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MARIANA LEVIT KAUFMANN
A RECEPÇÃO DAS IDÉIAS DE THOMAS HOBBES NA SOCIEDADE
INGLESA SEISCENTISTA
Mestrado em História da Ciência
PUC-SP
São Paulo
2007
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MARIANA LEVIT KAUFMANN
A RECEPÇÃO DAS IDÉIAS DE THOMAS HOBBES NA SOCIEDADE
INGLESA SEISCENTISTA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em História da Ciência, sob a
orientação da Profª. Drª. Luciana
Zaterka.
PUC-SP
São Paulo
2007
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FOLHA DE APROVAÇÃO DA BANCA EXAMINADORA
Ao meu irmão Pedro, por sempre me fazer feliz.
Agradecimentos
À Profª. Drª Luciana Zaterka, pela dedicação, pela orientação cuidadosa e pela
paciência com minhas dificuldades.
À minha irmã, Karen, pelo apoio que me deu sempre e pela disponibilidade para me
ajudar nas revisões. Sem ela, o trabalho teria sido muito mais árduo.
Ao meu irmão, Pedro, por sempre me acompanhar nas minhas jornadas e por me fazer
rir sempre que eu esquecia da graça da vida.
À minha mãe, Maria Isabel, pelo apoio irrestrito e incondicional.
Ao meu pai, Pierre, por sempre me incentivar nos estudos e por todo o apoio.
Aos meus avós, Isaac e Isabel, por sempre me mostrarem a importância dos estudos.
Aos meus sobrinhos, Gabi, Lucas e Paula, por toda a felicidade que sempre me dão
quando nos encontramos, fundamental neste percurso.
Ao William, por todo o amor e por todo o apoio que me deu neste final de dissertação (e
pela paciência e carinho que teve comigo nas horas em que a minha ocupação ocupava a
maior parte do meu tempo).
Aos meus amigos, por compreenderem minha ausência em razão desta dedicação e por
me apoiarem sempre nos meus interesses.
Aos meus professores, por todo o conhecimento que puderam me passar.
Aos meus colegas da PUC, especialmente, à Angélica Ferroni e à Paula Pavon, por me
acompanharem nesta batalha, sentindo igualmente as dificuldades impostas pelas nossas
escolhas.
À todas as pessoas que de uma forma ou de outra ajudaram na produção desta
dissertação.
Ao CNPq, pela bolsa de estudos concedida.
Resumo
Esta dissertação analisa alguns aspectos da filosofia de Thomas Hobbes (1588-
1679) que propiciaram seu envolvimento em uma série de polêmicas na Inglaterra
seiscentista. Para tanto, num primeiro momento, objetivamos discutir certos aspectos
importantes de sua concepção de religião a fim de compreender por quais motivos o
filósofo foi chamado de “ateu”, de propagador de heresias e de inimigo dos valores
cristãos. Num segundo momento, abordaremos aspectos que estruturaram sua filosofia
natural, sua visão de mundo e de conhecimento.
Em seguida, faremos uma comparação entre dois dos métodos que foram
adotados pelos filósofos envolvidos nessas polêmicas. Por um lado, a abordagem
baseada no método dedutivo, a priori, de caráter matemático e gico que era defendida
pelo autor do De Corpore, enquanto de outro lado aquela que se estruturava sobre os
efeitos obtidos por meio de experimentações da natureza, a posteriori, que foi adotada
por vários dos membros da Royal Society. Esperamos esclarecer alguns dos principais
motivos pelos quais as polêmicas de fato ocorreram e assim, talvez, poderemos
compreender melhor as discussões que envolveram o autor do Leviatã e alguns dos
membros da Royal Society, especialmente Robert Boyle (1627-1691) e John Wallis
(1616-1703).
Temos a finalidade, portanto, de explicitar os motivos pelos quais Hobbes era
considerado uma ameaça para outros pensadores e eclesiásticos de seu tempo. Desta
forma, analisaremos idéias hobbesianas fundamentais como sua concepção de Deus,
suas críticas à imortalidade da alma bem como a sua estruturação de um mundo
absolutamente necessário. Observaremos de que maneira idéias como essas se tornaram
perigosas para a sociedade e como seus críticos as viam. Enfim, seque a imagem que
se construiu sobre o ‘ateu’ Hobbes tinha de fato relação com sua crença em Deus?
Abstract
This dissertation analyzes some aspects of the philosophy of Thomas Hobbes
(1588-1679) that led to his involvement in a series of polemics in the seventeenth-
century England. For the development of the subject, in a first step, we intend to discuss
certain important aspects of his conception of religion in order to understand the reasons
why the philosopher was called an “atheist”, spreader of heresies and enemy of the
christian values. In a second step, we will discuss aspects that structure his natural
philosophy, his vision of what is “knowledge” and what is “world”.
Following up, we will make a comparison between two of the methods adopted
by the philosophers involved in the polemics. On one side, the approach based on the
deductive method, a priori, with a mathematical and logical character which was
defended by the author of De Corpore while, on the other side, the methodology
structured on the effects obtained through the experimentations of nature, a posteriori,
which was adopted by many of the members of the Royal Society. We hope to clarify
some of the main reasons why the polemics did take place, that might help us to better
understand the discussions that involved the author of Leviathan e some of the members
of the Royal Society, specially Robert Boyle (1627-1691) and John Wallis (1616-1703).
We therefore intend to obtain the explicit reasons why Hobbes was considered a
threat to other thinkers and ecclesiastics of his time. In this way, we will analyze
fundamental hobbesian ideas like his conception of God, his critics to the immortality of
the soul as well as his structure of a totally necessary world. We will observe in which
way such ideas became dangerous to society and how his critics saw them. At last, was
the image built over the “atheist” Hobbes, in fact, related to his belief in God?
Índice
Introdução......................................................................................................................01
Capítulo 1 - Alguns fundamentos teológicos da filosofia hobbesiana ........................ 14
Capítulo 2 - Thomas Hobbes e a filosofia natural: a questão do método lógico-
matemático.................................................................................................................... 43
Capítulo 3 - O ateu ‘excomungado’ pelos membros da Royal Society........................ 72
Considerações Finais..................................................................................................... 91
Referências Bibliográficas............................................................................................ 94
1
Introdução
A obra de Thomas Hobbes (1588-1679) pode ser vista como relevante não
somente pela contribuição que trouxe às várias áreas do conhecimento, como a ética, a
política e a filosofia natural, mas também pela oposição e polêmica que gerou na época
de sua publicação. Veremos que o filósofo teve vários discípulos e simpatizantes de
suas teorias, mas também causou um sentimento de antipatia em inúmeros homens de
ciência, entre eles Robert Boyle (1629-1691), que não concordavam com suas teorias e
seus métodos. Talvez esse ponto seja um dos fatores pelos quais sua obra nem sempre
tenha sido completamente valorizada. Hobbes foi um filósofo natural de presença
marcante em sua época, reunindo grandes seguidores e ainda mais imponentes
opositores. Carregou a fama de ateu em razão de sua concepção de mundo e não chegou
a ser reconhecido como membro pela Royal Society.
A intenção desta dissertação é de a explorar certos aspectos da filosofia
hobbesiana, especialmente no âmbito religioso-teológico e no âmbito de sua filosofia
natural. Isso para, depois, abordarmos as posições tomadas pelos homens de ciência da
Royal Society com relação às idéias do filósofo e analisarmos se a imagem que se tinha
dele era de fato condizente com sua figura. Mas, primeiramente, faremos um breve
estudo desse momento histórico, abordando características da sociedade inglesa e
analisando correntes de pensamento e comportamento que favoreceram o acontecimento
da polêmica que ocorreu entre Thomas Hobbes e alguns dos homens de seu tempo.
O século XVII assistiu a um número imenso de conflitos e de debates que
tomaram lugar em quase todas as áreas do conhecimento e das artes.
1
Nas ciências nota-
1
O período de aproximadamente 1500 até 1800 ficou conhecido como Revolução Científica devido ao
grande número de inovações nas áreas da ciência e da tecnologia, levando a alterações na visão de mundo
que os homens tinham naquela época, cf. A. G. Debus. El hombre y la naturaleza en el Renacimiento.
2
se que o uso mais intenso de instrumentos trouxe avanços tecnológicos e propiciou uma
maior confiança em relação a resultados obtidos através deles. A sistematização de
alguns conceitos e métodos trouxe à realidade do filósofo natural novas formas de
entender a natureza. Especificamente na Inglaterra, a abordagem experimental da
natureza
2
tomou uma dimensão de grande importância no surgimento do que hoje
conhecemos por ciência moderna que vinha se desenvolvendo não na Inglaterra, mas
também em todo o continente europeu. Essa característica da metodologia científica
inglesa diferia, em certa medida, da atitude dos filósofos naturais do continente, que
elaboravam suas teorias utilizando-se predominantemente do método matemático. Neste
sentido, os homens de ciência da Inglaterra seiscentista – tendo como inspiração a
proposta experimental de Francis Bacon
3
(1561-1626) objetivavam manipular e,
portanto, alterar a natureza, a fim de tentar alcançar um maior entendimento de seus
fenômenos. Essa postura se dava devido ao fato de existir a crença de que essa visão
mais completa dos fenômenos naturais aproximaria os filósofos de seu Criador. Os
homens de ciência poderiam resgatar, então, o conhecimento dos fenômenos naturais,
que inicialmente havia sido perdido com a Queda de Adão,
4
restaurado sob a graça de
Deus.
Todo o amor e reverência pela natureza eram justificados, pois somente através
dessa busca pela pureza, ou seja, pelo primeiro estágio, é que o homem poderia
novamente atingir o conhecimento que possuía antes da Queda. A procura por um Novo
Éden representava então uma tentativa de transpassar este mundo degenerativo.
2
Os pensadores do século XVII acreditavam que os ensinamentos divinos se encontravam tanto na
palavra de Deus, a Bíblia, quanto na obra de Deus, a natureza. Um estudo mais aprofundado sobre o
assunto encontra-se em R. S. Westfall. Science and religion in seventeenth-century England, ou A. G.
Debus. Op cit.
3
L. Zaterka. A Filosofia Experimental na Inglaterra do Século XVII: Francis Bacon e Robert Boyle. pp.
95-140.
3
Pensadores como Francis Bacon, John Wilkins (1614-1672), Robert Boyle, William
Petty (1623-1687), Robert Hooke (1635-1703) e Pierre Gassendi (1592-1655), entre
outros, acreditavam que a nova filosofia experimental era a maneira mais eficaz de
resgatar o verdadeiro conhecimento. Podemos notar a estreita vinculação entre
conhecimento e religião, pois a recompensa por essa dedicação – pelo resgate do
verdadeiro conhecimento auxiliaria, acima de tudo, na descoberta dos mecanismos da
obra de Deus. E isso representava a volta ao Paraíso,
5
já que a Queda do Homem do
Jardim do Éden era considerada como um processo reversível. Esta “restituição” que
movia boa parte dos homens de ciência seiscentistas ingleses era a maior aspiração do
que ficou conhecido como A Grande Instauração, ou seja, o pleno retorno do domínio
do homem sobre a natureza.
6
Acreditava-se que uma nova era dourada de conhecimento
estava por vir, retomando assim o conhecimento perdido na Queda. Essas aspirações
eram naquele momento não plausíveis, mas realistas e atingíveis. Tais pensadores
acreditavam que esse conhecimento era necessário para trazer uma maior prosperidade à
sociedade inglesa. Ele representava o meio para que isso fosse possível. Neste sentido, a
ciência inglesa da época vinculava o conhecimento com questões práticas. Assim,
pensadores como John Webster (1580-1634) acreditavam que a ciência poderia levar a
uma economia auto-suficiente e a um mais elevado status internacional.
7
Nesse sentido,
o desenvolvimento da ciência e da educação, aos poucos, tomou outra dimensão à
medida em que o método experimental foi se tornando predominante.
4
O conhecimento teria sido esquecido quando Adão perde o direito de permanecer no Jardim do Éden
após conhecer o pecado. Essa perda da inocência é conhecida como a Queda de Adão ou a Queda do
Homem, cf. C. Hill. O mundo de ponta-cabeça. p. 44.
5
C. Webster. The Great Instauration. p. 327.
6
C. Webster. Op cit. p. 18.
7
C. Webster. Op cit. p.334.
4
Segundo alguns comentadores,
8
o período de Guerra Civil na Inglaterra teve um
efeito positivo no que diz respeito ao desenvolvimento da ciência. Foi uma fase de
transição em que um número maior de pessoas se dirigiu ao campo das ciências e em
que houve uma readaptação intelectual dos filósofos naturais. As novas metodologias
que estavam se desenvolvendo, como o experimentalismo, propiciaram justamente um
grande avanço científico nesse período de revolução em que viviam os ingleses. Foi
uma época em que muita energia foi direcionada para que ocorresse essa expansão das
ciências e da educação, e aumentou consideravelmente a quantidade de trabalhos que
eram publicados nessas áreas.
9
Em meados do século XVII formaram-se grupos de
homens interessados num estudo mais sistemático da natureza. É fundada na Inglaterra,
por exemplo, a Royal Society,
10
pelos virtuosi, homens de ciência ingleses que
possuíam o método experimental como fio condutor de suas pesquisas. Para eles a
ordem e a harmonia que identificavam na natureza justificavam a pesquisa científica, e
esta aumentaria seu domínio sobre a obra de Deus. Ainda assim, embora o número de
pessoas em contato com a exploração da ciência aumentava nesse momento, isto não
significava que atingia toda a sociedade.
Vimos acima que a ciência e a religião devem ser consideradas como dois
aspectos de uma mesma realidade quando analisamos o período seiscentista; ou seja,
não podemos interpretá-las como duas partes independentes, já que uma estava
essencialmente intrincada com a outra. A ciência, a magia, a alquimia e a religião
consistiam, então, abordagens de uma mesma realidade. Foi nesse contexto em que o
protestantismo transferiu para cada indivíduo a responsabilidade e a capacidade de ler as
8
C. Webster. Op cit. p. 486. Outros comentadores como R. K. Merton (Ciencia, tecnología y sociedad en
la Inglaterra del siglo XVII) são partidários da idéia de que foram os valores protestantes os grandes
responsáveis pelo desenvolvimento ocorrido do século XVII, e não a atmosfera de revolução como aqui é
colocado por C. Webster.
9
C. Webster. Op cit. p. 487.
5
Escrituras. Essa nova concepção da posição do homem, juntamente com o surgimento
de correntes consideradas atéias, de outras seitas religiosas radicais
11
e de facções
radicais do protestantismo, provocou a seguinte reflexão: haveria, de fato, a necessidade
de uma única Igreja como instituição centralizadora de poder eclesiástico? E mais do
que isso: sem a mediação da igreja, os fiéis poderiam sozinhos experimentar a e
talvez a salvação? Neste sentido, o método experimental, de uma forma ampla, ganha
força na Inglaterra como uma maneira de se aproximar da natureza. Percebemos assim
que a crença em Deus e, portanto, a religião, é o ponto de partida para os homens de
ciência, que é esta que os conduz ao estudo da obra divina. Com a finalidade de
manter a importância da religião, os eclesiásticos tentavam acomodar os valores do
cristianismo à nova ciência. Neste sentido, notamos um aumento na tolerância devido ao
enfoque individualista do protestantismo, pois agora era o próprio fiel o responsável
pela interpretação dos textos bíblicos. Como cada indivíduo interpretava as Escrituras
de uma maneira pessoal, a igreja teve que se adaptar a essa nova gama de “visões de
mundo” que surgiam.
12
Um outro aspecto que merece ser mencionado é com relação ao número de
revoltas populares. Viam-se cada vez mais freqüentemente manifestações contrárias ao
poder, ao comportamento dos clérigos, aos costumes que reinavam até então. Alguns
movimentos foram de grande força, como o que levou à execução do rei Carlos I em
1649, que foi derrotado pelo Exército do Longo Parlamento.
13
Grupos radicais, como os
10
No capítulo 3 veremos mais profundamente como a fundação de fato ocorreu e quais eram seus
objetivos e suas posições perante a filosofia natural da época.
11
Devido à relativa tolerância que marcou a primeira parte do século XVII na Inglaterra houve espaço
para que diferentes linhas de pensamento se desenvolvessem naquela sociedade. Cf. C. Hill. Op cit. p. 99.
12
C. Hill. Op cit. p. 110.
13
Pode-se encontrar um estudo aprofundado sobre as reivindicações feitas pelo Exército do Longo
Parlamento que não foram aceitas pelo rei Carlos I, o que finalmente acarretou na sua execução, na obra
de C. Hill. Op cit.
6
diggers, os levellers e os ranters,
14
eram formados por pessoas pobres e com pouca ou
nenhuma educação e suas opiniões eram pouco consideradas.
15
Ainda assim, como foi
um momento de plena contestação, questionamento e reavaliação de velhos valores,
velhas crenças e velhas instituições, eram esses grupos que mantinham o clima de
revolta na Inglaterra daquele momento, por meio de suas propostas de modificação da
sociedade.
16
Dentro desse contexto de questionamentos, também alguns dogmas tradicionais
relacionados ao pecado original e ao inferno eram colocados em questão. No final da
década de 1640, o desespero religioso e o ateísmo proliferavam rápido devido a essas
contestações, na medida em que se dava esse desenvolvimento de consciência dos
indivíduos. Em muitos casos, o ateísmo vinha como justificativa à passividade política,
ou mesmo como posição contrária às perseguições. De qualquer forma, as atitudes dos
radicais visavam à eliminação das repressões externas ao homem, em defesa de uma
moralidade interna e auto-imposta, na qual as punições seriam aplicadas pelos próprios
homens e neste próprio mundo. Podia-se até pensar que a civilização cristã estava
chegando ao seu final.
17
Pelo que vimos uma nova era vinha sendo esperada e era
necessário que se combatesse o mal para que o reino de Deus pudesse se estabelecer na
Terra. Acreditava-se que as riquezas das escrituras seriam reveladas ao homem como as
Américas foram reveladas ao Velho Mundo. E as descobertas recentes naquele
momento davam incentivo à busca pelo estabelecimento de uma religião e de uma
14
Estes grupos, entre outros, faziam propostas acerca de novas possíveis soluções para os problemas que
existiam na sociedade, já que se encontravam insatisfeitos com o governo e suas atitudes. Propunham
soluções para que as devidas mudanças pudessem ocorrer nos âmbitos: político, como no caso dos
levellers e dos diggers; econômico, como os diggers; e religioso, como os quacres, que era outro grupo
radical. Ainda havia aqueles que colocavam questões céticas referentes às instituições e crenças da
sociedade, como no caso dos ranters, e novamente os diggers. Para um estudo abrangente sobre as
intenções desses grupos e suas propostas ver C. Hill. Op cit. p. 30-31.
15
Não cabe nesta dissertação analisar estes grupos radicais, que apesar de ser um tema intrigante exige
um detalhamento que foge ao foco intencionado. Para um estudo profundo ver C. Hill. Op cit.
16
C. Hill. Op cit. p. 31.
17
C. Webster. Op cit. p. xv.
7
política que propiciassem a paz e estabilidade para os ingleses.
18
A renovação surgia em
todos os campos da sociedade, e a “nova filosofia” natural tentava descobrir uma
melhor maneira de auxiliar nesta estruturação, num cenário que se mostrava fértil.
Assim, o domínio sobre o mundo natural e humano teve perspectivas ampliadas
no século XVI e no início do século XVII, com os estudos desenvolvidos pelos homens
de ciência. Foi nesse ambiente que a filosofia mecânica se desenvolveu. Viver em
comunhão com o espírito do mundo era o objetivo daqueles dias e à medida em que se
dominavam as leis da natureza esse objetivo parecia se aproximar cada vez mais. O fato
da filosofia mecânica
19
começar a ganhar credibilidade no meio da filosofia natural
trouxe uma série de problemas para os eclesiásticos, já que passou a explicar fenômenos
que antes tinham uma aura puramente espiritual. Também, o conhecimento não era
tão restrito a poucos, alcançando um mero maior de leitores com a publicação mais
extensa das obras. Por outro lado, boa parte desse conhecimento começava a encerrar-se
no vocabulário seleto dos homens de ciência. Dessa forma, era freqüente o
questionamento de qual era, então, a diferença, que continuava pequeno o grupo de
pessoas que eram capazes de compreender o que era descoberto por eles.
20
Um dos pensadores adeptos desta diretriz foi Thomas Hobbes, que apresentou
idéias que traduziam o mundo por meio de relações mecânicas da natureza. Ele propôs
uma série de teorias que em grande parte se contrapunham às defendidas pela sociedade,
pela igreja e pelos homens de ciência adeptos da filosofia natural experimental, como
era o caso de muitos dos pensadores da Royal Society. Em razão de suas obras, Hobbes
foi considerado, por muitos, pouco religioso e até mesmo ateu. Com a publicação, em
1651, do Leviatã, considerada sua obra de maior importância, não somente sua foi
18
C. Webster. Op cit. p. xv.
19
A união entre as idéias de Bacon e a filosofia natural enfatizou as potencialidades sociais da nova
ciência. Cf. C. Hill. Op cit. p. 278.
8
questionada, mas também suas convicções políticas. Veremos mais detalhadamente
adiante que nesta obra ele propõe o que seria um sistema de governo ideal para o ser
humano, mostrando sua insatisfação com aquele no qual vivia. No texto Hobbes parte
de um estudo sobre a natureza humana a partir de seu “estado natural” para então chegar
à necessidade da existência de uma sociedade e de um governo. Apesar de acreditar que
todos os homens possuem direito a tudo, Hobbes nele individualismo e egoísmo, de
modo que o indivíduo busca sempre aquilo de melhor para o seu próprio bem. A
geração de um poder único e totalitário surge como solução para a existência pacífica da
vida em sociedade. No próximo capítulo veremos como esse poder absoluto reúne tanto
o Estado quanto a Igreja na mesma instituição e como é exatamente essa característica
da república hobbesiana que possibilita a vida com segurança para os homens. Estes
renderiam sua liberdade natural a esta autoridade inquestionável em troca da garantia
dada pelo soberano de combater o medo de uma morte violenta. Ele também acreditava
que este monarca benévolo e absoluto teria o direito de interpretar as Escrituras e
decidir questões religiosas. Ao mesmo tempo, Hobbes criticava a liberdade de
interpretação da Bíblia, pois ele via na livre interpretação um enfraquecimento do poder
central, o que vimos que não se adequava ao seu modelo ideal de poder. Antes mesmo
de aprofundarmos o estudo sobre a obra, podemos perceber alguns motivos pelos
quais ela gerou tantas críticas.
Hobbes foi um homem que teve contatos com figuras marcantes de seu tempo,
como Francis Bacon, Padre Marin Mersenne (l588-1648) e Galileu Galilei (1564-1642).
