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Nilton de Paiva Pinto
A POESIA DE ROCHA PITA
NA ACADEMIA BRASÍLICA DOS ESQUECIDOS
[Volume: I]
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Letras – Estudos Literários da Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Minas Gerais como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre
em Letras – Estudos Literários, área de concentração
Literatura Brasileira.
Orientador: Prof. Dr. José Américo de Miranda Barros.
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2007
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À Minha Mãe.
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Aos meus pais, irmãos e familiares.
À Lílian Aquino Ferreira, pela paciência e dedicação.
Aos amigos: Luciano Neves de Souza, Rodrigo César
Viana, Daniel Teixeira da Costa, Janine Rocha e Marlon
Nascimento, pelo incentivo e apoio em todos os momentos.
Ao Prof. Ítalo Mudado, pela amizade e ajuda constante.
Ao Prof. Sérgio Alves Peixoto, pelo incentivo.
À Profa. Beatriz Vaz Leão, pela presença carinhosa.
À Profa. Anne Navarro Miranda, pela gentileza.
Ao Prof. José Américo Miranda, agradecimento maior e
mais fundo, pelo modo como conduziu este trabalho. Se eu
o pensei, foi ele quem lhe deu forma e consistência
palpável de coisa legível.
E a todos os meus amigos que contribuíram, direta ou
indiretamente, para que esta pesquisa pudesse ser realizada.
Muito Obrigado.
4
Este trabalho foi realizado com auxílio de
bolsa de estudos fornecida pelo CNPq.
5
SUMÁRIO
Introdução.............................................................................................................................07
Capítulo I: Rocha Pita e Academia Brasílica dos Esquecidos..............................................14
Capítulo II: Rocha Pita e sua obra.........................................................................................31
II. 1. A obra de Rocha Pita........................................................................................32
II. 2. Alguns problemas relativos à historia do texto.................................................35
II. 3. A recepção poética da obra poética de Rocha Pita...........................................44
Capítulo III: Barroco, Academicismo, Poesia.......................................................................51
III. 1. A questão do Barroco......................................................................................52
III. 2. Academias literárias portuguesas do século XVII..........................................57
III.3. Poesia acadêmica..............................................................................................64
Capítulo IV: A poesia do Acadêmico Vago..........................................................................68
IV. 1. O Acadêmico Vago e sua circunstância..........................................................69
IV. 2. A primeira sessão acadêmica..........................................................................72
IV. 3. As sessões acadêmicas....................................................................................97
IV. 4. A terceira sessão acadêmica..........................................................................102
Conclusão............................................................................................................................117
Referências bibliográficas...................................................................................................123
6
RESUMO
Entre os acontecimentos que marcaram a vida da colônia na América
Portuguesa, na primeira metade do século XVIII, destaca-se a fundação da
Academia Brasílica dos Esquecidos, instituída na cidade da Bahia, no ano de
1724. O objetivo principal dessa agremiação consistia em organizar as
informações acerca da história da colônia em quatro partes: natural, militar,
eclesiástica e política. Além desse objetivo, havia também o interesse, por
parte do protetor da agremiação, o vice-rei Vasco Fernandes César de
Meneses, de estimular a produção poética entre os talentos que aqui
floresciam e que, por falta de exercício literário, até aquele momento
estavam como desconhecidos. Dessa forma, ficou estabelecido que em todas
as sessões acadêmicas realizadas na instituição brasílica seriam dados dois
argumentos ou assuntos para que os acadêmicos se exercitassem na difícil
arte de compor versos. Esta dissertação, além de investigar o funcionamento
da Academia Brasílica dos Esquecidos durante o período de sua existência,
teve por objetivo reunir e discutir a produção poética de um dos membros
fundadores da agremiação, o historiador e poeta Sebastião da Rocha Pita.
7
INTRODUÇÃO
Em meio à agitação que tomou conta da vida na colônia portuguesa na América, na
primeira metade do século XVIII, com a decadência da produção açucareira, com a
8
descoberta do ouro e com o deslocamento do centro econômico das capitanias do Nordeste
para a região das minas, surgiu na cidade da Bahia, no ano de 1724, a primeira associação
de homens letrados do Estado do Brasil: A Academia Brasílica dos Esquecidos. A
instauração dessa agremiação em terras brasílicas marcou uma nova fase nas letras luso-
brasileiras e deu início a um processo de trabalho coletivo que ficou conhecido, mais tarde,
como movimento academicista.
O objetivo principal dessa Academia era o estudo da História do Brasil, dividida em
quatro partes: natural, militar, eclesiástica e política. Entretanto, além da atividade
intelectual destinada à organização das informações acerca da história da colônia, havia
também, no âmbito acadêmico, um espaço dedicado aos torneios literários.
A agremiação brasílica teve duração de onze meses, de 23 de abril de 1724 a 04 de
fevereiro de 1725. Durante esse período os acadêmicos se reuniam, quinzenalmente, para a
apresentação dos trabalhos de história encomendados pelo vice-rei e para a composição de
versos. Das atividades acadêmicas ficaram para a posteridade diversos textos em prosa –
alguns em forma de Orações Acadêmicas e outros em forma de dissertações históricas – e
importante soma de produções poéticas, que caracterizam bem os modos discursivos
daquela época. Os textos que nos chegaram permitem-nos reconhecer um caráter de grupo
que começava a se manifestar nas letras luso-brasileiras e fornecem-nos importantes
informações sobre as normas e prescrições que regiam os discursos produzidos no Brasil na
primeira metade do século XVIII.
Ao lado das mudanças econômicas e sociais que ocorreram no Estado do Brasil, no
primeiro quartel do século XVIII, que alteraram normas e comportamentos, a instauração
da Academia Brasílica dos Esquecidos desempenhou importante papel no âmbito cultural
luso-brasileiro. Como bem sabemos, as manifestações literárias de tendência barroca no
Brasil colônia, durante o século XVII, foram resultado de ações isoladas, individuais, como
foi o caso de Bento Teixeira, Gregório de Matos, Eusébio de Matos, Pe. Antônio Vieira,
Manuel Botelho de Oliveira e outros. A partir da primeira metade do século XVIII, com a
instalação da Academia Brasílica dos Esquecidos, a vida literária passou a assumir caráter
de grupo, alterando, assim, o cenário cultural da América portuguesa.
Segundo Antonio Candido:
9
É preciso frisar, de início, que a associação literária criava atmosfera
estimulante para a vida intelectual, favorecendo o desenvolvimento
de uma consciência de grupo entre os homens cultos e levando-os
efetivamente a produzir. [...] Vista do ângulo do consumo, não da
produção literária, a agremiação desempenhou outra função de igual
relevo: proporcionar a formação de um público para as produções
literárias. [...] Um último traço importante: levados por preocupações
eruditas e pelo desejo de difundir o saber, os grêmios permanentes
consagraram atenção marcada às coisas do Brasil, reforçando o
nativismo e contribuindo para despertar o sentimento nacional.
1
Como se vê, o movimento academicista no Brasil não foi um acontecimento sem
importância e sem valor para as gerações posteriores; muito pelo contrário, esse movimento
histórico-literário favoreceu o florescimento da atividade intelectual, organizou a atividade
literária, tanto no pólo da produção como no da recepção, e representou o ponto de partida
para uma tomada de consciência local – gérmen do futuro sentimento nacional do país.
Apesar de tudo isso, a produção acadêmica do período colonial brasileiro ainda
permanece “esquecida” por boa parte dos estudiosos de nossa literatura. Os trabalhos de
pesquisa que existem sobre esse período são raros, e os que existem cuidam apenas de
reproduzir algumas velhas opiniões, que há muito vêm sendo transmitidas pelos
historiadores da literatura brasileira, sem preocupação com o reexame dessa literatura:
Descendente em linha reta das academias italianas, espanholas e
portuguesas, foi a Academia Brasílica dos Esquecidos a legítima
representante do espírito fútil e incontinência topológica que tanto
prejudicaram as suas avoengas.
2
Em geral, as obras que registram a produção literária no Brasil durante o período
colonial tratam a produção poética da Academia Brasílica dos Esquecidos de forma
genérica, aplicando-lhe critérios avaliativos que nem sempre lhe fazem justiça, por não
levarem em conta a situação histórica e as condições concretas em que as obras foram
elaboradas. Não é raro encontrarmos avaliações em que críticos literários desqualificam as
produções acadêmicas, dando preferência a obras que foram concebidas em circunstâncias
históricas completamente diferentes. Daí o juízo negativo que se reflete em termos como
“barroquismo” ou “barroco tardio”, com que se “qualificam” as produções dos acadêmicos
1
CANDIDO, 1981, p.78-79.
2
PINHEIRO, 1868, p.32.
10
esquecidos. Há, também, os que avaliam a produção acadêmica em termos de autonomia
estética – desconsiderando o contexto de produção dessas obras.
Poucos têm sido os que se esforçam por mudar esse quadro, que persiste em nossos
dias. Poucos são os que, num enfrentamento direto com aquelas produções, procuram
esclarecer as razões das falhas e distorções que existem em nosso entendimento do passado,
principalmente no que diz respeito à produção da escrita nas academias do período colonial.
Um dos grandes estudiosos a dar contribuição nesse sentido foi o professor José
Aderaldo Castello, que, na segunda metade do século XX, cuidou de fazer um
levantamento dos éditos e inéditos do período colonial e os publicou sob o título de O
Movimento Academicista no Brasil 1641 – 1820/22. Essa obra, relativamente rara, é fonte
preciosa para um estudo mais sistemático da literatura colonial do Brasil.
Ao lado de José Aderaldo Castelo, podemos citar Péricles Eugênio da Silva Ramos,
que, em seu livro Poesia Barroca – Antologia, publicou excelente seleção de poemas do
período chamado Barroco. A obra inclui parte da produção acadêmica do início do século
XVIII no Brasil. Juntamente com esses textos, o autor da antologia procurou esboçar um
panorama da época, destacando características e posições que os escritores apresentavam
no tempo em que viveram.
Em 1989, João Adolfo Hansen, em A Sátira e o Engenho: Gregório de Matos e a
Bahia do Século XVII, ao discutir os modelos de composição poética utilizados naquele
século a partir da poesia atribuída a Gregório de Matos, abriu caminhos para uma nova
abordagem dos textos produzido no período colonial. A contribuição do prof. João Adolfo
Hansen serviu-nos de estímulo para o estudo das letras produzidas no século XVII e
primeira metade do século XVIII – o que inclui a produção poética realizada no âmbito das
academias.
Além desse estudo sobre a poesia atribuída a Gregório de Matos, João Adolfo
Hansen vem dando significativas contribuições para que possamos pensar de maneira mais
contextualizada as formas discursivas do período colonial brasileiro. A partir de seus
estudos, têm surgido novas pesquisas que tentam se aproximar de maneira mais sistemática
das obras desse período. Tais pesquisas buscam compreender os textos em sua época e nas
condições em que foram produzidos, assim como as normas de escrita em vigor naquele
tempo. O campo movediço das conjecturas e avaliações anacrônicas é, então, substituído
11
pelo enfrentamento direto do texto. Nesse sentido podem ser citados o trabalho de Carlos
Eduardo Mendes de Moraes, A Academia Brasílica dos Esquecidos e as Práticas de Escrita
do Brasil Colonial, e o de Marcelo Moreira, Critica Textualis in Caelum Revocata? –
Prolegômenos para uma Edição Crítica do Corpus Poético Colonial Seiscentista e
Setecentista Atribuído a Gregório de Matos Guerra.
Além desses estudos, pode ser citado, ainda, o recente trabalho da professora Íris
Kantor, Esquecidos e Renascidos: Historiografia Acadêmica Luso-Americana 1724 – 1759,
que, por meio de uma perspectiva histórica, investiga a formação do discurso
historiográfico nas duas academias baianas do período colonial brasileiro.
A dissertação que ora apresentamos sobre a poesia de Sebastião da Rocha Pita na
Academia Brasílica dos Esquecidos consiste na leitura e discussão dos textos poéticos
produzidos por esse escritor, no âmbito acadêmico, no período em que ele atuou naquela
agremiação. Este trabalho foi realizado com base nos éditos e inéditos do Movimento
Academicista no Brasil publicados pelo professor José Aderaldo Castello. Os documentos
que se referem à Academia Brasílica dos Esquecidos estão concentrados nos cinco
primeiros tomos do volume I da obra mencionada. Além dessas informações, vale
acrescentar que, sem desconsiderar a contribuição de outros estudiosos anteriores da
literatura colonial brasileira, esta pesquisa procurou se aproximar dos modos de ler os
textos dos séculos XVII e XVIII propostos por João Adolfo Hansen.
Acreditando-se que o aparecimento da Academia Brasílica dos Esquecidos apontava
para uma tendência de trabalho coletivo, baseado em temas circunstanciais, buscou-se não
isolar o objeto de estudo desta dissertação de sua época e de seu contexto de produção. Para
isso, optou-se, na disposição dos capítulos desta dissertação, pela abordagem, em primeiro
lugar, da instituição acadêmica e de seu contexto. Em seguida, passou-se ao estudo da
poesia produzida por Sebastião da Rocha Pita na Academia Brasílica dos Esquecidos,
partindo-se do reconhecimento de que ela (a poesia) situa-se num tempo em que as regras
utilizadas para a criação poética eram muito diversas das que hoje conhecemos.
O primeiro capítulo desta pesquisa, intitulado “Rocha Pita e a Academia Brasílica
dos Esquecidos”, apresenta uma breve biografia do escritor e o contexto em que a academia
foi fundada. Além disso, são apresentadas as normas de funcionamento da agremiação, seus
objetivos e os principais sócios fundadores. Constam ainda desse capítulo informações
12
sobre documentos referentes à instituição, quando foram publicados e onde estão
arquivados. Por último, segue uma lista apresentando os temas poéticos abordados nas
dezoito sessões acadêmicas que se realizaram.
O segundo capítulo, intitulado “Rocha Pita e sua obra”, realiza um levantamento de
todos os textos que foram escritos pelo acadêmico. Optou-se por dividir este capítulo em
três partes. A primeira, que recebe o título de “A obra de Rocha Pita”, cumpre a tarefa de
listar todos os textos conhecidos do escritor, assim como de informar se eles foram
publicados e em quais circunstâncias. A segunda parte, intitulada “Alguns problemas
relativos à história dos textos”, procura rever e corrigir algumas informações equivocadas
sobre sua produção escrita – informações que, ao longo dos anos, foram transmitas sem
exame de veracidade. A terceira e última parte desse capítulo, intitulada “A recepção da
obra poética de Rocha Pita”, buscou apresentar uma breve revisão das opiniões que teve a
crítica literária brasileira sobre a faceta de poeta do historiador Sebastião da Rocha Pita.
No terceiro capítulo, intitulado “Barroco, Academicismo, Poesia”, buscou-se criar
um panorama da época, na tentativa de investigar os modos de composição poética que
vigoraram na primeira metade do século XVIII na colônia portuguesa. Esse capítulo
também foi dividido em três partes, conforme indicação do título geral que consta acima.
Na primeira parte, intitulada “A questão do Barroco”, foram abordados assuntos referentes
à questão do estilo barroco nas letras do século XVII até meados do século XVIII. Na
segunda parte, intitulada “Academias literárias do século XVII”, realizou-se um
levantamento, de caráter histórico, das principais Academias portuguesas do século XVII,
com o objetivo de não isolar o movimento acadêmico brasileiro de seu contexto real, isto é,
das academias portuguesas que serviram de referências para a Academia Brasílica dos
Esquecidos. Na terceira parte, intitulada “Poesia acadêmica”, foram investigados os
conceitos que regulavam a atividade poética no âmbito da agremiação brasílica.
Por fim, o quarto capítulo, intitulado “A poesia do acadêmico Vago”, foi
inteiramente dedicado ao estudo da poesia de Rocha Pita vinculada à Academia. Duas
sessões acadêmicas, representativas do espírito que dominou a instituição, foram eleitas
para estudo. As sessões escolhidas para análise mais detalhada da poesia de Rocha Pita
foram a primeira e a terceira conferências. Esse capítulo encontra-se dividido em quatro
13
itens, a saber: “O acadêmico Vago e suas circunstâncias”; “A primeira sessão acadêmica”,
“As sessões acadêmicas” e “A terceira sessão acadêmica”.
A primeira sessão da agremiação brasílica ocorreu no dia 23 de abril de 1724. Por
ser a primeira, ela é diferente de todas as outras. Nessa sessão, não houve assuntos poéticos
para os exercícios literários. Todos os poemas daquela tarde são encomiásticos. Por isso, os
poemas analisados nesse item são textos escritos por Rocha Pita em homenagem a diversas
pessoas e assuntos, como, por exemplo, ao secretário da instituição, ao vice-rei Vasco
Fernandes César de Meneses, aos mestres de história e aos temas relacionados com a
fundação da Academia.
Na terceira sessão, como nas demais, os acadêmicos receberam dois temas para a
prática dos exercícios poéticos, sendo um heróico e outro lírico. Além da análise dos dois
poemas que Rocha Pita escreveu sobre esses assuntos, incluem-se nessa parte do quarto
capítulo alguns apontamentos sobre a fala do presidente João de Brito e Lima, que presidiu
os trabalhos da agremiação naquele dia, e um breve estudo do poema com que o acadêmico
Vago o saudou.
Acreditamos que o estudo da poesia de Rocha Pita, em seus aspectos temáticos,
técnicos e estilísticos, articulados à instituição acadêmica, é uma necessidade nos dias
atuais, pois é necessário recuperar nosso passado cultural por meio de estudos detalhados e
colocar para a luz de nossos dias as primeiras produções literárias realizadas no país.
Conforme se viu no começo desta Introdução, as academias brasileiras do século XVIII têm
sido avaliadas como um acontecimento que teve importância na formação de uma
consciência literária entre nós, pois propiciaram o aparecimento de novos escritores,
esboçaram uma organização da vida literária na colônia e desempenharam algum papel na
formação da futura identidade nacional. É preciso não esquecer, entretanto, “que nas
sociedades nada surge sem sentido e, muito menos, de modo isolado de outras variáveis
sociais. O processo cultural em que se inserem as academias do Brasil colônia é, na
verdade, uma transição ou série de transições entre uma condição social e outra”
3
.
3
CASTRO, Ariel, 1999, v.1, p. 341.
14
CAPÍTULO I
ROCHA PITA E A ACADEMIA BRASÍLICA DOS ESQUECIDOS
15
Sebastião da Rocha Pita nasceu na Bahia, hoje cidade de Salvador, no dia 3 de maio
de 1660 e faleceu a 2 de novembro de 1738 em Cachoeira, também na Bahia.
4
Era filho de
João Velho Gondim e D. Brites da Rocha Pita. Estudou no colégio dos jesuítas, na cidade
da Bahia, e graduou-se mestre em artes aos dezesseis anos de idade. Freqüentou a
universidade de Coimbra, onde obteve o grau de Bacharel em Cânones – informação esta
contestada por Afonso Costa, apoiado em levantamento dos nascidos no Brasil que
estudaram em Coimbra feito por Francisco de Morais.
5
Casou-se com Ana Calvalcanti de
Albuquerque Aragão, com quem teve três filhos. Após o casamento fixou residência numa
fazenda de sua propriedade, situada nas margens do rio Paraguaçu, na cidade de Cachoeira,
onde se dedicou à lavoura. Foi coronel do regimento privilegiado de ordenanças – título
atribuído, na época, a pessoas importantes pelo respeito social, pela fortuna e pela
ascendência. Foi, também, fidalgo da casa real, cavaleiro da ordem de Cristo, acadêmico
supranumerário da Academia Real de História Portuguesa e membro da Academia Brasílica
dos Esquecidos.
6
Rocha Pita costuma ser lembrado por sua História da América Portuguesa,
publicada em 1730. Para preparar essa obra, ele estudou italiano, francês e holandês, com o
objetivo de ler documentos escritos nesses idiomas.
7
Além de historiador, Rocha Pita
também foi poeta, e, como poeta, participou ativamente das atividades realizadas na
Academia Brasílica dos Esquecidos.
José Aderaldo Castello publicou os éditos e inéditos dessa academia nos cinco
tomos do primeiro volume de O Movimento Academicista no Brasil: 1641-1820/22. Os
quatro primeiros tomos contêm numerosos poemas [cinqüenta e seis sonetos; cinco
romances, um deles em castelhano; quatro poemas em décimas, num total de dezesseis
décimas; um poema em tercetos; uma endecha] do escritor e uma “Oração do Acadêmico
Vago Sebastião da Rocha Pita Presidindo na Academia Brasílica”. Esse conjunto de textos,
objeto desta pesquisa, constitui o Anexo a esta dissertação.
8
Aderaldo Castello publicou,
4
Afonso COSTA (1950-1951, p.7), firmado em historiadores, documentos (que não cita) e lógicos
raciocínios, contesta a data e o local do falecimento de Rocha Pita – que, segundo ele, ocorreu na cidade da
Bahia em 2 de novembro de 1739.
5
COSTA, 1950-1951, p.4.
6
BLAKE, 1970, v.7, p.214. Essas mesmas informações constam da Biblioteca lusitana, de Diogo Barbosa
Machado, com exceção do que diz respeito à Academia Brasílica dos Esquecidos.
7
Cf. ALMEIDA, 2003, p.334-336.
8
CASTELLO, v.I, 5t., 1969-1971.
16
também, no primeiro tomo do terceiro volume de O movimento academicista no Brasil:
1641-1820/22, o “Breve compêndio, e narração do fúnebre espetáculo, [...] na morte de el-
Rei Dom Pedro II...”, do mesmo escritor.
Tanto a História da América Portuguesa como a maior parte da produção poética de
Rocha Pita derivam de sua vinculação ao projeto da Academia Brasílica dos Esquecidos,
inaugurada na Bahia no ano de 1724 pelo então vice-rei do Brasil, Vasco Fernandes César
de Meneses. Rocha Pita foi um de seus membros fundadores.
Uma academia, considera José Aderaldo Castello, é “associação cultural com
objetivos, organização e atuação temporariamente ilimitada, fixados em estatutos
próprios.
9
Segundo esse critério, a Academia Brasílica dos Esquecidos foi a primeira no
Brasil colônia. Ela representa uma extensão, em território colonial, do empreendimento
português iniciado na Academia Real de História Portuguesa, criada em 1720 e que durou
até 1736. O programa dessa academia portuguesa, declarado nos documentos iniciais de sua
história, era, conforme diz Fidelino de Figueiredo, “...que se compusesse a História
Eclesiástica, e Secular destes Reinos, e suas conquistas...”.
10
Significava, portanto, um
esforço para a elaboração de uma história do reino e de suas colônias. O mesmo Fidelino de
Figueiredo assim descreve os métodos adotados pela Academia:
Para reunir livros, documentos, inscrições, tradições e notícias,
fez a Academia expedir ofícios circulares aos arcebispos e
bispos, aos cabidos das catedrais, aos prelados das religiões, às
câmaras municipais e aos provedores das comarcas; nelas se
continham questionários tão circunstanciados que, responder a
eles cabalmente seria fazer a própria história, que a Academia
tinha em vista.
11
O que Fidelino de Figueiredo não diz é que os ofícios expedidos abrangiam as colônias.
Que houve carta dirigida ao vice-rei do Brasil é certo, pois consta do Códice I – 2 – 2,8, nº.
104 do Cat. de Manus. da Biblioteca Nacional uma “Carta para os Prelados das Religiões
desta Cidade e Senado da Câmara dela, sobre o que pertence à Academia Real de História
Portuguesa Eclesiástica e Secular do Reino e suas conquistas”, dirigida por Vasco
9
CASTELLO, 1969, v.I, t.1, p.XVI.
10
FIGUEIREDO, 1946, v.I, p.10.
11
FIGUEIREDO, 1946, v.I, p.18.
17
Fernandes César de Meneses (vice-rei do Brasil de 1720 a 1735)
12
às autoridades
eclesiásticas da Bahia, em que diz o seguinte:
Com esta remeto a Vossa Paternidade a primeira via de uma
carta do serviço de Sua Majestade que Deus guarde, pertencente
à Academia que foi servido instituir, para debaixo de sua
soberana proteção se escrever com toda a clareza, e brevidade
possível a História Eclesiástica, e Secular do Reino de Portugal e
suas Conquistas: e ainda que suponho virá cerrada na dita a
Memória impressa do que se pretende saber das Religiões que há
neste Estado, vai o traslado incluso, para que Vossa Paternidade
por ele veja o que pertence à sua, e é do real agrado se remeta à
dita Academia.
13
A “Memória impressa do que se pretende saber” a que se refere o vice-rei,
seguramente, consistia no “questionário circunstanciado” da Academia Real de História
Portuguesa, agora transferido e aplicado à colônia. Pedro Calmon interpreta essa
correspondência como uma “provocação” de D. João V, que resultou na instituição da
Academia Brasílica dos Esquecidos.
14
A carta dirigida pelo rei a Vasco Fernandes César de Meneses, transcrita pelo Cel.
Inácio Accioli de Cerqueira e Silva em sua obra intitulada Memórias históricas e políticas
da província da Bahia e, daí, por Ariel Castro, diz o seguinte:
Pela memória impressa, que com esta se vos remete, tereis
entendido quais são as notícias de que se necessita para a
composição da história portuguesa, que encarreguei a Academia
Real, que instituí nesta Corte ao mesmo fim; e porque esta
história compreende não só o que pertence ao Reino mas
também às suas conquistas, vos recomendo que logo que receber
esta minha carta encomendeis da minha parte ao Arcebispo, a
seu cabido e aos mais cabidos das sedes vacantes desse Estado e
aos prelados das religiões examinem, inquiram com toda a
diligência, individuação e clareza todas as notícias que se
apontam na dita memória e podem acomodar-se a essa conquista
e papéis e clarezas na forma que se aponta na mesma memória;
certificando a todos que me será muito agradável todo o trabalho
que puserem nesta averiguação, além de ser muito próprio do
seu estado contribuírem com sua aplicação de uma obra que
pode servir muito à glória de Deus Nosso Senhor e crédito da
Igreja desse Estado. E também passareis as ordens necessárias
aos oficiais das Câmaras na conformidade que se aponta na
12
Cf. DICIONÁRIO de História do Brasil, 1976, p.552.
13
DOCUMENTOS Históricos, 1939, v.XLV, p.4.
14
Cf. CALMON, 1949, p.51.
18
memória impressa e podem ter acomodação a esse Estado. Estas
diligências vos hei por muito encarregadas, esperando do vosso
zelo poreis nela tal cuidado e eficácia que se consiga, com a
brevidade possível, o fim pretendido. Escrita em Lisboa
Ocidental em 31 de março de 1722, Rei.
15
Em 7 de março de 1724, comunicou o vice-rei a sete pessoas de destaque intelectual
a vontade que tinha de erigir e estabelecer uma Academia. As sete pessoas por ele
escolhidas eram o padre Gonçalo Soares da Franca, os desembargadores Caetano de Brito
Figueiredo e Luís de Siqueira da Gama, o juiz de fora dr. Inácio Barbosa Machado, o
coronel Sebastião da Rocha Pita, o capitão João de Brito e Lima e José da Cunha Cardoso.
A partir desse núcleo constituiu-se a Academia, que, segundo Carlos Eduardo de Moraes,
chegou a congregar cerca de 155 participantes.
16
Vale destacar que entre os nomes que
compunham o núcleo fundador da Academia Brasílica, somente Sebastião da Rocha Pita e
Gonçalo Soares da Franca fizeram parte como membros supranumerários da Academia
Real de História Portuguesa.
Entre os objetivos acadêmicos estavam o de estudar a História Brasílica dividida em
quatro partes: natural, que ficou por conta de Caetano de Brito Figueiredo; militar,
cometida a Inácio Barbosa Machado; eclesiástica, entregue a Gonçalo Soares da Franca;
política, cuja incumbência coube a Luís Siqueira da Gama, e o de “dar a conhecer os
talentos que nesta província florescem, e por falta de exercício literário estavam como
desconhecidos”.
17
Nessas duas vertentes, histórica e literária, desenvolveram-se os trabalhos
acadêmicos. Por um lado, a Academia tinha como objetivo o estudo da História do Brasil,
nas quatro partes mencionadas – esforço com que pretendia organizar as informações
acerca da história da colônia, em conformidade com os trabalhos que vinham sendo
desenvolvidos na Academia Real da História Portuguesa. Por outro, ficou desde o início
estabelecido que em todas as sessões, excetuada a primeira, seriam dados dois argumentos
ou assuntos – um heróico, outro lírico –, com o objetivo de estimular a produção poética
entre os acadêmicos.
15
CASTRO, Ariel, 1999, v.1, p.344-345.
16
MORAES, 1999, p.5.
17
Cf. CASTELLO, 1969, v.I, t.1, p.3.
19
Os acadêmicos deram à instituição o nome de Academia Brasílica dos Esquecidos.
Segundo o texto que José Aderaldo Castello chama de “ata de fundação”
18
– que
acreditamos seja o seu estatuto, pois regulamenta o seu funcionamento –, os acadêmicos
assim se intitularam por “louvável modéstia”. Também nisso, a Academia Brasílica segue a
Academia Real de História Portuguesa, cujos estatutos, segundo Fidelino de Figueiredo,
eram “breves e inspirados por grande intento prático”.
19
Varnhagen diz que “o nome de
esquecidos tomaram talvez os sócios da circunstância de não haverem sido lembrados os
seus na Academia de História, que se criara em Lisboa em 1720.”
20
Ariel Castro avança
mais, interpretando assim essa designação:
Intitularem-se Esquecidos já por si só indica alguma
inconformidade relativamente à metrópole, o que seria já
inusitado no regime colonial do momento, mas que se explicaria
por algum tipo de auto-estima de pessoas plenamente integradas
no Estado do Brasil.
21
Essa interpretação transforma o movimento acadêmico dos Esquecidos em semente
do orgulho nativista que, mais tarde, os historiadores românticos elegerão como critério de
nacionalidade da Literatura Brasileira.
Em todas essas interpretações, o esquecimento referido no título da Academia diz
respeito aos antecessores dela. Entretanto, resta ainda uma possibilidade: a do seu contrário,
a do esquecimento pela posteridade. Na “Oração, com que na dominica in Albis vinte, e
três de abril deste ano de 1724 abriu a Academia Brasílica o Doutor José da Cunha
Cardoso”, dizia o orador, amante dos contrários, sobre o nome de Esquecidos:
Grave título, e tão admirável, que a sua grandeza maior consiste
na contradição da sua grandeza. Achar o bem no bem não é
excesso, tirar bem do mal é vantagem. Derivar honra da honra
não é milagre, deduzir glória do seu contrário é prodígio. E isto
fizeram os nossos Acadêmicos na eleição daquele título. Chama-
se o esquecimento conseqüência da morte, filho do Letes, e o
que mais é símbolo do inferno, assim o cantou o Mantuano, o
confessa Ravísio, e o conhecem todos. E que inventaram os
nossos Acadêmicos para eternizar o seu nome? Trocaram a
morte em vida, em memória o esquecimento, e o inferno em
18
CASTELLO, 1969, p.107.
19
FIGUEIREDO, 1946, p.11.
20
VARNHAGEN, 1987, p.58.
21
CASTRO, Ariel, 1999, v.1, p.347.
20
glória. Tomou a Academia o nome que significa morte para ser
imortal; tomou o nome que apaga a memória para se fazer
memorável; tomou o nome, que simboliza inferno para ficar
gloriosa.
22
A propósito de um possível esquecimento pela posteridade, a Academia teria corrido esse
risco, se dependesse da Biblioteca Lusitana – mais importante fonte bibliográfica para o
estudo da Literatura Brasileira do período colonial. Pedro Calmon argumenta que era
português o acadêmico Inácio Barbosa Machado e que, sendo irmão de Diogo Barbosa
Machado, “por certo, deu [a ele] as informações, sobre o Brasil e os brasileiros, que lhe
opulentam a Biblioteca Lusitana.”
23
Não é crível que o célebre bibliógrafo português
desconhecesse essa Academia, tendo sido seu irmão fundador dela. Apesar disso, Barbosa
Machado, embora registre dados sobre diversos acadêmicos, não menciona a instituição dos
Esquecidos em nenhum dos verbetes de sua obra monumental.
24
Seria isso sinal de desdém
da mentalidade metropolitana pela colônia? É possível, ainda, pensar-se que, sendo o abade
de Sever, ele próprio, membro da Academia Real de História Portuguesa, houvesse nessa
omissão uma resposta à ironia dos “Esquecidos”.
Tinham os acadêmicos, também, uma empresa: seu corpo era o Sol; sua letra a
seguinte sentença: Sol oriens in Occiduo. “‘O Sol nascendo no Ocidente’, afirmavam os
acadêmicos no lema que escolheram; havia claramente no espírito de todos a convicção de
que se iniciava no Brasil, ao contrário do que até então tacitamente se pensava, o tempo da
cultura intelectual...”
