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A FORMAÇÃO DO PARTIDO DA SOCIAL-DEMOCRACIA BRASILEIRA
Pomeia Genaio
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Ciência Política.
Orientador: Aluízio Alves Filho
Rio de Janeiro
Julho de 2003
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ii
A FORMAÇÃO DO PARTIDO DA SOCIAL-DEMOCRACIA BRASILEIRA
Pomeia Genaio
Orientador: Aluízio Alves Filho
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em Ciência Política.
Aprovada por:
___________________________________
Presidente, Prof. Aluízio Alves Filho
___________________________________
Prof. Charles Pessanha
___________________________________
Prof. Lincoln de Abreu Penna
___________________________________
Prof. Valter Duarte Ferreira Filho
Rio de Janeiro
Julho de 2003
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iii
Genaio, Pomeia.
A formação do partido da social-democracia brasileira/
Pomeia Genaio - Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS, 2003.
182f.
Orientador: Aluízio Alves Filho.
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política, 2003.
Referências Bibliográficas: f. 164-171.
1. PSDB. 2. Social-democracia. 3. Partidos políticos. 4.
Populismo. 5. Brasil. I. Alves Filho, Aluízio. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais, Programa de Pós-graduação em Ciência Política. III.
A formação do partido da social-democracia brasileira.
iv
RESUMO
A FORMAÇÃO DO PARTIDO DA SOCIAL-DEMOCRACIA BRASILEIRA
Pomeia Genaio
Orientador: Aluízio Alves Filho
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência
Política.
Este trabalho tem o objetivo de analisar a formação do Partido Social
Democracia Brasileira - PSDB, fundado em junho de 1988. Estudamos os conflitos
internos do PMDB, mapeando suas alas. Apontamos a relação deste partido com o
presidente da República, e o processo de desvinculação do grupo histórico com o
PMDB. Finalmente, ressaltamos os motivos que levaram a esta dissidência e a
posterior do PSDB.
Palavras-chave: PSDB, social-democracia, partidos políticos, populismo, Brasil.
Rio de Janeiro
Julho de 2003
v
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo 1. Modelos de interpretação sobre o populismo 7
Modelo clássico: Populismo e industrialização
Ênfase na ideologia
O paradigma econômico
Capítulo 2. Ideologia e meios de comunicação 50
A noção de ideologia
Sobre a imprensa
Notas metodológicas
Capítulo 3. Quadro de referências históricas e ideológicas 67
Capítulo 4. O populismo na Folha de S. Paulo e no Jornal do Brasil 73
Folha de S. Paulo
Jornal do Brasil
Conclusões 160
Referências bibliográficas 164
Anexo I 172
Anexo II 174
Introdução
O termo populismo faz parte do vocabulário político desde meados do século XIX.
Originalmente o populismo foi a designação adotada por movimentos populares
tanto na Rússia quanto nos EUA.
Na Rússia, intitulavam-se populistas os que defendiam a valorização das
tradições e formas de organização comunitárias do povo (simbolizado pela figura do
camponês), rejeitando radicalmente o sistema capitalista.
Também no século XIX, os EUA vivenciaram uma experiência política,
geralmente, classificada como populista. Tratava-se de uma organização dos
pequenos proprietários rurais do Oeste do país, que questionavam o avanço do
grande capital no campo. Pretendiam um intervencionismo governamental no
âmbito econômico, a fim de defender os valores e a produção rurais. Distinguindo-
se do caso russo, não questionava o capitalismo em si mesmo. Mas, de qualquer
modo, constituía-se numa reação à expansão do universo urbano e financeiro que
consolidava-se.
1
No Brasil, a palavra começou a ganhar expressão político-acadêmica a partir
da crise institucional que culminou com a deposição do presidente João Goulart, em
de abril de 1964. De um lado, como forma de classificação desse período
realizada por atores vinculados ao regime militar, visando construir a idéia de
ilegitimidade de algumas práticas, idéias e lideranças políticas em exercício na
democracia suprimida. Por outro, com intenções distintas, intelectuais que se
opuseram ao golpe, e para explicá-lo, formularam algumas interpretações onde o
populismo era apresentado como um dos fatores que estavam na base da ruptura
institucional ocorrida. Em comum os dois grupos utilizavam o termo populismo com
sentido depreciativo.
1
Ver IANNI, O. A formação do estado populista na América Latina; e PRADO, M.
L. O populismo na América Latina.
2
Contudo, é a partir do processo de abertura do regime militar, com o
advento da competição político-eleitoral baseada no sistema pluripartidário, que a
expressão populismo virá alcançar uma grande projeção no Brasil, constituindo-se
em uma das noções políticas e sociológicas centrais no debate e disputa político-
eleitoral. A sua apropriação por parte de lideranças, partidos políticos e meios de
comunicação de massa tem sido marcada, em essência, por um conteúdo
extremamente negativo. Tem servido, à esquerda e à direita, como instrumento de
crítica no embate político, utilizado para a designação de múltiplas idéias, projetos
e formas de ação política.
É, pois, precisamente a noção de populismo que se configura como objeto
central da nossa investigação. A partir da elaboração de um mapeamento teórico
sobre as distintas abordagens acerca do fenômeno, temos como objetivo
empreender uma análise sobre o deslocamento no uso dessa noção do meio
acadêmico, aí inicialmente utilizada de modo sistemático, para os círculos políticos
e jornalísticos. A dissertação buscará mais especificamente, analisar como o
populismo é representado por dois jornais da grande imprensa brasileira, a saber: o
Jornal do Brasil e a Folha de S. Paulo, tendo por referencial as edições do ano de
1994. Por ora, basta informar que a grande imprensa constitui-se num gênero de
jornal que opera dentro dos requisitos básicos da indústria cultural,
2
buscando
contemplar os interesses dos mais diversos segmentos do público, dispondo
diferentes seções e cadernos, tendo em vista a ampliação da margem de vendas e
anunciantes. Concorre como principal eixo para atingir essa meta a busca por
credibilidade social. Seu público básico é integrado por setores letrados e
detentores de níveis de renda mais elevados na sociedade brasileira.
3
É, portanto,
dentro dessa perspectiva, que pareceu-nos pertinente optar pelos referidos jornais.
2
ADORNO & HORKHEIMER. Dialética do esclarecimento.
3
Tratamos desse assunto no Capítulo 2.
3
O presente trabalho parte do pressuposto de que um estudo realizado num
período delimitado de tempo pode contribuir para a compreensão de fatores
estruturais das formas de pensar e interpretar a realidade numa época histórica
determinada. Portanto, a escolha do ano de 1994 deve-se ao fato de ter se
constituído num ano em que foram realizadas eleições majoritárias cruciais para a
sociedade brasileira, capaz de revelar, relativamente, a gênese dos caminhos que
seriam percorridos até o presente momento, ou a sua ante-sala.
A década de 90 do século passado é marcada pela predominância político-
ideológica do neoliberalismo, ainda prevalecente. Ao realizar-se as eleições
presidenciais em 3 de outubro de 1994, o país havia vivenciado o impeachment de
Fernando Collor de Mello, cujo governo estava comprometido com as políticas de
corte neoliberal, ou, para usar um jargão do discurso dominante muito corrente na
época: políticas voltadas à imperiosa necessidade de modernizar as estruturas
econômico-sociais e do Estado brasileiro. As chamadas políticas modernizantes, de
adaptação da economia nacional às exigências da competição internacional,
estavam em curso na América Latina. O mandato de Collor de Mello foi concluído
por Itamar Franco, o que gerou uma certa frustração no empresariado nacional.
Franco era caracterizado por uma relativa indisposição frente às chamadas
reformas estruturais. Um personagem marcado por uma espécie de populismo
recalcitrante, no dizer de um editorial da Folha de S.Paulo de 31/12/1994.
O ano de 1994 é, então, o momento em que o debate sobre a reformulação
das relações da economia brasileira com o sistema internacional, assim como as
estabelecidas entre Estado e sociedade, ganha corpo e consistência temática. E o
populismo? Dentro do quadro e horizonte político e ideológico assinalado, a noção
fora bastante utilizada no debate sobre os dilemas e rumos a serem seguidos pelo
país, envolvendo acadêmicos, políticos, jornalistas e lideranças de importantes
representações classistas.
4
O objetivo primordial a ser perseguido na dissertação será, desse modo,
investigar quais os conteúdos explorados na noção de populismo e que concepções
e atores foram definidos como populistas - assim como o que viria a significar
politicamente esse rótulo no processo da competição eleitoral para a Presidência da
República.
Uma observação deve ser ressaltada: não nos propomos a empreender uma
exposição, ou comparação, das formas de construção teórico-acadêmica da noção
de populismo com o fim de elaborar um tipo ideal, puro, sobre o fenômeno. Visa-se
sim, mapear os modelos teóricos de interpretação com o intuito de identificar nos
jornais as possíveis matrizes interpretativas, ou seus resíduos, apropriadas e
presentes nas informações veiculadas.
Orientam nossa dissertação duas hipóteses fundamentais, que pretendemos
demonstrar:
i. O fenômeno designado como populismo foi representado no ano
eleitoral de 1994, pelo Jornal do Brasil e a Folha de S. Paulo, como uma expressão
político-econômica arcaica, que se encontrava, dentro do cenário político, em uma
posição antagônica às chamadas medidas racionais, responsáveis e corajosas
demandadas pelo esforço de modernização nacional. Esquematicamente, pode-se
dizer que havia sido consolidado no debate jornalístico uma contraposição entre
populismo/atraso versus reformas estruturais/modernização. O populismo a
designar, genericamente, demagogia, irresponsabilidade e estatismo e as reformas
estruturais simbolizando racionalidade, responsabilidade e flexibilidade requeridas
(nos planos ético e pragmático) pela nova configuração do capitalismo.
ii. Os referidos jornais, distantes da auto-propagada noção de
neutralidade, tenderam a identificar como representantes do atraso populista
candidaturas, partidos e programas desvinculados do projeto neoliberal, ou, ao
menos diretamente, das políticas reformistas da época, como Luiz Inácio Lula da
Silva (Partido dos Trabalhadores - PT) e Leonel Brizola (Partido Democrático
5
Trabalhista - PDT); incluindo-se aí, não como candidato, mas como representante-
mor do governo, o próprio presidente Itamar Franco. O efeito desqualificatório,
devido aos componentes simbólicos negativos imputados à noção de populismo,
percorre, inequivocamente, o uso dessa noção na classificação desses atores e suas
práticas e projetos.
Como decorrência dessas hipóteses emerge a necessidade de se empreender
uma análise, mesmo breve, e de caráter estritamente subjetivo, sobre a motivação
que guiou o uso e forma de utilização da noção de populismo no discurso
jornalístico em tela. Partimos, pois, do pressuposto de que essa noção política
configurou-se, também, num dispositivo lingüístico, simbólico, apropriado no
confronto político por uma orientação ideológica particular: o neoliberalismo.
Apoiando-nos numa reflexão desenvolvida por Pierre Bourdieu, podemos
argumentar que o propósito da dissertação é relevante para a identificação dos
mecanismos de produção e (...) circulação desse discurso [neoliberal].
4
Dessa
forma, em última instância, o trabalho visa apreender, também, o sutil processo de
difusão do pensamento neoliberal, efetuado por intermédio do uso de todo um
complexo jogo de palavras e símbolos. O populismo, por seu turno, não escapou
desse jogo.
Pretende-se assim elaborar um trabalho que possa contribuir para o debate
sobre a relação entre mídia impressa e política.
Quanto ao ordenamento, a dissertação está dividida em duas partes, uma de
natureza teórica e outra voltada para a análise de casos concretos. Na primeira
parte, composta por dois capítulos, iniciamos pelo exame dos diferentes usos
acadêmicos da noção de populismo. No capítulo 2, discorremos sobre algumas
características dos meios de comunicação e dos jornais em especial. Será
salientada a relação estabelecida entre os jornais e a ideologia dominante, assim
4
BOURDIEU, P. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal: 42.
6
como, destacadas algumas notas sobre o método a ser utilizado na análise do
discurso dos jornais.
A segunda parte (capítulos 3 e 4) é aberta com a introdução de alguns
fenômenos que integravam a conjuntura ideológica e histórica da época. Concluída
essa etapa, dedicamo-nos, então, no capítulo seguinte, à análise dos editoriais,
seções de opinião e noticiários políticos e econômicos do cotidiano. Finalizando,
apresentamos as principais conclusões da pesquisa.
Capítulo 1
Modelos de interpretação sobre o populismo
O populismo é uma das noções que foram operacionalizadas pelo campo
intelectual
5
mais correntes na linguagem da mídia. Um de seus traços mais
característicos é a multiplicidade de significados que envolvem a noção. Mesmo
como conceito fabricado na academia, ele é bastante problemático. A ausência de
um certo consenso metodológico em sua construção tipológica - com a ordenação
de características relativamente identificáveis e de uso comum - conduz à
interpretações muito díspares. Com efeito, a ambigüidade e a controvérsia marcam
a apropriação acadêmica dessa noção. Configura-se, pois, numa idéia ou fenômeno
difuso, vago, que aponta para uma direção; mas, não muito precisa e consensual.
A polêmica envolvendo a noção de populismo vem de longe. Uma das
notórias interpretações pioneiras emerge no seio do debate político da Rússia de
fins do século XIX, com Lenin. Para este autor, o populismo, em suas diferentes
expressões intelectuais, organizacionais e partidárias que surgem a partir da
década de setenta, pecava pela inconsistência na análise do processo histórico-
social do país e também por seu romantismo.
6
5
BOURDIEU, P. O poder simbólico.
6
Segundo Lenin,os populistas entendiam o capitalismo como algo estranho à
realidade nacional, resultado de medidas artificiales, de una "desviación del
camino" (Lenin, V. I. El desarrollo del capitalismo en Rusia: 22). Tal concepção
não denotaria, portanto,um caráter progressista e científico,pois o mundo
envolvido pelo capitalismo – e as estruturas e fenômenos por este engendrados-
não mais viria a comportar o tipo de organização produtiva (a auto-produção
agrária) e o estilo de vida reivindicados pelos populistas. Caberia, com efeito,
buscar entender os fatores concretos que integravam o sistema capitalista,
baseando-se efetivamente na apropriação da análise marxista, afim de projetar
a estratégia política adequada para sua superação. Esta contestação teórico-
política realizada por Lenin esteve imersa numa luta pela conquista da
hegemonia na esquerda do espectro político russo, pela verdadeira defesa dos
interesses populares de supressão do status quo. Dentro disso, vale destacar
que, a despeito das diferenças estruturais, no espaço e no tempo, das
experiências classificadas como populistas, a dicotomia, explícita na
argumentação de Lenin, estabelecida entre o irrealismo/fragilidade analítica
(representados pelo populismo) e o socialismo científico percorreu posteriores
análises marxistas sobre o fenômeno, inclusive no Brasil.
8
No Brasil, de acordo com Jorge Ferreira, o surgimento do símbolo populismo
no embate político nacional só viria a ocorrer a partir de 1945. Antes disso,
as palavras populismo e populista (...) não se encontravam
disponíveis no vocabulário.
7
Mesmo assim, como sugere o autor, até 1964 era marcado por raras
aparições nos discursos político e jornalístico. De qualquer modo, em contraste com
os vigentes conteúdos pejorativos associados a noção, construídos após a
implantação do regime militar, o autor argumenta que,
a palavra tinha um outro significado do atual - talvez o oposto. A
expressão, embora pouco utilizada, pode ser traduzida, na
linguagem de nossos dias, no que chamamos de líder popular, de
alguém que representa, autenticamente, os anseios políticos
populares ou dos movimentos populares.
8
Dito de outra forma, o significado popular e progressista que atravessava a
noção de populismo era explícito.
Reconhecendo as dificuldades que surgiram ao longo da pesquisa, e que,
provavelmente, estarão aqui refletidas, procuramos nos basear nas formulações
interpretativas mais significativas, ou melhor, detentoras de abordagens que
alcançaram livre trânsito e prestígio nos círculos acadêmicos, assim como,
relativamente, na imprensa e no meio político.
Achamos conveniente priorizar os estudos que tem por cerne os fenômenos
ocorridos, ou supostamente ocorridos, na América Latina. Seguimos essa linha
metodológica por considerá-la mais adequada para o entendimento da
representação da noção em nossa realidade nacional. Como afirma Octavio Ianni,
junto com a heterogeneidade dos países latino-americanos
subsistem semelhanças e paralelismos. Há um andamento
histórico-estrutural que parece ser comum ao conjunto da América
Latina, ao lado das peculiaridades políticas, econômicas, sociais e
culturais de cada país.
9
7
FERREIRA, J. O nome e a coisa: o populismo na política brasileira: 113.
8
Idem: 116.
9
IANNI, O. A formação do estado populista na América Latina: 15.
9
Evidentemente, buscar-se-á relacionar as interpretações de natureza mais
abrangente, que ultrapassam os limites brasileiros, com nosso caso nacional
particular. Ademais, é preciso ressaltar que as formulações sobre o populismo
brasileiro apresentam, em grande parte, nítidas influências de análises sobre outros
países do subcontinente. Não se pode desconsiderar, outrossim, que, entre outros,
os jornais apresentam - nos muitos componentes simbólicos presentes na noção -
referências exógenas que abarcam em elevado grau o conjunto dos países latino-
americanos. Referências estas elaboradas, também, e por outro lado, em
conformidade com as interpretações dadas nos centros hegemônicos do
capitalismo. Assim, parece-nos mais apropriado utilizar, além dos estudos
nacionais, análises sobre outras realidades latino-americanas a fim de iluminar as
referências e marcos teóricos adotados por pesquisadores brasileiros.
Para a caracterização dos modelos de interpretação sobre o populismo é
importante salientar a contribuição oferecida por Maria Helena R. Capelato,
efetuada com a apresentação de um mapeamento teórico em seu artigo Populismo
latino-americano em discussão (2001).
10
No curso da pesquisa, percebemos o quão
interessante e operacionalizável este poderia se configurar. Portanto, em
substancial medida, balizamo-nos neste mapeamento. No entanto, há uma
pequena diferença no mapeamento disposto nesta dissertação, a saber:
acrescentamos tanto um outro tipo de modelo interpretativo, o paradigma
econômico, assim como alguns elementos analíticos de abordagens que contestam
algumas teses clássicas sobre o populismo brasileiro.
Os tipos de construções teóricas considerados são marcados, em maior ou
menor grau, por descontinuidades e rupturas. Este fenômeno ocorreu no seio do
campo intelectual, inequivocamente, devido as diferentes matrizes teóricas e
10
Mapeamento este disposto em (extensa) nota de rodapé entre as páginas
132-134 de seu artigo, encontrado na coletânea organizada por FERREIRA, J. O
populismo e sua história: debate e crítica.
10
situações conjunturais, com dilemas e anseios específicos, em que estão
informados e inseridos diversos estudos.
11
Assim, a trajetória do populismo como noção destinada à compreensão de
algumas realidades do subcontinente latino-americano e do Brasil, em especial,
pode ser posta à luz com os modelos de interpretação (detentores, internamente,
de sintonias analíticas e temporais) que sugerimos a seguir: (1) modelo clássico -
populismo e industrialização; (2) ênfase na ideologia; e (3) paradigma econômico.
Modelo clássico: populismo e industrialização
O conjunto de abordagens e de autores aqui definidos como clássicos integram os
estudos originários acerca do populismo na América Latina. Estes estudos foram
realizados a partir de meados da década de cinqüenta, pelos intelectuais argentinos
Gino Germani e Torcuato Di Tella, tendo por centro a experiência peronista. Outra
razão que nos leva a classificar estas formulações como clássicas é o fato de que
muitas das idéias, definições e (pré)conceitos sobre o fenômeno, encontrados,
freqüentemente, em trabalhos acadêmicos e no uso generalizado do senso comum,
são extraídos, em grande parte de modo fragmentado, do grupo de interpretações
e autores localizados nessa seção.
Subdividimos as abordagens classificadas como modelo clássico em primeiro
e segundo momento. Essa divisão em tais análises sobre o populismo latino-
americano deve-se a nossa tentativa:
i. Apresentar algumas especificidades de natureza metodológica no interior
do modelo clássico.
11
Sobre a relação palavra/pensamento/estrutura histórico-social, Karl
Mannheim, pertinentemente, argumenta que: a palavra e o significado a ela
ligado constituem verdadeiramente uma realidade coletiva. A mais leve nuance
no sistema total de pensamento repercute na palavra individual e nos matizes
de significado que comporta. MANNHEIM, K. Ideologia e utopia: 109.
11
ii. Expor com maior clareza a aplicação (ou apropriação) das ferramentas
12
interpretativas formuladas nos estudos sobre o peronismo na análise da política
brasileira.
No essencial, a demarcação possui um caráter eminentemente cronológico,
sendo que as teses iniciais do primeiro momento surgem e ganham expressão
acadêmica entre os anos cinqüenta e meados dos sessenta, priorizando a
investigação do caso argentino. Já o segundo momento, caracteriza-se por uma
busca em estender a análise para diversos países latino-americanos, mormente o
Brasil, o que nos interessa, em especial, considerar. As reflexões deste segundo
momento obtém ressonância acadêmica nos decênios de 1960 e 1970, com grande
prestígio no uso político e acadêmico até os nossos dias.
Os dois momentos considerados possuem afinidades muito claras no
tratamento do fenômeno, tais como: o etapismo e o gradualismo do processo de
desenvolvimento das estruturas econômico-sociais da América Latina; a associação
entre populismo e industrialização; a percepção de uma debilidade das
organizações partidárias; e a concepção de um proletariado com origem rural, sem
tradição sindical e manipulado por lideranças carismático-demagógicas.
Vejamos algumas distinções analíticas desses dois momentos.
As construções interpretativas presentes no primeiro momento identificam o
populismo, denotando um certo viés funcionalista, como uma experiência que
serviu, prioritariamente, para a integração das massas populares ao sistema
político, não acarretando necessariamente em estímulo material para o
desenvolvimento econômico. Especificamente no caso argentino, os efeitos da
inflação e do pagamento de indenizações com a estatização de empresas teriam
gerado problemas nesse campo. Outro elemento bastante característico é a
referência ao modelo democrático-representativo dos países capitalistas
12
Como designa, sugestivamente, o professor Aluizio Alves Filho os marcos e
referenciais analíticos utilizados para a compreensão de um objeto determinado.
12
desenvolvidos como estágio civilizatório superior, que se presta como referência à
avaliação dos caminhos e dilemas latino-americanos. Pautada por uma certa
exterioridade frente a dinâmica de operação internacional do capitalismo, esta
abordagem enfatiza, basicamente, variáveis domésticas.
Quanto ao segundo momento, os principais traços particulares são: uma
análise que integra as relações estabelecidas entre os países latino-americanos e o
sistema capitalista internacional, como forma de compreender as contradições e
horizontes do processo de desenvolvimento do subcontinente latino-americano; o
entendimento do populismo como uma superestrutura do processo de consolidação
do mercado interno ou da industrialização substitutiva de importações, assim como
uma fase no desenvolvimento das relações interclasses. Um outro conteúdo
analítico que faz parte desse subgrupo, em alguma medida, é a concepção do
socialismo como etapa avançada e requerida para o desenvolvimento e
autodeterminação dos povos latino-americanos.
13
Dando seqüência a esta seção, apresentamos (no item c) Contestação de
algumas teses), algumas reflexões realizadas por intelectuais brasileiros, que visam
problematizar uma e outra premissa do populismo no Brasil. Esse conjunto de
abordagens críticas dialoga, explicitamente, com as teses e perspectivas de Octavio
Ianni e Francisco Weffort. Consiste num conjunto de trabalhos produzidos, talvez
de forma mais sistemática, a partir dos anos oitenta. Por ora, basta entendermos
como um tipo de abordagem profundamente marcado, como um todo, por uma
insatisfação com as teses clássicas sobre o conceito de populismo e, em particular,
13
Esse último traço é bastante característico, fundamentalmente, nas obras de
Octavio Ianni (O colapso do populismo no Brasil e A formação do estado
populista na América Latina), Darcy Ribeiro (O dilema da América Latina:
estruturas de poder e forças insurgentes), Wanderley G. dos Santos (Reforma
contra reforma) e, possivelmente, Francisco Weffort (a dúvida deve-se ao fato
de que seus trabalhos sobre o populismo abrangem um período relativamente
longo, anos 60 e 70, estando concentrados no livro O populismo na política
brasileira, sem referências muito claras. Em todo caso, o capítulo 1, Política de
massas, de 1965, dá margem a entender que sua posição se coaduna com a
inferência acima).
13
com as interpretações decorrentes do uso dessa noção na análise do período de
1930 a 1964 da história política brasileira.
Por fim, discorremos brevemente sobre a retomada, sistemática, dessas
teses, ocorrida em princípios dos anos noventa. Mostrando o fôlego e a força da
perspectiva clássica, alguns intelectuais apropriaram-se de uma e outra tese, com o
fim de analisar a emergência de lideranças personalistas e carismáticas na América
Latina, comprometidas com políticas de corte neoliberal. Associando a adoção de
medidas neoliberais ao populismo de alguns líderes, cunhou-se a expressão
neopopulismo.
a) Primeiro momento
As análises iniciais sobre o processo de desenvolvimento das estruturas econômicas
e sociais dos países latino-americanos, particularmente da Argentina, que tratam
do populismo, partem da existência de um tipo de sociedade definida como
tradicional (agrária) que visa transformar-se em sociedades urbano-industriais, nos
moldes ocidental-europeus. Seu marco analítico-comparativo é constituído pelo
modelo democrático-representativo das sociedades industriais avançadas. Os
trabalhos mais destacados e conhecidos que seguem essa linha analítica foram
desenvolvidos por Gino Germani, Torcuato Di Tella e Jorge Graciarena.
14
Serão,
desse modo, os autores aqui postos em relevo.
Para Germani, o advento do populismo, designado pelo autor como
movimentos nacional-populares, constitui-se como um reflexo do processo de
incorporação dos setores populares ao sistema político, num quadro de aceleradas
mudanças estruturais, experimentado por países que passaram por um processo de
industrialização tardia. A diferença primordial entre a estabilidade político-
democrática da Europa Ocidental (notadamente a Inglaterra) e o que ele chama de
14
GERMANI, G. Política e sociedade numa época de transição; DI TELLA, T. S.
Os processos políticos e sociais da industrialização; DI TELLA, T. S. El futuro de
los partidos políticos en la Argentina; GRACIARENA, J. Poder y clases sociales en
el desarrollo de America Latina.
14
autoritarismo populista, deve-se ao processo gradual, pacífico, de integração das
massas verificado no primeiro, e à massificação e integração abruptas das camadas
populares na América Latina (com variações nas seqüências e ritmos no interior do
subcontinente). O processo gradual de incorporação das massas ao sistema político
configurar-se-ia, assim, em instrumento mais sólido e apropriado para a
institucionalização das práticas democráticas. Na América Latina tal fenômeno não
viria a ocorrer...
Com a crise mundial de 1929 a Argentina, de acordo com o autor, se depara
com um intenso processo de urbanização e industrialização. O crescimento
populacional urbano deriva, essencialmente, nas palavras de Germani,
do êxodo em massa pelo qual vastas camadas populares das zonas
subdesenvolvidas - massas que até êste momento, em grande
parte, estiveram marginalizadas da vida política do país - se
radicaram nas grandes cidades e, em particular, em Buenos
Aires.
15
É, pois, com a emergência desses fenômenos, gerando um incremento dos
conflitos sociais, que as exigências pela integração política das massas viriam a
recrudescer.
Um fator particular que favoreceu a ascensão do peronismo, um tipo
peculiar de movimento nacional-popular, foi a natureza e origem do proletariado
urbano em formação: este constituiu-se por massas provenientes do campo, que
não possuíam uma socialização adequada à criação de organizações sindicais e
partidárias, capazes, efetivamente, de representar seus interesses. As massas
populares acabariam por se encontrar numa situação de disponibilidade,
fazendo com que elas se tornassem um elemento disposto a ser
aproveitado por qualquer aventureiro que lhes oferecesse alguma
forma de participação.
16
Distanciava-se, assim, da organização e participação genuínas das camadas
trabalhadoras encontradas nos regimes democráticos, modelares.
15
GERMANI, G. Política e sociedade numa época de transição: 265.
16
Idem: 266.
15
Tal condição seria propiciada, de acordo com Germani, pelo processo de
rápida mudança estrutural, ou desenvolvimento industrial. Esta seria caracterizada
pelo fenômeno da assincronia, ou seja, coexistência de práticas, estruturas, crenças
e valores correspondentes aos modelos da sociedade tradicional e moderna. O
indivíduo em adaptação aos horizontes modernos, urbano-industriais, ainda
apresentava componentes tradicionais, místicos e arcaicos.
Jorge Graciarena acrescenta uma variável para a reflexão acerca dessa
configuração dos setores proletários urbanos, a saber, o desequilíbrio existente
entre a taxa de urbanização e a capacidade industrial de absorção da força de
trabalho migrante. Segundo o autor:
no hay suficientes ocupaciones industriales para absorver
ocupacionalmente a los migrantes rurales en el sector moderno de
la economía. Éstos realizan, por lo tanto, tareas mal remuneradas
e inestables en el comercio y los servicios que tienen muchas de
las características de las ocupaciones tradicionales. Por eso, este
tipo de tareas no es una vía adecuada para la integración urbana
de los migrantes rurales, que permanecem de esta manera
marginales económica y socialmente por largos períodos.
17
Em síntese, essas são algumas das características presentes na
interpretação do fenômeno populista, em sua vertente latino-americana:
i. Movimento autoritário, conduzido por elites políticas e econômicas que
estabelecem os limites da capacidade de transformação da estrutura social vigente.
ii. Controle estatal sobre os sindicatos.
iii. Camadas trabalhadoras destituídas de organização e consciência
autênticas.
iv. Elevado grau de manipulação das aspirações populares.
v. Relação direta, personalizada entre líder político e massas, prevalecendo
nítidos componentes demagógicos.
vi. Um certo nível de irracionalidade política.
17
GRACIARENA, J. Poder y clases sociales en el desarrollo de America Latina:
110.
16
vii. Ideologia marcada por uma retórica vaga, onde se sobressai a oposição
à oligarquia e ao imperialismo.
Entretanto, nem tudo são espinhos. Dentro dos quadros do tecido social
argentino da época (anos 40/50), o peronismo teria se constituído em um regime
que ofereceu, pela primeira vez na história da classe trabalhadora,
a única experiência direta de uma afirmação dos próprios
desejos.
18
Atingiu, com efeito, a necessária valorização das aspirações populares,
proporcionando-lhes uma auto-afirmação e significado político dentro da
comunidade nacional.
De acordo com Graciarena, pode-se demarcar dois tipos particulares no
interior do chamado movimento nacional-popular, a saber: neo-tradicional e
revolucionário.
O primeiro tipo, neo-tradicional, refere-se aos movimentos que não
transformam substancialmente a ordem social dominante (estrutura da
propriedade, bases do poder, etc.), apresentando os traços acima descritos. Como
exemplos o autor menciona as experiências de Vargas e Perón.
Quanto ao segundo tipo, o revolucionário, uma das marcas históricas é o seu
caráter efêmero:
aquí se trata de un movimiento político orientado contra las
fuentes de poder vigentes y cuyo medio de acción es la
revolución.
19
As quantitativamente reduzidas experiências exitosas assinaladas pelo autor
sustentariam a indicação de tal característica. Os casos citados são o Movimento
Nacionalista Revolucionário - MNR boliviano, o arbenismo na Guatemala e o
castrismo em Cuba.
20
18
GERMANI, G. Política e sociedade numa época de transição: 281.
19
GRACIARENA, J. Poder y clases sociales en el desarrollo de America Latina:
133.
20
Como se sabe, o castrismo é o único movimento que conseguiu manter-se e
conservar-se no poder.
17
As especificidades dos tipos são evidentes, porém a natureza de suas
afinidades pode ser assim descrita:
i. a participação popular realizada por intermédio de apelos personalistas,
emocionais e carismáticos. Tal fenômeno deve-se, como já exposto, aos elementos
psicossociais apresentados pelos setores proletários, em um estágio determinado
de sua formação e maturidade;
ii. em conseqüência, os partidos políticos e os sistemas doutrinários
racionalmente formulados exercem uma função débil na organização e mobilização
das massas populares;
iii. o papel funcional do populismo, qual seja, a incorporação desses estratos
populares ao sistema político.
Ressaltando o papel mais especificamente econômico desempenhado pelo
populismo peronista, Di Tella, explicitamente influenciado pela abordagem
desenvolvimentista e etapista de W. W. Rostow,
21
afirma que este fenômeno
político
consolidou o setor industrial, que se foi tornando menos artificial e
mais capaz de resistir a uma proteção diminuída.
22
Constituir-se-ia, pois, em um caso clássico de arranque,
23
momento
transitório que ordena o caminho em direção à formação de uma economia auto-
suficiente.
Dentro desses quadros, o populismo pode ser considerado uma expressão
política transitória, correspondente ao estágio de desenvolvimento vivificado pela
sociedade argentina ou, em última instância, latino-americana. Vencida esta etapa,
ou concretizada sua função integradora, os requisitos e desdobramentos da
21
ROSTOW, W. W. Etapas do desenvolvimento econômico: um manifesto não-
comunista.
22
DI TELLA, Torcuato S. Os processos políticos e sociais da industrialização:
101.
23
Este acontecimento seria marcado por uma série de alterações nas relações
internas da estrutura econômica e na distribuição do poder. Ver idem: 74.
18
modernidade conduziriam, na Argentina, à desperonização das camadas
trabalhadoras, engendrando valores, práticas e instituições mais próximas do
modelo democrático encontrado nos países capitalistas avançados.
Uma implicação explícita que se pode deduzir deste marco interpretativo é a
de que quanto maior o nível de desenvolvimento e complexidade da economia,
maiores são as possibilidades de superação do populismo, pois, como Di Tella
avalia, o fenômeno populista é típico de países da periferia.
24
Tornar-se-ia, com
efeito, mais favorável o ambiente político-cultural para o florescimento e a
cristalização de comportamentos, valores, instituições e compromissos
democráticos em uma formação social específica.
25
b) Segundo momento
O segundo momento é representado, em geral, por abordagens que visam
investigar as origens, características e limites do populismo a partir da análise das
articulações estabelecidas entre as economias periféricas da América Latina e as
economias capitalistas dominantes. Como argumenta Ianni:
A história da industrialização no Brasil é ao mesmo tempo a
história das relações com os países hegemônicos (...). A história
brasileira (...) funde-se e ilumina-se na história do capitalismo. Em
boa parte, aquela é função desta.
26
Para esse subgrupo, priorizamos os estudos realizados por Ianni e Weffort,
27
que discorrem sobre o fenômeno no Brasil como um sistema de dominação e
sustentação política que perdurou durante os anos de 1930 a 1964. Privilegiamos
suas pesquisas devido ao grau de sistematização teórica atingido e à difusão
24
DI TELLA, T. S. El futuro de los partidos políticos en la Argentina.
25
Em artigo relativamente recente, publicado na Revista da CEPAL, Di Tella
retoma esse núcleo argumentativo, sugerindo, consequentemente, uma
transição bastante longa em nosso subcontinente e na Argentina em especial.
Discorre sobre as possibilidades de superação do populismo peronista, a partir
das novas condições sociais proporcionadas pelo incremento da modernização
econômica. Tem em vista a criação de instituições – sindicatos e partidos – mais
autênticas e representativas. Toma como um dos exemplos políticos modernos o
movimento sindical da região metropolitana de São Paulo. Ver idem.
26
IANNI, O. O colapso do populismo no Brasil: 23-24.
27
IANNI, O. O colapso do populismo no Brasil; IANNI, O. A formação do estado
populista na América Latina; e WEFFORT, F. O populismo na política brasileira.
19
alcançada no meio acadêmico e jornalístico brasileiro.
28
Parece-nos lícito afirmar
que suas análises são caracterizadas por uma certa tensão e ambigüidade.
Pretendendo compreender as razões da ruptura institucional ocorrida em 1964, ora
criticam de forma contundente os atores políticos ligados à esquerda, assim como
os tipos de organização e ação dos trabalhadores, ora destacam os aspectos
positivos desses mesmos atores imersos no populismo. Entretanto, os traços dessa
tensão são mais evidentes na abordagem de Weffort, em que se percebe momentos
de nítido incômodo, ou mesmo irritação, em face de alguns elementos constitutivos
do populismo brasileiro, como, em outras situações, denota-se uma maior
consideração com as ações de governos e do movimento operário do período. Por
28
Existe uma grande quantidade de trabalhos que possui estreitas relações
teóricas e/ou inspirados nas interpretações desenvolvidas por esses autores, tais
como: Dependência e desenvolvimento na América Latina, de Fernando H.
Cardoso e Enzo Faletto, com uma análise histórico-estrutural centralmente
comum a Ianni e Weffort. O populismo na América Latina, de Maria Lígia Prado;
A questão do populismo: populismo e participação política, de Guita Grim
Debert, e Estado, populismo e comunicação no Brasil, documento básico do III
Ciclo de Estudos da Intercom, ambos dispostos em Populismo e comunicação.
Outras análises desse segundo momento guardam, em geral, linhas
interpretativas distintas (em maior ou menor grau): O dilema da América Latina,
de Darcy Ribeiro. O capítulo 9, que trata das experiências populistas, detém
alguma semelhança com a abordagem de Weffort, mais essencialmente devido a
indicação das figuras de Ademar de Barros e Jânio Quadros como exemplos
característicos no Brasil. Para Ribeiro, o populismo constitui-se numa expressão
política de lideranças demagógicas, histriônicas, comprometidas com o status
quo, dispondo de um discurso dirigido contra as elites econômicas. Porém,
conforma-se mais a um estilo do que propriamente a um sistema político.
Vargas e Perón, por exemplo, são enquadrados numa outra categoria
denominada pelo autor como regime patriarcal de perfil nacional-sindical.
Reforma contra reforma, de Wanderley Guilherme dos Santos. Essa obra que
revela um claro sabor marxista-leninista, propõe-se a analisar os equívocos da
gestão João Goulart, efetuados, para Santos, com a tentativa de aproximação
com o imperialismo e as oligarquias rurais, afim de atingir a meta da
estabilidade sócio-econômica. Populismo seria, portanto, o fruto dessa política
particular. Brasil: crise e alternativas, de Hélio Jaguaribe. Deste trabalho
podemos destacar ao menos dois aspectos peculiares: (I) o fato de que o
populismo é considerado uma forma de organização da sociedade e estruturação
do poder não restrita aos países subdesenvolvidos. Como exemplos, Jaguaribe
menciona o poujadismo na França e o maccarthismo nos EUA. (II) Para o autor,
o fenômeno se deu no Brasil no período que compreende os anos de 1951 a
meados de 1963. Após o fracasso do Plano Trienal, ergue-se uma nova fase do
governo Goulart, sob a liderança de Leonel Brizola, em que é rompida a
estratégia populista. O Estado, cada vez mais identificado com uma visão
socializante de produção, surgia como um risco para a manutenção da empresa
privada (JAGUARIBE, H. Brasil: crise e alternativas: 30). As distinções entre
essas últimas e importantes análises em face dos estudos desenvolvidos por
Ianni e Weffort ficarão mais nítidas, claro, no curso deste item.
20
ora, a fim de ilustrar uma explícita rejeição ao fenômeno, veja-se essa passagem
sobre o comportamento dos trabalhadores e a mistificação do Estado:
É uma pobre ideologia [a populista] que revela claramente a
ausência total de perspectivas para o conjunto da sociedade. Não
se poderia esperar mais de uma pequena burguesia que se
assimila ao comportamento do lumpen e de um operário que se
expressa de maneira pequeno burguesa. A massa se volta para o
Estado e espera dele o sol ou a chuva, ou seja, entrega-se de
mãos atadas aos interesses dominantes.
29
Sigamos com a apresentação de alguns aspectos do populismo,
principalmente brasileiro.
O populismo é definido como um fenômeno político que emerge nos quadros
de crise e instabilidade do capitalismo, no período de 1914 a 1945. As duas guerras
mundiais e a crise de 1929 teriam proporcionado a emergência de rupturas parciais
internas e externas e a reformulação das relações político-econômicas com os
países centrais.
O setor primário-exportador, atividade econômica central na América Latina,
entra em crise. A capacidade de importação de bens de consumo reduz-se
drasticamente. O poder e sistema oligárquico entram em declínio. A diferenciação
da estrutura social, estimulada pelo crescimento do setor terciário vinculado à
exportação, já havia criado as condições para a formação de grupos e camadas
sociais emergentes (setores médios urbanos ligados ao Exército, comércio e
funcionalismo público civil; burguesia industrial e operariado).
Em linhas gerais, são essas as mudanças estruturais que viriam diminuir o
poder político dos grupos então hegemônicos, ligados ao setor exportador,
incentivando uma reorientação das atividades econômicas para o setor secundário.
A cidade começa a projetar-se, agora, como espaço privilegiado das decisões
políticas.
29
WEFFORT, F. O populismo na política brasileira: 36.
21
Este, constitui-se, pois, no contexto histórico-estrutural em que virão
ascender as bases do sistema populista.
30
O que os autores classificam como pacto populista ou Estado de
compromisso, emerge dessa situação. Caracterizar-se-á pela
ausência de uma classe social suficientemente forte, politicamente
organizada e com visão hegemônica de si para assumir e exercer o
poder sozinha. Por isso a aliança se torna necessária.
31
O sistema consiste, assim, numa coalizão entre contrários, onde os
interesses da burguesia prevalecem, e que apresentará as seguintes
características:
i. Uma ideologia nacionalista.
ii. A referência ao povo.
32
iii. Uma estratégia industrializante.
iv. A oposição à oligarquia latifundiária e ao imperialismo.
v. As metas de harmonia social e construção de um capitalismo nacional e
autônomo (mencionadas, em especial, por Ianni).
vi. Estado como agente central das decisões sobre a política econômica
33
e
alçado no plano ideológico como ente supremo e imparcial, que não se orienta em
favor de qualquer grupo específico.
34
vii. Frágeis organizações partidárias, que implicaram em uma relação
personalista e demagógica entre líderes carismáticos e massas populares.
30
Em seu livro A formação do Estado populista na América Latina, Ianni usa
essa argumentação para compreender além da ascensão de Vargas no Brasil,
também, Cárdenas no México e Perón na Argentina.
31
IANNI, O. A formação do estado populista na América Latina: 160.
32
Revelando uma certa postura sectária, diz Weffort: não fala nunca a nenhuma
classe determinada mas sempre ao "povo". Em sua ótica, tal prática reflete uma
tentativa de diluição dos antagonismos de classes. WEFFORT, F. O populismo na
política brasileira: 42.
33
IANNI, O. O colapso do populismo no Brasil: 27.
34
WEFFORT, F. O populismo na política brasileira: 50-51.
22
viii. Controle estatal sobre a participação e organização dos sindicatos
segundo os limites impostos pela aliança populista.
No seio desse esquema, em sua versão brasileira, também designada, por
Ianni, como modelo getuliano de desenvolvimento, são apontados diversos atores e
eventos políticos:
a Consolidação das Leis do Trabalho, o Partido Trabalhista
Brasileiro, o peleguismo, o Estatuto do Trabalhador Rural, Vargas,
Kubitschek, Goulart, Arraes, Brizola fazem parte de um mesmo
sistema e continuum. E juntam-se também Ademar de Barros,
Hugo Borghi, Jânio Quadros e outros. Todos êles, (...), estão
relacionados ao pensamento getuliano e particularmente à política
de massas, como elementos ligados nuclearmente ou como
variantes.
35
Um elemento muito recorrente nas análises desses dois autores, que
demonstram clara influência de alguns imperativos presentes no primeiro
momento, é o caráter imaturo e inconsciente do proletariado urbano. Essa
peculiaridade seria um fundamento objetivo para entender o apoio popular às
lideranças e governos populistas no Brasil. Para Ianni, por exemplo, o proletariado
encontra-se em uma posição subalterna, denotando uma espécie de consciência e
ação de massas, almejando, devido aos horizontes do desenvolvimento nacional, a
mobilidade social. Segundo o autor:
as classes assalariadas do populismo, (...), não participam da
coalizão enquanto classes sociais autônomas, organizadas e
politicamente conscientes da sua situação de classe. Ao contrário,
elas são classes em formação, quando as suas lutas estão muito
mais motivadas por razões econômicas imediatas do que por
questões políticas de classe ou da sociedade.
36
Não haviam atingido, assim, uma postura prevista pela matriz marxista, a
saber, a da classe para si; detentora de uma organização e projeto particulares de
ordenamento da sociedade.
Referente, ainda, a essa questão, constata-se, como salientado
anteriormente, uma ambigüidade na abordagem de Weffort. Em algumas situações,
35
IANNI, O. O colapso do populismo no Brasil: 98.
36
IANNI, O. A formação do estado populista na América Latina: 53-54.