Mersenne foi uma figura importante que pertencia a um grupo de pensadores
conhecidos por fazerem parte do círculo filosófico francês daquele momento. Também
era amigo de René Descartes (1596-1650), o que possibilitou que Hobbes mantivesse
20
C. Hill. Op cit. p. 287.
9
correspondência com ele. Mas, apesar de possuir conhecimento das idéias que se
desenvolviam no continente, Hobbes sempre teve em vista os problemas pelos quais a
Inglaterra passava. Mesmo assim, o filósofo defendia uma metodologia que como
veremos era mais característica do âmbito continental do que do inglês. Também,
juntamente com a relevância de sua produção no ramo da política e da moral, é
fundamental conhecer qual a importância que a religião teve na vida e na obra de
Hobbes para que ele chegasse às suas conclusões. Isso para enfim compreender se suas
críticas eram de fato à religiosidade dos homens de sua época ou se simplesmente ele
discordava do modo como essa religiosidade era usada por eles. Poderia até ser um
questionamento a respeito de uma possível cegueira que destituía os homens “cristãos”
de usarem a razão ao seguirem inquestionavelmente os ensinamentos que receberam,
em vez de aprendê-los e readaptá-los às condições e circunstâncias de sua sociedade.
A filosofia natural de Hobbes gerou muitos opositores, da mesma forma que sua
proposta de governo. Veremos que, por exemplo, sua visão de mundo pleno considerava
possível um Deus material, o que causou grande discórdia e oposição por boa parte dos
membros da Royal Society.
21
Afinal, eram duas teorias, a materialista e a teológica, que
não se conciliavam na concepção hobbesiana. Numa instituição como a Royal Society
que parecia se contrapor qualquer aspecto que ia contra os seus princípios religiosos e
políticos, ficava difícil manter suas próprias opiniões e sair ileso. Neste sentido,
pensadores que se opunham às idéias mais tradicionais e mais respeitadas da sociedade
acabavam de uma forma ou outra sendo repreendidos. Nesse momento histórico, houve
um clima de precaução em razão da censura que aconteceu em certos casos que ficaram
conhecidos, em que homens de ciência deixaram de publicar seus estudos por medo da
21
Veremos no capítulo 2 com mais detalhes a teoria do plenum de Hobbes, como também a figura de
Deus nela.
10
reação que receberiam.
22
Os que publicavam poderiam acabar repreendidos ou até
mesmo exilados.
Toda reverência religiosa que os virtuosi possuíam fazia com que eles se
voltassem para a obra de Deus, e eles se maravilhavam ao observá-la. Os experimentos
tornaram-se cada vez mais essenciais e a existência de seu Criador, no limite,
transparecia nos fenômenos naturais observados. O experimentalismo, porém, não era
uma unanimidade, e existiam pessoas que não concordavam com essa tendência, o que
poderia ser visto como perigo, que qualquer abalo sentido poderia derrubar a
credibilidade que o experimentalismo vinha ganhando. O fundamental, então, era
defender o método experimental e provar que os que não concordavam estavam errados.
Sabemos que, no caso de Hobbes, que não acreditava que essa metodologia pudesse
fornecer um conhecimento verdadeiro sobre os fenômenos naturais, uma série de atritos
ocorreu entre ele e dois importantes filósofos da Royal Society, John Wallis e Robert
Boyle.
23
As críticas entre esses pensadores eram recorrentes, de maneira que se ia
criando uma grande antipatia entre eles. Essa seria uma possível razão pela qual Hobbes
conseguiu tantos opositores, afinal, ao se criticar os trabalhos de alguns pesquisadores
importantes para a Royal Society é como se criticasse a estrutura da instituição inteira.
Hobbes também desagradava por causa de sua excepcional escrita, que era capaz de
convencer os homens indecisos de que sua opinião era a correta, e isso representaria
uma perda para a posição defendida pelos membros da Royal Society.
22
Galileu foi julgado e condenado, pela Igreja, em 1633 ao publicar suas teorias apoiando o sistema
Geocêntrico de Nicolau Copérnico (1473-1543). Por sua vez, Descartes ficou apreensivo com esse
julgamento, e cancelou a publicação de sua obra Traité du Monde et de la Lumière (Tratado do Mundo e
da Luz) com medo da represália que poderia receber.
23
Q. Skinner. Thomas Hobbes and the Nature of the Early Royal Society. Para um aprofundamento sobre
o debate entre Hobbes e Boyle ver S. Shapin & S. Schaffer. Leviathan and the air-pump.
11
De fato, Hobbes sempre impressionou pela eloqüência com que escrevia.
24
Ele
foi uma pessoa que estudou os clássicos e que demonstrou interesse pelas traduções
durante toda sua vida, que possuía o domínio não do inglês e do latim, mas
também do italiano, grego e francês. O filósofo foi responsável por traduções de alguns
clássicos, entre eles a Guerra do Peloponeso, de Tucídides (460/455 a.C. - 400 a.C.), e
fazia traduções de seus próprios trabalhos. Suas obras sempre tiveram grande impacto
também em razão de sua habilidade com a língua na qual escrevia que, muitas vezes,
causava um sentimento de oposição por parte de seus críticos que eles sabiam que o
filósofo era capaz de ganhar adeptos através de seus escritos. Mesmo dentro da Royal
Society sabemos que existiam membros que possuíam grande reverência por Thomas
Hobbes, tanto pelo seu conhecimento quanto por suas obras.
25
Ele foi referência em
relação ao teor político e filosófico de seus trabalhos, além de desenvolver sua filosofia
natural em uma obra específica, o De Corpore. O que não se deve fazer é colocar
Hobbes e a Royal Society como inimigos, mas talvez colocá-los como defensores de
posições distintas de metodologias de ciência que vinham se evidenciando.
26
Quais seriam os motivos pelos quais Thomas Hobbes nunca se tornou membro
da Royal Society? Essa pergunta vem sendo respondida desde então e ainda não foi
esgotada. Intrigas de Hobbes com certos membros da Royal Society, ou mesmo o fato
dele nunca ter sido exatamente um homem de ciência experimental,
27
mas sim um
teórico defensor do método dedutivo, ajudam a compreender a polêmica, ou ainda pelo
motivo de ter pessoalmente investido em refutar as obras de dois dos mais importantes
24
Alguns comentadores defendem que Hobbes foi um dos primeiros filósofos a escrever suas obras em
inglês, cf. R. Tuck. Hobbes: a Very Short Introduction. p.3.
25
Q. Skinner. Op. cit.
26
Q. Skinner. Op cit.
27
Alguns críticos de Hobbes se apóiam no argumento que sustenta a ausência de experiências feitas pelo
pensador a fim de provar as falhas do método experimental. Desta forma, ele não tinha como defender
que sua metodologia era mais adequada, já que nunca provou, de fato, a ineficiência da metodologia
adotada pela Royal Society.
12
fundadores e membros dela (Boyle e Wallis), ou por ter sido por interesse próprio,
chegamos sempre ao ponto em que um homem de grande importância da filosofia
natural esteve de fora de um determinado grupo. Uma hipótese é a de que Hobbes nunca
foi admitido pela Royal Society pois, segundo seus princípios, tê-lo como membro não
era possível devido suas posições políticas e religiosas que, como vimos, conflitavam
com as da Royal Society. Afinal trata-se de alguém que possuía idéias que punham as
teorias da Royal Society em questão, muitas vezes defendendo metodologias opostas.
Num momento em que tanto a situação política quanto as condições científicas
da Inglaterra fervilhavam, a realidade daquela sociedade possuía várias correntes de
pensamento e diferentes maneiras de analisar o mundo e os fenômenos naturais. As
posições que Hobbes adotou com relação tanto à Royal Society quanto ao governo e aos
movimentos religiosos que vinham se desenvolvendo podem ser analisadas segundo
um ponto de vista que é externo àquela realidade. Somente desta maneira podemos nos
aproximar um pouco mais do que de fato foi a polêmica que se criou em torno de
Hobbes e da Royal Society. Assim, a relação de Thomas Hobbes com a Royal Society
representa não um reflexo de todas as mudanças que ocorriam na sociedade inglesa
seiscentista mas também uma oposição de duas metodologias diferentes, duas maneiras
de se abordar a natureza. Mais à frente analisaremos a metodologia proposta pelas duas
partes e como acabaram por se opor, a fim de compreender melhor esse momento
histórico. Para Boyle, e boa parte dos membros da Royal Society, o conhecimento se
daria por meio do método experimental, construindo uma teoria de valor filosófico com
base nos efeitos obtidos, ou seja, nos “resultados”. Já para Hobbes, conhecer era
conhecer pela causa;
28
para ele as experiências serviriam apenas como ilustrações para
uma teoria elaborada a priori, de maneira dedutiva. A metodologia que a Royal
13
Society defendia era considerada por Hobbes como falha e errônea se tomada como
base da construção do conhecimento filosófico. Assim, veremos de que forma se deram
os posicionamentos com relação a essas duas metodologias para discutir, então, a
polêmica que se deu. Mas antes, veremos detalhadamente o sistema de governo
proposto por Hobbes e sua perspectiva de qual seria a condição de sociedade ideal para
o ser humano. Essa análise nos permitirá compreender melhor a recepção da obra de
Hobbes e também como ocorreu sua fama de “ateu”. Pontos estruturais de sua
sociedade, de sua religião civil e de sua filosofia natural estão inter-ligados e assim,
poderemos abordar e compreender melhor aspectos fundamentais de suas teorias para
um entendimento mais completo da obra hobbesiana e por fim analisar sua relação com
alguns homens de ciência da Inglaterra seiscentista.
28
No capítulo 2 iremos discutir de que maneira se estruturava a metodologia hobbesiana de filosofia
14
Capítulo 1 – Alguns fundamentos teológicos da filosofia hobbesiana
Thomas Hobbes nasceu em Malmesbury em 5 de Abril de 1588, em uma família
relativamente pobre num período em que a sociedade inglesa vivia sob tensão, à espera
de uma invasão espanhola. Sua e deu-o à luz prematuramente, por causa do medo
provocado pela notícia de que a Armada Invencível
29
havia chegado. Em razão disso,
Hobbes comentou durante toda sua vida que era gêmeo do medo.
30
Na verdade, apesar
do tom jocoso, esse aspecto da sua psicologia constituirá um marco em suas teorias,
que todo o medo do terror das guerras se ponto de partida para uma série de
conclusões.
31
Durante sua formação, Hobbes sempre se destacava por sua inteligência
nos estudos, especialmente em gramática, em Latim e em Grego, já indicando seu
natural.
29
A Armada Invencível foi uma esquadra mandada pelo rei espanhol Filipe II na tentativa de acabar a
guerra com a Inglaterra, em 1588.
30
R. J. Ribeiro. Ao leitor sem medo. p.17; G. Reale. História da Filosofia. p. 483.
31
É somente por causa do medo de uma morte violenta que o homem se torna social e a sociedade é o
meio para viver em maior segurança. Ela se torna, na obra do filósofo, a opção ideal para que não se tenha
que preocupar com esse perigo.
15
talento com a prosa e também com a poesia.
32
Ao longo de sua vida ficou conhecido
pela sua rapidez para escrever quando se decidia por algum projeto, como quando
escreveu o Leviatã, uma de suas obras mais extensas, que o fez em menos de um ano, o
que é um feito considerável para uma obra desse porte.
Suas habilidades com línguas e sua capacidade em persuasão sempre fizeram de
Hobbes uma figura muito requisitada no mundo acadêmico que todas as
universidades gostariam de ter um homem com suas características como representante
de seus ideais. Ainda aos 15 anos, ele deixou a escola onde estudava em Malmesbury
para completar seus estudos na Magdalen Hall, localizada em Oxford, dedicando-se às
Artes.
33
Apesar disso ele sempre se sentiu relutante a seguir uma vida acadêmica, em
boa parte pela falta de simpatia com o maior empregador dos escolásticos de seu tempo,
ou seja, as universidades. Por isso, Hobbes sempre se revelou hostil perante qualquer
profissão que estivesse ligada a essas instituições. Nunca almejou uma carreira
acadêmica e assim que se formou, por volta de 1608, Hobbes se vinculou à família de
William Lorde Cavendish, que se tornaria mais tarde, em 1618, Conde de Devonshire.
Ele exercia serviços de preceptor, conselheiro e agente financeiro para essa família, e
para os Condes de Newcastle, primos e vizinhos dos anteriores. Hobbes trabalhou para
essa família durante boa parte de sua vida e foi nessa função que teve a possibilidade de
viajar algumas vezes para o continente europeu. Em sua primeira viagem, com o filho
do Lorde Cavendish, Hobbes foi mandado ao que depois ficaria conhecido como “A
Grande Viagem”,
34
acompanhando-o como preceptor entre os anos 1610 e 1615, apesar
de ter uma diferença de somente três anos de seu pupilo. Durante essa viagem o filósofo
se distanciou dos seus estudos, e comentava que estava perdendo o domínio do Grego e
32
R. Tuck. Hobbes, a very short introduction. p. 2.
33
Estavam compreendidas nas Artes disciplinas como a Retórica, a Dialética, a Gramática, a Aritmética,
a Astronomia, a Música, e a Geometria.
16
do Latim.
35
Preocupado, ele passou a direcionar seus horários de lazer para atividades
que possibilitavam o aprimoramento de suas habilidades como estudioso de línguas.
Nessa época, os interesses de Hobbes ainda não se focavam no estudo de lógica e
filosofia. Na verdade, até sua viagem de 1634, quando seu interesse pela filosofia
despertou, Hobbes estudava predominantemente temas como história e poesia com o
objetivo de desenvolver sua escrita em Latim. Um dos resultados desses estudos foi a
tradução de A Guerra do Peloponeso de Tucídides (460/455 a.C. - 400 a.C.) em 1628,
que foi seu primeiro trabalho publicado. Aliás, a tradução se tornou um gosto que o
acompanhou durante toda sua vida. Ainda quando estava na escola, antes de completar
quinze anos, Hobbes conseguiu traduzir, em versos, do grego para o latim a obra
Medeia de Eurípedes (485 a.C.-406 a.C.).
36
Também é sabido que Francis Bacon
requisitou a ajuda de Hobbes para auxiliá-lo na tradução de suas obras para o latim
quando este trabalhou como seu secretário no final da vida de Bacon.
37
Em 1629, Hobbes viajou novamente como preceptor, mas desta vez,
acompanhava o filho de uma outra família, a de Nottinghamshire. Foi durante esta
viagem que Hobbes entra em contato e se interessa pela primeira vez pelos Elementos
de Euclides, principalmente pelo método utilizado por este em sua obra.
38
O filósofo
utilizará em seus próprios escritos a precisão de Euclides e os passos que este utilizava
para estruturar suas idéias e a admiração pela forma dedutiva de pensar estará explicita
em toda a obra hobbesiana. Veremos mais a frente, como esse aspecto transparece em
seus textos e se torna característico de sua obra. Também chama a atenção do filósofo a
maneira como a matemática é utilizada por Euclides para descrever a natureza, o que
34
The Grand Tour, cf. R. Tuck. Op cit. p. 4.
35
F. Brandt. Thomas Hobbes’ mechanical conception of nature. p. 51.
36
G. Reale. Op cit. p. 483.
37
G. Reale. Op cit. p. 483; R. Tuck. Op cit. p. 13.
38
F. Brandt. Op cit. p. 51.
17
podemos igualmente identificar nas suas obras; ou seja, ela seria o meio ideal para
compreendermos os fenômenos naturais.
Em 1631, Hobbes retorna para os serviços da família de Devonshire e embarca
numa outra viagem (1634-1636) acompanhando agora o filho do seu primeiro pupilo. É
provavelmente nesta terceira passagem pela Europa que o interesse pela filosofia cresce
e Hobbes começa a desenvolver suas idéias. É possível também que tenha sido em 1636
que teve a oportunidade de conhecer Galileu Galilei (1564-1642) e suas descobertas no
campo da mecânica. Ele ficou muito impressionado com o estágio desta ciência e, mais
a frente, analisaremos como tal conceito de movimento auxiliará na estruturação de suas
próprias teorias. Entre outros pensadores que estavam no centro de debates da filosofia
natural com os quais Hobbes teve contato durante suas viagens podemos mencionar
Pierre Gassendi (1592-1655) e o Padre Marin Mersenne (1588-1648). Como foi dito
anteriormente, Mersenne fazia parte do círculo filosófico francês e foi ele o vínculo
entre Hobbes e Descartes, enquanto este esteve na Holanda, embora os dois tenham
se conhecido pessoalmente em 1648.
39
Gassendi também foi um pensador contrário à
filosofia como era ensinada naquela época, ou seja, o ensino dado pelas universidades.
Sua primeira publicação foi uma obra contrária à escolástica, de autoria anônima, que
anunciava ser a primeira de uma série delas sobre o assunto.
40
Ele conheceu Hobbes no
ano de 1641 e se tornou um grande admirador da obra De Cive, de 1642.
41
Porém, ao se
tratar da “verdadeira” filosofia, Gassendi era defensor da idéia de que o conhecimento
era obtido por meio de experimentos e do contato direto com a natureza. Nesse ponto,
39
R. Tuck. Op cit. p. 5.
40
N. Malcolm. In: T. Hobbes. The Correspondence of Thomas Hobbes. p. 834.
41
A edição do De Cive traduzida para o inglês foi publicada em 1651.
18
ele diverge da visão de Hobbes, que este não acreditava que era possível atingir o
verdadeiro conhecimento somente por meio do experimentalismo.
42
Hobbes também foi preceptor de Carlos Stuart (1630-1685), que se tornaria
Carlos II em 1646, no período em que a corte se encontrava em Paris, que Londres
estava sob o poder de Oliver Cromwell (1599-1658). Desde a execução de Carlos I
(1600-1649), a Inglaterra vivia numa cena bastante conturbada e, a partir de 1660,
quando ocorre a restauração dos Stuart, Hobbes passa a receber um pensão de Carlos II,
o que permite que ele continue a desenvolver seus estudos.
43
Apesar desse auxílio, o
filósofo passou os últimos anos de sua vida explicando-se e defendendo seus trabalhos.
Aos cinqüenta e nove anos o autor do De Corpore esteve muito doente e não
teria sido uma surpresa se ele tivesse morrido no ano de 1647, que naquela época
muitos homens morriam com menos idade que a que ele tinha então. Pelas descrições de
sua doença, acredita-se hoje que ele tivesse tifo e também Mal de Parkinson.
44
Porém,
apesar dessas expectativas, ele se recupera e logo em seguida, em 1651, publica o
Leviatã. Foi exatamente essa obra que deu a ele a reputação de o “Monstro de
Malmesbury
45
, reputação esta que ele não chegou a perder completamente ao longo de
sua vida e se sustentava pois surgiam críticas que começaram a colocá-lo como ameaça
para a sociedade inglesa.
46
Como veremos, nas partes finais do Leviatã (Partes 3 e 4), o
pensador faz uma série de críticas ao lugar e à organização da Igreja Cristã; ou seja, ele
critica vários aspectos da sociedade inglesa nos quais ele próprio estava mergulhado,
gerando uma grande onda de opositores.
Thomas Hobbes faleceu em dezembro de 1679, aos noventa e um anos de idade.
42
Retomaremos este assunto no capítulo 2.
43
Sua descrição mais detalhada exigiria um estudo mais cuidadoso, que foge do âmbito da presente
dissertação.
44
S. I. Mintz. The Hunting of Leviathan. p. 19.
45
The Beast of Malmesbury, cf. R. Tuck. Op cit. p. 35.
46
R. Tuck. Op cit. p. 34-5.
19
Hoje, o Leviatã é considerado sua obra de maior importância. Ela nos traz uma
discussão, relativa ao homem, sobre a importância de viver em sociedade e a
necessidade de um governo soberano para que isso se concretize da melhor forma
possível. Partindo de uma concepção de que natureza humana é egoísta o filósofo
discursa sobre a impossibilidade e os obstáculos do convívio pacífico entre os homens.
Também seria um desejo do homem o fim das guerras, chegando a um contrato social
que permitisse a paz em sociedade. Isso tudo para manter o bem primeiro e originário da
natureza do homem, qual seja a própria vida e a sua conservação. Assim, a necessidade
de formar uma sociedade é fundamental, pois esta seria a condição para que se tivesse
uma segurança pessoal maior, com a finalidade de garantir sua sobrevivência. Nesta
sociedade, seria essencial uma autoridade a quem toda a população seguisse, que
assegurasse a paz interna e o bem comum. Essa autoridade poderia se enquadrar ou na
figura de uma assembléia ou na de um monarca.
47
Qualquer que fosse a instituição
escolhida para o posto soberano, ela representaria não a centralização do poder,
responsabilizando-se por todas as decisões para o funcionamento da república, mas
também a identificação da população com ela.
48
Diz ele:
“feito isso, à multidão assim unida numa pessoa chama-se REPÚBLICA, em
latim, CIVITAS. É esta geração daquele grande LEVIATÃ, ou antes (para falar
47
Sempre que no texto for encontrada a expressão “monarca” ou “soberano”, leve-se em conta que
Hobbes também considerava a assembléia como opção de poder absoluto. Neste caso, as idéias
desenvolvidas para um monarca também se aplicam à assembléia.
48
Essa obra de Hobbes já teve grande impacto em seu próprio tempo. As opiniões do filósofo sempre
foram muito marcantes e pouco tradicionais, o que, entre outras coisas, o levou ao exílio na França, e
sempre causou polêmicas nas várias áreas do conhecimento em que produziu. O Leviatã não foi bem
aceito por boa parte da sociedade na época de sua publicação: sua proposta de uma nova organização
social e de um novo Deus material, que veremos mais profundamente a frente, não agradaram e causaram
muito alvoroço, atraindo a fama de ateu que desde então o autor carregou. Neste capítulo abordaremos
alguns aspectos dessa obra com maior atenção.
20
em termos mais relevantes) daquele Deus mortal, ao qual devemos, abaixo do
Deus imortal, a nossa paz e defesa”.
49
Como vemos, a imagem e força desse monarca são tão grandes que Hobbes se
refere a ele como um Deus mortal, não havendo nada maior que ele na terra e, acima
dele, haveria somente o Deus imortal. Com relação à sua credibilidade e poder de
conduzir as decisões, vemos também que é graças à autoridade cedida por cada
indivíduo, uma vez que se opta pela república, que ao soberano é conferido o poder e a
força, podendo assim até mesmo utilizar o terror como meio de manter a paz no seu
próprio país e de defendê-lo dos estrangeiros. É importante não esquecer que apesar de
ser baseada no convívio coletivo pacífico, a finalidade da república é, acima de tudo, a
segurança individual. Assim, cada indivíduo se coloca na posição de súdito em função
do que receberia em troca, ou seja, a segurança necessária para que ele sobreviva sem os
perigos e riscos que existiriam na presença desse Deus mortal. É de interesse pessoal
que se instaure a República. Com o monarca como responsável pelas decisões para a
melhoria do bem comum, não haveria mais espaço para o medo que o ser humano sente
naturalmente na ausência de uma estrutura segura para si. Um ser humano não teria de
se preocupar tanto com sua sobrevivência se estivesse sob o comando do Soberano, e é
isso que o leva a submeter-se a esse regime governamental:
“as paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o
desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável e a
49
T. Hobbes. Leviatã. p. 147. No original em inglês, temos a palavra commonwealth que pode ser
traduzida como “Estado” ou “república”. O próprio Hobbes utilizava a palavra república
preferencialmente a Estado quando se referia à Civita.
Em todas as citações de Thomas Hobbes, mantivemos as Maiúsculas e os Itálicos usados pelo próprio
autor.
21
esperança de consegui-las por meio do trabalho. E a razão sugere adequadas
normas de paz, em torno das quais os homens podem chegar a um acordo.”