25
Pedro Júlio Barbuda, citando Rafael Galanti, vê nessa divisa uma
possível alusão ao fato de “ter sido seu fundador, como vice-rei, sol na Índia, e, depois, no
Brasil.”
26
Como termo culto, “Sol” é metáfora que surge sem o termo real, mas apenas com
o ideal. Como referência ao vice-rei, “Sol” é a cabeça da colônia; como referência à
intelectualidade colonial, “Sol” é o entendimento, a inteligência, o pensamento, o espírito.
A metáfora, provavelmente, tem raízes bíblicas, pois Cristo disse a seus discípulos: “Vós
sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte. [...] Brilhe
22
CARDOSO, in CASTELLO, 1969, v.I, t.1, p.9.
23
CALMON, 1949, p.54.
24
Essa pesquisa só foi possível graças à edição em CD-Rom da Biblioteca lusitana, coordenada por Ana
Carolina Nogueira da Silva e Nuno Camarinhas (Portugal: Ophir; Biblioteca Virtual dos Descobrimentos
Portugueses, s.d.).
25
MARTINS, 1994, v.8, p.366.
26
BARBUDA, 1916, p.154.
21
do mesmo modo a vossa luz diante dos homens, para que vendo as vossas boas obras, eles
glorifiquem vosso Pai que está nos céus.”
27
Retomando a idéia de Ariel Castro, de que o nome de Esquecidos significaria
inconformidade com a metrópole, e aplicando-a à divisa da Academia, poder-se-ia pensar
numa proposta de inversão: se o Sol nasce no Ocidente; se a luz, isto é, o pensamento, nos
vem da Europa; o lema Sol oriens in Occiduo poderia muito bem ser entendido como
proposta de lançamento de luzes, ou seja, de idéias, em sentido inverso, do Brasil sobre a
Europa.
Os sete acadêmicos principais, convocados pelo vice-rei para a organização da
Academia, adotaram pesudônimos, conforme a tradição acadêmica: o padre Gonçalo Soares
da Franca se denominou Obsequioso; o desembargador Caetano de Brito Figueiredo tomou
o cognome de Nubiloso; o desembargador Luís Siqueira da Gama, o de Ocupado; o juiz de
fora Inácio Barbosa Machado, o de Laborioso; o coronel Sebastião da Rocha Pita, o de
Vago; o capitão João de Brito e Lima, o de Infeliz; e José da Cunha Cardoso, o de
Venturoso.
Entre esses sete, quatro foram os escolhidos para comporem as histórias natural,
militar, eclesiástica e política: Caetano de Brito Figueiredo, Inácio Barbosa Machado,
Gonçalo Soares da Franca e Luís Siqueira da Gama, respectivamente. Esses eram os
chamados “Mestres”. Suas prosas eram lidas, segundo o estatuto, logo em seguida à prosa
do presidente, que abria a sessão com discurso sobre “matéria, ação, questão, ou problema”
sobre que quisesse discorrer.
28
Depois eram lidos os poemas compostos para a ocasião pelo
secretário da Academia. Pertenciam à Academia dos Anônimos, de Lisboa, os acadêmicos
José Cunha Cardoso, Luís Siqueira da Gama e Antônio Sanches de Noronha.
29
José da Cunha Cardoso foi nomeado secretário da Academia pelo vice-rei, protetor
dela. Como na Academia Real de História Portuguesa, esse cargo era perpétuo. Cada sessão
acadêmica – com exceção da primeira – era aberta por um discurso do presidente nomeado
por seu antecessor. Na primeira sessão o secretário pronunciou a já citada “Oração, com
que na dominica in Albis vinte, e três de abril deste ano de 1724 abriu a Academia Brasílica
27
Mt 5,14-16.
28
Cf. CASTELLO, 1969, v.I, t.1, p.4.
29
PAES, MOISÉS, 1967, p.15.
22
o Doutor José da Cunha Cardoso.” Como já foi dito, competia ao secretário a leitura das
poesias feitas pelos acadêmicos para cada sessão.
Ficou assentado que as reuniões seriam quinzenais, realizadas no palácio do vice-
rei, e que, para cada conferência, seriam dados dois argumentos ou assuntos – um heróico,
o outro lírico – para estímulo da produção poética. Apenas a primeira conferência, que foi
marcada para a tarde de 23 de abril de 1724, domingo seguinte ao da Páscoa daquele ano,
não teve os dois assuntos arbitrariamente determinados, pois os temas desse dia seriam
necessariamente o elogio do vice-rei e a criação da própria Academia. No final do ano,
entretanto, a partir da reunião realizada no dia 26 de novembro, as três reuniões seguintes
foram espaçadas de cerca de um mês, e a última, aparentemente realizada em condições
precárias, ocorreu no dia 04 de fevereiro de 1725. Que a última conferência era conhecida
como última pelos próprios acadêmicos prova-o o último soneto de Sebastião da Rocha
Pita, que traz por cabeçalho as seguintes palavras: “Na suspensão que faz a nossa Academia
com a última conferência.”
30
A “Dissertação décima” da história política, preparada por Luís Siqueira da Gama,
que presumivelmente não foi lida em nenhuma das dezoito sessões (ver Tabela I), mas que
seria lida numa décima nona sessão, se tivesse ela ocorrido, diz o autor:
O tempo, é este mais que venturoso, em que presentemente
vemos restituído à sua perfeita saúde o Excelentíssimo Senhor
Vice-Rei depois que o vimos enfermo, e tantas vezes sangrado
por causa de um difluxo, que os dias pretéritos o teve na cama
com bem merecido susto de toda esta sua amantíssima cidade...
31
A doença do vice-rei explicaria o espaçamento maior das últimas sessões da Academia. Seu
encerramento, entretanto, segundo Ariel Castro, ter-se-ia dado por “razões políticas, o que é
mais provável, ou simplesmente resultante de enfado.”
32
Outra possibilidade é o caráter
“alcobacense”, ou seja, “sem crítica e com inclinação para o maravilhoso e para o
absurdo”,
33
da historiografia produzida no âmbito acadêmico – o que contrariaria a
proposta da Academia Real de História Portuguesa.
30
Cf. CASTELLO, 1971, v.I, t.4, p.252.
31
GAMA in CASTELLO, 1969, v.I, t.5, p.125.
32
CASTRO, Ariel, 1999, v.1, p.348.
33
FIGUEIREDO, 1966, p.227.
23
Da Academia Brasílica dos Esquecidos, cuja primeira conferência ocorreu na data
mencionada, existem registros de dezoito reuniões, sendo a última realizada em 4 de
fevereiro de 1725. Os códices que contêm o material produzido pela Academia Brasílica
dos Esquecidos foram publicados, no primeiro volume, em cinco tomos, da obra O
movimento academicista no Brasil: 1641-1820/22, por José Aderaldo Castello. Segundo
ele, o material publicado nos tomos 1, 2, 3 e 4 do primeiro volume corresponde aos
manuscritos existentes no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Rio de Janeiro.
Quanto ao material restante do mesmo volume (que compõe o tomo 5), registra o
organizador que o obteve do seguinte modo: “o Prof. Antônio Soares Amora [...] nos cedeu
microfilmes obtidos em Portugal, com “Dissertações” que compõem o Tomo 5 do Vol. I da
Academia Brasílica dos Esquecidos...”
34
O tomo 5 do volume I da obra mencionada contém: “Dissertações altercadas, e
resolutas, para melhor averiguação da verdade na História do Brasil”, obra de Luís Siqueira
da Gama; “Dissertações acadêmicas, e históricas, nas quais se trata da História Natural das
coisas do Brasil”, obra de Caetano de Brito Figueiredo; e “Dissertações da História
Eclesiástica do Brasil”, obra de Gonçalo Soares da Franca. Faltam nesse volume as
dissertações sobre a História Militar, de que foi encarregado o juiz de fora Inácio Barbosa
Machado. Pedro Calmon informa o seguinte:
Os códices originais da Academia Brasílica dos Esquecidos, que
Varnhagen julgava perdidos, guardam-se no Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, podendo-se por eles restaurar o trabalho
literário, assaz volumoso (em três tomos manuscritos) do
grêmio, que funcionou de 7 de março de 1724 a 4 de fevereiro
de 1725, em 18 sessões formais, ou “outeiros”. Fora dos códices,
Dissertações Acadêmicas e Históricas nas quais se trata da
História Natural das cousas do Brasil (pelo Des. Chanceler
Caetano de Brito e Figueiredo), 69 fls.; Exercícios de Marte (por
Inácio Barbosa Machado), 82 fls.; e Dissertações da História
Eclesiástica do Brasil (pelo Padre Gonçalo Soares da Franca),
79 fls., códices Alcobacenses, Biblioteca Nacional de Lisboa
(Inventário, IV, 295-298, Lisboa, 1932); e Dissertações
Altercadas e refutadas para melhor averiguação da verdade na
História do Brasil (Luís de Siqueira da Gama), Inventário, V,
370.
35
34
CASTELLO, 1969, v.I, t.1, p.XX.
35
CALMON, 1949, p.52, nota 3.
24
Faltam, portanto, no tomo 5 da obra organizada por José Aderaldo Castello, os
Exercícios de Marte, de Inácio Barbosa Machado. Ariel Castro informa que esse autor “deu
à estampa, em Lisboa, o resultado da tarefa que lhe foi cometida como acadêmico
esquecido.” Em nota, informa que o título da obra, publicada em 1745, é Fastos Políticos, e
Militares da Antiga, e Nova Lusitânia, em Que Se Descrevem as Acções Memoráveis, Que
na Paz, e na Guerra Obrarão os Portuguezes, nas Quatro Partes do Mundo.
Contraditoriamente, informa, também:
Deixou [Inácio Barbosa Machado] preparadas para a tipografia,
conforme o códice 848 da Biblioteca Nacional de Lisboa, as
dissertações que reuniu na Bahia em junho de 1723 e que
apresentou durante as sessões de funcionamento da Academia
dos Esquecidos dos dois anos seguintes. Deu ao conjunto o título
de Exercícios de Marte...
Com base no “estatuto”, na obra publicada por José Aderaldo Castello e nas demais
informações coletadas, tentar-se-á esboçar um esquema do funcionamento da Academia
Brasílica dos Esquecidos.
A primeira conferência se iniciou com a “Oração” do secretário José da Cunha
Cardoso, à qual, nos termos do estatuto, devem ter-se seguido as “dissertações” de história
natural, por Caetano de Brito Figueiredo, e de história militar, por Inácio Barbosa Machado
(ver Tabela ao final deste capítulo). Em seguida, conforme o mesmo “estatuto”, seguiu-se a
leitura de diversos poemas em português e latim dirigidos ao orador-secretário da
Academia e aos dois mestres que se pronunciaram sobre matérias históricas. Uma outra
parte da sessão foi dedicada ao elogio do vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses,
protetor da Academia; nela se pronunciaram numerosos poemas em português e latim.
Outra parte, ainda, foi dedicada ao elogio da fundação da própria Academia; nela se
celebraram a empresa adotada pelos acadêmicos (o Sol, com o lema Sol oriens in Occiduo),
o título de Esquecidos, a lua nova da ocasião em que se abriu a Academia, Santo Tomás de
Aquino – doutor da Igreja, considerado seu maior teólogo. A vinculação de Santo Tomás de
Aquino com a vida acadêmica parece ser tradicional, já que, em 1880, foi ele declarado
25
padroeiro das universidades, academias e colégios católicos.
36
Em todas essas partes da
primeira conferência houve poemas em português e latim.
O acadêmico Sebastião da Rocha Pita compôs poemas, destinados a essa primeira
sessão acadêmica, sobre quase todos os assuntos: fez o elogio do secretário da Academia;
louvou o mestre Inácio Barbosa Machado; fez, igualmente, o elogio do vice-rei; celebrou o
título de “Brasílica” da Academia; celebrou, em outro poema, o título de “Esquecidos” da
Academia; compôs sobre a empresa da Academia; refletiu sobre o dia de Santo Tomás de
Aquino; celebrou a lua nova da ocasião; louvou os acadêmicos em geral. Foi ele o
escolhido para presidir a segunda conferência.
As sessões seguintes, num total de quatorze, ocorreram regularmente, de quinze em
quinze dias, até 26 de novembro de 1724. Todas as sessões, presume-se, seguiram o
prescrito no “estatuto”: começavam pela “oração” do presidente, continuavam-se pelos
discursos históricos, e, prosseguiam pela leitura das poesias compostas para a ocasião pelos
acadêmicos: poesias em louvor do presidente e poesias sobre os dois temas, um heróico e
um lírico, dados para a ocasião. Os intervalos entre as três últimas sessões não foram
regulares como os das sessões anteriores.
37
Presidiram as dezessete conferências, os seguintes acadêmicos: coronel Sebastião da
Rocha Pita (7 de maio de 1724), capitão João de Brito e Lima (21 de maio), padre
Francisco Pinheiro Barreto (4 de junho), padre Antônio Gonçalves Pereira (25 de junho),
padre-mestre frei Raimundo Boim de Santo Antônio (9 de julho), padre-mestre Rafael
Machado (23 de julho), cônego Antônio Roiz Lima (6 de agosto), deão Sebastião do Vale
Pontes (27 de agosto), dr. João Borges de Barros (10 de setembro), cônego Inácio de
Azevedo (24 de setembro), João Alves Soares (8 de outubro), dr. João Calmon (22 de
outubro), frei Ruperto de Jesus e Sousa (12 de novembro), padre-mestre frei Luís da
Purificação (26 de novembro), Félix Xavier (27 de dezembro), coronel José Pires de
Carvalho (21 de janeiro de 1725) e padre Manuel de Cerqueira Leal (04 de fevereiro).
As leituras das “dissertações” de caráter histórico constam da Tabela que vem ao
final deste capítulo.
36
ARNS, 1985, p.46. Os poemas referem-se à data da formação da Academia como o dia de Santo Tomás de
Aquino. Entretanto, o cardeal Arns afirma que a Igreja celebra esse santo no dia 28 de janeiro. É possível que
o calendário litúrgico do século XVIII fosse diferente do atual.
37
Ver as datas na tabela logo adiante, neste capítulo.
26
Os assuntos dados para exercício poético nas diversas conferências foram os
seguintes:
Segunda Conferência: (7 de maio de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Quanto deve a República das Letras a Majestade del-Rei Nosso Senhor que Deus
guarde verdadeiro protetor delas.
Segundo Assunto (lírico):
“Problema, quem mostrou amar mais finamente Clície ao Sol, ou Endimião à Lua.
Terceira Conferência: (21 de maio de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o primeiro assunto Diana assistindo ao nascimento de Alexandre Magno na
mesmo noite, em que Heróstato lhe estava queimando o seu templo.”
Segundo Assunto (lírico):
“Foi o segundo assunto uma dama formosa com poucos dentes, que costuma falar
pouco, por se lhe não ver aquela falta.”
Quarta Conferência: (4 de junho de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o primeiro assunto o Senhor Rei Dom João o 2º que se gloriava de conhecer os
seus vassalos.”
Segundo Assunto (lírico):
“Foi o segundo assunto uma Hera sustentando a um álamo seco.”
Quinta Conferência: (25 de junho de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Primeiro assunto celebrar os anos do Príncipe Nosso Senhor, que Deus guarde, e
fez 10 em 6 do corrente”
Segundo Assunto (lírico):
“Segundo assunto uma dama dando a Fábio duas flores, a saber um amor-perfeito
metido em um malmequeres.”
Sexta Conferência: (9 de julho de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o primeiro assunto a morte da Excelentíssima Senhora Marquesa Aia Dona
Teresa de Moscoso”
Segundo Assunto (lírico):
“Foi o segundo assunto [a] Excelentíssima Senhora Marquesa de Gouveia Dona
Inácia Rosa, que deixando o mundo se recolheu em um convento.”
Sétima Conferência: (23 de julho de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o primeiro assunto uma estátua de Apolo ferida e desfeita por um raio”
Segundo Assunto (lírico):
27
“Foi o segundo assunto uma dama que revolvendo na boca umas pérolas, quebrou
alguns dentes”
Oitava Conferência: (6 de agosto de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o primeiro assunto desta conferência César que tendo notícia da morte de seu
inimigo chorou”
Segundo Assunto (lírico):
“Foi o segundo assunto dessa conferência um menino de gentil presença que
colhendo rosa em um jardim, o mordeu um áspide, de que logo morreu”
Nona Conferência: (27 de agosto de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o primeiro assunto Agripina, que dizendo-se-lhe que seu filho Nero a havia de
matar, se chegasse a ser Imperador, respondeu que o fosse, ainda que depois a
matasse”
Segundo Assunto (lírico):
“Foi o segundo assunto um delfim salvando e conduzindo às costas um naufragante
até à praia”
Décima Conferência: (10 de setembro de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o primeiro assunto um problema: aonde teve mais glória Trajano, se na vitória
que alcançou, cujo triunfo não chegou a lograr, por se lhe antecipar a morte, ou se
na estátua, em que ostentou obséquios Adriano, a quem o Senado adjudicara o
triunfo”
Segundo Assunto (lírico):
“Foi o segundo assunto uma senhora, que perdendo um grande bem, cuida muito em
se esquecer do bem perdido”
Décima Primeira Conferência: (24 de setembro de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o primeiro assunto o valor e zelo, com que o Excelentíssimo Senhor Vice-Rei
Vasco Fernandes César de Meneses acudiu pessoalmente a apagar o incêndio, que
já estava ateado nas paredes, e teto da Casa e oficina da pólvora, em que se achavam
mais de 400 barris dela.
Segundo Assunto (lírico):
“Foi o segundo assunto uma dama que chegando à janela a ver o seu amante com os
raios do Sol o não pôde ver.”
Décima Segunda Conferência: (8 de outubro de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o primeiro assunto: quem cala vence”
Segundo Assunto (lírico):
“Foi o segundo assunto Dizem que amor com amor se paga; e o mais certo é que
amor com amor se apaga.”
28
Décima Terceira Conferência: (22 de outubro de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o primeiro assunto celebrar os anos de sua Majestade que Deus guarde”
Segundo Assunto (lírico):
“Foi o segundo assunto uma Açucena
Décima Quarta Conferência: (12 de novembro de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o primeiro assunto o Estado do Brasil contendendo com o da Índia sobre qual
deve mais ao governo do Excelentíssimo Senhor Vice-Rei Vasco Fernandes César
de Meneses”
Segundo Assunto (lírico):
“Foi o segundo assunto uma dama que tomando o fresco em um jardim quando viu
pôr o Sol começou a chorar”
Décima Quinta Conferência: (26 de novembro de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o 1º assunto Cipião desterrado de Roma”
Segundo Assunto (lírico):
“Foi o segundo assunto Anaxarte convertida em pedra”
Décima Sexta Conferência: (27 de dezembro de 1724)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o primeiro assunto a modéstia de Alexandre Magno quando se lhe houveram
de apresentar a mulher, mãe e filhas de Dario vencido”
Segundo Assunto (lírico):
“Foi o segundo assunto Pirene transformada em fonte.”
Décima Sétima Conferência: (21 de janeiro de 1725)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o primeiro assunto Diógenes buscando com uma luz nas horas do dia um
homem na Praça de Atenas”
Segundo Assunto (lírico):
“Foi o segundo assunto um cego trazendo às costas a um coxo, que o governava
com a vista, ajudando-se reciprocamente para a comodidade de ambos”
Décima Oitava Conferência: (4 de fevereiro de 1725)
Primeiro Assunto (heróico):
“Foi o primeiro assunto as damas de Cartago dando as tranças de seus cabelos para
enxárcias de uma armada contra seus inimigos”
Segundo Assunto (lírico):
Foi o segundo assunto o inspirado [retiro], que fez de Lisboa o Padre Bartolomeu
em 25 de setembro”
29
Sebastião da Rocha Pita participou intensamente das atividades acadêmicas;
presidiu a Segunda Conferência e compôs poemas para todas as sessões e, com exceção da
penúltima conferência e da última, compôs poemas sobre todos os assuntos dados. Na
última conferência, compôs um soneto sobre o assunto heróico, mas não compôs sobre o
lírico. Como esta conferência, aparentemente, aconteceu em condições precárias, pois
comporta um número menor de poemas do que todas as outras sessões e, como que em
substituição, admitiu poesias de “assuntos próprios”,
38
Rocha Pita compôs para a ocasião o
já mencionado soneto “Na suspensão que faz a nossa Academia com a última
conferência.”
39
Além disso, dentro do espírito acadêmico, escreveu sua obra mais célebre, a
História da América Portuguesa, que foi publicada em 1730.
38
Cf. CASTELLO, 1969, v.I, t.4, p.242-256.
39
Cf. CASTELLO, 1969, v.I, t.4, p.252-253.
30
31
CAPÍTULO II
ROCHA PITA E SUA OBRA
32
II. 1. A obra de Rocha Pita
Sebastião da Rocha Pita é mais conhecido como historiador, devido à História da
América Portuguesa; mas, também foi poeta, como muitos de seus contemporâneos
dotados de inteligência orientada e educada, na sociedade setecentista do Brasil colônia.
Além disso, escreveu outros textos em prosa, tendo publicado alguns deles ainda em vida.
Segundo Pedro Calmon, foi ele “o segundo poeta natural do Brasil a dar aos prelos a sua
obra”,
40
dando seqüência à tradição começada, em 1705, por Manuel Botelho de Oliveira,
com a publicação de Música do Parnasso. De acordo com as informações contidas numa
das obras de referência mais recentemente publicadas, o Dicionário de Autores no Brasil
Colonial (Lisboa: Colibri, 2003), de Palmira Morais Rocha de Almeida, Rocha Pita
escreveu um Breve Compendio, e Narraçam do Funebre Espectaculo, que na insigne
Cidade da Bahia, cabeça da America Portugueza, se vio na morte de ElRey D. Pedro II. de
gloriosa memoria, S. N. Offerecido À Magestade do Serenissimo Senhor Dom Joam V. Rey
de Portugal (Lisboa: Officina de Valentim da Costa Deslandes, Impressor de Sua
Magestade, 1709). Esse texto também foi publicado em 1970 por José Aderaldo Castello no
primeiro tomo do terceiro volume, dedicado aos festejos públicos comemorativos, de O
Movimento Academicista no Brasil: 1641-1820/22 – edição à qual Palmira Morais Rocha
de Almeida não faz referência.
Constam ainda, da mencionada obra de referência, outras obras em prosa publicadas
pelo autor: o Summario Da Vida, & Morte da Excellentissima Senhora, A Senhora Dona
Leonor Josepha de Vilhena, e das Exequias que na Cidade da Bahia consagrou às suas
memorias A Senhora D. Leonor Josepha de Menezes, Esposa do Gonçalo Ravasco
Cavalcanty & Albuquerque, Fidalgo da Casa de S. Magestade, Commendador da Ordem
de Christo, Alcayde mòr da Cidade de Cabo Frio, Secretario do Estado, & Guerra do
Brasil, Offerecido Á Excellentissima Senhora, A Senhora Dona Maria Francisca Bonifacia
de Vilhena, Filha dos Excellentissimos Senhores, o Senhor D. Rodrigo da Costa, & da
Excellentissima Senhora, a Senhora D. Leonor Josepha de Vilhena, (Lisboa: Officina de
Antonio Pedrozo Galram, 1721); e a celebrada Historia da America Portugueza, desde o
anno de mil e quinhentos do seu descobrimento, até o de mil e setecentos e vinte e quatro
(Lisboa: Officina de Joseph Antonio da Silva, Impressor da Academia Real, 1730).
40
CALMON, in PITA, 1970, p.X.
33
O Summario Da Vida, & Morte da Excellentissima Senhora, A Senhora Dona
Leonor Josepha de Vilhena, e das Exequias que na Cidade da Bahia consagrou ás suas
memórias... contém
Extrato da vida e descrição das exéquias de D. Leonor Vilhena
(sem assinatura, p.1 a 15); versos de Rocha Pita (p.17 a 22).
Sonetos do padre Manuel Ferreira da Luz, promotor do
arcebispado da Bahia (p.23 a 28). Sonetos do capitão Tomé
Monteiro de Faria (p.29 a 31). Sonetos em espanhol de João de
Brito Lima (p.32 a 41). Sonetos do licenciado Lopes de Ulhoa
(p.42 a 46). Soneto de Maldonado (p.47). Sonetos de Paulo da
Costa Brandão (p.48 e 49). Soneto de Jerônimo Rodrigues de
Castro (p.50). Soneto de Francisco Pinheiro Barreto (p.51).
Glosa de Camões (p.52 a 57). Soneto sem assinatura (p.58).
Sonetos e romances em português e espanhol por André
Figueiredo Mascarenhas (p.59 a 78).
41
Como se vê pela descrição da obra, trata-se de um evento acadêmico que, provavelmente
pelas palavras iniciais de seu título (Summario Da Vida, & Morte da Excellentissima
Senhora, A Senhora Dona Leonor Josepha de Vilhena...), escapou a José Aderaldo Castello
– que não o incluiu em sua obra monumental O Movimento Academicista no Brasil: 1641-
1820/22.
Há dois outros textos em prosa que, apesar de serem obras do escritor, não foram
por ele publicados; só vieram à luz no século XX: Tratado Político, datado de 7 de
setembro de 1715, publicado, sob o titulo O Tratado Político de Sebastião da Rocha Pitta,
por Heitor Martins, na separata do volume IV das Actas do V Colóquio Internacional de
Estudos Luso-Brasileiros, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1966;
42
e, por último, a Oração
Do Acadêmico Vago Sebastião da Rocha Pita Presidindo na Academia Brasílica,
pronunciada na segunda conferência da Academia, realizada em 7 de maio de 1724. Essa
Oração...o consta do Dicionário de Autores no Brasil Colonial; foi publicada por José
Aderaldo Castello no primeiro tomo do primeiro volume, dedicado às academias, de O
Movimento Academicista no Brasil: 1641-1820/22.
43
Essa Oração... pode ser encontrada
no Anexo a esta dissertação.
41
MORAIS, 1969, p.290.
42
Cf. ALMEIDA, 2003, p.335.
43
Cf. CASTELLO, 1969 v.I, t.1, p.131-140.
34
Quanto à poesia, Rocha Pita publicou:
a) um soneto “Ao Capitam Felix de Azevedo da Cunha, sobre o Memorial com que
implorou perdão para que hum prezo não fosse desterrado”, que começa por “Esse na vossa
fama sempre agudo”, na obra Patrocínio Emprenhado Pelos clamores de hum prezo...
Escrito por Felix de Azevedo d’A Cunha (Lisboa: Officina de Valentim da Costa
Deslandes, Impressor de Sua Magestade, 1706);
b) um soneto “Ao Tumulo, que ao Serenissimo Senhor Dom Pedro Segundo se fez
na Cidade da Bahia Cabeça do Brasil, porção mayor do Imperio Lusitano”, que começa por
“Este horroroso Alcacer da saudade”; um soneto “À Imagem da Morte, que sobre o Tumulo
estava coroada, tendo em huma mão a Fama, & na outra a Eternidade”, que começa por
“Oh tu, que do poder fazes vaidade”; um soneto “Em a morte do Serenissimo Senhor Dom
Pedro Segundo Rey de Portugal”, que começa por “Oh Rey, por cujo amparo o Luso
clama”; um romance em espanhol “Al Mausoleo ardiendo en fuegos, y vistiendo lutos”,
que começa por “Compendio de luz, y sombra” – todos publicados no já mencionado Breve
Compendio, e Narraçam do Funebre Espectaculo, que na insigne Cidade da Bahia, cabeça
da America Portugueza, se vio na morte de ElRey D. Pedro II. de gloriosa memória...;
c) um soneto “Ao Capitam Joam de Brito & Lima descrevendo em quatro metricos
Cantos as festas, que nesta Cidade da Bahia se fizerão ao Excelentissimo Senhor Marquez
ViceRey pelo nascimento de hum Neto, preclarissimo herdeyro da sua casa”, que começa
por “Quando o triunfo descreveis luzido”; um soneto “Ao Desembargador Caetano de Brito
de Figueyredo sobre a narração das festas, que na Cidade da Bahia se fizerão ao
Excellentissimo Senhor Marquez de Angeja, pelo nascimento de hum Neto, dirigidas, &
ordenadas pelo Mestre de Campo João de Araújo de Azevedo”, que começa por “Quanto
obrou em obsequios a Bahia” – publicados na obra Applausos Natalícios com que a Cidade
da Bahia celebrou a notícia do felice Primogenito do excellentissimo senhor Dom Antonio
de Noronha... Escrita por João de Brito Lima (Lisboa, Officina de Miguel Manescal,
Impressor do Santo Officio, & da Sereníssima Casa de Bragança, 1718);
d) um soneto “No tumulo, & exequias da Excellentissima Senhora D. Leonor
Josepha de Vilhena”, que começa por “Este fermoso horror, esta clausura”; um soneto
intitulado “Epitáfio à Excellentissima Senhora Dona Leonor Josepha de Vilhena”, que
começa por “Foy Leonor no mayor reyno gerada”; um soneto “Ao Excelletissimo Senhor
35
Dom Rodrigo da Costa”, que começa por “Senti, oh grande Heroe que na grandeza”; duas
décimas “Ao cadáver em os lumes, & aromas do Mausoleo”, cujos primeiros versos são
“Bellesa Ufana, & rendida” e “Entre alentos, & desmaios”; um romance em espanhol “Al
Mausoleo”, que começa por “Noble aparato engañozo, / Que con luz infausta brillas” –
todos publicados no já mencionado Summario Da Vida, & Morte da Excellentissima
Senhora, A Senhora Dona Leonor Josepha de Vilhena, e das Exequias que na Cidade da
Bahia consagrou ás suas memorias A Senhora D. Leonor Josepha de Menezes;
44
e) cinqüenta e seis sonetos; cinco romances, um deles em castelhano; quatro poemas
em décimas, num total de dezesseis décimas; um poema em tercetos (terza rima) e uma
endecha
45
(dezesseis estâncias) – todos publicados por José Aderaldo Castello nos quatro
primeiros tomos do primeiro volume da série O movimento academicista no Brasil 1641-
1820/22.
46
A obra de Rocha Pita decorrente de sua participação na Academia Brasílica dos
Esquecidos foi impressa pela primeira vez no conjunto de obras publicadas por José
Aderaldo Castello, acima mencionado. Esse conjunto, que constitui o objeto de estudo
deste trabalho, encontra-se reunido no Anexo a esta dissertação, do qual consta, ao final,
um índice dos poemas pelo primeiro verso.
Isso é tudo que positivamente conhecemos da obra de Sebastião da Rocha Pita.
II. 2. Alguns problemas relativos à história dos textos
A literatura brasileira do período colonial (séculos XVI, XVII e XVIII.) sempre se
apresentou como um grande desafio aos pesquisadores que, desde o século XIX, vêm
trabalhando com o objetivo de recuperar o nosso passado cultural e corrigir as falhas e
distorções que existem nos conhecimentos sobre as obras produzidas durante aqueles
séculos.
Como se sabe, a partir do início do século XIX surgiram numerosos estudos
geográficos e históricos que tinham por objetivo conhecer o território brasileiro e o passado
44
Cf. ALMEIDA, 2003, p.334-336.
45
Endecha: composição poética sobre assunto melancólico, formada de estâncias de quatro versos de cinco ou seis
sílabas. A mesma palavra (“endecha”), entretanto, pode designar apenas uma quadra. À endecha de mais de uma estância,
costuma-se dar o nome de “endechas”, para distingui-la da estrofe que leva esse nome. Para evitar mal-entendidos,
empregou-se aqui o termo para designar um poema de dezesseis estâncias, embora ele traga, em seu cabeçalho, a palavra
no plural. (Cf. HOUAISS, 2001, p.1140; MOISÉS, 1974, p.172.)
46
Cf. CASTELLO, 1969-1971, passim.
36
nacional – criando-se, assim, uma imagem territorial do país e uma história para a nação
brasileira. Esse esforço contribuiu para que o país deixasse sua condição de colônia e se
consolidasse como estado independente. Após a independência do Brasil, muitos estudiosos
passaram a se dedicar à difícil tarefa de construir uma identidade cultural para o país.
Faziam parte desse empreendimento a elaboração de valores nacionais e a recuperação da
produção cultural e literária do passado. Data dessa época o incessante desejo dos
brasileiros de conhecer o Brasil.
Apesar de todos os esforços realizados, muitos dos problemas relativos ao passado
do país continuam demandando atenção. O Brasil vem emergindo muito lentamente da
condição colonial. A inexistência de imprensa e as severas restrições à circulação de livros
e à educação impostas pela metrópole à colônia foram fatores que contribuíram para que
boa parte do que foi escrito naquele período se perdesse ou ficasse esquecido em
bibliotecas e arquivos.
