promoção de oportunidades educacionais, esses negros que faziam críticas à gente
pensavam? Até hoje não apresentaram nenhum modelo, e, nós, com esse modelo cheio de
dificuldades, promovemos uma revolução no debate da questão racial no Brasil. Então, a Edna
tem razão relativamente. Mas, fique registrado: Grupo de União e Consciência Negra do Rio de
Janeiro montou o segundo núcleo! Por que o GRUCON montou isso? Porque o GRUCON
também já tinha uma história de base. O GRUCON tinha – aliás, tem – essa característica de ter
bases populares e sociais. Porque o GRUCON era originado da própria Igreja Católica. Então,
essa influência carregou toda uma teia de processos de procedimentos pra que o GRUCON
pudesse constituir esse segundo núcleo.
RENATO – da fala da Edna... das minhas observações e da tua ppria fala, eu vejo , nessa
questão, e eu pediria pra você explorar isso... duas tensões: uma tensão, tem um texto que eu fiz,
sabe aquele texto que está no meu livro, onde eu falo de “racialidade e novas formas de ação
social”, eu faço um pouco essa discussão sobre como o Pré-Vestibular para Negros e Carentes
implanta uma cultura potica diferente daquela que o Movimento – não só o Movimento Negro,
mas boa parte dos Movimentos Sociais – tinha até então, o que permite a ele se capilarizar, etc.
então eu acho que uma primeira tensão, que a fala da Edna em Brasília me chamou a atenção, é
essa tensão em termos de concepção de movimentos sociais – concepção de ação social. O
Movimento Negro naquele momento tinha uma concepção e o Pré-Vestibular para Negros e
Carentes aparece com uma outra concepção. Então essa é a primeira tensão que eu acho que você
acabou de explorar de uma maneira bastante interessante. A outra é o seguinte: quando ela vira e
diz que “isso aí, todo mundo achava que era maluquice do Frei Davi”, ela está me trazendo – pra
minha pesquisa – um outro dado, um dado de que existiam arenas do Movimento Negro das quais
o Frei Davi participava – você também participava. Arenas onde existiam disputas pelo papel de
liderança; o Davi despontava como liderança do Pré-Vestibular para Negros e Carentes e outras
lideranças do Movimento Negro tentavam neutralizar a projeção dele, negando aquela iniciativa.
JUCA – É verdade, eu acho que.... nem tanto. Por exemplo... na época existia – no final dos anos
80, na segunda metade dos anos 80 – se organizou em são João de Meriti, uma entidade chamada
IPELCY – Instituto de Pesquisas e Estudos das Culturas Yorubanas, ou Yorubá, fundado por Jairo
– que hoje, está no Sul, professor universitário e pela falecida Gésia. Era um movimento, era
uma ONG com cara de movimento, tinha como natureza mobilizar os pais e mães de santo com
um dado nível de consciência política. E esse pessoal baixava a porrada nos negros da Igreja
Católica. Tem esse viés, de tensionamento entre movimento? Sim. Agora, eu não via, de forma
manifestada, pelo conjunto do Movimento afora essa dimensão religiosa, resistências contra a
512
figura do Davi. Eu não via. Existiam até críticas mas não havia resistência. E, eu acho também,
não se disputava com ele. Porque, na realidade, ele já tinha um espaço todo aberto e alargado. E o
tempo foi ensinando a ele a usar esses espaços. Como sempre, ele sabe muito bem usar, usar a
dia, ele sempre foi muito bem articulado com a mídia e com... e, sobretudo, com pessoas de
comando da estrutura da mídia. Tanto que, não... a dia, quando cola com ele, não cola por
acaso, é porque ele já tem... não é porque ele já tem um bom relacionamento com jornalista. É
porque ele tem um bom relacionamento com o editor-chefe. Então, o buraco é mais embaixo.
Então, a análise rasteira que às vezes o Movimento tem... “bom, ele apareceu na mídia”. Ele
apareceu, mas não é o jornalista, foi o relacionamento lá por cima. E ele já despontava como
liderança tranqüilamente há bastante tempo. E isso se consolidou com o tempo....
RENATO – antes do PVNC ele já despontava como liderança?
JUCA – sim, sem dúvida nenhuma. Sem dúvida nenhuma. Ele sempre foi uma pessoa... já tinha
uma liderança consolidada. Você conhece a publicação “Ouvi o clamor desse povo negro”?
Então, eu participei da elaboração dessa publicação histórica. Pra você ver, o Davi articulou a
construção, junto à Editora Vozes, dessa publicação que foi uma publicação de referência no
Brasil inteiro.
RENATO – qual foi o ano disso?
JUCA – em 1988. É o livro de base dos Agentes de Pastoral Negros. Uma referência. Nenhum
movimento negro no Brasil vendeu o que aquela ferramenta vendeu, constituído por capítulos
para ser trabalhados mesmo em grupos de base – igrejas, associações de moradores, qualquer
lugar. Documento panfletário, mesmo, “maoísta”! No sentido de “livro vermelho”, que cada
chinês tem que ter um e tem que ler uma vez na vida. Nesse nível. Então, ele já estava na frente...
maior besteira pensar que ele... totalmente.... é um equívoco pensar que ele disputava com outras
lideranças. Pelo contrário.
RENATO – A disputa dele, então, o grosso...
JUCA – Se dava no interior de cada modelo em que ele estava gravitando., sim. Mas não pra
fora. Pra fora, ele era absoluto, mas, no interior do próprio movimento em que ele gravitava, com
outros atores que estavam no Movimento Negro mas que estavam partilhando com ele o território
da ação política, semvida nenhuma, a porrada comia.
RENATO – nesse campo eclesial, então, você destacaria que outros atores?
JUCA – no campo eclesial eu destacaria...
RENATO – porque aí, é o campo eclesial católico e pra fora do católico também, né?
JUCA – não... no campo eclesial, eu destacaria, assim, como uma presença importante pra esse
pensar.. Geraldo Rocha, eu destacaria o Tião – não sei se você já ouviu falar, o Tião na época era
de Barra Mansa... são as duas figuras... Silvia... na época era chamada Irmã Silviahoje está
casada, acho que morando no Equador. São três referências no campo eclesial. Emo Paulo, o
Mario, liderança nacional; no Sul, Vera Triumpho; em São Paulo Padre Toninho e Padre Batista –
Padre Batista falecido. Não é? São, naquele momento, pessoas importantes. Eu vou citando
nomes... sem colocar exatamente posição, apenas nomes... e que de alguma forma colaboraram
nesse processo de inchamento da questão racial pra dentro da Igreja nesse período dos meados dos
anos 80 até o início dos anos 90.
RENATO – e você situaria a preparação da Campanha da Fraternidade como momento...
JUCA – fundamental. E que mudou radicalmente a noção de organização, né? Do próprio
Movimento Negro no interior da Igreja. Eu próprio sei... até hoje eu tenho a minha agenda. Eu
tenho a minha agenda de 88 era coisa de maluco. Era coisa de militante quase que profissional,
assalariado... uma coisa absurda. E, claro,, eu tinha relacionamento com deus e o mundo,né?
Tem alguns documentos históricos. Por exemplo, o meu relacionamento de conhecer o Davi, não
só que ele foi na minha formatura de curso superior, mas a coisa da militância, tinha uma amizade
também. Acima de tudo existia uma amizade, né? De ele me indicar ao próprio Betinho pra
assumir a questão racial no IBASE. Eu tinha te falado isso, não? Eu tenho uma carta do Davi
endereçada ao Betinho – que na época ainda era vivo – dizendo “olha, eu acho que o Juca tem que
assumir a questão racial dentro do IBASE, pra fazer esse negócio andar”. Eu tenho esse
documento. Já é um documento de natureza pessoal... e por aí vai... é só pra comprovar que, na
realidade, quando eu tive o embate com ele, foi um embate assim, que eu conhecia os movimentos
513
que ele ia tomar, e que, eu acho que, de alguma forma, eu colaborei pra saída dele do próprio
PVNC. Mas, é claro, depois que eu saí do Pré-Vestibular para Negros e Carentes, ele foi sair
efetivamente 3 ou 4 anos depois. Eu sei que outros companheiros tensionaram muito com ele.
Mas, aí, o passo já tinha sido dado, o trabalho já tinha sido feito em termos de consolidação de
modelos, em termos de “é núcleo, é aula e etc. e tal”. A própria discussão da ação afirmativa, das
cotas...
2
a
FITA
JUCA – Então, eu acho que, quando o Pré-Vestibular para Negros e Carentes foi criado, a
questão das cotas era algo impensável. Sequer era um discurso recorrente num Pré-Vestibular
para Negros e Carentes. Depois, tornou-se algo totalmente palatável e, quase que programático.
Mas, no início, não era. Eu me pergunto: você acha que a geração fundacional teria barriga pra
defender a proposta de defesa das cotas? É uma questão óbvia...
RENATO – eu queria que você me falasse sobre duas coisas que apareceram aí na sua fala.
Primeiro, que toda vez que você fala da sua trajetória e lembra da Campanha da Fraternidade,
você fala da tua agenda – das visitas, e desse trabalho de militante, de ir nos lugares que você
fazia. Sempre que você me fala nisso, me vem à cabeça Cultura e Cidadania. Não só a disciplina
em si, mas o modelo de implantação que foi criado em cima de Cultura e Cidadania, da iia de
ser uma aula baseada em palestras de militantes, e naquele momento do pré-vestibular existia até
uma lista de militantes com os temas que eles poderiam trabalhar – você, o Davi, o Nilton Junior,
e tinha alguns militantes que eram de fora, que não eram orgânicos de dentro do PVNC... quer
dizer, pra mim, aparece aí uma influência em termos de formato...
JUCA – é isso. A idéia de ser uma aula mais dinâmica, versando mais sobre atualidade, com um
olhar clínico e crítico sobre o passado, a quebra um pouco do modelo tradicional de aulas
convencionais por uma aula mais participativa, aberta, de natureza mais participativa por parte
dos alunos... essa era a idéia.
RENATO – E, um espaço de circulação de militantes!
JUCA – É, um espaço de circulação de militantes, um espaço de construção tamm de redes,
porque não eram só os professores e membros orgânicos do Pré-Vestibular para Negros e
Carentes que davam aula. Outras figuras também começaram a dar aula no Pré-Vestibular para
Negros e Carentes. E aí, acabaram até se incorporando no quadro de professores. E, não há uma
estatística hoje, exatamente, de quantos professores passaram no Pré-Vestibular para Negros e
Carentes – há uma carência muito grande de perceber isso. Há, por outro viés, por uma outra
dimensão, uma preocupação de um companheiro que estuda na PUC hoje, está fazendo
doutorado, de estar exatamente querendo saber aonde estão empregados os negros do Pré-
Vestibular para Negros e Carentes. É o Reinaldo. O Reinaldo parece que está estudando isso, e
vão surgir dicas super interessantes. Espero que ele esteja produzindo a contento. Uma vez eu
estava numa assembléia do Pré-Vestibular para Negros e Carentes e eu disse que o Pré-Vestibular
para Negros e Carentes já formou algumas gerações de desempregados, e que a gente tinha que
repensar a noção de inserção no mercado de trabalho, ver como é que se dá esse processo – eu até
propus, numa roda reservada do Pré-Vestibular para Negros e Carentes uma forma de intervenção
qualificada no mercado de trabalho – que eu acho que é possível, eu acho que é possível produzir
ação afirmativa com ênfase no mercado de trabalho. Eu me sinto muito incomodado de pensar
ação afirmativa só pro curso superior. Eu acho que tem que ter, o militante que vai pensar ação
afirmativa só no curso superior, ótimo; tem aqueles que vão pensar só as questões de base
educação fundamental; tem uns que vão pensar em mercado de trabalho; tem uns que vão pensar
saúde da mulher negra. A grande questão do movimento negro, que ele passa, é que você tem
especialistas generalistas: todo mundo entende de tudo, e ninguém faz porra nenhuma. Então,
você tem que começar a criar técnicos. Bem, nós temos críticas à sociedade dos técnicos. Mas não
tem jeito, então você tem que ter gente especializada em determinados focos. Você tem no
Movimento Negro, uma militante, um militante: ele fala de tudo! E não fala de nada. Ele conhece
de tudo e não compreende nada! Então, eu acho que o desafio do futuro pro Pré-Vestibular para
Negros e Carentes é exatamente fazer a associão não só na construção dessa modalidade de
514
qualificação de processo com vistas ao vestibular, pensar de forma também mais madura na
permanência, na fixação do aluno e da aluna afrodescendente na universidade , mas pensar um
pouco mais além: é pensar como esse aluno vai depois seguir no mercado de trabalho
considerando que o mercado de trabalho ainda é racializado. Porque, alguém perde! Se alguém
ganha, alguém perde. Então, como é que se dá esse processo de incorporação ao mercado de
trabalho. A ação afirmativa ainda está muito distante do mercado de trabalho. Eu acho que quando
a ação afirmativa chegar no mercado de trabalho a porrada vai comer tanto quanto na
universidade. Porque aí você vai mexer no interesse cotidiano. A universidade ainda é o interesse
de elite, de minoria – embora faça barulho. Olha, é de elite e de minoria, imagina então quando
negão começar a querer disputar mercado de trabalho, de forma organizada. Eu não sei qual o
caminho, mas eu tenho pensado isso e, hoje eu estou dentro de uma agência de emprego onde a
maioria dos jovens que eu pretendo atender são 90% jovens de baixa escolaridade e são negros.
Eu estou pensando agora o jovem de escolaridade média e escolaridade superior. O Pré-Vestibular
para Negros e Carentes não pensa isso. O Pré-Vestibular para Negros e Carentes pensa em dois
vieses. O primeiro: prova. Passou? Agora, é permanência. Ótimo. Acabou? Não tem mais nada
além disso. Mas, se é isso que quer ser, que seja pelo menos pra negros, um projeto
verdadeiramente enquadrado, não é verdade? Porque também não adianta pensar que esse projeto
vai ser abrangente, pegar todo mundo, porqueo vai.
RENATO Uma outra coisa que eu queria que você me falasse, e que apareceu na sua fala
também, você fala do momento em que você começa a ter embates com o Davi. Embates de
concepção, me pareceu. Começa por embates de concepção. Eu queria que vome falasse um
pouco mais sobre isso. Quando é que você começa a ter essa ruptura com o Davi? Essa ruptura,
ela se deu no Pré-Vestibular para Negros e Carentes, tem a ver com o Pré-Vestibular para Negros
e Carentes, tem a ver com questões do Pré-Vestibular para Negros e Carentes? Ou tem a ver com
outras dinâmicas de debates do Movimento Negro na Baixada? Como é que foi?
JUCA – não, na época dos Agentes de Pastoral Negros, existia – não da minha parte -, mas eu
sempre ouvia críticas muito contundentes contra o Davi. De gente da Igreja – de religiosos, de
padres contra ele, críticas muito incisivas. Mas, eu militava junto a ele e junto com um grupo
muito reduzido. Então, ótimo. A ruptura se deu exatamente no momento do Pré-Vestibular para
Negros e Carentes, quando por motivos de concepção a gente começou a se distanciar. Por
exemplo: Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Eu nunca entendi essa razão do “carentes”.
Acho que ainda é uma esfinge, né? Eu discordei...
RENATO Carentes foi uma proposta do Davi? O Alexandre uma vez disse que era ele que
tinha proposto o carentes...
JUCA – essa é uma das informações que eu não tenho. Porque, nessa assembléia, eu, na realidade
queria defender uma outra proposta, acabei não defendendo e passou batido. Mas, se foi eu não
sei. Mas sei que o Davi sempre trabalhou muito com essa articulação dos carentes, sempre
trabalhou com essa coisa. O EDUCAFRO, por exemplo, reproduz no nome. Agora, a diferença se
deu exatamente, por concepções: de nome... aí, você se retrai... depois, o Davi iniciou todo
processo do Pré-Vestibular para Negros e Carentes de braços abertos pras universidades
privadas... o recurso de defesa, não só de defesa, de valorização, mas de inserção na universidade
pública do Davi se deu de forma muito tardia. Fora isso, o discurso dele era totalmente de
pactuação com universidades privadas. E isso passa pela PUC, passou pela Estácio, passou por
uma série de universidades. E isso gerou tensionamento. Porque nós fazíamos defesa de um pré-
vestibular onde a universidade pública seria a referência fundamental para ocupação de vagas
entre a populão afrodescendente negra. Porque nós não tínhamos que ir pra universidade
privada. Porque a universidade é pública, e, se é pública, ela tem que estar a serviço dos mais
necessitados. Então, isso é a primeira coisa, você vai aí nos documentos você vê claramente uma
defesa aberta da universidade privada – aliança aberta com as universidades privadas. E aí, várias
engrenagens foram montadas pra que... quem na realidade produzia esse relacionamento era ele,
porque ele tinha o carisma da Igreja; ele que construía os pactos e, ao construir os pactos, passa a
ter poder efetivo. Então, ele jogava muito com essas moedas de capital. Então, quando você ia pra
uma assembléia, pra ganhar votos pra sua visão de mundo e concepção, era muito difícil, porque
ele trabalhava com esse capital: “sou eu que me relaciono com a universidade e sou eu que vou
515
conseguir a bolsa e a permanência da bolsa”. Então, isso era muito difícil, esse capital era muito
personalizado e pra nós era muito duro. E esse foi um dos motivos também, de tensionamento e
de ruptura com o Davi. Além de toda história anterior ao PVNC, mas, eu não tenho assim um
marco. Há esse documento, né, que faz uma crítica totalmente inusitada, que está documentada,
dizendo que eu era contra os alunos da PUC, eu era contra os alunos irem pra PUC... você tem
esse documento, né? Eu acho totalmente louco, né, é um documento assim que compromete a
crença de que alguém tem algum tipo de lucidez. Escrever um documento... obviamente claro que
eu sou a favor da educação e acho que as pessoas devem estudar aonde tem condições de estudar,
mas, preferencialmente, na escola pública, a universidadeblica. Então, essas seqüências foram
acumulando a ruptura.
(PAUSA)
JUCA – Vome faz pensar, reportar, quando o grupo surge, porque, na realidade nós, essa coisa
do grupo mais progressista, se dá de forma praticamente que espontânea, no barzinho da cerveja,
na pizzaria, no telefone, no diálogo. Eno, isso forma um grupo muito forte e, como eu te disse,
eu até hoje não entendi o papel histórico que os APNs tiveram nessa coisa. Euo entendi, na
realidade, na maioria das assembléias nós ganhávamos as votações do Davi. Em quase todas as
assembias o Davi perdia. A não ser que fossem votações assim sem nenhuma importância. Mas,
como muita coisa acontecia fora da arena das assembléias, dentro do Quilombo estruturas eram....
as estruturas de decisão coletiva eram totalmente alijadas, eram atropeladas pelas decisões
individuais do Davi, né? Ou seja, o que uma assembléia decidia, no salão Quilombo a coisa
acontecia de outra forma. Eu acho que é importante, não sei se já tinham falado isso pra você, se
já tinham comentado. Quer dizer, na realidade numa assembléia era decidido uma coisa e no
Salão Quilombo, com um grupo de alunos era feita outra coisa. Então, isso me levou a ruptura
com ele. Simplesmente foi isso, uma secção e, essa coisa do grupo – eu falo do nosso grupo de
relacionamento, que era eu, Júnior, Alexandre, Wallison, os irmãos lá de São João, de Caxias a
Cecília, em Nova Iguaçu o Flávio Médici, enfim – éramos um grupo que, quando chegávamos
numa assembléia, nós sabíamos o que queríamos relativamente e ganhávamos realmente. E isso
acabou nos identificando pro Davi e chegou uma hora que não tinha mais saída dele, né? E eu
também saí, outros foram também saindo, e daí o embate continuou com outras figuras dentro do
pré-vestibular, como o próprio Alexandre, me parece, que o Davi quase processou ele, chegou
perto de processo. Mas, tudo muito comum. Eu acho que essa coisa do grupo ter se consolidado é
uma coisa muito importante. Na época, quem tinha uma liderança muito forte no grupo – eu tinha
uma liderança muito forte no grupo mas eu te disse, eu não tinha nenhuma pretensão de me tornar
nenhuma referência potica, né? Eu me envolvia mais por construção de valores ideológicos, eu
defendia aquilo que eu acreditava, mas não era no sentido de estar construindo uma arena pra
mim, daqui, da noite pro dia ir pra Brasília pra reunião; da noite pro dia estar em reunião com
ministro, da noite pro dia... isso não era uma pretensão, embora o processo de fortalecimento de
todo movimento leve o quadro a essa situação. Mas, naquela época, eu vivi num período em que a
espontaneidade era uma característica – espontaneidade marcada por um traço ideológico -, a
espontaneidade era uma característica pessoal minha.
RENATOme diz uma coisa. Você foi candidato a vice-prefeito de São João de Meriti em 92,
né? E, em 93 começa o PVNC, você ingressa no começo de 94 e tal – quer dizer, você começa a
freqüentar em 93, você foi numa reunião de fundação,não é? E retorna no final do ano?
JUCA – Isso, eu fui numa reunião de fundação e retorno quando o Davi me chama no final do
ano pra montar um núcleo. Eu estava... e aí, espera hoje, espera amanhã... o núcleo nasce em abril,
maio de 94.
RENATO – Nessa época você estava fazendo o que, além disso? Você estava militando aonde?
JUCA – em 92, eu fui candidato a vice-prefeito, correto? Eu trabalhava na Fundação São
Martinho. Em 94, o meu pai morre. Em 93, o meu pai já estava doente, e em 93 eu saio da São
Martinho, porque tinham muitos conflitos complicados. Eu saio em 93 e, fico mais ou menos
um período de um ano um pouco sem militar, uma participação relativamente muito pequena,
muito preocupado com a história da doença do meu pai que já estava acamado e, em 94, meu pai
falece. Foi o mesmo período em que eu monto esse segundo núcleo. Foi isso, a minha saída da
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Fundação São Martinho, o meu pai acamado e eu monto esse segundo núcleo. Um período curto,
né? Nada que tenha na minha vida no sentido...
RENATO E aí, daí pra frente você continuou militando ali, mas você ainda era presidente do
GRUCON...
JUCA – eu ainda era presidente do GRUCON. Eu fui presidente do GRUCON durante dois
mandatos, e o mandato era de dois anos. Então, na realidade, eu fui presidente do GRUCON
durante quatro anos. Foi de 1 até 3, e de 3 até 5 (1995). Então, na realidade, eu era, nesse período,
presidente do GRUCON.
RENATO – E na ABM você tinha algum cargo ou alguma coisa assim? Ou apenas uma relação?
JUCA – não, eu não tinha cargo na ABM, apenas a relação. E, foi fácil chegar, eu tinha saído de
uma candidatura a vice-prefeito e consegui o espaço lá, aí foi fácil. Na época, a presidente eu acho
que era a Cota. Eu falei: “Cota, eu estou querendo montar um pré-vestibular aqui... dá pra gente
montar?” ela falou “dá!”. Na época, parece que já existiam alguns professores que já vinham pelo
Davi. Então, a gente acabou compondo. Nessa época então tinha uma professora... tinha um rapaz
com nome de Vagner, tinha a professora Beth – eu não sei se você já...não sei se você conheceu a
Beth, uma negra que hoje tem o doutorado em semiologia, uma participação confusa no Pré-
Vestibular para Negros e Carentes... fala de forma muito isolada na questão racial mas não está na
nossa arena. Então, a gente compôs um pré-vestibular relativamente interessante., em 96 -
depois que papai morre, aquela crise existencial -, em 96, 97, eu monto um segundo núcleo do
Pré-Vestibular para Negros e Carentes, e já não era mais GRUCON/ABM. Eu monto o Pré-
Vestibular para Negros e Carentes do GRUCON – não sei se você soube desse núcleo, que o
Nelsinho deu aula lá. Isso foi em... não sei se foi 97 ou 96, eu não lembro. Foi numa escola
pública municipal. E esse núcleo de pré-vestibular durou mais uns 7 ou 8 anos. Você soube dessa
história, desse pré-vestibular?
RENATO – o Nelson me falou, que ele foi dar aula depois nessa escola, e tal...
JUCA – É., nesse pré-vestibular, eu reuni o que existia de melhor em termos de professores,
de engajamento. O Junior deu aula nesse pré-vestibular, onde ele namorou a Andréia, você lembra
da Andréia namorada dele? O Nelson foi desse pré-vestibular, esse menino que faleceu, o
Jocimar....enfim, eu reuni uma galera politizada. Eu falei: “eu vou montar agora o melhor pré-
vestibular!”. Na inauguração eu levei o Afro-Reggae,e foi um barulhão e tal. E aí, eu fiquei ali
mais um ano, um ano ou dois anos... e foi o segundo núcleo que eu montei, também com grande
facilidade, com grande repercussão, né? Também, todos participavam das assembléias com
grande impacto. E daí, daquele núcleo, 97 pra 98, eu começo a me despedir. Foi quando eu fui
fazer um curso na cidade, na Candido Mendes e aí a minha vida toma uma outra trajetória.
RENATOfoi quando você saiu do PT e foi pro PFL, não é isso?
JUCA – Não.... em 97... sim... aí eu estava dando aula.. não, estava assistindo um curso de
História da África na Candido Mendes, eu completei o curso, só não entreguei a monografia.
RENATO isso no da Candido Mendes,? Você fez o da UFF e fez o da Candido Mendes
também?
JUCA – é, um ano depois. Era um momento em que eu estava muito querendo estudar e... na
realidade, tanto um curso como o outro, eu me perguntava: “que utilidade esses cursos estão tendo
pra mim?” Absolutamente nenhuma, sob o ponto de vista profissional. Esse curso que eu estou
fazendo hoje me dá conteúdo e me faz repensar o conceito de cursos de pós-graduação, ou de
extensão, ou de MBA. Me fez repensar, porque eu aprendi muito, coisas que eu só aprenderia se
eu estivesse trabalhando em empresa. Então, em 97, 98 eu vou fazer esse curso..., uma figura,
que eu não me lembro bem o nome, me chama pra conversar com o secretário do deputado Arolde
de Oliveira. Foi Paulo César Vieira. E aí, eu fui conversar com o Paulinho, e falei “Olha,
Paulinho, eu trabalho há muito tempo, com a militância, etc, etc”. Ele falou “Olha, Juca, o César
Maia é candidato ao governo do estado, provavelmente ele vai disputar com o Garotinho... vai ter
uma aliança do Garotinho com o PT, Benedita da Silva, lembra-se? E a gente está precisando de
gente pra orientar a gente. Você pode estar ajudando a gente?” Eu falei: “Quais os critérios?”. Ele
disse: “os critérios são você estar aí participando e estar orientando, dando o norte pra gente”. Eu
falei “ótimo. O quê que é necessário?” E ele falou “olha, você sabe... e temos esse, esse e esse
tempo... qual o tempo que você tem?”. E, foi um prazo, como poucas pessoas sabem, que não
517
foi uma vinculação ao PFL. Na realidade, a vinculação foi ao Paulo César Vieira, e de algumas
reuniões que eu participei diretamente com o César Maia, e que eu tenho um documento hoje,
escrito pelas mãos dele, que eu... que é um plano de promoção da igualdade racial e que tem lá a
rubrica dele falando “Paulinho: aprovado! Na nossa conquista de governo, esse plano vai ser
efetivado!”. E é assim, nessas estruturas é assim, não tem muito lero, vamos fazer!! E a coisa é
tocada. Eu tenho certeza, que, se o César Maia fosse eleito, naquela época, eu teria algum papel
de estar construindo alguma modalidade de promoção da igualdade racial no âmbito do governo
do estado. isso. Mas, claro, teve conflitos, conflito com esse menino, como é mesmo o nome
dele? O jornalista Carlos Nobre, tinha conflitos com Nobre na época, achavam que ele era a figura
proeminente, e eu o tinha convidado pra participar de algumas articulações no âmbito da
possibilidade de uma vitória do César Maia, e ele falou “não, tudo bem”. Como ele já era uma
pessoa pública, ele começou pelos panos a elaborar um documento pra apresentar ao César Maia,
junto com o Coronel Jorge da Silva. Nesse papo. Eu estou te colocando coisas que fazem parte da
história, que pouca gente sabe do quê que ta rolando... e claro que, na parte de cima desse tipo de
relacionamento, o cerol é finíssimo. Quando ficaram sabendo que ele tinha feito essa construção
com o Coronel Jorge pra apresentar o documento ao César Maia, isso tudo foi abortado e na
realidade o documento final até hoje está lá em casa, assinado pelo César Maia e é o documento
que eu fiz. Então, esse peodo todo, foi um período de um ano. Depois que o César Maia perdeu a
disputa pro Garotinho, e o Garotinho tornou-se poder durante oito anos por causa do PT do
Rio!!... não é? Por causa do PT do Rio – não é? A gente dá porrada também... – aí, eu retornei pra
São João, e aí, ao retornar pra São João a deputada Almerinda de Carvalho, mulher do prefeito de
São João me convidou pra ir pro gabinete dela. Aí, de lá, eu tive uma trajetória. Com 7 meses no
gabinete dela, ela me disse “Juca, eu preciso de um cargo de confiança. Eu preciso colocar alguém
num cargo de confiança da prefeitura”. E aí eu acabei sendo subsecretário do trabalho e ação
social durante dois anos e meio. E aí, durante dois anos e meio, eu pude compreender um pouco
como se dá o processo da dinâmica do executivo. Eu participava das reuniões com o prefeito e
com secretários, né? Isso foi uma experiência pra mim, muito importante. Pensar a administração
pública com toda burocracia, os relacionamentos, modelos, isso pra mim foi muito bom. Daí,
cara.. daí não parou mais. Eu trabalhei um ano no SEBRAE, um projeto vinculado ao SEBRAE
com contato com empresas. E, do contato com empresas e empresários depois, eu nem me
lembro... hoje, eu atualmente estou na Casa do Menor São Miguel Arcanjo. E, hoje sou um agente
de uma organização italiana que se chama TISI (?), que é uma comunidade de empenho de
voluntariado internacional. E hoje, na verdade, a minha discussão central é trabalhar com recursos
humanos, desenvolvimento e treinamento, e responsabilidade social, que são dois focos
totalmente fora da questão racial. Mas, quando eu quero trazer esse debate pra questão racial, ta
tudo gravado na cachola. Jogo, sai tudo, experiência refinada, que é uma experiência que os
militantes do movimento negro não tem. É uma outra conversa. E, é isso....
RENATOvocê... então foi em 97, pra preparar a campanha da eleição de 98, do César Maia,
que você sai do PVNC e tem essa inserção... esse momento, eu queria que você explorasse pra
mim essa coisa da relação partidária do PVNC, que é uma coisa que vem aparecendo pra mim
como uma outra coisa interessante pra eu pensar, e pensar sobretudo nessa coisa do Davi, e tal...
pelo seguinte: bom, primeiro. Quando você saiu, você era uma das principais lideranças do
PVNC... teve uma satanização tremenda....
JUCA – cara, deixa eu te falar uma coisa importante: essa satanização, eu não vi, quero dizer,
todo mundo falou, mas não chegava a mim, ninguém nunca me falou o quê que as pessoas
falavam... então, seria importante eu ver isso... porque, eu soube que o Jocimar, por exemplo, fez
um discurso público me dando porradas homéricas. Eu soube disso, mas, eu nunca vi – quero
dizer, na realidade ele morreu, etc. e tal.... e inclusive morreu como ladrão, e que tinha comido...
enfim, que tinha sacaneado, tinha dado cantada na mulher do Sergio... eu não cheguei nesse vel
de moral, entendeu? Talvez, no campo ideológico as pessoas tenham me dado porrada, mas,
assim... a minha identidade não ficou rusgada por conta dessas características de ordem moral.
RENATO bom, o que eu lembro mais era o pessoal só falava isso: “Pow, o cara foi pro PFL, se
vendeu e tal”. Mas, eu queria que você falasse o seguinte. Quer dizer, ao mesmo tempo, eu acho
que tem uma contradição nessa história, acho que é um ponto interessante pra se explorar que é o
518
seguinte: no momento em que você, dessa sua ruptura, essa tua saída, e essa tua aproximação com
o PFL, que é passagem de 97 pra 98, é um momento histórico no PVNC aonde a relação do
movimento com os partidos se torna um objeto de tensão dentro do movimento. Quer dizer, o
movimento surge a partir de um pacto ideológico frouxo. Ele cresce a partir de pactos ideológicos
frouxos, em todas as esferas: nos núcleos os pactos ideológicos eram frouxos; nas esferas centrais
também os pactos ideológicos eram frouxos, muitas tensões, etc. O Nelson explora isso na fala
dele, que sempre tem uma dificuldade muito grande de assumir identidades: em torno da questão
racial, você não tinha uma radicalidade; assumir identidades poticas, o Nelson fala que era difícil
pro movimento assumir não uma relação com o partido só, mas, assumir com clareza, por
exemplo, publicizar “o movimento é um movimento de esquerda. E aí, apoiamos, candidatos de
esquerda, ponto!”. Mas, nem isso. Apesar da cúpula e de um modo geral, a tendência hegemônica
potica era vinculada a um campo de esquerda, então... o Nelson mesmo fala isso: “na época em
que o Juca saiu todo mundo malhou mas o campo não tinha uma identidade. Eno, não tinha
motivo, ninguém tinha moral pra, a partir daquele lugar do movimento, pra falar contra o Juca só
porque ele foi pro PFL”!
JUCA – deixa eu te falar uma coisa, aliás, duas coisas que eu acho fundamental marcar. Primeiro,
a minha saída foi uma saída eminentemente de ordem pessoal. Eu não levei ninguém junto
comigo. A minha decisão foi uma decisão de natureza pessoal, de natureza pragmática, e não de
ordem ideológica. Isso ta claro. Isso circula por aí, em qualquer lugar hoje, todo mundo me chama
pra ir em tudo quanto é lugar. É como se eu não tivesse, na minha trajetória de vida, nenhuma
vinculação a partido de direita, como na realidade essa vinculação - eu posso utilizar o seu termo
– foi uma vinculação frouxa, que teve um momento de entrada e um momento de saída. Eu entrei
pra ganhar um dinheiro, romper com um círculo vicioso, e saí de novo. E acabou. Então, não foi
uma coisa de uma aliança orgânica, no sentido de dar chicotada nas costas da população negra,
nem propugnar nenhum tipo de salário inferior pra população negra, nem trazer todos os negros
pro PFL.... e eu não tinha uma vida orgânica dentro do PFL. A minha relação foi uma relação
muito vinculada ao Paulo César Vieira, que é um negro poderoso, é uma pessoa com poder, que
me colocou numa superestrutura de relacionamento com o César Maia, e por aí ficou. Ao encerrar
a campanha dele, foi desvinculada totalmente a minha relação. Então as pessoas dizem, quando
colocam, dizem “ah, eu tinha uma superestrutura montada.. ah, eu era um membro do PFL”. Não
existia isso, cara. Existia uma mitologia. Quando eu fui numa casa de uma menina, uma amiga
nossa, ela falou “ah, o Juca chegou... cadê o carro dele?? Que carro que ele está aí?”. Eram coisas
desse nível.
RENATO – eu lembro, na época eu nem te conhecia pessoalmente, só conhecia de ver assim, e o
pessoal falava “pow, ele foi pra ganhar um salário de quatro mil reais...”. E, ao mesmo tempo,
naquela época eu era muito amigo o Marcelo, do João Gilberto, e eles falavam “bicho, não é
isso...”. E aí falavam: “o cara passou por momentos difíceis, e tal... e ele está aí, ele teve uma
oportunidade de trabalho”... mas, não é isso que eu quero discutir. Eu queria que você explorasse
o seguinte: essa fala do Nelson é uma fala que eu acho interessante, porque primeiro ele explora a
dificuldade que o movimento de assumir identidades. Então, a partir dessa... se o movimento não
tem uma identidade, ninguém pode falar nada sobre o fato de você ter ido pro PFL. O movimento
nunca disse “nós somos de esquerda!”. Então, ou seja, o cara pode ir pra onde ele quiser que não
tem problema nenhum. Segundo ponto, e aí esse é o ponto que eu queria que você explorasse, é
que esse momento, o ano de 97 pra 98, é o momento em que essa relação de membros do
movimento com partidos e com candidatos, se torna um elemento de tensão. E aí, no teu caso,
você foi pro PFL. Mas, mesmo quem estava vinculado a pessoas de esquerda, também
enfrentavam tensões. O Davi tinha uma aproximação muito forte com o Marcelo Dias na época.
Começa o Ivanir a se aproximar de algumas figuras, depois o Zeca acaba tendo uma relação mais
umbilical, mais vinculado com Ivanir e vai trabalhar no CEAP, etc. eu queria que você falasse....
Você era do PT, então, você conhece bem essa dinâmica também dentro do PT....
JUCA – o PT ta me chamando hoje pra me filiar. O PT me chama pra me filiar e eu falei “bom...
euo sei...”. Hoje, euo sei se é vantagem pra mim. Eu acho que hoje eu alcancei, e acho que
vou alcançar ainda um nível de espaço público e potico que eu não sei se deve estar a serviço do
partido. Eu não sei se não pode estar a serviço de um projeto negro pra fora do partido político –
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se é que é possível. Eu não sei se é possível. Eu estou conversando com algumas pessoas... estou
conversando com pastores, estou conversando com intelectuais... é possível? Porque é assim que
as coisas acontecem entre os intelectuais brancos, a coisa semuito no vinho tomado, na
conversa conversada e na construção. Você sabe que é assim, né?
RENATO – e, esse negócio... eu diria até outra coisa. Se eu fosse fazer um julgamento moral do
negócio, eu diria: qual é o problema. De um lado – eu falaria - seria muito pior se o Juca
aproveitasse aquilo que ele já tinha de trajetória, aquilo que ele já tinha de inserção e disputasse
uma hegemonia potica pra ele sair candidato pelo PT em 98 – que poderia ter feito – usando a
liderança do movimento, se colocando como líder. Tinha todas as condições. E você não fez isso.
Você não capitalizou...
JUCA – porra, meu irmão. Tinha todas as condições. Poderia ter feito caixa um ano, dois anos,
poderia ter constrdo esse processo todo. Mas quero te dizer que – acho que eu já falei nas fitas
anteriores – o meu processo de saída, de enjoamento se deu dentro do CEAP. Eu cheguei a falar
isso pra você? Se Zeca foi pra dentro do CEAP, foi por minha causa. Se o Alexandre foi pra
dentro do CEAP, foi por minha causa. Eu já tinha te falado que o Ivanir tem... não uma relação de
família, acho que eu já tinha falado isso pra você... o Ivanir foi criado na FUNABEM pela prima
da minha mãe. E o Ivanir sabe disso. A minha mãe sabe disso. E nós já falamos sobre isso, que
era pra nós sermos muito mais próximos. Na época que eu era coordenador, estava na
coordenação do GRUCON, eu tinha o desejo da gente, GRUCON, termos uma sede própria, e
estava articulando politicamente com o Ivanir isso. Nesse período, o Serginho, o Sergio Martins,
vai pro CEAP. E, o Serginho sempre gostou muito de mim, sempre teve uma admiração, um
respeito por mim. E eu coloco pro Serginho. “Serginho, olha, eu quero ter uma sede pro
GRUCON. A gente tem um terreno lá que não se resolve pra construção... podemos ver isso?”.
Podemos”. “Podemos ver um projeto pra isso?. “Podemos. Nesse meio tempo, não sei por que
cargas d’água o Serginho comentou com o Ivanir que eu teria traído, ou estava traindo, porque eu
teria conversado com alguém de uma instituição que eu não sei se hoje existe no Rio de Janeiro,
que fazia defesa de direitos... a mesma instituição que tem no Sergipe... GAJOP! Não sei se você
já ouviu falar na GAJOP. Na época tinha uma representação aqui no Rio de Janeiro, ou algo muito
similar. E que eu teria feito comentário com uma pessoa dessa instituição que era amigo do
Serginho, e essa pessoa acabou conversando com o Serginho e ele compreendeu como traição e
me chamou a atenção. Isso me deixou muito magoado. Me lembro como se fosse hoje, me deixou
extremamente magoado. Eu saí do CEAP naquele dia com a decisão de que a minha vida iria
mudar em termos de operação potica. Então, foi dentro do CEAP – em primeira mão – que
coma essa minha crise de ruptura. Dentro do CEAP. E, quando começo a circular em torno do
CEAP, como eu era uma liderança importante do Pré-Vestibular para Negros e Carentes, o que
que eu acabo fazendo? Atraindo. Então, Zeca já estava circulando. O Jocimar, há mais tempo
estava circulando, por conta de quê? O Serginho era um grande amigo do Jocimar, foram criados
juntos, e o Zeca vem por último, né? E, então, eu saio, muito magoado, com uma circunstância, eu
não me lembro exatamente o que foi... na realidade a circunstância que me levou a essa ruptura
foi o fato do Sergio me atribuir que eu não poderia estar conversando, articulando algo com
alguém ligado a ele já que ele seria a pessoa responsável por isso. E ele compreendeu isso como
traição, mas que não tinha absolutamente nada a ver. O que eu estava discutindo nessa época?
Retorno mais uma vez. Estava discutindo a possibilidade de se alugar um imóvel em Caxias, ou
em São João de Meriti, Vilar dos Telles, pra que pudéssemos ter uma sede própria. E, é claro,
nesse período, como eu estava desempregado, nós estávamos, parece, negociando um projeto que
eu pudesse estar recebendo uma pequena remuneração básica, porque eu não queria deixar de
estar continuando a minha militância. , o quê que acontece? O Serginho compreendeu como
uma traição e aí nesse dia eu tirei meu time fora de campo. Então, o CEAP foi lá que aconteceu
isso. E as pessoas se vincularam, continuaram vinculadas ao CEAP – e, aí, cada um com a sua
trajetória própria, com a sua relação própria com o Ivanir. Os tensionamentos, todas as lideranças
da minha época do PVNC, eram vinculadas direta ou indiretamente ao PT. Logo, a decisão que eu
tomei tinha que criar rusgas. Afinal de contas, as pessoas tinham uma identidade vinculada a um
partido que fazia diametralmente oposição ao PFL. Portanto, era, tinha que se criar
estranhamento. Claro, estranhamento de dois níveis: o estranhamento no âmbito ideológico, mas o
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estranhamento interideológico, porque na realidade, existiam pessoas dentro do Pré-Vestibular
para Negros e Carentes que disputavam e queriam disputar comigo liderança. E era uma
oportunidade óbvia de eles solaparem essa liderança e buscarem, logicamente, a minha
substituição, com o senhor Jocimar. O Jocimar claramente queria assumir essa posição de
liderança, coisa que eu sempre coloco nesse depoimento: nunca foi intenção minha ser liderança.
Mas, por outro lado, existia essa dimensão. A crítica ideológica e a ocupação do espaço – eu
tenho que ocupar espaço, mas, como é que eu ocupo espaço? Eu dando porrada nele!!! Então, isso
ta claro. Não sei quantas pessoas me deram porrada, nem sei quais, mas sei de uma pessoa, que
me falaram de forma aberta, que foi o Jocimar. Eu nunca perguntei ao Alexandre, se ele fez...
nunca perguntei aos meninos, assim, ligados... o Jobson, eu nunca perguntei a essas pessoas. Eu
nem sei que falas são essas. Nem nunca perguntei.
RENATO – Essa aproximação.... você falou agora uma coisa que... todas as lideranças do PVNC
nessa época tinham uma ligação com o PT. Como é que era essa aproximação? Já eram do PT?
Ou, aqueles que já eram virtuais candidatos do Movimento Negro do PT começaram a olhar a
expansão do movimento....
JUCA – e comaram a querer capitanear. É isso. O próprio Ivanir participou de algumas
assembléias... uma ou duas que eu vi que ele estava presente.... teve uma que aconteceu lá em...
acho que é Jardim Primavera...?... Lote XV? Onde tem aquela igreja tombada pelo IPHAN...
RENATO Pilar.
JUCA – isso, Pilar. Teve uma assembléia no Pilar, eu não sei se você estava nessa assembléia....
RENATO – estava.
JUCA – O Ivanir estava lá nessa assembléia, e ele estava ali presente um pouco querendo medir a
liderança dos atores que estavam ali na assembléia. Foi uma assembléia forte, como você viu.
Todas eram assembléias de massas. E, eu percebo que naquele momento, como todo momento
eleitoral, se buscava um movimento social de massas. O Ivanir buscava um movimento social de
massas. O Marcelo Dias buscava um movimento social de massas. O Marcelo Dias, ao ponto de
financiar um jornal paralelovocê sabe dessa história? – então, é indispensável você conversar
com o Júnior, o Marcelo Dias financiou um jornal, que era do próprio gabinete dele, que eu diria
mais de 90% do conteúdo voltado pra ações do Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Eu acho
que, pra tua tese...
RENATO – que jornal era esse? O nome do jornal qual era? Era o jornal do mandato dele
mesmo?
JUCA – não, tinha um outro nome, mas o Júnior eu acho que tem alguns números. É fundamental
você recuperar. O grau de interferência, de presença, chegava nesse nível. Existia um jornal, o
Davi era membro desse conselho editorial e mais de 90% do conteúdo era conteúdo do Pré-
Vestibular para Negros e Carentes. Era um momento de tensão onde o Davi estava querendo se
segurar em qualquer lugar, e o mandato do Marcelo Dias serviu muito pra isso. É uma coisa que
precisa ser repensada. Se você estiver com o Júnior, se você estiver com ele, pedir pra eles
comentarem sobre o jornal do Marcelo Dias feito em acordo com o Davi. Nunca ninguém tinha
comentado? Eu estou trazendo coisas pra você. Esse jornal circulou quase um ano. Formato
tablóide, um pouco menor, foi uma ferramenta utilizada muito forte.
RENATO – e a aproximação do Ivanir? Ele... bom, é difícil criar uma frase pra sintetizar como é
que ele ficou sabendo do movimento, isso é impossível, porque circula, etc. mas, quem é que... ele
se aproximou através de quem? Ele já tinha alguém e tal? Que já conhecia? Ele chegou nas
assembias?
JUCA – eu acho que as coisas aconteciam de forma espontânea. O Serginho foi contratado pra
assumir o projeto AGIR. O Serginho era meu amigo. Era mais amigo ainda do Jocimar, desde
criança. Então, isso se deu de forma natural, espontânea, ele indo nas assembléias, sem nenhuma
rusga.. não é a toa que, anos depois, o Zeca acabou indo trabalhar com ele, né? E agora,
atualmente, o Alexandre está trabalhando com ele, é assessor, sei o quê que é... e ainda tem
vinculação, ao ponto de alguns documentos institucionais do CEAP têm assim... serem assinados
pelo Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Que eu tenho dúvidas se é o Pré-Vestibular para
Negros e Carentes ou um grupo de pessoas de interesse que assinam o nome do Pré-Vestibular
para Negros e Carentes e acabam legitimando os documentos do CEAP. Prática do Davi!! São
521
práticas do Davi, que hoje, eu digo, práticas que eu lutei muito, desgraçadamente se reproduziram
de forma diferenciada... não é? Não era ele que tomava as decisões no salão Quilombo, à revelia
das assembléias? E agora, como é que faz? Eu não sei como é que ta... eu acho que é uma
assembléia por semestre, me parece... não queo haja potencial, no Pré-Vestibular para Negros e
Carentes. Eu acho que tem imenso potencial, porque ano a ano, vários negros e negras se formam
no segundo grau, e eu acho que você tem aí um mercado de demandas que podem ser trabalhadas.
Eu acho que vonão precisa trabalhar com quinze, nem trinta núcleos. Se for necessário, se você
tiver pernas, ótimo. Mas se você tiver três ou quatro bons núcleos de qualidade, você consegue
produzir algo denso, experimental, de relevância. Eu sou signatário de três, quatro ou cinco
experiências de pequenos núcleos bem organizados, estruturados, focalizados, racializados, pra
construir uma experiência pontual. Em vez de botar quinze mal organizados, de maioria branca,
uma imensa confusão... eu acho que a gente tem que repensar o modelo, sem perder a essência e a
identidade. Mas, aí, os caras têm que querer. E querem? Isso é uma pergunta: querem? Do jeito
que está, ta bom? Talvez esteja bom, porque, na realidade, você fica no meio, entre a
universalidade e a diferença. Você fica entre o universalismo e o diferencialismo. Você fica em
cima do muro. Não sou nenhuma coisa nem outra. Quando eu quero pensar um mundo
racializado, “opa! Vou pra um mundo diferencialista”. Quando eu quero pensar, sentir que o
mundo da diversidade é meu interesse, “opa! Eu venho pra cá..”. Não é assim que o Pré-
Vestibular para Negros e Carentes vive? Eu não sei, eu acho que talvez sejam as lideranças, que
pensem muito nessa lógica. A massa, o aluno do Pré-Vestibular para Negros e Carentes ele não
pensa nisso, ele não está dentro dessa arena ideológica, dessa disputa de concepção. Ele tem um
outro olhar.
RENATO – você falou... a partir de 92 a sua participação no PT...
JUCA – depois de 92..
RENATO - 94 foi ano de eleição pra governador, e é governador, deputado estadual e deputado
federal. Você não participou, não fez campanha?
JUCA – não, porque naquela época meu pai tinha falecido, e eu nessa época estava muito
apagado, efetivamente estava muito apagado...
RENATO – em 96 também não... e era pra prefeito de novo...
JUCA – nesse período, eu acho que eu fiz... eu fiz certamente campanha pro PT, mas, sem fortes
vinculações... sem fortes vinculações. Quer dizer, na realidade, eu fiquei filiado ao PT, de 87 até
97, 96 mais ou menos.
RENATO – depois de 96 a sua participação começou a ....
JUCA – no partido potico sim, eu não tinha tanto estímulo. Até porque, antes das eleições, eu
já tinha fundado um núcleo de negros no PT de São João....
RENATO – antes das eleições de 92?
JUCA – em 92 eu já tinha fundado um núcleo de negros no PT, foi uma experiência exitosa, eu
consegui reunir 20 a 30 negros de São João de Meriti em torno de um núcleo. Então, eu já tinha
passado pelas experiências. Eu já sabia que o PT em São João já tinha algumas limitações claras,
dada a configurão local estrutural, como se localizava o PT dentro da estrutura da dinâmica do
poder local. Então, a questão do poder local, pra mim já estava dada, já conhecia. Nós estávamos
muito distantes do alcance do poder local. Hoje, o PT de São João é outro. Embora o núcleo de
poder continue o mesmo, mas hoje o PT se capilarizou. Eu apóio o Jorge Florêncio, que foi
candidato a prefeito comigo, e apóio o Jorge Bittar. Está havendo uma pequena aproximação, e eu
não sei se é... depois de terminadas as eleições, eu retorno algumas articulações, no campo do
Movimento Negro na Baixada. Eu retorno e, a minha tendência agora é estar construindo uma
rede de articulação... eu quero construir uma rede de articulação potica negra na Baixada. Eu
quero me dedicar um pouco a isso com toda a lentidão, com toda a calma. Eu quero construir essa
rede, para que os negros da Baixada estejam, sejam escutados, tenha uma organização negra
sólida na Baixada. Eu acho que dá pra colaborar com essa construção dois anos, dá pra visualizar
em dois anos isso. É claro que o Instituto Agenda, que é a ONG que eu ajudei a fundar vai ter
capitais poticos com essa história toda. Mas isso é conseqüência do próprio trabalho que vo
direciona. É isso.
522
RENATO – o Nelson me falou, e muito, falando sobre a trajetória dele, e tal, como é que ele foi
te encontrando, te conhecendo.. ele me situou alguns troncos de militância por onde as pessoas
circulavam. Ele falou das Comunidades Eclesiais de Base como uma coisa muito forte em São
João nos anos 80, aonde muitas pessoas ali, mexiam com a Igreja, né, as CEBs eram vinculadas à
Igreja, e muito com a facilidade e com o perfil progressista que era ditado pela presença do Dom
Mauro Morelli lá na Diocese, diferente de Dom Eugenio Sales aqui no Rio de Janeiro, que era
extremamente conservador – eu acho que você chegou a falar disso também um pouco na outra
entrevista. Ele falou um pouco sobre essa coisa dos partidos poticos, e sobretudo do PT – muita
gente que estava nesses lugares era também do PT, né, era um pouco as mesmas pessoas... e, ele
falou um pouquinho, falou bem pouco das associações de moradores. No caso de São João, a
ABM, que era a federação de associações de moradores. Em Nova Iguaçu tinha o MAB, que era
uma outra federação e em Caxias o MUB. Você participou disso também? Dessa coisa de
associação?
JUCA – Não, eu não tinha vinculação. Na realidade, no meu bairro, no centro de São João, a
gente tentou manifestar a possibilidade de organizar uma associação de moradores, no chamado
Morro do Carrapato aonde eu moro, que não tem nada de morro, e pelo nome você pensa que é
um local horrível, mas na realidade foi uma antiga fazenda, não é? Então, lá onde eu moro, a
gente tentou articular a constituição de uma associação de moradores mas a coisa não se
consolidou. Mas, eu sempre tive uma vinculação com a ABM, porque, a ABM, além de ser o
espaço das associações de moradores, da federação das associações de moradores, também de
alguma forma tentava aglutinar o conjunto dos movimentos sociais que estavam fora da órbita das
associações de moradores. Então, na ABM, a gente se encontrava. Então, a ABM sentia que,
sozinha, ela não dava conta de toda a realidade. Não é a toa que anos depois a ABM tornou-se
Federação das Entidades Populares de São João de Meriti. Então hoje, na realidade, ela não é mais
Federação das Associações de Moradores, mas ela é Federação das Associações de organizações
populares de São João de Meriti. Em outras palavras, pode ser associação de moradores
vinculada? Pode. Pode ser uma ONG vinculada? Pode.
RENATO – então, a ABM ela cumpria esse papel de ser um pouco um fórum de...
JUCA – de aglutinação também de outras instâncias...
RENATO – e de interseção de outras formas de militância...
JUCA – isso, de outras formas de militância. Então, eu circulava muito na ABM, claro. Não é a
toa que eu consegui o espaço do pré-vestibular lá dentro com uma facilidade assim... “não, Juca,
claro!”. Então, foi assim. Eu não tive uma passagem significativa pelo movimento de associação
de moradores, e o movimento de associação de moradores em São João de Meriti foi um
movimento de associação de moradores forte. Fez uma presidência de uma FAMERJ. FAMERJ
era a grande Federação de Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro. Sérgio Bonato,
de São João de Meriti – que hoje não está mais em São João – foi presidente da FAMERJ. O
Jorge Florêncio foi o tesoureiro da FAMERJ – pra você ver como São João de Meriti teve uma
dinâmica. Mas, claro, tinha uma dinâmica muito forte, porque, na verdade, a FASE-Rio tinha uma
forte vinculação aos movimentos sociais e populares do estado do Rio de Janeiro, fazendo
assessoria e fortalecimento institucional. Logo, o Jorge, por ter vinculação e por ser coordenador
da FASE-Rio acabava sendo uma instituição muito forte sob o ponto de vista de influenciar a
tomada de decisão nas instâncias coletivas das federações de moradores, sobretudo na Baixada
Fluminense. E eu acompanhei isso tudo. Vi e aprendi muito, essa engenharia de construção de
poder, que sempre me deixou muito constrangido pelo fato de o Movimento Negro nunca ter tido
essa habilidade de ter construído essa forma de se manifestar enquanto poder de ordem coletiva
do próprio movimento.
