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A ABORDAGEM SÓCIO-CONSTRUCIONISTA E A
PRODUÇÃO DE SENTIDOS SOBRE O DESEMPREGO:
UM ESTUDO NO SETOR INDUSTRIAL DA RM-BH
MARIA CECÍLIA PEREIRA
2007
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MARIA CECÍLIA PEREIRA
A ABORDAGEM SÓCIO-CONSTRUCIONISTA E A PRODUÇÃO DE
SENTIDOS SOBRE O DESEMPREGO: UM ESTUDO NO SETOR
INDUSTRIAL DA RM-BH
Tese apresentada à Universidade Federal de Lavras,
como parte das exigências do Curso de Doutorado em
Administração, área de concentração em
Organizações, Estratégias e Gestão, para obtenção do
título de “Doutor
Orientador
Prof. Dr. Mozar José de Brito
Co-orientador
Prof. Dr. Alexandre de Pádua Carrieri
LAVRAS
MINAS GERAIS – BRASIL
2007
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Ficha Catalográfica Preparada pela Divisão de Processos Técnicos da
Biblioteca Central da UFLA
Pereira, Maria Cecília
A abordagem sócio-construcionista e a produção de sentidos sobre o
desemprego: um estudo no setor industrial da RM-BH / Maria Cecília
Pereira.
-- Lavras : UFLA, 2007.
263 p. : il.
Orientador:
Mozar José de Brito
Tese (Doutorado) – UFLA.
Bibliografia.
1. Desemprego. 2. Construcionismo. 3. Práticas discursivas. I. Universidade
Federal de Lavras. II. Título.
CDD-331.137
-658.4012
MARIA CECÍLIA PEREIRA
A ABORDAGEM SÓCIO-CONSTRUCIONISTA E A PRODUÇÃO DE
SENTIDOS SOBRE O DESEMPREGO: UM ESTUDO NO SETOR
INDUSTRIAL DA RM-BH
Tese apresentada à Universidade Federal de Lavras,
como parte das exigências do Curso de Doutorado em
Administração, área de concentração em
Organizações, Estratégias e Gestão, para obtenção do
título de “Doutor”.
APROVADA em 14 de março de 2007
Prof. Dr. Juvêncio Braga de Lima UFLA
Profª. Drª. Mônica Carvalho Alvez Cappelle UFLA
Profª. Drª. Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo Faculdade Novos
Horizontes
Prof. Dr. Mozar José de Brito
UFLA
(orientador)
Prof. Dr. Alexandre de Pádua Carrieri
UFMG
(co-orientador)
LAVRAS
MINAS GERAIS – BRASIL
À minha família, da qual faz parte Antonio,
amigo inseparável, companheiro providencial,
um amor para toda vida!
Aos meus avós paternos, vovó Mariana e vovô
“Zé-Neco”; e, em memória de meus amados avós
maternos, vovó Maria e vovô Braz.
Em memória dos meus queridos irmãos, Gabriel
e Marcelo, meus anjos da guarda.
Com muito amor.
AGRADECIMENTOS
Ao defender minha tese de doutorado, finalizo mais uma etapa de minha
trajetória profissional. Novamente, não foi fácil, mas considero que foi um
período, sobretudo, de aprendizagem. Durante meu percurso, principalmente a
partir do “estágio supervisionado”, ainda na graduação, pude contar com os
ensinamentos do professor Mozar, um exemplo de “garra” e integridade. A ele
faço questão de agradecer, explicitando a satisfação em tê-lo como orientador
desde então. Construímos uma relação de mútuo respeito e confiança. O que
aprendi com o professor Mozar ultrapassou o acadêmico, são lições que levarei
para toda a vida. Aproveito para agradecer igualmente à professora Valéria, por
quem conservo um grande respeito e carinho. Tenho certeza de que não é
preciso dizer muito - esses professores sabem o quanto sou grata e orgulhosa por
ter contado com seus ensinamentos.
Agradeço especialmente ao professor Alexandre Carrieri, meu co-orientador,
pela paciência e interesse que demonstrou durante a orientação; ao professor
Juvêncio, pelo carinho, dedicação e confiança; e, à professora Marlene
Catarina, pela disponibilidade e pelas valiosas contribuições para com meu
trabalho.
Enquanto trabalhava na tese, minha mãe, Balbina, preparava meu almoço e meu
pai, José, trabalhava incansavelmente, mas, feliz, pois seu sonho de “estudar as
filhas” estava se realizando. A amizade e o apoio de minha irmã, Ana Lívia, o
carinho de meu namorado, Antonio, e as orações de meus avós foram
imprescindíveis durante minha caminhada. Não posso deixar de agradecer à
torcida de Alessandro, Rosana, Marcelo, André e Fausto, pessoas muito
queridas para mim. . Essas pessoas, a quem chamo “família”, estão presentes em
cada linha do meu trabalho e a elas agradeço todos os dias.
Obrigada Mayara, pelo carinho, pela doação de uma amizade sincera e
agradável.
A todos os amigos e colegas, tenho certeza de que não é preciso nomeá-los,
obrigada pela força!
Agradeço aos professores e funcionários do DAE, em especial aos professores
Mônica Cappelle e José Roberto. À “Beth”, secretária do PPGAD, pela
prontidão e dedicação.
À CAPES, pela oportunidade de cursar o doutorado como bolsista.
Ao SINE-BH, na pessoa de Sandra; à FIEMG-BH, em especial ao Flávio; ao
Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem,
representado, no período da pesquisa, por Geraldo Valgas, agradeço a
prontidão, o interesse e a hospitalidade. Às pessoas que cederam entrevistas
nas dependências do SINE-BH.
A Deus, sempre presente.
Obrigada!
NÃO HÁ VAGAS
O preço do feijão
Não cabe no poema
O preço do arroz
Não cabe no poema
Não cabem no poema o gás
A luz, o telefone
A sonegação
Do leite
Da carne
Do açúcar
Do pão
O funcionário público não cabe no poema
Com seu salário de fome
Sua vida fechada em arquivos
Como não cabe no poema o operário
Que esmerila seu dia de aço e carvão
Nas oficinas escuras
Porque o poema, senhores, está fechado:
“NÃO HÁ VAGAS”
Só cabe no poema
O homem sem estômago
A mulher de nuvens
A fruta sem preço
O poema, senhores,
Nem fede
Nem cheira
Ferreira Gullar
SUMÁRIO
Página
LISTA DE QUADROS............................................................................... i
LISTA DE TABELAS................................................................................ ii
LISTA DE FIGURAS................................................................................. iii
RESUMO..................................................................................................... iv
ABSTRACT................................................................................................. v
INTRODUÇÃO........................................................................................... 1
1. DESEMPREGO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO........................ 17
1.1 Metamorfoses das condições de trabalho e não-trabalho........................
19
1.2 Período de acumulação flexível e desemprego como questão social......
34
1.2.1 Relações de trabalho no contexto brasileiro........................................
39
1.3 Novos conceitos acerca do emprego/desemprego no Brasil
contemporâneo...............................................................................................
45
2. ABORDAGEM SÓCIO-CONSTRUCIONISTA: UMA
POSSIBILIDADE PARA O ESTUDO DO FENÔMENO
DESEMPREGO..........................................................................................
54
2.1 Do representacionismo à condição sócio-histórica do conhecimento....
56
2.2 A abordagem do Construcionismo Social...............................................
66
2.3 Construcionismo Social e desemprego: a centralidade das “condições
de produção”..................................................................................................
75
3. PRODUÇÃO DE SENTIDOS SÓCIO-CONSTRUCIONISTA E
PRÁTICAS DISCURSIVAS.......................................................................
85
3.1 Discurso como prática.............................................................................
86
3.1.1 Elementos para a análise das práticas discursivas...............................
91
3.2 A temporalidade e a noção de repertórios interpretativos para o estudo
construcionista das práticas discursivas........................................................
97
3.3 Perspectiva teórico-metodológica: repertórios discursivos.....................
101
4. DESEMPREGO INDUSTRIAL NA RMBH: EXPLICITAÇÃO
DOS PASSOS DA PESQUISA...................................................................
110
4.1 Rigor metodológico e a questão ética.....................................................
110
4.2 Seleção do “Corpus” e dos sujeitos da pesquisa....................................
113
4.3 Processo de coleta de informações e plano de investigação...................
119
5. MEMÓRIA E CONTEXTO DE ESTUDO.......................................... 125
5.1 O trabalho industrial na RMBH..............................................................
126
5.2 Resgate de alguns aspectos das trajetórias dos sujeitos e das
instituições da pesquisa.................................................................................
136
5.2.1 Indústria, reestruturação e desenvolvimento........................................
137
5.2.2 Trabalhadores industriais, reestruturação e precarização....................
144
5.2.3 Trabalhadores desempregados e à procura do primeiro emprego........
150
6. PRÁTICAS DISCURSIVAS SOBRE DESEMPREGO E AS
CONDIÇÕES DE SUA PRODUÇÃO.......................................................
155
6.1 O emprego formal...................................................................................
156
6.2 Mudanças no trabalho: reestruturação, empregabilidade e sindicato.....
165
6.3 A ausência do emprego...........................................................................
182
6.4 O trabalho................................................................................................
191
7. REPERTÓRIOS DISCURSSIVOS E A PRODUÇÃO DE
SENTIDOS SOBRE O DESEMPREGO INDUSTRIAL NA RMBH-
MG................................................................................................................
196
7.1 Mapeamento dos repertórios discursivos................................................
196
7.2 O repertório discursivo da condição de empregado(a) e das mudanças
nas configurações do emprego......................................................................
199
7.3 Os repertórios da condição de não-empregado(a) e da condição de
trabalhador(a).................................................................................................
210
7.4 Os sentidos do desemprego industrial na RMBH e as condições da sua
produção discursiva.......................................................................................
216
8. CONHECIMENTO SOBRE O DESEMPREGO COMO UM
PROCESSO SOCIALMENTE CONSTRUÍDO......................................
221
8.1 Produção de sentidos sobre o desemprego por meio das práticas
discursivas.....................................................................................................
221
8.2 Contribuição da perspectiva sócio-construcionista para o estudo do
desemprego....................................................................................................
226
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 230
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................... 244
i
LISTA DE QUADROS
Página
QUADRO 1 - Exemplos para a análise das práticas discursivas e
intersubjetividade...........................................................
121
QUADRO 2 - Exemplo para a análise da interface com as condições
de produção....................................................................
122
QUADRO 3 -
Mapeamento dos repertórios discursivos......................
197
ii
LISTA DE TABELAS
Página
TABELA 1 - Perfil sócio-demográfico dos trabalhadores
desempregados e à procura do primeiro emprego.........
116
TABELA 2 - Freqüência das características dos trabalhadores
desempregados e à procura do primeiro emprego.........
117
TABELA 3 -
Perfil sócio-demográfico dos representantes do
sindicato e membros da FIEMG....................................
118
iii
LISTA DE FIGURAS
Página
FIGURA 1 -
Interface entre condições de produção e premissas
construcionistas..................................................................
80
FIGURA 2 - Condições de produção sobre o desemprego no Brasil
sob a ótica sócio-construcionista.......................................
82
FIGURA 3 - Proposta teórico-metodológica para a análise sócio-
construcionista das práticas discursivas.............................
107
FIGURA 4 - Exemplo de árvore de associação de idéias.......................
124
FIGURA 5 - Árvore de associação de idéias no repertório da condição
de empregado(a)................................................................
200
FIGURA 6 - Árvore de associação de idéias no repertório das
mudanças nas configurações do emprego..........................
205
FIGURA 7 - Árvore de associação de idéias no repertório da condição
de não- empregado(a)........................................................
211
FIGURA 8 - Árvore de associação de idéias no repertório da condição
de trabalhador(a)................................................................
214
FIGURA 9 - Condições de produção sobre o desemprego industrial
em Belo Horizonte e região metropolitana sob a ótica
sócio-construcionista.........................................................
219
iv
RESUMO
PEREIRA, M. C. A abordagem Sócio-Construcionista e a produção de
sentidos sobre o desemprego: um estudo no setor industrial da RM-BH.
2007. 263 p. Tese (Doutorado em Administração) – Universidade Federal de
Lavras, Lavras, MG.
1
O trabalho formal, como categoria de emprego, ocupa grande parte dos
trabalhadores no Brasil; por isso, o desemprego é uma questão social central e
atual para a discussão no cenário brasileiro. Considerou-se que o desemprego
possa ser compreendido como uma construção sócio-histórica, envolvendo os
sujeitos sociais e suas “condições de produção”. No Brasil, observou-se a
presença marcante, nas relações trabalhistas brasileiras, do paternalismo e do
patrimonialismo, herdados da própria trajetória sócio-histórica do País. Portanto,
defendeu-se que o fenômeno do desemprego pode ser investigado por meio de
um processo de produção de sentidos, tendo por base os sujeitos sociais. Para
tanto, optou-se por construir um aporte teórico-metodológico multidisciplinar,
resgatando conceitos das ciências administrativa, sociologia do trabalho e da
psicologia social. Adaram-se as abordagens do Construcionismo Social e da
análise das práticas discursivas como possibilidade teórico-metodológica para o
estudo. Desenvolveu-se a argumentação com o aporte de uma pesquisa empírica,
realizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, com
o objetivo de compreender o processo de produção de sentidos acerca do
fenômeno do desemprego, considerando as práticas discursivas de sujeitos
envolvidos com esse fenômeno. Na apresentação da proposta de análise,
desenvolveu-se o conceito de repertórios discursivos, tendo como fundamento
uma complementação do conceito de repertórios interpretativos. Foram
identificados 4 repertórios discursivos: condição de empregado(a); mudanças
nas configurações do emprego no setor industrial; condição de não-
empregado(a); e, condição de trabalhador(a). Foram identificados os sentidos
últimos acerca do desemprego na RM-BH: manutenção da empregabilidade,
competitividade, precarização nas relações de trabalho, problema social,
dificuldade de manutenção da empregabilidade (“não-empregáveis”),
questionamento do sistema e inclusão social. Pressupõe-se que este estudo possa
contribuir para o avanço do debate teórico-metodológico acerca dos estudos
sobre a realidade do trabalho/desemprego e ampliar as discussões acerca da
implementação e administração de políticas e programas para a geração de
emprego e renda.
1
Orientador: Prof. Dr. Mozar José de Brito – UFLA. Co-orientador: Prof. Dr. Alexandre
de Pádua Carrieri – UFMG.
v
ABSTRACT
PEREIRA, M. C. The “ Sócio-Constructionist” approach and the production
of senses on unenployment: an industrial sector study of the RM_BH. 2007.
263 p. Thesis. (Doctorete in Business Managment) – Federal University of
Lavras. Lavras, MG.
2
The refistered work, as na employment category, takes up a large part of
the workforce in Brazil, therefore, unemployment is a important and current
matter of discussion in the Brazilian context. The unemployment maybe better
comprehended as a social and historical development, involving the social
subjects and the condition they work. In Brazil, there are very marking presences
in the work relations, the paternalism and the “patrimonysm”, the were inherited
by it´s own country´s social and historical development. Therefore, it is said that
the unemployment phenomenon may be investigated by a king of process of
production of the sense, from the social subjects. For this, it was chosen to build
a methodological-theory multidiscipline perspective, rejoicing concepts of the
management science, work socialization and the social psychology. The
constructionism approach and analysis of the discursive practices was chosen as
a theoretical and methodological possibility for the study. An argument was
developed with the empirical research, made in the metropolitan region of Belo
Horizonte, State of Minas Gerais, Brasil, with the goal of comprehending the
production process of senses in the unemployment phenomenon, from the
discursive practices of the involved subjects. In the proposed analysis
presentation, a concept of discursive repertoires was developed from the
complementation of interpretative repertoires. There were four repertoires
identified: the refistered worker´s condition; changes in the industrial work
configuration; the unemploymest´s condition; and the unregistered worker´s
conditions. The last senses about the unemployment were identified in the RM-
BH: maintenance of the job availability, competitiveness, the growth of
precarious work relations, social issues, problem in the job availability,
problems in the job availability (“non-employable”), questions about the social
inclusion system. This study estimates that it can help to advance in a theoretical
and methodological debate account the studies about the reality of
work/employment and to amplify the discussion about the implementation and
management of politics and programs to generate jobs and income.
2
Advisors: Dr. Mozar José de Brito. Dr. Alexandre de Pádua Carrieri.
1
INTRODUÇÃO
O desemprego pode ser compreendido como uma construção sócio-
histórica que envolve os sujeitos sociais. Dessa forma, os fenômenos do
desemprego e do emprego podem ser considerados como categorias de análise
sócio-historicamente construídas.
Essas categorias remetem diretamente à evolução da noção do fenômeno
trabalho e não-trabalho, mais especificamente na sociedade ocidental capitalista.
Nessa sociedade, fundamenta-se na produção - por meio do trabalho - para a
manutenção da “riqueza” que sustenta a engrenagem do próprio processo
produtivo. O trabalho, que está na base do sistema capitalista, nem sempre se
caracteriza como emprego, apresentando-se como trabalho proletário e operário,
em um primeiro momento (Castel, 1998). Sob esse enfoque, o trabalho
caracteriza-se, principalmente, pela venda da mão-de-obra pelo trabalhador, por
meio do contrato.
O emprego, compreendido como trabalho assalariado nos padrões
fordistas de produção, emerge, aproximadamente, no início do século XX, como
uma condição generalizada de trabalho, que impõe um modo de vida para a
sociedade ocidental capitalista. Esse sistema envolve não apenas a generalização
do trabalho assalariado mas, a generalização de um padrão de consumo e de
produção em massa.
O emprego não está necessariamente vinculado ao trabalho de
transformação ou produção, imprimindo-se e disseminando-se também como
uma forma de trabalho não-operário. Trata-se da redistribuição social do
trabalho, que gera, por um lado, a proteção, por meio dos direitos trabalhistas,
àqueles que conseguem uma vaga nesse sistema; por outro lado, como
2
tendência, o aumento do número de desempregados (desprovidos dos direitos
trabalhistas).
A centralidade do trabalho, principalmente sob a forma de emprego, é
um fenômeno marcante no sistema capitalista. Essa centralidade passa a ser
questionada a partir das alterações gerais que vêm ocorrendo no mundo do
trabalho, aceleradas, principalmente, por um processo de reordenação
econômica, política, em escala mundial; e, pela modernização tecnológica e
gerencial no âmbito das organizações, tanto públicas, quanto privadas. Esse
processo de mudança abrange um período de reestruturação produtiva, o qual
desencadeia o sistema chamado de sistema de acumulação flexível (Harvey,
1996), em oposição ao sistema fordista de acumulação.
O processo de reestruturação produtiva engloba o desenvolvimento de
novas práticas produtivas e gerenciais nas organizações, com impactos diretos
sobre a configuração do trabalho, alterando também o perfil da oferta de
empregos e, conseqüentemente, impondo aos trabalhadores novas formas de
qualificação. Emerge a noção de empregabilidade, destacando o trabalhador
como alguém incluído em um novo padrão de acumulação capitalista que exige
dele o investimento próprio e individual para conquistar ou manter o emprego
(Cortella, 1997; Gitahy, 1994; Hirata, 1993).
No Brasil, o fenômeno do emprego, ao mesmo tempo em que se
caracteriza pela relação salarial e pelos padrões internacionais (sistema fordista)
de relações de trabalho
3
, também convive com sistemas artesanais de produção;
com uma mão-de-obra pouco qualificada, proveniente do setor rural; e, com uma
3
Neste estudo, o conceito de “relações de trabalho” foi baseado nos conceitos de Melo
(1991) e Siqueira (1991). Ambas acreditam que essas relações incluem relações
políticas, econômicas, gerenciais e técnicas. Melo (1991) ressalta os aspectos
microssociais das relações de trabalho: processos de regulação e organização do
trabalho, gestão da força de trabalho e condições de trabalho. Siqueira (1991) acrescenta
as influências macrossociais (tecnologia, mercado e organização sindical) e
organizacionais (estado e organizações públicas).
3
política pouco direcionada para as questões trabalhistas. Os objetivos de um
“Estado do Bem-Estar Social”, por exemplo, não são verificados na trajetória de
inserção industrial e de proliferação do emprego no Brasil.
Observa-se a presença marcante, nas relações trabalhistas brasileiras, do
paternalismo e do patrimonialismo, herdados da própria trajetória sócio-histórica
do País. Trata-se da convivência do moderno/contemporâneo com valores mais
tradicionais, em um contexto que exige competitividade e impessoalidade nas
relações de trabalho. No que tange às mudanças no mundo do trabalho, isso
implica, por exemplo, a manutenção de relações de trabalho conservadoras, ao
lado de técnicas denominadas flexíveis, que exigem novas formas de
qualificação (Martins, 1994; Sorj, 2000). Sendo assim, ao discutir um processo
de reestruturação produtiva no Brasil, deve-se considerar, em um primeiro
momento, as particularidades do fenômeno emprego e desemprego nessa
sociedade.
Alguns autores apontam que a reconfiguração no mundo do trabalho
descentraliza o trabalho como principal fonte de inclusão social (Meda, 1996;
Offe, 1989). Sorj (2000), por outro lado, aponta que o trabalho continua sendo o
centro do estabelecimento de laços, principalmente na sociedade brasileira.
Acredita-se que o trabalho ainda permaneça como elemento central na
sociedade, no entanto, acredita-se que o emprego, nos padrões fordistas, deve ser
descentralizado, atentando para novas possibilidades de trabalho ou para a
convivência do emprego com essas novas possibilidades (Harvey, 1996).
Existem dois argumentos principais que sustentam a tese de que o
trabalho ainda permaneça como elemento central para o estabelecimento dos
laços sociais. Por um lado, pode-se citar o fato de que o processo de
reestruturação produtiva pode, muitas vezes, desmobilizar, desregular e
desvalorizar as relações de trabalho, levando à precarização do trabalho e ao
aumento do desemprego (Montali, 2003; Pochmann, 2002; Tumolo, 2001). O
4
aumento do desemprego, por sua vez, gera a preocupação com esse quadro,
explicitada nas pesquisas acadêmicas, de âmbito internacional e nacional
4
.
No âmbito internacional, observou-se expressiva preocupação com as
questões da discriminação, exclusão, pobreza e acessibilidade ao emprego,
relacionadas ao estudo do desemprego, mais especificamente, a partir de 2000
(Andersen, 2000; Darity, 2003; Gallie et al., 2003; Parks, 2004; Report V, 2000;
Yao, 2004;). Além disso, verificou-se uma tendência em relacionar o
desemprego com a criminalidade e problemas familiares (Cinamon, 2001;
Hojman, 2004; Kraft, 2001; Levitt, 2001).
No contexto nacional, verificou-se que a produção acadêmica acerca do
fenômeno desemprego, a partir de 1980, centraliza esse fenômeno como questão
social. Abrangem-se as implicações do desemprego, focalizando os movimentos
sociais de luta contra esse quadro, a identidade política de uma “nova classe
trabalhadora” e a centralidade da educação (qualificação) como estratégia de
acessibilidade (Hirata & Humphrey, 1989).
No que refere aos números do desemprego no cenário brasileiro, a taxa
média de desocupação
5
, calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE, elevou-se de 3,8% em junho de 1996 para 10,8% em março
de 2005 (IBGE, 2005). Em agosto de 2006, a taxa média de desocupação foi
estimada em 10,6%. Em relação a agosto de 2005, verificou-se elevação de
4
Essa observação é baseada em revisão de literatura, realizada no período de março a
outubro de 2006, em diversas bases: a) periódicos (brasileiros), classificados como de
nível A, circulação nacional, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), nas áreas de administração, sociologia e psicologia; b) banco de
teses e dissertações (pesquisa em teses de doutorado), disponível na página eletrônica da
CAPES; c) base de dados internacionais: General Science Abstracts Full Text, ABI
Inform/Pro Quest e CSA Sociological Abstracts. Foram pesquisados trabalhos
publicados a partir da década de 1990.
5
São consideradas pessoas desocupadas, aquelas em idade ativa (10 anos ou mais), que
não estão trabalhando, estão disponíveis para trabalhar na semana de referência da
pesquisa e tomaram alguma providência efetiva para conseguir trabalho nos trinta dias
anteriores à semana em que respondem à pesquisa (IBGE, 2005).
5
1,2%. Além disso, em 2006, observou-se um aumento de 17,2% no contingente
de desocupados, em relação a 2005, o que, segundo dados do IBGE (2006f),
representa um aumento de aproximadamente 355 mil pessoas procurando
trabalho. Entre os desocupados, 55,8% são mulheres; 46,5% têm entre 25 e 49
anos de idade (homens e mulheres); 19,7% estão em busca do primeiro trabalho;
e 25,5% são os principais responsáveis pelo sustento da família (IBGE, 2006f).
Dessa forma, percebeu-se que o impacto maior do desemprego evidenciou-se
nos grupos mais jovens e na população feminina.
Na análise da desocupação, a Região Sudeste apresenta uma das maiores
taxas: 10,5% (IBGE, 2006d). Em Minas Gerais, a taxa de desocupação era de
10,7% em março de 2005, tomando como base a Região Metropolitana de Belo
Horizonte - RMBH (IBGE, 2005). No âmbito regional, em 2006, a RMBH
apresenta taxa de desocupação com movimentação positiva em relação a agosto
de 2005, configurando-se em 14,4% (IBGE, 2006d).
As condições precárias do emprego também merecem destaque. O nível
de emprego formal no Brasil decresceu, com o fechamento de 304,9 mil postos
de trabalho em 1996, para a eliminação de mais 581 mil postos de trabalho
formais em 1998. Em 2003, o emprego informal cresceu 8,4% em relação a
2002 (Boletim..., 2005). Segundo dados do IBGE (2006c), a distribuição da
população ocupada por posição na ocupação é a seguinte: 30,4% são
empregados com carteira assinada; 22% são trabalhadores por conta própria;
18,3% são trabalhadores sem carteira assinada (trabalho informal); 7,7% são
trabalhadores domésticos; 7,0% são trabalhadores não-remunerados; 6,6% são
militares e estatutários; e 4,1% são empregadores.
Deve-se ressaltar também uma reconfiguração no perfil dos
trabalhadores que procuram emprego. A procura de trabalho apresentou um
acréscimo significativo no período analisado, principalmente por parte das
mulheres. No Brasil, esse acréscimo é de 21,7% para os homens e 37% para as
6
mulheres. Em 2004, a taxa masculina de desocupação era de 6,8%, enquanto a
feminina era de 11,7%. No caso das mulheres, 49,1% delas estão ocupadas no
setor de serviços. Apesar de os níveis das taxas de atividade se apresentarem
mais elevados para os homens, a procura de trabalho maior no caso das mulheres
demonstra uma crescente pressão desse contingente no mercado de trabalho
(IBGE, 2006d). Esse quadro apresentou-se no plano internacional e explicitou-se
nos estudos direcionados para a inserção da mulher no mercado de trabalho e,
conseqüentemente, para o desemprego e suas implicações nesse contexto
(Fernandes & Felício, 2005; Fosu, 2000; Kulik, 2000a, 2000b; Mohanty, 2003).
O segundo argumento que sustenta a tese de que o trabalho ainda
permanece como elemento central para o estabelecimento dos laços sociais é um
quadro de criação de “novos sujeitos sociais” (Sorj, 2000). Esses novos sujeitos
influenciam e são influenciados por necessidades impostas, por exemplo, pelas
novas condições de empregabilidade, por exemplo. Tais necessidades podem
desencadear um processo de individualização, tanto nas relações de trabalho
quanto nas relações sociais em geral (Castells, 1999; Cortella, 1997).
Na agenda de pesquisas internacionais, as questões da educação e da
empregabilidade têm merecido destaque na análise do desemprego, tanto no que
refere às suas causas, conseqüências ou, como estratégias individuais de
acessibilidade ao trabalho (Decreuse, 2001; Eide & Showalter, 2005; Saar, 2005;
Weber, 2002). Por outro lado, tem-se o movimento que se observa acerca da
criação de novas formas de trabalho, alternativas ao sistema de emprego
tradicional fordista (Piore & Sabeell, 1984). Esse argumento pode culminar com
maneiras particulares de compreender o trabalho e, conseqüentemente, o
desemprego.
Quanto às condições de empregabilidade, no que tange à qualificação, no
Brasil, a comparação da distribuição do nível de qualificação entre a população
ocupada, de 1992 a 1997, demonstra um quadro de melhoria no nível de
7
qualificação do trabalhador brasileiro. Constatou-se uma diminuição da
população ocupada, em geral, nos grupos de menor instrução (sem instrução ou
com menos de um a três anos de estudo). O grupo de maior nível de instrução
(doze anos ou mais de estudo) apresenta proporção crescente em todo o Brasil
(IBGE, 2006d). Constatou-se que, em agosto de 2003, 39,9% dos desocupados
tinham pelo menos o ensino médio concluído; em agosto de 2006, esse
percentual atingiu 46,4% (IBGE, 2006f).
Entretanto, a análise da taxa de desocupação revela um aumento da
mesma proporcional ao aumento do nível de escolaridade. Em 2004, para a
população com menor nível de escolaridade, a taxa de desocupação era de 5,5%,
enquanto para o grupo mais escolarizado, a taxa era de 21,4%, o que pode ser
explicado pela configuração do trabalho que exige um nível de qualificação mais
elevado (IBGE, 2006c).
Com esse quadro revela-se um crescimento do nível de instrução formal
do trabalhador brasileiro diante das exigências do mercado de trabalho. Além
disso, a busca pela qualificação estende-se para além do nível de escolaridade e
também se caracteriza por uma iniciativa do próprio sujeito trabalhador diante
das novas configurações do mundo do trabalho. Esse processo desencadeia o
foco para a carreira e para a competência, ao contrário do foco para a
manutenção do cargo ou do emprego. Trata-se da possibilidade de um processo
de individualização das relações profissionais e, conseqüentemente, das relações
sociais em geral (Sargentini, 2001).
No que refere ao movimento que se observa acerca da criação de novas
formas de trabalho, alternativas ao sistema de emprego tradicional (fordista),
verifica-se o aumento, no Brasil, da participação da sociedade civil organizada,
especialmente ao longo dos anos de 1990. Nesse período, observou-se o
crescimento de diversos tipos de arranjos entre Estado e organizações da
8
sociedade na implementação e na co-gestão de políticas públicas,
particularmente, as de caráter social (Singer, 1999).
De acordo com os dados do IBGE (2006b), as Fundações Privadas e
Associações sem Fins Lucrativos (FASFIL) são compostas por instituições
relativamente novas, já que 62% das FASFIL foram criadas na década de 1990.
Entre 1996 e 2002, essas instituições proliferam-se no cenário brasileiro. Em
2002, verificou-se 276 mil FASFIL, oficialmente cadastradas, representando
55% do total das 500 mil entidades sem fins lucrativos no Brasil, constantes do
Cadastro Central de Empresas. Do universo de cerca de 5,3 milhões de
organizações públicas, privadas lucrativas e privadas não-lucrativas que
compõem o Cadastro Central de Empresas, as FASFIL representavam, em 2002,
cerca de 5,0%. Na Região Sudeste encontram-se 44% das FASFIL. Verificou-se
que, no grupo de meio ambiente bem como no de desenvolvimento e defesa dos
direitos, as entidades mais do que quadruplicam entre 1996 e 2002.
Em grande parte, a emergência dessas organizações pode ser explicada
pelo processo de reconfiguração no mundo do trabalho. Nessas organizações, as
relações de trabalho são pautadas por uma lógica alternativa ao sistema fordista,
característico, principalmente, de empresas industriais capitalistas. No entanto,
essas organizações, acima de tudo, são pautadas pelo trabalho assalariado, não-
assalariado (remunerado) ou voluntário. Portanto, pode-se dizer que o trabalho
ainda configura um elemento central no estabelecimento de laços sociais,
entretanto, há que se considerar uma reformulação na construção da própria
noção de trabalho como emprego.
A despeito dessas considerações, o trabalho industrial, de cunho
assalariado, ainda ocupa grande parte dos trabalhadores no Brasil, por isso, o
desemprego proveniente desse setor é também uma questão social central e atual
para a discussão no cenário brasileiro. As indústrias extrativas, de
transformação e distribuição de eletricidade, gás e água empregam 17,3% da
9
população ocupada no Brasil; a indústria da construção emprega 7,0% da
população ocupada (IBGE, 2006f). De acordo com os dados do IBGE (2006e), o
emprego industrial, em julho de 2006, apresentou aumento de 0,3%, no
confronto com o mesmo mês de 2005. No entanto, esse aumento foi o primeiro
após seqüência de nove taxas negativas. Considerando-se as taxas de emprego
no ano de 2006, o nível de emprego industrial é de 0,4% menor do que no
período janeiro-julho de 2005.
Em Minas Gerais, o nível de emprego
6
na indústria registrou um
crescimento de 0,08% em junho de 2006 com relação ao mês de maio, segundo
o relatório da FIEMGIndex (2006). De acordo com esse relatório, o crescimento
foi liderado pelos setores de Bebidas (1,48%), Indústria Extrativa Mineral
(1,23%) e Mecânica (0,93%). No entanto, constatou-se que essa elevação
ocorreu, especificamente nesses setores, devido a um processo contrário ao que
vem ocorrendo no contexto da reestruturação produtiva: a reincorporação de
atividades que antes eram terceirizadas. Além disso, nesse relatório, considerou-
se como empregado(a), além do sujeito com vínculo empregatício, o sujeito
contratado temporariamente ou não. Em outros setores observou-se queda no
nível de emprego, como, por exemplo, os setores de Calçados (-2,03%),
Química (-1,80%) e Celulose, Papel e Papelão (-0,87%).
Portanto, admite-se que o processo de reestruturação produtiva, por um
lado, associa-se ao aumento do desemprego e das relações precárias de trabalho;
por outro, desencadeia novas formas de relações de trabalho e a emergência de
novos sujeitos sociais, impulsionando um debate acerca de valores sociais no
contexto da reestruturação produtiva e, evidenciando o sujeito trabalhador em
uma relação dialógica com o trabalho. Essa relação pode ser explicitada como
6
De acordo com a metodologia da FIEMGIndex (2006), o nível de emprego refere-se ao
total de pessoas existentes no último dia do mês remuneradas diretamente pela empresa,
com ou sem vínculo empregatício, com contrato de trabalho por tempo indeterminado ou
temporário, ligadas ou não ao processo produtivo.
10
um processo de construção social do conhecimento acerca do próprio fenômeno
emprego/desemprego.
Essa perspectiva é pouco verificada em pesquisas acadêmicas nos planos
internacional e nacional. Além do foco em abordagens de caráter macrossocial,
referenciadas anteriormente, observou-se que o fenômeno do desemprego tem
sido estudado, principalmente, por meio de duas linhas reflexivas:
i) Uma linha de caráter macrossocial e econômico, proveniente da
economia e sociologia do trabalho. Nessa linha, preocupa-se com a
macrodinâmica do fenômeno, com o mapeamento de suas causas, conseqüências
e com a proposição de alternativas ou modelos gerais de análise. Entre vários
trabalhos, pode-se citar as pesquisas mais recentes realizadas por Song &
Freebairn (2005), propondo um modelo macroeconômico para a eficiência de
políticas de redução de desemprego; Gangl (2004), o qual realizou uma
comparação entre Estados Unidos e Alemanha no que refere à relação entre o
desemprego e as políticas de Bem-Estar Social. Nessa linha, tratando de
políticas públicas de emprego, ressaltam-se os trabalhos de Eatwell (2000),
Betcherman (2000), Sargent (2000) e Veiga & Chappell (2002). Em outros
trabalhos, verificou-se o relacionamento entre as políticas de emprego e a ação
das instituições e organizações nesse quadro: Considine (2000) e Kenworthy
(2002). Riphahn (2002), por sua vez, traça uma “geografia econômica” acerca da
transição dos jovens da escola para o trabalho, focalizando o desemprego para
essa parcela da população. No estudo de Report V (2001), também há uma
reflexão sobre o desemprego na juventude. Além disso, existem estudos que
propõem reflexões acerca do próprio conceito de emprego e desemprego e suas
implicações para a vida contemporânea (Stebbins, 2000).
ii) Em uma segunda vertente de estudo, tem-se o enfoque psico-
fisiológico, enfatizando a microanálise do fenômeno desemprego,
11
principalmente no que refere às conseqüências para o indivíduo. Entre vários
trabalhos mais recentes, pode-se citar os trabalhos de: Agren et al. (2003),
Artazcoz et al. (2004), Bartley (1994), Hammarstrom & Janlert (2003), Mckee-
Ryan et al. (2005), Novo (2001) e Whooley et al. (2002), focalizando na relação
entre desemprego e saúde, principalmente mental, utilizando-se de metodologias
quantitativas e descritivas. No trabalho de Hammartrom & Janlert (2003),
reflete-se sobre a condição de desempregado(a) como preditora para o
desenvolvimento do tabagismo, baseando-se em um estudo longitudinal. Nessa
linha, insere-se a pesquisa de Kposowa (2001), relacionando o desemprego aos
níveis de suicídio. Vale ressaltar alguns trabalhos desenvolvidos a partir da
década de 1970, considerados como referência para o estudo das conseqüências
do desemprego na saúde física e psicológica dos sujeitos, são eles: Cohn (1978),
Fryer & Payne (1986), Jahoda (1981, 1982) e Warr (1987).
São raros os estudos que focalizam, por exemplo, a compreensão dos
sujeitos (desempregados, trabalhadores, mídia, empresários, etc.), considerando
suas experiências, linguagem e a história, para o estudo do fenômeno do
desemprego. Sob esse enfoque, podem-se citar alguns trabalhos mais recentes,
como os estudos de Kaufman & Mirsky (2004), Li (2002), Lovell (2002) e
Waters & Moore (2002), nesses trabalhos, focalizou-se na percepção dos
sujeitos desempregados ou considerados como “excluídos” da condição de
emprego, para a reflexão acerca do fenômeno em diversas perspectivas. Por
exemplo, no trabalho de Li (2002) utilizou-se as experiências de desemprego
como referência para a discussão da mobilidade em trajetórias profissionais.
Nos estudos de, Arcidiacono, Sommantico & Procentese (2001),
Navarro & Hendrickson (2000), Nolan & Coghlan (2002), observou-se o
direcionamento para as conseqüências sociais do desemprego, porém, por uma
perspectiva que considera, além da percepção dos sujeitos, a ação acerca do
12
fenômeno. No trabalho de Navarro & Hendrickson (2000), por exemplo,
desenvolve-se a pesquisa-ação. No Brasil, vale ressaltar os trabalhos de
Corrochano (2004), Lemos (2003), Leite (1998) e Sabag (2002), nos quais se
defende a compreensão do fenômeno do desemprego e trabalho,
respectivamente, considerando seus significados para os sujeitos sociais. Nos
estudos de Camargo (2002), Rosa (1998) e Veronese & Guareschi (2005),
focalizou-se na interface entre as percepções dos sujeitos acerca de trabalho e
desemprego e a questão da subjetividade.
No campo da Administração, a maioria dos estudos acerca do
desemprego segue a lógica dominante. No entanto, sublinhou-se a emergência
de pesquisas mais recentes, nas quais analisou-se o desemprego sob a
perspectiva dialógica. Nessa perspectiva, pode-se citar os trabalhos de Fleig et
al. (2005), Pereira (2005), Pereira & Brito (2006) e Tonelli (2005).
Diante disso, foi levantada a seguinte questão: Como o fenômeno do
desemprego pode ser compreendido e estudado, para além das abordagens
macrosociais e psicofisiológicas, incluindo-se a percepção dos sujeitos sociais?
A partir desse questionamento, afirma-se a necessidade de focalizar o
conhecimento acerca do desemprego por meio de uma relação dialógica entre os
sujeitos sociais, imersos em um contexto de alteração nas relações de trabalho e
o próprio fenômeno em estudo. Sendo assim, admiteu-se que o conhecimento
acerca do fenômeno do desemprego seja socialmente construído e que sua
análise dependa da forma como os sujeitos compreendem esse fenômeno.
Portanto, o fenômeno do desemprego pode ser investigado por meio de
um processo de produção de sentidos, considerando os sujeitos sociais. Esse
processo envolve a linguagem, história, memória e intersubjetividade, além das
condições de produção específicas do fenômeno/região em estudo.
7
7
A tese não pode ser explicitada em forma de uma hipótese empírica, por se tratar de um
estudo compreensivo. Por exemplo, a tese não versa sobre quais são os possíveis
13
O processo de produção de sentidos acerca do fenômeno desemprego
pode ser analisado por meio da abordagem do Construcionismo Social (Gergen,
1985; Ibáñez, 1993; Rorty, 1994). Nessa abordagem, considera-se que o
conhecimento acerca da realidade seja socialmente construído, por meio da
linguagem, historicamente e culturalmente contextualizada. Ou seja, a dicotomia
sujeito-objeto é negada e adverte-se a dialogia
8
como forma de produção de
conhecimento. Além da abordagem construcionista, ressalta-se a análise das
práticas discursivas (Bakhtin, 1992; Fiorin, 1988; Foucault, 2004; Maingueneau,
2005; Orlandi, 2003; Pêcheux, 1997) como possibilidade teórico-metodológica
para a análise sócio-construcionista do processo de produção de sentidos.
Desenvolveu-se essa argumentação com o aporte de uma pesquisa
empírica, realizada na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais,
Brasil. No que refere à pesquisa empírica, objetivou-se: compreender o processo
de produção de sentidos acerca do fenômeno do desemprego, tendo como
referência as práticas discursivas de sujeitos envolvidos com esse fenômeno,
tendo como referência de estudo a RMBH – MG, mais especificamente, o setor
industrial
9
.
Os sujeitos são: trabalhadores desempregados; trabalhadores à procura
do primeiro emprego; representantes do Sindicato dos Trabalhadores nas
Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Belo Horizonte e
“sentidos” acerca do desemprego, pois, o que interessa é justamente compreender o
processo de produção desses sentidos como forma de conhecimento acerca do
desemprego. Dessa forma, a tese é constituída de um argumento teórico-metodológico, a
partir do qual acredita-se ser possível o estudo acerca desse fenômeno.
8
Processo de interação (entre sujeito e objeto ou entre sujeitos) que ocorre por meio da
linguagem, oral, escrita ou simbólica.
9
Como segmentos do setor industrial, considerou-se a classificação da FIEMGIndex
(2006), que classifica como gêneros do setor industrial: indústria extrativa mineral,
indústria de transformação, bens de consumo, têxtil, vestuário e artefatos de tecidos,
calçados, produtos alimentares, bebidas, bens de produção, mecânica, material elétrico e
de comunicações, material de transportes, insumos básicos, metalurgia, química,
minerais não-metálicos, celulose, papel e papelão.
14
Contagem; e, membros da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais
(FIEMG).
Desse objetivo, desdobram-se os seguintes objetivos específicos:
1. Resgatar as condições de produção, envolvendo a trajetória
sócio-histórica da inserção da região metropolitana de Belo Horizonte no
mercado de trabalho industrial, além da trajetória profissional dos sujeitos,
considerando as instituições das quais fazem parte;
2. Investigar as práticas discursivas desses sujeitos acerca do
fenômeno desemprego;
3. Discutir o processo de produção de sentidos acerca do
desemprego em paralelo às condições de produção apresentadas;
4. Ressaltar a produção de sentidos sobre o desemprego como uma
forma de conhecimento acerca desse fenômeno, centralizando a abordagem
sócio-construcionista.
Para tanto, seguiu-se um raciocínio que se estende ao longo dos capítulos
deste estudo. Nesta introdução, por meio da revisão de literatura, apresentou-se
uma crítica ou “negação” de referenciais anteriores ao estudo do desemprego
(viés macrossocial e psicofisiológico), argumentando-se a importância do estudo
desse fenômeno como um processo dialógico entre sujeito-objeto. No capítulo
1, apresentou-se um resgate acerca do trabalho, do emprego, do desemprego e de
suas condições de produção na sociedade contemporânea brasileira. No capítulo
2, no qual se discutem a abordagem sócio-construcionista e os pressupostos
teóricos, traçou-se uma demonstrativa de não-inclusão da dialogia sujeito/objeto
em pesquisas; inclusão (por meio do construcionismo social); e das possíveis
formas de inclusão dessa dialogia, no estudo do desemprego, dentro de uma
perspectiva construcionista.
No capítulo 3, a partir da abordagem sócio-construcionista de análise,
ressaltou-se o papel central da linguagem e das práticas discursivas para o
15
processo de produção de sentidos. Além disso, apresentou-se uma proposta
teórico-metodológica de análise, mediante uma complementação da proposta de
Spink & Medrado (2004) para a análise das práticas discursivas. No capítulo 4,
são detalhados os passos empregados para a realização da pesquisa empírica.
No capítulo 5, apresentou-se a discussão da pesquisa empírica.
Especificamente nesse capítulo, são discutidas as trajetórias dos trabalhadores
desempregados; trabalhadores à procura do primeiro emprego; representantes do
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de
Material Elétrico de Belo Horizonte e Contagem; e, membros da Federação das
Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG). Considerou-se o contexto de
suas instituições, bem como a trajetória de inserção da RMBH no contexto do
trabalho industrial. Esse percurso é importante para a análise das condições de
produção específicas da região em estudo.
No capítulo 6, ilustrou-se a análise das práticas discursivas acerca do
fenômeno desemprego e da interface com as condições de produção desse
fenômeno. No capítulo 7, discutiu-se o processo de produção de sentidos sobre
o desemprego industrial na RMBH. Esse processo ocorre pela identificação e
discussão dos repertórios discursivos e pode ser visualizado pelos mapas de
repertórios. No capítulo 8, refletiu-se acerca da possibilidade e das
contribuições de uma perspectiva construcionista para o estudo do fenômeno do
desemprego. Finalmente, são apresentadas as considerações finais acerca do
estudo.
Pressupõe-se que este estudo possa contribuir para um avanço no debate
teórico-metodológico acerca dos estudos sobre a realidade do
trabalho/desemprego. No campo da Administração, acredita-se que resultados
provenientes de estudos dessa natureza possam ampliar as discussões acerca da
implementação e administração de políticas e programas para a geração de
emprego e renda. A pesquisa também pode auxiliar na condução de práticas
16
administrativas, principalmente, de gestão de pessoas, como, por exemplo,
programas de recolocação de pessoas demitidas no mercado de trabalho. Dessa
forma, os fenômenos sociais/organizacionais, mais especificamente o fenômeno
do desemprego, podem ser estudados como fenômenos que influenciam e são
influenciados pela percepção dos sujeitos sociais, ressaltando que, nessa
perspectiva, não é a realidade em si que é socialmente construída, mas o
conhecimento acerca dessa realidade.
17
1. DESEMPREGO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
O fenômeno do trabalho pode ser compreendido como uma construção,
por meio da análise de transformações nos planos: social, político, econômico e
cultural. Pode-se considerar que a realidade contemporânea, na esfera do
trabalho, seja influenciada por essas transformações, ao mesmo tempo em que
modifica a maneira de analisar a trajetória da condição de trabalho, de não-
trabalho e das relações sociais implícitas nessas categorias. Na seção 1.1,
apresentou-se um resgate analítico desse fenômeno.
Para tanto, seguiu-se a linha sócio-histórica adotada por Castel (1998),
por meio da qual reflete-se acerca de qual seria o núcleo da questão social
10
, com
base em material cronológico-esquemático, pertinente às sociedades ocidentais
européias. Sua reflexão apresenta alguns problemas advindos da esfera do
trabalho. Para o autor, essas questões nunca foram tão pertinentes para a análise
do conjunto da sociedade contemporânea.
Ao referenciar o trabalho de Castel (1998), em se tratando de uma
análise que focaliza a realidade do ocidente europeu, dialoga-se com outros
estudos, os quais permitem a interface com a realidade da sociedade brasileira,
considerando as assimetrias e diferenças no plano histórico-cultural. Para tanto,
são apresentadas as críticas de Martins (1994) e Sorj (2000) sobre o que os
autores chamam de explicações monocausais ou pluralistas
11
acerca da
sociedade brasileira.
10
Castel (1998) retoma o termo “questão social”. A questão social não é considerada
como realidade empírica, mas, emerge quando passa a ser considerada como um
fenômeno social. Ou seja, quando a condição de não-trabalho (fenômeno empírico), por
exemplo, passa a ser encarada como um problema da sociedade (fenômeno social).
11
Essas explicações são baseadas nos modelos clássicos de análise da sociedade,
principalmente, os desenvolvidos por Émile Durkheim e Karl Marx. Esses modelos
expressam, hora, explicações positivistas para a dinâmica da sociedade, como a crença
em uma realidade racional e coerente, que funciona por uma lógica única; hora, uma
18
Para esses autores, na análise do Brasil contemporâneo, deve-se
considerar a realidade como um resultado da convivência complementar e
conflituosa de vários elementos herdados da história brasileira, com outros,
contemporâneos, que se justificam nos sistemas sociais do ocidente europeu.
Trata-se de reconhecer a sociedade brasileira, como outras de origem colonial,
como sociedade que comporta, no contemporâneo, a presença ativa de estruturas
fundamentais do passado: a história daquilo que permanece. Ou seja, deve-se
considerar o dualismo do tradicional e do moderno (Martins, 1994; Sorj, 2000).
Sendo assim, o fenômeno do desemprego aparece como uma realidade,
cuja compreensão depende de uma construção sócio-histórica. Na
contemporaneidade, tem-se mencionado a desconstrução (Gautié, 1998) desse
fenômeno, decorrente de um processo de reestruturação nas relações de trabalho,
de maneira que o trabalho não estaria mais no centro da questão social (Meda,
1996; Offe, 1989, 1999).
Sem o propósito específico de refutar essa afirmativa, mas, retomando os
argumentos de Castel (1998), na seção 1.2, apresentam-se as metamorfoses da
questão do emprego e desemprego, enfatizando o processo de reestruturação
produtiva e o período da acumulação flexível como elementos de transformações
na esfera do trabalho, o qual re-organiza o não-trabalho como questão social.
Ainda nessa seção, no tópico 1.2.1, apresentou-se o contexto brasileiro das
transformações nas relações de trabalho, focalizando o setor industrial.
Diante do resgate sócio-histórico e da centralização do desemprego no
período da acumulação flexível, inerentes à realidade brasileira, acredita-se que
a compreensão do fenômeno de desemprego pode ser admitida como construção
social imersa em um universo de valores complexos acerca da condição de
trabalho e não-trabalho na sociedade contemporânea. Dessa forma, acredita-se
explicação macro-social crítica, baseada em processos políticos e históricos,
caracterizados, principalmente, pela forma de inserção dos indivíduos nos modos de
19
que possam emergir novas formas de compreensão acerca do emprego e
desemprego na sociedade brasileira, as quais podem ser caracterizadas como
elementos importantes para o estudo desse fenômeno, considerando as alterações
ocorridas no período de acumulação flexível. Essa discussão aparece na seção
1.3.
1.1 Metamorfoses das condições de trabalho e não-trabalho
O trabalho ou a condição de trabalho, segundo Arendt (1983), deve ser
diferenciado do Labor e da Ação. O Labor relaciona-se às atividades vitais para
manter a condição humana, como lavrar a terra, por exemplo; a Ação (práxis)
refere-se à mediação direta entre os homens, à maneira por meio da qual se
manifestam e se reconhecem como pluralidade. Trata-se, na prática do
discurso
12
, do exercício da política, por exemplo. Para a autora, ambos: o Labor
e a Ação, não são condições impostas aos homens. O trabalho (poiesis), por sua
vez, reporta-se a uma atividade artificial, ligada ao utilitarismo e à produção, o
trabalho do escultor, ou do artesão, por exemplo. Essa classificação está
vinculada às formas de pensamento difundidas na antiguidade (Grécia e Roma),
quando os antigos distinguiam o trabalho na terra, a fabricação do artesão e a
atividade livre do cidadão (Albornoz, 2002).
A condição de trabalho moderna pode ser legitimada e compreendida em
diferentes sociedades de diferentes maneiras. Segundo Albornoz (2002), nas
sociedades ocidentais capitalistas, essa condição remete à idéia de que o homem
se eleva e se reconhece no trabalho de transformação do mundo material.
produção (Alencar, 1999).
12
É tratado como prática, ação social, ato de linguagem. A produção de discurso é
diferente da fala. A fala é a exteriorização psico-físico-fisiológica do discurso.
20
Nesta seção, discutiu-se o trabalho, propriamente dito, na sociedade
ocidental capitalista. No esquema analítico, apresentam-se três trajetórias
possíveis de problematizações com relação à condição de trabalho e não-
trabalho (Castel, 1998): i) do século XIV até meados do século XVIII, chamada
de sociedade pré-industrial; ii) do fim do século XVIII ao fim do século XIX,
chamada de sociedade industrial; e, iii) as transformações que dominam o
século XX, as quais, a partir da metade do século, caracterizam a passagem de
uma sociedade salarial (Castel, 1998), que Harvey (1996) chama de período da
acumulação flexível.
Na sociedade pré-industrial, no ocidente cristão, o trabalho caracteriza-se
como elemento central do pertencimento ao social. Trata-se de uma concepção
de trabalho que está vinculada a uma tradição judaico-cristã, a partir da qual o
trabalho é uma atividade de punição pelos pecados, não era uma atividade digna
por si mesma, porém, deveria ser executada pela sobrevivência (Albornoz,
2002). Essa concepção de trabalho domina o período, sob condições de
absolutismo, denominado por Castel (1998) como período de proteção próxima.
A proximidade é, antes de tudo, a proximidade geográfica, regulamentada, no
âmbito da comunidade, por laços sociais primários (parentesco); e, no âmbito
político, pela organização em torno dos senhores feudais e da Igreja.
Esse sistema configura a importância do trabalho como inscrição no
espaço, configurando a inclusão no social-geográfico (Gautié, 1998). O trabalho
é considerado meio para manter a sobrevivência. A condição de trabalho pode
ser caracterizada como a participação em um corpo de tarefas, que marca o
pertencimento ao social e ao assistencial. O trabalhador não é assalariado, pois
não vende sua força de trabalho livremente, mas faz parte de uma hierarquia
social. O trabalho regulado e forçado marca a condição de trabalho nesse
período.
21
A condição de não-trabalho, quando ocupada por pessoas incapazes
13
de
trabalhar, gera a figura do pobre. Esse pobre (incapaz de trabalhar) não é
excluído do sistema, pois essa condição é exaltada pelo cristianismo como
condição merecedora de assistência. Como assistência a essa condição de não-
trabalho, desenvolve-se um sistema de tutela, definido por Castel (1998) como a
“família providência”. O critério que delimita o campo assistencial para os
incapazes é a proximidade, o vínculo geográfico estável. Por outro lado, os
indivíduos tidos como dissocializados (estrangeiros e mendigos não
domiciliados), nomeados por Castel (1998) como desfiliados, mesmo sendo
capazes para o trabalho, são excluídos dos mecanismos de assistência. Portanto,
a condição de não-trabalho pela falta de trabalho e não pela inaptidão (mendigo
válido) é tida como não-pertencimento social, excluída de qualquer tipo de
assistência.
Essa condição é agravada pelas desordens causadas na sociedade pré-
industrial
14
, provocando os avanços da mendicância. Castel (1998) caracteriza os
indivíduos que não possuem trabalho nesse período como “inúteis para o
mundo”. Quando esse quadro centraliza a condição de não-trabalho,
materializando-a nas políticas preconizadas a respeito dos pobres (inúteis para o
mundo): “se pode falar da emergência de uma questão social na sociedade pré-
industrial” (Gautié, 1998, p. 70). Essas políticas variam, do século XIV ao
século XVII, em termos de: a) alternância entre assistência e repressão; b)
produtivismo; e, c) mudança da visão de pobreza, evoluindo da exaltação para
13
A incapacidade, nesse período, é representada pela inaptidão física e mental para o
trabalho (Castel, 1998).
14
O autor cita a peste negra, fenômeno que causa uma falta de trabalho paradoxal, pois,
enquanto a função demográfica abre possibilidades de emprego, ocorre um aumento da
existência de pessoas que não obedecem aos modos dominantes da organização do
trabalho.
22
uma concepção moral que a condena
15
. As políticas produtivistas do século
XVII sinalizam para essa mudança na concepção de pobreza e trabalho.
Essas políticas também sofrem influência do campo religioso, como o
advento da Reforma Protestante, reformulando o conceito de trabalho no
cristianismo (Albornoz, 2002). Sob essa ótica, a qual Castel (1998) nomeia de
produtivismo, a condição de trabalho passa a ser considerada como chave da
vida, como um dever e fonte de riqueza
16
: “o trabalho é o caminho religioso
para a salvação (...) é pelo trabalho árduo que alguém pode chegar ao êxito, e
assim a realizar a vontade de Deus” (Albornoz, 2002, p. 53). Dessa forma, a
condição de trabalho é “liberada” de determinados valores morais e religiosos
17
.
