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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO URBANO
JENNIFER DOS SANTOS BORGES
A GOVERNANÇA LOCAL NAS REESTRUTURAÇÕES
DE ÁREAS PORTUÁRIAS
Uma reflexão sobre o caso de Natal-RN.
RECIFE
2006
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JENNIFER DOS SANTOS BORGES
A GOVERNANÇA LOCAL NAS REESTRUTURAÇÕES
DE ÁREAS PORTUÁRIAS:
Uma reflexão sobre o caso de Natal-RN.
Dissertação de mestrado apresentada como
requisito para a obtenção do grau de Mestre
em Desenvolvimento Urbano ao Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano
da Universidade Federal de Pernambuco.
ORIENTADORA: Prof
a
. Dr
a
. SUELY MARIA RIBEIRO LEAL
RECIFE
2006
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Borges, Jennifer dos Santos
A governança local nas reestruturações de áreas
portuárias: uma reflexão sobre o caso de Natal-RN /
Jennifer dos Santos Borges. – Recife : O Autor, 2006.
260 folhas: il., fig., tab.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de
Pernambuco. CAC. Desenvolvimento Urbano, 2006.
Inclui bibliografia e anexos.
1. Portos – Natal (RN) – Projetos e construção. 2.
Planejamento urbano. 3. Governança. Título.
711.4 CDU (2.ed.) UFPE
711.4 CDD (22.ed.) CAC2006-25
A minha mãe, Jaci, que tem se revelado, cada vez
mais, uma amiga inestimável e sábia conselheira.
A Márcio, companheiro precioso e constante, com
quem compartilho uma linda história de amor.
A minha querida cidade, Natal, no anseio de poder
contribuir para que se torne ainda melhor.
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a Deus, ou àquela Força Superior, que me ilumina e me abençoa
sempre que, reconhecendo Sua grandeza, Lhe permito que conduza a minha vida;
Agradeço também a todos aqueles que me apoiaram nessa jornada: à minha família (minha
mãe, pelo apoio incondicional; meu pai, pelo incentivo constante; e meus irmãos, pela
compreensão que tiveram), a Márcio (pelo total companheirismo, apoio e incentivo) e a meus
amigos (pela força que sempre me passaram).
À minha orientadora, Suely Leal, meus profundos agradecimentos pela confiança que me foi
depositada e pela amizade que acredito ter sido construída, graças à maravilhosa sintonia
presente em nosso trabalho conjunto.
Aos professores e funcionários que compõem o MDU, pelo riquíssimo aprendizado e pelo
valioso apoio que me proporcionaram durante o mestrado, minha sincera gratidão.
Agradeço, ainda, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES,
o apoio financeiro, sob forma de bolsa de mestrado.
A todos os entrevistados, pela excelente contribuição que prestaram, e a todos aqueles que, de
alguma forma, colaboraram para a consecução dessa pesquisa, e em especial, ao Frei José
Ribamar, que facilitou o contato com alguns dos entrevistados, o meu muito obrigada!
RESUMO
Áreas portuárias de todo o mundo têm sido objetos, desde a década de 1980, de reformas em
suas estruturas espaciais, tecnológicas e administrativas, visando adequá-las às necessidades e
aos condicionantes da atualidade. Esses processos, denominados aqui de “reestruturações de
áreas portuárias”, seguem determinados padrões que podem ser identificados nas experiências
implementadas, mesmo considerando-se as especificidades locais. Neste trabalho estudamos
os padrões de reestruturação de áreas portuárias predominantes em cidades da América do
Norte, Europa e América Latina, buscando analisar as estruturas de governança local
responsáveis pela condução desses processos. Ou seja, focamos nosso olhar sobre as relações
estabelecidas entre representantes do setor público, do setor privado e da população, nos
encaminhamentos de reestruturações de áreas portuárias. Essa análise mais geral do que vem
ocorrendo nas áreas portuárias, nas últimas décadas, serve como fundamento para a reflexão
que dirigimos ao caso específico observado na cidade de Natal-RN, Brasil. Considerando que,
em Natal, o processo de reestruturação de sua área portuária encontra-se apenas insinuado nos
muitos projetos propostos por diferentes agentes, procuramos investigar a estrutura de
governança local que tem se conformado na condução desses projetos, no intuito de refletir
sobre as tendências delineadas, de acordo com a visão anteriormente formulada. O trabalho
aponta para três modelos gerais de reestruturação de áreas portuárias (os hub ports, as
“cidades portuárias” e as revitalizações), que, por sua vez, eso relacionados a três formatos
característicos de governança local. Aos processos de reestruturação encaminhados conforme
o modelo de hub port, caracterizado pelo foco nos atributos infra-estruturais e tecnológicos do
porto e pelo isolamento deste em relação à cidade, corresponde uma estrutura de governança
local de formato tradicional ou clássico, centralizada no setor público e articulada com grupos
do setor privado, à qual denominamos de governança corporativista. As reestruturações do
tipo revitalização, por outro lado, requerem estruturas de governança local mais abertas e
articuladas entre os setores, por estarem associadas a novos formatos de planejamento urbano,
em que os aspectos urbanísticos adquirem primazia sobre o funcionamento portuário
tradicional, numa visão de empreendedorismo urbano. Por isso, a denominamos de
governança empreendedora. Nas reestruturações de áreas portuárias conduzidas conforme o
modelo de “cidade portuária”, encontramos uma tentativa de equilibrar o desenvolvimento do
porto e da cidade, por meio da complementação entre seus atributos e da valorização das
especificidades locais. Como nesse modelo a governança local é marcada pela gestão de
conflitos e a cooperação dentro do que se denomina de “comunidade portuária”, estaria
caracterizada uma governança cooperativista. Esses modelos aparecem ligeiramente
configurados nas propostas que estão sendo desenvolvidas para a área portuária de Natal. São
postos, de um lado, projetos de caráter infra-estrutural voltados para o incremento de setores
específicos da economia produtiva, com o apoio dos governos Federal e Estadual (mostrando
feições de uma governança corporativista); e, de outro, projetos voltados para a reabilitação
da área para usos habitacionais, de turismo e lazer, identificados com a idéia de revitalização,
conduzidos sob a coordenação do Poder Local, mas também com apoio federal e estadual
(traços de uma governança empreendedora).
PALAVRAS-CHAVE: Governança Local, Reestruturações de áreas portuárias, Natal-RN.
ABSTRACT
Port areas all over the world have been objects, since the 1980’s, of reforms on its space,
technological and administrative structures, seeking to adapt them to the needs and the
conditioning factories of the present time. Those processes, denominated here “restructurings
of port areas”, have certain patterns that can be identified in implemented experiences
procedures, considering the local specificities. In this work we studied predominant patterns
of restructuring of port areas in cities of North America, Europe and Latin America, to
analyze the structures of local governance responsible for the conduction of those processes.
It means, our focuses glance about the relationships established among representatives of the
public sector, of the private sector and of the population, in the directions of restructurings of
port areas. That more general analysis about what is happening in port areas, in the last
decades, it serves as foundation for the reflection that we drove to the specific case observed
in the city of Natal-RN, Brazil. Considering that, in Natal, the process of restructuring of its
port area is just insinuated in the projects proposed by different agents, we tried to investigate
the structure of local governance that has been conforming in the conduction of those projects,
in the objective of contemplating on the delineated tendencies, in agreement with the vision
previously formulated. As product of that study, it is pointed three general models of
restructuring of port areas (the hub ports, the “port cities” and the revitalizations), that are
related to three characteristic formats of local governance. To the restructuring processes
guided accordingly the model of hub port, characterized predominantly by the focus in the
infra-structural and technological attributes of the port, and by the isolation of this in relation
to the city, it corresponds a structure of local governance of traditional or classic format,
centralized in the public sector and articulated with groups of the private sector, which we
denominated corporative governance. The restructurings of the type revitalization, on the
other hand, request structures of governance more open and articulate among the sectors, it
has been associated to new formats of urban planning, in which the urban aspects, acquires
primacy front to the traditional port operation, in a vision of urban entrepreneuralism. Then,
we denominated that form of local governance entrepreneuralist. In the restructurings of port
areas driven accordingly the model of “port city”, we found an attempt of balancing the
development of the port and of the city, by means of the complementation among its attributes
and of the valorization of the local specificities as attractive factor. As in that model the local
governance is marked by the administration of conflicts and cooperation in a denominated
“port community”, it would be characterized a cooperative governance. Those models appear
a little configured in the proposals that are being developed for the port area of Natal. They
are put, on a side, projects of infra-structural character gone back to the increment of specific
sections of the productive economy, with the Federal and State governments' support
(showing features of a corporative governance); and, of other side, projects gone back to the
rehabilitation of the area for habitation uses, of tourism and leisure, identified with the
revitalization idea, driven under the larger coordination of the City Hall, but also with Federal
and State support (similar to an entrepreneuralist governance).
WORD-KEY: Local Governance, Restructurings of port areas, Natal-RN.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fig. 01 – Porto de Gioia Tauro, na Itália ......................................................................... 90
Fig. 02 – Terminal de contêineres do porto ..................................................................... 90
Fig. 03 – Porto de Algeciras, na Espanha ........................................................................ 90
Fig. 04 – Terminal de contêineres de Algeciras ............................................................... 90
Fig. 05 – Porto de Sines, Portugal .................................................................................... 91
Fig. 06 – Porto de Antuérpia, na Bélgica ......................................................................... 94
Fig. 07 – Porto de Gent, na Bélgica ................................................................................. 95
Fig. 08 – Porto de Hamburgo, na Alemanha .................................................................... 95
Fig. 09 – Terminal de Contêineres de Hamburgo ............................................................ 95
Fig. 10 – HafenCity, na Alemanha .................................................................................. 96
Fig. 11 – Área portuária de Boston, nos Estados Unidos ................................................ 99
Fig. 12 – Área portuária de Baltimore, nos Estados Unidos ............................................ 99
Fig. 13 – Harbor Place, em Baltimore ............................................................................ 100
Fig. 14 – Perspectiva da área portuária de Londres, na Inglaterra ................................... 101
Fig. 15 – Área Portuária de Barcelona revitalizada ......................................................... 103
Fig. 16 – Área Portuária de Buenos Aires – Puerto Madero, na Argentina ..................... 105
Fig. 17 – Puerto Madero, Argentina ................................................................................ 105
Fig. 18 – Porto de Pecém, no Ceará ................................................................................. 113
Fig. 19 – Porto de Suape, em Pernambuco ...................................................................... 113
Fig. 20 – Terminal Marítimo de Passageiros de Recife ................................................... 114
Fig. 21 – Marco Zero, na área portuária de Recife .......................................................... 114
Fig. 22 – Vista da área portuária de Belém ...................................................................... 115
Fig. 23 – Área portuária de Belém revitalizada ............................................................... 116
Fig. 24 – Estação das Docas de Belém ............................................................................ 116
Fig. 25 – Localização de Natal ......................................................................................... 120
Fig. 26 – Localização de Natal no Nordeste .................................................................... 130
Fig. 27 – Regiões Administrativas de Natal .................................................................... 136
Fig. 28 – Região Metropolitana de Natal ......................................................................... 138
Fig. 29 – Macrozoneamento do Plano Diretor de Natal ................................................... 139
Fig. 30 – Zonas de Proteção Ambiental e Áreas Especiais do Plano Diretor de Natal .... 140
Fig. 31 – Caracterização geral do bairro da Ribeira, com as leis municipais de
preservação incidentes ...................................................................................... 145
Fig. 32 – Registro das edificações localizadas na Rua Chile antes das obras de
restauração ........................................................................................................ 146
Fig. 33 – Edificações da Rua Chile após a implementação do projeto “Fachadas da
Rua Chile” .........................................................................................................
148
Fig. 34 – Projeto do Terminal Turístico de passageiros .................................................. 151
Fig. 35 – Encontro dos presidentes, em 1943 .................................................................. 152
Fig. 36 – Prédio principal da Rampa atualmente ............................................................. 152
Fig. 37 – Perímetro de Reabilitação Integrada ................................................................. 153
Fig. 38 – Antigo casarão na Ribeira ................................................................................. 155
Fig. 39 – Casa da Ribeira ................................................................................................. 155
Fig. 40 – Localização da área portuária de Natal ............................................................. 159
Fig. 41 – Projeção da Ponte Newton Navarro sobre imagem da área em que será
implantada ......................................................................................................... 160
Fig. 42 – Perspectiva da Ponte Newton Navarro ............................................................. 160
Fig. 43 – Projeção da distribuição do tráfego no sistema viário da cidade em função da
ponte, e recorte ampliado, situando a área que interfere no bairro da Ribeira .. 161
Fig. 44 – Projeção do trecho a ser desapropriado ............................................................ 162
Fig. 45 – Projeto viário do prolongamento do eixo Duque de Caxias/Hildebrando de
Góis ................................................................................................................... 162
Fig. 46 – Projeto Mercado do Peixe ................................................................................. 163
Fig. 47 – Projeto Praça do Pôr-do-sol .............................................................................. 163
Fig. 48 – Propostas relacionadas ao “Corredor Cultural Ribeira/Rocas” ........................ 164
Fig. 49 – Projeto “Largo do Teatro” ................................................................................ 165
Fig. 50 – Perspectiva do Largo do Teatro, visto da Avenida Duque de Caxias ............... 166
Fig. 51 – Material de divulgação das ações do Governo Federal, pela SEAP, voltadas
para terminais pesqueiros .................................................................................. 173
Fig. 52 – Projeção do terminal pesqueiro na área portuária de Natal, segundo a
primeira proposta .............................................................................................. 175
Fig. 53 – Implantação do terminal pesqueiro público (à esquerda) e privado (à direita) 175
Fig. 54 – Nova localização proposta para o terminal pesqueiro ...................................... 176
Fig. 55 – Projeto Marina do Potengi ................................................................................ 181
Fig. 56 – Complexo Margens do rio Potengi-Potiguar .................................................... 182
Fig. 57 – Cemitério dos Ingleses (localização) ................................................................ 182
Fig. 58 – Definição geral do Projeto Parque do Mangue ................................................. 183
Fig. 59 – Proposta para a Pedra do Rosário ..................................................................... 183
Fig. 60 – Estruturas para o passeio no mangue ................................................................ 183
Fig. 61 – Visão geral da margem esquerda do rio Potengi, próximo à foz (vê-se no
limite esquerdo da imagem a Gamboa Manibú, e à direita, as estruturas da
Ponte Newton Navarro e a área urbana da Redinha) ........................................ 184
Fig. 62 – Visão geral das propostas em discussão para a área portuária de Natal ........... 185
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 – CATEGORIAS DE ATORES SOCIAIS INVESTIGADAS ....................... 30
Tabela 02 – CATEGORIAS E VARIÁVEIS DA GOVERNANÇA LOCAL ................ 31
Tabela 03 – ENTREVISTAS REALIZADAS NA PESQUISA ...................................... 190
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABP – Associated British Ports
AIVP - Association Internationale Villes et Ports
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BNH – Banco Nacional de Habitação
CAERN – Companhia de Água e Esgotos do Rio Grande do Norte
CAP – Conselho de Autoridade Portuária
CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos
CED – Conselho Estadual de Desenvolvimento
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina
CNPU – Comissão Nacional de Política Urbana e Regiões Metropolitanas
CODERN – Companhia Docas do Rio Grande do Norte
COMPLAN – Conselho Municipal de Planejamento e Meio Ambiente de Natal
CONPLAM – Conselho de Planejamento Urbano do Município de Natal
DPA – Departamento de Pesca e Aqüicultura
EUA – Estados Unidos da América
FIERN – Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte
FMI – Fundo Monetário Internacional
GRPU – Gerência Regional do Patrimônio da União
IAPHACC – Instituto de Amigos do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural e da Cidadania
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICCAT – Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico
IDEMA – Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
Iplanat – Instituto de Planejamento Urbano de Natal
LDDC – London Docklands Development Corporation
OGMO – Órgão Gestor de Mão-de-Obra
ONG – Organização Não-governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
OUR – Operação Urbana Ribeira
PAR – Programa de Arrendamento Residencial
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PC do B – Partido Comunista do Brasil
Pecém – Porto do Ceará
PETCON – Planejamento em transporte e consultoria ltda.
PEMAS – Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PNCCPM – Programa Nacional de Capitais e Cidades de Porte Médio
PORTOBRÁS – Empresa de Portos do Brasil
PRI – Perímetro de Reabilitação Integrada
PRODETUR-NE – Programa para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste
REVAP - Programa de Revitalização de Áreas Portuárias
SEAP – Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEDEC – Secretaria do Estado de Desenvolvimento Econômico
SEMSUR – Secretaria Municipal de Serviços Urbanos
SAPE – Secretaria do Estado de Agricultura, Pecuária e Pesca
SECTUR – Secretaria Municipal do Turismo Indústria e Comércio
SEMOV – Secretaria Municipal de Obras e Viação
SEMURB – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo
SPH – Setor de Patrimônio Histórico
STTU – Secretaria de Transporte e Trânsito Urbano do Município
SEPLAN – Secretaria do Estado de Planejamento
SEMPLA – Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Finanças
SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
UDC – Urban Development Corporation
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
ZAL – Zona de Atividades Logísticas
ZEE – Zona Econômica Exclusiva
ZEP – Zona Especial Portuária
ZEPH – Zona Especial de Preservação Histórica
ZPA – Zona de Proteção Ambiental
SUMÁRIO
RESUMO ........................................................................................................................ 5
ABSTRACT .................................................................................................................... 6
Lista de Ilustrações ........................................................................................................ 7
Lista de Tabelas .............................................................................................................. 9
Lista de Abreviaturas e Siglas ....................................................................................... 10
Capítulo 1 – INTRODUÇÃO ........................................................................................ 15
1.1. Delimitação da pesquisa ..................................................................................... 18
1.2. Referencial teórico-conceitual ........................................................................... 21
1.3. Estrutura metodológica ..................................................................................... 29
Capítulo 2 – CONTEXTUALIZAÇÃO ........................................................................ 35
2.1. A globalização e seus reflexos sobre cidades e portos ..................................... 36
2.1.1. O papel das cidades na era da globalização ................................................ 40
2.1.2. Reestruturação produtiva e implicações sobre áreas portuárias .................. 43
2.2. Os movimentos de reforma no papel do Estado .............................................. 46
2.2.1. As novas políticas de desenvolvimento urbano .......................................... 49
2.2.2. Inovações nos arranjos de gestão e governança no Brasil .......................... 53
2.3. As cidades na cultura pós-moderna .................................................................. 57
2.3.1. Pós-modernismo, empreendedorismo urbano e planejamento estratégico . 58
2.3.2. Estratégias de intervenção em áreas centrais .............................................. 65
2.3.3. Mudanças na noção de desenvolvimento .................................................... 70
Capítulo 3 – REESTRUTURAÇÕES DE ÁREAS PORTUÁRIAS .......................... 77
3.1. Inserção no contexto mundial ........................................................................... 78
3.2. Modelos de reestruturação de áreas portuárias .............................................. 85
3.2.1. Experiências de construção de hub ports .................................................... 88
3.2.2. A cooperação cidade-porto nas cidades portuárias ..................................... 91
3.2.3. Os projetos de revitalização de áreas portuárias ......................................... 96
3.2.4. A governança local nas reestruturações de áreas portuárias ....................... 106
3.3. Reestruturações de áreas portuárias no Brasil ................................................ 109
3.3.1. A reforma portuária brasileira ..................................................................... 110
3.3.2. A governança local nas reestruturações de áreas portuárias no Brasil ........ 113
Capítulo 4 – NATAL: A CIDADE E O PORTO ......................................................... 120
4.1. O contexto histórico que caracteriza a cidade ................................................. 121
4.2. Natal e seu centro histórico ............................................................................... 146
4.3. Propostas para a área portuária de Natal ........................................................ 158
Capítulo 5 – A GOVERNANÇA LOCAL NA ÁREA PORTUÁRIA DE NATAL .. 187
5.1. O posicionamento dos agentes envolvidos ........................................................ 189
5.1.1. Sobre as propostas voltadas para a reabilitação da Ribeira ......................... 192
5.1.2. Sobre o desenvolvimento do setor pesqueiro .............................................. 202
5.1.3. Sobre o Porto de Natal ................................................................................ 210
5.1.4. Sobre as propostas de incremento ao turismo ............................................. 216
5.1.5. Sobre os projetos estruturais do estado ....................................................... 220
5.2. Relações entre as propostas e os agentes envolvidos ....................................... 225
5.3. O jogo de interesses em torno da área portuária ............................................ 232
5.4. Tendências de reestruturação da área portuária de Natal ............................. 240
CONCLUSÃO ................................................................................................................ 243
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 250
ANEXO ........................................................................................................................... 260
CAPÍTULO 1
15
1. INTRODUÇÃO
A função dos portos para o desenvolvimento do comércio internacional é bastante
clara: eles funcionam como os elos das rotas de circulação de mercadorias pela via marítima,
de onde são distribuídos e para onde são encaminhados os produtos negociados nas transações
comerciais. Essa sempre foi a função básica norteadora dos altos investimentos em infra-
estrutura que caracterizaram o período de desenvolvimento industrial, cujo apogeu estendeu-
se do início do século XIX até meados do século XX. Nas últimas décadas, no entanto, essa
visão tem sido bastante alterada, implicando, por um lado, na diminuição da centralidade do
papel dos portos no funcionamento da economia mundial e, por outro, na necessidade de
reestruturação daqueles portos que pretendem se manter ativos e valorizados nesse novo
contexto que se apresenta. Os enormes avanços observados nas tecnologias de comunicação e
transportes; as mudanças nas relações internacionais de mercado, com a emergência de uma
economia globalizada; as alterações no papel dos Estados Nacionais no gerenciamento dessa
economia; e as novas visões de cidade, de planejamento urbano e de desenvolvimento que
passaram a vigorar na sociedade pós-moderna, são alguns dos fatores que exercem influência
sobre o processo de revisão do papel dos portos no contexto característico do cenário atual.
Os avanços tecnológicos na área de transportes ofereceram a possibilidade de novos
e mais eficientes meios de locomoção, que passaram a ocupar grande parte do espaço antes
dominado pelo transporte marítimo. As novas tecnologias de comunicação, por sua vez,
encurtaram ainda mais as distâncias, dinamizando as relações entre povos de diferentes
localidades e facilitando as negociações e transações comerciais e financeiras a ponto de
tornar virtual grande parte da movimentação de capital da atualidade (CASTELLS, 1999).
Com isso, a esfera da produção perde relevância na economia mundial para o setor de
finanças e serviços (HARVEY, 1992), com conseqüências sobre a circulação de mercadorias.
A partir da intensificação da internacionalização dos mercados, as atividades de
produção, negociação e investimento adquiriram caráter transnacional, tornando-se cada vez
mais indiferentes às fronteiras nacionais (SASSEN, 1998). Com a abertura das nações ao
investimento estrangeiro, dentro de um processo de reestruturação produtiva, que se soma à
desregulamentação das relações de trabalho (CHESNAIS, 1996), indústrias e empresas de
países desenvolvidos passaram a alocar filiais em diversas regiões do mundo, facilitando,
dessa forma, a distribuição de seus produtos. Para atender a esses novos condicionantes,
estabeleceu-se um sistema mundial de circulação em rede, que, assim como na “rede da
globalização”, descrita por Castells (1999) e Sassen (1998), elege territórios estratégicos que
16
funcionam como nós, ou pólos de dominação, na distribuição dos fluxos internacionais da
circulação de mercadorias, incluindo os marítimos.
Nessa conjuntura, destacaram-se os portos e áreas portuárias que estivessem situados
próximos a esses territórios estratégicos e que possuíssem condições estruturais e tecnológicas
para atender à demanda do mercado mundial; ou, nos termos atuais, os portos com as
melhores condições de competitividade. Para inserirem-se no mercado global, os portos
precisariam, então, passar por uma reestruturação de seus aparatos técnicos e administrativos,
como também por reconfigurações espaciais, dentro de um contexto marcado pela diminuição
do papel dos Estados, com a inserção do setor privado, e pelo crescimento da relevância das
cidades como territórios de desenvolvimento (BORJA, 1997).
As reformas políticas que acompanharam a revolução econômica mundial, com o
objetivo de melhor adaptar os aparelhos Estatais às necessidades de um mercado globalizado,
caminharam no sentido da descentralização, da desregulamentação e da privatização do setor
público (DINIZ, 1997). Com isso, observou-se uma tendência de abertura na atuação dos
governos para a participação da sociedade civil que, por um lado gerou avanços para a
democratização dos Estados e, por outro, implicou em uma inserção cada vez maior dos
interesses privados na agenda pública (LEAL, 2003). O mercado estreitou suas relações com
os governos, assumiu papéis antes dominados pelo Estado e, por meio do mecanismo de
parceria público-privado, passou a interferir de forma mais direta na gestão das cidades.
Na esfera do planejamento urbano essa interação entre Estado e sociedade refletiu-se
na introdução e propagação de mecanismos de planejamento participativo e de planejamento
estratégico, não sendo estes necessariamente excludentes entre si. Com o planejamento
participativo, introduziu-se a questão da necessidade de transparência e de controle social nos
processos de decisão, implementação e monitoramento de políticas públicas, o que esteve
atrelado a uma vertente mais progressista ou democrática (LEAL, 2003). Já o planejamento
estratégico, caracterizou-se pela introdução no planejamento público de um posicionamento
mais empreendedor, capaz de melhorar as condições de competitividade de determinado setor
ou território urbano, com a utilização de mecanismos de atuação tradicionalmente ligados ao
setor privado, tendo em vista tornar as ações mais efetivas, com resultados em curto prazo.
Os ideais de desenvolvimento perseguidos nesse novo planejamento também passam
por mudanças de concepção, que agregam perspectivas ambientalistas, sociais, culturais e
políticas ao objetivo do crescimento econômico, a partir de conceitos como desenvolvimento
sustentável, desenvolvimento local, capital social e sinergético, entre outros. Tudo isso, dentro
17
de uma conjuntura pós-moderna, marcada pela mercadificação, fragmentação, efemeridade e
espetacularização do espaço urbano (HARVEY, 1992).
Esse contexto, no qual os portos devem se inserir para tornarem-se competitivos
mundialmente, condiciona o surgimento de um novo papel a ser desempenhado pelas áreas
portuárias, no qual a interface entre porto e cidade ganha relevância crescente. O foco do
desenvolvimento de áreas portuárias não se restringe mais à eficiência na circulação de
mercadorias; ele abarca, agora, também, fatores ligados à oferta de serviços avançados em
informação e logística e aos atrativos diferenciais existentes na área de seu entorno. Com isso,
diversas áreas portuárias em todo o mundo passaram, nas últimas décadas, a ser objeto de
reestruturações tecnológicas, administrativas e espaciais, marcando um movimento de
adaptação dessas estruturas aos condicionantes impostos pela globalização. Observando
reestruturações de áreas portuárias realizadas em diversas cidades, e partindo do referencial
teórico existente, identificamos três tendências principais em que esses processos ocorrem: a
construção de hub ports, ou macroportos concentradores de carga; a implantação de projetos
de revitalização de áreas portuárias; e a condução de reformas baseadas na concepção de
“cidade portuária”. Esses três caminhos vislumbrados para as áreas portuárias da era da
globalização, refletem três diferentes modos de interação entre porto e cidade, caracterizados
pela priorização funcional dada a cada entidade. Assim, enquanto no modelo de hub port as
estratégias de atuação estão focadas sobre o funcionamento das atividades especificamente
portuárias, no modelo de revitalização, são as funções urbanas que recebem destaque. A
concepção de cidade portuária, por sua vez, enfatiza a integração entre funções urbanas e
portuárias, como forma de dirimir conflitos e incentivar a cooperação, em ações voltadas para
o desenvolvimento do porto e da cidade.
Procuramos, pois, analisar os processos de reestruturação de áreas portuárias tanto do
ponto de vista do desenvolvimento portuário, como do desenvolvimento urbano, enfatizando a
importância da relação porto-cidade na caracterização das principais estratégias adotadas. É,
portanto, na relação entre portos e cidades que compreendemos os processos de reestruturação
de áreas portuárias das últimas décadas; os portos oferecendo às cidades os meios para a sua
integração nos fluxos do mercado global, e as cidades fornecendo aos portos a multiplicidade
de serviços e mão-de-obra qualificada que ela reúne.
A relevância da interação entre cidades e portos na caracterização das reestruturações
de áreas portuárias remete-nos, por sua vez, a indagações sobre o tipo de relação estabelecida
entre os diversos atores sociais envolvidos nesses processos, representantes de instituições
18
públicas e privadas, ou de grupos sociais organizados, que mantêm interesse na questão. É
exatamente no enfoque sobre essa relação que surgem os principais questionamentos de nossa
pesquisa, para a qual destacamos o conceito de governança local como o recorte teórico que
irá orientar a análise. Entendemos que discutir o papel da governança local na condução do
planejamento urbano e seus reflexos sobre os espaços da cidade torna-se fundamental, em um
contexto em que se observa a aproximação das relações entre Estado e mercado e em que se
aponta para a necessidade de uma maior participação da sociedade civil nos assuntos da
agenda pública. Esse entendimento fez com que priorizássemos em nossa pesquisa o enfoque
da governança local dentro dos processos de reestruturação de áreas portuárias.
1.1. Delimitação da pesquisa
Essa dissertação é o produto de uma pesquisa que considera como objeto empírico os
processos de reestruturação de áreas portuárias que vêm se desenvolvendo, desde a década de
1980, em diversas cidades do mundo, analisados sob o recorte teórico da governança local. O
objeto de estudo aqui abordado pode ser definido, portanto, como: a influência da governança
local na condução de processos de reestruturação de áreas portuárias.
O conceito de governança vem sendo incorporado como referencial analítico nos
estudos urbanos (sobre planejamento e gestão) há relativamente pouco tempo, estando
associado, sobretudo, a questões relativas aos desafios das administrações municipais diante
do processo de descentralização advindo com as reformas de Estado encaminhadas no final do
século XX. Em outras áreas temáticas, porém, o conceito tem adquirido ampla repercussão,
podendo sua definição ser encontrada com diversos significados, o que de certa forma pode
dificultar a compreensão e aplicação do termo. É importante, então, deixar claro que, neste
trabalho, recorremos ao conceito de governança como um instrumental analítico para o estudo
de processos de planejamento e gestão urbana, considerando seus atributos de caráter local,
porém sem deixar de contemplar os condicionantes mais gerais existentes.
O termo governança local, aqui utilizado, refere-se, pois, ao conjunto de relações
estabelecidas entre representantes do setor público (em seus diversos níveis de governo),
representantes do setor privado (ligados aos interesses de mercado) e grupos organizados da
sociedade, na condução de processos de planejamento e gestão urbana. Está relacionado às
ações de comando, coordenação e implementação de propostas, planos e projetos urbanos, em
seus aspectos técnicos, político-institucionais e financeiros, com enfoque sobre os arranjos, os
19
conflitos e as articulações que permeiam esses processos. Chamamos de governança local, por
estarem sendo consideradas apenas as relações estabelecidas dentro dos limites do Estado-
Nação, não sendo tratadas as relações supra-nacionais intervenientes sobre a política interna.
O objetivo deste trabalho, portanto, é compreender como se configura a influência da
governança local nos processos de reestruturação de áreas portuárias, vistos em função da
relação porto-cidade estabelecida e considerando o contexto de transformações econômicas,
políticas e culturais que vêm ocorrendo em âmbito mundial.
Essa análise de caráter mais amplo é considerada em nossa pesquisa como um
embasamento preliminar para o estudo de um problema empírico recortado da realidade
observada na cidade de Natal (estado do Rio Grande do Norte – Brasil) com relação ao
processo de elaboração e discussão de propostas para a sua área portuária. Por se tratar de
uma experiência ainda em fase de implementação, a análise do caso de Natal permite aplicar
as considerações obtidas na primeira etapa da pesquisa, a um problema empírico acessível à
autora, contribuindo, com isso, para a construção de uma visão crítica, fundamentada, sobre o
processo que vem sendo encaminhado.
Além disso, por estarem sendo discutidos, em Natal, diferentes tipos de propostas de
intervenção, pautadas em diversos interesses que recaem sobre a área portuária, acreditamos
que a experiência poderá contribuir para o enriquecimento de nossa análise. Encontram-se em
discussão propostas voltados tanto para a revitalização do centro histórico portuário, a partir
do incentivo a usos residenciais e de comércio e serviços locais, como propostas visando ao
provimento de infra-estruturas portuárias ligadas a atividades do setor produtivo (implantação
de um terminal pesqueiro e ampliação do porto atual). Somam-se, ainda, propostas voltadas
para o incremento do turismo na cidade (um terminal turístico portuário, uma marina, museus,
e um parque ecológico para visitação, por exemplo). Mas, conflitos envolvendo instituições
públicas dos diferentes níveis de governo, empresas privadas com interesses sobre a área, e
grupos organizados da sociedade, têm dificultado a consecução de qualquer proposta, gerando
barreiras para um possível processo de reestruturação da área portuária. Essa é a problemática
recortada da cidade de Natal que pretendemos discutir no trabalho, com base nas experiências
observadas em outras cidades da América do Norte, da Europa e da América Latina.
Buscamos, então, como objetivo específico da pesquisa, construir uma reflexão sobre
a condução de um possível processo de reestruturação da área portuária de Natal, em função
das condições de governança local que vêm sendo estabelecidas nas discussões das propostas
encaminhadas.
20
Podemos, agora, definir como o nosso problema de pesquisa a seguinte questão: De
que forma a governança local influencia nos processos de reestruturação de áreas portuárias, e
de que forma tem influenciado na condução do processo de reestruturação da área portuária
de Natal? Procuraremos construir a resposta a essa pergunta ao longo de todo esse trabalho.
A dissertação que aqui se apresenta está estruturada em cinco capítulos. O primeiro
oferece uma perspectiva geral da pesquisa, apontando as condições em que foi elaborada e as
considerações teóricas, conceituais e metodológicas necessárias ao seu entendimento. O
segundo trata da construção do contexto geral em que os processos de reestruturação de áreas
portuárias se desenvolvem, mostrando as relações que estes mantêm com os movimentos de
mudanças econômicas, políticas e culturais que marcaram as últimas décadas. No terceiro
capítulo, procuramos descrever os processos de reestruturação de áreas portuárias realizados
em diversas cidades, a partir de três modelos gerais de configuração (os hub ports; os projetos
de revitalização; e as cidades portuárias) de acordo com a relação funcional estabelecida entre
cidade e porto, buscando-se demonstrar a influência da governança local na condução desses
processos. Ainda nesse capítulo, apresentamos algumas considerações sobre os processos de
reestruturação de áreas portuárias verificados dentro do contexto brasileiro.
No quarto capítulo, começaremos a discutir sobre o caso de Natal; primeiramente,
com uma apreciação geral dos condicionantes históricos que caracterizam a cidade do ponto
de vista da sua economia, da sua tradição de planejamento urbano e de aspectos particulares
de sua cultura; depois, com uma descrição das ações voltadas para a área central da cidade nos
últimos anos; e, por fim, com uma apresentação da situação atual em relação à problemática
da área portuária, em que serão detalhadas as propostas para a área que vêm sendo discutidas,
a forma como estão sendo conduzidas e as incoerências identificadas na relação entre elas.
No quinto capítulo, procurou-se evidenciar as condições de governança local que
vêm sendo delineadas ao longo do processo de discussão das propostas para a área portuária
de Natal, a partir da análise de entrevistas realizadas com alguns dos principais representantes
públicos, privados e de grupos organizados da sociedade, envolvidos no processo. Ao final
desse capítulo, apresentamos as reflexões que puderam ser apreendidas para o caso de Natal, a
partir da relação entre os resultados da análise empírica e as considerações da pesquisa teórica
relativas ao contexto geral e aos modelos de reestruturação de áreas portuárias identificados.
Concluímos com uma síntese das principais considerações levantadas, na tentativa de
evidenciar as contribuições que esta dissertação poderá trazer para a compreensão do papel da
governança local nos processos de reestruturação de áreas portuárias e, sobretudo, em Natal.
21
1.2. Referencial teórico-conceitual
Este item é dedicado à explanação das escolhas teóricas, conceituais e metodológicas
que fundamentaram a pesquisa. Trata dos processos de embasamento científico, de tratamento
dos dados coletados e de construção da argumentação, de acordo com a linha de análise que
guiou o estudo. É, portanto, de fundamental relevância para a compreensão das considerações
que serão apresentadas ao longo da dissertação.
Para a construção da pesquisa, partiu-se de um referencial teórico fundado na junção
de dois grupos de estudos de origens diversas, mas que tratam, na verdade, de uma temática
semelhante. O primeiro deles encontra-se difundido mais largamente em trabalhos da área de
planejamento urbano e refere-se aos livros, artigos e páginas da Internet, publicados dentro do
tema da revitalização de áreas portuárias, também chamado “waterfront revitalisations”, que
aparece muitas vezes como um tópico inserido na temática geral das intervenções em centros
históricos (englobando as renovações, revitalizações, requalificações, reabilitações, etc.). Ou
seja, são trabalhos produzidos na área do urbanismo (algumas vezes dentro da temática da
conservação urbana, outras da gestão), que tratam de experiências de intervenção em áreas de
valor histórico e paisagístico, visando à superação de uma situação de abandono, degradação e
declínio econômico, a partir do melhoramento da qualidade ambiental e atração de visitantes,
com a dinamização da economia local. Mais especificamente, foram priorizados os trabalhos
relativos a intervenções em áreas portuárias, devido tanto à completa suspensão das atividades
portuárias antes desenvolvidas, ou à diminuição da movimentação de cargas e subutilização
do espaço construído. Isto é, os projetos de intervenção em áreas portuárias ligadas a centros
históricos, que se encontravam em processo de degradação e são reaproveitadas para a criação
de áreas de lazer e atratividade turística (em alguns casos, centros de negócios), objetivando a
recuperação econômica daquele setor.
Foi a partir dos trabalhos fornecidos por essa “fonte” referencial, que se iniciou o
contato da autora com a problemática das áreas portuárias, tendo-se como perspectiva, ainda,
uma visão predominantemente urbanística. Entre outros temas relacionados a esse enfoque,
foram agregados trabalhos sobre o empreendedorismo urbano e o planejamento estratégico, a
partir da concepção pós-moderna apresentada, em especial, por David Harvey (1992; 1996).
A introdução de questões ligadas a esses temas alertou-nos para a relevância da interação
entre atores e instituições sociais dentro do formato de planejamento urbano conhecido como
“estratégico”, que pode ser inferida da importância atribuída a mecanismos como a parceria
público-privado, e a construção do consenso em torno do plano – mecanismos citados tanto
22
por autores que defendem o planejamento estratégico, como Lopes (1998), quanto por críticos
deste, a exemplo de Vainer (2000) e Leal (2003). Essa constatação, associada à análise da
problemática das áreas portuárias, instigou-nos a investigar as relações entre atores sociais
envolvidos no planejamento dessas áreas e a influência destas na condução dos processos.
Para complementar esse conhecimento sobre as experiências de áreas portuárias,
recorreu-se a artigos e trabalhos produzidos pelo que veio a ser o segundo referencial teórico
priorizado na pesquisa. O livro “Cidades e Portos: os espaços da globalização”, organizado
por Gerardo Silva e Giuseppe Cocco (1999) foi o primeiro contato da autora com os trabalhos
produzidos nessa segunda vertente. Reunindo autores de diversas áreas das Ciências Sociais e
Humanas (como Geografia, Sociologia, Economia, Ciências Políticas, etc.) essa fonte teórica
passou a fornecer subsídios para uma compreensão mais ampla sobre a problemática das áreas
portuárias, visto que nela o tema é abordado do ponto de vista do desenvolvimento territorial,
focado no movimento de reestruturação produtiva emergente no final do século XX.
Tratando das áreas portuárias em problemáticas voltadas para os aspectos produtivos
e para as relações de conflito e cooperação que podem existir entre portos e cidades na busca
pelo desenvolvimento territorial, os trabalhos produzidos por essa vertente trouxeram como
contribuição ao presente estudo a percepção do contexto mais amplo em que as intervenções
em áreas portuárias ocorrem. Destacaram-se, então, considerações acerca das dificuldades de
interação entre as organizações administradoras dos portos e as entidades representativas das
diversas esferas de governo e de interesses da sociedade. A análise dessa relação entre portos
e cidades, entre atributos ligados à função portuária e à funcionalidade do meio urbano, foi,
portanto, a principal contribuição dessa vertente ao nosso estudo. Isto, por sua vez, levou-nos
a relacionar tais estudos aos iniciais, por meio de uma indagação que se fazia constante em
ambos os lados: de que forma os arranjos estabelecidos entre atores sociais representantes dos
setores público e privado, e de grupos organizados da sociedade, visando a impulsionar um
processo de “reestruturação” de uma área portuária, podem influenciar na condução de tal
processo? Surgiu daí a idéia de se trabalhar com o conceito de “governança” nos processos de
reestruturação de áreas portuárias.
Passamos a denominar, então, de “reestruturação de áreas portuárias”: processos de
intervenção em áreas portuárias, objetivando uma melhoria técnica, administrativa ou espacial
de suas estruturas, realizados a partir da década de 1980, em diversas cidades do mundo, sob a
influência dos condicionantes econômicos, políticos e culturais que caracterizam o contexto
mundial desde então.
23
Desse modo, deixamos de nos concentrar nas experiências de revitalização de áreas
portuárias de caráter predominantemente urbanístico, e passamos a olhar as áreas portuárias
como um todo, procurando compreender seus aspectos econômicos e político-institucionais.
A apresentação das tendências de reestruturação de áreas portuárias a partir de três
modelos representa, então, uma proposta de junção de duas vertentes de estudos que abordam
a temática: uma voltada para o funcionamento dos portos na nova economia mundial, a qual
aponta para os modelos de hub ports e cidades portuárias, conforme Silva e Cocco (1999), e
outra em que são enfatizados os processos de revitalização dentro do modelo de planejamento
estratégico, com uma visão predominantemente urbanística da questão, encontrada em Del
Rio (2001), Sánchez (2004) e Andrade (2000), por exemplo. Com isso, buscou-se agregar
conhecimentos produzidos, de um lado, por estudos que priorizam as funções portuárias no
contexto econômico da globalização e, de outro, por abordagens focadas nas funções urbanas
ligadas a áreas portuárias, reunindo aspectos relacionados ao ambiente natural e construído,
de preservação cultural, e de desenvolvimento urbano local.
Esse assunto vem despertando o interesse de pesquisadores e agentes voltados para o
planejamento urbano em todo o mundo. De acordo com Starr e Slack (1999, p. 195), “a noção
de porto como centro do desenvolvimento tem se colocado como um desafio para alguns
universitários e planejadores”. Há, inclusive, uma organização de caráter não-governamental,
sediada na França, denominada Association Internationale Villes et Ports – AIVP, dedicada
exclusivamente ao estudo da relação entre cidades e portos. Essa associação reúne trabalhos,
artigos, relatos de algumas experiências e dados gerais sobre cidades e portos, entre outras
coisas, e disponibiliza parte desse material em sua página da Internet: http://www.aivp.com.
Além disso, organiza eventos internacionais anualmente com o objetivo de debater o tema.
Desde 1988, a Associação Internacional Cidades e Portos, tem reunido atores sociais
de cidades portuárias diante de uma mesma preocupação: o desenvolvimento de relações entre
porto e cidade e suas implicações para a economia e o desenvolvimento urbano. A busca pela
redefinição das múltiplas relações existentes entre cidade e porto e sua transposição prática é
fundamentada em duas observações principais: portos de todo o mundo possuem problemas
semelhantes, podendo ajudar uns aos outros a encontrar soluções; e autoridades portuárias e
autoridades urbanas, e mesmo os portos e as cidades, irão se beneficiar mutuamente de uma
melhoria nesse diálogo (City and Port, 2005). Para tanto, construiu-se uma rede composta por
80 cidades portuárias integradas à AIVP, com representantes de cidades e portos, mas também
arquitetos e urbanistas, pesquisadores e parceiros de cidades portuárias do setor privado.
24
É preciso destacar, também, que neste trabalho muitos conceitos, termos científicos e
expressões específicas de determinadas áreas de estudo foram agregados, exigindo para a sua
clareza uma explanação do significado em que estão sendo utilizados ou da definição precisa
com que estão sendo aplicados. Procuraremos apresentar essa explanação ao longo do texto, à
medida que os termos são citados. Alguns conceitos, no entanto, por estarem extremamente
imbricados na pesquisa, precisam ser debatidos com antecedência, para que recebam uma
atenção diferenciada. É o caso do conceito de governança, presente no título do trabalho.
Entendido sob diferentes formatos pelos autores que o utilizam e, na maioria das
vezes, acompanhado de atribuições ao conceito de governabilidade, o termo governança é
associado tanto à estrutura dos governos, quanto ao seu modo de atuação. Mas, tendo sido
apropriado em discursos de cunhos ideológicos variados ou até mesmo opostos, o termo tem
incorporado uma significação bastante ampla, que pode variar conforme a finalidade com que
ele é utilizado. A maioria das referências ao conceito de governança encontra-se associada ao
debate sobre a reforma do Estado, ou a considerações sobre eficácia e efetividade na atuação
dos governos. Existem, ainda, acepções ligadas a métodos para administração de empresas,
como é o caso, por exemplo, do termo “governança corporativa”, que não possuem relação
alguma com o conceito referido aqui. Mas, no geral, a palavra governança, ou seu original em
inglês “governance”, aparecem associados a temáticas governamentais (descentralização
administrativa, eficácia dos governos, democratização e novas dinâmicas de interação entre
governo e sociedade, por exemplo). Mais recentemente, o termo passou a ganhar espaço
também em publicações da área de urbanismo devido, principalmente, à sua associação com o
debate sobre os desafios dos governos locais frente a processos de descentralização.
Segundo Santos Júnior (2001), o debate sobre governança foi introduzido na agenda
política contemporânea nos anos 1990, com a sua incorporação pelas agências multilaterais de
desenvolvimento. Mas, a primeira citação aos conceitos de governabilidade e governança
data, de acordo com Araújo (2002), da década de 1960, sendo geralmente atribuída a Samuel
Huntington, cientista político norte-americano. A partir dos anos 1970, com a eclosão da crise
do Estado e a aceleração do processo de internacionalização das economias, esses termos
passaram a ser mais recorrentes como instrumentais analíticos relacionados ao debate sobre a
reforma administrativa dos Estados (ARAÚJO, 2002). Nos anos 1990, as dificuldades de
implementação das reformas neoliberais levaram as agências multilaterais a formular
estratégias relativas à eficiência do Estado e de exercício de um bom governo, introduzindo o
debate sobre “governance” ou “good governance” (SANTOS Jr., 2001).
25
Nesse sentido, o termo governança estaria se referindo ao processo de reforma
neoliberal dos governos, vindo a acrescentar ao debate sobre governabilidade uma nova
dimensão. Enquanto as críticas em torno da crise de governabilidade dos Estados pautavam-se
em considerações sobre a autoridade política ou a legitimidade do Estado perante a sociedade
civil e o mercado, a discussão sobre governança ganharia um outro enfoque, referindo-se à
capacidade de um determinado governo em formular e implementar suas políticas (ARAÚJO,
2002). Essa discussão “inclui tanto a normatização institucional requerida pelas reformas
macro-econômicas quanto a coordenação dos atores políticos, que envolve as questões das
parcerias entre Estado, mercado e o chamado terceiro setor” (SANTOS Jr., 2001, p. 54).
Segundo a formulação do Banco Mundial, governance “is the process by wich
authority is exercised in the managementn of a country’s economic and social resources”,
com implicações sobre “the capacity of governments to design, formulate and implement
policies and discharge functions” (WORLD BANK, 1992). Adquire relevância, portanto, a
influência dos tipos de procedimentos e de práticas governamentais, na consecução de suas
metas, “incluindo como objeto de análise questões como o formato institucional do processo
decisório, a articulação público-privado na formulação das políticas ou ainda a abertura maior
ou menor para a participação dos setores interessados ou de distintas esferas de poder”
(DINIZ, 1995, p. 400).
Enquanto o conceito de governabilidade refere-se às condições de exercício da
autoridade política, o conceito de governança qualifica o uso dessa autoridade (MELO, 1995,
apud SANTOS Jr., 2001). De acordo com Diniz (1997, p. 196), governabilidade e governança
são aspectos distintos e complementares que configuram a ação estatal:
[...] governabilidade refere-se às condições sistêmicas mais gerais sob as quais se dá
o exercício do poder em uma dada sociedade, tais como as características do regime
político (se democrático ou autoritário), a forma de governo (se parlamentarista ou
presidencialista), as relações entre os poderes (maior ou menor assimetria, por
exemplo), os sistemas partidários (se pluripartidarismo ou bipartidarismo), o sistema
de intermediação de interesses (se corporativista ou pluralista), entre outras.
Já o conceito de governance, como se refere, está associado à capacidade
governativa em sentido amplo, envolvendo a capacidade de ação estatal na implementação
das políticas e na consecução das metas coletivas. Assim, para a autora, o conceito de
governança “[...] refere-se ao conjunto de mecanismos e procedimentos para lidar com a
dimensão participativa e plural da sociedade, o que implica expandir e aperfeiçoar os meios
de interlocução e de administração do jogo de interesses” (DINIZ, 1997, p. 196).
26
As diferenciações entre esses dois termos, governabilidade e governança, aparecem
muitas vezes de forma confusa, sendo difícil identificá-las. Araújo (2002, p. 5) coloca, por
exemplo, que a governabilidade “[...] pode ser concebida como a autoridade política do
Estado em si, entendida como a capacidade que este tem para agregar os múltiplos interesses
dispersos pela sociedade e apresentar-lhes um objetivo comum para os curto, médio e longo
prazos”, o que a aproxima do conceito de governança proposto por Diniz. E esta é definida
pelo autor de forma semelhante à definição de Diniz. Governança seria, para Araújo (2002), a
capacidade de um determinado governo formular e implementar suas políticas, podendo ser
decomposta analiticamente em financeira, gerencial e técnica – que são os aspectos relevantes
para a consecução das metas coletivas definidas no programa de determinado governo.
Fica claro, portanto, que os dois conceitos não possuem uma delimitação rígida no
referencial teórico; isto, provavelmente, deve-se à interdependência que os fatores de que
tratam possuem na aplicação prática. Ou seja, a capacidade de implementação de políticas
governamentais não está dissociada do formato de governo adotado, nem da sua autoridade e
legitimidade perante a sociedade. A diferenciação entre os conceitos é feita apenas de forma
analítica, utilizando-se, não raro, os mesmos condicionantes na investigação deles.
Santos Jr. (2001) coloca que quando o debate sobre governança passa a fazer parte da
agenda acadêmica e a ser tematizado teoricamente, principalmente no âmbito dos estudos
urbanos, ocorre uma mudança de enfoque na abordagem, deslocando-se a discussão para
questões vinculadas às transformações nas instituições de governo local, e passando a
articular diversos processos políticos e administrativos. “A pertinência teórica para a
utilização da noção de governança estaria relacionada à necessidade de incorporar na análise
da gestão das cidades as mudanças no contexto sócio-econômico [...]” vinculadas às
mudanças nas formas de governo (SANTOS Jr., 2001, p. 59). O autor indica dois sentidos que
são atribuídos à governança nas novas análises: um em que ela é entendida como a capacidade
de ação do Estado, e outro, mais freqüente, em que a governança é entendida como a
interação entre governo e sociedade, com análises centradas na questão dos arranjos
institucionais que coordenam e regulam as relações entre o governo e os atores sociais dentro
de um sistema político. Esse é o significado que mais se aproxima da nossa pesquisa. Nesse
sentido, o conceito de governança está centrado na relação de cooperação e conflito entre
diversas categorias de atores, incorporando na análise, além do próprio mercado, as redes
sociais e as associações (formais ou informais) (SANTOS Jr., 2001).
27
Nesta pesquisa, o conceito de governança está sendo entendido como o conjunto de
relações estabelecidas entre atores sociais envolvidos na condução de processos locais de
gestão urbana, no que se refere às ações de comando, coordenação e implementação de
propostas, planos e projetos, considerando seus aspectos técnicos, político-institucionais e
financeiros. A utilização do termo “governança local” visa delimitar o enfoque da pesquisa
sobre os arranjos, conflitos e articulações das relações que permeiam esses processos, e que
caracterizam um contexto espacial e temporalmente definido.
É interessante perceber que critérios, ou que variáveis, são utilizados na análise do
conceito. Note-se, por exemplo, que para Araújo (2002) a análise da governança refere-se à
somatória dos instrumentos institucionais, recursos financeiros e meios políticos de execução
das metas coletivas. Hamel, no entanto, (1999, apud SANTOS Jr., 2001), coloca que a noção
de governança sugere que a capacidade de governar não está unicamente ligada ao aparato
institucional formal, mas supõe a construção de coalizões entre atores sociais, em função de
diferentes fatores, tais como a interação entre as diversas categorias de atores, as orientações
ideológicas e os recursos disponíveis. Estes, podem ser entendidos em estudos analíticos
como categorias sistemáticas para a compreensão das estruturas de governança. Para Diniz
(1997), a governança pode ser subdividida em coordenação e capacidades de comando e de
implementação, o que significaria submeter a lógica dos interesses em jogo a um sistema
integrado capaz de ajustar as diferentes visões. Essas considerações serão importantes na
definição da estrutura metodológica adotada na pesquisa, por indicar as categorias e possíveis
variáveis em que o conceito de governança pode ser analisado.
Outro aspecto a ser discutido, é a possibilidade de uma classificação tipológica ou de
uma simples definição de formatos ou modelos de governança que podem ser identificados na
análise de realidades específicas investigadas. Entre os estudos mais recentes que poderão
colaborar para essa definição destaca-se o artigo de Irazábal (2004), no qual a autora mostra
uma comparação entre o que denomina ser os dois principais modelos de governança urbana
desenvolvidos na América Latina e nos Estados Unidos (associationism e regime theory,
respectivamente), considerando a implicação desses modelos no planejamento urbano.
Baseada em Chalmers (et al., 1997, p. 567), Irazábal (2004, p. 3) define associationism como
“nonhierarchical structures formed through decisions by multiple actors who come together
to shape public policy”. Já o conceito de regime theory, é apresentado pela autora sob
diversos modelos teóricos, nos quais predomina o foco sobre a articulação entre os setores
público e privado e, nela, a presença e a atuação dos atores privados nos sistemas de gestão.
28
Fica claro, então, que na visão de Irazábal, a estrutura de governança nos Estados Unidos
baseia-se, precisamente, na incorporação de atores privados, ou de interesses de mercado, na
agenda pública, enquanto na América Latina, está pautada, sobretudo, nos mecanismos de
participação da sociedade nas decisões de governo, sejam eles formais ou informais.
Uma outra tipologia citada para o conceito de governança, proposta por Jon Pierre
(apud SANTOS Jr., 2001, p. 60), destaca quatro modelos: (1) de tipo gestionário, orientado
sobretudo para a gestão de conflitos, com a incorporação da participação da sociedade nos
negócios urbanos; (2) de tipo corporativista, em que a dinâmica democrática municipal
integra, fundamentalmente, os grupos de interesses mais organizados; (3) de tipo
desenvolvimentista, cujo objetivo central é promover a economia local; e (4) de tipo de bem-
estar, ou welfare governance, com o objetivo central de promover a integração social, através
de um sistema de welfare municipal.
Leal (2004) propõe também uma divisão tipológica para formatos de governança,
baseada na experiência das cidades brasileiras, em que enfatiza o papel dos atores ou de
grupos econômicos. A autora refere-se à articulação que os segmentos das elites mantêm com
o Estado, como governança de tipo clássico ou tradicional; ao padrão de governança informal,
oculta ou exterior, na qual interesses de múltiplos especuladores e numerosos grupos
econômicos excluídos transitam clandestinamente; aos territórios democráticos ou governança
popular, com espaço para representação de segmentos populares, elites modernas e quadros
técnicos e dirigentes do próprio setor público; à associação entre o público e o privado (este
representado por frações da elite), na forma de gestão compartilhada ou parcerias; e ao tipo
neoliberal, em que as articulações dos agentes econômicos são feitas dentro do mercado.
As classificações existentes, apesar de não terem sido encontradas muitas, possuem
variações expressivas que, a nosso ver, derivam de adequações analíticas aos diferentes
objetos de estudo. Se, por um lado, essa falta de padronização dificulta a sistematização de
estudos comparativos e retarda o processo de construção do referencial temático ligado ao
conceito de governança, por outro, os ajustes efetuados aproximam de forma mais didática a
utilização do conceito à realidade em que é aplicado. Nesse sentido, Santos Jr. (2001, p. 61)
enfatiza que dificilmente se encontra em uma localidade um dos modelos exatamente
conforme tipificado: “o mais provável é que se encontrem imbricados aspectos referentes a
cada um deles, sendo difícil prever que modelo em particular irá prevalecer”. O autor destaca,
ainda, a relevância da relação de forças entre atores sociais para explicar a predominância de
um modelo particular de governança. Para ele, “são os conflitos de interesse em relação aos
29
valores fundamentais e aos objetivos que a administração deve adotar que parecem determinar
as escolhas pelos dirigentes municipais em matéria de governança” (SANTOS Jr., 2001, p.
61). Procuramos utilizar esses critérios para fundamentar a análise. O formato de investigação
que tomamos como ponto de partida apresenta-se preliminarmente descrito a seguir.
1.3. Estrutura metodológica
Para estudarmos as implicações dos arranjos de governança local em experiências já
implementadas de reestruturação de áreas portuárias e a forma como ela poderia condicionar
uma futura proposta para a área portuária de Natal, optamos por estruturar nossa pesquisa em
três eixos de investigação:
1. Resgate do contexto geral no qual as experiências de reestruturação de áreas portuárias
se desenvolvem, com base em referencial teórico;
2. Observação de experiências já implementadas em outras cidades, com enfoque sobre a
governança local característica em cada uma delas;
3. Análise do caso específico de Natal, com ênfase sobre os arranjos de governança que
estão sendo delineados em torno de propostas para a sua área portuária.
O primeiro eixo de investigação compreende uma pesquisa bibliográfica ampla sobre
o referencial teórico-conceitual relacionado ao contexto histórico no qual despontam as
experiências de reestruturação de áreas portuárias em cidades da América do Norte, Europa e
América Latina. Concentra análises de textos e considerações sobre as condições econômicas,
políticas e culturais que caracterizam o período de estudo (década de 1980 aos dias atuais).
São abordados nesse primeiro eixo de investigação temas ligados ao processo de globalização
econômica e de reestruturação produtiva, aos movimentos de reforma no papel dos Estados, à
emergência do pós-modernismo no âmbito cultural, com suas influências sobre o pensamento
urbano, o planejamento das cidades, e as mudanças na concepção de desenvolvimento. Sem
perder de vista a inserção da temática da governança nesse contexto e os reflexos mais diretos
que se fazem sentir sobre as áreas portuárias como um todo.
No segundo eixo de investigação, direcionamos a análise para uma abordagem geral
sobre o objeto empírico de pesquisa e sobre como ele se relaciona ao referencial teórico
anteriormente construído. Dá-se enfoque aos processos de reestruturação de áreas portuárias
que ocorrem dentro desse contexto: como eles começaram a despontar em diversas cidades do
30
mundo, que condicionantes propiciaram seu surgimento e sua caracterização e como estão
relacionados ao modo de interação porto-cidade estabelecido. Nesse segundo eixo faz-se a
relação entre o conceito de governança local e os formatos que adquire nos processos de
reestruturação de áreas portuárias, a partir da caracterização dos arranjos de governança que
permeiam diversas experiências. Como fonte dos dados utilizados, recorremos a diversas
publicações científicas, a partir das quais procuramos reunir informações descritivas sobre as
experiências e também reflexões críticas de alguns autores, complementando essas referências
com dados coletados na Internet, nas páginas oficiais dos principais portos investigados.
Para a análise da influência da governança local nessas experiências, distinguimos os
formatos de governança característicos de cada localidade por meio do papel desempenhado
pelas diferentes categorias de atores sociais envolvidos e os conflitos e articulações de cunho
político-institucional decorrentes dos arranjos estabelecidos entre eles. Para tanto, foram
classificadas as seguintes categorias de atores: agentes públicos (nos níveis federal, estadual
ou municipal de governo), agentes políticos (aqueles representantes do Poder Legislativo),
agentes privados (considerados como aqueles representantes dos interesses de mercado) e
população (que conformaria o conjunto de organizações sociais representantes de interesses
diversos). Essa classificação aparece esquematizada na tabela 1, abaixo.
TABELA 1 - CATEGORIAS DE ATORES SOCIAIS INVESTIGADAS
CATEGORIAS REPRESENTANTES
Federal
Governo Federal, Ministérios, Administ. Portuária,...
Estadual
Governo do Estado, Secretarias e Órgãos Estaduais,...
AGENTES
PÚBLICOS
Municipal
Prefeitura, Secretarias e Órgãos Municipais,...
Federal Bancada Federal – Deputados Federais
Estadual Assembléia Legislativa – Deputados Estaduais
AGENTES
POLÍTICOS
Municipal Câmara Municipal – Vereadores
AGENTES PRIVADOS
Federação das Indústrias, grupos de empresários
exportadores, grupos de empresários locais (ligados a
indústria, comércio ou serviços),...
POPULAÇÃO
Universidade, ONG’s, Moradores, Grupos defensores
do meio ambiente natural e do patrimônio histórico,
pescadores, artesãos,...
Procurou-se identificar a intensidade e o modo de inserção de cada uma dessas
categorias de atores nas ações de comando (isto é, nos processos decisórios), de coordenação
(ou condução) e de implementação (na execução) dos processos de reestruturação de áreas
portuárias. Foram observadas também variáveis relativas ao tipo de participação de cada
31
categoria de atores (se técnica, político-institucional ou financeira); à interação entre as
categorias de atores (articulação, negociação ou conflito); e à orientação política priorizada
entre os atores (se voltada para o desenvolvimento endógeno, para a inserção na economia
global ou para a gestão dos conflitos internos, visando à cooperação). A tabela 2, abaixo,
apresenta um resumo da relação entre categorias e variáveis consideradas no estudo.
TABELA 2 - CATEGORIAS E VARIÁVEIS DA GOVERNANÇA LOCAL
COMANDO COORDEN. IMPLEMEN.
CATEGORIAS
VARIÁVEIS
Pu Pr Po Pu Pr Po Pu Pr Po
Técnica
Político-Institucion.
M
Participação
Financeira
F
Articulação
F M F
Negociação
Interação
Conflito
Desenv. Endógeno
Inserção Global
F M F
Orientação
Política
Gestão de Conflitos
Legenda: Pu= Público (F= Federal; E= Estadual; M= Municipal); Pr= Privado; Po= População.
Observação: Nesta tabela encontra-se representado um exemplo de sistematização.
Em relação ao caso exemplificado, o quadro da governança seria interpretado da
seguinte forma: na categoria “comando”, temos o predomínio do setor privado, com uma
participação de ordem técnica e político-institucional, em articulação com o nível federal do
setor público, voltado para a inserção na economia global; na categoria “coordenação”, temos
uma associação entre setores público e privado, com participação técnica do setor privado e
político-institucional do nível municipal do setor público, mostrando uma articulação entre
setor público municipal e o setor privado, voltada para a inserção global; e na categoria
“implementação”, tem-se uma condução centrada no setor privado, com financiamento do
setor público federal, voltada para a inserção global; a população passa a participar de forma
político-institucional, através da negociação de interesses, no caso, mais voltada para a gestão
de conflitos. Em resumo, teríamos para o caso exemplificado, uma governança centrada na
articulação entre setores público e privado, com predomínio do setor privado e voltada para a
inserção global. A população participaria apenas de forma marginal no processo, quando da
necessidade de negociação de conflitos. Esse exemplo é apenas ilustrativo, não tendo havido
uma caracterização tão detalhada das variáveis e categorias consideradas para todos os casos.
32
As relações estabelecidas entre as variáveis e categorias sistematizadas na análise das
experiências de reestruturação de áreas portuárias investigadas permitiram uma associação
entre as características de governança local predominantes e três modelos gerais identificados:
a governança corporativa ou tradicional (marcada pela articulação entre os setores público e
privado, com comando predominantemente privado e financiamento público e voltada para o
desenvolvimento endógeno); a governança empreendedora (com articulação flexível e maior
interação entre setores, principalmente público e privado, e voltada claramente para a inserção
global); e a governança cooperativista ou gestionária (em que há participação ampla de dois
ou mais setores em todo o processo, por meio da cooperação, e voltada para a resolução de
conflitos). Essa classificação preliminar da governança local foi relacionada aos modelos de
reestruturação de áreas portuárias identificados nas experiências, com o objetivo de se obter
uma visão cruzada das informações levantadas.
No terceiro eixo de investigação, deu-se ênfase ao caso específico da cidade de Natal
e das propostas de reestruturação para a sua área portuária. Nessa fase da pesquisa, utilizou-se
o arcabouço teórico-empírico geral construído nas fases anteriores, para aprofundar a análise
em um objeto empírico mais próximo e acessível, em que o processo de reestruturação da área
portuária encontra-se em fase de desenvolvimento. A análise de elementos específicos desse
objeto de estudo permitiu compreender mais detalhadamente como os arranjos de governança
se conformam na esfera local, como também identificar tendências relacionadas aos modelos
anteriormente estudados para o caso analisado.
Mas, antes de iniciar a pesquisa de campo propriamente dita, considerou-se relevante
realizar uma pesquisa bibliográfica sobre o processo de formação da cidade, sobretudo no que
se refere à evolução das práticas de planejamento urbano no nível local, no intuito de melhor
compreender as particularidades inerentes a Natal que poderiam influenciar nas condições de
planejamento e de governança da atualidade. Assim, a partir do referencial bibliográfico e
documental levantado, construiu-se uma visão geral dos traços mais marcantes da economia,
da política, da cultura e da sociedade natalenses, que oferecesse uma caracterização mínima,
porém essencial, das condições locais específicas identificadas no objeto de estudo empírico.
Nesse trabalho de resgate histórico, foi dada uma atenção especial às ações e projetos ligados
ao centro histórico da cidade desenvolvidos nos últimos anos (relacionados principalmente ao
bairro da Ribeira, onde está localizado o Porto de Natal), por constituírem-se, de certo modo,
na origem de muitas das propostas que hoje estão sendo discutidas para a área portuária. Com
isso, partiu-se, então, para a análise da governança em torno dessas propostas.
33
No levantamento das propostas em vigor para a área portuária de Natal, procurou-se
observar a forma como elas vêm sendo colocadas em discussão e como elas se relacionam aos
arranjos de governança local que estão sendo delineados. A partir da realização de entrevistas
semi-estruturadas com pessoas envolvidas no processo, procurou-se analisar posicionamentos
de representantes do setor público municipal, estadual, e federal, de representantes políticos e
representantes do setor privado e da sociedade. Buscou-se, ainda, compreender como cada
proposta foi pensada, que interesses contempla, que atores sociais pretendem conduzi-la, e as
articulações e os conflitos entre eles, no intuito de apontar para o modelo de reestruturação a
que se assemelha, e o formato de governança em que se apóia.
Como resultado dessa pesquisa, apresentamos uma visualização geral das condições
em que se encontra o possível processo de reestruturação da área portuária de Natal, com a
indicação dos condicionantes de governança local que poderão influenciar no processo.
34
CAPÍTULO 2
35
2. CONTEXTUALIZAÇÃO
As profundas mudanças tecnológicas, econômicas, políticas e culturais que
marcaram o final do século XX exerceram forte influência sobre o conjunto de estruturas
sociais que conseguiram sobreviver após a chegada do século XXI. Mas, para que essas
estruturas permanecessem ativas dentro do novo contexto estabelecido, foi preciso que
passassem por significativas alterações, adequações ou reformas, que mudaram a concepção
dos papéis que iriam desempenhar nesses novos tempos. Para se entender como esses
movimentos de reforma ou adaptação se desenvolvem, é preciso conhecer os condicionantes
gerais que os determinam e os novos imperativos que impõem, porque é a partir deles que se
delineiam as tendências gerais encaminhadas.
As cidades e os portos, independentemente, ou as áreas portuárias, propriamente
ditas, inserem-se nesse contexto e sofrem, portanto, as influências dele. Com isso, uma nova
visão parece se estabelecer sobre as cidades, sobre os portos, sobre a relação entre cidades e
portos e sobre as áreas portuárias. Essa nova visão é criada pela lente dos novos ideais, das
novas concepções e dos novos conceitos que emergem no mundo atual. Do mesmo modo, é a
partir dessa visão que se estabelecem as novas estratégias e os novos mecanismos de atuação
a serem adotados, na perseguição de metas ou objetivos também adaptados ao novo contexto.
A globalização, o processo de reestruturação produtiva, a difusão do neoliberalismo e
de novas formas de atuação sobre as cidades, a emergência do pós-modernismo e de novos
conceitos associados ao urbano são alguns dos fenômenos observados nas últimas décadas,
que consideramos possuir relevância como condicionantes dos processos de reestruturação de
áreas portuárias.
Nesse capítulo, procuraremos analisar como os novos contextos (econômico, político
e cultural) característicos da sociedade atual estabelecem condicionantes para a emergência de
uma nova concepção sobre portos e cidades, levando aos processos de reestruturação de áreas
portuárias que destacamos em nossa pesquisa. Procura-se evidenciar as mudanças observadas
do final do século XX para o início do século XXI em cada um desses campos, não deixando
de considerar, sempre que possível, a relação entre eles. Ressaltamos durante a exposição do
assunto a relevância crescente adquirida pelas questões referentes à governança local dentro
desse novo contexto e as influências que modelos de governança específicos podem exercer
sobre processos de reestruturação de áreas portuárias encaminhados em realidades distintas.
36
2.1. A globalização e seus reflexos sobre cidades e portos
Considerando-se que o processo de internacionalização dos mercados tenha se
iniciado a partir do período das Grandes Navegações, em que as principais potências
européias da época passaram a ampliar seus mercados em direção aos continentes asiático,
africano e americano, torna-se evidente a importância que os portos possuíram nesse
processo. A navegação marítima configurava-se, nesse momento, no principal meio de
circulação e de comunicação entre os continentes, tendo permitido a intensificação das trocas
comerciais e uma interação mais ampla entre diferentes culturas. Assim, para que uma cidade
estivesse inserida nas rotas de circulação mundial, ela precisaria de um bom porto, tendo este
muitas vezes se configurado como o elemento central em torno do qual a cidade se
desenvolvia. Essa primazia dos portos na estrutura espacial das cidades persistiu por um longo
período de domínio econômico das atividades comerciais, vindo a arrefecer apenas em
meados do século XX. Como afirma Sassen, “[...] no século XIX, quando a economia
mundial se apoiava principalmente no comércio, os locais fundamentais eram os portos, as
fazendas, as fábricas e as minas. [...] De maneira característica, elas [as cidades] se
desenvolviam ao lado dos portos [...]” (1998, p. 23, grifo nosso).
Os enormes avanços nos campos de comunicação e transportes oferecem, já há várias
décadas, meios muito mais eficientes e extremamente mais rápidos, que há muito tempo vêm
ocupando o espaço antes dominado pelo transporte marítimo. Este se restringe, hoje, à
locomoção de grandes cargas (que não deixou de ser necessária para o desenvolvimento do
setor produtivo, mesmo que retraído) ou ao transporte de lazer, ligado à economia do turismo.
As cidades não possuem mais a dependência que tiveram um dia de seus portos e, nesse
contexto, a ligação entre porto e cidade adquire um novo sentido, que faz com que as áreas
portuárias sejam consideradas, muitas vezes, empecilhos ao desenvolvimento urbano.
Além disso, no decorrer de todo esse processo de reestruturação mundial, enquanto
as cidades adquiriram um papel cada vez mais central no conjunto de relações que conformam
a nova economia mundial, constituindo-se em territórios estratégicos dessa nova fase, os
portos perderam grande parte da importância que tiveram, em função do detrimento relativo
da produção frente ao crescimento vertiginoso dos mercados de finanças e informações. É o
que diz Sassen (1998, p. 23) quando afirma:
Hoje, o comércio internacional continua sendo um fator importante na economia
global, porém tem sido ofuscado em seu valor e em seu poder por fluxos financeiros
internacionais [...]. Na década de 1980 as finanças e os serviços especializados se
afirmaram como os principais componentes das transações internacionais.
37
Correspondente a essa nova realidade que configura a sociedade atual, caracterizada
por Castells (1999) como eminentemente global e informacional, novas funções são atribuídas
às cidades. Para Sassen (1998), além de centros de comércio e atividades bancárias
internacionais, as principais cidades funcionam em 4 novas formas: 1) como pontos de
comando altamente concentrados na organização da economia mundial; 2) como localizações-
chave para empresas financeiras e de serviços especializados; 3) como locais de produção,
(inclusive produção de inovação) e; 4) como mercado para os produtos e as inovações
produzidas.
A demarcação do início da globalização é definida de diferentes maneiras pelos
diversos autores que tratam do tema. Sassen (1998), por exemplo, delimita o surgimento dessa
nova fase da economia mundial a partir do colapso da Pax Americana
1
, quando as economias
recuperadas da Europa Ocidental e do Japão reingressaram nos mercados internacionais.
Castells (1999), por sua vez, atribui a emergência desse processo à Revolução da Tecnologia
da Informação, no último quartel do século XX, que teria fornecido a base material
indispensável para uma nova economia. Harvey (1992) é ainda mais preciso, apontando a
crise do petróleo de 1973 como o marco em que se dá o colapso do sistema fordista e o início
de um novo regime de acumulação
2
ao qual denomina de “acumulação flexível”. Já Chesnais
(1996, p. 34) associa essa nova fase do capitalismo ao termo “mundialização”, que teria
resultado de dois movimentos interligados: o primeiro refere-se à mais longa fase de
acumulação ininterrupta do capitalismo desde 1914, e o segundo, “[...] diz respeito às
políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de
conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 1980, sob
o impulso dos governos Thatcher e Reagan”.
Mas, descontadas as diferentes denominações e visões sobre como teria se dado o
início desse processo de reestruturação na economia mundial, considera-se, no geral, a década
de 1970 como o ponto de partida para o movimento de intensificação das relações
internacionais de mercado, bem como para outros processos que iriam se configurar em
diversas áreas, cujo conjunto costuma ser denominado de “globalização”. Para Bauman
1
Período de domínio político, econômico e militar dos Estados Unidos que se estendeu do final da Segunda
Guerra Mundial até a década de 1970.
2
O conceito de “regime de acumulação” utilizado por Harvey é uma referência aos estudos da Escola da
Regulamentação (associada aos trabalhos de Aglietta, Lipietz e Boyer), cuja finalidade é descrever períodos de
estabilização da alocação do produto líquido entre consumo e acumulação, que implicam em uma transformação
das condições de produção e reprodução de assalariados correspondente (HARVEY, 1992).
38
(1999, p. 67) essa seria a “nova desordem mundial”; uma “nova e desconfortável percepção
das coisas fugindo ao controle” para a qual se adota o conceito de globalização.
É interessante destacar que essa nova fase da economia mundial contrapõe-se, em
grande parte, à fase precedente, caracterizada pelo regime de acumulação fordista, em que se
tinha um enfoque de desenvolvimento mais concentrado no território dos Estados-Nação.
Enquanto o regime fordista baseava-se na produção e no consumo em massa, viabilizados por
um conjunto de práticas de controle do trabalho (taylorismo), e de uma configuração de poder
político-econômico (Estado keynesiano ou do bem-estar, e capital corporativo); o regime de
acumulação flexível emergiu com “[...] novos sistemas de produção e de marketing,
caracterizados por processos de trabalho e mercados mais flexíveis, de mobilidade geográfica
e de rápidas mudanças práticas de consumo” (HARVEY, 1992, p. 119). O novo regime opor-
se-ia, portanto, à rigidez típica do regime fordista, caracterizado pela “[...] configuração
indomável e aparentemente fixa de poder político e relações recíprocas que unia o grande
trabalho, o grande capital e o grande governo”, mas que nos últimos anos já não conseguia
garantir a acumulação de capital (HARVEY, 1992, p. 116). Quebrava-se também o poderio
hegemônico exercido pelos Estados Unidos durante o regime fordista, baseado em seu poder
econômico e financeiro e no domínio militar. Essa quebra é marcada pela ruptura, em 1971,
do acordo de Bretton Woods
3
(HARVEY, 1992; SASSEN, 1998).
