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ENTRE O PALANQUE E O PÚLPITO: MÍDIA, RELIGIÃO E POLÍTICA
Valdemar Figueredo Filho
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Ciência Política.
Orientadora: Ingrid Sarti
Rio de Janeiro
Dezembro de 2002
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ii
ENTRE O PALANQUE E O PÚLPITO: MÍDIA, RELIGIÃO E POLÍTICA
Valdemar Figueredo Filho
Orientadora: Ingrid Sarti
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em Ciência Política.
Aprovada por:
___________________________________
Presidente, Profa. Ingrid Sarti
___________________________________
Prof. Marcus Figueiredo
___________________________________
Profa. Regina Novaes
___________________________________
Prof. José Paulo Bandeira da Silveira
Rio de Janeiro
Dezembro de 2002
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iii
Figueredo Filho, Valdemar.
Entre o palanque e o púlpito: mídia, religião e política/
Valdemar Figueredo Filho. Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS, 2002.
xi, 125f.
Orientadora: Ingrid Sarti
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS / Programa de Pós-
graduação em Ciência Política, 2002
Referências Bibliográficas: f. 102-105.
1. Evangélicos. 2.Comunicação e política. I. Sarti, Ingrid.
II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto Filosofia
e Ciências Sociais/ Programa de Pós-graduação em Ciência
Política. III. Entre o palanque e o púlpito: mídia, religião e
política.
iv
RESUMO
ENTRE O PALANQUE E O PÚLPITO: MÍDIA, RELIGIÃO E POLÍTICA
Valdemar Figueredo Filho
Orientadora: Ingrid Sarti
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência
Política.
A partir de uma amostragem restrita, este trabalho aborda a mídia
evangélica na cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de compreender seu papel
central na relação entre política e religião no Brasil contemporâneo. Busca captar
também a imagem que se constrói a respeito dos evangélicos na mídia impressa do
Rio de Janeiro. Conclui que a mídia evangélica tem uma penetração considerável e
através dela se estabelecem vínculos entre igrejas e empresas, fiéis e empresários,
eleitores e políticos. Pretende mostrar como através do cultivo da identidade
religiosa, alguns grupos político-empresariais evangélicos utilizam-se
crescentemente do espaço de representação política. Conclui que, diante das
dificuldades de precisar as fronteiras entre o religioso e o político, tanto a mídia
evangélica como a laica tendem a alimentar a polarização entre Estado laico, de um
lado, e a figura de um governante evangélico, do outro.
Palavras-chave: mídia e política; evangélicos; empresários de comunicação.
Rio de Janeiro
Dezembro de 2002
v
ABSTRACT
BETWEEN O PALANQUE E O PÚLPITO: MIDIA, RELIGION AND POLITICS
Valdemar Figueredo Filho
Orientadora: Ingrid Sarti
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência
Política.
This study analyzes the media of evangelical-property in the city of Rio de
Janeiro. Its main objective is to explain the remakable role that it plays within the
relationship between politics and religion in contemporary Brazil. It also intends to
describe the image through which the evangelical followers are described as a
social group in the Rio de Janeiro’s press. This dissertaton intends to show the
interconnected relationship between evangelical churches and communicaton
enterprises as well as its expression at the political level of national representation.
It concludes that the polarization between secular State and religious governance is
the core of the conflict which is disclosed by both the religious and the secular
midia.
Key words: midia and politics, evangelical groups; communication enterpreneurs.
Rio de Janeiro
Dezembro de 2002
vi
AGRADECIMENTOS
A elaboração de uma dissertação proporciona ao seu autor o vislumbre de cenários
diversos. Descobertas a cada curva. Após os montes altos e escorregadios, vales
serenos e seguros.
Descobri livros impressionantes que falam dessa gente nossa, dessa vida
nossa, dessa ciência do cotidiano. Descobri instituições que propiciam aos seus
filhos legítimos, adotados e bastardos, ambiente propicio à boa reflexão. Descobri
mestres capazes de abrir seus tesouros e compartilhá-los com seus alunos.
Descobri onde fica o porto, o que encoraja a navegar em alto mar sem o perigo de
esquecer o caminho de volta.
Obrigado Ingrid Sarti pelo incentivo, ainda na graduação, para que me
dedicasse à pesquisa na área de comunicação e política. Agradeço pela atenção
constante, sem a qual não seria possível concluir esta dissertação.
Sou grato ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política da
universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGCP-UFRJ. O fato de pertencer à
primeira turma foi significativo.
Obrigado Aluizio Alves Filho pelo carinho e dicas preciosas, obrigado Isabel
Ribeiro de Oliveira pelo rigor no trato com a teoria política, obrigado José Paulo
Bandeira da Silveira pelo interesse neste trabalho, obrigado Maria Helena de
Magalhães Castro pelo perfeccionismo na elaboração de projetos, obrigado Charles
Pessanha pelas aulas agradáveis e descontraídas.
Na pesquisa do tema proposto, Regina Novaes é referência obrigatória. Foi
bom demais contar com sua interlocução através de leituras, e principalmente
através de conversas esclarecedoras. Obrigado pela prontidão.
Agradeço aos companheiros de jornada, aos colegas de curso, que com
amizade e curiosidades fomentaram idéias que estão dispersas ao longo deste
trabalho.
Sou grato à Igreja Batista da Esperança pelo incentivo e compreensão.
Comunidade da partilha que alcançou-me com sua generosidade.
Lecionar no Seminário Teológico Betel é um grande privilégio. Agradeço a
professora Tabita Kraule Pinto pela inspiração que representa sua vida para todos
que a conhecem. Agradeço ao reitor, e querido amigo, Neander Kraul de Miranda
Pinto pelo exemplo vivo do que vem a ser um mestre.
Minha família observou atenta minha solidão pensante sem nada exigir.
Esperaram-me pacientes. Tudo que na vida produzo, procuro de alguma forma
vii
alcançá-los. A Raimunda Figueredo agradeço o leite materno, minha melhor
professora, de quem até hoje sugo a vida.
Agradeço aos componentes da Banca examinadora a forma como coroaram
essa dissertação. Intelectuais que aprendi a respeitar, leram o que produzi e deram
valiosas contribuições: Ingrid Sarti, Regina Novaes, José Paulo Bandeira e Marcus
Figueiredo.
A Patrícia, minha esposa, agradeço pela revisão do texto, mas sobretudo,
pela pontuação da vida. Posso navegar distante pois sei onde fica o porto. Patrícia
fundamental antes, durante e depois desta dissertação. Obrigado Patrícia pela
candura dos beijos que desconcentravam — enquanto tentava escrever esta
dissertação — eles também inspiravam. Obrigado por esperar por mim, enquanto
esperava o nosso primeiro filho. A Deus, toda Glória e Louvor!
viii
À memória de
Pedro José de Souza e David Gomes.
À Jonas Farias e Jércio Pereira.
À Elis Borre e José Nunes (Baiano).
ix
Glossário de siglas
CEB - Comunidade Eclesial de Base
Cehab - Companhia Estadual de Habitação
CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas
DCS - Departamento de Ciências Sociais
Edusp - Editora da Universidade de São Paulo
ES - Espírito Santo
EUA - Estados Unidos da América
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IFCH - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
IFCS - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Iser - Instituto de Estudos da Religião
Iuperj - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
MG - Minas Gerais
ONG - Organizações não governamentais
PB - Paraíba
PFL - Partido da Frente Liberal
PL - Partido Liberal
x
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PR - Paraná
PSB - Partido Socialista Brasileiro
PSTU - Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados
PT - Partido dos Trabalhadores
RJ - Rio de Janeiro
SBPC - Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência
SP - São Paulo
TRE - Tribunal Regional Eleitoral
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
USP - Universidade de São Paulo
xi
SUMÁRIO
Introdução I
Capítulo 1. A diversidade conceitual na abordagem da relação entre
religião e política
1
Virtù e virtude cristã em Maquiavel
A ênfase na linguagem em Hobbes
O interesse em Bentham
A responsabilidade weberiana
A secularização em questão
Capítulo 2. A diversidade das Igrejas Evangélicas 20
Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações teológicas
Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações sociais
Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações pessoais
Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações do mercado
Capítulo 3. A relação ente os evangélicos e a política segundo a
imprensa
41
O que diz a mídia secular sobre os evangelhos na política
O que diz a mídia evangélica sobre seus representantes na política
Capítulo 4. Observações sobre a diversidade na recepção dos
discursos
76
Polifonia
Hermenêutica da profundidade
Alianças e resultados eleitorais
Conclusão 96
Referências bibliográficas
102
Introdução
A presença dos evangélicos no cenário cultural e político brasileiro é um fenômeno
recente que surpreende pela linguagem difusa, pela atenção que a mídia lhe
confere e pelos resultados eleitorais que conquista. Principalmente, no ambiente
acadêmico que investiga o exercício da política causa estranheza o movimento na
contramão da modernidade. A realidade de um Estado laico estaria sendo
ameaçada pelas pretensões políticas dos evangélicos? Afinal, é bom lembrar que a
secularização da política constitui fundamento da criação do Estado Moderno.
Uma das primeiras indagações sobre os evangélicos na política brasileira
questiona até que ponto, e como, as convicções pessoais de um evangélico com
mandato político podem interferir na ordem pública?
É inegável que grandes mudanças religiosas, na dita maior nação católica do
mundo, têm repercutido na política. Os evangélicos, como uma das grandes
novidades na política brasileira, têm despertado curiosidade e gerado várias
expectativas em acadêmicos, membros de partidos, institutos de pesquisas
eleitorais, igrejas, candidatos a mandatos legislativos e executivos, grupos
econômicos e jornalistas. E exatamente neste ponto encontramos o interesse da
sociedade brasileira, tão bem retratada pela vasta cobertura da mídia. Quem são
estes novos atores políticos? Como atuam? Observamos que há pouca clareza
sobre o que de fato representa a participação política dos evangélicos, quais as
suas motivações, seu potencial eleitoral, quais e como operam os seus principais
líderes, e quais os mitos que rondam esta discussão.
Essas questões estimularam-nos a abordar a recente participação dos
evangélicos na política brasileira, a partir da premissa de que seu discurso é
fragmentado e plural, pois constituem um grupo heterogêneo dotado de uma
complexa e abrangente distinção de denominações. Também como ponto de
partida, observamos que a visibilidade adquirida pela participação na política tem
como particularidade o engajamento dos evangélicos na mídia, inclusive e
principalmente na qualidade de empresários da indústria de rádio e televisão.
Assim, ocupamo-nos em analisar a retórica de algumas empresas de comunicação
destinadas, especialmente, ao público evangélico, buscando verificar a linguagem
usual e regular com que tratam temas políticos. Por outro lado, procuramos
também observar como a sociedade recebe informações da relação entre
evangélicos e política através da mídia secular. Desde o início, estão presentes dois
aspectos básicos que desenvolveremos no decorrer da dissertação:
1. não existe um projeto político comum a todos os evangélicos;
2. as igrejas evangélicas são tão segmentadas e diferentes entre si
que falar em articulações políticas contando com todo o bloco é
algo estranho à natureza do grupo.
No campo da ciência política, a produção temática ainda deixa muitas
lacunas. No entanto, a interligação entre política e religião não é uma questão nova
e localizada para a ciência política. Textos clássicos, referência fundamental para
nosso trabalho, ativeram-se ao tema com os instrumentos teóricos que dispunham,
para responder a questões suscitadas pelo contexto social e intelectual de seu
tempo. Na relação entre Igreja e Estado circulam retóricas em torno dos valores
com implicações políticas e religiosas. A nossa pesquisa se inscreve na lista de
trabalhos na área da ciência política que buscam entender como se articulam estes
discursos.
As implicações políticas da diversidade de igrejas evangélicas não estão
claras. Trabalhamos com a hipótese que a mídia que se destina ao público
evangélico tem um poder de síntese considerável. Esta mídia tem exercido
influências sobre as igrejas evangélicas que vão desde a liturgia até as definições
políticas. Muito do que se fala sobre os evangélicos na sociedade teve como fonte a
mídia evangélica. Entendemos que a visibilidade das Igrejas Evangélicas para a
sociedade brasileira está sendo produzida pelos empresários de comunicação, bem
II
mais do que pelos pastores em seus púlpitos. A mídia voltada para o público
evangélico tem relações estreitas com a política. Mas o nosso interesse neste
trabalho é refletirmos sobre as implicações políticas desta diversidade de igrejas
evangélicas. Nossa hipótese é de que muitas lideranças religiosas representam
fragmentação nos arranjos políticos. Não se tem registro na história republicana
brasileira de um partido político ou um candidato que tenha contado com o apoio
da totalidade das denominações evangélicas.
Outro aspecto a explorar é o comportamento político da Igreja. Se existem
denominações com candidatos oficiais, existem outras que entendem que política
não é arena própria à participação da Igreja. Existem igrejas proprietárias de
mídias e outras que comunicam apenas através do púlpito. Isso tem implicações
políticas sérias, já que são estabelecidas separações de espaços. Sendo a política
considerada coisa do mundo, prefere-se deixá-la para o momento e o espaço
adequado, que não seria o momento de culto no templo.
Mas se são tão fragmentados, que tipo de linguagem ou discurso conseguem
abarcar estes diferentes grupos? Nossa hipótese é que o discurso pela ética
consegue agregar e definir um espaço comum. Parece-nos que o que legitima
discursos religiosos para fins políticos, articulados por empresas de comunicação
que têm Igrejas Evangélicas como público alvo, é a chamada ética cristã. Discursa-
se a favor da moralização da coisa pública, dos valores da família, da luta contra o
aborto, da honradez diante das promiscuidades da política, das anistias fiscais para
as igrejas, da igualdade entre igrejas evangélicas e igreja católica. Importa-nos
verificar nesta dissertação como essa retórica se articula e como se traduz em força
política.
Sobre os católicos na política, no Brasil, é vasta e rica a produção acadêmica
(Azevedo, 1981). A teologia da libertação, por exemplo, promoveu um profundo
debate sobre reformulações eclesiásticas e teológicas na Igreja, visando à sua
efetiva participação na política republicana brasileira. Outro resultado visível está
III
nas universidades. Não são poucos os pesquisadores que descobriram a
antropologia, a sociologia e a ciência política através da chamada igreja
progressista. Já a literatura sobre os evangélicos na política é ainda incipiente na
universidade brasileira.
Pelo fato de sermos evangélicos, com formação teológica, ficamos a princípio
inibidos em concentrarmo-nos neste tema de pesquisa, vez que nosso
envolvimento, por ser profundo e de natureza pessoal, poderia dificultar a atividade
crítica própria da reflexão intelectual. Contudo, a imobilidade causada pela
identificação foi superada, ao percebermos que a posição de observação
privilegiada deveria ser aproveitada e refinada pelos métodos analíticos da ciência
política.
A pesquisa
Além de um jornal oficial da uma igreja evangélica, a pesquisa foi centralizada na
programação das duas rádios de maior audiência entre o público evangélico, a
Rádio El Shadai 93,3 FM e a Rádio Melodia 97,3 FM, cujas principais características,
que justificam nossa escolha, são expostas a seguir.
¾ Rádio El Shadai 93,3 Fm. O proprietário da emissora é o deputado federal
Arolde de Oliveira, que nos seus cinco mandatos se notabilizou no
Parlamento pela participação na Comissão de Ciência, Tecnologia,
Comunicação e Informação da Câmara Federal, responsável, entre outras,
pelas questões das telecomunicações. Membro de uma igreja batista,
Oliveira preside o Diretório Regional do PFL no Estado do Rio de Janeiro
desde de março de 1993. Segundo dados divulgados pela emissora, o
ouvinte da 93,3 Fm fica ligado em média 4 horas e meia por dia, 60% dos
quais não trocam de estação. Em 15 dias de programação a Rádio El Shadai
atinge 7% dos ouvintes de FM, o que equivale a 62.000 ouvintes por minuto
diariamente de 6h. às 19h. O carro-chefe da rádio, o programa Debate 93
Fm, que vai ao ar de segunda-feira à sexta-feira de 11h. às 12h., alcança o
IV
índice de 129.000 ouvintes por minuto, disputando a liderança de audiência
das FMs do Rio de Janeiro com um público formado predominantemente por
evangélicos.
1
O programa segue a orientação de um moderador que reúne
ao redor de si quatro convidados. Participam dos debates pastores,
profissionais liberais, autoridades civis e militares, jornalistas, cantores
gospel, atletas e políticos. O programa é interativo e os ouvintes participam
através de cartas, telefonemas e por correio eletrônico. Os temas são
diversos, em geral abordando a questões de valores e comportamento. As
opiniões geralmente revelam uma orientação cristã prática, sem
preocupação com reflexão teológica profunda. Nesse sentido, percebe-se a
tentativa dos produtores de organizar um programa didático e popular.
A pesquisa acompanhou sistematicamente e analisou a programação de
Debate 93 FM ao longo do ano 2001.
¾ Rádio Melodia 97,3 FM. A outra empresa de grande penetração entre os
evangélicos analisada foi a Rádio Melodia 97,3 FM. O proprietário da Rádio
Melodia 97,3 FM é o deputado federal Francisco Silva (PL-RJ). Nas eleições
de 1994 foi o campeão de votos: 220.000. Se eleito nas eleições de 2002,
será a quarta vez que ocupará uma cadeira no Parlamento. Sua inserção no
universo das igrejas evangélicas deu-se a partir de uma opção comercial.
Adquiriu a Rádio Melodia em 1986 e se tornou conhecido do grande público
evangélico.
2
Atualmente, é tido como o principal cabo eleitoral do
governador Garotinho junto aos evangélicos.
3
Segundo o ranking geral de
1
Dados disponíveis em www.radioelshadai.com.br. Trata-se de uma auto-
apresentação da empresa para possíveis anunciantes
2
Antes disto, Francisco Silva era proprietário do laboratório que fabricava o
remédio Atalaia Jurubeba, preparado natural que servia como fortificante e
remédio para o fígado
3
Apresenta, ao lado do governador, um programa diário com o governador que
foi amplamente contestado pelo Partido dos Trabalhadores PT-RJ, que o
considerou propaganda política disfarçada de pregação religiosa. A matriz deste
programa teve que ser reformulada após decisão judicial
V
rádios FM do Rio de Janeiro, a Rádio Melodia, com seus 397.008 ouvintes
exclusivos, tem o maior índice de fidelidade absoluta entre todas as FMs. Na
disputa pela audiência, nos anos 2000 e 2001, esteve nas primeiras
posições. Em novembro de 2001 alcançou o significativo índice de 1,79 de
audiência, e no mês seguinte 1,80, o que representa o primeiro lugar. Em
termos quantitativos, a Rádio Melodia contou com 151.133 ouvintes por
minuto em novembro e, em dezembro, 151.886.
4
A pesquisa acompanhou e analisou sistematicamente o programa A Paz do
Senhor Governador, que teve o título mudado para A Paz do Senhor de Coração, de
agosto a dezembro de 2001.
¾ Jornal Folha Universal. Trata-se de um órgão oficial da Igreja Universal do
Reino de Deus, com distribuição gratuita nos templos, circulação semanal e
tiragem de 1.468.250. Tem sido importante veículo de unidade da Igreja
Universal do Reino de Deus. Informa as ações da Igreja no Brasil e em
diversos outros países. Contempla o universo interno da Igreja, é
distribuído dominicalmente nos templos e serve como propaganda
proselitista exclusiva à própria IURD.
Analisamos a coluna própria do bispo Rodrigues dos meses de agosto a
dezembro de 2001, no total de vinte números, com o objetivo de analisar o
conteúdo político das mensagens do deputado para os fiéis da Igreja Universal em
todo território nacional. Detivemo-nos na observação da retórica política, na
tentativa de perceber como se constrói a passagem do religioso para o político e,
em outros momentos, do político para o religioso. É necessário frisar que o período
monitorado não é de campanha eleitoral, o que nos possibilitou lidar com a retórica
4
Para facilitar a comparação, a Rádio FM O Dia ficou em segundo lugar com a
audiência de 1,61 em novembro e dezembro de 2001. Isto representou
135.879 ouvintes por minuto. Em terceiro lugar na luta pela audiência ficou a
Rádio 98 FM com 1,56 em novembro e 1,55 em dezembro. Ou seja, 131.495
ouvintes por minuto em novembro e 130.940 em dezembro
VI
política que é utilizada regularmente pelo órgão oficial da Igreja Universal do Reino
de Deus.
¾ O Dia, O Globo e Jornal do Brasil. Para fins comparativos, monitoramos os
noticiários da mídia secular na tentativa de apontar como a sociedade está
sendo informada a respeito da relação entre evangélicos e política e como os
diversos grupos evangélicos cruzam as informações oriundas de uma mídia
confessional e de uma secular. Para tanto, pesquisamos o noticiário
referente ao nosso tema no ano 2001, nos jornais O Dia, O Globo e Jornal
do Brasil.
Desenvolvimento da dissertação
O primeiro capítulo aborda diálogos entre a igreja cristã — sem distinção entre
católicos e protestantes — e alguns autores clássicos como Maquiavel, Hobbes,
Bentham e Weber. Nosso interesse consistiu em ressaltar a diversidade de
conceitos cunhados pela tradição das ciências sociais, a fim de evidenciar a relação
entre religião e política. Cientes de que a consolidação do Estado Moderno apoiou-
se sobre a independência da política em relação à Igreja, chamamos a atenção para
a diversidade de conceitos adotados no intuito de definir a relação entre religião e
política. Trata-se, na verdade, de uma breve introdução à vasta retórica produzida
ou para submeter a política aos desígnios divinos traduzidos pela Igreja, ou para
defender um poder independente das motivações e métodos religiosos, ou seja, um
poder secularizado.
As igrejas evangélicas brasileiras serão introduzidas no segundo capítulo.
Este passo parece-nos relevante, vez que se convencionou no Brasil, generalizar e
classificar como evangélicos todas as igrejas cristãs não-católicas. Para
compreender a participação política dos evangélicos, é necessário pensar na sua
diversidade. Existem pontos comuns entre as Igrejas Evangélicas, mas também há
muitas divergências entre elas. Optamos por afirmar as divergências dos grupos de
VII
igrejas já que nosso interesse é perceber como se formam as composições
políticas.
Há quem explique a diversidade de igrejas evangélicas a partir das
motivações teológicas, outros preferem enfatizar o caráter desagregador das
motivações sociais. Circunstâncias históricas também servem para dar origem a
grupos denominacionais, e finalmente, novas igrejas evangélicas são formadas a
partir de motivações pessoais. O certo é que muitas razões, e não só as
apresentadas, caracterizam esse grupo religioso como plural. Qual seria então a
dinâmica social com poder de síntese em um grupo tão fragmentado? Que tipo de
linguagem pode agregar as partes em um grupo? Este trabalho sugere que a
mensagem através da mídia pode estar dando conta desta demanda. O que tem
ocorrido, e que aqui descreveremos, não é apenas o cenário de um líder do púlpito
regendo a vida dos seus fiéis, ou uma igreja dirigindo-se a outras igrejas. A mídia
evangélica não denominacional tem uma penetração considerável e a relação
adquire complexidade quando se estabelecem vínculos entre igrejas e empresas,
fiéis e empresários, eleitores e políticos. Procuraremos mostrar, em suma, como
através do cultivo da identidade religiosa via mídia, alguns grupos político-
empresariais evangélicos utilizam-se crescentemente do espaço de representação
política.
Como esse objetivo, o capítulo três analisa os discursos. A mídia secular
também foi pesquisada, para que os discurso das empresas de comunicação
voltadas para os evangélicos não estivessem auto-referidos.
O quarto capítulo considera a recepção dos discursos veiculados. Parece-
nos correto pensar que os contextos diversos de recepção destas retóricas políticas
geram vários resultados. Para tentarmos compreender como esse fenômeno social
ocorre, faremos uso do conceito de polifonia, conforme o concebe o lingüista russo
Mikhail Bakhtin (1988). Recorreremos também ao conceito de hermenêutica da
VIII
profundidade (Thompson, 1995). Este último capítulo termina com uma reflexão
sobre a expressão da diversidade dos evangélicos em relação à questão eleitoral.
IX
Capítulo 1
A diversidade conceitual na abordagem
da relação entre religião e política
A noção de que a liberdade das amarras religiosas é condição de existência de uma
sociedade regida por princípios políticos e jurídicos é um dos pilares da
modernidade. A transformação das sociedades constituídas sobre o poder do
cristianismo foi tida como fundamental para a promoção de novas formas de
organização social e política que fossem obra da razão dos homens. O surgimento
do Estado moderno esteve, portanto, intimamente vinculado às noções de
separação entre política e religião, entre o público e o privado. Considerava-se a
Idade Média como a Era das Trevas, tempo em que o saber e as expressões
humanas estiveram encobertas e contidas pelo manto da Igreja Cristã. Logo, a
afirmação do homem como senhor de si e senhor do seu destino, foi festejada
como a Era das Luzes.
A presença contemporânea do fenômeno religioso na esfera pública tem
merecido uma ampla gama de estudos que, em sua maioria, tendem a considerá-
la uma fase de retorno da religião às determinações políticas que abalaria a
consagrada secularização do Estado. Mas há também outra importante vertente,
que considera a hipótese de que a forte influência da religião sobre a vida dos
homens e de suas sociedades nunca tenha chegado a desaparecer. Teríamos uma
continuidade no lugar da suposta ruptura entre religião e política que caracteriza os
fundamentos do Estado Moderno.
1
Sob qualquer dos ângulos, fato é que o retorno do religioso traz um
desconforto às ciências sociais, na medida em que situa a filosofia, a antropologia,
a sociologia e a ciência política frente a diálogos que pareciam esgotados. Urge
1
Como exemplo desta literatura, ver VELHO, O. Religião e Política.
2
pois, como bem aponta Velho,
2
a necessidade de articulações intelectuais que
possam dar conta dessas manifestações sociais impregnadas do religioso.
Neste trabalho, inicialmente procuramos oferecer uma breve articulação
sobre o tratamento dado à relação entre política e religião por alguns autores
clássicos, que têm em comum a característica de relacionarem política, religião e
valores éticos, cada um no seu contexto e ao seu jeito. Não foram os únicos a
fazê-lo.
3
Consideramos, não obstante, que a delimitação pela qual optamos é
suficiente para o nosso objetivo.
4
Virtù e virtude cristã em Maquiavel
No final do século XIII, quando as cidades italianas eram palco de disputas entre os
governos dos déspotas, desenvolveu-se a arte retórica. Além do ensino da boa
redação e da preocupação com a forma, passou a existir a preocupação com o
conteúdo, com a nítida intenção de interferir nos assuntos cívicos através do
discurso. Autores clássicos são lidos como exemplo de forma e conteúdo. Floresce
o humanismo e a produção dos estudantes de retórica gera significativo conteúdo
político.
Esses iniciados na arte retórica interessam-se pela questão governamental.