No século XIX, Joaquim Norberto de Sousa Silva, um dos precursores dos estudos
literários do período colonial, queixando-se da escassez de fontes, afirmou:
...não tivemos a que nos socorrer para multiplicações das cópias
das obras devidas à pena de nossos autores, e daí a perda de
tantos inéditos de estima, que mandados à Europa, para serem
publicados, eram entregues à incerteza e vagares da navegação,
acontecendo que por mais de uma vez fossem as embarcações,
que os conduziam – ou presas de corsários e piratas, que tudo
roubavam e inutilizavam, ou de naufrágios e incêndio, que tudo
consumiam –, originando-se o ser o catálogo das obras perdidas
mais extenso, que o das existentes...
47
Ferdinand Wolf, autor do primeiro livro de história literária brasileira, em 1863,
também se queixava de que a literatura brasileira até aquele momento não despertava
atenção das pessoas por um motivo muito singular, que é o de “suas fontes de estudo serem
inacessíveis.”
48
Ainda em nosso tempo, como salientava Heitor Martins em texto de 1963,
49
as
informações que temos sobre a literatura do período colonial são esparsas e algumas delas
vagas, o que representa uma grande lacuna em nossa história. No tocante às obras literárias
47
SILVA, Joaquim Norberto de Sousa, 2001, p.37-38.
48
WOLF, 1955, p.3.
49
Cf. MARTINS, Heitor, 1972, p.13.
37
daqueles tempos, a maioria continua desconhecida, em manuscritos que não são facilmente
acessíveis ou em edições raríssimas. Gregório de Matos, por exemplo, ainda espera uma
edição crítica de sua obra; Manuel Botelho de Oliveira, outro exemplo, continua pouco
estudado, apesar de existirem algumas edições de sua obra. Completamente esquecidos, por
ironia, estão os poetas acadêmicos – que se denominaram “esquecidos”. A crítica literária,
de modo simplista, além de tratá-los em grupo, classifica-os de gongóricos; e nada mais.
Nesse campo de pesquisa ainda há muito por ser feito e o desafio enfrentado pelos críticos e
historiadores dos séculos passados persiste em nosso tempo.
Tratando-se da obra poética de Rocha Pita, a situação ainda é grave: primeiro,
porque a maior parte de sua poesia só foi reunida e publicada na segunda metade do século
XX, ou seja, com dois séculos de atraso; segundo, porque até mesmo as informações de que
dispomos de sua produção poética, em obras de referência, não são confiáveis, nem claras,
nem precisas. Além disso, não é raro encontrar-se a mesma informação sobre o escritor
Rocha Pita em vários historiadores e biógrafos – evidência de que ao longo dos anos não
houve trabalho de investigação da produção literária do escritor, mas simples reprodução
acrítica de informações às vezes equivocadas. Se falta rigor nos procedimentos de
investigativos acerca da obra do escritor, maior ainda é a carência de estudos analíticos e
interpretativos.
Talvez o primeiro bibliógrafo a registrar informações sobre a obra poética de Rocha
Pita seja Diogo Barbosa Machado, em sua Biblioteca Lusitana (v.3, 1752). Ele consigna as
seguintes obras: os três sonetos e o romance castelhano que constam da obra Breve
Compendio, e Narraçam do Funebre Espectaculo, que na insigne Cidade da Bahia cabeça
da America Portugueza se vio na morte delRey D. Pedro II...; e os três sonetos, as duas
décimas e o romance que foram publicados no Summario Da Vida, & Morte da
Excellentissima Senhora D. Leonor Josefa de Vilhena... Pode-se perceber que o
esclarecimento que Machado faz a respeito da obra de Rocha Pita, conforme levantamento
feito no item anterior, não contém erros, embora não esteja completo. Como já se observou
no capítulo anterior, apesar de Inácio Barbosa Machado, irmão do bibliógrafo, haver
pertencido à Academia Brasílica dos Esquecidos como sócio fundador e um de seus
mestres, não há, na Biblioteca Lusitana, qualquer referência a essa instituição.
38
Inocêncio Francisco da Silva, no seu precioso Dicionário Bibliográfico Português,
no verbete dedicado à produção literária de Rocha Pita, registra apenas as obras poéticas
que o escritor publicou em vida: Breve Compendio, e Narraçam do Funebre Espectaculo...
e Sumário Da Vida, & Morte da Excllentissima Senhora D. Leonor.
50
No Brasil, o primeiro historiador literário a dar notícia da produção poética de
Rocha Pita foi Francisco A. de Varnhagen. No Florilégio da Poesia Brasileira, no
Apêndice ao terceiro tomo (1853), foram reproduzidos os três sonetos e o romance em
castelhano que haviam sido publicados no folheto Breve Compendio, e Narraçam do
Funebre Espectaculo...
51
Fernandes Pinheiro, em 1868, num texto intitulado “A Academia Brasílica dos
Esquecidos”, publicado na Revista Trimestral do Instituto Histórico, Geográfico e
Etnográfico do Brasil, reproduz, a partir dos manuscritos por ele examinados, um soneto de
Rocha Pita, cujo primeiro verso é “Pondero a emudecida formosura”. Este poema foi lido
na terceira sessão da Academia Brasílica, datada de 21 de maio de 1724.
52
Melo Morais Filho foi o primeiro a reunir amostras das obras de dez poetas da
Academia Brasílica dos Esquecidos. Em 1885, no primeiro volume de seu Parnaso
Brasileiro, incluiu, de Rocha Pita, um soneto, cujo primeiro verso é “A pompa mais gentil
da natureza” e as “Endechas”, cujo primeiro verso é “Seja o verso pequeno” – ambos
produzidos e lidos nas sessões da Academia.
53
Hernâni Cidade informa, no verbete dedicado a Rocha Pita do Dicionário de
Literatura dirigido por Jacinto do Prado Coelho, que o professor baiano Hélio Simões
“desencantou” versos recitados na Academia Brasílica dos Esquecidos. Pelos versos
transcritos por ele, sabemos que o professor mencionado publicou os seguintes sonetos:
“Em louvor dos Senhores Acadêmicos da nossa Academia Brasílica no dia em que ela se
abre”, cujo primeiro verso é “Nobres Atletas, que em gentil porfia”, lido na primeira
conferência, que ocorreu em 23 de abril de 1724; e “Descrição de uma Açucena”, cujo
primeiro verso é “Essa flor, cuja Holanda veste Flora”, lido na décima conferência,
50
Cf. SILVA, Inocêncio Francisco da, 1862, t.VII, p.222-223
51
Cf. VARNHAGEN, 1987, t.III, p. 211-216.
52
Cf. PINHEIRO, 1868, t.XXXI, p.5-32.
53
Cf. MORAIS FILHO, 1885, v.1, p.86-107.
39
realizada em 22 de outubro de 1724.
54
O erudito português não revela a fonte de sua
informação, já que a única referência bibliográfica fornecida por ele em seu verbete é a
obra Os Varões Ilustres do Brasil (edição de 1858), de João Manuel Pereira da Silva – e os
trabalhos de Hélio Simões não poderiam, por datarem do século XX, serem conhecidos
daquele autor. Provavelmente, Hélio Simões divulgou outros poemas de Rocha Pita – não
dispomos de informações precisas sobre isso.
Também reuniu vinte e dois poetas acadêmicos esquecidos Péricles Eugênio da
Silva Ramos, em Poesia Barroca: Antologia (1967). Da produção acadêmica de Rocha
Pita, publicou treze sonetos – cujos primeiros versos são “Mudou o Sol o Berço
refulgente”, “A ver do Sol o novo nascimento”, “Monarca Augusto da ciência amante”,
“Tenro infante composto de Alma, e Neve”, “Quando Fílis as lágrimas bebia”,
“Atropelando os faustos da vaidade”, “Essa flor, cuja Holanda veste Flora”, “Hoje faz anos,
faustos, e constantes”, “O desvelo maior tem aplicado”, “Fala o Mar no contínuo
movimento”, “Deste Apotema vigilante, e cego”, “Com termo impróprio de corresponder”
e “A pompa mais gentil da Natureza” – e as endechas – cujo primeiro verso é “Seja o verso
pequeno”.
Em sua Antologia da Poesia do Período Barroco, publicada em Lisboa, no ano de
1982, Natália Correia também reuniu poemas de Rocha Pita. Ela publicou oito sonetos –
cujos primeiros versos são “Quando Fílis as lágrimas bebia”, “Com termo impróprio de
corresponder”, “O desvelo maior tem aplicado”, “Tenro infante composto de Alma, e
Neve”, “Essa flor, cuja Holanda veste Flora”, “Fala o Mar no contínuo movimento”, “Deste
Apotema vigilante, e cego”, e “A pompa mais gentil da Natureza”, e as endechas – cujo
primeiro verso é “Seja o verso pequeno”. Todos esses poemas já tinham sido publicados
por Péricles Eugênio da Silva Ramos em sua obra Poesia Barroca: Antologia.
A publicação da totalidade da produção acadêmica do poeta Rocha Pita só ocorreu
nos quatro primeiros tomos (1969-1971), dos cinco dedicados à Academia Brasílica dos
Esquecidos, da obra Movimento Academicista no Brasil 1641-1820/22 – publicação
planejada e supervisionada por José Aderaldo Castello.
Uma questão – que passaremos a examinar – parece-nos não resolvida, ou, pelo
menos, não debatida pela crítica e pela historiografia literária brasileiras. Consiste ela em
54
Cf. CIDADE, in COELHO, 1973, v.2, p.832-833; CASTELLO, 1969-1971, v.I, t.1-5.
40
certa informação bibliográfica, aparentemente surgida em meados do século XIX,
relacionada à obra de Rocha Pita.
João Manuel Pereira da Silva, em seu livro Plutarco Brasileiro, publicado em 1847,
apresenta um dado novo sobre a bibliografia do escritor: ele afirma que Rocha Pita
escrevera um “romance imitativo do Palmeirim de Inglaterra.
55
Essa informação, relativa
a um romance à moda de Palmeirim de Inglaterra, não a encontramos em nenhum
historiador anterior a ele.
Em 1849, num artigo sobre Rocha Pita publicado no tomo XII da Revista Trimensal
de História e Geografia do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, João Manuel Pereira
da Silva insiste na mesma informação que já havia apresentado em sua obra de 1847: ele
diz que Rocha Pita escrevera um “romance imitativo do Palmeirim de Inglaterra.”
56
Joaquim Fernandes Pinheiro, em seu Curso Elementar de Literatura Nacional,
transmite a mesma informação: ele afirma que, além de seu trato com as musas, Rocha Pita
escreveu “na língua castelhana um romance à imitação do Palmeirim em Inglaterra, que
nenhum sucesso obteve.”
57
No que diz respeito à produção poética, o autor apenas
menciona que Rocha Pita escreveu versos. Chama a atenção o fato de Pereira da Silva e
Fernandes Pinheiro não citarem suas fontes, assim como não dizem se a obra foi publicada
ou não.
Ferdinand Wolf, em O Brasil Literário, datado de 1863, também afirma que Rocha
Pita “escreveu, além de algumas poesias (...), um romance de cavalaria no gênero ‘O
Palmeirim da Inglaterra.’”
58
Imediatamente em seguida a essa informação, Wolf, em sua
obra, introduz uma chamada para nota de rodapé (nota nº 55), em que cita Barbosa
Machado e as obras por ele registradas. Não se explica, portanto, a origem da notícia sobre
um romance à maneira do Palmeirim de Inglaterra. Vale lembrar, a propósito da discussão
em torno dessa possível obra de Rocha Pita, que Ferdinand Wolf declara, no prefácio de
seu livro, que recebeu conselhos e grande ajuda de seus amigos brasileiros, sob a forma de
material bibliográfico.
59
Eram seus amigos os brasileiros Gonçalves de Magalhães, Manuel
de Araújo Porto-Alegre e Ernesto Ferreira França. Observa-se, assim, o caráter vago, sem
55
SILVA, J. M. Pereira da, 1847, p. 65-66.
56
SILVA, J. M. Pereira da, 1849, t.XII, p.260.
57
PINHEIRO, 1862, p.284.
58
WOLF, 1955, p.53.
59
Cf. WOLF, 1955, p.3-5.
41
sustentação, e a provável origem brasileira das informações disponíveis para o autor de O
Brasil Literário acerca desse suposto romance de cavalaria.
Em Os Varões Ilustres do Brasil Durante os Tempos Coloniais, J. M. Pereira da
Silva, após dizer que Rocha Pita se cansou com facilidade do trabalho com versos, sem
citar pelo menos um texto poético saído da pena do escritor, também afirma que Pita
“escreveu na língua castelhana, por ser mais geral e conhecida, um romance imitativo do
Palmeirim de Inglaterra”.
60
A obra de Pereira da Silva aqui citada teve uma outra edição,
em 1858, feita em Paris, anterior à consultada por nós, que é de 1868.
61
Antonio Candido
esclarece que essa obra é reedição do Plutarco Brasileiro, que havia sido publicado por
Pereira da Silva em 1847. Segundo Candido, “quase todas as biografias são de intelectuais,
abundando os erros e leviandades, muitos dos quais assinalados em IFS [Inocêncio
Francisco da Silva]”
62
.
Inocêncio Francisco da Silva, além de assinalar, em sua obra, alguns equívocos
cometidos pelo autor de Os Varões Ilustres do Brasil, declara, ainda, que a autenticidade
dos fatos registrados neste livro é, às vezes, questionável:
Longe de mim a idéa de pretender nem remotamente offuscar a
valia e merito da obra, que sou o primeiro a reconhecer, e que já
conta em seu abono tantos e tão abalisados testemunhos.
Todavia, a justa veneração que por diversos titulos consagra ao
Sr. dr. Pereira da Silva, não me impedirá de dizer, que muito
desejaria que ele tivesse procedido com mais severo escrupulo
na verificação de alguns factos, e datas, que nem sempre estão
de acordo com a verdade sabida.
63
José Veríssimo, um pouco mais contundente, em sua História da Literatura
Brasileira, afirma que: “Pereira da Silva nenhuma confiança e pouca estima merece
como historiador literário. Nunca investigou seriamente cousa alguma e está cheio de
erros de fato e de apreciação já no seu tempo indesculpáveis.”
64
Caberia, portanto, a essa altura, a seguinte indagação: seria Pereira da Silva a fonte
da informação de que Rocha Pita teria escrito um romance de cavalaria?
60
SILVA, J. M. Pereira da, 1868, t.1, p.179.
61
Cf. BLAKE, 1895, v.3, p.479-485.
62
CANDIDO, 1981, v.2, p.390.
63
SILVA, Inocêncio Francisco da, 1859, t. III, p. 409.
64
VERÍSSIMO, 1954, p. 24.
42
A reprodução dessa informação aparece nas seguintes obras: Joaquim Manuel de
Macedo, no Anno Biographico Brazileiro (1876); Eduardo Perié, em A Literatura
Brasileira nos Tempos Coloniais: do Século XVI ao Começo do XIX (1885); Sílvio
Romero, na História da Literatura Brasileira (1888); Sacramento Blake, no Dicionário
Bibliográfico Brasileiro (v.7, 1902); J. V. Boscoli, nas Lições de Literatura Brasileira
(1912); Haroldo Paranhos, na História do Romantismo no Brasil: 1500-1830 (1937) e
Raimundo de Meneses, no Dicionário Literário Brasileiro (1978). Merece destaque, nessa
lista, a obra clássica de Sílvio Romero, onde se lê: “[Rocha Pita] Escreveu novelas
medíocres e maus versos.”
65
Como se vê, além da sumária e negativa avaliação de sua
poesia, “romance” virou “novelas”, no plural.
Alguns autores, mais criteriosos, não confirmam essa notícia. Pode-se enumerar:
Diogo Barbosa Machado, Inocêncio Francisco da Silva, José Veríssimo, Artur Mota, os
colaboradores de Afrânio Coutinho na obra coletiva A Literatura no Brasil, Péricles
Eugênio da Silva Ramos e Massaud Moisés.
José Veríssimo conclui assim a Introdução à sua História da Literatura Brasileira
(1916), marcando posição frente à História de Sílvio Romero e declarando seu método:
Com diverso conceito do que é literatura, e sem fazer praça de
filosofia ou estética sistemática, aponta esta [minha História da
Literatura] apenas a fornecer aos que porventura se interessem
pelo assunto uma noção tão exata e tão clara quanto em meu
poder estiver, do nosso progresso literário, correlacionado com a
nossa evolução nacional. E foi feita, repito-o,
desenganadamente, no estudo direto das fontes, que neste caso
são as mesmas obras literárias, todas por mim lidas e estudadas,
como aliás rigorosamente me cumpria.
66
Massaud Moisés, por sua vez, repetindo a observação de Pedro Calmon, acrescenta
que Rocha Pita foi o “segundo poeta brasileiro que viu estampadas suas produções
líricas
.”
67
Outro fato curioso acontece na História da Literatura Brasileira, de José Veríssimo.
Ao descrever as obras escritas por Rocha Pita, diz ele que “Além de um romance em verso,
que parece haver merecido pouca estimação, deu à luz, em Lisboa, duas obras
65
ROMERO, 1943, t.2, p.62.
66
VERÍSSIMO, 1954, p.25.
67
MOISÉS, 1997, p.174.
43
pequenas...”.
68
Na descrição de José Veríssimo a palavra “verso” se segue à palavra
“romance”. É a primeira vez, nas histórias literárias, que a palavra “verso” se associa à
palavra “romance”, sem qualquer referência ao romance Palmeirim de Inglaterra, deixando
claro que a palavra “romance”, nesse contexto, designa uma forma poética.
A convicção, por parte de diversos críticos e historiadores literários, de que Rocha
Pita teria escrito um romance em prosa, nos moldes do Palmeirim de Inglaterra, de
Francisco de Morais, pode estar relacionada a um entendimento inadequado do termo
“romance”. O fato é que Rocha Pita escreveu vários romances, mas em versos, alguns deles
em castelhano. Tal forma poética, muito praticada naquele século, não corresponde ao
romance como o conhecemos: forma narrativa em prosa. Trata-se, portanto, da forma
poética denominada romance – “composição poética tipicamente espanhola, de origem
popular, (...), geralmente em versos de sete sílabas ou redondilhos maiores.”
69
Talvez essa
tenha sido a causa da confusão criada com a palavra “romance”, pois não há nenhum outro
indício que possa nos esclarecer de onde tenha saído essa notícia e, muito menos, por que
ela foi vinculada ao Palmeirim de Inglaterra. Entendemos que é preciso identificar a
ocorrência desses mal-entendidos e procurar, através de pesquisas, retificar essas distorções
da história literária brasileira, para que saiamos do campo movediço das conjecturas.
Pode-se perceber, a partir desse pequeno levantamento historiográfico sobre a obra
de Rocha Pita, como são duvidosos os registros que temos a respeito das letras brasileiras
no período colonial. A notícia de que Rocha Pita teria escrito um romance, em castelhano, à
moda de Palmeirim de Inglaterra, que vem sendo repetida ao longo dos anos, talvez seja
um bom exemplo para ilustrar a situação. Como se viu, diversos críticos e historiadores que
escreveram sobre as letras no Brasil colonial apresentam essa informação entre as outras –
o que lhe confere o estatuto de verdadeira. Apesar de darmos, neste estudo, como primeiro
registro dessa informação a obra de João Manuel Pereira da Silva, Plutarco Brasileiro
(1847), não podemos afirmar com certeza ter sido este o primeiro texto em que aparece essa
informação.
68
VERÍSSIMO, 1954, p.99.
69
MOISÉS, 1974, p.451.
44
Tudo leva a crer que tal notícia talvez não passe de deturpação da informação,
constante da bibliografia de Rocha Pita desde a publicação da Biblioteca Lusitana, de que o
nosso autor havia escrito um romance em castelhano.
II. 3. A recepção da obra poética de Rocha Pita
A carência de trabalhos de pesquisa histórico-literária sobre o período colonial
brasileiro, incluindo a raridade de estudos de fontes primárias e de edições de textos, além
criar lacunas em nosso passado cultural, por não nos permitir um conhecimento direto das
produções literárias daquele período, colabora para o surgimento de um outro problema: o
da transmissão de informações com base em fontes secundárias – o que pode ser fonte de
muitos erros e implica a aceitação pacífica de julgamentos de valor feitos por outros
estudiosos em outras épocas.
Nos séculos passados, não se tentou realizar um exame direto da obra poética de
Sebastião da Rocha Pita, com o objetivo de dá-la a conhecer em seu conjunto e de legar às
gerações futuras uma apreciação crítica do trabalho desse escritor. O que há, desde
Ferdinand Denis aos dias atuais, são comentários superficiais sobre a poesia de Rocha Pita
– uma vez que inexiste a crítica de sua poesia baseada no exame direto dela. Classificá-lo
como gongórico foi a solução encontrada pelos críticos literários de todas as épocas para
qualificar a poesia de Rocha Pita como ruim. Tal avaliação, transmitida de geração a
geração, sem o retorno ao objeto de estudo, acabou por relegá-la ao esquecimento.
Há muito, estudiosos como Wilson Martins, autor de um dos mais célebres livros
escritos no Brasil, a História da Inteligência Brasileira, e Heitor Martins, a quem coube a
tarefa de preparar a edição do Tratado Político escrito por Rocha Pita em 1715, chamam a
atenção dos críticos literários, e dos leitores de uma maneira geral, para a necessidade de
uma reavaliação da obra do escritor e poeta. De acordo com o primeiro, “Sebastião da
Rocha Pita é um escritor que está exigindo urgente releitura e, com certeza, profunda
reavaliação
70
. O segundo ressalta “a necessidade de rever toda a obra de Rocha Pita, pois
ela representa um valor histórico (e ideológico) intocado até o presente.”
71
70
MARTINS, Wilson, 1978, p. 308.
71
MARTINS, Heitor, 1972, p.14.
45
Acreditamos que a reavaliação do movimento academicista em geral, e das
atividades da Academia Brasílica dos Esquecidos em particular, tem em Rocha Pita uma
excelente motivação: em primeiro lugar, por ele ter sido um homem importante em sua
época; em segundo, por sua produção poética decorrente de seu engajamento nas atividades
acadêmicas – produção que, como as de seus companheiros de Academia, permaneceu
“esquecida”; em terceiro, por ser autor do primeiro tratado político escrito por um
brasileiro; e, por fim, por ser o autor da celebrada História da América Portuguesa – obra
que fez fortuna na posteridade. A importância do homem, do pensador, do historiador e do
poeta muito bem nos pode ajudar a entender melhor o seu tempo – período controvertido,
que tem sido objeto de incompreensões e polêmicas.
O que não se deve fazer é insistir na crença de que todos os poetas que pertenceram
à Academia Brasílica dos Esquecidos eram intelectualmente medíocres e péssimos
versejadores. O fato é que não há estudos críticos das produções literárias desses escritores.
Antes de qualquer julgamento de valor da literatura dessa época, além do estudo detido dos
textos, é preciso tentar compreender o lugar do letrado colonial na estrutura do Estado luso-
brasileiro – altamente hierarquizado. Segundo João Adolfo Hansen,
Para definir o letrado colonial, é preciso, enfim, determinar o
valor ou os valores da sua representação numa sociedade de
ordens em que a pessoa e sua posição se definem por
pertencerem a um grupo, a uma ordem ou um estamento, pela
representação e como representação, mais que por seus atributos
individuais. [...] A representação colonial não conhece,
evidentemente, a divisão dos regimes discursivos produzida a
partir do Iluminismo: não é “literária”, objeto de uma estética
que teorize sua contemplação desinteressada. Seu fundamento é
o substancialismo da metafísica neo-escolástica...
72
Além disso, não se pode perder de vista as condições concretas de produção do
discurso poético nas academias literárias do Brasil colonial.
Pretende-se, aqui, apresentar uma breve revisão das opiniões que teve a crítica, ao
longo dos anos, sobre a faceta de poeta de um letrado colonial: o escritor Rocha Pita. Para
isso, foram selecionados alguns dos nomes mais significativos que cuidaram de pensar a
produção literária do período colonial brasileiro.
72
HANSEN, 2001, p.45-46.
46
A primeira avaliação da produção poética de Rocha Pita de que temos notícia está
registrada no “Ensaio histórico sobre as letras no Brasil”, que Varnhagen antepôs, a título
de Introdução, ao Florilégio da Poesia Brasileira (1850). Nesse texto, diz Varnhagen que
Rocha Pita havia “composto poesias, pelas quaes pouco se recommenda o auctor
bahiano.”
73
Como se vê, a opinião sobre as poesias não era boa.
74
Em 1862, escreveu o cônego Fernandes Pinheiro, em seu Curso Elementar de
Literatura Nacional:
Não entregou-se Rocha Pita á ociosidade habitual á mór parte dos
nossos fazendeiros; compartilhando o seu tempo entre as
occupações ruraes e o tracto das musas, que summamente présava,
e no qual so mediocre reputação poude alcançar. (...) Do seu tracto
com as musas guardou Rocha Pita um estylo grandiloquo, uma
pompa de dicção que o fazem rival de João de Barros.
75
Em Os Varões Ilustres do Brasil Durante os Tempos Coloniais (1868 [1858]), J. M.
Pereira da Silva preocupado em analisar, somente, a produção histórica de Rocha Pita, diz
que “foi de poeta a sua primeira reputação literária, si bem que de poeta medíocre. Cansou-
se brevemente do trabalho do verso, e da dificuldade da metrificação, e abandonou a rima e
a poesia.”
76
Joaquim Manuel de Macedo, no Ano Biográfico Brasileiro, publicado em 1876, ao
refletir sobre a produção poética de Rocha Pita, informa-nos que ele “fez-se poeta de
mediocre reputação e resolveu-se enfim escrever uma História do Brazil”.
77
A partir de avaliações como essas, de que Rocha Pita fora um poeta medíocre, a
opinião negativa sobre o poeta fez fortuna e por aí não parou. Quase todos os críticos que
escreveram sobre as produções acadêmicas têm a mesma opinião: ou avaliam Rocha Pita
como mau poeta ou ignoram completamente que ele também escreveu versos. Ferdinand
Denis, no Resumo da História Literária do Brasil, e Joaquim Norberto de Souza Silva, no
Bosquejo da História da Poesia Brasileira, por exemplo, não comentam a produção poética
de Rocha Pita.
73
VARNHAGEN, 1946 [1850], t.I, p.31.
74
Cf. VARNHAGEN, 1946 [1853], t.III, p.257-263.
75
Cf. PINHEIRO, 1862, p.284-285.
76
SILVA, J. M. Pereira da, 1868, p.179.
77
MACEDO, 1876, v.2, p.10.
47
Ferdinand Wolf, em O Brasil Literário, ao escrever sobre os poetas do período
colonial, faz a seguinte referência a Rocha Pita: “Falta mencionar um poeta deste período,
cujas produções literárias não tem nenhum valor, mas que pela maneira poética de
representar a historia nacional e por seu estilo distinto, ocupa uma posição honrosa na
literatura brasileira.”
78
Observe-se que a avaliação negativa do poeta continua; mas deve-se
observar, também, que o texto do autor austríaco não denuncia estudo detido das
“produções literárias”, ou seja, da poesia de Rocha Pita.
Sílvio Romero, em sua História da Literatura Brasileira, diz apenas que Rocha Pita
escreveu “maus versos”.
79
Parece mesmo que o escritor baiano estava fadado ao
“esquecimento”, e o seu lugar, no celeiro dos maus poetas, já estava reservado bem antes de
sua poesia tornar-se mais amplamente conhecida.
Na trilha desses autores, a classificação de “medíocre” tornou-se como que uma
tópica no que diz respeito à avaliação da poesia de Rocha Pita. Quase todos os críticos e
historiadores literários que escreveram sobre sua obra fizeram uso do mesmo vocabulário
para qualificar sua produção poética. Além dos nomes mencionados nos parágrafos
anteriores, incluem-se nessa lista os seguintes: J. V. Boscoli (Lições de Literatura
Brasileira, 1912); Pedro Julio Barbuda (Literatura Brasileira, 1916); Artur Mota (História
da Literatura Brasileira, 2v., 1930), Haroldo Paranhos (História do Romantismo no Brasil:
1500-1830, 2v., 1937); e Pedro Calmon (História da Literatura Baiana, 1949).
Como se pode ver, os estudiosos que escreveram, no início do século XX, sobre as
letras do período colonial e, mais especificamente, sobre a poesia de Rocha Pita,
mantiveram as idéias que vinham do século XIX.
Contudo, no início do século XX surgirá a primeira avaliação discretamente positiva
da obra poética de Rocha Pita. José Veríssimo, em 1916, ao publicar a História da
Literatura Brasileira, analisa, a partir de uma perspectiva diferente da de seus
predecessores, a produção desse poeta. Sem se aprofundar em análises, ao avaliar o papel
dos poetas coloniais setecentistas, ele diz que “outrossim poetou nesta época, Sebastião da
Rocha Pita, acaso a melhor figura literária dela.”
80
78
WOLF, 1955, p.52.
79
ROMERO, 1943, t.2, p.63.
80
VERÍSSIMO, 1954, p.92-93.
48
Manuel Bandeira, na obra Noções de História das Literaturas, publicada em 1960,
no capítulo em que trata da fundação da Academia Brasílica dos Esquecidos, ao mencionar
os sócios fundadores, diz que: “dos nomes lembrados merecem maior atenção, do ponto de
vista literário, os de Rocha Pita e Alexandre de Gusmão.”
81
Bandeira dedica alguma
atenção apenas à produção historiográfica desse autor baiano; em seus comentários o termo
“literário” não se refere à poesia, mas à obra historiográfica do escritor. Vale lembrar que
Manuel Bandeira não incluiu o nome de Sebastião da Rocha Pita em sua Apresentação da
Poesia Brasileira. Do mesmo modo, Antônio Soares Amora e Sérgio Buarque de Holanda
não o incluem em suas antologias poéticas do período colonial.
82
Em 1967, Péricles Eugênio da Silva Ramos, em sua antologia de poesia barroca,
cerca meio século após a publicação da obra de José Veríssimo – onde se pôde encontrar o
primeiro esboço de avaliação positiva da poesia de Rocha Pita – dedica as seguintes
palavras ao poeta:
Nos códices da Academia dos Esquecidos figuram poesias suas
[de Rocha Pita], apresentadas nas várias conferências. Essas
composições mostram-no como poeta elegante e de fácil
versificação, tendo presentes as diretrizes cultistas que adotou.
(...) Seus sonetos são feitos com habilidade e conhecimento do
oficio; dizer que não tinha inspiração nem espontaneidade é
coisa que não depõe contra ele, pois na Academia os temas eram
dados, não escolhidos, e os barrocos, em geral, não faziam
questão de arroubos nem de simplicidade, mas de se
demonstrarem cultivados e expertos no estilo da época e no seu
modo gongórico ou quevediano de versificar. Rocha Pita, ainda
assim, é dos quatro ou cinco mais fluentes e peritos sonetistas
dos Esquecidos.
83
O autor da antologia parece falar de um lugar que poucos até aquele momento
conheciam, ou seja, o lugar de leitor do objeto literário que pretendia avaliar. Péricles
Eugênio da Silva Ramos, além avaliar o poeta – “Essas composições mostram-no como
poeta elegante e de fácil versificação...” –, deixa evidente que conhecia os poemas escritos
pelo acadêmico baiano – “Seus sonetos são feitos com habilidade e conhecimento do
ofício...” Ele procura, também, compreender as circunstâncias e os códigos poéticos
81
BANDEIRA, 1960, 2v, p.428.
82
Cf. BANDEIRA, 1960; BANDEIRA, 1967; AMORA, 1959; HOLANDA, 1979.
83
RAMOS, 1967, p.102-103.
49
próprios da época em que o escritor viveu – “...os barrocos, em geral, não faziam questão
de arroubos nem de simplicidade, mas de se demonstrarem cultivados e expertos no estilo
da época e no seu modo gongórico ou quevediano de versificar” –, chamando a atenção dos
leitores para algo que ninguém até aquele momento tinha percebido: a ausência de
autonomia autoral na Academia Brasílica dos Esquecidos – “...dizer que não tinha
inspiração nem espontaneidade é coisa que não depõe contra ele, pois na Academia os
temas eram dados, não escolhidos...
”.
Péricles Eugênio da Silva Ramos procura compreender, de maneira ampla, a poesia
do escritor no universo em que ela fora produzida, respeitando, na sua avaliação, as
categorias literárias da época, como, por exemplo, o estilo e o modo de versificação.