Mas nem todos os acontecimentos encaminhados nessa nova fase do capitalismo
mundial significavam uma ruptura com o regime anterior. A intensificação da
internacionalização dos mercados, por exemplo, é um processo que se inicia ainda durante o
regime fordista, com a abertura para o investimento estrangeiro (principalmente na Europa) e
a formação de mercados de massa globais para a absorção da produção excedente (Harvey,
1992). Segundo Sassen (1998), nesse processo, o eixo geográfico das transações
internacionais deslocou-se do norte-sul para o leste-oeste e significativas regiões da África e
da América Latina desprenderam-se de seus fortes laços anteriores com os mercados mundiais
de bens e de matérias-primas
4
. Com a intensificação da internacionalização dos mercados, no
entanto, as atividades de produção, negociação e investimento adquirem caráter transnacional,
tornando-se cada vez mais indiferentes às fronteiras nacionais. Para Castells (1999), a
abertura de novos mercados em torno de uma rede de conexão global de extrema mobilidade
3
O acordo de Bretton Woods, de 1944, transformou o dólar na moeda reserva mundial, vinculando o
desenvolvimento econômico do mundo à política fiscal e monetária norte-americana (HARVEY, 1992).
4
Essa mudança está associada, ainda, à ênfase dada ao desenvolvimento das indústrias nacionais nos países da
América Latina, durante a década de 1970.
39
foi proporcionada pela desregulamentação dos mercados aliada às novas tecnologias da
informação.
Mas talvez o traço mais marcante da transição do regime fordista para a acumulação
flexível esteja justamente no crescimento do setor de serviços e do mercado financeiro, que
acompanha o declínio da importância relativa do setor de produção, ou seja, da indústria
5
.
Esse processo “[...] trouxe consigo uma nova cultura internacional e se apoiou fortemente em
capacidades recém-descobertas de reunir, avaliar e distribuir informação” (HARVEY, 1992,
p. 131). Essas capacidades estão geralmente concentradas nas grandes cidades que, dentro
desse novo contexto, adquirem novas funções e um papel estratégico no controle da economia
mundial. Essas novas funções, no entanto, distanciam-se cada vez mais do setor de produção
industrial, estando mais associadas ao setor terciário, com predomínio das atividades de
serviços ligados ao mercado de informações e ao turismo.
Uma outra característica marcante da globalização é a competitividade, que deixa de
se restringir às empresas, afetando também os territórios estratégicos em que estas atuam: as
cidades. Com o objetivo de obter acesso a mercados cada vez mais globais, as grandes cidades
passam a competir entre si por recursos e atividades que variam dos investimentos
estrangeiros, alocações de matrizes e instituições internacionais, ao turismo e à realização de
convenções (SASSEN, 1998). Surgem, assim, nessas cidades, espaços transnacionais
ocupando territórios nacionais, o que, para Sassen, seria o traço definidor da atual fase da
economia. Em relação à competitividade, Castells (1999, p. 106) coloca que “[...] concorrer é
fortalecer a posição relativa com a finalidade de adquirir maior poder de barganha no
indispensável processo de negociação em que todas as unidades políticas devem ajustar suas
estratégias em um sistema interdependente”. Nesse sentido,
[...] as empresas estarão motivadas não pela produtividade, e sim pela
lucratividade, para a qual a produtividade e a tecnologia podem ser meios
importantes mas, com certeza, não são os únicos. E as instituições políticas,
moldadas por um conjunto maior de valores e interesses, estarão voltadas na esfera
econômica, para a maximização da competitividade de suas economias.
(CASTELLS, 1999, p. 100, grifo do autor).
A competitividade, na forma de luta pela atração de capitais, como é colocada por
Vainer (1998, p. 40), estaria resultando, segundo ele, na minimização dos custos de circulação
e relocalização de empresas e capitais, “constituindo, dessa maneira, em importante
contribuição (pública) ao próprio processo de globalização e deslocalização de capitais
(privados)”. O aumento da competitividade passa a ser, portanto, uma das principais metas
5
Costuma-se fazer referência também à expressão “pós-industrial” para caracterizar o período atual.
40
perseguidas pelos gestores públicos preocupados em incrementar a economia de seus
territórios, dentro dos parâmetros exigidos pela globalização. E como as qualidades
competitivas de um território estão relacionadas não só à sua posição estratégica dentro da
economia-mundo, mas também às especificidades que cada localidade é capaz de agregar, a
competitividade entre cidades torna-se emblemática. Inauguram-se, assim, novos formatos de
governança na gestão pública, centrados em modelos de competitividade urbana.
Entre as regiões que se destacaram como centrais na nova economia mundial, Sassen
aponta as zonas de produção, os centros de turismo e os grandes centros comerciais e
financeiros. “Além desses locais encontra-se um vasto território que contém cidades de
pequeno e grande portes, juntamente com aldeias, cada vez mais desligadas dessa nova
dinâmica de crescimento internacional” (SASSEN, 1998, p. 56). Em relação a esse fenômeno,
Castells apresenta a noção de regionalização interna. Para o autor, “[...] a regionalização
interna é um atributo sistemático da economia informacional/global”, e embora os efeitos
desta alcancem todo o planeta, “[...] sua operação e estrutura reais dizem respeito só a
segmentos de estruturas econômicas, países e regiões, em proporções que variam conforme a
posição particular de um país ou região na divisão internacional do trabalho” (CASTELLS,
1999, p. 120). Assim, fica claro que a globalização ao mesmo tempo em que condiciona a
integração entre territórios, provoca a marginalização de outros; os excluídos. E é nas cidades
que esse processo evidencia suas conseqüências mais marcantes.
2.1.1. O papel das cidades na era da globalização
Como já foi dito, as mudanças estruturais que vêm ocorrendo nos campos da cultura,
da economia e da política nas sociedades contemporâneas (para destacar apenas esses
campos) possuem fortes reflexos sobre a organização das cidades. Conforme Sassen, “[...] a
globalização da economia, acompanhada pelo surgimento de uma cultura global, alterou
profundamente a realidade social, econômica e política dos Estados-Nação, das regiões
transnacionais e [...] das cidades” (1998, p. 11). Essa alteração profunda reflete-se, segundo a
autora, no surgimento de um novo tipo de sistema urbano, que opera em níveis regionais,
globais e transnacionais.
Trata-se de um sistema no qual as cidades são pontos centrais fundamentais para a
coordenação internacional e para a prestação de serviços das empresas, mercados e
até mesmo de economias inteiras que, cada vez mais, são transnacionais. Essas
cidades despontam como lugares estratégicos na economia global. A maioria delas,
porém, incluindo a maior parte das grandes cidades, não faz parte desses novos
sistemas urbanos transnacionais (SASSEN, 1998, p. 47).
41
As mudanças advindas do processo de globalização colocam as diversas cidades do
mundo em um novo sistema hierárquico, no qual se destacam aquelas merecedoras do título
de “globais”. Constitui-se, então, uma divisão extremamente desigual entre as cidades, que
exclui grande parte daquelas que não conseguem se integrar ao novo sistema. Nesse sentido,
Castells (1999, p. 405) coloca: “A economia global/informacional é organizada em torno de
centros de controle e comando capazes de coordenar, inovar e gerenciar as atividades
interligadas das redes de empresas”. E, ainda, como “[...] existe continuidade da história
espacial da tecnologia e industrialização na era da informação”, são os grandes centros
metropolitanos de economia transnacional que controlam as redes de articulação geradas
pelos fluxos globais de capital: “[...] os principais centros metropolitanos em todo o mundo
continuam a acumular fatores indutores de inovação e a gerar sinergia na indústria e serviços
avançados” (CASTELLS, 1999, p. 416).
Entre as cidades globais principais, destacam-se aquelas ligadas às potências da
“tríade mundial”
6
(Estados Unidos, Europa e Japão), como Nova York, Londres, e Tóquio.
Segundo Castells (1999, p. 125), “[...] o núcleo da economia global é uma rede extremamente
interdependente entre os EUA, Japão e Europa Ocidental [...]”, em torno do qual “o resto do
mundo organiza-se em uma rede hierárquica e assimetricamente interdependente, conforme
países e regiões diferentes competem para atrair capital, profissionais especializados e
tecnologia a suas praias [...]” (p. 118).
Duas tendências que contribuem para novas formas de desigualdade entre as cidades
são visíveis na geografia e nas características dos sistemas urbanos. Por um lado,
existe uma articulação crescente em nível internacional entre as cidades. Isso é
evidente no nível transnacional regional e no nível global. [...] Por outro lado,
cidades e regiões situadas fora dessas hierarquias tendem a se tornar periféricas ou
ainda mais periféricas do que têm sido até então (SASSEN, 1998, p. 72).
No Brasil, a cidade que chegaria mais perto do podium no ranking das cidades mais
integradas à rede global seria São Paulo, seguida do Rio de Janeiro. Acontece, no entanto, que
essas cidades possuem uma espécie de força gravitacional em relação às cidades menores que
estão em seu entorno, concentrando grande parte das principais atividades e dos principais
investimentos ligados à economia global. No caso do Brasil, por exemplo, percebe-se que a
forte conexão da cidade de São Paulo às redes do mercado global contribui para a sua
primazia em relação a outras cidades do Brasil, dificultando que outras grandes cidades, como
o Rio de Janeiro, ocupem posições mais elevadas no “ranking” das cidades globais. Ou seja, a
6
A noção de tríade mundial é reforçada por Chesnais (1996), que destaca como um dos elementos mais
marcantes do atual sistema mundial de intercâmbio a “regionalização” ou a “polarização” do comércio em torno
dos três pólos da tríade, gerando conseqüentemente a marginalização dos demais países.
42
elevada concentração de investimentos públicos e privados nos territórios mais competitivos
em nível global traz como conseqüência a diminuição de investimentos em territórios menos
competitivos, gerando uma acentuação da disparidade entre eles. Essa tendência, quando
refletida na realidade desigual de países como Brasil, aumenta ainda mais a heterogeneidade
do desenvolvimento nacional. Para Bacelar “[...] a inserção do Brasil na economia mundial
globalizada, tende a ser amplamente diferenciada, segundo os diversos sub-espaços
econômicos desse amplo e heterogêneo país.” (1999, p. 275, grifo da autora).
Além dessas cidades concentradoras de “poder” em nível mundial, existem também
aqueles pólos de abrangência regional, que exercem influência sobre uma rede menor, porém,
mais articulada, que conecta os circuitos locais à rede global. Para Castells (1999, p. 437-
438), “Os nós e os centros de comunicação seguem uma hierarquia organizacional de acordo
com seu peso relativo na rede”. Fora dessas redes, no entanto, encontra-se um imenso número
de cidades menores que, de modo geral, ficam excluídas dos processos globais, mas não
deixam de sofrer as conseqüências dele. Segundo Sassen (1998, p. 17), “[...] ao lado dessas
novas hierarquias globais e regionais das cidades há um vasto território que se tornou cada
vez mais periférico e cada vez mais excluído dos grandes processos econômicos que
alimentam o crescimento econômico na nova economia global”. Ou seja, apesar de basear-se
na integração, a globalização ocorre de maneira bastante excludente, gerando uma intensa
marginalização. Para Maricato (2001, p. 24), “[...] o conceito de cidade global tenta reinventar
algo semelhante ao papel representado pelas capitais das colônias (século XIV) e metrópoles
periféricas (século XIX), levando em conta a concentração de poder dessas aglomerações.
Apenas aparentemente o conceito é novo”.
A análise de Sassen (1998) representa uma grande contribuição na compreensão do
impacto urbano da globalização econômica sobre as novas desigualdades entre as cidades e no
interior delas. Sobre essa nova desigualdade inter e intraurbana que vem se afirmando, a
autora coloca: “a implantação dos processos globais parece ter contribuído para aumentar a
separação ou desarticulação entre as cidades e setores existentes nessas cidades que se
articulam com a economia global e setores em que isso não ocorre” (p. 56).
Essa particularidade do processo de globalização servirá para explicar, em parte, o
que vem ocorrendo na cidade de Natal, em relação à sua área portuária. Como será explicitado
mais à frente, Natal possui uma posição periférica em relação a outras cidades do Nordeste
brasileiro, estando situada à margem das redes globais da economia e tendo que se subordinar,
muitas vezes, a centros regionais próximos, como as cidades de Recife e de Fortaleza, estas
43
também fora das redes globais. Ao mesmo tempo, porém, ao tentar inserir-se no mercado
mundial por meio do incremento à economia do turismo, a cidade elege espaços intra-urbanos
estratégicos, marginalizando outras áreas de menor interesse para essa atividade. Há, portanto,
tanto uma marginalização externa da cidade em relação a outras, como uma marginalização
interna de territórios urbanos, em relação a áreas estratégicas eleitas como globais.
Mas, antes de discutirmos a situação de Natal dentro do contexto da globalização, é
preciso destacar a influência desse processo sobre os portos e as áreas portuárias, visto que o
fenômeno da “integração excludente” também tem suas implicações diretas sobre as redes de
circulação de mercadorias, e especificamente sobre os sistemas de transporte marítimo, no
qual os portos estão inseridos. Compreender de que forma essa influência se dá em relação ao
setor produtivo e à função dos portos na nova economia mundial é fundamental para se ter
uma visão mais ampla de como têm se delineado os movimentos de reestruturação de áreas
portuárias em todo o mundo e, especificamente, na realidade destacada na cidade de Natal.
2.1.2. Reestruturação produtiva e implicações sobre áreas portuárias
Se, por um lado, as mudanças na economia mundial advindas com o processo de
globalização tendem a enfraquecer o setor produtivo frente ao crescimento do comércio e dos
serviços, e em grande parte daqueles ligados ao mercado financeiro e ao turismo, por outro,
revela-se dentro do setor produtivo um movimento de resistência e de busca pelo seu
fortalecimento, que aparece no referencial teórico sob a denominação de “reestruturação
produtiva”. Isto é, para sobreviver na economia globalizada, o setor produtivo precisaria
passar por uma reestruturação interna, capaz de adequar seus mecanismos de funcionamento
às novas necessidades impostas pelo mercado internacional. Nesse contexto, verifica-se um
movimento no sentido da compressão do tempo-espaço (Harvey, 1992) dentro dos processos
de produção (refletido, por exemplo, na idéia de produção “just-in-time”, no aperfeiçoamento
dos sistemas de logística, e no processo de conteineirização das mercadorias) o que irá gerar
um outro tipo de “pressão” sobre as áreas portuárias, com conseqüências até contraditórias à
tendência de desvalorização dessas áreas.
Numa conjuntura em que se preza pela diminuição das distâncias e das barreiras e se
valoriza cada vez mais a integração, as áreas portuárias de diversos lugares do mundo ganham
importância estratégica, desenvolvendo novas competências e despontando como localizações
de grande potencial para investimentos. Segundo Baudouin (1999, p. 31), “as cidades-
44
portuárias na plena acepção do termo – cidades do comércio marítimo internacional –
impõem-se como protagonistas centrais da globalização”.
A cidade portuária representa, sem dúvida, um lugar estratégico de organização da
economia mundializada, de articulação do local e do global no coração das
diferentes articulações entre fluxos materiais de mercadorias sempre crescentes, e de
fluxos imateriais de informação e comunicação que se tornam predominantes na
nova economia (COLLIN, 2003, p. 43).
De acordo com Llovera (1999), as mudanças na economia mundial, o crescimento do
comércio internacional, o avanço nas técnicas de comunicação e o desenvolvimento do
transporte multimodal, onde se sobressaem os contêineres, impulsionaram o surgimento de
novas funções e de uma nova concepção do papel das áreas portuárias e de suas áreas urbanas
próximas. Atualmente, os navios de carga demandam portos mais bem equipados, de calados
mais profundos e mais eficientes no armazenamento, manuseio e transporte das mercadorias,
que são depositadas em contêineres, facilitando sua manipulação em grandes quantidades.
O processo de conteinerização fez com que a posição geográfica do porto em relação
aos mercados não mais representasse um fator de concorrência decisivo. Ganham importância
na nova economia a eficácia interna do porto, relacionada à capacidade de circulação de
fluxos, e a eficácia do sistema territorial, com base na qualidade das relações cidade-porto
(SEASSARO, 1999). Para Collin (1999, p. 46-47), relações mais construtivas entre os portos
(espaços de produtividade) e as coletividades locais (espaços de solidariedade) começam a
emergir: “De instrumento do transporte nacional, o porto começa a ser visto também como
um motor econômico local, fonte de mais-valia e de empregos para a cidade”. Para Baudouin
(1999, p. 36), “O interesse pela interface cidade-porto marca a passagem de um período
industrial em que cada um dos atores estava parado em seu território, para uma fase de
comércio e de serviços que dá um papel determinante à relação entre eles”.
Na atual circulação internacional de fatores de produção, a função essencial de uma
cidade portuária é ligar seu interior e esse processo de circulação. Não se trata mais
de instrumento portuário de trânsito rápido para a indústria nacional, mas de uma
cidade de comércio capaz de captar os fluxos para dar-lhes o valor agregado que ela,
ou o interior do país, é capaz de gerar (COLLIN, 1999, p. 43).
Por outro lado, da mesma forma que nas novas relações de mercado estabelecidas
com o advento da globalização formam-se redes de interação mundial ligadas por nós
principais ou secundários de articulação, gerando, conseqüentemente um vasto território de
exclusão, processo semelhante pode ser observado em relação às rotas de circulação de
mercadorias. Para que os fluxos se tornem cada vez mais intensos e dinâmicos, forma-se uma
rede central de distribuição dos produtos que engloba apenas as rotas principais e, em função
45
das quais, as rotas menores devem se adequar. Assim, os grandes navios não fazem mais a
comunicação de cada cidade com seu destino de exportação dos produtos locais; eles elegem
um determinado centro regional que funciona como pólo concentrador de algum setor
produtivo, para o qual devem ser escoadas as produções das cidades mais próximas. Esses
centros regionais, por sua vez, têm uma ligação mais aproximada com os centros nacionais e
com os pólos da rede de circulação, entre os quais as rotas principais circunscrevem-se. Com
isso, apenas os portos situados em territórios estratégicos, mais sofisticados, mais preparados
tecnologicamente e com maior nível de eficiência nas atividades de carregamento e
descarregamento de mercadorias recebem os grandes navios. Ilustra essa situação a colocação
de Sassen (1998, p. 63) em relação ao contexto europeu: “pequenas cidades portuárias ou
grandes cidades que não atualizaram ou modernizaram sua infra-estrutura estarão em grande
desvantagem quando tiverem que competir com as grandes e modernizadas cidades portuárias
da Europa”.
Como conseqüência dessa nova dinâmica, “[...] uma multiplicidade de centros
manufatureiros e cidades portuárias, outrora importantes, perderam suas funções e
encontram-se em declínio, não só nos países menos desenvolvidos como também nas
economias mais adiantadas” (SASSEN, 1998, p. 17, grifo nosso). Embora Sassen considere
que os portos mantêm um papel estratégico em um mundo de crescente comércio
internacional, principalmente na formação dos blocos internacionais direcionados ao
comércio e ao investimento, esse papel encontra-se dividido apenas entre os maiores portos,
localizados nos nós principais da rede mundial. Baudouin (2003, p. 35) chama a atenção para
o fato de, apesar do aumento do intercâmbio entre cidades, com a mundialização, ter
beneficiado as cidades portuárias, “muitas delas temem ser marginalizadas desse crescimento,
em virtude de se haver modificado completamente o papel dos portos nos últimos anos”.
O que se depreende, então, dessas colocações é que, com o processo de globalização,
as áreas portuárias perderam a primazia que possuíam no sistema econômico anterior (período
denominado de industrial), em conseqüência do aumento da relevância do setor terciário sobre
o setor produtivo, característico do período pós-industrial. No entanto, dentro do processo de
“reestruturação produtiva”, que é interno ao setor produtivo, as áreas portuárias adquirem
valor estratégico, por se tratarem de estruturas fundamentais para a adequação desse setor aos
novos imperativos da economia globalizada. Sua importância está associada, por um lado, à
capacidade de encurtamento do tempo e das distâncias no sistema de trocas internacionais, e
por outro, a valores subjetivos que tais lugares são capazes de reunir, seja por meio de
46
atributos históricos, paisagísticos ou locacionais, seja por fatores de integração, articulação
entre funções e congregação de atores diversos.
Todo esse contexto tem um significado específico sobre portos, e cidades portuárias
de todo o mundo. Desses movimentos gerados pelas mudanças na esfera da economia, surgem
novos padrões de intervenção sobre as áreas portuárias que serão discutidos mais na frente.
Antes disso, porém, cabe destacar as implicações do processo de reestruturação econômica
global sobre os sistemas político-administrativos dos Estados, principalmente no que se refere
aos níveis central e local de governo. Esse será o tema do item seguinte.
2.2. Os movimentos de reforma no papel do Estado
As mudanças desencadeadas no setor econômico afetaram profundamente o papel
dos Estados no controle do desenvolvimento nacional, colocando em xeque muitas das
estruturas de administração Estatal então vigentes. Para Bauman (1999), a velocidade com
que o capital se move na nova economia dificulta, ou até mesmo inviabiliza, o seu controle
pelo Estado.
De acordo com os cálculos de René Passat [1997, p. 26], as transações financeiras
intercambiais puramente especulativas alcançam um volume diário de US$ 1,3
bilhão – cinqüenta vezes mais que o volume de trocas comerciais e quase o mesmo
que a soma das reservas de todos os ‘bancos centrais’ do mundo, que é de US$ 1,5
bilhão. ‘Nenhum Estado’, conclui Passat, ‘pode portanto resistir por mais de alguns
dias às pressões especulativas dos ‘mercados’’. (BAUMAN, 1999, p. 74).
Para gerir, ou simplesmente deixar fluir essa nova economia global, seria preciso
eliminar fronteiras para a livre circulação do mercado; desburocratizar o sistema, tornando-o
mais flexível; e permitir, e até mesmo incentivar, o crescimento indiscriminado das empresas
privadas. As reformas neoliberais de Estado, encaminhadas segundo os princípios da “teoria
da mão invisível”, ou do “livre mercado”, de Adam Smith, configuraram-se, dessa forma, em
um movimento de reforço para a afirmação da globalização. Segundo Castells (1999), a nova
economia é moldada, até certo ponto, de acordo com os processos políticos desenvolvidos no
e pelo Estado. E, para Bauman (1999, p. 76, grifo do autor), “Estados fracos são precisamente
o que a Nova Ordem Mundial, com muita freqüência encarada com suspeita como uma nova
desordem mundial, precisa para sustentar-se e reproduzir-se”. Para este autor, “[...] não há
contradição lógica nem pragmática entre a nova extraterritorialidade do capital (absoluta no
caso das finanças, quase total no caso do comércio e bem avançada no da produção industrial)
e a nova proliferação de Estados soberanos frágeis e impotentes” (BAUMAN, 1999, p. 75).
47
Assim, a partir dos anos 1970, assistiu-se, em diversos países, a começar por Estados Unidos
e Inglaterra, a uma verdadeira reestruturação no modo de governar, pautada na necessidade de
revisão do papel do Estado.
Passou-se, então, a discutir meios de se reformular a máquina Estatal, em direção a
uma maior flexibilização e desregulamentação dos mecanismos de controle e ao aumento da
importância do setor privado nas estratégias de atuação. Segundo Przeworski (2001), a
solução institucional prescrita pelos neoliberais está em impedir a intervenção estatal. Nessa
visão, questiona-se a capacidade do Estado em organizar a vida pública e permitir o
desenvolvimento capitalista com o livre funcionamento do mercado. Segundo Offe (1996,
apud BAUMAN, 1999, p. 76), o padrão resultante pode ser descrito como “[...]
‘afrouxamento dos freios’: desregulamentação, liberalização, flexibilidade, fluidez crescente e
facilitação das transações nos mercados financeiro imobiliário e trabalhista, alívio da carga
tributária etc.”. Para Maricato (2000, p. 129), “[...] a vitória da chamada ideologia neoliberal,
nos anos 1980 e 1990, é inconteste: argumenta-se que a desregulamentação deve assegurar
liberdade às forças do mercado, pois daí decorreria o equilíbrio”.
Esse momento de reajuste estrutural surge com a eminência da incapacidade
financeira e administrativa dos Estados Nacionais em prover as demandas sociais pelas quais
se responsabilizara no período anterior (caracterizado pelo Estado do bem-estar social, Estado
Keynesiano ou Welfare State). Com a eclosão da crise de endividamento internacional na
década de 1980 (PEREIRA, 2001) e de críticas em torno da perda global de governabilidade
no planeta (DOWBOR, 1994), passou-se a exigir dos Estados reformas voltadas para o ajuste
fiscal, a liberalização do comércio e a privatização e desregulamentação do setor público
(PEREIRA, 2001). Para Pereira (2001), o tema envolve aspectos políticos, econômicos e
administrativos que se relacionam com a promoção da governabilidade e da governança.
Além das “pressões” que a economia mundial exerce sobre os Estados Nacionais, no
sentido de induzir às reformas neoliberais tão difundidas nas últimas décadas do século XX,
há um evidente reforço por parte de instituições financeiras multilaterais, como o Banco
Mundial e o FMI, entre outras, na direção da implementação dessas reformas nos países que a
elas recorrem em busca de recursos.
Com a falência financeira de suas economias, os principais países latino-americanos
tiveram de escolher: ou cortar seus laços deteriorados com a economia global, ou
então aceitar uma reestruturação profunda de suas economias, seguindo à risca as
políticas específicas a cada país, elaboradas pelo FMI em nome do clube dos
credores. Poucos governos ousaram resistir. (CASTELLS, 1999, p. 136).
48
E as imposições do FMI à liberação de empréstimos para esses países baseavam-se,
segundo Castells (1999, p. 136), nos princípios ortodoxos neoclássicos do livre comércio,
destacando-se duas medidas centrais:
[...] (a) controle da inflação, principalmente pela redução drástica dos gastos
públicos, com a imposição de austeridade fiscal, aperto nos créditos e na oferta
monetária e rebaixamento dos salários reais; e (b) privatização da maior parte
possível do setor público, em especial suas empresas mais rentáveis, oferecendo-as
em licitações ao capital estrangeiro. O objetivo fundamental perseguido por essas
medidas era homogeneizar as características macroeconômicas da América Latina,
alinhando-as com as da economia global aberta.
Bitoun (2001) também se refere ao assunto, ao analisar os documentos produzidos
pelo Banco Mundial acerca do modelo de planejamento que deve ser conduzido a partir dos
investimentos por ele concedidos. A necessidade de reformas e ajustes nos governos centrais
e locais para se adequarem às precondições exigidas pelo mercado global, e a exploração de
vantagens comparativas dentro de um ambiente de competitividade entre as cidades são
alguns dos elementos que aparecem apontados nesses documentos. No que se refere à
condição de “governance” exigida, as formulações do Banco Mundial estão vinculadas a um
ajuste econômico nacional e local. “Para conceder empréstimos, o Banco intervém no campo
político desenhando um ‘modelo de ordem moral ideal capaz de oferecer o melhor ambiente
ao desabrochar da economia’.” (BITOUN, 2001). E, para complementar, entraria, entre as
condições exigidas pelo Banco Mundial, a disciplina orçamentária, ou seja, a responsabilidade
financeira do país em pagar suas dívidas. O posicionamento de Chesnais sobre esse assunto é
ainda mais contundente:
Foi a partir da recessão americana de 1980-1981 e das medidas tomadas para
defender a perenidade dos rendimentos do capital monetário, através de uma política
de taxas positivas de juros reais, que esses países [do terceiro mundo] foram
‘nomeados’ para suportar, cada qual em sua categoria, o peso da crise mundial. O
fardo do serviço da dívida e os planos de ajuste estrutural impostos pelo FMI e pelo
Banco Mundial deram o quadro de um conjunto de medidas, impondo aos países
devedores o pagamento dos juros da dívida e a reorientação de sua política
econômica. (CHESNAIS, 1996, p. 220).
As conseqüências desses reajustes das administrações públicas no modo de atuação
sobre as cidades e como elas se refletem na realidade brasileira são os temas principais que
pretendemos destacar em nosso estudo. A compreensão de como esses fatores interferem nos
condicionantes do movimento de reestruturação de áreas portuárias e, especificamente nas
questões levantadas em torno do processo desencadeado em Natal, será de extrema relevância
para a construção de nossa análise central.
49
2.2.1. As novas políticas de desenvolvimento urbano
Os movimentos de reforma política encaminhados segundo a tendência neoliberal
afetaram profundamente o modo de atuação dos governos sobre as cidades, implicando em
um conjunto de alterações no formato de condução do planejamento urbano. Uma nova
concepção de ação sobre as cidades, apoiada em novos modelos e padrões de intervenção,
começou a se impor como resposta dominante para a necessidade de renovação no formato de
atuação do poder público de acordo com os imperativos da globalização. Enquanto no campo
cultural, esse movimento corresponde a uma mudança de estilos (do modernismo para o pós-
modernismo); na esfera política, ele se traduz como uma reorientação no perfil de
envolvimento do Estado com os assuntos da realidade urbana (ênfase no nível local) e com os
direcionamentos do desenvolvimento urbano (associados à escala global).
Silva (2004) fala do estabelecimento de novos regimes urbanos em todo o mundo, a
partir da emergência de novas coalizões de interesses articulados em nível local (a partir dos
anos 1980), e da constituição de novos arranjos políticos locais, em que se destacariam as
parcerias público-privado. As novas tendências de ação sobre o urbano estariam refletidas,
segundo o autor: a) na idéia de projeto urbano, dominante em países como a França e a Itália;
b) na visão de planejamento estratégico, difundida em países da Península Ibérica e América
Latina e; c) dentro da ciência política britânica, na associação dos conceitos de governança
urbana e regimes urbanos, apoiada no sistema de parcerias público-privado. Esse processo
adviria, entre outros fatores, do reconhecimento do potencial de mobilização representado
pelos estabelecimentos dos “regimes de governança local” e pela constatação da existência de
uma tendência, no campo da gestão urbana, de multiplicação do número de atores
intervenientes, assim como de uma complexificação dos arranjos institucionais e das
interações inter-atores (SILVA, 2004, p. 7). Estaria se configurando, portanto, numa análise
mais geral, uma reorientação do formato de atuação sobre as cidades, refletido no nível local,
e de acordo com as especificidades dominantes, em novos regimes urbanos.
As cidades norte-americanas tornaram-se pioneiras nesse processo de reorientação, e
suas soluções para o encaminhamento das mudanças almejadas, passaram a constituir um
modelo amplamente difundido e apropriado em diversos lugares do mundo. A conjuntura
política do país naquele momento ajuda a esclarecer as direções tomadas.
Segundo Compans (2005), nos Estados Unidos, a reorientação da política urbana que
marcou a década de 1980 acompanhara o esgotamento do modelo de desenvolvimento
fordista e a crise fiscal do Estado. A reação do governo norte-americano a essa situação
50
prenunciaria uma mudança de rumo na política urbana do país. O governo de Richard Nixon
(1969-1974) teria marcado o início do processo de desmantelamento dos sistemas nacionais
de combate à pobreza e de desengajamento do governo federal na oferta de habitações
públicas. Em seguida, Gérald Ford (1974-1976) decretaria a substituição dos programas
públicos de renovação urbana que eram conduzidos pelos governos municipais por
subvenções ao desenvolvimento local geridas pelo setor privado – como as Community
Development Block Grants e as Urban Development Action Grants. Ronald Reagan (1981-
1989), finalmente, redirecionaria radicalmente a política urbana norte-americana, em uma
reforma administrativa que rompia com o compromisso político do pós-guerra ao prever
medidas como: contenção dos gastos públicos, e nomeadamente, dos gastos sociais,
desregulamentação do mercado de trabalho, redução de impostos e privatização de empresas
estatais (COMPANS, 2005).
Essa nova política implicou para as localidades em uma perda substancial da receita
proveniente das transferências do governo federal num momento em que se ampliavam as
responsabilidades dos governos subnacionais, em busca da descentralização administrativa.
Esses fatores impulsionaram os governos locais a assumir o papel de promotores do
desenvolvimento econômico, como forma de assegurar a manutenção ou o aumento do nível
de emprego. E como solução para a crise então vigente, propunha-se a implementação de um
sistema gerencial de governo em substituição ao burocrático. Para Bresser Pereira (2001, p.
21), a administração pública gerencial aparece num momento de crise do Estado como
“estratégia para reduzir o custo e tornar mais eficiente a administração dos imensos serviços
que cabiam ao Estado”. Em nome dessa busca por eficiência, recorre-se, então, aos
mecanismos de atuação das empresas privadas e ganha força a idéia de “gerenciamento
público empreendedor” (OSBORNE; GAEBLER, 1995). Essa nova forma de governo é
descrita por Osborne e Gaebler (1995, p. 19) como inovativa, imaginosa e criativa:
Assume riscos. Transforma as funções da cidade em fontes de receita, em vez de
pesos sobre o orçamento. Despreza as alternativas convencionais, que se limitam a
oferecer serviços básicos. Trabalha de acordo com o setor privado. Usa noções
comerciais sólidas. Privatiza. Cria empresas e operações geradoras de recursos.
Orienta-se pelo mercado. Focaliza a avaliação de desempenho das suas ações. [...]
Faz com que as coisas funcionem e não teme sonhar o grande sonho.
Diante desse quadro, novos paradigmas são criados: descentralização e afirmação do
poder local, parcerias entre os setores público e privado, competitividade interurbana,
empreendedorismo, entre outros. As mudanças no modelo de administração estatal
contribuem para o surgimento de novas formas de planejamento, que se pressupõe que sejam
51
adaptadas às necessidades e exigências atuais. E, segundo Maricato “[...] esse processo está
sujeito às mesmas influências de produção ideológica de idéias que mascara o conflito
político” (2000, p. 133).
Assim, foram criados programas com o objetivo de estimular o emprego no setor
privado através de diferentes formas de parceria público-privado. O investimento privado
passou a ser visto como única fonte de financiamento disponível para a renovação urbana,
implicando em uma vinculação mais estreita da política urbana com os objetivos de
crescimento econômico (COMPANS, 2005).
Com efeito, os governos locais norte-americanos ampliaram extraordinariamente o
uso de instrumentos fiscais para estimular as atividades privadas em novas
construções – como concessão de empréstimos públicos, renúncia fiscal e
financiamento em leasing –, passaram a oferecer contrapartidas em terrenos, infra-
estruturas e regras mais flexíveis para viabilizar empreendimentos em áreas
consideradas estratégicas para a economia local – como por exemplo, nas Enterprise
Zones, como eram chamados os distritos de negócios que gozavam de regime
jurídico-urbanístico especial –, e lançaram-se na formação de ‘parcerias’ com
empresas privadas para a promoção de projetos de desenvolvimento (COMPANS,
2005, p. 84-85, grifo do autor).
A prática de “parcerias público-privadas”, embora já tradicional nos Estados Unidos,
foi diversificada e intensificada com a crise do financiamento público dos anos 70 e 80. “Ela
se transformou no principal fundamento da política urbana norte-americana, dada a natureza
agora privada de seu financiamento” (HARVEY, 1996; FAINSTEIN; FAINSTEIN, 1994,
apud COMPANS, 2005). A forma privilegiada de parceria público-privado nesse período
foram as agências de desenvolvimento, que não integravam a administração municipal, mas
eram mantidas por esta, sendo seu presidente escolhido pelo prefeito. Obtinham
financiamentos mediante contratos e seu conselho de administração era composto por
profissionais oriundos do setor privado. Cabia-lhes escolher terrenos apropriados aos novos
empreendimentos, definir programas financeiros, melhorias da infra-estrutura e vantagens a
serem acordadas com os investidores, e com estes negociar contrapartidas como a manutenção
do nível de emprego, a formação profissional de trabalhadores ou ações concernentes à
preservação do meio ambiente (FAINSTEIN; FAINSTEIN, 1994, apud COMPANS, 2005).
Para Compans (2005, p. 86, grifo nosso), uma das conseqüências desse tipo de
parceria reflete-se na mudança de escala do planejamento, que
[...] em vez de buscar ordenar os elementos espaciais dispostos em amplas zonas,
voltou-se para projetos circunscritos a áreas específicas – tais como a revitalização
de áreas centrais, a renovação de antigas zonas industriais e portuárias, a
construção de teleportos etc. –, nos quais se poderia assegurar uma rentabilidade
atraente para o investimento privado.
52
Essa busca generalizada pelo financiamento privado estaria caracterizando a
passagem de uma política nacional de renovação urbana para uma outra baseada no
“mercantilismo local”. Nela, a relação entre Estado e mercado estaria sendo profundamente
alterada pela prioridade do primeiro na “facilitação” do segundo antes do que em sua
regulação (COMPANS, 2005).
No caso dos países da Península Ibérica, as mudanças no formato de atuação sobre as
cidades se dão mais internamente à esfera Estatal, não sendo delegado ao mercado um poder
de interferência tão amplo sobre os assuntos da agenda pública. O exemplo da Espanha, e em
especial, da cidade de Barcelona, tornou-se paradigmático desse processo de readequação das
políticas públicas urbanas, orientado pela visão de planejamento estratégico.
Segundo Capel (2005), após o restabelecimento da democracia na Espanha,
Barcelona passou por uma fase de “urbanismo de urgência”, que tratava de atender às
reivindicações populares mais imperiosas em matéria de equipamento social. Em seguida,
deu-se lugar a um urbanismo de regeneração do centro da cidade, com a intervenção em ruas
e praças, e de requalificação da periferia. “En una primera fase predominaron las operaciones
puntuales, las intervenciones en algunas plazas seleccionadas, como sectores de estímulo a la
rehabilitación, con la pretensión de que tuvieran efectos difusores sobre el tejido urbano
circundante […]” (CAPEL, 2005, p. 14). Essa linha de atuação teria resultado, segundo Capel
(2005), em 150 operações de recuperação do espaço público na década de 1980, e teria gerado
uma tensão no debate entre a concentração e a dispersão dos investimentos.
A partir de meados dos anos 1980, com o regime democrático consolidado e uma
situação econômica mais estável, entrou-se numa fase de operações mais ambiciosas, com
grandes intervenções, abertura de ruas, etc. A candidatura de Barcelona a sede dos Jogos
Olímpicos, concedida em 1986, “permitió activar una serie de proyectos de intervención en la
ciudad y desencadenó una fase de ritmo intenso de construcciones, con apoyo de inversiones
públicas” (CAPEL, 2005, p. 15). As ações em torno dos Jogos Olímpicos se traduziram num
processo de reconversão da cidade. Ao mesmo tempo, a localização da Vila Olímpica foi
integrada como parte do processo de recuperação do setor litoral, de abertura para o mar; esse
processo foi continuado posteriormente a partir dos investimentos públicos da Generalitat e
do Estado, visando à realização do Fórum das Culturas em 2004.
Capel (2005, p. 22) coloca que uma série de fatores teria contribuído para o sucesso
do novo sistema de planejamento urbano implantado em Barcelona, mas que
53
Todo ello supone la existencia de un medio local dinámico, con aptitud para la
innovación y el crecimiento, con una administración pública local y regional bien
organizada, redes de cooperación entre empresas y organizaciones, talante
emprendedor; es decir, ha habido precisamente todo lo que hoy se valora al hablar
de los factores del desarrollo endógeno.
No “modelo Barcelona” parte-se da convicção de que a melhora do espaço público é
relevante para a resolução dos problemas econômicos e sociais, e o objetivo priorizado seria
estimular e garantir o crescimento econômico (CAPEL, 2005).
Ha habido en ellos [nos planos estratégicos elaborados] una preocupación por la
competitividad internacional en el proceso de globalización, apoyando la
reconstrucción productiva, las grandes infraestructuras, los grandes proyectos, y la
negociación con los agentes privados, a la vez que la idea de un planeamiento
flexible y abierto, con énfasis en la gestión y la concertación (CAPEL, 2005, p. 30).
Em resumo, o processo de recuperação urbana e econômica de Barcelona, que fez
com que o modelo de planejamento estratégico ganhasse repercussão mundial, estaria
apoiado, segundo Compans (2004, p. 25) numa conjuntura política marcada “[...] por
compromissos sociais estabelecidos entre governo local e coletividade, por um projeto
estratégico de inserção competitiva na economia globalizada e por um extraordinário aporte
de recursos públicos em função da realização dos Jogos Olímpicos de 1992”. E esse modelo
de atuação transformou-se em referência para os países latino-americanos, tendo inspirado
diversos planos de municípios brasileiros.
Dessa forma, percebe-se que as reformas de Estado encaminhadas segundo a
ideologia neoliberal refletem-se claramente na forma de atuação dos governos sobre as
cidades, criando uma visão paradigmática de desenvolvimento urbano, cuja influência não se
restringe aos países desenvolvidos. De fato, os novos formatos de atuação sobre o urbano
aplicados nos Estados Unidos ou em países da Europa, criaram modelos de planejamento
importados por diversos países, e em especial os latino-americanos, como solução para a
inserção na economia globalizada. Vejamos, pois, como isso se reflete na realidade brasileira.
2.2.2. Inovações nos arranjos de gestão e governança no Brasil
Os movimentos de reestruturação econômica e política observados em países de todo
o mundo não deixaram de afetar também a América Latina e o Brasil, em particular. Apesar
de não ter atingido o grau de maturação que adquiriu nos países desenvolvidos, o Estado do
Bem-estar Social, ou Estado Desenvolvimentista, característico do período de crescimento
industrial latino-americano, também entrou em crise na década de 1980 e seu aparato técnico-
burocrático passou a ser revisto, sob a ótica então dominante. Segundo Diniz (1999, p. 15),
54
De agente promotor do desenvolvimento, o Estado passou a ser encarado como o
principal entrave para o desencadeamento de um novo ciclo de crescimento. Dada a
exaustão do modelo baseado no intervencionismo estatal inaugurado na década de
30, a recuperação da matriz liberal seria apontada como a solução para os impasses
do presente e para a construção de uma nova sociedade nas próximas décadas.
Assim, observa-se no Brasil, como em outros países, uma mudança de rumo na
política interna, cuja nova pauta passou a ser dominada por temas como desestatização,
reinserção no sistema internacional, abertura da economia, desregulamentação e privatização
(DINIZ, 1999). Em substituição ao modelo de Estado Forte, implementado na década de
1930, e fundamentado na concentração do poder decisório, no acúmulo de prerrogativas e no
controle sobre recursos estratégicos, a reforma encaminhada a partir da década de 1980 gerou
uma dinâmica de reformulação institucional, que resultou, de acordo com Diniz (1999, p. 19),
em “um Estado fragmentado, caracterizado por alto grau de permeabilidade aos interesses
privados dominantes”.
[...] a ascensão de governos conservadores em países de posição estratégica no jogo
do poder mundial, como os Estados Unidos, a Inglaterra e o Canadá, criou condições
para o predomínio do diagnóstico neoliberal, segundo o qual o gigantismo estatal e o
excesso de gastos seriam o grande mal a ser debelado. Coerentemente com esse tipo
de interpretação, a terapia proposta consistiu na drástica redução do tamanho do
Estado, paralelamente ao esforço para restaurar a primazia do livre mercado nas
decisões relativas à alocação de recursos (DINIZ, 1999, p. 178).
Num contexto mundial marcado por importantes transformações, o ambiente
econômico brasileiro sofre grandes mudanças nos anos noventa. Dentre as principais
destacam-se uma política de abertura comercial intensa e rápida, a priorização à
integração competitiva, reformas profundas na ação do Estado e finalmente a
implementação de um programa de estabilização que já dura três anos.
Paralelamente, o setor privado promove uma reestruturação produtiva também
intensa e muito rápida (ARAÚJO, 1999, p. 249-250, grifo da autora).
Araújo (1999, p. 245) discute a idéia de ‘desintegração competitiva’, ao trabalhar
“[...] a hipótese da fragmentação espacial do país em tempos de inserção competitiva, mas
sobretudo de inserção passiva do Brasil nos mercados em globalização.”. Segundo Araújo
(1999), as questões em torno da concentração de investimentos em áreas já mais dinâmicas ou
da desconcentração em favor de focos regionalizados fariam parte do dilema do Governo
Federal em promover a integração competitiva do país. Porém, as estratégias formuladas no
final da década de 1990 estariam revelando uma concentração dos esforços públicos em focos
dinâmicos, seletivamente escolhidos pelos investidores privados, fortalecendo a atração
exercida por áreas já estabelecidas e levando ao aprofundamento da crise em espaços não
competitivos, mas significativamente já ocupados demográfica e economicamente. Para
Bitoun (2001), o modelo adotado pelo Governo Federal representa uma parte do “ambiente
externo” a ser considerado na análise da competitividade, que sob o discurso técnico da
55
integração competitiva, mantém ou amplia a concentração de investimentos de acordo com os
interesses dos grandes empresários.
Nesse momento, “o foco da atenção recai sobre o empresariado, sobretudo em sua
fração industrial, tendo em vista o papel que lhe caberia desempenhar na transição para um
modelo cuja eficácia depende da pujança do mercado” (DINIZ, 1999, p.12). Diniz questiona,
no entanto, a capacidade da classe empresarial para assumir um papel ativo no processo de
reestruturação econômica e reordenamento institucional, apontando a condição de debilidade,
típica da classe empresarial latino-americana. Essa situação refletiria, pois, para a autora, “um
descompasso entre a adesão ideológica ao neoliberalismo e um padrão de comportamento
pautado pela prevalência de práticas corporativas” (DINIZ, 1999, p. 13).
A adesão aos princípios neoliberais de administração Estatal, na condução da
reforma política brasileira, estaria sujeita, portanto, aos condicionantes da relação histórica
entre Estado e empresariado no Brasil, marcada pelo corporativismo elitista. É importante,
ainda, destacar que, nesse período, o Brasil, bem como outros países da América Latina
recém-egressos de ditaduras militares, passava por um processo de redemocratização do
Estado, encaminhado no bojo das transformações gerais da política pública.
Nesse sentido a descentralização aparece como prerrogativa para o enfrentamento da
crise fiscal do Estado e das críticas em torno da “[...] capacidade do Estado moderno de
desempenhar suas funções a partir de estruturas centralizadas de decisão e operação [...]”, ao
mesmo tempo, em que é apontada “[...] como um instrumento de democratização do processo
decisório das políticas públicas, em direção a formas mais avançadas de participação social.”
(ARRETCHE, 1996, p. 76).
A autora fala, ainda, da força com que a idéia de ligação entre os processos de
descentralização e de democratização aparece nos estudos sobre o tema, citando o trabalho de
Jordi Borja (1984). “Nesta visão, [...] a descentralização seria o processo institucional de
viabilização da participação social, qual seja, uma forma mais avançada de democracia: não
mais representativa, mas participativa.” (ARRETCHE, 1996, p. 77). Arretche defende, no
entanto, que descentralização e democratização são processos distintos, apesar de possuírem
relação entre si. Coloca que: “[...] a noção de democracia diz respeito à natureza do
envolvimento dos indivíduos na gestão da vida coletiva. A descentralização, por sua vez, diz
respeito à forma pela qual tal envolvimento pode ocorrer.” (1996, p. 78, grifo da autora). Ou
seja, as reformas conduzidas no sentido da descentralização da administração Estatal,
56
baseadas na transferência de responsabilidades para os gestores locais, não implicam
necessariamente em uma maior democratização do processo decisório.
A tendência à descentralização aparece, segundo Leal (2003), com o objetivo de
reestruturar e redemocratizar o Estado, segundo duas propostas predominantes: uma de
orientação neoliberal e outra de conotação progressista. Para a autora, na ótica neoliberal,
“descentralizar significa transferir responsabilidades públicas para o setor privado, segundo a
lógica da eficiência e do lucro [...]” (LEAL, 2003, p. 51). Já o debate progressista sobre
descentralização, defende a idéia de democratização, com base no argumento de que “a
descentralização pode favorecer o desenvolvimento de modelos econômicos mais
equilibrados e socialmente mais justos, através da multiplicação de estruturas de poder
(Massolo, 1988) e da redefinição das relações Estado/Sociedade” (LEAL, 2003, p. 51).
Assim, se por um lado, há um claro movimento de inserção do setor privado nos
assuntos da agenda pública, por outro, evidencia-se também o interesse pelo incentivo à
participação da sociedade na definição das metas coletivas. Ou seja, com a reforma da
administração pública no Brasil, projeta-se, de certo modo, um movimento de construção das
estruturas de governança locais.
Segundo Leal (2003), as inovações nas práticas de gestão e governança urbana,
introduzidas nas experiências municipais, expressam hoje duas direções principais: uma de
tendência democratizante, participativa, refletida em diversas práticas de descentralização e
participação popular; e outra, presente nos planos estratégicos, derivada da necessidade de
estabelecer novas formas de governança às cidades, tornando-as protagonistas do chamado
empreendedorismo municipal.
Essa combinação de descentralização, democratização, empreendedorismo urbano e
planejamento estratégico está inserida na construção do contexto maior em que irão se dar as
experiências de reestruturação de áreas portuárias no Brasil e no mundo, impondo fatores
indutores e condicionantes locais aos processos desencadeados em cada cidade. No Brasil,
esses movimentos refletiram-se, por exemplo, em medidas visando à desregulamentação e a
privatização dos serviços portuários (DINIZ, 1997), o que impõe de forma ainda mais
acentuada a necessidade de reformas nas estruturas e nas relações entre portos e cidades.
Além disso, as características da governança construída entre o Estado, o empresariado e a
população (de um modo geral) no Brasil, irão refletir-se na condução dos processos de
reestruturação de áreas portuárias em nossas cidades, seja induzindo a determinados modelos,
seja dificultando a aplicação de outros. Voltaremos a discutir esse tema no capítulo três.
57
2.3. As cidades na cultura pós-moderna
As mudanças que temos assistido nas últimas décadas refletem-se também em novas
formas de pensar o mundo, em novos ideais, novos conceitos e novas tendências de atuação.
Essas mudanças podem ser vistas no campo acadêmico, nas artes, na literatura e, de forma
geral, nos modos de expressão da sociedade atual. As ações sobre as cidades também passam
a ser conduzidas de acordo com as novas concepções dominantes na atualidade, que emergem
dentro desse contexto.
Neste subitem, procuramos destacar as principais mudanças culturais que aparecem
refletidas nos processos de reestruturação de áreas portuárias observados no nosso estudo. De
início, destacamos os traços mais gerais que o contexto cultural associado ao pós-modernismo
imprime sobre o pensamento relativo ao urbano. Com isso, buscamos evidenciar de que forma
a transição da modernidade para a pós-modernidade influenciou em mudanças no modelo de
planejamento dominante, convergindo para o fortalecimento dos ideais de empreendedorismo
urbano e de planejamento estratégico. E, como uma das formas de expressão desse formato de
atuação sobre as cidades, destacamos as estratégias de intervenção em áreas urbanas centrais,
difundidas nos conceitos de renovação, revitalização, requalificação ou reabilitação, dentre
outros. Isso porque, como a maioria das áreas portuárias tradicionais nasceu junto aos núcleos
de formação histórica das cidades, existe uma convergência nítida entre ações sobre centros
históricos e sobre áreas portuárias em decadência, resultando em um modelo de reestruturação
de área portuária que discutiremos no capítulo 3. Mas, como observamos também que existem
outros elementos do contexto cultural da atualidade que se refletem sobre a mudança do papel
dos portos no mundo globalizado, optamos por destacar, ainda, nesse subitem, as alterações
na concepção de desenvolvimento, em função das quais novos conceitos são criados. Dentre
estes, ressaltamos o de desenvolvimento sustentável, o de desenvolvimento local ou territorial
e de capital sinergético (associado também ao conceito de capital social).
Chamamos a atenção, particularmente, para a influência que os fatores pertinentes ao
novo contexto cultural exercem sobre as relações entre diferentes setores da sociedade e sobre
a interação entre agentes representantes desses setores, criando condições específicas para a
condução de processos urbanos. Ressalta-se, dessa forma, a relevância da governança local na
caracterização desses processos e, especificamente, nos processos de reestruturação de áreas
portuárias.
58
2.3.1. Pós-modernismo, empreendedorismo urbano e planejamento estratégico
Na passagem do século XX, para o século XXI, assistimos no campo cultural à
transição da modernidade para a pós-modernidade. Para Bauman (1999, p. 109), a realidade
pós-moderna (que ele relaciona ao mundo consumista/desregulamentado/privatizado, que é,
ao mesmo tempo, globalizante e localizante, da atualidade), encontra-se refletida na narrativa
pós-modernista. Assim, o pós-modernismo, no sentido de “estilo” ou movimento cultural,
seria, para Bauman (1999, p. 109), “um dos muitos relatos possíveis da realidade pós-
moderna” (ou seja, um registro da nossa época), mas não um relato qualquer; ele seria o relato
dos “globais”. Nesse novo momento, afirma Harvey (1992, p. 17-18), “[...] o empreendimento
foi reduzido à tarefa de produzir fantasias e disfarces, enquanto, por trás de todas as misturas
de códigos e modas, espreitava um certo ‘imperialismo do gosto’ voltado para recriar, sob
novas formas, a própria hierarquia de valores e significações que as modas mutantes
solapavam”.
O pós-modernismo surgiria entre as décadas de 1960 e 1970 como um movimento de
resistência à hegemonia modernista, oferecendo, em contraposição à estética inovadora desse
estilo, uma linguagem baseada na produção cultural popular (HARVEY, 1992). Para Harvey,
essa nova linguagem, expressa em forma de mercadoria, pode ter surgido tanto em resposta
aos movimentos contra-culturais dos anos 1960, como pode ter sido induzida pelo capitalismo
como forma de manter seus mercados, criando uma nova estética que superasse e se opusesse
às formas tradicionais de alta cultura.
A orientação pós-modernista seria, portanto, de oposição à rigidez, ao funcionalismo
e à linguagem abstrata do estilo modernista, o que, na escala urbana, ganharia significado nas
mudanças incorporadas ao planejamento estratégico. Segundo Harvey (1992), a colagem de
espaços, a fragmentação e as misturas altamente diferenciadas substituiriam os planos
grandiosos baseados no zoneamento funcional de atividades, dando lugar a estratégias
pluralistas e orgânicas para a abordagem do desenvolvimento urbano. Planos urbanos de larga
escala, de alcance metropolitano, tecnologicamente racionais e eficientes dão lugar ao projeto
urbano; e, no tratamento de áreas históricas, a cultura da “revitalização” substitui a idéia de
renovação urbana entre os planejadores (HARVEY, 1992).
Enquanto o estilo modernista, era visto como o braço expressivo de um aparelho
estatal burocrático intervencionista considerado, ao lado do capital corporativo, o guardião de
todos os avanços do bem-estar humano (HARVEY, 1992), o pós-modernismo estabeleceu-se
como a expressão cultural adequada ao novo modelo Estatal apregoado pela ideologia
59
neoliberal, oferecendo os meios simbólicos necessários a sua afirmação. Assim, para Harvey
(1992, p. 112), “[...] a corrente que busca uma acomodação pacífica com o mercado o
envereda [o pós-modernismo] firmemente pelo caminho de uma cultura empreendimentista
que é o marco do neoconservadorismo reacionário”.
Na cidade, essa cultura estaria refletida nos novos mecanismos de planejamento que
passaram a dominar a atuação sobre o urbano. O zoneamento funcional do modernismo teria
sido, dessa forma, substituído por um zoneamento de mercado, baseado na capacidade de
pagar pelo aluguel da terra (HARVEY, 1992). E para atrair usuários dispostos a pagar por
esse aluguel, passou-se a recorrer a instrumentos de persuasão utilizados pelo setor privado,
como a venda da imagem, o marketing e a promoção do espetáculo.
O empresariamento (HALL, 1995), ou empreendedorismo urbano (HARVEY, 1996),
caracteriza-se, principalmente, pela mudança no padrão de articulação entre os setores público
e privado. Para Harvey (1996, p. 53), essa tendência de atuação sobre as cidades tem como
objetivo político e econômico imediato “muito mais o investimento e o desenvolvimento
econômico através de empreendimentos imobiliários pontuais e especulativos do que a
melhoria das condições em um âmbito específico”.
Essa é uma tendência cujos efeitos não se refletem somente no espaço físico das
cidades; interfere em questões de âmbito mais amplo ligadas à governabilidade e à própria
conjuntura social urbana. Segundo Leal (2003, p. 67), o empreendedorismo urbano conduz a
“mudanças no papel dos governos locais no tocante à economia e ao desenvolvimento local,
introduzindo uma nova forma de ‘governance’ que busca assegurar as vantagens comparativas
das cidades num contexto de competitividade urbana”. Para Harvey (1996, p. 58), “dado que
o objetivo principal tem sido o ‘de estimular ou atrair empresas privadas através da criação de
pré-condições para um investimento lucrativo’, o governo local, de fato, acabou por sustentar
a empresa privada”. Conseqüentemente, o empresariamento urbano tem contribuído para o
crescimento das disparidades de riqueza e renda, bem como para o aumento da pobreza
urbana (HARVEY, 1996).
E entre as práticas mais utilizadas dentro desse ideal, está o planejamento urbano
estratégico. Nesse contexto, o planejamento estratégico surge como uma nova metodologia de
planejamento urbano que estaria adaptada às necessidades e exigências da atualidade.
Segundo Maricato (1997), o planejamento modernista dá lugar a mecanismos mais dinâmicos
e flexíveis de atuação sobre a cidade, que incorporam princípios empresariais, voltando-os
para a inserção competitiva das cidades no mercado global.
60
O planejamento urbano estratégico consiste, pois, em uma adequação no modo de
atuação sobre as cidades às necessidades e aos condicionantes atuais, coerente com a visão de
mundo dominante. Um modelo de planejamento decididamente pós-modernista, neoliberal e
empreendedorista. Se, para Jameson (apud HARVEY, 1992, p. 65), “o pós-modernismo não é
senão a lógica cultural do capitalismo avançado”, o planejamento estratégico poderia ser
considerado, então, o reflexo dessa lógica dentro do pensamento urbano.
Segundo Lopes (1998), o planejamento estratégico de cidades desenvolveu-se em
face à necessidade de compatibilizar os desafios gerados pela nova estruturação da sociedade
urbana, passando a buscar uma visão de futuro que a capacitasse para enfrentar os desafios e
obstáculos impostos. Sua metodologia de atuação, utilizada originalmente com função militar,
foi incorporada ao gerenciamento de empresas nos anos 1960, passando a ser intensamente
adotada também no setor público, a partir da década de 1980, com ênfase no planejamento de
cidades (LOPES, 1998). Isso ocorre em consonância com a emergência de um novo ideal de
desenvolvimento urbano refletido nas idéias de empresariamento ou empreendedorismo, e que
coloca a cidade numa posição de protagonismo.
Segundo Peter Hall (1995), o ideário do empreendedorismo urbano originou-se nos
EUA, quando, na década de 1970, começou-se a reavaliar a política econômica keynesiana e a
política social da previdência Estatal. A abordagem estratégica ganharia impulso significativo
no governo Ronald Reagan, de tendência liberal (LIMA JÚNIOR, 2004). De acordo com
Lima Júnior (2004, p. 5), “[...] a política do governo federal norte-americano, e as novas
condições institucionais que ela instaurou, permitiram que a indistinção entre setores [...]
fosse transformada numa situação objetiva”.
Com o sucesso de implementação alcançado nos EUA, esse modelo de planejamento
passou a ser incorporado também à política britânica. “A orientação e o controle do
crescimento, tradicionais preocupações do sistema britânico de planejamento estatutário desde
1947, foram repentinamente substituídos pela obsessão de encorajar o crescimento a qualquer
custo [...]” (HALL, 1995, p. 411). Os ingleses passaram, então, a incorporar elementos da
experiência norte-americana que se baseavam no sucesso do centro comercial instalado na
orla marítima de Boston, e que já vinha sendo copiado em Baltimore.
A receita mágica para a revitalização urbana – a palavra-isca norte-americana [...]
parecia consistir num novo tipo de parceria criativa, expressão incessantemente
utilizada pelos norte-americanos, entre o governo municipal e o setor privado. [...]
Essa era a fórmula que já havia ressuscitado a orla marítima de Boston e que estava,
naquele exato momento, transformando o Inner Harbor (Cais Interno) de Baltimore
[...] (HALL, 1995, p. 412).
61
Ressalte-se que desde o início, o modelo de planejamento estratégico encontrara
respaldo significativo em intervenções voltadas para áreas portuárias degradadas, as quais
apresentavam condições potenciais para a implementação de grandes projetos urbanos.
Depois do sucesso apontado nas experiências das cidades norte-americanas, são as
cidades européias que passam a dar continuidade ao processo de experimentação e divulgação
dos resultados do planejamento estratégico. De início, Londres, com sua proposta de criação
de um grande complexo empresarial no terreno das antigas Docklands e que apesar do
relativo sucesso de sua primeira fase, acabou entrando novamente em declínio econômico.
Posteriormente, a idéia chega a Barcelona e lá encontra terreno para se tornar uma das
experiências “bem-sucedidas” mais divulgadas em todo o mundo.
Esse trabalho intelectual para traduzir a abordagem estratégica da empresa para o
setor público é continuado em Barcelona com o objetivo de dar novo significado a
um aparato cognitivo previamente existente, adjetivando categorias consolidadas
(cidade-empresa, cidade-ator político, por exemplo) ou estabelecendo e fortalecendo
novas categorias (parceria público-privada, competição interurbana) (LIMA
JÚNIOR, 2004, p. 5).
A partir da experiência de Barcelona, o modelo de planejamento estratégico ganha
novos mecanismos de efetivação da sua implementação e adquire novas peculiaridades que
irão complementar a forma de atuação que o caracteriza hoje. Dois aspectos da revitalização
urbana de Barcelona podem ser destacados: a profusão de uma consciência comum em torno
do projeto, tanto da consciência de crise, como da qualidade da solução proposta; e o emprego
de estratégias de marketing urbano, personificando a ação em torno de um líder local, que no
caso de Barcelona, serviu para a consolidação política do prefeito Pascual Maragall.
Lima Júnior (2004, p. 6) afirma que “em Barcelona, a noção de consenso que
dominou a questão da consolidação da democracia tanto na escala nacional quanto local, foi
proposta para atender, subvertendo seu sentido, as demandas por participação”. Através de
estratégias de marketing interno, pôde-se construir a idéia de consenso, que ajudaria a
conduzir o processo de participação de acordo com os interesses maiores da proposta. A
concentração dos méritos da iniciativa na ação de um único sujeito, o prefeito da cidade,
reforça a centralidade do processo, ao mesmo tempo em que serve como uma nova estratégia
de marketing, agora entre os gestores públicos. Estes passariam a adotar o modelo de
planejamento estratégico com a garantia de que teriam sua imagem fortalecida, como
promotores do desenvolvimento urbano. Nesse sentido, é interessante lembrar que, nas
décadas de 1980 e 1990, em muitas cidades brasileiras, como Recife e Rio de Janeiro, a
62
elaboração de planos estratégicos baseados na experiência de Barcelona, sob consultaria dos
planejadores catalães, tornou-se uma estratégia política bastante recorrente.
Bitoun (2001) lembra que os planos estratégicos que vêm se multiplicando no Brasil
desde a década de 1990 são apresentados como inovações capazes de romper com o modo
tecnocrático de planejar e com o caráter excessivamente normativo dos planos diretores; estes,
elaborados com procedimentos participativos e pautados nos princípios da Reforma Urbana.
Questiona, no entanto, que se assim fossem, deveriam permitir a redução da distância entre
planejamento e gestão, aproximando o primeiro do pulsar da cidade e dotando a segunda de
perspectivas menos imediatistas no fazer diário da administração dos conflitos urbanos. Borja
(1997, p. 82, grifo nosso) defende que as grandes cidades latino-americanas emergiram, na
década de 1990, como atores políticos e econômicos, mas que “[...] a consolidação desse
processo dependerá da possibilidade de estimular grandes projetos urbanos que contem com a
participação ativa dos principais agentes públicos e privados e conquistem um amplo
consenso citadino”.
A idéia de estabelecimento do consenso entre os cidadãos é bastante recorrente no
modelo de planejamento estratégico. Na definição de Lopes (1998, p. 94-95), “o Plano
Estratégico de Cidades é um plano de ação, formulado a partir do consenso de atores públicos
e privados, [...] definindo projetos tangíveis e intangíveis, cuja implementação se baseia no
compromisso de um grande número de atores públicos e privados”. E, nas palavras de Borja
(1997, p. 98, grifo nosso), “plano estratégico é a definição de um projeto de cidade que
unifique diagnósticos, concretize atuações públicas e privadas e estabeleça um quadro
coerente de mobilização e de cooperação dos atores sociais urbanos”. Deve-se lembrar, no
entanto, que a cidade, como espaço característico da junção de diversidades (de formas,
funções, valores, grupos sociais, entre outras) “[...] é também, por excelência, o espaço do
confronto de interesses” (RODRIGUES, 1986, p.14), “onde se desenvolve, permanentemente,
uma intricada teia de relações, individuais e coletivas, que se apresentam como um jogo
permanente e dinâmico de variados interesses em conflito” (OLIVEIRA, 2001, p. 15). Ou
seja, entendendo-se o conflito como algo inerente à natureza urbana, o consenso como meta
traduz-se numa incoerência com procedimentos efetivamente participativos. A colocação de
Comim (2004, p. XLV) ilustra bem essa idéia: “[...] do ponto de vista dos gestores públicos,
tão importante quanto desenhar políticas criativas e viáveis é fazê-lo enraizando os processos
de tomada de decisão nos diversos segmentos sociais, sem perder de vista que eles são
travejados de contradições e conflitos de interesse.”.
63
Do mesmo modo, a articulação entre setores aparece como importante mecanismo de
atuação do modelo de planejamento urbano estratégico. Segundo Borja (1997), o papel do
governo local como promotor do desenvolvimento urbano consiste em criar condições
propícias à atuação dos agentes públicos ou privados (via planejamento, campanhas políticas,
compensações econômicas etc.). Para ele, impõe-se como função do governo local
[...] a articulação com outras instituições públicas e a cooperação público-privada
como meios de realizar tanto a promoção externa citada quanto aquelas obras e
serviços que os déficits acumulados, as novas exigências urbanas e a mudança na
escala da cidade exigem. A articulação e a cooperação requerem iniciativa política,
inovação legal e financeira e consenso entre os cidadãos (BORJA, 1997, p. 89).
Nessa concepção insere-se, ainda, a estratégia de promoção interna e externa da
cidade, que se utiliza freqüentemente de instrumentos de marketing. Segundo Borja (1997), o
planejamento estratégico deve visar à promoção da cidade no exterior, desenvolvendo uma
imagem forte e positiva, apoiada numa oferta de infra-estrutura e de serviços, com condições
de atrair para a cidade investidores, visitantes e usuários capazes de consumir, e que facilite
suas “exportações”. Por outro lado, deve buscar também “[...] a promoção interna, na cidade,
para dotar seus habitantes de ‘patriotismo cívico’” (BORJA, 1997, p. 89). Para Vainer (2000),
essa estratégia de atuação sustenta-se em torno de um processo de despolitização planejada,
que aparece, ainda, como parte das garantias oferecidas aos parceiros privados. Essa visão é
enfatizada, inclusive, pelos defensores do planejamento estratégico. Lopes (1998, p. 97),
citando Gargan (1985) coloca que
O risco de politização está presente em todo tempo, como um fator de limitação da
efetividade do Planejamento Estratégico de Cidades. ‘Onde as condições políticas
são de apoio ao planejamento estratégico, ele poderá ter sucesso; onde
resistências ele, certamente, falhará [...]’.
De forma prática, essa estratégia “deve se apoiar em obras e serviços visíveis, tanto
nos que têm um caráter monumental ou simbólico quanto naqueles voltados para a melhoria
da qualidade dos espaços públicos e para o bem-estar das pessoas” (BORJA, 1997, p. 89).
Essas obras tendem a concentrar-se em intervenções pontuais de escala reduzida, mas com
uma função estratégica no desenvolvimento urbano (LOPES, 1998). Parte-se do princípio de
que os melhoramentos e resultados positivos produzidos em uma parte da cidade são capazes
de gerar reações de maior escala, que atingem a cidade como um todo.
Para Maricato (2000), esse mecanismo funciona como uma espécie de “maquiagem”
urbana, que visa fornecer aos habitantes da cidade uma imagem melhorada da situação real
como referência do todo, mas que é restrita a uma pequena centralidade hegemônica. “Uma
64
intensa campanha publicitária leva uma ficção à população: o que se faz em um território
restrito ganha foros de universal [...]” (MARICATO, 2000, p. 166).
Harvey (1996, p. 59) coloca que “muitas das inovações e investimentos destinados a
tornar determinadas cidades mais atraentes como centros culturais e de consumo rapidamente
foram imitadas em outros lugares”. Assim, as experiências de planejamento estratégico,
dentro dessa tendência de empreendedorismo urbano, têm se configurado muitas vezes em
modelos-padrão de intervenção urbanística. As experiências baseadas em modelos desse tipo
são intervenções que Maricato (2000, p. 123) caracteriza como inerentes a uma abordagem
fragmentada; “cabe perguntar se a nova matriz que está sendo gerada resulta de um processo
endógeno calcado na práxis urbana ou segue o mesmo caminho de dominação econômica,
política e ideológica de inspiração externa [...]”.
Deve-se atentar para o fato de que o modelo de planejamento estratégico teve origem
em uma conjuntura política, econômica e social específica de países desenvolvidos. Exige,
dessa forma, uma série de pré-condições à sua implantação, pautadas na construção de um
ambiente político e social estável e seguro para a atração de investimentos. Transpor essa
ideologia para as cidades latino-americanas requer que se leve em consideração as condições
específicas de cada realidade local.
Leal (2003) identifica uma contradição fundamental à aplicação desse modelo de
empreendedorismo na realidade brasileira: ele requer um pacto social entre os diversos atores
políticos que configuram as cidades, que por sua vez, pressupõe uma relação de hegemonia,
de correlação de forças.
Pensar essa função estratégica das cidades nos países latino-americanos e no caso do
Brasil, em particular requer levar em consideração sérias limitações estruturais. As
desigualdades e a marginalidade urbana, os enormes déficits de infra-estrutura e
serviços públicos, a fragilidade do próprio tecido social, certamente são inibidores
da capacidade de nossas cidades exercerem essa função de agente político promotor
do desenvolvimento e da democracia (LEAL, 2003, p. 59).
Destaca-se, aqui, a análise das condições de governança local como uma medida de
importância fundamental para a adequação de modelos de planejamento urbano importados de
países desenvolvidos à realidade particular de nossas cidades, bem como às peculiaridades
inerentes a nossa estrutura de organização social e política. Nesse sentido, Capel (2005)
ressalta a necessidade de se atentar para as diferentes escalas, ou diferentes portes de cidades,
respeitando-se as dimensões dos problemas em cada uma delas. Além do mais, por mais forte
que seja a influência cultural de um determinado modelo de planejamento urbano, é no campo
político que se desdobra o processo de decisão sobre que estratégias implementar.
65
As áreas centrais, particularmente, por reunirem um conjunto bastante complexo de
atributos (referentes à localização, aos valores históricos e culturais que agregam, à oferta de
infra-estrutura urbana e disponibilidade de terrenos ou imóveis desocupados, etc.), têm sido,
recorrentemente, objetos de intervenções baseadas nesse novo ideal de planejamento. Essa é a
questão que pretendemos evidenciar no item a seguir.
2.3.2. Estratégias de intervenção em áreas centrais
Na cultura do planejamento pós-modernista, dentro do ideal de empreendedorismo
urbano e, na maioria das vezes, por meio de mecanismos ligados ao planejamento estratégico,
as áreas urbanas centrais emergiram como espaços potenciais para a realização de grandes
obras de intervenção, voltadas para a recuperação do dinamismo econômico de uma cidade. A
evolução dos estudos sobre preservação histórica, restauração patrimonial e conservação de
elementos culturais, que vêm ganhando espaço significativo no debate sobre o urbano desde a
promulgação da Carta de Atenas, de 1932, contribuiu ainda mais para isso.
Dos conceitos de preservação e restauração de prédios históricos, dominantes no
início do século XX, surgem preocupações sobre como integrar elementos representativos do
patrimônio arquitetônico de uma cidade dentro dos planos de “renovação” de áreas centrais,
característicos do período modernista. Como dito anteriormente, no entanto, na cultura pós-
modernista o conceito de “renovação” perde a posição de primazia para o de “revitalização”,
que se torna o novo ideal de intervenção em área urbanas centrais, dominante nas décadas de
1980 e 1990 (período em que foram realizadas as revitalizações de áreas portuárias mais
expressivas, como em Boston, Baltimore, Londres, Barcelona, e Lisboa).
Apesar de ainda ser um termo recorrente nos dias atuais, a revitalização vem
perdendo espaço para os conceitos de reabilitação e requalificação urbana, considerados mais
adequados do ponto de vista social e político. Tentaremos, aqui, apontar para a diferenciação
existente entre esses conceitos, embora precisemos centrar nossa atenção na idéia de
revitalização, por ser esta mais presente nos processos que estudamos.
Quando se fala em “renovação urbana”, está-se referindo, freqüentemente, a grandes
e expressivas intervenções sobre o tecido urbano, com substituição de edificações e usos, e
mudanças no parcelamento do solo, levando à constituição de novos ambientes, novos lugares
e também de uma nova dinâmica imobiliária naquela área (MARICATO, 2001). “Hoje estas
66
estratégias desenvolvem-se sobre tecidos urbanos degradados aos quais não se reconhece
valor como patrimônio arquitetônico ou conjunto urbano a preservar.” (LISBOA, 1995).
A idéia de revitalização, assim como a de renovação, também implica na valorização
imobiliária e em mudanças de usos na área, porém há uma diferenciação quanto ao tratamento
dado às estruturas arquitetônicas e aos elementos culturais e paisagísticos e, em especial, ao
conjunto destes. Na revitalização, os valores históricos e de antiguidade que as edificações
existentes e o espaço urbano agregam são incorporados como elementos de atratividade;
funcionam como qualidades diferenciais do produto imobiliário a ser “vendido” ou, visitado.
Segundo Deakin e Edwards (1993, apud ZANCHETI, 2004), “[...] as políticas urbanas de
revitalização foram associadas a propostas de recuperação econômica e do valor imobiliário
dos estoques de construções.” Assim, o conceito de revitalização é utilizado para traduzir um
processo de indução a uma ampla transformação em áreas históricas centrais, voltadas para a
sua recuperação econômica. Na Carta de Lisboa
7
, o conceito de revitalização aparece
associado a “[...] operações destinadas a relançar a vida econômica e social de uma parte da
cidade em decadência”. Vem, portanto, atrelado a um outro termo, bastante significativo:
“decadência”.
Segundo Monteiro (2002), o processo de degradação de centros históricos ocorre
quando essas áreas, originalmente ocupadas por atividades e populações dominantes da
cidade, são abandonadas, atravessam períodos de estagnação e passam a ser ocupadas por
populações de menor poder aquisitivo. A predominância dessa população de menor poder
aquisitivo representaria, então, a consolidação de uma imagem negativa de abandono e geraria
uma aceleração na degeneração de amplas áreas urbanas. Assim, revitalizar implica em
reverter o processo de decadência de uma área histórica. E, se o processo de decadência está
associado à predominância de população de menor poder aquisitivo, a interpretação lógica do
processo de revitalização poderia ser entendida como o movimento migratório contrário.
Schiffer (2002, p. 298-299) explica: “os processos de revitalização dos centros históricos
envolvem necessariamente investimentos”; tais investimentos costumam gerar uma
valorização imobiliária, que conseqüentemente irá gerar uma tendência de gentrificação, “ou
seja, expulsão da população de baixa renda”.
Entra, então, na discussão o termo gentrificação. Para descrever o processo de
gentrificação, Monteiro (2002, p. 288) utiliza expressões como: “remoção da população
7
A Carta de Reabilitação Urbana Integrada, ou Carta de Lisboa, é resultado do 1º Encontro Luso-brasileiro de
Reabilitação Urbana de Centros Históricos, realizado entre 21 e 27 de outubro de 1995, em Lisboa.
67
menos abastada”, “substituição de população e atividades para outras associadas a classes
sociais mais elevadas”. E define:
Gentrificação é a substituição de uma população de classe baixa que ocupa um
bairro urbano, por outra de classe mais alta. Pode ser dito também que gentrificação
é a conversão de uma área antiga, em um bairro mais afluente, pela reforma das
habitações, resultando em um aumento do valor dos imóveis, e a expulsão da
população original mais pobre (MONTEIRO, 2002, p. 288).