RENATO – eno, é isso... esse Jorge Florêncio era... o Orlando Júnior, por exemplo, eu lembro
que ele ia muito pra, né?
JUCA – o Orlando Júnior, eu sempre conheci o Orlando Júnior, ele sempre gostou muito de
mim... ele sempre foi da FASE-Rio, foi o principal articulador e formulador de projetos da FASE-
Rio e que, no futuro, agora, claro, atualmente, já terminou o doutorado dele, é um dos três
coordenadores nacionais da FASE-Nacional. Ele tem um cargo na Fase-Nacional que eu não sei
qual é...
523
RENATO – antes de terminar o doutorado ele já era o presidente da Fase-Nacional.
JUCA – é, ele tem uma trajetória significativa na Fase-Nacional....
RENATO – bom, eu acho que... tem mais alguma coisa de importante que você gostaria de falar?
JUCA – eu acho que tem duas coisas importantes que eu gostaria de falar: primeiro, que o Pré-
Vestibular para Negros e Carentes não nasceu Pré-Vestibular para Negros e Carentes, tornou-se
Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Isso é uma coisa importante. E outra coisa é que sem
exceção – eu acho que é importante colocar, com uma rara, com uma exceção – todos da primeira
geração fundacional a militância era de costas pra questão racial, sem nenhuma compreensão mais
crítica a respeito da questão racial. Ela tornou-se um elemento importante a medida que novos
atores se incorporaram ao processo de construção coletiva do pré-vestibular , que futuramente se
tornou Pré-Vestibular para Negros e Carentes, e que consolidou uma identidade fundamental pra
capear o caminho das gerações futuras. Eu acho que essas são duas coisas importantes a se
destacar, senão a gente vai fazer injustiça com milhares de pessoas que colaboraram muito pro
Pré-Vestibular para Negros e Carentes, para o que foi o Pré-Vestibular para Negros e Carentes.
Gerações de voluntários professores. Gerações de alunos e ex-alunos. E, na verdade, a gente
acaba colocando essas pessoas no anonimato. Eu acho uma puta injustiça, são diversas pessoas,
que eu acho que a gente tem que lembrar. Se é pra botar no anonimato, vamos botar inclusive essa
geração fundacional. É injusto você criar um status especial, considerando que a temática racial é
a temática, acredito. ainda central no PVNC. É isso.
RENATO – é, naquele artigo meu eu exploro um pouco isso, como é que ela foi “se tornando” –
não é o artigo que está no livro não, é um outro, que eu fiz pro concurso Negro e Educação, que
eu chamo de “agendas & agências”. Porque eu falo que a questão racial não é apenas uma agenda
do movimento. Ela vira também uma agência, ela vira um campo, ela vira um instrumento de
disputa de poder. Ela é objeto de disputa de concepções – tem gente que é a favor, tem gente que
prefere não colocar, ela é objeto de disputas - , mas de outro lado ela também é instrumento de
disputas. E eu coloco que depois que se consti essa hegemonia da questão racial como sendo a
questão central do movimento, ela se torna um instrumento de disputa de poder. E aí, muita gente
que não era – que estava, como diz você, “de costas” pra questão racial, vira de frente, e começa a
falar da questão racial, inicialmente não por convicção, mas porque ela era um instrumento pro
cara ter poder: circular dando palestras de Cultura e Cidadania, entendeu? Então, muita gente é
convencida, e se torna liderança e porta-voz da questão racial por conta desse lugar de
instrumento de poder no qual ela se transforma dentro da dinâmica interna do movimento. Eu
acho que você está confirmando essa minha tese. Agora eu esqueci o que eu iria perguntar....
JUCA – sobre a questão mesmo da ocupação de espaço da arena, da agência e da arena...
3
a
FITA
RENATO – a minha questão é a seguinte, eu vou situar ela. Eu venho amadurecendo a tese, que
eu acho que a sua fala um pouco reforça ela. Eu estou cada vez mais convencido de que o que
constrói os movimentos sociais é o conflito. E, em dois sentidos. Primeiro, você imagina o
movimento social como um movimento de luta contra algo: contra alguma opressão, contra
alguma exclusão, etc. então, em primeiro lugar, o que constrói o movimento social é o conflito
contra alguma coisa. E aí, quando você trabalha com essa idéia, com essa concepção, você
imagina que é o conflito do movimento contra outro setor da sociedade, ou contra outros setores
ou contra algum processo, etc., mas que, no plano interno, o movimento é constrdo através de
solidariedades entre as pessoas que estão ali lutando contra algo, contra um inimigo comum – a
idéia do inimigo comum. Eu venho trabalhando com a idéia de que o movimento, ele se consti
também pelo conflito interno. E, no caso do PVNC, eu venho amadurecendo a idéia de que o ciclo
de crescimento e de expansão do PVNC, ele correspondeu ao momento em que você tinha
pessoas, grupos, etc. que eram forças poticas com disputas de concepção de movimento, disputas
por hegemonia. Quer dizer, quando o movimento, ele era objeto de disputa, ele cresceu. E aí, as
coisas que se construíram eram mecanismos, eram na verdade instrumentos pro crescimento do
movimento. Por isso que eu te falei naquela história de Cultura e Cidadania, que, mais do que um
524
momento de formação, Cultura e Cidadania – no formato em que ela foi construída – era um
espaço de circulação pra essas pessoas (você, o Davi, o Junior, etc., que eram as pessoas que
eram, entre aspas, a cúpula que disputava os projetos de construção do movimento) Então, as
coisas que se construíram, elas não eram resultados, elas eram instrumentos para outros
resultados. Quero dizer, no fundo, o que eu acho que movia... e a história, o olhar pro p
confirma – eu acho – o que eu estou colocando. Quando essas figuras que disputavam a
construção do movimento saíram, por diferentes motivos, o movimento minguou. Não é? O
movimento minguou. Quando você saiu, o Zeca saiu, o Davi saiu, o Nilton Junior saiu... minguou.
Ficou o grupo lá, do pessoal que dizia que eram os autonomistas, e o Alexandre, não é? E eles
conseguiram chegar num pacto, num acordo onde não há conflito entre eles – ou não existe, ou
eles conseguem segurar, porque existe conflito em alguns momentos. Mas, você não tem...
JUCA – ...a renovação! Nenhum deles são herdeiros de outras heranças militantes, o vêm de
outras experiências.... eles são criados dentro do próprio Pré-Vestibular para Negros e Carentes. É
como se não compreendessem o mundo exterior – é como se vivessem em Matrix!! Eles estão no
mundo em Matrix, estão no mundo virtual, que não conseguem compreender o que acontece fora.
Então, na realidade, não conseguem criar novas dinâmicas, porque aquilo ali é o ideal. Não
conseguem olhar pra fora porque não viveram outras experiências, não conseguem pisar em
outras experiências - com raríssimas exceções, é claro. Mas você gera uma geração de militantes
que são formados no interior do Pré-Vestibular para Negros e Carentes, mas dotados de uma
vivência militante limitada pelo próprio Pré-Vestibular para Negros e Carentes não ser, longe de
qualquer concepção, a referência, o modelo de qualquer movimento social. Na verdade, você tem
que passar por várias etapas pra compreender e dinamizar o próprio... é um movimento dialético,
contraditório, mas é isso. Você vai aprender fora pra trazer pra dentro. Você aprende de dentro pra
ir pra fora e repensar o modelo do que acontece dentro. Então, na minha geração, nessa geração,
era uma geração que as pessoas já vinham de outras trajetórias, de outras militâncias, de outros
momentos. É claro, que a disputa entre a gente se deu de forma diferenciada, e a gente soube,
claro, utilizar o nosso capital de experiências anteriores pra criar um ambiente favorável à
constituição de um modelo, que não estava dado mas que poderia ter sido aperfeiçoado com uma
resistência mais sistemática no campo do discurso da questão racial. Que tenta se consolidar mas
que tem dificuldades, sobretudo, porque o pré acabou se capilarizando de uma tal forma que o
discurso da questão racial de forma unitária não é consenso no pré-vestibular - como também,
desde o início, não é consenso. As pessoas têm dúvidas, quanto à questão racial. Quer dizer, a
questão racial ainda é uma dúvida dentro do pré-vestibular. Eu acho que é um estigma que vai
acompanhar pro resto da vida. Imagina, será que a questão racial atrapalha o nosso movimento? É
uma pergunta, toda hora trabalhada.
RENATO – você faz uma distinção entre o dentro e o fora do movimento, e eu acrescentaria o
seguinte.... na minha tese, eu trabalho com a seguinte idéia, de que essa relação entre o dentro e o
fora... você está falando que, na sua geração, as pessoas que estavam dentro “traziam”
aprendizados de fora, que geravam dentro uma dinâmica interna, etc. eu acrescento na minha tese
também a idéia de que as pessoas traziam “interesses” que vinham de fora. Quer dizer, quando
você pensava no movimento, quando você ia construir, você pensava naquele movimento mas
você pensava também na potica de São João de Meriti, na Baixada. Você tinha acabado de ser
candidato a vice-prefeito. Então, você pensava na construção de um movimento popular, mesmo
que você não tivesse o interesse de capitalizar isso eleitoralmente. Mas, a sua atuação era uma
atuação pensando numa visão de conjunto de avanço das lutas populares “na Baixada”. Tanto, que
o espaço que você vai arrumar é o espaço da ABM! Que é exatamente o lugar que, é isso que vo
situa como sendo o lugar de interseção e de confluência de diversos movimentos sociais. Quando
você vai criar o pré do GRUCON separado, você pensa nesse pré – e você usou essa palavra -,
pensando na “repercussão” de um pré com um modelovocê usou esses termos: “eu levei pra lá
o que havia de melhor em termos de professores”... e, aí, um termo que você não usou, não só
melhores do ponto de vista pedagógico mas também do ponto de vista potico. Você escolhe a
dedo os professores que você vai levar, das diferentes disciplinas, também pelo seu envolvimento
potico, porque você acreditava numa concepção de que o bom pré era aquele que não só tinha
uma boa aprovação mas tinha também um trabalho político dentro do campo das relações raciais,
525
da questão racial que fosse forte. Então, você pensava isso, pensando na repercussão que isso teria
o pro pré, mas também pro movimento negro e pros movimentos populares na Baixada,
porque você sabia que aquilo ali ia se entrecruzar com outras experiências... então, por mais que
você pense – eu não estou falando do ponto de vista do julgamento moral que muitas vezes parece
ter quando se usa o termo “capitalizar”... esse é um termo ruim, por muito bom que ele seja, ele
acaba sendo ruim porque ele também traz consigo toda uma idéia, e sobretudo pra gente que é de
esquerda, o ideário moral da acumulação capitalista, etc... então, “ele está pensando no benefício
próprio”!! e etc., não é isso que eu estou falando – eu estou falando de você pensar aquele
movimento trabalhando com as repercussões que ele vai ter depois. Então, eu diria isso: essa
dialética, essa relação dialética entre o dentro e o fora, ela se dava não só no sentido de que
traziam-se aprendizados de fora, mas traziam-se também interesses de fora, de que a construção
daquilo tivesse desdobramentos pra fora – coisa que, pelo que você está chamando a atenção, que
esse grupo não tem. De um outro lado, e é a minha vio sobre o conhecimento, não apenas de
Geografia, mas aqui a gente está falando de História do movimento, a Geografia e a História elas
servem pra te informar sobre uma posição sua no mundo. Então, a História, a gente estuda
História pra construir referências não sobre o passado, mas no nosso presente. Você o tempo todo,
você faz uma construção de uma história do movimento que tem como uma das coisas que está
implícita – às vezes está implícita, às vezes está explícita – é uma crítica àquele textozinho de
histórico que está lá na página do PVNC. O texto que fala que os fundadores foram o Frei Davi e
mais três pessoas. O Zama nem é citado naquele texto. E você traz uma versão da construção
muito mais potica do que pessoal, de quem estava naquele dia lá.
JUCA - Agora, quem constrói o texto histórico, eu acho que tem que ser chamada a
responsabilidade. Eu acho que na realidade o Pré-Vestibular para Negros e Carentes pode ser um
fenômeno a ser estudado de forma mais profunda daqui a 30, 40 anos. Não sei, é possível. Mas eu
acho que quem constrói o “papiro”, quem constrói a nossa fonte primária eu acho que tem que ser
chamada a responsabilidade, senão fica ideologicamente muito comprometido. Então, na
realidade, você tem que perceber as concepções, as várias concepções que permeavam. Quando
eu digo que o Pré-Vestibular para Negros e Carentes tornou-se o P-Vestibular para Negros e
Carentes, tornou-se”, não nasceu como. Agora, tornou-se por quê? Por conta da “primeira
geração”? A primeira geração não tinha peito pra fazer a defesa disso, nem tinha interesse. Só
tornou-se Pré-Vestibular para Negros e Carentes quando o Davi percebeu que as condições
estavam dadas. Estavam dadas pra ter no mínimo aquela identidade vinculante a um mundo
racializado. Afora isso, certamente não entraria. Seria “Pré-Vestibular da Cidadania”, ou “Pré-
Vestibular Popular da Baixada”. Seria um nome assim difuso, e aí seria muito difícil você
sustentar uma luta com essas características. Não sei, tem um monte de pré-vestibular popular por
que estão – eu não visitei ainda, mas... – a maioria só pensa, pura e simplesmente em vincular o
jovem à universidade e acabou, né? Até porque não vai ter força nem capilaridade pra poder ter
uma ação mais contundente. Embora os pré-vestibulares populares parece que se encontrem,?
Eu não sei... já criaram até a “franquia social”... o Davi criou a franquia social...
RENATO – chegou a criar??
JUCA – é, diz-se que o EDUCAFRO era uma espécie de franquia social, né? Que é um conceito
que sai do comércio justo, o “fair trade”, e resvala pros movimentos sociais. Quer dizer, franquia
social no sentido de que todo mundo pode usar a minha marca mas tem que ter alguns parâmetros
pra uso da minha marca. “tudo bem, eu sou McDonald’s. Mas, McDonald’s, se você quiser ser
representante não se esqueça do molho, não se esqueça do tempero das coisas”. Bom, “você quer
ser EDUCAFRO, não se esqueça: você tem uma hierarquia, não se esqueça que você tem uma
coloração e um discurso”. Uma franquia social.
RENATOme fala uma coisa: o Alexandre não era antes do PVNC, de nenhum movimento?
JUCA – Não, eu acho que não...
(PAUSA)
RENATO – fala isso de novo porque você sistematizou uma coisa que eu venho pensando...
JUCA – Na época em que eu participei [do PVNC] era impensável você participar de um órgão
de decisão coletiva – não nos moldes da assembléia, mas, de um conselho geral – se você não
526
estivesse vinculado a um núcleo, ou, dentro da sala de aula deste núcleo, ou na coordenação deste
núcleo. Em outras palavras: você só chegava no conselho geral se você fosse organicamente
vinculado a um núcleo de pré-vestibular dando aula ou participando da sua coordenação. Parece
que hoje é diferente: basta você compor um grupo de reflexão, um grupo de estudos, que você já
pode compor o chamado conselho geral. Isso pra mim é uma deformação. Pra mim o conselho
geral é um conselho dos núcleos, de representantes de núcleos, de coordenadores, de professores,
de gente que constrói, no dia-a-dia os núcleos – que são a principal referência do Pré-Vestibular
para Negros e Carentes. Então, hoje, não tenho certeza, é importante pensar, existe exatamente
este tipo de engrenagem especial pra alavancar pessoas que não têm vinculação com os núcleos, o
que é muito ruim.
RENATO – é, eu me lembro de que, quando a gente no Rocinha saiu do PVNC, quando a gente
se desvinculou, que foi de 97 pra 98, na primeira assembléia que eu apareci o pessoal veio falar
ué, o quê que você está fazendo aqui? O Rocinha não saiu?” Quer dizer, até o meu
credenciamento na assembléia... eu falei: “mas eu estou dando aula no Tijuca também”. Ou seja,
até pra se credenciar numa assembléia você era questionado sobre o seu vínculo com um
núcleo. Eu tenho essa tese, de que o que sustentou o crescimento do movimento era o conflito. E
aí, o conflito é que foi construindo as esferas organizativas pra que ele prosseguisse. E, o
conselho, a assembléia, o jornal, as equipes de reflexão eram todos fóruns, e eu chamo de “fóruns
coletivos do movimento”, eu traço essa distinção entre os fóruns coletivos e os núcleos...
JUCA – é, você tinha três instâncias, né... as equipes de reflexão racial, a equipe pedagógica e o
jornal. E tinha, não uma equipe, mas tinha uma espécie de instância de agitação da disciplina
Cultura e Cidadania – que não era bem uma equipe mas era uma espécie de um agitaço coletivo.
Você tinha essas três instâncias, que eram instâncias de reflexão onde se sentavam, formulavam e
pensavam mesmo, operacionalmente faziam as coisas funcionarem. Eu não sei como a coisa se dá
hoje. Hoje tem um grupo de estudos, que parece que é muito mais um grupo que todo mundo
pode participar, sem nenhuma fronteira de identificação de quem pode e quem não pode, ou que a
porta está fechada pra entrada de novos, enfim...
RENATO – eu também acho meio confuso... uma vez eu comecei a provocar o Fernando sobre
isso, falando, dando uma zuada nele, falando que “vocês agora são os novos iluminados...”. Mas
eu acho que, hoje, como não existem mais esses conflitos, você tem um esfacelamento completo
desses chamados fóruns coletivos. Então, você não tem mais jornal, reuniões de conselho são
esvaziadas, assembléias são esvaziadas, você não tem mais equipes de reflexão...
JUCA – a grande assembia sempre é a primeira.
RENATO – e não é assembléia, é aula inaugural.
JUCA – É, é aula inaugural.
RENATO – e aí, você chama alguém famoso, etc., e, é o único momento em que os núcleos
botam peso, etc.
JUCA – eu acho que é importante colocar pra você, a experiência importante e fundacional das
experiências das relações coletivas e associadas que eram vinculadas aos núcleos, né? Núcleos em
que os pais chegavam a fazer almoço pros seus filhos; núcleos em que os alunos traziam
alimentos pra compor uma cesta pra que o alimento fosse bancado pros inteiro; existiam
núcleos em que os alunos cozinhavam a sua comida. Essas experiências foram experiências
associativas, coletivizadas, foram experiências fundamentais pra consolidar o que hoje se
denomina de Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Quero dizer, já existiu muita criatividade,
que eu acho que vale a pena estar aí repensando. Por quê que não se cozinha mais? Por que os
pais não estão juntos mais? Por que não se traz mais cestas básicas?
RENATO – é, é muita coisa...
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Entrevista com Nelson (24/08/2006) Nelson Silva de Oliveira
(Prof. de História dos núcleos de Coelho da Rocha, Éden e Santa Clara e membro do Grupo de
Reflexão Racial).
RENATO bom, vo sabe que o meu trabalho é sobre o PVNC, fazendo aquela discussão sobre
possibilidades de leitura do movimento social a partir de Geografia. Esse é o foco, e eu estou
explorando diferentes dimensões espaciais. O meu trabalho é um trabalho mais teórico do que
sobre o movimento em si, mas eu uso o movimento pra ilustrar essas discussões teóricas. E, uma
das coisas que eu estou pegando do movimento, que eu queria conversar mais atentamente
contigo, talvez depois a gente marque um outro papo sobre o PVNC mesmo, mas, eu estou
trabalhando sobre algumas figuras, alguns personagens dentro do movimento, e tentando trabalhar
um pouco as trajetórias poticas desses personagens. E aí, na conversa que eu tive com o Juca, ele
me deu uma entrevista longa pra mim, a gente vai conversar de novo, e tal, o Juca me falou um
pouco da trajetória dele, de como é que ele foi se envolvendo com potica, a entrada dele no PT,
ele falou da Campanha da Fraternidade em 1988, e ele disse que foi você que levou ele pro PT.
Então, eu queria que você, além do Juca, você tem envolvimento com potica, já foi candidato
aqui também, o Alexandre vem de movimento popular, né?? Eu queria que você falasse um
pouco, me fizesse um pouco esse mapeamento da política aqui na Baixada, e colocando esses
personagens que estavam no PVNC. Por exemplo, o Juca, como é que você descreveria a
trajetória potica dele? O Davi, que era daqui da Igreja da Matriz, como é que essas coisas se
misturavam??
NELSON – bom, eu acho que, pra falar dessa trajetória, tem que falar da Igreja. Aqui na Baixada,
pra pensar movimento social, tem ou houve uma ligação direta ou uma relação com a Igreja
Católica. É o meu caso e o caso de outras pessoas com quem eu vou fazer contato na caminhada.
Meus pais são muito católicos, minha mãe, meu pai recém falecido era uma pessoa extremamente
católica, e eu sempre acompanhei a Igreja Católica, quando garoto ia na missa, ia uma missa
ou outra... entrei numa Comunidade Eclesial de Base, entrei num Grupo Jovem, e a partir daí, na
época tava em moda, tava em voga a questão da Teologia da Libertação, e aí trouxe umas
discussões mais poticas, né? E o PT aqui na Baixada Fluminense, toda a Baixada, não só em São
João, tem uma relação muito estreita com a Igreja Católica. Tanto padres, lideranças da Igreja, e a
aproximação com o PT foi, entre aspas, “natural”. Na Igreja Católica, 16, 17 anos, eu já era
secretário geral numa Comunidade Eclesial de Base, então, pra aproximação como PT, tinha
pessoas, como o assessor da Pastoral da Juventude que era meu assessor na época, era do PT.
Então, você vai se envolvendo, daqui a pouco quando viu já tem contato com o PT. Eu lembro
que em 82, você faz as contas aí, eu nasci em 65, então eu tinha 16 pra 17 anos, eu já fazia
campanha potica. Teve eleição pra deputado estadual, federal, aquela eleição que o Brizola
ganhou aqui pra governador, eu já fazia campanha. E já foi aí que eu comecei a me aproximar do
PT. Aí, PT, Igreja... PT, Igreja, até 86, 89, né, foi quando eu fui pra universidade também, que é
um ponto importante, e... a discussão racial não estava tão presente assim na minha vida. Aqui era
forte, também, nesse período, por volta de 88, 86 e 87, começa muito forte o movimento negro
aquicomeça não, mas, fortalece o movimento negro aqui, eu lembro do GRUCON, era até um
grupo que o Juca participava... não sei se ele citou isso, mas ele fazia algumas atividades no
SESC, eu lembro disso, eu nem conhecia ele, mas ele fazia algumas coisas ligadas à questão racial
no SESC aqui de São João. E, na própria Igreja, tinha a Pastoral, começou o movimento de
Pastoral, Agentes de Pastoral Negros, depois Pastoral Afro. E, nessa época, também, surge o
Quilombo, se não me engano, eu não sei precisar se é dessa época, mas é por aí, final da década
de 80. O Quilombo, que era uma sala, aqui dentro da Igreja Matriz de São João, coordenada pelo
Frei Davi, aonde as pessoas iam lá... então eu, comecei a me aproximar mais da discussão racial a
partir da discussão do Quilombo, aí veio a Campanha da Fraternidade em 88, veio aquela grande
marcha no Centro do Rio de Janeiro, também em 88, e eu acho que as coisas foram mais ou
menos casando. Mas, mesmo assim, na minha avaliação, eu também não tinha como prioridade a
discussão racial, eu até acompanhava,o só pelo fato de ser negro, estar no movimento social, e
528
coisa e tal, então eu acompanhava mas não era assim uma coisa prioritária. Eu ia nas missas
inculturadas com o Frei Davi, participava de alguns papos no Quilombo, mas...
RENATO – ia no que?? Nas missas...
NELSON – Inculturadas. Eu estou usando o termo que eles utilizam, “missas inculturadas”, que o
pessoal da Pastoral Afro utiliza. Aliás, até pode perguntar, você vai conversar com Frei Tatá, até
um pouco sobre isso. E, eu comecei a participar e, a grande aproximação... aí, começou o PVNC
aqui, em 93, o primeiro núcleo. E, em 93 mesmo, ou em 94, eu fui convidado pra dar aula no
pré... acho que era Pré Metodista, em Caxias, depois mudou de nome pra Pré AFE – mas começou
como Pré Metodista. A Cecília, eu cheguei a conversar com a Cecília, que era a coordenadora,
mas não fiquei. (risos) Porque, na época, eu estava num outro movimento, que, aliás, foi o
movimento que realmente me despertou pra questão racial que foi o SENUN. Eu cheguei a
participar do SENUN, que foi O Seminário Nacional de Estudantes Universitários Negros, em
1993. Do seminário eu voltei já com vontade de participar um pouco mais e, aí, assim, a minha
participação rapidamente ficou muito intensa. Eu me tornei coordenador regional do SENUN. Foi
quando a questão racial começou a ganhar... e, paralelamente a isso também, eu estava, eu tinha
sido de um grupo de dança folclórica da UFRJ que tinha a discussão racial também. E eu comecei
a trabalhar numa pesquisa com a profa. Márcia Contins, na época na Escola de Comunicação da
UFRJ, que era um pouco a história do movimento negro a partir dos militantes do Movimento
Negro, a partir da história e vida dos militantes. Então, eu entrevistei uma série de militantes e
também fui me aproximando. Então, a partir do SENUN e desta pesquisa que eu começo a
enveredar ou priorizar, em termos de discussão política, em termos de militância política e de até
mesmo atuação acadêmica, a questão racial. E daí eu comecei a ter contato e comecei a dar aula
em alguns núcleos. O primeiro núcleo que eu comecei a dar aula mesmo, efetivamente, foi em 95,
96, o núcleo do GRUCON, que é o Grupo de União e Consciência Negra, convidado por Juca.
Nesse eu realmente dei aula direitinho. E o Juca...
RENATO – aonde era esse núcleo?
NELSON – Esse núcleo era em Villar dos Teles...
RENATO – na ABM?
NELSON – Não... não é o da ABM não. Era um bairro depois de Vilar dos Telles na verdade -
Jardim Íris. Funcionava numa escola - até pouco tempo funcionava, não sei se funciona ainda hoje
-, o Cogio Estadual Francisca Jeremias da Silveira Meneses. Engraçado que, anos depois, eu fui
dar aula nessa escola. Então era o GRUCON. Eu já conhecia o Juca, eu conheci o Juca através das
reuniões no Quilombo e, o papo sempre rolava em relação ao PT. O Juca, na época, era um cara
que estava no PSB, se não me engano, e aí começou... como a grande maioria que o cercava era
do PT, e o PT tinha uma discussão juntamente com o PDT aqui na Baixada... aliás,o só na
Baixada como no Rio, eram os dois partidos que tinham mais a discussão racial, que o PT era
muito mais ligado ao movimento de Igreja, e o Juca estava próximo da Igreja por conta do
Quilombo, e até a própria relação dele com o Frei Davi, então, num determinado momento ele se
interessou em participar do PT, eu que fiz a ficha de filiação dele...
RENATOisso em 86, 87?
NELSON – por aí.. acho que 86, 87. Porque, eu era do diretório na época, era 87... então... 86, 87,
eu filiei o Juca no PT. Engraçado que o Juca ficou muito mais no PT do que eu. Porque teve uma
época que eu me afastei.... eu nunca deixei de ser petista, mas me afastei até por conta da
universidade, essa coisa de ir pro Rio... o que, aliás, até foi muito bom pra minha cabeça e pra
minha trajetória. Participei, pelo SENUN, de um grupo de teatro do oprimido, lá do CTO, o
Centro de Teatro do Oprimido – a gente chegou a montar um espetáculo chamado “O predador,
que chegou a ficar um tempo em cartaz no Cacilda Becker, e, só em 98... 98, eu estou dando
alguns saltos na história.. 96 eu estava já no GRUCON, em 97 eu também comecei a dar aula em
alguns pres, mas, em 98 é que a minha participação no PVNC fica mais efetiva. Eu vou pro pré de
Coelho da Rocha – eu dava aula em 3, 4 prés: Éden, Santa Clara, Coelho da Rocha e São José. Foi
o período áureo do Pré-Vestibular, acredito eu, de 96 a 2000. Aonde aqui, na Baixada
Fluminense, era muito forte. Dois locais muito fortes: Baixada Fluminense e Zona Oeste. Você
que está pesquisando deve saber muito melhor do que eu. Eu me lembro que eu comecei a
participar das reuniões da coordenação – eu era representante do pré de Coelho da Rocha, então
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eu ia lá nas reuniões, e, entrei depois pra Coordenação Geral primeiro, fazendo parte, primeiro de
Cultura e Cidadania, mas, depois fazendo parte das equipes regionais. Eu era representante da
Regional São João/Pavuna. Eu e a Rose – não sei nem por onde anda a Rose... então, por isso eu
andei muitos pres. Todos os pres de São João e Pavuna eu conhecia. Na Pavuna eram dois pres, na
época eu acho que funcionaram três... um na área da Rose, o Parque Columbia; o outro lá do
Zama, ali na Pavuna; e outro na Pavuna, mais pro lado da Rua Mercúrio, pré eu acho que São
Sebastião. Em São João eu acho que eram por volta de 15 prés. Era muito pré! São João eu acho
que só perdia pra Caxias, que tinha, se não me engano, nessa época 17 prés. E tinha outros em
Nilópolis, Nova Iguaçu, e tinha também um monte de prés também na Zona Oeste. Então, foi
quando eu comecei a participar mais do PVNC, e ter uma reflexão sobre o PVNC, porque eu
namorei, durante muito tempo, uma reflexão acadêmica que eu sempre quis fazer um trabalho
sobre o PVNC, que nunca acabou saindo – e, hoje, eu até nem tenho mais tanto. Mas, foi bom,
porque isso me obrigou a refletir algumas coisas sobre o PVNC. E também, nesse período aí,
rapidamente também, por estar participando dessa coordenação, eu lembro que o PVNC – se bem
que a gente até pode discutir isso depois profundamente – as reuniões eram muito intensas. Eu
lembro que era reunião toda semana: pra quem fazia parte da coordenação, era reunião da
coordenação uma vez por mês; era reunião de cultura e cidadania; eram as demandas que iam
surgindo por conta do vestibular da UERJ, da UFRJ... e, as reuniões eram muito politizadas.
Politizadas, às vezes, até demais! Muito pesadas – pesadas até no sentido positivo, da discussão,
da reflexão, e rapidamente a gente fez um grupo de pessoas que, nesse período, começaram a se
encontrar mais, que éramos eu, o Zeca, o Alexandre Nascimento, aquela menina – nossa, eu tenho
que lembrar o nome dela senão ela me mata! A de Niterói... – Marcilene... e outras pessoas... a do
Jardim Metrópole, a Daise. Então, a gente começou a se encontrar e a formar um certo núcleo
comum. E, sempre, a discussão partidária estava paralela a isso aí. Nesse período era período de
eleições.... teve, euo sei até que ponto interessa pra sua pesquisa também... a discussão PT &
PDT ficou posta durante muito tempo mas não chegou a atingir o Pré. Mas, depois, teve uma
outra discussão interessante no Pré, não sei se na sua pesquisa já apontou isso, que era uma
discussão meio... o pessoal que estava muito ligado ao Davi e ao Marcelo Dias, que era deputado
estadual na época, e um pessoal que era mais próximo do Ivanir, que não era deputado mas era
candidato a deputado estadual. Isso no ano de 98, exatamente, 98, vai ter uma discussão um pouco
ligada a isso, que até... as coisas um pouco se misturavam e se confundiam. Teve um almoço
não sei se você soube dessa história de um almoço – no pré Santa Clara... que quem acompanhou
e sabe disso é o Samuel, que participou disso... o próprio... o Samuel é a pessoa mais indicada pra
te falar disso... marcaram um almoço, o pessoal da EDUCAFRO e o Marcelo Dias, lá no pré
Santa Clara. E, foi engraçado, que eu dava aula lá e não sabia do almoço. A aí, eu cheguei pra dar
a minha aula e as pessoas saindo pro almoço! E tinha um grupinho resistente de alunos que estava
querendo assistir aula. Aí eu falei “não, eu vou dar aula”. E ficou aquele clima horrível, porque
chegaram outros professores que queriam dar aula. Mas era muito mais uma aula, hoje eu avalio,
de pirraça do que propriamente uma questão mesmo da aula, da importância da aula. Então, havia
essa divisão, do pessoal que era ligado ao Marcelo Dias, e o pessoal que era ligado ao Ivanir. Mas,
que, na verdade também, a discussão principal nem era essa. Havia essa divisão mas que, já tinha
uma discussão relacionada à questão do próprio Davi. Quando começaram a se desenhar algumas
pessoas que viam um pouco... aliás, diga-se de passagem, pelo que eu sei, não houve nenhuma
oposição forte ao Davi, mas havia uma divio em termos de divisão de pré-vestibular, de PVNC.
E aí, as pessoas, qualquer motivo era motivo pra os ânimos em determinado momento se
acirrarem. Em 98, 99, houve várias reuniões conflituosas mesmo, momentos conflituosos. Não sei
se eu estou contemplando, você quer perguntar alguma coisa...
RENATO – não, você pode falar a vontade porque tudo que você está falando me ajuda... eu
queria que você desenvolvesse um pouco essa relação entre... você falou de duas, na sua narrativa
apareceram dois movimentos que tem características semelhantes e, de certa forma, eu acho que
um tem muito a ver com o outro, que é o PVNC e as Comunidades Eclesiais de Base. Eu tenho
essa tese: o formato do PVNC é um pouco o formato das Comunidades de Base, tem uma
influência muito forte disso. E você fala desses dois movimentos que você participou, em dois
momentos diferentes, um nos anos 80 e outro nos anos 90... e, como é que esses dois movimentos,
530
aqui na Baixada, no caso, os dois têm atravessado, dentro deles, a Igreja Católica. A Igreja
Católica e tem também o PT junto com isso. Tenta desenvolver isso um pouco mais,
principalmente essa história do PT, porque a imagem, a idéia que se tem hegemônica do PT do
Rio de Janeiro é a de que ele é um PT classe média da zona sul. Pouco se explora esse outro lado
do PT, da história da construção do PT que você está falando. Essa eleição, a primeira que ele
participou, bem pequeno ainda na época, e, pelo que você está falando, aqui com um perfil muito
de base, e não aquele perfil de classe média que é o perfil hegemônico no PT do estado do Rio de
Janeiro. Eu queria que você desenvolvesse pra mim a seguinte questão: você depois veio a ser
candidato pelo PT. O Juca, também, foi candidato, a vice-prefeito em 92, né? Como é que era essa
coisa, de ligação do partido com os movimentos, isso construindo lideranças... como é que você
virou liderança, como é que o Juca – pro cara virar candidato a vice-prefeito, alguma projeção o
cara tem que ter, né? Como é que é isso??
NELSON – antes de pegar isso, eu acho que tem que explorar a relação do PVNC com a Igreja.
É uma relação muito umbilical, porque, o Davi... eram 7 ou 8 pessoas o número de pessoas que
começaram o PVNC.. o Davi, o Alexandre, aquele menino lá, o Annio, o Zama... mas, a grande
presença era a do Davi inegavelmente. Eu acho até que o PVNC trouxe uma série de elementos
positivos da Igreja Católica, em termos de organização, extremamente positivos. Mas, em
compensação, também trouxe algumas coisas tipo, uma estrutura extremamente hierarquizada e
até autoritária que a Igreja Católica tem inegavelmente. Até mesmo a Igreja Católica mais
progressista não consegue se desvencilhar disso, da figura do padre, ou do bispo, ou do grande
der, do messias... ou até mesmo aqui, o pprio cara na base, na base, na base, vo tem o cara
que é o dono” da comunidade. Isso um pouco passou pros pres... tanto é que teve uma época que
a gente até brincava “você é dono de pré-vestibular? De qual pré-vestibular você é dono?” porque
tem um pouco essa estrutura e o pré herdou um pouco isso, um outro vício da Igreja. É o formato
da Igreja mesmo. Fazendo um paralelo - forçando até um pouco a barra – com as Comunidades
Eclesiais de Base, cada núcleo tem lá o seu líder.
Em relação ao PT e às outras coisas todas, você falou uma coisa fundamental, que é o fato de que
o PT da Baixada é realmente um pouco diferente, se comparado, claro, ao PT do Rio de Janeiro. É
um PT de base, e é uma base também diferente da base deo Paulo – a base deo Paulo tem
uma base na Igreja muito forte, mas tem uma base sindical muito forte. Aqui na Baixada o tem
sindicatos fortes, começa por aí. Aqui não tem movimento sindical forte. E, o que tem de forte no
movimento popular organizado, mais formalmente falando, são as Comunidades Eclesiais de
Base, que surgiram com muita força até por conta dos bispos que aqui passaram: o Dom Adriano
e Dom Mauro, dois bispos que fortaleciam, fomentavam essa discussão de Comunidades Eclesiais
de Base, davam força, e tudo mais. E, o PT aqui, até por conta disso, a base do PT vai ser a Igreja,
os grupos que estavam em torno da Igreja e que tinham uma certa ligação com a Igreja. Por
exemplo, o meu caso: eu já vinha da Igreja, então você já tinha toda uma escola, a Igreja é uma
grande escola – pra vofalar, pra você pensar, você se organizar, você liderar e, depois, até pra
você discordar de algumas coisas!! Então, ela te ensina muito. Eu já tinha essa base na Igreja. O
Juca, eu não tenho certeza se ele era praticante, eu lembro que ele era muito ligado à questão do
Quilombo, muito ligado principalmente ao Davientão, ele também já tinha uma base. Enquanto
que, trazendo uma discussão, a gente também tinha uma coisa em relação ao PT, que era uma
contradição dentro do PT. O PT sempre, na discussão racial e na discussão de gênero, ele queria
fomentar, se colocava, levantava a bandeira, maso tinha elementos pra se discutir. Não tinham
grupos, o máximo que o PT fazia era criar o que na época se chamava núcleos – não tinha outro
nome, era setorial, tipo os “núcleos de mulheres”, “de negros”. Era o máximo que se fazia em
termos de potica mais efetiva, então, não tinha um trabalho consistente em relação a isso. Então,
quem entrava um pouco nesse viés conseguia uma projeção que ocupava aquele espaço, e eu acho
que o Juca soube bem ocupar esse espaço, porque o Juca, desde que eu conheço o Juca, ele tem a
discussão étnico-racial como a discussão prioritária. Então, quando ele vai pro PT, ele está
discutindo isso. Além do mais, ele tem, além da discussão étnico-racial, ele tem elementos pra
discutir, não fica, não transformou isso numa ilha em relação a outras questões sociais. Então, ele
consegue esse espaço - muito rapidamente na minha avaliação – muito por conta disso também.
No meu caso é um pouco diferente, porque eu entrei... meu caso é realmente por conta da Igreja.
531
Quando eu entrei lá eu já era uma liderança do movimento de juventude, então, quando eu entrei
lá, a primeira coisa que eu fiz foi trazer um monte de jovens, e você sabe que o número sempre
impressiona... eno, comou aquela coisa de querer me fisgar porque o cara tem uma certa
liderança, e também o PT tinha uma carência de liderança que era muito forte, nessa área de
juventude, em alguns setores, o PT daqui – e eu, tanto eu como o Juca, a gente é de uma região, o
Centro de São João, em que o PT aqui em São João nunca foi forte, também tem esse outro
elemento... geográfico, né?? O PT sempre foi mais forte nas áreas periféricas, até porque as
igrejas do Centro de São João e do seu entorno eram, tradicionalmente igrejas de padres mais
conservadores. Então, o PT sempre vai ter muita força na periferia, isso até hoje. Então, vira e
mexe aparecia um padre aqui em São João um pouco mais à esquerda – o próprio Davi, no caso
agora o XXX... mas, no geral, era um perfil mais conservador, e o PT não tinha tanta penetração.
Então, quando você aparecia sendo da Igreja, num setor onde o PT não tinha tanta penetração era
uma festa! E a minha trajetória aparece muito por. E, também uma coisa muito ligada, até hoje,
se você for no PT, por exemplo, dependendo do grupo do PT de São João, se vofor no
Movimento social, se não são 100% as mesmas pessoas, 60% - o grupo se repete. Então, ao
mesmo tempo que você faz parte da rede que se cria, também tem o problema de às vezes falta
liderança pra fazer algum tipo de trabalho, mas tem uma coisa meio colada. Eleição de centro
você fala que o candidato é do PT, penetra muito facilmente nas comunidades um outro que é
mais conservador é mais resistente, porque já tem uma certa relação por causa das gestões que
tiveram... Dom Mauro contribuiu muito pra isso, ele nunca usando diretamente o discurso
petista, mas contribuiu muito pra isso, e alguns padres que passaram por aqui.
RENATO – Está me chamando a atenção na sua narrativa que nunca aparece o movimento de
associação de moradores de bairro, que, nos anos 80, era.. em Nova Iguaçu era muito forte.
NELSON – ABM, MUB e MAB.
RENATO – MUB e MAB? Eram três federações?
NELSON – Três federações. Em São João que era a ABM. Agora, eu nunca sei as outras duas,
uma era de Nova Iguaçu e a outra era de Caxias...
RENATO – MAB era de Nova Iguaçu...
NELSON – Então, o MUB era de Caxias! Na verdade, eu cheguei a participar de associação de
moradores. Foi até... tinha até esquecido disso, não falei que a memória é falha? Em 82, quando
eu me aproximo do PT... porque assim, o ato de participar era tudo meio – eu tinha 16 pra 17 anos
– a gente colocava meio que bandeiras: “você tem que participar da associação de moradores”,
“você tem que participar do partido potico”, “tem que participar da pastoral da juventude”! e,
aonde eu morava, Engenheiro Belfort, que é um bairro próximo aqui do Centro de São João, tinha
uma associação de moradores liderada por petistas, da qual eu me aproximei, e inclusive o
presidente era candidato a vereador pelo PT. Tinha o Ronaldo Braga, que está por aí até hoje, a
Dilcéia, do PT, que está aqui no Odara, que eram da associação, a esposa dele, a Guiomar... então,
toda uma outra entrada para o PT. Eu entro via Igreja porque XXX era um movimento muito
forte, que, nos anos 90 foi se esvaziando, nos anos 80 era muito forte mas nos anos 90 foi se
esvaziando....
RENATO – tinha essa vinculação forte mesmo com a Igreja?
NELSON – Tinha. Por exemplo, a ABM, Associação de Bairros Meritienses, uma das principais
federações de associações de moradores, eu nunca cheguei a ser tão orgânico na ABM.... eu
freqüentava algumas reuniões, muito novo, né? Eu achava as reuniões meio chatas. Mas ia, e tal...
e, olhava o pessoal ali e a grande maioria era pessoal do PT, as principais lideranças pelo menos, e
muitas delas também participavam da Igreja. No caso da associação que eu participava, as
lideranças nem eram de Igreja – era a chamada “Ala Vermelha”, que era um grupo do PT mais à
esquerda na época que participava e organizou a associação de moradores lá. Mas, fortaleceu e era
meio uma rede que acabava fortalecendo a entrada no PT. Mas a entrada no PT vem muito pela
questão da juventude mesmo da Igreja. Eu lembro que tinha o Alfredo, e um outro, o Delmar
principalmente, que também era do PT – o Delmar está na FASE agora -, ele foi do PT antes. Ele
andava muito no PT. Ele entrou pro PT um ano antes. Eu encontro o Delmar na Igreja, depois
com insistência eu acabei vindo participar da juventude do PT... já tinha feito a campanha de 82,
até porque tinha o cara da associação que era candidato, fazendo aquela campanha de entregar
532
material, campanha mais no chão...mas era um movimento muito forte mesmo. Era um
movimento muito de bairro, não tinha muito essa coisa de movimento de intelectual – claro que
tinha intelectuais aqui importantes, tinha gente. E era uma coisa meio... experimental também,
uma coisa meio de .... pra alguns até meio exótica talvez... eu lembro que vinham levas de pessoas
do Rio militar aqui. “Levas” talvez seja um pouco de exagero meu (risos). Mas havia algumas
pessoas que vinham militar aqui. Outras até, com sinceridade mesmo, por entender que a
Baixada... até mesmo pela história da Igreja, havia todo um romantismo. A Comunidade Eclesial
de Base, principalmente a Teologia da Libertação vendeu uma história muito romântica da Igreja.
Então, você ser um cara de esquerda, morando na Tijuca, querendo fazer movimento de Igreja,
não tem muito sentido... eu falei da Tijuca de prosito, veio um grupo de Tijucanos pra cá.
Pessoas do Sul também pra cá, pra Baixada pra morar aqui mesmo. Não é morar só militar e
voltar pra Tijuca. É morar mesmo, ter casa aqui pra um pouco conhecer esse espaço. Então, tinha
um pouco desse romantismo também, que era fomentado tanto na Igreja, articulado com o PT e a
associão de moradores também era um elemento importante.
LADO B
RENATO – eu estava te falando da relação com a teoria. Tem uma teoria de um italiano, o
Alberto Melucci, que faz um pouco uma crítica à idéia de movimento social. Ele traz a idéia de
área de movimento”. Ao invés de você falar de um movimento como uma organização, que é um
pouco você fazer o paralelo, a comparação do movimento com o partido – e aí, vem todo aquele
debate sobre organização que a gente estava falando -, ele fala que o que você tem são “áreas” ou
campos de movimento”, com diversas formas de ativismo social que se misturam, convergem,
etc. E, você tem áreas de movimentos, às vezes, em torno de uma mesma bandeira – o Movimento
Negro, por exemplo, se comporta exatamente assim: você tem diversas organizações, com
modelos diferentes, com atuações diferentes; você tem ativistas, pessoas, etc. tudo isso forma essa
grande coisa maluca que a gente chama de movimento negro. Mas, ele fala também que você tem
às vezes, campos ou áreas de movimentos que juntam pessoas militando em lutas diferentes.
Então, você tem um campo de militância que mistura diversas organizações, cada uma
trabalhando com pautas diferentes, mas que você vê pessoas circulando de uma para a outra e, às
vezes, o cara leva a problemática de um lugar para o outro, leva a bandeira, leva a cultura potica
de um lugar para o outro... é nesse sentido que eu falo que o PVNC tem muita coisa das
Comunidades Eclesiais de Base. E, tem esse negócio. E eu estou tentando construir essa idéia, e é
por isso que eu estou te pedindo pra falar das trajetórias dessas pessoas. Então, por exemplo, o
Alexandre Nascimento. Até hoje eu o sei de onde ele veio. Eu ouço todo mundo falar que ele
era de Movimento Popular, agora, que movimento? O que?
NELSON – é, eu literalmente não sei.
RENATO – o Alexandre é novo, não é? Ele tem quantos anos? 40 anos?
NELSON – é, não é mais do que isso não, ele é mais novo do que eu. Ele tem no máximo a
minha idade...
RENATO - ele começou no PVNC com vinte e poucos anos...
NELSON – Ele é um dos fundadores... ele já era da FAETEC, estava comando na FAETEC
dando aula.. eu não sei a origem do Alexandre, boa pergunta... mas, o desdobramento do PVNC,
tinha aquela idéia de pegar alunos que passaram pra continuar o movimento. Mas, se você pegar
em São João, você tem uma série de Igrejas que vão estar abrindo núcleos. Por exemplo:
Comunidade São José – abriu um núcleo; Comunidade Santa Clara - abriu um núcleo. Então, com
pessoas da própria Igreja, com pessoas que estavam na universidade egressos de núcleos do
PVNC... eno, votem um pouco essa mistura. Por exemplo: Pré-Coelho da Rocha. Era numa
escola, mas quem organizava era Roberto Vieira que vinha também do partido, e vinha também
da Igreja de Coelho da Rocha. Então, o elemento Igreja, no PVNC, vai estar muito presente nos
núcleos depois que vão se abrir. Você tem, de um lado, alguns que passaram e que estavam na
universidade, mas tinha muita gente de Igreja que vai estar abraçando a iia e abrindo núcleo.
RENATO – Você também era da Igreja, não é? Como é que era essa aceitação na Igreja?
533
NELSON – Na verdade, quando eu estou no PVNC, eu estava já afastado da Igreja, já estava
meio ateu... depois eu fiquei completamente ateu, e depois o candomblé me resgatou. Mas, apesar
de estar fora de Igreja, eu tinha e tenho uma cultura de Igreja muito forte, né? Essa coisa da
organização, alguns vícios da Igreja que dá pra ver nitidamente na minha trajetória e na minha
ação até hoje. Inclusive, hoje eu fui pegar a turma... aqui tem uma juventude intensa aqui
participando, aí, eu estava outro dia pensando em fazer uma dinâmica com eles e peguei um livro
da Pastoral da Juventude, da década de 70, 80.... que é um livro que marcou a minha geração na
Pastoral da Juventude. Então, quero dizer, eu vinha da Igreja mas não estava mais na Igreja, pelo
menos de forma tão orgânica como antes. Na fase áurea da minha participação do PVNC que foi
em 98, 97 até 2000.
RENATOmas, mesmo assim. Como é que é esse jogo de poder? Eu vou entrevistar o Tatá um
pouco com essa curiosidade, de entender como é que era o jogo potico dentro da Igreja. Porque,
você já não é o primeiro que me fala da coisa do Mauro Morelli. Da diferea do Dom Mauro
Morelli pro outro, lá do Rio de Janeiro, o Dom Eugenio Salles que era conservador. Eu não tenho
muito conhecimento, eu preciso entender como é que era essa hierarquia da Igreja, e como é que o
Frei Davi entra nessa hisria...
NELSON – todo sistema hierarquizado muito amplo... quando vai descendo, ele vai sofrendo
alterações, desrespeitos, desordens... então, pega a questão da Campanha da Fraternidade de 1988,
que era “Ouvi o clamor deste povo”. CNBB. Lá em cima. O Dom Eugenio Salles não respeitou.
Ele fez uma outra campanha, ele criou um outro nome, um meio termo, acho que “todas as
cores..” ele tentou criar um meio termo. E, aqui na Baixada, não. Na época, já era o Dom Mauro,
então eles mandaram ver na Campanha da Fraternidade até fazendo esse contraponto mesmo à
prática lá no Rio de Dom Eugenio Salles. Então, havia essa coisa aqui. E, no caso, quem é de
Igreja, Dom Mauro foi realmente... porque o Davi aqui, estava bem. Por exemplo, ele fazia umas
missas, na época era novidade. Na época tinha quebra-pau por conta das Missas Inculturadas – o
Davi pode te contar bem essa história, não sei se você entrevistou ele -; era realmente brabo,
porque a Ala Conservadora da Igreja queria excomungar o Davi, acabar com aquele tipo de missa,
chamavam aquilo de macumba. E, Dom Mauro segurava a onda numa boa. Dom Mauro, muito
carismático, conseguia transitar bem pelo lado conservador da igreja, amenizar, cortar as arestas e,
ao mesmo tempo, fazendo o trabalho dele mais progressista. E, o povo de Igreja, os leigos, eles
seguem a orientação – aí, é a hierarquia -, seguem mesmo a orientação do padre, do bispo. E, às
vezes, até muito mais do padre do que do bispo ou do papa, porque é o que está mais próximo.
Isso vai contaminar o PVNC. Eu lembro que, nas assembléias, podia ter um quebra pau e aí, o
Davi falava – você chegou a participar das assembléias -, era meio que autotico, porque era a
palavra do padre e tinha muito peso. Tinham muitos jovens oriundos da Igreja Católica. Eu acho
que hoje está até um pouco diferente, mas, lá em noventa e poucos, muita gente vinha da Igreja,
participava desses movimentos e, era o padre que estava falando. Então, se o padre está falando,
está certo! O padre não pode errar!
(PAUSA)
Então, era muito forte isso, e o próprio PVNC, agora você falando eu estou vendo que dá pra
comparar dá pra fazer um paralelo muito bem - os núcleos do PVNC com as Comunidades
Eclesiais de Base. É claro que, com interesses e objetivos diferentes, mas se você pegasse a
organização, aquela coisa do núcleo que tem dono, que organiza, e que tem uma pessoa que é uma
referência... teve uma vez, eu fui no Pré-Matriz, e o Davi ainda era o coordenador lá do Pré-
Matriz, convidado pela Leila pra dar uma aula de Cultura e Cidadania. O pré era no “flusinho”, o
Colégio Fluminense, também conhecido como “flusinho”. Aí eu fui lá, e tal, dei a aula, tive uma
idéia de dar outra aula... “depois eu posso voltar aqui pra dar essa aula?”... aí me disseram “não,
pela coordenação tá tudo certo. Só tem que falar é com o coordenador”. Eu pensei até que ela
estava brincando! Ué, mas e a coordenação? Ainda tem o coordenador?? Assim, na hora ela
pensou que eu estava brincando com ela, e ela ficou sem graça. Foi quando eu falei que... foi
quando ela falou que “não, é que acima da coordenação tem o Davi, que ainda pode vetar...” E as
pessoas aceitavam isso numa boa. Se não fosse um padre, dificilmente isso seria aceito. Isso, aos
poucos, era reproduzido em cada núcleo. Em função do Pré Matriz, que já tinha lá o Davi junto,
também tinha aquela coisa da pessoa que meio que organizava...
534
RENATO então você acha que essa hierarquização interna ela era influencia das Comunidades
Eclesiais de Base? Porque, pra mim, era o contrário. Pra mim essa hierarquização interna era fruto
das experiências que todo mundo já tinha tido. A nossa experiência em espos de educação,
espaços de escolarização, na escola, é a diretora que manda nos professores, que mandam nos
alunos. O pré, eu sempre vi como sendo potencialmente – não realmente, né? em alguns lugares
realmente, mas em boa parte deles potencialmente – um espaço de instauração de uma experiência
democrática na vida das pessoas, pela primeira vez. E, muitas coisas que aconteciam no pré, eu
acho que realmente... o único lugar onde você podia derrubar professor, tirar professor, derrubar
coordenação, era no pré! Na escola, você não pode fazer isso de maneira nenhuma! Expulsa o
aluno e pronto.