Meda (1996) ressalta a invenção da categoria trabalho, no período
industrial, como uma condição de liberdade criativa, por meio de uma produção
organizada. Recorre-se ao contrato de trabalho, com a intenção de libertar a
venda da força de trabalho e fazer valer o direito dos “inúteis para o mundo”
sobre a sociedade. Esse direito não é intermediado pelo Estado, pois deve
permitir o livre acesso ao mercado: “sua intervenção deve ser indireta, ele deve
ser o móvel do trabalho, mas, deve, por assim dizer, evitar mostrar-se como tal”
(Castel, 1998, p. 247).
Na modernidade liberal, a condição de trabalho é responsabilidade
daquele que a administra, ou seja, o homem que só tem sua força de trabalho
para negociar deve fazê-lo, da melhor maneira possível, por meio do contrato.
Por isso, entende-se que o direito dos “inúteis para o mundo” está justamente na
liberdade de poder negociar sua própria força de trabalho.
15
Ver, por exemplo, o estudo Weber (2004).
16
No mercantilismo ou em outras formas anteriores de regulação do trabalho, o valor do
trabalho é subordinado aos imperativos morais ou religiosos. A partir do século XVIII
passa-se a defender a liberdade de troca de mercado. Dissemina-se a idéia do trabalho
como fundamento da riqueza e, para que ele possa se desenvolver plenamente, o mesmo
deve ser submetido às leis do mercado.
17
Ver, por exemplo, o trabalho de Arendt (1983) e Weber (2004).
23
O liberalismo comporta o registro da troca contratual e a proteção a ser
exercida em relação aos que não podem entrar na lógica da reciprocidade
contratual. A condição de trabalho pode ser compreendida como condição
proletária. Essa condição, por si só, alinha-se a uma situação de quase exclusão
do corpo social. Dessa forma, a exclusão não é compreendida apenas como não-
trabalho. O trabalho sem proteção estimula a exploração daqueles que trabalham
e o aumento de não-trabalhadores.
Para Gautié (1998), modifica-se a concepção de pobreza, o vínculo
geográfico se desfaz, os “inúteis para o mundo” perambulam em busca de
alguém que queira lhes comprar a força de trabalho. Castel (1998) sublinha que,
ao longo do século XIX, esse quadro gera um antagonismo destruidor,
agravando o pauperismo e invocando novas funções para o Estado. As condições
de trabalho e não-trabalho passam a ser compreendidas com relação à questão
social do pauperismo: “ao lado do trabalhador desprovido de trabalho, está o
trabalhador miserável” (Gautié, 1998, p. 73).
Como crítica ao liberalismo, aparece, em um primeiro momento, a
proteção patronal, na qual o patrão se faz organizador da seguridade do operário
(paternalismo), tornando-se um importante fator de fixação dos trabalhadores.
Esse fato desenrola-se, principalmente, como resposta às lutas dos trabalhadores
desprovidos contra a falta de trabalho; a organização dos trabalhadores e as
“lutas sindicais” emergem. Posteriormente, aparece o que Castel (1998) chama
de “Estado Social”. O Estado passa a ser o órgão do fundamento social. Castel
(1998, p. 381) afirma que: “ao longo do século XIX, não produziu-se senão
discursos” para explicar que, no âmbito do Estado Social e das políticas voltadas
para o trabalho, não ocorrem evoluções significativas, senão, no início do século
XX.
Nesse período, por meio da tecnologia de seguros e da ressignificação do
papel do Estado como gerente dos interesses coletivos, colocando a propriedade
24
social como o centro dos serviços públicos. Nesse período, Castel (1998)
identifica a emergência do “proletariado moderno”, condição que se desenvolve
no âmbito da organização capitalista do trabalho.
Faria (2004, p. 44) define organização capitalista de trabalho como: “a
forma como o capital estrutura o processo de trabalho, através de sua divisão
técnica e social
18
, do estabelecimento de uma hierarquia gerencial e de um
sistema disciplinar específico”. Ele ainda afirma que dessa divisão do trabalho
decorrem “as necessidades objetivas do capital em perpetuar seu sistema de
controle sobre o processo de trabalho” (Faria , 2004, p. 41).
A reflexão de Marx (1983)
19
quanto à sua idéia a respeito do trabalho
livre como uma condição utópica no sistema capitalista industrial pode ser
resgatada. O trabalho livre no sistema industrial seria utópico, pois a liberdade
estaria nas mãos daqueles que possuem os meios de produção e podem contratar
livremente. Os trabalhadores, diante de suas necessidades, não estariam em
condição de liberdade, mas de exploração, pela criação da mais-valia (aumento
da jornada de trabalho e da produtividade do trabalho); e, da subsunção, pela
característica própria do sistema capitalista de subordinação do trabalho ao
capital
20
.
Faria (2004, p. 49) ressalta um tipo de subsunção que chama de
subsunção real subjetiva, caracterizada como: “relação político-ideológica e
psicossocial entre o capital e o trabalho, de forma que aquele se apropria,
através de mecanismos sutis, da consciência do trabalhador pelo seqüestro de
18
A divisão técnica refere-se ao parcelamento das operações e do trabalho (manual e
mental). A divisão social ocorre quando o trabalho humano se converte em trabalho
social e pode expressar modos de segmentação da sociedade (Faria, 2004).
19
Marx (1983) reflete acerca da organização capitalista industrial do trabalho; das
relações de trabalho provenientes dessa organização; e, desenvolve sua teoria a respeito
da exploração capitalista sobre o trabalhador.
20
Não se pretende retomar as idéias de Marx como um referencial analítico. As idéias do
autor são referenciadas para ilustrar uma “visão” acerca do trabalho na sociedade
ocidental capitalista.
25
sua subjetividade
21
. O autor afirma que quanto mais o trabalhador é envolvido
na lógica do capital, maior é a sua alienação. O estado de alienação pode ser
definido pela incapacidade dos homens de perceberem como sociais os frutos de
seu trabalho; o trabalho produtivo acaba por se tornar uma obrigação para o
proletário. Na concepção de Marx (1983), apenas os proletários conscientes
poderiam libertar-se. Isso aconteceria por meio da consciência de classe
22
.
Castel (1998) ressalta que é sob a condição de trabalho do século XIX
que se amplia a consciência de classe decorrente da crescente pauperização dos
trabalhadores (participação na subordinação). O pauperismo dos trabalhadores,
ao mesmo tempo em que evidencia a exploração, também pode ser
compreendido como o antagonismo de classes, uma contradição que ameaça o
sistema capitalista, visto que, para sobreviver, o sistema conta com o consumo
da massa de trabalhadores. A discussão de Marx (1983) ajuda na compreensão
da condição de trabalho e não-trabalho, estabelecida na sociedade industrial
capitalista, principalmente quanto às políticas sociais voltadas para o trabalho,
sobre as quais pode-se dizer que a ênfase é a superação da contradição apontada
por Marx (1983), ou seja, incluir os trabalhadores em um consumo necessário
para a manutenção do sistema capitalista.
A condição de trabalho ao longo desse século, relacionada à organização
dos trabalhadores para a conquista de seus interesses, é caracterizada por Castel
(1998) como condição operária. Nessa condição, o trabalho permite uma
21
Condição consciente ou inconsciente que remete ao sujeito e que permite que ele
estabeleça julgamentos de valor. A constituição da subjetividade pode ser entendida
como um processo biológico (independente das relações sociais) ou como um processo
dependente das relações sociais. Nesse caso, entende-se que o autor fala da subjetividade
como um estado psíquico, interior ao trabalhador.
22
A distinção conceitual de Marx (1983) define as classes enquanto grupos de pessoas
que compartilham objetivos comuns e uma situação similar no que se refere à
propriedade dos meios de produção (classe em si). Um outro conceito refere-se à classe
para si, determinada por grupos que se organizam politicamente e conscientemente em
defesa seus interesses (Marx, 1983).
26
ampliação subordinada na vida social por meio do consumo e da conquista de
alguns direitos, como férias remuneradas e proteção contra acidentes de
trabalho. A condição de trabalho humaniza (mesmo que subordinadamente), ao
mesmo tempo em que aliena, pois somente dessa forma mantém o sistema
capitalista por meio da exploração: “é uma relação social de subordinação e de
privação da posse que se instala pela mediação da relação técnica de trabalho”
(Castel, 1998, p. 441). O trabalho operário, portanto, representa a integração na
subordinação, e o não-trabalho, por sua vez, é a exclusão de alguns direitos
conquistados, não importando a base geográfica ou a hierarquia.
A divisão avançada do trabalho e a complexidade da diferenciação social
engendram transformações, a partir das quais se nota que não existem somente
proprietários e não-proprietários dos meios de produção. A condição de trabalho
consolida-se pela relação do trabalhador com a grande empresa, a qual se torna o
lugar central da relação de trabalho moderna.
Para o fortalecimento dessa relação, pode-se citar a evolução nas
condições de trabalho, conforme descreve Castel (1998): a) a separação entre os
que trabalham e os inativos, que devem ser excluídos do mercado de trabalho ou
integrados sob formas regulamentadas; b) a fixação do trabalhador em seu posto
e a racionalização dos processos produtivos, o que acarreta uma tendência à
homogeneização das condições de trabalho; c) O acesso às novas normas de
consumo operário, por meio do qual o próprio operário se torna usuário da
produção em massa (consumo em massa); d) o acesso à propriedade social e aos
serviços públicos (participação na subordinação).
A essas condições Gautié (1998) acrescenta:
e) a mudança na relação contratual (mediada pelo direito civil) para uma
relação jurídica entre o trabalhador e a empresa (mediada pelo direito do
trabalho). Nesse contexto, as relações de trabalho ocorrem por contratos e
interações entre as estratégias gerenciais e as atividades (objetivas e subjetivas)
27
dos trabalhadores (Faria, 2004). Essa mudança: “inscreve a relação de trabalho
no tempo e faz dele um vínculo de subordinação entre um indivíduo e uma
entidade coletiva: a empresa” (Gautié, 1998, p. 75). Pagés et al. (1987) afirmam
que, nesse contexto, a organização funciona como um sistema de mediações e
que jamais pode ser entendida apenas como um conjunto de objetivos e pessoal.
Para os autores: “a organização media sem cessar as contradições de grupos
sociais internos e externos que a tocam” (Pagés et al., 1987, p. 33).
O desenvolvimento desses processos de mediação culmina, segundo os
autores, com o aparecimento da organização hipermoderna. Uma das principais
características desses sistemas é a dominação psicológica sobre os trabalhadores,
sob a qual o indivíduo assume a organização, sua ideologia
23
e suas regras: “ele
vive a organização como uma droga da qual não pode se separar” (Pagés et al.,
1987, p. 36).
Além disso, passa-se de um tipo paternal para um sistema maternal, a
organização associa-se a uma imagem inconsciente feminina, trata-se de um
sistema sócio-mental dominado pela organização e pela sua associação com a
figura da mãe. Por um lado, a organização propõe aos sujeitos uma imagem de
força e poder. Por outro, oferece satisfações e proteção (salário, trabalho,
carreira, contatos, etc). Os autores hipotetizam que o trabalhador vive um
conflito permanente entre seus desejos e limites, articulando as contradições
psicológicas com as sociais:
A organização, na sua realidade econômica e política, propõe aos
indivíduos uma imagem de força e de poder: o porte da organização,
seu caráter mundial, sua eficácia, seus objetivos de conquista (lucro e
expansão) constituem uma imagem agressiva de onipotência, que
favorece a projeção de sonhos individuais de onipotência, ao mesmo
23
Nesta pesquisa, o conceito de ideologia remete à noção de memória. Ou seja, ela passa
a ser vista como um efeito da relação necessária do sujeito com a língua e com a história
(Orlandi, 2003).
28
tempo que mantém a angústia que os alimenta.” (Pagés et al., 1987, p.
163).
f) a centralidade do não-trabalho no plano da intervenção pública. A
partir dessa evolução, emerge o Estado Providência ou Estado do Bem-Estar
Social
24
. Essa política tornou-se quadro de referência da maioria dos países
ocidentais capitalistas, de industrialização desenvolvida, após a Segunda Guerra
Mundial.
A condição de trabalho caracterizada como operária passa à condição
assalariada. Essa condição, por um lado, remete ao trabalho no molde
fordista
25
, possibilitando renda e tempo para que os trabalhadores consumam o
que produzem. Além disso, o estabelecimento de estratégias administrativas,
econômicas e políticas para a manutenção desse sistema converge para uma rede
de proteção ao trabalhador. Busca-se fornecer complementos salariais e sociais-
assistenciais, por meio dos quais vincula-se o trabalhador ao seu local de
trabalho: “o fordismo se aliou firmemente ao keynesianismo, e o capitalismo se
dedicou a um surto de expansões internacionalistas de alcance mundial que
atraiu para sua rede inúmeras nações descolonizadas” (Harvey, 1996, p. 192).
Nesse sistema, no contrato de trabalho formal e rígido, estipula-se que o
trabalhador apareça no local de trabalho, obedeça a ordens regulares e superiores
e receba compensação monetária. Trata-se de uma rede de seguros garantida ao
trabalhador. Esse tipo de relação tornou-se central para o desenvolvimento
capitalista do início do século XX e no período de expansão do pós-guerra. O
24
Trata-se de um modo de gestão política que associa a sociedade privada, a propriedade
social, o desenvolvimento econômico e a conquista dos direitos sociais: o mercado e o
Estado.
25
Esse modelo iniciou-se com a introdução do sistema de oito horas e cinco dólares nas
linhas de produção da fábrica de Henry Ford, no início do século XX. O sistema fordista
de trabalho (o emprego fordista), aliado às técnicas de Administração Científica,
configura um modelo explícito de produção de massa e, conseqüentemente, de consumo
em massa (Harvey, 1996).
29
núcleo concentra-se na relação salarial e no emprego formal. Todos os outros
aspectos da sociedade concentram-se nessa relação (Enriquez, 1999; Sennett,
2003).
Por outro lado, Castel (1998) admite que a sociedade salarial também
pode ser compreendida como uma sociedade dos funcionários. O autor explica
que essa condição é de tal maneira generalizada na sociedade ocidental que,
certo modo, imprime uma tendência de que os trabalhadores assalariados percam
a força de luta por seus direitos. O que ocorre é uma dissolução da alternativa
revolucionária e a redistribuição da conflitualidade social, conforme um modelo
diferente da sociedade de classes.
A proliferação de atividades de serviços em geral impulsiona o aumento
de um assalariado não-operário, pois não transforma diretamente a natureza por
meio de seu trabalho. A redistribuição social do trabalho, na sociedade salarial,
fica caracterizada por Castel (1998) como composta por um núcleo social
dominante; um bloco das profissões independentes; um bloco popular
(operários); e pelo bloco periférico ou residual (ocupações instáveis, sazonais,
intermitentes).
Portanto, o não-trabalho existe como uma condição temporária e
instável, mas que pode ser “eternamente temporária”. Ou seja, os trabalhadores
periféricos ficam acampados nas fronteiras da sociedade. Pode-se dizer então
que, na sociedade salarial, sob as condições de trabalho e não-trabalho
apresentadas, emerge e cristaliza-se a categoria emprego: “emprego é a
inscrição social e jurídica da participação dos indivíduos na produção das
riquezas” (Gautié, 1998, p. 75). Emerge o desemprego, uma nova categoria de
compreensão diante dos campos econômico e social:
“está tão difundida a maneira moderna de trabalho e serviço de uma
organização ou um patrão, como assalariado, que ninguém estremece
ao ver integralmente identificados os termos emprego e trabalho (...)
30
muitas vezes fazemos a nossa preparação profissional não exatamente
para atingir o domínio de um saber ou de uma técnica (...) o que se
pretende é depois do curso conseguir um emprego melhor, ou pelo
menos o melhor emprego de nosso tempo” (Albornoz, 2002, p.79).
Pelo resgate acerca das condições de trabalho e não-trabalho na
sociedade ocidental européia, percebeu-se a evolução na condição de trabalho
(trabalho forçado, proletário, operário) para a condição de emprego
(assalariado); e, suas negativas: o não-trabalho e o desemprego. Com base
nessas categorias, pode-se traçar um quadro de análise para o contexto
brasileiro, salvaguardando as particularidades histórico-sociais da construção da
categoria trabalho na dinâmica dessa sociedade.
Considerando a condição de trabalho proletária, materializada por meio
do contrato liberal, Negro & Gomes (2006) afirmam que, no Brasil, nessa
condição, mesmo com a liberdade jurídica, os trabalhadores ainda confrontam-se
com o comando dos “senhores” (geralmente, donos de terras, engenhos, etc.),
num quadro de relações sociais herdeiras do patrimonialismo colonial
26
.
Na sociedade brasileira, a dominação patrimonial é reforçada pelo
revestimento moderno do liberalismo. Atrelado a esse sistema está uma
funcionalidade burocrático-racional que lhe confere legitimidade (Martins, 1994,
p. 30): “o patrimonialismo deriva de uma concepção patriarcal de autoridade e
de uma certa sacralidade no exercício da função pública”. Dessa forma, os
impuros (negros e pobres) estão sujeitos a uma gradação de exclusão que vai da:
condição de senhor de patrimônio à condição de patrimônio de senhor
(Martins, 1994, p. 22).
26
As origens do patrimonialismo no Brasil estão ligadas à colonização portuguesa, que
implantou um Estado como estrutura independente e sobreposta à sociedade, estrutura
cuja função era extrair renda da colônia. Dessa forma, a apropriação privada dos
recursos do Estado por aqueles que acreditavam possuir esse poder, caracteriza o
patrimonialismo colonial (Martins, 1994).
31
Portanto, mesmo com a possibilidade de vender a força de trabalho, não
se pode dizer que a condição de trabalho na sociedade brasileira inaugura-se
como proletária, senão como condição de “escravo liberto”. Ou seja, aquele
trabalhador que, libertado (no sentido literal da escravidão ou no sentido do
contrato), não encontra meios de vender sua força de trabalho e permanece
atrelado ao seu senhor ou a um patrimonialismo paternalista. A mesma análise
pode ser feita para a condição de trabalhador operário. Negro & Gomes (2006)
refletem sobre a complexidade das relações de trabalho, no período da
escravidão, como um legado de experiência para a formação da classe operária
brasileira.
Os autores ressaltam a importância de compreender as relações
imbricadas e não apenas separar o “mundo da escravidão” do “mundo
capitalista”. Além disso, devem-se compreender as particularidades da inserção
do movimento capitalista tal como se desenvolveu na América Latina e no
Brasil. As relações privadas de propriedade e de troca formam o elemento
constitutivo central do tecido social brasileiro. No entanto, trata-se de um
processo que se consolida tardiamente (no final do século XIX); estabelece-se
por meio de introdução de tecnologias e processos de baixa absorção de mão-de-
obra
27
; e, convive com formas tradicionais de produção, como atividades
agrícolas e artesanais (Kowarick, 1985). Não obstante, a idéia fundamental não
deve ser a de uma modernidade que avança, encontrando como obstáculo uma
sociedade tradicional, com uma formação de classe trabalhadora inconclusa, mas
de um sistema que cria uma única lógica estrutural, de tipo capitalista,
27
Nesse momento, o setor expoente da economia passa a ser a indústria. No entanto,
quando esse processo de acumulação se introduz na América Latina já é baseado na
modalidade monopolística das organizações e com nível tecnológico relativamente
elevado, diferente do desenvolvimento industrial nos países europeus do séc XIX. Por
isso, Kowarick (1985) afirma que esse sistema pode ser superexcludente pela fraca
absorção de trabalhadores, na relação de trabalho de cunho moderno.
32
característica da sociedade brasileira (Kowarick, 1985; Negro & Gomes, 2006;
Sorj, 2000)
Portanto, o operariado brasileiro possui a herança do “escravo liberto” e,
pode-se dizer, está mais atrelado à proteção patronal e às origens rurais. O
operariado brasileiro, ao se organizar, também remete à tradição patrimonialista
e, com o fortalecimento do corporativismo no âmbito industrial, converge, por
vezes, às formas de clientelismo (Sorj, 2000, p. 27):
O próprio Partido dos Trabalhadores (PT), que é o fenômeno mais
importante de renovação do campo político brasileiro, esteve
amplamente associado à defesa acrítica dos interesses corporativos
nacionalistas, desorientado face aos desafios da globalização, da
reforma do Estado e à transformação do sistema produtivo e
tecnológico”.
A condição de empregado na América Latina, especialmente no contexto
brasileiro, pode ser considerada como capitalista atípica, pois pressupõe tipos
diferenciados de exploração, como a exploração paternalista, do “escravo
liberto” (Kowarick, 1985; Negro & Gomes, 2006). Pode-se falar em
marginalidade, subemprego e mercado informal
28
, como questões decorrentes de
formas peculiares de inserção no sistema produtivo capitalista (Kowarick, 1985).
Sorj (2000), considerando a condição de empregado, define três amplas
categorias de empregados no Brasil: a) funcionários do setor público; b)
assalariados empregados no setor formal do mercado de trabalho privado; e, c)
os trabalhadores não inscritos na proteção social.
28
O mercado não formal ou informal caracteriza-se, não pela presença de um único
empregador, mas por uma multiplicidade de patrões, geralmente consumidores de
serviços pessoais, produzidos por atividades exercidas sem o reconhecimento jurídico.
Não se trata dos trabalhadores por conta própria, cuja qualificação redunda em
continuidade de trabalho, em altos rendimentos, e para quem o ingresso no mercado
formal é extremamente facilitado (Kowarick, 1985).
33
O modelo fordista gera insatisfação, principalmente por parte de países
considerados periféricos (de industrialização não desenvolvida ou em
desenvolvimento), os quais acabam por “importar” esse modelo dos países
avançados, promovendo a destruição de culturas locais, opressão e numerosas
formas de domínio capitalista em troca de manutenção de um padrão de
consumo imposto (Harvey, 1996).
O fordismo começa a dissolver-se, principalmente a partir de 1970,
quando se desenvolve um processo de modernização das políticas públicas em
conseqüência de crises nos campos econômico e social, nos países capitalistas
avançados. As transformações ocorridas nesse período vêm sendo chamadas de
processo de reestruturação produtiva, configurando em um período denominado
de período de acumulação flexível (Harvey, 1996). Castel (1998) sublinha:
quais quer que possam ser as causas, o abalo que afeta a sociedade no início
dos anos 70 manifesta-se de fato, em primeiro lugar, através da transformação
da problemática do emprego”.
Castel (1998) reforça que a questão social na contemporaneidade é a
questão do emprego, ilustrada pela sua negativa: o desemprego e suas
implicações, como, por exemplo, a precarização e a exclusão. Existem
posicionamentos que divergem dessa tese, os quais contestam a centralidade (na
contemporaneidade) dos atributos vinculados ao trabalho para caracterizar
aquilo que situa e classifica o indivíduo na sociedade, em detrimento de outros
suportes de referência, como o pertencimento familiar ou a inscrição numa
comunidade concreta.
Por meio desse constructo, alinhou-se à abordagem de Castel (1998), por
um lado; por outro, argumentou-se que não se pode mais considerar a sociedade
contemporânea, incluindo o Brasil, como salarial fordista. Por isso, agregou-se o
argumento de Harvey (1996) acerca de um período de acumulação flexível que,
no Brasil, combina técnicas fordistas com novos modelos de produção. Intenta-
34
se sinalizar que, embora a questão central gire em torno do trabalho, não se trata
apenas da condição de não-emprego, mas de uma condição que vem sendo
reconstruída, diante das novas configurações no mundo do trabalho.
1.2 Período de acumulação flexível e desemprego como questão social
As teses de descentralização do trabalho como questão social remetem
ao questionamento do lugar dessa condição na sociedade contemporânea como
fundamento da cidadania
29
e da inclusão social. Os argumentos baseiam-se,
principalmente, na afirmação da desconstrução do emprego no padrão fordista e
da possibilidade de uma nova forma de acumulação, alternativa ao sistema
capitalista típico, a qual, por sua vez, engendraria novas configurações e
possibilidades de inclusão social que não apenas o trabalho (Meda, 1996; Offe,
1989, 1999).
No plano mundial, a partir de 1970, o modelo fordista de produção entra
em um processo de transição, mas que, segundo Harvey (1996), ainda não é bem
entendido. O autor chama o resultado desse processo de transição de período de
acumulação flexível.
a acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um
confronto direto com a rigidez do fordismo, ela se apóia na flexibilidade
dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e
padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de
produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de
serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente
intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional
(Harvey, 1996, p. 140).
29
Entende-se cidadania a partir do conceito de democracia de Touraine (1996). Esse
autor acredita que por meio do exercício da democracia, tem-se as condições para o
exercício da cidadania. Pela cidadania, o indivíduo encontra as condições para controlar
seu meio ambiente e ampliar seu espaço de liberdade e responsabilidade.
35
Salerno (1993, p. 142) sublinha que o conceito de flexibilização pode
ser definido como:
a habilidade de um sistema produtivo assumir ou transitar entre
diversos Estados sem deterioração significativa, presente ou futura, de
custos, qualidade e tempo, sendo uma variável não homogênea,
definível a partir de aspectos intra e extra fábrica”.
Além disso, o autor fala em flexibilidade institucional e de consumo da
força de trabalho. Alguns autores relacionam a flexibilidade na relação com a
mão-de-obra como um processo que intensifica o trabalho por meio de um tipo
de controle específico, mais subjetivo, considerando o próprio auto-controle por
parte do trabalhador (Amoore, 2004; Askenazy, 2004; Erickson & Jacoby, 2003;
Frank, 2001).
Um dos principais fatores que pode ser citado como elemento de
intensificação do processo de acumulação flexível, além das ondas de greve,
provenientes dos problemas trabalhistas, é a crise inflacionária, intensificada
pelo aumento dos preços do petróleo, alterando o custo dos insumos de energia e
levando os segmentos da economia a buscarem modos de economizar energia
por meio da mudança tecnológica e organizacional (Gutierrez, 2001; Robert,
2001). As mudanças tecnológicas no âmbito organizacional transformam
padrões gerenciais e de produção. Hirata (1993) discute as diversas formas de
reorganização da produção e do trabalho na organização industrial considerando
o “modelo japonês”, expressão que descreve um modelo de produção e trabalho
alternativo ao modelo fordista.
Entre as características desse modelo, pode-se particularizar a rotação de
tarefas, a divisão menos acentuada do trabalho, a integração de funções, o maior
36
impulso para a qualificação
30
da mão-de-obra direta e o privilégio para a
qualidade. Na produção, dissemina-se a implantação de um conjunto de técnicas
e métodos de organização do trabalho, tais como: Jus- in-Time, os Círculos de
Controle de Qualidade e as Células de Produção
31
(Hirata, 1997).
Além dessas tecnologias, comumente implementadas para o aumento da
qualidade e produtividade do trabalho, o acirramento da competição
internacional, pela abertura econômica, faz com que a redução de custos atinja
diretamente o trabalhador, principalmente pela terceirização
32
das atividades na
“grande empresa fordista
33
” (Greaves & Booth, 2006; McKay, 2004; Taplin &
Winterton, 2004). Esse processo substitui o trabalho formal por vários tipos de
relações informais. Observa-se que a empresa (industrial) fordista clássica
descentraliza-se, criando uma rede de pequenas e médias empresas filiadas, sub-
contratadas. Essas empresas, segundo Singer (1999), contratam um menor
número de trabalhadores, em trabalhos cada vez mais precários.
30
Entende-se a qualificação como requisitos mínimos para o desenvolvimento do
trabalho, tais como: grau de escolaridade e experiência profissional. Além disso, refere-
se a um conceito multidimensional: posto de trabalho, qualificação do emprego, etc.
31
O sistema Just-in-Time significa produzir o necessário, na quantidade necessária e no
tempo necessário para reduzir ociosidades (Faria, 2004). Os Círculos de Controle de
Qualidade são grupos de trabalhadores que se reúnem para analisar problemas da
qualidade de produtos e propor soluções e sugestões de melhoria para os produtos e
processos (Faria, 2004). O sistema de células de produção consiste em reorganizar o
layout da produção, de forma que uma determinada tarefa possa ser agrupada, iniciada e
finalizada por um determinado “grupo” de trabalhadores (Pereira, 2003).
32
Processo decorrente da filosofia da qualidade total. A terceirização ocorre quando uma
operação interna da organização é transferida para outra empresa que consiga fazê-la
com qualidade superior, no sentido de melhorar a qualidade e reduzir os custos (Juran,
1989).
33
Refere-se à formação de oligopólios de grandes empresas, principalmente no setor
industrial. Essa formação é ameaçada por um processo de desmembramento de
atividades. Castells (1999) cita a formação das redes organizacionais como um processo
de descentralização das grandes empresas tanto internamente quanto em suas relações
com outras empresas. Esse processo seria uma resposta natural à revolução tecnológica e
ao acirramento da competitividade.
37
O Estado Providência ou Estado do Bem-Estar Social é invadido pelas
políticas neoliberais, no final do século XX, retratando o novo papel do Estado
na Sociedade, menos intervencionista e mais “aberto” ao funcionamento do
mercado. No Brasil, esse processo é crítico, visto que o Estado Providência,
propriamente dito, não foi inaugurado. Ou seja, a população passa a custear os
serviços como Educação e Saúde, antes mesmo de contar com a proteção do
Estado para esses serviços.
Diante dessas transformações, Offe (1989) aponta para uma sociedade de
serviços pós-industrial e apresenta as seguintes teses: i) o trabalho e a posição
dos trabalhadores no processo de produção não devem ser mais tratados como
princípio organizador das estruturas sociais; ii) a dinâmica do desenvolvimento
social não é mais concebida como originada dos conflitos a respeito de quem
controla o empreendimento industrial; e, iii) a otimização das relações entre
meios e fins técnico-organizacionais ou econômicos não é considerada como a
forma de racionalidade que prenuncia um desenvolvimento social posterior:
o fato social do trabalho assalariado, ou a dependência em relação ao
salário não constitui mais o foco da identidade coletiva e da divisão
social e política (...) muitas atividades remuneradas pelo salário têm
pouca coisa em comum além da palavra trabalho ” (Offe, 1989, p. 9).
Essa reflexão sinaliza uma crise da sociedade do trabalho, o qual não só
é deslocado de seu status de fato da vida, central e auto-evidente, mas também é
deslocado de seu papel subjetivo como a força motivadora central na atividade
dos trabalhadores. Offe (1999) afirma que o trabalho na sociedade
contemporânea não é um elemento fundamental das relações sociais, embora
seja fundamental o estudo das implicações das mudanças no mundo do trabalho.
Os elementos centrais seriam as formas de vida fora da esfera do trabalho: a vida
cotidiana.
38
Corroborando com Offe (1989), Meda (1996) afirma que, a partir de
1970, o trabalho não é a única iniciativa coletiva viável. A autora questiona duas
noções de trabalho: i) a idéia de que o trabalho é o principal veículo para a
satisfação pessoal; ii) a idéia de que o trabalho é o único caminho para criar e
manter os relacionamentos sociais. Deve-se questionar a natureza do
relacionamento social, advindo do trabalho, e desenvolver novas atividades
públicas e privadas, centradas nos relacionamentos amigáveis, familiares,
emocionais e culturais.
Piore & Sabeel (1984) argumentam que, apesar do quadro de
desemprego, o processo de reestruturação significa uma “segunda divisão
industrial” em que as novas tecnologias abrem a possibilidade de uma
reconstituição das relações de trabalho e dos sistemas de produção em bases
sociais, econômicas e geográficas. Os autores sinalizam para a emergência de
novas formas de organização cooperativa de trabalho e de organização de
trabalhadores. Os “novos trabalhadores” estariam diante de novas tecnologias
flexíveis, por meio das quais poderiam “criar” novas formas mais autônomas de
trabalho. Os autores sublinham que a maioria das “pequenas fábricas”, que
surgiram após um período de descentralização das grandes indústrias, foram
fundadas por ex-trabalhadores dessas organizações. Dessa forma, a
especialização flexível abre a possibilidade para a criatividade.
Harvey (1996, p. 160) admite um processo de flexibilização; entretanto,
afirma que existe uma continuidade com relação à era fordista, por exemplo,
quanto ao papel do Estado: “Hoje, o Estado está numa posição muito mais
problemática. É chamado a regular as atividades do capital corporativo, no
interesse da nação e é forçado ao mesmo tempo, também no interesse nacional,
a criar um bom clima de negócios para atrair capital financeiro”. Para o autor,
trata-se de um período de acumulação flexível que recombina estratégias de
39
exploração (mais-valia) com novas possibilidades de trabalho, que não apenas o
emprego no padrão fordista.
Castells (1999) afirma que as transformações no mundo do trabalho são
os principais instrumentos que afetam a sociedade global. Para o autor, as
transformações fundamentais introduzidas pelo processo de reestruturação são a
individualização do trabalho e a fragmentação da sociedade. Esses fatores
estariam expondo os trabalhadores à vulnerabilidade perante a empresa e à
deterioração de suas condições de trabalho (Vu, 2003; Work... 2003).
No Brasil, o período de acumulação flexível e o processo de
reestruturação produtiva podem ser compreendidos em um quadro contextual de
dualidade, conforme afirma Harvey (1996), em que as “técnicas flexíveis”
convivem com “técnicas fordistas”. Para compreender os elementos que fazem
parte desse quadro contextual, centraliza-se na discussão desse período e de suas
principais implicações na sociedade brasileira.
1.2.1 Relações de trabalho no contexto brasileiro
A condição de assalariado/empregado na sociedade brasileira configura-
se a partir da proliferação de uma forma mundial de organização do trabalho: o
fordismo, em interface com uma participação maior do Estado na sociedade.
Nesse quadro, ocorre a Consolidação Das Leis de Trabalho (CLT), sancionada
em 1943 (Fleury & Fischer, 1987).
Nesse período também ocorre a expansão industrial no Brasil, a qual se
estendeu de 1945 a 1980. Na década de 1970, quando o processo de
reestruturação produtiva já se evidenciava nos países capitalistas avançados, a
indústria brasileira ainda caracterizava-se pelo modelo fordista de produção.
Como pano de fundo para o desenvolvimento industrial brasileiro, tem-se a
40
demanda, a partir de 1945, para a instalação de empresas produtoras de bens
essenciais, como máquinas e equipamentos. Essa produção materializou-se por
meio da instalação de multinacionais. Nessas organizações, o processo de
produção e as formas de gestão da força de trabalho foram adaptados às
condições brasileiras. Ou seja, no período em que o processo de flexibilização
iniciava-se e dissemina-se mundialmente, a consolidação do parque industrial
brasileiro baseava-se nos padrões fordistas de produção e no estilo gerencial
paternalista, com a presença de supervisores de primeira linha, os chamados
feitores (Fleury & Fleury 1997). Além disso, no campo político, verifica-se a
precária “proteção do Estado” no que tange às questões trabalhistas. Portanto, o
emprego industrial no Brasil, de 1945-1980, caracteriza-se pela admissão de
mão-de-obra semiqualificada e, em alguns setores, desqualificada. Em diversos
setores industriais, os trabalhadores caracterizavam-se como:
“[...] trabalhadores de origem rural que vieram tentar a sorte na cidade
grande e na grande indústria, com a idéia de, a curto prazo, ‘fazerem o
seu pé-de-meia’, para então voltar para o interior e comprarem sua
terra. Ou seja, o processo produtivo começa com uma mão-de-obra que
pouco ou nada conhece de indústria e de produção, cuja experiência é o
trabalho no campo, e que se posiciona como se estivesse passando
temporariamente pelas empresas industriais.” (Fleury & Fleury, 1997,
p. 129).
A partir de 1980, a indústria nacional ensaia um processo de
reestruturação e importa o modelo, já instalado em países de industrialização
desenvolvida, baseado em tecnologias microeletrônicas e na robotização da
produção (Faria, 2004). Esse processo provoca uma passagem não-gradativa e
impõe uma reconfiguração acelerada nas relações de trabalho, principalmente no
setor industrial. Os trabalhadores provenientes do setor rural, que migram para
os centros industriais, devem adaptar-se rapidamente ao processo de produção e
de gerenciamento. Na década de 1990, com a Nova Política Internacional de
41
Comércio Exterior, o processo de reestruturação acelera-se no Brasil (Fleury &
Fleury, 1997).
No que refere ao processo de reestruturação produtiva como um
processo de reorganização nas relações e técnicas de produção e trabalho,
principalmente no setor industrial, Salerno (1993) traça um quadro sintético
acerca do desenvolvimento do modelo japonês no Brasil, apontando um
contexto de relativa flexibilização do trabalho; rigidez na oferta de bens
intermediários para indústrias (oligopólios); e, mercado de trabalho com
mobilidade e baixa qualificação. Além disso, para o autor, as implantações desse
modelo no Brasil têm sido conservadoras, o que não significa que as empresas
não tenham flexibilizado alguns processos.
Fleury & Fleury (1997) advertem que essas técnicas são diferentemente
desenvolvidas de acordo com o contexto no qual são implementadas. No Brasil,
as práticas fordistas, como as linhas de montagem tradicionais, continuam em
vigor, coexistindo com os sistemas Just-in-Time e as Células de Produção.
Segundo os autores, o conceito de polivalência, no Brasil, é entendido como
multitarefa. A polivalência é a requisição de maiores conhecimentos quanto a
fatores relacionados (ou não) à tarefa realizada, por exemplo: maior habilidade
para lidar com a mudança, conhecimentos técnicos diversos, etc. Por outro lado:
a multitarefa apenas acrescenta um novo rol de tarefas às que o trabalhador já
fazia. Trata-se, na maioria das vezes, de uma redistribuição de funções para os
empregados” (Lombardi, 1997, p. 14).
Para além da esfera da produção e das técnicas flexíveis no Brasil, vale
ressaltar as principais implicações desse período nos planos econômico e social,
as quais, por sua vez, engendram as discussões acerca das alterações nas
relações de trabalho no Brasil. A desregulamentação financeira, a volatilidade do
capital e seu poder de transferência intensificam o quadro de políticas
neoliberais ao propiciarem a entrada de empresas estrangeiras em vários países
42
(Pochmann, 2002). No Brasil, observa-se o aumento dos incentivos dos
governos locais para a entrada de empresas estrangeiras. Singer (1999) destaca
que, findo os incentivos oferecidos pelos governos, a tendência é de que tais
empresas se desloquem para locais mais atrativos, deixando um grande número
de desempregados.
Diante do cenário de aumento de desempregados no setor industrial,
principalmente a partir da década de 1990, verifica-se uma reorientação da
influência de movimentos de trabalhadores no Brasil: “pode-se dizer, nesse
sentido, que o movimento sindical brasileiro esteve na contramão da tendência
histórica predominante durante a década de 1980 (...) entretanto, a situação
muda, com os anos 90, com a abertura econômica e o aumento do desemprego”
(Leite, 1997, p. 17). Essa autora ressalta a capacidade propositiva demonstrada,
principalmente pelos sindicatos do setor automotivo no decorrer da década de
1990, com o estabelecimento de acordos patronais. Por outro lado, existem
evidências de um fortalecimento do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
Paulista, no período da abertura econômica, mesmo com a diminuição do
número de trabalhadores da categoria, tendo em vista que:
a força de trabalho que tende a sobreviver empregada no setor
metalúrgico é precisamente aquela que constitui o núcleo mais duro de
sustentação dos sindicatos, isto é, os trabalhadores produtivos mais
maduros, mais qualificados, com maior tempo de emprego, com
escolaridade relativamente mais elevada e empregados nas grandes
empresas” (Leite, 1997, p. 19).
Essa característica explica-se pela trajetória do movimento sindical
brasileiro, desde 1930. Fleury & Fischer (1987) ressaltam que não é possível
presumir um comportamento homogêneo para os sindicatos nos países
capitalistas e que a prática sindical é comumente pensada em relação ao modelo
europeu. No Brasil: “O sindicalismo brasileiro, na sua ação cotidiana,
43
questiona pouco os aspectos organizacionais relativos ao trabalho, o que se
pode ser compreendido devido a outras lutas consideradas prioritárias
(Salerno, 1993, p. 141).
Além disso, a profissionalização cada vez maior das relações de trabalho
e a reconfiguração do perfil do mercado de trabalho são elementos centrais
diante das transformações no âmbito do trabalho. Montali (2003) demonstra que
o desemprego e a precarização da ocupação dos chefes de família (homens,
responsáveis pelo sustento da família) afetam a renda monetária disponível e
induzem uma reestruturação, ou seja, a mulher passa a trabalhar e dividir um
papel de mantenedora com o homem.
Pelos resultados desse estudo, evidenciam-se as mudanças na divisão
sexual do trabalho e nas relações hierárquicas estabelecidas na família brasileira,
nos períodos de crise econômica. Ao redimensionar as estruturas familiares,
tanto na contribuição da renda quanto na questão de gênero, verifica-se a
crescente exposição das mulheres, por exemplo, à condição do desemprego e,
conseqüentemente, às suas implicações comportamentais, reforçando as
conseqüências no núcleo familiar (Leite, 1997; Montali, 2003). Esse conjunto de
fatores implica um período de racionalização e reestruturação nas relações de
trabalho e nas relações familiares.
Por meio dessa reflexão contextual, Faria (2004) e Tumolo (2001)
advertem que o processo de flexibilização, principalmente no cenário brasileiro,
permite uma perpetuação da exploração do trabalho. Essa afirmação vai de
encontro às reflexões de Piore & Sabeel (1984). Para Tumolo e Faria, no período
da acumulação flexível no Brasil, explicita-se, além do desemprego, o aumento
da subcontratação e da precarização do trabalho; as exigências impostas pelo
mercado de trabalho à qualificação profissional; e o novo perfil requerido do
trabalhador, o qual dificulta as condições de acesso ao mercado de trabalho
formal para uma grande parcela da sociedade. Tumolo (2001) ressalta que essa
44
parcela seria relegada para uma “periferia desqualificada”, recorrendo ao
trabalho precário e informal:
esses poderes aumentados e flexibilizados permitem que os
empregadores exerçam pressões mais fortes de controle do trabalho
sobre uma força de trabalho de qualquer maneira enfraquecida por
dois surtos selvagens de deflação, força que viu o desemprego aumentar
nos países capitalistas avançados para níveis sem precedentes no pós-
guerra” (Harvey, 1996, p. 141)
A precarização do trabalho é um tema que vem sendo abordado sob
diferentes perspectivas. Baltar & Proni (1996) verificam que, para grande parte
do emprego formal no Brasil, o vínculo de trabalho tem curta duração,
transformando o trabalhador brasileiro em trabalhador temporário. Os autores
também constataram o crescimento do trabalho informal, compreendido como
um indício de maior desagregação da estrutura socioeconômica nas regiões mais
desenvolvidas do país. Entre as relações informais de trabalho, Singer (1999)
aponta a compra de serviços como a relação predominante. No Brasil, além
disso, pode-se citar a elevação do trabalho doméstico e autônomo, sobretudo, os
vendedores ambulantes, biscateiros, lavadores de carro, etc.
Sob essa perspectiva, revogou-se a descentralização da condição de
trabalho na sociedade contemporânea e admitiu-se que o desemprego é um
fenômeno presente no processo de reestruturação produtiva, assim como na
agenda dos estudos acerca desse processo, principalmente no Brasil.
Por isso, retomou-se a afirmação de Castel (1998) quanto à questão
social da contemporaneidade, mesmo distanciando-se de sua abordagem quanto
a uma sociedade eminentemente salarial. Além disso, ao ressaltar o fenômeno do
desemprego como questão social, suas especificidades no contexto da
reestruturação produtiva, no cenário brasileiro, devem ser discutidas. Diante
dessas considerações, alegou-se que o resgate sócio-histórico e o contexto da
45
reestruturação produtiva propiciam as “condições de produção
34
” para o
fenômeno desemprego.
1.3 Novos conceitos acerca do emprego/desemprego no Brasil
contemporâneo
No período da acumulação flexível, considerando o contexto brasileiro,
particularizam-se, em um primeiro momento, as transformações nas formas de
acesso ao emprego no Brasil. É possível observar um movimento que caracteriza
o acesso ao trabalho baseado, principalmente, em laços de proximidade
(parentesco, amizade, etc) e, no baixo custo da força de trabalho; para um acesso
que depende das próprias condições construídas pelos trabalhadores para “serem
empregáveis” (empregabilidade), o que não significa a ausência da influência
dos laços sociais nesse processo.
O conceito de empregabilidade é inicialmente utilizado em função da
invenção da condição de emprego e desemprego, principalmente em estudos
econômicos, para caracterizar a inaptidão para o emprego. Gazier (1990, p. 579)
ressalta a utilização da noção de empregabilidade nos Estados Unidos da
América (EUA), nos anos 1950 a 1960, originalmente como: “a aptidão de um
indivíduo para o trabalho, apreciada por resultados sintéticos de testes
funcionais”. Trata-se de um enfoque eminentemente físico e mental,
desvinculado do fenômeno do desemprego. Seguindo uma trajetória conjuntural
(econômica e social) da questão do emprego, o autor apresenta uma evolução
dessa definição nos EUA, de 1960 a 1970, segundo a qual a empregabilidade
34
O conceito de condições de produção é mais bem discutido no capítulo 3. Trata-se de
um conceito que auxilia na análise das práticas discursivas, pois se refere à memória e ao
contexto do discurso. As condições de produção diferem-se da história propriamente
dita, pois não remetem à regularidade, mas, à variabilidade dos discursos.
46
designa a atratividade de um indivíduo para a organização, medida também por
testes de atitudes, porém, voltada para o contexto da tarefa.
Uma terceira conceituação ressaltada por Gazier (1990, p. 575) emerge
nos anos 1980 e refere-se ao desempenho de um grupo ou pessoa no mercado de
trabalho. O autor afirma que, na atualidade, esse conceito encontra-se em
mutação e pode ser definido positivamente como “capacidade para obter um
emprego”. Hirata (1997, p. 33) ressalta o caráter político dessa noção de
empregabilidade. Para a autora, essa noção implica em uma transferência da
responsabilidade da não-contratação ou da demissão para o próprio trabalhador:
um trabalhador não empregável é um trabalhador não formado para o
emprego, não competente, etc. O acesso ou não ao emprego aparece
como dependendo da estrita vontade individual de formação, quando se
sabe que fatores de ordem macro e meso econômicos contribuem
decisivamente para essa situação individual”.
O período, portanto, requer do trabalhador um constante investimento
privado em sintonia com as eventuais oportunidades que o mercado de trabalho
oferece. Sargentini (2001), ao investigar a trajetória do trabalhador brasileiro em
determinados momentos do século XX, verificou que os trabalhadores da década
de 1930, ao se organizarem, lutavam por justiça ao valor da força de trabalho
que vendiam. Os trabalhadores da década de 1990, por sua vez, procuram
garantir o direito de ainda poder vender a força de trabalho: “assim, o momento
leva o trabalhador a voltar-se para um novo foco: organizar-se para vender a
força de trabalho” (Sargentini, 2001, p. 256). Dessa forma, o trabalhador se vê
diante da necessidade de financiar sua entrada no mercado de trabalho por meio
de diversos mecanismos.
Sorj (2000), ao discutir sobre os aspectos da nova sociedade brasileira,
ressalta as novas formas de estratégias sociais diante das condições de
empregabilidade. O autor aponta a valorização das redes sociais no Brasil como
47
elemento de empregabilidade devido à deterioração da economia e às mudanças
tecnológicas e o acelerado declínio dos empregos. Esses fatores, a despeito de
aumentarem as exigências em termos de competência, também fortalecem as
redes sociais como mecanismos de filtro e seleção: “valoriza-se o capital social,
individual e familiar do candidato (como critério central de seleção, dado o
grande número de candidatos para um pequeno número de cargos)” (Sorj,
2000, p. 81).
Para Hirata (1997), o debate central da empregabilidade refere-se à
transposição do conceito de qualificação para o modelo de competência. O
enfoque na competência refere-se à singularidade do trabalhador e suas
potencialidades, possibilitando a associação entre o sujeito e a subjetividade. No
Brasil, esse conceito, segundo Hirata (1997), remete ao universo de trabalho das
grandes empresas multinacionais. No caso das empresas nacionais, verifica-se a
manutenção de um sistema misto, que ainda privilegia o conceito de
qualificação. Spink (1997), ao comentar a reflexão de Hirata (1997), conclui que
a narrativa da empregabilidade parece ensaiar uma reconstituição da noção de
cidadania em termos de utilidade. Para a autora, o sujeito como coletividade
desaparece em um agregado de indivíduos que devem ser “úteis” igualmente.
Sarsur (1999) afirma que a empregabilidade pode ser compreendida
como uma forma de consolidar as percepções acerca das mudanças nas relações
de trabalho. Na concepção da autora:
“a empregabilidade passa a ser encarada como uma das alternativas de
solução para a diminuição dos empregos formais, quando apontada
como responsabilidade individual dos profissionais que pretendem estar
aptos a enfrentar a competitividade do mercado de trabalho e escapar
da possibilidade de perda de remuneração e trabalho permanente
(Sarsur, 1999, p. 205).
48
Sorj (2000) argumenta que uma massa cada vez maior de desempregados
procura atualizar-se, enquanto as novas gerações desenvolvem estratégias para
adaptar-se às exigências do novo mercado de trabalho. Dessa forma, os grupos
de operários manuais e os setores mais pobres da população encontram as
maiores dificuldades de inserção no emprego diante das novas condições de
empregabilidade. Segundo Sorj (2000), os jovens desqualificados e mais pobres
tendem à criminalidade. Por outro lado, a população rural, que se desloca para os
grandes centros industriais brasileiros, enfrenta a dificuldade de inserção no
emprego pela baixa absorção de mão-de-obra desqualificada. Soma-se a esse
quadro, a precariedade dos serviços prestados à população brasileira por parte do
Estado:
os excluídos dos países capitalistas avançados continuam integrados e
mesmo inteiramente dependentes dos Estado, sendo objeto de controles
crescentes. No Brasil, os excluídos o são tanto do sistema econômico
formal como do Estado, devendo, portanto continuar exercendo algum
tipo de atividade remunerada, pelo simples fato de que, se não o
fizessem, morreriam de fome. Assim, o setor informal no Brasil é a
expressão tanto da exclusão quanto da vitalidade e criatividade dos
excluídos para inventar continuamente novos produtos e serviços” Sorj
(2000, p. 83)
Observa-se que no Brasil o conceito de empregabilidade já não se refere
a um estado de exlusão/inclusão apenas. Todos devem gerenciar sua
empregabilidade. Mesmo entre aqueles que já possuem emprego, existem os
menos empregáveis. Existem também os mais empregáveis, mas, que se
encontram sem emprego devido à conjuntura. Diante desses elementos, a
empregabilidade parece realçar o sentimento de insegurança, principalmente
para os desempregados. Portanto, a empregabilidade pode reforçar o fenômeno
de desemprego como categoria econômica macrossocial.
Por meio dessa percepção, concretiza-se a questão social do desemprego.
Essa questão modifica e é modificada pelas ações dos sujeitos no contexto da
49
reestruturação. Por exemplo, a ação do Estado, ao transferir as políticas de
geração de emprego e renda a públicos específicos de desempregados (jovens,
desempregados de longa data, excluídos, etc.) remete a uma localização e
individualização da intervenção pública (Gautié, 1998), o que reflete o conceito
de empregabilidade, pois seriam as características dos indivíduos que dificultam
sua inserção e não um problema na conjuntura. Assim, a empregabilidade torna-
se referência para a intervenção pública.
Algumas ações na sociedade também podem ser compreendidas como
uma relação entre as construções (memória
35
e contexto
36
) e as próprias
percepções dos sujeitos acerca da questão do emprego/desemprego. A reforma
agrária, por exemplo, pode ser entendida como um instrumento de política social
e luta contra o desemprego. As Organizações Não-Governamentais (ONGs), por
outro lado, podem ser compreendidas como produto mesmo da perda de
confiança no regime político. Para Sorj (2000), essas organizações são:
“expressão da crise de representatividade dos partidos políticos e da
fragmentação da luta por direitos, um mecanismo através do qual
profissionais da área social e cultural encontram espaço de atuação
fora do Estado, mas que empresas, governos e instituições
internacionais (como, por exemplo, o Banco Mundial) financiam e
35
O conceito está relacionado à história de longa duração, ou seja, ao entrelaçamento de
um fenômeno recente e a percepção que se tem sobre a evolução desse fenômeno no
tempo (Braudel, 1989). Neste estudo, a memória é representada pelo resgate sócio-
histórico acerca da condição de trabalho e não-trabalho e de sua interface com a
construção da categoria “desemprego” na sociedade brasileira contemporânea.
36
Refere-se a um recorte no tempo e espaço (acontecimentos e cenários), por meio do
qual, muitas vezes, explicita-se “modelos explicativos” para a compreensão de um
determinado fenômeno, como a proposta marxista de análise do capitalismo (Braudel,
1989). Maingueneau (1998) indica que o contexto envolve os participantes, o lugar, o
momento, o fim, o tema, e as regras para se produzir um discurso. Na presente reflexão,
adota-se o período da acumulação flexível e suas implicações no mundo do trabalho
como referência contextual, além disso, importa a interface dessas implicações com a
centralidade do desemprego como questão social, reforçada no estudo e, o contexto
espaço-temporal da pesquisa.
50
utilizam casa vez mais para viabilizar seus próprios projetos (abandono
da noção de sociedade civil)” (Sorj, 2000, p. 95).
As organizações privadas, por sua vez, ao introduzirem novas
tecnologias de processos e de gestão, modificam a relação dos empregados com
sua própria estrutura e daqueles que estão à procura de um emprego. Rosa
(1998) afirma que esse cenário incita um tipo de “governo dos homens”, no qual
o trabalhador e sua subjetividade são requalificados no seu “dever ser”. A forma
de governo e as responsabilidades colocadas pelas mudanças no mundo do
trabalho, segundo a autora, consideram o poder como a própria liberdade
humana de reiniciar a ação e, portanto, realizar a pluralidade e as singularidades
inclusas nas novas formas de trabalho. É o desenvolvimento de um ideal
trabalhador contrário ao ideal trabalhador taylorista.
Lombardi (1997), ao analisar a percepção dos trabalhadores acerca do
processo de reestruturação produtiva e das condições de trabalho na grande São
Paulo, de 1996 a 1997, constata que a introdução das modificações no sistema
produtivo e na forma de gestão dos recursos humanos, a despeito de produzir
melhoria em termos de inovação, re-arranjo do ambiente físico e eliminação de
hierarquia, desencadeia, principalmente o aumento das pressões mentais e
físicas, a aceleração do ritmo de trabalho, o aumento das metas de produção e
das práticas de auto-controle, como a introdução do conceito de
multifuncionalidade como multitarefa. Ou seja, pode-se dizer que as relações
estabelecidas pela nova organização do trabalho são pautadas, muito mais em
uma autonomia outorgada, de base instrumental, do que em uma autonomia real.
Essa autonomia seria um instrumento de coordenação das relações de trabalho
com vistas a atingir um objetivo econômico.
Enriquez (1999, p. 19) afirma que: “o indivíduo jamais esteve tão
encerrado nas malhas das organizações (em particular, das empresas) e tão
pouco livre em relação ao seu corpo, ao seu modo de pensar, à sua psique”. O
51
autor dedica-se à análise da Estrutura Estratégica de Gestão Participativa, uma
estrutura organizacional que considera a racionalidade limitada e a diversidade,
concentrando-se sobre estratégias de curto prazo.
Além disso, Enriquez (1999) ressalta que esse tipo de estrutura prega
objetivos inconciliáveis, como a demanda pelo individualismo e por um espírito
de equipe, exigência de lealdade e submissão ao mercado financeiro: “ser fiel,
leal à empresa, ser um bom estrategista, ter acumulado conhecimentos
pertinentes, não serve, às vezes, para nada, senão para fazer parte da primeira
fornada de demitidos ou aposentados” (Enriquez, 1999, p. 23). Dessa forma, o
processo de reestruturação produtiva é voltado para a formação de trabalhadores
capazes de cooperar em situação de trabalho. Porém, a cooperação é produtiva e
operacional e não solidária e unificadora.
