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José Homero de Souza Pires Júnior
A TEMPORALIDADE DO
TEXTO ANUNCIATIVO TELEVISIVO (TAT)
Tese apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Ciências da Comunicação, da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, como
requisito para a obtenção do título de Doutor em
Ciências da Comunicação.
Orientadora: Prof. ª Dr. ª Elizabeth Bastos Duarte
São Leopoldo
2006
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A meu pai, José Homero de Souza Pires (1931-
2005), a quem devo a música.
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Agradecimentos à Universidade Federal de
Pelotas (UFPel), Universidade do Vale do Rio
dos Sinos (UNISINOS) e CAPES;
À Sandra Nunes Leite, colega de doutorado,
companheira de vida;
A todos aqueles que ajudaram nessa
caminhada.
RESUMO
A tese estuda o Texto Anunciativo Televisivo (TAT) – texto dos intervalos na
programação da TV – para experimentar a hipótese de que o tempo interno
discursivo funciona como fator de sensibilização passional a serviço do
convencimento inerente aos processos comunicacionais. O objetivo principal do
estudo é realizar uma análise do tempo interno do discurso, com base em categorias
temporais semióticas: os tempos cronológico, rítmico, mnésico e cinemático. O
quadro teórico-metodológico da tese se encontra na semiótica da Escola de Paris
(semiótica greimasiana), base em que se analisam os textos televisivos na
perspectiva comunicacional midiática em conformidade com as noções de
narratividade, temporalidade e passionalidade. Orientando-se por esse foco definido,
em sua maior extensão, a tese reflete ainda sobre o objeto da comunicação, em
perspectiva epistemológica, e sobre outras perspectivas teóricas pertinentes ao
objeto empírico (TAT). As conclusões do estudo apontam para o rendimento
heurístico da hipótese do tempo como sensibilizador passional no discurso do TAT e
admitem ainda que a hipótese experimentada – configuradora de um objeto teórico
temporal-passional – e a metodologia usada tenham potencial generalizante que as
tornem compatíveis com o estudo de outros gêneros e formatos midiáticos.
Palavras-chave: Comunicação. Mídia. Publicidade e Propaganda. Semiótica.
Narrativa. Tempo. Paixão. Análise audiovisual.
ABSTRACT
The thesis studies the television advertising text (TAT), texts in commercial
breaks on TV, seeking to try out the hypothesis that the internal time of discourse
works as a factor of passionate sensitivization on behalf of the persuasion that is
inherent in the communicational processes. The main goal of this study is to carry out
an analysis of the discourse internal time, based on semiotics time categories:
chronological, rhythmic, mnesic, Kinematic time. The theoretical-methodological
framework of the thesis lies on the semiotics of the School of Paris (greimasian
semiotics). On such basis, television texts are analyzed within the media
communicational perspective in accordance with the notions of narrative, time and
passionateness. Guided mostly by this definite focus, the thesis also reflects about
the object of communication in epistemological perspective and about other
theoretical perspectives pertaining to the empirical object (television advertising text).
The conclusions point to the heuristic power of the time hypothesis as a passionate
sensitivity activator in the TAT discourse and admit that both the experimented
hypothesis (which configurates a temporal-passionate theoretical object) and the
methodology used have a generalizing potential that makes them compatible with the
study of other genre and media formats.
Key words: Communication. Media. Semiotics. Narrative. Time. Passion. Audiovisual
analisys.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................. 8
2 PERSPECTIVAS CONSTITUINTES DA PESQUISA...................................... 21
2.1 ELEMENTOS PARA UM OLHAR COMUNICACIONAL............................... 21
2.2 A NOÇÃO DO OLHAR COMUNICACIONAL................................................ 26
2.3 CLIVAGENS.................................................................................................. 34
2.4 PERCEPÇÕES CONFIGURADORAS DO OBJETO.................................... 46
3 CENTRALIZAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA..................................... 54
3.1 O TAT E O INTERVALO TELEVISIVO......................................................... 56
3.2 PUBLICIDADE E PROPAGANDA: PROBLEMAS TEÓRICOS.................... 59
3.3 PERSPECTIVAS AMPLAS SOBRE O TAT.................................................. 63
3.3.1 Estratégias e consumo............................................................................ 65
3.3.2 Intervalo como um lugar do bios virtual................................................ 68
3.3.3 A sintaxe do TAT: algumas implicações................................................ 72
3.4 O TEMPO NA CONVERSAÇÃO AUDIOVISUAL.......................................... 74
3.4.1 Ações no/do tempo.................................................................................. 76
3.5 COMUNICAÇÃO COMO CONVENCIMENTO.............................................. 77
3.5.1 Jogo e comunicação................................................................................ 77
3.5.2 A incomunicabilidade do tempo............................................................. 82
3.6 CATEGORIZAÇÕES DO TEMPO E DISCURSIVIDADE.............................. 85
3.6.1 Linearidade, extensão e junção.............................................................. 85
3.6.2 Os componentes passionais................................................................... 87
3.6.3 Tempo e audiovisualidade: o objeto genérico e suas perspectivas 89
4 METODOLOGIA.............................................................................................. 91
4.1 NÍVEIS METODOLÓGICOS......................................................................... 91
4.2 SENSO COMUM, HIPÓTESE E FRUIÇÃO.................................................. 95
4.3 CORPUS OU EXEMPLOS ANALÍTICOS..................................................... 99
4.4 PERSPECTIVA DE UM MODELO COMUNICACIONAL.............................. 105
4.5 OS TEMPOS CRONOLÓGICO, RÍTMICO, MNÉSICO, CINEMÁTICO........ 112
4.6 PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS................................................................ 118
4.7 CONCEITOS METODOLÓGICOS................................................................ 121
4.8 TAT DA RENNER, CANAL DA GLOBO (DEZEMBRO DE 2002)................. 126
4.9 TAT DA BRASILPREV.................................................................................. 138
4.10 TATs DO PT (“ORDEM E PROGRESSO” E “AGORA É LULA”)................ 144
4.11 TAT DA BRAHMA BOCK............................................................................ 150
4.12 INDICADORES TIPOLÓGICOS NOS TATs BRASTEMP, CORREIOS,
PHILCO E SKOL..........................................................................................
154
5 CONCLUSÕES................................................................................................
161
5.1 OBSERVAÇÕES TRANSVERSAIS SOBRE TEMPO E
PASSIONALIDADE...................................................................................... 161
5.2 A (IN)COMUNICABILIDADE DA TEMPORALIDADE: O CONFRONTO
DOS TEMPOS.............................................................................................
166
5.3 OBJETO TEMPORAL AUDIOVISUAL: A PERCEPÇÃO DE MOMENTOS.. 170
5.4 PERSPECTIVAS E AVALIAÇÕES FINAIS................................................... 175
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................
183
1 INTRODUÇÃO
Introduzir o texto de uma pesquisa é tarefa que se pode fazer de muitas
maneiras; entre elas tem lugar a que procura situar o leitor buscando perceber os
meandros da gênese e do desenvolvimento de certas idéias norteadoras do
trabalho. Comecemos por tratar do ponto inicial mais marcante do percurso da
pesquisa. Ele parece ter sido a reflexão acerca da Música (área de origem do
pesquisador) e da Comunicação (área de chegada), com o propósito de produzir a
conexão possível entre ambas para uma pesquisa em comunicação.
O aspecto saliente na reflexão dizia respeito ao propósito justificador do
projeto cuja autoria poderia se mostrar curiosa ao campo comunicacional, na medida
em que se fazia por um (então) agente de campo distinto, o musical. Nesse âmbito
de preocupação, a tendência era considerar oportuna, ou mais “segura”, a escolha
ou de um objeto, ou de uma abordagem de conceitos teóricos reconhecíveis e
pertinentes para ambos os campos e, portanto, para o próprio pesquisador que se
punha à prova em sua capacidade de fazer frente àquele salto entre campos e aos
riscos daí decorrentes.
Ora, música e comunicação, colocadas nesse quadro de comunhão que se
queria construir, de início faziam ver que a primeira pode ser tomada como uma
forma de comunicação, onde as interações sociais ocorrem em relação à semiótica
particular (musical); a segunda, ainda que vista como englobante teórica na
perspectiva que se queria manter, poderia fornecer também os fenômenos passíveis
de certa “musicalização”. Pode-se ver, em música, um processo comunicacional em
que estruturas musicais e sociais se corresponderiam – sem esquecer aqui, embora
apenas como apontamento, do “problema do curto-circuito” de Bourdieu, não
enfrentado na tese: o problema consiste em tentar “conectar”, sem a devida
explicação, estruturas internas da produção cultural às externas (sociais), passando
por cima dos campos sociais
1
enquanto conceitos conectores construídos pelo
sociólogo francês (BOURDIEU, 1996; 2003).
Com tal ressalva, pode-se falar na operação fundamental que resultou no
objeto temporal-audiovisual estudado. De certa forma, buscava-se desenvolver uma
idéia estrutural muito próxima da música, a idéia de tempo, ainda que a área musical
não a estudasse suficientemente como suporte para a pesquisa que se queria
desenvolver; por outro lado, queria aproveitar-se da área da comunicação sua
vertente semiótica (greimasiana) para desenvolver aquela idéia estrutural.
O momento mais específico, aglutinador e decisivo, parece ter sido aquele
em que se concebeu o estudo do tempo – de um tempo discursivo que seria algo
semelhante à música –, que veio depois a nortear a escolha do objeto empírico.
1
O conceito de campo, em síntese, dá conta de um micro-universo social em que agentes,
instituições e capitais funcionam com determinadas leis próprias, em relativa autonomia ao todo
social. Apesar da relevância do problema do curto-circuito, o conceito não será trabalhado na tese,
servindo apenas aqui como horizonte em que se situam certos aspectos do presente trabalho.
Pode-se recordar vivamente o momento posterior em que surgiu a idéia de uma
sintaxe temporal do Texto Anunciativo Televisivo (TAT) – preliminarmente, definido
como o texto (anúncio, comercial, propaganda) que se apresenta nos intervalos da
programação televisiva. Tal experiência cristalizadora correspondia à percepção de
que não somente a música poderia ser vista e reconhecida “como música” (uma
construção temporal), mas também outras manifestações textuais, outros sistemas
semióticos, poderiam ser vistos musicalmente. O que significava isso para quem
estava problematizando uma justificação de projeto doutoral? Significava encontrar o
elo entre elementos de duas áreas através da idéia de musicalidade expandida que
parecia reunir em si interesses musicais e comunicacionais que eram, ainda,
oblíquos e confusos.
O que seria o tempo em Música e em Comunicação? A pergunta se revestia
de grande interesse para quem vinha de uma área em que o tempo em si não era
problematizado, não pelo menos com a mesma riqueza científica que se encontrava
em Comunicação, especialmente, em sua vertente semiótica. Foi então um achado
excepcional encontrar em Paolo Fabbri (1999) a idéia de que o tempo se constituía
na forma de expressão das paixões humanas... e que isso daria a base para aquele
elo entre as áreas. A riqueza de tal encontro residia nas possibilidades de se
analisar um texto musical ou um texto audiovisual a partir de bases comuns.
Antes da categoria de tempo ser firmada, a fase em que a música teve lugar
proeminente alcançou a idéia de musicalidade expandida; também foi pensada
inicialmente uma classificação dos tipos musicais nos TATs. Ora, tal classificação
logo se revelou limitadora da abordagem global do texto segundo a musicalidade
expandida, além de trazer a restrição a análises musicais tão-somente (de uma só
semiótica); depois dessa fase, mantendo a idéia de musicalidade expandida para daí
tirar uma categoria, chegou-se à noção de tempo, sendo que a música mudou de
englobante para englobada, estando aí subsumida como manifestação dele, espécie
de condensação específica correlata aos processos temporais globais do texto.
Enfrentar, no final do primeiro ano de atividades no doutorado, o problema da
definição da noção de tempo, para render mais rigor analítico, constituiu-se então no
achado capital para construir toda a pesquisa.
A necessidade de definição cresceu também porque havia a presença
freqüente da noção vaga de tempo-espaço, aqui e acolá, dentro e fora do campo
comunicacional, invocando direta ou indiretamente as inovações havidas na Física
do século XX; o fato da presença se fazer sentir com força, impelia ao cuidado de se
dizer com qual noção se pretendia trabalhar, para não ser confundida com aquela de
uso freqüente. A invocação direta ou indireta da Física não estaria longe daquele
tipo de uso indevido de conceitos físicos nas Ciências Humanas e Sociais (SOKAL;
BRICMONT, 1996) do que, aliás, vínhamos desconfiando há muitos anos e que
estes autores corroboraram com suas análises.
Na verdade, o que se vinha observando era o fato de que amplos setores
destas Ciências faziam uso reiterado de inovações epistemológicas, como se suas
fossem, inovações próprias das Ciências Naturais, sobretudo da Física. Isso nunca
nos pareceu correto, seja porque tais importações são muito grandes e importantes
para que não se tenham discussões problematizando-as, seja porque o enfoque
“epistemológico”, no qual se realizaria o processo entre dois tipos de ciência, é
demasiado abstrato para dar conta das diversas implicações empíricas daquilo que
se propunham como inovações científicas importadas.
Concordemos ou não com o argumento por nós apresentado ou com o livro
referido, parece inconteste a importância do debate decorrente. De nossa parte, era
evidente se tratar de um equívoco querer alicerçar, em pesquisa, qualquer uso de
noções como aquela de tempo-espaço nessa matriz polêmica e forçosamente
duvidosa. Para a pesquisa que se construía, crescia a convicção de que era
possível, e mesmo necessário, produzir noção mais clara e operacional que pudesse
ser usada na análise textual. Tal direção parecia mais adequada a um pensamento
comunicacional contido no seu próprio âmbito.
No tocante à perspectiva epistemológica, o que se pretendia fazer seria como
estar no “lugar certo” (mais disciplinar), afastando relações equivocadas entre
Ciências Sociais e Naturais. Uma dessas relações, conforme se vinha observando
antes mesmo da leitura de Sokal e Bricmont, é aquela que consiste num
embasamento direto nas Ciências Naturais, feito com transposição ingênua de
conceitos, sem exame das naturezas, processos e contextos dos elementos
envolvidos e, por conseguinte, sem a discussão sobre os fundamentos
epistemológicos. Nesse embasamento, parece haver uma atitude de
reconhecimento de certa autoridade disciplinar fundamental (menos comum nos
físicos do que naqueles que se esforçam em segui-los) segundo a qual a Física
corresponderia ao alfa e ao ômega dos saberes sobre a realidade.
Na verdade, não se tratava, no presente caso, de relações entre ciências
distintas operando o conceito de tempo, mas apenas do objetivo refletido de realizar
a pesquisa no âmbito semiótico, o detentor, de direito, das bases conceituais para o
trabalho pretendido. Em outras palavras, quando em Comunicação, ou em outro
campo do conhecimento social, se deixam de lado as propriedades do campo de
saber, as proximidades possíveis, o trabalho conceitual, usando as disciplinas afins,
para, ao invés, nos aventurarmos em lugares distantes (com conceitos físicos,
biológicos, etc.), via de regra, acaba por faltar construção a rigorosa de conexões
entre os pontos distantes e distintos em sua natureza, com o que arriscamos cair
num lugar equivocado e estéril.
Na mesma tendência de equívoco, se verifica que um lugar próximo, embora
difusamente pertencente ao campo comunicacional, de alta potencialidade para
pesquisa, tende a ser desprezado: observam-se, aqui e acolá, juízos sub-reptícios
que tratam de condenar, em Comunicação, a “abordagem estruturalista”, a “análise
greimasiana”, pois insinuam a idéia de que o mais adequado para a área seria uma
“visada pós-estruturalista”. De um ponto de vista geral, o lugar rejeitado é altamente
potente ao campo e conectado a características epistêmicas afins; de um ponto de
vista específico, tal atitude sub-reptícia merece atenção, mormente no seu aspecto
de pertinência com a pesquisa aqui presente.
Sem querer incorrer no mesmo erro de julgar, peremptoriamente, o que serve
ou não serve em Comunicação – o que seria, a rigor, assunto para outra tese –, no
que concerne ao tema deste trabalho, com suas noções-chave de tempo e
passionalidade, se deve ponderar que o ato de ignorar ou subestimar as conquistas
teóricas greimasianas e da chamada Escola de Paris seria falta grave, porque a
pesquisa deixaria de dialogar com quem domina a problemática do tempo e das
paixões e, ao mesmo tempo, ficaria impedida de apresentar a proposta empírica, ou,
pelo menos, estaria sempre em débito evidente com o instrumental teórico
disponível – aliás, não estamos livres do risco de débito, apenas porque queremos
evitá-lo, uma vez que é muito vasta a riqueza teórica e metodológica da semiótica
greimasiana, demandando dedicação rigorosa ao seu estudo.
Dito isso, lembram-se alguns elementos certamente pertinentes para
discussão: (1) seja lá o que se entenda por “pós-estruturalismo”, para além de um
rótulo cômodo, não se deve iludir sobre a exigência da noção de estrutura; (2) o
campo comunicacional caracteriza-se por distintas confluências teóricas,
multiplicidade de perspectivas epistemológicas, ensaios construtivos teórico-
metodológicos, formações poliédricas que desafiam a própria configuração de um
quadro da teoria da comunicação, razões pelas quais os julgamentos peremptórios,
numa suposta alfândega do campo, são sempre arrogantemente fiscalizadores; (3)
dentre essas formações poliédricas, a vertente greimasiana está presente de muitas
maneiras, inclusive à maneira de vertente clássica, como entende a compilação de
clássicos em Comunicação Proyectar La Comunicación (BARBERO; SILVA, 1999,
p. 285-298) – e um bom jogo no campo não a desprezaria.
Além desses elementos dignos de lembrança, em se tratando de discutir os
direitos alfandegários do campo, deve-se também registrar que, via de regra, os
julgamentos que condenam um Greimas ou a Escola de Paris, não apenas deixam
de reconhecer os valores científicos aí representados, como geralmente exibem
mera atitude de recusa hostil ao invés de argumentos efetivos sobre o autor e a
Escola em pauta; isso nada acrescenta ao desenvolvimento do campo
comunicacional, constituindo-se, como no futebol, na atitude perigosamente tomada
pelas torcidas que, ao dividirem e inflamarem, muitas vezes se esquecem do próprio
jogo.
Acredita-se que tais argumentos justificam a escolha teórica para tratar o
objeto estudado. A abordagem que se quer imprimir à análise do texto exige algo
diferente da noção de tempo em voga, pois se trata de examinar o tempo no
discurso, um tempo interno das estruturas textuais, em abordagem que se assume
como internalista, no sentido de Bourdieu.
Por outro lado, como força contraditória complementar, há o propósito de não
permanecer restrito a um foco, falando apenas dele, mas também de responder por
certo “estilo multifacetado” do campo, talvez como tentativa de um pertencimento
desejado, mas, sobretudo, porque o fenômeno em destaque precisa de seu próprio
gesto de saliência dentro de um campo amplo e visível de outros afins ou tangentes,
aqueles que marcariam o espaço entre as abordagens interna e externa do
problema do curto-circuito.
Os objetivos desta pesquisa – os quais, de certo modo, a justificam –
consistem na (1) realização de um estudo empírico do tempo (no discurso), tendo
em vista que nos estudos midiáticos se observa o uso reiterado da noção ampla de
tempo (conjugada à noção de tempo-espaço), mas não há estudos, ao que se saiba,
sobre o tempo na discursividade, no sentido que lhe é conferido por este estudo que
vem a se constituir assim num espaço de pesquisa; (2) exploração ad hoc, pelas
análises dos TATs, de uma metodologia analítica que possa ser aplicada a
audiovisuais, especialmente no ângulo comunicacional que orienta a pesquisa; (3)
desenvolver elementos de análise que possam permitir, futuramente, o exame das
relações entre tempo, narratividade e análise da audiovisualidade, incrementando o
segundo objetivo; por exemplo, as noções técnicas como ritmo ou duração de
seqüência, tempo dramático, ritmo imagético, entre outras, solicitam sempre, nas
suas definições, uma descrição cênica ou da história contada
2
. A pesquisa propõe-
se a conceber elementos pertinentes ao modelo teórico narrativo e discursivo e às
noções técnicas de uso corrente na análise de audiovisuais
3
.
2
Por exemplo, nessas noções, presentes em textos sobre análise fílmica, está implicitada uma
“tipologia passional” a partir do ritmo: planos curtos, ritmo rápido – cenas dramáticas, de batalhas,
de ações físicas, etc; planos largos, ritmo longo – cenas de tristeza, a miséria de um personagem,
etc. Essa “tipologia” já esboça, no modo de se compreender o discurso audiovisual, a relação do
tempo como meio expressivo da passionalidade neste tipo de discurso.
3
Uma obra especialmente pertinente para este estudo, pelo esforço conceitual e amplitude
bibliográfica, é o Dicionário teórico e crítico de cinema (AUMONT; MARIE, 2003). Como em outras
referências pesquisadas sobre audiovisualidade, a noção de tempo, no Dicionário, atravessa
quase a totalidade das noções descritivas e discursivas dos termos audiovisuais. É preciso
Objetiva-se, sobretudo, que as categorias de tempo cronológico, rítmico,
mnésico e cinemático (explicitadas no Capítulo 4) sejam usadas nas análises de
TATs para ver daí um resultado que permita refletir sobre a hipótese e a
metodologia. Tal resultado, em seus diferentes aspectos, se quer pertinente não
apenas para o que se delimita como um gênero ou um tipo textual, mas para
variados fenômenos midiáticos audiovisuais entendidos como tempo na
audiovisualidade. A análise da tese constitui então um primeiro passo nessa direção.
As narrativas midiáticas, embora maciçamente presentes na mídia, sendo
fenômenos observáveis e analisáveis, são ainda pouco exploradas segundo a
perspectiva analítica aqui usada. Em contrapartida, as questões referentes à
ideologia e poder, por exemplo, estão mais presentes nos estudos midiáticos, sem
contudo atentarem, no mais das vezes, para o fato de que as formas discursivas
(que originam outros discursos sobre o poder, ideologia, mito, etc.), se constituem
(manifestam-se) em formas narrativas objetiváveis.
Muitos estudos sobre mídia tendem a se distanciar em demasia da análise do
material empírico, em prol de discursos exploratórios e/ou especulativos sobre mídia
em geral, não raro faltando melhores bases para sustento das proposições
genéricas. A análise das narrativas, por sua vez, dispõe de aparato teórico
fortemente desenvolvido, sendo solicitada pelos eventos midiáticos televisivos (para
falar só deles). Para efeito de rigor nos estudos midiáticos, as análises da
narratividade midiática ligam-se a uma vertente sólida, com condições de elucidação
registrar também a obra O sentido do filme (EISENSTEIN, 1990), como referência para o estudo da
música no cinema e do tempo no discurso audiovisual.
de aspectos da discursividade que atenuam os riscos dos desvios do material
empírico
4
.
É nessa direção de pesquisa que aqui se coloca a abordagem pela semiótica
greimasiana: o objeto de estudo do tempo nos TATs requer tal abordagem devido ao
nascedouro das noções de tempo e passionalidade no discurso, nascedouro que é
também o lugar da concepção do objeto. Com isso, assinala-se que a escolha do
objeto se deu pari passu com as possibilidades teóricas no seio das quais ele teria
desenvolvimento, não por conta de um “construtivismo radical” – em que a realidade
das coisas estudadas consistiria em existência teórica, meras construções –, mas
pela avaliação dos aspectos da realidade empírica que podem ser mais bem
estudados, num apoio mútuo entre a teoria e o empírico com vistas à escolha e
construção do objeto.
Segundo o que pudemos observar, no campo da Comunicação no Brasil, se
há proeminência de estudos semióticos (escolas e vertentes), a semiótica peirceana
parece ocupar destaque quantitativo, de maneira que parece muito pouco freqüente
a presença dos estudos ancorados na semiótica greimasiana
5
. Tendo em vista que
esta Semiótica se sedimenta com atividades coletivas de pesquisa em todo o
mundo, que ela oferece amplas condições para se discutir desde o nível empírico ao
4
O distanciamento e desvios comentados requerem ter em consideração as observações sobre
certos “desvios da análise do produto cultural” em estudos comunicacionais (BRAGA, 2000). No
seu conjunto, estas observações implicam, de uma ou outra maneira, no que aqui se considera
sobre os estudos midiáticos. Supõe-se ainda, para acrescentar uma hipótese, que muitos destes
desvios de análise ocorram devido à falta de conexão – que é problema teórico abrangente – entre
as teorias do discurso, da enunciação e de gênero, falta cuja resolução compete a diversos
campos de saber e que se manifesta nesses desvios de análise. É preciso antes lembrar – talvez
como mais determinante – que existe, também segundo Braga, predominância do gosto ensaístico
em detrimento da análise de pesquisa.
5
A despeito da existência de núcleos de semiótica greimasiana no Brasil, observa-se a pequena
participação referida no conjunto dos estudos midiáticos de cunho semiótico que tivemos a ocasião
de apreciar pessoalmente. O levantamento da produção do campo comunicacional (CAPPARELLI;
STUMPF, 2001) informa sobre a carência de informações metodológicas nos resumos de teses e
dissertações, o que não permite conclusões definitivas sobre a pequena participação referida. Fica,
no entanto, a possibilidade de que se trate de um fato, a partir dos indícios nas observações
realizadas na produção do campo.
epistemológico da pesquisa, o seu projeto de cientificidade e as possibilidades de
ancoragem da pesquisa midiática no país, ao serem supostamente pouco
explorados, reclamam um espaço maior e mais significativo no fazer acadêmico do
campo.
O espaço não é desejável meramente como equilíbrio quantitativo em relação
a outras abordagens, mas também porque as possibilidades e limites da abordagem
semiótica greimasiana, no universo do saber comunicacional, e a discussão dos
níveis de pesquisa, uma vez não explorados (portanto, desconhecidos), acarretam
empobrecimento das avaliações teórico-metodológicas e epistemológicas que
convêm ao campo comunicacional. Essa observação tem razão de ser também por
conta das preocupações reiteradas, pelo campo comunicacional, com o seu estatuto
científico.
Devido ao terreno inexplorado que a presente pesquisa percorre; às injunções
dessa caminhada sem modelos a dar segurança nos rumos a seguir; às falhas,
incorreções e insuficiências de toda pesquisa, a dever sempre ao objeto; às
incapacidades e limitações do pesquisador, e a outros fatores determinantes de
resultados insatisfatórios, pode-se facilmente ficar na expectativa de um final pouco
feliz para a tese proposta. Entretanto, espera-se também que mesmo aí, no terreno
do seu fracasso, a tese terá dado seus frutos, quais sejam: o de perseguir um
caminho que assim torna-se conhecido, o de permitir que se descubram falhas e
virtudes, o de construir uma problemática nova por conta do novo objeto construído,
o de motivar, enfim (pelo problema, método, fontes bibliográficas e análises
realizadas), novas formulações em pesquisas que poderão dispor então de um
primeiro passo realizado.
A proposição geral de que uma pesquisa colabora para o avanço do
conhecimento, tanto pelos seus sucessos como pelos seus fracassos, parece
especialmente verdadeira nesse caso: os fracassos de uma primeira caminhada
estimulam a continuidade do saber numa dimensão sociabilizada, por trazerem em
si, graças à interlocução que trazem à tona e que por eles é inaugurada, elementos
reveladores e ampliadores do novo objeto construído – no início, parece ser quase
um gesto solitário; depois, necessariamente compartilhado.
Derivada daquela linha de construção inicial da tese, a configuração de
forças contrárias (complementares) permanece e atua na construção da pesquisa,
revelada já pelos aspectos formais do texto resultante. Uma dessas forças torna
imperativa a delimitação do foco e o trabalho restrito; a outra busca maior
abrangência do foco e o trabalho de conexão com outros possíveis objetos (afins).
No Capítulo 2 estão reunidas as perspectivas epistemológica e empírica que
constituíram a pesquisa. Destacam-se, no Capítulo, a noção de olhar
comunicacional e sua clivagem com algumas das noções, conceitos e teorias
presentes no campo da Comunicação, assim como estão salientadas as percepções
iniciais que deram direção ao objeto de estudo. O Capítulo 3 faz o esforço de
configurar ampla e restritamente o objeto: amplamente porque busca tangenciar
objetos e teorias afins com o objeto da tese, fazendo um trabalho de
contextualização geral; restritamente porque focaliza o conceito de tempo em
comunicação, com base na teoria semiótica.
O Capítulo 4 dedica-se à metodologia da tese, buscando esclarecer os
procedimentos analíticos e apresentando um modelo comunicacional para a
temporalidade nos TATs. Neste Capítulo, são apresentadas as categorias temporais
em que se apóia o conceito de temporalidade e, com isso, explicita-se o aparato
analítico principal. O Capítulo 5 traz as conclusões da tese que defendem a
viabilidade da hipótese levantada e o poder heurístico do trabalho com o objeto
temporal construído. Com isso, a hipótese de trabalho – o tempo na
audiovisualidade configura-se como fator de passionalização nos textos intervalares
televisivos – e a metodologia a ela associada podem chegar a tomar corpo enquanto
elementos generalizáveis no âmbito dos estudos midiáticos.
2 PERSPECTIVAS CONSTITUINTES DA PESQUISA
Parece coerente extrair do que foi expresso na Introdução, a respeito do
campo comunicacional, uma visão mais ampla no seio da qual se possam entender
certas perspectivas e pressupostos; talvez até mesmo, dentro um ponto de vista
epistemológico, aquilo que estaria no lugar das bases (implicitadas) que permitem
entender aspectos mais concretos da pesquisa. O tópico seguinte é motivado por
esse horizonte amplo e pela tentativa de exercitar a reflexão sobre um olhar
comunicacional midiático.
2.1 ELEMENTOS PARA UM OLHAR COMUNICACIONAL
Dedicado ao esforço de explicitação de certas questões amplas, de caráter
mesmo epistemológico, o espaço deste tópico destaca a reflexão sobre o objeto de
estudo em Comunicação, como exercício possível para haurir desenvolvimento da
reflexão sobre o campo comunicacional e, ainda que implicitamente, sobre o próprio
trabalho nesta tese.
Para uma reflexão epistemológica em Comunicação (leia-se: uma reflexão
sobre os problemas do conhecimento pertinentes ao campo), a definição sobre o
objeto de conhecimento é imperativa, como comprovam os debates reiterados a
respeito da identidade objetal no campo – não se advoga aqui por um objeto
empiricamente existente, mas sim por um “olhar” ou grade teórica englobante capaz
de compreender/caracterizar um conjunto pertinente de objetos e temas empíricos,
dentre os quais se poderiam ver os textos aqui selecionados para análise, assim
como uma enorme diversidade de outros produtos midiáticos.
Logicamente, a problemática do conhecimento no campo pressupõe uma
problematização do objeto e de sua definição; a reflexão epistemológica não deve se
furtar dessa exigência, sob o risco de cair numa elaboração não muito produtiva,
sem atender à necessidade de se definir, ainda que de modo tentativo, um olhar
comunicacional. Mesmo que a reflexão seja de escopo propositor, individual, ela
pode ajudar na pesquisa dos objetos e olhares existentes no campo.
Ao se tratar do olhar comunicacional, cabe ponderar que há uma intersecção
possível e muitas vezes necessária entre a reflexão sobre o que é o comunicacional
e o que é próprio dos processos midiáticos. Supomos que a autocrítica que por
vezes o campo faz de si, reclamando um olhar específico diferenciador em relação a
outros olhares, permite que se tome a intersecção como válida, na medida em que
ela já seria suficiente para dar especificidade – o que não significa se apagarem as
diferenças existentes entre processos comunicacionais em geral e processos
midiáticos. Pela razão suficiente que fornece a especificidade do olhar, mesmo
prevendo que os fenômenos não midiáticos, indevida e eventualmente considerados
na intersecção, serão criticamente denunciados pelo leitor, usaremos a expressão
olhar comunicacional de modo genérico, com inclusão aí dos processos midiáticos.
Esse foco escolhido, além de ter certa função coesiva – sem essa
preocupação especial por uma linha argumentativa se tenderia facilmente a
dispersões, tal é a amplitude e riqueza das perspectivas –, carrega consigo um valor
epistemológico relevante, isto é, corresponde, em direção e qualidade, a um certo
esforço teórico-metodológico refletido nas perguntas de interesse ao campo
comunicacional: qual ou quais objeto(s) comunicacional(ais) define(m) o interesse do
campo? Como se constrói/descreve/estabelece o olhar comunicacional? Como esse
olhar comunicacional pode funcionar como elemento caracterizador do campo diante
dos demais campos de estudo?
Se essas perguntas não são consensuais, as respostas não o seriam. É certo,
no entanto, que trazem um significativo teor de interesse. Teor, interesse, conteúdos
para problematizações, na medida em que estão representados nas perguntas, são
elementos de consenso para o campo, mesmo na sua potencialidade para o
dissenso e nas ocasiões polêmicas que eles solicitam. Sobre essas perguntas, já
temos uma questão epistemológica pertinente ao campo – e que assim justifica a
organização aqui escolhida, girando em torno de uma noção objetal, significando
não os temas possíveis, objetos empíricos “incluídos ou excluídos”, mas sim o
núcleo teórico característico que fornece aos objetos possíveis sua pertinência ao
campo, núcleo que consiste no olhar comunicacional – remetendo à origem da
palavra teoria (visão).
Esse foco na noção não pretende sugerir que ela está esquecida pelas
Ciências da Comunicação; as reflexões epistemológicas produzidas mostram que há
pertinência da noção com as ocupações intelectuais do campo. Contudo, é preciso
cuidar do risco de que, em se tratando de epistemologia, a reflexão mantenha-se
presa em demasia às questões genéricas e abstratas, de modo a escamotear
involuntariamente o espaço que se poderia reservar para uma noção, examinada
numa clivagem sistemática dentro de um horizonte maior que a compreendesse.
Sendo assim, a noção objetal apresenta-se como elemento norteador dessa
clivagem, procura examinar algumas outras noções e perspectivas, em busca do
exercício do olhar comunicacional.
Esse ponto de vista parece ser fértil, pois induz e permite a discussão sobre a
própria especificidade do campo, o que concorre para conferir certa identidade
diante dos demais olhares das Ciências Humanas e Sociais – embora os aportes
sociológicos, semióticos, antropológicos, e outros, sejam todos bem-vindos em
Comunicação, assim como nas demais áreas do conhecimento que compartilham
saberes de outras áreas, trata-se aqui de refletir sobre um conhecimento que não é
sociológico, semiótico, lingüístico, etc., mas comunicacional.
Partimos da idéia de que se tem um bom encaminhamento epistemológico
(criticável, obviamente) se tal conhecimento for percebido e buscado na esteira de
um olhar específico, o olhar comunicacional que pode fornecer a especificidade do
campo diante dos demais campos e disciplinas – até porque qualquer interface (ou
trabalho de fronteira) pressupõe, como diz a palavra, uma face própria, um terreno
peculiar, enfim, um espaço definido que é o espaço disciplinar.
Esse argumento do olhar definidor se encontra presente e defendido no
campo da Comunicação (BRAGA, 2001a; 2001b). Questiona-se, em se tratando aqui
de uma produção epistemológica, a pertinência da reflexão individual tendo em vista
sua relação com o campo social (acadêmico, especializado) no qual se inscreve.
Concordamos com o Professor Braga quando afirma que a definição nesse terreno
se faz social e historicamente, sobretudo com o trabalho concreto de pesquisa,
construtor de uma feição própria do campo comunicacional.
O esforço intelectual, epistemológico, ao buscar as perspectivas e definições
orientadoras, conceitos, teorias, métodos, um plano epistemológico definidor da
Comunicação, está determinado por esse fazer coletivo na/da história, a fornecedora
final, enfim, do que se pretendia encontrar por meios reflexivos individuais. Com
isso, no entanto, entramos em certa circularidade entre o “estarmos aqui” fazendo
algo (práticas no campo) e o que irá resultar (aquilo que objetivamente será do
campo, mas, por ora, é desconhecido), histórica e socialmente produzido.
É razoável ponderar que, de modo semelhante, se coloca aqui a questão da
avaliação do que é produzido, assim como o problema do reconhecimento histórico:
para se escrever a história de algo, são necessárias as condições de identificação
do objeto a ser descrito; do contrário, tende-se a um desvirtuamento do que seja tal
objeto ao longo do tempo. Isso pode ser bem exemplificado com a história da
música, consagrada aos músicos, ou com a história das ciências, em que se tende
ao desvio para um modelo biográfico por conta da concepção prévia que se tem do
objeto.
Com efeito, até mesmo na concepção histórica e social do que seja o campo,
em contraposição aos desejos mais imediatos e individuais de definição
epistemológica, naquilo que ela supõe poder avaliar como produção intelectual de
dimensão social e histórica, o papel identificador das noções epistemológicas tem
um lugar necessário, por conta das condições avaliativas da produção. Por isso não
está desprovida de pertinência histórica a reflexão que se faz no campo, em algum
ponto determinado do seu processo de construção ou de constituição histórica, já
que esse fazer é também do campo, ainda que minimamente significativo na
condição de produtor de um elemento textual pertencente à grande rede intertextual,
situada historicamente, que compreende o elemento textual singular.
2.2 A NOÇÃO DO OLHAR COMUNICACIONAL
Como hipótese, para este exercício do olhar, julgamos que, entre as diversas
concepções possíveis neste terreno, dificilmente seria negada totalmente a
pertinência do seguinte enunciado
6
: um objeto comunicacional midiático define-se
pelo entrecruzamento entre interação (atores individuais e coletivos em interação
social, formas e processos interacionais), discursividade (todas as manifestações
discursivas, semióticas e linguageiras possíveis) e sociedade (as estruturas e
processos sociais, uma cena sociocultural determinada, etc.), com base nos
dispositivos midiáticos. Desde esse momento já se pode convocar o pensamento
complexo de Morin (MORIN, 2001), uma vez que o objeto reclama um modo de
perceber, de conceber esse entrecruzamento que não se dá facilmente a ver nos
eventos comunicacionais cotidianos; também porque suas relações constitutivas
internas são várias, multiformes e complexas.