NELSONeu acho quehá uma contradição. Eu acho que o pré, de um lado experiência,
experimentava o novo, a democracia de uma forma mais ampla e tal, mas, ao mesmo tempo, eu
quando rodava os pres muito com a Rose, eu sempre pensava nisso: a cara do pré era a cara da
coordenação. E, pra derrubar coordenação, coisa que realmente tinha, mas era porque a
coordenação estava meio que saindo.... meio que já tinha vacilado muito, não era uma coisa
assim tão simples. E, você via nas assembléias, quando não era o Davi que conduzia, era
claramente massa de manobra. Tinha coordenador que ficava de frente pras pessoas pra levantar a
mão pras pessoas verem e seguir o voto dele. Então havia essa coisa, havia essa contradição. Ao
mesmo tempo que tinha esse lado novo, potencialmente novo, também tinha um ranço...e aí,
talvez, não só – eu concordo contigo - não só das CEBs. A tradição de outros lugares, da
esquerda em geral, também é um pouco assim, da escola é um pouco assim, e as pessoas traziam
isso. Eu destaco as CEBs por conta de ter começado na Igreja Matriz em São João, por ter uma
forte ligação com setores da Igreja, e se você pegar a visão mais da influência do partido, do PT,
por exemplo, recebia também a influencia da Igreja, então tinha essa contradição.
RENATO quando eu te perguntei sobre o jogo da Igreja, a questão da Igreja, eu tento entender
o seguinte: a gente, você, eu e mais algumas pessoas, que a gente sabe quem, teve no PVNC
alguns embates, e um monte de críticas em relação ao personalismo do Davi. A gente teve em
alguns momentos embates diretos, confrontos diretos, de diferentes maneiras. E eu fico tentando
entender a atuação do Davi. Pra mim, uma coisa que eu tinha uma cerat clareza, quero dizer,
tenho clareza mas não tenho clareza (!!), o Davi ele tinha - e algumas entrevistas que eu já fiz me
trazem esse elemento, o Juca durante algum tempo fez uma crítica muito grande dizendo que o
Davi tinha um projeto, tem até um texto dele que circulou falando de um “projeto oculto”,
dizendo que o Davi tinha um projeto para o PVNC, mas que era um projeto dele da igreja.o
um projeto da Igreja pro PVNC, mas um projeto dele pensando o PVNC a partir do ponto de vista
de alguém que era da Igreja, e que tinha como objetivo junto ao PVNC também, capitalizar aquele
movimento pro lado da Igreja. E aí eu fico tentando entender – é evidente, pra mim é natural
que um sujeito que se capitaliza, se fortalece como liderança de um movimento do tamanho que
era o PVNC, com a dinâmica, com a efervescência que era o PVNC, ele pode levar esse capital de
liderança pra tudo quanto e lugar. Quero dizer, o Davi aparece lá, ele não era mais um Frei
comum, ele era o Frei que lidera um movimento que, naquele momento, era o movimento que
mais crescia no Rio de Janeiro. Mas, ao mesmo tempo, eu não tenho elementos pra entender como
era esse jogo dentro da Igreja. Quando eu trago essa idéia de “área de movimento”, não é, você
falou das Comunidades Eclesiais de Base, você falou dos partidos, você falou do jogo da Igreja,
também tinha uma outra coisa aqui, que um monte de gente não fala, que dentro da Igreja tinha os
APNs também, que era um outro lugar onde o Davi também participava. E, tinha um outro grupo
que era o tal do GRENI – Grupo de Reflexão Negro e Indígena, que eu vou perguntar pro Tatá
sobre isso, eu quero entender esse grupo também. Mas, assim, o Davi, ao tentar se fortalecer como
liderança dentro do movimento, ao manter esse papel, ele carregava esse capital de liderança pra
esses outros lugares também. Você que era da Igreja, como é que era esse jogo potico dentro da
Igreja?
NELSON – na verdade, primeiro esses grupos aí, os APNs, o GRENI, eram grupos, não vou dizer
totalmente marginalizados, mas semi-marginais pelo menos dentro da Igreja, grupos que pra... o
Quilombo foi uma concessão... o Quilombo foi um outro fenômeno, porque na verdade, uma
535
salinha... a idéia era essa, um cala-boca! Mas só que criou uma vida tal que tinha um grande
destaque, mas era um cala-boca: toma uma salinha pra vocês...
RENATO – Era o Dom Mauro que estava aqui?
NELSONnão, o Dom Mauro ficava em Caxias, porque a diocese é Caxias/São João, a diocese
é na Igreja Santo Annio em Caxias.
RENATO – E aí, aqui na Matriz ficava o Davi?
NELSON – Na verdade, o Davi nunca foi o vigário. Vigário que passou foi o Frei José, e
outros.... o Davi era um padre que cuidava das questões, dava assistência à comunidade, como
outros padres, tinha uma função mais específica que era a questão racial. Era fazer esse gancho
com a questão racial. Então, o Davi tinha esse destaque. Agora, tem uma coisa que eu não falei,
não sei se a tua pesquisa vai muito por aí, que era a coisa “por cima”. A gente está falando muito
na base, das Comunidades Eclesiais de Base, etc. mas, esse jogo dentro da Igreja, era um jogo que
eu também não sei precisar, porque o Davi tinha, ao mesmo tempo, que trabalhar toda essa base
aqui, mas tinha que enfrentar a Ordem Franciscana, tinha que enfrentar, no caso até que o Dom
Mauro aqui nem tanto, mas quando entra uma ala conservadora na própria CNBB...
RENATO – O Dom Mauro era Franciscano?
NELSON – Não... Dom Mauro não. Então, ele tinha que enfrentar todo esse jogo que era um jogo
complicado. Aí, ele mesmo pra te explicar, só ele mesmo religioso pra enfrentar essa
pancadaria toda... mas a Igreja, para o Frei Davi – a gente sabe disso, posso afirmar isso – era o
porto seguro. Em relação ao PVNC, era o porto seguro. Era ali, aonde, quando a coisa apertava,
quando a oposição começou a crescer, ele ia sempre pro discurso ou do padre... aliás, a cartada
decisiva dele foi essa. Quando ele – nós até já conversamos sobre isso – está perdendo espaço
dentro do PVNC, ele não tinha mais o controle do PVNC (ele sempre foi a figura mais expressiva,
maisblica do PVNC, mas em termos de controle interno ele já tinha perdido espaço há pelo
menos uns dois anos – ele tinha espaço nas assembléias mas, nas reuniões de coordenação, os
conselhos, ele não tinha mais nada, praticamente já não era mais hegemônica a visão do Davi, até
porque o Davi, por conta da forte personalidade, você falou do Juca, mas a gente pode citar um
elenco de pessoas que foram ligadas ao Davi e que foram rachando com ele ao longo do processo,
muita gente, o Robertinho, o próprio Alexandre, o Nilton Júnior, a Daise, que era uma daviniana
daquelas ferrenhas, tem um monte que vai rompendo), quando a coisa aperta ele volta pra Igreja.
E a EDUCAFRO nada mais é do que isso. A EDUCAFRO é até engraçado, porque é tudo que o
Davi, no PVNC, sempre condenou, que era criar uma ONG, criar uma organização.... ele sempre
condenou. Porque, não tendo isso, ele podia ficar tranqüilo porque ele podia sempre dominar. Pra
ter isso, teria que ser a partir dele, e foi o que ele fez, e é onde ele mantém o controle até hoje. A
EDUCAFRO, apesar dele não estar na organização direta, ele é a grande figura da EDUCAFRO.
Então, tem essa jogada. Eu queria falar mais outra coisa e esqueci. Mas, o Davi, ele usava esse
jogo muito bem. Em alguns momentos, que a coisa apertava, ele usava o poder dele de padre, a
figura dele como padre, ou, no caso da EDUCAFRO, foi diretamente... ah, lembrei! Mas tinha
uma outra questão importante, que eu acho que era uma das grandes, além dessa questão que
chegou a encher o saco, se legaliza, se torna ONG, se aceita financiamento público ou não, que
era uma discussão muito importante que, muitos que eram contra.... e, quando ele era encostado
na parede, vinha todo um argumento da Igreja, da coisa pura, que não pode se contaminar pelo
dinheiro, vil metal, tinha muita gente que dizia “não, o pré vai se corromper”... mas havia uma
outra discussão, pedagógica até, em relação ao papel do PVNC na época, e o Davi era um... isso
era até o que eu mais batia nele não. A minha questão principal em relação ao Davi, em termos de
visão do PVNC, era que ele tinha uma idéia de que quanto maior omero de alunos negros na
universidade melhor. E eu sempre fui contra isso. Eu acho que se você colocar um aluno negro,
mas que chegue lá e reproduza toda a cultura, toda a visão de mundo que s temos aí hoje, não
altera nada. Então, a discussão não é essa, é colocar quanto mais alunos negros que cheguem lá
com uma visão de mundo progressista, que possa participar, independente de retornar ou não para
o PVNC, ele pode no movimento estudantil, ele pode na própria academia, ou até
profissionalmente ter elementos pra ser um bom profissional com uma vio progressista. E aí,
por isso houve, num dado período, uma enxurrada de núcleos... era meio missão do aluno que
passou abrir núcleo. A gente falava que isso pode ser uma das formas do aluno retribuir, mas
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existem outras formas. Então você via núcleos desestruturados, muitas vezes; tinha o esquema das
bolsas, o aluno passava... mas, você percebia, tanto é... não sei se tem essa pesquisa aonde estão
esses alunos que passaram?” tem uma quantidade muito grande de alunos, em termos do
movimento, no movimento. Se você parar pra pensar, hoje, você tem algumas figuras que são
oriundas do movimento que se destacaram, Marcio Flavio, Simone, que se tornaram
coordenadores do PVNC, o Fernando, mas você tem uma grande maioria que não passou pelo
PVNC que são lideranças e alguns são até hoje: o Alexandre, a Marcilene, eu não passei pelo
PVNC, você não passou pelo PVNC enquanto aluno. Então, os alunos mesmo do PVNC, têm
poucos, pelo menos, falando sem nenhum dado científico, mas aparentemente são poucos que se
tornaram lideranças do movimento. Não só nesse movimento específico como até em outros
movimentos, vo encontra poucos por aí. O Jobson acho que participou como aluno, mas... não é
um quantitativo muito grande não..
RENATO – de vez em quando aparece... como esse cara que foi assassinado há algum tempo
atrás, o tal do Anderson... ele foi aluno, depois foi coordenador...
NELSON – o Anderson... mas a formação do Anderson não foi PVNC forte não, a formão dele
foi no movimento estudantil. Ele foi líder no movimento estudantil de São João. Era do PVNC,
mas a grande formação dele foi no movimento estudantil na minha avaliação.
RENATO – eu queria que você voltasse um pouco... como é que você vê essa relação do PVNC
com a potica? Mas, dentro dessa iia que eu estou te falando, da construção de uma “área de
militância”, um campo. Porque, uma idéia que eu tenho também, é de que muitas coisas, muitos
embates que aconteceram no PVNC, além de.... você tinha divergências de concepções como a
que você acabou de falar, com o Davi. Se investe num trabalho potico ou não, uma dimensão de
politização maior do movimento ou menor pra formação dos alunos, etc. Mas, eu acho que muitos
dos embates também, era por conta dessa coisa das experiências de fazer potica de cada um. Por
exemplo, o Davi ele estava no PVNC, evidentemente pensando também nas porradas que ele
levava na Igreja, nos embates que ele tinha em outros lugares. Assim como figuras como você, o
Juca estavam também.... você não pode entrar ali e desligar dos embates que você tinha em outros
fóruns dos quais você participava. Evidentemente você está circulando em diversos lugares, e
você é um. Não tem como fugir dessas tensões, mesmo porque, muitas vezes as questões são as
mesmas. Muitos núcleos eram absolutamente despolitizados, mas muitos núcleos também
problematizavam as questões da Baixada, do lugar, etc., que acabam se misturando com as
problemáticas da potica formal. Mesmo que isso não se traduza numa intervenção efetiva. Essa é
uma tese que eu tenho: muitos embates que existiam entre essas figuras e figuras como o Jobson,
por exemplo, o Fernando, etc. era por causa disso, as vivências de potica deles eram outras.
Então, eles não pensavam o movimento a partir do mesmo ponto de vista, do ângulo que você
como alguém que tinha uma outra formação, outra atuação e pensava numa outra intervenção. E
assim como o Davi pensava no movimento... é aquela coisa do rio, né?? Cada um olha pro rio e vê
uma coisa diferente: o engenheiro a possibilidade de fazer uma barragem, o índio pensa no
peixe, o maluco beleza vai pensar na cachoeira, cada um vendo uma coisa diferente. E, no meio
dessa história, aí, você tem um choque de experiências de fazer potica, mesmo que às vezes os
projetos não sejam tão distintos. E, você tem disputas (i) de concepções, (ii) de hegemonias,
mas, ao mesmo tempo você tem também disputas (iii) entre diferentes experncias do fazer da
potica. Por exemplo, o que o Davi fez na EDUCAFRO é aquilo que um monte de gente queria
fazer no PVNC ele não deixava. Então, o projeto era o mesmo, mas, a disputa, era por hegemonia:
“se eu não tenho a hegemonia eu não vou deixar construir isso”. Que foi o que o Davi acabou
fazendo...
NELSON – posso interromper? É que, por exemplo, no caso da EDUCAFRO, é isso mas não é só
isso. Porque, não sei se você já chegou a entrevista-lo e se você já chegou a ir, senão, em algum
momento você vá numa das reunes da EDUCAFRO, você já chegou a ir?
RENATO – Já fui.
NELSON – é muito, muito diferente do que era o PVNC. É algo despolitizado, é algo que chega a
ser meio doutrinário. E, por um lado é verdade que muitos queriam – acho que não tinha lógica
um movimento daquele não ter uma lógica de sustentação em termos de financiamento, em
termos de... até pra dinamizar mais o movimento. Mas não era pra transformar naquilo, numa
537
coisa despolitizada. Era pra potencializar a politização. Então, nesse sentido eu acho que há uma
diferença muito grande. Isso é uma coisa. A outra coisa que você fala que eu concordo que é a
questão do... essas pessoas, Jobson, eu, Davi, Juca, realmente, têm uma trajetória de vida e têm
interesses...
RENATO – o Jobson também?
NELSONJobson também… porque pegava uma ala, que era uma ala um pouco mais porra
louca, que se auto-intitulavam como anarquistas na época do PVNC, e tal...
RENATOmas eles militavam em alguma outra coisa??? O Jobson não tinha experiência
política nenhuma...
NELSONnão, não, que eu saiba não. Que eu saiba, né? Eu lembro que tinha uma fragilidade
muito grande política, porque não tinha algo que unia o campo potico. O campo da luta por
colocar alguém a universidade, sim, mas não havia assim uma unidade.... tudo bem, se você pegar
o partido potico você tem também gente com trajetórias poticas diferentes, mas que ali tem
algo nimo que une. E o PVNC não. O PVNC nunca se declarou – e a EDUCAFRO muito
menos -, teve dificuldades – e aí eu volto à questão da Igreja que atrapalha -, de se colocar como
um movimento quenós somos um movimento. Não somos PT, nem PSB nem PC do B mas
somos de esquerda. Estamos nesse campo”. Pelo menos. Porque, a partir disso, se assumisse, se
dá esse pequeno passo, eu acho que muitas discussões ficariam mais fáceis de ser levadas. A
questão da candidatura, se apoiaria ou se não apoiaria, ou se abriria pra apoiar todos os candidatos
de esquerda, se faria um manifesto, ou se ficaria mesmo... mas, não tinha essa definição. E essa
questão era muito difícil, que muitas pessoas evitavam porque achavam que a potica podia
contaminar o movimento. Aquela idéia de que a potica contamina no sentido pior da palavra
contaminar. Então, tinha essa dificuldade, não deu esse passo. Eu fui num encontro da
EDUCAFRO esse ano, no início do ano, a campanha eleitoral nem tinha começado e a idéia lá, na
maior inocência, era de sortear. As pessoas falarem então pessoas que poderiam ir na
EDUCAFRO, candidatos, pra falar sobre as suas propostas, mas como tinham muitos candidatos,
sortear. Uma das sorteadas, se eu não me engano, nem foi, eu acho que não foi, foi a Almerinda
de Carvalho, aqui de São João, que está na lista dos “sanguessugas”! Então, se falava “nós temos
que participar da potica”. Mas, como não tem a coragem, ou não tem os meios pra assumir a
construção de uma relação com a potica, vamos até sortear, mas vamos sortear candidatos com
esse perfil porque nós temos esse perfil também. Então sempre teve essa dificuldade. E aí, nos
momentos eleitorais - e a eleição é de dois anos em dois anos pelo menos -, fica uma coisa
confusa, porque, você apóia quem? Por exemplo, o Davi, quando ele teve uma relação estreita
com o Marcelo Dias, não era o Davi só o Davi. Era o Frei Davi que coordena núcleo. E aí? Como
essa discussão não era levada ali, claro que tinha dificuldades. Talvez, se a discussão fosse levada
ali, as pessoas entenderiam, ou não, mas ficaria uma coisa mais clara. Então, não assumir a
identidade política, no sentido de qual o campo em que nós estamos... “ah, não, nós vamos só ver
a questão racial, não importa ser de direita ou de esquerda”... cria uma grande confusão. Até
porque têm pessoas com trajetórias diferentes e aí, cada qual vai “ah, se não tem nada definido, eu
posso puxar pro meu lado”.... Fica uma brigaria pra ver quem consegue ser o mais forte ali...
RENATO – é, não assumia a identidade, mas as identidades um pouco existiam. Quando o Juca
foi pro PFL....
NELSON – ah, sim... porque, era nitidamente.. a coordenação, era de esquerda.... era do campo
de esquerda, na própria coordenação você via, e não tinha como fugir disso. Majoritariamente.
Era eu, Marcilene, Zeca, o próprio Alexandre, e até durante um bom tempo o próprio Juca. Então,
quando ele entra pro PFL, cria uma saia justa pra todo mundo. E aí, quer dizer... eu acho que
também houve uma série de erros da nossa parte.... as pessoas ficaram meio que colocando o Juca
de lado, parecia que ele...
RENATO – ele foi satanizado....
NELSON – é, exatamente. “Foi vendido”, “o cara se vendeu”... mas, também, por outro lado era
assumir também: “nós somos contra o PFL, ele errou, porque o nosso campo é esse”... não se
falava isso claramente, porque não... apesar de sermos de esquerda, porque era um movimento
muito amplo. Não era só a coordenação, corretamente. Se era um movimento que chegou a ter...
538
se eu não me engano, 70 núcleos... eu lembro só São João e Caxias, era mais de 30! Só dois
municípios... mas eram os dois municípios mais fortes também...
RENATO – Eu acho que chegou a ter 77 núcleos. Eu fiz esse levantamento...
NELSON então... multiplica isso aí em dia por 30, por 40... 30, por baixo... então é muita
gente. Vamos botar 40, porque tem os professores também, não é? Então, é muita gente. E,
como você cria o movimento, mas sem identidade, tem pessoas queo mais... mas tem pessoas
também... você tem que pensar como que a base do movimento são os alunos, se você partir desse
prinpio, pessoas que não têm experiência... e tem outra coisa: a discussão tava aqui em cima,
muitas vezes, no calor, a gente tava lá em cima e os alunos não tinha experiência nenhuma...
então, levava aqueles alunos pra assembléia e não tinha, não se ampliava a discussão mesmo, o
que era até normal, porque não dava pra fazer naquele processo. Então, não era uma coisa fácil...
539
Entrevista com Nilton Junior - 26.12.2005
Fita 1 Lado A
RENATO – uma ascensão meteórica!
NILTON JUNIOR – Eu acho que a grande questão da história do pré, e o que me preoupava, e
eu acho que o seu trabalho pode ser um trabalho que eu faço nessa direção, é de tirar as camadas
que foram postas depois. Fazer um trabalho mesmo arqueológico. Não no sentido foucaultiano, ou
no sentido foucaultiano mesmo, não sei. Mas de tentar aproximar. E eu acho que esse tipo de
material do início do pré, o material do início do pré: 93, 94, 95 e 96 e que passa pelo material que
eu tenho, vai te ajudar nisso. Por que? Porque eu percebo, às vezes, em algumas leituras que você
faz – eu posso estar enganado – tem que confrontar com o Alexandre, confrontar com o Davi,
confrontar, né, com o Davi, eu acho, que é o que mais põe, sobrepõe coisas da história do pré.
Mas o Antonio, que eu acho que é uma pessoa bastante ponderada, o Zama, que é tentar tirar essas
camadas que foram postas principalmente depois de 97, 98, que eu acho que é a virada do PVNC,
o racha da Educafro, o racha de 2000, né, então, o racha da Educafro, algumas pessoas que
fizeram a história passando por mim não estavam no início do PVNC. O único que hoje está aí é o
Alexandre. É o mérito do Alexandre. Alexandre está aí e pode falar com autoridade. Sobre o
PVNC. Ele está desde a fundaçãozinha mesmo daquele pré... Mas, fundamentalmente, eu acho
que o que a gente precisaria era fazer esse material, materiais mesmo, para fazer exatamente isso:
não descobrir a verdade da história, eu não acredito nisso, que exista a verdade da história, mas
um pouco mapear esses momentos da fundação mesmo, de 93. Eu, sempre, vou falar isso, eu
cheguei no PVNC em 93, em novembro de 93. A irmã Leisa, que era professora de literatura, não
podia mais dar aula de literatura. Foi aí que me convidou para eu ir para o lugar dela. Eu fui a uma
reunião em novembro de 93 para conhecer as pessoas.
RENATO – Você não conhecia o grupo?
NILTON JUNIOR – Não.
RENATO – Não conhecia o Davi, não conhecia ninguém.
NILTON JUNIOR – Não. Conhecia a Leisa, por que? Porque na época, um pouco antes, em 90,
eu fui convidado em 90, 91 e 92 a ser professor da Pastoral da Juventude do Vicariado Suburbano
do Rio. E a Leisa era freira e estava lá coordenando, e eu fiquei como assessor para assuntos
___________ para tratar mais dessa parte, sobre sexualidade para os jovens da igreja, um pouco
isso, sobre namoros e tudo... Quando a Leisa desistiu de dar aula no PVNC, não desistiu, mas ela
ficou impossibilitada, eu tive que... Ela me convidou “ah, assume vo”. Então, foi que eu
conheci o Frei Davi, Alexandre, Zama – essa foto aqui... Isso é em 93 ainda, é a virada do ano de
93. Foi a última reunião deles. Mas, eu fui com a Leisa, que está aqui. Estava eu, a Leisa... Eu
conheci o grupo, e em janeiro eu fui auxiliar nas entrevistas. Então, nesse dia, eles falaram: “a
gente está dando uma parada agora, e em janeiro a gente volta com as entrevistas”. Eu não sabia
ainda que havia os 716 inscritos. E aí fui para as entrevistas. Em março eu comecei a dar aula no
pré Matriz, eu acho que em abril que eu passei à coordenação. Março, abril... Eu fui convidado a
participar da coordenação. E aí fizemos parte, estava o Alexandre... Era o Alexandre, Antonio,
Luciano e Davi, a coordenação. Nessa época já não tinha mais ninguém da APN, a não ser o Davi,
que é uma coisa que eu sempre falo isso, porque o pré ficou muito identificado com os APNs, mas
a APN não participava da coordenação. A principio tinha uma ligação muito forte, eles sempre
queriam saber tudo, mas eles não eram a frente do pré. Não tinha professor no pré, APN. Não
tinha. Eu comecei inclusive freqüentando a APN naquela época. Eu freqüentava reunião dos APN
mesmo já sendo candomblecista nessa época, em 93, né, eu entrei pro candomblé, início de 93,
quando eu fui ao pré convidado, eu já era candomblecista. Eu comecei a freqüentar reunião da
APN. Eu tive N questões quanto a isso. Em 93 a gente tem esse boom nas inscrições, o pré
Matriz, decide ampliar as vagas de 100 para 120, fica-se uma depressão no movimento popular,
porque o que a gente faz com essas 500 pessoas? E isso deixava a gente muito chateado – na
540
época já bastante envolvido. Então, o Davi – daí orito do Davi, um pouco do Alexandre
também, mas o rito é do Davi – já está começando a articular com outros grupos do
movimento popular da Baixada Fluminense para que fosse absorvido esse distrito. Mas aí,
começou a ter uma grande questão: o primeiro núcleo aberto, se eu não me engano, é o núcleo da
ABM, Associão de Bairros Meritienses. Mas eles não queriam absorver. Eles não queriam abrir
uma turma de 100 alunos, com os 100 alunos dos 716. O pré era lá em Vilar dos Teles. Eles
topavam am absorver alguns, uma parte dos 100, mas eles queriam os alunos de lá mesmo. Abre-
se o pré da Prainha, que mais tarde vira o pré Santa Clara, que tem ali no CIEP, perto do Grande
Rio, que também era a mesma coisa: a gente abre um pré, mas a gente não pode abrir uma turma
com o remanescente do pré Matriz. A gente pode absorver um grupo, mas a gente também tem os
nossos aqui do local. Os nossos alunos dos locais. E aí, foi, 94 é realmente o boom do PVNC.
RENATO – Me diz uma coisa, você falou que a inscrição que deu os 716 foi em fevereiro, não é
isso?
NILTON JUNIOR – É, 93 para 94.
RENATO – Isso, mas em fevereiro de 94.
NILTON JUNIOR – É, de 94.
RENATO – Então, a partir de fevereiro é que o Davi começa a articular outros grupos. Essa
articulação ela não começou no final de 93. Mas foi depois de fevereiro de 94.
NILTON JUNIOR – Em função dos 716 inscritos. Inclusive eu tenho um artigo de jornal aqui,
que eu sempre cito como um artigo, que eu acho que é um artigo bombástico, que é esse. É um
artigo de janeiro de 94, que diz curso para carentes dá bolsa na PUC”. Então, eu acho que isso
para a Baixada Fluminense foi um... Um circo fantástico. “Igreja Matriz de Meriti, cria pré-
vestibular e faz convênio com estudantes aprovados no vestibular de graça na PUC”. Então, o
texto é vai dizer isso: que é pré, não só o pré é baratinho – 5%, eu acho que na época, eu acho que
ainda era 5% do salário mínimo. E depois que paga de 5 a 10 – e todo mundo quase que
estabeleceu 10 como taxa para ter algum lastro –, mas paga 5% e ainda pode estudar de graça na
PUC. Então isso para mim...
RENATO – Isso é anterior a inscrição.
NILTON JUNIOR – Em janeiro de 94.
RENATO – A essa inscrição...
NILTON JUNIOR – E ainda vai dizer aqui, apresenta o Basílio como um dos aprovados na
PUC, e ele foi realmente aprovado. O Alexandre e o Hermes, professor de física, o Alexandre, e
vai dizer que as inscrições estão abertas. Então, eu acho que isso... E é no jornal Grande Rio...
RENATO – Naquele caderno...
NILTON JUNIOR – No Caderno da Baixada. Isso eu acho que é... Isso mereceria um estudo de
comunicação, porque eu acho que isso é uma formação desse grupo de 716. A gente não tinha
pretensão, e eu lembro disso, só se eu estou muito enganado, mas não havia pretensão do pré. Não
era pretensão, tanto é que imediatamente o pré Matriz reuniu porque passou de 100 para 120
vagas. Eram 100 vagas. Quando se viu às voltas de 716 na inscrição, o que faz? Aumenta a
inscrição. Não vai dar certo, porque aí não absorve nada, absorve 30%, nem 30%. E aí começa
uma movimentação de Davi e do Alexandre para abertura de novas frentes. Então, o que motiva a
abertura de novos núcleos – hoje é chamado de núcleo, mas na época todo mundo era PVNC,
você sabe, todo mundo era Pré-vestibular para Negros e Carentes. Então, era Pré-Vestibular para
Negros e Carentes da Prainha, Pré-Vestibular para Negros e Carentes da Matriz, Pré-Vestibular...
Ninguém chamava núcleo. Núcleo é um termo, uma classificação mais tarde, mais ou menos em
96. Na oitava assembléia, que saiu o conselho geral, é que se começa a falar de núcleo. Na época
era tudo pré-vestibular. E que se articula, tem uma carta do Davi aqui, uma carta, uma carta que
se chama “aos interessados do pré-vestibular”, de 94, assinado pelo Alexandre e pelo Davi em
novembro de 93. É a carta que começa a falar para as pessoas, que começa a falar para as pessoas
sobre o pré-vestibular, mas ainda falando um pouco do curso: “esse curso se iniciou em 93... A
inscrição do curso em 94 será feita mediante a uma taxa de 5% do salário mínimo... A primeira
reunião...”. Isso era distribuído para quem estava interessado em fazer o curso...
RENATO – Para alunos, detalhes para alunos...
541
NILTON JUNIOR – Para alunos, ainda no âmbito, pensando pré-Matriz. Aí, quando você
coma a ver, a entender pela correspondência recebida do pré, tem uma aqui muito interessante
que é do padre Gustavo, o Gustavo responde ao Davi: “ao irmão Davi”, de abril de 94. É quando
o Davi entra em contato com o Gustavo, no Méier, e pede... O Gustavo é um padre da teologia da
libertação aqui do Rio, é um cara avançado, e o Davi tenta também criar um pré-vestibular.
Porque teve gente do Rio que foi fazer a inscrição em São João. Eu tinha muito aluno do Rio,
muito. Principalmente Pavuna, mas eu tive aluno de Madureira, Guadalupe, daquele entorno ali
do Parque _________. Então, ele diz recebemos sua carta... Do trabalho em relação aos prés...
Convidamos a participar do seminário dia 12 de junho”, já na articulação. Até que no seminário
é interessante porque essas coisas precisam ser estudadas mesmo, né. Como o seminário foi dia 12
de junho, eu sempre falo isso: 12 de junho é dia dos namorados, como é que faz um seminário do
pré-vestibular, né? Mas a gente fez um seminário no dia 12 de junho e esse seminário... Tem aqui
em algum lugar o número de pessoas, o número de grupos que estiveram presentes. Essa é a carta
convocatória do seminário de junho, chamando para o seminário, que mais tarde ficou conhecida
como assembia. É a primeira assembia, sem ter nome,. É a primeira marcada para junho,
12, né, o Davi assina a convocatória, a pauta, foi à tarde, de 14 às 18. Depois a plenária, o que
aconteceu? A gente ficou discutindo. Em algum lugar eu acho que eu tenho... Segunda
assembléia, a terceira... Mas em algum lugar eu tenho a quantidade de prés que foram, eu acho
que foram seis. Foram pouquíssimas pessoas, eu tenho foto da... Mas eu acho que foram seis prés
só nessa assembléia. Deixa que depois eu vou achar, porque tem em algum lugar, não me lembro
onde ficou. Eu acho que está num desses informativos: tivemos em 12/06, o primeiro encontro
dos prés. Considerando que era dia dos namorados, dia do jogo da seleção brasileira, esperávamos
umas 30 pessoas e encontramos 55. E aí aqui vai dizer, é tudo uma questão de ler o documento,
quais eram os prés do momento, que estavam fundados nesse momento. Então, o boom do pré-
vestibular foi em função realmente da inscrição de 93/94 do pré Matriz. Quando tem esse número
de 716, e aí se estimula que outros grupos comecem a formar pré. Esse era o informativo que
corria bem rápido. Esse eu tenho alguns meros. Eu tenho o 1, aí eu o tenho o 2 e o 3, eu
tenho o 4, 5, o 6, foram dois 6, e o 9. Alguém tem que ter tudo isso. Eu não sei quem, mas alguém
tem. Porque foi até o 9 só.
RENATO De informativo?
NILTON JUNIOR – Era um informativo...
RENATO Eu tenho alguns.
NILTON JUNIOR – Então, esse informativo, em algum momento aqui vai dizer quais são os
prés que estavam presentes. Então, você vê: a primeira assembléia tinha 55 pessoas, assembléia
em junho, no meio de 94. No ano do processo que eu acho que é o processo de ampliação do pré.
Eu, particularmente, acho que o pré não foi fundado, como às vezes é divulgado, pelos APN. Eu
acho realmente que o pré foi uma idéia da Pastoral do Negro em São Paulo, com a questão da
PUC deo Paulo. Mas no Rio, os APN, tal como existia em São Jo de Meriti, não estavam
organizados para isso. Por isso precisaram do Alexandre, do Antonio e do Luciano. O Alexandre
já era um cara do movimento popular, o Antonio e tudo... Eles são chamados. O Davi entra como
APN, e eles entram como o grande articulador da parte educacional. Eles não eram professores do
pré, inclusive. Eles eram professores de cultura e cidadania. O Antonio dava aula, o Alexandre era
de informática, professor de informática, ele não estava nem no mestrado. Então, eles não davam
aula, eles só faziam cultura e cidadania, e organizavam o pré. Quando eu entrei no pré não tinha
mais ninguém a não ser eles coordenando o pré – a não o Davi, né, que era a ligação. Formaram-
se novos prés... Isso aqui é uma pena, porqueo tem data essas coisas, mas é o quarto. Se esse é
o primeiro, no mínimo mais quatro desses, começa a formar Campo grande e Cascadura.
Cascadura racha imediatamente, Cascadura nunca... Eu até fiz esse comentário com vo:
Cascadura é o racha que surge o pré de Oswaldo Cruz. Inclusive, é o meu padrinho de casamento
que está coordenando até hoje. Ele era o coordenador do pré de Oswaldo Cruz. Cascadura não se
adere muito ao PVNC, ao coletivo, e racham, vão por conta própria, e depois sai e vão para o pré
de Oswaldo cruz. Então, é até interessante isso, ver dentro dos informativos, o Azânia, mapeando
os prés que estão se formando.
RENATO – É, eu fiz isso.
542
NILTON JUNIOR Fez isso.
RENATO – Mas também tem alguns furos, esse, por exemplo, eu não tinha registro nenhum.
NILTON JUNIOR – Tem em Jacarepaguá e Magé...
RENATO – Eu fui nesses documentos lá, e fui catando qualquer, onde aparece um registro que
existe um pré tal vinculado ao PVNC. E fiz um organograma por ano. Mas tem, evidentemente,
tem coisa que não...
NILTON JUNIORAqui os novos prés em 95, já é a grande virada: Bairro de Santa Rita, em
Nova Iguaçu, Manguinhos (que não existe mais), Parada Angélica e Mesquita, Heliolis, Cidade
de Deus, Niterói e Pavuna. Esse já é o do Zama, é a saída do Zama do Quilombo... Não que o
Zama sai, né, mas ele já começa a se estender para a Pavuna. Ele vai dar aula em Pavuna e acho
que ele é convidado para ser coordenador. Tem uma foto dele num jornal falando do pré Pavuna,
que é o pré na igreja do padre Timóteo, né, aquele padre negro, eu acho que angolano,
moçambicano. Ele é africano.
RENATO – Não sei... não é o Roy, não
NILTON JUNIOR – Não! Aquela igreja ali eu acho que é de Santo Antonio, numa praça...
Niterói, um pré importante, ele fica lá bastante tempo. Eno, o boom do pré foi, realmente o
início foram as inscrições de 93 para 94. Eu acho, se o Alexandre disser que eu estou errado,
mas eu acho que não havia nenhuma pretensão de abrir outras frentes de pré-vestibular, se não
tivesse tido os 716... Se tivesse 150... Inclusive era uma questão séria, porque era a discussão da
preparação da seleção: quais os critérios de seleção? Porque alguns defendiam a seleção pura e
simplesmente pelo recorte étnico: basta ele ser negro, não queriam saber se era pobre, se ele é
negro, está no pré. Outros sustentavam, que saiu vitoriosa, que é a mesma da UERJ hoje, que é a
questão étnica e ecomica: tem que ser negro, mas tem que ser negro pobre. Porque aí tiveram
alunos que foram de moto para a aula do pré, chegava de CB 400. O Ed foi, ele ia de moto. E
depois outros alunos: “foi um aluno que ia de moto para o p, tirava onda. No meio do caminho
uns desistiam do pré “ah, não, não quero mais o pré não”, aí, iam para o MV1. Se tinha dinheiro
para pagar o MV1, por que não foi logo para o MV1? Então, mais gente desistia do PVNC e iam
para o Hélio Alonso da vida, ou MV1, esses cursos... O pré da AFE também é um pré muito
antigo, apesar de que a AFE é identificado com o Zeca. Mas o pré da AFE, que era o pré
Metodista de Caxias, ele se transforma depois em pré da AFE, mas ele é conhecido como o pré
Metodista de Caxias.
RENATO – Isso você chegou a pegar? Mas me diz uma coisa, me fala mais sobre esse boom aí.
Você está dizendo que até aparecer esse monte de gente na inscrição, não existia nenhuma
intenção, nenhuma pretensão, nenhuma idéia de difundir a idéia do pré-vestibular. O Davi, na
entrevista que eu fiz com ele, ele coloca, ele não fala isso diretamente, mas ele coloca como se já
houvesse da parte dele, do grupo dele, a iia de difundir a experiência. E ele fala até que isso,
não nesse momento, mas posteriormente, isso acabou assumindo outros contornos em termos de
debate dentro do movimento, porque tinha um grupo que pregava o controle pedagógico, o
controle do formato da experiência, e ele defendia um formato mais versátil, mas flexível, porque
aí você facilita a replicação. Você está me trazendo uma coisa que é interessante, mas eu queria
que você falasse mais disso, porque você agora a pouco falou de uma carta que apresenta o Davi,
da APN que apresenta o Davi, como é essa ralação da APN, e do Davi com a APN? A coisa vem
de São Paulo, o Davi vem deo Paulo? Da onde vem o Davi? Como é que é esse...
NILTON JUNIOR – Eu escrevi um artigo, com a pretensão de colocar as idéias gerais, né,
chamado “o poder católico”. Porque eu acho o seguinte: o que eu tenho como percepção dessa
história, né, e aquilo que eu falei, eu não estou dizendo que eu conheço a história verdadeira e vou
revelar isso, não tenho essa pretensão. Mas o que eu percebo é o seguinte: em determinado
momento, há a possibilidade através da PUC de São Paulo de bolsa... A PUC de São Paulo por
influencia do chanceler D. Paulo Evaristo Arns, há uma discussão com o movimento negro deo
Paulo, e aí, teria que dar uma investigada, eu acho que não é com os APN. A interlocução da PUC
deo Paulo é com o movimento negro, e não com os APN de São Paulo. Ou seja, com uma
visão mais aberta de discussão. Nós não estamos discutindo dentro da nossa casa católica, nós
estamos discutindo com a sociedade. A PUC não é uma universidade, apesar de convencional, não
é uma universidade para católicos. É uma universidade para leigos. Eno, se vamos ter a proposta
543
de ter bolsas para negros. Então, a PUC dá, o jornal diz: “a PUC dá 200 bolsas de estudantes para
negros, então, a interlocão é com o movimento negro. “Então, D. Paulo Evaristo Arns propôs a
PUC dedicar 10% de suas bolsas de estudo aos jovens ligados ao grupo de conscientização negra
da Baixada Fluminense, Rio, São Paulo e Bralia”. Ok. Puramente, mas utópico, né, porque o
negro teria que sair do Rio para estudar na PUC de São Paulo. “A reitoria da PUC autorizou a
proposta, assim estão abertas até o final de junho de 93 as inscrições para bolsas de estudos para
as 200 vagas. No Rio, as inscrições serão feitas na igreja Matriz de São João de Meriti, onde serão
autorizados pelo Frei Davi Raimundo, representante no estado da articulação nacional dos
padres”, do GRENI, dos padres negros.
RENATO – GRENI é essa articulação dos padres...
NILTON JUNIOR – É, grupo de religiosos negros e... indígenas a articulação é maior do que o
GRENI.
RENATO – O GRENI é fora também da igreja católica, né?
NILTON JUNIOR – É. “O candidato deve estar participando de grupos negros ligado ou não a
igreja”. Então, o que eu percebo é isso: a PUC São Paulo toma essa iniciativa via D. Paulo
Evaristo Arns, um homem ligado à teologia da libertação, ligado ao PT, né, isso na década de 90
quando começa uma movimentação, uma pressão da sociedade. Os APNs, o Frei Davi e os APNs
do Rio passam ser a referência do Rio para quem quer ir para a PUC São Paulo, que eu acho, aí
uma opinião estritamente particular, o que eu acho utópico. O negro da Baixada não iria para a
PUC de São Paulo, não iria mesmo porque ele não teria condição de se manter lá na PUC-SP, é
uma complexidade levar o negro da Baixada Fluminense para estudar na PUC-SP. Não era só
questão de não podia passar no vestibular, e ia ficar em São Paulo aonde? Na casa de alguém? E é
a partir dessa experiência, que parece ser uma experiência que eu não sei, porque eu não tenho
outros registros, eu não sei se é uma experiência com êxito. Há uma percepção de que não era só
ter as bolsas, mas era passar no vestibular da PUC-SP, um vestibular difícil, no nível Brasil. E aí,
precisou-se pensar de como capacitar esses jovens para passar para a PUC do Rio. A partir desse
momento a gente vai ter numa correspondência daqui para a PUC do Rio, dos APNs, essa é a
PUC-SP... Olha, de setembro de 93, muito logo depois do artigo: maio de 93, setembro, há uma
carta para a PUC do Rio assinada pelo Alexandre, Antonio e Luciano. O Davi não assina. Então,
eu vou te falar: eu acho que foi uma estratégia não ter o nome do Davi. Por que? Porque o
chanceler da PUC do Rio não é o D. Paulo Evaristo Arns, é o Dom Eugenio: uma ala
conservadora da igreja anti APN. O Davi foi proibido pelo Dom Eugenio de celebrar missa no Rio
de Janeiro. Isso era uma proibição formal. O Davi não podia celebrar missas na diocese do Rio.
Podia ficar lá em Caxias, São João, que era o Dom Mauro Moreli, mas era um chancelar
conservador. Então, o Davi não podia assinar, porque queimava o filme antes de qualquer
discussão. Então, falando do pré-vestibular comunitário ao longo de 93, o que não é uma verdade
porque o pré começou em junho. Mas tudo bem, a gente faz isso para ficar mais bonito, ao longo
de 93... “Solicitar encarecidamente que os alunos de nossos cursos sejam merecedores da isenção
da taxa do vestibular” ainda. Começa uma articulação para que a PUC do Rio – essa é a aquela
carta para todo mundo, né. Olha, dezembro de 93, ao vice-reitor da PUC – já é o Davi assinando,
né.
RENATO – E aqui fala: “a sua carta de 04/10”... Quer dizer, teve alguma resposta daquela... Essa
aqui é a réplica.
NILTON JUNIOR Vamos ver se tem alguma coisa aqui: “ao Frei Davi...”.
RENATO – Está em ordem cronológica, né, então já foi.
NILTON JUNIOR – É, eu não tenho essa carta. Essa seria uma carta importante. O que a PUC
diz do pré-vestibular. É uma questão que você teve... A PUC postou a carta em 4/10/93, que não é
essa. Tem uma carta dessa entre essa que o Davi deve ter. Então, “aos estudantes carentes...
Aprovado ingresso como portador de diploma superior de direito...”, é uma carta sobre direito... E
fundamentalmente,, tem uma carta do padre presidente da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil, que é o Laerte, ao reitor da PUC – que aí é formal, o padre Jésus Hortal, que está lá há pelo
menos uns cem anos como reitor da PUC, mas ao Jésus Hortal - apresentando o Frei Davi como
interlocutor. Então, ele escreve: “escrevo em nome do grupo de religiosos negros da CLB, a fim
de fazer a PUC um pedido especial a favor de um grupo jovem negro da Baixada Fluminense,
544
com a ajuda da Pastoral do Negro, deram início ao curso pré-vestibular popular da Baixada. Os
citados jovens têm apoio de religiosos ligados ao GRENI”. Ele cita o GRENI. apresenta o
Davi, frei Davi pertence ao GRENI, ao grupo de religiosos negros, e ele pode intermediar direto
para a resposta da PUC. Então, o Davi é apresentado a PUC, ou o PVNC, ainda não PVNC, mas o
pré-vestibular é apresentado a PUC como uma iniciativa do grupo de religiosos negros... Eu não
sei se teve acesso ao texto do... O Juca escreveu um texto, porque nós recebemos no finalzinho
das nossas brigas do pré,s recebemos um texto... Um texto a mão. “Questão financeira é um
falso dilema”. Porque nós recebemos lá no finalzinho um documento dos religiosos, que eu tenho
aqui, é um documento que eu guardo com muito carinho, um documento falando que havia um
planejamento... Não, o texto se chama “projeto oculto”. Que havia um planejamento – você deve
ter acesso a esse documento também, que é... Até acho que informativos do Marcelo Dias, todos
eles estão aqui. Votem que ser mais organizado, Renato, tem que ter uns estagiários lá para...
RENATO – Eu estou pensando nisso.
NILTON JUNIOR Para essas coisas, falta um tratamento arquivista...
RENATO – É, eu vou fazer isso.
NILTON JUNIOR – Essa carta é terrível, essa carta é do Quilombo central, dos APN, dizendo
que o Davi não é APN.
RENATO – Ela não tem data.
NILTON JUNIOR Para a Jurema. O que a gente pode mapear é a data da medalha concedida
pela Jurema, como APN.
RENATO – Isso em 93 ainda ou em 94?
NILTON JUNIOR Não, isso em quando, tem que ver quando... A medalha... 96.
RENATO – Então, isso é de 96.
NILTON JUNIOR – Em 96 eles mandam para ela, chegou ao nosso conhecimento “a
homenagem se prestada no próximo dia 24... Ao Frei Davi, mediante a sua atuação e
envolvimento a entidade da APN... Contudo, o referido Frei não é considerado por nosso
movimento como nossa organização”, assinado pela comissão estadual dos APN do Rio.
Desbancando o Davi como APN, ele diz que o Davi não comunga, olha aqui “não comungada as
idéias e propostas defendidas pelo conjunto da entidade, tem tomado decisões pessoais”. Na época
foi o que circulou entre a gente, e a gente ficou, assim... Porque o que eu acho é quer há realmente
um projeto a médio prazo... Há um projeto APN, e eu acho que mais do que APN São João, de
realmente de uma sobrevivência do seu projeto a partir do PVNC.
RENATO – Da APN isso?
NILTON JUNIOR – Da APN.
RENATO – Ganha corpo, ganha independência, e eles vão dizer que não é.
NILTON JUNIOR –Tudo que a Educafro é hoje, é o que o Davi defendia contra no PVNC.
Tudo. E se você pegar o Educafro hoje, o modelo Educafro com tudo, e pegar Davi Raimundo na
época, 94, 95, era tudo que ele defendia contra. A minha argumentação, eu posso te passar esse
artigo informalmente, a minha argumentação era que o Davi defendia exatamente porque ele não
queria a autonomia do PVNC. Ele queria um atrelamento do PVNC ao projeto APN.
RENATO – Ele rompe com a APN, é isso?
NILTON JUNIORo. Ele não rompe.
RENATO – Mas essa carta dizendo que ele não é da...
NILTON JUNIOR – Ele não rompeu, ele nunca rompeu com os APN, mas os APN nunca
consideram o Davi como APN.
RENATO – Ele queria entrar para...
NILTON JUNIOR – Não, o grupo de São João queria ter ele, e eu acho que era mesmo, porque o
João era gente muito boa. Agora, os APN ali do estadual sempre tiveram uma ressalva contra o
Davi por achar que o Davi não era, não participava do coletivo estadual.
RENATO – O projeto era pessoal.
NILTON JUNIOR – Era pessoal, em S.J. Meriti, o grupo de... A gente fundou uma coisa
chamada Fórum Nagô, eu, o Juca, Zeca, Severino de Petrópolis, e demos o nome de rum Nagô.
A gente tinha uma proposta de ter um fórum mesmo, aberto...
RENATO – Dentro do...
545
NILTON JUNIOR – Dentro do PVNC.
RENATO – Isso é que ano?
NILTON JUNIOR – Isso em 94, 95...o, foi 95, início de 96. É ruim porque às vezes a gente
não data as coisas, né. Agora, o que eu acho do PVNC, eu acho que o projeto de manutenção
APN, do Davi, especificamente, mesmo os APN dizendo que ele não é APN, mas o Davi tem um
projeto de leitura racial católica. Se é da APN eu não sei. Mas ele tem uma proposta de ler a
questão das relações raciais a partir de um contexto católico. Eu acho que isso é o que leva à
intervenção, à formação, e depois a tentativa de apropriação do PVNC. Por que? Porque o PVNC
era extra mundo católico, e um movimento completamente desarticulado do ponto de vista de
identidade. É um movimento que até hoje, depois de 10 ou 12 anos briga por formar identidade.
Nenhum movimento popular sobreviveu 12 anos sem identidade própria. O PVNC hoje não tem
uma identidade própria. Em linhas gerais tem. A ponto de ter essa crise que houve, um
movimento consegue 70 núcleos e hoje ter 23. E com a saída da Educafro mais ainda. Então, há
um projeto nesse sentido, o Juca chama isso de projeto oculto, exatamente isso. O texto do Juca
chama-se “projeto oculto”, e Juca diz que há um projeto oculto. Só que a gente não conseguia,
sabe aquela coisa de intuição, era pura intuição do nosso grupo. Nosso grupo era eu, Juca... A
minha história é engraçada, a minha história é engraçada. Eu vou contar rapidinho para você: eu
entro na APN, sou candomblecista, mas vou, começo a freqüentar as reuniões da APN. Nunca
larguei o candomblé, e nunca me converti ao cristianismo. Mas tenho um carinho muito grande
pela igreja católica porque a minha formação de adolescente foi na igreja católica, e eu acho que é
uma instituição importantíssima ainda. Eu chego lá e começo a freqüentar as reuniões às quintas-
feiras à noite da APN. E me apego às pessoas, tenho uma relação super cordial com eles e tudo.
Nesse momento, comam a se acirrar dentro do pré Matriz as disputas do grupo do Alexandre –
Antonio e Luciano – contra o Davi.
RENATO – Isso é quando, mais ou menos?
NILTON JUNIOR – Isso é 95. Em 94 começam as brigas, as brigas de acusar o Davi como
autoritário, personalista... Porque o pré Matriz tira uma decisão: eu acho que a assembléia, a
primeira ou a segunda – tem que olhar as atas. Eu tenho as atas das duas, das três primeiras
assembléias eu tenho as atas. Depois a quinta... A quarta e a quinta, eu não tenho a terceira. Tinha
uma decisão: ninguém mais fala em nome do pré-vestibular. E o Davi continuou falando para a
imprensa, para a dia. E aí tinha uma enxurrada de anúncio, de artigo de jornal com o Davi
dando entrevista. É assim que começam essas disputas. O Alexandre, o Antonio e o Luciano
acirram essa disputa junto com o Alan, com o Hermes contra o Davi dentro do PVNC do pré
Matriz e racham. E eu fico com o Davi. Eu fico do lado do Davi. E ele sai numa reunião debaixo
de xingamento: “você é isso, você é um filho daquilo”. Foi baixo nível aquela reunião. E
rachamos. Ele sai, eu fico coordenando o pré Matriz, praticamente sozinho, porque o Davi sempre
foi uma pessoa muito ocupada, sempre muito solicitado pelo Brasil inteiro. O Wagner vem me
ajudar, que é um APN, e a gente monta uma reunião de uma comissão proviria, uma
coordenação proviria, que pudesse convidar professores para tapar buraco. Eu lembro que tinha
sábados que eu dava três horas de aula de literatura para tapar buraco de professores que não
tinham, porque tinham saído com o grupo do Alexandre. E a gente fica. Nisso o Davi é transferido
para uma igreja de Nilópolis – Nossa senhora Aparecida – que foi em 96. De 95 para 96. O Davi é
transferido para Nossa Senhora Aparecida. Os APN São João não querem. Por que? Porque o Frei
que é chefe da igreja Matriz em São João de Meriti era contra o Davi. E ele sabia o seguinte, o
Davi morava lá. A saída do Davi era a provável desarticulação do grupo da Matriz. Não do
grupo, mas do espaço que eles tinham lá, era o salão Quilombo você chegou a conhecer. Um
salão, um espaço fantástico, duas salas, banheiro, espaço de reunião, televisão, televisão enorme.
E o que a gente faz? A gente monta uma comissão e vai a São Paulo falar com o promissial do
Davi. , vou eu, Gleise, Ana e Cristiane. Nós quatro vamos a São Paulo, uma aventura, a gente
saiu daqui um dia à noite, chegamos de manhã, fomos à reunião com o promissial, almoçamos e
voltamos. A gente não tinha onde ficar. E levamos os documentos, eu fiz um dossiê de coisas,
junto aos APN e montamos o dossiê, entregamos ao promissial, e solicitamos a permancia do
Davi em São Jo.o foi aceito: “vai para Nilópolis mesmo”. Os APN forçam o embate, até que
perderam definitivamente o salão Quilombo agora para a igreja Matriz. Nesse meio tempo, eu
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sempre participando dos fóruns coletivos, né, nunca, desde a primeira assembléia, eu participei de
todas as reuniões coletivas que montam o jornal... A segunda assembléia, inclusive, um dia eu
lendo a ata eu pensei “meu deus, de onde eu tirei disposição para participar das coisas. Porque era
assim: carta de não-sei-o-quê: eu e o Alexandre. Não-sei-o-quê, comissão para fazer a relação,
contato com o reitor tal: Júnior, Alexandre... Aquelas coisas que você... Eu dava aula em três prés,
eu dava aula em Nova Campinas com a Geane, eu ia domingo de manhã, passava o dia todo,
almoçava na Geane, e voltava. E dava aula no Matriz e Éden. Fora as aulas de cultura e cidadania,
né. Mas aí, o pré, eu começo a perceber realmente, o lado pessoa personalista, assim. Com o Davi,
eu já sentei com ele, depois das minhas brigas com ele, porque a minha briga foi mais ______ do
que com o Alexandre. Tomamos um café juntos um dia lá em Nova Iguaçu, num encontro do pré,
s sentamos, tomamos um café juntos,s sentamos e eu falei para ele: “Davi o tem nada, eu
acho você uma pessoa competente. Eu acho que eu tenho críticas a você como eu teria críticas a
outros companheiros do movimento popular, da esquerda... Mas eu acho você um cara
competente no sentido de, principalmente, conseguir conquistar e mobilizar o seu projeto”. Só que
eu acho que o Davi tem seu projeto pessoal. Não é projeto pessoal no sentido, assim fica muito
maquiavélico, projeto pessoal parece que ele quer... Não! Ele nunca teve nada, tem um fusquinha
muito do furreca, não é questão de dinheiro. Mas é a questão de ter um projeto político racial. Que
inclui a igreja católica necessariamente. Que inclui necessariamente a igreja católica, e o projeto
racial que ele tem. Não é a toa que os APN vão dizer “não, ele não é APN porque ele não faz
parte do coletivo”. Ele tem suas decisões, suas práticas, suas autonomias pessoais. Então, eu acho
o grande erro é o personalismo. Toda essa briga que eu contei é exatamente para dizer isso: eu
acho que o Davi, ele tinha esse projeto. Eu me deixo um pouco nesse momento, eu fiquei meio
que comprometido com o projeto dele, eu fiquei como o braço direito do Davi, eu tinha a chave
do salão Quilombo, eu sabia as informações do Davi. Eu ia junto com o Davi para as assembias,
eu ia para o salão Quilombo para ir junto com ele. A gente articulou várias reuniões. E eu acho
que com isso eu ganhei muito, aprendi muita coisa com o Davi. Eu nunca nego isso. Mas eu acho
que esse projeto pessoal, o Davi tentou de toda maneira não deixar com que o PVNC se
constituísse enquanto movimento autônomo. Então,o é à toa hoje eu percebo isso, muita
gente percebe isso claramente – não é à toa que o Davi sempre articulou os grupos dentro do
PVNC para que não tivesse estatuto, não tivesse sede própria. A questão não era... O Juca diz isso
muito bem no artigo “a questão financeira como um falso dilema”. A questão não era de ter ou
o dinheiro externo, mas foi isso que foi colocado desde o início das nossas brigas com o Davi.
