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LETÍCIA SOARES DE AZEVEDO
Compreendendo os sentimentos do
adolescente em seu processo de iniciação
sexual
Belo Horizonte
2007
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Letícia Soares de Azevedo
Compreendendo os sentimentos do
adolescente em seu proces
so de iniciação
sexual
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em
Enfermagem da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Enfermagem.
Orientadora: Profa. Dra. Anézia M
oreira Faria Madeira
Co
-
orientadora: Profa. Dra. Lindalva Carvalho Armond
Belo Horizonte
Escola de Enfermagem
-
UFMG
2007
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Azevedo, Letícia Soares de
A994c
Compreendendo os sentimentos do adolescente em seu processo
de iniciação sexual/Letícia Soares de Azevedo. Belo
Horizonte, 2007.
108f
Diss
ertação.(mestrado)
– Universidade Federal de Minas
Gerais.
Escola de Enfermagem.
Área de concentração: Enfermagem
Orientador: Anézia Moreira Faria Madeira
Co
-
orientadora: Lindalva Carvalho Armond
1.S
exualidade/psicologia 2.Adolescente 3.Emoções
4.Relações familiares 5.Comportamento do adolescente
6.Aconselhamento sexual/tendências I.Título
NLM: WS 462
CDU: 616
-
053.7
Universidade Federal de Minas Gerais
Reitor:
Ronaldo Tadeu Penna
Vice
-
Reitora:
He
loísa Maria Murgel Starling
Pró
-
Reitor de Pós
-
Graduação:
Jaime Arturo Ramirez
Escola de Enfermagem
Diretora:
Marília Alves
Vice
-
Diretora:
Andréa Gazzinelli Corrêa Oliveira
Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública
EMI
Chefe:
Clarice M
arcolino
Sub
-
Chefe:
Lenice de Castro Mendes Villela
Colegiado de Pós
-
Graduação
Coordenadora:
Adriana Cristina de Oliveira
Sub
-
Coordenadora:
Cláudia Maria de Mattos Penna
Universidade Federal de Minas Gerais
Escola de Enfermagem
Programa de P
ós
-
Graduação: Mestrado em Enfermagem
Dissertação intitulada: “COMPREENDENDO OS SENTIMENTOS DO ADOLESCENTE
EM SEU PROCESSO DE INICIAÇÃO SEXUAL” da autoria da mestranda Letícia Soares
de Azevedo, aprovada pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes
professores:
_____________________________________________________
Dra. Anézia Moreira Faria Madeira (Presidente)
_______________________________________________________
Dra. Marta Araújo Amaral (Titular)
_________________________________________
________________
Dra. Matilde Meire Miranda Cadete (Titular)
Belo Horizonte, 27 de março de 2007
Dedicatória
À minha mãezinha
-
Marta
-
que há
tempos habita um plano diferente
de Vida.
À sensação de sua presença
cons
tante dando
-
me força ao longo
de todo trabalho.
Agradecimentos
Agradeço, antes de tudo, aos cidadãos brasileiros que estimam e mantém nossas
Universidades Públicas, em particular, esta na qual busco meu crescimento profissional.
Agradeço a Deus pelas asas da sabedoria e da que me possibilitaram alçar vôos
altos e longos durante a dissertação.
Aos sujeitos desta pesquisa por acalmarem minh’alma. Diante de tanta inquietação,
desvelaram
-
me o fenômeno. Pela amizade que ficou entre nós.
À minha q
uerida família pela presença estruturante em todo meu viver.
À Tia Rosa que por longas datas vem estimulando e apoiando as minhas decisões. Por
lapidar cada pedacinho desta obra.
À minha amiga do coração, Kênia Lara, sem a qual esse trabalho não existiri
a.
Agradeço pelos incentivos constantes e pela forte presença em minha carreira como
enfermeira/professora.
Às minhas luzes-guiantes, Profa. Dra. Anézia Moreira Faria Madeira e Profa. Dra.
Lindalva Carvalho Armond, orientadoras de corpo e de alma, pela do
çura e encanto que
conduzem seus aprendizes. Obrigada por ser um deles.
À grande mestre Celina Camilo que possibilitou o construto de meu alicerce como
enfermeira
-
cidadã. Minha referência de mullher
-
que
-
luta, mestre
-
que
-
educa.
A todos os colegas do mestrado pelas trocas, convivência, ajudas, bate-papos e claro,
o legado mais importante: a amizade.
Ao diretor, Leonardo e vice-diretora, Carmelita da Escola Municipal José Maria dos
Mares Guia (EMJMMG) pela abertura e acolhida para a realização dessa pesqui
sa.
À Professora Linda da EMJMMG por ficar ao meu lado o tempo todo nas atividades
com os adolescentes.
À acadêmica Luiza por apoiar-me nos grupos de adolescentes na EMJMMG. E à
professora Marta Amaral que nos disponibilizou seu tempo e carinho para nos
ajudar na
organização das atividades desses grupos.
Aos usuários adolescentes e funcionários do Centro de Saúde Centro Contagem
por serem peças fundamentais na construção desse trabalho.
Ao meu namorado Lucas, por nunca desistir de nós e dos nossos s
onhos.
Mais um deles se realizará com a conclusão do mestrado.
A todos que compartilharam desse caminhar: MUITO OBRIGADA
!
As minhas escritas inacabadas
Vão ficar como folhas do outono:
cruzes na beira da estrada.
Quando cessar em mim a energia, o movimento...
Mais do que sede, pousada.
Mais do que abrigo, alimento.
E numa aventura desenfreada da minha breve
estrada,
sinto os melhores momentos...
Cientista! Não despeça nada,
nem de verdade, nem de arte.
São folhas, são cadernos,
são palavras...
São indecifráveis madrugadas.
E deixa seguir o vento...
(Letícia S. Azevedo)
AZEVEDO, L.S., Compreendendo os sentimentos do adolescente em seu
processo de iniciação sexual. 2007. 105f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem)
Escola de En
fermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.
RESUMO
Este estudo surgiu a partir de meu interesse em trabalhar com adolescentes desde a
graduação em Enfermagem (Universidade Federal de Minas Gerais) e ao longo de
minha prática como enfermeira em Programas de Saúde da Família nos municípios de
Conselheiro Lafaiete/MG e Belo Horizonte/MG. O contato com os jovens, nas
comunidades e escolas, provocou-
me
diversas inquietações das quais os aspectos
sexuais me chamaram a atenção. Assim, com o objetivo de compreender os
sentimentos do adolescente envolvidos no processo de iniciação sexual, fui ao encontro
deles e, através desta pesquisa, de caráter qualitativo e abordagem fenomenológica,
utilizei a seguinte questão norteadora: Como você se sente ao pensar na sua iniciação
sexual?
Dirigi o questionamento a doze adolescentes que ainda não haviam passado
pela experiência sexual. Seis deles residentes em Belo Horizonte/MG onde estabeleci
contato através de uma escola da região norte Escola Municipal José Maria dos
Mares Guia. Outros seis residentes em Contagem/MG, os quais foram convidados para
participar da pesquisa por intermédio da Unidade de Saúde Centro, onde atuo como
enfermeira. Os discursos dos adolescentes permitiram-me desvelar o fenômeno pela
construção de quatro categorias e duas sub categorias: dificuldade de falar sobre
sentimentos; sentindo a chegada da primeira vez, pensar no desconhecido,
sentimen
tos aflorados; a influência da família no comportamento do adolescente;
pensando nas conseqüências pós-
sexo.
Para compreensão do mundo-vida dos
adolescentes, a análise foi fundamentada em filósofos fenomenológicos e autores que
trabalham as temáticas sexualidade e adolescência. Os jovens revelaram medo,
insegurança, receio, ansiedade, vergonha, preocupação e desejo. Neste sentido, o
apoio profissional, o acolher, a escuta, as orientações precisas e cingidas de empatia
mostram o nosso diferencial enquanto enfermeiro em lidar com esses sentimentos: o
cuidado em sua essência mais profunda. No entanto, é preciso avançar nas práticas
educativas acerca da sexualidade e superar os modelos biológicos superficiais para
alcançar uma esfera onde seja possível promover atitudes conscientes e reflexivas.
assim poderemos concretizar o projeto de uma saúde sexual e reprodutiva plena entre
os jovens.
Palavras
-chave: Saúde do adolescente; Saúde sexual e reprodutiva; Sexualidade na
Adolescência; Sentimentos e Emoções.
ABS
TRACT
This study came out from my interest in working with adolescents since my graduation in
Nursing (Universidade Federal de Minas Gerais) during my practice as a nurse in Family
Health Programs in Conselheiro Lafaiete City/MG and Belo Horizonte City/MG. The
contact with youngsters in the communities and schools provoked several disquiets from
which the sexual aspects caught my attention. Thus, with the goal to understand the
feelings involved in the process of sexual initiation, I went to meet them through this
research, qualitative in character and phenomenologic in approach. I asked them the
directional question: How do you feel about thinking in your sexual initiation?
I
addressed this question to twelve adolescents who have never experienced sex befo
re.
Six youngsters live in Belo Horizonte City, where I could be in touch with them through
José Maria dos Mares Guia School, and six residents in Contagem City, who I invited to
participate in the research through Health Center Unit, where I work as a nurse. The
adolescents’ statements permitted me to unravel the phenomenon through the
construction of four categories in two sub-
categories:
difficulty to talk about feelings;
expecting the coming of the first sexual relation; think about the unknown
experien
ce, arisen feelings; the influence of the family in the adolescent’s
behaviour; thinking in the consequences after sex. To understand what the
adolescents live, the analysis was based on phenomenologic philosophers and authors
who deal with the sexuality in adolescence theme. The interviewed youngsters revealed
fear, diffidence, anxiety, shame, worry and desire. In this context, professional support,
active listen, precise orientations with empathy show our differential as nurses who deal
with these feelings: the care in its deepest essence. It is necessary to improve the
educational practices about sexuality and overcome the superficial biological patterns to
reach an atmosphere where it is possible to promote conscious and reflective attitudes.
Only in this way, we can achieve the project of a total sexual and reproductive health
among youngsters.
Key
-
words:
Sexual and Reproductive Health; Teen Health; Teen sexuality; Sexual
Initiation; Feelings and Emotions
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
11
2
BUSCANDO
A SUSTENTAÇÃO PARAA O TEMA
................................
19
2.1
O ponto de partida....................................................................................
19
2.2 Adolescência/sexualidade: um elo necessário..................................
.......
24
3
TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
............................................................
31
3.1 Pesquisa qualitativa... fenomenologia....................................................... 31
3.2 O contexto do estudo: um encontro com os sujeito
s..................................
38
3.3
Os momentos da análise...........................................................................
43
4
UM CAMINHAR PARA COMPREENSÃO
...............................................
46
4.1
Dificuldade de falar sob
re sentimentos.....................................................
46
4.2
Sentindo a chegada da primeira vez.........................................................
56
4.2.1
Pensar no desconhecido...........................................................................
56
4.2.2
Sentimentos aflorados...............................................................................
59
4.3
A influência da família no comportamento do adolescente.......................
72
4.4
Pensando nas conseqüências pós
-
sexo...................................................
79
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
.....................................................................
.
83
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
........................................................
.
86
BIBLI
OGRAFIA CONSULTADA
..............................................................
92
ANEXOS
...................................................................................................
94
11
INTRODUÇÃO
Meu interesse em trabalhar com os adolescentes nasceu durante a graduação
em enfermagem, quando estava inserida num Projeto de Extensão
1
Projeto Meio
Ambiente, Saúde e Cidadania junto à População Ribeirinha do Córrego do Onça em
Belo Horizonte/MG. Entre outras atividades, trabalhávamos com educação em saúde,
abordando sexualidade na adolescência nas escolas que correspondiam ao nosso
campo de ação.
Ao concluir o curso de graduação em Enfermagem na Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em outubro de 2003, fui trabalhar no
Programa de Saúde da Família (PSF) no Município de Conselheiro Lafaiete, em Minas
Gerais. Tive a oportunidade de escolher o local, a área de abrangência em que iria
atuar, pois havia rias equipes sem enfermeiro(a). Minha escolha foi pautada,
pr
incipalmente, na presença de jovens: optei pela Equipe de Saúde da Família (ESF),
que possuía a sua sede dentro de uma escola voltada para crianças e adolescentes.
Apesar de ter apresentado propostas diversas para iniciar atividades com os
adolescentes, outras funções me consumiram e o tempo foi insuficiente. Permaneci
nesse trabalho por apenas três meses.
Em fevereiro de 2004, assumi outra ESF em Belo Horizonte, na região do
Barreiro. Foi uma mudança significativa em minha vida profissional e pessoal tamb
ém.
Vi
-me diante de uma estrutura bastante diferenciada de organização das ESFs, e
marcou
-me a oportunidade de trabalhar, novamente, com os adolescentes. Logo que
1
Atividade acadêmica identificada com os fins da Univer
sidade Federal de Minas Gerais; está articulada
com o ensino e pesquisa, de forma indissociável (UFMG, Regimento Geral, 1980).
12
iniciei minhas ações na ESF em Belo Horizonte, busquei contatos com os
coordenadores da escola localizada na área de abrangência do Centro de Saúde, pois
acredito que o espaço escolar mostra-se privilegiado para iniciar e manter contato com
os jovens da comunidade. Foram realizadas reuniões entre representantes da ESF (eu
a enfermeira
, a gere
nte do Centro de Saúde e o odontólogo) e coordenadores, para
levantar os principais temas a serem desenvolvidos junto aos adolescentes. Emergiram
das reuniões, dentre outros, os seguintes assuntos: higiene, violência, drogadição e a
necessidade de trabalhar a questão da sexualidade.
Foram agendados encontros semanais com as turmas de 6
a
a 8
a
séries. No
primeiro encontro, discutimos suas expectativas e necessidades no que se refere à
educação em saúde. Mais uma vez, sobressaiu o tema sexo/sexualidade como p
onto
-
chave a ser discutido. A partir disso, elaboramos um cronograma para ser cumprido
com os grupos.
Os assuntos abordados durante as atividades na escola abrangiam a percepção
e mudanças do corpo, ciclo menstrual, métodos contraceptivos, doenças sexualm
ente
transmissíveis, Aids e gravidez na adolescência. Através de jogos, dinâmicas, palestras
e vídeos, íamos demonstrando e refletindo sobre os conteúdos, na construção de novos
conhecimentos.
Ao longo do desenvolvimento das atividades, algo que não eu conseguia definir
afligia
-me e deixava-me inquieta. A princípio acreditava no compromisso social que
assumia como enfermeira profissional do setor saúde –, que trocava com os
adolescentes conhecimentos sobre sua realidade, suas transformações. Porém, via-
me
diante de situações que evidenciavam um constante distanciamento entre a ESF e eles.
Além da falta de disponibilidade de tempo para a realização de um trabalho contínuo,
13
existia uma lacuna, em meu entendimento, quanto à construção de vínculo com esses
adolescentes, algo tão importante ao sucesso do processo educativo. Percebi que as
dúvidas e questionamentos sobre sexo/sexualidade iam muito além dos temas
abordados. Mais que aprender e saber sobre a importância e como usar o preservativo
e outros métodos contraceptivos, os adolescentes queriam compreender o sentido do
sexo em suas vidas. Deparei-me com questionamentos como: “... estou namorando um
rapaz há mais ou menos cinco meses. Você acha que posso transar com ele?”.
Ao trabalhar com adolescentes tendo como base o tema sexualidade,
precisamos apontar algumas questões importantes: a sexualidade é, talvez, o
componente da fase da adolescência mais conflituoso.
[...] esta é uma etapa da vida na qual a personalidade está em fase final de
estruturação e a sexualidade se insere nesse processo sobretudo como um
elemento estruturador da identidade do adolescente.(OSÓRIO, 1992, p.20)
Estas questões estruturais abarcam distintos e integrados processos de
desenvolvimento social, familiar, físico-pubertário, psicossocial e intelectivo que
acarretam um novo tipo de relacionamento desse adolescente com o ambiente e do
ambiente com ele, comenta Oliveira (1995).
Outro ponto relevante é considerar que a sexualidade é um componente humano
que se define a partir de uma complexa inter-relação entre o biopsicossocial, a
subjetividade e as condições de existências diversas (MANDU; CORRÊA, 2000). Dessa
forma, podemos afirmar que a especificidade do exercício da sexualidade dos
adolescentes traz-nos uma práxis recheada de desafios. Por fim, apesar de
considerarmos todos esses fatores, nossa prática no âmbito da adolescência depara-
se, constantemente, com a complexidade que o tema nos remete e, portanto, planejar
14
os cuidados de enfermagem, considerando os problemas comuns entre os jovens,
parece não ser suficiente para provocar mudanças de atitudes que promovam saúde.
De acordo com minha experiência, pude perceber que os adolescentes sentem
necessidade de um vínculo com o profissional da saúde para expor suas dúvidas e
ansie
dades. E mais, em grande parte dos assuntos abordados, eles tiveram algum
acesso e possuem certo conhecimento. Sentem-se interessados pelas exposições e
conversas sobre temas relacionados à sexualidade; porém, querem mais, algo
indefinido para mim e que
se tornou fonte de minha inquietação.
Dessa forma, ao apreender as angústias manifestadas pelos adolescentes
durante os atendimentos, alguns questionamentos se fizeram presentes, tais como: de
que forma os adolescentes convivem com o sexo? Por que havia tantas perguntas em
relação a quando ter a primeira relação sexual? Por que não se interessavam tanto por
assuntos, como o uso do preservativo, por exemplo? Por que se interessavam mais
quando ouviam depoimentos de jovens falando sobre sua vida sexual?
Es
ses questionamentos levaram-me a refletir sobre minha prática e senti-
me
incomodada. Apesar de estar presente e ter o desejo de melhorar as condições de vida
do adolescente, sentia-me limitada, muitas vezes, com dificuldade para continuar o
trabalho. Entendo que a esfera individual e singular acerca da sexualidade coloca em
xeque a resolução dos problemas. Acredito que não resolvemos o problema afetivo-
sexual do outro, apenas, minimamente, podemos viabilizar reflexões para isto. Nesse
sentido, na busca de caminhos para o desenvolvimento saudável da prática sexual,
descobri um nó: os adolescentes querem muito mais que informações e debates sobre
sexualidade, querem também falar sobre seus sentimentos.
15
Foi então que, durante minha prática em enfermagem, surgiu a vontade de
aprofundar os conhecimentos sobre a sexualidade dos adolescentes, sobretudo no que
se refere ao momento da escolha da vivência de relações sexuais.
Várias pesquisas apontam o avanço, cada vez mais precoce, do exercício da
atividade sexual com todas as suas conseqüências. O momento que vivenciamos a
era da tecnologia, da internet, a posição da mídia demonstra o envolvimento dos
jovens neste emaranhado de imagens, cores e fantasias, influenciando sobremaneira
suas atitudes. Em meio a tan
tas manifestações de liberdade e facilidades de acesso às
informações, o adolescente vê-se, muitas vezes, perdido, à procura de referências e
valores, em busca do autoconhecimento. Sua afetividade e comportamento estão em
mudança, provocando-lhes muitas indagações sobre si mesmos e questões sobre o
sentido da vida (MINAS GERAIS, 1998). Nesta fase do desenvolvimento humano,
sobressaem as descobertas acerca da sexualidade, através dos sentidos, dos gestos,
dos toques, da voz, das sensações. Dentro desse processo de mudanças, descobertas
e escolhas encontramos posturas que vão desde a maturidade de ações reflexivas a
atitudes precipitadas, com conseqüências marcantes. Nas entrelinhas deste caminhar,
sobrepõem
-se os sentimentos, as emoções, os conflitos, os desejos que direcionam o
movimento em direção ao ato sexual. As significações imprimidas neste ato diferem de
sujeito para sujeito numa variação entrelaçada por cultura, história, convivência social,
gênero, situação socioeconômica entre outros aspectos que dão contorno à expressão
da sexualidade. Neste contexto, destaca-se o significado dos sentimentos e emoções
vividas pelo jovem.
16
A emoção é, portanto, fundamental componente nas ações humanas. Influencia
a escolha de objetivos a serem perseguidos, bem como avaliação e valorização
de certos dados, eventos ou situações vividas. Assim, em função do amor, do
ódio, medo, alegria, tristeza, o indivíduo é levado a procurar – ou evitar
objetos, pessoas, circunstâncias
(BRASIL, 2003, p.68).
Enfim, todo o processo de expressão da sexualidade do adolescente vai
culminar, essencialmente, no ato sexual. Em meio ao turbilhão de transformações que
perpassam a vida do adolescente, surge a vontade, a curiosidade, o desejo pelo sexo.
A iniciação sexual provoca mudanças relevantes na vida de um adolescente: “Por um
lado, eles se sentem integrados ao mundo dos adultos, prontos para usufruir seus
prazeres e sua liberdade, mas, por outro, a prática sexual exige bastante maturidade e
responsabilidade do adolescente” (FUNDAÇÃO RO
BERTO MARINHO, 2001, p.81).
