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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Marcos Pereira Diligenti
A Geometria da Complexidade
Porto Alegre
2006
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1
Marcos Pereira Diligenti
A Geometria da Complexidade
Tese de doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul como requisito parcial para a
obtenção do título de doutor.
Orientadora:
Profa. Dra. Beatriz Vargas Dorneles
Porto Alegre
2006
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2
Marcos Pereira Diligenti
A Geometria da Complexidade
Tese de doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul como requisito parcial para a
obtenção do título de doutor.
Aprovado em ___/____/____
Profa. Dra. Beatriz Vargas Dorneles – Orientadora
Profa. Dra. Nara Helena Neumann Machado
(Professora da PUC-RS)
Profa. Dra. Paula Caleffi
(Professora da Unisinos)
Profa. Dra. Carmen Lucia Bezerra Machado
(Professora do PPGEDU)
___________________________________________________________________
Profa. Dra. Malvina do Amaral Dorneles
(Professora do PPGEDU)
3
A Marcos Ary Diligenti, meu pai, pela amizade,
ternura, sensibilidade e humanidade; “incorrigível”
marxista, trotskista, colorado e defensor da causa dos
oprimidos até o último instante de sua vida, dedico
todas as palavras escritas nesta tese.
4
MUITO OBRIGADO
Nas normas acadêmicas da ABNT existe um espaço destinado aos
agradecimentos.
Nas normas da vida protocolar existe um costume de agradecer pequenos
gestos, favores, intenções.
Nas normas de um trabalho, que pretende não seguir normas, agradecer
pode ser o espaço de maior importância de todo o texto.
Muito obrigado pode ser simples, formal, educado. Não, aqui não o é.
Os agradecimentos abaixo são carregados de lembranças, emoção,
subjetividade e de um profundo reconhecimento.
São “muito obrigados” impregnados de um sentimento que sempre acaba nos
mostrando ser o começo e o fim de tudo.
Muito Obrigado com Amor:
À Alessandra, minha companheira, que chegou em um momento de triste
partida, para ficar...um beijo...para sempre.
À minha mãe, Sônia, como o pai dizia: “uma guerrilheira vietcongue”... é
verdade, uma vietcongue recheada de ternura, amor e sabedoria.
À minha irmã Cristina, que mostra, com seu exemplo de vida, que a coragem
para enfrentar as dificuldades deve vir acompanhada de muita sensibilidade e
carinho...beijo mana.
Aos meus sobrinhos e médicos favoritos, Mariana e Lucas, que me ensinaram
que a Medicina é, também, um sacerdócio, amém...
A Paulo Horn Regal, novo diretor da FAU/PUCRS (tu hein...) , incentivador
incondicional, amigo de todas as horas, parceiro de discussões nas tentativas de um
mundo melhor. Nós conseguimos, ao menos enquanto estávamos discutindo...valeu
Paulinho.
À Carmen, esta meiga lutadora, que faz da generosidade a missão da sua
vida. Chegamos Carmensita! Não me pergunta aonde...
Ao Riggs, meu querido aluno, orientando de iniciação científica e grande
amigo. Salve, salve! Tu tens ainda muita coisa pra me ensinar, viu!
À Elinara, hoje arquiteta, ontem, incansável orientanda na pesquisa sobre os
fractais e a complexidade, valeu Eli.
5
Aos colegas professores da FAU/PUCRS, quantas substituições em função
de: “-...o Marcos tá lá encerrado com aquela tese”. Obrigado Deli, Muller, Maria
Alice, Balbinot, Perón, Flávio, Menegotto, Isabel e Luciano.
Aos funcionários da FAU/PUCRS, sempre “quebrando os nossos galhos...”
Valeu Bea, Lúcia, Maria, Rodrigo, Serginho, Roberto, Roger e Luís.
À Mônica Bertoni dos Santos, minha entusiasmada professora de Matemática
no primeiro e segundo graus no Colégio João XXIII, que fui reencontrar décadas
depois, movida pelo mesmo entusiasmo, desta vez pela Geometria Fractal.