Nesse contexto, uma das questões que tem intrigado planejadores e pensadores da
cidade está relacionada à inevitabilidade do fenômeno de gentrificação diante de processos de
revitalização. Segundo Zancheti (2004, p. 95), no interior de propostas de conservação urbana
associadas à abordagem de mercado, seja de revitalização ou reabilitação, “aceita-se que a
‘gentrificação’ é inevitável e que os bons resultados quanto à recuperação física, econômica e
social das áreas degradadas compensa socialmente a expulsão de habitantes e pequenos
negociantes”. Segundo Zancheti (2004), a tônica desse modelo de intervenção está centrada
na aceleração das taxas de transformação dos ambientes das localidades, como estratégia de
agregação de valor à economia urbana e um instrumento de atração de investimentos privados
externos. A idéia baseia-se naquilo que Harvey (1992) aponta como característico da transição
do modernismo para o pós-modernismo: a substituição do zoneamento do planejador por um
zoneamento de mercado baseado na capacidade de pagar. Harvey (1992, p. 79), porém,
questiona a sustentabilidade dessas propostas, ao colocar que:
[...] a curto prazo, uma transição de mecanismos planejados para mecanismos de
mercado pode combinar temporariamente usos distintos em interessantes
configurações, mas a velocidade da gentrificação e a monotonia do resultado
sugerem que, em muitos casos, o curto prazo é na verdade bem curto.
A idéia de fragmentação, colagem e de configurações baseadas em usos distintos,
está bastante presente em projetos de revitalização de centros históricos, sendo associada
muitas vezes à geração de um diferencial competitivo, baseado na exploração do valor
simbólico dos elementos culturais. Monteiro (2002, p. 287), por exemplo, afirma que “os
projetos de conservação integrada em áreas históricas têm-se pautado por propostas de
implementação de usos mistos, visando proporcionar um ambiente social e cultural
diversificado, e, portanto, economicamente propício à sua revitalização”. Trata-se de uma
estratégia de intervenção que tem se tornado bastante recorrente nos projetos de revitalização
de áreas históricas e que está relacionada à tendência de privilegiar-se para essas áreas o
desenvolvimento de atividades de lazer, ligadas ao turismo. Segundo Harvey (1992), dar
determinada imagem à cidade através da organização de espaços urbanos espetaculares se
tornou um meio de atrair capital e pessoas (do tipo certo) num período de competição
68
interurbana e de “empreendimentismo” urbano intensificados. O princípio básico da
estratégia, o de atrair investimentos e usuários temporários (com certo poder aquisitivo) para a
área, consiste por si só em um fator indutor de gentrificação. Para Monteiro (2002, p. 287),
[...] o incentivo exclusivo de usos, tais como restaurantes, bares, lojas de artesanato,
casas de souvenirs, boutiques, galerias de arte, em geral voltados para uma
população flutuante de turistas ou usuários temporários (principalmente à noite), tem
demonstrado ser uma estratégia frágil, até mesmo economicamente, e incapaz de
imprimir um processo de revitalização sustentável a longo prazo.
Os conceitos de reabilitação e requalificação urbana aparecem já mais recentemente
num contexto de crítica aos resultados produzidos por processos de renovação e revitalização.
Para Maricato (2001, p. 126), trata-se de uma “[...] ação que preserva, o mais possível, o
ambiente construído existente (pequenas propriedades, fragmentação no parcelamento do
solo, edificações antigas) e dessa forma também os usos e a população moradora”. Seu
diferencial estaria centrado, pois, na atenção dada à população residente nas áreas a serem
recuperadas, com ênfase no incentivo ao uso habitacional. Esse sentido é atribuído na Carta
de Lisboa apenas ao conceito de reabilitação, que consistiria em uma estratégia de gestão
urbana voltada para a melhoria da qualidade de vida da população residente, por meio de
intervenções de melhoramento das condições físicas do espaço construído, mantendo-se a
identidade e as características locais. A requalificação já aparece na Carta de Lisboa com um
outro sentido: “Aplica-se sobretudo a locais funcionais diferentes da ‘habitação’; trata-se de
operações destinadas a tornar a dar uma atividade adaptada a esse local e no contexto atual”.
De fato, há uma grande polêmica na diferenciação entre esses conceitos, que é muitas
vezes ignorada fora do ambiente acadêmico ou mesmo, em áreas distintas do urbanismo. Nas
políticas públicas influenciadas pelos estudos urbanos percebe-se uma tendência à priorização
dos termos “reabilitação” ou “requalificação”, por serem esses considerados mais adequados a
um contexto de emergência da preocupação com “o social”. Mas, muitas vezes, as diferentes
terminologias são usadas com o mesmo sentido.
Entre as propostas vinculadas ao conceito de reabilitação, figura a idéia de incentivar
a habitação em áreas históricas, associada a mecanismos de inclusão social e redução do
déficit habitacional. A proposta de incentivo à moradia em áreas centrais não consiste apenas
em fazer com que as edificações sejam ocupadas por habitações, mas em se consolidar uma
vida cotidiana, com a presença de serviços cotidianos básicos e com o que poderia ser
denominado de “sentido de vizinhança”. No Brasil, entre os projetos desenvolvidos dentro
dessa proposta, ganham destaque: o programa “Morar no Centro – Pesquisa de demanda
69
habitacional em centros históricos”, coordenado pela Caixa Econômica Federal em parceria
com o Governo Francês
8
, já concluído; e o Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas
Centrais, do Ministério das Cidades, em andamento. O Programa Morar no Centro objetivava
investigar como a proposta de criar espaços para moradia em áreas centrais, adotada com
sucesso na França, poderia ser adaptada para cidades brasileiras e qual seria o perfil desse
novo morador, dentro da nossa realidade. O Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas
Centrais, por sua vez, visa promover o uso e a ocupação democrática dos centros urbanos, por
meio da recuperação do estoque imobiliário subutilizado, “propiciando o acesso à habitação
com a permanência e a atração de população de diversas classes sociais [...], além do estímulo
à diversidade funcional recuperando atividades econômicas e buscando a complementaridade
de funções e a preservação do patrimônio cultural e ambiental”.
É importante ressaltar que o objetivo principal dessas políticas geralmente situa-se
em torno de preocupações sobre como evitar um processo de gentrificação ou sobre como
revertê-lo. Mas, como ressalta Monteiro (2002, p. 290), essa proposta implica na “adoção de
um sistema de negociação, capaz de tratar não só com residentes e inquilinos, como também
proprietários de imóveis e demais instituições oficiais envolvidas”. Na própria concepção do
Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais, busca-se a integração das ações e a
pactuação entre os entes públicos envolvidos, por meio de uma articulação interministerial,
reproduzida na esfera local. Ressalta-se, assim, a importância da construção de uma sólida
estrutura de governança local no encaminhamento desses programas.
Chamamos a atenção, mais uma vez, portanto, para a importância das condições de
governança local na definição de projetos e ações sobre o urbano, tendo-se em vista que, a
despeito do debate teórico produzido no meio acadêmico, o campo onde se dão, de fato, as
decisões sobre os destinos de nossas cidades é o campo político. A partir de decisões políticas,
que podem ser baseadas em uma interação ampla ou restrita entre os atores envolvidos, as
ações de intervenção sobre o urbano são conduzidas, considerando-se ou não o debate teórico.
Nesse sentido, Compans (2004, p. 57), ao apresentar uma síntese do debate teórico no campo
do urbanismo desenvolvido em torno do tema da renovação urbana, conclui que: “A análise
das políticas de recuperação de zonas urbanas centrais revela que as teorias do urbanismo
apenas repercutem na prática das intervenções públicas quando adequadas às aspirações e às
demandas do sistema político e das elites dirigentes locais”. Para a autora, as experiências
8
A Caixa Econômica iniciou a coordenação desse programa com o apoio de entidades, como as universidades
federais de alguns estados, mas posteriormente, o Ministério das Cidades assumiu o controle do processo.
70
observadas nos países centrais reforçam a hipótese de que os programas de renovação urbana
são emoldurados de acordo com a agenda política dos governos nacionais ou locais.
Lembramos, ainda, que a diferenciação que apresentamos entre os conceitos ligados
à conservação urbana (renovação, revitalização, reabilitação e requalificação) não pode ser
interpretada de forma rígida, visto que nem sempre é considerada nas discussões sobre o
tema, além de muitas vezes aparecer sob diferentes formatos. Pretende-se, apenas, destacar a
idéia colocada por Maricato (2001, p. 126-127) de que: “Diferentes interesses acompanham
cada uma das estratégias adotadas”; e “[...] a decisão política de renovar ou reabilitar implica
em estratégias diversas” que resultarão em formas de apropriação social também diversas.
Veremos no capítulo 3 como se caracterizam as estratégias de intervenção em áreas
portuárias, que também são áreas centrais em sua maioria, e que interesses acompanham essas
estratégias nas experiências que analisamos.
2.3.3. Mudanças na noção de desenvolvimento
O conceito de desenvolvimento adquire na atualidade uma nova dimensão que vem
se contrapor à noção clássica de crescimento econômico. São agregados valores e atributos
qualitativos, subjetivos ou intangíveis à perspectiva de desenvolvimento como crescimento da
produção. Nesse sentido, novas terminologias são criadas e passam a adquirir posição de
preponderância nas políticas públicas, no discurso social e no meio acadêmico. Fala-se em
desenvolvimento sustentável, desenvolvimento local ou territorial, índice de desenvolvimento
humano (IDH), capital social, capital sinergético, entre outras terminologias. A idéia geral
presente nesses conceitos é a de que não basta fortalecer a economia para que se atinja um
grau de desenvolvimento avançado; é preciso considerar outros valores, como por exemplo: a
qualidade ambiental, a diversidade cultural, a construção de estruturas sociais democráticas e
participativas, a capacidade de interação e articulação entre atores, a conjugação de atributos
diversificados dentro de um mesmo contexto (donde se infere a necessidade de inter, multi, ou
transdisciplinaridade), etc.
A construção do conceito de desenvolvimento sustentável inicia-se nos anos 1970, a
partir da constatação de que a busca pelo desenvolvimento centrado na acumulação de
riquezas havia gerado muitos efeitos desagregadores aos ecossistemas naturais, alguns deles
irreversíveis. Segundo Lima (1997), a multiplicação de problemas sócio-ambientais gerou a
emergência e a difusão de uma nova consciência ecológica, que questionava a forma de
71
relacionamento entre a sociedade e a natureza e a desintegração entre os conhecimentos da
economia, da ecologia, da sociologia e da biologia, objetivando uma maior aproximação das
ciências naturais e sociais.
Assim, a preocupação ecológica com o futuro do meio ambiente tornou-se um dos
primeiros temas a serem inseridos no debate sobre o desenvolvimento das nações. Nas últimas
décadas, começou-se a formar um consenso nas críticas quanto à idéia de desenvolvimento
econômico ilimitado, sobre uma base de recursos finita, evidenciando a insustentabilidade do
sistema em longo prazo e o colapso ecológico como resultado final de sua evolução (LIMA,
1997). Por outro lado, levantavam-se críticas também sobre algumas das características
intrínsecas ao desenvolvimento capitalista, como a orientação segundo princípios de mercado,
e a busca da lucratividade, produtividade e competitividade máximas, centrais ao processo de
reprodução e expansão do capital, que estariam causando impactos diretos sobre a qualidade
do desenvolvimento sócio-ambiental.
Segundo Lima (1997), todas essas questões resultaram na necessidade de formulação
de uma nova concepção de desenvolvimento. É assim, que o conceito de desenvolvimento
sustentável vai sendo construído. No Relatório Brundtland
9
, ele aparece definido como “[...]
aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações
futuras também atenderem às suas [...]” (BRUNDTLAND, 1991, apud LIMA, 1997),
apontando, dessa forma, para a sustentabilidade do desenvolvimento. Além disso, destaca a
necessidade de articulação entre os aspectos econômicos, políticos, éticos, sociais, culturais e
ecológicos do problema, numa tentativa de conciliação entre eficiência econômica, prudência
ecológica e justiça social. Assim, o conceito de desenvolvimento sustentável estaria voltado
para aspectos ambientais e sociais do desenvolvimento das nações, numa análise que
considera a complexidade da inter-relação existente entre os fatores.
Zancheti (2002, p. 82), por sua vez, estuda o desenvolvimento sustentável a partir de
cinco dimensões principais: econômica, política, social, ambiental e cultural. A dimensão
econômica estaria relacionada aos aspectos quantitativos e qualitativos do processo de
produção, distribuição e consumo do produto social. A dimensão política, aos processos de
relacionamento humano e grupal, especialmente aos processos de decisões sobre a economia e
o uso dos recursos individuais e coletivos de uma sociedade. A dimensão social expressaria a
qualidade de vida relativa dos indivíduos e grupos em uma dada sociedade e seria derivada
9
De autoria de Gro Harlem Brundtland, o relatório foi publicado em 1987 como resultado da reunião de 1983 da
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela Assembléia Geral das Nações Unidas.
72
dos processos econômicos e políticos. A dimensão ambiental, por sua vez, trataria da forma
como os indivíduos vêem e agem sobre a natureza, segundo as dimensões econômica, política
e social. E a dimensão cultural trataria das concepções e representações que os indivíduos e os
grupos fazem de sua inserção na sociedade como um todo.
Para Zancheti (2002, p. 82) a cidade sustentável é um conceito que exerce grande
atração entre os gestores e planejadores urbanos, mas de difícil implementação, devido
principalmente a problemas de operacionalização. Dentro dessa perspectiva, destaca-se a
noção de gestão sustentável, ligada às políticas públicas urbanísticas voltadas ao processo de
desenvolvimento sustentável, que subtende que para que esse conceito seja aplicado de forma
ampla é imprescindível a participação efetiva da população envolvida.
Outro conceito que emerge como alternativa atual à noção de desenvolvimento é o de
desenvolvimento local. Segundo Silva (2004), o conceito de desenvolvimento local, aparece
nas estratégias de gestão local dos anos 1980 e 1990, vinculado a um determinado território.
O conceito de desenvolvimento local teria sido apontado como alternativa ao conceito de
desenvolvimento comunitário que marcou as experiências norte-americanas nas décadas de
1970 e 1980 (centradas na resolução do problema do desemprego e da dinâmica econômica
mais geral), e propunha alternativas locais que aliassem as políticas sociais a estratégias de
dinamização da economia local (SILVA, 2004). Surge, assim, como um “novo modelo de
desenvolvimento”, associado à emergência de articulações de interesses e o empreendimento
de ações de desenvolvimento a partir de estratégias localizadas.
Silva (2004) destaca dois elementos que diferenciam as duas grandes correntes de
desenvolvimento local: 1) a definição dos atores intervenientes e; 2) os objetivos da ação.
Entre os denominadores comuns, aponta: o ato de pertencer a um mesmo território, a forma de
articulação dos atores e a constituição de parcerias. Para o autor, “[...] as políticas de
desenvolvimento local podem abarcar tanto políticas de exclusão quanto de inclusão social,
dependendo dos atores e dos objetivos hegemônicos. [...] Tudo depende da sua
instrumentalização.” (SILVA, 2004, p. 12).
Já Oliveira (2002, p. 14), associa o conceito de desenvolvimento local à idéia de
ampliação da cidadania, sendo uma de suas dimensões centrais a “[...] capacidade efetiva de
participação da cidadania no que podemos chamar ‘o governo local’[...]”. Para o autor, a
utilização do conceito de desenvolvimento local pode também atuar no sentido de corrigir a
tendência de concentração (de poder, econômica, e espacial) que parece inerente ao processo
de globalização (OLIVEIRA, 2002).
73
Outro conceito que desponta com um significado semelhante ao de desenvolvimento
local é o de desenvolvimento territorial, que aparece freqüentemente nas discussões sobre o
papel dos portos e das cidades perante o movimento de reestruturação produtiva. Para Monié
e Silva (2003, p. 10), os sistemas logísticos (em que se incluem os de circulação marítima),
podem ser considerados como “vetores de mobilização produtiva dos territórios e do
desenvolvimento local”. Trata-se de uma concepção que enfatiza a retomada da centralidade
do território, sobretudo o metropolitano, pela sua “capacidade de impulsionar a integração das
esferas do consumo, da produção e da circulação” (MONIÉ; SILVA, 2003, p. 10).
É interessante ressaltar que a noção de desenvolvimento territorial é estreitamente
relacionada ao conceito de governança, porque são exatamente as interações existentes no
contexto do território (interações espaciais e entre atores sociais) que definem suas vantagens
comparativas perante estratégias de desenvolvimento. De Rôo (2003, p. 14), é enfática:
Longe de ser passivo, o território é considerado ativo e constitui a própria matéria-
prima da ação pública, o lugar de definição das políticas. Não há, portanto, uma
única definição do desenvolvimento territorial, e sim definições múltiplas que
variam em função das características diversas dos territórios e, conseqüentemente,
das estratégias cruzadas dos atores políticos, econômicos e da sociedade civil. O
desenvolvimento territorial, ou dos territórios, tem como objetivo, portanto, produzir
não apenas desenvolvimento, mas também governança [grifo nosso].
Boisier (2000), por outro lado, aborda a questão do desenvolvimento territorial a
partir da noção de capital sinergético, que seria uma forma de articulação de diferentes
“capitais”, de caráter predominantemente qualitativo, necessários à construção de um projeto
de desenvolvimento em sua concepção mais recente. Essa visão diferencia o crescimento
(econômico) do desenvolvimento (societal) e sugere que na interação entre dois grandes
atores, um de natureza política como é o Estado e outro de natureza social como é (ou deve
ser) a região, encontra-se a chave da promoção do bem-estar no território. Seu enfoque sobre
o desenvolvimento baseia-se nas diversas formas de capital que é possível encontrar em um
território (organizado), que, se adequadamente articuladas, produziriam desenvolvimento. E
propõe nove formas de capital: econômico, cognitivo, simbólico, cultural, institucional,
psicossocial, social, cívico e humano. Tal articulação seria o resultado de se pôr em valor a
forma mais importante de capital que se encontra no seio de toda comunidade: “o capital
sinergético” (BOISIER, 2000, p. 42).
Boisier (2000) denomina de capital sinergético a capacidade societal de promover
ações em conjunto dirigidas a fins coletiva e democraticamente aceitos, com o conhecido
resultado de obter-se assim um produto final que é maior que a soma dos componentes.
74
Pode-se perceber uma associação entre as noções de capital institucional, social e
cívico, como propostas por Boisier, e o conceito de governança. O capital institucional está
relacionado com a interdependência entre as organizações sociais e o grau de cooperação ou
conflitividade interorganizacional. Para Boisier (2000, p. 46), “[...] cuanto mayor es el índice
de cooperación, mayor es el capital institucional y también mayor será el capital social”. O
capital cívico, por sua vez, aparece associado a práticas políticas democráticas, de confiança
nas instituições públicas, de preocupação pessoal pela res publica ou pelos negócios e
assuntos públicos, de associatividade entre os âmbitos público e privado e da conformação de
redes de compromissos cívicos. E o capital social, termo bastante difundido na obra de
Putnam (1993), estaria associado, segundo Boisier (2000), à existência de atores sociais
organizados, e de uma “cultura da confiança” entre atores; como também, à capacidade de
negociação dos atores locais, à participação social e à identidade cultural. “La mayor parte de
los autores que escriben sobre capital social usan el concepto de sinergia para articular el
desarrollo capitalista con el desarrollo democrático mediante el surgimiento de la
asociatividad entre el sector público y el privado” (BOISIER, 2000, p. 48).
Percebe-se, pois, que na construção de uma nova noção de desenvolvimento visando
à sua adequação ao contexto atual, ganha expressividade, além de outros fatores, a relação de
interação entre organismos e instituições, entre os atores sociais, de modo mais abrangente, e
entre os setores público e privado, dentro de um formato de articulação cívica mais amplo e
integrado, no enfrentamento dos desafios da contemporaneidade. Acreditamos que o conceito
de governança local, ao refletir as especificidades dessa relação, torna-se fundamental para o
entendimento das estratégias de desenvolvimento atualmente em vigor.
Também é significativa a referência a diversos desses conceitos nos estudos relativos
ao desenvolvimento de portos e cidades portuárias; tratando-se, por exemplo, do planejamento
estratégico desses territórios, da busca pelo desenvolvimento sustentável ou local, e também
da relevância da interação entre atores sociais nesses processos. Baudouin (2003, p. 36-37,
grifo nosso), coloca que:
Todas as grandes ‘praças’ portuárias elaboram, em primeiro lugar, planos
estratégicos destinados a propor suas competências comerciais aos operadores da
circulação mundial. A estratégia logística das empresas globais emerge claramente
nos debates públicos no âmbito das cidades portuárias, que se concentram cada vez
mais no novo tema do desenvolvimento sustentável de suas praças, a fim de poder
interconectar a cidade com as mais-valias que a circulação mundial lhe permite.
E Collin (2003, p. 54, grifo nosso), por sua vez, assinala que: “[...] a noção de
planejamento estratégico, cada vez mais debatida nas grandes praças portuárias européias,
75
representa também uma nova forma de mobilização das forças produtivas de um território no
interesse do desenvolvimento sustentável”.
Llovera (1999, p. 215, grifo nosso), ao discutir sobre a contribuição da cidade para o
desenvolvimento do porto, defende que deve haver uma estreita negociação e cooperação
entre os gestores responsáveis pelo porto e pela cidade: “Sem a participação direta do setor
privado e da sociedade civil no processo de análises, propostas, planificação e promoção, não
são possíveis as mudanças e transformações urbanas e portuárias que o desenvolvimento
sustentável reclama na atualidade”. O autor enfatiza, ainda, a importância das atividades
logísticas para o desenvolvimento sustentável das cidades portuárias, por não apresentarem
impactos negativos sobre o meio ambiente e as condições ecológicas do entorno portuário.
Para ele, “[...] o respeito ao meio ambiente, procurando que os impactos sejam os menores
possíveis, e a utilização de recursos renováveis são a condição central da sustentabilidade do
desenvolvimento urbano a longo prazo” (LLOVERA, 1999, p. 216, grifo nosso).
Essas colocações levam-nos a acreditar que, nos processos de reestruturação de áreas
portuárias, muitos outros fatores, além do desenvolvimento da própria atividade portuária, são
considerados na formulação das estratégias a serem adotadas. Preocupações com o impacto
sobre o meio ambiente natural e sobre o patrimônio cultural construído, como também com a
definição dos melhores arranjos políticos e de interação entre os diversos setores da sociedade
tornam-se evidentes nesses processos. Para Kreukels (1999, p. 76),
Com vistas ao sucesso do desenvolvimento da cidade e do porto, cada um com suas
próprias demandas dentro dessa perspectiva regional mais ampla e mais ligados a
conexões com hinterlândias cada vez mais estratégicas, é necessário uma política
onde os interesses econômicos, sociais e ambientais de longo prazo sejam melhor
coordenados, em vários níveis administrativos e reguladores.
Essa necessidade de uma melhor coordenação entre os atores ligados às cidades e aos
portos, bem como aos diferentes setores da sociedade a eles relacionados, tem gerado arranjos
político-institucionais particulares, que podem ser compreendidos analisando-se os aspectos
da governança local presentes em algumas experiências de reestruturação de áreas portuárias
já desenvolvidas. Esse será o objetivo do próximo capítulo.
76
CAPÍTULO 3
77
3. REESTRUTURAÇÕES DE ÁREAS PORTUÁRIAS
A necessidade de se reformular as estruturas administrativas, funcionais ou espaciais
dos portos, nomeadamente em países da América do Norte, da Europa e da América Latina,
torna-se evidente a partir dos anos 1980, como conseqüência das mudanças ocorridas nos
campos da economia, da política e da cultura, conforme mostrado no capítulo anterior. E além
de induzir esse movimento de reformulação de áreas portuárias, o novo contexto mundial
também exerce influência sobre a forma como esse movimento irá se desenvolver. É possível
perceber, por exemplo, que países que passaram por reformas políticas mais profundas
tendem a sofrer reformulações mais radicais em seus sistemas portuários. De um modo geral,
porém, esse movimento observado em portos e áreas portuárias possui características comuns
que permitem a construção de uma visão mais ampla do processo, a partir da identificação dos
princípios gerais em que ocorre.
Delineia-se, pois, o surgimento de um novo tipo de relação entre cidades e portos,
que passa a ser influenciada por condições bastante diferentes daquelas que caracterizaram o
período áureo da navegação marítima. Quer dizer, o posicionamento dos portos nas cidades da
atualidade adquiriu, certamente, novo significado. Isso, porque, apesar de se constituir como
elemento de importância fundamental para a evolução do comércio internacional, a atividade
portuária possui, hoje, uma relação mais complexa com o desenvolvimento capitalista, na qual
diversos conflitos são gerados.
Muitos dos portos tradicionais ligados às grandes cidades tornaram-se obsoletos ou
tiveram suas estruturas abandonadas e suas demandas absorvidas por novos portos de
instalações mais modernas, equipamentos mais sofisticados e dotados de sistemas de logística
mais eficientes. Tendo-se estabelecido uma rede de interação mundial, também refletida na
circulação de mercadorias, em que pólos econômicos principais são privilegiados em
detrimento de territórios menos inseridos globalmente, houve uma concentração de grande
parte dos fluxos do transporte marítimo em torno desses novos portos, implicando em uma
significativa perda de importância para os portos tradicionais. Para retomarem seus papéis no
desenvolvimento econômico nacional e particularmente dos territórios em que estão inseridos,
os portos do século XXI precisariam, dentro dessas novas circunstâncias, atrair o interesse do
capital estrangeiro, tornando-se competitivos mundialmente. Assim, diversas áreas portuárias
em todo o mundo passaram a ser objeto de reestruturações tecnológicas, administrativas e
espaciais, nas últimas décadas, marcando um movimento de adaptação dessas estruturas aos
novos condicionantes impostos pela globalização.
78
Entre as soluções de intervenção em áreas portuárias adotadas com esse objetivo, três
padrões principais ganharam destaque: a construção de hub ports, ou macroportos
concentradores de carga; a implantação de projetos de revitalização de áreas portuárias; e a
condução de reformas baseadas na concepção de “cidade portuária”. Esses três caminhos
vislumbrados para as áreas portuárias da era da globalização, refletem três diferentes modos
de interação entre portos e cidades, caracterizados pela priorização funcional dada a cada
entidade. Assim, enquanto no modelo de hub port as estratégias de atuação estão focadas
sobre o funcionamento das atividades especificamente portuárias, no modelo de revitalização,
são as funções urbanas que recebem destaque. A concepção de cidade portuária, por sua vez,
enfatiza a integração entre funções urbanas e portuárias, como forma de dirimir conflitos e
incentivar a cooperação, em ações voltadas para o desenvolvimento de ambos: porto e cidade.
Cada um desses modelos implica em estratégias diferenciadas de atuação do setor
público, aliadas a diferentes modos de inserção do setor privado e abrangendo, ainda, graus
distintos de participação da população. Percebemos, pois, que a adoção de um determinado
modelo de reestruturação portuária possui relação com o modo de interação entre Estado,
Mercado e População na condução desses processos, ou seja, com a governança local.
Essa é a idéia principal que será abordada neste capítulo. Com o apoio do referencial
teórico reunido sobre o assunto e observando-se relatos de experiências de intervenção sobre
áreas portuárias em diversas cidades do mundo, procuraremos apontar o nosso entendimento
das tendências gerais que se configuram no cenário mundial, ressaltando a importância da
governança local na caracterização dessas tendências.
3.1. Inserção no contexto mundial
Os condicionantes gerais do contexto atual, apontados no capítulo anterior, refletem-
se em conseqüências sobre os portos que, de uma forma geral, podem ser descritas como:
Necessidade de ampliação e modernização das estruturas portuárias, visando
a atender tanto aos imperativos das novas tecnologias de navegação marítima,
quanto às demandas crescentes do mercado mundial;
Concentração da circulação mundial de mercadorias entre grandes operadores
e portos estratégicos, dentro de uma rede principal, gerando o acirramento da
competitividade entre os portos;
Tendência à privatização e à descentralização administrativa dos portos;
79
Subutilização, abandono, decadência e degradação de portos tradicionais que
não se adaptaram aos novos condicionantes.
Durante o século XIX e a primeira metade do século XX, os portos costumavam ser
instrumentos de poderes estatais ou coloniais, sendo a competição entre portos mínima e os
custos portuários insignificantes em comparação com os altos custos do transporte marítimo e
terrestre. Como conseqüência, havia pouco incentivo para a melhoria da eficiência portuária
(WORLD BANK, 2001). Hoje, a competição entre portos e os grandes aumentos de agilidade
nas operações portuárias configuram um novo cenário, no qual se revela uma transferência de
responsabilidades do setor público para o setor privado. O que, na visão dos documentos
produzidos pelo Banco Mundial, representaria uma mudança da burocracia para a eficiência.
O novo modelo portuário que vem se consolidando do final do século XX para o início do
XXI baseia-se, pois, “[...] nas privatizações e/ou na fusão da atuação dos setores público e
privado nas atividades portuárias.” (MEDEIROS, 2005, p. 20).
Para Horst (2002, apud MEDEIROS, 2005), há três áreas em que os portos podem
atuar para melhorarem seus desempenhos dentro da nova economia: infra-estrutura portuária,
operações, e facilitação ao comércio. A priorização dada a uma dessas áreas em um processo
de reestruturação portuária pode ajudar a definir, portanto, o modelo de estratégia adotado. No
que se refere à infra-estrutura portuária, fatores como a profundidade dos calados oferecidos,
o tamanho e a qualidade dos cais de atracação, bem como a oferta de áreas de armazenagem e
movimentação de cargas adequadas, são levados em consideração na avaliação de um porto.
Por outro lado, os equipamentos e os serviços oferecidos pelo porto para a operacionalização
da movimentação de cargas também devem atender às expectativas do transporte marítimo
atual. E, por último, a facilitação ao comércio desponta como o fator diferencial dos portos da
pós-modernidade, na conquista dos novos mercados de transporte de cargas. Segundo Trujilo
e Nombela (1999, apud MEDEIROS, 2005, p. 19): “Um porto marítimo eficiente necessita,
além de infra-estrutura, superestrutura e equipamentos, de adequadas conexões com outros
modos de transporte, de uma gerência motivada e de trabalhadores suficientemente
qualificados.”. Ganham importância a eficácia interna do porto, relacionada à capacidade de
circulação de fluxos, e a eficácia do sistema territorial, com base na qualidade das relações
cidade-porto (SEASSARO, 1999).
Atualmente, os navios de carga demandam portos mais bem equipados, de calados
mais profundos e mais eficientes no armazenamento, manuseio e transporte das mercadorias,
que são depositadas em contêineres, facilitando sua manipulação em grandes quantidades.
80
O processo de conteinerização alterou e continua influenciando fortemente a
competitividade na atividade portuária, tanto no que diz respeito às mudanças de
infra-estrutura (necessidade de maiores calados, pátios para contêineres, capacidade
de carga do cais), instalações e equipamentos especializados para o manuseio
(empilhadeiras [...], guindastes) como também pelas alterações decorrentes do
incentivo à intermodalidade, que modifica substancialmente o conceito de ‘porto
próximo’. (MEDEIROS, 2005, p. 34).
Para Starr e Slack (1999), as mudanças recentes nos serviços de contêiner trouxeram
também para os portos a necessidade de um planejamento mais freqüente. Llovera (1999, p.
211) destaca, nesse processo, a importância das atividades logísticas, vinculadas estreitamente
à organização dos fluxos de transportes, e coloca que nas cidades portuárias mais avançadas,
verifica-se uma situação em que “cidade e porto coincidem mutuamente no objetivo de um
desenvolvimento sustentável”. Na visão expressa nos documentos do Banco Mundial,
enquanto os portos sempre foram importantes nós nos sistemas de logística, a globalização da
produção lhes confere, atualmente, uma oportunidade única de tornarem-se entidades de
agregação de valor. Segundo Collin (1999, p. 43),
Na atual circulação internacional de fatores de produção, a função essencial de uma
cidade portuária é ligar seu interior e esse processo de circulação. Não se trata mais
de instrumento portuário de trânsito rápido para a indústria nacional, mas de uma
cidade de comércio capaz de captar os fluxos para dar-lhes o valor agregado que ela,
ou o interior do país, é capaz de gerar.
O porto é visto como a interface entre o transporte intercontinental e um lugar na
hinterlândia relacionado à produção, à montagem ou à distribuição final. Sua capacidade e
eficiência podem influenciar enormemente as decisões locacionais relacionadas ao setor
produtivo, e sempre determina se um produtor local pode competir global ou regionalmente
com outros produtores (WORLD BANK, 2001).
Os portos constituem-se hoje, portanto, em elementos de importância decisiva na
competitividade entre territórios, setores, ou agentes produtivos. A partir da oferta de
melhores estruturas e serviços, maiores facilidades de conexão com os demais territórios da
cadeia produtiva, menores custos e maior agilidade nas operações, um porto pode conferir ao
agente produtivo que dele se utiliza melhores condições de competitividade no mercado
mundial. Por outro lado, a busca pela atração de negócios para a sua “praça”, ou seja, a busca
pelo aumento da movimentação de cargas em cada porto, levam-nos a competir também entre
si, em função da oferta das melhores vantagens. Para Medeiros (2005, p. 9),
Os sistemas portuários – compreendidos não apenas como a administração portuária
direta, mas como o total dos atores envolvidos: empresas, comunidade, comércio e
indústria do hinterland, trabalhadores e demais autoridades públicas – passaram
também a ser pressionados para assumir uma posição comercial mais ativa,
decorrente das privatizações e reformas operadas.
81
Para o World Bank (2001), as forças que modelam o cenário de competitividade
mundial impactam sobre portos de todos os tamanhos: “Vencedores e perdedores emergirão
no setor portuário global, principalmente em função de como os gestores portuários se
posicionam estrategicamente no cenário de competitividade que os cerca”
10
.
Percebe-se, pois, que as mudanças advindas da globalização da economia refletem-se
profundamente nos sistemas portuários da atualidade, gerando como principal conseqüência o
acirramento da competitividade entre os portos e entre os territórios portuários, que implica,
por um lado, na ascensão de uns, e por outro, na marginalização de outros.
Com a mundialização, todas as cidades viram seus intercâmbios aumentarem
consideravelmente, em particular as cidades portuárias que se beneficiaram
diretamente do crescimento da circulação. Hoje, porém, muitas delas temem ser
marginalizadas desse crescimento, em virtude de se haver modificado
completamente o papel dos portos nos últimos anos. (BAUDOUIN, 2003, p 35).
Baudouin (2003, p. 35) explica ainda que, com a ampliação da circulação mundial, as
funções tradicionais do transporte nacional sofreram uma verdadeira revolução, alterando-se,
em primeiro lugar, “a função territorial, que fazia com que um porto servisse somente às
hinterlândias ligadas às infra-estruturas de transporte do Estado-nação”.
As empresas de circulação de envergadura mundial – os integradores, como elas
mesmas se alcunham – recortam doravante o conjunto de cada continente segundo
uma lógica completamente diferente da do Estado-nação. A distribuição na Europa
dos produtos de inúmeras firmas se organiza a partir da divisão do continente em
vários pólos – latino, germânico, escandinavo. Esta lógica rompe com a tradicional
noção de hinterlândia, pois as empresas e os operadores logísticos mundiais almejam
objetivos que não são locais nem estatais, mas globais, isto é, não estipulam um
ponto de vista territorial (BAUDOUIN, 2003, p. 36).
E nesse contexto, em que se somam as mudanças avindas com as reformas políticas
implementadas em diversos países nas últimas décadas dentro de uma tendência neoliberal, a
participação do Estado no controle dos sistemas portuários nacionais vem diminuindo cada
vez mais, concomitantemente ao aumento da inserção do setor privado. Esse movimento tem
conduzido a uma “[...] reestruturação organizacional dos portos, que passaram a ser vistos,
não mais como um serviço público e sim como um empreendimento comercial, auto-
sustentado, no qual prevalecem parcerias público-privado [...]” (BARAT, 1993, apud
MEDEIROS, 2005, p. 19).
De acordo com o World Bank (2001), portos nacionais e regionais reconhecem que
não são capazes de competir sem a ajuda da eficiência do setor privado e também sem o
10
Tradução livre de: “Winners and losers will emerge in the global port sector, largely dependent on how port
managers strategically position themselves in the evolving competitive landscape” (WORLD BANK, 2001).
82
acesso ao seu capital. E em conseqüência disto, estaria havendo, nos últimos anos, em todo o
mundo, um aumento constante da participação privada, principalmente no setor de operações
portuárias. Para Medeiros (2005, p. 3) as reformas portuárias que despontaram em vários
portos do planeta “resultaram em variados modelos de gestão portuária que [...] apresentam
diferenciadas participações da atuação pública e privada nas atividades dos portos”.
Segundo o World Bank (2001), os tipos principais de reforma institucional nos portos
são entendidos pelas mudanças de contornos entre os papéis dos setores público e privado.
Assim, os modelos portuários oriundos dessas reformas costumam ser classificados em
função do grau de privatização de suas atividades, estando definidos em: Service Port, que é o
porto totalmente público; Tool Port, que seria o porto público autônomo, com abertura para
alguns operadores privados autorizados, Landlord Port (o mais comum), em que o setor
público provê a infra-estrutura e é responsável pela regulação, enquanto a superestrutura
(equipamentos) e as operações são de responsabilidade do setor privado; e o Full Privatized
Port, ou Porto Privado, presente no Reino Unido e na Nova Zelândia, que seria a versão mais
radical de uma reforma portuária (WORLD BANK, 2001).
É interessante destacar que, muitas vezes, o tipo de reforma portuária adotada está
relacionado à intensidade da reforma política implementada em um determinado país. Isto é,
em países que passaram por uma liberalização mais radical de seus Estados, como os Estados
Unidos e a Inglaterra, predominam reformas portuárias mais privatizadas, enquanto em países
que mantiveram seus governos centrais fortes, como alguns países do sul da Europa (Espanha,
França e Portugal, por exemplo), as reformas portuárias foram mais sutis, prevalecendo os
portos estatais. Percebe-se também que países orientados por um processo de descentralização
mais consistente, com ganho de autonomia para os territórios locais, enveredam suas reformas
portuárias por modelos centrados na afirmação comunitária; é o caso dos portos municipais da
Europa do norte (como na Alemanha, na Holanda e na Bélgica, por exemplo).
Essa evolução deve ser analisada essencialmente no reposicionamento dos diferentes
atores dos setores público e privado, bem como dos territórios da cidade, da região e
do Estado. A Europa do sul, onde o Estado é dominante e o setor privado pouco
organizado, tenta repensar a articulação público-privado. [...] Os portos municipais
da Europa do norte, por seu lado, repensam o papel de sua comunidade portuária
com base em uma forte articulação do público com o privado [...]. Ao mesmo tempo,
busca-se uma relação forte entre o nível local e o Estado, de quem a cidade portuária
espera apoio para suas estratégias de desenvolvimento e de investimentos.
(COLLIN, 1999, p. 40)
Há, portanto, uma preocupação marcada nas reformas portuárias de se encontrar a
melhor combinação de atores públicos e privados no interior de cada praça portuária, bem
83
como uma melhor relação da praça com o poder público (COLLIN, 1999). Isso, porque a
diminuição dos investimentos dos Estados nos portos, faz com que as autoridades portuárias
busquem nas cidades novas formas de melhorar o seu desenvolvimento. Assim, uma relação
que também tem sido bastante considerada na caracterização de reformas portuárias de vários
tipos consiste na integração e na interação entre porto e cidade. O próprio World Bank (2001)
reconhece em seus documentos que “qualquer processo de reforma portuária deve levar em
consideração as relações entre os objetivos da cidade e os objetivos do porto”
11
. Para
Baudouin (2003, p. 37): “Os novos modelos de cálculo econômico, não mais em tonelagem
mas em empregos ou em valores agregados específicos de cada ‘praça’, traduzem também
esta correlação entre os interesses de uma comunidade territorial e os interesses dos fluxos
globais”.
Sobre a importância da relação entre os atores sociais centrais do desenvolvimento
do porto e da cidade na inserção de cidades portuárias na nova economia mundial, Collin
(2003, p. 45) coloca que:
As diferentes pesquisas que realizamos sobre as cidades portuárias européias
apontam a importância das mobilizações dos atores das cidades como elementos
estratégicos face à mundialização para a formação de sistemas produtivos locais que
se propõem a ser (re)agenciados em torno de projetos inovadores de
desenvolvimento.
A autora sustenta a idéia de que “o dinamismo das ‘praças’ da Europa do Norte, de
Antuérpia a Hamburgo, passando por Amsterdã, Roterdã ou Gent, não deriva de um
determinismo geográfico [...], mas se baseia em fatores sóciopolíticos”, em que a afirmação
comunitária revela-se central (COLLIN, 2003, p. 46). Para a autora,
A comunidade portuária apresenta-se, então, como um instrumento central de
regulação dos conflitos próprios: de um lado, à competição inerente às empresas de
um mesmo ramo; de outro, à competição entre diferentes setores da ‘praça’. Cada
firma tem, evidentemente, interesses próprios, muitas vezes completamente
contraditórios. Todas, no entanto, têm interesse em que a praça portuária atraia
transações. Cooperar supõe claramente, para cada uma, garantir a mais-valia
máxima aos fluxos que ela não poderia atrair agindo isoladamente, pelo menos não
em grau tão intenso (COLLIN, 2003, p. 48).
Collin (2003, p. 47) complementa, ainda, dizendo:
Essa cooperação bastante específica da cidade e do porto, inscrita
institucionalmente, permite a afirmação da posição do conjunto da cidade portuária,
e não apenas do porto, no mercado da logística mundial. Estamos, então, diante de
relações de forças territorializadas estabelecidas entre os diferentes atores de uma
praça e, mais particularmente, de novas relações entre o público e o privado.
11
Tradução livre de “Any port reform process should take into account the linkages between port city objectives
and port objectives”.
84
Mas a integração física entre portos e cidades nem sempre é possível dentro de uma
reforma portuária conduzida nos moldes dos imperativos da globalização, ou muitas vezes,
não é vista como benéfica no contexto do sistema portuário em vigor. Isso porque a grande
maioria dos portos tradicionais desenvolveu-se próximo às áreas centrais das cidades, ou vice-
versa, o que fez com que esses portos, ao longo do tempo, fossem sendo imprensados pelas
cidades que cresciam ao seu redor. Diante das necessidades de canais mais profundos e de
grandes cais para a atracação dos navios cada vez maiores de contêineres, bem como de áreas
mais amplas para a armazenagem e a operacionalização das mercadorias, que implicam ainda
em serviços especializados e operações complexas, não havia condições de expansão para os
portos tradicionais dentro dos centros históricos urbanos. Para o World Bank (2001), esses
fatores contribuem para a fragilidade das relações entre portos e cidades, e foram levados em
consideração nas definições de localização dos novos centros industriais que emergiram após
a 2ª Guerra Mundial. Assim, as denominadas Maritime Industrial Development Areas, por
requererem extensas áreas de terra, localizadas próximo a águas profundas, foram construídas
distantes dos centros urbanos históricos, deixando para trás as antigas estruturas portuárias das
áreas centrais (WORLD BANK, 2001).
Nesses terrenos portuários abandonados ou subutilizados, em processo de decadência
e desvalorização imobiliária, embora localizados no centro histórico das cidades e em áreas de
grande valor paisagístico, pela proximidade com o mar, foram implementados outros tipos de
reestruturação (predominantemente física), voltados muito mais para funções urbanas do que
para funções portuárias, propriamente ditas. É o caso das revitalizações de áreas portuárias ou
waterfront revitalizations, que se tornaram uma estratégia recorrente de reutilização desses
espaços em diversas cidades do mundo.
De acordo com os documentos do World Bank (2001), três abordagens são
comumente utilizadas para o desenvolvimento de áreas portuárias em decadência: uma, em
que a área permanece sob a administração da autoridade portuária; a segunda, em que ela é
transferida para a autoridade pública municipal; e a terceira, em que se cria uma corporação
de desenvolvimento específica para isso. A primeira abordagem, que corresponde aos casos
dos portos de Barcelona, de Nova York e de Nova Jersey, implica em um aumento de poder e
de funções da autoridade portuária, com mudanças inclusive nas leis de regulamentação do
porto. A segunda é assinalada pelo World Bank (2001), como uma abordagem nem sempre
efetiva, devido à dificuldade que a autoridade municipal teria de avaliar o valor real dos
terrenos em questão. Reconhece-se, no entanto, que há exemplos, como em Rotterdam e em
85
Baltimore, de recuperações de áreas portuárias bem sucedidas que foram encaminhadas pela
municipalidade. Já a criação de uma corporação, ou de uma agência, específica para o
desenvolvimento da área portuária é apontada como a abordagem mais apropriada, quando a
área é muito extensa, envolvendo várias municipalidades e altos custos para a recuperação. A
Corporação Puerto Madero, na Argentina, é um exemplo de associação entre a cidade de
Buenos Aires e o Governo Central para o desenvolvimento das antigas docas, com um mix de
usos comerciais, residenciais e de lazer. É o caso também da London Docklands Development
Corporation (LDDC), criada pelo governo e doada com amplos poderes de planejamento,
para desenvolver as antigas docas do porto de Londres (WORLD BANK, 2001). Essa é a visão
do Banco Mundial, que, como não poderia deixar de ser, defende as vantagens da privatização
sobre a atuação do setor público. Coloca-se, inclusive, no documento, que “A experiência dos
Portos Britânicos Associados (ABP) mostra que, quanto o porto está em mãos privadas, ele é
capaz de efetivar o desenvolvimento de áreas em decadência”
12
.
O que procuramos destacar, aqui, porém, é como o contexto mundial apresentado no
capítulo anterior produz condicionantes para as reestruturações de áreas portuárias das últimas
décadas, influenciando também no modo como elas irão se desenvolver em diferentes locais.
Ressaltamos, ainda, a relevância da governança local como fator condicionante não só das
escolhas do modelo de reestruturação a ser adotado, mas também da forma de condução desse
processo dentro de cada modelo.
3.2. Modelos de reestruturação de áreas portuárias
Essa conjuntura, na qual os portos devem se inserir para tornarem-se competitivos
mundialmente, condiciona um novo tipo de papel a ser desempenhado pelas áreas portuárias,
no qual a interface entre porto e cidade ganha relevância crescente. Atualmente, o foco do
desenvolvimento de áreas portuárias não se restringe mais à eficiência na circulação de
mercadorias; ele abarca, agora, fatores ligados à oferta de serviços avançados em informação
e logística e aos atrativos diferenciais existentes na área de seu entorno. Para Monié (2003, p.
76), “[...] a logística portuária não se limita mais ao simples equacionamento de problemas
infra-estruturais, mas supõe a mobilização das competências oferecidas pelos atores locais.”
12
Tradução livre de “The experience of Associated British Ports (ABP) shows that, when the port is in private
hands, it is capable of effective development of surplus lands”.
86
Os antigos portos, de administração centralizada e ênfase no atendimento às demandas da
produção industrial, dão lugar, nesse contexto, a novos modelos de concepção dos portos.
Observando as principais soluções adotadas por portos de todo o mundo, com base
na bibliografia que as descreve, e partindo da concepção defendida por Silva e Cocco (1999)
sobre as tendências de reestruturação portuária dominantes, identificamos três modelos gerais
de reestruturação de áreas portuárias, conformados sob distintos processos de governança: os
hub ports, ou portos concentradores de carga; os projetos de revitalização de áreas portuárias;
e as reformas conduzidas pela concepção de “cidade portuária”.
O modelo de reestruturação de áreas portuárias baseado na constituição de um porto
concentrador de carga, ou hub port, representa uma tendência de priorização das atividades
tradicionais dos portos, na circulação de mercadorias, geralmente ligadas ao setor industrial.
Está relacionado à disponibilidade de recursos tecnológicos capazes de fornecer serviços de
carga e descarga com eficiência e agilidade e de possuir um sistema de logística avançado,
que integre o porto às demais redes de circulação, propiciando um fluxo intenso e contínuo de
mercadorias de um determinado setor (SILVA; COCCO, 1999). Suas estratégias de
competitividade são relativamente independentes do território urbano no qual se localiza
(SEASSARO, 1999), e seus fatores de concorrência são predominantemente mensurados por
seus atributos físico-estruturais e tecnológicos.
Já na concepção de cidade portuária, são priorizados os atributos locacionais do
porto, principalmente no que se refere à integração deste com a cidade. Nesse modelo de
planejamento valorizam-se as diversidades e especificidades oferecidas pela cidade como
elementos de diferenciação entre os portos. Para tanto, lança-se mão de estratégias que visam
a fortalecer as relações entre instituições e atores sociais, com ênfase sobre aspectos
predominantemente subjetivos em que prevalecem valores sociais, culturais, simbólicos e
informacionais, com portos e cidades colaborando mutuamente pelo desenvolvimento local.
Nesse modelo de reestruturação portuária, a inserção territorial do porto no meio urbano é
enfatizada, em particular, pela relação de complementaridade que a infra-estrutura tem com
sua cidade: “neste caso, o porto funciona como instrumento de desenvolvimento local e
caracteriza-se por seguir exatamente o caminho inverso ao que está sendo traçado pelos hub
ports de última geração” (SILVA; COCCO, 1999, p. 20). Para Silva e Cocco, este tipo de
relação entre porto e cidade gera benefícios para ambos os lados; para o porto, que “encontra
nas redes sociais urbanas os recursos empresariais e as competências para aprimorar seus
87
serviços (e otimizar sua capacidade de gerar valor e empregos)”, e para a cidade, que, por sua
vez, “recupera sua relação histórica (e não apenas paisagística) com o mar”.
Já os projetos de revitalização constituem-se em estratégias de reestruturação de
áreas portuárias voltadas prioritariamente para o funcionamento das cidades em que se situam
os portos. Trata-se de uma operação de reabilitação espacial de integração do porto com o
meio urbano de entorno, em que se costuma privilegiar atividades de turismo e lazer, mas
também de negócios e finanças. Nesse sentido, as estruturas portuárias adquirem valor tanto
como referência cultural à identidade portuária da cidade, quanto como elos de ligação entre o
território local e o circuito global. As experiências de reestruturação de áreas portuárias
encaminhadas dentro desse modelo ocorrem de forma articulada com as estratégias de
intervenção sobre áreas históricas que se tornaram paradigmáticas do planejamento urbano
pós-moderno. A idéia de revitalização propõe uma ação de recuperação físico-ambiental e
econômica de áreas centrais degradadas, respeitando-se a conservação do patrimônio cultural
e buscando na sua valorização simbólica uma forma de dinamizar a economia local. Trata-se
de uma estratégia de intervenção de caráter empreendedor, que reúne para a sua consecução o
conjunto de atores sociais responsáveis pela dinâmica urbana de determinado setor da cidade.
Podemos distinguir as diferenças entre os três modelos indicados acima em função
da relação de preponderância que as entidades porto e cidade mantêm entre si. Enquanto no
modelo de hub port as estratégias de atuação estão focadas sobre a atividade portuária
propriamente dita, no modelo de revitalização, são as atividades urbanas desenvolvidas em
torno do porto que recebem maior destaque; e na concepção de cidade portuária, a ênfase
recai sobre a integração entre funções urbanas e portuárias, numa tentativa de estabelecer-se
um “equilíbrio dinâmico” benéfico a ambos. Com isso, procuramos analisar os processos de
reestruturação de áreas portuárias tanto do ponto de vista do desenvolvimento portuário em si,
quanto do desenvolvimento urbano, enfatizando, assim, a importância da relação entre porto e
cidade na caracterização das estratégias adotadas.
A partir do enfoque sobre essa relação, procuramos analisar o papel da governança
local na condução desses processos. Ou seja, como se dá a relação entre os atores integrantes
das administrações portuárias, das administrações públicas municipais, estaduais e federais, e
entre estes, e os segmentos do empresariado, e da sociedade civil local, nos três modelos de
reestruturação identificados: os hub ports, ou portos concentradores de carga; os projetos de
revitalização; e as reformas conduzidas segundo a concepção de “cidade portuária”. É o que
procuraremos destacar nas descrições de cada modelo que apresentaremos a seguir.
88
3.2.1. Experiências de construção de hub ports
O modelo de reestruturação de áreas portuárias denominado de hub port está
relacionado às estratégias adotadas pelas principais companhias marítimas, notadamente a
partir dos anos 1990, de aumentar o tamanho dos navios, concentrar rotas e reduzir o número
de escalas (VIEIRA, 2002). Segundo Monié (2003, p. 71), a função do hub port é concentrar e
distribuir para portos secundários os fluxos dos grandes corredores marítimos. “Neste
contexto, os novos hubs ou portos concentradores cumprem com uma lógica de circulação
aperfeiçoada em sua simples função geográfica de trânsito mundial, sem atribuir às praças
nenhum papel comercial” (BAUDOUIN, 2003, p. 36).
Além de simbolizar uma época específica do processo de desenvolvimento das
forças produtivas, esse modelo do complexo industrial-portuário concebe o porto
como simples aparato tecnológico, administrado de maneira autônoma em relação à
metrópole, e cuja função reside na garantia de uma circulação fluida das cargas entre
o navio e as fábricas. (MONIÉ, 2003, p. 74).
Os chamados hub ports são portos concentradores de cargas e de linhas de
navegação, tidos como pontos de ligação de uma rede de circulação de produtos em um
determinado setor do mercado, entre os quais se forma um corredor de alta velocidade de
movimentação de cargas (VIEIRA, 2002; SILVA; COCCO, 1999). Estão muitas vezes
associados a interesses comerciais de grandes firmas ou de grandes armadores
13
que o
subordinam dentro de um sistema logístico global. As operações realizadas dentro desse
modelo portuário “[...] são determinadas por lógicas de valorização que se situam fora do
porto e de suas instâncias territoriais (locais), administrativas e empresariais” (SILVA;
COCCO, 1999, p. 18), o que faz com que a ligação do porto com a cidade tenha sua
importância estratégica reduzida.
Segundo Vieira (2002), a caracterização de um porto como hub¸ está relacionada a
três fatores principais: seu hinterland, seu vorland e seu umland.O hinterland depende,
basicamente, do potencial de desenvolvimento da região em que o porto está localizado e dos
custos de transporte terrestre e feeder (serviço marítimo de alimentação do porto hub ou de
distribuição das cargas nele concentradas)”; o termo vorland refere-se à localização de um
porto em relação às principais rotas de navegação, ou seja, à sua área de abrangência
marítima; e umland seria o ambiente físico portuário, isto é, o porto em si, suas instalações,
tarifas e a qualidade dos serviços que presta (VIEIRA, 2002). Desse modo, como os
mecanismos de atuação utilizados são relativamente indiferentes à existência de uma cidade, o
13
“Armadores” é a denominação utilizada para os donos de navios.
89
porto passa a manter com o território “somente relações de contigüidade (e, às vezes, de
dominação)” (SEASSARO, 1999, p. 135). Suas vantagens competitivas são mensuradas
predominantemente por atributos físico-estruturais e tecnológicos, o que, segundo Seassaro
(1999), torna esse tipo de porto frágil frente à concorrência, na medida em que ele pode ser
facilmente substituído por outro ainda mais eficiente, moderno e competitivo em termos de
tarifas. “De forma simplificada, o que os armadores pretendem ao escolherem hub ports é
garantir que haja um grande volume de contêineres embarcados e desembarcados, no menor
tempo possível e com tarifas atraentes” (VIEIRA, 2002).
A estrutura física de um hub port é caracterizada por suas grandes dimensões, em
especial, nos terminais de contêineres, e por serem instaladas em águas profundas, geralmente
distante da costa (off shore), onde não há sérias limitações de calado ou assoreamento. Estão
muitas vezes associadas a parques industriais ou a setores de produção específicos e precisam
dispor de sistemas eficientes de integração logística por vias terrestres (rodovias ou ferrovias)
ou hidrovias (sistemas “feeder”) com sua área de influência continental, ou hinterlândia.
Esse tipo de reestruturação portuária atende, geralmente, aos interesses de um
determinado setor econômico, representado por grupos empresariais, que aparecem
associados a interesses políticos voltados para o crescimento da economia produtiva nacional
ou regional. Sua adoção está associada muitas vezes a estratégias acordadas entre o setor
público (principalmente nas esferas mais centrais de governo – federal ou estadual) e o setor
privado (destacadamente, grupos industriais e de empresas exportadoras). Esse processo
caracteriza-se, geralmente, como uma ação Estatal (e com financiamento predominantemente
público), de atendimento a reivindicações de grupos dominantes do setor privado, dentro da
perspectiva de incrementar o desenvolvimento econômico nacional, por meio do fornecimento
de infra-estrutura. São característicos, pois, de uma tipologia de governança corporativista
na qual se fazem presentes o Estado e grupos do setor privado, numa articulação que costuma
ser chamada de “desenvolvimentista”, pela sua associação com o período de desenvolvimento
industrial do início do século XX.
São exemplos de experiências de reestruturação de áreas portuárias encaminhados
segundo o modelo de porto concentrador os portos de Gioia Tauro (figs. 01 e 02), no sul da
Itália, e de Algeciras (fig. 03 e 04), no sul da Espanha. Conforme Silva e Cocco (1999, p. 19),
Nestes dois casos, as características – geográficas, econômicas, etc. – das duas
localidades apenas contam na medida em que respondem às lógicas globais
(desterritorializadas) das grandes empresas mundiais de navegação marítima e dos
maiores conglomerados industriais de importação e exportação.
90
Algeciras é o maior porto de contêineres da Espanha, bem à frente de Barcelona ou
Bilbao, e portos como Gioia Tauro têm a mesma ambição na Itália. Os grandes
transportadores intercontinentais descarregam nesses cruzamentos do mundo os
contêineres das empresas mundiais, antes de sua distribuição para esse ou aquele
mercado (BAUDOUIN, 1999, p. 29).
O porto de Algeciras está localizado em uma posição estratégica na Europa, ligando
o Oceano Atlântico ao Mar Mediterrâneo e ao extremo Oriente, com acesso ao Canal de Suez,
em meio às rotas mais requisitadas da circulação marítima. Já Gioia Tauro, é um porto que se
originou de uma reconversão de um porto pensado para atender às indústrias de ferro e aço da
Itália na década de 1970, e que estava praticamente abandonado, em um porto de contêineres,
com início das operações em 1995, sendo que em 2001 já movimentava 2,3 milhões de TEUs
(The Largest Ports, 2006).
Outros portos, apesar de apresentarem uma escala menor, podem ser enquadrados
nessa tendência de reestruturação, por priorizarem os aspectos físicos ligados à infra-estrutura
portuária, em instalações afastadas dos centros urbanos tradicionais, e visarem à concentração
da movimentação de cargas nas regiões sobre as quais exercem influência. Dentre esses casos,
pode ser citado, por exemplo, o Porto de Sines (fig. 05), em Portugal, construído na década de
Fig. 03 – Porto de Algeciras, na Espanha.
Fonte:
http://www.apba.es/apbaing/
Fig. 04 – Terminal de contêineres de Algeciras.
Fonte:
http://www.apba.es/apbaing/
Fig. 01 – Porto de Gioia Tauro, na Itália.
Fonte:
http://www.portodigioiatauro.it.
Fig. 02 – Terminal de contêineres do porto.
Fonte: http://www.portodigioiatauro.it.
91
1970, a 58 milhas marítimas ao sul de Lisboa, para o qual vem sendo desenvolvido um
projeto denominado Plataforma Portuária de Sines, que contemplaria, ainda, uma Zona de
Atividades Logísticas (ZAL – Sines).
A Plataforma Portuária de Sines é vista como um projecto [sic]
prioritário para a criação de um hub de dimensão ibérica,
européia e global e será um dos pilares essenciais do Portugal
Logístico. A mesma surge como a oportunidade de associar um
porto internacional moderno e de águas profundas com uma
Zona Industrial e Logística de grandes dimensões e ampla
disponibilidade de solo (mais de 2000 hectares), sob gestão
pública, vocacionado para a instalação de empresas industriais e
de serviços, servidos por um sistema ferro-rodoviário de grande
capacidade e integrado na Rede Transeuropeia de Transporte
(SINES, 2006).
No Brasil, o porto que mais se aproximaria de um hub em termos de dimensões, de
área de influência e de movimentação de carga, é o Porto de Santos, em São Paulo, apesar de
não se tratar de uma estrutura afastada, ou desvinculada, do meio urbano. Mas, identificamos
estratégias de reestruturação portuária semelhantes ao modelo de hub port nas experiências de
construção dos portos de Vila do Conde, no Pará, de Suape, em Pernambuco, de Pecém, no
Ceará, e de Sepetiba, no Rio de Janeiro, que foram instalados em áreas afastadas dos centros
urbanos principais, com o intuito de absorver a demanda de cargas conteinerizadas, não
atendida pelos portos tradicionais de Belém, de Recife, de Fortaleza e do Rio de Janeiro,
respectivamente. Trataremos mais dos portos brasileiros ao final deste capítulo.
3.2.2. A cooperação cidade-porto nas cidades portuárias
A vinculação das atividades portuárias com o desenvolvimento local das cidades que
as abrigam tem levado muitos autores a considerar em suas análises a problemática dos
conflitos em torno da relação porto-cidade. Com isso, muitos estudos vêm criticando os
modelos de gestão portuária voltados exclusivamente para a dinamização da movimentação
de cargas, em que o porto é tratado apenas como ponto de convergência das rotas de
circulação. Tornam-se cada vez mais freqüentes as defesas em nome de uma concepção
flexível, que coloca o porto como lugar central do desenvolvimento econômico.
Collin (1999, p. 47), ao falar sobre a evolução do Estatuto dos Portos na Europa,
lança a questão: “um porto deve realmente servir para fazer com que a mercadoria transite o
Fig. 05 – Porto de Sines, Portugal.
Fonte:
http://www.portodesines.pt
92
mais rapidamente possível e com o mínimo de pessoal possível?”. Para a autora, começam a
despontar relações mais construtivas entre os espaços de produtividade (no caso, os portos) e
os espaços de solidariedade (as coletividades locais). “De instrumento do transporte nacional,
o porto começa a ser visto também como um motor econômico local, fonte de mais-valia e de
empregos para a cidade” (COLLIN, 1999, p. 47). Nessa concepção, “o porto é visto como
uma porta de entrada, uma abertura para a constituição de negócios, criando um amplo campo
de oportunidades industriais e comerciais” (STARR; SLACK, 1999, p. 198).
Essa tendência está sendo gradativamente consolidada perante as administrações
portuárias. Trata-se de uma proposta de desenvolvimento portuário que tem sido perseguida
em diversos países da Europa (como Alemanha, Bélgica e Holanda) e já começa a ser referida
como modelo para o planejamento portuário no Brasil. Segundo Baudouin (1999), o interesse
pela interface cidade-porto marca a passagem de um período industrial de isolamento entre os
atores sociais para uma fase de comércio e serviços que dá um papel determinante à relação
entre eles. Para o autor, as cidades portuárias, e não mais os portos, que dominam o comércio
mundial são características desse aparato produtivo não industrial por reunirem indústria e
comércio (BAUDOUIN, 1999). Assim, nas cidades portuárias, ganha importância a conexão
entre as atividades especificamente portuárias e as atividades comerciais e de serviços de sua
área de entorno. O porto passa a se configurar em instrumento do desenvolvimento local,
exercendo uma nova centralidade, em torno da qual as atividades urbanas se desenrolam.
De acordo com Silva e Cocco (1999), a noção de cidade portuária questiona as
concepções de porto-corredor, hub ports e cadeias logísticas de distribuição de mercadorias
em três níveis: 1) questiona a sustentabilidade de uma estrutura de movimentação de cargas,
sem um suporte econômico mais abrangente de estratégias ‘endógenas’ de desenvolvimento
local e regional; 2) questiona os estatutos administrativos dos hub ports, nos quais tende a
predominar o caráter privativo dos terminais portuários; e 3) questiona o deslocamento da
função portuária dos contextos urbanos.
Para Silva e Cocco (1999, p. 21), “o isolamento do porto, como estratégia de
valorização das infra-estruturas de circulação, dificulta a sua assimilação como parte do
cotidiano da comunidade local”. Essa questão envolve, pois, fatores de identidade. Para que a
dinâmica portuária seja, de fato, incorporada como estratégia de desenvolvimento local, a
cidade e seus habitantes precisam compreendê-la como um elemento representativo de sua
cultura. Seassaro (1999) coloca que um porto conectado a uma cidade apresenta um potencial
competitivo mais sólido em relação a um outro desterritorializado, por deslocar o fator de
93
concorrência da eficácia interna (de caráter mais técnico) para a complexa eficiência do
sistema econômico e territorial, que requer, entre outros fatores, uma cultura econômica, um
espírito empresarial e uma capacidade de cooperação entre os atores. Estes fatores, não sendo
imediatamente realizáveis, configuram-se em diferenciais competitivos relacionados à ligação
territorial com a cidade. Tornam-se elementos de valor representativo por serem peculiares a
cada localidade, o que fortalece sua posição na concorrência.
Em relação ao aspecto institucional, Silva e Cocco (1999) colocam que o ideal de
cidade portuária aproxima o conjunto dos cidadãos e das instituições que organizam e dão
vida pública às cidades, seja através do trabalho e da produção, seja através do consumo e do
lazer, contribuindo para uma maior vinculação entre o planejamento das infra-estruturas
portuárias e as políticas de desenvolvimento local, municipal ou estadual. Collin (1999), por
sua vez, defende a implementação de um sistema de administração portuária local, que
obtenha do Estado o apoio necessário para seu desenvolvimento e propicie maior articulação
entre os setores público e privado. Para Llovera (1999, p. 215), “sem a participação direta do
setor privado e da sociedade civil no processo de análises, propostas, planificação e
promoção, não são possíveis as mudanças e transformações urbanas e portuárias que o
desenvolvimento sustentável reclama na atualidade”.
Assim, as estratégias de atuação desse modelo respondem, geralmente, aos objetivos
estabelecidos em negociações entre representantes dos setores público e privado, reunidos em
uma “comunidade portuária” institucionalizada. Segundo Collin (2003), a comunidade
portuária consiste em um instrumento central de regulação de conflitos, em que a cooperação
entre os atores é vista como fator estratégico para o fortalecimento da competitividade da
praça portuária. Isso nem sempre quer dizer que se trata de uma forma mais democrática ou
popular de planejamento, porque a cooperação pode ser restrita a grupos do setor privado,
pode se dar entre estes e o setor público, como também pode abranger outros representantes
da sociedade, como, por exemplo, grupos de trabalhadores. Collin (2003, p. 47) esclarece que
essa estratégia de desenvolvimento de áreas portuárias pode assumir diversas formas e
dimensões, que variam
[...] desde a existência de uma forte cooperação entre cidade e porto até a construção
de uma comunidade portuária específica, que reúne os interesses das empresas
privadas (em Antuérpia ou Roterdã), ou mesmo a definição de uma comunidade
portuária mais ampla, a qual, por sua vez, integra o conjunto dos atores da praça
(como em Gent) em uma relação singular com o setor privado e com o Estado.
94
Esse tipo de estratégia caracterizaria o que podemos denominar como governança
cooperativista, isto é, aquela na qual as relações de interação entre os atores envolvidos se
dão conforme um acordo de cooperação, com objetivos voltados para o desenvolvimento do
conjunto da comunidade. Nesse caso, a condução do processo de reestruturação é baseada em
decisões conjuntas entre os agentes, que definirão sobre o financiamento e a implementação.
Os portos enquadrados nesse modelo de reestruturação estão entre os maiores do
mundo, sendo citados: Rotterdam, na Holanda, Antuérpia e Gent, na Bélgica, e Hamburgo, na
Alemanha. Caracterizam-se, no geral, por apresentarem uma boa relação com o meio urbano,
principalmente em função da concentração de atividades de logística em suas áreas de entorno
relacionadas ao próprio funcionamento do porto. Isto é, a economia da cidade possui uma
integração com a atividade portuária, estando seu desenvolvimento vinculado ao do porto.
O Porto de Antuérpia (fig. 06)
possui uma posição estratégica no Mar do
Norte em relação aos maiores centros de
produção e consumo da Europa e dispõe de
um amplo sistema de rodovias, ferrovias e
hidrovias continentais que ajudam a
distribuir os produtos de forma econômica e
eficiente entre o porto e sua hinterlândia.
Entre seus atrativos estão também uma
grande capacidade de armazenagem e a disponibilidade de mão-de-obra especializada para
serviços de armazenamento, empacotamento, expedição e distribuição para os destinos finais
(The Largest Ports, 2006; Port of Antwerp, 2006).
Já o Porto de Gent (fig. 07), também na Bélgica, destaca-se particularmente pela
existência de uma comunidade portuária institucionalizada, por meio da qual as metas de
desenvolvimento do setor portuário são perseguidas em um sistema de cooperação entre as
companhias portuárias que atuam no porto e entorno, as autoridades portuárias e autoridades
públicas e associações. Fundada em 1984, a Comunidade Portuária de Gent originou-se da
iniciativa das próprias companhias portuárias, que sentiram a necessidade de um fórum, onde
suas demandas e expectativas pudessem ser planejadas, em acordo com autoridades públicas
locais, provinciais e do poder central, a autoridade portuária e associações ligadas ao porto. A
intenção, pois, é de diminuir a distância entre os setores público e privado, visando promover
os interesses do porto e de seu entorno (Ghent Port Community, 2006).
Fig. 06 – Porto de Antuérpia, na Bélgica.
Fonte: Port of Antwerp, 2006.
95
O Porto de Hamburgo (figs. 08 e 09), segundo maior da Europa, desenvolve-se nas
margens do rio Elba, no coração da cidade, desde sua fundação, há mais de 800 anos.
Possuindo as mesmas vantagens comparativas dos demais grandes portos (posição estratégica,
eficiente sistema de integração intermodal com sua hinterlândia, amplo terminal de
contêineres, oferta de serviços avançados de logística, etc.), ele se destaca pela importância
que representa para a cidade: “O governo de Hamburgo – uma das cidades-estado alemãs –
gasta cerca de 100 milhões de euros (aproximadamente 325 milhões de reais) todos os anos
para medidas de modernização e ampliação do porto local. [...] ele é o motor econômico e
social de toda a região” (Porto de Hamburgo, 2006). O que não impede que a cidade possua,
também, grandes projetos de desenvolvimento urbano, como é o caso da HafenCity (fig. 10).
Fig. 08 – Porto de Hamburgo, na Alemanha.
Fonte: http://www.hafen-hamburg.de/en/.
Fig. 09 – Terminal de Contêineres de Hamburgo.
Fonte: http://www.hafen-hamburg.de/en/.
Fig. 07 – Porto de Gent, na Bélgica.
Fonte: Ghent Port Community, 2006.
96
O projeto da HafenCity (que poderia ser traduzido como centro histórico portuário)
assemelha-se a uma proposta de revitalização portuária, contemplando um mix de instalações
de cultura e lazer, serviços, comércio tradicional e gastronomia, habitações no centro urbano,
parques, praças e passeios marítimos, às margens do rio Elba, na área central de Hamburgo.
Trata-se de uma experiência de planejamento estratégico, que parte de um grande projeto de
intervenção na área portuária, como forma de dinamizar a economia da cidade. Esse objetivo
estaria fundamentado em um amplo consenso, construído a partir de extenso debate público
desde o início do processo de planejamento (Hafencity, 2006).
One of the main purposes of the Masterplan is to enable HafenCity to become an
energising influence in Hamburg's economic, ecological, social and cultural
development. To achieve this aim, it is necessary to build a broad consensus on the
objectives and measures involved. This can be accomplished through extensive
dialogue at an early stage in the planning process. As such, the Masterplan is the
result of an interdisciplinary exchange of ideas in which the results of an
international town planning competition, the outcome of a public planning debate,
and political decision-making all play an equal part (Hafencity, 2006).
3.2.3. Os projetos de revitalização de áreas portuárias
Muitos portos, por não possuírem condições de se adaptar aos novos padrões da
navegação marítima internacional, tiveram suas estruturas completamente abandonadas ou
destinadas ao atendimento a embarcações menores, mantendo ainda um importante papel
dentro das redes secundárias e terciárias de distribuição de mercadorias. Como solução para o
melhor aproveitamento dessas áreas e visando, ainda, a inserção das cidades no mercado
internacional, adotou-se a estratégia de reintegração das estruturas portuárias ao tecido urbano
Fig. 10 – HafenCity, na Alemanha.
Fonte: http://www.hafencity.com/
97
de entorno, com o seu reaproveitamento para outros fins. Nesse contexto, emerge um terceiro
modelo de reestruturação de áreas portuárias que vem sendo verificado em diversas cidades
do mundo: são os projetos de revitalização. Terrenos antes ocupados por antigos portos,
geralmente subutilizados e em processo de degradação, passaram a ser alvo de investimentos
públicos e privados voltados para a criação de amplas áreas de comércio, serviços e lazer.
Essas áreas tornaram-se locais de atração turística, lançando no circuito internacional o nome
de muitas cidades, como foi o caso de Boston e de Baltimore, nos Estados Unidos, Barcelona,
na Espanha, Lisboa, em Portugal, Puerto Madero, na Argentina, e muitas outras.
A começar pelas cidades pioneiras americanas, Boston e Baltimore, e distribuindo-se
rapidamente pelas cidades européias (com destaque para Londres, Barcelona e Lisboa) a idéia
de renovar ou requalificar áreas portuárias começou a despontar como uma solução recorrente
para impulsionar a revitalização de áreas centrais. Em Londres, criou-se um grande complexo
empresarial na área das Docklands; em Barcelona, destinou-se a área portuária à implantação
da Vila Olímpica e de uma grande área de lazer, no momento em que a cidade se preparava
para sediar as Olimpíadas de 1992; em Lisboa, oportunidade semelhante foi criada com a
ocasião da Expo 98; e, na América Latina, cidades como Puerto Madero, Belém e Rio de
Janeiro já tiveram suas revitalizações portuárias encaminhadas. Os objetivos desse tipo de
intervenção passam por promover um novo desenvolvimento econômico naquelas áreas, a
partir de sua valorização urbana para novas atividades. Segundo Abe (2000, p. 17, grifo do
autor), “Valorizando o conceito de patrimônio marítimo procuram tais ações resgatar todo um
imaginário portuário e conseguir uma paisagem própria a partir da reelaboração da fachada
marítima (waterfront policy)”. Mas, apesar da busca pela valorização do contexto portuário,
presente em algumas experiências, verifica-se nesse tipo de intervenção uma priorização das
atividades urbanas no local, em detrimento da função portuária. Boubacha (2004) descreve:
El modelo que va a imponerse es una reasignación de la interfaz basada en nuevos
valores de uso de emplazamientos. Las actividades portuarias son deslocalizadas en
su mayoría y los espacios son recuperados y transformados para albergar nuevas
funciones que sirven de prolongaciones de los centros de las ciudades.
Para Sánchez e Beraldinelli (2004), as revitalizações de waterfronts
14
tornaram-se o
“produto-vedete” das operações urbanas mais recentes, tendo-se configurado em um modelo-
padrão. Segundo Del Rio (2003), as novas estratégias de competitividade dentro do fenômeno
da globalização apoderam-se das áreas portuárias e waterfronts como os locais perfeitos para
grandes espetáculos ou eventos ocasionais, que também lucram com a sua centralidade e
14
Frentes marítimas ou fluviais, em que se incluem também as áreas portuárias.
98
acessibilidade. Percebe-se, então, que a revitalização de áreas portuárias tem-se configurado
em um modelo característico do empreendedorismo urbano. Algumas colocações de Zancheti
(2004, p. 95) complementam essa idéia:
[...] a reabilitação e a revitalização formaram um dos esteios das políticas neoliberais
em nível municipal. Elas transformaram a conservação urbana em uma estratégia de
agregação de valor à economia urbana das localidades e em um instrumento
poderoso de atração de investimentos privados supra-regionais ou internacionais.
Entre os exemplos mais emblemáticos dessa tendência, Zancheti (2004) cita as
Docklands de Londres e de Liverpool, a orla marítima de Baltimore e a Vila Olímpica de
Barcelona; todas antigas áreas portuárias revitalizadas. O interesse pelas áreas portuárias para
a implantação de projetos de empreendedorismo é bastante claro. Segundo Baudouin (1999, p.
31), “as cidades-portuárias na plena acepção do termo – cidades do comércio marítimo
internacional – impõem-se como protagonistas centrais da globalização”. Apresentam-se,
dessa forma, como áreas potenciais para a injeção de investimentos orientados em torno de
soluções estratégicas de renascimento econômico. Segundo Boubacha (2004),
De manera general, las operaciones de reconversión son motivadas por la
valorización económica de los emplazamientos a partir de sus componentes (que se
constituyen potencialidades) y tienen por objetivo promover la ciudad portuaria y
desarrollarla económicamente.