A primeira relação sexual mostra-se como um marco considerável durante a fase
da adolescência o primeiro sutiã ninguém esquece, nem o primeiro dia de aula, o
primeiro namoro, o primeiro beijo e a primeira transa?” (FUNDAÇÃO ROBERTO
MARINHO, 2001, p. 79). É o momento em que o adolescente desperta para a vida
sexual e lhe é aberto um mundo de possibilidades de prazer ou desprazer. O “agora em
diante” vai depender da atitude deste jovem frente à sua nova realidade. “Esse é o
te
rritório absoluto da liberdade humana: a consciência individual. São as escolhas que
os jovens têm que aprender a fazer, ainda que dolorosamente. Mas nós podemos
ajudá
-los” (MINAS GERAIS, 1998, p.22). A família, a escola, nós, profissionais da
saúde e demais espaços sociais, precisamos interagir de maneira a cooperar com a
preparação dos jovens para o exercício saudável da sexualidade. Acredito que, ao
compreender a esfera sentimental dos adolescentes, no que tange à iniciação sexual,
ampliamos nosso potencial de ação junto a eles. Abordar a gravidez na adolescência,
17
por exemplo, é algo indiscutivelmente importante; porém, pouco se tem discutido acerca
dos sentimentos que enlaçam sua vida sexual.
Ao contextualizar o tema proposto por este estudo, cabe relatar um episódio que
me chamou a atenção: durante uma consulta de enfermagem, uma adolescente
solicitou
-me orientação quanto ao uso de anticoncepcional oral. Antes disso, porém,
dispusera
-se a falar do seu relacionamento com o namorado. Pressentia que, em
br
eve, teria sua primeira relação sexual. Suscitou várias dúvidas e pediu-me opinião.
Percebi que, na realidade, ela queria compartilhar suas expectativas, ansiedades e
dúvidas. Esta situação ilustra várias outras semelhantes que vivenciei em minha prática
ao atender os adolescentes e me fizeram refletir sobre algumas questões que não
permearam minha graduação. Dentre as lacunas existentes no currículo do curso de
Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais quanto à abordagem ao
adolescente, nada me fez sentir mais incompleta do que os assuntos acerca da
sexualidade, principalmente dos elementos relacionados à afetividade, aos sentimentos
envoltos nesse processo.
Meu propósito, portanto, é aprofundar as questões relativas aos sentimentos
envolvidos na
vivência da iniciação sexual, pois, segundo Heilborn,
[...] a etapa da juventude adquire especial relevância no estabelecimento de
roteiros biográficos, por abrigar o momento da iniciação sexual e amorosa com
um(a) companheiro(a) e de experimentação do repertório de práticas sexuais
[...] Sob tal ótica, a juventude é privilegiada como momento de análise, por
condensar a experiência da sexualidade com o outro, instaurando modos
particulares de entrada na vida sexual. (HEILBORN, 1999, p.13)
Nosso papel no âmbito da saúde projeta-se por meio da compreensão para
ação. É compreendendo o outro que buscamos alternativas viáveis para nosso
comprometimento com o cuidado e com a promoção da saúde. A justificativa deste
estudo projeta-se por meio dessa perspectiva, além de constituir-se num trabalho que
18
contribuirá, significativamente, com a comunidade científica, pois as pesquisas
envolvendo adolescentes, raramente, abordam questões sentimentais e afetivas, tendo
o foco bastante voltado para os aspectos biológico
-e
struturais.
Pretendo, portanto, com esta pesquisa, compreender os sentimentos do
adolescente envolvidos no processo de iniciação sexual
.
19
2-
BUSCANDO A SUSTENTAÇÃO PARA O TEMA
2.1-
CONCEITUANDO A ADOLESCÊNCIA: O PONTO DE PARTIDA...
Adolescência vem de
“adolescere”, palavra em latim que significa crescer, tornar
-
se maior, atingir a maioridade.
Em sua tese de doutorado, Reis (1993) discute a diversidade semântica
existente entre os termos puberdade, pubescência, adolescência, minoridade jurídica e
juven
tude e aponta as relações de parentesco e laços de fidelidade com o terreno
epistemológico no qual foram gerados. No fundo, consideramos que são termos que
designam, com precisão variável, a etapa da vida durante a qual o ser humano deixa de
ser criança, abandona o universo psicossocial infantil, iniciando um processo
característico de entrada para a vida adulta.
Este estudo, em particular, irá trabalhar com dois dos termos citados acima:
puberdade e adolescência. O primeiro é reservado para as modificações físicas que
ocorrem na faixa etária dos dez aos quatorze anos e que se caracterizam pelo
aparecimento dos caracteres secundários, crescimento esquelético e alterações da
composição corporal. O segundo abrange e ultrapassa o conceito de puberdade,
incluin
do não as transformações sicas, mas todo processo de transformação
psicossocial vivenciado pelo adolescente.
diversos parâmetros para definir qual etapa compreende adolescência. O
mais comum é a consideração de que “a adolescência constitui um p
rocesso,
fundamentalmente biológico, de vivências orgânicas no qual se aceleram o
desenvolvimento cognitivo e a estruturação da personalidade”, preconiza o documento
20
da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização Pan-americana de Saúde
(OPS). Ainda, na maioria das vezes, é delimitada uma faixa etária que tenta abranger,
minimamente, este processo. Alguns autores adotam a faixa etária de doze aos vinte
anos, outros de dez aos vinte anos e outros de doze aos vinte e um. A OMS e a OPS
identifica como adolescência o período que se estende dos dez aos dezenove anos,
dividido em pré-adolescência de dez aos quatorze anos e adolescência propriamente
dita dos quinze aos dezenove anos.
Em meio a tantas definições e delimitações da adolescência em faixa etária, é
importante considerar que essa etapa do desenvolvimento humano apresenta
características próprias, assim como a infância, a idade adulta e a velhice. Além disso,
as mudanças ocorridas durante essa fase não se configuram de forma homogênea
entre os jovens. Fatores como genética, situação sócio-econômica e meio cultural vão
influenciar direta e indiretamente neste processo.
É dentro desta lógica que destaco um trecho do livro ADOLESCER que coloca
que
Demarcações por faixa etária podem ser questionadas ao se considerar a
juventude como um processo social que pode ser compreendido a partir de
condições econômicas, políticas e sociais que determinam comportamentos
individuais e grupais, opções de vida, esperanças e desesperanças
(ASSOCIAÇÃO..., 2001, p.19
).
Podemos, então, caracterizar a adolescência como
[...] uma fase de intensas transformações corporais, psicológicas e sociais. No
que diz respeito às modificações físicas (puberdade), o que de mais importante
acontece é a perda do corpo infantil com o aparecimento dos caracteres
secundários (OSÓRIO, 1995, p. 95).
Neste momento disponho das palavras de Mandu e Corrêa (2000, p. 31)
acrescentando que a partir deste fato biológico, afirma-se que “estas modificações
ocorrem com tal intensidade que escapam do controle do adolescente”, isso não
21
exige uma reconstrução da sua auto-imagem, como também influencia, sobremaneira,
na construção de sua identidade.
Em relação às modificações mentais, o que ocorre de mais significativo é a
aquisição da capacid
ade de abstração e de interpretação, substituindo a lógica concreta
dos objetos, descreve Oliveira (1995). Dessa forma, o adolescente não mais manipula
objetos, simplesmente. Ele começa a manipular idéias, a fazer conjeturas e chegar a
conclusões próprias. Este novo estado mental leva o adolescente a inúmeras
descobertas, muitas vezes, conflituosas.
A sexualidade é, talvez, o comportamento da fase da adolescência mais
conflituoso. Segundo Osório (1992), essa é uma etapa da vida na qual a personalidade
está em fase final de estruturação e a sexualidade se insere nesse processo, sobretudo
como elemento estruturador da identidade do adolescente.
Aliada às percepções de mudanças no corpo o adolescente vive uma situação de
constantes questionamentos sobre si e reestruturação do eu físico e psicológico. A
relação que o adolescente adquire com o próprio corpo apresenta-se como fator
relevante na vivência da sexualidade.
Na medida em que somos uma unidade integrada, aquilo que afeta o nosso
corpo influencia também nossa percepção de mundo. Nessa perspectiva, a
vivência da sexualidade sadia talvez seja um dos maiores desafios para os
adolescentes e os adultos que o cercam. (CARVALHO, GUIMARÃES e
SALLES, 2003, p. 9)
Assim, busco compor um arsenal de idéias e posições de determinados autores
acerca da sexualidade vivenciada pelo adolescente, para, a partir daí, discutir a
importância de compreendermos aspectos pouco explorados nesta temática, dentre
eles, os sentimentos envolvidos nesta vivência.
22
Como definição de sexualidade recorro a Mandu e Corrêa (2000, p. 28), que
dizem que “sexualidade é compreendida como uma das expressões humanas que
envolve afetos, sentidos, desejos, comunicação, criação e, mais amplamente, o próprio
viver”.
Ao pensar nesta temática é preciso reconhecer que se chama sexualidade a
todas as formas, jeitos, maneiras como as pessoas buscam o prazer. Sob este aspecto,
a sexualidade não está sujeita a julgamentos e não está restrita ao aspecto genital,
extrapola a relação sexual. Devo salientar que a genitalidade não deve ser interpretada
de forma desarticulada, em que se confunde sexo e reprodução com a expressão da
sexualidade.
Além das questões de corporeidade, a sexualidade envolve uma ampla rede de
significações que inter-relacionam biologia, subjetividade e condições existenciais
concretas, coloca Mandu (2000). Esta rede integrada é que faz da sexualidade um
componente humano essencialmente singular e único em cada ser. A vivência da
sexualidade é algo intransponível, dissolvido e destacado em várias ações humanas
que envolvem desejo, prazer e aspirações.
Apesar da singularidade do exercício da sexualidade, é pertinente e necessário
chamar a atenção para o fato da sexualidade transpor as referências individuais e ir ao
encontro do outro, ou melhor, dos outros, tornando-se um elemento de definições e
enlaces sociais. Torna-se, então, um componente que apresenta manifestações que
refletem de modo único e singular, a individualidade de cada sujeito e, de modo coletivo
e plural, a marca dos espaços so
ciais específicos onde é exercida, como lembra Mandu
(2000).
23
Heilborn (1999, p.77) conceitua: “[...] a sexualidade, enquadrada por um conjunto
de leis, costumes, regras e normas variáveis no tempo e no espaço, é um fenômeno
socialmente construído, mas muitas vezes considerado uma evidência ‘natural’ ”.
Outro aspecto relevante dentro de uma visão ampliada e contextualizada da
sexualidade, é refletir sobre a construção histórica da sexualidade. No Brasil, Luiz Mott
aponta três complexas matrizes sexuais:
[..
.] o modelo sexual hegemônico dos donos do poder, representado pela moral
judaico
-cristã fortemente marcada pela sexofobia, e os modelos periféricos
indígena e africano, dominados por multifacetada pluraridade cultural e grande
permissividade relacional (M
OTT, 1994, p. 6).
2
Embora houvesse um “embridamento” cultural e étnico, predominou através dos
tempos, a cultura dominadora da moral cristã, a qual imprimiu traços de repressão e
significados enraizados em tabus. Apesar das evidências deste legado, destaca-se um
momento de referência histórica da sexualidade no Brasil, a década de sessenta
marco importante na transformação da cultura sexual. Nesta década grupos
organizados articularam um processo de contestação moral e de valores vigentes,
estabelecendo
uma nova ordem de padrões de comportamento sexual, uma “nova
moral sexual”, coloca Oliveira (1995).
Desde então, houve uma verdadeira avalanche de mudanças no contexto da
moral sexual e, muitas vezes, as pessoas vêem-se perdidas, sem saber o que pensar
ou
mesmo como agir. Afinal, o que deve ser valorizado quando o assunto é “sexo”?
Segundo Heilborn (1999), as análises e definições sobre relação sexual variam
segundo pesquisas, e essa variabilidade está ligada às questões sociais que motivam
tais pesquisas e tornam possível seu financiamento e realização. Em sua obra
Sexualidade
um olhar das ciências sociais, uma das colaboradoras, Brigitte Lhomond
2
http://br.geocities.com/luizmottbr/artigos05.html
.
24
(1999) realizou uma pesquisa sobre juventude e sexualidade na França e definiu como
relações sexuais jovens que praticaram atos envolvendo os órgãos genitais de pelo
menos um dos parceiros. Mais adiante, na mesma pesquisa, ela questiona essa
definição e aponta que esta vai de encontro com o senso comum em que se supõe a
ocorrência do coito (vaginal e anal).
Minha
proposta de estudo é compreender os sentimentos do adolescente
envolvidos no processo de entrada para a vida sexual, o que me leva a considerar a
primeira relação sexual deste jovem. Para efeito, adotarei a definição exposta pela
autora acima, Lhomond, qu
anto ao ato sexual a qual difere do senso comum.
2.2- ADOLESCÊNCIA / SEXUALIDADE: UM ELO NECESSÁRIO
Ao se pensar na iniciação sexual é fundamental definir alguns fatores
relacionados a esse processo. Para tanto é necessário recorrer à terminologia adota
da
pelos adolescentes para compreendê-los melhor. Embora os termos possam variar de
região para região eles apresentam significados semelhantes.
Temos então, como início do envolvimento afetivo, o
ficar
definido como
[...] uma experiência de estar com o outro, trocar carícias, intimidades,
descobertas e sensações sobre o corpo e sobre si mesmos. Rolam beijos,
abraços e, eventualmente, pode
-
se chegar a uma transa. Os limites do
ficar
são
determinados pelo próprio casal. Em geral inclui afetividade, porém não um
compromisso de continuidade ou exclusividade, mas o
ficar
poderá se
transformar em namoro (GONÇALVES
apud
FUNDAÇÃO ROBERTO
MARINHO, 2001, p. 150).
Como continuidade do processo, o
ficar
pode progredir para o “rolo”. Este tipo
de relacionamento
es
tá baseado em contatos posteriores ao ficar
.
Esses contatos
podem ser através de telefonemas, encontros, e-mails, MSN, etc. Enfim os parceiros
25
continuam
ficando,
porém mantêm laços descompromissados. Existe também o “rolo
sério” :
[...] refere-se a algo mais forte. Implica em certa dose de compromisso.
Compromisso de telefonar e de se encontrar novamente. Se “pintar” o “lance”
de “transar”, “transa-se”, mas não nenhuma exigência de fidelidade. O
namoro, porém, é hierarquicamente algo mais sólido. Implica em um grau mais
sério de compromisso. (CAVALCANTI, ca. 1993, p. 32)
Em qualquer uma dessas fases pode estar situado a iniciação sexual. Não
restrições quanto ao grau de intimidade para que haja envolvimento sexual entre os
jovens. sim uma imprevisibilidade do momento da relação sexual. Muitas vezes os
adolescentes podem não assumir para si mesmos que estão vivendo um
relacionamento sexual, costumam não planejar sua vida sexual.
Todo esse processo aparece num emaranhado de situações que envolvem
a
vivência da sexualidade do adolescente, foco deste estudo. Através da revisão
bibliográfica, percebi uma escassez de artigos abordando as questões afetivas,
sentimentais. Muito se tem escrito sobre a importância do diálogo entre pais, escola e
os jovens, a existência de DSTs e a necessidade de uma abordagem preventiva, as
dificuldades em lidar com o assunto, as mudanças bio-psicossociais, entre outros.
uma tentativa de descrever as sensações vividas pelo jovem, porém ainda conforme a
visão do adulto, que as expõe de acordo com as percepções apreendidas na
convivência e trabalho com esses adolescentes.
Ao abordar adolescência e sexualidade deve estar claro que a sexualidade não é
um fenômeno que aparece na adolescência, mas acompanha o indivíduo desde s
eu
nascimento. Porém, é encarado pelos pais como realidade concreta quando os filhos
iniciam a fase da adolescência, comenta Oliveira (1995). Talvez, porque é durante a
26
adolescência que alguns aspectos considerados socialmente “sexualizados” começam
a tran
sparecer nas atitudes dos jovens.
Seguindo o contexto assinalado na discussão sobre o aspecto social da
sexualidade, vemos que a adolescência abriga um momento de destaque já que
[...] as marcas sociais dessa fase, particularmente, os exercícios da sexua
lidade
e reprodução fundam-se nas origens e classes sociais, na história familiar e de
socialização, nas relações de igualdade/desigualdade vividas, no partilhamento
de preceitos de moralidade e hierarquizações, entre outros tantos processos
que dão contor
no à subjetividade humana (ASSOCIAÇÃO..., 2001, p. 63).
Ao refletir sobre essas questões percebo, com destaque, a influência advinda
dos meios de comunicação como revistas, jornais, televisão, internet, entre outros.
Esses meios caracterizam-se como coringas que transitam e veiculam mensagens e
imagens sobre sexo, as quais prescrevem, nas entrelinhas, modelos de comportamento
e de papéis sexuais para homens e mulheres. Uma realidade entrelaçada por liberdade
e acesso fácil, onde informações convenientes ou não, circulam muito rapidamente e
encontram um ser repleto de vulnerabilidades: o adolescente.
Outro fator importante a ser considerado é o surgimento da pílula
anticoncepcional. Essa, aliada às concepções literalmente derrubadas a partir da
década de sessenta, como a valorização positiva da virgindade e a proibição de
relações sexuais fora do casamento, além da influência inegável da mídia, contribuiu
para incentivar a atividade sexual entre os jovens.
Nesse clima de pós-modernidade, dados estatísticos que demonstram o
avanço da precocidade no exercício da atividade sexual, com todas as suas
conseqüências (MINAS GERAIS, 1998). Além disso, vale salientar as pesquisas que
mostram que apenas uma minoria dos adolescentes, sexualmente ativos, usa qualque
r
método anticoncepcional, independentemente das campanhas de orientação sobre
27
planejamento familiar, encabeçadas por órgãos públicos e privados. Os jovens, em
geral, encaram de maneira equivocada a questão do uso de preservativos e outros
cuidados pessoais. Apesar dos aspectos relacionados à formulação, implantação e
viabilização de muitos trabalhos educativos sobre sexualidade apresentarem
características que desfavorecem uma perspectiva de mudança de comportamento dos
jovens, o fato é que os riscos advindos de uma prática sexual não-saudável vão
subsidiar uma série de problemas individuais e coletivos.
A ocorrência crescente da gravidez na adolescência é considerada um
importante problema de saúde pública no Brasil, enfatiza Mandu (2000). Este fenômeno
n
ão vem desvinculado do ciclo de exclusão como pobreza, educação precária e falta de
perspectiva de futuro (ABEn, 2000). Entre 1993 e 1998, observou-se um aumento de
cerca de 31% no percentual de partos de meninas de 10 a 14 anos na rede do Sistema
Único de Saúde (BRASIL, 1999). Apesar das diferenças regionais, dados atuais
mostram que o número de recém-nascidos de mães adolescentes corresponde a
23,38% dos nascimentos (BRASIL, 2006). Um estudo realizado em Belo Horizonte/MG
através da análise do Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC) verificou-
se
que a proporção de mães adolescentes varia de 6,05% a 25,79% dependendo da área
de abrangência (FRICHE et al, 2006). O que mais nos chama atenção nestes dados, é
a íntima relação entre gravidez na adolescê
ncia e gravidez não planejada. Quer dizer: a
precocidade não deve ser limitada às questões puramente biológicas, mas,
principalmente, às questões de ordem social e afetiva, que irão repercutir além do
período gestacional. Pode-se mencionar as influências sobre a educação (ex.: evasão
escolar), perspectiva profissional e familiar, além de outros fatores que refletirão no
futuro destes jovens. Além disso, o agravante são os abortos ocorridos nesta fase.
28
Dados estatísticos apontam que em 1998, 50 mil adolescentes foram submetidas à
curetagem pós-aborto em hospitais públicos. Com relação às repercussões para a
saúde da adolescente, a gravidez representa uma das principais causas de morte de
mulheres entre 15 e os 19 anos, seja por complicação na própria gravidez, no parto ou
pela prática clandestina do aborto. (BRASIL, 1999)
No tocante aos agravos à saúde, percebe-se um aumento nos índices de
contaminação por doenças sexualmente transmissíveis (DST). No caso da Aids,
embora o número de casos notificados em adoles
centes não seja grande em relação às
outras faixas etárias, evidencia-se um crescimento nos últimos anos 500 casos novos
entre 13 a 19 anos em 2004 –, obedecendo às quatro tendências principais de
crescimento da doença no país: a feminilização, a pauperização, a interiorização e a
diminuição da faixa etária das pessoas atingidas (BRASIL, 2006).
Dessa forma, vimos que a vulnerabilidade diante de fatores que envolvem o sexo
vai influenciar, notadamente, o futuro dos adolescentes, não no que tange à
indi
vidualidade, mas também nos aspectos sócio
-econômicos. Assim, vimos que:
[...] a vulnerabilidade e os agravos vividos na adolescência irão evidenciar
efeitos e custos, em termos de transtornos e sofrimentos, em etapas futuras da
vida, principalmente quando tomamos casos como o de consumo de
substâncias psicoativas, sexo desprotegido e infecção por DST e Aids, entre
outros (ASSOCIAÇÃO..., 1998, p.24).