O que se pretendeu aqui foi, a partir da recepção que esse escritor teve, sumariar as
opiniões que sobre ele se formaram e verificar o modo pelo qual ele vem sendo avaliado
pela critica literária. É preciso reconhecer, na trilha de Péricles Eugênio da Silva Ramos, a
necessidade de levar em conta as condições em que se produziam, divulgavam e circulavam
os discursos, no início do século XVIII, no Brasil colônia. Como se sabe, a expressão
literária do movimento academicista daquele período recebeu, posteriormente, a
denominação de barroca. Tratando da produção poética desse período, reconhece João
Adolfo Hansen que a “poesia barroca é um estilo, no sentido forte do termo, linguagem
estereotipada de lugares-comuns retórico-poéticos anônimos e repartidos em gêneros e
subestilos”.
84
Além disso, não é uma poesia inventiva, no sentido de ruptura com as formas
ou quebra das tradições:
Ao poeta barroco nada repugna mais que a inovação, sendo a sua
invenção antes uma arte combinatória de elementos
coletivizados que, propriamente, expressão individual ‘original’,
representação naturalista do ‘contexto’, ruptura estética com a
tradição etc.
85
A invenção na poesia barroca só é possível como rearticulação das fórmulas da tradição, ou
seja, ela obedece a regras precisas de um sistema muito bem definido. Portanto, para pensar
na produção do discurso literário, seja ele poético ou não, na Academia Brasílica dos
Esquecidos, e, mais especificamente, na obra de Sebastião da Rocha Pita, é preciso, antes
84
HANSEN, 1989, p.16.
85
HANSEN, 1989, p.16.
50
de tudo, levar em consideração o lugar de elocução desse discurso, o modo como ele foi
produzido e quais eram as categorias retóricas, as tópicas que regiam o sistema discursivo
da época.
51
CAPÍTULO III
BARROCO, ACADEMICISMO, POESIA
52
III. 1. A questão do Barroco
A poesia produzida na Academia Brasílica dos Esquecidos, temporalmente
localizada no início do século XVIII, pertence à tendência que dominou as artes durante o
século XVII – e que, no século XIX, ficou conhecida como barroca. Segundo José
Aderaldo Castello,
...é indispensável à compreensão do paralelismo entre as manifestações
literárias do Brasil-Côlonia e as de Portugal, que reconheçamos, como de
fato o foi, que o movimento acadêmico entre nós é expressão da literatura
barroca. [...] Enquadra-se o movimento academicista na primeira época da
era colonial de nossa literatura, época culteranista, ou barroca, porque
aqui, como um reflexo da portuguesa, é a tendência barroca que a
caracteriza.
86
No final do século XIX, e começos do século XX, foi Heinrich lfflin o autor da
definitiva reformulação do termo barroco, à luz das categorias que ele próprio criara para a
interpretação da história da arte.
87
Embora já tivesse sido discutido por outros teóricos da arte, o conceito de “Barroco”
ganhou clareza e passou a circular mais amplamente a partir de 1888, quando Heinrich
Wölfflin publicou sua obra Renascimento e Barroco. Nesse livro, Wölfflin criou cinco
pares de oposições entre o estilo “clássico” e o “barroco”, com o objetivo de caracterizar
estilisticamente obras dos séculos XVI e XVII. Em 1915, nos Conceitos fundamentais da
história da arte: o problema da evolução dos estilos na arte mais recente
, o autor retoma a
mesma idéia, só que, agora, a noção é fundamentada como uma ciência da arte, em que
Renascença e Barroco são postos em contraste como os dois principais tipos de estilo
artístico
.
88
Nos Conceitos Fundamentais da História da Arte, Wölfflin estabeleceu conceitos
para duas épocas estilísticas bem distintas: a Renascença e o Barroco. As características
desses dois estilos representam, segundo ele, os conceitos fundamentais de toda história da
arte. As categorias gerais dos dois estilos são definidas por oposição: a categoria a que ele
deu o nome de “linear”, com valorização dos contornos claros das representações, opõe-se
a “pictórico”, onde ocorre a desvalorização da linha; a criação da perspectiva por meio da
sucessão de planos opõe-se à representação em profundidade, em que o efeito de
86
CASTELLO, 1969, p. 99-100.
87
Cf. COUTINHO, 1986, v.II, p.12.
88
WELLEK, s.d, p. 73
53
perspectiva é alcançado pela continuidade entre o que se encontra próximo do espectador e
o que se encontra distanciado; a forma fechada, toda encerrada em seus limites, se opõe à
forma aberta, com a criação de um efeito de continuidade entre o espaço ilusório da
representação e o espaço real, em que se situa o observador; a pluralidade da representação,
com coordenação e integração das partes, opõe-se à unidade, em que as partes se
subordinam ao todo; e, por fim, a representação clara dos objetos se opõe à clareza relativa
deles, obtida por meio do claro-escuro. Desse modo, pode-se estruturar a tese de Wölfflin
da seguinte forma: para a Renascença o linear, o plano, a forma fechada, a pluralidade, a
clareza absoluta; para o Barroco, o pictórico, a profundidade, a forma aberta, a unidade, a
clareza relativa.
89
A idéia de aplicar as categorias wölfflinianas a toda a história da arte introduziu um
complicador na história do conceito de “barroco”; segundo Wellek, há “aqueles que usam o
barroco como termo aplicado a um fenômeno que ocorre em toda a História” e há “aqueles
que o empregam para denominar um fenômeno específico no processo histórico, fixado no
tempo e no espaço.”
90
Esse aspecto polêmico não será aqui desenvolvido; mas, em certa
medida, o termo será admitido nesta dissertação apenas como designativo de uma época
histórica.
Desde que Wölfflin reabilitou o termo como categoria estética, os cinco conceitos
que definem a representação “barroca” – o pictórico, a profundidade, a forma aberta, a
unidade indivisível e a clareza relativa – passaram a ser ampliados e aplicados
analogicamente a outras artes do século XVII, como é o caso das “belas letras”,
91
que mais
tarde passaram a ser denominadas como “literaturas barrocas”.
Foi a partir de Wölfflin, também, que se passou conceber o Barroco como um estilo
marcado por oposições e dualismos, o que tem sido interpretado, no plano ideológico, como
expressão de conflitos espirituais próprios de uma época:
A ideologia corrente do Barroco resultou do movimento espiritual
desencadeado pela Contra-Reforma, no intuito de reaproximar o
homem de Deus, o celestial e o terreno, o religioso e o profano,
89
Cf. WÖLFFLIN, 2000, p. 1-23.
90
WELLEK, s.d., p.86-87.
91
O uso da expressão “belas letras” para classificar a poesia e a prosa do século XVII é justificado porque
naquela época ainda não existia a noção de literatura como regime discursivo ficcional dotado de autonomia
estética, noção essa que passou a existir a partir do final do século XVIII.
54
conciliando as heranças medieval e renascentista. Daí o dualismo e
o contraste formarem o eixo espiritual ou ideológico do Barroco.
[...] A estrutura interna do Barroco é alimentada por esse
dualismo, por esse caráter contraditório. [...] Em todas as
manifestações da época misturam-se esses elementos, seja nas suas
expressões artísticas ou culturais, seja nos hábitos e maneiras de
viver e agir, seja na própria tessitura da vida social.
92
Dentro dessa concepção de mundo Barroco, o homem do século XVII foi marcado
por características ambíguas que o deixaram dividido entre o drama pessimista da vida
terrena e a crença na vida celestial. Nessa perspectiva, as obras artísticas desse período,
fruto direto do imaginário dos homens, traduziram a ideologia da época. A literatura
também passou a ser entendida, pelos seus críticos e historiadores, como expressão do
drama do homem seiscentista. A “literatura barroca”, associada à angústia do homem em
face do cosmo, foi classificada como a arte que deu expressão ao sentimento trágico da
existência. Diz Afrânio Coutinho:
Ao lado da morte, o supremo tema do barroco, figuram também a
representação e a descrição do martírio e da penitência, em que se
acentuam no mártir os transes de dor e prazer, de tranqüilidade e
êxtase, de arrependimento e alegria, de vergonha e esperança, de
medo e beatitude, a refletir o estado de tensão e violência
interiores da alma...
93
Tomando-se por base esse elenco de temas, considerados barrocos por excelência, e
considerando-se a produção poética da Academia Brasílica dos Esquecidos, o que se
observa é uma espécie de contradição: apesar de temporalmente pertencer ao período
conhecido como Barroco, a produção poética acadêmica, como veremos por meio do
estudo da poesia de Rocha Pita, não aborda preferencialmente os temas consagrados pela
crítica como “barrocos”.
O distanciamento existente entre os temas ditos preferenciais da época barroca e os
temas da produção poética acadêmica, na primeira metade do século XVIII, pode ser
constatado pela verificação dos temas dados para o exercício poético no interior da
Academia Brasílica dos Esquecidos: eles diferem muito dos mencionados acima por
Afrânio Coutinho como temas principais do período Barroco.
92
COUTINHO, 1986, v.II, p 21.
93
COUTINHO, 1986, v.II, p.22.
55
Os estudos que aceitam a categoria “barroco” e a aplicam à produção literária do
século XVII têm recebido críticas nas últimas décadas, porque essa categoria foi elaborada
apenas no final do século XIX; aplicá-la àquela produção poética seria um anacronismo –
seria atribuir a uma época categorias mentais de outra. A respeito dessa questão, afirma
João Adolfo Hansen:
O “barroco” nunca existiu historicamente no tempo classificado
pelo termo, pois “barroco” é Heinrich Wölfflin e os usos de
Wölfflin. Melhor dizendo, a noção só passou a existir formulada
positivamente, em 1888, na obra admirável de Wölfflin,
Renascimento e Barroco, como categoria neokantiana apriorística
em um esquema ou morfologia de cinco pares de oposições de
“clássico” e “barroco” aplicados dedutivamente para apresentar
alguns estilos de algumas artes plásticas dos século XVI e XVII.
[...] Os usos dedutivos, a-críticos, analógicos e transistóricos de
“barroco” são obviamente históricos, incluindo-se em programas
políticos de apropriação do passado colonial objetivamente
interessados na produção de tradições nacionalistas...
94
Não se trata, aqui, de discordar dos conceitos estabelecidos por H. Wölfflin para
definir as categorias do estilo Barroco em oposição ao Renascimento; mas, sim, de tentar
pensar a produção poética do século XVII e do primeiro quartel do século XVIII,
principalmente no Estado do Brasil, em sua circunstância histórica. Ainda segundo João
Adolfo Hansen, naquela época, “as ‘belas letras’ eram ordenadas pelos padrões retóricos e
teológico-políticos divulgados pelos jesuítas” e a poesia se praticava “no centro do poder, a
Corte, e dos saberes, a Universidade, e na extensão de ambas, as academias.”
95
Como se pôde ver no capítulo anterior desta dissertação, os críticos que se
debruçaram sobre as produções poéticas dos acadêmicos esquecidos cuidaram,
simplesmente, de classificá-las como “gongóricas” e sem originalidade – pois não
interessavam a seus programas nacionalistas. O esforço desta dissertação é o de fazer um
exame direto da poesia de Rocha Pita produzida no âmbito da Academia Brasílica dos
Esquecidos e de tentar compreendê-la em seu contexto histórico.
Para José Aderaldo Castello, o movimento academicista brasileiro constituiu-se sob
três formas distintas: Academia propriamente dita, ou seja, “associação cultural com
objetivos, organização e atuação temporariamente ilimitada fixados em estatutos próprios”;
94
HANSEN, 2001, p.12 e p.17.
95
HANSEN, 2002, p.26.
56
ato acadêmico, ou seja, manifestação comemorativa organizada “para funcionar em uma
sessão com público seleto em homenagem a um mandatário poderoso ou por outro motivo
de alta importância local e na vida do Brasil-Colonia”; e festejos públicos, que eram
“constituídos de atos religiosos, iluminárias, cavalhadas, representações teatrais, às vezes
comportando ‘atos acadêmicos’”. No caso das Academias, a denominação acadêmica
ocorria não só pela atividade literária, mas também pelos estudos e trabalhos históricos e
até científicos, desde que eles dessem cumprimento ao plano previamente elaborado da
instituição. Os “atos acadêmicos” correspondiam, segundo Castello, a uma sessão literária
de “academia propriamente dita”. Finalmente, os festejos públicos eram motivados por
diversos fatores, fossem eles políticos, administrativos, religiosos e até fúnebres.
96
A Academia Brasílica dos Esquecidos, nessa classificação, enquadra-se,
evidentemente, na categoria das “academias propriamente ditas”.
Para alcançar-se um primeiro entendimento do movimento academicista brasileiro,
é preciso, antes de tudo, levar em conta o movimento acadêmico do Seiscentos europeu e,
principalmente, o movimento academicista português. Este movimento, como afirma João
Adolfo Hansen,
é dominado pela doutrina teológico-política do Estado e funciona
como uma extensão da Corte caracterizada por formas de
organização da memória e do tempo muito diversas das nossas.
Seu estudo deveria evitar isolar seu material de seu contexto de
produção no sentido meramente estético de fruição desinteressada,
o que é anacrônico; também evitar desqualificá-lo a priori como
má qualidade estética, o que é preconceituoso.”
97
Na trilha dessas idéias, procurou-se, no estudo de um dos períodos mais nebulosos
da nossa história literária, evitar o isolamento do objeto de estudo do seu contexto de
produção. Conforme se verificou no primeiro capítulo desta dissertação para o caso da
Academia Brasílica dos Esquecidos, o movimento academicista no Brasil surgiu como uma
extensão do movimento acadêmico português.
96
CASTELLO, 1969, v. I, t. I, p. XVI-XVII.
97
HANSEN, 1999, p. 73.
57
III. 2. Academias literárias portuguesas do século XVII
Foi a partir do Renascimento que se despertou, primeiro na Itália e depois em outros
países da Europa, o gosto por associações de homens letrados. Segundo Mendes dos
Remédios,
...o berço das Academias modernas e que deu o modelo a todas
as da Europa foi a Itália, remontando as primeiras conhecidas ao
século XIII. Em tempo de Cosmo de Médicis (1470) fundou-se
em Florença a Academia Platônica em que figuravam Marsílio
Ficini, Pico de Mirandola, Maquiavelo, Policiano e outros. A
mais famosa foi a Crusca fundada em Florença em 1582 e que,
apesar do seu cenário extravagante, produziu o melhor
Dicionário da língua italiana.
98
O mecenato literário e artístico do Quinhentos, particularmente na Itália,
impulsionou o movimento acadêmico, que congregou, em instituições com estatutos
definidos, grupos de sábios, diletantes, eruditos e doutos.
99
Durante os séculos XVI, XVII e
início do XVIII, surgiram academias em quase todas cidades européias.
Na França, as primeiras academias foram inspiradas nos modelos neoplatônicos
florentinos e venezianos. Naquele tempo, experimentos artísticos, matemáticos e retóricos
eram debatidos paralelamente às demais atividades filológicas, arqueológicas e antiquárias:
artes e ciências estavam conectadas num todo harmônico. Contudo, somente a partir do
século XVII iniciou-se uma gradual especialização artística, com a criação das academias
francesas de escultura, dança, música, ciências e belas-letras, patrocinadas, na maioria, pelo
mecenato régio.
100
Em 1635, o Cardeal Richelieu fundou a Academia Francesa, com o objetivo de
valorizar a língua e a literatura vernáculas, o que resultou na elaboração do dicionário e da
gramática da língua francesa. Dessa forma, o poder monárquico inaugurava um processo de
incorporação das atividades acadêmicas e tentava trazer para o mundo literário a concepção
unitária do absolutismo político.
101
O Cardeal Richelieu também promoveu as instituições
públicas e decretou a obrigatoriedade do uso da língua francesa em todos os atos
acadêmicos.
98
REMÉDIOS, 1930, p. 313.
99
Cf. FERREIRA, 1982, p. 9.
100
Cf. KANTOR, 2004, p.24-25.
101
FIGUEIREDO, 1946, v.III, p. 9.
58
Em Espanha, a Academia Espanhola foi fundada em 1714 por Filipe V, por
sugestão do Duque de Escalona, D. Juan Fernandez Pacheco, que se tornou o primeiro
diretor da agremiação. De acordo com Fidelino de Figueiredo, esta academia era imitação
direta da Francesa, pois a espanhola havia tomado dessa “o plano de estatutos e o mesmo
programa de fundação reguladora e unificadora do estilo literário e do gosto”.
102
Como no
caso da Academia Francesa, a de Espanha empreendeu o seu dicionário e a sua gramática.
Na Alemanha, as academias se distinguiam por meio de duas classes de pesquisas:
uma de ciências naturais e a outra de humanidades e letras – nesta também se incluíam os
estudos de natureza histórica. As principais academias alemãs foram criadas ao longo do
século XVIII. Assim temos a Academia de Berlim criada em 1700, por Leibniz, com forte
inclinação, por razões estatais, ao estudo da história secular e eclesiástica da Alemanha.
103
Observa-se, nos exemplos acima, que as agremiações literárias do século XVII
funcionavam sob o patrocínio estatal, o que estendia às associações literárias o mesmo
controle absolutista que regia e controlava a sociedade da época.
Como se viu, as primeiras academias ainda não tinham compartimentação dos
campos do saber, como mais tarde ocorreu. Nessa época, as instituições acadêmicas
inspiravam-se na filosofia platônica, buscando aprimorar a moral e o intelecto. O exercício
literário era tido como passatempo, seu objetivo era amenizar o convívio entre os cortesãos.
A transição do modelo acadêmico renascentista para as academias literárias propriamente
ditas, com intuito de difundir práticas retóricas, como ficaram conhecidas em Portugal no
século XVII, ocorreu de maneira lenta e gradual.
As academias literárias do século XVII, principalmente em Portugal – onde essas
instituições funcionavam como extensão da corte palaciana – não possuíam nenhuma
autonomia artística, pois a atividade poética era severamente disciplinada e padronizada,
fruto direto do dogmatismo contra-reformista que impedia qualquer forma de liberdade
criativa. Nessa época, a estrutura do Estado Português era orientada pela doutrina
teológico-política proveniente do Concílio de Trento, a qual hierarquizava e orientava a
sociedade como unidade de integração do corpo político do Estado.
102
FIGUEIREDO, v.III, 1946, p.9.
103
Cf. KANTOR, 2004, p.29.
59
Desde o início do século XVII, várias sociedades se dedicaram, em Portugal, à
valorização da literatura nacional, dentre elas destacando-se a dos Generosos, a dos
Singulares e a dos Anônimos. Posteriormente, a Academia Real de História Portuguesa,
que teve grande importância na criação de um novo método historiográfico e nas políticas
desenvolvidas naquele país durante a primeira metade do século XVIII, determinou a
criação da Academia Brasílica dos Esquecidos.
No ano de 1647, em Portugal, foi fundada a academia dos Generosos, que teve
como sede a casa do guarda-mor da Torre do Tombo, Antônio Álvares da Cunha. Essa
agremiação literária – que tinha por empresa uma vela acesa sobre uma pedra, com a divisa
non extinguetur
104
–, contou com a participação de diversos homens ilustres da sociedade
seiscentista portuguesa, entre eles: D. Francisco Manuel de Melo, Rafael Bluteau, Luís
Serrão Pimentel, Antônio de Sousa Macedo, o cosmógrafo Manuel Pimentel, os condes de
Ericeira, o conde de Tarouca (João Gomes da Silva), Luís da Cunha e António Álvares da
Cunha, que foi secretário perpétuo da Academia. Apesar dessa associação literária contar
com um presidente vitalício, o príncipe de Ligne, a cada sessão acadêmica era escolhido um
presidente para dar início aos trabalhos da próxima reunião. Dessa forma, o presidente que
tivesse ocupado o cargo na primeira sessão escolheria o presidente da segunda, o qual
ficaria encarregado, na sessão subseqüente, de proferir um discurso sobre um assunto de
sua escolha.
As composições literárias apresentadas nas sessões acadêmicas dos Generosos eram
feitas a partir de temas ou assuntos dados, escritas nas línguas portuguesa, castelhana,
italiana ou latina, e compreendiam as seguintes formas poéticas: sonetos, canções,
epigramas, silvas, romances, décimas etc. Eis alguns dos temas ou assuntos poéticos que
eram fornecidos aos acadêmicos para o exercício literário: “Parabéns ao nascimento da
senhora infanta”; “Pedir a S. A. que com a sua proteção dê nova vida à Academia”; “A D.
Antônio Álvares da Cunha, demorando em sua casa a Academia dos Anônimos”; “Louvor
ao conde de Ericeira e ao 2º conde de Vila Maior”; “Comparar-se a Academia com a esfera
celeste”; “Ressuscitar a Fênix sem ter incêndios”; “Cantar o cisne sem buscar perigos”; e
outros semelhantes.
105
104
Cf. Spina, in: MELO, 1988, p.240.
105
Cf. FERREIRA, 1982, p. 32.
60
Como se vê, o gênero encomiástico, as referências mitológicas e a agudeza dos
assuntos propostos aos poetas da Academia Brasílica dos Esquecidos tinham precedentes
bem antigos. Encontram-se exemplos de discursos laudatórios na Academia Brasílica: o
vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses foi louvado à exaustão pelos poetas na
primeira das sessões acadêmicas – pois fora ele o fundador da Academia. O discurso
encomiástico era um recurso muito utilizado pelos poetas acadêmicos como forma de
decoro das ocasiões solenes dentro da estrutura hierárquica do Antigo Estado Português. De
acordo com João Adolfo Hansen,“A prática da poesia e prosa nesse tempo era uma
jurisprudência de ‘bons usos’ da linguagem fundamentados nas autoridades retóricas e
poéticas de um costume antigo e anônimo”.
106
Apesar de ter sido muito praticado pelos poetas acadêmicos portugueses como
estratégia discursiva para louvar algum membro ilustre da corte palaciana, o discurso
encomiástico não se caracteriza como uma prática poética exclusiva do século XVII e,
muito menos, da poesia produzida no interior das associações literárias. Através dos
estudos de Ernst Robert Curtius sobre o sistema da retórica na Antigüidade, sabe-se que
esse tipo de exercício literário era baseado nos tratados de retórica e que o discurso
laudatório e sua prática remonta ao mundo helênico, passando pela Idade Média, chegando
ao século XVI, e permanecendo até meados do século XVIII.
O discurso laudatório transformou-se numa técnica do louvor,
aplicável a qualquer objetivo. A poesia também se impregnou do
espírito retórico. A retórica penetrou em todos os gêneros
literários. Seu sistema, engenhosamente edificado, tornou-se o
denominador comum, a teoria e o acervo das formas, na
literatura. [...] Assumem, assim, os topoi uma nova função:
transformam-se em clichês de emprego universal na literatura, e
espalham-se por todos os terrenos da vida literária.
107
Outros gêneros discursivos regulados pela retórica clássica, praticados na
Antigüidade, como é o caso do discurso fúnebre, o de núpcias, o de nascimento, o de
consolação, o de saudação, o de felicitação etc.
108
foram também utilizados pelos poetas
acadêmicos nos seus exercícios literários. Servem de exemplo as diversas composições
fúnebres publicadas no Breve compêndio, e narração do fúnebre espectáculo, que na
106
HANSEN, 2002, p. 27.
107
CURTIUS, 1957, p. 73.
108
Cf. CURTIUS, 1957, p. 71.
61
insigne cidade da Bahia, cabeça da América Portuguesa, se viu na morte de El-Rei D.
Pedro II de gloriosa memória.
Voltando aos acadêmicos Generosos, eles mantiveram suas atividades literárias,
com alguns períodos de interrupção, até o século XVIII. A partir de 1717 a academia é
reorganizada na Academia Portuguesa e o Conde da Ericeira introduz temas físicos,
matemáticos e filosóficos, junto dos literários. Posteriormente, os acadêmicos pertencentes
a essa instituição se organizaram na Academia Real de História Portuguesa, fundada pelo
rei D. João V, em 1720.
109
Outra Academia literária de importante relevo para o estudo do academicismo no
Brasil, na primeira metade do século XVIII, é a dos Singulares, fundada em Portugal, em
1663. Essa associação literária, que celebrou sua primeira conferência em 04 de outubro de
1663 e perdurou até 19 de fevereiro de 1665, tinha por empresa uma pirâmide de livros na
qual desde a base constavam os nomes de Homero, Aristóteles, Virgilio, Ovídio, Horácio,
Camões, Gracián, Gôngora e Lope, com a seguinte inscrição: Solaque non possunt hoec
monumenta mori.
110
Durante seus dois anos de existência (1663-1665), a associação
literária contabilizou 36 sessões, sendo 18 no primeiro ano e 18 no segundo. De acordo
com as datas registradas no primeiro tomo da coletânea de textos, cujo titulo é Academia/
dos/ Singulares/ de Lisboa/ dedicada a/ Apolo/ Primeira Parte/ 1665, os acadêmicos se
reuniam semanalmente. Cada sessão tinha um presidente, escolhido ou eleito, o qual era
responsável por abrir a reunião com uma oração (discurso) em verso ou prosa. A primeira
sessão acadêmica foi presidida por Sebastião da Fonseca e Paiva.
111
Após o discurso do presidente, seguia-se a leitura de algumas poesias em louvor
dele e logo em seguida recitavam as composições poéticas de vários acadêmicos sobre o
assunto escolhido para aquele dia. A condução dos debates, na Academia Brasílica dos
Esquecidos, era feita da mesma forma – com a seguinte diferença: antes dos assuntos
poéticos eram tratadas as matérias históricas, razão primeira da fundação da Academia.
As composições poéticas na academia dos Singulares eram, como no caso da
Academia dos Generosos, escritas nas línguas portuguesa, italiana, castelhana e latina. Do
109
Cf.KANTOR, 2004, p.30.
110
REMÉDIOS, 1930, p.315.
111
Cf. FERREIRA, 1982, p. 22.
62
mesmo modo, os temas ou assuntos poéticos eram fornecidos aos acadêmicos para o
exercício literário.
Eis alguns temas ou assuntos que foram dados aos acadêmicos Singulares para a
prática do exercício literário: “Uma formosa dama que tendo bons olhos não tinha nem um
dente”; “Fílis, que deu a Fábio a espadinha na cabeça por lhe ele haver pedido uma
prenda”; “Uma dama que chorava por haver perdido uma contas de lágrimas de cristal”;
“Uma dama que chorou tanto sobre o retrato de seu amante que lhe apagou a pintura”; e
assim por diante.
112
A Academia dos Singulares, como a dos Generosos, estava organizada segundo
padrões bastante rígidos, dentro de uma estrutura social altamente hierarquizada, em que
não havia liberdade de criação: as produções literárias eram concebidas a partir de temas
preestabelecidos, de acordo com regras retóricas conhecidas e com base em tópicas
convencionais da tradição literária.
A Academia dos Anônimos, fundada em 1711, funcionou na casa de Inácio de
Carvalho Soto Maior
113
. A função de secretário no grêmio literário dos Anônimos também
era permanente, a presidência era rotativa e quatro mestres se revezavam na apresentação
das dissertações. O cargo de secretário era ocupado por Jerônimo Gondim de Nisa, e os
quatro mestres incumbidos de preparar as “matérias alternativas” eram Inácio de Carvalho
Soto Maior, o padre Francisco Leitão Ferreira, Lourenço Botelho e João Batista, mais
conhecido como doutor Noturno. A adoção de pseudônimos na associação dos Anônimos
constituiu uma marca do grêmio literário, que se dedicava especialmente à arte da poesia,
tanto de assuntos líricos como de assuntos heróicos.
114
Os membros dessa Academia pretendiam permanecer no anonimato e teriam
alcançado seu objetivo se o impressor da coletânea de suas produções não lhes declarasse
os nomes ao final do volume (Progressos / Acadêmicos / dos / Anônimos/ de Lisboa
/Primeira Parte/ Oferecidos ao Senhor / António Galvão / & / Castelo-Branco [...], Oficina
de José Lopes Ferreira, Lisboa, 1718), numa “Advertência aos Curiosos”:
Os Acadêmicos Anônimos, conformando-se com o título que
deram à sua Academia, resolveram calar nas suas obras seus
112
Cf. FERREIRA, 1982, p. 23.
113
Cavaleiro de Oliveira, apud FERREIRA, 1982, p.72.
114
Cf. KANTOR, 2004, p.101.
63
nomes; mas o que neles foi modéstia ou galantaria, passou a ser
para mim especulação e diligência; porquanto depois de estar
impresso o presente livro, procurei ocultamente saber os nomes
dos que são autores dos papéis que vão estampados nele...
115
Entre os membros dessa Academia, interessam-nos os seguinte nomes: o do
desembargador Caetano de Brito Figueiredo; o de José da Cunha Cardoso e o de Luis
Siqueira da Gama.
116
Todos eles fizeram parte do grupo de sócios fundadores da Academia
Brasílica dos Esquecidos, em que desempenharam importantes papéis: o primeiro ficou
encarregado de escrever a história natural da colônia; o segundo foi o seu secretário
perpétuo; o terceiro ficou encarregado de escrever a história política desta parte do reino.
Sendo assim, dentre as academias literárias portuguesas, a que mais intimamente se ligou
ao movimento acadêmico brasileiro foi a Academia dos Anônimos.
117
Além disso, outros nomes que fizeram parte da sociedade dos Anônimos, como foi
o caso de Bartolomeu Lourenço de Gusmão, Júlio de Melo e Castro, Martinho de
Mendonça Pina e Proença, entre outros, se integraram, mais tarde, na Academia Real de
História Portuguesa, da qual a nossa Academia Brasílica dos Esquecidos foi uma
extensão.
118
Dentre os vários modelos acadêmicos, o dos Anônimos parece ter sido o que mais
influenciou o dos Esquecidos, embora estes estivessem, na verdade, institucionalmente
vinculados à Academia Real de História Portuguesa.
Nas associações literárias, os acadêmicos eram quase sempre homens ligados ao
Estado ou membros de alguma ordem religiosa que estavam a serviço da coroa Portuguesa.
Vários acadêmicos Esquecidos foram sócios de outras academias em Portugal, inclusive da
Academia Real de História Portuguesa: Sebastião da Rocha Pita e Gonçalo Soares da
Franca foram membros supranumerários daquela agremiação.
115
José Lopes Ferreira, apud FERREIRA, 1982, p. 71.
116
Cf. FERREIRA, 1982, p. 71-72.
117
Cf. KANTOR, 2004, p. 101.
118
KANTOR, 2004, p.101.
64
III. 3. Poesia acadêmica
O estudo da poesia acadêmica exige o reconhecimento de que toda atividade poética
daquela época era regulada pelo conceito de imitação. Segundo Afrânio Coutinho, nos
séculos XVI, XVII e XVIII “a norma geral da criação literária era a da imitação”:
A imitação era regra retórica e pedagógica por excelência, e não
se confundia com plágio. O princípio normativo da imitação dos
modelos foi admitido pacificamente pelos mestres da retórica
heleno-romana, não como um processo inferior, mas como uma
disciplina formadora através da qual se emulavam as virtudes
dos grandes autores. Essa tradição sobretudo romana foi
reafirmada durante a Idade Média e penetrou os tempos
modernos pela palavra dos humanistas, tornando-se um princípio
fundamental da teoria literária renascentista e barroca. De
imitação da natureza, concebida como o motor gerador das
coisas, o espírito normativo dos romanos transformou o conceito
em disciplina retórica de imitação de autores modelares, que,
nos tempos modernos, se confundiram com os clássicos antigos,
isto é, em vez de ir à natureza, imitavam-se os que já haviam, de
modo excelente, imitado a natureza
.
119
Os poemas produzidos no âmbito da Academia Brasílica dos Esquecidos também
foram, como não poderia deixar de ser, compostos segundo a doutrina da imitação. Os
poetas tinham como modelos os grandes nomes da tradição literária: Plínio, Cícero, Tasso,
Virgílio, Gôngora, Quevedo, Lope de Vega, Marino, Petrarca, Camões, Sá de Miranda
etc.
120
Os poetas, ao comporem seus poemas, já sabiam de antemão, pelo tema a ser
abordado, quais eram o gênero, a forma e o estilo adequados. Assim, depois de analisar o
assunto e pensar no molde poético a ser seguido, eles representavam por meio de metáforas
as idéias e as dispunham num arranjo final – chegando, assim, à forma final. Dessa maneira
é que se trabalhava: a inventio “consistia no encontro, na descoberta, dos pensamentos
adequados à matéria do discurso”
121
; a dispositio, “no arranjo das partes, de modo a obter a
colocação ou distribuição ordenada das diferentes partes da composição literária”
122
, e a
elocutio “dava aos caracteres e aos episódios o tom e os complementos que convinham à
119
COUTINHO, 1986, v.II, p.9.