Convém aqui fixar os princípios que configuram o pensamento complexo. O
pensador francês (MORIN, 2001, p.106-111) exemplifica dizendo que quando a
sociedade forma o indivíduo e ao mesmo tempo é formada por ele, ou quando, nos
discursos cotidianos, a língua “fala” em nós e depois, pela capacidade
transformadora do sistema, esses discursos irão fornecer novos elementos à língua,
temos o princípio da recursividade, no qual causa e efeito se identificam ou se
alternam; quando ordem e desordem se necessitam como termos antagônicos e
complementares, assim como os valores num sistema semiótico (um valor é o que o
outro não é), temos o princípio do dialogismo; o terceiro princípio, o todo na parte e a
6
Na formulação dos termos do enunciado, reconhecemos a dívida com Vera França (FRANÇA,
2001a; 2001b), na medida em que ela constrói um objeto ou olhar comunicacional, oferecendo os
mesmos termos ou analogias com aqueles aqui empregados.
parte no todo, é o princípio hologramático, cujas manifestações podemos ver quando
a célula demonstra possuir a informação genética de todo o organismo; ou quando o
conhecimento do todo mostra-se dependente do conhecimento das partes e vice-
versa; ou quando o indivíduo, que tem a sociedade em si, ao mesmo tempo, ajuda a
realizá-la.
Na coexistência desses princípios, o objeto midiático em estudo se dá a ver
no entrecruzamento das suas três dimensões (interação, discurso, sociedade),
alicerçadas nos dispositivos midiáticos, o que resulta em elementos, já então de
natureza comunicacional, dos processos midiáticos.
Com efeito, exercitando esses princípios, pode-se propor que, pela
recursividade, a título de exemplificações com um elemento simples e concreto, o
dispositivo televisual é produto da sociedade; ao mesmo tempo, produz
determinadas modificações sociais; depende dos sistemas audio e/ou visuais com
determinada estabilidade prévia (codificada) a suas utilizações, mas os incorpora de
tal modo específico que acaba gerando novas configurações semióticas; opera
segundo um modelo tecnológico de interação, mas tal modelagem é maleável em
sua estruturação técnica e material às interpelações sugeridas pela demanda dos
telespectadores.
Pelo princípio do dialogismo, as mesmas relações recursivas aí presentes se
configuram também por antagonismos e complementaridades (elemento produtor,
elemento produzido); pelo princípio hologramático, a mídia poderia ser tomada como
parte de um conjunto social, cultural, simbólico, tecnológico, empresarial, etc., que
lhe dá horizontes, porém, é nela mesma que se deve buscar elementos significativos
dessa totalidade – formar-se-iam assim elementos comunicacionais dos processos
midiáticos. Os princípios em si mesmos são colaborativos e se interpenetram; na
linha deste raciocínio, a complexidade vai se revelar a partir de níveis interligados e
estruturalmente crescentes, tendo um elemento simples de referência.
Pode-se perceber, aqui e acolá, uma postura contra certa ordem de idéias
ligadas à racionalidade, à causalidade, aos valores modernistas; o trabalho
conceitual, as definições rigorosas, os espaços definidos em problemas de pesquisa
são subestimados; enfim, uma série de elementos que poderiam ser “denunciados”
como um “imaginário racionalista-positivista”. A postura parece se alimentar da idéia
de que “tudo se justifica pela complexidade”, até mesmo a desvalorização do
simples, melhor dizendo, do simplificado e da racionalidade tradicional. A
simplificação aí é vista como uma incapacidade do pesquisador ou da disciplina de
estudo, a de não dar conta do “real como ele é”. Quando tal pensamento é acolhido
nas atitudes acadêmicas – trata-se de uma observação geral que realizamos em
leituras e campos de saber diversos
7
, sugerindo esse juízo – resulta que a
complexidade de Morin torna-se um projeto impossível, pois o simples, com toda a
sua ordem de valores, é o pressuposto do complexo.
Almejar o complexo significa de certa forma – obedecendo aos mecanismos
de sua constituição –, não pensar complexamente, mas simplesmente, sem as
tentações de queimar etapas. Não se trata obviamente de propor que do simples irá
“emergir” o complexo (emergência de qualidades, aliás, é um dos problemas dos
sistemas complexos) em etapas sucessivas e determinadas, mas de supor que a
complexidade inerente do real solicita certos cuidados de raciocínio, incluindo aí o
pensamento do simples – como definiu Bachelard, o real é o que se deixou de
pensar. Trata-se de direcionar o pensamento do simples como tal, sabendo-o
enquanto simples, armando o pensar de modo estratégico para a complexidade. É
7
Em linhas gerais, tal atitude se assemelha àquela que Sokal e Bricmont criticaram (cf. Introdução),
denominando-a de pensamento pós-modernista (SOKAL; BRICMONT, 1996).
como se fosse a ingenuidade infantil fazendo perguntas desnorteadoras para a
astúcia adulta (por que o céu é azul?). Do mesmo modo, a Física ganhou um marco
histórico quando alguém se perguntou por que uma maçã despencava da macieira.
Talvez seria o caso de se contra-argumentar dizendo que as coisas não são
tão simples assim e dever-se-ia pensar no mesmo nível dos objetos que se dão ao
pensamento, que os esquemas racionais simplificadores não dão certo... Sim, as
coisas não são simples ... mas o pensamento psiquiátrico, por exemplo, perderia
muito de si mesmo e não teria avançado na ajuda a pacientes se quisesse pensar e
se expressar como faz o esquizofrênico, alegando que assim fazendo estaria “indo
junto com o mundo fenomenal”. O exemplo sugere que, de certo modo, para se
compreender os fenômenos dos pacientes, o terapeuta-pesquisador pode alcançar o
nível intuitivo muito próximo do objetal, mas alicerçado noutro nível, em
tensionamento com aquele.
Para a elaboração teórica, descritiva dessa aproximação, elaboração de
conhecimento, é que este outro nível faz sentido como simplicidade construtora do
complexo – e aí, Descartes, muitas vezes acusado, tem muito a ensinar. A esse
propósito, como exemplo redentor das acusações que por vezes sofre o
racionalismo cartesiano, lembramos aqui brevemente a problemática das paixões,
segundo o El Giro semiótico (FABBRI, 2000, p. 61): a palavra paixão foi escolhida
fazendo jus ao tratamento cartesiano superador da oposição entre o racional e o
passional, fazendo com que a abordagem se alimente nas bases filosóficas deste
autor que escreveu um tratado sobre as paixões. A respeito da passionalidade e do
Giro de Fabbri, voltaremos com mais vagar, no próximo tópico.
Considerando toda essa perspectiva da complexidade, é que se reflete sobre
aquela tríade objetal que configura o midiático. As exemplificações concretas a
respeito, analisadas em si mesmas, estão longe de corresponder à altura do
complexo, mas servem como indícios desse pensar que respeita o pressuposto da
simplicidade. A formação de níveis interligados e estruturalmente crescentes é um
desafio para o pesquisador, o que não será atingido se esquecermos da inerência
da realidade complexa, de que não precisamos lhe emprestar tal qualidade e que o
real sempre faz esquecer ou abandonar alguma coisa. Nesse sentido, faz-se a
aproximação seguinte, a respeito da tríade e determinado movimento entre
elementos estáveis e instáveis na pesquisa.
Esses três elementos têm na sua constituição uma natureza epistemológica
mais ou menos estabilizada, na medida em que resultam, explícita ou
implicitamente, de uma reflexão mais ou menos ordenada historicamente sobre
ciências, disciplinas, objetos, etc. Já a preocupação com o ponto de
entrecruzamento dessas dinâmicas, além de pertencer àquela reflexão, diz respeito,
e de modo menos estável, à capacidade do pesquisador de perceber fenômenos
comunicacionais, de ver o ponto especial do processo, lugar desse olhar
propriamente comunicacional. Com isso, que chamaremos de enquadramento
comunicacional (no duplo sentido de adotar um quadro de referência norteador do
olhar e de focalizar, ver com acuidade), nossa reflexão aponta dois aspectos
pertinentes: o saber intrínseco-conceitual desse enquadramento e as possibilidades
e condições da visibilidade do ponto de entrecruzamento, nó das dinâmicas que
fornecerá enfim o objeto da comunicação midiática.
Ao olharmos na busca desse nó, unimos uma determinada descrição do que
fazemos individualmente ao nível de uma dimensão social do saber, pois esse olhar
já é marcado pela teoria (saberes intrínsecos do enquadramento) e, ao mesmo
tempo, delimita um gesto específico do observador.
Antes do nó objetal ser buscado num determinado espaço empírico, deve-se
notar que esse duplo movimento do enquadramento ocorre já nas observações do
pesquisador em nível das escolhas temáticas, ângulos de observação e definições
para a pesquisa. Nesse sentido, a escolha de um objeto midiático, tomando a mídia
como referência e os três elementos do nó objetal, propõe certa problemática ao se
constatar que nem tudo pode ser estudado com a mesma qualidade das condições
de pesquisa. Relaciona-se com essa escolha aquilo que Braga (BRAGA, 2001b, p.
26) denomina de “questões de partilha e seleções”: a) decidir o que melhor pode ser
estudado, a partir de paradigmas, métodos, teorias e pontos de vista de disciplinas
particulares (o que corresponde ao movimento predominante em direção aos
saberes do enquadramento), em contraste com o que se pode perceber no campo
comunicacional; b) decidir quais são os tipos de objetos mais relevantes e mais
urgentes para observar seus processos e produtos de interação.
Esse enquadramento, em sua estabilidade (quadro de referência, olhar pela
teoria, sociabilização do saber) e instabilidade (condições de visibilidade, percepção
do nó objetal, decisões do pesquisador) recoloca em seu nível a questão já discutida
sobre a constituição social e histórica do campo, as dimensões do que fazemos aqui
e agora como gestos de pesquisa (no campo) e o fazer do campo, coletivo e
histórico. A noção objetal é útil em ambos os sentidos e pode cumprir um papel
relevante nas escolhas que se fazem com ou sem ela. As decisões epistemológicas
nesse fazer-pesquisa, com ou sem uma noção objetal, são determinantes para os
resultados coletivos, os de cunho propriamente teórico-metodológico, assim como
estão ligadas a certos contrastes e tensionamentos político-institucionais dentro do
próprio campo ou com os demais potencialmente concorrentes. O nível do
enquadramento e da noção objetal está ligado desse modo às perspectivas mais
amplas, sociais e políticas, do devir histórico do campo.
Para compor a noção objetal, até aqui assinalada com certa qualidade estável
da tríade (interação, discurso, sociedade), devemos enriquecê-la com as
propriedades dinâmicas e interativas dos processos midiáticos, o que já estava
sugerido pela “interlocução” como metáfora conversacional. Conforme Braga
(BRAGA, 2000a), a interatividade midiática, afastando no tempo e no espaço os
“interlocutores”, instaura canais e produtos entre eles, o que faz entrar em cena
outras instâncias, ações e interações, além das que ocorrem “entre interlocutores”,
isso porque a interatividade é diferida e difusa:
Se no modelo conversacional relacionamos diretamente interlocutores, é
preciso enfatizar que em um modelo de interatividade como processo
mediatizado as interações se complexificam e envolvem (além de algumas
possibilidades “entre interlocutores”) interações homem/produto e
homem/meio-de-comunicação, além de relações entre outros interlocutores
sobre e a partir de produtos, sem necessária interferência de
produtores/receptores em conjunto. A interatividade mediática geral
ultrapassa a situação concreta de espaço e tempo em que alguém produz;
ou alguém “lê” (usa) um produto; ou alguém reage a um produto; ou alguém
age de tal forma a fazer chegar às instâncias produtoras suas reações, etc.
Deve-se perceber a interatividade social em uma sociedade de
comunicação como um conjunto de todas estas (e outras) ações de tal
forma que uma parte significativa das interações em sociedade se
desenvolve em conseqüência e em torno de “mensagens” (proposições,
produtos, textos, discursos, etc.) diferidas no tempo e no espaço (BRAGA,
2000a, p. 4).
Salienta-se nessa interatividade a presença dos três elementos conceituais do
objeto comunicacional antes proposto: a “interação” é alçada ao plano de uma
interatividade social, ampla e geral (midiática), com formas complexas de interações;
a sociedade da comunicação comporta todas essas ações interativas, inclusive no
fornecimento de processos e estruturações de natureza social em que os produtos
midiáticos ganham circulação; e finalmente, correspondendo ao elemento discurso,
temos a parte significativa das interações em sociedade ocorrendo em torno do
elemento central (mensagens, texto, discurso, produto midiático). Essa centralidade
do produto-texto-discurso se justifica pela característica de eixo que tem o discurso,
em torno do qual (ou em conseqüência de) se dá a movimentação das interações
midiáticas.
Aqui se apresenta uma implicação de ordem metodológica. No artigo “Lugar
de fala” como conceito metodológico no estudo de produtos culturais (BRAGA,
(2000b, p. 163), o autor estabelece uma outra noção que também dialoga com as
proposições sobre objeto aqui presentes. Ele pondera que o sentido de um produto
midiático não está nele, como sentido inteiramente pré-existente à fala (texto,
discurso, produto), daí a impossibilidade de uma abordagem formal cujo pressuposto
seja inteiramente imanentista. A abordagem formal é pertinente, mas quando
associada a outros elementos, outras falas (intertextualidade) e a situação em que a
fala se insere. O lugar de fala se delineia então como uma espécie de lógica que
articula a fala, textos disponíveis e situação. É preciso ver deste lugar o sentido de
um produto, de modo que a estruturação interna do discurso seja articulada com os
dados materiais da situação e com a intertextualidade.
Para a questão da imanência deve-se registrar que o uso da palavra, feito por
Braga, parece ser compatível com o pressuposto de que, do ponto de vista
semiótico, a imanência é meramente metodológica (não ontológica); isto é, aqueles
aspectos ditos não-imanentes e que escapariam, por definição, da abordagem
imanentista do texto são tratados metodologicamente, em suspensão tensa com os
conceitos “imanentes” já adquiridos, até poderem ser estudados como objetos
semióticos de pleno direito. Exemplo disso é a abordagem de Jacques Fontanille por
crescentes níveis de pertinência para dar conta da situação semiótica e das formas
de vida, em complexidades superadoras dos pares texto/contexto,
imanência/transcendência, etc. (FONTANILLE, 2005).
O diálogo entre as noções de Braga e as nossas proposições firma-se então
(a) pela interatividade, segundo a qual a tríade objetal ganhou, além de sua
movimentação complexa já exposta, a qualidade dinâmica própria dos processos
midiáticos; (b) pelo lugar de fala, onde surge a configuração mais precisa
(metodológica) para aquilo que foi sugerido em torno do enquadramento do objetal,
especialmente, os saberes de referência e a visibilidade. Aqui ganham nova luz os
saberes pertinentes ao campo, ou seja, os conhecimentos bem-vindos da sociologia,
antropologia, semiótica, análise do discurso, teorias da linguagem, etc. Trata-se aqui
de fazer convergir os saberes para um foco propriamente comunicacional, midiático.
Com efeito, essa convergência pode ocorrer, no que diz respeito aos gestos
do pesquisador, com a habilidade de ver a noção objetal no trabalho de observação
e ordenação teórica da pesquisa. Pelo lugar de fala, se viabiliza uma lógica
organizadora dos saberes estabilizados em prol do lugar de sentido em que se dá o
olhar comunicacional, realiza-se certo fechamento da noção objetal com uma
propriedade metodológica.
2.3 CLIVAGENS
A noção objetal construída até aqui parece suscitar a possibilidade de
experimentações, entre as quais está a de poder ser confrontada com algumas
outras noções (objetais ou não), teorias e enfoques que povoam o campo
comunicacional. É com o propósito de fazer tal confronto que esta seção passeia por
diferentes lugares para chegar ao terreno teórico mais afim com esta tese.
Em direção oposta aos pressupostos funcionalistas (LASSWEL, 1971), onde
a sociedade e a comunicação estão aderidas a bases descendentes (ao biologismo),
está a noção de tautismo, centro da crítica à comunicação realizada por Sfez (SFEZ,
2000). Pode-se falar aí de uma base ascendente, ou seja, uma elevação da
sociedade da comunicação à “enésima potência”, até o ponto sideral em que não há
mais comunicação. O tautismo (união de autismo, tautologia e totalitarismo) nos
levou a buscar a noção “comunicacional” de Sfez nas suas remotas intuições, nas
suas premissas de origem, o que se mostra mais particularmente no início do seu
livro. Daí surgem os fundamentos das suas críticas mais severas à mídia
Frankenstein e aos estudos midiáticos que, no seu dizer, não sabem a verdade, mas
a dizem, estudos que confundem as tecnologias e as teorias que tentam explicar a
tecnocomunicação, tagarelices onde teoria e realidade se confundiram.
O livro de Sfez exemplifica bem o que foi acenado na Introdução: a
abordagem externalista em ascendência, isto é, saltos enormes entre o que seria o
texto e o contexto com tendência de permanecer numa visão elevada e panorâmica,
com pouca ou nenhuma preocupação com o nível textual ou discursivo dos
fenômenos comunicacionais – aplica-se o mesmo à crítica e à coisa criticada.
Para uma crítica à crítica de Sfez, parecem importantes (1) as metáforas
iniciais, as concepções representativa e expressiva da comunicação, (2) a
representação em Sfez, a partir das tecnointerações consideradas por ele, a partir
da identificação com o cartesianismo; (3) e a representação na relação sujeito-
objeto em termos de base filosófica que estaria na ordem das pré-ordenações que o
autor não explorou. São lembradas as pré-posições e os pré-ordenamentos que
impulsionam as concepções e metáforas, mas parece que Sfez caminha a partir
delas sem explanar detalhadamente seus pontos de partida, com a orientação
voltada para as políticas de interpretação, para as gestões que derivam das
metáforas e concepções. Cremos que este último aspecto poderá contribuir para
uma resposta epistemológica à crítica da mídia e dos estudos tautísticos, unido a
um aspecto final: 4) a comunicação num continuum entre um núcleo epistemológico
e uma forma simbólica – a comunicação, na análise de Sfez, é um termo guarda-
chuva que vai das ligações nervosas cerebrais às organizações sociais.
É deste núcleo epistemológico que a comunicação se move num movimento
contínuo para a forma simbólica que envolveria a todos nós, retornando ao núcleo
em círculos baudrillardianos. O tautismo? É a forma desta forma simbólica. Se o
núcleo, considera Sfez, é descritível, a forma simbólica é apenas fracamente
perceptível, podemos apenas sondá-la. O que dizer, perguntamos, da forma da
forma, que se torna tão distante? O tautismo de Sfez parece padecer do mesmo mal
diagnosticado por ele: se a forma não pode ser descrita, pensada como o núcleo,
como assim pretender uma noção crítica que examina a comunicação tal como se
mostra nas teorias comunicacionais (estas com outras matrizes epistemológicas,
como as das teorias da “mídia Frankenstein”, por exemplo)? O que é comunicação
em geral, já aparece originalmente siderado em Sfez, no movimento contínuo e
patológico entre um núcleo epistemológico e uma forma símbólica. A comunicação,
com efeito, hipersimbolizada, só poderia mesmo se mostrar tautística.
A denominação de hipersimbolismo que se pode dar ao tautismo procede na
medida em que se pode ver uma potencialização dessas pré-ordenações hauridas
para a construção de um conceito crítico, a par de uma noção de “comunicação”
encerrada no simbolismo opositivo-siderante, paradoxalmente (confusão, diz ele,
entre expressão e representação, signo e símbolo, o social e o comunicacional,
técnica e interação, sujeito e objeto). Para o tautismo, tudo parece ocorrer como se a
nossa tríade de elementos da noção objetal – movimentada freneticamente pelo
círculo baudrillardiano (movimentos helicoidais), fenômeno muito próximo e
aparentado da troca impossível (BAUDRILLARD, 2002) – sofresse uma
metamorfose monstruosa, uma coalisão estrutural, sem distinção possível dos
elementos, sem possibilidade epistemológica, de modo que a comunicação e sua
pesquisa também se confundem, criador e criatura na imagem de Frankenstein.
Como se sabe, esta criatura foi construída com membros e fragmentos do
organismo humano, resultou de simulacros de objetos e processos reais e, depois,
conhecida sua monstruosidade, rebelou-se contra seu criador ... é o que faz o
tautismo com Sfez: construído com seu hipersimbolismo simulacral, tudo o que é
analisado pela noção, com ela torna-se semelhante (tautológico-autista-totalitário).
Apesar das refutações, é imperativo reconhecer o trabalho oportunizado pela
noção; uma resposta epistemológica completa à Sfez demanda dar conta da riqueza
informativa do seu livro, muito bem documentado e elaborado, remontar a seus
princípios e conceitos e elaborações argumentativas. Contudo, o conceito de objeto
tornou-se eterizado num continuum entre um núcleo epistemológico – irônica
onisciência -, e uma forma simbólica – paradoxal consciência do incognoscível.
Despotencializar os movimentos helicoidais; parar para ver; distinguir e começar
nova construção pela desconstrução do tautismo, eis alguns passos pertinentes para
a resposta.
Retomando o ponto inicial, podemos então apontar para, pelo menos, duas
tendências no pensar a sociedade e comunicação: uma de base descendente, via
biologismo (funcionalismo, darwinismo social, etc.), onde o homem e a sociedade
estão presos a uma teoria naturalista; a outra, ascendente, via hipersimbolismo,
onde o sujeito está mortificado na confusão representacional-expressiva, numa
sociedade “da comunicação” que é tautística, resultando numa pesquisa que se
confunde com aquilo que pretende pesquisar. O conjunto de referências a seguir é
compreendido num espaço mediano entre aqueles pólos extremos, mais próximo
daquilo que pensamos ser o nosso objeto comunicacional.
Após considerar algumas produções midiáticas do ponto de vista do princípio
imaginário que as rege (configurando o quarto bios), na Antropológica do Espelho,
Muniz Sodré assevera:
Na verdade, há muito tempo se sabe que a linguagem não é apenas
designativa, mas principalmente produtora de realidade [grifos originais]. A
mídia é, como a velha retórica, uma técnica política de linguagem, apenas
potencializada ao modo de uma antropotécnica política – quer dizer, de uma
técnica formadora ou interventora na consciência humana – para requalificar
a vida social, desde costumes e atitudes até crenças religiosas, em função
da tecnologia e do mercado (SODRÉ, 2002, p.26).
O reconhecimento da linguagem produtora de realidade, segundo ele, a
definição da mídia como técnica política de linguagem, como a velha retórica, trazem
a questão de como a mídia atua em seu poder e influência na sociedade: a questão
inicial é a de se saber como essa (re)qualificação atua em termos de influência ou
poder na construção da realidade social (moldagem de percepções, afetos,
significações, costumes e produção de efeitos políticos) desde a mídia tradicional até
a novíssima, baseada na “interação em tempo real” e na possibilidade de criação de
espaços artificiais ou virtuais.
Esta é, na verdade, conforme a Antropológica, a questão central de toda
sociologia ou toda antropologia da comunicação contemporânea. A maior parte das
pesquisas sobre influência e efeitos, especialmente os políticos, tem levado à
convicção de que a mídia é estruturadora ou reestruturadora de percepções e
cognições, funcionando como uma espécie de agenda coletiva (ibidem).
Devemos ponderar que a mídia, sendo reconhecidamente o lugar do poder e
da influência – embora tal reconhecimento seja muitas vezes tão tendencioso quanto
a influência que se quer denunciar –, solicita ao menos dois níveis de
posicionamentos reflexivos, muitas vezes confundidos em prejuízo da melhor
compreensão.
O nível de cunho ético-político reclama questões amplas entre mídia e
sociedade, tendo em vista determinados “controles/acordos” exercidos pelo poder
midiático, questões que poderiam ser exemplificadas, em alguns dos seus
problemas mais polêmicos e fundamentais, com o livro de Bourdieu (BOURDIEU,
1997), Sobre a Televisão – com destaque para a “mentalidade índice de audiência”
e o mecanismo de poder atuante tanto dentro do campo midiático (coerções no fazer
profissional) quanto nas incidências determinantes deste campo na produção
cultural da sociedade (arte, ciência, política, etc.).
O outro nível de cunho analítico-compreensivo, exemplificado também com a
própria abordagem de Bourdieu aos problemas éticos e políticos, reclama que
aquelas estruturações/reestruturações perceptivas e cognitivas, sobre as quais se
alicerçam os mecanismos de poder midiático, sejam tomadas como questões de
ciência. Poderão ser observadas, concorrendo para aquele posicionamento reflexivo
referido, a noção de ethos midiatizado (SODRÉ, 2002), que será tratada no Capítulo
3; a perspectiva de um modelo de interação baseado na eficácia simbólica (FABBRI,
1999), a ser exposta logo a seguir. A interatividade e o lugar de fala (BRAGA, 2000a,
2000b), expostos na seção anterior, também concorrem para este nível analítico-
compreensivo e serão retomadas neste trabalho.
A noção objetal permite ainda que se fale de uma problemática triádica
composta (1) pela significação e a centralidade do texto-produto-discurso; (2) pelo
reconhecimento/recepção; (3) pela transmissão/circulação; todos esses itens da
problemática estão submetidos ao questionamento sobre interatividade midiática
ampla e geral. Para iniciar essa discussão, daremos lugar à produção de sentido em
Verón (formulador dessa problemática) contrastando com a eficácia simbólica de
Fabbri.
Na concepção da produção do sentido (VERÓN, 1980, p.107), se percebe
uma abordagem marxista levada a sério por Verón, na qual o modo de produção
define a natureza do sistema produtivo (articulação entre produção, circulação e
consumo). Isso pressupõe uma certa lógica de transferência do sentido, de seu
modo de produção na articulação do sistema, onde a defasagem produção-
reconhecimento aumenta na medida da complexidade do sistema de relações
comunicativas. Supomos que tal direção de raciocínio, a ser evitada, faz com que
Verón imediatamente recolha o princípio do modo de produção marxista à
articulação da produção-reconhecimento com a idéia de “leituras”, recompondo a
recepção no processo de produção – o que evita confinar a análise às regras de
engendramento do discurso, sem incluir aí a recepção.
Os processos midiáticos, na complexificação das relações com diferimentos
temporais-espaciais a par do aparato tecnológico, naquela perspectiva de
defasagem, acarretariam uma “descontextualização do sentido”. Entretanto, o
modelo da eficácia simbólica e a interatividade, como um lugar de fala, apontam
para a interação enquanto sentido produzido nas ações discursivas. É esse o
pressuposto que permite ver metodologicamente uma centralidade nos produtos
midiáticos, a partir da qual pode surgir a noção objetal num lugar de fala (estrutura
interna de um texto, outros textos, contextualização/situação).
Nessa perspectiva, o sentido não é produção, mas interação, não é “lido”
(transferido) dentro de uma articulação sistemática (produção, circulação, consumo),
mas se forma interativamente, em interações concretas, de modo que cultura,
sociedade e discurso em interações (“entrecruzamento”) cooperam e permitem
efetivar um olhar comunicacional, um lugar de fala.
Para tal discussão, salienta-se a pergunta de Canclini (CANCLINI, 1997):
pode atualmente ser marxista a teoria da cultura? – o que recoloca
problematicamente a tríade economia - relações sociais - significação, revisando a
mirada marxista para esse conjunto. Também cabe lembrar a diferença entre Marx e
os marxismos, não imputando ao grande pensador tudo o que se fez em seu nome.
Na Crítica da economia política (MARX, 1977, p. 221-228), observa-se o
pensamento complexo com os conceitos de produção, circulação e consumo.
Vejamos o exemplo do triplo aspecto da identidade entre consumo e produção. Há
identidade imediata, como primeiro aspecto, pois a produção é consumo e o
consumo é produção: esta dá a matéria e o modo do consumo, criando a
necessidade no consumidor pelos produtos; o consumo, por sua vez, dá a vocação
do produtor e lhe solicita a finalidade da produção. Como segundo aspecto, cada
um é intermediário um do outro, movimento de intermediação pelo qual produção e
consumo se tornam indispensáveis entre si, embora se conservem mutuamente
exteriores. A criação mútua entre produção e consumo, terceiro aspecto, se dá
porque cada um, ao realizar-se, cria o outro, sob a forma do outro. Aqui se fazem
presentes os princípios de Morin.
No entanto, a complexidade do pensamento de Marx, pelo menos na forma
de pensar o seu objeto em concordância com os princípios do complexo, surge mais
completamente na sua idéia de totalidade orgânica que reúne produção, circulação e
consumo, pois estes três elementos são vistos como momentos organizados por
reciprocidade de ação (MARX, 1977, p.228). Representando esses momentos por A,
B, C, temos uma totalidade orgânica pela cooperação dos princípios da
complexidade: A-B-C-A numa cadeia de causalidade mútua, em sentidos duplos
(direita, esquerda), correspondem à reciprocidade de ação a partir da identidade
imediata entre A, B, C (recursividade); a cooperação da totalidade orgânica não faz
dissolver a identidade de cada elemento (dialogismo); A, B, ou C, isoladamente,
contém todo o conjunto que, por sua vez, contém o elemento (holograma).
Essa complexidade em Marx talvez seja um ingrediente para a compreensão
das condições daprodução de sentido, especialmente se cogitarmos que as
teorias daí derivadas se concentraram/perceberam mais um ou outro aspecto da
totalidade orgânica. O aspecto forte para a argumentação sobre Verón seria o da
criação mútua entre produção e consumo, a interação pela qual um cria o outro, sob
a forma do outro. Esse aspecto valorizado como discursividade, no modelo da
eficácia simbólica, é que permite pensar na interação do sentido para além ou
aquém de um “sistema” prévia e definidamente estabelecido às interações; elas
estão mais situadas concretamente num olhar comunicacional do que subsumidas
em articulações sistemáticas entre produção, circulação e consumo numa visada
supostamente marxista.
El giro semiótico (FABBRI, 1999) trata das noções de narratividade,
passionalidade e tempo, além de situar/valorizar o papel potencialmente elevado da
semiótica nos dias atuais no panorama do pensamento científico. Convém assinalar
a proposição de um “giro semiótico”, “volta” ou “recuperação” do valor dessa
disciplina, quando a ela se imputava uma “falta de atualidade”, curiosamente,
quando as investigações sobre signo e sentido se faziam pronunciar. Entre as
muitas razões possíveis para esse paradoxo, Fabbri aponta a falta de um
ordenamento geral, responsável pelo efeito confuso das investigações semióticas,
ordenamento este que se deveria dar para além dos idiomas teóricos (das correntes
européias: Eco, Greimas, por exemplo).
Sobretudo, a metáfora fabbriana dos elementos conectores que faltavam na
caixa de ferramentas semióticas propõe uma questão de cientificidade fundamental.
São as relações entre o nível empírico (a vocação empírica da semiótica), o nível
metodológico (categorias descritivas), o nível teórico (elucidação das categorias) e o
nível epistemológico (fundamentos filosóficos da teoria). Nessa metáfora que
condensa importantes relações para o fazer científico, o projeto de cientificidade da
semiótica ganha especial relevância e se traduz, especificamente, num dos pontos
cruciais do Giro semiótico, quer nessa metáfora de Fabbri (devedora da fórmula
greimasiana de cientificidade), quer na importância decisiva da semiótica das
paixões.
Trata-se de ver que, também num ponto crucial para a disciplina semiótica, a
narratividade corresponde a uma aquisição preciosa dos estudos semióticos, das
mais bem elaboradas e sedimentadas. Fabbri insiste no papel decisivo do estudo
das paixões da semiótica dos anos oitenta e noventa, recuperando a separação que
havia entre signo e afeto, já reclamada por Barthes. Devemos sublinhar que esse
papel certamente não teria sido exercido sem a semiótica da ação, a qual, em suas
origens conceituais (a partir da análise das funções proppianas) Greimas (1979)
explicita no texto As Aquisições e os Projetos.
Pode-se até mesmo dizer que a sustentação de um giro semiótico não seria
possível sem o legado greimasiano, juízo este que se pode ver implicitado, aqui e ali,
no livro de Fabbri. Comprova-se isso pela autoria da Semiótica das paixões, com a
qual nos brindam Greimas e Fontanille, nos últimos anos de vida do mestre da
Escola de Paris.
Na mesma linha de constatação, se pode ver outro ponto importante no Giro
de Fabbri, o da incorporação da enunciação no aparato metodológico aliada ao
conhecimento da ação e da paixão. Estas últimas integram as noções de
manipulação e de conflito nos universos discursivos, permitindo o tratamento da
questão da eficácia simbólica. Isso permite pensar na abordagem da enunciação
pelos meios da narratividade e da semiótica das paixões, na medida em que a
eficácia simbólica (o comunicacional) ocorre por manipulações modais e passionais.
Se a eficácia pode se dar como fenômeno cognitivo (transmissão de informações),
mais diretamente ela ocorre quando atua sobre o outro pelo corpo (transformações
simbólicas por via estésica, perceptiva), caso em que a manipulação passional e
modal é convocada.
Neste sentido, se pode dizer que a enunciação está sempre presente quando
da eficácia simbólica, pois não é possível distinguir a ação e a manipulação da
enunciação, uma vez que, mesmo no caso de se considerar a enunciação um
pressuposto do texto (o que levaria a um sujeito historicamente situado), trata-se de
uma pressuposição por reconstrução a partir do texto. Daí se dizer que a enunciação
é resultado do texto, não o antecede.
Esse ponto de vista explica como nós vemos um filme e construímos a
enunciação a partir do próprio filme (estabelecendo um ordenamento a partir da
trama, assumindo pontos de vista presentes na narrativa, pelas manobras temporais,
enquadramentos, etc.) ou, ainda, como se dá a relação entre uma obra visual e o
espectador – na pintura, a comunicação entre o artista e o espectador, igualmente,
dependeria desta perspectiva enunciativa, sem a qual seriam necessários, já fora
dos limites da obra, atores reais em interação face a face.
A enunciação, aliás, remonta ao problema da falta de articulação entre as
teorias do discurso, da enunciação e dos gêneros, problema cuja responsabilidade
diz respeito, sobretudo, ao universo de produção teórica pertencente às disciplinas
aí envolvidas – fazendo uma suposição geral, é possível suspeitar de que boa parte
dos caminhos difíceis (erráticos) trilhados por problemas comunicacionais se deva a
essa articulação inexistente.
A enunciação pode ser estudada então num modelo comunicacional (eu-tu)
da paixão: na manipulação modal e passional da narratividade, assim como pelas
manobras temporais do eu rítmico enunciador, eu que vive na tensividade, no jogo
de tensões e distensões, intensidades e extensidades e, sobretudo, no tempo
(FONTANILLE; ZILBERBERG, 2001), conforme será desenvolvido no item 4.4.
A consideração epistêmica e histórico-social do campo comunicacional
parece ter permitido, dentro de certas condições, que se articulasse a noção objetal
em clivagem com as perspectivas em exame. Desse movimento – abertura para
conceber uma forma, fechamento na noção, nova abertura para clivagem – resultou
um confronto da noção objetal com alguns saberes do campo comunicacional que
fizeram pensar em tendências epistemológicas (descendente e ascendente). O
pensamento midiático, seguindo tais tendências, perde o núcleo interacional da
noção objetal, seja por imobilidades ou por mobilidades excessivas presentes nas
teorias.
Deve-se finalmente notar que a interatividade nos processos midiáticos e a
produção de sentido parecem encontrar uma abordagem promissora na noção
objetal em correlação ao modelo comunicativo aqui desenhado que se configura na
semiótica greimasiana. Explicitada essa reflexão de base na pesquisa, em nível mais
geral e abstrato, passaremos a tratar do seu nível mais concreto: do objeto empírico
e das percepções iniciais que deram forma ao objeto.
2.4 PERCEPÇÕES CONFIGURADORAS DO OBJETO
A observação dos chamados comerciais de TV se constituiu numa
experiência cristalizadora no momento de escolha do objeto da presente pesquisa: a
constatação de que as imagens, neste tipo de texto, obedeciam a um ritmo bem
mais acelerado do que aquelas apresentadas em outros tipos de programas
televisivos, tais como os jornais ou novelas, levou a pensar que possivelmente todas
as formas de expressão sofressem uma certa restrição temporal, exigida pelo
intervalo – o que se pode entender facilmente com a máxima de que “tempo é
dinheiro”. O texto como formato geral, ao corresponder a uma divisão lucrativa do
tempo televisivo, adotava um comportamento temporal acelerado.
Essa percepção de tempo e de restrição do intervalo deu origem à idéia de
que o formato dos textos intervalares teria de lidar com o tempo de uma forma
especial. Como ensina a Semiótica das paixões (GREIMAS; FONTANILLE, 1993),
os traços responsáveis pela passionalidade estão difusos no discurso por inteiro; são
como um cheiro que emana das estruturas narrativas. Assim, o formato dos textos
intervalares apontava para uma articulação entre o tempo e a paixão, com
interferência na estruturação narrativa desse tipo de texto.
Surgiu assim a decisão pelo objeto empírico que resolvemos chamar de TAT
(Texto Anunciativo Televisivo), denominação que permite a referência aos textos do
intervalo (TAT do produto ou serviço x ou y e de anunciantes em geral; TAT das
campanhas governamentais ou de partidos políticos, ou das ONGs), tendo por
características a localização no intervalo e a extensão temporal (aproximadamente,
uma duração mínima de 6 segundos e uma máxima de 30 segundos). Sobretudo, a
denominação TAT evita os termos como anúncio, propaganda, publicidade, porque,
se usados como denominação, trariam uma desnecessária problemática de
definição, prejudicando o núcleo da tese. Em compensação, parece lícito esperar
que tal núcleo venha a dar subsídios para a caracterização do TAT. O termo
anunciativo se refere à publicização dada aos TATs, em sentido largo – certo modo
de anunciabilidade –, sem implicar o sentido estrito de anúncio.
O texto anunciativo televisivo (TAT) possui como critério definidor inicial a
duração média aproximada de 6 a 30 segundos e a localização nos intervalos
televisivos. Seu formato preciso e temporalmente relevante foi atraente em termos
de estudo: a materialidade do TAT induzindo certo olhar inicial veio a favorecer, de
modo mais evidente, a confluência que se queria pensar entre os campos da
comunicação e da música.
A escolha, acima de qualquer outra contingência, correspondia à vontade de
tomar em consideração um objeto empírico midiático (ligado ao discurso audiovisual)
em estreita relação com o estudo da temporalidade que, a nosso ver, está em falta
no campo da música. Está em falta porque não se atende, por esse ângulo temporal,
aos próprios objetos musicais consagrados – temporais, por natureza –, muito
menos quando para, além-fronteiras, se procura compreender tal natureza em outros
objetos “não musicais”.
Tal perspectiva atendia assim às linhas de força das duas tendências, dando
conta de uma noção que se mostrou decisiva para a orientação teórica do trabalho,
ou seja, a de que o tempo manifestado na audiovisualidade, a exemplo do sistema
rítmico musical, como aponta Paolo Fabbri (1999), se constitui na forma de
expressão da passionalidade, ilustrando algumas possibilidades de renovação da
Semiótica em geral, ao estender potencialmente a investigação do sentido pelo
incremento do tempo e das paixões. A par disso, a importância da música como arte
passional – a significação em música são as paixões expressas em seu sistema
temporal – consiste numa formulação greimasiana (GREIMAS, 1983, em Du Sens II)
que, retomada por Fabbri, convida a uma exploração mais aprofundada em termos
de pesquisa, com vistas a examinar as possibilidades de diálogo entre a
temporalidade e a musicalidade, ainda que num objeto “não musical”.