Suas produções estimulam o espírito público, o bem comum, o espírito elevado do
governo para vencer as desavenças civis e os interesses, para que os ideais
proclamados pela república fossem assegurados. Neste contexto, um tema
2
Idem.: 3-4
3
A análise de Marx sobre a religião como lenitivo ao sofrimento do povo em
contexto de exploração e pobreza é bem conhecida, mas sempre cabe a
citação: A religião é o suspiro da criatura oprimida, o íntimo de um mundo sem
coração e a alma de situações sem alma. É o ópio do povo. MARX, K. Crítica à
Filosofia do Direito em Hegel: 80
4
Lacuna em nosso trabalho, o século XIX não recebeu a atenção que
mereceria, deixando à margem um autor da importância de Tocqueville, cuja
contribuição para o tema é decisiva. É nossa intenção recuperá-lo na
continuidade de nossa formação.
3
privilegiado é o da virtude cívica. Os podestà deviam ser devidamente
aconselhados sobre esta questão.
5
Conforme Cícero
6
, a virtude era alcançável, mas para isso uma boa
educação baseada na filosofia antiga e na retórica era necessária. Agostinho
7
considerava que a natureza humana caída jamais alcança por si mesmo níveis
elevados da virtude. Já Petrarca,
8
numa leitura cristã, mas profundamente marcada
pela valorização da Antigüidade clássica, discordava de Agostinho e defendia a
possibilidade de o homem alcançar a vida virtuosa mediante os seus esforços.
9
Como se sabe, a Renascença Italiana representou a continuidade histórica
da antigüidade clássica, assim como significou um nítido rompimento com a
escolástica. A busca era por um saber prático, em contraste com as abstrações.
Rompe-se com a visão linear da história defendida por Agostinho para afirmar-se a
concepção de história cíclica.
Maquiavel avança em relação aos outros autores humanistas do seu tempo,
em particular, pela conceituação de virtù.
10
O príncipe não pode ficar restrito a um
código de valores propagados pela igreja. O dever, conforme o cristianismo o
concebe, não pode imobilizar o exercício do poder. Pelo bem do seu governo, o
príncipe tem de se livrar dos absolutos religiosos que inviabilizam conquistas e a
manutenção dos principados.
Sugerindo uma moralidade típica para o exercício do poder, Maquiavel julga
que a política tem a sua própria moralidade e mostra a escala de valores que foi
5
SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno: 48-67.
6
CICERO, M. T. On moral obligation. apud SKINNER, Quentin. As fundações
do pensamento político moderno: 662.
7
AGOSTINHO, Santo. The city of God against pagans. vol. II: 245.
8
PETRARCA, F. On his own ignorance and that of many others.
9
SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno: 109-115.
10
MAQUIAVEL, O Príncipe. Além do texto original do autor, nosso trabalho
apóia-se na introdução crítica à recente edição da obra de Maquiavel feita por
Martins, que nela destaca a importância da filosofia da história e das
4
consagrada como imprescindível para os príncipes. Focaliza objetivamente o quanto
aquela sociedade estava referida na atitude religiosa, conforme a Igreja Católica
orientava. O príncipe teria que se ocupar das intrigas internas e externas, sem
esquecer-se de outros poderes que pudessem detê-lo. A compreensão de Maquiavel
sobre o conceito de virtù não subverte os valores, não desconhece a moral. O
príncipe virtuoso aprende a verificar as circunstâncias para definir seu
procedimento. Aquele que age conforme exigem as circunstâncias, sem ficar
imobilizado pela moral, é um governante virtuoso. O contraste entre virtù e a
moralidade cristã segundo Maquiavel reside, essencialmente, na posição de que o
bem geral da comunidade deve ser buscado a tal ponto que se, eventualmente, for
necessário contrariar valores cristãos, que o governante o faça sem reservas.
Como observa Skinner,
Maquiavel dá a resposta mais inequívoca possível. Não tem dúvidas de
que a meta de manter a liberdade e segurança de uma república
representa o valor mais elevado, e mesmo decisivo, da vida política.
Por isso, não hesita em concluir que não tem cabimento utilizar uma
escala de valores cristã no exame dos assuntos políticos.
11
A partir da descrição do conceito de virtù, dois aspectos são especialmente
citados pelos estudiosos da obra de Maquiavel.
O primeiro remete à sua visão de história cíclica, i.é, para a oposição à idéia
cristã de história linear. Longe de afirmar profetismos históricos, Maquiavel
afirmava ser possível, através do estudo da história, exercer um governo
consistente no presente e promissor no futuro. De certa forma consolida a
importância do seu ofício de conselheiro e a põe como fundamental para o bom
governo.
O outro aspecto refere-se à sua percepção da natureza humana que, ao
contrário da concepção agostiniana da natureza humana caída, considerava que o
considerações sobre a psicologia humana. MARTINS, C. E. Maquiavel. Vida e
obra
11
SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno: 203.
5
homem tende ao egoísmo, logo o príncipe teria que fazer valer sua autoridade
utilizando a força. Trata-se do conselho de vencer a natureza humana através da
coação.
Em suma, as considerações de Maquiavel em nada lembram as posições
cristãs quando trata da natureza humana, e que ao referir-se ao exercício do
governo público, limita-se a falar em salvação através do uso da força. Em
momento algum sugere atos heróicos dos príncipes, tentando transformá-los em
mártires salvadores. O estado dos homens em uma república, aconselhava
Maquiavel, precisa ser tratado por aqueles que governam com perspicácia e boa
medida de força.
A ênfase na linguagem em Hobbes
A criação do anglicanismo por Henrique VIII, fundamental para definições sociais,
políticas e religiosas na Inglaterra no século XVI, teve desdobramentos que
puseram em risco a pretensão universalista da cristandade. A igreja que estava
sendo formada era essencialmente nacional, alinhada com o grupo que protestava
contra os amplos domínios da Igreja Católica. O anglicanismo surge como igreja
oficial do Estado inglês, submissa ao poder secular.
A Guerra Civil inglesa foi um fato histórico de caráter político-religioso
determinante na trajetória intelectual de Hobbes. O conteúdo do Leviatã tem como
contexto o perigo da dissolução de uma Inglaterra que Hobbes conhecia como terra
de muitos senhores, na qual o poder estava fragmentado e a religião era
justamente um importante componente desagregador.
Hobbes recusa as influências da escolástica e pretende desenvolver uma
ciência experimental. Não se ignora que as atividades dos pregadores católicos e
protestantes eram intensas naquele contexto. A partir das suas bases teóricas,
Hobbes amplia e participa do debate. Como seus contemporâneos, convivia com
6
uma linguagem que se tornava essencialmente religiosa. A religião ganhara as
ruas.
12
Hobbes desenvolve a sua abordagem da linguagem mediante severas
críticas à retórica religiosa do seu tempo e através de uma exegese própria da
Bíblia. Visando a abalar a retórica dos pregadores ingleses, lança mão de uma
retórica própria e voltada para instalação da ordem e da paz pública, que utiliza
discursos com linguagem religiosa para fins políticos e sociais.
13
Em linhas gerais, o conteúdo do Leviatã revela que seu autor considerava os
homens tão iguais, que buscariam as mesmas coisas e seriam uns para os outros
grandes obstáculos. Sem leis estabelecidas os homens estariam vivendo em estado
de natureza, ameaçados constantemente por disputas, pela guerra generalizada e
pelo medo da morte violenta. O estado de natureza é um estado de guerra porque
cada um se imagina poderoso, perseguido, traído. como os conflitos não poderiam
ser resolvidos através da lei da natureza, impunha-se a presença do Estado como
mediador das relações humanas. Além da base jurídica, o Estado deveria fazer uso
da espada.
O contrato social que funda o Estado formar-se-ia a partir do momento em
que indivíduos transferissem todos os seus direitos para o governante. Com a
tarefa de estabelecer a paz entre os homens, o Leviatã seria este poder necessário,
acima dos indivíduos, para ordenar a vida humana, para exigir o cumprimento das
leis de natureza e para usar legitimamente a força sempre que necessário. Os
direitos dos soberanos seriam irrestritos, incomunicáveis e inseparáveis. Trata-se
de um poder ilimitado para manter a paz, para possuir as prerrogativas de pacificar
através da justiça a relação de guerra que os homens mantêm. A organização do
12
RIBEIRO, R. J. A marca do Leviatã: 23.
13
Idem: 23
7
Estado supõe a renúncia dos poderes pessoais para formar um poder único que
reúna a todos.
Ao avaliar a relação entre Igreja e Estado, Hobbes considera ameaçadora a
existência de um poder que possa ser comparado ao poder do Estado. Religiosos
que vivem sujeitos a um código legal próprio, que reconhecem uma escala de
valores ensinada com motivações espirituais e que, supostamente, estariam no
Estado e para além dele, representariam a fragmentação do poder.
14
A leitura da terceira parte do Leviatã
15
— Do Estado Cristão —revela que o
exercício exegético de Hobbes se concentra na discussão da salvação dos homens,
obviamente uma salvação distinta da proposta pelo cristianismo. A paz e a
harmonia entre os homens seriam adquiridas no interior do Estado. Tratava-se de
uma salvação terrena.
16
É interessante observar como se sobrepõem a linguagem religiosa e a
linguagem política em Hobbes. Ao considerar a salvação dos homens através da
intervenção do Estado, Hobbes precisou debater com aqueles que arrogavam a si a
administração da salvação a saber, o clero. E para isso, concentrou-se em duas
idéias teológicas básicas:
1. como premissa teológica basilar do protestantismo que tinha implicações
políticas decisivas, propunha a substituição dos muitos dogmas por uma
necessidade única para o crente: a fé em Jesus Cristo.
2. referia-se ao Reino de Deus, caracterizando-o, em poucas palavras,
como aquele que não é deste mundo, demarcando assim a separação
entre o mundo da religião e o da política.
Em suma, a retórica religiosa hobbesiana reflete o espírito do seu tempo. As
pretensões temporais da Igreja Católica, a leitura bíblica literal dos puritanos, a
14
BOBBIO, N. Thomas Hobbes: 54.
15
HOBBES, T. Leviatã: 275-421.
16
RIBEIRO, R. J. A marca do Leviatã: 12.
8
grande atenção dada aos pregadores presbiterianos e a afirmação de uma Igreja
oficial do Estado configuravam um cenário complexo em termos religiosos e
políticos. A abordagem da linguagem desenvolvida por Hobbes buscava dar conta
dessa realidade.
O interesse em Bentham
Na sua principal obra, Bentham
17
defende a tese de que a utilidade é o fundamento
da conduta social e individual. Diz que este princípio está de acordo com a
natureza humana, mas em desacordo com os preconceitos humanos. Ou seja,
assim as pessoas agem, mas conceitualmente consideram este tipo de ação
detestável. Trata-se de um fosso entre a teoria e a prática, entre o agir e o pensar.
Assim, a tarefa que Bentham se impõe é de desmistificar conceitos morais que
estavam profundamente enraizados na sociedade por ele analisada.
Autor amplamente utilizado quando se pretende estudar a consolidação do
Estado moderno, Bentham aborda o ordenamento interior do indivíduo em
contraste com o ordenamento exterior que o circunscreve. Isto é, demonstra o
quanto a moral pessoal pode ser um empecilho para o estabelecimento de uma
legislação satisfatória.
Como os autores citados anteriormente, também está preocupado com a
formação de um Estado ordenado por leis racionais, mas se volta em particular
para os aspectos enraizados na sociedade que costumam servir de obstáculo ao
comportamento racional. Os termos-chave do título da sua principal obra são em si
reveladores: moral e legislação.
Segundo Bentham, dependendo das circunstâncias, um mesmo ato pode ser
tido como mau ou bom. As circunstâncias precisam ser analisadas antes dos atos.
Esse pensamento dá margem a relativização de qualquer enquadramento moral do
tipo: classificação de atos ignóbil e de atos virtuosos. Bentham pede para que se
17
BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação.
9
olhem as circunstâncias.
18
Adota a classificação de atos que são intencionais e
outros que não o são, bem como de algumas conseqüências intencionais e outras
não intencionais. Considera ainda a possibilidade do ato ser intencional e as
conseqüências não. Conclui que uma pessoa consciente dos atos e conseqüências
não pode ser julgada como uma que premeditou determinado ato sem consciência
da conseqüência que seu ato acarretaria. Assim como as circunstâncias, a
intencionalidade acrescenta novos elementos para o julgamento dos atos. Os atos
devem ser julgados, segundo Bentham, considerando os diversos elementos que o
compõem e não de maneira isolada.
19
Para fundamentar sua tese, relaciona uma série de situações distintas que
são consideradas como boas e outras como más. Mas o seu grande interesse é
mostrar que os atos bons e maus tiveram o mesmo tipo de resultados. Sendo
assim, conclui-se que não existe nenhuma espécie de motivo que seja má em si
mesma, como tampouco existe motivo algum que seja em si mesmo
exclusivamente bom.
20
Note-se que o Estado idealizado por Bentham pressupõe um desmonte de
ordem moral. Ocorre-nos a imagem de quebra das tábuas das leis mosaicas para o
estabelecimento de outros mandamentos que possam viabilizar o prazer de quem
os cumpra.
Bentham apresenta três princípios contrários ao da utilidade: princípio do
ascetismo, princípio da simpatia e da antipatia, e o princípio teológico. Este
terceiro princípio, segundo ele, não chega a ser contrário ao da utilidade porque é
vago. Pode-se entender como vontade de Deus, inclusive, ações que estejam
fundamentadas no princípio da utilidade. Justificações de tipo se é bom para mim,
é porque Deus aprova.
18
Idem: 20.
19
Idem: 23-24.
20
Idem: 40.
10
Neste ponto da argumentação de Bentham, verificamos a sua tentativa de
ordenar a sociedade através de uma legislação elaborada e executada através de
uma motivação que não seja religiosa ou tradicional. Faz uso do argumento de que
as Sagradas Escrituras dão margem às mais diversas interpretações, logo, tentar
descobrir a vontade de Deus para assim reger a vida e a sociedade, pode gerar
confusão e manter a desordem social. Bentham recusa a moralidade cristã como
definidora das leis que regem a sociedade. Declara que o princípio da utilidade não
necessita nem admite outra norma reguladora além de si mesma.
21
A responsabilidade em Weber
Como acredita que a conduta humana é, em certo ponto, determinada pela religião,
o olhar de Weber sobre as religiões busca entender suas influências na ética
social.
22
Com o propósito de investigar a ética econômica, tão decisiva para a
organização social, analisa as éticas religiosas, mais especificamente, a confuciana,
a hinduísta, a budista, a cristã, a islâmica e a judaica.
Inicialmente, elabora o conceito de salvação religiosa. Se for certo que o
sofrimento advém de uma esfera espiritual, buscar-se-á amenizá-lo, superá-lo,
detê-lo, no uso da punição auto-imposta ou dos chamados cultos da redenção. Ou
seja, o ímpeto do sofrimento seria contornado pela magia. Se a comunidade se
ressente da fortuna e vive sob o signo do sofrimento, buscará uma religião que
possa viabilizar a salvação comunitária.
23
Ponto importante em Weber é a consideração sobre as apropriações de
sentido do mundo pelas religiões — o processo de racionalização — que, não se
teria dado de maneira homogênea. Não apenas as condições sociais foram
fundamentais na definição dos sistemas éticos e religiosos, como cada camada da
sociedade respondeu a essa tendência de uma maneira própria. As camadas
21
Idem: 12.
22
WEBER, M. A psicologia social das religiões mundiais: 313.
23
Idem: 316.
11
desfavorecidas socialmente encontraram no comprometimento ético a esperança de
redenção que não podiam encontrar no mundo encantado. Intelectuais primaram
por um racionalismo teórico. Classes de comerciantes foram mais afeitos ao
racionalismo prático.
24
Weber demonstrará como as religiões reproduzem as tensões existentes na
sociedade, concluindo que a ética religiosa serve diretamente aos interesses
econômicos, vez que no seio das religiões a oficialidade busca abafar a tendência
virtuosa. A ética é compartilhada como valor de todos e esse partilhar, que confere
sentido, também inibe a espontaneidade da virtude. Ante a ameaça do imprevisível
e do espontâneo da religião, importa afirmar uma racionalização ética que dê conta
do cotidiano, que o ordene metodicamente e, assim, não fira os interesses das
camadas detentoras do poder. Este ordenamento metódico inclui a economia.
25
As religiões que tiveram nos intelectuais os formadores dos preceitos éticos
conviveram com a pretensão de assumir uma ética teológica, coerente, racional.
Weber sugere que essa pretensão pode não ter sido alcançada. As religiões
redentoras cristalizam a fala profética e a transformam em normas fixas que
ordenam o cotidiano e não se restringem ao espetacular e extraordinário. Ao
desenvolverem éticas regulares, essas religiões vivem tensões, pois o mundo em
volta tem seus próprios valores e maneiras de regular a vida cotidiana. Trata-se da
dupla pertença: a mesma pessoa tendo que se equilibrar entre a ética religiosa e a
ética secular.
26
Weber focaliza a tensão entre a ética que rege a religião e a que rege o
mundo. A economia capitalista moderna, por si só, é uma negação à ética religiosa
de fraternidade e igualdade. Apresenta dois casos em que o racionalismo
econômico e a religião encontram saídas para a tensão existente: a ética puritana
24
Idem: 319-323.
25
Idem: 335-337.
26
Idem: 372-375.
12
da vocação e o misticismo benevolente.
27
Segundo Weber, os motivos que levaram
os reformadores a elaborarem suas concepções teológicas não foram de caráter
ético nem político, mas se deveram ao fato de eles estarem imbuídos de
motivações religiosas, alheios ao espírito do capitalismo.
28
Um ângulo que merece destaque na sociologia da religião elaborada por
Weber é pois a certeza de que o movimento religioso agiu sobre o desenvolvimento
da cultura material.
29
Aponta a mudança de perspectiva da Igreja, da fase na qual
o ascetismo era mantido dentro dos muros do mosteiro, para o momento em
atingiu a vida profissional, ou seja, o convite à vivência da fé na ordem secular.
30
Sentiram-se então seus impactos na economia e, nesta mudança, identifica-se o
espírito capitalista.
31
Definitivamente, para Weber, a ética política tem sua racionalidade própria,
não pode estar contida num universo ético religioso calcado na generosidade.
27
Idem: 380-381.
28
Analisa os antecedentes históricos que motivaram a Reforma, os fatos por ela
promovidos e as conseqüências deste significativo fomento na cultura secular.
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo.
29
Idem: 62.
30
Existe um amplo material histórico que registra esta mudança. Para o
aprofundamento da questão, é significativa a contribuição histórica e analítica de
Dumont. Para o autor, as opções, com motivações religiosas, de renunciar ao
mundo social e manter-se distante, para com isso alcançar o aperfeiçoamento
pessoal, constituem clara demonstração de que se está frente ao holismo e a ele
se responde com uma postura individualista. O individualismo extramundano do
cristianismo na sua origem tem uma justificativa plausível: viviam a esperança
da volta do Messias e a inauguração de novos tempos, novo céu e nova terra. A
esperança escatológica dos primeiros cristãos ocasionava o não-apego ao
mundo. No século IV, a situação muda de igreja perseguida à igreja
subvencionada pelo Estado. As intervenções dos imperadores nas questões
doutrinárias foram enfrentadas na consolidação da ortodoxia da Igreja e na
fixação das suas doutrinas. Como evolução dessa relação tensa com a Coroa,
no século VI, a Igreja mostrou-se ambiciosa nas suas pretensões. O Papa
Gelásio I elaborou uma teoria da relação entre a Igreja e o imperador que nada
fazia lembrar a postura dos primeiros cristãos com o mundo. Propunha uma
diarquia em que o poder da Coroa e da Igreja estavam assegurados e
diferenciados. Os interesses da Igreja evoluíram a ponto de defender uma
monarquia espiritual. Dumont faz perceber como a Igreja, de uma postura
distante do holismo, se transforma numa instituição que reivindica para si o
poder temporal. Ou seja, como a Igreja passou do estágio de indivíduo-fora-do-
mundo ao do indivíduo-no-mundo. DUMONT, L. O individualismo: uma
perspectiva antropológica da ideologia moderna.
31
Idem: 130
13
Houve apropriações por parte do capitalismo de pontos da ética do protestantismo
que lhe interessavam. Isso não é o mesmo que afirmar que governos capitalistas
cumprem uma ética cristã com leitura protestante. Weber demonstrou como se
deu historicamente a influência da ética pessoal na economia e na política, como os
sentidos religiosos podem estruturar uma sociedade. Mas, fica evidente na leitura
deste autor que numa mesma sociedade onde se pretende dar curso à ética pessoal
religiosa e à ética política, necessariamente elas colidem em algum momento.
Weber considera que o trato com o poder faz da carreira política algo
complexo e perigoso. Para este ofício existem perfis próprios. Pergunta-se que
tipo de pessoa estaria habilitado para usar honesta e justamente o poder em
benefício da coletividade. A ética que vigora nas diversas esferas da sociedade é a
mesma que vigora na política?
32
Desafiando a possibilidade de conciliação entre
ética e política, volta-se às sociedades nas quais o cristianismo é hegemônico e
questiona se nelas seria possível o exercício da política baseado na ética do
evangelho, da qual é emblemático o Sermão do Monte. Cabe lembrar que no
Sermão do Monte Jesus recomenda a renúncia no trato com o próximo e concebe
uma sociedade onde o amor é a mola-mestra; espera que as demandas jurídicas
sejam resolvidas com acordos, considera que não apenas os atos, mas também as
intenções egoístas são imorais, que a verdade deve ser dita sempre, que devemos
amar os inimigos sem nunca revidar as agressões, jamais ostentar em público as
boas ações e não viver para acumular riquezas materiais. Além disso, define como
feliz o homem que, mesmo sendo perseguido, é humilde, manso, justo, puro,
pacificador e firme.
33
Seriam esses valores compatíveis com o ofício político? Haveria a menor
possibilidade de um político vocacionado conciliar o exercício político com suas
32
WEBER, M. A política como vocação: 142.
33
O Sermão do Monte pode ser lido na íntegra no Evangelho de Mateus do
capítulo 5 ao 7, no Evangelho de Lucas capítulo 6.
14
convicções pessoais? Weber responde à sua questão distinguindo entre dois
modelos éticos. O primeiro é a ética das últimas finalidades, que consiste na
convicção de que os princípios morais que norteiam a vida pessoal também servem
para a vida pública. Recomenda fazer o certo independente dos resultados, o bem
como fim em si mesmo. O exemplo citado desta postura é o próprio cristianismo.
O monoteísmo cristão acaba por definir valores absolutos: Deus uno e moral una.
Nesta perspectiva, as convicções religiosas dariam os princípios de atuação política.
Mas Weber não se convence de que a política deva ser gerida por convicções
religiosas. Considera como segundo modelo ético para o exercício da política a ética
da responsabilidade, i.é, o fim justifica os meios. Não são os valores absolutos e
imutáveis que norteiam o político vocacionado, as circunstâncias poderão levá-lo a
mentir, a perseguir os opositores, à vingança e a proclamar os próprios feitos. Em
suma, desde que o resultado final seja satisfatório e os objetivos de um bom
governo sejam alcançados, a atividade política está liberada da chamada ética das
convicções religiosas.
A ética da responsabilidade proclama o resultado final como norteador e
justificador. Weber alerta que o político será indagado sobre os resultados da sua
gestão, está imbuído de responsabilidades que o homem comum não tem. Para
todos os efeitos, tem um compromisso com os resultados antes de ter com os seus
valores pessoais.
34
Em suas palavras, Weber assim se expressa ao avaliar a
relação entre política, religião e ética:
Quem deseja dedicar-se à política, e especialmente à política como
vocação, tem que compreender esses paradoxos éticos. Deve saber que
é responsável pelo que vier a ser sob o impacto de tais paradoxos.
Repito: tal pessoa se coloca à mercê de forças diabólicas envoltas na
violência (...) O gênio ou o demônio da política vive numa tensão
interna com o deus do amor, e com o Deus Cristão expresso pela Igreja.
Essa tensão pode, a qualquer momento, levar a um conflito
inconciliável.
35
34
Idem: 144.
35
Idem: 150.
15
Em síntese, existe tensão entre religião e política, pois há identidade de
propósitos, já que ambas se prestam à mesma missão: salvar os homens. Como a
religião, a política faz promessas de amenizar os sofrimentos e aumentar a fortuna
e o bem-estar social. Mas a ética que vigora na política não é a mesma adotada
pelas religiões. Segundo Weber, a ética da responsabilidade põe em perigo a
salvação da alma porque não se ajusta aos imperativos absolutos. Não são valores
absolutos que regem a política, mas as circunstâncias. Para Weber o político
virtuoso é aquele que sabe agir conforme as circunstâncias e alcançar resultados
positivos.
16
A secularização em questão
Vimos que, em Maquiavel no contexto da Renascença, o processo de
secularização da política encontrou um hábil defensor. Em Hobbes verificamos a
defesa da secularização da política através da utilização própria de uma linguagem
teológica, insistente na distinção do público e do privado.
36
Bentham argumentou
que a secularização exige o ordenamento das leis conforme motivações que não
sejam religiosas e Weber enfatiza o reconhecimento da separação entre ética
privada e ética pública como condição de autonomia da política.
Como dissemos inicialmente, a tradição da ciência política forma-se em
oposição à concepção de sociedades regidas pelas paixões religiosas.
Convencionou-se delimitar a religião ao espaço do fervor pessoal, privado,
enquanto que a política ocuparia o centro decisório da vida social, pública.
Atualmente, porém, a validade prática dessa fundamentação tem sido posta em
questão, quando confrontada com o que se observa um processo em curso de
dessecularização ou pós-secularização.
37
Interessado em ressaltar o sentido original do conceito de secularização,
Pierucci denuncia o equivoco freqüente na sua utilização, chegando a fazer um tipo
de profissão de fé:
Modestamente, minha proposta hoje me parece menos resignada e,
além disso, mais viável. A saber: não abri mão da secularização. Nem
teórica, nem prática, nem terminológica, nem existencialmente. Urge,
isto sim, que cada um de nós se esforce por saber do que está
falando.
38
Enfatiza que a sociologia da religião fundamentada na secularização, conforme a
concebia Weber, é um projeto viável e necessário: não é uma profecia nem um
prognóstico, antes, é uma análise histórica. Se analisado na sua temporalidade, o
36
Para uma análise da questão do público e privado postulado por Hobbes,
consultar o trabalho de SARTI, I. Ética e política na relação entre o público e o
privado.
37
PIERUCCI, A. F. Secularização segundo Max Weber: da contemporânea
serventia de voltarmos a acessar um velho sentido: 108-110.
17
texto de Weber se refere à secularização como algo dado, reconhecido,
incontestável. Assim, Weber não projeta o futuro, mas sendo a secularização um
dado objetivo, o analisa.
39
Importa observar ainda que secularização é um daqueles termos que
carrega consigo um vasto campo semântico. A maneira como setores da Igreja
lidam com o conceito não tem o mesmo sentido dado pelos círculos anticlericais. O
trabalho de Berger merece nossa atenção. Afirma que o processo de secularização
na disputa ideológica se caracteriza pelo peso valorativo que ganha.