Por estarem relacionadas ao modelo de planejamento estratégico, as ações em torno
das revitalizações de áreas portuárias são apoiadas em um novo tipo de articulação entre os
setores público e privado e na inserção da sociedade na condução das propostas. Mas, existem
formas variadas de adoção desse modelo, que combinam iniciativas de diferentes origens,
processos decisórios mais ou menos centralizados, financiamento público ou em parceria, e
participação da população menos ou mais ativa. Ou seja, não é um modelo de reestruturação
que se dá sob uma estrutura fechada de interação entre os atores sociais.
Porém, o que se observa, é que esse modelo de reestruturação portuária corresponde
geralmente a uma reunião de esforços entre atores sociais, visando objetivos de dinamização
econômica urbana, por meio de ações estratégicas. Sua característica principal está associada
ao caráter empreendedor da iniciativa, aliado a uma articulação estratégica entre setores. Esse
seria o atributo comum encontrado nas diversas experiências, capaz de reuni-las dentro de um
modelo de governança, que denominamos de empreendedora. Apesar dos diferentes arranjos
estabelecidos entre os atores envolvidos em cada experiência, percebe-se em todas elas uma
união de interesses firmada entre determinados setores, voltados para um fim estratégico de
caráter empreendedor, ou seja, visando à dinamização econômica de determinada área.
99
Nas cidades americanas de Boston e Baltimore, o formato de revitalização adotado é
bastante característico do modelo de governança predominante nos Estados Unidos, no qual a
inserção do setor privado nas ações de planejamento se dá de forma acentuada. Segundo Del
Rio (2003), nos Estados Unidos, as prefeituras destinam a implementação destes planos e
projetos à gestão de uma empresa ou agência de capital misto, montada especialmente para
uma fração urbana, para a qual são destinados programas de financiamento para a recuperação
de áreas degradadas.
Quase como agentes imobiliários, essas agências podem comprar e alienar terrenos,
urbanizá-los, negociar alterações de legislação, promover projetos especiais e
pacotes de incentivos diversos. São exemplos destas agências a Boston
Redevelopment Authority e a Charles Center – Inner Harbor Management, de
Baltimore, e, mais próxima a nós, a Corporación de Antiguo Puerto Madero S.A.,
administradora do empreendimento de Buenos Aires (DEL RIO, 2003).
Segundo Hall (1995), os
projetos das áreas portuárias de
Boston e Baltimore (figs. 11 e 12)
tornaram-se exemplos patentes da
revitalização urbana em sua
primeira fase, cuja fórmula de
sucesso consistia em encontrar e
criar uma nova função para a
cidade, de forma a transformá-la
em importante atração para
turistas, provendo o município de uma nova base econômica. A partir de dois grandes projetos
de empreendimento urbano, as duas cidades tiveram suas áreas portuárias inteiramente
renovadas, com a combinação de edifícios restaurados, lojas, bares, restaurantes e hotéis, e da
restauração de antigas áreas residenciais (HALL, 1995).
Fig. 12 – Área portuária de Baltimore, nos Estados Unidos.
Fonte: Baltimore City Waterfront Festival, 2002.
Fig. 11 – Área portuária de Boston, nos Estados Unidos.
Fonte: Boston Waterfront, 2002.
100
Para Busquets (1995, apud DEL RIO, 2003), “nas operações de reconversão de
waterfronts, as experiências norte-americanas, principalmente de Boston, São Francisco,
Baltimore, e Vancouver, possuem um peso determinante, criando um modelo referencial
difícil de se evitar”. Entre os elementos decisivos para o “sucesso” das duas experiências, Hall
(1995) destaca: o subvencionamento federal, o investimento em empreendimento lucrativo
por parte do setor público e a cooperação entre os empreendedores do setor público e privado.
As revitalizações de Boston e Baltimore partiram da iniciativa do setor privado, o
qual coordenou todo o processo, com o maciço apoio financeiro do Governo Federal. Ambas
as revitalizações foram conduzidas por um mesmo empresário, James Rouse, dentro de um
modelo, que segundo Hall (1995, p. 413) teria permitido que “uma nova e radical elite
financeira” tomasse efetivamente posse da cidade, “liderando uma coalização pró-crescimento
que habilmente manipulou o apoio público e combinou fundos federais e privados para
promover uma urbanização comercial em grande escala”. Segundo Hall (1995), no caso de
Baltimore, o Governo Federal participou com 180 milhões de dólares, contra 58 milhões do
município e apenas 22 milhões do setor privado.
Segundo Harvey, a manutenção do processo de renovação da área portuária de
Baltimore possui custos bastante elevados para os cofres públicos. Para ele, a parceria
público-privada significa que o público
assume todos os riscos e o privado fica com
todo o proveito, enquanto o conjunto dos
cidadãos espera pelos benefícios que nunca
se materializam completamente (HARVEY,
2004). A governança local, nesses casos,
caracteriza-se por uma condução do
processo pelo setor privado e de acordo
com seus interesses, com financiamento do
setor público e uma pequena participação
das comunidades.
Para Harvey (1996), a reconstrução radical da imagem de Baltimore (fig. 13), tida
como uma cidade dinâmica, pronta para acomodar e encorajar a entrada de capital estrangeiro
e de “pessoas certas”, esconde a realidade de empobrecimento e deterioração urbana
generalizada. Harvey (1996) admite, no entanto, que o poder de influência das parcerias
público-privadas locais trouxe capital imobiliário para Baltimore e deu à população algum
Fig. 13 – Harbor Place, em Baltimore.
Fonte: Baltimore City, 2002.
101
senso de identidade com o lugar: “O circo é bem-sucedido, mesmo se falta o pão. O triunfo da
imagem sobre a matéria se completa”. Para Hall (1995), a “rousificação” (em referência a
James Rouse) de Boston e Baltimore envolve a criação deliberada da cidade como palco: “ela
copia a vida real, mas não é vida urbana de verdade”.
Já na Europa, os processos de revitalização de áreas portuárias, apesar de seguirem
tipologias urbanísticas semelhantes, dão-se sob formatos de atuação bastante distintos, em
função das características de governança predominantes em cada país. Na Inglaterra, em que o
processo de reforma neoliberal implicou em uma intensa reconcentração de recursos e no seu
redirecionamento para o setor privado (COMPANS, 2004), a revitalização das Docklands de
Londres (fig. 14) figura como uma experiência emblemática da concentração de poderes de
comando e coordenação nas mãos do mercado. Segundo Compans (2004, p. 36-37),
À imagem e semelhança das agências de desenvolvimento norte-americanas as
Urban Development Corporations (UDCs) foram criadas e financiadas pelo governo
britânico e receberam plenas atribuições urbanísticas em áreas delimitadas. Também
eram dirigidas por empresários do setor imobiliário [...]. A estratégia adotada era a
de aportar recursos do setor público para incentivar investimentos privados
complementares, seja no co-financiamento das obras de infra-estrutura ou no
desenvolvimento de projetos particulares.
Além das UDCs, o governo britânico criou as Zonas Empresariais, também presentes
nos Estados Unidos, e que dispunham de incentivos fiscais e financeiros para a localização de
empresas, com isenção de impostos locais sobre imóveis de até 10 anos e subsídios de até
100% do capital investido na construção de edifícios comerciais e industriais (PARKINSON,
1992, apud COMPANS, 2004). Essas estratégias têm sido criticadas por diversos autores que
Fig. 14 – Perspectiva da área portuária de Londres, na Inglaterra.
Fonte: DE PAOLI, 2005.
102
vêem na proporção de 4 para 1 entre os investimentos públicos e privados, uma dependência
dos recursos públicos. Além disso, por serem investimentos visando a um retorno lucrativo,
eram priorizadas intervenções em áreas com grande potencial de valorização imobiliária,
destinadas a grandes empresas e segmentos de alta renda. Essa estratégia despertava conflitos
entre o setor privado, geralmente majoritário nos conselhos de administração, e as autoridades
locais, que se preocupavam com a distribuição dos benefícios sociais (COMPANS, 2004). As
subvenções oriundas do governo central para as UDCs chegaram à ordem de 550 milhões de
libras, entre 1990 e 1991 (metade do orçamento consagrado à política urbana).
Em 1981, foi criada a London Docklands Development Corporation, no intuito de
promover a recuperação da área portuária, englobando também uma Zona Empresarial na Isle
of Dogs, que por dez anos (1982-92), teve incentivos fiscais e empréstimos financeiros. O
processo de revitalização da área portuária de Londres é assim descrito por Boubacha (2004):
No se planifica la reconversión, pero ésta se efectúa según tres ejes principales: la
creación de una Entreprise Zone dotada de ventajas fiscales y destinada a las
actividades industriales ligeras; la creación de una segunda City (Canary Wharf); y
la realización de parcelaciones residenciales de alta categoría. Estos grandes
puntos constituyen un marco en el que se integran múltiples realizaciones públicas y
sobre todo privadas.
A governança característica dessa experiência está centrada, portanto, na articulação
entre o Estado central e o setor privado, não havendo muito espaço para as autoridades locais
ou grupos representantes da sociedade. Mas, mesmo estando associada a um contexto político
e econômico propício a esse tipo de articulação, devido ao forte caráter neoliberal do governo
britânico, esse tipo de estratégia não ficou livre de conflitos. Segundo Compans (2004, p. 39),
Embora houvesse um consenso entre os atores sociais mobilizados na definição de
novos eixos de desenvolvimento para as Docklands no sentido de atrair novos
capitais, dois modelos se opunham quanto aos meios e aos fins: de um lado, as
municipalidades trabalhistas – 3 das 6 envolvidas na zona – queriam a manutenção
da atividade portuária com uma nova vocação industrial, considerando as
necessidades da população residente, o emprego da mão-de-obra local e a
predominância aos investimentos públicos; de outro lado, os partidários de uma
ruptura total com o passado propunham o desenvolvimento comercial com edifícios
de escritórios, residências de luxo e a abertura ao capital privado.
Outros projetos de revitalização de áreas portuárias na Europa, que ganharam grande
repercussão, são os de Barcelona e Lisboa, associados à realização de eventos internacionais
(as Olimpíadas de 1992 e a Expo 98, respectivamente), em que investimentos gerados com a
perspectiva dos eventos foram revertidos na requalificação das áreas portuárias. No caso de
Barcelona, o processo de revitalização caracterizou-se por uma condução centrada no Poder
Público local, apoiada na idéia de consenso em torno do projeto, e financiada por parcerias.
103
Os projetos voltados para a área central de Barcelona já vinham sendo desenvolvidos
desde a década de 1980, incluindo uma proposta de remodelação do porto antigo e de toda a
frente marítima da cidade, relacionada a mudanças na infra-estrutura portuária e à existência
de um amplo espaço industrial
desativado na área litorânea (CAPEL,
2005). Com a conquista da candidatura
a sede dos jogos olímpicos, em 1986,
desencadeou-se um ritmo intenso de
reconversão dos espaços degradados
da cidade, dando-se início à construção
da Vila Olímpica na antiga área
industrial, que ira abrir a cidade para o
mar (fig. 15).
O objetivo era “alavancar um processo de desenvolvimento fundado na cooperação
público-privado, na melhoria dos serviços e da infra-estrutura urbana e na modernização e
inserção competitiva da cidade no cenário mundial” (COMPANS, 2004, p. 42). De acordo
com Compans (2004), as parcerias estabelecidas no processo de revitalização de Barcelona
correspondiam, no geral, a uma divisão igualitária dos investimentos públicos e privados.
“Freqüentemente, a municipalidade adquiria os terrenos por meio de convênios com empresas
públicas (Puerto Autônomo, RENFE, etc.), o governo central subvencionava os sistemas de
transporte e o setor privado financiava as construções” (COMPANS, 2004, p. 45).
Para a implementação do projeto da Vila Olímpica, foi criada uma sociedade pública,
a Villa Olympica S.A., formada por diversos órgãos públicos e algumas empresas privadas, à
qual cabia a coordenação geral da operação, o acompanhamento e o controle das obras, e a
gestão dos recursos investidos nas infra-estruturas e nos equipamentos urbanos. Aos parceiros
privados, competiam: o financiamento e a execução de seus projetos, e a comercialização das
unidades imobiliárias resultantes (COMPANS, 2004).
Na repartição dos gastos, coube ao setor público custear uma parte da compra do
terreno (US$ 85 milhões), todas as obras de infra-estrutura e de urbanização (US$
605 milhões), a construção dos equipamentos (US$ 125 milhões) e as despesas
administrativas (US$ 28 milhões). Em contrapartida, o setor privado encarregou-se
da aquisição da maior parcela do terreno (US$ 346 milhões) e da construção das
edificações (US$ 724 milhões). (COMPANS, 2004, p. 49).
Fig. 15 – Área Portuária de Barcelona revitalizada.
Fonte: DEL RIO, 2003.
104
Capel (2005) identifica entre os fatores que teriam contribuído para a consecução dos
projetos em Barcelona: saber obter e combinar os oportunos apoios públicos e privados,
sistemas de cooperação, agilidade nas atuações, habilidade para o pacto e para a relação com
os poderes públicos estatais e as empresas privadas nacionais e internacionais.
Todo ello supone la existencia de un medio local dinámico, con aptitud para la
innovación y el crecimiento, con una administración pública local y regional bien
organizada, redes de cooperación entre empresas y organizaciones, talante
emprendedor; es decir, ha habido precisamente todo lo que se valora al hablar de
los factores del desarrollo endógeno. (CAPEL, 2005, p. 22).
Outra característica bastante marcante no processo de revitalização de Barcelona está
presente na idéia de que teria sido estabelecido um consenso de toda a população em torno do
projeto, contribuindo para a sua consecução sem grandes conflitos. Entretanto, a existência
desse consenso, é bastante questionada por autores como Vainer (2000) e Sanchez (2003). De
acordo com Sanchez,
[...] a participação dos cidadãos, o sentido de pertencimento à cidade, a adesão aos
novos projetos ou serviços oferecidos, o elevado grau de aceitação e aprovação
pública dos “projetos de cidade” e, principalmente, a aparente unanimidade que
estes projetos têm alcançado, são elementos reiteradamente apresentados pela
linguagem oficial, pelo discurso hegemônico, para mostrar alguns dos resultados
exitosos dos processos de renovação urbana de Barcelona e Curitiba.
O depoimento, registrado pela autora, de Andrés Naya, da Federação de Associações
de Vizinhos de Barcelona, contestaria a legitimidade desse consenso: “Hay una especie de
histeria colectiva en Barcelona y entonces cualquier actitud crítica es tomada como no
querer a la ciudad. Por eso, hay una gran dificultad de ejercer la crítica”
.
Na América Latina, a experiência de Puerto Madero (figs. 16 e 17), na Argentina, é
considerada paradigmática dessa tendência, por combinar “a tríade requalificação urbana,
revitalização econômica e reconversão arquitetônica” (SÁNCHEZ; BERALDINELLE, 2004).
A origem do processo de revitalização da área portuária está ligada à construção, no início do
século XX, do Puerto Nuevo, ao norte do Puerto Madero, o que teria levado à obsolescência
deste. Com o objetivo de retomar o desenvolvimento urbano da área, foi criada, em 1989, a
Corporação Antiguo Puerto Madero S.A., a partir de um convênio entre o Ministério de Obras
e Serviços Públicos da Argentina, a Prefeitura de Buenos Aires e o governo central. E já no
início da década de 1990, foi elaborado o plano estratégico de intervenção, com as premissas
básicas de: requalificar a área, revertendo o processo de degradação; recuperar a área central
de Buenos Aires; incrementar a implementação de atividades terciárias (escritórios públicos e
privados, comércio, cultura, lazer e habitação); e abrir a área para o rio, incorporando espaços
de lazer (DE PAOLI, 2005).
105
A ênfase do projeto deu-se sobre
um processo de valorização imobiliária
da área e do entorno imediato, o que
estimulou o surgimento de condomínios
residenciais de alto poder aquisitivo e de
grandes edifícios comerciais, sedes de
corporações, instituições financeiras e
empresas multinacionais (SÁNCHEZ;
BERALDINELLE, 2004).
Campos e Somekh (apud SÁNCHEZ; BERALDINELLE, 2004) colocam que o
projeto de Puerto Madero obedece à lógica empresarial que tende a levar os benefícios para o
campo dos privilegiados, conformando espaços de alta qualidade que, embora possam ser
parcialmente desfrutados por todos, têm sua fruição integral limitada aos grupos dominantes.
Ao avaliar as experiências de revitalização de waterfronts na América Latina, Sánchez e
Beraldinelle (2004) colocam que embora cada projeto reivindique sua singularidade, eles têm
evidenciado a reprodução de um modelo, expresso como paradigma de “estratégia urbana”.
No geral, as reestruturações de áreas portuárias conduzidas na forma de revitalização
transformam um setor urbano de caráter produtivo, industrial, em um centro terciário, voltado
para um público, local ou visitante, de maior poder aquisitivo. Nesse sentido, emerge sempre
o risco de se promover uma segregação socioespacial na área, pelo privilégio a um público
usuário mais abastado em detrimento de outros, o que se caracterizaria como um processo de
gentrificação. Essa questão merece atenção especial na elaboração de projetos desse tipo.
Fig. 16 – Área Portuária de Buenos Aires – Puerto Madero, na Argentina.
Fonte: www.puertomadero.com.
Fig. 17 – Puerto Madero, Argentina.
Fonte: DEL RIO, 2003.
106
3.2.4. A governança local nas reestruturações de áreas portuárias
Os processos de reestruturação de áreas portuárias descritos acima refletem variados
formatos de governança dominantes em cada modelo adotado e em cada situação específica
em que esse modelo é aplicado. Acreditamos que a governança local influencia não só na
escolha do modelo de reestruturação, como também no modo de condução de cada processo.
Com as informações que conseguimos reunir, e as referências que foram levantadas
sobre algumas experiências de reestruturação de áreas portuárias, em cidades da América do
Norte, Europa e América Latina, procuramos fazer uma relação entre os modelos priorizados
e os formatos de governança predominantes em cada um deles, buscando identificar, ainda, a
influência de especificidades locais sobre a condução desses processos. Apesar de não haver
dados ou argumentos suficientes para sustentarmos uma classificação tipológica, procuramos
apresentar as considerações preliminares que puderam ser obtidas na análise das experiências,
no intuito de indicar uma possível caracterização do papel da governança local nos processos
de reestruturação de áreas portuárias.
Observamos, por exemplo, que os processos de reestruturação baseados no modelo
de hub ports são característicos de uma governança centrada no Estado, articulado a interesses
do setor privado, voltada para o desenvolvimento da economia produtiva. De um modo geral,
o comando do processo é compartilhado entre a esfera central do poder público, que é quem
controla todo o procedimento de intervenção, e um ou mais setores específicos do mercado,
que conformam o grupo privado a ser beneficiado com os investimentos em infra-estrutura. O
interesse maior tanto para o Estado, como para o mercado, é o desenvolvimento da produção
nacional, seja pelos impostos, empregos e riquezas a serem gerados, seja pelo crescimento dos
lucros, que é objetivo intrínseco dos investidores privados.
A coordenação desse processo se dá, geralmente, em torno dos Estados centrais, que
se responsabilizam também pela implementação, entrando com participação técnica, político-
institucional e financeira, podendo haver participação do setor privado na definição das ações,
mas, geralmente, sem participação da população nas discussões. Definimos essa orientação
política como de desenvolvimento endógeno, na qual o financiamento público de obras de
infra-estrutura portuária (que são o foco desse modelo de reestruturação) visa ao crescimento
da economia regional ou nacional.
O modelo de governança local predominante nesse tipo de reestruturação de áreas
portuárias poderia ser definido, então, conforme a tipologia de Leal (2004), como clássica ou
107
tradicional, e conforme Pierre (apud SANTOS JÚNIOR, 2001), em corporativista, já que se
constitui em uma articulação fechada entre o Estado central e grupos do setor privado. Neste
trabalho, denominamos, então, de governança corporativista.
Já os processos de reestruturação conduzidos pelo modelo de “cidades portuárias”
são encaminhados sob um sistema de governança marcado pela descentralização do Estado e
pela inserção ativa do setor privado. Nesse modelo, são os agentes locais, públicos e privados,
que assumem o comando, a coordenação e a implementação do processo, segundo o ideal de
cooperação. Ou seja, para se atingirem os objetivos de desenvolvimento tanto da cidade como
do porto, autoridades públicas locais, autoridades portuárias e representantes do setor privado,
agregam seus esforços sobre estratégias negociadas e acordadas pelo conjunto do que seria a
comunidade portuária. Dependendo da importância relativa da cidade e do porto na economia
local, e da força administrativa do setor público ou do privado, nessa gestão compartilhada,
poderá haver a preponderância de um ou outro. Em Rotterdam, por exemplo, há uma primazia
do porto e do setor privado na gestão do desenvolvimento da área portuária; já em Hamburgo,
há um equilíbrio maior entre porto e cidade e entre público e privado.
A participação da população nessa estratégia de reestruturação tamm pode variar
conforme o peso político e econômico de grupos organizados da sociedade envolvidos nesses
processos, como as associações de trabalhadores, de moradores e de pequenos comerciantes e
organizações não-governamentais interessadas. Como o interesse maior está voltado para o
desenvolvimento local, do porto e da cidade, provavelmente deverão ser pesados os fatores
intervenientes sobre esse desenvolvimento.
De modo geral, no entanto, as reestruturações de “cidades portuárias” são conduzidas
sob arranjos de governança articulados entre o poder público local e representantes do setor
privado e da população, no sentido da cooperação entre atores. Assim, tanto o comando, como
a coordenação, como a implementação do processo, seria gerido por esse conjunto de atores
articulados, podendo também haver o apoio, principalmente financeiro, do Estado central.
Poderíamos, portanto, caracterizar o modelo de governança predominante nesse tipo
de reestruturação como gestionária ou desenvolvimentista, segundo a classificação de Pierre
(apud SANTOS JÚNIOR, 2001), por estar orientada para a resolução de conflitos e a gestão
compartilhada, objetivando o desenvolvimento local. Poder-se-ia apontar também como uma
articulação entre público e privado, conforme a classificação de Leal (2004), porque é nessa
parceria, predominantemente, que se faz a gestão compartilhada nessas experiências. Para este
trabalho, utilizamos a denominação de governança cooperativista.
108
Os processos de revitalização, talvez pela repercussão que tiveram em todo o mundo,
desenvolvem-se sob diversos modelos de governança, possuindo uma relação mais marcada
com as características específicas de governança local. Em países com características de um
Estado neoliberal mais definidas, como Estados Unidos e Inglaterra, o setor privado possui
uma atuação muito ativa nos processos encaminhados, tanto no que se refere ao comando,
como na coordenação e na implementação dos projetos. Foram os casos, por exemplo, das
revitalizações de Boston, de Baltimore e de Londres. Em Boston e Baltimore, o setor privado
colocou-se à frente dos processos por iniciativa própria, recorrendo ao Governo Central para a
disponibilização de recursos públicos para o seu financiamento. Em Londres, foi o Governo
Central que delegou amplos poderes ao setor privado para que este coordenasse o processo de
revitalização da área portuária, oferecendo também todo apoio financeiro. Está caracterizada,
desse modo, como uma governança neoliberal, conforme definida por Leal (2004), ou aquilo
que Irazábal (2004) denomina de regime theory, que comporta um sistema de governança de
grande inserção do mercado na gestão pública.
Em países de Estado um pouco mais forte, cujas reformas políticas não se deram de
forma tão acentuada dentro da tendência do neoliberalismo, como nos países da Europa do
Sul (Espanha e Portugal, por exemplo) e da América Latina (como Argentina e Brasil), há um
comando e uma coordenação dos processos de revitalização mais centrados no Estado, mesmo
que se tenha abertura para a inserção do setor privado como parceiro. Nesses casos, de modo
geral, são as autoridades locais que assumem a condução do processo, reunindo em torno de
estratégias definidas sob seu comando os atores, públicos ou privados, que poderão contribuir
para a consecução das metas. Dentro desse formato, temos os casos de Lisboa e Barcelona, e
de Puerto Madero, nos quais as parcerias público-privado se fazem bastante presentes. Seriam
exemplos de uma governança articulada entre os setores público e privado (LEAL, 2004), em
que o setor público mantém a coordenação do processo.
Em ambos os casos, pode-se perceber, ainda, uma pequena inserção da população no
debate, já que há geralmente a preocupação em se difundir os ideais de revitalização perante a
sociedade (seja por meio de estratégias de marketing, seja na busca pelo estabelecimento do
consenso). Mas, essa participação não se dá de forma ativa, pelo menos na maioria dos casos.
Ou seja, respeitando-se as exceções, de modo geral, a população não é convocada a participar
efetivamente das discussões, do processo de decisão ou da implementação desses projetos.
Alguns autores citam como exemplos de exceção o caso de Montreal, no Canadá, citado por
Boubacha (2004), e algumas ações desenvolvidas em Baltimore, descritas por Del Rio (2003).
109
O que identificamos como características comuns da governança local nesse modelo
de reestruturação de áreas portuárias, então, foram: a orientação política, focada na condução
de estratégias de empreendedorismo urbano, visando à inserção das cidades na globalização,
por meio do desenvolvimento do turismo ou da constituição de centros terciários avançados; e
também a articulação público-privado, com predominância de um ou outro setor no comando
e na coordenação do processo. Assim, optamos por denominar esse modelo de governança
local como governança empreendedora.
Ressaltamos que essa caracterização não pode ser considerada de forma rigorosa, por
não estar consolidada em uma análise mais profunda das várias experiências já realizadas, o
que pode vir a ser feito em estudos posteriores. No entanto, podemos interpretá-la como um
indicativo, que poderá auxiliar a nossa análise do objeto de estudo específico deste trabalho: o
caso de Natal. Mas, antes de partirmos para ele, procuramos apresentar uma breve descrição
das condições particulares que os processos de reestruturação de áreas portuárias encontram
no Brasil. A observação dessas condições possui relevância para esse estudo porque, além de
exercerem influência sobre o caso de Natal (constituindo-se como parte do contexto geral em
que o processo de reestruturação de sua área portuária se delineia), elas possuem implicação
também na conformação de situações semelhantes encontradas em outras cidades brasileiras.
3.4. Reestruturações de áreas portuárias no Brasil
Apesar da importância que os portos brasileiros sempre possuíram na conexão do
país com o mercado internacional e da influência que tiveram na conformação de nossas
cidades, no geral a inserção de estruturas portuárias no meio urbano brasileiro é permeada de
conflitos. Joan Llovera (1999) explica que, dentre as cidades que mantêm uma relação difícil
e conflituosa com seus portos, destacam-se as da América Latina e as do sul da Europa. Sobre
estas, Llovera (1999, p. 209) diz que “[...] porto e cidade são administrados por organismos
diferentes que se ignoram. Abre-se, então, uma fratura entre os interesses e a dinâmica do
porto e da cidade. A cidade ignora o porto e este, por sua vez, cresce como um organismo
alheio à urbe”. Além disso, de acordo com Alemany (2004), a maioria dos portos da América
Latina teve suas estruturas e equipamentos construídos na época dos grandes vapores, estando
hoje obsoletos tecnicamente para as modernas condições do transporte marítimo. Por esse
motivo, a esses portos impõe-se uma necessidade imperiosa de ampliação de suas estruturas e
reconversão urbanística das docas e espaços portuários antigos (ALEMANY, 2004).
110
No Brasil, segundo Silva e Cocco (1999, p. 16), apesar do “porto industrial” ter
mantido uma proximidade com os centros metropolitanos relativamente desenvolvidos, “a
relação de integração territorial com a cidade sempre foi uma questão problemática e
altamente conflitual”, o que gerou “[...] um fechamento dos canais políticos e institucionais
que poderiam ter estreitado os vínculos da gestão pública da cidade e do porto”. Para Silva e
Cocco (1999, p. 7), “a modernização do setor portuário constitui, desde a abertura da
economia no final dos anos 1980, um dos maiores desafios para a inserção competitiva do
Brasil nos fluxos do comércio internacional”. Esse desafio começa pelo problema da
integração espacial do porto no meio urbano e passa, ainda, pela dificuldade de interação
entre órgãos e instituições representantes de cada entidade.
Na década de 1990, marcada pela abertura da economia brasileira ao mercado global,
refletida no discurso da “inserção competitiva”, têm-se, no campo político, uma ênfase sobre
a reorganização dos espaços produtivos, voltada para a fluidificação dos transportes e das
cadeias produtivas, gerando intenso afluxo de investimentos nas infra-estruturas responsáveis
pela “conexão” territorial (COCCO, 2001). Porto, representando o Ministério dos Transportes
do Brasil, afirmava, em 1999, que os portos brasileiros, na virada do século, teriam duas
tarefas básicas, que eram: “[...] perseguir o padrão de tecnologia operacional da atividade [...],
em consonância com o transporte marítimo; e modelar suas estruturas organizacionais para o
atendimento a uma atividade cada vez mais comercial e competitiva, sob a égide do
consumidor” (PORTO, 1999, p. 218). Ou seja, além dos desafios tecnológicos de adequação
das estruturas existentes às novas exigências da navegação marítima, havia também os
desafios organizacionais, culturais e operacionais (MIGUEL, 2003) de se incrementar os
serviços oferecidos pelos portos e os seus sistemas de logística, a partir de uma reformulação
no modelo de gestão vigente.
3.4.1. A reforma portuária brasileira
O sistema portuário brasileiro tem passado, desde a década de 1990, por profundas
alterações referentes principalmente à gestão, que caminham no sentido da descentralização
administrativa e da privatização das operações portuárias. A promulgação da Lei 8.630, de 25
de fevereiro de 1993, conhecida como Lei de Modernização dos Portos, representou um
avanço significativo nessa direção, por assinalar as diretrizes fundamentais em que o novo
modelo de gestão portuária deveria se apoiar. Segundo Medeiros (2005, p. 114), as principais
mudanças provocadas pela “Lei dos Portos” foram:
111
[...] a extinção do monopólio de operações das Companhias Docas, a concentração
dos investimentos públicos nas obras de infra-estrutura, o incentivo à competição
intra e inter-portos e a quebra do monopólio dos sindicatos de trabalhadores avulsos
no fornecimento de mão-de-obra portuária (GEIPOT, 2001).
Pode-se destacar no processo de descentralização da Autoridade Portuária, a criação,
junto à Administração do Porto (órgão de função executiva), dos Conselhos de Autoridade
Portuária (CAP’s), de caráter deliberativo superior. Para cada porto organizado é estabelecido
um CAP, que será composto por: representantes locais do poder público, nas três esferas de
administração (federal, estadual e municipal); representantes dos operadores portuários (que
inclui além da Administração do Porto, armadores, titulares de instalações portuárias privadas
e demais operadores); representantes dos trabalhadores portuários (avulsos e demais); e dos
usuários dos serviços e afins (empresas que atuam nos portos ou que utilizam seus serviços).
Com isso, transferiu-se o poder de decisão sobre os assuntos portuários de uma instância
federal centralizada (a antiga Empresa de Portos do Brasil - PORTOBRÁS, extinta em 1990)
para uma comunidade
15
de atores sociais interessados no desenvolvimento econômico local.
Além disso, com a Lei 8.630, foram criados os Órgãos Gestores de Mão-de-Obra
(OGMO’s), responsáveis pelo gerenciamento dos recursos humanos de atuação na atividade
portuária. Com isso, quebra-se a rigidez dos contratos trabalhistas dos servidores portuários,
abrindo-se espaço para a negociação das tarifas relativas à mão-de-obra oferecida em cada
porto, contribuindo, portanto, para a concorrência entre portos. Segundo Medeiros,
A competição entre portos não se fazia sentir com vigor no modelo anterior à
promulgação da Lei 8.630/93, em especial porque um dos maiores componentes do
custo portuário de então – a mão-de-obra avulsa – possuía tabelas nacionais e
equipes-padrão praticamente uniformes, regulamentadas pela extinta SUNAMAM.
(MEDEIROS, 2005, p. 5).
Uma outra característica marcante da reforma portuária brasileira encaminhada pela
Lei de Modernização dos Portos é a transferência de grande parte (cerca de 90%) da execução
dos serviços portuários para o setor privado, numa tentativa de se implementar, no Brasil, os
padrões impostos pelo comércio internacional (MIGUEL, 2003). Com isso, apontava-se a
concorrência entre os portos como instrumento coordenador do sistema portuário nacional
(SOARES; LIMA Jr., 2005), gerando um barateamento das taxas de movimentação de cargas
e também um acirramento da competitividade interna. O modelo portuário que teria resultado
dessa reforma seria, de acordo com Medeiros (2005, p. 25), o de Landlord, com as operações
privatizadas e as atividades de regulação e propriedade da infra-estrutura centradas na União.
15
A palavra “comunidade” é utilizada aqui no sentido de um grupo de atores sociais com interesses comuns, não
podendo ser interpretada no sentido mais amplo, de sociedade, ou população local.
112
A esse respeito, Castro (2001) argumenta que apesar de o modelo de exportação dos
portos brasileiros aproximar-se do tipo landlord port, as autoridades portuárias
brasileiras não possuem a mesma autonomia e visão empresarial de
desenvolvimento regional que caracterizam as autoridades portuárias desse modelo
(MEDEIROS, 2005, p. 25).
A essa estratégia adotada dentro do sistema portuário brasileira somam-se os novos
condicionantes globais do transporte marítimo. Entre estes, destacam-se os movimentos em
torno da concentração da circulação de mercadorias, tanto em termos de rotas (visto que são
eleitas rotas principais de conexão entre as zonas de comércio mundial), como em termos de
operadores (concentração das operações de maior porte entre poucos armadores de grande
capacidade, como também entre os portos com melhores condições de competitividade).
Segundo Gonçalves (2003), o controle das cadeias logísticas marítimas e terrestres,
em nome dos principais agentes da circulação mundial de mercadorias, fragiliza a posição
concorrencial dos portos que não estão conectados às redes globais, tornando-os ainda mais
dependentes de acordos estabelecidos com os grandes operadores marítimos. Ilustram essa
situação os resultados obtidos em um estudo comparativo dos portos brasileiros, que aponta
um único porto, o de Santos, como porto de influência nacional, dos cinco portos classificados
como de grande porte – Santos, Vitória, Paranaguá, Rio Grande e Rio de Janeiro (CAMPOS
NETO, 2006). Assim, seja por área de abrangência, seja por condições de competitividade,
Santos é o porto brasileiro que estaria mais próximo de um hub port.
Alguns encontros, seminários e conferências têm sido promovidos nos últimos anos,
no Brasil, com o objetivo de discutir a questão portuária e estudar a elaboração de propostas
apoiadas nas novas tendências. Foi o caso, por exemplo, do Seminário Internacional “Portos,
cidades e territórios na virada do século”, realizado em 1997, no Rio de Janeiro, e que contou
com a participação de 18 pesquisadores estrangeiros e mais de 30 especialistas nacionais; e da
I Conferência Nacional dos Portos, realizada em agosto de 2002, em Brasília, com o tema “Os
Portos e o Desenvolvimento Regional”.
Os avanços na busca de uma maior integração dos portos com suas áreas urbanas de
entorno refletiram-se também no Brasil, por meio do Programa de Revitalização de Áreas
Portuárias – REVAP, instituído pela Portaria Ministerial 908, em 27 de outubro de 1993. Com
a ajuda de recursos provenientes desse programa, algumas cidades, como Belém e Recife,
investiram na recuperação de suas áreas portuárias, adaptando-as para equipamentos de lazer
e turismo. Isso foi possível após a transferência de grande parte das atividades dos portos de
Belém e Recife para os portos de Vila do Conde e Suape, liberando as instalações antigas.
113
Assim, no Brasil, a busca de soluções de integração do desenvolvimento portuário ao
planejamento urbano está apenas iniciando. São muitas as dificuldades, já que ainda não se
vislumbra no cenário brasileiro uma articulação efetiva entre administradores portuários e
gestores urbanos. Mas, algumas experiências já começam a ser encaminhadas.
3.4.2. A governança local nas reestruturações de áreas portuárias no Brasil
Na perspectiva de se tentar reverter as deficiências identificadas no sistema portuário
brasileiro, o Governo Federal vinha atuando no sentido de direcionar investimentos para a
construção de portos situados em áreas afastadas dos centros urbanos tradicionais (com
melhores condições para a implantação de infra-estruturas avançadas) e de transferir grande
parte das operações realizadas nos portos antigos para essas novas áreas. Foi assim, com a
construção do Porto de Vila do Conde, em relação ao porto tradicional de Belém; com o Porto
de Pecém (fig. 18), em relação ao de Fortaleza; com o Porto de Suape (fig. 19), em relação ao
de Recife; e com o Porto de Sepetiba, em relação ao do Rio de Janeiro.
Esse tipo de ação estatal, de caráter desenvolvimentista, ocorreu em grande parte na
década de 1970, estendendo-se ao início dos anos 1980, quando foram inaugurados todos os
portos acima citados, com exceção de Pecém. As obras do Porto de Pecém foram iniciadas
somente em 1995, no âmbito dos programas “Brasil em Ação” e “Avança Brasil”, durante o
governo de Fernando Henrique Cardoso, tendo sido inaugurado em 2002. Além dos R$ 360
milhões investidos pelo Governo Federal no Porto de Pecém, foram destinados vultuosos
recursos também para o melhoramento e ampliação do Porto de Sepetiba. A ação, conhecida
como a “Grande Obra de Sepetiba”, pretendia, a um só tempo, dotar o Brasil de um hub port
de última geração (transformando o Porto de Sepetiba no principal porto do Atlântico Sul), e
Fig. 18 – Porto de Pecém, no Ceará.
Fonte: http://www.planejamento.gov.br/.
Fig. 19 – Porto de Suape, em Pernambuco.
Fonte: http://www.suape.pe.gov.br.
114
descongestionar o Porto do Rio de Janeiro, localizado no centro histórico da cidade, para a
implementação de um projeto de revitalização (COCCO, 2001).
Nesse caminho, as ações de modernização portuária implementadas estavam focadas
nos atributos físico-estruturais dos portos e na conexão destes com os territórios produtivos,
por meio de infra-estrutura viária. Seguiam, pois, uma tendência inspirada no modelo de hub
port, que coloca em segundo plano as relações do porto com a cidade. Caracterizam, ainda,
esse tipo de ação: uma gestão centralizada principalmente entre as esferas federal e estadual
de governo; uma participação do setor privado como agente interessado, mas não como
investidor; e um processo de decisão restrito aos atores principais, cujos interesses estão
concentrados mais no crescimento da economia, do que no desenvolvimento local. Esse tipo
de articulação, está associado à relação tradicional estabelecida entre o setor público e o setor
privado no Brasil, característica do modelo de governança corporativista.
Já as tentativas de revitalização de áreas portuárias tradicionais, implementadas em
Recife, em Belém e no Rio de Janeiro, encontraram obstáculos na dificuldade de articulação
entre os setores público e privado e entre os agentes ligados ao desenvolvimento local. Em
Recife (figs. 20 e 21), os projetos de
revitalização foram encaminhados sem
maiores considerações quanto à integração
do centro histórico com a área portuária,
nem referências culturais à tradição
portuária da cidade. Não caracterizou,
dessa forma, um projeto de revitalização
portuária em si, mas tão somente, um
projeto de revitalização do centro histórico.
Fig. 20 – Terminal Marítimo de Passageiros de Recife.
Fonte: http://www.arcoweb.com.br.
Fig. 21 – Marco Zero, na área portuária de Recife.
Fonte: http://www.arcoweb.com.br.
115
Em Belém, por outro lado, implementou-se um projeto de revitalização portuária
(fig. 22), em que foram exploradas as referências históricas do porto, em um ambiente que
integra a cidade ao rio. Este resultado, no entanto, foi alcançado mediante conflitos entre os
poderes públicos estadual e municipal e sem uma articulação entre os atores locais que
facilitasse a condução do processo. Para Sánchez e Beraldinelli (2004), Belém foi a primeira
cidade brasileira em que se implementou um processo de revitalização de waterfront, a partir
de dois projetos isolados: o projeto “Estação das Docas”, conduzido pelo Governo Estadual, e
o projeto “Ver-o-Rio/Ver-o-Peso”, da Prefeitura Municipal.
O projeto “Estação das Docas” (figs. 23 e 24), inaugurado em 2000, corresponde a
uma reconversão de antigos armazéns do porto de Belém em um complexo de entretenimento
e gastronomia, voltado para o turismo. Essa ação é apontada, por alguns autores (SANCHEZ;
BERALDINELLI, 2004; AMARAL; BARBOSA; VILAR, 2005), como uma intervenção de
empreendedorismo estratégico, por focar investimentos em uma área restrita, na perspectiva
de se incrementar a economia local, e também pela articulação entre os setores público e
privado. Já o projeto “Ver-o-Rio/Ver-o-Peso”, é considerado como uma ação participativa,
que buscou ressaltar aspectos como a inclusão social, geração de renda e democratização do
espaço público. Para Sanchez e Beraldinelli (2004),
Encuanto a la propuesta urbanística, la cuestión de la accesibilidad distingue estos
dos proyectos: son diferentes los segmentos sociales que los utilizan y son también
distintas las configuraciones urbanas que asumen los proyectos, con un partido y
concepción mas abierto y plural en “Ver-o-Rio”/“Ver-o-Peso”, y mas cerrado,
controlado, en la “Estação das Docas”.
Fig. 22 – Vista da área portuária de Belém.
Fonte: http://www.cdp.com.br.
116
Amaral, Barbosa e Vilar (2005), comentam sobre o projeto “Estação das Docas” que:
[...] o grau de abertura para com a participação popular foi restrito, e a população
não teve a oportunidade de opinar na tomada de decisão e na estrutura de gestão do
mesmo, a cargo de uma Organização Social, se é que podemos assim dizer, chamada
‘Pará 2000’, da qual participam membros do poder público e do setor privado.
Além disso, existem conflitos em torno de outras propostas para a área portuária de
Belém, em que se contrapõem o interesse da manutenção das atividades portuárias, ligado
sobretudo à questão da oferta de emprego, e o interesse da transformação da área em espaço
de múltiplo uso, voltado ao comércio, serviços, lazer e turismo (PINTO, 2005).
No Rio de Janeiro e em Vitória (Espírito Santo), o mesmo problema de articulação
entre atores locais tem dificultado o encaminhamento das propostas de revitalização de suas
áreas portuárias, e colocando em risco a viabilidade de qualquer projeto. Nesses casos, são as
características da governança local que dificultam a efetivação desse tipo de proposta.
A Zona Portuária do Rio de Janeiro há pelo menos duas décadas tem sido objeto de
propostas de renovação ou revitalização que até hoje não conseguiram se efetivar
pela divergência de expectativas entre os principais atores necessariamente
envolvidos. A saber: a Companhia Docas do Rio de Janeiro, maior proprietária de
terras da região e autoridade portuária; a Rede Ferroviária Federal, segunda maior
proprietária e que possui instalações desativadas no local; a prefeitura da cidade do
Rio de Janeiro, que tem a competência de alterar os parâmetros urbanísticos vigentes
[...], o Governo do Estado; as associações comunitárias; e, secundariamente, o setor
privado. (COMPANS, 2004, p. 54).
O projeto de revitalização da área portuária do Rio de Janeiro tem sido objeto de
pesquisa em muitos estudos da área de urbanismo (DEL RIO, 1999; COMPANS, 2004;
SANCHEZ; BERALDINELLI, 2004; MOREIRA, 2004, entre outros). Sendo que a maioria
deles apresenta um posicionamento crítico, questionando as ações de planejamento estratégico
adotadas. De acordo com Sanchez e Beraldinelli (2004): El Puerto pasó a ser considerado
como una de las áreas mas estratégicas de la ciudad, buscando consolidar en la región un
Fig. 23 – Área portuária de Belém revitalizada.
Fonte: Fernandes e Lima (2000).
Fig. 24 – Estação das Docas de Belém.
Fonte: Fernandes e Lima (2000).
117
espacio diversificado de actividades, con predominancia de funciones de comercio, servicios,
ocio y cultura, gravitando alrededor de las pautas de una tendencia globalizada”. E entre os
projetos que vinham sendo propostos com o objetivo de alavancar o processo de revitalização
da área portuária do Rio de Janeiro, estaria o da instalação do Museu Guggenheim, no Píer
Mauá, que teria um custo total da ordem de US$ 600 milhões (COMPANS, 2005). Segundo
Sánchez e Beraldinelli (2004), no entanto, o contrato para a construção do museu foi anulado
devido a ações implementadas por movimentos sociais:
Un importante proceso de cuestionamiento de este modelo que asocia la
recuperación del área a la construcción de un megaequipamiento cultural de efecto
midiático, fué intensificado en el primer semestre de 2003 por algunos importantes
grupos relacionados a los segmentos del arte y de la cultura, junto a algunos
políticos ligados a la Comisión de Asuntos Urbanos de la Cámara Municipal de Rio
de Janeiro. Una acción popular fué movida pidiendo la suspensión del contrato, por
considerarlo “una acción de marketing, cara y lesiva a los cofres municipales”, y la
justicia aceptó los argumentos expuestos en la acción y suspendió el contrato. Tal
hecho se constituye en importante precedente que alimenta el proceso de discusión
pública de los impactos y repercusiones de estos proyectos.
Atualmente, o foco principal dos investimentos na área portuária do Rio de Janeiro
tem se dado em função dos preparativos para os Jogos Pan-americanos de 2007, que a cidade
irá sediar, seguindo o modelo de planejamento estratégico adotado em Barcelona. Mas, além
dos desafios intrínsecos à implementação de um projeto de grandes proporções como esse,
para que seja efetivado, o processo de revitalização portuária do Rio de Janeiro precisará
superar os conflitos entre representantes dos setores público e privado, de grupos organizados
da sociedade (como, por exemplo, as divergências entre a Companhia Docas e a Prefeitura),
que se fazem presentes na grande maioria das áreas portuárias brasileiras.
No caso da cidade de Vitória, os conflitos descritos por Soares e Lima Júnior (2005)
englobam as discussões em torno de três propostas para a área portuária: uma que defende a
especialização do porto para o atendimento a pequenas embarcações, mantendo sua função
portuária (defendida pelos órgãos administradores do porto); outra, em que se intenciona a
transformação da área em centro de lazer e turismo (defendida por gestores e atores locais); e
uma terceira, que estaria apoiada na integração do porto com a cidade (proposta por uma rede
de pesquisadores). Assim, além de representarem diferentes perspectivas para a área portuária
as disputas entre propostas revelam-se como obstáculos à efetivação de qualquer uma delas.
Além disso, Soares e Lima Júnior (2005) consideram que:
Os atores envolvidos no debate não concorrem em igualdade de condições. Os
grupos constituídos em torno da Autoridade Portuária e das administrações
municipal, estadual e federal possuem posição mais vantajosa que lhes garante
maior capacidade para intervir no espaço urbano: têm legitimidade e recursos,
públicos e privados.
118
Em Natal, e talvez em outras cidades brasileiras, observa-se um quadro semelhante a
este, como será visto nos capítulos seguintes. Entendemos que as condições de governança
local predominantes no Brasil interferem profundamente na condução desses processos e, por
isso, vemos problemas semelhantes na maioria das áreas portuárias de cidades brasileiras.
Enfim, observamos que, no Brasil, apesar de terem sido conquistados avanços no
âmbito legal, no sentido de uma maior interação entre os setores da sociedade envolvidos com
a problemática do planejamento e gestão de áreas portuárias, os processos de reestruturação
ainda caminham, em grande parte, em direções contrárias, não havendo muita convergência
entre os objetivos do desenvolvimento portuário e os objetivos do desenvolvimento urbano.
Se, por um lado, a promulgação da Lei de Modernização dos Portos trouxe um
avanço no sentido da implementação da concepção de “cidade portuária”, por outro, as ações
de intervenção ainda encontram-se voltadas predominantemente para o modelo de hub port,
seguindo a tendência de se construir grandes portos em áreas afastadas dos centros urbanos
tradicionais. Como dito anteriormente, essas ações obedecem a uma estratégia centrada na
dinamização da economia nacional por meio de investimentos em recursos tecnológicos e
infra-estruturais, característica da articulação entre um Estado desenvolvimentista e setores
privilegiados do mercado. Isto é, predomínio de uma governança corporativista.
Esse tipo de governança reflete-se, por sua vez, na dificuldade de articulação entre os
diversos níveis de governo e na ausência de uma adesão ativa do setor privado em torno de
um projeto estratégico, empreendedor, representando uma barreira à efetivação das propostas
de revitalização.
119
CAPÍTULO 4
120
Fig. 25 – Localização de Natal
Fonte: www.pipacasablanca.com.br
4. NATAL: A CIDADE E O PORTO
Natal, capital do estado do Rio Grande do
Norte, está localizada na região Nordeste do Brasil, no
ponto do continente Sul-americano mais próximo dos
continentes Africano e Europeu (fig. 25). Possui uma
população de cerca de 778 mil habitantes, numa
densidade aproximada de 49 hab/ha, com taxa de
crescimento anual de 1,78%, de acordo com estimativas
do IBGE para o ano de 2005 (NATAL, 2005). Natal
pode ser considerada uma capital de médio porte:
ocupa a 16ª posição entre as capitais brasileiras, no que
se refere à população residente, e a 6ª, quando se trata
de densidade demográfica (NATAL, 2004). Está entre
as regiões de médio desenvolvimento humano, com IDH
de 0.788, ocupando a 17ª posição entre as capitais brasileiras e a 4ª entre as capitais do
Nordeste (NATAL, 2004). Nos últimos anos, Natal tem se destacado como destino do turismo
nacional e internacional devido, principalmente, aos seus atrativos naturais e à hospitalidade
de seu povo. Isso tem gerado um grande aporte de recursos públicos e privados para a cidade,
voltados predominantemente para as áreas de maior concentração dessa atividade
(destacadamente a orla marítima). E como efeito do dinamismo econômico gerado pelo
turismo, um processo de intensa alteração da paisagem urbana tem se delineado.
É nesse contexto que assistimos hoje à convergência de um grande número de
projetos e propostas de intervenção para aquela que estamos denominando de área portuária
de Natal. Apesar de não estar situada exatamente na região de maior interesse para a
economia do turismo, essa área possui uma configuração histórica e geográfica bastante
peculiar (por estar inserida no centro histórico da cidade, às margens do rio Potengi, e reunir
um conjunto de terminais de transporte ferroviário, rodoviário e aquaviário, entre outros
aspectos), que passou recentemente a ser visada por diferentes setores da sociedade (com
interesses econômicos, sócio-ambientais ou culturais). Mas, para se compreender como se
chegou a esse estágio atual, será preciso conhecer um pouco do processo de desenvolvimento
urbano de Natal, considerando as influências de fatores políticos e culturais sobre este
processo e apontando os diversos interesses alocados sobre essa área.
121
No presente capítulo, portanto, direcionamos a análise da problemática para o caso
específico observado na cidade de Natal, ou seja, reportamo-nos aos condicionantes gerais de
um possível processo de reestruturação da área portuária de Natal, que tem se insinuado no
conjunto de propostas voltadas para essa área. Iniciaremos a exposição com uma
contextualização dos condicionantes históricos relativos à economia, à política e ao
planejamento urbano local, priorizando aspectos relevantes para a problemática destacada na
pesquisa. Passamos, posteriormente, a apresentar o contexto mais recente de proposições
voltadas para a área central da cidade, onde a área portuária está inserida e, em seguida,
destacaremos os projetos específicos analisados neste trabalho, que perfazem o conjunto de
propostas que, a nosso ver, poderão desencadear um processo de reestruturação da área
portuária de Natal.
4.1. O contexto histórico que caracteriza a cidade
Do processo de formação histórica da cidade de Natal, podemos destacar fases de
desenvolvimento características, que ajudam a compreender um pouco melhor o papel da
função portuária para a cidade e para o estado do Rio Grande do Norte. A cidade, que foi
fundada em 1599 com o objetivo de proteger as terras de domínio português das invasões
estrangeiras
16
, principalmente dos franceses, possuía no início de sua ocupação uma função
notadamente militar e administrativa, já que se tratava da capital da capitania do Rio Grande.
Mas, seu crescimento populacional e seu desenvolvimento como cidade se daria de forma
bastante lenta durante todo o período colonial e até meados do século XIX. Mesmo durante o
período de dominação holandesa
17
, entre 1633 e 1654, Natal não passou por grandes
transformações, como acontecera em Recife. Ao invés disso, os holandeses deixaram Natal
arruinada, o que implicou em um esforço de reconstrução da cidade que se estendeu ao longo
do século XVII (NATAL, 2005). Uma cidade que, de acordo com as contagens da época, não
passava de 118 casas, em 1759, chegando em 1808 a uma população de 5.919 habitantes (v.
CASCUDO, 1999). No período colonial, as atividades econômicas principais (criação de
gado, cultura de algodão e de cana-de-açúcar), eram realizadas no interior do estado e,
naquela época, o transporte das mercadorias para a capital era dificultado pela ausência de
16
A localização estratégica de Natal no ponto da costa brasileira mais próximo dos continentes Europeu e
Africano justificava a implantação de uma base militar na cidade.
17
Os holandeses ocuparam a cidade após se instalarem na capitania de Pernambuco, atraídos pela pecuária
existente na capitania do Rio Grande, que seria útil para a alimentação das tropas invasoras.
122
estradas e pelos obstáculos naturais que circundavam a cidade (um conjunto de dunas e o rio
Potengi, sem boas condições de navegabilidade).
A partir de meados do século XIX, a indústria açucareira e a cotonicultura
adquiriram preponderância na economia do estado. Com o estabelecimento do domínio
político pela elite açucareira, que em grande parte residia em Natal, a cidade passou a receber
maiores investimentos em sua urbanização e na melhoria do porto. No século XIX, a cidade
expandiu-se, então, em direção ao bairro da Ribeira, parte baixa às margens do rio Potengi,
onde se desenvolviam as atividades comerciais ligadas ao porto.
A história do desenvolvimento da cidade de Natal e do crescimento da Ribeira como
centro comercial, está estreitamente associada à evolução das atividades portuárias ao longo
do rio Potengi. Segundo Souza (2001), apesar das dificuldades existentes, o rio Potengi
sempre serviu de porto para a cidade, tendo sido por muito tempo a única via de intercâmbio
de Natal com o interior do estado e com o resto do Brasil e do mundo. Silva (1995) afirma
que em fins de 1818 a cidade de Natal começou a servir de entreposto comercial, mesmo que
nesse período o porto ainda não possuísse condições adequadas de infra-estrutura. Embora
precárias, as instalações existentes permitiam o escoamento da produção local, contribuindo
para que a cidade, gradativamente, se consolidasse dentro da então província do Rio Grande
do Norte como principal entreposto de produtos agrícolas para exportação, assim como de
distribuição dos produtos importados. Assim, a ampliação do povoamento de Natal decorreu
em grande parte do desenvolvimento do setor comercial (BORGES, 2006). “Com o
crescimento da cidade, o bairro da Ribeira tornou-se mais atrativo e dinâmico, uma vez que
ficava próximo ao cais, ponto de ligação mais rápida com o interior do estado e com outras
localidades” (OLIVEIRA, 1999, p. 20). Próximo ao cais, desenvolveu-se um mercado de
compra e venda na Rua do Comércio (atual Rua Chile), o que gerou uma dinamização para o
bairro da Ribeira, atraindo para lá, em 1869, a sede do governo estadual, antes localizada na
Cidade Alta. A Ribeira era caracterizada, pois, como área comercial da cidade, “lugar dos
armazéns, dos hotéis, do lazer e das atividades administrativas” (OLIVEIRA, 1999, p. 21),
destacando-se posteriormente pela instalação do Teatro Carlos Gomes (atual Teatro Alberto
Maranhão) e do primeiro cinema da cidade, o Politheama (NATAL, 2005).
Rodrigues (2003) afirma que, apesar de o porto de Natal não reservar naquela época
as condições ideais para ser a porta de entrada e saída do comércio da província, era o melhor
que havia em todo o litoral do Rio Grande do Norte, tendo sido determinante para a escolha e
a permanência de Natal como cabeça da movimentação comercial do século XIX. Mais tarde,
123
a melhor adaptação do porto da Ribeira (em relação a outros do estado) aos novos fluxos de
comércio e às novas tecnologias de navegação contribuiria para a sua valorização (BORGES,
2006). Oliveira (1999, p. 26) destaca, no entanto, que
Apesar de ser uma cidade portuária, Natal até início do século XX, mantinha posição
secundária na própria estrutura administrativa e econômica do estado do Rio Grande
do Norte, uma vez que as regiões produtoras do interior escoavam a produção
através de cidades portuárias do Ceará e de Pernambuco, assim como do próprio
estado.
Da década de 1830 ao início da década de 1870, várias obras foram realizadas
visando à afirmação de Natal como centro comercial da província, utilizando o rio Potengi
como artéria principal dos fluxos mercantis vindos das zonas produtivas do interior
(RODRIGUES, 2003). Mas até a década de 1840 não havia um plano geral para a solução dos
problemas de acesso ao Porto de Natal e do isolamento quase completo da capital dos
principais centros produtores da província. Segundo Souza (2001), a construção de uma
estrutura física adequada para o Porto de Natal já era reivindicada pelos senhores de engenho
do estado desde a segunda metade do século XIX. Nesse período, o Rio Grande do Norte
vivia uma fase de expansão da produção açucareira, necessitando-se do desenvolvimento do
sistema de transportes para que essa produção pudesse ser escoada. Exigia-se, portanto, do
Poder Central a implantação de ferrovias e a execução de obras no porto que viabilizassem o
seu acesso. Porém, durante um longo período, pouco se fez para melhorar essa situação, e
enquanto isso, o comércio da província mantinha-se na dependência absoluta do Porto de
Pernambuco, pagando-se altas taxas tanto para importar quanto para exportar.
Essa dependência da economia norte-riograndense em relação a portos de outros
estados era bastante nítida, podendo ser verificada ainda nos dias de hoje. Naquela época, no
entanto, chegou ao ponto de, no final da década de 1850, o governo provincial contratar dois
navios da Companhia de Navegação Pernambucana para fazer o transporte mensal de
passageiros saindo do Cais da Ribeira (atual Cais Tavares de Lyra) para Recife, por ser este o
principal centro fornecedor do comércio local (Oliveira, 1999). A partir de 1883, porém, com
a construção da Estrada de Ferro Natal-Nova Cruz, tornou-se possível drenar a produção
canavieira do sul da província diretamente para o porto da capital, o que gerou mais
dinamismo para a Ribeira.
Com o final do século XIX, marcado pela abolição da escravatura e a proclamação
da República, Natal passa a se constituir, efetivamente, como espaço central da elite
econômica e política norte-riograndense, recebendo, com isso, maiores cuidados por parte de
124
seus administradores. Ainda no final do século XIX inicia-se um processo de intervenção do
poder público, visando à melhoria das condições de salubridade do meio urbano e o
provimento de serviços e equipamentos de infra-estrutura na cidade. Era necessário dotar
Natal das condições urbanas básicas para se firmar como capital do estado.
O processo de consolidação do regime republicano correspondeu, no Rio Grande do
Norte, à firmação da oligarquia Albuquerque Maranhão no domínio político do estado, sob a
liderança de Pedro Velho Albuquerque Maranhão. Este, estando ligado aos interesses dos
grandes proprietários rurais e da burguesia comercial, estabeleceu alianças com seus
adversários para criar vínculos tanto com a elite coronelista do interior do estado, como com
articuladores dentro do governo central (OLIVEIRA, 1999). Além disso, Pedro Velho era
proprietário do principal jornal da cidade à época, o jornal “A República”; controlava sua
edição e nomeava para a direção do jornal políticos aliados. Lima (2001, p. 23) coloca que:
“Entre 1892 e 1914 Pedro Velho, ou seus sucessores na chefia da oligarquia Maranhão,
indicaram e elegeram senadores e deputados, governadores do Rio Grande do Norte, prefeitos
e intendentes de Natal e de outros municípios”. E, segundo Oliveira (1999, p. 36): “Tanto na
esfera estadual como no âmbito municipal, as lideranças responsabilizavam-se pela execução
geral do projeto da elite dominante [...]”
18
.
As ações do poder público no início da República eram voltadas para a implantação
de infra-estrutura básica (saneamento, drenagem, iluminação e transportes) e ações
higienizadoras e de embelezamento (limpeza pública, arborização, construção de praças, etc.).
De acordo com Lima (2001, p. 35) as ações do poder republicano no Rio Grande do Norte
correspondiam às expectativas da classe dominante de Natal para a qual, assim como em São
Paulo ou no Rio de Janeiro, “uma cidade organizada, bonita e limpa era, principalmente, uma
cidade moderna e com credibilidade nacional e internacional”.
Com o início do regime republicano, passou-se a concretizar também a construção de
uma estrutura mais adequada para o Porto de Natal. Em 1890 o então ministro da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas encarregou o engenheiro Affonso Henrique de Sousa Gomes,
funcionário do Porto de Pernambuco, de estudar a situação do porto de Natal e recomendar
soluções (SOUZA, 2001). Para dar início às obras, o Governo da República organizou, em
1893, a Comissão de Obras do Porto de Natal, que, da data de sua fundação até o ano de 1903,
18
Oliveira (1999) destaca, ainda, que havia uma hierarquia entre as lideranças estaduais e municipais bastante
respeitada, pressupondo uma certa subordinação da política municipal à política estadual.
125
realizou várias intervenções no porto, para permitir o acesso de navios maiores e para facilitar
a circulação de pessoas e mercadorias (SOUZA, 2001). De acordo com Antas (1997) a
instalação da Comissão de Obras do Porto conferiu à Ribeira e bairros vizinhos, um relevante
crescimento, com o aumento do seu povoamento e a construção de várias casas. Tanto que,
em 1905, o bairro foi o primeiro a receber iluminação pública, contando ainda com a abertura
de avenidas e o alinhamento e calçamento de ruas, o aterramento de uma praça e a instalação,
posteriormente, de hotéis, casas comerciais, clubes de dança e o primeiro cinema, em 1911.
Segundo Oliveira (1999), em 1912, novos serviços de melhoramento do porto foram
realizados, permitindo a definitiva abertura da cidade ao comércio, por facilitarem o contato
dos comerciantes locais com os fornecedores (da Europa e dos Estados Unidos) e melhorando
as condições de embarque e desembarque de pessoas pelo porto. Previa-se, ainda, “[...] a
reforma do bairro portuário. Só assim a obra estaria completa, determinando a mudança
radical da estrutura física do bairro da Ribeira” (OLIVEIRA, 1999, p. 82). Nesse período, “A
população da Ribeira era variada; incluía negociantes, funcionários, operários e agricultores
que trabalhavam nos sítios existentes” (LIMA, 2001, p. 152). E a cidade contava, à época,
com pouco mais de 16 mil habitantes, havendo além dos bairros Cidade Alta e Ribeira, apenas
alguns povoados mais afastados.
Ainda no início do século XX, a Resolução nº 55 criou o bairro da Cidade Nova;
uma ação modernizadora que determinava a “expansão da cidade como alternativa à
tendência de concentração no centro urbano e a suas precárias condições de salubridade”, a
partir de um plano de avenidas retilíneas e arborizadas, desenhado em 1901, por Antônio
Polidrelli (LIMA, 2001; OLIVEIRA, 1999). Esse plano, conhecido por Plano da Cidade
Nova, ou Plano Polidrelli, definiu um traçado ortogonal para o crescimento da cidade,
formado por eixos principais delineados na direção norte-sul e cortados por ruas transversais,
que se consolidou como o padrão dominante de ocupação da cidade ao longo das dunas leste,
na margem direita do rio Potengi. Lima (2001, p. 33) ressalta:
[...] de todos os planos elaborados para Natal, neste século, foi o único a ser
implementado em sua totalidade. E, ao ser implantado e depois expandido,
condicionou de forma significativa o crescimento de Natal em sua parte situada à
margem direita do rio Potengi. A partir daí a expansão da cidade e sua estruturação,
no sentido sul, teve como eixos orientadores as ruas e avenidas desenhadas por
Polidrelli.
Alberto Maranhão, sucessor de Pedro Velho (seu irmão) na liderança da oligarquia
Albuquerque Maranhão no estado, implementou durante as duas gestões em que governou o
estado (1900-1904 e 1908-1913) ações de incentivo à ocupação da Cidade Nova. A área,
126
atuais bairros de Tirol e Petrópolis, consolidou-se, então, como território das classes
dominantes locais, o que ainda se verifica nos dias de hoje, visto que esses bairros concentram
uma população residente de nível de renda elevado, com alto grau de escolaridade e que
dispõe de excelentes condições de moradia, segundo gráficos do Anuário Natal 2015.
Segundo Lima (2001, p. 37), devido à atração de novos moradores para a área da
Cidade Nova, onde o poder público investia em infra-estrutura, “O Plano Polidrelli, além de
se constituir em uma alternativa de residência para as elites natalenses, criou [...] as bases para
implantação de um mercado de terras urbanas em Natal”. Esse mercado, no entanto, só se
consolidaria nos anos 1940, a partir das repercussões da II Guerra Mundial.
Em 1914, Ferreira Chaves assume o governo do estado do Rio Grande do Norte e
passa a promover ações de desmantelamento da estrutura político-administrativa montada por
Alberto Maranhão, que culminam com o seu rompimento definitivo com aquele grupo
familiar. Esse rompimento, segundo Oliveira (1999, p. 92) “deu início à decadência do grupo
oligárquico ligado à economia açucareira do litoral e contribuiu para a ascensão do grupo da
região algodoeira do Seridó, na qual destacou-se a liderança de Juvenal Lamartine de Faria,
que perdurou até a Revolução de 1930”. No lugar da oligarquia Albuquerque Maranhão,
tinha-se instalado, então, a oligarquia Bezerra de Medeiros (LIMA, 2001).
Cabe ressaltar que as intervenções implementadas no primeiro período republicano
(1889-1930) visavam, predominantemente, à modernização da cidade, dotando-a de infra-
estrutura, equipamentos e serviços urbanos condizentes com a imagem de capital que sua elite
dominante desejava consolidar (baseada nos padrões vigentes na Europa e nas principais
cidades brasileiras, com destaque para o Rio de Janeiro). Para Oliveira (1999, p. 93), esse
processo de modernização tornou-se possível graças a uma conjugação de fatores que
permitiram a sua concretização, entre os quais a autora destaca o fator político, “expresso na
ação da elite dominante capaz de executar um projeto de transformação radical da cidade para
cidadãos disciplinados que permitiram, sem qualquer contestação, o exercício desse poder e o
legitimaram sucessivamente a cada eleição”. Assim, a oligarquia Albuquerque Maranhão teria
tido à sua disposição, todas as condições para desenvolver esse projeto de modernização.
“Entre os anos vinte e meados da década de 1930 o processo de urbanização de Natal
tomou um grande impulso” (LIMA, 2001, p. 43). Na década de 1920, Natal foi envolvida no
desenvolvimento da aeronáutica, em função de sua proximidade com o norte da África e com
a Europa. Além disso, a produção de algodão no estado imprimira maior dinamismo à sua
economia; dinamismo esse que, segundo Lima (2001, p. 47), certamente ensejou “a
127
reestruturação da administração estadual, a reforma do ensino e da saúde públicas, a
construção de infra-estrutura, e que também permitiu a remodelação, o embelezamento e a
construção de um plano urbanístico para Natal”. O Plano Geral de Sistematização de Natal foi
elaborado em 1929, pelo arquiteto italiano Giacomo Palumbo, durante a gestão do prefeito
Omar O’Grady (que era engenheiro), e do governador Juvenal Lamartine, visando contemplar
o reordenamento da cidade já consolidada. Planejado para uma população de 100 mil
habitantes, quando a cidade contava ainda com cerca de 35 mil, o plano constituiu-se em um
esforço conjunto entre o arquiteto e o engenheiro/administrador para tornar a cidade
“contemporânea e partícipe dos processos de modernização que estavam ocorrendo dentro e
fora do Brasil” (LIMA, 2001, p. 53). Para o bairro da Ribeira, Palumbo preconizava sua
consolidação como centro da vida comercial da cidade, enquanto na Cidade Alta, e em Tirol e
Petrópolis se localizariam as habitações (LIMA, 2001). Desse plano, no entanto, assim como
aconteceria com os próximos, poucos elementos foram implementados. De qualquer modo, é
interessante observar a existência de uma sintonia entre o que se propunha em Natal e o
pensamento urbanístico dominante na Brasil e no mundo. Segundo Lima (2001, p. 58),
O Plano Geral de Sistematização de Natal articula o zoneamento da cidade
(definição e distribuição das funções administrativas, comerciais, industriais etc.)
com o embelezamento (agenciamento de ruas e avenidas, arborização, passeios,
parques etc.), com a infra-estrutura (sistema viário, iluminação etc.) e com medidas
ambientais e de higiene, como a criação de um grande parque central, e a localização
adequada de cemitérios e matadouros.
Tanto este plano como o Plano de Expansão de Natal, que seria elaborado logo depois,
demonstram, para Lima (2001), uma filiação aos princípios do urbanismo pitoresco de Camilo
Sitte e à concepção de cidade-jardim de Ebenezer Howard.
O Plano de Expansão de Natal, de 1935, foi encomendado, durante a gestão do
interventor Mário Câmara no governo do Rio Grande do Norte, ao Escritório Saturnino de
Brito, responsável pela elaboração e implementação de planos em várias outras cidades no
Brasil. Ele “se inscreve em um amplo movimento de caráter nacional, embora não
necessariamente articulado, que resultou em uma série de intervenções urbanísticas nas
principais cidades e capitais brasileiras” (LIMA, 2001, p. 62). Segundo Lima (2001), apesar
de privilegiar ainda aspectos físico-espaciais, estéticos e paisagísticos, o Plano de Expansão
de Natal situa-se na transição entre os planos urbanísticos, e a institucionalização da atividade
de planejamento urbano. Além dos avanços verificados no que se refere à preocupação com o
desenvolvimento sócio-espacial da cidade, o plano revela traços de um urbanismo racionalista
que se encontrava, então, em ascensão. Das intervenções urbanísticas nele propostas, no
128
entanto, foram implementadas somente aquelas relacionadas aos projetos de abastecimento de
água e do sistema de esgotos, como a construção de um parque em torno da lagoa de captação
Manoel Felipe (hoje conhecido como Cidade da Criança), e a canalização do riacho do Baldo,
ao longo do qual foi criada uma avenida (LIMA, 2001).
Ressalte-se que, no dia 21 de outubro de 1932, o Porto de Natal foi oficialmente
criado a partir do decreto n° 21.995, expedido pelo então chefe do Governo Provisório da
República dos Estados Unidos do Brasil, Getúlio Vargas (QUEIROZ, 2001). Segundo Antas
(1997), com a inauguração do Porto, a vida comercial de Natal sofre um dinamismo maior
com a construção de armazéns na área comercial da Ribeira, com o aparelhamento do porto,
os transportes marítimos e ferroviários
19
e com a chegada dos elementos básicos que
compõem a infra-estrutura urbana da cidade: bancos, lojas comerciais, vias de acesso urbano,
etc. Com o crescimento das atividades portuárias, a cidade passou a incrementar suas
atividades econômicas, intermediando transações comerciais e fazendo o escoamento das
mercadorias que eram produzidas no estado (ANTAS, 1997).
A década de 1940 marca um momento decisivo no desenvolvimento da Ribeira, que
se consolida como núcleo comercial, e da cidade como um todo, que teve seu dinamismo
econômico incrementado, principalmente devido à instalação de uma base aérea norte-
americana no município vizinho de Parnamirim, durante a II Guerra Mundial. Nesse período,
houve um grande incremento das atividades comerciais e a cidade adquiriu relevância no
cenário nacional e internacional. Um grande evento que ilustra essa fase foi o encontro, em
1943, dos presidentes Getúlio Vargas, do Brasil, e Franklin D. Roosevelt, dos Estados
Unidos, que se reuniram em Natal a bordo de um navio no rio Potengi para acertarem o envio
de tropas brasileiras para a Europa, a fim de lutarem contra as forças do Eixo. Além disso, a
economia do estado também adquire força durante a II Guerra, com o desenvolvimento da
produção mineral, que abastecia as bases militares instaladas em Natal e Parnamirim (LIMA,
2001). Desencadeou-se, conseqüentemente, um intenso processo de crescimento e
modernização de Natal, de grande impacto na evolução urbana da cidade.
A população da cidade que era de cerca de 55 mil habitantes em 1940 foi acrescida,
em 1942, de mais de 10 mil pessoas, só de militares norte-americanos. A estes
somaram-se também militares brasileiros das três armas. E um grande contingente
de migrantes atraídos pelas possibilidades de conseguir trabalho [...]. Entre 1941 e
19
Até 1916, a articulação de Natal com as zonas produtoras do interior do estado era bastante dificultada pela
falta de infra-estrutura para o transporte ferroviário. “Em 1916 a The Cleveland Bridge and Engeering Company
concluiu a construção de uma ponte metálica sobre o rio Potengi, ligando definitivamente Natal ao interior do
estado” (LIMA, 2001, p. 27).
129
1943 a população passou de 55 mil para 85 mil habitantes. [...] Em 1950 a população
de Natal já era de 103 mil habitantes (LIMA, 2001, p. 71).
A construção de uma avenida, a Parnamirim Road (conectando as instalações
militares brasileiras e norte-americanas), sobre a atual Avenida Hermes da Fonseca (Avenida
Oitava no Plano da Cidade Nova, de 1901), pode ser considerada uma das intervenções de
maior impacto no desenvolvimento da cidade. Associada ao eixo formado pela atual Avenida
Alexandrino de Alencar (que ligava o exército e a base naval brasileiros), a Parnamim Road
propiciou a ocupação intensiva dos trechos da Cidade Nova que ela conectava, constituindo-
se, posteriormente, num dos principais eixos de expansão de Natal à margem direita do rio
Potengi. Santos (1989, apud LIMA, 2001, p. 75) coloca que
Nos anos seguintes, os bairros Tirol, Lagoa Seca, Lagoa Nova e Alecrim e, mais
recentemente, uma longa série de conjuntos habitacionais (Nova Dimensão,
Potilândia, Mirassol etc.) tiveram o seu desenvolvimento e implantação
condicionados pelos eixos constituídos pelas avenidas Hermes da Fonseca-
Alexandrino de Alencar.
O desenvolvimento advindo com a II Guerra, no entanto, mostrou-se, em geral,
bastante efêmero. “Com o final da guerra a crise de desemprego se agravou, e as atividades
econômicas urbanas se retraíram” (CLEMENTINO, 1992, apud LIMA, 2001, p. 76). O Porto
de Natal também começou a entrar em crise, agravando o problema dos transportes
marítimos. Souza (2001) explica que após a II Guerra, o canal de acesso não foi mais dragado
e, por isso, muita areia acumulou-se em seu leito. Com a impossibilidade de acesso ao rio por
embarcações de calado superior a 20 pés, muitos navios deixaram de aportar em Natal. Esta
situação acarretou sérios prejuízos para a economia do estado, pois reduziu a exportação dos
produtos e encareceu a importação das mercadorias (SOUZA, 2001).
Depois da II Guerra Mundial, Natal e o Rio Grande do Norte retomaram sua vida
pacata e sua estagnação econômica. Esse quadro só sofreria maiores alterações na década de
1970, destacando-se, até lá, dois fatos de maior importância: a grande seca de 1958 (que
provocaria um grande fluxo de migrantes do interior do estado para a capital) e a criação da
Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), em 1959. Esta marcaria a
institucionalização de uma ação planejada, emvel nacional, voltada para o desenvolvimento
sócio-econômico do Nordeste.
Quanto ao porto, em dezembro de 1954, Café Filho, então presidente da República,
visando colaborar com o melhoramento da situação de seu estado natal, firmou contrato com a
empresa carioca ‘Pedreiras Reunidas Ltda’ para fazer a total desobstrução da entrada do rio e
o calçamento das áreas próximas ao porto num total de 18 mil metros quadrados, tendo sido
130
grande parte destas obras concluídas em maio de 1956 (SOUZA, 2001). Essas intervenções
contribuíram para uma retomada do desenvolvimento do Porto de Natal por um determinado
período, mas, após alguns anos, durante a
década de 1960, o porto voltaria a viver
momentos de crise, devido tanto a
problemas de entupimento no canal de
acesso, como à implantação de uma política
nacional de portos que desfavorecia Natal.
Gradativamente os grandes navios foram
abandonando o Porto de Natal, e os
exportadores do Rio Grande do Norte, a fim
de evitar maiores prejuízos, passaram a
enviar seus produtos para os portos de
Recife, no estado de Pernambuco, de
Cabedelo, na Paraíba, e de Fortaleza, no
Ceará (fig. 26).