Mas a questão era: receber dinheiro externo, financiamento externo, para quê? Para ter sede, para
ter estatuto, para ter autonomia, para se constituir enquanto movimento, e não era ONG, ninguém
queria virar uma ONG. As pessoas queriam ter autonomia, né, falar pelo PVNC. O primeiro artigo
que propõe uma coordenação central foi meu. E é fato histórico. Eu conto mesmo isso sem
problemas: na assembléia de Santa Clara eu chego com o artigo xerocado, chama-se o artigo – um
artigo bobo, que eu leio hoje. É aquelas coisas que você lê e pensa “um dia eu escrevi isso
daqui?”. Escrevi. Chama-se “por uma coordenação central”. E o Davi me chama, chama o
Alexandre, chama o Juca, chama o Jocimar, chamou quem era no momento que estava meio que
liderando, conseguia influenciar, e ele me pede parao laar o documento na assembia: eu
acho que não é o momento de um documento desse. Vai criar um problema... Vamos acordar o
seguinte: entre essa assembléia e a próxima a gente senta para discutir sobre essa questão”. E aí é
chamado o primeiro seminário, e aí eu topo isso. Eu topo isso tranqüilamente. Então, é formada
uma comissão para discutir isso. E a gente faz um encontro em Caxias, que é aquele relatório, tem
até o relatório aqui, esse aqui: “primeira reunião de preparação dos seminários dos prés”, em 95.
Prés presentes. Para a gente propor a organização para o PVNC, que nem existia. Essa proposta eu
acho que é do Davi. Tem a minha proposta. Tem a do Juca. Tem a do Davi. A comissão de
organização fica eu e o Marcos, do pré PJ, Catedral.
RENATO – Essa aí é a ata dessa reunião.
NILTON JUNIOR – É a ata da reunião. Está aqui: uma proposta de organicidade do Frei Davi,
que a gente muda um pouco, mas é a que ficou. Núcleo, conselho geral, dois representantes por
núcleo, equipe, conselho operativo, que acabou sendo secretaria do conselho hoje, seminário e
assembléia geral. É um pouco do organograma proposto pelo próprio Davi em acordo nosso. A
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gente propõe isso – um pouco passa. E isso vai para a oitava assembléia de Caxias, da Catedral de
Caxias. Tem a minha proposta. Não, a proposta de organização do seminário. A gente discute isso
em função do meu texto. Isso aqui é o que o Davi evitou o tempo todo. E aí, por que eu acho que
ele evita o tempo todo? Ele evita exatamente para isso, para que o PVNC não forme a sua própria
identidade a-partidária, e principalmente, a-religiosa. Não a-religiosa no sentido de não ter
religião. Eu sempre brigo por uma coisa, eu sempre digo assim, quando teve a discuso do
crucifixo em sala de aula. Eu trouxe a discussão e disse “gente, eu não me incomodo que tenha
um crucifixo em sala de aula, contanto que possa colocar exu atrás da porta. E contanto que o
muçulmano possa falar ‘professor,licença que eu vou fazer a minha oração’. Sai e vai fazer
oração para Meca. Se você respeita a diversidade, aí o crucifixo está liberado. Agora o crucifixo
não pode estar anulando todas as outras possibilidades de expreses da fé. Aí, que é o grande
absurdo. Então, eu dizia “gente, eu não sou contra os APN estarem dentro do PVNC, porque eu
quando eu vou para o PVNC eu não largo o PT, não largo as minhas posições ideológicas,
religiosas, eu não deixo, que eu acho que o PVNC tem que ser autônomo nesse sentido”. Então,
eu acho que essa é a grande questão. Agora, se havia o fato do Davi, ou de algum grupo APN –
porque o grupo APN em São João de Meriti, principalmente, (...) grande articulação do Sergio
Max, o Davi, o Wagner e aquela menina, a Nádia, professora de história que é do núcleo de São
José, que é aquela ali do lado do hospital do centro de são João de Meriti, o sei o nome dali.
Vila Tiradentes. A Nádia era APN também. Era professora de história. Então, não era do nosso
pré, mas era professora de história. Depois ela funda um núcleo lá do PVNC. Então, essas eram
lideranças do PVNC em São João. Achei que eles tinham realmente um projeto de expansão da
idéia do pré-vestibular para negros. Segundo Alexandre – e esse eu não peguei essa discussão –
carente é uma proposta do Alexandre, do grupo do Alexandre. Essa é uma discussão que eu não
peguei, mas acho que é verdade. Eu acho que o Davi tinha uma proposta de pré-vestibular para
negros, carentes um pouco o Alexandre propôs, o grupo do Alexandre, para tentar dar uma
redimensionada.
RENATO – O carentes vem do Alexandre?
NILTON JUNIOR – Acho que é. Eu acho que é sim. A discussão dos carentes... Eu quando
cheguei no pré já tinha o nome. Já tinham feito essa discussão...
RENATO – Nome?
NILTON JUNIOR É, já tinha um nome.
RENATO – Assim, o nome foi assumido depois, né? Como nome padrão.
NILTON JUNIOR É.
RENATOAquele registro de jornal que você me mostrou agora a pouco falava em pré-
vestibular popular da Baixada. E eu achei... E eu até falo naquele meu artigo, que alguns outros
nomes que vão pipocando de alguns outros prés...
NILTON JUNIOR – Na primeira assembléia de 94 se chama Pré-Vestibular para Negros e
Carentes: “aos professores e coordenadores do PVNC” já. Você vê pelos documentos...
RENATO – Tem muitas alas da igreja que trabalham com essa idéia do carente.
NILTON JUNIOR – É. Mas eu ainda acho que partiu do Alexandre. Aqui eu ainda acho que a
proposta do carente é do grupo do Alexandre. Eu não me lembro. Quando eu cheguei já tinha essa
discussão do nome. Sempre foi uma discuso o nome, né. A cada ano, ou a cada assembléia às
vezes tinha algm que levantavavamos discutir o nome, esse nome não é um nome legal”. O
próprio Davi depois muda algumas vezes o nome do pré. Tem documento que é “pré-vestibular
para negros e empobrecidos”, ele mesmo dá uns “acertos” em algumas entrevistas que ele dá.
Mas, olha, de setembro de 93...
RENATO – Pré-vestibular popular da Baixada.
NILTON JUNIOR – Onde? É, pré-vestibular popular da Baixada. Assinado por eles: pré da
igreja Matriz. Esse também tinha os prés-vestibular... Setembro de 93. Esse é de novembro... Para
Negros e Carentes, novembro de 93 – quando eu chego no pré.tem uma discussão, já houve
uma discussão do nome. Eu acho, se eu não me engano, a proposta de anexar carentes é uma
proposta do grupo do Alexandre. Não do Alexandre, mas do grupo dele...
RENATO – Quem era o grupo do Alexandre?
NILTON JUNIOR – Era ele, o Zama, o Antonio, o Luciano e o Hermes.
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RENATO – E eles eram um grupo dentro do pré?
NILTON JUNIOR – Não. Era do pré Matriz.
RENATO – Do pré Matriz.
NILTON JUNIOR – Eles eram da coordenação do pré Matriz.
RENATOA minha questão era outra: esse grupo era um grupo que se constituiu enquanto
grupo ali?
NILTON JUNIOR – Não, não...
RENATO – E para ali?
NILTON JUNIOR – Não, não, só ali.
RENATO – Só para ali. Não eram pessoas que tinham ligações de outros lugares, tinham outras
relações?
NILTON JUNIOR – Não, eu acho que eles eram do PT de São João.
RENATO – O Alexandre era do PT de São João?
NILTON JUNIOR – Era. O Alexandre era. O Juca foi candidato a vice-prefeito em São João.
Parece que o Zama, o nome do filho do Alexandre é em função do Zama.
RENATO – Que é Zama.
NILTON JUNIOR – Ele é padrinho... O Antonio eu acho que é compadre do Alexandre também
já de alguma coisa, ou era padrinho de casamento, eles tinham uma relação.
RENATO – Mas eles militavam juntos em outros lugares?
NILTON JUNIOR – Eu acho que no PT de São João. Não é essa história do... Não é uma
história que eu domino. Mas eu acho que eles já tinham uma militância no PT de São João. O
Hermes entra depois, professor de física, mas passa a fazer parte desse grupo. Porque eles não
eram APNs, eles não iam aos APNs. Eles não freqüentavam as reuniões dos APNs, inclusive
tinham ligações com o candomblé também igual a mim, mas não eram APNs, por isso que eu digo
o outro grupo. Então, lá tinha o grupo deles e os APNs na figura do Davi ainda. Só, nesse
momento que eu chego só tinha o Davi como coordenador. Então, eu acho que pode ter havido
mesmo, na fundação do pré, nessa discussão dessas lideranças, os APNs São João, “e vamos
montar alguma coisa, um pré-vestibular popular...”. Eu acredito nesse desejo de que “um dia nós
vamos ter isso para outros grupos”. Mas eu acho que o que levou a esse estímulo para a fundação
de outros prés foi inevitavelmente os 716 inscritos. O que levou os 716 inscritos foi aquele artigo
do O Dia. Eu não acho que... Porque não havia divulgação, não havia panfletagem do pré, não
havia divulgação. Aí, um belo dia, essa Salete, que eu acho que fez vários artigos do pré, lança um
artigo falando que o pré cobrava 5% do salário mínimo, quem passava na PUC estudava de
graça...
RENATO – Salete era jornalista do O Dia?
NILTON JUNIOR – É, do O Dia. Ela, eu acho que fez alguns artigos, inclusive, se eu não me
engano, a Rubiana, professora, jornalista do O Dia, era professora de inglês do pré. Então a
Rubiana, eu encontrei a Rubiana umas três ou quatro vezes. Ela era professora do pré de inglês
e jornalista do O Dia. E acho que do O Dia Baixada. Foi o que facilitou, o pré tem muito artigo no
O Dia, o O Dia era o tempo todo publicando o pré. Quer dizer, Jornal do Brasil também, não que
tenha outros artigos. Mas a... Deixa eu ver quem assina, se tem a assinatura... Joana Costa...
RENATO – Joana Costa.
NILTON JUNIOR – Será que o nome dela era Joana e eu estou confundindo o nome da mulher?
Jornal do Brasil... Esse também é do pré. Aí, tem aqui o Zama naquele pré que eu te falei da
Pavuna. Porque aqui também em 95, já é uma briga, já coma o grupo, coma a rachar mesmo,
né. Então, eu acho, eu digo isso nesse artigo, eu acho, por exemplo, alguém aparecer numa foto,
vestido de padre, é algo que tem um peso simbólico muito grande para o pobre no Brasil. Eu me
lembro até hoje o Davi, freqüentava o terreiro no qual eu faço parte, ele levava freis e padres para
ver o culto. Ele me chamou para falar de candomblé num encontro de padres latino-americano,
para falar de candomblé. Então, é um imaginário muito forte. O Davi tem esse costume. Então, ele
de novo, naquele artigo agora, da Educafro de “hábito”, que não era comum. Eu só vi Davi de
“hábitofranciscano em jornal. No dia-a-dia eu nunca vi. Mas era importante, ele estava “hábito
____________, já é da Educafro aqui já, mas de “hábito”., sai na Veja de “hábito”., em
outros momentos ele se veste para tirar foto. O que para o jornal é muito bom, né, para o jornal
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também importa,... Está de habito aqui também. Para o jornal importa. Então, eu acho que há
esse, pode ter realmente um projeto deles. E esse texto, que eu não estou achando aqui, mas eu
tenho que achar, porque é um texto... Se você não viu, não teve acesso, eu acho que é fundamental
porque é um texto interno da igreja, é um texto do GRENI, não, da CRB, mas é interno. Não é um
texto de divulgação, é um texto para divulgar entre os padres, que por acaso a gente teve acesso.
Poxa, se eu não achar esse texto eu vou ficar... Porque foi um texto que a gente depois sentou para
ler em conjunto. As pessoas sentaram para ler em conjunto o texto, porque foi um texto, assim,
que revelava o que no final o Juca chamava de “projeto oculto”. O Juca, então, em determinado
momento, lança um texto dizendo o seguinte: “há um projeto oculto para o Pré-Vestibular da
igreja católica, dos APN”, e aí o Juca vai dizer que há nesse projeto um projeto oculto, e aí, o Juca
até no início do texto faz uma tipologia, bem weberiana, uma tipologia: “esconde um conflito...
Considero como não revelado dois campos ideológicos”. Ele fala: um campo negro eclesial... Um
campo amplo, e um campo negro eclesial. E aí o Juca faz uma tipologia, bem weberiana, do que é
o campo amplo, e do que é o campo negro eclesial. Dizendo que este campo negro eclesial tem
um projeto oculto para o pré. O campo amplo é onde ele inclui a gente. Aqui o Davi também, os
APN, não o ________. Esse texto do Juca, ele lançou... Num encontro. Eu acho que o Alexandre
cita ele aqui com data. O Alexandre deve ter batido com o Juca. E o Juca aqui acusa que esse
campo negro eclesial tinha um projeto oculto para o pré. Mas ele não sabia qual era o projeto.
Quando a gente teve acesso a esse documento interno da igreja é que o Juca, e outras pessoas
Alexandre, eu, Hermes...
Fita 1 Lado B
NILTON JUNIOR – Então, quando a gente recebe isso, que eu estava te falando, recebe esse
documento, a gente lê e foi unânime. Todo mundo dizia o seguinte: “então, está aqui, o projeto
oculto era esse”. Porque o documento chega a dizer de captação de vocação espiritual. É um
documento da CRB, documento interno da CRB, comenta o pré-vestibular...
RENATO – Em 93 isso?
NILTON JUNIOR Eu acho que é um pouquinho mais tarde. Se eu não me engano, em 97, se
eu não me engano. (...) Porque era tudo verdade o que está no texto, mas não do jeito que foi
escrito, entendeu? Você chegou a ler ele? O que acusa o Davi da questão financeira. É tudo
verdade.
RENATO Sim. Sei.
NILTON JUNIOR – É tudo verdade. Mas que era um... Porque o Davi sempre foi contra a ajuda
externa financeira, mas sempre recebeu. Sempre. E eu provo ali que sempre recebeu: recebeu
dinheiro da PUC, recebeu dinheiro daqui, recebeu dinheiro dali, faz acordo com o fotógrafo para a
PUC. Então, eu acho que a incompetência foi o jeito de apresentar isso para o coletivo. Aí, tomou
um ar de denúncia de “mensalão”, né. Aí, eu acho que foi...
RENATO – Fizeram a comissão?
NILTON JUNIORFizeram a comissão, _________, porque a comissão era só de gente, eu
acho que só tinha uma pessoa a favor do Davi na comissão. E a comissão foi montada pelo
conselho geral. Ninguém queria assumir a comissão a favor do Davi. , um assumiu, que pediu
para sair para ser substituído. Ninguém quis entrar na comissão. (...) É porque eu andei tirando
algumas coisas para olhar, está misturado com as cartas. O ______, o boletim informativo da
CRB, interno, junho de 96. Tudo aqui assinado pelo Firmino, quer dizer, não escreve sozinho,
________, que eu não sei o que é. Então: “curso pré-vestibular popular para negros e carentes da
Baixada Fluminense, é um projeto de educação popular que vem sendo construído em conjunto
pelo grupo de agentes da pastoral do negro, e um grupo de educadores voluntários”. Alguém já
fez esse comentário, o grupo de educadores voluntários não tem identidade própria. Não sei se foi
o Juca ou o Alexandre que fez esse comentário. Aí, “na última assembléia estadual da CRB”, que
não a gente tinha acesso, em 95, “______ jovens participaram da coleta de solidariedade cuja
renda foi entregue ao GRENI, com o objetivo de apoiar os estudantes do projeto pré-vestibular.
550
Após essa coleta” – já é a iia de bolsa auxilio – “uma bolsa que não...” – isso eu nunca soube!
Eu estou lendo aqui nesse momento. E esse documento, a gente só teve acesso em 97. Era um
documento de 96, mas foi... “Por ser um projeto coordenado pelo GRENI” – nunca foi. Existe
uma relação com a APN Matriz, mas não foi coordenado pelo GRENI. Tudo bem que o Davi era
do GRENI, logo, o GRENI também... Mas não era. “Estamos procurando desenvolver uma
pastoral vocacional entre a juventude negra e carente. __________, procurando levar em
consideração... Promover mais a vida religiosa à população e ________que tem assumido a
pastoral entre os pobres e culturas oprimidas, condição...”. Então, aí, juntou, na época, juntou eu,
Alexandre, Zeca, Jocimar – Jocimar não lembro se já estava no Rio – e Juca, e mais gente da
coordenação da aqui... Eu acho que isso é antes do pré-vestibular, apesar de ser um documento de
96. Eu acho que isso era uma questão...
RENATO – A _________ da igreja.
NILTON JUNIOR – Da igreja, de um movimento. Por que o que eu digo? Eu digo o seguinte –
estava até falando isso ontem com um amigo no telefone. Ele discorda um pouco da minha
análise, mas em linhas gerais, eu digo o seguinte: a igreja, em 74, 78, tem o João Paulo II, há uma
redemocratização de algumas instâncias, e em 79 há o Puebla, o grande encontro latino-
americano, onde a igreja católica assume definitivamente, pelo menos na latino-americana, a
Teologia da Libertação. Os APN surgem em 83. Há o GRUCON Encontro fundado pela igreja,
, muita gente não sabe disso, GRUCON foi fundado pelos bispos em 80, 79/80. O GRUCON
racha com a igreja, sai, se torna leigo.
RENATO – O GRUCON foi criado pelos bispos?
NILTON JUNIORCNBB, pela Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil. O GRUCON foi
criado no final da década de 70, virada para 80. Ele racha, assim como a JOC quase rachou, né. A
JOC quase virou juventude católica, juventude operária leiga, mas a igreja conseguiu e acabou. O
GRUCON sai, e em 83 surgem os APN. Em 78 é a fundação... Em 78 é a fundação da igreja
universal do reino de deus, 80 é o boom do pentecostalismo no Brasil. E aí, a igreja católica,
porque a igreja católica nunca perdeu fiel para as igrejas _______, já perdeu para a metodista,
anglicana, presbiteriana... Mas ela começa a perder fieis para os pentecostais. Então, 80 é o boom
das igrejas pentecostais. Ela começa a perder fiel a ponto de em 88 a CNBB declarar a tal da
categoria dos católicos não praticantes, com a diminuição. E aí, o que eu acho que é uma reação
católica? A reação católica é começar a incentivar os movimentos não poticos, não sociais, mas
os movimentos otimistas da : surge a renovação carismática, surgem os movimentos de família,
então, a igreja católica dá uma segurada na Teologia da Libertação em função dos pentecostais,
para não perder mais fiéis. E aí, os APNs sofrem com isso. Óbvio. Eles sofrem com o retrocesso
deles. E aí, o que eu acho? Eu acho que na década de 90 é a grande queda APN, Teologia da
Libertação, JOC... Uma análise da JOC, eu tenho até um livretinho da Brasiliense, , do tempo
que eu era católico, da história, muito interessante sobre isso. E essa queda leva os APN a
procurarem alternativa de sobrevivência, e que pode ser a última: pensar o pré-vestibular. E aí,
leva a necessariamente a pensar na fundação de algum organismo que não seja estritamente
católico – porque os APN não precisavam de um organismo, eles tinham o deles – mas que não
seja estritamente católico e que eles possam estar ainda inseridos numa discussão de hegemonia
de sociedade., eu sigo um pouco a linha do Victor Valla naquele “Educação e Favela”, em que
ele vai discutir a igreja católica, que vai para a pastoral na favela, cria a pastoral na favela
exatamente para continuar tentando ser hegemônica na discussão no meio da favela. Então, eu
sigo essa linha para pensar o PVNC. Então, eu acho que os APN têm um pouco esse projeto de
fundar um organismo que está fora das igrejas, mas que não pode ser autônomo o suficiente que
perca o controle hegemônico católico. Então, não é a toa, para mim não é a toa que o Davi brigou
por durante sete anos contra exatamente o que a Educafro é. Então, para mim é sintomático. Eu só
fiz essa análise, só tive essa sacação, pode estar completamente errada, mas essa sacação é a
confirmação da Educafro. Quando eu abro o site da Educafro e vejo: o modelo Educafro é tudo
aquilo que o Davi era contra no PVNC. O Davi é diretor, presidente, coordenador geral, sei lá, da
Educafro. A Educafro tem sede própria, Rio e São Paulo, duas sedes. No centro comercial do Rio,
na praça Tiradentes – não sei nem se acabou aquela sede, mas era lá na praça Tiradentes. A
Educafro tem funcionários pagos. Tudo que nós propomos. Se você for ver os documentos, o
551
Zeca propondo isso. É o texto do Zeca. É uma proposta de poticas de finanças que o Zeca
elaborou. É o Educafro. Todos os itens que o Zeca lista, e que na época o Davi foi radicalmente
contra, ele articulou os grupos que ele tinha na mão para votarem contra nas assembléias, oitava,
nona, décima e décima primeira, foram quatros assembléias de discussão da questão financeira,
começou na oitava e acabou na décima primeira em Nova Iguaçu, que foram as grandes
assembléias de discussão financeira, tudo o Davi foi contra. Mas é o modelo da Educafro. E aí foi
quando eu me perguntei: se o Educafro é assim, e o Davi não é uma pessoa que, como qualquer
um da gente, não tem grandes mudanças repentinas de pensamento. Eu não acho que ele
descobriu a pólvora em 2000 com a Educafro. Então, que projeto era esse para o PVNC elaborado
pelo grupo do Davi? Eu o sou messiânico, eu não acho que o Davi esteja sozinho nisso. E aí
quando você lê esse documento aqui interno na CRB, e consegue pensar um pouco o porque que o
PVNC todas as correspondências iniciais saiam em papel timbrado da igreja da Matriz. Todos eles
saiam. “Ah, é uma necessidade...”. Por que os grupos católicos articulados dentro do PVNC
sempre foram contra? Sempre foram contra. Depois eu propus, tem um artiguinho meu também,
uma laudinha escrita, “estatuto: uma forma madura de se relacionar”. Eu lancei, e esse foi
distribuído em assembléia, eu lancei propondo um estatuto. Um estatuto mínimo que o pré tivesse,
que é hoje a carta de princípio, na verdade. Então, na época, chamava estatuto, porque era o tom
das poticas públicas em se falar em estatuto, de associação de moradores, mas a carta de
prinpios é um pouco isso a nossa proposta. Era ter um mínimo, para quem chega, olhar e falar
assim “esse que é o PVNC”. Porque nessa época ninguém sabia. Cada um dizia do PVNC o que
queria. E eu dizia “gente, não é possível, a gente tem que ter o mínimo de oferecimento”. Eu, em
determinado momento do PVNC, fui muito tachado de conservador porque eu era contra alunos
votarem. Porque eu dizia o seguinte: “gente, eu não admito numa assembia de novembro, na
última assembléia do ano, para fechar o PVNC do ano, por alunos que vão sair, que não vão estar
no ano que vem, irem para lá e votarem coisas que ano que vem eu vou ter que cumprir e eles
não”. Então, eu sempre defendi assembléia por representatividade. Sempre. E isso era um
crime, porque eu era acusado pelos bastidores de ser conservador, de ser contra os alunos. Eu não
sou contra os alunos, eu sou a favor de quem constrói o PVNC: alguns alunos, os coordenadores e
os professores. E aí, isso aqui é isso, né, faziam isso: em novembro aprovavam tudo que eu tinha
que cumprir em março. Eu dizia “essas 500 pessoas não vão estudar em março”. Voto por
representatividade. Os alunos têm tanto, os coordenadores tanto, e os professores tanto. Também
não acho que a gente seja os donos da verdade. Então, eu acho que este projeto, eu acho que teve
outros. Não sei se de se expandir.
RENATO – Mas qual é essa mudança do Davi então para a criação da Educafro.
NILTON JUNIOR – Eu acho que ele perde espaço no PVNC. Eu acho que com a vitória da
oitava assembia. O que é a oitava assembia? A oitava assembia é quando se funda o
Conselho Geral. E aí é uma vitória do grupo de oposição ao Davi. Apesar do Conselho até um
momento perder algumas forças, mas é uma vitória de organização. Ter distribuído aquele texto
que eu lanço, que eu proponho, o seminário de organização e tudo, e a oitava assembléia vota a
criação do chamado conselho geral. Que em determinados momentos tem mais força que a
assembléia, a gente sabe e isso é notório. Eu acho que em qualquer movimento popular tem
algumas assembléias só para votar o que já estava decidido. Já estava decidido em outras
instancias mesmo quando não tinha o conselho geral. Já estava decidido, entendeu? Em
movimento popular às vezes acontece isso. Então, a oitava assembléia em 95, final de 95, eu acho
que em agosto de 95. (...) Foi em 95 sim. Agosto de 95. Então, essa assembléia foi a derrota
circunstancial do grupo do Davi. Desse grupo que não queria uma autonomia do pré, uma cara do
pré, uma identidade.
RENATO – Não queria autonomia por que isso era parte do projeto ou por que não tinha
hegemonia?
NILTON JUNIOR – Não, eu acho que não queria autonomia para não perder a hegemonia.
Enquanto o pré não tinha autonomia os grupos podiam fazer o que queriam. Os grupos que
dividiam força no interior do pré. Eu acho que fundamentalmente quem não queria autonomia
eram os grupos calicos, eram os grupos liderados pelo Davi mesmo. E esse grupo não queria
que o pré tivesse cara própria. Para poder ficar uma coisa meio que é morta, meio que “eu tenho
552
uma identidade, nenhuma referência própria e aí eu posso fazer o que eu quero. Eu posso falar o
que quiser para imprensa, posso fazer o que eu quiser, posso mudar de nome”, o Davi muda o
nome, o Davi muda. Tem textos dele que ele muda descaradamente o nome do pré. Porque ele
acha que... Quer mudar o nome do pré? Eu acho fantástico, vamos discutir nas assembléias. E se a
assembia aprovar a gente muda o nome.
RENATO – Mas eu fico com uma outra dúvida. Fazendo o papel da pergunta que levanta a bola,
né, por que o Davi não criou a Educafro então antes? Por que nesse momento ele já não cria algo
nesse formato que tem o controle irrestrito...
NILTON JUNIOR – Eu acho porque ele não tinha apoio, ele não tinha gente para isso. Não é a
toa que quando ele decide fundar o pré Matriz, ele não decide fundar o PVNC, ele decide fundar o
pré Matriz, ele tem que chamar o Alexandre, o Antonio e o Luciano – que não são católicos, que
o são APN, _________, mas não são APN, não católicos, podem dar problema para ele em
algum momento nesse sentido. Porque ele sabe que nos APN em São João pelo menos ele o
tinha gente para isso. E aí o que o Davi faz? O Davi vai fazendo uma rede... Porque o Davi nunca
deu aula no pré Matriz, ele dava aula de Cultura e Cidadania, assim, três no ano. Mas o que o
Davi fez? O Davi foi fazendo coisas, que o texto dele mesmo diz: “eu me dispus a sair,
estimulando e tentando, tentando estimular que pessoas...”. Mas ele não só vai estimular, mas ele
vai estimular para o projeto de PVNC que ele tem. E aí, quando ele racha, ele tem o quê? Sei lá,
os grupos que hoje a Educafro tem. E aí, é muito engraçado quando você lê os documentos da
Educafro porque ele faz a história da Educafro como se fosse desde 93. Eu acho isso
interessantíssimo: a história da Educafro começa em 93, no pré Matriz, em alguns lugares aqui.
Eu acho isso fantástico ler sobre a Educafro...
RENATO – O Davi ficou durante um tempo com um discurso muito dúbio, né, ela falava que
esse movimento começou como PVNC e agora é Educafro”. Ele chegou a falar isso.
NILTON JUNIOR Ou seja, como se as coisas tivessem mudado, né.
RENATO – Como se esse fosse o caminho natural das coisas.
NILTON JUNIOR – É. E a gente sabe que não é. Então, eu acho por que não o Educafro, em
1995, por exemplo, na derrota da oitava assembléia, quando funda o conselho geral que ele era
contra, ele teve que dar o braço a torcer pelas circunstancias, não dava mais para o pré não ter
um... Um pré de 50 pessoas, ou um pré de 5.000, não dava para o ter uma organização mínima
que fosse, que não fosse mais geral, que tivesse representatividade. A idéia do conselho era essa:
reunir dois de cada núcleo e essas pessoas vão colocar em prática, vão executar as decisões da
assembléia. Não tinha como fazer mais de uma assembléia estritamente ampla e tudo, inclusive
com o Davi. Eu acho que ele não funda exatamente por isso. Ele já precisava barrar os núcleos,
ele precisava ter pessoas, ele precisava ter gente, ele precisava ter quadros, quadros mesmo,
qualificados. E o pré Matriz tinha muitos quadros qualificados. Aqui você tinha não só
qualificados no nível acadêmico, você tinha a _____, você tinha o Adário, que era doutor de física
da UFRJ, você tinha o Valter que era doutor em biologia pela Fiocruz, era professor de biologia.
Você tinha o Alan que dava aula em universidade, de química. Então, você tinha o Valter. Então,
o cara estava lá participando, no dia da discussão estava lá, funcionário da Fiocruz, professor da
Fiocruz, estava lá. O Adário praticava capoeira, mas era professor de física da UFRJ, estudou na
UFRJ física. Então, você tinha um quadro acadêmico, mas um quadro político também. Tinha eu
que estava vindo do PT, tinha o Alexandre, o Juca, depois o Jocimar, que não era do pré Matriz,
mas é um cara que estava na articulação.
RENATO O Jocimar militava em algum lugar antes?
NILTON JUNIOR – Eu não sei. Eu sei muito pouco da vida do Jocimar, só bebi muito com o
Jocimar, mas eu conheço pouco da vida fora. Conheci no PVNC.
RENATO – Você era do PT também?
NILTON JUNIOR – Eu era do PT desde a fundação, eu participei da fundação do PT de
Oswaldo Cruz. Conheci quem é coordenador do PT hoje de Oswaldo Cruz, fui da direção
municipal do PT do Rio, e sempre da direção do núcleo de Oswaldo Cruz. Direção de núcleo
regional do PT. Já tinha sido vice-presidente de associação de moradores, de bairro e tudo. E fui
franciscano também, e aí a proximidade com o Davi era uma proximidade muito séria. que eu
fui franciscano em Minas. O Davi era da área de São Paulo, Rio e Santa Catarina. Eu era Minas e
553
Esrito Santo. Era diferente, mas eu fui franciscano durante um tempo. Eno, eu acho que o que
facilitou o Davi fundar o Educafro foi essa articulação dos núcleos. Então, no momento certo ele
sabia que, eu acho que ele tinha o projeto já de Educafro na cabeça, que não podia ficar no PVNC
porque ele ia ter oposição. Ele ia ter oposição,o, ele corria o risco de nem ser o diretor,
presidente, ou nem ser o presidente da instituição, do PVNC. Ele corria o risco da sede... Porque a
gente sempre quis ter uma sede. O sonho meu, do Zeca, Juca, Josimar, Alexandre, Geane, era ter
uma sede. E a gente sempre... E era aquela coisa meio bucólica: “ah, vamos ter uma casa em São
João de Meriti, e essa casa vai ter algum quadro, e as pessoas vão ter a gente como referencia,
para poder ir lá, e a gente estar lá, e bater papo e tal, assistir televisão, dar uma assessoria, ter uma
biblioteca. Ter computador para professores que não têm acesso a computador – porque tinha
muito professor do PVNC que era aluno e tem até hoje. Eno ter nessa sede isso, dois três,
computadores. O cara vai lá e pode usar a vontade, para preparar aula, para estudar. Ter
biblioteca”. Então, a sede era um pouco pensada nesse sentido. Não era uma coisa, como teve um
menino que uma vez eu escutei aí falando: “ah, querem sede em Copacabana”. E aí, eu acho que
tem esse projeto do grupo do Davi, e também o projeto pessoal do Davi, só que ele não tinha
como fazer isso, ele não tinha quadros, ele não tinha apoio. E fazer isso pelo PVNC, ele sabia que
era _______. Em 94, 95________. Que ele ia encontrar um grupo que pensava além dele. Ou que
pensava diferente dele. E um grupo que pensava. E aí era um problema para ele isso. Como que
eu vou estimular... Eno, o financiamento, aquele meu texto diz isso, mas como eu vou estimular
um financiamento para um grupo, que __________pode emprestar o dinheiro quanto eu quero.
Não vai ser para o serviço social da PUC do Rio. Alimentar o serviço social. O serviço social
morreu. Teve um ano que teve duas inscrições. A Lucia Helena manda dinheiro para o Davi, o
dinheiro vai para as inscrições da PUC, que seja para o serviço social da PUC. ____________. E
aí, ela hoje, a Geane encontrou ela e ela falou: “ah, Geane, eu gosto muito do pessoal do PVNC,
menos do Júnior e do Juca. Eles dois...”. Caiu em cima disso. Tudo bem que a PUC queira
financiar algum curso, mas não o serviço social, que é o curso mais reacionário, não tem
movimento, obrigar as pessoas a irem para o serviço social é muito ruim, né. Mas há esse projeto,
então, veio o dinheiro, as pessoas fizeram naquele ano, sei lá, trinta foram para o serviço social da
PUC.
RENATO – Acho que em 96 isso. Uma turma inteira de serviço social...
NILTON JUNIOR – Era do PVNC. Ex PVNC. Uma turma quase inteira.
RENATO – Eu não estava sabendo da história do dinheiro não.
NILTON JUNIOR – É. Aquele dinheiro para a inscrição do vestibular, a taxa de inscrição, né,
porque a PUC nunca deu isenção, até hoje não dá. E era R$ 100.00, a PUC é caríssima, né. Até
hoje, eu acho que é R$ 113.00 a inscrição do vestibular. Então, o nosso aluno... E a foto, porque a
PUC sempre exigiu foto. Então, um desses informativos vai dizer do acordo do salão Quilombo
com uma foto, com um fotógrafo para poder tirar foto mais barato.
RENATO – Para poder se inscrever na PUC.
NILTON JUNIOR – Se inscrevia na PUC, mas a condição era essa: que a inscrição seja para o
curso de serviço social. Tanto é que era uma exigência: as pessoas faziam a inscrição e tiravam
xerox da ficha de inscrição, e entregavam no salão Quilombo. Porque o Davi depois tinha que
prestar conta para a Lucia Helena. Isso tudo eu falei em assembia. Por isso que a Lucia Helena
tem ódio mortal de mim. Porque não era para... Era para deixar, qual o problema? Qual o
problema disso tudo? Eu não vejo problema nenhum, contando que essas coisas fossem discutidas
no coletivo.s éramos um coletivo. Entendeu. Então,o teria problema nenhum. “Porque o
serviço social vai morrer”. ________não é que eu não goste do serviço social, mas então, vamos
discutir o que a gente faz, vamos estimular os alunos que querem. Mas era feito tudo muito... Mas
o Davi passou a ser, passou a fazer parte do grupo do Marcelo Dias. Aqui, o projeto da Educafro
que ele mandava, o Frei Davi mandava para o Marcelo.
RENATO – Mas o Davi tinha ligação com o PT antes, ou...? Essa história do Marcelo Dias eu
lembro: foi um projeto que ele levou ao Marcelo Dias e o pessoal...
NILTON JUNIOR – O problema foi o seguinte: eu era de coordenação de campanha do
Marcelo.
RENATO – Você era?
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NILTON JUNIOR – Eu era. Eu dava aula no pré Matriz com o bótom do Marcelo.
RENATO – Então foi você que aproximou o Marcelo Dias do Davi.
NILTON JUNIOR – É. Eu nem falo com o Marcelo, nem ele fala comigo. Porque o Marcelo...
Horrível. Mas, e aí eu falei, e o Davi apoiava a Benedita, o grupo da Benedita, que não é o grupo
do Marcelo. O Davi apoiava o grupo da Benedita, do Pitanga, o pessoal da articulação mesmo,
ligado ao Bittar, né.
RENATO – Ele já tinha ligação antes do PVNC?
NILTON JUNIOR – É. Antes do PVNC. Tanto é que ele fez alguns debates: debate dos
candidatos negros. Esse é APN, não tem nada de PVNC. Debates dos candidatos negros: com
cronograma de perguntas. Eu nunca participei. Eu tive acesso ao programa, mas nunca participei.
RENATO – Aí o tem o ano não, né?
NILTON JUNIOR – Não, mas eu acho que em algum lugar tem aqui. Porque foi convocado
mesmo para esse debate. Essa parte aqui o, está sem data. O que tem data, que eu tentei colocar
em data.
RENATO – Esse aqui é o mapa?
NILTON JUNIOREu que fiz. O mapa na verdade foi a minha mãe que fez. É o mapa de 94,
onde estavam os prés.
RENATO – De 94? Já tinha esse monte no final de 94.
NILTON JUNIOR É. Porque aqui, o endereço, a partir desse endereço aqui. A partir...
RENATO – Isso é 94 mesmo?
NILTON JUNIOR – É. Finalzinho de 94.
RENATO – Trinta e tantos, cara, já em 94? Isso não é 95 não?
NILTON JUNIOR – Eu acho que é final de 94. Final de 94, porque essa é uma ficha de inscrição
do pré, do núcleo, porque a Matriz controlava também isso. Era Pré-Vestibular para Negros e
Carentes e __________.
RENATO – É o que virou depois a carta de assentamento, né.
NILTON JUNIOR – É, um pouco., total de professores, isso é legal também, alunos, alunos
atuais e não-sei-o-quê. Não tem data, mas vem do pré 93? Não. Deve ser virada de 94 para 95
isso. Pode ser que em algum lugar a gente consiga, lendo cuidadosamente todo o material, achar
isso. Mas tinham aqui trinta e oito, realmente não pode ser 93, 94 não, acho que 95, mais para o
final, porque isso aqui, precisa de auxílio, aqui não tem. Prés que precisam de auxilio só tem esses
vinte e dois, está vendo? Mas são todos os prés aqui. Precisam de auxílio, mas têm o pré Matriz...
RENATO – Auxílio aí é o que?
NILTON JUNIOR – Precisavam de professor, precisavam de ajuda de coordenação. Eu
denuncio o final das cartas, que são muito interessantes. Eno, você tem aqui: “ao vice-reitor da
PUC”, do pré-vestibular, né, que diz “as forças emanadas ao projeto” – bem católico. Depois tem
uma aqui que ele vai falar de “Deus da vida”, também para um grupo, para alguma coisa que não
tem nada a ver com o pré. “Que o Deus da justiça e do saber abençoe os trabalhos de vocês”, ao
sub-reitor de assuntos comunitários da UERJ, Flávio Vieira Alves de Castro. Eu até brinco, o
texto fala assim: “alguma coisa para se pensar como o Deus do saber”, direcionado ao sub-reitor
de uma universidade, “não se diz que é o dono do saber – ele é muito generoso, né – se submeta
ao Deus do saber”. E o Davi assina pelos participantes, mas é do Pré-Vestibular para Jovens
Carentes e Negros. Está vendo? De vez em quando uns _______ enormes.
RENATO – Pré Comunitário para Jovens Carentes e Negros.
NILTON JUNIOR – Isso já em 94. Então já tem uma larga história de discussões porque as
assembléias eram mensais: a primeira, segunda e terceira. Era junho, julho e agosto. As nove
seguidas depois passam para bimestral, não acho que no início era bimestral, eram quatro
assembléias, e agora são três... Mas era uma em cima da outra. Então as discuses eram
discussões bem presentes, né. E tem outras muito interessantes, né: “ao vice-reitor da UFRJ”,
comissão de vestibular”, inclusive essa carta, nesse ponto, ele ____algumas famílias que
___________ ajudar _______pessoas foram escolhidas. Na verdade acho que nunca receberam.
Nunca receberam dinheiro nenhum dos EUA. Mas voltando ao assunto, então, eu acho que há
realmente um projeto _______, ou seja, de pegar o PVNC, _____ o PVNC, e o projeto é racial,
cristão, católico. Especificamente católico. Porque uma coisa interessante que eu também percebo
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é que alguns núcleos do PVNC lá de 95 eram da igreja evangélica. Você vê: Caxias é da igreja
Metodista, você tem Niterói que é Metodista, e essas questões nunca aparecem. Rocinha... Você
quer ver uma foto que eu acho bonita, uma foto que eu fiz para, ecumênico, né... Eu acho essa
foto aqui fantástica, que é do pré Rocinha. Ah, não, eu acho que está fora porque eu achei de
qualidade boa para snanear. O pré Rocinha é Metodista, e essas coisas em nenhum momento
aparecem. Essa é a terceira assembléia, São Mateus... Aqui a Geane, magrinha... Geane foi aluna
do pré 93. Mas a Geane era a maior gata, eu conheci a Geane em 94, já na PUC. Mas é uma foto
que tem... Então, e essas questões não apareciam. As outras, as outras igrejas, não existia pré
ligado a outra religião, isso é verdade. Nenhum pré, nenhum núcleo que eu lembre, nenhum
núcleo que eu conheça tinha ligações com outras... Mas os metodistas tinham. Mesmo que a gente
tinha o pré do_____ depois mais tarde, a gente funda o pré do ______, era eu Juca, Fezinha e um
outro rapaz que eu não lembro o nome dele. A Fezinha era uma grande líder metodista, ela era
uma líder bem daquelas, esforçadíssima. Então, os metodistas sempre tiveram uma proximidade
muito grande. Esse pastor que faz a celebração, a aula inaugural de 94: essa foto do Melquias, o
Melquias é pastor metodista. Essa aqui é a aula inaugural de 94, se eu não me engano, é a aula
inaugural, não é o dia de inscrição não, e a aula inaugural de 94. Era o pastor. O Melquias junto
com o Davi, estudaram juntos, em Nilópolis. Mas não aparece em lugar nenhum um pré
identificado como metodista. Alexandre, no início do pré Caxias, que chamava de pré Metodista
de Caxias.
RENATO – Você diz da escola da...
NILTON JUNIOR – É, Metodista, escola Metodista. Depois foram para AFE.
RENATO – Brigaram e foram para a AFE.
NILTON JUNIOR – Vai para a AFE e tudo. Tem até a primeira turma aqui do pré de Caxias.
Então, eu acho que há um projeto, realmente, católico, a APN em função da fundação do pré,
nesse sentido. E outras coisas, outras questões que eu levanto sempre, eu acho que o Davi o tempo
todo vai se apresentando como “metodistas e católicos oferecem pré-vestibular”. As três edições
dessa foto.
RENATO – Esse é da Rocinha?
NILTON JUNIOR – Rocinha. Interessantíssimo do ponto de vista ecunico, do ponto de
vista... Porque estavam juntos, parece, lá mesmo, os APN, os católicos da Rocinha com os
metodistas da Rocinha. Tem algumas anotações, inclusive, depois, esse aqui, olha, conselho geral
de 96. Minhas anotações do conselho: reunião do conselho geral, novembro de 96: 11
conselheiros, 8 visitantes, então era a pauta que a gente ficou de discutir. 97: conselho geral,
terceira reuno do conselho geral de 97. Aí, você vai ver as pautas. Eu acho interessante ver o
que estava discutindo né, o momento que estava discutindo, e o que foi discutido em linhas gerais.
Data da assembléia, teatro, seminário, “quando houver seminário não haverá reunião do
conselho”, isso o conselho decidia, né, quem estava presente. Eram os prés que ali estavam. E
eram poucos prés que aqui estavam mesmo, do PVNC. Então eu acho que há realmente um
projeto oculto, como diria o Juca, que é um termo dele, que depois foi incorporado ao linguajar
comum. Há um projeto oculto do APN de São João de Meriti. É desbancado um pouco por aquela
carta dos APN estaduais, que diz “não, mas o Davi não é APN”, mas ele se apresentava como
APN. Eu acho que o grupo São João, eu acho que essa carta foi...
RENATO – Quem eram essas pessoas?
NILTON JUNIOR – Os líderes eram o Sérgio Max, que está em uma das fotos aqui. A Ana, que
eu não tenho mais contato, a Ana, a ______, a ______. Você conheceu a Deise, né?
RENATO – Não.
NILTON JUNIOR – Eu tenho foto aqui. A Deise, eu até namorei a Deise.
RENATO – A Deise que te levou para o pré?
NILTON JUNIOR – Não, não. Esse aqui é um pastor metodista, africano, da África do Sul, teve
até interprete, ele não falava português. Isso foi uma atividade APN, totalmente APN. Aqui,
Carlos Santana, deputados federais, candidatos a deputados federais. Acho que Artur ______, não,
Artur _____ está aqui, Artur ______, Marcelo Dias, Ivanir, Juca era mediador, esse cara também
era candidato, deputados estaduais, candidatos. Esse foi o primeiro encontro de educadores
negros. Essa é primeira assembléia do pré. A Nádia aqui, de Tiradentes, da Vila Tiradentes. Essa é
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a primeira, seminário. ___________ nós dividimos em grupinho. A Kate era do pré Éden. Aqui já
tem, o Antonio, o Juca... Então, liderança mesmo do pré dos APN era a Ana, que eu consigo o
telefone fácil se você quiser conversar com ela, é só ligar para a Deise e pegar. Era a Nádia, essa
menina que eu não sei, aí eu tenho que ver com a Deise, essa que era da Vila Tiradentes,
professora de história, também uma liderança dos APN São João. O Sérgio Max, que eu acho que
está em... Acho que é padre já. Posso ver se eu consigo identificar. Essas meninas, a Cláudia e a
irmã eram APN, mas elas eram dali do Agustinho _____, essa é de Nilópolis, também professora
do pré. O Alexandre está de costas. Esse menino de Nova Campinas. Eu estou aqui, junto do
grupo do Alexandre. Aqui Nilópolis, aqui o UNEC ainda.
RENATO – Do UNEC você não chegou a encontrar nada não?
NILTON JUNIOR – UNEC é união dos ex-estudantes do pré-vestibular para negros e carentes.
Que teve curtíssima vida, curtíssima vida, acho que teve seis meses de vida, que na verdade eram
maioria os 69 bolsistas da Estácio. A Estácio dá aquelas 69 bolsas integral, todos do PVNC,
formou o UNEC, porque a Estácio em determinado momento corta a bolsa. Então, agora a bolsa é
de 80%, eles não tinham os 20% e aí fundaram essa coisa que chamaram UNEC, que sempre foi
indefinida. O Azânia, eu tenho um número do Azânia que fala da UNEC. Nunca se soube o que
era o UNEC. Era alguma coisa do PVNC, ou o UNEC ia ser autônomo. Eu defendi a autonomia
porque eu acho eles não eram PVNC, eram ex-alunos do PVNC. Mas eles não estavam no PVNC
mais, efetivamente, um ou outro. Eles são voluntários. Então, eu sempre defendi a autonomia da
UNEC. Acho que a UNEC devia ter sido um movimento que eles mesmos podiam ter se formado
e crescer a cada ano. Alguns defendiam “não, a UNEC devia estar incorporado ao PVNC, como
está a equipe do Azânia”. Aí, o Marcelo “quem é UNEC?”. Eu acho que era um controle muito
restrito sobre uns meninos que estavam com outras discuses universitárias , o mais pré
universitárias. Então, as lideranças que eu lembro, era a Ana, a Nádia, o Davi, o Sérgio Max, eu
acho fundamentalmente este, o Vagner, que era funcionário.
RENATO – Você acha que a idéia do pré vem daí então?
NILTON JUNIOR – Eu acho que veio daí. Esse estímulo é da PUC São Paulo, mas acho que no
Rio começa daí. A Ana é uma grande incentivadora do pré, ela nunca participou. Eu encontrei a
Ana tem, semana passada, eu estava na FASE, trabalhando na FASE num projeto lá na Casa da
Cultura e eu encontrei a Ana. E aí me abraçou, “ah, ______APN, eu sei das suas opções
religiosas, mas você tinha que ter continuado, tinha que ajudar a gente a reativar os APN”. Eu
disse “ué, marca uma reunião e eu vou. Eu não tenho problemas com vocês”. Ela era uma grande
liderança. Daquelas carismáticas mesmo. Ela não era do centro São João, era coordenadora de
uma igreja lá perto da Dutra, ali da Santa Clara, da igreja Santa Clara, _____________. Mas era
uma grande liderança. O Sergio Max também e a Nádia do outro lado, na Vila Tiradentes. A
Nádia também uma grande liderança na Vila Tiradentes. O Sergio do lado do núcleo Quilombo,
dos APN Quilombo. Então, eu acho que eles também. Você que quer um pouco entender a
história dos APN, porque apesar deles nunca terem feito parte da coordenação do pré, eles sempre
foram muito próximos. Tinha reuno da APN porque eles queriam satisfão mesmo “como anda
o pré? O que vocês estão fazendo? Como é que estão as coisas? Tem professor, não tem?”. E eles
estão muito ali pensando os APN. E resistindo porque eles tinham muita briga com a igreja
Matriz. Muita. Apesar de hoje o Davi querer negar isso. O apagamento de uma relação católica.
Somos todos católicos, mas tinha muita briga. Com a paróquia em si e com o superior delas lá,
com o padre que mandava, que eu não me lembro o nome, mas qualquer deles vai lembrar da
época. Padre Luciano? Era um nome comum. Que mandava na igreja, eram quatro padres. Era um
que mandava, e era um padre que não era muito simpático a proposta dos APN terem aquele
espaço. Porque a APN podia ter, para ele, sem problema, mais um núcleo católico, sempre é bom.
Mas aquele espaço, como APN, como o salão Quilombo se tornou, a referencia que se tornou na
Baixada, espaço da união, espaço separado da igreja. A igreja em si não tinha a chave do salão
Quilombo. Então, isso era uma questão. E eles usavam telefone da secretaria. Os APN não tinham
telefone. Tinha gente que ligaram para lá “não conheço não”, “o horário não é esse”, “não posso
chamar ninguém de lá”. Eu fui secretário ________ “ah, eu não posso chamar ninguém de
agora não. Estou ocupado”. Então, havia uma resistência paroquial, era uma ala conservadora,
Matriz de São João de Meriti, famílias conservadoras de São João. Então, essa relação, aí os APN
557
eu acho que podem te contar o que isso impacta. Aí é o que eu digo: eu acho que isso impacta
para que eles pensem alguma coisa para ventilar um pouco, para oxigenar um pouco eles. Então,
oxigena fundando alguma coisa que é bem próximo à gente. Tem uma proposta étnica, racial,
potica. Os APN entraram na sociedade com um corte racial, mas que não fica nas guardas
católicas completamente, mas vai ficar indiretamente. Aí que eu acho que essa que é a questão:
vai ficar porque a gente não deixa eles tomarem conta. Esse grupo não é ________ como sendo
esse grupo, mantendo essa coisa do voluntariado. Teve um documento que a gente escreveu
falando assim: “mas eu não estou discutindo estética, que é bonito o movimento popular, um
movimento da auto-gestão, da auto-administração, as pessoas próprias, não terem liderança, eu
não estou discutindo estética, estou discutindo política”. Como potica não é bonito, não é mais
como um movimento que tinha 5.000 pessoas que agrupava ______. A assembléia de Niterói
tinha 750 pessoas na assembléia. Então, não é qualquer movimento popular que tem uma
_______. As assembléias eram assembléias muito cheias, a da Rocinha, de 96. Teve uma
porradaria, eu quase saí morto. O André, eu encontrei o André há três semanas atrás, o André.
Você conhece o André?
RENATO – Não.
NILTON JUNIOR Que fez ciências sociais na PUC, um negão também. Trabalhou emo
João, e ele também...
RENATO – Sei, sei, sei...
NILTON JUNIOR – E ele também, foi também... Quando eu, a história do André é muito
parecida, a gente já sentou, já riu disso. Quando eu rachei com o Davi, ele ficou a favor do Davi.
Muito parecida com a minha, com o Alexandre, com o grupo do Alexandre, ele fez com o Davi.
Ele entra, ele era do pré Gamboa, existia um pré Gamboa, lá no Centro. O pré acaba, ele fica meio
solto e procura o pré de São Jo. E entra no pré de São João. E começa... E passa para a
coordenação do pré, e começa a freqüentar os APN, e eu acho que também ele começou a
namorar a Deise um pouco depois de mim, eu não me lembro. Quando eu racho com o Davi e dá
aquela briga toda, o lance daquele texto, daquelas confusões todas, o André fica a favor do Davi
contra o meu grupo, porque aí eu já estava no grupo do Alexandre de volta. Alexandre, Juca,
Jocimar, Zeca. Mais tarde ele racha com o Davi também. É uma brincadeira, eu sempre digo,
porque o Davi é de Xangô. A mitologia, a cosmologia do candomblé diz isso: Xangô sempre cai
pelos amigos. Xangô sempre é derrubado pelos amigos. ______ de tal maneira tirando, de tal
maneira, que sempre quem vai derrubar ele são os amigos. Os inimigos não chegam perto dele
para derrubar. E o Davi tem isso em ciclos. O Alexandre era um homem, braço direito do Davi:
briga com o Davi. eu fico. Defendo o Davi e fico. Passo a ser o braço direito dele: me entrega a
chave das portas do salão Quilombo, eu entro, tenho acesso. Brigo com o Davi. Aí o André, o
André brigou com o Davi também. O André também fala que... Mas o André também é uma
pessoa interessante para você conversar no _____ porque eu acho que o André pegou a saída do
Davi para a Educafro. Ainda. O André fez ciências sociais na PUC, tentou agora o mestrado
_______ comigo e aí não conseguiu entrar. Mas eu acho que o André pegou a saída do Davi para
a Educafro. O momento de saída do Davi. Mas aí aquela assembléia da Rocinha foi fantástica.