Com base nessa discussão, pode-se refletir acerca de um quadro de
insegurança ou manutenção do emprego, o qual reforça o desemprego como
questão social e recoloca o trabalhador como um sujeito que influencia e é
influenciado por essa questão. Caldas (2000) discute a perda do emprego, e seus
efeitos subjetivos no contexto brasileiro, partindo do sentido do próprio trabalho
para o sujeito. Em sua pesquisa, Caldas (2000) apresenta algumas dimensões do
desemprego como a perda da identificação e da auto-estima. Defende-se que o
desemprego é a dissolução de uma ligação psíquica que o trabalhador mantém
com o trabalho, ou com a organização, por meio da qual atenuam-se suas
incertezas e inseguranças. A identificação ou o elo entre o trabalhador e o
trabalho/organização está intimamente relacionado à importância dada ao
trabalho como uma forma de contato interpessoal e como imagem, ou seja, como
posição de status. Nessa perspectiva, o emprego é tido como uma fonte central
de auto-estima e reconhecimento social.
O desemprego, portanto, pode ser compreendido como a perda da
referência social que leva à perda da auto-estima que acompanha esse papel.
52
Com isso, a proposta de Caldas (2000) é a noção de emprego como vida, ou seja,
o emprego estabeleceria para o trabalhador a ligação com a vida e o sentido de
fazer parte dela. O desemprego manifesta-se como expressão de inatividade e
morte. Esse sentimento é reforçado pela noção de invalidez, pelo fato de não
produzir, de não colaborar, de estar fora do mercado, da esfera ativa da
sociedade.
Para Enriquez (1999), esse processo de individualização e insegurança
gera a mobilização geral dos seres humanos para o trabalho. Aqueles que não
trabalham são considerados como inúteis: “trata-se realmente de uma
civilização do trabalho e dos trabalhadores” (Enriquez, 1999, p. 72). Nessa
sociedade desenvolve-se a consciência profissional dos trabalhadores, a ligação
às suas ferramentas de trabalho e o salário, pois:
são fundamentalmente os países ainda não desenvolvidos que
continuam a ter um desenvolvimento industrial clássico, mas com um
regime de trabalho precário e mal pago. O Brasil tem essa
característica extraordinária de ser um laboratório muito interessante,
porque é um país subdesenvolvido e, ao mesmo tempo, desenvolvido
(Enriquez, 1999, p. 75).
O autor afirma que, nesse tipo de situação, no contexto brasileiro, os
empregados de qualquer nível hierárquico na organização, possuem uma
insegurança quanto à estabilidade de emprego, visto que o êxito da empresa,
apenas, não pode impedir que exista redução de efetivo. Sendo assim, por meio
do trabalho, seqüestram-se as pessoas, produzindo uma transformação em sua
subjetividade (Enriquez, 1999). Esse autor adverte que o trabalho instaura a
realidade e a temporalidade para o trabalhador. O elemento de atemporalidade
remete à condição na qual se encontra o desempregado.
Sorj (2000) afirma que todo esse processo de reconfiguração nas
relações de trabalho significa uma importante influência na formação de novos
53
sujeitos sociais. Esses sujeitos não têm como referência central nem o mundo do
trabalho nem o Estado. O autor não descentraliza a importância do trabalho, ao
contrário, ressalta que o trabalho continua sendo uma fonte de preocupação e
angústia, mas de forma cada vez mais individualizada, devido à fragmentação,
flexibilização e precariedade do emprego.
A partir das condições de produção acerca do fenômeno desemprego no
Brasil contemporâneo, discutem-se alguns conceitos, como empregabilidade, por
exemplo, constituídos pela memória e pelo contexto. Esses elementos, ao
mesmo tempo, podem ser constituintes da forma de se pensar e agir sobre o
desemprego. Portanto, as formas de agir e pensar ou, a compreensão acerca do
fenômeno desemprego, são socialmente construídos, justificando a adoção da
abordagem sócio-construcionista para a análise desse fenômeno.
54
2. ABORDAGEM SÓCIO-CONSTRUCIONISTA: UMA POSSIBILIDADE
PARA O ESTUDO DO FENÔMENO DESEMPREGO
O discurso que remete ao discurso da modernidade (Ìñiguez, 2002)
relaciona-se com o que poderia ser chamado de uma primeira formulação
clássica da filosofia, por meio, principalmente, da problematização do
conhecimento, da possibilidade e do método de pretensão ao conhecimento, ou
seja, da epistemologia. Na filosofia platônica, por exemplo: “o conhecimento
pode ser caracterizado como a posse de uma representação correta do real
(Marcondes, 1997, p. 51). Trata-se de uma preocupação com a ciência, com o
conhecimento legítimo, com a moral e a política
37
.
A discussão filosófica de Platão realiza-se pelo diálogo, por meio do
qual se estabelece o que deve ser aceito como verdade e como razão,
privilegiando o mundo das idéias e distanciando-se do senso comum. Em
decorrência, a filosofia não se faz suficiente como método de análise, ressalta-se
a necessidade de um fundamento teórico que estabeleça critérios para a
aplicação correta dos métodos: “a teoria do conhecimento pressupõe, portanto,
a teoria sobre a natureza da realidade a ser conhecida (a metafísica, ou
segundo uma terminologia posterior, a ontologia)” (Marcondes, 1997, p. 57).
Essas idéias, no que refere à forma legítima de obter conhecimento,
convergem para a busca dos princípios transcendentais. Ou seja, conhecer é
conhecer a verdade última e, portanto, única e universal. Essa seria a forma
correta de buscar conhecimento, segundo a filosofia platônica. Filosofia essa que
influencia grande parte do pensamento e dos estudos tidos como modernistas.
Esses estudos englobam, por exemplo, o pensamento de Descartes e Kant.
37
O pensamento de Platão pode ser situado no contexto da Grécia Antiga. Sua obra tem
como objeto de reflexão a democracia ateniense (Marcondes, 1997).
55
Descartes inaugura o método científico do racionalismo cartesiano na
modernidade, por meio de um modelo de saber baseado na indução e na
dedução. Descartes utiliza a matemática como um método universal para medir e
testar hipóteses; dessa forma, o método deve expressar as leis fundamentais da
razão e estender-se a todas as verdades demonstráveis (Rovighi, 1999). Por
outro lado, Kant, embora baseie-se na busca da razão, postula que a razão
contém pressupostos e está impregnada de crenças. Sendo assim, o
conhecimento se deve às impressões dos sentidos e está dotado de valor
(Rovighi, 1999).
Na seção 2.1 discutiu-se um movimento de crítica considerando-se
concepção de “fazer ciência”, compreendida como modernista. Por meio dessa
crítica, apresentou-se o percurso que culmina com as tentativas de superar a
dicotomia sujeito-objeto na construção do conhecimento. Para tanto, entende-se
que a abordagem construcionista avança na negação dessa dicotomia, tendo
como elemento central a idéia de que tanto o sujeito quanto o objeto do
conhecimento são construções sociais dialógicas (Gergen, 1985). Na seção 2.2,
os pressupostos dessa perspectiva são discutidos.
Dessa forma, propõe-se a adoção da perspectiva construcionista,
considerando seus pressupostos teóricos, para a análise do fenômeno do
desemprego na sociedade contemporânea. Essa proposta requer, em primeiro
lugar, a apresentação dos pressupostos construcionistas que ultrapassem o foco
da psicologia social e possibilitem uma análise mais abrangente dos fenômenos
sociais. Em segundo lugar, faz-se necessária a retomada das condições de
produção do fenômeno em estudo, pois, ao admitir que o conhecimento é uma
construção histórico-dialógica (Gergen, 1985); e que tanto o sujeito quanto o
objeto inserem-se nesse processo dialógico de construção, deve-se considerar a
interação entre o resgate sócio-histórico do desemprego (memória e contexto de
construção).
56
Para tanto, na seção 2.3, traçou-se um quadro teórico construcionista
pertinente ao estudo dos fenômenos sociais. Ao negar a possibilidade do
conhecimento ser uma representação fiel da realidade, não se pretende
estabelecer uma “teoria construcionista de análise”. Isso implicaria considerar
uma concepção de que o sujeito, como possuidor de um cérebro (lugar da razão),
pode produzir um conhecimento legítimo (teoria) acerca de um objeto (uma
realidade que independe da ação individual). O que se apresenta nessa seção é
uma síntese das principais premissas construcionistas, com o objetivo de
elucidar uma nova possibilidade de análise e conhecimento acerca dos
fenômenos sociais, mais especificamente acerca do fenômeno do desemprego.
Além disso, admite-se que a memória e o contexto acerca de um
fenômeno devem ser considerados como elementos fundamentais, para que as
premissas construcionistas apresentadas e discutidas não sejam marginalizadas
no processo de análise.
2.1 Do representacionismo à condição sócio-histórica do conhecimento
Ìñiguez (2002) apresenta duas dimensões para a modernidade: a
sociológica e a discursiva. A dimensão sociológica pode ser entendida como
uma época ou período histórico marcado por acontecimentos, tais como: os
descobrimentos da América; a primazia da ciência e racionalidade do
conhecimento; e, as modificações tecnológicas, como as tecnologias da
inteligência (imprensa).
Essas características, segundo o autor, impulsionam a segunda dimensão
da modernidade: a discursiva. Nessa dimensão, privilegia-se a razão científica, a
ideologia da representação e a dualização da pessoa. Para o autor, as idéias tidas
57
como modernistas geram postulados como a relação intrínseca entre razão e
liberdade e a dualidade entre o sujeito e o objeto.
Ibáñez (1993) chama esses postulados de realismo da ciência moderna,
definido pelo autor como realismo ingênuo, sob o qual prevalecem quatro
princípios básicos:
1) A forma de obter conhecimento deve considerar a dualidade
sujeito-objeto. Nesse sentido, considera-se o conhecimento de um indivíduo
sobre determinado objeto (realidade), pois aquele (indivíduo), ao observar esse
(objeto), pode medir e testar hipóteses, extraindo verdades demonstráveis e
legítimas. Nesse princípio, pode-se classificar o positivismo como forma de
obtenção do conhecimento nas ciências sociais;
2) Prevalece o representacionismo, ou seja, a concepção de que a
mente é um espelho fiel da natureza. Sob esse princípio, o conhecimento adquire
a essencialidade e o processo de conhecer se faz por meio da cognição natural.
Esse processo encontra-se na mente e, posteriormente, explicita-se em um
retrato da realidade;
3) O terceiro princípio é derivado natural do segundo. Advoga-se
que o cérebro é a estância legítima produtora de conhecimento. O conhecimento
é interno, existe na razão humana e, portanto, é pouco influenciado por forças
externas, como a prática da conversação, que levaria à consideração do senso
comum como forma legítima de conhecimento;
4) Por fim, tem-se a retórica da verdade, por meio da qual se atesta
o acatamento das verdades e dos modelos demonstrativos como verdades
legítimas e universais, imparciais e independentes das ações sociais.
Esses princípios, que regem a ciência moderna, ou seja, que configuram
o realismo da ciência moderna, segundo Ibáñez (1993), ou o discurso da
modernidade, conforme Ìñiguez (2002), passam a ser questionados
principalmente no que refere à epistemologia do conhecimento.
58
Popper foi um dos primeiros autores a criticar o pensamento moderno.
Esse autor introduz uma forte crítica ao verificalismo da ciência moderna,
caracterizada como racionalismo crítico (Ìñiguez, 2002). Thomas Kuhn, por sua
vez, critica tanto a visão da ciência proposta pelo positivismo, quanto a visão
proposta pelo racionalismo crítico popperiano, demonstrando que o estudo da
história da ciência permite uma visão da ciência e do seu método diferente da
que foi proposta por essas escolas. Esse autor nega a existência de critérios
objetivos para a avaliação de teorias e defende uma forte influência de fatores
psicológicos e sociais nessa avaliação (Ìñiguez, 2002).
Nessa perspectiva, a pesquisa científica é orientada não apenas por
teorias, mas por algo mais amplo (o paradigma) uma espécie de “teoria
ampliada”, formada por leis, conceitos, modelos, analogias, valores, regras para
a avaliação de teorias e formulação de problemas e princípios metafísicos
(Mazzotti & Gewandsznajder, 1998).
A crítica de Rorty (1994) trata de desconstruir as noções arraigadas no
pensamento modernista por meio da crítica à noção de mente como espelho da
natureza: o representacionismo. Para o autor, não existe realidade independente
da maneira pela qual se refere a ela, o conhecimento é algo que pode ser
construído socialmente, não existindo, desde a filosofia de Descartes, uma
separação nítida entre o físico e o mental.
Para o autor, a idéia de traçar teorias e restrições especiais da
racionalidade que correspondam fielmente à realidade, ou seja, à noção de
esquema, não pode ser admitida, pois: “podemos dizer que nossa presente teoria
do mundo, apesar de ser certamente verdadeira, pode não retratar o mundo tão
adequadamente como alguma teoria sucessora” (Rorty, 1994, p. 293).
Dessa forma, as chamadas categorias ontológicas apenas envolvem
noções e fontes heterogêneas, convenientes a quem se utiliza delas. A
linguagem, por exemplo, não pode ser considerada uma imagem pré-existente do
59
mundo, a qual estabelece parâmetros para a ciência e a filosofia, ou seja, como
um conjunto de representações. A linguagem deve ser compreendida como uma
apreensão e uma compreensão; como um processo por meio do qual os
sentidos
38
dependem sempre de outros sentidos contextualmente compreendidos.
Trata-se de uma visão holística da compreensão:
o movimento crucial é dizer que não precisamos pensar que palavras
individuais devam ter qualquer significado
39
em qualquer sentido que
transcenda o fato de que tem um efeito sistemático sobre os significados
das sentenças em que ocorrem” (Rorty, 1994, p. 300).
Rorty (1994) afirma que essa visão não renega a noção de verdade
objetiva, pois, ao renunciar à dependência de um esquema, ou de uma noção de
realidade não-interpretada, o próprio dogmatismo de um dualismo entre
esquema e realidade pode gerar uma verdade relativa a um esquema. Ou seja,
uma relatividade conceitual ligada à sentença e à linguagem. Assim, expressa-se
a máxima objetividade possível, objetividade que não renuncia à existência do
mundo, mas que restabelece uma relação não-dualista entre esquema e mundo,
por meio da qual os valores influenciam na verdade ou não das sentenças:
“a diferença entre o realismo metafísico renegado e o incontroverso
realismo interno é a diferença entre dizer que estamos representando
com sucesso, de acordo com as próprias convenções de representação
da natureza e dizer que estamos representando com sucesso, de acordo
38
remete a um processo social de construção do conhecimento. A realidade não é
representada, mas, “faz sentido” para determinados sujeitos sócio-histórico e
contextualmente situados. Para essa concepção de sentido, adota-se as idéias de Weber
(1991, 2004), para quem a ação social é possível por meio dos sentidos compartilhados
entre os sujeitos. Quando compartilhado, o sentido produz a expectativa da ação do
outro, gerando as conexões entre as esferas sociais e sustentando a própria sociedade. Ou
seja, o mundo não existe nele mesmo, mas sim nas diferentes interpretações a ele
atribuídas pelos que nele vivem.
39
Remete à teoria dos signos (simbologia) e refere-se a uma representação da realidade.
Ou seja, significar é representar a realidade tal como ela é.
60
com as nossas próprias convenções. Dizer que estamos espelhando
corretamente é apenas uma imagem, da qual, aliás, nunca conseguimos
captar o sentido” (Rorty, 1994, p. 296).
O autor admite a abordagem filosófica de que a conversação é o
princípio básico da liberdade, devendo fluir num empenho pela verdade, porém,
sem a pretensão de esgotá-la. Com essa reflexão, o autor corrobora com a visão
da produção de conhecimento, segundo a qual o conhecimento pode ser
produzido pela interação entre sujeito e objeto, num processo contínuo.
O conhecimento, portanto, deve suceder e anteceder um processo de
compreensão da realidade. Por meio desse processo, é possível demonstrar como
uma realidade “parece ser” e não apenas é. Sendo assim, não existe um terreno
comum, o que existe são pontos-de-vista que tornam os sujeitos capazes de
dizerem coisas novas acerca dos fenômenos e deles mesmos, negando, assim, a
dualidade sujeito-objeto.
O trabalho de Foucault (1987)
40
/
41
traz uma reflexão contemporânea
acerca das formas de obtenção do conhecimento. O autor questiona a busca
pelas verdades absolutas e admite que o conhecimento é fruto de uma construção
histórica e inseparável da ação. Fundamentando-se nessa reflexão, o autor
defende que a ciência não é o único domínio do saber e que os sujeitos, ao
produzirem discursos sobre objetos, podem tomar posições e influenciar na
concepção de determinada realidade (Foucault, 2004).
40
Não se pretende “classificar” o autor como construcionista ou em qualquer outra
abordagem de estudo. Apenas admite-se, segundo Ìñiguez (2002), que alguns conceitos,
provenientes de suas idéias, são interessantes para uma reflexão construcionista.
41
Nesta seção, as discussões de Foucault, em As Palavras e as Coisas, são inseridas para
ilustrar a idéia de que o “saber” não está necessariamente ligado às representações da
realidade. A despeito de alguns autores e estudiosos de Foucault considerarem os
pressupostos dessa obra como “estruturalistas” ou como parte de uma “fase
arqueológica” (Dreyfus & Rabinow, 1995), concentra-se na crítica ao
representacionismo, ressaltando-se o “saber” como expressão da própria produção
discursiva.
61
Foucault (1987) elabora sua reflexão por meio de uma crítica específica
à teoria dos signos, a qual postula que a obtenção do conhecimento dá-se por
meio da observação das evidências presentes na natureza das coisas. Para o
autor, a linguagem não é apenas um reflexo das evidências, ou seja, o
conhecimento não é linearmente obtido por um regime de signos, que reflete um
processo de significação e representação, conforme o que prevaleceu no século
XVII. Nesse período, por exemplo, o signo é definido a partir da origem de sua
ligação com a realidade (natural ou convencional); do tipo de ligação
estabelecida (designação direta ou indireta); e da certeza dessa ligação (ligação
constante ou provável) (Foucault, 1987).
Para Foucault (1987), não deve existir essa separação explícita entre
sujeito e objeto. Não existe uma palavra primeira e inicial, que fundamenta o
discurso. A linguagem flui livremente em um percurso que traça seus sentidos:
“os signos da linguagem não têm como valor mais do que a tênue ficção
daquilo que representam (...) a escrita e as coisas não se assemelham mais”
(Foucault, 1987, p. 63). O autor afirma que essa característica não-
representacionista não torna a linguagem impotente e totalmente relativa. Ao
exemplificar com o texto “Dom Quixote”, o autor identifica a realidade dessa
obra como intensamente relacionada à linguagem e não à relação das palavras
com o mundo. A realidade permanece interior às palavras e na relação das
próprias marcas verbais pra consigo mesmas.
A própria ficção de “Dom Quixote”, afirma Foucault (1987), apresenta-
se pela linguagem e as palavras se fecham em sua natureza de signos. A figura
do louco, por exemplo, pode estar ligada à realidade de uma doença. No entanto,
essa concepção modifica-se, observando o contexto ocidental, para uma
condição de desvio constituído e mantido, como função cultural indispensável.
Dessa forma, o signo torna-se inseparável da forma como é analisado, não
existindo um sentido primeiro, constituinte do signo. Ou seja, não existe um
62
discurso prévio que institua a realidade das coisas. Foucault (1987) apresenta
“Dom Quixote” como sobrevivente de um mundo em que a linguagem não
alcança mais a realidade, consagrando a ruptura entre as palavras e as coisas. É
justamente por essa ruptura que emerge novos sentidos (por exemplo, a loucura
ou o desemprego).
A crítica de Rorty (1994), direcionada para os pressupostos que
compõem o realismo da modernidade ou o discurso da modernidade e as
reflexões foucaultianas, ilustram um debate que vem sendo reforçado,
principalmente no âmbito das ciências sociais, pelo pensamento chamado pós-
modernista.
Nesse debate
42
, inserem-se as discussões sobre as formas de obtenção do
conhecimento não essencialistas, estabelecidas na filosofia do conhecimento,
além do debate entre linguagem científica e cotidiana.
A partir do século XX, o debate modernismo versus pós-modernismo,
bem como as críticas ao racionalismo (na filosofia) e ao positivismo (na
sociologia), iniciam um movimento de “repensar” das formas de se fazer ciência
e obter conhecimento. Entre 1960 e 1970, observa-se a disseminação do
interpretativismo
43
nas ciências sociais. Além disso, disseminam-se concepções
que tentam superar a visão representacionista do conhecimento (do saber como
um espelho da natureza). Sob essa perspectiva, destacam-se os estudos de
42
O debate iniciou-se com o livro panfleto de Lyotard “A condição pós-moderna”,
publicado em 1979 e, encontrou oposição em Jurgen Habermas, por meio de “O
discurso filosófico da modernidade”, de 1986. A partir dos anos de 1980, emergiram
algumas temáticas filosóficas que precedem o debate: a relação entre a técnica e a
metafísica, os conceitos de progresso e de secularização, a questão do sujeito, além da
relação dessas próprias temáticas com o iluminismo e o idealismo (Bordin, 1994).
43
Essa abordagem considera que os princípios que regem a vida social são diferentes
dos que regem os fenômenos da natureza. A análise dos fenômenos sociais ocorre pela
interpretação dos os indivíduos, considerando o contexto em que vivem (Alencar, 1999,
p. 82).
63
etnometodologia
44
. Destacam-se também os estudos que privilegiam os
processos sociais e o conhecimento do senso comum, entre eles, os trabalhos de
Berger & Luckmann (1976), na sociologia do conhecimento; e o trabalho de
Moscovici (2003, 1995), na psicologia social.
No trabalho de Berger & Luckmann (1976) reorienta-se a ordem da
obtenção do conhecimento, estabelecida na sociologia do conhecimento
tradicional, com foco na epistemologia e na história das idéias. Os autores
focalizam o conhecimento do senso comum e estabelecem um processo por
meio do qual ocorre a construção social do conhecimento sobre a realidade. Esse
processo engloba as seguintes etapas: 1) Tipificação: que trata da “visão” dos
sujeitos acerca dos objetos, essa percepção é socialmente atribuída e deve levar
em conta as circunstancias sociais; 2) Institucionalização: está relacionada ao
processo de legitimação daquilo que se compreende, ou seja, “é preciso haver
explicações e justificações dos elementos salientes da tradição institucional
(Berger & Luckmann, 1976, p. 128); e, 3) Socialização: nessa etapa, ocorre a
internalização da objetividade, a qual se encontra em um processo dialético em
curso:
essa apreensão não resulta de criações autônomas de significado
45
por
indivíduos isolados, mas, começa com o fato do indivíduo assumir o
mundo no qual os outros já vivem. Sem dúvida, este assumir em si
mesmo constitui em certo sentido um processo original para cada
organismo humano e o mundo, uma vez “assumido”, pode ser
44
Trata-se de uma corrente sociológica, de origem norte-americana. Os principais
representantes dessa corrente são Harold Garfinkel e George Herbert Mead. Por meio da
etnometodologia, privilegia-se o conhecimento do senso comum, a análise minuciosa de
interações sociais e, como os atores apreendem o mundo social. Essa vertente retoma a
proposta da pesquisa qualitativa e edificante, e da linguagem como forma de
interacionismo (Maingueneau, 1998).
45
Apesar de, nesta reflexão, abordar-se a noção de sentido (enquanto discurso em ação,
construção do conhecimento), e não de significado (enquanto representação da
realidade), alguns autores mantêm a nomenclatura. Optou-se pela fidelidade à
nomenclatura dos autores.
64
modificado de maneira criadora ou até recriado” (Berger & Luckmann,
1976, p. 174).
No campo da psicologia social, Moscovici (2003, 1995) focaliza a
elaboração de uma representação pela vinculação com o social. Admite-se que
as representações integram conhecimentos essenciais para que um grupo recorra
a um mesmo referencial cognitivo. Com esse conceito, o autor inaugura a Teoria
das Representações Sociais na psicologia social. O termo representações sociais
surge em 1961, com o aumento do interesse pelos fenômenos do domínio do
simbólico e pelas formas de obtenção de conhecimento acerca desses
fenômenos, contrapondo o domínio do behaviorismo
46
no campo da psicologia.
Com essa teoria, Moscovici (1995) avança no reconhecimento do senso
comum, do saber popular, como forma de conhecimento, considerando os
processos subjetivos e cognitivos, além do contexto social no qual o saber
popular se insere. O autor, ao relacionar grupos, atos e imagens, resgata o
conceito de “representações coletivas”, proposto por Émile Durkheim. No
entanto, segundo Moscovici (2003), não é em função das realidades que se
movem indivíduos e coletividades, e sim, em função de suas representações.
O autor afirma que o pensamento científico é da mesma natureza dos
pensamentos primitivos e do senso comum e que as práticas mentais, embora
tenham origem na sociedade, também advêm de atos individuais. Essa
sistematização proposta por Moscovici (2003) explica a substituição do termo
“coletivas” por “sociais”, demonstrando que as representações derivam das
diversas sociedades que existem no interior de uma sociedade maior e, portanto,
não podem ultrapassá-la:
46
O Behaviorismo não é a filosofia da ciência do comportamento humano no campo da
psicologia. Trata-se da utilização da metodologia científica experimental para a
investigação do comportamento (Ferreira, 2000).
65
“(...) o conflito entre o individual e o coletivo não é somente do domínio
da experiência de cada um, mas é igualmente realidade fundamental da
vida social. Além do mais, todas as culturas que conhecemos possuem
instituições e normas formais que conduzem, de uma parte, à
individualização, e de outra, à socialização. As representações que elas
elaboram carregam a marca desta tensão conferindo-lhe um sentido e
procurando mantê-la nos limites do suportável. Não existe sujeito sem
sistema nem sistema sem sujeito. O papel das representações
partilhadas é o de assegurar que sua coexistência é possível
(Moscovici, 1995, p. 12).
O autor admite que o problema das representações encontra-se nos
detalhes, nas singularidades. Com isso, propõe um elo entre representações
individuais e coletivas. Com base nessa perspectiva, Moscovici (2003) analisa o
“poder das idéias” de senso comum. A maneira como o processo de
representação ocorre depende de uma seqüência: tornar familiares objetos
desconhecidos por meio de um duplo mecanismo denominado ancoragem e
objetivação, processo pelo qual indivíduos ou grupos acoplam margens reais,
concretas e compreensíveis, retiradas de seu cotidiano, aos novos esquemas
conceituais que se apresentam e com os quais têm de lidar (Moscovici, 2003).
Apesar de privilegiar o senso comum e as relações sociais como forma
de obtenção do conhecimento, no trabalho de Moscovici (1995, p. 11)
preservam-se características “essencialistas”: “as representações sociais são
racionais, não por serem sociais, mas porque elas são coletivas (...) é somente
dessa maneira que os homens se tornam racionais”. Especialmente no âmbito
da psicologia social, essa perspectiva vem sendo criticada, por um movimento
denominado construcionista, como um movimento que tenta superar essa
essencialidade, englobando as críticas de Rorty (1994), a reflexão Foucaultiana e
os estudos derivados da etnometodologia.
Acredita-se que a perspectiva construcionista avança na tentativa de
vencer a dicotomia sujeito-objeto, por considerar ambos como construções
66
sociais dialógicas. Dessa forma, elegeu-se o movimento construcionista como
pressuposto epistemológico, com o objetivo de sistematizar uma proposta para o
estudo do fenômeno do desemprego.
2.2 A abordagem do Construcionismo Social
O Construcionismo é, antes de tudo, uma abordagem de origem crítica.
Essa crítica é direcionada, na filosofia, para a concepção representacionista do
conhecimento. O construcionismo social situa-se no âmbito da psicologia social,
mas pode-se dizer que essa discussão reflete nas ciências sociais como um todo.
Na psicologia social, essa perspectiva originou-se das críticas ao “fazer ciência”
da psicologia científica, a qual, até meados de 1970, privilegia o método
experimental (behaviorismo), transportando para o domínio do humano e do
social a forma de obter conhecimento, postulada pelo racionalismo cartesiano.
Outras tentativas de redirecionamento desse tipo de fazer ciência
(behaviorista), no campo da psicologia, culminam em abordagens
cognitivistas
47
, as quais, segundo Bruner (1984), apenas invertem a perspectiva
totalizante do behaviorismo para uma perspectiva individualista.
Esse autor defende que a própria linguagem pode ser utilizada como um
instrumento para criar um mundo social e que não pode haver psicologia social
isolada do estudo do uso da linguagem. Ou seja, para entender o sentido, é
preciso conhecer o contexto (assim, afasta-se tanto do behaviorismo quanto do
cognitivismo). Para se compreender a linguagem, não é necessário um cálculo
sentencial, nem um catálogo de significados, mas a linguagem é: “uma maneira
47
Trata-se de uma abordagem crítica ao behaviorismo. Nessa abordagem, o objeto de
estudo da psicologia passa a ser as representações psíquicas, abstratas, simbólicas e
semânticas (com significado). O objeto de estudo passa a ser o subjetivo (Ferreira,
2000).
67
de relacionar-se a outros seres humanos em um mundo social” (Bruner, 1984, p.
975). Para o autor, um ponto de ligação entre as construções discursivas e o
gerenciamento do mundo social é a cultura: “as coisas no mundo social são
organizadas diferentemente em nossa mente. Quando a ação humana e a
interação são concebidas, vemos os eventos como governados, não pela causa e
efeito, mas, pela intenção e autonomia” (Bruner, 1984, p. 976).
Com isso, Bruner (1984) critica o behaviorismo e a noção mais
tradicional do cognitivismo na psicologia. Para o autor, mesmo o cognitivismo,
o qual foi a base para as teorias construtivistas
48
, não avança no sentido de
vencer a dicotomia sujeito-objeto, pois focaliza na dimensão “sujeito” e
fortalece o dualismo.
Além de Bruner (1984), Harré (1984, 1993) também tece uma crítica às
abordagens mais contemporâneas acerca das tentativas de vencer essa dicotomia
no campo da psicologia social. Para o autor, o trabalho de Moscovici (2003,
1995), por exemplo, falha em termos de reflexão filosófica. Harré (1984)
questiona se as representações, pelo fato de serem compartilhadas, sejam
necessariamente sociais. O autor fundamenta essa crítica argumentando que a
Teoria das Representações Sociais, mesmo no campo da psicologia social, é
abordada pela ótica do indivíduo, ou seja, considerando a atividade simbólica
individual como objeto de estudo, o material primário da psiquê seria expressado
por meio da representação. Essa visão, segundo Harré (1984), aproxima-se do
construtivismo, pois trata da relação entre representações e atividade simbólica.
Observa-se que embora a TRS considere que a atividade psíquica
envolva uma mediação entre indivíduo e o objeto-mundo, esse último é recriado
pela própria relação do indivíduo com o mundo, por meio da atividade
48
A abordagem construtivista, na psicologia, reporta à obra de Jean Piaget, no contexto
teórico dos processos cognitivos. O enfoque consiste na hipótese de que não existem
estruturas cognitivas inatas, sendo essas construídas pelo sujeito, no decorrer de suas
ações, no contexto social (Arendt, 1996, p. 9).
68
simbólica. Ou seja, o sujeito psíquico é privilegiado no processo da
representação, a substância ou o conteúdo do qual as representações são feitas é
o símbolo.
Além disso, o autor afirma que, na perspectiva de Moscovici (2003,
1995), as próprias representações compartilhadas definiriam a realidade de um
grupo. A mente ainda seria o governo das ações e dos atos de fala e o principal
tipo de entidade cognitiva do espaço social seria a representação social:
bastaria dizer que o papel atribuído por Moscovici ás representações é muito
similar ao que os filósofos da ciência atribuem às ‘teorias’” (Harré, 1984, p.
929).
A existência de ambigüidades entre o conceito de representações sociais
e atividade representacional, ou seja, o coletivo versus o individual torna-se
evidente no desenvolvimento da TRS no campo da psicologia social. Essas
ambigüidades refletem o peso da perspectiva cognitivista no estudo das
representações individuais, em que uma representação seria considerada como
um reflexo do mundo externo. Assim Harré (1984) e, mais recentemente
Cardoso (2000), alertam para um “novo reducionismo”, uma tentativa
equivocada de superar a dicotomia sujeito-objeto.
Quando o sujeito e o objeto são encarados como realidade interativa, o
conceito de representações sociais é questionado. Sendo assim, não se trata de
focalizar a representação de/sobre determinada realidade, mesmo sendo essas
representações vinculadas ao social, mas, principalmente, de compreender como
os sujeitos constroem essa realidade por meio de processos interativos, como a
linguagem, os quais produzem sentidos.
Baseando-se nessa reflexão, Davies & Harré (1990) elaboram e
desenvolvem o conceito de posicionamento, invocando um “eu narrativo”,
69
reformulando a teoria da produção do self
49
. Trata-se de reconhecer a força da
prática do discurso e da maneira como essa prática posiciona-se na subjetividade
e na aprendizagem. A conversação passa a ser entendida como produto e
produtora da interação social. Dessa forma, o “eu”, ou seja, o sujeito posiciona-
se no discurso por meio de um inter-relacionamento entre sua posição e a força
ilocutória. O sentido social depende da posição dos interlocutores e o próprio
interlocutor é, ele mesmo, um produto da força social, uma ação da conversação.
Os autores utilizam o conceito de posicionamento como a expressão
apropriada para se falar em produção discursiva de uma diversidade dos “eus”.
Com isso, os autores admitem que a adoção de posicionamentos reflete
determinada realidade no contexto discursivo.
O Construcionismo não-realista (essencialista), mas, nem por isso menos
crítico, focaliza-se, principalmente, nos trabalhos de Gergen (1985), autor da
expressão “construcionismo social”. O fato de nomear essa perspectiva como
construcionista e não construtivista justifica-se pela afirmação de que o
conhecimento acerca da realidade é uma construção sempre em mudanças, o que
vai de encontro à abordagem construtivista, a qual considera que, uma vez
construídas as estruturas mentais, elas permanecem. Para Gergen (1985), o
conhecimento sobre a realidade é um processo socialmente construído na
interação dialógica. Os saberes são históricos, sendo reforçados pelas práticas
sociais que criam as instituições sociais. Ou seja, a forma de ver o mundo está
determinada pelo conhecimento histórico-dialógico.
Quanto ao historicismo, Gergen (1973) ressalta que o conhecimento não
é apenas resultado da acumulação de uma prática científica usual, pois o
conhecimento transcende os limites conceituais, os pressupostos da interação
humana não permanecem estáveis no tempo. É preciso estar atento às interações
49
Trata-se de uma teoria relativa á definição do “eu”(Gergen, 1985).
70
e práticas, considerando a história, para evitar uma mascaração por meio de
reflexões que objetivam uma verdade “a-histórica”. Dessa forma, pode-se dizer
que uma teoria é preditora em determinado contexto e tempo, o que faz com que
o historicismo, necessário à psicologia social, possa esclarecer as variações do
comportamento humano na história: “as teorias válidas sobre o comportamento
social constituem instrumentos significativos do controle social (...) na medida
em que um comportamento individual é previsível, coloca-se o próprio sujeito
em uma posição vulnerável” (Gergen, 1973, p. 313).
Shotter (1981) corrobora com a abordagem de Gergen (1985) e apóia-se
em Wittgeinstein (1995), ao propor uma política social do homem no lugar de
uma teoria do comportamento natural. O autor enfatiza a importância dos
aspectos culturais, históricos e sociais do homem, em vez das preocupações
científicas mais clássicas com o natural, o orgânico e o biológico. Além disso, o
autor advoga que o homem deve ser concebido pelo caráter de sua consciência,
que, por sua vez, é influenciado pela história e pela cultura: “o homem não é
apenas homem na natureza; é homem numa cultura, na natureza (...) a cultura
de um homem não se caracteriza em termos de propriedades objetivas, como
todas as outras coisas que ele vê na natureza, a partir do interior de sua
cultura” (Gergen, 1985, p.141).
No que refere ao caráter dialógico do conhecimento, Gergen (1985)
afirma que esse não determina ou provém de uma identidade, de um “eu” já
constituído, mas de uma política relacional. Baseado nos argumentos de Bruner
(1984) e Davies & Harré (1990), Gergen (1985) desenvolve uma re-teorização
do self, do “eu”. A partir de então, propõe algumas bases para uma teoria
relacional da produção de sentido, quais sejam:
a) a produção de sentidos ocorre por meio dos relacionamentos
historicamente situados;
71
b) a potencialidade da produção de sentidos está interligada às condições
relacionais da sociedade;
c) as ações fazem sentido dentro de seqüências relativamente
estruturadas: ontologia relacional;
d) a produção de sentidos é temporária; e,
e) os enunciados
50
“fazem sentido” para os outros quando engendram
formas de ação.
Considerando essa concepção de conhecimento histórico-dialógico,
Gergen (1985, 1973) concebe o indivíduo como inseparável do processo social.
Trata-se de uma concepção mais socializada do Self:
o agente autônomo seria um mito; cada um de nós é constituído pelo
outro; não podemos deliberar ou decidir sem implicar a condição do
outro. Não será, porém, suficiente a transformação de recursos
teóricos; torna-se urgente introduzir formas inovadoras de ação
política” (Arendt, 1996, p. 8).
Nesse sentido, a abordagem de Gergen (1985, 1973) é paralela à
discussão de Shotter (1981), por meio da qual o autor ressalta que o
conhecimento advém das estruturas compartilhadas de sentidos, as quais
influenciam e são influenciadas pela ação e pela história.
Tanto a teoria relacional da produção de sentido, em Gergen (1985),
quanto a política social do homem, em Shotter (1981), remetem à idéia da
intersubjetividade
51
. Ou seja, Gergen (1985) e Shotter (1981) afirmam que o
50
O enunciado pode ser entendido como unidade elementar do discurso, que transcende
o lingüístico e o material (ordem, solicitação, asserção, promessa). É um elemento
indispensável para que se possa dizer se há ou não frase, proposição ou ato de
linguagem. É o produto de um processo de enunciação entendido como um ato de
linguagem. O enunciado requer um enunciador e um co-enunciador (Maingueneau,
1998).
51
Refere-se à “constituição dialógica” da subjetividade. Apesar de considerar que a
subjetividade é influenciada pelas relações sociais, a noção de intersubjetividade não
72
sentido é produzido pela prática social dialógica e o melhor caminho para sua
compreensão, segundo esses autores, é por meio da linguagem, veículo humano
de consciência:
a idéia de intersubjetividade, a noção de um sistema compartilhado de
conceitos e suas implicações, que proporciona um significado a tudo o
que acontece numa sociedade, torna-se, pois, um termo central em
qualquer ciência da consciência. E de importância central em tal
sistema é o nosso conceito intersubjetivamente compartilhado de nós
mesmos”(Shotter, 1981, p. 44).
Com essa perspectiva, Shotter (1981) e Gergen (1985) tentam romper a
dicotomia sujeito-objeto, ultrapassando a crítica de Harré (1984), pois não
consideram a essencialidade de um conhecimento verdadeiro, mas sua
característica mutável. Concentra-se no processo de interação (linguagem) como
um veículo para a obtenção do conhecimento. Ibáñez (1993) denomina o
processo de rompimento com a dicotomia sujeito-objeto e com outras premissas
do realismo da ciência moderna como um processo de desfamiliarização. Para
esse autor, tanto o sujeito quanto o objeto são construções sócio-históricas que
precisam ser desfamiliarizadas: “a realidade existe, está composta por objetos,
mas não porque esses objetos são intrinsecamente constitutivos da realidade,
senão porque nossas próprias características os ´coloca´, por assim dizer, na
realidade” (Ibáñez 1993, p. 112)
Para Gergen (1994), essa abordagem está presente na psicologia pós-
moderna, por meio das críticas ao representacionismo. O autor afirma que a
literatura pós-moderna, ao articular essa alternativa, caminha progressivamente
considera que esse processo é inerente ao sujeito, mas, que o mesmo constitui-se pelos
discursos em movimento e pelo entrecruzamento entre discurso, sociedade e história.
Trata-se de considerar a intersubjetividade como um processo dialógico entre o sujeito e
o objeto, ultrapassando a clássica dicotomia sujeito (dotado de razão) e objeto (real em
estudo) (Schnitman, 1996).
73
para uma possibilidade de análise mais comprometida com a linguagem e seu
uso, conforme proposto por Wittgenstein (1995). Deve-se atentar para as
maneiras pelas quais os sinais articulam em uma sociedade, e não para o
significado em si, para um discurso totalitário, que governa as maneiras de dizer
e agir em função do outro. Dessa forma, a linguagem torna-se essencial não
apenas pela sua capacidade de representar, mas pelas suas implicações práticas.
Com esse pressuposto, Gergen (1985) afirma que a pesquisa
construcionista social ocupa-se, principalmente, de explicar os processos pelos
quais as pessoas descrevem, explicam ou, de alguma forma, dão conta do mundo
em que vivem, incluindo elas mesmas. No nível metateórico, Gergen (1985)
ressalta que a maior parte dos trabalhos construcionistas manifesta uma ou mais
das seguintes premissas:
1) Aquilo que se considera como a própria experiência do mundo
não determina, por si só, a compreensão acerca desse mundo. Ou seja, o
conhecimento sobre o mundo não pode ser produto da indução ou da construção
e avaliação de hipóteses;
2) O conhecimento acerca do mundo é social e historicamente
situado na interação entre pessoas. Do ponto de vista construcionista, o processo
de fazer sentido não é automaticamente conduzido pelas forças da natureza, mas
é o resultado de um empreendimento ativo, cooperativo, de pessoas em
interação;
3) O prevalecimento de uma forma de conhecimento no tempo não
depende fundamentalmente da validade empírica;
4) As formas de compreensão negociadas são de uma importância
crítica na vida social, pois estão integralmente conectadas com muitas outras
atividades das quais participam as pessoas. As descrições e explicações sobre o
mundo constituem, elas próprias, formas de ação social.
74
Com relação a essa última premissa, Gergen (1998) ressalta as
implicações políticas do construcionismo. Reflete-se acerca da autoridade da
linguagem como manifestação da verdade e da importância da linguagem
cotidiana. Nesse sentido, o construcionismo enfatiza a coletividade
(interdependência, negociação e diálogo) e o sujeito como locais de ação moral e
política. No entanto, a admissão ou não desse caráter político acarreta uma
fragmentação na perspectiva construcionista. O desafio, segundo Gergen (1998),
é estabelecer uma fronteira relacional que permita a convivência entre a
multiplicidade de “vozes” nessa abordagem.
A fragmentação na abordagem construcionista, observada por Gergen
(1998), reforça os argumentos críticos direcionados aos construcionistas (Stam,
2001). Esses argumentos concentram-se, principalmente, nos aspectos teórico-
metodológicos. Arendt (1996) aponta que tanto o construtivismo quanto o
construcionismo são formas de reducionismos, as quais tentem para o
psicologismo ou sociologismo, respectivamente:
os modelos teóricos do construcionismo e o construtivismo parecem
não terem se dado conta de que, na tentativa de reduzir a explicação do
comportamento humano fazendo a balança pesar para o lado do social
ou do individual” (Arendt, 1996, p. 12).
Crossley (2003) faz uma crítica à psicologia narrativa construcionista,
discutindo que, por meio desse posicionamento, abandona-se a realidade do
fenômeno e aproxima-se do desordenado, caótico e variável. Para o autor, na
narrativa, deve-se buscar também o sentido da unidade, da coerência,
abandonando o relativismo, presente na perspectiva construcionista.
Admitem-se os limites da perspectiva construcionista, assim como de
outras abordagens. No entanto, de acordo com Ìñiguez (2002), considerou-se
que construcionismo não é relativista. O autor defende que o oposto ao
relativismo não seria o realismo, mas o autoritarismo. Nesse caso, o
75
conhecimento obtido por meio da compreensão não seria um conhecimento
relativo, mas um conhecimento inacabado, existindo sempre a possibilidade de
uma nova forma de compreensão, que não necessariamente anularia a primeira:
“O construcionismo não é sinônimo de relativismo. O conhecimento
não é arbitrário e, como nos adverte Ibáñez (1993), está muito distante
de ser ficção desenfreada, tendo em vista que obedece a uma série de
convenções que condicionam as versões e relatos que podemos
construir. O construcionismo é, assim, um convite a examinar e
entender essas convenções como regras socialmente situadas, passíveis
de reconstrução” (Medrado-Dantas, 1997, p. 51).
O Construcionismo Social fornece reflexões importantes para o campo
da psicologia social, assim como para as ciências sociais e humanas em geral.
Por meio dessa perspectiva, sistematizou-se um quadro para o estudo do
fenômeno do desemprego, considerando suas condições de produção na
sociedade brasileira contemporânea.
2.3 Construcionismo Social e desemprego: a centralidade das “condições de
produção”
No Brasil, o enfoque construcionista faz parte das agendas de pesquisa,
mais especificamente, desde o início do ano 2000. Tanto na sociologia, quanto
na administração, alguns trabalhos publicados em periódicos científicos
sinalizam para um movimento teórico-metodológico condizente com as
premissas construcionistas. Nesses trabalhos, observa-se que o enfoque é, acima
de tudo, interdisciplinar
52
.
52
Esses estudos foram selecionados por meio de uma revisão, realizada nos periódicos
das áreas da sociologia, administração e psicologia, classificados como de nível A, de
circulação nacional brasileira, pela CAPES. Pesquisou-se as publicações de 2000 a 2006.
76
A maioria dos autores nos artigos analisados não se intitula e nem ao seu
trabalho como construcionista; da mesma forma, é rara a explicitação dos
pressupostos do construcionismo social tal como são discutidos na psicologia
social. No entanto, o argumento essencial para que esses trabalhos fossem
incluídos na discussão refere-se à abordagem teórico-metodológica,
independentemente do fenômeno analisado, por meio da qual os pesquisadores
negam a dicotomia sujeito-objeto.
No campo da administração, o intercâmbio entre discussões da
sociologia, psicologia e antropologia é fundamental para o avanço na forma
como o fenômeno organizacional e seus membros possam ser compreendidos.
Na sociologia, a subjetividade socialmente constituída torna-se importante para
o estudo dos fenômenos sociais (Fontana, 2000). Observou-se esse
redirecionamento acerca dos estudos sobre gênero principalmente, os quais
privilegiam a dinâmica discursiva dos sujeitos como veículo para sua
compreensão, ressaltando a intersubjetividade (Cramer et al., 2002; Cramer et
al., 2004).
No que refere à linguagem e às práticas discursivas, como pressuposto
de pesquisa e não apenas como ferramenta metodológica de análise, ressalta-se a
análise do discurso
53
e a reflexão foucaultiana acerca do conhecimento, como
abordagens prevalecentes nos trabalhos como uma possível tentativa de
rompimento com o representacionismo, considerando que uma realidade social
como a educação, por exemplo, possa ser explicitada por meio de uma dialogia
entre a percepção dos sujeitos envolvidos com essa realidade e as práticas
educacionais (Fischer, 2001; Macedo & Mortimer, 2000).
Na administração, a noção de discurso como uma prática que estrutura e
é estruturada pela realidade prevalece nos trabalhos sobre mudança, cultura,
77
poder e gestão de pessoas no espaço organizacional (Carrieri, 2002; Lacombi &
Tonelli, 2001; Silva & Vergara, 2002; Tonelli, 2003). Sob essa abordagem,
considera-se que o fenômeno organizacional, assim como as mudanças ocorridas
em sua estrutura (física e administrativa), na cultura e nas formas de
relacionamento entre os membros organizacionais, não podem ser analisados
como realidades pré-existentes à própria compreensão de seus membros. A
cultura, por exemplo, não é passível de ser observada e medida ou caracterizada,
a partir do que se considera como sua materialização (artefatos e valores), mas
passa a ser compreendida como um processo simbólico mediado pelas
percepções dos membros organizacionais.
Vale ressaltar os trabalhos recentes de Misoczky & Imasato (2005) e
Rosa et al. (2006), na área de administração. O trabalho de Rosa et al. (2006),
intitulado Práticas Discursivas e Produção de Sentidos nos Estudos
Organizacionais: a contribuição do construcionismo social, focaliza o caráter
interdisciplinar dos estudos organizacionais e explora uma proposta teórico-
metodológica para esses estudos, alinhada à postura construcionista. Segundo os
autores, “a produção de sentidos é necessariamente interdisciplinar” (Rosa et
al., 2006, p. 41). Dessa forma, os autores afirmam que a ponte entre a
abordagem construcionista e os estudos organizacionais pode ser estabelecida
por meio dos estudos críticos em administração, na vertente compreendida como
pós-modernista:
“O valioso arcabouço de análise proporcionado pela proposta teórico-
metodológica (...) ajuda os analistas organizacionais a compreender
melhor as obscuras questões ligadas ao poder, ao gênero e a violência
no trabalho. Uma vez que, boa parte dessas questões passa pela postura
dos atores na prática dialógica” (Rosa et al., 2006, p. 50).
53
Processo de compreensão de como os sentidos acerca de determinado
fenômeno/objeto são produzidos, considerando-se as condições de produção desse
discurso.
78
No trabalho de Misoczky & Imasato (2005), destaca-se a discussão da
proposta construcionista como uma prática de pesquisa em estudos
organizacionais, considerada narrativa. Nessa prática, a organização passa a ser
abordada como uma construção discursiva.
Gergen (1996) também ressalta essa possibilidade. O autor afirma que
essa “ponte” ultrapassa a análise crítica, transformando o espaço organizacional
em um espaço de “construção de palavras”; portanto, um espaço de discursos e
produção de sentidos a serem compreendidos. Além dessa discussão de Gergen
(1996), pode-se ressaltar, como tentativa de ampliar a análise organizacional, os
trabalhos de Grant & Oswick (1996) e Tietze et al. (2003), ressaltando a
importância de compreender o fenômeno organizacional como um fenômeno
simbólico e social, por meio de linguagens e metáforas.
Dessa forma, observa-se que o ponto de partida para uma pesquisa
construcionista é o processo de desfamiliarização (Ibáñez, 1993). Ou seja,
nega-se, implícita e constantemente, noções até então arraigadas no campo
científico, no que se refere à epistemologia. Esse fato é observado em alguns
estudos recentes no campo da sociologia e administração. É nesse movimento de
desfamiliarização e dialogia que se produz um discurso que é, ele próprio,
produto e produtor de uma nova possibilidade de avaliação e produção de
conhecimento.
Nesse processo, verifica-se a presença marcante da idéia de que o
conhecimento sobre a realidade depende da maneira por meio da qual os sujeitos
“percebem” essa realidade (Rorty, 1994). O conhecimento do sujeito sobre o
objeto não existe mais como principal objetivo dos pesquisadores. O objetivo
passa a ser a compreensão de como os sujeitos produzem explicações
(conhecimento) acerca dos fenômenos em estudo e, principalmente, acerca deles
mesmos como sujeitos que interagem com tais fenômenos. Para atingir esse
79
objetivo, é preciso considerar que tanto sujeitos quanto os fenômenos são
construções histórico-dialógicas (Gergen, 1985). A reflexão pode ser
desenvolvida pelos questionamentos: 1) o que é conhecimento?; 2) o
conhecimento está no sujeito?; 3) o que é sujeito?; 4) o conhecimento é uma
representação do objeto?; e, 5) o que é objeto? A respeito desses
questionamentos, afirma-se que:
1) O conhecimento não configura uma teoria ou um esquema
daquilo que se pretende conhecer, mas que é apenas uma maneira de “fazer
sentido”, conveniente a quem se utiliza dela, como categorias ontológicas
convenientes (Rorty, 1994);
2) Esse tipo de conhecimento, o “fazer sentido”, não pode estar
interior ao sujeito, pois só é possível quando é compreendido por outros sujeitos
(Gergen, 1985) e, para que haja essa compreensão, os indivíduos precisam
compartilhar um referencial histórico-cultural. Sendo assim, o conhecimento não
pode ser meramente cognitivo quando se manifesta como construção histórica e
seus pressupostos modificam com o tempo;
3) O sujeito, como um indivíduo, não pode ser o local da razão e,
conseqüentemente, do conhecimento, pois ele próprio não possui uma identidade
constituída, um “eu” fixo, que determine uma visão legítima e uniforme da
realidade. O sujeito possui um “self dialógico e social (Gergen, 1985). Nesse
processo, os sujeitos, ao mesmo tempo em que se deixam influenciar,
conscientemente, pela cultura e pela história (Shotter, 1981), posicionam-se
como “eu narrativos” (Davies & Harré (1990); Harré, 1984). E, dessa forma,
constroem uma relação dialógica com a realidade;
4) O conhecimento produzido não pode representar o objeto, ou
seja, a realidade. Ao ser produzido em um processo de interação entre o sujeito e
80
o objeto, em um processo de compreensão
54
(Rorty, 1994), pode-se dizer que o
conhecimento é um processo de produção de sentidos acerca de “várias teorias
verdadeiras”. Portanto, não seria o objeto ou a realidade o foco das pesquisas,
mas o que se compreende como objeto e realidade, considerando o historicismo
como pressuposto para o conhecimento. A realidade, como afirma Gergen
(1985), está sempre em movimento e não é baseada em estruturas mentais fixas;
5) O objeto, então, pode ser considerado como uma realidade
relativa e inseparável da ação social (Foucault, 1987; Gergen, 1985), visto que a
própria afirmação de que o objeto é aquilo que se compreende, modifica a
realidade social e instaura uma forma de controle sobre a mesma.
Considerando-se essa reflexão, apresentam-se as seguintes premissas: i)
o conhecimento é um processo de fazer sentido; ii) conhecimento é uma
construção histórica; iii) o sujeito constrói uma relação dialógica com a
realidade (intersubjetividade); iv) o fenômeno em estudo é um produto dessa
dialogia e da compreensão; e, v) o processo de construção social do
conhecimento é uma forma de ação. Observa-se que o estudo requer um “novo
olhar” sobre a forma de conhecimento e pesquisa (figura 1):
54
Segundo Rorty (1994), esse tipo de filosofia não admite que o homem tem uma
essência e que, sua principal tarefa é descobrir essências.
81
Figura 1 - Interface entre condições de produção e premissas construcionistas
Fonte: elaborado com base em Gergen (1985).
Na figura 1 verifica-se uma reflexão acerca das condições de produção
sob cada premissa e, por outro lado, não deixando de considerar cada premissa
em todos os elementos que compõem as condições de produção. Ou seja, as
partes compõem o todo e o todo pode ser observado em cada uma das partes.
Pereira (2005) ressalta que, na análise sócio-construcionista do
desemprego, deve-se atentar para a compreensão dos sujeitos acerca do próprio
fenômeno trabalho e para suas condições de produção. A autora identifica que,
no cenário brasileiro, as condições de produção remetem às mudanças no mundo
do trabalho, à noção de emprego e trabalhador e às condições de
empregabilidade. Tais condições são perpassadas pela memória e pelo contexto,
conjunto de elementos que, sob o enfoque construcionista, constituem elementos
para o conhecimento acerca do desemprego como uma construção social imersa
em um universo de valores complexos; e compreender como a realidade
modifica e é modificada por essas condições.
iii) o indivíduo
constrói uma
relação dialógica
com a realidade
iv) o fenômeno é um
produto da dialogia e
da compreensão
v) o processo de
construção social
do conhecimento é
uma forma de
ação.
Condições de
produção do
fenômeno:
Memória e
Contexto
ii) conhecimento é
uma construção
histórica
i) conhecimento é
“fazer sentido”
82
Com base nas condições de produção do desemprego, as quais compõem
a memória e o contexto relativos à sociedade brasileira, acreditou-se ser possível
apresentar uma possibilidade construcionista para a análise desse fenômeno,
conforme explicitado na figura 2
55
:
Figura 2 - Condições de produção sobre o desemprego no Brasil sob a ótica
sócio-construcionista
Fonte: elaborado com base nas discussões apresentadas nos capítulos 1 e 2.