50
Note-se que o pacto social que coloca o poder absoluto nas mãos do soberano é
um pacto feito pelos súditos entre si, e não pelos súditos com o soberano. Este fica fora
do pacto, pois senão não seriam eliminadas as guerras civis, que ainda existiriam
contrastes na gestão do poder. O poder absoluto do monarca não vem, portanto, de um
direito divino, mas sim de um acordo entre os súditos, de um pacto social.
51
Também, o
absolutismo do Estado é total, pois somente o Deus imortal está acima dele, de modo
que nem mesmo a Igreja se sobressai, encontrando-se abaixo dele, como veremos mais
a seguir.
Com relação ao cargo do soberano:
“consiste no fim para o qual lhe foi confiado o poder soberano, nomeadamente a
obtenção da segurança do povo, ao qual está obrigado pela lei de natureza e do
qual tem de prestar contas a Deus, o autor dessa lei, e a mais ninguém além dele.
Mas por segurança, não entendemos aqui uma simples preservação, como
também todos os outros confortos da vida, que cada homem, por esforço lícito,
sem perigo ou inconveniente para a república, adquire para si próprio”.
52
Desta forma, ao definir esse poder absoluto e centralizado, Hobbes o estabelece
também como uma autoridade que juntaria numa figura a Igreja e o Estado, não
permitindo a livre interpretação da Bíblia. Não existiria assim a pluralidade de poderes
na sociedade hobbesiana, uma vez que esse é o grande motivo pelo enfraquecimento de
uma forma de governo. Na república hobbesiana todas as decisões estariam
concentradas nas mãos do único soberano e, assim, até mesmo as decisões de âmbito
50
T. Hobbes. Op cit. p. 111. Sobre o tema ver R. J. Ribeiro. Op cit., que diz: “é para homens que não
querem morrer (como Hobbes, como a grande maioria de nós), é para que nós homens não queiramos
morrer, que se constrói o Estado hobbesiano”. p. 20.
22
religioso partiriam do monarca. Nesse sentido, os comandos aos súditos, quaisquer que
fossem, viriam somente de uma e única autoridade central. Essa era a condição com a
qual viviam os súditos dessa república para que seu funcionamento se aproximasse do
ideal, já que somente assim o governo seria capaz de manter a paz na sociedade.
O nome da obra na qual o filósofo descreve seu ideal de república é uma
referência ao capítulo 41 do Livro de Jó na Bíblia, onde o Leviatã (ou monstro marinho)
representa um poder absoluto e ameaçador de dimensões celestial e terrestre.
53
E, na
capa da primeira edição, ilustrada na Figura 1, havia uma imagem, composta de pessoas
menores, segurando um cetro e uma espada com as mãos. Essa figura composta de
pequenos indivíduos era uma alusão ao fato de que mesmo existindo um soberano com
todo poder, ele representaria a vontade do povo, e exerceria uma função para a qual foi
escolhido pela população.
51
G. Reale. Op cit. p. 498.
52
T. Hobbes. Op cit. p. 283.
53
Bíblia de Estudo de Genebra. p. 609.
23
Figura 1: Capa da 1ª edição do Leviatã
Como vimos, é o medo que os homens sentem naturalmente e a sensação de falta
de segurança que os colocam na obrigatoriedade de eleger um monarca que exerça essa
função.
54
Assim, a comodidade de viver sob um poder soberano, para que os cidadãos
vivam com menos preocupações, justifica abrir mão de sua liberdade. Para Hobbes
‘liberdade’ nada mais é do que a ausência de oposição, sendo esta qualquer
impedimento externo ao movimento, e “um ‘homem livre’ é aquele que, naquelas coisas
que graças à sua força e engenho é capaz de fazer, não é impedido de fazer o que tem
54
R. J. Ribeiro. Op cit.
24
vontade de fazer”.
55
Como as sensações como o amor, o ódio e os apetites são vistos
como movimentos da alma, a liberdade também pode ser vista dessa mesma forma.
Na verdade, a “visão materialista”
56
de mundo do filósofo também deve ser
compreendida com essa noção de movimento. Nesse sentido, pode-se afirmar que na
realidade hobbesiana todos os fenômenos estão relacionados por estarem num mundo
pleno e um equilíbrio se estabelece entre os eventos, de modo que as causas de
movimento são todas materiais; ou seja, existe uma relação entre os acontecimentos, um
evento ocorre porque um anterior o causou. Ora, que não existe liberdade de
movimento, em razão dessa condição de contato entre os corpos, um determinismo
surge a partir da necessidade existente nos eventos. Não nenhuma ação livre,
necessidade de que os acontecimentos se dêem da maneira como determinou um
fenômeno anterior. Em outras palavras, como se está em função de algum evento que
ocorreu anteriormente, não a possibilidade de escolha, somente se obedece a
continuidade do evento, seguindo necessariamente o que o anterior estabeleceu como
conseqüência. Assim, as duas doutrinas estavam interligadas: num mundo pleno de
matéria todos os acontecimentos estão relacionados entre si e com eventos anteriores.
No limite, tudo o que ocorre hoje se originou num movimento inicial, no nascimento do
mundo. Neste sentido, nenhuma ação é livre para Hobbes e desta forma não existe a
idéia de livre-arbítrio defendida pela igreja, já que não havia espaço para que os homens
tomassem decisões completamente livres.
57
Isso, pois, se os impulsos do ser humano
55
T. Hobbes. Op cit. p. 179. Veremos no próximo capítulo o embate que existiu entre Hobbes e o Bispo
Bramhall, sobre a questão do livre-arbítrio.
56
Hobbes acreditava numa concepção de mundo pleno que abordaremos no próximo capítulo. Em tal
concepção da realidade, o espaço estaria preenchido por matéria e não haveria vazio. O funcionamento do
mundo se daria por meio de processos mecânicos em que os corpos estão circundados por matéria e em
que o movimento estabelece um equilíbrio dinâmico inter-relacionando tudo o que existe. Cf. G. H. R.
Parkinson. The Renaissance and the Seventeenth-Century Rationalism. p. 256.
57
S. I. Mintz. Op cit. p. 110. Era a existência do livre-arbítrio que possibilitava que a Igreja ensinasse aos
seus fiéis que podiam escolher entre o certo e o errado, entre a virtude e o pecado. Sem esse fundamento,
o poder dos eclesiásticos poderia enfraquecer, perdendo parte de sua credibilidade.
25
são movimentos da alma, eles nada mais são do que uma seqüência de movimentos, e
estariam vinculados a um primeiro movimento precursor. A liberdade, como princípio
do livre-arbítrio humano, romperia o nexo do materialismo de Hobbes. Veremos mais a
frente, como essas concepções do filósofo colidiram com alguns princípios da sua
época, que não aceitavam essa “necessidade absoluta” defendida por Hobbes.
Ora, mesmo numa sociedade em que tudo é necessidade e nada é livre, surge a
função de um governante responsável pela prosperidade social, pela própria natureza do
homem. A estrutura da república e o seu funcionamento se dariam, entre outros
aspectos, a partir de uma série de leis definidas e estabelecidas por meio de contratos
entre os homens e estes seriam supervisionados pelo soberano. Qualquer transgressão da
lei era vista como uma manifestação de desprezo ao próprio legislador, como se fosse
um ataque direto a ele. Temos aqui outro ponto importante, pois Hobbes nos diz que se
não uma república, não existe a injustiça, que nessa concepção não teriam sido
criadas leis para manter a ordem. Assim a celebração dos pactos é a origem da justiça, o
que ocorre somente com a instauração da república; ou seja, a existência das palavras
“justo” e “injusto” só pode ter algum sentido na sociedade, já que:
“é necessária alguma espécie de poder coercitivo, capaz de obrigar igualmente
os homens ao cumprimento dos seus pactos, mediante o terror de algum castigo
superior ao benefício que esperam tirar do rompimento do pacto, e capaz de
confirmar propriedade que os homens adquirem por contato mútuo, como
recompensa do direito universal a que renunciaram”.
58
Desta forma, o soberano também atua como poder civil, suficientemente capaz
de obrigar os homens a cumprirem os pactos e contratos estabelecidos para que a paz
58
T. Hobbes. Op cit. p. 124.
26
seja reinante.
59
A república funcionaria no seu melhor se existissem regras
suficientemente estabelecidas para regular todas as ações e palavras dos homens.
60
O
próprio Thomas Hobbes reconhece ser isto impossível, mas defende que a sociedade
deveria estar sempre em direção a esse ideal.
Temos, então, que as diretrizes da nova proposta de Hobbes são o egoísmo
humano e o convencionalismo, que as leis nada mais são do que definições tomadas
pelos homens. Assim, o Estado criado por ele não é natural, mas sim artificial. Isso
ocorre pois o homem, para Hobbes, não é um animal naturalmente político, como, por
exemplo, as abelhas ou as formigas.
61
Estas têm a capacidade de viver socialmente sem
nenhuma outra orientação a não ser seus próprios apetites. A necessidade de uma
república no caso dos homens surge pelo fato de que eles não possuem essa mesma
capacidade. Aliás, são uma série de fatores da natureza humana que os impede de
sobreviver em grupo, se este não estiver organizado. Como estão sempre competindo
entre si, surge a inveja e o ódio que levam a um estado de guerra. No caso das formigas
e criaturas desse tipo, não existe a diferenciação entre o bem comum e o particular, o
que promove o benefício comum daquela sociedade. No caso dos homens, ocorre
exatamente o contrário, que é do interesse humano a comparação com os outros para
alegria própria, aparecendo também a competição entre os indivíduos. Nos homens há,
da mesma forma, a vontade de se sobressair e de mostrar-se melhor que os outros, o que
acarreta na desordem social e, finalmente, na guerra. O descontentamento no convívio
humano aflora em outras várias situações exemplificadas no Leviatã, o que o leva a
concluir que não há outra solução para a paz entre os homens senão a estipulação de
uma república absoluta e centralizante. Assim, essa paz poderia existir de maneira
59
T. Hobbes. Op cit. p. 125.
60
T. Hobbes. Op cit. p. 181.
61
T. Hobbes. Op cit. p. 146.
27
constante e duradoura por meio de pactos que são formulados entre os homens. E esse
estado pacífico se daria somente pela supervisão desses pactos pelo soberano
incumbido, pois se as decisões ficassem todas por serem discutidas entre os homens,
nunca haveria um consenso. A existência de leis, cujo estabelecimento fica nas mãos do
soberano, resulta numa população com menos revoltas e levantes. A natureza humana é,
enfim, egoísta e as leis da natureza são a racionalização desse egoísmo, permitindo
assim que o instinto de autoconservação seja preservado.
62
Percebemos assim que a decisão pelo soberano se torna algo além de um
consentimento ou da concórdia: representa, no limite, a verdadeira unidade de todos eles
numa só e mesma pessoa.
63
Diz o filósofo:
“a causa final, finalidade e designo dos homens (que amam naturalmente a
liberdade e o domínio sobre outros), ao introduzir aquela restrição sobre si
mesmos sob a qual os vemos viver em repúblicas, é a precaução com a sua
própria conservação e com uma vida mais satisfeita. [...] o desejo de sair daquela
mísera condição de guerra, que é a conseqüência necessária [...] das paixões
naturais dos homens”.
64
Logo, a função maior da república é a de assegurar a vida e o bem estar dos seus
cidadãos. O estado natural do homem, segundo Hobbes, por ser egoísta, sempre os
colocaria numa condição de guerra de todos contra todos.
65
É da natureza humana
buscar o que favorece a si mesmo e se o outro representar algum tipo de risco é natural
que ele seja encarado como obstáculo. Isso transpassaria a noção de que não se deve
fazer ao outro o que não gostaríamos que fosse feito a nós, já que isso representaria uma
situação de risco à própria vida. Também Hobbes comenta que os homens foram feitos
62
J. F. Mora. Dicionário de Filosofia. p. 1366.
63
T. Hobbes. Op cit. p. 147.
64
T. Hobbes. Op cit. p. 143.
28
com grande semelhança, à parte de um ser mais forte que outro, por exemplo. Porém,
essa igualdade gera da mesma forma desconfiança e essa desconfiança também leva à
guerra, uma vez que a reação antecipada seria a melhor forma de garantir-se numa
situação de desconfiança.
66
Percebe-se que o homem não tem condições de viver
socialmente sem alguma supervisão, pois não haveria confiança suficiente para que isso
fosse possível. “Além disso, os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos
outros (e sim, pelo contrário, um enorme desprazer), quando não existe um poder capaz
de intimidar a todos”.
67
Pode-se notar que Hobbes não acreditava no convívio humano como um aspecto
agradável, mas simplesmente como uma vantagem para si próprio. Seria basicamente
uma maneira de viver na segurança pessoal e aqui novamente, é o medo individual que
mantém os homens subordinados a um poder centralizante e é o medo que permite que
esse tipo de estrutura seja possível. Assim, o pensador trata os homens como criaturas
que somente por meio do amedrontamento são capazes de viver em sociedade, afinal,
são seres dotados de enorme capacidade de sentimentos como o desprezo, a vingança, a
parcialidade e o ciúme. Os homens são, portanto, capazes de se atacarem e destruírem
uns aos outros, impulsionados por suas paixões. Não existe a paz naturalmente numa
realidade em que os homens estejam em grupo. Aliás, a guerra para Hobbes consiste
não somente no ato de luta ou na batalha, mas naquele lapso de tempo em que a vontade
de travar batalha é suficientemente conhecida. A paz seria todo o tempo restante.
68
A
guerra civil derivaria da ignorância dos deveres, ou seja, da ciência moral. Logo, é
grande a importância de entendê-la, isso para que se possa viver em paz numa
65
Temos em latim a frase bastante conhecida e representativa da filosofia hobbesiana: bellum omnium
contra omnes, ou bellum omnia omnes, que significa “guerra de todos contra todos”.
66
T. Hobbes. Op cit. p. 107.
67
T. Hobbes. Op cit. p. 108.
68
T. Hobbes. Op cit. p. 109.
29
sociedade, propiciando o fim de embates.
69
Juntamente ao seu entendimento, é
necessária a aplicação rigorosa das leis estipuladas com o mesmo fim pacífico, sendo
função do soberano certificar-se de que elas sejam respeitadas para que essa finalidade
maior seja atingida.
Como foi dito, também é papel do monarca definir os ensinamentos religiosos
que reinarão na república. Estabelecer-se-ia, assim, um equivalente da Igreja Cristã, mas
esta se encontraria abaixo do soberano na hierarquia da república hobbesiana. Afinal,
“as questões de doutrina relativas ao Reino de Deus têm tamanha influência sobre o
reino dos homens que podem ser decididas por quem abaixo de Deus detém o poder
soberano”.
70
É da responsabilidade do monarca delimitar quais serão os ensinamentos
passados aos súditos e é ele que fica incumbido de escolher a melhor forma de organizar
esses ensinamentos.
Essa proposta de hierarquia com relação à igreja e á religião pode ter sido uma
das causas pelas quais Hobbes foi chamado de pouco cristão e de ateu. Afinal, suas
idéias relacionadas com essa nova proposta de religião civil diretamente ligada a uma
república absoluta não permitiam um status privilegiado da instituição. As críticas
contemporâneas diziam que o Leviatã era uma obra que ia contra a religião, em especial
contra o cristianismo. De fato, por meio de suas obras vemos posições de Hobbes
contrárias às da igreja e ele nos mostra, em rios pontos, o interesse dos eclesiásticos
em manter a sociedade como ela se encontrava então, isto é, subordinada às suas
decisões. Também percebemos que se nada fosse feito para alterar o sistema de governo
e sua relação com a igreja, nada mudaria na vida da população, dando continuidade à
condição de guerra de todos contra todos e à insegurança. Isso era exatamente o tipo de
conseqüência que Hobbes tentava evitar com seu novo sistema de governo. Claramente,
69
G. Reale. Op cit. p. 488.
30
o tipo de crítica que balança a estrutura de uma instituição como a igreja, não é levado
de forma leviana. O pensador agora além de propor teorias que levaram a discussões
nos círculos acadêmicos e filosóficos, encontrava-se também na mira dos que lutavam
contra o ateísmo.
De fato, a obra de Hobbes trazia a proposta de uma nova religião civil
71
que
substituiria a forma como os ingleses conheciam a religião. Juntamente com a nova
idéia de que um soberano deveria ser um monarca absoluto, essa religião civil também
seria comandada por esse soberano, que tanto as decisões para o bem da sociedade
quanto o estabelecimento dos ensinamentos religiosos estariam em suas mãos. A
religião nesse caso seria uma instituição dependente das decisões do monarca, seguindo
uma hierarquia de poder. O que os críticos de Hobbes viam nessas proposições era o
aspecto de que se fosse o soberano o responsável por determinar qualquer dogma
religioso, alterando os do cristianismo já existentes, o teísmo convencional
72
não caberia
na república hobbesiana. Ele chegou a ser conhecido por propor um ateísmo cristão, ou
mesmo “a mais idiossincrática versão de teologia cristã formulada para encaixar com a
filosofia mecânica”.
73
De fato, no ideal hobbesiano de sociedade político-religiosa não
havia espaço para o cristianismo “tradicional”; também não havia mais espaço para os
meios utilizados pela igreja para controlar a sociedade, o que representava uma grande
mudança frente à Inglaterra de seu tempo. Pode-se adivinhar que o vislumbre de ter o
poder tirado de suas mãos não foi algo que agradou nem aos homens do clero nem aos
homens cristãos da sociedade, incluindo os virtuosi da Royal Society. Tampouco
70
T. Hobbes. Op cit. p. 381.
71
T. Hobbes. Op cit. p. XLVIII.
72
Hobbes, por meio de sua visão de mundo pleno, chega a uma perspectiva de que Deus seria também
material, e não incorpóreo como era considerado pelos eclesiásticos. Essa sua opinião não agradou a
sociedade em geral, gerando uma onda de ataques da sociedade que o taxaram de ateu. Ou seja, o Deus
cristão não existiria como convencionalmente se concebia naquela sociedade, mas sim surgiria uma nova
forma de deidade proposta pelo filósofo.
73
R. Tuck In: T. Hobbes. Op cit. p. LI; R.Tuck. Op cit. p. 38.
31
agradou o sentimento de que alguém discordava de suas crenças e questionava sua
igreja.
Por meio da leitura de suas obras, vemos que Hobbes era um homem que
acreditava nas Escrituras e que as utilizava freqüentemente a fim de estruturar suas
concepções. Em vários momentos ele recorre à Bíblia para sustentar suas teorias e suas
críticas. Para o filósofo, as Escrituras representavam uma fonte de verdade e era a igreja
que tornava seu entendimento dúbio. Inclusive, ao longo de seus textos ele mostra que
não faz sentido negar a existência de Deus, como quando diz: “dizer que o mundo não
foi criado, mas que é eterno (dado que aquilo que é eterno não tem causa), é negar que
haja um Deus”.
74
Ora, esse tipo de argumento nos leva a perceber que suas críticas não
foram direcionadas ao próprio teísmo ou mesmo a Deus. O fato é que Hobbes tinha sim
teorias baseadas na religião e nas Escrituras, argumento que nos impede de taxá-lo
como ateu.
75
Hobbes considerava as Sagradas Escrituras como sendo as regras da vida cristã.
E deixa claro qual é a função do soberano uma vez que possui todo o poder de
estabelecer o que deve ser seguido e o que não deve ser considerado como lei:
“é ao soberano civil que compete nomear os juízes e intérpretes das Escrituras
canônicas, pois é ele que as transforma em leis [...] Em resumo, é ele quem tem
o poder supremo em todas as causas, quer eclesiásticas ou civis, no que diz
respeito às ações e às palavras, pois estas são conhecidas e podem ser
acusadas”.
76
Nesse contexto, ele propõe uma outra possibilidade de organização da igreja.
Cada país deveria encontrar a melhor forma para essa hierarquia de poder, ou seja, a
74
T. Hobbes. Op cit. p. 305.
32
idéia de religião universal também cai por terra na sua concepção de como seria uma
sociedade ideal. Porém podemos observar que as críticas existentes no Leviatã eram em
relação não à religião propriamente dita, ou à existência de uma Igreja, mas à sua
estrutura e à maneira como exercia seu poder sobre a sociedade. Além disso, o fato de
não concordar com os caminhos que a igreja tomava não faz de Hobbes um homem
menos religioso, apesar de não ser isso o que realmente foi considerado em seu tempo.
Qualquer um que fosse contra a organização de uma instituição de tal magnitude
sofreria os ataques de homens que não toleravam essa postura. De fato a reorganização
que o filósofo propõe em sua obra é extremamente radical, que toda a sociedade na
qual ele vivia deveria ser modificada e adaptada a um novo tipo de hierarquia mais
adequada ao bem estar geral dos cidadãos. Em suma, todos os homens deveriam
entregar sua vida e segurança ao soberano e não existiria mais uma autoridade como a
Igreja Cristã acima desse poder absoluto.
Para sustentar sua posição com relação a essa reorganização, Hobbes mostra,
predominantemente nas Partes 3 e 4 do Leviatã, vários artifícios usados pelos
eclesiásticos para conduzir a população em seu favor. As técnicas utilizadas eram
variadas e ele nos fornece alguns exemplos. Em um deles discorre sobre a veracidade
dos milagres e como eles surgem como visões na vida dos homens. Antes, porém, ele
define os milagres como sendo obras admiráveis de Deus, também chamadas de
maravilhas. São acontecimentos ou obras que causam assombro aos homens, que
ocorrem raramente,
77
e isso leva os homens a questionarem-se se teriam mesmo
ocorrido por meios naturais conhecidos ou se haviam sido realmente obras de Deus. Um
aspecto que Hobbes salienta com relação ao assombro e à admiração diante os
75
Apesar disso, não se pode deixar de notar que de fato a proposta de Hobbes para a nova religião
baseada no seu materialismo, não coincidia com o que era considerado como religião cristã. Isso pode ter
sido motivo suficiente para que sua fama o seguisse.
33
“milagres” é que ambos resultam da ausência de conhecimento e de experiência. Alguns
homens que possuem menos conhecimento que outros podem observar determinado
fenômeno e acreditar que presenciaram um milagre:
“acontece assim que homens ignorantes e supersticiosos consideram grandes
maravilhas as mesmas obras que outros homens, sabendo que elas derivam da
natureza (que não é obra extraordinária, mas obra comum de Deus), não
admiram de modo algum
78
[...] Porque são tais a ignorância e a tendência aos
erros comuns a todos os homens, mas especialmente aos que não têm muito
conhecimento das causas naturais, e da natureza e interesses dos homens, que
são inúmeras e fáceis as maneiras de enganá-los”.
79
Ora, não existe melhor meio para impor suas doutrinas do que manter uma
sociedade ignorante, que assim é mais fácil convencer que seus ensinamentos estão
corretos e não as possíveis concepções de outros. Portanto, era do interesse da igreja
manter sua população desinformada, que desta forma ela poderia controlá-la mais
facilmente quando fosse de seu interesse.