40
Considera
que as sociedades constituídas lidam com a ameaça freqüente do mal, das
catástrofes, do sofrimento, da morte, do caos e, para que haja legitimações
religiosas, faz-se necessário dar explicações convincentes. Em outros termos,
quando esta racionalidade religiosa não responde, não confere sentido e não explica
os porquês que a sociedade questiona, esta entra em colapso.
41
Preocupado com
que o conceito não se perca nos sentidos ideológicos que usualmente lhe atribuem,
Berger redefine secularização:
Por secularização entendemos o processo pelo qual setores da sociedade
e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos
religiosos.
42
Para Berger, um indivíduo pode habitar em um contexto onde a sociedade é
proclamada como secularizada, os centros decisórios não estão sujeitos as
38
Idem: 154.
39
Pierucci retoma Weber enfatizando que, para o autor, o direito natural
moderno é fruto de um processo de regulamentação das leis que levou à
dessacralização das mesmas. A burguesia se serviu do ordenamento
fixo das leis, deu-lhe condição de organizar-se. A racionalidade funcional
é marcada pela possibilidade de revisões e foi nesse contexto que Weber
utilizou o termo secularização com mais freqüência. O termo aparece
esporadicamente nos seus textos sobre sociologia da religião sem
grande importância. Foi para responder à questão da racionalidade
jurídica que Weber fez uso do conceito de secularização.
Idem: 146.
40
BERGER, P. L. O dossel sagrado: 118.
41
Ou seja, a manutenção do mundo conta com a teodicéia. Para aprofundar a
compreensão do termo teodicéia, consultar WEBER, M. A psicologia social das
religiões mundiais. É excelente o comentário desse estudo, especificamente
sobre a noção de teodicéia, na obra de BERGER, P. L. O dossel sagrado.
18
hierarquias religiosas, no entanto, este indivíduo tem uma consciência religiosa —
como é o caso das sociedades ditas secularizadas da Europa, onde a maneira do
indivíduo comportar-se é em grande parte ditada por uma consciência ainda
religiosa.
43
Segundo o autor, a secularização ocorre quando a religião deixa
efetivamente de ser fator de unidade a regulamentar a vida social ou, numa
sociedade que estava sob o controle da religião, a secularização se dá quando a
vida econômica é regida por leis próprias e a ordem política se caracteriza pela
completa separação entre Igreja e Estado.
... a secularização causa o fim dos monopólios das tradições religiosas
e, assim, ‘ipso facto’, conduz a uma situação de pluralismo.
44
Berger conclui apontando a diversidade religiosa como conseqüência natural do fim
do monopólio de legitimação religiosa em uma sociedade secularizada e plural. Não
existindo este tipo de religião absoluta, capaz de impor as demais religiões e a toda
sociedade seus valores e plausibilidade, os seguimentos religiosos se submetem ao
mercado. Funciona a lógica da competição do mercado econômico onde a clientela
é cativada para consumir o produto oferecido. A diversidade religiosa é, portanto,
típica das sociedades secularizadas
45
Parece-nos plausível afirmar que sociedades secularizadas têm na
diversidade sua marca. Quando deixa de existir uma religião absoluta que dita o
comportamento, a cultura, a economia, os sentidos simbólicos e as mitologias, há
claros sinais de secularização. Trata-se de secularização quando deixa de existir
uma religião oficial e absoluta sobre a ordem social, quando outros sentidos são
dados à teodicéia. A cultura secular não admite monopólio de valores de uma
religião.
42
Idem: 46.
43
BERGER, Peter Ludwig. Idem: 121.
44
Idem: 121.
45
Idem: 147-151
19
Por outro lado, a demarcação do espaço religioso como de caráter particular,
intimista, emocional e subjetivo, e de outro lado, o espaço político como social,
coletivo, racional e concreto, é tão tênue, que por vezes estas demarcações dão
ocasião a paradoxos e surpresas. No cenário contemporâneo, pergunta-se também
se o que hoje presenciamos na política brasileira pode ser caracterizado como
secularização. Sob o risco de nos repetirmos, cabe frisar a pergunta que norteia
esta pesquisa: a procura religiosa pela política é um retrocesso na história
republicana?
20
Capítulo 2
A diversidade de igrejas evangélicas
Convencionou-se no Brasil identificar os evangélicos a todas as igrejas cristãs não
alinhadas ao catolicismo. Neste caso, a identidade evangélica é definida a partir da
referência do catolicismo, o que remete às raízes históricas da Reforma Protestante
do século XVI na Europa, cujo expoente foi Martinho Lutero. Isto porque o
movimento liderado por Martinho Lutero também tinha a Igreja Católica como
referência.
Há quem note diferenças entre o que foi o Protestantismo europeu e o que
temos hoje no Brasil definido como igrejas evangélicas. Diríamos que dependendo
do grupo para que se olhe, pode ser difícil verificar similaridades com o
protestantismo histórico. Se o observador detiver-se nos anglicanos ou luteranos,
por exemplo, terá como alinhar amplas semelhanças a ponto de caracterizá-los
como provenientes de uma origem comum localizada no século XVI. Mas se o
observador se detiver na Igreja Pentecostal Deus é Amor ou Igreja Universal do
Reino de Deus, pode se sentir inclinado a defender a idéia de que essas Igrejas são
antes seitas que resultaram do contexto social brasileiro, do que propriamente do
protestantismo histórico.
Não é possível compreender a participação política desse grupo religioso tão
pulverizado, insistindo em ignorar sua diversidade. A pergunta que fazemos neste
capítulo não é original: que tipologia pode dar conta dos diversos grupos
denominacionais evangélicos?
A literatura acadêmica que versa sobre os evangélicos brasileiros, procura
inicialmente enfrentar a complexidade do termo evangélicos, em alguns trabalhos
21
chamados de protestantes.
46
O resultado apresenta uma variedade de
classificações dos diferentes grupos denominacionais, na tentativa de se criar uma
tipologia pertinente. A tipologia proposta por Rubem Alves, por exemplo, privilegia
aspectos doutrinários.
1. Tipologia proposta por Rubem Azevedo Alves
Protestantismo da Reta Doutrina Ênfase nas formulações Doutrinárias
Protestantismo do Sacramento Ênfase Litúrgica e nos Sacramentos
Protestantismo do Espírito Ênfase na experiência subjetiva
Fonte: ALVES, R. A. Protestantismo e repressão: 36
Já a de Antônio Gouveia Mendonça, a seguir, é uma tipologia construída a
partir da história dos protestantes no Brasil. O trabalho de Freston, entre os
estudos na área das ciências sociais que têm mostrado grande interesse no
fenômeno pentecostal nas igrejas evangélicas, caracteriza o potencial de
fragmentação deste grupo, com uma tipologia que nos permite atentar para a
grande diversidade denominacional dos pentecostais.
46
FRESTON, P. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao
Inpeachment: 27-147; DOMINGUES, J. Tempo de colheita: o crescimento das
igrejas evangélicas no estado do Rio de Janeiro: 55-82; FONSECA, A. B.
Evangélicos e mídia no Brasil:19-43; CONRADO, F.C.S. Cidadãos do Reino de
Deus: representações, práticas e estratégias eleitorais. Um estudo da Folha
Universal nas eleições de 1998:14-18; SANTANA, L. K. A. Tensão atrás das
muralhas: a identidade batista brasileira em questão: 34-72; GIUMBELLI, E. A
vontade do saber: terminologias e classificações sobre o protestantismo
brasileiro:87-119
22
2. Tipologia proposta por Antônio Gouveia Mendonça
Igrejas de Imigração
Evangélica de Confissão Luterana no
Brasil (1824)
Evangélica Luterana do Brasil (1868)
Igrejas de origem
Missionária
Congregacional do Brasil (1855)
Presbiteriana (1859)
Metodista (1881)
Batista (1881)
Episcopal (1898)
Igrejas Pentecostais Assembléia de Deus (1910)
Congregação Cristã no Brasil (1911)
Cura Divina Deus é Amor e similares
Paraeclesiásticas
Visão Mundial (Evangelização de Massa)
Palavra da Vida (Acampamentos para
Jovens)
Editoras (Betânia, Vida Nova, etc.)
Tabela elaborada a partir do texto de MEDONÇA, A. G. Um Panorama do
Protestantismo Brasileiro atual: 53-84
3. Tipologia proposta por Paul Freston
Primeira Onda do
Pentecostalismo Brasileiro
Congregação Cristã (1910)
Assembléia de Deus (1911)
Segunda Onda do
Pentecostalismo Brasileiro
Evangelho Quadrangular (1951)
Brasil para Cristo (1955)
Deus é Amor (1962)
Terceira Onda do
Pentecostalismo Brasileiro
Universal do Reino de Deus (1977)
Internacional da Graça de Deus
(1980)
Fonte: FRESTON, P. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao
impeachment: 54-112.
23
A diversidade de igrejas evangélicas pode ser observada no resultado de
pesquisa que relaciona 53 grupos evangélicos no Rio de Janeiro, num universo de
1332 entrevistas. É de se supor que, se a amostra da pesquisa fosse maior, maior
seria também o número de denominações evangélicas encontradas, e se a pesquisa
fosse ampliada para todos os Estados brasileiros, provavelmente revelaria uma
diversidade extraordinária.
47
Cabe aqui fazer uma observação quanto ao caráter plural das igrejas
evangélicas. As igrejas pentecostais têm uma tendência reconhecida para a
pulverização, a ponto de termos atualmente as nomenclaturas pentecostais e
neopentecostais.
48
A tipologia proposta por Freston nos convence de que se trata
de um grupo religioso multifacetado.
E quanto às chamadas igrejas evangélicas históricas? A própria história
destas igrejas históricas — ou de missão — revela o quanto estão também
fragmentadas. A tal ponto que quando a referência é feita aos metodistas é
oportuno perguntar de quem se está falando, vez que existe no Brasil mais de uma
denominação metodista autônoma em relação umas às outras e, em alguns
momentos, também hostis entre si. O mesmo ocorre com os batistas,
presbiterianos e outras denominações, como revela a tabela que se segue.
47
FERNANDES, R. C. Novo nascimento: os evangélicos em casa, na igreja e na
política.
48
MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil.
24
4. Dissidência denominacional —pulverização
Metodistas (igrejas de
santidade)
Igreja Metodista
Igreja Metodista Livre
Igreja Evangélica Holiness do Brasil
Irmandade Metodista Ortodoxa
Igreja do Nazareno
Presbiteriana (igrejas da
Reforma calvinista)
Igreja Presbiteriana do Brasil
Igreja Presbiteriana Independente
Igreja Presbiteriana Conservadora
Igreja Presbiteriana Fundamentalista
Igreja Reformada de Colônias
Batista (igrejas de volta
ao cristianismo
primitivo)
Igreja Batista Brasileira
Igreja Batista Regular
Igreja Batista Restrita
Missão Batista da Fé
Igreja Cristã Batista Bíblica
Igreja Batista Revelação
Menonita
Fonte: MEDONÇA, A. G. Um panorama do protestantismo brasileiro atual: 46
Como se constata, a capacidade de fragmentação e organização de novos
grupos evangélicos é grande entre pentecostais e não-pentecostais, configurando
um fenômeno amplo em termos de espaço e tempo, que ocorre no Brasil assim
como alhures.
49
49
Para compreender melhor como se dá as segmentações entre os evangélicos
e as tentativas de agrupá-los em tipologias, ver o artigo de GIUMBELLI, E. A
vontade do saber: terminologias e classificações sobre o protestantismo
brasileiro. Neste artigo, a literatura pertinente é apresentada e comentada.
25
A seguir, vejamos como algumas motivações corroboram para aguçar esta
tendência de fragmentação dos evangélicos em grupos denominacionais, no âmbito
nacional. Não é nosso objetivo elaborar mais uma tipologia, ao contrário,
buscamos enfatizar as diferenças e não propriamente os encontros de identidade.
Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações teológicas
A Reforma Protestante ocorrida no século XVI na Europa esteve dentro de um
contexto histórico que permitiu relativa rapidez no seu florescimento. Relativa
porque não se pode pensar em origem do protestantismo tendo como única
referência o movimento luterano. Antes de Lutero (1483-1546) já era intenso o
movimento, dentro e fora da igreja, que abordava questões depois recuperadas e
ampliadas pela Reforma Protestante.
No que se refere às pesadas críticas à Igreja, Lutero tão somente manteve a
tradição humanista que há muito vinha apontando para contradições vividas por
esta instituição. O movimento luterano teve nos humanistas importantes aliados
intelectuais que ajudaram a propagar as idéias contrárias a um certo tipo de ser
igreja, embora os objetivos das críticas humanistas não fossem de caráter religioso.
Tratava-se de dois segmentos opostos à mesma instituição. A tradução da Bíblia
para as línguas nacionais, empreendimento dos reformadores, enquadrava-se nos
objetivos religiosos dos reformadores luteranos, e era significativa para a causa
humanista por promover a educação do povo e afirmar os Estados Nacionais.
No que tange ao poder da Igreja sobre as pessoas e nações, as críticas, bem
anteriores ao movimento liderado por Lutero, eram feitas por príncipes,
comerciantes, parte do clero e pensadores. Movimentos que foram considerados
heréticos foram abafados pelo poder da Igreja, mas quando floresceu a cisão
luterana, os argumentos desses movimentos voltaram — lolardos e hussitas.
Desde o século XII, com a Reforma Gregoriana, havia longa tradição de resistência
26
à idéia oficial de uma monarquia absoluta pontifícia, que contestava os poderes da
Igreja e do papa.
50
Os princípios fundamentais da teologia protestantes foram sola gratia, sola
fide e sola seriptura,
51
que constituíam uma crítica às práticas da Igreja Católica.
Lutero aceitava as concepções agostinianas sobre a natureza humana e, neste
ponto, discordava dos humanistas. Segundo ele, a natureza humana caída
empurra os homens para o abismo sem Deus e, como os homens têm tendência
natural para o pecado, estariam destinados à condenação eterna. Considerando que
existem pessoas que buscam a Deus, mas por conta de sua natureza dele se
afastam, , Lutero alegava que o homem é justificado perante Deus pela fé e não
através das boas obras. Tendo como fundamento que a justificação se dá pela
graça de Deus mediante a fé, Lutero relacionava o Velho com o Novo Testamento,
afirmando que pelas leis presentes no Velho Testamento o homem tomaria
conhecimento da sua natureza e só encontraria sossego para alma mediante a
descoberta da graça de Deus, conforme descreve o Novo Testamento.
52
A tese teológica luterana da justificação pela fé somente trazia consigo
severas críticas à prática da Igreja de então. No entender dos reformadores, a
Igreja tutelava a vida dos indivíduos do nascimento até depois da morte. E todo
este poder de interferir na vida pública e privada tinha uma fundamentação
teológica que propunha a mediação da Igreja para a salvação dos homens. Em
poucas palavras, viver conforme a Igreja orientava redundava na justificação.
Confundia-se e se relacionava estilo de vida com salvação. Neste sentido, a tese
da justificação pela fé somente deslocava a legitimidade de doutrinas estruturais da
Igreja Católica, como purgatório, venda de relíquias, penitências, e sobretudo,
venda de indulgências. Lutero negava a posição que fora conferida à Igreja. Não
50
SKINNER, Q. SKINNER, Q. As fundações do pensamento político
moderno:316-330.
51
Só pela graça, pela fé e pela Sagrada Escritura.
27
aceitava que esta instituição tivesse a possibilidade de administrar a salvação dos
homens, que ela fosse mediadora entre os fiéis e Deus. Diante de tal posição, sua
crítica atinge nitidamente as funções dos papas, padres e monges. Lutero expõe o
clero afirmando na sua teologia o Sacerdócio Universal do Crente, i. é, o crente não
precisa de mediação para chegar a Deus, o acesso é livre por conta da mediação de
Jesus.
Abordando as implicações políticas dessa teologia, Skinner sugere que ao
relativizar o papel da Igreja como senhora absoluta sobre a vida das pessoas,
Lutero estaria promovendo uma sociedade laica. Teria questionado tanto até onde
iria a jurisdição da Igreja para regular a vida das pessoas, como as próprias
instituições da Igreja, negando privilégios ao clero.
53
A infalibilidade única da Bíblia foi um outro pressuposto teológico luterano.
Tratou-se de mais uma afirmação que se opunha radicalmente a um dos pilares da
Igreja: a infalibilidade papal. A Reforma Protestante foi insistente em contrapor a
autoridade da tradição da Igreja à autoridade da Bíblia. Buscou-se viabilizar a
leitura da Bíblia para o povo, afim de que pudesse comparar a prática da Igreja
com o conteúdo do livro sagrado. A defesa da leitura bíblica não mediada pelo clero
era, portanto, fundamental para os objetivos reformistas.
Essas breves noções teológicas nos remetem para o potencial pulverizador
do Protestantismo enquanto expressão religiosa. Nega um centro religioso de onde
possa existir administração da salvação dos homens; afirma o sacerdócio universal,
o que possibilita uma aproximação pessoal da divindade; orienta e estimula o livre
exame das Escrituras; e ao criticar a Igreja, propõe novos modelos a partir de
reformulações fundamentais. No século XVI, quando o protestantismo se fez
conhecer na Europa, já havia diversidade teológica e de processos de
institucionalização. Com o passar dos séculos o que era uma tendência se
52
SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno: 291.
53
Idem: 295.
28
transformou numa realidade inequívoca: as muitas faces do protestantismo não
param de criar novas faces.
54
Não foram produzidas estruturas unificadoras,
inviabilizou-se a figura do líder comum.
Alguns pressupostos da Reforma Protestante teriam reforçado esta opção
pela desintegração. O Sacerdócio Universal do Crente e o livre exame das
Escrituras provocariam mais o individualismo do que a unificação. Para Alves, as
muitas faces do protestantismo podem ser entendidas se considerarmos que O
individualismo protestante contém em si as sementes da desintegração ... Falta-nos
um critério unificador. Não existe uma unidade estrutural.
55
Pergunta-se: sendo a verdade descoberta pela leitura da Bíblia e tendo o
protestantismo no livre exame um princípio claro, não se corre o risco de diversas
leituras levarem a diversas interpretações? Neste caso o cisma seria um resultado
óbvio, pois haveria diversas verdades. Segundo Alves, este perigo real foi
contornado com a elaboração racional das chamadas confissões, que dão a
interpretação do texto à priori. Em suma, na busca pelos absolutos, elimina-se as
dúvidas, e elimina-se o livre exame. Há livre leitura do texto bíblico, mas não há
livre interpretação. A tarefa intelectual do protestantismo tem se detido no repetir,
a produção teológica não é investigativa e crítica, mas contemplativa.
56
Ao considerarmos propriamente a realidade do protestantismo brasileiro,
diríamos que a tendência para a diversidade e a proliferação de novas igrejas
dissidentes não ocorre por causa de cismas teológicos que tiveram por base
confissões denominacionais, pois muitos grupos denominacionais brasileiros sequer
têm uma definição teológica explicitada. Sem dúvida, existe uma gama de motivos
que levam à diversidade, mas nosso foco se centra na própria concepção do
protestantismo, marcada por um aparente paradoxo: de um lado implica uma
54
ALVES, R. Dogmatismo e tolerância:57
55
Idem.:58
56
Alves, R. Protestantismo e repressão.:111-113.
29
suposta liberdade de pensamento; do outro, repousa no dogmatismo teológico. O
ponto é claro em Alves, que reproduzimos a seguir:
A vocação protestante para as denominações, para as seitas e para o
cisma, portanto, não pode ser interpretada como uma expressão de
liberdade. A verdade é o oposto. É porque o protestante habita uma
linguagem, e esta linguagem é rigorosamente definida, que qualquer
falar desviante provoca uma crise e uma ruptura. É porque o universo
protestante é intelectualmente compacto, sem espaços livres, sem
indefinições, sem dúvidas, que qualquer leitura divergente dos
evangelhos é sentida como ato de rebelião que deve ser resolvido com a
saída voluntária do dissidente ou a sua expulsão. Não é a liberdade
intelectual que cria os cismas. O oposto é a verdade.
57
Outro aspecto teológico que aponta para a diversidade de igrejas
evangélicas no Brasil é o carismatismo. Em linhas gerais, a doutrina do Espírito
Santo, conforme concebe a maioria das igrejas pentecostais, fundamenta-se na
experiência do batismo no Espírito Santo, chamado pelos fiéis de a segunda
bênção.
58
Em síntese, uma vez experimentado o batismo no Espírito Santo o
crente é capacitado para desempenhar funções espirituais. Destaca-se o ato do
falar. Essencialmente o crente carismático fala: oráculos de Deus, línguas
estranhas, pregações, ensino. No protestantismo carismático as vozes se cruzam
numa polifonia legitimada pelos dons do Espírito, logo, se em alguns momentos se
verificam harmonia e complemento dos dons numa comunidade, em outros
acontecem os choques e conflitos. As lideranças espirituais se sobrepõem num
primeiro momento e se separam quando já não há possibilidade de conciliação.
Na literatura sociológica o termo líder carismático foi consagrado por Weber,
que emprega o conceito de modo semelhante à sua utilização na teologia
carismática de algumas igrejas evangélicas. Segundo Weber, essa liderança não
podia cair na rotinização, o político vocacionado deveria sempre dar provas de suas
57
Idem.:125.
58
A primeira bênção seria a conversão e a segunda a capacitação dada ao
crente pelo Espírito Santo. Com este batismo o crente recebe dons espirituais
como falar línguas estranhas — glossolalia — o dom da profecia, dom de cura,
dentre muitos outros.
30
virtudes e afirmar seus encantamentos.
59
O vínculo com os liderados seria mantido
pelos frágeis laços da crença enquanto a expectativa é de que o líder carismático
realizaria proezas, milagres, enfim atividades extracotidianas. Cabe portanto a
analogia, na medida em que, em certa medida, exige-se do chamado crente
batizado no Espírito Santo provas concretas do seu carisma.
É relevante notar que a doutrina do Espírito Santo contém em si o mesmo
potencial pulverizador das doutrinas do Livre Exame das Escrituras e do Sacerdócio
Universal do Crente. Existem, aliás, variados casos em que grupos das chamadas
igrejas evangélicas históricas optaram por organizar outras denominações,
motivados principalmente pela doutrina do Espírito Santo. E muitos outros casos
em que indivíduos, dizendo ser possuidores de um carisma dado pelo Espírito,
fundaram novas igrejas e puseram seus dons a prova. Vejamos, a seguir,
diferentes motivações que buscam especificar as causas da fragmentação das
igrejas evangélicas em casos distintos.
Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações sociais
Em sua análise das denominações protestantes americanas, Niebuhr sugere que
para entender as segmentações dos grupos protestantes não se devem procurar
motivos teológicos.
60
O que ocorre com o denominacionalismo é uma acomodação
aos valores éticos das castas ou classes sociais. As barreiras que mantêm os
grupos afastados não são de motivação religiosa, mas antes, são barreiras sociais.
Niebuhr chama atenção para a secularização do protestantismo americano quando
considera o denominacionalismo um fracasso ético dessas igrejas. Os pobres
desenvolveram práticas e ênfases religiosas que deram origem a novas
denominações, isto porque foram deserdados economicamente e deserdados pelos
grupos Protestantes estabelecidos. Os líderes dos novos grupos surgem do
59
WEBER, M. A política como vocação:100.
60
NIEBUHR, H. R. As origens sociais das denominações cristãs: 21.
31
voluntarismo e do carisma pessoal, sem passarem por uma formação intelectual
formal. A ênfase recaía sobre o emocionalismo.
61
A proliferação de novas denominações evangélicas no Brasil também pode
ser entendida por este ângulo. A comparação entre os chamados evangélicos
históricos e os pentecostais permite pensar a identidade social em relação à
identidade denominacional. A observação do caso brasileiro pode autorizar em
diversas situações a afirmar que os deserdados economicamente são deserdados
também pelas denominações e terminam por organizar novas denominações, mas
este certamente é um dos motivos e não o único.
Em franca interlocução com Weber, Niebuhr considera ainda os movimentos
religiosos que na sua origem foram revolucionários, conquistaram a adesão dos
pobres e na segunda e terceira geração se acomodaram a um nível religioso e
social que os afastou dos pobres.
62
A perspectiva de diversidade denominacional brasileira a partir das
motivações sociais é tratada com rigor por Corten, que afirma a possibilidade da
análise sociológica das emoções religiosas a partir das simetrias semânticas entre o
pentecostalismo e a pobreza brasileira.
63
Considera que as igrejas cristãs
estabelecidas perdem muito da capacidade de mobilização pelo peso institucional,
afastando-se assim da população menos favorecida. Corten faz uso do conceito de
seita no seu aspecto sociológico e aponta uma proliferação de seitas pentecostais
no Brasil dirigidas por pregadores leigos. Pondera que essas revoluções no campo
religioso têm o seu momento de acomodação.
Parece inegável que, no Brasil, a expansão numérica dos evangélicos e sua
crescente visibilidade social, em muitos aspectos, estão associadas à crise
econômica e à ineficiência do Estado em estabelecer políticas públicas. A conjuntura
61
Idem.:26.
62
Idem.:51.
32
política e social do país certamente favorece o argumento de uma religiosidade
popular potencialmente pulverizada que subverte os controles institucionais, suscita
liderança carismática e dispensa o preparo formal dos seminários. Foi justamente a
população menos privilegiada que recebeu o lenitivo para o sofrimento nas igrejas
evangélicas. As igrejas evangélicas cresceram mais nos bairros populares, nos
grandes centros urbanos, que integraram os seus templos à arquitetura das
favelas, das roças, dos subúrbios e dos conjuntos habitacionais populares.
64
Contudo, é preciso esclarecer que essa abordagem isolada não dá conta da
questão. Como já observou Novaes em estudo sobre a visibilidade dos evangélicos
na sociedade brasileira, a explicação do fenômeno pelo viés exclusivo da pobreza
eqüivaleria a dizer que as igrejas ocupam espaços onde havia um vazio estatal e
assim, engrossam suas fileiras com novos conversos. Em suas palavras:
Mais uma vez o pentecostalismo acaba sendo explicado pelas ‘faltas’:
falta de políticas geradoras de emprego, falta de presença de agências
de estado nas áreas mais pobres e conflituadas pela presença do
narcotráfico, falta de políticas de segurança pública, falta de sentido da
vida e de perspectivas de futuro.
65
É certo que o desprezo pelo aspecto social levaria a generalizações e erros,
contudo, outros aspectos tão importantes quanto devem ser considerados também.
Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações pessoais
Outro ângulo que merece destaque é o da organização interna, ou, o
sistema de governo eclesiástico, que contém uma variedade de tipos de lideranças
de acordo com cada modelo. A tipologia proposta por Leandro Piquet Carneiro, ao
enfatizar o aspecto doutrinário conjugado com a organização interna dos grupos
63
CORTEN, a. Os pobres e o Espírito Santo: o pentecostalismo no
Brasil
:165
64
A publicação do relatório da pesquisa realizada sobre os evangélicos no Rio de
Janeiro possibilita avançar nas elaborações de seu perfil. Ver FERNANDES, R. C.