55
Esse quadro reflete um pressuposto teórico-metodológico ou um encaminhamento
para que o pesquisador não deixe de considerar a memória e o contexto (condições de
produção) acerca do fenômeno desemprego na sociedade brasileira. Além disso, a
sistematização evidencia o relacionamento desses elementos com as premissas
construcionistas. Não se trata de um “modelo analítico rígido”. A construção de um
modelo dessa natureza não seria condizente com um estudo construcionista. Portanto, no
decorrer das análises, o pesquisador pode identificar outros elementos como condições
de produção do fenômeno.
iii) A compreensão do
desemprego também é
influenciada pelos sujeitos
e pela relação que eles
estabelecem com o
desemprego (insegurança,
papel do Estado, etc.) no
cenário brasileiro
iv) o desemprego como
questão social emerge da
compreensão dos sujeitos
acerca do fenômeno e de suas
implicações (individuais ou
sociais).
v) Emergem novos
conceitos acerca do
desemprego que, por sua
vez, engendram formas de
agir e pensar: a
empregabilidade no
cenário brasileiro, por
exemplo, e a convivência
com o
dualismo
Memória e contexto
no Brasil: dualismo
que mantém interface
com os conceitos
acerca do fenômeno
desemprego
(tradicional x
moderno)
ii) “o dualismo”
(tradicional x moderno),
que tangencia a memória e
o contexto, influencia na
construção do
conhecimento acerca do
dese
m
p
r
ego
n
o
Br
as
il
i) O desemprego “faz
sentido” no cenário
brasileiro considerando a
memória e o contexto de
sua produção: o emprego
como elemento ainda
central
83
Ressalta-se a memória como uma percepção proveniente de
entrelaçamentos de acontecimentos no tempo. A memória remete à noção de
não-trabalho, até configurar-se como desemprego. No Brasil, por sua vez, essa
memória também é tangenciada pelas relações patrimonialistas e paternalistas,
estabelecidas no âmbito do trabalho. Evidencia-se a importância de considerar,
por exemplo, o conhecimento como um processo de fazer sentido e como
construção histórica, visto que a própria noção acerca de “desemprego” refere-se
à trajetória sócio-histórica do trabalho e do não-trabalho nos países do ocidente
capitalista e, especificamente, no Brasil (premissas construcionistas “i” e “ii”).
No que refere ao contexto, têm-se a sociedade brasileira contemporânea
e as transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho. O contexto,
portanto, materializa-se por meio de um recorte no tempo e de um modelo
explicitado como o período de acumulação flexível. No Brasil, esse processo é
marcado por uma reconfiguração acelerada nas relações de trabalho, diferindo-se
do observado nos países de industrialização avançada. O período de
reestruturação instaura-se e desenvolve-se marcado por uma necessidade de
mão-de-obra qualificada em um mercado de mão-de-obra semi ou
desqualificada.
Esse quadro influencia e redireciona as formas de acesso ao emprego,
instaurando novos conceitos, como a noção de empregabilidade no Brasil,
responsabilidade tanto do sujeito trabalhador, como do não-trabalhador. A noção
de empregabilidade é permeada pelo modelo de competência (individualismo) e
pelo fortalecimento dos laços sociais (coletivismo, paternalismo), reforçando a
memória do dualismo da sociedade brasileira.
O aumento da insegurança (dos empregados e dos desempregados), no
governo da empregabilidade, reforça o fenômeno do desemprego como categoria
econômica macrossocial e, conseqüentemente, centraliza o fenômeno como
“questão social”, produto e produtora das próprias percepções e ações dos
84
sujeitos. Mais ainda, o próprio conhecimento sobre o desemprego, produto da
dialogia e da compreensão, engendra novos conceitos, como a empregabilidade
(premissas construcionistas “iv” e “v”).
Os conceitos que emergem acerca do fenômeno desemprego, por sua
vez, impulsionam novas formas de agir e pensar em sociedade. Como, por
exemplo, a ação do Estado no redirecionamento de políticas públicas; a ação da
sociedade, como a movimentação de setores informais como expressão de
exclusão e de criatividade, reforma agrária como um instrumento de política
social e luta contra o desemprego, entidades filantrópicas e ONGs como
participação partidária e perda de confiança no regime político; a ação das
organizações, como o aumento das pressões mentais, físicas e das práticas de
controle, autonomia outorgada (mediações), dominação psicológica, sistema
maternal, elo entre sujeito e organização, estruturas com objetivos inconciliáveis
(individualismo e equipe, lealdade e submissão ao mercado); e a ação do próprio
sujeito diante da perda do emprego e a partir do sentido do trabalho, como uma
relação de identificação e referência social, auto-estima, posição de status, nova
mentalidade para o trabalho como fonte de preocupação e angústia, mas de
forma individualizada;
Esses fatores ilustram a premissa de que o processo de construção social
do conhecimento é uma forma de ação e que isso é possibilitado pela dialogia e
pela intersubjetividade (premissa construcionista “v”).
Sinaliza-se que esse processo de construção do conhecimento é
veiculado pela linguagem. A própria linguagem dos atores sociais acerca do
fenômeno do desemprego pode ser analisada como um processo de produção de
sentidos sobre o fenômeno, o qual, por sua vez, também pode ser considerado
como produto e produtor desse processo (Parker, 1998). Nessa perspectiva,
afirma-se que o processo de produção de sentidos é veiculado pela linguagem e
pela dialogia.
85
3. PRODUÇÃO DE SENTIDOS SÓCIO-CONSTRUCIONISTA E
PRÁTICAS DISCURSIVAS
As críticas ao discurso da dualidade, do representacionismo e da retórica
da verdade centralizam a linguagem como prática social, estabelecida entre os
sujeitos, a qual pode produzir sentidos, que, por sua vez, constituem o processo
de construção do conhecimento acerca da realidade. Sendo assim, o discurso é
central para a compreensão do processo de produção de sentidos.
O debate acerca da desfamiliarização com as concepções da
modernidade, tidas como racionalismo e realismo (Ibáñez, 1993), está
intimamente relacionado às transformações conceituais acerca do
relacionamento sujeito-objeto (realidade), na produção de conhecimento, bem
como à própria concepção de sujeito e objeto. Dessa forma, na seção 3.1
recuperam-se as principais reflexões que evoluem de uma reflexão de sujeito
empírico, para sujeito discursivo, considerando o conceito de intersubjetividade.
É por meio dessa reflexão que se apresenta a emergência do pragmatismo no
campo da linguagem e a concepção foucaultiana de discurso como prática social.
Por isso, adotou-se a análise das práticas discursivas como abordagem de
análise.
No campo da linguagem, pode-se distinguir um tipo de análise do
discurso voltada para a interpretação dos sentidos dos discursos e para a
intencionalidade dos sujeitos discursivos (e não dos sujeitos empíricos); de um
outro tipo, centrado na compreensão do processo de fazer sentido em um
discurso (Orlandi, 2003). No tópico 3.1.1, discutiu-se essa vertente da análise
das práticas discursivas, focalizada na compreensão. Nessa abordagem, a
intencionalidade dos sujeitos, tanto empíricos, quanto discursivos, não importa,
visto que o próprio discurso constitui o sujeito e o sujeito discursivo.
86
Pela abordagem do discurso como prática e da análise das práticas
discursivas como um processo de compreensão, admitiu-se, na seção 3.2, que o
movimento teórico do construcionismo social é um movimento para a
compreensão do conhecimento como um processo de produção de sentidos. Esse
processo pode ser veiculado pela linguagem, que envolve a dialogia dos sujeitos
e a análise das práticas discursivas (Parker, 1998; Shotter, 1981; Spink, 2004),
perspectiva adotada para esse estudo como referencial teórico-metodológico.
O “teórico” está vinculado aos pressupostos construcionistas; o
“metodológico” (e não o método simplesmente) é derivado do teórico e reporta-
se aos conceitos-chave para a análise das práticas discursivas. Alguns autores,
como Ìñiguez, 2002; Parker (1998) e Potter & Wetherell (1987), consideram a
linguagem como condição prévia do pensamento, e privilegiam a análise das
práticas discursivas, não apenas como método, mas como abordagem
epistemológica.
Estabeleceu-se um posicionamento teórico-metodológico para a análise
das práticas discursivas como um caminho para a compreensão do processo de
produção de sentidos. A proposta apresentada na seção 3.3 reúne elementos
conceituais para a análise das práticas discursivas, discutidos na seção 3.1 e,
uma reflexão acerca da noção de repertórios discursivos (reformulando a noção
de repertórios interpretativos).
3.1 Discurso como prática
No que refere à dialogia e à idéia de descentralização do sujeito no
campo da psicanálise
56
, os estudos de Lacan remetem a uma reflexão acerca do
56
Refere-se ao tratamento pela fala como lugar exclusivo do tratamento psíquico
(Amossy, 2005).
87
processo de construção da subjetividade: “tese do eu”. Nesses estudos, discute-
se acerca do “eu” como imagem do semelhante; e do inconsciente como discurso
do outro. Trata-se de um redirecionamento na teoria do sujeito, focalizando o
caráter filosófico da subjetividade e distanciando-se do modelo biológico,
aproximando-se do lingüístico (Amossy, 2005; Nasio, 1993).
Nessa perspectiva, inserem-se as abordagens interacionistas,
principalmente no campo da sociologia, por meio das quais advoga-se a
importância da interação social como veiculadora das imagens que os sujeitos
constroem de si mesmos nos discursos (Amossy, 2005). Trata-se de um
movimento que privilegia o descentramento da noção de “sujeito empírico”
(sujeito biológico e subjetivo) para a formação de um “sujeito discursivo
57
”.
Foucault (1997) explicita a preocupação pelos posicionamentos
ocupados nos discursos pelos próprios sujeitos, em busca de um comportamento
emancipado, baseado na reflexão sobre eles mesmos e sobre a ética. Esses
posicionamentos, segundo o autor, envolvem relações de poder que afetam o
cotidiano das pessoas (Foucault, 1979).
Foucault (1979) ressalta uma forma de poder que é exercida para manter
os “corpos” (pessoas) em estado de docilidade (poder disciplinar), por meio do
controle do tempo, do espaço e da vigilância. Por isso, as disciplinas têm os seus
discursos são criadoras de aparelhos de saber e de múltiplos domínios de
conhecimento. No entanto, o autor ressalta que o discurso das disciplinas não
corresponde ao discurso da regra jurídica ou a qualquer manifestação formal,
mas corresponde à regra natural, do domínio das ciências humanas.
57
Constitui-se na dimensão da linguagem. Não se trata do sujeito empírico (o indivíduo
propriamente dito), mas, do sujeito que "se" constrói no/pelo discurso Sendo assim, um
mesmo sujeito pode construir vários "sujeitos discursivos" durante o discurso
(influenciado pelas condições de produção e vice-versa). Na análise das práticas
discursivas não interessa os posicionamentos e intencionalidades dos sujeitos empíricos
durante as análises, por exemplo: "o discurso do sindicato, o discurso do
desempregado". O que interessa é como o discurso sobre o desemprego se constrói.
88
Para o autor, a linguagem funciona como veículo de manifestação de
forças e exercício de poder. Essas forças, assim como a subjetividade, seriam
difusas e não pertenceriam ao sujeito interior. Trata-se da importância
estratégica que as relações de poder disciplinares desempenham nas sociedades
modernas. Para Foucault (1979), esse caráter relacional implica que as práticas
contra o exercício do poder não são exteriores, nada está isento de poder e as
resistências situam-se nas redes de poder, disseminadas e inescapáveis
socialmente. Essa relação pode-se manifestar pelos discursos, os quais são
capazes de situar os saberes cotidianos.
Portanto, o autor afirma que o poder também é libertador e está em
estreita relação com o saber. Foucault (1997) acrescenta ao conceito de poder
um caráter de autogoverno, um cuidado de si que autocapacita e emancipa. A
preocupação de Foucault (1997) passa a ser o que constitui o sujeito, por meio
da relação na qual ele se constitui e se reconhece. Essa relação, por sua vez,
envolve escolhas, posicionamentos, ou seja, trata-se da análise da ética.
Pode-se dizer que Foucault (1997) apresenta os mecanismos de poder
como instrumentos da objetivação e da subjetivação do indivíduo moderno. Essa
análise leva à reflexão foucaultiana da necessidade do homem moderno de
construir uma ética que possa ser o fundamento de sua própria constituição.
Dessa forma, o que importa são as diferentes formas de constituição do sujeito
por meio de procedimentos de uma ética apoiada na reflexão sobre si,
independentemente de mecanismos disciplinares.
Para isso, Foucault (1997) baseia-se na forma pela qual o indivíduo
constitui a si mesmo como sujeito moral, ao agir sob a influência de um código.
Esse código seria formado mediante a elaboração do trabalho ético sobre si
mesmo, não somente tornando os atos individuais adequados a uma regra dada,
mas também os atualizando pelo exercício da prática moral.
89
A subjetividade, nessa concepção, constitui-se pelos jogos de linguagem
em curso e pelas posições e funções que os sujeitos ocupam em uma diversidade
discursiva, ou seja, a subjetividade está diretamente relacionada aos jogos de
poder estabelecidos pela linguagem, para a busca do conhecimento.
Para Foucault (2004), essa busca implica escolhas por parte dos sujeitos
e, portanto, liberdades que só poderiam ser compreendidas por meio de uma
subjetividade que não é constituída pela imposição do exterior ao pensamento
dos indivíduos e nem mesmo pela sua constituição puramente psicológica.
É no entrecruzamento entre discurso, sociedade e história que Foucault
(2004) observa as mudanças nos saberes e sua conseqüente articulação com os
poderes; dessa articulação resulta o sujeito. A discussão central é a consideração
de que a constituição subjetiva ocorre na discursividade e na dialogia, portanto,
na intersubjetividade. O objeto dessa prática, como Foucault (2004) afirma, não
é possível de ser “dito” em qualquer lugar ou tempo - a história e o contexto são
de extrema importância para a compreensão dos discursos.
A noção de intersubjetividade é a base para a crítica à concepção mais
tradicional do entendimento da linguagem
58
. Essa crítica é representada, no
campo da lingüística, pela corrente pragmática. A pragmática tem como
principal objeto o uso da linguagem, considerando o contexto e a história nos
quais esse uso se concretiza em prática. Trata-se de um movimento para o estudo
da linguagem em ação (Maingueneau, 1989).
58
A corrente tradicional entende a linguagem enquanto um sistema de signos, ou seja,
um sistema virtual e abstrato de regras formais, excluindo a historicidade (Gregolin,
2004). Essa corrente tem Ferdinand Saussuire como precursor no campo da lingüística e,
sua principal expressão é a busca do conhecimento por meio de um esquema composto
por um significante (sujeito que observa) e por um significado (objeto). Esse esquema é
materializado na linguagem por meio da produção dos signos, como representações da
realidade. Nessa perspectiva, o signo sempre designa uma realidade, como a imagem no
espelho designa o sujeito (Gregolin, 2004). Para Foucault (1987), esse tipo de relação,
entre linguagem e pensamento, deve ser superada, pois leva à “leitura do livro da
natureza” e, conseqüentemente, à busca das evidências das coisas.
90
O pragmatismo é conseqüência da Teoria dos Atos de Fala,
reinterpretada por Wittgenstein (1995). Essa corrente ocupa-se da linguagem em
movimento e da imagem de si construída nos discursos (dialogia e
intersubjetividade). O foco desloca-se da interlocução para a interação social,
privilegiando o contexto e a história, pois, ao influenciarem na construção das
imagens, também fazem parte de sua constituição (Maingueneau, 1989). Nessa
perspectiva, a relação entre o discurso, a história, os sujeitos e a produção de
sentidos está no centro da investigação (Gregolin, 2004, p. 67).
Dessa forma, Foucault (2004) defende que o texto é uma ação, uma
prática. Ele afirma que as condições que produzem esse texto são construções
históricas. A linguagem, portanto, pode ser compreendida como um discurso em
movimento, e esse, por sua vez, como uma prática. Isso requer o questionamento
da transparência da linguagem nas ciências sociais, porém, não estacionando na
interpretação, mas na compreensão dos saberes e da forma como se articulam.
Foucault (2004) não relaciona os saberes com a estrutura social, mas, ao
tratar dos discursos de certos domínios do saber, busca definir os próprios
discursos como práticas, as quais envolvem posicionamentos e
intersubjetividade, explicitando a possibilidade de um estudo do homem
mediante o estabelecimento de uma rede conceitual que cria o espaço de
existência:
“Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as
interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com
o desejo e com o poder. (...) O discurso não é simplesmente aquilo que
traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo
que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (Foucault, 2004,
p. 10)
A concepção foucaultiana de discurso como prática discursiva desloca o
foco da análise dos discursos. Em vez de se concentrar na busca pelas
91
representações que estão por trás dos discursos, devem-se considerar os
discursos como acontecimentos que permitem o acaso, o descontinuo, mas,
também, a regularidade.
Nessa perspectiva, tanto do ponto de vista da descentralização do sujeito,
quanto no que refere à noção de prática discursiva (a discursividade é uma forma
de ação social), pode-se situar a análise do discurso ou análise das práticas
discursivas, tomando como objeto o processo de produção de sentidos por meio
dos discursos (Gregolin, 2004).
3.1.1 Elementos para a análise das práticas discursivas
Na análise das práticas discursivas, privilegia-se a linguagem cotidiana
como uma prática carregada de sentidos. No entanto, mesmo não focalizando na
intencionalidade dos sujeitos, não se pode deixar de considerar a ideologia e a
história que perpassam os discursos (Gregolin, 2004).
Para Fiorin (1988), a linguagem funciona como uma instituição social e
como um veículo de ideologias
59
, por isso, podem-se verificar as determinações
da ideologia na linguagem. O discurso, nessa perspectiva, é uma combinação de
elementos lingüísticos utilizados pelos sujeitos, com o propósito de exprimir
pensamentos e de agir sobre o mundo. Fiorin (2001) afirma que, no nível do
discurso, podem ser estudadas as coerções sociais que determinam a linguagem,
e não no nível da língua. Com isso, Fiorin (2001) afirma que existem “percursos
semânticos” (de sentido), em um discurso, os quais podem ser figurativos ou
temáticos, funcionando como principal categoria descritiva, veiculando a visão
de mundo defendida. Os discursos podem conter vários percursos semânticos
92
(de sentido) os quais, por sua vez, podem abarcar subconjuntos no seu interior.
Nesse sentido, não interessam as figuras e temas de forma isolada em um
discurso, mas como um encadeamento de sentido inserido em um contexto e
tempo determinados.
É fundamental, no entanto, ressaltar que Fiorin (2001) não se preocupa
com o enunciador real (sujeito empírico), mas com o enunciador que se inscreve
no discurso. Não se trata de descobrir a “verdadeira” visão de mundo, mas a que
formação ideológica pertence um dado discurso.
Pêcheux (1997) reflete acerca do discurso e de sua relação com a
ideologia, o sujeito e o sentido. O autor se concentra na busca de construir a
análise do discurso, diferenciando-a da análise de conteúdo
60
. A análise do
discurso envolve a língua, os sujeitos, a história e um projeto político de
intervenção de classes, o qual veicula a presença marcante da ideologia nas
análises. Dessa forma, Pêcheux (1997) estabelece uma busca metodológica que
se materializa na tentativa de construir um método para a análise do discurso: a
análise automática. Por meio da análise automática do discurso, busca-se:
colocar em evidência traços do processo discursivo, a fim de determinar os
enunciados de base produzidos pela máquina discursiva” (Gregolin, 2004, p.
62).
O autor acredita que as formações discursivas são passíveis de serem
caracterizadas pela relação entre classes e pela ideologia. O dizível, portanto,
forma um sistema que delimita uma possibilidade ideológica de acontecimento.
Sua reflexão focaliza a ligação entre o discurso e a ideologia. Ou seja, o sujeito
59
Para esse autor, a ideologia é o conjunto de idéias e representações que servem para
justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele
mantém com os outros homens.
60
Trata-se de um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (qualitativos ou não) que permita a inferência de conhecimentos relativos às
93
passa a ser efeito de um plano ideológico e é na condição de sujeito que
qualquer pessoa é interpelada a ocupar um lugar determinado no sistema de
produção (Pêcheux, 1997).
Portanto, ao realizar a análise das práticas discursivas, a ideologia não é
desconsiderada e sim a intencionalidade dos sujeitos. Essa postura justifica-se na
medida em que os dizeres não são considerados como mensagens a serem
codificadas, mas trazem efeitos de sentidos produzidos em condições históricas
determinadas, que estão presentes no modo como se diz o que se diz.
Nessa perspectiva, o sujeito não tem autonomia pelo modo como o
sentido se constitui no discurso. O fazer sentido é apenas uma relação de
identificação do sujeito com o discurso, com “outras vozes” e com a história:
inserido na história e na memória, cada texto nasce de um permanente diálogo
com outros textos; por isso, não havendo como encontrar a palavra fundadora,
a origem, a fonte, os sujeitos só podem enxergar os sentidos no seu pleno vôo
(Gregolin, 2001, p. 10).
Essa perspectiva vai ao encontro da abordagem foucaultiana por
focalizar no “lugar” de aparecimento dos discursos e de seus objetos (como a
loucura ou o desemprego) e não no sujeito empírico. Para tanto, é preciso
analisar a permanência ou regularidade dos discursos e, por outro lado, suas
rupturas (por meio dos posicionamentos dos sujeitos). Por isso, deve-se ressaltar
que as regularidades discursivas, por sua vez, são perpassadas pelos conceitos de
descontinuidade, de ruptura, de limiaridade, de limite e de transformação, a fim
de não privilegiar um outro conceito, o da continuidade.
Para Foucault (2004), não se pode analisar um determinado discurso,
como a medicina, por exemplo, em prol de elementos como a tradição,
condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (Bardin, 1977, p.
42).
94
influência, evolução ou mentalidade. Pelo contrário, existem sistemas de regras
que regulam o aparecimento dos discursos, mas:
Não se deve imaginar, percorrendo o mundo e entrelaçando-se em
todas as suas formas e acontecimentos, um não-dito ou um impensado
que se deveria, enfim, articular ou pensar. Os discursos devem ser
tratados como práticas descontínuas, que se cruzam por vezes, mas
também se ignoram ou excluem” (Foucault, 2004, p. 52)
Ou seja, em um discurso jamais se pode assinalar um acontecimento
verdadeiro, pois há sempre uma origem secreta, um “já-dito” a ser
compreendido. Por isso, Foucault (2004) adverte que é preciso renunciar aos
temas que se referem também à continuidade dos discursos, e acolhê-los nos
momentos de suas instâncias.
Observa-se a busca pelas unidades discursivas que se expressam em um
processo de descrição de acontecimentos discursivos: como os enunciados.
Dessa forma, pode-se compreender o enunciado na singularidade de determinada
situação, em determinada condição de existência, estabelecendo ligações com
outros discursos e possibilitando a visualização dos discursos excluídos. Não se
trata de limitar um discurso a um determinado espaço, mas de abrir caminho
para descrever jogos de relações dentro e fora dos discursos (Foucault, 2004).
Esses jogos de relações, ou as relações entre os enunciados, que acabam
por definirem domínios como economia, medicina, etc., segundo Foucault
(2004), são definidos pela dispersão dos pontos de escolha que os temas deixam
livres. Ou seja, pelas diferentes possibilidades de suscitar estratégias opostas.
Esse tipo de ligação entre os enunciados nomeia-se formação discursiva:
Sempre que se puder descrever, entre um certo número de enunciados,
semelhante sistema de dispersão e se puder definir uma regularidade
(uma ordem, correlações, posições, funcionamentos, transformações)
95
entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas
temáticas, teremos uma formação discursiva” (Gregolin, 2004, p. 90).
Essa ligação, por sua vez, é composta de regras de formação, as quais
delimitam as condições de existência dos objetos do discurso (a loucura ou o
desemprego, por exemplo), a modalidade de enunciação, conceitos e escolhas
temáticas: “as formações discursivas produzem o objeto sobre o qual falam
(Dreyfus & Rabinow, 1995, p. 68). Trata-se de um conjunto de regras anônimas
e históricas. Essas regras são determinadas no tempo e no espaço e definem o
exercício da função enunciativa, em uma dada época e área social.
Por isso, não é possível compreender as relações discursivas como
internas ou externas aos discursos, devem ser entendidas como relações limiares,
que oferecem objetos de que se pode dizer e que determinam o feixe de relações
que o discurso deve efetuar. Os objetos devem ser definidos no próprio conjunto
de regras que permitem formá-los como objeto de um discurso e que constituem
suas condições de aparecimento histórico.
Tais regularidades que constituem as formações discursivas são
interpretadas por Bakhtin (2003) como gêneros do discurso. Bakhtin (2003)
propõe o estudo das redes e trajetos, inseridos em práticas discursivas
cristalizados em gêneros. Além desses elementos, deve-se considerar a
heterogeneidade e a alteridade dos discursos como linguagem social. Para o
autor, essa linguagem seria perpassada pelos discursos peculiares a um estrato
específico da sociedade, num determinado contexto, em um determinado
momento histórico.
Os gêneros do discurso são perpassados por diversas “vozes” que
configuram a heterogeneidade discursiva (Bakhtin, 2003). Esse autor privilegia a
interação com o “outro” nos discursos, afirmando que o discurso é polifônico, e
que o sujeito não pode controlar os efeitos dos sentidos. Sendo assim, considera-
se a diversidade nos discursos. Trata-se de um processo de interanimação
96
dialógica. Para Bakhtin (2003), os enunciados são limitados pela alternância de
sujeitos discursivos, ou seja, antes do início de um enunciado já existe o
enunciado de “outros” (o já dito); da mesma forma, antes do término de um
enunciado, existe uma resposta de “outros” (o que ainda não foi dito): “essas
relações entre enunciações plenas não se prestam à gramaticalização, uma vez
que, reiteremos, não são possíveis entre unidades da língua, e isso tanto no
sistema da língua quanto no interior do enunciado” (Bakhtin, 2003, p. 276).
Essa heterogeneidade pode ser caracterizada pela presença, nos
discursos, dos elementos interdiscursivos. Pêcheux (1997) preocupa-se com os
relacionamentos entre os elementos intradiscursivos (sistema lingüístico) e
interdiscursivos. Para o autor, o interdiscurso contém a memória discursiva que
retorna ao discurso.
Ao afirmar que o discurso está relacionado com aquilo que está dito no
texto, em outros lugares, com o que não está dito aparentemente, e que nesse
processo os sujeitos constituem-se nos discursos, Pêcheux (1997) sublinha que o
sujeito discursivo é mantido pelo interdiscurso. Pêcheux (1997) privilegia o
interdiscurso como “condições de produção” que se materializam pelo conjunto
de contexto e memória (contendo a ideologia). Nessa concepção, as formas
lingüísticas são vestígios nos quais a repetição se inscreve em uma ordem.
Quanto às condições de produção do discurso, pode-se dizer que se trata
de uma proposta de Pêcheux (1997) para o estudo da ligação entre as
circunstâncias de um discurso, ressaltando que não se trata apenas das condições
sócio-históricas, mas de uma articulação entre memória discursiva e contexto.
A noção de ideologia é re-interpretada como memória e não como um
conjunto de representação. Ela passa a ser vista como um efeito da relação
necessária do sujeito com a língua e com a história. Mesmo considerando a
ideologia e os posicionamentos dos sujeitos discursivos, ou seja, considerando
que os sujeitos não estão assujeitados, é preciso atentar para o fato de que esses
97
posicionamentos não podem ser o foco das análises e sim o processo de fazer
sentido (Orlandi, 2003).
Considerando a reflexão acerca dos elementos conceituais para a análise
das práticas discursivas, por meio da concepção do discurso como prática
discursiva e social, evidencia-se, no campo da linguagem, uma discussão acerca
da superação do discurso da dualidade e das transformações conceituais na idéia
de sujeito, objeto e produção de conhecimento. Nessa perspectiva, considera-se
o construcionismo como um processo de produção de sentidos e como uma base
epistemológica para a análise das práticas discursivas.
3.2 A temporalidade e a noção de repertórios interpretativos para o estudo
construcionista das práticas discursivas
A reflexão acerca dos postulados do construcionismo converge para a
noção de que tanto o sujeito, quanto o objeto, são construções sociais dialógicas
e que, nesse processo de interação, produzem-se sentidos acerca da realidade.
Entende-se que esse processo de interação dá-se pelas práticas discursivas.
Algumas conceituações desenvolvidas por Bakhtin (2003) e Foucault (2004),
por exemplo, são classificadas por Ìñiguez (2002) como construcionistas.
Além disso, verifica-se a centralidade do conceito de condições de
produção para a análise das práticas discursivas, corroborando com o
construcionismo, ao considerar o conhecimento como uma construção histórico-
dialógica. Se o conhecimento é um processo de “fazer sentido”, esse processo
pode se materializar pela compreensão das práticas discursivas. Na análise
dessas práticas, privilegia-se a percepção dos sujeitos sobre a realidade como
constituinte do conhecimento. Esse processo pode se manifestar pelas
regularidades dos discursos que remetem às condições de produção.
98
Deve-se considerar o conhecimento como uma construção histórica
(Gergen, 1985). Nesse processo, ao privilegiar o sujeito discursivo e sua relação
intersubjetiva com a realidade, por meio das estratégias de posicionamento e das
condições de produção estabelecidas, reafirma-se que o indivíduo constrói uma
relação dialógica com a realidade e que, em decorrência disso, o discurso, ou o
fenômeno em estudo, manifesta-se como produto e produtor dessa dialogia. Por
fim, ao considerar o discurso como uma prática, uma enunciação; e que a
linguagem é um veículo de conhecimento, configura-se o processo de
construção do conhecimento como uma forma de ação social.
Nesse sentido, propõe-se uma articulação entre a análise das práticas
discursivas e a perspectiva sócio-construcionista. Para tanto, apresenta-se a
proposta de Spink & Medrado (2004), os quais propõem uma abordagem
construcionista para a análise das práticas discursivas mediante um processo de
produção de sentidos no cotidiano. Para os autores:
“O sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo, mais
precisamente interativo, por meio do qual as pessoas- na dinâmica das
relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas –
constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as
situações e fenômenos a sua volta” (Spink & Medrado, 2004, p.41).
Esses autores tratam a produção de sentidos como um fenômeno
sociolingüístico, embasada no referencial do construcionismo social. Para os
autores, as práticas discursivas podem ser mais bem compreendidas
considerando três dimensões básicas: a linguagem, a história e a pessoa. Nessas
dimensões, é possível discutir elementos teóricos e metodológicos, os quais
sistematizam uma análise de produção de sentidos sob o enfoque
construcionista.
Na dimensão da linguagem, os autores focalizam a linguagem em uso,
com base na interface entre discurso e as condições de produção. Trata-se de
99
adotar o discurso como uma prática discursiva e social. A dimensão central
dessa abordagem é o discurso em movimento, produzindo sentido e ação. A
linguagem é polissêmica e os grupos não têm um único tipo de discurso (Potter
& Wetherell, 1987). Por isso, as conseqüências produzidas pelas práticas
discursivas nem sempre são intencionais (os sujeitos não controlam os efeitos de
sentidos em seus discursos). Spink & Medrado (2004) advertem que os
momentos de regularidades, os quais eles chamam de conteúdos das práticas
discursivas, apresentam momentos de rupturas quando considerada a relação do
discurso com as condições de produção.
No que refere à dimensão da pessoa (sujeito), focaliza-se na dialogia e
não no sujeito empírico. O caráter relacional está na base das definições, trata-se
da “pessoa no jogo das relações sociais, inserida num constante processo de
negociação, desenvolvendo trocas simbólicas, num espaço de intersubjetividade
ou, mais precisamente, de interpessoalidade” (Spink & Medrado, 2004, p. 55).
Refere-se também, às tensões estabelecidas entre o “eu” interior, subjetivo; e, o
“eu” relacional, intersubjetivo (Gergen, 1985).
Finalmente, na dimensão da história, essa concepção é reforçada ao
afirmar que conceitos como construção histórica são variantes no tempo, pois
existe um diálogo entre sentidos novos e antigos. Ao afirmar que existe um
diálogo entre sentidos novos e antigos, Bakhtin (2003) desenvolve a noção de
pequeno e grande tempo. No pequeno tempo, seriam observadas as
regularidades “os gêneros do discurso”. No grande tempo, o qual remete à
memória e história, seria possível verificar as rupturas desses gêneros,
configurando o processo de produção de sentidos.
Admite-se o posicionamento de Spink & Medrado (2004), os quais
propõem a seguinte caracterização: tempo longo (remete à memória), tempo
vivido (remete aos processos de socialização dos sujeitos e dos discursos,
100
incluindo os contextos) e tempo curto (marcado pelo processo diálogo e pela
intersubjetividade).
A noção de temporalidade é central na dimensão da história. Nessa
dimensão, aborda-se o conceito de repertórios interpretativos (Potter &
Wetherell, 1987). Esses autores desenvolvem a noção de repertórios
interpretativos, fundamentada nos pressupostos da teoria dos atos de fala,
definidos como as unidades de construção das práticas discursivas, que são
histórico e culturalmente constituídos. Medrado-Dantas (1997, p. 56) define os
repertórios como:
os sentidos que se deixam dizer. São componentes fundamentais para o
estudo do discurso, pois é através deles que podemos entender tanto a
estabilidade como a dinâmica e a variabilidade das produções
lingüísticas humanas (...) os repertórios compreendem, na abordagem
da análise de discurso, um conjunto de elementos aprendidos ao longo
do nosso desenvolvimento pessoal e que utilizamos para dar sentido às
situações que vivenciamos e para produzirmos discursos (...) as pessoas
dispõem de um leque de repertórios possíveis”
No cotidiano, o sentido refere-se ao uso que se faz dos repertórios
interpretativos (Spink & Medrado, 2004). Gergen (1985) afirma que se trata de
uma certa demanda cultural para um self estável que mantém essa regularidade
nos discursos.
Além disso, Spink & Medrado (2004) definem as categorias como
constituintes dos repertórios interpretativos. As categorias estão presentes na
própria organização da linguagem, são estratégias lingüísticas sujeitas à
indexicalidade e retórica, e são adaptáveis à situação em que ocorre a conversa,
aos requisitos e à perspectiva:
As categorias constituem importantes estratégias lingüísticas, estando
presentes na própria organização da linguagem (verbal, escrita,
101
gestual, icônica). Utilizamos categorias para organizar, classificar e
explicar o mundo. Falamos por categorias” (Spink & Menegon, 2004,
p.78).
Portanto, os repertórios interpretativos e as categorias são as
“regularidades discursivas”, mas que, quando remetem à memória, também
apresentam rupturas. Os repertórios interpretativos e as categorias seriam,
portanto, os conteúdos e as formas das práticas discursivas, respectivamente, os
quais são manifestações dos momentos de regularidades. Para Potter &
Wetherell (1987), as práticas discursivas envolvem uma construção e uma
variação, os repertórios seriam as unidades de construção das práticas
discursivas.
Medrado-Dantas (1998) considera que, no conceito de repertórios
interpretativos, nem os grupos e nem os sujeitos são identificados como
caracterizados por único tipo de discurso, porém, focaliza-se na interpretação
dos repertórios que constituem os discursos.
Considerou-se a contribuição da temporalidade para a análise das
práticas discursivas. No entanto, propõe-se uma releitura da noção de repertórios
interpretativos para além de um processo de interpretação dos conteúdos e das
formas presentes nos discursos. Acredita-se que a noção de repertórios
interpretativos possa ser analisada nos tempos longo, vivido e curto,
considerando as condições de produção. Dessa forma, a análise estaria voltada
para os momentos de rupturas discursivas. Para tanto, desenvolveu-se uma
proposta teórico-metodológica para o estudo.
3.3 Perspectiva teórico-metodológica:repertórios discursivos
Vale recuperar os principais conceitos que norteiam a análise das
práticas discursivas, detalhando as estratégias de análise provenientes desses.
102
Na perspectiva das práticas discursivas, o discurso, como um processo
de enunciação, é uma manifestação da linguagem em uso. Remete-se à idéia de
curso e movimento, por meio da qual o discurso pode ser um processo de
materialidade da ideologia ou veículo de manifestação de forças. Trata-se de
compreender o discurso como uma ação social inseparável dos grupos que o
produzem. Sendo assim, o discurso é uma prática discursiva e, como um
processo de enunciação, a prática discursiva manifesta-se pelo enunciado, que é
o acontecimento discursivo e o produto do ato de enunciação. O enunciado só
pode ser compreendido no contexto.
Considerando o discurso como uma enunciação, uma prática
discursiva, o sujeito exerce o papel de produto e produtor dessas práticas. Ele
é o produto, na medida em que existem certas “regras” e ideologias que
estabelecem relações necessárias entre discurso, história e sujeito, para que ele
se constitua por meio da linguagem. Por outro lado, ele é produtor, na medida
em que está livre para posicionar-se na prática discursiva por meio de algumas
estratégias de posicionamento (Foucault, 2004). Dessa forma, o sujeito se
emancipa de uma “ideologia acima da história”, como um conjunto de
representações e visão de mundo. O sujeito não está interpelado ideologicamente
no discurso, não está assujeitado a uma ideologia totalizante (embora existam
ideologias e regras), pois, pode posicionar-se e produzir um discurso, pode se
tornar um “sujeito discursivo”.
Uma das estratégias de posicionamento utilizadas pelos sujeitos é a
construção das “imagens de si” nos discursos, que pode ser compreendida por
meio da construção das personagens nos discursos. Nessa noção, interessa o
“personagem” do discurso e não o sujeito empírico. Todo discurso implica uma
construção de uma “imagem de si” que legitima o que é dito (Maingueneau,
1998). A personagem está relacionada à enunciação e não a um saber
extradiscursivo (não é o caráter do sujeito empírico).
103
Maingueneau (2005) aprofunda no conceito das imagens construídas nos
discursos e desenvolve a noção de ethos para as práticas discursivas, admitindo
que os sujeitos podem construir várias imagens no discurso, posicionando-se em
diferentes “lugares de dizer”. Para o autor, o enunciado deve conferir ao
enunciatário certo status para legitimar seu discurso. O autor propõe que
qualquer discurso escrito, mesmo que a negue, possui uma vocalidade específica
que permite relacioná-lo a uma fonte enunciativa, por meio de um tom que
indica quem o disse (Amossy, 2005): “Em termos mais pragmáticos, dir-se-ia
que o ethos se desdobra no registro do mostrado e, eventualmente, no do dito.
Sua eficácia decore do fato de que envolve, de alguma forma, a enunciação sem
ser necessariamente explicitado no enunciado” (Maingueneau, 2005, p. 70).
Ainda com relação às estratégias de posicionamento, pode-se citar a
articulação de marcas de subjetividade no discurso (Fiorin, 2001;
Maingueneau, 1989). Essas marcas de subjetividade podem ser temporais
(presente, passado, etc.); referentes às maneiras de narrar em primeira ou terceira
pessoa do plural ou não, como opção feita para transmitir efeitos de
subjetividade e objetividade; e podem explicitar-se pela utilização de expressões
não utilizadas comumente pelos sujeitos (Maingueneau, 1989).
Um outro tipo de estratégia de posicionamento é a utilização de
procedimentos argumentativos, tais como: ilustração, ironias e silenciamentos
(Fiorin, 2001). As ilustrações remetem à memória discursiva - podem se
materializar por meio de exemplos utilizados pelos sujeitos para legitimar o
discurso. As ironias ocorrem quando o enunciador diz algo que deve ser
compreendido como seu contrário. Mais precisamente, quando se afirma no
enunciado e se nega na enunciação, com a função de chamar a atenção para a
oposição entre o ser (o que efetivamente é) e o parecer (a imagem que se faz
dele) (Fiorin, 2001). Os silenciamentos, propriamente ditos, são as pausas e
104
reticências que se observam em um discurso e que, geralmente, remetem a um
outro discurso.
Nesse sentido, o foco da análise das práticas discursivas está na
compreensão de como essas práticas se materializam, constituem e são
constituídas pelos sujeitos. Por isso, não interessa qual é a intenção de um
sujeito (empírico ou discursivo) quando ele se posiciona (ideologicamente ou
não) em um discurso, mas como esse posicionamento possibilita dizer o que é
dito e excluir outros dizeres. Ou seja, como, por meio desses posicionamentos,
os quais podem ser ideológicos, possibilita-se o aparecimento de objetos do
discurso, como o desemprego, por exemplo.
O processo de produção de sentidos se materializa pelas práticas
discursivas. O que se diz “faz sentido”, pois existem condições para a produção
desses dizeres. As condições de produção constituem-se pela memória e
contexto; de maneira geral, podem ser entendidas como um sistema que, ao
mesmo tempo, possibilita e constitui o que é dito (e o que está implícito na
prática discursiva). Trata-se de um conceito primordial para a análise das
práticas discursivas como processo de produção de sentidos.
No que refere à memória, pode-se dizer que se trata de um recurso a
um sistema institucionalizado que legitima um discurso. A memória pode ser
compreendida (além da própria história) pela explicitação, nos discursos, dos
conceitos, metáforas e metonímias. Todos esses elementos remetem aos temas
e figuras citados por Fiorin (2001).
Os temas, por exemplo, são os conceitos propriamente ditos. Os textos
temáticos utilizam-se dos conceitos como um investimento semântico, de
natureza puramente conceitual. “Os temas são categorias que organizam,
categorizam, ordenam os elementos do mundo natural” (Fiorin, 2001, p. 65). As
metáforas e metonímias são as figuras de linguagem utilizadas nas práticas
discursivas e nos textos figurativos. Metáfora é a substituição de uma palavra
105
por outra, quando há uma relação de similaridade entre o termo de partida e o de
chegada. Metonímia é a substituição de uma palavra por outra quando há uma
relação de contigüidade entre os termos.
Tanto o conceito, quanto as metáforas e as metonímias, remetem à
memória e ao processo de fazer sentido. Mas, esses elementos também podem
ser entendidos como um procedimento discursivo por meio do qual o enunciador
rompe, de maneira calculada, com as regras, produzindo novos sentidos (Fiorin,
2001).
O interdiscurso, como outro elemento constituinte da memória,
remete a uma heterogeneidade do discurso que está sempre em diálogo com
“outras vozes”, é o “não dito” ou não explicitado no discurso. Maingueneau
(1989) ressalta dois tipos de heterogeneidade: a heterogeneidade mostrada e a
heterogeneidade constitutiva. A heterogeneidade mostrada incide sobre as
manifestações explícitas, recuperáveis a partir de uma diversidade de fontes de
enunciação. Existem algumas “marcas” que caracterizam esse tipo de
heterogeneidade. Esse tipo de heterogeneidade pode ser percebido no próprio
processo de enunciação e no enunciado. A heterogeneidade constitutiva aborda
uma heterogeneidade que não é marcada no enunciado, mas que o analista pode
definir, formulando possíveis sentidos por meio do conhecimento da memória e
do contexto, ou seja, das condições de produção.
A heterogeneidade mostrada faz parte do intradiscurso e pode ser
compreendida por meio de pressuposições retiradas do próprio enunciado
(heterogeneidade mostrada: paráfrase, negação, discurso relatado, palavras entre
aspas, entre outros). O interdiscurso constitui-se da heterogeneidade
constitutiva, que são os subentendidos. Na concepção de Maingueneau (1998),
os subentendidos não devem ser confundidos com os pressupostos, pois são
conteúdos implícitos que dependem da compreensão do contexto pelo co-
enunciador e são decifrados graças a uma leitura analítica desse. O pressuposto,
106
por sua vez, está inscrito na própria estrutura lingüística. Além disso, os
subentendidos também não podem ser confundidos com os silenciamentos.
Pode-se compreender um silenciamento por meio de subentendidos, mas, nem
todo subentendido configura-se como um “silêncio”.
As condições de produção estabelecem as regras para o funcionamento
das práticas discursivas, para a emergência e para o estabelecimento dos saberes.
Ou seja, estabelece as regularidades discursivas. Dessa forma, as práticas
discursivas são compostas por: regras, ideologias, personagens, marcas de
subjetividade, ilustrações, ironias, silenciamentos, conceitos, metáforas,
metonímias, pressupostos, subentendidos e contexto.
Todos esses elementos remetem à memória discursiva e explicitam as
regularidades, o que é permitido dizer. Porém, existem os momentos de ruptura
dessas práticas que são as descontinuidades que marcam os reposicionamentos
dos sujeitos (linguagem é um processo inacabado). Afirma-se que as
regularidades manifestam-se como formações discursivas (Foucault, 2004) e
remetem aos constructos intradiscursivos.
Por outro lado, a visualização dos momentos de rupturas é explicitada no
momento em que os sujeitos se reposicionam nos discursos e está mais ligada ao
interdiscurso. Esses posicionamentos ocorrem na análise da temporalidade,
considerando as condições de produção (Spink & Medrado, 2004). Dessa forma,
reformulou-se o conceito de repertórios interpretativos para a noção de
repertórios discursivos, focalizando os momentos de rupturas para a reflexão
acerca dos caminhos percorridos pelos sujeitos nos discursos.
Nessa perspectiva, os repertórios discursivos são os caminhos pelos
quais os sujeitos constroem determinados discursos acerca dos objetos e
explicitam as contradições e concorrências entre as formações discursivas que
compõem esse objeto, pois a regularidade não ocorre em um tempo histórico.
Trata-se de centralizar, principalmente, nas condições que constituem os
107
discursos em uma temporalidade, considerando o momento em que as formações
discursivas se modificam ou “quebram” a sua continuidade.
Os repertórios são históricos e culturalmente construídos, e embora
remetam às regularidades, quando são analisados em conjunto com as condições
de produção, incluem também a variabilidade, a descontinuidade. É justamente
nos momentos de rupturas, no diálogo com “outras vozes” que as práticas
discursivas se materializam em ação e é possível visualizar os sentidos (figura
3):
Figura 3 - Proposta teórico-metodológica para a análise sócio-construcionista
das práticas discursivas
Fonte: elaborado pela pesquisadora
(G) Repertórios Discursivos
(continuidades e rupturas)
(F) Condições de Produção:
história
(C) Práticas Discursivas e
Intersubjetividade:
linguagem e sujeito
(D) Contexto
(tempo vivido)
(A) Sujeito
Discursivo
(tempo curto)
(E) Memória (tempo longo)
(B) Linguagem
(
tem
p
o curto
)
interdiscurso
108
A proposta para a “análise sócio-construcionista das práticas
discursivas” fundamentou-se em uma síntese entre os pressupostos
construcionistas, os conceitos elementares para a análise das práticas discursivas
e a abordagem dos repertórios discursivos. A partir dessa síntese, procurou-se
“integrar” os conceitos (e sua nomenclatura) derivados da análise das práticas
discursivas e do referencial do construcionismo social.
A proposta teórico-metodológica expressa as dimensões que devem ser
consideradas para a análise construcionista do processo de produção de sentidos.
Apresentou-se a noção de repertórios discursivos para a visualização dos
“caminhos” percorridos nos discursos. Centralizou-se, portanto, no processo de
construção dos discursos, em como se constroem os sentidos acerca de
determinado fenômeno. Essa noção, por um lado, remete à regularidade
discursiva e alinha-se à idéia de formação discursiva.
No entanto, quando se considera a temporalidade (tempo longo, vivido e
curto) e a relação da dimensão da linguagem e do sujeito com a dimensão
histórica, advoga-se que os repertórios ou o conjunto de repertórios indicam as
rupturas das práticas discursivas. Essas rupturas configuram o processo de “fazer
sentido” acerca de determinado fenômeno. Dessa forma, articulam-se as cinco
premissas construcionistas, materializadas pela temporalidade e dialogia, com os
elementos conceituais para a análise das práticas discursivas.
A figura 3 pode ser compreendida da seguinte maneira: a) o sujeito
discursivo constitui a linguagem por meio dos posicionamentos que ocupa nos
discursos; b) por outro lado, ele também é constituído pela linguagem por meio
das regras e ideologias; c) todo esse processo de dialogismo ocorre no tempo
curto, o tempo da própria organização da linguagem; d) porém, as regras e
ideologias presentes na linguagem e a constituição do sujeito discursivo
relacionam-se ao contexto (experiências vividas, recorte temático de objeto de
109
discurso, por exemplo: desemprego no período da reestruturação produtiva). As
condições do contexto ocorrem, principalmente, no tempo vivido dos sujeitos; e)
além do contexto, a dialogia também se relaciona com a memória sobre o que se
diz. Essa memória é composta pelo interdiscurso (o não dito), observados
quando se considera um tempo longo de análise; f) o tempo vivido e o tempo
longo, portanto, ocorrem na dimensão histórica de análise; g) ao se analisar o
tempo longo, pode-se compreender como as práticas discursivas produzem
sentidos por meio das várias formações discursivas, as quais podem modificar
suas trajetórias. Essa visualização de trajetórias constitui os repertórios
discursivos.
Vale ressaltar que o processo não se fecha, pois os próprios sentidos
produzidos acerca de determinado fenômeno podem se configurar como
memória e contexto para novos sentidos (a linguagem em ação é um processo
inacabado). Considerando-se essa abordagem teórico-metodológica, explicitam-
se as práticas a serem adotadas para a realização da pesquisa empírica acerca do
fenômeno desemprego.
110
4. DESEMPREGO INDUSTRIAL NA RMBH: EXPLICITAÇÃO DOS
PASSOS DA PESQUISA
Admite-se que a ciência, na condição de busca de uma verdade
transcendental e verificável, não é o único domínio do saber, visto que o sujeito
pode emancipar-se e posicionar-se diante desse “saber” e produzir discursos
(Foucault, 2004). Sendo assim, o conhecimento cotidiano passa a ser
considerado como um conhecimento “legítimo” e uma forma de produzir
sentidos. Concebeu-se a pesquisa científica como uma prática, crítica e social. O
que estabelece o status de cientificidade refere-se à pergunta: o que é ciência?
(Spink & Menegon, 2004).
Dessa forma, na seção 4.1, defendeu-se que o rigor em um estudo pode
ocorrer pela própria explicitação dos passos da pesquisa, considerando a questão
ética. Na seção 4.2, discutiu-se a seleção do corpus de análise e dos sujeitos. Na
seção 4.3, apresentam-se o processo de coleta de informações e os passos
seguidos nas análises.
4.1 Rigor metodológico e a questão ética
Esta pesquisa está intimamente relacionada aos pressupostos de uma
pesquisa edificante, pois, considera-se que a pesquisa é um processo inacabado e
contínuo que exige uma busca permanente pelo conhecimento. Dessa forma, o
processo de pesquisa estabeleceu-se por meio de uma abertura contínua ao novo,
possibilitando a manutenção e conversação durante o processo de análise:
o posicionamento da pesquisa como uma prática social assume papel
de destaque. Essa postura aponta para o reconhecimento crescente da
responsabilidade do pesquisador durante todo o processo da pesquisa e
111
não apenas na apresentação de um produto” (Spink & Menegon, 2004,
p. 85).
Adotou-se a abordagem epistemológica de que o conhecimento é um
processo de fazer sentido por meio da opção teórica do construcionismo social e,
metodológica, a partir da reflexão sobre a natureza e o uso das práticas
discursivas. Nessa perspectiva considerou-se que o processo de conhecimento é
socialmente construído e é baseado nas interações entre os sujeitos e a forma
como “compreendem” a realidade. Esse processo de interação é remetido à
historicidade e às condições de produção.
Trata-se de uma concepção que não busca a verdade absoluta, pois os
sujeitos constituem e são constituídos pelos próprios discursos. A perspectiva
construcionista alinha-se à pesquisa edificante na medida em que abre espaço
para a compreensão, possibilitando a emergência dos sentidos, da esfera
simbólica e interativa. Spink & Menegon (2004) defendem a abordagem
qualitativa como opção para uma pesquisa construcionista.
A pesquisa qualitativa envolve uma abordagem de desfamiliarização,
por parte do pesquisador, com relação à noção de ciência como domínio da
razão e procedimento verificável (Woolgar, 1996). Aos estudos que convergem
para esse processo de desfamiliarização com uma forma de “fazer-ciência”,
somam-se às perspectivas políticas, as quais redefinem um debate entre métodos
qualitativos e quantitativos. Triviños (1987) afirma que métodos qualitativos
podem fornecer detalhes intrincados de um fenômeno, os quais são difíceis de
serem captados pelos métodos quantitativos.
Além disso, situou-se a pesquisa no plano das práticas discursivas, o que
implica rever o sentido da “racionalidade”, situando-o no plano da
argumentação. Segundo Spink & Menegon (2004), o construcionismo permite
estabelecer uma revisão do conceito de rigor, como a possibilidade de explicitar
os passos da análise e da compreensão, de modo a propiciar um diálogo entre
112
pesquisador e o leitor. O conceito de objetividade precisa ser compreendido na
interação, dialogia (Spink & Menegon, 2004). Diante dessas considerações,
define-se que o rigor da pesquisa compreensiva e qualitativa reside em
esclarecer os passos para o processo de compreensão dos sentidos a serem
seguidos pelo pesquisador.
Em uma pesquisa dessa natureza, deve-se atentar para a ética. No Brasil,
a normalização para pesquisas envolvendo seres humanos foi promulgada, pela
primeira vez, pela Resolução 1/88 do Conselho Nacional de Saúde; essa
resolução foi revisada em 1996 (Spink & Menegon, 2004, p. 91; Vieira &
Hossne, 1988). No que refere à relação entre pesquisador e participante da
pesquisa, Spink & Menegon (2004) apontam três cuidados éticos essenciais na
pesquisa qualitativa: consentimentos informados, proteção do anonimato, e o
resguardo do uso abusivo do poder na relação entre pesquisador e participantes.
No que refere aos consentimentos informados, procurou-se documentá-
los. Ou seja, antes de interagir com os sujeitos, durante o processo de coleta de
informações, obteve-se permissão oficial junto aos responsáveis em cada
instituição onde ocorreram as interações. A mesma providência foi tomada
quanto à proteção do anonimato dos sujeitos (pessoas entrevistadas), sendo
permitido à pesquisadora apenas apresentar e analisar os discursos,
caracterizando-os sócio-demograficamente; e, de maneira geral, apresentar as
trajetórias profissionais.
Com relação ao resguardo do uso abusivo do poder na relação entre
pesquisador e participante, a documentação resguarda as duas partes. Por um
lado, garante ao sujeito e à instituição a não-veiculação das informações
coletadas e dos resultados da pesquisa em veículos de informação de natureza
não científica/acadêmica. Por outro lado, a documentação esclarece que a
permissão cedida para a realização da pesquisa e, qualquer participação,
requerida pelos sujeitos e responsáveis das instituições (como fazer uma leitura
113
do material, comentários, sugestões de conteúdo, sugestões de bibliografia,
disponibilização de documentos e relatórios, etc.), não configura autoria no
presente estudo.
Além dessas considerações, uma proposta para uma pesquisa ética deve
ir além das diretrizes oficiais. A pesquisa ética configura-se pelo compromisso e
aceitação de alguns aspectos que devem ser considerados, tais como (Spink &
Menegon, 2004, p. 91): 1) pensar a pesquisa como uma prática social, adotando
uma abordagem reflexiva em face do que seja produzir conhecimento; 2)
garantir a visibilidade dos procedimentos de coleta e análise dos dados; e, 3)
aceitar que a dialogia é intrínseca à relação que se estabelece entre pesquisadores
e participantes.
Por meio dessa proposta e, considerando a abordagem ética na pesquisa,
definiu-se o objeto de estudo (o fenômeno em estudo); o foco da investigação; e,
a partir dessas definições, selecionou-se o “corpus” da análise e os sujeitos.
4.2 Seleção do “Corpus” e dos sujeitos da pesquisa
O objeto de estudo é o fenômeno desemprego. O foco da investigação
recai sobre o processo de produção de sentidos acerca desse fenômeno. Propõe-
se a realização de uma pesquisa empírica de cujo objeto é o desemprego
proveniente do setor industrial. Portanto, o foco é o processo de produção de
sentidos sobre o desemprego industrial. Por meio de um recorte temático para a
realização da pesquisa empírica, além de privilegiar-se o desemprego industrial,
também reportou-se ao quadro de referência da Região Metropolitana de Belo
Horizonte, Minas Gerais, Brasil; e, ao recorte temporal que concentrou-se no
ano de 2006.
114
Selecionou-se como “corpus” de análise para a pesquisa empírica todo o
material documental coletado para a análise das condições de produção, além
dos discursos construídos por sujeitos que, de alguma forma, considerou-se
como envolvidos com o fenômeno em estudo (desemprego industrial), histórico
e contextualmente situados no quadro de referência RMBH–MG. Sendo assim,
foram considerados como “corpus”: os textos históricos, acadêmicos e
relatórios; os discursos escritos e impressos em veículos de mídia, como o jornal
do sindicato, por exemplo; e, os discursos expressos por meio da fala dos
sujeitos. Os sujeitos
61
foram selecionados entre:
a) Trabalhadores desempregados provenientes do setor industrial: foram
abordados indivíduos acima de 18 anos, sem vínculo empregatício (carteira de
trabalho assinada) com qualquer tipo de organização, à procura de emprego
(formal, com carteira assinada). Foram considerados como desempregados do
setor industrial as pessoas que tivessem trabalhado, pelo menos, seis meses no
setor industrial, em qualquer período de suas vidas e, que estivessem,
preferencialmente, à procura de emprego nesse setor.
b) Trabalhadores à procura do primeiro emprego formal: incluem-se as
pessoas acima de 18 anos, que nunca trabalharam no setor formal (com carteira
assinada), foram abordados sujeitos que procuravam emprego no setor
industrial, preferencialmente;
c) Trabalhadores (aposentados ou não) representantes do Sindicato dos
Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico
de Belo Horizonte e Contagem: essa categoria sindical foi selecionada,
61
Vale ressaltar a utilização do termo: “sujeitos da pesquisa”. Utiliza-se essa expressão
ao invés de “indivíduos”, baseada na caracterização de Enriquez (1994). Nela, o
indivíduo é aquele que é estruturado e conformado em uma cultura. O sujeito é o
indivíduo consciente de sua participação ativa no processo de construção social do
conhecimento acerca da realidade.
