Gênesis, 2), dentre tantíssimos outros exemplos. Em outros trechos simplesmente se
pode perceber que resulta daquele texto anterior, sem se referir claramente a ele, o
que será largamente demonstrado ao longo desta dissertação. Há, ainda, a própria
forma discursiva de inflexão teológica em todo o solilóquio de G.H., com o tom
confessional de uma penitente.
13
Portanto, o recorte deste trabalho é transtextual: trata-se de mostrar como a
romancista se utiliza de categorias semitas em sua obra; como A Paixão Segundo G.H.
dialoga com o texto bíblico através da transposição
14
e, até, do travestimento;
15
tendo,
é claro!, por pressuposto, uma entrada reflexiva originada na minha experiência
literária adquirida a partir do curso de Letras, na PUCCAMP; da exegese bíblica, do
curso de Teologia, no CES, da Companhia de Jesus (BH); e, evidentemente, da vida de
leitora voraz e de professora de literatura ; logo, do meu ponto de vista dessa
poética específica.
Por isso, segundo Genette
16
, já que além das alusões textuais (G.H. invoca
personagens bíblicos, evoca passagens bíblicas) ou paratextuais (o título, índice
contratual) a obra engloba também a transposição, o travestimento, pode-se dizer que
essa escritura faça parte da classe de obras que são, em si mesmas, um arquitexto
transgenérico.
Quase que se poderia dizer que há uma tradução poética ou literária, aqui (ao menos
em alguns trechos), também denominada recriação, transcriação ou transposição
12
Neste estudo, para citações será utilizada a sigla PSGH no lugar do nome da obra. A edição consultada é:
LISPECTOR, Clarice, A Paixão Segundo G.H., Ed. crítica, Benedito Nunes, coordenador. Brasília, DF:
CNPq, 1988. (Coleção arquivos; v. 13).
13
Categorias funcionais referidas segundo GENETTE, [2003 ?].
14
Ibidem: A respeito dessa categoria funcional afirma: “Para as transformações sérias, proponho o termo
neutro e extensivo da transposição” ( p.7 ) “de longe a mais rica em operações técnicas e em investimentos
literários” ( p.9 ). Em oposição à paródia, que pode ser pontual, “a transposição, ao contrário, pode se aplicar
em obras de vastas dimensões, como Fausto ou Ulisses, cuja amplitude textual e a ambição estética e/ou
ideológica chegam a mascarar ou apagar seu caráter hipertextual, e esta produtividade mesma está ligada à
diversidade dos procedimentos transformacionais que ela põe em funcionamento” (p.9).
15
Ibidem: O autor propõe (re)batizar de travestimento, a transformação estilística com função degradante, do
tipo Virgile travesti; p.6 Observa que há diferenças “entre paródia e travestimento de um lado, e charge e
pastiche, do outro. Essa distinção repousa evidentemente sobre um critério funcional, que é sempre a oposição
entre satírico e não satírico; a primeira pode ser motivada por um critério puramente formal, que é a diferença
entre uma transformação semântica (paródia) e uma transposição estilística (travestimento), mas ela comporta
também um aspecto funcional, pois é inegável que o travestimento é mais satírico, ou mais agressivo, em
relação a seu hipotexto que a paródia, que não o toma exatamente como objeto de um tratamento estilístico
comprometedor, mas apenas como modelo ou padrão para a construção de um novo texto que, uma vez
produzido, não lhe diz mais respeito” (p.7). Essa é a terminologia utilizada ao longo deste trabalho.
16
Idem, 1982, p. 5.
12