Outro assunto discutido nas partes finais do Leviatã, além da estrutura da
sociedade cristã, é o das más interpretações das Escrituras. Como já foi dito, fica
explícita a indignação do autor em relação ao abuso de poder da igreja e seus
representantes em diversas passagens do texto. Neste caso, Hobbes fala sobre as
vantagens que os eclesiásticos tiram a partir de distorções feitas dos textos da Bíblia,
privilegiando leituras que favorecem a sua posição e que permitem que uma relação
abusiva seja estabelecida às custas da população. Um exemplo dado por Hobbes, e por
ele considerado como gerador de uma rie de problemas da sociedade inglesa, é o da
76
T. Hobbes. Op cit. p. 460.
77
T. Hobbes. Op cit. p. 367.
78
T. Hobbes. Op cit. p. 368.
34
crença de que o Reino de Deus na terra é a igreja. Desta maneira seus representantes
seriam favorecidos com benefícios terrenos imediatos, como governar a igreja, que
são ministros públicos de Deus, e desta forma a república teria de obedecê-los. Esse tipo
de equívoco representaria um confronto com o soberano da república e é por causa dele
que, até aquela data, os príncipes cristãos sempre estiveram submetidos ao poder do
papa, acreditando estarem obedecendo ao próprio Cristo. Os soberanos cristãos se
encontravam abaixo do poder eclesiástico devido à “pretensão universal do papa de
Roma”:
“este benefício de uma monarquia universal (considerando o desejo dos homens
de terem uma autoridade) constitui uma presunção suficiente de que os papas
que a elas aspiraram, e que durante muito tempo a desfrutaram, eram os autores
da doutrina pela qual foi alcançada, a saber, que a Igreja agora sobre a terra é o
reino de Cristo. Pois, aceito isso, tem de se aceitar que Cristo tenha um
representante entre nós para dizer-nos quais são as suas ordens”.
80
Para que a sociedade estivesse numa situação em que os governantes
propiciassem o melhor para ela, a igreja não poderia se colocar acima do soberano. Isso
nada mais traria do que discórdia e geração de problemas. Afinal, o soberano
representava os interesses dos cidadãos. Nesse sentido, para Hobbes, numa situação
ideal na qual uma pessoa, ou assembléia, é encarregada do poder soberano:
“[...] o poder é conservado pelas mesmas virtudes com que é adquirido, isto é,
pela sabedoria, pela humildade, pela clareza de doutrina e sinceridade de
linguagem, e não pela supressão das ciências naturais e da moralidade da razão
natural, nem por uma linguagem obscura, nem se arrogando mais conhecimento
do que deixam transparecer, nem por fraudes piedosas, nem por essas outras
79
T. Hobbes. Op cit. p. 372.
35
faltas que nos pastores da Igreja de Deus não são apenas faltas, mas também
escândalos, capazes de fazer que os homens mais cedo ou mais tarde acabem por
decidir a supressão da sua autoridade”.
81
Ora, com a existência desse equívoco, ou seja, que a idéia que o Reino de Deus
na terra é de fato a igreja, a sociedade inglesa se encontra numa situação de exploração
da população, já que não estaria sendo regida, de fato, pelo seu real governante. Neste
caso, o governante se encontra abaixo da igreja, submetido aos seus mandamentos.
Além do mais, Hobbes não se conformava com o fato de que a igreja era responsável
pelo entendimento das Escrituras, por meio de más leituras. A obscuridade das leituras é
comparada com seres “igualmente obscuros” na seguinte passagem,
“os eclesiásticos tiram dos jovens o uso da razão por meio de certos encantos
compostos de metafísica, milagres, tradições e Escrituras deturpadas, e assim
estes ficam incapazes seja para o que for, exceto para executarem o que lhes for
ordenado. Do mesmo modo as fadas, segundo se diz, tiram as crianças de seus
berços e transformam-nas em néscios naturais, a que o vulgo chama duendes e
que têm tendência para a prática do mal”.
82
E Hobbes ainda complementa dizendo que, se das fadas não se sabe os locais em que
fazem seus encantamentos, sabe-se muito bem que os laboratórios do clero o as
universidades.
Além de deturpar o significado de certas passagens bíblicas a fim de favorecer
seus interesses, os eclesiásticos utilizam textos isolados das Escrituras criando muitas
vezes um contexto que não era o que se encontrava na Bíblia. Hobbes nisso um
grande erro:
80
T. Hobbes. Op cit. p. 573.
81
T. Hobbes. Op cit. p. 579.
82
T. Hobbes. Op cit. p. 581.
36
“pois não são as palavras nuas, mas sim o propósito do autor que dá a verdadeira
luz pela qual qualquer escrito deve ser interpretado, e aqueles que insistem nos
textos isolados, sem considerarem o designo principal, nada deles podem tirar
com clareza; ao contrário, jogando átomos das Escrituras como poeira nos olhos
dos homens, tornam tudo mais obscuro do que é, artifício habitual daqueles que
não procuram a verdade, mas sim as suas próprias vantagens”.
83
Desta forma, a falta de contextualização dos textos por parte dos eclesiásticos, também
deixa o entendimento das Escrituras comprometido e, portanto, não se tem certeza de
que o verdadeiro significado da Palavra foi apreendido. Essa falta de contextualização
se torna um erro de grande dimensão se considerarmos as Escrituras como fonte de
verdade, da maneira como Hobbes acreditava.
Quando reflete sobre a noção de punição, para os homens que não obedeciam
aos mandamentos e diretrizes definidas pela igreja, Hobbes a considera como outro
aspecto que teria sido adaptado pelos homens do clero, a fim de controlar mais
facilmente a massa. O fato de saber que os pecadores irão pagar após a morte pelos seus
feitos nessa terra assusta a maioria das pessoas, deixando-as com medo das punições
futuras. Ainda mais se acreditam numa eternidade queimando no inferno, ou mesmo, na
espera no purgatório. Assim, elas são mais cuidadosas em seguir os mandamentos da
igreja para não terem uma eternidade de sofrimento após a morte, nunca questionando
nada que foi dito pela instituição. Hobbes defende que a idéia de purgatório, juntamente
com a idéia do que seria “eterno”, como período de duração do castigo, tinha um
princípio completamente distinto do que o passado pela igreja para os fiéis.
84
Ele não
acreditava que as almas queimariam por toda a eternidade se fossem ‘pecadoras’ nesta
terra. Acreditava, porém, que esse não seria o castigo aplicado, contrariamente do que
83
T. Hobbes. Op cit. p. 504.
37
era dito pela igreja, e ainda que não cabe a nós explicar a natureza incompreensível de
Deus por meio de atrevidas opiniões. Ele conclui que esse tipo de argumento poderia ser
somente outro artifício para manter a população sob controle, sem que se manifestassem
contrariamente, se não houvesse punição eterna, comportando-se como num rebanho,
onde nenhum indivíduo contradiria algum comando superior, por mais abusivo que
fosse. Além disso:
“[...] quando chega a ocasião de explicar como pode uma substância incorpórea
ser capaz de dor e ser atormentada no fogo do inferno ou do purgatório, não
encontram outra coisa para responder senão que é impossível saber como o fogo
queima as almas”.
85
É notável como Hobbes argumenta com um toque de sarcasmo sempre que
questiona a maneira com que a igreja se coloca para explicar seus ensinamentos. Apesar
do fundamento real que existe na idéia de punição, Hobbes indaga se a idéia de inferno
não seria metafórica. Não necessariamente as almas irão queimar nos fogos do inferno,
mas existiria algum outro tipo de sofrimento para seus pecados.
86
Afinal, “tudo o que é
NECESSÁRIO para a salvação está contido em duas virtudes, em Cristo e
obediência às leis”;
87
ou seja, Hobbes deixa claro, em passagens como esta, que se os
homens têm em Cristo e se obedecem corretamente aos ensinamentos definidos pelo
soberano, não há motivos para acreditar que não atingirão a salvação após a morte.
Assim podemos compreender por que é sempre mais cil lidar com uma
população ignorante do que com uma população instruída. E Hobbes, durante sua obra,
salienta que os ensinamentos dados pelos membros do clero à população não eram
84
T. Hobbes. Op cit. p. 563.
85
T. Hobbes. Op cit. p. 562.
86
Na verdade, para Hobbes, a alma era vista como um tipo de movimento vital que existia nos corpos.
Ela fazia parte do âmbito material, sem ser outro corpo num mesmo espaço. Ela era uma qualidade de um
corpo vivo. Assim, nessa concepção, uma punição eterna para essa alma não era algo concebível. Cf. G.
H. R. Parkinson. Op cit. p. 260.
38
necessariamente os mais próximos das Escrituras. Muito pelo contrário, ele enfatiza que
o uso da linguagem rebuscada é intencional para dificultar o entendimento, mas também
como instrumento para poder alterar o que a Bíblia realmente pretendia ensinar. Isso
sem contar que com missas dadas em Latim, fica ainda mais difícil a compreensão pelos
fiéis. Com relação a linguagem rebuscada dos eclesiásticos, Hobbes faz um paralelo,
comparando com a utilizada pelos escolásticos, já que as universidades eram outro
grande pilar da sociedade. Afinal, ambos eram responsáveis pela definição dos valores e
conhecimentos a serem difundidos em tal sociedade. Ele não acreditava que era por
meio de uma forma rebuscada de falar que os homens poderiam se aproximar do
conhecimento verdadeiro. De fato, ao contrário, o conhecimento por meio de tal uso da
linguagem estaria se distanciando das pessoas:
“seria possível apresentar outros tantos exemplos da filosofia trazida para a
religião pelos doutores da Escolástica, mas outros homens podem, se quiserem,
observá-los por si próprios. Acrescentarei apenas isso, que os escritos dos
escolásticos nada mais são, na sua maioria, do que torrentes insignificantes de
estranhas e bárbaras palavras, ou de palavras usadas de modo distinto do uso
comum da ngua latina [...] Se alguém quiser comprová-lo, vejamos (como
disse antes) se é capaz de traduzir algum escolástico para qualquer das línguas
modernas, como o francês, inglês, ou qualquer outra copiosa língua, pois aquilo
que na maior parte destas línguas não pode ser tornado inteligível não é
inteligível em latim. Embora eu não possa registrar essa insignificância de
linguagem como falsa filosofia, ela possui o dom não só de esconder a verdade,
87
T. Hobbes. Op cit. p. 490.
39
mas também de levar os homens a pensar que a encontraram, desistindo de
novas buscas”.
88
A partir de vãs filosofias, os escolásticos construíram conhecimentos que não
fazem outra coisa senão desviar os homens da verdade. E assim, eles se encontram
numa situação em que aceitam o conhecimento como ele chega até a população, sem
questionar o que era ensinado.
De fato esse era um aspecto que causava em Hobbes um sentimento de
insatisfação: qualquer objetivo que fosse atingido por meio da distorção das palavras era
visto com maus olhos pelo filósofo e isso era feito tanto pelos escolásticos quanto pelos
eclesiásticos. Voltando a um dos pontos manipulados pelos homens do clero, não é
surpresa percebermos que da perspectiva do filósofo, boa parte das punições existentes
era baseada em coisas que não existiam realmente, afinal, ninguém nunca fez relatos
sobre coisas prometidas pela igreja; ou seja, não havia comprovações de milagres, do
inferno ou mesmo do Céu. Independentemente de sua veracidade ou não, o que fosse
considerado dentro dos padrões da Igreja Cristã como punição para os pecadores era
levado como real, enquanto o que não era defendido por ela, era falso. Enfim, o que a
igreja defendia como verdadeiro era o que regia os atos dos fiéis. E mesmo que outra
pessoa ou instituição pudesse dizer o contrário, não seria levado em consideração com
tanta credibilidade, graças à força e autoridade que a igreja possuía. Assim, Hobbes
assume que:
“o medo dos poderes invisíveis, inventados pelo espírito ou imaginados com
base em histórias publicamente permitidas, chama-se RELIGIÃO; quando essas
histórias não são permitidas, chama-se SUPERSTIÇÃO”.
89
88
T. Hobbes. Op cit. p. 570.
89
Ou seja, aquilo que não era permitido pelos eclesiásticos não era considerado como religião, mas sim
apenas algum tipo de prática supersticiosa. De fato, para Hobbes, o que se torna desagradável é
40
Ao mesmo tempo em que a igreja possuía a consciência de que era a sua
autoridade que comandava a população, ela, logicamente, formularia sem impedimentos
muitas de suas explicações com a finalidade de submeter um número maior de pessoas
aos seus comandos e poderio. A igreja utilizaria, a fim de aumentar sua abrangência, a
tendência ao medo existente nos homens. É correto pensar que a invenção de forças
invisíveis veio como conforto ao ser humano, cobrindo seus medos de coisas das quais
não encontravam causas. Porém, o autor do Leviatã via nas igrejas, também nesses
casos, abusos de poder, que os súditos cumpririam o que era pedido se atormentados
pelo medo das punições. Novamente, era com base no medo que os homens sentiriam
naturalmente que os eclesiásticos conseguiam mover o povo.
Assim, Hobbes faz questão de esclarecer que sua proposta era a de seguir o que
realmente as Escrituras nos passam, por meio da figura do soberano. E também que suas
teorias eram diretamente dedutíveis a partir da Bíblia:
“não tive a pretensão de apresentar nenhuma opinião própria, mas apenas
mostrar quais são as conseqüências que me parecem dedutíveis dos
princípios de uma política cristã (que são as Sagradas Escrituras) em
confirmação do poder do soberano civil e do dever dos seus súditos”.
90
O filósofo não se pronuncia diretamente contra a religião, porém mostra por
meio de um processo dedutivo, como ele mesmo chama, aonde se chegaria se não
fossem feitas as modificações por ele propostas. Utilizando-se de críticas implícitas e
explícitas, Hobbes é auxiliado e sustentado ao longo de toda a obra pelas Escrituras e
nunca pôs em questão seu real valor. E a partir delas é que ele chega em seu sistema de
governo. Portanto, para Hobbes, a igreja se encontrava mergulhada em trevas, que o
exatamente como se define o que é considerado verdadeiro e o que é falso. Afinal, ele sustenta sua
opinião com relação à Igreja e aos seus ensinamentos adaptados, que na verdade são direcionados para
controlar e obter lucro, às custas da população. T. Hobbes. Op cit. p. 52.
41
que realmente estava nas Escrituras não era passado para os fiéis, ou seja, não havia a
claridade do verdadeiro ensinamento. E, assim :
“como os homens que desde a nascença estão profundamente destituídos da luz
dos olhos corporais não possuem nenhuma idéia da luz, e ninguém concebe na
imaginação uma luz maior do que a alguma vez entrevista pelos sentidos
externos, também o mesmo acontece com a luz do Evangelho e com a luz do
entendimento, pois ninguém é capaz de conceber que haja um grau maior dela
do que aquele a que já chegou”.
91
Os homens, então, não possuíam condições de entender algo além do que lhes
era ensinado pela igreja, por meio de rituais executados por ela. Porém, para Hobbes, os
absurdos desses rituais sem sentido feitos dentro das igrejas, não fazem diferença
alguma nas vidas dos indivíduos a não ser para mantê-los dominados sob o poder dos
homens do clero e sob seus comandos. O mistério do desconhecido é manipulado de
maneira a hipnotizar os fiéis.
“Ora, eles nos afrontam dizendo que transformaram o pão num homem e, mais
ainda, num Deus, e exigem que os homens o venerem, como se fosse o nosso
Salvador que estivesse presente como Deus e como Homem, e portanto que
cometamos a mais grosseira idolatria. Com efeito, se for suficiente para
desculpar de idolatria dizer que não é pão mas sim Deus [...] consiste numa
vulgar figura de discurso; mas encará-las literalmente é um abuso”.
92
Juntamente com o medo da punição e do desconhecido, a noção de purgatório
domina os pensamentos dos fiéis que temem pelo seu sofrimento eterno. Mesmo não
podendo explicar o que realmente ocorre após a morte, a igreja nutre essas teorias que
90
T. Hobbes. Op cit. p. 503, (grifo nosso).
91
T. Hobbes. Op cit. p. 506.
42
definem o comportamento dos homens nesta terra. São essas idéias que permitem que a
igreja exerça um poder sobre a sociedade, sobre qualquer pessoa que acredite nelas, pois
não as podem explicar diretamente. No limite, a igreja teria transformado os
ensinamentos das Escrituras num método de controle social para uma sociedade que
forneça a maior quantidade de benefícios para ela própria. Nesse sentido, ela
representava uma autoridade inquestionável, transformando seus ensinamentos em leis
superiores a qualquer indagação. Assim, é uma:
“tenebrosa doutrina, primeiro dos tormentos eternos, e depois do purgatório, e
conseqüentemente dos fantasmas dos mortos passeando principalmente em
lugares consagrados, solitários ou escuros, e daos pretextos de exorcismo e
conjuração de fantasmas, como também de invocação de homens mortos, e à
doutrina das indulgências, isto é, de isenção durante um tempo, ou para sempre,
do fogo do purgatório, onde se pretende que estas substâncias incorpóreas são
queimadas para serem purificadas e preparadas para o céu”.
93
Esse ponto referente às doutrinas utilizadas pelos homens do clero para basear
suas explicações de seus ensinamentos é outro com o qual o filósofo discorda
fortemente. Em sua obra Hobbes se coloca completamente contrário a essa postura da
igreja, mostrando como isso é prejudicial para a sociedade, já que todo o discurso
clerical não passava de uma estratégia para colocar o povo submisso aos seus desejos,
em vez de se ocupar com o verdadeiro ensinamento das Escrituras. O filósofo acreditava
que, com sua proposta de sociedade sob o poder de um soberano absoluto, os abusos
que existiam na sua Inglaterra tenderiam a acabar. E sua solução partia exatamente das
Escrituras, pois era a partir delas que se podia chegar à sociedade ideal, como a que o
92
A crítica aqui feita por Hobbes é diretamente aos abusos da Igreja com relação aos seus fiéis e não
necessariamente a Jesus. Trata-se de um exemplo dos casos em que esse abuso ocorre através da
manipulação de doutrinas pelos homens do clero. T. Hobbes. Op cit. p. 512.
43
filósofo propunha. Assim, sua intenção era a de substituir o sistema no qual ele vivia
por este novo modelo de governo, onde esse abuso não prevaleceria sobre o verdadeiro
conhecimento.
Da mesma forma que a proposta de sociedade ideal do autor do Leviatã causou
discórdia no seu tempo, sua filosofia natural também não teve uma recepção muito fácil,
ou mesmo uma aceitação muito extensa. No próximo capítulo abordaremos alguns
pontos fundamentais para compreender qual era sua concepção de mundo, de corpo e de
matéria e desta forma analisar quais foram os pontos que se chocaram com as idéias de
alguns dos homens de ciência da Royal Society. Sabemos que no século XVII os
pressupostos religiosos e metafísicos de um autor muitas vezes fundamentavam suas
concepções. Assim, analisaremos no próximo capítulo quais as diferenças entre as
perspectivas de ciência de cada um dos lados da polêmica contrapondo as metodologias
adotadas pelos homens de ciência em questão para então compreender melhor o
contexto desse debate.
93
T. Hobbes. Op cit. p. 515.
44
Capítulo 2 - Thomas Hobbes e a filosofia natural: a questão do método lógico-
matemático
Em razão de adotarem posições discordantes com relação a certos aspectos da
filosofia natural, Thomas Hobbes e alguns dos membros da Royal Society travaram
discussões marcantes na Inglaterra seiscentista. É verdade que Hobbes despertava um
sentimento de discórdia em vários pensadores e isso em parte, como vimos no capítulo
anterior, por defender opiniões opostas a algumas das que eram respeitadas em seu
tempo. Contudo, veremos que a discórdia não se restringia ao campo religioso ou
político. Assim, a análise de determinados conceitos por ele estabelecidos, como, por
exemplo, o que seria corpóreo ou material e qual era a constituição do universo, é
essencial para que se compreendam as discussões travadas entre eles. Da mesma forma,
se quisermos nos aprofundar nas questões de cunho científico e epistemológico será de
grande importância conhecer quais eram as metodologias adotadas por tais pensadores e
de que maneira elas diferiam entre si. Neste sentido, no presente capítulo,
apresentaremos alguns aspectos da ciência e da metodologia hobbesiana para mais à
frente analisarmos as idéias defendidas por alguns dos membros da Royal Society,
discutindo os possíveis pontos de atrito.
45
Também é nossa intenção mostrar, ao longo deste capítulo, de que maneira
Hobbes defendeu a idéia de mundo pleno, contrariando muitos pensadores daquela
época. Veremos como sua concepção de realidade, que reflete um mundo que está
completamente permeado por matéria, implicará em conseqüências destoantes de outras
explicações contemporâneas, gerando freqüentemente sentimentos de discórdia em
membros da sociedade inglesa. Assim, segundo o autor do Leviatã:
“o mundo (não quero dizer apenas a terra, que denomina aqueles que a amam
homens mundanos, mas também o universo, isto é, toda a massa de todas as
coisas que existem) é corpóreo, isto é, corpo, e tem as dimensões de grandeza, a
saber, comprimento, largura e profundidade; também qualquer parte do corpo é
igualmente corpo e tem as mesmas dimensões, e conseqüentemente qualquer
parte do universo é corpo e aquilo que não é corpo não é parte do universo. E
porque o universo é tudo, o que não é parte dele não é nada, e conseqüentemente
está em nenhures.”
94
Partindo desse pressuposto, podemos perceber que o vazio defendido por certos
homens de ciência da Royal Society não cabe nessa concepção. Aliás, na obra De
Corpore (1655), onde se encontra o estudo do filósofo sobre a natureza e a física,
Hobbes analisa em alguns momentos certos experimentos e exemplos utilizados pelos
virtuosi, e por aqueles que eram favoráveis à existência do vazio, discutindo por quais
motivos não eram verossímeis.
95
Para ele tudo o que existe é matéria, preenchendo o
espaço e permeando os corpos. Ora, é por meio de uma concepção de espaço pleno que
Hobbes elabora seu sistema de filosofia natural, partindo de conceitos e definições que
permitam que ele seja verossímil. Perceberemos ao longo do presente capítulo que, além
de operar com tal concepção de espaço, o filósofo posiciona o movimento num lugar
94
T. Hobbes. Leviatã. p. 559.
46
privilegiado em seu sistema de ciência, pois para ele matéria e movimento são dois
elementos essenciais para compreendermos o funcionamento da realidade:
96
“movimento é a contínua privação de um espaço e aquisição de outro”;
97
mas antes de
nos aprofundarmos nesse importante conceito, analisaremos o de corpo, também
fundamental na sua concepção.
Segundo o autor do De Corpore, corpo é aquilo que “coincide ou coexiste em
uma determinada parte do espaço, independentemente do nosso pensamento”.
98
Vale
notar dois pontos relevantes ao analisarmos essa definição: o corpo existe no espaço,
possuindo necessariamente extensão, e existe independentemente de nós, não sendo
uma criação humana. Por outro lado, observemos que a noção de espaço existe atrelada
à de corpo, ou seja, existe em função dele.
99
A concepção de espaço é mais próxima
de uma idéia, considerada pelo filósofo apenas como um fantasma (phantasm), não
sendo nada fora da nossa mente. Quando nos referimos a um espaço sem relacionarmos
com algum corpo, segundo o autor do De Corpore, estamos falando de espaço
imaginário (imaginary space) e quando nos referimos a algum espaço que é obtido por
meio de uma abstração da idéia de corpo, estamos nos remetendo ao que o filósofo
chama de espaço cheio (full space).