115
intencionalmente, pela sua representatividade junto às indústrias de Belo
Horizonte e região metropolitana, principalmente, em termos de números de
trabalhadores industriais representados;
d) Trabalhadores membros da Federação das Indústrias do Estado de
Minas Gerais – FIEMG: considerou-se a centralidade desses sujeitos devido à
proximidade com a “realidade” das indústrias na região em estudo.
O número de entrevistados foi selecionado mediante de uma escolha
intencional (Alencar, 1999), condizente com a abordagem epistemológica da
pesquisa, visando a abranger a máxima amplitude em termos de gênero, idade e
escolaridade.
Quanto aos trabalhadores desempregados e trabalhadores à procura do
primeiro emprego, esses foram selecionados e abordados nas dependências do
Sistema Nacional de Empregos, unidade de Belo Horizonte (SINE-BH), estando
ou não cadastrados nesse sistema. Além disso, os sujeitos deveriam residir na
cidade de Belo Horizonte ou região metropolitana.
Seguindo esses critérios, foram abordados 26 trabalhadores
desempregados e 04 trabalhadores à procura do primeiro emprego, totalizando
trinta sujeitos. Porém, o material proveniente de dois sujeitos foi excluído deste
estudo devido à impossibilidade de análise do corpus. Sendo assim, estão
incluídos na pesquisa discursos de vinte e oito sujeitos, entre trabalhadores
desempregados e à procura do primeiro emprego.
A identificação de cada sujeito constitui-se da letra “S” (sujeito) e de
mais um número seqüencial de “1” a “36”, conforme a ordem de realização das
entrevistas.
Na tabela 1 verifica-se a caracterização desses sujeitos e, na Tabela 2
verificam-se as freqüências, conforme dados da Tabela 1:
116
Tabela 1 - Perfil sócio-demográfico dos trabalhadores desempregados e à
procura do primeiro emprego.
Sujeitos Gênero
1
Idade
(anos)
Escola-
ridade
2
Estado
Civil
3
Nº. de
Filhos
Tempo
desemprego
(meses)
Último
Emprego
(indústria)
4
Setor
Industrial
5
S1 F 46 EFI C 3 2 AP A
S2 F 29 EM C 2
EMPREGO
-- --
S3 M 37 EM C 1 3 AP MM
S4 M 35 EFI S 0 12 Limpeza A
S5 F 25 EM S 1
EMPREGO
-- --
S6 F 34 EF S 0 1 Limpeza A
S7 M 18 EM S 0 4 AP A
S8 M 21 ESI S 0
EMPREGO
-- --
S9 M 33 EFI C 2 1 Montador MM
S10 M 49 EFI C 4 2 AP MM
S11 F 22 EM S 0 5 AA MM
S12 M 41 EFS C 4 6 OP MM
S13 M 43 ESI S 1 36 Eletricista MM
S14 M 23 EM C 0 2 Transporte MM
S15 F 38 EF D 3 36 Conferente S
S16 M 21 EM S 0 1 AP Ca
S17 M 39 EFI S 0 8 Manutenção T
S18 F 22 EM S 0 6 AP A
S19 M 30 EM S 0 2 AA MM
S20 F 24 EM S 1
EMPREGO
-- --
S21 F 20 EFI C 2 5 AP A
S22 M 27 EM S 0 1 AA MM
S23 F 27 EM S 0 5 AP A
S24 M 27 ESI S 0 6 AA MM
S25 F 22 ESI S 0 1 AA Co
S26 F 19 EM S 0 1 AA A
I27 M 27 EF C 1 12 OM MM
S28 M 26 EM C 0 6 AP MM
Nota
1
: M: masculino; F: feminino. Nota
2
: EF: ensino fundamental completo; EFI: ensino
fundamental incompleto; EM: ensino médio completo; ES: ensino superior completo; ESI: ensino
superior incompleto. Nota
3
: C: casado(a); S: solteiro(a); D: divorciado(a). Nota
4
: AA: auxiliar
administrativo; AP: auxiliar de produção; OM: operador de máquina. Nota
5
: Ca: calçados; MM:
metal-mecânico; A: alimentos; Co: cosméticos; S: serralheria; T: tecidos.
Fonte: dados da pesquisa
117
Tabela 2 - Freqüência das características dos trabalhadores desempregados e à
procura do primeiro emprego.
Indicadores Características
Freq.
absoluta
Freq. Relativa
(%)
Masculino 16 57,14
Feminino 12 42,86
Gênero
TOTAL
28 100
18 a 25 11 39,3
26 a 35 10 35,7
Acima de 35 07 25,0
Idade
(anos)
TOTAL
28 100
Fundamental inc. 07 25,0
Fundamental com. 03 10,7
Médio completo 14 50,0
Superior
incompleto
04 14,3
Escolaridade
TOTAL
28 100
Solteiro (a) 17 60,7
Casado (a) 10 35,7
Divorciado (a) 01 3,6
Estado Civil
TOTAL
28 100
0 16 57,1
1 05 17,9
2 03 10,7
3 02 7,1
4 02 7,1
Número de filhos
TOTAL
28 100
1 a 6 19 67,9
07 a 12 03 10,7
Acima de 12 02 7,1
1º emprego 04 14,3
Tempo de desemprego
(meses)
TOTAL
28 100
Calçados 01 3,6
Metal-mecânico 12 42,9
Alimentos 08 28,6
Serralheria 01 3,6
Cosméticos 01 3,6
1º emprego 04 14,3
Último setor de atuação
(industrial)
TOTAL
28 100
Fonte: dados da pesquisa.
118
Quanto aos trabalhadores representantes do sindicato e membros da
FIEMG, esses foram selecionados e abordados nas dependências do Sindicato
dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material
Elétrico de Belo Horizonte e Contagem e da FIEMG-BH, respectivamente.
Esses sujeitos deveriam residir na cidade de Belo Horizonte ou região
metropolitana. Segundo esses critérios, foram abordados 06 representantes do
sindicado e 05 membros da Fiemg, totalizando 11 sujeitos abordados. No
entanto, o material proveniente de 03 sujeitos foi excluído do estudo devido à
impossibilidade de análise do corpus e à outros problemas técnicos. Sendo
assim, estão incluídos na pesquisa os discursos de oito sujeitos, entre
representantes do sindicato e membros da FIEMG. Na tabela 3 verifica-se a
caracterização desses sujeitos:
Tabela 3 - Perfil sócio-demográfico dos representantes do sindicato e membros
da FIEMG.
Sujeitos Gênero
1
Idade
(anos)
Escola-
ridade
2
Estado
Civil
3
Instituição
S29 M 50 S C FIEMG
S30 M 26 S S FIEMG
S31 F 25 S S FIEMG
S32 F 56 S C FIEMG
S33 M 52 EM C SINDICATO
S34 M 50 EM C SINDICATO
S35 M 44 EMI D SINDICATO
S36 M 40 EM C SINDICATO
Nota
1
: M: masculino; F: feminino. Nota
2
: EM: ensino médio completo; EMI: ensino médio
incompleto; S: ensino superior completo; Nota
3
: C: casado(a); S: solteiro(a); D: divorciado(a).
Fonte: dados da pesquisa
119
Portanto, totalizam-se 36 sujeitos nesta pesquisa. Ressalta-se que o
número de entrevistados condiz com os pressupostos teórico-metodológicos da
pesquisa, visto que, na abordagem desta pesquisa, interessa a profundidade das
análises. O número máximo de sujeitos abordados foi definido no decorrer do
processo de coleta de informações, considerando-se a saturação dos “temas” nos
discursos. Ou seja, no momento em que os relatos começaram a repetir os
conteúdos, encerrou-se a coleta. Por isso, justificou-se a diferença entre o
número de trabalhadores desempregados e à procura do primeiro emprego; e, o
número de representantes do sindicato e membros da FIEMG abordados. Quanto
a esses últimos, vale ressaltar que os mesmos inserem-se em um “universo de
referência discursiva” (o sindicato e a FIEMG, respectivamente) mais restrito do
que o universo dos trabalhadores desempregados e à procura do primeiro
emprego. Além disso, os discursos dos representantes do sindicato e dos
membros da FIEMG foram mais longos, o que contribuiu para a profundidade,
por um lado; e, para a repetição, por outro.
4.3 Processo de coleta de informações e plano de investigação
O processo de coleta de informações foi delineado em duas etapas:
1) coleta de informações sobre o contexto do estudo. Nessa etapa,
realizou-se a pesquisa documental com a finalidade de investigar historicamente
a inserção da RMBH no mercado de trabalho industrial, acreditando na
importância desse resgate para a compreensão do processo de produção dos
sentidos acerca do desemprego. Na análise documental, considerou-se a
pesquisa em diversas fontes de dados, entre elas: entrevistas, documentos
eletrônicos, relatórios, resultados de pesquisas acadêmicas e documentos
históricos;
120
2) coleta de informações sobre o fenômeno em estudo. Nessa etapa, as
informações foram coletadas junto aos sujeitos. Recorreu-se à entrevista não-
estruturada, baseada em um roteiro de tópicos acerca do desemprego:
A finalidade do roteiro é orientar o pesquisador, evitando que tópicos
relevantes deixem de ser abordados, o momento e o modo como os
tópicos são transformados em questões decorrerão do desenrolar da
entrevista. Não há nenhuma restrição ao aprofundamento dos tópicos
por meio de questões que emergem durante a conversa entre o
pesquisador e o entrevistado (...) na entrevista não estruturada, o
roteiro é constituído por tópicos mais gerais, que não são previamente
desdobrados em sub-tópicos(Alencar, 1999, p. 109).
Todas as entrevistas foram gravadas (gravador de som); posteriormente,
as entrevistas foram digitalizadas. O processo de coleta de informações junto aos
sujeitos, desde o estabelecimento dos primeiros contatos até a realização da
última entrevista, teve início em março de 2006 e finalizou-se em setembro de
2006.
De acordo com a proposta teórico-metodológica explicitada na figura 3,
são apresentadas as etapas para a investigação do processo de produção de
sentidos acerca do desemprego industrial em Belo Horizonte e região
metropolitana – MG:
9 Etapa 1: Investigação das práticas discursivas e
intersubjetividade: Essa etapa compõe a própria organização da linguagem e a
relação dialógica (intersubjetiva) com o sujeito. Trata-se da análise no tempo
curto. Portanto, refere-se ao dialogismo e à intersubjetividade. São analisados,
principalmente, os elementos intradiscursivos: conceitos, metáforas, metonímias,
pressupostos, ilustrações, ironias, silenciamentos, marcas de subjetividade e
personagens. Esses elementos referem-se à análise dos posicionamentos dos
sujeitos discursivos (sujeito agindo no e pelo discurso):
121
Quadro 1 - Exemplos
62
para a Análise das práticas discursivas e
intersubjetividade.
Ilustrações: “Onde eu trabalhava, por exemplo, estão demitindo quem não tem segundo
grau completo” (utilização de exemplo para legitimar o discurso).
Ironias: “A flexibilização é excelente
, o desemprego que ela gerou é que não é” (o uso
do vocábulo excelente traz um pressuposto de ironia).
Silenciamentos: “Diziam que era multifuncionalidade, mas, eu acho que não, era
apenas... não sei o que era” (a reticência apaga o que o sujeito acha que não tem
autoridade para dizer).
Marcas de subjetividade: “Onde eu
trabalhava, por exemplo, estão demitindo quem
não tem segundo grau completo” (marcas temporais e narrativas); “Mais fácil é achar
um empreguinho
” (o diminutivo de emprego funciona como uma marca pejorativa e traz
o pressuposto irônico).
Conceitos: “Hoje, o desemprego
depende muito mais da empregabilidade do
trabalhador” (conceitos e temas abstratos que dependem de uma condição de
aparecimento, além da utilização do vocábulo técnico empregabilidade).
Metáfora: “O trabalhador é visto como uma máquina
” (o trabalhador representado pela
figura da máquina, mas, também pode funcionar como um metonismo, pois o trabalhador
pode ser visto como uma peça da máquina: uma parte que representa o todo).
Metonímias: “O desempregado fica sem teto
” (a palavra “teto” substitui o todo que é a
casa ou o outro que é o chão, por exemplo. No contexto, pode substituir o tema
insegurança, mas também, pode funcionar como uma metáfora: o desempregado
ilustrado pela figura da casa sem telhado).
Pressupostos: “Neste ano, fiquei desempregado
” (está pressuposto que, em momento
anterior, o sujeito possuía um emprego).
Personagens: “Nós
, desempregados, temos que procurar diariamente (...)”
(posicionamento como sujeito desempregado e como coletividade: “nós”).
Fonte: elaborado com base nos elementos teóricos para a análise das práticas
discursivas.
62
Os exemplos foram elaborados com base nos discursos dos sujeitos da pesquisa. Esses
discursos foram modificados ou complementados nos exemplos.
122
9 Etapa 2: Investigação da interface com as condições de
produção: Deve-se ter em mente que as condições de produção (memória e
contexto) interferem nessa dialogia (etapa 1). Por isso, nesta etapa, propõe-se a
análise da relação da dimensão da linguagem e do sujeito com a dimensão
histórica, os tempos longo e vivido. Essa interface pode ser compreendida pela
interdiscursividade, que se materializa, principalmente, pelos subentendidos, ou
seja, pelos possíveis sentidos que o pesquisador elabora acerca do diálogo entre
o dito e o não dito. Esses sentidos, por sua vez, devem levar em consideração o
“arquivo” acerca do desemprego, a construção sócio-histórica desse fenômeno,
os conceitos emergentes de sua construção no contexto da reestruturação
produtiva, no Brasil; e, além disso, o recorte sócio-histórico-temporal da RMBH
e as trajetórias dos sujeitos como elementos constituintes de um processo de
“socialização” com a memória acerca do desemprego.
Quadro 2 - Exemplo para análise da interface com as condições de produção
Subentendido: “Neste ano, fiquei desempregado” (caso o analista conheça o contexto,
por exemplo, que o sujeito continua trabalhando informalmente, pode-se subentender
que, para o sujeito, trabalho informal não é emprego).
Fonte: elaborado com base nos elementos teóricos para a análise das práticas
discursivas.
9 Etapa 3: Identificação das similaridades e concorrências
entre as formações discursivas para o mapeamento dos repertórios
discursivos: Nessa etapa, identificam-se, por meio da análise da
intradiscursividade e da interdiscursividade, os caminhos percorridos pelos
123
sujeitos ao produzirem discursos sobre o desemprego. Esses caminhos são os
repertórios discursivos, os quais, podem ser mais bem visualizados e discutidos
com base nas rupturas que ocorrem entre suas formações discursivas. Adotou-se
a construção das árvores de associação de idéias (Spink & Lima, 2004) para a
visualização gráfica do processo de produção de sentidos. Essas árvores
permitem entender as singularidades da produção de sentidos. Buscou-se
entender a construção do argumento.
Nas árvores, não necessariamente reproduzem-se os discursos,
focalizando apenas em elementos fundamentais para a compreensão do processo
de construção dos sentidos. Trata-se da associação do processo de produção de
sentidos com as condições de produção, constituindo a produção de sentidos
historicamente contextualizada (tempos curto, vivido e longo). Propõem-se os
seguintes passos para a identificação das similaridades e concorrências entre as
formações discursivas e para o mapeamento dos repertórios discursivos:
1. Identificar as várias formações discursivas (com base na análise das
práticas discursivas) e nomeá-las;
2. Observar as proximidades entre os conjuntos de formações. Organizar
“grupos de formações” que vão concorrer com outros grupos;
3. Nomear os momentos de concorrência ou de rupturas entre os grupos de
formações discursivas que caracterizam os repertórios discursivos;
4. Construir a árvore de associação de idéias com as ligações e rupturas
entre as formações e os repertórios (figura 4):
124
Figura 4 - exemplo de árvore de associação de idéias
Fonte: baseado em Spink & Lima (2004)
Considerando essa proposta, os resultados foram apresentados com base
em ilustrações de trechos dos discursos dos sujeitos seguidos das análises.
trabalho
Referência
profissional
Condições de
empregabilidade
Indicação por
personalismo
125
5. MEMÓRIA E CONTEXTO DE ESTUDO
Na seção 5.1, recuperou-se a trajetória histórica de Belo Horizonte,
focalizando sua inserção no mercado de trabalho industrial. Para tanto, recorreu-
se à análise documental por meio de documentos históricos, trabalhos
acadêmicos, relatórios e bibliografia que têm como objeto a história da cidade.
Na descrição e posterior discussão da trajetória histórica, privilegiou-se a
inserção da cidade no processo de industrialização e os elementos que
possibilitam a análise dessa inserção. Além disso, articulou-se essa discussão
com a memória acerca do desemprego, incluindo os novos conceitos emergentes
no contexto da acumulação flexível.
Posteriormente, na seção 5.2, por meio do resgate das trajetórias dos
sujeitos sociais da pesquisa, incluindo as instituições das quais fazem parte,
possibilitou-se a compreensão de como são produzidos os sentidos acerca do
desemprego. O roteiro de entrevista continha uma seção destinada a um breve
relato da trajetória de vida, com ênfase para a trajetória profissional, de cada
entrevistado.
Optou-se pela identificação e apresentação de trajetórias comuns,
ligadas às instituições da pesquisa: FIEMG, Sindicato e SINE. Considerou-se
que a própria trajetória sócio-histórica dessas instituições pode constituir as
“condições de produção” dos discursos. No caso dos membros da FIEMG e
representantes do Sindicato, essas condições perpassaram com mais ênfase os
discursos. No que se refere aos sujeitos entrevistados no SINE-BH, mesmo não
se tratando de integrantes dessa instituição, considerou-se a importância de
resgatar algumas de suas características, como um elemento contextual para a
construção das práticas discursivas.
126
Vale ressaltar que com resgate dessas trajetórias, não se objetiva
estabelecer reflexões acerca de posicionamentos dos sujeitos empíricos ou
discursivos, mas, apresentar elementos importantes que permeiam as condições
para a análise do processo de produção de sentidos, sem deixar escapar a
emergência das ideologias. Sendo assim, subdividiu-se a seção como segue: no
tópico 5.2.1, apresentou-se a trajetória dos membros da FIEMG; no tópico
5.2.2, apresentou-se a trajetória dos representantes do sindicato; e, no tópico
5.2.3, apresentou-se a trajetória dos trabalhadores desempregados e a procura do
primeiro emprego.
5.1 O trabalho industrial na RMBH
A cidade de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, localiza-
se no centro sul do estado e é a terceira maior área metropolitana e a quarta
cidade mais populosa do Brasil (IBGE, 2006a). A cidade estabelece limites com
os municípios de Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Sabará, Nova Lima, Ibirité,
Contagem, Betim e outros municípios e distritos que compõem a Região
Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH. Belo Horizonte foi a primeira capital
planejada do país, com espaços definidos para os setores urbano, suburbano e
rural (Santiago, 1999). O projeto de sua concepção pretendia abrigar uma
população de no máximo duzentos mil habitantes; em 2006, a cidade possui
mais de 2 milhões de habitantes (IBGE, 2006a).
A idealização da capital Belo Horizonte está marcada por processos e
ideologias políticas, de cunho republicano. A localização geográfica da antiga
capital (atual cidade de Ouro Preto), seu relevo acidentado e sua arquitetura
marcada pelo passado colonial dificultavam um projeto político voltado para o
progresso e industrialização do estado (FIEMG, 2006a). Dessa forma, era
127
preciso uma localização que facilitasse a articulação de facções políticas, a
instalação de meios de transporte e recursos para a modernização. Além disso,
era preciso desvincular-se dos símbolos do passado colonial e da escravidão, tão
presentes em Ouro Preto (Resende, 1974). Dessa forma, grupos de cafeicultores
da Zona da Mata e sul de Minas uniram-se para a consolidação do processo de
mudança da capital.
Em 17 de dezembro de 1893 definiu-se a região do Curral Del Rei, um
arraial para o cercado de gados, existente desde 1707, como o local mais
adequado para se construir a capital do estado de Minas Gerais. Após a
definição, a lei de transposição da capital foi promulgada pelo Congresso
Mineiro, na cidade de Barbacena – MG (Barreto, 1996). A inauguração da
capital deu-se em 12 de dezembro de 1897, sob o nome de “Cidade de Minas”,
assumindo o nome de “Belo Horizonte” em 1906.
O planejamento arquitetônico da cidade mantém íntima relação com a as
características de sua inserção no mercado de trabalho, especificamente o
industrial. Embasado em uma ordem positivista, e, sobretudo, sob a influência
do modernismo urbano - "cidade síntese" - o projeto da nova capital mineira
imprime, desde sua idealização, uma vocação metropolitana para a cidade, como
um símbolo dos novos tempos (Cunha, 2003). Essas características
materializam-se fisicamente nos assentamentos propostos e nos arruamentos
internos à área delimitada pela Avenida do Contorno:
“Seu alto grau e abstração e seu rigor geométrico professavam a utopia
de se traçar com régua e o compasso uma ordem social harmônica,
unitária, onde não haveria lugar para a chamada desordem urbana. O
planejamento, de um só golpe, procurava aprisionar a realidade a um
modelo de cidade, no qual o imprevisível e a atuação conflitante dos
atores urbanos deveriam ser inibidos por uma gestão técnico-racional
do espaço” (Julião, 1996, p. 56).
128
Percebe-se como os elementos tradicional e moderno convivem e
conflitam-se no contexto de estudo. Na mudança da capital de Ouro Preto para a
futura Belo Horizonte, o interesse era revestir com um viés liberalista
63
, um
desenvolvimento que ocorreria ainda sob a dominação de herança
patrimonialista. Nesse contexto contraditório, observa-se uma preocupação
central em desligar a nova capital de uma herança mais tradicional por meio do
cuidado com a localização e articulação físico-espacial das construções da
cidade, voltadas para a eficiência do exercício dos poderes do Estado (Barreto,
1996).
Belo Horizonte, desde sua idealização, foi criada para ser uma cidade
administrativa, um local para a articulação de poderes políticos, no qual o
trabalho industrial e o operariado iriam encontrar um espaço pouco favorável
para sua instalação e desenvolvimento. Ou seja, no projeto da nova capital, os
operários não têm onde morar. Esses “operários”, no entanto, vão se instalar na
nova capital desde a sua criação, pois, são eles os “construtores” da cidade. As
relações com esses operários vão ser pautadas, primordialmente, pelo que Negro
& Gomes (2006) denominam legado de experiência para a formação da classe
operária brasileira. Ou seja, relações de exploração e relações capitalistas
convivem, culminando com a formação dessa classe de trabalhadores, na criação
de Belo Horizonte. Dessa forma, os trabalhadores se vêem à margem de um
sistema que lhes oferece uma “liberdade marginalizada”.
Além disso, há que se considerar a própria memória herdada da história
de Minas Gerais, baseada, principalmente, em uma tradição econômica
agropecuária, com um maior direcionamento à subsistência. Em 1903, realiza-
se, em Belo Horizonte, o Congresso Agrícola, Industrial e Comercial. Nesse
congresso, apesar de se discutir, mesmo que superficialmente, o
63
No sentido de introduzir uma política liberal, voltada para o mercado e “trabalho
livre”.
129
desenvolvimento industrial da região, essa discussão é voltada para a produção
agrícola e para os problemas com a estratégia econômica de subsistência.
Com uma lógica particular de inserção no sistema capitalista (Kowarick,
1985), inicia-se, mesmo que timidamente, a preocupação com o
desenvolvimento industrial, ainda perpassada pela concepção de cidade
administrativa; pela memória agrícola; e, amedrontada pela comparação com o
desenvolvimento que já se instalara na indústria paulista. Reforçando o
movimento para o desenvolvimento industrial, incentivou-se a instalação de
indústrias para fortalecer a economia da cidade e concretizar o objetivo do
governo mineiro de transformar a nova capital no centro dinâmico da economia
estadual. Em 1902, estabeleceu-se o regulamento e concessão de terrenos para
indústrias e associações em Belo Horizonte.
Com essa iniciativa, na primeira década do século XX, a capital mineira
configura-se como o segundo pólo industrial têxtil da região, estimulando
também o desenvolvimento industrial nas regiões vizinhas (Mourão, 1970). O
processo de industrialização proliferou-se com o surgimento de pequenas
indústrias, em vários setores de atividade. No estágio inicial, as indústrias da
região de Belo Horizonte caracterizavam-se por um processo de produção
manufatureiro, voltado para o mercado local; com utilização de matérias primas
provenientes do setor primário; e, um baixo grau de mecanização.
Em contrapartida, no contexto mundial, encerrava-se o período da
Primeira Revolução Industrial e Tecnológica, dando início ao período da
Segunda Revolução Industrial e Tecnológica, no fim do século XIX. Nesse
cenário, verifica-se o surgimento da energia elétrica e a exploração do petróleo
como os grandes marcos do desenvolvimento industrial, principalmente no setor
automobilístico (Fleury, 1997).
É justamente com o movimento de industrialização, que se verifica um
processo de periferização em Belo Horizonte. Ou seja, os trabalhadores
130
industriais, não encontrando “espaço” para se instalarem na cidade síntese
(planejada para abarcar funcionários públicos e para ser um espaço cartesiano de
negociações), instalam-se na periferia da cidade e inauguram, no início do
século XX, as construções dos primeiros bairros periurbanos, os quais
abrigariam um crescente contingente de mão-de-obra que se constituiria como
espaços de moradia operária. Como exemplos, na década de 1910 são instaladas
as vilas Operária e Proletária em Belo Horizonte (Barreto, 1996).
Prolifera-se, no contexto da nova capital, a condição de trabalhador
quase excluído do corpo social, o trabalhador miserável. Condição que permite
uma participação precária na vida social. Essas condições são apontadas e
discutidas por Castel (1998) como condições proletária e operária.
O desenvolvimento da rede ferroviária, na década de 1920, possibilitou
a retomada do desenvolvimento industrial em Belo Horizonte, após a crise
advinda dos desdobramentos da Primeira Guerra Mundial, com ênfase para o
setor de siderurgia. Com a inauguração da rede ferroviária, estreitou-se a
articulação da capital com os municípios da região, modificando a rede urbana
de espaço para negociações econômicas e para a facilitação de instalações
industriais. Além disso, no fim dos anos 1920, tem início a construção de
estradas de rodagem ligando Belo Horizonte a São Paulo e Rio de Janeiro.
Com esse estreitamento e a maior facilidade de comunicação e
transporte, iniciou-se um processo de concessão de favores (terrenos, isenção de
impostos, fornecimento de energia, etc.) por parte da prefeitura de Belo
Horizonte, para as indústrias com capital suficiente para o desenvolvimento da
região (FIEMG, 2006a).
Na década de 1930, observa-se a ascensão de setores da burguesia
ligados à industrialização, culminando em iniciativas de incentivo para a
indústria. Em 1933, surge a Federação das Indústrias do estado de Minas Gerais
(FIEMG), refletindo a diferenciação do grupo industrialista no âmbito das elites
131
dirigentes, no campo político. Nesse período, posiciona-se o desenvolvimento
claro em favor da industrialização de Belo Horizonte e inicia-se a remodelação
da cidade, com uma determinação de novas funções para seus espaços. Em
decorrência, é criada, em 1936, a Zona Industrial de Belo Horizonte, ao longo da
linha ferroviária e do Ribeirão Arrudas, onde se instalam mais de 20 empresas,
destacando-se a Compania de Cigarros Souza Cruz (FIEMG, 2006a).
Dando continuidade ao objetivo do crescimento industrial, cria-se o
Parque Industrial de Contagem, em 1941, inserindo-se o processo de
industrialização para além do município da capital. Trata-se de uma iniciativa
política, visando à consolidação da área metropolitana e um planejamento de um
espaço adequado para as indústrias, garantindo o acesso a todo tipo de infra-
estrutura. Paralelamente, verifica-se uma tentativa de redirecionamento da
periferização operária, um processo de remoção das favelas, tidas como
indesejáveis a uma cidade em processo de modernização: o banimento das
implicações de uma área industrial da cidade de Belo Horizonte (Cunha, 2003).
A inauguração da Cidade Industrial
64
deu-se em 1946, com destaque
para a instalação da Estamparia S/A. Dessa forma, a década de 1940 marca o
início do movimento de transferência de indústrias da área urbana de Belo
Horizonte para a região metropolitana. Por isso, o desenvolvimento industrial de
Belo Horizonte está relacionado ao desenvolvimento industrial de sua região
metropolitana.
Um outro marco para o processo de industrialização foi a criação das
Centrais Elétricas de Mina Gerais (CEMIG), em 1951, como um dos resultados
do Plano de Recuperação Econômica e Fomento da Produção. Com esse
incentivo, os anos de 1950 caracterizam-se pela prosperidade nesse setor da
economia. Essa década também foi caracterizada pelo grande êxodo rural e pelo
64
Essa expressão é utilizada para denominar o parque industrial instalado na cidade de
Contagem.
132
crescimento da população, passando de 350 mil para 700 mil habitantes
(Resende, 1974). Trata-se do período de consolidação do parque industrial
brasileiro que ainda admitia mão-de-obra semiqualificada e, em alguns setores,
desqualificada (Fleury & Fleury, 1997). Diniz (1981) afirma que em 1960 a
Cidade Industrial possuía 82 indústrias em operação, empregando mais de
14.000 trabalhadores.
Com o crescimento da industrialização, apesar da tentativa de
redirecionar a periferização industrial, o surgimento da Cidade Industrial
culmina com o aparecimento de diversas favelas, ao longo das décadas de 1950
e 1960, habitadas, principalmente, por operários industriais da região.
A crescente periferização, aliada às condições de trabalho oferecidas
pelas indústrias aos trabalhadores, reforça o crescimento de movimentos
idealistas, com forte atividade em prol de uma afirmação pública dos
trabalhadores da cidade, como, por exemplo, a criação da Confederação
Auxiliadora dos Operários do Estado de Minas Gerais (Mourão, 1970). Nesse
período, verifica-se a primeira paralisação de trabalhadores na região, ligados a
diversos setores de trabalho: comércio, público e indústria de transformação
mineral (Mourão, 1970). As reivindicações desse movimento giram em torno,
principalmente, do pedido de redução de jornada de trabalho para oito horas
diárias e nivelamento salarial.
Esse movimento de organização da força de trabalho é proveniente, por
um lado, das condições de vida impostas aos “proletários e operários” residentes
na cidade de Belo Horizonte, por outro, pela emergência de um sistema de
trabalho mais mecanizado, organizado, que exige a aglomeração de
trabalhadores em grandes fábricas, com relações de trabalho estabelecidas por
um contrato rígido. Sistema esse que se configura como fordista, consolidando a
condição assalariada e o emprego, propriamente dito (Cunha, 2003).
133
Observou-se novamente uma convivência contraditória, visto que, a
substituição do liberalismo pela pregação de um “Estado Forte”, implica a
substituição da relação de exclusão da classe operária por uma relação de
inclusão social e jurídica entre trabalhadores e Estado (Fleury & Fischer, 1987).
No entanto, essa substituição não ocorre explicitamente na cidade de Belo
Horizonte, pois, o operariado, apesar de ser assalariado e juridicamente inscrito,
é excluído do social por meio de uma condição de não-moradia. A questão da
moradia, portanto, se torna um fator central de atração para os trabalhadores
necessitados pela indústria. Assim, as indústrias na RMBH passam a oferecer
condições de moradia para seus funcionários:
O trabalhador ao entrar nessa engrenagem não só vendia sua força de
trabalho, como as possibilidades de obter um valor mais alto pelo
mesmo. A moradia construída pela empresa e que era ocupada pelo
trabalhador era uma maneira indireta que a empresa utilizava para que
o trabalhador criasse elos com o local em que estava trabalhando.
Agindo dessa forma, a empresa evitava que o trabalhador procurasse
outra empresa e reduzia, também, as possibilidades de o trabalhador
lutar pelos seus próprios interesses, pois, dessa forma, perder o
emprego significava perder a casa” (Cunha, 2003, p. 72).
Dessa passagem, podem-se extrair, principalmente, duas considerações.
A primeira remete à característica do próprio modelo fordista de produção e à
necessidade de vincular o trabalhador ao seu local de trabalho, pois o núcleo da
relação está no salário e no emprego formal. A segunda refere-se
principalmente, ao contexto brasileiro quanto ao elo subjetivo estabelecido entre
organização e trabalhador, apontado por Caldas (2000) e Enriquez (1999).
No contexto da pesquisa, com essas características, reforçou-se um
período de mudanças, redirecionando as políticas da cidade para os problemas
sociais advindos do processo de industrialização, incluindo a fiscalização das
indústrias vindouras e de suas técnicas de gestão da força de trabalho. Dessa
134
forma, ao longo da década de 1970, instaura-se a chamada nova industrialização
mineira, com a chegada de grandes empresas multinacionais de bens de capital.
Um marco dessa “nova industrialização” foi a instalação da fábrica italiana de
automóveis, a FIAT, no município de Betim, RMBH (FIEMG, 2006a).
A FIAT (Fabbrica Italiana di Automobili Torino) iniciou suas atividades
em 1899, em Turim, na Itália, tornando-se, na primeira metade do século XX, a
maior fábrica italiana de automóveis. O primeiro carro produzido em série foi o
modelo Fiat 509, produzido em 1925. A partir de então, a indústria passa a
concentrar-se em modelos econômicos e populares (Nottoli, 1994). Após a
Segunda Guerra, inicia-se um processo de internacionalização da Fiat, que passa
a exportar para toda a Europa sua linha de automóveis pequenos e médios,
caracterizados como econômicos e de fácil manutenção (Moreno, 2002).
Na década de 1960, a FIAT se transforma em um grupo de empresas
atuante em diversas áreas (seguros e financiamentos, caminhões, entre outros).
Em 1973, a fábrica da FIAT foi instalada no Brasil, em Betim-MG. Inicia-se um
processo de inovação tecnológica na produção dos automóveis e, em 1983, é
lançado o modelo Uno. A partir da década de 1990 prolifera-se um programa de
globalização e reestruturação da empresa, paralelo ao lançamento do modelo
Uno Mille, primeiro carro brasileiro com um motor de mil cilindradas, o qual
aumentou a participação da indústria no mercado brasileiro (Moreno, 2002).
A partir de 1990, com o crescimento da FIAT, suas empresas satélites
65
e
outras indústrias, observa-se um processo de reestruturação tecnológica nas
indústrias de BH e região metropolitana, tanto na produção quanto na gestão da
força de trabalho. Verificou-se um fenômeno de reconfiguração espacial,
envolvendo a incorporação de novas tecnologias, bem como as novas formas de
organização do trabalho, tendendo para o estabelecimento de empresas em rede,
135
terceirizadas, estabelecidas em “espaços menores”. Em todo esse movimento,
reafirmou-se o discurso da globalização, da tecnologia e do “modelo japonês”.
Trata-se de um processo acelerado de reconfiguração, não gradativo, como se
deu em outros países capitalistas, exigindo a rápida adaptação dos trabalhadores
às novas formas de acesso ao emprego, voltando-se para a empregabilidade
(Carvalho, 2005).
Apesar do avanço tecnológico, considerando a competitividade
internacional, as décadas de 1980 e 1990 foram marcadas por longos períodos de
estagnação econômica e recessão, no que se refere ao processo de
industrialização no Brasil e na RMBH. Nesse período, verificou-se a
convivência, em algumas indústrias de Belo Horizonte e Contagem, de práticas
fordistas com o modelo japonês (Carvalho, 2005).
O aglomerado de indústrias na RMBH está entre os cinco maiores da
América do Sul, com destaque para a indústria automobilística, autopeças,
siderurgia, eletroeletrônica e construção civil (FIEMG, 2006a). No entanto, o
emprego proveniente desse setor tem apresentado retração, no que se refere aos
cálculos estatísticos. Embora a taxa de desemprego (% da PEA
66
), calculada pela
Fundação João Pinheiro, apresente uma queda de setembro de 2004 (18%) para
setembro de 2005 (15,4%), o nível de desemprego na região é considerado
elevado, principalmente no setor industrial, o qual tem apresentado o menor
nível de elevação nas ocupações.
Além disso, em 2004, a evolução do desemprego foi diferenciada por
níveis de escolaridade, observando-se redução da taxa de desemprego entre as
pessoas com o ensino fundamental incompleto (9,1%) e aumento do desemprego
65
Empresas de pequeno e médio porte que são criadas para atender necessidades de uma
empresa maior. Por exemplo, uma indústria de auto-peças para atender uma montadora
de carros.
66
População em Idade Ativa: corresponde à população com dez anos ou mais, ocupada
ou desempregada.
136
para os de maior instrução, sobretudo para as pessoas que possuíam ensino
superior completo (9,3%) (Fundação João Pinheiro, 2005a, b).
Com a recuperação da memória sócio-histórica da RMBH, subsidiou-se
a análise das condições de produção no que se refere aos sentidos do fenômeno
do desemprego na região em estudo. Para tanto, julgou-se também necessária a
recuperação de alguns aspectos das trajetórias dos sujeitos da pesquisa e suas
instituições.
5.2 Resgate de alguns aspectos das trajetórias dos sujeitos e das instituições
da pesquisa
A apresentação das trajetórias comuns e a apresentação de alguns
elementos particulares, em cada trajetória, são substanciais para a compreensão
do processo de produção de sentidos e das personagens que emergiram nas
práticas discursivas. Portanto, ao compreender as trajetórias, delineiam-se as
condições de produção, a memória, a temporalidade, mais especificamente, o
tempo vivido, para a análise das práticas discursivas. Estas, por sua vez,
baseiam-se no vivido dos sujeitos sociais, segundo a idéia de Pêcheux (1997),
em suas experiências particulares.
Essas experiências podem ser informadas por estruturas ideológicas mais
amplas que são compartilhadas e se encontram no arquivo e no interdiscurso, ou
seja, na memória (tempo longo). Além disso, a própria construção discursiva,
que dialoga com o contexto e com a memória, também pode reconstruir as
formas de se pensar e agir em sociedade. Por isso, reafirma-se que a produção
dos sentidos é social e historicamente contextualizada e que é uma forma de
ação social.
Sendo assim, apresentam-se as trajetórias:
137
(a) Trajetória 1: membros da FIEMG como sujeitos que vivenciam a
realidade do setor industrial na RMBH, na qualidade de setor de
desenvolvimento econômico, por meio dos trabalhos que realizam nessa
instituição. Por outro lado, como sujeitos que devem propiciar condições para a
ampliação da competitividade nesse setor, considerando o processo de
reestruturação;
(b) Trajetória 2: representantes do sindicato como sujeitos que
vivenciam o trabalho no setor industrial, na condição de mercado de trabalho.
Por outro lado, como sujeitos que devem se comprometer com as garantias dos
trabalhadores, diante do aumento da competitividade e do processo de
reestruturação;
(c) Trajetória 3: trabalhadores desempregados e trabalhadores à procura
do primeiro emprego, como sujeitos que vivenciam a condição de
desempregado(a), ou, a condição de não-empregado(a). Além disso, no caso dos
desempregados, como sujeitos que vivenciaram o trabalho no setor industrial.
Embora o objetivo tenha sido abarcar elementos comuns em cada tipo de
trajetória, abrangendo de maneira mais completa possível esses elementos,
ressalta-se a complexidade em fazê-lo e a possibilidade de existirem muitas
outras trajetórias possíveis a serem resgatadas.
5.2.1 Indústria, reestruturação e desenvolvimento
Compõem a presente trajetória 4 membros da FIEMG, mais
especificamente: S29, S30, S31 e S32. Desses entrevistados, S29 e S32 tiveram
experiências como trabalhadores industriais, na área administrativa, em diversos
138
setores de atividade. Portanto, vivenciaram o trabalho no setor industrial antes
de ingressarem como membros da diretoria da FIEMG:
(01)“Até chegar à FIEMG tem 32 anos que eu atuo nesse mercado e
estou na FIEMG há um ano nesse convite que eu tive pra gerenciar a
área de estágio empresarial que é a oportunidade agora de eu estar do
outro lado da mesa. Até então ele era o meu cliente enquanto eu
trabalhava na empresa agora eu estou trabalhando para as empresas
nesse trabalho com estagiário” (membro da FIEMG: S32).
O “cliente”, mencionado pelo sujeito, é o setor industrial no qual essa
entrevistada trabalhou. Sendo assim, os discursos, diante dessa trajetória, são
permeados pelas experiências de trabalho e “visão FIEMG” do setor industrial.
Os demais sujeitos, S30 e S31, não tiveram experiência anterior em
indústrias, tendo como principal referência contextual os discursos que emergem
com base no trabalho que realizam na FIEMG:
(02) “Eu sou economista na FIEMG, eu assumi esse cargo há dois
meses, eu trabalhava como técnica. Hoje eu coordeno o núcleo de
pesquisas da FIEMG e basicamente todos os meses eu sigo uma rotina
de trabalho. Nossa rotina é em prol do desenvolvimento da indústria
(membro da FIEMG: S31).
(03) “Como estagiário eu estive aqui por um ano e meio, contratado
como economista eu tenho dois anos e meio aproximadamente. Minha
rotina de trabalho dentro da divisão da gerência eu sou hoje
enquadrado no núcleo de pesquisa. Então eu estou trabalhando com
pesquisas aplicadas, sempre pesquisas voltadas para o setor industrial
em que a gente procura sempre analisar desempenho de setores, tratar
de alguns setores de dificuldades, sempre estar assessorando a nossa
presidência e sindicatos afiliados aqui da federação das indústrias”
(membro da FIEMG: S30).
Por meio desses fragmentos discursivos, verificou-se a ênfase dada aos
objetivos da instituição “em prol do desenvolvimento da indústria”(fragmento
139
02) e “sempre pesquisas voltadas para o setor industrial” (fragmento 03). Essa
ênfase remete à forte presença do discurso instituído pela direção da FIEMG
perpassando os discursos desses sujeitos. Caracterizados como discursos
provenientes de “jovens” e “qualificados”, são ricos em construções de
personagens e estratégias, reforçando outros discursos presentes na memória e
no contexto: (04)Gerando crescimento, gerando possibilidades de gerar
emprego, então o trabalho tem que ser sempre em prol da indústria que é quem
sustenta a própria entidade” (membro da FIEMG: S30). Nesse trecho, por
exemplo, não se explicita a geração de lucro, mas, a geração de crescimento e
emprego. Evidenciou-se a institucionalização de um discurso macro, que
interessa à sociedade.
Considerando a presença marcante e respeitada da instituição FIEMG no
estado de Minas Gerais, o que pode reforçar sua centralidade nos discursos que
se referem ao setor industrial, julgou-se oportuna a recuperação de algumas
características dessa instituição como contexto para a construção das práticas
discursivas, principalmente dos sujeitos inclusos nessa trajetória.
O sistema FIEMG é constituído por um conjunto de instituições,
espalhadas em todo o estado de Minas Gerais, articuladas para promover e
estimular o desenvolvimento da indústria mineira.
(05) “A primeira coisa é desmistificar. A FIEMG não é do Estado, a
FIEMG não é do governo. A FIEMG é uma entidade privada, uma
entidade de classe, representativa da indústria. A FIEMG é sustentada
através de contribuições que vêm da indústria, então o trabalho dela
tem que ser focado pra isso: trabalho pra indústria. Gerando
crescimento, gerando possibilidades de gerar emprego, então o
trabalho tem que ser sempre em prol da indústria que é quem sustenta a
própria entidade” (membro da FIEMG: S30).
Observa-se, no fragmento 05, a necessidade de desvinculação da FIEMG
com o Estado, por um lado; e, por outro, a afirmação constante de sua ligação
140
com a indústria. Por isso, ao estabelecer ligações entre indústria e
desenvolvimento, a FIEMG emerge nos discursos como instituição em prol do
desenvolvimento, no caso da RMBH, especificamente.
A unidade referência para este estudo, na qual os sujeitos foram
abordados, é a FIEMG da RMBH. Em 2006, associam-se a esse sistema, mais de
100 sindicatos patronais, ligados a 80 mil indústrias, em diversos segmentos
industriais. Apresenta-se como missão e objetivo do sistema FIEMG:
(06)orientar e apoiar o empresariado visando à construção de uma
indústria forte e competitiva
, oferecendo serviços e produtos vitais para
as empresas, bem como assessoria e consultoria nas áreas econômica,
tributária, trabalhista e jurídica; relações internacionais; relações
sindicais; meio ambiente; promoção de negócios; assuntos legislativos;
e capitalização e financiamento” (FIEMG, 2006b, p. 7).
Nas práticas discursivas, o comprometimento é com uma indústria (07)
tecnologicamente atualizada, lucrativa, com mão-de-obra qualificada,
ambientalmente preparada e socialmente integrada” (FIEMG, 2006b, p. 7).
Para tanto, a estrutura do sistema é composta por quatro instituições, além do
próprio sistema FIEMG, por meio das quais é oferecido à indústria mineira um
conjunto de produtos e serviços. Essas instituições caracterizam-se da seguinte
maneira:
1. Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI: criada em 1942,
trata-se de uma entidade de direito privado, organizada e administrada pela
Confederação Nacional da Indústria, em âmbito nacional; e, pelas Federações de
Indústrias, em âmbito estadual. O SENAI é uma rede estadual de educação
profissional que oferece cursos de formação técnica, voltados para o setor
industrial; e, cursos de aperfeiçoamento profissional em diversas áreas, com o
objetivo de organizar e administrar escolas de aprendizagem em todo o País.
141
(08) “Ética e empreendedorismo se aprende na escola: desenvolver a
cidadania e estimular os alunos a formar conceitos e valores mais
humanos visando a uma educação completa. Com esse objetivo, em
2005, as escolas do SESI/SENAI Minas incluíram em sua grade
curricular disciplinas como ética, filosofia, cidadania e
empreendedorismo. Além desse aprendizado, os alunos matriculados
nas instituições passaram a contar com aulas de espanhol, inglês,
informática educativa, literatura e produção de textos” (FIEMG, 2006c,
p. 6);
No campo da educação, essa mudança remete a uma “educação
profissional”, voltada para as carreiras, técnicas ou não, o que tende a um
processo de individualização (Sargentini, 2001).
2. Serviço Social da Indústria - SESI: criada em 1946, essa instituição
focaliza as áreas de educação, esporte, lazer, cultura, saúde e ação social nas
indústrias. O objetivo é oferecer condições necessárias para elevar a qualidade
de vida do trabalhador da indústria e de seus familiares, contribuindo também
para a melhoria da competitividade do setor industrial.
(09) “180 mil pessoas freqüentarão os cursos de qualificação
profissional, de certificação de competência nas escolas do SENAI
e
serviços do SESI. Ora, 180 mil pessoas em 850 mil, 20% do corpo de
trabalho dos operários, não vou falar operários não, dos empregados
da indústria, passaram pelos bancos do SENAI/SESI este ano.
Convenhamos que é muita gente” (membro da FIEMG: S29).
Novamente a afirmação da representatividade da instituição, presente
nos discursos de seus membros, referendada por números, garante a legitimidade
do discurso da instituição e das indústrias.
Além disso, o SESI Minas atua em programas especiais de
desenvolvimento industrial, como a formação e desenvolvimento de Arranjos
Produtivos Locais – APLs. Na RMBH, o SESI Minas desenvolve ações no APL
de biotecnologia. A estrutura APL, por exemplo, sinaliza para uma nova
142
possibilidade de arranjo industrial diante do processo de reestruturação
produtiva. Trata-se de “re-organizar” as indústrias em unidades menores e
interativas (FIEMG, 2006c);
3. Instituto Euvaldo Lodi - IEL: criado em 1969 pela Confederação
Nacional da Indústria, como sociedade civil, de natureza privada, sem fins
lucrativos. A criação desse instituto tem como objetivo criar soluções para o
aumento da competitividade da indústria mineira, em parceria com órgãos
governamentais e centros geradores de conhecimento e tecnologia. Dessa forma,
atua na área de consultoria e treinamento em informação tecnológica, inovação,
qualidade de gestão e metrologia. Além disso, oferece um programa de
recrutamento e seleção de estagiários para o setor industrial, em parceria com
universidades e escolas;
4. Centro Industrial e Empresarial de Minas Gerais - CIEMG: (10)trata-
se de uma associação com fins não econômicos, destinada a congregar pessoas
jurídicas interessadas ou dedicadas ao desenvolvimento empresarial (industrial)
no estado de Minas Gerais” (FIEMG, 2006b, p. 124). Os associados do CIEMG
têm acesso a todos os produtos e serviços oferecidos pelas entidades do sistema
FIEMG.
No que refere ao sistema FIEMG no geral, existem dois serviços que
devem ser ressaltados. Por um lado, as pesquisas e informações econômicas,
colocadas à disposição pelo setor de economia e estatísticas. Por meio dessas
pesquisas, propõem-se políticas de desenvolvimento e aumento da
competitividade para o setor industrial.
Pode-se citar as seguintes pesquisas: Balanço Anual da Economia
Mineira; FIEMG Index; FIEMG Index Regional; Índice de Confiança do
Empresário; Perfil da Economia Mineira; e, Pesquisa Sondagem Industrial. Uma
das principais publicações é a FIEMG Index, que apresenta a Pesquisa
143
Indicadores Industriais, objetivando medir o desempenho da indústria mineira.
As empresas que participam da pesquisa recebem, mensalmente, um relatório
exclusivo de desempenho. Por meio desse relatório, as empresas podem
comparar seus resultados com os resultados do segmento e do setor em que estão
inseridas (FIEMGIndex, 2006).
(11) “A pesquisa ela é muito importante não só pra gente aqui da
FIEMG, a pesquisa tem uma data pra sair, ela serve pra assessorar a
presidência da FIEMG, mas também instituições importantes recebem
ela antes da divulgação. Quando vai divulgar essa pesquisa pra
imprensa
, a imprensa comparece em peso porque quer saber o
faturamento da industria. Então além da imprensa e da presidência da
FIEMG, o Banco Central
pega antes da divulgação pra determinar a
taxa de juros, a trajetória da taxa de juros. Então isso não é importante
somente pra gente aqui da FIEMG como também pra sociedade
. Como
são várias instituições que recebem a nossa pesquisa a gente tem que
ter um cuidado todo especial porque isso vai influenciar em toda a
sociedade também. Desde 92 a série histórica dela está disponível no
site” (membro da FIEMG: S31)
Com a referência de personagens centrais como legitimadores do
discurso (“imprensa”, “banco central”, “sociedade”), a entrevistada focaliza a
importância dos resultados FIEMG, legitimando-os. Dessa forma, ao se
posicionar como propulsora do desenvolvimento industrial e, conseqüentemente,
da sociedade; e, produzir e divulgar resultados acerca de seu próprio trabalho, a
instituição legitima-se perante a sociedade.
Por outro lado, é importante citar o serviço de consultoria jurídica
oferecido pelo sistema FIEMG, nas áreas ambiental, trabalhista e tributária. No
que se refere às relações trabalhistas, por meio da gerência de relações
trabalhistas do sistema FIEMG, oferece-se aos industriais mineiros a assessoria
especializada com o aporte de uma equipe de advogados preparados. Por meio
144
desse serviço, acompanha-se o contencioso trabalhista e as rotinas trabalhistas
das indústrias ligadas à FIEMG.
Esses elementos estão presentes nas práticas discursivas como “pano de
fundo” para o processo de produção de sentidos acerca do desemprego na
região. Considerando o processo de reestruturação produtiva, as condições de
produção dos discursos podem reforçar diversos “discursos” acerca desse
processo. No caso do ambiente “FIEMG”, por exemplo, verificou-se a
disseminação do discurso do processo de reestruturação produtiva como um
impulso ao desenvolvimento das indústrias da região.
5.2.2 Trabalhadores industriais, reestruturação e precarização
Fazem parte dessa trajetória, os sujeitos S33, S34, S35 e S36,
representantes do Sindicato dos metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem.
Desses, S35 e S36, continuam trabalhando no setor industrial e S33 e S34 são
trabalhadores aposentados. O percurso percorrido por esses sujeitos nas
indústrias de Belo Horizonte e região metropolitana foi central para a
compreensão das práticas discursivas e das “regras” e “ideologias” emergentes
delas, ressaltando que não se pretende concentrar-se na intencionalidade desses
sujeitos.
Dos sindicalistas que continuam trabalhando, o tempo médio de trabalho
no setor industrial é de 20 anos, em diversos setores. O tempo médio no
sindicato é de 10 anos. No sindicato, esses trabalhadores fazem parte da
diretoria, atuando em atividades de coordenação e administração. No que se
refere aos sindicalistas aposentados, sujeitos, esses estão no sindicato há 12
anos, na média, atuando em setores mais operacionais, na “ação sindical”,
conforme nomeada pelos sujeitos.
145
A escolha desses sujeitos em fazer parte do sindicato está intimamente
relacionada com a trajetória desse movimento, com a trajetória do trabalho no
setor industrial e, conseqüentemente, com a construção dos discursos sobre o
desemprego, considerando o contexto brasileiro:
(12) “Eu entrei porque eu achei que devia lutar pra poder estar
melhorando as condições de vida da classe trabalhadora”
(representante do sindicato: S35)
(13) “Eu entrei para o sindicato por concepção política, ideologia
política. A necessidade que eu via na época que eu estava na ativa,
trabalhando no chão-de-fábrica. As questões de injustiça mesmo do
chão-de- fábrica, aliado a isso aí, as ideologias políticas que eu tenho.
O socialismo, essa coisa toda” (representante do sindicato: S33)
Lutar”, “chão-de-fábrica”, “injustiça” e “socialismo” são construções
que remetem ao discurso como produto e produtor de regras e ideologias que
permearam as práticas discursivas para a construção dos sentidos acerca do
desemprego nesse setor. A ênfase nesse discurso é reforçada pela própria
instituição, por meio de seus elementos simbólicos, como o título de uma
publicação que comemora os 70 anos do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo
Horizonte e Contagem: “Uma História Forjada na Luta” (Lopes, 2004).
Nessa publicação, inicia-se o texto desta forma:
(14)Setenta anos se passaram desde que um pequeno grupo de
operários decidiu criar nosso sindicato dos metalúrgicos. A
industrialização ainda era tímida na região, mas, nas pequenas fábricas
de então, a exploração do trabalho já apontava para os operários a
necessidade de se unirem para conquistarem uma vida mais digna
(Diretoria..., 2004, p. 3) (...) “o ano é 1934, o rádio toca Feitiço da Vila,
de Noel Rosa (...) em 11 de agosto, um grupo de operários cria o
Sindicato dos Metalúrgicos de Minas Gerais, em reunião na rua
Guarany, 505, na capital” (Lopes, 2004, p. 4).
146
Verificou-se a presença de elementos discursivos que remetem
vocábulos da exploração e, ao mesmo tempo, da união (no sentido de formação
de classe), para com essa situação. Vale ressaltar que a própria cidade de BH,
em sua “arquitetura”, “expulsa” a classe operária para a periferia. Esses
elementos, direta ou indiretamente, contextualizam e são referências
memoráveis para a construção dos discursos que se referem aos sujeitos
inseridos nessa trajetória.
Ao traçar um panorama sócio-histórico do Sindicato dos Metalúrgicos
em questão, verificam-se três períodos marcantes: a criação e o crescimento da
força desse movimento; as dificuldades enfrentadas quando o movimento já
impunha sua força; e, os novos desafios a serem enfrentados diante de um
processo de reestruturação nas relações de trabalho.
Nas décadas de 1930, 1940 e 1950, o Sindicato dos Metalúrgicos, no
Brasil, atua, direta e indiretamente, em importantes conquistas para a classe dos
trabalhadores industriais. A partir de 1950, o Sindicato dos Metalúrgicos de Belo
Horizonte passa a representar a base territorial de Contagem e é inaugurada a
primeira delegacia sindical. Dessa forma, materializa-se a presença do sindicato
dos Metalúrgicos na RMBH e inicia-se a sua organização administrativa:
(15) “O nosso sindicato, ele não tem presidente, ele é composto por
uma coordenação. Então temos oito diretores de diversas fábricas da
região. Tem dois coordenadores administrativos que substituem o
tesoureiro, tem três coordenadores políticos que substituem o
presidente. Então no nosso sindicado as coisas não ficam concentradas
na mão de uma ou duas pessoas, o poder fica concentrado na mão de
oito coordenadores, é mais aberto, com um processo mais democrático
e com mais participação”(representante do sindicato: S35).