Aquela, Nova Campinas, que foi antes, e a de Nova Iguaçu. A de Nova Iguaçu foi, o Juca foi...
Calaram o Juca com vaias no meio da falação dele. Décima primeira assembléia. Porque tudo
começou na oitava. Então, você tem a oitava como um marco. A nona que é Rocinha – ou a nona
que é Nova Campinas? Não. A nona é Rocinha. É, Nova Campinas. Agora eu me perdi. A décima
é Nova Iguaçu, Rocinha. Uma é antes ou uma é depois. Na da Rocinha eu lanço o tal documento
“reflees”, denunciando... Porque nós tínhamos, isso mesmo: na de Nova Campinas, na nona,
nós tínhamos proposto a política de finanças para o pré. Então, já que tinha o conselho geral,
então, agora a gente vai ter que ter política de finanças porque o conselho vai administrar o
dinheiro do pré. Quem vai administrar o dinheiro do pré? Mas agora tem o conselho geral, ele vai
administrar dinheiro do pré que o pré vai receber. O menino, que é advogado, que é até do CEAP,
Sérgio Martins, um que é baixinho, lá do CEAP.
RENATO O Valmir?
558
NILTON JUNIOR – Não, antes do Valmir. Não vou me lembrar no nome dele. Ele defendeu a
tese, a dissertação dele de mestrado em Direito na PUC do Rio. E aí fui eu, Juca e Josimar na
defesa. ________ convidou a gente.
RENATO – Não era o rgio Abreu, não?
NILTON JUNIOR – ____________mas na época ele era... Não, eu acho que ele era lá no CEAP.
Ou era, não me lembro.Quem estava na banca? O Hélio _______________. O que a gente fez, eu,
Juca e Jocimar? Chamamos o Hélio para um café depois da banca. Fez a defesa, foi aprovado,
lio, vamos tomar um café”. Sentamos numa daquelas mesinhas da PUC e falamos do pré-
vestibular, que ele já conhecia, mas “quem nós somos” articulamos olio, e ele disse o seguinte:
“vocês fazem o projeto, mandam para mim que eu aprovo dinheiro com o MEC. Eu consigo com
o MEC, ou com o ministério, o próprio Ministério da Justiça – com quem está ligado – eu consigo
o financiamento para vocês para equipar o pré, montar a biblioteca”. Tudo que a gente queria.
Levamos isso para a reuno do conselho. O conselho dividido ainda, então vai para assembia.
Quando foi para assembléia...
RENATO – Isso quando isso?
NILTON JUNIOR Isso antes da, entre 95. 95, quando é a proposta, acho que tem a proposta
aqui, a proposta de finanças que foi lançada na assembléia, antes, é 95. A gente leva, e o Davi se
articula e derrota a proposta da assembléia, de não financiamento, mesmo que seja de um órgão
do governo, mesmo que seja do Ministério da Educação. A gente achou no mínimo um absurdo,
porque a desculpa era aquela mais esfarrapada: “se a gente começar a receber financiamento, a
gente vai ficar subjugado, ainda mais ao governo Fernando Henrique Cardoso. Então, a gente não
quer dinheiro do governo Fernando Henrique Cardoso, porque nós somos libertários”. E a gente
achou que era o fim da... Porque era um órgão do Estado, você tem dinheiro do Estado, mas era
dinheiro do Estado, não era dinheiro de uma empresa, não era a Brahma e eu tinha que botar
“Brahma e o pré-vestibular para negros e carentes”. Era o Estado brasileiro. E aí a gente perdeu.
Mas nós _____ um grupo _____. E aí começamos a tentar articular. O Alexandre começou a
freqüentar pré, os prés que ele conseguiu, aonde a gente está. E aí, fatalmente, eu falei assim “ah,
é, a questão é que ele não pode receber dinheiro, então...”, aí eu faço um texto provando que o pré
sempre recebeu dinheiro. Discuto aqui entre financiamento e auxílio, faço uma discussão
inclusive baseada em dicionário, que entre auxilio, financiamento e ajuda externa não há
diferença. Do ponto de vista político, lingüístico, e faço uma lista de coisas aonde... É a união dos
ex-alunos do pré-vestibular para negros e carentes – UNEC. Inclusive isso é verdade, eu controlei
o dinheiro da UNEC. Foram U$1.300,00 que o Davi me entregou. É uma verdade. Eu ponho aqui
porque é. Ele me entregou dólares, eu fui na casa de câmbio, em São João...
RENATO – Da onde vinha esse dinheiro?
NILTON JUNIOR Boa pergunta. Ele disse para mim que veio do exterior, um órgão do
exterior. Lembra aquele documento de Koinonia? Eu não sei se é dali. A tal da coleta solidária
que fizeram. Eu acho que não porque eles não teriam tanto dinheiro com uma coleta solidária
numa reunião. Mas eu fui na casa de cambio em São João e troquei os U$1.300,00 e comecei a
emprestar. Tem um formulário, que as pessoas se comprometiam a pagar de alguma maneira.
Então, teve, isso aí entre os alunos era ótimo. Um foi fazer, vender roupa, pegou uma parte,
investiu e começou a vender roupa para repor o dinheiro. Num belo dia o Davi me chama e
_____________ repor o dinheiro. É mentira. É mentira minha não. Essa história de que você
empresta, e as pessoas têm que devolver é mentira. Então, eu coloco isso aqui. Ele diz que é
lares para universitários,_________, depois recebe mais R$1.300 de um padre do Sul. Então eu
ponho. Eu acho que o jeito – isso é texto da Andréa – o jeito de escrever o texto é que eu acho que
foi um jeito é que realmente foi um jeito inconseqüente, e muito pessoal. Depois eu faço um texto
pedindo desculpas ao Davi, formalmente. Foi pessoal, fui eu que escrevi o texto, não foi meu
grupo. Isso aqui eu tenho consciência. Tanto é que eu acho que eu falo depois no meu texto de
retratação, eu digo: esse texto é meu. Eu quando eu lancei, eu cheguei na Rocinha para lançar o
texto, o Alexandre viu na hora, nem tinha visto antes, o Juca, ninguém tinha visto, eu cheguei e
disse “vou lançar este texto”. Mas aí o Juca disse assim: “vamos ver que merda que vai dar”. E
deu realmente uma merda. Aí, patrocínio, ajuda... E aí começa uma movimentação contra – aí foi
uma coisa muito grave, aí foi uma coisa muito desagradável. _______, São João, e eu muito
559
medroso na época, tremia mesmo. O André falou: “se vir aqui eu bato, bato”. “Poxa, que me
bater, André, você ia me matar, cara. Você é forte, eu sou fraco, cara”, o André é grandão, assim,
igual a você, “você ia me matar, cara”, aí ele: “mas eu não ia te bater, era só nervoso na época”.
Eu sei lá, o André ia me trucidar. “Eu ia ser um homem morto na sua mão”. E o que acontece:
lança-se esse texto, eu lanço esse texto de uma forma realmente inconseqüente e começa esse
burburinho em torno da questão financeira. Isso na assembléia de Rocinha que eu acho que é a
décima mesmo. Eu tenho aqui a relação de todas essas assembléias, vou dar uma olhada. Aí,
instala-se essa comissão para ver toda a verdade... A décima primeira assembia foi uma
assembléia, em conseqüência disso tudo, extremamente tensa, uma assembléia que eu acho que o
conselho... Eu parei de freqüentar o conselho, até o pessoal do meu grupo, o Zeca que era o
presidente da comissão falou “é melhor você dar um tempo do conselho”. Mas eu me arrependo
de ter feito assim, dessa maneira, devia ter _____ mais. Tem uma assembléia do conselho que
decidi ser só à tarde, ou foi só de manhã?o, foi só de manhã, não ia ser o dia inteiro, como
sempre foi. E foi uma assembléia muito tensa, uma assembléia onde as pessoas...
RENATO Foi onde essa assembia?
NILTON JUNIOR – Em Nova Iguaçu. Elas calaram... Será que eu estou confundindo os
meros da assembia? Eu estou querendo aqui achar as minhas anotações das assembias. Mas
eu acho que é essa mesma, a décima primeira. Deixa eu ver aqui... As pessoas calaram o Juca com
vaias. O Juca pede...O Juca já tinha desqualificado o Davi em alguns lugares, dizendo que o Davi
______________. E o Juca pede as palavras, e no momento que começa a falar as pessoas
comaram a vaiar no meio da fala do Juca, no meio da falação, no meio. Tanto que nós nos
retiramos da assembia. Não foi uma assembia que a gente ficou até o final. A assembia de
Nova Iguaçu para mim é uma assembléia histórica, e é uma assembléia que decide
definitivamente” não voltar mais a discussão sobre a questão financeira: o pré-vestibular não vai
receber dinheiro de fora. Então, é uma assembléia que o coletivo decide exatamente isso. Renato,
tem que olhar mesmo. Tem que olhar para poder achar essas informações no nível documental
mesmo. Porque às vezes a gente erra no nível de data, ocorrência. , vem a medalha Pedro
Ernesto, o conselho geral fica dividido. O conselho divide no meu nome: um grupo do conselho
banca o meu nome, eu não estou neste conselho, um grupo banco o meu nome “tem que receber a
moção. Quem vai receber a moção?”. O cara está desde 93, coordenou o pré Matriz anos, que foi
do conselho geral, que tem uma refencia... Um grupo diz que o vai receber, aí meu nome
passa por 14 a 7, uma coisa assim – eu tinha isso está anotado. O André, que é indicado, tira o
nome, dizendo “então, se o Júnior recebe uma moção, eu não recebo junto com ele”. Tira o nome
dele, não vai. O grupo do Davi não vai a entrega da moção – moção está aqui, a moção está em
algum lugar aqui –, eles não vão, e aí eu escrevo esse texto, que ninguém quis publicar, que era
chamado, a discussão dessa, “a festa dos excluídos”, falando da entrega do ________,
homenagem ao pré, 07 de maio de 96. Perdeu só quem não foi.
Fita 2 Lado A
(...)
NILTON JUNIOR – Eu tenho mais de 20 fitas dessas, do pré-vestibular, eu tenho reunião de
seminário, conselho geral eu acho que foi gravado, pode ser que... Ouvir pelo menos para ver que
material que tem, entendeu? Bom, a décima assembléia: “são de péssima qualidade”, tem uma
avaliação do Zeca. “Faltou cadeira para a plenária sentar, prazo para ______, ___ companheiros...
reflexão...”, é na décima assembléia que o meu texto é apontado. (...) Então, essa é a assembléia
da Rocinha. Que foi na assembléia da Rocinha que a gente saiu quase escoltado de lá, Zeca,
Alexandre ___________. Essa é décima segunda aonde? Em Caxias já. Então a décima primeira é
realmente em Nova Iguaçu. É uma assembléia... Essa é a décima segunda __________. Aqui é
reuno de conselho,o é? Carta de princípios, seminário na Pavuna, deixa eu ver se tem
_______, oitava assembléia, __________ décima quinta também o há. A vigésima. Bom, esses
grupos, por exemplo, _______________ mas aí trazer para uma assembléia em Santa Cruz
560
_____________ era uma igreja que o Davi tinha uma entrada ótima, então eles dão uma
lembrancinha da assembléia o texto que o Davi... Então, nisso aqui, apesar de __________ esse
atrelamento, esse aparelhamento mesmo. Das duas coisas, porque é católico... Isso aqui é da
secretaria de conselho já.
RENATO Me fala uma coisa. Até hoje esse negócio para mim é muito mal, eu ainda o
consegui assimilar bem que é... Primeiro, a tomada de decisão para a criação do primeiro pré foi
da APN aqui no Rio. Esse grupo da APN...
NILTON JUNIOR – Apesar de ter a bolsa no Rio, da PUC São Paulo...
RENATO – As provocações...
NILTON JUNIOR – Foi uma decisão da APN do Rio.
RENATO – Mas foi uma decisão daqui. E o histórico que estava na pagina do PVNC, e eu
acho que é o que está exatamente na carta de princípios, chamaram Alexandre Nascimento,
Luciano, Zeferino...”. Eu acho que foi incorporado. Fala que chamou esses três. Como é que é
essa coisa de chamar esses três. Da onde eles vêm, por que?
(...)
NILTON JUNIOR – O pré Caxias, Metodista já tinham brigado, já estavam na _____, mas
estava numa crise danada. Acho que foram uns quatros meses para funcionar o pré. E é obvio, o
Zeca estava acabando o curso dele de pedagogia. E aí o que a gente estimulou é que ele
trabalhasse lá, ele morava lá em Caxias, que ele trabalhasse no pré da ______, para reativar a
_____. Ele vai para lá com Cecília, com Leila, e com Djair e por fim eles conseguem ativar a
_____ e o pré da ______ se tornou uma grande referência, o PVNC depois de um tempo era um
pré de grande discussão das decisões coletivas. Agora, o Juca eu conheço essa história do Juca: de
alguém que tinha sido candidato a vice-prefeito pelo PT, coordenação do GRUCON, pelo
município de São João de Meriti, da regional ali. Mas que efetivamente a gente só teve
conhecimento do Juca no pré-vestibular quando funda o pré ABM, que ele tinha o contato com o
pessoal da ABM, ele vai para fundar o pré da ABM.
RENATO – Como o Juca veio parar lá, isso...
NILTON JUNIOR – Eu creio, aí é uma pura fantasia aqui, em função dessa questão da Fezinha,
o GRUCON sempre foi, o GRUCON era uma organização católica, a Fezinha é metodista
católica, eles tinham um trabalho para a APN, então, provavelmente o Juca circulava. Agora essa
é realmente uma informação que você teria que checar com e, eu tenho mesmo.
RENATO – O Zeca então quando ele foi se integrar ao...
NILTON JUNIOR – Finalzinho de 95.
RENATOFinalzinho de 95. Ele estava se inserindo na potica ali, ou ele já tinha inserção na
potica local?
NILTON JUNIOR – Eu acho que ele tinha, tentava fazer uma paquera com o PT de Caxias.
RENATO – E a relação dele com o Frei Davi?
NILTON JUNIOR Isso é depois. Muito tempo depois. Posterior, que eu saiba é. O Zeca era
tesoureiro de uma empresa, da construção civil, uma empresa da construção civil. E a mulher dele
tinha uma escola em Caxias, a Miriam tinha uma escola. E aí o Zeca começa com um grupo
grande do PVNC, apaixonadíssimo pelo PVNC, começa a fazer tudo em função do PVNC
inclusive o trabalho comum. Então começa a usar a impressora da empresa para o PVNC, o
telefone, então era assim. Um dia ele falou “meu patrão não reclama porque às vezes eu faço 10,
15 ligações para o PVNC por dia lá na tesouraria”. Até que um belo dia mandou ele ir embora.
Ele ficou desempregado. Eu disse isso para ele “é ruim para todo mundo”. Eu disse para a Leila
que eu acho que o PVNC é um movimento popular, e o movimento popular não pode aniquilar as
nossas vidas. A Leila está a sete anos no PVNC como coordenadora do núcleo. Doida para fazer
faculdade, mas não passa. Não passa porque não assiste aula, não estuda. Porque vive PVNC, a
gente vivia PVNC. Era uma maluquice. _______ não vai poder, não é, mas Alexandre, Antonio,
Zeca, Marcos da PJ, que era um dos coordenadores da PJ de Caxias, da Matriz, Geane. A gente
vivia PVNC, era, as reuniões regulares eram as reuniões por fora de articulação. No botequim, na
casa de alguém, “vamos para Petpolis para a casa do Zaferino”, a gente ia para Petrópolis,
561
passava o dia na casa do Zeferino. “Como vamos fazer?”, articulando “n” questões. E o Zeca é
mandado embora e ficou desempregado, já formado em pedagogia. A mulher eu acho que quis dar
um cheque-mate nele, ele desempregado e ele colocando o dinheiro dele para pré. Dinheiro. Eu
cansava de comer na casa do Zeca. No momento eu estava até empregado. O Juca desempregado
e o Zeca. Então a gente comprava tudo: passagem, comida, cerveja, tudo., eu fiquei
desempregado. o Zeca “vamos marcar um almoço para a gente conversar”, aí eu “não, Zeca,
almoço eu não vou não cara. Não tenho dinheiro para almoço”, “vamos sim, eu pago”., ia e
bancava com o dinheiro dele. Isso vai dar numa crise, e aí é o que eu digo, as pessoas na época
quase colocaram o Juca na cruz porque ele aceitou um cargo lá do governo César Maia. E entra
para o PFL efetivamente, se filia ao PFL, mas o que o pessoal não sabe é que ele comia a nossas
custas. Passava fome. Não é passar fome, mas também não é comer a nossas custas e tudo mais.
Mas era, assim, um cara que não tinha dinheiro para sair para tomar uma cerveja, comer um
sanduíche, para almoçar. Se tivesse que almoçar era assim “marca reunião ou de manhã ou à
tarde, porque no almoço eu vou ficar em casa. Em casa eu tenho comida. Mas eu não tenho para
sair, para almoçar em restaurante para sair para pagar um frango a passarinho, não tenho”.
Enquanto estava eu, Zeca e ele, não tem problema, sem vergonha. Mas às vezes ficou
constrangido por causa disso. Eu entendo um pouco essa posição nesse sentido. E eu acho que o
Zeca nesse momento se aproxima do CEAP, eu acho que mais em função do Sergio Martins.
Porque eu não me lembro como também era essa relação com o Sergio. Eu sei que o Sergio
aparece em algum momento, a gente vai a defesa de mestrado, como eu te falei lá, conversamos
com ele. E aí eu acho que ele se aproxima do CEAP nesse momento, que está desempregado, e aí
o Ivanir como era candidato em oposição ao Marcelo Dias, eu sempre digo isso do Ivanir, que a
relação dentro do PT do Ivanir tinha um mérito razoável, eu sempre digo isso. Então o problema é
você embarcar e dividir o mesmo segmento. E brigam por isso. Sempre deviam dar um passo em
uma direção contrária um ao outro. Nunca se elegeram, O Ivanir nunca se elege porque sempre
teve briga com mesmo segmento do Marcelo Dias. O Zeca entra na campanha do Ivanir e aí o
depois entra na campanha do ____, e aí chega... Isso em 96 _______, é em 96 que sai a candidato
a vice-prefeito, depois deputado estadual, e disputa com o Marcelo em 98, a deputado estadual. É
quando eu acho que Zeca entra na campanha mesmo do Ivanir, em 98. Eu estava na campanha da
Jurema, eu estava na campanha da Jurema e em 98 ela se elege a deputada estadual, e o Ivanir e o
Marcelo ficam. Então eu acho que a aproximação do Zeca com o CEAP se dá em função disso,
em função das campanhas, dos conflitos do Sérgio de financiamento de alguns projetos...
RENATO – Mas o Zeca, então, no momento que ele se...
NILTON JUNIOR – Não, não tem relação com o Davi não. E nem ninguém do pré tinha.
RENATO – Em termos políticos o Zeca não estava atuando no PVNC.
NILTON JUNIOR – Não, que eu lembre não. O Zeca ele fica o tempo todo no PVNC, se dedica
igual a mim e ao Alexandre integralmente ao PVNC. Alexandre também não tem nenhuma outra
atividade potica, social fora ao PVNC.
RENATO – Tinha antes ao PVNC.
NILTON JUNIOR – É, tinha antes, como eu. Eu também abro mão. Eu era da Agbara, eu era da
coordenação do Agbara do Rio. E aí eu decidi abrir mão. Eu ia ao Agbara para me divertir, ir ao
terreirão tomar uma cerveja, escutar música. Mas eu largo o Agbara, largo o PT de Oswaldo Cruz,
a coordenação, e vou assumir só o PVNC. Realmente era uma coisa, assim, que a gente acreditava
que tinha a ver, e gostava de ter gente mesmo se dedicando. Era eu, Zeca, Juca... Aí o Juca passa
também para a articulação mais geral do PVNC. Ele fica no pré. Aí ele me propõe em 98 a
fundação do GRUCON – em 98 ou 97? Acho que 97. A fundação do pré GRUCON lá em Vilar
dos Teles, como é o nome do lugar? Em Íris, na escola Francisco Geremias. Ele me chama e fala
“Júnior,s vamos fundar um pré, no GRUCON,s vamos fundar o pré. A gente queria que
você desse aula e ficasse ajudando a gente na coordenação”. Aí eu passo para a coordenação do
pré GRUCON. Eu já estava rachado com o Davi, dava aula no pré de Nova Campinas, com a
Geane. Aí eu passo a coordenar o pré GRUCON junto com o Juca. É complicado também em
determinado momento pelos interesses do GRUCON. Não tanto igual os APN, mas... E aí tem um
momento que o GRUCON sai também, e deixa eu e o Juca sozinhos. Mas eles, agora, a trajetória
deles é interessante pensar. A minha trajetória é essa que eu te falei: eu chego lá convidado, não
562
conhecia nada. Eu chego lá convidado pelo ______ para dar aula. Só para isso. Só que eu sempre
digo, gente, ir ao PVNC – aqui deve ter uma assembléia, umas anotações minhasir ao PVNC e
não se encantar com aquilo lá era muito difícil na época. A bolsa do serviço social da PUC, a
primeira bolsa, o nome dos alunos todos e de qual pré eles eram. Está vendo? Eram 28. Alguém
aqui independente, mas o nome está em algum lugar, e os prés. O CRAC aqui é o Coelho da
Rocha. APN tem muita gente, Matriz, PJ, Caxias. Esses são os, eu digo, inclusive, isso, sobre a
centralidade do Salão Quilombo do pré-vestibular. Se você pegar aqueles cinco informativos e
as reuniões, é o informativo 1, 4, 5, 6 e 6 e o informativo 9, todas as reuniões são no Salão
Quilombo. A sede simbólica, porque oficial o podia, a questão simbólica do pré-vestibular era o
Salão Quilombo, era a sede do PVNC, o Salão Quilombo. E aí era muito bom para a APN.
Primeiro porque reativava, tinha um funcionamento. Porque eles tinham uma reunião na quinta-
feira à noite, só. Mas ter reuniões periódicas, por semana, sábado, fim de semana, era mostrar que
o espaço tinha utilidade. Bolsista da _____, junho de 95. A _____ também deu algumas bolsas.
Inclusive é letra do Davi: isenção de inscrição – entraram 28. Isenção da Estácio. Presença na
segunda, terceira, quinta, oitava assembléia. Fora os prés que estavam, e quantas pessoas que
estavam de cada pré. Aí vovê qual era o pré: Taquara: 1; Pilar: 1; Anchieta e Petrópolis – eu
não devo ter conseguido identificar isso. Aqui tem mais das assembias. Esse é um levantamento
da Solange, por isso que eu passei para cá. Ah não, minto: esse é um levantamento meu do pré
Matriz. Quantas mulheres negras, mulheres brancas, homem branco, homem negro, quanto
indefinido, quantos com segundo grau. Quais os bairros que essas pessoas estão, qual a idade...
Esse é um levantamento meu, porque a Solange também fez. Tem muito material para ler, para ler
e para tentar fazer esse levantamento, não é? Eu não tenho muita informação da vida deles, assim,
de como cada um chegou. São essas informações gerais que eu tenho aqui.
RENATO – Agora, você então participou primeiro do pré Matriz...
NILTON JUNIOR– Do pré Matriz. O pré ABM deve ser de março ou abril de 94, que é o
segundo pré, não é. Em algum lugar também, era isso aqui, colocando os pres em ordem de
fundação.
RENATO – Você tem isso aí?
NILTON JUNIOR – Tenho. Em algum lugar, uma anotação minha. Acho que uma anotação
minha. Dá para achar nos documentos todos. Estão todos os prés em ordem. Teve um seminário
que eu apresentei no pré também. Aí eu dava aula de literatura, ______ literatura, eu sempre digo
isso. Isso é a minha defesa da comissão, essa é a minha defesa. No dia que eu fui para provar
várias outras coisas do Davi. O Zeca ficava maluco comigo “não, não”. “Não, vamos, vocês
querem fazer um troço desses, vamos lá. Tem mais coisas do Davi”. Aí comecei. Primeiro, o Davi
num texto me desqualifica. , eu vou lá: “membro oficial do partido desde 84, fundador do
movimento ____ de Oswaldo Cruz, integrante do _________ em 91, coordenador do primeiro
seminário sobre o samba, jurado no primeiro festival de _______ em Belford Roxo”. E aí eu
começo a fazer o meu histórico. O Davi não pode me desqualificar como alguém que chegou no
PVNC. Eu não tenho. A minha história não é de pré-vestibular. Olha, jurado no 13º _____ da
beleza negra. Eu tenho alguma coisa fora do PVNC. E ele tentou me desqualificar em cima disso:
quem é esse cara que chegou agora no PVNC? Começou a atuar no PVNC e já vem falar?”. Aí
depois eu falei um pouco sobre essa questão das igrejas católicas e não-sei-o-que, e aí ampliação
de provas. Eu esqueci de botar como foi... Jornal O Dia de 28/02/94. Cita quatro prés, todos
parecendo católicos, onde a igreja apenas cedeu espaço. Se você lê o jornal, o jornal diz o
seguinte: os prés das igrejas católicas... As igrejas cederam o espaço.
RENATO – Você tem esse jornal ainda?
NILTON JUNIOR – Tenho, tenho. Eu só disse coisa que eu podia provar.
RENATO – 28 de fevereiro de 94 cita quatro prés já.
NILTON JUNIOR – Cita quatro prés em fevereiro de 94. Vamos ver se ele cita os prés. Vamos
ver. Olha, 28 de fevereiro, é esse. “Também igreja Aparecida de Nilópolis, ______, na
comunidade católica de Pilar, na igreja Metodista de Caxias, e na creche das irmãs franciscanas da
Prainha”, que é o que foi virar pré Santa Clara. Então já tinham esses quatro em fevereiro de 94. É
mesmo. Interessante.
563
RENATO Agora vofalou que o impulso para criar foi depois da inscrição dos 716, foi no
início de fevereiro?
NILTON JUNIOR Vamos ver se tem aqui. É, mas tinha inscrão, olha: “além de
coordenado pelo Frei Davi, que este ano foi ampliado para 150 vagas – eram 120 anos – e teve
uma procura de mais de 680 jovens – em fevereiro já tinha esse número, só que tentaram criar –
nosso curso... O curso alternativo tem aula de pré voltado esse ano também pelas igrejas”. Eu
acho que antes de fevereiro ainda já tinha um número grande de inscrição, não me lembro. E não
tenho. Esse artigo aqui é de março de 94. Tem que dar uma lida calma. Porque tem artigo que eu
não tenho, mesmo dessa época, entendeu? Eu acho interessante dar uma mapeada nos artigos da
época. O que eu tenho é esses... Mas você vê, em fevereiro a gente já tinha mais de 680 jovens
inscritos em fevereiro. E aí esses quatro prés que já estão fundados. Agora, é engraçado porque
cita o ABM. Que é, para mim sempre foi o segundo pré.
RENATO – O depoimento que o Frei Davi me deu ele também chegou a falar isso.
NILTON JUNIOR – Mas é sim, o segundo pré.
RENATOQue ele inclusive chegou a pegar um grupo que o Juca não queria abrir – parece. Ele
fala isso. E aí ele pegou um pessoal que queria se inscrever, mas já não tinha mais vagas, e
chamou o Juca, e colocou o pessoal falando “a gente quer vaga” na frente do Juca. E falou que
o Juca teve dificuldade para conseguir espaço e tal, e até que conseguiu a ABM.
NILTON JUNIOR – Junto com Orlando Junior, que hoje é diretor da FASE. O Orlando era
professor também.
RENATO – Mas ele estava naquele momento da criação?
NILTON JUNIOR – Não sei se estava não. Ele era professor. Eu não acompanhei a criação do
pré da ABM. Eu nem me dava com o Juca, o Juca não era uma pessoa como o Zeca...
RENATO – O Juca não era amigo do Orlando Junior?
NILTON JUNIOR – Era, eu acho que era. Do Orlando era. Eu acho que era sim. O Junior deu
aula no pré logo no início, para as primeiras turmas. Ele era sim. O Juca dava aula de cultura e
cidadania, coordenava... E o pré da ABM eu não acompanhei. Abril, artigo de abril no jornal de
hoje, lá da Baixada, aí “a repercussão do curso se espalhou por toda região, criando quando as
inscrições se abriram com 150 vagas, tendo 716 inscritos. Frei Davi foi obrigado a fazer uma
seleção que abordou os seguintes critérios (...) essa situação provocou o nascimento de novos prés
vestibulares na Baixada, no Rio de Janeiro e Petrópolis com a mesma filosofia, na favela da
Rocinha, na Gamboa... Além de Itaboraí e Petrópolis, Duque de Caxias, Coelho da Rocha e
Éden”.
RENATO – Então quer dizer que nesse momento, fevereiro, março...
NILTON JUNIOR – Foi um momento fundamental do pré de abrir novos, novas frentes...
Colégio Martin Luter King. Eu não sei que colégio é esse. Agora, agora me pegou essa coisa
desse artigo porque eu estou... O boom é em fuão desse artigo aqui do jornal de abril, que diz
isso, mas não é verdade, o boom é em função desse número de inscritos. Pelo menos eu diria isso
para você do ponto de vista antropológico, é a razão prática. É explicação prática da coisa. Que
pode haver um projeto oculto de disseminar, de espalhar a proposta, e aí isso é ótimo. Ele tem
muita gente e coitado desses alunos, e aí vamos jogar isso para outros grupos. E isso você
percebe, pelo menos o jornal diz, que são grupos que seriam próximos à igreja: igreja de N. S. da
Aparecida, _______, comunidade católica de Pilares, que é aquela do padre Geraldo – não aquela
é do Domingues... Não, aquilo não é Pilares não, aquilo é Pilar, não deve ser Pilares não. A igreja
Metodista de Duque de Caxias, que é o Caxias, e na creche das irmãs franciscanas na favela da
Prainha, que sai de lá logo em seguida e vem para o CIEP, perto do Grande Rio, que é o que eu
digo que é o da Ana, que vira pré Santa Clara. Mas são prés muito fácil de articular com o Davi.
Ou é católico ou é metodista.
RENATO – Você não acha que... De qualquer forma, é fácil articular para ele isso, mas ele
conseguiu num mês e meio abrir quatro prés. Como é que o Davi abria um pré? Quais são os
passos? Primeiro, articular um lugar, uma referência de lugar, uma igreja, por exemplo, uma
igreja dessas onde tem algum padre, alguém lá ligado a ele. Esse é o primeiro passo. Segundo,
essa pessoa, ou ele mesmo, articular um grupo de pessoas para coordenar o pré. Terceiro, juntar
um grupo de professores...
564
NILTON JUNIOR – Esse que é, a única questão é essa.
RENATO Que é o mais, talvez, o nó _____ do negócio. E quarto é organizar o processo de
chamada das pessoas e de seleção dos alunos. Por exemplo, e para esses quatro passos
acontecerem, quer dizer, tem um T
o
aqui que é o que? Que é o cara, no caso o Davi, ter um estalo:
“tenho que abrir novas frentes”. Entre ele ter esse estalo, a gente localiza esse momento dessas
716 inscritos como sendo esse T
o
, esse estalo, e isso aqui levar um mês e meio. Eu não sei, mas eu
acho que é uma velocidade muito grande.
NILTON JUNIOR Eu concordo com você. E agora eu me toquei quando eu falei da razão
prática, que eu acho realmente que é realmente uma explicação de razão prática, os 716. Eu acho
que já podia ter andamento. Mas uma realidade concreta era que os prés, os núcleos abriam sem
professores. Então todos os informativos, as assembias, vo vai ver, os informativos “ah, o
tem professor de matemática, física e química”.
RENATO E tem uma outra questão também, que você mesmo colocou para mim, quer dizer, o
Davi não criou uma estrutura organizacional, institucionalmente organizada dura, desde o início,
ele levou anos, porque ele não tinha base social. Duas coisas: base social, e segundo, controle da
base existente. Primeiro ele tinha que criar uma base social, para isso ele chamou essas outras
pessoas. Foi aglutinando o Alexandre, o Luciano, Antonio Dourado, depois veio o Juca, você,
pessoas que iam articulando para criar essa base social, que ele de início pelo visto não tinha a
capacidade de construir sozinho. Segundo ele não tinha o controle sobre essa base. Então, ele
levou cinco anos ou até um pouco mais, porque a Educafro começou no final de 97 em São Paulo.
Em 98 nada, em 99 começa aqui no Rio, e ele com aquele discurso de que a Educafro em São
Paulo trabalhava...
NILTON JUNIOR – 97 é?
RENATO – Final de 97. Em 99 ele tinha um discurso de que em São Paulo a Educafro
trabalhava, esse discurso na frente do pessoal do PVNC. Quando era atrás do pessoal do PVNC
ele falava que aqui no Rio começou PVNC e agora é Educafro. Mas quando tinha alguém do
PVNC na frente dele ele falava que a Educafro em São Paulo era pré-vestibular e no Rio era com
s-vestibular, como articulação de bolsas etc.
NILTON JUNIOR – Ele chegou a dizer no Rio é PVNC e em São Paulo é Educafro.
RENATO – Depende de quem está ouvindo ele fala uma coisa ou outra.
NILTON JUNIOR – Em cada lugar tem nomes diferentes.
RENATO Até em 99 ele começa a articular núcleos aqui no Rio, fazer algumas reuniões em
torno da Educafro sobre a questão das bolsas. Quer dizer, essa trajetória dele até a criação da
Educafro mostra, por exemplo, eu como observador, vejo ele como alguém que tem uma
capacidade evidentemente de articulação, mas que não é tão grande a ponto de ele conseguir em
dois meses tal estágio de articular esses locais. Uma parte da resposta para isso você já me
fornece. Quer dizer, esses locais aparecem pela notícia de jornal como sendo prés estritamente
vinculados a igreja, mas na realidade não eram. Quer dizer, isso aí é uma parte da resposta. Por
exemplo, não foi só ele que articulou isso tudo. Agora, tem aí uma...
NILTON JUNIOR – Tem uma forte componente eclesial nesses prés. Se eu pensar, por exemplo,
se eu pensar nesses quatro especificamente – mas eu vou querer fugir dessa proposta minha
porque senão parece que eu estou ______. Nossa Senhora Aparecida é o Pré _____, para onde ele
vai depois. Era o APN, os APN iniciais de São João, porque era São João e Nilópolis a articulação
dele. Tanto é que ele é transferido para a igreja Nilópolis, e os APN passam a ter articulação em
Nilópolis. Essa de Pilares aqui que eu estou invocado. Isso não é Pilares, Pilares emenda Rio de
Janeiro, eu acho que isso é Pilar, é o Pré Pilar, que também é um padre APN. A igreja Metodista
eu creio que essa igreja, essa articulação seja ecumênica.
RENATO – O GRENI?
NILTON JUNIOR – É. E essas irmãs franciscanas é o Sergio Max, esse eu te falei, um dos
líderes dos APN de São João, é ele que coordena esse pré. Quando eles têm um problema lá em
______, porque eu acho que era aqui era uma favela, a creche tem um problema, ele traz para a
comunidade Santa Clara da Ana. Então, eles tinham, essa articulação aqui, essa metástase do pré
era uma metástase de gente do Davi. Agora, eu concordo com você que fica muito por um lado a
razão prática, muito, assim, limitado a idéia de que somente os 716 inscritos estimularam o boom
565
do pré. Eu acho que realmente isso aqui é a razão prática da coisa. É o seguinte: há a formação a
partir dos APN... Tem hora que me soa mal isso: os APN pensaram o pré-vestibular pensando
em espalhar a idéia pela Baixada. Tem hora que me soa (isso pode ficar gravado, não tem
problema) que ele não tem essa competência potica. Eu diria isso para ele com tranqüilidade. Eu
acho que alguns têm. Essas, pelo menos, essas lideranças: Sergio Max, Ana, Davi, pode ser que
ele tivesse um pouco com esse desenho. Ou como espalhar isso, espalhando... Porque não é
maquiavélico, não é aquela coisa: “vamos sentar e vamos ver como a gente sobrevive, como a
gente interfere na discussão na sociedade”. Ele sempre disse que queria uma universidade negra,
fosse Rio ou São Paulo. Umas coisas lá, volta e meia, mas ele sempre diz: “universidade negra,
uma ONG negra” e não-sei-o-que. Eu acho que tem essa questão, a questão bem APN, ligada aos
APN. Só que essa articulação imediata, por exemplo, ABM, ABM é o Juca que vai fazer
articulação. E os prés eram fundados de maneira extremamente carente. E aconteciam realmente,
era um femeno, eu acho que isso era um femeno. Não estou tentando me explicar não porque
eu estou convencido que a questão fosse levada por uma questão extremamente pertinente. Mas
era um fenômeno de prés vestibulares que foram fundados em duas semanas. Conseguia juntar
umas três ou quatro pessoas, três ou quatro pessoas, faz com que tem para acontecer. Eu acho
que tinha três pessoas só com o Davi. Eu acho que uma das assembléias, uma das decisões que o
Davi discordou no coletivo, inclusive, que foi mais um motivo de briga, é que o pré tinha decidido
antes do conselho, em assembléia, não fundar mais pré sem que fosse autorizado porque estava
uma coisa fora do controle. E o Davi continuou fundando pré. Ele é questionado e ele responde
isso por escrito: “a minha função é essa: fundar prés”. Até que o conselho geral decide aquelas
regras. Porque o texto “como se abre uma frente” tem três versões o texto. Esse texto tem três
veres.
RENATO – Você tem uma.
NILTON JUNIOR – Não, são três veres. Essa, essa e essa.
RENATO – São diferentes.
NILTON JUNIOR – São textos diferentes.Como se abre uma frente” versão 96, 95 e a original,
93. Algumas coisas perpassam iguais.
RENATO – De 94 já a original.
NILTON JUNIOR – É, 94. Muita coisa se você for ver está batendo. Quem financia... Mas às
vezes mudaas para mim, eu acho, fundamentais nesse texto, mudaa, por exemplo, se você vai
em “quem financia, tem coisas, assim, muito sutil. Aqui, assim, olha: “quem financia”, aí,
acrescenta às vezes uma coisinha ou outra, aí acrescenta isso aqui olha: “não necessita fazer
campanha financeira entre seus... Nem projetos para o exterior”. Essa versão de 95, a de 94 não
tem isso. A de 96 não sei. “Não necessita fazer campanha financeira e nem projeto para o
exterior”: mantém. O final às vezes muda para alguma coisa. O balanço de 93 e 94 é do pré
Rocinha. “Como abrir uma frente” também muda uma coisinha ou outra se você for ler os três
textos. Está batendo. Então, isso é interessante, isso vai mudando conforme a configuração interna
do pré, conforme a discussão potica, conforme os danos e perdas de determinados grupos. E
como se abre uma frente”, o Davi era decidido: abre do jeito que tem. Sem professores às vezes.
Sem professor. Olha: “perspectivas para 94: ampliamos nossa experiência de 100 para 150 vagas
e abrimos inscrições. Ao fecharmos as inscrições no dia 18/002/94 tínhamos 716 pessoas
inscritas. Frente a essa grande procura começas a animar o restante de outras experiências”. Ele
próprio um pouco explica por aí. Eu acho que pode ser razão prática mesmo. Centro comunitário
da Prainha, comunidade de N.S. da Aparecida, centro comunitário Metodista, federação ABM,
Pastoral da Juventude e centro comunitário Metodista da Rocinha. Isso tudo a médio prazo. Pré-
vestibular de Oswaldo Cruz, que não se configurou como PVNC. Gamboa, foi PVNC, e depois
passou para o IPCN. O pré Gamboa passou para IPCN, depois...
RENATO – Esses prés sempre foram complicados.
NILTON JUNIOR – Sempre. E o pré, o CRAC, que é o Coelho da Rocha. , 48 professores
para sete efetivamente núcleos. Eu não consigo, não considero isso como um estudo. Existiam 48
candidatos a professor...
RENATO – Tem data isso, não?
566
NILTON JUNIOR – Não. Mas é o “perspectivas para 94”. É logo no início de 94. Esse texto
foi usado, eu acho que esse texto já foi usado na seleção de 94.
RENATO – Ele apóia as decisões de 94.
NILTON JUNIOR – É.
RENATO – O que você ia falar de 716 aí?
NILTON JUNIOR – Para a seleção de outros núcleos. Por que o que acontece? O pré Matriz se
arrogou como o grande núcleo coordenador, como... E a gente ia lá fazer isso. Nós, que éramos
eu, Alexandre... A gente tem que dar a linha nos outroscleos. Na época a gente não era “outros
núcleos”, nós falávamos “outros prés”. A gente tem que dar a linha porque senão daqui a pouco
vai ter várias experiências completamente diferentes dizendo que e Pré-Vestibular para Negros e
Carentes. E aí a gente meio que tentou dar a linha. Esse texto, o objetivo deste texto era esse.
Bastava problematizar na carta de princípios. “A inscrição vai ter a leitura do texto do que é o pré-
vestibular”...
RENATO – Então, espera aí. Isso que você está me dizendo é um negócio, isso foi uma das
coisas interessantes daquele e-mail que você me mandou, mas que agora você está me falando
uma coisa que é diferente. Você fala lá que o sentido de movimento, a consciência de movimento
ela nasceu a partir de não sei de qual, acho que no final de 94, quando o pessoal olha e vê que tem
um monte de experiência. Quando você coloca isso você está me dizendo que teve a partir desse
momento já, quando começa a aparecer, já existe um desejo, uma idéia de replicação dessa
experiência em outros lugares, no caso, também...
NILTON JUNIOR Um pouco de controle...
RENATO – Um pouco de controle...
NILTON JUNIOR – Não só de ampliar, mas de controlar um pouco. Eu acho que há uma idéia
de controle. Esse texto, eu acho que esse texto é fácil para isso. Mas há uma idéia de não que eles
todos sejam uma coisa só.
RENATO –... Pegava o controle, a “normalização”, a retificação de um modelo fechado, puro,
com um controle que não se adequa a isso, não abre... Existe um outro que o Davi encabeçava que
era a coisa provoca _______, bem espontaneista, bem, vai sem amarração...
NILTON JUNIOR – Inclusive eu digo isso. Essa versão já é pós a assembléia do conselho geral.
Não existe conselho geral. Porque você vai ver na última parte aqui, olha, o “quarto passo”. E não
existia “quarto passo” nessa fundação. Quando você abre uma frente, só existia dois aqui, aqui
passou para três, aqui quatro. Elegia duas pessoas do núcleo para fazer parte do conselho geral.
existe, mas ainda se insiste na iia de que o pré é totalmente autônomo, entendeu? Você vai ver
aqui em algum lugar... Olha: “cada frente está organizada – ainda não se chamava de núcleo –
está organizada de maneira diferente no que se refere ao ______ (...) Cada Pré-Vestibular para
Negros e Carentes que está nascendo é totalmente autônomo”, tem vida própria, tem direção
própria, e a assembléia era chamada de articulação. Mas já existia o conselho, que na verdade
tinha definido inclusive a quantidade para bolsa de estudo, que não estava na carta de princípios.
Não existia a carta, mas as regras da carta já existiam. Então, “como abre uma frente” tem que
pedir assentamento ao conselho, tem que ter um tempo de experiência, que é uma discussão
também longa: não ou não tem. Mas já existe essa figura. Mas ainda se insiste na idéia de que é
totalmente autônomo, tem vida própria. É o que eu sempre disse. Não é totalmente autônomo se
eu tenho a figura do conselho geral, que já é uma instância de coordenação do movimento. Não é
mais coordenação de idéias da assembléia, ou também não é mais a junção de pessoas de espaços
diferentes. Já é movimento, já tem idéia de movimento. É nesse tipo que eu digo que num
primeiro momento há uma idéia sempre de tentar amarrar coisas, amarrar coisas que não dá para
ser a la vonté. Até porque eu acho que nessa época já se percebe, membros de prés, olha, aqui
são mais de três, olha: centro comunitário da Prainha era a tal da creche das irmãs franciscanas.
Comunidade da N.S. Aparecida é a ______. Federação da ABM, Juca, Pastoral da Juventude da
periferia de Caxias, é da Catedral ainda, e o centro comunitário Metodista da Rocinha. Então,
ainda é uma articulação muito eclesial. Então, há uma idéia de formar um texto que tenha um
mínimo de referência para ter um mínimo de identidade comum. O primeiro seminário você vai
ver, muito engraçado a pauta do seminário. É um seminário eminentemente pedagógico, a
preocupação é se vai ter apostila comum, se vai ter simuladão comum...
567
RENATO – O primeiro seminário que você fala é o que virou a primeira assembléia?
NILTON JUNIOR – É a primeira assembléia, de junho de 94. É eminentemente pedagógica. Ela
não discute nada, nada de movimento, nada de... Mas vai discutir simuladão, apostila única. Tinha
um pouco de querer uma apostila para todos os núcleos, tinha gente que propunha isso. Tinha
simuladão para todos os núcleos. Sei lá dez núcleos, doze núcleos, era moleza. Mas a percepção
deste texto na mudança desse texto é uma coisa interessante. Você vai perceber o que entra, e por
que entra em algum momento em 95 e em 96. Agora, eu acho que mais tarde é a visão, a
percepção de um movimento como movimento popular mesmo, como movimento social, é
formado um pouco mais tarde: “bom, então, a gente tem condição de ser um movimento popular.
o somos maisrios...”.
RENATO – Essa percepção você acha que nasce quando?
NILTON JUNIOR – Eu acho que um pouco na terceira assembléia.
RENATO – De 94?
NILTON JUNIOR – 94. Um pouco na terceira. Até teria que dar uma lida na ata. Interessante
isso. Eu não pensei assim tão detalhadamente isso, mas tem a ata aí da assembia. A gente da
uma olhada na ata da assembléia, da terceira, mas eu acho que um pouco... Essa é a segunda na
ABM, olha, a segunda foi na ABM realmente: 03/07, menos de um mês da primeira.
RENATO – A primeira foi ________.
NILTON JUNIOR É. Aí, foi a segunda assembia. Aí que é criado o Azania, o informativo, é
o informativo, carta aos universitários. A idéia era que candidatos...
RENATO – Para trazer para dar aula.
NILTON JUNIOR – Para trazer para dar aula. A idéia era essa: basicamente conseguir professor
que não tinha e criar uma assessoria dos prés, a equipe de reflexão pedagógica e a racial, que
ficou basicamente eu, Alexandre, o Juca. E aí vem a terceira: 28 do mês de agosto. Essa é 03/07,
28 de agosto a terceira assembléia. Eu acho que aqui começa a se pensar o pré enquanto
possibilidade de ser um movimento social. Aqui já tem jornal. Aqui é lançado o Azania, como
Quadro Negro. Aqui é lançado o Quadro Negro. Tem até uma parte assim: “parou a assembléia
para lançar...” fizeram uma lembrança aqui da história. Aqui: “parou-se para lançar o Azania
para o lançamento do jornal”. Foram distribuídos 60 exemplares para os prés que contribuem
com todo o dinheiro”. A próxima será realizada em tal lugar. Aí a quinta. Aí aqui já começa na
quinta assembléia. Novembro de 94 já começa o pensamento de unificação dos núcleos. Uma
inscrição que seja igual para todos os núcleos, um formulário igual. Aqui em algum lugar você vai
ver assim: ah, mas o pré tal não vai fazer isso. E podia. Nada fazia ele fazer nada em comum. É
como hoje também. Nada faz, o estatuto. Não há nada que amarre ele. Então, tem um lugar
que diz assim: “o pré São Mateus só aceitará pessoas que morem próximo a sua comunidade”.
Pronto. Essa é uma questão do pré São Mateus que a gente não tinha como intervir em nada. Eu
podia ir lá para tentar convencer. Por convencimento. Mas aqui começa, finalzinho de 94, começa
a percepção que os núcleos deviam ter uma identidade, pelo menos, um nimo de identidade
comum. Que alguns pontos fossem comuns nessa identidade. Agora, eu acho pertinente a sua
questão. Eu acho, inclusive, que você devia dar uma esquentada nessa discussão sobre esse, sobre
essa questão da formação realmente. É uma questão que você levanta extremamente pertinente.
Hoje, agora, eu percebi, inclusive, caí numa cilada antiantropológica. Eu ia dizer que são os 716, e
aí a gente começa a olhar documento e vê “espera aí, em duas semanas articular quatro prés?
Muito rápido. Esse pessoal devia estar pelo menos sobre aviso”. Aí eu poderia dizer, com calma a
gente poderia dizer, esses quatro são alguns já que são APN Matriz, os APN do grupo Matriz,
Sergio Max. Então, rapidamente o Davi... E o Davi ainda é muito ligeiro para isso. E é mesmo, e
acho que até hoje. Mas é muito ligeiro demais.
RENATOMas mesmo assim. A articulação da APN você mesmo estava me falando que esse
pessoal da APN não participava das reuniões do pré.
NILTON JUNIOR – Não.
RENATO – Só o Davi.
NILTON JUNIOR – É.
RENATO – Então, pelo menos o Davi ele tinha uma circulação aí bilateral. Isso para mim é um
dado importante. Quer dizer, ele estava no pré, mas ele não chegou no dia dos 716, ou no dia
568
seguinte ligou para cada um e em duas semanas articulou esses quatro, cinco prés. Ele já vinha
antes nas reuniões da APN levando as coisas, entendeu.
NILTON JUNIOR – Ana, Nádia... Eu posso até de dar, eu tenho o telefone da Grace, porque a
Grace tem articulação com esse povo todo. A Ana, a Nadia, o Sergio Max eu acho que não está
mais no Rio. Se você conseguisse encontrar Ana e Sergio no Rio, Nadia.
RENATO O Sergio Max também coordenou um dos prés no começo. Ele não está no Rio, ele
está aonde? Na Paraíba...
NILTON JUNIOR – Eu acho que ele, Sergio Max ______.
RENATO – Você acha ele?
NILTON JUNIOR – Olha, eu troco telefone por e-mail. É ele. Esse jornal o tem nada a ver
com o PVNC. Eu guardo porque... É um encontro que eles fizeram sobre questão racial. O Sergio
Max, coordenador da regional da Pastoral do Negro. Ele era um dos coordenadores regionais
junto com o Davi.
RENATO Uma outra coisa que me leva a pensar essa questão é quando eu olho para esses
caras, o Davi, o Alexandre ainda sei pouco dele. Desses outros também, Luciano, Antonio
Dourado. Desses daí eu ainda sei menos, não sei nada. Mas ao mesmo tempo o Alexandre, o Davi
e o Juca, que logo depois se integra, esses três caras não iam se envolver num negócio, investir
tanto num negocio sem pensar em algo que vá além daquele grupo de trinta alunos assistindo aula.
NILTON JUNIOR – Aqui é Nilópolis. Agosto de 94 já tinham 23 núcleos. Como foi... No jornal
está que em 94 tinham 23 núcleos.
RENATO – Nos meus registros não tem isso tudo não.
NILTON JUNIOR – Núcleo do ______, Vilar dos Teles, Colégio Martin Luter king, Éden. Aí
fala um pouco da entrevista, repito a história que todo mundo fala... Tudo bem, pode ser um
mero normalístico.
RENATO – É.
NILTON JUNIOR – São dados para olhar, pelo menos. Agora eu acho...
RENATO – Você está me entendendo?
NILTON JUNIOR – Estou entendendo. O Antonio eu não sei. Do Antonio eu conheço realmente
muito pouco a trajetória do Antonio. O que eu acho que devia fazer, e aí uma pessoa que pode te
ajudar muito é a Geane, se ela estiver disposta.
RENATO – A Geane?
NILTON JUNIOR – É. Porque a Geane estava lá em junho de 93, mesmo como aluna, mas ela
estava lá em 93. E ele fez todo o processo como aluno. Mas a Geane também é uma pessoa igual a
mim, ela não consegue entrar e ser só naquilo ali. Ela foi, imediatamente quando foi para a PUC
já abriu pré Nova Campina com a Simone, Lucimara, Evelin, Janaina...
RENATO A Simone também foi aluna na primeira turma?
NILTON JUNIOR – A Simone também foi aluna. Tem foto deles.
RENATO – De 93?
NILTON JUNIOR – Tem foto deles todos juntos.
Fita 2 lado B
NILTON JUNIOR O Marcio não, o Marcio eu acho que vem depois. _________ depois.
Marcio Flavio se formou depois da Geane, _______.
RENATO – Se transferiu para um monte de coisa e está fazendo geografia agora.
NILTON JUNIOR – Isso mesmo. Não, Simone e Geane, as duas são da primeira turma. Então,
eu acho que elas, seria legal bater um pouco essa informação de como era, quem era. Agora, eu
não sei se já havia uma percepção de grandiosidade deles. Eu vou ser honesto com você, eu não
consigo perceber isso. Não consegui perceber na época. Eu consegui perceber que era uma coisa
muito legal quando eu fui convidado...
RENATO – Nem no Davi e no Juca?
NILTON JUNIOR – Não. No Juca menos ainda, eu acho. Eu percebo mais no Alexandre e no
Davi. No Juca menos, eu acho que menos. Agora, eu acho que se havia no Davi essa questão, era
569
um pouco de arriscar, arriscar para ver onde que dá a questão. Não que ele tivesse todo planejando
assim. O Alexandre por sua vez, eu não sei, aí teria que ver realmente a trajetória desses
_________. Eu acho que isso a Geane pode te ajudar porque ele conviveu com eles. A Geane
ficava necessariamente porque como ela morava longe, ela necessariamente ela chegava lá às 8:00
horas para a aula e só saia às 6:00. Tinha muitos alunos que ia para cara almoçar, e ela ficava ali o
tempo todo. Ela não tinha como de voltar. Então, ela viu muita coisa, ela experimentou muita
coisa ali. E o Davi estimulou ela a abrir Nova Campinas. Ela entrou na PUC e abriu o Nova
Campinas. O pré Nova Campinas foi a primeira ______ do pré. Foi, sei lá, quase em 94. Então,
um dos primeiros também, estimulado pelo Davi. Porque o Davi se reunia com os alunos da PUC,
aquela primeira turma. Davi, Alexandre, ______. Agora, eu acho que há mais um projeto APN.