Nos anos 1960, a cotonicultura continuou predominando na economia norte-
riograndense, verificando-se, ainda, um certo crescimento do parque têxtil local. Esse setor
começou a perder força, no entanto, a partir de 1968, com a introdução das fibras sintéticas e
o desenvolvimento das indústrias têxteis no Sudeste do país. A década de 1970 marcou o
crescimento da economia salineira no estado, cuja produção passou a ser operada de forma
mecanizada por grandes empresas e empresas multinacionais (LIMA, 2001).
Nesse período, desde a década de 1950, ganhava força no Brasil a ideologia do
nacional-desenvolvimentismo; “Para o governo, empresários, tecnocratas e opinião pública
desenvolvimento econômico e planejamento passaram a ser conceitos associados” (LIMA,
2001, p. 87). No Rio Grande do Norte, essa ideologia ganhara expressão durante o governo de
Aluízio Alves (1961-1964), líder político oriundo das oligarquias rurais, que havia rompido
com Dinarte Mariz (governador entre 1955-1960), que chefiava então os interesses
oligárquicos ligados ao setor agro-exportador (LIMA, 2001). O governo municipal, por outro
lado, “[...] era dirigido por um político – Djalma Maranhão – situado à esquerda do espectro
político-partidário, e comprometido com as lutas populares” (LIMA, 2001, p. 88).
“Durante sua gestão, Aluízio Alves inaugurou em Natal (1962) o primeiro conjunto
habitacional do Rio Grande do Norte”, o conjunto Cidade da Esperança. (LIMA, 2001, p. 89).
Fig. 26 – Localização de Natal no Nordeste.
Fonte: SEMPLA, Prefeitura Municipal.
131
Além disso, construiu a Estação Rodoviária Presidente Kennedy, inaugurada em 1962,
ocupando metade da Praça Augusto Severo, na Ribeira. “Djalma Maranhão, por sua vez,
desapropriou, uma porção de terras na orla marítima, declarando-as de utilidade pública, para
regularizar a situação de posseiros que haviam construído ali uma favela, batizada de Brasília
Teimosa” (LIMA, 2001, p. 90). É a partir da década de 1960 que a expansão urbana de Natal
em direção à periferia começa a atingir a margem esquerda do rio Potengi, formando a
chamada Zona Norte de Natal.
[...] durante os anos cinqüenta e meados dos anos sessenta surgiram em natal os
primeiros assentamentos denominados oficialmente de favelas (Mãe Luiza e Brasília
Teimosa) e se realizaram experiências de construção de moradias populares (Cidade
da Esperança etc.). Desse modo, os espaços da população pobre de Natal [...]
começaram a adquirir contornos mais nítidos. Até o final da década de 1960, o
processo de ocupação de Natal se restringia à margem direita do rio Potengi, e ainda
era bastante esparsa (LIMA, 2001, p. 90).
A gestão de Aluízio Alves “se caracterizou pela modernização da estrutura
administrativa e pela implementação de infra-estrutura para a industrialização [...]; combinou
práticas modernizantes com práticas clientelísticas/conservadoras e repressivas (Germano,
1982)” (LIMA, 2001, p. 88). Além disso, Alves criou o Conselho Estadual de
Desenvolvimento (CED) e uma Assessoria de Planejamento, compostos por quadros técnicos
com formação em programas do CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina, da
Organização das Nações Unidas – ONU), abrindo caminho para a institucionalização da
atividade de planejamento, pela futura Secretaria Estadual de Planejamento. Ao deixar o
governo do estado, Aluízio Alves apoiou Walfredo Gurgel para seu sucessor, que se tornou o
último governador eleito pelo voto direto (1965-1969), derrotando mais uma vez o líder
Dinarte Mariz (LIMA, 2001).
Segundo Lima (2001), com a implantação do regime militar no Brasil, em 1964,
encaminhou-se um processo de institucionalização da ação planejada, como meio de superar o
subdesenvolvimento. A ênfase da ação do Governo Federal sobre a política habitacional, entre
1964 e 1972, a partir da criação do Banco Nacional de Habitação – BNH e do Serviço Federal
de Habitação e Urbanismo – SERFHAU, teve grande repercussão em Natal. “Entre meados
dos anos sessenta, com a criação do BNH, e o final da década de 1970, o incremento da
construção de conjuntos habitacionais se constituiu em um dos aspectos mais visíveis do
processo de urbanização de Natal” (LIMA, 2001, p. 81). Com isso, cerca de metade da
população da cidade passou a residir em conjuntos habitacionais, no período de 1980 a 1985:
200 mil, de um total de 416.898 habitantes.
132
Aliado à expansão horizontal da cidade, que ocorria como conseqüência da
implantação dos conjuntos habitacionais, surgia também na década de 1970 um incipiente
processo de verticalização. Esses traços do desenvolvimento urbano de Natal, somados à
construção de grandes edifícios públicos (o estádio de futebol “Machadão”, o Centro
Administrativo do Governo do Estado e o Campus da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte) tornaram-se emblemáticos do modelo de modernização perseguido durante o período
de dominação militar (LIMA, 2001).
A economia e a população de Natal também passavam por grandes mudanças nesse
período. “Na segunda metade dos anos setenta verificou-se o crescimento do setor de serviços
e a oferta de incentivos dos governos federal e estadual para o desenvolvimento do turismo”
(LIMA, 2001, p. 81). “Também se verifica, a partir dos anos setenta, a crescente
especialização em comércio e serviços dos bairros da Ribeira e Cidade Alta, tendência esta
que se estende, nos anos oitenta para os bairros Petrópolis e Tirol” (LIMA, 2001, p. 159). O
setor industrial, por outro lado, começou a perder força, havendo no final da década de 1970,
segundo Passos (1992, apud LIMA, 2001, p. 81) “um verdadeiro desmantelamento de um
parque industrial de razoáveis proporções”. A partir dos anos oitenta, a economia passaria a
girar em torno da oferta de serviços e, principalmente, do turismo.
A população da cidade sofreu mais um grande surto de crescimento entre a década de
1970 (quando contava com 264.379 habitantes), e a década de 1980, quando a população
ultrapassou os 400 mil habitantes; tendo sido todo seu território declarado oficialmente como
área urbana (LIMA, 2001).
Destaca-se, ainda, na década de 1970, o programa Metas e Bases, do governo
federal, responsável pela criação e o desenvolvimento de áreas metropolitanas e a
implementação de planos de desenvolvimento local integrado. Lima (2001, p. 94-95) chama a
atenção, dentro desse último aspecto, para a profusão de planos diretores em Natal, alinhados
então com os pressupostos do urbanismo modernista:
Ao longo desse período, dominado pela ditadura militar, foram elaborados três
planos para a cidade de Natal. O primeiro, denominado Plano Urbanístico e de
Desenvolvimento de Natal, foi concebido em 1968 pelo Escritório Serete S. A.
Engenharia. [...] O Plano Wilheim-Serete, além de um planejamento global,
contemplava projetos especiais e de imagem e operações integradas, e inovava ao
adotar um esquema de zoneamento por predominância de função. O segundo é o
Plano Diretor de Natal, Lei 2.211/74. Tendo sido elaborado a partir do plano
Wilheim-Serete, o Plano Diretor 74 mantém dele as propostas para o
desenvolvimento social e econômico e o esquema de zoneamento por predominância
de função, mas se desvencilha dos projetos espaciais e das operações integradas [...].
O terceiro é o Plano Diretor 84, Lei 3.175. Trata-se de um plano de organização
133
físico-territorial, que busca filiar-se ao urbanismo racionalista, sendo o seu núcleo a
proposta de zoneamento estritamente funcional.
O Plano Urbanístico de Desenvolvimento de Natal, elaborado durante a gestão de
Agnelo Alves (irmão de Aluízio Alves), na prefeitura de Natal, se constituiu na primeira ação
concreta no sentido de iniciar, em Natal, a formação de um quadro técnico de planejadores.
Apontando como objetivo “a transformação da realidade física de Natal com o fito de torná-la
cada vez mais adequada a uma rica, intensa e criativa vida urbana”, o plano recomenda: a
expansão linear da cidade; a manutenção de uma continuidade na ocupação e a distribuição
equilibrada da população urbana, através do adensamento e da redistribuição de alguns
bairros; a integração urbana dos diversos núcleos habitacionais; preservação da beleza do
sítio, contribuindo à criação de uma paisagem urbana tipicamente natalense; o reforço da
imagem de uma capital de estado e região através, principalmente, do desenvolvimento do
setor terciário da economia; e o remanejamento do centro, como recomendação física (LIMA,
2001, p. 97). Para Lima (2001, p. 97): “Com o Plano Wilheim-Serete Natal ultrapassa a fase
do urbanismo e ingressa na fase do planejamento urbano”.
A partir de 1973, ter-se-ia iniciado, no nível nacional, uma nova fase do processo de
institucionalização do planejamento urbano no Brasil, destacando-se a criação das regiões
metropolitanas e da Comissão Nacional de Política Urbana e Regiões Metropolitanas –
CNPU. As ações do Governo Federal passam a perseguir como meta a consolidação da
economia industrializada, da livre competição e de uma sociedade modernizada (conforme
estabelecido no II Plano Nacional de Desenvolvimento – PND, 1975-1979), e tomando como
base o investimento em pólos de desenvolvimento e o fortalecimento das cidades de pequeno
e médio porte (LIMA, 2001).
Além disso, verificava-se em âmbito nacional a ascensão dos movimentos sociais,
sindicais e político-partidários, processo esse também observado no Rio Grande do Norte e,
principalmente, em Natal (LIMA, 2001).
O Plano Diretor do Município de Natal, Lei 2.277, de 1974, foi elaborado durante a
gestão do primeiro governador indicado pelo regime militar, Cortez Pereira (1970-1974), com
Ivan Rodrigues Cascudo à frente da Prefeitura de Natal. Nele, as atribuições ligadas ao
planejamento urbano são atribuídas à Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação
Geral (SEMPLA), cujas ações deveriam ser supervisionadas e subsidiadas pelo Conselho de
Planejamento Urbano do Município de Natal – CONPLAM, como funciona ainda nos dias de
hoje. Segundo Lima (2001), o Plano Diretor de 1974 expressa claramente a conclusão da
134
transição do urbanismo para o planejamento urbano, aliando ao urbanismo racionalista do
zoneamento da cidade, a perseguição às metas de um Estado de bem-estar, que seriam
alcançadas em decorrência do desenvolvimento econômico. O plano, porém não foi
regulamentado e nem implementado, tendo sido iniciados, já na segunda metade dos anos
1970, os estudos para a elaboração do Plano Diretor de Organização Físico-territorial, de
1984.
Na sucessão de Cortez Pereira, assume o governo do estado, Tarcísio Maia (1975-
1979) que, com o apoio de Dinarte Mariz, inicia a liderança de uma nova oligarquia no
domínio do poder político do estado. Lima (2001, p. 104) coloca que “Maia pretendeu,
durante sua gestão, articular seu plano de governo com as diretrizes do II PND,
principalmente no que se refere à consolidação de um mercado interno, através do
fortalecimento das cidades de médio e pequeno porte”. E, a partir de 1975, Natal foi incluída
no Programa Nacional de Capitais e Cidades de Porte Médio – PNCCPM. Além disso, no
final dos anos 1970, Tarcísio Maia iniciou a implementação do projeto Parque das Dunas/Via
Costeira, continuado durante a década de 1980. O projeto abrangia a instalação de
equipamentos turísticos ao longo de uma larga avenida ligando os bairros centrais ao bairro de
Ponta Negra (onde está situada a praia urbana de maior referência no turismo local) ladeada
pelo mar ao leste e a oeste pelo Parque das Dunas (maior reserva de área verde do município e
segundo maior parque urbano do Brasil). Considerado marco do desenvolvimento do turismo
em Natal, o projeto Parque das Dunas/Via Costeira representa o início da consolidação da
economia turística no estado.
A exemplo de seus antecessores (Albuquerque Maranhão, Bezerra de Medeiros-
Mariz, Alves), Tarcísio Maia também se preocupou em estabelecer sua própria
dinastia oligárquica. Lavoisier Maia (1979-1983) foi nomeado governador do Rio
Grande do Norte, [...] com o apoio do ex-governador Tarcísio Maia, seu primo. Fez
um governo de continuidade, através do Plano Estadual de Desenvolvimento (PED,
1980-1983), priorizando a industrialização. Sua decisão de maior impacto na política
norte-riograndense teria sido a nomeação do seu sobrinho, José Agripino Maia (filho
de Tarcísio Maia), prefeito de Natal (LIMA, 2001, p. 106).
Um dos traços marcantes da gestão de Tarcísio Maia no governo do estado e que teve
continuidade com a atuação de José Agripino Maia na prefeitura de Natal foi a criação dos
conselhos comunitários, ligados predominantemente aos conjuntos habitacionais. Lima (2001,
p. 107) coloca que “Durante a gestão de José Agripino Maia (1979-1983) na prefeitura de
Natal, consolidou-se o poder da família Maia, na capital e no Rio Grande do Norte”. E que
este, seguindo a tendência instaurada pelos governos militares, defendeu a atividade de
planejamento como o meio mais racional de ação do poder público.
135
A partir de 1983, quando foi eleito governador do estado, Agripino Maia ampliou sua
política de “planejamento participativo” e “desenvolvimento comunitário” para a escala
estadual, deu continuidade à implantação do projeto Via Costeira/Parque das Dunas, iniciado
por seu pai, Tarcísio Maia, e “procurou acompanhar as diretrizes do governo federal quanto
ao Programa de Regiões Metropolitanas e ao Programa Nacional de Capitais e Cidades de
Porte Médio” (LIMA, 2001, p. 108).
No último ano de seu mandato, José Agripino Maia, pressionado pela grande
burguesia norte-riograndense e em função do crescimento da fruticultura no interior do
estado, reassumiu a preocupação do governo estadual com os investimentos no porto, que
desde a década de 1960 passava por uma grave crise. Em 1986, ele firmou um convênio com
o Ministério dos Transportes, através da Portobrás, visando a recuperação do Porto de Natal,
com recursos oriundos do Governo Estadual. Os recursos destinados, no entanto, sofreram
grande desvalorização devido às elevadas taxas de inflação vigentes na época, inviabilizando
a execução das obras. Geraldo Melo, seu sucessor, foi obrigado a reformular o convênio,
adequando as obras aos recursos disponíveis, sendo concluídas em 1990 as obras de
ampliação do cais, que permitiram que o porto voltasse a operar, enquanto dava-se
prosseguimento às demais obras de melhoramento da estrutura (SOUZA, 2001).
No quadro político, destacavam-se, então, no Rio Grande do Norte e em Natal, duas
novas lideranças: Geraldo Melo (1987-1991), eleito pelo PMDB (Partido do Movimento
Democrático Brasileiro) no plano estadual, teve um governo voltado para o apoio à
agricultura e à pecuária, além de priorizar a Zona Norte de Natal, deixando como marca de
sua atuação a construção de uma nova ponte sobre o rio Potengi, que aliviaria os problemas de
tráfego existentes naquela área; e Garibaldi Alves Filho (1987-1989), eleito prefeito de Natal,
também pelo PMDB, mas com o apoio do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e do PCdoB
(Partido Comunista do Brasil) (LIMA, 2001).
O processo de urbanização de Natal caracteriza-se na década de 1980 pela
intensificação do processo de verticalização da cidade e pela construção de infra-estrutura e
equipamentos voltados para a melhoria do sistema viário e para o desenvolvimento do
turismo. Segundo Lima (2001, p. 82-83),
Durante a década de 1980, a cidade continuou sua expansão horizontal, ocupando
áreas centrais ainda disponíveis, mas sobretudo na direção sul, nas áreas limítrofes
dos municípios vizinhos (Macaíba, Parnamirim, São Gonçalo do Amarante). Tal
forma de expansão dá lugar a que se comece a falar de formação de um aglomerado
urbano, que já ultrapassou os limites de Natal e se espraia pelos municípios vizinhos,
delineando o início de um processo de metropolização.
136
Em 1984, tem-se a promulgação de um novo plano, o Plano Diretor de Organização
Físico-territorial, pela lei 3.175, a qual determinava que a implantação do Plano Diretor
ficaria à cargo da Secretaria Municipal de Planejamento, com apoio técnico de um órgão a ela
vinculado, que posteriormente foi criado com a denominação de Iplanat (Instituto de
Planejamento Urbano de Natal). Com isso, “[...] a partir do Plano Diretor 84 se constituiu, de
fato, uma estrutura administrativa completa voltada para o planejamento urbano de Natal”
(LIMA, 2001, p. 115). Assim como o plano de 1974, o Plano Diretor de 1984 demonstra uma
filiação ao urbanismo racionalista, radicalizando na concepção de um zoneamento funcional.
Além disso, reitera as idéias de universalização dos direitos sociais já colocada no plano
anterior e, pela primeira vez, inclui prescrições para a Zona Norte de Natal, localizada na
margem esquerda do rio Potengi, integrando-a à cidade regulamentada (fig. 27).
Fig. 27 – Regiões Administrativas de Natal.
Fonte: SEMPLA, Prefeitura Municipal.
137
Apesar de ter sido implementado em um período de ascensão dos movimentos
sociais, de reorganização partidária e sindical, o plano de 1984 ainda não contemplava a
participação da sociedade como diretriz para o planejamento urbano. Isso viria a acontecer
somente durante a elaboração do Plano Diretor de 1994, como fruto do processo de
redemocratização que vinha acontecendo no país e que culminou com a promulgação da
Constituição Federal de 1988.
Este processo de reordenação política e econômica, na primeira metade dos anos
noventa, encontrou o Rio Grande do Norte em uma fase de franca expansão de sua
economia. O parque têxtil voltava a se desenvolver, crescia a extração de petróleo no
continente e na plataforma submarina, e crescia também a agroindústria voltada para
a produção e exportação de frutas. Ao mesmo tempo, acontecia o desenvolvimento
do setor de serviços, com uma maior oferta de equipamentos relacionados com o
turismo; e o comércio ganhava mais dinamismo, com a construção de diversos
shoppings centers (LIMA, 2001, p. 120).
Nesse período, o Rio Grande do Norte foi incorporado ao Programa para o
Desenvolvimento do Turismo no Nordeste – PRODETUR-NE, tendo o Governo Estadual
passado a investir maciçamente no setor turístico. Ainda na década de 1980, desenvolveu-se o
Projeto Rota do Sol (inserido no PRODETUR-NE), que tinha como meta principal montar
uma infra-estrutura para o empreendimento do turismo no estado, buscando consolidar um
pólo turístico litorâneo (SILVA; GOMES, 2001); o que contribuiu para que Natal aumentasse
sua notoriedade no turismo regional e nacional. Em 1999, os governos estadual e municipal
investiram alto em obras de infra-estrutura, como a ampliação do aeroporto internacional
Augusto Severo e a construção do Complexo Viário do Quarto Centenário (composto de três
viadutos e dois túneis, localizado no eixo que liga o centro da cidade à Zona Sul).
Nas últimas décadas, o turismo se consolidou como uma das principais atividades
econômicas do estado, com a maioria de seus equipamentos concentrados na capital. Com o
crescimento dessa atividade, a partir da consolidação do projeto Via Costeira/Parque das
Dunas, da incorporação do Rio Grande do Norte ao PRODETUR-NE, da ampliação da rede
hoteleira e do número de estabelecimentos e equipamentos comerciais e de serviços voltados
para o turismo, “Verifica-se uma tendência para a constituição de um espaço metropolitano
em torno de Natal [...]” (LIMA, 2001, p. 121). Segue-se a promulgação de diversas leis
relacionadas a Natal e à Grande Natal: Lei Orgânica do Município de Natal, de 1990; Código
Municipal do Meio Ambiente, de 1992; Plano Diretor de Natal, 1994; Lei da Região
Metropolitana e do Conselho Metropolitano de Natal, de 1995 (esta última institui a Região
Metropolitana de Natal, definida conforme o mapa ilustrado na fig. 28, tendo sido agregado,
ainda, recentemente, o município de Monte Alegre, que não aparece no mapa).
138
O atual Plano Diretor de Natal, Lei 07/94, vinculado ao Movimento pela Reforma
Urbana
20
, e obedecendo ao que determina a Constituição Federal de 1988, baseia-se no
princípio da função social da cidade e da propriedade, e aponta como elementos centrais para
o desenvolvimento urbano a isonomia espacial e o uso multifuncional, introduzindo, ainda,
instrumentos de gestão urbana como: transferência de potencial construtivo, outorga onerosa e
taxação progressiva, entre outros (LIMA, 2001). Suas diretrizes de ordenamento do uso e da
ocupação do solo, baseiam-se em um macrozoneamento (fig. 29), que estabelece índices
urbanísticos diferenciados conforme a disponibilidade de infra-estrutura em cada zona, e na
delimitação de áreas especiais (fig. 30), com destinação específica ou normas próprias de uso
e ocupação, compreendendo, entre outras a “Área de Operação Urbana”, que corresponde aos
bairros históricos da Cidade Alta e da Ribeira.
20
O Movimento pela Reforma Urbana – MRU, originado dos movimentos sociais das décadas de 1970 e 1980,
foi fundado em 1987, por ocasião da instalação da Assembléia Nacional Constituinte. Por meio de uma Emenda
Popular à Constituição, o MRU conseguiu inserir no texto constitucional o principio da função social da cidade e
da propriedade, propondo, ainda, a elaboração de planos de uso e ocupação do solo urbano, os quais deveriam
assegurar a participação da população no processo de planejamento (LIMA, 2001).
Fig. 28 – Região Metropolitana de Natal
Fonte: SEMPLA,Prefeitura Municipal
139
Fig. 29 – Macrozoneamento do Plano Diretor de Natal
Fonte: SEMURB (2005)
140
Fig. 30 – Zonas de Proteção Ambiental e Áreas Especiais do Plano Diretor de Natal
Fonte: SEMURB (2005)
141
Na elaboração do Plano Diretor de 1994, pela primeira vez, verifica-se uma
preocupação com a participação e com a interação de diversos setores da sociedade na
elaboração de um plano urbanístico para o município, no intuito de se consolidar uma espécie
de pacto social em torno dos múltiplos interesses existentes. Segundo Lima (2001, p. 136),
Esse plano diretor abandona o ideal de construção da cidade harmônica preconizada
pelo urbanismo racionalista, adotado nos planos de 1968, de 1974 e de 1984, e se
dirige à cidade real – lugar de conflitos, contradições e interesses antagônicos, mas
também lugar de interesses convergentes, da participação social e da solidariedade.
Esse pacto, no entanto, não foi mantido durante o processo de implementação, tendo
havido uma forte reação de setores ligados ao mercado imobiliário contra determinados
elementos do plano, em especial, o macrozoneamento e a outorga onerosa (LIMA, 2001).
Ressalvadas as constantes reclamações desse setor, no entanto, o Plano Diretor de Natal,
vigente até os dias de hoje, pode ser considerado um plano flexível perante a atuação das
forças do mercado, ao mesmo tempo em que se revela comprometido com a preservação do
meio ambiente natural, da paisagem urbana, do patrimônio cultural da cidade e dos interesses
sociais, principalmente no que se refere ao direito à moradia.
A flexibilidade desse plano pode ser percebida, por exemplo, pela adequação dos
parâmetros de ocupação para a área de Ponta Negra, permitindo um aumento da capacidade
construtiva no bairro, a partir da aprovação da lei complementar nº 027/2000, que criou a
Zona Adensável de Ponta Negra
21
(destacada como uma parte isolada da Zona Adensável 1,
na fig. 05). Uma medida certamente bastante favorável para o mercado imobiliário. Desde
então, houve um grande incremento na construção civil e no mercado imobiliário na área,
com a proliferação de obras de edifícios verticais, dos quais muitos são destinados a
compradores estrangeiros. A concentração de investimentos privados no bairro de Ponta
Negra que tem se verificado nos últimos anos (e se reflete também no surgimento de shopping
centers, hotéis, bares, pousadas, restaurantes, boates, e diversos estabelecimentos de
comércio), acompanha não só a abertura da legislação a uma maior ocupação na área mas,
especialmente, os muitos investimentos públicos que foram feitos desde 2000, a partir do
projeto Orla de Ponta Negra, que contemplou a construção de um calçadão na orla marítima
com 3 quilômetros de extensão e a substituição de antigas barracas de praia por quiosques de
fibra de vidro. Silva e Gomes (2001) colocam que como o turismo privilegiou as áreas
praieiras, foram os bairros litorâneos de Natal que receberam os maiores incentivos públicos e
21
Com a lei, a densidade permitida no bairro, que era de 225 hab/ha, passou para 350 hab/ha, e o coeficiente de
aproveitamento máximo pulou de 1,8 para 3,5. Essa alteração foi justificada pela realização de obras de
saneamento no bairro, porém, já em 2005, alertava-se para a saturação da infra-estrutura existente.
142
privados. Desses, Ponta Negra se destaca como o local onde os investimentos relacionados ao
turismo estão mais presentes, com reflexos espaciais marcantes (em pouco mais de 5 anos,
assistiu-se a uma transformação intensa da paisagem, dos usos e dos usuários do bairro
22
).
Assim, apesar de não se encontrar expressa em um “plano estratégico” formal, a priorização
das áreas de atratividade ao turismo litorâneo na aplicação de investimentos públicos capazes
de induzir investimentos privados, se configurou nos últimos anos como a “ação estratégica”
de fato, empreendida na segunda gestão da ex-prefeita Wilma de Faria (1997-2000 e 2001-
2002), atual governadora do estado e candidata à reeleição
23
. Verificava-se, nesse momento,
uma predominância do planejamento fragmentado, marcado pela priorização a projetos
urbanos voltados para o embelezamento da cidade, e pela elaboração de planos propostos de
forma isolada, os quais, em sua maioria, não chegaram a ser implementados. Dois planos
estratégicos foram elaborados para a cidade, o Natal do 3º Milênio (proposto pela Federação
das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte – FIERN, em 1999) e o Natal 2015
(elaborado pela Prefeitura Municipal em 2000, com alcance sobre a Região Metropolitana),
mas apesar de relevantes, não chegaram a ser implementados e nem sequer são considerados
nas ações de planejamento atuais.
A concentração dos esforços públicos e privados sobre as áreas litorâneas da cidade e
do estado, devido ao interesse pelo desenvolvimento da economia do turismo, relegou a um
plano secundário projetos elaborados dentro de outra perspectiva; a preservação patrimonial,
por exemplo, como veremos no item a seguir. Essa é uma observação útil para entendermos o
que vem ocorrendo em uma área que até pouco tempo encontrava-se esquecida pelas ações de
intervenção pública e pelos investidores privados, e está sendo, nos dias atuais, inserida de
forma indireta no foco de interesses, pelo mesmo motivo pelo qual foi excluída: a priorização
ao incremento do turismo no estado. Estamos falando do bairro da Ribeira, onde está inserida
a área portuária de Natal, objeto central do nosso estudo. Esclareceremos melhor essas idéias
no capítulo seguinte.
É preciso reconhecer, no entanto, que esse cenário já vem mostrando sinais de
mudança, ao menos na esfera da administração municipal. Mais recentemente, começaram a
despontar importantes ações voltadas para a melhoria das condições de habitação em
22
A transformação da orla de Ponta Negra em um território de “domínio” estrangeiro, pela predominância clara
de turistas na região em relação à população local, aliada à preocupação instaurada em torno da proliferação do
“sexo turismo”, são temas que apareceram recorrentemente nas entrevistas realizadas para esse estudo.
23
A trajetória política da governadora Wilma de Faria inicia-se com seu vínculo ao ex-governador Lavoisier
Maia, como sua esposa à época, e com a sua participação no governo de José Agripino Maia, como Secretária de
Trabalho e Ação Social do Estado (ANDRADE, 1994). Posteriormente, ela se desvincula da oligarquia Maia,
para se tornar uma das principais lideranças políticas do estado na atualidade.
143
assentamentos precários (Áreas de Interesse Social, conforme definição do Plano Diretor) e
para a dotação de infra-estrutura básica em diversas partes da cidade, desenvolvidas pela
Prefeitura Municipal, com financiamento e acompanhamento do Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BID, dentro do Programa Habitar Brasil. Nesse contexto, destaca-se a
elaboração, no ano 2000, do Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais –
PEMAS; em 2004, do Plano Integrado de Ações Municipais, que se baseia no conceito de
Cidade Saudável; e em 2005, do Plano Natal do Futuro, todos conduzidos pela Prefeitura
Municipal, dentro de princípios de integração interinstitucional, transparência, participação
social e melhoria das condições de vida da população. Desses planos, o Natal do Futuro pode
ser apontado como aquele que tem recebido prioridade maior na administração municipal
atualmente. Segundo Virgínia Araújo, Secretária de Planejamento do Município, o plano visa
tratar dos problemas de infra-estrutura urbana (sobretudo aqueles ligados a trânsito e
transporte, drenagem e esgotamento sanitário) das Zonas Norte, Oeste e Sul da cidade
24
,
tratando também da requalificação de assentamentos precários, compreendendo um
orçamento de 84 milhões de dólares, financiado pelo BID.
Destacam-se, ainda, iniciativas da Prefeitura Municipal no sentido de estabelecer
uma maior inserção da população no processo de planejamento, por meio da elaboração de
planos participativos (como ocorreu com o Plano Plurianual 2006-2009, e vem ocorrendo com
a Revisão do Plano Diretor), e do Orçamento Participativo. O Plano Diretor de Natal (Lei nº
07/94) passa atualmente por um elaborado processo de revisão que, tendo como pressuposto o
envolvimento da população e a participação de diversos setores da sociedade na discussão,
tem provocado bastante polêmica e dividido opiniões no que se refere ao papel regulador,
muitas vezes entendido como limitador, que tal instrumento possui sobre o desenvolvimento
da cidade. Discute-se ainda, em meio a esse processo, o tratamento que se pretende dar a áreas
em que se espera uma rápida valorização imobiliária, com a conclusão de obras importantes,
como a Ponte Forte-Redinha
25
, entre elas o próprio bairro da Redinha e o bairro da Ribeira, na
área central. É notório, por exemplo, o fato de que um dos principais instrumentos voltados
para a recuperação do centro histórico da cidade, a operação urbana (regulamentada pela Lei
de Operação Urbana Ribeira, Lei nº 4.932/97), não tenha sido utilizado durante seu período de
vigência. De acordo com um documento produzido pelo Setor de Patrimônio Histórico, da
24
Segundo Virgínia Araújo, a Zona Leste, onde está inserida a área portuária de Natal, não foi incluída nesse
plano porque, além de ser a região da cidade mais dotada de infra-estrutura (embora se questione as condições
em que esta se encontra), ela está sendo objeto de outros planos (voltados para áreas centrais).
25
Os impactos da implantação da Ponte Forte-Redinha voltarão a ser discutidos mais adiante.
144
Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – SEMURB, sobre o encaminhamento
do processo de revisão da Lei de Operação Urbana Ribeira, poucos foram os projetos que
realizaram consulta prévia sobre investimentos na Ribeira, ou mesmo requisitaram as isenções
fiscais definidas para intervenções nos espaços públicos ou em edificações. O processo de
revisão dessa lei, visando torná-la mais efetiva, também se encontra em andamento.
As ações voltadas para o centro histórico da cidade, cujas características mais gerais
aparecem representadas na figura 31, serão assunto do subitem seguinte. Antes, porém, é
importante destacar que nos últimos anos do século XX assistiu-se a um processo de
decadência gradativa do centro histórico de Natal e, principalmente do bairro da Ribeira, que
aos poucos foi perdendo seu papel de centralidade urbana. A crise portuária iniciada na
década de 1960 prolongou-se até 1988, gerando a idéia difundida nos anos 1970 de que “o
Rio Grande do Norte não exporta porque não tem porto. E não tem porto porque não tem o
que exportar” (SOUZA, 2001, p. 240). Aos poucos, as atividades econômicas foram deixando
a Ribeira e o bairro sofreu um esvaziamento gradativo, gerando o abandono e a degradação do
conjunto edificado. Esse processo foi agravado, ainda, pela transferência da rodoviária
municipal para o bairro da Cidade da Esperança, na década de 1980. E, apesar dos esforços
realizados nos anos 1990 para revitalizar o bairro, por meio do desenvolvimento cultural e de
melhorias urbanas, a Ribeira não tem contado com investimentos expressivos do poder
público e ainda hoje, não logrou recuperar o dinamismo que perdera (BORGES, 2006).
O porto, por sua vez, passou na década de 1990 por uma nova fase de retomada do
crescimento, como conseqüência de importantes obras realizadas tanto no canal do Potengi,
como na sua estrutura física. Durante esta década, a Portobrás implementou um grande
projeto de melhoramento do Porto de Natal, em que se destacam as seguintes obras: retirada
da conhecida “Pedra da Bicuda” (concluída em 1997), que se constituía em um obstáculo para
a entrada dos navios no canal do Potengi; dragagem do rio e do canal de evolução (onde os
navios fazem suas manobras) aumentando o calado
26
de 7 para 10 metros; e construção de um
muro de proteção na praia da Redinha, iniciada em 1998 (SOUZA, 2001). Com essas obras, o
porto voltou a se firmar como importante elemento de viabilização das exportações do estado,
além de começar a receber também navios turísticos. E, nessa nova fase de desenvolvimento,
o porto passa a se posicionar de forma mais incisiva nas discussões em torno dos destinos que
se pretende dar ao centro histórico de Natal.
26
Profundidade do rio para a navegação.
145
SEC RE TARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE E URBANISMO
SETOR DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUITETÔNICO E
ARQUEOLÓGICO
ZONAS ESPECIAIS DE PRESERVAÇ ÃO NA RIBEIRA
BASE CARTOGRÁFICA: CAERN
CRIAÇÃO E ARTE: LEILA GUILHERMINO
01-
02-
03-
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19-
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21-
22-
23-
24-
25-
26-
Receita Federal
Patrimônio da Uno
IPASE
Ba n c o d o Bra si l
Casa da Ribeira
Antiga casa de Ferreira
Ita jubá
Antiga casa de Café Filho
Minisrio do Trabalho
Edifício Billa
PROCON
Igreja do Bom Jesus
SEM URB
Associão Comercial do
RN
Antiga Rodoviária Municipal
Teatro Alberto Maranhão
Antiga Faculdade de Direito,
a n te s G. E. Au g ust o Se ve ro
INSS (Antiga Escola
Doméstic a)
Estão da Rede Ferroviária
Federal
Colégio Salesiano São José
Museu de Arte Popular
(Antigo Palácio d a R. Chile)
CORREIOS (Antiga Casa de
Pe d ro Ve lh o )
Tribunal de Justiça (Antigo
Grand e Hote l)
FAE (An t i g a se d e d o IAA)
Albergue Cidade do Sol
(Antiga Casa de Januário
Cicco)
Junta Comercial do RN
(Antiga Sede do BANDERN)
Centro de Treinamento e
Museu Ferrovrio
15-
15
RO C AS
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PORTO
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COMUNIDADE
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CIDADE ALTA
LEGEN DA
ZO NAS ESPEC IAIS DE PRESERVAÇÃO
HISTÓ RIC A
SZ 1
SZ 2
SZ 3
SZ 4
ÁREA DE OPERÃO URBANA
RI BEIRA
ARH - Área de Recuperação Histórica
ARU- Área de Renovação Urbana
AAD- Área Adensável
Fig. 31 – Caracterização geral do bairro da Ribeira, com as leis municipais de preservação incidentes.
Fonte: Plano de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais – Ribeira (NATAL, 2005).
146
4.2. Natal e seu centro histórico
A preocupação com a preservação do centro histórico de Natal começa a surgir na
década de 1980, seguindo uma tendência verificada em todo o Brasil de se revitalizar áreas
centrais para utilização pelo turismo. Foi o que aconteceu em Salvador, com o Pelourinho, em
Recife, com o Recife Antigo, Olinda e São Luís, por exemplo. Em Natal, os “olhares” da
revitalização voltaram-se para o bairro da Ribeira que, mesmo não tendo sido o núcleo
original de ocupação da cidade (a cidade foi formada a partir do bairro Cidade Alta), possuía a
imagem, incorporada como referência para a população, de centro histórico tradicional. Além
disso, a Ribeira encontrava-se em um estado de degradação maior do que a Cidade Alta, que
ainda hoje mantém o dinamismo de um bairro comercial, mesmo diante da concorrência dos
inúmeros shopping centers instalados em outras áreas da cidade. O ideário da revitalização,
no entanto, não conquistou muito espaço em Natal (acreditamos que devido, em parte, à
concentração das atenções sobre as áreas litorâneas), e, com isso, a Ribeira não passou pela
reformulação que precisaria para atrair atividades turísticas, como ocorrera em outras cidades.
As ações voltadas para o centro histórico de Natal têm início, aparentemente, na
década de 1980, a partir de estudos realizados tanto no meio acadêmico como em órgãos da
Prefeitura Municipal, voltados para a construção de um corpo de dados. Segundo João
Galvão
27
, em 1985 já havia no Iplanat (Instituto de Planejamento Urbano de Natal, órgão
correspondente à época ao que hoje representa a Secretaria Especial de Meio Ambiente e
Urbanismo – SEMURB) um levantamento de todos os imóveis da Ribeira e da Cidade Alta,
com indicações do estado de conservação em que se encontravam. A preocupação com a
preservação do patrimônio histórico da cidade já aparecia formalizada no Plano Diretor de
Organização Físico-territorial do Município de Natal (de 1984), e teve sua regulamentação
definida em 1990, com a Lei nº 3.942, que estabelece prescrições urbanísticas diferenciadas
para os bairros Cidade Alta e Ribeira, que passaram a constituir, então, a Zona Especial de
Preservação Histórica – ZEPH. Pretendia-se, dessa forma, regulamentar os objetivos e
diretrizes gerais estabelecidos no plano quanto à preservação de prédios e sítios notáveis pelos
valores históricos, arquitetônicos, culturais e paisagísticos
28
. Em seguida, em 21 de maio de
1992, com a promulgação da Lei nº 4.069, regulamentou-se a Zona Especial Portuária - ZEP,
27
João Galvão é arquiteto da Secretaria Especial de Meio Ambiente e Urbanismo, tendo sido funcionário do
antigo Iplanat desde 1985, e atualmente trabalha no Setor de Patrimônio Histórico do órgão. As informações
foram fornecidas em entrevista realizada no dia 16 de fevereiro de 2006.
28
Como o Plano Diretor de 1984 ainda possuía um vínculo muito forte com o urbanismo modernista, o conceito
de preservação que ele traz também se alinha com o disposto na Carta de Atenas, que reserva as recomendações
de preservação a elementos de notável representatividade histórica, cultural ou artística.
147
também definida no Plano Diretor de 1984, em área contígua à Zona Especial de Preservação
Histórica, porém, com prescrições urbanísticas menos restritivas.
Em 1993, as discussões em torno dessa questão adquiriram maiores repercussões,
com a realização de um seminário entre atores sociais e institucionais interessados, o
Seminário Ribeira Velha de Guerra, voltado para a discussão do problema da degradação do
bairro da Ribeira. De acordo com o relato de João Galvão, neste seminário foram reunidos
representantes da Câmara Municipal de Natal, do Governo do Estado, da Fundação José
Augusto
29
, da Secretaria de Transporte e Trânsito Urbano do Município – STTU, e do Iplanat,
e foram convidados profissionais que tivessem projetos ou idéias voltados para o bairro da
Ribeira. Com as opiniões levantadas e os resultados do debate estabelecido, começou-se a
elaborar a minuta da Lei de Operação Urbana Ribeira, regulamentada em 1997 (Lei n
o
4.932).
A lei compreende um conjunto integrado de intervenções coordenadas pela Prefeitura, através
do Iplanat, com a participação dos diversos níveis do Poder Público, e dos proprietários,
moradores, usuários permanentes e investidores privados ligados ao bairro, visando à
recuperação e revitalização da Ribeira, bem como a execução de determinadas transformações
urbanísticas, com participação de recursos públicos (NATAL, 1997). Apesar de o período de
vigência dessa lei já ter sido prorrogado por duas vezes, em 2004 e em 2005, os recursos e
incentivos nela contidos não têm sido utilizados em projetos concretos para a Ribeira, o que,
em parte, é muitas vezes justificado pela falta de conhecimento da lei, por parte da classe
empresarial que investe em Natal. Do quadro de obras indicado na Lei de Operação Urbana,
destacam-se aquelas relativas: à urbanização da área do porto e do Canto do Mangue e Favela
do Maruim; à instalação do Museu da Aviação (ou Museu da Rampa); e à utilização do rio
Potengi para transporte de passageiros e para contemplação, com a construção de um terminal
turístico e de um deck em suas margens. Essas propostas, que estão diretamente relacionadas
à área portuária de Natal, repercutem nos projetos atualmente em vigor, que serão discutidos
adiante, sendo constantemente retomadas nas discussões em torno do assunto. Nenhuma delas
foi concluída até hoje, mas a maioria delas continua sendo considerada nos debates atuais.
Algumas ações de intervenção urbanística chegaram a ser implementadas na Ribeira
ainda na década de 1990, havendo se destacado, em especial, o projeto “Fachadas da rua
Chile”, conduzido pela Prefeitura Municipal, na gestão de Aldo Tinoco (1995-1998). Sob a
coordenação técnica do arquiteto Haroldo Maranhão e com a consultoria de José Luiz Mota
Menezes, de Recife, a ação reuniu profissionais de diversos campos, incluindo arqueólogos
29
Órgão do Governo do Estado relacionado à administração de atividades e eventos culturais.
148
que realizaram prospecções na área. Iniciado em 1995, o projeto previa a restauração das
fachadas de um conjunto de 45 edificações ao longo da rua Chile (onde está localizada a
entrada do Porto de Natal), além de obras de calçamento e iluminação pública no chamado
Largo da Rua Chile, que se transformaria posteriormente em um pátio de eventos, atraindo
um público visitante para a área (figs. 32 e 33).
O bairro da Ribeira passou a ser considerado o núcleo de efervescência cultural da
cidade, ponto de encontro de jovens, artistas e intelectuais, em seus bares, boates e no próprio
Largo da Rua Chile, onde se realizaram diversos eventos. Segundo Haroldo Maranhão, com
essa iniciativa, “começa a surgir uma consciência patrimonial na cidade”. Porém, com a
sucessão administrativa firmada na oposição ao prefeito Aldo Tinoco
30
, pela ex-prefeita
Wilma de Faria (que havia apoiado o próprio Aldo Tinoco para seu sucessor), não se deu
30
O período de gestão de Aldo Tinoco à frente da prefeitura foi marcado por muitas turbulências, derivadas
principalmente de desentendimentos políticos; e ao final de seu mandato, “[...] o prefeito já não tinha crédito
nem entre a população, nem entre seus aliados políticos, se é que eles existiam” (NEVES, 1999, p. 42).
Fig. 32 – Registro das edificações localizadas na Rua Chile antes das obras de restauração.
Fonte: Maranhão (2006).
Fig. 33 – Edificações da Rua Chile após a implementação do projeto “Fachadas da Rua Chile”.
Fonte: Maranhão (2006).
149
continuidade ao projeto, que foi abandonado antes da conclusão. Foram restauradas apenas
algumas fachadas previstas no projeto e as atividades de incentivo à cultura e ao lazer foram
deixando gradativamente de ser promovidas no local, retomando-se, assim, o processo de
abandono. Nos dois mandatos de Wilma de Faria que se seguiram, em que a priorização das
ações recaía sobre as áreas litorâneas de atratividade turística, não houve novas intervenções
físicas no bairro da Ribeira.
Sobre o assunto, Trigueiro (2001, p. 4, apud MEDEIROS, 2002, p. 23) afirma que
A despeito da instituição da Zona Especial de Preservação Histórica, desde 1990, do
Projeto Rua Chile, das intervenções motivadas pelo 4º centenário de Natal e da
ocorrência de festivais sazonais, Cidade Alta e Ribeira não atingiram níveis
satisfatórios de identificação e visibilidade como centro histórico.
Desde o final da década de 1990, no entanto, tem havido uma tentativa por parte da
Administração Municipal de retomar a idéia de revitalização da Ribeira, apesar de ainda não
se ter obtido muito sucesso. Nesse período, diversas intervenções pontuais no bairro (reformas
de praças, melhoramentos de ruas, recuperação de edifícios ou conjuntos edificados) foram
propostas, sem muita articulação entre elas. Ou seja, não havia um projeto ou um plano
urbano que pensasse a Ribeira como um todo. No ano 2000, esse conjunto de proposições
para a Ribeira foi reunido em um documento denominado “Projeto Ribeira de Reabilitação
Urbana”, desenvolvido pelo Setor de Patrimônio Histórico da SEMURB. Como objetivo
geral, o projeto propunha a recuperação do patrimônio histórico, cultural e natural, com base
na interpretação física, funcional e simlica da Ribeira, de modo a promover a sua
integração urbanística. Como objetivos específicos foram estabelecidos: recuperar a memória
da cidade através da história cultural do bairro, por meio de campanhas publicitárias e
educativas; otimizar o potencial cultural e turístico; otimizar a utilização da infra-estrutura
instalada; reverter o processo degenerativo do bairro; estimular o uso residencial; organizar
espaços públicos e humanizar o bairro; reverter os processos de esvaziamento e degradação de
funções; e valorizar os recursos naturais (SEMURB/SPH, 2000).
O Projeto Ribeira de Reabilitação Urbana consiste, na verdade, em uma compilação
de propostas a princípio isoladas, que se pretendia agregar sob a idéia de um “plano”, mas que
não contemplava nenhum tipo de ação conjunta entre os atores e instituições proponentes.
Esse projeto englobava, dentre outros: o projeto Largo do Teatro, a urbanização do Canto do
Mangue, o reassentamento da Favela do Maruim, os projetos de ampliação do Porto de Natal
e a construção de um Terminal Turístico de Passageiros. Estes dois últimos foram propostos
pela Companhia Docas do Rio Grande do Norte – CODERN, que administra o Porto de Natal.
150
O projeto Largo do Teatro, consiste em uma proposta de intervenção conduzida pela
Prefeitura Municipal, que compreende a urbanização da Praça Augusto Severo (onde está
situado o Teatro Alberto Maranhão) e seu entorno. Essa proposta permanece em discussão na
atualidade e será melhor detalhada adiante. A urbanização do Canto do Mangue, que é uma
área tradicional da cidade relacionada à pesca artesanal, encontra-se em situação semelhante
ao projeto do Largo do Teatro, sendo também de responsabilidade da Prefeitura Municipal. Já
o reassentamento da Favela do Maruim está cercado de polêmica até hoje, não havendo muita
perspectiva de que seja implementado. Essa proposta está diretamente relacionada ao projeto
de ampliação do Porto de Natal, elaborado pela CODERN. O projeto refere-se à perspectiva
de ampliação do pátio de contêineres do Porto de Natal sobre o terreno vizinho, ocupado,
justamente, pela Favela do Maruim. A CODERN solicitou o terreno ao Patrimônio da União,
mas a sua utilização está condicionada à solução que deverá ser apontada para o problema da
moradia daquelas pessoas. Portanto, só poderá haver ampliação do porto sobre aquele terreno,
se houver um projeto de reassentamento da Favela do Maruim delineado. Essa condição está
colocada no artigo 8º da Lei de Operação Urbana Ribeira, que diz:
Para as propostas que envolvam áreas onde existam habitações de interesse social,
os proponentes deverão incluir em seu escopo a solução do problema habitacional
dos seus moradores, a ser realizada em conjunto com a Prefeitura e sob sua
orientação e submetida à aprovação do Conselho Municipal de Habitação e
Desenvolvimento Social – CONHABIM (NATAL, 1997).
A polêmica maior gira em torno das responsabilidades de cada entidade envolvida
nessa questão. De um lado, a CODERN espera que a Prefeitura conduza o reassentamento da
favela, para que ela possa dispor do terreno para a ampliação do porto. De outro, a Prefeitura
alega que a CODERN nunca apresentou a “solução do problema habitacional” dos moradores
da favela, como prescreve a lei, e que não há recursos municipais disponíveis para que a obra
seja realizada com ônus apenas para a Prefeitura. E o interesse na remoção da favela, afinal, é
da CODERN, então a Prefeitura não tem demonstrado empenho em agilizá-la. Não havendo
entendimento entre as partes, a situação permanece inalterada: a favela continua instalada no
local (com péssimas condições de habitação) e o porto não consegue ampliar sua área.
O projeto proposto pela CODERN para o Terminal Turístico de Passageiros naquele
momento também apresentava conflito com outra área, onde está localizado o prédio
conhecido como Rampa e para o qual se previa a instalação de um museu ligado à história da
participação de Natal na Segunda Guerra Mundial. Na época, a CODERN intentava construir
um grande terminal portuário de passageiros para a recepção de navios turísticos. Sobre o
Projeto do Terminal de Passageiros, por exemplo, consta no Projeto Ribeira que
151
A Companhia Docas do Rio Grande do Norte, em sintonia com o desenvolvimento
do Estado, assume posição inédita para implementar ações na construção do
Terminal Turístico de Passageiros de Natal. A excelente localização, o apelo do
segmento turístico e as perspectivas de sensíveis ganhos econômico-sociais fazem
do terminal um empreendimento ímpar, pleno e revestido de certeza do êxito
(SEMURB/SPH, 2000).
A descrição da proposta diz ainda que a transformação da área prevista para a
expansão da atividade portuária, tem como principal obra a construção de um berço
especializado para atracação de navios de turismo nacional e internacional, compondo ainda o
complexo uma ponte de acesso de passageiros e bagagens, bem como uma moderna estação
de passageiros, projetada para atender o intenso fluxo de pessoas (fig. 34).
Uma grande polêmica foi
gerada em torno desses dois projetos
propostos pela CODERN, no entanto,
em parte pela incompatibilidade que
muitos acreditavam haver entre um
projeto de expansão do porto e um
projeto de revitalização da Ribeira, e em
parte, porque as intervenções propostas
não respeitavam o entorno urbano do
local onde seriam instaladas, ignorando
aspectos culturais e sociais.
A proposta previa a instalação do terminal turístico em um terreno localizado ao lado
do prédio da “Rampa”, para o qual se vinha discutindo a instalação do “Museu da Rampa” ou
“Museu da 2ª Guerra Mundial”, ou ainda, “Museu da Aviação”, a partir da recuperação da
antiga edificação, onde se deu, em 1943, o encontro do presidente Franklin Roosevelt, dos
Estados Unidos, com o presidente Getúlio Vargas, do Brasil, para acertar a participação do
Brasil na II Guerra Mundial (figs. 35 e 36). O impacto na paisagem que o terminal poderia
causar e o contraste visual que teria com o prédio da Rampa constituíam-se nos principais
argumentos utilizados contra o projeto do terminal por parte dos defensores do patrimônio
histórico da cidade e, em especial, daqueles interessados na criação do museu.
O projeto do Museu da Rampa proposto pela Aeronáutica, que há época exercia a
administração da área, abrangia o prédio principal da Rampa, e a edificação conjugada, que se
encontrava em risco de desabamento. Mas, o prédio principal passou por reforma e, apesar de
o museu ter sido aberto a visitação por um período, nunca chegou a funcionar oficialmente.
Fig. 34 – Projeto do Terminal Turístico de passageiros
Fonte: Silva
(
2002
)
.
152
Portanto, esse conjunto de propostas (na época, nenhuma delas se constituía em
projeto, de fato) não se caracterizava como um grupo harmônico, unificado. Uma série de
conflitos permeava as propostas e os grupos de interesses a que elas atendiam. Isso, em parte,
se deve às características próprias da área, que pela configuração histórica e geográfica e pela
diversidade de instituições e atores sociais com interferência sobre o local, constitui-se em um
espaço de interação complexa de forças, o que potencializa a existência de divergências. Mas
o isolamento entre os órgãos propositores, que faz com que os planos de ação sejam definidos
de forma independente por cada ente, e a dificuldade de conciliação de interesses, mesmo
depois de definidas as propostas particulares, demonstram um quadro de governança local
caracterizado pela desarticulação. Essa desarticulação se impõe como uma forte barreira ao
encaminhamento dos projetos, porque se não há interesse na defesa de objetivos comuns ou
na negociação de perdas e ganhos, o entrave permanece, criando problemas para ambos os
lados. Esse talvez tenha sido o empecilho principal à implementação desses projetos, embora
não se possa deixar de considerar as dificuldades inerentes ao encaminhamento de projetos de
caráter público, como a escassez de recursos e a complexidade e a morosidade típicas dos
procedimentos burocráticos exigidos.
Nenhum desses projetos chegou a ser executado ainda, mas alguns adquiriram força
ao longo desse tempo, tornando-se hoje propostas factíveis e de forte presença nas discussões
envolvendo o bairro da Ribeira e a área portuária. Novas idéias continuaram sendo propostas,
nesse período, dando-se início a alguns estudos e planos que, mesmo não tendo resultado em
mudanças reais sobre a Ribeira, contribuíram para a consolidação das estratégias que hoje se
colocam em debate, visando à almejada revitalização do bairro.
Fig. 35 – Encontro dos presidentes, em 1943.
Fonte: Maranhão (2006).
Fig. 36 – Prédio principal da Rampa atualmente.
Fonte: Maranhão (2006).
153
Em 2001 foi iniciado um
trabalho de levantamento dos imóveis
no bairro da Ribeira, dentro da
perspectiva de reutilização de algumas
edificações, que seriam contempladas
com investimento público municipal, no
intuito de incentivar ações semelhantes.
Circundando o trecho onde se localizam
as edificações destacadas, definiu-se o
Perímetro de Reabilitação Integrada -
PRI, delimitado entre a Rodoviária
Antiga, a Praça Augusto Severo, a Av. Duque de Caxias, a Esplanada Silva Jardim e o Rio
Potengi (fig. 37). A proposta identifica neste trecho prédios destinados a empreendimentos
âncora, prédios que já possuem um 1º estudo de viabilidade, prédios públicos, praças e
recuperação de fachadas. Essa ação continua em andamento nos dias de hoje, com a
denominação de Plano de Reabilitação Integrada.
Na mesma linha de atuação, foi desenvolvido, no âmbito do Programa Rehabitar, o
estudo “Morar no Centro - Pesquisa de demanda habitacional no Centro Histórico de Natal”,
elaborado em uma parceria da Prefeitura Municipal de Natal, com a Caixa Econômica Federal
e o Governo Francês. Este projeto está centrado no estudo de viabilidade de uma proposta de
incremento à habitação nas áreas centrais de Natal. O estudo parte da premissa de que há um
antagonismo entre as políticas habitacionais e preservacionistas desenvolvidas em Natal. A
idéia se fundamenta nos dados da expressiva demanda habitacional existente em Natal, e na
crença de que o problema habitacional poderá ser, em certa medida, amenizado com a
ocupação das áreas centrais, que já dispõem de infra-estrutura e serviços e, ainda, que essa
ocupação pode valorizar o bairro e otimizar o uso desta infra-estrutura, no período noturno.
Desse modo, o programa objetiva demonstrar a existência de algumas possibilidades de uso
dos imóveis por seus proprietários e empresários, instalados no bairro ou não, aos investidores
em potencial, a partir da recuperação de edifícios degradados, e assim valorizá-los e
incentivar a sua ocupação, como uma prática contínua, envolvendo outros exemplares. Tais
estudos combinam estímulos fornecidos pelos instrumentos urbanísticos disponíveis nas leis
vigentes, técnicas de reforma e reciclagem de uso de edifícios, estratégias imobiliárias e
disponibilidade de recursos, via adequação às linhas de financiamento existentes.
ROC
AS
Rio Potengi
Porto
Pç. Aug. Severo
Fig. 37 – Perímetro de Reabilitação Integrada
Fonte: Freitas (2006).
154
Atualmente, ainda se discute sobre a Revitalização da Ribeira com base em diversos
projetos de intervenção pontuais e em programas de incentivo à habitação ou ao turismo
cultural isolados entre si. E nessa indefinição do que seria a “Revitalização da Ribeira”, mais
projetos são propostos para a área, sem demonstrarem preocupação alguma com o conjunto
do bairro. Esse é um dos assuntos que instiga tanto pesquisadores e técnicos do setor público,
como profissionais que atuam na área, moradores e um público interessado: o que fazer para
que a Ribeira recupere sua dinâmica urbana, seja novamente valorizada dentro do contexto da
cidade e preserve o patrimônio cultural que lhe resta? E mais: por que os projetos existentes
não são levados a cabo?
A aparente falta de interesse pelo centro histórico da cidade é, muitas vezes, atribuída
a um suposto “sentimento comum” de valorização do novo, da novidade, como característica
do natalense. É comum afirmar-se que Natal é uma cidade voltada para o novo, marcada pela
busca constante de renovação. Pouco se conhece da sua história, pouco resta de seu passado
arquitetônico e pouco se fala dos valores históricos ou culturais da cidade. E a consciência de
preservação parece se restringir ao discurso enfraquecido de um grupo de pessoas interessadas
em arte, cultura e opções “alternativas” de lazer na dança, no teatro e na música erudita ou de
raízes potiguares. Um grupo intelectualizado somado a jovens com uma visão “alternativa”,
em função do qual as poucas casas de lazer existentes na Ribeira (muitas delas, sobreviventes
do Projeto Fachadas da Rua Chile), persistem com a idéia de formação de um núcleo cultural
no entorno do Largo da Rua Chile.
Algumas experiências, conduzidas em sua maior parte por pequenos grupos de
proprietários privados, artistas, intelectuais, e, enfim, por pessoas interessadas na manutenção
dos valores culturais da cidade, vêem chamando a atenção da sociedade para a importância de
iniciativas em defesa do patrimônio. Destaca-se entre essas, a recente iniciativa de um grupo
de artistas locais, denominado Clowns de Shakespeare, que conseguiu de forma independente
atrair novamente (após o projeto Fachadas) os olhares da população local para o bairro da
Ribeira como espaço cultural. Com a proposta de restaurar um antigo casarão localizado no
bairro, recuperando-o em uma casa de espetáculos voltada para os artistas da terra, o grupo
conseguiu mobilizar uma parcela da população e de empresários em torno de uma nova
tentativa de divulgação dos valores culturais da cidade. E, mais uma vez, a responsabilidade
pelo projeto de restauração foi conferida a Haroldo Maranhão, tendo sido o novo prédio
denominado de Casa da Ribeira (figs. 38 e 39).
155
Fig. 38 – Antigo casarão na Ribeira.
Fonte: Maranhão (arquivo pessoal).
Fig. 39 – Casa da Ribeira.
Fonte: Maranhão (arquivo pessoal).
Essa discussão em torno das aspirações que se constroem pela busca do novo ou pela
preservação do antigo aparece delineada no trabalho de Clarissa Moreira (2004), que trata dos
diversos cenários presentes nas propostas apontadas para a área portuária do Rio de Janeiro. A
autora discute o conflito entre o desejo de tabula rasa, entendido como “[...] a intenção de
transformar a cidade e de criar algo ‘novo’ [...]”, e o desejo de preservação, ou “de perpetuar
elementos e objetos – a materialidade da cidade – ou princípios, modos de fazer, tradições e
costumes – a cultura urbana” (MOREIRA, 2004, p. 18).
Moreira (2004, p. 79) faz a análise dos projetos voltados para a área portuária do Rio
de Janeiro numa comparação com o interesse por áreas litorâneas valorizadas, como a Barra
da Tijuca, referindo-se “ao direcionamento do eixo de desenvolvimento urbano rumo a oeste,
representado pela expansão para a Barra da Tijuca [...]”. Essa mesma comparação poderia ser
feita em Natal, associando os projetos para o porto e a área central ao bairro da Ribeira, e os
interesses por áreas litorâneas valorizadas ao bairro de Ponta Negra. Talvez o mesmo pudesse
ser dito também da área central de Recife, o Recife Antigo, comparado à área litorânea tão
valorizada do bairro de Boa Viagem. Mas, em Natal, essa contraposição parece ainda mais
acentuada, devido à exorbitante concentração de investimentos públicos e privados no bairro
de Ponta Negra, frente ao abandono com que tem sido tratado, de um modo geral, os bairros
históricos e, em especial, a Ribeira.
Destaca-se, dessa forma, o papel das políticas públicas urbanas na condução desses
processos, principalmente no que se refere ao incremento ao turismo litorâneo como atividade
central de desenvolvimento econômico da cidade. Não é difícil notar as transformações que a
transferência do eixo de negócios da cidade em direção à Zona Sul e, em espacial ao bairro de
156
Ponta Negra, tem gerado. Ao longo da Avenida Engenheiro Roberto Freire, que dá acesso ao
bairro, uma nova paisagem está sendo construída: de um lado, um enfileirado de pequenos
shopping centers, lojas, restaurantes, supermercados e estabelecimentos de serviço, do outro,
um novo calçadão contornando o Parque das Dunas (maior reserva ambiental da cidade). E o
centro histórico? Está bem distante dali. Distante da agitação noturna de Ponta Negra, distante
dos olhares dos investidores do mercado imobiliário, distante das atenções do Poder Público;
desconhecido pelo turista que vem a Natal e esquecido por grande parte da população local.
Apesar de se tratar de uma cidade com mais de quatro séculos de existência, Natal
não conserva muitos traços de “velhice”. Não há remanescentes arquitetônicos anteriores ao
século XIX na cidade e aquilo que se exalta de sua história encontra-se cronologicamente
localizado no século XX, já a partir de meados dele. Poderíamos dizer que Natal faz questão
de esconder a idade. Suas partes mais antigas, mais desgastadas pela ação do tempo são pouco
a pouco abandonadas e trocadas pelas mais novas no rol de prioridades públicas. E a ênfase
dada pelas administrações recentes a projetos de maquiagem urbana, que se caracterizam
muitas vezes como verdadeiras plásticas no tecido da cidade, reforça ainda mais essa imagem.
Natal quer ser uma velha “enxuta”.
De acordo com apontamentos de Giovana Oliveira
31
sobre a memória do município
de Natal, essa não é uma tendência recente, característica exclusivamente das novas
administrações instauradas. Essa “vocação” para o novo ou, melhor dizendo, essa necessidade
de renovação constante, teria iniciado já no século XIX. Segundo Oliveira (2004), com a
proclamação da República em 1889, a elite açucareira do litoral norte-riograndense passou a
assumir a direção administrativa estadual e “iniciou uma série de investimentos e ações
políticas que indicavam as intenções de quebrar o marasmo em que a capital vinha se
desenvolvendo”. Essa idéia de progresso foi incorporada aos discursos dominantes na cidade,
e, no início do século XX, estavam expressas nas prioridades das políticas adotadas, nas ações
promovidas, em documentos oficiais e nas publicações da imprensa local (OLIVEIRA, 2004).
Segundo Oliveira (2004), até o ano de 1946 não havia nenhuma publicação que
detalhasse a história da cidade; “considerou-se que a história oficial da cidade do Natal só se
consolidou a partir da obra de Luís da Câmara Cascudo, que iniciou seu percurso como
estudioso e pesquisador da cidade na década de 20 [século XX]”. Um dado interessante
31
As idéias defendidas por Giovana Oliveira para a sua tese de doutorado no Programa de Pós-graduação em
Desenvolvimento Urbano da UFPE, apesar de ainda não terem sido publicadas, foram fornecidas pela autora por
meio de um documento informal, em relação ao qual estamos utilizando a referência Oliveira (2004).
157
apresentado por Oliveira (2004), é que a amizade de Câmara Cascudo com Mário de Andrade
possibilitou a visita do expoente modernista à cidade, numa época em que ele refletia sobre a
arquitetura colonial na constituição de uma identidade brasileira. A observação de Mário de
Andrade em nota de “O Turista Aprendiz”, colocando que “o que é velho em Natal não é
antigo”, demonstra, segundo Oliveira (2004), a impressão de que a cidade não apresentava um
patrimônio histórico a ser valorizado.
O trecho abaixo, retirado de um artigo do próprio Câmara Cascudo escrito nessa
época
32
, além de reforçar esse caráter renovador da cidade, revela certa satisfação em tê-lo:
No ponto de vista estritamente moderno esse desgastamento rápido foi um benefício.
Natal é uma cidade sempre nova, sem casario triste e sujo, sem os sobradões
lúgubres que ainda o Recife é obrigado a manter. Cidade pequena e pobre teve a
recompensa da sua pequenês e humildade, não dando problemas maiores aos seus
futuros administradores. (Cascudo, Luís da C. Acta Diurna: Natal, Cidade Sempre
Nova. Jornal Diário de Natal, 10/06/1948, p.2).
Essa busca constante pelo “progresso”, essa valorização exacerbada do novo em
detrimento do antigo parece fazer parte da própria história de Natal. Para Oliveira (2004),
“Mesmo mudando os termos ou as palavras para significá-lo, a cada período, os discursos
pareciam manifestar a vontade de inserir a cidade no contexto mundial como uma cidade
moderna”.
Mas, discordando da opinião de Câmara Cascudo, de que essa tendência de
substituição do antigo pelo novo seria uma vantagem da cidade – pensamento, aliás, que
reflete o caráter explícito de renovação que caracterizava o ideal modernista que predominava
nesse período – tudo isso traz uma grande perda para a cidade. Com o abandono do seu
passado histórico, fosse ele imponente ou simplório, e de suas antigas estruturas urbanísticas e
arquitetônicas, mesmo que humildes, a cidade perde grande parte da sua identidade. A
rendição ao novo, numa tentativa de posicionamento progressista, avançado, da cidade
caminha em direção à uniformização da sociedade global, à banalização dos valores culturais,
à perda das especificidades locais que garantiriam sua singularidade. Reflete-se até mesmo na
perda de competitividade em relação a outras cidades, na capacidade de atrair investimentos
que garantam seu desenvolvimento econômico, atributo tão valorizado nas intervenções em
sítios históricos na tendência da revitalização. Na busca constante pelo novo, Natal se atrasa
cada vez mais, não alcançando o retorno vislumbrado quando resolveu trocar o investimento
na manutenção do antigo pela aposta na construção do novo.
32
Recortado dos apontamentos de Oliveira (2004)
158
As perdas causadas pela adoção dessa “estratégia” de desenvolvimento já se fazem
sentir na indignação de muitas pessoas diante da ambiência estranha, ou melhor, “estrangeira”
estabelecida na orla de Ponta Negra devido à nítida predominância de turistas, e espaços para
turistas, frente à escassa presença de natalenses, e de espaços para natalenses. Mas, a lógica da
valorização imobiliária é alheia a essas questões e, diante da saturação do mercado em Ponta
Negra, os investidores começam a procurar novas áreas para “transformar”, sendo a tendência
mais marcante atualmente a concentração de investimentos no litoral norte do estado
33
. E para
incentivar ainda mais essa tendência, o Governo do Estado constrói a ponte Forte-Redinha.
Esse processo, ironicamente, acabou se refletindo em um “retorno ao centro”, porque
parece ter sido justamente o interesse em investir no espaço de atratividade turística do estado,
as praias litorâneas, o fator principal de incentivo à destinação de recursos para a Ribeira,
como vem ocorrendo nos dias atuais. Isso, porque a ponte Forte-Redinha construída para fazer
a conexão do litoral sul do estado com o litoral norte, teria como um dos seus acessos o bairro
da Ribeira, que passa a ser visto, a partir desse momento, como um espaço potencial para a
oferta de um novo atrativo turístico para a cidade, na linha do chamado turismo cultural. Por
concentrar atributos ambientais e histórico-culturais, oferecendo espaços de interação e lazer,
essa área passa, então, a ser vistas como uma forma de diversificar os atrativos da cidade. É
assim que entram em cena, portanto, os projetos voltados para a área portuária de Natal.
4.3. Propostas para a Área Portuária de Natal
A área que estamos denominando aqui de “área portuária de Natal” está localizada na
Zona Leste da cidade, na margem direita do rio Potengi, entre a Pedra do Rosário e o Forte
dos Reis Magos, em um sentido, e no outro, entre o rio Potengi e a linha imaginária que liga a
Avenida Duque de Caxias ao Forte dos Reis Magos (fig. 40). Essa posição lhe confere um
conjunto de atributos que fazem com que essa área seja objeto de diferentes interesses. O rio
oferece qualidades paisagísticas e ambientais, mas também está relacionado a questões sociais
por concentrar em suas margens moradias irregulares de comunidades pobres, atraídas pela
garantia de subsistência por meio da pesca. Ele agrega, ainda, recursos econômicos ligados
não só á pesca, como também à navegação. E a importância que essa área teve outrora como
centro funcional da cidade lhe confere um conjunto edificado bastante característico, reunindo
valores históricos, culturais e artísticos ao ambiente.
33
Têm sido noticiados nos jornais, constantemente, vultuosos investimentos em hotéis, resorts, e espaços
destinados a turistas de alto poder aquisitivo, sendo a última novidade o anúncio do Grand Natal Golf.
159
Trata-se ainda, em grande parte, de área do Patrimônio da União (os “terrenos de
marinha” e “acrescidos de marinha”) e do Porto Organizado de Natal, cuja administração
compete à CODERN, sendo de interesse também para a defesa do território, o que faz com
que se submeta ao controle da Capitania dos Portos, vinculada à Marinha. Essa capacidade de
agregação de diferentes interesses reflete-se, dentro da temática que abordamos, nas diferentes
propostas para a área que estão sendo colocadas em discussão.
O interesse pela implementação de projetos na área portuária de Natal vem se
intensificando nos últimos anos, sobretudo de 2004 para cá, com um fator de diferenciação
essencial em relação às propostas que vinham sendo discutidas até então para o centro
histórico: a disponibilidade de recursos públicos e privados já alocados. De fato, sem os
recursos, os projetos que vinham sendo propostos não tinham grandes expectativas de serem
implementados. E, o que se observa, é que a perspectiva de implementação de determinados
projetos tem influenciado no avanço de outros, atraindo investimentos para a área, em função
da expectativa de valorização a ser gerada.
Fig. 40 – Localização da área portuária de Natal.
Fonte: Imagem captada em arquivo da SEPA (2005), alterada.
160
Fig. 42 – Perspectiva da Ponte Newton Navarro.
Fonte: IDEMA (2006).
Dentre os projetos que podem ser considerados como “indutores” de outros, destaca-
se a construção da Ponte Forte-Redinha, ou Ponte Newton Navarro, como foi batizada, que se
encontra em execução, com previsão de entrega para este ano. O projeto, cercado de polêmica
desde sua origem, está sendo conduzido pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte, em
parceria com a Prefeitura Municipal e apoio financeiro do Governo Federal. Trata-se de uma
ponte estaiada ligando a Praia do Forte (onde está localizado o Forte dos Reis Magos) à praia
da Redinha (na Zona Norte de Natal), atravessando o rio Potengi (fig. 41).
Estando situada próximo a um dos
principais cartões portais da cidade (o Forte
dos Reis Magos), próximo ao núcleo de
ocupação inicial, na foz do rio Potengi, e por
se constituir num elemento de conexão entre
as estradas que levam ao litoral sul do
estado e as estradas para o litoral norte, a
ponte revela-se um empreendimento público
eminentemente voltado para o incremento à
Fig. 41 – Projeção da Ponte Newton Navarro sobre imagem da área em que será implantada.
Fonte: Maranhão (2006).
161
atividade turística. As polêmicas relativas a esse projeto giram em torno da real relevância que
um projeto de vultuosos recursos como este teria para a população da cidade, que reclama há
muito tempo da dificuldade de integração da Zona Norte da cidade, onde reside cerca de 35%
da população. Salvo a polêmica citada, no entanto, é evidente a valorização imobiliária que
este projeto deve gerar, principalmente nas proximidades das duas margens que conecta, e que
eram consideradas, até então, áreas de pouco valor imobiliário.
Junto com a ponte, estão previstos projetos de adequação do sistema viário, visando à
distribuição do tráfego para alguns setores da cidade (fig. 43). E um dos setores priorizados
para a viabilização do acesso à ponte é a área central, passando pelo bairro da Ribeira.
Fig. 43 – Projeção da distribuição
do tráfego no sistema viário da
cidade em função da ponte, e
recorte ampliado, situando a área
que interfere no bairro da Ribeira.
Fonte: STTU (2006), alterada.
162
Essa adequação no sistema viário, que interfere no bairro da Ribeira seria realizada a
partir do prolongamento do eixo formado pelas avenidas Hildebrando de Góis e Duque de
Caxias até o encontro com a avenida
Café Filho (fig. 44), onde haveria um
complexo viário que permitiria o
acesso à ponte. Essa obra implicaria
na remoção das casas localizadas no
trecho onde seria executado o
prolongamento (fig. 45), que consiste
em uma área residencial consolidada
e adensada, dentro dos bairros Rocas
e Santos Reis.
Além disso, estão previstas algumas obras de melhoramento nas avenidas Duque de
Caxias e Hildebrando de Góis, que incluem intervenções no espaço físico das ruas e calçadas
e mudanças no ordenamento do tráfego. Há, ainda, o projeto de reforma do terminal de ônibus
localizado na área e de construção de novos abrigos nos pontos de parada. As melhorias nesse
eixo de circulação estendem-se até o bairro Cidade Alta, compreendendo a implantação de
“estações de transferência de passageiros”, a realização de obras de acessibilidade e ciclovias.
Fig. 44 – Projeção do trecho a ser desapropriado.
Fonte: STTU (2006), alterada.
Fig. 45 – Projeto viário do prolongamento do eixo Duque de Caxias/Hildebrando de Góis.
Fonte: STTU (2006).
163
Somam-se ainda, aos projetos de adequação viária, algumas propostas de intervenção
em edificações e praças públicas, localizadas ao longo do eixo da Avenida Duque de Caxias,
podendo-se destacar o Mercado do Peixe e a Praça do Pôr-do-sol, o Mercado das Rocas e as
praças São Pedro e Irmã Vitória, elaboradas pela Secretaria Municipal de Serviços Urbanos –
SEMSUR, que já possuem seus projetos executivos prontos, estando o Mercado do Peixe com
suas obras já iniciadas (fig. 46 e 47). Todos esses projetos estão sendo conduzidos pela
Prefeitura Municipal, com aplicação de recursos federais, oriundos do Ministério das Cidades.
Os projetos do Mercado do Peixe e da Praça do Pôr-do-sol compreendem, juntos,
uma solução de melhoramento das precárias condições (inclusive de higiene) em que se
encontra o espaço conhecido na cidade como Canto do Mangue, que consiste em uma praça
localizada na margem do rio Potengi, onde se realizam atividades ligadas à pesca artesanal. O
local funciona tanto para o aporte das embarcações de pesca, como para a comercialização do
pescado e a realização de pequenas atividades ligadas à pesca. A idéia do projeto é transferir
as atividades ligadas à pesca artesanal para o Mercado do Peixe (que será construído a partir
da recuperação de uma antiga fábrica de gelo localizada em frente ao Canto do Mangue) e
realizar melhorias na praça, que passará a ser denominada de Praça do Pôr-do-sol, para que
ela se transforme em um espaço de visitação e contemplação do rio para toda a população.
O lugar é considerado um ponto tradicional da cidade, seja pela venda de produtos da
pesca, seja pela oferta da “ginga com tapioca” (comida típica da cidade), com direito à vista
para o Potengi. As condições em que esse espaço se encontra há muitos anos, no entanto,
sempre foram muito precárias, sendo a idéia da realização de uma intervenção urbanística no
local uma proposta bastante recorrente e que, somente agora, inserida no conjunto de obras de
melhoramento do eixo de acesso à ponte, demonstra perspectivas de que seja executada.
Há, ainda, algumas propostas que já foram pensadas anteriormente para esse eixo
(como o Museu da Rampa e o Museu da Cidade) e que, atualmente, mesmo sem perspectivas
Fig. 46 – Projeto Mercado do Peixe.
Fonte: SEMSUR, Prefeitura Municipal.
Fig. 47 – Projeto Praça do Pôr-do-sol.
Fonte: SEMSUR. Prefeitura Municipal
164
de implementação, aparecem ligadas ao conjunto de obras denominado de “Corredor Cultural
Ribeira/Rocas” (fig. 48), conduzido pela Prefeitura Municipal, sob coordenação da Secretaria
Municipal de Trânsito e Transporte Urbano – STTU.
Fig. 48 – Propostas relacionadas ao “Corredor Cultural Ribeira/Rocas”.
Fonte: STTU (2006).
