Zulmira: Ai!
Tuninho: Machucou-se no treino. Estupidamente!
(Zulmira dobra-se, na cama, tossindo com todas as forças. Sob a obsessão
futebolística, Tuninho nem liga para a tosse da mulher.)
Tuninho: Se ele não jogar, não sei não. Vai ser uma tragédia em 35 atos! Porque o
Ademir, sozinho, vale meio time. Ah vale!...
(Tuninho vem se debruçar sobre a mulher, que continua tossindo.)
Tuninho (feroz): sabe quem deu o supercampeonato ao Fluminense? Ademir!
Decidiu todas as partidas!
(Larga os sapatos. Deita-se, numa melancolia medonha. Ao lado, sentada, no meio
da cama, Zulmira se torce, em acessos tremendos.)
Tuninho: Às vezes, eu tenho inveja de ti. Tu não te interessas por futebol, não sabes
quem é Ademir, não ficas de cabeça inchada, quer dizer, não tens esses
aborrecimentos... Benza-te Deus! [...]
Observamos na cena o jogo coreográfico do casal: Zulmira deitada, levanta em
sobressalto. Tuninho entra, joga o paletó – ação violenta X prostração da mulher. O marido se
senta, tira os sapatos e se põe a andar de um lado para o outro com eles nas mãos –
movimento ritmado X estaticidade. Zulmira dobra-se, sentada, encolhendo a postura. Tuninho
exalta-se, debruça-se sobre a mulher, cobre seu corpo, larga o sapato e deita-se melancólico.
Ela, sentada, no meio da cama, se torce, em acessos tremendos. Tudo coreograficamente
determinado por Nelson Rodrigues.
Pensemos no diálogo dos amigos, durante uma partida de sinuca, sem grande
menção a elementos cômicos das cenas. Poderíamos dizer que tanto na cena do coro de
Alceste
quanto na cena dos amigos n'
A
Falecida
há situações prosaicas, com discussões que
não levam a nada, já que não são relevantes. O que, no entanto, diferencia as duas cenas é a
forma do diálogo, pois enquanto em
Alceste
o coro dá início, seguido pelos semi-coros para só
depois retornar o coro principal, em
A
Falecida
os diálogos se misturam, porém sem perder o
sentido. Desse modo, reforça-se a idéia de
mise-en-abyme
, mas em Nelson esse
'espelhamento' é mais complexo