Com a inauguração da indústria Mannesmann, em 1954, iniciou-se uma
fase de intensificação nas atividades sindicais: (16)a instalação da empresa
causou grande impacto na região, que até então tinha na agricultura sua
147
principal atividade” (Lopes, 2004). Nessa passagem, reforçam-se os momentos
contraditórios entre tradicional e moderno enfrentados no processo de
industrialização de BH e discutidos neste capítulo. Em âmbito nacional, nesse
período, ocorre a primeira greve geral na capital São Paulo, o que contribui para
o avanço da organização da categoria. Ressalta-se a realização do Primeiro
Congresso Nacional dos Metalúrgicos, em 1957, e, conseqüentemente, o
Primeiro Congresso Sindical de Minas Gerais.
A partir da década de 1960 até meados de 1980, o movimento sindical se
fortalece no Brasil. É nessa década que ocorre a primeira discussão sobre a
participação da mulher no sindicato dos metalúrgicos, quando foi realizado, em
1966, o I Seminário Sindical Feminino. Justamente por esse fortalecimento,
passa a enfrentar maiores resistências por parte de políticos e empresários
brasileiros. Por outro lado, apesar do avanço, enfrenta também resistências dos
próprios trabalhadores quanto à aderência ao movimento, diante de uma herança
patrimonialista e de um relacionamento paternalista, mantido no interior das
indústrias.
O Sindicato de BH e Contagem, em 1962, inicia um “memorável
movimento grevista”, contando com a participação de mais de 3 mil
trabalhadores. Em 1968, ocorre uma nova greve iniciada por trabalhadores da
fábrica Belgo Mineira, em Contagem. Nessa época, surge o jornal “O
metalúrgico”. Os trabalhadores da Mannesmann paralisam as atividades, em
1979, impulsionando a chamada “greve dos peões”, no setor da construção civil,
o que impulsionou o movimento dos metalúrgicos na região.
A inauguração da fábrica da FIAT automóveis, em 1973, na cidade de
Betim, RMBH, culminou com a criação de mais de 200 fábricas fornecedoras de
componentes e autopeças. Atualmente, a FIAT Betim possui em torno de 7 mil
funcionários diretos. A fábrica de Betim é a maior fábrica de automóveis do
grupo FIAT fora do seu País natal, a Itália (FIAT, 2006).
148
Com a chegada da indústria automobilística em Minas, mais
especificamente, na RMBH, propiciou-se o fortalecimento do movimento
sindical, com o aumento do número de trabalhadores nesse setor e sua
aglomeração nas fábricas. Mesmo que, em algumas indústrias, a sindicalização
de trabalhadores seja inibida, vale ressaltar que sua aglomeração é um impulso
para as discussões e desenvolvimento do movimento sindical (Lopes, 2004).
Com esse fortalecimento, acirra-se a repressão ao movimento sindical
brasileiro, por meio, por exemplo, da intervenção em leis trabalhistas, como a
redução dos salários reais e a criação do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço - FGTS, instituído em setembro de 1966, extinguindo a estabilidade no
emprego. Nesse contexto, o foco da ação sindical recai sobre as condições de
trabalho e a saúde dos trabalhadores (Lopes, 2004).
O Governo Collor, a partir de 1990, inaugura a onda de privatizações;
instaura-se a abertura econômica e o discurso da competitividade. Além disso,
observa-se o avanço tecnológico nas indústrias, iniciando um movimento de
reestruturação nesse setor. Nesse contexto, o movimento sindical dos
metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem enfrenta “os desafios dos 70”,
conforme intitulado em um capítulo de Uma História Forjada na Luta:
(17)o sindicato dos metalúrgicos de BH/Contagem entrou no novo
século com a mesma disposição de lutas das décadas anteriores (...) a
primeira grande conquista, celebrada na convenção coletiva de
trabalho de 2003, foi o fim do banco de horas” (Lopes, 2004, p. 31). No
entanto: “mesmo com conquistas, o nível de sindicalização da categoria
ainda é baixo (...) a 20 anos haviam 70 mil metalúrgicos na região
industrial de BH e contagem, hoje não passam de 40 mil” (Lopes, 2004,
p. 32).
Por meio desse fragmento (17) pode-se perceber que o discurso da
precarização, do movimento sindical: “o nível de sindicalização da categoria
ainda é baixo”, está inserido no discurso do avanço tecnológico e da
149
reestruturação produtiva. As bases sindicais da classe metalúrgica de
trabalhadores assalariados sofreram perdas significativas de postos de trabalho
devido ao processo de reestruturação. A partir de então, ocorreu a dispersão dos
coletivos sindicais organizados e das bases sindicais militantes, possuidores de
uma experiência de luta de classes, constituída no decorrer dos anos 1980.
(Alves, 1999):
(18)a reestruturação produtiva foi apresentada nas fábricas através
dos programas de qualidade total (...) na época, a propaganda das
empresas era da necessidade da participação de todos e que as
vantagens obtidas também seriam divididas para todos. O próprio
movimento sindical chegou a embarcar nesse discurso” (Lopes, 2004,
p. 33).
No jornal “O metalúrgico”, observou-se o discurso que veicula o
processo de reestruturação produtiva no Brasil à precarização das relações de
trabalho:
(19)Mafersa Vendida, Exigimos Garantia De Emprego E dos
Benefícios” (O metalúrgico, 2005, p. 3).
(20)Precisamos nos preparar com mais força para as batalhas que
enfrentaremos em 96: (...) o fantasma do desemprego vem perturbando
o sono de vários funcionários” (O Metalúrgico, 1996, p. 5).
(21) As conseqüências da fusão Arcelor-Mittal: a fusão é mais uma das
conseqüências da globalização e tem o objetivo de destruir eventuais
competidores no mercado, aumentar os lucros e reduzir custos, com
demissões em massa e o aumento da exploração em cima dos
trabalhadores” (O Metalúrgico, 2006, p. 2).
A crise do sindicalismo caracteriza-se, não apenas pela queda na taxa de
sindicalização, mas, principalmente, pela diminuição da eficácia da ação
sindical, principalmente aquela vinculada ao novo sindicalismo dos anos 1980.
150
Essa tende a perder sua dimensão política, de prática de classe de caráter
antagonista diante do capital, assumindo um caráter pragmático-
neocorporativista, mais circunscrito à segmentação setorial ou por empresa
(Rodrigues, 1997).
No que se refere ao sindicato dos trabalhadores da RMBH, parte
significativa dos associados atuais é atraída mais pelos programas assistenciais
do sindicato do que por questões de ordem ideológica, como a conquista e
manutenção dos direitos dos trabalhadores. Essa trajetória influencia na
produção discursiva acerca do desemprego, ilustrando a centralidade das
condições de produção para a análise desse fenômeno.
5.2.3 Trabalhadores desempregados e à procura do primeiro emprego
O Sistema Nacional de Empregos-SINE é um órgão público, em nível
nacional. Em cada estado, a instituição pode estar ligada a diferentes secretarias,
geralmente, é ligada às prefeituras. Trata-se de uma agência que presta serviços
gratuitos aos trabalhadores e, por conseqüência, aos empresários de todos os
setores. Atualmente, o SINE-BH atende uma média de 1600 pessoas por dia. A
estrutura administrativa do SINE-BH é composta por uma equipe de atendentes
diretos, por uma supervisora de atendimentos, por um supervisor geral e, por
uma diretora. De acordo com a supervisora de atendimento, a dinâmica principal
de funcionamento do SINE-BH é a seguinte:
(22) “O empresário liga disponibilizando uma vaga e ele nos dá o perfil
dessa vaga, como que ele quer o candidato: sexo, escolaridade, estado
civil, quais as funções que ele vai exercer, o que ele tem que ter
especificamente, ele dá o perfil da vaga. Essa vaga é disponibilizada no
sistema automaticamente e é vista em rede pelos quatro postos aqui na
nossa região de Belo Horizonte, aliás, Belo Horizonte, Betim, Contagem
151
e Venda Nova. Quando a pessoa chega no guichê pra ser atendida, é
verificado o cadastro dela, a gente já tem aquele cadastro e se não tem
faz naquele momento. E ai esse cadastro cruza com as vagas que a
gente tem, aquele perfil que já foi dado pelo empresário. A gente só faz
a pré-triagem, porque quem vai verificar se o candidato está dentro do
perfil que ele quer é o próprio empresário ou o RH dele”(supervisora de
atendimento, SINE-BH).
Especialmente com relação ao setor industrial, trata-se de um setor que é
pouco representativo para o SINE: (23)no sentido de que ele não busca muito,
então a gente tem pouco contato com esse setor. Eu acredito que por buscar
candidatos com bastante qualificação então ele acha que o SINE não tenha o
candidato, então a gente não tem muito contato com a indústria”. Sendo assim,
ao ser questionada acerca da média de trabalhadores que procuram o SINE-BH
com preferência para o setor industrial, a supervisora especulou que menos de
5%, dos 1600 trabalhadores atendidos diariamente, direcionam-se ao setor
industrial.
São os trabalhadores desempregados, com experiências industriais, 24 no
total; e, os trabalhadores à procura do primeiro emprego, que compõem essa
trajetória. Entre eles, S11, S12, S13 e S14 são trabalhadores que iniciaram ou
tiveram experiências industriais em outras cidades. Mas, atualmente, residem na
RMBH e procuram por trabalho nessa região. Os sujeitos S1, S3, S4, S6, S7, S9,
S10, S15, S16, S19, S22, S23, S24, S25, S26, S27, S28, S17, S18 e S21 são
trabalhadores que iniciaram ou tiveram experiências industriais na RMBH e,
atualmente, procuram por emprego nessa região.
Também fazem parte dessa trajetória, os trabalhadores à procura do
primeiro emprego: S2, S5, S8, S20. Desses, S2 não se caracteriza como “jovem
à procura do primeiro emprego”, visto que, além da idade (29 anos), declarou
não ter procurado emprego por motivos particulares. S5, e S20, são jovens à
procura do primeiro emprego em que se mantêm e ajudam à família com
trabalhos autônomos e informais. S8 não possui nenhuma ocupação. Todos
152
declararam terem preferência pelo setor industrial, tanto em áreas
administrativas, quanto operacionais.
Acredita-se que, desses discursos, faça parte a memória e o contexto que
remetem à trajetória sócio-histórica do processo de industrialização na RMBH.
A maioria dos entrevistados declarou ter sido demitida do último
emprego industrial, o que também pode fazer parte da memória ao produzir
sentidos acerca do desemprego.
(23) Quando eu retornei [refere-se a volta ao trabalho e organização],
passou um determinado tempo, eles mandaram embora mesmo
(desempregado: S1)
Além do cadastramento e triagem para emprego, o SINE-BH oferece
outros serviços ao trabalhador, como palestras direcionadas para o mercado de
trabalho; o serviço de inclusão digital; tele-curso; e sala de leitura. Esses
serviços são oferecidos, em função do perfil dos trabalhadores que, geralmente,
procuram o SINE. Esse perfil é caracterizado como um perfil de baixa
escolaridade (na maioria, ensino fundamental), baixa qualificação técnica, e,
longo período de afastamento do mercado de trabalho:
(24) “percebemos que como a gente trabalha com essa parcela da
população de um nível de escolaridade inferior e que é um fator que
dificulta, a gente também fez uma parceria pra elevar a escolaridade do
trabalhador”(supervisora de atendimento SINE-BH).
Essa é a característica observada nos 28 sujeitos componentes dessa
trajetória. Apesar de 50% possuirem ensino médio completo, a minoria declarou
ter freqüentado algum outro curso complementar, técnico ou profissionalizante.
Quanto às exigências prioritárias das empresas, a supervisora de
atendimento esclareceu que se trata da experiência comprovada em carteira, o
que dificulta o acesso para muitos trabalhadores que apenas tiveram experiências
153
por meio de outros tipos de contratos (informalidade, precarização, exploração).
Entre os desempregados, a maioria, principalmente mulheres, declarou estar
trabalhando em setor informal ou autônomo, com o objetivo de ajudar no
sustento da família.
Os trabalhadores à procura do primeiro emprego, não apenas jovens,
mas, trabalhadores que têm experiência em setor informal, ao procurarem o
SINE, devem fazer o cadastro como “primeiro emprego”:
(25) “Eu, com 21 anos, estou procurando meu primeiro emprego e
estou encontrando dificuldade. Todas as empresas que eu procurei
exigiam um pouco de experiência na área, por isso eu acho que não
consigo emprego” (à procura do primeiro emprego: S8).
No que se refere à dificuldade de inserção no mercado de trabalho das
pessoas que não possuem experiência comprovada em carteira, diante das
mudanças verificadas no mercado de trabalho, o SINE-BH vem realizando um
trabalho com os empresários e trabalhadores considerando as novas
possibilidades de trabalho, como a abertura para setores informais, por meio, por
exemplo, do cadastramento de domésticas(os) diaristas, jardineiros(as),
costureiras(os). No setor industrial, destaca-se o cadastro de vigilantes,
mecânicos(as), seguranças, entre outros.
Trata-se de uma outra forma de incluir o trabalhador no mercado, que
não apenas pela assinatura da carteira de trabalho. No entanto, mesmo com esse
cadastro, verificou-se a resistência por parte do empresariado em aceitar
trabalhadores apenas com experiências informais:
(26) “É muito raro ele aceitar a experiência informal. Nós tentamos
negociar com esse empresário e às vezes conseguimos sim, mas a
grande maioria quer resolver o problema dele o mais rápido possível.
Então existem vagas com uma certa urgência que não dá pra ele
ensinar, ele quer uma pessoa que tenha uma experiência anterior pra
154
ele chegar e sanar aquele problema dele ali. Então isso é um fator
importante”(supervisora de atendimento SINE-BH).
Percebe-se o forte vínculo que os sujeitos mantêm com a idéia de
“trabalho com carteira assinada”, o emprego, como a melhor forma de inserção
no trabalho e no social. Em certa medida, pode-se dizer que esse discurso está
ligado às experiências que esses trabalhadores mantiveram com o setor
industrial, no qual vivenciaram o trabalho nos padrões fordistas e, no momento,
vivenciam a ausência desse vínculo.
Com a apresentação da trajetória 1: “Indústria, reestruturação e
desenvolvimento”, da qual fazem parte quatro sujeitos integrantes da instituição
FIEMG, permitiu-se a reflexão acerca do processo de industrialização e de
reestruturação, respectivamente, com foco no desenvolvimento. Por meio da
discussão acerca de alguns aspectos da história do sindicato dos metalúrgicos na
RMBH, e das trajetórias dos sujeitos dessa realidade: “trabalhadores industriais,
reestruturação e precarização”, pôde-se evidenciar um outro discurso acerca do
trabalho na indústria e do processo de reestruturação produtiva. Nessa trajetória,
evidenciou-se o discurso da precarização do trabalho e do enfraquecimento do
movimento sindical.
Com relação à trajetória 3: “trabalhadores desempregados e á procura
do primeiro emprego” e aos discursos de seus integrantes, ressaltou-se a
percepção de trabalho na qualidade de “emprego”, ou seja, trabalho é possuir um
vínculo com alguma organização por meio da assinatura da carteira de trabalho.
Além disso, verificou-se a idéia de emprego como a melhor forma de inserção
no âmbito social. Com o resgate de alguns aspectos da trajetória dos
sujeitos e das instituições da pesquisa, possibilitou-se a identificação da
construção das personagens e das formas como elas se expressam nas práticas
discursivas.
155
6. PRÁTICAS DISCURSIVAS SOBRE DESEMPREGO E AS
CONDIÇÕES DE SUA PRODUÇÃO
Neste capítulo, apresentam-se as análises 1 e 2, explicitadas no quadro 1,
ou seja, concentrou-se nos elementos intradiscursivos e nos subentendidos.
Discutiu-se como as práticas discursivas constituem os lugares para que se possa
falar acerca do desemprego (esses lugares podem remeter a ideologias).
Para que a intencionalidade não fosse o foco da pesquisa, tomou-se o
cuidado de analisar as práticas discursivas como um conjunto de discursos.
Portanto, não se separaram os grupos de sujeitos: trabalhadores desempregados,
à procura do primeiro emprego, representantes do sindicato e membros da
FIEMG. No entanto, certamente suas referências, relacionadas às trajetórias e ao
contexto, fazem parte dos discursos e, conseqüentemente, das análises e
discussões.
Os temas, com base na análise das práticas discursivas são apresentados
por meio de fragmentos dos discursos. Esses trechos e suas respectivas análises
são considerados ilustrativos dessas temáticas. Optou-se por não identificar os
sujeitos em cada trecho dos discursos, os quais foram apenas numerados de
acordo com a ordem de aparecimento no texto. Sendo assim, a discussão é
apresentada de acordo com o conjunto de temas semelhantes, os quais
emergiram durante as análises (formações e regularidades discursivas).
Portanto, na seção 6.1, apresentam-se as discussões referentes ao
emprego formal, ilustradas por fragmentos discursivos; a seção 6.2, inclui os
fragmentos que remetem às mudanças ocorridas no mundo do trabalho,
especificamente no setor industrial, e suas conseqüências para o emprego; na
seção 6.3, essas conseqüências são ilustradas por meio dos discursos que se
referem ao desemprego, ou à ausência do emprego formal; e, na seção 6.4,
discutiu-se acerca do trabalho, como condição que transcende o emprego formal.
156
6.1 O emprego formal
Com os trechos discursivos apresentados nesta seção, ilustra-se o
aparecimento de discursos que remetem ao emprego formal e à condição de estar
empregado(a):
(01)eu quero trabalhar pra eu ter meu dinheiro
. O meu esposo me dá,
mas, ter o dinheiro da gente mesmo
(...) e ainda se vier com os direitos
(...) eu adoro um cartão de crédito, mas, tem que ter a carteira (...)”.
Nesse trecho, é interessante discutir o percurso do conceito de
trabalho/emprego. Por meio de “meu dinheiro” e “dinheiro da gente mesmo”,
constrói-se a noção de trabalho como meio para se obter uma liberdade
financeira. Considerando a trajetória específica do enunciador (uma mulher
casada) e o contexto discursivo, verificou-se que o trabalho é uma condição
legítima como liberdade financeira. Por outro lado, quando se articula essa idéia
com “cartão de crédito”, “direitos” e “carteira”, o trabalho direcionou-se para o
emprego (formal).
Em uma outra situação contextual: (02) “o cara quando é homem
, você
vê na cara dele, ele chega até a chorar com vergonha
sem a carteira (...) tem
família pra sustentar
(...)”. Verificou-se que o trabalho não é articulado, é o
emprego que aparece por meio da expressão “carteira”. Quando se analisa a
questão do gênero, pode-se compreender esse fato. Além da questão de gênero,
o próprio papel de provedor (“sustentar”) reforça a condição de não-emprego
como condição indesejável, de vergonha. Portanto, essa condição pode ser
compreendida como condição de não-liberdade financeira ou de não-
cumprimento de um papel (como o de provedor da família, por exemplo). No
entanto, mesmo considerando as questões de gênero: o trabalho/emprego para a
157
mulher, o trabalho/emprego para o homem, pode-se subentender que o emprego
é que se constitui como um veículo de legitimação social, pois, ao possuir um
“cartão de crédito” encaminhou-se para a questão do “crédito”, que culmina com
um sentimento de reconhecimento (status social), respeito e segurança.
(03) “E quando
a gente tá fichado também o dinheiro não sobra porque
eu
tenho família e muitas vezes o salário não é bom, também tem isso.”
No discurso, verificou-se a articulação de duas personagens: “a gente” e
eu”. A construção da personagem “a gente” está relacionada à situação de
desemprego, subentendendo-se que a marca temporal “quando”, refere-se a uma
condição que não existe no momento ou pode existir. Sendo assim, “estar
fichado” não é uma situação que ocorre no discurso. Essa personagem é
articulada para que não se estabeleça uma relação direta entre o sujeito
discursivo e a condição de desempregado, apresentando-se como um
interdiscurso que entrecruza o discurso do emprego.
Esse tipo de construção foi observada nas práticas discursivas em geral.
No caso da personagem “eu”, esta remete à condição de “chefe de família”
(mulher ou homem que sustenta financeiramente a família), daí a apresentação
direta no discurso. Essa condição, quando ligada às expressões “dinheiro” e
salário”, reforça o pressuposto de que o fato de “ter família” é condição que
necessita do trabalho (independentemente de ser um emprego formal), visto que,
subentendendo-se, o emprego não está ligado à quantidade de dinheiro
suficiente: “não sobra”, “não é bom”.
(04) “É o comprovante
de que no final do mês você vai estar recebendo
aquilo
, aquela quantia”.
Nesse caso, o discurso contradiz – em parte – o discurso anterior, pois,
mesmo que o retorno financeiro não seja suficiente, é garantido pelo vínculo
empregatício, podendo-se dizer que o emprego não é uma condição relacionada
158
apenas ao dinheiro e que salário é mais do que dinheiro. Observou-se a
utilização de um conceito: O comprovante”, pressupõe-se que se refere à
carteira de trabalho assinada.
Trata-se de uma generalização conceitual, que remete ao compromisso
estabelecido entre empregador e empregado, muitas vezes, reforçando o elo
entre trabalhador e organização. Além disso, subentende-se que o conceito de
“documento comprobatório” também relaciona-se ao desemprego, visto que,
diante dessa possibilidade, pode-se comprovar e requerer alguns direitos, além
de comprovar a experiência de trabalho. Dessa forma, no interdiscurso, a
empregabilidade aparece e o emprego passa a ser um veículo não apenas de
remuneração, mas, de outras possibilidades e garantias.
Deve-se ressaltar que essa articulação é um conceito, ou seja, refere-se a
um processo de institucionalização de uma idéia, estabelecida e legitimada
socialmente. Explicita-se essa reflexão baseando-se no pressuposto de que o
comprovante, ou a carteira, conseqüentemente, o emprego, garante um algo que
não é definido no discurso: aquilo”, “aquela quantia”.
Com essas marcas narrativas, delimita-se o que não pode ser dito, ou
seja, o que o emprego oferece que vai além do dinheiro, não é o dinheiro e nem
uma quantidade de dinheiro que centraliza a questão do emprego ou da condição
de empregado(a), como observado em uma outra articulação conceitual: (05)
“você consegue ter um status social
(...)”. A noção de status está relacionada,
no geral, à noção de reconhecimento. O conceito “status social”, portanto,
refere-se ao reconhecimento social. Pressupõe-se que se trata do reconhecimento
adquirido por meio do “trabalho comprovado”, ou seja, o emprego.
(06) “se eu quero
comprar uma roupa legal eu posso comprar, ao
mesmo tempo o trabalho
, a carteira, ele dignifica o homem. Aliás,
quando você conhece alguém uma das primeiras perguntas que vem é:
‘Você trabalha?Trabalha com o quê
?’”.
159
A personagem “eu” integrante das marcas subjetivas: “eu quero”, “eu
posso” ilustram uma condição possibilitada pelo emprego reconhecido
socialmente. O ato de comprar, no contexto do discurso, não requer apenas o
dinheiro para comprar, mas, a garantia para o crédito, ou seja, o fato de ter um
emprego ou a carteira assinada. Querer e poder são situações permitidas ao
empregado(a). Essa situação, quando se liga ao conceito da dignidade, no
contexto discursivo do trabalho e da carteira, encaminha para o interdiscurso de
que a dignidade está além do dinheiro, trata-se de liberdade de querer/poder.
O homem” (trecho 06), personagem discursivo, refere-se à figura do
empregado que, subentende-se, mesmo “preso” pelo vínculo empregatício,
garante, por esse vínculo, sua liberdade, sua dignidade. Além da liberdade, uma
contradição, considerando-se a lógica do emprego, um outro elemento
constituinte do conceito que liga o emprego à dignidade é a própria existência
em uma comunidade social, a legitimidade perante essa comunidade.
Ressaltando-se a estratégia ilustrativa: “você trabalha
? Trabalha com o
quê?” (trecho 06), observou-se uma afirmação no enunciado e uma negação na
enunciação, no interdiscurso, ou seja, uma ironização do conceito de “trabalho”.
Na primeira pergunta, o trabalho é afirmado como condição de trabalho-
atividade, não se relaciona, interdiscursivamente, ao emprego. Na segunda
pergunta, o trabalho relaciona-se ao “o quê
”, qual trabalho. Não se trata de que
tipo de atividade a pessoa realiza, mas, considerando o contexto discursivo,
pode-se subentender que se trata de trabalho-emprego ou não-emprego. No
segundo caso, aí se encontra a ironia, desfaz-se a noção de trabalho construída
na primeira questão e conclui-se: pode-se realizar um trabalho-atividade, mas,
não sendo emprego, não existe o reconhecimento social.
160
(07) “Olha, quando você trabalha com carteira assinada, você não vai
sair
com uma mão atrás outra na frente. No mercado informal, se você
perder o seu dinheiro
ali, acabou, acabou”.
A prática discursiva que remete à “carteira assinada está em diálogo
com o desemprego. Essa constatação pode ser visualizada pela articulação entre
carteira assinada” e “sair”, ou seja, mesmo pressupondo a estabilidade de estar
empregado, pressupõe-se, por outro lado, a instabilidade conjuntural e a
possibilidade do não-emprego, do desemprego.
Observou-se o interdiscurso do processo de reestruturação. Não se trata
mais de uma condição estável, o estável é ter garantias durante a instabilidade.
Por isso, a estratégia utilizada como ilustração: “uma mão atrás outra na frente
(também uma metáfora), a qual pode ser compreendida, no todo, como uma
pessoa que caminha e balança os braços tendo apenas as mãos como
extremidades, trata-se de uma estratégia que reforça o emprego mais na
condição que garante o período de desemprego do que na condição de
estabilidade. No interdiscurso, a negação de “uma mão atrás outra na frente
seriam as mãos carregando alguma coisa, as garantias de um empregado.
Garantias que, ao se observar a articulação com “mercado informal”,dinheiro
e “acabou”, não remetem apenas ao dinheiro.
São essas garantias que, muitas vezes, possibilitam o aparecimento do
discurso que explicita o vínculo do trabalhador (industrial) com o emprego
(industrial):
(08) “(...) então o SESI
trabalha nesse campo, nessa lacuna deixada
pelo governo
. Então se o governo não consegue prestar esse serviço de
qualidade, o SESI vai estar ofertando pra família
do trabalhador
industrial um tratamento odontológico, acesso a um plano de saúde
descente, escola (...)
isso é uma premissa que todo trabalhador tem que
ter, todo cidadão
tem que ter (...) direitos humanos”.
161
Nessa prática discursiva, existe a construção de seis personagens
principais: “o SESI”, “o governo”, “a família”, “o trabalhador industrial”, “todo
trabalhador” e “todo cidadão”. O discurso explicitado é de que o SESI trabalha,
o governo não trabalha, a família e o trabalhador industrial são beneficiados pelo
trabalho do SESI. No entanto, o que interessa é, mediante o que está dito, como
se articula o não-dito. Essa articulação pode ser refletida por meio de dois
silenciamentos que, no interdiscurso, articulam a inclusão do trabalhador
industrial, representando a figura do empregado (vínculo empregatício, trabalho
industrial); com a exclusão de outros trabalhadores, representando a figura dos
trabalhadores não garantidos pelo vínculo do emprego, não formais, etc; e,
finalmente, com a exclusão de cidadãos não trabalhadores, privados até mesmo
da condição de “humanos”, visto que, são privados de serviços (de qualidade),
os quais deveriam ser direitos de qualquer ser humano.
Com essa reflexão, subentende-se, o emprego, especificamente o
emprego industrial, incluí o sujeito na “condição humana”. Mesmo que
negligenciada pela ação do Estado, essa condição é garantida por meio de ações
de iniciativa privada.
(09) “A pessoa
tem que trabalhar certinho, não faltar e não sair da
firma
. O pessoal tem que ser sincero com a firma, fazer o serviço com
amor(...)”.
O elo estabelecido entre o trabalhador empregado (“a pessoa” e “o
pessoal”) e a organização (“firma”) é evidenciado pelas expressões certinho”,
sincero” e “fazer o serviço com amor”. Essas expressões remetem sempre a
estados sentimentais e emocionais: sinceridade e amor. Quando é articulada a
expressão “certo”, esta, vem no diminutivo, para expressar um cuidado especial
que o trabalhador empregado deve ter com seu trabalho e com seu emprego.
162
O que vale ressaltar é o diálogo com a questão da manutenção do
emprego, que remete, de certo modo, a um estado de “submissão” do
trabalhador para com o emprego/organização. O elo entre sujeito e organização
existe, no entanto, o elo entre sujeito e emprego parece ser mais forte e é o que
culmina com a necessidade de manutenção por meio de laços afetivos. Esses
laços também são meios para que o próprio trabalhador empregado, diante das
novas configurações do emprego, permaneça submetido a essas condições,
porém, inserido em uma zona de conforto criado por ele mesmo. Não é mais a
organização que demite o trabalhador, mas, ele próprio “se demite”. Pelo
silenciamento após fazer o serviço com amor”, permite-se subentender essa
reflexão.
Percebeu-se, em outros trechos de discurso, como esse elo entre sujeito e
organização é permeado pelo emprego: (10) “eu tinha meus amigos do trabalho
,
eu tinha a minha função
, eu tinha um chão bem firme”. A organização passa a
ser o local, além do trabalho, do relacionamento social (“amigos”); e, da
legitimação, da temporalidade e da funcionalidade (“função”). Esse local só é
construído com base em um vínculo que estabelece a “liberdade” e a
continuidade desses relacionamentos. Esse vínculo, no interdiscurso, é a carteira
de trabalho assinada, o emprego formal e seu reconhecimento social, dando
sentido à vida do trabalhador.
Esses elementos são ilustrados pela metáfora de um “chão bem firme”.
Sem essa base, não seria possível construir os relacionamentos e o espaço de
legitimidade em uma organização. Subentende-se que, nas práticas discursivas, o
trabalho sem o vínculo empregatício não permite a construção desses elos.
Portanto, o emprego reforça o elo entre o sujeito e a organização e,
conseqüentemente, os compromissos de produtividade implícitos nesse elo.
(11) “(...) porque a área do metalúrgico
, ela é uma área mais complexa,
é uma área mais segura
. Ele defende seu emprego até com unhas e
163
dentes porque o metalúrgico hoje tem uma carga de trabalho um pouco
mais puxada
também, são os melhores salários, são os melhores planos
de saúde (...) tem que estar envolvido naquele ramo, se não tiver não
consegue, é difícil entrar
”.
A visão do trabalho industrial (“área do metalúrgico”), exemplificada,
principalmente, na figura do “metalúrgico” (personagem central), é composta
por uma construção conceitual que encaminha para a difícil possibilidade de
inclusão. Existem sempre as marcas negativas seguidas das positivas:
complexa” (essa marca pode ser negativa no sentido de envolver situações de
risco, porém, pode ser positiva, no sentido de exigir maior preparo do
trabalhador), mas, “segura”; “carga (...) puxada”, mas, “melhores salários(...)
planos de saúde”. Essa construção refere-se à própria atividade do trabalhador
industrial, por exemplo, na metáfora: carga puxada”, observou-se a ligação
conceitual que se faz entre um trabalhador industrial e a atividade do trabalho
braçal. Como recompensa, o emprego, o vínculo, que garante a estabilidade
(mesmo que momentânea) e os benefícios.
Considerando o silenciamento estabelecido, subentende-se que essa
condição (do trabalhador industrial/formal) já não é a condição da massa,
condição generalizada, que é também contestada, mas, condição almejada pela
dificuldade da inclusão. No interdiscurso, existem as próprias mudanças no
acesso ao emprego industrial, tornando-se mais competitivo. Por isso, na
memória, o conceito ainda permanece como o trabalho pesado, mas, existe
sempre uma compensação, a noção do emprego mais seguro. Também pode-se
verificar a idéia de que o trabalho do metalúrgico se tornou mais complexo e,
por isso, o trabalhador deve acompanhar essa evolução.
No interdiscurso observou-se a idéia de que o trabalho industrial ainda
conserva a memória do emprego mais seguro. Essa condição também é
permeada pelo diálogo entre segurança e risco; ou, o vínculo de emprego e
maior responsabilidade: (12) “você tem que ter muito cuidado devido à
164
segurança sua e do seu colega de trabalho, tem que ter mais atenção, mais
disciplina,
mas, é o preço que se paga (...)”. Quando as expressões “atenção” e
disciplina” aparecem na construção do discurso, ilustra-se o quadro do trabalho
industrial, segundo o conceito que se estabelece acerca dele nas práticas
discursivas. Evidenciou-se a necessidade de disciplina e atenção que é reforçada
pela idéia do “trabalho em equipe” (modelo japonês, células de produção, etc.).
Com essa idéia, também, exemplifica-se a necessidade do “zelar pelo outro”,
pelo próprio maquinário, ou seja, pela “qualidade total”.
Ao contrapor todos esses elementos: atenção, disciplina, trabalho em
equipe, maior responsabilidade, com a expressão metafórica “preço que se
paga”, seguida de um silenciamento, pode-se subentender que se deve pagar
para manter a condição de empregado(a), principalmente no setor industrial,
considerando o que se compreende como emprego nesse setor.
(13) “(...) trabalhei lá
vários anos. Saí porque eu tive uns problemas de
saúde, aí tive encostada
. Então quando eu retornei, passou um
determinado tempo eles
mandam embora mesmo. Eu não sei, eles devem
realmente achar que a pessoa
vai ter mais problemas (...)
Principalmente pra gente
que trabalha, assim, em área industrial, pega
peso, você faz de um tudo”
.
Algumas personagens podem ser observadas nessa construção: “eu”, “a
pessoa” e “a gente”, referindo-se ao trabalhador industrial;eles”, referindo-se
ao empregador. Além disso, a marca “”, representa o próprio setor industrial.
Dessa forma, inclui-se, na prática discursiva, o “empregador” evidenciando o elo
que se estabelece, em uma situação de emprego, com a organização e com a
figura do empregador ou dos empregadores. No contexto discursivo, refere-se a
uma situação que ocorre em condição de emprego: a licença remunerada em
caso de problemas de saúde. Esse tema aparece ligado à expressão metafórica
encostada”. A própria metáfora de estar encostado(a) remete à noção de apoio,
165
o que vai ao encontro da garantia, ao estar empregado, de receber uma
compensação em caso de problemas de saúde.
Com o aparecimento dos discursos que remetem ao emprego formal e à
condição de estar empregado(a), ressalta-se a noção de “vínculo” estabelecido
entre o sujeito trabalhador e a organização. O trabalho aparece como condição
de liberdade e o emprego como condição de liberdade que garante a legitimação
e status social (possibilidade de crédito, segurança para “prover” a família, entre
outras). Nesse sentido, observou-se que o conceito de salário envolve garantias
não apenas financeiras, mas, de vínculo, segurança e reconhecimento.
No que refere ao emprego industrial, é central o vínculo entre
trabalhador e organização, explicitado nos discursos pela idéia do trabalho
industrial como um trabalho “com garantias”. Nesse sentido, o trabalho sem o
vínculo empregatício não permitiria a construção de “elos” entre o trabalhador e
o trabalho/organização. Trata-se de inverter a noção de emprego-garantia para
uma noção de garantir o emprego por meio de um pagamento. O emprego não é
condição de direito, mas, de possibilidade de manutenção, pela “adaptação” às
novas condições de trabalho e de salário.
6.2 Mudanças no trabalho: reestruturação, empregabilidade e sindicato
O conceito do vínculo que se estabelece entre sujeito e organização em
uma situação de emprego parece contrastar-se com a noção de mudança dessas
formas de ligações, tendo como “pano de fundo”, as próprias mudanças no
mundo do trabalho:
166
(14) “o que eu vejo é um processo contínuo da reestruturação das
organizações
, isso é importante considerar, esses processos de fusões,
aquisiçõe
s (...) isso dá um choque dentro das indústrias que de alguma
forma estas têm que reagir
”.
(15) “olha, isso, melhor dizendo, é a exclusão digital
, ela funciona da
seguinte forma: todo mundo acha que o computador
é um bicho-de-
sete-cabeças
, mas, não é?.
(16) “A evolução tecnológica, como aquilo que eu te falei, a pessoa tem
que se adequar. Vêm as máquinas, então a empresa vai substituir quinze
funcionários por uma
máquina, vai ter que ficar pelo menos dois ou três
pra operar
ela”.
A principal personagem articulada é a organização que passa pela
mudança: “as organizações”, as “indústrias”. Quando a personagem indústria é
referenciada, pressupõe-se que esse seja o espaço mais explicitado das mudanças
ilustradas no trecho do discurso, como as “fusões” e “aquisições”. O
silenciamento, logo após a exemplificação das mudanças, deixa subentender que
o processo de mudança, apesar de contínuo (“processo contínuo”), não é
constante, ou seja, não se dá com a preparação dos trabalhadores até a
adequação de organização como um todo, justificando-se a expressão “choque”,
que remete a uma situação inesperada, súbita, que causa impacto.
No interdiscurso, existem várias “vozes”, interligando o trabalho
industrial às novas configurações no mundo do trabalho. Trata-se do impacto da
mudança, principalmente, para o trabalhador, pois a necessidade de se
reestruturar (“reagir”), por meio de estratégias que mantenham a produtividade
da organização, atinge diretamente o sujeito trabalhador.
Essa idéia explicita-se nos trechos 15 e 16, por meio da mudança que
atinge diretamente o trabalhador: as exigências em termos de qualificação e
empregabilidade. A metáfora do “bicho-de-sete-cabeças”, referindo-se ao
computador, pode ser compreendida como um procedimento irônico, visto que,
167
logo após sua afirmação, vem o questionamento acerca dela mesma. Ou seja,
questiona-se se o “saber operar um computador” é de tão fácil acesso para que o
emprego esteja diretamente ligado a ele e de forma generalizada.
No trecho 16, o discurso aparece com ênfase para o compromisso com a
atualização (“adequação”). Ou seja, o compromisso do empregado (“a pessoa”)
e não do empregador. A adequação pode se referir tanto ao processo de
produção/trabalho, quanto às formas de gestão. Esse discurso é reforçado pela
ilustração da substituição de homens por máquinas, legitimada por exemplos
numéricos: “quinze por uma”. Nesse contexto, remete-se ao desemprego como
“pano de fundo”: são quinze pessoas desempregadas com a chegada de uma
máquina. Vale ressaltar que a figura da máquina, nesse caso, pode ser
compreendida como o próprio processo de reestruturação, a imagem da
mudança. Assim como a expressãooperar”, que pode remeter a ajustar-se ao
ritmo de trabalho, à inovação tecnológica.
Diante desse processo, articula-se com a permanência daqueles que,
subentendendo-se, conseguem manter seu emprego, adaptando-se às novas
configurações: “pelo menos dois ou três”. Dessa forma, o processo de
reestruturação produtiva emerge nas práticas discursivas como um processo de
mudança que envolve as relações de produção e trabalho e, conseqüentemente,
altera as configurações de emprego e desemprego.
(17) “hoje a máquina
faz quase tudo sozinha (...) acho que tem que
quebrar as máquinas
!”
No que refere aos avanços no âmbito da organização da produção,
observou-se a articulação de uma personagem importante: “a máquina”. A
máquina, no interdiscurso, é a personagem que está relacionada ao trabalhador, à
imagem do trabalho industrial.
168
No discurso 17, a expressão “fazligada à “máquina”, personifica essa
personagem que passa a ser compreendida como o próprio trabalhador,
executando seu trabalho. Quando se expressa “quebrar as máquinas”, dialogou-
se com a noção da produtividade e do desemprego proveniente do avanço
tecnológico. Na medida em que, considerando o contexto da reestruturação, o
emprego depende da intimidade do trabalhador com a máquina, essa exclusão
refere-se à não-empregabilidade diante da maior preparação desse trabalhador,
com base na noção de novos aprendizados.
(18) “Essas máquinas que geram produtividade
elas vão estar numa
outra ponta gerar a redução dos custos
de uma empresa. Ela reduzindo
os custos permite que ela concorra
em outros mercados. Então, a
modernização
tem um lado ruim e um lado bom (...).”
As práticas discursivas direcionam também para os conceitos de
desenvolvimento e competitividade que permeiam os discursos da mudança. A
máquina, novamente como figura representativa da mudança aparece como
objeto no trecho 18 em duas situações:um lado ruim e um lado bom”. Por meio
dessa expressão, pressupõe-se que o lado ruim seja aquele que gera
produtividade; o lado bom, aquele que reduz custos, sendo assim, na geração de
produtividade, vista como o lado ruim, reporta-se para o discurso do desemprego
ou da exploração proveniente desse aumento.
Por outro lado, a redução de custos como o lado bom remete à
competitividade e ao desenvolvimento, pois, essa competitividade alavanca a
produção, a qual, por sua vez, engendra a necessidade de mão-de-obra. No
interdiscurso, está a idéia da reestruturação e da queda dos empregos:
(19) “A reestruturação, veio e veio
no sentido de reduzir postos de
trabalho, isso a gente vê claramente
nas empresas. Só pra você ter uma
base, a {nome da empresa}, ela tinha por volta de 12000
trabalhadores,
169
hoje ela triplicou a produção e tem na linha de produção dela hoje
cerca de 4500, 5000 trabalhadores
.”
A redução de postos de trabalho proveniente do processo de
reestruturação produtiva é um discurso recorrente nas práticas discursivas. No
trecho 19, quando se articula a expressão “veio e veio” com “reduzir postos” e
vê claramente” verificou-se a centralidade da afirmação de que esse processo já
está instalado nas organizações, especificamente nas indústrias, e que não existe
uma conseqüência senão o aumento do desemprego. Essa reflexão é ilustrada
por meio de um exemplo com indicações de números de trabalhadores em
períodos de não-reestruturação e de reestruturação, ressaltando o aumento de
produção nesse último. No entanto, pode-se subentender que essa afirmação
confronta-se com uma outra que está no interdiscurso do movimento dos
trabalhadores, por um lado, e dos trabalhadores não empregados, por outro.
A afirmação do aumento da precarização e da redução de postos como
um objetivo ou fim único de um processo de reconfiguração no mundo do
trabalho (“veio e veio”, “reduzir postos”), parece funcionar como um pano de
fundo para as reivindicações de um movimento em prol dos trabalhadores e
como um argumento para a condição de não-trabalho. Não se pretende dizer que
esse processo não gere a redução de postos, no entanto, essa centralidade é
preciso ser analisada como objeto do discurso do processo de reestruturação.
(20) “eu acho que o que vem causando essa parte de exigências é a
globalização
, as empresas estão bem mais exigentes hoje e não querem
saber se o indivíduo está se preparando”.
Nesse trecho, a “globalização” e as organizações (“empresas”) são as
personagens utilizadas, ambas exercem papéis de exigências quanto às
características para se conseguir um emprego. No caso das organizações,
observou-se, no interdiscurso, a questão da competitividade e da
170
individualidade, fazendo com que as características exigidas sejam
responsabilidade dos sujeitos. As organizações se isentam e se tornam receptoras
de trabalhadores empregáveis (idéia de empregabilidade). Nesse contexto, o
emprego não é apenas a vaga que se oferece, mas, as características que a vaga
exige, os requisitos básicos para seu preenchimento.
Não existe mais a empresa que oferece vagas de emprego. Subentende-
se, pelas práticas discursivas, que o que existe são indivíduos que procuram
vagas que lhe são acessíveis no momento. Explicitou-se, no intradiscurso, como
uma exigência básica do setor industrial, o ensino médio completo: (21) “E pelo
que o pessoal
está exigindo aí, pelo que as empresas pedem, é uma boa ter o
segundo grau completo
, ter se possível mais”. O pessoal” refere-se às
organizações ou aos empregadores e “segundo grau completo” refere-se ao
ensino médio completo.
(22) “Eu acho que muita gente que tem esses cursos superiores aí e não
conseguem trabalhar porque faz até pelo mesmo pensamento que eu
tenho, fazer por causa do emprego
e não por fazer alguma coisa que
goste”.
Na busca pela empregabilidade, verificou-se o grau de escolaridade
como um conceito disseminado e institucionalizado. Passa a se referir, muitas
vezes, à empregabilidade como grau de escolaridade. Além disso, verificou-se
uma construção nas práticas discursivas que remete à busca por esse grau de
escolaridade como um comprovante de empregabilidade: “fazer por causa do
emprego”.
O discurso da profissionalização, da individualização dos trabalhadores
em busca de emprego perpassa o discurso da empregabilidade. Por um lado,
subentende-se uma proliferação de cursos e faculdades; por outro lado, um
grande número de pessoas com alto grau de escolaridade, porém, com baixa
empregabilidade, dependendo do setor para o qual se direcionam.
171
(23) “(...) aí chega lá eles perguntam assim pra você: você tem algum
outro idioma
? Não, eu não sei falar nem o português direito (...)
Querem que a gente tenha curso de informática avançada
, e eu não
tenho. Eu tenho básico
. Eu não tenho computador em casa (...)”.
A marca subjetiva” refere-se à organização. A personagem “eles
remete aos empregadores. O que se observa no trecho 24 é a construção de um
dos conceitos de empregabilidade, para além do grau de escolaridade ou da
qualificação. A ilustração “outro idioma” e a expressão “curso de informática
avançada” são elementos possíveis de formação da empregabilidade de um
trabalhador, esses elementos, no interdiscurso, relacionam-se com o discurso da
globalização e da competitividade (falar outro idioma, comunicar-se
internacionalmente) e do avanço tecnológico. No entanto, ao contrapor esses
elementos com as expressões: “não sei falar nem o português direito” e “não
tenho computador em casa” revelou-se um dualismo enfrentado na realidade
brasileira.
Trata-se das exigências em consonância com o ritmo da globalização
convivendo com as possibilidades que se apresentam para que os trabalhadores
atinjam esses níveis. Quando se articula a personagem “eu” (o trabalhador sem
emprego) com “básico” (curso básico de informática), esse parece ser o quadro
ilustrativo do que representa a realidade do trabalhador brasileiro,
principalmente estando desempregado.
(24) “(...) a pessoa confundir empregabilidade
com não ser qualificado,
com não ter curso superior, isso é muito da mídia
. As profissões
técnicas elas permanecem, a indústria continua, o processo industrial
continua e está cada vez mais sofisticado
(...).”
(25) “O trabalhador industrial
muitas vezes ele tem a necessidade de
ter uma capacitação técnica, operacional, de saber manusear e saber
exercer um desempenho num chão-de-fábrica
hoje que é bastante
moderno, tem tecnologia
aplicada. E o que aconteceu foi o seguinte, que
pra mim é uma panacéia
: que todo mundo tem que ser doutor, criou um
172
desvirtuamento. E nem todos os profissionais de “RH” perceberam que
isso era uma mentira”
.
A desconstrução do conceito de empregabilidade como qualificação é
evidenciada nos trechos 24 e 25, na medida em que essa noção é caracterizada
como “panacéia
67
” (metáfora para reforçar a idéia de mentira) e “mentira” No
intradiscurso, explicitou-se a institucionalização dessa noção como qualificação
ou grau de escolaridade por veículos de massa como a “mídia”. Observou-se a
emergência de uma personagem principal: o trabalhador industrial. Por meio
das práticas discursivas, pode-se compreender as rupturas na noção de
empregabilidade.
Um subpercurso que pode servir como exemplo é o seguinte: “processo
industrial” => “desempenho num chão-de-fábrica” => “profissões técnicas” =>
permanecem” => “mais sofisticado” => “tem tecnologia”, mas, não precisa ser
=> “doutor”. Portanto, na construção discursiva desse conceito, observou-se
uma afirmação e uma negação, quando colocada em diálogo com o que é
comumente dito acerca de empregabilidade. A afirmação é de que existe uma
individualidade em sua manutenção, por parte dos sujeitos, mas, essa
individualidade convive, especificamente no cenário brasileiro, com o coletivo.
Por outro lado, existe a negação da questão da empregabilidade como
qualificação e grau de escolaridade, mesmo em se considerando o setor
industrial como referência, trata-se de um outro conceito de empregabilidade.
(26) “(...) sempre está pedindo, dois, três anos de experiência
comprovada. E não estão contando o meu estágio (...)”.
No percurso sobre a empregabilidade, portanto, percebeu-se o diálogo
com outros conceitos que não apenas a qualificação (em termos de grau de
67
Planta imaginária compreendida pelos antigos como remédio para todos os males
(Rios, 1999).
173
escolaridade). Percebeu-se, por exemplo, o discurso da experiência como
componente desse tema. Isso aparece nas práticas discursivas em geral, mas,
principalmente, nos discursos dos trabalhadores à procura do primeiro emprego.
No trecho 26, por meio da expressão “experiência comprovada”, pressupõe-se
que a comprovação seria a carteira de trabalho assinada. Com base nesse
pressuposto, subentende-se que faz parte da empregabilidade ter sido
empregado(a) por um tempo a fim de que a experiência nesse trabalho seja
“comprovada”. Além disso, a personagem “eles” (“não estão”) remete aos
empregadores, os quais fazem as exigências em termos de experiência.
Na construção discursiva, “não estão contando meu estágio” dialogou-se
com a questão da flexibilização e precarização do trabalho na medida em que,
estágio”, como um trabalho, não é registrado em carteira. Ou seja, o sujeito,
mesmo tendo trabalhado regularmente, não tem como comprovar a experiência
adquirida. Verificou-se, então, um paradoxo. No contexto da reestruturação,
encaminha-se para formas mais flexíveis de trabalho/emprego, como o estágio,
por exemplo. No entanto, do outro lado, do lado do acesso ao emprego, as
exigências são voltadas para o emprego no padrão fordista: “experiência
comprovada”.
(27) “(...) porque o estudo
a gente sempre pode buscar, correr atrás,
mas, a indicação
é mais difícil, precisa de um empurrãozinho”.
(28) “(...) com indicação essas normas
são mudadas. O pessoal do
departamento pessoal mesmo se encarrega de alterar esses dados a
í e
você acaba perdendo o emprego. Eu conheço um amigo que trabalha na
{nome da empresa}, por exemplo, e lá só entra com segundo grau
e tem
dois filhos dele que têm quinta série de grupo
e trabalham lá e estão
bem estruturados”.
Outro elemento que faz parte do percurso da empregabilidade é a
questão da indicação, por parentesco, laços de afinidades, ou por competência. O
grau de escolaridade, representado pela expressão o estudo”, no trecho 28,
174
passa para o segundo plano, na medida em que, depende, em grande parte, do
sujeito. A metáfora “correr atrás” simboliza esse percurso para a conquista da
qualificação ou do grau de escolaridade. Quando articulada com a metáfora
empurrãozinho”, ligada àindicação” percebeu-se a diferença pressuposta de
que, no caso da indicação, não basta a iniciativa do sujeito, deve-se contar com a
iniciativa de terceiros. Haja vista a emergência da personagem “o pessoal”, no
trecho 28, remetendo aos empregadores, profissionais responsáveis pelas
contratações, etc.
No interdiscurso, verificou-se que o percurso da empregabilidade é uma
justificativa para a diminuição dos empregos e reforça a idéia da
responsabilidade do sujeito para a dependência de terceiros, compreendida,
principalmente, pela expressão “alterar”, uma ação direta. Dessa forma, inclui-
se, no discurso da empregabilidade, o discurso do coletivo, mesmo diante da
centralidade de um processo de individualização nas relações de trabalho e de
busca pelo trabalho. O interdiscurso, portanto, indica a presença do dualismo, da
convivência da impessoalidade com a pessoalidade e, com isso, constrói-se o
conceito de empregabilidade no contexto analisado.
(29) “(...) você tem que estar preparado pra assumir novos trabalhos,
novas tarefas
, novas funções”.
Evidenciou-se a questão da individualização e do auto-gerenciamento da
empregabilidade por parte do sujeito. Não basta apenas manter sua
empregabilidade, é preciso antecipar as necessidades do mercado de trabalho,
estar preparado para atividades diferentes daquelas com as quais se trabalha.
Trata-se do interdiscurso da multifuncionalidade.
(30) “eu
estou me cobrando assim, me atualizar bastante. Ter um perfil
melhor pra empresa que exige (...)Como que eu vou a um
cabeleireiro
?Como eu vou a uma manicura? Como eu vou aparecer
?Como uma Maria Ninguém?Ninguém contrata ninguém”.
175
O percurso discursivo da empregabilidade é dualista, passa do individual
para o coletivo e vice-versa. A preocupação do sujeito em gerenciar sua própria
empregabilidade evidenciou-se nas práticas discursivas como uma construção
que está diretamente relacionada às questões das mudanças no mundo do
trabalho e, conseqüentemente, às questões do emprego e desemprego. A
personagem “eu” (discurso 30), remetendo ao próprio sujeito desempregado(a) e
a marca “”, representando a organização ou o emprego, explicitam essa
reflexão. A expressão cobrando” centraliza o auto-gerenciamento da
empregabilidade, a qual, observou-se, também é composta por elementos
estéticos, explicitados no intradiscurso: “cabeleireiro”, “manicura”.
A argumentação irônica: “Maria ninguém? Ninguém contrata ninguém”,
é perpassada pela voz de “João ninguém”, uma expressão metafórica que
substitui a idéia de uma pessoa que não tem valor e reconhecimento, pois nem
possui sobrenome. Nesse caso, é utilizada para definir o trabalhador à procura de
emprego que não consegue manter sua empregabilidade.
No caso, a personagem “Maria(colocada em diálogo com “João”) faz
menção ao nome Maria, comumente adotado na sociedade brasileira e, portanto,
subentende-se o sujeito como uma pessoa sem individualidade. Ao acrescentar
ninguém” a “Maria”, adiciona-se à não-individualidade, a não-existência e a
não referência social. Por isso, pressupõe-se que os empregadores dificilmente
contratam pessoas que não se apresentam como inseridos socialmente, incluindo
a questão da estética. No subentendido, o que se observa é uma possível
construção do conceito de empregabilidade como um conceito que engloba,
entre outros elementos, a estética e a referência social. Por exemplo: “ser negro”,
“ser mulher”, são elementos que influenciam a empregabilidade.
No percurso das mudanças, especificamente no setor industrial,
observou-se também a introdução das mudanças do papel do sindicato, desde a
176
construção do conceito de qual é o papel dessa instituição no âmbito do trabalho
industrial, até as implicações do processo de reestruturação produtiva para a
ação sindical:
(31) “O papel do sindicato
é defender, é fazer com que prevaleça
aqueles diretos
que foram conquistados durante os anos. Hoje a gente
vê que querem
flexibilizar esses direitos”.
(32) “(...) pra melhorar as condições de trabalho nós não temos (...)
o
que a gente faz é esclarecer
o trabalhador das precárias condições de
trabalho. Quer dizer, a gente faz a parte da gente
.”
O “sindicato” como personagem central, aparece como possuidor de um
papel perante os trabalhadores empregados. Por meio da expressão “defender”,
pressupõe-se que esse papel já não seja de atividade, mas, de passividade, no
sentido de que não se trata de conquistar melhores condições de trabalho,
salário, etc., mas, de manter “aqueles direitos conquistados”. A marca “aqueles
reforça a idéia de nebulosidade quanto aos direitos dos trabalhadores
empregados: quais são esses direitos? (subentende-se que se trata das conquistas
tais como férias, décimo terceiro, etc.) Quais são as condições atuais do emprego
no setor industrial? Na prática discursiva, essa idéia está distante, são “aqueles”,
“conquistados durante “os anos”.
No discurso 32, o silenciamento também nega dizer o papel que a
personagem-sindicato já não pode exercer, além de “esclarecer”. Na marca
anos em contraposição à “hoje”, explicita-se o papel do sindicato como
personagem nesse discurso, ou seja, o antes: conquista de direitos; e, o agora:
manutenção dos direitos.
No interdiscurso, o processo de reestruturação produtiva aparece por
meio da articulação da personagem oculta “eles”: “(eles) querem” e do conceito
de flexibilizar. Esse conceito é generalizado no período de mudanças nas
177
relações de trabalho no Brasil, mais especificamente, a partir de 1990.
Flexibilizar refere-se à desconstrução da noção de “emprego formal com
direitos” (que ainda permanece nas práticas discursivas). Quem flexibiliza é o
que está no não-dito e precisa ser compreendido como prática, pois, pode-se
dizer que, na verdade, não existe um agente, mas, simplesmente o processo de
flexibilização.