23
como visto, são ressaltadas as idéias de passividade e docilidade da classe face ao
Estado e líderes políticos. Em outras, esse autor salienta a reciprocidade existente
na relação entre setores populares e governo. Em suas palavras:
O populismo foi um modo determinado e concreto de manipulação
das classes populares, mas foi também um modo de expressão de
suas insatisfações.
37
Seria um contra-senso supor-se que estas [classes populares]
possam ter servido como base de apoio, e até certo ponto de
legitimação, de um regime que ignorasse os problemas postos por
sua situação social.
38
Desse modo, entre a manipulação e o controle estatal, caberia considerar
essa outra dimensão: a satisfação, representação dos interesses populares.
Em tempos de normalidade da ordem capitalista (economia expansiva,
ampliação das oportunidades de consumo e renda) as fronteiras divisórias das
classes parecem estar diluídas, obscurecidas. Porém, a despeito da retórica e
objetivo do Estado populista e da burguesia em promover a paz sócio-nacional, os
conflitos e contradições interclasses se agudizam conforme a expansão das relações
de produção capitalistas. O processo histórico não pode ser paralisado. O dilema da
burguesia industrial entre seguir o caminho da ruptura com os enclaves
imperialistas (representados pelas corporações multinacionais) ou aprofundar a
integração com estes, é resolvido com a adoção da segunda alternativa. Uma
combinação entre a necessidade estrutural da burguesia industrial em ampliar sua
capacidade produtivo-tecnológica, associando-se ao capital forâneo, com a
radicalização das manifestações das camadas populares conduziria, assim, ao
estremecimento e, posterior, colapso do populismo.
Em resumo, de modo geral, para Ianni e Weffort, vistos em conjunto, o
populismo consistiu num estágio particular do desenvolvimento das relações de
classes e do sistema capitalista brasileiro, assim como de alguns países latino-
americanos. Seria considerado, portanto, um fenômeno político-econômico
37
WEFFORT, F. O populismo na política brasileira: 62.
38
Idem: 124.
24
estruturalmente marcado e superado pela história. Tal fato se deve, em grande
parte, à inviabilidade de se restabelecer um pacto desenvolvimentista entre
burguesia e proletariado nos moldes populistas. Os compromissos firmados entre as
burguesias nacional e estrangeira excluiriam, irreversivelmente, as camadas
populares, urbanas e rurais, do sistema de poder nos quadros de uma sociedade
capitalista periférica.
O colapso do populismo tenderia, pois, a proporcionar ao proletariado o
florescimento de nítidas posições de classe. De acordo com Weffort:
Esta forma peculiar de revolução democrático-burguesa que se
realizou através do populismo e do nacionalismo, só poderia estar
concluída com o seu próprio desmascaramento. Com o golpe de
1964, o Estado projetou-se sobre o conjunto da sociedade e
parece dirigi-la soberanamente. Esta transformação (...) é o ponto
de chegada da evolução histórica anterior e o começo de uma
nova etapa. Necessariamente, porém, as massas populares não
têm participação neste Estado que, assim, desvenda sua
verdadeira natureza de classe.
39
Segundo Ianni:
Ao ver-se criticamente, na situação real em que se encontra, o
trabalhador deixa de pensar-se como povo e passa a
compreender-se de modo mais claro como operário.
40
Sepultada a fase assistencialista, conciliatória e reformista do capitalismo no
Brasil, e na região como um todo, abrir-se-iam, desse modo, as possibilidades,
estímulos e horizontes para os trabalhadores organizarem-se em prol do salto
qualitativo: a luta pela edificação da sociedade socialista.
Muitas das idéias presentes nessas abordagens guardam uma grande
expressão até os dias que correm, entre outros, no discurso jornalístico. Veremos,
entretanto, no próximo item, que algumas dessas teses estavam (ou estão) longe
de obter consenso nos círculos acadêmicos. Os questionamentos não tardariam.
39
Idem: 44.
40
IANNI, O. A formação do estado populista na América Latina: 162.
25
Deixamos, por isso, as observações críticas à cargo das análises que seguem
abaixo.
41
c) Contestação de algumas teses
A partir de fins dos anos setenta, o incômodo com alguns pressupostos inerentes às
abordagens clássicas, em especial, as formulações de Ianni e Weffort, começa a se
refletir na produção acadêmica brasileira. Percebe-se uma necessidade de
empreender uma releitura de algumas teses sobre o processo político nacional de
1930/64, que encontravam-se (e, em um grau razoável, ainda encontram-se)
bastante cristalizadas nos círculos acadêmicos.
Em geral, a influência dos trabalhos de Ernesto Laclau
42
e E. P. Thompson
43
propiciou a elaboração de análises alternativas sobre o período da história brasileira
em tela. Como sugerido por Angela de C.Gomes e Ferreira,
44
após a produção de
alguns trabalhos que perseguiam um caminho próprio de interpretação, a obra A
invenção do trabalhismo, da própria Gomes, figurou como um marco para o reforço
41
Vale a pena acrescentar que, atualmente, Ianni tem revisto algumas de suas
avaliações sobre o período de 30/64. Em entrevista concedida a uma revista, o
autor afirma que: no Brasil, entre 1930 e 1964, se ensaiou um poderoso projeto
de capitalismo nacional (...) realmente se efetivou em termos de dinâmica da
economia, (...) de integração de setores econômicos e sociais, em termos de
uma redefinição das relações entre a sociedade civil e o Estado, aquilo que
alguns chamam maliciosamente de "populismo” (...) etc. Na verdade, houve um
projeto nacional que tinha elementos demagógicos, carismáticos de
manipulação, mas, ao mesmo tempo implicava em conquistas econômicas,
políticas e sociais notáveis, como a CLT, a (...) [CSN] (...), a Fábrica Nacional de
Motores, a Petrobras, a Eletrobras,as Universidades (...),a mídia ganhou um
grande desenvolvimento nessa época (...) Muito do que é cultura em termos de
teatro,de música,se desenvolveu nessa época.Foi uma época de grande
florescimento (...) O que houve com o governo atual nos seus dois mandatos foi
um total desmonte das bases econômicas do projeto nacional. Provavelmente,
entre outras razões, os dois mandatos de Fernando H. Cardoso tenham
estimulado o autor a fazer uma certa relativização das mazelas do populismo.
Ver CAROS AMIGOS. Esse governo fez do país uma província do capital mundial.
42
LACLAU, E. Política e ideologia na teoria marxista: capitalismo, fascismo e
populismo.
43
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa: a árvore da
liberdade. Vol. I e III.
44
Ver GOMES, A. de C. O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre
a trajetória de um conceito; e FERREIRA, J. O populismo e sua história: debate e
crítica.
26
e maior expressão dessas análises problematizadoras no debate acadêmico sobre o
populismo brasileiro.
Neste conjunto de abordagens alternativas destacam-se, em geral, a ênfase
dada aos estudos das singularidades de experiências políticas convencionalmente
classificadas como populistas e, em particular, a investigação das especificidades da
ação de atores e projetos distintos presentes nos anos de 1930 a 1964 na política
brasileira. Em alguns casos há uma rejeição ao próprio uso da noção de populismo
como instrumento teórico-analítico capaz de interpretar e compreender as
contradições, dilemas e características de realidades políticas e culturais distintas.
Como assinala Capelato, numa análise histórico-comparativa entre os governos
Perón e Cárdenas:
o conceito de populismo (...) não possibilita a compreensão da
complexa relação das classes trabalhadoras com o cardenismo e o
peronismo. A indicação de alguns elementos históricos que
marcaram essas duas sociedades naquela época serve de pista
para se pensar as especificidades. Ao meu ver, elas são de tal
ordem, que comprometem o uso do mesmo conceito para a
compreensão dos dois fenômenos.
45
Seguindo esse viés rejeicionista, Nélson W.Sodré, por exemplo - em seu
opúsculo sugestivamente intitulado Populismo: a confusão conceitual - chega a
argumentar que a noção deve ser veementemente combatida, excluída do uso e
dedicação acadêmica. De acordo com o autor, ela só tem apresentado uma única e
exclusiva função: depreciar as propostas e ações das correntes políticas
progressistas comprometidas com a transformação estrutural da sociedade
brasileira. Constituir-se-ia, pois, em um dispositivo de combate político-ideológico
utilizado por grupos conservadores no seio do jogo de forças sociais e políticas.
No que diz respeito aos estudos específicos sobre a história política brasileira
de 1930 a 1964, usualmente definida como populista, o conjunto de abordagens
em tela tem centrado sua análise em cima de três questões básicas: (I) a
45
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Populismo latino-americano em discussão:
163.
27
particularidade da estratégia trabalhista; (II) a problematização do perfil passivo do
proletariado; (III) e mais geral, o questionamento da noção de populismo em si.
46
(I) A particularidade da estratégia trabalhista
É comum ver-se a adoção do termo trabalhismo nessas abordagens, visando
com isso explicar a ação das lideranças políticas, partido e movimentos populares
comprometidos com a democratização do Estado, a industrialização, o nacionalismo
e a criação de uma rede de proteção ao trabalhador. Evita-se, assim, o uso da
noção de populismo para designar esses componentes popular-democráticos.
Em conformidade com a perspectiva de Gomes, um fator capital para a
compreensão do êxito do projeto estatal trabalhista, que se delineia,
fundamentalmente, a partir do Estado Novo, é a incorporação estatal das tradições,
símbolos e aspirações materiais presentes na trajetória de lutas e ações dos
trabalhadores, desde a Primeira República. Ou seja, distante das idéias de
manipulação e concessão de benesses de um Estado dadivoso aos trabalhadores,
sugere-se uma resposta, ou cumplicidade, às suas demandas.
Em uma análise oportuna, Moniz Bandeira correlaciona a consistência
doutrinária obtida, paulatinamente, pelo trabalhismo com as injunções externas e o
processo de desenvolvimento econômico brasileiro. O autor enfatiza os conteúdos
social-democráticos presentes na estratégia de Vargas e, posteriormente, no
46
Uma outra questão sujeita à problematização, não muito comum nas análises
consideradas, refere-se a relação líder/partido/massa. Bodea discute o
pressuposto clássico sobre a predominância de líderes carismáticos em prejuízo
das estruturas partidárias, tal como estabelecido teoricamente, entre outras,
também, para a realidade brasileira da época. Afirma que a partir do estudo da
experiência concreta do PTB gaúcho, (...), fica evidente que os líderes do
movimento trabalhista gestam, fortalecem, projetam e reproduzem a sua
liderança essencialmente a partir da sua ascensão dentro de uma estrutura
partidária regional e não, (...), a partir de uma relação carismática direta entre o
líder e a massa popular. O carisma, quando houve, desenvolve-se a posteriori.
Para o autor, a realidade gaúcha do Partido Trabalhista Brasileiro, estruturado
física e doutrinariamente, pode implicar em profícuo se mais consistentes
desdobramentos para a análise da organização e estratégia do PTB nacional.
Isto se deve ao fato de que figuras proeminentes (carismáticas) nessa esfera
nacional - como Vargas, Jango e Brizola - surgiram e passaram pelos ritos e
requisitos internos do partido. Ver BODEA, M. Trabalhismo e populismo no Rio
Grande do Sul: 194-196.
28
Partido Trabalhista Brasileiro. Aponta, dentro disso, as incompatibilidades geradas
ao longo do tempo entre os interesses das burguesias nacional e exógena face o
projeto trabalhista.
Nesse continuum, o PTB, (...), aprofundou, empiricamente, sua
orientação social e antiimperialista.
47
Os reveses sofridos pelo partido, assim como seu posicionamento
progressivamente mais claro em torno dos interesses popular-nacionais, seriam um
produto significativo da internacionalização das economias no pós-guerra.
Destacando a oposição internacional ao trabalhismo, o autor assinala o seguinte:
num país como o Brasil, onde o capital era predominantemente
estrangeiro e o trabalho nacional, as reivindicações econômicas do
proletariado afetavam, (...), os interesses do imperialismo. Era
natural, (...), que as corporações internacionais, embora
pactuassem, na Europa, com os partidos socialistas ou social-
democratas, não tolerassem no Brasil nem mesmo a existência de
um partido cuja práxis à deles se assemelhava.
48
Para a compreensão da derrota de 1964, considera-se relevante, portanto,
salientar enfaticamente as adversidades internas e externas sofridas pelo
trabalhismo, ao invés de buscar razões na hipótese de um colapso do sistema
populista.
(II) A problematização do perfil passivo do proletariado
É questionada a imputação de um modelo prévio de organização, projeto e
ação para a classe operária, ou seja, a existência de uma espécie de devir
inexorável, de um caminho e destino corretos para o proletariado.
49
Demonstrando
uma nítida influência da abordagem culturalista de Thompson,
50
Gomes ressalta
que a formação de um ator político, como a classe trabalhadora, deve ser
entendida a partir de um enfoque que integre a esfera material (as condições
47
BANDEIRA, M. Brizola e o trabalhismo: 36.
48
Idem: 37.
49
São refutadas, deste modo, as formulações de Weffort e Ianni, que
conceberiam o proletariado brasileiro da época como uma classe passiva, em
maior ou menor grau, e inconsciente, devido a inexistência de um
comportamento requerido pelo marxismo desses autores: o da classe para si.
50
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa: a árvore da
liberdade. Vol. I e III.
29
concretas da classe no interior das relações de produção) com a esfera simbólica
(sua auto-imagem e particularidade nacional). Dessa forma, diz a autora, não
uma consciência de classe, um interesse verdadeiro para a classe
trabalhadora, pois não existe, histórica ou teoricamente, nenhum
modelo que possa ser seguido e defendido.
51
Em um trabalho de Isabel de A. Ribeiro de Oliveira,
52
vemos, também, a
problematização de uma tese subjacente aos estudos de Weffort (que é claramente
inspirada nas análises do primeiro momento), a saber: a incapacidade dos setores
populares de enxergarem a realidade social na qual se encontravam, ou seja a
vigência de uma irracionalidade política que conduziria à adesão aos líderes
carismáticos/populistas.A autora discute oportunamente alguns dados que
compunham o universo simbólico de segmentos dos trabalhadores da região
metropolitana de São Paulo. Oliveira constata que, a despeito das precárias
informações apresentadas por alguns grupos de origem rural sobre o mundo da
política, as noções de desigualdade e injustiça social não escapavam às suas vistas.
As supostas inconsciência e disponibilidade política, são, pois, relativizadas, tendo
em vista a existência de uma percepção crítica sobre a atuação dos políticos, em
geral, e do governo, em particular:
afirma-se que o Governo só faz o que os ricos querem, só pensa
nos interesses dos ricos.
53
No que diz respeito especificamente às características de atuação dos
sindicatos da época, Elina G.F.Pessanha e Regina Morel apontam interessantes
questões para a problematização do peleguismo e da corrente idéia sobre a
subordinação sindical à política populista. Tratando de dois estudos de caso, os
operários navais e os trabalhadores da indústria siderúrgica, ambos no Estado do
Rio de Janeiro, as autoras argumentam que, ao mesmo tempo em que se verifica
uma postura sindical aberta à negociação com o governo federal, esses sindicatos
51
GOMES, A. de C. O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a
trajetória de um conceito: 11.
52
Ver OLIVEIRA, I. de A. R. de. Trabalho e política: as origens do Partido dos
Trabalhadores.
53
Caldeira apud idem: 40.
30
eram também representativos dos interesses das respectivas categorias. Eram
considerados legítimos por suas bases, apresentando, inclusive, expressiva
participação e mobilização destas. Segundo as autoras, então, as análises que se
referem a um caráter espúrio do sindicalismo pré-64, apresentam
uma caracterização por demais generalizante e homogeneizadora
de alguns aspectos (...) [acabando] por jogar fora a criança com a
água do banho.
54
Salientando a estreita relação existente entre o desenvolvimento de
organizações, movimentos populares e o trabalhismo, Daniel A. Reis Filho refuta a
tese da debilidade organizacional do proletariado, com a correspondente
inexistência de autonomia. De acordo com o autor, principalmente no início dos
anos sessenta, viriam a surgir um conjunto de organizações independentes, como a
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - Contag e o Comando
Geral dos Trabalhadores - CGT, que não estavam submetidas ao marco jurídico,
mas que, de qualquer maneira, faziam parte da base de sustentação do governo
Goulart, tanto apoiando quanto exigindo as chamadas reformas de base. Assim, a
emergência dos líderes sindicais e do conjunto da classe trabalhadora no cenário
político fora constituída, progressivamente, em larga medida calcada sobre uma
tradição política singular: o trabalhismo. Para Reis Filho foi essa tradição que se
buscou desqualificar à direita e à esquerda da arena política, após o desenlace de
1964, a despeito de suas distintas razões. Com o golpe, expurgava-se, com efeito,
essa tradição também em nível simbólico:
Para tanto, todos os meios seriam válidos, inclusive o mais brutal -
o mais eficiente (...): alcançar a identidade da malfadada tradição,
apagando-lhe o nome, rebatizando-a. Foi assim que do
trabalhismo se fez o populismo.
55
(III) O questionamento da noção de populismo em si
54
PESSANHA & MOREL. Classe trabalhadora e populismo: reflexões a partir de
duas trajetórias sindicais no Rio de Janeiro: 276.
55
REIS FILHO, D. A. O colapso do colapso do populismo ou a propósito de uma
herança maldita: 346-347.
31
Consistindo num desdobramento natural das duas questões anteriores, uma
outra dificuldade assinalada por algumas dessas abordagens é a diluição dos
atores, partidos e projetos concretamente distintos existentes no período de
1930/64 da história política brasileira, classificados sob um rótulo considerado
demasiadamente amplo: populismo. Contesta-se, portanto, a capacidade
explicativa de um conceito que abarque concomitantemente partidos distintos como
o Partido Trabalhista Brasileiro, o Partido Comunista Brasileiro, a União Democrática
Nacional e o Partido Social-Democrático, e diferentes lideranças políticas como
Getúlio Vargas, João Goulart, Ademar de Barros, Miguel Arraes, Juscelino
Kubistcheck, Carlos Lacerda, Jânio Quadros e Leonel Brizola. Então, em alguma
medida, sugere-se que a definição do período de 1930/64 como populista vem a
proporcionar, entre outras dificuldades, uma generalização pouco frutífera à
compreensão e inteligibilidade do período em questão.
Como se vê, essas análises apontam relevantes questões para se entender a
realidade política nacional deste período tão polêmico. Salientar as especificidades
do projeto getulista/trabalhista e descolar a análise da formação e ação do
proletariado de um destino pré-fixado, arbitrariamente estabelecido no plano
teórico, possibilita, realmente, uma compreensão mais apurada do período de
1930/64 da história brasileira. A observação das específicas bandeiras partidárias e
das formas de atuação política e representação simbólica dos trabalhadores,
também apontam para um construtivo campo de análise. Contudo, a rejeição à
noção de populismo como ferramenta teórico-analítica, que aparece explícita e
implicitamente em alguns desses estudos,
56
talvez, por outro lado, não represente
uma postura muito apropriada. Pode-se conduzir à aproximação de um exercício
interpretativo designado por Laclau como nihilismo teórico.
57
Fecha-se os olhos
56
Ver BANDEIRA, M. Brizola e o trabalhismo; CAPELATO, M. H. R. Populismo
latino-americano em discussão; e SODRÉ, N. W. O populismo: a confusão
conceitual.
57
LACLAU, E. Política e ideologia na teoria marxista: capitalismo, fascismo e
populismo: 152.
32
para a existência de um problema -a presença de um fenômeno não compreendido
-, pautando a análise por investigações que privilegiem os discursos e ações
particulares dos regimes políticos.
As duas abordagens que compõem a seção 2, demonstram uma valiosa
forma de operacionalização e aplicação instrumental do populismo na análise de
realidades sociais concretas. Por ora, veremos, abaixo, que, a despeito da ampla
gama de críticas suscitadas pelos estudos clássicos, eles ainda mantêm-se bastante
cristalizados no campo acadêmico.
d) Mantendo o fôlego: o neopopulismo
Demonstrando a força persuasiva das teses clássicas e um fôlego aparentemente
inesgotável, emerge no início dos anos 90, no mesmo compasso da ascensão de
governos latino-americanos comprometidos com as teses e políticas de corte
neoliberal, um conjunto de análises que concebe a existência de simetrias entre o
populismo e o neoliberalismo (afinidades bastante inusitadas, diga-se de
passagem). Privilegia-se, aqui, a dimensão política do fenômeno populista. É
assinalado, então, a aparição de um suposto neopopulismo na América Latina,
retomando-se, basicamente, três idéias presentes nos estudos clássicos: a
personalização da política (advinda do ressurgimento de lideranças carismáticas e
autocráticas); a manipulação das aspirações populares; e a fragilidade dos
mecanismos institucionais de mediação de interesses (como partidos políticos,
sindicatos, associações civis em geral, atrofia do Legislativo, etc.).
Como se vê, este conjunto de abordagens refuta, entretanto, a percepção do
populismo como um estágio de desenvolvimento específico. Ressalta-se, portanto,
a maleabilidade e capacidade de adaptação do fenômeno a contextos históricos e
políticos diferentes. Seria, pois, produto de um déficit de democracia. Algumas
experiências contemporâneas de populismo na região tratadas por essas análises
são: no México, Carlos Salinas de Gortari; Carlos Andrés Pérez na Venezuela; no
Brasil, Fernando Collor; Carlos Menem na Argentina; e Alberto Fujimori no Peru.
33
Um aspecto central do neopopulismo seria a retórica das lideranças
personalistas. Esta retórica sustentaria a necessidade de se promover o bem-estar
material do povo, ou da nação, por intermédio dos mecanismos do livre mercado.
Paradoxalmente, assim, a figura do Estado é alçada ao posto de inimigo número
um da nação, devido ao fato de seus instrumentos financeiros e materiais
encontrarem-se numa situação de inoperância face as exigências da sociedade.
Segundo Kenneth Roberts, a reemergência do populismo na região fundou-
se na conjunção de alguns fatores, tais como: a crise da dívida; o estrangulamento
do padrão de desenvolvimento centrado no Estado; um movimento operário
enfraquecido (com uma sinalizadora taxa elevada de trabalhadores na
informalidade); espiral inflacionária; e uma sociedade civil desorganizada,
relativamente amorfa.
58
Devido a incapacidade de resposta das lideranças e
partidos políticos tradicionais aos problemas enfrentados pela população, como a
instabilidade econômica e as crises de autoridade e representação (em especial,
derivadas da corrupção), uma desconfiança ao establishment político tomaria corpo
no eleitorado. Abria-se, assim, um espaço favorável para participar efetivamente do
jogo político,
líderes carismáticos relativamente autonomizados de sus partidos
y sus tradiciones, (...), o que carecen de antecedentes partidarios
(...), e incluso de cualquier antecedente político.
59
O cenário político foi marcado, assim, por uma ideologia do pragmatismo, de
contestação aos atores políticos convencionais (sindicatos, estruturas partidárias,
organizações sociais, etc.). Para os novos populistas, estes atores representariam
interesses particulares, que inviabilizariam o esforço de reconstrução nacional.
Enfim, prevaleceria uma política da anti-política.
60
58
ROBERTS, K. Populism and democracy in Latin America: 6.
59
NOVARO, M. Crisis de representación, neopopulismo y consolidación
democrática. Ver seção El agotamiento de las tradiciones políticas y la crisis de
identidades.
60
ROBERTS, K. Populism and democracy in Latin America: 97.
34
O populismo representaria, com efeito, um mal crônico, degenerador, da
sociedade e política latino-americana.
61
Ênfase na ideologia
Este modelo interpretativo consiste em um tipo de abordagem que privilegia
a dimensão ideológica dos movimentos e governos populistas.
62
Constitui-se num
método não muito usual de investigação sobre o fenômeno. No que se refere ao
estudo do populismo na América Latina, a análise de Laclau - consagrada em sua
obra Política e ideologia na teoria marxista – figura como a grande referência do
que estamos aqui chamando de ênfase na ideologia, assim como norteia
substantivamente nossa reflexão sobre a noção de populismo. Dessa forma, estão
dispostos nesta seção algumas nuances da perspectiva e do método formulado por
Laclau. Incluímos, ademais, algumas questões levantadas por Miguel Bodea
63
sobre
o período de 1930/64 da história política brasileira, em uma análise desenvolvida
sob a influência do método de Laclau.
64
61
Além das incorporadas ao corpo do texto, ver, também, entre outras análises:
CHAUÍ, M. Raízes teológicas do populismo no Brasil: teologia dos dominantes,
messianismo dos dominados; MAYORGA, F. Compadres y padrinos: el rol del
neopopulismo en la consolidación democrática y la reforma estatal en Bolivia;
PALERMO, V. Populismo temperado: uma interpretação política do plano de
convertibilidade argentino de 1991; SAES, D. A. M. A reemergência do
populismo no Brasil e na América Latina.
62
Por ora basta dizermos que seguimos, entre outras, a definição dada por
Laclau sobre a noção de ideologia. Esta é entendida como um complexo de
representações, valores e crenças que se materializam em ações objetivas, a
partir daquilo que LouisAlthusser chama de interpelação, ou apelo, ao indivíduo,
chamando-o a posicionar-se em conformidade com os rituais e normas que
compõem uma dada ideologia. Um fenômeno socialmente derivado, em última
instância, da luta de classes, que se origina na esfera infra-estrutural – ou seja,
nas relações sociais de exploração e produção. Deste antagonismo emana
ideologias tanto dos setores dominantes quanto dos setores dominados (produto
de suas experiências, lutas, tradições e organizações). No capítulo 2 discorremos
mais detidamente sobre o assunto.
63
BODEA, M. Trabalhismo e populismo no Rio Grande do Sul.
64
Outra análise que encontramos dando ênfase à dimensão ideológica, tendo
como centro uma experiência latino-americana, foi a produzida por Emilio De
Ipola. Por estarmos aqui a privilegiar, particularmente, a abordagem de Laclau
(e um trabalho inspirado por este), basta dizer que De Ipola discute em seu
texto o renovado peronismo de Menem,ressaltando que ele não eliminou um
elemento fundamental do fenômeno peronista: o elemento popular, com seus
signos e códigos de identidade próprios. Ver DE IPOLA, E. Peronismo y
populismo: uma nueva propuesta de interpretación. Um estudo bastante
conhecido de Peter Worsley, O conceito de populismo, que salienta o âmbito
35
O método analítico desenvolvido por Laclau, afirmamos antecipadamente, é
um dos mais operacionalizáveis e fecundos dentre todos os estudos considerados
no presente capítulo. Emerge a partir de um claro desconforto com as teses
correntes, clássicas, sobre o populismo, nos idos dos anos setenta. O autor
formulou um instrumento teórico bastante enriquecedor e original para a
compreensão do fenômeno. Populismo configura-se, aqui, como uma espécie de
estratégia político-ideológica adotada por grupos e classes, em contextos
específicos, tendo em vista a conquista do poder. Ao privilegiar, portanto, a
ideologia como instância social favorável à compreensão do populismo, o autor
procura capturar não necessária e exclusivamente os princípios e fatores
constitutivos da ideologia populista, mas sim o modo como ela aparece e se
constitui.
Laclau busca identificar, inicialmente, o elemento comum, invariável, que
perpassa as diversas experiências classificadas como populistas. Este elemento
central é a referência ao povo.
65
Visando escapar do reducionismo de classe, o
autor afirma que para além da contradição nodal das formações sociais capitalistas
-a de natureza classista, burguesia e proletariado -faz-se presente um antagonismo
adicional, a saber: o estabelecido entre bloco de poder (classe e grupos
dominantes) e povo (classe e grupos dominados). Essa contradição seria
encontrada ao nível do discurso ideológico e do sistema político.
Desse modo, a idéia que Laclau procura desenvolver é que nenhuma classe
determinada consegue obter a hegemonia ideológica através da imposição de sua
concepção de mundo uniforme para o conjunto de uma dada sociedade. Far-se-ia
necessário, então, buscar a incorporação ou neutralização dos discursos, práticas e
ideológico das experiências populistas como instrumento metodológico capaz de
viabilizar a compreensão do fenômeno, pode, facilmente, também ser
enquadrado no presente modelo de interpretação. Não o utilizamos na
exposição, além da já mencionada razão, devido ao fato do autor analisar,
especificamente, os casos relativos aos continentes africano e asiático.
65
LACLAU, E. Política e ideologia na teoria marxista: capitalismo, fascismo e
populismo: 171.
36
posições político-ideológicas de classe e grupos diferentes, a fim de atingir sua
hegemonia. Para alcançar essa meta, há que se adotar uma estratégia político-
ideológica que viabilize a articulação entre o que o autor define como as
interpelações de classe (projeto e objetivos da classe dominante ou dominada) e as
interpelações popular-democráticas (compostas pelas aspirações e lutas difusas do
povo, formado pelo campesinato, proletariado urbano e rural e setores médios
urbanos). É, com efeito, a partir da articulação de um discurso e projeto classista
com os interesses, tradições e experiências populares, empreendida em oposição
ao bloco de poder, que o populismo começará a surgir.
Além dessa articulação povo-classe, são exigidas, basicamente, duas outras
condições necessárias para a identificação da emergência, ou existência, de um
fenômeno populista:
i. Situação histórica crítica, onde o bloco de poder apresenta uma
incapacidade de neutralizar a insatisfação de classe ou de grupos antagônicos.
ii. As massas integradas a um movimento social vislumbram a oposição,
mais ou menos radical, ao bloco de poder hegemônico.
Assim, o populismo - ou a articulação do discurso e lutas populares a um
projeto classista - pode ser razoavelmente vislumbrado dentro de uma realidade
social crítica:
O populismo surge historicamente ligado a uma crise no discurso
ideológico dominante que é, por sua vez, parte de uma crise social
mais geral.
66
Dentro deste quadro teórico, pode-se, legitimamente, então, falar em
populismo de direita e populismo de esquerda. As classificações destas modalidades
de populismo irão variar de acordo com as singularidades das formações sociais
concretas. Alguns exemplos de experiências populistas mencionadas pelo autor
são: o getulismo, o peronismo, o fascismo, o nazismo, o maoísmo e o titoísmo.
66
Idem: 182
37
A idéia de que o populismo consiste numa tentativa de paralisar o processo
histórico, como sugerido nos estudos de Weffort e Ianni,
67
em busca do
arrefecimento da luta de classes é, aqui, refutada. Na perspectiva marxista de
Laclau não há oposição entre socialismo e populismo. Para o autor, o populismo
dirigido pela classe operária constituir-se-á na modalidade mais genuinamente
popular e avançada do fenômeno. Corresponde a uma estratégia política perspicaz
e eficiente do proletariado (ou ao menos de seus estratos mais conscientes e
organizados) incorporar os anseios, símbolos e discursos do povo ao seu projeto e
forma de ação. É necessário, portanto, aproveitar as insatisfações e os
antagonismos (latentes e, em grande medida, difusos) das camadas populares, a
fim de conquistar a hegemonia política e ideológica no seio das classes dominadas.
Desta ação articulatória sairão as condições e possibilidades de vitória de um
movimento socialista. Nas palavras do autor:
A dialética entre o povo e as classes encontra, aí, o momento final
de sua unidade: não há socialismo sem populismo, mas as formas
mais elevadas de populismo só podem ser socialistas.
68
Em um trabalho que visava apresentar uma argumentação alternativa
acerca do populismo no Brasil,
69
Bodea se apropria da ferramenta analítica
elaborada por Laclau, trazendo à luz uma pertinente reinterpretação do processo
político brasileiro de 1930 a 1964.
Segundo Bodea, o período em questão foi testemunha de uma paulatina
evolução de um populismo das classes dominantes em direção ao populismo das
classes dominadas.A Revolução de 1930 viria a expressar, assim, a emergência de
um populismo de direita, ou conduzido pela classe dominante:
A Revolução de 1930, (...), representa o avanço de uma fração de
classe [dominante] que requeria substancial transformação do
67
WEFFORT, F. O populismo na política brasileira; IANNI, O. O colapso do
populismo no Brasil; IANNI, O. A formação do estado populista na América
Latina.
68
LACLAU, E. Política e ideologia na teoria marxista: capitalismo, fascismo e
populismo: 202.
69
Ver BODEA, M. Trabalhismo e populismo no Rio Grande do Sul: cap. 3.
38
bloco de poder. Gestam-se assim as precondições do que poderia
ser considerado, num primeiro momento, como um populismo da
classe dominante, ao nível nacional. Getúlio Vargas passaria a
representar a figura-símbolo deste processo.
70
O projeto desta fração de classe, que substitui o bloco oligárquico-tradicional
no poder do Estado, é consubstanciado por feições reformadoras e modernizantes,
tais como:
a legislação trabalhista (...) e a industrialização com apoio
estatal.
71
De acordo com o autor, este projeto irá conquistar um apoio passivo das
camadas populares no início; mas, posteriormente, estas viriam a engajar-se
ativamente junto aos princípios e metas presentes neste projeto.
Ao longo desses anos, um fenômeno político e doutrinário vai tomando corpo
e ganhando expressão no seio dos setores populares (assim como definindo mais
claramente o projeto getulista inicial), a saber: o trabalhismo. Este fenômeno
não deixa de evoluir na direção de uma síntese das interpelações
popular-democráticas, gestadas na luta antioligárquica, com os
movimentos sociais das camadas populares deflagrados no período
posterior a 1945.
72
Desse modo, o processo político nacional depara-se com uma inflexão do
populismo para a esquerda, sob a bandeira trabalhista:
Nos derradeiros anos do regime constitucional de 1946, na fase
1961-64, (...), importante setor do trabalhismo de massas,
liderado (...) pelo governador gaúcho Leonel Brizola, radicaliza
suas posições (...), gestando as precondições para um populismo
socialista ao nível do movimento de massas e das camadas
populares.
73
Então, se Vargas simbolizava o pontapé inicial do jogo populista, Brizola
esteve a representar o desenvolvimento do populismo para padrões mais
70
Idem: 206.
71
Idem: 204.
72
Idem: 208.
73
Ibidem.
39
avançados de mobilização política e organização da sociedade.
74
Assim, para
Bodea, o golpe de 1964 teve a seguinte característica:
A crise de 1964 - que culmina com a queda de Jango e o exílio de
Brizola - marca uma ruptura histórica no processo de ascenso de
um movimento de massas que procurava implementar o projeto
trabalhista a partir da conquista de hegemonia dos setores
populares, na plena consolidação de um populismo das classes
dominadas.
75
Bodea classifica, pois, não necessariamente o período em tela como
populista, mas sim o projeto, partido e movimentos populares identificados, direta
ou indiretamente, com o trabalhismo.
Reiterando, concebemos o tratamento dado por Laclau como uma
ferramenta analítica bastante oportuna para o entendimento do fenômeno
populista. Constitui-se num marco efetivamente operacionalizável da noção.
Distingue-se das clássicas abordagens de Ianni e Weffort, fundamentalmente, nos
seguintes pontos: em primeiro lugar, a rejeição à circunscrição do fenômeno, como
sugerido pelos intelectuais brasileiros, a um período histórico-estrutural
determinado (formação de uma sociedade urbano-industrial). Para Laclau, o
populismo não está restrito a um estágio de desenvolvimento particular do
capitalismo. Em segundo lugar, enquanto nesses estudos nacionais sustenta-se a
hipótese de que o populismo consiste em um fenômeno restrito ao sistema
capitalista (onde a idéia de um tipo de reformismo é subjacente), Laclau sugere,
claramente, a possibilidade de uma relação entre populismo e socialismo. Em
terceiro, Laclau foge de um reducionismo de classe, salientando a capacidade dos
setores populares, vistos em conjunto, de agir e optar politicamente; a despeito de
possuírem ou não (ou, também, conscientemente ou não) um projeto e
organização de cunho socialista. Por oposição, as investigações de Weffort e Ianni
74
A referência a estas duas lideranças não significa inferir que elas
manipulavam, stricto sensu, as aspirações e ações das camadas trabalhadoras.
Significa, sim, dizer que consistiram em símbolos das mudanças ocorridas no
período político em questão, devido a capacidade de expressar, nos âmbitos do
Estado e da sociedade civil, as reivindicações e signos populares da época.
75
BODEA, M. Trabalhismo e populismo no Rio Grande do Sul: 209.
40
denotam um relativo reducionismo de classe. Como mencionado anteriormente,
percebem o apelo ao povo, no discurso populista, como uma tentativa de
obscurecer os antagonismos de classe. Adequado seria, portanto, dirigir o discurso
à classe trabalhadora. Por último, o enfoque dado por Laclau permite a inclusão
necessária dos valores, signos e aspirações populares na análise do fenômeno;
ressaltando-se, desse modo, as especificidades nacionais desses setores.
Evidentemente, não se descarta, nem se pode descartar, a investigação das
condições estruturais de uma sociedade dada. No mais, a idéia de que o populismo
- ou a fusão das interpelações de classe com as interpelações popular-democráticas
- emerge em situações estruturais e ideológicas críticas, consiste em uma chave
bastante sugestiva para o entendimento do fenômeno.
No entanto, talvez seja válido acrescentar que Ianni e Weffort -
independente das diferenças face a abordagem de Laclau, e de algumas teses
constitutivas de suas análises serem passíveis de inequívocos questionamentos,
como os apontados pelos estudos contestatórios -, indicaram importantes chaves
para a compreensão e mesmo construção de um caminho operacional para a noção
de populismo. Suas análises sobre a experiência brasileira (como destacado por
Bodea em relação aos estudos específicos de Weffort) convergem em dois
significativos aspectos com a alternativa abordagem de Laclau, a saber:
i. Argumentam que a emergência do populismo brasileiro deu-se num
quadro de crise do bloco hegemônico de poder.
76
Foi, com efeito, produto direto de
uma crise estrutural e ideológica.
76
Segundo Laclau, aparentemente, em alguma medida, inspirado em Gramsci,
essa crise consubstancia-se numa derrocada das potencialidades do
transformismo. O autor define este fenômeno como a neutralização política da
possível oposição de novos grupos sociais através da cooptação de suas
organizações políticas representativas ao bloco de poder (...). Sua função
ideológica (...) [consiste] em absorver as contradições povo/bloco de poder
dentro do sistema, evitando que as articulações popular-democráticas se (...)
[desarticulem] do discurso ideológico dominante. Como uma das formas mais
primárias de transformismo, Laclau destaca o clientelismo. Inviabilizado, pois,
esse recurso político, os opositores do bloco hegemônico alcançam o status de
uma alternativa real ao sistema de poder, enquanto as interpelações popular-
democráticas, por seu turno, autonomizam-se em face do discurso ideológico
41
ii. A necessidade de angariar o apoio popular (ou em linguagem laclauniana,
articular os interesses e discursos de classe e povo) por parte dos grupos que se
encontram ou visam o poder, em oposição ao bloco hegemônico. O povo exerceria,
pois, um papel essencial no populismo. Com base na abordagem de Laclau,
argumentamos que essas variáveis podem ser relevantes para a compreensão da
emergência, ou mesmo existência objetiva, de um governo e movimento
populistas. Vale destacar que essas observações tem por propósito, apenas,
ressaltar a importância desses trabalhos, notadamente o de Laclau. Concebemo-os
como trilhas importantes para a reflexão sobre o fenômeno. Naturalmente, estamos
longe de pretender formular, com as considerações acima, um conceito para o
populismo. A controvérsia que notabiliza essa temática, como foi exposto, é
expressiva. É o que seguiremos vendo com a apresentação, na próxima seção, de
algumas nuances de um marco interpretativo bastante peculiar, distinto dos que
vimos até o momento.
O paradigma econômico
A partir da década de noventa, políticas econômicas, ou mesmo medidas pontuais,
de governos latino-americanos que aventem para algum grau de intervenção na
economia logo recebem uma designação bastante peculiar, por parte de alguns
editoriais e articulistas da grande imprensa: populismo econômico. É sobre esta
categoria que a presente seção trata. A exposição está baseada na coletânea
organizada por L.C.Bresser Pereira, que possui precisamente o título Populismo
econômico.
A maioria dos artigos dispostos nessa coletânea foram produzidos ao final
dos anos 80, na chamada década perdida. O cenário político latino-americano da
época fora marcado por debates e preocupações acerca dos seguintes problemas,
entre outros: crise da dívida externa; recessão; inflação galopante; taxas de juros
dominante. LACLAU, E. Política e ideologia na teoria marxista: capitalismo,
fascismo e populismo: 121.
42
internacionais elevadas; queda dos preços dos produtos primários; extrema
desigualdade social; instabilidade econômica e consolidação da democracia. Esses
eram, em geral, os dilemas e entraves para o desenvolvimento econômico-social de
nosso subcontinente, na avaliação do grupo aqui considerado.
Como o populismo é concebido como uma das causas principais à
perpetração de alguns desses fenômenos, o fio analítico que conduz praticamente
todos os trabalhos é, desse modo, a apresentação de razões e fatores econômicos,
extraídos de diversas experiências latino-americanas classificadas como populistas,
que demonstrem a inviabilidade estrutural desse tipo de estratégia política.
O que viria a significar, então, populismo econômico? De acordo com
Rudiger Dornbusch e Sebastian Edwards pode ser entendido assim:
uma abordagem à economia que enfatiza o crescimento e a
redistribuição de renda e desconsidera os riscos de inflação e o
financiamento inflacionário do déficit, as restrições externas e a
reação dos agentes econômicos a políticas agressivas que não se
valham dos mecanismos de mercado.
77
Para este tipo de abordagem, o terreno fértil à ascensão do populismo é a
existência de uma situação recessiva, onde parte da capacidade produtiva
encontra-se ociosa e o desemprego elevado. Propõe-se, com efeito, a ser um
programa que estimule o crescimento.
Em geral, esta meta é perseguida através do estabelecimento de um pacto
entre a burguesia e o proletariado urbanos. Possui como cerne o objetivo de reduzir
as desigualdades e os conflitos sociais implementando a seguinte medida: elevação
dos salários. Esta é considerada uma das características nucleares que atravessam
todos os episódios populistas.
78
77
DORNBUSCH & EDWARDS. O populismo macroeconômico na América Latina:
151.
78
Como afirmam Dornbusch e Edwards: destacamos que os objetivos
redistributivistas constituem o elemento central do paradigma. Se são ou não
motivados por uma estratégia de amplas reformas sociais, foge do nosso
objetivo central. Idem: 153.
43
Uma implicação evidente na adoção dessas variáveis como postulados
básicos é a ampliação do leque de experiências governamentais abrangido pela
noção. Ou seja, independentemente do viés ideológico, metas, período histórico e
formação social, diversos governos, por mais distintas que tenham sido suas
realidades, podem ser abarcados pela categoria populismo econômico. Isso viria a
se fundamentar num fator considerado comum, a saber, a analogia existente nos
mecanismos de expansão e colapso da política econômica.
79
Alguns casos
discutidos nos artigos são: no Brasil, sob Vargas, Goulart, Figueiredo (entre 1979 e
1980) e Sarney (especificamente com seu Plano Cruzado); Perón na Argentina;
Chile sob Salvador Allende; Alan García no Peru, entre 1985/88; e o governo
sandinista na Nicarágua (1979/1990)
28
.
80
Parece-nos relevante salientar a noção de democracia que norteia algumas
destas análises. Esta noção possibilita a compreensão do referencial interpretativo e
simbólico do paradigma. Pode-se iluminar, desse modo, o centro da argumentação
e a posição político-ideológica de onde emana esta versão do populismo. Assim, é
bastante indicativa e reveladora a reflexão de Bresser Pereira sobre o grau de
solidez do sistema democrático brasileiro:
A democracia no Brasil é mais sólida e arraigada do que
normalmente se pensa. As razões por trás dessa proposição
poderiam ser sintetizadas dessa forma: (...) a classe empresarial
não se sente ameaçada pela esquerda; (...) a esquerda
revolucionária está em crise no mundo todo e em particular na
América Latina, e, desta forma, não tem um projeto revolucionário
que possa ameaçar a hegemonia burguesa.
81
79
SACHS, J. D. Conflito social e políticas populistas na América Latina: 133.
80
São ressaltadas algumas particularidades da experiência sandinista, tais
como: (i) quando da tomada do poder do Estado, a economia era
significativamente fundada no setor rural;(ii) a industrialização por substituição
de importações não constou na proposta programática; (iii) os esforços
governamentais foram bastante dirigidos à expansão de redes de abastecimento
de água, de postos de saúde e escolas. O que leva à sua inclusão na categoria
(expondo motivos que, em verdade, nos deixa perplexos) é o fato desse
governo ter desconsiderado os limites orçamentários, destinando vultosos
recursos à guerra civil frente os contras, assim como devido a instabilidade
causada pela incerteza acerca dos direitos de propriedade. Como resultados, a
ocorrência de graves prejuízos econômicos e a explosão inflacionária. Ver
CARDOSO & HELWEGE. Populismo, gastança e redistribuição: 201/232.
81
BRESSER PEREIRA, L. C. Populismo e política econômica no Brasil: 109-110.
44
Correlaciona-se explicitamente, portanto, o ideal e a institucionalização
prática de uma cultura e regime democráticos com a hegemonia da classe
burguesa. Possui, com efeito, um referencial democrático no mínimo discutível.