Vergonhas, medos, inseguranças, estereótipos e preconceitos, segundo Mandu
(2000), ampliam a vulnerabilidade de adolescentes a problemas relativos à sexualidade
e reprodução, sobretudo quando essas vivências esbarram na falta de apoio familiar e
social. Mais uma vez nos deparamos com a esfera sentimental como fator que retro-
alimenta as ações e relações humanas, não sendo diferente com os adolescentes. As
escolhas feitas pelos jovens num momento de conflito que é a adolescência definirão
29
alguns caminhos de sua vida que o levarão ou não à construção saudável do exercício
da sexualidade. Nessa perspectiva, em que autonomia e tomada de decisão se
entrelaçam, as escolhas feitas pelos adolescentes influenciarão os seus
comportamentos: sexual, religioso e afetivo. (CARVALHO, GUIMARÃES E SALLES,
2003).
Visto que a ocorrência dos agravos está intimamente ligada ao modo
de vida das
pessoas, precisamos acatar a idéia de que vulnerabilidade não deve ser vista fora de
uma temática ampla em que se integrem aspectos sociais, institucionais e individuais.
“É no concreto da vida, na construção/reconstrução e apropriação ou não de bens e
valores materiais e culturais, na interação destes com processos somáticos, genéticos e
físico
-ambientais, que se definem os diversos modos de vida do adolescente”
(ASSOCIAÇÃO..., 2001, p.13).
É neste contexto que nós, profissionais da saúde particularmente os
enfermeiros
nos inserimos. Devemos assumir o compromisso com a saúde e
qualidade de vida da população jovem brasileira, no sentido de atender as demandas e
desafios que não se restringem aos serviços de saúde, mas que se incorporem em
es
paços assistenciais diversos, como importante
locus
de transformação e de garantia
ao exercício da cidadania. Para isso, são necessárias novas formas de conceber e
atuar junto aos adolescentes, onde a elaboração de programas e projetos direcionem
para uma perspectiva diferenciada, em que se considere tanto a peculiaridade dos
sujeitos envolvidos no processo (adolescentes, profissionais, família) quanto à
articulação dos múltiplos espaços institucionais, que colaboram na estruturação da vida
individual e col
etiva.
30
O que se observa é que muitos profissionais encontram
-
se despreparados para o
trabalho com o adolescente, para a atenção às peculiaridades e complexidades de suas
necessidades. Faltam espaços e suportes apropriados às suas demandas, tanto no
campo
da orientação, quanto na proteção e recuperação da saúde sexual e reprodutiva.
Os sentidos do corpo e as desigualdades e diferenças de distintas ordens o
freqüentemente ignoradas, num processo de homogeneização e simplificação da saúde
adolescente (MANDU
, 2000).
Uma reflexão interessante é considerar que
Se por um lado as distorções e dificuldades de se tratar assuntos pertinentes à
área sexual podem estar ligadas à enorme carga afetiva que a sexualidade tem
para as pessoas, à falta de conhecimento, ou até mesmo às atitudes negativas
que acompanham tradicionalmente o tema, por outro cada vez mais, se aceita a
idéia de que a sexualidade humana tem muito a ver com as possibilidades de
felicidade pessoal e social, constituindo-se num elemento-chave para a saú
de e
para a qualidade de vida (ASSOCIAÇÃO..., 2000, p.48)
.
Compete ao enfermeiro, portanto, interagir com as várias nuances discutidas até
o presente momento e, processualmente, fornecer elementos para a crítica aos fatores
individuais e sociais abrangendo a percepção afetiva e os assuntos físico-
biológicos
presentes na sexualidade humana.
31
3-
TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
3.1- PESQUISA QUALITATIVA... FENOMENOLOGIA
Minha primeira aproximação com a pesquisa qualitativa se deu ao ingressar-
me
no curso de mestrado. Oportunamente tive contato com outras abordagens, mas a
pesquisa qualitativa proporcionou
-
me um certo fascínio.
Ao inteirar-me melhor acerca de seus pressupostos, vi que meu objeto de
pesquisa tinha uma grande aderência com ela. Queria compree
nder os sentimentos dos
adolescentes na preparação para a iniciação sexual. Neste caso, a pesquisa qualitativa
seria a mais indicada para se trabalhar o fenômeno, já que não podemos quantificar
sentimentos, significados, simbologias, desejos. Compreender a esfera sentimental
implica compreender a vivência do outro. Envolve intersubjetividade, empatia, enfim,
significa estar
-
com
-o-
outro.
Segundo Minayo (2004), a pesquisa qualitativa caracteriza-se por lidar com a
realidade que não pode ser quantificada e por aprofundar-se “no mundo dos
significados, das ações e relações humanas”.
Mais que isso, meu objetivo não seria, em momento algum, explicar os
sentimentos dos jovens no que tange à sua sexualidade, mas sim compreendê-los. A
pesquisa qualitativa me permite isto, que ela não se preocupa com causas,
explicações, generalizações, princípios e leis; estando o foco de sua atenção
direcionado para o específico, o particular, o individual, buscando sempre compreender
o fenômeno, e não explicá
-
lo, enfatizando ma
is o processo do que o produto (MARTINS
e BICUDO, 1989).
32
Outro ponto interessante que justifica minha escolha pelo método qualitativo é
que o investigador entra em contato com o vivido, com as experiências e o falar
humano, ou seja, com os discursos dos s
ujeitos da pesquisa. Isso coloca o pesquisador
em uma posição não de neutralidade com relação ao objeto de estudo, e sim de
envolvimento, de compartilhamento, a partir da imersão nos relatos dos sujeitos,
buscando apreender deles significados conforme a perspectiva do pesquisador. Todo
esse processo exigiu uma postura categórica de minha parte à qual deveria estar
sempre atenta para a rigorosidade científica necessária em toda a pesquisa. Concordo
com Triviños (1987), quando aponta que, na pesquisa qualitativa, o pesquisador tem a
liberdade teórico-metodológica para elaborar seu estudo, desde que mantenha as
exigências inerentes ao trabalho científico, apresentando uma estrutura coerente,
consistente, objetiva e original.
Dentre as correntes filosóficas que compõem o universo da pesquisa qualitativa,
optei pela fenomenologia, que gostaria de compreender a essência da experiência
vivida pelo sujeito. Trabalhar com esta abordagem foi desafiante para mim,
considerando se tratar de um assunto que a princípio
não estava familiarizada.
Em uma sociedade em que a fase da adolescência é alvo de estereótipos,
impregnados por conceitos negativos de rebeldia, conflito, violência, agressividade,
dificuldade de relacionamento com os pais, entre outros estigmas, nada ma
is
significativo para mim do que abandonar, temporariamente, esses pressupostos e ir ao
encontro do mundo
-
vida que o jovem tinha a me revelar.
A fenomenologia, como linha de pensamento, e não mais como teoria da
aparência (visão falsa da realidade 1764), de Lambert e Fichte, teve sua origem com
o matemático e filósofo Edmund Husserl (1859-1938), no período em que vivenciara
33
uma crise da cultura científica. Houve, nessa época, uma oposição e ruptura com o
naturalismo e o positivismo, em que se questionavam os motivos reais de se fazer
ciência, as razões e as finalidades de tudo. Não se questionava a eficácia do
positivismo como método de fazer ciência, mas o seu sentido para a humanidade. Os
estudiosos da matemática e da física aceitavam a existência de uma consciência
envolvida com o pensamento lógico; porém, acreditavam ser impossível estudá-la por
ser demasiadamente subjetiva.
Husserl passa a questionar a consciência como sendo intencional, fazendo parte
de um sujeito que vivencia determinadas situações, mesmo em assuntos tão exatos
quanto à matemática. Ele defende, então, a construção de uma ciência para as
experiências vividas, ou seja, do vivido enquanto tal; chama-a de fenomenologia
“ciência dos fenômenos”. Nesse período, Husserl entra em contato com um filósofo e
psicólogo austríaco, idealista, Franz Brentano (1838
-
1917) que propôs um novo método
de conhecimento da estrutura psíquica. Para ele, a
psiquè
sempre está dirigida para
algo, é intencional e os fenômenos podem ser percebidos. O autor explora o campo da
consciência e sua relação com o objeto. Husserl trabalhava justamente com o sentido
deste objeto; para ele não era apenas um objeto físico, considerava a especificidade do
mesmo, sua natureza, o fenômeno em si.
A fenomenologia surge, então, com a preocupação de desvelar, de tirar o véu de
um fenômeno vivido por um sujeito e que tem significado para ele, que possui uma
essência e o qual somente ele, que o vivencia, pode descrevê
-
lo tal como é.
Para Husserl, fenomenologia é a ciência descritiva das essências da consciência
(MARTINS; BOEMER; FERRAZ, 1990).
34
Heidegger (1998), um dos precursores desta ciência e discípulo de Husserl, em
sua obra
Ser e Tempo
aponta a fenomenologia como busca do sentido do ser, do existir
no mundo, desvelados pelo discur
so e pelo silêncio dos sujeitos.
uma busca da essência por intermédio do fenômeno definido como aquilo
que se mostra à consciência, como resposta às interrogações que se dirigem ao sujeito.
Husserl propõe a fenomenologia como a volta ao mundo vivido. Para ele é necessário
voltar às coisas mesmas, apreendendo a essência do fenômeno, que não se reduz à
dimensão do fato (DARTIGUES, 2000; MARTINS, BOEMER e FERRAZ, 1990). “A
fenomenologia é, portanto, um pensar a realidade de modo rigoroso” (BICUDO;
ESPÓSITO,
1994, p.17), onde estão presentes o fenômeno, a realidade, o mundo-
vida,
a consciência, a essência, a verdade, a experiência, o
a priori
, a intersubjetividade.
Capalbo (1984) pontua que fenômeno é tudo aquilo que surge para a
consciência. É o que se mostra, o que se desvela para a consciência, como resultado
de uma interrogação. São nossos atos intelectivos, afetivos, nossas ações, nossas
lembranças, percepções, imaginações. Enfim, tudo aquilo que torna intencional à nossa
consciência
2
.
Matos (1996) afirma que a investigação fenomenológica consiste na
discriminação do que é dado imediatamente na consciência como vivência, isto é, como
presencialidade vivida. Para Biff (1991), consciência é sempre
consciência
de alguma
coisa, o fundamento do ato humano, um estado de alerta para o mundo. A
intencionalidade é dirigir-se a algo, uma forma de estabelecer relações entre o sujeito e
o objeto. Merleau-Ponty (1999, p.154) diz que o ato intencional “é a orientação da
consciência em direção a objetos intencionais, é uma referência a alguma coisa com a
2
Consci
ência na fenomenologia é intencionalidade, é estar voltado para algo, atentivamente.
35
qual minha consciência discutiu; ela arranca a consciência da contingência dos
eventos”.
A pesquisa fenomenológica surge a partir de uma interrogação de algo que
incomoda o pesquisador, um questionamento, uma insatisfação em relação à sua
prática. Para Martins, Boemer e Ferraz (1990), o pesquisador inicia sua trajetória
metodológica a partir de uma dúvida. Quando interroga, vai ao encontro do fenômeno,
por meio do sujeito que experiencia a situação. Não um problema de pesquisa, a
busca por situar o fenômeno. Neste caminho, o pesquisador busca desvelar a estrutura
fundamental do fenômeno: sua essência, recheada de significados, de valores. A
essência se mostra, então, como identidade do fenômeno.
Como cada momento vivido é único, na fenomenologia, a busca da verdade
nunca se esgota, porque o fenômeno nunca se exaure; ele tem que ser visto sempre de
novo (GRUEL citado por RIBEIRO, 2004), pois sempre que questionado, desvelar-
se
-
á
de maneira diferente.
Como enfermeira e pesquisadora, pretendia adentrar no vivido, no mundo-
vida
dos adolescentes, no que tange aos sentimentos que eles vivenciam no momento de
preparação para a entrada na vida sexual. Cada sujeito da pesquisa, através do
discurso e do silêncio, mostrou para mim seu mundo-vida, sua experiência, suas
sensações e imaginações acerca do evento sexual que está por vir.
Segundo Giles (1989), mundo-vida, ou
Lebenswelt
, é o mundo cotidiano do
sujeito, composto por uma base histórico-cultural concreta que, intersubjetivame
nte,
aparece sedimentada em seus costumes, saberes, valores, modos de vida e de lidar
com as situações do dia-a-dia, ou melhor, de uma realidade construída por ele e que a
36
fenomenologia se propõe a conhecer, indo em busca da essência do vivido, tal como
el
e aparece em seu cotidiano.
Para se chegar à essência do fenômeno, a fenomenologia passa por três
momentos, os quais não são seqüenciais, eles se entrelaçam no decorrer da pesquisa.
Em um processo de idas e vindas, o pesquisador percorre os caminhos que o levam à
evidência do fenômeno.
Com a interrogação, buscam-se os relatos da experiência dos sujeitos e obtêm-
se as situações vividas que foram conscientemente tematizadas por eles, permitindo-
se, dessa forma, ter acesso ao seu mundo-vida (MARTINS, BICUDO, 1989), momento
chamado de
descrição.
A descrição que se mostra através dos discursos dos sujeitos e que se registra
por meio da escrita é resultado do diálogo estabelecido entre o pesquisador e o
pesquisado. O pesquisador espera que os sujeitos relatem, de modo preciso, o que
ocorre com eles ao viver suas experiências. “A descrição é, portanto, o relato de alguém
que sabe alguma coisa para alguém que não sabe. A descrição se dá na experiência do
sujeito que está vivenciando aquela situação” (MARTINS; BOEMER; FERRAZ, 1990,
p.145).
Para tanto, os autores acima afirmam haver um rigor metodológico ao descrever
a situação tal como ela se mostra no vivido; deve-se respeitar o linguajar do sujeito,
sem inferir-lhe palavras que não tenham sido ditas, de modo a alcançar a essência do
fenômeno. Diz
-
se da fala ingênua da experiência vivida, sem reflexão. “É desta maneira
que o fenômeno situado se ilumina e se desvela para o pesquisador” (MARTINS;
BOEMER; FERRAZ
,
1990, p.145).
37
No entanto, para se chegar à essência, é necessário realizar a
redução
fenomenológica,
que consiste no momento em que extraímos do fenômeno aquilo que
é essencial. Aquilo que se configura como primordial ao fenômeno.
Husserl chamou esse momento de
epoché
, que significa suspensão: uma
maneira diferente de olhar, abandonando preconceitos e pressupostos do senso
comum e mesmo do pesquisador (MARTINS; BOEMER; FERRAZ, 1990).
Por meio da variação imaginativa chega-se aos aspectos essenciais do
fenômeno. Este processo inclui retornar à experiência vivida pelo sujeito e sobre ela
fazer uma profunda reflexão, em que seja possível perceber as várias nuances que o
fenômeno possa vir a ter, até chegar àquilo que não pode ser retirado sem a destruição
do próprio fenômeno, o que possivelmente pertence à sua essência (DARTIGUES,
2000).
Capalbo aponta que
[...] é pela descrição e pela variação imaginária dos aspectos acidentais que se
chega à essência ou ao invariante do fenômeno, ou do ser enquanto esse se
manifesta tal como ele é em sua essência (CAPALBO, 1984
, p.139
).
A compreensão/interpretação fenomenológica visa compreender a essência
do fenômeno. Neste momento é preciso se ater à necessidade de “liberar nosso olhar
para a análise do vivido, que não pode ser definido, mas apenas descrito” (CAPALBO,
199
6, p.42).
Para Heidegger (1998), a interpretação compreensiva requer apreensão dos
significados expressos nos discursos dos sujeitos, no seu cotidiano, mediante a
linguagem, o que ele chamou de
falatório.
A linguagem própria do homem dimensão
ontológica
não deve sofrer imposição técnica, destaca o autor.
38
Dessa forma uma tentativa do investigador apreender o significado do
fenômeno, ocorrido na perspectiva do sujeito que o vivencia. Feito isso, o pesquisador
organiza uma síntese das unidades de significado que vão apontar para uma descrição
consistente da estrutura situada do fenômeno.
3.2-
O CONTEXTO DO ESTUDO: UM
ENCONTRO COM OS SUJEITOS
Acredito que o momento do encontro com os adolescentes foi um tanto quanto
difícil para mim, pois trago, da minha formação profissional, pressupostos do
positivismo que tentaram aflorar ao estar diante do sujeito. Foi neste instante que deixei
de lado tudo que sabia acerca do fenômeno, para portar-me conforme as exigências do
método. Para proceder, fenomenologicamente, foi necessário o encontro intersubjetivo
entre pesquisador
-
pesquisado.
A intersubjetividade é a categoria central da análise fenomenológica. Para ela,
estamos sempre em relação uns com os outros, sendo a verdade do ser, tendo como
meio facilitador ou não dessa relação, a linguagem. A fenomenologia destaca a
linguagem como forma ideal de se compreender a vida humana e a interação social, ou
seja, a linguagem faz parte da realidade vivenciada cotidianamente pelos indivíduos,
uma vez que é por meio del
a que se comunicam. Bicudo e Espósito (1994) dizem que a
verdade é facilitada pela linguagem, porque, principalmente quando falada ou escrita,
existe atrás disso um padrão lingüístico conhecido que sistematiza as formas de “ver
(perceber, compreender, interpretar) e falar (dizer, agir)” de sujeitos, ou comunidades
específicas, que compartilham da mesma forma de linguagem. E é também dificultada
39
porque as palavras, os símbolos e os signos não expressam realmente o vivido que,
por sua vez, necessita ser compr
eendido e interpretado.
A forma de o sujeito descrever sua experiência, rigorosamente como ela
acontece, é através do discurso, da fala, da linguagem verbal e não verbal. Para isso,
pode
-se recorrer à entrevista, não como um procedimento mecânico de perguntas e
respostas, mas como um encontro social, em que exista uma relação pesquisador-
pesquisado apoiado em pilares de empatia, intuição, percepção e imaginação
(CORRÊA, 1997).
Toda pesquisa com seres humanos requer alguns procedimentos éticos que
garanta
m a integridade física, moral e cidadã dos sujeitos que são abordados. Portanto,
após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética da UFMG (ANEXO 1),
segui categoricamente as recomendações da Resolução 196/96, do Conselho Nacional
de Saúde, que trata de questões éticas em pesquisas que envolvem seres humanos.
Recorri a documentos que explicam e comprovam o consentimento de todas as
pessoas que se envolveram com a fonte e análise dos dados. Foram expostos meus
objetivos e afirmado meu compromisso social com os resultados da pesquisa, no intuito
de promover a melhoria da qualidade da assistência aos adolescentes (BRASIL,
1996a)
.
A busca pelo fenômeno constitui
-
se, portanto, de
dois momentos. Um primeiro no
Município de Belo Horizonte, em que retornei ao espaço onde nasceu minha
inquietação para tentar recompor o enlace por ora estabelecido entre mim e os jovens
da Escola Municipal José Maria dos Mares Guia, após a aprovação da pesquisa pela
Diretoria (ANEXO 2), como forma de aproximar-me do fenômeno de estudo. Um
40
segundo no Município de Contagem, em que estabeleci contato com os adolescentes
atendidos por mim na Unidade de Saúde Centro, onde estou inserida (ANEXO 2).
Para que ocorresse uma aproximação pesquisador-pesquisado e proporcionasse
uma esfera de empatia, foram realizados encontros prévios com os adolescentes.
Na
escola, foram realizados cinco encontros com um grupo de adolescentes formado a
partir desta pesquisa em contrapartida pela contribuição e abertura da escola para a
realização do meu trabalho. Doze adolescentes participaram do grupo. Foram
realizadas oficinas de pintura, “dinâmicas do corpo” e jogos de perguntas e respostas.
Uma experiência ímpar que possibilitou a aproximação entre o vivido e o desconhecido
dos jovens os quais se sentiram incentivados a continuar a trajetória. Fruto desta
iniciativa foi a parceria acolhedora da professora Linda que, com o apoio e a aprovação
da diretoria, assumiu um Projeto de sexualidade, onde os alunos participam de
atividades educativas relacionadas a
o assunto às segundas, quartas e sextas
-
feiras.
Em contrapartida, na Unidade de Saúde os encontros com os adolescentes
foram mais pessoais e individualizados. O primeiro contato foi através do acolhimento,
momento em que eram expostas as queixas ou solicitações levadas pelo jovem. De
acordo com o fluxo da unidade, a partir do acolhimento o jovem demandava consultas
de Enfermagem das quais, muitas vezes, emergiam assuntos relacionados à
sexualidade. E assim fui traçando caminhos que nos possibilitaram criar vínculos para
posterior convite para participar da pesquisa.
Então, após esses encontros o adolescente era convidado para participar da
pesquisa. Se aceito, era disponibilizado o Termo de Consentimento Livre Esclarecido -
TCLE (ANEXO 3). Pelo fato de os sujeitos da pesquisa serem adolescentes, que ainda
41
não atingiram a maioridade, foi solicitado, também, o consentimento dos pais e/ou
responsáveis, para a participação dos jovens no estudo (ANEXO 4).
Depois da aprovação do responsável, agendávamos a entrevista em data e local
escolhido pelo sujeito. Era no momento da entrevista, após aproximação pelo diálogo,
que eu definia se o jovem havia ou não passado pela experiência sexual. Vale rever o
que foi colocado na fundamentação teórica deste trabalho sobre relação sexual: “[...]
jovens que praticaram atos envolvendo os órgãos genitais de pelo menos um dos
parceiros. A primeira ocorrência dessa prática define sua primeira relação sexual”
(HEILBORN, 1999, p. 79).