À UFRGS, parceira desde 1981, quando recebeu um jovem aluno cartesiano
cheio de certezas na Engenharia Civil e devolve, agora, um doutor...cheio de
dúvidas... Muito Obrigado.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação por mostrar que a palavra
acolher é simples e, também, complexamente indispensável.
À “Professora Doutora Bea”, minha orientadora de dissertação e tese.
Lembro, em 1997, como professor substituto na UFGRS, quando bati a tua porta,
pensando em estudar algumas coisas sobre o curso de Engenharia, tu me disse: -
Vai em frente! Sempre que um aluno vem se aconselhar comigo lembro disso; eu
não esqueci, e acho que meus alunos também não vão esquecer...valeu Bea.
A todos os professores do Pós-Graduação em Educação, em especial à
Malvina, que começou a balançar as estruturas do meu determinismo científico...
deu nisso, a culpa também é tua! beijo... Ao Nilton, eu nunca vou esquecer aquelas
flores na defesa da dissertação, “que venham as flores contaminar nossos
ambientes tão gélidos de humanismo...” valeu cara pálida! À Carmen Machado, pela
sensibilidade em ensinar, professora do primeiro dia de aula no mestrado, com
Marx, Gramsci, Habermas (esse era complicado...), e presente no último, na entrega
da tese na secretaria do pós....será que é acaso?
Às colegas de orientação Neila, Jaqueline, Jutta, Isabel, Adriana, Luciana,
Virgínia e Maria Teresa, pelas contribuições e estímulos ao longo do percurso.
A todos os funcionários da Secretaria do Programa de Pós-Graduação, Ione,
Mary, Marisa, Neiva, Eduardo e ao parceiro “de sofrimentos colorados” Douglas.
Aos alunos pesquisados... desculpem as minhas intromissões, o que vocês
têm a dizer e a fazer é muito mais do que as minhas simples interpretações. Muito,
muito obrigado! Ou, como vocês dizem: show de bola !
À Educação... por tudo.
6
RESUMO
Esta tese consiste em um estudo sobre a concepção do conhecimento da Geometria
nos cursos superiores de Arquitetura. Durante três semestres, desenvolvemos uma
proposta de abordagem transdisciplinar no ensino da Geometria Descritiva, junto a
seis turmas de estudantes da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
que se constituiu no ensino dos conceitos geométricos, compreendidos em suas
relações e interdependências com seus entornos histórico / culturais/ filosóficos/
epistemológicos. Aliados a esta postura, introduzimos os conceitos genéricos de
solidariedade e criatividade, na forma de migrações conceituais pelos campos
geométrico/arquitetônicos, como instrumento instigador do resgate na compreensão
da humanidade do conhecimento científico. Discutimos, neste estudo, a
receptividade dos estudantes em relação a estas abordagens e às dificuldades
verificadas no desenvolvimento destas propostas. Para analisar a concepção de
conhecimento advinda destas implementações, utilizamos como referencial teórico o
Paradigma da Complexidade, na ótica de Edgar Morin. Finalizando este trabalho,
aproximamos as nossas interpretações do conceito de utopia, na perspectiva de
Ernst Bloch, na qual encontramos a reafirmação do movimento como componente
central dos fenômenos estudados, com a evidência de sua inexorabilidade na
compreensão do conhecimento, do ser humano e da vida.
Palavras-chave: Geometria, Conhecimento, Complexidade, Utopia, Movimento.