Novo Nascimento: os evangélicos em casa, na igreja e na política.
65
NOVAES, R. O Brasil será um país evangélico?:106.
33
denominacionais, contempla esse aspecto. As denominações são agrupadas a partir
de características de sistema de governo e de tipo de liderança.
5. Tipologia proposta por Leandro Piquet Carneiro
Não Carismático, com moderada autonomia local e
participativo
Carismático, com moderada autonomia local e
moderadamente participativo
Carismático, descentralizado e participativo
Carismático, descentralizado e moderadamente participativo
Carismático, centralizado e não participativo
Fonte: CARNEIRO, L. P. Cultura cívica e participação política entre os
evangélicos: 186-187
Acrescente-se ainda que as igrejas da mesma denominação podem ter um
comportamento diversificado entre si ou podem operar dentro de uma
uniformização projetada pela cúpula eclesiástica. Existem igrejas com poucos e
igrejas com muitos membros, igrejas em bairros de classe média e em bairros
pobres, igrejas do interior e das cidades, em suma, cada igreja local tem suas
características peculiares, mesmo tratando-se de um mesmo grupo
denominacional. Por mais que as igrejas evangélicas tenham suas estruturas de
governo interno, suas lideranças a nível local, regional e nacional, e que os
membros não sejam passivos na condução da dinâmica da igreja na qual
participam, chamamos a atenção para o potencial de fragmentação próprio ao líder
carismático: divisões tendem a ocorrer a partir do desempenho pessoal de líderes
que têm poder de influência sobre determinado grupo.
Alguns casos são emblemáticos no Brasil. Por exemplo, a Igreja de Nova
Vida, fundada em 1960 no Rio de Janeiro pelo missionário canadense Walter Robert
34
McAlister. Logo depois da morte do pastor fundador (1993), houve o cisma entre o
grupo McAlister Jr. e o líder da igreja em São Paulo, pastor Tito Oscar, que acabou
por diluir a Igreja pentecostal Nova Vida. Quanto a Igreja Universal do Reino de
Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus, a primeira, fundada em 1977,
66
abrigou dois líderes do porte de Edir Macedo e Romildo Ribeiro Soares por três
anos, até que, em 1880, R.R. Soares, como é conhecido no meio evangélico,
deixou-a para fundar a segunda. Não surpreende, portanto, que a Igreja Universal
do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus sejam tão semelhantes
em tantos aspectos, ambas identificadas sob a rubrica de neopentecostais e
centradas na mídia.
Novas igrejas evangélicas foram formadas a partir da importância da visão
espiritual de pequenos grupos ou de líderes carismáticos. Isto porque entre os
evangélicos as reuniões de pequenos grupos nos lares são consideradas
importantes fatores de conversão.
67
São também dignos de nota os muitos grupos evangélicos que não possuem
templo nem registro civil, formado por pessoas que transitam por várias igrejas
sem filiar-se a nenhuma. Têm características tanto das igrejas evangélicas
históricas quanto das pentecostais, eventualmente adotando um discurso crítico em
relação ao denominacionalismo. Podem ter como liderança espiritual a chamada
irmã de oração ou, em outros casos, um teólogo resistente às instituições. Tendem
a ser formados por pessoas que tiveram envolvimentos com algum grupo
denominacional e, freqüentemente, acabam por experimentar etapas de
institucionalização: definem o espaço de reuniões, estabelecem dias e horários de
66
Em 1975, Edir Macedo deixa a Igreja Nova Vida para fundar com um pequeno
grupo a Igreja Cruzada do Caminho Eterno. Em 1977 Macedo cria a Igreja
Universal do Reino de Deus, com Romildo Ribeiro Soares e Roberto Augusto
Lopes. MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no
Brasil: 56.
67
Pode ser um grupo de comunhão entre membros de igrejas que procuram
estudar a Bíblia e orar, ou um grupo que se reúne em torno de um líder
carismático. Trata-se, em suma, de pequenos grupos de pessoas convertidas.
35
encontros, distribuem funções específicas entre os membros, escolhem o líder e se
propõem a aumentar o grupo através do proselitismo como missão de todos.
68
Este
processo termina na organização de novas igrejas independentes.
Em suma, é nítida a tendência de fragmentação das Igrejas Evangélicas
motivada por desempenhos pessoais. A morte do líder fundador pode resultar em
fragmentações na segunda ou terceira geração dos fiéis. Os conflitos entre
lideranças podem ocasionar a formação de novos grupos. O carisma pessoal tem
sido usado para convencer pessoas a fundarem grupos evangélicos para
desenvolverem ministérios específicos. O estudo comparativo das religiões revela
que a formação de religiões a partir do carisma pessoal de um líder não é rara, na
verdade é a regra. No caso da Igreja Católica, historicamente sempre houve
posições cismáticas defendidas por líderes carismáticos, em alguns casos,
institucionalizaram-se os movimentos espontâneos através de formação de ordens
religiosas e, em outros, classificaram-se os movimentos como heréticos e os
extinguiram. Isso só foi possível pela estrutura hierárquica e centralizada da Igreja
Católica. No caso das igrejas evangélicas brasileiras, não há centro decisório que
possa abarcar ou perseguir os novos grupos que surgem a partir das convicções e
conveniências de líderes carismáticos.
68
Não temos conhecimento de referências sobre estes grupos na literatura
especializada. Reconhecemos que é uma tarefa difícil de ser levada a cabo num
trabalho científico. No nosso caso, a posição de pertencimento a um grupo
religioso favorece nossa observação. Entende que este é um tema relevante
para futuras pesquisas dentro de uma metodologia adequada.
36
Pulverização das Igrejas Evangélicas por motivações do mercado
Hoje no Brasil o número de evangélicos é considerável para justificar a existência
de um mercado aquecido que atenda aos interesses desse público. Algumas igrejas
assumem que precisam adequar-se à lógica do mercado, vez que suas ambições
sociais são elevadas. Os grupos denominacionais que são orientados por esta lógica
geralmente não têm uma atitude de cooperação com outras igrejas, situam-nas em
contexto de competição e optam pela profissionalização dos seus quadros
administrativos.
69
No entanto, quando se referem aos pastores, não exigem desses
uma profissionalização do tipo dada nos seminários das igrejas evangélicas
históricas.
Podem ser encontrados pelo Brasil afora templos de igrejas evangélicas uns
ao lado dos outros, ruas pequenas com cinco ou mais templos de denominações
diferentes. Nestes casos, não se conclui que essas igrejas estejam juntas
atendendo às demandas locais, na verdade, competem entre si pela adesão dos
moradores mediante a realização de eventos e propagandas e promovem um
ministério independente das outras igrejas que estão ao redor. Disputam o público
alvo, os bens simbólicos, os espaços na mídia, a notoriedade dos seus líderes, o
estabelecimento dos usos e costumes, e outros itens que caracterizam o universo
dos evangélicos brasileiros.
Algumas chegam a implantar sólidas estruturas empresarias, como ocorre
com a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Renascer em Cristo. Pelas
atividades comerciais que desenvolvem e os resultados que alcançam, que esses
dois grupos são bem sucedidos nas suas empreitadas religiosas e também nas
questões comerciais. Ambas têm um sistema de governo eclesiástico centralizado
69
Contratam profissionais para áreas, como marketing, comunicação,
contabilidade e outras, que tenham a ver com a estrutura empresarial montada.
Sobre a racionalidade administrativa aplicada às igrejas midiáticas ver
FONSECA, A. B. Evangélicos e mídia no Brasil: 177-182.
37
e usam amplamente a mídia.
70
A maneira como esses grupos são conduzidos por
seus líderes conjuga os três tipos de liderança descritos por Weber — liderança
legal, tradicional e carismática.
71
A mobilidade dos indivíduos pelas religiões brasileiras é notável. Muda-se
de religião, bem como se pratica e se identifica com mais de uma, dependendo das
circunstâncias. A reconhecida proliferação de Igrejas Evangélicas no Brasil está
intrinsecamente relacionada à diminuição do rebanho católico e a investidas
constantes dos evangélicos para conduzir adeptos dos cultos afro-brasileiros à
conversão.
72
Toda esta dinâmica religiosa no Brasil faz com que se reconheça a
existência de regras do mercado, competições que assediam aos indivíduos para
que se tornem consumidores de religiões que são postas como produtos. Prandi
registra como hoje se pode identificar o mercado religioso a partir da percepção de
que se paga pelos serviços da religião. Especificamente refere-se às religiões afro-
brasileiras e às pentecostais. Olha com desconfiança para os grupos religiosos que
se mantêm através do levantamento de fundos. Segundo o autor, os
neopentecostais baseados na teologia da prosperidade levam os fiéis a entenderem
que o crescimento financeiro é algo que deva ser buscado e que a ajuda de Deus
está condicionada à fé do indivíduo, manifesta nas ofertas entregues à igreja. Em
outros termos, paga-se hoje pelo progresso de amanhã, antes da bênção, o
sacrifício. Para Prandi estas são expressões de uma religião paga e submissa à
70
Voltaremos ao tema com mais abrangência no próximo capítulo.
71
Sobre o desenvolvimento comercial da Igreja Universal do Reino de Deus e
da Igreja Renascer em Cristo ver: MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do
novo pentecostalismo no Brasil.
72
Hoje no Brasil, nas igrejas evangélicas, é comum o trânsito dos fiéis de uma
denominação para outra. As estatísticas registram que tem havido muitas
conversões. Porém, uma outra forma de crescimento numérico de igrejas tem a
ver com recepção de pessoas que vieram de outras denominações. Sentindo-se
cortejado por outros grupos evangélicos, o crente fiel estabelece comparações, e
se algo não lhe agrada no grupo de origem, ou o encanta em outro grupo, pode
significar o seu trânsito entre denominações. Muito se fala nos trabalhos
científicos sobre o crescimento dos pentecostais no Brasil, e como isso significa a
diminuição do rebanho católico. É preciso verificar em que medida o
crescimento pentecostal atinge as igrejas evangélicas chamadas históricas.
38
uma lógica de mercado, que oferece serviços e produtos escassos a um preço
alto.
73
Em suma, a disputa pela clientela resulta em fragmentações, em constantes
inovações de métodos e investimentos em propaganda e marketing. Discussões
ecumênicas ou de ordem teológica são eliminadas neste contexto de conflito e
disputa. Aliás, os grupos neopentecostais brasileiros pouco lembram os
reformadores na defesa dos pressupostos teológicos que privilegiavam a questão
da liberdade religiosa, como observa Pierucci. Respondendo às reclamações dos
evangélicos quanto a liberdade de culto no Brasil, o autor sugere que o que falta é
um mínimo de regulação por parte do Estado, vez que neopentecostais exercem
práticas que mais lembram o mercado do que propriamente a disputa meramente
religiosa.
74
As religiões no Brasil têm regalias, no que se refere a compromissos com o
Estado, que as demais organizações da sociedade não têm. Pierucci pergunta se
não é possível grupos empresarias com objetivos comerciais e financeiros usarem
registros que os coloquem na condição de igrejas, para circularem bens simbólicos
e receberem em troca bens econômicos. Contrasta a noção de liberdade religiosa
com a de mercado religioso. Se a religião participa do mercado, que seja tratada
como as demais participantes: com direito a expressão e dever de submeter-se a
regulamentações do Estado. O que é posto em questão são os grupos interessados
na mercantilização religiosa, que ora se apresentam como igreja, ora se comportam
como empresas.
75
Alves também identifica os grupos religiosos pentecostais que têm como
principal atrativo as reuniões de cura divina, como empresas e não como igrejas.
No lugar do fiel está o cliente, no lugar da comunidade estão os indivíduos
73
PRANDI, R. Religião paga, conversão e serviço: 260-270.
74
PIERUCCI, A.F. Liberdade de cultos na sociedade de serviços: 278.
75
Idem: 28.
39
consumidores de bens religiosos, que não se comportam como membros de igreja e
preferem transitar pelos circuitos nos quais a oferta de cura e milagres se verifica.
Bens espirituais ofertados em caráter de competição são efetivamente
comercializados. Recursos são aplicados a fim de divulgar eventos e oferecer o
produto que, neste caso, é a cura divina. Quem oferece esses bens espirituais e
quem os consome estabelecem uma relação típica de mercado, que se mantém
enquanto ambas as partes estiverem satisfeitas. Clientes insatisfeitos procuram
outros fornecedores. Investidores insatisfeitos migram para outros mercados.
Funciona a lógica de mercado.
76
Um estudo específico sobre a Igreja Universal do
Reino de Deus dedica-se a analisar a questão da mercantilização do sagrado.
77
Segundo o autor, a mídia tem avaliado as práticas desse grupo religioso como
atividades mais comerciais do que propriamente religiosas. A sistemática cobertura
jornalística em tom de denúncia realizada pelas Empresas Globo de Comunicação e
outros grupos empresarias com interesses no mercado das comunicações, teve no
final do ano de 1989 o seu auge. Exatamente neste período foi divulgado que a
Igreja Universal do Reino de Deus estava em processo de compra da Rede Record
de televisão. Campos sugere que ficou assim caracterizado o incômodo que a Igreja
Universal do Reino de Deus causa nas empresas de comunicação — disputa de
mercado — e nas igrejas evangélicas chamadas históricas — disputa religiosa.
Tanto os rivais comerciais quanto os religiosos fizeram uso da distinção
entre igreja e seita para desmerecer o potencial religioso-comercial da Igreja
Universal do Reino de Deus.
78
Porém, Campos alerta para o perigo da
76
ALVES, R. Dogmatismo e tolerância: 113-115.
77
CAMPOS, L.S. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um
empreendimento neopentecostal.
78
Idem:187. Os pesquisadores do tema religião e mercado encontrarão no
trabalho deste autor uma importante contribuição. Contém uma breve
apreciação histórica mostrando que o cristianismo precisou, em variados
momentos históricos, responder à tensão provocada pela força do mercado
sobre a Igreja. Mas também mostra como a pratica da Igreja Cristã estruturou
modelos econômicos e práticas de mercado.
40
estigmatização desta igreja ao identificá-la exclusivamente à mercantilização da
religião, chamando a atenção para a existência de uma guerra ideológica voltada
para a desqualificação de qualquer grupo que possa vir a ser um obstáculo aos
interesses de empresas de comunicação.
Como observação final, cabe frisar que as várias motivações aqui abordadas
não são excludentes. Em um mesmo caso é possível localizar as motivações
teológicas, sociais, pessoais e de mercado. É importante concluir, portanto,
lembrando que a diversidade de denominações do pentecostalismo é uma
constante na sua história, produto de uma multiplicidade de causas. Resta saber
como, e se, essa fragmentação se expressa na representação política dos
evangélicos, definidos como grupo coeso a partir da opção religiosa.
41
Capítulo 3
A relação entre os evangélicos e a política
segundo a imprensa
Neste capítulo, percorremos dois caminhos. Inicialmente, o objetivo é perceber
como a mídia secular se refere à presença dos evangélicos na política.
Abordaremos alguns aspectos emblemáticos da cobertura da grande imprensa no
decorrer de 2001, que podem ser sintetizados nos episódios relativos ao exercício
do poder do Governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, e à denúncia da
existência de um dossiê envolvendo o Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Analisaremos esse material, confrontando-o com o resultado dos estudos sobre a
imagem dos evangélicos na sociedade brasileira.
A seguir, nosso foco transfere-se para o desempenho da mídia evangélica
em relação à participação política de seus filiados. Nossa questão é buscar entender
como se utilizam empresas de comunicação de propriedade de grupos evangélicos
para fins políticos. Também buscamos saber como os evangélicos se manifestam na
mídia sobre sua própria participação na política.
O que diz a mídia secular sobre os evangelhos na política
O grande crescimento dos evangélicos nas décadas de 80 e 90, acompanhado de
seus vultosos investimentos na mídia, propiciou uma visibilidade jamais
experimentada no Brasil por esse grupo. Os evangélicos foram citados com
freqüência pela mídia em diferentes abordagens, na programação televisiva de
noticiários a mini-séries
79
, nos debates sobre comportamentos nas rádios e na
seção de opinião de importantes jornais impressos. Em suma, a questão religiosa
79
Por exemplo, na mini-série de Dias Gomes na Rede Globo sob o título de
Decadência.
42
no Brasil, tendo nos evangélicos importantes atores, passou a ser encarada como
um fato social de grande importância que atingia o cenário político.
A seguir, vejamos alguns fatos que mereceram da imprensa pesquisada uma
maior atenção no que se refere à relação dos evangélicos com a política.
O messianismo político do governador Garotinho
A quase totalidade das matérias jornalísticas sobre os evangélicos na política tem
como foco principal o governador do Estado do Rio de Janeiro, com destaque para
os debates verbais em que o governador esteve envolvido, ao longo do ano 2001.
A referência crítica à utilização de expressões bíblicas predominou.
80
O
potencial eleitoral dos evangélicos foi exaustivamente citado, especialmente quando
se referia à candidatura à Presidência da República do governador Garotinho.
Falou-se em candidatura do governador construída nesta base eleitoral motivada
pelo fervor religioso, apontando esta relação como ilícita e enfatizando o retrocesso
de um Estado laico que se percebe assediado pelas ameaças confessionais.
81
No mês de julho aparecem sérias acusações sobre o programa radiofônico
Show do Garotinho. A Receita Federal investiga acusações de suborno e fraudes
deste programa que foi executado em 1995 pelas rádios Tupi e Bandeirantes. Um
fato de caráter jurídico-político migra subitamente para o debate da identidade
religiosa: as referências aos evangélicos na política são reduzidas ao desempenho
pessoal de um único homem público. Percebe-se o quanto um ator político acaba
reunindo em si a identidade de todo um grupo, a despeito de sua fragmentação e
heterogeneidade.
80
A estratégia não se restringiu à imprensa, mas repetiu-se no discurso do
prefeito da cidade do Rio de Janeiro, César Maia; do ex-governador Leonel
Brizola e da bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara estadual. ver
Jornal do Brasil 11.1.01; 7.7.01. O Globo 5.7.01; 8.7.01. O Dia 23.7.01;
30.7.01; 21.10.01.
81
Jornal do Brasil 8.7.01; 24.7.01.; O Globo 8.7.01; 25.7.01; O Dia 10.3.01;
20.3.01.
43
Motivadas pelo dito desempenho confessional do governador Garotinho, a
cobertura jornalística contemplou o debate na seção Opinião dos jornais. Buscou-
se responder o que estavam fazendo na política os evangélicos. Muitas foram as
perguntas: Como conseguiram tanto espaço? Quais as ameaças para a democracia
com tal vínculo? Que potencial eleitoral representam? Qual o desempenho
parlamentar da chamada bancada evangélica? Enfatizou-se a natureza conflitiva do
desempenho do governador evangélico, promotor da tensão entre religião e
política.
Intelectuais foram chamados a opinar. Nelson Rojas de Carvalho opina que o
populismo à Garotinho é um convite ao refúgio na fé. O desgoverno, segundo ele, é
condição para o surgimento do messianismo político.
82
Luiz Werneck Vianna
mostra-se surpreso e assustado com a emergência das denominações evangélicas
na política. Para um país que parecia secularizado, a candidatura Garotinho à
Presidência da República assentada numa base religiosa surge como paradoxal.
83
Muito se falou da relação entre religião e política por conta da maneira como o
governador Anthony Garotinho expressa sua fé para a opinião pública e expressa
suas ambições políticas frente a Igreja Evangélica. Frei Betto expõe uma
polaridade, não religiosa, mas político-ideológica:
Querem fazer de Deus cabo eleitoral. Ao longo das margens plácidas, o
governador Anthony Garotinho vai em peregrinação pelo Brasil afora,
ostentando a Bíblia em troco de votos. A cruzada visa suscitar devoção
em sua candidatura à Presidência da República.
84
A resposta veio rápida. O governador se defende das acusações de Frei Betto nos
seguintes termos:
Para escolher meus secretários no governo do Estado, não perguntei a
nenhum deles sua religião. Tenho colaboradores católicos, espíritas,
agnósticos e afro-brasileiros. Quando vou fazer uma obra, não pergunto
se os moradores daquela cidade têm preferência por esta ou aquela
religião. Minha atividade política como governador do Estado é
82
Jornal do Brasil 5.8.01
83
Jornal do Brasil 19.8.01
84
Jornal do Brasil 27.8.01.
44
inteiramente voltada para os cidadãos conforme determina a
Constituição do meu país. Porém recebo convites, para falar sobre a
transformação que Deus fez em minha vida e de minha família, de
centenas de igrejas espalhadas por todo o Brasil. Será que pelo fato de
ser governador do Rio estou impedido de falar de Deus?
85
Outro aspecto da cobertura jornalística referiu-se aos conflitos entre o
governador e sua vice-governadora Benedita da Silva, o primeiro acusando a
segunda, também evangélica, de ter participado de desvio de recursos do programa
social de restaurantes populares. A cobertura da imprensa estabelece a tensão
entre os dois atores políticos, enfatizando que os dois professam a mesma fé,
sublinhando ora o rompimento político ora o rompimento da comunhão religiosa. É
destacada a linguagem típica dos evangélicos nas acusações e defesas de ambas as
partes. Após a retratação do governador, os jornais avaliam o desgaste que tais
acusações lhe trouxeram junto ao eleitorado evangélico, uma vez que atingiu a
uma irmã na fé.
86
Destacamos ainda mais um fato que mereceu grande cobertura dos jornais.
Trata-se das declarações do governador no dia 8 de novembro de 2001 que
levaram mais uma vez os evangélicos para a seção de política dos jornais
brasileiros. Ao declarar ser contrário ao homossexualismo, provocou reações dos
grupos organizados que defendem os direitos dos homossexuais. A discussão passa
de valores morais, de um governante, para os conceitos de cidadania. De maneira
bem clara, é creditado o desempenho político ao laço religioso. O político seria
neste caso presa de seus valores religiosos, desvinculado das suas
responsabilidades de assegurar os direitos dessa minoria em questão. Os
evangélicos estariam na política no conflito dos valores morais e não propriamente
no estabelecimento de políticas públicas igualitárias.
87
85
Jornal do Brasil 28.8.01.
86
O Globo 19.10.01; 30.10.01.
87
Jornal do Brasil, O Globo e O Dia 9.10.01.
45
E por fim, chamamos a atenção para a forma como o desempenho do
governador deu o tom da chamada participação dos evangélicos na política.
Estamos nos referindo às fotografias e às charges, imagens significativas que
sintetizam o teor dos textos e afirmam o paradoxo do mundo da política com o
mundo dos evangélicos. O fato é que por conta dessa discussão os espaços
evangélicos foram amplamente visitados e fotografados. A simples presença do
governador a uma reunião religiosa, já caracterizava a invasão do político nas
searas religiosas. E por outras vezes, quando expressava sua fé em contextos
seculares, o governador parecia está deslocado com os seus símbolos e linguagens,
um tipo de invasão das searas políticas com elementos religiosos. Algumas
fotografias falam por si só: ora o governador tocando violão num culto de sua
igreja,
88
dando uma Bíblia a Fidel Castro em Cuba;
89
ou pregando no púlpito da
Igreja do Evangelho Quadrangular em Belo Horizonte;
90
ora a capa do livro em que
o governador conta a sua experiência de conversão,
91
além das charges que
caracterizam três imagens superpostas: o político, o evangélico e o homem
Anthony Garotinho.
92
Em suma, o comportamento do governador Anthony Garotinho é
considerado típico de um evangélico e julgado como uso indevido da fé e da
política.
Vejamos agora outro episódio, envolvendo um pastor evangélico. Aqui,
vimos que a crítica remete para o uso indevido da religião por parte de um político.
No próximo caso, perceberemos que se trata da avaliação de um comportamento
ético-político indevido por parte de um religioso.
88
Jornal do Brasil 10.2.01.
89
O Globo 1.4.01.
90
Jornal do Brasil 24.7.01.
91
O Dia 9.4.01.
92
O Globo 30.4.01; O Dia 11.8.01; 31.8.01; 22.11.01.
46
Pastor tentou vender dossiê Cayman a Saddam Hussein
Esta foi a manchete do Jornal do Brasil no 13 de março de 2001. O tal
dossiê teria sido oferecido pelo pastor Caio Fábio aos principais candidatos à
Presidência da República em 1998 que constituíam oposição a candidatura da
reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Ficou caracterizado pela justiça que os
documentos eram falsos e os envolvidos deviam ser acionados judicialmente. Este
assunto voltou às manchetes dos principais jornais do país em março de 2001 com
um inusitado personagem: Saddam Hussein. Luís Inácio Lula da Silva confirmou
ter sido procurado pelo pastor, que lhe teria oferecido os documentos dizendo que
a fonte era o pessoal de Miami, que por eles cobrava U$ 30 milhões. Diante da
recusa do candidato, o pastor Caio Fábio teria pedido a Luís Inácio Lula da Silva que
o colocasse em contato com a representação diplomática do Iraque em Brasília,
sem revelar os seus intentos. Tratou-se de um complexo processo financeiro,
político e eleitoral, onde muitos elementos ainda não estão claros, e certamente
foge ao nosso escopo entrar no mérito da questão. Queremos tão somente frisar
que este fato jornalístico teve grande repercussão, conduzindo novamente os
evangélicos à seção de política dos noticiários, em constantes referências que
muitas vezes ganharam uma conotação grotesca.
93
Mais uma vez a biografia
pessoal migrou para a caracterização de todo o grupo, como explícito no texto que
se segue:
Saddam é o meu pastor! Zulmira sempre foi ótima empregada. Nunca
foi de faltar, cuidava da casa com cuidado e cozinhava que era uma
beleza. Mas depois que virou evangélica, nunca mais foi a mesma.
Passou a usar vestidos longos, seus pêlos cresceram sem poda e vivia
com seu radinho ligado numa rádio chatíssima que exorcizava infiéis a
toda hora para manter a audiência. Quando o Dossiê Cayman voltou às
páginas dos jornais, ela enlouqueceu de vez ...
94
Assumindo um tom no discurso, que também faz uso de imagens grotescas, o
articulista sob o pseudônimo de Agamenon, elege o pastor Caio Fábio como a
93
O grotesco como categoria é amplamente utilizada pelos meios de
comunicação. Ver SODRÉ, M. O império do grotesco.
94
Jornal do Brasil 15.3.01.
47
figuraça” da semana. Em seguida constrói um texto hostil e, sem poupar a
comunidade evangélica, revela seu desconforto com a presença deste grupo na
sociedade:
Antigamente, os pastores evangélicos eram homens de bem e só
extorquiam a grana dos fiéis. Mas o pastor Caio Fábio teve uma visão
mística quando viu o extrato da sua conta secreta nas Ilhas Cayman e
resolveu modernizar a questão da contribuição dos fiéis, pois, como está
escrito na Bíblia em Escroques 12, versículo 171, ‘Dízimo com quem
andas que te direi quem és’(...) Não tem problema, o importante para
nós, corruptos evangélicos, é não perder a fé, pois Caio Fábio é o meu
pastor e nada me faltará.