120
Na “Oração do Acadêmico Vago”, lida por Sebastião da Rocha Pita na abertura da segunda conferência da
Academia Brasílica dos Esquecidos, há uma lista de nomes de escritores clássicos que são considerados por
ele como “os mais célebres do mundo”. Eram os modelos época.
121
MOISÉS, s.d., p.291.
122
Cf. LITERATURA I, 1977, p.81. (Tradução nossa.)
65
dignidade do gênero ao mesmo tempo que à especificidade do assunto”.
123
O conceito de
invenção nessa época não possui o mesmo significado que hoje lhe atribuímos, o de
originalidade. A idéia invenção para os poetas dos séculos XVII e XVIII estava associada à
combinatória do repertório disponível de tópicas e de figuras de linguagens.
Praticava-se a poesia como modalidade verbal de imitação,
cadenciada pela métrica e especialmente ornada por tropos e
figuras, que falam pelo poeta. Como é sabido, esse é o sistema
internacional que orientou a comunicação artística no Ocidente
até mais ou menos a Revolução Francesa.
124
Logo, a poesia acadêmica só pode ser entendida como um exercício de imaginação
engenhosa, a partir de preceitos retóricos aplicados à composição poética, dentro do espírito
convencional da época, em cada circunstância específica.
Além do conceito de imitação, a produção poética da Academia Brasílica dos
Esquecidos estava sob influência dos preceitos cultistas e conceptistas que vigoraram com
particular exuberância na Península Ibérica durante o século XVII. Dentre os recursos
disponíveis para uso dos poetas encontravam-se o amplo repertório de tropos e figuras
consagrados pela retórica e de referências mitológicas. A esses elementos acrescentavam-se
um vocabulário específico da época, com um sem-número de latinismos, grecismos,
espanholismos, e a prática do plurilingüismo.
125
Na poética do tempo, destaca-se, entre os tropos, a metáfora – elemento sobre o qual
repousa a logomaquia do cultismo. Péricles Eugênio da Silva Ramos, ao estudar as
metáforas presentes na expressão culterana, chama a atenção para o fato de as metáforas
cultas serem verdadeiros “símbolos puros”
126
– ou seja, metáforas que surgem sem que o
termo real de referência seja imediatamente apreensível pelo leitor. Dessas metáforas, é
preciso conhecer previamente o sentido, “para que a poesia não resista à compreensão.”
127
Tal risco de incompreensão das metáforas cultas se deve à sua agudeza: Consiste [...] este
artificio conceptuoso, en una primorosa concordancia, en una harmónica correlación
123
RANCIÈRE, 1995, p.25.
124
TEIXEIRA, 2005, p.17.
125
Cf. RAMOS, 1967, p.9-26.
126
Cf. RAMOS, 1979, p.10-11.
127
RAMOS, 1967, p.10.
66
entre dos o tres cognoscibles extremos, expresada por un acto del entendimiento.”
128
Na
metáfora culta, extremos são aproximados, e a metáfora resulta como que arbitrária: os
vínculos entre a imagem metafórica e o objeto aludido não são imediatamente evidentes.
Entre as figuras, destacam-se: os hipérbatos – inversões violentas dos membros da
frase; os quiasmos – cruzamentos de grupos sintáticos paralelos, mas com inversão da
ordem dos agrupamentos na repetição; as antíteses – aproximação e justaposição de idéias
contrárias; e os versos correlativos – em que versos se articulam verticalmente no poema, e
não horizontalmente (segundo a forma tradicional de leitura, que se faz da esquerda para a
direita).
Sobre a poesia produzida na Academia Brasílica dos Esquecidos é comum
encontrarmos classificações que a consideram como uma pseudopoesia, fútil e medíocre, o
que revela que os critérios utilizados em sua avaliação nem sempre foram capazes de
avaliá-la com respeito pelos princípios que a determinaram. Dentre as críticas mais
contundentes que lhe fazem, podemos destacar a da falta de originalidade. Também
costuma-se apontar a falta de autonomia artística daqueles poetas.
É preciso não esquecer que não havia nenhuma autonomia quanto à escolha dos
assuntos abordados nos exercícios poéticos dos acadêmicos brasílicos esquecidos. Além
disso, as formas poéticas eram muito conhecidas de toda a tradição literária. Como isso não
bastasse, nessa época ainda não havia a distinção de público/privado que ficou conhecida a
partir do século XIX; e em decorrência disso, a autoria, as obras e o público também eram
entendidos de maneira muito diferente do que se conhece hoje.
Os poetas tinham a posse, mas não a propriedade das obras, pois
inexistia o mercado como livre-concorrência das mercadorias
“originalidade”, direitos autorais” e “plágio”, também não
havendo a figura do “artista” como autonomia crítico-estética; as
obras eram fundamentadas no substancialismo neo-escolástico e
não conheciam nenhuma autonomia, pois integravam-se aos
decoros das ocasiões solenes e polêmicas da hierarquia; e o
público não era, como é a partir do iluminismo, a “opinião
pública” dotada da representatividade democrática e da
iniciativa crítica específica do interesse contraditório de uma
particularidade ideológica. “Público” era, no caso, a totalidade
mística do corpo político figurada nas representações como
“bem comum” do Estado. Incluído nela, cada destinatário
128
GRACIÁN, 1987, t.I, p.55.
67
produzido pela representação devia reconhecer sua posição
subordinada.
129
Devido à inexistência da categoria “autor” – que será formulada somente a partir do
conceito de propriedade, no século XIX – e ao fato de os discursos produzidos na
Academia Brasílica não caracterizarem um certo modo de ser do discurso – que os
remeteriam a seus autores
130
–, os escritores daquela época eram designados de acordo com
suas categorias profissionais e por suas representações na sociedade portuguesa; eles eram:
Juiz Fora, Ouvidor Geral do Cível, Vigário, Desembargador, Coronel, Fidalgo etc. Para
esse tempo, não se pode fazer valer o “eu” do escritor como uma categoria psicológica
formulada no século XX; ele (o “eu”) está muito mais vinculado a uma posição hierárquica
situada num conjunto de representações que compõem a totalidade da sociedade da época.
Por exemplo, na Academia Brasílica dos Esquecidos, na primeira metade do século XVIII,
Sebastião da Rocha Pita era “coronel”, “fidalgo da casa real”, “cavaleiro da ordem de
Cristo”, “acadêmico supranumerário da Academia Real de História Portuguesa” etc., ou
seja, sua posição de letrado era, e continua sendo, determinada mais por essas posições do
que pelas categorias que passaram a definir a função de autor após o século XIX.
Dito isso, passemos à poesia de Rocha Pita.
129
HANSEN, 2002, p. 28-29.
130
Aplicamos aqui as considerações de Michel Foucault sobre a categoria “autor”. Cf. FOUCAULT, 1992, p.
45-47.
68
CAPÍTULO IV
A POESIA DO ACADÊMICO VAGO
69
IV. 1. O Acadêmico Vago e sua circunstância
Na Academia Brasílica dos Esquecidos a adoção de pseudônimos por seus
membros, como nas academias da metrópole, constituía norma. Dos sete sócios fundadores
dessa agremiação todos possuíam pseudônimos. Sebastião da Rocha Pita adotou o de
acadêmico Vago.
Das dezoito seções acadêmicas realizadas entre 23 de abril de 1724 e 04 de
fevereiro de 1725, Rocha Pita fez-se presente em todas, sempre participando ativamente
dos trabalhos empreendidos. Ele foi o presidente da segunda conferência, datada de 07 de
maio de 1724. Nesta sessão, proferiu o discurso de abertura intitulado Oração do
Acadêmico Vago Sebastião da Rocha Pita Presidindo na Academia Brasílica. Além dessa
Oração, durante o ano de existência da Academia, compôs cinqüenta e seis sonetos, cinco
romances, quatro poemas em décimas (num total de dezesseis décimas), um poema em
tercetos (terza rima) e uma endecha (dezesseis estâncias). Observa-se que, nesse conjunto
de poemas, há uma predominância da forma soneto.
Os sonetos escritos por Rocha Pita seguiam as regras do modelo italiano, ou seja,
consistiam num conjunto de quatorze versos distribuídos em duas quadras e dois tercetos.
Em todos os sonetos do poeta, as duas quadras apresentam o esquema de rimas abba / abba,
e os dois tercetos o esquema de rimas cdc /dcd. O verso utilizado nos sonetos, conforme
prescrito para essa forma poética, é o hendecassílabo. Esse verso é hoje conhecido como
decassílabo, em conseqüência das alterações que ocorreram no sistema de contagem
silábica do verso de língua portuguesa.
Até meados do século XIX, a contagem silábica dos versos em língua portuguesa
era feita com base no padrão grave, isto é, em cada verso contava-se sempre uma sílaba
além da última tônica. A partir de 1851, com a publicação do Tratado de metrificação
portuguesa, de Antonio Feliciano de Castilho, passou-se a adotar para os versos de língua
portuguesa o sistema em uso na língua francesa: o padrão agudo de contagem silábica –
isto é, deixou-se de levar em conta as silabas posteriores à última tônica do verso.
131
Portanto, o verso hoje conhecido como decassílabo era, no tempo de Rocha Pita,
hendecassílabo. Por este motivo, nesta dissertação, será utilizada a denominação antiga do
verso.
131
Cf. CHOCIAY, 1974, p. 11-13; CASTILHO, 1874, p. 26.
70
A poesia de Rocha Pita, produzida no âmbito acadêmico, considerada pelos críticos
literários como “medíocre”, “artificial”, “sem originalidade” etc., não tinha por finalidade a
clareza, a facilidade nem a originalidade. O público previsto para ela era constituído pelos
acadêmicos, destinatários que se podem considerar discretos, isto é, capazes de “ajuizar a
aptidão técnica da forma poética, valorizando o artifício aplicado.”
132
O público mais
amplo, constituído por pessoas menos educadas – destinatários vulgares –, desconhece os
preceitos técnicos da arte e não está previsto como receptor da poesia acadêmica.
A poesia acadêmica tinha como objetivo, muitas vezes, enaltecer os homens ilustres
das ordens dirigentes e se destinava a um público que compartilhava dos mesmos
conhecimentos do poeta – tanto dos conhecimentos gramaticais e retóricos como dos
conteúdos ocasionais propostos para matéria dos poemas. Levando-se em conta a situação
acadêmica, pode-se distinguir na produção poética de Rocha Pita na Academia Brasílica
três aspectos circunstanciais: o primeiro se caracteriza pelo fato de a própria circunstância
acadêmica – inauguração da academia, saudação do vice-rei, homenagem ao secretário etc.
– ser o assunto escolhido para o certame; o segundo está associado a uma circunstância de
interlocução entre os próprios acadêmicos, ou seja, consiste na saudação que um acadêmico
faz ao outro em forma de poesia; e o terceiro se caracteriza pela aceitação tácita dos
assuntos de natureza lírica ou heróica que eram dados para as composições poéticas.
Vale acrescentar que, mesmo numa situação como essa, em que a motivação poética
era determinada circunstancialmente, os temas eram muito conhecidos dos poetas
acadêmicos e não exigia deles qualquer grau de originalidade. A poesia acadêmica, como
as de outras circunstâncias daqueles tempos, era “feita de técnicas retóricas anônimas e
coletivizadas que prescrevem a emulação de modelos de autoridades que adapta as
referências institucionais e informais do lugar a interesses específicos.”
133
A poesia praticada por Sebastião da Rocha Pita na Academia Brasílica dos
Esquecidos pode ser caracterizada como poesia de circunstância. O termo “poesia de
circunstância” é suscetível de diversas significações: a expressão pode assumir acepções
diversas, até mesmo a de que toda poesia é de circunstância.
134
Cabe-nos tentar
compreender como a expressão “poesia de circunstância” poderia ser aplicada a uma
132
HANSEN, 2001 p.35.
133
HANSEN, 2001, p.45.
134
Cf. BANDEIRA, 1984, p.128.
71
determinada época ou a um tipo de produção literária que se caracteriza pelo engajamento
no espírito acadêmico, sem nos apegarmos a definições muito amplas – correndo, com isso,
o risco de avaliar da mesma maneira, segundo os mesmos critérios, a poesia concebida a
partir de um dado acontecimento ou uma dada situação e a poesia livre da determinação
ocasional, a poesia pensada como criação espontânea do poeta.
Predrag Matvejevitch, em seu livro Pour Une Poétique de L’événement: la Poésie
de Circunstance, apesar de afirmar que é difícil encontrar uma definição satisfatória para o
termo “poesia de circunstância”,
135
define três categorias na tentativa de caracterizar de
forma mais objetiva algumas manifestações poéticas que são geralmente reconhecidas
como de circunstância. A primeira categoria é constituída pela poesia associada a uma
cerimônia ou a um acontecimento; a segunda consiste na poesia conhecida como engajada,
que se relaciona a acontecimentos sociopolíticos ou históricos; a terceira compreende a
poesia vinculada a acontecimentos da vida privada ou subjetiva. Matvejevitch reconhece
que essas categorias não são suficientes para classificar toda a poesia denominada “de
circunstância”, mas acredita que elas podem nos ajudar a distinguir melhor a significação
do termo, quando aplicado a uma determinada produção poética.
136
No próprio título da obra de Matvejevitch, o termo “circunstância” está associado a
outro, “o acontecimento” – o que nos ajuda a pensar: no caso de Sebastião da Rocha Pita,
as sessões acadêmicas eram os “acontecimentos”, sem os quais não haveria a poesia. Das
três categorias criadas por Predrag Matvejevitch, a primeira é a que melhor se aplica à
poesia de Rocha Pita, composta para a circunstância das conferências da Academia
Brasílica dos Esquecidos. Nessa perspectiva – da poesia associada a uma cerimônia ou
acontecimento –, Matvejevitch diz que “a característica mais comum da poesia de
circunstância é indicada notadamente por uma ocasião dada”
137
, ou seja, a poesia é pensada
a partir de um acontecimento previsto, em que a motivação poética é determinada por algo
exterior à vontade do poeta. Nesse caso, é a ocasião que determina o tema de cada poema.
O acontecimento é o motivo maior para o exercício da prática poética. É justamente dentro
desse espírito que se trabalhava na Academia Brasílica. A ocasião das conferências
acadêmicas era a causa determinante dos certames literários.
135
MATVEJEVITCH, 1979, p. 65.
136
MATVEJEVITCH, 1979, p. 175-176.
137
MATVEJEVITCH, 1979, p.80.
72
A poesia escrita por Sebastião da Rocha Pita na Academia Brasílica dos Esquecidos
é fruto direto de sua situação, ou seja, das reuniões realizadas quinzenalmente pela
agremiação. Na Academia é a circunstância que comanda a poesia. Dessa forma, é natural
que a poesia praticada nessa circunstância sofra as conseqüências ou limitações
determinadas pelo contexto, diferentemente da poesia concebida em situação de liberdade
para a escolha dos assuntos e das formas poéticas a serem empregadas. O conceito de
poesia de circunstância aplicado à produção literária da Academia Brasílica dos
Esquecidos, principalmente à poesia de Rocha Pita, associa-se à idéia de o acontecimento, a
situação ou a ocasião ser o fator determinante para o exercício da criação poética.
Por fim, Predrag Matvejevitch afirma que uma das características mais típicas da
poesia de circunstância é que “ela visa, na maior parte dos casos, a um público bem
determinado, com o qual o poeta estabelece um contato imediato.”
138
Essa era também uma
das características fundamentais da prática poética no âmbito acadêmico, pois aí os poetas
compunham seus versos para um público conhecido, discreto, capaz de entender agudezas e
conceitos próprios da arte poética que praticavam.
É preciso ter tudo isso em mente para uma aproximação minimamente adequada da
poesia praticada na Academia Brasílica dos Esquecidos, na primeira metade do século
XVIII, no Estado do Brasil.
IV. 2. A primeira sessão acadêmica
A primeira sessão da Academia Brasílica dos Esquecidos ocorreu no dia 23 de abril
de 1724. Nesse dia, conforme informações já apresentadas no primeiro capítulo desta
dissertação, não houve assunto poético de natureza lírica nem heróica para o certame: toda
a conferência foi destinada à celebração da nova Academia e ao louvor de seu protetor, o
vice-rei Vasco Fernandes César de Menezes.
Não pareceu bem se dessem especiais assuntos poéticos para a
conferência do primeiro dia, porque toda ela se reputou por
breve para os merecidos encômios do nosso augustíssimo
Protetor, e da sempre heróica, e felicíssima criação da nova
Academia
.
139
138
MATVEJEVITCH, 1979, p. 192.
139
Academia Brasílica dos Esquecidos – Notícia de Fundação. In: CASTELLO, 1969, v.I, t.1, p.4.
73
Essa sessão resultou do esforço conjunto dos sete acadêmicos inicialmente
convocados pelo vice-rei, em 7 de março de 1724, para, naquela ocasião, lhes cometer
aquele encargo. Além de decidirem que não haveria assunto poético para a primeira sessão,
eles escolheram a empresa da Academia e adotaram pseudônimos.
José da Cunha Cardoso, o acadêmico Venturoso, foi escolhido secretário pelo vice-
rei – razão pela qual presidiu a primeira conferência, proferindo o discurso de abertura
intitulado “Oração, com que na dominica in Albis e vinte, e três de abril deste ano de 1724
abriu a Academia Brasílica o Doutor José da Cunha Cardoso.”
140
Após sua palestra, dedicada a um plano mínimo de discussão das matérias a serem
abordadas na academia, José da Cunha Cardoso foi louvado por seus companheiros
acadêmicos, que lhe dedicaram 06 Sonetos, 02 Epigramas, 02 Décimas, 01 Romance, 01
Tercetos e 01 Aliud. Sebastião da Rocha Pita o homenageou com o poema intitulado: “Ao
senhor Doutor José da Cunha Cardoso, Meritíssimo secretário da nossa Academia.”
Seguiu-se a louvação do vice-rei Vasco Fernandes César de Menezes, que foi
homenageado pelos acadêmicos com 37 Epigramas, na grande maioria escritos na língua
latina, 30 Sonetos, 03 Décimas, 01 Elogium Carmem, 02 Odes Latinas, 01 Oblatio, 06
Aliud, 01 Anagrama, 01 Encomiu, 01 Emblema, 06 Elogium e 01 Oitava. Sebastião da
Rocha Pita o saudou com o poema “Em louvor do Excelentíssimo Senhor Vasco Fernandes
César de Meneses, Vice-Rei, e Capitão geral de Mar, e Terra deste Estado, Instituidor, e
Protetor da nossa Academia Brasílica, que se faz em Palácio na sua Presença.”
Na continuidade dos trabalhos, seguindo as normas da instituição, foram
apresentadas as dissertações encomendadas aos mestres de História – que se revezavam de
dois em dois a cada sessão. Os dois acadêmicos que, nesse dia, expuseram seus trabalhos
foram o Chanceler Caetano de Brito Figueiredo, encarregado da história natural, e Inácio
Barbosa Machado, encarregado da história militar.
Ambos os mestres de história também foram agraciados com louvações poéticas
pelos demais acadêmicos. Caetano de Brito Figueiredo foi homenageado com 07
Epigramas, 03 Sonetos e 01 Romance. Inácio Barbosa Machado, com 04 Epigramas, 03
Décimas e 02 Sonetos. Rocha Pita compôs em homenagem ao Sr. Inácio Barbosa Machado
140
Parece haver problema nesse título, que vem assim no índice do volume (v.I, t.1, p.335): “Oração com que
na dominica in Albis vinte e três de abril deste ano de 1724 abriu a Academia Brasílica o Doutor José da
Cunha Cardoso.”
74
um soneto intitulado “Ao Meritíssimo Senhor Juiz de Fora, Inácio Barbosa Machado, um
dos quatro Mestres da Academia, lendo nela do nosso Brasil.”
Sebastião da Rocha Pita apresentou naquela tarde dez poemas, nove sonetos e um
romance. Esses dez poemas, todos em língua portuguesa, podem ser assim agrupados: 1.
sonetos encomiásticos dirigidos a pessoas presentes (“Ao senhor Doutor José da Cunha
Cardoso, Meritíssimo secretário da nossa Academia” – saudação ao secretário; “Ao
Meritíssimo Senhor Juiz de Fora, Inácio Barbosa Machado, um dos quatro Mestres da
Academia, lendo nela do nosso Brasil” – dirigido a Inácio Barbosa Machado; e “Em louvor
dos Senhores Acadêmicos da nossa Academia Brasílica no dia em que ela se abre”); 2.
soneto em louvor de pessoa presente, sem dirigir-se diretamente a ela (“Em louvor do
Excelentíssimo Senhor Vasco Fernandes César de Meneses, Vice-Rei, e Capitão geral de
Mar e Terra deste Estado, Instituidor, e Protetor da nossa Academia Brasílica, que se faz
em Palácio na sua Presença” – dedicado ao vice-rei); 3. sonetos acerca da fundação da
Academia – seu nome, sua empresa e sua circunstância (“Em louvor da nossa Academia
com o título de Brasílica”; “Em louvor da nossa Academia com o título dos Esquecidos”;
“Sobre a Empresa da Academia, o Sol nascido no Ocidente”; “Na reflexão feita no dia em
que se deu forma à nossa Academia, sobre ser o de Santo Tomás de Aquino”; “Repente ao
qual deram assunto os acidentes do tempo, e as circunstancias do dia 23 de abril (conjunção
de lua nova) em que se abre a nossa Academia Brasílica”); 4. romance que aborda assuntos
já abordados em alguns dos sonetos (“Em louvor da nossa Academia, compreendendo os
Assuntos dos seis Sonetos antecedentes”).
Desse conjunto de poemas, pode-se dizer que todos se caracterizam pela linguagem
culta. A poesia culta, segundo Péricles Eugênio da Silva Ramos, consiste no “uso de
símbolos puros (isto é, metáforas que surgem sem o termo real, mas apenas com o ideal
[...]) cujo sentido é mister conhecer [...] para que a poesia não resista à compreensão...”.
141
A resistência à compreensão, ou seja, a dificuldade da poesia culta, levou Haroldo de
Campos a expressar-se, sobre a poesia barroca brasileira, do seguinte modo: “Nossa
literatura, articulando-se com o Barroco, não teve infância (in-fans, o que não fala). Não
teve origem ‘simples’. Nunca foi in-forme. Já ‘nasceu’ adulta, formada, no plano dos
141
RAMOS, 1979, p.10.
75
valores estéticos, falando o código mais elaborado da época.”
142
Segismundo Spina afirma
que a poesia barroca se caracteriza pela “obscuridade”, resulta de uma linguagem e de um
jogo dialético retorcidos, sentenciosos, enigmáticos.
143
O resultado final do uso da
expressão indireta ou metafórica consistiu na criação de uma “linguagem dentro de língua
comum: a linguagem poética” – expressão de Jorge Guillén.
144
Os sonetos de Rocha Pita dirigidos a pessoas presentes à primeira conferência da
Academia Brasílica dos Esquecidos são três: um destinado ao Secretário José da Cunha
Cardoso, que dirigia os trabalhos daquele dia; outro, a Inácio Barbosa Machado, que fizera
sua primeira exposição acerca da história militar da colônia; e outro, por fim, dirigido ao
conjunto dos acadêmicos.
Eis o soneto a José da Cunha Cardoso:
Ao Senhor Doutor José da Cunha Cardoso
Meritíssimo Secretário da nossa Academia.
SONETO
Insigne Cunha que da nova Atenas
a máquina moveis mais peregrina,
e da nossa moderna Cabalina
as Águas represais sempre serenas.
As Portas nos abri áureas, e amenas
desta douta Palestra, Aula divina,
que tendes as chaves da Oficina,
e sois guarda do Tombo das Camenas.
Como dos pensamentos mais perfeitos
ilustre Arquivo sois, fecundo Erário,
nos provei da agudeza, e seus efeitos.
Pois em prosa elegante, e metro vário
pode dar despachos de conceitos
quem é do entendimento Secretário.
O soneto obedece à praxe acadêmica de elogiar o conferencista do dia. Rocha Pita,
em seu poema, como exigia a situação, dá a seu interlocutor tratamento elevado: emprega a
segunda pessoa do plural, dirigindo-se apenas ao secretário, – e os verbos principais no
142
CAMPOS, 1989, p.64. (Destaques – aspas e negritos – do autor.)
143
Cf. Spina, in MELO, 1988, p.18-19.
144
GUILLÉN, 1983, p.33-34.
76
modo imperativo, que é o modo da exortação e do convite; chama-o “Insigne Cunha”;
atribui-lhe alto entendimento e grande talento poético.
As estrofes do poema terminam todas por ponto-final, mas a estrutura sintática dos
períodos faz dos quartetos uma unidade e dos tercetos outra. Nos quartetos, o poeta exorta o
secretário, por seus talentos, a dar início aos trabalhos da Academia. Nos tercetos, ele
exorta o secretário a “prover” a audiência com a exibição de seu talento. O verbo prover
conjuga-se pelo modelo de “ver”, que é sua raiz. O poeta, entretanto, ou por analogia ou por
exigência da métrica, o conjugou conforme ao paradigma da segunda conjugação – o que
deu o imperativo “provei” no lugar de “provede”:
Como dos pensamentos mais perfeitos
ilustre Arquivo sois, fecundo Erário,
nos provei da agudeza, e seu efeitos.
Se tal modo de conjugar o verbo “prover” reflete uma tendência da língua ou foi um
artifício métrico – como tantos outros que se consideram licenças poéticas – fica por ser
estabelecido com bases em estudos mais aprofundados da língua dos séculos XVII e XVIII.
É de observar-se, entretanto, que Antônio de Morais Silva, no seu Dicionário da língua
portuguesa (1922), afirma que o verbo “se conjuga à imitação de Ver, sua raiz.”
145
De seu interlocutor diz o poeta que ele move “a máquina mais peregrina da nova
Atenas”, represa “as águas sempre serenas da nossa moderna Cabalina”, tem “as chaves da
Oficina”, é “guarda do Tombo das Camenas”; é “ilustre Arquivo, fecundo Erário, dos
pensamentos mais perfeitos”, é “Secretário do entendimento”. As expressões elogiosas se
distribuem harmonicamente no poema: duas em cada quarteto, uma em cada terceto. Em
todas elas, a linguagem é enigmática, sobrecarregada de metáforas.
A linguagem do poema está repleta de símbolos puros, daquelas metáforas que,
segundo Péricles Eugênio da Silva Ramos, surgem “sem o termo real, mas apenas com o
ideal”. Quando diz o poeta que José da Cunha Cardoso move “a máquina mais peregrina da
nova Atenas”, deve-se entender que a “nova Atenas” (termo ideal) é a Bahia (termo real –
ausente do poema) e que “a máquina mais peregrina” (termo ideal), ou seja, a instituição
mais excelente, é a Academia (termo real – ausente do poema), que ele põe em movimento,
faz funcionar. Quando diz que ele represa “as águas sempre serenas da nossa moderna
145
SILVA, Antônio de Morais, 1922, t.2º, p.521-522. (Destaque em itálico do autor.)
77
Cabalina”, está se referindo aos talentos poéticos do secretário: “a nossa moderna
Cabalina” (termo ideal) – expressão que contém uma referência à fonte Hipocrene, “que
surgiu do solo quando o cavalo prodigioso Pégaso bateu com um de seus cascos num
rochedo existente no monte Helicon, perto do bosque consagrado às Musas”
146
– é a poesia
contemporânea (termo real – ausente do poema); “as águas sempre serenas” (termo ideal)
dessa fonte correspondem à inspiração ou ao talento poético do secretário (termo real –
ausente do poema).
Retomando o termo ideal metafórico “nova Atenas”, utilizado para referência ao
termo real “cidade da Bahia”, vale acrescentar que a relação existente entre esses dois
termos é explicitada em outro poema escrito por Rocha Pita para esta mesma sessão
acadêmica, o soneto “Em louvor dos Senhores Acadêmicos da nossa Academia Brasílica no
dia em que ela se abre”:
Nobres Atletas, que em gentil porfia
pretendeis abalar Platão, e Apolo
transferindo o Parnaso ao nosso Pólo,
Atenas colocando na Bahia.
Nesses versos, o poeta chama aos acadêmicos “Nobres Atletas” que, no combate, no
plano da criação poética, “abalam”, isto é, tornam enfraquecidas as referências clássicas –
Apolo e Parnaso, que designam figuradamente a poesia – pois fazem da Bahia nova Atenas.
Platão, que ensinava filosofia nos jardins de Academus – daí a palavra “Academia”, sofre
do mesmo “abalo” – pois agora existe a Academia Brasílica dos Esquecidos.
Além da linguagem figurada e das referências mitológicas, a linguagem do poeta
não admite uma compreensão simples pelo leitor atual, pois, conforme ensina Segismundo
Spina, “o Cultismo criou um vocabulário próprio através de várias vias: mudando a acepção
normal dos termos correntes [...]; reabilitando as acepções cultas latinas [...]; tornando
léxico corrente termos cultos [...]”.
147
No caso do primeiro quarteto desse soneto, o verbo
“represar” – “e da nossa moderna Cabalina / as Águas represais sempre serenas” – assume
o sentido de “reter, agarrar”, ou seja, o poeta se apodera (nutre) das águas que conferem o
poder da criação poética.
146
KURY, 1990, p.201.
147
SPINA, 1987, p.28.
78
No segundo quarteto do poema, ao dizer que o secretário tem “as chaves da
Oficina” e é “guarda do Tombo das Camenas” (termos ideais), quer referir às qualidades de
seu talento: ter “as chaves da Oficina” é o mesmo que ter a capacidade para as construções
engenhosas; ser “guarda do Tombo das Camenas” é o mesmo que dizer que ele convive
com as musas, ou seja, dispõe do talento necessário à criação poética, necessário para a
invenção de metáforas cultas. Essas duas expressões o adornam dos talentos indispensáveis
ao excelente exercício da prosa (conceptismo) e da poesia (cultismo).
Como se vê, seis dos oito versos dos quartetos são empregados para o
desenvolvimento dos epítetos que qualificam o secretário. A exortação a ele, para que
conduza os trabalhos acadêmicos, é feita nos dois primeiros versos do segundo quarteto, em
registro não menos metafórico: “As Portas nos abri áureas, e amenas / desta douta Palestra,
Aula divina” – ou seja, que ele abra, ou dê início, aos trabalhos da Academia (termo real –
ausente do poema), referida metaforicamente como “douta Palestra” e “Aula divina”
(termos ideais).
Nos tercetos, o poeta refere-se ao secretário por meio de figuras: ele é “ilustre
Arquivo dos pensamentos mais perfeitos”, “fecundo Erário (dos mesmos pensamentos)” e
“Secretário do entendimento”. São-lhe atribuídas qualidades essenciais para o cumprimento
das atividades acadêmicas – praticamente se explica ou se justifica a sua escolha pelo vice-
rei para secretário da Academia: era um grande engenho, brilhante em sua capacidade
criativa. Por isso, o poeta lhe pede que mostre a ele e aos demais acadêmicos as sutilezas da
agudeza e dos conceitos.
A agudeza, conforme ficou demonstrado no capitulo anterior, consistia num
“artifício conceituoso, numa primorosa concordância, numa harmônica correlação entre
dois ou três extremos cognoscíveis, expressa por um ato do entendimento.” O conceito, por
sua vez, consiste num “ato de entendimento que exprime a correspondência que existe entre
objetos.”
148
Assim, são conceituosos e agudos os atos de entendimento que fazem da Bahia
“nova Atenas”; da Academia “a máquina mais peregrina”, “douta Palestra” e “Aula
divina”; que fazem de José da Cunha Cardoso “guarda do Tombo das Camenas”.
No primeiro terceto há referência à “agudeza e seus efeitos”, e no segundo aos
“conceitos”. Os dois tercetos, embora separados por ponto final, na verdade, compõem um
148
GRACIÁN, 1987, t.I, p.55. (Tradução nossa.)
79
só período sintático: no terceiro verso do primeiro terceto encontra-se a oração principal do
período: “nos provei da agudeza, e seus efeitos”. Essa é a oração paralela à oração principal
dos quartetos, que vem no primeiro verso do segundo quarteto: “As portas nos abri áureas,
e amenas”. Em ambas há o emprego de verbos no modo imperativo: “abri” e “provei”.
Já se mencionou a conjugação aparentemente irregular do verbo “prover” na
passagem em que ele ocorre. Embora Antônio de Morais Silva já afirmasse que o verbo se
conjuga “à imitação de Ver”, na verdade, o verbo, segundo Domingos Paschoal Cegalla,
“conjuga-se como ver no presente do indicativo; no presente do subjuntivo e no
imperativo”;
149
nos demais tempos segue o paradigma da segunda conjugação (dever,
mover).
150
As formas verbais, por sua plasticidade – derivada das flexões de modo, tempo,
pessoa e número –, prestam-se particularmente a ajustes necessários à arte da versificação.
