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1.2.2 – Agon
Antes, porém, de concluir essa rápida passagem pela “novidade” introduzida pelos
gregos queremos destacar um período que, embora não tenha sido objeto de estudo das
“poéticas implícitas” de Brandão (2005), ocupa boa parte do interesse daqueles que procuram
entender a relação entre mito e pensamento na Grécia antiga. Trata-se de um outro momento,
o qual também acontece no alvorecer do pensamento racional, que viu aparecer e morrer a
tragédia grega, que nos interessa para entender quais as categorias do lugar do narrador e do
espaço da narração que o texto trágico coloca para narrar o mito.
É na posição ambígua, em que não consegue se livrar da presença dos deuses, nem
tampouco está situado à margem dela, que as palavras contidas nas tragédias registram um
aspecto, o qual estamos querendo acentuar para reforçar a noção de situação-limite de Eliade.
A existência de uma quantidade considerável de termos com duplo sentido não
parece ser apenas uma estratégia poética, como mostrou Vernant (1977) ao analisar o Édipo
Rei. Tampouco, trata-se de expressar a personalidade de um personagem perturbado. “Não é
uma questão de caráter”, enfatiza Vernant (1977, p. 85). Para ele, o que está em jogo é uma
maneira de conceber uma questão vital para os gregos, que pode se traduzir pela palavra
“ser”, e que os filósofos irão privilegiar como objeto de indagação. “Édipo é duplo”, enfatiza
Vernant (1977, p. 85), acrescentando:
O homem não é um ser que se possa descrever ou definir, é um problema, um
enigma cujos duplos sentidos jamais chegou a decifrar. A significação da obra não
pertence nem à psicologia nem à moral; ela é de ordem especificamente trágica. O
parricídio, o incesto, não correspondem nem ao caráter de Édipo, ao seu ethos, nem
a uma falta moral, adikia, que ele teria cometido. Se ele mata seu pai, se dorme com
sua mãe, não é porque, mais ou menos obscuramente, odeie o primeiro e esteja
apaixonado pela segunda [...].Quando mata Laio é em situação de legítima defesa
contra um estrangeiro que o atingiu primeiro; quando desposa Jocasta, é um
casamento sem inclinação que a cidade de Tebas lhe impõe com uma estrangeira
para fazê-lo aceder ao trono, como recompensa de seu feito [...]. Ou, antes, enquanto
cometia um ato, o sentido de sua ação, sem que ele soubesse e sem que ele
compreendesse, se invertia. A legítima defesa se fez parricídio; o casamento,