Os textos publicitários/propagandísticos dos intervalos televisivos, para se
compreender aquele aspecto de decisões iniciais, permitem pensar ainda em duas
questões: a da abrangência social e a da metodologia decorrente da escolha do
corpus. Era evidente a possibilidade de cogitar análises de outros materiais
midiáticos, mas as questões mencionadas remeteram aos seguintes elementos
condicionadores da escolha dos TATs, em acréscimo àquela restrição temporal
comentada: (1) a presença da televisão aberta na vida dos brasileiros, a cotidiana
interação com ampla recepção, (2) a programação diversificada (filmes,
telejornalismo, novelas, shows, etc.) que se faz acompanhar, por assim dizer, sub-
repticiamente pelos constantes “intervalos comerciais”, espaço no qual a TV busca
continuar capturando a atenção dos telespectadores, “pari passu à programação”
que opera certa anunciabilidade negativa dos intervalos, (3) o esforço de produção,
diversificado em formatos, gêneros, estilos, demonstrado nos intervalos pela
utilização de estratégias que vão da espetacularização, ficcionalização, informação
do mundo social, às hibridações entre estes, e outros fazeres de produção que
procuram incrementar o poder atrativo dos intervalos, (4) a variedade de situações e
dimensões sociais representadas e implicadas nos intervalos – especialmente as
dimensões relativas à funcionalidade econômico-mercadológica e política da
publicidade/propaganda.
Assim pareceu mais flexível trabalhar com os textos dos intervalos televisivos.
Sobretudo, porque tais manifestações comunicativas carregavam um apelo
passional especial: por um lado, o desejo de captura da atenção, da adesão dos
telespectadores, por outro, uma restrição temporal bem concreta que são os poucos
segundos de duração de cada texto impostos pela organização dos intervalos. Tal
restrição temporal, já manifesta como texto individual no intervalo, pareceu atraente
em termos de estudo, seja pelas explorações analíticas que ela permite fazer num
corpus com vários textos, seja pela suspeita de que aí o tempo funcionaria de modo
especialmente preciso e concreto devido à restrição temporal
8
que o intervalo exige
dos textos que o compõem.
Partimos da percepção de que o TAT quer capturar, persuadir. Embora, em
linhas gerais, todo discurso possa ser considerado persuasivo, o da
publicidade/propaganda é, por excelência, reconhecido como tal, talvez por isso
mesmo atingindo uma comunicabilidade própria pelo reconhecimento peculiar – a
persuasão pressuposta e aceita como constitutiva de gênero. Mas essa
captura/persuasão do discurso do TAT, sem esquecer do poder de conjunto das
diferentes estratégias possíveis para obtê-la, parece haver encontrado algo especial
8
Se é verdade que a narrativa é a guardiã do tempo, no caso destas miniaturas narrativas dos
intervalos, o tempo, pela restrição, se mostra um pouco o guardião da narrativa: ela deve se
organizar/desenvolver em poucos segundos – o que não invalida a primeira afirmação, mas a
recoloca ao menos em dois níveis: o do tempo interno à narrativa e o do “tempo quadratura” do
intervalo. A obra de Paul Ricoeur (RICOEUR,1984), dedicada a questões filosóficas sobre
narratividade e temporalidade, ainda não foi solicitada pela pesquisa no seu atual estágio. Supõe-se
que, no futuro, a presença do autor poderá ser solicitada não de maneira artificial, para simplesmente
atender aos termos-chave da obra (Tempo e Narrativa) em similitude aos termos desta pesquisa, mas
para dar então subsídios fundamentais à reflexão vindoura, se ela assim o exigir. È bem possível que,
em novos desenvolvimentos deste trabalho, a noção de narrativa presente na noção de ethos
midiatizado (Capítulo 3) venha a promover o encontro detido com a obra de Ricoeur.
no tempo que, aliado ao conjunto, consiste no foco que convoca a atenção de
pesquisador. Ora, esse enfoque permitia já então perceber a possibilidade do
conhecimento musical – temporal, portanto – se fazendo pertinente e necessário na
pesquisa em Comunicação, assim como trazia a possibilidade de diálogo das áreas
de conhecimento. Para ilustrar essa pertinência e necessidade, vejamos a
consideração de Fabbri sobre discurso estratégico:
[...] pensemos nas diversas formas temporais de um conflito; por exemplo,
no tempo de espera para que alguém faça alguma coisa; ou na figura do
ultimatum: tempo no qual a dead-line é uma fronteira quer espaço-temporal,
quer de tipo “passional”. E enfim, existem os componentes dados pelo
“olhar”, pelo ponto de vista, dos próprios sujeitos sobre a ação (em tal
sentido definidos como tensivo-aspectuais): alguém pode esperar algo ou
ser apanhado de surpresa. Evidentemente, tais componentes são
fundamentais também para o constituir-se do plano emotivo-passional da
análise estratégica: de dada ação espera-se algo, teme-se, observa-se, etc.
Com efeito, a análise desta última dimensão – passional e rítmica – do
conflito constitui um dos maiores aportes que a semiótica pode oferecer aos
estudos estratégicos (FABBRI, 2001b, p. 22).
É necessário o conhecimento temporal próprio da percepção musical para dar
conta da análise (passional, temporal) que se pretende no TAT, embora isso em
nada deva prejudicar a legibilidade da pesquisa para o leitor que não detenha esse
conhecimento. O tempo, como componente das paixões, é noção central que se
articula neste estudo, especialmente se pensarmos que a passionalidade se
transfere/expande de um sistema temporal próprio da música para ser concebido
aqui como um sistema temporal composto por diferentes substâncias e formas
expressivas, considerando-se a imagem, a música, a fala, e os sons em geral,
tomados em discurso e analisáveis conforme as instâncias escolhidas pelo analista.
Essa expansão do sistema temporal se dá como uma organização textual com todas
as substâncias e formas expressivas.
Denominamos então de sintaxe temporal a organização (via tempo) das
substâncias e formas expressivas realizada pelo tempo no discurso audiovisual,
tomando-se o TAT como base empírica para estudo desse objeto temporal genérico,
visto que se poderia estudá-lo em qualquer outro tipo de discurso audiovisual. Aliás,
sobre a origem remota desta idéia de expansão do sistema temporal, cite-se o fato
de que a música (mousiké) para os gregos tinha essa propriedade genérica, se
manifestava num espetáculo integrador das diferentes artes (música: arte das
musas); era, sobretudo, uma forma de organização ou princípio de natureza
cósmica, presente em diferentes manifestações humanas (TOMÁS, 2002).
Esse encaminhamento de idéias permite que se formulem os pressupostos da
pesquisa e sua hipótese: se os intervalos querem nos “capturar” (seduzindo,
persuadindo, convencendo), se a dimensão passional do ser humano (o crer, o
sentir) atua em seu pensar e fazer, sendo esta dimensão consubstanciada e
expressa na temporalidade (componente das paixões), se o TAT apresenta a
restrição temporal e forte aspecto temporal-discursivo, dedicando-se ao
convencimento do telespectador com mensagens curtas no tempo, então, o TAT
teria na temporalidade um forte aspecto estratégico. O tempo, como estratégia de
passionalização para convencer – atuação na região passional, entre o pensar e as
ações – e o convencimento dariam as mãos, de alguma maneira, e atuariam juntos
no mundo da publicidade/propaganda televisiva.
Até pela restrição temporal do TAT, o estilo semiótico deve ser hábil para
funcionar e dizer sua mensagem, mesmo porque a restrição impõe limites às
narrativas. Muitas delas são como que fragmentos de uma narrativa maior, nunca
presente, um todo sempre virtualizado. O tempo, de certa forma, parece compensar
essa limitação insuflando uma passionalização ágil e eficaz na narrativa audiovisual.
Sublinhamos que a noção de estratégia se confunde com a de sintaxe, pois a
par de estratégias argumentativas, narrativas, sedutoras que se podem observar em
publicidade/propaganda, o que se quer na pesquisa é capturar/analisar como a
sintaxe temporal colabora para a eficácia, no seu modo próprio. Isso se mostra
naquilo que Greimas considera sobre a comunicação: a comunicação, mais do que
um código em comum ou um fazer veridictório, é um confronto estratégico que,
como no jogo de xadrez, consiste em tornar o jogo incompreensível para o
adversário, tornar o jogo incomunicável (Cf. Capítulo 3). O tempo, como presença
nos textos, encarna essa figuratividade e incomunicabilidade da estratégia. Aliás, a
respeito dessa presença fugaz e eficaz, pergunta-se se é possível narrar o tempo.
Ora, ele é um narrador que não se deixa narrar em sua
figuratividade/incomunicabilidade, daí a necessidade de instrumentos teóricos e
perceptivos especiais para dar conta de sua natureza e, também, de sua presença
de estrategista que vive em ausência de não-narrado do texto.
A perspectiva primeira sobre a sintaxe do TAT, nas fases preliminares
percebida apenas intuitivamente, já apontava para o que entendemos, hoje, como
sendo a generalidade do estudo. Partimos da hipótese de trabalho de que a
organização temporal dos textos audiovisuais, denominada sintaxe temporal, é fator
de eficácia simbólica, em outros termos, fator de passionalidade discursiva a serviço
do convencimento que se quer realizar no processo comunicacional. Tal
convencimento pela organização temporal, hipoteticamente, se realizaria de modos
diversificados, conforme as variações de meios, gêneros e propósitos envolvidos nos
processos comunicativos.
Pressupõe-se que o aspecto generalizante da pesquisa permita a exploração
de recursos teórico-metodológicos genéricos para a abordagem de outros tipos de
textos televisivos e audiovisuais. Dito de outra forma, o presente estudo pretende
usar a hipótese de trabalho tentando revelar o funcionamento do tempo, do
convencimento por estratégias da sintaxe, constituindo-se assim num primeiro passo
teórico-metodológico para o estudo do tempo na audiovisualidade.
3 CENTRALIZAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA
Partimos da hipótese, como foi dito, de que a organização temporal dos textos
audiovisuais, denominada sintaxe temporal, é produzida como fator de eficácia
simbólica, em outros termos, como fator de passionalidade discursiva a serviço do
convencimento que se quer realizar no processo comunicacional. Se o princípio de
que todo discurso possui uma dimensão passional é genérico, essa sintaxe
temporal, por sua vez, é pensada aqui como um arranjo especial do material
imagético-sonoro (imagem, voz, música, sonoplastia, efeitos audiovisuais, etc.) em
correlação ao nível discursivo. Tal arranjo do material pode ser analisado de modo a
revelar a dimensão passional, ou seja, via tempo explicitado nas categorias
temporais de referência, tempo este que faz determinada forma composta de
diferentes substâncias e formas de expressão (tempos narrativos, ritmos imagéticos,
aspectos prosódicos – padrões entonacionais e rítmicos –, e a música, que em si, é
um sistema sonoro-temporal, sons e efeitos em geral).
Se todo discurso audiovisual possui uma sintaxe temporal (necessidade
formal do discurso audiovisual), qual seria então a particularidade da sintaxe do TAT
– do texto publicitário tomado aqui como referencial empírico para o estudo do
objeto, a sintaxe temporal audiovisual? Obviamente, sendo esta uma das questões a
mover a pesquisa, cumpre por ora apenas assinalar que foi o caráter condensador
do TAT (um fluxo discursivo coeso e restrito no tempo) o elemento que marcou as
observações iniciais, tal como já foi assinalado.
Por um lado, o TAT deve contar uma história, interpelar, realizar um dizer
comprometido com sua natureza – “comunicação persuasiva”
9
é a expressão
costumeira para dizer isso, desconhecendo que todo ato comunicativo se pretende
persuasivo necessariamente. Por outro lado, essa história contada e a interpelação
direta ao telespectador (alguém que olha e/ou fala para ele) devem se realizar num
quadro temporal específico, em torno de trinta segundos, aproximadamente (alguns
textos, em minoria, apresentam durações maiores que chegam a três minutos).
Pelo espaço limitado de tempo, as histórias dos TATs costumam trazer, em
sua maioria, elementos componentes de diferentes origens: ou de uma história maior
pressuposta, ou de “gêneros”/formatos midiáticos referidos, ou de situações
comunicativas de amplo uso social, com o intuito de estabelecer a inteligibilidade do
texto com base no contrato comunicativo entre enunciador e telespectador. Esses
elementos fazem parte da competência interpretativa daquele sobre este último,
aliada à competência manipuladora (tais competências serão posteriormente
trabalhadas); são elementos – dentre os quais, a temporalidade – que se acreditam
pertinentes ou eficazes para a vinculação, em última análise, ao ato de comprar/crer
que o TAT deseja impulsionar. O que a sintaxe temporal faz neste tipo de texto é o
que se lança como questão central.
A perspectiva geral do núcleo do problema está assim exposta. Mais adiante
terão lugar especificações e conceituações de ordem restrita. No entanto, faz-se
9
A expressão é comumente usada nos escritos sobre publicidade e propaganda, em especial, nos
manuais dedicados ao fazer publicitário.
necessária ainda uma contextualização ampla do objeto, lugar de onde se possam
observar as relações mais complexas que o envolvem. Das considerações
seguintes, algumas poderão funcionar como pano de fundo da pesquisa; outras,
apenas como horizonte mais amplo cujas implicações poderão – ou não – ter
conseqüências em estágios posteriores do trabalho. Estas conseqüências são
atualmente pensadas como possíveis reflexões sobre as perspectivas mais amplas
do objeto (vinculações com outras temáticas, problemáticas, objetos) no horizonte
dos estudos midiáticos. Passa-se a considerar então o lugar televisivo do TAT.
3.1 O TAT E O INTERVALO TELEVISIVO
A denominação “intervalos comerciais” é comum no dia-a-dia dos
telespectadores em geral, servindo como primeira idéia de intervalo televisivo. Pode-
se objetar que, nos intervalos, não se tem apenas “comerciais”, anúncios com
interesse de venda direta, mas a publicização (anunciabilidade) de campanhas do
governo, de ONGs (organizações não-governamentais), informes de empresas,
campanhas político-partidárias, etc. Ainda se pode invocar, na mesma objeção, o
problema de se diferenciar eficazmente publicidade de propaganda.
Sempre tendo a TV Globo como referência – cuja escolha se discute no
último tópico –, a distinção talvez mais evidente, e maleável empiricamente, seria a
alternância entre programas (novelas, filmes, telejornais, etc.) e intervalos, ou
melhor, alternância entre a divisão em blocos desses programas e os intervalos.
Nestes, apresentam-se textos de duração curta na continuidade de um fluxo
temporal peculiar da TV: tensão entre o bloco do programa e intervalo, entre o
intervalo e o programa. Pode-se entender o fluxo televisivo como composto por
segmentos de programa (blocos) e segmentos intervalares (os intervalos com seus
textos curtos – TATs – em continuidade). A noção que se tem de “programação” é a
de uma pauta anunciada/ofertada na própria TV, em jornais ou revistas e noutros
meios. Ingenuamente, tudo se passa como se a TV fossem apenas “programas”,
como se os segmentos intervalares não existissem na programação ofertada,
embora muito bem valorizados e planejados na programação do fazer interno das
empresas. É um paradoxo, pois o fluxo televisivo sempre os exibe de modo muito
saliente: há, pelo menos, proporções muito semelhantes entre segmentos
intervalares e segmentos de programas.
O sentido de “intervalo”, como o “espaço entre”, já aponta para os dois pontos
de início e término de um segmento de programa, para essa primazia da
programação anunciada e exibida pela televisão. Diante desse “silenciamento” sobre
a proporção intervalar, na oferta do fluxo televisivo, uma observação pretensamente
mais astuta lembraria que o essencial quase nunca é dito; para não cedermos a ela,
convém prosseguir com essa ordem ingênua de questionamentos a respeito do lugar
dos intervalos ou dos lugares neles ocupados.
Grosso modo, parece lícito dizer que o intervalo se caracteriza pela presença
maciça da produção em publicidade/propaganda. Para o tipo de TV aqui em
consideração, a divisão intervalo-programa é primordial para a caracterização do
fluxo. Mas não se pode sustentar, na verdade, que o intervalo tenha a característica
da presença exclusiva desta produção: pode-se notar em filmes, novelas,
transmissões esportivas, entre outras transmissões, a inserção cada vez mais
freqüente de marcas e produtos.
A tendência de passagem dos fazeres publicitários ou propagandistas dos
intervalos para diferentes formas de inserções nos programas, por seu turno, não
abala a divisão clássica (intervalo-programa), pois é o fluxo que sustenta e é
sustentado pelo intervalo e dá característica primária à divisão; em sendo o intervalo
um lugar identificável no fluxo, permanece também, como sua característica
secundária, a produção em publicidade e propaganda (apesar das migrações e
passagens do intervalo aos programas); os diferentes “gêneros” televisivos da
programação, em seu lugar no fluxo, igualmente não perdem suas propriedades
estruturais com as inserções dos fazeres característicos dos intervalos.
Com o tensionamento entre intervalo e programa no fluxo da TV, com o
destaque para a programação e seus “gêneros” (anunciabilidade positiva) e o
silêncio sobre os intervalos (anunciabilidade negativa), talvez se tenha um
enquadramento pertinente para se tratar do conceito de intervalo, pois o fluxo
supostamente se faz dessas diferentes anunciabilidades tensionadas, onde o
intervalo e seus TATs disputam a continuidade do interesse do telespectador que
assiste a programas – como concebeu certa vez um famoso publicitário, o anúncio é
um intruso, e o mínimo que um intruso deve fazer é procurar ser simpático. A
publicidade/propaganda dentro dos programas mostra que os anunciantes, indo
além da intrusão intervalar, querem estar no “universo principal” da televisão (os
programas) em sua anunciabilidade positiva. É isso o que toca a observação de
Ignacio Ramonet sobre o filme publicitário considerado como um “gênero discreto”:
O filme publicitário é um gênero discreto. Nas salas, ele não é anunciado;
nas emissoras, os programas de televisão sequer o mencionam. Esta
discrição que parece contrária à sua obstinada preocupação de eficácia,
mostra-se necessária para fazer-se aceitar. É este o preço de sua
legitimidade nas telas, pois trata-se efetivamente de uma propaganda
silenciosa. Esta sábia reserva permite, por outro lado, aos spots publicitários
dissimular-se no emaranhado dos programas, e estar neles naturalmente,
como um peixe na água (RAMONET, 2002, p. 54).
3.2 PUBLICIDADE E PROPAGANDA: PROBLEMAS TEÓRICOS
Quando se usa a palavra gênero é para fazer referência a problemas teóricos
que dizem respeito à distinção entre publicidade e propaganda, os quais motivaram
a denominação TAT – sem que isso nos livre da caracterização do tipo de texto em
estudo; apenas declina-se da tarefa de resolver tal distinção secundária (ou
propaganda ou publicidade) para o objeto de estudo. Para exemplificar, tome-se
uma distinção de termos já utilizados neste terreno problemático: a propaganda,
assim diz uma definição mais ou menos comum, apoiando-se numa autoridade
religiosa, política ou ética, seria mais “pesada” discursivamente, pretende mudanças
na esfera dos valores éticos e sociais; a publicidade, mais “leve”, lidaria com
universos de desejos, já que não dispõe da autoridade da propaganda (CARVALHO,
1996). Aí se pode ver a dificuldade de definição dos termos empregados, pois é fácil
contrapor o fato de que um TAT de partido político, no intervalo, pode eventualmente
despertar desejos, que sua “autoridade”, não só subsistindo via personalidade
autorizada com seu discurso “pesado”, incrementa-se justamente com a “leveza” dos
simbolismos, das artimanhas artísticas, das táticas de linguagem; especialmente
hoje, com a política espetacular, videopolítica, etc.
Nessa distinção proposta e contraposta, está em jogo tanto o tipo de discurso
quanto o sujeito enunciador, e se explica um pelo outro. Isso implica as correlações
que faltam saber entre teorias do discurso, da enunciação e de gênero. A articulação
entre essas teorias está longe de ser estabelecida. As definições, de uma ou outra
maneira, acabam sempre tocando esse problema, embora ele seja pouco lembrado
pelos definidores.
Para melhor ilustrar o problema, vejamos por onde passa a questão e
algumas de suas dificuldades. Jost, pensando nos territórios dos gêneros televisivos
(JOST, 2002, p. 4-6), destaca três modos de enunciação que recobrem todas as
emissões televisivas: o modo de enunciação autentificante, pretende nos informar
sobre o mundo cotidiano (jornal televisivo, documentário, reportagem), ou ainda nos
colocar em contado com ele. A importância de uma transmissão direta, por exemplo,
nos parece portadora de uma autenticidade particular, de modo que a veracidade
das palavras e imagens se pode avaliar em comparação com o que sabemos a
respeito dos acontecimentos com base em outras fontes ou em informações
posteriores ou anteriores à transmissão.
O modo de enunciação ficcional objetiva construir um mundo caracterizado
por uma construção autônoma, embora portador de semelhanças com o mundo
cotidiano. De um fato qualquer narrado, são as conseqüências narrativas que
importam, de modo que a veracidade de uma ação ou de uma seqüência narrativa
não se julga apenas por simples comparação com nosso mundo, mas em função da
coerência do universo criado com os postulados e as propriedades que o
fundamentam.
O modo de enunciação lúdica é um nível intermediário: as emissões têm
como fundo o nosso mundo (como no modo autentificante), mas conforme regras
próprias primordiais (como na ficção). É exemplo disso os jogos televisivos do tipo
pergunta-resposta onde os competidores respondem a perguntas sobre nosso
mundo (sobre história, conhecimentos gerais, etc.), mas ao mesmo tempo
obedecem a regras e lógicas próprias do programa (tempo limitado para responder,
dizer sim ou não, etc.). Igualmente, as emissões divertidas ocupam esta posição
mista onde as seqüências organizadas pretendem nos fazer rir, tendo por base uma
eficácia ligada ao nosso mundo cotidiano. A publicidade reúne também essas duas
dimensões do lúdico: por um lado, ela é autentificante, na medida em que seu
discurso apela às propriedades do mundo em que vivemos, querendo prescrever
nossos comportamentos. De outro lado, ela põe em jogo o exagero, a ênfase, o
impossível, jogo no qual o telespectador evidentemente participa.
Tomando os termos autentificante, ficcional e lúdico como interpretantes
(Peirce) de todo signo televisivo, Jost propõe daí algumas regras específicas para
cada interpretante: infringe a regra autentificante o jornalista que se faz passar por
um falador trivial; infringe a regra ficcional um narrador que conta mal sua história;
aquele que não respeita as regras do jogo, está aquém do lúdico. Ele considera,
porém, diante desses critérios de apreciação (dados pelos modos de enunciação)
que a comunicação televisiva é um processo dinâmico e incerto e uma emissão não
poderia jamais ser encerrada neste ou naquele modo. Importa observar que o canal
televisivo pratica atos denominativos (nos títulos dos programas) e o telespectador, a
seu modo próprio, se apropria mais ou menos dessas denominações.
Para não se comprometer com a tese ontológica, Jost representa os três
modos num triângulo, sem fixar este ou aquele gênero de emissão, mas coloca-os
em movimento. Se parece certo classificar o telejornal no autentificante, os jogos no
lúdico e as séries televisivas no ficcional, pode-se ter que a ficção se apresente
como autentificante ou a realidade como um show. Assim também o jogo demove-se
de sua natureza e extrai sua legitimidade da verdade que pretende passar.
A teoria realizada pelo autor traz uma problematização implícita
10
que aponta
para a articulação de teorias (discurso, enunciação e gênero), constituindo-se um
10
No primeiro semestre de 2004, assistimos ao curso do Prof. François Jost, na Unisinos;
observamos, de um lado, maior peso da ontologia em sua teoria, de outro, a preocupação com
gêneros e modos discursivos. Em vez de modos enunciativos, o autor fala atualmente de mundos
televisivos (real, lúdico, ficcional), ilustrando melhor a problemática, pois agora o problema do real
problema teórico geral que está além deste ou daquele objeto particular. Pode-se
prever que, enquanto não houver um esforço envolvendo um conjunto de conceitos,
problemas e disciplinas para articular melhor a questão, estaremos por certo
comprometidos com definições de publicidade e propaganda (que as distinguem ou
confundem) condenadas à polêmica sem as melhores bases construtivas de diálogo,
quais sejam, as que passam pela articulação teórica comentada. Essa é a razão
fundamental que nos moveu a denominar TAT – Texto Anunciativo Televisivo – o
objeto empírico da pesquisa, evitando assim acarretar uma discussão terminológica
(por que propaganda, ou anúncio, ou publicidade?) que não é central na pesquisa e
que pertence a um problema terminológico e teórico de ordem geral. A denominação
TAT permite incluir no corpus tanto o que se consideraria publicidade, por um lado,
quanto propaganda, por outro. A composição do corpus, propriamente dita, será
discutida mais adiante, no capítulo 4.
Obviamente que a problemática não é apenas pertinente para os fazeres
publicitários ou propagandistas dos intervalos. Os três modos de enunciação se
referem ao conjunto intervalo-programa. Deixemos, por ora, as seguintes questões:
se os segmentos de programa são unificados por certa unidade de “gênero” (pois ao
longo dos segmentos, para as denominações usadas e reconhecidas pela audiência,
trata-se sempre de um jornal, uma novela, etc.), se os segmentos intervalares
misturam, circularmente, diferentes modos enunciativos no fluxo televisivo, seria
possível pensar numa função dinâmica, de hibridação, onde os intervalos seriam
expressão das forças criativas de territórios televisivos? Será que pode haver, em
se acentua, embora Jost pareça resolver isso na relação dialética de mundos (real e ficcional) e
nos índices de factualização e de ficcionalização. O que estamos tentando ilustrar mais uma vez
aqui é a falta de articulação entre gênero, discurso e enunciação que se mostra tanto no problema
de diferenciar publicidade de propaganda quanto numa teoria sobre TV. Aliás, cabe sublinhar a
visão dos gêneros televisivos, segundo Jost; ele os vê como “promessa”, ao invés de usar o
conceito de contrato, o que o faz comparar o conjunto da TV à publicidade, no sentido de que
ambas fazem promessas, respectivamente, de gênero e de produtos/serviços.
relação aos modos de enunciação e de combinação entre eles, algumas
modalidades específicas de tempo, temporalidades distintas para diferentes modos
enunciativos?
3.3 PERSPECTIVAS AMPLAS SOBRE O TAT
Num sentido marxista muito rudimentar, os fenômenos de comunicação
seriam epifenômenos da estrutura econômica, a publicidade/propaganda seriam
vistas então numa perspectiva superestrutural. Se é verdade que hoje as empresas
de comunicação, as redes informacionais, os negócios dos produtos audiovisuais,
são parte estrutural do capitalismo contemporâneo, que o mundo da comunicação e
informação forma um mercado simbólico constituinte da estrutura, como entender os
intervalos televisivos nesse novo arranjo contemporâneo?
Se pensarmos neles e na mídia dando espaço a um mercado de signos e
discursos a partir da organização empresarial que lhes serve de apoio, por que não
teriam uma função social caracterizável como sendo vendedora de sonhos, poderes,
símbolos dos produtos e processos econômica e politicamente produzidos? De outra
forma, por sua própria organização e funcionamento internos, não teriam a função
de fazer sonhar o que os alicerça socialmente (função estruturante das estruturas)?
Para ilustrar concretamente, basta observar, por um lado, a demanda publicitária
requerida pela produção automobilística, com seus símbolos de potência e sedução;
por outro, o design espacial que alguns modelos de automóveis foram incorporando
em decorrência do imaginário sideral (gibis, filmes).
Nessa direção de entendimento, os intervalos apresentam a característica da
anunciabilidade desses produtos simbólicos consumidos que podem ser como peças
de fruição estética – muitas vezes, a publicidade se autonomiza/descola do produto
ou serviço que “deveria anunciar”, de modo que o telespectador nem fica sabendo
de que produto se trata no TAT, a peça paira no ar, em seu valor de fruição ... Daí
também o modo de ver os TATs como filmes (curtos, simpáticos, divertidos, etc., ...)
que se tornassem então, como que por encanto, livres da estratégica
responsabilidade do fazer crer/comprar.
Nesse lugar, próximo da arte, segundo uma perspectiva não-aurática (não
frankfurtiana), entra a discussão calcada em oposições (alta/baixa cultura, arte/não
arte, massivo/não massivo), muitas vezes dada como morta pela voga pós-
modernosa, mas que reaparece, aqui e acolá, com força, embora veladamente.
Parece oportuno considerar, por esse ponto de vista, a valorização de fundo
que motivou Arlindo Machado em A Televisão Levada a Sério (MACHADO, 2000). O
autor defende a TV das acusações que a denominam de “meio menor”, “meio
massivo degradante”, e outras dessa ordem, dentre as quais, aquela que imputa aos
pesquisadores interessados pela acusada um traço de ignorância, de interesse pelo
banal. Nosso interesse pelos intervalos então, aos olhos desses juízes implacáveis
dos fenômenos socioculturais, simbólicos, linguageiros (e outros) deveria mesmo ser
considerado nos seus termos: uma banalidade, tão-somente. Os intervalos, por
excelência, são um prato cheio para os que tendem a comparar a TV com o Cinema,
este sim, “sério e estético”, o merecedor de interesses intelectuais.
Não nos interessa aqui dar resposta a essas vozes “críticas” (Arlindo
Machado já o fez, embora numa moeda valiosa para os acusadores: a qualidade
estética, a seriedade), mas apenas assinalar que não nos inserimos
intencionalmente, ao menos, nessas perspectivas de atribuição de valores (bons,
maus, altos, baixos, etc.) ao meio televisivo, quer porque nosso interesse (analítico)
não deve ser o do julgador implacável ou o do codificador moralista, com sua
pretensão crítica que toma uma distância repulsiva e negadora ou uma proximidade
atrativa e positivadora daquilo que julga, quer porque encerrar a discussão do
“fenômeno televisão” em termos de comparação com as artes é, sobretudo,
esquecer que, de certa forma, esta discussão é também parte do fenômeno, o que
faz o posicionamento “pró-TV” se engajar e se anular numa objetividade que o
engloba. Isso, no geral, resulta por demais redutor/simplificador das perspectivas
midiáticas de compreensão que se podem desenvolver sobre a TV e os intervalos.
Enfim, dito isso, nem mesmo pelo nosso ponto de vista, o intervalo pretende ser
(como diriam alguns) o fiel escudeiro da banalidade.
3.3.1 Estratégias e consumo
A proposição de Duarte (DUARTE, 2002) é a de que as estratégias de discurso
da publicidade admitem certa sintonia com determinadas racionalidades do consumo
(CANCLINI, 1999, p. 76-80); segundo tal proposição, pode-se então estabelecer
uma relação do seguinte modo: a cada tipo de consumo previsto (envolvendo aí o
tipo de produto, de segmento social visado, etc.) corresponderá um tipo de discurso
publicitário (modos de dizer, modos manipulatórios). Essa configuração dialoga com
as racionalidades do consumo em Canclini (o consumo como conjunto de processos
socioculturais em Canclini, com suas racionalidades estendidas à publicidade), de
modo que determinadas ênfases do discurso das publicidades correspondem a
diferentes racionalidades enfatizadas (econômica, sociopolítica, simbólico-estética,
integrativo-comunicativa), advindo destas ênfases as diferenças entre os tipos de
publicidade.
Na configuração racionalidade-publicidade, proposta por Duarte, quando um
anúncio faz predominar a informação referencial, destacando características
específicas dos produtos e serviços anunciados (valor utilitário do produto, preços,
condições de pagamento, qualidade diferencial, etc.) há ênfase na racionalidade
econômica; quando o anúncio prefere persuadir pelos temas de interesse público
associados ao produto/serviço, de modo que a idéia de consumo do bem se faz
acompanhar de algum posicionamento político do consumidor (posições sobre
racismo, sexualidade, discriminação social, etc.), tem-se a racionalidade
sociopolítica enfatizada. Na ênfase discursiva ligada à racionalidade simbólico-
estética, o consumidor é interpelado com o enaltecimento de sua capacidade
interpretativa face a um discurso com elaborações sígnicas estéticas, com efeitos de
sentido mais complexos e sutis que destacam assim um segmento elitista almejado
capaz de entender a mensagem e consumir. A distinção simbólica desta elite seria a
interpelação que caracterizaria essa publicidade.
Por fim, a ênfase na racionalidade integrativa e comunicativa indica que, pela
publicidade, pari passu com a diferenciação social entre os partícipes da sociedade,
pelo consumo diferenciado, mesmo divididos em classes de consumo, eles
compartilham de algum nível de significado sociocultural, o que faria da publicidade
um vetor integrante da racionalidade integrativo-comunicativa da sociedade. Os
anúncios com ênfase nesta racionalidade trabalham códigos e valores de segmentos
sociais restritos, compreensíveis e desejáveis, no entanto, pelos segmentos não
participantes das tribos de consumo às quais o anúncio se dirige. Cabe assinalar
que as racionalidades de consumo na publicidade, necessariamente, não se
excluem; todas podem atuar simultaneamente num mesmo discurso. Em linhas
gerais, são essas as proposições paralelas entre Duarte e Canclini.
Enquanto Canclini trata o consumo numa perspectiva sociocultural (para além
de uma caracterização moralista do consumo como consumismo, partindo então da
pergunta sobre o significado do consumo, e do porquê de sua renovação constante),
Duarte desloca as racionalidades de Canclini para ver aí ênfases estratégicas no
discurso publicitário centradas (1) na imagem do produto, isto é, na informação
referencial caracterizadora daquilo que é ofertado (racionalidade econômica), (2) na
imagem de consumidor engajado com certos temas sociais (racionalidade
sociopolítica), (3) na imagem de consumidor diferenciado dos demais consumidores,
graças à distinção simbólica ao entender e consumir o que é anunciado, 4) na
imagem do consumidor diferenciado e integrado pelo ingresso em determinados
redutos de consumo.
Do processo sociocultural pensado por Canclini, impulsionado pela indagação
sobre o significado do consumo, Duarte extrai a hipótese de que esses valores
socioculturais do consumo constituam-se em racionalidades que sobredeterminam
as escolhas e adoção de estratégias discursivas com diferentes centramentos (do
modo referencial descritivo do produto/serviço, às imagens do consumidor distinto –
calcadas no “privilégio de ser diferente” – imagens que, ao fazerem uso das
diferenças sociais, baseiam-se igualmente numa função integrativa do social pela
diferenciação). Notemos aquilo que é próprio de cada caracterização: na primeira, a
informação referencial e o produto/serviço, nas demais, a interpelação dos sujeitos e
um processo integrativo-comunicacional resultante. Essa perspectiva estratégica de
Duarte insere-se na perspectiva de Canclini quando este pensa que é necessário
avançar numa linha de estudos tendo o consumo como objeto, podendo daí resultar
um quadro conceitual mais amplo para os processos comunicacionais (CANCLINI,
1999, p. 76).
3.3.2 Intervalo como um lugar do bios virtual
A importância da teoria da Antropológica do espelho (SODRÉ, 2002) para a
tese, afora a contextualização ampla que faz situar o objeto mais específico e o
intervalo, reside nos conceitos temporalizantes da teoria que permitiram – mais do
que outras referências teóricas encontradas em comunicação – analogias com o
objeto da tese. Foi então conseqüente pensar, a partir do ethos midiatizado, o tempo
do ethos que cerca de modo amplo a noção de temporalidade. Para uma visão do
ethos midiatizado, é esclarecedora a síntese introdutória do autor da Antropológica
do espelho - Uma teoria da comunicação linear e em rede:
Aqui se vai mostrar que a mídia (“meios” e “hipermeios”) implica uma nova
qualificação da vida, um bios virtual. Sua especificidade, em face das
formas de vida tradicionais, consiste na criação de uma eticidade (costume,
conduta, cognição, sensorialismo) estetizante e vicária, uma espécie de
“terceira” natureza. À maneira do “anjo”, mensageiro de um poder
simultâneo, instantâneo e global exercido num espaço etéreo, as
tecnologias da comunicação instituem-se como “boca de Deus”: uma
sintaxe universal que fetichiza a realidade e reduz a complexidade das
antigas diferenças ao unum do mercado (SODRÉ, 2002, p. 11).
Se o ethos significa, na sua origem grega, a morada, espaço da realização e
ação humanas, o ethos midiatizado implica o reconhecimento da midiatização como
uma “mediação” fortemente tecnologizada, onde o ser humano e sua imagem se
diferenciam muito pouco, onde o indivíduo vive em “tecnointerações”, “virtualização”
ou “telerrealização” das relações humanas. Se a teoria nos propõe que o ser
humano e sua imagem muito pouco se diferenciam, cabe saber qual enfoque de ser
humano é empregado. Se considerarmos a teoria crítica, pano de fundo importante
da teoria da Antropológica, segundo a qual se pode pensar o homem se realizando
pelo fazer, pelo trabalho, pelas atividades sociais que desenvolve, esse humano da
Antropológica
11
que vive em “relações” virtualizadas centra-se, portanto, no fazer
comunicacional midiático, constituinte do ser; a imagem que com ele se confunde é
a imagem de um outro vivente no processo comunicacional. Trata-se então do ser
humano pelo fazer relacional (comunicacional midiático), e que assim se faz e refaz.
Nesse ponto, invoca-se o modelo comunicacional da paixão, no qual um eu
age num tu (unidade ação-paixão) para ajudar a pensar esse fazer relacional
constituinte do eu que se engendra nas narrativas midiáticas, idealizadoras de um
eu na recepção. É, nesse sentido, que se entende a convocação da narrativa
midiática nas últimas páginas do livro da Antropológica (ibidem, p. 254-5) e da
“identidade narrativa”. Trata-se aqui, segundo Sodré, de uma redescrição ou
refiguração da experiência temporal pela narrativa ajudando a entender a aceleração
temporal (a reinscrição do tempo vivido no tempo da máquina) pelas teletecnologias.
O bios midiático implica então uma “refiguração imaginosa da vida tradicional pela
‘narrativa’ do mercado capitalista” (ibidem, p. 255).