Quanto às especificidades das políticas macroeconômicas populistas,
apontadas pelo paradigma econômico, podemos descrever, em síntese, as
características e etapas presentes no curso da introdução, ápice e fracasso dessas
políticas, da seguinte maneira:
i. tentativa de suprimir a capacidade produtiva ociosa (essencialmente
industrial) e fomentar a demanda interna, por intermédio de aumentos salariais e
congelamento de preços, principalmente dos bens e serviços que mais incidem
sobre a cesta familiar dos trabalhadores urbanos, como aluguéis, taxas públicas e
alimentos.
ii. Redução da taxa de juros.
iii. Sobrevalorização da taxa de câmbio como instrumento estimulador das
importações, necessárias para o reaparelhamento das unidades fabris.
iv. Crescimento econômico temporário: elevação da demanda e da produção
e redução do desemprego urbano.
v. Aumento do déficit fiscal, proporcionado pela concessão de subsídios ao
empresariado industrial, congelamento das taxas públicas e aumentos salariais (no
caso, referente aos servidores públicos). Em algumas situações, também gerado
pelas indenizações provenientes da política de nacionalização de empresas.
vi. Desequilíbrio do balanço de pagamentos, que emerge como produto da
deterioração de reservas internacionais. Ou seja, constitui-se num reflexo da
incapacidade estrutural das economias latino-americanas de sustentar um elevado
grau de importações com a sua disponível base exportadora, que é notoriamente
conhecida por sua dependência dos produtos primários. Uma medida usual para
45
financiar a política de importações, dentro desse quadro, é a aquisição de
empréstimos junto aos bancos internacionais e organizações multilaterais.
vii. A inflexão do ambiente favorável dar-se-á, com o
advento de uma crise de balanço de pagamentos, decorrente do
esgotamento de reservas e da capacidade de endividamento.
82
viii. Explosão inflacionária, decorrente da realização de aumentos salariais
superiores aos níveis de produtividade. A taxa de acumulação capitalista entra em
declínio. Visando então retomar sua lucratividade, o empresariado efetua a revisão
dos preços de seus bens e serviços.
ix. Os conflitos interclasses agudizam-se.
x. A instabilidade econômica conduz à retração do nível geral de
investimentos.
xi. Perda do poder aquisitivo dos salários. Os ganhos redistributivos iniciais
se esvaem.
83
xii. Desvalorização da taxa de câmbio a fim de incentivar as exportações.
xiii. Contração na demanda interna e retorno à adoção de políticas
recessivas, com o intuito de equilibrar as contas públicas.
A fim de retirar os países da América Latina da crítica condição em que se
encontravam, é sugerida como alternativa ao populismo e, também, face ao que
Bresser Pereira chama de ortodoxia neoliberal, a implementação, dentre outras,
das seguintes medidas: ajuste fiscal, redução do Estado e taxas de câmbio
realistas. Segundo Sachs, uma possibilidade intermediária positiva seria a
composição, pragmática, de medidas populistas e liberais ortodoxas, dadas a aguda
desigualdade social na região e a vulnerabilidade externa das economias latino-
82
SACHS, J. D. Conflito social e políticas populistas na América Latina: 131.
83
CANITROT, A. A experiência populista de redistribuição de renda: 17.
46
americanas.
84
No que tange particularmente ao Brasil, concebe-se como caminho a
ser seguido as
reformas estruturais, inclusive a reforma do setor público, uma
reforma tributária progressiva, a liberalização do comércio
externo, privatização e uma drástica redução na dívida externa.
85
De qualquer modo, como se pode depreender do que foi exposto, a despeito
de algumas especificidades encontradas aqui e ali nesses estudos, este foco que
privilegia a dimensão econômica do populismo é evidentemente marcado pela idéia
de uma integração profunda à economia internacional, considerando-a uma
iniciativa favorável ao desenvolvimento das nações latino-americanas e à superação
de suas crises da dívida e do Estado.
Pode-se inferir que, de acordo com o paradigma econômico, o populismo
representa uma política macroeconômica fadada ao insucesso. Irresponsabilidade
fiscal, inflação, irracionalidade e demagogia seriam seus componentes. Tal fracasso
deve-se, fundamentalmente, ao seu desrespeito em face dos princípios que nesta
abordagem do fenômeno erguem-se como técnica e economicamente básicos, a
saber: a concessão de aumentos salariais só pode ocorrer abaixo ou no mesmo
patamar dos níveis de produtividade; as ações governamentais devem ter por base
a observação das restrições do orçamento público; e o estímulo às importações
deve obedecer os limites das reservas de divisas e o nível da capacidade de
exportação disponível. Estes são, ou supõe-se ser, três postulados enquadrados nas
lógicas racional dos movimentos do mercado e responsável pela gestão dos
negócios públicos.
86
84
Não encontrando explícitas em seu texto, supomos que essas medidas
populistas provavelmente devem corresponder a políticas compensatórias,
destinadas aos setores populares mais carentes e frágeis economicamente.
SACHS, J. D. Conflito social e políticas populistas na América Latina. Ver em
particular página149, nota 12.
85
BRESSER PEREIRA, L. C. Populismo e política econômica no Brasil: 118.
86
Em uma análise sobre os diversos componentes teórico-políticos associados a
noção de populismo, A. Quijano faz um curioso comentário acerca da presente
formulação interpretativa: El "populismo" así desplumado, no es serio, no tiene
solvencia, ni jerarquía técnica. Estos últimos son, debe reconocerse que son, por
definición, solamente atributos de los controladores y tecnocrátas del capital.
Ver QUIJANO, A. Populismo y fujimorismo. Seção "Los intereses em juego".
47
Por fim, vale inserir alguns conteúdos argumentativos e crenças presentes
nesta abordagem que foi extremamente utilizada, direta ou indiretamente, como
referencial ou representação copresente
87
pelos jornais aqui analisados, no ano de
1994.
i. De acordo com Kenneth Roberts, esse paradigma esteve afinado com os
cânones do chamado Consenso de Washington;
88
de modo que, percebendo as
sérias dificuldades fiscais enfrentadas pelos Estados latino-americanos,
argumentava-se que o populismo não mais viria a dar o ar de sua graça na
região.
89
ii. Dá-se ênfase à políticas públicas que contemplem os setores populares
mais desprovidos de recursos políticos e econômicos. No corpo do paradigma
econômico, os trabalhadores organizados em sindicatos são considerados grupos
tipicamente privilegiados por governos populistas, obtendo, convencionalmente,
aumentos salariais em troca de apoio político-eleitoral. Busca-se, portanto, a
adesão desses setores organizados devido ao seu peso político, em detrimento de
políticas que realmente combatam a pobreza dos grupos mais desfavorecidos.
Consiste, com efeito, numa tática tradicional dos populistas.
iii. A intervenção do Estado na economia, como detentor do controle de
empresas, é considerada um dispêndio irracional e ultrapassado de recursos
públicos. Prática típica de um governo populista.
iv. Como implicação evidente desses traços analíticos, os governos
responsáveis devem agir na conformação do povo em sua tradicional posição
87
JOSÉ PINTO, M. Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos:
30.
88
Expressão cunhada pelo economista John Williamson, no bojo de uma série de
debates realizados em 1989 no International Institute for Economy, sediado em
Washington. Esses debates tinham por centro analisar a situação econômico-
política latino-americana, assim como encontrar respostas para a solução de sua
crise. Constituiu-se num símbolo de determinadas idéias econômicas, muito
próximas das que caracterizam as análises do paradigma econômico sobre o
populismo.
89
ROBERTS, Kenneth. Populism and democracy in Latin America: 1.
48
subalterna, requerendo deste apenas o apoio necessário às chamadas reformas
estruturais.
Essas e outras idéias que caracterizam o paradigma econômico retornarão à
discussão no Capítulo IV. Basta, por ora, informar que o discurso jornalístico da
Folha de S.Paulo e do Jornal do Brasil, em 1994, apropriou-se ou demonstrou
expressiva sintonia com muitos dos princípios racionalizantes e modernizadores
desse paradigma, além de revelar o uso de fragmentos de algumas idéias do
modelo de interpretação clássico para identificar determinados fatos do cotidiano
político. Indicamos assim, antecipadamente, a preponderância de algumas
premissas desses dois modelos de interpretação no discurso dos jornais em tela.
Cumpre ainda observar que, segundo Bourdieu, o campo intelectual é
caracterizado não apenas como um espaço de alta especialização, detentor de
regras e procedimentos particulares. Configura-se, outrossim, como um espaço de
embates teóricos, numa luta pela obtenção da preponderância de sinais e visões de
mundo específicos, que dirigem, entre outros, um marco teórico hegemônico (e, em
última instância, apropriado) no interior desse campo. Nesse sentido, pode-se
afirmar que a noção de populismo ilustra no campo intelectual (mormente, o
brasileiro) uma polêmica e embate teóricos guiados pela disposição de se
interpretar adequadamente alguns fenômenos políticos, assim como em nosso caso
nacional, refletir sobre o marcante processo histórico de 1930/64. Para além do
espaço estritamente acadêmico, o populismo representa, ainda, um símbolo de alta
relevância na disputa entre classes e grupos pelo poder político. A forma com que
se constrói a observação do fenômeno populista conduz, em algum grau, a ações e
interpretações muito diferentes, tanto na prática política cotidiana, quanto na
análise acadêmica de uma realidade determinada.
Foi nossa intenção, precisamente, expor algumas diferenças interpretativas
sobre a noção. Diferenças estas apoiadas em referenciais metodológicos, teóricos,
culturais, políticos e nacionais distintos. Veremos pois, no Capítulo 4, como esse
49
mar de teses discrepantes é refletido e apropriado numa competição eleitoral
particular. Analisaremos tanto os discursos das seções de opiniões políticas e
econômicas, marcadas por diferentes filiações ideológicas, quanto o noticiário
cotidiano e os editoriais da Folha e do JB.
Capítulo 2
Ideologia e meios de comunicação
A comunicação de massa, de acordo com John B.Thompson,
90
configura-se em um
complexo de instituições centrais para o entendimento das relações e ações sociais
no mundo contemporâneo, assim como para a análise das formas de operação das
ideologias. A difusão de valores, crenças e práticas efetuada por essas instituições
produz, como é de conhecimento notório, significativas implicações subjetivas e
objetivas nos padrões de comportamento e representação do mundo das
coletividades.
Dentre uma diversidade de veículos de comunicação e informação, a
televisão, há décadas, exerce um papel hegemônico na produção e circulação de
produtos simbólicos. Atinge, de modo extraordinário, uma série ampla de distintos
públicos: grupos, classes e sociedades. No Brasil, em particular, onde a prática de
leitura de jornais é reduzida, relativamente um fator indicativo de status e renda, a
televisão configura-se na fonte de informação, por excelência, da população
majoritária do país.
Em oposição a essa instituição, os jornais da grande imprensa dirigem-se a
um público muito mais restrito, primordialmente os setores letrados, detentores de
um nível de escolaridade e renda mais elevados. São os jornais dirigidos a este
público, freqüentemente chamados de formadores de opinião, que estão em tela
nesta dissertação.
O propósito deste capítulo, portanto, é abordar alguns elementos que
caracterizam a correlação estabelecida, nas sociedades contemporâneas, entre os
meios de comunicação de massa (notadamente a grande imprensa) e a ideologia
dominante. Em caráter estritamente secundário, tocamos em questões relativas à
90
THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos
meios de comunicação de massa.
51
recepção das mensagens veiculadas pela mídia e, também, acerca da ética
jornalística.
Iniciamos com a apresentação do quadro teórico que norteia nossa
compreensão sobre os fenômenos ideológicos, seguindo, posteriormente, com a
disposição de algumas questões e pressupostos presentes em uma pertinente
literatura sobre a comunicação de massa e os jornais em particular. Fechamos o
capítulo com a exposição de algumas notas acerca do método adotado na
investigação: a análise de discurso.
A noção de ideologia
A noção de ideologia é fundamental para a reflexão sobre as características da
atividade jornalística e suas relações com a estrutura de poder. No que tange a
trajetória acadêmica desta noção, pode-se afirmar que ela se encontra próxima, ou
muito próxima, da polêmica noção de populismo, ou seja, também marcada por
controvérsias e ambigüidades.
Considerando que a noção de ideologia não consiste em um recurso analítico
pronto, cerrado e consensual, sentimos a necessidade de assinalar o referencial
interpretativo que orienta o nosso entendimento sobre essa noção, a saber: a
abordagem althusseriana.
De acordo com a perspectiva marxista, o conjunto de representações,
valores, idéias e atitudes, que integram a ideologia, deriva, primordialmente, da
instância produtivo-material, dos conflitos e antagonismos de classe presentes na
infra-estrutura. As idéias dominantes são, pois, em geral, um reflexo das relações
sociais de poder aí estabelecidas.
91
Segundo Louis Althusser, a classe dominante requer, para manter e
desenvolver a estrutura produtiva sob o seu domínio, dispor dos aparelhos
ideológicos de Estado - AIE, a fim de (re)produzir idéias, valores, práticas e
91
MARX & ENGELS. A ideologia alemã: 18-20.
52
posturas que se adaptem à conservação dos fatores constitutivos da infra-
estrutura. As idéias e representações dominantes, portanto, são difundidas e obtém
expressão material e simbólica no seio das coletividades através dos AIE. Entre
alguns desses aparelhos, o autor destaca a imprensa. Nesse sentido, independente
de objeções que se possam lançar à análise de Althusser,
92
para os exclusivos fins
dessa dissertação é necessário observar que o autor aponta um rico e fecundo
elemento para a compreensão da ideologia, que atravessa, entre outros, o discurso
jornalístico: o traço elementar, constitutivo de toda ideologia é
chamar, interpelar, convocar o indivíduo, através da difusão de
símbolos, regras, comportamentos e idéias, a agir em
conformidade com o papel social que a ideologia lhe atribui.
Assim, diz o autor:
só há prática através de e sob uma ideologia (...) só há ideologia
pelo sujeito e para o sujeito.
93
A ideologia opera, então, com o fim de transformar indivíduos em sujeitos,
interpelados, chamados a exercer seus papéis. Sujeitos também à ideologia. É
precisamente aí que reside a contribuição do autor para a reflexão sobre o
fenômeno. Distinguindo-se das abordagens do próprio Marx e de Mannheim,
94
Althusser sugere que a ideologia, no marco da sociedade capitalista, não confunde-
se, única e exclusivamente, com a ideologia dominante.
95
Pondo em relevo o
elemento interpelativo que constituiria qualquer ideologia, nessa perspectiva
também os setores dominados produziriam sua própria ideologia. Os setores
dominados, ao seu modo, também criam, com efeito, valores, normas e práticas
que servem à interpelação, ao chamado dos indivíduos à adoção de uma postura
92
Como Thompson avalia, as instituições de comunicação de massa são tratadas
de uma maneira periférica, como um entre uma ampla gama de aparelhos
ideológicos de estado (THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria
social crítica na era dos meios de comunicação de massa: 128), problema este
proporcionado pelo fato de que Althusser privilegia o AIE escolar em sua
investigação.
93
ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de estado: 93.
94
A despeito das diferenças existentes no tratamento dado por esses dois
autores, prevalece a idéia, unilateral, de distorção e conservação do real.
95
Independente de uma certa dubiedade e contradição que atravessa a sua
análise.
53
particular. O caráter conflituoso no âmbito dos AIE, não deixa, pois, de ser
salientado:
A luta de classes nos AIE é apenas um aspecto de uma luta de
classes que ultrapassa os AIE. Certamente a ideologia que uma
classe no poder torna dominante em seus AIE se realiza nestes
AIE, mas ela os ultrapassa, pois ela não se origina neles. Da
mesma maneira a ideologia que uma classe dominada consegue
defender dentro de e contra tais AIE os ultrapassa, pois vem de
outro lugar.
96
Em sua Nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado,
97
o autor aborda, por
exemplo, a especificidade da ideologia proletária:
é ideologia, uma vez que a nível das massas, funciona como toda
ideologia (interpelando os indivíduos como sujeitos), mas
impregnada de experiências históricas, iluminada por princípios de
análise científica.
98
Para Laclau, que apropria-se da tese de Althusser sobre a interpelação
dirigida aos indivíduos, há possibilidade e potencial concretos para a configuração
de uma ideologia dos setores dominados, destacando que:
se o mecanismo de auto-sujeição do indivíduo funciona nas
ideologias dos setores dominantes para assegurar o sistema da
dominação vigente, nas ideologias das classes dominadas o
mesmo mecanismo funciona para ligar os indivíduos a suas tarefas
de oposição ao sistema (...) o mecanismo da interpelação como
constitutivo da ideologia opera do mesmo modo nas ideologias das
classes dominantes e nas ideologias revolucionárias.
99
Vale acrescentar, contudo, como a ideologia dominante, nos quadros do
capitalismo, consegue materializar-se em ações e regular as relações interclasses.
Acompanhando a reflexão de Althusser, diz Luiz G.Motta:
é a classe dominante que governa as instituições ideológicas, que
a cada dia contribuem para a reprodução dessas relações.
100
Portanto, a despeito da capacidade de percepção crítica existente no seio
dos setores populares, assim como de suas experiências contrastantes à
96
ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de estado: 106-107.
97
Incluída na edição que utilizamos.
98
ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de estado: 123-124.
99
LACLAU, E. Política e ideologia na teoria marxista: capitalismo, fascismo e
populismo: 107.
100
MOTTA, L. G. Ideologia e processo de seleção de notícias: 144.
54
representação veiculada pelos AIE, o processo de produção e difusão de sua
ideologia sofre restrições muito grandes nos horizontes do capitalismo,
principalmente na contemporaneidade. Conforme avalia Motta:
a ideologia da classe dominada, (...), é um sistema provisional e
fragmentado. É provisional porque define conquistas temporárias;
é fragmentado porque não se produz nos aparelhos ideológicos,
mas se produz por meio do desenvolvimento dos enfrentamentos
concretos.
101
Sua ideologia tende a ganhar maior força e dimensão, como sugerido por
Laclau, em situações de crise aguda, onde a representação do mundo veiculada
pelos AIE capitalista choca-se mais nitidamente com as experiências concretas e
aspirações da classe trabalhadora.
Ao menos duas questões podem ser levantadas à partir da exposição dessa
seção: (I) a capacidade de percepção crítica das camadas populares sobre o mundo
real; e (II) o lugar de onde emana a operacionalização das ideologias.
(I) A capacidade de percepção crítica das camadas populares sobre
o mundo real
Mais do que uma questão, talvez seja adequado chamar de ressalva.
Referimo-nos à necessidade objetiva (se não também moral) de se relativizar,
minimamente que seja, o poder de manipulação dos AIE, das empresas de
comunicação em especial. Deve-se considerar, de antemão, que os mecanismos de
recepção das informações, atitudes e valores veiculados pela mídia passam, como
discutido por Thompson,
102
por um processo mais complexo do que uma simples
inculcação imediata no público. Observa-se, portanto, que os membros das
camadas trabalhadoras não são massas amorfas, abertamente disponíveis à
introjeção de idéias e práticas estranhas à sua realidade concreta, como uma
espécie de tábula rasa.
103
Os setores populares, por se encontrarem em uma
101
Idem: 146.
102
THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos
meios de comunicação de massa.
103
LAGE, N. A bolha ideológica e o destino do jornalismo: 40.
55
posição específica e distinta na estrutura social frente a enorme proporção de
mensagens veiculadas na grande mídia, podem produzir seus próprios referenciais
de mundo. A questão-chave, no entanto, é saber em que medida esses referenciais
atingem, ao longo do tempo, organicidade e consistência transformadoras.
104
Motta
salientou, oportunamente, as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores no
capitalismo, principalmente nesses tempos de prevalência ideológica do
neoliberalismo: o grande obstáculo referente à difusão de ideologias próprias com
que se deparam os trabalhadores, gira em torno do fato de que eles não possuem,
ou não detém a hegemonia em importantes aparelhos ideológicos.
De qualquer forma, essa ressalva não impede a consideração de um fato
elementar: as empresas jornalísticas, como qualquer empresa capitalista, possuem
estreitos interesses e compromissos com a estrutura de poder político-
econômico;
105
podendo ser caracterizadas como AIE. Exercem um papel central na
vida política e nas eleições, em particular.
(II) O lugar de onde emana a operacionalização das ideologias
Entendemos que os meios de comunicação não são os produtores, mas sim
extraordinários difusores de ideologia. Do que foi discutido, a ideologia é
considerada um produto dos antagonismos entre as classes, que se origina na
esfera infra-estrutural. Os dilemas, contradições e interesses diversos que se
encontram nessa esfera formariam, em um complexo segundo momento,
representações simbólicas do mundo (demandando determinados tipos de
comportamentos sociais). Enfim, emerge, no marco da sociedade capitalista, de
uma conflituosa relação capital-trabalho.
Agora, como são operacionalizados e ordenados os dilemas e interesses
dominantes, que passam a ser veiculados como sistema de crenças na mídia?
104
Para a apreensão desse fenômeno faz-se necessário, evidentemente,
empreender análises que abarquem as especificidades de uma sociedade
determinada.
105
Essa realidade será discutida na próxima seção.
56
Bernardo Kucinski, analisando o jornalismo econômico brasileiro, oferece uma boa
pista:
De onde surgem os padrões ideológicos do jornalismo?
Normalmente, surgem dos padrões ideológicos dominantes em
cada momento, que são os padrões das elites dominantes (...) Na
ideologia do jornalismo econômico, especificamente, influem muito
as teorias econômicas dominantes em cada período.
106
Desse modo, parece-nos adequado afirmar que os centros acadêmico-
científicos exercem um papel muito importante no ordenamento e estruturação de
ideologias; com suas evidentes particularidades internas, próprias ao campo
intelectual. Essas instituições não são exceção ao jogo da luta de classes, pois,
assim como outras, também sofrem as influências de símbolos, aspirações,
objetivos e contradições presentes e derivados da sociedade. Supomos, com efeito,
que as instituições acadêmicas também integram o espaço e a atividade
operacionalizadora de ideologias; ou talvez melhor, produtora de teses e
dispositivos científicos (ou considerados como tais) apropriados na luta
simbólica/ideológica externa, da sociedade. No que tange particularmente o nosso
problema, essa apropriação, evidentemente, atravessa nossa tese sobre a
representação do populismo na Folha e no JB.
Na próxima seção discutimos mais detidamente sobre a relação estabelecida
entre a ideologia dominante, ainda no plano teórico, e as instituições midiáticas (a
imprensa em particular). No capítulo 3, apresentamos algumas idéias e crenças que
marcavam a ideologia dominante na conjuntura que envolvia a eleição presidencial
de 1994.
Sobre a imprensa
Os trabalhos de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer foram alguns dos
precursores das análises que enfatizam a relevância, ou mesmo centralidade, dos
meios de comunicação de massas - MCM na difusão de informações e bens
106
KUCINSKI, B. Jornalismo econômico: 184. Grifos nossos.
57
simbólicos nas sociedades contemporâneas. Ressaltavam, entre outros, três fatores
em que temos interesse especial tratar, a saber:
i. Os MCM operam, genericamente, como qualquer outra empresa
capitalista, ou seja, produzem bens simbólicos em grande escala, visando um vasto
contingente de consumidores, tendo por objetivo maximizar as possibilidades de
venda e lucro.
ii. A interpenetração estabelecida entre os MCM e uma complexa trama de
interesses e instituições empresariais pertencentes a diversos ramos produtivos.
iii. As mensagens, imagens e valores veiculados pela indústria cultural
geram um impacto significativo na conformação de atitudes, crenças e expectativas
entre o público-consumidor.
A despeito de nossa distância frente ao tempo em que foram originalmente
observados esses fenômenos - na obra Dialética do esclarecimento, publicada
inicialmente em 1944 - podemos sustentar que esses aspectos assinalados pelos
autores são perfeitamente válidos na atualidade. A grande questão, que caracteriza
uma substantiva polêmica entre os diversos estudiosos do tema, refere-se,
genericamente, à dimensão do poder dos MCM em conformar as atitudes e a
opinião do seu público-receptor.
Não são poucos os que criticam veementemente a maneira como se opera a
atividade comunicacional. Há vários estudos que analisam as perigosas relações
estabelecidas entre as entidades de comunicação e as atividades econômicas
externas. Analisando essas relações, Roberto Amaral, tendo em vista a experiência
brasileira, argumenta o seguinte:
A busca desenfreada pela publicidade põe numerosos veículos em
situação de dependência em face dos anunciantes que chegam a
ser proprietários clandestinos de muitos veículos. Os meios de
comunicação de massa são, consequentemente, instrumentos de
expressão dos interesses dominantes, dos interesses econômicos e
58
(...) políticos e, assim, reforçam, (...), o conservadorismo e o
discurso único.
107
Em conformidade com esse suposto, Nilson Lage observa a existência de
estreitos vínculos entre os jornais comerciais (um veículo particular dos MCM) e a
ideologia dos grupos dominantes. Considera o fato de as empresas comerciais
jornalísticas estarem imersas em exigências e compromissos concretos, próprios do
sistema capitalista,
ora representando interesses imediatos - publicitários, financeiros,
políticos - ora posições de classe, propostas como algo benéfico
para a sociedade, o país, o povo.
108
Sobre a reduzida pluralidade de empresas no Brasil, Lage informa que:
Alberto Dines relacionou, numa conferência, nove famílias
[Abravanel, Bloch, Civita, Frias, Marinho, Mesquita, Nascimento
Brito, Saad, Sirotsky] como responsáveis pelo que os brasileiros
lêem, vêem e ouvem. Dessas, quatro ou cinco detém empresas
bem estruturadas e com efetiva cobertura nacional e uma (os
Marinho e suas Organizações Globo) desenvolve nítida estratégia
monopolista.
109
Cabe obviamente perguntar se o direito à informação consegue ser posto em
prática numa situação desta. Bourdieu, por seu turno, problematiza o próprio credo
liberal da livre concorrência:
Nada tenho, (...), contra a concorrência, mas observo apenas que,
quando ela se exerce entre jornalistas ou jornais que estão
sujeitos às mesmas pesquisas de opinião, aos mesmos
anunciantes (...) ela homogeneíza.
110
Além dos aspectos estritamente econômicos, vale destacar, também, alguns
aspectos políticos que envolvem, notadamente, a atividade da grande imprensa
brasileira. Segundo Perseu Abramo, esses jornais tem-se constituído,
progressivamente (à medida que avança o processo de racionalização e
modernização de suas estruturas), em uma espécie de partido político:
Procuram representar - mesmo sem mandato real ou delegação
explícita e consciente - valores e interesses de segmentos da
107
AMARAL, R. Imprensa e controle da opinião pública (informação e
representação no mundo globalizado): 99.
108
LAGE, N. Ideologia e técnica da notícia: cap. 2; item 3.
109
LAGE, N. Jornalismo e linguagem na era da produção simbólica: 14.
110
BOURDIEU, P. Sobre a televisão: 31.
59
sociedade. E tentam fazer a intermediação entre a sociedade civil
e o Estado, o Poder.
111
Os MCM em geral, e os jornais em particular, tem, assim, o poder de definir
demandas e necessidades sociais, independentes das organizações da própria
sociedade civil, como os partidos políticos (stricto sensu). Seguindo a reflexão de
Abramo, os jornais, então, estariam configurando-se em algo parecido com um
partido político, só que não representativo de um eleitorado, mas de setores de seu
leitorado - que caberia ao jornal tanto definir quanto expressar seus valores e
anseios.
112
Ressaltadas algumas questões gerais que envolvem os meios de
comunicação, passemos agora à descrição de algumas propriedades do veículo que
nos interessa em especial abordar, os jornais da grande imprensa.
Acompanhamos a sugestão conceitual proposta por Aluizio Alves Filho para a
classificação deste gênero de jornal:
Por jornais da grande imprensa entendemos os que estruturam-se
como indústria cultural e freqüentemente são apontados pelas
instituições de pesquisa entre os de maior vendagem. Posição de
preferência que assumem por terem construído e consagrado,
perante o mercado consumidor, a imagem de isenção e
independência frente aos poderes formais do Estado e aos
informais, como as classes sociais e outros grupos de pressão.
Jornais da grande imprensa são os que, funcionando como
indústria cultural, representam-se e são representados por
segmentos substantivos da população - independentemente de
serem rotulados progressistas, conservadores, etc. - como
111
ABRAMO, P. Significado político da manipulação na grande imprensa: 13.
112
Coadunando-se com esse raciocínio, mais numa perspectiva mais ampla,
Ianni associa a mídia à figura do Príncipe. Em síntese, o autor argumenta que a
mídia, a televisão em especial, tem representado o papel de galvanizador de
vontades coletivas nos estertores do século XX, para além do Príncipe de
Maquiavel (que seria encarnado por um líder) e do Príncipe de Gramsci
(representado pelo partido político, que expressaria os interesses e lutas dos
setores subalternos). O novo Príncipe constituir-se-ia, então, numa entidade ao
mesmo tempo nebulosa e ativa, mas, segundo Ianni, no novo intelectual
coletivo e orgânico, notadamente representativo das estruturas e blocos de
poder presentes, predominantes (...) em escala nacional, regional e mundial.
Destaca, assim, o recente papel da mídia na difusão coletiva de atitudes e
idéias, assinalando que esta, em geral, e o Príncipe eletrônico (a televisão), em
particular, além de expressar a visão de mundo prevalescente nos blocos de
poder predominantes, tem influenciado mais ou menos decisivamente o mundo
da política. IANNI, O. O príncipe eletrônico: 6-13.
60
comprometidos com o bem comum, com a informação objetiva e
com a interpretação correta dos acontecimentos.
113
Este tipo de jornal, como veículo de comunicação que atua como indústria
cultural, visa atingir ao máximo diferentes setores do público, através da oferta de
diversas seções e cadernos, como os destinados à mulher/família, aos esportes,
cultura/eventos de lazer, etc., mas dando uma ênfase especial às seções de política
e economia. Evidentemente seu público-alvo é composto por estratos sociais
detentores de um poder aquisitivo alto e de um nível de escolaridade mais elevado
que a média nacional. O público-alvo é formado, pois, por grupos mais influentes
junto aos centros de tomada de decisão econômica e política.
Um requisito é indispensável para a manutenção e ampliação de
consumidores e anunciantes: a credibilidade social. Segundo Alves Filho, o
instrumento utilizado por esses jornais para atingir tal meta é o pluralismo das
colunas. Esse instrumento possibilitaria a criação de uma imagem isenta,
independente e democrática. De acordo com o autor:
Contratar colunistas (...) que explicita[m] sua coloração político
ideológica faz parte da estratégia dos jornais que atuam como
indústrias culturais. Isto porque o pluralismo dos colunistas
coaduna-se tanto com as expectativas dos padrões democráticos
que devem tipificar uma publicação voltada para informar o
público em geral, quanto com o pluralismo existente no público
consumidor.
114
E a ideologia dominante, não está presente? Claro que está. É o que
observam tanto Alves Filho quanto Milton José Pinto:
O pluralismo político a que fiz referência (...), existe apenas no
que tange aos colunistas, aos convidados para escrever artigos
esporádicos em seções na linha Opinião & Debates ou em cadernos
políticos literários (dirigido a público restrito) e, de certa forma,
nas cartas de leitores (que são selecionadas para publicação),
entretanto não se faz presente no noticiário político cotidiano, nos
editoriais (...). Nos editoriais por razão evidente: explicitam
abertamente a visão de mundo do jornal como empresa (...). O
noticiário político sobre o cotidiano segue linha ideológica
predeterminada.
115
113
ALVES FILHO, A. A ideologia como ferramenta de trabalho e o discurso da
mídia: 106.
114
ALVES FILHO, A. O noticiário da mídia e a velhinha da motocicleta: 60.
115
Idem: 63.
61
O editorial torna explícito o que permanece na sombra no
noticiário.
116
Ocorre na atividade da grande imprensa ao menos dois fenômenos
objetivos:
i. um sistema de crenças e interesses que precede a seleção das notícias e
do que será tratado nos editoriais, como, também, envolve o processo de
combinação e estruturação dessas unidades redacionais.
117
A título de ilustração,
no que se refere particularmente ao jornalismo econômico brasileiro, Kucinski
identifica alguns traços ideológicos básicos, marcantes no pós-64. Em primeiro
lugar, o autor constata que a análise e preocupação desse jornalismo toma por
prisma o capital:
o valor do trabalho é visto estritamente como um custo de
produção e não como uma renda do trabalhador.
118
Em segundo lugar, e mais recentemente, o consensualismo neoliberal:
a defesa da privatização foi unânime entre os jornais de prestígio
nacional, apesar de a proposta ter dividido a sociedade civil.
119
E, em terceiro, o entreguismo:
nosso jornalismo econômico assume a defesa integral dos
interesses estrangeiros.
120
Entre outros fatores, as informações e idéias veiculadas pelas agências de
notícias internacionais e publicações de circulação mundial, como o Financial Times
e New York Times (jornais) e The Economist e Times (revistas), constituem-se em
importantes influências e fontes de interpretação para esse tipo de jornalismo.
121
116
JOSÉ PINTO, M. Contextualizações: 173.
117
Esse fenômeno, em si mesmo, não deve ser criticado, pois a percepção e fala
sobre o real com base em um referencial de idéias e valores é uma marca do
próprio ser humano. O que importa, aqui, é capturar que referencial opera
nesses textos, e como ele opera.
118
KUCINSKI, B. Jornalismo econômico: 187.
119
Idem: 190.
120
Idem: 191.
121
Idem: 184.
62
ii. Regras e normas internas da empresa jornalística, consubstanciadas em
seu projeto/linha editorial.
122
Esse fenômeno é tão problemático que levou Abramo
a questionar o próprio exercício da atividade do profissional jornalista:
em que medida os jornalistas vêm gradativamente introjetando a
ética de suas empresas?.
123
Notas metodológicas
Essa seção tem por finalidade apresentar algumas premissas ou caminhos para
nossa análise, indicados por um marco teórico preocupado com as mensagens,
explícitas ou subjacentes, difundidas pelos jornais. Guardadas uma e outra
relativização, ou mesmo objeção, decorrente do fato desta dissertação vincular-se
às exigências e expectativas de um trabalho em Ciência Política, esse marco teórico
contribuiu significativamente para nossa reflexão, ordenamento e método de
análise, acerca dos discursos encontrados nos jornais aqui considerados. Faz-se
necessário observar, portanto, que as perspectivas e autores relacionados operam
e são utilizados, fundamentalmente, no campo da Comunicação.
A primeira premissa, e mais básica, refere-se à concepção da estrutura das
mensagens no âmbito da análise de discurso. De acordo com J. Maria Casasús, os
conteúdos das mensagens estruturam-se com base em dois elementos particulares,
a saber,
un mensaje semántico (denotativo: lo que se dice) y (...) un
mensaje estético (connotativo: la manera en que se dice).
124
No que diz respeito à forma e objetivo da análise de discurso, há um certo
contraste entre as avaliações de dois autores que consideramos importantes para
alcançar nosso propósito de análise: José Pinto e Umberto Eco.
125
Segundo José
Pinto, a análise de discurso
122
ABRAMO, P. Significado político da manipulação na grande imprensa: 2.
123
Ibidem.
124
CASASÚS, J. M. Ideologia y análisis de medios de comunicación: 43.
125
JOSÉ PINTO, M. Contextualizações; JO PINTO, M. Comunicação e discurso:
introdução à análise de discursos; ECO, U. Tratado geral de semiótica.
63
não se interessa tanto pelo que o texto diz ou mostra, pois não é
uma interpretação semântica de conteúdos, mas sim em como e
por que o diz e mostra.
126
Por outro lado, destacando o papel da semiótica na análise ideológica de
discursos, Umberto Eco afirma o seguinte:
aqui, (...), não nos interessa estudar o mecanismo de motivação
da ideologia, (...), não a sua gênese, mas a sua estrutura.
127
Portanto, dentro de um campo de investigação específico, vê-se que,
enquanto José Pinto refere-se, claramente, à necessidade de se identificar a relação
entre os conteúdos de um texto e sua motivação, Eco propõe deixar de lado a
motivação e dedicar os esforços para a análise da estruturação redacional; ao
menos num primeiro momento, anterior à busca da interconexão entre o texto e a
estrutura de poder. Segundo Motta, o método adotado por Eco pode incorrer em
uma análise puramente imanente do texto.
128
Independente dessa controvérsia metodológica, vemos a necessidade de se
tentar a contemplação de um caminho intermediário entre essas relevantes
referências teóricas, tendo em vista a operacionalização de nossa pesquisa. Assim,
parece-nos imprescindível observar o quê o texto diz (ou sua estrutura) -
identificando, desse modo, a representação genérica do termo populismo - para
depois compreender como ele é utilizado e porque é utilizado (a quem ou ao quê se
dirige o termo, capturando, pois, sua motivação). Dessa maneira, entendemos que
a correlação texto/estrutura de poder/ideologia dominante, que atravessa o
discurso jornalístico, estará contemplada na análise.
A segunda premissa refere-se à relevância do estudo sobre o que Casasús
denomina como itens redacionais, ou seja, símbolos, signos, palavras, estereótipos,
etc., que venham compor um texto. Diria o autor, por exemplo, que,
126
JOSÉ PINTO, M. Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos:
23.
127
ECO, U. Tratado geral de semiótica: 246.
128
MOTTA, L. G. Ideologia e processo de seleção de notícias: 138.
64
no es lo mismo decir activista político que terrorista político.
129
Evidentemente, esse tipo de análise possui um forte laço - diria mesmo,
orgânico -, com a investigação que nos propomos realizar. Então, acompanhando o
autor, vemos que os itens redacionais,
tampoco es una operación inocua. Al elegir entre dos items se
realiza una operación ideológica; y al combinarlos, también.
130
Dessa forma, o processo de seleção e combinação de itens em uma
estrutura redacional revela, de modo muito sutil, a ideologia que move o seu
produtor. Dentro disso, é interessante destacar, também, como pode ser
constituído e apresentado um signo nos textos jornalísticos. É Eco, salientando a
contribuição da semiótica, quem fornece um oportuno caminho para se pensar a
questão com sua proposta de definição transcrita abaixo:
Tudo quanto possa ser assumido como um substituto significante
de outra coisa qualquer. Esta outra coisa qualquer não precisa
necessariamente existir, nem subsistir de fato no momento em
que o signo ocupa seu lugar. Nesse sentido, a semiótica é, em
princípio, a disciplina que estuda tudo quanto possa ser usado para
mentir.
131
Considerar o populismo como um signo, na análise do discurso jornalístico,
talvez seja, pois, um exercício analítico pertinente para o entendimento dos usos e
abusos pelos quais essa noção é submetida, como também, para a compreensão
dos motivos que levam à classificação de alguns atores, propostas e intenções
políticas sob esse rótulo.
A terceira premissa, baseada em José Pinto, refere-se a relação
texto/contexto. Ressalta-se, com efeito, o contexto de produção e consumo da
mercadoria informação. Nesse processo, como destaca o autor, existem elementos
de identificação entre o emissor e o público, um quadro referencial básico
compartilhado por ambos os atores, por meio dos dispositivos referenciais,
aspectuais e temporais da língua - ou equivalentes para significantes não
129
CASASÚS, J. M. Ideologia y análisis de medios de comunicación: 85.
130
Ibidem.
131
ECO, U. Tratado geral de semiótica: 4.
65
verbais.
132
É posto em relevo, portanto, um certo grau de relativização do poder
ideológico dos jornais na conformação de atitudes e representações simbólicas do
público.
Importa salientar, no entanto, que a grande imprensa, como discutido
anteriormente, produz e comercializa seus bens para variados grupos detentores de
uma identidade fundamental: o poder de compra do produto jornal. A diversidade
encontrada no seio dos diferentes segmentos de consumidores - quanto à coloração
ideológica, a atividade profissional e as experiências de vida em geral -, não
conduzem, necessária e objetivamente, ao estabelecimento de um referencial
básico entre emissor e receptor. Que este referencial se estabeleça sob a forma das
colunas, ou de estratos profissionais e econômicos que se coadunem amplamente
com os conteúdos dispostos nos noticiários e editoriais, estamos de acordo. Agora,
quanto a possibilidade de que o conjunto do público-consumidor como um todo, ou
majoritário que seja, apresente esse referencial básico com o emissor-jornal, não
nos parece muito apropriado assim argumentar.
De qualquer modo, a despeito da controvérsia, essa premissa orienta nossa
investigação, pois, no geral, informa a necessidade de observar que o público que
consome esses jornais possui diversas influências e fontes de informação e
conhecimento: experiências estudantis, profissionais, políticas; círculos de amizade;
a televisão; Internet; etc. Enfim, a análise sobre o poder de doutrinamento dos
jornais deve estar submetida a essas variáveis, que tanto podem atenuar o impacto
das mensagens, vinculadas à ideologia dominante e sistematicamente veiculadas
pela grande imprensa, quanto incrementá-lo.
133
132
JOSÉ PINTO, M. Contextualizações: 174.
133
Para uma interpretação mais apurada desse fenômeno, obviamente, se
requer uma análise minuciosa da natureza da recepção, em nosso caso nacional,
com base em investigações que abarquem o público-consumidor de uma grande
série de publicações e veículos em geral. Como esse problema foge aos
objetivos da dissertação, por razões de ordem metodológica, detém, aqui,
somente um caráter alusivo.
66
A quarta e última premissa, bastante elementar, funda-se no fato de
trazermos à comparação jornais que pertencem a um mesmo gênero, detentores
de importantes traços estruturais de identidade, os jornais da grande imprensa.
Essa escolha visa, com efeito, identificar semelhanças e distinções na
representação e uso de uma noção política candente no imaginário e disputa
político-eleitoral: o populismo. Em última instância, pretende-se analisar como essa
noção foi oferecida, apresentada, em 1994 - e que atores e propostas ela envolveu
- a um público que possui expressão e significado para os centros de poder político-
econômico.
Na segunda parte da dissertação, dispomos, inicialmente, algumas
informações que contextualizam o período eleitoral de 1994, para, então,
empreendermos a análise do discurso da Folha de S.Paulo e do Jornal do Brasil, no
referido ano.
Capítulo 3
Quadro de referências históricas e ideológicas
A eclosão da crise da dívida externa na década de oitenta acarretou sérias
restrições ao modelo de gestão econômica adotado por alguns países latino-
americanos, especialmente o Brasil. Grosso modo, esse modelo esteve fundado em
algumas bases protecionistas e numa relativa participação empresarial do Estado,
combinados à aquisição de empréstimos externos e aos investimentos diretos das
corporações multinacionais. A elevação unilateral das taxas de juros de
empréstimos anteriormente feitos a nações do terceiro mundo,
134
empreendida
pelas nações que compõem o centro do sistema capitalista, notadamente os EUA,
significou uma profunda inflexão nesse padrão de desenvolvimento, que informara,
até então, alguns governos brasileiros. Como efeito e símbolo dessa crise, pode-se
considerar, em conformidade com a avaliação de Theotônio dos Santos, que
a crise da dívida externa demonstrou muito claramente nossa
debilidade e nossa condição de exportadores de excedentes para
os países centrais.
135
Com base na leitura de algumas análises,
136
talvez não seja impróprio
assinalar que o quadro recessivo derivado da crise da dívida externa, constituiu-se
num dos fatores que implicaram na abertura de um campo propício à disseminação
do neoliberalismo, como resposta ao enfrentamento da crise do Estado brasileiro aí
engendrada.
A emergência dessa crise, entre outros fatores, também viria a desprestigiar
os regimes autoritários vigentes na América Latina e no Brasil, em particular. É
nesse sentido que podemos destacar, no âmbito estritamente político, a difusão dos
134
ALVES FILHO, A. Um estudo comparativo sobre a identidade da América
Latina nos jornais A Folha de S.Paulo e O Clarín, de Buenos Aires: 21.
135
SANTOS, T. dos. A teoria da dependência: balanço e perspectivas: 147.
136
Ver, entre outros: ALVES FILHO, A. Um estudo comparativo sobre a
identidade da América Latina nos jornais A Folha de S.Paulo e O Clarín, de
Buenos Aires; KUCINSKI, B. Jornalismo econômico; SANTOS, T. dos. A teoria da
dependência: balanço e perspectivas;e STALINGS, B. International Influence on
economic policy: debt, stabilization, and structural reform.
68
preceitos liberais nas mais diversas nações, representada pela implantação de
regimes liberal-democráticos nas instituições políticas do subcontinente. Ademais,
as mudanças políticas que aqui se realizavam foram ainda acompanhadas por
profundas alterações nas relações internacionais. Segundo Aldo Vacs, o
desmoronamento do socialismo no Leste europeu também viria a consistir em uma
circunstância extremamente favorável à emergência da onda liberal-democrática.
137
O farol socialista desvanecia e, com isso, os discursos e organizações políticas
socialistas caíam em descrédito, em diferentes partes do globo.
Os procedimentos clássicos do modelo liberal-democrático foram, portanto,
paulatinamente, entre os anos 80 e 90, sendo reconhecidos e instituídos nos mais
diversos países e culturas: o sufrágio universal; as liberdades de expressão,
organização e imprensa; o pluripartidarismo; a competição eleitoral; e o primado
da propriedade privada. Criava-se, também, a edificação de um ambiente favorável
para a circulação do capital em uma escala mais ampla.