Sendo assim, o papel do sindicato que antes era a conquista de direitos
por meio de uma luta travada com a figura do empregador; “hoje”, passa a ser a
manutenção desses direitos perante um processo generalizado. O discurso
remete a uma mudança do emprego e da condição de empregado(a), que passa a
representar sua própria condição, por meio de sua empregabilidade, pois, no que
se refere a uma representação sindical, por meio da expressão: “a gente faz a
parte da gente”, avança-se para a noção de individualidade, mesmo na
coletividade.
(33) “Hoje
ele busca migalhas quando deveria procurar todo o
banquete
. O sindicato vê um desempregado pela frente e diz: ‘nossa
senhora, o quê que eu faço com o desempregado?’”
A personagem “ele”, no contexto do discurso, refere-se à personagem
sindicato. Nesse trecho evidencia-se a marca temporal “hoje” que remete ao
interdiscurso do “ontem”. Nesse sentido, ressalta-se a noção de mudança, de que
a ação do sindicato já foi uma ação voltada para a conquista. As expressões
metafóricasmigalhas” e “banquete”, substituem a manutenção dos direitos e a
conquista de novos direitos, respectivamente.
Nesse fragmento, dialoga-se com a possibilidade constante da condição
contrária, o desemprego. Refletindo-se o subentendido, pode-se dizer que, em
outros tempos (no ontem), enquanto a personagem-sindicato considerava apenas
a figura do empregado em suas reivindicações (pois o emprego era garantia
178
estável); hoje, deve-se incluir o desempregado nesse contexto de representação,
pois, subentende-se, o emprego convive com o desemprego. Diante dessa
situação, reconfigura-se o papel do sindicato e evidencia-se um período de
transição, de insegurança quanto à sua própria ação: “nossa senhora, o quê que
eu
faço com o desempregado?”. Nesse caso, “eu” é a explicitação da
personagem-sindicato e “o desempregado” é a nova personagem que deve ser
incluída no quadro representativo dessa instituição.
(34) “(...) A flexibilização
das empresas fez com que o trabalhador de
fato se distanciasse
do sindicato. E principalmente a perseguição dos
patrões em cima dos empregados principalmente pra quem é
sindicalizado”.
(35) “(...) a conseqüência é que o trabalhador
vai ficar de pé e mão
quebrados. Porque quem luta pelo trabalhador é o sindicato.”
A articulação entre “flexibilização” e “distanciasse” reforça a idéia de
que o processo de reestruturação precariza as relações de trabalho. Subentende-
se que a distância remete à própria distância do sujeito para com a sociedade,
visto que, no movimento sindical, se expressa a consciência da classe de
trabalhadores industriais. Com esse distanciamento, retoma-se o discurso do
trabalho/emprego em si, e da individualização dos trabalhadores.
Individualizados, pressupõe-se, os trabalhadores perdem a força do coletivo e
propiciam-se as condições para a precarização.
Na expressão “perseguição dos patrões”, a personagem “patrões” pode
representar a própria organização em processo de reestruturação à qual os
sujeitos trabalhadores estão submetidos. Vale ressaltar que se trata de uma
construção discursiva e não de uma verificação empírica. No interdiscurso,
dialoga-se constantemente com a memória do movimento sindical. No trecho 36,
por exemplo, retoma-se a personagem do “trabalhador” industrial e, por meio
da expressão metonímica “pé e mão quebrados” referencia-se, no interdiscurso,
179
a perda da força de luta desse trabalhador diante das mudanças nas relações de
trabalho. Portanto, subentende-se que, na figura do trabalhador com pés e mãos
quebrados, ilustra-se o trabalhador inserido no contexto da acumulação flexível.
Em paralelo, o sindicato é referenciado pelas figuras “” e “mão”. Pode-se
dizer, com base nessa reflexão, que a instituição sindicato está “quebrada” no
contexto da reestruturação produtiva.
(36) “(...) pra te falar a verdade eu não esperava
. Porque foi uma coisa
momentânea (...)
porque quando o patrão te fala: ‘eu estou negociando
aqui, ou eu estou fazendo uma mudança’ (...)
você já fica esperando.
Mas foi pego todo mundo
de surpresa. Não só eu, mas vários colegas
que foram demitidos
.”
Um quadro que marca o início de um processo de mudança é o quadro
do aumento das demissões. A expressão “eu não esperava” configura um não
dito, o subentendido de que, no período em que se caracteriza o emprego
garantido, o trabalhador não precisa esperar por sua saída, por sua demissão. De
acordo com as práticas discursivas, o avanço tecnológico e o conseqüente
aumento da produtividade engendram a diminuição da necessidade de mão-de-
obra.
Eu não esperava” revela no intradiscurso que o trabalhador ainda está
ligado ao conceito de emprego garantido. Essa reflexão também se confirma na
articulação da personagem “o patrão e nos silenciamentos deixando
subentender o processo de mudança não gradativo, mas, súbito de substituição
de tecnologias. Pela ligação entre “todo mundo” e “demitidos”, observou-se uma
situação que perpassa o discurso do desemprego considerando a demissão e não
da falta de qualificação ou da falta de vagas. Como também pode ser observado
no trecho 37:
(37) “Imagina você o que é ter 25000 funcionários
diretos e agora isso
cai pra menos de 12000
por causa da robotização. Quer dizer, além de
180
ter mais de uma empresa, até um sistema de quarteirização. É a
precarização total
do trabalho”.
No exemplo, a comparação, por meio de ilustrações numéricas, entre
25000 e 12000 legitimam o discurso da precarização, das demissões e da
redução de postos de trabalho. As marcas “robotização” e “quarteirização”,
expressões não utilizadas comumente na linguagem dos sujeitos, introduzem o
interdiscurso do ritmo da mudança. Por um lado, verificou-se a noção da
extinção dos trabalhadores, dando lugar aos “robôs”. Por outro, a visão da
constante fragmentação das organizações em unidades cada vez menores,
empregando um número cada vez menor de trabalhadores, culminando com a
precarização total”. Subentende-se que esse discurso é perpassado pelo
discurso da perda da força dos movimentos sociais, visto que, com a
fragmentação do espaço organizacional, diminui-se a concentração do número
de trabalhadores.
(38) “(...) então eu sei
o que o outro lado vive, quais a dificuldades
desse lado. Veja bem, hoje você coloca um operário
em frente a um
equipamento, numa linha de montagem hoje básica, simples, que custa
aí hoje 15 milhões de reais, 20 milhões de reais
. Eu vi isso, eu
presenciei isso, a operação desses equipamentos valiosíssimos não pode
ser mais objeto de um operário que não tem uma qualificação
mínima”.
No trecho 38, utiliza-se de estratégias de legitimação, por meio de
marcas subjetivas como “eu sei”, “eu presenciei” para reforçar o discurso.
Pressupõe-se que esse enfoque é dado por se tratar de um discurso que nega, no
interdiscurso, a precarização proveniente do processo de reestruturação. Além
dessas estratégias, também se utiliza a ilustração numérica e a marca subjetiva
valiosíssimos”, para explicitar intradiscursivamente a questão da evolução
ligada à tecnologia, modernização, empregabilidade. Vale ressaltar a articulação
da personagem “operário” em diálogo com a idéia interdiscursiva de trabalhador
industrial. Essa personagem, quando em relação de “submissão” com seu
181
equipamento de trabalho passa a ser compreendida como classe, ou seja, é essa
classe de trabalhadores que requer o aumento da qualificação diante da
tecnologia que se impõe em sua rotina de trabalho. A individualização e a
coletividade “saem de cena” para dar lugar à individualização no conjunto da
classe.
(39) “(...) hoje as empresas descobriram que umas das formas dela
oxigenar
a empresa dela levar talentos para empresa é através de
jovens
. Então as empresas despertaram tanto pra programas de
estágios
quanto pra programas de trainee”.
Nesse discurso, a expressão metafórica “oxigenar” remete à própria
mudança nas organizações e nas relações de trabalho, simboliza a troca de ar, a
absorção de oxigênio (representado no discurso pela personagem do “jovem”) e
expiração de gás (no subentendido, reporta-se à personagem do trabalhador não
empregável). Quando esse processo de mudança ocorre por meio de contratos
flexíveis (“estágios”), remete-se ao interdiscurso da flexibilização e, muitas
vezes, da própria precarização do trabalho.
Nesses discursos, observou-se a interface entre o processo de
reestruturação do trabalho, as exigências em termos de qualificação e
empregabilidade e o papel do sujeito trabalhador nesse contexto (sindicato).
Com essa interface, permitiu-se a análise das mudanças na configuração do
emprego em paralelo ao discurso da empregabilidade. A qualificação,
escolaridade e especialização são elementos centrais como forma de manutenção
do emprego. No entanto, percebeu-se que o conceito de empregabilidade é mais
amplo, incluindo a experiência, a indicação e a capacidade de atualizar-se,
antecipando as necessidades do mercado de trabalho. No contexto dessas
mudanças, emerge o discurso da precarização das condições de trabalho e do
182
papel do sindicato no âmbito do trabalho industrial, sinalizando uma postura de
manutenção do emprego e da empregabilidade.
6.3 A ausência do emprego
As práticas discursivas, pelas quais se observam os discursos da
mudança, encaminham para o discurso da “flexível” ligação entre sujeito e
organização, nesse contexto e das novas condições de empregabilidade.
Conseqüentemente, nessa reflexão, avança-se para o discurso do desemprego ou
do aumento do desemprego, expressando-se, principalmente, nos discursos que
se referem às conseqüências dessa condição para o sujeito desempregado(a):
(40)Quando você perde um emprego, te tiram o chão
. A sensação é
que você morreu
. Porque ele fica com uma espada apontada pra cabeça
dele (...) se ele não tiver MBA
ele não vai ser feliz. E como ele vai fazer
MBA? Olha, o primeiro dia depois do desemprego é pior do que a
morte, é pior do que a morte”.
Percebeu-se que o discurso da condição de desempregado(a) está no
campo do discurso da empregabilidade, pois, para que o sujeito, por meio de um
discurso estabelecido, possa recolocar-se no mercado de trabalho é preciso que
atenda às necessidades exigidas, simbolizada no trecho 40 pela imagem da
espada apontada pra cabeça”. Essa imagem também pode simbolizar a
cobrança familiar e social, ou de si próprio. Por exemplo, quando se articula
MBA” com o sentimento de felicidade (“feliz”) evidenciou-se a
institucionalização do discurso da empregabilidade para uma profissão/emprego
como forma legítima de inclusão social. No entanto, o questionamento dessa
possibilidade, diante da realidade pessoal e da sociedade brasileira: “como
remete à situação inicial de exclusão, de instabilidade. A metáfora “tirar o
183
chão”, representando a instabilidade e, a inserção do tema da morte “você
morreu”, representando a não-existência, reforçam essa idéia.
(41) “O cara
vai entrar num buraco negro, um túnel bem fundo e não
vai ter mais volta”.
(42)Tem pessoas
que não conseguem, aí começa a ir pro lado errado.
Como diz o ditado a situação é que faz o ladrão
(...)”.
A personagem “o cara” simboliza a pessoa desempregada. Nas práticas
discursivas essa é, na maioria das vezes, uma personagem não inclusa
socialmente, uma situação indefinida discursivamente. Portanto, as metáforas
buraco negro” etúnel bem fundo” substituem a indefinição ou a exclusão do
sujeito não-empregado que se encontra em um movimento cíclico, descendente,
cada vez menos empregável. Com essa situação, avança-se para o discurso das
conseqüências do não-emprego ou da não-possibilidade de se tornar empregável.
No trecho 42 utiliza-se da personagem desempregado(a) (“pessoas”) e
articula-se com a expressão metafórica “lado errado”. Nesse caso, “lado
equipara-se com o quadro de duas situações distintas, uma delas é classificada
discursivamente e socialmente como “certa”, subentendendo-se que seria a
condição de empregado(a). A outra situação, ou o outro lado “o errado”, é a
situação na qual se encontra o sujeito não empregado, podendo, muitas vezes,
encaminhar para a criminalidade, conforme se pressupõe pela ironia: “a situação
faz o ladrão”. Sendo assim, o discurso do não-emprego, mesmo que não
configure a falta de dinheiro diretamente, é perpassado pelo discurso da não-
inclusão e da marginalidade.
(43) “(...) a gente, graças a Deus
, nós somos assim pessoas evangélicas
então a gente conscientiza muito das coisas assim. A gente pode ter os
problemas
, mas a gente está sempre colocando Deus em primeiro lugar,
pra resolver nossos problemas”
.
184
(44) “(...) porque quando você está com a mente desocupada você não
tem o que fazer então você começa a pensar coisas bobas
assim”.
Dois temas importantes que se destacam em alguns fragmentos
discursivos são o da morte (40) e o da religiosidade (43). Esse último se
contrapõe ao tema dos fragmentos 40, 41 e 42 que apontam a perda do “chão” e
o “desvio” para outro lado. Nas práticas discursivas, o tema da morte é
comumente utilizado remetendo a uma situação de exclusão, de não-
pertencimento ao corpo social. No interdiscurso recorre-se também ao espiritual
como forma de superação dessa situação (subentendendo-se como condição de
desempregado(a)). Observou-se, por exemplo, a articulação de personagens, na
esfera religiosa, como “Deus” e “Nossa Senhora”. Esse discurso contrapõe o
discurso da empregabilidade, da busca pelas condições de inserir-se em um
emprego, do auto-gerenciamento, visto que, por meio dele, transfere-se para
outras instâncias a responsabilidade pela conquista do emprego ou, justifica-se a
condição de desempregado(a).
A ligação entre as expressões “mente desocupada” e “coisas bobas” no
trecho 46, remete, em um primeiro momento, à noção específica da
temporalidade para o sujeito sem emprego. Para ele, geralmente, o tempo não é
o mesmo, institucionalizado em uma sociedade capitalista, mas, é um tempo,
liberto e aprisionado simultaneamente. O tempo liberto é o tempo livre que o
desempregado possui, no entanto, é desse tempo que dispõe para construir sua
empregabilidade e conquistar o emprego, portanto, também está aprisionado. As
coisas bobas” fazem parte do tempo liberto. No interdiscurso, pode-se
introduzir os temas dos problemas de saúde, da criminalidade, entre outros
(fragmentos 41 e 42).
O discurso dos problemas físico-mentais relacionados à condição de não
empregado(a), geralmente, apresentam-se como elementos intradiscursivos a
baixa-estima”, o “medo” e “a depressão”: (45) “ (...) você anda o dia
185
inteirinho pra procurar emprego e volta cabisbaixo, você volta desanimado, é
complicado pra gente”. Nas práticas discursivas é presente o discurso de que o
desempregado ocupa seu tempo liberto para afirmar sua condição como
contrária à figura do vagabundo, a expressão “anda o dia inteirinho” composta
de uma ação e de uma marca subjetiva que reforça essa ação, auxilia na
compreensão da temporalidade em uma situação de desemprego.
(46) “(...) quando eu acordo eu penso: eu quero trabalhar. Quando eu
vou dormir eu quero trabalhar. Igual esses dias mesmo atrás eu estava
quase entrando em depressão
de tanto chorar”.
Trata-se de focalizar no movimento e não na estática dessa condição. Ao
encaminhar para essa visão, surge o discurso contrário que introduz a
ineficiência desse movimento. Ou seja, ao fim do ciclo da busca por emprego, ao
fim do “buraco” ou do “túnel” mais incerteza e insegurança (“cabisbaixo” e
depressão”).
(47) “ (...) me sinto humilhado
. Humilhado porque muitas vezes tem pai
de família
aí que está correndo e eles acham que é vagabundo, mas não
é (...)
e chega o ponto dele querer fazer besteira (...) porque ele bate em
uma porta, ele bate em outra e é sempre não, não, não.”
O tema da humilhação está, muitas vezes, relacionado ao discurso da
cobrança. A cobrança remete tanto ao universo social, à imagem que a sociedade
pode estabelecer em torno do desempregado(a): “vagabundo”; quanto à família e
à própria individualidade, como se pode subentender com base no silenciamento
no trecho 47. Quando, após explicitar o discurso da cobrança familiar e social,
observou-se o não dito, e, logo em seguida, a expressão “dele querer fazer
besteira” ressalta-se que o próprio sujeito, ao se deparar com uma situação em
que é cobrado, cobra de si mesmo uma solução. A metáfora bater na porta
articulada com a marca subjetiva “não, não, não” deixa subentendido como a
186
cobrança “espada apontada pra cabeça” e o movimento de busca pelo emprego,
podem provocar uma situação de repetição indesejável que, não por opção, mas,
por falta de alternativas (segundo as práticas discursivas), pode acarretar
problemas de ordem social, como se compreende pelo discurso da criminalidade
(41 e 42).
Além desses problemas, verificou-se a emergência do discurso da perda
de um papel ou da “responsabilidade” ao se perder o emprego (48). Esse papel,
por sua vez, pode se expressar também pela própria condição do sujeito
empregado em uma sociedade capitalista: o consumidor. Ao perder esse papel, o
sujeito se vê à margem desse sistema (49 e 50, principalmente):
(48)Eu morava sozinho
antes, eu tinha emprego e esse emprego me
mantinha, aí eu tinha condições de bancar, de assumir determinadas
(...)
assumir responsabilidades como uma casa. Atualmente eu não
tenho, então retornei à casa dos meus pais”.
Pela análise desse discurso pressupõe-se o exercício da
responsabilidade” possibilitado pela condição de empregado.
Conseqüentemente, a condição de desempregado(a) pode simbolizar o
retrocesso, o retorno, a não-possibilidade de exercício da responsabilidade: “eu
morava sozinho” (situação de empregado) e “retornei à casa dos meus pais
(situação de desempregado(a)). Subentende-se o discurso de um movimento de
reconfiguração na própria estrutura familiar, influenciado pela proliferação do
desemprego ou, pela dificuldade de conquista de um emprego.
Com base nesse processo de reestruturação no núcleo familiar, o
discurso do desemprego é tangenciado pelos discursos do retorno à dependência,
no caso de pessoas solteiras que retornam à casa dos pais ou responsáveis; ou de
pessoas que passam a depender do retorno financeiro de seus cônjuges. Dessa
forma, pressupõe-se que, na condição de desempregado(a), existe o discurso do
trabalho com a necessidade de cumprir com as responsabilidades. Pode-se
187
pressupor que esses compromissos se fazem cumprir por meio do emprego, ou
seja, subentende-se que o emprego faz cumprir o papel, a personagem de:
responsável pela família e pela casa. Com esse discurso, conseqüentemente,
avança-se para o discurso da vergonha e da auto-estima em baixa do sujeito não
empregado.
(49) “(...) um desempregado
, na visão econômica, ele é uma demanda
reprimida (...) ele é um problema social, ele é um problema (...) é
aquela história, ao invés de você dar o peixe
, você tem que dar a vara
pra ele pescar”.
Além das evidências intradiscursivas que explicitam as cobranças
internas, observou-se também a introdução de ummacrodiscurso” nas práticas
discursivas referindo-se ao sujeito desempregado coletivo, como questão social.
Com a mobilização da personagem “o desempregado” (referindo-se ao coletivo)
com as expressões: “econômica”, “demanda reprimida” e “problema social”,
evidenciou-se essa idéia. Geralmente, ao introduzir a visão econômica no
discurso do desemprego ou da condição de desempregado(a) refere-se à
macrovisão dessa condição.
Nesse contexto, o sujeito trabalhador (desempregado(a)) perde sua
individualidade na qualidade de membro de um núcleo social e familiar e passa
a ser compreendido como “questão social”, “problema”. Ao contrapor as
expressões: “dar o peixe” e “dar a vara”, percebeu-se, no interdiscurso, a
necessidade de “resolver esse problema” não com o emprego, propriamente dito
(dar o peixe), mas, com o incentivo para outras formas de trabalho como o
empreendedorismo (dar a vara), por exemplo. Em outro campo, observou-se o
diálogo com a competitividade e globalização, o discurso do consumo inserido
no discurso do capitalismo:
(50) “A pessoa quando está desempregada não consegue comprar
não,
ele não trabalha fichado
então é muito difícil vender né. Os amigos da
188
gente que estão fichados afastam da gente. Até gente famosa quando cai
na cama os colegas se afastam dele, não fica com ele igual eles ficavam
antes”.
As expressões “não consegue comprar” e “os amigos (...) afastam da
gente” são mobilizadas para explicar como funcionam as relações sociais em
uma sociedade capitalista. Subentende-se que o sujeito é valorizado em função
do dinheiro que possui, o qual lhe confere o poder de compra, compreendido no
interdiscurso, como o elemento necessário para o funcionamento do sistema
capitalista. Assim, pressupõe-se que o desempregado(a), que não possui
dinheiro, que não possui poder de compra, também não possui lugar nas relações
sociais capitalistas, é marginalizado.
Na análise das expressões “gente famosa” e “cai na cama” subentende-
se uma comparação com as condições de empregado(a) e desempregado(a),
como condições de inclusão e exclusão, respectivamente. (51) “(...) fui
tratado
como vagabundo
, entendeu? (...) a polícia, numa batida policial, ela coloca
como um suspeito”
.
(52) “(...) quando eu fui lá, eles informaram que tinha sete vagas de
segurança no jornal. Quando foram oito horas da noite nós pegamos o
ônibus pra dormir lá, nós pegamos os primeiros lugares da fila, quando
nós chegamos lá eram três vagas de técnico em segurança, uma
masculina sem experiência e duas com dois anos de experiência. E
masculino!”
Pôde-se também identificar, no discurso da exclusão, a discriminação
por gênero, no que refere ao mercado de trabalho formal. No trecho 52, a
expressão “masculino” encerra o discurso e sintetiza, pressupostamente, a razão
pela não-conquista do emprego. Apesar de aparecerem outros temas como a
experiência (no intradiscurso) e a falta de informação (no interdiscurso), é a
questão do gênero que perpassa o discurso da exclusão e da discriminação.
189
(53) “(...) ah, não pode, tem que ser homem porque homem consegue
carregar mais peso. Eu falei: ah, não vocês estão brincando comigo?”
No trecho 53, explicita-se a figura central do trabalhador industrial como
o trabalhador masculino (remetendo à memória do trabalho no setor industrial):
homem consegue carregar mais peso”. Esse quadro de exclusão é simbolizado
como “brincadeira” no trecho 53. Por meio desse procedimento irônico
percebeu-se o interdiscurso da posição da mulher no mercado de trabalho e no
mercado de trabalho industrial. Trata-se do reconhecimento social da inserção
do feminino no “mundo masculino” (o profissional) em confronto com a
memória da permanência ou da continuidade da “força masculina”,
principalmente no que se refere ao universo de trabalho industrial. Um
fragmento interessante, no qual se obseva um discurso que contrapõe ao da falta
de emprego pela desqualificação, é o seguinte:
(54) “Principalmente pela minha qualificação
eu recorria a empresas
de recolocação, e a pessoa
falava assim: você é muito qualificado pra
voltar a trabalhar”.
O próprio discurso da empregabilidade pode perpassar o discurso da
exclusão, considerando a condição de desempregado(a). No trecho 54 “a
pessoa” pode se referir a duas personagens, o empregador ou um outro sujeito
que faz parte do mundo social do sujeito da pesquisa. Por meio da utilização
dessas personagens articula-se “qualificação” com “muito qualificado” e
voltar”. Essa articulação encaminha para o pressuposto da empregabilidade
como qualificação/escolaridade. Subentende-se, portanto, que quanto maior o
“nível de escolaridade” menor é a empregabilidade do sujeito. Trata-se de uma
reflexão paradoxal. Sendo assim, pode-se compreender de duas formas: o nível
de escolaridade pode ser um fator de exclusão para o sujeito desempregado e, a
empregabilidade não é composta apenas pelo nível de escolaridade.
190
No fragmento 55, aparece outro tema pelo qual se mostra a exclusão,
agora não mais por gênero, mas sim por idade:
(55) “(...) em 90% das empresas hoje o profissional a partir de 40 anos
não serve mais, ele é descartado, ele tem que arrumar uma outra coisa
pra fazer(...)”.
Nas práticas discursivas também é recorrente o discurso da exclusão pela
idade, a linha divisória entre ser empregável ou não, considerando os discursos,
geralmente é a idade de 40 anos, conforme explicitado no intradiscurso “a partir
de 40 anos não serve mais”. A metáfora “descartado” introduz o subentendido
da condição de desempregado(a) como condição de exclusão, inoperabilidade.
Compara-se o trabalhador à própria máquina ou a uma peça de máquina, a qual
ao não ser produtiva é descartada. O silenciamento observado no discurso indica
as novas possibilidades de trabalho para as quais esse “trabalhador descartado
pode se direcionar. No entanto, subentende-se que, mesmo inserido nessas novas
possibilidades, o sentimento de exclusão permanece, visto que a inclusão está
relacionada ao vínculo empregatício.
A compreensão dos discursos que remetem à situação de desemprego ou
de aumento do desemprego e suas conseqüências para o sujeito
desempregado(a), passa pela idéia de inclusão social. Nesses discursos, estão
inclusos como elementos de inclusão, a capacidade de se manter “empregável” e
de manter o seu papel e responsabilidade como um sujeito empregado
[provedor(a), consumidor(a), entre outros]. Pelo fato de não ser possível manter
essas condições, avança-se para os discursos das possíveis conseqüências do
desemprego, como o aumento da criminalidade, intensificado pelo discurso da
não-inclusão e da marginalidade; a introdução do tema da morte e do espiritual,
como forma de superação dessa situação, por um lado, e como explicitação dos
problemas físico-mentais relacionados à condição de não empregado(a). Pode-se
191
compreender o discurso da condição de empregado(a) como uma condição que
remete à inserção e reconhecimento social, por conseguinte, a condição de
desempregado(a) é a condição de declínio e estática nessa condição, no discurso,
nega-se o reconhecimento e o pertencimento ao social, ressaltando-se os temas
da exclusão e da discriminação.
6.4 O trabalho
Quando com o discurso da inclusão, perpassa-se o discurso do
desemprego, percebeu-se a emergência do conceito de trabalho, para além do
emprego, como alternativa ao desemprego.
(56) “Mas é nesse momento que eu acho que toda crise
é motivo de
oportunidade
, emprego está difícil, mas trabalho não”.
As expressões contraditórias “crise” e “oportunidade” simbolizam,
respectivamente, desemprego e trabalho. O desemprego, como a ausência do
vínculo empregatício configura-se como uma oportunidade para a busca de
outras formas de trabalho que não o emprego formal, nos padrões fordistas.
(57) “(...) bom, eu acho que a maioria das pessoas que trabalham por
conta própria
, trabalha pelo lado de ganhar mais. Vamos supor, eu
vendo os meus doces e tiro uma média de 16, 20 reais por dia e você faz
a conta no mês, dá uma quantia boa. Se eu trabalhasse de carteira
assinada em uma padaria, por exemplo, eu ia ganhar R$ 8,50, R$ 9,00
por dia. Mas a gente está vendendo o nosso peixe”
.
O trabalho “por conta própria” em confronto com o trabalho de carteira
assinada remete ao discurso do dinheiro, além da liberdade. A expressão
vendendo o próprio peixe” reforça essa idéia. Vender é negociar, ter a liberdade
192
de negociar diretamente com outro sujeito o próprio serviço ou produto (próprio
peixe). No interdiscurso está o empregado(a) como um sujeito que é explorado
pelo lucro que gera ao sistema capitalista.
Essa imagem, muitas vezes, perpassa o discurso do desemprego
encaminhando para novas possibilidades de trabalho: (58) eu senti mais
liberdade
. Eu tinha mais liberdade devido a poder de ir e vir, eu podia fazer o
trabalho
do meu jeito. Nesse trecho, por exemplo, por meio do discurso das
novas formas de trabalho pressupõe-se a liberdade e a tomada de poder por parte
do trabalhador (liberdade do vínculo empregatício).
(59) “Eu sou um cara que graças a deus eu aprendi a trabalhar
, sou
mecânico
, e não sei ficar parado. Qualquer serviço que vem eu estou
trabalhando, o meu negócio é dinheiro na mão, então graças a deus eu
não sou assim de acomodar
não”.
Pelo ato de trabalhar, mesmo que não configure o emprego de carteira
assinada, avança-se para um discurso de movimento e de (re)inclusão: “não sou
assim de acomodar”. A personagem “mecânico” indica uma ligação com o
social, uma profissão independente do vínculo empregatício. Essa profissão, por
sua vez, pode significar também fonte de renda, “dinheiro”, ou seja, outra forma
de inclusão social, considerando a sociedade capitalista.
Por outro lado, a expressão “dinheiro na mão” introduz o interdiscurso
do trabalho como fonte de renda momentânea, cujo retorno se materializa apenas
pelo dinheiro e pela condição de estar trabalhando. Subentende-se que se trata de
uma visão de inclusão subordinada, pois, em uma sociedade onde o emprego é
central, o vínculo com os direitos trabalhistas, o trabalho seria uma forma de
inclusão que pode prolongar a exclusão desses direitos:
(60) “(...) o autônomo
ele é um empreendedor de certa forma. Ele não
vai estar com acesso às benesses da lei
, mas ele vai estar incluído no
mercado”.
193
A personagem “o autônomo”, no fragmento 62, refere-se, no
interdiscurso, ao trabalhador informal, por conta própria e não ao profissional
autônomo registrado, como um médico, um advogado, entre outros. Trata-se
justamente do trabalhador incluso, mas, subordinado ao não-“acesso às benesses
da lei”. Pressupõe-se que a expressão “lei” represente o próprio Estado ou a rede
de seguros a que um empregado formal tem acesso.
Não se refere, intradiscursivamente às leis de maneira geral. Ressalta-se,
novamente, a figura do “empreendedor”, que aparece nas práticas discursivas de
maneira geral, dialogando com temas como a globalização, a competição e,
quando se refere às novas formas de trabalho, encaminha para o discurso de
tentar superar o problema do desemprego” com o incentivo para uma visão
empreendedora (abrir a própria empresa ou negócio):
(61) “Pra abrir uma oficina hoje eu teria que fazer um investimento
de
30 mil reais mínimo!”.
No tema do empreendedorismo, por outro lado, aborda-se a não-
possibilidade de o trabalhador desempregado(a) “abrir seu próprio negócio
devido ás condições financeiras. O “investimento” requer o crédito e remete
novamente ao discurso do vínculo ou comprovação de que o sujeito tem como
pagar esse crédito, ou seja, o emprego. Trata-se, portanto, de um discurso que
retorna à centralidade do trabalho, mesmo quando remete às possibilidades de
trabalho por conta própria ou empreendedoras.
(62) “Existe trabalho. Nesse país chamado Brasil
, em Belo Horizonte,
existe trabalho
. E existe a necessidade de trabalhadores, entendeu? De
tra-ba-lha-do-re
s. O que dói muito é que a gente fica presa numa
estrutura de carteira assinada. Eu vou fazer um desafio
com você, nós
duas entramos agora lá no SINE e falamos: olha quem aqui sabe faze
pipoca? Eu, eu, eu. Vamos montar uma cooperativa
de pipoqueiros?
194
Você está me entendendo? Alguma coisa que venha a dar naquelas
pessoas um sentimento de utilidade
. Quantos mecânicos maravilhosos,
quantos eletricistas fantásticos
. Ah, mais eu quero trabalhar na
CEMIG! Pombas, mas na CEMIG é só concurso.”
Na interligação entre “trabalho”, “tra-ba-lha-do-res”, e “desafio”,
observou-se o discurso da mudança, incluso no discurso do desemprego e das
novas oportunidades de trabalho. A ênfase dada à personagem “trabalhadores”,
separando, no intradiscurso, as sílabas da palavra, é uma tentativa de ressaltar
essa personagem em prol de outra os “empregados”, aqueles que ainda estão
“presos” a um sistema pelo qual se encaminha para a mudança.
Verificou-se a evolução do discurso de “oferta de emprego” para “oferta
de trabalho”. Esse discurso é expresso como disseminado no contexto brasileiro,
expandindo a região em estudo “Brasil”, “Belo Horizonte”. Nesse sentido,
explicita-se a diferenciação de lugar do trabalho e do emprego. O discurso
acerca do trabalho modifica-se de um conceito de atividade para um conceito de
lugar social, que caracteriza o trabalhador e seu lugar, ao invés do emprego e do
empregado, que ilustram um discurso que caracteriza uma condição, embora
ainda de inclusão, de formalidade da inclusão.
Nesse discurso, observou-se a manifestação de diversas alternativas de
trabalho. Verificou-se o discurso do trabalho cooperativo, interligado ao
“sentimento de utilidade”, como outra forma de trabalho sem carteira assinada.
Vale ressaltar uma idéia subentendida de que o trabalho, mesmo desvinculando-
se da carteira assinada e de toda uma rede de segurança, parece restabelecer os
laços de coletividade de uma nova forma. Mesmo em um movimento que
retoma, de certa forma, a individualidade, pois encaminha para formas de
trabalho desvinculadas dos padrões formais que incluem as massas, parece
restabelecer um sentimento coletivo de utilidade. Trata-se de um discurso que
195
faz com que se repensem as formas de construção de laços sociais e de
reconhecimento social como sujeito trabalhador.
Por meio dessas análises, foram identificados os repertórios discursivos,
como “caminhos” percorridos pelos sujeitos ao produzirem sentidos acerca do
fenômeno desemprego.
196
7. REPERTÓRIOS DISCURSIVOS E A PRODUÇÃO DE SENTIDOS
SOBRE O DESEMPREGO INDUSTRIAL NA RMBH-MG
Neste capítulo, aprofundou-se na discussão do contexto (trajetórias) e em
sua interface com a memória (condições sócio-históricas). Por meio da análise
das práticas discursivas, os repertórios discursivos foram identificados e
classificados. Além dos repertórios, também pôde-se visualizar as formações
que compunham os discursos. Ou seja, pôde-se visualizar as regularidades e
rupturas nas práticas discursivas, os momentos de “fazer sentido” sobre o
desemprego ao produzir discursos, por exemplo, acerca de exclusão, trabalho,
emprego e mudanças.
Para tanto, considerou-se o conjunto dos enunciados como sócio-
historicamente circunscritos em uma temporalidade que, direta ou indiretamente,
delimita o que pode ser dito. Na seção 7.1 mapearam-se os repertórios
discursivos; nas seções 7.2 e 7.3, os repertórios foram discutidos em paralelo às
condições de produção. Na seção 7.4, discutiu-se o processo de produção de
sentidos acerca do desemprego industrial e a centralidade das condições de
produção para esse estudo.
7.1 Mapeamento dos repertórios discursivos
Nesta seção, apresentou-se a construção dos repertórios considerando
suas formações discursivas. Por meio da análise das práticas discursivas foram
observadas várias formações, ou seja, várias construções que remetem às
regularidades, aos temas mais recorrentes que aparecem como constituintes do
discurso acerca do desemprego industrial na RMBH. Esse processo está
ilustrado no quadro 3:
197
Quadro 3 - Mapeamento dos repertórios discursivos
Nº Formações Regularidades
Rupturas:
Repertórios
01 Garantia/direitos
02 Papel social
03 Reconhecimento social
04 Elo com a organização
Vínculo empregatício
05 O trabalho na indústria
06 Empregado(a) industrial
Emprego industrial
(1)
Condição de
Empregado(a)
07 Mudança abrupta
08 Competitividade
09 Precarização
10 Dualismo de modelos
Reestruturação
industrial
11 Manutenção da empregabilidade
12 Conceito de empregabilidade
Empregabilidade no
setor
13 Individualização e fragmentação
14 Indefinição da ação sindical
Movimento sindical
(2)
Mudanças nas
configurações do
emprego no setor
industrial
15 Temporalidade e funcionalidade
16 Ausência de um papel social
Ausência do vínculo
17 Discriminação
18 Marginalidade e Exclusão
19 Não pertencimento social
20 Problema social
Sujeito não-empregado
(3)
Condição de
Não-empregado(a)
21 Liberdade e poder
22 O sujeito trabalhador
Trabalho
23 Formas de inclusão social Oportunidades
(4) Condição de
Trabalhador(a)
Fonte: elaborado com base na análise das práticas discursivas
Consideraram-se as formações que apareceram no conjunto dos
discursos analisados e não aquelas que apareceram apenas em discursos
isolados. A análise dessas formações é apresentada no capítulo 6, por meio da
apresentação de alguns trechos dos discursos, considerados ilustrativos para a
discussão. Portanto, as formações e repertórios discutidos neste capítulo podem
ser exemplificados ao longo dos 64 trechos discursivos apresentados.
De acordo com os pressupostos da pesquisa, primeiro, identificaram-se e
nomearam-se as formações discursivas de maneira geral; posteriormente, essas
198
formações foram agrupadas em níveis mais amplos de formações, de acordo
com suas similaridades, esses grupos de formações também foram nomeados;
finalmente, estabeleceram-se os momentos de concorrência (rupturas) entre os
grupos mais amplos de formações. Esses momentos, por sua vez, denominam os
repertórios discursivos, por meio dos quais pôde-se verificar os “caminhos
percorridos” pelos sujeitos ao construírem o discurso sobre o desemprego.
Após o mapeamento dos repertórios discursivos, pôde-se visualizar o
processo de produção de sentidos por meio da associação das formações com os
repertórios. Considerando que os repertórios discursivos representam momentos
de rupturas nas práticas discursivas, estes, são ilustrados separadamente nas
figuras 05, 06, 07 e 08.
Por meio dessa ilustração observam-se as formações que compõem os
quatro repertórios identificados no decorrer da análise das práticas discursivas.
Dessa forma, a construção do discurso do desemprego industrial na RMBH
envolve um percurso que evolui da seguinte forma: a) condição de
empregado(a); b) mudanças nas configurações do emprego no setor industrial; c)
condição de desempregado(a); e, d) condição de trabalhador(a).
Percebeu-se que existe sempre a presença de regularidades e
continuidades em cada conjunto de formações. Essas regularidades estão de
acordo com as condições de produção. Por outro lado, ao analisar o conjunto de
repertórios, identificam-se as rupturas: emprego versus mudanças versus não-
emprego versus trabalho. Essas rupturas, além de estarem de acordo com as
condições de produção, permitem a visualização da temporalidade (tempos
curto, vivido e longo) e, de como o discurso do desemprego “faz sentido”,
considerando as condições de produção.
199
7.2 O repertório discursivo da condição de empregado(a) e das mudanças
nas configurações do emprego
O repertório discursivo da condição de empregado(a) é composto
pelo conjunto de formações que remetem ao emprego formal. Ou seja, o início
da construção do discurso sobre o desemprego envolve o emprego, propriamente
dito. É preciso explicitar quais são as características do emprego e da condição
de estar empregado(a) para que se compreenda a sua negativa. Verificou-se,
principalmente, a presença de 2 grupos de formações: o vínculo empregatício e o
emprego no setor industrial.
Na figura 5, estão expostos, em negrito, os conjuntos de formações,
apresentados e discutidos nesta seção. As formações constituem as regularidades
presentes nos discursos dos sujeitos acerca do fenômeno desemprego industrial.
Dessa forma, o repertório discursivo (texto em retângulo) é o “caminho”,
percorrido discursivamente, quando se observa a concorrência entre o conjunto
de formações. Esse “caminho” está indicado por setas, as quais expressam os
relacionamentos, as conexões e as rupturas (setas pontilhadas) no processo de
produção de sentidos. Finalmente, os retângulos sombreados referem-se aos
“sentidos últimos”, os sentidos ultimamente manifestos nas práticas discursivas.
Geralmente, após a manifestação desses sentidos, os sujeitos ou encerravam seu
discurso, ou faziam uma longa pausa e redirecionavam o assunto (rupturas).
Vale ressaltar que o “sentido último” não se expressou textualmente,
estando subentendido, dessa forma, pôde ser mais bem compreendido à medida
que as formações foram identificadas e organizadas. Trata-se de uma
representação gráfica do processo de produção de sentidos acerca do
desemprego. Dessa forma, pode-se afirmar que, por meio dessa visualização,
verificam-se alguns conceitos, os quais podem representar uma possibilidade de
200
pesquisar o desemprego, considerando os recortes desta pesquisa: o setor
industrial, o contexto histórico e cultural e as próprias trajetórias dos sujeitos.
Na figura 5, explicita-se o repertório discursivo da condição de
empregado(a). Esse repertório pode ser visualizado com base nas formações
“reconhecimento social”, “vínculo empregatício” e “direitos garantidos” e nas
respectivas conexões entre os sentidos produzidos por essas formações.
O discurso do vínculo empregatício está de acordo com a memória do
contrato rígido de trabalho e, conseqüentemente, com a noção de garantias e
relativa estabilidade.
Figura 05 - Árvore de associação de idéias no repertório da condição de
empregado(a).
Fonte: elaborado com base na pesquisa
Reconhecimento
social
Emprego
industrial
Vínculo
empregatício
Membro
organizacional
Temporalidade e
funcionalidade
Cumprimento
de um papel
social
Manutenção da
empregabilidade
Direitos
garantidos
Condição de empregado(a)
Provedor
família
Comprovante de
experiência
consumido
r
Riscos e
dificulda
de de
entrada
Inclusão pelo
salário e
serviços
O trabalho
industrial
empregado(a)
industrial
Elo com
organização
Exclusão pela
condição de
classe
201
Essa memória, conforme Castel (1998), é construída pelo percurso
traçado acerca da noção de trabalho, evoluindo da condição de trabalho regulado
e forçado, proletário, operário, até chegar à configuração do emprego, quando se
observa uma relação social e jurídica entre trabalhador e empresa. Com base
nessa configuração do trabalho (como emprego), Enriquez (1999) ressalta que
todos os aspectos da sociedade passam a se concentrar nessa relação, o que
reforça a memória que perpassa os discursos nesse repertório. Esse discurso é
também explicitado pela situação específica do setor industrial e das
características de um empregado(a) nesse setor, considerando o contexto da
RMBH e as trajetórias apresentadas no capítulo 5.
O vínculo empregatício, muitas vezes, é materializado pela figura da
carteira assinada. Dessa forma, o discurso pôde ser compreendido pela idéia de
garantia de direitos, mesmo na instabilidade, pois, não aparece como noção de
vínculo de estabilidade, mas, de uma garantia que se estende para além do
emprego.
Trata-se de um discurso recorrente, principalmente, nas práticas
discursivas dos sujeitos desempregados e à procura do primeiro emprego, os
quais, ao se encontrarem em condição de não-emprego, valorizam o conceito do
vínculo. Sublinha-se que a maioria dos sujeitos entrevistados desempregados
passaram por experiências de demissão em seu último emprego industrial. Sendo
assim, emerge o discurso de que com o vínculo empregatício, em caso de
demissão, por exemplo, possibilita-se a conquista de um novo trabalho e a
sobrevivência na condição de desempregado(a).
Além disso, os discursos construídos por trabalhadores desempregados
que tiveram experiências industriais em outras regiões e, por sujeitos que
procuram o primeiro emprego centralizam a possibilidade de conquista e
manutenção de vínculo empregatício, especificamente no setor industrial de
Belo Horizonte e região metropolitana, manifestando uma ligação com a idéia de
202
“cidade industrial”. Essa visão é paralela aos discursos construídos no contexto
da instituição FIEMG (capítulo 5, seção 5.2, tópico 5.2.1). A visão de cidade
industrial pode ser compreendida no quadro do desenvolvimento desse setor.
Portanto, a construção discursiva acerca do vínculo empregatício que tem como
memória a visão da RMBH como “região industrial” e oportunidade, também
apresenta a busca por esse vínculo como a inserção em um setor voltado para o
desenvolvimento. No entanto, observam-se dois caminhos percorridos no
discurso que interligam o desenvolvimento ao vínculo empregatício.
Por um lado, existe o percurso do setor industrial, desenvolvimento e
tendência à diminuição ou reestruturação na configuração do vínculo
empregatício. Por outro, existe o percurso do setor industrial, desenvolvimento e
possibilidade de ampliação do emprego (vínculo empregatício). Por exemplo,
nos discursos construídos pelos sujeitos que tiveram experiências industriais na
RMBH, incluindo membros da FIEMG, explicita-se a necessidade de garantia
do “vínculo” justamente pela visão de um movimento de reestruturação na
região.
O conceito de vínculo também está relacionado à possibilidade de
cumprimento de um papel social, que pode envolver o papel do provedor(a) da
família, do consumidor, do membro organizacional, entre outros (capítulo 6,
seção 6.3). Esses papéis, por sua vez, veiculam o pertencimento a um núcleo
social, legitimado pelo vínculo empregatício ou “carteira assinada”. Nesse
sentido, nega-se, no contexto e no recorte temporal do estudo, a desconstrução
do emprego como uma forma central de inclusão social, conforme os
argumentos de Meda (1996) e Offe (1989).
Um dos papéis possibilitados pelo vínculo é o de membro
organizacional, por meio do qual se estabelece um elo entre empregado(a) e
organização, configurando uma noção de inclusão, temporalidade e
funcionalidade. O próprio conceito de emprego, segundo Gautié (1998), implica
203
uma relação de subordinação entre um indivíduo e uma entidade coletiva, que
seria a empresa. Esse elo, além de possibilitar uma sensação de inclusão (quando
se está empregado) e, conseqüentemente, de exercício do papel de membro
organizacional, também pode funcionar como um mecanismo de mediação de
conflitos (Pagés et al., 1987).
Essa característica aparece subentendida nas práticas discursivas dos
sujeitos, principalmente com relação aos sujeitos com mais idade e menor
qualificação. Trata-se de um tipo de vínculo psicológico, ligado a uma noção de
proteção. Pode-se incluir, nessa reflexão, a memória do empregado brasileiro
como possuidor de uma liberdade jurídica (contrato de emprego) paralela a uma
relação de subordinação herdeira de relações sociais baseadas em características
paternalistas e patrimonialistas (Negro & Gomes, 2006).
No que refere à centralidade do vínculo empregatício, especificamente
no setor industrial, deve-se considerar a idéia de emprego industrial e
empregado(a) industrial que perpassa, por exemplo, o discurso do pertencimento
social e do cumprimento dos papéis, principalmente de membro organizacional.
A idéia do emprego industrial e do empregado(a) industrial é construída por
meio de discursos paradoxais como: a segurança e o risco; o trabalho pesado e
os melhores salários (capítulo 6, seção 6.1).
Outro conceito que aparece é o de empregado(a) industrial como
condição de inclusão/exclusão. Esse conceito correspondo à memória da
constituição do emprego e do empregado industrial na região de Belo Horizonte.
A construção de uma “classe operária” nessa região conviveu com o conflito
entre tradicional e moderno, ressaltando a simultaneidade entre objetivos de
construção de uma cidade administrativa (voltada para a articulação de poderes
políticos); e, para objetivos de modernização por meio do desenvolvimento
industrial. Nesse quadro, o operariado encontra um espaço pouco favorável para
sua instalação.
204
Dessa forma, observou-se, por um lado, a necessidade de manutenção
dessa classe para o desenvolvimento industrial. Por outro, a necessidade de
“separação” desses trabalhadores do corpo social da cidade de Belo Horizonte,
culminando com um processo de periferização (separação da indústria da
cidade).
Essa imagem do emprego e do empregado(a) no setor industrial veicula
o discurso do vínculo empregatício na medida em que existe a necessidade da
inclusão e do reconhecimento. Por outro lado, a imagem do trabalho “pesado” e
do maior risco atravessam o discurso da necessidade de manutenção do vínculo
como uma forma de reconhecimento perante essas características. Para os
representantes do sindicato, por exemplo, o vínculo de emprego mantém uma
ligação forte com a manutenção da identidade do trabalhador industrial por meio
da manutenção de seus direitos. Nos discursos desses sujeitos, percebeu-se a
interface com o discurso da exploração, do coletivo e da manutenção de uma
identidade de classe.
Vale ressaltar que esse é um discurso que mantém ligação com a
memória do movimento sindical, principalmente com os ideais do primeiro e do
segundo período do movimento sindical na região em estudo, de 1930 até 1980,
quando a conquista de direitos para os trabalhadores e as lutas por esses direitos
eram o foco das ações. Na região metropolitana de Belo Horizonte, é central a
instalação da montadora FIAT como marco divisor para a ação sindical, devido
ao aumento da concentração de trabalhadores.
Nesse quadro de luta por direitos, reforça-se a importância do vínculo de
emprego, pois, sem esse vínculo, os direitos dos trabalhadores não podem ser
garantidos. Em contrapartida, observou-se o interdiscurso do vínculo entre
trabalhador e organização como um fator inibidor de “lutas”, devido à
manutenção de relações paternalistas ao longo do estabelecimento do setor
industrial em Belo Horizonte. Trata-se do assistencialismo pelo corporativismo,
205
como o financiamento de moradias para trabalhadores, reforçando o elo
subjetivo entre o sujeito e a organização. Com base nesse repertório, observou-
se a emergência do discurso da reestruturação produtiva que redireciona o
percurso da condição de empregado(a) no setor industrial para o conceito das
mudanças nesse setor.
O repertório discursivo das mudanças nas configurações do
emprego industrial se constitui dos discursos do processo de reestruturação
produtiva, da empregabilidade no setor industrial e do papel do movimento
sindical nesse contexto. Essas são as formações discursivas no repertório das
mudanças que ligam o repertório da condição de empregado(a) ao repertório da
condição de não-empregado(a), quando se produzem sentidos sobre o
desemprego.
Na figura 6, explicita-se o repertório discursivo das mudanças nas
configurações do emprego:
Figura 6 - Árvore de associação de idéias no repertório das mudanças nas
configurações do emprego.
Fonte: elaborado com base na pesquisa
Reestruturação
industrial
Papel do
movimento
sindical
empregabilidade
Precarização
nas relações de
trabalho
Profissionalização/
individualização
Tecnologias
avançadas
qualificação
Mudanças nas configurações do emprego
desenvolvimento
ada
p
ta
ç
ão
Conquista
de direitos
Confusão de
papéis
Indicação
fragmentação
competitividade
Assisten
cialismo
206
Esse repertório pode ser visualizado com base nas formações
“reestruturação industrial”, “empregabilidade” e “papel do movimento sindical”
e nas respectivas conexões entre os sentidos produzidos por meio dessas
formações. No discurso da reestruturação produtiva, estão presentes os conceitos
de evolução tecnológica, competitividade e globalização. Com base nesses
conceitos, pôde-se identificar algumas formações discursivas permeadas por
regras e “ideologias” diversas.
Na construção discursiva dos membros da FIEMG, por exemplo, nesses
conceitos, observou-se um compromisso com uma nova estrutura industrial,
mais atualizada e lucrativa, a qual, por sua vez, pode gerar um maior
desenvolvimento econômico e, conseqüentemente, mais oportunidades de
trabalho. Nesse contexto, a empregabilidade e, principalmente, a qualificação,
são conceitos centrais que fazem parte do discurso da mudança (capítulo 6,
seção 6.2)
Outro elemento central é a questão da competitividade do setor
industrial, um discurso que legitima o processo de reestruturação nesse setor na
medida em que, por meio desse processo, o setor estaria ampliando suas
possibilidades de atuação em diversos mercados. Como contexto para esse
discurso, aparece o discurso da globalização.
Na construção dos representantes do sindicato, o discurso remete à
memória mais recente desse movimento, ligada à precarização do trabalho,
quando o foco da ação sindical recai sobre as condições de trabalho, saúde dos
trabalhadores e desemprego proveniente, segundo esses discursos, de um
processo de reestruturação na produção. Sendo assim, questiona-se a
centralidade das exigências organizacionais, principalmente no que refere ao
nível de qualificação.
Nos discursos dos sujeitos desempregados e à procura do primeiro
emprego, o diálogo com os conceitos emergentes se deu por meio das figuras
207
desse processo, como a “máquina” e a imagem de um grande número de
trabalhadores sendo demitidos simultaneamente (a demissão em massa). Nesse
caso, ocorre a internalização do discurso de que se deve gerenciar a própria
empregabilidade. O conceito de empregabilidade e da necessidade de mantê-la é
disseminado pelas próprias instituições que fazem a intermediação entre o
trabalhador e o mercado de trabalho. No SINE, os programas voltados para a
qualificação e preparação dos trabalhadores já expõem, para esses sujeitos, o
quadro no qual estão inseridos, considerando as mudanças no mundo do
trabalho. Com base nesse quadro, os sujeitos devem agir para a conquista de um
novo emprego.
Em paralelo, observou-se um discurso que questiona as exigências em
termos de qualificação, principalmente no setor industrial, devido à visão de
permanência de modelos produtivos tradicionais, confrontando com o nível de
qualificação exigido nesse setor. A visualização desse confronto gera um
discurso que, ora remete à necessidade de aumento do nível de qualificação
pelas exigências do setor; ora, remete ao questionamento da necessidade dessas
exigências devido à manutenção de sistemas de produção tradicionais. Como
discutido por Enriquez (1999): as estruturas atuais pregam objetivos
inconciliáveis.
Essa visão tem o aporte do processo de instalação da fábrica da FIAT na
RMBH, com algumas técnicas consideradas fordistas (como o sistema linha de
montagem) em um período que, no plano mundial, já se observa o processo de
reestruturação. Essa análise corrobora com as reflexões de Fleury & Fleury
(1997) e Negro & Gomes (2006). Sendo assim, pode-se perceber uma evolução
em sistemas de gestão da força de trabalho convivendo com uma permanência
nos sistemas de produção.
Por outro lado, quando as indústrias iniciam a introdução de novas
tecnologias, estas, são avançadas e exigem maior qualificação dos trabalhadores.
208
Nesse contexto, ressalta-se o discurso de um processo de mudança não
evolutivo, ou seja, o processo de reestruturação industrial instaurou-se mediante
adoção de tecnologias avançadas, com exigência de mão-de-obra mais
qualificada (mesmo convivendo com sistemas tradicionais) o que remete a uma
necessidade de rápida adaptação dos sujeitos ao mercado de trabalho industrial
conforme discutido por kowarick (1985).
O processo de reestruturação produtiva envolve, muitas vezes, a redução
de custos com mão-de-obra, o que encaminha para o discurso da precarização e
vai de encontro à afirmação de Salerno (1993) e Hirata (1993), os quais
sublinham que o processo de reestruturação deve envolver a habilidade de um
sistema produtivo assumir ou transitar entre diversos “estados” sem deterioração
de suas atividades. Ao se considerar a baixa capacidade de “adaptação” da mão-
de-obra às novas técnicas produtivas como um fator importante de
produtividade, então, por meio do discurso da precarização, pode-se dizer que o
processo de flexibilização tende a uma deterioração de desempenho de
trabalhadores. O discurso da precarização pode ser compreendido pelas
reflexões de Faria (2004) e Tumolo (2001), quando advertem a perpetuação da
exploração do trabalho no período da reestruturação produtiva.
O discurso da mudança, além de explicitar-se como um discurso de
precarização, reflete também o cotidiano dos sujeitos, principalmente dos
desempregados e à procura do primeiro emprego. Uma das formações que
emergem nesses discursos está relacionada às transformações nas relações
familiares influenciadas pelas transformações no mundo do trabalho. As
mulheres desempregadas declararam serem as principais mantenedoras da
família. Alguns dos homens desempregados declararam que as esposas estavam
sustentando a família durante o período de desemprego. Essas alterações estão
relacionadas ao movimento de inserção das mulheres no mercado de trabalho
209
formal e, conseqüentemente, à precarização dessa inserção e suas reflexões no
trabalho masculino, refletindo no discurso construído acerca do desemprego.
Nesse quadro, contextualizam-se as necessidades para a conquista e
manutenção do emprego no setor industrial. Trata-se do gerenciamento da
empregabilidade que, segundo a análise das práticas discursivas, depende da
própria construção do conceito de empregabilidade para um trabalhador
industrial. Essa construção envolve o discurso da qualificação, da indicação, da
adaptação e da estética complementando o conceito definido por Gazier (1990)
de empregabilidade como capacidade para obter um emprego.
No que refere à adaptação como um elemento de empregabilidade
observou-se a construção da idéia de um trabalhador que se antecipa às
necessidades do mercado e é capaz de realizar várias tarefas. Trata-se de uma
confusão conceitual, conforme já apontado por Lombardi (1997), a qual se
acredita, está relacionada ao contexto e à memória da formação das empresas
nacionais no setor industrial. Essa formação, no contexto da reestruturação
produtiva, envolve um discurso de mudanças (a polivalência) convivendo,
muitas vezes, com técnicas de multitarefa.
Dessa forma, o discurso da empregabilidade focaliza tanto em conceitos
que sinalizam para uma nova configuração do trabalho e das relações
(profissionalização, individualização, etc.), quanto na noção de coletivo,
tradicional (indicação e multitarefa), explicitando o dualismo presente no
conceito de empregabilidade, especificamente no contexto deste estudo. Essa
reflexão pode ser observada pela síntese dos estudos de Sargentini (2001) e Sorj
(2000). No estudo de Sargentini (2001), evidenciou-se a necessidade de que o
trabalhador, na atualidade, invista em sua empregabilidade para garantir o direito
de ainda poder vender a força de trabalho. Por outro lado, Sorj (2000) ressalta a
centralidade das estratégias sociais, como a indicação, como um fator de
empregabilidade.