95
De modo geral, portanto, o dossiê Cayman mereceu dos jornais uma ampla
cobertura que generalizou a presença dos evangélicos na política através do
desempenho de um pastor, termo, aliás, que de março a maio foi incansavelmente
mencionado na seção de política dos jornais.
A despeito da diferença entre os episódios relativos ao governador
Garotinho e ao pastor Caio Fábio, em ambos os casos os jornais pesquisados
assumem o discurso da denúncia e abusam do grotesco. No primeiro caso,
reclama-se do deslocamento do político para o púlpito e, no segundo, do pastor
para o palanque. Nossas observações não se chocam com as conclusões a que
chegaram os pesquisadores que analisam a construção da imagem dos evangélicos
na sociedade brasileira, ao contrário, agregam-se à uma abordagem que é
relevante na literatura das ciências sociais brasileiras.
A construção de imagens na literatura
O argumento de que os evangélicos são citados na mídia de forma negativa não é
novo, no Brasil. Os conflitos envolvendo Igreja Evangélica e a grande imprensa
foram observados por Birman, que analisou a cobertura da imprensa sobre a Igreja
Universal do Reino de Deus.
96
95
O Globo 18.3.01
96
Sua pesquisa abrangeu o jornal Folha de São Paulo, a revista Veja e o Jornal
do Brasil de agosto de 1995 a fevereiro de 1996. A autora conclui que a
demonização da magia, representada pela Igreja Universal do Reino de Deus,
tem a ver com a disputa pelo ramo dos negócios comerciais e, na esfera
religiosa, com a predominância Católica. BIRMAM, Patrícia. O bispo, o povo e a
48
Patrícia Birman acentua que a identidade construída pela Igreja Universal do
Reino de Deus com total intolerância, está referida em oposição a importantes
atores políticos, tais como a Igreja Católica e a Rede Globo. A Igreja Universal do
Reino de Deus figura neste sentido como dupla ameaça — religiosa e comercial.
Concluiu que a grande imprensa assume uma postura não isenta, sem considerar o
que a Igreja Universal do Reino de Deus representa em termos religiosos e
populares, numa postura preconceituosa em relação às classes populares, tidas
como ludibriadas e incapazes de articular defesas.
Em suma, a construção da imagem da Igreja Universal, associada
ao seu dirigente maior, o Bispo Macedo, articulou ‘crença’ e ‘magia’
como uma esfera considerada não ética, quando não criminosa, a
exploração da credibilidade popular, o enriquecimento ilícito e a
corrupção.
97
Cabe notar que, entre os intelectuais, há também uma certa pressa na
análise que os faz concluir sobre o conservadorismo dos evangélicos, sempre
considerados um bloco indistinto. Pierucci,
98
por exemplo, pesquisando as forças
conservadoras que atuaram na Assembléia Nacional Constituinte de 1988, deparou-
se com a chamada bancada evangélica
99
e a ela atribuiu uma tendência
conservadora. Estranha esta unidade religiosa numa instituição política, considera
os choques do religioso com o secular e reflete os retrocessos da sociedade
TV: alguns efeitos, talvez inesperados, da presença política recente dos
pentecostais
97
BIRMAN, P. O bispo, o povo e a TV: alguns efeitos, talvez inesperados, da
presença política recente dos pentecostais: 6.
98
PIERUCCI, F.A. Representantes de Deus em Brasília: a bancada evangélica na
Constituinte: 163-191.
99
A título de observação, note-se que, no decorrer do período analisado (2001),
tínhamos a expectativa de observar o desempenho da chamada bancada
evangélica na esfera municipal, estadual e federal, através dos jornais. Não foi
possível perceber nada que caracterizasse bancadas atuando em conjunto. Não
estamos afirmando que não existam bancadas com motivações religiosas, mas
afirmamos que nos jornais pesquisados houve um silêncio absoluto sobre isso. O
que encontramos são notícias episódicas a respeito de um ou outro político
evangélico. Quanto as articulações políticas das Igrejas Evangélicas que fazem
acordos políticos com partidos, que lançam candidatos oficias e articulam com
seu potencial eleitoral encontramos alguma coisa apenas sobre a Igreja
Universal do Reino de Deus e as Assembléias de Deus — maior igreja evangélica
brasileira.
49
brasileira que lida com representantes de igrejas em uma esfera que por definição é
laica.
100
Para Freston, a imagem dos pentecostais na sociedade brasileira é o
resultado de três fontes emissoras de conceitos: os meios de comunicação, a
hierarquia católica e academia. Todas tendem a referir-se aos evangélicos
dogmaticamente, como se fossem fanáticos, fisiológicos e fundamentalistas.
Segundo nos conta o autor, desde 1986, no contexto da Constituinte, os meios de
comunicação cobrem a participação dos evangélicos na política, acentuando uma
visão negativa, próxima ao pejorativo. Terminada a Constituinte, as atenções se
voltaram para a Igreja Universal do Reino de Deus, e continuou o mesmo tipo de
tratamento. O catolicismo assume o discurso de centro religioso, sendo por isso
capaz de desmerecer as igrejas protestantes, reduzindo-as à condição de seitas.
Observa que não é apenas a oficialidade da Igreja Católica a afirmar este centro
religioso, e sim que esta noção é uma construção cultural brasileira enraizada. Seja
um profissional de comunicação ou um político, um leitor de jornal ou um
telespectador, sua referência teológica, litúrgica, estética e religiosa geralmente
vem do catolicismo. E como Freston percebe, os meios acadêmicos repetem o
imaginário cultural e acentuam o discurso predominante.
101
Vale concluir este item em que se pergunta o que diz a mídia sobre a relação
entre os evangélicos e a política, constatando que boa parte das matérias
jornalísticas prefere generalizar, ignorando a questão denominacional. Existem
características comuns, assim como há expressivas diferenças teológicas, litúrgicas,
pastorais, estruturais e sociais, que distinguem os grupos evangélicos uns dos
outros. Não há como construir por um programa de rádio uma linguagem
100
Cabe notar que sua pesquisa foi realizada a partir da grande imprensa, o que
possivelmente o levou a assumir a definição predominante deste grupo como
conservador.
101
FRESTON, p. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao
Impeachment: 6.
50
consensual e unívoca. Por isso, um programa nos moldes de um debate alcança
tanta repercussão entre os fiéis. São muitas as falas, inclusive discordantes, que
contemplam as muitas faces dos evangélicos. Julga a imprensa que as igrejas que
elaboram estratégias de representação são a regra e desconhecem as
denominações que não assumem discursos políticos oficiais, nem apresentam
candidatos oficias, o que, para efeitos políticos, convenhamos, é decisório.
Simplesmente porque um compromisso assumido pela Igreja Universal do Reino de
Deus não é propriamente um compromisso assumido pelos evangélicos, ou um
posicionamento de um pastor luterano não eqüivale necessariamente ao que
pensam outros pastores luteranos e outras igrejas evangélicas. Observamos o uso
freqüente do termo evangélicos nas chamadas das matérias e quando as lemos,
tomamos conhecimento de que se trata de uma notícia sobre um segmento
específico dos evangélicos e, às vezes, até mesmo apenas um relato que remete a
um nome identificado com ele. Perde-se, assim, a possibilidade de conhecer e
distinguir o que de fato, distinto é.
Recapitulando, a discussão que a mídia impressa tem proposto é a
legitimidade de um grupo religioso interferir na ordem secular através da política.
Isto é verificável após períodos eleitorais. A mídia divulga listas de eleitos que são
evangélicos e faz uma conta simples de somar. Nega-se a enfrentar equações mais
complexas. Alinha numericamente os eleitos evangélicos e compara com o número
de bancadas partidárias. Este tipo de conta política dá a entender que os
evangélicos formam um grupo homogêneo e que os eleitos põem a representação
religiosa à frente de qualquer outra modalidade.
Parte da imprensa tem insistido na existência de uma bancada evangélica
coesa e organizada. Sugere uma atuação política homogênea dos evangélicos. Uma
matéria representativa desta tendência foi a publicação do Jornal do Brasil numa
edição de Domingo, onde se destaca negativamente o desempenho de alguns
51
parlamentares do Rio de Janeiro. A referência ao deputado Arolde de Oliveira foi
feita nestes termos:
A bancada evangélica tem outras propostas curiosas. O presidente do
PFL estadual, deputado Arolde Oliveira saiu em busca do dia da
Confissão Religiosa. Começou a sua caminhada em março deste ano,
por enquanto, nada.
102
Apontamos, em suma, a tensão existente entre políticos evangélicos e parte
significativa da imprensa. Parece-nos que há abismos semânticos longe de serem
superados. Por enquanto, basta-nos pontuar os discursos discordantes.
Vejamos a seguir, como a mídia evangélica aborda a presença de seus
membros na política.
O que diz a mídia evangélica sobre seus representantes na política
No Brasil, o elo entre a participação de evangélicos na política e sua articulação na
mídia constitui uma dessas noções de domínio popular sobre a qual todos falam,
porém, pouco se conhece como resultado analítico de pesquisas científicas. Partindo
do saber popular e com o objetivo de entender como setores midiáticos
identificados a grupos evangélicos transformam-se em organizações políticas,
contemplamos em nosso universo da pesquisa três empresas de comunicação do
Rio de Janeiro diretamente vinculadas à propriedade de grupos evangélicos e à
representação política. Buscamos captar o discurso que essa mídia adota para
promover a adesão de suas bases à política, questionando se efetivamente a
linguagem religiosa se traduz em prática política.
Aproximamo-nos inicialmente da programação da Rádio 93 Fm.
Rádio El Shadai 93,3 FM
Optamos por analisar o desempenho do proprietário da rádio El Shadai, Deputado
Arolde de Oliveira (PFL-RJ), distinguindo o político do empresário, lembrando,
porém que o grupo de empresas Arolde de Oliveira concentra-se no ramo das
102
Jornal do Brasil 12.08.01
52
comunicações, sendo consideradas recentes.
103
O deputado cumpre o seu quinto
mandato consecutivo na Câmara Federal. Com formação em engenharia de
telecomunicações, tendo trabalhado na Embratel, mostra-se voltado para as
comissões que contemplam as questões pertinentes às comunicações. Define-se
como deputado que é evangélico e não como evangélico que é deputado. Sua
identidade partidária é sólida. Preside o diretório do PFL-RJ. Sobre a relação entre
orientação religiosa e orientação partidária declara:
Entendo que quem deve me orientar politicamente é o meu partido, e
não o meu pastor. Agora, nas questões de foro íntimo, o conselho
pastoral é muito importante para o deputado evangélico. Mas repito: Na
questão de orientação política, devo obediência ao meu partido.
104
Durante um ano, acompanhamos o programa de maior repercussão da
emissora, o Debate 93.
105
Surpreendeu-nos perceber que a Rádio El Shadai
desenvolve uma programação religiosa interdenominacional e interpartidária, na
qual o eventual discurso político é sempre respeitoso das vozes discordantes.
Ao contrário de nossa expectativa, verificamos que o material político
utilizado no programa é reduzido, apenas eventualmente o proprietário da emissora
dele participa, e quando isso ocorre, os temas são voltados para um tipo de
resenha do noticiário semanal ou para preocupações eclesiásticas dos ouvintes.
Nada existe nessa programação que nos permita afirmar que discursos são
103
As empresas foram consolidadas na década de 90. Achamos melhor
reproduzir a auto-apresentação da empresa: a MK Publicitá é uma gravadora e
distribuidora de suportes fonográficos, de vídeos conexos e é formada por: MK
Distribuidora – responsável pela distribuição dos produtos MK em todo o mundo.
MK Estúdios – responsável pela produção dos CDs MK e do programa Conexão
Gospel, além dos cheps de nosso cantores. MK Criação e Arte – responsável pela
arte e o layout de nossos produtos. MK Eventos. MK Editora Musical. Rádio
93FM – com sede no Rio de Janeiro, uma emissora totalmente voltada para o
segmento gospel. ELNet – centro de tecnologia e Internet, voltada para o
segmento cristão através do portal www.elnet.com.br
Essas informações podem
ser adquiridas na página da internet da MK Públicitá www.mkshopping.com.br
.
O grupo de empresas é presidido pela esposa do Deputado Arolde de Oliveira,
Yvelise de Oliveira. Revista Enfoque Gospel.
104
Entrevista concedida a Carlos Fernandes. Eclésia, agosto de 2000.
105
Monitoramos sistematicamente o “Debate 93 Fm” de janeiro à dezembro de
2001, numa média de 3 programas por semana dos 5 que são veiculados.
53
elaborados para fins eleitorais ou para confrontos partidários.
106
Arolde de Oliveira
não se utiliza deste espaço para discursar sobre suas idéias políticas nem para
prestar relatório de sua atuação parlamentar. Quando os políticos participam do
programa, têm como anfitriões o mesmo Oliveira e seu genro, o deputado estadual
Alberto Brizola, líder do PFL na Câmara Estadual, que garantem um ambiente de
cortesia e descontraído, no qual eventualmente se discute a conjuntura política e se
promove a cidadania. A despeito da predominância dos correligionários da aliança
PMDB e PFL, os participantes não representam uma única tendência, quer em
termos religiosos ou partidários, como revela a relação dos convidados presentes
ao longo de 2001: o governador Anthony Garotinho (PSB ) e a vice Benedita da
Silva (PT), os deputados federais Eduardo Paes (PFL), Jandira Feghali (PC do B) e
Rubem Medina (PFL), o deputado estadual Sérgio Cabral Filho (PMDB), os
vereadores Alexandre Feruge (PFL), Macelino D’Almeida (PFL) e o prefeito de São
Gonçalo, Henri Charles (PMDB). Achamos significativo citar a resposta dada pelo
deputado Arolde de Oliveira quando indagado sobre a existência de uma bancada
evangélica:
Há uma tendência, por parte da imprensa, de classificar os deputados
evangélicos como bancada, mas não tem nada a ver. O que é uma
bancada? É a parte de um todo. É uma contradição com a condição do
Evangelho, que tem uma posição muita mais holística, global. Eu não
aceito esta classificação. Eu sou evangélicos e pertenço a um partido
político, cuja bancada inclui também católicos, judeus, espiritualistas e
pessoas sem religião.
107
Contudo, é possível perceber a retórica política do proprietário da Rádio El
Shadai 93 Fm específica para o seu público formado por evangélicos. A Rádio El
Shadai é uma empresa de comunicação que se expressa pondo em circulação
106
Se esta pesquisa estivesse interessada em cobrir o comportamento eleitoral,
o período de análise teria que ser revisto, pois alguns comportamentos só são
verificáveis no calor da campanha. Contudo, como nosso interesse está na
busca de uma linguagem política religiosa, que eventualmente contemple os
resultados eleitorais, mas a eles não se reduza, consideramos cnveniente
acompanhar a Rádio 93 Fm em período regular e não extra-cotidiano. Foi o que
fizemos.
107
Entrevista concedida a Carlos Fernandes. Eclésia, agosto 2000.
54
símbolos que são partilhados pelos evangélicos. As músicas executadas na
programação da emissora são cantadas nas igrejas. A linguagem dos locutores é
direcionada a este público alvo. Os textos bíblicos são citados com profusão e as
atividades das igrejas são anunciadas. As propagandas, na sua maioria, anunciam
produtos, que de alguma forma, identificam-se com o grupo religioso que, embora
se caracterize por sua fragmentação, partilha um núcleo semântico comum.
108
Quando a Rádio El Shadai nele se concentra, os ouvintes identificam seu
pertencimento ao grupo e se inserem em um grupo maior do que o de suas igrejas
locais, ou do segmento denominacional, numa linguagem que confere legitimidade
para administrar a circulação desse núcleo simbólico comum. Permite também que
seu proprietário Arolde de Oliveira represente os evangélicos de variadas
denominações, entendendo as particularidades do campo simbólico e transitando
por amplos espaços significativos para o grupo. A mídia possibilita assim ao
deputado superar as barreiras denominacionais, já que suas empresas de
comunicação lhe viabilizam comunicação e representação interdenominacional.
O resultado final é que o Debate 93 Fm faz circular valores e a imagem
veiculada de seu proprietário é a do irmão em Cristo: antes de ser político ou
empresário, ele é membro do grupo religioso. Para os ouvintes do deputado Arolde
de Oliveira, o ponto fundamental não é a sua atividade de empresário, nem o sua
filiação partidária no PFL, nem mesmo seu desempenho na Câmara nas questões
setor das comunicações. O fator preponderante é, sem dúvida, sua identidade
religiosa. E desta identidade religiosa vem o credenciamento para a representação
política. Como as idéias políticas não são expostas sistematicamente e as idéias de
caráter ético são partilhadas quando ocorre sua participação no Debate 93, as
expectativas geradas têm sentido de representação de questões pertinentes ao
108
Sobre este aspecto, o estudo de Fonseca caracteriza muito bem a formação
das estruturas empresariais da mídia evangélica. O trabalho de pesquisa é
abrangente, distingue lideranças das igrejas e denominações da liderança
midiáticas. Ver FONSECA, A. B. Evangélicos e mídia no Brasil.
55
grupo e de defesa de valores cristãos conforme os evangélicos os concebem. Em
suma, a retórica política da Rádio 93 Fm é plural. Admite que existem conflitos
entre igrejas, mas sobre tudo faz um discurso que argumenta que a ética cristã é
opositora à ética presente na sociedade brasileira. O oferecimento da
representação alimenta a idéia de unidade do grupo e faz menção ao perigo de
deixar a sociedade abandonada à própria sorte. Pela vinheta da Rádio expõe-se a
representação política à disposição de uma comunidade: Unidos pelo amor
construiremos um Brasil Melhor. Arolde de Oliveira por um Brasil melhor. Cabe uma
breve observação, ainda, sobre um programa que dura três minutos e antecede
imediatamente o Debate 93, chamado Espaço Social, todo ele dirigido pelo próprio
deputado Arolde de Oliveira. Em ligação direta entre o proprietário da Rádio El
Shadai e as igrejas, apresenta uma outra estrutura da linguagem religiosa com
conseqüências políticas, promotora de vínculos entre comunicador e ouvintes a
partir da identidade pelos laços afetivos. Com música de fundo instrumental e
suave, a voz cadenciada e calma do deputado anuncia projetos sociais e
beneficentes que são realizados pelas igrejas e Ong’s evangélicas.
109
A comparação
entre a atuação do proprietário da Rádio El Shadai nos dois programas — Debate
93 e Espaço Social — revela que no primeiro ele se identifica com grupo e no
segundo propõe soluções imediatas de tipo assistencialista. São os vínculos
religiosos chamados à identificação política.
Rádio Melodia 97,3 FM
A expansão comercial do empresário Francisco Silva, proprietário da Rádio Melodia
97,3 FM, acompanha a ascensão de sua carreira política como deputado estadual
109
Trata-se de iniciativas que visam à recuperação de dependentes químicos,
abrigos para idosos, ambulatórios médicos que funcionam no espaço das igrejas,
bazares beneficentes, creches e outras ações neste sentido. Além do serviço
informativo, o programa estimula o serviço voluntário. Apelos são feitos para
que os ouvintes pratiquem a solidariedade cristã. Diríamos que não há
necessidade de monitoramento deste programa, pois a sua estrutura não muda.
A única mudança é uma carta lida, mas na essência, trata-se do mesmo
conteúdo: um trabalho social que pede ajuda.
56
pelo PFL. A programação da Rádio Melodia atinge outros Estados, além do Rio de
Janeiro. Anteriormente, suas investidas políticas restringiam-se à conjuntura
estadual, porém, desde 2001, se encontra envolvida com projetos de densidade
nacional, o que supõe a ampliação de seu mercado consumidor.
Constatamos que o deputado Francisco Silva não se notabiliza pelas suas
opções ideológicas, não demonstra solidez em relação à identidade partidária, nem
apresenta com clareza os projetos que defendeu no Parlamento. Sua identidade
política parece advir tão somente de sua identidade religiosa. Os resultados
positivos que obteve em termos políticos e comerciais devem-se a seu investimento
no público das igrejas evangélicas. O fato de ser proprietário de uma Rádio
interdenominacional o põe em contato com milhares de membros de igrejas. Sua
candidatura não é projeto de uma igreja, não é um caso de candidatura oficial de
um grupo denominacional, mas através da programação radiofônica cria seus
vínculos políticos e religiosos.
Francisco Silva participou ativamente da campanha eleitoral para o governo
do Rio de Janeiro em 1999 e se credenciou como o mais importante cabo eleitoral
do governador Garotinho junto aos evangélicos. Uma vez eleito, o governador
passou a atender convites para participar de eventos religiosos em alguns Estados
da federação. Adversários políticos denunciavam uma ilegítima mistura de fé e
política e quiseram saber de onde estavam saindo os recursos para tantas viagens
com táxi aéreo. As suspeitas eram de que recursos públicos pudessem estar
servindo a interesses particulares, mas não se confirmaram, pois foi esclarecido
quem financiava as viagens: Francisco Silva e outras vezes, os próprios promotores
dos eventos.
Quando um indicado seu deixou o cargo sob acusações de fraudes, Francisco
Silva endereçou uma carta ao governador entregando o cargo de confiança. A carta
circulou como carta aberta à população:
57
Governador Anthony Garotinho. A paz do Senhor. Nestes últimos dias
tenho visto a imensa campanha caluniosa desenvolvida contra o meu
querido irmão. É sempre assim, quando alguém se levanta para fazer o
bem, as forças do mal se unem para combatê-lo, mas Deus está contigo
e assim como foi com José do Egito, com Davi para vencer Golias, será
com o irmão governador para vencer os mentirosos e caluniadores. O
que nos une é muito maior do que a política, é a fé e o amor ao nosso
Senhor Jesus Cristo. Por isso, meu querido governador, não quero ser
usado como pretexto para atingi-lo. O meu indicado para a Cehab, o
Dr. Eduardo Cunha é um homem honrado e tem demonstrado imensa
competência à frente da empresa(...) Amado irmão, para evitar
qualquer espécie de especulação maldosa, que diga que o irmão
Eduardo Cunha está sendo protegido pelo fato de ser evangélico, solicito
ao querido governador, duas providências: primeira – que durante o
período das apurações do Ministério Público, o Dr. Eduardo Cunha fique
trabalhando no meu gabinete; segunda – se após concluída as
apurações, nada ficar comprovado contra ele, o senhor que sempre se
pautou pela justiça, o reconduza ao cargo que agora lhe devolvo.
Saudações em Cristo, Francisco Silva.
110
O que nos interessa neste fato é observar que o deputado Francisco Silva
estabelece então um discurso religioso-político dirigindo-se ao governador e à mídia
num tipo de prestação de contas, na qual se observa a retórica religiosa para fins
políticos que tem sido recorrente na trajetória política do deputado.
111
Nossa pesquisa contemplou o programa que conta com a participação
sistemática do governador Anthony Garotinho, dirigido e apresentado pelo
deputado Francisco Silva, inicialmente chamado de A Paz do Senhor Governador. A
alteração do nome para A Paz do Senhor de Coração foi o resultado de uma ação
judicial movida pelo Ministério Público Eleitoral, que caracterizou o primeiro como
propaganda política fora do período estabelecido por lei.
112
O programa de 10
110
Nos dois primeiros anos de administração do governo Garotinho, o deputado
esteve à frente da Secretaria de Habitação. Depois indicou o economista
Eduardo Cunha para assumir a presidência da Companhia Estadual de
Habitação-Cehab, que foi acusado de fraude. O Globo 11.4.2000.
112
Segundo denúncia do Partido dos Trabalhadores, o programa A Paz do
Senhor Governador camuflava propaganda eleitoral sob o discurso religioso. No
dia 27 de junho de 2001, os ministros do Tribunal Regional Eleitoral-TRE
acolheram por unanimidade a representação do Ministério Público que propôs a
suspensão do programa Fala Governador, transmitido pela TV Record e pela
Rádio Tupi. Considerou-se tratar de propaganda eleitoral ilícita, isto é, fora do
período estabelecido por lei que é de noventa dias antes das eleições. O
Ministério Público acatou as acusações e por um período o governador foi
impedido de participar do programa. A situação foi contornada posteriormente
58
minutos é transmitido de segunda a sexta-feira, às 10.45h e às 16h., estruturado
em cinco fases, que a seguir explicaremos.
Antes porém lembramos que, como se trata da Rádio FM de maior audiência
do Rio de Janeiro, a retórica da Rádio Melodia destinada ao público evangélico
possivelmente cria conceitos, empresta sentidos e leva alguns a reproduzirem
gestos e palavras. Gostaríamos também de ressaltar que caracterizamos aqui a
retórica política de uma empresa e não de um grupo religioso. O que chamaremos
de retórica política da Rádio Melodia 97,3 Fm, caracterizada no programa A Paz do
Senhor de Coração, tem por objetivo básico a promoção do governador Anthony
Garotinho, quer seja como governador do Estado do Rio de Janeiro, quer seja como
candidato à Presidência da República. O papel desempenhado pelo deputado
Francisco Silva é o do proprietário de empresa de mídia que dispõe de seus
recursos para propagar um projeto, no caso, a eleição do próximo Presidente. Este
envolvimento confere a Francisco Silva o que lhe falta no Parlamento: identidade
política. Credencia-se assim a continuar pleiteando cargos públicos, na medida em
que tem um projeto e uma identidade religiosa e política que o difere.
Quanto às etapas que compõem o Programa A Paz do Senhor de Coração,
são as seguintes.
1. Primeira fase: agenda do governador. Trata-se de uma listagem das
realizações, tais como inaugurações de Delegacias Legais,
compromissos oficiais, relatos da gestão financeira, finalização de
obras, visitas aos municípios, projetos sociais etc. O governador
Garotinho se refere aos custos das obras, contando freqüentemente
com elogios do proprietário da Rádio Melodia, que pergunta como
pode realizar tanto com um receita tão comprometida. A reposta é
pronta e, repetidas vezes pelo governador, fecha a primeira fase do
programa: Para bem governar é preciso não roubar.
2. Segunda fase: cartas dos ouvintes, que costumam ser textos bíblicos
dedicados ao governador Garotinho. O programa incentiva os
com Anthony Garotinho assumindo um discurso apenas religioso no programa,
esquivando-se de mencionar temas eleitorais.
59
ouvintes a escreverem. Lêem-se os nomes das pessoas que
enviaram cartas, revelando a igreja a que pertencem e o Estado de
onde são enviadas as cartas. Entre as muitas cartas citadas, uma é
destacada para ser lida na íntegra e o governador responde e
agradece. As cartas selecionadas têm um conteúdo comum.
Referem-se ao governador Garotinho como um político perseguido e
caluniado pelos seus opositores políticos e pela mídia. Incentivam-
no para que se mantenha firme. Elogiam o governo do Estado do
Rio de Janeiro e dizem que é preciso ampliar essa administração
para todo o Brasil. As intervenções do deputado Francisco Silva são
exatamente do mesmo teor das cartas, enfatizando que o
governador é perseguido por ser evangélico e privilegiar as camadas
populares. Exalta as realizações do governo e por fim incentiva a
candidatura do governador à presidência da República. Observe-se,
porém, que o teor das cartas selecionadas mudou significativamente
após a ação judicial movida pelo Ministério Público.