Com o regime indiciário, a perlaboração e o diferendo, características que dão
determinado caráter caótico para o midiático (ibidem, p.53-5), emergem atmosferas
e ambiências, passionalidades, ethos singulares, resultantes de estratégias
discursivas que não deixam de realizar uma “prescrição moral” (nunca
agendadamente impositiva, mas sedutora, persuasiva), ethos singulares criados
11
Antropológica é a palavra usada para indicar a necessidade, defendida pelo autor no último
capítulo do livro, de uma nova configuração epistemológica (comunicacional) para dar conta dessa
nova forma de vida (bios virtual). Tal tarefa seria atribuição do campo de conhecimento
comunicacional, tarefa a ser desenvolvida a partir das ciências tradicionais (humanas e sociais);
estas, se não reconsideradas na reconfiguração epistemológica, seriam infrutíferas diante do bios
virtual – daí Antropológica em relação à Antropologia. No tocante a esta pesquisa, deve-se
ponderar que não nos cabe discutir a postura epistemológica de Sodré, já que o foco que nos
interessa não é o do bios midiático, nem mesmo o do tempo do ethos acima indicado; se assim
não fosse, estaria posta a exigência de tratar detidamente das questões epistemológicas que se
colocam na Antropológica do Espelho. Na verdade, não se objetivou ter em conta nada além
daquele papel de pano de fundo ou de horizonte aqui desempenhado pela teoria, sobretudo na
indicação de possíveis novas perspectivas, objetos ou temáticas que poderiam envolver (ou que se
fariam gravitar em torno de) o objeto de estudo específico.
discursivamente na lógica mercadológico-publicitária. Se pelo regime indiciário o
sentido se apóia nos índices, ou seja, numa constante remessa sígnica dentro de
um contexto relacional e dinâmico do texto, é o tempo o responsável pela
organização em que as coisas se indicam reciprocamente, em termos dinâmicos e
relacionais; também cabe a ele colaborar para a bricolage que se faz com os
materiais (perlaboração), pois trabalhar através dos materiais se faz, sub-
repticiamente, com a incomunicabilidade e figuratividade do tempo, assim como isso
camufla e facilita o diferendo, a ausência de regras estáveis e juízos explícitos que
dão o tom difuso da prescrição moral da mídia, na dinâmica vivacidade da unidade
tempo-passionalidade: essa prescrição moral que os textos fazem (sedutora e
persuasiva) encontra no tempo um lugar de onde se interpela o receptor – seu
“caráter caótico” liga-se ao dinâmico, ao quase-imperceptível da incomunicabilidade
e figuratividade do tempo, é o lugar onde o “caótico” engendra-se com o exercício da
estratégia, num amálgama entre ordem e desordem.
O tempo no ethos, tendo papel estrutural nesse bios midiático, atuaria desde
o nível discursivo dos textos ao nível midiático (medium). O medium pode-se
explicar, segundo comparação de Sodré (idem, p.20), com o rock’n roll: este resulta
da combinação de uma forma musical (rythm’n blues) com o então dispositivo
técnico (disco de vinil), socialmente produzido pelo rádio (disc-jockey) e mercado; é
o tempo que, como fluxo numa espécie de “musicalidade-medium” (a natureza
estetizante e vicária), integra uma realidade envolvente e estetizante das
experiências dos indivíduos, compondo uma dimensão espaço-temporal do indivíduo
que vive na manutenção de “dois mundos” paralelos, mas integrados: “A forma-
medium torna-se, assim, uma espécie de suporte da consciência prática na medida
em que os fluxos informativos fazem interface, reorganizam ou mesmo inventam
rotinas inscritas no espaço-tempo existencial. A própria recepção ou consumo dos
produtos midiáticos apresenta-se como atividade rotineira, integrada em outras que
são características da vida cotidiana” (ibidem, p. 51). Trata-se de ver qual a função
do fluxo televisivo nessa forma-medium onde está o intervalo.
No intervalo opera-se um jogo de espelhamentos (o enunciador é o espelho
de um constructo; o enunciatário é o espelho desse espelho), no qual a iluminação
midiática (que é estesia estetizante, prescritiva de uma sociabilidade/moralidade do
consumo) dá visibilidade às sociabilidades imagéticas, através de uma retórica
específica: seria então o tempo do ethos midiatizado o realizador da prova ética
(discurso eficaz) e patética (efeito passional, estésico) de um regime de visibilidade
social (SODRÉ, 2002, p. 58-61, 73-82).
Pelas narrativas midiáticas realizam-se aspectos fundamentais desse bios
virtual, entre os quais, esse tempo “vivo e real” virtualizado, esse outro virtual que faz
interface existencial com o cotidiano, o substrato ideológico-mítico da sociedade via
histórias contadas nesse mundo virtual e, enfim, por meio de uma narratividade
midiática, o que se engendra complexamente com o mundo paralelo “real”; no caso
da TV, isso se dá por meio de um fluxo temporal próprio desse novo bios. Fazer
dialogar esses aspectos fundamentais (que se referem a uma reinscrição do tempo
vivido no tempo virtualizado) com o fluxo temporal da TV, parece importante para se
entender o fluxo comunicacional do bios, também na qualidade de elemento
altamente caracterizador da lógica midiática audiovisual.
3.3.3 A sintaxe do TAT: algumas implicações
Concebe-se aqui a possibilidade de existir uma sintaxe intervalar, cuja análise
não incluímos no corpus seguindo a perspectiva de que esta sintaxe está à espera
daquela a ser desenvolvida nos TATs. Supostamente se pode pensar que cada texto
teria, além da sua própria sintaxe, uma marca da sintaxe do intervalo; estaria num
lugar específico do intervalo, e este, por sua vez, num lugar do fluxo televisivo. Aliás,
a Rede Globo, através do seu departamento comercial, oferece toda uma
classificação dos lugares e modos de formato dos anúncios, o que aponta para essa
possibilidade da sintaxe intervalar, já indicada pelo modo de funcionamento da
produção.
Embora a relevância do intervalo, a análise sobre sintaxe intervalar não
ultrapassará o que aqui consta como observações, uma vez que, como já foi
indicado, as análises empíricas individuais serão dedicadas aos TATs individuais,
pela relevância maior que estes possuem para o objetivo de dar conta do objeto
temporal proposto.
Na seqüência de TATs (observados nos intervalos), a exemplo de elementos
sintáxicos, se observa uma ordenação segundo o fluxo rítmico que eles formam: dois
ou três textos de ritmo rápido, seguidos de um mais lento; o texto com som-ambiente
(sem música, sem fala in off, sem sonoplastia, apenas com fontes sonoras
enquadradas – fontes intracampo) aparece sempre após ou antes de textos com
muita montagem e fontes extracampo. Há, portanto, aí uma organização temporal do
intervalo, onde é organizado determinado ritmo das substâncias e formas imagético-
sonoras.
Sobre esses padrões rítmicos das substâncias, convém lembrar a opinião
comum de que a “televisão é imagem”. Em contrapartida, não é tão comum a idéia
de que a imagem forma uma unidade com a dimensão sonora
12
. Apenas em casos
especiais, com efeito expressivo intencional, o TAT ocorre sem sons (fala, música,
sonoplastia). Em uma observação que realizamos com 100 TAT(s), em diversos
canais televisivos brasileiros, 98% tinham imagens “sonoras” (não dizemos
“sonorizadas” a propósito da noção de imagem-som), em 2% dos casos o fluxo
discursivo da TV, predominantemente imagético-sonoro, era interrompido com
imagens sem sons: tratava-se de um texto verbal que apresentava mensagem
escrita. Após a exibição deste TAT especial, o fluxo se restabelecia, resultando
finalmente, a par da interrupção anterior, um efeito expressivo em favor daquela
mensagem.
Como se relaciona a sintaxe do TAT individual, aqui estudada, com a sintaxe
intervalar? Essa relação não poderá nos dizer algo do bios virtual, do ethos
midiatizado? A própria organização intervalar não se sustentaria a partir de um pano
de fundo que são formas de cognição, de costume e de condutas, formas
pressupostas na produção televisiva como as mais eficazes, como sendo as formas
da recepção? Para contribuir com essas questões, o estudo irá se concentrar na
sintaxe individual dos textos, partindo daí, quando possível, para vislumbrar
questões mais amplas.
As questões sobre os territórios televisivos dizem respeito à observação de
que o TAT encarna diferentes linguagens, as formas de produção advindas de
outros meios, e vive de hibridismos de meios e estilos semióticos, de diferentes
modos de enunciação televisiva. Assim, pode-se ver que a sintaxe do TAT, muitas
12. Noções deleuzeanas, como a proposição de uma “imagem-tempo” que participa da dimensão dos
cronosignos (DELEUZE, 1990), são também indicadoras de uma abordagem que busca
estabelecer categorias temporais, não obstante o fato de que, entre a abordagem filosófica do
autor e uma abordagem analítica de texto, reside uma distância cujo alcance nossas categorias
não têm o propósito de dar conta. Com o sincretismo estésico, indica-se a dimensão temporal
atuante no sincretismo, a governar a ordem, a seqüencialidade e os efeitos dessa totalidade
sensorial das imagens (“visual”, “sonora”, “temporal”).
vezes, adquire um primeiro sentido nas referências que faz ao cinema, ao vídeo, aos
jogos eletrônicos, etc. Interessaria ver aí qual sentido específico essas referências
fazem no conjunto do texto, sua vinculação ao produto ou idéia, à marca, ao serviço
ofertado, ou ainda, que tipo de identidade visual (FLOCH, 1995) existe entre
produto/marca e os estilos semióticos de produção do TAT. A sintaxe do TAT, do
intervalo, o fluxo televisivo, perante a suposição de um ethos temporal que
reinscreve o tempo vivido num tempo virtual – o que constitui a musicalidade do
medium –, solicitam uma reflexão, em termos conceituais e empíricos, sobre o
tempo em comunicação, favorecendo assim o trabalho de problematização e
análise.
3.4 O TEMPO NA CONVERSAÇÃO AUDIOVISUAL
A obra de Gianfranco Bettetini, dedicada ao sujeito da enunciação na
conversação audiovisual (BETTETINI, 1984, p. 118-121), apresenta a noção de
tempo do intercâmbio comunicativo: trata-se de uma noção ampla em que o tempo
se dá a ver ora como matéria significante organizada sucessivamente, ou fluxo de
instante a instante, ora como duração em que se dá o consumo do produto
audiovisual, ou ainda como seqüência de eventos ou ações do texto na relação dele
com o destinatário (a conversação), seqüência de um programa de contato empírico
com o receptor. Enfim, o tempo do intercâmbio comunicativo constitui-se numa
temporalidade eventual” em que se desenvolve a conversação do texto audiovisual
com o seu destinatário.
Na perspectiva do autor, as comunicações audiovisuais, na esteira da
comunicação massiva, cada vez mais identificam o enunciatário com o enunciador,
essa “conversa” se dá num lugar que é simulado no texto como lugar de efeito
perlocutivo no destinatário empírico. Essa ação perlocutiva, logicamente sendo de
natureza semântica na seqüência dos enunciados ordenados, depende do
ordenamento temporal, da dimensão temporal (dinâmica) em relação estreita com o
intercâmbio comunicativo e com a situação específica de consumo, situação em que
o tempo da enunciação - concebe Bettetini - corresponde ao tempo de consumo do
texto. A conversação audiovisual implica também no problema da informação, esta
concebida na sua origem etimológica (determinação – decisões tomadas – de um
determinável), sendo que a instância narrativa é uma das formas principais de
determinação que o sujeito enunciador assume e pela qual se realiza a conversação
audiovisual.
A relação entre narrativa e tempo, já mencionada título famoso de Paul
Ricouer, entre narratividade e a conversa audiovisual vista na sua dimensão
temporal, implica em examinar aqui as noções de seqüência, ordem, instante,
sobretudo, a noção de seqüência de ações, já que ela é constitutiva das
determinações do enunciador, que assume a narratividade, e da temporalidade
eventual, que dinamiza a conversa audiovisual.
3.4.1 Ações no/do tempo
A noção perlocutiva, antes usada com Bettetini junto à metáfora da
conversação, propõe uma ação da temporalidade eventual (eventos no tempo com
efeitos semânticos e perlocutivos). As noções de ordem e seqüência estão
implicadas por uma relação causal: se a ordem é uma disposição (arranjo ou
preparação), a seqüência é o que resulta de tal disposição, uma continuidade. A
seqüência audiovisual, então, é uma continuidade que responde pela eventualidade
organizada no tempo, o que, em parte, Bettetini chama de temporalidade eventual.
Em geral, o que se denomina de seqüência fílmica (ampliada aqui para
seqüência audiovisual), implica a noção de unidade de ação, ou seja, uma unidade
narrativa. Daí se pode ver que a temporalidade eventual de Bettetini nos informa que
a seqüência audiovisual é composta por uma disposição resultante em continuidade
cujo efeito é uma unidade narrativa; mais do que isso, há uma ação que se configura
no tempo (unidade narrativa) e uma ação perlocutiva do tempo, no intercâmbio
comunicativo que se faz de diferentes momentos (instantes da seqüência) na
continuidade da narrativa.
O instante, sendo o que está por acontecer em dado momento, ou o momento
em que ocorre, nos desafia de perto com a questão sobre o que é ou como funciona
o tempo. A seqüência audiovisual se faz de instantes que, por um lado, ligam-se às
ações esperadas ou inusitadas (com elementos vistos e ouvidos da narrativa
audiovisual), por outro, constituem-se em ações em si mesmas, em efeitos
programados pelo sujeito enunciador, onde o tempo funciona como meio expressivo
nos instantes da seqüência. Daí se pode concluir que o tempo faz algo na
conversação audiovisual e que essa ação do tempo anda pari passu com a ação no
tempo.
3.5 COMUNICAÇÃO COMO CONVENCIMENTO
A metáfora conversacional, na medida em que propõe efeitos semânticos e
perlocutivos, reclama a perspectiva nocional da comunicação, mais precisamente,
trata-se de saber qual noção de comunicação se pode aí conceber e qual é a
compreensão da relação de tais efeitos. Doravante, com o exame disso, esboça-se
um quadro compreensivo para a conversa audiovisual, para a instância narrativa de
tal conversa e para o tempo em e na ação – o que corresponde a desenvolver
aspectos fundamentais da temporalidade eventual de Bettetini.
3.5.1 Jogo e comunicação
Em A propósito do jogo (GREIMAS, 1998, p. 119-123), Greimas reflete sobre
o jogo de xadrez indicando inicialmente uma suposição: talvez a reflexão sobre o
jogo de xadrez e linguagem seja realizada por certos pensadores porque a episteme
profunda do século XX comporte a inscrição do emprego metafórico do jogo
(linguagem figurada para falar da linguagem), o que explicaria a presença dessa
reflexão em Saussure, Husserl, Hjelmslev, Wittgenstein. Para Greimas, também,
refletir sobre o jogo é refletir sobre a linguagem, sobre a nossa maneira de ser no
mundo significante.
Vamos aqui resumir a reflexão greimasiana para dar condições de
assinalarmos os aspectos da comunicação entendida como convencimento, ou seja,
aspectos que se mostram na ordem da eficácia na interlocução, uma programação
discursiva destinada à manipulação
13
, ao convencimento, enfim, na ordem da
eficácia simbólica. Desde o nível do sistema formal que o jogo permite apreender até
o reconhecimento de sujeitos cognitivos em enfrentamento no jogo discursivo, trata-
se aqui de assinalar os movimentos figurativos pressupostos pela fundação do
sistema e as ações discursivas reveladas, mais do que na descontinuidade de
13
O sentido da palavra, aqui, não pretende associar-se à “manipulação midiática”, freqüentemente
usada por discursos críticos. Trata-se de localizar o sentido no âmbito do modelo teórico a ser
exposto, embora tal perspectiva não esteja isenta de implicações críticas a respeito da mídia, em
se tratando, neste caso, de desdobramentos possíveis a partir da perspectiva adotada.
estados e transformações, na continuidade discursiva como dimensão passional (tal
dimensão será examinada mais adiante).
Se o jogo comporta, ao mesmo tempo, restrição e liberdade é porque
aparece, simultaneamente, como sistema de restrições formuláveis em regras e
como exercício de liberdade. Esta liberdade parece ser a aceitação voluntária das
regras, de modo que a entrada no jogo é livre, mas não a saída: o ato liberatório,
quer o da entrada ou o da saída, terá de se conformar à seriedade que o sistema
lúdico impõe. O jogo, como modelo figurativo, permite pensar a natureza de um
“sistema de signos”: cada figura se define não por si mesma, mas pelo
comportamento distinto em relação às outras figuras. O signo, assim como a figura,
torna-se pura posição, lugar de intersecção dos percursos. A “de-substancialização”
sígnica faz pensar o sistema como forma: o sistema formal, onde cada movimento
da figura depende das demais e inaugura novo estado estrutural provisório, leva a
pensar a história como uma descontinuidade feita de estados e transformações:
É então tentador identificar estas posições vazias – que são as figuras –
com indivíduos que interagem no interior de sistemas que os ultrapassam e
os manipulam: suas possibilidades de ação, compreendidas como
percursos autorizados, encontram-se, a todo instante, limitadas ou
contraditas pelos comportamentos de seus vizinhos, benevolentes ou
malevolentes (GREIMAS, 1998, p. 120).
No jogo dos atores, reconhecidos então como sujeitos cognitivos, os gestos
lúdicos são, na verdade, ações discursivas programadas por sujeitos conhecedores
das regras, estas então exploradas para a elaboração, sob a forma de programas
virtuais complexos, de estratégias que levem à vitória. Mais do que simplesmente em
inteligência sintagmática, a estratégia implica primeiramente numa competência
interpretativa da performance do interlocutor (seu saber, seu querer, seu poder fazer);
também a estratégia consiste em fazer-agir em proveito próprio, em uma
competência manipuladora. Dá-se assim um jogo de falsidades e ludíbrios, atividade
cognitiva de segundo grau com base no nível referencial do jogo. Essas
competências não se explicam pela consideração dos atores como actantes
abstratos no “aqui e agora” da partida. Elas têm uma historicidade porque os sujeitos
são “históricos” em um duplo ponto de vista: as performances passadas são
responsáveis, em larga medida, pela competência semântica; a competência modal
mais geral dos atores, indiferente ao campo de exercício, é que determina o fazer
programador, interpretativo e persuasivo.
Essas competências fornecem assim o quadro comunicacional para se
entender o pensamento de Bettetini a respeito dos efeitos semânticos e perlocutivos
do tempo no intercâmbio comunicativo. O uso de tais efeitos é, portanto, parte das
competências interpretativa e manipuladora do sujeito enunciador na conversa
audiovisual. Se postularmos, conforme Bettetini, a identificação enunciador-
enunciatário cada vez mais presente na comunicação massiva; e ainda, que tal
conversação audiovisual, além de se dar em cada ato de enunciação do texto
(tempo do consumo), está envolvida num processo diferido no tempo e no espaço
(onde a enunciação é parte de um complexo aparato sociocultural), concebe-se que
a instância do destinatário empírico tenha também suas competências capturadas
na produção dos textos, incluídas, então, como as competências exibidas nos
simulacros textuais, em cada ato de enunciação em que se faz uma conversa
audiovisual particular.
Admitindo-se o jogo como uma forma de comunicação, o diálogo
intersubjetivo comporta uma finalidade veridictória, logo ultrapassada:
[D]izer qualquer coisa não é estatuir sobre o “estado das coisas”, é, isso
sim, tentar convencer, de uma ou de outra maneira, seu interlocutor. Não
acontece de outra forma, quando se trata do jogo. Todo jogo comporta uma
aposta: cada um dos jogadores se aplica em elaborar um programa
discursivo global, visando à vitória final. Se o jogo contém, como nos
afirmam os dicionários, uma parte de gozo, esta não provém unicamente da
exaltação solitária de seu próprio poder-fazer; ela resulta, ao mesmo tempo
e sobretudo, de um fazer-saber: a vitória só será completa se, oferecida a
seu interlocutor, ela for sancionada pelo reconhecimento do outro. No jogo,
não se trata simplesmente de vencer, mas de convencer, de obrigar a
partilhar de seu triunfo (GREIMAS, 1998, p. 122).
A comunicação, mais do que como um “código comum” ou como a
“generosidade” na intersubjetividade, revela-se como um confronto de quereres e
poderes; o princípio da eficácia se sobrepõe à enunciação de verdades e falsidades.
Sendo o convencer a regra maior do jogo, é a zona agônica mais escondida que se
pode reconhecer claramente nas palavras de Ramonet sobre publicidade, a
“fabricadora de espíritos” cuja missão se dá via confronto de poderes e quereres
orientados pelo convencimento:
E esta missão é de uma importância capital. Para alguns é uma guerra.
Aliás, os publicitários utilizam freqüentemente uma terminologia guerreira,
tomada de empréstimo aos militares. Não falam eles de “estratégias”, de
“campanhas”, de “ofensivas”, de “alvos”, de “resistências”, de “derrotas”?
Por exemplo, Georges Chetochine, teórico do marketing, não hesita em
afirmar: “O cliente é o inimigo! Para torná-lo fiel, é necessário: 1) desarmá-
lo; 2) fazê-lo prisioneiro; 3) manter a iniciativa” (RAMONET, 2002, p. 46).
Neste sentido, a zona agônica acolhe o jogador que busca eficácia à medida
que suas configurações manipulatórias, vistas pelo adversário, se tornam
incompreensíveis, fazendo com que o jogo se “personalize” até atingir a
incomunicabilidade. Essas seqüências de ilusões são o esboço de uma linguagem
figurativa segunda, falam de coisas diferentes das previstas pela linguagem primeira.
Do mesmo modo, a linguagem natural, ao falar de sons, deixa de ser “natural”,
progredindo para uma linguagem segunda, figurativa. A linguagem poética e o jogo
de xadrez, assim como outros jogos, têm em comum uma eficácia ligada à
incomunicabilidade e à figuratividade.
Em boa parte dos atos comunicativos a intenção manipulatória nem sempre
se dá claramente a ver (discurso científico, textos em livros, conversas cotidianas,
etc.) como no TAT; forma-se nele, pelo querer convencer para a compra ou adesão
a idéias, certo “estilo semiótico” afim com seus propósitos. Na expressão feliz de
Fabbri, a respeito do modo de falar da publicidade, é como se o texto estivesse a
nos dizer: “isso é uma ficção. Se você quiser aderir, venha” (FABBRI, 2001a), não
importando se nesta proposta ficcional o anúncio “diz a verdade”. Há aí um jogo
ficcional que está além da veracidade das mensagens, operando na dimensão
passional do ser humano. De modo semelhante, a fala política no TAT não está
isenta dos processos midiáticos onde ela opera, a tal ponto que hoje, para muitos, a
democracia está ameaçada pela midiatização da política que se tornou então
espetacular.
Dos sentidos figurativos da denominada “comunicação persuasiva”, o sentido
de que a mensagem se destina a convencer está dado de antemão, está “denotado”
no contrato enunciativo que o telespectador aceita. Ao assistir um TAT, o
telespectador sabe do que se trata (de um anúncio de produto, de uma propaganda
do governo, etc.), onde está implicitada a mensagem “compre ou acredite em x”. O
que é mais difícil de identificar e de acompanhar nos textos – exigindo um olhar
especial – é o lugar de sentido da incomunicabilidade/figuratividade do tempo, os
processos temporais a serviço da manipulação no jogo ficcional/veridictório das
mensagens.
3.5.2 A incomunicabilidade do tempo
Estudar a eficácia comunicacional do audiovisual significa também dar conta
da sua complexidade textual, isto é, ver de que modo a manipulação se realiza com
as imagens, música, fala, sons – com a unidade imagem-som que resulta num
sincretismo estésico.
Pensar o tempo em comunicação implica ver a de-substancialização em que
ele se encontra, isto é, percebemos um primeiro plano substancial (imagens,
palavras, sons, ações, mensagens), mas não do mesmo modo o processo de
construção de sentido onde se situa a temporalidade. Esse processo temporal se
encontra necessariamente no plano da linguagem figurada segunda e da
incomunicabilidade: perceber o tempo na construção do sentido é então perceber
um dos lugares fundamentais da comunicação midiática, ou seja, a figuratividade e
incomunicabilidade obtidas graças às operações tecnológicas que possibilitam a
organização temporal dos textos audiovisuais. Na comunicabilidade audiovisual, em
que se percebe um primeiro plano substancial do sincretismo estésico, vive a
incomunicabilidade do tempo, entendida como dimensão estratégica do
convencimento, da manipulação na audiovisualidade. Talvez nesse lugar estratégico
esteja explicitado algo de fundamental no pensamento de Bettetini a respeito do
tempo do intercâmbio comunicativo.
No exame da epistemologia das paixões, Greimas e Fontanille nos dizem que
elas consistem num efeito de sentido que resulta da disposição do todo, as paixões
são propriedades do discurso inteiro (GREIMAS; FONTANILLE, 1993, p. 21). Daí
resulta que a sensibilização passional do discurso e sua modalização narrativa são
co-ocorrentes (unidade ação-paixão). A temporalidade, envolvendo disposição e
seqüência, constitui-se então nessa propriedade discursiva, nessa continuidade do
discurso, de modo que a ação no tempo se entende com a narratividade, pela
modalização narrativa, com as ações dos atores; a ação do tempo, como
sensibilização passional que faz o discurso, em ligação com a narrativa.
Sendo a comunicação presidida pelo princípio da eficácia, o convencimento
depende de um poder-fazer do jogador mas, sobretudo, de um fazer-saber que dá o
gozo pleno do reconhecimento, do convencimento. A ação discursiva, potencializada
por estados passionais otimizadores da ação, alcança a vitória pelo jogo de ludíbrios
e ilusões, o que já se mostra como linguagem figurada manipuladora que sobrepuja
o nível referencial do jogo, fazendo crer e falando de coisas distintas das previstas
neste nível.
Essa linguagem figurativa segunda, presente na ação discursiva que faz
assim o “jogo” da estrutura, é necessária no âmbito de uma estratégia composta
pela competência interpretativa (entender o interlocutor) e manipuladora (fazer-agir):
se o sujeito do fazer leva seu interlocutor a agir em conformidade com sua
programação, é porque a estratégia usada implica em recursos figurativos capazes
de passionalizar e fazer-agir, na unidade dupla da ação-paixão. A organização
passional na continuidade discursiva significa que, além daquela ação discursiva
potencializada, há ações ordenadas e contínuas no discurso objetivando atingir o
interlocutor no seu sentir e no seu fazer.
Quando Greimas trata dos traços comuns entre linguagem poética e jogo de
xadrez (figuratividade, incomunicabilidade) permite-nos pensar que a eficácia da
comunicação, ligada necessariamente à incomunicabilidade da estratégia por
intermédio da figuratividade, não se realiza sem a passionalidade potencializadora
da ação discursiva eficaz e sem a passionalidade atuante no interlocutor movido
pela estratégia. O tempo, sendo uma ação contínua do discurso, representando a
passionalidade, é então um lugar estratégico de segundo grau; atua num nível da
comunicação em que se constitui sua incomunicabilidade (modo de percepção
diferente do plano substancial da linguagem primeira). A temporalidade eventual de
Bettetini (eventos no tempo, eventos do tempo) implica considerar que o tempo age
como forma passional nos diferentes momentos da narrativa, sendo também o eixo
organizador (contínuo) das ações narrativas.
A manipulação que o tempo faz coloca em evidência a unidade ação-paixão.
A paixão é o outro aspecto da ação, uma possessão passiva do ponto de vista de
quem recebe a ação. A manipulação é um fazer-fazer no sentido de manipulações
modais e passionais, “no sentido de ‘eu faço se, ao lhe dizer algo, você se enraivece
e então faz’, ou ainda, ‘eu faço se você, por exemplo, reage racionalmente de certo
modo que muda completamente a sua ação’ (FABBRI, 1990, p. 11). O estudo da
ação está, portanto, implicado na manipulação e no entendimento da eficácia
comunicacional do tempo. Há condições para se pensar um tempo agente que será
discutido mais adiante.
Bem entendido este fazer agir difere do “fazer a compra” almejado pelos
publicitários. Trata-se de uma eficácia simbólica que consiste em criar a disposição,
expressar uma passionalidade esperando reproduzi-la, despertar uma crença no
telespectador, em face de um fazer agir ocorrente no interior da narrativa e da
temporalidade do TAT. É nessa eficácia simbólica do fazer agir que o tempo
expressa algo que é próprio da passionalidade que interessa projetar-criar-motivar,
quer ela seja entendida como sentimento, paixão, emoção ou desejo, elementos
passionais capturados e devolvidos pelo TAT.
3.6 CATEGORIZAÇÕES DO TEMPO E DISCURSIVIDADE
3.6.1 Linearidade, extensão e junção
O lugar lingüístico e semiótico da noção de tempo encontra-se num dos
trabalhos de Claude Zilberberg (ZILBERBERG, 1995), cujo título (Em defesa do
tempo) já sugere a argumentação presente no texto de que o tempo sofreu
desatenções, constituindo-se em lacuna nos estudos semióticos, daí nossa
dificuldade e desatenção com o instante, com a duração. Tomando por base três
conjuntos teóricos da obra de Saussure, Hjelmslev e Greimas, o autor percorre as
noções estudadas, seguindo o fio condutor da linearidade saussuriana. Cabe
observar, de início, uma diferenciação terminológica: a expressão tempo (em itálico)
para diferenciar do francês “temps” (com tradição nos estudos semióticos), é o que
se busca estabelecer com as noções de 1) eixo semântico, com os termos
celeridade e lentidão (Greimas), 2) de contínuo analisável (Hjemslev), e 3) do
elemento diferenciável que se apresenta in praesentia particular (Saussure).
A linearidade, implicando a noção de direção (de ... para), ao invocar a
transitividade e o seu tempo (que é como a “temperatura” do “temps”), faz perguntar
por que a linha foi substituída pela noção de plano (espacializante), na distinção dos
planos da expressão e do conteúdo. A resposta de Zilberberg, além de apontar para
a comodidade de se pensar as operações metodológicas do analista (segmentação
e divisão), traz, sobretudo, a noção extensional de Hjemslev. O pressuposto de
assim se considerar a extensão é o de que o princípio que rege a estrutura do
sistema é da ordem extensional, não é da ordem intensional. Os termos do sistema
são ordenados segundo a extensão e não segundo o conteúdo dos seus conceitos.
A extensão é, com as categorias do extenso e do intenso, uma noção primordial
para o tempo, o que permite conceber os contrastes rápido/lento, acentuado/não-
acentuado, as propriedades do ritmo. Se a intimidade entre linearidade e
temporalidade mostra-se na distinção conteúdo/expressão, a distinção
forma/substância veio revelar a extensionalidade.
A distinção sistema/processo vem esclarecer uma outra manifestação do
tempo: são os conteúdos juntivos que fundam a distinção, pois no processo, no
texto, se encontra um “e ...e” (uma conjunção), ou uma coexistência entre os
funtivos; no sistema, ao contrário, existe um “ou ...ou”, uma disjunção ou uma
alternância entre os funtivos. Daí a constatação de que as variações de tempo
(aceleração, desaceleração) regulam a própria alternância do e e do ou. Zilberberg
chega assim a estabelecer que a junção, no sistema (ou), se dá pela aceleração do
tempo, com as figuras do instante e do fechamento; no processo (e), tem-se o tempo
da desaceleração e as figuras da duração e da abertura.
Sem examinar aqui todo o estudo de Zilberberg sobre os conjuntos teóricos
por ele analisados, parece suficiente afirmar, finalmente, que a linearidade de
Saussure, nesta perspectiva teórica, permite que se estendam as propriedades do
significante ao significado, postulando-se assim que o tempo está inscrito na própria
textura da forma de expressão assim como na forma do conteúdo, ou seja, na
discursividade. Com o tempo no discurso, na linha do que se tratou antes sobre
tempo e narratividade, tempo e paixão, surge uma abordagem “concreta”,
substancial desse objeto – justificando a distinção entre “temps” e “tempo” – dadas
suas características extensas. Diante disso, deve-se ter em conta, sobretudo, o
plano da expressão que é valorizado em sua temporalidade, de modo que as
propriedades temporais encontráveis na expressão de uma semiótica (audiovisual,
neste caso) alcançam o estatuto do plano de conteúdo. Para uma explicitação maior
sobre o tempo, remetemos o leitor ao próximo capítulo onde se encontram quatro
tempos categoriais: cronológico, rítmico, mnésico e cinemático.
O tempo na e em ação, sua capacidade de sensibilização passional no
discurso, requer ainda um exame da sua presença nos componentes passionais.
3.6.2 Os componentes passionais
Fabbri (1999) descreve os quatro componentes da paixão (estésico, temporal,
aspectual, modal); a seguir, não somente apresentamos esta descrição, mas damos,
por nossa conta, destaque à temporalidade em cada um dos componentes; além de
ser ela um componente específico, está em estreita relação com os demais.
No componente temporal, as paixões aparecem com uma duração própria –
como diziam os estóicos, são organizações temporais da experiência humana, cada
paixão tem o seu tempo, seu ritmo – e são configuradas, em nível do discurso, em
termos de presente, passado e futuro em associação com o modal. De modo mais
geral, pode-se dizer que a passionalidade do discurso tem uma estrutura temporal
em que tomam forma figuras passionais (rítmicas) de diferentes ordens, entre as
quais a ordem da referência sígnica, a das paixões humanas que se organizam no
discurso.
No componente modal, o tempo também importa na descrição, na medida em
que o processo da ação é demarcado por transformações de estados (inicial e final),
mas a transformação em si mesma é contínua e se dá no tempo. Além das
clássicas modalidades (saber, dever, querer, poder), outras (como
preciso/impreciso) encontram no tempo os meios de descrição.
No componente aspectual, a observação do processo em que se desenvolve
a paixão permite vê-la em sua dimensão temporal: são os elementos durativos,
incoativos e terminativos que marcam o processo e permitem considerar o aspecto
em termos temporais. Sendo a paixão um processo, a arte que a incorpora por
excelência é a musical: o tempo aqui é como que a matéria e o processo a partir dos
sons, o sistema rítmico da música é a forma de expressão cuja forma de conteúdo
são as paixões. Isso permite pensar em sistemas rítmico-temporais, além do
musical, pertencentes a textos diversos, na forma de conteúdo passional com
diferentes substâncias de expressão.
O componente estésico, a base corpórea das paixões, permite ver
determinadas configurações de organizações corporais em relação ao tempo: por
exemplo, na fala, a entonação funciona como pontuação, demarcação da frase
(relação entre elemento semântico e elementos musicais da fala: altura e ritmo).
Esse comportamento corporal na expressão falada e cantada é passível de
representação e descrição em termos de ritmos e alturas (durações, agudo/grave)
organizados no discurso; isso aponta para a fala ou canto em termos de altura e
ritmo como expressão passional associada às palavras ditas e/ou cantadas. Luiz
Tatit (1997), em sua pesquisa sobre a Canção Popular Brasileira, elabora categorias
de análise sobre alturas e ritmos com vistas a uma sintaxe entre palavra e melodia e
a passionalidade, o que ilustra bem esse componente estésico na música e sugere
caminhos para a análise do tempo na audiovisualidade.
Também as transformações sensoriais e motoras por efeitos passionais são
passíveis de exame do ponto de vista do tempo, por exemplo, as transformações de
um estado de “espera” em um estado de “aflição” se dão pela passagem de um ritmo
corporal a outro; do mesmo modo, a “curiosidade”, manifestada pelo olhar, se
expressa por certo ritmo de movimentos que se distingue do olhar desinteressado.
Neste último componente, especialmente, as relações estésicas, perceptivas do
texto, se podem examinar quanto ao aspecto (no duplo sentido de aparência e
processo) do dispositivo audiovisual em sua temporalidade.
3.6.3 Tempo e audiovisualidade: o objeto genérico e suas perspectivas
O percurso percorrido parece autorizar a tomada do objeto (tempo e
audiovisualidade) em relação estreita e promissora com o estudo das diferentes
formas do discurso audiovisual. Esse objeto recomenda novos desenvolvimentos
teóricos e analíticos das possibilidades ainda inexploradas no sistema teórico-
metodológico adotado, especialmente as possibilidades de análise audiovisual com
as bandas sonoras e imagéticas, de modo a fazer a análise e a sua leitura no
suporte digital, como no adobe première.
O tempo discursivo, ao possibilitar um quadro teórico que dê conta das
dimensões sintáxicas, semânticas e estratégicas, permite conceber, na conversação
audiovisual, que o intercâmbio comunicativo se realiza com a narratividade (forma
que assume a enunciação) pari passu às ações do tempo, como estratégia
interpretativa e manipulatória, como um programa de contato empírico, construído
pelo sujeito da enunciação com as operações tecnológicas mediadoras desse tempo
agente.
O tempo agente, expressão concreta do eu rítmico da enunciação, é um
conceito semiótico que ilumina esse contato programado na conversa audiovisual,
apontando para a dimensão passional do discurso que pode responder pela
sensibilização concreta do destinatário empírico. Para a objeção de que tal
sensibilização concreta seria assunto para um estudo empírico da recepção (nos
moldes sociológicos ou etnográficos), invoca-se aqui, em contraponto, a falta de
sentido de uma divisão absoluta entre semântica e pragmática, visto que a
sensibilização passional concreta, naqueles moldes e em relação com a
discursividade, não poderia ser estudada com tal divisão rígida.
A perspectiva do tempo agente, que pode ser referido como produtor de
passionalidades na recepção, advoga, em última análise, que a dimensão passional
do discurso permite admitir, em termos ontológicos, as relações com o sujeito
psicológico, concreto, possuidor de ações e paixões. No entanto, isso em nada
prejudica, em princípio, a objetividade do conhecimento da subjetividade no
discurso, ilustrada pelo tempo na discursividade. Vislumbram-se, neste juízo,
possibilidades de intersecção dos saberes, em que cada um deles deve dar sua
contribuição, sem perder, contudo, sua própria identidade, os seus limites
epistemológicos, teóricos e metodológicos. Para uma caminhada nessa direção, ou
mais modestamente, para um enfoque teórico da audiovisualidade em comunicação,
o objeto nuclear tempo oferece condições de pesquisa teórica e empírica.
4 METODOLOGIA
Considerando o problema de pesquisa, os objetivos e o objeto empírico de
análise, procurou-se aqui desenvolver uma metodologia capaz de dar conta desses
elementos constituintes da pesquisa, com ênfase na explicitação do caminho
analítico a ser seguido com os TATs. Por outro lado, invocaram-se aqui também
aspectos mais gerais da pesquisa em perspectiva de aplicação analítica, dentre os
quais, os aspectos epistemológicos.
4.1 NÍVEIS METODOLÓGICOS
Pensamos aqui o metodológico conforme os seguintes níveis inter-
relacionados: 1) há o nível em que, já se sabendo como faz, como se articula o
problema de pesquisa com a análise do material, escrevemos/descrevemos, com
certa “segurança orgulhosa”, como será feita a pesquisa – “orgulhosa” porque, se
todos os passos são conhecidos, amadurecidos, a pesquisa seria apenas uma
questão de executar o plano, ou uma “questão de tempo”. Mas pensando assim se
pode esquecer que o movimento metodológico em direção ao material empírico,
para “resolvê-lo”, traz algo que tem valor próprio, isto é, a possível contribuição
metodológica da pesquisa como movimento que pensa a si mesmo, para além do
movimento apenas resolutivo das coisas encerradas/delimitadas no problema de
pesquisa; essa contribuição metodológica tem valor, então, para a problemática
assim pensada; 2) o nível em que, não se sabendo ainda como faz (ou muito
pouco), busca-se nos exercícios de análise, tratados então como parte empírica da
tese, a própria formação/configuração da metodologia e seu enfrentamento do
material empírico. Assim se almeja exercitar e compartilhar com os leitores os
movimentos metodológicos que estão sendo pensados/realizados e aqueles que
escapam da nossa reflexão.