100
Assim, sem a nossa própria existência
somente a noção de corpo, enquanto a de espaço é apenas uma concepção que surge a
partir do nosso pensamento. Temos, então, que o corpo existe independentemente de
nós e que é algo extenso, ligado ao espaço pela sua própria definição, e que possui
características próprias como sua forma, sua extensão, se está em movimento ou em
95
T. Hobbes. De Corpore. p. 415.
96
G. H. R. Parkinson. The Renaissance and Seventeenth-Century Rationalism. p. 256.
97
T. Hobbes. De Corpore. p. 109. Ainda neste capítulo veremos dois casos que Hobbes utilizou na defesa
de sua realidade plena, negando o vácuo. As citações foram traduzidas por nós diretamente do inglês.
98
T. Hobbes. De Corpore. p. 101; F. Brandt. Thomas Hobbes’ Mechanical Conception of Nature. p. 250.
99
T. Hobbes. De Corpore. p. 94.
100
F. Brandt. Op cit. p. 254.
47
repouso.
101
Mas, a percepção que temos dessas características Hobbes denomina de
acidente, ou seja, “a faculdade de um corpo através da qual nós obtemos uma
consciência daquele corpo”.
102
Ora, se todo o mundo está preenchido, tudo se encontra num sutil equilíbrio e
toda a matéria existente compõe esse estado da realidade. Um reflexo desse equilíbrio é
que o movimento se torna a causa maior da natureza, de modo que todos os
acontecimentos são provocados por ele de uma forma ou de outra.
103
A natureza,
obedece assim, uma relação necessariamente causal,
104
que os eventos estão
relacionados entre si, não possuindo caráter independente. Podemos concluir também
que o equilíbrio existente não é estático, mas cinético, que toda a matéria está em
movimento.
105
Para Hobbes, a origem de tudo teve como gatilho um movimento inicial,
apesar de não conhecer sua causa primordial. Porém, ainda assim, tudo o que existe
surgiu de uma mesma origem comum tendo no início uma geração nesse movimento
inicial e uma conseqüente propagação que se desencadeou e segue indefinidamente.
106
Assim, desde o princípio do mundo até hoje, os fenômenos se dão por meio de uma
forma contínua, numa seqüência de movimentos. Na verdade, é do estudo de como os
eventos se sucedem que vem a sua concepção de continuidade. Ela é vista pelo filósofo
como algo que existe em comum entre o antes e o depois. Se for continuidade de
extensão, um pedaço de um corpo em especial é exatamente igual ao anterior e ao
101
T. Hobbes. De Corpore. p. 203.
102
Ibid. p. 103; F. Brandt. Op cit. p. 258.
103
Como um corpo ao mudar de posição altera toda uma condição de equilíbrio material, ocorre uma
movimentação de todas as imediações daquele corpo. Assim, temos que o movimento causou aqueles
eventos imediatos àquele corpo. Lembremos então que movimento para o pensador é “a contínua
privação de um espaço e aquisição de outro”.
104
F. Brandt. Op cit. p. 268.
105
Aqui observamos a diferença entre os conceitos físicos de estática e cinética. A estática estuda os
equilíbrios em que não há nenhum movimento, em que os corpos envolvidos estão completamente
parados. Já a cinética estuda o caso analisado por Hobbes, em que um equilíbrio, mas que envolve
movimento, que existem forças agindo por todos os lados em todos os corpos. Esse é o motivo da
distinção feita no texto.
106
T. Hobbes. De Corpore. p. 110; F. Brandt. Op cit. p. 260.
48
seguinte.
107
Se for um caso de continuidade de movimento, significa que este não sofre
alterações, não sofre saltos. A continuidade ocorre quando se observa uma uniformidade
da grandeza que está sendo analisada; ou seja, nenhum corpo é capaz de passar de um
lugar para outro sem passar por todos os pontos intermediários existentes entre eles e
isso num determinado tempo. Segundo o filósofo, “o tempo é o fantasma do antes e do
depois em movimento”.
108
Para ele, o repouso é somente uma definição, que nada
está realmente em repouso, mesmo quando parado, uma vez que se encontra sob ação de
forças e de contatos permanentemente.
109
Vimos acima que a natureza, do ponto de vista de Hobbes, obedece a uma
necessária relação causal. Em outras palavras, numa concepção de realidade constituída
e preenchida por matéria, nenhum evento independe de outro e tudo o que ocorre no
mundo foi causado por algum evento antecedente. É por esse motivo que podemos dizer
que todos os corpos se encontram vinculados, num equilíbrio de forças e contatos que
agem por todos os lados. Também como outro ponto conseqüente dessa perspectiva
temos que nenhuma ação é completamente livre, que todos os eventos dependem de
um anterior que o provoque. É interessante notar como estes pressupostos científicos
levam a considerações de ordem religiosa. No capítulo anterior
110
observamos que uma
implicação direta deste pensamento foi com relação ao livre-arbítrio. Ora, não causa
espanto percebermos que essa idéia não pode existir na perspectiva do filósofo, uma vez
que não há a possibilidade de escolha, em qualquer ato que seja. Nem mesmo o
discernimento humano escapa da necessidade que rege os fenômenos:
107
T. Hobbes. De Corpore. p. 109.
108
Para o filósofo, o tempo é o fantasma do movimento. T. Hobbes. De Corpore. p. 95; F. Brandt. Op cit.
p. 257.
109
T. Hobbes. De Corpore. p. 110; F. Brandt. Op cit. p. 261.
110
Capítulo 1. p. 10.
49
“tampouco é a liberdade de arbitrar ou não arbitrar maior no homem do que nas
outras criaturas [...] E portanto tal liberdade livre da necessidade não é
encontrada no arbítrio nem dos homens nem de quaisquer outros animais.”
111
De forma similar, não é estranho observar que essa posição não foi bem aceita
pela sociedade inglesa, em especial pelos eclesiásticos. Ora, se tudo ocorre devido a
uma ação anterior, não existiria a liberdade de escolher, apenas se está sujeito a um
efeito necessário àquela causa.
112
Ao defender sua posição, Hobbes se envolveu numa
famosa polêmica com o Bispo Bramhall (1594-1663) sobre o livre-arbítrio, período no
qual ele desenvolveu parte de sua visão determinística, não da natureza, mas também
da vida. Esta foi uma discussão que se iniciou em 1646 e que continuou por alguns
anos.
113
O autor do Leviatã defendia que um ato chamado voluntário é estritamente
determinado de acordo com o que o homem individualmente acredita ser de melhor
interesse para si, dentro da necessidade daquele momento,
114
ou seja, o ser humano não
poderia escolher além daquilo que estava estabelecido naquela circunstância. A partir
dessa posição é que ele “escolheria” o que melhor lhe aprazeria, aspecto com o qual
Bramhall discordava. Assim, Hobbes coloca a razão primeira do ato numa perspectiva
egoísta, o que levou o bispo a opinar que ele destruía a liberdade e desonrava a natureza
humana.
115
Lembremos que todo ato é derivado de um movimento inicial, primordial,
gerador daquilo que existe hoje. Dentro desse contexto, a posição de Hobbes sobre a
liberdade (ou falta dela) que cada um teria ao atuar em uma situação qualquer, levou
Bramhall à indignação:
“desculpe-me se eu odeio esta doutrina com um perfeito ódio, o que é tão
desonrável tanto para Deus como para o homem; o que faz homens blasfemarem
111
T. Hobbes. De Corpore. p. 409.
112
T. Hobbes. Leviatã. p. 180; F. Brandt. Op cit. p. 268.
113
S. I. Mintz. The Hunting of Leviathan. p. 110; R. J. Ribeiro. Ao Leitor sem Medo. p. 32.
50
sobre necessidade, roubarem da necessidade, pendurar-se da necessidade, e a
serem condenados pela necessidade [...] Seria melhor [...] acreditar em dois
deuses, um Deus do bem e um do mal; ou [...] acreditar em trinta mil Deuses:
isso [para não] acusar o verdadeiro Deus de ser a própria causa e o verdadeiro
autor de todos os pecados e maldades que estão neste mundo.”
116
Nesse sentido, como na concepção de mundo hobbesiana a origem de tudo foi
esse movimento inicial, conseqüentemente Deus o estaria impune da culpa de tudo
aquilo que fosse considerado pecado pelos eclesiásticos, que tudo o que ocorre hoje
foi causado naquele instante. Ora, para Bramhall este pensamento era extremamente
degradante, já que tornava Deus o causador de todo mal que atingia os homens na Terra.
Além disso, sem o livre-arbítrio os homens não teriam como refletir sobre o que é certo
ou errado, já que não havia como escolher entre essas alternativas. De certa forma a
possibilidade de escolha não existia; no limite, a opção já estava pré-determinada.
Assim, os ensinamentos da Igreja perderiam sua credibilidade, que não poderiam
mais guiar os fiéis como o faziam até então. Teríamos então uma falta de controle dos
fiéis, pois a igreja pregava visando manter seus fiéis longe do pecado, mas como agora
não haveria mais como escolher entre o caminho virtuoso e o pecaminoso não havia
mais motivo para que os fiéis ouvissem seus mandamentos, e assim, perderiam
confiança no que os clérigos diziam. E isso geraria diretamente uma postura de desprezo
pelos seus ensinamentos. Assim, percebemos que a teoria filosófico-científica proposta
por Hobbes teve sérios reflexos no âmbito religioso, propiciando o surgimento de
inimigos como o padre Bramhall.
117
114
S. I. Mintz. Op cit. p. 113.
115
S. I. Mintz. Op cit. p. 115.
116
J. Bramhall apud S. I. Mintz. Op cit. p. 115.
117
Outro caso que ficou conhecido pela implicação direta de suas idéias foi aquele que envolveu Henry
More (1614-1687). O ponto central desta discussão foi o materialismo que estruturava toda a filosofia
natural hobbesiana. A refutação de More aparece explicitamente em duas obras intituladas Antidote
51
Ao mesmo tempo em que defendia a plenitude do mundo, Hobbes demonstrava
como alguns argumentos usados pelos que defendiam a existência do vazio não
poderiam ser plausíveis. Em outras palavras, não poderiam ser utilizados como provas
“científicas” de conhecimento verdadeiro. Em um dos casos, ele questionou se seria
possível construir duas superfícies tão polidas e perfeitas que se fossem colocadas em
contato nem mesmo uma partícula poderia ficar entre elas como foi proposto por Boyle,
um exemplo de virtuoso, membro da Royal Society. Segundo o pensador:
“se eu devesse negar a possibilidade da arte humana de fazer as superfícies de
dois corpos rígidos se tocarem tão precisamente que nem a menor partícula
pudesse passar entre elas, então eu não vejo como essa hipótese possa ser
corretamente mantida, nem que nossa negação possa ser corretamente mostrada
como improvável.”
118
O filósofo alegava também que outras explicações dadas por Boyle como esta
acima a favor do vazio estavam mais próximas de sonhos do que de reais comprovações
dos fenômenos naturais.
119
Ora, podemos assumir que o tom de ironia também estava
direcionado à postura adotada pela própria Royal Society, e não somente por Boyle,
Against Atheism (1653) e The Immortality of the Soul (1659), onde ele defendia que as teorias propostas
por Hobbes possibilitavam o estabelecimento do ateísmo na sociedade, baseando-se em argumentos que
pressupunham a existência de Deus. More defendia o verdadeiro sentido de vida cristã, onde os valores
e os ensinamentos cristãos deveriam guiar as vidas dos homens. Para ele, entre outros dos platonistas de
Cambridge, a ciência natural era um vasto laboratório para confirmações de verdades religiosas. Além
disso, a ciência revelava suas limitações e finalmente a falta de comprovações cientificas para algum
fenômeno exigia explicações de âmbito religioso. Neste ponto More também não concordava com
Hobbes, pois, para este, uma das sementes da religião é a ignorância de causas secundárias, pois numa
concepção material, sempre uma causa anterior ao fenômeno que se está observando, ou seja, sempre
uma causa secundária. More, no entanto defendia que uma das causas do ateísmo é a ignorância da
insuficiência das causas secundárias. Essa insuficiência demanda explicações de âmbito religioso,
revelando a onipotência do Criador. Suas diferenças se davam justamente porque defendiam teorias da
matéria distintas. A mortalidade da alma, conseqüência direta da concepção hobbesiana, era algo que
More não podia permitir, e por esse motivo ele não tolerava a teoria defendida por Hobbes de que ela era
simplesmente uma qualidade de um corpo vivo, sem a aura espiritual que a religião lhe proporcionava.
Apesar da importância deste episódio e do interesse que gera, não é do âmbito da presente dissertação
aprofundar-se nele, que mereceria uma atenção especial. Pode-se encontrar maior detalhamento sobre
essa polêmica em S. I. Mintz. Op cit. p. 80.
118
T. Hobbes. De Corpore. p. 419.
119
S. Shapin & S. Schaffer. Leviathan and the Air-Pump. p . 125.
52
que esta sustentava o experimentalismo como o meio mais eficaz para desenvolver a
filosofia natural. O método experimental era visto pelos virtuosi em geral como a
metodologia ideal a ser adotada, que enfim os levaria ao conhecimento completo da
natureza. Esse era talvez um dos pontos de maior tensão com relação à perspectiva de
Hobbes. Para o autor do De Corpore, os dados obtidos por meio dos experimentos não
poderiam servir de base para construir uma filosofia, ou seja, não eram suficientes para
que se pudesse atingir o verdadeiro conhecimento. Mais a frente veremos qual seria
então para Hobbes a forma ideal de fazê-lo. Por ora basta que saibamos que esse foi um
ponto que estruturou grande parte das discussões que envolveram esses pensadores.
A visão de mundo pleno que Hobbes concebeu durante sua vida se construiu
sobre uma série de estudos de certos eventos a fim de comprovar sua veracidade. Um
dos casos estudados pelo filósofo foi o da luz, analisando fenômenos como a reflexão e
a refração, bastante usados nas suas explicações e considerações de um mundo pleno e
mecânico.
120
Como se pode perceber ao longo da obra do filósofo, ele escreve de uma
forma que remete ao caráter geométrico das demonstrações euclidianas, como
observamos na seguinte passagem, sobre as definições necessárias ao estudo dos
fenômenos luminosos:
“O ponto de incidência e de refração é B. A superfície de separação ou de
refração é DBE. A linha de incidência diretamente produzida é ABC. A
perpendicular à superfície de separação é BH. O ângulo de refração é CBF. O
ângulo refratado é HBF. O ângulo de inclinação é ABG ou HBC. O ângulo de
incidência é ABD.”
121
O filósofo utiliza a metodologia adotada pelos geômetras para estruturar seu raciocínio.
O método dedutivo que tanto o impressionou na obra de Euclides se torna a base para a
120
T. Hobbes. De Corpore. pp. 374-386.
53
formulação de suas teorias. Mesmo quando não trata de fenômenos naturalmente
geométricos, como no caso dos raios luminosos, ele trabalha com essa estrutura de
dedução. Hobbes, assim, elabora seu raciocínio por meio de uma metodologia
geométrica mesmo que se confirmem os resultados por meio de experimentos
posteriormente. Para o filósofo a experiência viria mais como ilustração para uma
determinada teoria formulada dedutivamente. Na citação acima podemos observar como
ele estabelece os dados da situação estudada de uma maneira essencialmente
matemática, de onde ele chegará a conclusões por meio do raciocínio lógico. Na
seguinte passagem também observamos características de dedução matemática:
”seja EF um barco flutuante na água ABCD; e seja a parte E acima da água e a
parte F embaixo da água. Eu digo, o peso de todo o corpo EF é igual ao peso da
água deslocada pela parte F [do barco]. Vendo que o peso EF forçou a água para
fora do espaço F [...] segue que a resistência da parte de baixo do barco terá um
esforço para cima. Segue também que esse esforço levanta o corpo EF [...]
seguindo as diferenças de momentos ou esforços [...]. Quando se tem um
equilíbrio entre os dois esforços; isso quer dizer, o peso do corpo EF é igual ao
peso da água deslocada pela parte F do corpo EF, que era o que se queria
mostrar.”
122
Temos aqui um problema físico em que os dados são estabelecidos pelo filósofo, a fim
de se chegar à explicação final do fenômeno usando o método geométrico e
demonstrativo de estruturação do raciocínio.
com relação à luz, o fenômeno de iluminação também era tratado como um
ato de movimento, apesar de instantâneo. Porém, a luz só se torna um fenômeno
121
Ibid. p. 375.
122
Ibid. p. 516.
54
objetivo em razão da movimentação das partículas envolvidas que a compõe.
123
Da
mesma forma, em outro momento, ao explicar a refração da luz, Hobbes atribui aos
raios de luz a propriedade de solidez. Portanto, através dos olhos do filósofo, o raio
luminoso tem três dimensões e é um corpo, se porta como um corpo. Assim, a luz
também é corpuscular, pois na sua concepção de movimento nada pode ter movimento
se não for corpóreo.
124
Isso se torna um ponto de sustentação à sua teoria de mundo
pleno; ou seja, ele utiliza esse tipo de demonstração para exatamente comprovar seu
ponto de vista materialista da realidade.
Assim, a teoria do meio pleno de Hobbes apresentava algumas vantagens, do seu
ponto de vista, para compreendermos como ocorrem alguns eventos físicos, como a
luminosidade, sua instantaneidade, outros fenômenos referentes à luz, entre outros tipos
de manifestações naturais. A nossa percepção do mundo poderia ser explicada pelo
filósofo a partir da seguinte maneira: num meio pleno, a interação entre dois corpos se
daria por meio de uma propagação de contatos sucessivos nesse meio completamente
cheio de matéria que preenche todo o mundo.
125
A pressão efetuada no meio, pelo
corpo, se encontraria eventualmente com o ser humano, pressionando seus órgãos dos
sentidos.
126
Um aspecto importante da concepção hobbesiana é que todo tipo de
percepção do homem também está baseado no movimento, ou seja, mesmo dentro do
ser humano é o movimento que comanda o seu funcionamento: o impacto, ou pressão,
exercidos nos órgãos dos sentidos externos são transferidos para os internos, por meio
de um processo de propagação.
127
Assim, a sensação é a movimentação das partes
internas do homem, ou nas próprias palavras do filósofo:
123
F. Brandt. Op cit. p. 109.
124
F. Brandt. Op cit. p. 110.
125
T. Hobbes. De Corpore. p. 390.
126
Ibid. p. 390.
127
Ibid. p. 334.
55
“a causa da sensação é o corpo exterior, ou objeto, que pressiona o órgão próprio
de cada sentido, seja de forma imediata, como no gosto e no tato, seja na forma
mediata, como na visão, no ouvido e no olfato; essa pressão, pela mediação dos
nervos e outras cordas e membranas do corpo, prolongada para dentro em
direção ao cérebro e ao coração, causa ali uma resistência, contrapressão, ou
esforço do coração, para se transmitir [...] e é a esta aparência ou ilusão que os
homens chamam sensação.”
128
Os sentidos são parte essencial da nossa percepção do mundo, e isso será um ponto
crucial no estudo da maneira como o homem deve produzir ciência, como veremos mais
à frente. Por ora, nos basta sua definição, ou seja, a sensação seria a reação, para fora,
do órgão de sentido em questão, causado pela ão, para dentro, causada pelo objeto
percebido.
129
O corpo agiria como meio pelo qual o movimento se propagaria dentro do
ser humano, estando em contato com o órgão que percebe toda perturbação vinda do
meio externo.
130
Assim, o movimento transmitido pelo meio chega aos nossos órgãos dos
sentidos causando um impacto, provocando algum tipo de sensação. Características dos
corpos, como a dureza (hardness) ou a maciez (softness) de um corpo específico,
também podem ser explicadas a partir dessa perspectiva.
131
No caso de um corpo mais
duro suas partículas cedem menos do que no caso de um corpo mais macio. Um outro
corpo que esteja interagindo com esses sente essa diferença e conclui qual é o mais duro
e o mais macio. De fato, a dureza, a maciez, ou qualquer que seja a propriedade de um
corpo é de caráter secundário. “Objetivo” nessa interação é somente o movimento já que
128
T. Hobbes. Leviatã. p. 15-16.
129
T. Hobbes. De Corpore. p. 391; F. Brandt. Op cit. p. 345.
130
F. Brandt. Op cit. p. 64.
131
T. Hobbes. De Corpore. p. 103 e p. 471.
56
ele é o responsável para que ocorra esse tipo de sensação.
132
Como vimos, a
concepção de matéria de Hobbes é ligada à sua concepção de movimento e as
propriedades de um corpo são funções do movimento que as caracterizam.
Conseqüentemente, outro ponto de grande relevância na questão da interação
entre os corpos e da estrutura do mundo é a definição de choque.
133
A cinética, campo
da ciência que estuda o movimento, passou a permear as teorias do autor do De Corpore
e em razão disso transparece em vários pontos da sua produção. Nesse sentido,
observamos que os órgãos dos sentidos humanos são uma superfície exposta a quaisquer
impactos e choques que estejam em sua direção. Afinal, a visão do mundo que o ser
humano possui vem exatamente desse contato com o mundo exterior. Hobbes expõe seu
lado sensitivo nesse aspecto que toda percepção do mundo é reflexo exatamente
desses impactos recebidos pelos sentidos. Então, apesar de defender que o método ideal
para desenvolver uma filosofia natural é o dedutivo matemático, ele parte do sensível,
ou seja, os sentidos são um passo anterior e inevitável à formulação de teorias que
pretendam compreender o universo. Do ponto de visto do filósofo, o método geométrico
demonstrativo é a maneira correta de se atingir o conhecimento. Ainda assim devemos
nos perguntar de que maneira é possível desenvolver teorias universais satisfatórias se
dependemos dos sentidos para formarmos nossa visão de mundo. Ora, os sentidos
podem ser considerados como o momento inicial da percepção do mundo, mas somente
a partir do nosso raciocínio que chegaremos de fato à construção de um conhecimento
com valor científico.
De acordo com Hobbes, podemos perceber um exemplo da existência de choque
entre corpos e de seu espalhamento no fenômeno da reflexão da luz.
134
Poderíamos
132
F. Brandt. Op cit. p. 112.
133
T. Hobbes. De Corpore. p. 211; F. Brandt. Op cit. p. 113.
134
T. Hobbes. De Corpore. p. 374; F. Brandt. Op cit. p. 115.
57
analisá-lo como a colisão de partículas sólidas com uma superfície fixa, e seu
conseqüente espalhamento. Pensando agora em qualquer fenômeno em que se tem o
espalhamento de corpos, ou seja, em qualquer tipo de colisão elástica e não elástica,
surge uma pergunta sobre como se daria a restituição do corpo (o que hoje conhecemos
por elasticidade) que colidiu com outro, imóvel. O filósofo explica essa questão da
seguinte maneira: os dois corpos sofrem uma pequena deformação que se reconstitui
logo após o contato, o que impulsiona o corpo de volta:
135
“um corpo, que é pressionado e não totalmente removido, é dito que se restaura
sozinho, quando, o corpo que o pressionou é retirado, as partes que foram
movidas, por causa da constituição interna do corpo pressionado, retornam cada
uma para seu devido lugar.”
136
Isso aconteceria nos casos ideais, mas observam-se também outros tipos de resultados.
Nessas situações outros fatores variáveis seriam considerados: por exemplo, a gravidade
que poderia alterar a velocidade ou a trajetória desse corpo, explicando a falta de
exatidão observada.