113
As cartas lidas
não eram mais voltadas para o candidato à presidência da República,
mas para o irmão em Cristo.
3. Terceira fase: motivos de oração. A cada semana o governador
orienta os ouvintes para que orem por um motivo comum ao longo
da semana. Como motivos de oração, são mencionados o
fortalecimento espiritual das igrejas, a situação de dependentes
químicos, o fortalecimento dos laços conjugais, a reconciliação de
evangélicos que apostataram, a capacidade para perdoar as
mentiras dos opositores, entre outros.
4. Quarta fase: leitura bíblica. A cada programa o governador escolhe
um texto bíblico para ler.
5. Quinta fase: a rima. Num ambiente descontraído, o deputado
Francisco Silva propõe ao governador que termine o programa com
uma rima improvisada, usando o nome do ouvinte que teve a carta
selecionada e o lugar onde mora.
Observe-se que os remetentes das cartas são quase todos pentecostais, o
que não nos permitir concluir que os pentecostais são mais propensos a aderirem
ao discurso político de uma mídia que os acedia. São predominantemente
113
O governador chegou a ser impedido pela justiça de apresentar o programa
60
mulheres, esse dado, porém, não nos autoriza afirmar que as mulheres evangélicas
dão densidade aos votos de Anthony Garotinho. As cartas chegam de Estados
variados, o que não é o mesmo que desempenho eleitoral assegurado de maneira
homogênea nas regiões da Federação. Isto posto, voltemos às citações bíblicas
dirigidas ao governador Garotinho, que ao privilegiarem pequenas passagens fora
do seu contexto, possibilitam a apropriação da autoridade bíblica para fins
pragmáticos.
114
Os textos não representam uma teologia política dos evangélicos
brasileiros. O que se evidencia é uma exegese ultralivre, onde o que importa não é
o que o texto bíblico de fato diz, mas o sentido que se lhe quer dar. As cartas
selecionadas funcionam como uma linguagem codificada e decifrada pelos
evangélicos, enquanto a justiça e a oposição não podem questionar a citação de
textos bíblicos. A título de exemplo, vejamos alguns desses textos:
A porta que Deus abre ninguém fecha, e a que ele fecha ninguém abre.
A porta que Deus abriu para você na política o adversário não pode
fechar. Vai nessa sua força (Apocalipse 3:7)
Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais
emudecer a ignorância dos insensatos (Pedro, 2:15).
por alguns dias. Quando voltou, assumiu um outro tipo de discurso.
114
Além dos mencionados no corpo do texto, reproduzimos os seguintes, que
consideramos expressivos da extensa amostra obtida na pesquisa. Não temas
que o Senhor é contigo. Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas tu
não serás atingido (Salmos 91:7).O justo florescerá como a palmeira, crescerá
como o cedro do Líbano. Os que estão plantados na casa do Senhor florescerão
nos átrios do nosso Deus (Salmos 92:12,13) Adriana Fernandes. Cachambi-MG.
setembro de 2001; Quando leio Neemias, lembro-me de tudo o que está
acontecendo com o senhor, mas eu lhe digo: Vai nessa tua força que o Senhor é
contigo, assim como foi com Gideão, Josué, Neemias, e todos os homens que
serviam ao Senhor com sinceridade. Márcia Célia Andrade. Piraí–RJ. setembro
de 2001; Há um tempo para tudo e um momento sobre o céu para fazer cada
coisa. Há um tempo para nascer, e outro para morrer; há um tempo para
plantar e outro para colher (Eclesiastes, 3:1,2).Elizabeth Rodrigues. Belo
Horizonte-MG. setembro de 2001; Quando os bons alcançam o poder, todos
festejam, mas quando o poder cai nas mãos dos maus, o povo se esconde de
medo (Provérbios 28:12). Daniel Gomes dos Santos. São Gonçalo–RJ. setembro
de 2001; Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor (Salmos 33:12).Antonia Maria
Gomes. Piauí. outubro de 2001; Vocês serão felizes se forem insultados por
serem seguidores de Cristo, porque isso quer dizer que o glorioso espírito de
Deus veio sobre vocês (Pedro, 4:14). Marlene Franco Masolin. Curitiba–PR.
setembro de 2001.
61
Seja forte e corajoso! Não fique desanimado nem tenha medo porque
eu, o Eterno, o seu Deus, estarei com você em qualquer lugar para onde
você for! (Josué, 1:9).
115
Destacam-se também nas cartas outro tipo de citações bíblicas que se
caracterizam por serem falas explícitas nas quais a fronteira entre política e religião
simplesmente não se verifica, como as que se seguem:
Não se preocupe com as perseguições. Ninguém acredita nas coisas que
falam, nestas calúnias contra o irmão. Sabemos que o irmão é uma
pessoa maravilhosa, integra, reta, evangélica segundo o coração de
Deus. Quero que o irmão saiba que jogam pedras em árvores que dão
bons frutos, e o Garotinho tem dado bons frutos materiais e espirituais.
Querido irmão, com relação a sua vida política, não se preocupe, a
semente já está plantada e no tempo certo ela vai germinar. No nome
de Jesus!
Dou graças ao Senhor, nosso pai celestial, por ter colocado tão grande
bênção na vida do seu povo, que é ter um governador evangélico. O
Senhor continuará crescendo nas mãos e no poder de Jesus Cristo.
116
Dois atores foram escolhidos como vilões nesta construção simbólica da
Rádio Melodia 97,3 FM: a mídia e o Partido dos Trabalhadores. Não é difícil definir o
período em que fizemos a pesquisa, como um contexto conturbado em que o
governo do Rio de Janeiro respondia a sérias acusações de improbidade
administrativa. Como já mencionado, a mídia vinha cobrindo sistematicamente os
acontecimentos envolvendo o governador Garotinho, mas no centro dos
acontecimentos, como o maior opositor, estava a bancada do Partido dos
Trabalhadores na Câmara Estadual do Rio de Janeiro.
115
Respectivamente, Marcos José Lino Oliveira. João Pessoa–PB. setembro de
2001; Maria Rodrigues de Sousa. Itaboraí–RJ. outubro de 2001; e Rita de Cássia
Silva Lima. Serra– ES. dezembro de 2001.
116
Respectivamente Marinete C. da Silva. Nova Iguaçu–RJ. outubro de 2001 e
Gisele Brumate. Rio de Janeiro–RJ. dezembro de 2001. E as seguintes: Sou
católica, mas eu e meu marido oramos muito pelo senhor e pelo seu trabalho,
pedindo a Jesus que o abençoe em cada passo e decisão a tomar. Adriana
Fernandes. Cachambi–MG. setembro de 2001; Esteja certo que o pai está
iluminando a sua vida. O Senhor iluminará e determinará o seu futuro político.
Não adianta nada alguns falarem mal, difamarem a sua pessoa. Nada disso
abalará a sua vitória. Jacinta de Sousa Maciel. São João de Meriti–RJ. novembro
de 2001.
62
As cartas que chegaram a Rádio Melodia para o governador Anthony
Garotinho estavam dentro deste contexto de conflito e a edição do programa
assegurava que o conflito não era religioso, mas essencialmente político. Alegava-
se, e isso é importante perceber, que a perseguição política era causada pela
exposição do vínculo religioso. Ou seja, o discurso da Rádio Melodia fez uso do
imaginário que concebe os evangélicos como grupo discriminado pela sociedade.
Vejamos alguns exemplos como se articulam estes discursos.
Gostaríamos de ter aqui em São Paulo um governo que teme a Deus.
Estamos orando para que isso aconteça. Sabemos que o senhor passa
por lutas constantes principalmente por ser evangélico, mas, leia João
4:4: ‘Filhinhos, vós sois de Deus e vencestes, porque aquele que está
em vós é maior do que aquele que está no mundo’
Amado irmão governador Garotinho, confia e espere pois a vitória é
certa em Jesus. Governador, o povo de Deus está ao seu lado, e nada
que os inimigos façam poderá tirar o brilho que Deus colocou em sua
vida Amado irmão governador Garotinho, confia e espere pois a vitória é
certa em Jesus. Governador, o povo de Deus está ao seu lado, e nada
que os inimigos façam poderá tirar o brilho que Deus colocou em sua
vida
117
Outro tipo de retórica do programa A Paz do Senhor de Coração são as
frases curtas, empregadas em todos os programas quando o governador termina a
sua fala com uma rima e incentiva os ouvintes a tentarem o mesmo procedimento.
Enquanto o governador usa os nomes próprios, os ouvintes mandam rimas com um
conteúdo eleitoral, do tipo das que se seguem:
Vá em frente confiante pra se eleger, e como José do Egito, Deus há de
o proteger.
Quando Garotinho veio a Teresina, vimos o quanto tem grande auto-
estima. Deixou o povo contente, por isso o queremos como nosso
presidente
Todo crente inteligente tem Garotinho pra presidente
118
117
Respectivamente Neuzelir M. C. Gonçalves. Mauá–SP. novembro de 2001; e
Ivonete Augusto. Rio de Janeiro-RJ. novembro de 2001. E ainda: Escrevo-lhe
para aliar-me ao grande exército da fé que o Senhor Jesus tem levantado nesse
nosso amado Brasil. Amo a minha pátria de coração. Amo a cidade do Rio de
Janeiro onde nasci. Aprendi a amá-lo também, querido governador pela sua
coragem, pela sua fé verdadeira em Cristo Jesus.Rita de Cássia dos Santos
Pereira. Rio de Janeiro–RJ. outubro de 2001.
118
Marlene Franco Masolin. Curitiba–PR. setembro de 2001; Antonio Maria
Gomes Teresina–Piauí. outubro de 2001; Antônio de Jesus Souza. Campo Lindo
63
Vale conferir ainda as intervenções verbais dos apresentadores do
programa, que constituem declarações representativas do discurso assumido pelo
governador Garotinho e pelo deputado Francisco Silva. Após pesquisa divulgada em
setembro de 2001, que apresentava o candidato Garotinho em segundo lugar na
preferência dos eleitores, o governador declarou no programa A Paz do Senhor do
Coração:
Como eu não posso fazer campanha, pois tenho que governar o Estado
do Rio de Janeiro, o candidato que está em primeiro e o outro que está
empatado comigo em segundo, não têm muito que fazer. Ou seja, eles
não têm que administrar o Estado, eles estão livres. Então, eu gostei
muito dos resultados. Isso é fruto das orações dos nossos irmãos, isso
é fruto da fé dos nossos irmãos. Queremos agradecer muito a vocês que
estão aí orando para que Garotinho seja presidente do Brasil.
119
Logo a seguir o deputado Francisco Silva complementa a fala do
governador:
Todos nós que somos próximos ao senhor, Deus nos dá uma capacidade
de ver as coisas um pouco mais a frente. Então, a gente já vê o senhor
como Presidente da República neste país, e a gente já vê este país
melhorando.
No mesmo programa, um ouvinte faz referencia às constantes perseguições
que o governador Garotinho vinha sofrendo, ao que ele responde:
Se o próprio Jesus foi caluniado, perseguido, morto, crucificado, quanto
mais a gente, pobres mortais cheios de falhas, cheios de erros.
Quando, em outra ocasião, o Horário de Propaganda Eleitoral Gratuita do
Partido dos Trabalhadores fez severas críticas ao governador do Rio de Janeiro,
120
este fez uso do programa radiofônico para defender-se e, mais uma vez,
estabelecer o vínculo entre a política e a religião:
Paulista–SP. setembro de 2001. E ainda: Deus não escolhe os capacitados, ele
capacita os escolhidos.Irany Cabral Bezerra. Sapé-Paraíba. outubro de 2001;
Vou proclamando o evangelho com muito amor e carinho. Vou pedindo a ajuda
de Deus para o irmão Garotinho. Maria Célia Andrade. Piraí–RJ. setembro de
2001; Brasília está grávida. Ela está esperando um Garotinho. deputado
Francisco Silva, novembro de 2001.
119
Governador Anthony Garotinho. Jornal do Brasil setembro de 2001.
120
Caricaturizou-o usando a imagem do personagem vivido por Antônio
Fagundes na novela Porto dos Milagres, o prefeito Félix. O personagem era um
político dissimulado, corrupto e populista.
64
O que mais me entristeceu foi ver a minha irmã em Cristo, e vice-
governadora, Benedita da Silva, participar deste programa. Me deixou
triste, porque ela como serva de Deus não poderia ter participado
daquele conjunto de mentiras que foram lançados contra o Garotinho.
No mesmo contexto, em outro programa, o deputado Francisco Silva,
referindo-se ao governador, disse:
O PT tem ciência de que o grande adversário que ele vai ter para a
Presidência da República vai ser o senhor. Não vai ser o candidato do
Fernando Henrique, não vai ser nenhum outro candidato, Ciro Gomes,
nem nada. Quem vai crescer mesmo é o senhor e vai ser o grande
candidato do PT, e o senhor certamente vai à vitória porque o povo está
do seu lado.
Em suma, a unidade entre os três blocos de citações que apresentamos
reflete a articulação dos três aspectos que, juntos, predominam no discurso político
da Rádio Melodia:
conflito político explicado no contexto de discriminação religiosa;
a celebração da administração do governo do Rio de Janeiro a ponto de se
desejar estende-la por todo o país, através da candidatura à Presidência;
e finalmente, o uso da linguagem religiosa para demarcar posições políticas.
Jornal Folha Universal
O deputado federal do Partido Liberal-PL do Rio de Janeiro, bispo Carlos Rodrigues,
é o articulador político da Igreja Universal Reino de Deus-IURD. Numa publicação
interna ele é apresentado nos seguintes termos:
Bispo Carlos Rodrigues é um dos pioneiros do trabalho da IURD. Ainda
jovem, aos 18 anos, abraçou a fé no Senhor Jesus. Consagrado ao
ministério, implantou a Igreja Universal em vários Estados brasileiros
(...) No exterior, fundou a Igreja na Espanha. Exerceu as funções de
bispo, em Portugal e na África, morando com a sua família em
Moçambique. Implantou emissoras de rádio e televisão em Maputo,
capital de Moçambique. Na condição de articulador político da Igreja,
tem colaborado para a conscientização dos evangélicos quanto à
participação do povo de Deus no futuro da nação. Lutador incansável na
defesa da causa evangélica tem trabalhado junto a vários políticos
evangélicos, conseguindo derrubar leis injustas e preconceituosas. Foi
eleito deputado federal para o mandato 1999/2002.
121
Na seção de política do Folha Universal o deputado figura como principal
ator. Não é o único, mas visivelmente o coordenador e maior liderança. Essa seção
121
RODRIGUES, C. A Igreja e a política.
65
cobre a atuação dos representantes da IURD nas Câmaras municipal, estadual e
federal. Há um certo rodízio entre essas autoridades no que se refere ao espaço no
jornal. Mas o mesmo não ocorre com o deputado bispo Rodrigues, que tem seu
espaço permanente assegurado. Dos vinte números do jornal que monitoramos, ele
apareceu em destaque nessa seção em dezessete números. Portanto, o tratamento
dado ao deputado é diferenciado, a partir do reconhecimento da centralidade da
atuação política do bispo Rodrigues.
A leitura freqüente da seção de política da Folha Universal revela a
existência de um bloco coeso de representação política da Igreja. Foram eleitos
pela estrutura da Igreja e a ela prestam contas dos seus mandatos. Através do
jornal, deixam evidente que são fiéis às diretrizes do grupo religioso e são um bloco
submisso à hierarquia da IURD. Citamos como exemplo desta estrutura
política/eclesiástica a edição de 04 de novembro de 2001. Não há dúvidas de que a
Folha Universal é um órgão oficial da Igreja. A nota que citaremos é editorial:
Mais um traidor. Rio de Janeiro-RJ. Paulo Mello, então pastor da IURD,
foi eleito vereador da cidade do Rio de Janeiro através dos votos dos
membros e obreiros da Igreja Universal da zona oeste. A Igreja e o
povo pensavam que teriam mais um homem de Deus, sincero, correto,
íntegro, como convém a pessoa de Deus e que defenderia as causas do
povo que nele votou, povo este já tão sofrido pelas agruras da região
mais distante do centro da cidade. Pura ilusão. Assim que tomou
posse, afastou-se da bancada evangélica, traiu também o partido ao
qual era filiado, aliou-se a vereador incrédulo. Votou contra o vereador
bispo Jorge Braz, tirando este da liderança que exercia. Tudo bem, até
Jesus teve o seu Judas e não seremos nós, povo de Deus, que não
teremos os nossos. Vamos em frente que o nosso Jesus é maior, o
nosso Deus é justo juiz.
122
Note-se nessa retórica político-religiosa que a Igreja é quem indica
candidatos, os elege através dos votos de seus fiéis e não admite atuações
independentes. Existem orientações políticas que devem pautar a atuação de todos,
bem como comandos setoriais. Pela nota citada acima, é de se supor que os que
não se alinham à política hierárquica da IURD são retirados dos seus quadros —
religioso e político.
66
Os políticos da IURD não se concentram em um só partido, ao contrário,
compõem um quadro suprapartidário e se pretende representar a IURD nas
câmaras possíveis e nas siglas partidárias das mais diversas. Contudo, pelo fato do
bispo Rodrigues estar filiado e ser uma liderança do Partido Liberal (PL), há uma
forte inclinação da Igreja para apoiar esta sigla partidária.
Passemos agora ao discurso político-religioso assumido pelo coordenador
político da IURD e, para tal, vamos acompanhar os vinte editoriais políticos
encontrados na seção de opinião e assinados pelo bispo Rodrigues no jornal Folha
Universal.
A parte da Folha Universal que se destina à seção Opinião é assumida por
bispos que representam a Igreja em áreas específicas, cada um mantém um espaço
permanente. No caso dos editoriais do bispo Rodrigues, ele estabelece a
demarcação política da Igreja, conforme podemos constatar no quadro a seguir:
122
Folha Universal 4 a 10 de novembro de 2001: 5b
67
Tabela 6. Editoriais do bispo Rodrigues no jornal Folha Universal
DATA TÍTULO RESUMO
05.08.2001 Policiais, um barril de
pólvora
Crítica às precárias condições de trabalho dos
policias. Comenta as greves das corporações.
12.08.2001 Fim da imunidade, fim da
impunidade
Desgastes do Congresso com os processos
envolvendo os senadores Jader Barbalho e Antônio
Carlos Magalhães. Pacote ético como agenda
positiva.
19.08.2001 Brasil, o paraíso da
concentração de renda
Analisa o Relatório do Programa das Nações Unidas
para o desenvolvimento (1999). Defende combate à
pobreza através da distribuição de renda.
26.08.2001 Brasil, o paraíso da
concentração de renda (2)
Propostas que tramitam no Congresso para o
combate a pobreza.
02.09.2001 A criação querendo ser igual
ao Criador
Informa que apresentou Projeto de Lei na Câmara
dos Deputados que proíbe experiências de clonagem
de seres humanos.
09.09.2001 Silvio Santos e o seqüestro Comentários sobre seqüestro da filha de Silvio
Santos.
16.09.2001 Não suporto mais Em tom de desabafo fala de violência, desemprego,
pobreza, apagão. Severas críticas ao Governo
Federal.
23.09.2001 Onze mil virgens Comentários sobre o atentado aos EUA no dia 11 de
setembro.
30.09.2001 Guerra Santa Comenta o conflito entre o terrorismo islâmico e os
EUA.
07.10.2001 A vingança da insensatez Preocupação com a reação dos EUA.
14.10.2001 Bispo Edir Macedo não se
filia a nenhum partido
político
Responde aos boatos de que o Bispo Edir Macedo
concorreria à presidência da República. Diz tratar-se
de uma liderança essencialmente espiritual.
21.10.2001 O exército de crianças
suicidas
Ainda sobre o terrorismo islâmico.
28.10.2001 A oração que renova e salva Trata de devoção pessoal.
04.11.2001 Mais um ano perdido Críticas a globalização. Considera os altos índices de
desemprego.
11.11.2001 Noivinha Universal Começa o período de procura dos Partidos pela IURD
para composição de acordos eleitorais. O bispo
desdenha de todos dizendo que a IURD está em
busca de justiça social e não de poder.
25.11.2001 Que fim você deseja? Palavra de teor devocional.
02.12.2001 Corrupção Compara a corrupção do Estado com a corrupção no
futebol.
09.12.2001 A hora da onça beber água Críticas ao governo pelas alterações da CLT
(Consolidação das Leis Trabalhistas).
23.12.2001 Os pobres e a exploração
sexual no Brasil
Critica a declaração do Governo Federal de que
houve redução da pobreza no Brasil.
30.12.2001 Sobreviver ou viver? A
escolha é sua
Reflexão devocional.
Fonte: Folha Universal, 2001
68
A leitura dos editoriais do deputado sugere similaridades com o discurso dos
partidos de esquerda. Verificam-se muitas críticas ao governo de Fernando
Henrique Cardoso, discutem-se temas variados da política nacional e internacional.
Os destaques do coordenador político da IURD, no órgão oficial da Igreja, buscam
justificar a atuação dos seus parlamentares.
A pergunta que fizemos ao acompanharmos os editoriais do deputado Bispo
Rodrigues, e o conseqüente desempenho parlamentar da bancada da IURD, é como
classificar a posição deste grupo em termos políticos. A jornalista Angélica Santa
Cruz deu o título de A nova esquerda à entrevista que realizou com o deputado
bispo Rodrigues. Na tentativa de conjugar termos teóricos utilizados pela esquerda
com termos religiosos utilizados pela IURD, ela pergunta se a IURD anda as voltas
com uma revisão histórica. Mostrando-se atenta aos editoriais escritos pelo bispo,
a jornalista comenta que os veículos de comunicação controlados pela instituição
parecem tomados por algum tipo de possessão progressista. E, ainda, diz que os
editoriais da Folha Universal poderiam ter sido escritos por um integrante do PSTU.
Não afirma em momento algum que a força política representada pela IURD tende à
esquerda, mas identifica a retórica progressista do deputado e busca entender seu
alcance.
123
Porém nem o desempenho parlamentar, nem os veículos de comunicação da
Igreja permitem definir o perfil político-ideológico do grupo. A justificação da
participação política da IURD, a ponto de desenvolver uma estrutura para este fim,
é dada por dois fatores básicos: um de caráter protecionista e outro de caráter
ético. As questões pragmáticas do grupo religioso se sobrepõem à fidelidade de
caráter ideológico. O político serve aos interesses religiosos.
Propaga-se a idéia de sectarismo. O avanço da Igreja esbarraria nos
interesses de muitos, daí a necessidade de eleger representantes para proteger a
123
CRUZ, A. S. Revista eletrônica NO. ( www.no.com.br) 10.10.2000
69
IURD de eventuais opositores. Um bom exemplo da exploração da imagem de
Igreja perseguida é a foto da coluna permanente de outro bispo, Edir Macedo,
lendo a Bíblia atrás das grades, por ocasião de sua prisão preventiva de 12 dias no
ano de 1992.
124
Como justificativa do desenvolvimento de uma mídia própria, os bispos da
IURD comentam através de suas colunas as referências que a mídia secular faz à
Igreja, na qual não percebem boa vontade das empresas de comunicação para a
causa e os métodos da IURD. O mesmo discurso protecionista serve para a política.
Afirmam que se não estabelecerem uma estrutura política sólida, serão perseguidos
e prejudicados pelo Estado brasileiro, que segundo eles, permanece sujeito a Igreja
Católica. Essa postura de igreja perseguida é fundamental na definição da
estratégia de defesa no campo político: dispersão partidária, candidatos oficiais que
prestam contas de seus mandatos, preferência por mandatos no legislativo,
votação em bloco, poder de barganha política na relação com o executivo e
estratégias eleitorais definidas. A retórica política da IURD, num primeiro momento,
justifica a sua participação apontando para os perigos que a rondam. Em outras
palavras, a política é posta sob os interesses da Igreja. Para que a missão da
Igreja seja cumprida a contento, necessário se faz uma espécie de cordão de
contenção social.
Outro aspecto verificável na retórica da IURD para justificar sua participação
política é encontrado no campo ético. Na verdade, este ponto não é exclusivo da
IURD, pois outros evangélicos se servem deste aspecto para pleitear mandatos
políticos. E qualquer estudo sobre retórica política brasileira levará a conclusão de
que este tipo de discurso é amplamente utilizado mesmo por aqueles que não
reivindicam representação religiosa. A defesa pela ética na política e na sociedade
como um todo é amplamente explorada, e esse tipo de discurso está também na
124
FRESTON, P. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao
Inpeachment: 154.
70
agenda dos políticos que têm um certo alinhamento com a Igreja Católica.
125
Portanto, a justificação da participação da IURD na política partidária passa pela
defesa dos valores que a Igreja julga precisar preservar, por isso convoca os fiéis
para um tipo de cruzada visando ao estabelecimento de uma moralidade típica das
Igrejas neopentecostais.
126
A singularidade da IURD em relação as outras igrejas evangélicas não é
propriamente eclesiástica, litúrgica ou teológica. Mantém sim inovações nestes
áreas, mas nada que a torne radicalmente diferente. A IURD tem como
singularidade o desenvolvimento da sua estrutura empresarial. Acreditam que o
grupo de empresas da IURD é necessário para oferecer a estrutura necessária para
que a Igreja se expanda e cumpra os seus ideais religiosos. Mantém uma estrutura
muito parecida com a Igreja Católica: hierárquica, um bispo sobre todos os demais,
setor financeiro profissionalizado, distinção da área teológica da área estrutural,
plano de carreira para a liderança. A IURD tem sob sua administração um quadro
de pastores e bispos e também um quadro de funcionários de diversos escalões.
Portanto, a tentativa de compreender a IURD deve considerar a sua administração
hierárquica.
Observamos nos editoriais do deputado Rodrigues a sua clara posição a
respeito da subordinação ao líder maior da IURD, bispo Edir Macedo. Os
pronunciamentos políticos da igreja são feitos pelo deputado Rodrigues, mas isso
não quer dizer que as demarcações políticas e as decisões importantes sejam
tomadas por ele. Uma leitura apressada do jornal pode levar a pensar que o bispo
125
Ver, AZEVEDO, T. A religião civil brasileira: 43-52. Não se pode desprezar
o fato que mesmo com o crescimento dos evangélicos na sociedade, e na
política em particular, o Brasil é um país predominantemente católico. Se existe
uma moralidade dos evangélicos na arena política, ela só prevalece na
proporção em que for concordante com a moralidade católica.
126
Sobre os neopentecostais, sua história e sua teologia, sua cosmologia e sua
ética, o trabalho do sociólogo Ricardo Mariano é uma entre as referências
importantes. MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo
no Brasil.
71
Edir Macedo se restringe às questões doutrinárias e eclesiásticas enquanto os
outros bispos assumem áreas específicas da Igreja e das empresas do grupo IURD.
Segundo o próprio deputado bispo Rodrigues, o bispo Edir Macedo é o líder
máximo da igreja e acompanha e coordena tudo de perto. A estrutura da IURD é
hierárquica e o bispo Edir Macedo está no topo da hierarquia espiritual e da
estrutura empresarial que a ela pertence.