Definido que não, parti para a questão norteadora: Como você se sente ao
pensar na sua iniciação sexual? Encontrei-me com um total de quinze adolescentes:
um dos encontros aconteceu na Unidade de Saúde em que atuo, seis na Escola
Municipal José Maria dos Mares Guia e oito na própria residência dos adolesc
entes. No
entanto, participaram das entrevistas doze adolescentes, já que três deles haviam
passado pela experiência sexual, o que os excluía naturalmente da pesquisa (ANEXO
5).
Todos os adolescentes que participaram da pesquisa receberam um pseudônimo
co
mo forma de garantir-lhes o anonimato. Cada “novo nome” atribuído aos jovens tem
um significado peculiar. Durante meus estudos, percebi que os discursos proferidos por
eles aproximavam-se da linguagem transcendental da arte. Como músicas, pinturas,
poesias
, imagens. Foi preciso mergulhar no universo simbólico de cada sujeito para
extrair deles a essência dos nossos encontros fenomenológicos. Portanto, para
renomear os adolescentes que participaram desta pesquisa quis realizar uma grande
fusão: o mundo-
vida
deles e meu mundo-vida. Para tanto, recorri a nomes de artistas
42
contemporâneos, uns escolhidos por mim outros sugeridos por eles. Cada jovem
recebeu o nome de um artista contemporâneo cujo estilo se aproxima da característica
que nele se destacou. (ANEXO 6
)
Apesar de supor que sentiria dificuldades para a realização das entrevistas
devido ao seu conteúdo fortemente subjetivo contrapondo minha formação arraigada no
positivismo, percebi que foi muito diferente. Durante as entrevistas, houve um
desprendiment
o de minha parte em relação aos preconceitos, aos valores
preestabelecidos, aos aspectos pessoais e sociais para um verdadeiro encontro-
com
-o-
outro.
Antes de todas as entrevistas, conversamos previamente sobre diversos
assuntos variando de acordo com a abertura e o contexto do adolescente. Falamos
sobre nós mesmos, sobre a família, nossos relacionamentos passados e presentes,
nossos sonhos, futuro, etc. E assim, em direção à questão norteadora, questionei a
todos qual definição dariam ao sexo: “o que é sexo para você?”, para que pudesse
certificar ou ratificar o conceito de relação sexual. Esse cuidado foi preciso que a
maioria dos jovens considera como relação sexual a penetração do pênis na vagina,
assim como foi constatado pelas respostas dos sujeitos. Dessa forma, construí com
adolescente o conceito de sexo adotado nesse trabalho e defini se o adolescente havia
ou não passado por tal experiência. Com a resposta “não,” prossegui para a questão
norteadora.
Foram momentos ímpares, únicos. Cada adolescente uma nova experiência.
Senti
-me, realmente, inteirada com o discurso do sujeito, percebendo seus detalhes
mais sutis. A cada entrevista percebia as nuances entre a timidez e o desprendimento
das falas, mas sempre prevalecendo a dificuldade de expor o que sentia e o que
43
pensava. O pouco que foi dito, o silêncio que dizia muito. Vários discursos
apresentaram
-
se em terceira pessoa, sugerindo a sutileza de se esconder por detrás do
outro. Mas eles diziam de si mesmos, era o eu velado por um assunto que,
cultu
ralmente, vem carregado de tabus.
Ao final de cada entrevista era aberto espaço para o jovem expor suas dúvidas,
mostrar suas opiniões, desabafar. Foi muito interessante, porque ouvi relatos
inesperados, como, por exemplo, a relação conflituosa com a mãe, o estar com o
namorado sem vontade, o gostar da ex-namorada do melhor amigo, a paquera que
“não me bola”, entre outros. Vários adolescentes fizeram perguntas sobre
sexo/sexualidade como: qual a minha opinião acerca da proibição do uso de
preservativo pe
la Igreja Católica, como se usa a pílula do dia seguinte, como funciona o
ciclo menstrual, de que forma a mulher perde a virgindade, etc. Enfim, sem perder o
foco do objetivo da pesquisa, os encontros-
com
-o-outro foram momentos ricos em
experiência.
3.3-
OS MOMENTOS DA ANÁLISE
Para a realização da análise dos relatos obtidos pelas entrevistas, prossegui com
os momentos do método da análise compreensiva do fenômeno situado descritos por
Martins e Bicudo (1989), denominado análise idiográfica.
Primeiramen
te li as descrições, do princípio ao fim, sem querer, no entanto,
interpretar ou identificar qualquer atributo ou elemento guardado em seu conteúdo. O
objetivo era chegar a um sentido geral do que me foi dito pelos sujeitos da pesquisa.
44
Em seguida, procedi a novas leituras, agora com o propósito de captar as
“unidades de significado”, por meio da redução fenomenológica. O olhar atento de
pesquisadora e enfermeira possibilitou-me aproximar do mundo-vida dos adolescentes
e apreender dos seus discursos aspectos que respondiam à questão norteadora do
estudo e evidenciavam a mostração do fenômeno situado.
As unidades de significado foram sublinhadas e numeradas com algarismos
romanos de forma seqüencial nos relatos dos adolescentes. Os algarismos que se
repete
m num mesmo discurso referem-se ao mesmo assunto e, portanto, possuem
sentidos semelhantes.
Após a organização das unidades de significado, passei para um terceiro
momento, retomei uma a uma e expressei o sentido que lhes fora atribuído de uma
maneira diferente: transformei a linguagem ingênua do sujeito em uma linguagem
científica articulada, de modo a permanecer o mais fiel possível às idéias presentes nos
discurso. Para demonstrar o caminho percorrido nesse processo deixo anexo o primeiro
e o último dis
cursos exemplificados. (ANEXO 5)
Feito isso, realizei a convergência das unidades de significado transformadas, ou
seja, agrupei aquelas unidades que eram semelhantes nos discursos, que continham
sentidos comuns em seus aspectos significativos. Esse processo me permitiu convergir
para cinco temas de análise, que são:
Dificuldade de falar sobre sentimentos
Pensar no desconhecido
Sentimentos aflorados
A influência da família no comportamento do adolescente
45
Pensando nas conseqüências pós
-
sexo
Finalmente, reordenei todos os temas de análise e mediante uma nova redução,
imbuída de
insights,
cheguei às categorias de análise, melhor dizendo, à estrutura do
fenômeno.
I- Dificuldade de falar sobre sentimentos
II
-
Sentindo a chegada da primeira vez
Pensar no desconhecido
Sentimentos aflorados
III
-
A influência da família no comportamento do adolescente
IV-
Pensando nas conseqüências pós
-
sexo
Elaboradas as quatro categorias, a análise interpretativa foi o passo seguinte e
se fundamentou na reflexão daquilo que se desvelou e se escondeu nos discursos dos
sujeitos. Para proceder a essa etapa, foi necessário que eu retornasse ao que fora
deixado de lado a priori: minhas pressuposições, meus construtos teóricos, e num
diálogo esclarecedor e empático busquei sustentação nos pressupostos teóricos e
filosóficos, imprescindíveis à elucidação da essência do fenômeno.
46
4-
UM CAMINHAR PARA COMPREENSÃO
4.1-
DIFICULDADE DE FALAR SOBRE SENTIMENTOS
A chave
E de repente
O resumo de tudo é uma chave.
A chave de uma porta que não abre
Para o i
nterior desabitado
No solo que inexiste,
Mas a chave existe.
A porta principal, esta é que abre,
Sem fechadura e gesto.
Abre para o imenso.
Vai
-
me empurrando e revelando
O que não sei de mim e está nos outros.
E aperto, aperto
-
a, e de apertá
-
la,
Ela se e
ntranha em mim. Corre nas veias.
É dentro em nós que as coisas são,
Ferro em brasa
o ferro de uma chave.
(
Carlos
Drummond de Andrade)
Ao elaborar o projeto havia refletido sobre o grau de dificuldade que
haveria para a realização desta pesquisa devido ao alto teor intimista contido no
fenômeno. São questões extremamente profundas, situadas no âmago do ser humano:
os sentimentos, o eu, a sexualidade, o sexo. Ir em busca da compreensão dos
sentimentos humanos, de forma particular dos adolescentes, foi uma tarefa um tanto
árdua. Em contrapartida, misteriosamente prazerosa porque a cada entrevista, a cada
leitura e releitura dos discursos o fenômeno ia se desvelando, iam transparecendo suas
entranhas mais contidas. O fato de supor as possíveis dificuldades advindas deste
processo, em momento algum, deixou-me desviar e desistir. E fui em direção ao
47
fenômeno, prossegui em direção àquilo que me inquietava, o encontro com o mundo-
vida do adolescente, os sentimentos aflorados no processo de iniciação sexual.
Partindo do nosso próprio mundo-vida, podemos concluir que expor sentimentos,
de uma maneira geral, é algo extremamente complexo e difícil. Se pensarmos nessa
dificuldade sobre assuntos atrelados à sexualidade, deparamos-nos com uma
verdadeira caixa-
for
te” que precisa de senha para ser acessada. A este fato, acresce-
se a complexidade de tratar da sexualidade dos adolescentes, os quais estão em pleno
processo de estruturação psicossocial, quando os conflitos internos e externos
dificultam a elaboração das idéias acerca dos aspectos sexuais, que o diga
“externalizá
-los” pela fala. Enfim, ouvir as respostas vindas dos jovens após a questão
norteadora tornou-se um verdadeiro desafio. No entanto, paulatinamente, notei que
nenhum dos dificultadores foi capaz de
impedir que o fenômeno se desvelasse, e ele se
desvelou.
Para isso foi preciso rechear nossos encontros de descontração, de liberdade, de
um “poder se expor” sem preconceitos, de fazer deles uma troca. Eu também colocava
minhas experiências, meu mundo-
vi
da quando abordávamos nossos relacionamentos
pessoais, porém, em momento algum, inferi opiniões que pudessem influenciar a
revelação do fenômeno. E foi assim que construí um espaço livre, liberto, fluido, um
solo propício para os jovens se colocarem, se ab
rirem e exporem seus sentimentos.
Mas hei de admitir que, com todo esforço para possibilitar o aconchego das
“palavras da intimidade”, os discursos dos adolescentes oscilavam entre um mostrar-
se
e um esconder-se, uma vontade de falar, enquanto a correnteza do íntimo preferia se
calar. Compreendi o quanto se esforçaram para driblar seus conflitos internos para
tentar se encontrarem e então, expressarem o que sentem. A questão norteadora fez
48
emergir dos jovens aspectos peculiares à vivência de fatores em transição que ainda
apresentam
-se obscuros a eles mesmos. Ao perguntar-lhes Como você se sente ao
pensar na sua iniciação sexual?”, havia algo que parecia inibi-los. Se por ora houve
empatia, sentiam-se livres para falar sobre sexo e assuntos da intimidade, as palavras
sentir e pensar da questão norteadora parecem ter atropelado as idéias articuladas por
eles.
Parar para pensar no que se sente sobre a primeira relação sexual pareceu algo
realmente muito confuso. Algumas jovens se embaraçaram tentando elaborar o
pensamento projetado para o futuro.
[...] Como assim? Ah, eu penso assim: que no dia que [...]
(interrompe bruscamente) Difícil, viu? Muito difícil. [...] (Tiana, 14
anos)
[...] Ai sei lá. Nem sei [...] É uma coisa assim [...] Como eu me
sinto, s
into assim num sei não [...]
(Ivete, 12 anos)
Vander, por exemplo, não soube definir se o que pensa ao imaginar sua primeira
“transa” é um sentimento ou se pensa nos detalhes mais concretos do ato, como: o
local e a pessoa.
[...] É difícil demais para falar isso, né? Talvez a gente não pensa
demais assim [...] Como será o momento, né? É uma coisa assim
muito difícil de se pensar
.
Talvez você pensa com quem, às vezes
[...] O local, né? Qual seria mais ideal. É uma coisa mais assim. Eu
penso assim. Eu me sinto [...] Difícil de falar assim [...] O
sentimento. Não sei se a palavra às vezes é um sentimento,
entendeu? [...]
(Vander, 15 anos)
Considerando que o fenômeno esteve situado no mundo-vida do adolescente,
além das dificuldades de expressar os sentimento
s, emergiu dos discursos a dificuldade
do “falar de si”. Neste ponto duas considerações a serem feitas: a primeira é que,
49
independente da fase da vida em que estejamos, é difícil falar de nós mesmos. Mais
uma vez, recorro à nossa compreensão e convido a refletirmos acerca de nós mesmos
e, de maneira participativa, dialogar com a dissertação na prerrogativa de consentir o
quão é difícil falar dos nossos medos, de nossas angústias, de nossas fraquezas... São
raros os momentos que ousamos despir nosso
eu
para deixar fluir nossos sentimentos
mais profundos ligados a nossa sexualidade, algo tão singular. A segunda consideração
é que, para o adolescente, além de ser difícil se reportar a eles mesmos, existe o temor
de perceber-se e falar de si. Como dizia o velho ditado “o ouvido mais próximo da boca
é o nosso”. O adolescente teme o desconhecido de si. Levisky (1995, p.30) explica
claramente esse temor quando escreve sobre o conflito vivido pelo jovem na passagem
da infância para o mundo dos adultos em que “[...] apesar de desejar atingir a vida
adulta impelido que é pela força maturativa, teme o desconhecido que existe dentro de
si”. Assim, o adolescente falar dele mesmo culminou com a surpresa de assimilar o
“sentir” e o “pensar” da questão norteadora, além do lidar com a sua realidade
conflituosa, transformando-a em linguagem discursiva, falada. Esse despreparo é
esperado na fenomenologia que deseja registrar a fala ingênua do sujeito. E quanta
ingenuidade!
Alguns dos sujeitos chegaram a burlar a barreira do “falar de si” com o artefato
de se colocar camuflado entre os outros “a gente”, ou no próximo, “você”. Falavam de
um conjunto, “a gente” ou um “você” quando, na verdade, estavam referindo-se a si
mesmos. Conforme Heidegger (1981, p. 51)
Exatamente pela razão do “a gente” apresentar todos os julgamentos e
decisões como propriedade sua, ele priva cada ser-aí de sua própria
responsabilidade. [...] Desta feita, em sua cotidianeidade, cada ser-aí é
aliviado
pelo “a gente”.
50
Ficou mais confortável estar no meio de outros e não, necessariamente, assumir
a posição do “eu”.
[...] Talvez tá ficando com a pessoa, né? É [...] talvez, como
que era estar já no ato sexual. Porque cê tá, talvez na noite, nessa
festa pode acontecer [...].
(Vander, 15 anos)
[...] A gente vai começar ainda, então fico constrangida, né?
Porque a gente num conhece ainda [...] (silêncio longo). De vez
em quando eu fico conversando com as minhas colegas lá. A
gente até acaba zuando, brincando com isso, mas eu chego e
viro pra elas e falo “não” porque a gente num conhece, né?
num sabe como que é [...]
(Lupita, 12 anos)
[...] Ah, na mesma hora que você se sente assim, sabe? É, como,
por exemplo, assim com ansiedade de chegar rápido a hora,
sabe?
A gente se sente assim com um pouco de medo. [...]
(Mia,
12 anos)
[...] Sei lá. Na mesma hora que a gente pode ficar feliz, a gente
pode ficar triste. Porque a gente num sabe se uma pessoa tá com
doença e a gente pode pegar, mas ah, ai sei lá. Nem sei. É uma
coisa assim. Porque antes da gente fazer assim tem fazer exame,
porque a pessoa assim, a gente num conhece a pessoa direito e
já vai com a pessoa errada. [...]
(Ivete, 12 anos)
[...] Você tem um medo, mas também tem a vontade.Você fica
meio com atrás antes de ter pensado nas doenças que você
pode assim [...] Que você pode transar assim do nada, tudo sem
camisinha [...]
(Tony, 16 anos)
[...] Imagina se você vai e você gera um filho com a menina lá. Eu
acho que isso tá errado. Você tem que ter consciência daquilo que
você tá fazendo, ente
ndeu? [...]
(Falcão, 13 anos)
E assim foi: um incessante ir e vir do eu e do outro num discurso que esforçava-
se em se proteger de toda e qualquer possibilidade de sentir-se despido diante de uma
“desconhecida”, eu, a pesquisadora. A sensação que tive foi que eu tentava desnudar
os pensamentos dos sujeitos, para perceber a dimensão da imagem refletida pelo
discurso. E mergulhei na fenomenologia. No fundo, mais do que a mim, os sujeitos
51
temiam des-cobrir eles mesmos. Mais uma vez reforço o receio do adolescente em
perceber
-se. “[...] sabemos que nem sempre, ao se mirar, o adolescente aceita o que
vê. A imagem refletida, às vezes, é negada, ignorada ou até guardada em algum lugar
desconhecido dentro dele, ressurgindo, ou não, tempos depois.” (SERRÃO E
BALE
EIRO, 2000, p.4)
Quanto ao tema sexo que em determinados contextos vem carregado de tabu,
não houve grandes barreiras para lidar com ele. Como dito, ao longo dos encontros e
com o desenrolar das entrevistas, foi possível proporcionar um ambiente favorável
para
que o jovem se sentisse à vontade para falar, embora a minoria tenha demonstrado
timidez para abordar questões relacionadas a sexo.
Durante os contatos anteriores, notei que o assunto faz parte do cotidiano dos
adolescentes e mais, falar sobre sexo provoca um imenso prazer e muita curiosidade.
Entre eles, dialogar sobre relações sexuais parece despertar desejos, provocar
sensações prazerosas, descobrir mistérios sobre o eu
-
que
-
deseja. Porém, devo chamar
a atenção para um fator importante: uma distância considerável entre o prazer em
conversar sobre sexo com os colegas e amigos e o constrangimento de falar sobre
sexo com os pais e/ou familiares. Embora o tema sexualidade, mais especificamente o
sexo, tenha adquirido uma amplitude inegável enquanto desenvolvimento científico
passando a ocupar espaços sociais antes impenetráveis como, por exemplo, a escola e
a sala de estar, seu sólido vínculo com a moral proibitiva ainda impede adentrar em
seus detalhes no ambiente familiar. Apesar de se reservarem dos adultos,
principalmente da família, para falarem em sexo, entre os membros do grupo e com
amigos eles se sentem completamente livres para realizarem qualquer tipo de
comentário, seja de caráter sério, informativo, interrogativo, seja com aquela pitada de
52
brincadeira, “zoação”, como dizem. Foi assim que me senti, como parte integrante dos
pares. Ouvi, respondi, perguntei, registrei e redistribuí cada momento dos nossos
encontros fenomenológicos.
Desta forma, observei que os adolescentes selecionam o que e com quem vão
assumir e discutir aspectos relacionados a sua sexualidade. Acredito que, em relação
aos objetivos da pesquisa em compreender os sentimentos eminentes do processo de
iniciação sexual, foi possível adentrar nesse universo e extrair os aspectos
essenciais
do fenômeno. Entre silêncios e poucas palavras, o ser-
em
-
descoberta
-sexual pode
situar-se no horizonte futuro e declarar seus sentimentos. E foram mesmo poucas
palavras. Ao realizar as primeiras entrevistas, cheguei a pensar na minha dificuldade
em extrair delas o fenômeno, mas no decorrer das demais, percebi que por trás dos
pequenos discursos habitava uma grandeza de significados, uma enorme carga de
simbologias, afetividade, um caminhar para a verdade.
Por fim, seria em vão analisar esta categoria e explicitar cada fator que sobejas
às dificuldades enfrentadas durante as entrevistas se não a encerrasse com o propósito
de tentar desatar as amarras dos silêncios. E foram muitos. No entremear das palavras,
ora conectas, ora soltas, o silêncio se impunha. Era a maneira que os sujeitos
encontravam de escapar daquilo que é confidencial a eles mesmos. As expressões da
sexualidade estão, muitas vezes, apreendidas no interior do eu, que nem o próprio ser
é capaz de codificar as simbologias agregadas em s
ua estrutura existencial. E por diluir
-
se na existência humana e estar relacionada a vários de seus aspectos, Merleau
-
Ponty
(1999, p. 232) afirma que “a sexualidade esconde-se a si mesma sob uma máscara de
generalidade, sem cessar ela tenta escapar à tensão e ao drama que ela institui”.
Todas as entrevistas foram permeadas de momentos sólidos e fluidos, houve palavras
53
e gestos, boca e ouvidos, olhos e sensações. O silêncio perpassou por todas elas. Um
todo, palavras e silêncios, que construíram cada discurso dessa dissertação (ANEXO
5), pois de acordo com Foucault (1988, p. 30):
[...] não se deve fazer divisão binária entre o que se diz e o que não se diz; é
preciso tentar determinar as diferentes maneiras de não dizer, como são
distribuídos os que podem e os que não podem falar, que tipo de discurso é
autorizado ou que forma de descrição é exigida a uns e outros.
Além do mais, não existe apenas um silêncio, mas muitos e eles são parte
integrante das estratégias que apóiam e atravessam os discursos. Na tangente da
lucidez de cada sujeito, eles piscaram, gaguejaram
Como eu me sinto, sinto, sinto assim num sei não.