Leite de Vasconcelos afirma: “A rima e o metro fazem também que os verbos se
empreguem indevidamente em certos modos e tempos, o que tanto acontece na literatura
popular, como na culta.”
151
Refere o filólogo português alterações nos tempos e modos
verbais. A profa. Marília Mattos, em trabalho apresentado na V SEVFALE (Semana de
Eventos da Faculdade de Letras), promovida pela Faculdade de Letras da UFMG no
período de 07 a 09 de junho de 2004, ao apresentar uma tradução do Madrigal III, em
italiano, de Manuel Botelho de Oliveira, observou que o poeta, para economizar uma sílaba
no verso, emprega um verbo na terceira pessoa do singular quando o sujeito estava no
plural.
152
Portanto, a força da poesia pode fazer com que os poetas se afastem da norma não
apenas no tocante aos tempos e modos dos verbos, mas também no que diz respeito às
pessoas. Os versos de Rocha Pita nos trazem, ainda, outro modo de alterar a conjugação de
um verbo, que consiste em deslocá-lo, com finalidade métrica, de sua conjugação “normal”.
Nesse caso, pode ter atuado como força espontânea a analogia, pois o verbo, sendo
irregular, foi conduzido ao paradigma da conjugação a que pertence. Sobre os fenômenos
por ele apontados, afirma Leite de Vasconcelos: “Vê-se que a língua tem muitas
149
CEGALLA, 1996, p.276.
150
Cf. CUNHA & CINTRA, 2001, p.418.
151
VASCONCELOS, 1911, p.418.
152
MATTOS, 2004. Comunicação oral apresentada em evento.
80
delicadezas, que só às vezes por análise miúda se podem apreciar devidamente.”
153
Confirmam-se aqui a riqueza e a verdade dessa afirmativa.
Como o expediente de que se valeu o poeta é um “desvio intencional das leis da
linguagem ou da gramática”
154
, fica ele incluído entre as licenças poéticas.
Um outro caso de licença poética empregado por Rocha Pita pode ser encontrado na
segunda estrofe do soneto “Em louvor dos Senhores Acadêmicos da nossa Academia
Brasílica no dia em que ela se abre”, poema composto para esta mesma sessão acadêmica:
Sereis aos Doutos Norte, aos sábios guia,
e em vossas obras hão de achar sem dolo,
os pensamentos remontado idolo,
elevados primores a Poesia.
No primeiro verso, o poeta diz aos acadêmicos que eles serão “Norte” para os
eruditos e guia para os “sábios”, ou seja, indicarão a eles a direção que deveriam dar a seus
trabalhos intelectuais. Nos versos seguintes, de complexa estrutura sintática, ele diz que nas
obras dos acadêmicos os pensamentos encontrarão formas elevadas, “remontado idolo” e a
Poesia encontrará “elevados primores”. O segundo verso conduz aos dois seguintes, que
apresentam estrutura ao mesmo tempo paralela e invertida, quiasmática:
[os pensamentos = 1] [remontado idolo, =2]
[elevados primores = 2] [a Poesia. = 1]
Ao passo que “os pensamentos” [1] hão de achar, nas obras dos acadêmicos, “remontado
idolo” [2], “elevados primores” [2] serão nelas encontrados ou achados pela “Poesia” [1]. A
construção desse quiasmo inverte as posições de sujeito e objeto
sujeito x objeto [no terceiro verso] e
objeto x sujeito [no quarto verso].
e exige uma zeugma complexa, elipse em que a palavra subentendida tem flexão diferente
da que é expressa no enunciado: no quarto verso o verbo subentendido – “há de achar”
encontra-se no singular, enquanto a forma expressa do verbo, no segundo verso – “hão de
achar” –, vem no plural.
153
VASCONCELOS, 1911, p.419.
154
LITERATURA I, 1977, p.169.
81
A licença poética propriamente dita, nessa estrofe, diz respeito, ao mesmo tempo, à
métrica e ao esquema de rimas, que é abba. Sendo assim, o terceiro verso rima
consoantemente com o segundo: o termo “idolo” rima com “dolo” – o que exige diástole,
avanço do acento para a sílaba seguinte – “ídolo” / “idolo”. Com objetivo de ajustar a rima
do terceiro verso à do segundo, o poeta deslocou o acento tônico da palavra “ídolo” para a
segunda sílaba, a fim de não criar nenhuma dissonância no plano fônico ou no esquema das
rimas. Quanto à métrica, embora o verso possa ser hendecassílabo sem o fenômeno da
diástole (“os / pen/sa/men/tos / re/mon/ta/do / í/dolo”), o deslocamento do acento é
vantajoso, por permitir, além do ajuste na rima, a sinalefa entre a sílaba final de
“remontado” e a vogal inicial de “idolo” (“os / pen/sa/men/tos / re/mon/ta/do i/do/lo”).
Tecnicamente, a sinalefa ajusta o verso às características da emissão dos sons na
fala. Olavo Bilac e Guimarães Passos, discorrendo sobre métrica, afirmam:
O metrificador, diferentemente [do gramático], apenas
conta por sílabas aqueles sons que lhe ferem o ouvido,
assinalando a sua existência indispensável. Quanto aos sons
vulgares, da linguagem e audição comum, estes lhe passam
completamente despercebidos, porque não formam sílabas, e são
como se não existissem.
Para o gramático, a palavra representa sempre o que é
precisamente: nada lhe importa o ouvido. O metrificador não se
preocupa senão com o ouvido, e com o modo como a palavra lhe
soa.
155
A julgar pelas considerações de Bilac e Guimarães Passos, Rocha Pita, como poeta, tinha
os ouvidos atentos aos sons da fala. Embora esses tratadistas fossem seguidores da doutrina
de Antônio Feliciano de Castilho, essas observações se aplicam ao verso como unidade de
elocução oral e não implicam diferenças notáveis com relação aos séculos XVII e XVIII. A
poesia de Rocha Pita, como poesia intimamente vinculada à sua situação, o que nos
permitiu tratá-la como poesia de circunstância, regia-se pelos padrões dominantes na
sociedade setecentista da Bahia. Ivan Teixeira, a propósito das condições de circulação da
poesia na Bahia no século XVII, afirma que essa circulação era “regida por regras de
comunicação das coletividades sem imprensa, nas quais a leitura pública se impunha como
155
BILAC &, PASSOS, 1944, p.38.
82
forma corrente de veiculação de poesia, bem como de outras modalidades de escritura.”
156
Diz, ainda, o mesmo crítico:
Essa condição histórica determinou, mais tarde, a criação de
centros especializados em que as pessoas se reuniam com o
propósito de partilhar da socialização da produção cultural.
Sabe-se que a primeira agremiação sistemática desse tipo no
Brasil foi a Academia Brasílica dos Esquecidos, inaugurada em
1724, na cidade de Salvador.
157
Além da poesia, como observa Ivan Teixeira, prendiam-se às mesmas circunstâncias
“outras modalidades de escritura.” Na Academia Brasílica, havia as orações acadêmicas,
feitas em prosa, pronunciadas na abertura pelo presidente; e havia as dissertações históricas,
também feitas em prosa pelos mestres encarregados delas.
Na primeira sessão acadêmica pronunciaram-se os encarregados da História Natural,
Caetano de Brito Figueiredo, e da História Militar, Inácio Barbosa Machado. Ambos foram
saudados em versos pelos acadêmicos. Rocha Pita dirigiu-se num soneto
Ao Meritíssimo Senhor Juiz de Fora, Inácio
Barbosa Machado, um dos quatro Mestres
da Academia, lendo nela do nosso Brasil
SONETO
Barbosa insigne, cujo engenho agudo
é de Minerva o parto que mais preza.
Águia na elevação, e sutileza
único Fênix, singular em tudo.
Já não pode o meu livro ficar mudo
pois se ledes da América a grandeza,
tomando por emprego a minha Empresa
deixais acreditado o meu estudo.
Agora alcançará mais alta glória
a minha voz, seguindo o vosso brado,
o louro será meu, vossa a vitória,
Porque aos cortes gentis desse Machado
o tronco há de ficar da minha história
mais útil, mais vistoso, e bem lavrado.
156
TEIXEIRA, 2005, p.18.
157
TEIXEIRA, 2005, p.18.
83
Esse é o terceiro dos três poemas em que o poeta estabelece interlocução direta com
pessoas presentes à primeira conferência da Academia Brasílica dos Esquecidos. Os dizeres
presentes na didascália do poema – “um dos quatro Mestres da Academia, lendo nela do
nosso Brasil” – informa-nos da circunstância daquela homenagem, pois o acadêmico havia
apresentado a primeira parte de seu trabalho sobre a História Militar do Estado do Brasil
que lhe tinha sido encomendada pelo vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses.
Como no primeiro soneto que estudamos, em homenagem ao secretário José da
Cunha Cardoso, também esse se ajusta ao decoro acadêmico. O poeta trata Inácio Barbosa
Machado em tom elevado, usa – nos quartetos – a segunda pessoa do plural para se dirigir a
ele e o chama de “Barbosa insigne”. O primeiro quarteto todo compõe uma unidade de
pensamento em que o poeta exalta as qualidades e o talento do seu interlocutor. Ao dizer
que ele é “Águia na elevação”, “único Fênix”, o acadêmico Vago quer dizer que se trata de
pessoa notável, rara, que sobrepuja as demais pela excelência de seus dotes intelectuais, de
seu talento e por sua inteligência. Além disso, diz que seu engenho agudo “é o parto de
Minerva que [ela] mais preza”; seu engenho, que consiste na “força com que o
entendimento ou juízo acha, recolhe, penetra, une ou separa as propriedades dos conceitos,
estabelecendo, portanto, relações de semelhança ou de diferença”,
158
provém da deusa da
sabedoria, das artes e das ciências.
Um fato que nos chama atenção na estrofe seguinte, além do assunto abordado –
referência à história da América –, é que o poeta se coloca na primeira pessoa do singular
(“meu livro”, “meu estudo”), interagindo diretamente com o seu interlocutor. A estrutura
sintática da estrofe dá seguimento ao da primeira, embora esteja dela separada por ponto-
final: o poeta toma o assunto de Barbosa Machado para si, referindo-se ao seu próprio livro,
já naquela época em fase de elaboração: a História da América Portuguesa, desde o seu
descobrimento até o ano de 1724. Segue-se, ao longo dos versos segundo a quarto, uma
estrutura hipotética iniciada por “se”: “se ledes (...) deixais acreditado” – em que ambos os
verbos aparecem no presente do indicativo, o que está conforme ao tipo de estrutura que
predominou absolutamente na língua arcaica e na daquele tempo.
159
158
TEIXEIRA, 2005, p.21.
159
Cf. LEÃO, 1961, p.145-219.
84
O poeta inicia a segunda estrofe dizendo que seu livro não poderia mais passar
despercebido – “Já não pode meu livro ficar mudo” –, pois se um homem tão notável como
Inácio Barbosa Machado pôde identificar grandezas na América, era certo que seu estudo,
ou seja, a História em que vinha trabalhando, ganharia crédito ao olhar dos outros.
Na passagem dos quartetos aos tercetos, há como que uma torção no pensamento: os
versos passam a falar mais propriamente da primeira pessoa, de sua voz, que é posta em
equiparação com a voz do mestre. Os dois tercetos do poema dão prosseguimento a esse
jogo de elogiar o interlocutor e, ao mesmo tempo, de fazer-se reconhecer a partir do
trabalho empreendido pelo outro. No primeiro terceto, o poeta diz que sua voz será ouvida
mais longe e alcançará mais prestígio se ele seguir o “brado” do ilustre Barbosa Machado; a
estrofe termina por um verso bimembre, que opõe a primeira à segunda pessoa: “o louro
será meu, vossa a vitória”. No segundo terceto, o poeta, por meio de um jogo de palavras,
espécie de agudeza, aplica um preceito muito praticado na poesia culta – a exploração de
um vocábulo em seus vários sentidos:
Porque aos cortes gentis desse Machado
o tronco há de ficar da minha história
mais útil, mais vistoso, e bem lavrado.
No primeiro verso, o poeta faz com que o nome Machado seja pessoa e instrumento de
corte ao mesmo tempo. Ele diz que, com os “cortes gentis desse Machado”, o tronco de sua
história haveria de ficar mais útil, vistoso e bem lavrado.
O empreendimento de Inácio Barbosa Machado de compor a história militar da
colônia resultaria na elevação do trabalho do próprio Rocha Pita – a História da América
Portuguesa. Além disso, a idéia de corte associada ao termo Machado, sugere não só a
agudeza do pensamento de Barbosa Machado, mas também que o acadêmico abrisse o
caminho, “desbastando o mato”, para que o poeta pudesse passar sem nenhum problema.
Sebastião da Rocha Pita foi o primeiro historiador a dar notícia da Academia
Brasílica dos Esquecidos. No último capítulo de seu livro História da América Portuguesa,
ele diz o seguinte:
A nossa portuguesa América (e principalmente a província da
Bahia) que na produção de engenhosos filhos pode competir
com Itália e Grécia, não se achava com as academias
85
introduzidas em todas as repúblicas bem ordenadas, para
apartarem a idade juvenil do ócio contrário das virtudes, e
origem de todos os vícios, e apurarem a subtileza dos engenhos.
Não permitiu o vice-rei que faltasse no Brasil esta pedra-de-
toque ao inestimável oiro dos seus talentos, de mais quilates que
o das suas minas. Erigiu uma doutíssima academia, que se faz
em palácio na sua presença. Deram-lhe forma as pessoas de
maior graduação e entendimento que se acham na Bahia,
tomando-o por seu protetor. Têm presidido nela eruditíssimos
sujeitos. Houve graves e discretos assuntos, aos quais se fizeram
elegantes e agudíssimos versos; e vai continuando nos seus
progressos, esperando que em tão grande proteção se dêem ao
prelo os seus escritos, em prêmio das suas fadigas.
160
Ao vice-rei, protetor da Academia, dedicou Rocha Pita um outro soneto na primeira
conferência acadêmica; no poema, o vice-rei não é abordado diretamente, embora estivesse
presente à sessão, pois as reuniões se faziam “em palácio na sua presença” – os versos
falam dele em terceira pessoa:
Em louvor do Excelentíssimo Senhor Vasco
Fernandes César de Meneses, Vice-Rei,
e Capitão geral de Mar, e Terra deste
Estado, Instituidor, e Protetor da nossa
Academia Brasílica, que se faz em
Palácio na sua presença.
SONETO
Ao César Português brando, e severo
que irmanando o valor com a prudência
sabe ser absoluto, e ter clemência,
ser Alcides valente, sem ser fero,
Não César, mas Deidade o considero
formando uma Palestra da ciência,
que há de ser vida ilustre da eloqüência,
alento de Platão, Alma de Homero.
Dos Alunos desta Aula tão ciente
não é Minerva o Nume que os comove
quando tem este Júpiter presente.
esta causa superior os move
pois se Minerva os produziu da mente
ela nasceu do Cérebro de Jove.
160
PITA, 1970, p.491-492.
86
A rubrica inicial desse soneto evidencia determinados procedimentos que são de
grande importância para a compreensão da poesia produzida no âmbito da Academia
Brasílica dos Esquecidos: a situação e a posição áulicas dos poetas. Como já foi dito no
terceiro capítulo desta dissertação, a prática da poesia na primeira metade do século XVIII,
no Estado do Brasil, localizava-se no centro do poder e “incluía-se naturalmente na
concepção corporativa da monarquia absolutista”.
161
O soneto em homenagem ao vice-rei,
que integra o decoro próprio das ocasiões acadêmicas solenes, reflete muito bem esse
estado de coisas.
O vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses é “capitão geral de mar e terra deste
Estado”, ou seja, um cidadão que está acima de qualquer outro na cadeia hierárquica da
burocracia colonial; além disso, ele é o “instituidor e protetor” da “Academia Brasílica” –,
o que revela ser a agremiação Brasílica extensão da corte. Além de ter sido fruto direto de
um projeto do poder monárquico, suas conferências eram realizadas no palácio do vice-rei e
em sua presença. Não havia, propriamente, distinção entre o Estado e as atividades
acadêmicas: a poesia era feita à sombra do poder. Pode-se prever que, num tipo de
representação dessa natureza, esteja implícito no modo de abordar os assuntos poéticos a
formalidade das posições hierárquicas da sociedade setecentista.
Na colônia o vice-rei representava a cabeça do império, e o restante da população,
numa certa distribuição hierárquica, no interior da qual se situavam os acadêmicos que
compunham a instituição dos Esquecidos, representava a totalidade do corpo social do
Estado. Toda a hierarquia, segundo as leis do tempo, devia zelar pelo bem comum.
162
Não
se pode esquecer que a poesia dessa época “reproduzia aquilo que cada membro do corpo
místico do Império já era, prescrevendo, simultaneamente, que ele devia ser, ou seja,
persuadindo-o a permanecer como o que já era”.
163
De acordo com Marcello Moreira,
A teologia política, nos séculos XVII e XVIII, retomava o topos
medieval do corpus mysticum que, em sua formulação teológica
e legal, articulava-se nas representações da igreja e da sociedade
cristã como corpo místico cuja cabeça é Cristo. Assim como
Cristo é a cabeça do corpo místico, assim o Rei é a cabeça da
República cujos membros são todos os seus vassalos.
164
161
HANSEN, 2002, p. 27.
162
Cf. HANSEN, 2002, p.27-28.
163
HANSEN, 2002, p.29.
164
MOREIRA, 2001, p.407-408.
87
No caso específico desse soneto em louvor do vice-rei, toda a hierarquia do poder se
revela, pois ao elogiá-lo, “o poeta procura incluir-se como membro hipotético do conselho
de sua majestade, cuja razão requer a prudência do apoio para que a cabeça coordene com
eqüidade os membros do corpo místico do Estado”.
165
O soneto é encomiástico; os quartetos compõem uma unidade sintática em que o
poeta, com jogos de palavras e com metáforas que pertencem a campos semânticos
congruentes, cria uma série de comparações para exaltar o vice-rei. O próprio nome do
vice-rei é empregado metaforicamente e em dois sentidos – ao referir-se a ele com “César
Português”, o poeta lança mão do nome próprio e o torna metáfora hiperbólica da posição
hierárquica do administrador da colônia (soberano local). No segundo e terceiro versos, o
poeta emprega o artifício de aproximar idéias potencialmente opostas, para desenhar o
perfil equilibrado da mais alta autoridade: “irmanando o valor com a prudência / sabe ser
absoluto, e ter clemência”. Ao dizer, no quarto verso, que o vice-rei sabe “ser Alcides
valente, sem ser fero”, o poeta inicia um movimento interno no poema que resultará no
deslocamento do vice-rei de sua condição de mortal para a condição de imortal, pois
“Alcides” é o nome latino de Hércules, filho de Zeus e de Alcmena. Assim a posição da
autoridade se equipara à de um semideus.
166
Na segunda estrofe, ao dizer que “Não César, mas Deidade o considero”, o poeta
retoma e amplifica a idéia sugerida na primeira: de “César Português”, que sabe ser Alcides
(semideus), alça-se a figura do vice-rei à condição de divindade. É nessa condição que,
segundo o poeta, ele patrocinava uma “Palestra da ciência”, a Academia – dedicada ao
saber e à poesia: “alento de Platão, Alma de Homero”.
Nos tercetos o poema volta-se para os acadêmicos, “Alunos desta Aula tão ciente”;
o vice-rei passa, então, à condição de “Nume que os comove”, ou seja, divindade que lhes
ilumina os engenhos. As duas estrofes apresentam unidade de pensamento, e o artifício da
comparação de César com divindades permanece até o fim.
A idéia de fazer do vice-rei uma divindade, o que seria uma blasfêmia se a
divindade pensada fosse o Deus cristão – e, nesse caso, o poema incorreria em falta de
decoro –, transfere-se para o âmbito da mitologia clássica: César agora é Júpiter, Jove.
165
TEIXEIRA, 2005, p.65
166
Cf. KURY, 1990, p. 180-192
88
Entretanto, a divindade mais justamente adequada a uma academia seria Minerva, deusa da
sabedoria, das artes e das ciências. Mas, como essa deusa, que produz os sábios, nasceu do
cérebro de Júpiter, em presença do próprio Júpiter – “quando tem este Júpiter presente” (o
“César Português”) – ela lhe cede o lugar.
O que pode parecer exagero ou afetação na elocução do poeta – “César Português”,
“Alcides valente”, “Júpiter presente” – não passa de adequação e proporcionalidade
naturais e decorosas ao objeto de louvor. Isso é próprio do gênero encomiástico; e o vice-rei
era, como aqui já se assinalou, na estrutura hierárquica da colônia portuguesa, o homem
mais importante. Além disso, esse poema apresenta e desenvolve a tópica da construção da
eternidade por meio das letras, a qual foi muito utilizada nesse gênero poético durante os
séculos XVII e início do XVIII.
167
É de se notar que entre os poemas escritos por Rocha Pita na primeira conferência
da Academia Brasílica, dirigidos a pessoas presentes, somente este, em louvor do vice-rei,
põe a pessoa homenageada em condição de possuir dupla natureza, pois Vasco Fernandes
César de Meneses, de acordo com as palavras do poeta, é humano e divino ao mesmo
tempo. Essa característica o diferencia dos demais – que, apesar de possuírem qualidades
excepcionais, não possuem dupla natureza; são apenas homens – e o coloca numa posição
superior a todos. Pode-se deduzir que a intenção de agregar características divinas e
humanas na pessoa daquele que é louvado seja feita com o intuito de associar a figura do
vice-rei com a de Cristo, pois este é humano e divino ao mesmo tempo. E se ele (Cristo)
representa, segundo a teologia política da época, a cabeça do corpo místico do Império, por
uma questão de analogia, o vice-rei representaria a cabeça do corpo do reino na colônia.
Ainda nessa primeira conferência, Rocha Pita dedicou cinco sonetos à fundação da
Academia Brasílica. Eis as rubricas iniciais deles: “Em louvor da nossa Academia com o
título de Brasílica”; “Em louvor da nossa Academia com o título dos Esquecidos”; “Sobre a
Empresa da Academia, o Sol nascido no Ocidente”; “Na reflexão feita no dia em que se deu
forma à nossa Academia, sobre ser o de Santo Tomás de Aquino”; “Repente ao qual deram
assunto os acidentes do tempo, e as circunstâncias do dia 23 de abril (conjunção de lua
nova) em que se abre a nossa Academia Brasílica”.
167
Cf. TEIXEIRA, 2005, p.65.
89
Desse conjunto, passaremos em revista apenas os três primeiros poemas, que
abordam, de maneira direta, os temas relacionados com a fundação da Academia. Neles, o
assunto está pré-definido no objeto de louvor, e a poesia resulta de uma dispositio, em que,
por meio de operações lógicas, o poeta procura estabelecer conexões engenhosas entre as
idéias (inventio) e busca extrair delas alguma conclusão.
Eis o primeiro soneto:
Em louvor da nossa Academia com o título
de Brasílica.
SONETO
Esta Aula do Brasil heróica empresa,
que Academia Brasílica se chama
cuja luz de dar brilhante flama,
cuja Esfera há de ter toda a grandeza:
Se do Brasil a célebre franqueza
com tal consternação a move, e inflama
quanto aos brados terá soberba fama,
quanto às composições grande riqueza.
Nesta América podem ter segura
execução os seus altos empenhos,
todos os seus escritos formosura.
Pois não hão de faltar aos seus desenhos
Suavidade na Pátria da doçura,
Agudeza na terra dos Engenhos.
Nesse soneto o
poeta desenvolve seu tema concentrado apenas numa parte do título
da agremiação, o qualificativo de “Brasílica” atribuído à “Academia”. O poema, em rigor,
fala da importância da instituição de uma Academia em terras brasílicas: as duas primeiras
estrofes compõem uma unidade sintática e não possuem um interlocutor direto, pois, nelas,
o poeta apenas anuncia o seu tema e diz que a iniciativa de estabelecer uma Academia no
Estado do Brasil fará com que ela “quanto aos brados terá soberba fama” e “quanto às
composições grandes riquezas”. No primeiro quarteto, o poeta refere-se à Academia de
forma metafórica como “Aula do Brasil” e a toma como “Esfera”, o que lhe confere o
estatuto de centro irradiador do pensamento – uma vez que ela é entendida por semelhança
com a forma esférica do universo.
90
Os tercetos, que, embora estejam separados por ponto-final, constituem, também,
uma unidade sintática, fazem o raciocínio terminar num jogo de palavras que explora o
duplo sentido dos termos no verso:
Pois não hão de faltar aos seus desenhos
Suavidade na Pátria da doçura,
Agudeza na terra dos Engenhos.
Nota-se que o Estado do Brasil é entendido como “Pátria da doçura”, por uma relação
metonímica com a produção açucareira do período colonial. Além disso, ao aproximar os
termos “Agudeza” e “Engenho”, o poeta usa o artifício de empregar um só termo com mais
de um sentido: a palavra “Engenho”, quando associada à “Pátria da doçura”, pode ser
entendida como aparelho para moer cana-de-açúcar – instrumento de trabalho usual
naqueles tempos–; quando associada ao termo “Agudeza”, tem sentido diferente – designa
a capacidade criar artifícios engenhosos, isto é, a força com que o entendimento estabelece
relações de semelhança ao aproximar idéias aparentemente desconexas. Nesse caso, o poeta
quer dizer que não há de faltar aos acadêmicos, na terra dos Engenhos, aqui entendida, ao
mesmo tempo, como a cidade da Bahia e como a Academia Brasílica dos Esquecidos, a
agudeza, inteligência necessária à boa composição dos trabalhos acadêmicos.
No segundo soneto dedicado à fundação da agremiação o poeta utilizou a mesma
estratégia de empregar parte do nome da instituição para dela extrair o seu tema: desta vez,
a motivação central do poema será conduzida a partir do termo “Esquecidos”. É com base
nessa idéia que o poeta fixa um pensamento de caráter antitético com o intuito de
demonstrar que eles – acadêmicos brasílicos – precisaram se tornar “esquecidos” para se
fazerem “lembrados”:
Em louvor da nossa Academia com o título
dos Esquecidos.
SONETO
Nesta ilustre Academia a quem a História,
e a Poesia hão de dar o fundamento
competindo uma, e outra alento, a alento
se há de cantar por ambas a vitória.
91
O ser dos esquecidos tem por glória,
mas com diverso efeito, e sentimento
quanto se humilha mais no esquecimento,
tanto mais se levanta na memória.
Os seus Alunos sairão prezados
do silêncio em que estavam escondidos
a vida nova, empregos duplicados.
E se em outras Potências, e sentidos
os vivos podem ser ressuscitados,
eles serão lembrados, e esquecidos.
Os objetivos principais da agremiação Brasílica são colocados logo no início do
poema: o trabalho com a história e o cultivo da poesia. Essas duas tarefas foram pensadas
para serem a base dos trabalhos na instituição, devendo-se lembrar que a primeira sempre
contou com mais importância do que a segunda no projeto idealizado pela coroa
portuguesa. A carta do rei D. João V ao vice-rei do Brasil Vasco Fernandes César de
Meneses ordenava a investigação, junto à igreja do Brasil e aos sacerdotes em geral, assim
como junto às autoridades civis, de tudo que fosse possível recuperar sobre a história
eclesiática e secular do Brasil, em conformidade com os trabalhos que vinham sendo
desenvolvidos na Academia Real da História Portuguesa. Portanto, o objetivo principal da
Academia Brasílica dos Esquecidos era, como já foi dito, o estudo da História do Brasil.
O expediente de que se valeu o vice-rei para executar o projeto real resultou na
fundação da Academia – espaço em que a Poesia passou a competir com a História,
valendo o grito de “Esquecidos” mais para os poetas do que para os historiadores. Ao
iniciar a segunda estrofe, o poeta diz que a fama seria alcançada por eles justamente por
meio do esquecimento, pois dele se ergueram justamente com o nome, pelo qual serão
lembrados, de “Esquecidos”. Há uma oposição de idéias nos versos: “enquanto se humilha
mais no esquecimento / tanto mais se levanta na memória”. O jogo de oposições aproxima
pensamentos opostos e amplifica os efeitos. Os dois versos se opõem termo a termo:
“humilhar”, empregado no terceiro verso, pode ser entendido como “rebaixar”, que se opõe
a “levantar”, presente no quarto; o termo “esquecimento”, presente no terceiro verso, se
opõe à “memória”, presente no quarto verso. Além disso, vale destacar a relação antitética
presente em toda estrofe, em que a “glória” e a “memória” – que se vinculam pela rima à
“vitória” e à “História” presentes no primeiro quarteto – se opõem à idéias de
92
“esquecimento” e “humilhação”. Resultado: os acadêmicos, fazendo história, no duplo
sentido de produzir acontecimentos dignos de serem lembrados e de redigirem eles próprios
uma história da América, com o nome de Esquecidos se fizeram lembrados. Como no
soneto anterior, o raciocínio se fecha no último terceto:
E se em outras Potências, e sentidos
os vivos podem ser ressuscitados,
eles serão lembrados, e esquecidos.
Diante desses versos, nós, leitores, entendemos o que eles querem dizer, mas não
conseguimos explicar imediatamente o que entendemos, pois a atribuição metafórica de
cada termo não se fixa com firmeza e deixa a impressão de que há diversas possibilidades
de significação em torno dos mesmos vocábulos. Isso pode ser verificado em algumas
idéias paradoxais presentes nos versos: vivos / ressuscitados – lembrados / esquecidos.
Apesar disso, pode-se deduzir um possível sentido para a estrofe. Quando o poeta diz “E se
em outras Potências, e sentidos / os vivos podem ser ressuscitados”, o termo “Potência”
sinaliza a possibilidade de mudança de condição daqueles que se encontravam
completamente esquecidos. A idéia de ser ressuscitado “em outras Potências e sentidos”
põe o plano da existência concreta dos acadêmicos em correlação com outro plano: o da
ressurreição dos mortos – a volta à vida de todos os mortos no fim dos tempos, o que
constitui um dogma da fé cristã. Se por um lado há (ou haverá) uma ressurreição efetiva,
“em outras Potências e sentidos”, há também a “ressurreição” simbólica dos acadêmicos,
que consiste em serem eles trazidos à memória como membros da instituição intitulada
“dos Esquecidos”.
O jogo antitético representado pelos vocábulos “lembrados” e “esquecidos” no
último verso pode evidenciar, num primeiro momento, uma aparente falta de lógica ou de
nexo no desenvolvimento da argumentação, mas o poeta pensa por analogia: a situação dos
acadêmicos brasílicos, que antes viviam esquecidos por não terem sido lembrados pela
academia metropolitana, alterou-se radicalmente quando eles passaram à condição de
lembrados e esquecidos ao mesmo tempo – isto é, eles serão lembrados devido ao sucesso
que os trabalhos empreendidos na academia alcançarão e serão esquecidos porque tomaram
para si esse nome. Por mais que sejam lembrados, não deixarão de ser esquecidos. Pode-se
dizer que é engenhoso e agudo o pensamento do poeta.
93
O terceiro poema desse grupo tem como tema a Empresa da academia:
Sobre a Empresa da Academia, o Sol nascido
no Ocidente.
SONETO
Mudou o Sol o Berço refulgente,
ou fêz Berço do Túmulo arrogante
galhardo onde se punha agonizante
com Luz no Ocaso, e sombras no Oriente.
Não morre agora o Sol, quer diferente
no Aspecto, se na vida semelhante
no Oriente nascer menos flamante,
e rensacer mais belo no Ocidente.
Fênix de raios a uma, e outra parte
comunica os incêndios, e fulgores,
porém com diferença hoje os reparte.
Nasce no Oriente em ardores,
no Ocidente a ilustrar Ciência, e Arte
Renasce em Luzes, vive em resplendores.
Sabe-se que os acadêmicos Esquecidos escolheram por empresa da agremiação a
imagem do Sol com os seguintes dizeres: Sol oriens in Occiduo – O Sol nascendo no
Ocidente.
168
Pedro Júlio Barbuda, ao escrever sobre esse episódio, citando Rafael Galanti,
vê nessa divisa apenas uma possível alusão ao fato de ter sido seu fundador, Vasco
Fernandes César de Meneses, “vice-rei, sol na Índia, e, depois, no Brasil.”
169
Já Wilson
Martins, ao tecer comentários sobre o mesmo fato, diz que: “havia claramente no espírito
de todos a convicção de que se iniciava no Brasil, ao contrário do que até então tacitamente
se pensava, o tempo da cultura intelectual...”
170
Se uma idéia ou outra pode ser aplicada ao
soneto de Rocha Pita é o que pretendemos verificar.