Para fazer jus à “segurança orgulhosa”, se faz necessária uma explicitação da
noção de texto empregada, indicando alguns procedimentos metodológicos: (1)
trata-se de um objeto material observável e analisável que se dá a apreender como
conjunto de fatos e fenômenos que interessam ao analista; (2) o texto possui uma
racionalidade (direção, ordem, forma intencional, estrutura) que se configura a partir
do problema de pesquisa implicado e dos procedimentos de análise adotados; (3)
permite a articulação dos planos de expressão (E) e conteúdo (C) cuja direção de
análise (E ao C, C ao E ) depende do caminho adotado: da análise das estruturas
superficiais às estruturas profundas ou destas para aquelas, escolhas que se fazem
a partir de um equilíbrio de perspectivas pertinentes fornecido pelo problema de
pesquisa
14
e dos desafios específicos de cada análise.
É pertinente observar, entretanto, a incidência maior da análise no nível
discursivo, na superfície textual; as estruturas profundas, embora por definição
tenham de incluir nelas a tensividade e o tempo, não parecem facilmente atingíveis a
partir da observação do tempo na superfície discursiva (inversão deliberada), e
demandam outra fase de desenvolvimento para dar conta da complexidade da
manifestação temporal e de sua plena racionalidade em termos de estruturas
14
Esse parágrafo dedicado às perspectivas do problema de pesquisa foi construído em dívida com a
diferenciação entre texto e discurso (diferença de perspectivas analíticas) segundo o livro de
Jacques Fontanille (1998) intitulado Sémiotique du Discours. Quando, na estruturação das
análises, as estruturas profundas em ligação com as categorias temporais não aparecem, ainda
que de modo indicativo, é porque carecem de maior reflexão e estruturação, especialmente na
direção deixada no final da obra de Fontanille e Zilberberg (2001), Significação e Tensão.
profundas dos TATs. Supõe-se aqui um nível de complexidade e de organicidade
analítica muito superior àquele das análises realizadas, especialmente quanto às
categorias temporais.
O sentido do texto, sendo acolhido/delimitado pela pesquisa (conforme os
interesses da análise), emerge a partir de diferentes substâncias e formas de
expressão organizadas no tempo. O caminho então é ver como a análise com as
categorias temporais irá se comportar numa experiência de uso.
Para além desta fase da tese, é possível prever certos diálogos a serem
realizados como continuidade da pesquisa. Eles se dariam entre teorias ou conceitos
que poderão iluminar a análise e retomar teoricamente o problema. Um desses
diálogos possíveis já foi indicado com as noções do cinema/audiovisual, a respeito
das “tipologias passionais”, ou seja, certas caracterizações estabelecidas
envolvendo o caráter das cenas, ritmos e paixões (Cf. Introdução). Outro diálogo se
indica a seguir, de “teoria para teoria”, se é lícito assim dizer.
A instância produtora do TAT, estrategicamente, planeja falas, imagens, sons,
suas interações no tempo querendo articular, como ensina Doc Comparato num
reeditado manual sobre roteiro para TV e Cinema, os três aspectos fundamentais do
roteiro: o ethos, diz respeito ao fato de que tudo é para produzir influência, é o que
se quer dizer, a razão pela qual se escreve; o logos, é a palavra, o discurso escrito,
falado; o pathos, o que afeta as pessoas, a vida, o dramático, a ação, o conflito
(COMPARATO, 2000, p. 20-21).
Com a noção de ethos em Comparato (pensando também outras noções
semelhantes trazidas com propósitos didáticos), se indica um marco teórico a ser
relacionado com aquele outro, muito diferente em propósito e abrangência,
estabelecido com o ethos midiatizado de Muniz Sodré. Nesse espaço entre os
diferentes marcos, dar-se-ia um diálogo entre teorias que se poderia pautar por uma
pergunta norteadora: quais relações se encontram entre o fazer midiático (em sua
dimensão profissional e estratégica, haurida desde o nível dos manuais até os
produtos midiáticos) e o ethos socialmente construído (observado na realidade
social), considerando nessas relações a passionalidade midiática como percepção e
devir sociais?
Comparato sublinha a dificuldade de se entender a noção de “tempo
dramático”, pois a ela pertence o problema de se saber “quanto deve durar cada
cena”. É uma noção que o autor espera ser entendida no fim do seu livro (ibidem, p.
26). Ora, esses aspectos fundamentais se alinham com o quadro teórico-analítico
proposto para o TAT, seja pela influência a produzir (a manipulação), seja pela
construção narrativa que sabe interpretar o que sensibiliza o outro (competências
manipuladora e interpretativa), seja pela noção complexa de tempo dramático –
noção temporal em sentidos diferentes e complementares (duração da cena,
intensidade da ação no tempo, estruturação-arranjo das durações da seqüência).
Aliás, vale observar a correspondência entre Comparato, homem da produção
midiática, realizador de produtos em TV e Cinema, e o estudo desenvolvido por
Fontanille (1989) a respeito do observador – lembrando a retórica como esteira de
ambos, quanto à tríade de noções. Na obra de Fontanille, sobre o observador, são
postas em relevo, grosso modo, as mesmas dimensões de Comparato, sendo que
ao phatos corresponde a dimensão tímica (passional) – aos demais termos (logos e
ethos) correspondem, respectivamente, as dimensões cognitiva e pragmática. Além
deste estudo de Fontanille, outro trabalho do mesmo autor, Sémiotique du Discours
(1998), abre caminho teórico para essas noções de Comparato, três dimensões do
roteiro, à luz do conceito de observador e das três dimensões do discurso, cognição,
ação e paixão, conforme a terminologia de Fontanille. Com isso se exemplificam
mais algumas possibilidades de diálogos “entre teorias” que poderão nutrir o estudo
do tempo na audiovisualidade.
4.2 SENSO COMUM, HIPÓTESE E FRUIÇÃO
Sobre a colocação hipotética de que o tempo no TAT pode ser entendido e
analisado como uma estratégia de passionalização discursiva, poder-se-ia fazer a
contraposição de que já “saberíamos” de antemão a validade da hipótese. No fundo,
tal contraposição quer subestimar a proposição de pesquisa (elaboração, dado,
hipótese ou experimento) como “óbvia” ou, ainda, algo que dispensaria a atitude de
pesquisa. Essa contraposição considera a proposição como sabida, sem que, de
fato, o seja. As generalizações ou princípios que servem de base para uma pesquisa
(como “o tempo é categoria geral onde todos os eventos possíveis se encontram
enquadrados, ou “é possível dizer que todos os eventos estão no tempo”) são
tomados como um “saber” que, sedimentado na cultura, dispensaria a atitude de
pesquisa.
No caso do TAT, o erro seria pensar que a hipótese (“o tempo do texto é
organizado para produzir passionalidade a serviço da publicidade/propaganda”) já
tem validade sabida, que não precisaria de estudo ou demonstração. Pondera-se,
enfim, que tal contraposição (1) é um erro de pensamento, pois devemos partir de
algo conhecido para o desconhecido, o erro é tomar este por aquele; (2) se esquece
de que as coisas, idéias, sentimentos e percepções do “mundo cotidiano” são de
senso comum, são assim estabelecidos. Isso não dispensa que, em pesquisa, se
possa (ou se deva) partir desses elementos do mundo da vida em nível dos dados
ou dos pressupostos da pesquisa; (3) não considera que o valor de um estudo, em
determinadas bases “óbvias” para experimentar uma hipótese que compartilhe as
mesmas percepções do mundo cotidiano, está em construir as condições para a
validade futura da hipótese.
Neste sentido dado das coisas comuns, é justo dizer “é assim mesmo”,
reconhecer que a pesquisa tenha um dado da realidade como ponto de partida, mas
não é justo dizer que isso não precisa ser pesquisado, pois a questão não é apenas
reconhecer os saberes do senso comum, mas é compreender, explicar ou descrever
o que já supostamente sabemos pela prática comum. Precisamos descrever,
explicar em outro nível para tomarmos as coisas como saber científico, de modo
que, malgrado as aparências, o que pensamos saber no nível do senso comum
requer outro nível de percepção em pesquisa. Talvez seja o caso de se pensar em
um duplo nível de saber do pesquisador: o do homem comum que ele também é e o
do homem de ciência que ele deve ser. Confundir esses dois níveis parece estar no
erro de pensamento antes mencionado.
Com efeito, relacionando isso com o nosso objeto, sabemos que o tempo está
em tudo, inclusive nos TATs, mas o que ele é, como se processa e com quais
significados, como podemos saber disso, e muitas outras questões – para além da
constatação de que “o tempo está na vida” –, são os problemas que se diferenciam
do senso comum (sem o anular) e formam as questões a serem problematizadas
como questões de pesquisa. Se a hipótese guarda um lugar-comum com o
conhecimento prático do cotidiano, é preciso se perguntar se a fruição dos TATs, na
condição do telespectador, participa do mesmo lugar, gerador (motivador) daquela
percepção da hipótese, e sendo assim, como se daria a relação metodológica da
pesquisa com a fruição.
Um primeiro aspecto a observar, nessa linha de raciocínio, é o da “fruição” do
texto pelo pesquisador, em semelhança com o modo fruidor próprio do
telespectador, momento qualitativo em que se darão as percepções iniciais, já então
organizadas para os enquadramentos conceituais e a elaboração específica para a
abordagem do texto singular.
A princípio, o analista (o sujeito pesquisador) deve ser percebido como um
fruidor do texto, pouco diferenciado de um telespectador comum, isto é, embora seu
olhar esteja direcionado, o texto a ser analisado faz algo através de sua integridade
que em muito se parece com a fruição do telespectador comum, fazendo com que
aquele direcionamento seja também arrastado pelo fluxo discursivo concreto, pelos
mecanismos do texto que ordenam uma certa recepção – e neste sentido, a
pesquisa que resulta também é uma forma de recepção que se oferece, em outro
nível, ao pensamento crítico. Nisso, aliás, a postura do sujeito pesquisador não deve
se distanciar daquilo que diz J. Courtés a respeito da semiótica, ou seja, esta deve
dar conta dos fenômenos de sentido que se manifestam no cotidiano, realizando
uma interpretação que, embora sofisticada muitas vezes, deve se dedicar à
compreensão dos sentidos produzidos e entendidos no nível comum da experiência,
embora o faça com certo estranhamento.
Certa vez, um argüidor de tese perguntou ao candidato a doutor se a
semiótica servia para tornar os textos incompreensíveis – note-se aqui que tal
compreensão apela para um sentido não-acadêmico do termo. Havia nisso clara
proposição pejorativa que podemos interpretar como sendo o sentimento irônico de
quem vê a semiótica como complicador desnecessário, que serve à incompreensão
dos textos, em malefício destes, retirando ou subvertendo o sentido dado num
espaço de compreensão que viveria muito bem sem as construções semióticas.
Ora, no fundo desse juízo que se tornou pejorativo, há que se notar a
frustração implícita decorrente de uma certa visão instrumental (hermenêutica) da
semiótica, como se a ela coubesse estudar o sentido como uma espécie de
revelação aos não-iniciados nos segredos oraculares, revelar algo caro (quase
divino) aos sujeitos comuns em suas experiências que assim seriam enriquecidas.
Pode-se argumentar que a semiótica não serve para tornar os textos
incompreensíveis, que os textos são por si mesmos compreensíveis ou não, naquela
acepção do argüidor, conforme determinadas condições sociais e comunicativas.
Portanto, não precisamos de semiótica para entender instrumentalmente os
textos, tal como eles se colocam nas condições sociais e comunicativas de uso.
Aquela pergunta pejorativa (a semiótica serve para tornar os textos
incompreensíveis?) traz esse pressuposto equivocado e pretende, ironicamente,
interpelar o argumento supostamente contrário (“a semiótica torna os textos
compreensíveis”); ambos argumentos pecam pela visão instrumental-hermenêutica
acerca do fazer semiótico e se esquecem das sedimentações socioculturais dos
fenômenos de sentido.
Assim, os fenômenos temporais encontráveis no TAT são todos, de uma
maneira ou outra, sedimentados culturalmente, quer pela temporalidade das formas
e comportamentos do mundo cotidiano representados (com maior ou menor grau de
imitação ou ficção), quer especificamente pela cultura midiática (gêneros, meios,
hibridismos, técnicas e modos de fazer profissionais, etc.) que serve de base aos
TATs e demais produtos audiovisuais.
Nesse nível de observação em que a sedimentação cultural é reconhecida,
cabe refletir sobre uma pesquisa como esta, seus modos de operar, de fruição do
texto, de categorização com o tempo – este “esquecido”, como aponta Zilberberg –
e, mais especificamente, sobre a generalidade que talvez se possa obter com a
hipótese e metodologia desenvolvidas com o objeto de estudo, para daí se ampliar
com as implicações para os estudos midiáticos. A “incomunicabilidade” do tempo
deve ser refletida sob esta perspectiva do fazer semiótico, mormente quando ela se
mostra como “estratégia subjacente aos signos” (FLOCH, 1993). É justamente
abordando essa generalidade em sua relação com os TATs que iniciamos a
discussão do corpus.
4.3 CORPUS OU EXEMPLOS ANALÍTICOS
A sintaxe temporal, como uma organização genérica ou generalizável entre
tempo e narratividade num texto audiovisual, poderia ser estudada em diferentes
tipos de texto (filmes, entrevistas, novelas, telejornais, etc.). Por conta dessa
generalidade da hipótese, o corpus a ser escolhido, sem pretensão de ser
representativo dos TATs, funciona sobretudo como delimitação do trabalho da tese,
como delimitação do material empírico da análise; nesse sentido, o critério de
escolha desse material poderia ser aleatório, por horários, temas, etc.
Importa menos a representatividade dos TATs para a tese do que o objeto
temporal através do material, ou seja, o estudo da sintaxe com o conceito central de
temporalidade. Cremos que o mais importante está naquilo que o objeto temporal
escolhido (que não se confunde com o TAT) permite pensar como potencialidade
generalizadora da hipótese e dos procedimentos metodológicos para variados tipos
de textos midiáticos, mais do que nos resultados circunscritos a algo representativo
do corpus de TATs. A análise de TATs diversificados entre si, reconhecidos apenas
pelo lugar intervalar e duração, já estabelece e chama atenção para essa
generalidade, para além daquilo que seria uma amostra.
A questão também passa pela noção de amostragem e o problema de
gênero: tratar de amostra requer a delimitação do universo discursivo representado;
se a teoria de gêneros discursivos não nos permite ainda distinguir teoricamente a
propaganda da publicidade (o que nos levou à denominação TAT), a noção de
amostra tornar-se-ia devedora dos universos de gêneros que não são, por sua vez,
delimitados; portanto, não se pode chamar, neste caso - e a rigor -, de “amostra” um
corpus de TATs. Ademais, para além do que está circunscrito no intervalo,
comparece o problema do lugar da publicidade e propaganda: observa-se que o
fazer publicitário, para falar apenas dele, se expande do intervalo para marcar
presença nos filmes, novelas, shows, etc., diversificando a simples divisão da
programação televisiva em blocos estanques (programas principais/intervalos para
publicidade e propaganda). A própria noção de TAT, caracterizada pela presença do
texto no intervalo, já cuida das problemáticas do lugar e dos termos
publicidade/propaganda. Enfim, faz-se a composição do corpus sem o compromisso
da representatividade – compromisso impossível de cumprir porque uma amostra de
TATs pressupõe uma definição destes em nível de gênero, e o problema assim se
reapresentaria, apenas com a diferença de nome.
A generalidade potencial parece se justificar também porque há certas
ocorrências gerais e semelhantes nas sintaxes audiovisuais. Não admira que seja
assim, visto que há interferências entre diferentes produtos em nível dos diferentes
sistemas semióticos e das hibridações entre os meios de comunicação, num
processo de constante criação e interação no universo dos textos midiáticos. Daí a
perspectiva de que o objeto temporal poderia ser pesquisado em diferentes produtos
audiovisuais, cinematográficos, televisivos e videográficos. Nossa escolha pelos
TATs, vale reiterar, deu-se pelas razões já expostas, quais sejam, a restrição
temporal, a diversidade de situações sociais representadas e a flexibilidade na
composição do corpus.
No entanto, em se tratando da escolha de textos, a situação muda quando
se pensa num critério que viria da própria construção teórica e hipotética da tese,
isto é, como aconteceria no caso de se escolher um primeiro TAT aleatório e, a partir
deste, os demais. O conceito de lugar de fala (Braga, 2000) nos fornece a
perspectiva da relação do texto com outros textos e da situação que o envolve e que
ele ajuda a construir. Aí sim, o critério seria importante e daria mais trabalho para
elaborar, visto que surgiria a partir do interior das análises realizadas nos diferentes
textos formando uma concatenação destes como intertextualidade.
O TAT da Renner (cf. tópico das análises), entretanto, ao propor
intertextualidade com a novela Esperança, não define um outro TAT, mas se refere a
certa continuidade do fluxo televisivo que poderia ser, em outro caso de análise,
orientador para a escolha de outro TAT. No caso do TAT Serra e da cena final do
programa político do PT (campanha presidencial 2002)
15
, há uma intertextualidade
que pode direcionar uma escolha para o corpus, pois os elementos do primeiro estão
potencializados na construção do segundo, justificando assim uma leitura
convergente dos dois. Cremos que por essa linha de raciocínio é possível
abandonar a possibilidade aleatória para escolha dos TATs (ou eleição de horários,
etc.) em prol de um critério mais internalizado à lógica do problema de pesquisa, isto
15
Os TATs político-eleitorais, em certo momento, foram cogitados para o corpus. Posteriormente,
decidimos, em razão de maior simplicidade na composição analítica da tese, não incluí-los, com
exceção de uma análise individualizada nos TATs do PT. A comparação de TATs dos candidatos
José Serra e Lula da Silva toma as campanhas concorrentes (PSDB/PT) para a eleição
presidencial de 2002. Observou-se, na campanha final do PT, uma
repotencialização/transformação de elementos presentes no TAT de Serra: o que era, neste TAT
de Serra, uma música de fundo comum e desconhecida durante a locução, torna-se, na campanha
do PT, o Bolero de Ravel (apenas música e imagem); o que era um bebê, torna-se uma multidão
de mulheres grávidas caminhando numa colina; o que era uma voz in off anônima de “locutor”,
torna-se uma voz histórica que se desvela ao final da cena: Chico Buarque aparece ao final
olhando para o telespectador, conferindo personalidade à fala que se ouvia antes (cena final).
é, em vez de uma lógica de amostragem (que padece dos problemas de gênero e do
confinamento desnecessário do objeto na amostra), uma escolha afinada com a
própria natureza da análise.
Por exemplo, se tivéssemos um corpus escolhido aleatoriamente, o que
faríamos na pesquisa diante da exigência da relação do TAT Serra e campanha do
PT e da relação entre a novela Esperança (que, em outro caso possível, poderia ser
outro TAT) e TAT da Renner, já que os textos aí envolvidos são transmitidos em dias
e horários diferentes? O critério de escolha aleatório, por horários ou outro, iria
então, neste raciocínio, se demonstrar um limitador da pesquisa, pois outros textos
pertinentes não seriam observados, por conta de uma camisa-de-força
desnecessária. A rede de relações textuais ficaria assim prejudicada.
Em suma, em vez de escolher para analisar, o caminho mais apropriado aqui
é analisar para escolher a rede textual pertinente – embora sejam dois caminhos não
excludentes. Sobretudo, para além dessas considerações, cabe dizer que o objeto
temporal (o tempo no discurso) pode ser encontrado em qualquer TAT, seja qual for
o conjunto em que ele esteja e seja qual for o critério de escolha. Então, se não é a
representatividade que interessa, é apropriado então obter uma boa diversidade de
TATs, contrastantes entre si, seja a diversidade globalmente percebida (formato,
estilo, etc.), seja, sobretudo e essencialmente, no que se refere aos “esquemas e
traços temporais” diferenciados, àquilo que parece ter um “estilo temporal” diferente.
Com isso, finalmente, colocamos em questão a pertinência de usarmos o
conceito de corpus, na medida em que implica desenvolvimento de lógica própria
funcionando no tratamento de peças analisadas numericamente. Talvez seja mais
justo falarmos de exemplos analíticos da tese, apresentando alguma discussão
desenvolvida e pertinente para futura formação de corpus rigorosamente tratado.
Escolhemos a Globo como o canal fornecedor de TATs exibidos em TV
aberta. A escolha se justifica pela posição de destaque desta emissora na televisão
brasileira, paradigmática em vários aspectos, desde o fazer televisão no Brasil com
sua centralidade mercadológico-publicitária, aos aspectos discursivo-estruturais
(formatos, gêneros, etc.), socioculturais, identitários, etc., conforme salientam muitos
autores (BUCCI, 2000) (BORELLI; PRIOLLI, 2000) (Balogh, 2000).
Dispomos de gravações, em fita VHS, dos últimos três anos, com TATs em
geral, inclusive a campanha presidencial (TATs e propaganda política obrigatória) e
a transmissão ininterrupta nos horários noturnos, com durações entre 1 e 4 horas de
programação. Essas gravações começam ou pela novela das sete horas ou pelo
“Jornal Nacional”, incluem a novela das oito e avançam até os programas
sucessivos, com todos os intervalos e seus numerosos TATs. Teve-se aqui o
cuidado de gravar o fluxo televisivo (pelo período de 1 a 4 horas) tal qual se
apresenta na transmissão, evitando que o fluxo sofresse quaisquer seleções ou
outros procedimentos – embora as análises tenham se concentrado na investigação
das estruturas em cada texto. As gravações ocorreram em vários meses, dias e
horários noturnos (escolhidos pela ampla audiência), somando em torno de 30 horas
de duração.
Além desse material, dispomos da coleção Memória da Propaganda: 50 anos
de propaganda na televisão – produção do Museu da Propaganda –, um conjunto de
10 fitas de vídeo reunindo anúncios brasileiros premiados no Brasil e no exterior. Tal
coleção permite, juntamente com os anúncios gravados da Globo, uma ampla
perspectiva para a seleção de anúncios, seguindo o critério de variabilidade de
problemas temporais, formatos, etc. O corpus, enfim, deverá apresentar certa
diversidade de sintaxes temporais para a análise do objeto, embora pouco numeroso
e sem pretensões de representatividade, nos termos já discutidos.
Trabalhou-se na análise de TATs políticos (cf. nota anterior), como já foi
indicado na relação Serra-Lula. A propaganda política do PT, em setembro-outubro
de 2003, apresenta um TAT que denominamos “Ordem e Progresso”, pelo uso da
Bandeira Nacional e o destaque ao lema. Este TAT correlaciona-se na análise com
os TATs da campanha presidencial 2002, na verdade, uma série com o slogan
“Agora é 13. Agora é Lula”. Salienta-se aqui a perspectiva das “temporalidades
sociais” representadas nos TATs, tendo como pano de fundo determinados aspectos
da teoria de campos sociais de Adriano Rodrigues
16
.
Nossa reflexão no âmbito do trabalho analítico ficou reforçada quando, após
alguns ensaios de análise, constatamos em Tensão e Significação (FONTANILLE;
ZILBERBERG, 2001), que os sistemas não-verbais, metodologicamente tratados no
fim da obra (contendo uma lista conclusiva indicando passos analíticos futuros),
demandam alguns passos que, felizmente, estão presentes no trabalho de análise
realizado, quais sejam, no conjunto, aqueles que se direcionam à tomada da
passionalidade discursiva globalmente, segundo a idéia de sintaxe temporal.
A constatação de que a tomada de análise global, para o estudo da
passionalidade, representa um esforço de ponta da semiótica atual justifica alguns
procedimentos de trabalho adotados: a) esforço concentrado no estudo do texto
individual, para vencer barreiras operacionais da análise; b) busca de explicitação
16
Faz-se alusão aqui, em se tratando de dinâmicas sociais de natureza temporal, a certos aspectos
de fundo presentes na teoria dos campos sociais de Adriano Rodrigues (abordados em conversa com
o autor, em 2003), são aspectos fundamentais, epistemológicos, mas não explicitados na teoria: eles
dizem respeito à noção de “fluxo corrente”, nas sociedades tradicionais, e ao “fluxo interrompido” que
iria caracterizar a racionalidade da modernidade. Advém daí uma noção de fluxo temporal (corrente e
interrompido) que marca a passagem do pré-moderno ao moderno. Trata-se de uma “metáfora da
física” – expressão que usamos com aprovação do autor – deixando margem para novas explorações
e explicitações da teoria. Essa perspectiva temporalizante é o que permite que aqui se fale, em
relação aos partidos políticos, de “fluxos” ou “ritmos” de mudança, ora mais, ora menos adequados ao
que a situação eleitoral requer.
metodológica, o que traz conseqüências não somente para a visibilidade do objeto
tratado localmente, mas para a generalização da hipótese e da metodologia; c) os
esforços anteriores, somados à busca de melhor desenvolvimento do problema de
pesquisa, sempre atuante até o final do trabalho, implicaram no pequeno número de
textos analisados, a título de corpus.
A rigor, assim como a representatividade, a questão numérica não resultou
importante como os procedimentos já comentados; também ela foi menos importante
do que a questão de solucionar o trabalho de observação transversal das análises,
observação mais pertinente do que a mera extensão numérica, cuja possível
pertinência seria apenas justificadora da palavra corpus, em vez de exemplos
analíticos.
4.4 PERSPECTIVA DE UM MODELO COMUNICACIONAL
Afirmamos que a enunciação do TAT deveria ser estudada então no modelo
comunicacional (eu-tu) da paixão: na manipulação modal e passional da
narratividade, assim como pelas manobras temporais do eu rítmico enunciador, eu
que vive na tensividade, no jogo de tensões e distensões, intensidades e
extensidades e, sobretudo, no tempo (FONTANILLE; ZILBERBERG, 2001). Aponta-
se, a seguir, para um esboço de modelo comunicacional dos TATs a ser
desenvolvido na direção do modelo comunicacional da paixão já indicado.
Uma possibilidade de desenvolvimento está numa concepção geral para os
TATs: parte-se da noção de situação comunicacional em que se concebe um sujeito
enunciador dos TATs (dito S
1
), considerado multifacetado no seu conjunto, seja o
anunciante empresarial, seja o sujeito social que faz publicidade/propaganda
(empresa, partido, ONG, governo), ou outros; o sujeito enunciatário, dito S
2
, que
compõe a situação comunicacional, corresponde ao telespectador em geral; trata-se
de sublinhar aí uma macro-situação onde temos macro-sujeitos, multifacetados nos
seus conjuntos, mediados pela TV na complexidade do processo midiático.
Esta concepção genérica poderá significar talvez que, para o problema de
pesquisa que nos ocupa, não interessa ver além ou aquém dessa dimensão
multiforme em que se representam os atores sociais, em “carne e osso”, os sujeitos
S
1
e S
2
; interessa investigar, no problema, como essa macro-situação faz relações
discursivas de interação, de comunicação, onde as projeções destes macro-sujeitos
vivem discursivamente, examinar o jogo no qual S
1
projeta-se para incluir neste jogo
o telespectador, S
2
.
Algumas possibilidades orientadoras: (1) o sujeito S
1
, ao propor valores, idéias,
ao buscar convencer, projeta-se no discurso, cria a situação comunicativa com S
2
através de sujeitos narrativos e discursivos; (2) estes sujeitos de significação e de
comunicação estão postos na estrutura narrativa e com repercussões no discurso:
estão assim os sujeitos do fazer que produzem transformações e os sujeitos de
estado que as sofrem, assim como toda a estrutura actancial; (3) a relação de
projeção entre macro-sujeitos e os sujeitos de fazer e de estado, como, de resto, em
toda sintaxe dos actantes, já incide no modelo passional/comunicacional da
pesquisa, visto que a cada ação corresponde uma paixão, a cada ação-paixão dos
sujeitos, vislumbra-se a passionalidade estratégica que o eu enunciador S
1
quer
projetar discursivamente para convencer; (4) quer-se, então, saber como o tempo,
então manifestando o eu rítmico S1, faz a passionalidade estratégica, a dimensão
passional dos TATs, aquela que, na crença e expectativa do mundo publicitário, de
alguma maneira se vincula ao ato de compra ou adesão a idéias.
Esse convencimento se entende como um jogo discursivo em que atuam as
competências interpretativas e manipuladora do enunciador. Isso difere da mera
crença de que a propaganda/publicidade é eficaz, faz as vendas aumentarem, etc..
O convencimento de que tratamos aqui não deve ser entendido com excessiva
aderência aos atores sociais tomados em “carne e osso”, na medida em que esta
aderência envolveria tratar da “validade efetiva” de um texto para convencer (fazer
fazer).
Quando se propõe, no mundo empresarial-publicitário, que é melhor investir
em publicidade para se obter resultados empresariais, trata-se de uma eficácia ou
convencimento de natureza diferente daquela que se concebe na pesquisa do TAT:
não se defende aqui o pressuposto de que o TAT agirá nas tomadas de decisão do
telespectador, ou seja, um determinismo de efeitos discursivos pelos quais o
individuo fará a compra, ou a adesão a valores ou idéias – pelo menos, esta
prudência é recomendável, já que é muito difícil conceber e sustentar um “cálculo”
dos efeitos da publicidade. O que se deve observar é a existência da crença nestes
efeitos, por assim dizer, quase como se fosse um processo racionalizável e
determinado, onde se pode prever comportamentos gerados pela chamada
“comunicação persuasiva”.
No entanto, malgrado a possibilidade de criticar a crença nos efeitos, não se
pode negar – justamente pela existência de um sistema composto pelo universo
estratégico (empresarial, midiático), pelas técnicas de produção que almejam o
convencimento do telespectador, pela crença nos efeitos da publicidade/propaganda
– que o TAT possua as marcas deste convencimento almejado, dentre elas, o tempo
(sensibilizador passional) no discurso, enquanto saber cultural sedimentado e
percebido como um elemento estratégico dos TATs.
Pela sedimentação cultural, sabe-se da relação existente entre o tempo e a
dimensão passional do ser humano, zona intermediária entre o pensamento e a
ação; crê-se que atuando na zona intermediária chega-se mais facilmente a influir no
pensamento e nas ações humanas. Mas esses pressupostos (não expressos) do
convencimento publicitário-propagandístico são registrados pela pesquisa como
sendo da origem dos TATs, advogados e praticados nesse sistema produtivo que os
origina, o que nos exime de responder por eles, de colocar nossa hipótese nesses
termos. Reconhece-se apenas, em outros termos, que esta concepção do
sistema no objeto. O problema que nos ocupa consiste então, pela análise do objeto
discursivo, em trazer à luz alguma coisa da sintaxe temporal correspondente aos
procedimentos discursivos relativos ao convencimento concebido na produção do
TAT. É nesses limites conceituais que invocamos, anteriormente, a eficácia
simbólica das paixões via tempo.
O planejamento estratégico, embora revestido de todo o aparato profissional,
razão pela qual se poderia atribuir pleno domínio da expressividade posta em ação e
de seus efeitos no telespectador, não deve fazer esquecer o aspecto complexo da
instância enunciativa; como Bourdieu (1996) explicita, reconhece-se então que nada
é mais livre e mais coagido do que um bom estrategista. A coação, para separar as
coisas a grosso modo, está nos limites do dizer, na complexidade da linguagem, no
“turbilhão da vida”, na expressão do sociólogo, coação presente em cada ato
estratégico que tende a se dissolver em suas operatividades; a liberdade está, como
quer testemunhar a literatura sobre o fazer publicitário/propagandístico, nas ações e
crenças racionalizadas traduzidas em técnicas que o agente acredita eficazes para
os seus fins.
Isso significa então que, na ação estratégica que está posta no TAT,
convivem elementos conscientes e inconscientes que a estratégia revela ao se
concretizar num texto; um dos elementos que prometem uma abertura para perceber
esses amalgamentos de consciente e inconsciente na ação estratégica é,
justamente, o tempo: quais relações, por exemplo, se encontram no tratamento
rítmico (expressão do estratégico) de um texto? Por que determinado jogo de cortes
e planos, e não outro? Por que a presença de determinada música (que é
concentração do tempo, arte passional) com suas relações com a temporalidade
geral de um TAT? São perguntas desse tipo que fazem entrar na reflexão do tempo
como estratégia, como lugar privilegiado, talvez, para a observação das coações e
liberdades do bom estrategista. A pesquisa, também, ao lidar com isso que está
posto, traz seus próprios elementos conscientes e inconscientes; ambos aspectos
estratégicos do objeto e do sujeito pesquisador estão em relação, e deste composto
objetal-subjetal se extrai a possibilidade de conhecer.
O elemento estratégico audiovisual permite ver sua relação com a escala
ascendente de liberdade na linguagem, isto é, a liberdade do sujeito na linguagem
aumenta na medida em que se vai das menores às maiores unidades do discurso;
se compararmos o nível da sílaba e dos fonemas (pelo lingüístico), ao nível
cronológico do tempo (pelo audiovisual), veremos que a liberdade de expressão da
estratégia temporal cresce em direção ao enunciado integral (audiovisual), do
cronológico ao ritmo-mnésico-cinemático discursivos (categorias ascendentes
conforme o item), o que corresponde justamente à totalidade discursiva que
responde pela configuração passional.
A restrição de 6 a 30s do TAT, característica deste tipo textual, está então no
lugar coercitivo da estratégia, o que deverá ser investigado em correlação com os
microníveis da coerção encontrável nas categorias individuais do tempo. É útil
apreciar a noção de discurso estratégico numa concepção agonística, que seriam
aqui os limites de coerção e liberdade encontráveis na montagem do tempo. Se a
escala de liberdade é ascendente, o agonístico se encontra nos níveis inferiores da
discursividade do TAT e na sua restrição intervalar dos 30 segundos.
Interessante aí é comparar ainda a anunciabilidade negativa dos intervalos
(que traduzida em sentido explícito, seria: “a TV é feita somente de programas, não
de intervalos” – os intervalos são como intrusos na programação), a concentração no
TAT do tempo da ação e da ação do tempo. Se a estratégia se faz no jogo da
“incomunicabilidade”, os intervalos (ao serem peças fundamentais da empresa de
comunicação, da produção estratégico-empresarial) se fazem também nessa
“incomunicabilidade” da anunciabilidade negativa, que se esconde e que se mostra.
Curiosamente, é na figuratividade do tempo, lugar do incomunicável, que reside o
objeto da sintaxe temporal; os intervalos da TV, em sua anunciabilidade negativa,
têm lugar na figuratividade do fluxo temporal televisivo.
O sistema de valores postos em ação pelo discurso, os programas e contra-
programas dos actantes, a ação do tempo limitada pela restrição do TAT, vistos
numa concepção coercitiva e agônica da estratégia, teriam possivelmente um
espaço de reflexão numa semântica do tempo construída a partir dos pares
natureza/cultura, vida/morte; tal estudo semântico apenas teve início e se encerrou
na medida em que nos pareceu mais promissora outra perspectiva. Ela consistiria,
para além de uma categorização geral com aqueles pares, em fazer funcionar, numa
outra empreitada desta tese, o quadrado semiótico com o tempo, com as categorias,
continuidade/descontinuidade ou a de parada/parada da parada, e ainda outras
apropriadas à tensividade; mas tal funcionamento se daria a partir das análises
concretas dos TATs, fazendo emergir de cada caso uma análise que poderá
contribuir para uma visão geral do tempo no plano do conteúdo.
Parece verdadeira a asserção de que o metodológico flui naturalmente da
construção teórica do objeto; de que não há quadros estanques entre teoria e
metodologia: a primeira, uma vez realizada, já é, de certa forma, a segunda. Em boa
parte desta pesquisa, cremos que o que fizemos teoricamente já traz os passos
metodológicos, analíticos. Como já foi indicado em outro lugar, falamos do objeto
deixando-se entrever a análise decorrente. Assim, mais algumas indicações dos
rumos a seguir serão dadas. Cremos que a análise seria amplamente beneficiada
pelo trabalho com o programa Adobe Premiére, seja pela análise audiovisual que ele
permite, pelos exemplos no papel que poderão ser dados, seja pela análise
acompanhada pelo leitor em CD – o que permite ver e ouvir o texto audiovisual
analisado. Tal recurso digital depende, entretanto, de um trabalho futuro, após este
momento da tese aqui presente.
Alguns itens enumerados a seguir, dentre outros, atuam complexamente e
podem ser atualizados nas análises, a depender das condições concretas de cada
exercício analítico. São eles: a análise lexical, quer a dos nomes proferidos das
paixões (caso raro, nos TATs observados; quase sempre, trata-se de passionalidade
implicitada, não dita verbalmente; o léxico viria então da análise), quer de outras
expressões verbais; os níveis de análise da fala (prosodicamente), da música, como
expressão passional autônoma e sincrética; as formas visuais e sua arquitetura no
tempo; as identidades visuais, sua narratividade intrínseca, os seres e estados
passionais encenados nos TATs; a segmentação do texto, segundo estruturas
narrativas e discursivas e perfis da sintaxe temporal; sobretudo, estes itens deverão
ser cruzados e centralizados numa zona de funcionamento que é a intersecção entre
o sujeito-tempo que responde pela ação que faz o tempo e ação dos actantes
narrativos e sua colocação em discurso.
As indicações metodológicas respondem também pela questão lançada no
início sobre a identidade passional. Se a passionalidade pela sintaxe é posta a
serviço do convencer, e refere-se à situação comunicativa dos macro-sujeitos, é
razoável supor que o jogo passional, associado às ofertas objetais, subjetais, ideiais
e valorativas, lança uma identidade para o Sujeito S2 (com a qual o telespectador
possa se identificar), aquele que supostamente irá viver, segundo a crença do
sistema produtivo do TAT, a mesma passionalidade ofertada, quando a projeção
entrar em conjunção com objetos de valor (valores, produtos/serviços, grupos e
papéis sociais, etc.) ofertados pelo TAT.
4.5 OS TEMPOS CRONOLÓGICO, RÍTMICO, MNÉSICO, CINEMÁTICO
As categorias temporais aqui apresentadas foram hauridas, em grande parte,
na leitura da obra de Luiz Tatit (1997) Musicando a semiótica, a que nos introduziu
nas inovações teóricas de Claude Zilberberg
17
, das quais se procurou saber
diretamente em alguns trabalhos originais deste autor; por outro lado, elas resultam
também, um tanto quanto independentes de maior teorização, de uma leitura da
temporalidade musical, com base em nossa própria experiência em música,
obtendo-se a formulação em diagramas das categorias.