(Ivete, 12 anos)
Se precipitaram
Ah, eu fico com um pouco de medo. Só
. (Silêncio longo)
(Carolina, 12 anos)
Se embaraçaram
Como assim? Ah, eu penso assim: que no dia que
(interrompe
bruscamente a frase e continua). Num falá que não me deu
vontade [...]
(Tiana, 14 anos)
Se confundiram
Como eu me sinto? Assim igualzinho, como assim? Como eu vou
pensar nisso? Como eu vou sentir?
(Silêncio
) (Fa
lcão, 13 anos)
Se perderam
Fala pra mim, Lupita, como você se sente ao pensar na sua
iniciação sexual?
(Silêncio). Hum... (fica pensativa e pergunta). Como assim?
(Lupita, 12 anos)
Riram, esconderam e silenciaram. Porém nada disso escapou ao olhar atento e
sentidos afiados do modo simples de me comportar como sujeito da ação
fenomenológica. E ouvi os silêncios. Eles disseram muito... O verdadeiro encontro com
54
o outro foi fundamental para captar as mensagens embutidas nos gestos, nos olhares
perdidos, nas risadinhas tímidas. Durante as entrevistas foi preciso um olhar mais
atencioso, uma cabeça inclinada, as mãos sobre o colo, uma tentativa constante de
demonstrar a disponibilidade em ouvir, em acolher.
É por meu corpo que compreendo o outro, assim como é por meu corpo que
percebo as “coisas”. Assim, “compreendido”, o sentido do gesto não está atrás
dele, ele se confunde com a estrutura do mundo que o gesto desenha e por
minha conta eu retomo, ele se expõe no próprio gesto.
(MERLEAU
-
PONTY,
1999, p. 253)
E, realmente, encontramo-nos. No ir e vir das palavras salteava um silêncio que
dava continuidade ao que acabara de ser dito.
[...] Tipo a primeira menstruação mesmo ela falou um tanto de
coisa comigo que isso, aquilo, eu fico pensando no que minha
mãe
falou.
(silêncio) Ah, será que vai acontecer? eu sempre
penso alguma coisa assim [...].
(Carolina, 12 anos)
O silêncio presente no discurso referia-se às orientações da mãe que relaciona o
fato de a filha menstruar à possibilidade de gravidez. Apesar de não concluir a frase o
estar
-
com
-o-
outro possibilitou inferir o que queria ser dito.
As “meias palavras” que se encabularam pelo teor intimista em temer a não
ereção do pênis no momento do sexo, ficaram implícitas no discurso de Vander:
[...] Até pra preocupação, né? Do (pequena pausa) “não
conseguir” [...]
(Vander, 15 anos)
Em vários momentos das entrevistas houve gestos insinuando existir mais algo a
ser dito; porém, o silêncio prevalecia.
Nem tudo veio à tona. Na borda permaneceu o silêncio dos gestos e olhares,
uma finalização precipitada, um “só isso”, a voz contida pela imensidão dos
pensamentos miúdos e dos sentimentos indecifráveis.
Por fim, faço das palavras de Merleau
-
Ponty, as minhas
55
[...] a ipseidade nunca é atingida: cada aspecto da coisa que cai sob nossa
percepção é novamente apenas um convite a perceber para além e uma parada
momentânea no processo perceptivo. Se a coisa mesma fosse atingida,
doravante ela estaria exposta diante de nós mesmos e sem mistério. Ela
deixaria de existir como coisa, no momento mesmo em que acreditaríamos
possuí-la. Portanto, o que faz a “realidade” da coisa é justamente aquilo que a
subtrai à nossa posse (MERLEAU
-
PONTY, 1999, p.313).
56
4.2-
SENTINDO A CHEGADA DA PRIMEIRA VEZ
“Se minha mão tateia no vazio d
e um quarto escuro,
desenho um barco a navegar nos mares do futuro.
Enquanto a estrela tece a hora certa de acordar,
desejo mais que tudo encontrar...”
(Vander Lee)
4.2.1
-
Pensar no desconhecido
Por se tratar de uma pesquisa na qual o fenômeno aparece numa perspectiva
futura, os adolescentes tiveram que passar por um pequeno instante de introspecção. É
bem provável que após as entrevistas os adolescentes tenham continuado o processo
reflexivo; mas foi delas que emergiram as falas ingênuas dos sujeitos, sem grandes
reflexões, apesar de naquele momento terem parado para pensar
.
Pedro elucida essa
necessidade:
[...] juro que nem parei pra pensar nisso não. Tou pensando agora
[...].
(Pedro, 15 anos)
E no pensar na iniciação sexual, puderam sentir o que por vir. O teor
imaginativo de cada adolescente proporcionou a eles a capacidade de levar o corpo e a
mente numa viagem para o futuro. Era preciso pensar, imaginar um futuro
relacionamento sexual para, a partir daí, elucidar os sentimentos advindos dessa
sensação. As relações temporais de presente e futuro não pareciam muito nítidas para
alguns dos sujeitos da pesquisa. Por ser um processo, alguns sujeitos estavam mais
próximos ou menos próximos da iniciação sexual e, para o fenômeno, o fator da
temporeida
de não foi o significativo. Se estão próximos ou distantes da primeira relação
57
sexual, não foi o centro de minha inquietude investigativa. Até porque o fator
tempo,
para os jovens, é algo bastante relativo. Levisky escreveu sobre isso:
[...] para a maioria
dos jovens, a noção de tempo encontra
-
se deturpada. Para o
tempo existente é o momento, o presente, sem perspectiva. Negando o
passado, e o futuro imediato é sentido como longínquo. Mas o distante podem
parecer
-
lhes imediato. (LEVISKY, 1995, p. 45)
[..
.] Como eu me sinto? Assim igualzinho, como assim? Como eu
vou pensar nisso? Como eu vou sentir? Eu vou assim [...]
(Falcão,
12 anos)
[...] Ah, como eu me sinto? Quando eu penso nisso? [...]
(Samuel,
20 anos)
A fala de Levisky juntamente com os relatos dos sujeitos nos faz refletir o quão
complexo foi para o adolescente prever”, sentir a vivência do sexo, ainda inexistente
como prática em suas vidas. Ivete, por exemplo, tenta construir uma ponte entre
presente e futuro, afirmando que algum dia ela irá experimentar o sexo, um dia ele vai
fazer parte de sua vida, mas ao mesmo tempo deixa solta a imaginação e conclui a
entrevista com poucas palavras.
[...] Um dia vai, vai ter. Hoje [...] Mas sei lá. O que vem na minha
cabeça assim é isso mesmo [...]
.
(Ivete
, 12 anos)
A fala de Tony ilustra sua tentativa de sentir o não-vivido e revela sua
curiosidade em vivenciar sua primeira vez.
[...] Sinto uma coisa diferente, né? Um campo que a gente não
conhece, a gente fica meio, nó! [...] até hoje eu não tive ess
a
sensação ainda de poder ter a primeira relação. De um tudo é
meio assim ainda suspense na nossa vida. [...] Será que é? Como
deve ser a primeira vez? Fica meio suspense na nossa vida. [...]
(Tony, 16 anos)
Ele pressente momentos de prazer com a chegada
do sexo e deixa a imaginação
saltitar entre os pensamentos sexuais. Suspira...
58
[...] Uma sensação gostosa que você fala assim. Ah [...]
(suspiro)
(Tony, 16 anos)
Cavalcanti (1993) ajuda-nos a esclarecer essa temática do pensar e sentir,
quando afirma que “há uma coerência entre o que a pessoa ‘pensa’ e o que a pessoa
‘sente’. Na verdade, ninguém pode ter sentimentos sobre objetos que não existem em
seu universo psicológico”. Apesar de ainda não ser uma prática, o sexo faz parte do
cotidiano dos adolescentes. Na rodinha com os amigos, na tv, nas ruas, escola e
internet, o montante de informações sexuais preenche grande parte dos “bate-
papos”
reais e virtuais dos jovens de hoje. Assim, formam um arsenal de sensações e
significados relacionados ao sexo aos quais precisaram recorrer para vislumbrar a
primeira vez. A partir de então, puderam me dizer o que sentem quando pensam nisso.
Portanto, ao projetar a sensação de viver uma relação sexual os jovens
resgataram de suas histórias episódios que os remetiam à
reflexão do que é fazer sexo.
Dentro desse
universo psicológico
de cores, imagens, estratégias e idéias eles tentaram
traçar a trajetória afetiva
-
sexual para exporem seus sentimentos.
Zélia, por exemplo, ensaiou algumas suposições do que acha que vem a s
er
sexo e qual a relação que este conhecimento terá com sua futura vivência. E pôs-se a
imaginar:
[...] Às vezes tem que pensar também como isso vai acontecer.
Não sei dessas coisas, né? Eu fico lá na minha cabeça, até eu me
perguntar se vai ser assim [...] Será que isso é isso? Que aquilo é
isso, num sei direito. Se é bom, entendeu? Num sei [...]. (Zélia, 12
anos)
Avril, além de supor situações, não sabe como será sua reação na hora do ato
sexual e fica se perguntando como será esse momento, como vai fic
ar.
59
[...] Tem vez que eu me pergunto como que eu vou querer ficar.
Saber como é que eu vou fazer, né? Minhas colegas me
perguntam como é que você vai fazer quando você ver? Eu num
sei. [...]
(Avril, 18 anos)
Lupita admite sua insipiência sobre questões relacionadas ao sexo e troca
experiências com as colegas como forma de se inteirar sobre o assunto. Demonstra-
se
receosa diante do desconhecido e o fato de não saber sobre sexo seria um motivo para
negá
-
lo neste momento de sua vida.
[...] A gente vai começar ainda, então [...] Porque a gente num
conhece ainda [...]. De vez em quando eu fico conversando com
as minhas colegas lá. A gente fica até, acaba zuando, brincando
com isso, mas eu chego e viro pra elas e falo - “não”. Porque a
gente num conhe
ce, né? Aí num sabe como que é [...].
(Lupita, 12
anos)
Foi interessante perceber que, no desenrolar das entrevistas, os olhares
perdidos, as risadinhas, os silêncios deixaram transparecer, senão, o momento
imaginativo, a busca por elucidar as sensações advindas com a chegada do sexo em
suas vidas.
4.2.2
-
Sentimentos aflorados: uma perspectiva fenomenológica
Por experiência direta, todos sabemos o que são sentimentos. Talvez a maioria
das pessoas não saberia contextualizá-lo, mas nos daria idéia de como eles se
manifestam e de seus efeitos na vida. Todos têm um conhecimento intuitivo
imediatamente vivido desta dimensão básica da existência.
Para análise desta categoria foi fundamental partir desta prerrogativa, pois ao
considerarmos os modelos epistêmicos no estudo dos afetos - modelo explicativo,
modelo interpretativo, modelo compreensivo (Romero, 2001), o presente trabalho
60
estabelece o modelo compreensivo no qual o significado e sentido do fenômeno estão
relacionados às experiências e vivências dos sujeitos entrevistados. É o que Romero
(2001) chama de compreensão intuitiva, aquela em que é possível captar de maneira
direta o que acontece em nível subjetivo, embora nem sempre seja possível saber
etiquetar e conceitualizar o que sucede neste plano. Além da intuitiva, foi preciso
recorrer à compreensão empática, trabalhada por Jasper (1928) citado por Romero
(2001), tão indispensável para entender o mundo-imaginário descrito pelos jovens.
Não pretendo, portanto, neste estudo definir ou caracterizar cada sentimento emergido
dos discursos dos adolescentes, mas sim direcionar uma perspectiva compreensiva
acerca deles. Para tanto, não poderia deixar de buscar apoio no arsenal teórico da
psicologia a qual, ao longo dos anos, vem tentando compreender o lado afetivo do ser
humano. Devo salientar que na Enfermagem, apesar de o afeto ser algo intrínseco ao
cuidado que prestamos e recebemos, o conteúdo teórico deste tema é bastante
escasso. Já, na psicologia, encontramos uma vasta literatura tratando de questões
emoci
onais, afetivas e sentimentais embora a maioria apresente-se pobremente
organizada em matéria de metodologia, taxonomia, pesquisa original e verdadeira
compreensão dos fenômenos afetivos, conforme afirma Romero (2001).
Este mesmo autor, de acordo com sua caracterização fenomenológica da
afetividade, dispõe os sentimentos como fazendo parte de quatro modalidades afetivas:
as emoções, as paixões, os sentimentos e os estados de ânimo. Essas modalidades
imiscuem
-se no viver humano e transpondo-se umas nas outras, vão compondo nossa
esfera afetiva. Acrescenta que os sentimentos são afetos adquiridos no processo de
socialização humano. Eles revelam a maneira de ligarmos e comprometermos com
61
objetos e com as pessoas. Ligamos-nos positivamente pelo amor, admiração, respeito
entre outros. Ligamos
-
nos negativamente pela inveja, desprezo e ódio, por exemplo.
Para fins compreensivos, não adotei distinção entre o que chamamos de
emoções de sentimentos que para compreender a essência do fenômeno desvelado
não foi ne
cessária essa separação.
Os sentimentos que surgiram das falas dos adolescentes foram: o medo, o
receio, a ansiedade, a insegurança, a preocupação, a vergonha e o desejo.
O medo...
De todos os sentimentos aflorados o
medo
se destacou entre eles. O medo
ca
racterizou-se como a essência do fenômeno em estudo na medida em que se tornou
o ponto de interseção entre os sentimentos de insegurança, ansiedade, receio,
preocupação e vergonha.
O sentimento de
medo
em si é traduzido pela “[...] reação psicofísica de a
flição
que se experimenta perante uma situação que nos ameaça, caracterizando-se como
uma reação natural de defesa [...]”, conceitua Romero (2001, p. 70) . Esse medo-
ameaça emergiu das falas trazendo o componente discutido na categoria quatro
(
preocupando
-se com a prevenção), revelado pelo
medo
de uma gravidez e o
medo
de
adquirir uma DST. O fato de sentirem
medo
diante da aproximação do sexo surge como
uma forma de protegê
-
los desses eventos indesejáveis.
[...] A gente se sente assim com um pouco de medo. Medo de
chegar alguma coisa errada, porque assim sei lá, alguma coisa,
sabe? Tá com alguma doença, engravidar [...]
(Mia, 12 anos)
[...] Você tem um medo, mas também tem a vontade. Você fica
meio com atrás antes de ter pensado nas doenças que você
pode pegar. Que você pode transar assim do nada, tudo sem
camisinha.[...]
(Tony, 16 anos)
62
No entanto, em várias entrevistas apareceu a palavra
medo
, mas o significado do
sentimento expresso trouxe outra conotação: o sentimento de
ansiedade
e
receio
.
Atrav
és da análise dos discursos foi possível captar particularidades destes
medos
que
demonstram claramente essa distinção. Numa linguagem cotidiana é comum
confundirmos esses sentimentos que a palavra
medo
parece mais próxima do nosso
vocabulário corriquei
ro.
O receio...
Houve
receio
dos rapazes em não apresentar um bom desempenho sexual na
primeira “transa” que nunca a experimentaram. E receio das moças caso suas mães
descobrissem que fizeram sexo.
Quando Vander declara sentir ansiedade ou medo de falhar na “hora H”, quer
dizer que tem medo de “não conseguir”. Na verdade, ele demonstra o receio de não
atingir a ereção do pênis no momento do ato sexual.
[...] O sentimento talvez seja de ansiedade. Talvez o momento [...]
Até pra preocupação, né? Do “não conseguir”, talvez aquela toda
teoria e não ser posta em prática, né? É de ansiedade. um
medo, mais é ansiedade [...].
(Vander, 15 anos)
Tony utiliza a palavra “ressabiado” para definir seu receio caso não obtenha uma
boa performance sexual. Preoc
upa
-se, também em satisfazer a sua parceira
demonstrando desenvoltura no ato.
[...] Um campo que a gente não conhece, a gente fica meio,
ressabiado, nó! Será que eu vou conseguir? Será que a outra
pessoa vai gostar? Não vai gostar. Fico meio indeciso.[...
]
(Tony,
16 anos)
Já Pedro fala abertamente sobre seu receio de “brochar” na primeira vez
63
[...] Ah, sei sô! Penso numa porrada de coisa. Se for na hora
assim e não der nada. Ah, se num agüentar muito, se frochar.
Ou se não eu nem, nem tiver ereção. é foda! Ah
(risos)
Nossa
Senhora! [...].
(Pedro, 15 anos)
Essas posições refletem o padrão de masculinidade esperado dos jovens, onde
ênfase na aquisição do aprendizado técnico do sexo, campo estranho aos
entrevistados. uma valorização da virilidade que gera um sentimento de força e
poder na definição da sexualidade masculina. Cria-se uma tônica sobre a qualidade do
“ensaio” na primeira “transa” e, portanto, eles temem decepcionarem-se com as
expectativas criadas envolta do desempenho sexual.
Por outro lado, o receio das moças - Carolina e Tiana - refere-se à influência
significativa da figura materna sobre seus pensamentos e sentimentos, conforme
veremos na categoria três (
A influência da família no comportamento do adolescente)
.
A ansiedad
e...
Quanto à
ansiedade
, representada principalmente pelo desejo sexual, aparece
pela vontade avassaladora de desvendar os prazeres advindos do sexo.
Mia admite sua vontade de iniciar-se sexualmente, admite sentir desejos de ter
sexo o quanto antes, mas
se reserva devido ao
medo
que tem de engravidar ou adquirir
uma DST.
[...] Ah, na mesma hora que você se sente assim, sabe? É como,
por exemplo, assim com ansiedade de chegar rápido a hora,
sabe? A gente se sente assim com um pouco de medo. Medo de
chega
r alguma coisa errada. com alguma doença,
engravidar [...].
(Mia, 12 anos)
Tiana demonstra desejo sexual pelo namorado. Em nossos contatos prévios
revelou que teve muitas oportunidades de relacionar-se sexualmente com ele, porém
isso não ocorre
u.
64
[...] Num falá
que
num me deu vontade não porque, né? [...].
(Tiana,14 anos)
Tony pressente a sensação de prazer ao fazer sexo e suspira de desejos em
concretizá
-
lo.
[...] Uma sensação gostosa que você fala assim. Ah!
(suspiro)
[...]
(Tony, 16 a
nos)
Essas falas vêm corroborar a idéia de que é natural que os eventos e situações
que nos interessam de modo especial, ou aos quais outorgamos um significado
destacado, suscitam em nós uma sensação excitante. Isto é mais marcante ainda
quando se trata dos primeiros eventos que nos abrem as portas para um plano até
então esperado e desejado
a primeira “transa”.
A insegurança...
O sentimento de
insegurança
também se destacou nos discursos. Ele se
desvelou a partir de quatro nuances: o despreparo para o ato sexual, a timidez, a “hora
certa” de ter a primeira relação sexual, a idealização da “pessoa certa” para ter a
primeira vez.
A
insegurança
causada pelo despreparo para o ato sexual também se configura
pelo
receio
vindo das falas de Vander, Tony e Pedro sobre o que discutimos acerca
da virilidade. Porém, seria engano pensar que a insegurança quanto à performance
sexual fosse uma preocupação emergida meramente dos discursos masculinos. Tiana
também se preocupa com o que vai acontecer durante o ato da primeira experiência
sexual. Declara abertamente que se sente insegura.
[...] Num vô falá que num me deu vontade não porque, né? Sei
lá. Mais, ah eu fico muito insegura, essas coisas. [...] (Tiana, 14
anos)
65
Apesar de o namorado insistir no sexo, Tiana não se sente preparada, quer
dizer, sente
-
se insegura para se entregar, nega seu desejo ao parceiro.
A
insegurança,
eminentemente, presente na timidez veio culminar com os
discursos de Samuel e Avril. Ambos se mostraram bastantes tímidos durante os
contatos prévios e ao longo das entrevistas.
Samuel, embora ratifique várias vezes em sua fala que se considera uma pessoa
normal, assume no final que se acha muito tímido e que necessita melhorar este seu
aspecto para que se possa envolver afetivamente com uma parceira. No fundo, ele
demonstra a necessidade de se sentir mais seguro para conseguir levar a cabo uma
relação sexual.
[...] na verdade eu sou muito tímido, mas assim é lógico que eu
tenho que melhorar isso, né? Pra
poder
iniciar minha vida sex
ual,
vida amorosa com a pessoa e procurar fazer com a pessoa [...]
(Samuel, 20 anos)
A timidez reflete obstáculos na aproximação com o sexo oposto. Os momentos
iniciais de contato com o mundo feminino pela conquista de parceiras revelam-
se
altamente tensos e cheios de expectativas. As situações de desconforto com a
demanda social do gênero masculino são inúmeras. A timidez é, assim, um caso
exemplar de atributo negativo, impeditivo de sucesso na esfera da sedução, conquista e
desempenho sexual.
Decerto
que para Samuel driblar sua timidez é social e pessoalmente mais
complexo e desafiador do que para Avril cuja timidez transparece em todo seu discurso.
Os “roteiros” do gênero feminino colocam-na numa posição menos desfavorável, ela
será seduzida pelo parceiro. Até porque, no caso de Avril, a sensação de “falta de
coragem”, ou seja, de
insegurança
não está ligada às questões de conquista e sim à
66
vergonha que sente em mostrar seu corpo e o receio da intimidade corporal no sexo,
como veremos adiante.