Todos os amados irmãos não têm idéia da responsabilidade e do total
empenho com que o Bispo Edir Macedo coordena todas as atividades
referentes à Igreja Universal do Reino de Deus, todas as rádios ligadas à
Igreja, a TV Record e todas as televisões afiliadas.
A igreja Universal está presente em cerca de 77 (setenta e sete) países
e atualmente possui milhares e milhares de membros que seguem a
doutrina bíblica desenvolvida sob total coordenação do Bispo Edir
Macedo.
O Bispo Edir Macedo orienta, pessoalmente, todos os bispos e pastores
que atuam na orientação espiritual de todos os membros da Igreja
Universal. Com todas estas responsabilidades, a missão que Deus
determinou ao Bispo Edir Macedo foi espiritual e não política.
127
Importa perceber que o bispo Rodrigues restringe sua atividade política à
filiação partidária e ao mandato, já o bispo Macedo coordena tudo de perto,
inclusive os rumos políticos da igreja, mas isso não é uma missão política e sim
espiritual. Esta questão aparentemente obscura pode ser esclarecida pela leitura de
Max Weber quando considera, em um contexto social bem diferente do que
estamos analisando, empresários que mantinham uma ativa e decisiva participação
política sem ocuparem cargos públicos e às vezes sem serem reconhecidos como
importantes atores políticos. Weber observou que estes empresários mantinham
sob o seu comando e coordenação pessoas detentoras de mandatos. Então, estes
políticos profissionais não tinham um mandato por uma questão de estratégia,
contudo, possuíam um tipo de poder que lhes dava condições de reunir ao seu
redor detentores de mandatos políticos que lhes eram fiéis. Evidencia-se nessa
127
RODRIGUES, BISPO C. Folha Universal 14.10.01: 4
72
prática a fragilidade partidária em detrimento da liderança personalista que faz da
política um investimento calculado.
128
Concluímos que o bispo Carlos Rodrigues é sim coordenador político da
IURD, mas o seu trabalho não é independente. Existe um colegiado de bispos
coordenados pelo bispo Edir Macedo. Neste foro as estratégias políticas são
traçadas, a retórica é definida. A liderança absoluta e incontestável, inclusive
política, pertence ao bispo Edir Macedo. Daí a nossa conclusão de que a figura
traçada por Max Weber do político que se mantém na penumbra, por questões
estratégicas, aplica-se ao bispo Edir Macedo.
Citamos, por fim, ainda uma vez o deputado bispo Rodrigues, em editorial
no qual avalia a procura do apoio da IURD pelos partidos, vez que as eleições de
2002 se aproximavam:
Nós, membros da Igreja Universal do Reino de Deus, do obreiro mais
humilde ao bispo da hierarquia mais elevada, seguimos a orientação de
nosso irmão e pastor, o bispo Edir Macedo, que sempre prega a
igualdade de todos perante a Deus.
129
Encantamento da política ou secularização da religião?
O que contemplamos na participação política das empresas de comunicação não
caracteriza que há um encantamento da política, nem que o Estado sofra ameaças
de caráter confessional. Nas últimas duas décadas, a crescente participação
política baseada na legitimação evangélica será um indicativo do processo de
secularização por que passa esse grupo religioso?
As rádios Melodia 97,3 e El Shadai 93,3 e o jornal Folha Universal trabalham
com linguagem evangélica, possuem estrutura administrativa que mistura
legitimação carismática, legal e tradicional e são empresas que se dirigem às
igrejas que eventualmente se posicionam em nome de todo o grupo. Essas
empresas obedecem às leis do mercado comercial, competem entre si e com outras
128
WEBER, M. A psicologia social das religiões mundiais: 130
129
RODRIGUES, BISPO C. Folha Universal 11.11.01: 4a
73
empresas do mesmo ramo, são, basicamente, grupos que têm por fim o lucro
financeiro e funcionam dentro de uma estrutura administrativa racionalizada.
Não há como negar que a lei que vigora para estes grupos de comunicação é
a lei do mercado capitalista — e não a lei do evangelho calcada na solidariedade e
na igualdade. A lógica que funciona é a da mais valia. Confundem-se objetivos
religiosos com objetivos comerciais, interesses de igrejas com interesses pessoais.
Assim tratar da secularização das Igrejas evangélicas tomando por base o
complexo empresarial que se forma ao seu redor nos remete para o campo dos
valores. A discussão visa encontrar o lugar adequado para a igreja. Existe a
opinião de que a empresa religiosa é distinta da empresa comercial e, quando o
empenho é pela promoção de estruturas que não são definidas como
essencialmente religiosas, então a Igreja está passando por um processo de
secularização.
Esta posição tanto pode vir de dentro da igreja como de fora. Busca-se
contê-la afirmando que o seu reino não é deste mundo. Mas isso é o mesmo que
afirmar as delimitações dos campos político, comercial, religioso. Em síntese, a
discussão vai para o campo dos valores.
Ao constatarmos que as empresas de comunicação pesquisadas estão entre
o púlpito e o palanque e, ao lermos o primeiro capítulo desta dissertação, podemos
inferir que há hoje no Brasil um diálogo entre igrejas evangélicas e política no
espaço de uma sociedade incontestavelmente secularizada. Existem valores
religiosos que exercem influências na ordem econômica e social, mas em absoluto,
não há qualquer manifestação religiosa que hoje represente ameaça ao Estado na
sua conformação laica. Em suma, não há encantamento da política. E se
considerarmos que a Igreja se insere sempre em um dado contexto social, que
exerce influência e por ela é influenciado, não há secularização da igreja causada
por esse envolvimento.
74
Temos o exemplo da Igreja Católica, que possui organização hierárquica e
uma estrutura financeira e administrativa com sede em Roma. Comunica-se através
dos púlpitos e também através de emissoras de rádio e TV. Tem no atual Papa um
hábil usuário da mídia e dispõe de instituições de ensino respeitáveis. Participa,
enfim, de uma economia de mercado. Com tudo isso, dizer que a Igreja Católica
está secularizada, voltada para interesses que não fazem parte de sua missão, é
uma opinião que leva o debate para o campo ético. Exatamente o mesmo ocorre
com as igrejas evangélicas.
Defendemos a idéia de que hoje a sociedade brasileira debate sobre os
evangélicos na política no conflito dos valores éticos. Ou seja, não se trata de
encantamento da política ou de secularização da religião. Trata-se sim da
discussão se é ou não legítimo o desenvolvimento empresarial voltado para o
mercado evangélico, se é ou não legítimo que esses empresários da mídia
evangélica disputem cargos públicos, se é legítimo ou não que um igreja apoie um
candidato e depois solicite concessões de rádio e TV, enfim, discute-se o que uma
igreja pode e deve e o que não pode nem deve fazer.
Esse debate está na grande imprensa, nas próprias igrejas evangélicas e,
conforme citado na referência bibliográfica desta dissertação, bem presente na
academia.
Percebemos ao longo da dissertação que não há objetivos políticos comuns a
estas empresas citadas. Elas são independentes comercialmente e formulam uma
linguagem própria. Não é possível falar em programa de governo compartilhado
por todo o bloco. Parece-nos coerente admitir que nem em termos religiosos se
encontram. Consideramos como o único ponto comum a dita ética cristã, que não
é formulada a partir da filosofia nem da teologia, mas se fundamenta em modos e
costumes. Isto é, justifica-se a participação política pondo-se como guardiões de
valores que são compartilhados por todo o grupo.
75
Constatamos neste capítulo a diversidade de discursos que circulam a fim de
conferir sentido à relação entre os evangélicos e a política. Procuraremos no
próximo capítulo entender como as retóricas dessas empresas são recepcionadas.
76
Capítulo 4
Observações sobre a diversidade na recepção dos discursos
Assim como existem muitas fontes de onde provêm os discursos que buscam
orientar a participação política dos evangélicos, existem muitos ambientes onde
estas mensagens são ouvidas, discutidas e pessoalmente assimiladas. Assim como
há apelos que são atendidos, há outros que são desprezados. Neste capítulo
procuraremos refletir sobre a diversidade das mensagens enviadas aos evangélicos
e a produção de resultados distintos. Sem pretender fazer um estudo de
recepção
130
, apoiar-nos-emos sobre dois conceitos relevantes sobre a interpretação
do processo comunicativo: polifonia e hermenêutica de profundidade. E por fim,
introduziremos a questão eleitoral propriamente dita como ângulo que confirma a
diversidade dos evangélicos.
Polifonia
Segundo esta concepção teórica,
131
a análise de discurso não deve reter-se apenas
ao texto em si. A linguagem ouvida e decodificada precisa ser considerada na
relação com a sociedade, com a história, com os outros discursos que circulam num
amplo contexto.
132
A polifonia é entendida como o diálogo entre muitas vozes.
Trata-se de um texto, ou discurso que reconhece os muitos diálogos que o compõe,
assumindo um tom conciliador ou se revelando polêmico, construído nos embates.
A diferença marcante entre um texto polifônico e um monofônico, é que no primeiro
130
Sobre recepção da mídia evangélica foi realizado trabalho detalhado por
FONSECA, Alexandre Brasil. Evangélicos e mídia no Brasil. A pesquisa de
Fonseca incluiu aplicação de survey entre 935 evangélicos de 24 denominações
da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
131
Para o entendimento do conceito de polifonia nos baseamos nos sete
ensaios produzidos por lingüistas que buscaram discutir o trabalho do lingüista
russo Mikhail Bakhtin. Em síntese, todo discurso mantém relações que precisam
ser consideradas. É o que buscamos neste trabalho. BAKHTIN, M. Questões de
literatura e estética. Teoria do romance.
132
Idem.
77
as vozes se mostram, enquanto no segundo permanecem ocultas. Reconhece-se
nestas relações dialógicas a presença de muitas vozes sociais.
133
Verificamos que a retórica política das empresas de comunicação
pesquisadas percorre desde o discurso que valoriza o sentido de minoria religiosa
perseguida, até a triunfalismo de grupo que surpreende pelo grande crescimento
numérico. A retórica política do governador Garotinho pelo programa A Paz do
Senhor de Coração, visivelmente, refere-se ao noticiário da mídia secular.
Verificam-se os sentidos variados dados aos mesmos fatos. Quem recebe as
informações e as interpretações dos fatos religiosos e políticos passa a exercer um
complexo de relações dialógicas.
Segundo Blikstein,
134
qualquer discurso revela a idéia de relação, evoca a
existência de outros discursos, é construído sobre discursos, é elaborado para
confirmar ou negar as vozes dos interlocutores. Então, o discurso é composto por
muitas vozes que se cruzam. O que surge para ser dito é uma resposta e, depois
de expresso, vai gerar novas respostas. Com isso não estamos sugerindo que há
apenas duas fontes de discursos ou dois interlocutores. A polifonia deve ser
entendida como as muitas vozes discursivas expressando-se simultaneamente.
Se compararmos as retóricas da mídia evangélica, perceberemos que seus
interesses políticos não elaboram uma unidade. O que ocorre são interesses de
grupos empresariais ou denominacionais. Pensar em unidade dos evangélicos para
fins políticos não é possível tendo como parâmetro a análise do discurso.
Existe no contexto pesquisado muitas vozes expressando-se
simultaneamente. O conteúdo da mensagem é diferente, bem como os meios pelos
quais circula. Como mensurar resultados eleitorais a partir dos votos dos
133
BARROS & FIORIN. Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de
Bakhtin:6.
134
BLIKSTEIN, I. Intertextualidade e polifonia: o discurso do plano ‘Brasil
Novo’:45.
78
evangélicos sem levar em conta a diversidade empresarial, de grupos partidários,
de grupos denominacionais, de igreja local e de situações de ordem pessoal?
O conceito de dialogismo serve para ressaltar que o discurso não está
referido em si mesmo, sugere relações, responde a outras vozes, refere-se ao que
já foi dito. Para Fiorin, o discurso não se constrói sobre o mesmo, mas se elabora
em vista do outro. Neste sentido, para que o discurso seja entendido, é preciso
analisar o eu e o tu. Analisar os discursos é também deter-se nas interações
sociais que ele promove e das quais é resultado.
135
Parece-nos que o discurso verificável na mídia evangélica evoca
descontentamento com a relação entre Estado e Igreja Católica. Neste discurso
ficam caracterizadas as desigualdades sociais dos grupos religiosos. Um exemplo
disto são os feriados nacionais e estaduais que têm relação apenas com a prática
religiosa da Igreja Católica. Reclama-se do calendário nacional e de diversos
vínculos ainda mantidos. Os discursos políticos dos evangélicos são perpassados
pelo sentido de minoria inexpressiva eleitoralmente que finalmente alcança
potencial para representar-se. De acordo com a fala política destas empresas de
comunicação, há hoje no Brasil a oportunidade de equilíbrio de poderes com a
Igreja majoritária. Ouvindo as rádios evangélicas ou lendo seus jornais,
percebemos que o discurso de oferecimento de representação política se articula
em vista do outro. A mídia evangélica mantém uma relação dialógica com a
sociedade brasileira, reclama como esta a trata e se refere com freqüência à Igreja
Católica.
Percebemos que estamos diante de uma verdadeira polifonia devido aos
discursos atravessados e dos muitos interesses que se chocam. Podemos comparar
as retóricas das empresas. Podemos traçar paralelos entre o que diz uma empresa
e o que dizem grupos denominacionais. Temos a opção de comparar as tensões
135
FIORIN, L. Polifonia textual e discursiva:29.
79
políticas entre igrejas evangélicas e Igreja Católica. Como fizemos nos capítulos
anteriores, podemos contrapor mídia secular à mídia evangélica. Enfim, os
discursos, que podem ser verificados como discursos de evangélicos com interesses
políticos estão localizados socialmente.
O que verificamos através da pesquisa da mídia secular no capítulo anterior
é que se critica a crescente participação política das igrejas evangélicas. A
insatisfação é baseada na premissa de que o Estado é laico e de que política e
religião são coisas distintas. As manifestações políticas dos evangélicos repercutem
como ações que fazem lembrar voto de cabresto.
O referencial teórico que estamos usando nesta seção leva-nos a procurar
identificar o contexto no qual estas mensagens político-religiosas chegam e como
são debatidas pela sociedade. Ou seja, precisamos ter contato com o texto do
discurso, bem como com o contexto social no qual se insere.
Historicamente o protestantismo construiu seu discurso numa relação
dialógica com o catolicismo. Através deste diálogo buscou justificar suas práticas e
fundamentar sua teologia. O estudo histórico que busque compreender o
desenvolvimento do protestantismo necessariamente contemplará seus
interlocutores sociais, e neste caso, os católicos obterão uma posição de destaque.
Ao pesquisarmos a retórica dos evangélicos na política brasileira,
entendemos que só é possível fazê-lo reconhecendo seu principal interlocutor: o
catolicismo. Quando supomos este diálogo entre igrejas, não queremos falar
propriamente de posições oficiais da Igreja Católica. Nossa referência se baseia na
cultura brasileira, reconhecidamente identificada com o catolicismo. Pois é nesta
cultura luso-católica que repercutem os discursos evangélicos.
Sobre a relação da Igreja Católica com a política brasileira, Thales de
Azevedo desenvolve o conceito de religião civil. Discute o uso da religião para fins
políticos e defende que o objetivo principal da religião civil é promover os interesses
do Estado. A ética que vigora nesta relação entre religião e Estado não é
80
propriamente uma ética extraída dos livros sagrados, baseada na crença que
objetiva alcançar favores de uma divindade. A religião civil tem como parâmetro
ético a racionalidade política, a ética que privilegia o aspecto prático e pragmático
do Estado.
136
Segundo o autor, há exemplos históricos de sociedades que souberam
praticar a religião civil. Nelas, os símbolos religiosos, a linguagem, o fervor, a
concepção do bem e do mal e os atos heróico são deslocados para os interesses
pragmáticos da política. Nesses casos não se verifica a separação do Estado da
religião, mas se percebe que a religião é utilizada para legitimar o Estado.
137
Sobre
a religião civil brasileira, afirma:
A questão da vigência de uma religião civil brasileira deve-se colocar na
perspectiva de dois dados históricos: o primeiro, a próxima relação
entre Igreja e Estado mantida no país, desde a descoberta e o início da
colonização; segundo, o fato de que toda a cultura no Brasil foi
fortemente influenciada pelo catolicismo e, ainda hoje, sem embargo
das reservas que possam fazer ao caráter da religiosidade e das
mudanças que operam sobre o antigo quadro de homogeneidade
religiosa e de hegemonia do catolicismo, o Brasil continua um país
católico.
138
Os vínculos entre Estado brasileiro e Igreja Católica são concretos e amplos
desde os primórdios coloniais, passando pela formação do Império e presentes na
feitura das Constituições nacionais. É fato histórico que na formação do Estado
brasileiro o catolicismo era a religião oficial.
Observando hoje a retórica política dos evangélicos, motivada pelo
crescimento numérico das últimas três décadas, há um discurso que reivindica do
Estado tratamento igual ao dado à Igreja Católica. Muitas campanhas eleitorais são
feitas pela mídia evangélica usando esta noção de grupo religioso minoritário que
precisa de representantes nas Câmaras. Nestes casos, o fato de ser evangélico é
usado como plataforma política em si.
136
AZEVEDO, T. A religião civil brasileira; um instrumento político:8.
137
Idem:33-42.
138
Idem:43.
81
Mesmo quando o Estado brasileiro foi declarado constitucionalmente laico, o
catolicismo continuou como referência religiosa. Nunca deixou de ser fundamental
como canal de comunicação entre autoridades políticas e o povo. Tratando
especificamente sobre a instrumentalização da religião com objetivos políticos,
Thales de Azevedo diz que a retórica política brasileira tem na sua história uma
estreita ligação com o imaginário religioso de orientação católica. Trata-se de
discursos de legitimação. Essas exteriorizações religiosas podem ser tidas como
expressões pessoais de políticos crédulos ou como mera instrumentalização do
religioso com outros fins.
139
Com base na pesquisa que realizamos, é possível afirmar que a retórica
política dos evangélicos traz em si símbolos que não compõem a tradição da
cultura brasileira, trata-se de uma linguagem que não é tão fluida como a
linguagem com que se expressam os políticos católicos. Na grande imprensa, o uso
da linguagem religiosa de orientação evangélica está mais para instrumentalização
da religião para fins políticos, do que expressão de pessoas crédulas que se
propõem a participar da vida pública sem renunciar a sua linguagem peculiar.
O debate que considera a participação política dos evangélicos se
fundamenta também nas teorias políticas, mas tem por base a cultura brasileira.
Ou seja, discute-se a retórica dos evangélicos tendo como parâmetro a formação
católica. E isso não ocorre de forma tão explicita.
Importa perguntarmos o que há de novo na relação religião e política no
Brasil. Legitimação política através de expressões religiosas não chega a ser fato
novo. Retórica que utiliza o texto bíblico para fundamentar a representação
política, também não é algo que possa ser tido como algo inovador no Brasil.
Instrumentalizar a religião para objetivos políticos através do uso de símbolos que
139
Idem.:88-89.
82
criam identidade também não é novo. A novidade fica por conta do ator político em
questão: os evangélicos.
Isso não quer dizer que os evangélicos estiveram longe da política e só
agora nas últimas décadas tenham despertado para a vida pública. Estamos
tratando de visibilidade na política, uma vez que em outros momentos da história
republicana brasileira as igrejas evangélicas se fizeram representar.
Atualmente, os evangélicos na política representam novas linguagens e
novos símbolos que ameaçam paradigmas culturais e políticos. Conforme vimos no
primeiro capítulo deste trabalho, teorias políticas foram elaboradas para discutir
relações entre a política e a religião e o que hoje vemos não consiste em uma
reintrodução da religião no espaço da política, a novidade fica por conta do ator
político em questão.
Discutir a relação entre política e religião é deparar-se com a concepção de
estabelecimento de campos. O político como lócus da razão, da ordem pública e o
religioso como lócus do simbólico, da ordem da vida privada. Só que, na prática,
observam-se a inserção do religioso na política e a da política no religioso. É difícil
precisar as demarcações destes espaços.
140
Veja-se, por exemplo, a teologia da
libertação.
Umas das respostas que durante, desde os anos 60 e particularmente nos
anos 70 no Brasil, a Igreja Católica deu ao contexto político repressivo foi sua
aproximação do povo para libertá-lo do jugo social e econômico do qual era cativo.
Nesta busca por justiça social e cidadania, a Bíblia foi contextualizada para
entender o presente. Foram organizadas as Comunidades Eclesiais de Base.
Mesmo que a resposta popular não tenha sido a princípio a esperada, é notável a
significativa formação de quadros que vieram a desempenhar importante papel na
sociedade brasileira: formação de sindicatos, liderança de minorias organizadas,
140
NOVAES, R. O Brasil será um país evangélico?:1
83
fundamentais na formação do Partido dos Trabalhadores, dentre outros resultados
políticos.
141
Muito foi dito sobre o quanto uma expressão religiosa como a teologia
da libertação teve e tem grandes repercussões políticas.
Outro segmento da Igreja Católica que tem provocado repercussões na
sociedade brasileira é o Movimento Carismático. Trata-se de um movimento
midiático e de forte adesão popular. Esta expressão religiosa parece tocar no tema
política com mais cuidado, quase que a afirmar que não pretende agir nesta área.
Profere mensagens simples que são ratificadas por coreografias e músicas sacras
populares. No entanto, o movimento carismático traz consigo vigorosas propostas
de rearranjos eclesiásticos e políticos, pois insere a Igreja na disputa pela adesão
popular. Pelos resultados que obtém, visibilidade na mídia e multidões nas missas,
pauta um novo modelo de ser igreja. Regina Novaes sugere que o Movimento
Carismático prioriza na sua mensagem o indivíduo — libertação interior — enquanto
que as CEB’s priorizam as estruturas — libertação política.
142
Quanto a recente participação política dos evangélicos, nas décadas de 50 e
60 havia preocupação com o obstáculo representado pelas igrejas evangélicas, com
a sua pretensa recusa da política e conseqüente caráter alienante das massas. Na
década de 90 a preocupação se deu por conta da efetiva participação política e
social dos pentecostais. O crescimento numérico dos pentecostais ocorreu
simultâneo a sua inserção social e política.
143
Assim como a sociedade brasileira estranha por vezes o discurso e as
práticas políticas dos evangélicos, que estão subdivididos em diversos grupos
denominacionais, também estranham alguns discursos que a eles são dirigidos. São
muitas as expressões religiosas denominadas evangélicas e não se ignoram as
141
Particularmente sobre a influência da Igreja Católica sobre o Partido dos
Trabalhadores, ver a tese de doutorado de SARTI, I. Representação e a questão
democrática contemporânea. O mal estar dos partidos socialistas.
142
NOVAES, R. O Brasil será um país evangélico?:8-12.
143
Idem:18-20.
84
diferenças na emissão e na recepção dos discursos. No entanto, este complexo
grupo afirma sua identidade quando comparado à Igreja Católica. Isto é o mesmo
que dizer que os evangélicos estão caracterizados como os cristãos que estão fora
do alcance do mando da hierarquia da Igreja Católica. Deparam-se com a sua
própria identidade por uma atitude de negação. Sabem o que não são.
Voltamos a afirmar que a retórica dos evangélicos identificada na mídia
dirigida a esse público dificilmente será voz única. Até porque as empresas de
comunicação competem entre si, possuem vínculos políticos distintos e têm suas
preferências quanto aos líderes denominacionais. Assim como cada empresa possui
suas referências religiosas e políticas, os leitores, espectadores e ouvintes, desta
mídia chamada evangélica também as possui. A relação é tensa por vezes,
dialógica sempre.
Hermenêutica de profundidade
Interessado na interpretação das formas simbólicas, Thompson reconhece a
complexidade de tal tarefa. Propõe, para tanto, um procedimento metodológico que
chama de hermenêutica de profundidade. As formas simbólicas estão inseridas
num contexto social e possuem características internas específicas. Thompson está
diretamente interessado em estabelecer um instrumental teórico que possa dar
condições de leituras interpretativas da ideologia e da comunicação de massa.
Esquematicamente se refere a três fases no que chama de referencial metodológico
da hermenêutica de profundidade. A primeira fase é a análise sócio-histórica, a
segunda é a análise formal ou discursiva, e a terceira fase é a interpretação ou a
re-interpretação.
144
Este instrumental teórico é pertinente para a pesquisa da retórica política de
empresas de comunicação destinadas ao público das igrejas evangélicas. Quando
nos ocupamos da diversidade de recepção das mensagens veiculadas, pensamos
85
nestas fases descritas por Thompson. No caso da nossa pesquisa, estamos
considerando o contexto socio-histórico em que retóricas político-religiosas se
constróem. O trabalho de Thales de Azevedo considera as estreitas relações
mantidas pelo Estado brasileiro com a expressão religiosa orientada pela Igreja
Católica. Aborda o quanto a cultura brasileira se confunde com elaborações
simbólicas dessa matriz religiosa e o quanto o discurso político reflete isso.
145
Ao nos concentrarmos na segunda fase – Discursiva – para análise da
retórica política em torno dos evangélicos, pensamos de imediato num conceito da
semiótica: polifonia. Isto porque, conforme expusemos, são muitas as falas, são
muitas as construções simbólicas, são muitos os meios de comunicação, são muitos
os interesses - econômicos, políticos, religiosos - são muitos os estilos discursivos,
são muitas as denominações, enfim, há elementos suficientes para afirmamos que
hoje o que ocorre em termos de participação política das igrejas evangélicas no
Brasil não é tão simples como às vezes fazem parecer acadêmicos e jornalistas.
Existe uma distinção que precisa ser feita. Os discursos de teor político que
surgem dos púlpitos das igrejas e os discursos que circulam pelos meios de
comunicação são diferentes. Imaginar que estas duas fontes geradoras de sentidos
políticos para os evangélicos sempre se complementam e vão na mesma direção é
incorrer no erro. Por certo as empresas de comunicação que analisamos no
capítulo três conhecem o seu potencial religioso e político, sem desconhecer suas
limitações. Leitores, ouvintes e telespectadores são sobre tudo membros de uma
determinada igreja, que por sua vez possui liderança espiritual, que mantém laços
denominacionais com outras comunidades. Se existem acordos religiosos que
redundam em representação política, por outro lado existem desacordos políticos
que causam tensões religiosas.
144
THOMPSON, J.B. Ideologia e cultura moderna: teoria social critica na era dos
meios de comunicação de massa:356-365.
145
AZEVEDO, T. A religião civil brasileira; um instrumento político.
86
A construção simbólica pelas empresas em questão e a linguagem usual
estão longe de serem unívocas, e o motivo é óbvio: o público alvo é pulverizado.
A terceira fase do referêncial metodológico da hermenêutica de profundidade
é a interpretação e re-interpretação. A recepção das mensagens que circulam
através da mídia evangélica ganha interpretações diferenciadas, ou seja, a mídia
evangélica produz e faz circular formas simbólicas, constrói uma mensagem
referida na autoridade da Bíblia e essas vozes são ouvidas com recepções diversas.