165
Os projetos estão atrelados à idéia de revitalização da Ribeira, que tendo estado
restrita a planos e projetos que nunca “saíam do papel”, por muitos anos, é retomada agora,
dentro desse processo de mobilização do Poder Público, em função dos impactos que deverão
ser gerados com a inauguração da ponte. Espera-se que, com a ponte em funcionamento e as
adequações no sistema viário previstas, o bairro da Ribeira volte a receber um grande fluxo de
veículos, aumentando assim o seu dinamismo. Com isso, os projetos de teor patrimonial ou
cultural existentes para a Ribeira e que se encontravam “emperrados” no Setor de Patrimônio
Histórico – SPH, da Secretaria Especial de Meio Ambiente e Urbanismo – SEMURB, pela
falta de interesse público e privado em executá-los, adquiriram um caráter estratégico para o
município. É a oportunidade que faltava para que se pudesse dar viabilidade a investimentos
públicos na área, na perspectiva de que estes gerem um efeito multiplicador, com a atração de
investimentos privados. Além disso, esses projetos representam a possibilidade de criação de
um novo tipo de atividade turística dentro da cidade (em alternativa à exclusividade das praias
e dunas), provocando uma dinamização da economia local.
Nesse sentido, o projeto conhecido como “Largo do Teatro”, desponta como uma das
intervenções de maior impacto direto sobre a Ribeira, podendo ser considerado também como
o “pontapé” inicial da Prefeitura no desencadeamento de um processo de revitalização. Com a
assinatura do prefeito, autorizando o início das obras, anunciada nos jornais no dia 13 de julho
do ano corrente, a idéia pôde recuperar parte da credibilidade que perdera ao longo de tantos
anos de espera. O projeto consiste em uma proposta de intervenção na Praça Augusto Severo,
onde está situado o Teatro Alberto Maranhão e a recuperação da antiga Rodoviária Presidente
Kennedy, transformando-a em um centro cultural (fig. 49).
Fig. 49 – Projeto “Largo do Teatro”.
Fonte: SEMURB, Prefeitura Municipal.
166
O projeto baseia-se na idéia de retomar o traçado original da praça (que havia sido
cortada pelo prolongamento da Av. Duque de Caxias – no sentido oposto ao que se propõe
atualmente), oferecendo um espaço público ampliado e requalificado, associado à recuperação
da rodoviária, que se encontra atualmente em estado de degradação física e ocupada de forma
precária por pequenos comerciantes, em péssimas condições de higiene, e tomada por pontos
de prostituição e consumo de drogas. Pretende-se criar, ali, um espaço integrado com a praça,
que ofereça serviços úteis à comunidade, praça de alimentação, lojas, uma pequena central de
atendimento ao cidadão, prevendo-se também a instalação da sede do Ballet Municipal.
O projeto pretende, ainda, reordenar o fluxo de veículos que por ali passam, melhorar
as condições da circulação dos ônibus, oferecendo um espaço público de qualidade, numa
área de grande representatividade cultural na cidade que ainda preserva um conjunto edificado
significativo. Além disso, é nessa área que deverão desembocar os veículos que atravessem a
ponte e caiam no prolongamento da Avenida Duque de Caxias (fig. 50).
A idéia de revitalização ganhou impulso maior recentemente, com a disponibilização
de recursos do Ministério das Cidades para a elaboração do Plano de Reabilitação de Áreas
Urbanas Centrais – Ribeira, dentro do Programa de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais,
do Governo Federal. A Prefeitura Municipal, coloca-se à frente dessa proposta, que teria
como intuito principal definir as perspectivas futuras para a Ribeira, a partir da priorização à
habitação e às atividades a ela conexas, preservando-se os valores históricos e culturais
inerentes ao bairro.
Fig. 50 – Perspectiva do Largo do Teatro, visto da Avenida Duque de Caxias.
Fonte: SEMURB, Prefeitura Municipal.
167
O objetivo central do programa do Governo Federal é:
[...] promover o uso e a ocupação democrática das áreas urbanas centrais em
Regiões Metropolitanas, propiciando a permanência de população residente e a
atração de população não residente atras de ações integradas que promovam e
sustentem a diversidade funcional e social, a identidade cultural e a vitalidade
econômica dessas áreas (NATAL, 2005, p. 2).
A proposta coaduna com a idéia de que a reabilitação de áreas urbanas centrais para o uso
habitacional poderia contribuir tanto para o processo de recuperação e manutenção do
patrimônio arquitetônico histórico, como para a promoção do desenvolvimento urbano, com a
redução do déficit habitacional, a melhoria das condições de vida da população, e o incentivo
à atração de um público diversificado para a área, recuperando, também, a economia local.
A ação envolve três agentes principais: o Ministério das Cidades, que entra como o
organismo gestor e financiador do processo, responsável pela coordenação geral; a Caixa
Econômica Federal, que atua como um órgão prestador de serviços, no acompanhamento do
processo e no repasse dos recursos; e a Prefeitura Municipal, considerada como o organismo
proponente, reunindo as funções de conduzir a execução do plano junto à empresa contratada,
repassar informações para o Ministério das Cidades e prestar contas à Caixa Econômica
Federal dos recursos utilizados. No âmbito da Prefeitura Municipal, participam dessa ação a
Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Finanças – SEMPLA, a Secretaria de
Meio Ambiente e Urbanismo – SEMURB, a Secretaria Municipal de Transporte e Trânsito
Urbano – STTU e a Secretaria Municipal de Obras e Viação – SEMOV. As três últimas,
entram no processo de elaboração do plano em função das três linhas de atuação definidas:
urbanístico-social, transporte e infra-estrutura, enquanto a SEMPLA atua na integração do
trabalho entre as secretarias.
Dentre os objetivos específicos definidos pela Prefeitura a serem contemplados no
plano, destacam-se: possibilitar a ocupação e o uso de edificações subutilizadas, com ênfase
aos usos habitacionais e mistos, no sentido de recuperar as características arquitetônicas da
edificação; melhorar as condições de moradia da população de baixa renda, em especial
àquelas da comunidade do Maruim; e ter subsídios (informações, magnitude de impactos e
custos associados) para negociar com agentes interessados em desenvolver propostas e
projetos na área de intervenção. Esse último objetivo é colocado, em função da quantidade de
projetos que estão sendo propostos para a área, ligados a distintos interesses, como os projetos
de implantação de um terminal pesqueiro e ampliação do Porto de Natal (que serão discutidos
adiante), junto aos demais existentes. Essa questão é assim colocada no termo de referência:
168
[...] nota-se que a linha de intervenção traçada pelo poder público municipal é no
sentido de resgatar a identidade cultural e o patrimônio histórico local. Por outro
lado, o interesse dos agentes de outras esferas governamentais é no sentido de
desenvolver uma atividade econômica (é o caso do Terminal Pesqueiro e do Porto de
Natal). Esses dois enfoques de intervenção mostram-se, em parte, conflitantes.
Assim, um dos resultados esperados no Plano de Reabilitação da Ribeira é dotar a
municipalidade de argumentos técnicos para discutir com os agentes interessados na
área a melhor forma de compatibilizar os dois enfoques intervencionistas (NATAL,
2005, p. 8).
Fica claro, portanto, que existe uma preocupação da Prefeitura Municipal em como
se posicionar perante os demais órgãos envolvidos, em defesa dos interesses que ela se propõe
a resguardar. E como espaço para a interação entre os diversos agentes, foi criada a Equipe
Gestora do Projeto Ribeira, composta por representantes da Prefeitura Municipal, do Governo
do Estado, de algumas instituições federais envolvidas, e de organismos não-governamentais,
instituída pela Portaria 064/2005-GP, publicada no Diário Oficial do Município, de 23 de
setembro de 2005 (Anexo 01). Além disso, foram designados servidores das quatro secretarias
municipais envolvidas na elaboração do plano de reabilitação, para integrar o Grupo Técnico
Executivo da Prefeitura Municipal de Natal, que teria a função de desenvolver as atividades
relativas à execução do plano. Este, partindo das premissas de transparência e participação na
ação pública, prevê em suas diretrizes a discussão e negociação das indicações e propostas
que forem apontadas ao final do trabalho, com toda a sociedade.
É interessante destacar que essa articulação estabelecida entre a Prefeitura Municipal
e o Ministério das Cidades contribuiu para que se encaminhasse uma possível integração entre
os vários projetos que vinham sendo pensados para a Ribeira em âmbito municipal. Em parte,
devido à própria idéia de “plano” presente na ação, e em parte, devido à concepção de atuação
do Ministério das Cidades que, além de contemplar a integração entre secretarias das áreas de
habitação, transportes e mobilidade urbana, e saneamento ambiental, prevê uma articulação
interministerial, entre os ministérios da Cultura, Turismo, Planejamento e Transportes, que é
reproduzida na esfera local, por meio de “esforços para pactuar entre os entes públicos as
diretrizes e os objetivos que passam a nortear o trabalho de todos, num mesmo território”
(BRASIL, 2006).
Com isso, criou-se a expectativa de que os estudos encaminhados para a elaboração
do plano de reabilitação pudessem contribuir para uma maior interação entre os diversos entes
envolvidos nas propostas em curso para a Ribeira (para a área portuária, no nosso entender),
induzindo a um processo de reflexão conjunta e de negociação entre os atores. Isso, de fato,
vem ocorrendo de forma gradativa, como procuraremos demonstrar no capítulo seguinte, mas
acreditamos que se deva mais à necessidade da aprovação de diversos órgãos para a execução
169
dos projetos, do que a uma ação integrada dos agentes. Isso porque, como ficou evidente no
trecho destacado do termo de referência do plano, transcrito acima, há um conflito entre as
propostas da Prefeitura Municipal para a área e outras propostas que vêm sendo colocadas (e
serão apresentadas adiante), envolvendo Governo do Estado e Governo Federal.
O conflito reside principalmente nos usos que cada uma dessas partes pretende dar ao
bairro da Ribeira, os quais implicariam em um aproveitamento dos recursos oferecidos pela
área de maneiras diferentes e, relativamente divergentes, ou incompatíveis. Essas divergências
serão enfatizadas na discussão do capítulo 5. Por hora, queremos apenas destacar quais têm
sido os usos priorizados pela Prefeitura Municipal, dentro da perspectiva de revitalização, nos
projetos que propõe para a área portuária de Natal. A habitação é um deles; mas junto com a
habitação, procura-se incrementar também pequenos comércios e estabelecimentos de serviço,
atividades culturais e de lazer, e o turismo.
O incentivo à habitação é perseguido com a continuidade do Programa Rehabitar,
desenvolvido em parceria com a Caixa Econômica e o Governo Francês, desde 2002. Tendo
sido delimitado o Perímetro de Reabilitação Integrada – PRI (fig. 37), foram sendo realizados
levantamentos dos imóveis que poderiam ser reabilitados para o uso habitacional dentro desse
perímetro e, para cada um desses imóveis produziu-se uma ficha com informações atualizadas
sobre as características (área, composição, estilo) e as condições do imóvel (uso, conservação,
etc.). Além disso, foram elaborados dossiês com possíveis propostas de intervenção em cada
imóvel, alinhadas com a perspectiva de reabilitação urbana perseguida. A idéia, agora, é que,
com a chegada dos investimentos privados na Ribeira, em função dos projetos públicos que
estão sendo implementados, esse levantamento seja utilizado na negociação com o mercado,
para que este venha a investir sem descaracterizar o conjunto arquitetônico. Ou seja, como por
lei não se pode garantir a preservação das características arquitetônicas de todos os imóveis, a
não ser aqueles tombados, pretende-se convencer o mercado de que o novo uso dos imóveis
pode ser compatível com a preservação, e de que o uso habitacional ofereceria a vantagem de
ter uma linha de financiamento da Caixa Econômica específica, o Programa de Arrendamento
Residencial – PAR. Atualmente, existem dois edifícios destinados a esse fim: o Edifício Bila,
localizado na Av. Duque de Caxias, que está sendo recuperado por um investidor italiano,
com projeto do arquiteto Haroldo Maranhão (o mesmo do Fachadas da Rua Chile e da Casa
da Ribeira), para uso misto (comércio no térreo e unidades habitacionais nos demais
pavimentos); e o Hotel Central, que foi adquirido pela Prefeitura Municipal, visando à sua
recuperação para o uso habitacional, por meio do PAR.
170
Outro projeto que deverá ser analisado no plano de reabilitação, e que envolve além
da Prefeitura Municipal e o Ministério das Cidades, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos
– CBTU, é o Terminal Intermodal de Passageiros. A proposta
34
consiste em um terminal de
passageiros na área compreendida entre a Rodoviário Presidente Kennedy e as margens do rio
Potengi, em terreno da União administrado pela CBTU, que integraria os modais de transporte
rodoviário, ferroviário e hidroviário. Esse espaço de integração metropolitana
35
abrigaria,
ainda, múltiplos serviços e comércios em uma área de convívio e lazer, de onde se poderia
contemplar a vista para o rio Potengi. A proposta, apesar de não se constituir em projeto, tem
sido considerada de bastante relevância para o processo de revitalização da Ribeira e sua
viabilização vem sendo acordada por uma parceria entre a Prefeitura Municipal, que entraria
com os custos do projeto executivo, e o BNDES, que financiaria a execução da obra. A área
em que o Terminal Intermodal seria implantado, no entanto, ocuparia o mesmo trecho da
margem do rio Potengi (ou seja, a mesma área de atracação), onde se pretende instalar o
Terminal Pesqueiro, um projeto de interesse do Governo do Estado e do Governo Federal, que
vem gerando bastante polêmica nas discussões sobre a área.
A idéia da instalação de um terminal pesqueiro no Rio Grande do Norte, em Natal, e
na Ribeira mais especificamente, está associada à convergência de iniciativas do setor privado
ligado à pesca, de agentes do Governo do Estado interessados no desenvolvimento do setor
dentro da economia do estado, e às estratégias adotadas pelo Governo Federal, voltadas para o
fortalecimento da indústria pesqueira nacional.
Segundo Antônio-Alberto Cortez
36
, assessor especial de aqüicultura e pesca da
Secretaria do Estado de Agricultura, Pecuária e Pesca – SAPE, do Governo do Estado, a idéia
de transformar Natal em um pólo de desenvolvimento da atividade pesqueira, vem sendo
trabalhada desde 1996. Ele conta que em 1999, escreveu um artigo, publicado no Jornal O
Poti, de 14 de abril de 1999, em que propõe a criação do Pólo Atuneiro
37
do Rio Grande do
Norte. Em 2001 produziu, junto com empresários da pesca no estado e outros especialistas no
assunto, a revista intitulada “Complexo Industrial Atuneiro do RN”, propondo uma grande
mobilização em torno da implantação do futuro terminal pesqueiro. A idéia começaria a ser
concretizada, de acordo com Cortez, em 2003, já na gestão da atual governadora, Wilma de
Faria, com a elaboração do Plano Diretor do Terminal Pesqueiro.
34
Baseada no Trabalho Final de Graduação da arquiteta e urbanista Mizá Dias.
35
As linhas férreas atualmente em funcionamento ligam Natal aos municípios de Parnamirim e Ceará-Mirim.
36
Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em entrevistada
concedida no dia 22 de fevereiro de 2006.
37
A palavra “atuneiro” refere-se a atum, que é a espécie de peixe mais produzida pela pesca industrial no RN.
171
O empresário Gabriel Calzavara
38
, que participou da elaboração da revista de 2001,
quando, então, era diretor do Departamento de Pesca e Aqüicultura – DPA, do Ministério da
Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento (para o qual Alberto Cortez prestava assessoria
na área da pesca artesanal), confirma a importância da ação do prof°. Cortez na mobilização
de esforços em torno da formação de um pólo pesqueiro em Natal. E acrescenta que muito do
potencial econômico que o Rio Grande do Norte apresenta hoje no setor da pesca deve-se aos
investimentos privados que foram realizados a partir dessa mobilização. Para Calzavara, com
a concentração de empresas de pesca que se formou ao longo da Rua Chile, na Ribeira, foi se
constituindo um verdadeiro pólo, que agrega atividades relativas à pesca de profundidade, ao
processamento do pescado, indústrias de apoio na manutenção de barcos, frigoríficos, fábricas
de gelo, fornecedores de insumos para a pesca, etc. Com isso, o Rio Grande do Norte estaria
consolidando uma integração entre diversas atividades ligadas à pesca (desde a carcinicultura,
à aqüicultura, com a criação de tilápias, mais a pesca costeira de lagosta e a pesca industrial
do atum). Calzavara coloca que “o Rio Grande do Norte é um estado, hoje, que ele consegue
sintetizar todo o universo da atividade pesqueira”.
Essa conjuntura vem despertando o interesse do Governo do Estado em investir no
setor, que representa uma das maiores receitas no total das exportações do estado, competindo
com as frutas pelo 2º lugar (em primeiro, destaca-se o petróleo). E encontra respaldo na ação
do Governo Federal voltada para o incremento da economia da pesca, em nível nacional. Essa
ação, por sua vez, está associada a implicantes de ordem internacional referentes ao acesso a
recursos “não-nacionalizados” disponíveis no Oceano Atlântico, que o Brasil vem tentando
conquistar. Isso, porque dentro da sua Zona Econômica Exclusiva – ZEE, que corresponde às
200 milhas ao longo da costa litorânea, está havendo uma sobrepesca, prejudicando o estoque
de pescado existente na região
39
. E a pesca de pélago (realizada em altas profundidades), por
outro lado, tem se apresentado bastante deficiente. No intuito de mudar esse quadro, o Brasil
tem atuado junto a organismos internacionais na busca pelo direito a uma cota maior de pesca
no Oceano Atlântico. “Os estoques de atuns no Oceano Atlântico Oeste são geridos por um
organismo multinacional, do qual o Brasil é membro, denominado ICCAT ou Comissão
Internacional para a Conservação do Atum Atlântico – CICAA-FAO.” (PETCON, 2004). O
ICCAT é responsável pelo estabelecimento de cotas de captura, por espécie e por país,
visando o manejo sustentável da pesca. De acordo com estudo elaborado pela PETCON,
38
Em entrevista concedida no dia 23 de fevereiro de 2006. Atualmente, Calzavara é proprietário da Norpeixe.
39
Informação concedida por João Dehon, diretor regional da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca no Rio
Grande do Norte, em 18 de janeiro de 2006.
172
Há poucos anos atrás, o único critério empregado para determinar as cotas era o
histórico de captura de cada país. Entretanto, hoje, como resultado da iniciativa
brasileira junto a outros países em desenvolvimento (Grupo dos 16), existem 27
critérios para estabelecer cotas de captura. (PETCON, 2004).
No Brasil, apesar das suas condições potenciais para o desenvolvimento da atividade
pesqueira (uma costa marítima de aproximadamente 8,5 mil km de extensão), o setor ainda é
muito atrasado, quando comparado a outros países, apresentando uma frota de barcos e um
parque industrial sucatados, falta de frigoríficos e terminais apropriados e atraso tecnológico
(PETCON, 2004). Porém, nos últimos anos, houve um crescimento da produção pesqueira do
país, com o aumento de 27,11% nas exportações e a diminuição de 13,50% nas importações,
entre 2002 e 2003, considerando os períodos de janeiro a setembro (PETCON, 2004).
A criação, em 2003, da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca – SEAP, em nível
ministerial, pelo governo Lula, desvinculando o setor do Ministério da Agricultura, e reunindo
em uma mesma instância as diversas facetas ligadas à pesca, demonstra o esforço que tem
sido empreendido no sentido de melhorar as condições da indústria pesqueira nacional. Com a
SEAP, criou-se o programa denominado Pró-frota, que destinaria, de acordo com João Dehon,
300 milhões de reais para a construção, adaptação, melhoria e ampliação da frota pesqueira
nacional. E, ainda, por meio da SEAP, o Governo Federal vem tentando reformar e implantar
terminais pesqueiros (19 ao todo, fig. 51) em diversos estados brasileiros, com a destinação de
recursos na ordem de 57 milhões de reais (de 2003 a 2005). E no Nordeste, o investimento é
de R$ 12,5 milhões no terminal pesqueiro de Natal, no Rio Grande do Norte, R$ 7 milhões no
de Cabedelo, na Paraíba, e mais R$ 2,5 milhões no Ceará, com a ampliação e a reforma dos
terminais públicos de Beberibe e de Itarema (SEAP, 2006).
Essa destinação de recursos para a construção do terminal pesqueiro no Rio Grande
do Norte teria derivado, segundo os entrevistados, dos esforços do Governo do Estado e da
Bancada Federal, nas negociações junto à SEAP. A elaboração do Plano Diretor do Terminal
Pesqueiro foi conduzida nesse sentido. No documento (PETCON, 2004, p. 29), consta que:
O estado do Rio Grande do Norte coloca-se de forma privilegiada para a atividade
de pesca marítima, por serem encontradas várias regiões piscosas (bancos e ilhas
oceânicas) a distância nunca superior a 160 (cento e sessenta) milhas náuticas, onde
são capturadas várias espécies de peixes, crustáceos, moluscos e outros.
E a colocação do prof°. Cortez arremata:
Os objetivos [do projeto do terminal pesqueiro] era dotar, na verdade, o Rio Grande
do Norte de uma estrutura portuária pesqueira compatível com o desempenho da
nossa economia de pesca, da nossa produção de pescado, levando em consideração
as vantagens comparativas e as vantagens competitivas que o Rio Grande do Norte
oferece, que o Rio Grande do Norte possui, frente a outras unidades da federação.
173
A frota industrial do Rio Grande do Norte é composta por 83 atuneiros, operando em
5 empresas de pesca instaladas em Natal (dados de 2002), que concentra 40% da produção de
pesca total dos municípios litorâneos do estado (PETCON, 2004).
Fig. 51 – Material de divulgação das ações do Governo Federal, pela SEAP, voltadas para terminais pesqueiros.
Fonte: http://www.planalto.gov.br/seap.
174
A grande implicação negativa dessa concentração rebate-se justamente no local onde
as empresas de pesca estão instaladas: dentro da área portuária de Natal, no bairro da Ribeira,
em prédios históricos da tradicional rua Chile, ao lado do Porto de Natal. Quer dizer, há na
margem direita do rio Potengi uma verdadeira disputa pelo acesso ao rio, que é o único canal
existente na cidade (e talvez, no estado) com as condições naturais apropriadas à realização de
atividades portuárias, como a pesca. Soma-se a essas características geográficas, a oferta de
infra-estrutura já implantada no local, tanto no que se refere às instalações industriais voltadas
à pesca, quanto no que tange à disponibilidade de acesso rodoviário e ferroviário, e à própria
proximidade do porto. Esses fatores foram levados em consideração nos estudos de avaliação
das alternativas de localização para a implantação do terminal pesqueiro, tendo sido tamm
observados: a profundidade do rio na área de acostagem, a extensão de cais que seria possível
obter, a retroárea disponível para a instalação das fábricas de processamento, de gelo, e outros
equipamentos, possíveis conflitos de uso ou dificuldades de negociação com os proprietários
do terreno, e conflitos de tráfego náutico ou com as atividades do porto.
O Plano Diretor apresenta quatro alternativas de localização para o terminal, sendo
apenas uma delas situada na margem esquerda do rio Potengi e as demais alternando posições
diferentes na margem direita do rio, em função de pontos de referência como o Cais Tavares
de Lira, o terminal de trens da CBTU e o Porto de Natal. Essas áreas não são definidas com
muita precisão no plano, nem são apresentados os motivos que levaram à exclusão das opções
1, 3 e 4, e à escolha da alternativa 2, junto à equipe técnica da SAPE, como a mais vantajosa.
Essa alternativa compreenderia:
[...] duas áreas, sendo a primeira destinada à construção de terminais de uso
privativo das diversas indústrias pesqueiras instaladas à margem direita do rio, na
extensão de cerca de 440m e a segunda destinada à construção do terminal de uso
público, à frente dos terrenos da CBTU, pertencentes à RFFSA, com 270m de
extensão de cais e área de cinco hectares, na área urbana da Ribeira na cidade de
Natal [...] (PETCON, 2004).
A proposta foi apresentada com a configuração esquematizada na figura 52, tendo
sido proposto, ainda, um cais para atendimento à pesca artesanal, junto ao Canto do Mangue.
Este, posteriormente, passou a ser estudado pela Prefeitura Municipal, o que resultou nos
projetos do Mercado do Peixe e da Praça do Pôr-do-sol, apresentados acima, embora neles
não esteja prevista a implantação de um terminal para os barcos de pesca artesanal.
As primeiras discussões em torno do terminal pesqueiro deram-se, portanto, em cima
da proposição definida na figura 53. Mas, essa proposta passou por uma série de críticas, tanto
dos empresários da pesca, como da CBTU e outros órgãos, o que fez com que fosse alterada.
175
Com a divulgação do projeto do terminal pesqueiro entre representantes de órgãos
públicos envolvidos com a área, criou-se uma grande polêmica, devido tanto ao tipo de uso
que se pretende instalar (de caráter industrial), como às conseqüências desse uso sobre o
funcionamento no seu entorno (uma grande demanda de circulação de veículos de carga, por
exemplo), como também à disponibilidade do terreno em que seria instalado.
Fig. 52 – Projeção do terminal pesqueiro na área portuária de Natal, segundo a primeira proposta.
Fonte: SAPE (2006).
Fig. 53 – Implantação do terminal pesqueiro público (à esquerda) e privado (à direita).
Fonte: SAPE (2006).
176
A Companhia Docas do Rio Grande do Norte – CODERN reivindicou espaço para
que pudesse ampliar o porto futuramente; a CBTU precisaria do seu terreno para implantar o
terminal intermodal; e os empresários da pesca reclamaram que o cais do terminal passaria na
frente das suas instalações privadas, impedindo o acesso direto que têm atualmente ao rio.
Com isso, alterou-se a proposta, primeiramente com o objetivo de livrar o terreno da CBTU e
de deixar uma área reservada para a ampliação do porto entre o Cais Tavares de Lira e o cais
do porto; e posteriormente, procurando-se livrar os cais privados das indústrias de pesca, foi
proposta uma localização delimitada entre a Capitania dos Portos, na rua Chile, e a Pedra do
Rosário na Avenida do Contorno, na margem do rio em frente à CBTU, mas sem ocupar o seu
terreno (fig. 54). Essa é a localização que vem sendo discutida atualmente; e mesmo com as
alterações, não tem estado livre de polêmicas.
As polêmicas em torno do projeto têm provocado uma ampla discussão entre órgãos
públicos, empresas privadas e algumas organizações da sociedade sobre os diversos interesses
em jogo. A partir dessas discussões, evidenciou-se a diversidade de propostas existentes para
a área e passou-se a vislumbrar os possíveis conflitos entre esses interesses.
Fig. 54 – Nova localização proposta para o terminal pesqueiro.
Fonte: Elaboração própria a partir de arquivos da SAPE (2006).
177
O conflito central entre as propostas gira em torno dos usos que serão instalados na
área, a partir de projetos tão desconexos como o da revitalização da Ribeira e o do terminal
pesqueiro. Questiona-se se é possível compatibilizar a utilização da área para habitação e
turismo, como pretende a Prefeitura, com o seu uso para atividades ligadas à pesca industrial
(como está propondo o Governo do Estado).
Entre a área prevista para a instalação do Terminal Pesqueiro e o Porto de Natal,
estão as empresas de pesca com seus cais de atracação particulares, que se constituem em um
forte grupo de interesses privados sobre aquela área, vinculados também ao futuro terminal
pesqueiro. Com estruturas de atracação de barcos instaladas de forma irregular nas margens
do Potengi, essas empresas conformam uma verdadeira barreira ao acesso ao rio. Além disso,
por estarem situadas na Rua Chile (uma rua estreita e com calçamento precário), todo o fluxo
de caminhões a elas associado passa pelas ruas da Ribeira, provocando congestionamentos no
tráfego e desgaste contínuo na pavimentação. Como as atividades desenvolvidas nas empresas
de pesca são as mesmas que deverão ser contempladas no Terminal Pesqueiro, espera-se que
seja encontrada, com as discussões em torno da instalação do projeto, uma solução para o
melhor funcionamento da pesca industrial na Ribeira.
Para projetos como o terminal pesqueiro, a área portuária é vista não mais como um
espaço de valor histórico-cultural a ser preservado para o convívio da população e a atração
de turistas, mas como um espaço de grande potencial econômico para o estado, capaz de gerar
riquezas e empregos. O rio deixa de ser visto como um espaço de contemplação e transporte
de pessoas, e passa a ser considerado um recurso imprescindível para o funcionamento das
atividades econômicas a ele associadas, como a pesca e a atividade portuária. Não aproveitar
o potencial disponível na área significaria desperdiçar oportunidades de desenvolvimento para
o estado e de melhores chances de emprego para a população. Essa visão é contraposta à da
revitalização nas discussões em torno da área portuária de Natal, e é reforçada pelos projetos
de ampliação do porto.
O Porto de Natal entra, então, no debate como aquela estrutura “pesada”, de caráter
industrial, produtivo, que insiste em continuar instalada no frágil centro histórico de Natal, o
qual todos querem revitalizar. Mas, com um diferencial significativo: ele faz parte da história
da Ribeira. Na visão de Hanna Safieh, diretor técnico da CODERN, foi a cidade que foi lhe
tomando espaço e lhe confinando no terreno estreito entre os edifícios históricos e o rio. E não
é à toa que ele está instalado onde está. Segundo Hanna Safieh, o Rio Grande do Norte possui
um litoral de pouca profundidade, o que dificultaria e encareceria uma instalação marítima;
178
Resultado: o único lugar do Rio Grande do Norte onde nós podemos ter porto é
Natal. E nem os administradores respeitaram, nem do estado, nem do município.
Todos pressionaram o porto [...]. E todo mundo tá querendo fazer outros projetos no
rio, no lugar de reservar o espaço do rio para uma futura ampliação do porto.
(entrevista concedida em 17 de março de 2006).
Os projetos para a ampliação do porto já vêm sendo discutidos há bastante tempo,
mas sempre encontraram barreiras nas restrições impostas a intervenções no entorno urbano
onde ele está instalado. Além disso, parece não haver forças suficientemente articuladas nesse
sentido. Com a concorrência dos portos de Pecém, no Ceará, e de Suape, em Pernambuco, é
difícil acreditar em um crescimento da importância regional do Porto de Natal. No máximo
espera-se que ele atenda à demanda interna do estado, oferecendo melhores condições para a
exportação dos produtos e, com isso, facilitando o desenvolvimento dos produtores.
Mas os projetos de ampliação do porto não são pensados para o atendimento a uma
demanda existente atualmente. Eles são pensados dentro de uma perspectiva de incremento à
atividade portuária, de atração de mais exportadores para embarcarem suas cargas no porto e
de mais navios para levarem essas cargas. E para que esse incremento aconteça seria preciso
investir no porto, para que ele garantisse as condições de atendimento à nova demanda. Trata-
se de uma interdependência: o investimento é necessário ao desenvolvimento, mas é este que
atrai o investimento; sem investimento não há desenvolvimento e sem desenvolvimento não
há investimento.
A administração do porto, no entanto, continua a acreditar que o desenvolvimento
vai vir e que é preciso se planejar para isso. Então, fez uma solicitação à Gerência Regional
do Patrimônio da União, para que reservasse duas áreas nas margens do rio Potengi para uma
futura ampliação do porto, a montante e a jusante. O terreno a montante corresponde à faixa
da margem do rio posterior às edificações da Rua Chile que se estende desde o limite atual do
cais do porto até o Cais Tavares de Lira. E o terreno a jusante seria uma extensão do cais e do
pátio de contêineres do porto sobre a área atualmente ocupada pelo píer da Petrobrás e pela
Favela do Maruim, que é justamente onde reside o conflito maior da proposta. Falamos dessa
questão no subitem anterior, quando tratamos da evolução dos projetos voltados para o bairro
da Ribeira. Atualmente, a situação continua a mesma: para que a relocação do Maruim ocorra
e o porto possa utilizar a área para a sua ampliação, é necessário chegar-se a um acordo entre
a CODERN e a Prefeitura sobre como solucionar o problema de moradia daquelas pessoas.
Mas, CODERN e Prefeitura não estão em posições opostas em todos os projetos que
desenvolvem. O novo projeto do Terminal Turístico Portuário, associado à nova gestão que
179
está à frente da CODERN, possui o respaldo e conta com a parceria da Secretaria Municipal
do Turismo Indústria e Comércio – SECTUR. A proposta atual abandona a grandiosidade do
projeto anterior, para se restringir a um equipamento de recepção para passageiros de navios
turísticos que desembarcam no Porto de Natal. Hanna Safieh defende que o que se quer fazer
é apenas a estrutura básica de atendimento ao turista, e que mais do isso seria “faraônico”,
como a proposta anterior: “Acho que um prédio de mil metros quadrados seria mais do que
bastante”. Isso porque, o turista que chega de navio passa pouco tempo na cidade. O terminal
seria apenas um local de recepção e encaminhamento do turista para os passeios oferecidos.
A proposta do terminal é de que ele seja instalado dentro da área do Porto de Natal,
próximo ao pátio de contêineres, entre o Moinho Potiguar e a Favela do Maruim. Apesar de
parecer complicada essa localização (devido ao movimento de caminhões que há na área e à
proximidade com a favela), ela foi acordada entre a CODERN, a SECTUR e os demais órgãos
que atuarão no terminal (ANVISA, Receita Federal, Polícia Federal, e outros), sem restrições.
Para Marcelo de Faria
40
, Secretário Adjunto da SECTUR, o projeto é considerado prioritário
para o desenvolvimento do turismo na área portuária de Natal, porque está voltado para um
público de turistas de grande poder aquisitivo, o que irá gerar riquezas para o município. Os
recursos para a execução desse projeto estão sendo pleiteados junto ao Ministério do Turismo,
pela Prefeitura Municipal, mas Hanna Safieh pretende recorrer ao Ministério dos Transportes,
caso a prefeitura não consiga os recursos.
Para o porto, porém, o projeto mais importante para o desenvolvimento da atividade
portuária que vem sendo discutido atualmente, é a Integração Ferroviária Mossoró-Natal,
voltada para o transporte de cargas. Esse projeto possui o apoio do Governo do Estado e da
Bancada Federal do estado, que vêm argumentando junto ao Governo Federal em favor de sua
implementação, mas depende da ação privada, já que as ferrovias encontram-se privatizadas.
A idéia consiste em promover uma integração entre os centros produtivos do estado e o Porto
de Natal, por meio de linhas férreas, para que os produtos pudessem ser escoados para o porto
com menores custos e maiores facilidades (o que implicaria no reativamento da linha férrea
que passa pela Rua Chile). Esse seria um projeto estratégico para a economia do Rio Grande
do Norte, que tem sido defendido pelo governo atual, assim como o projeto do aeroporto de
cargas de São Gonçalo do Amarante, município vizinho a Natal. Apesar de não incidir
diretamente sobre a área portuária de Natal, o aeroporto poderia representar mais um aumento
do fluxo pela Ribeira, já que se pretende fazer a conexão dele com a ponte.
40
Em entrevista concedida em 09 de junho de 2006.
180
Outro projeto que vem sendo discutido há muito tempo para a área e ainda encontra
dificuldades de implementação é a instalação do Museu da Rampa. O prédio, que estava sob a
administração da Aeronáutica foi repassado, pela GRPU, para a Marinha que pretende instalar
nele a Capitania dos Portos (já que a atual sede da Capitania seria utilizada na construção do
Terminal Pesqueiro) e para a construção do 3º Distrito Naval no terreno localizado ao lado do
prédio da rampa (onde hoje funciona o terminal de balsas, que será desativado quando a ponte
for concluída). A Marinha se comprometeu em implementar o projeto do Museu da Rampa,
como estava previsto ser feito pela Aeronáutica, porém não dispõe de recursos para isso.
Segundo Yeda Cunha
41
(Gerente Regional do Patrimônio da União) e Alexsandro
Ferreira
42
(chefe do Setor de Patrimônio Histórico da SEMURB) essa questão está sendo
discutida, inclusive, com a intervenção do Ministério Público. Alexsandro Ferreira relatou que
nas reuniões de discussão do assunto, foi colocado que havia recursos do PRODETUR, na
Secretaria de Turismo do Estado, reservados para a implementação do Museu da Rampa.
Mas, como os recursos demoraram a ser utilizados, eles começaram a ser transferidos para
outras ações dentro do PRODETUR. Então, nesse caso, a Prefeitura, por meio da SEMURB,
mostra-se interessada, o Governo do Estado, por meio da sua Secretaria de Turismo e da
Fundação José Augusto, mostra-se interessado, a Marinha, a GRPU e todos os demais órgãos
envolvidos mostram-se interessados, mas não há recursos disponíveis para a obra.
A dependência de recursos públicos é comum à maioria dos grandes projetos, com
exceção de um único, que vem sendo proposto com recursos exclusivamente privados: Marina
do Potengi. A marina é um projeto articulado pela SECTUR, com um grupo de investidores
espanhóis, que entrariam com todo o investimento necessário à construção da obra, enquanto
a prefeitura cederia o terreno, através de acordo com a Gerência Regional do Patrimônio da
União, além de colaborar na condução do projeto. Trata-se de mais um equipamento turístico
(voltado para a atividade náutica esportiva e de lazer) que teria como objetivo, incrementar
esse setor na cidade, oferecendo uma opção de serviços que atraia um público diferenciado. A
marina será instalada na área situada entre a ponte e o Forte dos Reis Magos, e é considerada
junto com o Terminal Turístico Portuário um projeto prioritário para o desenvolvimento do
turismo na área portuária de Natal (fig. 55). Das propostas em discussão, poderíamos dizer
que a Marina do Potengi é aquela que mais se assemelha às intervenções em áreas portuárias,
voltadas para a revitalização.
41
Em entrevista concedida em 30 de maio de 2006.
42
Em entrevista concedida em 02 de junho de 2006.
181
Dentre os espaços criados para a discussão das diferentes propostas, pode-se destacar
um estudo elaborado sob a coordenação do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio
Ambiente – IDEMA, vinculado ao Governo do Estado, para o qual se instituiu um grupo de
trabalho com o objetivo de analisar e propor soluções para a recuperação do estuário
43
do rio
Potengi (Decreto 17.560, de 05 de junho de 2004). Segundo Wilson Cardoso
44
, que coordenou
o estudo, esse grupo de trabalho chegou a reunir 26 instituições com algum interesse ou
alguma proposta para o estuário do Potengi. E, além dos projetos que foram citados acima,
surgiram outros que podem ser considerados: o Projeto Complexo Margens do Potengi-
Potiguar, proposto por uma ONG ligada à preservação da memória cultural da cidade, o
Instituto de Amigos do Patrimônio Histórico Artístico-Cultural e da Cidadania – IAPHACC; a
urbanização das áreas lindeiras à ponte, a cargo da SEMURB, mas ainda sem projeto
definido; e o projeto Parque do Mangue, elaborado pelo próprio IDEMA.
O Projeto Complexo Margens do Rio Potengi-Potiguar, iniciado em 1999, prevê a
implantação de um passeio turístico em locomotiva a vapor, partindo da sede da CBTU na
Ribeira com destino à antiga Ponte de Ferro de Igapó – onde seria construído um Complexo
Turístico (fig. 56) – seguindo por um roteiro fluvial que passa por 28 pontos históricos entre a
Ponte de Igapó e a foz do rio na praia da Redinha (IAPHACC, 2006).
43
Estuário é a denominação dada ao formato da área de desembocadura do rio quando encontra o mar.
44
Em entrevista concedida em 12 de maio de 2006.
Fig. 55 – Projeto Marina do Potengi.
Fonte: SECTUR, Prefeitura Municipal.
182
O projeto seria complementado, ainda, com a criação do Museu dos Ingleses, na área
conhecida como Cemitério dos Ingleses (fig. 57), localizada na margem esquerda do Potengi,
próximo à foz; e do Museu do Trem do Rio Grande do Norte, este último desenvolvido em
parceria com a CBTU e o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN/RN),
para o qual se estuda a possibilidade de utilizar antigos galpões da própria CBTU, na Ribeira.
O projeto Parque do Mangue, do IDEMA, é uma proposta ainda pouco conhecida,
mesmo entre os órgãos públicos, que vem sendo estudada no âmbito do Governo Federal. Sua
concepção, à semelhança da proposta do IAPHACC, consiste na utilização do rio Potengi para
passeios educativos e turísticos; mas traz a idéia mais ampla de transformar a área de mangue
na margem esquerda do rio (Zona de Preservação Ambiental, pelo Plano Diretor de Natal),
em um parque ecológico estadual, como o Parque das Dunas. O Parque Estadual dos Mangues
do Potengi (fig. 58) já possui, inclusive, projeto arquitetônico (de Nilberto Gomes e Ricardo
Marques) em desenvolvimento, no qual se planeja a saída dos barcos de passeio da Pedra do
Rosário, localizada ao lado do terreno da CBTU (fig. 59), com uma visitação aos mangues
pela Gamboa Manibú, onde está situado o Cemitério dos Ingleses, contemplando inclusive a
recuperação deste. Seriam instalados, também, diversos equipamentos e estruturas em áreas
internas ao mangue, que propiciassem um passeio lúdico pela área (fig. 60).
Este projeto estaria vinculado ao Programa de Monitoramento e Controle Ambiental
do Estuário do Potengi, desenvolvido pelo IDEMA, desde meados de 2003, que inclui ações
de fiscalização e monitoramento do rio, atividades de educação ambiental (com a proposição
de um barco-escola, entre outras), e obras de esgotamento sanitário na cidade
45
, que vêm
sendo implementadas pela Companhia de Águas e Esgoto do Rio Grande do Norte – CAERN.
45
Grande parte do esgoto produzido na cidade é jogada no rio Potengi sem tratamento algum.
Fig. 56 – Complexo Margens do rio Potengi-Potiguar.
Fonte: http://www.culturanatal.com.br.
Fig. 57 – Cemitério dos Ingleses (localização).
Fonte: IDEMA (2006).
183
Os dois últimos projetos diferenciam-se dos demais por apresentar uma proposta de
utilização da margem esquerda do Potengi (fig. 61), enquanto todos os outros estão voltados
para a margem direita. Essa utilização possui um caráter eminentemente preservacionista; na
visão desses projetos, o rio é visto como um meio de locomoção, voltado para atividades de
lazer e turismo, e como uma área a ser contemplada como patrimônio ambiental e cultural da
cidade, sendo para isso, imprescindível, que se preservem suas características naturais.
Fig. 58 – Definição geral do Projeto Parque do Mangue.
Fonte: IDEMA (2006).
Fig. 59 – Proposta para a Pedra do Rosário.
Fonte: IDEMA (2006).
Fig. 60 – Estruturas para o passeio no mangue.
Fonte: IDEMA (2006).
184
Se levado adiante, como Wilson Cardoso acredita que será feito, o projeto Parque do
Mangue estaria definindo claramente o tipo de uso e ocupação que se pretende dar à margem
esquerda do rio Potengi, garantindo a preservação da área como reserva ambiental e elemento
de contemplação na paisagem natalense. Eliminaria, assim, a possibilidade da transferência de
algumas atividades “indesejadas”
46
na margem direita, como o Terminal Pesqueiro e o Porto
de Natal (se ampliado), que aparece muitas vezes colocada como alternativa para o conflito de
usos a ser gerado, caso essas atividades atinjam grandes proporções.
Percebe-se, portanto, que os destinos da área portuária de Natal estão na dependência
das articulações que deverão ser feitas entre os diversos projetos propostos, que, por sua vez,
dependem das relações de interação entre os diversos entes envolvidos. As convergências e os
conflitos de interesses serão importantíssimos na definição dessas articulações, mas acordos
de cooperação ou divergências entre os grupos também deverão interferir no encaminhamento
desse processo. É por isso que enfatizamos a relevância da governança local na condução dos
projetos que estão sendo propostos para a área portuária de Natal, e que poderão convergir em
um processo de reestruturação dessa área.
No capítulo seguinte, procuramos analisar como têm se delineado os arranjos de
governança local em torno das propostas para a área portuária de Natal, a partir dos discursos
e dos posicionamentos do conjunto de atores envolvidos (tendo sido recortado um universo de
agentes entrevistados). A partir dessa análise, apresentamos nossa compreensão de como o
caso de Natal pode ser interpretado dentro do contexto geral apresentado no capítulo 2, e
frente às tendências de reestruturação de áreas portuárias estudadas no capítulo 3.
46
Por parte de alguns daqueles que defendem a preservação da Ribeira e sua revitalização.
Fig. 61 – Visão geral da margem esquerda do rio Potengi, próximo à foz (vê-se no limite esquerdo da imagem
a Gamboa Manibú, e à direita, as estruturas da Ponte Newton Navarro e a área urbana da Redinha).
Fonte: IDEMA (2006).
185
Na figura 62, abaixo, procuramos apresentar uma visão esquematizada do conjunto
de propostas que estão sendo discutidas para a área portuária de Natal, que foram descritas ao
longo deste capítulo.
Terminal Pesqueiro
Indústrias de Pesca
Porto de Natal
Marina
Praça do Pôr-do-sol
e Mercado do Peixe
Reabilitação da
Ribeira
Ponte
Integração
Ferroviária
Aeroporto
Fig. 62 – Visão geral das propostas em discussão para a área portuária de Natal.
Fonte: Elaboração própria a partir de imagem retirada de SAPE (2006).
Largo do Teatro
Parque do
Mangue
186
CAPÍTULO 5
187
5. A GOVERNANÇA LOCAL NA ÁREA PORTUÁRIA DE NATAL
Pelo que foi exposto no capítulo anterior, é possível perceber que a área portuária de
Natal encontra-se no limiar de um processo de reestruturação, que poderá produzir um efeito
transformador expressivo tanto no seu espaço físico, como no cotidiano de usos e fluxos de
pessoas e veículos no local.
Tendo sido uma área de grande dinamismo urbano do início do século XX até a sua
metade aproximadamente, e tendo passado por um longo período de estagnação, abandono e
decadência até os dias atuais, a Ribeira torna-se, agora, objeto da atenção de múltiplos atores,
envolvendo diversos interesses (alguns antagônicos), sobre os quais novas expectativas são
geradas. Por se tratar de uma área bastante rica em atributos ambientais, paisagísticos, sociais,
econômicos e culturais, muito se pode fazer na Ribeira. E propostas sobre o que fazer nunca
faltaram. Faltavam os recursos para executá-las, mas estes já estão sendo disponibilizados.
Faltava a iniciativa do Poder Público, mas algumas já estão começando a acontecer. Faltava o
interesse, de um modo geral, que parece estar sendo despertado. E faltava a articulação entre
propostas e agentes propositores, que, ainda que de forma fragmentada, começa a mostrar
sinais de que está sendo delineada.
A pergunta que cada um se faz nesse momento é: o que eu quero da Ribeira ou para a
Ribeira? Alguns poderão responder: quero transformar a Ribeira em um pólo atuneiro, de
escala nacional, investir em melhorias para que o Porto de Natal se desenvolva e a economia
do Rio Grande do Norte cresça, gerando mais emprego e renda para a população. E outros
poderão rebater: o futuro da Ribeira e sua sustentabilidade como patrimônio histórico de Natal
está relacionado ao incremento ao uso habitacional e à sua utilização como espaço de lazer e
encontro da população, atraindo atividades turísticas que dinamizarão a economia local, sem
descaracterizar o ambiente construído e valorizando a paisagem natural existente.
É aí, que se inicia um embate de forças; ou melhor, se inicia uma discussão que
poderá gerar um embate de forças, caso as duas tendências, ou as duas aspirações apontadas
não possam ser conciliadas em comum acordo entre as partes. E as partes, na verdade, são
grupos de agentes, na sua maioria, públicos, articulados em defesa e na luta pela garantia da
preservação de seus interesses. E o “interesse geral da população”, qual seria? Esse ainda não
se conhece. “Ela”, a população, ainda não foi convocada a opinar. Na verdade, “ela” mal tem
conhecimento do que está se desenrolando, ou do que estaria para se desenrolar. Ainda não.
188
Nesse capítulo, procuraremos descrever de que forma as “forças” por trás das
propostas em discussão para a Ribeira e a área portuária de Natal, como um todo, apresentam-
se no discurso dos agentes públicos, privados e de representantes da sociedade, procurando
analisar como elas se refletem na construção de uma estrutura de governança local associada a
essa problemática. Para tanto, recorremos a considerações que puderam ser compreendidas,
ao nosso olhar, da análise de uma série de entrevistas realizadas com pessoas envolvidas na
discussão em torno das propostas para a área portuária de Natal, procurando destacar os
interesses que se apresentam, e as articulações entre agentes, em torno desses interesses, como
também o inevitável conflito de interesses gerado.
Entendemos que as propostas em curso para a área portuária de Natal podem ser
enquadradas em três grupos principais que permeiam os projetos e os agentes envolvidos,
conforme a função que se pretende priorizar: a função urbana cotidiana (habitação, transporte,
serviços, comércio e lazer), a função urbana voltada para o turismo (que no caso dos projetos
da Marina e do Terminal Turístico, confunde-se com a portuária, e em outros como o Museu
da Rampa e o Largo do Teatro, confunde-se com a função urbana cotidiana), e a função
portuária, propriamente dita, que é aquela voltada para o desenvolvimento do setor produtivo
da economia, contemplando atividades industriais (ligadas ao Porto de Natal e à pesca).
Pode-se também compreendê-las dentro de uma contraposição entre interesses locais
e interesses “globais”, ou menos restritos à vinculação local. Assim, temos projetos voltados
para a revitalização da área e a requalificação do espaço urbano (Largo do Teatro, Terminal
Intermodal, Mercado do Peixe, Praça Pôr-do-sol, Museu da Rampa, etc.), e projetos visando o
incremento a atividades econômicas voltadas para exportação ou para o turismo (a Ponte
Newton Navarro, o Porto de Natal, o Terminal Pesqueiro, a Marina, e o Terminal Turístico
Portuário, por exemplo). Enquanto os primeiros são conduzidos por “forças” de âmbito local,
articuladas a organismos de âmbito nacional, que entrariam como agente financiador, mas
também interveniente (com a exceção do Parque do Mangue, do Governo do Estado), os
últimos, estariam associados a “forças” mais ligadas à esfera estadual de governo, tendo o
apoio também do Governo Federal para alguns (exceção: a Marina e o Terminal Turístico).
Na verdade, as ações voltadas para o incremento ao turismo aparecem como um forte ponto
de convergência entre os interesses mais globais e os interesses mais locais, por se tratar do
foco de atenção tanto de forças municipais, quanto estaduais.
Procuramos imprimir esse recorte analítico no tratamento das entrevistas realizadas,
cujo resultado apresentamos a seguir.
189
5.1. O posicionamento dos agentes envolvidos
Foram realizadas 22 entrevistas, com 23 representantes de 18 órgãos e entidades
envolvidos nas discussões sobre propostas para a área portuária de Natal, conforme a tabela
apresentada na tabela 3.
Os entrevistados foram classificados em 4 categorias principais: agentes públicos,
agentes políticos, agentes privados, e representantes da população. Dentro da categoria de
agentes públicos foram entrevistados técnicos e gestores de órgãos públicos, tendo-se dado
prioridade a pessoas envolvidas no processo de discussão das propostas. Sendo esse grupo o
mais atuante no processo e também o mais ramificado, dividimo-lo por níveis de governo
(federal, estadual e municipal), procurando-se contemplar os principais órgãos envolvidos na
discussão.
Como agentes políticos foram considerados os representantes do Poder Legislativo
(federal, estadual e municipal), que tivessem algum envolvimento com o tema tanto no âmbito
municipal, como no estadual. Estes, apesar de possuírem posicionamentos relevantes sobre o
tema, mostraram-se, no geral, ausentes do processo de discussão, havendo uma participação
efetiva apenas dos deputados federais do estado na condução de projetos de cunho estratégico,
que seriam financiados por recursos derivados de emendas parlamentares. Foram procurados
agentes políticos indicados por outros entrevistados, em função de suas atuações relativas aos
assuntos tratados ou em evidência nas discussões divulgadas na imprensa.
Quanto aos agentes privados, foram priorizadas pessoas que tivessem alguma
representatividade entre empresários, industriais ou investidores privados nos debates sobre o
tema. Porém, a pouca presença desse setor no processo de discussão das propostas dificultou a
identificação de quem estaria representando-o ou de quem poderia representá-lo. Incluímos
representantes das indústrias de pesca do estado, o representante da Federação das Indústrias
do Estado do Rio Grande do Norte – FIERN no Conselho de Planejamento Urbano e Meio
Ambiente de Natal – COMPLAN, instância em que algumas propostas foram discutidas, e o
gerente da Agência Cultural do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas –
SEBRAE, que tem atuado em defesa dos interesses de empresários ligados ao centro histórico
de Natal.
Entre os representantes da população, foram procurados líderes de grupos sociais,
ONG’s e intelectuais, que apresentassem algum envolvimento com o processo de discussão
das propostas. Assim, entrevistamos uma pessoa representante dos pescadores artesanais e dos
190
moradores da favela do Maruim, o presidente de uma ONG ligada à preservação de valores
culturais, ambientais e de cidadania, e um professor da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – UFRN, que participa do debate tanto como representante na Equipe Gestora do
Projeto Ribeira, quanto como coordenador do trabalho do plano de reabilitação que está sendo
desenvolvido pela Fundação Norte-rio-grandense de Pesquisa e Cultura – FUNPEC.
As entrevistas foram realizadas a partir de roteiros especificamente elaborados para
cada entrevistado, de acordo com o tipo de envolvimento que este tivesse com os diversos
projetos. Por exemplo, para alguns entrevistados, as perguntas foram direcionadas ao projeto a
que ele estava relacionado, sem deixar de se buscar uma ligação com outros. Mas, no geral, as
perguntas contemplavam questões tais, como:
O conhecimento que o entrevistado tem das propostas em discussão para a área;
A participação do entrevistado, ou do órgão que representa nessas discussões;
Que órgãos estariam envolvidos no processo de discussão, e como tem se dado
esse envolvimento (quem comanda, quem coordena e quem implementaria);
Como o entrevistado vê a relação entre as propostas (compatibilidade ou não); e
entre os órgãos envolvidos (conflitos e articulações);
Como tem visto o processo de condução dessas propostas (se centralizado ou
aberto à participação);
Que projetos considera mais relevantes, de maior impacto, e mais factíveis;
Que entraves poderiam estar dificultando a implementação das propostas;
Que expectativas o entrevistado possui em relação ao processo.
A análise das entrevistas foi realizada em função dos principais projetos propostos ou
de grupos desses, procurando-se identificar o posicionamento dos agentes entrevistados e o
discurso apresentado. Também procuramos destacar a percepção dos agentes envolvidos em
relação ao conjunto das propostas, à forma como tem se conduzido esse conjunto de propostas
e como tem se dado a interação entre órgãos e entidades envolvidos no processo de discussão.
TABELA 3 – ENTREVISTAS REALIZADAS NA PESQUISA
CATEGORIAS ÓRGÃOS / ENTIDADES REPRESENTANTES
Hanna Safieh – Diretor Técnico-Comercial
CODERN – Administração Portuária
Reneide Garcia – Gerente de Marketing
SEAP – Secretaria Aqüicultura e Pesca João Dehon – Respons. pelo Escrit. Regional no RN
Federal
SPU – Secretaria do Patrimônio da União Yeda Cunha – Gerente Regional do P. da U. no RN
SAPE – Secret. de Agricultura, Pecuária e Pesca Antônio-Alberto Cortez – Assessor Especial
SEPLAN – Secretaria de Planejamento Leonel Cavalcanti Leite – Coord. de Planejamento
Estadual
IDEMA – Inst. Desenv. Econom. e Meio Ambiente Wilson Cardoso – Assessor Técnico
João Galvão e Nelma Bastos – Técnicos do SPH
SEMURB – Secret. de Meio Ambiente e Urbanismo
Alexsandro Ferreira – Chefe do Setor de Patrim. Hist.
SECTUR – Secr. de Turismo, Indústria e Comércio Marcelo de Faria – Secretário Adjunto
Virgínia Lopes – Secretária
AGENTES
PÚBLICOS
Municipal
SEMPLA – S. de Planejamento, Orçam. e Finanças
Júnior Souto – Secretário Adjunto
Federal Bancada Federal Ney Lopes – Deputado Federal pelo PFL
Estadual Assembléia Legislativa Fernando Mineiro – Deputado Estadual pelo PT
AGENTES
POLÍTICOS
Municipal Câmara Municipal Hermano Morais – Vereador pelo PMDB
FIERN – Federação das Indústrias do Estado do RN Manoel Cavalcanti Neto – Representante no Conplam
Rodrigo Hazin – Pres. Sindicato de Indústrias de Pesca
Empresas de Pesca
Gabriel Calzavara – Empresário da Norpeixe
AGENTES PRIVADOS
SEBRAE – Serv. Bras. de Apoio a Peq. Empresa Eduardo Viana – Gerente da Agência Cultural
IAPHACC – Inst. de Amigos do Patrim. Hist. Cult. Ricardo Tersuliano – Presidente do Instituto
Pescadores Artesanais e Comunidade do Maruim Rosângela do Nascimento – Pres. da Colônia de Pesca
POPULAÇÃO
UFRN – Universidade Federal do RN Enilson Medeiros – Coord. do Plano de Reabilitação
192
5.1.1. Sobre as propostas voltadas para a reabilitação da Ribeira
Entre os agentes envolvidos e interessados nas propostas relativas à reabilitação da
Ribeira, destacam-se: a Prefeitura Municipal (em especial, o Setor de Patrimônio Histórico –
SPH, da Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo – SEMURB, mas também a Secretaria de
Planejamento – SEMPLA, e a Secretaria de Turismo – SECTUR), a Companhia Brasileira de
Trens Urbanos – CBTU, o Ministério das Cidades e a Gerência Regional do Patrimônio da
União – GRPU, entre os agentes públicos; a Agência Cultural do Serviço Brasileiro de Apoio
às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE, entre os agentes privados; a Universidade Federal
do Rio Grande do Norte – UFRN, e o Instituto de Amigos do Patrimônio Histórico, Artístico
e Cultural e da Cidadania – IAPHACC, entre os representantes da população, além de outros
(o vereador Hermano Morais, por exemplo). Esses agentes, embora relacionados a diferentes
escalas de representação (federal, estadual ou municipal), estão mais ligados à esfera local de
intervenção urbana. Apesar de possuírem em comum o interesse pela revitalização da Ribeira,
nem todos eles estão necessariamente articulados em torno dos projetos, mas representam
uma força de apoio a essa tendência em relação à área portuária de Natal.
Uma observação interessante sobre o posicionamento da Prefeitura Municipal em
relação às propostas que estão sendo colocadas é que, no início do processo de discussão,
quando se chama a atenção para o impacto que a implantação do terminal pesqueiro poderia
gerar, os órgãos municipais pareciam não estar inseridos de forma ativa no debate, sendo
algumas vezes colocados à parte. Isto é, como as discussões se davam predominantemente em
torno do projeto do terminal pesqueiro, cuja polêmica instaurada foi que deu início ao debate,
prevalecia a idéia de que as definições do projeto não seriam um assunto a ser tratado com a
prefeitura, mas sim, com os agentes públicos e privados interessados no setor da pesca. À
prefeitura competiria apenas fornecer os pareceres e licenças para a execução da obra. O
próprio posicionamento da Prefeitura, inicialmente, parecia ser de expectadora, à espera de
que os projetos de outros órgãos fossem definidos para que pudesse fazer suas considerações.
Em entrevista realizada no início desse ano (em 15/03/06), o vereador Hermano Morais falou:
O governo municipal tem sido muito omisso nessa questão. O interesse é da cidade.
É importante fazer essa discussão pra ver qual é a melhor intervenção. Porque
qualquer intervenção, ela tem um resultado imediato pra cidade. Interfere na vida da
cidade. Quais são os projetos que tem? Qual é o melhor projeto pra cidade? Nós
queremos, sim, uma intervenção, mas não se fala, nem o prefeito... você pode ir em
qualquer secretaria, que eles não sabem dizer. É a triste realidade.
E Alexsandro Ferreira (02/06/06), chefe do SPH, da SEMURB, reconhece na sua
visão como técnico que:
193
[...] a prefeitura teve, até agora, um comportamento de expectativa. Ela esboçou
reações como foi as Fachadas da Rua Chile. Esse esboço de reação... eu não digo
que ele fracassou, ele foi importantíssimo, mas ele não teve continuidade. E desde
então, a prefeitura ficou na expectativa de ver o que ia acontecer.
No decorrer do processo, no entanto, a Prefeitura começou a tomar uma posição mais
pró-ativa, passando a colocar em discussão os seus interesses para a área. Essa mudança
decorreu, em grande parte, da iniciativa de elaborar o Plano de Reabilitação de Áreas Urbanas
Centrais - Ribeira, com o apoio do Ministério das Cidades. Os técnicos do SPH (Alexsandro
Ferreira, João Galvão e Nelma Bastos) disseram, inclusive, que a idéia inicial da SEMURB
era fazer o estudo de reabilitação para o bairro Cidade Alta, que nunca havia tido um plano
desse tipo, e que, por recomendação do próprio Ministério das Cidades, transferiu-se o estudo
para a Ribeira. A recomendação teria sido feito pelo técnico do ministério Renato Balbim, que
esteve em Natal, e foi justificada pela quantidade de projetos que estavam sendo propostos
para aquela área, com recursos de origem federal (como o terminal pesqueiro, a ampliação do
porto, o Largo do Teatro e outros). Nesse sentido, percebe-se a interferência do Governo
Federal no encaminhamento dos projetos, não apenas como financiador, mas também como
orientador das ações.
Com a disponibilização dos recursos para a elaboração do plano de reabilitação,
passa a haver uma articulação entre Ministério das Cidades e Prefeitura, envolvendo, ainda, a
Caixa Econômica Federal, que teria interesse no plano também devido à sua participação no
Programa Rehabitar, porque por ela serão feitos os financiamentos para habitação (por meio
do Programa de Arrendamento Residencial, Operação de Crédito, etc). Para a contratação da
empresa executora do plano, optou-se por fazer uma licitação do tipo convite para a Fundação
Norte-rio-grandense de Pesquisa e Cultura – FUNPEC, ligada a Universidade Federal do Rio
Grande do Norte – UFRN, devido ao grau de comprometimento técnico que a universidade
sempre demonstrou ter com a Ribeira, por meio de alguns professores.
A construção do Plano de Reabilitação é entendida como um instrumento auxiliar no
posicionamento do Poder Público Municipal perante as discussões que estão sendo postas. A
prefeitura (SEMURB) mostra uma preocupação de se munir de ferramentas (argumentos
técnicos) para que possa negociar tanto com agentes do poder público, como com agentes do
setor privado, em defesa da preservação do patrimônio da Ribeira e da revitalização do bairro.
“Então, o plano é pra isso, pra me dar informações pra agir.” (FERREIRA, 02/06/06).
Segundo Alexsandro Ferreira, o estudo da FUNPEC não precisaria necessariamente
incluir o terminal pesqueiro ou outros projetos que estão sendo colocados; haveria a liberdade
194
de se propor o que fosse considerado mais adequado para a Ribeira, dentro da perspectiva
defendida pela Prefeitura de revitalização e priorização à habitação e turismo. Esse seria, na
opinião dele, o posicionamento que se apreende das ações que a Prefeitura tem encaminhado
até então. Ferreira coloca, ainda, que não se pretende ignorar a existência de outros projetos,
mas que a Prefeitura precisaria do estudo justamente para se posicionar perante essas outras
propostas, definindo o seu projeto para a Ribeira. Descrevendo as recomendações que passou
para a equipe da FUNPEC, sobre o estudo, Alexsandro coloca:
[...] o que é que eu entendo: a prefeitura tem um conjunto de trabalhos já feitos sobre
a Ribeira, especificamente na área de revitalização cultural. Se foram
implementados ou não, é outra história, mas o que é que mostra: mostra uma
intenção da prefeitura de usar a Ribeira como espaço de centro histórico. Tem o
Ministério das Cidades mandando dinheiro pra financiamento disso. Então, qual é a
minha leitura; a minha leitura é: veja, esses projetos, mas não precisa que você se
submeta a eles. Veja esses projetos como indicadores do que cada instituição tá
falando. Então, se o terminal pesqueiro está falando alguma coisa, eu não preciso:
bom, agora vem o terminal pesqueiro, eu vou ter que direcionar os meus projetos pra
isso. Eu entendo, foi isso que eu passei pra eles, vocês têm a liberdade de considerar
se o terminal pesqueiro se articula com o projeto de vocês, mas se vocês disserem
assim: bom, a proposta que a gente tá levando pra prefeitura, ela é incompatível com
o terminal pesqueiro. Azar. Ela é incompatível. A decisão de se vai ser executada ou
não, é uma decisão política. (FERREIRA, 02/06/06).
Essa discussão não chegou ainda a ser tratada de forma pública com a população.
Apesar de estar inclusa no plano de reabilitação a realização de uma ampla pesquisa social
com a comunidade envolvida, a participação mais geral da população no debate deverá se dar
apenas após terem sido produzidos os principais resultados, estando previstas, ao final do
trabalho, audiências públicas para se discutir as propostas apresentadas pela FUNPEC.
A questão da relocação da Favela do Maruim é uma das temáticas que deverão ser
tratadas no estudo, considerando-se, por exemplo, a possibilidade de remoção da comunidade
para um terreno no bairro vizinho de Santos Reis. Essa idéia, quando colocada na entrevista
realizada na favela, é recebida com ressalvas, devido à existência de problemas de interação
entre as duas comunidades, mas se esclarece também que seria necessário consultar toda a
comunidade para se chegar a um posicionamento desta. Rosângela do Nascimento, coloca:
Ah, essa pergunta você não tem que fazer a mim, não. Tem que fazer à comunidade
de lá, se gostaria que o pessoal daqui fosse pra lá. [...] Eu não posso lhe responder
não isso aí... Porque eu acho que você tem que fazer a pergunta pra comunidade de
lá, como também a daqui, se aceitaria ir pra lá. Porque tem o bairro de Santos Reis
que é uma elite mais elevada, aí eu não sei... (07/06/06).
Essa consulta à comunidade do Maruim está prevista para ser feito na elaboração do
plano de reabilitação. Segundo Alexsandro Ferreira, pediu-se no edital do plano que fosse
avaliado se seria interessante a idéia de relocação da comunidade pra áreas adjacentes e se
195
isso poderia ser articulando à questão habitacional na Ribeira. Mas, uma outra discussão que
permeia o problema da Favela do Maruim é a forma como deverá se dar essa relocação; se
seria uma desapropriação com indenização ou com a construção de novas casas. Uma jovem,
chamada Carla, que trabalha na Colônia de Pescadores, no Maruim, colocou durante a
entrevista com Rosângela do Nascimento, que:
Têm cômodos aqui, tem casas aqui, que na realidade não são casas, né? São quartos,
que moram duas famílias, um monte de criança, em dois compartimentos. Então,
pelo valor que a prefeitura na época tinha feito, é o que a gente sabe, não daria pra
comprar outra casa. E outra coisa, a prefeitura, o próprio governo, já tem experiência
em dar o dinheiro, a pessoa desfaz daquele dinheiro, desfaz daquela casa e faz uma
favela em um outro lugar. Então, o receio... eu como pessoa, eu acho que se
colocasse, se fizesse um espaço perto do trabalho deles, aqui na Redinha, um local
que dê pro pessoal vir trabalhar sem aquele problema de tá tão distante de casa, eu
acho que o ideal seria a prefeitura construir uma casa, levando em conta quantas
pessoas moram naquela casa, né? E não dar o valor, porque o valor realmente... um
quartinho desse aqui não vale mil reais e com mil reais você não compra nada. Nem
um terreno você não compra. Mas aí tem a parte social. [...] Então, essa parte social
tem que se levantar direitinho pra que... é como eu penso: não adianta dar o dinheiro
na mão, a pessoa não compra a casa e vai fazer uma favela em outro lugar. Tá só
mudando o problema de endereço, não tá resolvendo nada.
De qualquer modo, a preocupação da Prefeitura com uma solução para a questão do
Maruim pode representar um avanço nas discussões em torno do interesse da CODERN em
utilizar a área para a ampliação do porto. Mas, a solução para esse problema depende de um
acordo que deverá ser firmado entre a Prefeitura e a CODERN. Os planos da CODERN são
de estender o cais do porto até o Canto do Mangue, como afirmou Hanna Safieh (17/03/06):
“Nós estamos pedindo ao Patrimônio da União que eles nos dão a cessão de uso da área do
Maruim, pra pedir ao município, ao estado, de esvaziar aquela área, para incluí-la como retro-
área aqui.”. Mas, Yeda Cunha informou em entrevista (30/05/06) que, devido à dificuldade de
regularização existente nesse trecho, a GRPU requereu à CODERN que fizesse a solicitação
de terrenos para ampliação do porto separadamente e apresentasse os projetos e os orçamentos
(com as fontes) do que pretende construir na área. E, segundo Ferreira, Yeda Cunha fez uma
consulta à SEMURB sobre a questão do Maruim, e eles informaram:
[...] a lei de Operação Urbana Ribeira é muito clara: qualquer intervenção sobre
áreas de interesse social e aí, quem escreveu a lei já estava pensando no Maruim, na
Ribeira, qualquer, por exemplo, a CODERN quer intervir, ela vai ter que arranjar
conjuntamente com a prefeitura uma solução habitacional. (FERREIRA, 02/06/06)
Para Ferreira (02/06/06), pois, o problema dependeria da iniciativa federal:
Eu acho que a solução do Maruim vai sair disso: ou o Governo Federal um dia vai
dizer – eu vou te dar aqui 20 milhões. Resolve dessa maneira –. Porque a Prefeitura
sozinha não tem dinheiro pra fazer tudo. Então, vai ter que ser consorciado... Se a
CODERN quiser participar disso, a gente tá de braços abertos pra receber.
196
Mas, no que se refere às expectativas da população residente na área, parece ainda
não haver muito credibilidade, visto que o assunto vem sendo discutido há muitos anos, sem
nenhuma ação efetiva. Rosângela do Nascimento (07/06/06) coloca: “Eu não creio muito
nisso, não. Não tenho essa fé que esse pessoal saia e tenha uma moradia melhor, não. [...] se
saísse uma melhoria dessa pra eles era bem melhor, né? Outro local... E realmente aqui fosse
ocupado pelo porto... pra mim seria bom”.
No que se refere ao processo de revitalização, os técnicos do SPH colocam que estão
acompanhando as primeiras iniciativas públicas e privadas (com o projeto do Largo do
Teatro, e a recuperação do Hotel Central e do Edifício Bila para habitação) para poderem
negociar com o mercado a melhor forma de intervir na Ribeira. A idéia é negociar, mesmo,
com o setor privado, argumentando em favor da preservação da Ribeira.
Mas a gente vai construindo a idéia de que o seguinte: bom, fatalmente, se o
mercado quiser, amanhã, chegar na Ribeira pra ocupar, ele vai chegar ocupando de
qualquer maneira. A única forma de segurar isso hoje em dia são as legislações
urbanísticas, mas dentro das legislações urbanísticas, ela não amarra exatamente
como se daria essa intervenção. [...] Convencer o mercado, e o que eu falo, o
Sindicato da Construção Civil e tal, que ele poderia fazer um mesmo produto
imobiliário, com uma proposta de reuso, é difícil, né? Então, é isso que a gente quer
dizer, ter os documentos do PRI, dizer assim: olha, mercado, é possível. [...] a idéia é
chegar nisso e dizer assim: mercado, quando for agir, não haja de qualquer maneira,
siga o PRI. [...] É uma forma, talvez, de a gente conseguir que o impacto na Ribeira,
terminadas as obras não seja tão intenso. (FERREIRA, 02/06/06).
Fica evidente nas entrevistas a crença geral de que, se o processo de revitalização da
Ribeira vier a ocorrer, não será devido a uma conscientização geral da população de que o
patrimônio histórico deve ser preservado, mas devido a fatores ligados à dinamização da área
provocada por outros projetos (como a ponte), ao interesse do mercado imobiliário e aos
investimentos públicos que estão sendo alocados (essa visão é compartilhada por Alexsandro
Ferreira e Wilson Cardoso, por exemplo). Quando perguntado sobre a revitalização da
Ribeira, Wilson Cardoso ressalta ser uma proposta que se estende há muito tempo sem muitos
resultados, devido a dificuldades estruturais da Prefeitura e à falta de interesse da população,
que não passa pela Ribeira. Acha que a ponte seria o grande alavancador do processo, porque
criaria um fluxo de pessoas pela Ribeira:
Então, o que ocorre é que a revitalização da Ribeira, eu acho que ela vai acontecer
pela passagem da população pela Ribeira, com a implantação da ponte. Então, vai
acontecer uma demanda por imóveis lá, tão grande, que eu acho que deve ser o
grande alavancador da prefeitura em realizar o... que é quase um sonho, nunca sai
muito... nunca acontece muito, essa revitalização da Ribeira (CARDOSO, 12/05/06).
Alguns entrevistados (como Wilson Cardoso e Manoel Cavalcanti) quando falam da
idéia de revitalização da Ribeira, lembram que a cidade não tem um acervo histórico muito
197
relevante se comparado a outras cidades brasileiras, mas que é necessário preservar o que se
tem. Essa observação é colocada muitas vezes como um elemento complicador para que o
processo deslanche. Já alguns atores pensam a questão da revitalização da Ribeira como algo
inadequado para a área, que não poderia estar sendo colocado à frente do desenvolvimento
econômico. Entre eles, estão os agentes ligados ao porto e ao terminal pesqueiro (como Hanna
Safieh e Alberto Cortez). Hanna Safieh (17/03/06) coloca, por exemplo, que:
[...] o único lugar do Rio Grande do Norte onde nós podemos ter porto é Natal. E
nem os administradores respeitaram, nem do estado, nem do município. Todos
pressionaram o porto [...]. E todo mundo tá querendo fazer outros projetos no rio, no
lugar de reservar o espaço do rio para uma futura ampliação do porto.
Lamentavelmente, essa é minha opinião pessoal, os nossos gestores do município e
do estado olharam a Ribeira como se fosse uma coisa pra se transformar em turismo.
Porque eles viram noutras cidades, os portos antigos foram transformados em
turismo, ou em imobiliário... mas, como disse a você, isso aconteceu nos estados ou
nas cidades que tinham outras alternativas.
Antonio-Alberto Cortez (22/02/06) tem um posicionamento semelhante, destacando,
porém, a ocupação da área por favelas, como o principal traço de seu mau aproveitamento:
No nosso caso aqui, de Natal, a cidade foi crescendo em volta do seu porto. O seu
porto, pequeneninho, etc, e a cidade foi crescendo... a ponto de, dessa cidade hoje,
na verdade, ela sufocar a área portuária, a área que deveria ser de porto para
continuar contribuindo com o desenvolvimento sócio-econômico da cidade. Você vê
que essa área de porto organizado hoje foi ao longo do tempo irresponsavelmente,
[...] sendo ocupada por favela. O que é simplesmente pavoroso. Você precisa ter
área para porto e as áreas estão ocupadas por favelas, certo? Então, se deixa uma
área nobilíssima daquela para porto, ser ocupada por favela... Agora, se nós só temos
um estuário, então a gente teria que fazer melhor uso desse estuário. Inclusive para
atividade econômica sim, por que não? Atividade econômica, porque é a economia
que puxa na verdade a melhor condição de vida, não é o contrário.
Alexsandro Ferreira destaca, inclusive, a dificuldade de conscientização da classe
política sobre a importância da Ribeira como patrimônio histórico, e idéia semelhante é
colocada por Enilson Medeiros, quando afirma que não há um reflexo na classe política dos
anseios da população relacionados à Ribeira. Um desafio presente, portanto, seria o de se
construir uma mentalidade política sobre a importância da Ribeira enquanto centro histórico:
“Como ele [o agente político] não sabe porque que é importante, quando apresenta-se a ele
uma outra variável como o porto ou o terminal, ele não vê muito problema disso.”
(FERREIRA, 02/06/06). Para Enilson Medeiros (02/05/06):
[...] a visão natalense dessa área portuária da Ribeira, ela não foi corretamente
capturada ou apropriada na formulação de um projeto da cidade pra Ribeira, em que
haveria cabida pra uns projetos sim, outros não. Mas, não há [...], uma visão
dominante na sociedade que pese sobre os interesses corporativos de alguns
organismos federais, interesses estritamente eleitoreiros do governo do estado,
interesses legítimos, mas meio confusos da iniciativa privada e interesses
personalistas da administração municipal.
198
A revitalização é pensada não só para a população local, mas também para o turismo,
em que o patrimônio cultural é entendido como um atrativo turístico para o fluxo de pessoas
que deverá ser gerado na Ribeira, despertando com isso, também, o interesse do mercado
imobiliário em investir na área. Para tanto, a habitação é entendida como a melhor forma de
consolidação do processo de valorização da área. A opinião, por exemplo, de Marcelo de
Faria, da SECTUR (09/06/06), ilustra essa idéia; sobre a revitalização, ele coloca:
E a Ribeira, como é o nosso patrimônio histórico, [...] eu acredito que seja um
processo que a gente tenha que encarar, mesmo sabendo que é um processo
complicado, né? A gente acredita muito que você viabilizando as residências, você
fazendo um plano que você consiga colocar pessoas pra morar na Ribeira, é o
processo mais fácil de você preservar a história, de você dar uma revitalização pra
ela. A gente tem caminhos pra isso, mesmo sendo um processo complicado.