Em síntese, é dentro desse marco de grande instabilidade econômica na
periferia capitalista
138
e de derrocada do socialismo real, que o neoliberalismo
obteve projeção político-ideológica. Esta concepção política seria traduzida por uma
expressão que se tornou quase mágica no discurso dominante, a saber: reformas
estruturais. Foram, ou são, contempladas por essas reformas: a redução do Estado,
cortes nos gastos com os servidores públicos, privatizações, abertura comercial,
flexibilização das leis trabalhistas, entre outras. É, também, precisamente nesse
horizonte político e econômico que se constituiu a natureza das democracias
recentes, unindo a democracia representativa (cuja maior expressão é a liberdade
137
VACS, A. Convergence and dissension: democracy, markets, and structural
reform in world perspective: 68.
138
Não apenas nesta, claro. Vale acrescentar que esta instabilidade iniciara-se
no seio dos países hegemônicos, com a redução das taxas de lucro e o aumento
dos custos de produção propiciados pela elevação dos preços do petróleo, na
década de 70. A crise fiscal, gerada por esses fatores, foi uma das principais
razões para o aumento das taxas de juros dos empréstimos concedidos aos
países periféricos; apresentando-se, com efeito, como um recurso de
transferência da crise.
69
de escolha dos representantes políticos) e o livre mercado (garantindo a
manifestação da livre escolha dos consumidores). A euforia de determinados
círculos político-intelectuais com a ascensão desse fenômeno fora tão grande, que
se chegou a falar em um suposto fim da história. Como assinala Alves Filho,
a publicação de O Fim da História [de Francis Fukuyama, 1989]
(...) apontou para um fato novo e marcante ocorrido nos
estertores do século XX: a formação do grande consenso
internacional tendo por centro determinadas idéias econômicas e
políticas.
139
Enquanto alternativa político-econômica apresentada e apropriada pelas
elites econômicas brasileiras é, fundamentalmente, a partir de fins dos anos 80,
cujo símbolo fora a eleição de Fernando Collor à presidência, que o neoliberalismo,
em particular, viria a consubstanciar-se em um conjunto de valores hegemônicos,
amplamente veiculados pela mídia. Segundo Ianni, como toda ideologia dominante,
impregnou e impregna substantivos setores da sociedade - prevalecendo nas
práticas das corporações multinacionais e nacionais, de diversos governos (federal,
estaduais e municipais) e nas instituições de pesquisa e ensino (público e privado,
nos diferentes níveis), tendo sua tradução oferecida pela mídia.
140
Algumas das
idéias, valores e crenças que, explícita ou implicitamente, caracteriza(va)m a
ideologia neoliberal
141
são assinaladas por dois proeminentes estudiosos dos
processos que tem marcado a globalização, a saber: Ianni e Milton Santos.
Destacamos, pois, algumas das idéias salientadas pelos autores:
i. Aldeia Global: Realização do sonho de um mundo só (...). Tudo
seria conduzido, e ao mesmo tempo homogeneizado, pelo
mercado global regulador.
142
Como desdobramento, supunha-se
uma inevitabilidade do processo de abertura comercial e de
integração profunda ao mercado internacional.
ii. Morte do Estado: Esse fenômeno viria a propiciar a melhoria
(...) [da] vida dos homens e a saúde das empresas, na medida em
139
ALVES FILHO, A. Um estudo comparativo sobre a identidade da América
Latina nos jornais A Folha de S.Paulo e O Clarín, de Buenos Aires: 17.
140
IANNI, O. A era do globalismo: 218.
141
E que, claro, atravessavam o discurso do JB e da Folha no contexto da
eleição presidencial de 1994.
142
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal: 41.
70
que permitiria a ampliação da liberdade de produzir, de consumir e
de viver.
143
iii. Reforma do Estado: Ênfase dada à privatização de empresas
produtivas e lucrativas governamentais.
144
iv. Busca pela qualidade total: Envolvia, ou envolve, novos
arranjos nos sistemas de administração e produção das empresas,
onde o aumento da produtividade é o grande imperativo. Como
implicação direta, a competitividade representa(va) um ethos que
ancora(va) as relações sociais e interpessoais.
145
v. Prevalência do saber técnico e do mercado: De acordo com
Santos, esses instrumentos seriam santificado[s] pela ciência,
considerada, ela própria, infalível.
146
As idéias de racionalidade e
eficiência foram, ou são, razoavelmente, extraídas desses
imperativos.
vi. Trabalhador como mero fator de produção: Segundo Ianni, a
redução de encargos sociais relativos aos assalariados por parte do
poder público e das empresas privadas,
147
consiste em uma das
preocupações mais freqüentes na linguagem da ideologia
dominante neoliberal.
Essa pequena relação de crenças e idéias contextualizam a ideologia que
imperava no discurso jornalístico que será aqui analisado. Difundidas por atores
ligados aos setores políticos e econômicos hegemônicos - mas, também, aceita e
disseminada por muitos que não se encontravam, ao menos diretamente, ligados a
esses setores -, essas idéias, conformam, inequivocamente, um freqüente discurso
apresentado pelas estruturas redacionais dispostas em diferentes seções da Folha e
do JB.
Vejamos, agora, algumas breves informações que contextualizam,
especificamente, o cenário político nacional.
A introdução de efetivas políticas de corte neoliberal na agenda pública
brasileira deu-se com o presidente Collor. Em sua própria candidatura à
presidência, em 1989, revelava explicitamente seu viés anti-estatista. Fazia
veementes declarações combativas ao que o candidato chamava de privilégios e
143
Idem: 42.
144
IANNI, O. A era do globalismo: 212.
145
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal: 37.
146
Idem: 53.
147
IANNI, O. A era do globalismo: 217.
71
marajás incrustados na burocracia estatal. Sua vitória eleitoral pode ser creditada,
em boa parte, à articulação entre o seu discurso e as mazelas da administração e
serviço público, como corrupção e clientelismo, expostas pela mídia. Como afirma
Maria H.Tavares de Almeida,
as empresas estatais, antes consideradas símbolos de eficiência e
de boa gestão, foram caindo em descrédito.
148
Esse discurso fez sentido para grandes parcelas do eleitorado. Inclusive para
poderosas associações empresariais como a Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo-Fiesp.
149
O curto período do governo Collor esteve bastante afinado com as
recomendações neoliberais, buscando atingir a modernidade por meio da aplicação
destas. Porém, envolvido com acusações sobre esquema de corrupção e tráfico de
influência,
150
o presidente teve seu mandato cassado.
Ocupa o cargo de presidente, em seu lugar, o vice Itamar Franco. Logo que
assume, Franco ficou sabendo que, devido à sua tradição estatizante e nacionalista,
despertava apreensões em setores que defendiam reformas de cunho liberal e a
abertura da economia,
151
como a Confederação Nacional da Indústria - CNI. De
acordo com o verbete disposto no Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, o
governo do novo presidente foi marcado por uma série de ações dúbias e
hesitantes. Além da trajetória política de Itamar Franco, algumas declarações e
atos contrários a um e outro postulado neoliberal deixaram setores empresariais,
relativamente, frustrados. De qualquer modo, o presidente ainda chegou a
privatizar empresas como a Companhia Siderúrgica Nacional - CSN e a Açominas,
assim como deu início ao plano de estabilização monetária conhecido como Plano
148
TAVARES DE ALMEIDA, M. H. Negociando a reforma: a privatização de
empresas públicas no Brasil.
149
Ver verbete sobre Fernando Collor. VERBETES SOBRE FERNANDO COLLOR E
ITAMAR FRANCO. Dicionário histórico biográfico brasileiro - DHBB.
150
Ver verbete sobre Itamar Franco, seção Na presidência interina. VERBETES
SOBRE FERNANDO COLLOR E ITAMAR FRANCO. Dicionário histórico biográfico
brasileiro - DHBB.
151
Ver verbete sobre Itamar Franco, seção Na vice-presidência. Idem.
72
Real. O apoio empresarial oferecido a Collor, anteriormente, tinha como propósito
ver a implementação das políticas modernizantes neoliberais. Mas, com o
progressivo isolamento e centralismo decisório de Collor, além dos fatos já
mencionados, que levou à sua saída do Palácio do Planalto, as reformas estruturais
ficariam, em alguma medida, estagnadas. Itamar Franco constituir-se-ia assim em
uma espécie de presidente-tampão, necessário para a manutenção da normalidade
institucional, mas muito aquém de um desejado, ou desejável, representante das
metas e rumos defendidos por influentes segmentos empresariais do país.
Capítulo 4
O populismo na Folha de S. Paulo e no Jornal do Brasil
Este capítulo tem por objetivo desnudar a representação simbólica construída pelos
jornais acerca da noção de populismo. Buscamos aqui, mais especificamente,
apreender a apropriação efetuada pelo discurso jornalístico da grande imprensa
brasileira sobre essa noção teórica tão trabalhada no campo intelectual. Para
alcançar esse propósito, dividimos o capítulo com a análise das especificidades do
discurso de dois proeminentes jornais: Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil. Além
disso, no interior das seções dedicadas a esses jornais, subdividimos a análise de
seus respectivos discursos em outras duas seções, a saber: primeiro, a
representação - o quê e como se diz e, segundo, posições e atores políticos
representados - de quem se diz. Propomo-nos contemplar, em ambas as seções, a
disposição de alguns editoriais, matérias do cotidiano e artigos de opinião.
Entendemos que, dessa forma, pode-se capturar os dados ressaltados abaixo:
i. Os significados gerais, e mais freqüentes, imputados à noção. Nesse sentido,
podemos constatar a face com que fora revestido o populismo, a saber, um
dispositivo lingüístico e ideológico usado no embate político, onde denota-se um
claro potencial desqualificatório.
ii. Os atores, idéias e práticas que costuma(va)m ser classificados sob este
estereótipo.
iii. As razões político-ideológicas que, com regra, levam o discurso produzido nos
jornais da grande imprensa a apresentar o populismo e os populistas de forma
pejorativa.
A subdivisão no interior das seções de cada jornal tem por objetivo,
portanto, destacar inicialmente o quê se fala sobre o fenômeno, para depois,
identificados os seus significados e peso político nos discursos da Folha e do JB,
74
empreendermos uma análise sobre a percepção jornalística acerca dos seguintes
atores políticos: Itamar Franco, Lula e PT, e Brizola e PDT.
A inclusão dos artigos publicados nas seções de opinião, a despeito de não
representarem formalmente a opinião do jornal, possuem grande relevância para o
nosso estudo. Constituem-se, inequivocamente, numa das fontes de inspiração da
representação jornalística sobre o populismo. Por serem preenchidos, com grande
freqüência, por artigos produzidos por acadêmicos, tendemos a considerar que é
exatamente aqui que abre-se a porta da articulação entre as produções e
interpretações científicas e jornalísticas. Ou seja, independente da polêmica
estabelecida entre diferentes visões de mundo que marca seções desse tipo,
veremos que algumas destas visões, em particular, são apropriadas e ganham
ressonância nos discursos apresentados pelos editoriais e pelo noticiário
cotidiano.
152
Talvez não seja desnecessário destacar que outros fatores concorrem
para a representação geral da noção no discurso jornalístico, tais como:
conhecimento particular por parte dos membros do campo jornalístico
153
das
definições oferecidas por publicações científicas; a construção coletiva dos ismos -
malufismo, quercismo, brizolismo, entre outros -, que informam algumas idéias e
práticas, difusas e fragmentadas que sejam, geralmente associadas ao
populismo;
154
e claro, a ideologia dominante, que embebida nas teses e
imperativos neoliberais, também articula e ordena as interpretações da produção
jornalística.
Os textos jornalísticos e das seções de opinião que integram as páginas
desse capítulo, são marcados, como não poderia deixar de ser, por alguns conflitos
e tensões. Estes se revelam nas seguintes formas: atritos entre membros de
152
Discutimos mais detidamente sobre essa relação ciência/seção de
opinião/discurso jornalístico, no item A representação: o quê e como se diz,
subitem Seções de opinião e debate.
153
BOURDIEU, P. Sobre a televisão.
154
É importante observar que essas expressões tiveram uma incidência tão
significativa nos textos da Folha e do JB quanto o populismo, apresentando, em
alguma medida, algumas das múltiplas características imputadas a este último.
75
partidos que compunham (ou compõem) a esquerda da cena política nacional,
notadamente entre o Partido dos Trabalhadores - PT e o Partido Democrático
Trabalhista - PDT; a classificação eventual e um tanto inusitada de Fernando H.
Cardoso como populista, em um editorial e em uma e outra matéria cotidiana da
Folha; e algumas diferenças (diga-se de passagem, em raras oportunidades)
verificadas entre as avaliações do noticiário cotidiano e dos editoriais. No entanto,
no que tange as duas últimas tensões, não devemos perder de vista um importante
fato: tanto o JB quanto a Folha revelavam uma nítida preferência política para o
candidato do Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB, destacando-se os
imperativos modernizantes e racionalizantes que se considerava necessários para o
país e, ao mesmo tempo, encarnados na figura de Cardoso. Por outro lado, em
geral, no que diz respeito ao tratamento concedido ao presidente Itamar Franco
(referimo-nos, nesse caso, especialmente à Folha) e aos candidatos Lula e Brizola,
as idéias de atraso e irrealismo são traços característicos da classificação de
populismo aplicada, ao menos, às suas idéias sobre a economia e o papel do
Estado.
Vale acrescentar que essa preferência na cobertura da campanha
presidencial não limitou-se a esses dois jornais da grande imprensa, aparecendo,
por exemplo, na televisão. De acordo com Afonso de Albuquerque, o Jornal
Nacional, da Rede Globo de Televisão, apresentara uma diferença muito
significativa no tratamento dado aos candidatos à presidência, no período de março
à maio de 1994. Ao candidato do PT fora construída uma imagem de dissenso e
isolamento político. Ao então ministro da Fazenda, Fernando H. Cardoso, o
telejornal criara uma imagem de consenso, onde as forças políticas que integravam
a aliança partidária eram interpretadas como uma união pelo Brasil.
155
Quanto a
155
ALBUQUERQUE, A. de. A campanha presidencial no Jornal Nacional:
observações preliminares: 11.
76
Brizola, a despeito de sua biografia e de sua posição nas sondagens eleitorais,
encontrando-se em terceiro lugar na pesquisa do Datafolha,
156
sua candidatura foi
alvo de uma exclusão sistemática da cobertura do Jornal Nacional,
(...), sendo citada apenas a partir da (...) última semana, de
maio.
157
A idéia de ruptura com o que se chamava de era Vargas possuía uma grande
força no discurso dominante, podendo, razoavelmente, ser considerada como um
dos pilares ideológicos que moviam a preferência dessas empresas de
comunicação. Nesse sentido, a mensagem enviada por Cardoso ao Congresso
Nacional, pouco depois de ter tomado posse do cargo, pode iluminar não só o que
se entendia por era Vargas, mas, também, como o populismo era contraposto ao
que o discurso dominante, refletido nos jornais, considerava como a modernização
da sociedade e do Estado brasileiro.
Estou convencido de que a agenda de modernização do País nada
tem em comum com um desenvolvimentismo à moda antiga,
baseado no populismo econômico, no descontrole dos gastos e no
forte intervencionismo estatal. Por isso, serei inflexível na defesa
da disciplina fiscal e monetária, (...), e persistente na remoção dos
regulamentos (...) que travam a competição e inibem a
criatividade da iniciativa privada (...). Longe de uma ameaça à
indústria doméstica, a abertura à concorrência externa deve ser
encarada como um fator de distribuição de renda a favor dos
assalariados, na medida em que os preços internos se aproximem
dos preços internacionais (...). O Estado não sai de cena. Muda de
papel. Suas funções de produtor direto passam para segundo
plano, enquanto se reforça a autoridade pública para regular (...)
as atividades transferidas para a iniciativa privada (...).
158
Folha de S.Paulo
a) Sobre o leitor
O perfil dos leitores dos jornais da grande imprensa possui especificidades muito
expressivas em face da estratificação socioeconômica brasileira, sendo
marcadamente composto por indivíduos pertencentes às camadas mais altas da
156
Ver Anexo I.
157
ALBUQUERQUE, A. de. A campanha presidencial no Jornal Nacional:
observações preliminares: 12.
158
CARDOSO, F. H. Mensagem ao Congresso Nacional.
77
população. Valendo-nos de dados levantados pelo Ibope no trimestre de
março/maio de 1996, junto aos leitores que compram o produto nas bancas de
jornal da região metropolitana de São Paulo,
159
do conjunto de 30,49% de pessoas
entrevistadas que informaram ler jornal freqüentemente, 58,49% pertenciam ao
que a pesquisa chamava de classe AB, e 28,68% ao que se considerava como C.
Desse total de leitores freqüentes, cerca de um terço afirmava ler a Folha de
S.Paulo. Quando analisadas as variáveis instrução e classe, o percentual dá uma
guinada para cima: aproximadamente metade dos leitores com título universitário
liam a Folha, e cerca de 44% dos leitores incluídos na classe AB eram leitores desse
jornal (superando um pouco o número de leitores do Estadão). Ademais, vale
acrescentar que a maioria significativa de seu público-leitor é composta por
indivíduos incluídos nessas duas categorias e que a faixa etária substantiva de seus
leitores encontrava-se com mais de 25 anos de idade.
Excluindo o fato de que 30,49% da população entre 10 e mais de 60 anos de
idade se diziam leitores freqüentes - um número muito abaixo do verificado no
Grande Rio de Janeiro
160
-, os dados revelam fortes laços de identidade com o perfil
do público do JB, que dispomos na seção reservada a esse jornal.
b) A representação: o quê e como se diz
Nesta seção dedicamo-nos à análise de editoriais, matérias do cotidiano e colunas e
artigos de opinião política e econômica que se encontrem, relativamente, afastados
de uma análise direta e específica dos atores que colocamos em destaque na seção
posterior. Tratamos principalmente de estruturas redacionais jornalísticas que de
algum modo contribuíram para a interpretação dos significados da noção de
159
Como não conseguimos ter acesso aos dados referentes ao ano de 1994,
utilizamos as informações do período mais próximo possível. Entretanto, parece-
nos legítimo afirmar que esses dados não chegam a inviabilizar a caracterização
do leitor da Folha, tendo em vista os requisitos necessários de instrução, renda e
posse de determinados bens que caracterizam o consumidor desse tipo de
jornal. Ver IBOPE. Perfil da penetração por jornal: Grande São Paulo e Grande
Rio de Janeiro.
160
Nessa mesma pesquisa, os indicadores da região metropolitana do Rio de
Janeiro informavam que 70,30% dos entrevistados liam jornais freqüentemente.
Ver idem.
78
populismo, tal como construído nos jornais considerados. A representação do
fenômeno ficará mais clara e amarrada, com efeito, no curso da análise.
Vale notar, desde já, a direção interpretativa sugerida pela Folha na
percepção do fenômeno populista, assim como de um outro e importante fenômeno
político brasileiro: o trabalhismo. Esta sugestiva interpretação encontra-se em um
glossário de política, publicado em 10/04/1994. Diz o jornal:
Populismo - Relação entre os eleitores e os governantes que não
passa por propostas administrativas concretas ou por afinidades
doutrinárias ou ideológicas. A percepção do governado é dada
unicamente pela imagem pessoal do líder político. O ademarismo e
o janismo foram formas de populismo (...).
Trabalhismo - A princípio, uma tentativa de conciliar os conflitos
entre o capital e o trabalho por meio de concessões arbitradas pelo
Estado. Tornou-se, nos anos 50, uma forma de cooptação dos
dirigentes sindicais pelo governo
(...).
161
Como se pode depreender do que foi exposto, norteia o entendimento do
jornal sobre esses fenômenos o marco teórico que designamos como clássico.
Porém, há que se observar que as definições acima revelam uma apropriação
fragmentada deste marco teórico, pois são salientados, essencialmente, os
aspectos mais superficiais do fenômeno, enfatizando uma natureza autoritária,
centralizadora, irracional e personalista.
Esse glossário nos oferece uma boa pista para compreendermos a forma
com que o populismo foi (ou é) representado pela Folha. Porém, outros relevantes
componentes simbólicos estão presentes em sua representação.
b.1) Editoriais:
A leitura dos editoriais possui grande importância para a compreensão dos
significados gerais imputados à noção de populismo que circulam pelo noticiário
cotidiano. Estes são preponderantemente comuns ao que é concebido no editorial.
Outros tipos de uso da concepção de populismo também aparecem no noticiário.
Contudo, constituem-se num fenômeno marginal. Podemos afirmar que os
161
FOLHA DE S. PAULO. Editoria Brasil: 1-13.
79
discursos desses marcos normativos específicos do jornal - o editorial e o noticiário
cotidiano - guardam estreitas relações de conteúdo.
É no editorial que o jornal apresenta, claramente, sua visão de mundo.
Revelam-se, aqui, de modo explícito: suas opções políticas; suas interpretações
sobre o que é conveniente para a sociedade; e as idéias, ações e atores políticos
considerados impróprios. De um total de 27 editoriais da Folha que utilizaram a
noção de populismo para qualificar algum fenômeno político, nacional e
internacional, identificamos duas fontes de interpretação básica em sua
representação: a derivada do paradigma econômico e a inspirada no modelo
clássico. Com uma leve preponderância do primeiro, 15 (quinze) editoriais
apresentavam, se não uma influência direta, ao menos estreitas afinidades
argumentativas com o paradigma econômico e 11 (onze) contemplavam algumas
teses clássicas. Há que se destacar que um editorial utilizara uma conjugação de
idéias afins aos dois modelos de interpretação, oferecendo, pois, dificuldades para
uma identificação precisa sobre a matriz interpretativa submetida à apropriação. De
qualquer modo, as idéias de atraso, anti-liberalismo, autoritarismo e
estatismo/intervencionismo econômico, foram elementos simbólicos imputados à
noção de populismo, neste editorial.
162
Quanto aos editoriais que não mencionaram um dos atores políticos
diretamente envolvidos com a sucessão presidencial, ou em particular, que
reservamos para a análise na seção seguinte (Posições e atores políticos
representados: De quem se diz), sete apresentaram mensagens próximas à
argumentação do paradigma econômico e seis à perspectiva clássica. Um caso
especial, sem uma categorização específica, foi o mencionado acima, acerca do
cenário político italiano.
162
Este editorial abordava um tema internacional, tratando da composição do
gabinete de governo do, então, novo primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi.
Eram ressaltadas a desconfiança e mesmo condenação da comunidade européia
para com o fato do primeiro-ministro ter incluído forças políticas neofascistas-
populistas em seu gabinete. FOLHA DE S.PAULO. Editorial: A volta: 1-2.
80
É importante, por outro lado, salientar que, ao mesmo tempo que a noção
de populismo é utilizada com intuitos depreciativos, os textos dos editoriais nos
revelam tanto os caminhos sugeridos para o país quanto a preferência política da
Folha na competição eleitoral de 1994 à presidência.
Vejamos, assim, algumas passagens de seis editoriais que ilustram
afinidades com as duas categorias predominantes de análises teóricas. Iniciamos
com as estruturas redacionais afins às teses clássicas.
No dia 04/02/1994, abordando a proposta da Câmara dos Deputados que
contemplava uma ampla anistia para os devedores do crédito rural, o editorial
Megaescândalo afirmava que:
(...) não há motivos para desconsiderar os problemas que afligem
a agricultura brasileira. Inaceitável é jogar sobre todos os
brasileiros uma conta injustificável e impagável.
163
É outro
escândalo que sem dúvida justifica uma CPI da CPI. Pior ainda,
(...) 204 políticos prontos a referendar uma proposta cínica,
irresponsável e insustentável. Fazem temer pelo que ainda poderá
produzir o Congresso Nacional nesse ano de ambições populistas e
eleitoreiras.
164
A associação do populismo com esses fatos revela a concepção de um
fenômeno degenerado, que manifesta um exercício político irresponsável e
eleitoreiro, onde os interesses privados de alguns representantes públicos
sobrepõem-se aos interesses e expectativas da sociedade civil.
Sob o título Quem te viu quem te vê, o editorial de 05/07 discutia a
maleabilidade e incoerência dos discursos de alguns candidatos à presidência. A
tentativa de conciliação com práticas, experiências e atores políticos, anteriormente
questionados por alguns candidatos, é definida pelo jornal como populismo
eleitoreiro e demagógico.
165
Orestes Quércia, por exemplo, membro histórico do
Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB, segundo a Folha, fez
163
O rombo no sistema financeiro, especialmente do Banco do Brasil, pode
chegar a US$97bilhões. FOLHA DE S. PAULO. Editorial: Megaescândalo: 1-2.
164
Ibidem, grifos nossos.
165
FOLHA DE S. PAULO. Editorial: Quem te viu quem te vê: 1-2.
81
referências elogiosas ao regime militar.
166
Leonel Brizola (PDT), esteve a elogiar o
empresário Roberto Marinho, seu notório adversário.
167
Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), modifica seu discurso - não só quanto à linguagem, mas também às
propostas - de acordo com a platéia.
168
Também Fernando H. Cardoso (PSDB),
deixou perplexos muitos dos admiradores de seu perfil
democrático (...), [tendo] resvalado para atitudes demagógicas
que não condizem com sua reputação de intelectual sério e crítico
do populismo eleitoreiro.
169
Como se vê, os principais candidatos à presidência foram mencionados pelo
jornal. Mas, a identidade da Folha com o candidato Cardoso não escapa a um olhar
mais detido. Enquanto salientam-se, exclusivamente, razões para a crítica à
postura populista/eleitoreira dos demais candidatos, o editorial além de demonstrar
uma lamentação com a proximidade de Cardoso com esse tipo de postura,
subliminarmente, ressalta os valores políticos e pessoais do candidato. Discorremos
sobre essa afinidade política mais à frente.
De modo fragmentado, percebe-se um eco das teses clássicas nas
passagens desses dois editoriais: incoerência político-ideológica, demagogia e
ambição política pessoal.
Constituindo-se num texto bastante representativo da ideologia que
atravessava as argumentações do jornal e da afinidade com as teses do paradigma
econômico, o editorial Cassino emergente, publicado em 24/04, enfatizava, com
satisfação, as mudanças que vinham ocorrendo no subcontinente latino-americano.
O obstáculo à perpetuação dessas mudanças não podia deixar de ser mencionado,
mesmo que na forma de uma breve menção.
Desde o início dos anos 90, os países em desenvolvimento têm
sido beneficiados por uma nova onda de entrada de capitais. Nos
mercados internacionais, essa onda deu origem a uma
denominação bastante estimulante: tais economias passaram a ser
166
Ibidem.
167
Ibidem.
168
Ibidem.
169
Ibidem.
82
conhecidas como mercados emergentes. Em muitos casos houve
razões para reencontrar o otimismo. Na América Latina, os ajustes
feitos pelo Chile, México e Argentina mostraram que o populismo e
o protecionismo podiam ser rompidos. Liberalização comercial,
privatização, ajuste fiscal e reformas monetárias bem-sucedidas, o
fim do ciclo das ditaduras, acordos das dívidas externas, as
evidências foram se acumulando (...). Parecia iniciar-se uma nova
era (...). Completando o cenário, as taxas de juros nos Estados
Unidos atingiram os níveis mais baixos dos últimos 30 anos. Os
ganhos financeiros tornaram-se ali, como decorrência, pálidos se
comparados às oportunidades oferecidas em mercados
emergentes. Onde processos de privatização e alta dos juros eram
partes de programas antiinflacionários, os retornos multiplicaram-
se. Nessa onda de otimismo, até o Brasil pegou carona (...) com
juros reais elevadíssimos e Bolsas dominadas por ações de
importantes empresas estatais, potencialmente privatizáveis. Até
que, em fevereiro deste ano, o (...) banco central dos EUA
resolveu interromper a temporada de juros baixos (...). As Bolsas
em todo mundo caíram (...).
170
Analisando a hipótese, levantada à época da implantação do Plano FHC
(Real), referente à possibilidade de uma explosão de consumo advinda da
estabilidade econômica, o editorial A bolha assassina (28/04) remete o leitor ao
Plano Cruzado, informando que este constituir-se-ia na fonte histórica para tal
preocupação:
Aprendeu-se que qualquer congelamento de preços é em si mesmo
uma armadilha populista incapaz de sobreviver à realidade de uma
economia de mercado (...).
171
Por seu turno, distante desta experiência,
O Plano FHC (...) não apenas definiu-se desde o início como o
oposto de um congelamento, como tem sido conduzido passo a
passo como um mecanismo de estabilização voltado à eliminação
das causas fundamentais do processo inflacionário. Isso explica o
esforço de ajuste fiscal, explica a própria URV e a conversão dos
salários pela média, justifica os juros reais elevados (...).
172
Se observarmos com atenção as seleções e combinações dispostas nessa
unidade redacional, veremos que a mensagem estética
173
é informada por uma
dicotomia entre o irracional versus o racional, o prejudicial versus o adequado, o
superficial versus o estrutural - em última instância, o populismo versus o ajuste
170
FOLHA DE S. PAULO. Editorial: Cassino emergente: 1-2. Grifos nossos.
171
FOLHA DE S. PAULO. Editorial: A bolha assassina: 1-2. Grifos nossos.
172
Ibidem.
173
CASASÚS, J. M. Ideologia y análisis de medios de comunicación: 43.
83
fiscal. O irrealismo e o desprezo populistas face os mecanismos objetivos de
mercado, presentes na argumentação do editorial, revelam (ou sugerem), claro,
uma grande afinidade com o discurso do paradigma econômico.
Em 16/07, o editorial Sem vermelho discutia o possível aumento salarial dos
servidores públicos. Nessa exposição perpassa a visão do jornal sobre o papel do
Estado:
O pleito é justo. Os salários estão baixos. Entretanto, o equilíbrio
nas contas do Estado é um requisito fundamental para que a
estabilização da economia seja duradoura. E o fato de que o
controle da inflação traz benefícios a toda a população faz dele
uma prioridade absoluta (...). Se o aumento for dado num arroubo
populista, ignorando a exigência do equilíbrio, então o governo
estará prejudicando toda a população para beneficiar alguns (...).
As atuais pressões salariais são uma das várias fontes de corrosão
do equilíbrio fiscal. Empresas estatais deficitárias (...) – também
(...) resistentes às necessárias reformas - são permanentes
ameaças potenciais. Nesse sentido, para não chegar a situações
próximas do impasse como a atual (...) nada seria mais saudável
do que acelerar o processo de privatizações.
174
Em primeiro lugar, o populismo representa, entre outros, gastança e
desrespeito com o erário público. Em segundo, do que se pode extrair da
mensagem veiculada no editorial, far-se-ia necessário empreender mais
privatizações, de modo que os servidores ficassem (ou fiquem) sujeitos às
condições e requisitos do mercado, evitando, portanto, novas dificuldades para o
orçamento público.
O editorial publicado em 17/10, sob o título Liberal e social, destacava
alguns dilemas e questões a serem resolvidos pelo vitorioso candidato à
presidência, Fernando H. Cardoso.
175
Os conteúdos argumentativos desse editorial
são interessantes, também, para se capturar a posição política da empresa.
Está claro que o processo de liberalização e integração
internacional não deve ser interrompido, que o Estado precisa ser
reestruturado e a estabilidade econômica preservada (...). Não
resta dúvida de que é imprescindível a criação de um ambiente
econômico favorável aos investimentos e que propostas de gastos
populistas, sem base em receitas reais, são inaceitáveis. Tentar
174
FOLHA DE S. PAULO. Editorial: Sem vermelho: 1-2. Grifos nossos.
175
A eleição foi decidida no 1° turno, realizado em 3 de outubro.
84
favorecer as camadas mais pobres desequilibrando as contas
públicas é contraproducente. Mas, por outro lado, seria igualmente
enganoso afirmar que o bom desempenho macroeconômico
garante por si mesmo o avanço social (...). O desafio do futuro
presidente está em conduzir o país aos novos padrões de mercado
sem frustrar as bandeiras históricas da social-democracia.
176
Como mais um reflexo da afinidade com o marco teórico do paradigma
econômico, o populismo é representado aqui como a expressão de gastos públicos
inconseqüentes, irresponsáveis e irracionais (talvez, no fundo, seja concebido como
a manifestação da prevalência do político -onde a dinâmica das relações de força
entre grupos e classes em jogo tem destaque -sobre o saber técnico, o econômico,
supostamente neutro). Além disso, é importante notar o apoio dispensado pelo
jornal à candidatura vitoriosa no pleito presidencial, apoio este que fica claro com o
laço de identidade apresentado ao fim do texto: sem frustar as bandeiras históricas
da social-democracia.
177
b.2) Noticiário cotidiano:
Semelhante ao fato evidenciado nos editoriais, no noticiário cotidiano, em
um universo de 64 matérias que utilizaram a noção de populismo, prevaleceu as
sintonias analíticas com o modelo clássico e com o paradigma econômico. Algumas
das idéias mais correntes associadas ao populismo, no conjunto dessas matérias,
foram: manipulação político-eleitoral; prática política degenerada, anti-
democrática; farsa/demagogia; estatismo; protecionismo e intervencionismo
econômicos; e inflação. Algumas vezes combinadas, em outras oportunidades
enfatizando um e outro desses significados, a noção consistiria, num plano mais
geral, em um fenômeno arcaico.
Com o propósito de atingir maior operacionalidade, disponibilizamos
algumas matérias que sejam representativas do conjunto de textos encontrados.
Matérias indicativas, com efeito, da concepção geral de populismo apresentada pelo
jornal. Iniciamos, novamente, com as estruturas redacionais que demonstravam
176
FOLHA DE S. PAULO. Editorial: Liberal e social: 1-2. Grifos nossos.
177
Ibidem.
85
afinidade com algumas teses clássicas. E, para estas, selecionamos duas matérias
que envolviam o nome de Fernando H. Cardoso. O interessante a ser observado é a
especificidade da classificação feita ao, à época, candidato à Presidência da
República.
Seguindo a linha de interpretação que imputa ao populismo o exercício de
práticas eleitoreiras e demagógicas, a matéria Candidatura de FHC sofre de
masoquismo: montado num lombo de burro com chapéu de couro, o candidato
submete sua vaidade ao ridículo eleitoral (Folha de S.Paulo, editoria Ilustrada;
01/06/1994), discutia um ato de Cardoso durante a campanha.
Foi primeira página nos jornais da semana passada: Fernando
Henrique (...) montado num lombo de burro, com um chapéu de
couro na cabeça: o patético da situação só é menor do que o seu
ridículo (...). A palhaçada produz mal-estar (...). Fernando
Henrique de chapéu de couro! O cruzado do real, o d.Quixote
burguês, travestido em Sancho Pança,(...), no triunfo da própria e
esperada degradação (...) os candidatos procuram parecer o que
não são: Lula, de paletó, palestra com empresários, enquanto FHC
recobre o seu privilegiado cérebro com um chapéu de couro. Jogo
de inversões que faz parte da lógica eleitoral (...). O mais
democrático, na democracia, não é o sistema de decisões do
governante, mas sim o que ele tem de sofrer antes de eleito (...)
há entretanto nuances a registrar. Por mais que tudo seja eleitoral
ou demagógico, há um mínimo de relação entre a aparência e a
verdade, entre a farsa eleitoral e o sentido autêntico da
candidatura. Explico. Fernando Henrique com chapéu de couro é
ridículo (...). A falsidade inerente a qualquer campanha eleitoral
torna-se, neste caso, falsa demais. Outros chapéus funcionariam
melhor. Jânio Quadros, por exemplo, usava o boné de condutor de
bonde. A coisa toda era farsesca e demagógica: mas combinava
com o populismo do candidato(...). É uma (...) humilhação. FHC
tem todas as razões do mundo para ser vaidoso (...). Ele tem
certeza de que é o melhor. E, sem dúvida, intelectualmente, até
politicamente, é mesmo o melhor (...). FHC sofre de um
masoquismo na sua candidatura (...) acha que não pode ser ele
mesmo. Com razão, aliás. Pois o eleitorado aceita melhor a
arrogância de um Collor, que se comportou como alguém
destinado a mandar (...), do que o frouxo populismo de quem é
forçado a usar chapéu de couro (...).
178
Como se vê, o autor da matéria demonstrava um significativo rechaço com o
fato do candidato Cardoso ter se sujeitado a uma prática populista (com um sentido
178
FOLHA DE S. PAULO. Candidatura de FHC sofre de masoquismo: montado
num lombo de burro com chapéu de couro, o candidato submete sua vaidade ao
ridículo eleitoral: 5-10. Grifos nossos.
86
eleitoreiro e demagógico). Porém, há que se notar que, como visto em editorial
localizado no item anterior, a crítica dirigida ao ato de campanha não esconde a
preferência a essa candidatura. As passagens em destaque tendem,
inequivocamente, a revelar a opção eleitoral do autor da matéria, ou, em última
instância, do próprio jornal. A matéria manifesta mais uma lamentação com o fato
deste candidato ter agido como tantos outros em períodos eleitorais, do que
propriamente uma oposição ao candidato. De modo velado e denotando uma
relativa contradição, a crítica é equilibrada com o argumento de que outros
candidatos agem assim nos pleitos eleitorais, e que o próprio eleitorado,
infelizmente, recebe melhor atos de natureza populista.
Ainda em relação a matéria em questão vale acrescentar, com base em
observação de um estudioso, que muitas vezes há um quadro referencial
relativamente comum (empático), estabelecido entre o produtor do texto e o
receptor da informação.
179
O questionamento levantado pela matéria encontraria,
assim, em alguma medida, ressonância em cada leitor, independente da sua
coloração político-ideológica. Com base no perfil do leitor da Folha pode-se aventar
que, pertencendo a estratos socioeconômicos elevados, são, em geral, detentores
de uma postura mais crítica frente a atos populistas tais como o praticado por
Cardoso. Entretanto, note-se que o que se questiona é uma atitude externa,
superficial, não as propostas e a composição de forças políticas que integravam a
candidatura. Daí, parece-nos lícito indagar, por outro lado, sobre o efeito de
matérias com esse tipo de conteúdo: até onde a crítica desta matéria, como
também, do editorial disposto anteriormente, tenderia a desqualificar o candidato
Fernando H. Cardoso?
Cerca de dois meses depois, em 14/08, no caderno especial sobre as
eleições, o jornal publicava uma entrevista com Fernando H. Cardoso (com o título
179
JOSÉ PINTO, M. Contextualizações; e JOSÉ PINTO, M. Comunicação e
discurso: introdução à análise de discursos.
87
Lula é maior que o PT, que é regressivo). Entre outras coisas, o candidato
respondia sobre o ato populista de sua campanha, disposto acima.
(...) eu não sou, nunca fui muito adepto de comício e nem é onde
eu me sinto melhor. Inventaram que eu tenho dificuldade, que eu
falo difícil com o povo. Isso é uma mentira. Eu não erro o
português. Às vezes eu erro, mas eu não erro de propósito. Eu não
sou de fazer, digamos, concessões populistas, mas eu sou afável
com todo mundo e isso passa. Me gozaram tanto do cavalo e
coisa. Ali foi uma gentileza minha, não foi nenhum marqueteiro
que mandou fazer nada.
180
Percebe-se que o candidato apresentava, aqui, uma correspondência entre a
sua indicada concepção de populismo
181
e uma das idéias imputadas à noção pela
Folha: uma prática eleitoreira que visa angariar apoio e simpatia populares, mas
que possui uma certa natureza incongruente com o autor do ato ou de suas
propostas. O candidato respondia, assim, ao próprio jornal e o respectivo público-
leitor.
Vejamos, agora, algumas matérias concernentes às teses do paradigma
econômico.
Em 21/01, na matéria intitulada Governo russo perde reformistas: novo
gabinete anunciado por Ieltsin indica um freio no ritmo das mudanças econômicas,
a Folha relatava mudanças na composição do governo da Rússia. Mudanças que,
segundo sua avaliação, tenderiam ao arrefecimento do processo das reformas
estruturais orientadas para o mercado.
O presidente da Rússia, Boris Ieltsin, montou ontem um governo
dominado pelos reformistas moderados. Boris Fiodorov, defensor
de reformas radicais, anunciou que não vai aceitar convite para
continuar como ministro das Finanças. A transição ao capitalismo
entra numa fase de desaceleração (...). Apesar do perfil da nova
equipe econômica [Victor] Tchernomirdin [premiê do governo]
declarou: O governo vai continuar o caminho de prosseguir e
aprofundar as reformas. Boris Fiodorov, que ainda deve formalizar
180
FOLHA DE S. PAULO. Caderno especial Eleições: Lula é maior que o PT, que é
regressivo. Grifos nossos
181
Que não é, certamente, a desenvolvida em seus trabalhos acadêmicos, como
Dependência e desenvolvimento na América Latina.
88
sua renúncia nos próximos dias, declarou que políticas moderadas
e populistas vão desaguar em hiperinflação.
182
Expondo no curso da matéria algumas medidas tomadas pelos anteriores
reformistas radicais, como privatizações e combate à inflação, o texto menciona
também, no desenvolvimento da argumentação, um efeito direto advindo dessas
políticas: o aumento do desemprego. O descontentamento popular seria, assim,
uma razão para se substituir alguns membros do governo.
Por outro lado, é interessante observar o título da matéria, como também
sua conclusão. No título, adota-se o termo perda para se referir à saída dos
reformistas. Na conclusão, revela-se o significado dessa perda, apresentado sob a
forma de uma declaração externa ao marco institucional do jornal: moderação no
processo de reformas estruturais representa populismo, ou seja, uma postura
político-econômica geradora de inflação e de instabilidade econômica.
No caderno especial dedicado às eleições, a notícia Professor vê consenso de
Washington ou bárbarie: 'o desafio ao consenso levará o país à crise' (15/08),
informava as avaliações sobre a conjuntura econômica, feitas por acadêmicos que
participaram de um seminário na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Se o próximo presidente da República não seguir a estratégia de
ajuste econômico recomendada pelo chamado Consenso de
Washington, vai jogar o Brasil na rota da barbárie, (...). O
diagnóstico, no qual está embutida a idéia de que ou o país se
adequa ao consenso ou ficará à margem do capitalismo, é do
economista John Williamson, do Institute of International
Economics, de Washington, uma espécie de celeiro ideológico
afinado com o governo norte-americano (...). O Fernando
Henrique aceita o Consenso de Washington?, perguntou
Williamson. Eu acho que sim e espero que ele aceite. Também
espero que o Lula aceite. Porque, se o próximo presidente tentar
desafiar esse consenso, vai chegar em breve numa crise como a
Venezuela chegou, respondeu o próprio Williamson. A Venezuela,
(...), vive hoje um clima de instabilidade política e crise
econômica, com evasão de divisas, inflação alta, recessão e
quebradeira do sistema financeiro (...). Os empresários acusam o
presidente, Rafael Caldeira, de prática populista, sobretudo no que
se refere aos subsídios estatais ao petróleo, que estariam em
choque com a política defendida pelo Consenso de Washington. É
182
FOLHA DE S. PAULO. Governo russo perde reformistas: novo gabinete
anunciado por Ieltsin indica um freio no ritmo das mudanças econômicas: 2-9.
Grifos nossos.
89
muito importante que não se tente desafiar essas realidades, disse
Williamson, logo depois de fazer alusão ao caso venezuelano. O
próprio Williamson, num esforço de desdemonização da própria
cria, salientou que o consenso contempla uma agenda social.
Referia-se a políticas compensatórias que amenizem o impacto de
medidas recessivas sobre países como o Brasil (...). O público
presente ao seminário foi privado de qualquer contraponto às
idéias do economista de Washington (...). O cientista político
Francisco Weffort, do PT, e o economista Celso Furtado,
confirmados para o evento, não compareceram. No lugar deles, o
economista Eduardo Giannetti (...), da USP, e a cientista política
Leila Frischtak, consultora do Banco Mundial no Brasil,
engrossaram o samba de uma nota só, abertamente favorável às
teses do consenso (...). Na avaliação de Giannetti, a velha
esquerda brasileira vendeu uma imagem do consenso como sendo
uma espécie de imperialismo neocolonialista porque padece da
cultura da culpa (...). Essa cultura, disse Giannetti,(...), [deixa] de
lado os erros e omissões de cada nação, que assim estaria isenta
de qualquer responsabilidade sobre seu fracasso histórico (...).
183
Esta matéria veicula informações bastante claras sobre a visão de alguns
intelectuais acerca dos dilemas e respostas a serem dadas no subcontinente latino-
americano e no Brasil, em especial. Ademais, é importante observar três coisas:
i. O teor dramático da manchete, elaborado, evidentemente, pelo jornal,
onde sugere-se uma inevitabilidade das políticas reformistas.
ii. O lead da notícia, primeiro parágrafo onde visa-se chamar a atenção do
leitor para as questões mais importantes da matéria:
Se o próximo presidente da República não seguir a estratégia de
ajuste econômico recomendada pelo chamado Consenso de
Washington, vai jogar o Brasil na rota da barbárie.
184
iii. As considerações finais, onde o autor da matéria seleciona a declaração
de um economista brasileiro, fazendo coro, ao olhar para nossa realidade nacional,
com o discurso do professor de Washington. A partir da observação desses três
aspectos textuais, vemos que o laço geral de identidade entre os discursos
selecionados no seminário e a perspectiva do autor da matéria fica nítido.