Como o título do livro de Tatit sugere, a música representa um processo
semiótico desafiador: são os fenômenos contínuos da foria e da tensividade que se
17
Este autor, pertencente à Escola de Paris, tem se notabilizado pela pesquisa da temporalidade no
quadro da Semiótica Tensiva, como se pode apreciar pelo estudo antes comentado sobre o
estatuto teórico do tempo. A pesquisa de Tatit, por seu turno, traz avanços na aplicação de
conceitos tensivos em música, especialmente no eixo de funcionamento da verbalidade e da
melodia no gênero canção.
colocam em relevo. Igualmente, a nosso ver, a temporalidade que se mostra nos
diagramas é desafiadora do ponto de vista teórico, embora não se queira aqui dar
conta de todas as implicações do uso das categorias temporais no texto audiovisual.
Para o que se pretendia e se podia estudar nesta empreitada, a elaboração teórica
pareceu suficiente e, ao mesmo tempo, indicadora de novos desenvolvimentos.
É importante assinalar uma distinção fundamental que se dá em relação às
categorias lógicas greimasianas e, também, indicarmos uma perspectiva específica
para a enunciação. Esta surge rompendo um continuum, produzindo-se em termos
da oscilação tensiva que, ritmicamente, ora fornece limites e as contrações, ora as
progressões e expansões do fluxo fórico. Há um eu em posição de sujeito
enunciador que regula a alternância rítmica, as escolhas e manobras rítmicas
realizadas. Tatit assim descreve algumas das inovações fundamentais de Zilberberg
que permitem pensar o nível tensivo:
Em vez de operar com os termos asserção/negação, indicativos da
inspiração lógica de Greimas, Zilberberg adota as noções de parada e
parada da parada, cujo teor temporal confere maior rendimento à descrição
da foria. Se a semiótica já concebia a primeira apreensão do sentido
positivo como uma operação de dupla negação (negação dos termos
diferenciais que se negam mutuamente), Zilberberg compreende que o
sentido fórico só se estabelece a partir da intervenção rítmica do sujeito
que, rejeitando um tempo fora de controle, um fluxo indeterminável e
imprevisível, propõe, por meio da enunciação, uma redistribuição das
descontinuidades e continuidades em forma de paradas e paradas das
paradas. Nesses termos, a própria enunciação constitui, em última
instância, a parada da parada de um fluxo interrompido, ou, se preferirmos,
o restabelecimento de uma continuidade que ela mesma estancou (TATIT,
1997, p.15).
Os tempos cronológico, rítmico, mnésico e cinemático podem operar em
simultaneidade; assim resultam no fenômeno (complexo e uno) que compreendemos
como tempo. Em direção a essa construção, a seguir apresentada, a reflexão própria
que fazíamos sobre tempo e música andava a caminho. Após o conhecimento da
obra de Tatit e das categorias, além da luz lançada sobre a reflexão, observamos
ainda que era possível desenvolver um modo para explicitar/representar,
oportunidade em que o saber musical mostrou-se empiricamente elucidador. Esse
modo de apresentar/representar é esclarecedor e facilitador de leitura, em virtude da
disposição diagramática que resultou para os quatro tempos. Com o diagrama
espera-se tornar possível “ler o tempo”.
No tempo cronológico há uma seqüencialidade irreversível, sucessividade
descontínua onde os acontecimentos se dividem em antes e depois, com o presente
sempre se transformando em passado. É o tempo em que os eventos se sucedem
pela superação de limites e demarcações (cf. fig.1).
(fig.1).
ta ti ta ti ta ti ta ti ta ti ta ti ta ti ta ti ta ti ta ti ta ti
ta: um evento caracterizado pela duração da sílaba “ta”.
Ti: um evento caracterizado pela duração da sílaba “ti”.
(Ambos eventos têm mesma duração, são diferentes apenas em demarcação ou limite –
o antes, o depois, representados por qualidades sonoras diferentes).
: cada evento presente, ao ocorrer, se transforma imediatamente em passado. Daí a
seqüencialidade irreversível.
No tempo rítmico há o surgimento das leis e da homogeneidade dos valores,
neutralizando a sucessividade com os contrastes temporais e alternâncias. Os
tempos cronológico e rítmico estão na ordem intensa e marcam as relações de
vizinhança (cf. fig.2).
(fig. 2).
{ a } { a’ } { a } { a’ } { b } { b’ } { a } { a’ } { a } { a’ }
ta ti ta ti
t
a
ti
ta t
a
ti
ta Ta ti ta ti
t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti
: duração de um evento que soma eventos do tempo cronológico.
{ }: espaço de tempo (duração) de uma figura rítmica.
a : figura rítmica a.
a’: figura rítmica {a’} de mesma duração de {a}, em alternância de valores
homogêneos.
b : figura rítmica {b} que contrasta com {a’}.
b’: figura rítmica {b’} que alterna com {b} (alternância de valores homogêneos).
O tempo mnésico presentifica o passado pela memorização, modalizando o
tempo cronológico pela neutralização que recupera o que foi remetido para o
passado. Sobremodaliza o tempo rítmico convertendo os valores construídos pela
regularidade em perpétua criação de espera (como se dá especialmente na
linguagem musical, onde a forma sonora emerge pela relação constante entre o que
já ocorreu e a expectativa da próxima ocorrência), expande a lei por todo o texto. Na
simultaneidade do presente, o tempo mnésico transforma o antes e o depois em
passado e futuro, é o tempo da duração, das relações sistêmicas (fig.3).
(fig.3)
∼•→ : espera (o passado é presentificado e espera-se que os eventos ocorridos
voltem a acontecer ou não)
: a figura rítmica anterior é presentificada (ordem intensa).
∼∼
: figura rítmica anterior é presentificada, mas faz parte de uma figura maior à
distância (ordem extensa).
∼∼∼
: figura rítmica maior presentificada em relação à distância (ordem extensa).
O tempo cinemático institui a oscilação entre aceleração e desaceleração,
gerando ora os limites, ora as continuidades. A aceleração ativa inícios e
encerramentos, retirando substância dos valores durativos, dos intervalos de
passagem. O tempo cinemático atua sobre toda uma seqüência textual, mantendo
os valores relativos e acelerando/desacelerando os valores substanciais. Os tempos
mnésico e cinemático são categorias extensas, sobredeterminam os tempos
cronológico e rítmico, permitindo as relações à distância (fig.4).
(fig.4)
{ a } { a’ } { a } { a’ } { b } { b’ } { a } { a’ } { a } { a’ } { b } { b’ } { a }
{
{ a } { a’ } { a } { a’ } { b } { b’ } { a } { a’ } { a } { a’ }
Ta Ti ta ti
t
a
ti
ta t
a
ti
ta ta ti ta ti
t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti t
a
ti
: aceleração
: desaceleração
A diminuição ou aumento de tamanho das figuras rítmicas (efeito visual
gradativo) corresponde à diminuição ou aumento dos valores substanciais de
duração.
A aceleração ativa o início ou o encerramento das figuras aceleradas diminuindo
seus valores durativos; por isso el
as começam ou terminam antes das não-aceleradas
(compara-se com as figuras não-aceleradas na fig.2 situada acima); a desaceleração
desativa esses inícios e encerramentos.
O início e fim das figuras são os limites (descontinuidades); a aceleração, ao
retirar valor de duração, gera descontinuidade; a desaceleração, ao repor os valores
durativos retirados pela aceleração, gera continuidade.
Diante dessa abordagem formalizada se deve ter em conta, sobretudo, o
plano da expressão que é assim valorizado em sua temporalidade, de modo que as
propriedades temporais encontráveis na expressão de uma semiótica (audiovisual,
neste caso) alcançam o estatuto do plano de conteúdo. O tempo cinemático, por
exemplo, ao sobredeterminar o tempo rítmico, é um sujeito de fazer em relação ao
ritmo (sujeito de estado); o sujeito da enunciação, ao jogar com o fluxo fórico,
manifesta-se como um eu rítmico controlando as concentrações (tempo cronológico
e rítmico) e as expansões (tempo mnésico e cinemático). Tais noções são
esclarecedoras daquilo que se chamou de ação do tempo no discurso.
Essas categorias temporais são o aparato metodológico principal com que se
pretende analisar os diferentes aspectos discursivos em que o tempo se apresenta
analisável. A seguir daremos algumas indicações metodológicas a respeito do uso
dessas categorias.
4.6 PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS
Para início de trabalho, numa perspectiva de análise do objeto material e
produção de dados, numa abordagem mais direta, podemos segmentar, articular,
localizar os pontos de ligação e separação de segmentos textuais, examinar
estruturas de superfície, as unidades textuais, experimentando categorias analíticas
definidas. Parece necessário buscar sempre, nos textos, a idéia principal
orientadora, aquela que corresponderia ao núcleo textual onde se encontra o objeto.
A partir desta exploração inicial, deve-se decidir quais são os conceitos semióticos
apropriados ao desenvolvimento do estudo. Embora a semiótica da Escola de Paris
ofereça ampla gama analítica, imediatamente operatória – o que sempre parece
ajudar na ativação de intuições, enfoques e conceitos –, a pesquisa não deverá se
pautar por uma “aplicação analítica” da teoria semiótica em sua plenitude; antes,
pautar-se-á pela busca orientada ao objeto de estudo que, uma vez encontrado
como núcleo textual, permitirá a seleção dos conceitos semióticos pertinentes.
Contudo, um exercício sempre necessário para a abordagem do texto,
objetivando-se o micronível de análise e a emergência de novos aspectos
orientadores, consiste na observação do tempo cronológico do texto: estabelece-se
uma unidade de tempo (mais ou menos lenta/rápida do que um segundo – unidade
igual a uma das sílabas da figura 1 do tempo cronológico) como unidade de
referência do texto inteiro. Essa velocidade maior ou menor da unidade de tempo é
já percebida/escolhida pela forma geral que o texto apresenta entre os ritmos das
imagens, da fala, da música, e outros elementos de fluxo – em relação às demais
categorias do rítmico, mnésico e cinemático. Portanto, como já foi comentado, o que
chamamos de tempo (essa noção geral e unitária) é o conjunto complexo de
atuação das quatro categorias.
A partir da divisão proporcionada com a unidade de tempo de valor 1, surgem
outros valores maiores ou menores que 1: são os valores rítmicos, a regularidade de
valores relativos (1, 2, em seqüência, equivale a 1:2; 2, 3, em seqüência, equivale a
2:3; 1, ½, em seqüência, equivale a 1: ½; etc.) e de valores absolutos (duração de 1,
duração de 2, duração de 3, duração de ½, etc.). A permanência do valor 1, para
soma ou divisão que resultam em variadas durações, é a permanência do tempo
cronológico (a unidade de tempo em devir constante, presente sempre transformado
em passado). A partir destes procedimentos, se pode analisar o texto segundo as
categorias: figuras rítmicas em vizinhança e à distância (tempo rítmico e mnésico),
acelerações e desacelarações (tempo cinemático). O procedimento relatado neste
parágrafo refere-se, em geral, à experiência analítica que permite descrever o
funcionamento das categorias, no aspecto básico (matemático) das configurações
temporais. Esse é o exercício inicial em que se iniciam as correlações entre tempo e
passionalidade vistos como aspectos estratégicos do TAT.
Em termos de recursos materiais (artesanais), têm sido suficientes o aparelho
de televisão e vídeo e as gravações em fita VHS. Ainda é possível, numa fase
posterior, incrementar a análise com o computador e vídeo, usando-se o programa
Adobe Prèmiére, explorando aí as possibilidades de segmentação do texto,
sincronização de som e imagem, contagem exata do tempo cronológico e dos
valores duracionais (segundos e suas subdivisões), e outros procedimentos de
análise e de realização de exemplos com gráficos, quadros de análise, figuras no
papel ou no tempo em suporte digital.
Tal fase de trabalho deverá ser conseqüência de um desenvolvimento da tese
rumo às quantificações do tempo como expressão passional, quando surgirem as
condições ideais para tal tarefa, a partir do que já realizamos com o aspecto
matemático das categorias temporais. Vale sublinhar que a tarefa é ricamente
motivada ao longo da Semiótica das paixões, especialmente no seu final (GREIMAS;
FONTANILLE, 1993, p. 287-294) onde se reflete sobre o “problema da quantificação”
que, com insistência, se repete na teoria semiótica quando esta trata seu
componente passional.
4.7 CONCEITOS METODOLÓGICOS
Os conceitos metodológicos que se apresentam a seguir são resultado de
análise preliminar e podem ensejar uma visão de conjunto das análises textuais ao
final. Daí o interesse de começar sua apresentação a partir da pergunta sobre quais
semelhanças e diferenças possuem os TATs analisados. Isso aponta para os
resultados de análise mais diretos e também dá lastro para as conclusões mais
amplas, uma vez que elas devem encontrar base nos resultados empíricos.
Um começo de resposta talvez esteja em estabelecer o conceito de linha
cronológica, mais simples em relação a outros conceitos que lhe dizem respeito. A
linha cronológica pode ser descrita por sua figura de linha reta e sua composição em
segundos ou em pulsos métricos (similares aos tempos do compasso em música)
que servem à contagem da sucessividade do tempo cronológico. Ela assim se faz
representar por um segmento de reta acompanhado pela expressão de soma em
segundos e serve à localização de eventos marcados do TAT (conceitos mais
complexos) e de eventos não marcados.
Os eventos marcados são acontecimentos da superfície textual que, com
diferentes níveis que combinam elementos vizinhos e não-vizinhos, marcam
aspectualmente (indicando o tipo de processo usado) a presença de elementos de
nível inferior (mais profundos) ou mais extensos.
Alguns exemplos de eventos marcados são: a mudança rítmica do simétrico
para o assimétrico ou vice-versa, atingindo todas as semióticas componentes do
texto; um efeito especial fílmico indicando ou elementos passionais ou uma espécie
de enunciação enunciada ou de outra relação enunciativa, a serviço da significação
global; determinado ponto do desenvolvimento musical criador de expectativa
musical e narrativa: é o momento em que se põe à prova a qualidade de um produto
(indicando os marcos do esquema narrativo) e em que a música chega ao ponto de
redefinir o seu processo (contínuo ou descontínuo) e assim se cria certa
passionalidade própria da prova realizadora.
Como as noções apresentadas até aqui ajudam a ver diferenças e
semelhanças entre os textos? Em primeiro lugar, pode-se começar a comparar com
a ajuda da visualização das localizações de eventos marcados na linha cronológica.
A localização define o lugar, na linha cronológica, em que ocorrem eventos
(marcados ou não-marcados). Ela revela claramente a operação espacializante do
tempo, já muitas vezes usada desde a formalização das categorias temporais. Assim
é possível dizer que o tempo possui localização e que esta permite comparar
diferentes ou semelhantes localizações temporais de eventos.
A localização de eventos marcados pode estar ligada ao conceito nuclear e à
estrutura narrativa mais geral, inclusive aos momentos das provas qualificadora,
realizadora e glorificante dos actantes. Suposição forte é a de que tais momentos,
estando como eventos marcados constituintes de conceito nuclear, sejam
reveladores da relação actancial publicitária (dos actantes que o TAT busca valorizar
eufórica ou disforicamente) com o processo temporal-passional mais íntimo ao seu
fazer persuasivo.
Convém supor aqui que os eventos marcados dos conceitos nucleares e da
estrutura narrativa mais geral possibilitem uma maneira de se estudar um sistema
semi-simbólico, como este que se estuda nos TATs. A diversidade de eventos (em
níveis, substâncias e formas expressivas) e a proeminência destes, quando
concomitantes ao conceito nuclear ou à estrutura geral, permitem uma comparação
geral e organizada.
Assim, os elementos visuais, sonoros, musicais, sinestésicos – vistos na
perspectiva temporal-passional dos eventos marcados que os expressam com
intensidade –, permitem que se estabeleçam relações semi-simbólicas entre as
diferentes semióticas, compondo-se determinada formação de sentido. A seguir
retomaremos diagramaticamente as noções apresentadas para vê-las em conjunto,
pondo em relevo aquelas relações. Há tendência, deste modo, ao encaminhamento
de respostas, com a ajuda do conjunto de noções, àquela pergunta sobre
semelhanças e diferenças entre os textos analisados.
A Figura 1 reúne as noções que permitem representação monoplanar, isto é,
as que se prestam à descrição por um segmento de reta. O segmento, no caso da
linha cronológica, representa o tempo cronológico do TAT medido em segundo; no
caso da localização, o lugar exato (ordem dos segundos) do acontecimento; no
evento marcado (complexo em sua natureza) se representam sua localização e a
linearidade que possui como sua dimensão componente.
Figura 1
L
LC |------------------------------------------------------------------|
EM
LC: Linha cronológica
EM: Evento marcado
L: Localização
A Figura 2 mostra a representação multilinear das diferentes semióticas
(visual, sonora, musical, etc., conforme o caso em análise) e das relações semi-
simbólicas que sustentam a percepção do conceito nuclear. Se cada segmento é a
sucessividade do tempo cronológico em cada semiótica (S1, S2, S3, Sn ...), a figura
geométrica que se forma de RSS – CN representa a concomitância dos segmentos e
o funcionamento complexo, intra e intersemiótico, das categorias temporais. As
relações semi-simbólicas que se concentram no conceito nuclear não estão, na
verdade, bem desenhadas nesta figura geométrica simples; estariam sim em outros
traçados, direções e figuras, que se complicariam muito à medida que se tentam
desenhar mais fielmente.
Figura 2
S
1
S
2
S
3
S
n
n
RSS
S
1
S
2
S
3
S
n
n
CN
RSS: Relações semi-simbólicas
S1, S2, S3, Sn: Semióticas-objeto
CN: Conceito nuclear
Deve-se observar a diferença entre linha cronológica e tempo cronológico: a
primeira é representação gráfica deste, medido em segundos. Ele é uma categoria
de base do fenômeno temporal complexo. Isso significa dizer que qualquer TAT
pode ter sua linha cronológica expressa em segundos, já que se trata de nela
representar uma medida física do tempo, o segundo. Antes de se prosseguir nesta
explicação, é necessário explicitar duas novas noções.
A primeira delas é a escansão que se define como o procedimento de
percepção e de atribuição de valores duracionais e relativos. Dele resulta a unidade
do tempo cronológico (pulsação). Tal procedimento é complexo e altamente
englobante do funcionamento temporal do texto, o que, por ora, nos autoriza apenas
assim formular sem todos os detalhamentos. A pulsação, a segunda das noções, é o
batimento básico que emerge de uma configuração rítmica, assim como, na música,
emerge a unidade métrica (de compasso). Resultando da escansão – que faz uma
espécie de “média” nos valores rítmicos, chegando à pulsação –, ela é a unidade do
tempo cronológico que poderá ter duração igual, inferior ou superior ao batimento
(pulsação) de um segundo. A pulsação do TAT pertence à ordem do tempo
cronológico e, portanto, decorre de uma escansão do todo, considerando todas as
categorias de tempo.
Disso resulta dizer que o processo de escansão, formador da pulsação,
unidade básica do tempo cronológico, é globalizador na percepção do texto em suas
relações globais do tempo. Esse gesto globalizador do tempo estabelece um nível
de comparação em que elementos semióticos diversos são “equalizados”
18
,
comparados para formar um patamar básico. Interessante ver que esse patamar
inicial está em um lugar análogo àquele ocupado pela categoria básica do tempo
cronológico, sobre a qual se formam as categorias do rítmico, mnésico e cinemático.
4.8 TAT DA RENNER, CANAL DA GLOBO (DEZEMBRO DE 2002)
As Lojas Renner formam uma conhecida empresa de venda de roupas e de
outros artigos dedicados, principalmente, ao público feminino. A atriz da Rede Globo
de Televisão Maria Fernanda Cândido protagoniza o TAT. Ela foi eleita
recentemente a beldade mor do século (eleição da Globo) e é apresentada também,
pela mídia em geral, como terapeuta profissional em exercício e como tendo a
preferência por uma “vida discreta”, embora este aspecto pessoal (que parece
incomum no mundo do estrelato, o de ser “gente como a gente”) esteja salientado
18
“Equalização” é o processo de estúdio de gravação sonora (para falar aqui apenas dela) pelo qual
se faz uma espécie de “orquestração” dos diferentes canais e instrumentos musicais executados,
visando o planejamento e equilíbrio do resultado final a ser escutado.
em programas como Domingão do Faustão e em reportagens de revistas ligadas à
Globo. Isso faz pensar, neste caso e noutros semelhantes, numa dupla
ficcionalização, a do mundo ficcional das personagens realizadas pelos/pelas
atores/atrizes, mundo que se apresenta como tal e é assim denominado pela mídia,
e a da própria pessoa da(o) atriz/ator da Globo, apresentada/narrada pela emissora
como “pessoa real” (em reportagens, entrevistas etc.). Este TAT da Renner aponta
para uma duplicidade dessa ordem e a análise tentará vê-la por dentro do objeto da
pesquisa.
O apelo ao público feminino também se mostra, além desses símbolos de
beleza (a atriz que atualiza as roupas e ornamentos da Renner) pela comparação
com o papel desempenhado por essa atriz na novela Esperança, em exibição
contemporânea ao anúncio, na Globo. A personagem Nina é uma mulher
independente e avançada para os padrões sociais dos anos 30, no Brasil, capaz de
atos liberatórios (enfrentamento das normas vigentes) tais como o exercício da
sexualidade antes do casamento, a atividade sindical repleta de conflito com o
patronato e com a polícia. Nesse sentido comparativo TAT/personagem Nina, poder-
se-ia ver as modalidades, assim como certa afinidade de caráter entre Nina e a atriz
do TAT, especialmente sua capacidade de romper com limites normativos. Tal
direção de análise não será tomada, embora fosse interessante para a noção de um
ethos midiatizado, nesse caso, um tipo de conduta da atriz associado a personagens
(no TAT e noutros lugares) do universo televisivo.
De modo geral, se conta a história da “gravação de um TAT” (“propaganda”,
segundo diz a personagem) que deve ser feita pela atriz. Há nele um efeito
“metadiscursivo” (o TAT dentro do TAT, ou o TAT que fala de si mesmo), efeito que
a análise mostra intimamente ligado aos processos narrativos, temporais, musicais.
A história assim se resume: a atriz (personagem) se dirige ao estúdio e se
prepara para a gravação (o que acontece no transcurso do transporte de carro, da
caminhada do carro ao prédio, da preparação no camarim), sempre falando com
entusiasmo sobre a promoção especial da Renner (compras antecipadas de natal,
com 60 dias de prazo para o primeiro pagamento no cartão Renner); a fala é
constante e enfatiza os benefícios da maravilhosa promoção. Chegado o momento
de gravar no estúdio, diante das câmeras em funcionamento, a atriz diz, olhando
para o telespectador, para a câmera: “agora que eu já antecipei a propaganda, com
licença! Eu vou lá na Renner antecipar o meu natal.” (a constatação de que havia
antecipado a propaganda é feita olhando para a câmera, para o telespectador –
única ocorrência deste olhar direto); ela caminha se retirando do estúdio, para
espanto da equipe presente que, assim, fica impedida de fazer a gravação;
finalmente, ela mostra-se satisfeita no interior de um carro, com muitas sacolas de
compras da Renner
19
.
Vamos abordar o TAT da Renner, em aproximação da sintaxe temporal,
tomando como conceito temporal nuclear a antecipação
20
. Ela aparece na fala da
atriz: “agora que eu já antecipei a propaganda, com licença! Eu vou lá na Renner
antecipar o meu natal”. A base lexical de “antecipação” está na fala, na forma do
pretérito e do infinitivo (“antecipei a propaganda”; “antecipar o meu natal”). Mais do
que isso, a antecipação está na estrutura do anúncio: ao dizer da sua antecipação –
e ao “não gravar” o anúncio em preparação –, a atriz declara que aquilo que
assistimos até ali, no momento da sua fala, era a antecipação do anúncio. Conta-se
assim a história dos preparativos para a gravação (dois terços iniciais); depois se
19
A história aqui contada na análise deve ser entendida na perspectiva da nota n.º 21.
20
O conceito nuclear da antecipação foi percebido por ocasião do Seminário de Tese II, quando a
análise deste TAT da Renner entrou em discussão; do Professor José Luiz Braga recebemos tal
conceito que se constituiu numa valiosa contribuição às análises dos TATs.
revela (terço final) que “já assistimos ao TAT”: a atriz prefere ir às compras na
Renner do que “gravar o que já foi gravado”. A Figura 1 mostra linearmente, em
termos do tempo cronológico do anúncio, o lugar desse efeito de antecipação:
Figura 1
(dois terços iniciais) (terço final)
|---------------------20s------ ------------------------------------------------|---------10s------------------ |
(PN
1
) (PN
2
)
(declaração da antecipação)
Pode-se ver aí dois programas narrativos (PNs): o do encaminhamento da
gravação (PN
1
) que ocupa a maior parte do tempo e o das compras (PN
2
). No PN
1
, a
modalidade do dever se acha indicada pela seqüência de imagens: pelo ponto de
vista
21
,o telespectador vê que a atriz está a caminho do estúdio, do cumprimento
profissional. A fala da personagem não se refere a esse fazer profissional em seu
métier; no máximo, seria uma fala que trata do texto a ser gravado, o que seria uma
“passada” que a personagem não faz como tal: ela fala como uma consumidora
seduzida pela promoção da Renner (compras de natal com sessenta dias para
começar a pagar, no cartão em cinco vezes, etc.) – há aí uma oposição entre os
seus atos de encaminhamento (do dever) e sua fala sobre as compras facilitadas da
loja (do querer/fazer). Curiosamente, quem ouve a atriz falar com entusiasmo é uma
assessora da produção, calada e empenhada em sua tarefa de trabalho – enquanto
a gravação se encaminha, o PN
1
está em vias de realização, mas, ao final, ele será
21
Faz-se alusão aqui não só à observação (visual) do telespectador, mas também aos pontos de
vista que a narrativa contém e vai exibindo no seu decorrer, levando o observador a assumir certos
lugares, posições de personagens, valores, etc. O observador é uma noção que deverá ser
ampliada, no futuro, a partir da obra de Fontanille (1989) Les espaces subjectifs. Deve-se notar
ainda que a história, entendida pela análise, resulta dos procedimentos discursivos, das
seqüências e planos construídos, entre outros elementos do discurso – o que permite dizer então
que a história resulta do discurso audiovisual e que o analista é um observador como todos os
demais, em certo nível; noutro nível, deve dar conta de aspectos que escapam facilmente – mas
não estão ausentes – da consciência do observador comum.
frustrado pela perda do seu objeto (gravação) em troca do objeto compras do PN
2
. O
processo paralelo ao PN
1
– o querer/fazer do PN
2
– encontra-se potencializado e, ao
final, mostra-se vencedor.
A busca do PN
1
resulta, antecipadamente, na sua própria realização – é o que
o telespectador pode perceber quando a atriz declara que já havia realizado o
anúncio (“propaganda”), isto é, o fim incompleto de PN
1
está de fato apresentado
como o período da busca, no início do programa narrativo. Isso corresponde a dizer
que, no plano narrativo, o desfecho da história da gravação (PN
1
), por assim dizer,
está “antecipado”, pois o que seria o momento da realização (gravação do anúncio)
está sendo apresentado com o momento da qualificação (apresentação da atriz, os
preparativos da gravação).
Do ponto de vista do discurso, o fim do programa narrativo está antecipado,
no lugar do começo. Daí se pode dizer que tudo foi antecipado: a gravação, o fim do
PN
1
, as compras de natal, o prazer (querer) de comprar também, uma vez que se
antecipou o dever (cumprir a gravação). Assim, o discurso faz antecipar, desde o
começo, aquilo que seria o desfecho. Por isso acontecer assim, o centro do efeito
metadiscursivo, tendo as suas condições extensivas asseguradas, localiza-se no
último terço do anúncio (Cf. Fig.2).
A Figura 2 exibe um quadrado de setas e uma elipse na parte inferior do
quadrado, com as expressões “antes-depois” e “depois-antes”. A primeira expressão
indica que o encaminhamento do PN
1
consiste na passagem do tempo cronológico
conforme o (e simultaneamente ao) desenvolvimento das ações do PN
1
, onde o
sentido das ações é afim com o sentido do tempo (direção do “antes” para o
“depois”; da disjunção para a conjunção). A segunda expressão indica, com a elipse,
justamente, a inversão dessa relação tempo-ação, isto é, o que é discursivamente
apresentado como o “antes” do PN
1
é, contudo, o seu “depois”; o que se
apresentava como disjunção (o objeto “gravação”) estava, contudo, conjunto: este é
o sentido que se irradia do centro metadiscursivo, na voz da atriz: “agora que eu
antecipei a propaganda...”.
Figura 2
Antecipação: a realização do PN
1
está no seu encaminhamento
Encaminhamento-realização................................................................ (PN
2
)
|---------------------------------------------------------------------------------|----------------------------- |
(antes – depois) centro do efeito
metadiscursivo
(depois – antes)
A antecipação, quanto às quatro categorias, pertence ao tempo cinemático,
pois este consiste na exposição de valores acelerados em relação ao tempo rítmico
(valores normais, não acelerados). O que há de cinemático no texto? Justamente o
terço final. É o que se descreve a seguir.
Os dois terços iniciais têm simetria rítmica; o terço final, assimetria. Isso é
confirmado pela demarcação dada pela duração total do TAT, isto é, a situação
inicial com PN
1
ocupa aproximadamente dois terços da duração total, a situação final
com PN
2
, o último terço. Neste marco da narrativa há uma mudança na qualidade do
tempo, considerando:
1) a divisão cronológica já mencionada (2/3;1/3) que resulta não só do marco
fornecido pelo olhar direto ao telespectador, mas pela mudança de programa e da
associação destes elementos com os dos seguintes itens;
2) a troca de um tempo rítmico uniforme (entre música, fala, ações –
movimentações corpóreas) para um outro tempo (no último terço do texto) que faz
acelerar o tempo rítmico anterior. Isso assim se evidencia:
2.1) pela sucessão simultânea de ataques
22
entre os cortes (imagens) e o
pulso musical
23
nos dois terços iniciais; o ritmo dos cortes e do pulso musical estão
aproximados (simétricos); no terço final, o pulso e os ataques estão assimétricos e
acelerados;
2.2) pelos valores rítmicos entre a fala e suas pausas; nestas, há uma
concatenação de ações (movimentações corporais) com os mesmos valores; a
concatenação é quebrada na aceleração final;
2.3) o último terço é marcado então pelo olhar direto ao telespectador; na
música opera-se uma transformação: antes havia uma textura com dois instrumentos
musicais e uma seção formal; com o PN
2
, a textura fica mais complexa (um conjunto
instrumental completo), a dinâmica aumenta para forte e observa-se um marcador
musical durante o espanto da equipe; chega-se ao desfecho musical, assim como
exibe-se o sujeito (atriz) em conjunção com seu objeto (as compras na Renner).
2.4) o processo de aceleração faz com que o decurso normal dos valores
rítmicos seja antecipado; isso se conjuga com o processo passional do sujeito do
PN
1
que apresenta o querer virtualizado que resultará no PN
2,
ou seja, tudo parece
22
Referem-se aos eventos, sonoros ou não, marcados pelo seus inícios, o “ponto zero” da duração
dos eventos. A sílaba “ta”, por exemplo, tem seu ataque, numa parcela mínima de duração no
início da consoante “t”. O ataque, em música, é o começo de cada som ou figura sonora; nosso
ouvido o percebe em centésimos de segundo.
23
Intuitivamente, o pulso é o “coração da música”, as batidas repetidas e idênticas entre si;
tecnicamente, dir-se-á que o pulso é a unidade de tempo, de duração, referência para todas as
durações em diferentes níveis; a unidade de tempo permite somar ou dividir valores de duração a
partir dela, que tem valor equivalente a 1 (um). Veja-se “pulsação”, nos conceitos metodológicos.
ocorrer como se a antecipação estivesse ali como o processo passional que leva à
aceleração em busca do objeto do querer virtualizado.
Com o marcador musical se quer designar os eventos de sonoplastia
(ataques musicais que surgem sem que antes houvesse música; ataques com
timbres novos; contrastes formais intensos; entrada de novo naipe ou instrumento;
etc.) em que a curta duração faz incidir sobre um evento narrativo, marcando-o e
expressando-o em seu caráter musical. No caso deste marcador (do TAT Renner)
são dois ataques repentinos de guitarra (depois da expressão “com licença!” que a
atriz usa se dirigindo à equipe espantada com o abandono da gravação). A guitarra
elétrica, na música popular brasileira dos anos sessenta, surgiu como um dos
símbolos da nova época musical, cujo tipo de música era chamado “yê-yê-yê”
(característica de uma canção dos Beatles), sendo pouco a pouco incorporada ao
instrumental aceito amplamente como sendo de música brasileira, pois sua inserção
inicial disputava com o violão, instrumento da “alma brasileira”.
Considerando-se o universo do Rock’n roll, especialmente, e certos usos
correntes do som da guitarra em sonoplastia, se pode dizer que a característica
tímbrica isolada da guitarra (como nesse marcador) está associada, como signo
contextual sincrético
24
, aos valores de rebeldia, do desejo de liberdade, de
irreverência. No TAT, quando a atriz surpreende a equipe, esse marcador de guitarra
expressa o que nas modalidades corresponde à passagem do dever para um
programa do querer, uma súbita decisão motivada pelo desejo de comprar. Também
como signo contextual sincrético está presente a música de jazz associada à
modalidade do querer: o jazz e a história de vida dos seus músicos contam de um
24
Este tipo de signo, estudado por Mitidieri (1997), permite referir aqui os campos conotativos
musicais, ou seja, a possibilidade da música ter significados políticos, míticos, científicos, etc. O
marcador de guitarra encontra outro exemplo, na própria Globo, com Os Normais, também na
situação de comentário sonoro (sonoplástico) da enunciação, quando o sujeito do enunciado
mostra-se passionalizado (surpreso, decepcionado, etc.) e olha para o telespectador.
universo de liberdade, de livre exercício da vontade, o que é também estrutural na
música jazzística, o seu modo de fazer musical pela improvisação. Na passagem
dos programas, a música entra no seu clímax (nova seção formal), com todos os
instrumentos tocando (o tutti), mas o final está antecipado: logo após o marcador
musical, não há o devido percurso musical formal que pudesse levar ao clímax
apresentado com o ritmo acelerado, típico de um grande final cinematográfico (Cf.
Figura 3).
Figura 3
Figura 3.1
Marcador musical
Música em segundo plano (de fundo) Primeiro plano
|-------------------------------------------------------------------------------|----------------------------------|
Linearidade musical Ruptura musical
Clímax antecipado
Seção improvisada, contrabaixo condutor Textura densa
A “cozinha” do Jazz Clímax com tutti
Figura 3.2
espera (disfórica, monótona) expectativa eufórica
|-------------------------------------------------------------------|------------------------------|
ritmo musical e sincrético disfórico novo ritmo
musical e sincrético
eufórico
O que é temporalmente marcante com o início do PN
2
é um outro patamar de
tempo onde os aspectos musicais transformados – antecipados – constituem uma
espécie de sobremodalização do tempo rítmico instaurado na situação inicial,
mudando a relação entre as formas expressivas. A surpresa da equipe com a
gravação frustrada se configura por esse contraste ocorrido no tempo rítmico, no
marco entre os programas, no momento especial do jogo de espelhamento, isto é,
uma multiplicidade de olhares, da atriz para o telespectador, da equipe para ela, das
câmeras entre si, tudo em ritmo acelerado. Aliás, esse anúncio poderia ser analisado
pelo viés de uma história de uma surpresa. Esses aspectos descritos encontram-se
nos gráficos da Figura 4.
Figura 4
Figura 4.1
Obj. compras
Obj.“gravação” sintaxe simétrica sintaxe assimétrica
|-----------------------------------------------------------------------------|----------------------------------|
Programa do dever (aceleração rítmica)
[Programa do querer
(virtualizado)]......................................................................................realizado
Normalidade/simetria rítmica Marcador/assimetria
Espelhamentos
***
Figura 4.2
Signo contextual sincrético: improviso, liberdade no jazz, virtualidade do querer do
início
Música-base (cozinha jazzística) Seção final
(primeiro plano)
|---------------------------------------------------------------------------------|-----------------------------
Simetria sintática (sons, cortes, movimentos) Assimetria
Marcador musical
Paixão surpresa
Clímax
***
Como o processo de antecipação está ligado à passionalidade? Certamente,
a pergunta requer mais desenvolvimentos, além daqueles que se apresentam aqui;
constitui-se, na verdade, numa formulação (específica de um texto) que reúne
muitos problemas da passionalidade no discurso. Esse lugar problemático, neste
TAT, foi formulado dessa maneira, usando o conceito antecipação para a
globalidade discursiva. Pode-se prever que, em outros casos, será possível
perseguir, de modo semelhante, um ou mais conceitos nucleares para se entender o
objeto de estudo. Considerando-se isso, se pode dizer que, sem a antecipação, não
haveria a surpresa, uma vez que a equipe de gravação estava à espera da
realização do PN
1
cujo desfecho fora antecipado. É nesse momento passional da
surpresa em que se faz sentir o marcador musical e a nova temporalidade, a
virtualidade do querer se atualiza e se instaura a relação comunicacional (visual) eu-
tu através do olhar direto ao telespectador, o que é marcado por dois tempos
distintos do TAT (Cf. Figura 5). Esses tempos também são aqueles simultâneos,
primeiramente, à virtualidade do querer; depois, à sua realização caprichosa.
Figura 5
Tempo da espera, do dever Tempo da surpresa, querer
|-------------------------------------------------------------------------------|------------------------------- |
Eu-tu (olhar direto)
Querer (atualizado) capricho/surpresa (querer realizado)
|---------------------------------------------------------------------------------------------------|----------------------------------|
O momento do olhar direto ao telespectador e a partida para as compras
cumprem um papel no fazer crer do anúncio, é o momento em que se deflagram o
efeito metadiscursivo e os contrastes temporais: com isso, o olhar para nós
“confunde” mais enfaticamente a atriz-personagem do anúncio com a atriz Maria
Fernanda dentro do jogo de espelhamentos, isto é, a atriz olha para as câmeras
(para nós), as câmeras filmam a si próprias, tudo em planos acelerados.