A
inse
gurança
gerada pela imprecisão em definir o momento certo para ter a
primeira relação sexual, muitas vezes cria uma esfera de labilidade no jovem: deve
prevalecer a percepção do próprio jovem que chegara a hora da primeira transa ou ele
deve considerar as imposições sociais quanto à idade aproximadamente ideal para
iniciar a vida sexual?
No presente estudo, a observação é de que a influência social regula,
cronologicamente, o início da vida sexual dos jovens. Citam-se os fatores relacionados
às questões d
e gênero, quando à moça
-
adolescente cabe postergar a idade da primeira
“transa” e ao jovem do sexo masculino favorece a precocidade do ato. Isso aparece nos
discursos de Lupita e Samuel.
[...] Os
outros
falam pra gente num ter, os outros falam pra gente
esperar, a gente tá muito nova pra começar com tudo isso, a
gente pensa nisso mais tarde, né? A gente cresce direito, né? Por
exemplo, quando eu chego assim e falo com a minha mãe a gente
assistindo a novela das seis, ela sempre fala isso você cresce
prime
iro!”.[...]
(Lupita, 12 anos)
Ah, eu sinto que a iniciação sexual é necessária, sabe? Que eu
tou passando da hora (risos), né? E que é importante. [...]
(Samuel, 20 anos)
Falcão dispõe de sua postura consciente, para responder às demandas sociais
quant
o ao alcançar a maioridade para ser um jovem responsável pelos seus atos e
conseqüências e, portanto, assumir livremente o sexo em sua vida. Diz querer
concretizar a primeira relação sexual somente após seus dezoito anos (idade
preconizada, legalmente, par
a designar a maioridade).
[...]
Eu vou me sentir consciente por aquilo que eu tou fazendo,
que eu vou fazer na hora adequada.[...] Eu não quero fazer
67
sexo antes dos meus dezoito anos, entendeu? [...] (Falcão, 13
anos)
Neste ponto cabe abordar a questão da idade certa para iniciar a vida sexual.
Essa temática permeou parte de minha inquietude dando origem ao presente trabalho.
Ao longo de minha trajetória com os adolescentes, por várias vezes eles questionaram
quanto à idade certa pra ter a primeira tra
nsa.
Esse foi um dos motivos que levou a surgir o sentimento de insegurança nos
adolescentes:
quando posso começar a fazer sexo?
Apesar de não ser o foco do estudo, vale a pena ilustrar alguns dados
quantitativos resultantes de pesquisas realizadas acerca da idade de iniciação sexual
no Brasil. Um dos indicadores mais usados para o debate sobre iniciação sexual tem
sido a idade da primeira relação sexual. Um estudo realizado em 13 capitais (Belém,
Cuiabá, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Maceió, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de
Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória) e no Distrito Federal mostrou que a idade média
da primeira relação sexual é mais baixa entre os alunos do sexo masculino: varia de
13,9 a 14,5 anos entre os jovens, enquanto entre as estudantes do sexo feminino, a
idade média é de 15,2 a 16 anos (CASTRO, ABROMAVAY e SILVA, 2004).
O processo de mudança de comportamento das pessoas em curso na sociedade
brasileira leva a supor que a iniciação sexual se dê cada vez mais cedo. Por outro lado
,
a epidemia de HIV/Aids poderia estar afetando este comportamento no sentido de
retardar a idade da primeira relação.
Enfim, resta discutir sobre a insegurança causada pela idealização da “pessoa
certa” para a primeira relação sexual. Vander e Ivete dizem que pensam numa pessoa
ideal para repartir o momento insipiente da primeira transa. No entanto, as razões que
68
os levam a essa escolha são diferentes. Vander compartilha de um ideal mais
romântico de entregar
-
se à parceira certa
.
[...] Talvez você pensa com quem, às vezes. Qual seria mais
ideal.[...]
(Vander, 15 anos)
Aqui vale resgatar o contexto histórico no qual a escolha por um parceiro ou uma
parceira torna-se algo, essencialmente, relevante nas decisões sobre aspectos sexuais
e afetivos. O romantismo surgiu como movimento literário, artístico e filosófico que
anuncia o final do século XVIII, domina parte do século XIX e consegue uma enorme
sobrevida popular, passando a indicar uma atitude, uma conduta, uma postura que
desfrutam de enorme simpatia entre os jovens (RIBEIRO, 2004b, p. 70). Pesquisas
concluem que o sentimento de “entrega” à pessoa certa é um dos motivadores para o
início da vida sexual de mulheres e, mais recentemente, numa pesquisa realizada no
município de São Paulo em 2002, segundo Borges e Schor (2007), observou-se que
esse padrão também se aplica aos homens.
Ivete relaciona a necessidade de escolher um parceiro ideal baseado nos
riscos em ter sexo com alguém “errado”. Acredita que se relacionar com a pessoa certa
poderá se proteg
er contra doenças advindas do sexo.
[...] E tem que ser com a pessoa certa. Porque a gente num sabe
se uma pessoa com doença e a gente pode pegar, mas ah [...]
É uma coisa assim [...] a gente num conhece a pessoa direito e
vai com a pessoa errada. Tem que achar a pessoa certa. [...]
(Ivete, 12 anos)
Por outro lado Samuel não comunga da posição dos adolescentes acima.
Dispensa significados valorativos à primeira parceira sexual e diz que, não
necessariamente, precisa gostar dela.
69
[...] Porque assim pra iniciação sexual não precisa gostar da
pessoa inicialmente. [...] eu não vejo a relação sexual assim,
sabe? Transar só com a pessoa que você gosta, né? [...]
(Samuel,
20 anos)
Enfim, independente da origem do sentimento de insegurança declarado pelos
adolescentes, resta afirmar que a demanda de segurança um dos requisitos
fundamentais para um desenvolvimento pessoal sadio e dentro de certos parâmetros
,
permite
-
nos organizar a vida numa previsão razoável, diz Romero (2001).
A vergonha...
Por fim, discutiremos sobre o sentimento de vergonha que perpassou algumas
das falas e mostrou o constrangimento dos jovens ao perceber o ato sexual em si.
Pedro, por exemplo, relata que fica sem graça quando pensa nisso, quer dizer,
fica constrangido. Seu constrangimento deve-se principalmente, à preocupação quanto
ao seu desempenho no ato sexual, abordado anteriormente. Indiretamente parece
preocupar
-se, também, em ser uma boa referência de virilidade para a parceira que irá
acompanhá
-lo na sua primeira experiência sexual. Fica imaginando a
vergonha
que irá
enfrentar caso não consiga atingir ou manter a ereção do pênis, como diz “se
frochar?”.
[...] Ah, sei acho que meio sem graça, assim com vergonha. Ah,
sei lá sô! Penso numa porrada de coisa. Se for na hora
assim e aí.
Ah, sei lá! Não der nada. Penso numa porrada de coisa. Ah, se for
se num agüentar muito? Se frochar? Ou se não eu nem tiver
ereção? Aí é foda! Ah, Nossa Senhora! Fico sem graça mesmo.[...]
( Pedro, 15 anos)
Por outro lado, Avril, ao imaginar uma situação sexual, mostra seu
constrangimento ligado às questões de nudez. Ela mostra claramente que tem
vergonha de mostrar seu corpo num passeio à piscina com biquini e supõe o quanto se
sentirá envergonhada ao estar completamente nua com um parceir
o, a sós.
70
[...] Ah, eu fico constrangida porque eu fico morrendo de vergonha.
Fico pensando [...] Se eu morro de vergonha de ir à piscina,
imagina! Nossa Senhora! (risos). Ah nem [...] Tem vez que eu me
pergunto com quem eu vou querer ficar. de nadar,
imagina!
Com a pessoa ali, sozinha no quarto. Ah nem! [...] (Avril, 18
anos)
O valor estimado ao corpo feminino em nossa sociedade atribui contornos
definidos e padrões de magreza que deturpam a possibilidade das jovens em aceitar o
próprio corpo. O que
não se aplica ao caso de Avril, pois seu corpo segue naturalmente
esses padrões: é alta, magra, esbelta, bonita e simpática. Seu constrangimento em
mostrar o corpo vem da maneira como encara o sexo em si. Nos contatos com Avril
concluí o quanto ela é tímida, ainda mais quando se trata em lidar com rapazes,
relacionar-se afetivamente com eles. Portanto, ela imagina o quanto será difícil e
constrangedor estar a sós com um homem para se relacionarem sexualmente. Na
verdade, todo o discurso de Avril traz sua “falta de coragem” em fazer sexo, o qual vem
carregado de sinonímias que vão desembocar na sua timidez e receio em experimentar
algo que vai desvendar simbolicamente seus segredos (o corpo). Revela seu pudor em
relação à nudez, sente-se recatada diante das minúcias envolvidas na intimidade
corporal necessária ao sexo. Assim, Avril termina seu discurso fazendo uma
brincadeira: que só teria coragem de consumar o ato sexual se estivesse bêbada.
[...] eu acho assim que se tiver que ter, acho que deveria ser bem
tonto mesmo!
(risada)
Nem saber o que eu tou fazendo pra mim
[...]
(Avril, 18 anos)
Já Carolina relaciona sua
vergonha
à criação dada pela mãe. Um discurso
embutido pela repressão sexual e que, mais uma vez, mostra a influência social sobre
pensamentos,
sentimentos e atitudes dos jovens.
71
[...] Às vezes um pouco de vergonha. Porque, tipo assim, fui
criada [...] Minha mãe tá - “Não faça isso!” - e eu nunca fiz. [...]
(Carolina, 12 anos)
Tiana também sinaliza traços de repressão ao falar de seu constr
angimento
diante do que lhe é estranho: o sexo. Os “outros”, que representa o social, influenciam
direta ou indiretamente em suas ações e pensamentos.
[...] Fico constrangida, né? Porque a gente num conhece ainda.
Porque é [...] fica pensando nisso. Os outros fala pra gente num
ter, os outros fala pra gente esperar, a gente muito nova pra
começar com tudo isso, a gente pensa nisso mais tarde, né? [...]
(Lupita, 12 anos)
Ela sente-se constrangida em falar e pensar em sexo quando imagina a reação
“desenc
orajante” dos adultos frente às suas supostas aventuras no mundo da
sexualidade.
Na verdade, a vergonha pode surgir a partir do medo, do temor. Como dizia
Sócrates ao relacionar vergonha e medo “não é certo dizer ‘onde medo
vergonha’, mas sim dizer ‘onde vergonha medo’, porque nem sempre
vergonha onde medo; o temor vai mais longe que a vergonha; a vergonha é uma
parte do temor.”
Como se observa, não houve como separar sentimento por sentimento ao
realizar as análises. Nas falas, eles se imiscuem, se confundem, se sobrepõem. Numa
mesma frase, pôde-se captar a expressão de vários sentimentos. Por ora, parecem
repetitivas algumas discussões, mas foi preferível enveredar no risco do exagero a
deixar escapar algum detalhe importante do fe
nômeno.
72
4.3-
A INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NO COMPORTAMENTO DO ADOLESCENTE
“É isso aí...Um vendedor de flores...
Ensina os seus filhos a escolher seu amores”.
(Ana Carolina e Seu Jorge)
Para entendermos o comportamento do adolescente frente à influência familiar é
preciso entender o que é
comportamento
. Antes disso vale distinguir dois termos
entrelaçados que são atitude
e
comportamento.
O primeiro foi definido por Brown in
Cavalcanti (1993) como sendo a disposição para agir de forma favorável ou
desfavoráv
el em relação a um determinado objeto”. Por outro lado, o
comportamento
é
“a resposta emitida ou eliciada pelo indivíduo, face a uma estimulação do meio
ambiente”. Partindo dessas premissas, precisamos ainda considerar que as atitudes
agregam três componentes: o cognitivo ligado ao “pensar”, o afetivo relacionado ao
“sentir” e o conotativo direcionado à “tendência a agir”, aponta Cavalcanti (1993). Esses
componentes mantêm entre si uma inter-relação estreita de forma que se comunicam
diretamente um com o outro. Sem alongas em querer me deter nessas questões
conceituais acerca dos componentes estruturais do comportamento humano, cabe
ressaltar que aquilo que um indivíduo pensa está direta e indiretamente relacionado às
suas vivências e à aprendizagem social.
A partir dessas considerações podemos tecer a trama na qual o cenário familiar
se apresenta como elemento relevante no contexto da sexualidade do adolescente,
principalmente no que se refere à tomada de decisões relacionadas à iniciação da vida
sexual.
73
Sabemos que a família corresponde ao primeiro espaço social do indivíduo, onde
as relações se concretizam, principalmente, baseadas no vínculo afetivo. A experiência
de estar-
com
-o-outro nasce no seio daqueles que nos acolhem nos primeiros anos de
vida. É na família que aprendemos a lidar com o mundo e as coisas nele existentes. Os
valores atribuídos à existência e sociabilidade humana emergem da convivência
familiar.
A família, em seu processo de viver, constrói um mundo de símbolos,
significados, valores, saberes e práticas, em parte oriundos de sua família de
origem, do seu ambiente sociocultural e, em parte, decorrentes do viver e do
conviver da nova família em suas experiências e interações cotidianas intra e
extrafamiliares. Este mundo de significados é próprio de cada família, embora
contenha elementos do contexto no qual está inserida. (OLIVEIRA, 1995, p. 95)
Na dimensão da sexualidade, apesar das mudanças advindas da década de
setenta, com contestações da ordem moral vigente, algumas famílias brasileiras ainda
mantêm em suas manjedouras os significados e valores arraigados à cultura da
sexofobia, herdada pela moral judaico-cristã, como abordado na introdução deste
trabalho. O traço mais significativo desta cultura demonstrado nos discursos foi
repr
essão sexual. Entende-se por repressão sexual, segundo Marilena Chauí (1985,
p.77), “o sistema de normas, regras, leis e valores explícitos que uma sociedade
estabelece no tocante a permissões e proibições nas práticas sexuais genitais”. A
mesma autora cita que essas regras, normas, leis e valores são definidos pela religião,
pela moral, pelo direito e também pela ciência.
Em contrapartida, a sociedade ocidental moderna, particularmente a brasileira,
através dos meios de comunicação, com destaque da televisão e da internet, incentiva
as atitudes de liberação sexual e a permissividade se amplia.
Portanto, assistimos a uma labilidade dos valores vigentes. Levisky (1995, p. 21)
afirma que “existe na sociedade, uma fisiologia em constante mutação com seus fa
tores
74
constantes e controláveis, por um lado, e, por outro, com seus valores variáveis e
imprevisíveis”. Processo esse que não difere essencialmente da evolução psicossocial
do adolescente.
É dentro desse contexto que situamos os sujeitos abordados na pesquisa. Foi
assim que fui percebendo a dimensão do contexto familiar transfigurado nos discursos
deles. Fica claro o conflito vivido pelo adolescente, um estar-
no
-mundo com liberdades
e repressões. Por um lado, o acesso a informações e parceiros interessados em
experimentar o sexo, por outro, a ordem moral, as posturas valorizadas pela família,
consoante à sociedade. E Tiana expressa:
[...] Num vô falá que num me deu vontade não porque, né? Sei
lá. Mais [...] Ah, eu fico muito insegura, essas coisas. Nó!
Morro de
medo, nó! Ainda mais em casa que minha mãe. Nossa! [...]
(Tiana, 14 anos)
A vontade, a oportunidade, o desejo, dão lugar à insegurança, ao despreparo, ao
medo advindos da valorização positiva da virgindade e da proibição de relações sexuais
fo
ra de uma relação afetiva estável, valores ainda reforçados por algumas famílias no
caso das moças.
ainda o discurso de Carolina, que apesar de afirmar o não-desejo pelo sexo,
parece ter suas ações mediadas pelas orientações da mãe:
[...] Porque tipo assim eu namoro tem um ano, ele fica “ah vão”.
Não! Eu não quero, num preparada. Fico pensando. ele
assim, “não num vai acontecer nada de errado não”. Eu fico “não,
num quero”.[...] Tipo a primeira menstruação mesmo ela falou um
tanto de coisa comigo que isso, aquilo, eu fico pensando que
minha mãe falou. Ah, será que vai acontecer?[...] (Carolina, 12
anos)
É interessante notar a vasta bibliografia que expõe a oposição do adolescente à
família como forma de buscar novos referenciais para elaboração de fatores psico-
75
estruturais. O grupo se torna um grande referencial. O adolescente, realmente,
contrapõe
-se às ordens dos pais ou responsáveis, mas ao mesmo tempo, de forma
implícita, deseja seus limites na conjetura de sentir-se cuidado, de sentir que
pessoas que se preocupam com seu bem-estar. Embora o grupo represente relevância
na postura dos jovens, os fatores sócio-culturais que colocam a família como forte
aliada ao desenvolvimento humano faz com que os adolescentes prossigam com seus
va
lores arraigados no convívio familiar. Os jovens abordados nesta pesquisa
demonstraram esta posição. Talvez, perante o grupo, assumam postura que vão ao
encontro de seus membros, porém, na intimidade, o desvelamento do fenômeno,
demonstrou
-
me um ser
-
aí emp
enhado em responder as demandas dos pais em relação
aos aspectos sexuais. Mesmo não verbalizando, esta influência revela-se por detrás
das falas, sendo possível aproximar o que foi dito com a presença figurada dos pais,
mais amplamente, da educação oferecida por eles. Através dos contatos “extra-
entrevista” com os sujeitos da pesquisa pude aproximar seus discursos da realidade
familiar a que pertencem e notei que os jovens com a família, supostamente, bem
estruturada apresentaram em sua fala uma maior preocupação com as ações
preventivas relacionadas ao sexo, DSTs e gravidez.
Outra fala velada que sinaliza a influência familiar aparece embutida em alguns
discursos das moças que demonstraram medo de engravidar. A gravidez seria a prova
consumada de que houve relação sexual numa idade considerada “não apropriada”
para o ato, o que pode vir a sofrer julgamento da família e mais severamente da
comunidade em que está inserida.
Mia admite que está ansiosa pela sua primeira “transa”, mas oculto ao seu medo
de engr
avidar e contrair DSTs, encontra-se a influência social que a faz temer.
76
[...] Ah, na mesma hora que você se sente assim, sabe? É como,
por exemplo, assim com ansiedade de chegar rápido a hora,
sabe?
A gente se sente assim com um pouco de medo. De
engravi
dar, ficar com alguma doença, a Aids, por exemplo.[...]
(Mia, 12 anos)
Tiana, por exemplo, demonstra sua preocupação em haver boatos em seu meio,
sobre sua postura e atitudes.
[...] de pensar nisso, nó! Tem que pensar primeiro nas
conseqüências, né? Depois pensa na boca dos outros porque
[...]
(Tiana, 14 anos)
Neste ponto fica bastante clara tamanha influência sócio-cultural perante a
atitude da jovem. No dia da entrevista, Tiana contou-me que estava namorando um
rapaz há alguns meses e que por vári
as vezes tiveram oportunidade de se relacionarem
sexualmente. No entanto, isso ainda o havia acontecido porque ela o impedia.
Apesar de confessar-me não ser apaixonada pelo namorado, assumiu que durante os
“amassos” sentia desejos por ele, mas como disse
: “não rolou”.
Sem querer me aprofundar nas questões de gênero, estudos que evidenciam
que valores diferenciados social, histórica e culturalmente construídos são
atribuídos à primeira relação sexual e norteiam um início da vida sexual distinto entr
e
homens e mulheres que, por sua vez, têm um papel preponderante para manutenção
de tais valores no grupo em que vivem. Assim, a virgindade é valorizada no caso das
mulheres solteiras ou sem parceiro fixo, ao passo que os homens são encorajados a
perdê
-
la
independente de seu vínculo afetivo.
É notável que a maioria dos discursos contendo a influência da família vem das
adolescentes onde uma forte alusão à figura materna. A mãe aparece como
77
referência do eu feminino e como a norteadora de ações, possuidora de julgamentos
positivos e negativos acerca da sexualidade. O principal traço desvelado, vê-se, foi a
repressão sexual.
[...] Porque tipo assim, fui criada. Minha mãe - “Não faça isso!” -
e eu nunca fiz. Até mesmo que minha mãe separou do meu pai
muit
o cedo, assim eu nunca cheguei - “mãe é isso, isso e isso”.
Tipo a primeira menstruação mesmo ela falou um tanto de coisa
comigo que isso, aquilo, aí eu fico pensando que minha mãe falou.
Ah será que vai acontecer? eu sempre penso alguma coisa
assim. Em relação às coisas. A vida que você, né? A educação, a
estrutura familiar, essas coisas.[...]
(Carolina, 12 anos)
[...] Ainda mais em casa que minha mãe. Nossa! [...] Primeiro
tem que pensar na sua mãe, nó! Sua mãe descobrir, nossa!
(Grita,
solta risos)
Nossa senhora! [...]
(Tiana, 14 anos)
[...] Por exemplo, quando eu chego assim e falo com a minha mãe
a gente assistindo a novela das seis ela sempre fala isso você
cresce primeiro!”. Tá? [...]