183
FOLHA DE S. PAULO. Caderno especial Eleições: Professor vê consenso de
Washington ou bárbarie: 'o desafio ao consenso levará o país à crise'. Grifos
nossos.
184
Idem.
90
O populismo ou intervencionismo estatal, mais uma vez, é localizado numa
posição antagônica à modernização. Modernização esta sugerida, no caso, pelas
teses reformistas do Consenso de Washigton.
Já realizada a eleição presidencial e confirmada a vitória de Cardoso no
primeiro turno, a editoria Ilustrada publicava, em 09/11, uma entrevista com Mario
Vargas Llosa, intitulada Para autor, FHC superou 'ilusão populista': escritor comenta
a trajetória do presidente eleito do Brasil, com quem deve se encontrar em
dezembro.
(...) Folha - Muita gente no Brasil tem apontado semelhanças
entre a sua trajetória e a do presidente eleito (...) Cardoso: ambos
eram intelectuais respeitados antes de entrar na política, ambos
têm uma formação humanista européia e querem civilizar os
trópicos (...).
Vargas Llosa - Eu me alegrei muito com a vitória dele, (...) É um
homem que viveu as ilusões do populismo e da esquerda em sua
juventude e que aprendeu a lição meridiana do que ocorreu nas
últimas décadas, sobretudo na América Latina, e que agora está
muito mais dentro de uma posição pragmática. Tenho muita
esperança em seu governo, pois o Brasil só está esperando um
pouco de lucidez e de ordem para seguir adiante.
(...) Folha - Ele parece não abraçar o seu liberalismo radical.
Vargas Llosa - É verdade. Ele mantém posições mais social-
democratas, mas em muitos casos essas diferenças hoje em dia
são de semântica, não de políticas concretas. Se ele está, como
tem demonstrado, a favor de políticas de mercado, contra o
dirigismo estatal na economia, se aceita que a internacionalização
dos mercados é fundamental para que os países pobres deixem de
sê-lo, estamos de acordo no fundamental (...).
185
O título, novamente, revela o que o jornal assinala como importante no
texto produzido: o presidente eleito está mais maduro e realista, tendo superado a
ilusão populista. O leitor, portanto, não precisaria se preocupar muito com os
rumos que deveriam ser encaminhados pelo, então, futuro governo. A noção de
populismo é representada pelo entrevistado como um fenômeno político e
econômico atrasado, irrealista e irracional, pois desconsidera a realidade objetiva à
qual a civilização deve passar, a saber, o aprofundamento das relações sociais e
185
FOLHA DE S. PAULO. Para autor, FHC superou 'ilusão populista': escritor
comenta a trajetória do presidente eleito do Brasil, com quem deve se encontrar
em dezembro: 5-3. Grifos nossos.
91
internacionais capitalistas. É evidente que, com o título apresentado, a Folha
coadunava-se com a interpretação do fenômeno dada por Llosa.
Interessante e sugestivo, por outro lado, é a expressão utilizada pelo
jornalista no início da entrevista: civilizar os trópicos. Se dermos mais um passo, a
dicotomia populismo versus reformas estruturais pode acabar implicando em uma
espécie de nova polarização entre barbárie e civilização. Como se vê, estamos
diante de um rico e complexo jogo de palavras e símbolos, onde os componentes
interpelativos da ideologia dominante
186
são abertamente dirigidos aos leitores,
chamando-os para a adoção de uma postura política particular.
b.3) Seções de opinião e debate:
O propósito deste item é viabilizar a apresentação de alguns artigos
produzidos por atores que detinham vínculo formal com a Folha (mas que,
institucionalmente, expressavam/expressam a sua opinião particular), assim como
expor alguns textos de colaboradores desvinculados formalmente da empresa, em
geral políticos, empresários e membros do campo intelectual. Entendemos que a
análise desses artigos pode ser valiosa para a compreensão do deslocamento da
noção de populismo do meio científico para o discurso do jornal. Em alguma
medida, as seções e colunas oferecidas à opinião constituem-se num espaço
intermediário, de interação, entre a produção dos campos acadêmico e jornalístico.
Levando-se em conta essa realidade, podemos sugerir que a apropriação
jornalística de idéias presentes em algumas análises produzidas por acadêmicos
tendem a propiciar um respaldo científico, perante o público-leitor, para a aplicação
posterior da noção de populismo (entre outras noções) nos editoriais e no
noticiário. A correlação entre as fontes conceituais e interpretativas das seções de
opinião com o discurso jornalístico, pode, desse modo, levar à identificação das
conexões entre ciência e jornalismo.
186
ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de estado.
92
Faz-se necessário salientar que é nessa modalidade de textos publicados
pelos jornais em que o contraditório e a polêmica sobressaem-se. Investidos de
uma capa plural-democrática, as colunas e seções de opinião são reservadas à
publicação de distintas visões particulares de mundo.
187
No entanto, a despeito das
contradições aí presentes, há uma estreita afinidade entre o conteúdo majoritário
das mensagens presentes no editorial e nas matérias cotidianas face as
perspectivas de alguns articulistas, eventuais ou fixos. Tal articulação poderá, pois,
ser ilustrada com a exposição de breves passagens de um e outro artigo.
As editorias da Folha abertas à opinião sobre política e economia, onde
encontramos o material para a análise, são as seguintes: Painel; Mundo; Ilustrada;
Mais!; Opinião; e Dinheiro. Já as seções e colunas localizadas nestas editorias são:
Tendências/debates; Luis Nassif; e Opinião econômica.
188
Esses espaços dedicados
ao debate e idéias, evidentemente, não podem ser considerados, stricto sensu,
como a interpretação do jornal.
Na mesma linha verificada nos editoriais e no noticiário cotidiano, de um
conjunto de 123 artigos que operaram com o signo populismo, as teses do modelo
clássico e do paradigma econômico prevaleceram na substantiva maioria das
abordagens. O seu conteúdo também é majoritariamente negativo. Contudo, é
importante destacar que três artigos apresentaram uma abordagem distinta às
convencionais: um, de Florestan Fernandes, revelava um discurso próximo ao da
ênfase na ideologia, em especial, ao tratamento dado por Laclau. Este artigo está
disposto no item sobre Lula e PT. Outros dois artigos apresentavam uma natureza
bastante peculiar e original, que podemos chamar de questionador. Denotavam, de
forma irônica, uma nítida percepção sobre os instrumentos simbólicos,
desqualificatórios, empregados por atores embebidos numa visão pró-mercado.
187
ALVES FILHO, A. O noticiário da mídia e a velhinha da motocicleta.
188
Seguimos as definições dadas pelo jornal.
93
Foram produzidos por Carlos Heitor Cony e Luiz Gonzaga Belluzzo. O artigo de Cony
está incluído no presente item do trabalho.
Seguindo o mesmo roteiro de ordenamento, iniciamos com artigos afins às
teses clássicas, depois aos próximos, ou mesmo imersos no paradigma econômico.
Concluímos com a ilustração de um artigo questionador.
Ao final do mês de março, num período que marcava os quarenta anos do
golpe que depôs o presidente João Goulart, a Folha publicou algumas análises
específicas sobre este evento político. Com abordagens distintas, mas que, de
qualquer modo, denotam alguma relação com elementos constitutivos da
perspectiva clássica, sejam distantes ou próximos, reproduzimos, abaixo,
passagens de um texto.
Em 28/03/1994, a Folha publicava o artigo Março de 64 – uma visão
histórica (editoria Painel, seção Tendências/debates), do militar Sérgio Xavier
Ferolla.
189
Este artigo é bastante sugestivo para nossa observação sobre o olhar de
um membro das Forças Armadas, concernente a um fato tão marcante da história
brasileira. Seu viés conservador é nítido.
(...) A identificação apressada entre o populismo demagógico de
um governante mal preparado [refere-se a Jango] e o ativo
comunismo internacional, cujo diversificado espectro de atuação
no Brasil fazia convergir para os movimentos de massa as formas
mais candentes e agressivas de sua atuação, trouxe profunda
inquietação às forças conservadoras e à oficialidade (...) o
governo, carente de apoio político para as reformas, intentava
buscá-lo nos sindicatos operários, procurava também, como
estratégia para enfrentar as pressões da oficialidade, o respaldo
das agremiações de militares subalternos, (...), através de (...)
incentivos à participação em comícios políticos, apoio a ação
conjunta de soldados, marinheiros e operários (...). O momento,
hoje, é de meditar sobre aqueles 20 anos de governos autoritários,
iniciados com um movimento que, em suas raízes, atendeu aos
reclamos de uma sociedade desrespeitada e ofendida, para que, as
elites estejam onde estiverem, ocupem os cargos que ocuparem,
fiquem alertas para o fato de ser intolerável a zombaria acintosa
das dificuldades da nação, supondo-a abúlica e desarmada.
190
189
Então tenente-brigadeiro-do-ar, comandante e diretor de Estudos da Escola
Superior de Guerra - ESG.
190
FOLHA DE S. PAULO. Março de 64 – uma visão histórica: 1-3. Grifos nossos.
94
Para o que nos interessa em especial, o autor identifica o populismo com
demagogia, esquerda política e movimentos populares. A demagogia, neste caso,
parece referir-se à tentativa de transformação do status quo. A contrapartida,
racional e apropriada, possivelmente, vinculava-se a manutenção da ordem
vigente.
191
Como demonstração do uso da palavra no embate político-ideológico por
parte de indivíduos ligados à esquerda, vejamos passagens, que parecem seguir,
relativamente, a matriz interpretativa clássica, de artigos de dois intelectuais
ligados ao PT, quais sejam, Francisco de Oliveira e Maria da Conceição Tavares.
Na seção Tendências/debates (editoria Painel) de 24 de maio, o sociólogo
Francisco de Oliveira analisava a emergência de novas práticas políticas no Brasil.
Atestava, por outro lado, que duas candidaturas à presidência tenderiam, com
maior propriedade, a articular-se com esses novos padrões de atuação política. Em
seu artigo Modernidade à vista, afirmava o autor:
(...) [a] candidatura Lula à Presidência da República (...) é de uma
qualidade nova que traduz os novos modos de representação na
sociedade contemporânea (...). Os chamados novos movimentos
sociais são (...) uma mostra dessa nova representação. Apesar de
todas as desconfianças da academia, de uma mal disfarçada
repugnância aos feios, sujos e malvados, não é pouca a
contribuição dos movimentos sociais,(...), para a nova exigência
de ética na política que vem iluminando a cena brasileira na última
década (...). A articulação entre esfera pública e âmbito privado
(...) é a nova forma de representação que tanto o novo
sindicalismo como os movimentos sociais vêm praticando. Está
além, superando-a, da falsificação operada pelo fisiologismo e pelo
populismo (...) os políticos populistas que beijam crianças pobres,
191
Na mesma seção Tendências/debates, publicava-se, três dias depois, artigo
que discorria sobre o evento histórico partindo de um outro prisma. Fundava-se
numa argumentação afim ao marco teórico clássico. Porém, distanciava-se
bastante, e com propriedade, dos usos correntes de algumas de suas teses, tal
como o verificado acima. O autor, professor de Ciência Política da Unicamp,
concebia o populismo como uma espécie de estratégia política caracterizada pela
conciliação dos interesses de classes. Ressoavam claramente, pois, as
interpretações de Weffort e Ianni sobre o populismo brasileiro: a polarização
interna, sobre a qual se projetavam os interesses da Guerra Fria, cindiu o
populismo, privando-o de sua tradicional função mediadora. O governo Goulart
tanto foi acusado de ceder à subversão da ordem econômica e política quanto de
ser incapaz de promover as reformas sociais (...) 64 não foi nem um "golpe"
nem uma "revolução". Seria, com mais propriedade, uma "contra-revolução
preventiva". Ver ALMEIDA, L. M. de. A dinâmica e o legado de 64: 1-3.
95
simulam uma intimidade que é a forma fajuta de fraudar uma
relação pública, que é o voto (...). Sem exageros, até mesmo a
forma e o nível dos candidatos que aparecem no topo das
preferências, a saber, (...) Lula e o senador (...) Cardoso, devem
muito a esses movimentos, a essas novas práticas, a essas
exigências de negociação, de transparência, de ética na coisa
pública. Eu diria até que devem tudo (...).
192
Submetendo o Plano Real à crítica, dizia ConceiçãoTavares:
O Plano Real, ex-Plano FHC (fase 3), está vivendo uma etapa
novelesca em que a propaganda oficial e o desejo de ganhar mais
uma Copa do Mundo embrulhou as expectativas (...) A inflação vai
ficar baixa em agosto e setembro, mas os preços foram para o
espaço e os salários de mais da metade da população estão no
subsolo do Terceiro Mundo. O poder de compra das famílias que
ganham de um a oito salários mínimos caiu 12,7% (em URV-real)
desde março (dados do IBGE); a cesta básica está em mais de
US$ 100, para um salário mínimo de menos de 70 (...). O governo
faz propaganda do real e acusa a oposição de torcer contra o
plano. Ora, um plano não é jogo da seleção para que todos
possamos torcer in pectore (...). Como não somos economistas
populistas, que manipulam ou se servem das ilusões do povo,
temos de dizer a verdade, doa a quem doer (...).
193
Nota-se, portanto, que os articulistas apontavam, a partir da esquerda do
espectro político nacional, uma freqüente representação do fenômeno populista:
farsa e demagogia, como dois de seus atributos, consistindo, em última instância,
numa prática política degenerada. Vale ressaltar que o artigo de Francisco de
Oliveira indicava como expressões de um novo fazer político, distante do
populismo, não apenas o seu candidato (Lula), como também seu principal
adversário na campanha, Fernando H. Cardoso.
Vejamos abaixo alguns textos que denotavam consonâncias interpretativas
com as idéias que norteiam o paradigma econômico.
Num intervalo de dez dias, entre fins de fevereiro e princípios de março, a
Folha publicava alguns artigos de Bresser Pereira e Antonio Kandir. Esse período foi
marcado pela polêmica em torno da forma de conversão dos salários, nos quadros
da implantação do Plano Real. O populismo, claro, não podia ser abdicado à
192
OLIVEIRA, F. de. Modernidade à vista: 1-3. Grifos nossos.
193
TAVARES, Maria da Conceição. A novela do Plano Real continua: 2-5. Grifos
nossos.
96
classificação dos adversários. Dentro disso, aumento salarial e inflação seriam seus
congêneres.
Tratando desse tema, em 28/02, no artigo Plano de Fernando Henrique é
superior aos anteriores, Bresser Pereira reiterava suas expectativas positivas
quanto ao novo plano de estabilização e abordava, por outro lado, a posição
sindical.
O Plano FHC, (...), tem amplas possibilidades de êxito. Se o
compararmos com os planos de estabilização anteriores, este é
claramente um plano superior na sua concepção, porque enfrenta
de forma coerente as duas causas fundamentais da inflação: a
inércia inflacionária e a crise fiscal (...) a sociedade brasileira hoje
tem uma noção muito mais clara do que tinha há alguns anos
atrás da gravidade da crise, da necessidade do ajuste fiscal e da
inviabilidade de conversões de salários ou preços pelo pico. Esta
última mudança, (...), ainda não foi completa. Hoje os líderes
sindicais sabem que a conversão dos salários deve ser pela
média.
194
Abandonaram a idéia de que o pico é o verdadeiro
salário e que qualquer conversão abaixo do pico significa perda
para os trabalhadores. Por motivos políticos, (...), conservam uma
retórica populista, que poderá ser fatal para o Plano FHC. Será a
conversão do salário mínimo o teste fundamental do plano. Se o
Congresso aprovar a conversão dos salários pela média (em torno
de US$ 65), o plano terá amplas condições de êxito. Caso se
decida por uma conversão por um valor maior, os demais salários
seguirão o exemplo, os custos das empresas aumentarão, estas
repassarão esses custos para preços e a inflação residual será
elevada. O plano fracassará. Estaremos condenados a mais alguns
anos de inflação e estagnação (...).
195
Na editoria Dinheiro, de 14/07, Luis Nassif discorria em sua coluna sobre as
posições de intelectuais que questionavam as teses do Consenso de Washington. O
título do texto disposto nesta coluna foi, precisamente, O consenso de Washington.
O must do momento, entre economistas engajados, é criticar o tal
consenso de Washington (...) [vinculada a esta crítica, afirma-se
que] a candidatura (...) Cardoso seria o instrumento teleguiado
para levar a termo a conspiração de Washington. Agissem como
cientistas isentos, esses economistas engajados acabariam
chegando a relações muito diretas entre miséria, mortalidade
infantil e o modelo político que eles próprios defendem, (...). A
crítica só é objetiva ao apontar em (...) Cardoso a falta de
compromisso com reformas que reduzam os níveis de exclusão
social. Mas onde se encontra esse compromisso? Neles, que
194
Calculada com base na média dos doze últimos meses.
195
BRESSER PEREIRA, L. C. Plano de Fernando Henrique é superior aos
anteriores: 1-6. Grifos nossos.
97
defenderam e continuam defendendo o velho modelo fechado,
nacional-populista? (...) Consenso de Washington e outras
abstrações constituem-se em mera desculpa, para não terem que
expor claramente o que os assusta: a descentralização, o fim da
exploração política do estado, a modernização das práticas
políticas.
196
Nassif, movido por idéias afins ao paradigma econômico, apresentava a
noção de populismo como um modelo econômico arcaico, estruturalmente superado
na conjuntura internacional da época. Um dos componentes simbólicos atribuídos
ao fenômeno, como se vê, é o estatismo. Note-se também que a argumentação do
articulista sugere a inexistência de diferenças propositivas concernentes ao
combate à desigualdade social. De modo que, restando apenas as estratégias de
desenvolvimento econômico a serem avaliadas, evidentemente, os intelectuais e
suas propostas que refutam as teses neoliberais são, inapelavelmente,
desqualificados pela coluna.
Fazendo coro com a representação do populismo apresentada acima por
Nassif, Antonio Kandir escrevia três dias depois (17/07), sobre os rumos a serem
escolhidos pelo país na eleição presidencial que se aproximava. Seu artigo Rumo ao
tetra e à conquista do desenvolvimento (editoria Dinheiro) não deixava margem à
dúvida sobre o que se considerava populismo.
A caminhada da seleção lembra a vida do país nos últimos cinco
anos. A década de 90 tem sido árdua para todos os brasileiros.
Mas, que avançamos e vencemos desafios, quem há de negar?
Vencemos as resistências à abertura comercial (...). Com a
abertura, as empresas daqui tiveram de se haver com um mercado
mais competitivo, de consumidores mais exigentes. Resultado:
ganhos expressivos de qualidade e produtividade. Vencemos
também as resistências ao programa de privatizações (...). Graças
a essas mudanças, estamos hoje em condições favoráveis para
vencer a luta contra a inflação, consolidar a estabilidade
econômica e retomar o desenvolvimento em bases sólidas (...). O
que falta para que a modernização resulte em um novo modelo de
desenvolvimento, que combine crescimento e superação da
miséria, nos marcos de uma economia internacionalizada? (...).
Falta reconstruir o Estado. Por isso, as próximas eleições são
cruciais, não só para determinar os rumos do país nos quatro anos
seguintes, mas nas próximas décadas (...) essas não são eleições
quaisquer. Nelas, vamos escolher o Brasil que teremos nas
primeiras décadas do século 21, se um país com um projeto
196
NASSIF, L. O consenso de Washington: 2-3. Grifos nossos.
98
nacional moderno ou se um país entorpecido pelo nacionalismo
populista (...).
197
Acompanhando essa linha de interpretação, Bresser Pereira abordava o tema
das reformas estruturais no mesmo dia, 17/07, pela editoria Mais!.
(...) Em ambas as regiões [América Latina e Leste europeu], o
ajustamento estrutural - ou seja, a muito necessária reforma do
Estado - está sendo realizada. Estas reformas enfrentam
obstáculos de todo tipo. Obstáculos originários de uma esquerda
retrógrada, (...), e de uma direita aproveitadora, que preda o
Estado (...) embora consolidado, o capitalismo latino-americano
revela-se capenga, atrasado, produto de uma modernidade
incompleta, marcado por desigualdade social selvagem e pelo
populismo (...).
198
Quase dois meses depois, em 04/09, o professor da Faculdade de Economia
da Universidade de São Paulo, Eduardo Giannetti da Fonseca, discorria sobre o que
ele considerava como a grande demanda da população brasileira: a estabilidade
econômica. Em seu artigo Eleitorado elege promessa de estabilidade (editoria
Dinheiro), afirmava que,
(...) A população brasileira está absolutamente ávida por
estabilidade. O eleitorado atribui prioridade máxima ao combate à
inflação e está registrando sua preferência pela moeda estável
como o grande desafio nacional para o próximo governo. Mais do
que qualquer partido ou candidato, o que está sendo eleito é a
promessa de estabilidade do Plano Real. O que está acontecendo
no Brasil repete, de certa forma, o padrão observado em outros
países latino-americanos. A vitória folgada de Zedillo no México,
apesar da recessão e da revolta de Chiapas, reflete a opção do
eleitorado pela continuidade das reformas e pela estabilidade dos
últimos anos. O populismo redistributivista de Cárdenas foi
rebaixado para o terceiro lugar nas urnas, com 17% dos votos
(...). O grande consenso antiinflacionário está determinando os
rumos da política na América Latina (...). A descoberta não resulta
de pressão externa ou golpe ideológico - ela é fruto da experiência
amarga com décadas de descontrole e populismo (...).
199
Como se vê, os artigos que denotavam estreitas afinidades com as
avaliações econômicas contidas no paradigma econômico, opuseram o populismo
200
197
KANDIR, A. Rumo ao tetra e à conquista do desenvolvimento: 2. Grifos
nossos.
198
BRESSER PEREIRA, L. C. Reformas estruturais: 6-3.
199
GIANNETTI DA FONSECA, E. Eleitorado elege promessa de estabilidade: 2-4.
Grifos nossos.
200
Ou, o que se considerava uma importante fonte de instabilidade econômica e
do aumento da inflação, advindas de gastos públicos inconseqüentes.
99
à estabilidade e às reformas. O signo populismo era, assim, alçado à categoria de
símbolo do atraso na América Latina e no Brasil, em particular, por esse tipo de
análise.
Problematizando essas análises informadas por teses econômicas pró-
mercado e anti-Estado, então (ou até hoje?) em voga, Luiz Gonzaga Belluzzo e
Carlos Heitor Cony dialogavam com os seguidores dessas teses em artigos
publicados após a vitória de Fernando H. Cardoso, no 1° turno das eleições. Nesse
sentido, a percepção dos articulistas sobre a representação dada por determinados
setores políticos e intelectuais às políticas que apresentavam uma efetiva regulação
estatal (consideradas populistas), não deixava de revelar um questionamento à
desqualificação operada pelos bem-sucedidos e integrados,
201
contra as estratégias
de desenvolvimento que concediam um importante papel ao Estado. O interessante
nas passagens de seus artigos é notar que não escapava aos olhos dos autores a
intencionalidade ideológica, marcadamente desqualificatória, que perpassava a
utilização hegemônica da noção de populismo em vários discursos da época;
inclusive, evidentemente, na própria Folha. Com efeito, a construção de uma
polaridade entre políticas voltadas ao mercado e populismo, é claramente detectada
pelos articulistas.
Assim, fazendo coro com Belluzzo, Cony escrevia, em 28/12, o artigo
Cidadãos e patrícios (editoria Opinião). Abordava tanto a vitória da política
neoliberal e os possíveis horizontes que esta vitória oferecia ao país, quanto
ironizava o discurso hegemônico.
(...) a partir da próxima semana o Brasil iniciará a nova era, terá
afinal o encontro com o futuro que nos foi prometido desde Pero
Vaz de Caminha a Stefan Zweig. O populismo será enterrado e,
com ele, a preocupação social - que todos sabemos - não é
economicamente viável. Foi varrida da história a concepção do
Estado paternalista que pretende distribuir a riqueza nacional entre
todos os setores da sociedade. Aos competentes, aos aptos, as
batatas. Aos excluídos - que continuem excluídos e não façam
marola para atrapalhar o crescimento de nosso PIB. Uns 20
201
BELUZZO, L. G. Reflexões sobre a Era dos Dinossauros: 2-4.
100
milhões de brasileiros terão maior garantia de progredir na vida e,
se tudo der certo, poderão comprar Miami inteira (...). Bem,
sobrarão uns 120 milhões de brasileiros que não sabem ao certo o
que é neoliberalismo, mas terão de se conformar com a cidadania
que substituirá o Estado paternalista. Seremos todos cidadãos,
como nos tempos da Revolução Francesa. Mais um pouco, com o
sucesso do Estado neoliberal, voltaremos a ser patrícios como nos
tempos do Império Romano. Desenvolvimento é isso aí (...).
202
Como vimos, artigos como os produzidos por Belluzzo e Cony constituem-se
numa manifestação rara nas seções de opinião. No noticiário político e econômico,
e principalmente, nos editoriais, esse tipo de manifestação era escassa, se não
mesmo nula. As argumentações de Belluzzo e Cony representavam - além de uma
apropriação da noção de populismo destoante da convencional na Folha - uma
nítida percepção sobre os instrumentos discursivos e simbólicos empregados por
atores embebidos ou mesmo representativos da ideologia neoliberal dominante.
Por fim, podemos argumentar que, também, intelectuais identificados com a
esquerda política da época, como Francisco de Oliveira e Maria da Conceição
Tavares, por exemplo, concebiam o populismo como um fenômeno degenerado e
fraudulento, que deveria ser extirpado da sociedade brasileira. Em geral, eram as
teses clássicas que pareciam mover suas argumentações. Dirigia-se,
preponderantemente, o rótulo de populista aos seus adversários, em geral, da
direita. Entretanto, como temos visto, a pedra transformara-se em vidraça no
discurso jornalístico hegemônico. Foram as bandeiras popular-democráticas, em
geral, que sofreram com esse prestigioso qualificativo.
c) Posições e atores políticos representados: de quem se diz
Para a presente seção propomo-nos apresentar o uso da noção de populismo,
efetuado pela Folha, referente a três personagens políticos de relevância nacional,
diretamente relacionados com a disputa ocorrida em 1994 à sucessão presidencial.
Dois destes encontravam-se na posição de candidatos: Lula (PT) e Brizola (PDT). A
outra figura política colocada em destaque na seção é a do, à época, presidente da
República, Itamar Franco. Guardadas as diferenças existentes entre esses atores
202
CONY, C. H. Cidadãos e patrícios: 1-2. Grifos nossos.
101
políticos - concernentes aos cargos que ocupavam, aos partidos políticos que
pertenciam e às suas respectivas biografias - os aproximava a oposição às teses
neoliberais (um tanto relativa no caso de Itamar Franco), oposição esta
desqualificada pelo jornal como atraso populista.
É importante destacar que independente do fato de Franco ter apoiado seu
ex-ministro da Fazenda, Fernando H. Cardoso, o qual, se constituía, também, no
candidato preferido da Folha, o então presidente fora alvo de constantes críticas
desferidas por esse jornal. Suas intervenções ou declarações favoráveis à
intervenção em setores econômicos específicos, assim como as concessões de
aumentos salariais, motivaram o jornal a questioná-lo freqüentemente em suas
páginas. Pode-se perguntar: qual a relevância de analisar as matérias relativas a
Itamar, já que não era candidato e apoiava a candidatura defendida pelo jornal?
Ensaiamos a seguinte resposta: suas ações e aspirações governamentais
revelavam, exatamente, o perfil político indesejado pela Folha para ocupar a
Presidência da República, ou seja, uma postura desfavorável aos preceitos contidos
na agenda reformista. É, nesse sentido, que podemos compreender a posição
política do jornal e suas críticas, abertas ou veladas, aos opositores populistas da
modernidade em um marco analítico mais amplo.
Subdividimos, portanto, a seção em Presidente Itamar Franco, Lula e PT e
Brizola e PDT. Para a interpretação do tratamento dispensado pela Folha (e
posteriormente pelo JB) a esses atores, incluímos editoriais, noticiário cotidiano e
seções de opinião e debate, que os designassem como populistas. É na presente
seção que o caráter desqualificatório dado ao termo apresentará sua face mais
nítida, contraposto aos princípios político-ideológicos dominantes da época:
modernizantes, racionais e responsáveis.
c.1) Presidente Itamar Franco
Editoriais:
102
Em um conjunto de 27 editoriais da Folha que utilizaram a noção de
populismo para interpretar algum fato cotidiano, 11 (onze) foram destinados ao
presidente Itamar Franco. Nesse conjunto de editoriais prevaleceram as
abordagens afins ao paradigma econômico.
Por ocupar o mais alto cargo público, evidentemente, Franco estaria sujeito
a ser bastante mencionado pelos editoriais do jornal. Entretanto, a incidência
majoritária de seu nome no corpo de editoriais que operavam com a noção de
populismo é uma indicação de que os atos presidenciais foram fonte de
preocupação e crítica, por parte da Folha. Ao longo do ano críticas a Itamar Franco
foram uma recorrência. No entanto, tendo em vista a operacionalização das
estruturas redacionais aos fins da dissertação, lançamos passagens de editoriais
publicados à partir de junho de 1994, devido a contundência de suas críticas.
No início do mês de junho, Franco havia protagonizado uma grande polêmica
nas páginas do jornal. O presidente concedera por intermédio de uma medida
provisória (já ultrapassada a fase de conversão de salários para a Unidade Real de
Valor - URV) um cálculo para a conversão das mensalidades de escolas particulares
favorável aos pais e alunos. Para a Folha, tal medida representava um populismo
demagógico e arbitrário, por ter atingido tanto escolas que haviam aumentado as
mensalidades de forma abusiva quanto as que não cometeram esse ato.
203
Nesse
ínterim, no domingo 12/06/1994, De volta para o futuro era o título do editorial que
tanto reiterava o questionamento sobre a conversão das mensalidades escolares,
quanto informava a preocupação com os possíveis efeitos para a corrida eleitoral
advinda da postura de Franco. A despeito desses fatos que se consideravam
negativos, a Folha revelava, também, sua posição otimista frente os rumos e
horizontes do país.
A coincidência de eleições e plano econômico vem há meses
gerando as mais desencontradas avaliações. Parece afinal incerto
se a coincidência será positiva ou não. O certo é que a sociedade
203
Ver FOLHA DE S. PAULO. Editorial: Nota zero: 1-2.
103
está enfastiada de soluções milagrosas e profetas de ocasião. As
expectativas econômicas, em meio às incertezas criadas nas
últimas semanas, revelam uma descrença inquietante e o temor
de inflação significativa sob o real. O pessimismo ainda predomina
(...). Talvez consciente dessa dificuldade e, como o homem
comum, cético das argumentações tecnocráticas, veio ninguém
menos que o presidente da República exigir providências mais
imediatas e claramente populistas na regulamentação das
mensalidades escolares. Nesse momento de paixões acesas, (...),
é preciso mais uma vez insistir no que ninguém pode negar (...):
raras vezes esteve a economia brasileira tão próxima de uma
estabilização duradoura, com condições objetivas tão favoráveis
(...). Uma economia na qual aos poucos se promove um ajuste
fiscal, crescem a produtividade e a competitividade e existem
formas cada vez mais flexíveis de inserção internacional cria (...)
condições mínimas para alcançar a estabilidade e retomar o
crescimento (...). também desafios enormes que ninguém teve
a coragem de enfrentar até agora e cuja vergonhosa perpetuação
coloca em xeque (...) a própria convivência social civilizada. É o
caso, em especial, da reforma do Estado e da construção das
políticas sociais que ultrapassam a gestão emergencial de Itamar
Franco (...) depois da década perdida, temos novamente a
esperança de poder encarar de frente a viagem de volta para o
futuro.
204
Ao menos um aspecto deve ser ressaltado sobre a posição política, ou linha
editorial, da Folha, a saber, a argumentação introdutória. Percebe-se claramente
não só a preferência política do jornal para a eleição presidencial, mas, também, a
sua preocupação com a postura de Itamar Franco. Como se pode depreender das
linhas introdutórias do editorial, o então presidente poderia gerar dificuldades à
vitória eleitoral do candidato comprometido com o aprofundamento das reformas.
Dois dias depois, em 14/06, o editorial Uma âncora para Itamar, parecia
alertar os membros da equipe econômica do governo federal sobre os possíveis
riscos ao combate à inflação provenientes da postura política de Franco.
O presidente Itamar tornou clara desde a sua posse uma atitude
de crítica aberta à política de juros altos. Tal atitude ajudou a
economia brasileira a sair da recessão provocada pelo Plano Collor
em 1990. Entretanto, o reaquecimento em 92 e 93 fez-se
acompanhar de uma alta nas taxas inflacionárias. É a esses efeitos
desastrosos do populismo que (...) Itamar insiste em dar as
costas, invariavelmente no pior momento, como agora (...). O
imediato pós-real, (...), será no campo da política monetária um
processo de aprendizado, de tentativa e erro. Nada pior, (...), do
que já começar errando, sinalizando antes do plano que o
populismo talvez volte a ser prioridade na agenda econômica
204
FOLHA DE S. PAULO. Editorial: De volta para o futuro: 1-2. Grifos nossos.
104
presidencial (...). Nesse momento de transição o governo poderá
se permitir muitas coisas (por exemplo, esperar para ver a
intensidade do consumo antes de sufocar o crédito à demanda).
Mas que não se permita, (...), sequer a hipótese (...) de que o
governo não tem empenho máximo em dar à nova moeda a devida
proteção contra a inflação. Juros abaixo da inflação levariam a
uma fuga rumo ao dólar, abalando a taxa de câmbio, ou seja, a
própria âncora da estabilização. Antes que seja tarde, que se lance
uma âncora para Itamar.
205
Similar à preocupação demonstrada no editorial de dois dias anteriores
(12/06), este editorial questiona as iniciativas populistas de Franco, entendidas
como ameaças à estabilização econômica e, evidentemente, à vitória de Fernando
H. Cardoso no pleito que se aproximava.
Meses depois, o jornal voltava suas análises contra Itamar Franco utilizando
o dispositivo lingüístico/ideológico populismo, só que para contestar ações de maior
envergadura. Tratava-se, agora, de combater o aumento salarial concedido aos
petroleiros.
206
No dia 15/11, o editorial Acordo a rever informava sobre a
possibilidade de revisão do acordo entre governo e petroleiros.
O governo tem uma boa oportunidade para rever o lamentável
acordo fechado há pouco com os petroleiros. Itamar Franco
convocou para amanhã uma reunião sobre o tema com quatro
ministros e há informações de que o presidente poderia finalmente
estar reconsiderando o resultado da negociação. Como se sabe,
(...), o governo concedeu inoportunas vantagens adicionais a uma
categoria que notoriamente já dispõe de uma série de privilégios
desconhecidos do cidadão comum. São benefícios particularmente
condenáveis num momento em que a estabilização atravessa
águas turbulentas (...) o acordo vem mostrar claramente a força
do corporativismo no âmbito do Estado e a facilidade com que o
governo escorrega para o clientelismo mais populista. Isso num
momento em que o país,(...), cobra sinais inequívocos de
compromisso com o saneamento e a racionalização do poder
público, cruciais para a estabilização (...) . Pode ser fácil comprar
apoio com dinheiro dos outros, mas é também flagrantemente
205
FOLHA DE S. PAULO. Editorial: Uma âncora para Itamar: 1-2. Grifos nossos.
206
O editorial de 12/11 apresentava uma argumentação recheada de símbolos e
estereótipos desqualificatórios: O acordo entre o governo e os petroleiros
atropelou a direção da Petrobrás (...) O desfecho das negociações mostrou
claramente uma tendência à acomodação de interesses, se não ao populismo
mesmo,por parte do governo.Foi um passo exatamente na direção contrária à
das reformas que se esperam para o setor público.Para estabilizar o país é
necessário sanear o Estado e,para tanto, combater o
corporativismo,privilégios,gastos fisiológicos e clientelistas. Ver FOLHA DE
S.PAULO. Editorial: Papai Noel irresponsável: 1-2.
105
injusto. É toda população que vai pagar pelos privilégios
concedidos à corporação petroleira, (...).
207
No último mês de seu governo, em fins de dezembro de 1994, Franco
concedeu um aumento de R$ 15,00 para o salário mínimo. Demonstrando a já
recorrente posição contrária a esse tipo de medida, o editorial da Folha empreendia
críticas contundentes, em título bastante sugestivo: Troco populista. Informava,
entre outros, que o aumento
atingia os princípios de austeridade essenciais ao sucesso da
estabilização [criando um] rombo de cerca de R$ 250 milhões na
Previdência.
208
Como vimos, a dicotomia populismo versus reformas/estabilização era
recorrente no discurso da Folha. A apropriação da noção em conformidade com o
paradigma econômico, ou o ideário neoliberal, é explícita. Franco seria considerado
adepto de práticas populistas por conceder aumentos salariais e intervir, ou
pretender intervir, na economia. Note-se também que, em alguns editoriais, outros
estereótipos foram empregados na classificação de medidas tomadas por Franco. O
corporativismo, entre outros, constituiu-se, por seu turno, em um signo também
bastante utilizado para a desqualificação de iniciativas como estas em tela.
No último editorial do ano (31/12), intitulado Cargo, faixa e esperança, a
Folha realizava uma breve avaliação da gestão de Franco, denotando um tom
substancialmente menos ácido.
Governo de emergência, mandato-tampão, populismo
recalcitrante, a gestão de Itamar Franco à frente da Presidência da
República chegou em certos momentos a assustar o próprio titular,
que até cogitou de encurtar seu mandato (...). A maior virtude de
Itamar Franco foi provavelmente (...) [sua] capacidade
eminentemente política de saber responder às circunstâncias
ouvindo e mediando pressões. Mas é evidentemente fácil, quando
chega o final feliz, diminuir na memória o terror e o espanto das
agruras passadas (...) [De qualquer modo] é forçoso reconhecer
que aos poucos o presidente amadureceu não apenas um novo
relacionamento com a equipe econômica, mas também alguma
flexibilização doutrinária. Nesse campo, o maior destaque foi o
significativo abandono das táticas de guerrilha psicológica contra
setores econômicos. O velho Itamar queria, ou ao menos
207
FOLHA DE S.PAULO. Editorial: Acordo a rever: 1-2. Grifos nossos.
208
Ver FOLHA DE S.PAULO. Editorial: Troco populista: 1-2.
106
declarava querer, a repressão direta e implacável contra os
remarcadores de preços, contra a indústria farmacêutica, contra o
sistema financeiro e outros. O novo Itamar aceitou as regras do
mercado e viu sua popularidade crescer com o sucesso de um
plano que, na sua essência, foi desde o início um anti-Cruzado,
sem qualquer repressão direta aos preços privados (...). Cinqüenta
e um meses depois, Itamar (...) transmite ao sucessor um cargo,
uma faixa e, principalmente, uma enorme esperança.
209
A mensagem do jornal é clara: as declarações e ações empreendidas pelo
presidente no afã de controlar a economia eram populistas (ou como alguns outros
editoriais do jornal sugeriram, assim como várias matérias e artigos, incorriam num
intervencionismo arbitrário). No entanto, posições mais próximas à obediência da
lógica do mercado, supostamente racional, são concebidas como uma postura
positiva e adequada. Do que se pode depreender do discurso da empresa, portanto,
ao fim e ao cabo, o presidente cumprira a função de promover menor instabilidade
para a economia brasileira. Contudo, e evidentemente, o perfil político de Itamar
Franco não representaria os rumos e metas a serem perseguidos pelo país na ótica
da Folha.
Noticiário cotidiano:
O número de matérias do cotidiano político e econômico que dedicaram
espaço à classificação de Itamar Franco como populista foi, proporcionalmente,
menor que o dos editoriais: 6 (seis) matérias em um universo de 64 (sessenta e
quatro) que utilizaram a noção. Também aqui no noticiário predominaram
interpretações fundadas ou comuns às teses do paradigma econômico.
Em 25/03/1994, a seção Painel da editoria Dinheiro lançava a seguinte nota:
Questões reais
O boletim UpDate diz que declarações presidenciais de cunho
populista sobre controle de preços como 'punição para os
empresários maus' servem apenas para acirrar os ânimos e
desviar a atenção pública das questões reais.
210
A interpretação demonstra estreita afinidade com o marco teórico do
paradigma econômico. A nota revela, dessa forma, a concepção de que Franco
209
FOLHA DE S.PAULO. Editorial: Cargo, faixa e esperança: 1-2. Grifos nossos.
210
FOLHA DE S.PAULO. Painel: 2-2. Grifos nossos.
107
estava a desconsiderar os chamados mecanismos de mercado, devido aos seus
propósitos intervencionistas. Interessante observar que esta afirmação não parte
diretamente do núcleo jornalístico da Folha. Porém, articulada a outras notas que
compunham esta seção Painel, talvez possamos inferir que se constituía numa
representação co-presente.
211
Ou seja, o jornal apropriava-se de teses ou
declarações externas para sustentar sua própria visão. Nesse sentido, vale
acrescentar que, em torno da nota sobre Franco, a seção dispunha observações
feitas por instituições e membros da comunidade de negócios, como se vê abaixo:
Retórica útil
A Câmara americana [de comércio] diz que o governo está
deslizando para a cômoda retórica de culpar o empresariado pela
alta dos preços (...).
Sem personalismos
Adauto Ponte, da Abifa [Associação Brasileira de Fundição], diz
que foi a Brasília terça-feira para exigir reformas institucionais e
não para apoiar FHC. Sem as reformas, o plano é um estelionato
eleitoral, diz.
212
Podemos supor que a seção está voltada para atingir um público em
particular: a comunidade de negócios. Apresenta, assim, um marco referencial
comum entre as informações e mensagens de uma seção - do caderno Dinheiro,
que disponibiliza informações econômicas, evidentemente - e o seu respectivo
público-leitor. Por outro lado, a figura do trabalhador não se faz presente nesse tipo
de editoria. Como avalia Kucinski, aparece somente como um custo de produção.
213
Denotando sentido similar ao encontrado acima para o populismo, e claro,
para designar a postura de Itamar Franco, quase dois meses depois, em 20/05,
uma nota da mesma seção Painel, na editoria Dinheiro, informava o seguinte:
Árbitro ideal
De Juarez Rizzieri, da Fipe [Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas], sobre a polêmica do reajuste dos aluguéis: O acerto
está entre o populismo de Itamar e o realismo do [Milton] Dallari
211
JOSÉ PINTO, M. Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos.
212
FOLHA DE S.PAULO. Painel: 2-2.
213
KUCINSKI, B. Jornalismo econômico: 187.
108
[então Secretário de Preços do governo federal]. O mercado é
quem deve definir os preços.
214
Em uma reportagem que revelava a existência de divergências entre Franco
e sua equipe econômica, a matéria intitulada Presidente quer tabelamento dos
juros e atropela equipe: Planalto pede regulamentação do artigo que fixa taxas em
12% ao ano, de 11/06 (publicada na editoria Brasil), não deixava margem à dúvida
sobre que lado o jornal concebia como correto.
A equipe econômica considera que está perdendo as rédeas do
Plano Real. Depois de ter sido atropelada pelo presidente Itamar
(...) nos aluguéis, mensalidades escolares e lei antitruste, a equipe
encontra-se diante de maior ameaça, o tabelamento de juros.
Itamar pediu ao deputado Benito Gama (PFL-BA) que acelere a
preparação de projeto de lei que regulamenta o parágrafo 3° do
artigo 192 da Constituição, pelo qual os juros reais (descontada a
inflação) não podem ser superiores a 12% ao ano (...). Ocorre que
o deputado havia recebido solicitação exatamente contrária do
ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, isto é, que atrasasse o
máximo possível a apresentação do projeto (...). Todos os
integrantes da equipe econômica, sem exceção, consideram o
maior absurdo a tentativa de tabelar juros. Acham que isso é
teoricamente errado, inviável na prática e incorreto politicamente.
Se (...) Itamar sustenta a visão populista de que os juros altos são
provocados pela ganância dos bancos e a cumplicidade do Banco
Central, os economistas da equipe acham que as taxas elevadas
são conseqüência do estado inflacionário crônico da economia
brasileira (...). Para esses economistas, não é preciso prender
empresário para baixar preços. Para eles, os preços ficarão
estáveis porque o déficit público está sob controle, a economia
contida, sem excesso de demanda (...).
215
Meses depois, em 13/11, já concluído o processo eleitoral para a
presidência, a editoria Dinheiro publicava uma matéria que discorria, entre outros,
sobre as mudanças na economia sinalizadas pelo candidato à presidência que sairia
vitorioso das urnas: Fernando H. Cardoso. Itamar Franco não deixou de ser
mencionado como um entrave para a antecipação dessas mudanças.
O fim dos indexadores oficiais só deve acontecer no início do
próximo governo. Dificilmente FHC abandonará a estratégia que
adotou enquanto ministro da Fazenda: criar expectativas
favoráveis de médio e longo prazos e evitar providências radicais.
Ao invés de anunciar medidas concretas, divulga o compromisso
214
FOLHA DE S.PAULO. Painel: 2-2.