E acrescenta, sobre a relação que o projeto de revitalização teria com outras propostas, que:
O que você precisa pra revitalizar uma área, né? Pra ela se tornar atrativa
comercialmente, pra ela se tornar em desenvolvimento. Você precisa dar uma
roupagem ótima pra ela. Você precisa ter atrativos, você precisa ter fluxo de
pessoas, tudo acaba no fluxo de pessoas, né? Então, você fazendo o Museu da
Rampa, fazendo a ponte, fazendo a marina, você vai dar uma revitalizada, você vai
ter um fluxo de pessoas circulando que vai ser maior e com isso você tem mais
atrativos, né? [...] Então, você tem que fazer coisas que realmente atraiam as pessoas
pra essa revitalização acontecer.
Destaca-se, ainda, nesse sentido, a parceria existente entre a Prefeitura e o SEBRAE,
na idéia de implementação do Corredor Cultural de Natal, como circuito turístico histórico.
Sobre o assunto, Eduardo Viana (07/06/06) coloca que:
Nós temos que trabalhar o centro histórico em cima das suas vocações. E as suas
vocações poderão ser bem definidas tanto na área do comércio e serviços, como na
área da moradia e a inserção do turismo nesse contexto [...] considerando os espaços
culturais, os prédios e a própria vocação histórica, a história do bairro. Sem dúvida
nenhuma, né?
Esses projetos consolidam a vocação dos bairros históricos. Até porque, esse
corredor cultural, na minha cabeça, ele realmente começa lá no Forte dos Reis
Magos, e termina aqui na Santa Cruz da Bica, aqui, perto da COSERN [...]. Então, a
implantação desses... de museu da 2ª Guerra, né, da estação de passageiros, vem
consolidar exatamente a vocação do bairro: histórico, turístico, né, e consolidando
com a moradia e com o comércio e serviços.
A ação de empreendedores privados que começa a aparecer associada à idéia de
revitalização da Ribeira, refletida na restauração do Edifício Bila, também é vista de forma
positiva, principalmente pelos técnicos do SPH da SEMURB. A representante da GRPU,
Yeda Cunha, por sua vez, demonstrou apoiar as ações voltadas para a revitalização da Ribeira,
como o Programa Rehabitar, por seguir, dessa forma, as diretrizes estratégicas do Governo
Federal, com as orientações do Ministério das Cidades. Ela comenta a questão, citando o
exemplo do impasse com o porto:
199
[...] os projetos estratégicos do Governo Federal, que é de preservação do patrimônio
público, que é de moradia popular, que é um projeto estratégico do Governo Federal
de reabilitação dos centros, né? O papel do Patrimônio da União é fazer isso
acontecer. E isso acontecer, é a reabilitação. [...] a prefeitura, que é a responsável por
toda essa reabilitação da área, até porque ela ordena o espaço territorial do
município, então, a gente tem que levar em conta tudo isso. Então, não é
simplesmente, o porto pedir uma área de expansão e nós não estarmos juntos, né,
pensando na reabilitação da Ribeira, nessa solicitação que foi feita pela CODERN.
Então, tudo isso tá dentro de um espaço... (CUNHA, 30/05/06).
Os diversos interesses que hoje surgem sobre a Ribeira são vistos como um momento
inédito de valorização do bairro dentro da cidade. Nesse sentido, é interessante a colocação de
Alexsandro Ferreira, quando comenta que os projetos propostos para a Ribeira até então eram
projetos pontuais que não inseriam o bairro numa preocupação da cidade. “E agora a Ribeira,
ela foi elevada a uma categoria estratégica. Do ponto de vista da cidade [...]”. Explica que, na
sua opinião, está havendo uma reestruturação do capital que investe em Natal, principalmente
no que se refere ao mercado imobiliário, e dentro do impulso provocado pelo turismo. Então,
ele acredita ter havido uma espécie de “saturação” dos investimentos em áreas como Ponta
Negra, que faz com que o mercado procure orientar os investimentos para outras áreas,
surgindo o interesse pela Zona Norte (apoiado pela construção da ponte) e por áreas mais
distantes da Zona Sul, que já vinham ganhando destaque há mais tempo. E a Ribeira se coloca
no meio de tudo isso. Portanto, o interesse que tem surgido em investir nas áreas centrais, não
seria decorrente da conscientização geral da filosofia da conservação, mas das mudanças no
mercado imobiliário. A idéia do SPH seria, então, aproveitar esse interesse sobre a Ribeira
para tentar desencadear o projeto de revitalização que eles pretendem. Alexsandro Ferreira
(02/06/06) coloca, nesse sentido, que, se pudesse, faria uma revitalização toda com recursos
públicos e destinaria todos os imóveis do PRI para usos culturais, de lazer, etc., mas o poder
público não tem dinheiro pra isso; “Se não tem, quem tem dinheiro? O mercado. A gente sabe
que o mercado tem interesse, então a gente vai tentar organizar o mercado pra isso. Se vai dar
certo ou não a gente vai ver.”.
Qual é o desenho que eu vejo: tem o largo, tem as coisas acontecendo, tem gente
passando... ou a Ribeira... tem duas coisas de caminho pra Ribeira: ou ela vai agora
pro caminho que a gente quer, ou ela vai pro caminho que a gente não quer. Ela... da
maneira que está, estagnada, ela não vai ficar mais. Então, aí a nossa preocupação de
tentar que a coisa vá pra onde a gente quer. É uma briga de peso-pesado difícil da
prefeitura, porque os outros interesses às vezes, têm tanta força quanto, né? Mercado
imobiliário, o Governo do Estado, com essas coisas de terminal [no caso, o terminal
pesqueiro]... a gente vai tentar aí, agilizar isso. (FERREIRA, 02/06/06).
A polêmica em torno de uma possível incompatibilidade entre o projeto do terminal
pesqueiro e a proposta de revitalização da Ribeira foi evidenciada em muitas das entrevistas,
assim como aparecem também preocupações com uma possível ampliação do porto. Eduardo
200
Viana (23/02/06), por exemplo, coloca: “eu vejo que a ampliação do porto é uma questão
muito polêmica de como conciliar com a zona de preservação histórica”. E Enilson Medeiros
(02/06/06): “[...] eu acho que o terminal pesqueiro, no lugar que ele está proposto, do jeito que
ele está proposto, ele é incompatível com o terminal [intermodal] e com a utilização turístico-
cultural da Ribeira”.
O projeto do Terminal Intermodal é visto, nesse sentido, como mais um fator de
mobilização de pessoas, interesses e recursos para a Ribeira, dentro da idéia de integração
metropolitana, como apontado pela secretária de planejamento do município, Virgínia Lopes:
Até porque a gente considera que a preservação da Ribeira e daqueles monumentos e
daquela parte antiga da Ribeira, ela não é um patrimônio só de Natal, mas de toda a
região metropolitana e que ela poderá servir futuramente pra ser uma área de atração
de teatro, de cinema, de área de lazer pra toda a região, já que você vai ter ali, quer
dizer, uma estação intermodal de integração ônibus, trem e barco, que você pode
integrar toda a região metropolitana de vir pra ali pra ver os grandes espetáculos ali
naquela área (LOPES, 11/07/06).
O interesse da Prefeitura na implementação do Terminal Intermodal contrapõe-se,
portanto, ao interesse do Governo do Estado em relação ao Terminal Pesqueiro, porque são
projetos indicados para terrenos muito próximos. Sobre o assunto, Virgínia Lopes, comenta:
[...] há uma parceria muito grande nessa atual gestão entre a CBTU e o BNDES e a
Prefeitura de Natal [...] Agora, foi feito esse acordo, com a proposta com o
Ministério das Cidades, me parece que... a relação é muito boa, com relação ao
Governo Federal, agora, há os interesses, né, de cada setores governamentais de
implantar os seus projetos. Como a gente tem interesse de implantar o intermodal,
ali no pátio junto com a CBTU, e nós estamos junto com a CBTU, há também o
interesse do Governo do Estado, junto com as empresas que já estão ali instaladas de
querer uma área maior pra isso [para o terminal pesqueiro]. Aí, então, é um jogo de
interesse e o que vale é o bom senso, a gente chegar num acordo pra implantar todos
os projetos que são bons para a cidade (LOPES, 11/07/06).
Nas entrevistas, são citados também problemas relacionados a questões internas da
prefeitura, como a desarticulação entre as secretarias, dificuldades de ordem burocrática, falta
de recursos e a descontinuidade administrativa. João Galvão (16/02/06), por exemplo, coloca:
A elaboração dos projetos ela termina sendo individualizada. Cada secretaria faz seu
projeto, desenvolve seu projeto, portanto a gente não tem... a gente não junta pra
fazer um projeto com outro órgão, pra sentar e elaborar um projeto. Cada um pensa,
claro, com sua visão daquele tema especificamente.
E Alexsandro Ferreira (02/06/06), complementa dizendo que “[...] falta às vezes esse
pensamento holístico de saber o que é que tá sendo feito.” Apesar de haver um pensamento de
integração entre os projetos em algumas secretarias, como na SEMURB, na SEMPLA e na
STTU, esse pensamento nem sempre está presente em outras, como na SEMSUR; por isso, os
201
projetos do Mercado do Peixe, do Canto do Mangue e as praças nas Rocas foram pensados
isoladamente. Sobre esses projetos Ferreira (02/06/06) coloca:
O SPH, ele sabe da existência de todos esses projetos, mas isso não quer dizer que
os outros atores, eles tenham a consciência de que tão intervindo... por exemplo,
quem tá fazendo peixe, tá fazendo o Mercado do Peixe, eles não tão sabendo que
tem o PRI [...]. Então, é a função do SPH fazer essa interligação. Ou seja, não tá... eu
não diria que está integrado com tudo isso que a gente tá dizendo aqui, não.
A participação da população nas discussões desses projetos tem sido feita de forma
fragmentada, de acordo com cada área de intervenção. Isto é, para cada projeto convoca-se a
população envolvida naquela determinada área a participar, como no projeto do Largo do
Teatro, em que foram convocados artistas locais, e no Mercado do Peixe, e Praça do Pôr-do-
sol, que contemplou os pescadores. Sobre as discussões em torno desses últimos projetos,
Rosângela do Nascimento (07/06/06), colocou:
Nós fomos convidados pra as três últimas reuniões. Quando chegamos lá, a maquete
já tava toda prontinha... O questionamento da Colônia de Natal foi em relação à
bomba de óleo diesel, que infelizmente não pôde sair. E a história desse mercado, é
o seguinte: nós, colônia de Natal, reivindicamos perante o Governo Federal, através
de ofício, aquele prédio pra nós, que era a fábrica de gelo. Então, como eles não
queriam nos doar, doaram pra Prefeitura, com a seguinte decisão: tinha que deixar
pra Colônia de Natal administrar uma fábrica de gelo, um frigorífico, e a bomba de
óleo diesel, só. Que lá no projeto tá: fábrica de gelo e frigorífico, mas a bomba não
pôde sair. E hoje, pra nós, a bomba era o essencial. [...] Como sempre, nós... o
pescador artesanal só vive de promessa.
A entrevistada reconhece, no entanto, que houve acatamento das soluções reivindicadas pelos
pescadores na adequação de algumas estruturas do projeto:
Aí, a única que coisa que modificou foi o tamanho dos boxes, que era muito
pequeno, não dava nem pra se locomover dentro. Então, ficou 4 x 4, tudo bem... a
estrutura tá toda boazinha. Se sair do jeito que tá na maquete, pra mim tá muito bom.
Agora, que saia, né, porque... (NASCIMENTO, 07/06/06).
Mas, reclama-se, por exemplo, que não há uma proposta de saneamento para a área onde será
recuperada a Praça do Pôr-do-sol, nem estruturas para melhorar as condições de atracação dos
barcos na margem do rio (a idéia de se construir um terminal de pesca artesanal, como havia
sido proposto no Plano Diretor do Terminal Pesqueiro).
E com essa urbanização, o que a gente gostaria muito era que o ancoradouro... não
precisava ser um porto, não. Um ancoradouro... fosse uma coisa mais... estruturado,
sabe? Descidas melhores pra ele. Porque já, há tempos atrás, já até aconteceu
acidente... o pescador, ali não tem água pra abastecer a embarcação... Não tem
energia se quiser, pra fazer um reparo na embarcação, sabe? Então, tudo isso eu
gostaria muito que viesse junto com a estruturação da praça e a balaustrada, isso
viesse junto (NASCIMENTO, 07/06/06).
Outros projetos para a área, como a Marina do Potengi, o Terminal Turístico, e o
Museu da Rampa são considerados, no geral, benéficos para a revitalização da Ribeira, por
202
poderem incrementar o fluxo de turistas para a área. Na concepção desses projetos, o rio
Potengi é valorizado por seu potencial paisagístico e de transporte de passageiros. E a
economia do turismo é entendida como mais apropriada para a revitalização do que outras de
caráter mais produtivo, industrial, como seria o terminal pesqueiro e a ampliação do porto.
Sobre esse assunto, Marcelo de Faria (09/06/06), faz o seguinte comentário:
Eu acho que todos esses projetos, mesmo que eles não tenham uma coordenação,
mas eles tão numa área que aonde você faz interferência, na verdade você tá
valorizando essa área, né? E você valorizando essa área, você depois pode ter uma
coordenação. Por exemplo, você pode utilizar o trem numa atividade que seja uma
atividade turística, né? Você pode usar esse projeto do passeio de barco junto com a
marina. Quer dizer, você pode depois fazer umas coordenações. Mas, eu acho assim,
que isso valoriza a Ribeira, que é um processo que a gente gosta, né? [...]. Sobre
melhor coordenar isso... eu acredito que, com isso pronto, você pode fazer projetos
que integrem isso, que valorizem ainda mais essa infra-estrutura que é colocada.
Mostraremos, mais adiante, o posicionamento dos entrevistados sobre a relação entre
os projetos e, principalmente, sobre a interação entre os órgãos envolvidos e a participação
dos diversos setores da sociedade nas discussões.
5.1.2. Sobre o desenvolvimento do setor pesqueiro
As colocações em defesa do terminal pesqueiro referem-se, no geral, à importância
da atividade da pesca no Rio Grande do Norte e à posição estratégica do estado no Brasil,
para o desenvolvimento do setor. Argumenta-se a favor da implantação de um pólo atuneiro
em Natal, devido às boas condições que a cidade e o estado reúnem para isso. A proposta é
colocada como um interesse claro do Governo do Estado e do Governo Federal, com o apoio
das empresas de pesca instaladas. Mas é considerada prejudicial para a cidade, pela maioria
dos entrevistados da esfera local, devido ao impacto negativo que deverá gerar no entorno.
Segundo Antônio-Alberto Cortez (22/02/06) a iniciativa da proposta teria partido do
Governo do Estado (a partir da elaboração do Plano Diretor do Terminal Pesqueiro), em
sintonia com os interesses do setor pesqueiro, e com o apoio da Bancada Federal do Estado e
do Governo Federal:
O Governo do Estado, sensível ao desempenho da atividade pesqueira, teve a
iniciativa de solicitar a confecção, e encomendar a confecção desse plano diretor, e
de articular junto à bancada parlamentar do Rio Grande do Norte, junto ao Governo
Federal, mais precisamente à Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, da
Presidência da República, no sentido de assegurar os recursos iniciais para
concretizar o terminal pesqueiro. [...] Agora, jamais se deixou de haver um bom
relacionamento entre o empresariado e o Governo do Estado. Mas a iniciativa foi do
Governo do Estado, da governadora Vilma de Faria.
203
João Dehon (18/01/06), representante da SEAP no estado, confirma a importância da
participação do Governo do Estado na condução do projeto do terminal pesqueiro, ao dizer:
O Governo do Estado tem sensibilizado, articulado e coordenado uma ação junto aos
parlamentares do Rio Grande do Norte no sentido de alavancar emendas que
suplementassem o recurso federal. [...] tem feito um trabalho muito grande com
senadores e deputados federais no sentido deles colocarem as emendas, que eles
chamam as emendas de bancada, parte desses recursos, destinados ao terminal
pesqueiro.
Em uma nova entrevista, realizada no dia 30/05/06 para esclarecer algumas dúvidas,
João Dehon afirmou que o Governo Estado seria responsável pela construção do terminal
pesqueiro e a SEAP repassaria os recursos federais: “A SEAP já repassou grande parte dos
recursos pra o estado. Já tá depositado, desde o ano passado, um volume de 9 milhões, esse
ano tem mais 6 milhões...”. Depois de concluído, no entanto, o terminal deverá ser gerido pela
SEAP: “[...] o Governo do Estado vai fazer a parte de licitação e toda parte de obra. Como a
administração dos terminais pesqueiros é atribuída à SEAP, embora tenha um conselho
consultivo amplo, mas a SEAP é quem administra, nós estamos pedindo uma cessão da área
ao Patrimônio da União” (DEHON, 30/05/06).
O terreno em que se pretende instalar o terminal pesqueiro pertence, portanto, à
União; e, segundo Dehon, teria sido feita uma solicitação para a cessão de uma área situada
entre a rua Tavares de Lira e o terminal da CBTU, às margens do rio Potengi, que estaria em
tramitação na GRPU. Porém, no decorrer do processo, surgiu um complicador: em função das
discussões em torno do projeto e de conflitos com os empresários da pesca, a proposta para a
localização foi alterada, não correspondendo mais à área solicitada. João Dehon (30/05/06)
descreve o problema da seguinte forma:
Qual é a dificuldade? E acho que esse é hoje o grande imbróglio do terminal
pesqueiro. É essa questão da cessão da área, porque o estado mudou o local em
função de pressões de alguns, ou da maioria, dos empresários de pesca localizados
aqui, na rua Chile. [...] Então, a SEAP fez um pedido, e eles fizeram licitação num
local diferente. Então, o Patrimônio da União está vendo que são áreas diferentes.
João Dehon (30/05/06) comenta que outros estados estão com seus processos de
implantação de terminais pesqueiros avançados porque conseguiram fazer uma negociação
mais tranqüila. No Rio Grande do Norte, assim como no Rio de Janeiro, porém, o processo
tem tido dificuldades de avançar devido a conflitos de áreas. Ele destaca, então, a necessidade
de se reunir entidades do município, do estado e da SEAP para resolver as questões pendentes
e dar encaminhamento ao processo, já que os recursos já foram disponibilizados:
Eu acho que quem deve realmente definir isso não é os órgãos federais, deve ser o
município e o estado, né, que deve definir esse local, de acordo com o planejamento
204
definido pra essa área aqui, que é a área da Ribeira. E feito isso, nós da SEAP temos
pressa em solicitar a área. Mas assim, nós não podemos atropelar o processo, porque
se a gente hoje muda pra aquele local que o estado tá definindo, o município não
aceita. Então, tá havendo essa divergência, né? (DEHON, 30/05/06).
Para os empresários da pesca instalados em Natal, na Ribeira, a implantação do
terminal pesqueiro é fundamental para o desenvolvimento do setor que, devido às dificuldades
na estruturação das indústrias na rua Chile e dos cais para barcos pesqueiros nas margens do
Potengi, situam-se em péssimas condições de instalação. Gabriel Calzavara (23/02/06) fala do
terminal como uma necessidade evidente e urgente do setor: “Nós estamos com um ponto de
estrangulamento muito forte, com relação à questão de estrutura de aportagem de barcos, de
área pra você poder fazer docagem, ou seja, pra fazer os consertos das embarcações”. Mas,
acrescenta que há restrições por parte dos empresários quanto à localização proposta para a
implantação do terminal: “O terminal é fundamental! É necessário, porque nós precisamos
ampliar e melhorar as infra-estruturas pra essa atividade que já existe; o que se está discutindo
é onde vai ser a localização desse terminal”.
Isto é, não se questiona a necessidade do terminal pesqueiro nem a sua importância
econômica para o Rio Grande do Norte, mas o local escolhido para sua implantação. Critica-
se a localização prevista, seja pela dificuldade que teria de expandir no futuro (apontada por
Hanna Safieh, por exemplo), seja pelo impacto que deverá gerar no entorno, principalmente
devido ao aumento do fluxo de caminhões. Safieh (17/03/06) colocou que:
Esse terminal pesqueiro é um erro, a meu ver. É um erro, um erro de investimento
porque a área que eles estão escolhendo onde colocar é de novo na área errada. Onde
nós temos essa bendita rua Chile, que é super estreita que todo mundo tá querendo
sobrecarregar coisa. Não pode! O terminal pesqueiro... aí que era a oportunidade
deles começarem a ir pro outro lado do rio.
Esse era o interesse inclusive da CODERN, inicialmente, que trabalhava a idéia de
construir o terminal pesqueiro do outro lado do rio, em uma área grande com possibilidade de
expansão, “um terminal digno de Natal”, nas palavras de Safieh, “com instalações modernas,
e não imprensado entre a rua Chile e o Potengi, mais uma vez”, e sob sua administração.
Porém, quando a SEAP assumiu o comando na condução do projeto, a CODERN foi excluída
do processo de discussão, sob a justificativa de que se tratava de um porto específico e não de
um porto de múltiplas cargas, como é o Porto de Natal e, que portanto, deveria ter uma gestão
específica. Sobre a participação da CODERN na condução do projeto, João Dehon explicou
que houve um conflito inicial, porque a CODERN queria chamar para si a responsabilidade
sobre o terminal pesqueiro, por se tratar de área de porto, que é sua especialidade, mas como o
terminal pesqueiro deveria ter uma gestão específica, esta ficaria a cargo da SEAP: “A gestão
205
é da SEAP. Eles [a CODERN] nem fazem parte do nosso conselho. E isso aqui é um decreto
do Presidente da República.” (DEHON, 18/01/06).
O posicionamento da CODERN em relação ao projeto atual do terminal pesqueiro,
após ter sido excluída tanto das discussões do projeto, como da participação na futura gestão,
é bastante crítico. Hanna Safieh (17/03/06) deixa bem claro:
[...] isso aqui, a meu ver, é um planejamento errado, é um investimento perdido a
longo prazo. Isso aqui não vai satisfazer absolutamente nada. Lamento dizer isso, o
Governo do Estado tá muito entusiasmado com essa idéia, mas a idéia deles não é
boa. A idéia de fazer um terminal pesqueiro é boa. A localização onde escolheram e
a maneira que vão fazer não está adequada para o futuro.
E a preocupação com a escolha do local aparece em quase todas as entrevistas, nos
diversos órgãos e entidades procurados. O questionamento principal dos agentes ligados à
proposta de revitalização é quanto ao impacto que o terminal trará no trânsito e no patrimônio
histórico, sendo citada ainda a questão ambiental. É como João Galvão (17/02/06), do Setor
de Patrimônio Histórico da SEMURB, por exemplo, exprime:
O terminal pesqueiro, sendo colocado naquela posição que ele está, ele vai criar um
conflito de carga, meio pesado, muito grande, porque se o escoamento for pela rua
Chile, ela é muito estreita, se houver uma reativação do trem pra cargas ali, ela fica
mais estreita ainda, não é? [...] É como se depois, daqui a 5 anos, eles perceberem
que não deu certo, você acabou a história, o que você tinha de história e o terminal
pesqueiro também acabou do mesmo jeito; e agora? A cidade vai pra onde? Porque
fazer outro terminal pesqueiro eu consigo fazer, mas eu não consigo fazer outra
história. A história é a mesma.
Enilson Medeiros (02/05/06), da UFRN, demonstra preocupação semelhante:
Eu acho que o projeto mais impactante que está hoje em voga, em discussão, na
Ribeira, é o terminal pesqueiro, certo? Porque não é só um projeto físico. E ele é...
mais do que um projeto de corte econômico, ele não instala lá um lugar físico para
onde as pessoas vão e saem, mas ele tem uma capacidade transformadora na Ribeira,
em termos paisagísticos, estéticos, culturais, históricos, etc, né, que vai além da
minha capacidade de imaginar o que é que seria.
Discutem-se também considerações sobre a possibilidade de implantação do terminal
na margem esquerda do rio Potengi, reclamando-se, por exemplo, do fato de não terem sido
apresentados estudos técnicos que explicassem porque essa alternativa foi descartada. Manoel
Cavalcanti (14/06/06), representante da FIERN no COMPLAN, fala que:
Eu acho que esse projeto mereceria um estudo dos impactos ambientais, das
conseqüências e também dos benefícios desse terminal se tornar na margem
esquerda, e não seria um fator limitante na margem direita, onde o Porto de Natal
está situado. Pelo menos um estudo valeria... mesmo que dissesse – não é possível –,
mas valeria fazer um estudo...
Outra preocupação que aparece, particularmente na fala de Medeiros (02/05/06), é
quanto ao aumento de fluxo de barcos pelo rio e à disputa pelo acesso às margens:
206
Veja bem, primeiro porque o terminal pesqueiro compete com área, compete por
área, com a expansão do porto.
A expansão do porto pra montante do rio, esbarra na
proposta do terminal pesqueiro. Segundo, a navegabilidade vai complicar muito,
certo? Porque você tem... se o porto cresce e o terminal pesqueiro cresce, você vai
ter um trânsito ali... você vai precisar de um guarda de trânsito, semáforo! [...]
Então, a meu ver, a gente tá diante de uma briga por área. Briga por fronteira de rio,
por waterfront, certo? Enquanto isso, você tem área do outro lado, né? [...]
E faz considerações sobre a possibilidade de implantação do terminal do outro lado do rio:
“[...] na minha interpretação, o terminal pesqueiro localizado lá [na margem esquerda] tem um
benefício local, microlocal, que não foi avaliado no projeto. Aliás, até hoje eu estou esperando
o relatório da consultora que não me passaram” (MEDEIROS, 02/05/06).
A ausência de um projeto definido do terminal e de estudos detalhados que possam
fundamentar as discussões e encaminhar processos administrativos, como pareceres oficiais
dos órgãos reguladores, também é bastante questionada. De acordo com o que esclareceu João
Galvão (16/02/06): “Esse projeto nunca veio indicado pra gente com detalhamento, dizendo
como é que ia ser feito, com memorial, explicando pra a gente dar uma opinião técnica.
Então, a gente não tem como dar uma opinião técnica numa idéia.”
Mas, se por um lado, reclama-se que não há ainda um projeto de terminal pesqueiro
definido para que eles possam discutir e se posicionar, por outro, também se questiona o fato
de os projetos não serem discutidos durante a elaboração. Sobre isso, Medeiros (02/05/06),
por exemplo, diz: “[...] eu acho que o grande problema é que o projeto, ele é absolutamente
não transparente, fechado, embora tenha uma pintura de transparente, mas não é”.
E, mesmo diante da escassez de informações, Nelma Bastos (16/02/16) afirmou que
sabe que a idéia é conflitante, apesar do projeto ainda não ter chegado a eles; mas ressalta a
dificuldade em se discutir o projeto, dizendo que: “[...] acaba sendo tudo uma especulação,
porque como é que você pode dizer que vai ter um conflito tão específico de uma coisa que
você não conhece, não conhece o projeto, não conhece nada...”. E sobre o posicionamento dos
técnicos do SPH da SEMURB, de um modo geral, Bastos (16/02/16) coloca:
[...] agora o que é que eu tô procurando dizer com essa história: os conflitos são
existentes, agora o que é que a gente tá fazendo? Se preparando com argumentos
técnicos, com uma equipe multidisciplinar, pra quando chegar aqui... que nós não
sabemos de tudo, são muitos projetos pra Ribeira, como nunca houve; todo mundo
querendo investir recursos vultosos aqui. E aí, o que é que tem que fazer: nós somos
órgão aprovador, então, a gente tem que se munir com as ferramentas do
conhecimento do saber e de propostas também, contrapropostas de medidas
mitigadoras... [...] O nosso papel na prefeitura é mediar o conflito. Agora, isso que
eu tô dizendo aqui é o meu pensamento, o pensamento do grupo técnico que
trabalha. Mas aí eu não posso falar pelo político, o que toma a decisão. No final das
contas, nós somos assessores, nós vamos dar o nosso parecer e a partir do nosso
parecer a decisão vai ser tomada pelo agente que decide...
207
Até mesmo os empresários do setor da pesca, sentem-se, no geral, mal informados
sobre o projeto que está sendo desenvolvido para o terminal pesqueiro. Falando em nome dos
empresários, Gabriel Calzavara (23/02/06) disse que: “a gente não tem uma clareza do que
efetivamente vai ser feito, como vai ser a gestão, que tipo de estrutura vai ter, entende?”. Isso
interfere inclusive nas suas expectativas em relação ao projeto: “eu não tenho nem expectativa
com relação ao projeto, porque eu não sei como é que está esse projeto. [...] eu não investiria
nada nisso. Porque eu não sei se vai sair.”. A pouca abertura para os empresários da pesca nas
discussões sobre o terminal pesqueiro, também é questionada por Rodrigo Hazin (17/05/06),
presidente do Sindipesca: “O pessoal faz projetos lindos e esquece que aqui existem cinco
indústrias, que tão empregando aqui 200 pessoas cada uma, mais ou menos, em média. Então,
é uma atividade existente, que tem que ser levada em consideração pra qualquer projeto que
seja feito aqui na Ribeira”.
Perguntado sobre a avaliação de outras localizações para a implantação do terminal
pesqueiro, João Dehon (18/01/06) afirmou que foram avaliadas alternativas, mas que foram
rejeitadas devido a questões ambientais (áreas de mangue, como o outro lado do rio) e sociais
(áreas de favela, como no Passo da Pátria): “Então, pra evitar isso, nós escolhemos um local
que não tivesse nenhum conflito com a questão ambiental, nem social como a área de
favelas.”. E Cortez (22/02/06), falando da escolha da área para a implantação, aponta como os
principais fatores que a determinaram a existência de uma estrutura instalada na rua Chile e a
dificuldade relativa à legislação de proteção ambiental na margem esquerda. A área teria sido
escolhida, então:
Por ser a mais apropriada, onde nós temos já toda uma estrutura frigorífica montada
ali pelas empresas, ali, na rua Chile. É também uma área que, a meu ver, ainda
dispõe um pouco de disponibilidade para que o terminal pesqueiro seja
implementado. [...] porque, na verdade, o terminal pesqueiro, ele vai ocupar espaço
da água ali, certo. Ali, livrando todos os trilhos da CBTU. Então, vai ser
fundamentalmente uma estrutura dentro d’água, não é? E nós não acenamos nunca
com o outro lado do rio, por questões... seria infinitamente mais caro, e outra: nós
teríamos problemas com órgãos ambientais muito sérios, no outro lado.
De um modo geral, o terminal pesqueiro é apontado como um projeto voltado para a
dinamização da economia local, a partir do incremento da atividade da pesca, resultando em
geração de emprego e renda. Mas, há uma polêmica também ressaltada em torno da permissão
ou não à entrada de embarcações estrangeiras no terminal. Cortez (22/02/06) argumentando a
favor dessa abertura, colocou que:
[...] nós pensamos, inclusive, isso aí é o interesse até da governadora, não em ter o
terminal pesqueiro somente para servir à nossa frota pesqueira, mas também para
servir à frota pesqueira do Atlântico Sul, que está a 4, 5 dias de viagem de Natal,
208
está a 4, 5, 6 dias de distância daqui. Então, isso aí seria mais uma decisão de
natureza política, mas a governadora gostaria de que o terminal pesqueiro do Rio
Grande do Norte fosse um terminal internacional, certo? Dizem que há algumas
resistências com relação a isso, mas também tem alguns argumentos muito fortes,
tá? [...] se a gente conseguir, realmente, trazer 10 ou 15% da frota pesqueira do
Atlântico Sul para desembarcar em Natal, nós teremos uma dinâmica na nossa
economia comparada à dinâmica do petróleo, em termos de ingresso de dólares.
Leonel Leite, técnico da Secretaria de Planejamento do Estado, também defendeu um
terminal internacional, destacando a importância de se atrair barcos de outras nacionalidades
que pescam no Atlântico para Natal, implicando em um movimento econômico muito forte
para o RN: “vai contribuir junto com o turismo, junto com a carcinicultura, junto com uma
série de projetos que o estado tem.” (LEITE, 26/04/06). Ele explicou que a idéia do terminal
pesqueiro é trazer para Natal a produção de pescado que está indo para outros países:
Pra ser beneficiado aqui, pra entrar na pauta de exportação do estado, pagar
impostos estaduais, entendeu? E através disso, você criar outras coisas, serviços
paralelos como a indústria de embarcações, serviços de manutenção de construção,
de equipamento, porque aí a tecnologia vai aprimorando, vai melhorando essas
coisas. (LEITE, 26/04/06)
Mas, os empresários da pesca discordam completamente dessa proposta. Sobre o
assunto, Rodrigo Fuazi (17/05/06) comentou:
Isso aí é um absurdo. Me parece... me parece, não. Já está sendo eliminada, essa
idéia. Porque existe aí uma série de outros fatores. [...] É estratégico pro país, manter
a costa longe... Existe hoje uma disputa por cotas de pesca. [...] Então, o Brasil já
tem uma cota pequena, porque não tem frota. Se a gente abre o nosso porto, antes de
ter uma frota consolidada, o que é que vai acontecer? Esse pessoal vai vir pescar
juntinho da gente. Com a facilidade logística do Brasil, que tem facilidades que a
África não tem, que o Uruguai não tem, que tá perto da Europa e tem muito
melhores condições de infra-estrutura do que qualquer outro país desses. Você traz
essa frota pra perto. Pra competir com a já fraca, indústria nacional, porque esse
pessoal da Europa tem subsídio, faz barco a fundo perdido, enfim, tem subsídio pra
insumos, pro óleo diesel, então, eles têm uma condição de competição que a gente
não tem. E viriam competir com a gente aqui no nosso território pra um recurso que
a gente já não consegue alcançar.
Para Calzavara (23/02/06), um dos maiores problemas da condução do projeto do
terminal pesqueiro seria a falta de conhecimento sobre o setor daqueles que estão à frente:
E o que eu vejo muito nos órgãos que tão discutindo esse processo é muito pouco
conhecimento do que representa realmente uma estrutura de pesca, um terminal de
pesca, um complexo industrial pesqueiro. Eu acho que está muito longe do que
realmente é isso e do anseio do empresariado. [...] o modo como está sendo
encaminhado, eu acho muito... como eu diria, primeiro amadorístico. Eu acho que
pra envergadura que tem um projeto dessa magnitude, do ponto de vista da
estratégia, não só para o estado do Rio Grande do Norte, mas para o Nordeste, para o
país, essa discussão deveria ser uma discussão mais ampliada, mais madura.
Apesar de o processo de decisão na condução do projeto do terminal pesqueiro ser
bastante centralizado, foram feitas apresentações públicas das propostas, nas quais puderam
209
ser apresentadas sugestões, que posteriormente foram incorporadas ao projeto. As alterações
do formato de implantação que teria o terminal seguiram, de fato, as reclamações dos agentes
envolvidos e, principalmente as da CBTU, da CODERN e das indústrias de pesca. Persistem,
no entanto, os conflitos com os órgãos e entidades interessados na revitalização da Ribeira.
Sobre a definição da área a ser alocado o terminal, João Dehon (25/05/06) comentou que:
Bom, a dificuldade nisso tudo é que, como a Ribeira é um local de interesse
turístico, urbanístico de Natal, foi feito um pour de entidades, a Prefeitura, o
Ministério das Cidades teve aqui, a SEAP, Marinha, enfim, todo um pour de
entidades, definiram aquele local.
E Cortez (22/02/06), falando do interesse da SAPE em tentar minimizar os impactos
que o terminal deverá provocar, explica:
Em nenhum momento a gente pleiteia demolição de qualquer coisa. Com relação a
impacto na paisagem, não há impacto na paisagem porque não tem construção de
muro, certo? Não tem construção de muro. E, maiores impactos ambientais, o estudo
é que vai revelar isso aí, certo? Mas, de antemão, eu posso pelo menos lhe dar
ciência, certeza, de que da nossa parte até hoje não foi previsto se demolir
absolutamente nada e nem construir quaisquer muros. [...] e nós estamos abertos a
dialogar com essas pessoas e a procurar mostrar a viabilidade do nosso projeto, não
só no que tange à questão sócio-econômica, mas também à viabilidade no que toca
às questões de natureza ambiental, porque nós entendemos que os possíveis
impactos, eles serão mínimos e, se por acaso, esses mínimos que existirem, eles
serão devidamente mitigados e compensados.
Todos concordam que é preciso reunir os entes interessados para que se resolvam os
conflitos, até para que não se percam os recursos que já foram alocados. A definição de quais
seriam esses entes é que varia bastante. Para alguns as decisões deveriam ser discutidas entre
os agentes públicos principais (com poder de decisão, de fato), para outros, o debate deveria
ser ampliado, contemplando a classe empresarial (na opinião dos empresários) e outros grupos
da sociedade, interessados no tema (na opinião de representantes da população).
Sobre qual poderia ser a participação do setor privado nas discussões, Calzavara
(23/02/06), coloca:
[...] pra discutir a estrutura de implementação, de construção, qual a concepção do
terminal do ponto de vista operacional, a discussão, a participação do ponto de vista
político, da importância estratégica de um terminal para o estado do Rio Grande do
Norte, para o Nordeste, para o Brasil, entendeu? Para a América do Sul, porque é
nesse contexto que esse terminal atua, entendeu? Importância estratégica pra você
dar suporte a uma frota que está se desenvolvendo, uma frota que já existe na
ocupação espacial que já existe na região oceânica por barco de toda nacionalidade e
que a gente precisa participar e competir. Então, quer dizer, eu gostaria de ter uma
participação efetiva em todos os níveis de discussão, estratégica, político,
operacional e técnica.
Já Ricardo Tersuliano (30/05/06), presidente da ONG IAPHACC, aponta para a
necessidade de um debate mais amplo:
210
E essa discussão, ela só vai ser solucionada através de uma grande discussão. Vamos
ouvir os ambientalistas. Vamos ouvir os moradores da Ribeira, os moradores da
cidade... A sociedade de um modo geral, todo mundo, pôxa. As pessoas que tão
ligadas ao patrimônio histórico... vamos ouvir os historiadores, vamos ouvir as
pessoas que fazem a cultura da cidade. Vamos fazer disso uma grande discussão, né?
Pra não ficar uma atitude isolada, em torno de um único interesse, que é o interesse
do pólo pesqueiro, né?
Acreditamos que, na verdade, tanto a efetividade como a sustentabilidade do projeto
do Terminal Pesqueiro de Natal dependem dessa discussão ampliada com a sociedade e de um
processo de negociação transparente entre os principais agentes, para que se possa modelar
uma estrutura de governança local consiste em torno desse objetivo. Mas, isso, claro, se esse
for realmente, um objetivo definido em comum acordo com os entes envolvidos. Acreditamos
que as compatibilidades podem ser criadas, se houver o interesse maior de criá-las.
5.1.3. Sobre o Porto de Natal
As considerações dos entrevistados em torno da situação do Porto de Natal e de suas
perspectivas de ampliação aparecem, por um lado, em referência à importância do porto para
a economia do Rio Grande do Norte, e por outro, como críticas em relação à viabilidade de se
investir no porto, diante da competitividade de portos maiores vizinhos como Pecém e Suape.
Reneide Garcia (26/10/05) fala da concorrência desses portos, pelas enormes vantagens que
eles guardam em termos de competitividade em relação ao Porto de Natal. Para o Porto de
Natal seria impossível competir em termos de infra-estrutura, então ele procura oferecer um
diferencial, que estaria na experiência dos seus trabalhadores portuários com o manuseio de
frutas, e no serviço especializado oferecido nesse “ramo”. Mas Garcia (26/10/05) destaca que
é necessário ter uma grande articulação entre exportadores, Governo do Estado e CODERN,
para se valorizar a pauta de exportações pelo Porto de Natal. Leonel Leite (26/04/06), da
SEPLAN, do Governo do Estado, coloca seu ponto de vista, dizendo que:
[...] a minha impressão é que a gente vai ficar nessa eterna briga, e o Porto de Natal
nunca vai ser o de Pernambuco e o do Ceará, porque os investimentos lá foram
muito altos. Isso de alguma forma até inviabiliza alguns investimentos aqui. Então,
aqui sempre vai ser um porto mediano, independente de toda vontade que qualquer
governante tenha de fazer um superporto. Até pelas condições existentes aqui...
A razão de o porto estar localizado na Ribeira e o papel que ele representa no
desenvolvimento econômico do estado são ignorados por alguns dos entrevistados, que
acreditam que o Porto de Natal deveria ser utilizado apenas para o turismo, por exemplo. O
comentário de Alexsandro Ferreira (02/06/06) sobre o assunto, ilustra essa idéia:
211
Eu, particularmente, pessoalmente, Alexsandro falando, gostaria que esse porto se
transformasse num porto de terminal turístico de passageiros. [...] Porque é um uso
que tá compatível com as nossas linhas tanto pra turismo, quanto pra habitação, e
quanto pra serviços.
Fala do exemplo de outras cidades que construíram seus portos em áreas distantes e
revitalizaram o centro histórico (como Recife e Fortaleza) e comenta:
É um caminho que eu não entendo ainda, porque se teima e se insiste de ele [o
porto] ficar no centro da cidade. Eu entendo que politicamente, manter o porto aqui
é bom tanto pro estado, quanto pro município, porque é a sede do poder político, é a
sede do poder econômico... e ficaria muito bom na fita, você ter um porto atuante,
dinâmico cá. Mas eu gostaria realmente que ele se transformasse, como isso que eles
queriam, pegar toda aquela área de docas, fazer o que se fez, por exemplo, em
Belém, que se tem as Docas de Belém.
Wilson Cardoso, do IDEMA, acha que o porto de Natal deveria se especializar em
transporte de passageiros, e se tornar um porto turístico, já que o turismo é o “negócio” da
cidade e do estado, mas também acredita que se deveria investir no porto pesqueiro. Ele fala:
Nosso negócio não é turismo? É. Vamos fazer um negócio bacana pra receber
turistas, receber... e fazer isso. Outro: Vamos fazer o terminal pesqueiro, porque os
barcos atuneiros, geograficamente, aí sim, eles não têm problema de calado, não têm
problema... eles podem vir pra cá, podem ser recuperados na base naval, então,
vamos lutar para fazer um pólo atuneiro, pesqueiro, que é separado de um porto, que
esse porto, basicamente, ele... isso é uma opinião pessoal, de novo eu estou lhe
falando, ele deveria se destinar ao turismo. Nós não temos vocação. Ninguém pode
pensar que o porto de Natal é um grande porto, quando ele passa 14 dias sem atracar
um navio. (CARDOSO, 12/05/06).
Hanna Safieh, diretor técnico da CODERN, no entanto, chama a atenção para a
dificuldade de se ter porto marítimo no Rio Grande do Norte, devido ao litoral do estado ser
muito raso, o que implicaria em um alto custo para construir um porto em outro local.
Que é que acontece com o porto de Natal? Vou dizer pra você: é o único porto, onde
nós podemos ter uma instalação terrestre no nosso estado. É o rio Potengi. [...] Esse
lugar, único que a gente pode ter porto terrestre e a cidade foi invadindo o porto,
entendeu? Invadiu o porto de todos os lados. Ela pressionou, ficou... o porto ficou
numa margem muito estreita na beira do rio e também nas laterais estão nos
pressionando. (SAFIEH, 17/03/06).
A visão de Hanna Safieh sobre qual deveria ser o futuro do Porto de Natal é oposta à
de Alexsandro Ferreira. Para Safieh (17/03/06), o ideal para o desenvolvimento do Porto de
Natal seria uma consolidação do entorno para a função portuária, com empresas ligadas a
logística, por exemplo, e às atividades portuárias de um modo geral. Quando eu comentei com
ele sobre as três tendências de reestruturação de áreas portuárias que se destacam na era da
globalização, ele apontou a tendência de “cidade portuária” como a melhor opção para Natal,
e não a de revitalização como estão querendo fazer:
212
O ideal para o porto, chegar alguém consciente disso e chegar toda essa rua
Hildebrando, schii, incorporá-la, até aqueles armazéns antigos, que estão totalmente
abandonados. [...] isso que deve acontecer aqui. No lugar de chegar e botar aqui tipo
bares e restaurantes aqui, na beira quase, no largo, aqui perto do portão, isso aqui é
absurdo. Isso aqui deve ser o quê... deve ser agências marítimas, exportadores,
entendeu? Companhias de exportação, etc., mas eu não... eles querem fazer
turismo... nunca funcionou.
Nota-se que há duas visões sobre o Porto de Natal, no que se refere ao espaço que ele
ocupa na Ribeira: uma, de quem defende o porto e considera que ao longo tempo ele foi sendo
estrangulado entre a Ribeira e o rio, devido ao crescimento da cidade, que não tem dado a
devida importância ao porto; e outra, de que o porto de Natal não tem condições de se manter
ativo, em decorrência da sua fraca movimentação atual e deveria, então, ser desativado ou
especializado para turismo, numa espécie de adesão ao ideal de revitalização da Ribeira.
Há ainda propostas de que o Porto de Natal se constitua em um porto especializado
em frutas (principal produto movimentado) e, com o terminal pesqueiro, possivelmente em
pescados também. Essa idéia aparece subentendida na fala de Hanna Safieh, que diz que o
Porto de Natal é um porto com três grandes vantagens para a movimentação de frutas: os
trabalhadores são acostumados a lidar com esse produto, o que diminui o grau de avarias; a
proximidade da Europa, em relação a outros portos; e a existência de uma linha reefer, isto, é,
navios com porões refrigerados. Além disso, há uma expectativa positiva da administração
portuária de que, com a instalação do terminal pesqueiro, o porto aumente sua movimentação
de cargas, a partir da exportação do pescado, como revelou Reneide Garcia, gerente de
marketing da CODERN.
Eduardo Viana (07/06/06), do SEBRAE, defende a idéia de especialização do porto:
[...] não acredito que o porto de Natal deva ser multisetorial, digamos assim, ele tem
que ser especializado. O bairro não tem capacidade de ampliação desse porto. Ele
tem um limite. Ele tá no limite. Porque isso vai confrontar com outras coisas
instaladas e a Zona de Proteção Histórica. Agora, o porto é importante em qualquer
cidade? É. Agora, precisa exatamente dimensionar esse tamanho. O tamanho do
porto que deve ser. A gente tem que pensar isso e tem que praticar isso. Não pode
ser a visão só da companhia que administra o porto. Isso tem que atender o interesse
da cidade. Tem que respeitar esses interesses que estão aí em jogo no bairro.
E para Enilson Medeiros (02/05/06), da UFRN, “Natal não precisa ser um hub
portuário. Aliás, eu nem gostaria que Natal fosse um hub portuário. Mas, a Ribeira pode ter
um papel de porto especializado, [...] se enfocar na conteneirização do terminal, por exemplo.
Pode ser um porto especializado em fruta, por exemplo”.
O interesse do porto é aumentar a entrada de cargas e atrair mais navios, ou seja,
aumentar a sua movimentação e, por isso, são propostos projetos de ampliação. Para que isso
213
ocorra, no entanto, é preciso uma ação articulada com representantes dos interesses locais
(principalmente Governo do Estado e exportadores) e de uma negociação com os armadores,
os donos de navios, para que estes passem pelo Porto de Natal levando os produtos do estado
para sua exportação na Europa. As ações que estão sendo propostas se dão, portanto, dentro
da perspectiva de ampliação da movimentação de cargas, e não de atendimento à demanda
existente atualmente. A ampliação dependeria, porém, de uma solução para o conflito com a
favela do Maruim, resolvendo-se a questão da relocação da comunidade, para que o terreno
por ela ocupada possa ser utilizado nos projetos do porto.
Uma vez que a gente faz essa parte aqui, nós queremos crescer até a Tavares de Lyra
em linha reta os nossos cais. Aí, vai nos dar mais um berço aqui. Eu acredito que,
digamos, para as próximas décadas, 15 anos, nós estaríamos bem servidos, por causa
da nossa produção, que não é muito grande, do estado. Acho que a nossa produção
pode ser escoada por esses, por essa coisa... (SAFIEH, 17/03/06).
Hanna Safieh (17/03/06) reclama, por outro lado, que o Governo do Estado do Rio
Grande do Norte não investe em infra-estrutura para a produção agrícola e sem infra-estrutura
a economia não cresce. Assim, percebe-se que as perspectivas de desenvolvimento do porto se
dão muito em função dos investimentos do Governo do Estado no setor produtivo, fornecendo
infra-estrutura necessária ao escoamento da produção para o porto, como se observa estar
sendo feito em outros estados, principalmente no Ceará. Este atrai para seu porto, Pecém,
grande parte dos produtos do estado, o que gera uma perda para o Rio Grande do Norte em
termos de exportações. Na opinião de Hanna Safieh, para que o desenvolvimento do porto
fosse alavancado seria preciso um projeto de logística de infra-estrutura de transportes para o
estado, que contemplasse, por exemplo, a integração ferroviária Mossoró-Natal, que é uma
outra proposta que a aparece atrelada ao projeto de ampliação do porto. A idéia é que essa
integração permitiria o escoamento da produção do interior do estado para o Porto de Natal de
forma mais barata, rápida e segura.
Mas, apesar de haver interesse do Governo do Estado e da Bancada Federal na
aprovação desse projeto, a decisão está nas mãos da iniciativa privada, que hoje controla o
sistema de transporte de cargas por ferrovias no Brasil. Segundo Leonel Leite, o Governo do
Estado teria o papel de oferecer a infra-estrutura necessária e as melhores condições para que
o setor privado invista no estado, mas a construção da ferrovia dependeria da sua viabilidade
para a empresa que hoje controla o setor: “O governo faz o papel de articulador, de instigador,
de fomentador, briga pra que a coisa aconteça... Cria algumas facilidades, negociando redução
de ICMS, sei que lá e tal... mas, não pode chegar e construir [a ferrovia].” (LEITE, 26/04/06).
214
O deputado federal Ney Lopes, defensor desse projeto, acredita que se trata de uma
batalha que o estado já perdeu, ao ser excluído da integração com a Transnordestina. Ele fala:
Sobre esta última derrota - exclusão do trajeto da ferrovia transnordestina - é preciso
reconhecer que o Presidente Lula cumpriu sua palavra quando prometeu, em alto e
bom som, que iria ao Ceará ‘anunciar a Transnordestina, que é uma ferrovia que
liga o Porto de Suape ao Porto de Pecém [...]’. Esteve em Fortaleza, no dia 25 de
novembro de 2005, na companhia do governador de Pernambuco, Jarbas
Vasconcelos (a quem presenteou com uma refinaria, sem que o Estado de
Pernambuco produza uma gota de petróleo). [...] (LOPES, 21/05/06).
A importância de um porto para a economia e até para a representatividade política
dos estados, no Brasil, aparece refletida nessas questões levantadas pelo deputado. De fato, a
existência de infra-estruturas portuárias amplas e modernas (Pecém e Suape) nos estados do
Ceará e de Pernambuco constituiu-se em um fator decisivo para a alocação de investimentos
federais vultuosos em obras de relevância estratégica para a economia do país. A ligação da
Ferrovia Transnordestina com estes portos é um exemplo disso e, outro, que se tornou patente
no debate público no estado é o da implantação da refinaria de petróleo da Petrobrás no estado
de Pernambuco, sendo um dos fatores considerados a existência do porto de Suape (somado a
questões de cunho estritamente político).
Alguns entrevistados vêem, ainda, uma alternativa para o problema de infra-estrutura
portuária do estado no desenvolvimento do porto-ilha de Areia Branca, um porto off shore,
também administrado pela CODERN, localizado próximo aos centros produtivos do interior
do estado, mas que atualmente é utilizado apenas para o transporte de sal. Essa posição é
defendida, por exemplo, por Wilson Cardoso (12/05/06) que destaca que em vários lugares do
mundo têm-se construído portos em áreas afastadas da cidade, então, considera que em vez de
se continuar investindo no Porto de Natal, dever-se-ia planejar o desenvolvimento do porto de
Areia Branca. Em relação a essa questão Enilson Medeiros coloca:
Infelizmente a CODERN vê o porto ilha como a forma de subsidiar do Porto de
Natal. Mas, o porto ilha tem uma relevância econômica extraordinária e há muito
tempo a gente devia estar pensando em diversificar o porto ilha. [...] a idéia é que o
porto ilha possa transportar calcário ou criar uma nova plataforma no porto ilha,
coisa que se pode fazer com dinheiro, certo? (MEDEIROS, 02/05/06).
Assim, enquanto os agentes ligados ao porto são contra a utilização da Ribeira como
área de turismo, ou habitação, e principalmente, de favelas, porque acreditam tratar-se de uma
área de enorme potencial para a economia do estado, que não poderia ser descartado no lugar
de outros projetos, os agentes ligados à revitalização, consideram a expectativa de ampliação
do porto um risco à preservação do patrimônio histórico e não vêem viabilidade em investir
no Porto de Natal para cargas, mas sim, como porto de passageiros, para navios turísticos.
215
Sobre os riscos da incompatibilidade entre a função portuária voltada para usos mais
industriais e a perspectiva de revitalização, Alexsandro Ferreira (02/06/06), argumenta:
Então, eu tenho que afastar da Ribeira os riscos potenciais que interferem. E,
certamente, o uso industrial, é um risco importante. É claro que quando a gente fala
assim: vamos compatibilizar o terminal? Vamos. Porque eu sou ente administrativo
público e tenho que fazer essa intermediação dos projetos. Mas, do ponto de vista do
que a gente quer pra Ribeira... o porto hoje ele não é um... que aí, o porto sempre se
irrita e me lembra que quem chegou primeiro foi o porto. [...] Porque se me dissesse
o seguinte: o que nós queremos do porto vai permitir a esse município e esse estado
ficar autônomo por os próximos 10 anos. Mas, ninguém me chega a isso. Me dizem
que tem uma idéia, mas não me dizem quanto tempo isso vai durar. Como João
Galvão falou, acertadamente, uma vez: porto, se faz em qualquer lugar, mas uma
nova história da Ribeira não se faz mais. Eu acho isso fundamental.
É interessante o posicionamento do Secretário Adjunto de Turismo do Município,
Marcelo de Faria, que apesar de ter suas ações centradas no turismo, não entende que o porto
deva deixar de funcionar para a movimentação de cargas; pelo contrário, acha que deveriam
ser dadas as condições para que ele trabalhasse melhor. Essa opinião, aparentemente, se deve
ao contato que o secretário tem tido com a CODERN, devido às negociações em torno do
terminal turístico, que de certa forma, teriam contribuído para uma interação mais harmônica
entre a SECTUR e a CODERN.
A necessidade de diálogo e apoio entre os diversos entes envolvidos na questão, com
destaque para Governo Federal (CODERN), Governo do Estado e Exportadores (FIERN), é
apontada também como imprescindível para se desencadear um processo de desenvolvimento
do porto. Nesse sentido, Hanna Safieh (17/03/06) coloca que “[...] esse assunto tem de ser um
debate de todos os segmentos da sociedade que estão envolvidos, e de todas as autoridades
envolvidas. Pra criar um plano que seja racional, que seja bem pensado e que seja para o bem
do estado.” O Conselho de Autoridade Portuária – CAP, que reúne diversas instituições para
discutir os problemas inerentes ao porto, é apontado por Hanna Safieh como um possível local
de debate entre os diversos entes interessados no desenvolvimento do Porto de Natal. E, na
sua opinião, esse debate já teria sido iniciado. Safieh (17/03/06) comenta que:
Tá começando, porque esses últimos três anos, tá se falando mais nos jornais do
porto. Porque antigamente não se falava. Isso aqui eu acho que é muito salutar,
porque a nossa sociedade tem que fazer esse debate, entendeu? [...] O porto é ou não
é necessário pra nossa economia do estado? Se é, estamos dando pra ele as
condições pra ser eficiente ou não? Vai acompanhar o nosso crescimento
econômico, ou não? Que é que está faltando pra ele acompanhar? Vamos ver os
pontos de estrangulamento e vamos solucioná-los, todos juntos. Isso aqui é um
debate que tem que ser feito na sociedade. E o estado, o município e a CODERN
têm, conjuntamente de sentar e estudar essas coisas e encontrar solução.
Ressalta-se, portanto, a necessidade de se chegar a uma solução acordada entre todos
os entes envolvidos, para que se desencadeie um processo de desenvolvimento do porto.
216
5.1.4. Sobre as propostas de incremento ao turismo
Entre as propostas que visam, especificamente, ao incremento da atividade turística
na área portuária de Natal, destacam-se o Terminal Turístico Portuário e a Marina do Potengi.
Outros projetos, no entanto, também possuem uma interferência, maior ou menor, sobre esse
setor, apesar de não serem destinados exclusivamente para isso. As propostas de criação de
áreas de lazer e visitação, como o Museu da Rampa, o Parque do Mangue, a praça do Pôr-do-
sol e a própria reabilitação da Ribeira como um todo, possuem uma perspectiva de incremento
ao turismo associada. E, dentre os projetos estruturais que estão sendo discutidos, a Ponte
Newton Navarro destaca-se pelo teor eminentemente turístico com que foi concebida, e pelo
qual está sendo encaminhada pelo Governo do Estado, com apoio municipal e federal. Sobre
ela, no entanto, discutiremos no item seguinte.
Marcelo de Faria, falando dos projetos que estão sendo apoiados pela SECTUR, diz:
[...] o projeto da Rampa é apoiado pela gente, quer dizer, os outros projetos que você
cita, eles são apoiados pela gente, tá, totalmente mesmo. Mesmo que a gente não
esteja totalmente... como a revitalização do centro ali da Ribeira, né, da rodoviária
velha, são projetos que são bem vistos. São projetos que a gente apóia integralmente,
porque você vai dar a revitalização da Ribeira, que é uma coisa importante pro
turismo também. [...] eles valorizam muito a área da Ribeira. (FARIA, 09/06/06).
E Fernando Mineiro (15/03/06), deputado estadual, ressaltando o potencial que a área
portuária possui para o desenvolvimento de projetos desse tipo, coloca:
[...] aquela área ali, ela tem... é uma área que tem um potencial fantástico pra fazer
mil coisas. A marina dá pra fazer, terminal turístico dá pra fazer, é uma área muito
bonita, né? Um parque dos manguezais dá pra fazer, entendeu? [...] o Museu da
Rampa, resgatando a questão da 2ª guerra, enfim, o Canto do Mangue, tem um
monte de coisa ali, que daria pra você fazer uma intervenção articulada.
Evidentemente que é cara, que custa dinheiro pra fazer isso aí, que teria um impacto
muito positivo na vida da cidade, entendeu?
O Museu da Rampa é visto também, por Alexsandro Ferreira (02/06/06), como uma
possibilidade da população ter acesso ao rio, mas que possui fatores complicadores para a sua
execução: “o Museu da Rampa, tá no âmbito do Governo do Estado, a gente se interessa que
ele exista mas, o dinheiro tá complicado de sair. E há todo esse conflito com as forças
armadas [...]”. No que se refere à Marinha, que é o ente responsável atualmente pelo projeto,
o interesse mais evidente estaria na construção da Capitania dos Portos e do 3º Distrito Naval
no terreno ao lado do prédio da Rampa, não sendo a instalação do museu uma prioridade sua.
Nesse sentido, tanto Ricardo Tersuliano, presidente do IAPHACC, como o vereador Hermano
Morais, demonstraram preocupação quanto ao destino do prédio da Rampa e as dificuldades
de se implantar o museu.
217
Quanto ao projeto do Parque do Mangue, ainda há pouca divulgação, então a maioria
dos entrevistados desconhecia o projeto. Mas, Wilson Cardoso (12/05/06), do IDEMA, que é
o órgão responsável pela proposta, ressaltou o importante impacto que deverá ter na cidade e
para o desenvolvimento do turismo: “A gente vai ficar com o Parque das Dunas, na cidade de
Natal e o Parque dos Mangues, com visitação pública, com educação ambiental... Isso vai
fomentar o turismo ecológico. Isso vai ser de grande impacto e tá sendo dada toda prioridade
dentro do estuário do Potengi.”
Uma polêmica que envolve esse projeto, no entanto, refere-se à possível apropriação
da idéia do IAPHACC, do Complexo Margens do rio Potengi-Potiguar, por parte do IDEMA,
no desenvolvimento da proposta, como foi revelado na entrevista a Ricardo Tersuliano.
Pôxa, o nosso objetivo é ver o rio restaurado, é ver os barcos circulando ali... não
interessa quem é que faça, não. Agora, nós contribuímos com isso aí. Queremos que
tenha lá pelo menos nosso nome: esse projeto é IAPHACC, CBTU, Cultura Inglesa,
Governo do Estado, pôxa... será que nem isso... os caras querem botar a cara deles
lá, Governo do Estado e só isso? E as outras pessoas que cada um levou uma idéia.
Tem que ter a participação de todos (TERSULIANO, 30/05/06).
Tratam-se, na verdade, de projetos diferentes, mas fundamentados numa concepção
semelhante de utilizar o rio para atividades de passeio e visitação a pontos turístico-culturais
localizados em suas margens. Mas, de acordo com Tersuliano, a proposta do IAPHACC, além
de ser anterior à do IDEMA, havia sido apresentada no grupo de trabalho instituído por este
órgão para a discussão de projetos voltados para o estuário do Potengi. E, após ser excluído
do grupo (por não ter sido convidado a participar das demais reuniões), Ricardo Tersuliano
teria sido informado que a proposta do IAPHACC estava sendo “copiada”. Não pretendemos
aqui discutir o mérito dessas acusações, mas a questão que vem à tona diante dessa polêmica é
que parece existir uma disputa pela definição de “quem” está à frente das proposições, não só
nesse projeto como em outros. E que representantes de organizações da sociedade costumam
ser marginalizados no processo de discussão, aparentemente pelo fato de não possuírem poder
de intervenção efetiva (decisão ou financiamento) sobre as propostas.
O projeto do Terminal Turístico Portuário, por sua vez, é visto também de forma
positiva por aqueles que defendem a revitalização da Ribeira, porque atrairia mais gente para
a área, contribuindo para a sua dinamização. E apesar de haver uma articulação estabelecida
entre prefeitura (por meio da SECTUR) e CODERN, existem alguns conflitos com respeito ao
andamento da proposta, porque segundo Hanna Safieh (1/03/06), o projeto já seria executado
pela própria CODERN; “Mas, quem atrasou a nossa idéia foi a Prefeitura, que quis construir
isso e acabamos nem recebendo nem a planta deles”.
218
O projeto do terminal turístico não é muito criticado pelos entrevistados; a maioria
deles considera a implantação de uma estrutura de recepção para navios turísticos no Porto de
Natal uma necessidade que já deveria ter sido atendida, mas alguns gostariam que fosse algo
mais “ambicioso”, ousado, de maior amplitude para a cidade. Alexsandro Ferreira (02/06/06)
coloca: “nós somos a favor do terminal turístico de passageiros, entendendo essa vocação da
cidade turística e também entendendo que seria interessante para aqueles bares que ficam na
rua Chile... acho que seria benéfico isso”. E Marcelo de Faria (09/06/06), um dos agentes
envolvidos no projeto, argumenta que “é algo que vai trazer riqueza pro município também,
na área”. Já Enilson Medeiros faz um comentário mais elaborado:
[...] eu acho que o terminal turístico tem uma relevância, certo? É curioso, porque o
terminal turístico, ele pode ser o fator que o porto precisa pra ajudar a não precisar
mais de Areia Branca. Porque o resto do ano o porto de Natal é subsidiado pelo
porto de Areia Branca. [...] Claro, o porto só vai ganhar dinheiro com o terminal
turístico, se vier gente pra Natal. E, vindo gente pra Natal, Natal ganha também.
Agora, não dá pra ganhar com um galpãozinho emulando o aeroporto de lá, e tirando
o cabra da van e jogando em Pipa, pra passar o dia em Pipa [...] Quer dizer, o
terminal turístico de passageiros, ele tem que ter integrado um espaço onde... se o
cabra vai passar 8 horas, ele tem que passar 8 horas gastando. Tem que ter uma
galeria, com exposição de artistas locais, tem que ter uma palestra sobre a cidade,
seguida de venda, de reproduções, tem que pensar um jeito de fazer o porto
funcionar pra deixar dinheiro pra cidade, né? (MEDEIROS, 02/05/06).
O fato de ser um espaço de pouco tempo de permanência e que serviria apenas como
local de recepção dos turistas para encaminhá-los para os passeios nas praias é questionado na
visão de Enilson Medeiros, porque estaria alienando a cidade.
Tanto a Marina, como o terminal turístico portuário, são projetos voltados para um
público visitante de alto poder aquisitivo (o que é visto com bons olhos para o incremento à
economia local). A Marina é tratada como um “ícone” para o turismo, um “cartão postal” para
a cidade, existente em poucos lugares no Brasil, e “sem igual no nordeste”, “a cara de Natal”,
que lhe garantiria projeção internacional.
Para o deputado Fernando Mineiro (15/03/06), trata-se de um projeto que, “se sair do
papel, evidentemente, vai ter um grande impacto, que é uma região importante. Eu acho que é
uma região muito bonita, tem um forte apelo turístico, tem uma infra-estrutura no seu entorno
[...]”. Essa opinião é compartilhada, por exemplo, com Eduardo Viana, Manoel Cavalcanti,
Alexsandro Ferreira, e outros. Mas Hanna Safieh reclama que a CODERN não foi ouvida para
discutir o projeto e Enilson Medeiros argumenta que:
[...] é um absurdo do ponto de vista do tráfego fluvial e marítimo. Porque você vai
botar um estacionamento de barquinho a 50 metros de um canal de barcão. É como
se você tivesse um estacionamento de rolimã, na margem da linha do trem [...] É por
isso que vai precisar de guarda de trânsito no meio do rio. [...] Porque a marina, ela
219
não tá pensada como uma marina, ela tá associada a uma escola náutica. Além do
mais, é uma auto-escola de carrinho de rolimã, que vai... gente dirigindo que não
sabe dirigir, no pátio de manobra da ferrovia. (MEDEIROS, 02/05/06).
Além disso, questiona-se a falta de transparência com que está sendo conduzido o
projeto. E, novamente, Enilson Medeiros (02/05/06) chama a atenção:
Primeiro, ninguém sabe quem são esses investidores espanhóis. [...] Quem é? Cadê?
[...] Porque que esse projeto não vem à baila pública? Eu vou esperar audiência
pública depois que o projeto tiver pronto, é? Pra ser detonado? Por que ele não vem
à baila agora? Quem são os investidores? Qual é a experiência deles com marina?
Marina é uma coisa muito séria. Agora, pior ainda: por que diabo a Marina tem que
ser ali? Porque o acesso à Marina é extremamente complicado ali. Vão construir
uma auto estrada pro Forte? Como é que vai fazer o acesso à Marina? Cadê esse
projeto físico? Qual é a idéia?
E conclui, dizendo: “Eu acho uma loucura esse projeto. De todos os projetos que eu
escutei pra Natal nos últimos anos, [...] esse pra mim foi o mais estranho”.
Yeda Cunha, da GRPU, ressaltou que a prefeitura não pode fazer a concessão de uso
sem um projeto de licitação no qual deveriam concorrer outras empresas e que, até então, a
Prefeitura não havia dado entrada no pedido de cessão da área. Ou seja, o prefeito assinou um
acordo com os investidores espanhóis, sem ter a permissão de uso da área. Além disso,
haveria também um conflito com a CODERN, por causa de um termo de compromisso que
esta teria acordado com o Governo do Estado, garantindo que a mesma área que está sendo
negociada com os espanhóis fosse reservada para uma futura ampliação do porto, caso os
navios não pudessem mais passar pela ponte.
Mas, no geral, a marina é vista como um empreendimento de grande importância
para o desenvolvimento do turismo no estado. Wilson Cardoso (12/05/06), por exemplo, diz:
“Você ter uma foz do Potengi tão bonita como nós temos, com uma marina, vai trazer grande
desenvolvimento econômico, turístico... Vai dar projeção internacional a Natal... Eu acho que
é um grande empreendimento. Tomara que saia”. E, Alexsandro Ferreira, analisando o projeto
dentro do contexto da revitalização da Ribeira, coloca:
E aí, quando eu te respondo sobre a Marina, eu não tô pensando na marina, eu tô
pensando se a marina tem alguma coisa... Se ela me traz gente pra passear e olhar e
consumir turisticamente o espaço, e aí, há toda uma discussão como é que esse
consumo vai se dar, que eu não vou entrar no mérito... ela permite que eu coloque a
Ribeira nesse produto turístico específico. Então, ela vem de maneira benéfica. [...]
Quer dizer, o impacto sobre a Ribeira seria menor do que outros impactos industriais
ou de outra maneira (FERREIRA, 02/06/06).
Marcelo de Faria, por sua vez, quando perguntado sobre quais seriam os projetos
mais relevantes para o desenvolvimento da área portuária de Natal, aponta a Marina, com toda
certeza: “A marina, em termos mundiais, ela é um fator de desenvolvimento econômico muito
220
importante pra cidade, [...] Ela vai trazer dividendo, vai trazer toda uma... desenvolvimento
turístico importante pra cidade.” (FARIA, 09/06/06).
O projeto da marina, somado ao da Ponte Forte-Redinha, insere-se no contexto de
revitalização da área portuária como obras ícones, quer dizer, consistem em grandes projetos
capazes de imprimir uma imagem atrativa para a cidade, e principalmente para um público
visitante. São, portanto, aqueles que possuem um caráter empreendedor mais evidente. E são
projetos encaminhados pela Prefeitura de um lado, e pelo Governo do Estado, de outro, dentro
de uma mesma perspectiva, o que demonstra ser um ponto de convergência entre os agentes
públicos ligados ao local e aqueles que visam à inserção global da cidade. O setor do turismo
apresenta-se, portanto, como o foco de convergência desses interesses.
5.1.5. Sobre os projetos estruturais do estado
Estamos denominando de “projetos estruturais” aqueles referentes a infra-estruturas
(viárias, ferroviárias e aeroviárias) pensadas no âmbito da escala estadual e que, mesmo não
estando localizados na área portuária de Natal, podem interferir sobre esta. É o caso da Ponte
Newton Navarro, da integração férrea Mossoró-Natal e do Aeroporto Internacional de Cargas
de São Gonçalo do Amarante (município da Região Metropolitana de Natal). Leonel Leite
(26/04/06), da Secretaria de Planejamento do Estado, confirmou, inclusive, serem esses os
principais projetos do Governo Estadual para a área portuária de Natal, somados ao Terminal
Pesqueiro e às ações em torno da ampliação do Porto de Natal.
Nas entrevistas é ressaltado que o propósito da Ponte Newton Navarro é claramente
turístico. Então, as colocações sobre o projeto são feitas, no geral, em termos da implicação
que deverá ter na geração de um grande fluxo de pessoas sobre a Ribeira, o que é visto de
forma positiva por quem defende a revitalização da Ribeira e o uso para o turismo.
Sobre a ponte, Leonel Leite coloca que o seu propósito é dar um impulso no turismo
litorâneo, ligando a Via Costeira até Touros, mas que sozinha, ela não resolve nada, precisa de
algumas obras complementares, que viabilizariam um acesso mais direto às praias do litoral
norte. Essas obras estão sendo planejadas de forma integrada Governo do Estado – Prefeitura,
mas estariam sob responsabilidade maior do Governo do Estado.
Mas, se o Estado cria uma ponte dessa e aqui não tem avenidas de seqüência dessa
ponte, você vai ter lá uma ponte sem ter... sem atender o objetivo que tá proposto. O
objetivo é difundir o turismo em todo esse litoral aqui. Até porque a gente sabe que
tem um volume de investimentos previstos aqui nessa área, depois da ponte, ali da
Redinha, do outro lado, de uma ordem muito grande de recursos. São vários hotéis,
221
resorts, naquela área de Maracajaú, Touros, Carnaubinhas, etc e tal, e que precisa aí
ter um deslocamento, sem passar por essa parte mais... de trânsito mais complicado
aqui na cidade. (LEITE, 26/04/06).
Para o deputado estadual Fernando Mineiro (15/03/06), o projeto da ponte não seria
de grande representatividade para o deslocamento da população de Natal, mas eminentemente
para o turismo:
O projeto da ponte... ele terá um grande impacto no desenvolvimento do turismo na
região norte do estado, eu acho. E eu acho que ele terá um impacto menor na
questão do transporte de pessoas. Desde o início, eu sempre fiz uma leitura de que a
ponte, onde ela está sendo construída, ela não terá uma grande influência na questão
do transporte, da mobilidade das pessoas da Zona Norte para outras regiões do
estado. Ela terá sim um grande impacto, e é importante, no desenvolvimento do
turismo.
Wilson Cardoso é um dos grandes defensores da ponte, entre os entrevistados. Vale
destacar que, segundo o próprio Wilson Cardoso, ele teria sido o idealizador do projeto
quando esteve à frente da STTU, na Prefeitura de Natal e teria participado também das obras
iniciais, quando a construtora Cejen era a responsável pela execução. Cardoso coloca que:
Eu acho que esse é o maior dos projetos, de todos esses, né? O maior do ponto de
vista tanto do desenvolvimento social, como do desenvolvimento econômico e que
vai causar profundas transformações no município de Natal, principalmente na área
de influência direta da ponte, que é, digamos assim, a Ribeira, e a área das praias
urbanas de Natal, né? (CARDOSO, 12/05/06).
E complementa:
[...] porque a ponte ela vai servir como desenvolvimento econômico e social pra
todo os municípios do litoral norte e também para o litoral sul, para o turismo do Rio
Grande do Norte. E pra o município de Natal que também vai ter essa influência
direta, ele vai ter essa transformação de adensamento maior da Zona Norte, vai ter
um adensamento mais homogêneo e de mais... digamos assim, pessoal com mais
poder aquisitivo [...], e principalmente as mudanças que advirão na margem direita
do rio Potengi, grandes mudanças que deverão advir no bairro da Ribeira.
Marcelo de Faria, associando o projeto da ponte a outros e à revitalização da Ribeira,
coloca que todos os projetos que atraiam um fluxo de pessoas para a Ribeira contribuirão para
que a revitalização realmente aconteça. Para representantes do setor privado, a ponte também
é vista como uma obra positiva que irá ajudar a desenvolver o comércio local. Para Eduardo
Viana (07/06/06):
A ponte é uma coisa muito positiva, porque ela terá um impacto positivo em cima da
Ribeira, sobretudo de fluxo de pessoas, na medida em que puder, digamos assim,
contar com mais uma alternativa da Zona Norte, né, se transportar pra área central
da cidade, de forma que pode melhorar o comércio, pode melhorar uma série de
questões, nesse sentido, né?
Enilson Medeiros e Hanna Safieh, no entanto, não consideram a ponte um projeto
positivo para a Ribeira ou para o porto. Medeiros (02/05/06), afirma que:
222
Não acho relevante pra área portuária ou pra Ribeira, como eu tô preferindo chamar,
a ponte. [...] eu acho que a Ribeira vai ser, no máximo, um espaço de passagem de
alguns carros que vão pra ponte. Porque, a ponte, ela serve a um deslocamento pra o
qual a Ribeira não tá predisposta, nem com todas as obras viárias que se pense.
Para Medeiros, assim como para Safieh, a ponte estabelece um limite pra expansão
do Porto de Natal. Nas palavras de Medeiros (02/05/06):
A ponte estabelece um limite pra expansão do Porto de Natal [...] esse aí é, digamos,
a influência mais notável que a ponte terá, pra mim, na vida econômica e social e
urbanística da Ribeira, certo? Mas a ponte é um elemento de alienação, certo? Tanto
do viário da Ribeira, como do porto, como da Redinha, né?
E complementa: “Então, a minha visão da ponte é que ela tem pouca significação pra
Ribeira”. Para Medeiros, o projeto não corresponde a uma necessidade ou a uma aspiração da
população: “Essa ponte é um ato de vontade de um governante déspota; porque isso é um
comportamento de um déspota. Eu quero fazer a ponte e pronto, né?”.
O projeto da ponte também é visto como uma ação de forte cunho político pelo
deputado federal Ney Lopes (21/05/06), que critica o apoio fornecido pelo Governo Federal,
às vésperas da eleição: “No caso da Ponte Forte-Redinha, [...] o Presidente Lula visitou Natal,
na última sexta e liberou, em discurso eleitoral e de campanha à reeleição, 50 milhões de reais
a fundo perdido para esta obra, favorecendo também a reeleição da Governadora atual”. Para
o deputado, o Presidente estaria usando a obra como “moeda eleitoral”.