Isso teria que ver. Não de grandiosidade, mas de possibilidade: se essa experiência der certo, se
isso der certo, a gente espalha. Como deu, pelo número de inscrição, então a gente tem aqui uma
razão prática para poder agora espalhar. Agora, eu não acho, e aí, é um risco que eu estou
correndo, não acho que o Alexandre teria muito essa perspectiva não.o sei. Eu não participei
das reuniões de coordenação. Eu entrei como professor, eu participava das reuniões de
professores. Eu fui participar das reuniões de professores lá para abril. Em março foi a reunião de
coordenação, _______ como professor. Aí, eu não via no Alexandre isso não. Tanto é que quem
fez a divulgação, quem fez essa metástase toda foi o Davi. Isso foi o Davi. Ele não ficava no pré,
ele pegava o carro e ia visitar _____, visitar ________. Isso ele fez mesmo. A articulação para
esses núcleos estourarem e para o pré se espalhar foi do Davi. Pessoal inclusive, não tinha muito
APN não, ele ia mesmo. Ele era liberado, ganhava para isso, ele ia, pegava o carro e ia. O
Alexandre não fazia isso, tanto é que nós nos demos conta um pouquinho mais tarde, porque a
gente precisava, e aí a gente começou a visitar esses prés. Porque era isso, o Davi estava criando
uma rede de prés, uma rede onde ele tinha o controle e a gente não. E aí foi quando a gente
começou a perceber isso. E que eu acho que coma, e aí é que eu digo, que começa essa
movimentação em torno de tentar formar então uma identidade mínima para o pré. Aí, pensa-se na
primeira assembléia, pensa-se na primeira assembléia. A carta convocatória é do Alexandre –
______ essa é do, o Davi que assina. Umas cartas, a carta convocando para a primeira assembléia
dizendo o que vai fazer na primeira assembléia, com a proposta de pauta, e a ppria assembléia
propriamente dita, a ata...
RENATO – Eu tenho uma, eu não sei se nesse artigo aí aparece isso, mas eu escrevo num
determinado lugar – esse aí eu cortei, esse artigo, não ficou legal não – que essa foi uma das
funções da cultura e cidadania, e o formato que Cultura e Cidadania assumiu, que foi permitir essa
circulação, no caso, de pessoas. No caso, vocês, pelos diferentes prés.
NILTON JUNIOR – Porque a proposta de ter professor, a proposta de ser núcleo aberto...
RENATO – Circulou um documento que tem também dizendo como é que deveria ser, sugerindo
temas e sugerindo nomes de pessoas.
NILTON JUNIOR – É esse aqui com os nomes. “Contou também com (...) é uma _____
proposta. Temos percebido que os ps não tem levado a convicção o momento da reflexão. Não é
uma aula, é o momento pode ter debates e fundamentos, onde a coordenação, alunos e professores
botem suas opiniões (...) sugerimos que seja _____ mais livre possível...”, e joga o nosso nome,
olha, Sergio Martins estava aqui de alguma maneira envolvido nesse direito, esse é o Sergio
Martins do CEAP, o Davi, o Luis Carlos que é um promotor que eu nunca vi na minha vida. A
dia, o Marcelo Dias já era, a Pinar, Halena Teodoro, João Gomes – é um advogado metodista –,
eu, o Cláudio, que era assessor do Marcelo Dias, mulçumano, mas assessor do Marcelo Dias, o
pessoal da ______, o Sergio Max, a Fátima, porque a Fátima era esposa do Elias, que era diretor
do Agbara. O Fábio, que foi indicação minha, um amigo meu que fez direito. O Elias, diretor-
presidente do Agbara, e a Ivanete, que _______ dele, era GRENI também, era da coordenação do
GRENI. É, pode ser, Cultura e Cidadania era uma forma de a gente estar em tudo que é pré. E a
gente estava mesmo. Efetivamente eu dei aula, essa semana eu estive lá em Cabuçu, e tinha um
menino lá e disse “ah, eu fui seu aluno...”, “e, a gente já deu aula aqui em Cabuçu de Cultura e
Cidadania”, tem as fotos deles aí. E era uma _______que facilitava essa circulação.
RENATO – E o papel da construção política.
570
NILTON JUNIOR – É. A construção desse movimento. E a gente jogou pesado nesse sentido
depois onde a gente estivesse também. Então, “a gente precisa desses documentos, precisa dessas
pessoas”, aí eu coloquei o pessoal do Agbara. Era para tentar dar um formato menos eclesial do
pré.
RENATO – Eu acho que está na hora da gente...
NILTON JUNIOR Anota aí o telefone da Geane...
571
Entrevista com Robson Leite
Fita 1 Lado A
Renato – Entrevista com o professor Robson do Pré-Vestibular para Negros e Carentes do Anil,
enfocando também o fórum de pré-vestibulares de Jacarepaguá. Bom, conforme eu te falei um
pouco, a minha tese é sobre as dimensões espaciais do PVNC, com uma ênfase em particular no
PVNC. Então assim, eu tenho um interesse peculiar dentro das minhas discussões e uma coisa que
me chama muito a atenção é o fórum de pré-vestibulares de Jacarepaguá. E o que me chama
muito atenção é que este fórum ele tem uma dinâmica própria. O PVNC, que vojá está
participando desde 96, 97, não é? Então, o PVNC teve um período de efervescência, onde a
Baixada era um centro dinâmico, de poticas muito fortes, e tal, teve um período de maior
expansão. Isso teve uma queda tremenda, quer dizer, hoje em termos de número, o PVNC está
num momento que passa muito mais por uma calmaria, acho que por uma ressaca, do que há seis
anos atrás, seis, seta anos atrás. E esse fórum de pré-vestibulares de Jacarepaguá se mantém.
Então, ele se mantém com uma dinâmica própria, com ligações, com discuses, com debates e
com lutas poticas que são próprias também. Quer dizer, ele funciona, ele tem uma dinâmica
independente da dinâmica do PVNC, que é um núcleo na Baixada. Então, eu queria que você
falasse para mim, primeiro que você contasse para mim a história, como é que se constituiu esse
fórum de pré-vestibulares em Jacarepaguá. Como é que os prés foram surgindo um pouco como
você me falou. Como é que se constituiu, como que cada um dos prés foi se constituindo. E como
é que o fórum se constituiu, a história da formação.
Robson – Bom, o primeiro núcleo do pré foi o núcleo do pré Taquara. Eu diria assim, foi o que
originou todos os núcleos do PVNC nessa região de Jacarepaguá. O pré Taquara surge mais ou
menos junto com o próprio PVNC, eu acho que talvez no ano seguinte a criação do pré-Matriz,
em São João de Meriti, e foi ele que pelo menos nos influenciou, o pessoal fundou, minha esposa,
o Elton, o Osvaldo, que tiveram acompanhando com uma certa periodicidade o pessoal do pré
Taquara nas reuniões com os professores, nas aulas, para que... E isso como é que funcionava?
Qual era a dinâmica do movimento, que era uma questão para entender bem a questão do
movimento social, quer dizer não é que seja um pré comunitário, é um pré que tem todo um
contexto de movimento social por trás. E aí nos trouxemos essa experiência pra cá, fizemos
algumas reuniões aqui explicando, recrutamos alguns volunrios e montamos o p Anil, isso em
96. Depois do pré-Anil a gente, depois 2, 3, 4 anos do pré-Anil, você começa a ter uma massa
crítica formada, no sentido de que ex-alunos que passando para a faculdade começam a despertar
uma crítica saudável sobre o trabalho, porque na verdade você politiza as pessoas no sentido mais
puro da palavra potica, naquela questão da cidadania, onde as pessoas passam a entender a
importância da relevância do seu papel enquanto cidadão, enquanto agente de transformão, e aí
essas pessoas começaram, esses ex-alunos começaram a voltar para trabalhar como professores,
coordenadores, tesoureiros, secretários. Só que a demanda foi crescendo, perdão, a massa crítica
foi crescendo e a demanda nem tanto, e aí passou a ter um núcleo quase que inchado, foi até uma
mesma época em que o frei Davi fez uma critica, eu acho que não foi uma critica muito correta da
parte dele, em que ele chamou o pré Anil de pré Cabide, pelo excesso de pessoas. E não era
verdade. Tinha uma quantidade grande de pessoas, mas trabalhando, de uma forma ou de outra,
mas trabalhando, daí até talvez, daí até o problema, daí ate talvez o problema maior, que acabou
sendo o bom da critica dele, foi que a gente sentiu a necessidade de então caminhar, expandir. O
Anil, geograficamente é uma favela, mas uma favela muito menor do que a favela do Rio das
Pedras, que é muito maior, e a gente começou a fazer um trabalho em cima do Rio das Pedras,
alguns ex-alunos fundaram um núcleo lá. Na realidade de lá, daí nasceu um outro núcleo um
pouco mais adiante, que é numa comunidade que a gente chama de comunidade da Tijuquinha,
572
que também é uma comunidade um pouco afastada, mas é uma comunidade com uma quantidade
considerável de pessoas. Logo depois surgiu o núcleo de Gardênia Azul, surgiu o núcleo no
_____, e aí começou a expandir. Tem também o núcleo da Cidade de Deus, que já foi uma
dissidência de ex-alunos do pré Anil. Não sei nem se a palavra é boa, mas uma cisão de ex-alunos
do pré Anil que juntou com ex-alunos do pré da Taquara e fundaram o Cidade de Deus, e fizeram
outros núcleos lá. E esse universo começou a crescer. E aí entra um pouco a necessidade, a gente
começou a sentir, de articular um pouco mais essa turma. Aí eu já estou falando de 5 núcleos mais
ou menos: o pré ______, o pré Anil, o pré-vestibular comunitário, e a gente começou a ter a
necessidade de pensar um pouco a dinâmica do pré com relação ao local, a geografia do local, a
análise cultural do local. Então, por exemplo, a gente sempre teve muita dificuldade, a gente
sempre teve muita gente, e a gente deixava meio de lado a questão dos negros. Não que deixasse
de lado a questão dos negros, é que a gente já teve anos, por exemplo, que o nosso pré, afro
descendentes direto não era a maioria. Você tinha, tem até hoje, tanto Rio das Pedras, quanto Anil
descendentes, filhos de nordestinos, e alguns até nordestinos mesmo. Que é característica básica
até no Rio das Pedras, pessoas oriundas do nordeste, norte do país, imigrantes, né, que vem para
cá, e que são tão excluídos, são tão discriminados na nossa sociedade quanto os negros também.
Então a gente não tirou a questão dos negros, a gente manteve a questão do negro, mas fizemos
uma análise com relação a questão de raça, com relação à questão do preconceito maior, maior de
uma forma mais abrangente. A gente sempre discutia muito questões de poticas públicas como
renda mínima, como a questão da reforma agrária, que é uma questão que não sai da nossa pauta,
ela sempre volta, porque tem um reflexo direto. Eu me lembro que alguns anos atrás nós fazemos
uma pesquisa, na verdade quem fez foram uns ex-alunos nossos que estavam fazendo geografia, e
descobriram que, por exemplo, se o governo federal desse uma renda mínima, para pessoa voltar
para o nordeste, no sentido de você dar uma reforma agrária descente, 70% da população que
mora hoje no Rio das Pedras voltaria. Tem que ter um certo cuidado com esse discurso para não
tornar um discurso elitista excludente, de expulsão. Mas esse discurso para a gente pensar de
manter as famílias que estão lá no nordeste. Ainda recentemente o jornal o Globo fez uma
reportagem que nós estudamos em função da aula de geografia, uma série de reportagens, não sei
se você chegou a ver, “Morte e Vida Severina”, uma coisa assim, e falava sobre essa migração.
Essa vinda do pessoal do nordeste pra cá, chegam, senão me engano, os números, mas é uma
margem de 100 pessoas por dia que ainda chegam no Rio de Janeiro oriundos do nordeste e vão
para as favelas da Rocinha e do Rio das Pedras. São as favelas que mais absorvem pessoas. Que
faz a gente pensar um pouco, e aí entra uma questão mais ampla com relação à potica o quanto
que uma reforma agrária assim afetaria nossa vida., talvez também está em voga agora a
discussão sobre urbanização e crescimento desordenado das favelas – é claro que eu não quero
aqui justificar a omissão da prefeitura do Rio de Janeiro com relação a isso. Que existe e a gente
sabe disso. Ontem na rádio ele fez uma meia-culpa. ________ existe muita coisa errada nesse
sentido. Mas, também tem um aspecto que cabe analisar que é uma responsabilidade do governo
federal que é o âmbito de responsabilidade do governo federal de fazer poticas publicas que
criam oportunidades para que as famílias cresçam de maneira digna, de maneira descente no
nordeste. Sem precisar vir nessa ilusão e vim para o Rio e para São Paulo para buscar
oportunidade porque lá tem a seca, toda essa questão envolvida. Então essa é uma característica
muito interessante, nós fizemos um debate ótimo sobre essa questão de reforma agrária, e é legal
porque os alunos trazem as opiniões dos pais, dos avós que vieram e que sonham em voltar, que
gostariam de voltar, mas não dá para voltar porque lá as condições são precárias. E isso tem um
aspecto muito importante que a gente sabe que pela região de Jacarepaguá a gente não pode
deixar de lado. Daí, um pouco disso e um pouco dessa reflexão à luz dessa realidade que surgiu a
idéia do fórum. A idéia do fórum foi uma idéia do Osvaldo também, a gente precisava organizar
os nossos prés. E tem, a nossa realidade é diferente da realidade da Baixada Fluminense até com
relação, por exemplo, a convivência com as comunidades. As comunidades, por exemplo, da
baixada fluminense são fortemente influenciadas pelo tráfico de drogas. Aqui em Jacarepaguá não
– mas não que sejam para isso, pelo contrario, aqui é influenciada pelos grupos de externio que
o grupos muito mais politizados, político partidários mesmo, pessoas ligadas a... A gente tem
dificuldades em ano de eleição, não pode levar deputado, não pode levar ninguém. Nós somos
573
rotulados com petistas. Agora nem tanto mais, mas éramos, pelo menos. E isso tem que tomar um
certo cuidado, sabe, esse grupos, essas lideranças elas tentam sempre cooptar um movimento para
elas, no sentido que há um projeto social feito por um grupo que elege um mandatário local, tem
um braço potico muito forte, e eles acabam, a gente tem que ter muito cuidado para a gente não
ter problemas com eles para não atrapalhar o nosso projeto e também para não criar conflito. Ate
hoje nunca tivemos ameaça de morte, nada disso, mas já tivemos embates. Embates com pessoas
que eram candidatas ligadas a estes grupos, normalmente também inseridos de uma forma ou de
outra, ou próximos ou na, ou próximos a associação de moradores. Querendo dizer que “então
vocês simplesmente digam que pré-vestibular é um movimento do nosso grupo político. E a
gente, “não, não podemos e tal, porque tem uma questão aí de carta de princípios, nós estamos
ligados a um movimento social, a gente não pode”. E por mais caloroso que fosse o debate nós
sempre conseguíamos dobrar. Coisa que eu tenho curiosidade, eu acredito que é muito mais difícil
numa comunidade controlada pelo trafico de drogas, que vai chegar e vai determinar: “não,
acabou, sai fora” e pronto. Acredito eu. A gente aqui pelo menos consegue ter um diálogo, por
mais complicado que possa ser, por mais difícil que possa ser, porque você falar de formação e
potica e chega no ano eleitoral, e você ficar fora disso é muito complicado. Mas dá para
trabalhar, a gente consegue trabalhar, consegue formar e os próprios alunos quando chegam no
final do ano (fica em off isso) eles acabam questionando esse processo de politização que existe
dentro dessas comunidades, né. Então, o pré vem formando alunos pensantes, tentando entrar
numa universidade ou não. E isso é uma característica geral de Jacarepaguá. Isso é na Cidade de
Deus, que tem tfico de drogas, mas Rio das pedras não tem tfico, Gardênia não tem tráfico,
Anil não tem trafico, são comunidades onde existe uma batalha local, não existe uma organização,
não é um poder paralelo, não querendo justificá-los, no sentido de dar razão a eles, mas a própria
comunidade apóia. Por motivos óbvios porque o poder público está ausente realmente nas favelas.
Completamente ausente. Só aparece em época de eleição. E quem ajuda em todos os sentidos são
esses grupos. E ajudam realmente, isso a gente tem que reconhecer, os caras ajudam, os caras
participam. Então, não dá para você nem debater sobre questões de ética nesse grupo diretamente
primeiro porque vai ter problema, e segundo porque a comunidade apóia eles. Exatamente por
que? Porque pelo menos com eles não têm tráfico de drogas – e é notório. Para eles, e até para a
gente também que é muito pior, apesar da manipulação também ser ruim, manipulação ou
castração dos direitos. Normalmente quando tem eleição você só vê cartazes só de candidatos que
são ligados a esses grupos poticos. Isso é muito claro. A gente não pode nem pensar em sonhar
em falar de outros nomes. A gente nem tem para brigar por isso. Mas é interessante esse tipo de
movimento. E é uma característica de todas as regiões. Então, essas peculiaridades são comuns
entre os prés. Então, muitas vezes a gente percebia que, por exemplo, nos conselhos e em
assembléias os problemas, as discussões, os embates – não que a gente pudesse ficar a margem,
por exemplo, da questão de política de cotas, mas talvez até pela importância do fórum, ela deu ao
debate das cotas uma amplitude maior do que somente a questão do negro. E isso é muito legal.
Por exemplo, eu acho que o nordestino ele tem direito à cota também. O filho do nordestino
também tem direito à cota. E dá essa amplitude maior que eu acho que é enriquecedora para o
PVNC. Eu, particularmente, isso aí é uma frase do Frei Beto, naquele “batismo de sangue”, ele
fala que “os grandes avanços do mundo surgiram nas dissidências, as dissidências é que fazem o
homem caminhar”. Jesus Cristo foi dissidente daquele judaísmo________ daquela época,
completamente reacionário, surge um jovem que tem uma proposta diferente. Não é à toa que
morreu. Então é na dissidência que nascem novas idéias, as idéias evolutivas, as idéias para frente
e eu acho que o fórum traz esse debate, o fórum, os prés do fórum de Jacarepaguá. Engraçado que
o pré Taquara por ser o mais antigo, é o pré que melhor tem de experiência com relação a essa
questão do negro: é o melhor debate com a questão do negro, é o que melhor traz a discussão com
essa questão do negro, mas o pré Taquara ele não tem a influência da regionalização que a gente
tem aqui. Eu acho que as favelas da Taquara não tem essa característica que nós temos aqui da
influência nordestina. Então são questões que a gente traz. É legal no dia da consciência negra que
a gente debate, que a gente organiza para o fórum, ela sempre tem uma característica forte a
questão do negro. Porque é histórico no Brasil e a gente não pode abrir mão disso. Nós sabemos
disso. Mas a gente insere também outros tipos de preconceitos que existem, do afro, do nordestino
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que é excluído, que é sempre porteiro. Porteiro é o Severino,? Porteiro não é o Robson, não é o
Pedro, o porteiro é o Severino, Severino é um nome clássico de porteiro porque tem origem
nordestina. Então, o faxineiro é o negro. O porteiro é o nordestino e o faxineiro e o negro. Então,
essa amplitude do debate, a questão do índio... Eu particularmente, recentemente, mudou um
pouco te o próprio logomarca, vamos dizer assim, do PVNC, hoje, você pode até ver no orkut,
procura lá o pré, não está aquele clássico, que é um rosto de um negro, são seis jovens de grupos
étnicos diferentes. Todos minorias, todos, assim, de minorias de inclusão, de excluídos: está o
nordestino, está o índio, está o negro. É uma diversidade bastante interessante que faz com que dá
uma pluralidade maior para o movimento, que eu acho que ganha, eu acho que tem a ganhar. E aí
surgiu essa característica dos prés daqui e a gente debate, fazemos eventos, o fórum não é, isso a
gente deixou sempre muito claro, nunca deixar de ser PVNC. O fórum ele tem uma ligação muito
próxima com o PVNC. E ao mesmo tempo a gente tem um certo cuidado, de, por exemplo, com
aquela cisão da Educafro e PVNC e de outros – similar ao PT e PSOL, mas que tem característica
em comum –, mas a gente faz é uma inclusão, é algo a mais. Ou seja, o fórum participa e agrega:
o pré Gardênia é Educafro e participa com a gente. Porque a gente tem articulação, a gente discute
questões de conselho, questões de assembléia, mas nossa regionalização é muito ligada às
questões de Jacarepaguá, aos eventos de Jacarepaguá. Aquela vez que você veio num debate,
aquilo ali era um curso de formação de professores do fórum, professores da Taquara, do pré Anil,
do pré Rio das pedras e da Gardênia. Então, Gardênia é Educafro, e veio professores de lá.
Sempre vem. Eles articulam com a gente, participam, a gente tem um forte engajamento com eles.
É porque, infelizmente, é o que a gente fala: o objetivo principal dos prés tem que ser com que o
pré um dia o exista mais. Acho que todo movimento social, todo movimento social tem que ter
isso como objetivo. Mas como assim? Que coisa mais paradoxal, meio louca. No sentido de que
você tem que ter uma filosofia de causar inclusão, melhorar a qualidade da educação, diminuir a
exclusão. Se algum dia você alcançar isso está ótimo. Alcançamos o objetivo. Então ele deixa de
existir. Por mais utópico e difícil que seja. Aí tem o Eduardo Galeano, “o horizonte”: “cada passo
em direção ao horizonte ele vai embora”. Então para que serve a utopia? Serve para isso, para
fazer a gente caminhar. Então eu acho que a gente tem que ter esse objetivo muito claro e a gente
traz esse tipo de debate para cá também. Para trazer, para incluir as pessoas para dar noção à
sociedade de Jacarepaguá, porque existe uma elite muito grande aqui em Jacarepaguá, da
importância de dar oportunidades aos excluídos, quanto mais oportunidade você dá aos excluídos,
maior as chances de você reduzir a violência, maior a chance de reduzir o desemprego, maior a
chance de acabar com a fome, sem ter esse discurso que algumas elites jornasticas, poticas tem
quando a gente fala isso: “você quer dizer que todo pobre é bandido?”. Não, mas normalmente,
pelo menos hoje se você for dentro de um presídio 90% é negro e pobre. Será que é só pobre e
negro que pratica crime no Brasil? Todo mundo sabe que não. Maluf está aí para mostrar isso.
Mas o nosso sistema é altamente excludente e só quem é preso é quem não tem grana. E esse tipo
de reflexão é importante. Uma visão plural e é generalizada com relação a Jacarepaguá.
Jacarepaguá é um bairro muito elitista, não parece, mas ele é. Você vai ali, quem conhece sabe
disso, Gardênia, _______, e tal, tem uma elite que não vê com bons olhos o movimento social,
não com bons olhos o MST, não com bons olhos. O nosso objetivo é se aliar a esses
movimentos sociais. MST e demais e mostrar que os movimentos sociais simplesmente quer
justiça. Não quer mais nada. O MST não quer fazer baderna, como dizem, o MST quer a reforma
agrária, que nunca houve nesse país. Eu me lembro de um debate que a gente teve dentro do pré,
um professor – hoje mudou de opinião até – mas no início, no primeiro ano dele – ele questionou.
Batia em tudo: batia no nome do pré, que negócio de negros e carentes, que papo é esse? Eu me
lembro de um dos debates clássicos que a gente teve foi sobre a questão do movimento social. Ele
começou a questionar, a bater nessa questão de “movimento social, a gente, não faz baderna, não
faz bagunça, não leva ninguém a lugar nenhum” e a gente mostra que na verdade, inclusive ele
citou uma, disse que ia custar muito dinheiro a reforma agrária: “isso ia custar muito dinheiro,
uma grana muito grande e tal”, e aí a gente pegou dados da igreja, da pastoral da terra, que é
ligada a CNBB, e mostrou que na verdade, por exemplo, a reforma agrária, o que ela custa é
muito menos o que vai se pagar ano que vem de juros da dívida. Isso tudo para a gente pensar.
Será que eu em casa, eu, por exemplo, deixaria de pagar, a classe media, gostaria de pagar, “você
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deixaria de pagar o plano de saúde do seu filho para pagar juros a banco? Cortaria? Cortaria plano
de saúde, cortaria a escola boa para estudar na escola pior para poder pagar juros ao banco? Você
faria isso?” – obvio que não. Eu acho que o olhar das pessoas à questão do movimento social tem
que falar de fraternidade. Um olhar, inclusive, aliás, eu sou muito mais duro a quem milita
comigo dentro da igreja porque aí tem a questão do evangelho, a questão de Cristo, a questão
plural, a questão da inclusão. Está no evangelho: “olhar o rosto do excluído como o rosto de
Deus”, Jesus falou isso. “Não me _________________”, “quando que eu fiz isso senhor?”,
quando não fizeste pelos meus irmãos, fostes a mim que fizeste”. É uma palavra muito dura,
muito forte que a gente precisa pensar. E aí entra a questão do consumo do crescimento
sustentável. Essa talvez seja a minha amplitude da realidade de Jacarepaguá. É legal porque aí o
fórum passou a ter uma visão muito respeitada dentro do próprio movimento, dentro do próprio
PVNC, pelas pessoas do movimento social, a questão das cotas a gente é amplamente favorável,
os alunos são, os professores são. E é engraçado porque a gente nunca teve, quando tem
dissidência, às vezes elas surgem, é natural, é bom que surjam. Eu prefiro que a pessoa chega
naquele encontro e te coloca o contrario daquilo. Sempre tivemos isso. Mas quando a gente
aprofunda as coisas são esclarecidas. As pessoas comam a olhar com outro olhar. E é legal às
vezes a gente fala assim, o ideal era que o curso não fosse no início, fosse no final do ano. Porque
o professor novo está entrando, vai rebater ali ferrenhamente. Mas quando ele começar a dar aula,
quando ele começar, quando ele começar a ver a realidade, que ele vai ver que, por exemplo, a
maioria dos alunos, eu, eu tenho aluno meu que hoje es na – isso é um exemplo ótimo – está na
engenharia, fazendo engenharia e nunca teve de física, o professor de física fui eu. Tudo bem que
ele fez três vezes o pré, mas o cara, assim, a situação do segundo grau, ou ensinando, por
exemplo, a análise da aceleração e desaceleração, o cara não sabia o que era uma equação do
segundo grau, o cara não sabia o que era uma equação do segundo grau, o cara não sabia nem o
que era uma fração. Então, vovê que, e ele é o que? E ele é negro, ele é filho de nordestino, ele
é excluído. Então quando você começa a avaliar em cima de dados, as pessoas começam a
perceber que realmente há uma realidade excludente, e essa realidade excludente, eu não vou usar
privilegia não, ela prioriza os negros, os nordestino, os já marginalizados pela sociedade. Porque é
que é a questão que existe o pré-vestibular – já está aprofundando isso. Eu acho que esse caráter
regional, teve uma época, inclusive, que o pessoal do PVNC queria que o pessoal da Tijuca e
Jacarezinho passasse para as reuniões do nosso fórum. Isso foi colocado em reunião de
assembléia. E a gente, não é que a gente foi contrário a isso, a gente questionou um pouco essa
atitude pela questão da regionalização. Não que fosse fechado o fórum, “não, não pode”, poder
pode, mas tem que tomar cuidado no sentido de que está trazendo uma análise, primeiro regional
que a gente chama de distante. A gente tem uma reunião daqui a quinze minutos na Taquara, dez
minutos no Rio das Pedras: próximo. Já coloca o Jacarezinho nisso: uma hora e meia. Já começa a
ter uma questão geográfica distante que vai dificultar até a nossa lógica das reuniões. Talvez fosse
mais interessante que o pessoal do Jacarezinho, juntamente com a Tijuca, com as comunidades
locais, formassem também um fórum. Formassem uma, como a gente chama dentro do pré, surgiu
esse nome, uma regional, uma regional especifica para esse grupo. Essa talvez fosse a grande
temática. Mas, é exatamente isso, essa é a questão prática de ensino no âmbito geral do fórum.
R – Sim. Eu queria que você falasse um pouco mais sobre essa, você usa sempre a palavra
regionalização, eu queria que você falasse sempre um pouco mais, explorasse um pouco mais
esses aspectos dessa regionalização. Você acabou de falar de um dos fatores positivos dessa
regionalização que é a facilidade de comunicação e até em termos de deslocamento físico: você
pode ir, encontrar as pessoas com mais facilidade, tem essa possibilidade física. Antes disso você
estava explorando as peculiaridades da realidade regional de Jacarepaguá. A maior parte dos prés
aqui está inserida ou próxima de comunidades que tem questões comuns, tem peculiaridades que
são comuns, tem aspectos que são comuns, e isso aproxima a realidade deles onde cria uma
identidade.
Robson – Exatamente.
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R –... Entre esses grupos. Eu queria que você explorasse um pouco mais essa coisa dessa
identidade, e, você tocou em questões que são específicas de cada, você levantou a iia de que
cada núcleo tem questões que são do seu pprio local, e essas questões se assemelham de um
núcleo para o outro. Quer dizer, os núcleos passam na sua inserção no local por questões que são
semelhantes. Então o fórum aparece a partir daí como um lugar privilegiado para a troca de
experiências de como é que cada um lida com aquelas questões, e de maneira que um não elimina
a atuação do outro.
Robson – Bom, na verdade a questão da regionalização ela tem diversos aspectos. Isso não foi de
estalo, como o Osvaldo mesmo colocou. Ou seja, orum ele surge, se eu não me engano, nós já
estamos no quarto ano do fórum, começou em 2000, 2000/2001. Ele surgiu em função dessa
necessidade, ele surgiu depois do Rio das Pedras. Eu acho que ele surgiu em 2001/2002. Ele nasce
nós viemos do pré Taquara, né, o pré Taquara... O Osvaldo é uma figura impar, o Osvaldo ele é –
ele não gosta que eu fale isso não, mas azar o dele. Ele é padrinho da minha filha. Ele e a
Marivani queo... A Marivani é professora na PUC, acho que você deve conhece-la também,
talvez você não associe o nome à pessoa. Mas ela também, ela é teóloga, dá aula na PUC, uma
pessoa ótima, formidável, e o Osvaldo ele é um cara que foi chamado para trabalhar na Petrobrás,
mas o Osvaldo ele, até pouco tempo atrás, a articulação que ele tem com química, com meio
ambiente, eu acho que no Brasil só tinham quatro pessoas: ele e mais três. O resto são pessoas de
fora. E é legal porque ele – a Petrobrás, a gente mete pau na Petrobrás, mas a Petrobrás ela tem
um aspecto, assim... O Osvaldo é doutor pela COPPE e também por uma universidade lá da
_______. E é legal pelo seguinte: a Petrobrás tem uma área, da qual o Osvaldo é um dos
responsáveis, que é a área de meio ambiente, analisa impacto ambiental: tem uma plataforma de
petróleo, esse núcleo vai lá para avaliar com o impacto ambiental, quais são as ações que tem que
se tomar para evitar que tenha algum problema, algum desastre ambiental, enfim, muito legal.
Então o cara é um papa nesse sentido. O Osvaldo, a Petrobrás cede ele para a COPPE para ele dar
aula no doutorado para pessoas que vão estudar meio ambiente, na parte da engenharia do meio
ambiente. Ele é um cara, assim, uma sumidade, só que é uma pessoa de uma simplicidade
impressionante. A ponte de em reunião de conselho ele sempre diz que o João – que eu citei – ele
fala que o João é o nosso grande professor. “O João é o meu grande professor” – ele mesmo fala –
porque o João ensinou a gente a fazer movimento social”. E é verdade. O João realmente foi o
cara que ensinou, explicou para gente como é que funciona o pré. E a gente no início a gente
apanhou muito. Por que? Porque a gente começou a bater, sem saber que estava batendo nas
questões regionais. Principalmente com a carta de princípios, com relação à questão do negro, não
querendo dizer que não fosse, que não existisse preconceito racial. Ele existe também na
comunidade carente. Isso é muito interessante. Existe, e existe mesmo. Só que ele não existe
sozinho, ele existe preconceito acompanhado também da regionalização, do nordestino, do
“cabeça chata”, entendeu? Existe toda essa questão que também está o negão. E também está
naquela questão do palavreado com relação ao negro – só que ela tem uma amplitude maior.
Então, a gente apanhou muito. Era engraçado: a gente já teve turma de ter dois negros na turma. E
o resto era filho de nordestino, ou nordestino. A primeira turma era essa a característica. Então, a
gente começava a observar aquilo e era muito interessante, a gente via uma diversidade muito
grande, uma diferença no discurso, principalmente nas assembléias, nos conselhos. E é engraçado,
porque, por exemplo, quando você vai na Baixada Fluminense –eu posso estar até enganado,
porque na verdade eu trabalhei um tempo na Baixada Fluminense, mas com uma empresa, nas
Casas Sendas. Na verdade eu trabalhava na área de tecnologia, era consultoria em _______ das
Casas Sendas. Era em São João de Meriti. E é engraçado, por que qual é a realidade da Baixada
fluminense? A realidade da baixada fluminense é pobreza para todo lado, é uma exclusão, é um
negócio, assim, absurdo, de um poder coronelista na potica ali de dá nojo. E você vê que ela é
excluída ao extremo. Você tem ilhas de prosperidade, de repente, talvez, assim, Nova Iguaçu e tal,
mas se você vai para dentro de São João de Meriti você tem dificuldade de encontrar essas ilhas,
esses condonios, é difícil. A grande maioria é pobre. Então, a organização da realidade da
Baixada Fluminense é diferente. Ela tem a riqueza concentrada em alguns pontos, mas que parece
mais escondida. A grande maioria é pobre, a grande maioria é excluída, a maioria esmagadora.
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Aqui em Jacarepaguá é exatamente o contrário – não que tenham poucos pobres, não é isso. Tem
bastante. Mas Jacarepaguá é visto como um bairro elitista. Não é Freguesia. “Você mora aonde?
Eu moro na Freguesia”. É até engraçado porque eu moro no Pechincha, a fronteira é aqui, no
Cateto. Só que eu vejo vizinhos meus dizerem que moram na Freguesia. Eu acho engraçado isso:
eu não moro no Pechincha, eu mora na Freguesia”. Então, isso é interessante. E a gente vê...
Não, Cidade de Deus é longe”. Alias, é _______ da Linha Amarela. A Linha Amarela aproximou
a Cidade de Deus a nossa realidade. E é engraçado porque você percebe que aqui, por exemplo,
tem uma fachada elitista, altamente elitista. Você vê condonios, você vê apartamentos,
apartamentos, aqui em Freguesia você vê apartamentos imensos, no Largo da Freguesia. Só que
tem uma porrada de favelas aqui dentro escondidas. Ali tem uma. Do lado de cemitério. O toldo
está até escondendo (foi a empregada, coitada que abaixa o toldo para poder mexer aqui). Mas ali
tem uma, Cidade de Deus que é aqui do lado, Anil Rio das Pedras. Rio das Pedras é a maior
favela do Rio de Janeiro urbana. Só perde para a Rocinha, porque a Rocinha tem uma questão do
morro ali que parece que _____________. Mas, dentro da cidade, no plano, sem ser no morro, Rio
das Pedras é enorme. Você passa pelo Rio das Pedras de carro, você não tem noção do que é
aquilo ali. Só andando ali por dentro você se perde. Cara, aquilo ali é enorme. E é completamente
abandonado pelo poder público. Impressionante. Então, o discurso aqui é diferente, o discurso, eu
acho da Baixada Fluminense é o discurso da necessidade única e exclusivamente de mobilização
social. O discurso onde você precisa mobilizar aquela galera que você pode facilmente mostrar
que existe a pobreza. Aqui não, aqui... É engraçado, a gente, por exemplo, um filme que eu acho
sensacional, muito bom, que tem essa questão do negro, aquele filme “O poder de um jovem”,
chegou a ver?
R – Acho que vi.
Robson – Muito legal. Com o Morgan Friman. Conta a história do apartheid, mostra, é legal que
ele é bem histórico, ele vai, conta história de um jovem, de um rapaz branco que se, entra na
questão do apartheid, da luta contra o apartheid, juntamente com a comunidade negra, e é
engraçado porque vai desde a colonização, finalzinho da colonização inglesa, ________________
como o grande, digamos assim, libertador da África do Sul, do donio inglês, e aí com o fim
Guerra é a grande frustração dos africanos, minoria branca, mas o governo liderado branco. E aí
tem a questão do apartheid e o filme fala muito bem disso. Mostra o contexto da questão social,
da questão principalmente de exclusão. Esse filme é lindo. Todo ano eu passo ele no pré para os
alunos, e a grande pergunta que eu sempre faço no final do filme é o seguinte: e aqui no Brasil nós
temos apartheid? “Não, não temos, o apartheid era uma lei. Não tem. Mas tem discriminação
racial”. E aí a questão que a gente sempre chega na conclusão é a seguinte: no filme o apartheid
era uma lei. O inimigo era visível. Porque no filme mostra o esforço que eles tiveram para
alfabetizar os negros, para dar consciência aos negros para chegar a dar a eles o mínimo de noção
de cidadania para a partir daí fazer a transformação social. Aliás, são dois filmes que não dá para
deixar de ver, Renato. É esse, o filme do Gandhi, e outro que me fugiu agora. São três filmes. Eu
passo sempre no pré. O Gandhi não porque o Gandhi é muito grande, mas eu acho muito bonito.
De transformação, assim, e “O diário de motocicleta”, eu acho o filme do Che muito interessante.
E é engraçado porque aí o pessoal fica naquela, assim, com a seguinte conclusão: o nosso
apartheid é ainda mais complicado. Por que ele é mais complicado? Porque não existe a lei e
também não existe um inimigo claro. O apartheid existia, nós tínhamos que derrubar a lei, e
derrubar o preconceito racial claro e evidente. O nosso é escondido. Escondido sob um pano que
finge que não tem problema nenhum. “Não, que preconceito racial? Isso ______, não tem
preconceito racial, não tem nada disso aqui. O que é isso? Pára com isso”. Não tem, mas a sua
filha pode casar com um negro? “Espera aí, a minha filha não!”. Não tem preconceito racial, mas
a vaga na faculdade é minha, Renato? Não é sua não. Então, a coisa é velada, é coisa é escondida,
a coisa é camuflada. E por ser camuflada se torna mais difícil de você lutar contra ela. É o
exemplo clássico, por exemplo, do referendo, do sim e do não, a lógica do sim é uma lógica mais
difícil de ser absorvida. A lógica de que você vai desarmar o cidadão para fazer com que a arma
não chegue no bandido... Eu votei pelo sim, eu votei a favor do desarmamento, mas confesso que
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era uma lógica mais dicil, porque aí o tráfico não ia ter arma e ia diminuir o número de armas
circulando... Não, não, não, que vai tirar meu direito. Entendeu? Eno são lógicas mais
complicadas. Então, a lógica de você lutar contra preconceito racial, contra discriminação racial é
uma lógica mais complexa. É uma lógica que exige que a pessoa comece primeiro a entender a
realidade em que ela está inserida. A perceber que está faltando alguma coisa para ela em
educação. É isso que a gente trabalha. Perceber que a sociedade é elitista, perceber que a potica é
elitista. Perceber que falta participação popular nas coisas. E aí o cara coma a se conscientizar e
a perceber que existe preconceito racial, de classe, de cor, de sexo, de opção sexual. E é
engraçado porque aí você começa a ver que essa constatação ela depende da realidade. Quem
mora na Baixada Fluminense talvez tenha uma outra didática com relação a trabalhar a questão da
exclusão social do que quem mora em Jacarepaguá. Porque talvez até o cara que é pobre, que
mora na favela, por um lado fica mais fácil perceber, do que quem não mora na favela, mora a
100 metros, num condomínio fechado. E é engraçado porque aí, o trabalho aqui, eu acho que é
mais dicil para quem faz parte da classe média. O Loreto, por exemplo. As pessoas “não, que
nada, não é assim não”, “vem cá, vamos ali no Rio das Pedras”. As pessoas... Sabe o assunto
proibido? Fica um pouco, assim, a coisa de que não existe isso. A melhor forma de você combater
o inimigo é você renegar ele ao anonimato. Então, eu acho que a grande questão especial daqui
gera ao mesmo tempo grande vazio e a grande dificuldade de trabalhar a questão em Jacarepaguá
é essa questão da dificuldade de você ter uma influência de que você entende a região, as pessoas
agem como se não existisse a favela. Só lembra da favela quando acontece a questão da Rocinha
que me impediu de sair da casa, porque eu moro em São Conrado” aquela coisa toda. Está ali,
enorme, abre o jornal que você vai ver. Então, a realidade de trabalhar na Baixada Fluminense é
diferente por causa disso. Trabalhar com esses jovens requer primeiro uma constatação da
realidade. Que ele perceba, por exemplo, que a escola dele é ruim, que ele perceba que a escola
dele é excludente, e aí entra a questão de poticas públicas. Poxa vida, os alunos chegam e falam
assim: “poxa vida, Freguesia é linda, mas precisava do Rio Cidade mesmo?”, assim, “mas vai fica
bonita, mas é da Prefeitura”, “é por causa da prefeitura, mas a escola municipal Rio das Pedras
para dar aula lá é importante tomar antitetânica antes, porque os vergalhões estão todos lá,
aparecendo, enferrujados”. A escola está caindo reboco no chão. Abandonada porque fica dentro
da favela, porque ela fica dentro da comunidade Rio das Pedras. Ou por que ela está abandonada?
Então é essa a questão, é essa constatação para o jovem de Jacarepaguá está muito ligada à
questão regional, está muito ligada à realidade regional, à realidade de ter pequenas ilhas de
pobreza, mas em grandes quantidades, mas ilhas escondidas no meio de diversos condomínios de
luxo, que fazem com que eles de repente ficam meio iludidos, meio que sem enxergar a realidade.
Diferente de quem talvez trabalhe em São João de Meriti, porque a pobreza está aí. É abrir a
janela que você vai ver a pobreza, vai ver a exclusão, vai ver o pobre, vai ver o desemprego. Aqui
não, aqui parece que está todo mundo bem. Parece ser outro país, Jacarepaguá parece ser outra
cidade. Pois é, então essa realidade ela se torna mais difícil e daí que surgiu um pouco a questão
do fórum também. O fórum surgiu nesse sentido de articular esses prés daqui frente a suas
realidades, de trocar experiências nesse sentido. A gente percebe, por exemplo, que por incrível
que pareça os professores que são daqui de Jacarepaguá são mais difíceis de trabalhar a questão
do movimento social, por que? Porque a não ser que sejam professores já ligados ao movimento
social, ou professores de história e geografia que já tem o próprio estudo acadêmico deles o
mergulho nessa realidade social que a gente vive, dentro da própria faculdade a questão de
discutir os problemas brasileiros, eles acabam ficando, quando vem um voluntário de sica o cara
meio que entra em choque. Só falta o cara falar assim: cara, mas eu não sabia que existia essa
pobreza tal grande dentro de Jacarepaguá”. É, existe, existe e existe mesmo. A ponto da gente não
entender, e eu acho isso muito curioso, mas existem pré-vestibulares comunitários dentro da zona
sul. Atende a quem? Às favelas da zona sul. Ali tem a Rocinha, tem o Vidigal, tem outras favelas
também mais ou menos regionalizadas, mas com características bastante semelhantes com
Jacarepaguá, só que lá é mais ainda, lá a riqueza exacerba e esconde a pobreza embaixo do tapete.
De vez em quando cai para fora, e aí tem toda aquela questão social que a gente ________. Então,
a gente faz um estudo dentro dessa realidade. Essa realidade local de Jacarepaguá, explicitamente
dentro da convincia com a Barra da Tijuca, tão próxima, onde as pessoas são extremamente
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elitistas, na Barra da Tijuca. As pessoas não vêm para cá. É engraçado porque a minha esposa
passa um pouco por isso: ela é psicóloga e tem consultório aqui em Jacarepaguá, e ela não tem
cliente da Barra. É engraçado, já teve alguns, mas as pessoas não vêm para cá, não gostam de vir
para cá. Aqui é meio que o subúrbio da Barra da Tijuca. O cara paga um psicólogo mais caro lá,
um atendimento de qualidade questionável, do que vir aqui. Ela mesma já se deu conta disso, e,
assim, e o núcleo de trabalho dela está pensando em atender um dia na semana na Barra da Tijuca.
para ter uma facilidade maior com relação aos clientes. Mas é engraçada essa lógica. Eu vou à
Barra para ir ao médico, para ir ao Barra shopping para comprar alguma coisa que de repente eu
não encontro aqui em Jacarepaguá. Eu não tenho problema com isso. Eles têm problemas de vir
aqui. Então, isso também demonstra um pouco aquela característica elitista da nossa sociedade,
que é acentuada aqui em Jacarepaguá. E aí eu acho por isso que é importante até que o pré ele não
se feche à favela. Ele precisa se mostrar, precisa mostrar para a elite que existe um problema, que
a educação é um problema e é responsabilidade do governo, e é uma questão de prioridade, em
especial aqui na nossa cidade do Rio de Janeiro. Então, é por isso que eu faço questão de “vai ter
um encontro? Vamos fazer no ________, vamos lá para o ________”, “não, mas não é a nossa
realidade”, “não é, mas é a realidade das pessoas que estão ao nosso redor”. Que são responsáveis
por isso, é um pouco da racionalização do consumo, que o André _______ fala tão bem. Então a
gente precisa ter essa visão de que a sociedade que a gente vive ela é excludente, ela tem
vergonha da classe mais pobre, ela tenta esconder de certa forma isso, como se nada tivesse
acontecendo e não fala, não discute. Eu acho que até um pouco, assim, um pouco talvez devido
até do próprio governo. Quando o governo se coloca como uma opção para os problemas sociais.
Eoo bem vistos. Eu não acho que a sociedade veja com bons olhos o programa Bolsa
Família, que ajuda milhões de pessoas, eu não acho não, eu acho que a sociedade está mais
preocupada com a _______ primeiro. E a melhor de vofazer com que as pessoas pensem nisso
é trazendo os movimentos sociais para que a classe média olhe para eles com um olhar de
fraternidade. Mas não é olhar de piedade, é olhar de fraternidade. Olhar de inclusão, olhar de ter
consciência de que eu sou responsável por aquilo também. O fórum surge um pouco também
dentro deste contexto. A maioria dos professores nossos... Hoje não é tão maioria, porque os
próprios alunos foram assumindo esse papel, mas a gente já teve uma quantidade considerável, e
eu acho bom isso, isso é louvável, de professores oriundos dessa classe média alta de Jacarepaguá.
R – De Jacarepaguá.
Robson – De Jacarepaguá. Eles começam a ver uma realidade que eles não conheciam, falam
“caramba, existe isso mesmo?”, “poxa, você passa aí em frente todos os dias, cara, não está vendo
que existe?”. Mas eu acho que as pessoas não têm noção. Ficam ali mergulhados naquela
realidade ali delas, de trabalho-casa-casa-trabalho e não enxerga essa dimensão. Está ali, é
evidente está ali do lado. Então, eu acho que o pré tem essa primeira grande característica, assim,
o fórum, na verdade, de trabalhar com essa realidade, e tem a realidade que a gente estava
discutindo que é a realidade do nordestino que compõe nossas favelas aqui. São os grandes perfis
do fórum permanente, as duas articulações do fórum permanente. Essas são as grandes
características que a gente vê.
R – Eu queria que você falasse um pouco para mim, enquanto espaço de coletivização de núcleos
que trabalha com base nessa identidade que é constrda pelas questões específicas de
Jacarepaguá, o pré ele é também um espaço de atuação do ponto de vista desse coletivo. Quer
dizer, ele atua em questões, mexe, discute questões que são de Jacarepaguá, que não são
especificas de cada curso, de cada lugar ou de tal núcleo, quer dizer, é um outro plano, é uma
outra esfera espacial de atuação. Eu queria que você falasse um pouco para mim sobre essa
atuação do pré pensando em Jacarepaguá, nas questões que são questões de Jacarepaguá, e que
extrapolam o âmbito de cada núcleo.
Robson – Na verdade, a gente tem dentro das aulas, a gente traz isso, por exemplo, o dia da
consciência negra, a gente tem uma característica muito próxima de Jacarepaguá, por exemplo, a
580
gente costuma fazer o dia da consciência negra na rua. Esse ano nem foi. Mas a gente fazia na
Praça Seca, por exemplo. Fizemos dois anos na Praça Seca, e foi uma coisa muito legal, de trazer
esse debate até sobre a questão do negro mesmo para Praça Seca, que é uma região do espaço
público, um espaço característico de Jacarepaguá. E a gente também debate muito a questão da –
e aí vai mais das aulas, talvez não fique muito ligado à questão dorum propriamente dito, talvez
fique mais quando a gente fala sobre as questões do dia da consciência negra, ou de algum outro
evento dessa natureza. Mas dentro dos núcleos há um debate com relação à questão dos
problemas em comum daqui. E aí não dá para não falar da potica, não é? A gente tem uma
característica de “pisar em ovos” quando a gente fala sobre isso, como eu já te falei, da
característica potica dos nossos líderes comunitários daqui. Que oprimem, que acabam
fomentando um pouco essa, esse, digamos assim, essa “despolitização”. É claro que outros
problemas a gente aborda: ligados à educação, ligados a meio ambiente, que aqui em Jacarepaguá
é uma questão clássica, que eu acho até que o pré, o fórum deveria se preocupar mais com isso,
que é a questão, por exemplo, que está acontecendo aqui hoje, de maneira muito clássica, que é a
especulação imobiliária crescente. Eu temo muito pelo futuro do Bosque da Freguesia. Sabe, eu
acho que mais cedo ou mais tarde aquilo ali vai ser entregue a especulação imobiliária – uma
pena. Aquilo ali foi conquista inclusive da articulação potica, na década de 80, de grupos daqui,
que eram o GRUDE, que era até grupos ligados à igreja com o apoio dos jovens, que dava aquela
politizada, super atuantes, que brigou e conseguiu embargar uma obra __________, onde hoje é o
Mc Donald’s, seria o espigão, acho que talvez você se lembre disso, os caras conseguiram botar
abaixo, já tinham dois andares de construídos aquele espigão. Botaram abaixo, se articularam,
correram atrás, e, além disso, conseguiram tombar aquela parte da reserva como área de
preservação ambiental. Se é parque aquilo, de graça não foi.
R – Tinha uma montadora na época, se falava nisso.
Robson É, aquilo dali era um filé. Eles queriam invadir aquilo ali e construir o diabo ali. A Rica
ali do lado, do Frangos Rica... Então, a turma conseguiu fazer, e eu sinto falta do pré... Até porque
eu acho que hoje não funciona mais como era antigamente, eu não tenho mais notícia. E isso é
ruim, né, eu acho que isso aí vai um pouco também, aí sai da questão do fórum e entra mais na
questão sociedade, que a gente já tinha conversado, da privatização dos sonhos. O líder do ______
morava no Independência, eu conhecia ele uma época, ele é um cara que hoje sente falta,
desarticulou, o grupo deixou, cada um cresceu, casou, e cuidou da sua vida. E isso é ruim, né, as
pessoas se afastam das opções coletivas. E essas conquistas, o não espigão, e o Bosque da
Freguesia são duas conquistas clássicas, uma conquista coletiva. Pessoas que se reuniram, eram
tachadas como maconheiros, como comunistas. Os comunistas eram os caras de igreja, os caras da
COMUNI Jovem, os maconheiros eram os caras do _______, que só se reuniam para fumar
maconha. Mas foram os maconheiros e os comunistas que conseguiram aquele espaço
maravilhoso, que a gente tem ali, que dá gosto de levar o filho no domingo de manhã para dar um
passeio ali, dar uma caminhada, andar de bicicleta, que é uma conquista nossa, é um espaço nosso
de Jacarepaguá. E a gente acabou, assim, deixando para o lado e eu sinto falta. Eu acho que talvez
o fórum talvez, e os prés precisavam criar massa critica para criar esses espaços, resgatar esses
espaços do coletivo. E isso talvez seja, assim, algo que esteja faltando, sabe, você tocou num
ponto muito legal. Porque realmente está distante disso. Realmente falta essa integralização dos
problemas de Jacarepaguá, mas não só sobre a alise, análise a gente faz nas aulas, diagnósticos
e tal, mas a ação com relação a isso, não é? Resgatar esses grupos, fundar um núcleo de defesa
ecológica de Jacarepaguá ligado aos prés. Tem massa crítica para isso, nós temos massa critica
para isso. Eu sinto muito falta, eu acho que é auto-crítica mesmo,s somos responsáveis por
isso. A gente partidarizou muito, a gente politizou muito a discussão. Nós conseguimos muito
fundar um núcleo do PT com os ex-alunos, eo foi...
R – Me conta como foi essa, esse núcleo foi criado a partir de ex-alunos?
581
Robson – É, na verdade, a gente, assim, eu e o Osvaldo éramos ligados, mais o Osvaldo do que
eu, ao PT, sempre fomos, mas nunca levamos isso para dentro do pré. A gente sempre teve muito
cuidado com esse tipo de coisa. Nós temos amigos mandatários, não é o caso dele, um cara
formidável, uma pessoa ética. Temos outros também, o próprio Eliomar, mas a gente sempre
tomou cuidado para separar bem as coisas, para não, porque o próprio nome diz: partido, ele vai
partir. Partido não é fim, é meio. Pode ter outros, pode ter outros meios, até outros meios de
democracia, democracia indireta, o movimento social, por exemplo. Então, tem que tomar muito
cuidado com isso. Só que os alunos foram saindo, e antes da eleição do Lula começou a surgir um
engajamento, eles sentiram necessidade, alguns alunos fazendo ciências sociais, trabalhando essa
questão, e partiu deles cobrar da gente uma ação política mais séria com relação à poticas
públicas da região para, enfim, combater esse... A gente tem aqui dentro – e aí a gente pode falar
claramente que não está ligado aos grupos estão aqui, mas – nós temos uma politização muito
ruim aqui em Jacarepaguá. Poticos ruins mesmo, poticos que trocam voto por cimento, e a
gente fala em venda de voto e a gente lembra logo do pobre, que ganha um saco de feijão para
votar. Aqui é pior do que isso. Aqui tem gente politizada, consciente que troca seu voto pela luz
do seu condomínio. Condomínio, que é particular, vem o atual presidente da câmara municipal e
consegue através da Rio Luz, vai naquele condomínio, coloca luz da Rio Luz, o condomínio é
fechado, mas tem luz da Rio Luz, não paga mais a luz, aí o orçamento da cidade, o consumo da
Rio Luz está lá em cima. Está comendo boa parte do orçamento. as pessoas votam porque tem
ele como um bom mandatário, porque ele colocou cimento, “colocou asfalto no meu condomínio,
colocou luz no meu condonio”. Então aqui em Jacarepaguá a gente tem esse problema sério
dentro da potica. Então, o clamor da potica surgiu com um grito maior dentro do pré em função
das nossas aulas de questionar esse tipo de opção política frente a uma potica plural, uma
potica de bem comum, uma potica de orçamento, de orçamento participativo, coisa que nunca
aconteceu. O Rio de Janeiro, a cidade, o estado não chegou aos pés do que realmente teve em
outras cidades, em governos de esquerda, como emo Paulo, a Erundina, por exemplo, foi um
governo que se assemelhava muito mais aos nossos anseios do movimento social, que teve como
Paulo Freire como secretario de educação, tendo políticas sérias com relação à educação, do que
teve aqui no Rio de Janeiro. Nunca tivemos. Nem na cidade. Quase tivemos em 96, com a
campanha do Chico para prefeito. E aí o pessoal começou a se empolgar com aquilo, começou a
buscar, numa necessidade de “vamos lá, vamos dar mais um passo para dentro da política”, o
pessoal das ciências sociais, e convidou a gente para “por que a gente não monta um núcleo do
PT?”. Aí, o Osvaldo que tem experiência nisso, montou já uns quatro ou cinco núcleos, na época
que ele morava em Oswaldo Cruz, que já montou uns quatro ou cinco núcleos, que ele morava em
Oswaldo Cruz núcleo da Petrobrás ele participa, tivemos essa experiência, fizemos um ano de
reunes, assim como montamos o pré, com ex-alunos, novos, Paulinho que fez geografia na
PUC, você deve conhecer, um gordão, que foi coordenador também do Rio das pedras, professor
também, Mario _____, que também faz ciências sociais na PUC, mais o Alair, que foi, inclusive é
ex-aluno nosso, foi presidente da associação de moradores enquanto deixaram ser, numa ______,
a corrupção estava tão grande que a associação de moradores lançou como candidato, o grupo
mandante da potica local permitiu que ele fosse moralizar um pouquinho, porque até os caras
estavam querendo um pouquinho de moralidade no negócio. Eu achei isso legal. Ele
____________ficou só dois, depois de dois anos “agora chega”_____________________. Saiu,
se afastou. E aí a gente começou a caminhar por várias reuniões, trouxemos lideranças do PT para
falar para a gente, Molon, Chico Alencar, José Francisco, Milton Ramos, que hoje é presidente do
PT aqui no Rio de Janeiro, para explicar para gente, e até para parabenizar, porque a gente estava
no caminho contrário. Normalmente as pessoas entram no partido, e do partido vão para o
movimento social. E a gente estava no movimento social e cria um grupo, não largar o movimento
social, mas esse grupo montar uma estrutura aproximada aqui no Rio de Janeiro. E montamos um
núcleo, isso em 2002 para 2003. Um núcleo com 40 pessoas, assim, entre ex-alunos e professores.