210
Diante desses discursos, percebe-se que a manutenção do emprego e das
condições de emprego, no contexto da reestruturação produtiva, está mais ligada
à empregabilidade do que às reivindicações ou movimentos sociais. Por isso,
verificou-se a introdução do papel do sindicato no repertório das mudanças
(capítulo 6, seção 6.2). Esse percurso é composto pelo discurso da
individualização do sujeito trabalhador (desconstrução da classe) e pela
conseqüente fragmentação do movimento sindical. Revela-se a desconstrução de
uma noção de trabalhador industrial como categoria com forte representação
social para a figura do trabalhador voltado para a manutenção de sua
empregabilidade.
Com isso, a visualização do movimento sindical passa por um período de
incerteza quanto à sua própria identidade, quanto ao papel que deve representar:
de conquista ou manutenção dos direitos dos trabalhadores industriais. Nesse
quadro, observou-se a possibilidade de reconfiguração nesse movimento,
passando de um papel de conquista para um papel de manutenção de direitos.
Considera-se que essa manifestação discursiva remete à memória do
movimento sindical brasileiro, conforme apontado por Leite (1997) e Salerno
(1993), como um movimento que tende a uma capacidade propositiva diante das
crises relacionadas ao trabalho. O repertório das mudanças nas configurações do
emprego é marcado por um movimento que vai da necessidade de
competitividade para a precarização nas relações de trabalho. Nesse movimento,
insere-se o discurso do não-emprego nas práticas discursivas.
7.3 Os repertórios da condição de não-empregado(a) e da condição de
trabalhador(a)
O repertório da condição de não-empregado(a) veicula, além da
ausência do vínculo empregatício, as conseqüências dessa ausência,
considerando o contexto do estudo e o período de mudanças nas relações de
211
trabalho. A ausência do vínculo empregatício remete a uma condição de
incerteza e indefinição. Na figura 7, explicita-se o repertório discursivo da
condição de não-empregado(a):
Figura 7 - Árvore de associação de idéias no repertório da condição de não-
empregado(a).
Fonte: elaborado com base na pesquisa
Esse repertório pode ser visualizado com base nas formações “ausência
do vínculo” e “o sujeito não-empregado” e nas respectivas conexões entre os
sentidos produzidos por essas formações. Na construção discursiva dos
representantes do movimento sindical, por exemplo, a generalização da condição
de não-empregado(a) remete à inclusão de um novo sujeito para o qual o
Condição de não-empregado(a)
Perda da
tempora
lidade e
funciona
lidade
O sujeito não-
empregado
Ausência do
vínculo
Perda do elo
com a
organização
depressão
Não-
cumprimento de
um papel social
Dificuldade de Manutenção da
empregabilidade: “não-
empregáveis”
Baixa
estima
Enquanto
não
empregado
Gênero, raça,
idade,
escolaridade
Não -
pertencimento
social
Marginalidade e
exlcusão
discriminação
Enquanto
não
empregável
Não
consumidor
Problema
social
criminalidade
Não cumpre
papel no núcleo
familiar:
homem/mulher
provedores
212
movimento deve direcionar esforços: o desempregado, o que representa uma
reconfiguração no papel do sindicato para com o trabalhador industrial,
reforçando a incerteza e indefinição em seu próprio papel como instituição.
Para os trabalhadores desempregados ou à procura do primeiro emprego,
o discurso não está diretamente relacionado à perda financeira, visto que, pelas
práticas discursivas, o que é garantido pelo vínculo, ultrapassa a questão
financeira. Por isso, em contraste com o discurso do vínculo empregatício
verificou-se a não-possibilidade de cumprimento de um papel social, a ausência
da temporalidade e da funcionalidade, culminando com o discurso da
marginalidade e da exclusão dos não-empregados ou dos “não-empregáveis”.
A não-possibilidade de cumprimento de um papel social é uma formação
presente nos discursos dos sujeitos provedores da família, para os quais o
emprego possibilita o exercício da responsabilidade e da convivência em um
núcleo familiar e social. Quando o provedor é do gênero masculino, o discurso
apresenta ligação com o discurso do papel do “homem” perante sua família,
influenciado pelo interdiscurso de uma sociedade com características
“paternalistas” (Martins, 1994). Já para os sujeitos que estão à procura do
primeiro emprego, o exercício da responsabilidade está intimamente relacionado
ao cumprimento de um papel social. Por meio do “ser responsável” por sua
própria sustentabilidade. Dessa forma, tem-se a liberdade e a conquista do
reconhecimento social.
Quanto à ausência de temporalidade e funcionalidade, esse discurso
refere-se à ausência de um “elo” com a organização, modificando a noção de
tempo-espaço-utilidade para o sujeito não-empregado. Esse sujeito passa a lidar
com uma condição de liberdade e pressão simultaneamente. Liberdade, pois
possui um tempo livre e não possui vínculo formal com uma empresa; prisão,
pois, devido ao sistema no qual está inserido (sociedade capitalista e com baixa
proteção do Estado) e, devido a um desejo de inclusão (Caldas, 2000), ele deve
213
procurar uma maneira de reconquistar esse vínculo. Por isso, corrobora-se com a
reflexão de Caldas (2000), por meio da qual se parte do sentido do próprio
trabalho (como emprego) para o sujeito. Assim, a perda do vínculo pode estar
relacionada à perda da auto-estima e da identificação com um núcleo social,
representando uma condição de inatividade, ilustrada pela metáfora da morte.
A busca por alternativas de inclusão (social ou financeira) fora da esfera
do trabalho, como por exemplo, a questão da criminalidade e materializam o
discurso da condição de não-empregado(a) como um problema social, ou seja,
como uma questão social. Por outro lado, essa questão também remete à falência
do sistema capitalista devido à não-inclusão dos trabalhadores sem emprego no
consumo.
As conseqüências dessa condição para o sujeito não-empregado são
construídas discursivamente em diálogo permanente com a condição de
empregado(a), ou seja, evidenciam-se pelo não-pertencimento social e pelas
conseqüências sociais e individuais desse não-pertencimento, como a auto-
estima em baixa e a depressão. Além disso, também se pode citar a
discriminação do sujeito não empregado, seja pela sua própria condição
(visualizada como inutilidade: a figura do vagabundo); ou, pela discriminação
quanto à sua capacidade de “ser empregável”. Emergem aí os discursos da
“idade empregável”, do “estereótipo empregável” do “gênero empregável” e do
grau de qualificação como elemento central de empregabilidade.
Com isso, pode-se refletir sobre a exclusão não apenas como uma
conseqüência da condição de não-empregado, mas, como uma conseqüência da
condição de empregado (ou não) não-empregável. Ligada à condição
envolvendo a necessidade de legitimar o processo de reestruturação produtiva
não como um processo que encaminha para o desemprego, mas, como um
processo que encaminha para o discurso do trabalho em si, distanciando-se do
emprego, como possibilidade de inclusão.
214
O repertório discursivo da condição de trabalhador(a) é composto
das formações que complementam o processo de produção de sentidos acerca do
desemprego industrial na RMBH. O discurso do desemprego, portanto, culmina
com o discurso das novas possibilidades de trabalho para além do emprego.
Estão presentes nesse repertório as formações discursivas do trabalho e das
oportunidades de inclusão social com base nessa perspectiva. Esse discurso é
central na construção dos membros da FIEMG; é questionado nas construções
dos representantes do sindicato; e, é latente nos discursos dos sujeitos
desempregados e à procura do primeiro emprego. Mas, perpassa as práticas
discursivas de maneira geral.
Na figura 8, explicita-se o repertório discursivo da condição de
trabalhador(a):
Figura 8 - Árvore de associação de idéias no repertório da condição de
trabalhador(a).
Fonte: elaborado com base na pesquisa
Questionamento
do sistema
Liberdade
oportunidades trabalho
O autônomo
O sujeito
trabalhador
Inclusão social
Condição de trabalhador(a)
Resgate da
coletividade
Resgate da
referência
social
Novas formas de
trabalho
associação
O
empreendedor
cooperação
Elo com o
trabalho e com a
carreira
215
Esse repertório pode ser visualizado com base nas formações “trabalho”
e “oportunidades” e nas respectivas conexões entre os sentidos produzidos por
essas formações. No discurso do trabalho, verificou-se a desvinculação com a
noção de garantias e a ligação com um discurso de liberdade e tomada de poder
por parte do sujeito trabalhador.
A liberdade refere-se à ausência de um elo rígido entre sujeito e
organização e às escolhas que o sujeito faz com relação ao seu papel como
trabalhador: autônomo, empreendedor, etc.; aproxima-se do discurso da
exploração e precarização (como sua negativa) pois, o sujeito passa a não ser
visto como subordinado a uma relação que mantém com seu equipamento de
trabalho e com um sistema baseado no trabalho formal como um princípio
organizador das estruturas sociais.
Essa reflexão é paralela às idéias de Meda (1996) e Offe (1989), quanto
à existência de uma sociedade de serviços pós-industrial. No entanto, não se
observou a negação do discurso do trabalho em si como centro da dinâmica do
desenvolvimento social, como afirmam esses autores. Ao contrário, o discurso
do trabalho ainda aparece como um discurso que permanece como natureza de
relacionamento social. Os discursos parecem aproximar-se mais das idéias de
Piore & Sabeel (1984) quanto a uma “segunda divisão industrial”, propiciando a
emergência de novas formas de trabalho e emprego no âmbito do setor
industrial.
No discurso da oportunidade, verificou-se a possibilidade de outras
formas de trabalho, como o trabalho cooperativo, por exemplo, como formas de
inclusão social de sujeitos não-empregados. Observou-se uma idéia que sinaliza
uma reconfiguração nas formas de construção dos laços sociais embora o
emprego ainda mantenha uma centralidade, principalmente no contexto em
estudo, por meio da explicitação da importância do vínculo de emprego.
216
7.4 Os sentidos do desemprego industrial na RMBH e as condições da sua
produção discursiva
O processo de produção de sentidos acerca do desemprego industrial em
Belo Horizonte e região metropolitana pode ser visualizado por meio da
construção discursiva dos sujeitos e envolve diversas formações acerca do
desemprego, lembrando que esse processo é permeado pelas condições de
produção e pela dialogia entre os sujeitos e a compreensão da realidade do
fenômeno em estudo. Os “sentidos últimos”, definidos no decorrer das análises,
culminaram com os elementos: “manutenção da empregabilidade”,
“competitividade”, “precarização nas relações de trabalho”, “problema social”,
“dificuldade de manutenção da empregabilidade: sujeitos não empregáveis”,
“questionamento do sistema” e “inclusão social”. Esses elementos são de
extrema importância para a compreensão do fenômeno do desemprego.
O que esses “sentidos últimos” representam são possíveis elementos
teóricos para o estudo do fenômeno do desemprego, considerando o contexto
em estudo. Além disso, representam os momentos de rupturas nas práticas
discursivas, que indicam o redirecionamento no “caminho” (repertórios
discursivos) ao se produzir um discurso sobre o desemprego.
O elemento: “manutenção da empregabilidade” representa o sentido de
que a condição de estar empregado(a) pode ser compreendida, principalmente,
como uma condição “instável” (apesar do vínculo empregatício) diante das
mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho. Por isso, o discurso
direciona-se para o repertório das mudanças nas configurações do emprego.
Considerando as condições de produção, especificamente o contexto do trabalho
industrial na RMBH, observou-se que esse é um discurso bastante generalizado,
haja vista a presença do sindicato metalúrgico na região, com divulgação dessas
217
mudanças e suas conseqüências para o trabalhador industrial, além do nível de
desenvolvimento do setor industrial na região.
No que tange aos elementos “competitividade” e “precarização nas
relações de trabalho”, os quais compõem o repertório das mudanças nas
configurações do emprego, configuram sentidos relacionados ao processo de
reestruturação produtiva no setor industrial, principalmente. Observou-se que,
em Belo Horizonte e região metropolitana, esses sentidos tomam dimensões
consideráveis, devido ao fato de se tratar de uma “região industrial”, com a
presença do Sindicato, segundo os próprios desempregados.
Por meio desses sentidos, verificou-se a oposição entre os discursos que
tratam do processo de mudança como um processo de desenvolvimento e
geração de novas oportunidades; e, um discurso que focaliza a exploração do
trabalhador industrial e o aumento do desemprego provenientes desse processo
de mudança, culminando com o discurso da precarização. Nesses elementos,
evidenciou-se a interface com o discurso do desemprego na medida em que se
coloca em questão a própria condição de estar desempregado(a) ou de nunca ter
sido empregado(a), no setor industrial, no contexto da reestruturação produtiva.
O “problema social” e a “dificuldade de manutenção da
empregabilidade: sujeitos não empregáveis” são elementos que se reportam à
condição de não-empregado(a) como uma condição generalizada com
implicações para o sujeito e para a sociedade, principalmente no que refere ao
discurso da exclusão e da marginalidade social. Com o discurso da necessidade
de manter a empregabilidade diante das exigências no contexto do setor
industrial, evidenciou-se a questão atual, não apenas como o desemprego em si,
mas, como a condição de ser empregável na sociedade capitalista brasileira. No
que refere à região de Belo Horizonte, a empregabilidade envolve conceitos
diversos como a indicação, a qualificação e a capacidade de adaptação. Esses
elementos devem ser considerados em conjunto ao se estudar o fenômeno do
218
desemprego na região de pesquisa. Esses “sentidos” introduzem um outro
discurso, que remete a uma possibilidade diante da condição de “não-
empregável”, trata-se do trabalho em si, para além do emprego.
Os elementos “questionamento do sistema” e “inclusão social” ilustram
essa reflexão, pois, por meio desses conceitos, reflete-se o sentido de que o
desemprego pode gerar oportunidades alternativas ao “trabalho assalariado
industrial”, como o empreendedorismo e o cooperativismo, por exemplo. No que
se refere à região de Belo Horizonte, pode-se citar a organização de diversas
feiras de artesanato, locais de comercialização de produtos artesanais, de grande
dimensão, alternativos à forma tradicional de emprego, entre alternativas. Dessa
forma, tem-se uma possibilidade para o estudo do fenômeno do desemprego que
remete à descentralização do trabalho assalariado como elemento central de
alternativa de vida ou de relações sociais.
Para tanto, as condições de produção exerceram papel central para a
investigação construcionista. Especificamente com relação ao estudo realizado
na RMBH, pode-se relacionar as premissas construcionistas, considerando o
contexto da sociedade brasileira, às condições de produção referentes ao
contexto específico da pesquisa:
219
Figura 9 - Condições de produção sobre o desemprego industrial em Belo
Horizonte e região metropolitana sob a ótica sócio-construcionista
Fonte: elaborado com base na pesquisa
Ao considerar a dialogia, expressa por meio da linguagem dos sujeitos,
foi possível investigar o processo de produção de sentidos acerca do
desemprego, e identificar a emergência de elementos teóricos e possibilidades de
estudo desse fenômeno.
A abordagem teórico-metodológica, considerando o discurso como uma
prática social, é significativamente importante para a compreensão do fenômeno
do desemprego. Constatou-se que o processo de produção de sentidos não pode
iii)
Na análise observou-se que
o discurso do desemprego é
construído com base na
compreensão dos sujeitos e
dos lugares de onde
produzem os discursos.
iv)
Por isso, o desemprego como
precarização e como oportunidade
são resultados de uma construção
social.
v) Na identificação dos
repertórios discursivos sobre
o desemprego industrial na
RMBH, verificou-se que, por
um lado, a centralidade do
vínculo empregatício, por
outro, a emergência de novas
formas de inclusão. Por meio
desse percurso, pode-se
estabelecer formas de agir
acerca desse fenômeno.
Memória no Brasil:
dualismo. Dualismo na
RMBH: emprego
industrial como condição
de inclusão (salário,
benefícios, relativa
estabilidade) e exclusão
(trajetória do
empregado(a) industrial
na região)
ii) a memória acerca do emprego
industrial está presente nos
discursos acerca do desemprego
(trabalho pesado, de risco). A
compensação vem por meio do
estabelecimento do vínculo
empregatício. Ou seja, o
desemprego ainda é compreendido
como situação de exclusão pela
perda do vínculo, por exemplo.
i)
o emprego industrial é central
no contexto de estudo e é
considerado uma forma de
inclusão social. Porém, é
permeado por uma memória de
exclusão: “inclusão precária”
220
estar desatrelado do elemento “espaço-temporal” desta pesquisa, bem como das
próprias trajetórias dos sujeitos, que produziram discursos, pelos quais permitiu-
se a visualização dos repertórios discursivos sobre o desemprego industrial.
Sendo assim, a compreensão se deu por meio da relação dos sujeitos da pesquisa
com o contexto e com a memória, justificando a adoção da perspectiva
construcionista como uma pesquisa historicamente contextualizada.
221
8. CONHECIMENTO SOBRE O DESEMPREGO COMO UM
PROCESSO SOCIALMENTE CONSTRUÍDO
No estudo sobre o fenômeno do desemprego industrial na região de Belo
Horizonte, a dialogia foi considerada como um elemento central. Nessa
perspectiva, o conhecimento acerca do objeto de estudo, o desemprego, não foi
considerado como inerente aos sujeitos (interior a esses sujeitos), pois, na
análise das práticas discursivas, considerou-se a compreensão acerca do
processo de produção de sentidos e não a interpretação dos discursos dos
sujeitos.
Dessa forma, na seção 8.1, refletiu-se acerca da pesquisa e do
conhecimento sobre o desemprego como o resultado da dialogia entre os sujeitos
e da compreensão desses sujeitos acerca do fenômeno, verificada pela produção
discursiva. Posteriormente, na seção 8.2, explicitou-se como esse processo
mantém interface com a temporalidade e com as condições de produção do
conhecimento, possibilitando a análise construcionista do fenômeno
desemprego.
8.1 Produção de sentidos sobre o desemprego por meio das práticas
discursivas
Para a investigação do processo de produção de sentidos sobre o trabalho
e o desemprego, deve-se partir da desfamiliarização com conceitos e
metodologias já legitimados em estudos sobre esses fenômenos, tais como:
aplicação de estudos acerca do desemprego, comparação entre a “realidade do
desemprego” em determinada região com outros estudos e realidades, outros
estudos, testes de modelos teóricos, entre outros. Ao invés disso, é preciso
222
focalizar, principalmente, na maneira como os sentidos são produzidos para a
construção de discursos acerca do desemprego.
Ao selecionar os sujeitos (produtos e produtores dos discursos) utilizou-
se o critério de relacionamento entre o cotidiano dos sujeitos e o desemprego.
Dessa forma, é possível identificar, por meio dos discursos, a interface da
linguagem com a própria memória do fenômeno em estudo. Vale ressaltar que
essa interface não está diretamente relacionada aos sujeitos empíricos, mas, aos
sujeitos discursivos e às imagens de si que eles próprios constroem nas práticas
discursivas.
Por meio dessas imagens ou personagens, como por exemplo: o sujeito
diante da máquina (processo de reestruturação), o sujeito não empregável, o
sujeito trabalhador, o sujeito empreendedor, o sujeito excluído e marginalizado,
o sujeito explorado, entre outros, pode-se observar o que constitui o discurso do
desemprego por meio da relação (discursiva) na qual o próprio sujeito se
constitui e se reconhece como inserido nessa realidade.
Essas imagens, por sua vez, são perpassadas pelas condições de
produção e pelas trajetórias, por isso, não negam a presença das ideologias nas
práticas discursivas. Além disso, revelam a intersubjetividade como um processo
que envolve posicionamentos e relações de poder (Foucault, 2004). Dessa
forma, a dialogia e a intersubjetividade são elementos centrais para a análise
construcionista do desemprego. Pode-se dizer que a interface entre o discurso
que se explicita acerca do desemprego, somado aos jogos de poder
(concorrências entre discursos e interdiscurso), à trajetória do trabalho/emprego
e às trajetórias específicas do contexto a ser estudado, assim como dos
sujeitos/instituições da pesquisa, influencia nas imagens construídas pelos
sujeitos e, conseqüentemente, nos discursos sobre o desemprego.
Portanto, o estudo remete ao uso que os sujeitos fazem de sua própria
linguagem (pragmática), o qual, por sua vez, também influencia no
223
conhecimento sobre a realidade, por exemplo: o empregado(a) industrial na
RMBH já foi motivo de isolamento e exclusão, a compreensão acerca dessa
condição se modifica na medida em que se introduz o discurso da precarização
do trabalho e, sendo o trabalho industrial um trabalho de inclusão (pelos direitos,
pelo salário, etc), o emprego(a) passa a ser compreendido como condição de
inclusão, conseqüentemente, o desempregado(a) como condição de exclusão e
marginalidade (considerando o repertório das mudanças).
O uso da linguagem, como uma forma de constituição do sujeito e
também de modificação do objeto (por meio do conhecimento acerca do objeto),
reforça a produção discursiva acerca do desemprego como uma forma de ação
sobre esse fenômeno. Quando os discursos explicitam o diálogo com outros
discursos, verificou-se um contínuo na compreensão de como a realidade do
desemprego se insere na sociedade, desde uma realidade que nega uma condição
(a de empregado) até uma realidade na qual é latente uma condição de trabalho
(o trabalhador não empregado). Por meio dessa construção, é possível considerar
novas formas de agir e pensar acerca do desemprego e conduzir “ações”
condizentes com esses discursos.
As condições de produção nas quais os discursos são construídos, como
o contexto que engloba a região em estudo e sua trajetória de inserção no
mercado de trabalho, auxiliam na compreensão das práticas discursivas (por
meio da compreensão dos repertórios). Por um lado, com as práticas, avança-se
para estratégias de ação acerca do fenômeno desemprego no contexto de estudo;
por outro, não deixa de oferecer possibilidades de se “pensar” e estudar esse
fenômeno de forma mais abrangente. Por isso, as práticas discursivas são formas
de saber, não absolutas e retóricas, compostas de regularidades (formações
discursivas) e rupturas (visão dos repertórios discursivos). As regularidades
emergem em conjunto com as condições de produção e com a própria
comunidade em que são produzidas. Ou seja, na medida em que a comunidade e
224
os discursos na comunidade evoluem, as formas de construção dessas formações
também se modificam.
As formações discursivas ilustram o discurso em ação, ou seja, a
linguagem em uso. O fenômeno do desemprego é uma realidade presente em
toda sociedade brasileira, porém, o que compõe essa realidade, o que faz dela
uma construção são as diversas formações identificadas nos discursos. Portanto,
com as formações ou regularidades, indica-se o conteúdo do fenômeno que é
peculiar ao contexto de estudo e às condições de produção.
Sendo assim, deve-se atentar para as regularidades na produção de
discursos acerca do desemprego, visto que é nas regularidades que emergem os
“já ditos”, as regras e, as ideologias, elementos que “limitam” o que pode ou não
ser dito, da maneira como é dito. Trata-se da emergência do objeto do discurso:
o desemprego. Da mesma forma, deve-se atentar para a dispersão de sentidos
sobre o fenômeno em estudo, pois, é justamente essa dispersão que propicia a
visualização dos repertórios, da forma como os discursos são construídos. Essa
dispersão é propiciada pelo posicionamento dos sujeitos nos discursos e deve ser
analisada como um jogo de relações no discurso e não em função de suas
intencionalidades.
A dispersão dos sentidos, que encaminha para os repertórios discursivos,
ilustra um conjunto de formações que, em determinado momento, já não são
suficientes para explicar, legitimar, os discursos. Verificou-se, então, uma
“ruptura” no que se diz e no modo como se diz com relação ao fenômeno
estudado. Por exemplo, o desemprego é compreendido por meio de um discurso
de exclusão, o qual contém formações que permitem sua compreensão; por outro
lado, esse discurso pode encaminhar para outro, como o da oportunidade, novas
formas de trabalho, contendo, igualmente, formações que o justificam. Com base
nessas rupturas traçam-se os caminhos ou os repertórios discursivos do
desemprego que são a visualização da ação da linguagem.
225
O próprio discurso acerca do desemprego, então, permite a emergência
do fenômeno como condição generalizada, de exclusão ou de oportunidade. Essa
reflexão fornece um importante ponto de partida para o estudo do desemprego:
não considerar, por exemplo, estatísticas acerca do fenômeno como elementos
centrais de análise (embora elas sejam importantes como complemento, como
parte das condições de produção, pois, também podem ser compreendidas como
“discursos”) ou como retratos fiéis para a compreensão dessa realidade. Na
medida em que se desfaz o laço entre o discurso como representação de uma
realidade, considera-se o discurso e a realidade como produtos da dialogia e da
intersubjetividade, na compreensão dos sujeitos.
Os sentidos acerca do desemprego são produzidos como o resultado de
uma relação entre os sujeitos e as imagens que eles próprios constroem nos
discursos, envolvendo as ideologias, por meio das quais emergem as
regularidades; e, as condições de produção, incluindo o interdiscurso, por meio
das quais se observa o diálogo com discursos concorrentes e com a memória do
emprego no contexto de estudo.
Por isso, é central o papel das condições de produção que englobam a
memória, pois, essas retornam aos discursos e interagem, se tornam práticas. Ao
considerar as condições e produção como elementos presentes, por meio do
interdiscurso, na construção do desemprego, admite-se que essa realidade não
pode ser explicada por estatísticas, pois, não é independente de sua própria
construção sócio-histórica.
Dessa forma, evidenciou-se a possibilidade de analisar o fenômeno do
desemprego por meio de um processo de produção de sentidos veiculado pela
dialogia e intersubjetividade, mais especificamente, pela análise das práticas
discursivas. Nessa análise, as condições de produção não devem ser
negligenciadas, visto que, fazem parte da própria construção do objeto. A
construção discursiva, portanto, envolve a memória e o contexto, ambos, sob
226
uma perspectiva construcionista, devem ser considerados na temporalidade:
tempos curto, vivido e longo da pesquisa.
8.2 Contribuição da perspectiva sócio-construcionista para o estudo do
desemprego
O processo de produção de sentidos sobre o desemprego viabiliza-se
pela compreensão das práticas discursivas por meio da explicitação e discussão
dos repertórios discursivos. Esses repertórios possibilitam a visualização dos
caminhos percorridos pelos sujeitos ao produzirem discursos acerca do
desemprego. Esse percurso é marcado por momentos de rupturas e
concorrências, os quais expressam como o desemprego é construído em uma
temporalidade. Dessa forma, explicitam-se as dimensões da linguagem, da
pessoa (tempo curto) e da história (tempos vivido e longo) na produção de
sentidos acerca do desemprego. O discurso do desemprego é construído de
acordo com:
9 O tempo longo da pesquisa: a memória e o contexto acerca da
construção dos fenômenos trabalho e emprego na sociedade capitalista,
principalmente na brasileira e, a memória e o contexto que envolvem a trajetória
do contexto de estudo;
9 O tempo vivido da pesquisa: as trajetórias dos sujeitos, inseridas em uma
interface com a memória que aproxima os sujeitos do fenômeno em estudo. Ou
seja, a institucionalização de alguns conceitos, considerando as particularidades
dos grupos de sujeitos; e,
9 O tempo curto da pesquisa: o tempo da dialogia, da linguagem e da
intersubjetividade.
Por meio dos repertórios, pode-se visualizar a relação entre os discursos
e a temporalidade. Além disso, por meio das personagens, dialoga-se com as
227
trajetórias dos sujeitos (o lugar de onde produzem discursos: como
desempregados, como representantes do sindicato, etc.). Os repertórios são
permeados por interdiscursos (tempo longo) que redirecionam os discursos.
O conceito de repertórios discursivos envolve a visualização das rupturas
e da temporalidade nas práticas discursivas. A tendência do discurso à
hegemonia, caracterizando a presença da memória e do contexto é de extrema
importância para a análise dos repertórios, no entanto, acredita-se que não deva
ser o foco da análise. Portanto, propôs-se uma complementação ao conceito de
repertórios interpretativos (Potter & Wetherell, 1987).
Ao invés de se identificarem e analisarem os repertórios como unidades
de construção das práticas discursivas (o que implica a centralidade das
regularidades e da tendência à hegemonia nos discursos), considera-se que essas
unidades não permanecem em um tempo histórico. Na temporalidade, ocorrem
as rupturas, as concorrências entre as formações, por exemplo: do emprego para
a mudança; do não-emprego para o trabalho.
Por isso, o construcionismo apresenta-se como uma possibilidade de
estudo no campo das ciências sociais, especificamente, com relação ao estudo do
trabalho e desemprego. Para tanto, propôs-se a organização das cinco premissas
construcionistas.
A essas premissas, considerando a memória e o contexto acerca do
trabalho e emprego no Brasil contemporâneo, como a convivência entre o
tradicional e o moderno, relacionam-se as condições de produção como segue: i)
o emprego e o desemprego ainda são elementos centrais no cenário brasileiro,
como forma de inclusão/exclusão social e, devem ser considerados como um
produto da dialogia, de um processo de “fazer sentido”; ii) esse processo de
produção de sentidos acerca do desemprego é influenciado pela memória e pelo
contexto de estudo; iii) sendo as práticas discursivas uma forma de ação social,
os sujeitos também influenciam na própria construção do que compõe o
228
“discurso do desemprego”; iv) portanto, a compreensão dos sujeitos da pesquisa
acerca do desemprego influencia na centralidade desse fenômeno como questão
social; e, v) a própria construção discursiva acerca do desemprego impulsiona a
emergência de novas formas de ação em sociedade acerca desse fenômeno.
Portanto, a pesquisa construcionista tem a análise das condições de
produção como central para o estudo dos fenômenos sociais sob essa
abordagem. Na pesquisa acerca do desemprego, sugeriu-se o processo de
desfamiliarização com formas já institucionalizadas de pesquisa, como a análise
econômica do fenômeno. Considerando esse ponto, a produção discursiva,
somada às condições de produção se tornam uma nova possibilidade de
avaliação e produção de conhecimento acerca do desemprego.
A produção de conhecimento não deve ser considerada como um
processo compartilhado de interpretações, por isso, insere-se na crítica ao
representacionismo. Trata-se de uma pesquisa por meio da linguagem,
considerada como veículo de implicações práticas (Wittgenstein, 1995). Sendo
assim, o discurso acerca do desemprego é um resultado dialógico entre
individual e social e não um produto da atividade simbólica dos sujeitos. Tanto
os sujeitos, quanto o fenômeno do desemprego, são resultados de um processo
interativo.
O processo de produção de sentidos acerca do desemprego pode ser
visualizado como um percurso que vai da condição de estar empregado, até às
novas possibilidades de inclusão, como o trabalho empreendedor, cooperativo,
entre outros. Além disso, a identificação dos “sentidos últimos”, como os limites
de rupturas nos momentos dos repertórios, pode auxiliar em estudos sobre o
desemprego e em estratégias de ação acerca desse fenômeno como questão
social. Esses “sentidos últimos” podem ser compreendidos, no campo teórico,
como instituições criadas pela interação entre as práticas sociais e os saberes
advindos dos discursos, historicamente situados. Esses sentidos não são estáveis
229
e modificam-se de acordo com a emergência de novos saberes, por isso, são
resultados de uma prática construcionista e não de uma prática de observação.
No estudo do desemprego como um fenômeno social privilegiou-se o
senso comum como forma legítima de conhecimento: as práticas discursivas dos
sujeitos. Com isso, desfamiliarizou-se com o “discurso da modernidade” e
distancia-se da necessidade de fundamentos teóricos rígidos e “verificáveis”
para o estudo desse fenômeno. O conhecimento sobre o desemprego e, as
implicações desse conhecimento, como as possíveis estratégias de ação social
diante dessa problemática, devem ser considerados, para além dos estudos de
viés econômico ou psicológico. A valorização do senso comum é um fator
importante que enriquece a pesquisa e propicia um “novo olhar” sobre as
implicações teóricas e práticas.
Nesse tipo de pesquisa não se admite uma verdade absoluta. Ao
contrário, trata-se de uma pesquisa não totalitária, na qual não é considerado um
esquema teórico analítico da realidade do desemprego. Por meio da linguagem,
os sentidos acerca do desemprego dependem sempre de outros sentidos
historicamente contextualizados. Dessa forma, ressalta-se a não-linearidade. A
realidade do desemprego existe e não deve ser contestada, no entanto, não é
independente da forma como os sujeitos pensam e agem em função dessa
realidade.
230
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base na problemática acerca da compreensão do fenômeno
desemprego, no contexto brasileiro, por meio da qual se buscou superar as
abordagens macrossocial/econômica e psico-fisiológica, estabeleceu-se a
possibilidade de estudo desse fenômeno, partindo da compreensão dos sujeitos
(desempregados, trabalhadores, entre outros.), considerando suas experiências,
linguagem e a história. Portanto, a tese defendida no escopo deste trabalho
ressalta a necessidade de focalizar o conhecimento acerca do desemprego por
meio de uma relação dialógica entre os sujeitos sociais, considerando o período
de mudanças nas relações de trabalho.
Mais especificamente, propôs-se o estudo do desemprego com base no
estudo do processo de produção de sentidos sobre o fenômeno. Esse processo foi
estudado como resultado de trocas dialógicas (linguagem) entre os sujeitos e a
própria compreensão que tinham acerca do objeto (desemprego). Para
fundamentar essa reflexão, realizou-se uma pesquisa empírica sobre o
desemprego na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
O objetivo central da realização desta pesquisa foi investigar e analisar o
processo de produção de sentidos acerca do fenômeno do desemprego,
especificamente o desemprego industrial, com base nas práticas discursivas de
sujeitos sociais envolvidos com o fenômeno: trabalhadores desempregados e à
procura do primeiro emprego; representantes do Sindicato dos Trabalhadores
nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Belo
Horizonte e Contagem; e, membros da Federação Das Indústrias do Estado de
Minas Gerais (FIEMG). Além disso, a pesquisa serviu como “exemplo” para
fundamentar as discussões e reflexões teóricas propostas.
231
A reflexão sustentou-se pelo pressuposto epistemológico da construção
social do conhecimento, reforçando as críticas ao representacionismo. Optou-se
por construir um aporte teórico-metodológico multidisciplinar, resgatando
conceitos das ciências administrativa, sociologia do trabalho e da psicologia
social. Nesse marco conceitual foram incorporados elementos teóricos do
Construcionismo Social, centralizando a importância das “condições de
produção”, do dialogismo e da história na busca pelo conhecimento, bem como
aqueles produzidos por diversos autores acerca das transformações do mundo do
trabalho. Aportou-se de considerações formuladas nos campos da sociologia do
trabalho e da administração acerca da centralidade do trabalho na sociedade
contemporânea e da inserção e trajetória do sujeito trabalhador.
O pólo metodológico, e não apenas o “método”, fundamentou-se na
perspectiva discursiva, ou seja, na Análise das Práticas Discursivas como
processo de produção de sentidos. Essa postura justificou os passos adotados
para a realização da pesquisa empírica, bem como o desenvolvimento de uma
proposta de análise com base na qual se delineou o caminho metodológico
percorrido. Nesse processo, vale ressaltar a realização de entrevistas não-
estruturadas, a análise documental (histórica) e a definição clara das etapas de
análise dos discursos, o que confere maior rigor à pesquisa construcionista. Na
apresentação da proposta de análise, desenvolveu-se o conceito de repertórios
discursivos, considerando uma complementação do conceito de repertório
interpretativo.
A noção de repertórios discursivos está intimamente relacionada à
temporalidade (tempos curto, vivido e longo) e, conseqüentemente, às condições
de produção do fenômeno em estudo. Dessa forma, com o resgate da trajetória
sócio-histórica do trabalho, com a contextualização temporal e cultural da região
em estudo, bem como com o resgate das trajetórias dos sujeitos, propiciou-se a
232
compreensão do processo de produção de sentidos acerca do desemprego
industrial, por meio, principalmente, da noção de interdiscurso.
Na investigação do processo de produção de sentidos considerou-se a
dialogia e a intersubjetividade como ponto de partida para sua compreensão. A
linguagem dos sujeitos foi considerada como uma forma de manifestação dessa
dialogia, como uma prática discursiva. Nesse sentido, considerou-se a prática
discursiva dos sujeitos como expressão intersubjetiva, construída em interação
com “outras vozes” e integrante do fenômeno em estudo. Os sujeitos da pesquisa
produziram discursos sobre o desemprego, ao mesmo tempo em que seus
discursos foram influenciados pelos “já ditos” sobre o fenômeno (dialogia). Por
isso, pode-se afirmar a compreensão sobre a realidade do desemprego como
socialmente construída.
Os discursos, no entanto, foram perpassados por características
particulares aos sujeitos, não exatamente com relação aos sujeitos empíricos
(características físicas e psicológicas), mas, com relação aos lugares desses
sujeitos (como desempregados, como membros do sindicato e da FIEMG, como
trabalhadores, homens/mulheres chefes de família, entre outros). Dessa forma, a
produção de sentidos sobre o desemprego industrial envolveu a construção das
personagens e o posicionamento dos sujeitos. Diante dessas manifestações, os
discursos puderam ser investigados em diversas dimensões e formações,
englobando um mesmo repertório.
Privilegiou-se a emergência das formações discursivas (regularidades,
regras e ideologias) e dos repertórios discursivos (rupturas e concorrências). Por
exemplo, no discurso das novas formas de trabalho e do empreendedorismo,
existe uma regularidade, uma ideologia que, além de outros elementos,
encaminha para um discurso de individualização e desligamento com os
vínculos do emprego. Nessa análise, não importa “quem” disse e “com qual
finalidade” construiu o discurso. Importa compreender que esse é um discurso
233
que compõe um dos discursos acerca do desemprego. Dessa forma, focalizou-se
na forma como o desemprego foi compreendido e objetivado por meio das
práticas discursivas.
A trajetória do trabalho e do emprego, focalizando o período de
reestruturação produtiva na sociedade ocidental, principalmente no contexto
brasileiro, subsidiou a discussão acerca da construção de “novos olhares” para a
questão do desemprego na contemporaneidade, como por exemplo, a noção de
empregabilidade. Com essa discussão, colaborou-se com a pesquisa empírica
acerca do desemprego industrial na RMBH na medida em que possibilitou a
compreensão de conceitos e temas emergentes das práticas discursivas. Portanto,
vale ressaltar que o ponto de partida foram as construções discursivas dos
sujeitos sobre o desemprego e não um quadro teórico pré-determinado.
O mesmo é válido para a adoção da postura construcionista, cujos
pressupostos baseiam-se na compreensão da realidade como um processo de
construção social, podendo ser investigado pela linguagem cotidiana. Com
relação a esses pressupostos, evidenciou-se a centralidade das condições de
produção para o estudo dos fenômenos sociais, considerando o contexto da
sociedade brasileira. A análise das condições de produção foi propiciada pela
análise da linguagem como uma forma de ação social. Assim, possibilitou-se a
compreensão do fenômeno do desemprego industrial pela investigação das
práticas discursivas dos sujeitos, contextualmente e historicamente situadas,
capaz de fornecer aspectos inerentes à realidade em estudo, no caso, a RMBH.
Com base nessa postura, delinearam-se os passos da pesquisa,
fundamentados em uma proposta metodológica para a investigação das praticas
discursivas. O desenvolvimento de uma proposta teórico-metodológica para o
estudo foi de fundamental importância para a investigação do desemprego. A
proposta foi desenvolvida com base nas condições de produção, por isso,
ressalta-se o percurso teórico-metodológico como uma contribuição do estudo.
234
No campo da administração, principalmente, a perspectiva multidisciplinar
adotada pode evidenciar-se como uma possibilidade de aprofundamento no
campo dos estudos acerca das relações de trabalho, considerando aspectos micro
e macrossociais.
Para o desenvolvimento dessa proposta, foram utilizados alguns
conceitos fundamentais, provenientes da análise do discurso, os quais auxiliaram
na identificação das regularidades (formações discursivas) e rupturas
(repertórios discursivos).
Com base nessas premissas, desenvolveu-se o modelo teórico-
metodológico de análise com o qual se realizou a pesquisa empírica na RMBH.
Durante a realização da pesquisa, o modelo foi reformulado e complementado de
acordo com uma estratégia edificante. Sendo assim, acredita-se que se trata de
uma possibilidade de análise que possa ser considerada em outros estudos acerca
do desemprego ou de outros fenômenos sociais e organizacionais, considerando
sempre as condições específicas de produção.
Na compreensão do processo de produção de sentidos sobre o
desemprego, tanto na análise das regularidades, quanto na análise das rupturas,
observou-se a presença de elementos intradiscursivos e interdiscursivos
importantes para a análise do fenômeno em geral. Entre os elementos
intradiscursivos, pode-se citar as metáforas (chão bem firme, chão-de-fábrica,
entre outras), as marcas de subjetividade (agente, hoje, naqueles tempos, entre
outras), as personagens (o metalúrgico, o vagabundo, o trabalhador, entre
outras) e os conceitos (empregabilidade, qualificação, quarteirização, entre
outros) (capítulo 6) como elementos mais recorrentes para a análise do
desemprego industrial.
No interdiscurso, investigado por meio dos subentendidos e dos
possíveis sentidos identificados acerca da relação entre os discursos, explicitou-
se a memória com relação à trajetória da inserção da região de Belo Horizonte
235
no mercado de trabalho industrial, principalmente pela presença marcante de um
discurso de exclusão e precarização do trabalho nesse setor.
A caracterização da região em estudo, de sua inserção no mercado
industrial foi essencial para a compreensão do desemprego. Com essa
caracterização, foi possível identificar algumas particularidades da trajetória do
trabalho industrial na RMBH. Dessa forma, o tempo longo (que permeou a
memória nas práticas discursivas dos sujeitos, influenciando na forma como
esses compreendem o fenômeno do desemprego) não compreende apenas o
resgate das características históricas e sociais em si, mas a forma como essa
memória perpassou os discursos levando-se em consideração as particularidades
da região em estudo.
As trajetórias dos sujeitos, considerando as instituições de pesquisa,
também contribuíram para a compreensão do processo de produção de sentidos.
Foram apresentadas três trajetórias básicas: referente aos membros da FIEMG,
como sujeitos que vivenciam a realidade do setor industrial por meio dos
trabalhos realizados nessa instituição; referente aos representantes do sindicato,
como sujeitos que vivenciam o trabalho no setor industrial, como trabalhadores;
e, a trajetória dos trabalhadores desempregados e dos trabalhadores à procura do
primeiro emprego. Essas trajetórias ilustraram as diversas formas de inserção
dos sujeitos no mercado de trabalho. Esse resgate auxiliou na compreensão do
tempo vivido, o qual remete às particularidades da região e dos sujeitos em
estudo.
Na investigação das práticas discursivas (tempo curto), concentrou-se
nos elementos intradiscursivos e nos subentendidos acerca do desemprego.
Identificou-se que os discursos encaminhavam para temas/formações que se
referiam, principalmente, ao emprego formal, às mudanças no mundo do
trabalho, à perda do vínculo empregatício e ao trabalho. Essas formações foram
importantes para a discussão sobre o desemprego industrial na medida em que
236
direcionam para novas possibilidades de análises, considerando algumas
questões como a empregabilidade nesse setor, o papel dos sindicatos e as
percepções sobre o tipo de vínculo existente entre trabalhador industrial e
organização, conseqüentemente, o que seria o trabalho desconsiderando esse
vínculo. Vale ressaltar que a emergência dessas formações foi propiciada pela
estratégia de análise traçada, mais especificamente, descrita nos passos 1 e 2, do
quadro 1. Ou seja, reafirma-se a importância dos discursos como veículos de
compreensão para fenômenos sociais e organizacionais.
Por meio dos discursos, visualizou-se o emprego formal e a condição de
estar empregado(a) com base na noção de “vínculo” e liberdade ao mesmo
tempo. Além disso, a legitimidade perante a sociedade, enriquecendo o que se
entende por “salário” ou retorno do emprego, é um elemento importante para a
análise do fenômeno desemprego na sociedade brasileira. As particularidades de
percepção do emprego industrial (de maior risco, com mais garantias) remetem à
construção dos “elos” entre trabalhador industrial e organização como uma
forma de contrato para garantir o empregado, considerando as condições de
mudança nesse setor.
Essas mudanças foram identificadas nos discursos acerca da evolução
tecnológica, da empregabilidade, da precarização e do papel do movimento
sindical. Foi possível a identificação de um movimento de construção do
conceito de empregabilidade no âmbito da reestruturação produtiva, no setor
industrial, o que possibilitou uma discussão importante acerca desse elemento e
de sua interface com a realidade do desemprego. A precarização do trabalho, por
sua vez, aparece mais como pano de fundo de um processo de mudança
“inevitável”, apontando uma necessidade de mudança de postura dos próprios
trabalhadores, principalmente do movimento sindical. Trata-se da explicitação
de um discurso de “individualização” nas relações de trabalho que parece
substituir a idéia de um coletivo de trabalhadores, de desempregados;
237
redirecionando para uma idéia de indivíduos que focalizam em sua
empregabilidade ou indivíduos que não mantêm sua empregabilidade.
Os discursos acerca da empregabilidade foram recorrentes e, muitas
vezes, sobressaíram sobre aqueles referentes ao desemprego no setor industrial.
A formação de um conceito de empregabilidade que transcende a qualificação
(técnica ou não) para o setor industrial, englobando a indicação, a experiência,
entre outros elementos, direcionou para a idéia da manutenção da trajetória da
carreira pessoal e não do emprego em si. Nesse sentido, a discussão centralizou
a empregabilidade como um dos discursos que compuseram a trajetória dos
discursos sobre o desemprego. No entanto, pode-se dizer que o estudo sobre o
desemprego, muitas vezes, viabiliza-se pelo estudo da compreensão da
capacidade de manutenção da empregabilidade.
A manutenção da empregabilidade, portanto, supera a própria
manutenção do emprego. Quando essa condição não é sustentada, tem-se o
desemprego, compreendido pela noção de perda do vínculo empregatício e de
suas conseqüências para os sujeitos. Nesse tema, o principal elemento de análise
é a inclusão social pelo emprego e a exclusão pelo desemprego, transcendendo a
idéia de que o emprego é a garantia de um salário e da sobrevivência. O
desemprego, portanto, é um fenômeno que deve ser analisado para além de uma
condição de desprovimento salarial, mas, de impedimento de uma condição,
segundo a construção discursiva, de cidadão, de membro de um núcleo social, de
consumidor, de provedor, entre outras.
A emergência dos discursos da criminalidade, da morte, da depressão,
ilustra algumas conseqüências, não necessariamente do desemprego, mas, da
percepção que se tem do que seja emprego na sociedade brasileira. Essa
percepção, no entanto, começa a ser reformulada, conforme as análises,
encaminhando para a idéia de trabalho, para além do emprego.
238
Esses percursos de formações identificados nas análises das práticas
discursivas são compostos de muitas formações particulares. No total, foram
identificadas 23 formações, as quais foram organizadas e nomeadas em
regularidades discursivas, tais como: Vínculo empregatício, Emprego industrial,
Reestruturação industrial, Empregabilidade no setor, Movimento sindical,
Ausência do vínculo, Sujeito não-empregado, Trabalho e Oportunidades. O
processo permite uma melhor visualização e discussão das formações que
apareceram no conjunto dos discursos analisados e não aquelas que apareceram
apenas em discursos isolados.
Com base nas regularidades e formações, foram identificados os
repertórios discursivos (rupturas), ou seja, os momentos de “fazer sentido” sobre
o desemprego industrial na RMBH: condição de empregado(a); mudanças nas
configurações do emprego no setor industrial; condição de não-empregado(a); e,
condição de trabalhador(a). Assim, os sujeitos expressaram sua compreensão
acerca do desemprego e construíram os “caminhos” de suas percepções acerca
desse fenômeno.
Por exemplo, na pesquisa empírica, para exemplificar, foram observadas
as seguintes regularidades que conduziram para a formação discursiva do
“sujeito não-empregado”: discriminação, marginalidade e exclusão, não
pertencimento social e problema social. Nessa formação, quando se observou a
emergência do discurso do não-empregado(a) como um problema social, ou seja,
o discurso da generalização do fenômeno, emergiram, paralelamente, o diálogo
com “outras vozes” (discursos concorrentes) que encaminhavam para possíveis
soluções, como o trabalho não formal. Essas vozes que perpassaram os discursos
configuram a heterogeneidade discursiva, os “não ditos” ou o interdiscurso.
Dessa forma, observou-se o repertório da condição de trabalhador(a) logo após o
repertório da condição de não-empregado(a): condição de não empregado(a) =>
condição de trabalhador(a).
239
No repertório da condição de empregado(a), dialogou-se com a memória
da construção da categoria emprego, com a trajetória e o “lugar” do
empregado(a) industrial em Belo Horizonte e região metropolitana. No
repertório das mudanças nas configurações do emprego, o interdiscurso no
tempo longo redirecionou-se para o processo de reestruturação produtiva, para
os conceitos de globalização e precarização, institucionalizados pela memória
que remete às “causas e conseqüências” das mudanças. Nesse contexto, o
diálogo com os tempos vivido e curto também se deslocou para a emergência de
concorrências entre as conseqüências da mudança (competitividade ou
precarização) ao invés de permanecerem no nível dos conceitos de
trabalho/emprego, por exemplo. Vale ressaltar também a produção dos sujeitos
desempregados e à procura do primeiro emprego, evidenciando a internalização
de um discurso da empregabilidade, muitas vezes, influenciado pelas próprias
condições contextuais das instituições que agenciam a procura do trabalho,
quando proliferam os cursos voltados para esse mercado.
Nos repertórios da condição de não-empregado(a) e trabalhador(a), além
da presença do interdiscurso da trajetória trabalho-emprego, evidenciando o
tempo longo, observou-se o diálogo com a condição de trabalhador industrial na
região de Belo Horizonte e com as trajetórias específicas das instituições
sindicato e FIEMG. Nessas trajetórias estão evidenciadas as regras e ideologias
que foram “socializadas” pelos sujeitos no decorrer do tempo vivido e
perpassaram a construção discursiva desses, sinalizando, por exemplo, os
caminhos: oportunidade versus precarização.
A investigação do desemprego industrial por meio da produção de
sentidos, considerando a identificação de repertórios discursivos e a construção
das árvores de associação de idéias, permite um novo “olhar” sobre o fenômeno.
Dessa forma, os passos da pesquisa revelam-se mais do que “estratégia
metodológica”, trata-se de uma proposta para novos estudos e pesquisa acerca
240
do desemprego no Brasil. Com o mapeamento e discussão dos repertórios e sua
associação com as formações, identificou-se os elementos da empregabilidade,
por exemplo, como um caminho para a análise acerca do desemprego e do
trabalho, levando em consideração o contexto sócio-histórico de pesquisa.
A noção de repertórios discursivos é central para a análise
construcionista, pois evidencia justamente os “caminhos percorridos” pelos
sujeitos ao se expressarem, o que indica ação e movimento. Na construção
desses “caminhos”, existem os relacionamentos entre os elementos legitimados
acerca do desemprego (os discursos explícitos, as formações) e os elementos que
não se explicitam, os discursos sobre o desemprego que não aparecem
disseminados como, por exemplo, que o desemprego é um resultado de uma
percepção que se tem de inclusão na sociedade (capitalista), por meio do vínculo
empregatício.
Além dos repertórios, desenvolveu-se a idéia dos sentidos ultimamente
manifestos nas práticas discursivas, evidenciados nos momentos de rupturas.
Por meio desse conceito, pôde-se representar graficamente (na árvore de
associação de idéias) alguns elementos que podem definir, explicar, originar ou
impulsionar pesquisas, acerca do fenômeno desemprego. Esses elementos são
possibilidades de pesquisar o desemprego, considerando as condições de
produção da pesquisa. Na pesquisa empírica, foram identificados os sentidos
últimos: manutenção da empregabilidade, competitividade, precarização
nas relações de trabalho, problema social, dificuldade de manutenção da
empregabilidade (“não-empregáveis”), questionamento do sistema e inclusão
social.
Os “sentidos do desemprego”, considerando o contexto e as condições
de produção, representam uma importante contribuição da pesquisa. Esses
sentidos devem ser considerados nos estudos acerca das relações de trabalho no
241
Brasil contemporâneo, abrangendo aspectos organizacionais, políticos e
econômicos.
Vale ressaltar que muitos outros elementos poderiam ser identificados,
ou, que os mesmos elementos poderiam ser identificados em relação com outras
formações e repertórios. Importa que esses elementos jamais devem ser tomados
como ponto de partida de um estudo sobre o trabalho ou o desemprego,
desconsiderando as condições de produção específicas do estudo ou,
desconsiderando sua “origem discursiva”, ou seja, as ligações com as formações
evidenciadas nas árvores de associação de idéias.
Portanto, os elementos centrais para o estudo emergiram no decorrer da
análise da produção de sentidos, auxiliando na própria construção do
conhecimento sobre o fenômeno e reafirmando esse conhecimento como
socialmente construído. A construção social não se refere ao desemprego, mas, à
forma de compreendê-lo, analisá-lo, produzir novos discursos, disseminar esses
discursos na sociedade como um todo, e, finalmente, explicitar uma realidade
que origina desses discursos. É um ciclo que deve ser compreendido em sua
produção e reconstrução, pois, ao afirmar que o desemprego é resultado de
estatísticas e que se explica por essas estatísticas apenas, elimina-se uma série de
possibilidades de ação sobre essa realidade.
Especificamente com relação ao estudo realizado na RMBH, pôde-se
relacionar as premissas construcionistas, considerando o contexto da sociedade
brasileira, às condições de produção referentes ao contexto específico da
pesquisa. Com isso, ressalta-se a dialogia entre o fenômeno empírico e a
compreensão que se tem desse fenômeno, incluindo suas condições de produção,
como uma forma de conhecimento legítima, podendo ser investigada com base
na produção discursiva associada a outras abordagens teórico-metodológicas.
Nesse sentido, afirma-se que o fenômeno do desemprego pode ser
estudado considerando o pressuposto de que sua própria condição, como
242
fenômeno social, faz parte de uma construção que depende da interação entre os
sujeitos, o contexto e a memória. A análise das práticas discursivas e dos
repertórios é uma abordagem que possibilita esse tipo de investigação. A
referência ao “desemprego industrial” é contextual, trata-se de um recorte de
pesquisa. No entanto, explicitou-se que os repertórios identificados fazem parte
dos discursos acerca do desemprego industrial na medida em que se
consideraram as condições de produção para esse recorte.
Com este estudo, sinaliza-se para a possibilidade de se identificarem
alternativas de ações acerca do fenômeno desemprego, considerando as
particularidades da região estudada. Acredita-se que essas alternativas devem
passar por novos estudos, partindo dos elementos identificados na pesquisa
como os “sentidos últimos”, por exemplo. Uma dessas propostas é uma análise
aprofundada das condições de empregabilidade, focalizando o mercado de
trabalho, os sujeitos trabalhadores e a oferta cursos, aperfeiçoamentos, estágios,
entre outros. Dessa forma, pode-se traçar um mapa mais detalhado das
condições de emprego e desemprego em potencial, ampliando a análise que se
faz da situação de emprego em determinado período.
Também é interessante a análise das condições competitivas no mercado
de trabalho e das interfaces que essas condições possam manter com a
precarização nas relações de trabalho. Considerando estudos dessa natureza,
acredita-se possível traçar ações, dentro e fora das organizações, no que se refere
ao emprego formal e ás novas possibilidades de trabalho.
No entanto, a proposta central da pesquisa é contribuir para um avanço
nas formas clássicas de estudo do desemprego, principalmente no campo da
administração. Por isso, considerou-se o fenômeno do desemprego como uma
realidade presente em toda sociedade brasileira, porém, o que compõe essa
realidade é o conhecimento que faz dela uma construção, por meio dos
discursos.
243
Com base na postura construcionista, advoga-se a desfamiliarização com
conceitos e metodologias já legitimados em estudos sobre o fenômeno
desemprego, além de outros fenômenos sociais e organizacionais. Ao
desfamiliarizar, o pesquisador deve considerar o cotidiano dos sujeitos
envolvidos com o desemprego e suas expressões como forma de conhecimento.
Nesse tipo de pesquisa, depara-se com diversas limitações, uma das principais é
a postura do pesquisador diante da coleta de informações, principalmente na
interface com os sujeitos da pesquisa durante a produção discursiva. A
valorização do senso comum propicia um “novo olhar” sobre as implicações
teóricas e práticas da pesquisa, ressaltando o uso da linguagem como uma forma
de ação (dialogia) social.
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