Pode-se dizer que, no assunto desenvolvido nesse poema – o Sol nascido no
Ocidente –, “Sol” é metáfora que surge sem o termo real, mas apenas com o ideal. Se
pensarmos nela como referência ao vice-rei, “Sol” é a cabeça da colônia, o maior astro do
corpo místico da daquela sociedade; como referência à intelectualidade colonial, “Sol” é o
168
Academia Brasílica dos Esquecidos – Notícia de Fundação. In: Castello, 1969, v.I, t.1, p.4.
169
BARBUDA, 1916, p.154.
170
MARTINS, Wilson, 1994, v.8, p.366.
94
entendimento, a inteligência, o pensamento, o espírito. A motivação central desse soneto é
conduzida por uma idéia de duplo sentido sugerida na mudança da posição “solar”, isto é, o
“Sol”, que nasce no Oriente, agora passou a “nascer” no Ocidente. O termo “Oriente” pode
ser entendido de duas maneiras, primeiro como a Índia, país em que o vice-rei serviu antes
de ser transferido para a colônia portuguesa na América; segundo como a Europa, ou mais
especificamente, Portugal ou a Academia Real História Portuguesa. Neste caso, o
fenômeno sugerido a partir da mudança da posição solar é o surgimento da Academia
Brasílica dos Esquecidos, que nasce com as luzes engenhosas do entendimento.
O soneto apresenta alto grau de complexidade no que diz respeito ao seu
significado, pois o poeta trabalha com idéias de duplo sentido e com uma linguagem
altamente figurada: faz uso de metáforas cultas que surgem sem o termo real, mas apenas
com o ideal. Além disso, o jogo antitético guiado pela idéia de claro-escuro contribui para
que o ornamento poético criado pelo acadêmico não seja facilmente decifrado.
Na primeira estrofe, ao dizer que “Mudou o Sol o Berço refulgente / ou fez Berço
do Túmulo arrogante”, pode-se deduzir que o acadêmico Vago esteja fazendo uma alusão à
mudança de valores que surgem concomitantemente à fundação da Academia Brasílica,
pois o “Túmulo” se torna “Berço” – lugar ou momento em que se inicia algo, aqui
entendido como “vida nova” – expressão usada pelo poeta, no mesmo sentido, em um outro
soneto dedicado à fundação da Academia.
171
Faz-se necessário lembrar que até aquela
época, no Estado do Brasil, não havia nenhuma instituição que se dedicava ao cultivo das
belas-letras. A Academia Brasílica dos Esquecidos foi a primeira instituição, no Brasil
colônia, que criou atmosfera estimulante para a vida intelectual, “favorecendo o
desenvolvimento de uma consciência de grupo entre os homens cultos e levando-os
efetivamente a produzir”.
172
. Talvez seja por isso que os acadêmicos, que antes viviam
“agonizando”, por não terem como mostrar os seus talentos devido as políticas impostas
pela metrópole à colônia, passaram a se dedicar aos seus trabalhos com muito empenho
para que as luzes do entendimento que antes só brilhavam no Oriente, ou seja, do outro do
Atlântico, brilhassem mais intensamente no Ocidente, de modo a fazer sombra naquele
lado. Vale destacar, ainda nessa estrofe, o jogo antitético presente no verso em que o poeta
171
Cf. soneto anterior a este, neste capítulo.
172
CANDIDO, 1981, p.78-79.
95
trabalha um dos preceitos mais característicos da poesia seiscentista e setecentista, a relação
entre claro-escuro: “com Luz no Ocaso, e sombras no Oriente”
.
A partir do segundo quarteto o poeta intensifica a idéia de que o “Sol” nascido no
Ocidente será diferente do nascido no Oriente. Ele diz que a inversão de valores operada
com a mudança da posição solar não há de fazer com que o “Sol” morra, mas apenas mude
a maneira pela qual se apresentava anteriormente, pois a partir de agora ele há de nascer
mais “belo” no Ocidente e menos “flamante” no Oriente, ou seja, com menos “brilho”.
Neste caso, “flamante” pode ser entendido como metáfora de capacidade intelectual;
agudeza de espírito; o que nos faz pensar que as luzes do engenho poético dos acadêmicos
Esquecidos brilharão com mais intensidade aqui, no Estado do Brasil, no Ocidente, do que
em Portugal, Oriente. Se retomarmos a idéia de Ariel Castro – de que o nome de
Esquecidos significaria inconformidade com a metrópole – e aplicá-la a este soneto
dedicado à divisa da Academia, pode-se pensar numa proposta de inversão de valores, pois
se o “Sol” nasce no Oriente, isto é, se a luz, o pensamento, nos vem da Europa, o lema Sol
oriens in Occiduo pode muito bem ser entendido como proposta de lançamento de luzes, ou
seja, de idéias, em sentido inverso, do Estado Brasil sobre a Europa.
Nos tercetos, o poeta diz que o Sol não deixará de nascer no Oriente, mas diz
também que haverá uma diferença no modo como a “luz” solar brilhará nos dois lados: lá
ela há de representar somente o dia, calor forte: “Nasce lá no Oriente só em ardores”; aqui,
no Ocidente, o “Sol” será a idéia que ilumina a mente, expressa através da Ciência (a
História) e da Arte (a Poesia): “Renasce em Luzes, vive em resplendores”. O verbo
“renascer”, empregado neste verso, pode ser entendido como o nascimento desse segundo
“Sol” – o entendimento e o brilho de suas produções.
Está latente, no discurso do poeta, um certo apego às coisas de sua terra. Não se
trata, evidentemente, de uma visão nacionalista, mas é surpreendente que a visão romântica
da literatura colonial não tenha valorizado esse aspecto da produção poética acadêmica –
que eles qualificam, pura e simplesmente, de gongórica.
Outro poema escrito por Rocha Pita, que desperta nossa atenção para esse mesmo
assunto, é o soneto lido na conferência do dia 04 de fevereiro de 1725, última sessão
realizada pela Academia.
96
Na suspensão que faz a nossa Academia
com a última conferência.
SONETO
Depõe um pouco o Arco o Deus Luzente
Para pulsar a corda mais constante,
Descansa o instrumento altissonante
Para entoar as vozes mais valente.
Tal da nossa Hipocrene a grossa enchente
Abstendo-se do curso modulante,
Para dar muitos passos adiante,
Suspende agora o passo, ou a corrente.
Bem que por algum tempo se despinte
Essa Idéia gentil do Sacro Monte,
O congresso fará com que se pinte,
E trazendo a Harmonia ao Horizonte,
No coro mostrará maior requinte,
Mais amplamente beberá na fonte.
O
poema desenvolve o assunto da suspensão dos trabalhos acadêmicos na
agremiação brasílica. Como se sabe, não são conhecidos os motivos que levaram à
interrupção dos trabalhos. Não consta em documentos a razão pela qual a Academia
Brasílica dos Esquecidos foi fechada; o que existe são hipóteses, conforme se mencionou
no capítulo primeiro desta dissertação. Há uma possibilidade de o fim da Academia ter sido
programado, pois, a partir da décima sexta conferência, os trabalhos já não mantinham a
mesma regularidade das sessões anteriores. A produção poética começava a diminuir e os
poetas-acadêmicos já não compunham, como antes, versos sobre todos os temas dados. Isso
pode ser verificado mesmo na produção de Rocha Pita, que, para a décima sétima
conferência, compôs apenas um poema em homenagem “Ao Senhor Coronel José Pires de
Carvalho”, e, na décima oitava, três outros: um, em homenagem “Ao Reverendo Padre
Coadjuntor o Senhor Manuel de Cerqueira Leal”, que presidiu a última sessão; outro,
versando sobre um tema heróico: “Dando as Damas de Cartago os seus cabelos para
enxárcia da Armada Cartaginesa”; e, por último, o poema que anunciava o fim da
agremiação: “Na suspensão que faz a nossa Academia”.
Além disso, um outro dado que chama nossa atenção nessa última conferência é o
fato de Rocha Pita ter escolhido escrever um poema que não tinha como base os assuntos
97
eleitos naquele dia para o certame literário. Os dois argumentos dados aos acadêmicos para
o exercício poético na décima oitava sessão foram os seguintes: “As damas de Cartago
dando as tranças de seus cabelos para enxárcias de uma armada contra seus inimigos”, tema
heróico, e “O inspirado retiro que fez de Lisboa o Padre Bartolomeu em 25 de setembro”,
tema lírico. Nota-se que o acadêmico Vago cumpriu apenas parte do que tinha sido
programado para a sessão de encerramento da instituição brasílica. Ele compôs um soneto
em homenagem ao presidente da conferência, um outro sobre o primeiro tema e um terceiro
que não abordava o segundo assunto; preferiu abordar a suspensão dos trabalhos na
Academia.
Apesar de desconhecermos o motivo que levou o poeta a tomar a decisão de não
compor versos sobre o tema que lhe foi dado e optar por um outro, que aparentemente não
fazia parte do decoro daquela sessão, podemos observar, a partir de poemas como esse –
que aborda o término dos trabalhos na agremiação brasílica –, certa autonomia por parte
dos acadêmicos, o que pode ter incomodado a metrópole em alguma medida. Fica patente
nesses versos de Rocha Pita a promessa de que os trabalhos acadêmicos não teriam um fim
com o fechamento da Academia; esse fechamento significada apenas uma pausa:
“Descansa o instrumento altissonante / Para entoar as vozes mais valente”, ou, “Para dar
muitos passos adiante / suspende agora o passo, ou a corrente”. Seria prematuro da nossa
parte querer afirmar ou inferir o que anunciavam esses versos; fica a seguinte dúvida: se
nas palavras do poeta já não estaria presente o germe de uma consciência local, que mais
tarde surgiria na colônia portuguesa.
IV. 3. As sessões acadêmicas
A partir da segunda conferência da Academia Brasílica dos Esquecidos, as sessões
passaram a ter uma organização que se repetia com regularidade. Depois da oração de
abertura da sessão, cujo tema era de livre escolha do presidente da conferência, o secretário
lia as composições que lhe (ao presidente) eram dedicadas; em seguida, liam-se as
dissertações históricas escritas pelos mestres. Só depois é que se liam as composições
poéticas que abordavam os temas dados: um heróico, de assunto elevado, e outro lírico, de
caráter eventualmente jocoso. Nota-se, nessa organização, que a apresentação dos textos
poéticos se dava segundo a hierarquia dos assuntos. Em primeiro lugar, as saudações ao
98
presidente; em segundo, os poemas de assunto heróico e, por último, os de assunto lírico.
Apenas na primeira e na segunda sessões foram objeto de elogio poético os mestres
encarregados das dissertações históricas.
A segunda conferência foi realizada no dia 07 de maio de 1724 e teve como
presidente o coronel Sebastião da Rocha Pita, que abriu os trabalhos daquela sessão com a
“Oração do Acadêmico Vago Sebastião da Rocha Pita Presidindo na Academia Brasílica”.
Ele foi agraciado naquela tarde com as composições de quatro sonetos, três epigramas em
latim e um epigrama com glosa – ambos em português – e duas composições em décimas.
Nessa data, o padre Gonçalo Soares da Franca apresentou a sua dissertação sobre a História
Eclesiástica do Brasil, e o acadêmico Luís Siqueira da Gama apresentou a sua sobre a
História Política do Brasil. O primeiro recebeu em seu louvor quatro epigramas latinos,
dois sonetos e três composições em décimas; o segundo, cinco epigramas latinos, quatro
sonetos e três composições em décimas. Os assuntos poéticos do dia foram os seguintes: o
heróico, “Quanto deve a República das Letras a Majestade del-Rei Nosso Senhor que Deus
guarde verdadeiro protetor delas”; e o lírico, “Problema, quem mostrou amar mais
finamente Clície ao Sol, ou Endimião à Lua”.
A terceira conferência foi presidida pelo capitão João de Brito e Lima, que proferiu
sua “Oração Acadêmica” na tarde de vinte e um de maio de 1724. Os assuntos poéticos
nessa sessão foram os seguintes: o heróico – “Diana assistindo ao nascimento de Alexandre
Magno na mesma noite em que Heróstrato lhe estava queimando o seu templo”; o lírico –
“Uma dama formosa mas com poucos dentes, que costuma falar pouco, por se lhe não ver
aquela falta”.
O padre Francisco Pinheiro Barreto presidiu os trabalhos da quarta conferência no
dia 4 de junho de 1724. Os assuntos poéticos nesse dia foram: o heróico – “Senhor Rei D.
João II, que se gloriava de conhecer os seus vassalos”; o lírico – “Uma hera sustentando a
um álamo seco”.
A quinta conferência ocorreu no dia 25 de junho de 1724 e foi presidida pelo padre
Antônio Gonçalves Pereira, que proferiu um “Discurso Acadêmico-Filosófico”. Os
assuntos dados para o exercício poético desse dia foram os seguintes: o heróico – “Celebrar
os anos do Príncipe Nosso Senhor, que Deus guarde, e fez 10 em 6 do corrente”; o lírico –
99
“Uma dama dando a Fábio duas flores, a saber um amor-perfeito metido em um
malmequeres”.
O presidente da sexta conferência, que ocorreu no dia 09 de julho de 1724, foi o frei
Raimundo Boim de Santo Antônio. Os temas dados nesse dia para o certame poético foram:
o heróico – “A morte da Excelentíssima Senhora Marquesa Aia Dona Teresa de Moscoso”;
o lírico – “A Excelentíssima Senhora Marquesa de Gouveia Dona Inácia Rosa, que
deixando o mundo se recolheu em um convento”.
A presidência da sétima conferência ocorreu de maneira não programada, pois o
padre Salvador da Mata, que tinha sido nomeado para presidir essa sessão, não pôde
comparecer e foi substituído por outro religioso – o padre Rafael Machado, reitor do
colégio da Bahia. Nessa conferência, os poetas receberam dois argumentos poéticos: o
primeiro, heróico – “Uma estátua de Apolo ferida e desfeita por um raio”; o segundo, lírico,
“Uma dama que revolvendo na boca umas pérolas quebrou alguns dentes”.
A oitava conferência ocorreu no dia 06 de agosto de 1724 e teve como presidente o
cônego Antônio Roiz Lima. Os assuntos poéticos dados aos acadêmicos para a composição
de versos naquele dia foram: o primeiro, heróico – “César que tendo notícia da morte de
seu inimigo chorou”; o segundo, lírico – “Um menino de gentil presença que colhendo
rosas em um Jardim, o mordeu um áspide, de que logo morreu”.
O padre Sebastião do Vale Pontes foi quem presidiu os trabalhos no dia 27 agosto
de 1724, nona conferência da Academia. Naquele dia os poetas receberam como assunto
para o exercício poético os seguintes argumentos: “Agripina, que dizendo-se-lhe que seu
filho Nero a havia de matar, se chegasse a ser Imperador, que o fosse, ainda que depois a
matasse”; e “Um delfim salvando e conduzindo às costa um naufragante até à praia”.
A décima conferência, que data do dia 10 de setembro de 1724, foi presidida pelo
doutor João Borges de Barros, Cura confirmado da Sé da Bahia e Chanceler da Relação
Eclesiástica. Os dois argumentos poéticos foram: o heróico – “Aonde teve mais glória
Trajano, se na vitória que alcançou, cujo triunfo não chegou a lograr, por se lhe antecipar a
morte, ou se na sua estátua, em que ostentou obséquios Adriano, a quem o Senado
adjudicara o triunfo”, e o lírico – “Uma senhora, que perdendo um grande bem, cuida muito
em se esquecer do bem perdido”.
100
O cônego Inácio de Azevedo presidiu os trabalhos da décima primeira conferência,
no dia 24 de setembro de 1724. Os dois argumentos poéticos daquele dia foram: o heróico –
“O valor e zelo, com que o Excelentíssimo Senhor Vice-Rei Vasco Fernandes César de
Meneses acudiu pessoalmente a apagar o incêndio, que já estava ateado nas paredes, e teto
da Casa e oficina da pólvora, em que se achavam mais de 400 barris dela”; o segundo,
lírico – “Uma dama que chegando à janela a ver o seu amante com os raios do Sol o não
pôde ver”.
O presidente da décima segunda conferência foi o acadêmico João Álvares Soares,
que proferiu sua Oração de abertura no dia 08 de outubro de 1724. Os dois assuntos
poéticos do dia foram: o primeiro, heróico – “Quem cala vence”; o segundo, lírico –
“Dizem que amor com amor se paga; e o mais certo é que amor com amor se apaga”.
A décima terceira conferência ocorreu no dia 22 de outubro de 1724 e teve como
presidente o Desembargador da Relação Eclesiástica, doutor João Calmon. Em sua Oração
de abertura, ele cuidou de homenagear o vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses, por
ser aquela a data de seu aniversário. Os assuntos poéticos daquele dia foram os seguintes: o
primeiro – “Celebrar os anos de sua majestade que Deus guarde”; segundo – “Uma
açucena”.
Frei Ruperto de Jesus e Sousa presidiu a décima quarta conferência da academia,
que aconteceu no dia 12 de novembro de 1724. Os dois temas dados aos poetas para a
composição de versos naquele dia foram: o primeiro, heróico – “O Estado do Brasil
contendo com o da Índia sobre qual deve mais ao governo do Excelentíssimo Senhor Vice-
Rei Vasco Fernandes César de Meneses”; o segundo, lírico – “Uma dama que tomando o
fresco em um jardim quando viu pôr o Sol começou a chorar”.
A décima quinta conferência na agremiação brasílica data do dia 26 de novembro de
1724 e foi presidida pelo frei Luís da Purificação. Os temas do exercício poético daquele
dia foram: “Cipião desterrado de Roma” e “Anaxarte convertida em Pedra”.
A décima sexta conferência foi presidida pelo sr. Félix Xavier, que apresentou a
seguinte questão em sua Oração Acadêmica: “Qual foi o mais ilustre descobrimento do
Brasil: o primeiro, em que nele se introduziram as armas Portuguesas, ou o segundo, em
que nele se descobriram os tesouros das Academias?” Os argumentos poéticos do dia
101
foram: “A modéstia de Alexandre Magno quando se lhe houveram de apresentar a mulher,
mãe, e filhas de Dario vencido” e “Pirene transformada em fonte”.
A penúltima conferência da Academia Brasílica dos Esquecidos ocorreu no dia 21
de janeiro de 1725 e teve como presidente o coronel José Pires de Carvalho. Os assuntos
dados ao exercício poético daquele dia foram os seguintes: “Diógenes buscando com uma
luz nas horas do dia um homem na Praça de Atenas” e “Um cego trazendo às costas um
coxo”.
Por fim, a décima oitava e última conferência foi realizada no dia 04 de fevereiro de
1725 e teve como presidente o padre Manuel de Cerqueira Leal. Infelizmente, a Oração
proferida por ele naquela data, a qual marca o término dos trabalhos na agremiação, não
consta nos manuscritos existentes no Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro.
173
Das dezoito palestras que foram pronunciadas na academia brasílica esta é a única que não
se encontra entre os manuscritos da Instituição. Os argumentos poéticos dados aos
acadêmicos para comporem versos foram: “As damas de Cartago dando as tranças de seus
cabelos para enxárcias de uma armada contra seus inimigos” e “O inspirado retiro que fez
de Lisboa o Padre Bartolomeu em 25 de setembro”.
Pode-se observar que a figura do presidente, nas conferências realizadas na
Academia Brasílica dos Esquecidos, era sempre uma autoridade. Além de ele ser escolhido
por um outro presidente, o que lhe atestava condições intelectuais de propor um assunto
interessante para o discurso a ser pronunciado na sessão seguinte, era ele objeto de louvor
pelos outros acadêmicos. Segundo Íris Kantor,
A opção pelo rodízio na presidência das dezoito conferências
públicas, realizadas quinzenalmente, permitia a equiparação dos
prestígios e autoridades, sem distinguir o núcleo de fundadores
dos demais sócios, ampliando, assim, a paridade entre os
membros da assembléia.
174
O louvor dedicado ao presidente foi sistemático, ocorreu em todas as dezoito
conferências da Academia Brasílica dos Esquecidos.
Dito isso, passaremos agora ao estudo de uma das conferências realizadas na
agremiação brasílica. A opção por estudar apenas uma sessão das dezessete que
173
Cf. CASTELLO, 1971, v.I, t, IV, p 209.
174
KANTOR, 2004, p.100.
102
constiuíram o conjunto das atividades acadêmicas decorreu das circunstâncias em que foi
elaborada esta dissertação, no contexto acadêmico atual. Se se pretendesse abranger todas
as sessões, a pesquisa demandaria mais tempo e o trabalho assumiria proporções maiores.
Portanto, foi eleita para estudo uma conferência apenas: a terceira. Nela está representado o
espírito que dominou as sessões acadêmicas ao longo de sua existência. Essa reunião se
iniciou pela oração acadêmica do presidente João de Brito e Lima, nome importante entre
os acadêmicos por ser um dos sócios fundadores e por possuir uma das produções poéticas
mais extensas do período. Após a palestra do presidente seguiu-se a leitura dos poemas em
louvor a ele. Seguiram-se as dissertações históricas do mestre em História Natural, Caetano
de Brito Figueiredo, e do mestre em História Militar, Inácio Barbosa Machado. Por fim,
seguiu-se a leitura dos poemas sobre os dois argumentos – um heróico, outro lírico – dados
aos acadêmicos para o certame poético do dia. A ordem dos acontecimentos nessa
conferência segue o mesmo roteiro das outras sessões; portanto, o estudo dessa reunião nos
coloca em contato, ainda que superficialmente, com o universo em que foram
empreendidos os trabalhos da Academia Brasílica dos Esquecidos a partir da segunda
sessão.
IV. 4. A terceira sessão acadêmica
A terceira conferência na agremiação brasílica, como já foi dito, ocorreu no dia 21
de maio de 1724 e teve como presidente o capitão João de Brito e Lima. Esse acadêmico
ficou conhecido pela posteridade devido às suas qualidades de poeta. Joaquim Norberto de
Sousa e Silva, em seu Bosquejo da História da Poesia Brasileira, ao escrever sobre a
primeira metade do século XVIII, diz:
Apareceram alguns poetas; exímios oradores honraram o
púlpito; o Brasil viu a sua história narrada por um filho de suas
matas, e fundou-se na Bahia a Academia Brasílica dos
Esquecidos sob os auspícios do Vice-Rei, D. Vasco Fernandes
de Meneses, entusiasta das belas-letras. A essa Academia
pertenceram distintos brasileiros e dois deles gozaram de crédito
de poetas. Foram estes João de Brito e Lima e o presbítero
Gonçalo Soares da Franca, ambos naturais da Bahia.
175
175
SILVA, 1997, p.39.
103
Entre os acadêmicos Esquecidos, Brito e Lima era um dos mais prolixos: os seus
textos em prosa se caracterizam por ser muito extensos e sua produção poética é uma das
mais abundantes, pois chegou a compor dez poemas sobre um mesmo assunto e, entre eles,
alguns longos, sob a forma de romances, décimas e oitavas.
176
Ao todo, nas dezoito sessões
da academia, a sua produção poética consta de vinte décimas, três odes, nove romances,
sete silvas e 73 sonetos, o que dá um total de 112 poemas.
A Oração acadêmica pronunciada pelo capitão João de Brito e Lima naquela data
tem como tema a Fortuna:
É a Fortuna tão temida no Universo, e foi tão venerada dos
Romanos; que entre os inumeráveis Templos, que a sua
superstição erigiu a vários Ídolos com soberba magnificência, e
coríntia fábrica: lhe dedicou Sérvio Túlio 6.º, Rei dos Romanos
um: e Quinto Fúlvio Flaco outro também de elevada grandeza,
em que davam a seu simulacro devido culto e reverente
adoração; entendendo erradamente esta Gentilidade, que a
Fortuna era Deidade, pela falta do conhecimento da nossa
verdadeira Religião: que atribuímos os bons, ou maus sucessos à
primeira causa; como elegantemente diz o nosso Virgílio
Português, famoso Camões nos seus Lusíadas, canto décimo,
oitava 38: chamam-lhe fado mau, fortuna escura
.
177
Como os dois presidentes que discursaram na Academia nas sessões anteriores, o
doutor José da Cunha Cardoso e o coronel Sebastião da Rocha Pita, Brito e Lima, no
exórdio da Oração, também faz uso da tópica da modéstia afetada, submetendo-se à
prescrição retórica. Assim, o acadêmico se confessa não ser digno do lugar que ocupa e diz
que, se aceita estar ali, é por uma questão de obediência:
Bem pudera a insuficiência, que em mim reconheço, desonerar-
me desta obrigação, em que hoje me pôs a generosidade de um
magnânimo César, e a eleição do erudito passado Presidente,
mais que meu merecimento: honra, que avaliara por
incomparável, se a deterioridade do meu talento me não servisse
mais de acumular-me desdouros, que de grangear-me aplausos.
Não faço esta sincera confissão, nem para desculpar os meus
erros, nem para afetar os meus obséquios; sim para mostrar, que
vem sacrificada a minha vontade nas aras da obediência, e que
conheço os meus defeitos, por escusar, que mos notem; porque o
176
Cf. A segunda conferência realizada na Academia Brasílica dos Esquecidos. In: CASTELLO, 1969, v.I, t.I,
p. 157-237.
177
CASTELLO, 1969, v. I, t. I, p. 246.
104
maior defeito, que pode ter o homem, é não conhecer os seus
defeitos, e da falta do próprio conhecimento procedem as alheias
desatenções. Por cuja razão, parece, que Felipe Pai do Magno
Alexandre, tinha quem cada dia lhe advertisse, que era homem;
para que com esta lembrança se despertasse o desvanecimento
da coroa, atendendo a fragilidade do seu ser. Sem dúvida havia
decorado aquela célebre sentença, que uns atribuem a Tales,
outros a Platão, e muitos a Sócrates, a qual diz – Conhece-te a ti
mesmo – e foi dos antigos tão venerada; que a tinham escrita no
Templo de Apolo: como se dissera, que ignorar-se um homem a
si, e cuidar, que conhece o que ignora, não somente é ignorância,
mas desatino. Palavras são estas referidas por Sócrates,
confirmadas mais genuinamente pelo divino Platão, dizendo:
que é coisa ridícula não se conhecer um homem a si, e querer
conhecer aos outros sem dúvida, que já naqueles séculos havia a
vaidade destes; esta seria a razão, porque o famoso Soares
Granatenso, sendo-lhe perguntado pelo Rei: quem devia mais ao
Autor da Natureza: se ele, pelo fazer Monarca: ou se o dito, pelo
fazer tão sábio? Respondeu com a sua costumada agudeza: que
mais devia aquele homem a Deus, que melhor se conhece a si.
Deste princípio se pode entender: quão cabal conhecimento
tenho da minha insuficiência, desculpa eficaz para os meus erros
e que venho aqui seguindo, como coisa inferior, o Móvel desta
heróica ação, Augusto Mecenas, e protetor deste Certame.
178
Nota-se que, em meio à afetação de modéstia, o presidente exibe erudição, faz
menções a personagens históricas e, por fim, revela ter por interlocutor o protetor da
agremiação a que pertence – presente à sessão.
O texto de Brito e Lima é dividido em várias partes: a matéria proposta inicialmente
para exposição é a comparação entre a Academia da Grécia e Academia da Bahia – o que o
conduz à agudeza de chamar Vasco Fernandes César de Meneses de Platão:
...se Platão em Atenas foi o primeiro, que deu princípio às
Academias do Mundo, em um lugar, a que chamaram Academia,
donde derivaram o nome: outro melhor Platão dá maior nome à
Bahia, erigindo esta nova Academia. Tudo se deve ao seu
relevante projeto; tirando das águas do esquecimento os
engenhos desta Americana Corte, mais fecundos, pelos Néctares,
e Ambrosias dos seus pletros, que os que fabricam (à imitação
das próvidas Abelhas) as brasílicas doçuras. Quem senão, vós,
(divino Platão, invicto César) pudera conseguir tão alta
empresa...
179
178
Cf. CASTELLO, 1969, v.I, t.I, p. 242.
179
Cf. CASTELLO, 1969, v.I, t.I, p. 242
105
A seqüência do pensamento de que a Academia é “glória tão grande para a Bahia” e
de que essa glória é ainda “muito maior para o [seu] supremo Protetor” desenvolve-se por
meio de três símiles: um situado no céu, o Sol, “que com benéficos raios nos ilustra”; outro
situado na superfície da terra, que, por sua generosidade, nos fornece a “abundância de seus
frutos”; e, por fim, o último situado no mar, que é magnânimo “na liberdade dos seus
cristais”. Num emaranhado de correspondências, o orador iguala a Academia a seu Protetor
e atribui suas glórias futuras às vozes dos Mestres que, por meio de suas conferências
históricas, recuperam “as memórias anteriores”.
180
Em seguida o orador procura o assunto que pretende abordar em sua Oração:
E largando as velas ao discurso, esperam minhas esperanças
tomar porto seguro nas praias do Oceano de tanta grandeza. E
enquanto se fazem com terra, irei flutuando, até descobrir o
assunto da minha oração.
Vários me ocorreram para por eles poder discursar: que
refuteis por tirar – desta Academia o meu sistema, sendo o maior
objeto do Assunto, o assunto do maior objeto. É pois o título dos
nossos Acadêmicos: Esquecidos: é o seu régio Mecenas, e
soberano Protetor o Príncipe mais famoso, o Herói mais perfeito,
que quantos com seus diáfanos raios o Délfico Planeta ilustrou,
ilustra, e ilustrará. É sem dúvida; que os pouco lembrados da
Fama nesta enganosa Babilônia do Mundo, são aqueles, que ou a
Fortuna derrubou do maior auge da sua grandeza; ou lhes negou
ela; e a Natureza avara seus apetecidos dotes.
181
No desenvolvimento de seu tema, João de Brito e Lima lembra a história das
grandes nações e a história daqueles que tiveram a oportunidade de estar à frente dos
grandes impérios e foram traídos pelo destino. Entre os reinos citados pelo acadêmico estão
o de Adão, o dos Assírios, o de Alexandre, o dos Romanos, o de Tróia e até o de Portugal,
no período em que esteve sob o domínio da Coroa Espanhola. Essa longa rememoração,
apontando a ruína dos grandes impérios, tem como objetivo demonstrar que:
...debaixo do império da Fortuna está sujeita toda a máquina do
Universo: todos os Monarcas, Reis, Príncipes, Grandes, e
Pequenos; e até a mesma Formosura. Logo deste dilema se tira
por conseqüência, que está o Homem sujeito ao domínio da
Fortuna, e não a Fortuna aos preceitos do homem.
182
180
Os trechos entre aspas desse parágrafo foram tomadas ao discurso do orador. Cf. CASTELLO, 1969, v,I
t,I, p. 241-245.
181
Cf. CASTELLO, 1969, v.I, t.I, p. 244-245.
182
Cf. CASTELLO, 1969, v.I, t.I, p. 251.
106
Da inferência dessa lei, o orador João de Brito e Lima parte para a inversão do
raciocínio, fechando seu discurso com a proclamação de que o Vice-Rei do Brasil e, por
extensão, sua obra (a Academia) têm domínio sobre a Fortuna:
E se a Ciência é a base fundamental desta obra; vencedores vos
julgo (Famosos Acadêmicos) das inconstâncias da Fortuna: e
dominando o seu império o Príncipe mais Católico, Reto, Sábio,
Prudente, Liberal, e Piedoso; que até este presente século, se tem
visto. Sem dúvida, Ínclito e soberano César, sois vós, aquele
Príncipe, que Xenofonte pintou na sua idéia, que nunca vira: o
mais perfeito de quantos houvesse no Mundo. E é certo; que a
ser vivo este Filósofo agora, não na imaginação, senão na
realidade, de vós pudera tomar exemplar, para a sua pintura: ou
dela seres vós o original. Vós sois, pelos atributos, que lograis,
quem domina o Império da Fortuna. Vossas ações o têm
mostrado de que é a Fama, melhor Cronista, que a minha Pena
em toscos rasgos.
183
Observa-se que no desfecho do discurso do acadêmico Infeliz (pseudônimo do
acadêmico orador), ele apela aos ouvintes (seus pares), e os põe acima da Fortuna. Estava,
assim, preparado o campo para o trabalho encomiástico do exercício poético subseqüente.
Em seguida à palestra do presidente, passou-se à louvação do Orador por meio da
leitura das poesias que foram dedicadas a ele. O Acadêmico Infeliz foi louvado com vinte
poemas em diversas formas. Sebastião da Rocha Pita o homenageou com um soneto.
Eis o poema:
Em louvor do Acadêmico Infeliz o Senhor
Capitão João de Brito e Lima, no dia em
que preside na nossa Academia Brasílica.
SONETO
Brito não infeliz, porém constante
em todo o emprego tão ditosamente,
que o título fazeis mui indecente
à fama que lograis tão relevante.