(Lupita, 12 anos)
Todo esse arsenal de tentativas de controle do comportamento das filhas deve
vir acompanhado de uma análise histórica do papel social da mulher ao longo dos
tempos. Na medida em que a mulher inseriu-se no cenário econômico familiar, através
do trabalho, passou a habitar não somente o lugar de mãe, cuidadora, progenitora,
dedicada ao lar e à família, mas também o daquela que contribui ou assume as
despesas da casa. Assim, as ordens dos valores alteraram-se, a mulher deixa de ser
preparada para o futuro marido e passa a ser preparada para sua própria autonomia,
para o mercado de trabalho. Então, é aí que se situa a grande fábula do não engravidar
durante a adolescência, o que por vezes pode ser desejado pela menina, como
concluiu Madeira (1998). Porém a posição da família é, na maioria das vezes, pro
jetar o
futuro do jovem através dos estudos e/ou aquisição de um emprego. Um filho
significaria postergar ou anular esses planos.
78
Esta posição aparece claramente no discurso de Falcão.
[...] Eu acho besteira, eu acho que tipo assim. Imagina se você.
Você vai e gera um filho com a menina lá. Eu acho que isso tá
errado.Você tem que ter consciência daquilo que você fazendo,
entendeu?Tipo assim, eu acho que assim você [...] Hoje você tem
que tomar o máximo de cuidado possível na hora que for fazer
sexo. Tem que tomar o máximo de cuidado possível. Eu me sinto
assim. Quando eu tiver a minha hora, na relação sexual eu vou
me sentir consciente porque eu não vou fazer besteira. Assim, por
diversão. Acho que tudo tem a sua hora certa. Tem que ter
consciência do que você fazendo, porque não pode fazer uma
coisa errada na vida não. Uma coisa que você fizer errado na vida
você pode prejudicar o resto dela toda [...].
(Falcão, 13 anos)
Este discurso ilustra a influência marcante da família, pois tive contato com os
pais de Falcão e percebi o quanto se preocupam com o futuro do filho, orientam-no em
direção à busca de um futuro promissor.
Dessa forma, os jovens foram expondo cada um, a seu modo, direta ou
indiretamente o envolto familiar e social que os sobrepuja às vésperas de seus
momentos de descoberta, às vésperas de sentir e perceber mais de perto a expressão
plena de sua sexualidade: a chegada do sexo.
79
4.4-
PENSANDO NAS CONSEQÜÊNCIAS PÓS
-SEXO: PREOCUPANDO-SE COM
A PREVENÇÃO
Tem coisas
que a gente sabe
,
faz a hora,
não espera acontecer.
E tem coisas
que a gente sabe,
busca,
espera,
e deixa não acontecer.
(Celina Camilo)
Várias pesquisas apontam o despreparo do adolescente para iniciar sua vida
sexual, principalmente no que tange aos cuidados em relação à prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis (DSTs) e gravidez indesejada. Entretanto, vários jovens
deste estudo demonstraram preocupar-se com a prevenção destes eventos. Essa
preocupação é revelada nos discursos, ora através do medo, ora diretamente através
de declarações da necessidade de se prevenirem.
O discurso de Mia revela claramente seus medos: o de se relacionar com alguém
que tenha doença que possa ser transmitida a ela através do sexo, dando exemplo da
Aids e do medo de engravidar. Não chega a citar formas de preveni-las, mas durante a
entrevista pareceu
-
me assustada com os “perigos” que o sexo pode lhe oferecer.
[...] Ah, é o medo, né? De engravidar, ficar com alguma doença, a
Aids, por exemplo. Alguma coisa assim. [...] (Mia, 12 anos)
Sua colega Ivete também teme pegar uma DST ao iniciar sua vida sexual.
Acredita que para evitar esta inconveniência prefere se relacionar com a pessoa certa,
a qual deverá realizar exames prévios à relação sexual.
[...] Porque a gente num sabe se uma pessoa com doença e a
gente pode pegar. Porque antes da gente fazer assim tem que
fazer exame, porque a pessoa assim, a gente num conhece a
80
pessoa direito e vai com a pessoa errada. Tem que achar a
pessoa certa.[...]
(Ivete, 12 anos)
É interessante notar o ponto de vista desta jovem que situa sua proteção no
certificar
-se da ausência de doença do outro. Ela transfere a responsabilidade do
cuidado para seu suposto parceiro. Ele deverá realizar o(s) exame(s). Para Tiana uma
outra prerrogativa para evitar doença é escolher e conhecer uma pessoa certa para
iniciar uma relação envolvendo sexo.
Outro sujeito demonstra medo diante das conseqüências pós-sexo. Tony se diz
receoso diante da possibilidade de adquirir uma DST caso dispense o uso do
preservativo
.
[...] Você fica meio com atrás antes de ter pensado nas
doenças que você pode pegar. Que você pode transar assim do
nada, tudo sem camisinha. Eu não tenho coragem.[...] (Tony, 16
anos)
Assume que um relacionamento culminar no ato sexual pode ser algo
imprevisível e que não tem coragem de consumá
-
lo sem dispor do recurso preventivo, o
condom
. Na verdade, para enunciar a importância de se prevenir das DSTs, ele fala de
um medo. Contrasta esse medo com desejo, mas realça seu receio em relação às
possívei
s doenças advindas do prazer em iniciar a vida sexual.
[...] Essa sensação é tipo assim. Você tem um medo,
mas também
tem a vontade. Você fica meio com atrás antes de ter, pensado
nas doenças que você pode pegar. [...]
(Tony, 16 anos)
No discurso fica clara a preocupação de Tony em investir na prevenção de
DSTs, no entanto, não faz menção à possibilidade de gravidez. Por outro lado, Falcão
afirma veemente a necessidade de prevenir a gravidez na sua idade, que a geração
de um filho pode acarretar mud
anças para o resto da vida.
81
[...] Imagina se você gera um filho com a menina lá. Eu acho que
isso errado. Tem que ter consciência do que você fazendo
porque não pode fazer uma coisa errada na vida não, porque uma
coisa que você fizer errado na vida você pode prejudicar o resto
dela toda.[...]
(Falcão, 13 anos
)
Acha que é errado gerar um filho de maneira inesperada simplesmente pelo
prazer que o sexo traz, por diversão, ele diz. Salienta a necessidade de refletir sobre
suas atitudes e conclui que praticar sexo e iniciar a vida sexual requer
responsabilidades, consciência.
[...] Eu acho besteira. Imagina se você gera um filho com a menina
lá. Eu acho que isso errado. Eu sinto que quando eu tiver a
minha hora, na relação sexual eu vou me sentir consciente porque
eu não vou fazer besteira por diversão.[...]
(Falcão, 13 anos
)
Em todo seu discurso, Falcão expressou-se de forma bastante racional,
procurando eleger situações que demonstrassem o tom de responsabilidade de seus
atos pertinentes à sua futura vida sexual. Sua preocupação girou em torno da possível
ocorrência de uma gravidez “fora de hora”, o que significaria prejuízos para o resto de
sua vida. Enfatizou, a todo o momento, a importância de ter consciência das próprias
atitudes e deixa explícito que isso se trata de questões relacionadas à prevenção de
uma gravidez indesejada, porém não menciona formas de evitá-
la.
Samuel mostra um outro ponto de vista: discorre sobre a relação sexo-
prazer
-
prevenção. Afirma que a iniciação sexual deve envolver prazer, independentemente de
vir acompanhada ou não da intenção de gerar uma gravidez. Se a primeira transa
envolver somente prazer ele deve lançar mão do preservativo, porém encara a
possibilidade de uma primeira relação sexual envolver o desejo de uma gravidez, o que
exclui o uso do
condom
.
[...] Pra poder pensar na iniciação sexual tem que envolver prazer,
mas ao mesmo tempo a pessoa também tem que pensar ou ela
82
usa preservativo, né? Pra poder evitar algum tipo de gravidez ou a
pessoa, ela já pensa o contrário, ela quer ter iniciação sexual
envolvendo prazer, mas também pra engravidar a mulher. [...]
(Samuel, 20 anos)
Para Samuel, além do desejo por uma gravidez, outra prerrogativa que o
permite dispensar o uso do preservativo: gostar da pessoa com a qual está se
relacionando. Ele considera que se houver envolvimento afetivo, consolidado pelo
tempo e pelo sentimento de afeição pela pessoa, a preocupação com as questões
preventivas se anulam. No entanto, se não existirem sentimentos consolidados em
relação à parceira, a prevenção com uso do preservativo é necessária.
[...] Porque pra iniciação sexual não precisa gostar da pessoa
inicialmente, mas se você não gostar da pessoa tem que usar
preservativo mesmo. E quando você começa a gostar da pessoa,
vive aquele relacionamento com a pessoa, sim você pode
deixar o preservativo de lado, né? Mas, depooois assim, sabe?
[...]
(Samuel, 20 anos)
No processo de envolvimento afetivo, considera que, em princípio, a entrada
para a vida sexual possa ocorrer com alguém sem vínculo sentimental. Portanto, a
introdução ou interrupção do uso de métodos preventivos está diretamente ligada à
ausência ou existência de vínculo afetivo, respectivamente.
Apesar dos adolescentes não se prepararem para iniciação sexual, sendo esse
episódio algo imprevisível em suas vidas, como afirma Mendes (1995) em sua
dissertação, esse estudo veio demonstrar que há uma preocupação po
r parte deles em
se cuidarem no momento do sexo. Resta-
nos decifrar e resgatar o elo entre o desejo e
a efetivação do auto
-
cuidado.
83
5-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluir este estudo que objetivou compreender os sentimentos dos
adolescentes em sua iniciação sexual, procurei resgatar alguns aspectos que me
pareceram fundamentais.
Inicialmente, ao perceber a necessidade de contatos com os adolescentes antes
das entrevistas para nos aproximarmos e falarmos sobre sexo, achei que seria algo
simples e trivial, porém foi bastante trabalhoso e instigante. Num segundo momento, foi
difícil tratar de assuntos de extrema intimidade, ou seja, falar sobre a sexualidade, o
sexo. Terceiro ponto, compreender sentimentos humanos, foi algo notadamente
complexo e desafiador.
Por outro lado, os facilitadores possibilitaram-me atingir o objetivo proposto e o
fenômeno se desvelou.
Em princípio, foi fundamental a adequação do método fenomenológico ao objeto
de estudo. Nada mais perfeito para compreender os sentimentos humanos que a
fenomenologia, pois ela permitiu captar os aspectos individuais de cada sujeito, o que
foi imprescindível no caso dos adolescentes desta pesquisa. Segundo, o acolhimento
dispensado a mim pelos jovens e colaboradores de todo o processo, o que possibi
litou
um verdadeiro encontro
-
com
-o-
outro.
Por fim, minha vontade e perseverança em acreditar na importância de
compreendermos melhor a esfera afetivo-sexual dos “nossos” adolescentes para que,
efetivamente, possamos colaborar com decisões importantes em suas vidas, como a
iniciação sexual. Entendo que podemos ajudar o outro se realmente o
compreendemos.
84
E no desvelar do fenômeno, percebi que uma forte influência do meio social
sobre os sujeitos da pesquisa em relação ao que pensam e sentem, principalmente a
influência da família. O que vai de encontro ao pré-conceito existente da “oposição” do
adolescente aos pais. Embora várias pesquisas apontem que um despreparo dos
jovens para a iniciação sexual, o presente estudo revelou que há uma preocupação por
parte deles em se cuidarem evitando DSTs e gravidez não desejada.
Os sentimentos dos adolescentes que repousam no limiar da iniciação sexual
convergem, essencialmente, para o sentimento de
medo,
do qual emergiram os
sentimentos de
inse
gurança, receio, ansiedade e vergonha. Além de revelarem
desejos
e preocupações.
É certo que esse tema e discussão soa, demasiadamente, inacabável. O que
nos leva a experimentar um tom de infinitude. A busca por compreender esses sujeitos-
adolescen
tes tão peculiares não finda aqui, claro.
Apesar da tentativa de fazer polidas conjeturas sobre os sentimentos alheios,
cabe a cada um de nós enfermeiros, família, amigos..., que vivemos e convivemos
com esses jovens
, proporcionar maneiras pelas q
uais eles mesmos sejam capazes de
se responsabilizarem por suas jornadas através deste mundo. O apoio profissional, a
escuta ativa, as orientações precisas e cingidas de empatia, mostram o nosso
diferencial: o cuidado em sua essência mais profunda. O jovem necessita disso.
Necessitamos abertura para uma educação sexual longe das pré-concepções, com o
fim de promover um libertar e um acolher, um respeitar o eventual modo “bizarro” de ser
de alguns deles, e é nisso que nós, cuidadores, precisamos avançar. Se,
infelizmente, a
academia ainda apresenta uma lacuna como aprendizado nestes termos, cabe a nossa
práxis
-saúde buscar alternativas que possibilitem nos aproximar dos adolescentes.
85
assim poderemos concretizar o projeto de uma saúde-sexual e reprodutiva plena entre
os jovens.
Por fim, devo admitir que trabalhar com a fenomenologia abriu-me perspectivas
para compreensão dos sentimentos humanos contribuindo, significativamente, para o
meu crescimento pessoal e como pesquisadora. Para compreender o outro foi
preciso,
antes de tudo, compreender a mim mesma e isso foi infinitamente enriquecedor. No
entanto, a abordagem do fenômeno ficou limitada à minha capacidade enquanto
enfermeira
-
investigadora de captar, abstrair e teorizar, em conseqüência varia o grau de
a
profundamento do estudo.
Todavia, espero que esta pesquisa possa contribuir para o desafio em que se
constitui o fenômeno da iniciação sexual dos jovens, através da compreensão de como
o adolescente se sente ao pensar na sua primeira relação sexual. Por isso, vale a pena
trilhar por caminhos investigativos que possibilitem o descobrimento de novas facetas
do fenômeno aqui estudado.
86
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Gente, 198
5. 156p.
TIBA, I. Adolescência, o despertar do sexo: um guia para entender o
desenvolvimento sexual e afetivo nas novas gerações. São Paulo: Editora Gente, 1994.
144p.
94
ANEXOS
ANEXO 1
-
Parecer
-
Comitê de Ética
95
ANEXO 2
Autorização para Col
eta de Dados
96
97
98
ANEXO 3
-
Termo de consentimento livre e esclarecido do
adolescente
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título da pesquisa:
COMPREENDENDO OS SENTIMENTOS DO ADOLESCENTE EM SEU PROCESSO
DE INICIAÇÃO SEXUAL
Você está sendo convidado(a) para participar desta pesquisa que tem como
objetivo compreender os sentimentos do adolescente envolvidos no processo de
preparação para entrada na vida sexual. A pesquisa será realizada por mim, Letícia
Soares de Azevedo, aluna do curso de mestrado da Escola de Enfermagem da UFMG,
sob orientação das professoras Dra. Anézia Moreira Faria Madeira e Dra. Lindalva
Carvalho Armond, do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde
Pública/UFMG.
O tema sexo/sexualidade vem sendo trabalhado por diversas instituições das
mais variadas formas, mas acredito que, se alcançar o objetivo exposto acima, o
desenvolvimento de trabalhos nesta temática poderão avançar, contribuindo
sobremaneira na qualidade da assistência de vocês adolescentes. Sua participação é
muito importante e totalmente voluntária. Se você concordar em participar, eu o(a)
entrevistarei uma vez, na escola ou onde achar melhor para você. A entrevista tem uma
previsão de duração de 40 minutos. Você tem toda liberdade de se negar a falar o
u
responder, bem como interromper nosso encontro a qualquer instante. Gostaria de
deixar claro que isso não afetará nossa relação, nem tampouco sua relação com a
escola. Com sua permissão pretendo gravar e posteriormente transcrever a entrevista,
sendo que o seu nome nunca será associado aos dados obtidos, pois utilizarei
pseudônimos, mantendo sua identidade no anonimato. A(s) fita(s) ficará(ão) sob minha
guarda até o final do estudo, quando então sera(ão) destruída(s). Assim, garantimos o
sigilo sobre sua participação. A qualquer momento você poderá pedir esclarecimentos
sobre a pesquisa ou outro dado que achar conveniente.
Consentimento
Eu li e entendi este termo, tive a oportunidade de esclarecer minhas dúvidas com a
pesquisadora e concordo em participar
da pesquisa.
Assinatura:_____________________________________________Data: __/__/__
Assinatura da pesquisadora: _______________________________Data:__/__/__
Contato com a pesquisadora:
Rua São Paulo n. 390, ap. 1302. Bairro: Centro. Belo Horizonte/MG
Tel
: (31) 3212
-
1505 Cel: (31) 9169
-
0246
E-
mail:
Comitê de Ética em Pesquisa (COEP)
UFMG
Tel: (31) 3499
-
4592
99
ANEXO 4
– Termo de consentimento livre e esclarecido do responsável pelo
adolescente
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título da pesquisa:
COMPREENDENDO OS SENTIMENTOS DO ADOLESCENTE EM SEU PROCESSO
DE INICIAÇÃO SEXUAL
Seu(a) filho(a) está sendo convidado (a) para participar desta pesquisa que tem
como objetivo compreender os sentimentos do adolescente envolvidos no processo de
preparação para entrada na vida sexual. A pesquisa será realizada por mim, Letícia
Soares de Azevedo, aluna do curso de mestrado da Escola de Enfermagem da UFMG.
As pesquisadoras Dra. Anézia Moreira Faria Madeira e Dra. Lindalva Carvalho Armond
do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública/UFMG, são também
responsáveis por esta pesquisa.
O tema sexo/sexualidade vem sendo trabalhado por diversas instituições das
mais variadas formas, mas acredito que, se alcançar o objetivo exposto acima, o
desenvolvimento de trabalhos nesta temática poderão avançar, contribuindo
sobremaneira na qualidade da assistência aos adolescentes.
A participação do(a) seu(a) filho(a) é muito importante e totalmente voluntária e
acontecerá através de uma entrevista com de duração de cerca de 40 minutos.
Afirmo que os dados coletados serão utilizados exclusivamente para fins de
pesquisa e será garantido anonimato dos participantes, além de reservar-
lhes
o direito
de interromper sua contribuição no trabalho a qualquer momento, sem nenhum
prejuízo.
Consentimento
Eu li e entendi este termo, tive a oportunidade de esclarecer minhas dúvidas com a
pesquisadora e concordo em participar da pesquisa.
Assinat
ura:_____________________________________________Data: __/__/__
Assinatura da pesquisadora: _______________________________Data:__/__/__
Contato com a pesquisadora:
Rua São Paulo n. 390, ap. 1302. Bairro: Centro. Belo Horizonte/MG
Tel: (31) 3212
-
1505 Cel:
(31) 9169
-
0246
E-
mail:
Comitê de Ética em Pesquisa (COEP)
UFMG
Tel: (31) 3499
-
4592
100
ANEXO 5
-
Entrevistas
ENTREVISTA 1
-
Carolina
, 12 anos, sexo feminino, Belo Horizonte.
E: Como você se sente ao pensar na sua iniciação sexual?
Ah eu fico com um pouco de medo.
(I)
E: (Fiz um gesto para ela continuar)
Só.
(Faz uma pequena pausa, pensa e diz:)
(II)
Por que tipo assim eu namoro
tem um ano, ele fica - “Ah vão...”. Não! Eu não quero, num preparada.
(III)
Fico
pensando, ele assim “não num vai acontecer nada de errado não”. Eu fico “não,
num quero”. Só. (Silêncio longo)
(II)
Às vezes dá um pouco de vergonha.
(IV)
E: Vergonha...
Porque, tipo assim, fui criada... Minha mãe t
á
- “Não faça isso!” - e eu nunca fiz.
Até
mesmo que minha mãe separou do meu pai muito cedo, assim eu nunca cheguei -
“Mãe é isso, isso e isso”.
Tipo a primeira menstruação mesmo ela falou um tanto de
coisa comigo que isso, aquilo, eu fico pensando o que que minha mãe falou.
(V)
Ah,
será que vai acontecer? Aí eu sempre penso alguma coisa assim.
(VI)
(Silêncio.)
E: Mais alguma coisa que você quer colocar em relação a essa pergunta?
Só.
101
DISCURSO DO SUJEITO
DISCUSO ARTICULADO
I-
Ah, eu fico com um pouco de
medo.[...]
II
- Só. (Silêncios e pausas)
III
-
[...] eu namoro tem um ano, ele
fica “ah vão”. Não! Eu não quero, num
preparada. Fico pensando ele
assim “não num vai acontecer nada de
errado não”. Eu fico “não, nu
m quero”.
IV-
Às vezes um pouco de
vergonha. Fui criada... Minha mãe -
“Não faça isso!”
-
e eu nunca fiz.[...]
V-
Porque, tipo assim, fui criada...
Minha mãe - “Não faça isso!” -
e eu
nunca fiz.
Até mesmo que minha mãe
separou do meu pai muito cedo,
assim
eu nunca cheguei -
“Mãe é isso, isso e
isso”.
Tipo a primeira menstruação
mesmo ela falou um tanto de coisa
comigo que isso, aquilo. [...]
VI-
[...] eu fico pensando o que que
minha mãe falou... Ah, será que vai
acontecer? eu sempre pe
nso
alguma coisa assim... [...]
Relata ter medo da iniciação sexual.
Acha que disse tudo sobre a pergunta.
Sente
-
se pressionada diante dos apelos
do namorado para terem relação(ões)
sexual(is), dizendo não estar preparada e
respondendo para ele que nã
o quer.