Inclusive aquele professor que era de direita, o _____, entrou para o nosso núcleo. Se filiou ao PT
pelo nosso núcleo. Muito legal isso. Então eu achei que era, assim, no começo eu fui um pouco
contrário a isso, mas acabei sendo convencido e achei que se tornou saudável. E eu, juntamente
com o Osvaldo, a gente deu apoio, deu força, nos comprometemos a nuca sermos dirigentes do
582
núcleo, deixar para a moçada ser, eles que querem, e sempre foi. O Alair foi presidente do núcleo,
o Paulinho já foi também, agora quem é o ________, que é o rapaz que faz ciências sociais na
PUC. É uma liderança na Cidade de Deus hoje, um cara muito atuante e trabalha no nosso núcleo
fazendo potica, fazendo, lançando ______ dentro do partido, naquilo que estava previsto, uma
via de transformação social. Eu acho que o que falta para agente realmente é essa questão que
você colocou muito bem, ou seja, uma integrão maior com o bairro, mas não como um núcleo
partidário, mas uma integração maior com o movimento social para o bairro, avaliando os
problemas do bairro, de repente, resgatar uma questão da preservação ecológica, o Bosque da
Freguesia. O problema é que o pré acaba sendo muito ligado, se restringe a questão da educação.
Quando vai para a potica, vai, mas a potica ligada à educação. A questão das cotas, mas de
certa forma está ligada também à questão da educação, não como solão da educação, mas como
um dos problemas ligados a área da educação. Então, sempre a educação passa de uma forma ou
por outra. Eu acho que talvez essa cultura precisasse abrir, isso fosse um dos defeitos do fórum.
Tem pouca articulação nesse sentido realmente.
R – Você acha que tem pouca.
Robson – Eu acho. Deveria ter mais. Eu acho que deveria ter a questão ecológica, a questão
desses cortes...
R – Eu perguntei isso porque teve uma vez que eu vim fazer uma palestra no Anil, e na hora que –
foi até um dia que estava chovendo e tal, eu acho que você estava nesse dia – e aí na hora que eu
saí, eu não me lembro o nome das pessoas, mas tinham, eram dois caras e uma moça, até não era
muito moça, já tinha mais idade ela, e aí eles estavam discutindo – quer dizer, eu peguei rápido
porque eu estava esperando estiar a chuva para poder sair –, eles estavam falando de uma
articulação para discutir não-sei-o-que de saneamento em algum lugar aqui. E, assim, era uma
outra, alguma articulação política...
Fita 1 Lado B
Robson – Então, o pré Taquara ele tem uma ligação com o partido potico, assim, não é uma
ligação direta, é uma coisa, assim, é uma coisa meio que surgiu em função do (...) Bom, então,
tem, assim, nasceu, os militantes são os mesmos. O pessoal é super politizado lá, e a igreja local é,
então, o ambiente é propicio para isso. E esse grupo social desejava, nessa ocupação organizada, o
grande ______ lá é um cara super articulado dentro do PT, o João Marcos, ele não tem vinculo
com o pré, mas o João tem vínculo com ele, o João é um cara que trabalho no pré, ele fundou o
pré de lá.
R – O João é um, e o João Marcos é outro?
Robson – Isso. O João Marcos é um cara do PT mesmo, do ________, não tem nada a ver com o
pré. O João não, o João, eu nem sei o sobrenome do João, só o conheço como João, professor de
geografia, é um cara ligado ao núcleo de lá, ligado ao PT, trabalha com o João Marcos, ele fundou
o pré, trabalhou com o pré e aí tem essa ligação. E é legal porque o _______ construiu no local
umas casas e ainda construiu num local perto da associão de morados deles que tem até um
plenariozinho, teve debate, nós fizemos debate dorum ali. Levamos pessoas para discutir,
levamos o Tobias, o Alexandre Nascimento já foi lá, a Jô. Teve debates ótimos sobre as cotas lá
dentro, e ele tem essa vinculação. Já aqui a coisa foi um pouco diferente. Lá já existia um núcleo
do PT e o grupo decidiu montar um pré. Tem um outro pré também lá, que não é articulado com a
gente, que é o pré Boiúna, que parece que é um pré mais ligado ainda ao partido. Ligado a este
projeto do PT Japa e ligado ao partido. Mas é uma coisa muito, assim, muito independente, não
faz parte de nenhum movimento social, não faz parte da Educafro, do PVNC, bem independente
583
mesmo. Eu acho isso ruim, eu acho que se perdeu até com a criação da Educafro um pouco disso
também. A organização como um todo, quando você cria o movimento social, tem um poder de
pressão. Eu me recordo, uma vez que eu fui à Cidade com a minha esposa, para o trabalho,
segunda-feira de manhã, ela indo para dar aula e eu indo para o meu trabalho, e aí a gente pegou
um engarrafamento mostro. Desci da serra, ____________, tinha uma passeata de estudante pela
passagem livre. E aí é aquela história, a sensação de egoísmo, eu comecei a me questionar “o que
eu tenho a ver com isso? Estou aqui agora, estou atrasado para o trabalho”, aquela sensação de
egoísmo que bate no coração, mas você fica na sua. E aí até entrevistaram o rapaz,der do
movimento, da rede pública, chegaram para ele e fizeram uma pergunta que estava no meu
coração: “legal essa mobilização, mas você não acha que poderia fazer de outra forma isso, uma
vez que o cidadão que está no trânsito agora, está sofrendo com o engarrafamento, e ele não tem
nada a ver com este problema, você não acha que poderia fazer em outro horário, de outra
forma?”, e aí o rapaz, muito educadamente, jovem, secundarista, falou assim: “olha, em primeiro
lugar eu queria pedir desculpas para as pessoas que estão nesse engarrafamento, nesse trânsito, eu
entendendo perfeitamente que é realmente, assim, uma perda muito grande, uma dificuldade, mas
tem dois aspectos: primeiro, se não fosse estarmos fazendo movimento nessa hora, causando esse
engarrafamento, você não estaria dando espaço na sua rádio, a CBN, a essa hora da manhã,
falando aqui nesse momento, que nessa hora agora tem jovens na favela a mercê do tráfico que
não estão indo para a escola porque não têm como pagar a passagem de ônibus, e isso causa um
problema que não é só dos jovens só, é nosso, da sociedade como um todo, que está alimentando a
violência e outras coisas mais”. Eu achei aquilo tão brilhante que eu falei assim “vou chegar
meio-dia no trabalho. Está ótimo”. E esse tipo de percepção do movimento social ela é importante
dentro do pré. Eu acho, assim, fantástico quando as pessoas têm esse tipo de percepção. Na
Taquara tem essa ligação maior desse pré em separado, só que quando você tem esse tipo de
conquista, quando você tem uma organização, uma instância maior, o PVNC, são quantos
núcleos? Vamos supor aqui: são 50. 50 núcleos, o coordenador dá entrevista a CBN a favor da
cotas. Agora se eu tenho 50 núcleos, se eu tenho 100 núcleos independentes, que não se articulam,
vira moda. “Conhece os pré-vestibulares daqui?”,“ah, é uma moda que inventaram aí”. Moda é o
escambau. Pobreza não é moda, essa porra não é moda, essa porra é necessidade, entendeu. Isso
surge numa necessidade criada como conseqüência da privatização dos sonhos, da falta de
coletivismo. Então, quando você tem uma instância maior, por isso que eu lamentei por um lado,
eu lamento, por um lado, mas tem mérito por outro, quando tem a cisão da Educafro com o
PVNC. Eu lamentei porque você perdeu em articulação. Antes da cisão o Frei Davi dava
entrevista à CBN, o Alexandre falava, o Marcio Flávio. A sociedade passou a dar conta, o quanto
a sociedade acordou mais consciente, não foi porque a Rosinha tem consciência. Porra nenhuma!
Foi porque existia uma pressão, existia uma demanda, existia um questionamento “cota para
negro?”, e aí o movimento social perguntou: por que não? É, por que não? Entendeu? Tem que ter
essa voz de articulação na sociedade. O movimento social é uma via de democracia indireta que
hoje funciona mais que a de direta, que é o partido político, que é a instância partidária, que é
potica pública. Então, dentro deste cenário, eu acho que a organização maior ela tem uma
primazia que é importante, por isso que eu lamento. Por isso que eu tenho uma certa ressalva, e eu
me entristeço por um lado, mas respeito as posições, dos núcleos que se tornam independentes.
Como o caso da Rocinha. Eu acho que é uma opção, é natural. A dissidência ela é importante
porque é na dissidência que a gente cresce. Inclusive quando um movimento social cresce muito
se tornam donos da verdade e não enxergam outras realidades. Eu duvido, e eu recebi muita
crítica do próprio Frei Davi, eu era criticado por estar escondendo, deixando de lado a questão do
negro aqui. E muito pelo contrário, nós estamos incluindo também na questão o nordestino, essa
galera está sendo incluída. “Não, mas o negro é importante e você está fugindo”. Então, eu fui
criticado, duramente criticado. Fomos chamados de pré Cabide. Mas eu acho boa a critica porque
faz a gente pensar “será que eu não estou realmente, de repente, em algum aspecto?” – pode ser.
Só que quando a gente começa a partir muito, a gente se fragmenta. Por isso que eu louvei a
atitude do Alexandre de montar uma rede nacional de pré-vestibulares comunitários. Porque aí
você pode ter a dissidência que tiver, mas vai ter uma federação, você vai ter um grupo maior, e aí
você vai ter um respaldo de seis ou sete movimentos sociais de peso por trás. Uma CUT. Mas
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uma CUT de pré-vestibulares comunitários. Porque, cacete, essa porra surge com a situação que
está a educação. Pura e simplesmente. Eu até vou além, eu acho que a cota é um outro problema, a
questão racial é um outro problema da sociedade. E ela tem que ser separada. A minha visão é:
você tem a questão da cota e a questão da educação. São dois problemas, e um não resolve o
outro. Você pode resolver a situação da educação, você pode colocar uma educação de qualidade,
pode mudar esse país daqui a 20 anos, fazer o que fez a Coréia. Não é um caminho que nunca
ninguém fez. A Coréia fez, a Irlanda fez isso. A Coréia tinha os mesmo indicadores educacionais
que o Brasil 20 anos atrás. A Irlanda é um exemplo ótimo. “Ah, mas a Irlanda recebeu uma
injeção quando entrou no mercado comum europeu”, Portugal também recebeu. Vai ver como
está a educação de Portugal e na Irlanda. Só que a Irlanda priorizou a educação, os caras
priorização a educação, e hoje os caras são o 5º IDH do mundo, superando países como Inglaterra,
como França,olha que coisa interessante. Eles fizeram uma opção. Só que essa opção eu acho que
se fizer isso também, ela é importante, mas ela não esgota a questão racial. Vai melhorar a
educação, mas como diz o Ricardo Henrique, vai continuar aquela classe paralela: branco mais
incluído que o negro. E é verdade isso. Por isso a cota, a cota faz isso. Eu acho muito ______ esse
tipo de discurso. Esse é o discurso de inclusão. São dois problemas só que a gente não consegue
resolver nem um nem outro hoje. E eu acho que a gente só consegue resolver isso com
organização, com movimento social, com fórum permanente. O fórum é um instrumento de
articulação nesse sentido. Uma mini federação de Jacarepaguá, que tem o prazer de receber a
Educafro. O pessoal da Educafro tem uma certa resistência. O que eu critico na Educafro, por
exemplo, é essa visão que eles tem de trabalhar na Baixada, em São Paulo e em Jacarepaguá da
mesma forma. São realidades distintas, não pode ser assim. Porque mal ou bem é você não
reconhecer. Porque mal ou bem os núcleos de Jacarepaguá da Educafro eu duvido que trabalhem
igual a um núcleo que trabalhe na periferia de São Paulo. Duvido. Mas o trabalha mesmo. Por
mais que seja a orientação trabalhar igual não vai trabalhar nunca e você não olhar com olhar de
fraternidade para cima das diferenças regionais você vai condenar o núcleo, se você obrigar o
núcleo... A sorte da Educafro, aí eu não sei se é incompetência ou se eles sabem disso e fazem
“vista grossa”, é permitir que de repente um núcleo no meio caminho caminhe sozinho nesse
sentido. Porque se tentar intervir nesse mecanismo ocleo vai acabar.o dá para você achar
que todos os problemas, tipo marceneiro, vai resolver tudo com martelo. Não dá. Tem
instrumentos diferentes, tem realidades diferentes e essas realidades têm que respeitadas. Esse
também é um objetivo legal do fórum porque na realidade a gente não criou com esse objetivo,
mas a gente percebe que ele se tornou um instrumento nesse sentido. Respeitar as realidades,
respeitar os problemas. Você vai da Taquara parasão prés completamente diferentes. Eu dei
palestra lá, falei lá, já dei aula lá em alguns momentos e eu percebo características bem
distintas. Os alunos mesmo, a realidade dos alunos. É diferente daqui, é diferente da favela daqui.
É engraçado isso, mas existe e você tem que saber lidar com esse tipo de questão, e o fórum vai
nesse sentido. E o partido potico foi uma das vias que surgiu de alguns alunos que mergulharam
nessa via, nessa luta. Alguns estão no fórum também, mas a gente mantém uma postura muito,
assim, acima disso tudo. Não é porque eu... E eu acho até que esse é o lado bom da crise porque
se existisse uma verdade absoluta, o PT era a única salvação da potica. Eu tinha muito medo
disso. Porque na hora que rolou uma decepção, fudeu,você fica sem alternativa. É os
mandatário, a crise dos mandatários em off. Eu tenho intimidade com o Molon, ele passou uma
angústia danada agora “o que eu faço? Para onde eu vou? O PT está isso, e eu vou para onde?”,
ele começou a pensar em sair. PSB? Essa coisa horrorosa... Partido de direita nem pensar. PSOL?
O PSOL está surgindo com muito problema com dissidentes, com dissidências, com falta
_______. É complicado, é difícil realmente. Então eu acho que o partido potico é um
instrumento que está lá, tem que ser utilizado, tem que ser pressionado, mas o mais importante é a
sociedade. É o projeto que o PT esteve do lado há seis anos atrás, oito anos atrás, quando passou
os meios justificarem os fins esqueceu da importância que é politizar a população, trazer a
população para dentro do projeto potico, para dentro da questão do socialismo, da questão de
transformar a realidade da sociedade através da própria sociedade. E aí isso eu acho que o pré tem
mais disso. Você dá consciência para aqueles garotos, os caras passam a questionar, os próprios
alunos questionam o poder paralelo que a gente tem lá: “mas será que vale a pena ficar sujeito a
585
essa turma que a gente é obrigado a eleger esses caras e os caras são um bando de picaretas, mas é
o poder local, a gente não mexe nisso”. Eno, se todo aluno, se todo aluno chegar no final do ano
pensando isso: missão cumprida. Porra, beleza, está ótimo. É um cara questionador. E aí você vai
inserir nessa gama dos alunos Olha, eu tenho as minhas resistências, mas você vê o aluno como o
Marcio Flávio, que teve essa oportunidade. Você conhece o Hélio?
R – Ventura?
Robson – Ventura. Estava ele e o Márcio trocando e-mail do fórum sobre a postura da PUC. A
PUC está reduzindo as bolsas em função do PROUNI. o Hélio, com toda a sua...
R – Trocando e-mail do PVNC mesmo?
Robson – Do PVNC, do fórum. É do fórum, mas a gente recebe os e-mails do PVNC. Aí ficou o
Marcio e olio discutindo, o Hélio e o Fernando também, colocando assim: “eu acho que todos
eles têm razão, mas o que eu acho bonito é o debate. O debate é que é louvável”. O Hélio falou
assim “mas, Marcio, a gente tem que lutar porque nós vamos perder as nossas vagas com relação
a PUC”, as vagas dos movimentos sociais ligados a questão do negro. E aí o Marcio coloca uma
questão não com relação ao negro, mas as nossas vagas que o Hélio fala, são as vagas do PVNC.
Porque a PUC argumenta assim “olha, estamos dando vagas para o PROUNI. O PROUNI já tem
o critério de trazer o negro, de privilegiar as cotas, de privilegiar o funcionárioblico de baixa
renda, o professor para fazerem uma faculdade”. E o Marcio fez uma pergunta que eu estou até
hoje me questionando, ele fala “mas Hélio, as vagas são nossas?”. Puta que pariu, esse cara tá
louco, cara. Esse cara há de anos não pensava isso. E é verdade, ele tem razão, as vagas são
nossas? Quem dá essas vagas para gente? É o mesmo discurso, é o que o rapaz falou para mim no
debate, falou para você também, “mas e a minha vaga?”. A vaga não é minha nem é sua.
R – Eu acompanhei essa discussão também, eu recebo os e-mails do PVNC e o Marcio falou “na
verdade isso é uma vitória porque aquilo que a gente sempre fez diretamente com a PUC virou
potica pública, a gente transformou a nossa demanda numa política pública”.
Robson – É claro que a gente tem, eu tenho as minhas críticas ao PROUNI, acho que muita gente
tem críticas ao PROUNI, e é verdade, não é... Cadê o dinheiro da escola pública? Porra, o governo
vai pagar ano que vem a proposta inicial do orçamento era 8% de superávit fiscal primário, porra,
180 bilhões de reais contra 18 bilhões de investimento, de ampliação de vagas na universidade, na
saúde. Vamos inverter assim, por curiosidade, não vão fazer isso, porque vai implicar... Mas
como exercício, vamos fazer uma brincadeira: o que a gente faria com 180 bilhões de reais?
Bom...
R – Esse é o tamanho da renúncia fiscal?
Robson – É.
R – Do PROUNI?
Robson – Não. Esse é o tamanho do valor que o país vai pagar de juros da dívida. 180 bilhões. E
tudo com relação aos investimentos sociais chega na casa dos 18 bilhões. Porra, se com 18 bilhões
nêgo está dizendo que faz PROUNI, com 180 o que a gente não faria? O que a gente não faria?
R – Imagina um ano de interrupção de pagamento da dívida.
Robson – É claro que a gente não pare de pagar a dívida, tudo bem, mas então vamos chegar a um
meio termo, não vamos pagar 180, vamos pagar 90 e vamos investir 90? Entendeu, Renato, esse
que talvez seja o grande debate. E eu acho que não é o PROUNI que é o grande problema, apesar
586
de reconhecer avanços no PROUNI. Voincluir aluno negro, pobre como prioritário do acesso
ao PROUNI é louvável.vi uma vez o Alexandre colocar a porra do ______ a questão das cotas
nas universidades. São sempre eles, _______ são sempre eles. _________ sempre foi,
eternamente, a nossa briga é essa. E isso tem que tomar cuidado com relão às próprias eleições,
com relação ao voto. Tem que tomar muito cuidado, tem que valorizar os bons mandatários. São
poucos, mas tem, não dá para valorizar qualquer um. E aí eu fico muito preocupado porque há
avanços no PROUNI, há coisas interessantes, a sociedade tem um ganho interessante. Eu tenho
um amigo que é reitor de uma universidade particular, inclusive trabalha com a minha esposa
também na Estácio, e ele reconhece que existem avanços. Ele fala “para a sociedade é ótimo, você
tem gente ali estudando hoje, que entrou na faculdade e o cara não tinha a menor condição.
Porque o cara não dava para parar de trabalhar, para estudar, para entrar numa UFRJ. Mas o cara
consegue entrar para a Estácio. E a Estácio tem bons cursos”, e tem mesmo. Para esse cara é up
grade.
R – Claro que é. De repente o cara entra em geografia na Feuduc, por exemplo, para mim seria
uma desgraça. Eu estudei no Fundão, fiz mestrado no Fundão. Para o cara que está no interior de
Caxias, jamais ia entrar no Fundão. Para ele aquilo é um avanço. Ele é o primeiro da família dele,
é o primeiro da rua.
Robson – Claro. E daí é um passo. De repente ele vai fazer uma pós, vai conseguir um emprego
ligado a área dele, vai virar professor, e aí de repente pelo próprio PROUNI, de repente no ano
seguinte ele vai para a PUC. Eu acho que é um início, eu acho que não é ruim. Eu acho que o
próximo passo é que a gente nunca dá. Mas tudo bem. Tem que saber reconhecer as coisas.
R – Agora, me explica, como é que é o funcionamento do fórum?
Robson – Claro. O fórum a gente faz reuniões mensais com os coordenadores de núcleo, ou os
representantes enviados pelos núcleos. Uma reunião em cada núcleo, normalmente...
R – É itinerante.
Robson – Exatamente. E os núcleos que mais participam são os três: Taquara, Rio das Pedras e
Anil. São os mais... Os outros participam eventualmente, vêm nos eventos. E hoje a gente procura
fazer, discutir os problemas em comum, ausência dos professores, falta de articulação com a
sociedade, realidade nossa com relão, por exemplo, as dificuldades do pré de espaço. A gente
vê problemas clássicos da escola aqui do ________. Então, por exemplo, a gente vê que o fórum
possui dentro dessas regionalizações, dentro dessa discussão toda, você vê os professores (...)
Então, a gente, essa dificuldade com relação aos professores, a espaço é clássico, a gente através
do fórum nós mandamos para o Molon a idéia de uma lei, porque os diretores de escolablica
porque a escola pública é um espaço privilegiado para o PVNC, os prés têm que funcionar, ou
parte, ou em algum momento dentro da escola pública. Então, a gente encaminhou o seguinte, os
diretores argumentaram que não podiam liberar o espaço, não podiam liberar o espaço, porque
não pode, não pode... Eno cria uma lei que pelo menos permita os diretores fazerem isso. Criou
a lei. Se eu não me engano foi aprovada nesse ano, e ela possibilitava, facultava as escolas de
emprestar independente de qualquer determinação de prefeito, ou de regionais, ou de diretor,
proibia proibir. Proibia proibir o espaço para os prés comunitários, sem fins lucrativos. Foi um
ganho, foi um ganho. A articulação dos prés de Jacarepaguá, em conjunto veio o PVNC, veio todo
mundo depois, mas a iniciativa foi nossa atras de um contato com o Molon. A gente tem, a
gente se preocupa em formar os professores à luz da nossa realidade, à luz da nossa característica,
e à luz dos movimentos sociais _________ daquele movimento que você foi. A gente faz uma
tarde, ou uma manhã. Antigamente era o dia inteiro, mas agora a gente faz só um período, de
formação, onde a gente traga pessoas para falar sobre a pedagogia do oprimido. A falar das
questões do Paulo Freire, ensinar a trabalhar com o excluído. Mostrar que o nosso objetivo,
mostrar que o objetivo do pré não é simplesmente aprovar alunos na faculdade, é formar cidadãos,
587
isso é o mais importante. Se ele vai para faculdade melhor, porque ele vai ser um cidadão na
faculdade, mas se não aprovar, não tem problema, o importante é formar um cara, dar noção de
cidadania para esse cara, e aí entra as questões do movimento social. Então, esse é um dos eventos
que é organizado pelo fórum, com a ajuda dos professores. Dia da consciência negra é um
movimento que é do fórum. E a articulação, preparação das coisas ligadas mais ao PVNC. A
gente até toma um certo cuidado com isso porque a gente já teve um problema dos prés da
Educafro, no sentido de se excluírem deste tipo de debate e se afastarem um pouco. Então, a gente
toma um certo cuidado... A última reunião que foi agora, dia 05 de novembro, foi no pré do Rio
das Pedras, a próximo será no pré Taquara. Se eu não me engano, sábado agora, dia 10 de
dezembro. Vai ser no pré Taquara, e a gente vai fazer um encerramento, só que a gente está com
uma dificuldade, porque vai ter uma, um seminário lá em Campo Grande, e a gente está tentando
fazer a reunião lá. O fórum lá junto com o pessoal, para articular melhor. O pessoal de Campo
Grande é um pessoal ótimo, a gente conhece, não é ligado ao PVNC, são prés independentes, dez
prés, interessante isso, não é. Eu já até fiz um debate com o responsável lá, o Tobias, o Tobias
_____, não sei se você conhece. Ele é assessor do Molon, um cara super politizado, um cara
ótimo, de igreja também, mas assim, de uma ala libertadora da igreja, e ele... Eu já tive com ele
uns debates bons, de mostrar para ele a importância que esses prés caminhassem juntos. É aquela
história, né, um mais um é mais que dois. Mas a importância deles se unirem nesse sentido, ele
achou interessante, quer dizer, ele acha que tem dificuldade porque o movimento é muito grande.
As pessoas têm resistência a isso, acham que um pré vai querer se meter no outro e tal. Ele até
pediu também há um tempo atrás que a gente fosse lá mostrar a experiência do fórum. Está aqui.
Mostrar a experiência do fórum e ele gostou da idéia. E a gente acabou se articulando tanto que
agora a gente vai fazer esse seminário lá. O pessoal de lá está cedendo um espaço para participar
junto com a gente no dia 10. Foi mais ou menos essa discussão, ele faz parte do grupo e-mail do
rum, vê os e-mails das atas, das deliberações.
R – Você tem as atas do...
Robson – Tenho, tenho. A turma é meio preguiçosa, às vezes manda pela internet. Mas tenho.
Toda reunião, eu sempre cobrei isso nas reuniões que eu ia.
R – Tem como eu ter acesso a essas atas?
Robson – Ter tem, Renato, só tem que achar. Eu posso pegar, eu acho que eu tenho, sabe aonde?
Eu acho que no yahoo grupos eu sei entrar nos e-mails antigos. Se não foram apagados, eu tenho.
Vou dar uma catada, o que eu achar eu te mando. Pelo menos uma.
R – Se pudesse pegar todas seria ótimo, porque eu queria esquematizar temas que foram
debatidos.
Robson – Eu te dou o login e a senha, e aí você entra a cata lá. É e-mail para cacete, mais de mil.
Mas eu faço isso depois eu te passo por e-mail a senha, aí depois você me... Não tem problema
não, o cara entra ali, apagou... Mas eu te passo a senha, é mole, é fácil, e aí você consegue ir, dá
uma olhadinha, nos e-mails antigos. Eu acho que tem, eu acho que tem como ver isso. Anota
aí, você quer anotar? O e-mail é rum_pvnc@yahoogrupos.com.br, e a senha é marivani00.
Marivani é a esposa do Osvaldo. Aí você vai lá e vê em mensagens, você deve achar em
mensagens antigas. A turma não tem mandado nada. A última vez que eu abri lá, não tem
mandado. Agora, as datas mais antigas, do início, e isso é legal porque você vai ver, por exemplo,
no início, eu acho que tem assim, uma parte que, principalmente no yahoo grupos, tem uma
estatística de mensagens por mês. Então tem desde quando o grupo foi criado, e o yahoo grupos é
da semana seguinte da fundação do fórum. Então lá você vai ver a data certinha. Entra lá, não tem
problema nenhum não. Não tem problema algum. A gente utiliza ele como instrumento de
comunicação. Eu acho que deve umas trinta pessoas inscritas lá. Mas é isso. Eu acho que você lá
vai encontrar muito material.
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R – São tratados temas fora desse... Você falou de temas que são temas intrínsecos às dinâmicas
dos ps vestibulares. Além disso, outros temas são tratados dentro dos fóruns ou não? Você falou
que a constituição desse núcleo do PT surgiu um pouco dentro da dinâmica dos prés e do próprio
fórum...
Robson – Nós temos participantes, mas não fala...
R – Mas de inicio o era tema de...
Robson – Não tem nada que proíba, mas o pessoal não articula nesse sentido. E tem o seguinte:
ah, o núcleo do PT vai organizar um debate potico aqui e tal”, aí, dá nos informes, e se der,
porque o núcleo também já dá informes dos eventos do pré. Ano de eleição, então, é prato quente,
vai fazer debates de candidatos... É engraçado até isso pelo seguinte: todos os debates até as
últimas eleições que tiveram organizados pelo fórum – porque teve debate que não era pelo
fórum, é para ter uma quantidade boa de pessoas – foram candidatos de esquerda. É engraçado
isso, não é? Eu acho particularmente ótimo. Ótimo porque a turma da direita já tem o espaço
deles, os caras ... E eles também o vêm, essa também é a verdade, não vêm porque sabem que
o tomar porrada. É muito engraçado, teve um debate uma vez, um debate em 2002 que veio o
Raimundo Oliveira, da UFRJ, conhece ele? Professor de engenharia, foi candidato a deputado
estadual do PSB. Então veio ele, o Molon, como estadual, como federal veio o Ângelo Pasquoto,
que também não sei se você conhece, é um amigo nosso também. E veio também na época o
Geraldo Candido porque o Chico não pode vir. Não pode vir não, a turma deu mole e avisou
muito em cima. Mas veio o Geraldo Candido do PT. E veio senador também, veio uma menina do
PSTU, que eu esqueci o nome dela, uma senhora da área da educação, e veio o Guttman, que é da
Petrobrás também, que era pelo PcdoB, candidato a senador. Dali só quem foi eleito foi o Molon,
quem assumiu mandato foi o Molon. Mas foi muito legal, foi interessante pelo seguinte, O
Geraldo e o Molon ganharam voto de todo mundo. O Raimundo oliveira levantou – o debate, um
dos assuntos foi sobre cotas – e o Raimundo falou assim: “eu sou contra a cota, inclusive, se
como é que é? – não precisa nem votar em mim, quem é a favor da cota não vote em mim”, pelo
menos achei correto dele, foi coerente, mas “não vote em mim porque eu sou radicalmente
contra”. Eu achei uma estupidez. E aí o Molon ficou favorável e realmente ele é favorável às
cotas.
R – E o __________.
Robson – Ele teve até uma votação razoável com 3.000, 4.000 votos, mais o pessoal da UFRJ que
acabou dando a votação para ele. Então, a gente sempre ficou nessa de esquerda, sempre nesse
sentido. É engraçado isso. E nessa época a gente até tentou trazer de direita. E até teve um debate,
acho que foi para vereador, a gente chamou candidato de direita, porque primeiro o fórum teve
muito disso “ah, não, esse cara não”, mas aí os caras não vieram também, não quiseram vir. Teve
um debate de vereador que o presidente da câmara municipal, Dr. Moreira, não quis, alegou que
tinha um outro evento e tal. Eles sabem, vão vir e vão tomar porrada. Vai bater num cara a torto e
a direito ligado ao César Maia, então os caras mesmo não vêm. Preferem fazer o tipo potico para
ganhar votos. E aí normalmente fica mais o pessoal de esquerda mesmo. São eventos organizados
pelo fórum. A gente organiza, discutimos quais são as perguntas, os temas a serem abordados, a
temática, a esquematização disso. E é legal também uma coisa que o fórum faz, que é o seguinte:
quando tem esse tipo de evento, por exemplo, curso de profissionalização com professores, não e
o fórum que organiza, o fórum patrocina. Mas o fórum que ________. Todo pré tem equipe
pedagógica não tem? Então, qual é a linha desse ano? A linha desse ano é Paulo Freire. A gente
discute a questão estratégica do fórum. Então a gente vai aprofundar a questão de Paulo Freire,
trabalhar com excluídos. Beleza. Agora quem é que vai colocar isso em prática? A equipe
pedagógica de cada pré. Reúne, se vira e na próxima reunião do fórum traz um modelo para a
gente aprovar. Aí, a equipe pedagógica marca no pré... Isso é muito legal, muito positivo. Pelo
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menos os encontros que a gente participou foram ótimos. E é legal que a reunião do fórum, você
vai ver assim “a reunião do fórum teve cinco pessoas”. É, são cinco núcleos. A questão é a
qualidade da coisa, ou seja, se tiver um coordenador de cada núcleo, está ótimo. Precisa ter
quatro, três pessoas é o ideal. Três pessoas, são dois, um de cada núcleo. Então, o objetivo é
exatamente esse até para que a coisa fique mais... Não que seja fechada a outras pessoas. A gente
já teve com 12 pessoas e só dois núcleos. Às vezes eu tenho cinco pessoas, mas tem cinco núcleos
ali representados. Porra, sensacional. É show de bola. Essa é a temática de como deve funcionar a
questão dos princípios. Até as últimas duas reuniões eu não fui em função de estar me preparando
para concurso público, por questões particulares. Mas eu acho também bom para que eles
caminhem sozinhos também. Eu não gosto de ficar muito em cima deles senão eles se tornam
muito dependentes de mim ou do Osvaldo, aí eu procuro dar umas faltadas estratégicas “olha eu
não vou, hein, só vou ano que vem agora”, está bom...”. Então eu acho isso _______ também.
Fora as ______, ________.
R – Existe uma última questão. Tanto você quanto, parece que, o Osvaldo também tem uma
militância além dos prés, e um pouco do partido também, junto à igreja.
Robson – Sim.
R – Como é essa relação, como você vê essa, existe aí uma ponte e tal?
Robson – Particular com relação a mim é o seguinte: a minha primeira militância foi na igreja a
minha vida no movimento social surgiu dentro da igreja. Eu fiz curso de crisma, aquela coisa
dentro de igreja, freqüentava grupos jovens, e comecei a perceber dentro da própria doutrina,
dentro daquilo que Cristo ensinou, que a minha fé não podia se encerrar. Uma coisa
______________ a fé sem obra é a morte. Então eu não podia ficar restrito, a minha, a minha fé
era uma coisa individual, a minha relação com Deus. Até porque a relação se dá através da
comunidade, né, a comunidade organizou um grupo, coletivizou os projetos dele. Não é um
projeto de salvação única, é um projeto de salvação para o reino de Deus. Inclusive a gente coloca
muito aquela questão de reino de Deus: “quando eu morrer eu vou para o reino” e isso está errado.
Não que esteja errado no sentido que você vai para algum outro lugar. Mas no sentido de que o
objetivo do Cristo está na oração do Pai Nosso:venha a s. “Eu vou”. “Pai Nosso, reserve para
mim uma sala no reino”. Não.Venha a nós ao vosso reino”. Eno isso é um chamado para que a
gente faça o reino de Deus, ou seja, para que a gente traga um projeto de sociedade diferente
dessa coisa horrorosa que a gente tem aqui. Esse sistema excludente, elitista, que não trabalha
com a inclusão das pessoas. Então a minha fé parte desse sentido. E aí com quanto mais a gente
estudando, mais a gente ______alguns padres, bispos, Dom Paulo Evaristo _______, Dom Pedro
_______, como Dom Helder Câmara, você começa a perceber que a dimensão da fé ela se
complementa com a dimensão da ação potica. E a ação potica não é questão partidária. Potica
cidadã, potica de ação de inclusão. Então, no caso a maioria das pessoas que são de igreja que
mergulham no movimento social mergulham no anseio que a fé desperta na pessoa. É uma
questão muito particular de quem é de igreja até porque eu acho que isso não é via de regra. Vo
tem pessoas que nãoo cristãs, que se dizem não cristãs que fazem trabalhos sociais muito
maiores de quem se diz cristã. Um exemplo disso é o Betinho. O Betinho foi um exemplo
formidável. Inclusive ele é ateu. Tudo bem que o ateu dele que ele colocava, era o ateu, eu gosto
muito da história do Betinho, em função da forma como a igreja se portou na época da ditadura.
Ele era de igreja. O Betinho era de igreja. ___________ que hoje da aula na PUC que era amigo
do Betinho de militância, no JUC, juventude unida católica. Que foram movimentos políticos de
combate à ditadura. E a igreja não deu apoio para a JUC. O Betinho fica magoado com isso e vira
ateu em função disso. O sentido do ateísmo do Betinho é por aí. Agora, não dá para dizer que um
cara dentro da fé cristã _________um cara como o Betinho ___________então eu não acredito
então. Então, eu acho que é uma questão muito particular, entendeu, Renato, eu acho que quem é
de igreja, começa a estar indo a mensagem de Cristo não dá para ficar indo a missa, só ali
rezando, pedindo a Deus sem instrumentos. Como é que a gente vai fazer sem instrumento a gente
590
estar passando a graça divina com irmão, para o próximo, para o vizinho? Nesse sentido para o
negro, para o excluído, o aluno que quer uma vaga na universidade, o cara que está excluído do
processo extremamente elitisado do vestibular. Então isso é um meio de colocar o reino para cá,
trazer o reino. Então esse é o grande chamado do reino. Então, é o contrario, ou seja, a militância
ela vem, ela surge como conseqüência do engajamento de igreja.
R – A minha questão é a seguinte: além dessa, na verdade, o que você está me colocando, os
valores que movem a sua ação como militante são valores que emanam dessa sua relação com a
igreja, com a fé e etc. Mas você falou também no meio da sua fala a forma como você, e o
Osvaldo e tal, encaminham a ação de vocês dentro dos prés é uma forma que é muito, que
também é um pouco muito influenciada por uma necessidade de levar exatamente essa forma de
ação, essa forma de canalização da fé para tencionar pessoas que estão dentro da comunidade
católica aqui.
Robson – Ocorre.
R – De certa maneira...
Robson – Usar o movimento social para mostrar...
R – Para influenciar a comunidade dentro da igreja. A melhor forma, vonão vai a igreja só para
louvar a Deus, não só por isso, pelo individual, mas você se coloca como alguém que tenta agir
politicamente dentro daquele ambiente cristão, no ambiente da igreja. E uma das maneiras que
você faz isso é levar a realidade do pré lá para dar um choque de realidade e de fé através dessa
realidade. Ou canalizar a fé através dessa realidade. Então, assim, de certa forma você usa o pré
como uma maneira de mobilizar politicamente, de dar uma chacoalhada política dentro desse
ambiente da igreja. De certa maneira tem uma influência aí da sua... Primeiro, da construção dos
seus valores na igreja para sua atuação no pré, e segundo, da sua atuação no pré para a sua atuação
potica dentro da própria igreja.
Robson – São coisas interligadas que você levantou agora que é o seguinte: isso acontece mais no
sentido... Eu vou confessar a você, eu tenho também uma questão pessoal intima minha que me
deixa profundamente incomodado, a pessoa que vai a igreja, que crê naquilo que é a proposta de
Jesus Cristo, mas é elitista, é excludente, é reacionária...
R – É uma questão mesmo de consumo, que vai lá para comprar sua ida no céu, seu lugar, seu
terreno...
Robson – Me incomoda, perfeito, mas eu não condeno essas pessoas. Não condeno porque acho
que boa parte disso é falta de consciência. A questão é simplesmente isso: a pessoa se enraíza de
forma tão grande na sociedade consumista, se deixa levar por esses valores, se não fosse assim
não haveria a mudança de vida, a conversão, a pessoa se conscientizar. Eu particularmente acho
bonito quando o pré mostra que existe uma realidade excludente que é conseqüência da atitude
dessas pessoas. Não é conseqüência da questão política. Mostrar para ela “está vendo, isso aqui
existe porque você só pensa em você”.
R – E não só isso, mostra para ela uma outra forma de materializar a .
Robson – Isso, isso, exatamente...
R – De canalizar em outras coisas. Não é só você ir lá uma vez por semana, reza e tal, confessa
seus pecados, recebe o perdão e pronto, vai embora. A fé passa necessariamente pela construção
de um projeto coletivo.
591
Robson – Isso é uma coisa que eu faço, sou chamado para dar palestras, e conto para as pessoas
que estão entrando e eu falo assim “olha, agora vamos colocar em prática o ‘amar ao próximo
como a mim mesmo’”. Quem é meu próximo? E é legal aí, essa questão evangélica, é bom relatar
isso porque é muito interessante: você vai olhar o evangelho à luz da história, do momento, por
exemplo, tem uma parábola que todo mundo conhece que a é parábola do bom samaritano. Jesus
conta que passou um cara e cai doente e aí passa um sacerdote, não faz nada pelo cara. O cara é
assaltado __________ o cara está lá ferido. E aí passa um monte de gente, passa um sacerdote,
passa ____________ - está sacaneando o poder local. É isso que tem que contextualizar. É como
se eu trouxesse para cá, um Jesus de hoje falaria assim, em off, passa um cardeal, vê o cara caído,
e vai embora. Passa um padre, vê o cara caído e vai embora. Lá passou um sacerdote, que era
autoridade judaica, e vai embora. Quem é que vai e socorre o cara? Que pega o cara e leva para a
hospedaria? A gente fala o bom samaritano. Aí entra outro contexto. Samaritano e judeu era
300.000 vezes pior que o brasileiro e argentino. Era o grau de proporção do israelense com
palestino. Percebeu? Na hora que Jesus fala “quem foi o próximo desse cara que caiu ferido, que
era judeu (no contexto da palavra de Jesus Cristo)?”, “ah, foi o samaritano”, “então vai e faz o
mesmo”. Ou seja, o meu próximo não é meu filho que veio aqui agora. Fazer o bem como a gente
chama até um bandido faz. O meu próximo é aquele mais distante, é o samaritano, o meu próximo
é o argentino, meu próximo é o Maradona que para mim é o melhor do mundo mesmo. Depois
que ele do que ele fez com o Fidel Castro. O Bush, Pelé, nada. É o Maradona mesmo. Agora estou
convencido. O meu próximo é aquele que é o meu maior inimigo. Quem é o próximo do judeu
hoje? É o palestino. Então dentro deste contexto, e é uma coisa muito bonita que tem que ser
colocada em prática. É muito claro. Não adianta você falar “é, a parábola do bom samaritano”,
porra, contextualiza com o momento, meu amigo. O bom samaritano é o teu pior inimigo hoje,
então você tem que fazer o bem. Então isso é muito interessante, quer dizer, promover a inclusão.
E aí tem um outro aspecto que é o aspecto que eu acho mais importante, que vai de encontro ao
objetivo do próprio pré –meu até já tive alguns debates com o próprio Alexandre uma vez que
______ aquié o que eu falo: não adianta, a gente precisa convencer por bem ou por mal – isso a
gente precisa discutir – a gente precisa convencer a nossa elite da necessidade de reconhecer que
existe exclusão e que a gente tem que acabar com a exclusão. Não com o excluído, mas com a
exclusão. Através de poticas públicas de jeito nenhum! Mas assim, no sentido, a sociedade
precisa crer que existe uma exclusão, e que a elite é a responsável por essa exclusão através do
consumo não racionalizado – isso tudo a gente já discutiu. E uma forma que eu acho importante é
o pré, por isso que eu acho que é o novo movimentos sociais, em especial o PVNC, hoje a
Educafro, o MST, o que for, porque ele faz a propaganda da necessidade de transformão. Muito
melhor trinta prés organizados juntos caminhando, do que 70 individuais caminhando sozinhos.
Porque você dá a dimensão “por que existe PVNC?”, aí eu penso aqui na minha varanda fechada
em que eu esteja tomando café, podia ser cerveja. Ou é melhor pensar sabendo que, vendo eles,
vendo os caras, vendo os caras lutando por uma faculdade, sabe, fiz questão, de vez em quando
rola, uma época que a gente ganhava isenção na PUC, a gente fazia rifa para vender no Loreto.
Rifa e entregava o prêmio lá. O cara que jogava futebol, morava aqui em Jacarepaguá, doou a
camisa do flamengo, a gente rifou a camisa para pagar a inscrição da galera. Eu vou levar lá.
Vamos falar para essa turma que existe isso. Existem alunos que estão no segundo grau hoje que
nunca viram física, que a educação está excluída e que a gente tem um projeto para transformar
isso. Para as pessoas terem a consciência, para a gente combater o inimigo que esconde. Então eu
acho que isso é um papel importante...
R – Você ainda milita dentro da igreja?
Robson Milito, milito dentro dos movimentos que envolvem questões políticas, milito, assim,
no sentido, hoje talvez nem tanto com relação a, mas sempre que tem oportunidade eu faço
questão “anuncia na missa que tem pré-vestibular comunitário. Fala: Pré-Vestibular para Negros e
Carentes, e está aqui”.
592
R – Naquela lógica que você falou que havia antes, você deu o exemplo do ano que a CNBB
promoveu uma campanha e o tema era a questão racial, era o negro, e o Dom Eugenio proibiu
aquilo. Então você me falou que naquele momento você estava envolvido com grupos aqui e os
grupos tinham uma postura contrária a isso, uma postura de não aceitação disso...
Robson – Mas preste atenção: a maioria não é assim.
R – Não é assim. Mas ainda existem esses grupos, você ainda participa, ou já participou dos jogos
poticos que têm dentro da igreja?
Robson – Exatamente. Participo, participo dentro deste sentido de movimento ligado até a
movimento social, participo no sentido de fazer com que eles sejam, assim, instrumentos também
de discussão, de embate no campo social da igreja, trazer discussões, questões de políticas
públicas, mas não houve viés, é uma outra coisa particular minha...
R Tem relação com o pré?
Robson – Olha, direto não tem, mas, por exemplo, o Osvaldo e a Marivani trabalham com
alfabetização de adultos dentro da igreja, entendeu, lá no Canal do Anil. E eu trabalho com a
questão do movimento fé e potica. Crença, fé e potica dentro da igreja, já falei questão das
cotas, porque eu sou favorável, porque o cristão tem que ficar favorável as cotas. Por vezes já
tomei porrada, qual o problema? Os padres dão apoio, permite, todo mês eu escrevo, escrevo no
jornal católico lá de Florianópolis, tem que também direção ao jovem, o nome do meu artigo, é
mensal, é “construção da cidadania”. Eles aí me dão liberdade para atuar em cima do movimento
social da igreja, abordo questões de política, abordo queso de, sempre com, encerrando os meus
artigos sempre o seguinte “o caminho é trazer a sociedade no processo potico, social no contexto
da exclusão”. A história é contada por isso. Esse é sempre o meu viés. Então, essa é uma questão
particular minha. O pré não, o pré é um movimento social, uma coisa que caminha separado. Aqui
no pré Anil boa parte dos professores são ligados a igreja, outros não. Tem professores esritas
etc. Não tem problema. O pré não é um grupo da igreja, o pré não é um movimento da igreja, que
faz parte da igreja onde tem hierarquia dos movimentos sociais ligados ao papa. Não. A igreja
empresta o espaço simplesmente porque a escola particular, e esse é o grande motivo realmente,
não pode durante a semana porque tem aula a noite, e aí a gente fica sem o espaço. Para não ficar
sem o espaço a noite a gente tem aula no Loreto, mas a cede do pré é numa escola municipal,
_______ Rio das pedras é uma escola municipal ___________. No Gardênia Azul é na escola
municipal do Gardênia Azul. Essa é a filosofia. Eventualmente na igreja porque tem um
problema, vacinação, e aí o espaço não pode ser utilizado. São coisas separadas. Eu
particularmente participo, milito dentro da igreja dentro das questões do movimento social da
igreja. Escrevendo esses artigos, participando de grupos de movimentos de fé e potica.
Movimento de fé e potica no Rio de Janeiro. A gente tem um grupo de fé e potica aqui no
Loreto. O que esse grupo faz? Esse grupo aí promove, promove discussões, promove debates,
leva a pratica, por exemplo, agora na campanha do desarmamento a gente trouxe, fez debates, a
gente discutiu, falou bastante sobre o desarmamento. Enfim, questões ligadas à fé e política. Mas
é uma questão particular, não tem muito a ver, a gente não mistura muito as coisas e eu acho bom
o misturar porque nós temos coordenadores do pré que são evangélicos lá dentro da
comunidade. Então, da mesma forma que eu não gosto do PT, “o pré do PT”, eu também não
gosto do “Pré da igreja”. Não tem nada a ver. Até porque eu com o humanismo, isso é importante,
tem que respeitar as diferenças, eu sou um cara muito plural nesse sentido. Eu já fui católico,
tenho a minha fé, mas eu jamais permitiria que alguém excluísse com um aluno porque ele é
macumbeiro, ou coisa parecida. Pelo amor de Deus, se fizer um negócio desse é como dar um tiro
primeiro no aluno e depois em mim, por ter permitido um negócio desse tipo. Então, eu acho que
é plural, sempre plural, o objetivo é incluir e não excluir. Minoria ________ pelo amor de Deus.
___________________ tem alguns aspectos que acaba sendo excludente neste sentido. Mas é
uma questão pessoal minha e caso talvez hoje essa questão do pré, com a da igreja. Mas é uma via
593
de duas mãos. É uma via de duas mãos. Mas é bem assim, essa é a minha postura nesse sentido. É
uma via de mão dupla: é a mão que me leva para o pré, em função da fé, e por outro lado também
que eu trago, porque eu sei que o Loreto é uma paróquia elitizada, que precisa ter consciência que
existe a favela, e ela existe e ela é pobre. Ela pode existir, não tem problema nenhum, aliás, deve.
Mas ela se torna um ambiente de pobreza em função, pela nossa postura. Nós que somos
responsáveis por isso. Então, eu acho que um pouco _______ tem aluno querendo entrar na
faculdade e não consegue. Então é essa consciência que eu acho que tem que ter dentro das
pessoas. Dentro dessa filosofia eu acho que é bom por aí. Eu acho que é bom para o movimento
social. O movimento social só existe porque não existe justiça social. Eu até escrevi uma vez um
artigo falando sobre isso. Provocativo: “movimento social: seria tão bom se não existisse”. Aí eu
fo uma análise sobre eles não existiriam se tivesse justiça social. Eu encerro o artigo fazendo
uma mudança no próprio titulo que eu tinha escrito: “o ideal, me permito modificar, seria tão bom
se não precisamos dele, mas infelizmente precisam existir, então vamos trabalhar e trabalhar para
que seja um instrumento da justiça social”.
R – Bom, eu acho que já tem material bastante.
594
Entrevista com o Zeca Esteves
Entrevista com Zeca Esteves – primeira parte
Fita 1 lado A
Zeca, eu gostaria que você primeiramente me falasse sobre como foi o seu ingresso no PVNC.
você entrou no PVNC no começo de 94, no pré que era então chamado de metodista e que depois
se transformou no pré AFE. eu queria que vome contasse como é que foi essa sua entrada, e me
fizesse nessa primeira parte um histórico do PVNC.
ZECA - até onde eu participei, eu entrei no pré-vestibular para negros e carentes entre novembro e
dezembro de 94. Eu era naquele momento aluno da UNIGRANRIO e estava praticamente
terminando o curso de pedagogia e um dado dia havia uma palestra sobre a temática racial e sobre
a questão dos pré vestibulares que foi ministrada pelo hoje amigo nosso Nilton júnior que era um
dos coordenadores e professor do pré em São João de Meriti, o Pré Matriz. o Júnior fez
explanação e acompanhei, assim como outros alunos que estavam presentes, do curso de
pedagogia. Aquilo me chamou atenção, eu achei a proposta muito interessante e fiquei pensando:
como é que eu posso contribuir com esse curso pré-vestibular?” então eu peguei o contato do
Nilton nior, isso era no meio da semana e quando foi no sábado eu me apresentei no pré matriz,
que funcionava na igreja em São João aonde foi iniciado o PVNC em 93 e tive contato com
alguns professores do pré matriz: o júnior apresentou e eu conheci o frei Davi que era um dos
fundadores junto com Alexandre do Nascimento e de outros dois que eu nunca lembro o nome.
então eu conheci o pessoal lá e a partir daquele dia eu comecei a freqüentar aquele espaço que
tinha o nome de que o Quilombo, onde havia uma biblioteca com um acervo de material de acesso
fácil e de reforço para os alunos - e mesmo para quem não fosse aluno mas que quisesse consultar
algo sobre a temática racial. Lá era um espaço muito legal, um espaço com vida aonde borbulhava
energia, a expectativa que as pessoas tinham, o entusiasmo dos professores e dos coordenadores,
de quem já estava estudando, de quem chegava para ser aluno novo... então era um clima assim
muito bom... e com reuniões freqüentes, toda hora tinha reunião disso, reunião daquilo, as
articulações e já pensando na questão de bolsa para quem entrasse nas universidades particulares.
então havia ali diversos níveis de discussão. Eu ajudei naquele finalzinho de ano ali e passadas
umas duas ou três semanas eu já conhecia o pessoal que dirigia o pré metodista em Duque de
Caxias e fiz contato com Cecília e Janaína que eram coordenadoras na época. Como eu morava
em Caxias, para mim era mais cil por questão, eu não diria de comodidade, mas pelo fato da
proximidade - eu tinha filhos relativamente pequenos naquela época e assim era mais cil eu
estar junto com eles, e eu até às vezes levava eles junto comigo para o pré-vestibular e eles foram
durante um bom tempo, eles gostavam de ir para lá acompanhar aquele ritmo frenético que era o
pré-vestibular.