Orando na Palestra mais triunfante
mostrais com energia competente
nas figuras retórica excelente,
e nas cláusulas voz altissonante.
183
Cf. CASTELLO, 1969, v,I, t.I, p. 254.
107
Em prosa, e verso é tal vossa elegância,
que juntais a uma mesma fantasia
duas composições, em que há distância,
E tudo concordando em Harmonia,
quanto em prosa falais, é consonância,
quanto em verso escreveis, é Melodia.
Os dizeres presentes na didascália do poema já nos informam a circunstância em
que o texto foi escrito e qual era o seu objetivo: louvar o presidente da sessão acadêmica.
Como já foi dito neste capítulo, o presidente de cada conferência era considerado uma
autoridade e gozava de certos direitos atribuídos somente às pessoas de grande importância
na colônia. As reuniões da agremiação destinavam a ele um espaço de louvor, o que
atestava essa autoridade. O poeta, como exigia a situação, concede tratamento elevado e
respeitoso ao seu interlocutor. O assunto do poema é definido como uma proposição acerca
do objeto de louvor – nesse caso, o capitão João de Brito e Lima e sua capacidade de
letrado –, na qual o poeta busca efetivar alguma reflexão ou conclusão que seja, ao mesmo
tempo, adequada a seu objeto e se apresente como composição conforme as regras
composicionais do gênero epidítico. Em linhas gerais, o poema traça um perfil equilibrado
do presidente João de Brito e Lima, contestando o pseudônimo de Acadêmico Infeliz por
ele adotado na Academia.
As duas primeiras estrofes do poema terminam por ponto final e compõem unidades
sintáticas independentes; já os tercetos não vêm separados por ponto final e possuem
estrutura sintática distinta dos quartetos – compõem apenas uma unidade de pensamento.
Rocha Pita inicia o soneto fazendo uma alusão ao pseudônimo adotado por João de
Brito e Lima na Academia Brasílica dos Esquecidos. Ele diz que o nome escolhido pelo
Orador – Infeliz – não confere com a grande fama que tem, pois não é justo (é “indecente”,
ou seja, inconveniente) o título escolhido para quem era conhecido pela permanente
dedicação ao trabalho.
Veja-se que, nessa estrofe, de maneira sutil, o poeta já anuncia a estratégia de
composição através de contrastes, que será aplicada aos restantes versos do soneto. Trata-
se, mais uma vez, da agudeza, ou seja, da capacidade de aproximar idéias contrárias,
conciliando-as – neste primeiro momento: infelicidade x fama (felicidade).
108
Na segunda estrofe, o poeta exalta as qualidades de Orador do Acadêmico Infeliz e
diz que, na palestra proferida naquele dia, ele se mostrara muito hábil em fazer uso das
figuras retóricas e, em sua voz altissonante, viu-se como ele era um bom cumpridor dos
preceitos normativos que orientavam as regras do bem falar e do escrever.
Como se sabe, a idéia de que o discurso deveria ser “ornado” foi a grande
preocupação dos oradores até a primeira metade do século XVIII.
184
A eles, na elaboração
dos seus discursos, cabia “a escolha e reunião das palavras, da teoria das três espécies de
estilo e, finalmente, das figuras retóricas”.
185
Portanto, os versos de Rocha Pita mostram
que o discurso do capitão João de Brito e Lima estava em consonância com os princípios
que regiam a prática da oratória na primeira metade do século XVIII no Estado do Brasil.
Nos tercetos, o poeta retorna à agudeza – de que já fizera uso na primeira estrofe – ,
figurando a imagem do homenageado como composta de duas facetas “em que há
distância”, quais sejam, a de prosador e a de poeta:
Em prosa, e verso é tal vossa elegância,
que juntais a uma mesma fantasia
duas composições, em que há distância,
E tudo concordando em Harmonia,
quanto em prosa falais, é consonância,
quanto em verso escreveis, é Melodia.
Esse gesto de aproximar e harmonizar discordâncias, coisas que são, aparentemente,
distantes uma da outra, remete-nos ao conceito de agudeza, definido por Baltasar Gracián
como um “artifício conceituoso, numa primorosa concordância, numa harmônica
correlação entre dois ou três extremos cognoscíveis, expressa por um ato do
entendimento”.
186
Logo, vê-se que o soneto de Rocha Pita em homenagem ao capitão João
de Brito e Lima acaba por praticar um dos princípios que norteava as composições poéticas
naquela época e, em particular, na Academia Brasílica dos Esquecidos.
Dando continuidade às atividades acadêmicas, após a louvação do Presidente,
passou-se à leitura de poemas sobre os dois argumentos dados para o certame poético
daquele dia. Primeiro foram lidos os textos sobre o assunto heróico, que abordaram o
184
Cf. CURTIUS, 1957, p. 74.
185
CURTIUS, 1957, p.74.
186
GRACIÁN, 1987, t.I, p.55. (Tradução nossa.)
109
seguinte tema: “Diana assistindo ao nascimento de Alexandre Magno na mesma noite, em
que Heróstrato lhe estava queimando o seu templo”; em seguida, os textos sobre o assunto
lírico: “Uma dama formosa, mas com poucos dentes, que costumava falar pouco, por se lhe
não ver aquela falta.”
Vê-se que o primeiro tema é focalizado numa questão histórico-mitológica, assunto
elevado; ao passo que o segundo, chamado “lírico”, versava sobre um assunto jocoso. A
atividade nobre da Academia, que justificou sua fundação, era o assunto histórico. Às
conferências de assunto histórico, seguiam-se, na ordem dos trabalhos acadêmicos, os
exercícios poéticos relacionados a temas de cunho heróico, sempre associados a algum
assunto considerado grave, isto é, à mitologia, à história antiga ou a certos aspectos da vida
contemporânea – nesse caso, contemplando personalidades de destaque no reino. Por
último, já distanciados da atividade histórica, os talentos poéticos se exercitavam segundo
os temas chamados “líricos”, que não apresentavam muita relevância para a principal
atividade acadêmica – os estudos históricos – e chegavam à jocosidade. Essa observação
pode contribuir para a idéia de que a apresentação dos textos na agremiação brasílica se
dava segundo uma hierarquia de assuntos.
Sobre os temas heróicos praticados na Academia Brasílica dos Esquecidos, Carlos
Eduardo Mendes de Moraes diz que
...o assunto heróico é proposto com base em possíveis
desenvolvimentos dos engenhos. Quando se propõe, por
exemplo, a matéria em que o acadêmico deve tomar partido,
existe já prescrito, senão ao menos pressuposto, qual partido ou
quais as soluções ou ainda quais imagens, alusões,
reminiscências poderão surgir de tal discussão. E o que
determina os empregos de tais conceitos é a maior ou menor
erudição do acadêmico que se mostra capaz ou não de colocar
em prática o seu conhecimento a serviço do engenho.
187
O assunto heróico proposto na terceira conferência põe em discussão a perda de um
templo sagrado em função do nascimento de uma criança, neste caso, Alexandre. Os
poemas realizados a partir dessa situação, de maneira geral, mostram que a atitude da deusa
Diana de ir proteger o parto de Alexandre foi mais sábia do que a atitude de tentar apagar o
fogo que consumia seu templo. O nascimento daquele menino representava, para aquela
187
MORAES, 1999, p.170.
110
deusa, a oportunidade de atuar segundo o seu atributo de “divindade da fecundidade e do
parto”. É segundo esse ponto de vista que os acadêmicos exercitaram o jogo engenhoso de
compor versos. O tema exigia que os poetas tivessem conhecimento da passagem
mitológica em questão, pois seria através dessa erudição que eles conseguiriam, por meio
do engenho, criar os jogos conceituosos e agudos em seus textos poéticos.
Com base no assunto heróico da terceira conferência da agremiação brasílica, os
poetas acadêmicos produziram 34 poemas em diversas formas. Sebastião da Rocha Pita
compôs um soneto dedicado ao tema proposto.
Eis o poema:
Vai Diana assistir ao nascimento de Alexandre
em Macedônia, e deixa ardendo o seu
Templo em Éfeso. Assunto heróico da nossa
Academia Brasílica.
SONETO
Ásia em labaredas abrasado
o seu sagrado Alcácer mais famoso,
Grécia ao seu Herói mais valeroso
à luz daquele incêndio alumiado.
Vê Diana o seu Templo devorado
vai de Olímpias ao parto venturoso,
que a vida de Alexandre generoso
antepõe ao seu culto profanado.
A seleta Deidade o movimento
aplica ao Semideus, que a glórias raras
nasce filho de Jove, e seu alento,
E porque traga ao Mundo ações preclaras
prevenindo-lhe a vinda, e nascimento
despreza o Templo, não estima as Aras.
O assunto desenvolvido no soneto foi baseado nos mitos e na história antiga. Sobre
o nascimento de Alexandre, assunto do poema, disse Plutarco:
Alexandre nasceu no dia seis do mês de hecatombeu, que os
macedônios chamam loios, exatamente quando o templo de
Ártemis em Éfeso era consumido pelas chamas. (...) ‘Não é de se
espantar que o templo tenha sido inteiramente devorado pelo
fogo, pois no momento Ártemis estava ocupada em pôr
111
Alexandre no mundo’. Todos os Magos que se achavam então
em Éfeso, persuadidos de que essa fogueira fosse o prenúncio de
mais uma desgraça, correram em torno, batendo no rosto e
gritando que naquele dia nascera um flagelo terrível, pelo qual
seriam trazidos à Ásia a ruína e a destruição.
188
Diana é a deusa romana assimilada a Ártemis, deusa grega, filha de Zeus e de Letó,
e irmã gêmea de Apolo. Avessa ao amor e ao convívio dos homens, Ártemis conservou-se
virgem, preferindo a caça a qualquer outra atividade. Seu santuário mais famoso localizava-
se em Éfeso, “onde a deusa apresentava os atributos de uma antiqüíssima divindade asiática
da fecundidade”.
189
É a partir desse argumento – de que Diana apresentava atributos de uma divindade
da fecundidade – que Rocha Pita compõe seu poema com o objetivo de justificar o
abandono do templo sagrado pela deusa em função do nascimento de Alexandre. A deusa
virgem e assistente dos nascimentos abre mão de seu templo – “Alcácer mais famoso” – em
Éfeso, onde era cultuada, para proteger o parto daquele que seria, em sua época, um dos
guerreiros mais famosos da história:
Vê Ásia em labaredas abrasado
o seu sagrado Alcácer mais famoso,
Grécia ao seu Herói mais valeroso
à luz daquele incêndio alumiado.
Observa-se, nessa estrofe, a partição dela ao meio: os dois primeiros versos
referindo-se à Ásia; os dois últimos, à Grécia. No plano da organização fônica, as duas
partes se apresentam espelhadamente relacionadas pela rima ab/ba; no plano das imagens, o
incêndio que acontece em Éfeso, na Ásia, ilumina o nascimento de Alexandre, na
Macedônia, ou, como quer o poema, na Grécia. A união do império de Alexandre no
Ocidente com a Ásia foi o grande projeto desse célebre personagem, fato que não pode
deixar de ser lembrado, quando se examina a organização estrutural dessa estrofe – que
parace fazer a isso uma alusão. O fato de um incêndio que consome um templo na Ásia
iluminar um nascimento na Europa parece operação própria da poesia cultista, pois
consistia o cultismo em operações de aproximação entre coisas distantes ou opostas. Pode-
188
PLUTARCO, 1992, 4V, p.135-136. O mês de hecatombeu, no nosso calendário, corresponde ao período
que vai do dia 15 de julho ao dia 15 de agosto.
189
KURY, 1990, p. 46.
112
se, ainda, inferir das palavras do poeta que as chamas desse incêndio não representam maus
presságios, e, sim, algo de bom que estava para acontecer. Um nascimento recoberto de
luzes só poderia significar ganho para o mundo.
Segundo o poeta, Diana tem conhecimento do fogo que devorava seu santuário de
Éfeso, mas, apesar disso, antepõe a vida de Alexandre a seu próprio culto, indo assistir ao
parto de Olímpias, mãe de Alexandre. O vínculo entre os dois quartetos realizado pela rima
merece comentário: o primeiro verso do poema liga-se, pelo tema, ao incêndio do templo
de Diana, e esse verso vincula-se aos que rimam com ele pela forma verbal “abrasado”; o
primeiro verso a fazer referência a Alexandre é o terceiro, e esse verso vincula-se aos que
rimam com ele pelo adjetivo “valeroso”. Considerados os dois conjuntos de vocábulos que
rimam entre si – “abrasado / alumiado / devorado / profanado” e “famoso / valeroso /
venturoso / generoso” –, verifica-se a criação de dois campos semânticos distintos, que se
relacionam, respectivamente, a Diana e a Alexandre. No caso de Diana, o conjunto de
palavras, na passagem do primeiro para o segundo quarteto, expressa uma espécie de
decaimento, relacionado à destruição do templo. No caso de Alexandre, o conjunto de
adjetivos compõe o campo semântico apropriado ao perfil de um herói.
Pode-se aventar que a anteposição do nascimento de Alexandre à profanação do
templo resulte do fato de Diana ser deusa da fecundidade e do parto. Além disso, ela
“...manejava eximiamente o arco e as flechas, a ponto de as mortes súbitas serem atribuídas
aos seus projéteis. Extremamente vingativa e impetuosa, fez inúmeras vítimas a começar
pelas filhas de Níope”.
190
Pode-se, assim, pensar que pelo alento da deusa, transferido a
Alexandre, tenha ele adquirido qualidades relacionadas ao uso das armas. Talvez seja essa
uma das conseqüências de Diana haver assistido ao parto de Alexandre, que se tornou
venturoso, valeroso e famoso.
Nos tercetos, o poeta conclui sua idéia dizendo que a deusa Diana fez com que
Alexandre viesse ao mundo como filho de Júpiter, “o protetor em batalhas, o deus que faz
parar a retirada e o proporcionador da vitória.”
191
A seleta Deidade o movimento
aplica ao Semideus, que a glórias raras
nasce filho de Jove, e seu alento,
190
KURY, 1990, p. 46.
191
HARVEY, 1987, p.297.
113
E porque traga ao Mundo ações preclaras
prevenindo-lhe a vinda, e nascimento
despreza o Templo, não estima as Aras.
Diz o poeta, também, que a deusa optou por desprezar o templo sagrado de Éfeso para que
aquela criança trouxesse ao “Mundo ações preclaras” – razão pela qual ela lhe protege
(“prevenindo”) o nascimento.
A lógica que conduz a linha de raciocínio no poema escrito por Rocha Pita, assim
como a de todos os outros acadêmicos que compuseram versos sobre o mesmo tema
heróico, é a seguinte: o valor do herói do mundo clássico se sobrepõe à destruição de um
templo sagrado – o que, aliás, já estava claro no enunciado do assunto.
Na seqüência da sessão acadêmica, após a leitura dos textos de assunto heróico,
passou-se à leitura dos poemas sobre o tema lírico: “Uma dama formosa, mas com poucos
dentes, que costumava falar pouco, por se lhe não ver aquela falta.” Com base nesse
assunto, os poetas acadêmicos produziram 35 poemas em diversas formas. Sebastião da
Rocha Pita compôs um soneto e um romance dedicados ao argumento dado. Por serem dois
os poemas que abordam a mesma temática, optou-se por passar em revista apenas um deles,
o soneto.
Eis o poema:
Uma Dama que sendo formosa não falava por
não mostrar a falta que tinha de dentes.
Assunto lírico da nossa Academia Brasílica.
SONETO
Pondero a emudecida formosura
de Fílis, sem temer que impertinente
possa no meu soneto meter dente
pois carece de toda a dentadura.
Se por cobrir a falta esta Escultura
tão muda está que não parece gente
Estátua de Jardim será somente,
se de pano de raz não for figura.
O Senhor Secretário quer que a creia
bela sem dentes, eu lho não concedo
desdentada é pior do que ser feia,
114
E em silêncio só pode causar medo,
ser relógio do Sol para uma Aldeia,
para um Povo Estafermo do segredo.
O tema proposto como assunto lírico da terceira conferência prevê uma discussão
com base nas prescrições do estilo jocoso – o próprio tema já o indica. Os poetas
acadêmicos, ao se depararem com um tema como o que foi dado para a composição de
versos, deveriam seguir as orientações retóricas que determinavam os modos de
composição do estilo em questão. Nesse caso, eles – os acadêmicos – tinham de modelar
com muito cuidado as agudezas e os conceitos; todo artifício usado nas composições não
poderia infringir as prescrições para o registro jocoso. Além disso, faz-se necessário
lembrar que a matéria abordada no poema de assunto lírico dessa sessão enquadra-se no
gênero baixo, isto é, no cômico; logo, era preciso ajustar a linguagem utilizada nos poemas
e, principalmente, o uso das figuras retóricas, que, como bem sabemos, sempre foram muito
adequadas ao estilo elevado.
192
Em sua poética, no quinto capítulo, ao escrever sobre o cômico, diz Aristóteles: “A
comédia, como dissemos, é imitação de pessoas inferiores; não, porém, com relação a todo
vício, mas sim por ser o cômico uma espécie do feio. A comicidade, com efeito, é um
defeito e uma feiúra sem dor nem destruição...”
193
O argumento dado aos acadêmicos para
o exercício poético apóia-se nessa prescrição aristotélica, ou seja, o assunto dado está
associado a uma espécie do feio.
No plano da estrutura, o soneto de Rocha Pita dedicado ao assunto lírico dessa sessão
segue o mesmo modelo dos numerosos outros que ele escreveu sobre os diversos temas
apresentados na Academia: os quartetos formam unidades sintáticas independentes, cada
uma com seu pensamento, ao passo que os tercetos compõem apenas uma unidade de
pensamento. Os versos são todos hendecassílabos, e o esquema de rimas segue o desenho
constante abba / abba / cdc / dcd. A diferença dos sonetos de tema lírico, escritos sob a
prescrição do estilo jocoso, em relação aos outros, de assunto heróico, ocorre,
principalmente, no plano da linguagem figurada. No tratamento do assunto de natureza
lírica, as figuras utilizadas estão de acordo como a matéria em questão, ou seja, situam-se
192
Cf. LUZÁN, 1737, capítulo XIX, versão on-line.
193
ARISTÓTELES, s.d, p. 23-24.
115
num plano rebaixado, aproximando-se do grotesco. Nesses poemas, é raro encontrarmos
registro de metáforas mitológicas, os jogos sentenciosos permeados por agudezas nem
sempre aparecem, e os versos são dispostos, sintaticamente, de modo mais compreensível
do que em outras circunstâncias, em que o grau de complexidade é altamente sofisticado.
A rigor, o poema de Rocha Pita dedicado ao tema lírico, na terceira conferência,
desenvolve a idéia de que uma pessoa desdentada é pior do que ser feia. Nos quartetos,
Pondero a emudecida formosura
de Filis, sem temer que impertinente
possa no meu soneto meter dente
pois carece de toda a dentadura.
Se por cobrir a falta esta Escultura
tão muda está que não parece gente
Estátua de Jardim será somente,
se de pano de raz não for figura.
o poeta diz não temer que a Dama reaja à avaliação que ele faz de suas formas, pois ela não
tem dentes para morder e carece de dentadura para ser formosa. Além disso, de maneira um
tanto irônica, tendendo para o sarcasmo, chama-a de Escultura – “Estátua de Jardim”, “se
não for figura de pano de raz”.
Observa-se que, nesses versos, a estrutura sintática é ordenada de forma
razoavelmente direta, e a linguagem não se sobrecarrega de ornamentações verbais que
dificultem o entendimento. As metáforas utilizadas no soneto – Escultura, Estátua de
Jardim, figura de pano – não apresentam as dificuldades de compreensão próprias da poesia
sublime; seus significados são claros, não oferecem resistência ao nosso entendimento.
Nos tercetos,
O Senhor Secretário quer que a creia
bela sem dentes, eu lho não concedo
desdentada é pior do que ser feia,
E em silêncio só pode causar medo,
ser relógio do Sol para uma Aldeia,
para um Povo Estafermo do segredo.
o poeta faz gracejos ao brincar com o fato de que o secretário da academia quer que os
acadêmicos considerem bela a Dama, mesmo sem dentes. Ele se nega a crer nisso: ser
“desdentada é pior do que ser feia”. No terceto final, surgem duas metáforas, uma delas
116
talvez um pouco mais difícil. Ser a mulher um “relógio do Sol” é algo surpreendente; o
vínculo que liga a imagem metafórica à mulher vem de sua mudez – o relógio de sol não
soa. Com o ser ela “Estafermo do segredo”, ou seja, “boneco que não fala”, o poeta acaba
por reduzi-la à condição de espantalho: daí o “causar medo” do primeiro verso do terceto.
Segundo o poeta, o silêncio dela só poderia causar medo nos outros.
Nota-se que nesse poema não há excessos de torneios sintáticos, as metáforas cultas
não são exuberantes, e os jogos verbais não se fazem por agudezas extremas. A linguagem
é disposta de maneira simples e sem grandes arroubos. Os termos empregados no soneto
para referência à Dama formosa –
Estátua de Jardim, desdentada, feia, relógio de sol,
Estafermo do segredo
são vulgares e pertencem a campos semânticos congruentes, isto é,
a linguagem está ajustada ao estilo da composição. Essas características são próprias do
estilo jocoso, que os poetas estavam exercitando; a prática do gênero jocoso não
desqualifica o texto poético – sua linguagem é o que deve ser.
Essa produção poética, praticada por Sebastião da Rocha Pita e por seus colegas
acadêmicos com base no burlesco, que, como todas as formas discursivas, tinha suas regras
e prescrições retóricas, sempre foi avaliada pelos críticos e historiadores de literatura como
sem inspiração, sem espontaneidade e inútil. De fato essa poesia não possuía
espontaneidade e nem era feita a partir de grandes momentos de inspiração dos poetas, pois
na academia os temas eram dados e os acadêmicos apenas exercitavam a difícil tarefa de
compor versos sobre um assunto que lhes era proposto. Quanto à validade dessa produção
poética, que sempre foi vista como algo inútil, é preciso não esquecer que cada época conta
com os seus valores e com suas regras próprias. Isso não foi diferente na primeira metade
do século XVIII, no Estado do Brasil, em que a literatura, como hoje conhecemos, “não era
a arte dos escritores, era o saber dos letrados, aquilo que lhes permitia apreciar as belas
letras”.
194
Isso demonstra que a poesia praticada pelos acadêmicos Esquecidos estava
inserida num contexto em que as regras eram muito diferentes das do nosso tempo e que
um poeta ao compor um poema dispunha de um conjunto de normas que lhe fornecia os
recursos da expressão.
194
RANCIÈRE, 1995, p. 25.
117
CONCLUSÃO
118
Sebastião da Rocha Pita, poeta e historiador, apesar de ter vivido numa época em
que o individuo era entendido como parte do corpo do Estado, que deveria contribuir para a
manutenção das leis e das crenças, demonstrou possuir um espírito agudo e muito
interessado na compreensão de seu tempo, conforme se pode depreender das seguintes
palavras suas:
Os anos passados, ó leitor discreto, as mudanças do tempo
e da fortuna, os estrondos marciais, as pretensões das
coroas, o temor do
aumento das monarquias, o ciúme do
poder dos vizinhos, as políticas dos Estados, os interesses
das repúblicas e a comoção geral que introduziram novas e
várias cenas no teatro da Europa, me trouxeram ao
pensamento a memória dos princípios, progressos e fins
das antigas monarquias e os motivos dos seus aumentos
das suas declinações e das suas ruínas...
195
Esse comportamento reflexivo do escritor pode ser verificado em sua extensa
produção escrita, que data da primeira metade do século XVIII. Rocha Pita escreveu o
primeiro tratado político da história da colônia, que, segundo Heitor Martins, mesmo de
maneira obscura e encoberta, já denunciava a decadência peninsular, ou seja, o status quo
da política absolutista católica, pós-tridentina, começava a sofrer seus primeiros impactos –
e a consciência disso dava seus primeiros sinais.
196
Além disso, o escritor baiano, mesmo
não tendo sido escolhido entre os acadêmicos Esquecidos para realizar a tarefa de escrever
a história da colônia, foi ele o responsável pelo primeiro livro de história da América
portuguesa, colocando como foco de interesse o território nacional, longe ainda de um ideal
de nacionalismo, mas buscando registrar os fatos e os acontecimentos dentro da concepção
historiográfica própria da época. Paralelamente a essas duas importantes contribuições no
campo da produção escrita, Rocha Pita participou da vida intelectual da colônia como sócio
fundador da Academia Brasílica dos Esquecidos e, na metrópole, mereceu, por sua História
da América Portuguesa, ser aceito como acadêmico supranumerário da Academia Real de
História Portuguesa.
Por esse estado de coisas, por si só, um estudo da obra de Rocha Pita se justificaria,
pois ele participou ativamente de um período pouco conhecido da nossa história, que ainda
195
PITA, 1972, p.39
196
Cf. Martins, Heitor, in: PITA, 1972, p. 11-25
119
hoje desafia nosso entendimento. Mas, ao contrário disso, a crítica literária sempre relegou
ao esquecimento boa parte da obra desse escritor, considerando digna de atenção somente a
História da América Portuguesa, por julgá-la um monumento da glória nacional.
Os leitores de Rocha Pita – neste caso de sua história –, com seus pressupostos
românticos-nacionalistas, sempre desqualificaram sua poesia, com a justificativa de que ela
não representava o espírito nacional. Como vimos no segundo capítulo desta dissertação,
leitores como Fernandes Pinheiro, J. M. Pereira da Silva, Joaquim Manuel de Macedo e
Sílvio Romero, entre outros, consideravam Rocha Pita um poeta medíocre, artificial e sem
originalidade. Mais tarde, já no século XX, sua poesia foi interpretada como representante
de um barroco tardio, que já não encontrava lugar no campo das belas-letras no período em
que foi escrita. Todos esses críticos e historiadores, herdeiros de uma ideologia romântico-
nacionalista, renegavam as produções literárias luso-brasileiras, por acreditarem que elas
não faziam parte da realidade do país, que ganhara autonomia política no século XIX.
Segundo eles, a poesia acadêmica do período colonial não passava de um mau gosto
literário, entregue aos exageros verbais, representada pelos trocadilhos de frases
superficiais e por metáforas disparatadas.
A primeira observação a se fazer sobre a opinião que se criou a respeito da produção
escrita de Sebastião da Rocha Pita é que ela passou de geração a geração, sem qualquer
preocupação com o exame direto da obra. Como tivemos a oportunidade de verificar nessa
pesquisa, as críticas que foram realizadas sobre sua obra, principalmente sobre sua poesia,
são baseadas em fontes duvidosas, e nem sempre tiveram a preocupação de voltar aos
textos poéticos do escritor. Uma conseqüência clara dessa situação é o fato de que as
opiniões sempre se repetem, não saindo do lugar comum, e, para agravar ainda mais o caso,
fatos há que se transmitiram e que não conferem com a realidade, como é a informação de
que Rocha Pita teria sido autor de um romance à moda de Palmeirim de Inglaterra.
A segunda observação é que a poesia de Rocha Pita, assim como a de qualquer
outro poeta, seja de que época for, pode também ser medíocre, artificial e fútil, mas todas
essas máculas têm que ser apontadas e enumeradas segundo os preceitos e normas da época
em que ela foi criada, pois é no mínimo injusto ou inadequado avaliá-la de acordo com
critérios estético-ideológicos alheios a seu próprio tempo.
120
O estudo da poesia de Sebastião da Rocha Pita, na Academia Brasílica dos
Esquecidos, permite-nos tecer alguns comentários sobre a obra desse escritor que, como
toda a poesia de sua época, sempre “esteve relegada a um plano despiciendo, esperando
pelo juízo do tempo, pela paciência dos estudiosos e pela mudança dos critérios
estéticos”.
197
Primeiro deve-se reconhecer o lugar de elocução do discurso poético produzido por
Sebastião da Rocha Pita, pois sua poesia é fruto direto das atividades realizadas na
Academia Brasílica dos Esquecidos, na primeira metade do século XVIII, no Estado do
Brasil. Essa informação se faz importante na medida em que nos permite reconhecer
imediatamente a posição áulica que o poeta ocupava, enquanto homem de letras, na
sociedade setecentista portuguesa, guiada pela política absolutista católica.
Como ficou demonstrado ao longo do desenvolvimento desta pesquisa, Rocha Pita
sempre pertenceu à estrutura orgânica do Estado, ou seja, sempre pertenceu a um grupo, a
uma ordem ou qualquer seguimento ligado à estrutura social que definiram o seu lugar no
meio em que viveu. Ao investigarmos sua posição, enquanto letrado e criador de versos na
Academia Brasílica dos Esquecidos, observamos que não há, em sua obra, manifestação de
autonomia autoral ou intelectual – como se tornou corrente a partir do século XIX. Na
atmosfera acadêmica, Rocha Pita é um letrado, pois faz parte de um grupo de pessoas que
trabalha com as letras; pode-se dizer que, no caso dele, o letrado é mais signo de uma
posição dentro do sistema social do que sinal de uma individuação autoral, como a
entendemos hoje. Em outras palavras, pelo termo letrado entende-se um tipo dotado de
certas qualificações técnico-profissionais, ou seja, alguém que exercita as letras –
recebendo, com isso, certa qualificação produtiva e, por vezes, certa distinção de nobreza.
Rocha Pita está completamente integrado às condições de funcionamento das categorias
discursivas, hierarquizadas, da sociedade colonial existentes no tempo em que se instaurou,
na colônia, a Academia Brasílica dos Esquecidos.
No espaço acadêmico, a produção poética não se fazia sob o regime da expressão,
que se tornou traço distintivo das obras literárias após o romantismo. Não havia, naquele
tempo, autonomia autoral. Todos os poemas desse período são inventados segundo a
doutrina da imitação, que, desde a segunda metade do século XVIII, deixou de ser critério
197
SPINA, 1967, p, 5.
121
para avaliação da poesia. Os poemas de Sebastião da Rocha Pita são compostos com base
em modelos autorizados: Cícero, Tasso, Gôngora, Petrarca, Camões, Quevedo, Lope da
Vega, Marino, Virgílio etc. Além disso, os poetas acadêmicos brasílicos não tinham
liberdade na escolha dos temas que deveriam desenvolver em seus poemas. O assunto era
dado para que o poeta se exercitasse conforme determinado repertório de gêneros e formas
disponíveis. Como todos os outros poetas daquela época, também ele praticou agudamente
as formas poéticas mais usadas naquele tempo: o soneto, o romance, a endecha, a décima,
os tercetos, etc., pois eram essas as formas disponibilizadas pela tradição. Sua poesia
realmente não tem originalidade, no sentido pós-romântico da palavra, mas isso não era
uma preocupação para os poetas que trabalhavam segundo a doutrina da imitação; eles
tinham como objetivo a penas a imitação e, eventualmente, a superação do modelo imitado.
Logo, dizer que Rocha Pita é um poeta medíocre por lhe faltar originalidade significa
desprezar as categorias que regulavam os discursos poéticos no primeiro quartel do século
XVIII, época em que o poeta atuou na Academia Brasílica dos Esquecidos.
Em suas circunstâncias, Sebastião da Rocha Pita foi um poeta que soube manusear
muito bem o código lingüístico e as categorias discursivo-poéticas de sua época, ou seja, da
primeira metade do século XVIII, no Estado do Brasil. Em poemas como o soneto em
homenagem ao secretário da academia brasílica, José da Cunha Cardoso, observamos que o
poeta, além de obedecer às praxes decoro acadêmico, criou jogos sentenciosos e agudos a
partir de metáforas sofisticadíssimas. Além disso, mostra-se um versejador habilidoso, no
que diz respeito à técnica do verso.
Em outros momentos, mesmo quando o assunto do poema é de natureza lírica ou
heróica, vê-se que o poeta não se mostra menos conhecedor dos códigos literários e dos
preceitos do sistema retórico vigentes em seu tempo. Tais observações podem ser
confirmadas nos sonetos aqui estudados, que fizeram parte dos trabalhos da terceira
conferência na Academia Brasílica dos Esquecidos.
É natural, nos dia atuais, que a subserviência intelectual e a louvação ao poder cause
mal-estar na sociedade democrática, que alimenta ideais de liberdade. Mas não podemos,
por isso, julgar e generalizar de maneira simplista os letrados do período colonial, que
estavam inseridos num contexto muito diferente do nosso. De acordo com Fernando Novais
“...não podemos fazer a história desse período como se os protagonistas que a viveram
122
soubessem que a colônia ira se constituir, no século XIX, em um Estado Nacional”.
198
Portanto, não reconhecer Rocha Pita como um poeta do período colonial brasileiro significa
não só desprezar a importância que ele teve, mas também a poesia de seu tempo.
198
NOVAIS, 1998, p.17.
123
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