215
FOLHA DE S.PAULO. Presidente quer tabelamento dos juros e atropela
equipe: Planalto pede regulamentação do artigo que fixa taxas em 12% ao ano:
1-5. Grifos nossos.
109
de efetuar uma série de mudanças. Cria, com isso, um ambiente
de distensão dos ânimos para o primeiro semestre de 95. A
maioria do mercado acha que as alterações deveriam ser feitas já,
pois a constatação lamentável é de que nada pode ser, no âmbito
restrito da política econômica atual, sacado para amortecer as
atuais pressões inflacionárias. Mas a antecipação das mudanças
não se mostra exequível politicamente, pois colide de frente com o
populismo da dupla Itamar-Ciro (...).
216
As passagens dessas matérias e notas possibilitam-nos a constatação de
dois dados básicos, presentes no discurso da Folha: (i) o descontentamento da
Folha com o fato de a Presidência da República, à época, ser ocupada por um
populista, ou seja, um ator político que não se enquadrava apropriadamente ao que
o jornal considerava como requisitos político-ideológicos necessários para a
consecução das reformas pró-mercado. Dentro disso, a polarização entre o
populismo/irracionalidade, de um lado, e o saber técnico/racionalidade, de outro,
salta aos olhos. É interessante observar, nesse sentido, que uma das matérias
chegava a sugerir um antagonismo entre a irracionalidade de Franco e o saber
técnico, eficiente, de sua equipe econômica. A lógica do mercado, desconsiderada
por Franco, seria entendida pelos interlocutores da matéria: a equipe econômica.
(ii) A posição do jornal enquanto empresa, nitidamente favorável à postura e
propostas políticas do presidente eleito, Fernando H.Cardoso.
A partir da análise dos dados apresentados até aqui e ainda com o reforço
do caso específico de Itamar Franco, parece-nos lícito afirmar que norteavam a
representação do populismo, fundamentalmente, algumas teses presentes no corpo
do paradigma econômico, como também os imperativos abertamente neoliberais.
Para sustentar essa afirmação, vale destacar que Bresser Pereira, um dos
intelectuais que se coadunavam com as formulações do paradigma econômico,
possuía livre trânsito nos espaços oferecidos pelo jornal à opinião e debates. No
mais, não é difícil considerar este economista como um dos principais ideólogos da
Folha no ano em questão.
216
Ciro Gomes, então ministro da Fazenda. FOLHA DE S.PAULO. Não há espaço
para um choque de juro: 2-7. Grifos nossos.
110
Seções de opinião e debate:
De um conjunto de 123 (cento e vinte três) artigos dedicados à opinião
formalmente externa ao jornal, cinco interpretaram o presidente Itamar Franco
como populista. O paradigma econômico - ou neoliberal mesmo, como se pode
depreender das argumentações de vários textos do jornal - mais uma vez,
prevalecia na classificação do presidente como populista. O que importa a ser
observado nas passagens dos artigos transcritos é a estreita relação existente entre
suas interpretações e as presentes nas duas categorias de textos jornalísticos
apresentados, anteriormente, para o caso de Franco.
Na abertura do ano de 1994, em 01/01, Roberto Campos, fazia um pequeno
balanço político do ano anterior no Brasil, como, também, discorria sobre alguns
dos males político-sociais vigentes. Em seu artigo Um país anedótico (editoria
Painel), o então deputado federal pelo PPR do Estado do Rio de Janeiro,
argumentava, entre outros, que:
Sim. O que houve de positivo foi uma bolha de crescimento, o
auto-expurgo do Legislativo e o saldo comercial de US$ 13,5
bilhões. Mas a inflação quase dobrou, a privatização se
desacelerou, os dinossauros estatais continuam vorazes e o país se
tornou cada vez mais anedótico (...). O auto-expurgo do
Legislativo é saudável, desde que se tirem as conclusões corretas.
A corrupção do Orçamento e das empreiteiras não é apenas uma
depravação conjuntural e sim uma deformação estrutural. O
principal motivo é o excessivo tamanho do governo, que faz com
que muitas empresas não possam sobreviver sem as boas graças
do Leviatã. (...) Cassar mandatos de congressistas ou botar uma
dúzia de empresários na cadeia satisfaz temporariamente os
reclamos de justiça. Mas a corrupção voltará se não aplicarmos um
tríplice remédio: (...) redimensionamento do governo, pela
privatização e desregulamentação; (...) abertura à concorrência
internacional, exatamente o contrário do que se está fazendo em
telecomunicações; (...) pontualidade do governo, que gosta de
antecipar impostos e postecipar pagamentos. (...) Itamar é a favor
dos monopólios estatais, mas admite que Fernando Henrique
queira privatizar ou pelo menos flexibilizar. Com um comandante
que não ultrapassou o nacional-populismo dos anos 50, e um
imediato obrigado a pregar hoje as doutrinas que ontem
condenava, é escasso o perigo de melhorar.
217
217
CAMPOS, R. Um país anedótico: 2-3. Grifos nossos.
111
Cerca de três meses depois, em 02/03, a editoria Opinião apresentava, no
texto Muito longe da euforia, algumas considerações acerca do plano de
estabilização que estava para ser implantado. O receio demonstrado pelo
articulista, Gilberto Dimenstein, com relação a possibilidade de Franco promover
dificuldades para o êxito do plano (Real) era patente.
Não há motivos para euforia. O plano formalizado anteontem
apresenta avanços e boas notícias - mas é apenas o começo. Há
uma série de dúvidas cruciais, e a primeira delas é até quando (...)
Cardoso fica no Ministério da Fazenda. Nem ele sabe com precisão.
As boas notícias são óbvias. Não estamos, agora, diante de um
pacote e as regras do jogo mudam lentamente. Priorizou-se o
combate aos rombos orçamentários (déficit público). A equipe
técnica, escaldada com o fracasso do Plano Cruzado, tomou uma
bateria de precauções. Por exemplo: cautela com os reajustes
salariais e os juros, ambos capazes de detonar uma onda de
consumo. Existem ainda etapas delicadas para o plano (...). E não
podemos esquecer que o presidente se chama Itamar Franco (...).
Itamar (...) deu razoável autonomia de vôo para Fernando
Henrique - até porque não tinha muita alternativa. Mas suas
intervenções pelos bastidores sempre demonstraram tentação
populista, refreadas em parte porque seu ministro da Fazenda teve
de jogar por várias vezes o cargo na mesa (...) [Itamar, um]
presidente cuja lucidez não é exatamente o ponto forte (...).
218
Em artigo que ressaltava as, então, recentes mudanças ocorridas no
capitalismo brasileiro, sob o título A reabilitação do empresário, Luis Nassif
afirmava em sua coluna, de 08/05, entre outros, que:
À medida que a grande crise econômica dos países em
desenvolvimento vai cedendo lugar a programas de estabilização,
aparece uma vantagem comparativa expressiva do Brasil: a
vitalidade de sua classe empreendedora, em contraste com a
apatia e a falta de criatividade de seus colegas latinos. No entanto,
os anos 80 foram marcados pelo mais profundo e radical discurso
antiempresarial da história. Generalizou-se a imagem de que todo
empresário era desonesto e reduziram-se as características
empresariais a um arquétipo bizarro, um misto de malandragem
com espírito de jogador (...). Entrando nos anos 90, ocorre uma
reabilitação do espírito empreendedor (...). O dinamismo do
empreendedor brasileiro é apontado como fator de esperança. As
reestruturações de empresas tornam-se exemplo de vitalidade,
nos quais a parte mais saudável do setor público vai se espelhar
(...). O que deflagrou essa virada espetacular foi a soma de dois
fatores: a crise financeira do Estado - esvaziando as burras do
BNDES e do Tesouro - e a ação dos três últimos presidentes
brasileiros. Sarney e Itamar, por representarem a preponderância
do político atrasado, populista e clientelista sobre a parte moderna
218
DIMENSTEIN, G. Muito longe da euforia: 1-2. Grifos nossos.
112
da nação. Ambos vêem a economia, (...), não como geradora de
riquezas e de emprego, como instrumento de desenvolvimento e
de modernização. Mas como álibi para um futuro congelamento de
preços que lhes garantissem as próximas eleições. Já Fernando
Collor mudou o panorama por razões mais objetivas. Numa ponta,
por seu discurso em favor da abertura da economia, com a
montagem de Câmaras Setoriais e a implantação do processo de
redução de tarifas de importação (...). Sem o amparo castrador do
Estado, [os empresários] tiveram que se virar. E aí tornaram-se
gente grande (...). E as empresas que cresceram nos anos 70,
movidas a anabolizantes estatais, ou se renovaram ou
desapareceram (...).
219
Duas idéias perpassam significativamente esses artigos: em primeiro lugar,
o populismo aparecia como um estágio político-econômico ultrapassado, associado
à idéia de intervenção estatal na economia. Distante e estranho ao que os
articulistas consideravam necessário na conjuntura de 1994. Em segundo, Itamar
Franco encarnava esse símbolo do atraso, constituindo-se também e
contraditoriamente, numa ameaça ao programa de estabilização de seu governo.
Vale ainda notar a expressão utilizada por Nassif para referir-se à burguesia:
classe empreendedora.
220
O significado laborioso impera nessa construção
simbólica sobre a classe, considerada, como se pode depreender do discurso do
articulista, o motor do desenvolvimento e bem-estar sociais.
Tendo por base a preponderância desse conjunto de idéias, tendemos a
argumentar que houve uma grande comunhão entre algumas opiniões privadas e
as interpretações majoritárias dos editoriais e matérias cotidianas que trataram
Franco como populista.
c.2) Lula e PT
À persona de Lula, ou ao PT, dois editoriais fizeram menção à existência de
um suposto populismo em suas práticas. Como esses editoriais abordavam mais
explicitamente a figura de Leonel Brizola, os dispomos na seção dedicada a esse
ator político. Vejamos assim, as abordagens apresentadas pelo noticiário cotidiano
e as seções de opinião.
219
NASSIF, L. A reabilitação do empresário: 2-3. Grifos nossos.
220
Idem.
113
Noticiário cotidiano:
Em um universo de 64 (sessenta e quatro) matérias que utilizaram a noção
de populismo, 9 (nove) classificaram a candidatura Lula sob este signo. Desse
conjunto, houve um relativo equilíbrio na inspiração interpretativa das matérias: 4
(quatro) denotavam afinidade com algumas teses do modelo clássico e 5 (cinco)
com as do paradigma econômico.
Um interessante fenômeno a ser observado é a predominância dessa
classificação dirigida ao candidato Lula em um período determinado, a saber, os
meses de junho e julho. Sete matérias localizam-se nesse espaço de tempo. Talvez
não seja desnecessário lembrar que este período consiste exatamente no momento
inicial, de aquecimento, da corrida eleitoral, com candidaturas já definidas. Nesse
sentido, os dados levantados pelo Datafolha, em 1994, trazem oportunas
informações para a reflexão: entre os meses de abril e maio - que marca o início
das sondagens realizadas pelo Datafolha à eleição presidencial - Lula encontrava-se
numa posição bastante folgada frente os outros candidatos. Porém, entre junho e
julho, as pesquisas apresentavam uma queda vertiginosa na intenção de voto para
Lula. Fernando H.Cardoso, por outro lado, crescia rapidamente nesse intervalo de
tempo, a ponto de encontrar-se praticamente empatado com Lula em fins de
julho.
221
Evidentemente, não queremos afirmar com isso que a designação de
populista realizada nesse período tenha apresentado influência de tal magnitude
nas intenções de voto. Não cabe uma hipótese desta natureza, entre outros, pelo
simples fato de que o público-leitor da Folha é extremamente restrito a setores
regionais e socioeconômicos específicos. Além disso, não temos instrumentos
metodológicos capazes de avaliar o impacto das mensagens nesse público
particular. No entanto, mesmo consideradas uma série de possíveis variáveis
intervenientes, como a implantação do Plano Real, pode-se argumentar que, no
221
Ver Anexo I.
114
mínimo, essa coincidência é bastante curiosa. Talvez, transcendendo um pouco os
estritos fins dessa dissertação, possa-se sugerir que a presença do populismo no
discurso da Folha configura um recorte minúsculo, mas sugestivo sobre a postura
de diversas empresas de comunicação. A Folha, como outras empresas, contribuiu
para a divulgação tanto de uma imagem positiva do candidato que veio a se sagrar
vitorioso no pleito, quanto negativa de seus adversários (Lula, em especial).
222
Iniciamos com a exposição de passagens de matérias que demonstravam
argumentos comuns às teses do modelo clássico, para concluirmos com as que se
aproximavam do paradigma econômico.
Em 01/06/1994, a editoria Brasil publicava uma matéria intitulada Desde
criancinha, abordando um ato da campanha de Lula.
Lula chegou à cidade de Prudente de Morais, interior de Minas, no
sábado passado. Foi logo assumindo seu lado de animador de
auditório, marca registrada de suas caravanas pelo país. Microfone
em punho, passou a entrevistar pessoas que estavam ali. Tudo no
melhor estilo populista (...).
223
Dias depois, domingo, 05/06, a mesma editoria Brasil, sob a legenda Não se
deixe enganar, discorria sobre outro ato de campanha do candidato.
Asfaltamento de ruas
Na última terça-feira, o candidato do PT à Presidência, (...) Lula
(...) prometeu asfaltar as ruas de Samambaia, cidadade-satélite
de Brasília. Tem que asfaltar, mesmo com asfalto de qualidade
inferior. Asfaltamento de ruas não é atribuição imediata do
governo federal, apesar de a Constituição até prever gastos da
União para reduzir desigualdades regionais. Também não é
possível imaginar que a Presidência possa se ocupar,
administrativa ou financeiramente, das ruas de cerca de cinco mil
municípios brasileiros. A promessa, pontual e localizada, tem
caráter populista. Um presidente tem que criar condições de
desenvolvimento e de saneamento das finanças públicas Em geral
para permitir que esferas descentralizadas de governo tomem
decisões de caráter local.
224
222
A análise realizada por Albuquerque, por exemplo, traz à luz fecundas
informações sobre a postura da Rede Globo relativa à eleição presidencial, entre
os meses de março e maio. Ver ALBUQUERQUE, A. de. A campanha presidencial
no Jornal Nacional: observações preliminares.
223
FOLHA DE S.PAULO. Desde criancinha: 1-4. Grifos nossos.
224
FOLHA DE S.PAULO. Não de deixe enganar: 1-7. Grifos nossos.
115
Na primeira matéria podemos perceber a classificação de Lula como
populista a partir da apropriação de uma das premissas mais correntes da matriz
teórica clássica: a relação pessoal e não mediatizada entre líder e massa. Observe-
se, também, que esse tipo de relação é indicada na matéria como uma marca
registrada de sua campanha.
Quanto a segunda matéria, uma das idéias que percorre a classificação é a
demagogia. Vale aqui destacar duas coisas: em primeiro lugar, a matéria não
desqualifica somente a promessa do candidato. É importante observar a
argumentação conclusiva do jornal, que não só informa as atribuições de um
presidente, como também, sugere, como implicação direta, que Lula não possuía
conhecimento (quem sabe preparo?) sobre o papel a ser cumprido pelo mais alto
magistrado da nação. Cabe mencionar um dado adicional: nessa mesma matéria do
dia 05/06 que qualificava o ato de Lula como populista, questionava-se a proposta
do candidato Brizola acerca da oferta de acesso especial a negros na universidade.
Note-se, portanto, que somente esses dois candidatos foram colocados nesse
quadro da editoria Brasil, com título tão eloqüente: Não se deixe enganar.
225
No que se refere às matérias que demonstravam vínculos interpretativos
com o paradigma econômico, pode-se destacar como traço característico o
seguinte: todas, 5 (cinco), fundaram seus argumentos em declarações externas ao
marco institucional do jornal. A maioria delas, 4 (quatro), estavam centradas em
análises ou declarações de atores políticos estrangeiros (dois intelectuais, um
jornalista e um membro da comunidade de negócios), enquanto uma matéria trazia
a avaliação política de um intelectual brasileiro, Bresser Pereira. Com base nos
editoriais que dispomos anteriormente, podemos afirmar que, se as designações à
candidatura Lula como populista foram aqui realizadas por pessoas externas ao
jornal enquanto instituição, podemos, no entanto, tratá-las como uma espécie de
225
Interessante e curioso observar que a enganação populista proposta por
Brizola a respeito de uma política afirmativa para os negros, tornou-se
atualmente, independente da controvérsia, uma bandeira de cunho democrático.
116
representação co-presente - ou seja, matérias e notas que se utilizam do recurso
de análises externas ao jornal para sustentar a sua própria interpretação. Observe-
se, pois, as passagens das duas matérias que seguem abaixo.
(...) Efeito Lula
Thomas Trebat, do Chemical Bank, prevê que, em caso de vitória
petista, haverá declínio do nível de investimentos privados e fuga
de capitais. Ele acha que essa pressão faria Lula caminhar para o
centro do espectro político.
Perda proporcional
O Chemical acredita que os prejuízos à economia brasileira seriam
proporcionais ao tempo que Lula levar para adotar medidas
pragmáticas de apoio à economia de mercado.
Hiato radical
Segundo a análise de Trebat, o período de política econômica
populista seria apenas um obstáculo temporário ao processo
irreversível de reformas estruturais (...).
226
Como informado anteriormente, essa seção localizada na editoria Dinheiro
caracteriza-se, fundamentalmente, como um espaço do jornal dedicado à oferta de
informações dirigidas ao público pertencente à comunidade empresarial. A esfera
econômica é representada e confunde-se, desse modo, com a posição social e
atividades de uma classe específica: a burguesia, ou seus agentes operacionais.
Desse modo, até mesmo a informação prestada é fundada em análises de setores
dominantes da economia. O fato de Lula ser classificado, nessa seção específica,
como um político populista - pois contrário às reformas estruturais - é bastante
sugestivo para uma reflexão sobre o tipo de imagem transmitida pelo jornal a
setores constitutivos dos centros de decisão econômica e política do país.
No dia seguinte, 03/07, a Folha publicava uma reportagem onde discutia-se
a polarização política estabelecida entre as candidaturas Cardoso (PSDB), de um
lado, e Brizola (PDT), Lula (PT) e Quércia (PMDB), de outro. A reportagem
apresentava o seguinte título: Os dois lados da moeda: o real divide a sucessão e
traz à tona o debate sobre a adesão do país ao Consenso de Washington (editoria
Mais!). Diz a matéria:
226
FOLHA DE S.PAULO. Seção Painel S/A: 2-2. Grifos nossos.
117
O real, que desde sexta-feira rege o cotidiano dos brasileiros, é o
primeiro passo para estabilizar a economia e viabilizar a retomada
do desenvolvimento do país, integrando a massa de miseráveis e
desempregados (...)? Ou, pelo contrário, a nova moeda é o (...)
embrião de um processo de radicalização do apartheid social que
divide o país em dois mundos? (...). Do lado do real está o senador
(...) Cardoso, (...). Do outro, estão os seus adversários, Luiz
Inácio Lula da Silva (...), (...) Quércia (...) e (...) Brizola (...) Une
os três últimos a avaliação comum de que a nova moeda
representa, mais do que a materialização de um plano eleitoreiro,
algo muito mais profundo - o início da submissão do Brasil ao
chamado Consenso de Washington (...). Não há entre os ideólogos
de Lula, Quércia e Brizola um que não veja na figura de Fernando
Henrique a encarnação do Consenso de Washington entre nós. Pior
que isso. Para PT, PMDB e PDT, o resultado lógico desse caminho
(...) é o aprofundamento do apartheid social no país. Mais
recessão, aumento do desemprego e marginalização crescente das
camadas mais pobres da população (...). Diante de tais críticas, a
resposta pelo lado do PSDB (...) Trata-se de uma grande
sacanagem, diz o economista (...) Bresser Pereira, coordenador
financeiro da campanha de Fernando Henrique, confundir o projeto
do PSDB para o país com as teses chanceladas pelo Consenso de
Washington.
Segundo Bresser, PT, PMDB e PDT representam matizes
diferenciadas de um mesmo populismo arcaico. Todos os três
estariam amarrados a uma concepção de Estado nacional-
desenvolvimentista que está historicamente esgotada (...).
Adotada em mais de 60 países do mundo inteiro, a bula de
Washington se transformou no verdadeiro esperanto da economia
contemporânea. Fugir dela, tentar escapar a esse destino (...)
talvez signifique cair na rota da africanização, da exclusão
definitiva do país do quadro do capitalismo. Este é o ponto que
transcende as candidaturas FHC e Lula e as reduz a tentativas
ilusórias de vencer a barreira do apartheid (...) o enorme
dispêndio de energia de cada um que se põe a discutir as opções
entre Lula e FHC talvez não passe de um esforço vão,(...), uma
ilusão necessária para driblar o desconforto causado pela idéia de
que estamos apenas no início de um processo inexorável (...).
227
Estas passagens da reportagem são expressivas. Contribuem para o
elucidamento tanto do referencial analítico que a norteia, quanto da apropriação
político-ideológica do signo populismo. Em primeiro lugar, o neoliberalismo
constitui-se em evidente orientação interpretativa para a análise dos dilemas
brasileiros da época. Em segundo, o uso das declarações de Bresser Pereira
consiste em uma espécie de narração co-presente, ou seja, serve ao propósito de
legitimação acadêmico-científica (técnica e racional) para as argumentações
227
FOLHA DE S.PAULO. Os dois lados da moeda: o real divide a sucessão e traz
à tona o debate sobre a adesão do país ao Consenso de Washington: 6-4. Grifos
nossos.
118
conclusivas do autor da matéria. Em terceiro lugar, o populismo aparece como um
oportuno dispositivo simbólico para a desqualificação das candidaturas opostas ao
Plano Real e a chamada política reformista/modernizante. Uma expressão política
arcaica, esgotada. Por último, é interessante notar as afirmações finais da matéria.
Argumenta-se que os problemas e soluções para o país são comuns, independente
das posturas políticas dos candidatos. Sendo assim, podemos deduzir que se fosse
para aplicar a receita do ajuste fiscal, supostamente inescapável a qualquer
candidato, melhor que o eleitor optasse por aquele que já tinha participado de sua
implementação (no caso, Fernando H.Cardoso).
Seções de opinião e debate:
Dos artigos de opinião e colunas fixas que dispuseram a noção de populismo
em suas análises (totalizando 123), 18 ocuparam-se da classificação de Lula, ou de
seu partido, sob este signo, envolvendo em alguns casos, outras candidaturas.
Evidentemente, tal fato denota o uso de um artifício generalizante; desqualificando
os atores políticos que não estavam comprometidos com as chamadas reformas
estruturais.
Integram os dezoito artigos, quatro tipos particulares de análise que
conseguimos identificar, a saber: os dois hegemônicos, vistos até o presente
momento - o modelo clássico e o paradigma econômico - que se apresentam, em
geral, por intermédio da apropriação de uma e outra de suas teses. Outros dois
tipos foram encontrados: um que vincula-se à ênfase na ideologia, revelando um
laço de afinidade com a abordagem de Laclau. Diga-se de passagem, somente um
artigo publicado no ano de 1994 se aproximava dessa matriz interpretativa sobre o
populismo. E ele tratava exatamente de uma apologia à candidatura Lula. O outro
tipo é o que podemos considerar como auto-defesa. Não se trata necessariamente
da apropriação de idéias relativas a algum modelo de interpretação sobre o
populismo; mas refletia sim, mais apropriadamente, uma espécie de defesa da
posição política do candidato e de seu partido. Formam esse tipo três artigos que
119
demonstram o incômodo de membros do Partido dos Trabalhadores (inclusive o
próprio candidato Lula) com a classificação de suas propostas como populistas, feita
por vários artigos, colunas e o noticiário cotidiano. Dessa forma, do universo de 18
(dezoito) colunas e artigos, 14 (quatorze) possuem uma natureza desqualificatória.
Vejamos inicialmente passagens de um artigo próximo aos postulados do
paradigma econômico e de dois que denotam alguma afinidade com o modelo
clássico.
Em 03/07/1994, Eduardo Giannetti da Fonseca, no artigo Mandela mostra o
caminho para Lula, abordava a incerteza econômica gerada pelo quadro sucessório
do país. Com argumentos afins ao paradigma econômico, o articulista sugeria que
Lula seguisse o exemplo de Nelson Mandela, abandonando o populismo em prol de
propostas mais realistas e frutíferas para a sociedade brasileira.
(...) A maior fonte de incerteza sobre o futuro do real, (...), é a
total indefinição dos demais candidatos à Presidência quando se
trata de assumir uma posição clara e coerente frente ao desafio
número um do país que é erradicar de uma vez por todas da praga
inflacionária (...). A inflação cria uma atmosfera de desconfiança
(...) [que inviabiliza] qualquer programa de ação de longo prazo.
Mas a julgar pelo andamento das campanhas, é como se o
problema já estivesse resolvido ou pudesse ser alegremente
esquecido. Salta aos olhos, nesse sentido, a espantosa omissão do
PT de Lula. O programa econômico do PT faz proezas incríveis
quando se trata de prometer a geração de milhões de empregos e
aumentos generosos do salário mínimo (...). O fato é que o PT não
tem (...) mesmo a mais pálida idéia sobre como enfrentar o maior
problema nacional. É pena que a liderança do PT não tenha
aproveitado sua recente visita à África do Sul para aprender, como
o recém-eleito presidente (...) Mandela, a mais relevante lição
contemporânea - a arte de combinar racionalidade
macroeconômica com iniciativas ousadas de política social. Não faz
muito tempo, o partido liderado por Mandela era bem parecido
com o PT de Lula. Pregava o repúdio da dívida externa, (...),
bradava contra o neoliberalismo e hostilizava o capital externo
com pérolas tão grotescas quanto essas que Lula continua
espalhando por aí: O capital é covarde e só vai para onde pode
ganhar. Já no final da campanha presidencial, no entanto, o tom
do discurso começou a mudar. Mandela percebeu que a chave do
sucesso de seu governo,(...), estava na criação de um clima de
estabilidade propício à realização de novos investimentos. O
elemento crucial para isso era assegurar que o livre mercado seria
respeitado (...). O que mais surpreende nisso tudo é que Mandela,
com 27 anos de prisão nas costas e ampla maioria parlamentar,
tinha todos os pretextos do mundo para embarcar numa orgia
insana de populismo, vingança e distributivismo inconseqüente
120
(...). Prevaleceu o bom senso e o respeito à lógica da situação
econômica. De certa forma, a conversão de Mandela à ortodoxia
financeira e fiscal repete a trajetória percorrida pelo PRI mexicano
nos anos 80 e pelo Partido Justicialista argentino após a eleição de
Menem. O passado nem sempre condena. É até provável que Lula
(...), também chegue lá. Talvez seja uma questão de tempo. Para
o Brasil, é claro, quanto antes melhor.
228
Meses antes, em 10/04, o artigo Militância e participação, de José Arthur
Giannotti, publicado na editoria Mais!, discorria também sobre uma inexorável
sujeição às reformas a qual Lula deveria incorrer, com vistas à obtenção de
governabilidade para sua gestão. Como desdobramento direto de sua
argumentação, a candidatura Cardoso apresentava melhores atributos para a
consecução destas reformas. Para além disso, Giannotti tecia críticas ao PT no que
dizia respeito também a concepção de democracia presente nesse partido. Sua
crítica coadunava-se, pois, com uma tese constitutiva do marco teórico clássico: a
relação direta entre líder e massas.
(...) [O PT] nega qualquer autonomia do processo representativo
como tal. Lembremos do calvário por que passaram os
parlamentares petistas durante os primeiros anos de existência do
partido. E até hoje a Direção Nacional se permite determinar o
comportamento deles no Congresso (...). O que está por trás
dessas restrições? Que a direção representa a suprema unidade
ideológica e prática, que a democracia interna é capaz de
constituir uma vontade geral, separada dos partidos como um
todo. No fundo, para muita gente permanece a utopia da
democracia direta. E como isto é impossível numa sociedade de
massa, a proposta é uma relação direta do governo Lula com o
povo. Remeto à página 11 do Programa, quando a partir do
princípio de que a participação popular só existirá quando houver
transparência dos processos de decisão e ampla informação,
propõe que o Governo Democrático Popular promoverá, já nos cem
primeiros dias, normas de acesso dos cidadãos a toda sorte de
informação, assegurando mecanismos permanentes que ponham a
população ao alcance dos conhecimentos indispensáveis para o
pleno exercício da cidadania (...). Note-se a ambigüidade da
proposta. De um lado, propõe acertadamente difusão de
informações, o que, como se sabe, é a melhor arma contra a
fossilização burocrática; mas, de outro, procura uma relação direta
do chefe e do governo com a própria sociedade, o que abre as
portas para o populismo e o autoritarismo (...). São evidentes os
perigos dessa forma de democracia (...). Sejamos francos. Lula na
presidência, seu governo provavelmente dependerá de uma
guinada para a direita, a fim de conquistar a base parlamentar
para as reformas sem as quais não conseguirá governar. Fernando
228
GIANNETTI DA FONSECA, E. Mandela mostra o caminho para Lula: 2-4.
Grifos nossos.
121
Henrique na presidência, a guinada provavelmente será para a
esquerda, pois somente assim poderá manter-se coerente com seu
próprio programa social-democrata (...).
229
A publicação deste artigo gerou uma significativa polêmica, em que se
envolveram, posteriormente, nas seções de debates e idéias da Folha, Paul
Singer
230
e Marilena Chauí. Arnaldo Jabor, por seu turno, apropriara-se do discurso
de Giannotti para também criticar o PT em sua coluna.
231
Na exposição do tipo de
abordagem que chamamos de auto-defesa, reproduzimos algumas passagens da
contestação aos argumentos de Giannotti realizada por Chauí.
Já concluído o processo eleitoral para a presidência, Luís Nassif apresentava
algumas características que, para ele, marcavam a estrutura interna do PT e
conduziram Lula à derrota. A idéia de manipulação, exercida por lideranças
populistas, é imputada às práticas endógenas dessa organização partidária. Em
21/10, sua coluna na editoria Dinheiro - sob o título O PT e a síndrome do escorpião
- afirmava, entre outros, que,
(...) Na base, o PT é evangélico, passional, facilmente ludibriável
pelos populistas de plantão. No meio campo, dispõe de cidadãos
conseqüentes, mas sem espaço de atuação. No topo, de dirigentes
que ascenderam manipulando as bases e que passam a
instrumentalizar o partido em seu próprio benefício (...). O partido
pagou a conta de ter substituído o discurso da cidadania pelo do
corporativismo. Mas os dirigentes garantiram o seu. No fundo, as
práticas políticas internas do PT são filhas diretas da mesma
estrutura mental que gerou coronéis nordestinos e toda a tradição
corporativista brasileira.
232
Vistos os dois padrões preponderantes de utilização do signo populismo para
Lula e seu partido, em 1994, observemos agora algumas passagens de três artigos
que possuíam um caráter abertamente favorável a esses dois atores políticos.
Em 20/06, Florestan Fernandes fazia, em sua coluna fixa de segunda-feira,
uma apreciação da postura política de Lula, observando alguns traços da relação
que esta liderança estabelecia com as camadas populares. É relevante destacar que
229
GIANNOTTI, J. A. Militância e participação: 6, 8 e 9. Grifos nossos.
230
Ver SINGER, P. Liberalismo e mobilização: 6-7.
231
Ver JABOR, A. Intelectuais querem casar esquerda e direita: 5-10.
232
NASSIF, L. O PT e a síndrome do escorpião: 2-3. Grifos nossos.
122
este artigo, intitulado O discurso de Lula, constituiu-se no único exemplar de uma
análise política que se apropriara da noção de populismo nas páginas da Folha, com
elementos argumentativos muito afins à ênfase na ideologia e à abordagem de
Laclau, em especial. Aquilo que Laclau considera como um dos elementos
constitutivos do populismo - a articulação entre as interpelações de classe e as
interpelações popular-democráticas -
233
não deixa de atravessar a argumentação
de Fernandes, mesmo que de forma indireta.
Nada é mais revelador que o discurso de um candidato à
Presidência. Ele pode esconder ou revelar o candidato - sua
integridade, sua devoção às causas que propõe, sua identidade
com os que ouvem. O discurso pode ser um ato de reciprocidade,
apesar de a pessoa que fala ficar em um palanque e distante da
maioria dos ouvintes. O discurso do dia 12 deste mês colocou Lula
diante de uma massa compacta, calculada em 50 mil pessoas. Ele
já perdeu os ares toscos do início da carreira. É competente no
manejo da linguagem e da forma de compartilhar os sentimentos,
estados de espírito e esperanças com aqueles que buscam em
suas palavras razões para acreditar que não são párias rejeitados
nem vítimas do inferno da terra. Como João Batista, propaga
acusações que fazem estremecer os que são puros ou perseguem
a purificação. Como Cristo, oferece a outra face e prega aos
malditos da terra. Esse circuito esgota o substrato do seu
compromisso íntimo com o populismo dos de baixo (...) há o Lula
irônico, que não perdoa os seus detratores e os denuncia com
aparente serenidade. As elites políticas das classes dominantes
recebem o seu quinhão de respostas ácidas ou polidas, mas
sempre devastadoras: experimentam o punho forte do adversário
e vêem-se lançadas ao ridículo, que o povo espera e aplaude (...)
[Lula] Pretende que [o povo forme] o seu partido de esquerda (a
sua proposta está no PT) e, através dele, se tornem aptos a ir da
revolta surda ou do sofrimento complacente às reformas
necessárias e, destas, às transformações profundas, que
modificam os agentes humanos e expurgam as civilizações da
carga de barbárie. Esse contraste no falar, combinando o
cotidiano, o prosaico, o complexo e o grandioso, (...), projeta-o
como um catalizador na imaginação popular.
234
Como quarta e última categoria de apropriação da noção em torno das
figuras de Lula e de seu partido, vejamos a auto-defesa. Como o anterior,
corresponde a uma tentativa de exaltação do candidato e do projeto e práticas
233
Articulação que o autor sugere ser estabelecida entre um projeto e discurso
classista com os valores, experiências e discurso dos setores populares. LACLAU,
E. Política e ideologia na teoria marxista: capitalismo, fascismo e populismo:
179.
234
FERNANDES. F. O discurso de Lula: 1-2.
123
internas do PT. Mas não só. Também refletia, como assinalado anteriormente, uma
resposta, ou defesa, às críticas recebidas.
Na seção Opinião de 18/01, Gilberto Dimenstein discorria em seu texto,
Fernando Henrique não está bem, sobre a preocupação do PSDB e de Cardoso, em
especial, em desqualificar a capacidade do PT para administrar o país. Visava-se
com essa desqualificação abrir um campo político distinto e polar à candidatura
Lula, com vistas à campanha presidencial que estava por iniciar-se. O que mais
chama a atenção no texto é, pois, o fato do autor ter aberto espaço à opinião de
Lula. Este, por seu turno, não deixou de alfinetar o então ministro da Fazenda e
pré-candidato à presidência, assim como as pessoas e instituições que definiam sua
posição política como populista.
A sucessão presidencial não está fazendo bem ao ministro (...)
Cardoso. E a prova disso estava estampada ontem nos jornais:
resolveu duelar com (...) Lula (...), chamando-o, em essência de
despreparado. Ao cutucar o PT, provocou mais um atrito
desnecessário - o partido tem demonstrado a disposição de dar
apoio ao plano contra a inflação. Em contato com Lula, óbvio,
reagiu: Ele deveria ter a consciência de que, antes de ser
candidato, é ministro. Acrescentou: E, como ministro, tem um
fracasso a administrar, que é a inflação de 40%. Sobre o fato de
Fernando Henrique participar de distribuição de cestas básicas em
Pernambuco, ironizou: Se fosse o Lula, iam dizer que era
populismo e demagogia (...).
235
Respondendo às críticas feitas por Giannotti ao PT, no artigo intitulado É o
lado professoral autoritário que se vê no ataque ao PT (editoria Mais!), de 26/04,
Marilena Chauí discorria tanto sobre as razões que identificava para a difusão de
críticas no seio da intelectualidade, quanto questionava o rótulo de populista
empregado por Giannotti. O embate político e simbólico fica nítido nesta polêmica,
pois a autora trás para a discussão o mesmo referencial adotado no texto de
Giannotti para a noção. Referencial este que se fundamenta em uma tese clássica,
a saber, o caráter autoritário do populismo. Percebe-se, dessa forma, o desconforto
que este signo proporciona(va) ao destinatário; ao menos, tal como ele fora
construído na abordagem de Giannotti.
235
DIMENSTEIN, G. Opinião: 1-2. Grifos nossos.
124
Sem dúvida, a política brasileira sempre careceu, (...), da
verdadeira prática da representação, na medida em que a tradição
partidária sempre operou com a relação de favor (partidos
conservadores), de tutela (partidos populistas), de cooptação dos
setores organizados da sociedade (partidos de centro) e de
substituição pedagógica (partidos vanguardistas de esquerda).
Sem dúvida, a primeira modalidade se concretiza no PFL, a
terceira, no PSDB, enquanto a quarta espreita o PT. Mas se a
prática da representação é um problema geral, caberia aos
intelectuais analisá-lo por inteiro, em lugar de exigir apenas do PT
que o resolva sozinho e para todos. Por que a discussão não é
trazida a estes pontos? Por que a desqualificação política do PT
parece prioritária? (...) [Há uma ambigüidade que] consiste no
fato de que aquilo que é apresentado sob a forma de um elogio
converte-se, imediatamente, numa crítica. Alguns exemplos (...) -
diz-se o elogio: o PT é o único partido político que, inegavelmente,
possui bases sociais organizadas e luta para que a auto-
organização social e popular, sob a forma de associações,
entidades de categoria e movimentos, seja ampliada. Donde a
crítica imediata: portanto, é basista e populista, incapaz de operar
com a idéia moderna de representação. (...) Percebe-se, (...), que
embora se fale em totalitarismo, (...), corporativismo, basismo
populista,(...), há o sentimento difuso de que o PT existe
verdadeiramente como sujeito político democrático numa relação
(...) de reciprocidade com que a sociedade lhe diz através da
opinião pública. Mas, se assim é, como explicar a desqualificação
do PT por alguns intelectuais? É [o] (...) lado professoral que
aparece nos artigos dos intelectuais - e não só nos últimos dias,
mas em todas as campanhas eleitorais - quando nos ensinam o
que é verdadeiramente política e como o PT está despreparado
para ela. Do tom professoral à desqualificação do interlocutor só
há um passo. E tem sido dado. Afinal, um partido cuja
modernidade é irrecusável, uma vez que sua ação dirige-se
prioritariamente para a criação da sociedade civil como pólo
instituinte de direitos, (...), para o reforço dos movimentos sociais,
(...), é um partido que não poderia receber o adjetivo atrasado, a
menos que seus adversários não aceitem a modernidade política
(...).
236
Vê-se, assim, que mesmo para rebater a crítica dos oponentes políticos, que
usam e abusam da noção de populismo - invariavelmente empregando o rótulo aos
atores políticos que se encontra(va)m na esquerda do espectro político - o
populismo, em si mesmo, é descartado. A força do modelo clássico impele o próprio
ofendido a tratá-lo como um símbolo do atraso e do autoritarismo.
Interessante notar, por fim, que a articulista ilustrava, na introdução do
texto, os partidos que viriam a compor os tipos de organização partidária por ela
descritos. Entretanto, a segunda modalidade que Chauí indicava (partidos
236
CHAUÍ, M. É o lado professoral autoritário que se vê no ataque ao PT: 6-9.
Grifos nossos.
125
populistas, marcados pela tutela dos setores sociais) não fora mencionada. Será
que este(s) partido(s) não existia(m) no país, ou - em vista de um processo
eleitoral que se aproximava-era estrategicamente impróprio destacá-lo(s)? Com
base no marco teórico que a autora fundamentava sua argumentação, talvez não
seja difícil imaginar quem (ou que partido) representava esse perfil político...
c.3) Brizola e PDT
Editoriais:
Do conjunto de 27 (vinte e sete) editoriais, 3 (três) definiram o então
governador do Estado do Rio de Janeiro como populista. As idéias que percorrem
essas estruturas redacionais coadunam-se, em geral, com algumas teses,
fragmentadas, do modelo clássico. São ressaltadas fundamentalmente as seguintes
idéias: debilidade organizacional dos partidos; prevalência do líder sobre as regras
e normas internas ao partido; nacionalismo; e modelo de desenvolvimento
historicamente marcado (anos 50) e, com efeito, superado. Em alguma medida,
essa última idéia associada a outra, o estatismo, também destacada em um
editorial, pode, por outro lado, aproximar-se das análises do paradigma econômico.
Contudo, como estes supostos traços característicos do fenômeno encontram-se
nos dois modelos de interpretação sobre o populismo - tendo sido dispostos nos
editoriais sem maiores desenvolvimentos argumentativos - parece-nos prevalecer o
modelo clássico na interpretação do jornal sobre a posição política de Brizola. De
qualquer modo, e genericamente, imputava-se um caráter atrasado a esse ator
político. Ultrapassado no âmbito econômico, devido ao fato de Leonel Brizola se
opor aos preceitos hegemônicos privatizantes e no âmbito político, onde é
salientada sua desconsideração à democracia partidária interna.
Há que se ressaltar que nas duas oportunidades em que o PT foi incluído em
editoriais que operavam com a noção de populismo era associado à persona de
Leonel Brizola, como veremos nas passagens do segundo editorial posto em
destaque.
126
Sob o título Liquidificador eleitoral, o editorial de 08/04/1994 abordava a
questão das prévias eleitorais e dos debates em torno da formação de alianças
partidárias para a disputa eleitoral à presidência. Criticava-se veementemente a
forma com que estava sendo conduzido o processo no PMDB - caracterizado,
segundo a Folha, por uma restrição do eleitorado participante das prévias -, e a
aliança aventada pelo PDT de Brizola. A crítica ao sistema partidário brasileiro é o
traço marcante desse texto jornalístico. No mais, Brizola não deixava de ser
desqualificado politicamente.
(...) A salada eleitoral, já apontada por esta Folha, continua a ser
misturada no prato algo indigesto das coligações. Agora, Brizola
quer emendar seu PDT ao PPR de Maluf - colcha de retalhos de
resto fora de moda, pois inspirada em modelo populista dos anos
50. Até outubro chegar, é possível que o liquidificador eleitoral
reduza a trapos o que hoje pomposamente se chama de sistema
partidário brasileiro. Resta saber se acordos de ocasião
continuarão a ser uma rotina da política brasileira ou se, ao
contrário, em nome da transparência e dos interesses dos
eleitores, as legendas políticas irão ganhar mais consistência a
partir da posse dos eleitos, no ano que vem.
237
Dois dias antes de realizar-se e decidir-se a eleição presidencial em 1°
turno, o editorial Espólios à vista (01/10) discorria sobre os resultados da pesquisa
Datafolha. O jornal analisava, entre outros, a quem se destinaria o legado populista
de Brizola.
A mais recente pesquisa do Datafolha, concluída ontem e que se
publica hoje, reforça a hipótese de que o pleito presidencial se
decida já no primeiro turno (...) convém até deter-se menos na
questão do primeiro turno e mais no cenário que se repete, por
trás dos sucessivos retratos: a política nacional pode mergulhar
num vácuo de lideranças entre os partidos derrotados. Parece
claro que nem (...) Quércia (PMDB) nem (...) Brizola (...)
escaparão de um naufrágio eleitoral de graves conseqüências
políticas. No caso de Brizola, pela idade e por ser a segunda
derrota consecutiva em pleitos presidenciais, a lógica manda dizer
que terá sido a sua última tentativa. Tende a abrir-se, portanto, o
espólio, se não do PDT, (...), pelo menos do populismo. O
populismo, de que Brizola é a expressão acabada no Brasil,
sempre teve uma presença importante na América Latina e, por
mais que os estudiosos periodicamente o dêem por morto, sempre
ressurge com alguma força mais adiante. Difícil é determinar, por
antecipação, quem herdará tal espólio e com base em quais
apelos. O PT seria um candidato natural, pelos seus componentes
237
FOLHA DE S.PAULO. Editorial: Liquidificador eleitoral: 1-2. Grifos nossos.
127
nacionalistas e estatizantes, a incorporar o ideário e as bases
brizolistas, semelhantes a certas fatias do PT (...).
238
Noticiário cotidiano:
As oito matérias que integram a classificação do discurso e ações políticas de
Brizola e seu partido como populistas são, predominantemente, marcadas pelo
signo do atraso. Algumas destas matérias, devido a uma menção breve desses
atores no corpo dos textos, não possibilitam identificar de forma mais clara a fonte
interpretativa que atravessa as argumentações. Como a idéia de atraso pode
percorrer tanto as interpretações tipificadas pelas teses das abordagens do modelo
clássico quanto as do paradigma econômico, tendemos a considerar que, no geral,
a ideologia dominante, neoliberal, presente no discurso jornalístico também
contribuiu substantivamente para tal designação. Não obstante, os traços
fragmentados das análises clássicas detém grande força na abordagem dos textos.