Aí eu participei de uma reunião com a reitoria da UniGranRio, juntamente com o Frei Davi e
alguns representantes de pré-vestibulares da Baixada, que foram lá justamente para negociar
bolsas para aqueles alunos da Baixada naquela universidade. E, naquele ano, se não me falha a
memória, acho que entraram em torno de 60 a 65 alunos do Pré-Vestibular para Negros e Carentes
com bolsa na UNIGRANRIO. E nos mais diversos cursos, desde a área tecnológica à área de
humanas. Então, a gente teve gente com aprovação e com média muito boa em Ciência da
Computação, eu acho que eles já tinham Veterinária naquela época e a gente conseguiu aprovar,
tivemos alunos aprovados para Direito e as diversas carreiras da área de Humanas. Então, aquilo
foi um incentivo muito grande e nós fomos muito bem recebidos pela Universidade, e em especial
pelo chefe de gabinete do Reitor, que foi nosso parceiro durante diversos anos. E ali, eu comecei a
de fato participar da coordenação daquilo que era o ex Pré-Metodista e que passou a se chamar
Pré-AFE – até porque era muito mais fácil as pessoas identificarem, claro que a gente sempre
citava a expressão Pré-Vestibular para Negros e Carentes, mas nem todo mundo conseguia
assimilar. Obviamente essas dificuldades haviam, a rejeição ao nome, e Pré-AFE era mais fácil de
as pessoas guardarem e assimilarem. E o interessante nessa informação sobre o pré, dele ser um
pré diferente, dirigido à comunidade negra, desde o porteiro da universidade até o Reitor,
595
passando por pessoas da área de Humanas ou da área de Biomédicas, como no curso de Biologia
que foi durante muito tempo nosso parceiro, no sentido de fornecer pra gente alunos para serem
monitores pro nosso curso, e de ceder retroprojetor ou mesmo algum palestrante quando a gente
precisasse sobre a temática de Biologia, que era um dos cursos da universidade, então havia uma
certa interação de alguns cursos ou professores junto ao Pré-Vestibular e a sua equipe de
coordenação. Voltando à origem do Pré-AFE, enquanto Metodista, assim que eu cheguei eu fui
saber com o pessoal porque metodista, e de fato ele funcionava num espaço de orientação ligada à
Igreja Metodista (e numa escola que era a primeira escola pública do município de Duque de
Caxias a servir merenda por isso era conhecida como “mate com angú”, porque essa era a
merenda que serviam durante décadas). Acabou sendo um dos espaços a ceder a localização ao
curso Pré-Vestibular para Negros e Carentes em Duque de Caxias, e o pessoal acabou saindo de
por conta de problemas de infra estrutura: espaço pequeno, muito calor, sem ventilação, muitas
goteiras, etc. e aí acabaram saindo e, quando a gente iniciou a negociação com a UNIGRANRIO
sobre as bolsas, a gente solicitou se eles cederiam uma sala para o pré vestibular funcionar lá e
prontamente foi aceito. E, do final de 94, início de 95 até 2003 ou 2004 funcionou lá o Pré-AFE,
no espaço cedido pela direção da universidade. Então, é um pré que teve uma vida longa, e,
contraditoriamente, era um pré que tinha uma coordenação que priorizava, por uma questão de
princípios nossos, das pessoas que coordenavam, o ingresso de nossos alunos na universidade
pública. Então as pessoas achavam aquilo um completo disparate, e não conseguiam entender a
nossa boa relação com a direção da universidade, porque a nossa linha de atuação era essa e não
havia nenhuma objeção muito clara por parte da universidade a essa opção política feita pela
coordenação do pré. E, nesse início do Pré-AFE, em 95, a gente tem alguns momentos marcantes.
Eu diria que um deles, entre 95 e 96, foi uma gravação feita em parceria com o IBASE, onde o
companheiro Juca Ribeiro, que era coordenador de pré-vestibular na Baixada, em São João de
Meriti, tinha uma relação com o pessoal do IBASE, acho que o nome era Jornal da Cidadania, eu
tenho vários exemplares, tanto é que a gente depois passou a receber – cada aluno recebia um
exemplar, durante quase 10 anos e servia de subsídio pra disciplina de Cultura e Cidadania ou
mesmo para auxiliar em outras disciplinas. Então , o IBASE foi lá, fez a gravação com os alunos
do pré, entrevistando alguns alunos, professores e coordenação. Isso ficou um material muito
legal, uma divulgação muito bonita do pré-vestibular e uma das coisas marcantes nessa gravação
era a entrevista com o nosso professor de português, um menino chamado Washington, um
menino negro da Baixada Fluminense, um negro de pele mais clara, mas de família
eminentemente negra e portanto muito pobre. Ele tinha sido aluno do pré em São João, e foi
aprovado e começou a fazer português na universidade pública e se apresentou lá pra ser professor
de português, no curso Pré-AFE. O interessante é que no início, ele com muitas dificuldades,
então em alguns momentos a gente ficava na dúvida, como é que a gente faz, mantém o professor,
dá uma chance ou não dá uma chance, e a gente resolveu apostar, ajudar e auxiliar naquilo que
fosse possível e ele foi se sedimentando enquanto professor, se aprofundando e ficou durante
vários anos como professor de português pelo Pré-AFE, e nessa imagem gravada pelo IBASE
mostra o espaçosico, geográfico onde morava o Washington, uma comunidade extremamente
carente, ele saindo de casa, aquela casa pequena descendo o morro numa escada feita de terra, se
não me falha a memória ele de bermuda e uma camiseta branca, descendo pra ir pro pré-vestibular
pra dar a sua aula. E, muitas vezes, ele não tinha passagem pra voltar pra casa, e aí, com a
cotização do pré-vestibular, que os alunos davam 10% de contribuição a gente ajudava aqueles
alunos que tinham mais dificuldade e obviamente os professores que precisassem porventura de
passagem. Então, esse aspecto da fita é interessante por mostrar um pouco a realidade de um dos
alunos do pré-vestibular que então era professor e depois se firmou enquanto profissional e passou
a ser professor da rede pública. E assim ele foi evoluindo, mas a passagem pelo Pré-AFE para ele
certamente foi fundamental e para os alunos também. Conseguiu a maneira de com naturalidade
dar aula, cobrava muito a questão da disciplina, era extremamente enérgico e passava isso pra
turma, e achava que aquilo tinha que ser levado com seriedade e eles defenderem com unhas e
dentes aquela oportunidade que tinham, então isso era um aspecto interessante da personalidade e
da forma do Washington dar as aulas dele. Também naquela época a gente junto com os demais
professores e alunos, membros da coordenação participamos de algumas atividades envolvendo
596
ao conjunto de alunos em atividades culturais, e duas vezes em parceria com a Rede Globo,
naquele grande evento que eles fazem praticamente de ano em ano, o “Ação Global”, e nele a
gente participou enfatizando a questão racial divulgando o pré vestibular, onde os alunos
participaram e eram protagonistas desse processo. Inclusive, tem uma notinha num dos
exemplares do jornal do pré-vestibular, falando dessa participação do Pré-AFE no “Ação Global”.
Então, era de fato um pré que tinha algumas peculiaridades, de procurar envolver os seus alunos,
tinha um clima de cumplicidade muito grande entre o conjunto do pré, professores, coordenação e
alunos. E eu acho que isso de fato era um dos motivadores e dos balizadores da solidez daquele
pré-vestibular. Claro que, a exemplo de alguns núcleos, ele passou por alguns momentos, alguns
anos de, eu não diria de inércia, mas, talvez, com um rigor um pouco menor, porque você acaba
perdendo quadros importantes que desempenhavam aquela luta e aquela contribuição junto com o
conjunto. Então, em alguns momentos a gente teve sérias crises e que muitas delas a gente
conseguiu depois contornar mas com alguma fissura. Mas, na maioria das vezes a gente conseguia
se sair bem das crises.
O pré tinha também como prioridade procurar participar das diversas atividades do conjunto dos
pré-vestibulares, quer nas discussões sobre a montagem de comissões pra discutir bolsas nas
universidades, quer em grupos de estudo, grupos de reflexão, e nós procuramos levar sempre o
máximo que a gente podia em matéria de informação para os alunos pra mante-los ligados,
sintonizados com o mundo, a começar pelo exemplo das aulas de Cultura e Cidadania. Durante
esses 10, 11 anos que o pré funcionou a gente procurou primar por manter no nosso calendário
algumas atividades quase que cotidianas, tipo levar os alunos ao CCBB pra participar em diversas
exposições, aprender com elas, acompanhados da coordenação e de professores de literatura, de
português, de historia; ás vezes a gente ia assistir determinados filmes com os alunos; Museu
Nacional; fazíamos quase sempre uma festa de confraternização no final do ano, em diversos
locais, e um deles era o Sindicato de Professores na Baixada Fluminense, que cobrava preço
módico pra que a gente pudesse levar a turma pra confraternizar, levar alunos, professores, e
sempre tinha participação de um ou de outro coordenador e professor de outro núcleo próximo,
dada essa relação que a gente conseguia estabelecer com os pré-vestibulares próximos. Eu sou
mais do que suspeito pra falar do pré-vestibular, porque eu sou um apaixonado por essa questão,
por aquele trabalho, por aquela militância, e hoje eu me deparo fazendo algumas reflexões, vendo
o quanto ele avançou mas também alguns retrocessos que a gente teve no caminho, algumas
fissuras, como eu já falei anteriormente. Mas, sem dúvida, no conjunto da obra,o pré-vestibular
para negros e carentes na Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro e até a nível nacional,
ele deu uma grande contribuição, e uma outra discussão que as pessoas não costumam fazer, que é
tipifica-lo como um movimento negro, eu acho que ele semvida era uma grande roda, e um
movimento vibrante, atuante, embora não fosse a concepção formal que se tem de movimento
negro, ele era um movimento com uma massa muito grande. Talvez, não com aquele nível de
criticidade que muitas lideranças gostariam que ele tivesse – quem está ali ajudando a coordenar
todo esse processo tem sempre uma grande expectativa de que a coisa possa avança e ás vezes a
gente não respeita o tempo, o timing de quem está chegando, quer professores ou coordenadores
novos, quer alunos. Mas, o pré deu contribuições significativas nesse sentido, e em alguns
momentos a gente acabaça rivalizando com alguns setores do movimento negro, pela forma de
atuação e que era algo efetivo, sem muita teoria, sem muita discussão, mas que a gente sabia
aonde queria chegar, que em suma era passar algum nível de consciência, de resgate da auto-
estima para aqueles alunos pobres, negros e negras da Baixada Fluminense (depois foi se
espraiando pra outros lugares do Rio de Janeiro na Região metropolitana, Niterói tinha um núcleo
de pré-vestibular com um trabalho fantástico, depois mais à frente a gente teve a experiência da
Rocinha, Tijuca, região oceânica, Mangaratiba, Petpolis também teve um núcleo com um
trabalho com uma relevância importante), ou seja, que de fato ele foi crescendo e mesmo naquele
crescer, havia uma cumplicidade – eu volto a repetir o termo – entre os coordenadores do pré, os
vários grupos de professores, a troca, o feedback que se fazia, em especial com os palestrantes,
pessoas que queriam colaborar pelas aulas de Cultura e Cidadania, a gente trocava as listagens,
trocava os telefones, os contatos, então de fato aquilo tudo era muito socializado, aquele
conhecimento. Então esse era um aspecto importante do pré que eu tenho dúvidas que se mantém
597
nos dias de hoje – quero crer que sim, mas não tenho elementos pra afirmar depois de estar
afastado praticamente 4 anos desse processo.
RENATO – Duas perguntas, só umas dúvidas aqui: primeiro, vc falou que a Cecília era anterior a
você no Pré-Metodista. Ela entrou desde o começo do Pré-Metodista? Ela é fundadora do Pré?
ZECA – Sim, pela informão que eu tenho a Cecília entrou antes, ela é fundadora, ela e a Janaína
Cavalcante; Cecília Rodrigues, hoje jornalista trabalhando na Baixada Fluminense, em Duque de
Caxias e a Janaína Cavalcante.
RENATO – Outra coisa: você, quando entrou... aliás, antes disso, uma coisa que também é mais
simples: o que eu tinha ouvido falar, era que o Pré-AFE saiu da escola em que ele funcionava,
porque houve um problema com a direção, parece que teve uma história de um bebedouro que foi
deixado ligado numa aula num final de semana e quebrou, e quando a direção viu na segunda
feira culpou o pessoal do Pré, e começou a criar problemas e aí por isso o Pré teria saído da escola
e buscou o espaço na AFE.
ZECA – eu ouvi isso vagamente, mas não tenho elementos pra afirmar, mas a afirmação que a
gente pode checar, como dado histórico, e eu acho que ela é importante – e depois eu vou falar de
um outro espaço que nós utilizávamos, em que fomos convidados a deixar de fazer parte por conta
de algumas incompreensões, eu diria, com o processo...
RENATO - Outra coisa, isso sim é mais importante: você entrou no pré, naquele momento vc
estava se formando em Pedagogia, pela AFE, viu uma palestra lá na AFE e aí vc fez o contato e
entrou no PVNC. Depois você se tornou uma das principais lideranças dentro do PVNC. Então,
quando você entrou, vc não conhecia nenhum daqueles sujeitos que eram as principais lideranças,
o Davi, o Alexandre, o Juca, você não conhecia nenhum desses?
ZECA – Não, eu não conhecia nenhum deles, eu passei a conhecê-los a partir daquele final de
semana. A partir dali é que a gente começou a estabelecer uma relação pessoal, profissional, e de
muita cumplicidade nas discuses, nas chamadas “articulações” dentro do conjunto do Pré e em
especial nos fóruns de debate e de reflexão.
RENATO – depois eu quero que vc me fale um pouco sobre isso. Primeiro, aproveitando que a
gente está com esse gancho, da sua trajetória. Você já militava antes disso?
ZECA – essa é uma pergunta interessante.o. Eu, na verdade Renato, tinha feito outros tipos de
militância. EU cheguei em Duque de Caxias no Rio de Janeiro em 1989, oriundo do Rio Grande
do Sul, eu trabalhava numa empresa de construção civil na parte administrativa, e fui convidado a
vir trabalhar em Caxias, a ser transferido, e topei o desafio. Antes disso, eu tinha sido der
estudantil, do movimento secundarista, isso na minha cidade, Bagé (RS), no Colégio Salesiano,
um colégio de padres – muitas vezes eu menciono isso, agradeço a formação que recebi lá, a
convincia com professores de musica, participando de grupos de teatro, do grêmio estudantil, a
gente fez boas amizades dentro da escola, e lá foi praticamente o meu primeiro emprego com
carteira assinada, eu era Office-boy e com o que eu recebia de salário ali eu pagava a metade da
minha mensalidade e a de mais meus dois iros naquele cogio. Mas, eu trabalhava em meio
turno e vivia praticamente o dia inteiro lá dentro, e final de semana eu estava envolvido com
atividade esportiva então eu fui ficando conhecido pelas pessoas. Depois, eu concorri, não me
lembro se foi em 1976 ou 1977 a diretor cultural do grêmio, e a chapa foi eleita; depois passei pra
diretor esportivo, mais a frente vice-presidente e depois presidente do grêmio estudantil acho que
598
por mais de uma vez. E aí, também, participando de alguns processos do próprio município de
Bagé, e algumas atividades na capital, em Porto Alegre. Eu também fazia parte, nesse período, da
PJE, Pastoral da Juventude Estudantil, eu fui durante vários anos também um membro da PJE
com diversas reuniões e reflexões dentro da cidade de Bagé. E as diversas reuniões que
aconteciam, as reflexões, os encontros se davam em Porto Alegre, no Colégio Anchieta, um dos
colégios mais ricos da cidade. Hoje, a referência próxima que nós temos do Colégio Anchieta é o
Shopping Iguatemi e a Família Silva, que hoje é um quilombo urbano no centro de Porto Alegre -
pouca gente que conhece tem essa informação, e obviamente a gente naquela época não sabia
disso, que tinha um quilombo praticamente atrás do Colégio Anchieta e a gente só foi ter essa
informação, 20 anos, quase 30 anos depois...
RENATO - e você tinha contato com esse quilombo?
ZECA – não, eu nem sabia.
RENATO – vc participava das reuniões que eram no colégio que era do lado, mas não tinha a
menor iia.. ninguém tinha a menor iia. E, dentro da Pastoral, PJE, vc tinha alguma militância
racial?
ZECA – não, é interessante né, porque embora morando numa cidade em que o contingente de
negros era, sei lá, na época a gente não tinha estimativa, mas hoje eu posso arriscar talvez em
torno de 30% ou um pouco mais, mas não havia esse nível de discussão sobre a temática racial e
eu também não despertava pra isso, mas eu acho que não passava desapercebido na forma de
atuação que as pessoas tinham e a gente também. Então, eu partivipei durante um bom tempo
desses processos, que foram processos muito ricos, muito interessantes no aspecto pessoal e que
talvez tenham influenciado de alguma forma posteriormente no profissional. Voltando em Bagé,
em 1980 ou 1981, um grupo de amigos que faziam parte conosco da direção do grêmio estudantil,
alguns do Colégio Dom Bosco, que era um colégio particular, e outros de colégios públicos da
cidade, o colégio Carlos Cruff e o Colégio XV de Novembro.
(...)
LADO 2
(...) éramos todos garotos naquela época, e é claro que a convivência com esse grupo influenciou
bastante, porque alguns meninos eram do Partido Comunista, os pais deles eram originários do
Partido Comunista, tinham sido cassados, e na época a gente militou um pouco na ala jovem do
MDB, que era o partido de oposição na época. Então, também tivemos algum papel e alguma
atuação nesse sentido. Entre 1980 e 1981, eu não me lembro bem o ano, mas eu tenho o material
impresso até hoje, que foi um panfletinho que nós fizemos, a gente concorreu à dirão da
entidade estudantil no município, a UBES (União Bageense de Estudantes Secundaristas), e a
nossa chapa chamava-se “Força Mútua”, uma chapa com uma diversidade significativa, com
lideranças de escolas particulares e lideranças de escolas públicas municipais, e lideranças de
escolasblicas estaduais – então, era uma conformação bem feita e muito bem articulada. Era
inevitável que a gente fosse de fato obter a vitória, e a vitória foi esmagadora e contra um grupo
de alunos na sua totalidade brancos e de duas escolas de classe média, média-alta no município
eles com recursos financeiros maiores do que os nossos, porque foi uma campanha acirrada, com
panfleto, com colagem de material dentro das escolas, foi uma campanha pesada, com debates
muito legais e muito interessantes. E, nessa época, ainda tinha o resquício da ditadura militar, e
por várias vezes nas nossas reuniões a gente tinha a presença de policiais federais acompanhando
a nossa movimentação, o que quê se falava, e o quê que aqueles jovens queriam com aquele
movimento. O nosso nível de intimidade com os caras chegou a tanto que tinha hora que a gente
falava “vocês podiam ir embora, e deixar a gente fazer fazer a nossa discussão aqui?.... a gente já
sabia muito bem quem eram os caras e então a relão chegou nesse nível. Aí, ganhamos a
direção da entidade estudantil, logo em seguida fomos participar de um congresso da UGES
(União Gaúcha de Estudantes Secundaristas) em Porto Alegre, no prédio da Brigada Militar,
concorremos com uma das chapas lá, mas o fomos vitoriosos porque nos faltou um pouco de
habilidade potica e de ter ampliado um pouco mais a nível de estado pra poder ganhar. Mas foi
599
uma participação interessante do município e da postura que a gente conseguiu fazer com outros
setores e aprender muito durante aqueles 2 ou 3 dias sobre os processos de discussão e de
articulação no conjunto do movimento secundarista estudantil, que obviamente tinha uma
conotação político-partidária, por parte das suas lideranças, em especial aqueles que eram da
chapa da situação, que acabaram vencendo porque já tinha todo o traquejo de como lidar e
capitanear votos pra se manterem no poder. Mas aquela foi uma experiência interessante também.
Mas, voltando ao Colégio Dom Bosco, nós fizemos parte com vários (hoje) amigos pessoais
nossos – um deles meu compadre -, participamos de grupos de teatro durante muito tempo, alguns
dos rapazes e meninas faziam parte do coral, outros eram músicos, e eu, o máximo que dava era
pra fazer teatro –música não era o meu forte. Então, foi um tempo de vida de efervescência muito
grande dentro do colégioe, é claro que eu repeti vários anos por conta da dedicação extrema à
militância estudantil e portanto acabava sendo prejudicado no final do ano nos estudos., depois
disso, eu fui acabar concluindo o ensino médio em Caxias do Sul. Eu trabalhei um ano e meio em
Caxias do Sul, no interior do Rio Grande do Sul antes de ir pra Duque de Caxias no Rio de
Janeiro, e foi lá em Caxias do Sul que eu terminei o meu ensino dio no curso noturno, junto
com o hoje meu compadre Paulinho, Paulo Sérgio da Silva. E era sacrificado, eu tenho hoje de
fato que dar valor por ter me dedicado à militância estudantil, mas eu deveria ter também
apostado em concluir o ensino médio, que era o segundo grau na época. A gente levou um tempo
pra fazer isso, trabalhando na construção civil, numa distância entre 40 ou 50 km da cidadezinha
onde nós movamos pra Caxias do Sul. A gente ia de carona de caminhão, na caçamba, e às
vezes um frio danado, 3, 4 graus à tardinha, e dormia na casa de um colega nosso de trabalho, o
Ciro, que era um técnico de segurança do trabalho. A esposa dele e o filho recebiam a gente lá,
tinha um quartinho lá destinado a nós, de noite, um frio tremendo e tava um lanchinho pronto pra
nós lá. E os motoristas, sobretudo, eles faziam questão de dar carona pra nós, porque eles ficavam
impressionados de ver a nossa garra, dedicação e a vontade de concluir o segundo grau, então eles
faziam questão de esperar se a gente atrasasse, pra nos levar e deixar lá, no curso ou apanhar de
manhã quando a gente voltava pro trabalho. Muitas vezes a gente vinha de ônibus de linha, mas aí
tinha que pagar pra chegar no trabalho de manhã e iniciar o trabalho às 7 horas da manhã, mas a
gente tava lá firme pra estudar. Isso durou um ano e meio, fomos aprovados com média muito
boa, com coeficiente elevado, porque a gente de fato estava empenhado em terminar o segundo
grau. Depois disso eu fui pra Duque de Caxias, fiquei acho que durante uns 4 ou 5 anos sem fazer
algum tipo de militância e aí depois é que eu me envolvi com o Pré-Vestibular para Negros e
Carentes, e desde que começou é que despertou a questão sobre a temática racial.
RENATO – então, quer dizer que desde que você foi pra Caxias até entrar no PVNC vc não
militou nada e Caxias e no Rio de Janeiro. A sua militância no Rio começou com o PVNC?
ZECA – É. Começou em 94 com o PVNC. Eu, até então, era mais um aluno dentro do curso de
Pedagogia – agora, de fato, um aluno dedicado, corria atrás, estudava, procurava ler, durante os
intervalos que eu tinha no trabalho, eu ia pra biblioteca nos finais de semana, saía das aulas e ia
discutir e aprofundar os temas com diversos professores, então, eu aproveitei bem o curso mas
não tinha nenhuma militância potica mais efetiva. Eu até fui convidado uma vez pra participar
de uma das chapas para o diretório estudantil, mas preferi não entrar na chapa e de fato comecei a
militar com mais vigor no final de 94.
RENATO – vc já entrou no PVNC e foi se envolvendo... vc entrou logo como coordenador?
ZECA – é, dada a carência que tinham naquela época alguns núcleos de coordenadores, e como
eu estava próximo de terminar o curso de Pedagogia, e eles precisavam de um pedagogo, e a
minha especialização era em administração escolar também, o pessoal me convidou pra fazer
parte da equipe de coordenação, e eu era um dos professores também, responsável pela disciplina
de Cultura e Cidadania. Então, lá estava eu todos os finais de semana, religiosamente e com o
maior prazer (!), com a maior disposição de fazer aquele trabalho de estar trocando com os
alunos, eu chegava cedo pra receber os alunos, receber os professores. Os professores, via de
regra, chegavam meia hora, uma hora mais cedo,e a gente ficava conversando, lia o jornal,
trocava uma idéia, e discutia algumas coisas com as matérias do jornal, que eram a princípio um
600
subsídio pras aulas sobre o que estava acontecendo. A gente tinha um cafezinho que ajudava a
aproximar os alunos e os professores da coordenação, a sala da coordenação via de regra era uma
festa, porque vivia cheia de gente por uma série de razoes, pelo calor humano, pela dedicação,
pela vontade de conversar, pela confiança e a solidariedade que existia entre as pessoas.
RENATO – me diz uma coisa. Vc entrou no final de 94, que era um momento em que existiam
as reuniões que eram chamadas de Assembléias dos Núcleos, e que começaram no meio de 94.
ZECA – perfeito, começaram no meio de 94, e eu tenho alguns registros disso.
RENATO – Já existia o jornal, não o Azânia que é de 95, começou como Jornal Sem Nome, mas
nessa época já existia um informativo do PVNC, que era aquele informativozinho de uma página
só, rodado no mimeógrafo... mas era um momento em que existiam alguns conflitos dentro do
PVNC dentro destes que eu chamo de Fóruns Coletivos. Acho que as Equipes de Reflexão,
Pedagógica e Racial, ainda não tinham sido criadas, foram criadas logo depois. Mas esse final de
ano era um momento em que já tinha uma discussão sobre o financiamento, que tinha uma
fundação norte-americana que queria levar recursos pro PVNC então. Como é que foi isso? Você
chegou, ficou 3 semanas freqüentando o Salão Quilombo, que, naquela época, era o espaço que
meio que centralizava essas coisas ou seja, os núcleos existiam mas o Salão Quilombo era o
espaço por excelência aonde essas discussões aconteciam. Todo mundo freqüentava: o Juca
freqüentava, o Nilton freqüentava, o Alexandre, o Frei Davi... ou seja, era um lugar aonde as
pessoas se encontravam e a percepção que eu tenho é de que ainda não haviam os grupos
políticos, os campos”....
ZECA – A teoria do Juca Ribeiro....
RENATO – Ainda não existiam os campos nesse momento. Como é que foi você chegar no
Salão, perceber essas discussões, vc já começou a se envolver com isso.... porque vc fez parte da
primeira Secretaria que foi criada em 95, né? Como é que foi essa inserção?
ZECA É verdade... eu peguei um pouco essa discussão sobre o financiamento externo, em
especial o internacional, mas não me envolvi tanto com aquela questão. Talvez, se na época eu
fosse consultado, era provável que a minha opinião fosse ser contrária. Eu digo que era provável
porque eu não sei se seria exatamente essa, até porque eu fiz parte do grupo que defendeu durante
vários anos que o Pré-Vestibular deveria receber auxílio, em especial se fosse do próprio país e de
órgão público municipal, estadual ou federal ou mesmo algum outro tipo de instituição a nível
nacional. Nós já defendíamos isso dentro do conjunto do pré, mas era fator de discórdia entre as
diversas lideranças do pré-vestibular....
RENATO – nós quem?? Quem defendia isso?
ZECA – um grupo bastante significativo, entre eles Juca Ribeiro, eu, Zeca Esteves, o Nilton Jr., o
Alexandre Nascimento tinha uma posição relativa nessas coisas, ele não tinha uma posição muito
favorável, mas tinha um grupo que comava a crescer dentro do pré, em especial isso que você
chama de lideranças, que tinha uma visão nesse sentido que esse apoio financeiro ou outra forma
que fosse, poderia ajudar a ampliar... o Jocimar Oliveira, que veio depois a falecer aqui em
Brasília trabalhando dentro da temática racial no escritório Zumbi dos Palmares. Então, nós
tínhamos um grupo que defendia isso com uma argumentação razoável, muitas vezes
apresentando documentos – a gente poderia traduzir para a linguagem de partido e chamar de
teses”, muitos elementos escreviam sobre isso pra defender os nossos posicionamentos. Ali, de
fato, começaram a acirrar-se os níveis de discussão dentro do conjunto do Pré. Esse foi o
entendimento que eu tive no pré na Igreja Matriz, eu fui chegando e conhecendo como as coisas
funcionavam, ali eu vi algumas aulas de Cultura e Cidadania, que ocorriam no colégio Flusinho,
próximo da Igreja da Matriz. Eu fui conhecendo as pessoas em especial que moravam naqueles
munipios mais próximos de São Jo, e eu acho que isso foi uma trajetória importante.
Depois, em 95, de fato coma a se sedimentar e aflorar algumas discussões mais profundas dos
dois grupos que existiam, de Reflexão Racial e de Reflexão Pedagógica. E, claro que as pessoas
601
muitas vezes faziam parte dos dois, por interesses, por militância ou por querer contribuir, mas
muitas vezes a gente participava dos dois grupos.
RENATO – interesse de que?? De intervir??
ZECA – Interesse de intervir no processo. Eu tive a felicidade de participar dos dois durante
algum tempo. Durou acho que 2 anos, 2 anos e meio, a gente pode checar os documentos pra ver
se evoluiu mais ou não. Eu lembro de um texto que foi escrito a várias mãos, e um dos temas que
constavam do texto falava que o professor pra estar no pré-vestibular precisava ser altruísta e não
sei o que mais... isso deu um problema, uma confusão generalizada junto com algumas lideranças
e alguns professores um pouco mais esclarecidos e tal... esse era um dos exemplos de algumas
polêmicas que acabavam aparecendo no dia-a-dia. Nós tínhamos também uma... é, eu posso usar o
termo uma “predomincia” de setores da Igreja Católica, que era de fato onde funcionavam a
maior parte dos núcleos de pré-vestibulares, algumas das lideranças, e as novas lideranças que
estavam surgindo eram desse meio e ali começaram algumas discussões um pouco mais
ferrenhas..
RENATO – quem eram essas novas lideranças?
ZECA – eu posso citar, eu acho que vou lembrar agora de cabeça, dois exemplos: o Marcos, eu
não lembro o sobrenome dele, que era da coordenação do PJ, Pastoral da Juventude, que
funcionava na Catedral de Duque de Caxias, era uma dessas lideranças dos prés que iniciou neste
processo, e que depois se consolidou, num certo momento, como uma liderança... tinha umas
meninas, a Anna, e outras que eu não recordo o nome, mas que participavam de alguns debates e
tinham algumas posições mais acirradas sobre essas questões. Em Nova Iguaçu também tinha
algumas lideranças, especialmente femininas, vinculadas à Igreja Católica, e também nós tivemos
depois um momento bastante acirrado, acho que entre 96 e 98, com o Pré-Pavuna, com o
Professor Zama, que era um dos fundadores do pré, professor de história, e a grande celeuma com
o Zama se deu por conta da indicação de uma liderança do PVNC para receber a medalha Pedro
Ernesto na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Eno, houve a indicação de vários nomes, e
começou uma disputa muito grande, algumas pessoas achavam que era legítimo o professor Zama
receber aquela homenagem em nome do conjunto dos pré-vestibulares, algumas lideranças ou
pseudo lideranças da época apoiavam, mas isso causou um grande atrito. E já havia algum
desgaste com relação a outra das principais lideranças dos pré-vestibulares, que era o Frei Davi
Raimundo dos Santos, quando o grupo... não é o GRUCON... o grupo da Igreja Católica... os
APNs, Agentes da Pastoral do Negro, que tinha alguns debates e algumas divergências, por conta
de... divergências de concepção na condução do processo, e nesse dia da homenagem na Câmara
de Vereadores do Rio de Janeiro, um grupo das APNs lança um documento questionando algumas
posturas de lideranças do pré, em especial o grande líder que era o Frei Davi, que tinha acesso à
mídia e portanto era quem falava e era o porta-voz do conjunto do pré. Isso também era fator de
discussão nos grupos de bate-papo na hora da cervejada, nas assembléias, nas reuniões do
Conselho...
, voltando, você chega em 95, começa a acontecer as reuniões do Conselho dos Pré-
Vestibulares. A primeira delas, na Catedral de Duque de Caxias, com um número significativo de
representações dos pré-vestibulares, desde professores e alunos e, sobretudo, coordenação. Esse
material a gente tem foto, uma fita de vídeo que eu espero que ainda funcione, hehe.. onde se
pode ver algumas dessas discussões e desse momento acalorado, uma das primeiras assembléias
do PVNC e das primeiras reuniões grandes do Conselho. Aquele também foi um momento
acirrado, onde a gente começava a discutir o regimento.. não é o nome mais correto, mas o papel
era um pouco esse, a gente queria nortear as diretrizes do pré-vestibular. E ali você tinha questões
polêmicas, como a questão do nome, se a gente iria manter o nome Pré-Vestibular para Negros e
Carentes ou não, ou se de repente a gente suprimiria alguma dessas definições, isso já em 95.
Tinha também a discuso sobre o financiamento, em especial o financiamento externo
internacional, esses eram alguns dos embates fortes dentro do conjunto do Pré pra discutir e
formatar a sua Carta de Princípios. É interessante na Carta de Princípios do Pré, que você pode
compará-la a aquilo que foram algumas discussões a nível nacional, em especial na área de
602
Educação, em que os governos levaram uma década pra discutir as diretrizes da Educação , e a
Carta de Princípios do Pré levou em torno de uns 4 ou 5 anos pra de fato ficar pronta, porque foi
um debate intenso nesse período, a gente faz, refaz, está bom, não está... então ela acabou sendo
revista e precisou de muito acordo e muito consenso pra gente fechar... mas foi um processo, eu
diria, extremamente rico, e isso está documentado... algumas coisas datilografadas, outras já no
computador, muitas vezes através das fotografias, em que aparecem alunos, professores e
coordenadores dos prés, em especial da AFE a gente tem milhares de fotos daquele processo rico,
das reuniões, dos Conselhos Gerais, das Assembias, que nós tínhamos 3 Assembias por ano...
depois também as Assembléias passaram a ser descentralizadas e eu acho que isso também era um
ganho do conjunto do PVNC. Ah, tem um momento anterior da sua gravação em que eu falei que
o PVNCrivalizava” com o chamado Movimento Negro mais organizado formalmente, não isso,
mas que ele tinha um potencial energético que se enriquecia e se retroalimentava dos grandes
debates das Assembléias Gerais, que eram em Duque de Caxias, eram em São João, no centro do
Rio de Janeiro, em Niterói, em Petrópolis... então, aquele era um momento muito rico de debates
que às vezes, se a gente não conseguia concluir determinados debates eles iam para as próximas
Assembléias, ou então a gente aprovava por consenso determinadas questões, ou na votação, e
algumas eram encaminhadas para o Conselho Geral pra deliberar sobre elas, ou, se também não
conseguisse deliberar ali, levava pra outra Assembléia. Então, era um processo muito rico nas
Assembléias, que reunia em torno de 600 a 700 pessoas, coisas que os sindicatos hoje em dia não
conseguem fazer, e que muitos já na década de 80 não conseguiam, e o PVNC conseguia reunir
700, 800 pessoas com a maior facilidade pra ficar um dia inteiro fazendo as discussões sobre o
conjunto do pré, sobre o futuro do pré, sobre os encaminhamentos... então, isso de fato era muito
rico e elogiado por outros setores dos movimentos sociais.
Também outro momento que eu consideraria rico dos pré-vestibulares eram as festas que
aconteciam em diversos locais e em especial as festas da Baixada que reuniam muita gente. As
festas do pré de São João, em Villar dos Telles, no Colégio Henfil, as festas do pré AFE, que se
tornaram tradicionais, as festas do Pré Nova Campinas, acho que Niterói também a gente foi em
festas algumas vezes, não me lembro se em algum lugar do Rio a gente chegou a ir, mas as festas
da Baixada eram muito concorridas, e era um momento de congraçamento dos alunos do pré-
vestibular, dos professores de diversos núcleos, coordenadores também. Então era um ambiente
muito legal, e a gente se preparava pra fazer as festas, a gente envolvia os alunos, eles iam pra rua
fazer pedágio, faziam rifa, traziam a sua contribuição de casa, sei lá, 500gr de carne pra fazer
churrasquinho, 300gr, um outro trazia copo de plástico, um outro contribuía com dinheiro pra
comprar cerveja, refrigerante, quentão, a gente fazia ornamentação... tinha toda uma logística e
um preparativo que você passava um peodo de um dia, um dia e meio ou dois organizando a
festa do pré. Então, você tinha aula no período da manhã e aí, à tarde, você ia preparar tudo pra
fazer uma apresentação, eu diria, de gala entre aspas, pra você receber os companheiros e as
companheiras de outros núcleos de pré-vestibulares, os professores... às vezes participavam
algumas lideranças potico-partidárias também, que a gente convidava ou que ficavam sabendo
porque tinham algum tipo de afinidade e participavam também desse processo de diversão entre
as pessoas e de troca entre elas, e que isso seria muito difícil de acontecer em outro tipo de
agrupamento em especial tão grande com a diversidade como era o conjunto dos pré-vestibulares.
E o interessante é que não tinha briga, não tinha violência, as pessoas se respeitavam, ajudavam
nas atividades, no esquema de segurança da festa, eram solidárias na hora de ir embora, eram
solidárias na hora do final da festa de carregar cadeira, carregar a caixa de som, então era um
ambiente muito bom. E o lucro daquelas festas era revertido para o grupo de alunos que não tinha
condição de pagar a sua taxa de inscrição no vestibular. Então, a festa tinha uma lógica, tinha uma
motivação, aonde o aluno levava o seu pai, a sua mãe, os seus parentes pra estarem lá, chegar
junto, as pessoas se conheciam mas ela tinha um fundamento que era a participação e sobretudo
juntar essa grana pra ajudar aqueles que mais precisavam pra fazer a inscrição no vestibular.
E, outro grande momento, sem dúvida, foi a abertura de espaços nas universidades públicas. Em
especial na UERJ, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que foi e ainda é a grande parceira
603
do PVNC, evidentemente, com algumas dificuldades pra negociar a questão da isenção na
inscrição no vestibular.
Entrevista com Zeca Esteves – segunda parte
Fita 2 lado A
RENATO – Você começou a comentar aí essa aproximação de lideranças potico-partidárias do
PVNC. Como é que foi isso? Eu sei que algumas lideranças do movimento negro, como Marcelo
Dias, Ivanir Santos... Você tinha ligação com o Ivanir.Como foi essa aproximação de lideranças
do PVNC?
ZECA - Você tem razão, quando eu falei da questão da festa que reuniu alunos, professores e
lideranças partidárias eu esqueci de citar as lideranças do movimento negro que eram convidadas
e que iam lá pra prestigiar e uma delas é liderança potico-partidária, o Deputado Estadual
Marcelo Dias. Ele tinha relação estreita com a Baixada Fluminense, ele morava na Penha, mas
tinha vários assessores que moravam em São João. Alguns deles eram professores, coordenadores
e até alunos do PVNC e portanto inseriram o Marcelo nessa temática e é natural porque o
mandato dele também espelhava essa temática racial. A presença dele foi se intensificando junto a
alguns pré-vestibulares, em especial na Baixada, sobretudo em São João e também a relação com
o Frei David. Interessante que ele era questionado por lideranças do PVNC...
RENATO - Então ele chegou ao PVNC sem nenhuma relação com aqueles que eram as
“lideranças”
ZECA – Não...pelo histórico que eu tenho, eu posso até estar equivocado, mas creio que ele
chegou também por _________ de algumas pessoas que também eram lideranças como o João
Batista...
RENATO – João Batista da UERJ?
ZECA – Não, João Batista morador de São João, na entrada de São João atrás do CIEP perto das
Sendas. Alí tem um núcleo de pré-vestibular e o João era uma dessas lideranças e próximo ao
Marcelo. Eu deduzo que tenha sido esse grupo que introduziu o Marcelo Dias na questão do pré.
Claro que está implícito também______ fortalecer também a prática do mandato e talvez a
preocupação de está pensando e discutindo essa questão dentro da Assembléia Legislativa, acho
que tem essas várias conotações. Agora interessante é que esta relação com o Marcelo Dias trouxe
alguns encontros e algumas discussões dentro do conjunto do pré, em especial numa festa do pré
Matriz. Eu pude presenciar isso por parte de alguns professores e de algumas lideranças do pré
Matriz e também do pré de Belford Roxo que estavam em um churrasco que aconteceu não sei
por qual razão, mas que alguns eram favoráveis a presença do Marcelo e outras não. O fato é que
ele ficou pouco tempo na festa, dado o nível de tensão e discussão, ele acabou saindo. E eu avalio
hoje como uma imaturidade do pré com relação aquilo eu acho que essa relação poderia ter sido
boa para ambos. E mais a frente agente foi vivenciar _______ com Chico Alencar, deputado
estadual e depois deputado federal. Mas na época acho que ele era deputado estadual. Numa
atividade em Nova Campina no Ciep 434 coordenado pela Geane Campos, ele foi lá e estava
entregando o material dele, não lembro se era assembléia ou reunião de formação, acho que era
Seminário de Formação, o fato é que ele foi convidado a sair, proibido de panfletar e distribuir o
material dele. E o material do mandato do Chico sempre foi um material de muita qualidade, com
visual bonito, com questões de ecologia e ligadas as questões de direitos humanos, coisas que
diziam respeito a vida daquelas pessoas que estavam a. Mas devido ao grau de incompreensão
devido talves a opção por passoa x, y ou z ele acabou sendo convidado a sair. Eu acho que esse
fato se repetiu depois também em uma Assembléia Geral, não lembro se foi na AFE... um fato
semelhante de novo com o Chico Alencar. Aí voltando as lideraas do movimento negro uma
delas estava sempre constante nas atividades do pré-vestibular, quer na Baixada, quer no Rio ou
604
mesmo nas festas era o professor Ivanir dos Santos coordenador do Ceap (Centro de Articupalção
de Populações Marginalizadas) uma instituição que tem como mote a questão da temática racial e
que tem um histórico sobre a questão da violência contra crianças e adolescentes e trabalhos
ligados a questão das mulheres, campanha contra o tráfico de mulheres, ou seja, uma entidade que
teve uma ascenção muito grande no início da década de 80 dando destaque as questões de direitos
humanos na cidade do Rio de Janeiro, no estado e também nacional por conta da CONEN
(Coordenação Nacional de Entidades Negras) onde o Ivanir também participa. Então o Ivanir
também é uma figura questionado em algumas atividades do conjunto do Pré-vestibular. E a
minha relação com ele foi se dando a partir da participaçãodele em algumas atividades do pré-
vestibular e mais tarde, num dado momento mais a frente eu acabei trabalhando na Instituição
com a temática da questão racial fazendo um link com setores do movimento social e também
com a questão partidária. Nessa questão do movimento social, a gente participa do processo de
preparação da Conferência Naciona de Combate ao Racismo preparatória para a III Conferência
Mundial Contra o Racismo, Discriminação e Xenofobia que aconteceu em agosto de 2001 na
Africa do Sul, onde várias pessoas do movimento negro participaram. A gente coordenou uma
delegação com 60 a 70 passoas. ___________ o Ivanir era figura frequente nas aulas de cultura e
cidadania e também em diversos grupos de pre-vestibulares a exemplo de outras lideranças na
cidade e no estado.
Renato – Gostaria que você me falasse duas coisas. Primeiro, como o Ivanir se aproximou do
PVNC? Quem ele conhecia, que o chamou e tal? E depois gostaria que você falasse como foi essa
sua aproximação com ele. Eu lembro que teve uma história uma vez que foi quando o GPI de
Caxias falou que ia processar o pré, em especial o pré AFE, que o pré AFE tinha tido uma
aprovação maior que o GPI e os particulares ali. Eu lembro que na época teve uma reunião, que
até eu estava, e o Ivanir chegou junto contigo falando que se isso acontecesse, ele colocaria a
assessoria juridica do Ceap pra defender o pré. Quer dizer, naquele momento você já tinha uma
relação potica com ele. Então queria saber essas duas coisas. Primeiro, como ele chegou ao
PVNC? E depois, como você se aproximou dele?
Zeca – Eu não tenho a informação precisa de como ele chegou ao conjunto dos prés. Mas
provavelmente através de uma amiga nossa que trabalhou com a gente enquanto coordenadora de
uma época e como voluntária também, tanto no início do pré Matriz, mas sobretuto no pré AFE,
foi a Andrea Couto. Então em acretido que tenha sido ela a pessoa que introduziu o Ivanir dos
Santos no conjunto do pré. Eu acho que nessa época a Andrea já trabalhava no Ceap e tinha uma
relação próxima ao professor Ivanir dos Santos. Então é provável que tenha sido através dela. Ela
era do pré AFE. A gente pode checar a informação. Eu não lembro com precisão quando isso se
deu. Mas eu lembro bem dessa polêmica em que o pré-vestibular convencional de Duque de
Caxias ameaçou entra com uma ação contra o pré AFE. E dentro da própria Instituição, da AFE,
alguns alunos do curso de Direito e de outros cursos fizeram uma reunião com a reitoria da
universidade ameaçando entra com uma ação contra a universidade pelo fato de ter lá um núcleo
de pré-vestibular chamado Pré-Vestibular para Negros e Carentes. A direção da universidade
começou com a discussão para esplicar o que era o pré e qual era a proposta e encaminhou
algumas pessoas para conversar com a gente da coordenação. A gente apresentou para os caras as
nossas salas de aula, os professores, o material pedagógico que nós tinhamos, o material de
reforço que utilizavamos, a ficha de inscrição a lista de aprovação no vestibular, etc.E
argumentamos porque que era importante um pré-vestibular com aquela proposta. E as pessoas
saíam convencidas de fato que elas estavam equivocadas e que nós não estavamos fazendo o que
chamam de racismo as avessas. Isso é interessante que já tinha acontecido dentro da AFE anterior
a esse incidente com o pré-vestibular GPI que ameaçou entrar com a ação contra o pré AFE.
Então, a gente acabou encontrando de fato alguns apoios institucionais para essa questão. Entre
eles o Ceap, enquanto instituição e o Ivanir dos Santos do movimento negro e da temática dos
direitos humanos. Depois em 97 quando eu concluí a minha monografia do curso de pós-
graduação do curso Raça e Etnia da UFF com a professora Yolanda Ferreira, o tema da minha
monografia foi o PVNC e eu fui em diversos cursos pré-vestibulares convencionais de Caxias
605
para ver a realidade e fazer um confronto com o pré-vestibular, desde a questão de infra-estrutura,
os recursos pedagógicos, visualizar os alunos ver a composição etnico-racial deles, saber um
pouco sobre a condição sócio-ecomica e também através de algumas informações de algumas
conversas obter alguns dados de nível aprovação daqueles pré-vestibulares. Isso incomodou muito
a direção de alguns pré-vestibulares e a gente constatou que de fato que a propaganda que os caras
colocam na mídia é falsa. Eles aprovam trinta, as vezes quarenta e no máximo cinqüenta por cento
e eles colocam na mídia ______ por cento, não é verdade, em dado momento aqueles cursos se
equiparavam ao nível de aprovação de alguns núcleos de pré-vestibulares em especial ao pré AFE
durante uns dois ou três anos. __________estava com um grupo de alunos dedicados, com uma
equipe de competentíssima de professores e dividia esse número de alunos aprovados em
universidades públicas e um número significativo para universidade privada, em especial a
Unigranrio no primeiro e segundo ano de convênio que durou mais ou menos três
anos__________. Eu falava anteriormente sobre a participação de algumas lideranças do
movimento negro junto ao pré-vestibular e uma delas é o professor Ivanir dos Santos, em um dado
momento a professora Vânia Santana. Também tiveram outras pessoas que deram sua
contribuição aos prés, em especial nas aulas de cultura e cidadania. Profissionais ligados à área da
saúde, alguns assintentes sociais, psicólogos, historiadores, em um dado momento alguma pessoa
da imprensa_________. Voltando a questão do Ceap, com o professor Ivanir dos Santos e toda a
sua equipe colocava suas portas abertas para o pré e tudo aquilo que pudesse ajudar e auxiliar. Pra
lá também chegavam muitas ligações telefônicas de pessoas querendo saber como encontrar o
pré-vestibular, de Belford Roxo, do Rio, como faziam para entrar, etc.
Renato – E quando teve essa história do processo e que o Ivanir coloca o Ceap a disposição do
pré, você tinha uma proximidade com ele?
Zeca – Nesse momento já. Já tinha uma proximidade e em função disso que ele ofereceu
assessoria jurídica da instituição que era peculiar fazer esse tipo de trabalho a pessoas individuais
e a grupos.
Renato – E essa sua relação com ele foi decorrência ou ela acabou começando uma fase diferente
na sua milincia? Ou naquele momento você militava no pré ou já militava em outros espaços
também?
Zeca - É eu comecei militando só no pré com o processo de aprendizagem e auto-aprendizagem.
Eu fui tendo contato com liderenças do movimento negro, com leitura, participando de
seminários, debates, palestras, etc, e o horizonte foi se alargando. É claro que o Ceap foi
responsável por isso enquanto instituição e o próprio Ivanir dos Santos também. Ele é uma pessoa
muito dinâmica que viaja muito e não mede esforços para prestar socorro pra uma pessoa, uma
assessoria__________ a presença dele enquanto pessoa sica _______frente a muitas autoridades
tem o devido respeito. O fato de chegar com ele em algum lugar ele tende a se posionar e isso
tinha de fato, e ainda tem, um peso significativo no Rio de janeiro e em muitos casos no nível
nacional e internacional. Então, claro que essa convivência com ele foi inportante e nos
acrescentou vários elementos e ampliou o nosso horizonte. Eu não lembro com precisão qual foi o
ano em que eu comecei a trabalhar no Ceap. Eu saí da construção civil em maço de 98, acho que
foi mais ou menos em meados de 98 que eu fui convidado a trabalhar na instituição. Trabalhei um
período e depois participando do período eleitoral, 99 eleito o governo Garotinho/Benedita da
Silva, s trabalhamos junto com o professor Ivanir dos Santos e diversas lideraas do
movimento negro – Carlos Alberto, Paulo Roberto Boca, professora Vanda e o prório Marcelo
Dias com o seu grupo, grupos mais próximos de Benedita da Silva e setores do movimento negro
participaram do processo de pré campanha, de formulação e apresentação de propostas. Uma das
propostas que a gente constituiu foi a criação da Secretaria de Direitos Humanos. E aí surgiu a
idéia proposta por Ivanir que o secretário deveria ser Abdias do Nascimento por conta de seu
histórico e sua contribuição na luta do movimento negro nacional, ex senador, ex deputado
federal, dramaturgo, escritor, etc. Ivanir e mais outras pessoas foram a Campos negociar com
606
Garotinho, então candidato a governador, o nome de Abdias para secretário de Direitos Humanos
e Ivanir dos Santos, enquanto Partido dos Trabalhadores, tende a ser o subsecretário. A proposta
foi aceita pelo governador assim como também pelo ex senador Abdias do Nascimento. Teve a
campanha vitoriosa das secretarias constituídas e da Secretaria de Direitos Humanos que nós
tivemos a felicidade de trabalhar e de fazer parte da equipe. É claro que o vínculo que a gente
tinha com a questão muncipal, em Duque de Caxias, seja regional, na Baixada, vários lugares da
região metropolitana e até mesmo alguns conhecimentos sobre outras regiões do estado, seja sul
fluminense que alguns chamam de médio Paraíba, pedacinho da região noroeste que tem
participado também para compor a equipe da Secretaria de Direitos Humanos, em especial a
equipe do Ivanir enquanto subsecretário. E alí também a gente pode ir fortalecendo o trabalho que
a gente já fazia de andanças pelo estado, prestigiando atividades, sei lá, de Volta Redonda, em
Natividade, em Campos, em Belford Roxo, em Santa Cruz no Rio de Janeiro, em Niterói, São
Gonçalo. Então de fato a gente rodava muito enquanto trabalho da instituição durante um tempo,
enquanto trabalho partidário também e sobretudo depois assumindo papel de gestor do Estado.
Então de fato, a gente na secretaria trabalhava muito, muitas atividades à noite e também no final
de semana. Foi, sem dúvida, uma experiência muito rica. E foi lamentável que ela tenha durado
apenas nove meses por questão de disputas potico-partidária, diferenças de projetos e concepção.
A Secretaria de Direitos Humanos acabou durando, nada mais nada menos, que nove meses.
Exatamente o perído de gestação. E, pelo menos, a gente teve a sacação de deixar um instrumento
consolidado que era o Conselho Estadual de Direitos Humanos. Então o Conselho permaneceu.
Algumas pessoas que estavam na estrutura da secretaria e já faziam parte do Conselho se
mativeram lá e outras depois foram agregadas ao Conselho. Passados uns quatro ou cinco meses
eu fui vhamado também para compor a equipe do Conselho Estadual de Direitos Humanos, onde
a gente fez também uma rodada grande pelo estado fazendo uma discussão do processo de
elaboração do I Plano Estadual de Direitos Humanos do Rio de Janeiro, participando das cinco
regionais que estavam divididas no estado, fazendo este processo para depois em 2002 nós termos
a aprovação da publicação do Plano. E isso já com a nova subsecretaria de Direitos Humanos,
coordenada pela doutora Vânia Santana como secretária. A gente participa deste debate e da
indicação de alguns nomes que agente teria capitaniado pelo Ceap, em especial pelo Ivanir
enquanto liderança do movimento negro, enquanto liderança potica e também como um grupo
coeso dentro do Partido dos trabalhadores com o apoio de outro grupos e a mesmo com o apio
da corente majoritária. Nessa época fui convidado para ser chefe de gabinete da doutora Vânia
Santana que era Secretária Estadual de Direitos Humanos e Ciadania por conta de uma construção
que tinha começado no final de 98 e no processo que trabalhamos desde 99 e tentar dar algumas
respostas a alguns setores da sociedade civil e aí também ________ parte desse grupo estar
representado e cumprir mais uma vez com o papel de gestor público com o cargo de confiança.
Então essa é uma trajetória que poucos conseguem ter, e eu não to falando do meu caso pessoal,
digo poucos quando eu quero pensar a concepção de grupo, concepção de projeto. Uma das
qualidades do professor Ivanir dos Santos tem e parte do grupo do Ceap tem e uma noção e um
projeto de onde a gente quer chegar e como se pode avançar mesmo que isso leve cinco, dez anos.
Mas tem que ter uma concepção de até onde se pode avançar e onde estão as fraquezas dos nossos
inimigos e até dos nossos aliados e como a gente pode entrar___________ e tornando isso uma
prática na questão no campo da potica partidária. Então esse é um elemento importante que
ajuda a formar alguns quadros lá, dentro da instituição e muitos com papel destacado no
movimento social, por exemplo Jurema, Lúcia Xavier _________ fizeram parte da primeira
direção do Ceap, hoje tem o conhecido cantor _______ gravou seu primeiro CD com o apoio do
Ceap e isso pouca gente sabe, isso não sabe, não se divulga. Então é uma instituição que tem uma
contribuição grande para o processo de auto-estima e de fortalecimente de alguns grupos, embora
que alguns tenham, as vezes, alguns arranhões nessa relação. E isso também faz parte da trajetória
urbana _____ tenha projeto de sociedade, tenha político_____ essa questão tem ônus e bônus.
Mas de fato...
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