Pelo que vimos até aqui podemos afirmar que a filosofia natural de Hobbes
descreve os processos naturais tendo como fio condutor o movimento. O filósofo
salienta, porém, que nenhum movimento é inteligível se não for considerado no
tempo,
137
ou seja, o movimento é a contínua aquisição de um outro espaço, e privação
do anterior, na sua relação com o tempo. Assim, como vimos, as explicações dos
fenômenos naturais são feitas por meio de uma teoria mecânica puramente cinética,
138
baseando-se em dois dos princípios fundamentais de sua teoria, o movimento e o
135
Mesmo havendo opiniões diversas sobre suas explicações sobre a restituição dos corpos, houve aqui
um momento inicial do que depois viria a ser o estudo da elasticidade dos corpos, cf. F. Brandt. Op cit. p.
117. Sobre a restituição dos corpos ver também T. Hobbes. De Corpore. p. 478.
136
T. Hobbes. De Corpore. p. 211.
137
Ibid. p. 109.
138
F. Brandt. Op cit. p. 122.
58
choque, possibilitados pelo meio material que permeia o mundo.
139
A concepção de
realidade hobbesiana, então, não permite a existência do vazio.
Como da perspectiva do autor do De Corpore tudo é corpóreo, ele sempre negou
explicações de fenômenos ou doutrinas que considerassem substâncias incorpóreas
como parte existente da realidade. Por exemplo, Hobbes sempre rejeitou qualquer
concepção cartesiana de substância incorpórea, e ainda alegava que a idéia cartesiana de
matéria sutil era equivalente ao que o próprio Hobbes chamava de fluido, que permeava
sua concepção de plenum.
140
No capítulo anterior vimos que, para o filósofo, mesmo
que estejamos analisando somente a expressão ‘substância incorpórea’, temos uma
impossibilidade, pois se algo é substância não pode ser incorpóreo. Mesmo quando se
tratava de concepções de pensadores anteriores sobre o que seria o vazio e como ele
existia (ou não) no mundo, ele afirmou, numa carta a um amigo:
“[...] a teoria de Epicuro não me parece absurda, no sentido de que para mim ele
entende o vácuo. Porque eu acredito que o que ele chama de cuo, Descartes
chama de matéria sutil, e eu chamo de substância etérea extremamente pura.”
141
Neste sentido, observemos que Hobbes salienta que estão descrevendo a mesma
substância, mas de maneiras distintas, não representando nada além de um
desentendimento das definições de cada um dos pensadores. Paralelamente, ele
mostrou, contrariando os escolásticos, que a prova de sua existência ou de sua não-
existência não podia ser estabelecida por meio de discursos absurdos ou do uso
impróprio de palavras; era sua concepção mecânica de mundo que demandava um meio
fluido que não possuísse vacuidade. Esse era um fator necessário para que as
139
F. Brandt. Op cit. p. 128.
140
S. Shapin & S. Schaffer. Op cit. p . 84.
141
T. Hobbes. The Correspondence of Thomas Hobbes. p. 445.
59
explicações dadas pela sua teoria fossem plausíveis, para que seu sistema funcionasse e
pudesse ser provado dedutivamente.
142
Assim, ele não aceitava o tipo de prova que os
adeptos da existência do vazio ofereciam como suficientemente fortes para considerá-lo
como real.
Até certo ponto de sua vida Hobbes não foi oposto à idéia de vazio, mas não
tardou para que ele se tornasse adepto da teoria de um universo pleno.
143
Desta forma, o
funcionamento de mecanismos de pressão e choques que regiam o sistema proposto por
Hobbes eram possíveis com a existência desse fluido que permeava o mundo. E para
sustentar sua concepção da existência de um plenum, ele se apoiava num experimento
que, a seu ver, provava completamente que o vazio não existia.
144
A fim de verificar a
posição do filósofo, vejamos sucintamente esse experimento.
Num tubo com água que possui pequenos furos embaixo e uma tampa em cima,
pode-se observar que a água não sai enquanto a tampa está fechada, e que a água sai ao
se abrir essa tampa. Para Hobbes, a água não sai enquanto a tampa permanece fechada
pois não tem para onde ir. Assim, se todo o espaço está preenchido de matéria, a água
de dentro do tubo não pode sair, que o exterior do tubo já está cheio. Mas, se o vazio
existisse, a água poderia sair, passando para esse espaço que estaria vazio e que
permitiria que isso ocorresse, fluindo mesmo com a tampa fechada. No pressuposto de
realidade plena, a água só consegue sair quando a tampa abre, pois então entra a matéria
que estava no exterior para preencher o seu lugar. Numa carta ao seu amigo Samuel
Sorbière (1615-1670),
145
Hobbes explica esse experimento para esclarecer as dúvidas
suscitadas por este último. Para Sorbière, a visão plenista de Hobbes era bastante difícil
142
S. Shapin & S. Schaffer. Op cit. p . 88.
143
F. Brandt. Op cit. p. 253.
144
T. Hobbes. De Corpore. p. 414; F. Brandt. Op cit. p. 365.
145
Sorbière foi discípulo de Pierre Gassendi e conheceu Hobbes, em Paris, em 1645.
60
de assimilar e achava mais fácil explicar os fenômenos físicos por meio de um sistema
em que existisse um vazio interespaçado:
146
“para dizer a verdade, eu acho que esse seu plenismo leva, estranhamente, à
perplexidade e me parece mais fácil explicar o movimento e inúmeras mudanças
físicas através de vácuo interespaçado. Mas será seu trabalho remover todos
esses obstáculos para a verdade”.
147
Hobbes em resposta aniquila as dúvidas do amigo com a explicação desse experimento
refutando a proposta do outro.
148
Afinal, era uma determinada concepção de movimento
e de mundo pleno que permitia ao filósofo explicar as mudanças físicas que eram
observadas.
149
Vimos anteriormente que para o autor do Leviatã, o conceito de substância
incorpórea já era por si só um absurdo, um erro da linguagem; também era uma
impossibilidade da correta filosofia e um ponto “ideológico” de exploração por parte
dos eclesiásticos. Ora, Hobbes sempre utilizava as Escrituras para sustentar suas
posições e, nesse caso, não foi diferente. Como os homens do clero utilizavam o
conceito de alma incorpórea como estrutura básica de seus ensinamentos, Hobbes
buscou alguma explicação a fim de provar que não havia referências desse tipo na
Bíblia. Por fim, a falta de alguma passagem que definisse tanto que a alma, quanto que
os espíritos e os anjos, eram incorpóreos, o levou a responder que não havia
sustentáculo forte suficiente para tal defesa.
150
Além disso, a alma poderia ser atribuída
a todas as criaturas vivas e não existia fora do corpo, pois a alma para Hobbes era vista
como um movimento vital que existia nessas criaturas, ou seja, era uma qualidade do
146
T. Hobbes. The Correspondence of Thomas Hobbes. p. 438. Carta 114.
147
T. Hobbes. The Correspondence of Thomas Hobbes. p. 438. Carta 114.
148
T. Hobbes. The Correspondence of Thomas Hobbes. p. 444. Carta 117.
149
T. Hobbes. De Corpore. p. 126.
150
S. Shapin & S. Schaffer. Op cit. p . 92.
61
corpo vivo.
151
Anjos, por sua vez, existiriam fora dos corpos, mas não havia referência
de que fossem incorpóreos. Um ponto importante que também trouxe problemas para o
filósofo foi o fato de que ele dizia que na Bíblia não havia nenhuma garantia de que
Deus fosse uma entidade incorpórea, imaterial.
152
A concepção que o filósofo defendia
de um Deus material não era (não é) a comum entre os eclesiásticos e entre os cristãos.
Logicamente foram opiniões como esta que levaram Hobbes a figurar como uma pessoa
perigosa na sociedade, como um propagador do ateísmo. Essa visão tirava do Deus
cristão sua incompreensibilidade e seu poder, e remover sua autoridade foi tido como
uma profunda heresia. Se assim fosse, os homens do clero não teriam mais a
possibilidade de explicar certos fenômenos ou de justificar os mandamentos por meio de
milagres ou de punições divinas, que não existiria na população o medo do seu poder
inexplicável.
153
Lembremos que no âmbito metodológico Hobbes elabora definições a partir das
quais ele constrói seu sistema filosófico e sempre de forma dedutiva.
154
A física
hobbesiana era feita a partir de premissas em busca de uma explicação de causas
possíveis para algum fenômeno natural. Para ele, não havia riqueza na pura coleta de
resultados de experimentos e materiais para chegar a um conhecimento verdadeiro, ou
seja, o método a posteriori, ou indutivo, não conduziria a bons resultados. Inspirando-se
em Galileu Galilei (1564-1642) Hobbes adotou a noção de movimento, que se torna a
estrutura para seu mundo pleno.
155
O autor do De Corpore dizia que Galileu foi o
151
Aqui também percebemos que essa concepção de alma que Hobbes defendia provocou grande
oposição, que retirava dela sua imortalidade, tornando-a somente um aspecto do corpo vivo. Não cabe
nessa perspectiva exatamente aquilo em que os eclesiásticos e que muitos homens de ciência de seu
tempo acreditavam, ou seja, a crença de que a alma tivesse uma melhor vida pós-morte. G. H. R.
Parkinson. Op cit. p. 260.
152
T. Hobbes. Leviatã. p. 95.
153
S. I. Mintz. Op cit. p. 42.
154
F. Brandt. Op cit. p. 367.
155
F. Brandt. Op cit. p. 372.
62
primeiro a abrir os portões da filosofia natural universal, o que representava o
conhecimento da natureza do movimento.
156
Sua metodologia se assemelha em vários aspectos com aquela utilizada por
Galileu. Este pensador também criticava a idéia de que os experimentos sozinhos
gerariam teorias. Para ele as experiências deviam servir como ilustrações de teorias
anteriormente formuladas, e experimentadas por meio de “experimentos mentais”.
157
O laboratório não era a fonte geradora, mas sim, o ambiente de testes de uma teoria.
Galileu acreditava que a natureza estava estruturada de forma geométrica. A descoberta
dessa estrutura era uma tarefa de análise matemática e confirmação empírica.
158
Para o
pensador italiano, o homem não seria capaz de conhecer a natureza sem antes abandonar
a proposta de conhecer o universo todo de uma vez. Desta forma, o objetivo para
Galileu era acima de tudo estudar fenômenos isolados, aspectos “menores” da natureza,
num esforço mais modesto de compreender o funcionamento de diferentes partes sem a
espera de um entendimento global.
159
O filósofo era bastante radical, com relação ao
método matemático, acreditando ser somente por meio dele que se poderia alcançar e
compreender os fenômenos da natureza. Ele utilizava prioritariamente o método
geométrico-dedutivo e empregava experimentos mentais preferencialmente aos de
fato;
160
ou seja, o pensador acreditava que ao dominar a linguagem matemática, os
homens poderiam contemplar a natureza por meio de experimentos formulados
mentalmente, não havendo a necessidade de utilizar experimentos reais. Estes por sua
vez, serviriam como ilustração para alguma teoria que foi formulada no âmbito
156
F. Brandt. Op cit. p. 376.
157
Um exemplo de experimento mental é aquele no qual Galileu prova que corpos de pesos diferentes
caem com a mesma velocidade da mesma altura. Apesar de nunca ter feito um experimento que o
provasse, ele o fez apenas com demonstrações matemáticas. W. R. Shea. Galileo’s Intellectual
Revolution. p. 93.
158
W. R. Shea. Op cit. p. 90.
159
W. R. Shea. Op cit. p. 91.
160
W. R. Shea. Op cit. p. 63.
63
“mental”, seja ela confirmada ou refutada. A matemática era então o instrumento
privilegiado para análise dos corpos, tanto no seu estudo na terra quanto nos céus. Como
para Galileu a natureza estava escrita na linguagem matemática, sem um modelo
geométrico a estrutura do mundo permaneceria confusa.
161
Ele lamentava o fato de que
enquanto a geometria fornecia aos homens um método para observar a natureza, os
escolásticos cobriam seus olhos e seguiam Aristóteles.
162
Assim, a “novidade” trazida
por Galileu quando comparado a muitos de seus contemporâneos era mais sua confiança
na matemática do que sua atitude perante os experimentos.
163
A abordagem matemática
era para o filósofo mais frutífera que a experimental, principalmente quando esta última
era utilizada sozinha.
Pudemos notar até aqui que Hobbes também não concordava com a completa
confiança em experimentos feitos sem um corpus teórico anteriormente desenvolvido.
Observamos também que a ciência para o filósofo deve ser formulada por meio do
raciocínio e que os experimentos surgem como apoio para sua sustentação. A
importância do método geométrico-demonstrativo para a construção das ciências era
enfatizada por Hobbes que via na filosofia natural um importante aliado na prosperidade
de uma sociedade. Para ele não haveria mais a mistura escolástica confusa de e de
conhecimento.
164
As leis referentes a Deus seriam explicadas pela religião enquanto as
referentes aos fenômenos físicos seriam estudadas pela filosofia natural. Esta última
para Hobbes, por sua vez, tem papel estrutural para a sociedade. A paz de uma
república, ele acreditava, deveria ter como base uma boa organização das ciências, de
modo que o ensino seria elaborado visando o bem da população.
165
Mas para tanto, seria
161
W. R. Shea. Op cit. p. 58.
162
W. R. Shea. Op cit. p. 34.
163
W. R. Shea. Op cit. p. 11.
164
F. Brandt. Op cit. p. 374.
165
T. Sorell. “Hobbes’s scheme of the sciences”, in T. Sorell, ed., The Cambridge Companion to Hobbes,
p. 45.
64
necessário analisar o que seria de fato ciência, ou filosofia natural, e o que seria válido
como conhecimento científico. A religião não ficaria de fora, mas a teologia sim, que
a teologia, para Hobbes, não possui status filosófico, pois ela não possuiria um objeto de
estudo que poderia ser abordado cientificamente, uma vez que Deus é visto como
eterno, imutável e não causado. Desta forma a autoridade moral dos eclesiásticos estaria
em questão, e sua autoridade intelectual seria negada, uma vez que, para ele, a doutrina
de como louvar a Deus não podia ser ensinada por uma instituição. Hobbes acreditava
que, na sociedade em que ele vivia, esse poder excessivo nas mãos dos integrantes do
clero, que ditavam os costumes que a população deveria seguir, tirava a autoridade do
monarca, e era o ponto mais relevante e crucial e assim possivelmente teria levado a
Inglaterra à guerra civil.
Notamos que o conhecimento, portanto, possui um papel estrutural na sociedade
concebida por Hobbes. Se assim for, vejamos como o pensador o entende e como ele
desenvolve uma lógica sobre sua formação. A percepção é o ponto de partida para o
conhecimento, mas os conceitos, as proposições e as conclusões que um homem pode
alcançar por meio do raciocínio é que produzem, de fato, o conhecimento científico.
166
Para o filósofo, “a física” como ciência “tem seus princípios nas aparências da natureza,
e se encerra na aquisição de algum conhecimento das causas naturais”.
167
Mas o
conhecimento confiável é aquele produzido pela racionalidade humana. Assim, a
ciência, ou a nova filosofia natural, teria validade se alcançasse uma abrangência dos
fenômenos físicos, ou seja, se fosse baseada em leis gerais da natureza. Assim, ela
deveria começar a partir de conceitos universais, definidos após a percepção do mundo,
e dessa forma Hobbes criou suas teorias partindo de princípios que ele considerava
166
F. Brandt. Op cit. p. 362.
167
T. Hobbes. De Corpore. p. 388.
65
como a base para todo o conhecimento. A partir de suas definições ele, dedutivamente,
chegaria numa ciência consistente e aplicável à sociedade.
Ora, a razão humana é capaz de construir uma filosofia graças à estrutura de
pensamento que, por sua vez, pode ser formado em razão dos nomes.
168
Percebemos
então que a questão da linguagem é para o filósofo de fundamental importância para
compreendermos como podemos construir uma teoria usando a razão. A função dos
nomes e como funciona o raciocínio humano é um ponto estrutural para uma
compreensão mais completa da filosofia hobbesiana. Os pensamentos, para ele, são
fluidos e os nomes são sons forjados pelo arbítrio do homem com a finalidade de
suscitar um pensamento na mente, similar a um já passado:
169
“quão inconstantes e decadentes são os pensamentos dos homens, e quanto à
recuperação deles depende da sorte [circunstância], não ninguém que não
saiba por própria experiência infalível. Pois nenhum homem é capaz de lembrar
quantidades sem sensíveis e presentes medidas, ou cores sem sensíveis e
presentes padrões [...] Assim qualquer homem que una em sua mente por meio
do raciocínio sem algum tipo de ajuda, lhe vai escapar, e não será recuperável a
não ser pelo recomeço do raciocínio. Daí segue que para a aquisição da filosofia
alguns [sinais] são necessários, pelos quais nossos pensamentos passados não
são recuperados mas também registrados cada um em sua ordem. Esses [sinais]
eu chamo de MARCAS.”
170
Os nomes não mostram a essência das coisas, apenas atribuem significados aos
vocábulos. Raciocinar significa conectar ou desconectar nomes ou proposições
formadas por nomes, conforme regras fixadas por convenção. “Raciocinar”, diz Hobbes,
168
Ibid. p. 16.
169
Ibid. p. 13.
170
Ibid. pp. 13-14.
66
é “calcular, computar”.
171
Os vocábulos são representações das coisas que percebemos
no mundo, e são as ferramentas que nos permitem construir conhecimento.
Observaremos a seguir que os conhecimentos podem ser diversos e analisaremos qual é
mais valorizado pelo filósofo.
Hobbes demarca uma divisão entre dois tipos de conhecimento: o conhecimento
empírico (experimental) e o filosófico (lógico-dedutivo).
172
O conhecimento empírico
não poderia ser considerado como base para o conhecimento confiável já que era
adquirido predominantemente por meio dos sentidos e assim não garantiria nenhuma
universalidade aos fenômenos observados. Esse tipo de conhecimento depende tanto
dos sentidos como da memória. O fato de depender da memória também diminui sua
credibilidade pois estaria estruturado sobre algo que nada mais seria do que fantasmas
desgastados pelo tempo, de fenômenos que ocorreram anteriormente.
173
E os sentidos
por sua vez são a “memória que permanece por algum tempo de corpos sensíveis,
apesar destes terem passado”.
174
Já o conhecimento filosófico estaria mais próximo
do ideal, uma vez que é elaborado pela nossa razão. Afinal, o conhecimento científico
depende de proposições e conclusões e isso pode derivar do conhecimento filosófico
construído pelo raciocínio.
175
E a filosofia para ele é “aquele conhecimento dos efeitos
ou aparências, que adquirimos por meio do real raciocínio do conhecimento que temos
primeiramente de suas causas ou gerações”.
176
Conhecer para ele é conhecer a causa e
não os efeitos, ou seja, ele valoriza o conhecimento obtido a priori (das causas para os
efeitos) e não aquele obtido a posteriori (dos efeitos para as causas).
171
Ibid. p. 3.
172
F. Brandt. Op cit. p. 220.
173
T. Hobbes. De Corpore. p. 398.
174
Ibid. p. 389.
175
F. Brandt. Op cit. p. 221.
176
T. Hobbes. De Corpore. p. 3.
67
Assim, Hobbes acreditava que os dois conhecimentos se distinguiriam da
seguinte forma: o primeiro seria baseado nos sentidos e na observação de experimentos,
ou seja, no conhecimento original, e na sua lembrança; o segundo, se basearia na
percepção da realidade, no entendimento de proposições formuladas por meio do
raciocínio. O registro do primeiro tipo de conhecimento se tornaria conhecido como
História, e o do segundo como Ciência.
177
A partir do ponto de vista do filósofo, um
“experimento” pode ser considerado como a lembrança de uma sucessão de
acontecimentos, ou então, de um antecedente e de um conseqüente. A “experiência”
seria composta por uma série de experimentos desse tipo, o que, no limite, representaria
lembranças de que antecedentes foram seguidos por conseqüentes.
178
Se um homem
observa que para um determinado antecedente obtêm sempre o mesmo conseqüente, ele
espera que na próxima vez em que vir aquele antecedente, ele será necessariamente
acompanhado pela mesma conseqüência. O que torna esse tipo de conhecimento um
erro, diz Hobbes, é considerar que após uma série de observações do mesmo tipo, o ser
humano adquire sabedoria a partir de seus resultados, ou seja, cria uma ciência. Mas,
isso nunca poderia ocorrer que esse tipo de experiência não gera conclusões
universais e não atinge o conhecimento da causa propriamente dita. Se os mesmos
resultados são obtidos vinte vezes, isso não significava, para ele, que na vigésima
primeira observação o resultado acompanharia as expectativas. Não se pode atingir uma
certeza universal se nos basearmos somente em dados desse tipo. No limite, o
experimentalismo ou o estudo a partir dos efeitos para se chegar a uma causa, traria sim
um tipo de conhecimento para o homem, porém nunca seria uma forma correta de
estudo da natureza, já que não traz a certeza necessária para que se construa uma
177
F. Brandt. Op cit. p. 221.
178
F. Brandt. Op cit. p. 222.
68
estrutura firme de sabedoria.
179
a ciência, como seria estabelecida a partir de
deduções, ou seja, partindo da causas para chegar aos efeitos, era o tipo de
conhecimento verdadeiro:
“enquanto a sensação e a memória apenas são conhecimento de fato, o que é
uma coisa passada e irrevogável, a ciência é o conhecimento das conseqüências,
e a dependência de um fato em relação a outro [...] quando vemos como algo
acontece, devido a que causas, e de que maneira, quando causas semelhantes
estiverem sob nosso poder saberemos como fazê-las produzir os mesmos
efeitos”.
180
Para os virtuosi, a visão da natureza e de ciência era outra. Para eles, o
conhecimento se construiria sim se baseando em experimentos. A partir dos efeitos e
resultados obtidos, eles chegariam a regras ou leis gerais que descrevessem as
observações feitas; ou seja, eles defendiam exatamente uma metodologia que, para
Hobbes, era como conhecimento errôneo e fraco. Ainda assim, esse foi um período em
que o experimentalismo na Inglaterra não se desenvolveu como foi tomado como
base privilegiada para os estudos dos fenômenos naturais pelos membros da Royal
Society. Essa diferença de metodologias tornou incompatíveis as concepções de ciência
propostas pelos filósofos em questão.
181
Ora, se nós somos capazes de raciocinar e formular pensamentos utilizando
somente palavras, Hobbes acreditava que os nomes constituíam uma parte de
considerável importância no desenvolvimento da filosofia, apesar de falhas no
entendimento de seu real papel. Na verdade, ele deixa claro que os nomes são como
marcas, criadas e instituídas pelo próprio ser humano, e que seu significado nada mais
179
A palavra wisdom do inglês não possui uma tradução completamente fiel ao seu significado real. Aqui
optamos pelo vocábulo ‘sabedoria’ como um aproximado do seu equivalente em inglês.
180
T. Hobbes. Leviatã. p. 44.
69
contém do que o estabelecido pelo homem.
182
As palavras não são conceitos por si só,
mas simplesmente uma forma primitiva de comunicação, estabelecidas por meio de
convenções. Assim, cada palavra, e conseqüentemente cada proposição feita de
palavras, seria uma maneira de recuperar mentalmente o que ela está representando para
então elaborarmos uma linha de pensamento utilizando a linguagem. Desta forma, o que
o filósofo mostra é que o significado que elas suportam permite o desenvolvimento de
teorias e da própria ciência. Nós arbitrariamente determinamos nomes para representar
as coisas para que possamos recuperá-las na nossa mente, ou seja, utilizamos um
processo associativo por meio das palavras e nomes.