Convém destacar, ainda, que uma matéria apresentou uma natureza particular, de
teor favorável a Brizola, guardando, no entanto, um vínculo estreito com um
elemento do populismo apontado pelo modelo clássico: o carisma.
Ademais, faz-se necessário salientar duas coisas: em primeiro lugar, a
maioria das matérias (cinco) apresentavam a classificação deste ator político por
intermédio de interlocutores externos ao marco institucional da Folha - quatro
explicitamente, com base tanto na fala de dois membros do PT quanto de dois
membros do campo intelectual, Bresser Pereira (esse identificado abertamente com
o PSDB) e Boris Fausto, e uma matéria apresentada de modo vago e abrangente.
Em segundo, duas matérias associavam tanto o PDT de Brizola quanto o PT de Lula
ao campo do nacionalismo populista. Uma de forma explícita, exatamente a que
estabelecia Bresser Pereira como interlocutor (já vista anteriormente) e outra de
maneira indireta, como veremos mais abaixo.
238
FOLHA DE S.PAULO. Editorial: Espólios à vista: 1-2. Grifos nossos.
128
Em 03/07/1994, publicava-se uma entrevista, pela editoria Mais!, com
Mangabeira Unger, então membro da campanha de Brizola à presidência. Vejamos
as notas introdutórias à entrevista - intitulada O ideólogo da terceira via:
Mangabeira Unger, do PDT, expõe projeto alternativo a Lula e FHC - para
percebermos como o jornalista, através de uma difusa (e difundida) construção
simbólica externa ao jornal, concebia a figura de Brizola.
A ladainha brizolista das perdas internacionais nunca foi tão atual,
justamente agora que saiu de moda. Quem fala é o cientista
político Roberto Mangabeira Unger,(...). Correndo por fora no
debate sobre a sucessão presidencial, Mangabeira continua sendo
o maior ideólogo do candidato Leonel Brizola e o consultor
preferido do presidenciável do PDT. Na entrevista que segue, (...),
Mangabeira (...) diz que Brizola é o presidenciável menos
suscetível de conformar-se ao Consenso de Washington, que ele
vê representado na figura de Fernando Henrique (...). Brizola,
apesar de ser considerado à esquerda e à direita um representante
do velho populismo que a história atropelou (...).
239
Analisando a perda de expressão política de Brizola no reduto político-
eleitoral do início de sua carreira política, a matéria Brizola vive ocaso na região
Sul, de 07/08, apresentava alguns argumentos para a ocorrência desse fenômeno.
Em um deles, vemos, nitidamente, uma idéia, fragmentada, do modelo clássico.
(...) [O] ambiente político que se respira nesses Estados talvez
seja (...) expressivo. Brizola deixou de ser um mito e tornou-se
apenas um candidato, diz o deputado federal e ex-ministro da
Previdência Antônio Britto (PMDB), candidato favorito até agora ao
governo gaúcho. Reforça o principal adversário de Britto, o ex-
prefeito de Porto Alegre Olívio Dutra (PT): O discurso dele
envelheceu, como todos os discursos tradicionais. Olívio atribui o
ocaso do brizolismo também ao desgaste inevitável de quem
exerceu dois mandatos no Rio, um Estado complicado (...). Outro
petista, o prefeito porto-alegrense Tarso Genro, prefere uma
análise mais sociológica e que, como é natural, favorece o PT.
Tarso acha que o fato de o PT ter criado em Porto Alegre o
chamado Orçamento participativo cortou a jugular do populismo,
característica central do brizolismo (...). Na teoria, ao menos,
Tarso tem razão. Uma das fontes em que bebe o populismo é a
intermediação, pelos caciques políticos, de serviços e/ou obras. O
que é dever do Estado vira benesse obtida graças a um
determinado dirigente local, regional ou nacional do partido no
poder (...). Se o ocaso do brizolismo até aqui antevisto se
concretizar nas urnas, fica difícil advinhar quem herda o espólio. O
PT gaúcho conta ficar pelo menos com os quadros mais
239
FOLHA DE S.PAULO. O ideólogo da terceira via: Mangabeira Unger, do PDT,
expõe projeto alternativo a Lula e FHC: 6-5. Grifos nossos.
129
ideológicos. Cita o fato de o vice de Olívio ser o deputado federal
Éden Pedroso, eleito pelo PDT (...).
240
Percebe-se como a apropriação de um discurso externo ao jornal pode servir
à sustentação da própria visão do emissor da mensagem. Além disso, note-se que
o autor da matéria, numa operação discursiva, relativamente, similar a realizada
em editorial visto anteriormente, associa, ao final do texto, elementos do brizolismo
com o PT. A partir dos dados apresentados, não é difícil considerar que estes
elementos são o nacionalismo e o estatismo, a despeito do próprio tom crítico
apresentado nos discursos dos membros do PT gaúcho ao populismo brizolista.
Guerrilha urbana. Este é o título de uma matéria publicada em 08/06, que
representava a única que dispôs a designação de populista para Brizola sob um
formato discursivo favorável. Mas, uma tese do modelo clássico faz-se presente: o
carisma do líder.
(...) O último populista
Digam o que disserem, Leonel Brizola sabe das coisas da política.
O último dos grandes populistas do Brasil participou ontem da
série de encontros com presidenciáveis na Associação Comercial
do Rio (...). Em tudo um grande orador. De uma oratória à antiga,
mas que agora, depois de cinco anos e depois de Collor, não
parece mais tão atrasada. Ele sabe como dar um jeito de falar o
que deseja, mesmo quando não perguntado (...) coisas como dizer
que o seu governo não foi pior do que o de ninguém. Até Tasso
Jereissati pegou dengue, lembrou, rindo.
E o grande golpe, o maior. Perguntado, obviamente, sobre a
violência carioca e a sua responsabilidade por ela, começou lendo
um texto de imprensa em que alguém descrevia o horror dos
crimes no Rio de Janeiro, com todos os detalhes de hoje. Ao final,
deu a data: Isso foi no dia 7 de janeiro de 1981. Aquela mesma
platéia, formada por empresários nada satisfeitos com o seu
governo, rendeu-se - e aplaudiu a esperteza.
241
Seções de opinião e debate:
Dezesseis (16) artigos de opinião, e/ou colunas fixas, interpretaram as
ações e perspectivas políticas de Brizola e de seu partido como populistas. A
maioria fora publicada no período correspondente aos meses de setembro a
240
FOLHA DE S.PAULO. Brizola vive ocaso na região Sul: 7. Grifos nossos.
241
FOLHA DE S.PAULO. Guerrilha urbana: 1-8. Grifos nossos.
130
dezembro, ou seja, iniciou-se a partir da proximidade das eleições. Talvez três
razões possam ser sugeridas para a compreensão desse fato: em primeiro lugar, a
eleição presidencial foi marcada por uma polarização entre Lula e Fernando H.
Cardoso. Em segundo, ressalte-se que no ano de 1994 realizaram-se, também,
eleições para os governos dos Estados. Os artigos demonstravam, dentro disso,
uma preocupação com a situação do Estado do RJ, criticando-se, com efeito, a
administração de Brizola. O seu populismo, assim, era tido como um risco no
restrito âmbito estadual. Por último, passadas as eleições, alguns artigos discutiam
o futuro de Brizola e de seu populismo.
Quanto aos tipos de abordagem verificados nesse conjunto de artigos,
podemos categorizá-los do seguinte modo:
i. Nítida influência do marco teórico clássico. As abordagens que
apropriavam-se de uma e outra de suas premissas foram preponderantes na
classificação de Brizola e seu partido como populistas, totalizando 9 (nove) artigos.
ii. Estreita afinidade com as análises do paradigma econômico, totalizando 4
(quatro) artigos.
iii. Outros três artigos não apresentavam uma fonte interpretativa muito
clara, mas, de qualquer modo, o símbolo do atraso é marcante. Nesses últimos
casos, a dificuldade em se identificar mais precisamente a fonte interpretativa
deve-se ao fato de que esses artigos não apresentavam um desenvolvimento
argumentativo capaz de propiciar tal identificação. Contudo, não é desnecessário
lembrar que o atraso populista pode ser um símbolo imputado a algum fenômeno,
ou ator político, por qualquer análise que parta de teses concernentes a esses dois
modelos de interpretação, a despeito das razões e motivações político-ideológicas
do analista.
É importante ainda destacar que um artigo, não localizado nesse conjunto
de textos, constituía-se numa espécie de resposta às classificações de populista
131
imputadas a Brizola, classificações estas fundadas, principalmente, no modelo
clássico. Essa resposta fora realizada pelo próprio Brizola.
Vejamos, pois, passagens de quatro artigos: um que demonstra afinidade
com o modelo clássico; outro com o paradigma econômico; um que podemos
chamá-lo de misto, onde a fonte interpretativa mostra-se obscura, mas a idéia de
atraso é bastante nítida; e por fim, a auto-defesa empreendida por Brizola.
Constituindo-se num tipo preponderante de análise, remetendo o leitor à
idéia clássica de demagogia, o artigo de Hélio Jaguaribe, intitulado O Rio dominado
pelo crime, questionava a gestão de Brizola à frente do governo do Estado do Rio
de Janeiro. Publicado em 01/11/1994, na editoria Painel, o artigo afirmava, entre
outros, que:
As favelas cariocas de hoje apresentam certa analogia com o
acampamento de Canudos. A mais inequívoca e ostensiva
característica do Grande Rio de Janeiro, presentemente, é o fato
de se encontrar sob o domínio do crime organizado (...). O crime
regula a vida da cidade, impondo, a seu arbítrio, interdições no
uso de determinadas áreas. Tiroteios se tornaram parte da rotina
urbana, não-somente nas favelas, mas no próprio centro urbano,
em Ipanema, nos túneis, na Linha Vermelha. Crescem em escala
geométrica os assaltos, seqüestros e assassinatos (...). Nenhuma
cidade com pretensões à condição civilizada, (...), esteve
submetida, tão ampla e impunemente, como o Rio, ao domínio dos
bandidos. Como se pode chegar a tal situação? Como sair dela? O
domínio do Rio pelo crime, como todos os fenômenos sociais mais
complexos, decorre da conjugação de muitos fatores e requer,
para sua análise, que se diferenciem distintas camadas de
profundidade (...).
242
Após discorrer sobre algumas razões para tal fenômeno, o articulista
argumenta que:
Mencione-se, finalmente, o fenômeno do brizolismo, que tem,
direta ou indiretamente, controlado a política do Estado nos
últimos 12 anos, o qual, independentemente das boas intenções
sociais de seu líder, resultou num populismo das massas
marginais, no âmbito das quais opera o crime organizado,
gerando, assim, situações em que a repressão a este suscita
naquelas efeitos negativos (...).
243
242
JAGUARIBE, H. O Rio dominado pelo crime: 1-3. Grifos nossos.
243
Idem.
132
Alguns meses antes, em 10/07, inserido no contexto das campanhas à
presidência, Bresser Pereira questionava a concepção político-econômica dos
opositores do candidato do PSDB, Fernando H. Cardoso. Publicado na editoria
Painel, seu artigo Consenso do atraso
244
apresentava argumentações afins ao
paradigma econômico:
Transformou-se em moda, entre certos intelectuais que apóiam
Lula, Brizola e até Quércia, afirmar-se que a candidatura Fernando
Henrique representaria o Consenso de Washington no Brasil (...).
Nesta Folha, no caderno Mais!, esta perspectiva foi apresentada
com grande estardalhaço. Não apenas (...) Cardoso seria um
conservador neoliberal, mas seu plano de estabilização - o Plano
Real - também seria uma manifestação daquele consenso. Minha
primeira reação, quando li tais sandices, foi ignorá-las. Revelam
um tal desconhecimento do que seja o neoliberalismo e indicam
um tal apego a idéias arcaicas, a um nacional-desenvolvimentismo
esquerdista dos anos 50, que não pude evitar a sensação de estar
diante de um consenso do atraso. Atraso misturado a razões
eleitorais. Entretanto, é preciso admitir que a identificação que
esse tipo de esquerda, populista e fora do tempo, vem fazendo de
políticas e reformas econômicas sensatas (...) com o
neoliberalismo, é um fenômeno generalizado. Transformou-se (...)
em uma estratégia retórica dessa visão nacionalista, para a qual
tudo o que não estiver de acordo com seu velho figurino é
neoliberal (...). Neoliberalismo não é ser a favor de disciplina
econômica e reformas orientadas para o mercado, mas acreditar
que o mercado possa ser o único coordenador da economia (...). O
Brasil jamais se deixou levar por semelhante dogmatismo de
direita, mas não pode (...) continuar vítima de um nacional-
populismo tacanho e arcaico, que quer condenar o Brasil ao atraso
(...).
245
Numa abordagem que, única e exclusivamente, podemos considerar o uso
do signo populismo como atraso, sem maiores possibilidades de identificação de
alguma fonte interpretativa específica que inspirasse tal uso, Candido Mendes
discorria em seu artigo, Centro-esquerda órfã, sobre os possíveis riscos políticos
para o PSDB advindos da aliança com o PFL. O articulista procurava, entre outros,
distinguir o PSDB de outros partidos da esquerda brasileira. O PT, explicitamente, e
o PDT de forma velada. No entanto, considerando-se que o PDT possuía tanta, ou
mais, expressão político-representativa que o PT na época, não é difícil imaginar a
244
Diga-se de passagem, detentor de um título bastante sugestivo à reflexão
sobre o teor das críticas.
245
BRESSER PEREIRA, L. C. Consenso do atraso: 1-3. Grifos nossos.
133
quem destinaria o signo populista presente em seu texto. Publicado em 30/05, na
editoria Painel, dizia o artigo que,
(...) FHC [na convenção realizada pelo PSDB] fala-nos com a
convicção de quem encarna um dever público (...), para definir os
rumos da campanha e o que vê, estritamente, como as suas
alianças táticas. Ou o ônus histórico de deixar vazia a liderança da
centro-esquerda do país para a qual nasceu a social-democracia,
que não quer saltar do muro para perder o futuro. Sob a meia-
máscara do PFL, os tucanos arriscam-se a privar o país desta
oportunidade única para a mudança, de escolhermos entre duas
esquerdas, como ganhadoras mais prováveis das eleições de 94.
Privamo-nos, no PSDB, do termo médio na gama das decisões
políticas de quem quer virar a página, sem jogar o país nos braços
do PT. Os tucanos defendem como neopartido de massa uma
esquerda diferenciada, ao lado dos socialismos de grife e dos
fósseis do populismo (...).
246
Por fim, vejamos alguns argumentos apresentados por Brizola, que tinham
por centro contestar, entre outros, o rótulo de populista imputado a ele e aos
governos e movimentos populares do pré-64. Seu artigo fora publicado sob o título
Como a direita gosta, na editoria Painel, em 27/02. Dentro de sua argumentação
contestória, questionava algumas práticas e concepções políticas da cúpula do PT.
Desse modo, além de revelar um embate político-partidário entre as duas
agremiações pertencentes ao campo popular-democrático, o líder do PDT
apresentava um profundo desconforto frente a algumas teses clássicas bastante
generalizadas na interpretação do processo histórico brasileiro, apresentada por
substantivos segmentos do PT. Não é desnecessário recordar que Weffort - assim
como intelectuais relativamente afinados com sua visão histórico-política sobre o
país - possuíam significativo espaço de atuação e, provavelmente, de persuasão no
interior dessa estrutura partidária.
(...) vamos aos fatos e às inequívocas conclusões. Ninguém pode
negar o caráter autêntico, democrático e popular dos movimentos
grevistas do ABC, dos quais surgiram Lula e alguns dos fundadores
do PT (...). Desde aqueles primeiros momentos, formou-se uma
espécie de redemoinho à volta dos sindicalistas. A eles juntaram-
se intelectuais e grupos religiosos (...) que, progressivamente,
foram emprestando ao conjunto uma orientação elitista e
pretensiosa, ao mesmo tempo em que revestiam de sofisticações a
imagem do movimento e iniciavam o que seria um processo de
246
CANDIDO MENDES. Centro-esquerda órfã: 1-3. Grifos nossos.
134
tutela ideológica sobre aqueles trabalhadores (...). Nós, que
voltávamos do exílio, víamos com esperança e admiração o que se
passava no ABC. Para nós, a resistência dos trabalhadores e o
surgimento de lideranças eram sinais de que o trabalhismo (...),
estava vivo nos sentimentos e na consciência de nosso povo. Nada
poderia nos surpreender mais (...), que a atitude hostil e
presunçosa com que passou a se comportar a cúpula do que viria a
ser o PT. Renegavam as lutas sociais do passado (populismo,
pelegos do Ministério do Trabalho etc.etc.), pretendendo que
começasse ali e com eles o movimento das forças do trabalho no
Brasil, como quem tenta cortar com uma tesoura o fio da história
(...).
247
Jornal do Brasil
a) Sobre o leitor
O perfil do público-leitor do Jornal do Brasil é bastante similar ao da Folha de
S.Paulo. Em relação a esse jornal, levantamos alguns dados relativos ao próprio
ano de 1994. Ressaltamos, entretanto, que esses dados referem-se exclusivamente
ao perfil de seus assinantes. De acordo com o levantamento feito pelo Sistema
Jornal do Brasil, o perfil dos assinantes é assim caracterizado: faixa etária acima de
36 anos (77%); 74% com título universitário; e a faixa de renda de 53% dos
assinantes superava o valor de R$ 2000,00. Na faixa de R$ 1.000,00 a R$
2.000,00, encontravam-se 22% dos assinantes.
248
b) A representação: o quê e como se diz
Editoriais:
Vinte e três editoriais do JB operaram com a noção de populismo. As
aplicações interpretativas a que o jornal submeteu a noção apresentam dois traços
marcantes:
i. A utilização freqüente de alguns clichês típicos do modelo clássico sobre o
fenômeno, a saber: demagogia, assistencialismo e irracionalidade.
Fundamentalmente, o atraso político-econômico era a idéia mais geral
imputada à noção, ou a algum ator político e fenômeno da realidade social
247
BRIZOLA, L. Como a direita gosta: 1-3. Grifos nossos.
248
Ver SISTEMA JORNAL DO BRASIL – CLUBE JB. Perfil do assinante.
135
classificado sob este signo. Como em muitas situações encontradas no discurso
jornalístico da Folha, o populismo era associado a estas idéias sob um formato
discursivo nitidamente conservador. A partir da leitura que empreendemos sobre o
conjunto de editoriais, tendemos a afirmar que, na maioria dos casos, a noção fora
construída por esse espaço jornalístico com base em uma e outra tese do marco
teórico clássico. Contudo, o explícito teor conservador apresentado sugere-nos uma
apropriação fragmentada dessas teses. Destacam-se os aspectos mais exteriores
indicados pelos estudos dos decênios de 1950 e 60. Evidentemente, havendo uma
apropriação das interpretações desses estudos, pode-se argumentar que os
editoriais não se coadunavam com o referencial político e teórico (marxista) que
norteava os consagrados trabalhos de Ianni e Weffort. Extraíam-se, portanto,
algumas idéias com fins notadamente políticos, onde a desqualificação do
interlocutor era o mote da designação de populista.
ii. A recorrente referência a Brizola e ao seu partido como populistas.
Em alguns momentos a referência era explícita, em outros velada. De
qualquer modo, a referência ao populismo brizolista era constante.
249
Do conjunto
de 23 editoriais, 19 (dezenove) o designaram por intermédio deste signo.
Consubstanciando um pequeno recorte analítico dos editoriais publicados em 1994,
esses dados talvez possam nos levar a sugerir que a preocupação predominante
dos editoriais do JB dirigia-se à política estadual, enquanto que os editoriais da
Folha apresentavam uma preocupação maior com a política nacional. Não que
Leonel Brizola não fosse uma referência política nacional. Era e talvez ainda o seja.
249
A despeito de transcenderem muito os objetivos da dissertação, talvez não
seja desnecessário salientar que a expressão brizolismo fora quase tão utilizada
nas edições do JB quanto o próprio populismo. Nas oportunidades em que nos
deparamos com esse símbolo, o perfil das interpretações era bastante similar ao
construído na representação do populismo. Evidentemente, tal fato constitui-se,
por si só, em matéria de análise específica. Parece-nos lícito afirmar, assim, que
o caso particular do brizolismo representa uma importante variável interveniente
na representação jornalística, ao menos carioca, do signo populismo. De
qualquer forma, afim de não fugir aos objetivos do trabalho, evitamos a inclusão
de estruturas redacionais que operavam única e exclusivamente com essa
categoria, como nos casos relativos ao quercismo e ao malufismo para a Folha
de S.Paulo.
136
Mas, importa, sim, destacar que Brizola e seu partido governavam o Estado do Rio
de Janeiro à época. As críticas atingiam, portanto, a figura de seu governo,
desqualificando Brizola e o PDT no cenário político nacional, mas, principalmente,
na esfera do Estado do RJ, que era (ou é) o seu centro privilegiado de ações.
Vemos, assim, que a análise dos editorias do JB apresentavam uma característica
muito particular quando comparada aos editoriais da Folha. O presidente Itamar
Franco, por exemplo, não sofreu sequer uma menção dessa natureza nos editoriais
do JB. Na Folha, ao contrário, Franco constituía-se numa destacada fonte política de
preocupação e crítica.
Ressaltada a especificidade marcante dos editoriais do JB, vejamos
passagens de alguns desses textos que possibilitem uma apreciação sobre o tipo de
representação simbólica construída para o populismo. Selecionamos um que se
referia a política nacional e outro que abordava problemas relativos à cidade do Rio
de Janeiro (que representa o corpo majoritário de editoriais, preocupados com os
dilemas e mazelas do Estado).
Pretendemos com isso, além de apresentar a forma com que o signo
populismo aparecia no discurso, empreender um breve exercício reflexivo que nos
possibilite mapear alguns elementos constitutivos do referencial político-ideológico
do jornal. A representação demonstrará, claro, sua feição mais nítida e eloqüente
nos editoriais que questionavam o discurso e práticas brizolistas.
Demonstrando uma explícita distinção do tratamento concedido a Itamar
Franco pela Folha, o editorial Riscos reais, publicado na edição do JB de
07/07/1994, destacava o papel exercido pelo presidente no processo de
estabilização da economia. De qualquer modo, a despeito da inexistência de críticas
ao presidente, o jornal fazia coro com a Folha no que diz respeito às medidas
políticas consideradas pertinentes para o país. O populismo, por seu turno, não
deixava também de ser representado como uma ameaça à estabilidade econômica.
137
Apesar do coro dos descontentes, cujo estoque de argumentos
eleitorais vem baixando com a inflação, o real está fadado ao
sucesso (...). Em linhas gerais, boa parte do sucesso deve ser
creditado a Itamar (...). Quando todos o acusavam, ora de inércia
ora de atitudes emocionais em relação à condução da economia, o
presidente da República demonstrava agudo senso político (...).
Mesmo incomodado com a inflação, os abusos de preços e as altas
taxas de juros, o presidente resistiu às tentações populistas. Optou
pela paciente construção do programa de estabilização que os
economistas das mais diversas tendências hoje reconhecem como
o melhor já feito no país (...). Há instrumentos administrativos que
podem e devem ser acionados com rigor contra os que
promoveram remarcações em excesso e abusos (...). Eles são
mais eficazes, pela dissuasão do efeito demonstração, do que
qualquer medida genérica inspirada em experiências passadas e
que provaram ser impotentes para debelar a inflação. O controle
de preços nunca funcionou no Brasil (...). É possível que os juros
reais estejam muito altos, mas a prudência recomenda até o
exagero inicial, para quebrar todas as apostas contra o real - no
mercado financeiro e no setor real -antes do arrefecimento (...)
das taxas de juros (...). A estabilização depende do sacrifício de
toda a sociedade e, sobretudo, da firmeza dos governos no
combate à inflação (...).
250
Como se vê, o consenso antiinflacionário caracterizava o discurso dos dois
jornais. Muito mais importante do que isso, há uma afinidade estreita no que tange
as medidas que deveriam ser adotadas pelo governo. O populismo, no único
editorial que guardava uma proximidade interpretativa mais nítida com o
paradigma econômico, aparecia associado à idéia de intervencionismo econômico.
Dois dias depois, em 09/07, discorrendo sobre o diálogo estabelecido entre
membros de uma equipe de técnicos de um departamento da prefeitura do Rio de
Janeiro e a associação de moradores do bairro de Ipanema, o editorial Vozes do
Povo, questionava a ação de representantes públicos que se submetiam aos
interesses das associações de moradores. De acordo com o jornal, muitas obras e
ações públicas deixavam de ser realizadas por essa sujeição à voz da sociedade. O
JB informava, indiretamente, tanto sua concepção de democracia, quanto sua
satisfação com a postura adotada pela prefeitura.
250
JORNAL DO BRASIL. Editorial: Riscos reais: 10. Grifos nossos. Nas linhas
introdutórias do texto o JB parecia dialogar, entre outros, com os editoriais da
Folha, salientando as virtudes do presidente e pedindo calma aos editorialistas
do jornal paulistano. Afinal de contas, o programa governamental e o candidato
oficial à presidência encontravam-se afinados com a linha editorial desses
respectivos jornais da grande imprensa.
138
Depois de discutir com os moradores, a prefeitura decidiu
reconstruir a Praça General Osório, em Ipanema, segundo o
projeto original. Os moradores consideraram o projeto (...) muito
complicado, descaracterizador. Todo diálogo com a população é
bom, e é nisto talvez que se fundamenta o exercício da política.
Mas o que é realmente importante neste episódio é que a
prefeitura, além do diálogo, ou apesar do diálogo, vai tocar a obra
em frente. Esta, sim, é a verdadeira Política, com P maiúsculo.
Muitas administrações fracassam porque exageram em sua função
popular, ou populista. Obras importantes são abandonadas a meio
caminho, ou antes mesmo de encetar o caminho, por excesso de
escrúpulo, em busca de uma vox populi que tente conciliar os
interesses da comunidade com os interesses da política menor que
vê em tudo oportunidade de colher votos, acima das necessidades
técnicas (...). Administradores são eleitos para tomar decisões que
resultem em benefício da comunidade. A eleição dos políticos já é
uma opção do eleitorado, de acordo com os programas
apresentados por eles por ocasião das campanhas eleitorais. No
poder, os políticos não necessitam retornar ao povo
plebiscitariamente sempre que se acham na iminência de tomar
decisões administrativas (...).
251
Vale observar duas coisas: primeira. A noção que o jornal tem sobre a
atividade política é informada por uma evidente prevalência da competência técnica
sobre o político; este considerado, como se depreende da argumentação do
editorial, um exercício espúrio e distante dos reais interesses da sociedade civil
organizada.
252
Seguindo a segunda alternativa (a prevalência do político), as
autoridades públicas incorreriam na demagogia e na irracionalidade populista.
Como vimos na Folha, esse olhar sobre o campo político era, também, recorrente
em seu discurso. Segunda. Como desdobramento, compreendia-se a democracia
sob um formato significativamente conservador. O estímulo à participação das
associações civis, na definição e implementação de políticas públicas, era tido como
uma prática desnecessária e, claro, populista, já que os cidadãos participam,
segundo o jornal, do procedimento de escolha e decisão democrática através do
voto.
Noticiário cotidiano:
251
JORNAL DO BRASIL. Editorial: Vozes do povo: 10. Grifos nossos.
252
Sociedade civil organizada que, de acordo com as entrelinhas do editorial,
possuiria, ela própria, uma noção equivocada de seus interesses e necessidades
de bem-estar.
139
O noticiário político e econômico cotidiano produziu 66 (sessenta e seis)
matérias que operavam com a noção de populismo. Semelhante ao fato verificado
na Folha, preponderaram as construções simbólicas afins às teses do modelo
clássico e do paradigma econômico, com uma não desprezível superioridade na
difusão das primeiras. Temos, portanto, uma noção fundada em significados
políticos relativamente similares à representação veiculada pelo jornal paulistano.
Algumas das idéias mais freqüentes que atravessavam a aplicação do signo
populismo na interpretação de eventos cotidianos foram as seguintes: estatismo,
assistencialismo, personalismo, paternalismo, autoritarismo, demagogia,
irracionalidade, irresponsabilidade e intervencionismo econômico. Enfim, práticas
políticas consideradas degeneradas e arcaicas, que requeriam ser superadas a fim
de consolidar as instituições democráticas e retirar o país do subdesenvolvimento
socioeconômico. Como ilustração dessa representação simbólica, vejamos trechos
de duas matérias que apresentam conteúdos argumentativos comuns ao paradigma
econômico e duas que demonstram um eco de teses presentes na matriz
interpretativa clássica.
Em 21/10/1994, a matéria Mínimo de US$ 100 será vetado, discorria sobre
a oposição do então presidente eleito Fernando H. Cardoso a um projeto de
aumento do salário mínimo, que tramitava na Câmara dos Deputados. A definição
da proposta como populista fora realizada por Cardoso, não podendo ser
considerada objetivamente como a interpretação do jornal.
(...) Cardoso chamou de demagógico o projeto de lei aprovado
anteontem na Comissão de Trabalho da Câmara, que aumenta
para US$ 100 o valor do salário mínimo. E afirmou que, se o
projeto, de autoria do deputado petista Paulo Paim (PT-RS), for
aprovado no Congresso, ele, como presidente, irá vetá-lo (...). Se
ele passar pela Câmara, eu veto. A não ser que o Congresso me dê
os recursos para gerir a Previdência, afirmou, (...) Isto é pura
demagogia. Uma ação irresponsável de quem não quer ajudar a
reconstruir o país (...). Se querem aumentar salário, discutam
então o financiamento da Previdência, porque sem isso o que vai
acontecer é a volta da inflação, que vai comer de novo os salários,
insistiu. O povo do Brasil já está cansado de populismo (...).
253
253
JORNAL DO BRASIL. Mínimo de US$ 100 será vetado: 9. Grifos nossos.
140
Vale destacar que essa concepção sobre o populismo, externa ao marco
institucional do JB, ilustra, inequivocamente, uma das construções simbólicas mais
presentes no discurso do jornal. Nesse sentido, pode-se sugerir que houve,
também no JB, uma interação no processo de produção jornalística entre as
análises do jornal e os pontos de vista de atores externos (principalmente, aqueles
pertencentes às forças políticas hegemônicas). É o que se verá nas passagens da
próxima matéria que reproduzimos.
Meses antes da publicação da matéria acima, em 12/07, o jornal abordava
as características dos candidatos eleitos à presidência da Ucrânia e da Bielorússia.
A sintonia com as teses do paradigma econômico (como visto nas declarações
acima, de Cardoso) é grande. Publicada na editoria Internacional, a matéria Ucrânia
e Bielorússia elegem oposicionistas, afirmava, entre outros, que:
Dois anos após o fim da União Soviética, duas de suas ex-
repúblicas - a Ucrânia e a Bielorússia - elegeram no fim de semana
presidentes de oposição ao governo (...). Na Bielorússia, venceu o
populista Alexander Lukashenko, derrotando o primeiro-ministro
conservador Vyacheslav Lebich. Tanto na Ucrânia quanto na
Bielorússia, os vencedores beneficiaram-se do profundo
descontentamento popular com a crise de suas economias.
Durante a campanha, Lukashenko, (...), prometeu reduzir o preço
dos produtos na Bielorússia, restabelecer maior controle estatal da
economia e combater a corrupção (...).
254
Representando dois exemplos típicos e constantes no jornal de uma
construção simbólica que compreende o populismo como sinônimo de demagogia,
oportunismo e assistencialismo, transcrevemos passagens das matérias abaixo.
Em 28/02 publicava-se uma matéria, entre muitas, que referia-se ao perfil
de atuação política de Anthony Garotinho, então pré-candidato à sucessão do
governo estadual do Rio de Janeiro. A despeito do fato de Garotinho ser, à época,
um membro do PDT, não incluímos essa matéria no item destinado a Brizola e PDT,
por designar particularmente a sua pessoa. Idéias fragmentadas dos estudos
clássicos sobre o populismo, bastante correntes e poderosas no imaginário político
254
JORNAL DO BRASIL. Ucrânia e Bielorússia elegem oposicionistas: 9. Grifos
nossos.
141
brasileiro, atravessam abertamente a interpretação do autor da matéria: a oferta
de benesses, o oportunismo e o contato direto, não-mediatizado por instituições
políticas, entre o líder e as camadas populares.
O secretário estadual de agricultura, (...) Garotinho,(...), não
esconde de ninguém o trunfo que o fez pular nas pesquisas de 9%,
em maio de 93, para 15%, em fevereiro de 94: o rádio. Garotinho
(...), mantém desde de 15 de março do ano passado duas horas
de um programa ultrapopular na Rádio Tupi, das 7h às 9h. (...). O
programa do secretário, batizado de Show do Garotinho, com 400
mil ouvintes, é líder de audiência na Tupi e detentor do maior
número de anunciantes e cartas. Nele, Garotinho dá um show de
populismo: sorteia passagens para outros estados, dá brindes para
taxistas, receitas para donas de casa, simpatias para segurar-
homem (...). Com as cartas que recebe, monta sua mala-direta e,
com os brindes dados pelos patrocinadores, manda junto uma foto
colorida autografada e um jornalzinho de campanha (...).
255
Um bairro de luto sem a presença de Castor. Esse é o título de uma notícia
publicada em 10 de abril, na editoria Cidade. Constituída pela apresentação de um
conjunto de situações que envolviam um fato pitoresco da realidade de um bairro
da cidade do Rio de Janeiro, não representa, entretanto, uma matéria voltada ao
campo político, stricto sensu. Independentemente disso, consideramos que a
interpretação contida na matéria traz à luz alguns dos símbolos mais
representativos da noção de populismo. Capaz, assim, de contribuir à compreensão
de seu uso no noticiário, efetivamente, político e econômico.
Bangu está órfã de pai. O desaparecimento do banqueiro de bicho
Castor de Andrade, há 10 dias, abalou muita gente no bairro.
Embora ultimamente sua presença ali se resumisse às missas na
Igreja de São Lourenço, Castor manteve fama e prestígio - quase
uma devoção - inabalados (...). Mas a face mais populista de
Castor (...) continua sendo facilmente observada nas conversas
pelas esquinas de Bangu. Ele é o homem que ajuda os pobres, diz
Manoel Martins, dono de um botequim de Bangu. O pessoal me
pedia cachacinha e dizia que iria pegar o dinheiro com o Castor.
Minutos depois, eles voltavam e pagavam, conta Manuel. Castor
colocou seguranças na estação do trem e nunca mais houve
assalto, garante Braulino Tavares, aposentado da Marinha. Em
Bangu, 10 mil moradores vivem direta ou indiretamente da
contravenção (...).
256
255
JORNAL DO BRASIL. 'Estilo trator' de Garotinho assusta os concorrentes: 3.
Grifos nossos.
256
JORNAL DO BRASIL. Um bairro de luto sem a presença de Castor: 26. Grifos
nossos.
142
As idéias acentuadas por essas duas últimas matérias apresentam
elementos simbólicos extremamente relevantes para a identificação do modo com
que o populismo fora representado no discurso do Jornal do Brasil. Em princípio,
dentro de um panorama de análise mais geral dessas duas matérias, pode-se
observar a atribuição de conteúdos marcadamente populares ao populismo de
Garotinho e Castor de Andrade. Fato este que, pensamos, não denota, em si,
qualquer tipo de desqualificação do acusado de tal atributo, nem de uma imputação
negativa à noção. Pelo contrário, pode muito bem ser entendido como algo
bastante positivo. Estar investido de uma capa popular e assim sê-lo considerado, é
um elogio, não uma ofensa. Entretanto, vale acrescentar algumas observações:
i. Ao político e radialista (Garotinho), paralelo a indicação de características
populares, afirmava-se o seu oportunismo, materializado no envio de produtos de
campanha junto aos brindes oferecidos pela estação de rádio.
ii. Ao banqueiro do jogo do bicho (Castor de Andrade) é indicada a pecha de
pai e protetor dos pobres. Mas, evidentemente, por sua fonte de renda, também a
de contraventor.
Vale informar que não nos interessa aqui contestar, ou reificar, se um e
outro desses personagens estão corretos ou errados. Os atos de cada um deles, por
si só, indicados nas matérias, são, evidentemente, fonte de uma natural crítica. O
que interessa é identificar os símbolos e padrões de comportamento, público e
privado, associados pelo jornal à noção de populismo. É, portanto, nesse sentido,
levando em conta o processo de seleção e combinação de estereótipos e de ações
concretas operado pelo jornal, que podemos afirmar que o populismo fora
considerado uma prática política degenerada e atrasada, representativa de um país
e um Estado-membro que deveriam passar por mudanças urgentes. Nas esferas
política e da sociedade civil, mas, também, no âmbito econômico, como visto em
editorial e matérias anteriores que demonstram afinidades argumentativas com o
paradigma econômico.
143
Seções de opinião e debate:
A noção de populismo fez-se presente em dezoito (18) artigos, incluindo as
publicações das seções de Opinião e as das colunas fixas (a Coluna do Castelo, por
exemplo). Em termos quantitativos, portanto, foi publicado um número muito
inferior ao verificado na Folha, que totalizou 123 textos. Talvez, uma das razões
para essa comparativamente baixa utilização do populismo como recurso
interpretativo deva-se ao uso da noção de brizolismo, com cerca de 100 incidências
distribuídas por diferentes espaços do jornal. Devido a alguns fatores já indicados,
é possível que esta última noção tenha consubstanciado-se em um dispositivo
lingüístico e político explicativo de alguns fenômenos da realidade política,
mormente a do Estado do Rio de Janeiro.
257
Quanto as categorias de análise encontradas, mais uma vez, prevaleceram
as abordagens que revelam alguma afinidade com as teses do modelo clássico
sobre o fenômeno. Ao lado desse tipo de representação simbólica da noção,
apareceram, em quantidade pouco expressiva, os seguintes tipos de abordagens:
uma identificada com o paradigma econômico; duas que denotam a presença de
um nítido marco interpretativo neoliberal-conservador (em artigos produzidos por
Roberto Campos);
258
e uma que problematizava as teses clássicas
(problematização esta realizada por Angela de C.Gomes). Portanto, no geral, ao
populismo era imputada à idéia de atraso. Nos casos, digamos, mais
condescendentes, consideravam-no como expressão de uma etapa histórica
257
Sobre a tendência desqualificatória à figura de Brizola – e ao que, se
supunha, ele representava para o Estado e o país – discutimos no item
reservado a esse ator político.
258
Fazemos uma distinção entre o paradigma econômico e a abordagem
neoliberal-conservadora, provavelmente, num sentido mais formalístico do que
devido aos seus contrastes gerais de análise. Por não encontrarmos nos artigos
de Roberto Campos referências explícitas ao populismo econômico, e devido a
existência de algumas nuances que distinguem as abordagens de autores
afinados com esse paradigma (como Bresser Pereira) e a concepção política de
Campos, preferimos não abarcá-los sob a mesma categoria de interpretação.
Contudo, há que se salientar que suas representações acerca do populismo e da
esquerda brasileira, denotam grandes laços de identidade. Talvez, o que
diferencie Campos de Bresser Pereira, por exemplo, seja mais propriamente a
eloqüência no tratamento concedido ao populismo e à esquerda.
144
superada ou a ser superada. Cumprira seu papel politicamente integrador e
economicamente modernizador. Mas seria incapaz de responder às exigências e aos
dilemas socioeconômicos do país no período em tela.
Ademais, faz-se necessário observar que a maioria substantiva desse
conjunto de artigos, 14, foram publicados no segundo semestre de 1994.
Caracterizavam-se por referências às opções eleitorais para a presidência do país e
ao governo do Estado do RJ, como também, findo o processo eleitoral, abordavam-
se os horizontes e rumos a serem seguidos pelo país e o Estado, com a definição
dos novos representantes no Executivo e no Legislativo.
Vejamos inicialmente passagens de artigo que apresenta estreitos laços de
interpretação com o modelo clássico. Reproduzimos, posteriormente, alguns
trechos do artigo de Angela de C.Gomes, que marca uma clara contestação de
algumas idéias que percorrem a argumentação clássica do primeiro. Por fim,
transcrevemos passagens do artigo de Roberto Campos.
Como ilustração de consonâncias com o marco teórico clássico, veja-se as
passagens do artigo Vargas e o novo pacto nacional: a nação em busca de um
Estado. Publicado pela editoria Opinião, em 14/08, o artigo, de Aspásia Camargo,
discorria sobre o legado de Vargas e as mudanças pelas quais o Brasil deveria
passar.
Que sentido pode ter, no momento atual, discutir a importância e
o legado de (...) Vargas (...) quando, de fato, seu ciclo de
hegemonia e influência se encerrou desde a campanha presidencial
de 1989, com Collor e Lula representando novas alternativas para
uma era pós-Vargas (...). Olhando para o passado, podemos
constatar que Vargas foi para nós, brasileiros, (...), aquela sólida
peça central que sustenta as arcadas das grandes catedrais. Foi o
ponto de construção do Estado-nação (...). Vargas ajudou a
constituir, de maneira original, a difícil convergência da nação com
o Estado, mesmo que sob tutela (...), organizando um sindicalismo
que embora manipulado e de proveta, pelo menos teve o mérito
de dar ao trabalhador o status de cidadão (...). Nesse projeto (...),
a democracia - que não pode existir sem uma sociedade plural e
autônoma e uma diversificada economia de mercado - foi a grande
esquecida. Na época, ninguém a rigor se importava muito com ela.
Uns, com sabor elitista, sonhavam apenas com uma democracia
limitada. Outros, de vocação populista, viam no voto o meio mais
145
fácil de criar clientelas e de aprisionar autoritariamente as massas
(...) à falta de uma sociedade civil dinâmica e organizada, o Estado
getuliano regulamentou tudo (...).
259
Após ressaltar uma e outra virtude das ações empreendidas por Vargas, a
articulista afirmava que:
O grande desafio é reconstruir o Estado brasileiro em novos
moldes, não mais tutelando a nação mas sendo tutelado por uma
sociedade dinâmica, agora fortalecida (...). Colocando a vontade
política como instrumento transformador e estruturador de um
novo pacto, mais solto e mais aberto, da nacionalidade.
260
Em artigo publicado meses depois, em 26/12, Angela de C.Gomes discorria
sobre o passado (a República de 45) e o presente do sistema político brasileiro.
Vale observar que este artigo representa o único exemplar de uma abordagem
contestatória às teses clássicas, publicada nas páginas dos dois jornais. Ao mesmo
tempo que a articulista sugeria a existência de tendências inovadoras no curso das
formas de representação política - com preferências mais ancoradas em siglas e
programas partidários -,
261
ela problematizava algumas teses bastante difundidas
sobre a República populista, como as encontradas no artigo anterior, de Aspásia
Camargo. Discutia-se, portanto, e fundamentalmente, alguns traços de similaridade
entre o passado e as eleições de 1994, apontando à necessidade de vigência de
uma continuidade no exercício dos processos eleitorais, de modo que o
fortalecimento dos partidos e das escolhas eleitorais fossem engendrados.
(...) a República do pós-45 foi batizada e é chamada, até hoje, de
República populista. Designação problemática, pois carrega
consigo a idéia de uma população manipulada (...), aliada a um
sistema partidário sem maiores bases ideológicas ou
organizacionais (...). Contudo, estudos mais recentes sobre a
experiência eleitoral realizada de 1945 a 1960 têm demonstrado
que as coisas não seguiram de perto este figurino. Os partidos
políticos consolidavam-se e cresciam em votos e prestígio junto
aos cidadãos, que multiplicavam mecanismos de participação
política (associações de moradores, uniões estudantis, ligas
camponesas, etc.) (...). As eleições de 1994 podem, nesta
perspectiva específica, ter trazido algumas novidades. Talvez se
possa dizer, (...), que o eleitorado não deu mais sinais evidentes
259
CAMARGO, A. Vargas e o novo pacto nacional: a nação em busca de um
Estado: 11. Grifos nossos.
260
Idem.
261
GOMES, A. de C. As eleições e o plenário: 11.
146
de sensibilidade aos tradicionais apelos populistas e que pode
estar começando a transitar, mais uma vez como nos anos 50,
para preferências mais ancoradas em siglas e programas
partidários (...).
262
Numa perspectiva distinta, localizada no campo conservador do espectro
político nacional, Roberto Campos abordava em seu artigo A burrice coletiva,
publicado em 30 de novembro, as mazelas que considerava estarem arraigadas na
sociedade brasileira. O populismo, claro, não poderia escapar à crítica.
Ficou moda. Precisamos de alguém para culpar (...). E, é claro,
tem de ser um sujeito bem abstrato e genérico: as elites (...)
todos [os países] evoluíram no mesmo sentido dos Estados
Unidos, tornando-se (depois de algumas peripécias) sociedades de
massa, democracias de base ampla, e desenvolvendo uma
formidável classe média (...) conseguiram fazê-lo porque, de modo
geral, souberam manter em funcionamento a economia de
mercado, mecanismo ao mesmo tempo essencialmente
democrático - e particularmente antielitista (porque é um
plebiscito permanente das preferências da população) - e
maximizador da eficiência econômica (...). O nacional-populismo, o
sindical-radicalismo (...) e o baixo clero da intelectualidade
subdesenvolvida, cujo traço marcante é o ressentimento contra
tudo e todos, são enormes pedras no caminho do país (...). Esses
obstáculos impedem o desenvolvimento do país (...). Não, a culpa
não é das nossas elites - é da burrice com que temos nos
comportado coletivamente, é da nossa atitude servil e sabuja
diante do Estado Papai Noel e delegado de polícia. É a passividade
de súcubos diante das invasões da liberdade, do estupro da
economia de mercado pelos clones do totalitarismo estatizante
(...).