Quando tratamos dos interesses políticos das empresas de comunicação,
reconhecemos seu grande poder de convencimento e estabelecimento de vínculos
com seu público, mas não desprezamos o potencial interpretativo deste mesmo
público. Se existem convergências, também existem divergências.
Submetendo o objeto desta pesquisa ao enfoque tríplice proposto por
Thompson,
146
ressaltamos que as mensagens são recebidas por um amplo contexto
social onde não se desprezam as categorias gênero, classe, idade, grau de
instrução e localização geográfica. O termo evangélicos incluiu milhares de pessoas
em posições sociais distintas, que têm outras identidades além de serem
evangélicos. Ou seja, as recepções das retóricas políticas são muitas pois o público
é constituído de pessoas que têm dupla pertença: evangélico-operário, evangélico-
empresário, evangélico-sindicalista, evangélico-universitário, evangélico-rural e
evangélico-urbano.
Esse segmento religioso tem feito uso sistemático da mídia. Tanto a mídia
como a religião são reconhecidamente fontes doadoras de sentido para a vida.
147
No entanto, não há como conceber que os receptores dessa programação
pentecostal mediada são passivos e acríticos. Não existem apenas um contexto de
146
THOMPSON, J.B. Ideologia e cultura moderna: teoria social critica na era dos
meios de comunicação de massa: 392.
147
NOVAES, R. O Brasil será um país evangélico?:22.
87
recepção, uma instituição com poder de conferir sentido à vida e uma religião
comunicando.
O que fica claro na nossa pesquisa é que num primeiro momento os
evangélicos são tidos como alienados, que minoram o sofrer através das
compensações espirituais, e num outro momento, são considerados como
manipulados por aqueles que detêm o monopólio da comunicação. Seja de uma
forma ou de outra, busca-se desqualificar o desempenho político que é motivado
pelo pertencimento religioso. Sobre isso, Regina Novaes se referiu da seguinte
forma:
O movimento nunca é de mão única. A mídia não uniformiza a
sociedade, apagando as diferenças ente as pessoas com experiências e
identidades diversas. Ninguém ouve emissões de rádio, ou assiste a
programas de televisão, como se fosse uma folha de papel em branco.
A idéia de uma mídia toda poderosa traz consigo a preconceituosa
pressuposição de que os espaços populares são vazios de relações
sociais e totalmente predispostos à manipulação. Os receptores das
mensagens fazem escolhas e interpretam o que vêem a partir de sua
própria posição de classe, trajetória de vida, experiência religiosa e
necessidades do momento.
148
Embora nos pareça plausível estas ponderações, ocorre-nos indagar se os
resultados eleitorais não dizem o contrário do que acima foi posto. Isto porque,
nota-se uma crescente participação política de detentores de mandatos, que foram
eleitos pelos chamados votos evangélicos. Camadas da sociedade brasileira se
assustam a cada eleição com o aumento do tamanho da chamada bancada
evangélica. E assim tem sido desde então, a cada formação das Câmaras, contam
os evangélicos eleitos e perguntam o que isso representa.
149
Uma coisa é elaborar uma lista de parlamentares que se definem como
evangélicos, outra bem diferente é dizer que foram eleitos somente pela identidade
religiosa. Podem se tornar analiticamente perigosas listas que dizem que os
parlamentares evangélicos já somam em torno de 10% do Parlamento. Se for
148
Idem: 22.
88
discutível estabelecer relações eleitorais com representação religiosa, é de igual
modo complexo afirmar que uma vez tendo a mesma orientação religiosa,
consequentemente terão as mesmas tendências políticas.
Como vimos no capítulo três, existem aqueles que são eleitos fazendo uso
da mídia com uma retórica religiosa para obter resultados políticos. Mas ao que
nos consta, nem todos têm acesso aos meios de comunicação como os deputados
Bispo Rodrigues, Arolde de Oliveira e Francisco Silva. Há aqueles que são eleitos
pelos vínculos comunitários que mantêm direto com as igrejas locais. Acreditamos
que os trabalhos científicos devem primar pelo rigor metodológico antes de afirmar
que pelo simples fato de um parlamentar apresentar-se como evangélico, já está
caracterizado uma relação fisiológica.
Salientamos ainda casos em que a trajetória individual foi marcada por
pertencimentos sociais que viabilizaram a eleição, portanto não foram os votos
evangélicos que propriamente levaram a uma vitória eleitoral. Mas esses políticos
quando indagados em pesquisas sobre seu pertencimento religioso, irão se declarar
evangélicos.
Neste ponto queremos voltar a afirmar que existem muitas denominações
evangélicas, e que o comportamento político é diferente, obedecem as suas
tradições e regulamentos internos. Logo, a recepção das retóricas das mídias
evangélicas é diferenciada.
De fato existem casos comprovados em que os votos recebidos se devem ao
uso de símbolos religiosos e utilização sistemática da mídia, mesmo em período não
eleitoral. Há igrejas que fazem acordos em troca de concessões de rádios e outras
concessões que não são claras, no entanto, é preciso pesquisar os fatos de uma
forma mais detida para que não haja generalizações e equívocos.
149
Para a evolução da participação dos representantes evangélicos na Câmara
Federal e no Senado, ver FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da
Constituinte ao impeachment.
89
Um outro aspecto a considerar é que o crescimento de representação política
por parte de evangélicos se explica, em certa medida, pelo crescimento numérico
destes como um todo no Brasil. As proporções crescentes de deputados
evangélicos podem ser comparadas ao crescimento de professores, executivos,
jovens, jornalistas e diaristas evangélicos, portanto o aumento não se restringe ao
Parlamento.
Diante disso, entendemos que a retórica anunciada por rádios, jornais e
empresas que querem atingir os membros das igrejas evangélicas, situa-se em
diversos contextos sociais, e isso ocasiona respostas diversificadas. Apresentamos
estes argumentos para considerar que estamos de acordo com as citações que
fizemos de Regina Novaes, e que os resultados eleitorais não desqualificam tais
posições, conforme expusemos.
Sobre o voto evangélico, que se relaciona com a resposta aos meios de
comunicação destinados a esse público, Novaes desenvolve três pontos. Primeiro:
segmentação constante, lealdades variadas. Isto é, os grupos denominacionais são
muitos, e os vínculos que os indivíduos possuem, não se restringem ao religioso.
Um evangélico pode ter vínculo de lealdade familiar, sindical, de classe, dentre
outros. Segundo: eleições proporcionais, eleições majoritárias. Quando se trata de
uma eleição majoritária a dinâmica política e religiosa muda significativamente,
tanto para o eleitor evangélico quanto para o não evangélico. Neste caso,
aumentam as variáveis que precisam ser analisadas. E em terceiro lugar: “É
evangélico e... o que mais?” Com isto, afirma que o voto de um evangélico se soma
a outras vinculações. Sempre existirão outras variáveis do jogo político que
precisarão ser consideradas.
150
150
NOVAES, R. O Brasil será um país evangélico?: 26.
90
Alianças e resultados eleitorais
As eleições de 2002, nos seus primeiros momentos, sugerem o quanto cabe pensar
em polifonia e hermenêutica de profundidade quando está em questão a
participação dos evangélicos nos pleitos eleitorais.
O Partido dos Trabalhadores (PT) constrói uma aliança com o Partido Liberal
(PL). O discurso dos principais defensores da aliança afirma que o PT tem que
entrar no pleito para ganhar, e que para isso é necessário ter alianças. O debate
esteve nos principais veículos de comunicação. O Partido dos Trabalhadores tem
definições ideológicas e programáticas bem claras, daí o estranhamento de muitos
quando se confirmou o alinhamento eleitoral do partido citado. Mas o mais
comentado dessa aliança foi a identidade do PL com a Igreja Universal do Reino de
Deus. Nas articulações partidárias para viabilizar a aliança, uma das figuras de
maior destaque foi o deputado federal bispo Rodrigues (PL-RJ). Demonstrando a
mudança da Igreja em relação ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, o bispo
Rodrigues declarou: Não tem mais essa de que o diabo é barbudo e tem quatro
dedos. Esta declaração revela o que foi dito da candidatura Lula nas eleições
anteriores, e a nova disposição da Igreja para as eleições de 2002.
151
E o que falar
das bases do Partido dos Trabalhadores? O vice-prefeito de São Paulo, Hélio
Bicudo, lamenta a aliança entre um partido e uma igreja. Afirma que as bases do
partido estariam descontentes com a aliança. Nesta mesma entrevista citam como
militantes do partido As Comunidades Eclesiais de Base. Seriam principalmente
esses que estariam decepcionados com a aliança. Demonstrando sua posição Hélio
Bicudo pergunta: Para chegar ao céu, o PT precisa do diabo?
152
Frei Betto, intelectual engajado na chamada Igreja Católica Progressista e
colaborador do Partido dos Trabalhadores, trata do tema da aliança PT-PL
demonstrando o descontentamento de setores da Igreja Católica. Considera que
151
O Globo 22.2.02.
91
isso ocorre por dois motivos: o PL é um partido conservador de direita e está
ligado à Igreja Universal do Reino de Deus.
153
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB se pronunciou sobre a
aliança PT-PL através de seu vice-presidente Dom Marcelo Carvalheira. Considera
um risco a participação da Igreja Universal do Reino de Deus num eventual governo
do Partido dos Trabalhadores e menciona as relações fisiológicas mantidas pela
Igreja Universal especialmente na área das comunicações.
154
Na primeira página de O Globo veio estampada a foto do candidato do PSDB
à presidência da República, José Serra, ao lado do candidato do PPB ao senado pelo
Rio de Janeiro, pastor Manoel Ferreira, ambos orando no púlpito da Igreja. O
discurso de José Serra para aproximadamente 2.500 pastores privilegiou a luta
contra o tabagismo e o jogo. Nessa reunião foi oficializado o apoio da Convenção à
candidatura de José Serra. Presente esteve ao evento o deputado Francisco
Dornelles (PPB-RJ), entusiasta da aliança e articulador da candidatura do pastor
Manoel Ferreira.
155
Com o título da matéria Garotinho reúne o rebanho evangélico, o Jornal do
Brasil noticiou que diversos representantes denominacionais, num almoço em São
Paulo, expressaram oficialmente apoio à candidatura de Anthony Garotinho e que a
Igreja Universal do Reino de Deus, a despeito da sua ligação com o Partido Liberal,
expressou apoio ao candidato. Outro apoio que pôs em questão compromissos
eleitorais já assumidos, veio da Assembléia de Deus Convenção de Madureira. O
pastor Monoel Ferreira se disse convencido a subir no palanque do PSB.
156
Assim como podemos minimizar esses arranjos e alianças dizendo que isso é
política, podemos inferir que essa retórica política-religiosa não está compactada
152
O Globo 22.2.02.
153
O Globo 7.7.02.
154
O Globo 22.2.02.
155
O Globo 4.5.02.
92
nem religiosamente definida, daí a necessidade de acionar conceitos interpretativos
como polifonia e hermenêutica de profundidade para acompanhar tanto o noticiário
da grande imprensa, como da chamada mídia evangélica, neste e nos próximos
períodos eleitorais. Muitas vozes sociais articulam-se, encontram-se e se chocam.
Em período eleitoral os gráficos são divulgados a fim de demonstrar o
potencial do grupo religioso. Parece-nos que as alianças com as igrejas evangélicas
trazem para o centro do debate a quantidade de votos em questão. Isto porque as
Igrejas Evangélicas cresceram e têm um papel fundamental na vida cotidiana dos
seus adeptos. O fenômeno nominal dos evangélicos não é fácil de ser verificado,
por conta do alto índice de participação dos fiéis. Conclui-se que se os coretos das
praças estão esvaziados, dos púlpitos das igrejas evangélicas se alcança um
expressivo número de eleitores. Vejamos a evolução do crescimento dos
evangélicos.
Gráfico
Total de Evangélicos sobre o Total da População
Fontes: IBGE e Serviços de Evangelização para América Latina-Sepal
Importa ressaltar que esses números são significativos em termos políticos.
Em 1990 os evangélicos eram 13,2 milhões. O censo demográfico de 2000 do IBGE
156
Jornal do Brasil 4.7.02.
0%
2%
4%
6%
8%
10%
12%
14%
16%
1940 1970 1990 2000
93
revela que os evangélicos são 26,16 milhões.
157
Esses números, somados ao
significativo investimento que se faz na mídia, e o circuito de cultos e eventos que
fazem acontecer situam os evangélicos como importantes atores políticos.
O deputado bispo Rodrigues, empenhado em demonstrar poder político,
afirma que a Igreja Universal do Reino de Deus possui 8 milhões de membros, que
em período eleitoral se transformam em eleitores dos candidatos indicados pela
Igreja e, como se não bastasse, transformam-se em militantes ativistas. Segundo
ele, as orientações políticas dos bispos são seguidas à risca por pelo menos 70%
dos membros.
158
O fato a destacar é que os números de fiéis e estruturas de comunicação são
postos no contexto de composições políticas. A mídia evangélica pode vir a usar os
números que são divulgados sobre os evangélicos para mostrar a viabilidade do
público consumidor a seus eventuais anunciantes. O mesmo pode ocorrer em
termos políticos. Grupos denominacionais e grupos empresariais ostentam o
reconhecido potencial eleitoral. Talvez prefiram apresentar os evangélicos como um
grupo coeso e obediente às orientações dos seus líderes, conforme a citação acima
de Rodrigues.
A valorização dos evangélicos como atores políticos ocorre também por um
outro processo numérico. Trata-se da apresentação da chamada bancada
evangélica. Mesmo que o parlamentar não tenha sido eleito pelo voto de seus
irmãos de fé, e que por definição não atue num tipo de representação político-
religiosa, se pertence a alguma igreja evangélica passa a figurar na lista que tem
por título bancada evangélica. Vejamos os números desta lista:
157
Censo demográfico IBGE 2000.
158
Jornal do Brasil 29.10.01.
94
Tabela 7
Evangélicos no Congresso Nacional
Legislatura Titulares
1983-1987 12
1987-1991 32
1991-1995 23
1995-1999 30
1999-2003 52
Fonte: Flávio Cesar dos Santos Conrado, Paul Freston e Veja
159
Essencialmente esta dissertação afirma que em períodos eleitorais setores
da Igreja Evangélica fazem menção de números, nada desprezíveis, a fim de
demonstrarem força. O mesmo se pode dizer do desempenho parlamentar: a
existência de uma bancada evangélica com 52 votos asseguraria um capital político
respeitável. O que perguntamos é se existe um centro com capacidade de
sintetizar este poder sugerido pelos números. Pierucci recentemente abordou as
estimativas em torno do número de evangélicos no contexto das alianças políticas e
apontou a tendência de superestimação do número de fiéis para se obter peso
político nas negociações.
160
Não existem garantias de que os eleitores dentre os 26,16 milhões de
evangélicos componham uma tendência ideológica ou sigam uma liderança. A
159
CONRADO, F. C. S. Cidadãos do Reino de Deus: representações, práticas e
estratégias eleitorais. Um estudo da Folha Universal: 23; FRESTON, P.
Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment: 167-196;
VEJA, 3.7.02
160
PIERUCCI, A. F. Palestra proferida na 54
a
Reunião Anual da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência–SBPC. Folha de São Paulo 10.7.02
95
retórica política que recepcionam vêm de muitas direções, chegam em diversos
contextos e momentos sociais.
161
E contradizendo prognósticos de que o candidato à Presidência da República,
Anthony Garotinho, contará com algo em torno de 90% dos votos dos evangélicos
pelo fato de ser evangélico, o Instituto de Pesquisa DataFolha divulgou números
reveladores no mês de junho de 2002. Os evangélicos não-pentecostais
manifestaram em pesquisa que 38% tinham a intenção de votar em Garotinho,
enquanto que 36%, em Lula. Embora estas reflexões sejam ainda incipientes,
corroboram nossa tese de que as manifestações políticas dos evangélicos não
constituem um bloco.
162
161
O cientista político Marcos Coimbra, diretor do Instituto de Pesquisa Vox
Populi, assim se pronunciou a esse respeito: embora o universo da população
evangélica tenha aumentado, continua a ser muito heterogênea. Não há sinal
de que os evangélicos se comportem de maneira homogênea em questões
eleitorais. Jornal do Brasil 3.6.01
162
O Globo 30.6.02
96
Conclusão
Numa experiência democrática onde as instituições dão claros sinais de fragilidade,
um grupo que apresente poder de mobilização e adesão de seus membros, pode vir
a figurar como ameaça. Assistimos no Brasil uma certa desmobilização dos
sindicatos, partidos, associações de bairro e grupos organizados. Em contrapartida,
observamos os templos evangélicos se multiplicarem pelo espaço físico, e o número
de fiéis não parar de crescer. As vozes, amplificadas e levadas bem longe por
empresas de comunicação, têm seus ouvintes como clientes e fiéis. Por estes
canais circulam mensagens evangelísticas e retóricas políticas, articulam-se
símbolos que propõem a identidade de um grupo.
O objetivo que norteou esta pesquisa foi verificar que tipo de projeto político
o viçoso grupo religioso persegue. A resposta que obtivemos foi a inexistência de
um projeto comum. Não há nenhum programa acordado entre igrejas, empresas,
deputados, senadores, governadores e outros evangélicos que de alguma forma
estão na política. O que existe é disputa.
As pessoas e grupos que pleiteiam cargos públicos baseados nos votos
evangélicos estão pulverizados em diversas denominações, igrejas locais,
empresas, partidos políticos, classes sociais e outros vínculos que os põem em
situações diferenciadas. E mesmo aqueles que são eleitos não formam um grupo
coeso pelo fato de serem evangélicos.
O discurso que sustenta a representação político-religiosa está
fundamentado na chamada ética evangélica. Neste ponto os editoriais do deputado
bispo Rodrigues e as intervenções dos deputados Francisco Silva e Arolde de
Oliveira na programação radiofônica se identificam. Este mesmo discurso é
sustentado no desempenho parlamentar: moralidade da coisa pública sem
97
desprezar a moralidade nas questões de foro íntimo.
163
A luta comum remete aos
valores. Neste cenário votam juntos sem que precisem necessariamente articular
estratégias. O curioso é que boa parte dos parlamentares que mantêm estreitos
laços com a Igreja Católica também vota nestas questões que remetem a ética
cristã com a chamada bancada evangélica.
Fica evidente a falta de um projeto comum dos representantes políticos
evangélicos por conta dos compromissos eleitorais assumidos. A Igreja Universal
tem os seus candidatos oficiais, vem mantendo uma relação estreita com o Partido
Liberal e apoia a candidatura Lula à presidência. A Rádio Melodia 97,3 FM
representada por seu proprietário, deputado Francisco Silva, quando se trata de
eleições para o legislativo tem suas próprias formulações. Suas relações partidárias
são frágeis e na eleição para presidente faz campanha para o candidato Garotinho.
Por sua vez, o deputado Arolde de Oliveira, proprietário da Radio El Shadai, um dos
líderes do PFL, segue independente de siglas denominacionais, tanto nos períodos
eleitorais como no desempenho parlamentar. Apoia a candidatura de José Serra a
presidência.
Não acreditamos que a retórica política destas três empresas seja acatada
na íntegra, sem apropriações críticas. E mesmo que fosse, são mensagens que
circulam de fontes, emissoras, distintas que orientam para práticas e candidaturas
políticas diferentes. Já que nem todo ouvinte de música gospel das rádios
evangélicas é um eleitor que segue as diretrizes políticas da direção da Rádio,
pensamos no conceito de polifonia para considerar estas muitas relações e estes
variados discursos.
Estas observações corroboram nossa hipótese. Não se sustenta um discurso
político nem prática política comum aos evangélicos como um grupo pretensamente
163
Cabe sempre lembrar que este não é um traço exclusivo dos evangélicos na
política, sendo certamente partilhado pelos católicos. O tema de ética na política
tem sido um ponto relevante também na identificação, por exemplo, do Partido
dos Trabalhadores.
98
homogêneo. Tampouco se observa um projeto político compartilhado pelas igrejas
evangélicas. Os líderes que existem, quando muito, representam uma certa fração
dos evangélicos, não há qualquer registro na história repúblicana brasileira de
alguém que tenha obtido apoio de todo o bloco de igrejas evangélicas.
Surpreendeu-nos ao longo da dissertação a generalização no trato da
grande imprensa, que se apresentaram coerentes às reclamações dos evangélicos
quando se diziam perseguidos, vistos como minoria difusa e, em alguns momentos,
tratados de maneira grotesca. Nosso olhar sobre o noticiário da imprensa no ano
de 2001 nos convenceu, contudo, de que há quem analise este grupo religioso,
tendo em mente sua especificidade e suas diversas denominações. A título de
exemplo, citamos o último capítulo desta dissertação, no qual fizemos breve
incursão na questão das composições eleitorais. O material que utilizamos para
demonstrar que os evangélicos compõem um complexo grupo pulverizado,
subdividido em muitas denominações e que não representam uma unidade em
termos eleitorais, foi colhido nessa grande imprensa pesquisada. Ou seja, embora
exceções, existem coberturas que se distanciam da tendência de conceituar
evangélicos de forma pejorativa e preconceituosa.
Afirmamos que a identidade dos evangélicos brasileiros está referida na
relação com a Igreja Católica. Ou melhor, esta identificação é construída no
contexto da cultura brasileira, de orientação católica na sua formação. Ainda hoje
estão bem presentes no ethos nacional as referências estéticas, litúrgicas e
teológicas. Identificamos desencontros semânticos entre sociedade e alguns
evangélicos, que ganharam visibilidade através de sua participação política, por
conta dos choques culturais.
Observamos o quanto os símbolos dos evangélicos, seus hábitos de cultos,
seus grandes encontros em espaços públicos e seus muitos discursos soaram para
a imprensa que os cobria como ajuntamentos com objetivos políticos-eleitorais. Em
síntese, multidões reunidas com a presença de um político já caracterizariam o uso
99
inadequado da religião. Volta-se para retóricas valorativas ou para juízos de valor
do tipo isso é sincero e aquilo não.
Pareceu-nos uma postura preconceituosa da grande imprensa. Supõem que
os receptores, os evangélicos, são inaptos para formularem os seus julgamentos e
chegarem as suas conclusões. Considerando que os símbolos utilizados — gestos,
textos bíblicos, orações e aparições eclesiásticas — fazem parte da sua tradição
religiosa, consideramos sensato pensar que os políticos que buscam identificação
com o grupo através destes sentidos religiosos são avaliados e julgados tanto em
termos políticos quanto em termos religiosos pelos próprios fiéis.
Contudo, percebe-se também que alguns setores das igrejas evangélicas se
sentem incomodados com a cobertura da mídia, seja ela de caráter religioso
somente, seja no seu aspecto político. Desqualificam as matérias publicadas e
insistem que são uma minoria perseguida pela mídia. Observamos discursos que
usam as críticas da grande imprensa para criar relações de representação, uma vez
que se generalizam as críticas para todo o grupo, quando se está abordando uma
questão apenas ou uma pessoa específica. Mas o comunicador tenta convencer que
as críticas são intrigas contra a igreja. Deparamo-nos com esta articulação
discursiva no Programa A Paz do Senhor de Coração e nas articulações políticas da
Igreja Universal do Reino de Deus para justificar sua participação política.
Admitimos que há entre Igreja Evangélica e sociedade brasileira
distanciamentos culturais consideráveis, o que se torna evidente quando o grupo
religioso adquire visibilidade através do engajamento político. Antes mesmo de
existir construção de imagens, concluímos que há manifestação do imaginário já
construído sobre os evangélicos. Neste caso não se trata do que se vai dizer a
respeito deles, mas o que já se tem construído e concluído a seu respeito.
Apoiados na clássica literatura da ciência política, chegamos à conclusão de
que os discursos dos evangélicos brasileiros não estão auto-referidos e que a
retórica política, freqüentemente, tem como interlocutor a ética cristã. Para a
100
consolidação do Estado moderno foram acionados conceitos da teologia política e
da ciência política, frisando que, mesmo depois da consolidação do Estado Moderno
os diálogos continuaram existindo. Retóricas que afirmaram o conflito entre o
religioso e o político buscaram enfatizar que a política tem as suas próprias regras,
os seus próprios valores, e que não pode se restringir aos valores religiosos. Em
síntese, o conflito remetia aos choques de valores e à ética.
Outra tendência deste debate foi a tentativa de conciliação entre o político e
o religioso. Algumas vezes o político instrumentaliza o religioso com fins políticos,
e outras vezes o religioso adota o político com fins religiosos. Pensamos que as
citações que fizemos de Maquiavel, Hobbes, Bentham e Weber foram
esclarecedoras neste sentido.
Quando observamos hoje a retórica política dialogando com a retórica
religiosa no Brasil identificamos também conflitos de valores. A oferta de
representação política baseada na identidade religiosa afirma um discurso a favor
da ética evangélica, enquanto os eleitores que favorecem a identidade religiosa
sobre todos os outros vínculos sociais revelam o ideal de compartilhar com a
sociedade essa dita ética evangélica. Em contrapartida, um importante segmento
da sociedade brasileira — representada pela grande imprensa nesta dissertação —
recusa a ingerência da religião na política e identifica então conflitos retóricos entre
os campos político e religioso.
164
164
Cabe frisar que essa atitude não é exclusiva da imprensa, mas abrange
amplos segmentos da sociedade, sendo sem dúvida predominante na academia,
porém nossa pesquisa atual foi restrita. Gostaríamos, nas próximas pesquisas,
de acompanhar o período eleitoral e analisar em profundidade seus resultados.
Quais as grandes mudanças na retórica das igrejas e empresas evangélicas do
período regular para o período eleitoral propriamente dito? Seria interessante
comparar a cobertura da grande imprensa sobre a relação entre evangélicos e
política com a programação da Rádio El Shadai e da Rádio Melodia, bem como
dos editoriais do Jornal Folha Universal. Outra modalidade de investigação que
nos ocorreu ao longo desta dissertação foi o acompanhamento parlamentar da
chamada bancada evangélica. Existe bancada evangélica? Uma nova pesquisa
dar-nos-ia condições de aprofundar a relação triangular entre política, religião e
ética. As pesquisas acadêmicas são escassas em se tratando do
acompanhamento dos políticos evangélicos nas Câmaras municipais, estaduais e
federais.
101
Nossa pesquisa nos leva a concluir que, diante das dificuldades de precisar
as fronteiras entre o religioso e o político, a mídia tende a alimentar a polarização
entre Estado laico, de um lado, e a figura de um governante evangélico, do outro.
Há que se considerar ainda a originalidade da situação no caso brasileiro: um
evangélico típico, assíduo aos cultos de sua igreja, com uma linguagem que o
identifica com o grupo de origem e que eventualmente visita outras comunidades
evangélicas, faz uso da palavra para dar depoimento de como se converteu e não
desvincula vida secular da vocação recebida por Deus. Esse tipo de linguagem
religiosa no espaço político causa desconforto num Estado laico e causa estranheza
até mesmo em uma sociedade significativamente orientada pela cultura católica.
102
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