A ponte é considerada por Hanna Safieh um fator limitante para o desenvolvimento
do porto, porque pode restringir a entrada de navios.
Por causa da altura. Porque, quando você fala de porto, você tem que falar de duas
coisas: o calado marítimo e o calado aéreo. O calado marítimo é a profundidade das
águas que você tem [...] E o calado aéreo, que é a altura dele. E a boca do navio, que
é a largura dele. Esses três fatores determinam se ele pode entrar ou não pode entrar
no porto, ok? Quando você coloca uma ponte, a ponte já diz: pronto, a partir de hoje,
navio até 50 e poucos metros pode passar. Acima disto não passa, entendeu? Porque
você também tem que ter 10% de margem de segurança, não? (SAFIEH, 17/03/06).
E contesta a localização escolhida:
Se você está olhando... mais uma vez, se você está olhando a racionalidade do nosso
estado, a localização da ponte não está adequada. Que precisamos de uma ponte,
sim. A localização não está adequada. Ela poderia estar depois do porto, entendeu?
Ela atenderia da mesma forma para os caminhões irem pra São Gonçalo, mais perto
até, viu? Ajudaria o fluxo pra ir pra Zona Norte, ajudaria a todo canto.
Nesse caso, a questão da marina aparece interferindo na questão portuária, porque,
segundo Hanna Safieh, foi feito um acordo com o Governo do Estado para que a mesma área
que foi negociada com os investidores espanhóis para a marina, ficasse reservada para uma
futura ampliação do porto. Hanna Safieh (17/03/06) expressa sua frustração em relação aos
223
gestores públicos, com a seguinte frase: “Olha, o lamentável é que nossos gestores do estado e
do município, eles pensam, assim, como se eles estão sozinhos no mundo.”
No que se refere à importância que o projeto possa ter para o escoamento das cargas,
relacionadas ao porto ou ao terminal pesqueiro, a ponte aparece vinculada à proposta do
futuro aeroporto de São Gonçalo, mas critica-se o fato de a sua localização não facilitar esse
fluxo, apesar de se estudar uma ligação pelo sistema viário da Zona Norte. Essas ações
parecem refletir a mensagem de que o Governo do Estado não acredita numa grande expansão
do Porto de Natal, já que não hesita em impor limitantes ao seu desenvolvimento.
Já a idéia do aeroporto, é vista por todos os entrevistados como o grande projeto
estratégico para o desenvolvimento da economia do Rio Grande do Norte, tratada como uma
estrutura imprescindível e que deve ser priorizada pelo Governo do Estado. O deputado
federal Ney Lopes, que defende o estabelecimento de uma Área de Livre Comércio na região
metropolitana de Natal, nas proximidades do futuro aeroporto, coloca que:
Acho que o futuro do RN está vinculado ao futuro aeroporto de São Gonçalo do
Amarante. O aeroporto de São Gonçalo do Amarante existirá porque somos o ponto
geográfico mais próximo da Europa, da África e, em conseqüência, da Ásia. A obra
caminha a passos de ‘tartaruga’, pela falta da definição do uso estratégico do
aeroporto como uma área de livre comércio e exportação, no único local, na
América Latina e no Caribe, com situação geográfica favorável. Talvez, seja a
última oportunidade do nosso Estado crescer e oferecer, em menos de cinco anos,
oportunidades ilimitadas de negócios, atividades produtivas e mais de 50 mil
empregos. (LOPES, 21/05/06).
E Fernando Mineiro (15/03/06), deputado estadual, afirma também: “O que eu acho
que pode dar um impacto diferenciado no estado e que influencia naquela área do Potengi é o
aeroporto de São Gonçalo...”. Por outro lado, João Dehon, da SEAP, acredita na contribuição
que o futuro aeroporto teria para o desenvolvimento da pesca no estado, vinculado ao projeto
do terminal pesqueiro:
As exportações desse pescado, em sua maior parte, são feitas por avião, porque se
exporta mais o produto fresco ou até mesmo vivo. [...] Daí a importância que teria, a
construção do aeroporto de cargas de São Gonçalo para o desenvolvimento dessa
atividade. [...] E com a construção do aeroporto de São Gonçalo, que vai ser o 8º
maior aeroporto, em termo de tamanho, do mundo, então, vai dar um impulso não só
pra pesca, mas também pra outros setores da economia norte-riograndense, pra
exportação, usando essa via área (DEHON, 18/01/06).
Para Leonel Leite e Enilson Medeiros, porém, os maiores interessados na construção
do aeroporto são as próprias empresas de viação aérea, por causa da localização estratégica.
Leonel Leite deixou claro, ainda, que o Governo do Estado, junto à Bancada Federal do Rio
Grande do Norte, está se empenhando para que o projeto seja implementado. Coloca também
224
que: “O processo ainda está em discussão e precisaria ser debatido com a sociedade para se
ver qual é a melhor solução”. (LEITE, 26/04/06).
Em outro sentido, o aeroporto é visto por muitos como um incentivador à economia
do turismo, porque irá gerar mais fluxo de pessoas. Esse posicionamento é compartilhado por
Alexsandro Ferreira, Wilson Cardoso e Marcelo de Faria, por exemplo. Marcelo de Faria fala
do aeroporto como uma estrutura importantíssima para o desenvolvimento do turismo, porque
o atual aeroporto Augusto Severo já se encontraria sobrecarregado. “Eu acho que o [projeto]
de maior impacto, a nível de turismo, vai ser esse aeroporto novo, né, que ele precisa sair... eu
não sei como é que tá a nível de viabilidade, porque é um projeto que o Governo do Estado tá
tocando, né? Mas é uma coisa que é necessária.” (FARIA, 09/06/06).
A questão da integração férrea Mossoró-Natal, vinculada aos projetos de ampliação
do Porto de Natal, é vista como um importante investimento para o escoamento da produção
do interior do estado para o porto, sendo interesse do Governo do Estado e da bancada federal
defendê-la. Mas, para aqueles que não acreditam no desenvolvimento do Porto de Natal para a
movimentação de cargas, há também um receio em relação à integração férrea de cargas, por
não considerarem viável investir no crescimento do porto. Propõem uma integração férrea de
passageiros. Para Alexsandro Ferreira (02/06/06):
[...] foi tradição da Ribeira receber trem de carga e... A Ribeira é o grande entreposto
entre a capital e o sertão. Era tradição dela receber não só navios, como também
trens, só que a dimensão naquele momento era completamente outra, evidente. Eh...
eu também me preocupo com essa interligação... eu preferiria que fosse uma
interligação... eu, enquanto arquiteto, não entendo nada de transporte, de passageiro.
Eu acho que gente é o que a gente quer trazer pra Ribeira. Se ele vai trazer carga, eu
acho que é uma solução da engenharia da CBTU, me dizer como é que ela vai passar
na Ribeira sem fazer impacto.
Enilson Medeiros, por sua vez, expressa preocupação com relação ao funcionamento
de transporte de cargas, concomitante ao transporte de passageiros:
De certa forma, o projeto de transferência ferroviária de carga pro porto, ele precisa
ter uma bela de uma governança, porque isso vai chocar com os interesses da CBTU
em ter mais freqüência de passageiros, né? [...] Ou seja, envolve um tipo de
coordenação operacional que eu me temo que sejamos incapazes de fazer, diante da
falta de coordenação de que a gente tá falando aqui. (MEDEIROS, 02/05/06).
Já Marcelo de Faria não demonstra preocupação com o transporte de cargas por via
férrea, chegando à Ribeira, porque para ele, o transporte rodoviário possui um impacto pior.
[...] eu me preocupo menos com o transporte ferroviário, porque é um transporte
bem organizado, bem limpo, né? [...] Então, eu acredito que o transporte ferroviário
ele não é uma coisa que vá trazer um impacto negativo pra atividade turística, não.
Acho que é bem-vindo, acho que ele soma, né? (FARIA, 09/06/06).
225
Estes foram, portanto, os posicionamentos que destacamos nas entrevistas a respeito
das propostas que estão sendo discutidas para a área portuária de Natal, tendo sido priorizada,
até agora, a opinião dos agentes envolvidos sobre os principais projetos em debate. A seguir,
daremos ênfase à percepção que os entrevistados demonstraram sobre o processo de condução
das propostas, nomeadamente no que se refere às relações estabelecidas entre os órgãos.
5.2. Relações entre as propostas e os agentes envolvidos
Ao direcionarem o olhar para o conjunto de propostas que vêm sendo discutidas para
a área portuária de Natal, os entrevistados reconhecem haver conflitos entre algumas delas e
uma falta de articulação entre os agentes envolvidos. Os conflitos entre as propostas estão
situados predominantemente entre os projetos do terminal pesqueiro, da ampliação do porto e
da revitalização da Ribeira, consistindo em conflitos pelo acesso a determinados terrenos para
a implantação dos projetos, e pela confluência de usos aparentemente incompatíveis na área.
A idéia que cada agente coloca, no entanto, é de que os projetos do “outro” prejudicariam os
seus, ou seja, há sempre um distanciamento entre lados opostos do conflito de interesses.
João Dehon (18/01/06), por exemplo, quando questionado sobre os problemas que
poderiam advir da implementação do terminal pesqueiro sobre o sistema viário da Ribeira,
coloca que têm sido realizadas diversas reuniões com a Prefeitura de Natal e o Ministério das
Cidades, no sentido de se resolver esses impasses, e comenta:
[...] porque Natal, na verdade, tá tendo um planejamento pra essa área de forma a
reduzir o número de veículos nessa área. Com o terminal, aumentaria. Então, nós
tivemos que fazer várias reuniões para chegar a um acordo quanto ao uso dessas
vias. Que são vias estreitas, vias de dificuldade de acesso e Natal tá querendo usar
isso aí, mais como espaço de turismo [...] Natal queria usar muito mais isso aí como
turismo do que como economia.
Por se tratar de área da União, grande parte dos projetos discutidos precisa passar
pela Gerência Regional do Patrimônio da União – GRPU, para que seja autorizado o seu uso.
Nesse sentido, Yeda Cunha (30/05/06), gerente da GRPU no Rio Grande do Norte, entende
como papel da instituição coordenar a articulação entre os diversos projetos e entidades. Ela
explicou, ainda, que a cessão dos terrenos é feita mediante consultas a órgãos ambientais e de
defesa do patrimônio cultural para que o interesse público seja preservado, sendo consultados
também os órgãos responsáveis pela regulação do Porto Organizado de Natal (Capitania dos
Portos, da Marinha, e CODERN). A prefeitura também se apresenta como órgão mediador do
conflito: “O nosso papel na prefeitura é mediar o conflito” (BASTOS, 16/02/06).
226
Vendo o processo de discussão do conjunto de propostas para área um pouco de fora,
por não estar diretamente envolvida em nenhum projeto específico, Yeda Cunha (30/05/06),
coloca que a dificuldade maior de conciliação estaria relacionada aos conflitos com o terminal
pesqueiro, principalmente pelas incompatibilidades que apresenta com o terminal intermodal.
Essa polêmica envolve, segundo Yeda Cunha: CBTU, Prefeitura, SEAP e Governo do Estado.
Ela ainda informou que havia sido acordada uma reunião a ser feita na GRPU entre esses
órgãos, porque já se reconhecia a necessidade de “sentar” e discutir a situação.
Mas outras reuniões envolvendo esses agentes têm sido realizadas sob a coordenação
de diversos órgãos, com intervenção inclusive do Ministério Público, sem que, no entanto,
tenha se conseguido firmar um acordo consistente de cooperação, ou ao menos, um espaço de
negociação institucionalizado.
Wilson Cardoso, coordenou o programa do IDEMA de recuperação do estuário do
Potengi, que reuniu diversas entidades, na tentativa, primeiro, de listar os projetos existentes
para o estuário do Potengi e depois, tentar negociar uma conciliação entre as propostas (foram
reunidas 26 instituições, que tomaram conhecimento dos projetos uns dos outros). Segundo
Cardoso (12/05/06): “Daqui que surgiu o conhecimento pleno de todos esses projetos no rio,
no estuário”. Durante as apresentações e discussões em torno desses projetos, dentro do grupo
de trabalho, percebeu-se que havia projetos mais polêmicos e que pareciam também ser os
mais importantes ou os de maior impacto, tendo se destacado três, que interagiam fortemente
uns sobre os outros: a ampliação do Porto de Natal, a implantação do Terminal Pesqueiro de
Natal e a Revitalização da Ribeira. De acordo com Wilson Cardoso, para tentar se chegar a
uma conciliação entre esses três projetos principais que conflitavam entre si, foram feitas de
quatro a cinco reuniões com as partes envolvidas. Mas, segundo Cardoso (12/05/06):
[...] a SEMURB, que é do município de Natal, o Governo do Estado, que tinha o
projeto do terminal pesqueiro, no caso a Secretaria de Agricultura e Pesca, e mais o
Governo Federal através da CODERN... as incompatibilidades eram tamanhas, que
chegou-se a um ponto que.... não teve um final feliz nessa compatibilização.
Wilson Cardoso comenta que, diante das dificuldades de conciliação, achou melhor
ficar de fora da discussão, até porque não era o objetivo do trabalho do IDEMA promover a
conciliação entre os agentes. “A gente não podia discutir muito o teor do projeto, porque não
era o caso. Digamos assim, esse grupo de trabalho ele não tinha uma missão interinstitucional
de definir qual é o melhor projeto, ou se o projeto tinha que ser de um jeito ou de outro e tal.
Não tinha.” (CARDOSO, 12/05/06). E coloca a sua opinião pessoal sobre como poderiam se
desenrolar os encaminhamentos das propostas:
227
Essas coisas às vezes avança quem tem um projeto mais definido e, principalmente,
quem tem a fonte de recurso mais assegurada pra realizar o projeto. E nos parece
que foi o que aconteceu, por exemplo, com o terminal pesqueiro. Foi conseguida
essa verba, no Ministério, Secretaria Nacional de Pesca, em Brasília, foi conseguido
e com o dinheiro na mão é mais fácil você definir o seu projeto de uma forma... E da
forma inclusive que, nesse caso específico foi definido, eu acho que diminuiu
bastante as incompatibilidades com os outros dois projetos, digamos assim, de
grande impacto que é o da Ribeira e o de ampliação do porto.
Wilson Cardoso (12/05/06) falou também que acredita que se conseguiu encaminhar
algumas mudanças, mas que “[...] infelizmente, como tem três esferas de poder e cada esfera
de poder tinha um ritmo próprio e tinha as condições financeiras, econômicas próprias e tinha
projetos próprios, não conseguiu prosperar nesse sentido”.
Muitas vezes, no entanto, o conflito existe dentro de um mesmo projeto, envolvendo
proposições distintas para este. Sobre o projeto do terminal pesqueiro, por exemplo, colocou-
se que havia duas propostas, uma do Governo do Estado, da SAPE, e outra, da SEAP, do
Governo Federal, e que esta última não teria sido bem aceita pelos empresários da pesca.
Estes afirmam ter uma proximidade maior com o Governo do Estado, mas que nas discussões
envolvendo o Governo Federal não obtiveram espaço para participar. De acordo com Rodrigo
Hazin (17/05/06), presidente do Sindipesca:
Olhe, tem que avaliar, enquanto as discussões são feitas no estado, as discussões tão
sendo muito bem colocadas com ampla participação das empresas, dos interessados,
enfim, do setor já existente. Quando a discussão é na esfera federal, a gente é ouvido
num segundo momento, não participou muito do processo interno. É uma visão, que
eu acho errada, mas que a gente respeita. E o que a gente colocou depois pra eles, tá
sendo reconsiderado. Então... isso também graças ao apoio do Governo do Estado.
Enfim... Houve aí dois processos, um federal e um estadual, o federal a gente ficou
mais de fora da discussão. O próprio estado ficou de fora da discussão.
Wilson Cardoso (12/05/06) acrescenta que a incompatibilidade aparece muitas vezes
dentro de um mesmo poder, e considera isso muito característico da administração municipal:
“[...] tem que conversar mais a STTU, a SEMSUR, a SEMURB, pra que, do ponto de vista
absolutamente técnico, pra que esses projetos não venham daqui a 5, 10, 15 anos, prejudicar
toda a população”. Ele acha que entre os poderes as negociações estão fluindo melhor.
Para Júnior Souto (20/04/06), da Secretaria de Planejamento Municipal, a falta de
articulação entre os órgãos municipais é um problema que tem se tentado solucionar:
Essa questão não está devidamente equacionada, na administração municipal. No
estado esses projetos foram pensados, e a interface, a adequação deles, a viabilidade
dessa convivência de projetos com funções tão diversas e demandas do consumo de
serviços tão grande... isso tem que ser pensado adequadamente. A SEMPLA tem
tentado internamente, no âmbito da administração, provocar um processo de
discussão contínuo; criar um instrumento, um fórum, onde esse conjunto de
iniciativas que estão em várias secretarias, sob coordenação delas, possam sentar pra
discutir isso e se firmar a viabilidade. [...] Essas interfaces estão muito frágeis ainda.
228
Nelma Bastos (16/02/06), do SPH, da SEMURB, fala, por sua vez:
Olha, hoje o que eu vejo é assim, o conflito existe, porque existe entre os interesses e
entre as propostas, entre o pensar técnico, existe o conflito. Só que o que eu vejo é
assim, uma boa forma dos órgãos. A gente hoje, a gente não tem... eu não sei se
porque até o governador, ou a governadora conversa bem com o prefeito e... eu acho
assim, que tanto... a Caixa Econômica, o Governo do Estado e o Município, eles têm
sentado na mesa pra conversar, certo, muito bem, tentando reparar as arestas e
resolver os problemas das intervenções, em prol do crescimento... Eu tenho visto
dessa forma. Agora, que os conflitos são enormes, os projetos eles conflitam, os
interesses conflitam, mas, eu tô dizendo de um modo geral, os técnicos e todo
mundo, têm sentado pra encontrar soluções pra esses conflitos, não é verdade?
Fala-se muito na decisão política, de se definir o que se quer para a área, do que
dependeria a ação dos demais agentes. Por exemplo, se a rua Chile vai ser destinada a turismo
e habitação, não haveria espaço para as indústrias de pesca se desenvolverem ou para o porto
ampliar suas estruturas. Se, for o contrário, procurar-se-ia desenvolver a habitação e o turismo
em outras áreas. Gabriel Calzavara (23/02/06) coloca, nesse sentido, que:
É uma decisão política. Isso é importante ou não é importante? Eu creio que os
empresários que são responsáveis por esse processo deveriam pelo menos ser
perguntados, certo? [...] Porque o RN pode tomar a seguinte decisão: essa indústria
não me interessa. Ou, nesse lugar aqui, essa indústria não me interessa. [...] Eu vou
construir isso aqui num outro canto. [...] Não me interessa isso aqui. Eu vou deixar a
Rua Chile pra fazer outras atividades, que não a pesca. Ele tem que sinalizar isso [...]
E os próprios técnicos de órgãos públicos se colocam na dependência das decisões
dos gestores políticos. Alexsandro Ferreira (02/06/06), falando do seu posicionamento como
técnico, no que se refere aos projetos de revitalização da Ribeira, fala desse assunto:
A outra questão é a questão política. É saber exatamente de quem manda na gente,
se essa é uma prioridade política. Uma coisa é o discurso, o papel e o plano. A outra
coisa é se eu vou entregar esse plano ao prefeito, [...] e se ele vai dizer: tá bom, eu
vou investir no orçamento tantos milhões pra fazer isso aqui. Ou se vai ser mais um
plano de gaveta.
Uma crítica que se faz muito presente é que cada agente só vê os seus interesses e
não procura ouvir outros agentes interessados. Não se procura por soluções, já se chega com
respostas prontas. Nesse sentido, os empresários da pesca reclamam que poderiam ter uma
participação maior no desenvolvimento do projeto do terminal pesqueiro, por exemplo:
Nós não temos tido nenhuma participação com alguma conseqüência nas discussões
de construção de um projeto como esse. Nós não somos consultados pra
absolutamente nada no que se refere às decisões. [...] Não é simplesmente vir com a
resposta pronta, que eu acho que esse é o grande equívoco que tá acontecendo. Todo
mundo tem sua resposta. Ninguém vem perguntar nada. (CALZAVARA, 23/02/06).
Enilson Medeiros traduz esse isolamento entre os agentes com uma palavra:
[...] deixa eu te dizer como é que eu vejo a participação dos setores interessados,
certo? Umbigo, é a palavra. [...] Cada um tá olhando pro seu umbigo. Então, a
229
CBTU olha pro seu umbigo, umbigo da operação, a CODERN olha pro umbigo do
crescimento do porto, os defensores do museu da 2ª guerra, olham pro seu umbigo
de museólogos de 2ª guerra, a SEMURB quer abrir 200 janelas pro rio, a partir da
Ribeira, porque acha que isso embeleza a Ribeira, ou seja, o umbigo dos paisagistas
urbanos [...] A Secretaria Municipal de Transporte, que foi a iniciadora da ponte, [...]
acha que tem que intervir na Ribeira de forma a fazer as pessoas chegarem na ponte.
O projeto da Hildebrando de Góis é um banho de loja numa via de acesso à ponte, e
nada mais do que isso. [...] os diversos setores interessados atuam cada um
defendendo seus interesses corporativos. Inclusive, as ONG’s que trabalham na
Ribeira, os moradores da Ribeira, etc e tal. (MEDEIROS, 02/05/06).
Para Alexsandro Ferreira (02/06/06) estaria acontecendo uma disputa pelos recursos
que a Ribeira tem a oferecer e que nunca despertaram interesse no âmbito da cidade, mas que
agora estaria havendo uma pressão inédita sobre a Ribeira:
Então, o Governo do Estado, ele tem interesse em acessar alguns recursos da
Ribeira, não todos. A visão do Governo do Estado, Secretaria de Pesca e Secretaria
de Agricultura é uma visão de desenvolvimento econômico, como Cortez já me
colocou. [...] A visão da CODERN é basicamente a função estratégica do porto dele,
competindo com Suape e não sei o quê. E a visão do Ministério das Cidades, é
colocar as suas políticas que tão no plano federal em ação. Todo mundo tem
interesses aqui.
E Eduardo Viana (07/06/06) fala da sua impressão sobre o conjunto das propostas,
em relação aos interesses privados:
[...] não tenho enxergado uma convergência nesse planejamento de ações, nas
atividades. Eu vejo ainda coisas que atendem a interesses individuais de cada
instituição... quando o porto trata das suas questões, eu não vejo integradamente com
as questões do município, com as questões dos empresários, localizados no centro
sobre o patrimônio histórico, enfim... e vice-versa, né? [...] Então, eu acho que tá
faltando mais sintonia entre os projetos e os proponentes das ações pra Ribeira, de
forma que a gente ache exatamente, o ponto de equilíbrio, né, que você possa
promover o crescimento da cidade, o desenvolvimento, a sustentabilidade das
atividades, mas também, você concilie com a preservação da Zona de Proteção
Histórica que se situa também, uma boa parte do bairro da Ribeira.
A visão de Enilson Medeiros (02/05/06) sobre o conjunto das propostas também se
traduz pela desarticulação:
A visão de conjunto é que não há conjunto de projetos. Certo? Mas sim uma coleção
desarticulada, muitas vezes conflituosa de iniciativas do setor público, do setor
privado e do setor público produtivo [no caso, a CODERN] [...] E que a gente conta
aí com agentes, uma miríade de agentes independentes, e eu diria que, no âmbito da
própria prefeitura de Natal, diversas secretarias estão agindo de forma independente
pra Ribeira. [...] A minha visão de conjunto é de uma total desarticulação.
E comenta, ainda, sobre os problemas de interação entre os órgãos públicos atuantes,
que envolvem “uma falta de intergovernabilidade nas relações verticais entre o Município, o
Estado e o Governo Federal, e uma falta de intergovernabilidade horizontal entre distintas
secretarias do Município, e até, entre distintos órgãos do Governo Federal...” (MEDEIROS,
02/05/06).
230
Existe uma colocação sempre presente nos discursos de que cada especialista deve
tratar de seu assunto. Predomina a idéia de que, quando se tratar de terminal pesqueiro deve
opinar quem entende de pesca, quando se tratar de porto, deve-se envolver pessoas que
entendam de porto, e assim por diante. Parece não haver o interesse entre os técnicos
envolvidos de procurar entender questões ligadas a outra área de conhecimento que não a sua,
o que vem contribuindo ainda mais para a desarticulação entre as propostas. Na opinião de
Hanna Safieh, por exemplo, a revitalização da Ribeira não teria relação alguma com o
terminal pesqueiro que é uma infra-estrutura econômica. Discorda que a competência para o
planejamento do terminal pesqueiro devesse estar com o “Ministério da Agricultura”, porque
acredita que deveria ser um organismo especializado em porto e, quanto à participação do
Ministério das Cidades, que teria entrado no processo, devido à proposta de revitalização da
Ribeira, Hanna considera, mais uma vez, uma inversão de valores.
Alexsandro Ferreira (02/06/06), por outro lado, na posição de técnico do setor de
patrimônio histórico, não acha que deve discutir assuntos de pesca, que ele não entende. Deve
seguir o caminho que, no seu entender, está sendo indicado no tratamento que a prefeitura tem
dado àquela área: “Então se há um indicador público de investimento na área de patrimônio
histórico enquanto área de revitalização, como é que eu vou ler isso agora subordinado a uma
temática de pesca? Eu não sei porque eu tenho que fazer isso.”
Alguns colocam, no entanto, que têm uma visão mais ampla do problema, mas que
não vêem essa percepção nos outros. João Galvão (16/02/06), por exemplo, fala da diferentes
visões dos vários profissionais envolvidos, que acabam focando muito sua especialidade, mas
que ele, como urbanista, não pode perder a visão do todo: “Eu não posso pensar em investir
em uma área, em trabalhar uma área que eu não pense nas implicações no tráfego, nas
implicações da própria construção, na paisagem, no meio ambiente, nada disso eu posso
deixar de pensar”.
Os projetos são discutidos, muitas vezes, como ações de caráter decisivo para o
desenvolvimento futuro da área, podendo encaminhá-lo de forma positiva ou negativa, a
depender de como forem implementados. Em relação ao setor da pesca, Calzavara coloca que:
Eu te digo que nós estamos no fio de uma navalha. Os passos que forem dados
agora, eles vão comprometer o que vai acontecer com o Rio Grande do Norte em
termos de pesca, nos próximos anos. É aquilo que eu falei: se tomar a decisão
correta, nós podemos alavancar esse processo, se tomar a decisão errada, nós vamos
transferir pra outro local essa alavancagem. Porque, que a alavancagem vai existir,
isso eu não tenho a menor dúvida (CALZAVARA, 23/02/06).
231
Alexsandro Ferreira (02/06/06) tem um posicionamento semelhante em relação à
revitalização da Ribeira, presente no comentário transcrito na página 200, em que coloca que
a Ribeira pode tomar dois caminhos, ou o que eles desejam, no sentido da revitalização, ou o
que eles temem que aconteça, com a degradação do patrimônio histórico.
Ferreira (02/06/06) coloca também que as discussões em torno dos vários projetos
existentes para a Ribeira se dão em reuniões convocadas por cada um dos interessados e que a
Prefeitura tem sido chamada a participar e tem participado. Na última reunião, que havia sido
realizada naquela manhã, ficou definido que seria criado um comitê, para avaliar a localização
do terminal pesqueiro, sob a coordenação da SAPE, do Governo do Estado. “Então, é a
primeira vez que vai se juntar numa mesa, formalmente, pessoas pra chegar a um consenso”.
(FERREIRA, 02/06/06). Ele comenta, porém, que essas reuniões têm ocorrido de maneira
“fragmentada”, e que apesar de “um” saber do “outro”, não existem processos administrativos
encaminhados para a aprovação dos projetos.
A prefeitura não é contra o terminal pesqueiro, aliás a prefeitura não é contra nada,
em tese. Ela se posiciona no que se refere ao uso e à ocupação do solo, mas para isso
precisa analisar documentos, projetos e até o momento, não havia chegado
documentos oficiais relacionados a nenhum desses projetos, nem o intermodal, nem
o turístico, nem o pesqueiro (FERREIRA, 02/06/06).
Para João Dehon (25/05/06), da SEAP, as discussões em torno do projeto do terminal
pesqueiro, e inclusive sobre a localização que ele teria, devem se dar entre agentes públicos
com poder de decisão: “Hoje não pode ficar mais na mão de técnicos ou de encarregados, tem
que ser pessoas que decidam”. Virgínia Lopes (11/07/06), Secretária de Planejamento do
Município, explicou que havia um acordo firmado entre os órgãos, relacionado ao impacto
que o projeto do terminal pesqueiro iria gerar na área, principalmente no que se refere à
preservação do seu patrimônio histórico-arquitetônico: “Porque a gente não quer inviabilizar
um projeto econômico que vai gerar riqueza, de jeito nenhum. O que a gente quer é viabilizar
as duas coisas. Agora, contanto que respeite a história da cidade, é só isso.”
No conjunto das entrevistas realizadas, os dois maiores problemas apontados para a
questão foram: a falta de planejamento e a falta de articulação entre os entes envolvidos. A
necessidade de integração entre as propostas e de uma maior interação entre os agentes
interessados é ressaltada na maioria das entrevistas. Quando perguntado sobre que entraves
estariam atrasando o desenvolvimento desse conjunto de projetos para a área portuária de
Natal, o deputado estadual Fernando Mineiro (15/03/06) coloca: “Eu penso que é a ausência
desse planejamento mais de curto, médio e longo prazo e essa desarticulação”.
232
O vereador Hermano Morais (15/03/06) coloca também que:
Eu acho que há uma falha muito grande na condução desses projetos. Eles estão
sendo tratados de uma forma estanque, separada, quando deviam estar sendo
analisados, de uma forma integrada. [...] Então, eu só acredito que esse projeto, ele
realmente... desejo que ele aconteça, que ele seja realizado, é importante,
fundamental pro desenvolvimento da cidade, se houver uma ampla discussão e uma
definição para que seja realizado um projeto integrado.
Para Enilson Medeiros (02/05/06), o maior problema da Ribeira estaria na ausência
de uma visão estratégica do papel desse bairro no desenvolvimento da área metropolitana de
Natal. Ele explica:
Porque o planejamento estratégico exige que os interesses sejam colocados na mesa,
que conflitem, que se busquem soluções, ameaças, oportunidades, etc, com alguns
atores e tal. Se não tem esse canal pra sociedade se manifestar, e quando eu falo a
sociedade, [...] eu estou falando em representações sociais válidas, né? Que essas
pessoas discutam, etc... Isso poderia formular uma base, mas que fosse uma base...
eu não vou dizer permanente, mas uma base estável, uma plataforma minimamente
estável pra você desenhar um plano de desenvolvimento estratégico em cima.
Então, essas seriam as duas principais características apontadas pelos entrevistados
em relação ao conjunto de propostas e ao envolvimento dos agentes no processo: a falta de
integração e a falta de articulação, respectivamente. Procuraremos apresentar no item a seguir
a visão que apreendemos desse conjunto de propostas e as considerações que pudemos inferir
da análise das entrevistas a respeito das condições de governança local que se delineiam em
torno do possível processo de reestruturação encaminhado para a área portuária de Natal.
5.3. O jogo de interesses em torno da área portuária
O interesse que parece ter sido despertado entre agentes públicos e privados sobre os
diferentes atributos que a área portuária de Natal agrega aparece refletido no grande número
de propostas que vêm sendo pensadas para a área. Esses atributos sempre existiram e sempre
estiveram presentes, à disposição de quem quisesse investir em intervenções físicas capazes
de potencializá-los. Mas, por muito tempo, isso parecia não valer a pena. Ou pelo menos, não
tanto quanto hoje parece valer. O descaso que outrora caracterizava o degradado e decadente
bairro da Ribeira deu lugar a uma disputa, envolvendo interesses públicos e privados, pela
apropriação de seus atributos para projetos pautados em diferentes visões de desenvolvimento
econômico e de desenvolvimento urbano.
Assim, a área portuária é vista como uma localização geográfica estratégica, para a
realização de atividades que exigem a proximidade com o mar e a existência de um canal de
233
navegação, por exemplo; como uma área de grande aporte de infra-estrutura urbana e de
localização central na cidade, interligada por uma ampla conexão viária e ferroviária com as
demais regiões de Natal e até com municípios vizinhos; como um espaço ímpar na cidade, por
possuir um conjunto edificado de valores históricos, culturais e arquitetônicos relativamente
preservado e que conta a história da cidade; pela paisagem que se descortina a partir dela para
o rio Potengi; e, depois da construção da ponte Newton Navarro, como uma área de passagem
do fluxo de veículos que farão o deslocamento entre a Zona Norte e o restante da cidade.
A apreensão desses valores e desses atributos disponíveis na área portuária de Natal
por diferentes agentes, nos diferentes projetos que vêm sendo colocados, resulta em visões
também diferenciadas do que poderá vir a acontecer nesse pequeno pedaço da cidade. Numa
tentativa de vislumbrar os cenários que os agentes proponentes anseiam para a área portuária
de Natal, a partir de seus projetos, e do cenário que poderá ser conformado a partir da junção
dessas diferentes visões, resultante do confronto de idéias que deverá acontecer, procuramos
destacar a nossa visão particular sobre o conjunto de propostas.
Nos projetos ligados à proposta de reabilitação da Ribeira, que aparecem atrelados a
ações de requalificação espacial, de instalação de equipamentos sociais e de espaços voltados
para o lazer cultural e de melhoramento das estruturas de trânsito e transporte, são priorizados
usos de caráter mais local, como habitação, comércio e serviços de pequeno porte, e também
atividades ligadas ao turismo.
O incentivo ao uso habitacional aparece como uma estratégia visando a garantir a
sustentabilidade da “vida cotidiana” no bairro, evitando, assim, a ocupação periódica do
espaço urbano, que ocorre quando se concentram usos exclusivamente diurnos (comercial,
institucional e alguns tipos de serviços), ou exclusivamente noturnos (bares, restaurantes e
casas de lazer). Nesse sentido, a ocupação do bairro por residências apresenta-se como um
imperativo, um condicionante do sucesso da reabilitação. Por outro lado, entende-se que não
haverá habitação consolidada se não houver uma requalificação física, tanto de edificações,
quanto de áreas públicas (praças e ruas), como também atrativos (incentivos ao financiamento
de imóveis, oferta de serviços urbanos de qualidade, entre outros).
Assim, podemos considerar que há um conjunto de propostas (em sua maioria de
âmbito municipal, com apoio do Governo Federal) que convergem para um mesmo propósito,
que pode ser entendido como a revitalização ou a reabilitação da Ribeira. São eles: o Plano de
Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais – Ribeira, o Plano de Reabilitação Integrada – PRI, o
projeto Largo do Teatro, o Terminal Intermodal de Passageiros, o Mercado do Peixe e a praça
234
do Pôr-do-sol, as melhorias na Av. Duque de Caxias e o seu prolongamento até a ponte, o
Terminal Turístico Portuário e a Marina do Potengi.
Além desses projetos existem outros conduzidos ou apoiados pelo Governo Estadual
que colaboram para o mesmo propósito, como a Ponte Newton Navarro, o Museu da Rampa e
o Parque do Mangue. Estes dois últimos, por oferecerem atrativos culturais e de lazer para
moradores e visitantes, confeririam uma valorização à área, principalmente no que se refere
ao turismo cultural.
A Ponte Newton Navarro destaca-se dentre esses projetos, de forma significativa, por
dois motivos: 1º) é um projeto que já está sendo executado, com previsão de entrega para o
ano corrente e, portanto, com resultados imediatos sobre a área; 2°) espera-se um impacto
muito grande com a consecução desse projeto sobre a Ribeira, no que se refere ao fluxo de
veículos que será gerado na passagem de ou para a ponte. Pode-se entender, inclusive, a
iniciativa de implementação de alguns dos projetos citados como uma “conseqüência” da
própria existência da ponte (no caso, os projetos de intervenção no eixo da Duque de Caxias).
Porque, para que esta se tornasse um elemento realmente integrador na cidade, foi necessário
planejar obras de adequação no sistema viário que viabilizassem o acesso à ponte pelas áreas
centrais, o que recai indiretamente sobre a Ribeira. Sem essas adequações a ponte poderia se
transformar em um elemento “complicador” do trânsito, porque haveria poucas formas de se
escoar o tráfego de veículos que passasse por ela. Na verdade, sem o conjunto de obras
empreendidas pela Prefeitura, e especificamente, pela STTU, no sistema viário ao norte e ao
sul da ponte, esta perderia completamente a razão de ser. Percebe-se, então, que, para que a
ponte tivesse o significado que lhe á atribuído hoje, como um projeto de profundo impacto
sobre a cidade, precisou haver uma articulação muito bem fundada entre Prefeitura e Governo
do Estado, com garantia de “vantagens” para ambos os lados. Os interesses locais a serem
atendidos concentram-se no incremento ao turismo litorâneo (que é a finalidade principal da
ponte também para o Governo do Estado) e passam pela possibilidade de se criar uma maior
integração da Zona Norte com o restante da cidade (que seria o aspecto “social” do projeto).
Para a área de que tratamos em nosso estudo, a área portuária, ou para o bairro da
Ribeira e imediações, esse fluxo de veículos e conseqüentemente de pessoas que será gerado é
considerado em muitas das entrevistas realizadas como o principal fator de indução a uma
profunda mudança na Ribeira, podendo gerar efeitos positivos e/ou negativos. A idéia é que
esse fluxo de pessoas, somado à requalificação espacial de alguns espaços públicos na área e,
principalmente do eixo em que se dará esse fluxo, contribua para uma valorização (imobiliária
235
e de usos) na área, que trará conseqüentemente novas intervenções (agora, privadas) sobre o
espaço urbano. Assim, nessa lógica de condução do processo, a Ribeira passará por profundas
transformações “voluntárias” após a implementação desses projetos.
A expectativa por efeitos positivos e/ou negativos sobre a Ribeira, está justamente
nos cenários esboçados para a área como conseqüência desse processo. Do ponto de vista dos
defensores do patrimônio histórico-arquitetônico, se as intervenções que forem realizadas irão
preservar as características existentes (já que a lei, por si só, não garante isso), ou se irão
descaracterizar ainda mais o conjunto edificado; do ponto de vista do mercado imobiliário, se
haverá um adensamento de usos populares, digamos assim, ou uma concentração de serviços
e estabelecimentos qualificados; do ponto de vista social, se serão atraídas apenas pessoas de
poder aquisitivo elevado, em função dos usos que se instalarem (conduzindo, possivelmente, a
um processo de gentrificação), ou se haverá uma convergência maior da população de menor
poder aquisitivo, e talvez, sem condições financeiras de investir na requalificação do espaço
privado; ou ainda, do ponto de vista estritamente urbanístico, se se conseguirá imprimir um
“mix” de usos e de classes sociais adequado para o cenário da revitalização que se deseja. Isso
para exemplificar apenas algumas das “variáveis independentes” (da ação do planejamento)
que poderão se manifestar.
Num sentido semelhante ao que é atribuído à ponte, no que se refere à geração de
fluxos na Ribeira, o projeto do terminal intermodal de passageiros também desponta como um
grande fator de atratividade de pessoas (nesse caso, mais do que de veículos), podendo ter um
impacto tão intenso quanto a ponte, ou maior. São dois projetos de abrangência metropolitana,
e que, por isso, estão relacionados à possibilidade de maior integração entre os municípios da
Grande Natal. Uma diferença marcante, no entanto, distingue os dois projetos: enquanto a
ponte já é uma realidade, suas obras já estão sendo concluídas, com todo o empenho tanto do
Governo do Estado, como da Prefeitura, e mais recentemente do Governo Federal, o terminal
intermodal é apenas uma idéia, uma proposta que despertou o interesse de alguns agentes
públicos (sobretudo Prefeitura, CBTU e Ministério das Cidades) e de um agente financiador
(o BNDES), mas que ainda não se constitui em projeto, e mesmo no nível da idéia, entra em
conflito com outra proposta para a área: a implantação do terminal pesqueiro. Este, encontra-
se com seus projetos em fase de desenvolvimento e embora esteja sendo objeto de uma grande
polêmica (que influencia na própria concepção que o projeto deverá ter), trata-se também de
uma proposta, e não de um projeto detalhado de intervenção. E como toda proposta ligada ao
setor público, sua efetivação depende de decisões políticas.
236
Verifica-se, pois, a existência de conflitos entre propostas, entre idéias de projetos,
que se pretendem implementar, o que por um lado, tem seu aspecto positivo, porque permite
que se busque uma conciliação entre as propostas antes que elas se tornem projetos, e que, por
outro, dificulta o entendimento entre as partes, porque como os projetos podem ser mudados e
correm o risco, até, de nem serem implementados, ou pelo menos não no local em que se
propõe, existe uma certa disputa de “quem” deve se adequar a “quem”. Isto é, aparentemente,
aquele projeto que se mostrar mais “factível”, tanto em termos de recursos disponibilizados,
como em termos de articulação entre agentes, teria prioridade, ou uma maior flexibilidade na
concepção de seu projeto, sobre o outro.
Para esclarecer melhor sobre de que conflitos estamos falando, ou melhor, sobre que
possíveis incompatibilidades essas propostas apresentam entre si, vejamos, mais uma vez, em
que consistem esses dois projetos. O terminal pesqueiro consiste em uma estrutura de cais e
retroárea, para atracação de barcos pesqueiros e desenvolvimento de atividades relacionadas à
pesca (como o beneficiamento do pescado, refrigeração, manutenção de barcos, etc.). Ou seja,
é uma estrutura que necessita, impreterivelmente, de acesso ao canal de navegação, no caso, o
rio Potengi, e de estruturas prediais (armazéns, fábrica de gelo, oficinas, etc.) instaladas perto
desse local de acesso. O terminal intermodal de passageiros, por outro lado, é uma estrutura
de integração de diferentes modais de transporte (no caso, dos modais terrestre, ferroviário e
hidroviário), que contempla um espaço de convívio, de permanência de passageiros à espera
de seu transporte ou de recepção daqueles que chegam, onde se pretende oferecer condições
ambientais “agradáveis”. E, no caso da proposta de terminal em discussão, que esse espaço de
convívio, seja também um espaço de contemplação do rio Potengi. Isto é, para que o terminal
intermodal seja implantado da forma que se pretende, é preciso haver também um acesso ao
rio (para o próprio funcionamento do modal hidroviário) e é desejável que se tenha uma visão
“privilegiada” do rio (e não de um terminal pesqueiro). Então, há um conflito físico, espacial,
há um conflito na paisagem urbana que se deseja criar e há um conflito na convivência de
usos tão distintos em, praticamente, um mesmo local.
Pelo desenrolar das discussões, parece haver uma forte tendência de que o terminal
pesqueiro seja mesmo implantado no local proposto (por já haver recursos alocados para isso
e por não estar sendo estudada outra localização); por outro lado, já se começa a considerar a
possibilidade de que talvez o modal hidroviário seja inviável financeiramente para o terminal
intermodal, o que diminuiria, de certa forma, a possibilidade de conflito, porque extinguiria a
demanda do terminal intermodal por um acesso físico ao rio. A necessidade do acesso visual,
237
no entanto, permanece, mantendo-se, assim, tanto o conflito pelo acesso à paisagem, quanto a
possibilidade de conflito entre os usos. Isso, apenas para exemplificar com o que ocorre entre
os projetos do terminal pesqueiro e do terminal intermodal, sabendo que há conflitos também
entre outros projetos. As propostas relacionadas à ampliação do Porto de Natal, por exemplo,
incluindo a integração férrea Mossoró-Natal, passando pela rua Chile, poderão implicar em
uma concentração ainda maior de usos industriais na Ribeira, em contraposição ao incremento
à habitação, turismo e lazer que os projetos de reabilitação propõem.
Queremos destacar, entretanto, que por trás dessas possíveis incompatibilidades e
desses possíveis conflitos, existe a questão da articulação e da contraposição de interesses; ou
seja, existem as relações de interação entre os agentes envolvidos, que, ao nosso ver, possui
forte influência sobre as decisões políticas que, de fato, definirão os rumos desse embate.
Se, por um lado, temos a Prefeitura Municipal, a CBTU, o Ministério das Cidades, a
Caixa Econômica Federal, e representantes do setor privado e da população envolvidos com a
questão cultural, apoiando e se articulando para a implementação dos projetos voltados para a
reabilitação da Ribeira, por outro, temos o Governo do Estado (representado pela SAPE), o
Governo Federal (representado pela SEAP), empresários da pesca e parte da população local
envolvida com o setor, à favor e em ação conjunta pela implementação do terminal pesqueiro.
Como também há grupos de agentes interessados na consecução dos projetos de ampliação do
Porto de Natal, como em outras propostas que estão sendo discutidas para a área.
Não se trata, na verdade, de um duelo: é um ou outro. Ambos os projetos podem vir a
ser implementados, se se conseguir reverter os conflitos espaciais existentes com soluções de
engenharia e se conseguir coordenar um funcionamento harmônico das várias atividades, após
instalados os projetos. Mas, trata-se claramente de um embate de forças, em que interesses
mais locais são contrapostos a interesses mais abrangentes economicamente, e em que certas
“armas” são postas em defesa desses interesses.
O que aparece em algumas entrevistas é que as principais “armas” que definiriam a
batalha seriam os recursos disponíveis e o grau de evolução dos projetos em termos, por
exemplo, do processo burocrático exigido (licenças, licitações, estudos de impacto, etc.). Nas
entrelinhas, também se pode observar uma contraposição de valores: o que é mais importante?
desenvolver a economia do estado, gerando emprego e renda, ou preservar a paisagem e o
patrimônio construído, oferecendo espaços para lazer e turismo? Mas, entre os agentes que
têm participado do debate, essas perguntas não teriam uma resposta consensual, é evidente. E
a população, que poderia respondê-la, não é questionada.
238
Consideramos, no entanto, que as principais armas dessa batalha são as articulações
entre os agentes envolvidos, em defesa de cada projeto. Ou seja, seria mais forte aquele grupo
que demonstrasse maior coesão, maior capacidade de convergência de interesses, e maior
poder de atuação, conseqüentemente. Nesse sentido, a Prefeitura Municipal parece ter vencido
a primeira “batalha” ao dar início às obras de requalificação do Largo do Teatro e do Mercado
do Peixe, anunciando a já desacreditada “revitalização” da Ribeira. O que parecia ser uma
proposta quase “utópica” para alguns, está se tornando realidade, ao nosso ver, devido à
articulação de forças internas à Prefeitura (SEMURB, SEMOV, STTU, SEMSUR, SEMPLA)
e, em grande parte, devido ao apoio fornecido pelo Governo Federal, por meio do Ministério
das Cidades, como também, de certa forma, à forte articulação entre Governo do Estado e
Prefeitura, em função da construção da ponte e do melhoramento de seus acessos.
É interessante pontuar, nesse sentido, uma observação levantada pelo professor
Enilson Medeiros sobre as condições “políticas” atuais em que esse embate de forças ocorre, e
que “favorecem”, de certa forma, os agentes locais, especificamente a prefeitura. Ele lembrou
que, por se tratar de um ano de eleições (nos âmbito federal e estadual) existe, por um lado,
uma pressão sobre os agentes ligados a essas esferas de governo em avançar com os projetos
em tempo hábil (antes das eleições e antes que terminem seus mandatos) e, por outro lado,
existe o risco de esses projetos não serem levados adiante, caso as ações de seus governos não
tenham continuidade (com ou sem reeleição). O governo local estaria livre desses fatores, por
não estar participando do processo eleitoral, estando, assim, então, menos “dependente” dos
resultados e das implicações administrativas que o período eleitoral impõe. Isso talvez facilite
o encaminhamento de projetos que dependam fundamentalmente de recursos e de decisões
locais, municipais.
Destaca-se, também, que o conflito de interesses e a dificuldade de resolução desses
conflitos (refletida no embate de forças) enfraquecem ambos os lados, dificultando a
implementação de ambos os projetos. Entendemos que, se houvesse uma articulação de forças
voltada para a conciliação dos interesses e a busca pela compatibilização das propostas,
possivelmente ambos os projetos teriam chances maiores de serem implementados e de serem
“sustentáveis” futuramente. Ressaltamos, com isso, a importância da influência da governança
local sobre a condução e o encaminhamento desses projetos.
Uma interessante iniciativa da Prefeitura Municipal voltada para a constituição de
um espaço de discussão dos diferentes projetos que estão sendo propostos para a Ribeira, foi a
criação da Equipe Gestora do Projeto Ribeira, reunindo representantes de diversas instituições
239
da sociedade. Mas a articulação não parece ser mesmo muito presente na governança local em
Natal, tanto que esse comitê se reuniu uma única vez, tendo sido dado continuidade apenas ao
grupo técnico, que tinha a função de executar as ações de encaminhamento dos projetos da
prefeitura e, em especial, o Plano de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais – Ribeira.
Nesse sentido, têm-se percebido uma dificuldade de se institucionalizar uma reunião
entre os grupos interessados. Em Natal, temos um sistema institucionalizado de governança
(seja previsto nas leis municipais em vigor como o Plano Diretor de Natal, a Lei de Operação
Urbana Ribeira e outros, seja por meio da nomeação de comitês políticos e técnicos, por parte
da administração municipal), mas que não tem funcionado, no caso das discussões em torno
das propostas para a área portuária, efetivamente. Em contrapartida, reuniões convocadas por
e entre alguns representantes institucionais envolvidos na questão (CODERN, GRPU, CBTU,
IDEMA, Prefeitura, Governo do Estado e outros) têm sido aproveitadas como espaço de
discussão e de negociação de interesses para a construção de acordos em torno das propostas.
A participação da sociedade civil organizada nessas reuniões, no entanto, tem sido
limitada. Apesar de serem convocados a participar de algumas discussões, os representantes
de interesses privados e de ONG’s ou associações populares não possuem poder de decisão
expressivo, sendo apenas consultados sobre possíveis sugestões ou simplesmente informados
das decisões tomadas em um nível superior de poder decisório. Algumas iniciativas desses
grupos representantes da sociedade, quando não reprimidas, são apropriadas ao discurso dos
representantes públicos como propostas de iniciativa do Estado e não da sociedade.
Assim, percebe-se que, apesar dos movimentos informais de articulação de atores
interessados se darem de forma significativa no sentido da construção de uma governança
local mais abrangente, esses movimentos são sufocados pela concentração do poder decisório
nas mãos de poucos representantes institucionais ligados à questão.
A dificuldade em definir qual seria a governança local predominante, no caso de
Natal, talvez se deva à pouca articulação existente entre os grupos de interesse, no sentido de
reunirem forças em torno de um objetivo comum. Encontramos, entre os agentes envolvidos,
conformações de governança conduzidas tanto no sentido do corporativismo, como de um
empreendedorismo ainda insipiente, fundado na tentativa de articulação entre determinados
agentes. Aparecem, desse modo, diferentes tendências para a reestruturação da área portuária
de Natal que, por não encontrarem respaldo em uma estrutura de governança dominante que
seja favorável a um determinado modelo de intervenção, tornam-se igualmente enfraquecidas
dentro do cenário atual.
240
5.4. Tendências de reestruturação da área portuária de Natal
Observando o conjunto de propostas que vêm sendo discutidas para a área portuária
de Natal, podemos identificar duas tendências principais que se contrapõem, de acordo com
os modelos de reestruturação que foram apontados no capítulo 3. Assim, se de um lado, temos
propostas de caráter infra-estrutural voltados para o incremento de atividades específicas do
setor produtivo da economia do estado, visando ao aumento das exportações, de outro, temos
propostas baseadas na requalificação do meio urbano e no incentivo a usos cotidianos locais,
mas que estão voltadas também para o incremento ao turismo como atividade econômica a ser
priorizada. Enquanto as primeiras são encaminhadas por forças ligadas às esferas de governo
estadual e federal, articuladas a interesses de grupos do setor privado produtivo, as últimas
são conduzidas predominantemente por forças de âmbito local, associadas a diversos agentes
públicos e privados. Além disso, a priorização da função portuária propriamente dita, de um
lado, é contraposta à priorização de funções urbanas, de outro.
Podemos dizer, então, que as propostas para a área portuária de Natal identificam-se
com dois modelos predominantes de reestruturação: o de hub ports, e a revitalização. Isso não
quer dizer que se pretenda implementar em Natal uma ação de intervenção nos moldes de um
hub port ou de uma revitalização portuária de acordo com os padrões em que estes geralmente
são caracterizados. Não é isso. O que queremos dizer é que existe uma identificação entre as
propostas que estão sendo colocadas em Natal e as características mais gerais desses modelos
de reestruturação, conforme descritos no capítulo 3. E essa identificação é respaldada também
pelo formato de articulação entre atores, que se observa estar sendo delineado na construção
de uma governança local, a partir da qual as propostas serão conduzidas.
A governança conformada em torno dos projetos ligados ao incremento do setor
produtivo (Porto de Natal e terminal pesqueiro) se dá no sentido de uma aliança corporativa
entre Governo Estadual, Governo Federal e empresas privadas, visando o desenvolvimento
econômico, por meio da priorização à função portuária. Identifica-se, pois, com a governança
local predominante no modelo de hub port. Nesse caso, as ações de comando estão centradas
nos Governos Estadual e Federal e as ações de coordenação na Secretaria de Agricultura,
Pecuária e Pesca – SAPE, do Governo do Estado; este, por sua vez, encontra-se articulado a
representantes do setor privado (sobretudo, de empresas exportadores, no caso das propostas
para o Porto de Natal, e de empresas de pesca, no caso da proposta do terminal pesqueiro). A
implementação ficaria a cargo dessa articulação entre governos Federal e Estadual, mas com
financiamento predominantemente federal.
241
Já os projetos voltados para a revitalização e o incremento ao turismo (marina, ponte,
terminal turístico portuário e reabilitação da Ribeira) enquadram-se em uma perspectiva mais
empreendedora de governança, porque articulam “forças” de âmbito local, centradas em torno
da administração municipal, com o apoio do Governo Federal e ações do Governo do Estado.
Há, portanto, uma articulação de interesses visando à inserção da cidade na globalização por
meio do desenvolvimento do turismo, com a priorização de funções urbanas. Associa-se, pois,
ao formato de governança predominante no modelo de revitalização. Nesse caso, o comando
do processo estaria concentrado tanto nas mãos da Prefeitura Municipal, quanto no Governo
do Estado, com a coordenação predominantemente municipal, já que a escala de intervenção é
de âmbito local. A implementação se faz pela prefeitura, que possui papel técnico e político-
institucional, com recursos de origem federal; e, no caso dos projetos do Governo do Estado,
também com recursos estaduais.
Nos dois conjuntos de projetos, o Governo Federal exerce poder de intervenção, não
apenas no que se refere à disponibilização de recursos, mas também numa orientação geral
das propostas às perspectivas de desenvolvimento traçadas nos seus programas. É interessante
ressaltar que os dois ministérios mais presentes nas discussões dos projetos (o das Cidades e o
da Pesca) foram criados durante o atual governo, e que o Governo Federal tem investido na
Ribeira nos dois sentidos, tanto para os projetos de ordem mais local como naqueles ligados
ao setor produtivo, como o terminal pesqueiro. Isto também ocorre em relação ao Governo do
Estado, que participa tanto de projetos voltados para o incremento ao turismo, quanto dos que
estão voltados ao desenvolvimento do setor produtivo. A prefeitura, no entanto, aparece como
o ente de coordenação dos interesses da economia local, mesmo quando estes se contrapõem a
interesses de âmbito regional.
De fato, as articulações em torno da perspectiva de revitalização parecem ser mais
abrangentes, mas possuem menos “força” em termos de capacidade financeira e de decisão
política, se considerarmos que a subordinação da política municipal à estadual é característica
marcante da tradição política do estado. A nosso ver, falta agregar às articulações em torno
das propostas para a área portuária de Natal o “elemento” que até então se encontra neutro nos
processos de discussão por não ter sido convocado, ainda, a participar: a população. Assim,
acreditamos que os grupos de atores e interesses que conformam, de um lado, a governança
corporativista que guia a reestruturação portuária baseada no modelo de hub port, e de outro,
a insipiente governança empreendedora que pretende conduzir um processo de revitalização,
poderão adquirir maior poder de decisão, baseado na legitimidade, se conseguirem convencer
242
a população, ou grupos representantes desta, a aderirem a seus ideais. Ou seja, acreditamos
que a grande “arma” que poderá definir o resultado dessa batalha encontra-se resguardada na
percepção que a população venha a ter dessas duas propostas principais que visam à indução
de processos distintos de reestruturação da área portuária de Natal (e quando falamos em
reestruturação, estamos nos referindo a uma verdadeira transformação espacial, de usos e de
valores), quando delas tomar conhecimento. A partir dessa percepção, ela poderá posicionar-
se no debate, vindo a influenciar na sua conclusão.
O objetivo deste trabalho não é oferecer uma visão futurística do que poderá ocorrer
na área portuária de Natal, como resultado dos arranjos de governança que se delineiam, mas
apresentar uma reflexão sobre como eles têm influenciado na condução desse processo.
Assim, pelo que se observa no quadro atual, a reestruturação da área portuária de
Natal poderá seguir um caminho incoerente com as suas especificidades e com os anseios da
população, caso não se promovam mudanças na estrutura de governança local, no sentido de
fortalecer os laços de articulação ou de cooperação entre Estado, mercado e sociedade civil.
243
CONCLUSÃO
244
A evolução dos sistemas de transportes e de comunicação, a emergência de novas
relações de mercado e de um novo padrão mundial de interação entre os povos, traduzidos no
paradigma da “globalização”, bem como as adequações ao novo contexto encaminhadas pelos
Estados Nacionais, por meio de reformas direcionadas para a privatização, a descentralização
e a desregulamentação das estruturas governamentais, refletem-se em mudanças significativas
sobre as cidades e os portos da atualidade. As cidades passaram a concentrar as principais
perspectivas de desenvolvimento, destacando-se, nos discursos atuais, a importância da escala
local, entendida sob as perspectivas de competitividade e empreendedorismo, sem se perder
de vista, no entanto, o ideal da sustentabilidade. Os portos, por sua vez, passaram a ser vistos,
de um ângulo, como estruturas essenciais à conexão entre territórios estratégicos na economia
mundial, sobre as quais atuam as mesmas forças integradoras e excludentes que conformam
as “redes” da globalização, e de outro, como espaços característicos de um período industrial,
já ultrapassado, e portanto, alheios à dinâmica urbana atual.
Esse contexto produz impactos significativos sobre as áreas portuárias da atualidade,
colocando-as diante de um duplo desafio: adequar-se às necessidades do mercado mundial, e
inserir-se na “condição urbana pós-moderna”. Para tanto, portos e áreas portuárias de todo o
mundo passaram a ser objeto de transformações físicas, estruturais, administrativas e espaciais
conduzidas de acordo com distintas priorizações estabelecidas. De um lado, foram priorizados
em alguns portos os fatores tecnológicos, infra-estruturais e logísticos que as grandes cadeias
que controlam o transporte marítimo mundial passaram a exigir, em nome da concentração e
dinamização dos fluxos de mercadorias, dentro da conjuntura de compressão do espaço-tempo
da pós-modernidade. De outro, buscou-se a dinamização da economia portuária a partir dos
ganhos de conectividade e de interação entre portos e cidades, com a construção de laços de
cooperação entre atores associados a uma “comunidade portuária” específica, para a qual as
metas de desenvolvimento são perseguidas de forma compartilhada. E, as áreas portuárias que
não conseguiram conquistar espaço nas redes do transporte marítimo de cargas, cujos espaços
físicos ficaram subutilizados ou abandonados, devido à obsolescência e à decadência de suas
estruturas, encontraram alternativa de inserção na economia globalizada com a priorização às
funções urbanas emergentes no contexto pós-moderno, seja como centros terciários avançados
ou como espaços de atratividade turística e lazer.
Identificamos, então, três modelos dominantes de reestruturação de áreas portuárias
dentro da conjuntura globalizada, neoliberal e pós-moderna da atualidade: as experiências de
construção de hub ports, os projetos de revitalização de áreas portuárias, e a consolidação de
245
comunidades portuárias, na concepção de “cidade portuária”. E notamos que, tanto a escolha
por determinado modelo de reestruturação, como a forma de condução do processo em cada
área portuária, são condicionados, em grande parte, pelas características da governança local
predominante.
Aos processos de reestruturação encaminhados conforme o modelo de hub port,
caracterizado predominantemente pelo foco nos atributos infra-estruturais e tecnológicos do
porto e pelo isolamento deste em relação à cidade, corresponde uma estrutura de governança
local de formato tradicional ou clássico, centralizada no setor público e articulada com grupos
do setor privado, à qual denominamos de governança “corporativista”. As reestruturações do
tipo revitalização, por outro lado, requerem estruturas de governança local mais abertas e
articuladas entre os setores, por estarem associadas a novos formatos de planejamento urbano,
em que os aspectos ambientais, ou urbanísticos, adquirem primazia frente às estruturas
tradicionais de funcionamento portuário, numa visão de empreendedorismo urbano. Por isso,
denominamos essa forma de governança local de “empreendedora”. Nas reestruturações de
áreas portuárias conduzidas conforme o modelo de cidade portuária, encontramos uma
tentativa de equilibrar a relação entre o desenvolvimento do porto e da cidade, por meio da
complementação entre seus atributos e da valorização das especificidades locais como fator
atrativo. Como nesse modelo a governança local é marcada pela cooperação entre porto e
cidade, a partir da gestão de conflitos e da negociação de interesses em uma comunidade
portuária, estaria caracterizada, então, como uma governança “cooperativista”.
Podemos dizer também que, apesar das diferenças, os três modelos convergem para a
busca de desenvolvimento. No entanto, enquanto o ideal desenvolvimentista da concepção de
hub port está pautado em princípios de crescimento de produtividade e competitividade, na
concepção de cidade portuária, percebe-se uma maior associação ao ideal de desenvolvimento
local (pela vinculação da economia a atributos territoriais) ou de desenvolvimento sustentável
(pela sustentação política das ações apoiada na cooperação). Nas propostas de revitalização,
os dois ideais aparecem de certa forma combinados, já que se busca uma inserção competitiva
como no primeiro, porém, focada no desenvolvimento local, como no segundo, considerando-
se muitas vezes aspectos ambientais e culturais desse desenvolvimento.
A construção de hub ports, na verdade, parece ser a solução mais direta, mais óbvia,
de reestruturação de áreas portuárias, porque visa à mera adequação do sistema portuário aos
imperativos das cadeias do transporte marítimo mundial, sem oferecer vantagem comparativa
que não possa ser implementada em outro porto (ou seja, associada às especificidades locais).
246
Por outro lado, as revitalizações e as cidades portuárias podem ser consideradas soluções mais
inovadoras nesse sentido, porque elas buscam o incremento de outros valores presentes no
processo de globalização, relacionados ou não ao setor produtivo. Nas revitalizações, busca-se
desenvolver aspectos simbólicos, de identidade e referência, dentro da economia do turismo;
nas cidades portuárias, busca-se desenvolver na articulação entre atores, atributos diferenciais
ligados ao setor produtivo (qualidades informacionais, sociais, e institucionais).
Desse modo, tanto as revitalizações como as cidades portuárias, caracterizam-se
como reestruturações condicionadas a um formato mais inovador de governança, com forte
presença do setor privado, seja no comando, na coordenação ou na implementação, sendo o
seu poder de influência no processo dependente do grau de abertura do Estado. A participação
da população também é algo relativo em cada sistema, mas que ainda se faz pouco presente na
maioria dos processos.
Acreditamos que não existe uma estratégia padrão de desenvolvimento portuário que
possa ser aplicada a qualquer localidade, ou mesmo a localidades semelhantes dentro de um
determinado modelo, mas que é preciso levar-se em consideração o maior número possível de
condicionantes locais na definição de um arranjo de ações que esteja adequado àquela
localidade, com base nas experiências de reestruturações de áreas portuárias existentes.
Seassaro (1999), analisando as relações porto-cidade na Europa, especificamente na
interpretação do caso italiano, descreve como condicionantes para a caracterização de cada
situação, os seguintes fatores:
A configuração do poder das autoridades portuárias;
O papel que o Estado desempenha na gestão dos portos, assim como nas
políticas territoriais de infra-estruturação e da despesa pública para as grandes
infra-estruturas, e;
A capacidade das administrações municipais de serem sujeitos ativos de
promoção e de empreendimentos com respeito ao sistema de operadores
econômicos, e de elaborar estratégias e de praticar políticas complexas com a
finalidade de melhorar a qualidade urbana e o quadro de vida dos habitantes.
Essas características podem ser observadas com maior profundidade na realidade
brasileira para que os condicionantes locais sejam compreendidos dentro desse contexto, o
que poderá vir a ser aprofundado em estudos posteriores. Mas algumas observações sobre as
condições que se colocam para as reestruturações de áreas portuárias no Brasil já podem ser
apontadas, de forma preliminar.
247
Assim, observamos que, no Brasil, apesar de terem sido conquistados avanços no
âmbito legal, no sentido de uma maior interação entre os setores da sociedade envolvidos com
a questão portuária, os processos de reestruturação de áreas portuárias caminham, em grande
parte, segundo uma tendência de construção de portos concentradores em áreas afastadas dos
centros urbanos tradicionais. Se, por um lado, a promulgação da Lei de Modernização dos
Portos trouxe um avanço no sentido da implementação da concepção de “cidade portuária”,
por outro, as ações de intervenção ainda encontram-se voltadas predominantemente para o
modelo de porto concentrador de carga. Obedecem, desse modo, a uma estratégia de atuação
centrada na dinamização da economia produtiva nacional, por meio de investimentos em
recursos tecnológicos e infra-estruturais, característica da típica articulação conformada entre
um Estado desenvolvimentista e um Mercado dependente, quer dizer, de uma governança
corporativista. Esse tipo de governança reflete-se, por sua vez, na dificuldade de articulação
entre os diversos níveis de governo e na ausência de uma adesão ativa do setor privado em
torno de um projeto estratégico, empreendedor, representando uma barreira à efetivação das
propostas de revitalização.
No caso de Natal, além dos condicionantes do contexto nacional intervenientes sobre
a condução de um possível processo de reestruturação da sua área portuária, destacam-se os
fatores relacionados às especificidades de sua história, de sua política, da cultura de seu povo,
e da tradição de planejamento que a caracterizam, como em qualquer outra localidade.
A história da evolução urbana de Natal revela que por ter se tratado de uma cidade de
pouca expressividade nacional durante todo o período que antecede o século XX, não há um
centro histórico rico e desenvolvido e que tenha sido preservado, que possa ser reconhecido
como patrimônio de abrangência internacional ou sequer nacional. O seu porto também não
possui, nem nunca possuiu, uma importância marcada na economia nacional ou regional, que
fizesse com que fosse considerado estratégico nas políticas de desenvolvimento. O que se tem
é uma cidade marcada pelo processo recente de urbanização mais acelerada, com um centro
histórico pouco desenvolvido e pouco valorizado e uma área portuária retraída e “esmagada”
no coração da cidade. Mas essa é a cidade que se tem. Esse é o patrimônio histórico que pode
ser preservado, para contar às gerações futuras um pouco sobre a tímida e, ao mesmo tempo,
audaciosa Natal que deu origem a esta cidade, que hoje parece mais um enorme cartão-postal.
E estes são, afinal, o porto e a área portuária que sempre serviram como espaço de conexão
entre o interior e a capital, e entre a capital e o mundo. Um verdadeiro complexo paisagístico
da cidade, unindo o rio, o mar, e o cenário peculiar do seu humilde centro histórico.
248
A história do planejamento urbano na cidade mostra, por sua vez, uma constante
busca pela modernização, pelo embelezamento, refletido na consolidação de modelos urbanos
desejados pela elite social, econômica e política, que pôde desenvolver, sem grandes entraves,
seus projetos de “imagens” para a cidade. A política, sempre dominada por grupos familiares
que se alternam no poder (Albuquerque Maranhão, Bezerra de Medeiros, Mariz, Maia, Alves,
Faria), possui um tradicional distanciamento da população, que também nunca se revelou
ativa na reivindicação de seus interesses ou na contestação às decisões das elites.
As ações em torno de intervenções no centro histórico e principalmente no bairro da
Ribeira, onde está a área portuária, revelam-se, nesse contexto, deslocadas dos anseios tanto
da população, como da classe política, que têm se voltado prioritariamente, desde a década de
1980, para o turismo. O turismo se impõe hoje como o ideal urbano que a elite política e
social quer implantar em Natal. Este tem sido, atualmente, o “carro chefe” da economia, da
política e da urbanização da cidade. E é também por ele que, de certa forma, começam a
surgir novos interesses sobre a área central, no sentido de uma revitalização voltada para o
incremento do turismo cultural.
Mas, junto com esses novos interesses gerados, surgiram outros que, além de não
terem relação alguma com os primeiros, chegam a contrapô-los: são os interesses econômicos
ligados à pesca e à atividade portuária. Estes, na verdade, existiam há mais tempo e já vinham
se consolidando na área, com os investimentos que alocaram quando o interesse turístico nem
passava pela Ribeira (porque estava muito “concentrado” em Ponta Negra).
Como fruto do impacto urbano da inserção da cidade na globalização econômica, por
meio do turismo, criou-se uma desigualdade interna em que espaços de atratividade para esse
setor adquirem primazia sobre outros deslocados dessa dinâmica. Observando-se a direção
tomada pelos investimentos públicos e privados na cidade, nos últimos anos, percebe-se que
houve uma concentração focada sobre a orla marítima sul e, especialmente, sobre o bairro de
Ponta Negra. Para lá foram alocadas muitas das obras recentes de intervenção urbanística no
município, como também numerosos empreendimentos de iniciativa privada. Assim, a relação
de Ponta Negra com a economia do turismo, contribuiu para a concentração de investimentos
públicos e privados naquela área em detrimento de outros setores, entre os quais a área central
da cidade, ou a área portuária. Com a construção da Ponte Newton Navarro, porém, começa a
haver uma conjunção de interesses sobre essa área, vinculada à possibilidade de incremento a
atividades turísticas. E, atualmente, diversas propostas têm sido voltadas para a área central e
portuária da cidade, visando à sua revitalização.
249
Encontra-se, hoje, em discussão um complexo conjunto de projetos voltados para a
área portuária de Natal, focados em diferentes visões de desenvolvimento e apoiados tamm
por diferentes “forças” e interesses. São eles: os projetos de reabilitação da Ribeira e incentivo
ao uso habitacional, o projeto do Terminal Intermodal de Passageiros, projetos para praças e
eixos viários, como o Largo do Teatro, a Praça do Pôr-do-sol, e os melhoramentos na Avenida
Duque de Caxias, Museu da Rampa, Parque do Mangue, Terminal Turístico Portuário, Marina
do Potengi, Ampliação do Porto de Natal, relocação da Favela do Maruim, implantação do
Terminal Pesqueiro de Natal, além de outros menos expressivos. A função portuária é tratada
de diferentes formas nesses projetos: para a realização da atividade da pesca, para a
distribuição de mercadorias para exportação, para o transporte de passageiros ligado a
atividades turísticas e de lazer, etc. E o rio Potengi é visto tanto como um elemento de
importância estratégica para o desenvolvimento de atividades econômicas, como um possível
meio de locomoção (e lazer) para a população local e turistas, como também uma paisagem
natural a ser contemplada. Assim, são atribuídos valores sociais, ambientais, culturais,
históricos, econômicos, logísticos, e outros, às estruturas existentes na área portuária de Natal.
Essa variedade de propostas, além de refletir um aumento do interesse sobre a área
por parte dos diferentes agentes que as propõem, revela um alto grau de incerteza em relação
ao que poderá vir a ser, e de que forma irá se dar, o processo de transformação que se aponta.
Duas tendências gerais parecem se delinear: uma de teor mais econômico, produtivo, que se
aproxima ao modelo de hub port; e outra de teor mais empreendedor, local, associada à idéia
de revitalização. As limitações físicas e estruturais e o fraco potencial competitivo do Porto de
Natal, no entanto, não condizem com uma reestruturação do tipo hub port, realizada apenas
em portos de grandes proporções, instalados em áreas afastadas da cidade. Por outro lado, a
fragmentação da governança local, aliada à tradição do corporativismo na realidade brasileira,
tem dificultado o estabelecimento das articulações entre setores, que seriam necessárias para o
encaminhamento de uma proposta mais empreendedora, como no caso da revitalização.
Assim, Natal parece não possuir propensão para inserir-se em nenhum desses dois
modelos; pelo menos, não nos formatos que lhes são característicos. Mas, a área portuária de
Natal pode vir a tornar-se um pólo nacional do setor pesqueiro, com perspectivas de inserção
no mercado mundial da pesca, como querem uns; ou pode vir a ser uma porta de entrada dos
fluxos internacionais da grande “vocação” da economia da cidade, o turismo, como querem
outros. Pode, ainda, seguir um caminho completamente diferente, desenhado pelo arranjo das
diferentes forças intervenientes, e que só o destino poderá revelar.
250
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ENTREVISTAS:
Alexsandro Ferreira – Chefe do Setor de Patrimônio Histórico – SPH, da Secretaria
Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – SEMURB. Realizada em 02/06/06.
Antônio-Alberto Cortez – Assessor Especial da Secretaria Estadual de Agricultura, da
Pecuária e da Pesca – SAPE. Realizada em 22/02/06.
Eduardo Viana – Gerente da Agência Cultural do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas – SEBRAE. Realizada em 07/06/06.
259
Enilson Medeiros – Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN,
representante desta instituição na Equipe Gestora do Projeto Ribeira, e coordenador do Plano
de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais – Ribeira, pela Fundação Norte-rio-grandense de
Pesquisa e Cultura – FUNPEC. Realizada em 02/05/06.
Fernando Mineiro – Deputado Estadual pelo Partido dos Trabalhadores – PT/RN. Realizada
em 15/03/06.
Gabriel Calzavara – Empresário, proprietário da NORPEIXE, ex-diretor do Departamento
de Pesca e Aqüicultura – DPA, do Ministério da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento
– MAPA. Realizada em 23/02/06.
Hanna Safieh – Diretor Técnico-Comercial da Companhia Docas do Rio Grande do Norte –
CODERN. Realizada em 17/03/06.
Hermano Morais – Vereador pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB/
RN. Realizada em 15/03/06.
João Dehon – Responsável pelo escritório regional da Secretaria Especial de Aqüicultura e
Pesca – SEAP no Rio Grande do Norte. Realizadas em 18/01/06 e 25/05/06.
João Galvão e Nelma Bastos – Técnicos do Setor de Patrimônio Histórico – SPH, da
Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – SEMURB. Realizada em 16/02/06.
Júnior Souto – Secretário Adjunto da Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e
Finanças – SEMPLA. Realizada em 20/04/06.
Leonel Cavalcanti Leite – Coordenador de Planejamento, Acompanhamento e Controle, da
Secretaria de Estado do Planejamento e das Finanças – SEPLAN. Realizada em 26/04/06.
Manoel Cavalcanti Neto – Representante da Federação das Indústrias do Estado do Rio
Grande do Norte – FIERN, no Conselho de Planejamento Urbano e Meio Ambiente de Natal -
COMPLAN. Realizada em 14/06/06.
Marcelo de Faria – Secretário Adjunto da Secretaria Municipal do Turismo, Indústria e
Comércio – SECTUR. Realizada em 09/06/06.
Ney Lopes – Deputado Federal pelo Partido da Frente Liberal – PFL/RN. Concedida por
escrito em 21/05/06.
Reneide Garcia – Gerente de Marketing da CODERN. Realizada em 26/10/05.
Ricardo Tersuliano – Presidente do Instituto de Amigos do Patrimônio Histórico, Artístico e
Cultural e da Cidadania – IAPHACC. Realizada em 30/05/06.
Rodrigo Fuazi Hazin – Presidente do Sindicato da Indústria de Pesca do Rio Grande do
Norte – Sindipesca-RN. Realizada em 17/05/06.
Rosângela Silva do Nascimento – Presidente da Colônia de Pesca de Natal. Realizada em
07/06/06.
Virgínia Lopes – Secretária da Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Finanças
– SEMPLA. Realizada em 11/07/06.
Wilson Cardoso – Assessor Técnico do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio
Ambiente – IDEMA. Realizada em 12/05/06.
Yeda Cunha – Gerente Regional do Patrimônio da União – GRPU, no Rio Grande do Norte.
Realizada em 30/05/06.
ANEXO – Página do Diário Oficial do Município, de 23/09/05, em que foi publicada
a portaria 064, criando a Equipe Gestora e o Grupo Técnico do Projeto Ribeira
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