263
Como se vê, a imputação de um caráter estatizante e irracional ao
populismo é disposta na argumentação de Campos. Por oposição, o livre mercado
estaria investido de grandes atributos viabilizadores do desenvolvimento. A
despeito do tom empregado, um tanto distante de diversos textos publicados pela
Folha e o JB, essa dicotomia entre o presente e o futuro que se anunciava no país
fora um traço característico e poderosíssimo nos respectivos discursos jornalísticos.
c) Posições e atores políticos representados: de quem se diz
c.1) Presidente Itamar Franco
262
Idem. Grifos nossos.
263
CAMPOS, R. A burrice coletiva: 11. Grifos nossos.
147
O nome do presidente não é associado ao signo populismo em nenhum
editorial. Somadas as matérias do cotidiano e as colunas ou seções de opinião, três
estruturas redacionais jornalísticas classificaram a postura política de Itamar Franco
como populista. Dessa forma, iremos concentrá-las num único item de análise, que
segue abaixo.
Noticiário cotidiano e seção de opinião e debate:
Duas matérias e um artigo compõem o quadro de textos publicados pelo JB
em que se classificavam o perfil e as medidas políticas adotadas por Franco como
populistas. Em termos quantitativos, portanto, há um contraste razoável entre a
produção jornalística do JB e a da Folha. A Folha reservou uma importância maior
ao ator político em destaque. Este jornal dispôs uma quantidade maior de textos
que questionavam a figura do presidente por intermédio do populismo, como
recurso rotulatório.
É importante salientar que, aqui, no noticiário e numa seção de opinião do
JB, encontramos a caracterização de uma relativa contradição entre os argumentos
de um editorial
264
e as mensagens veiculadas pelos textos tipificados no presente
item do trabalho. Enquanto no editorial afirmava-se que o presidente não estava a
ceder às tentações populistas, nos dois textos do noticiário e em um da Coluna do
Castelo, criticava-se, veementemente, as ações e intenções do presidente.
Provavelmente, pelo número substantivamente menor de estruturas redacionais
que utilizaram o signo populismo no JB, perante a Folha, as contradições existentes
entre esses dois marcos normativos do jornal - o editorial e o noticiário- puderam
ser identificadas de forma mais nítida. De qualquer modo, as diferenças aparecem
no que tange a figura pessoal de Itamar Franco e não propriamente às medidas e
rumos que deveriam ser buscados por seu governo, como um todo.
Vale destacar que as idéias que percorreram os textos na designação de
Franco como populista apresentaram uma estreita afinidade discursiva com as
264
Ver item b), página 134.
148
teses do paradigma econômico. Vejamos, assim, as ilustrativas passagens de uma
matéria e de uma coluna fixa de opinião.
A matéria Críticas à intervenção de Itamar, publicada em 10/06/1994, pela
editoria Economia, abordava as concepções de quatro economistas sobre a atuação
do presidente Itamar Franco em face de algumas dificuldades surgidas na
economia. Mais uma vez, uma poderosa idéia atravessava a argumentação de uma
matéria jornalística - e que marcava, também, um dos traços fundamentais da
ideologia dominante presente no discurso jornalístico -, a saber: a consideração de
uma necessária prevalência do saber técnico sobre o fazer político. Quanto ao
populismo, não é difícil supor em que pólo está localizado.
A Medida Provisória que estabeleceu a conversão das
mensalidades escolares pela média em cruzeiros reais é um risco
para o plano econômico. Não pelas consequências imediatas, mas
por comprovar, inequivocamente, a volta da intervenção populista
do presidente Itamar (...) na economia. E se essa intervenção
resvalar para áreas nevrálgicas, como taxas de juros ou medidas
de força na área de preços, o plano econômico nascerá
desvirtuado (...). Dionísio Carneiro [economista da PUC-RJ] não
mede palavras para expressar sua preocupação: É assustador que
na fase final de transição ocorram tumultos como esse, com o
presidente querendo virar ministro da Fazenda, é preocupante que
se politizem questões absolutamente técnicas, diz ele (...). Para
Carneiro, não faz sentido o presidente entrar nessas questões
técnicas e, muito menos, criticar as altas taxas de juros (...).
265
Meses depois, em 10 de novembro, a Coluna do Castelo discorria acerca de
alguns atritos que pairavam no relacionamento do ministro da Fazenda, Ciro
Gomes, com a equipe técnica do ministério, assim como, junto a alguns setores do
empresariado. Sob o título A crise não está em Ciro, mas na inflação, a coluna tinha
o aumento da inflação como centro de sua argumentação. O autor do texto,
Marcelo Pontes, informava, por outro lado, sua preocupação com uma possível
influência de Franco nas ações do ministro para combater a inflação.
(...) Ainda não se pode provar que, no atacado, a agressividade de
Ciro causa instabilidade e aumento da inflação. Também é difícil
sustentar que esse seu estilo rompedor seja absolutamente
indispensável para segurar preços. Ricupero segurou sem brigar
com ninguém, agindo como um monge. O único perigo visível no
265
JORNAL DO BRASIL. Críticas à intervenção de Itamar: 16. Grifos nossos.
149
horizonte é que Ciro se entusiasme com idéias novas, exóticas ou
populistas do presidente que desagradem à equipe econômica
(...).
266
Como se vê, a despeito da distinta percepção dos presentes textos sobre o
tipo de atuação política de Franco (em face do que fora colocado pelo editorial), a
posição do jornal e do colunista - no que diz respeito às medidas que deveriam ser
implementadas para alcançar a estabilidade - convergem no essencial. Note-se,
também, que percorrem nesses textos uma elevada afinidade com a postura dos
técnicos que integravam a equipe econômica, afinidade esta também encontrada no
discurso da Folha.
c.2) Lula e PT
Ao candidato Lula e ao seu partido nenhum artigo das seções de opinião
dirigiu o signo populismo. Aliado a esse fato, apenas três matérias do cotidiano e
um editorial assim os classificaram. Portanto, concentramos essas estruturas
redacionais em um único item, como realizado anteriormente, para Itamar Franco.
Editorial e noticiário cotidiano:
A despeito da reduzida quantidade de textos publicados pelo JB a designar
as figuras de Lula e do PT como populistas, observamos um interessante
fenômeno: as argumentações que marcavam essa designação apresentavam
profundos laços de identidade com as interpretações prevalecentes no discurso da
Folha. Ou seja, atrevessava, inequivocamente, a idéia de um populismo
lulista/petista em oposição à estabilidade econômica e às chamadas reformas
estruturais. O paradigma econômico, pois, fora uma grande fonte de inspiração
teórica para a definição de Lula como populista.
Outro dado a ser salientado é o fato de que no noticiário cotidiano a
imputação de uma natureza populista ao PT ou a Lula, fora realizada, em todos os
casos, com base em declarações externas ao jornal, notadamente, de atores
estrangeiros (em duas matérias). Uma destas reproduzia uma interpretação do
266
PONTES, M. A crise não está em Ciro, mas na inflação: 11. Grifos nossos.
150
estadunidense Wall Street Journal sobre os horizontes e dilemas do combate à
inflação no Brasil. Publicada em 15/10/1994, após a definição do novo presidente,
sob um título bastante sugestivo - Nuvens sobre o Real: os problemas do plano
segundo o Wall Street Journal - a matéria informava, entre outros, que:
Nuvens estão se formando sobre o Plano Real. O setor privado
vacila em sua autodisciplina no controle dos preços, agora que a
ameaça populista passou; trabalhadores pressionam por aumentos
que podem significar o retorno à indexação; e consumidores
arriscam-se num boom de compras e reaquece a espiral dos
preços. Este é o trecho de uma matéria publicada ontem pelo Wall
Street Journal, o mais influente jornal econômico dos EUA (...).
267
Nessa breve passagem, duas coisas merecem ser destacadas: em primeiro
lugar, a informação inicial. O jornal estadunidense sugere, indiretamente, que o
controle de preços, antes da eleição, fora fruto de um arranjo entre os setores
empresariais, com o fim de gerar credibilidade ao plano econômico, contribuindo,
assim, para a vitória de Fernando H.Cardoso. Espantado o risco populista - tratava-
se, fundamentalmente, de Lula, pois este polarizara com Cardoso as intenções de
votos - o empresariado estaria a afrouxar o controle. Em segundo, a matéria
informava que a interpretação introdutória fora extraída do jornal econômico mais
influente dos EUA. Pelo que vimos até aqui, talvez seja lícito afirmar que o seu raio
geográfico de influência era (ou é) bem mais amplo.
Outra matéria fundada em uma declaração de um ator estrangeiro que
apresentava Lula como populista, constituía-se numa entrevista com o economista
Rudiger Dornbusch. Como vimos no capítulo 1, este intelectual produzira ao menos
um trabalho sobre o populismo econômico na América Latina. Evidentemente, seria
desnecessário reproduzir aqui passagens de sua entrevista em que se imputa a Lula
o rótulo de populista. No entanto, o título da entrevista, publicada meses antes das
eleições, pode ser ilustrativo para a identificação da posição do jornal com a análise
do entrevistado: Dornbusch diz que plano dependerá de Cardoso.
268
Como se sabe
267
JORNAL DO BRASIL. Nuvens sobre o Real: os problemas do plano segundo o
Wall Street Journal: 16. Grifos nossos.
268
Ver JORNAL DO BRASIL. S/ ref.: 13.
151
- e se tem visto, aqui, no curso da apresentação de alguns textos jornalísticos - a
defesa do Plano Real era um dos imperativos políticos hegemônicos à época.
Decorre daí que a seleção do título da matéria sugere a preferência político-eleitoral
do JB.
Talvez não seja demasiado ainda transcrever um breve trecho de uma
matéria que demonstra a visão do próprio candidato do PSDB sobre as opções que
se apresentavam à sucessão presidencial. Fernando H. Cardoso - considerado uma
espécie de representante do anti-populismo neste pleito - classificou Lula da forma
que se vê abaixo:
(...) Para Fernando Henrique, nenhum partido, a não ser o PSDB,
está tomando conhecimento do que acontece no mundo. Estão
totalmente fora da realidade o nacionalismo desenvolvimentista do
PMDB, o nacionalismo autoritário do Brizola e o nacionalismo
populista do Lula, criticou.
269
Por fim, para vermos de modo bem nítido a articulação dessas declarações e
título de entrevista com a concepção política do jornal, reproduzimos as eloqüentes
passagens do editorial Segunda leitura. Interessante notar, por outro lado, que há
grande afinidade entre as avaliações desse editorial e o artigo de Eduardo Giannetti
da Fonseca, publicado pela Folha em 03/07.
270
Publicado em 23 de junho, o jornal
discorria sobre a viagem de Lula à África do Sul. Ressaltava-se uma necessária
aprendizagem que o líder popular do PT deveria obter com as ações empreendidas
por Mandela. Seu populismo deveria ser revisto em prol de promessas realistas e
exeqüíveis, para o bem do país.
(...) Lula (...) se reuniu com (...) Mandela para sinalizar o
paralelismo entre a liquidação do apartheid sul-africano e o
eventual fim da exclusão social em que vive o enorme contingente
de pobres do Brasil - processo que supõe implícito em sua eleição
(...). Esta, porém, não é a única leitura do encontro. Há uma
outra, menos eleitoreira e messiânica: basta deslocar o foco do
voluntarismo do candidato para as dificuldades reais enfrentadas
por Mandela, depois de eleito - e que Lula deve levar em conta
antes da eleição (...). Como se sabe, a política não é a arte do
269
JORNAL DO BRASIL. Discurso de professor: Cardoso aposta que cultura será
sua arma na TV: 3. Grifos nossos.
270
GIANNETTI DA FONSECA, E. Mandela mostra o caminho para Lula: 2-4.
152
impossível: quanto maior a utopia apregoada, quanto mais
enganosa a panacéia proposta, mais intensa e dolorosa será a
frustração popular subseqüente (...). O paralelismo deve ser
procurado no terreno das dificuldades. Esta é a lição de Mandela
(...). Mandela tem de manter os compromissos de campanha com
a economia de mercado e o pluralismo político (...). Como
satisfazer moradia para 7 milhões de favelados e eletricidade para
mais de 20 milhões que vivem sem energia elétrica e água limpa,
sem quebrar as finanças públicas? Taxar abusivamente os brancos
prósperos pode produzir o efeito oposto ao que se pretende.
Estará Lula consciente destes riscos? Mandela sabe que não pode
fazer milagre, se a população aumenta a uma velocidade bem
superior à do crescimento da economia. Precisa agora descobrir
como manter a disciplina em face de demandas tão urgentes e
esperançosas, sem sucumbir à tentação populista, sem cair nas
nacionalizações demagógicas, nas explosões de consumo, na
inflação, na fuga de capitais? Como explicar ao povo que o novo
regime não conseguirá resgatar mais do que 25% da dívida social
que jurou resgatar? Estará Lula esclarecendo seus eleitores que -
como Mandela - terá de rolar boa parte da dívida social que jura
saldar num passe de mágica?.
271
c.3) Brizola e PDT
Editoriais:
Como informado anteriormente, os editoriais do JB que operaram com o
recurso simbólico populismo na interpretação de eventos políticos, apresentaram
uma expressiva particularidade: direta ou indiretamente, a maioria substantiva
referia-se às ações e concepções políticas de Brizola e seu partido. De um conjunto
de 23 (vinte e três) editoriais, cerca de 19 (dezenove) remetiam o leitor a esses
atores políticos. A ampla maioria desses textos, referentes a Brizola e ao PDT, fora
publicada no segundo semestre do ano. Tal dado, talvez, possa levar-nos a sugerir
que a proximidade das eleições, principalmente no Estado do RJ, e o resultado
advindo desta, a consagração da vitória de Marcello Alencar (PSDB) no segundo
turno, tenham constituído-se em fatores importantes para as freqüentes críticas
desferidas pelo jornal. Combinadas a esses fatores, o jornal apresentava suas
expectativas com o novo governo que viria suceder a gestão Brizola/Nilo Batista.
272
271
JORNAL DO BRASIL. Editorial: Segunda leitura: 10. Grifos nossos.
272
Vice-governador de Leonel Brizola. Ocupou o cargo de titular do governo a
partir de 02/04/1994, com a desincompatibililização de Brizola à disputa da
Presidência da República.
153
Os editoriais, por outro lado, denotavam um fenômeno de grande relevo à época
(mas, com alguma força simbólica ainda nos dias presentes) no tratamento
dispensado a Brizola e seu partido: a associação do brizolismo
273
com a
criminalidade. Assim, a própria presença preponderante de fragmentos das teses
clássicas, na representação do populismo brizolista, é caracterizada por um uso
nitidamente político, um recurso disponibilizado para o embate e a desqualificação
política. Revela, pois, em alguma medida, um certo uso vicioso e distante do centro
de argumentação do modelo clássico.
Vejamos alguns trechos de editoriais bastante representativos do tipo
majoritário de designação e desqualificação de Brizola e do PDT, perpetrados pelo
jornal.
Publicado em 5 de fevereiro de 1994, o editorial A ameaça das favelas,
discorria sobre a conivência dos políticos populistas com a favelização da cidade do
Rio de Janeiro. As administrações de Brizola, a despeito de não serem mencionadas
explicitamente, atravessam o referencial populista sobre um certo tipo de política
que considerava-se imperar na cidade e no Estado do Rio de Janeiro. Note-se
também, que o editorial apresenta uma clara feição de tribuna política,
convocando, ou interpelando, no dizer de Althusser,
274
o leitorado do JB à dar um
basta nesta situação no pleito eleitoral.
A situação das favelas no Rio atingiu um ponto explosivo,
extremamente ameaçador. Só a demagogia assistencialista e o
oportunismo populista ainda não enxergaram a triste realidade que
é a progressão resistível da marginalidade numa cidade que em
poucos anos ficou estrangulada entre a lei, não cumprida, de um
lado, e a ilegalidade, florescente, do outro (...). Os favelados são
hoje um terço da população. Em breve, serão a metade, e a médio
prazo, maioria, se o fluxo de favelização não for detido, a sério
273
Como o brizolismo, enquanto fenômeno particular, ultrapassa os propósitos
de análise dessa dissertação, uso a expressão no sentido corrente indicado por
nossa cultura política, principalmente carioca. Ou seja, como um fenômeno
marcado por um certo conjunto de ações, propostas, idéias e tradições políticas,
encarnadas na figura de Brizola e, em alguma medida, em seu partido. Para
uma discussão dos conteúdos objetivos e subjetivos que marcam esse
fenômeno, ver SENTO-SÉ, J. T. Brizolismo:estetização da política e carisma.
274
ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de estado.
154
(...). Dos 180 morros do Rio, 68 estão ocupados pelas favelas. É
impressionante como elas se reproduzem, apesar de muitas já
terem chegado ao ponto de saturação (...). Os cidadãos que
moram na cidade que está no mapa já não suportam submeter-se
à outra população, armada, em contínua expansão, acasalada sob
o guarda-chuva protecionista dos traficantes, dos bicheiros e dos
políticos populistas.
275
Meses depois, dias antes do 2° turno da eleição (realizado em 15/11), o
editorial Batalha final, publicado em 03/11, apresentava a expectativa, positiva, do
jornal com relação a intervenção militar federal na segurança pública do Estado.
Talvez não seja desnecessário observar que, só no mês de novembro, cinco
editoriais que utilizaram a noção de populismo para os atores em tela tratavam
dessa questão. Concomitantemente criticava-se o que o JB considerava como
leniência do brizolismo com a ilegalidade.
(...) A insegurança no Rio é o resultado da incompetência da
polícia e do populismo governamental que criou barreiras
psicológicas no combate ao crime. A relação promíscua de
traficantes, bicheiros, policiais e políticos esboçou o cenário de
decadência que se estendeu aos outros setores. A ação conjunta
tardou, mas veio. Com dosagem correta (...), mas energia, trata-
se agora de fazer girar ao contrário a roda do infortúnio que
atrasou por vários decênios o destino do Rio.
276
Três dias após a eleição do novo governador, Marcello Alencar, em 18/11, o
JB publica o editorial intitulado A grande mudança. O título, por si só, já é sugestivo
o bastante para identificar-se a preferência política do jornal na concluída eleição
estadual. Em contraposição à esperança de mudanças sinalizadas para a próxima
gestão, o editorial apontava de modo contundente as circunstâncias geradoras das,
então, consideradas mazelas do Estado.
(...) A política do Rio ficou destroçada por anos de dilapidação
moral. A aliança dos políticos com o crime organizado, azeitada
pelo assistencialismo populista, percorreu todos os caminhos do
atraso (...). A polícia corrupta é o resultado de longa leniência com
o crime organizado. De tanto ceder aos contraventores, a
sociedade fluminense acordou um belo dia anestesiada por brutal
corrupção que passou incólume pelos morros, escolas de samba,
clubes de futebol e chegou ao palácio governamental de braço com
275
JORNAL DO BRASIL. Editorial: A ameaça das favelas: 10. Grifos nossos.
276
JORNAL DO BRASIL. Editorial: Batalha final: 10. Grifos nossos.
155
o populismo demagógico (...). A crise do Rio é, portanto, uma crise
política (...).
277
Mudança de guarda é o título de editorial publicado na edição do jornal de
20 de dezembro. Portanto, já nos estertores do governo pedetista. Discutia-se,
entre outros, os benefícios engendrados pela intervenção federal na segurança
pública. Interessante notar a argumentação dicotômica empreendida pelo texto: de
um lado, a passividade do governo que saía no tocante ao banditismo. De outro, a
firmeza no combate ao crime e a tranqüilidade social proporcionada pela ação
federal.
(...) Na cabeça da polícia do Rio jamais entrou umnimo de bom
senso, capaz de assimilar a verdade elementar de que a
criminalidade se expande quando a polícia encolhe. O policial, nos
bons tempos da política populista que se limitava a passar a mão
na cabeça de traficantes e dos bicheiros (...), sempre argumentou
que não tinha recursos para subir os morros. As favelas se
tornaram santuários da bandidagem, porque a polícia lavava as
mãos. O exército demonstrou que o mito da inexpugnabilidade dos
morros é falso. Basta subir (...). Hoje o Rio está mais tranqüilo,
com a redução drástica dos tiroteios. Já não há mais balas
perdidas ceifando vidas nos bairros adjacentes às favelas. É por
isto que a população saúda a permanência dos militares nas áreas
conflagradas e espera que a polícia descruze os braços e comece
finalmente a trabalhar em benefício da segurança.
278
Após a análise de editoriais que primam pela construção de uma imagem
extremamente negativa de Brizola e seu partido -vinculada à desordem e ao caos
urbanos, como, também, relacionada a tolerância com a atuação de criminosos -,
vejamos o populismo brizolista sob um outro prisma: um projeto de
desenvolvimento econômico historicamente superado.
Abordando a eleição à presidência, o editorial O tom do futuro, de 16/08,
informava ao leitor sobre as novidades políticas esboçadas naquele pleito. Entre as
principais, figuravam as presenças de Lula e Fernando H. Cardoso como os dois
277
JORNAL DO BRASIL. Editorial: A grande mudança: 10. Grifos nossos.
278
JORNAL DO BRASIL. Editorial: Mudança de guarda: 10. Grifos nossos. Vale
destacar que essa imagem paradisíaca construída pelo editorial, com base na
ação do Exército, talvez não correspondesse, como sugere Sento-Sé, ao
comportamento dos indicadores, que chegaram a indicar um aumento
expressivo, durante o período da realização da Operação Rio, pelo Exército, do
número de homicídios dolosos. Luiz Eduardo Soares apud SENTO-SÉ, J. T.
Brizolismo: estetização da política e carisma: 292.
156
grandes pólos da disputa. O jornal os considerava como dois exemplos políticos
modernos, a despeito de suas diferenças ideológicas e partidárias. De acordo com o
texto, por outro lado, esgotara-se o espaço para determinados tipos de lideranças e
propostas. Lideranças carismáticas e outsiders, como Jânio e Collor, perdiam
expressão. O estilo político de líderes como Ademar de Barros também estaria
perdendo espaço no corpo do eleitorado:
a honradez e a austeridade passaram a ser requisitos da
modernização política. É preciso fazer, sem roubar.
279
Imerso em uma série de denúncias de corrupção, talvez não seja difícil
imaginar que esse perfil político era atribuído a Quércia. Quanto a Brizola,
argumentava-se o seguinte:
(...) O populismo e o corporativismo de base varguista ficaram
para trás. Tanto o processo de substituição de importações como a
modernização autoritária dos caudilhos gaúchos cumpriram suas
missões históricas. O mundo globalizado deste final de século não
comporta nacionalismos sombrios, teorias conspiratórias ou
sonhos autárquicos. A socióloga Celina Vargas do Amaral Peixoto,
neta de Getúlio, diz com todas as letras em entrevista ao JORNAL
DO BRASIL: é necessário desmontar o Estado Novo (...). O Brasil e
o mundo se transformaram consideravelmente desde a eleição
passada. O eleitor brasileiro está se mostrando sensível a essa
mudança para melhor.
280
Vê-se, pois, com todas as letras, a representação do populismo como uma
expressão política e econômica arcaica, superada (ou a ser superada) pelo motor
da modernidade globalizante. Vê-se, também, a utilização de um poderoso símbolo
que viria a se consolidar, no curso dos anos posteriores, no discurso jornalístico
hegemônico: globalização. Processo inexorável, inescapável, trem do
desenvolvimento e da modernidade.
Noticiário cotidiano:
Oito (8) matérias referiram-se direta ou indiretamente às figuras de Brizola
e do PDT, em um conjunto de 66 incidências da noção de populismo no noticiário
cotidiano. Em 5 oportunidades, o candidato pedetista à sucessão estadual, Anthony
279
JORNAL DO BRASIL. Editorial: O tom do futuro: 10.
280
Idem. Grifos nossos.
157
Garotinho, fora designado como populista. Como quatro dessas referências foram
destinadas a esse candidato em particular, não incluímos nas observações da
presente análise.
Prevaleceu, aqui, a apropriação de algumas idéias comuns à matriz teórica
clássica. Reproduzimos, assim, passagens de duas matérias publicadas no mês de
setembro.
Em 11/09/1994, o JB publicava matéria que discorre sobre alguns traços
característicos da forma de atuação política do candidato Garotinho. A matéria
intitulada Garotinho inaugura um novo trabalhismo, é relevante para a identificação
do que o jornal classifica como características do brizolismo.
(...) Símbolo - Populismo científico, expressão do vereador
campista Antônio Carlos Rangel (PT), talvez seja a definição mais
aproximada do estilo com que Garotinho, usando e abusando do
marketing e dos meios de comunicação de Campos, virou símbolo
do bem que luta contra o mal e derrotou os velhos coronéis da
política (...). Hoje questionamos se valeu trocar o coronelismo
empírico pelo populismo científico, diz Rangel, do movimento Muda
Campos, que elegeu Garotinho aos 28 anos (...).
Receitas - No meio de um dia de campanha na Baixada, Garotinho
define a linha divisória que vê na política. De um lado, o Garotinho
e seu compromisso com o povão. Do outro, o resto, financiado
pelos banqueiros e grandes grupos. O pau vai comer no lombo
deles, discursa, sobre um banquinho e no mais puro estilo
brizolista (...). Assim como Brizola e seus Cieps, Garotinho
privilegiou os setores populares na administração de Campos (...).
Estimulou hortas populares, construiu 40 escolas e 30 postos de
saúde (...), saindo com mais de 90% de aprovação popular (...)
como Brizola, Garotinho direciona o discurso ao povão (...).
281
Vale salientar um interessante dado que se pode extrair da leitura desse
texto: ele revela alguns componentes conflitivos no interior de sua argumentação.
Este conflito é relativamente natural, tendo em vista os primados de isenção e
neutralidade que norteiam a atividade jornalística, como, de algum modo, também
pôde ser notado no noticiário da Folha. Nas linhas introdutórias, o autor da matéria
afirmava coadunar-se com a visão crítica do vereador que cunhara a expressão
populismo científico. Evidentemente, a interpretação da matéria sobre o então
281
JORNAL DO BRASIL. Garotinho inaugura um novo trabalhismo: 8.
158
candidato estava clara desde o início. Contudo, no curso do texto, o jornalista vai
traçando paralelos entre o perfil de Garotinho e Brizola, destacando-se o discurso e
ações governamentais voltadas para os setores populares. Esse segundo elemento
discursivo contido na matéria, em si mesmo, não apresenta, evidentemente,
nenhuma natureza desqualificatória. Pelo contrário. Então, pode-se afirmar, num
primeiro momento, que, a esse conflito argumentativo e sua respectiva
interpretação, caberia uma boa margem de autonomia à leitura empreendida pelo
receptor da matéria. Entretanto, caberia também indagar: a recepção já não
poderia estar viciada, ao menos no que tange a segmentos dos assinantes do
jornal, devido a leitura de textos como os explicitamente desqualificatórios
encontrados nos editoriais? Se consideramos que, como argumenta José Pinto, os
editoriais desnudam o que se encontra oculto no noticiário,
282
a produção da
imagem dos atores aqui postos em relevo, não conduziria expressivos contingentes
dos leitores a uma recepção já relativamente negativa? Qual seria a percepção
sobre os políticos brizolistas/populistas que privilegiam seus esforços aos setores
populares? E mais: como seriam representados os próprios setores populares ?
Essas são indagações que se pode alçar à reflexão. Como, no geral,
transcendem nossos objetivos e recursos metodológicos, podemos sugerir,
unicamente, que o perfil das políticas populares pedetistas, à época, não
encontrava respaldo no discurso do JB. Seu discurso apresentava correspondências,
sim, com as posições de adversários políticos de Brizola e seu partido; como se vê
na afirmação abaixo, de Ronaldo Cezar Coelho (então vice-presidente nacional do
PSDB), publicada na edição de 13 de setembro:
(...) Ronaldo Cezar Coelho (...) conversou com Gustavo Heck
[coordenador da campanha do então candidato ao governo do
Estado do RJ, Newton Cruz - PSD/PPR] entre vários encontros que
teve com outros setores para expulsar o populismo selvagem do
PDT.
283
282
JOSÉ PINTO, M. Contextualizações: 173.
283
JORNAL DO BRASIL. Cruz garante que Marcello propôs acordo: 7. Grifo
nosso.
159
Seções de opinião e debate:
De um conjunto de 18 (dezoito) artigos de opinião que operaram com a
noção de populismo, 3 (três) classificaram especificamente o governo Brizola. Mais
uma vez, apareceram fortes consonâncias interpretativas com algumas idéias do
modelo clássico, tais como: demagogia, paternalismo e irracionalidade. Outro dado
a ser destacado é a associação das ações de Brizola e seu partido com a ilegalidade
e o caos urbano. Como vimos, um fenômeno recorrente no JB. Há que se ressaltar,
por outro lado, que um artigo - caso raro entre os textos de diferentes espaços
desse jornal - criticava a ênfase dada, entre outros, pela mídia, à atuação do crime
organizado no Rio de Janeiro e à crucificação da gestão Brizola, em particular.
284
Publicado na edição de 17/11, o artigo Rua e cidadania representa
significativamente a primeira abordagem tipificada acima. Vale acrescentar que, a
despeito do tom mais brando, o texto guarda estreitos laços de afinidade com o
perfil da representação do populismo brizolista encontrado nos editoriais. Produzido
por Gilberto Velho, o texto afirma que,
(...) a presença de camelôs, pedintes e menores desassistidos
(...), nos espaços públicos aumentou consideravelmente nos
últimos anos, também devido a uma concepção específica no que
concerne às camadas mais pobres da cidade. O governo brizolista,
dentro da lógica populista, deu a essas categorias acesso quase
irrestrito às ruas, sustentado por uma visão de cidadania e direitos
humanos. São situações distintas que merecem análises
específicas, mas que tomadas em conjunto produzem um quadro
urbano particularmente tumultuado. Existem ligações claras entre
ambulantes, pedintes e meninos de rua com o mundo do crime em
diversos níveis (...) seja como carrascos, seja como vítimas, ou às
vezes nos dois papéis, estão envolvidos em atividades ilegais (...)
é fundamental incluir no projeto de controle à violência no Rio a
reorganização do espaço público, convulsionado por políticas
populistas. A heterogeneidade de experiências e estilos de vida
não deve ser usada para legitimar o caos e a insegurança das ruas
(...).
285
284
Discorrendo sobre o problema do crime organizado, o articulista advertia que
este fenômeno fazia-se presente em diversos Estados da federação, assim como
envolvia diferentes instâncias do Estado brasileiro. Portanto, diz o autor, é
inaceitável pretender satanizar a situação carioca ou lapidar simplesmente a
administração atual. Ver PINHEIRO, P. S. Conluio e conivência: 11.
285
VELHO, G. Rua e cidadania: 11. Grifos nossos.
Conclusão
O populismo é uma noção extremamente controversa no campo intelectual.
Munidos por instrumentos teóricos e filiações políticas diferentes, o conjunto de
trabalhos que apresentamos no curso do capítulo 1 revela a marca contraditória e
polêmica que envolve a noção. As décadas que se sucederam após os anos 50 do
século passado foram caracterizadas tanto por tentativas de investigação do
fenômeno e operacionalização da noção, quanto pela problematização de teses
consagradas em diversos centros acadêmicos. Nesse ínterim, estudiosos latino-
americanos confrontaram-se num verdadeiro embate intelectual.
Por outro lado, a controvérsia que é marca registrada nos usos e definições
do populismo no campo intelectual, não se apresenta, ao menos sob o mesmo
formato e força, nos usos apresentados pelo discurso jornalístico analisado. Por
mais difusas, múltiplas e fragmentadas que fossem, as idéias imputadas à noção de
populismo giravam, em geral, em torno de uma idéia básica: o atraso. Atraso no
plano político, pois considerava-se que o populismo não se coadunava, entre
outros, com a agenda política em vigor: o fortalecimento da sociedade civil e a
crítica ao controle do Estado sobre as ações e movimentos de distintas associações
sociais; crítica ao personalismo político; transparência na definição das propostas
dos políticos, requerendo-se a informação dos objetivos e fontes financeiras para a
execução das promessas de campanha; transparência também no uso dos recursos
públicos, por parte dos governos, e conseqüentemente, uma crítica aberta à
corrupção. Mas a incongruência do populismo com a modernidade não se restringia
às instâncias da sociedade civil e do sistema político. Como vimos, ele fora
representado também como um atraso no campo econômico. E, é exatamente aí
que a eloqüência no questionamento ao populismo mostrou-se expressiva no
discurso jornalístico. Em um cenário econômico marcado pelo aprofundamento das
relações internacionais capitalistas, por uma grave crise financeira do Estado e por
anos de espiral inflacionária, dizia-se que o populismo não tinha mais espaço para
161
responder a esses dilemas e aos imperativos da modernização econômica. O
estatismo, o nacionalismo, o protecionismo, a autarquização e os gastos
inconseqüentes, estariam ou deveriam ser superados e, com isso, o populismo não
representava nada mais do que o símbolo de um mundo identificado com o
passado. Ou seja, um obstáculo que deveria ser varrido das práticas e metas dos
diferentes atores do espectro político-partidário.
Considerando, portanto, que essa representação do fenômeno populista não
podia ser obra, única e exclusiva, de uma invenção da mídia impressa, dedicamo-
nos à análise das seções de opinião e debate oferecidas pelo JB e pela Folha à
publicação de textos produzidos, entre outros, por indivíduos ligados ao campo
acadêmico. Entendemos que essas seções do jornal foram valiosas para nossa
análise, pois tendem a constituir-se num espaço de interação entre as produções
científicas e jornalísticas. Nesse sentido, talvez seja possível argumentar que esse
espaço constituíra-se numa fonte analítica aberta à identificação do deslocamento
da noção do campo intelectual para o jornalístico. Contudo, por mais plural que
sejam essas seções de opinião, interpretações e definições particulares dadas por
alguns articulistas alcançaram uma grande ressonância nos discursos dos editoriais
e do noticiário cotidiano. Na Folha, é provável que tenhamos conseguido identificar
o seu ideólogo mais destacado: Bresser Pereira. A interpretação do jornal sobre as
dificuldades e os rumos a serem seguidos pelo país apresentou laços estreitíssimos
de afinidade com a concepção do Estado e da economia dada por Bresser;
evidenciados, inclusive, em passagens de textos jornalísticos que mencionavam seu
nome como referência explícita. Quanto ao JB, não foi possível precisar o intelectual
que conformou o referencial científico-ideológico apropriado pelo jornal - se é que,
por outro lado, devesse existir. Mas de qualquer modo, não é difícil considerar que
idéias como as defendidas por Bresser e, mesmo, Roberto Campos, tiveram
bastante ressonância no discurso do jornal.
O estudo dos casos da Folha e do JB trazem questões interessantes para a
162
análise das similaridades e distinções existentes nos jornais da grande imprensa.
Seus respectivos discursos denotam afinidades muito grandes no que diz respeito
aos problemas, horizontes e reformas pró-mercado que deveriam ser operadas no
país. A ideologia neoliberal constituía-se em um nítido referencial para as
interpretações do cotidiano político em seus textos. Em linguagem althusseriana, a
interpelação realizada por essa ideologia era evidente, entre outros, no combate
aos populistas. Em linhas gerais, os símbolos do atraso e do estatismo
consubstanciaram a representação geral da noção de populismo, construída, direta
e indiretamente, por esses jornais.
Se tratarmos o estudo realizado por essa dissertação, também, como um
recorte de análise da posição desses jornais na campanha presidencial de 1994,
podemos afirmar que os jornais apresentavam uma postura abertamente favorável
à candidatura de Fernando H. Cardoso. Esta seria considerada, em última instância,
representantiva da necessária modernização.
286
Aos atores e candidatos que se
distanciavam desse figurino restavam a desqualificação -a pecha de populismo,
entre outros rótulos e estereótipos.
Quanto à distinção, ou, melhor, à especificidade evidenciada no discurso dos
dois jornais, no que tange especificamente a construção simbólica do populismo,
podemos assinalar que a Folha dirigia essa expressão, preponderantemente, à
análise da política nacional, apropriando-se, em geral, das teses chanceladas pelo
paradigma econômico. O JB, por seu turno, operava com a noção, na maioria dos
casos, na interpretação da política do Estado do Rio de Janeiro, notadamente de
sua capital. Algumas idéias concernentes aos estudos clássicos, pois, vigoravam em
sua concepção geral do fenômeno. O brizolismo aparecia, assim, como uma
relevante variável interveniente em sua construção simbólica. É possível que tal
286
Vale acrescentar que essa preferência não foi, evidentemente, uma marca
apenas da campanha de 1994. Durante anos de governo Cardoso os mais
diversos recursos argumentativos e técnicas de redação foram disponibilizados
para a defesa das políticas implementadas por seu governo. Ver BIONDI, A.
Mentira e cara-durismo (ou: a imprensa no reinado FHC).
163
situação tenha ocorrido devido ao seguintes fatos:
i. A Folha possuía e possui uma circulação nacional superior ao JB.
Procura(va)-se, com efeito, tentar abranger mais as realidades que transcendessem
a política estadual, a fim de contemplar o público exterior a São Paulo.
ii. O brizolismo, então uma relevante expressão de um matiz da esquerda
brasileira, representava um fenômeno muito distante das práticas, idéias e metas
político-econômicas defendidas pelo JB. Talvez seja lícito argumentar, então, que a
identificação das figuras de Brizola e do PDT com o atraso populista, serviriam à
desqualificação desses atores tanto na eleição à presidência quanto à estadual (e
quem sabe da esquerda como um todo, para o leitorado do jornal). Combatia-se
uma importante expressão política identificada com a esquerda (e, provavelmente,
com o povo), detentora de um sólido enraizamento no imaginário político da
população do Estado do Rio de Janeiro.
Em todo caso, os discursos dos respectivos jornais evidenciaram uma
identidade geral na representação da noção de populismo: atraso, estatismo,
instabilidade, irresponsabilidade e irrealismo. Um contraponto e entrave à
modernidadeflexibilidade produtivo-econômicaestabilidaderesponsabilidade
e ao pragmatismo, requeridos, segundo os jornais, pela sociedade brasileira.
Requerido, como se sabe, também, ou principalmente, pelo capital financeiro
internacional.
Enfim, de uma categoria trabalhada no campo intelectual, com fins de
análise científica de fenômenos presentes nas sociedades e nos sistemas políticos
latino-americanos, o populismo metamorfoseou-se no discurso do Jornal do Brasil e
da Folha de S.Paulo em uma ferramenta ideológica importante e generalizante para
a desqualificação de projetos e atores políticos que, em 1994, buscavam
alternativas aos cânones neoliberais.
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Anexo I
Eleições 1994:
Evolução da intenção de voto para a Presidência da República
Fonte: Datafolha
Anexo II
Notas sobre a grande mídia em 2002:
O mesmo símbolo, os mesmos significados
A análise do discurso jornalístico abarcado por essa dissertação contempla
exclusivamente o ano de 1994. Mas não é desnecessário lembrar que o símbolo
populismo é ainda demasiado candente, bastando um momento propício para ser
retirado da gaveta. Nesse sentido, o dia 12 de abril de 2002 foi exemplar. Refiro-
me à tentativa de golpe na Venezuela, sobre o presidente Hugo Chávez. A Folha de
S.Paulo assim caracterizou o presidente: falante, sonhador, populista,
nacionalista.
287
Há de se convir que a combinação de adjetivos não é das mais favoráveis ao
então deposto presidente. No mínimo, seu populismo é representado como uma
manifestação de irracionalidade e irrealismo (falante e sonhador). A seqüência da
matéria não dá margem à dúvida:
a insatisfação contra Chávez cresceu devido [entre outras razões
mencionadas] (...),à agenda de esquerda.
288
O posicionamento político-ideológico do jornal é evidente, como também a
mensagem: metas e atores populistas/esquerdistas são uma péssima opção
política, causam insatisfação popular e o caos.
A televisão não abdicou, por seu turno, do dispositivo populismo para
explicar o fato, no mesmo dia. Nos telejornais noturnos da Rede Globo (Jornal da
Globo) e da Rede Brasil/TVE (Edição Nacional), seus respectivos comentaristas
políticos destacavam, entre outros, que o presidente venezuelano não havia
aprendido uma lição histórica: a de que o populismo não tem mais espaço na
América Latina. Para o comentarista do Jornal da Globo, especificamente, era
positiva a deposição de Chávez, pois
seu populismo trazia, ou recuperava, ao subcontinente latino-
287
FOLHA ONLINE. Saiba mais sobre o ex-presidente da Venezuela Hugo
Chávez. 12/04/2002. http://www.uol.com.br/folha/mundo/ult94u39887.shl
.
288
Idem.
176
americano sua antiga face atrasada, de república de bananas.
No que se refere ao Brasil, também a imprensa internacional operou com o
signo populismo para classificar um ator político presente no processo eleitoral que
se realizou no país, no ano passado: o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Com evidentes inspirações no paradigma econômico, ou abertamente fundado na
ideologia neoliberal, o noticiário de jornais e semanários estrangeiros, notadamente
norte-americanos, constantemente apontavam suas preocupações com relação a
possível vitória de um populista no país. O jornal estadunidense International
Herald Tribune, por exemplo, informava, pouco depois da conclusão do 1° turno,
entre outros, que o sucesso do carismático líder esquerdista/populista não
agradaria a administração Bush. Esta deveria, segundo o jornal, encaminhar uma
mensagem ao eleitorado brasileiro, informando a necessidade de se assegurar as
reformas de livre mercado no país, independente do candidato que se sagraria
vitorioso no pleito.
289
Pouco antes de iniciar o 1° turno das eleições a agência alemã de notícias
Deutsche Welle, informava, a partir de uma declaração externa ao seu marco
institucional, feita pelo diretor da Agência de Comércio Exterior da Alemanha-Bfai,
Wolfgang Potthast, que,
(...) se eleito, Lula poderia levar a economia brasileira à ruína e
prejudicar a conjuntura internacional, caso siga um rumo populista
de esquerda, ao contrário da intenção anunciada de cumprir os
compromissos do presidente Fernando Henrique (...) e de
empreender uma política econômica sólida. Uma mudança radical,
de populismo de esquerda, segundo o especialista (...), levaria a
uma onda de fuga de capital estrangeiro, a crise se propagaria
então por toda a América Latina e poderia influenciar uma
recessão não só regional, mas também internacional.
290
Os conteúdos discursivos presentes nas passagens dessas matérias são tão
claros que é desnecessário fazer qualquer tipo de comentário. O tom dramático já
fala por si mesmo. Interessante notar, sim, que a dicotomia
289
INTERNATIONAL HERALD TRIBUNE. Brazilians want change. 11/10/2002.
http://www.iht.com
.
290
DEUTSCHEWELLE. Efeito tango no Brasil depende de Lula. 27/09/2002.
http://dw-world.de/dwelle/cda/detan/dwene.cda.detan
.
177
populismo/instabilidade versus políticas pró-mercado/estabilidade atravessam suas
argumentações. Fato muito similar ao que encontramos em diversos textos
publicados pelo JB e pela Folha em 1994.
Vale acrescentar, por fim, que a despeito da veiculação de mensagens de
análises e matérias como estas, que podem e, efetivamente, são traduzidas pela
televisão, as camadas populares da Venezuela e do Brasil deram suas respectivas
respostas.
Na Venezuela, o dia 14/04/2002, que marca o retorno de Hugo Chávez sob
um grande apelo e mobilização populares, demonstrou aos analistas da mídia
brasileira um fato elementar: as camadas populares não são tão desmobilizadas e
inertes quanto as elites econômicas supõem (ou desejam). Nem tão cegas para
deixar de perceber operações anti-democráticas promovidas por essas elites - no
caso as venezuelanas, com um suspeitíssimo respaldo do governo dos EUA.
Aos analistas da imprensa internacional - notadamente da grande mídia
impressa, imersa nos interesses das estruturas de poder dos países centrais do
capitalismo -, as camadas trabalhadoras brasileiras demonstraram, para usar um
jargão disponibilizado na campanha de um adversário de Lula, que não têm medo.
Não têm medo de avaliações negativas formuladas por setores que possuem largo
acesso ao consumo, renda e bem-estar. Acesso aos frutos de uma produção que é
coletiva, mas apropriada e acessível a uma minoria.
A despeito do desprezo dos setores dominantes para com os setores
populares (tão explícito nesses tempos neoliberais), eles configuram-se como um
ator que deve ser reconhecido e contemplado pelas políticas governamentais.
Possuem aspirações e exercem, mesmo que em grande parte, em períodos de crise
acentuada, um papel político central. Não é difícil imaginar, assim, que seja
precisamente esse componente popular que tanto incomoda a muitos que se
referem ao populismo.
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