183
Assim, é essa capacidade de
associar as coisas externas a algum pensamento e a de formular teorias e leis a partir
dela que nos permite estruturar a ciência. Para Hobbes, a linguagem permite que
possamos formalizar nosso raciocínio:
“um nome é uma palavra tomada a esmo para servir como marca, que suscite em
nossa mente um pensamento como um que tivemos anteriormente, e que se
pronunciado a outros, possa ser para estes um sinal de qual pensamento o que
pronunciou tinha, ou não em sua mente.”
184
A questão da linguagem na filosofia hobbesiana é de grande importância como
podemos notar e ele acreditava que para se fazer ciência deveríamos utilizar nomes que
representam uma gama universal de coisas.
185
Ele diz que somente alguns nomes podem
ser universais:
“e desta forma essa palavra universal nunca é o nome de alguma coisa existente
na natureza, nem de uma idéia ou fantasma formados na mente, mas sempre o
nome de alguma palavra ou nome; portanto quando uma criatura viva, uma
181
No capítulo 3 abordaremos a questão da diferença de metodologias adotadas por esses pensadores.
182
T. Hobbes. De Corpore. pp. 14-15; F. Brandt. Op cit. p. 224.
183
F. Brandt. Op cit. p. 224.
70
pedra, um espírito, ou qualquer outra coisa é dita universal, não se deve
compreender que qualquer homem, pedra etc foram ou são universais mas que
essas palavras criatura viva, pedra etc são nomes universais, ou seja nomes
comuns a muitas coisas”.
186
São esses nomes que permitem a construção do conhecimento e conseqüentemente a
ciência.
187
Mesmo assim, nós só temos a noção de que a idéia de alguma coisa é
universal, porém a “coisa em si” nunca o é. Por exemplo, se imaginamos um homem,
temos em mente um universal do que poderia ser um homem, podendo pensar em
qualquer variação possível no gênero.
188
Mas um homem específico jamais pode ser
considerado como universal que não abrange todos os homens existentes. Portanto,
nada pode ser universal senão os nomes, e é a partir deles que se pode construir a
ciência, já que nós podemos pensar somente o universal. O raciocínio é construído a
partir de proposições de universais, a partir de nomes.
“Alguns dos nomes são próprios e singulares a uma só coisa, como Pedro, João,
este homem, esta árvore; e alguns são comuns a muitas coisas, como homem,
cavalo, árvore, cada um dos quais, apesar de ser um nome, é contudo o nome
de várias coisas particulares, cujo conjunto se denomina um universal, nada
havendo no mundo universal além de nomes, pois as coisas nomeadas são, cada
uma delas, individuais e singulares”.
E Hobbes continua:
184
T. Hobbes. De Corpore. p. 16.
185
Ibid. p. 20.
186
Ibid. p. 20.
187
Um tema que possibilitaria um estudo profundo e que foge ao âmbito desta dissertação é a discussão
sobre a relação causal que já estaria intrínseca na linguagem, do modo como Hobbes a explora. Por
exemplo, uma frase construída logicamente definiria a causação do seu significado. Explorar de que
maneira a epistemologia do autor do Leviatã estaria refletida em sua própria linguagem mereceria uma
atenção especial, possivelmente num trabalho futuro.
188
T. Hobbes.De Corpore. p. 20; F. Brandt. Op cit. p. 231.
71
“Impõe-se um nome universal a muitas coisas, por sua semelhança em alguma
qualidade, ou outro acidente; além disso, enquanto o nome próprio relembra
uma coisa apenas, os universais recordam qualquer dessas muitas coisas”.
189
Assim, vemos que a ciência do filósofo se constrói sobre universais e eles só
existem por causa da linguagem humana. Lembremos que a ciência, para Hobbes, tem
um lugar importante na prosperidade da sociedade. Por esse motivo, toda a sociedade
hobbesiana se baseia sobre a ciência. Logo, existe uma ligação forte entre a elaboração
das ciências e a estruturação de uma sociedade. Assim, quanto mais a ciência estiver
desenvolvida, mais próspera estará tal sociedade que se basear nela. Podemos, então,
entender a relevância de utilizar a ciência como fundamento para a estrutura de uma
sociedade.
Para continuarmos a análise da concepção de ciência hobbesiana, abordaremos a
seguir aspectos de sua metodologia e veremos, aliás, que as diferentes metodologias
adotadas por Hobbes e pelos membros da Royal Society os puseram em lados opostos
de uma polêmica. Como os membros da Royal Society viam as idéias “subversivas” de
Hobbes e de que maneira reagiram a elas também setema do próximo capítulo. Os
virtuosi encontraram na experimentação o meio privilegiado para atingir a verdadeira
ciência, para se aproximarem do real conhecimento do mundo. Por outro lado, apesar de
Hobbes assumir os sentidos humanos como passo importante para adquirirmos
conhecimento, deve-se antes de mais nada usar a razão e a nossa capacidade racional
para elaborar uma filosofia de uma maneira dedutiva. Para ele, o dever do filósofo
natural era o de se aproximar o máximo possível aos produtos de um geômetra e mesmo
não podendo atingir a certeza completamente, estará mais próximo do conhecimento
correto do que os escolásticos ou os experimentalistas. Os escolásticos pecavam por
189
T. Hobbes. Leviatã. p. 32.
72
basear sua filosofia em discursos absurdos e ontologias impossíveis enquanto os
experimentalistas falhavam ao confundir o que seria filosofia natural e história natural.
Nesse sentido, pudemos perceber que era da opinião de Hobbes que a
metodologia adotada pelos virtuosi para atingir o conhecimento partindo de
experiências não era suficiente para elaborar uma ciência.
190
No próximo capítulo
iremos, mais detalhadamente, estudar o método experimental adotado pelos membros da
Royal Society e contrapô-lo ao matemático-dedutivo escolhido por Hobbes como meio
ideal de produzir ciência, para compreendermos enfim o papel do filósofo no panorama
daquela sociedade. Também iremos abordar aspectos mais específicos da Royal Society
e quais as posições adotadas por alguns dos seus membros com relação a Hobbes,
relevando de que maneira ele era visto e se era, de fato, considerado um inimigo.
190
S. Shapin & S. Schaffer. Op cit. p. 151.
73
Capítulo 3 – O ateu ‘excomungado’ pelos membros da Royal Society
A metodologia experimental de abordagem da natureza adotada pela maioria dos
membros da Royal Society era considerada por Hobbes como inadequada para alcançar
o verdadeiro conhecimento. O filósofo acreditava, como vimos, que o método ideal na
busca pelo conhecimento era aquele que possuía uma base lógica e dedutiva já que, para
ele, o conhecimento deveria ser alcançado pelo uso exclusivo da razão, ou seja, por
meio do raciocínio matemático. Na sua perspectiva, a linguagem da geometria era
lúcida, livre de confusões verbais, e portanto, era o que ele deveria utilizar também na
formulação de suas teorias não matemáticas.
191
Assim, a matemática estruturava suas
teorias permitindo fazê-lo de forma que possuíssem, acima de tudo, um caráter lógico.
Entretanto, grande parte dos membros da Royal Society, os virtuosi,
192
acreditava na
eficácia do método experimental, enfatizando que por meio de tais resultados poderiam
obter o “sucesso” na busca pela verdade. Desta forma, observamos que essa diferença
de metodologias não era uma simples divergência de opinião, ela foi ponto de partida
para rias discussões referentes ao mundo, à ciência, à sociedade e à religião. É nosso
191
S. I. Mintz. The Hunting of Leviathan. p. 7.
192
R. S. Westfall. Science and Religion in Seventeenth-Century England. Veremos a seguir quem eram os
virtuosi.
74
objetivo explicitar no presente capítulo a metodologia adotada pelos membros da Royal
Society e abordar as principais diferenças entre esta e aquela adotada por Hobbes para
podermos, enfim, comparar os dois lados da discussão e analisar os motivos que
causaram tais polêmicas.
Lembremos que o século XVII foi um período em que a Inglaterra se encontrava
numa cena bastante conturbada, em ebulição tanto nos aspectos sociais quanto nos da
filosofia natural.
193
As descobertas no campo do conhecimento se multiplicavam assim
como os métodos de abordagem da natureza. Nesse sentido, notamos um grande número
de homens interessados na nova filosofia natural e isso conduzia, aos poucos, por toda
Europa à formação de sociedades e grupos de homens de ciência que visavam trabalhar
juntos para tentar entender a natureza de maneira mais completa.
194
Num caso em
especial, um grupo de pesquisadores ingleses, os virtuosi, formou uma sociedade que se
auto-intitulou Royal Society.
195
Observamos anteriormente que a filosofia natural
desenvolvida por esse grupo tinha como fio condutor o método experimental que depois
veio a tornar-se uma das metodologias predominantes do que hoje conhecemos por
ciência moderna. Entretanto, essa metodologia não coincidia com aquela defendida, por
exemplo, por Thomas Hobbes que, como vimos, partia de um pressuposto distinto do
que era conhecimento.
196
De fato, as maneiras como cada um considerava que deveria
ser desenvolvida a “verdadeira” filosofia diferiam, o que acabou por gerar algumas
polêmicas entre o autor do Leviatã e alguns dos membros da Royal Society, em especial
Robert Boyle (1627-1691) e John Wallis (1616-1703), que foram dois entre os filósofos
naturais de presença marcante que estiveram relacionados com a Royal Society.
193
Cf. Introdução.
194
Por exemplo, na Inglaterra, houve, entre outros grupos, o de 1645 e o Invisible College nos quais
estavam John Wallis e Robert Boyle, respectivamente. Estes entre outros filósofos naturais foram os
responsáveis pela fundação da Royal Society (1662), cf. C. Webster. The Great Instauration.
195
C. Webster. Op cit. p. 88.
196
Cf. Capítulo 2.
75
Os virtuosi, fundadores da Royal Society, eram homens de ciência
extremamente religiosos que tinham interesse nas ciências e as investigavam com a
finalidade de se aproximar do entendimento dos fenômenos naturais. Partindo do
pressuposto que a religião e a ciência devem ser considerados aspectos de uma mesma
realidade, podemos verificar que os experimentos dos virtuosi também eram uma
maneira de se aproximar da obra de Deus, pois conhecendo a natureza - a Obra - nos
aproximamos do seu Autor. Afinal, o virtuoso era primeiramente cristão, depois
virtuoso.
197
Assim, a ordem e a harmonia que identificavam na natureza justificava a
“pesquisa científica”, que revelava a grandiosidade e benevolência de seu Criador.
Por sua vez, a nova ciência ampliaria o conhecimento dos ingleses, e com auxílio do
experimentalismo, aumentaria seu domínio sobre a obra de Deus. Segundo Thomas
Sprat (1635-1713), autor do History of the Royal Society of London (1667):
“eles [os virtuosi] lidam com nada além do Divino, somente com o Poder, e
Sabedoria, e Bondade do Criador, que estão dispostos em ordem admirável [...].
Não pode ser negado que está nas mãos do Filósofo Natural melhor avançar
nessa parte da Divindade [...]. Esta é uma Religião, que é confirmada por acordo
de todas as Adorações, e que possa servir à Cristandade.”
198
Nesse sentido, o cristão virtuoso buscava a conquista do conhecimento, por meio
da experimentação, sendo que uma das principais finalidades, segundo a proposta
baconiana de conhecimento, seria a melhoria do bem-estar da humanidade,
199
que o
bem da sociedade como um todo era um dos objetivos visados por eles: “o alvo é menos
o conhecimento das coisas em si mesmas e mais a transformação de alguns
197
R. S. Westfall. Op cit. p. 49; L. Zaterka. A Filosofia Experimental na Inglaterra do Século XVII:
Francis Bacon e Robert Boyle. Capítulos 1 e 3.
198
T. Sprat. The History of the Royal Society of London. p. 82.
199
T. Sprat. Op cit. p. 63.
76
conhecimentos em poderes humanos”.
200
Por outro lado, para o cristão virtuoso o
trabalho científico, sistemático e continuado, se tornou um valor religioso, que
comprovava a veracidade de suas crenças.
201
Afinal, eram essas crenças que, em parte,
os conduziam ao estudo dos fenômenos naturais. Tendo como fio condutor o ethos
protestante, eles acreditavam que o trabalho, especialmente o trabalho científico, além
de afastar os homens da tentação, contribuiria para o bem público e para a glorificação
de Deus.
202
E para atingir tal objetivo nada melhor que a observação e a experimentação
dos fenômenos naturais. Para verificarmos os motivos pelos quais os membros da Royal
Society utilizavam predominantemente o método experimental (indutivo), tomemos a
perspectiva de Robert Boyle. Para o autor do Químico Cético, devemos nos aproximar
da natureza por meio de experimentos, que não é possível conhecer diretamente a
origem dos fenômenos, ou seja, seu Criador. Assim não é possível atingir o
conhecimento diretamente, isto é, a priori e a partir dele analisar dedutivamente a obra
de Deus. Portanto não existe a possibilidade de conhecer a natureza por meio do método
dedutivo e lógico e, assim, a explicação dos fenômenos naturais pode ocorrer por
meio do método indutivo e experimental, a posteriori (dos efeitos para as causas).
Assim, parece que o lugar privilegiado do método experimental adotado pelos membros
da Royal Society tem como causa aspectos teológicos: a cada nova descoberta, a cada
novo experimento, o homem de ciência se aproxima de seu Criador. Ora, o
conhecimento obtido por meio de experimentos atinge aspectos singulares da natureza e
assim, no limite, aproxima cada virtuoso de Deus. Aqui o objetivo maior a ser
alcançado é atingir a causa primária por meio das causas secundárias e a
experimentação permite tal caminho a posteriori.
200
F. Bacon apud L. Zaterka. Op cit. p. 135.
201
L. Zaterka.Op cit. p. 31.
202
L. Zaterka. Op cit. p.42.
77
A formação de sociedades com esse interesse em comum foi uma forma de
organização para que se pudessem tornar suas descobertas sobre os fenômenos naturais
disponíveis a todos os homens. Porém, sabemos que a formação desses grupos de
pensadores nunca se de forma simples e sempre há uma série de etapas que levam ao
que se conhece como uma sociedade ou grupo propriamente dito. No caso da Royal
Society, sua data de fundação não é tão evidente, apesar de termos o ano de 1662 como
marco oficial.
203
Na verdade seus fundadores participavam anteriormente de outros
grupos de estudiosos. Observemos, por exemplo, John Wallis que fazia parte do Grupo
de 1645 e Robert Boyle que era membro do Invisible College (Colégio Invisível).
204
Este último possuía esse nome peculiar não pela possível descrição de sua sede ou algo
do nero, mas sim pela distância existente de seus membros, de modo que a
comunicação entre os pesquisadores era predominantemente por meio de cartas. A
Royal Society, na época de sua formação, era um grupo pequeno que se encontrava
esporadicamente para que se discutissem temas como as últimas descobertas, avanços
dos próprios homens de ciência ou mesmo sobre os custos de alguns experimentos, além
de se definirem as próximas experiências, inclusive públicas, a serem executadas.
Entretanto, a rápida consolidação de sua formação nos indica que provavelmente a base
da Royal Society já estivesse estruturada antes de sua oficialização.
205
Lembremos ainda
que na época da fundação da Royal Society, tanto aspectos religiosos como políticos
estavam em ebulição na Inglaterra e foram fundamentais e mesmo definidores da
maneira como a própria Royal Society se formou.
Como vimos, a metodologia adotada pelos membros da Royal Society foi
privilegiadamente a experimental e a figura que ficou conhecida como “fundadora”
203
C. Hill. O mundo de ponta-cabça. p. 286.
204
C. Webster. Op cit. pp. 54-61.
78
desse método, defendendo acima de tudo a observação e a experimentação dos
fenômenos da natureza, foi a do filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626). Para o autor
do Novum Organum, o homem deveria ser visto como “ministro e intérprete da
natureza”,
206
ou seja, deveria organizar e sistematizar os dados obtidos pelas
observações além de utilizar tais resultados para o bem da humanidade; assim, o ideal
científico em que acreditava se dava por meio do poder e da ação do homem sobre a
natureza. Porém, não adiantava se direcionar à natureza sem ordem, sem ter refletido
sobre aquilo que se ia pesquisar, uma vez que os experimentos deveriam ser repetitivos
com uma clara finalidade. É por isso que ele afirma que a experiência devia ser
“ordenada e medida, nunca vaga e errática”.
207
Naquele momento, acreditava-se que o
homem havia perdido, com o pecado original, o conhecimento da natureza e do poder
divino. Assim, o domínio que ele busca ao tentar compreender a natureza é exatamente
a restauração desse conhecimento, e uma conseqüente maior aproximação de Deus.
208
Antes da Queda, o homem era dotado de bondade divina, estado este que se perdeu
juntamente com sua imortalidade e permanência, tornando-o um ser corruptível e
imperfeito. Desta forma, agora o homem estaria submetido ao sofrimento da doença, do
envelhecimento e da morte, em razão do seu pecado. Também com essa perda o que se
criou foi um abismo entre o homem e o mundo, este último se tornando
incompreensível a ele. Para Bacon, a verdadeira finalidade do conhecimento,
possibilitada pela nova filosofia natural, era a restauração e restituição desse estágio
originário. Assim, todos os fenômenos e operações da natureza deveriam ser
reconquistados para que se chegasse a esse estado primeiro. Ora, nada melhor que o
205
De fato, a questão sobre as origens da Royal Society levaria a um estudo mais extenso que foge do
âmbito desta dissertação. C. Webster. Op cit. p. 88.
206
F. Bacon. Novum Organum. I, I.
207
F. Bacon. Op cit. I, LXXXII.
208
L. Zaterka. Op cit. p. 96.
79
trabalho, e portanto também o trabalho científico, para atingir resultados úteis para a
sociedade humana. Assim, a crítica ao ócio é manifesta.
209
Um equívoco que pode ser cometido pelo homem, nos alerta Bacon, é que não
se pode confundir o conhecimento de Deus (a Obra de Deus) com nossa adoração pelo
ser supremo (a palavra de Deus); ou seja, mesmo dominando-se a natureza e seus
mecanismos, não se pode obter efetivamente um conhecimento de Deus. Notamos que
desta forma a teologia não se confunde com a filosofia natural, apesar de em certo
aspecto a primeira se comportar como gerador dos objetivos da segunda.
210
O homem
deve sempre manter em mente que toda a obra reflete o poder e habilidade do artífice,
mas não sua imagem.
Bacon na esteira de toda uma corrente de artesãos, de artífices, de químicos,
enfim, de homens “práticos”, criticava a visão de que a ciência era predominantemente
contemplativa. Sabemos que antes de Bacon existia a chamada experimentação da
natureza, porém Bacon sistematizou-a e foi seu porta-voz. Para ele, o ser humano tinha
como objetivo alterar e assim forçar a natureza a fazer aquilo que sozinha não teria
forças de fazê-lo.
211
Nesse sentido, ele acreditava que os defensores da filosofia
contemplativa representavam um obstáculo para o avanço do conhecimento:
“a reverência à Antigüidade, à autoridade de homens tidos como grandes
mestres de filosofia e o consenso geral também em muito retardam os homens
no progresso das ciências, mantendo-os como que encantados. [...] pois com
razão já se disse que ‘a verdade é filha do tempo, não da autoridade’”.
212
209
L. Zaterka. Op cit. p. 98.
210
L. Zaterka. Op cit. p. 99.
211
L. Zaterka. Op cit. p. 102.
212
F. Bacon. Op cit. I, LXXXIV
80
Assim, não somente os homens não se voltam para a natureza de fato, mas também se
prendem aos ensinamentos das autoridades que se encontram encerrados nos livros,
numa postura herética:
“Deus não vos dotou de almas racionais para que presteis aos homens o tributo
que deveis ao vosso Autor (vale dizer, a fé que deveis a Deus e às coisas
divinas), nem vos concedeu sentidos firmes e eficientes para estudar os escritos
de poucos homens, mas para estudar o céu e a terra que são obras de Deus”.
213
A falta de liberdade imposta pelo estudo restrito de filósofos antigos era visto como um
empecilho para o novo saber. Assim, não se deveria cultuar os antigos no lugar de
cultuar a Deus diretamente: dever-se-ia sair das bibliotecas e direcionar-se aos
laboratórios, que era a observação associada à experimentação que nos levaria enfim
ao conhecimento perdido. Somente com essa nova postura perante a natureza, defendia
Bacon, é que o homem poderia alcançar novamente o estado de conhecimento que
possuía antes da Queda, desvencilhando-se da metafísica escolástica e direcionando-se
aos fatos observáveis na natureza.
213
F. Bacon apud L. Zaterka. Op cit. p. 104.
81
Figura 1: frontispício da primeira edição do History of the Royal Society of
London, onde se vêem os filósofos naturais coroando Francis Bacon e
também onde se vêem alguns dos experimentos usados como emblemas da
sociedade, entre eles a bomba de ar de Boyle.
Assim, Bacon propôs a formulação de uma nova ciência baseada em fatos e na
dominação da natureza pensadores como Boyle,
214
Wilkins,
215
Hooke dentre tantos
outros que foram adeptos do método experimental seguiram seu caminho e se
dedicaram ao laboratório e às experiências em lugar das bibliotecas. No caso específico
de Boyle ele utiliza a química como fio condutor do seu empreendimento filosófico,
dedicando-se a ela como pilar de toda a filosofia natural. Ele, que foi uma figura
emblemática da Royal Society e de sua fundação, viu na química a ciência ideal, pois
ela era uma ciência fundamentalmente experimental (a posteriori) que assim lidava com
o provisório, podendo, no limite, mudar a cada nova descoberta. Além de fornecer
resultados úteis para a sociedade (remédios, fertilizantes etc), esse seu caráter provisório
mostra que a cada momento a ciência se desenvolve. Com relação à produção de
remédios podemos notar a importância que Boyle fornece à química:
“tratando das vantagens que podem aparecer na parte terapêutica da medicina, a
partir de um conhecimento mais acurado da filosofia natural, eu deveria vos
contar que, com o químico, a química ela própria [...] não é somente capaz de
desenvolver a parte farmacêutica ou preparação dos medicamentos (o que
disse), mas também de nos fornecer um novo e muito melhor methodus medendi,
ou habilidade para utilizar auxílios que a natureza ou a arte de se precaver contra
as doenças.”
216
214
Pode-se encontrar um estudo aprofundado sobre a influência das idéias baconianas no pensamento de
Robert Boyle em L. Zaterka. Op cit.
215
Para maior esclarecimento sobre o pensamento deste filósofo em especial, pode-se encontrar um
estudo aprofundado em A. M. Alfonso-Goldfarb. A Magia das Máquinas.
216
R. Boyle. Usefulness II sect 1. In: Works, I, p.152.
82
Em razão disso, a química, na sua perspectiva, possuía o caráter mais
representativo do seu método. Além de não ser fixa e dogmática, a química também era
uma ciência que revelava a onipotência de seu Criador “nas mais pequenas criaturas”,
217
mostrando que Deus se encontrava tanto no maior quanto no menor ser, e que seu poder
encontrava-se em ambos. A física e a matemática, por exemplo, não seriam ideais como
a química, pois trabalhavam com o conhecimento a priori enquanto a química se
estruturava predominantemente sobre o conhecimento a posteriori.