Diz sentir vergonha pensando na criação
que teve junto à mãe que lhe diz para
não fazer sexo.
Fala sobre a criação que sua mãe lhe
deu, dizendo para não fazer sexo.
Relaciona a separação dos pais com a
falta de liberdade que tem de falar sobre
sexo com a mãe, a qual se limita a falar
sobre funções biológicas como a
menstruação. Essa fala sugere que a
mãe relaciona menstruação à gravidez.
Fica pensando no que sua mãe lhe falou
sobre assuntos sexuais, tentando
imaginar situações.
102
ENTREVISTA 2
-
Tiana,
14 anos,
sexo feminino, Belo Horizonte.
E: Como você se sente ao pensar na sua iniciação sexual?
Como assim?
(I)
Ah, eu penso assim: que no dia que...
(Interrompe bruscamente
a frase e diz:) Num falá que num me deu vontade não porque, né? (
II)
Sei lá.
Mas... Ah eu fico muito insegura, essas coisas.
(III)
Nó! Morro de medo, nó!
(IV)
Ainda
mais em casa que minha mãe... Nossa!
(V)
(Solta alguns risinhos, faz uma pequena
pausa.) Acho que é isso. (Mais risos) de pensar nisso, nó! Tem que pensar primeiro
nas conseqüências, né?
(VI)
(Pausa; mais risos.)
(I)
Difícil, viu?
(I)
Primeiro tem que pensar na sua mãe, nó! Sua mãe descobrir, nossa!
(V)
(Grita, solta risos.) Nossa senhora! Depois cê pensa na boca dos outros porque...
(Pausa.)
Muito difícil. não me faltou oportunidade também, sabe?
(Risos.)
Mais
nem... Também tenho medo, né?
(IV)
(Risos, pequena pausa.)
Só isso.
E: Só isso...
Só.
ENTREVISTA 3
-
Zélia
, 12 anos, sexo feminino, Belo Horizonte.
E: Como você se sente ao pensar na sua inicia
ção sexual?
Confusa
. É... Porque tipo assim...
Eu me sinto confusa, né?
(I)
Eu não sei o que
fazer. Às vezes tem que pensar também como isso vai acontecer.
(II)
Então... Sei lá.
Tipo... Mulher, de repente.
(III)
E: Fala para mim dessa sua confusão.
É... Não sei dessas coisas, né? Eu fico na minha cabeça, até eu me perguntar
se vai ser assim...
(II)
Aí me faz eu ficar doida, aí eu fico confusa, deixo de fazer.
(I)
Será
que isso é isso? Que aquilo é isso, num sei direito.
(II)
Será que... A gente na idad
e
agora, entendeu?
(IV)
Se é bom, entendeu? Num sei... Fico confusa.
(I)
(Pequena
pausa.
) Igual tem menina que fala que é bom, entendeu? Que dói... (Pausa.)
Entendeu?
E: Mais alguma coisa?
Não.
ENTREVISTA 4
-
Lupita,
12 anos, sexo feminino, Belo Horizonte
.
E: Como você se sente ao pensar na sua iniciação sexual?
(Silêncio.) Hum... (fica pensativa e pergunta.) Como assim?
(I)
E: Quer que eu repita a pergunta?
(Mostra sinal com a cabeça que sim.)
E: Quero que você me fale como se sente ao pensar na sua ini
ciação
sexual?
Ah, de vez em quando até brinco, né? Com isso, mas... ah, num sei, né?
(I)
A
gente vai começar ainda, então... (II) (Silêncio breve.) Fico constrangida, né?
(III)
Porque a gente num conhece ainda...
(II)
(Silêncio longo.)
(I)
De vez em quando é... Eu
fico conversando com as minha colega lá. A gente fica até... Acaba zuando, brincando
103
com isso, mas eu chego e viro pra elas e falo não porque a gente num conhece, né?
Aí num sabe como que é... (II)
(Silêncio) Só. (Silêncio.)
(I)
E: Se você fosse falar de você, como você se sente? Quando pensa nessa
iniciação sexual?
Eu? De vez em quando eu fico constrangida assim... (III) porque é... fica
pensando nisso... Os outros fala pra gente num ter, os outros fala pra gente esperar, a
gente tá muito nova
pra começar com tudo isso, a gente pensa nisso mais tarde, né?
A
gente cresce direito, né?
(IV)
Por exemplo, quando eu chego assim e falo com a minha
mãe a gente assistindo a novela das seis ela sempre fala isso - “você cresce
primeiro!”.
(V)
Tá... (Silênc
io longo, fica pensativa, tentando dizer mais algo, mas diz que
terminou). isso. (Silêncio. Aguardo mais um instante, pois a entrevistada permanece
pensativa sugerindo querer dizer algo)
E: Quer falar mais alguma coisa?
Não. Só isso.
ENTREVISTA 5
-
Mi
a,
12 anos, sexo feminino, Belo Horizonte.
E: Como você se sente ao pensar na sua iniciação sexual?
(Silêncio.)
(I)
Ah, na mesma hora que você se sente assim, sabe? É... Como, por
exemplo, assim com ansiedade de chegar rápido a hora, sabe?
(II)
A gente se sente
assim com um pouco de medo.
(III)
Medo de chegar alguma coisa errada... Porque
assim sei lá. Alguma coisa, sabe? com alguma doença, engravidar...
(IV)
(Silêncio
longo, fica pensativa, mas sugere com os gestos inquietos, ter terminado de falar.
)
E: Fala para mim desse medo.
Ah é o medo, né? De engravidar, ficar com alguma doença, a Aids, por exemplo.
Alguma coisa assim.
(IV)
Só. Só os dois. Só os dois mesmo eu tenho.
ENTREVISTA 6
-
Ivete,
12 anos, sexo feminino, Belo Horizonte.
E: Como você
se sente ao pensar na sua iniciação sexual?
Ah tem que ter segurança, né?
(I)
Porque... Ai sei lá. E tem que ser com a
pessoa certa.
(II)
(Olha para mim uma gargalhada.) E aí... (Solta risadas.) Sei lá.
(Silêncio longo, fica pensativa) Na mesma hora que a gente pode ficar feliz, a gente
pode ficar triste.
(III)
Porque a gente num sabe se uma pessoa tá com doença e a gente
pode pegar, mas ah...
Ai sei lá. Nem sei... É uma coisa assim... Porque antes da gente
fazer tem que fazer exame,
(IV)
porque a pessoa assim, a gente num conhece a pessoa
direito e vai com a pessoa errada. Tem que achar a pessoa certa.
(II)
Só.
(Pequeno
silêncio.)
Ah ta, uai? Como eu me sinto, sinto, sinto assim num sei não.
(V)
Um dia vai,
vai ter. Hoje... Mas sei lá. (Solta risos.) O que vem na minha cabeça assim é isso
mesmo.
(VI)
E: Quer falar mais alguma coisa?
É só isso mesmo.
104
ENTREVISTA 7
-
Tony,
16 anos, sexo masculino, Contagem.
E: Como você se sente ao pensar na sua iniciação sexual?
Ah pra te falar a verdade assim... Sinto uma coisa diferente, né? Um campo que
a gente não conhece,
(I)
a gente fica meio, nó! Ressabiado, nó!
(II)
Será que eu vou
conseguir? Será que eu não vou conseguir?
(III)
Será que a outra pessoa vai gostar?
Não vai gostar... Fico meio indeciso.
(IV)
Aí... Até hoje eu não tive essa sensação ainda
de poder ter a primeira relação. De um tudo é meio assim ainda suspense na nossa
vida.
(I)
Acho que a maioria do pessoal na minha faixa etária tá assim ainda. (Silêncio)
E: Fala pra mim dessa sua sensação.
Essa sensação é tipo assim... Você tem um...Você tem um medo,
(V)
mas
também tem a vontade.
(VI)
Você fica meio com atrás antes de ter pensado nas
doenças que você pode pegar, que você pode transar assim do nada, tudo sem
camisinha...
(VII)
Eu não tenho coragem.Tem gente e tal que eu conheço que na
primeira vez foi sem camisinha, tá nem aí. Eu não. Sou meio ressabiado.
(II)
Mas
também tem aquele... Uma sensação gostosa que você fala assim... Ah...
(VI)
(suspiro)
Será que é? Como deve ser a primeira vez? Fica meio suspense na nossa vida.
(I)
A
gente fica meio indeciso pra certas coisas, né?
(IV)
(Silêncio)
E: (Coloco-me numa postura de interrogação insinuando a continuidade do
discurso)
Mais nada. Que eu acho assim.
ENTREVISTA 8
-
Falcão,
13 anos, sexo masculino, Contagem.
E
: Como você se sente ao pensar na sua iniciação sexual?
Como eu me sinto? Assim igualzinho, como assim? Como eu vou pensar nisso?
Como eu vou sentir? Eu vou assim...
(I)
Eu vou me sentir responsável pelo... Assim... Eu
vou me sentir consciente por aquilo que eu tou fazendo,
(II)
que eu vou fazer na hora
adequada.
(III)
Igualzinho eu vejo assim que chega a hora da menina chegar e falar
comigo. Eu vou falar - “não”. Não, não vou fazer uma coisa que eu não quero.
(IV)
Eu
quero... Assim... “Eu respeito voe tudo pela sua atitude mas eu acho que você tem
que respeitar a minha também”- , entendeu? Eu acho que é isso e assim... Eu o
quero fazer sexo antes dos meus dezoito anos, entendeu?
(III)
Porque assim... Eu acho
besteira, eu acho que tipo assim... Imagina se você... Você vai e... Você gera um filho
com a menina lá. Eu acho que isso tá errado. Você tem que ter consciência daquilo que
você fazendo, entendeu?
(V)
Tipo assim, eu acho que assim você... Hoje você tem
que tomar o máximo de cuidado possível na hora que for fazer sexo, tem que tomar o
máximo de cuidado possível.
(V)
E assim... Eu me sinto assim... Quando eu tiver a
minha hora, na relação sexual eu vou me sentir consciente porque eu não vou fazer
besteira por... Assim... Por diversão.
(II)
Acho que tudo tem a sua hora certa.
(III)
(Silêncio longo.) Tem que ter consciência do que você fazendo porque não pode
fazer uma coisa errada na vida não, porque... Uma coisa que você fizer errado na vida
você pode prejudicar o resto dela toda.
(V)
(Silêncio.) Ent
ão é isso.
E: Mais alguma coisa?
É isso.
105
ENTREVISTA 9
-
Samuel
, 20 anos, sexo masculino, Contagem.
E: Como que você se sente ao pensar na sua iniciação sexual?
Ah, eu sinto que a iniciação sexual é necessária, sabe? Que eu tou passando da
hora (risos), né?
(I)
E que é importante... Pra qualquer pessoa, né? Isso que eu penso.
(Silêncio longo) Ah, como eu me sinto? Quando eu penso nisso? (Silêncio)
(II)
Ah, uma
pessoa normal, sabe? É uma coisa tão normal. Isso. Eu não me sinto diferente, né? É
necessário e eu me sinto uma pessoa normal pensando ou não pensando, sabe?
Qualquer pessoa tem direito de pensar nisso, né? (III)
Tem gente que fala assim que às
vezes a pessoa fez por prazer e não é assim, sabe?
(IV)
Também é lógico que
envolve prazer também, né? Pra poder pensar na iniciação sexual tem que envolver
prazer, mas ao mesmo tempo a pessoa também tem que pensar ou ela usa
preservativo, né? Pra poder evitar algum tipo de gravidez ou a pessoa, ela pensa o
contrário, ela quer ter iniciação sexual envolvendo prazer, mas também pra engravidar
a mulher...
(V)
Entendeu o que eu quis dizer?
E: (Faço sinal que sim)
Sobre isso acho que é só isso mesmo, nada além.
E: Quer fazer mais alguma pergunta?
(Neste momento o jovem questiona sobre a minha opinião acerca da proibição do uso
de preservativo pela Igreja Católica. Após conversarmos sobre o assunto, retomo ao
tema da pesquisa e ele me indaga se tenho alguma pergunta a fazê-
lo.
Então, volto à
questão norteadora e ele diz:
)
É assim, na verdade eu sou muito tímido, mas assim é... Lógico que eu tenho
que melhorar isso, né? Pra poder iniciar minha vida sexual, vida amorosa com a pessoa
e... Procurar fazer com a pessoa...
(VI)
(Se embola na própria fala e continua.)
Porque
pra iniciação sexual não precisa gostar da pessoa inicialmente mas se você não gostar
da pessoa tem que usar preservativo mesmo.
(V)
E quando você começa a gostar da
pessoa, vive aquele relacionamento com a pessoa sim você pode deixar o
preservativo de lado, né? Mas depooois assim, sabe?
(V)
Mas eu não vejo a relação
sexual assim, sabe? É... Transar coma pessoa que você gosta, assim, né?
(IV)
É
isso. (Risadinhas.) Mais alguma coisa?
E: Você tem?
Não, é isso.
ENTREVISTA 10
-
Avril
, 18 anos, sexo feminino, Contagem.
E: Como você se sente ao pe
nsar na sua iniciação sexual?
Ah eu fico constrangida porque eu fico morrendo de vergonha.
(I)
(Risadinha.)
Fico pensando... Se eu morro de vergonha de ir na piscina, imagina!
(I)
(Risadinha.)
Pelo contrário...
(Risinhos.)
Nossa Senhora! Ah nem...
(Silênci
o.)
Tem vez que eu me pergunto como que eu vou querer ficar. Só de nadar,
imagina! Com a pessoa ali...
(Risos.)
Sozinha no quarto.
(Risos)
Ah nem... Acho que eu
não teria coragem assim não.
(II)
Às vezes é porque eu também não tenho vontade.
(III)
Deve ser por isso, eu não tenho vontade, nem coragem. Nossa! Morro de medo, não
tenho coragem não.
(II)
Muito menos pra saber como é que eu vou fazer, né?
(IV)
Minhas colegas me pergunta - “Como é que vai fazer quando vê?”. Eu num
106
sei...(Risos.)
Mas num tinha coragem não. Não sei. Não tinha coragem não
.
(II)
(Silêncio.) Num sei... (Silêncio.)
E: Como que você se sente quando pensa?
Constrangida demais, sem graça.
(Silêncio longo)
E: Quer falar mais alguma coisa?
Não... (Pensa e diz:) Também eu acho assim que se tiver que ter, acho que
deveria ser bem tonto mesmo! (Risada.) Nem saber o que eu tou fazendo pra mim... Se
for... Fora isso não tenho coragem não. Ah, Deus! Fora isso não tenho coragem não.
(II)
(Silêncio)
E: Quer fazer alguma pergunta?
Não.
ENTREV
ISTA 11
-
Pedro
, 15 anos, sexo masculino, Contagem.
E: Como que você se sente ao pensar na sua iniciação sexual?
Ah, meio sem graça, né? Ah, sei lá. (Risos.) Ah sei acho que meio sem graça,
assim com vergonha.
(I)
Ah nem... Sei não. (Risos seguido de silêncio.) Sei não. Ah,
(Risos.) sei lá sô! De boa mesmo. (Silêncio.)
(II)
Ah sei sô! Penso numa porrada de coisa. Se for na hora assim e aí... Ah, sei
lá!
(II)
Não der nada. Penso numa porrada de coisa... Ah, se for se num agüentar
muito, se frochar. Ou se não eu nem... Nem tiver ereção. é foda!
(III)
Ah! (Risos.)
Nossa Senhora! (Mais risos.) Acho que num tem... Nem... Só isso só, num tem...
(Risos.) Fico sem graça mesmo
(I)
. (Silêncio acompanhado de pequenas risadinhas.)
E:É isso?
É... Num tem... Juro que nem parei pra pensar nisso não. Tou pensando agora.
(IV)
Nossa, mas deve ser foda o cara tá... Sei lá, penso numa porrada de coisa, se num
der certo, né?
(III)
Ah, sei lá! Num tem nem o que falar não. (Silêncio longo.) Ah sei lá!
(Silêncio.) É isso. (R
isos.)
ENTREVISTA 12
-
Vander
, 15 anos, sexo masculino, Contagem.
E: Como que você se sente ao pensar na sua iniciação sexual?
É difícil demais para falar isso, né?
(I)
Talvez a gente não pensa demais assim...
Como será o momento, né?
(II)
É uma coisa assim muito difícil de se pensar
.(I)
Talvez
você pensa com quem, às vezes... O local, né? Qual seria mais ideal.
(III)
É uma coisa
mais assim. Não o momento, o ato, né? É difícil de imaginar. Eu pelo menos num...
Num imagino assim com realidade.
(II)
Mais a pessoa,
(III)
talvez como seria o local. Eu
penso assim. Eu me sinto... (pequena pausa)
(I)
Eu me sinto... Difícil de falar assim... O
sentimento. Não sei...
(I)
Se a palavra às vezes é um sentimento, entendeu? Não é
preocupação. Não é ansiedade, talvez um pouco
de ansiedade.
(IV)
Talvez cê ta ficando
com a pessoa, né? É vê... talvez como que era estar no ato sexual. Porque tá,
talvez na noite, nessa festa pode acontecer. Talvez isso.
(II)
O sentimento talvez seja
de ansiedade.
(IV)
Talvez o momento... Até pra preocupação, né? Do... “não conseguir”,
talvez... Aquela toda teoria e não ser posta em prática, né?
(V)
É de ansiedade.
(IV)
um medo
(VI)
, mas ansiedade
(IV)
.
107
E: Ahã... (Coloco
-
me numa postura de interrogação: mais alguma coisa?)
Não.
DISCURSO DO SUJE
ITO
DISCURSO ARTICULADO
I-
[...] Eu me sinto... Difícil de falar
assim... O sentimento. Não sei... Se a
palavra às vezes é um sentimento,
entendeu? [...]
II
-
É difícil demais para falar isso, né?
Talvez a gente não pensa demais
assim... Como será o mome
nto, né? É
uma coisa assim muito difícil de se
pensar.
III
-Talvez você pensa com quem, às
vezes... O local, né? Qual seria mais
ideal. É uma coisa mais assim. Não o
momento, o ato, né? [...]
IV-
[...] Não é preocupação. Não é
ansiedade, talvez um pouco
de
ansiedade. Talvez ta ficando com a
pessoa, né? É vê... talvez como que era
estar no ato sexual. Porque tá,
talvez na noite, nessa festa pode
acontecer. Talvez isso. O sentimento
talvez seja de ansiedade.
V-
[...] Talvez o momento... Até pra
preocupação, né? Do...“não conseguir”,
talvez... Aquela toda teoria e não ser
posta em prática, né? Dá um medo, mas
ansiedade.
Relata a dificuldade de definir o
sentimento sobre a pergunta realizada.
É difícil falar sobre algo que ainda não
aconteceu.
Diz que, talvez, não pensa no ato sexual
em si, mas em situações mais concretas
como o local onde possa ocorrer e a
pessoa com quem terá sua primeira
relação sexual.
Tenta definir o sentimento em relação
ao processo de iniciação sexual. Suscita
dúvida
s quanto aos possíveis
sentimentos vivenciados, para tanto
imagina situações do mundo-
vida: festa,
companhia. Conclui que o sentimento
que predomina é de ansiedade.
Relaciona os sentimentos de medo,
preocupação e ansiedade à postura
masculina que deva a
ssumir no ato:
preocupação quanto à função erétil do
pênis.
108
ANEXO 6
Relação dos pseudônimos
Pseudônimo
(Idade)
Artista referente
Característica do
Artista
Característica do
Adolescente
1-
Carolina
(12 anos)
Ana Carolina
(cantora e
compositora)
Voz f
irme, letras
de músicas
reflexivas
Mostrou muita maturidade,
apesar da pouca idade (12
anos)
2-
Tiana
(14 anos)
Sebastião Salgado
(Fotógrafo)
Imagens em preto
e branco
-
contraste
Desejo e contensão
3-
Zélia
(12 anos)
Zélia Duncan
(Cantora e
compositora)
Letras de músicas
simples e
reflexivas
Usou palavras simples e
fortes
4-
Lupita
(12 anos)
Integrante do Grupo
Musical Mexicano:
Rebelde
Fã do Grupo Rebelde
5-
Mia
(12 anos)
Integrante do Grupo
Musical Mexicano:
Rebelde
Fã do Grupo Rebelde
6-
Ivete
(1
2 anos)
Ivete Sangalo
(Cantora Bahiana)
Alegre e
espontânea
Idem
7-
Tony
(16 anos)
Tony Bellotto
(Escritor e
compositor )
Histórias policiais
com uma pitada
de sexualidade
Demonstrou muita
sabedoria
8-
Falcão
(13 anos)
Falcão (Vocalista do
Grupo Musical
Rappa)
Escolha do jovem
9-
Samuel
(20 anos)
Samuel Rosa
(Vocalista do Grupo
Musical Skank)
Escolha do jovem
10
-
Avril
(18 anos)
Avril Lavine (Cantora
Norte-
americana)
Escolha da jovem
11
-
Pedro
(15 anos)
Pedro Moraleida
(Artista plástico)
Trabalha,
explicitamente, a
genitalidade
humana
Jeito espontâneo de tratar
sua genitalidade
12
-
Vander
(15 anos)
Vander Lee
(Cantor e
compositor)
Letras de músicas
simples e
profundas
Jovem sábio e humilde
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