O telespectador, aliás, pode ser compreendido duplamente: aquele que seria
o da gravação (que assistiria ao final do PN
1
) e, simultaneamente, aquele partícipe
da relação eu-tu,
cúmplice da atriz que frustra a gravação em troca do programa
narrativo compras, espectador da surpresa da equipe enganada por tal
cumplicidade. Essa cumplicidade atriz-telespectador está ligada ao efeito “anúncio
dentro do anúncio” e ao contrato fiduciário que o anúncio propõe, ou seja, fazer crer
na atriz Maria Fernanda para além de uma simples atriz deste ou de outro anúncio
qualquer: a beldade mor, atriz famosa, no entanto, mulher simples, acessível,
profissional de saúde que atende a seus pacientes como outra profissional qualquer,
aspectos pessoais análogos a certos traços dos papéis televisivos, se apresenta,
naquele momento mágico, como uma consumidora da Renner, capaz até de
antecipar uma gravação – um desprendimento do estrelato indiciado pela saída do
estúdio – para realizar um fazer comum: ir às compras.
De modo geral, a atriz do anúncio mostra-se despreocupada com a missão
que
lhe é destinada (fazer o anúncio, gravando no momento esperado). Pelo fato de
frustrar este programa e demonstrar fazê-lo de modo propositado – tudo se passa
como se ela soubesse do que iria acontecer –, a atriz é caprichosa, no sentido de
que agiu apenas por sua vontade (abandona toda a programação, o previsto pela
equipe). A atriz se mostra volúvel por ser inconstante (frustra o PN
1
) e caprichosa
(age por sua própria vontade, realizando o querer virtualizado durante o PN
1
e
realizado no PN
2
). Ora, tal atitude volúvel pode ser referida temporalmente em
termos da antecipação, pelo fato de que a atitude esperada (pela equipe) está
antecipada, fruto do querer volúvel que faz adiantar a tarefa para se chegar antes na
conjunção com seu objeto, produzindo a disjunção para a equipe e, assim, a
surpresa.
Enfim, a análise parece mostrar que certos traços modais, passionais e
temporais, aliados ao efeito discursivo que se faz por antecipar/frustrar o programa
narrativo inicial, são construídos no texto também com a presença da transformação
antecipativa. Esta transformação, que assim se acha disseminada pelo discurso,
realiza-se pelos traços em suas próprias naturezas e modos diversificados, ou seja,
a transformação temporal em que se operam o centro metadiscursivo, o querer
virtualizado/atualizado e a música, as passionalidades da atriz caprichosa e a
surpresa, a sintaxe assimétrica, o jogo de espelhamentos na relação eu-tu, o
marcador e a ruptura do clímax musical. Isso aponta para o rendimento da
antecipação como conceito nuclear da análise. A transformação antecipativa, além
disso, parece ser o artifício principal para se realizar a manobra estratégica do TAT,
ou seja, a de um metadiscurso onde a atriz parece se confundir/transformar na atriz
global Maria Fernanda Cândido, consumidora da Renner.
4.9 TAT DA BRASILPREV
BrasilPrev é um plano privado de previdência (aposentadoria) do Banco do
Brasil. O TAT da BrasilPrev (C50) aposta sua força persuasiva fazendo saber que a
imprevidência no tempo de uma vida (não ter um plano de aposentadoria) faz com
que o indivíduo seja apanhado de surpresa ao final dela, com pouco ou nenhum
recebimento mensal. Tal efeito de sentido se faz através de uma espécie de
passagem: da noção de tempo biológico (da personagem) à noção de tempo da
enunciação (enunciada, como elemento técnico do filme, o ruído), ou seja, é a
passagem do tempo da vida para o tempo do filme que cria o efeito passional
(susto) desejado pelo TAT, tornando sensível para o telespectador aquele efeito que
teria lugar na vida de quem não atende à mensagem (“Faça um Plano de
Aposentadoria BrasilPrev”).
O TAT é construído na estreita concomitância das legendas com a música, de
modo que o percurso musical corresponde ao percurso da vida. Aí se observou que
as legendas e o sentido do que elas dizem transcorrem pari passu ao sentido da
música composta sob medida para o TAT, onde a personagem da história na
legenda tem um percurso análogo ao percurso musical.
A apresentação diz, antecedendo os quadros descritos a seguir: “Você vai ver
agora um comercial escrito por Orson Welles”, é a tela dentro da tela onde Welles é
citado contando sua história como diretor de cinema – a máquina é vista projetando
na tela; as legendas contam a história acompanhada da música de piano solo, como
cinema mudo:
A persuasão que advém do processo onde há a passagem inexorável do
A persuasão que advém do processo onde há a passagem inexorável do
[quadro 1] “Eu cheguei a Hollywood com 26 anos ...
[quadro 2] ...e eles me sentaram numa cadeira grande e confortável.
[quadro 3] Aí um dia, quando levantei, eu estava com 66.”
Orson Welles
[quadro 4] O tempo voa. Faça um plano de aposentadoria BrasilPrev.
[quadro 5] Planos de Aposentadoria
BRASILPREV
[quadro 6] [ruídos da máquina, final da fita, sem fotogramas – ruído sonoro
e “visual”]
A inexorabilidade do tempo de vida (“o tempo voa”), convidando o
telespectador a se prevenir, é aqui reforçada pela continuidade do conjunto história-
tempo de vida (quadros 1 a 5) que é abruptamente interrompida (descontinuidade)
pela presença do ruído (quadro 6). A relação contínuo/descontínuo que gera a
interrupção parece central para o objeto neste TAT, onde se deve perceber a
temporalidade fílmica (esquematicamente: vida ativa = continuidade = música; fim da
vida ativa = descontinuidade = ruído) e sua exaustão abrupta como elementos
persuasivos do BrasilPrev. Tal processo que dá base à persuasão da mensagem
(“Faça um Plano ...”) se constitui em duas dimensões alternadas do tempo, uma
mnésica e contínua (do passado, da memória), outra cronológica e descontínua (do
presente, do “aqui, agora”), como veremos a partir da descoberta de que este TAT
se realiza em estreito diálogo com uma obra cinematográfica.
Dentre o vasto campo de possibilidades intertextuais que cada texto propõe, a
escolha de uma relação, como a que fizemos nesta análise, não pretende implicar
em questões amplas sobre intertextualidade, mas apenas fazer observar a relação
que nos parece importar muito para a compreensão do objeto neste TAT: é a do seu
diálogo com o filme Cinema Paradiso, lançado no final da década de oitenta – o TAT
é de meados de noventa. Tal relação se evidencia, sobretudo, pelas histórias
contadas e pela música derivada do filme. Tanto no filme quanto no TAT, se conta a
história de cineastas com suas recordações autobiográficas, movidos por sentimento
nostálgico. No filme, se trata de um cineasta famoso retornando a sua cidade de
infância e à sala Cinema Paradiso, por ocasião do falecimento de seu velho amigo
que o introduziu no mundo cinematográfico. No TAT, tal perfil é ocupado por Orson
Welles que conta sua vida brevemente, conforme as legendas transcritas. Em
ambos os casos, os cineastas estão contando suas vidas ligadas ao cinema, e este
está representado na tela que narra as histórias (um filme dentro do filme); a música,
como veremos a seguir, passa a manter estreita relação com a memória, em termos
também de sua constituição estrutural interna. Consideradas as devidas variações e
transformações, é lícito dizer que o filme e o TAT têm a mesma música.
Se fosse necessária a demonstração detalhada da analogia entre as músicas
dos dois textos – sem muito interesse para o leitor não especializado em música –,
elas demandariam análise com transcrição musical (partituras) do tema usado no
filme e da peça musical do TAT, mostrando a paráfrase que esta peça faz da
melodia do filme. É dispensável a demonstração, uma vez que a analogia pode ser
percebida facilmente, sem maior recurso analítico, pelo ouvinte do tema e da versão
parafraseada no TAT. Importa ver que a intertextualidade percebida se sustenta por
essas histórias semelhantes de cineastas com suas memórias e pela paráfrase entre
as músicas.
O tema do filme que origina a melodia parafraseada, na peça do TAT, se
intitula também Cinema Paradiso; é tocado com piano e empresta suas
características composicionais à peça do TAT, executada com o mesmo
instrumento. O tema é trabalhado e repetido ao longo da música registrada no CD
homônimo (Général Music France – Warner Music Brasil, 1989) que traz a música
completa do filme. De forma análoga, é esse mesmo processo que atua na
composição da peça pianística do TAT, nas semelhanças motívicas, figuras de
acompanhamento, nos desdobramentos temáticos. Ora, esse processo musical é de
complexa demonstração, caso fosse necessária uma descrição analítica completa
(como a dos músicos e musicólogos). No entanto, sem perder o essencial da análise
da música, a seguinte explicação é suficiente para trazer a noção mais peculiar e
central ao processo, a de elaboração melódica.
As músicas se concentram, na composição melódica, em torno do quinto
grau da escala maior, o que dá um efeito de permanência num som que é centro de
gravitação de outros sons. Falando em termos schenkerianos
25
, o efeito é de
elaboração do grau em torno do qual os demais sons (embelezadores) gravitam. O
quinto grau, como eixo melódico e com certa duração, é também considerado (Cf.
teoria harmônica
26
) como criador de expectativa musical, antecedendo a decisão por
25
Conforme a teoria tonal de Schenker (teórico alemão inovador na compreensão do sistema tonal),
as melodias podem ser entendidas como elaborações de determinados graus da escala (as notas
da superfície que elaboram o grau de nível mais profundo), de maneira que certas notas,
escutadas na melodia, se tornam uma permanência (elaboração) temporal em torno do grau
principal (perceptível pela análise), ou seja, têm suas durações representadas (somadas) pela (na)
duração deste grau.
26
Em teoria harmônica, diz-se (também conforme a teoria de Schenker) que o acorde ou função de
tônica (formado pelo primeiro grau da escala) é ponto de partida e de relaxamento (sentido
teleológico); o acorde ou função de dominante (quinto grau) é movimento, tensão – cria expectativa
– que se resolve na tônica. Toda a variedade harmônica da música tonal pode ser reduzida ao jogo
de tensão e relaxamento exercido por essas duas funções básicas.
um processo ou de continuidade ou de fechamento. Tal efeito de permanência que
advém de uma música suspensa está intimamente ligado ao sentimento de nostalgia
presente nas histórias, vinculando-se ao tempo mnésico: seja porque a memória
caracteriza esta categoria temporal (a paráfrase como memória), seja porque o
quinto grau elaborado é uma forma de permanência, metaforicamente relacionada à
nostalgia, ao estado anímico que se fixa no passado.
As peças do filme e a peça do TAT se organizam em torno do tema musical
Cinema Paradiso. A elaboração schenkeriana do quinto grau, no tema e nas suas
derivações, cria então um grande espaço musical de amplitude e permanência que
se encontra em cada peça do filme e na música do TAT. Esta é a dimensão mnésica
que se inscreve na constituição interna de cada música e entre as músicas; é a
dimensão onde o quinto grau elaborado trabalha sistematicamente com o tempo
mnésico. A dimensão mnésica também alcança, pela intertextualidade entre
músicas, uma relação ampla no tempo e no espaço sociais, entre os dois textos
individuais (filme, TAT). A questão pertinente aqui é ver a relação disso com a
estratégia do TAT BrasilPrev, pois esta demonstra aproximar, afinando, a natureza
temporal do produto que anuncia (um plano) com a natureza mnésica das histórias e
das músicas do intertexto.
Os conteúdos passionais da história nostálgica e da música funcionam
tensivamente com a surpresa do tempo fílmico, o que corresponde à estratégia do
TAT de estimular a percepção do tempo como agente produtor de uma presença
assustadora no presente. A tensão que se estabelece é entre uma dimensão
temporal mnésica (das histórias nostágicas, das músicas entre si, e em cada
música) e o momento final do TAT que constrói a surpresa do ruído, a dimensão
cronológica, do presente “aqui e agora”. Metaforicamente, tudo parece funcionar
para que, ao final, o telespectador seja jogado para fora da dimensão mnésica, para
fora da história, da música – para fora do “Cinema Paradiso”, lugar ficcional – e entre
passionalizado no lugar assustador do presente, do “aqui, agora”. Neste momento
de um presente passional, de “saída da ficção” e de encontro com a realidade do
“tempo que voa” – para Orson Welles, como de resto para todos nós –, é que a
mensagem se potencializa: a ruptura “da fita”, como a ruptura que o tempo faz
conosco, “deixando de ser o meramente representacional-ficcional” da mensagem,
passa a ser um apelo sensível (“Faça um plano ...”).
4.10 TATs DO PT (“ORDEM E PROGRESSO” e “AGORA É LULA”)
A análise do TAT “Ordem e Progresso”, veiculado nos primeiros meses do
governo petista, em 2003, faz diálogo com dois outros TATs da campanha
presidencial de 2002, um do próprio PT, caracterizado pelo slogan “Agora é 13.
Agora é Lula”, e outro do PSDB protagonizado pelo candidato José Serra
27
.
Analisaremos a relação intertextual para ver aí o estabelecimento de tempos
diferentes usados a propósito das situações políticas que envolvem a candidatura e
o governo petistas.
Na campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores (PT) de 2002, o
slogan “Agora é 13. Agora é Lula” encerra uma série de TATs iguais no formato. Ele
vem sempre após a fala de algum ator político (nomes reconhecidos nacionalmente)
carregado por um efeito visual pesado e incisivo. A fala ocupa quase a totalidade da
duração do TAT; o fechamento, que traz o slogan, apenas dois segundos. O
resultado videográfico do fechamento faz o slogan vir a reboque de um objeto móvel
27
Acerca das relações entre TATs do PT e do PSDB, lembramos aqui a nota de n. 15 para ilustrar o
processo intertextual aqui presente através do processo de potencialização de elementos do TAT
PSDB no TAT PT, aquele que fez a parte final da campanha vitoriosa do candidato Lula.
e pesado que, como um carimbo em ação, focalizado em primeiro plano, desaba
sonoramente sobre a base do quadro – imagem final.
Se considerarmos o sentido do slogan como o da premência daquela
candidatura que se apresentava pela quarta vez em campanhas presidenciais –
após consecutivos segundos lugares –, o “Agora é 13. Agora é Lula” se mostra como
um apelo ao eleitor para conceder, finalmente (após Collor e dois mandatos do
PSDB com Fernando Henrique), a chance do PT governar com Lula. Note-se que o
apelo se liga a uma passionalidade premente, temporal em sua natureza; em sua
composição está o tempo rítmico (da repetição), atuante quer na reiteração da
candidatura, quer no formato dos TATs que variam apenas quanto ao ator político
depoente, destacando sempre o mesmo fechamento com o slogan.
Na linha temporal, vista na figura a seguir, se acompanha a continuidade
rítmica da fala dos depoentes, onde cada falante desenvolve o ritmo próprio de sua
fala. Nessa continuidade da linha temporal se desenvolve a argumentação
justificadora dos valores apresentados (a calma, a segurança no governo) que se
querem presentes como abonadores da candidatura Lula – empresários e outras
pessoas cuja aparência não era a de “esquerda”, mas que estavam apoiando... No
final, como que para manter o caráter combativo de sempre, e em contraste com a
linha contínua anterior, há o acento visual e sonoro com o objeto móvel no “Agora é
13. Agora é Lula”.
O “Agora” premente, acentuado e sonoro, faz a marca do processo
terminativo caracterizador da série de TATs. A presença do ator político que fala e
olha diretamente para a câmera e a as falas em seu ritmo natural são contrastadas e
encerradas com o acento visual e sonoro do objeto móvel que traz em si o “Agora”
do slogan. Tal acento, evento marcado, encerra o processo terminativo, conforme o
desenho a seguir, onde o quadrado é o acento (slogan com voz off, objeto móvel,
fim contrastante do TAT) e a seta horizontal é a fala do ator político:
|--------------------------------------------------|
30s
EM
O acento dado a esse slogan está ancorado em fatos políticos da trajetória de
Lula, derrotado por Collor (um presidente impugnado) e por Fernando Henrique que,
com o PSDB, se apresentava com a bandeira da estabilidade econômica e
enfrentamentos das crises globalizadas: esse “agora” emergia então de uma longa
caminhada pelo poder, sempre aparentemente negado pelo eleitor que elegia ora o
discurso da “renovação nacional” de Collor, ora o da prudência do PSDB na gestão
econômica – embora colocando o PT em segundos lugares eleitorais consecutivos,
o eleitor talvez estivesse cedendo aos discursos que viam no partido petista ou um
socialismo decadente (o vermelho do PT acima do verde-amarelo nacional,
argumento “collorido” usado por Collor), ou o perigo das mudanças radicais petistas
e a conseqüente perda de controle econômico do país que já vinha sofrendo com as
crises globalizadas. Daí parece resultar que o PT, significando mudanças e
acelerações prematuras de estruturas sociais, fazia contraste com a prudência e o
ritmo de mudanças mais estável proposto pelo PSDB
28
.
28
Faz-se aqui alusão, em se tratando de dinâmicas sociais de natureza temporal, a certos aspectos
de fundo presentes na teoria dos campos sociais de Adriano Duarte Rodrigues, tratados em
conversa com o autor, em 2003. Tais aspectos fundamentais, epistemológicos, mas não
explicitados na teoria, são o “fluxo corrente”, nas sociedades tradicionais, e o “fluxo interrompido”
que iria caracterizar a racionalidade da modernidade. Advém daí uma noção de fluxo temporal
(corrente e interrompido) que marca a passagem do pré-moderno ao moderno, uma metáfora da
física – conforme o autor – que deixa margem para novas explorações e explicitações da teoria.
Essa perspectiva temporalizante da teoria é o que permite que aqui se fale, em relação aos
partidos, de “fluxos” ou “ritmos” de mudança percebidos ora mais, ora menos adequados à
situação eleitoral.
Esse contraste de significados se pode observar pela trajetória de disputas
envolvendo o PT: na arena política, eram salientadas as características de partido
radical e combativo – como seu fundador, Lula. Em especial, esse contraste se
mostra num dos TATs do PSDB, na campanha de 2002, onde o candidato José
Serra fala e brinca com um bebê, em câmera lenta, enquanto a voz in off argumenta
que aquela candidatura traria tranqüilidade e segurança - sugerindo assim a
correlação entre o bebê e o país, entre o bom pai e o bom presidente, capaz e
prudente. Em concomitante exibição na TV, concorria o TAT de Lula (“Agora é 13.
Agora é Lula”): se o PT, por um lado, mantinha as marcas da mudança – o slogan
premente – por outro lado, incrementava uma imagem de equilíbrio e conciliação em
relação às mudanças, uma nova imagem que, sem querer perder a força renovadora
que adviria do primeiro operário na presidência da república, bem se
consubstanciava na autodenominação do candidato (“Lulinha, paz e amor”).
Marcam-se aí, entre PT e PSDB, dois ritmos distintos em relação às
mudanças, tal como se mostram conotados pelos elementos dos TATs: um incisivo e
premente (PT), outro lento e durativo (PSDB). O slogan da campanha vitoriosa foi o
“Agora é Lula” (doravante apenas esta expressão será usada, ao invés do slogan
completo: “Agora é 13. Agora é Lula”). Essa vitória corresponde a dar conta de uma
longa caminhada política de compromissos com as mudanças sociais; dar conta, no
governo, de um discurso oposicionista gerador de expectativas reiteradas no
eleitorado que, “agora”, espera pelas realizações petistas.
Após seis meses iniciais do governo petista, o TAT “Ordem e Progresso” vem
a público – denominado assim para caracterizar a presença da Bandeira Nacional e
o seu lema em destaque – com o seguinte formato: uma voz in off que elogia a
situação do governo e propõe o futuro como uma “grande caminhada, calma,
serena, equilibrada e democrática” (texto transcrito a seguir); durante a fala, vemos
quatorze planos, focalizados em ângulos diferentes; em cada um, em primeiro plano,
uma mão diferente (de homens, mulheres, brancos, pardos e negros) vai pondo uma
letra isolada na linha central da Bandeira, letras que vão formando assim o lema da
Bandeira Nacional.
Como semi-símbolo, a “Ordem” do lema pode ser vista na voz paralela à
imagem, esquematizados ritmicamente, evidenciando o ordenamento fílmico
paralelo; o “Progresso” é o sentido construído na avaliação e objetivos propostos
(um governo eficiente, sereno, rumo à justiça, etc.), inclusive com o sentido de um
tempo que passa e onde todos colaboram (de mãos juntas) para a igualdade e a
justiça social no Brasil. A continuidade rítmica é fundamental para a mensagem,
como ordenamento e progressão, dois atributos dos tempos rítmico e cronológico,
respectivamente.
A música é de gênero instrumental, com uma pequena orquestra sintetizada
(executada em sintetizador), que traz motivos composicionais do Hino à Bandeira
quanto ao efeito de reconhecimento no ouvinte, configurando a “nacionalidade”,
diríamos que a música faz lembrar a do Hino ou que, propositalmente, se associa a
ele; temos então uma música de fundo, simbolizando “o nacional” juntamente à
Bandeira, e um paralelismo temporal entre a voz e a frase-lema, esta construída,
letra por letra, pelas mãos da coletividade. Importa destacar de início, na voz, as
pausas, acentos e outros elementos prosódicos que formam unidades rítmicas
faladas, expressas aqui por números entre parênteses (cada número representa
uma unidade no seu começo); as pausas mais destacadas, no meio de frase, serão
marcadas com asteriscos entre parênteses:
(1) Nunca (*), (2) na história do Brasil, (3) um governo fez tanto em tão pouco
tempo. (4) Mesmo enquanto cumpria a tarefa indispensável de arrumar a casa (*),
(5) o governo Lula (*) (6) fez o país avançar e alcançar importantes conquistas.
(7) Mas esse é apenas o começo de uma grande caminhada (*), (8) calma, (9)
serena, (10) equilibrada (*) (11) e democrática (*), (12) rumo ao crescimento (*), (13)
à criação de empregos, geração de renda (14) e à justiça social.
O paralelismo entre voz e imagens se evidencia com o número de unidades
rítmicas e o número de planos imagéticos (quatorze unidades, quatorze planos que
mostram as mãos). O tempo rítmico dessa estrutura organiza uma continuidade bem
semelhante ao TAT do PSDB: mudanças imagéticas em câmera pouco lenta, uma
música de fundo fazendo sua própria narrativa, e a voz in off que rege a seqüência
fílmica. Por ser um processo durativo criador de espaços narrativos, isso se
diferencia daquele processo terminativo do TAT do slogan. A serenidade, imagem
requerida para o governo que caminha rumo aos seus objetivos, se constrói
temporalmente pelo esquema rítmico compartilhado pela voz e imagem, criam-se
figuras de ritmo para compor o espaço durativo de uma “mensagem serena”, mais
afim ao tempo concorrente (PSDB) que fazia contraste com o ímpeto do slogan
terminativo (PT).
Os tempos diferentes dos TATs petistas, antes (“Agora é Lula”) e depois
(“Ordem e Progresso”) da gestão de governo, indicam relações que se estabelecem,
respectivamente, com o poder pretendido e protelado (tratado no slogan como
descontinuidade para aceleração do processo) e com o poder exercido e que
reclama o processo contrário (desaceleração e continuidade), o que acaba
apontando para formas passionais prementes ou serenas apropriadas à situação
política que o agente almeja manobrar.
4.11 TAT DA BRAHMA BOCK
O TAT da cerveja Brahma Bock (C50) apresenta a história (apenas com
imagens e música) de uma pequena produção de cerveja, onde se pode
acompanhar as ações de um homem no campo, desde seu trabalho no cultivo da
cevada até fabricação e prova (degustação) da cerveja. Nesta fase da preparação
da bebida, a música é orquestral, de andamento lento, onde os motivos são
circulares, ou seja, são repetitivos e imitativos – como os processos cíclicos naturais.
As imagens são levemente lentas (efeito fílmico) e mostram as plantas ao vento, a
chuva, o sol ... Chegado o momento da prova final, o homem toma um gole, saboreia
e... cospe! – neste momento, a velocidade do filme passa a ser normal e se ouvem
as fontes sonoras do ambiente (fontes intracampo). O efeito é de “entrada no real”.
Ato contínuo, marcando a mudança de cena, ele vai à geladeira, apanha uma
Brahma e a experimenta com prazer. O que marca a transição entre a primeira e a
segunda fase é o momento da prova, antes da cuspida, pois é onde a música
estaciona no quinto grau da escala musical, o que dá um efeito durativo (infinitivo)
no momento da prova, momento do sabor que invade o corpo ... seguido de um
silêncio antes da rejeição ao líquido; além do efeito durativo, é marcante neste
momento da prova aquela “entrada no real”, via tempo normalizado das ações (filme
em velocidade normal), o que prepara a entrada em cena da Brahma, solucionando
o conflito gerado pela desaprovação da cerveja recém fabricada.
Após, na segunda fase, a busca pela Brahma na geladeira é mostrada não
apenas em velocidade normal do filme, mas também com música country (música de
caubói que se liga ao gesto cinematográfico de derrubar garrafas da mesa – depois
do gesto, o homem continua a saborear a Brahma). Tal mudança de estilo musical
se pode associar à troca de papéis e de valores efetuada pela personagem
masculina: do camponês fabricante de cerveja (mal-sucedida) ao caubói “cliente de
bar” (na própria casa); do processo artesanal ao industrializado; do tempo longo e da
paciência no trabalho agrícola e artesanal ao tempo rápido e imediatista do consumo
contemporâneo.
Este TAT apresenta um jogo de oposições encontrável também em outros
textos; entre outros pares de valores possíveis estão os de urbanidade vs ruralidade,
modernidade vs não-modernidade, caráter ativo da personagem vs caráter passivo
da personagem, etc. Esses valores se mostram através dos tempos discursivos, o
que se poderia provisoriamente indicar como a de um tempo histórico passado em
oposição a um tempo do presente documental, aquele ligado a uma “narrativa
ficcional” (num “então-alhures”) e este a um “aqui-agora real”. Convém assinalar, de
passagem, que as oposições não se pretendem impostas ao texto, fruto de um
cacoete teórico; acredita-se que elas sejam produzidas pela própria temporalidade
textual, ao contrapor imagens e símbolos, músicas e estruturas musicais diferentes,
ao criar enfim a história pelo discurso audiovisual, de modo que é o objeto temporal
observado que nos leva às categorias opositivas.
Neste jogo a música comparece também com oposições entre peças e
estilos, entre processos estruturais dentro da mesma peça. No caso deste TAT,
aparecem duas músicas de diferentes origens e usos: uma européia, de tradição
orquestral, música de concerto, ritualizada – sem esquecer que, por algumas
características composicionais, parece especialmente composta para o TAT –,
correspondendo à primeira fase da narrativa, com as cenas lentas e bucólicas; a
outra, coloca o TAT em diálogo com os filmes Westerns, tem o proeminente banjo
fazendo a sonoridade típica desta música; nesta segunda fase, o tempo de ação é
normal (câmera normal, não lenta).
Se a música e a lentidão na cena bucólica se associam ao cultivo da terra, à
fertilidade, à certa “ruralidade não contemporânea”, a nova fase do TAT parece
colocar a Brahma Bock – e surpreendentemente, após a espera da prova e a
cuspida repulsiva – em meio aos valores que se associam ao presente, ao homem
contemporâneo (de certo modo equivalente ao herói caubói), à sua modernidade,
urbanidade, masculinidade, etc. Existe aí o elemento da surpresa, já que o TAT leva
a acreditar que o primeiro percurso (desde a colheita) levaria à aprovação da
cerveja. Contudo, a surpresa acontece pelo processo temporal interrompido, ao par
da reprovação da cerveja, no terço final do TAT.
A permanência no quinto grau musical (momento da prova) sustenta uma
parada no TAT, ou seja, é, simultaneamente, uma parada musical, na estrutura
narrativa (fim da fase que leva até a prova realizadora do esquema narrativo). Após
a reprovação, marcada pela parada, vem a fase final de continuidade temporal:
começa nova música (a “de caubói”), o gesto volitivo da varredura da mesa
(sucedendo o gesto gustativo) e o surgimento da marca com o narrador em voz in
off.
Essa fase final, antecedida pela câmera de velocidade normal (a partir da
prova), faz um contraste temporal com a primeira fase (câmera pouco lenta), o que
pode ser descrito pela seqüência desaceleração – ritmo normal – aceleração, ou
seja, desaceleração na câmera pouco lenta, ritmo normal das ações mostradas na
câmera normal, aceleração na fase final criada com as ações volitivas do caubói e
por sua música, muito mais acelerada do que a música sinfônica do início.
Portanto, observa-se neste TAT a proeminência do tempo cinemático, de
modo que, no percurso narrativo, a qualificação, na produção de cerveja, em termos
da sintaxe audiovisual, é desacelerada; a prova realizadora (o saborear) é rítmica; a
glorificação da Brahma Bock, como a cerveja gostosa e de acesso confortável, é
acelerada.
A desaceleração funciona para que a sensação do sabor invadindo o corpo
se expresse pela parada no quinto grau, maneira musical de presença do sensível
na audiovisualidade, neste caso. A primeira fase bucólica e encantada chega ao fim
com a parada; melhor dizendo, é a própria característica da parada (musical,
descontínua) e do que lhe antecede (continuidade) a responsável pelo chamamos
de encantamento, cujo ápice é o mergulho no sabor, experiência de prova após
longo trabalho com expectativa de prazer dado por um sabor glorificável...
A reprovação da cerveja (em que se alude às marcas concorrentes) está
significada na repugnância, geradora de surpresa no espectador da parada, ela que
faz terminar a desaceleração no gesto repelente, fase final acelerada por conta do
ritmo normal das ações filmadas. É o lugar do presente e da marca Brahma,
solucionadora da situação instável deixada pelo momento passional da repugnância
pela cerveja fabricada.
4.12 INDICADORES TIPOLÓGICOS NOS TATs BRASTEMP,
CORREIOS, PHILCO E SKOL
O presente tópico se destina a fazer algo bem diferente das análises
individuais antes apresentadas. Trata-se de tentar estabelecer análise de conjuntos
para extrair alguma diversidade apreciável como traços temporais indicadores de
possíveis tipos de TATs. São indicadores que carecem de estudo posterior no
sentido de verificar sua viabilidade, comparando um número maior de TATs dentro
de uma lógica de amostragem.
A publicidade pode ser criadora de frases (sejam slogans ou não) que são
usadas na vida cotidiana, o que indica um TAT bem realizado em seu projeto de
popularidade. Menos evidente do que as frases que se originam na TV é o fato de
que a publicidade pode criar formatos igualmente bem-sucedidos que se consolidam
no próprio fazer da publicidade, gerando tendências de produção. Acredita-se que
esse é o caso dos TATs da Brastemp posto em perspectiva aos dos Correios, a
seguir analisados em conjunto. O formato que aqui interessa analisar é visto em seu
componente temporal, não somente porque é pertinente ao objeto da tese, mas
também porque é neste componente que parece se encontrar uma modalidade de
organização do formato.
Entre as frases que se tornaram como ditos populares está a da Brastemp
(“...x não é uma Brastemp...”) que aparece no conjunto de TATs da marca (C50),
série protagonizada por uma dupla masculina (sentados na mesma poltrona, são
homens íntimos às lides domésticas) que fala com as donas-de-casa. Para quem
participa daquela memória cultural não é difícil concordar com o entendimento de
que a frase pode se referir a qualquer ser ou coisa “não considerado o melhor
possível”, sendo que “Brastemp” é sinônimo de “o melhor”. Daí temos: “...meu carro
não é uma Brastemp, mas me serve bem”, ou “...meu marido não é uma Brastemp,
mas ...”, etc.
A frase é usada em contexto humorístico dentre as diferentes situações e
personagens da série de TATs iniciada pela dupla masculina. Além desta dupla que
protagonizou por anos os TATs da Brastemp, novas personagens aparecem: a
dona-de-casa queixando-se do marido, o esposo dominado pela esposa
confessando o equívoco de não ter comprado uma Brastemp, e que sua esposa –
sempre reclamando da outra marca adquirida – costuma ser muito elogiada nas ruas
pelos operários das obras (edificações), o menino, vestido de índio, que reclama do
castigo recebido porque havia empregado sua arma contra a Brastemp da mãe...
Após muitos anos sem a dupla, a Brastemp volta a anunciar com os dois
homens que estabelecem uma relação de intimidade com a dona-de-casa, e eles
comentam: “até que enfim nos chamaram de novo”. Essas observações não teriam
interesse se não fosse o contexto de humor (representado pela série de textos) onde
o formato e a música do anúncio se inserem, permitindo certa forma enunciativa de
comentário cujas noções pertinentes se esboçam a seguir.
Em toda a série há os tempos inicial e final dos textos; o tempo aqui pode ser
entendido de dois modos complementares. Primeiro, no sentido de parte inicial ou
final da linha cronológica, ou segmento temporal do texto; segundo, é o tempo
composto pelo texto, com relação interna entre seus componentes semióticos (fala,
imagem, música). Na série, o tempo inicial se organiza pela fala direta ao
telespectador, sem música ou sonoplastia, o tempo do dizer que dá forma à
audiovisualidade – o que gera um efeito de verossimilhança ao depoimento do
falante; depois disso, um tempo final composto filmicamente, ou seja, um
combinação de legendas, marca e slogans, elementos gráficos, voz in off e música
que surge como importante enunciação, pois ela dá movimento organizado ao
fechamento.
A música, neste caso da Brastemp, está caracterizada pelo dobrado, gênero
das bandas de música; ao invés de instrumentos da banda, o dobrado do TAT
apresenta a voz humana fazendo imitações dos instrumentos, como a tuba e as
percussões; este uso da voz (assemelhado à seqüência sonora “bom-bom-bom...”) é
tradicional nas brincadeiras infantis e consiste numa modalidade de imitação do
mundo sonoro inserida no universo lúdico e com efeitos cômicos. Além disso, tais
sonoridades são amplamente exploradas no cinema e na televisão em efeitos
sonoplásticos para compor situações cênicas de humor, sonoridades cuja
genealogia remonta à ópera, opereta e demais gêneros musicais ligados
musicalmente ao cômico.
Neste segundo tempo final, há um efeito de comentário do tempo de dizer,
uma espécie de saída do lugar de verossimilhança (quase documental) para um
outro lugar mais assumidamente publicitário (pela composição das substâncias e
processos), o que se poderia chamar de tempo musical do fechamento – musical no
duplo sentido de maior presença da música e da musicalidade expandida.
Os TATs dos Correios apresentam igual divisão de tempos e uma música
semelhante à do TAT da Brastemp, além da caracterização cômica das situações
onde se inserem os cartões de natal anunciados. A série de TATs dos Correios
apresenta histórias em que personagens, ao invés de enviarem cartões para felicitar
os amigos, no natal, dizem suas mensagens pessoalmente em situações e lugares
inapropriados (por recados em interfone residencial, pela secretária no local de
trabalho do destinatário, etc.). A situação de humor é confirmada, como nos TATs da
Brastemp, pelo tempo musical de fechamento. Pode-se dizer, aliás, que a música,
com exceção de pequenas diferenças de variantes, é a mesma do dobrado acima
comentado da Brastemp; a posição de precedência do TAT da Brastemp se indica
também pela cronologia de lançamento das séries dos dois anunciantes.
Observamos a seguir o caso de dois outros TATs que possuem ritmos
constantes, ou melhor, agentes rítmicos constantes que agem em toda a duração
textual, indicando a possibilidade de que conjuntos de TATs venham a ter o que se
poderia chamar de o som da marca, ou ainda, o ritmo da marca. Isso significa a
possibilidade de que tais sons em ritmos (formados pelos sons) desempenhem uma
função nuclear identitária expressando traços passionais inerentes à marca ou
produto, mormente quando a esse núcleo se podem referir qualidades tais como os
referentes identitários, a vontade estratégica, a expectativa dos destinatários, as
convenções setoriais, e a própria estrutura narrativa destas qualidades
(HEILBRUNN, 2002).
No caso do TAT Philco é preciso considerar uma série de textos que
apresentam filmicamente a marca num corte repentino, junto a um som seguido do
slogan “Tem coisas que só a Philco faz por você”. Esse som de percussão grave –
que é o da própria ação da máquina que imprime a palavra Philco nos televisores
em fabricação – é objeto de comentário por parte de dois agentes de produção na
fábrica, onde a marca está sendo impressa em alto relevo. Eles se perguntam sobre
o porquê daquele som: “para fixar”, conforme querem os publicitários, diz um deles;
“acho que não”, diz o outro, e assim polemizam sobre a eficácia daquele efeito... A
cada frase dita pelos agentes – note-se que um dos atores é um daqueles que
protagonizaram os TATs da Brastemp – repete-se (“fixando”) o som produzido pela
máquina, e assim repetindo até o tempo de fechamento, onde slogan, som e marca
aparecem como na série anterior.
É preciso observar então o sentido criado com este corte rítmico-sonoro (o
corte fílmico seguido do som, antes do slogan) na série de textos que antecede este
TAT do diálogo na fábrica que é repetidamente alternado com este tipo de corte.
Esse TAT, aliás, representa bem um tipo de formato muito comum. Trata-se do
tipo caracterizado pelo corte fílmico que antecede a exibição visual em primeiro
plano da logomarca e a entrada da voz in off, de modo que se pode traçar uma linha
temporal marcada pelo último terço da duração dos TATs (lugar do corte): nos dois
terços iniciais tem-se uma fase narrativa em torno do contar a história; ao final, a
presença mais evidente e direta do enunciador através do discurso argumentativo
(slogan ou comentário), tempo de fechamento ou outro recurso – compare-se,
acerca desta observação de proporção textual, o TAT da Renner.
Tomando-se as proposições de Charaudeau sobre discurso narrativo (atitude
projetiva do falante) e discurso argumentativo (atitude impositiva), (CHARAUDEAU,
2004), pode-se ver que na primeira fase predomina o discurso narrativo, de modo
que o enunciatário é convidado a identificar-se com o universo da história, com as
personagens e sua dimensão ética, a entrar num ambiente de ambigüidade, de mera
sugestão de valores e atitudes ao invés de julgamentos sobre fatos; ao final, o
enunciador passa da atitude projetiva, baseada na identificação, para dizer
diretamente pelo discurso argumentativo, ele passa a uma atitude impositiva que
exige tomadas de posições e juízos de valor entre os sujeitos da comunicação.
Por outro aspecto, tais atitudes que modelam certos TATs são o que já
havíamos indicado anteriormente com as duas formas da publicidade observadas
por Fabbri, o contar a história e a interpelação direta ao telespectador (alguém que
nos fala e nos dirige o olhar). O que se apresenta como interesse neste formato
geral é estudar o que as formas temporais fazem nesta passagem de fases e nesses
modos discursivos.