Como um homem seiscentista, Boyle operava tanto no que hoje chamamos de
alquimia como no que chamamos de química; porém notamos que diferentemente de
alguns de seus textos alquímicos, em que “protocolos” deveriam ser mantidos em
segredo, Boyle em seus textos predominantemente químicos acredita que tais resultados
obtidos por meio dos experimentos deveriam, acima de tudo, servir a sociedade
propiciando assim melhores condições para os homens, como havia defendido também
Bacon antes dele.
218
O espírito de Boyle, e o de muitos outros homens de ciência,
membros da Royal Society, visava exatamente a livre comunicação, a utilidade do
conhecimento e a melhoria do bem público. Desta forma, a aplicação direta das
descobertas feitas pelos homens de ciência poderia ser a responsável pela melhoria da
situação econômica da sociedade inglesa. A ciência possuía, assim, um caráter
fundamental para o bem-estar comum, não se encerrando nela mesma, mas sim
almejando o bem para a maioria:
“muitos podem se deliciar e prosperamente prosseguir com seus fins, coletando
uma variedade de experimentos e observações, desde que por meio disso
observem o poder com que diversas operações químicas e outros meios para a
manipulação da matéria têm alterado alguns corpos e variado seus efeitos uns
217
L. Zaterka. Op cit. p. 64.
83
sobre os outros. Podem, com ajuda da atenção e da industria, ser capazes de
fazer muitas coisas, algumas delas estranhas e a maioria muito útil para a vida
humana.”
219
Nesse sentido, a nova filosofia experimental deveria contemplar, imitar e
compreender a natureza, mas acima de tudo, ela deveria alterá-la para descobrir seu
funcionamento. Portanto, se o homem de ciência não provocasse a natureza, não
conseguiria compreender seu funcionamento de forma tão rápida e eficaz. E, finalmente,
dominando a natureza o virtuoso se encontraria mais próximo de Deus já que então seria
capaz de desvencilhar os segredos da obra divina, pois lembremos que no caso de
Boyle, e de grande parte dos membros da Royal Society, o interesse pela filosofia
natural tinha como objetivo mais amplo conhecer Deus pelas suas obras: o amor pelo
ser divino se revelava a cada descoberta feita, a cada maravilha que se apresentava, a
cada segredo que se tornava compreensível para o filósofo natural. Desta forma, para
boa parte dos virtuosi da Royal Society as descobertas da nova filosofia experimental
confirmavam suas crenças religiosas.
220
Para eles, as leis da natureza eram expressões
da vontade divina no ato da criação, uma vez que dependiam da vontade do Autor
divino.
Ora, exatamente por serem uma ação voluntária do Criador, as leis naturais
possuíam um caráter contingente e não definitivo. Deus quis criar o mundo desta
maneira, mas poderia tê-lo criado de outra forma. Assim, na visão de Boyle, se Deus é
livre para construir as leis da natureza, não cabe na sua concepção a noção, presente na
filosofia natural de Hobbes, de absoluta necessidade na ordem natural do mundo. Desta
forma também não existe um conhecimento adquirido a priori, uma vez que a causa de
218
L. Zaterka. Op cit. p. 63.
219
R. Boyle. Certain Physiological Essays. In. Works, I, p. 299-318.
220
L. Zaterka. Op cit. p. 196.
84
que dependem necessariamente todos os efeitos é uma causa contingente.
221
Notamos
aqui um ponto que trará atritos com relação às idéias defendidas por Hobbes, que
acreditava em uma concepção de mundo bem distinta desta. Para o autor do De
Corpore, como observamos no capítulo anterior, as ações dos homens seguem uma
necessidade causal, que estão sob um equilíbrio material. Assim, não possuem
liberdade de escolha. Essa visão de necessidade não existe na concepção de mundo de
Boyle, uma vez que a causa inicial é contingente e Hobbes diferentemente de Boyle
não se manifesta sobre como se deu a criação do mundo. Outro argumento utilizado
para defender essa contingência da natureza é aquele que diz que, sem ela, não existiria
aquilo que é nuclear no pensamento cristão, isto é, o milagre. Boyle acredita que o
milagre somente se dá com a suspensão temporária da ordem natural das coisas, e Deus,
se quiser, pode suspendê-las:
222
“pois o investigador mais otimista deve reconhecer que se Deus é o autor do
universo, e o livre fundador das leis do movimento [...] Deus pode certamente
invalidar todo o experimentalismo detendo seu concurso ou mudando estas leis
do movimento, que dependem perfeitamente da Sua vontade e pode então
invalidar o valor da maioria, se não de todos os axiomas e teoremas da filosofia
natural.”
223
Ora, nenhuma concepção cristã colidia mais fortemente com a filosofia de
mundo pleno do século XVII do que a dos milagres.
224
Eles se contrapunham
completamente com a necessidade implícita, defendida na teoria hobbesiana.
Lembremos que para o autor do De Corpore, a necessidade implica na inexistência do
livre arbítrio e na ausência dos milagres, valores cristãos importantes. A concepção
221
L. Zaterka. Op cit. p. 196.
222
L. Zaterka. Op cit. p. 204.
223
R. Boyle. Reason and Religion. In: Works, IV, p. 161.
85
defendida por Hobbes é aquela em que não há espaço para a contingência, necessária
para que o poder de Deus não seja perdido. É por isso também que Hobbes foi
considerado ateu, pois na sua concepção o Deus onipotente e bondoso dos cristãos não
existe nem poderia existir.
É sintomático, assim, que Hobbes não tenha sido membro da Royal Society.
Muitos dos escritos produzidos pelos virtuosi no âmbito religioso entravam em choque
com as idéias defendidas pelo “ateu” Hobbes. A filosofia hobbesiana, em especial a sua
filosofia mecânica, foi vista por boa parte dos virtuosi com um olhar de desaprovação
em relação ao seu teor religioso, uma vez que aparentemente colocava seus valores
religiosos num patamar de quase insignificante importância. Sua visão de mundo
material implicava na existência de um Deus igualmente material e não permitia, como
vimos, a existência de milagres. Afinal, ele postula uma filosofia da necessidade. Além
disso, trazia outros sérios problemas do ponto de vista cristão, como a mortalidade da
alma. Essa questão provocou uma polêmica com o filósofo Henry More (1614-1687),
que defendia a imortalidade da alma e que contestava os conceitos defendidos pelo
autor do De Corpore.
225
Os virtuosi acreditavam que a ciência não desafiava a religião.
Aliás, como pudemos observar até aqui, a religião e a ciência eram dois aspectos da
mesma realidade, o que aos olhos dos cristãos virtuosos a filosofia natural de Hobbes
não respeitava. Senão vejamos.
Em uma de suas viagem pelo continente, como vimos, Hobbes se impressionou
muitíssimo com a ciência e com a metodologia que desenvolvia Galileu. Com o
pensador italiano ele se interessou pelo método lógico-dedutivo e desenvolveu sua
própria metodologia, além de adotar o conceito de movimento que estrutura sua
224
R. S. Westfall. Op cit. p. 5.
225
Infelizmente essa polêmica não será tratada na presente dissertação, mesmo sendo de grande
importância. Pode-se encontrar um estudo sobre ela em S. I. Mintz. Op cit. p. 81.
86
filosofia natural, como observamos no capítulo anterior. Tanto Galileu como Hobbes
acreditavam que a linguagem matemática era o perfeito instrumento para descrever a
natureza e assim decifrá-la e compreender seus fenômenos. Porém, como não acreditava
que o método experimental fornecia conhecimento suficientemente útil e confiável para
que essa compreensão pudesse ocorrer, ele criticava os trabalhos e metodologias de
homens de ciência adeptos do experimentalismo, entre eles os membros da Royal
Society. Para ele, o conhecimento que nos levaria, de fato, ao entendimento do
funcionamento da natureza era aquele obtido por meio do raciocínio lógico e dedutivo,
que somente seria alcançável pela estrutura dos nomes. Nesse sentido, os experimentos
de fato serviriam como ilustração para as teorias desenvolvidas a priori, como muitas
vezes Galileu também os utilizava. Além desses, eles também faziam uso dos chamados
experimentos mentais nos quais somente com o raciocínio se poderia explicar as teorias
desenvolvidas previamente: “Filosofia é o conhecimento de efeitos e aparências, que
nós adquirimos pelo verdadeiro raciocínio do conhecimento que temos primeiro das
causas ou gerações. [...] Experiência não é nada além de memória”.
226
Hobbes não era
somente um defensor de que se deveria atingir o conhecimento verdadeiro por meio da
dedução gico-matemática, mas também discordava da confiança dada pelos membros
da Royal Society ao conhecimento que obtinham por meio dos experimentos, que
segundo ele seria somente memória. Para ele a repetição de experiências não implicava
numa garantia metodológica, e assim não forneceria o instrumento necessário para
atingir o verdadeiro conhecimento.
É curioso notar que em razão de sua excelente retórica, ou seja, de sua
habilidade com a linguagem, muitos pensadores o apontavam como um verdadeiro
perigo: “é quase como se seus críticos dissessem que é injusto que Hobbes esteja tão
226
T. Hobbes. De Corpore. p. 3
87
errado e que escreva tão bem – injusto e, mais ainda, perigoso, pois um homem mau em
posse de uma boa prosa e estilo é como o Diabo citando as Escrituras”.
227
Sua
habilidade era uma forte aliada, o levando a vencer debates que não necessariamente
seriam vencidos se não fosse por essa característica. Ele ao menos se defendia de modo
bastante elegante, não expondo sua derrota. Seu modo de lidar com as palavras gerou
muito ódio que transpareceu nas polêmicas em que o filósofo esteve envolvido. Tais
polêmicas, sem dúvida, foram um solo fértil para que muitas outras teorias surgissem e
desta forma o pensamento hobbesiano foi e continua sendo importante para quem
pretende conhecer a filosofia seiscentista, especialmente a inglesa.
Malgrado alguns comentadores, Hobbes defendia sim a existência de Deus. Para
o filósofo, a garantia dessa existência se encontrava nas Escrituras e não na nossa razão,
como ele afirma no Leviatã. Porém, o que pode ter provocado em seus contemporâneos
um sentimento de desconforto é que sua noção de Deus era no mínimo provocadora,
abstrata e “intelectualizada” em excesso, o que não se podia permitir perante o Deus
cristão, onipotente, onisciente e inatingível. Mesmo quando se discutia questões
aparentemente relacionadas somente à filosofia natural como a do mundo pleno, o que
realmente era intolerável para os opositores de Hobbes era o fato de que sua filosofia
propiciava a propagação do ateísmo, que, segundo eles, não havia espaço nela para
seu Deus cristão, ou seja, para o milagre, para a contingência, para a imortalidade da
alma. O ateísmo era o grande medo que o pensamento do filósofo inspirava. E esse
medo surgia não somente por seu ideal de que os ensinamentos religiosos deveriam ser
uma definição estabelecida pelo soberano, mas pela sua concepção de um Deus material
e absolutamente diverso do Deus cristão. Percebemos assim que, mesmo que Hobbes
afirmasse que acreditava em Deus, os seus críticos não podiam deixar de ver nele um
227
S. I. Mintz. Op cit. p. 37.
88
propagador do ateísmo e um opositor ao seu sistema de religião. Hobbes não possuía
alternativa que não o levasse a parecer ateu: sua religiosidade era extrema demais numa
sociedade que não permitia as adversidades.
Outro pensador com quem Hobbes travou discussões foi John Wallis,
matemático e fundador da Royal Society. Em uma delas, ele criticou o De Corpore por
possuir alguns pontos duvidosos, ou mesmo errados, em especial na parte em que
desenvolve cálculos matemáticos, também criticando a tentativa de Hobbes de
posicionar a matemática na base do conhecimento humano. A falta de rigor do autor do
De Corpore indica a sua falta de interesse em álgebra, já que seu foco de atenção era de
fato a geometria. Como não possuía muita habilidade com os cálculos ele se tornou um
alvo fácil para Wallis, entre outros de seus críticos matemáticos. Hobbes pôde retirar
boa parte dos erros indicados por Wallis para a versão traduzida para o inglês da obra, o
que não impediu este de prosseguir com seus ataques. Mesmo assim, o autor do De
Corpore se defendeu contra o matemático, em algumas obras onde expôs seus
conceitos.
228
Porém, é importante salientar que mesmo quando não se tratava de
matemática, Wallis também se opunha às teorias de Hobbes. Aliás, ele chegou a dizer
que o autor do Leviatã “pensava demais e conversava de menos”, referindo-se ao fato
de que nem sempre ele refutava as críticas que lhe eram feitas.
229
Um caso que pode refletir o medo que o pensamento hobbesiano provocava em
sua sociedade foi aquele em que Daniel Scargill, membro do Corpus Christi College, foi
expulso da universidade, em 1668, por possuir pensamentos ateus para a grande desonra
de Deus, para o escândalo da Religião Cristã e para a Universidade.
230
Ralph Cudworth
(1617-1688), um dos maiores oponentes de Hobbes, amigo de Henry More, defensor da
228
R. S. Westfall. Op cit. p. 109. O estudo desta polêmica exigiria um aprofundamento que a presente
dissertação não permite, assim, não nos dedicaremos mais longamente a ela.
229
N. Malcolm. The Correspondence of Thomas Hobbes. p. xxx.
89
liberdade humana e da existência de Deus, foi um dos que assinaram a expulsão de
Scargill. Os críticos escolásticos de Hobbes manifestavam seu medo também ao ligar
seu pensamento a qualquer caso de infidelidade da parte de seus membros, como
ocorreu no caso de Scargill, que foi readmitido depois de pronunciar-se dizendo que
não seria mais hobbista e ateu:
“Eu, Daniel Scargill [...] estando sob instigação do Diabo possuído por um
orgulhoso conceito de minha própria sagacidade e não possuindo o medo de
Deus em meus olhos: Vim ultimamente expressando fúria e publicamente [...]
defendi posições atéias e blasfêmias (particularmente, que todo o direito de
Dominação é encontrado no Poder: Que toda moral é fundada na positiva Lei do
Magistrado Civil...), professando que eu glorificava o fato de ser um hobbista e
um ateu”.
231
Podemos observar neste caso em tal atmosfera em que a sociedade vivia que a
universidade juntamente com a igreja revelavam e propagavam seu ódio pelo pensador
de Malmebury. John Wallis, neste caso, escreveu a um amigo dizendo que “nosso
Leviatã está furiosamente atacando e destruindo nossas universidades (e não somente
nossas, mas todas) e especialmente padres e o clero e toda a religião”.
232
Se esse
episódio tivesse ocorrido em outras épocas, possivelmente Scargill teria sido queimado
para que a pressão feita contra os defensores de um pensador como Hobbes fosse
evidenciada. Os ataques a ele ocorriam por todos os lados e ele se tornava inimigo de
toda a sociedade. Nesse sentido, Hobbes também foi muito associado aos atos de
libertinismo que ocorriam na Inglaterra seiscentista, já que naquele momento histórico o
libertinismo referia-se a qualquer ato que fosse contrário ao que era estabelecido pela
230
S. I. Mintz. Op cit. p. 50.
231
S. I. Mintz. Op cit. p. 51.
232
J. Wallis apud R. S. Westfall. Op cit. p. 109.
90
moral de uma determinada sociedade. A liberdade de pensamento em qualquer aspecto
da sociedade era diretamente relacionada às obras e idéias do autor do Leviatã.
Qualquer um que se mostrasse um pouco adepto de alguma teoria do filósofo era
considerado hobbista e, conseqüentemente, uma ameaça à sociedade.
Quando se referia aos eclesiásticos, Hobbes acreditava que as críticas que sua
filosofia gerava na verdade não revelavam defensores da verdadeira fé, mas sim o medo
de perder o poder que estes possuíam. Ainda assim, a opinião que prevalecia era a de
que Hobbes era uma ameaça não por retirar o poder de suas mãos mas por colocar em
risco a validade e a veracidade da religião em si. O materialismo que transparecia em
suas obras era visto como sendo a raiz do ateísmo, “do qual tantos ramos estão
crescendo hoje em dia”.
233
Para Hobbes, ao contrário, era a questão do poder que estava
em jogo, o poder exercido pelos eclesiásticos sobre o povo e isso só ocorria pois o medo
seria contagioso e ainda mais contagioso se as pessoas fossem ignorantes. Assim,
provocando ilusões em massa eles conseguiriam controlar a população. Esse é mais um
dos motivos pelos quais Hobbes se contrapunha ao sistema que existia então.
234
Seus
ataques à sociedade eram habilidosamente profundos o que gerava críticas igualmente
intensas, e que propiciava polêmicas vigorosas e freqüentes.
Lembremos ainda que algumas concepções dos filósofos seiscentistas como a de
mundo cartesiano sustentavam uma visão material do mundo, porém acompanhada por
uma certeza da existência de um mundo espiritual; no caso, tanto a existência do cogito
(do eu penso cartesiano) como a existência de Deus eram elementos fundantes de todo o
projeto de Descartes. a concepção hobbesiana, defendia um mundo pleno sem
espíritos e no qual a existência de um Deus de essência material se relacionava com o
233
J. Bramhall. apud S. I. Mintz. Op cit. p. 67.
234
Cf. Capítulo 1.
91
mundo de maneira não manifesta.
235
Seu empreendimento filosófico permitiu que
Hobbes chegasse a um Deus material e portanto a uma posição de grande ameaça para
sua sociedade.
Assim, notamos que tanto questões filosófico-científicas, metodológicas e
teológicas, todas aliás relacionadas, propiciaram as polêmicas que Hobbes travou com
alguns dos membros da Royal Society. Ora, uma concepção que parte de pressupostos a
priori, que utiliza como fundamento científico um método dedutivo lógico-matemático,
que afirma o caráter material de Deus e que a religião deveria estar submetida aos
comandos de um soberano responsável pela sociedade representava um risco à
metodologia que ganhava cada vez mais força na Inglaterra do século XVII e que, como
vimos, era defendida pelos membros da Royal Society.
235
S. I. Mintz. Op cit. p. 11.
92
Considerações Finais
Thomas Hobbes defendeu posições que levaram muitos homens de ciência a
acusá-lo de ateu e suas obras de causadoras da propagação do ateísmo. Nesta
dissertação pudemos notar alguns dos motivos pelos quais essas acusações surgiram.
Observamos que suas concepções de ciência e de mundo, muitas vezes, conduziram à
conclusões que não eram consideradas cristãs, pois partindo desses pressupostos ele
declarava, por exemplo, que Deus possuía uma essência material e que a alma era
mortal. Desta maneira, pudemos perceber que o pensador defendia teorias que discutiam
aspectos fundamentais da religião e que assim desagradaram muitos filósofos naturais.
De fato, suas obras tiveram grande impacto e provavelmente por sua excelente retórica,
Hobbes despertou sentimentos de desconforto em muitos desses pensadores que não
concordavam com suas idéias. Afinal, esses novos conceitos questionavam os
fundamentos da religião.
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Mas não somente suas teorias no âmbito religioso representavam uma ameaça,
mas também sua metodologia que era distinta da adotada por muitos homens de ciência
da época na Inglaterra, qual seja, a experimental. Para ele, esta última não era a
metodologia correta para se alcançar verdadeiramente os fenômenos naturais, que de
sua perspectiva, a obra de Deus deveria ser analisada pelo método dedutivo, num
processo lógico e matemático, que a matemática era vista como a linguagem e,
portanto o instrumental ideal para se atingir o conhecimento. Como a experimentação
foi adotada como metodologia privilegiada pelos membros da Royal Society, não foi
surpreendente que o autor do De Corpore se envolvesse em fortes discussões com
alguns deles.
Inicialmente nos indagamos por quais motivos o autor do Leviatã nunca se
tornou membro da Royal Society, instituição que, como vimos, possuía membros
importantes da filosofia natural da época. Ora, dois aspectos sobressaem da análise que
fizemos nesta dissertação e nos direcionam para dois pontos fundamentais inter-
relacionados, sendo estes sua falta de cristandade e sua adversidade ao método adotado
pela maioria dos membros dessa instituição. Em primeiro lugar, não havia como alguém
que possuísse princípios teológicos tão heterodoxos pudesse ser um membro de uma
instituição permeada por cristãos virtuosos e, portanto, inimigos do ateísmo. Afinal
qualquer movimento herético poderia colocar a religião cristã em risco. Em segundo
lugar, vimos que sua metodologia de abordagem da natureza era, se não oposta, distinta
daquela que os virtuosi haviam adotado. Observamos, desta forma, que ele se opunha ao
método experimental por não acreditar que ele revelasse conhecimento suficientemente
“verdadeiro” ao homem. Este conhecimento poderia ser adquirido somente pela
abordagem dedutiva da obra de Deus e nunca indutiva. Enfim, Hobbes representava a
adversidade e, portanto mesmo sendo considerado um pensador importante, ele não
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poderia participar dessa instituição, pois defendia valores e teorias completamente
distintos daqueles que os virtuosi acreditavam que os levariam à “verdade”.
Apesar das críticas feitas ao autor do Leviatã ao longo de sua vida (e por muito
tempo após sua morte) e de sua fama de propagador do ateísmo acreditamos que,
malgrado alguns comentadores, a questão não se coloca no âmbito estritamente
religioso, ou seja, Hobbes era de fato um homem bastante religioso e acreditava em
Deus, porém este é o ponto nevrálgico da discussão, sua proposta de religião era
absolutamente distinta da cristã. Analisando conceitos fundamentais de sua filosofia
natural, pudemos notar que não existe outra possibilidade de concepção de Deus a não
ser aquela em que Ele possua uma natureza material. Ora, como tudo o que existe é
material, então se Deus existe, só pode ser material. A concepção de mundo material de
Hobbes, portanto, não defendia o ateísmo especificamente, mas sim uma alternativa
para a religião que existia na Inglaterra, uma vez que o filósofo não desprezava a
existência divina. Porém, dado o momento histórico, uma concepção de Deus e de
almas materiais já era suficiente para que ele fosse acusado de ateísmo. Assim, a
questão não era se ele acreditava em Deus, mas sim se ele acreditava num Deus cristão.
Pelo que pudemos observar, Hobbes defendia suas idéias irredutivelmente, porém talvez
fosse interessante terminar este trabalho observando cuidadosamente a citação abaixo a
qual podemos notar o medo que o filósofo sentia dos tormentos que enfrentaria após a
morte. Enfim, poderemos perceber que o monstro de Malmerbury sentia no final de sua
vida o mesmo medo que atormentava todos os outros homens:
“Eu sou uma das pessoas mais miseráveis destes cinzentos territórios. Tampouco
é alguma surpresa que minha voz tenha mudado, pois eu estou agora mudado em
princípios, apesar de mudado tarde demais para me fazer algum bem. Pois agora
eu sei que um Deus; mas oh! eu desejo que não haja! pois eu tenho certeza
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que ele não terá misericórdia comigo, nem existe uma razão para que ele tenha.
Eu confesso que fui seu inimigo na terra, e ele será o meu no inferno... Oh, eu
poderia apenas dizer, eu não sinto o fogo! Quão fáceis seriam meus tormentos
perto de como os vejo agora. Mas, oh alas! o fogo que enfrentaremos é dez
vezes mais intenso que qualquer fogo culinário”.
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Desta forma, o filósofo que tanto causou discussões e polêmicas em vida e que
despertava o medo da vitória do ateísmo, se encontrava no fim de seus dias com o medo
de ter sua própria alma queimando por toda a eternidade, como um bom “cristão
virtuoso”.
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