O TAT da Skol apresenta o objeto temporal ligado à percepção sensorial do
produto (cerveja), o que se dá através da estesia disseminada na/pela música. Neste
texto faz-se uma espécie de apresentação, pela voz in off, da música que vem
executada na seqüência; os dois sons apresentados (explicados) verbalmente fazem
parte estrutural da música. O agente rítmico da música é obviamente interno, pois
consiste num motivo rítmico com o qual as frases musicais se organizam; note-se
que o motivo faz referência ao prazer/desprazer advindo das qualidades das
cervejas: a Skol tem o som expirado desvozeado, o da “descida redonda”, da
“cerveja que desce redonda” (“ahhh...”); o som da descida quadrada, de outras
marcas (“cerveja que desce quadrada”), é o “bum”; o “ahhh” é o som da leveza e
prazer; o “bum”, peso e sensação desagradável.
Esses dois sons de expressão passional (estésica) do TAT localizam-se no
fim de cada subdivisão das frases musicais (subdivididas em duas partes) e fazem
na música cantada um jogo oposicional entre prazer e desprazer, leveza e não-
leveza, jogo que é potencializado pela música que os organiza simetricamente;
ademais, na cena há dois tipos de bebedores, um indivíduo que bebe a cerveja
quadrada e faz o som “bum” ao engolir – indivíduo de idade e perfil físico diferente
dos demais bebedores – e aqueles que, jovens e esbeltos, bebem a cerveja redonda
e fazem o som “ahhh...”; ambos são fontes sonoras intracampo (emissores de som
que se podem ver) e que participam da música cantada.
Observe-se, a respeito da narratividade da marca originando elementos
sonoros do TAT, a sonoridade da palavra Skol e a ação de abrir uma lata ou garrafa
de cerveja, o equivalente a um programa narrativo embutido na sonoridade: o s
inicial referente à primeira abertura da tampa (saída do gás); o Kol referente ao
estampido final com a saída da tampa e o som grave e durativo da vogal e sua
terminação (o som de dentro do recipiente aberto). O programa narrativo em busca
do prazer de beber a cerveja e a prova positiva do sabor estão representados pela
sonoridade expirada (ahhh...), então oposta (no TAT construído sobre a canção) ao
som das marcas concorrentes.
5 CONCLUSÕES
5.1 OBSERVAÇÕES TRANSVERSAIS SOBRE TEMPO E PASSIONALIDADE
Ao iniciar as conclusões desta tese, a atitude mais cabível parece ser a de
tentar dar conta da hipótese de trabalho que a animou e se constituiu, segundo
cremos, no fio condutor da pesquisa. A atitude de responder pela hipótese, como
não poderia deixar de ser, corresponde a considerar referências centralizadoras que
têm por base as análises empíricas realizadas. Como se sabe, essas análises dos
TATs, recém expostas no final do Capítulo 4, estão orientadas ao tempo interno de
cada texto e à percepção do funcionamento da hipótese nos limites do texto
individual analisado.
Tal pontualidade analítica em cada texto carece ainda de um olhar para o
funcionamento da hipótese nos TATs, em perspectiva de conjunto. Para dar conta
desse olhar, as observações transversais tentam compreender elementos e
aspectos fortemente interdependentes: as análises em visão de conjunto, a hipótese
e as categorias temporais nesse conjunto, num primeiro momento; além de mostrar
esses elementos, as observações transversais têm função coesiva na tese. A partir
dos primeiros elementos transversais teremos terreno para encaminhar outras
conclusões mais gerais, próprias de um segundo nível de transversalidade, as que o
estudo agora permite formular e, assim, pensar espaços a serem ocupados pelo seu
prosseguimento.
Logo se pode identificar, vendo o conjunto de TATs, o destaque de uma
categoria temporal nas narrativas: é a do tempo cinemático. A síntese que se segue
dos resultados analíticos demonstradores da emergência desse tipo de fenômeno
temporal mostra também que ele ocorre em momentos centrais das narrativas, nos
quais a mensagem sensibiliza estabelecendo uma passionalidade específica e
marcante.
No TAT da Renner, a antecipação está disseminada em diferentes modos de
transformações antecipativas do tempo no discurso, ligando-se à surpresa do
desfecho e aos demais traços passionais da atriz desejosa por antecipar as compras
natalinas; está inscrita na globalidade do texto, com processos temporais (musicais)
antecipativos: a antecipação assim é resultado da aceleração, pertencente, portanto,
ao tempo cinemático.
No TAT da BrasilPrev, os conteúdos passionais da história nostálgica e da
música parecem funcionar tensivamente com a surpresa do tempo fílmico, tempo
agente produtor da presença assustadora no presente. A tensão entre uma
dimensão temporal mnésica e a dimensão cronológica, ao se fazer por um corte
abrupto, estabelece um acento intenso que rompe com a relação de um passado
que vai se presentificando (tempo mnésico) para estabelecer um “presente
presentificado” (tempo cronológico): é a aceleração acentuada desse processo que
nos faz perceber a tensão entre o mnésico e o cronológico. No processo acelerado,
o telespectador é jogado para fora da dimensão mnésica, vale dizer, para fora do
“Cinema Paradiso”, de encontro a um chocante “real” presentificado que sustenta o
conselho de fazer um plano de aposentadoria.
O TAT da Brahma Bock, no desfecho em que a marca se apresenta como
solucionadora do impasse criado (parada musical) por um gosto repugnante, faz
surgir o tempo cinemático da aceleração – aceleração consagradora da marca. É
como se o TAT se acelerasse para promover a saída do impasse criado pela
fabricação mal-sucedida e consagrar o encontro com a Brahma Bock, realizadora do
propósito de beber uma boa cerveja.
No TAT do PT, o slogan “Agora é Lula”, tendo um objeto móvel como suporte,
finda uma enunciação verbal abruptamente, fazendo um corte pertencente ao tempo
cinemático da aceleração: é a premência que determina um final sobreposto à
argumentação encerrada abruptamente pelo slogan, afirmando o momento de
decisão eleitoral (“Agora é...”). No TAT “Ordem e Progresso”, a aceleração ocorre
apenas como tempo musical de fechamento, isto é, ocorre por conta do formato
composto pela aceleração na euforia do final feliz.
Os TATs da Brastemp e dos Correios, na segunda fase formal, se aceleram
para compor o tempo de fechamento. A aceleração dessa fase introduz a marca ou
produto para também confirmar/comentar, num plano superior ao dos personagens,
o caráter humorístico das cenas anteriores: na aceleração desse tempo de
fechamento, o sentido do texto se completa, em virtude do comentário verbal e do
gênero musical empregado. A aceleração também aparece nos TATs da Philco e
Skol através do ritmo da marca – embora ocorra, nestes casos, em valores
semióticos menores ligados ao canto ou à fala. O slogan “Têm coisas que só a
Philco faz por você”, lançado ao final do TAT, faz também descontinuidade
acelerada, assim como a marca, ao ser impressa, interrompe e pontua a seqüência
verbal dos agentes na fábrica. No TAT da Skol, que se organiza em função da
música, é o canto que se compõe em síncopes musicais: elas são um fenômeno
temporal acelerado que antecipa acentos e durações das unidades métricas
seguintes.
Como podemos ver, o processo cinemático da aceleração, recorrente nos
exemplos analisados, tem relação direta com (1) aspectos formais – da forma
esquemática linear – que envolvem a marca, produto ou idéia que o TAT apresenta;
(2) o modo de construção dos efeitos passionais pelo enunciado ou pela
enunciação, (3) com os processos sonoros e verbais (rítmicos) geradores de
sentidos nos quais os traços passionais se originam dessas semióticas especiais.
Este último item se mostra com os TATs da Philco e do PT (“Agora é Lula”):
respectivamente, a excelência pomposa e a premência são geradas com processos
rítmicos construídos com a fala humana e os efeitos de composição fílmica.
O tempo cinemático acelerado ocorre na glorificação da marca, produto ou
idéia (Brahma Bock, Renner, Brastemp, Correios etc.), atuando na parte formal
denominada tempo musical de fechamento e como aumento na velocidade fílmica,
andamento e/ou densidade musicais. O sujeito em disjunção, separado de seu
objeto de valor, assim se apresenta inicialmente para depois, de alguma maneira
ligada à glorificação, entrar em conjunção com o objeto buscado. Isso ocorre na
parte final chamada tempo do fechamento, graças àquilo que o TAT promove e que
vem a se constituir no momento de glorificação que se faz com o tempo da
aceleração.
O tempo acelerado, além de atuar na glorificação da fase final, se
correlaciona com modos distintos de realizar a passionalidade. Há o modo mais
centrado no enunciado, na história contada, onde o sujeito é narrado em estados
distintos em relação ao objeto de valor, em aproximação ou afastamento, gerando os
efeitos passionais que são apenas acompanhados por alguma espécie de
aceleração; o outro modo é mais centrado na enunciação fílmica, em seus efeitos
audiovisuais que atuam em primeiro plano como geradores dos efeitos passionais.
Esses modos têm relação com duas formas de perceber o tempo na análise,
tratadas a seguir.
A exemplo dos TATs da Renner e da Brahma Bock, o sentido temporal-
passional se forma e emerge com base em ações de atores: podemos ver e
acompanhar atores entendidos como sujeitos semióticos; esse acompanhamento,
centrado nas ações humanas visíveis e audíveis, faz com que aquela figuratividade-
incomunicabilidade do tempo (referida no Capítulo 3) aconteça mais velada e
eficazmente, por conta do plano narrativo com ações no tempo que ocupam
proeminência na percepção.
De outra forma, quando os sujeitos semióticos não são desempenhados por
atores humanos, mas sim pelos actantes não humanos em ação comparável àquela
exercida por atores, a percepção temporal funciona diferentemente: no TAT da
BrasilPrev, pode-se destacar o eu interno da história contada (Orson Welles)
associado a entidades musicais (o motivo musical que se desenvolve com o eu); a
enunciação fílmica, associada ao eu da enunciação que controla as manobras
temporais, faz continuidade e sofre a descontinuidade final. As formas audiovisuais
da música e legenda, em conjunto, e a imagem do fotograma final, sendo as que
também os actantes assumem em suas ações, favorecem mais a percepção do
tempo.
Essas duas formas distintas de percepção do tempo – a ação desenvolvida
por atores humanos (a que se relaciona à ação no tempo na narratividade) e aquela
que envolve a ação de atores não humanos, especialmente a ação do tempo – são
co-ocorrentes tanto aos dois modos de produção passional, centrados ou no
enunciado ou na enunciação, quanto ao tipo de sujeito que atua nos TATs.
Doravante, após esses elementos discursivos apontados, terão lugar as conclusões
que dizem respeito à ação – temporal – em comunicação, dentro da perspectiva
comunicacional iniciada nos Capítulos 2 e 4.
5.2 A (IN)COMUNICAÇÃO DA TEMPORALIDADE: O CONFRONTO DOS TEMPOS
Lembremos alguns elementos sobre comunicação até agora expostos na
tese, buscando, ao mesmo tempo, dar curso à reflexão. Em 2.2.1, buscou-se
desenhar a noção do olhar comunicacional, definida então como um
entrecruzamento de três dimensões: interação, discursividade e sociedade. A
complexidade das relações que se estabelecem nas dimensões pode ensejar muitas
leituras distintas e relacionadas; entre elas está a que tenta fazer, como se segue, a
aproximação do objeto temporal específico com a noção.
É evidente que a dimensão da discursividade faz gravitar em torno de si o
objeto temporal estudado, o que equivale a dar maior importância a essa dimensão;
tal importância, entretanto, não deve perder de vista o entrecruzamento necessário à
noção comunicacional e os níveis em que ele pode ser observado em cada uma das
três dimensões. É no nível da discursividade então que o objeto propõe um
entrecruzamento das dimensões social e interacional: elas respectivamente
aparecem como situação social dos macro-sujeitos sociais (S
1
e S
2
do modelo
comunicacional de 4.4) e como relações discursivas internas projetadas pela
situação comunicacional no discurso.
A situação social está limitada, nas análises, pelas informações breves sobre
o cenário social, aparecendo no início e, por vezes, ao longo dos textos analíticos.
Para que a situação social seja assim compreendida, nos limites restritos em que ela
é considerada, as análises contam com conhecimentos prévios do leitor acerca do
mundo sócio-cultural envolvido.
Configuram-se assim as cenas sociais que compreendem anúncio no período
do natal (Renner), as relações político-partidárias (disputas entre PT e PSDB), ações
no trabalho (Brahma Bock, Renner, BrasilPrev, Philco), e assim por diante; mas,
sobretudo, são as relações interacionais entre sujeitos confrontados – projetadas
pela situação social – que se configuram nas cenas sociais assim descritas, relações
de confronto no trabalho de convencimento que fazem o pano de fundo da análise
dos TATs.
A (in)comunicação, no título desta seção, não apenas lembra a figuratividade
segunda do jogo comunicacional (a incomunicabilidade da estratégia), mas obriga a
responder sobre como acontece o confronto e o convencimento nos TATs,
especialmente, em termos do objeto construído. A incomunicabilidade do tempo é a
incomunicabilidade da estratégia atuando, do ponto de vista do objeto, naquela zona
de funcionamento da projeção, comentada em 4.4.
Essa incomunicabilidade consiste então num jogo discursivo em que o sujeito
social
projeta no discurso um conjunto complexo de idéias, sujeitos, objetos e
valores e passionalidades; tal projeção, embora apoiada no plano explícito do que é
dito ou mostrado, encontra sua potência maior nos sentidos construídos num
segundo plano das mensagens. Neste plano segundo atua o jogo tensivo de tempos
e paixões que se acreditam eficazes para convencer o telespectador a comprar ou a
fazer adesões ideológicas. Antes de uma maior explicitação desse jogo tensivo
enquanto jogo temporal, é preciso ainda tratar de aspectos da passionalidade nos
TATs.
Os estados de conjunção ou disjunção com objetos de valor e a
passionalidade a eles associada funcionam, nos TATs, como uma espécie de
sanção que o destinador (enunciador) quer ofertar ao enunciatário – projetando a
manipulação –, premiando a posse do objeto com a passionalidade eufórica ou
condenando com a passionalidade disfórica quando a posse não é atingida; por sua
vez, o objeto (ideal ou material) que o TAT apresenta para nos convencer se mostra
sempre desejável como gratificação passional advinda da adesão ideológica ou do
uso que derivaria da compra proposta.
A projeção das conjunções e disjunções e de seus efeitos passionais no
enunciatário se faz então por meio de passionalidades sancionadoras eufóricas e
disfóricas. As eufóricas são resultantes do uso do produto ou da adesão ideológica,
pondo o sujeito em conjunção com o objeto de valor; as disfóricas resultam do não
uso ou da não adesão.
Interessante ver que há passagens da passionalidade disfórica à eufórica e
permanências na euforia ou na disforia. Os TATs da permanência eufórica são os
da Renner, Skol, Brastemp – TAT com a dupla masculina –, PT “Ordem e Progresso
e “Agora é Lula”, Philco; da disforia à euforia: Brahma Bock, Brastemp – TAT do
menino de castigo e o da família reclamando –; da permanência disfórica:
BrasilPrev. Em todos esses casos é importante notar que o tempo cinemático está
sempre presente na segunda fase, seja ela eufórica ou disfórica; ele atua junto à
passionalidade sancionadora. O tempo cinemático se confronta com um tempo
rítmico anterior (ou mnésico) e esse jogo tensivo é o confronto dos tempos.
Pode-se dar um exemplo com o TAT da Renner. Nesse caso, qual é o
confronto temporal-passional? A surpresa da equipe pela antecipação da
propaganda e das compras na Renner e o desejo caprichoso realizado da atriz
sancionam positivamente aquele telespectador que desejar o objeto e também
antecipar as compras de natal.
O capricho da atriz alinha-se com a antecedência que se requer de uma ação
prudente bem-sucedida (sanção positiva), evitando assim o “deixar tudo para a
última hora”. Sabe-se que, no Brasil, há o dito de que “brasileiro deixa tudo para a
última hora”... A inércia nas compras de natal ainda não realizadas é confrontada
pela aceleração do tempo que propõe as compras antecipadas.
Confronta-se o tempo acelerado com aquilo que tende a esperar, tanto no
aspecto do tempo discursivo (o rítmico no programa da gravação) quanto no aspecto
do tempo da ação esperado em relação ao telespectador. A aceleração se confronta
com o rítmico. É um confronto sutil em que o sujeito enunciador exerce sua projeção
para que a telespectadora (ou telespectador) esteja à altura de um gesto de estrela.
No TAT “Ordem e Progresso”, com a calma e a serenidade apregoadas nos
primeiros meses de governo, o tempo rítmico confronta-se com o tempo final de
fechamento, quase imperceptível em sua aceleração, expressando a calma
desejável por parte de um eleitorado consciente de que as mudanças sociais devem
ser gradativas – o que vem a contrastar, embora em outra situação frente ao eleitor,
com a celeridade premente apregoada com o “Agora é Lula”. E assim
sucessivamente os exemplos dos confrontos temporais poderiam seguir com os
demais TATs.
O tempo agente (sujeito temporal) põe em jogo, em comunicação, as ações
semióticas que respondem aos mecanismos de sentido caros aos sujeitos sociais
em interação. O TAT faz interação entre os macro-sujeitos sociais (anunciante-
telespectador) e é construído pelo confronto dos tempos que se combatem e jogam
entre si, projetando sobre o telespectador as passionalidades sancionadoras.
A temporalidade faz confronto em si mesma. Em seu funcionamento semi-
simbólico, ela também faz o confronto (convencimento) que se quer estabelecer
entre os atores sociais (anunciante-telespectador; empresas concorrentes) e
actantes (sujeitos, objetos, marcas, produtos e idéias). A temporalidade do TAT é um
agente discursivo de ação comunicacional midiática. Em sua natureza semiótica, o
sujeito temporal, no TAT, faz o jogo – confronto de tempos – para expressar e
potencializar sensivelmente as sanções passionais ligadas aos objetos de valor
ofertados pelo TAT e, assim, ser partícipe ativo no mundo social em seus confrontos
e jogos comunicacionais.
5.3 OBJETO TEMPORAL AUDIOVISUAL: A PERCEPÇÃO DE MOMENTOS
Os TATs analisados permitem dizer que neles se manifesta um jogo
discursivo organizado globalmente, mas com evidentes manifestações localizadas. A
passionalidade se organiza pelo trabalho de conjunto e se revela de modo pontual
por processos cinemáticos (tempo sistêmico visto em 4.5), notadamente em eventos
marcados ou “picos emocionais” por aceleração. Até o momento, as análises
discursivas, em seu modo de abordagem global, direcionaram as observações.
Doravante, embora apoiadas no trabalho dessas análises, as observações sobre
objeto audiovisual e passionalidade seguem um outro viés, com base em
manifestações localizadas no discurso.
Se definirmos que a emoção é um evento momentâneo, cuja duração é mais
curta do que a de sentimentos e de paixões (mais longas) que dominam a vida do
indivíduo; que a passionalidade (emoção, sentimento, paixão) estabelece uma ação
mobilizadora, com foco localizado no caso da emoção, com muitas conseqüências
na ação humana; que a passionalidade humana, uma vez posta em discurso,
transporta suas estruturas temporais para ele, veremos então que a análise do
tempo, reveladora do momento, do instante e de sua irradiação que se expande na
totalidade discursiva, é um meio de observação da passionalidade ligada às ações
postas em discurso; é ainda um meio de observar a globalidade discursiva que cria
sentidos, não-ditos no primeiro plano das mensagens, mas que respondem pelos
objetivos mais caros à ação comunicacional humana.
O viés desse tipo de observação – talvez passível de ser chamado de antropo
ou psicologizante, no sentido de que tenta perceber algo da dimensão passional do
ser humano pelo estudo do discurso – quer implicar, segundo determinado ponto de
vista, no problema da “realidade” de uma ação filmada (documental ou ficcional).
Parece precária a distinção costumeiramente aceita entre “realidade e ficção”, entre
outras; além disso, é o próprio conceito de realidade que permanece em falta nessas
distinções: somente ele iria requerer uma discussão filosófica desde o início do
problema. Contudo, superadas ou não as dificuldades do viés, parece que ainda
assim é lícito reconhecer o interesse daquelas Ciências Humanas que veriam nesse
objeto temporal-passional uma forma singular de ação comunicacional a ser
estudada.
Por ora, cabe supor que se a forma dos TATs coloca o evento marcado em
relevo para surgimento da passionalidade principal – a exemplo da surpresa junto à
antecipação da atriz e ao processo de antecipação do tempo (acelerado) no discurso
(TAT da Renner), ou como um presente assustador trazido à tona pela enunciação
que, antes, nos fazia mergulhar num passado através de processos (narrativo e
musical) construídos com o tempo mnésico (TAT da BrasilPrev) – ela certamente
pode ser estudada por analogias estruturais entre, de um lado, o objeto temporal-
passional da audiovisualidade e, de outro, o viés da constituição ou da natureza
passional humana, em quaisquer dos níveis de realidade considerados.
Antes da colocação desse problema que não é alheio ao projeto de
cientificidade da semiótica greimasiana, uma vez que ela tende a estabelecer
relacionamentos substanciais com o conjunto de saberes tributários da teoria do
sentido, é preciso salientar a capacidade das categorias temporais empregadas na
apreensão da dimensão passional. Os resultados analíticos já mencionados fazem
perceber a correlação entre a passionalidade criada e os processos cinemáticos nos
TATs.
No que se segue, salientando as categorias dos tempos cronológico e rítmico,
teremos em vista um dado de correlação entre forma temporal mensurável como
uma espécie de segmentação natural e a emergência de momentos sucessivos –
incluindo aquele do pico emocional – funcionando em alguns textos observados.
O conjunto de TATs, tomado agora em consideração para tratar desse dado
(TATs da Nextel, Fortilit, Campanha de combate ao álcool), não é o mesmo usado
nas análises do Capítulo 4. A busca de um outro conjunto e o trabalho nele realizado
permitem dizer que a observação desse dado mensurável poderia ser testada em
qualquer outro conjunto, com boas chances de confirmação. O dado observado
consiste num ciclo de 7 segundos, medido a partir de um evento marcado, e no
entendimento dos momentos que se sucedem no texto até o momento do pico
emocional.
Contados 7 segundos a partir de um evento marcado qualquer (ou seja, o
primeiro dos 7 ocorrendo numa inflexão tonal ou rítmica na fala, num corte fílmico,
em ataques musicais etc.), formam-se ciclos rítmicos a cada 7 segundos; o início
dos ciclos terá incidência em outros eventos marcados, ou seja, em torno do
primeiro ou do sétimo segundo de cada ciclo, novo evento marcado irá ocorrer. Essa
pulsação dos segundos corresponde ao tempo cronológico; o ciclo de 7 corresponde
ao tempo rítmico. Importante registrar que o início da contagem, no primeiro
segundo do ciclo, pode ocorrer desde o início do texto, no primeiro segundo da
duração total; ou pode ocorrer – como muitas vezes parece ser a melhor contagem –
a partir de um evento marcado que não seja o inicial.
O efeito resultante geral perceptível enquanto se analisa o TAT fazendo a
contagem é o de uma curiosa coincidência entre o início do ciclo e um novo evento
marcado; é como se fosse uma segmentação natural entendida como pontuações
audiovisuais cíclicas. Ora, o que se apresenta aqui é algo semelhante a uma medida
de momentos que vão sendo construídos numa sucessão que conduz ao pico
emocional correspondente ao evento marcado de maior relevância. Abre-se assim
caminho para o estudo desses momentos que duram 7 segundos e configuram a
construção da passionalidade global, no movimento cíclico do discurso, e
localmente, na emergência dos picos emocionais.
Os momentos cíclicos de 7 segundos são reveladores de uma forma temporal
configuradora de algo intrínseco à percepção de momentos. Trata-se supostamente
de uma forma intrínseca da percepção que define a duração do momento em 7
segundos. Isso constitui a proposição de que se percebe naturalmente um novo
momento a cada ciclo de 7 segundos.
Esse dado sobre a percepção de momentos é pertinente para se pensar o
objeto do tempo na audiovisualidade naquele viés antropo ou psicologizante que
conclama a discussão do problema colocado mais acima. A questão da realidade
no/do filme, de cunho primordialmente filosófico por conta da noção de realidade,
deveria se encontrar, em algum ponto, com a noção de antropológica em Sodré (Cf.
Capítulo 3): ela se apresenta como nova ciência para entender a mídia como bios
virtual, estruturadora ou reestruturadora de percepções e cognições.
Cabe então perguntar se a antropologia visual não oferece, de fato, condições
para o estudo da realidade filmada e se ela precisa se constituir em algo novo; as
reflexões da ordem da audiovisualidade sobre o filme etnográfico (FRANCE, 1998),
respeitadas todas as distâncias e proporções entre o etnográfico e o estudo
midiático, parecem oferecer muitos subsídios para este último, especialmente para a
problematização da realidade audiovisual; no que concerne à observação de que
existem pontuações audiovisuais correlatas à percepção de momentos – sugerindo a
requalificação ou reestruturação no sentido da antropológica ou em outro sentido
que a ela se contrapõe – é melhor estudar esse dado na perspectiva do viés que
aqui se esboça. A propósito do dado psicológico da percepção, o estudo de uma
realidade filmada parece ir além da simples introspecção, confirmando o viés.
A observação, sobretudo, parece indicar claramente a viabilidade heurística
da hipótese, isto é, o tempo como expressão da dimensão passional humana é
apreensível no objeto da audiovisualidade e, ainda, dá margem a pensar sobre essa
dimensão humana no objeto. Sendo visto pela dimensão do discurso, o caso dos
momentos cíclicos nos TATs, constituído no objeto tempo na audiovisualidade,
acena com uma forma de percepção que se pode investigar em outros gêneros
audiovisuais.
5.4 PERSPECTIVAS E AVALIAÇÕES FINAIS
O objeto do tempo na audiovisualidade requer uma análise que envolve a TV
diferentemente dos enfoques mais usuais. Estes costumam versar sobre
comunicação ou sobre o meio de comunicação em geral, segundo perspectivas
estéticas, políticas, econômicas, culturais, etc.; o tratamento do objeto audiovisual na
tese coloca-se numa perspectiva analítica diferenciada e, ao mesmo tempo,
complementar a todas as outras, entre outras razões, pelo esforço descritivo
aplicado aos materiais midiáticos. O tratamento parece ser diferenciado por tentar
abordar com certa acuidade analítica o material midiático, fortalecendo a abordagem
empírica de pesquisa.
Acredita-se que o espaço deixado entre as abordagens internalista e
externalista (Cf. Introdução) tem sido construído, dentre aqueles enfoques mais
usuais, com predominância desta última abordagem. Por sua vez, o enfoque
analítico aqui perseguido busca se fixar no eixo da discursividade; ainda que
internalista, como diz Bourdieu, ele traz a promessa de se estabelecer como pólo de
observação onde o funcionamento do conceito de campo oferece uma síntese
superadora especial, pela direção necessariamente ascendente que o estudo da
discursividade tende a tomar com o conceito de campo, ligando o discurso ou a
textualidade a estruturas e processos sociais e culturais, sem cair no problema do
curto-circuito.
A proposição parece justa na medida em que sua direção estabeleça uma via
mais bem construída a partir de um pólo de natureza empírico-discursiva, servindo
de base a uma abordagem ascendente sem maiores riscos desviantes na análise do
produto cultural, evitando fazer deste produto mera ilustração de teorias usadas nas
abordagens que parecem descendentes, à primeira vista.
Os resultados sobre a aceleração nos TATs apontam para algumas noções
adjacentes ao objeto da tese que foram usadas no Capítulo 3. Como desconsiderar
a evidência da correlação entre aceleração e passionalidade e o que se configurou
como o tempo do ethos midiatizado, especialmente quanto às formas perceptivas e
cognitivas? Tal correlação seria pertinente com a aceleração em processos sociais,
o que tem sido chamado de aceleração na hipermodernidade e tempo do consumo
(LIPOVETSKY, 1989, 2004). Não pertencerá a esta ordem de fenômenos a
temporalidade pensada (por Martín-Barbero e Rey) dentro de uma hegemonia
audiovisual (MARTÍN-BARBERO; REY, 2001)? As questões exibem muitos desafios
a serem vencidos com as diferentes abordagens e com um modo de análise em que
os materiais midiáticos não figurem apenas como ilustração de teorias.
Com isso dizemos tão-somente que o modo de análise da tese orienta-se por
certos princípios, valores e conceitos que a nós parecem afinados com a prática de
pesquisa conveniente ao campo comunicacional. É bem possível julgar que
abordagens genéricas e teorizantes venham em prejuízo de um trabalho descritivo e
de maior apoio empírico. Crê-se que a pertinência desta proposição está ligada à
avaliação e aos direcionamentos que o campo comunicacional queira discutir e
deliberar; nesse sentido, para se inserir no processo avaliativo do campo, a tese aqui
se coloca nessa perspectiva.
Tende-se a concluir que o modo de análise usado é generalizável porque,
quer se considere a TV, o cinema ou os novos meios, quer os diferentes lugares
onde se encontra o fenômeno da temporalidade/audiovisualidade em construções
narrativas, as condições básicas de funcionamento do tempo são suficientes e
necessárias para se pensar a aplicação e desenvolvimento da metodologia obtida na
tese. As condições são necessárias porque o modo de análise se dirige a uma forma
audiovisual geral que, para além das diferenças formais entre gêneros e formatos,
persiste generalizável enquanto dimensão intrínseca dos textos; suficientes porque,
se tal dimensão foi contemplada na construção do objeto e nas bases metodológicas
do estudo realizado, é possível avaliar seu poder heurístico em novos experimentos
e pesquisas.
A passionalidade e a temporalidade estão a serviço de diferentes funções e
elementos, conforme gênero, meio e outras especificidades da comunicação. Pode-
se dizer que, grosso modo, tempo e passionalidade estão a serviço da notícia, no
caso do telejornalismo; no caso da novela e do filme, a serviço do drama; no caso
dos TATs, eles estão a serviço do fazer crer no produto, serviço ou idéia.
Então é possível prever que o objeto temporal-passional construído possa se
desenvolver de modo a investigar os diversos usos do tempo e da passionalidade no
meio televisivo. Nesse aspecto, o corpus de publicidade-propaganda, predominante
neste estudo, poderia gerar um estudo comparativo com outros gêneros discursivos,
dentre eles, o discurso político na televisão.
Se a TV, em seu fluxo, é marcada pela rapidez, fragmentação, dispersão,
contrastando com o bom discurso político que, desde a Grécia Clássica, caracteriza-
se pelos rituais específicos, pela forma argumentativa, pela integridade e sua
duração, resultantes do trabalho pela coerência das idéias etc., como entender que
a TV tenha se tornado oficialmente na arena eletrônica da vida política hodierna? No
Brasil, sob os auspícios do Poder Judiciário, temos propaganda eleitoral obrigatória
e propaganda política instituídas na TV.
Inicialmente, seria fácil responder que a arena política televisiva é uma opção
óbvia da sociedade do espetáculo; o discurso político tradicional seria “transformado”
num discurso espetacular. Mas, embora razoável, a resposta requer maior
explicitação; avançando, vê-se implícita a questão acerca do que é o espetáculo, no
que ele consiste e como funciona – não esquecendo que, desde sempre, traços
espetaculares (da verbalidade-visualidade na oratória, da teatralidade na interação
presencial) são elementos componentes do discurso político.
Quanto ao objeto desta tese, é razoável que a hipótese – tempo e
audiovisualidade como hipótese geral nos estudos midiáticos – induza a refletir
sobre a análise temporal da forma do discurso audiovisual que está presente nos
diferentes gêneros e formatos da TV, entre eles, as novelas, os jornais e a
propaganda política; que esta forma é constituinte fundamental do espetáculo que a
TV realiza em seus diferentes gêneros discursivos e formatos de programas. Tal
indução não é apenas teórica. Também é motivada socialmente. Tal motivação se
compreende na medida em que a forma audiovisual, composta pela capacidade
poderosa de funcionamento do tempo e das paixões humanas, pode ser
reconhecida como um dos atrativos fundamentais que fazem da TV uma arena
política hodierna.
Em 2005, a Justiça Eleitoral brasileira, motivada por fatos demonstradores
dos riscos de desvios da legislação eleitoral e querendo melhor controle de gastos
nas campanhas partidárias televisivas, empenhou-se em pensar novas normas; elas
vão explicitamente de encontro à “espetacularização” do discurso político na TV:
restrição aos recursos técnicos tipicamente publicitários nos programas políticos
televisivos (montagem, diversificação de cenas, reportagens, espetáculos artísticos,
externas, etc.). A restrição iria assim atingir aqueles objetivos da Justiça Eleitoral
dedicados a diminuir os riscos de desvios éticos e de não cumprimento das regras
de financiamento de campanhas partidárias.
Ora, o que entra em jogo aí também, com amplas implicações políticas e
sociais, é justamente a mudança na forma audiovisual dos programas eleitorais: de
um discurso audiovisual diversificado em cortes, planos, cenas, falas e músicas,
portanto, elaborado em sua construção temporal; para um discurso que tende a
orientar-se, no limite, por um plano fixado no falante, contando com sua capacidade
de argumentação; isso equivale a um texto cuja temporalidade, sobretudo, depende
da fala e, assim, desprende-se da espetacularidade midiática – o TAT “Agora é Lula”
seria um exemplo disso, se não fosse o efeito gráfico final que traz o slogan; o TAT
“Ordem e Progresso”, ao invés, apresenta-se de acordo com a forma audiovisual
espetacular.
Além de indicar o retorno à fala política tradicional, a reflexão da Justiça
Eleitoral dá a entender que a “não espetacularidade” reside também na forma
audiovisual de baixa ou nenhuma construção temporal; assim quase se ausentariam
da TV alguns dos seus processos audiovisuais mais próprios, a saber, os que
relacionam a espetacularidade – cujo teor passional é evidente – e a temporalidade
do discurso televisivo.
É claro que essas observações não se baseiam em gêneros e formatos
diferenciados, estudados a propósito das conclusões. Mas se é verdade que elas
figuram aqui apenas como argumentação sobre forma audiovisual e o objeto desta
tese, não é menos verdadeiro também que o objeto temporal construído, na maioria
dos aspectos mais importantes, foi beneficiado pela análise circunscrita aos TATs,
gerando uma experiência metodológica que promete alguma expansão da hipótese
neles usada. Assim, essas observações procedem como perspectivas do objeto
audiovisual construído ter justificada sua pretensão de pertinência ampla nos
estudos midiáticos, visto que a perspectiva de generalização da hipótese e a
pertinência ampla precisaram ser aqui contempladas com base no estudo restrito
realizado.
Há um engano divisionista/empiricista segundo o qual tudo o que se estrutura
na tese se destinaria unicamente ao desenvolvimento analítico na “parte empírica”,
onde as análises textuais são mostradas; assim se esquece do valor principal que
reside, antes, na organicidade do todo em prol daquela demonstração analítica
encerrada na parte. O valor baseia-se no equilíbrio dos diversos aspectos da tese
(desenvolvimento do problema, metodologia, análise empírica, epistemologia), os
quais respondem por sua maior ou menor organicidade.
Do ponto de vista dos diversos aspectos, pode-se avaliar que este trabalho
obteve desenvolvimento de modo a permitir que o conjunto seja visto em sua
organicidade. Sendo ela existente, as falhas na “parte empírica” poderão ser
consideradas com base naquele valor e daí corrigidas em cada aspecto da tese
carente de reparo. Tratemos, finalmente, de dois elementos (corpus e categorias)
que implicam na correção e no valor comentados.
A composição do corpus, tal como foi pensada no estudo, não resultou
decisiva na tese; as conclusões não parecem advir de uma análise circunscrita ao
corpus e à lógica dele decorrente. Outro fator associado a esse posicionamento
consiste no tempo consumido na reflexão teórica e na formação do problema,
buscando uma profundidade que se queria atingir. Esse cuidado prévio pode parecer
demasiado agora, depois de transcorrido o processo; na medida em que, mesmo
sem o nível de profundidade almejado, teria sido possível chegar mais próximo de
uma lógica de corpus.
A mencionada busca por profundidade levava ao propósito de usar as
categorias temporais dando conta de um nível muito alto de coerência textual. Para
dar um exemplo, a busca propunha que fossem examinadas as figuras temporais em
todas as semióticas, separadamente; o tempo de cada semiótica e sua relação com
uma passionalidade que seria descoberta, apenas, nesse modo de exame. Na
mesma direção analítica, queria-se chegar à demonstração do nível profundo em
que as categorias têm base.
Muito tempo foi consumido para fazer frente àquilo que se pode chamar de
uma profundidade zilberberguiana no TAT. Se, por um lado, o tempo dessa busca foi
demasiado longo, em detrimento de uma composição mais numerosa de análises
textuais, por outro lado, é preciso reconhecer que se ganhou melhor noção das
dificuldades e limites que o problema de pesquisa enfrenta, em especial, no tocante
a fazer com que uma abordagem restrita se dirigisse a uma abordagem mais ampla.
Daqui se pode concluir que a composição de outro corpus poderá aproveitar
todas as lacunas aqui deixadas pelo estudo no sentido de fazer funcionar uma
verdadeira lógica de corpus: a de um devido direcionamento do corpus para
resolução – inclusive quanto ao aspecto numérico da representação – de aspectos
centrais bem determinados do problema de pesquisa. Um possível critério poderá
advir justamente da retomada das categorias temporais.
Usar as categorias de tempo de modo totalizante, englobando todas as
manifestações semióticas do tempo no discurso, foi uma tarefa difícil cujo desafio,
para essa etapa de doutorado, julgamos vencido, na medida em que se pôde
experimentar um caminho no qual objeto e problema de pesquisa se animaram
mutuamente.
Um uso importante a ser considerado, no entanto, foi a oscilação nas
abordagens ampla e restrita das categorias de tempo. Diz-se ampla a abordagem
porque as categorias temporais foram empregadas em diferentes níveis cujo âmbito
é amplo; em diferentes conceitos e categorias mais vastos e mesmo desequilibrados
em relação àquilo que deveriam ser, tomando em consideração os níveis semióticos
analisáveis em sentido estrito (profundo, narrativo, discursivo). Nessa oscilação
pode-se entender também a falta de uma melhor articulação entre o modo de
interpretação geral usada nos TATs – do início do texto analítico até o
estabelecimento do conceito nuclear – e o modo descritivo categorial do tempo.
As perspectivas de desenvolvimento deste estudo apontam para o exame das
categorias temporais na condição de categorias semi-simbólicas, de modo que a
análise se dedique a mostrar separadamente, em cada tipo de semiótica (verbal,
imagética, sonora, musical, etc), as correlações sistemáticas entre expressão e
conteúdo. Contudo, graças ao amálgama formado nas análises, torna-se possível
interpretar, com maior rendimento analítico, os aspectos sintéticos em demasia,
assim como analisar mais criticamente problemas e questionamentos postos aqui
em perspectiva e avaliação.
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