7
ABSTRACT
This thesis is a study about the conception of knowledge on Geometry in the
graduation programs of Architecture. For three semesters we have developed a
proposal of a cross disciplinary approach in the teaching of Descriptive Geometry
with six groups of architecture students from the Pontifical Catholic University of Rio
Grande do Sul. The proposal involved the teaching of geometric concepts and their
relationships and interdependencies with historical, cultural, philosophical and
epistemological contours. Along with such approach, we have introduced generic
concepts of solidarity and creativity in the form of conceptual migrations through
geometric and architectural fields, as an instigating instrument to rescue the
understanding of the humanitarian aspect of scientific knowledge. We discussed, in
this study, the receptive attitude from the students in terms of these approaches and
the difficulties faced in order to develop them. To analyze the concept of knowledge
resulting from such implementations, we used as theoretical background the
Paradigm of Complexity, in the view of Edgar Morin. We finally approximated our
interpretations to the concept of utopia, in the perspective by Ernst Bloch, in which
we found the reaffirmation of movement as the central component of the investigated
phenomena, with the evidence of its inexorability in the understanding of knowledge,
human beings and life.
Key-words: Geometry, Knowledge, Complexity, Utopia, Movement.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Eixos Cartesianos, p.27
Figura 2: Pseudo-Esfera, p.32
Figura 3: Planos Geométricos, p.33
Figura 4: Superfície Topológica, p.34
Figura 5: Superfície Topológica / Anel de Moebius, p.35
Figura 6: Fractal Floco de Neve , p.40
Figura 7: Triângulo de Sierpinski, p.40
Figura 8: Pirâmide de Sierpinski, p.41
Figura 9: Fractal, p.41
Figura 10: Fractal Flor, p.42
Figura 11: Conjunto de Mandelbrot, p.44
Figura 12: Aproximação do Conjunto de Mandelbrot, p.44
Figura 13: Foto Turma de Alunos PUCRS, p.75
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................
PRIMEIRA PARTE: DA CONSTATAÇÃO À CONJECTURA.......................
1 A GEOMETRIA............................................................................................
1.1 A GEOMETRIA GREGA...........................................................................
1.2 A IDADE MÉDIA.......................................................................................
1.3 O RAIAR DA MODERNIDADE.................................................................
2 A GÊNESE DE UMA RUPTURA................................................................
3 A CRISE......................................................................................................
3.1 A GEOMETRIA FRACTAL.......................................................................
3.2 FRACTAIS E COMPLEXIDADE...............................................................
4 A TRANSIÇÃO...........................................................................................
SEGUNDA PARTE: DA CONJECTURA AO PROJETO..............................
5 O PROJETO...............................................................................................
5.1 FLUXOGRAMA APLICATIVO..................................................................
5.2 HIPÓTESES E QUESTÕES DE PESQUISA...........................................
5.3 METODOLOGIA DE PESQUISA.............................................................
5.4 SUJEITOS DA PESQUISA.......................................................................
11
17
18
20
24
26
31
37
39
45
49
55
56
67
71
73
75
10
5.5 TÉCNICAS DE OBSERVAÇÃO E COLETA DE DADOS.........................
TERCEIRA PARTE: DO PROJETO À CONCRETIZAÇÃO..........................
6 DESCRIÇÃO DE DADOS............................................................................
6.1 QUANTO AO CONTEÚDO DA DISCIPLINA............................................
6.2 QUANTO À DINÂMICA DE ENSINO .......................................................
6.3 QUANTO AO APROVEITAMENTO DO TRABALHO EXECUTADO........
6.4 PROJETOS DE TRABALHO DE CONCLUSÃO......................................
6.4.1 Grupos Geo-solidariedade.....................................................................
6.4.2 Grupos Geo-criatividade .......................................................................
7 ANÁLISE DE DADOS..................................................................................
7.1 COMPLEXIDADE E CONHECIMENTO...................................................
7.2 SUJEITOS E CONHECIMENTO..............................................................
QUARTA PARTE: DA CONCRETIZAÇÃO À UTOPIA ................................
8 A UTOPIA... ................................................................................................
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................
ENCERRAMENTO........................................................................................
REFERÊNCIAS..............................................................................................
79
80
81
82
93
99
103
103
105
108
112
118
142
143
156
162
163
11
INTRODUÇÃO
Tenho uma folha branca e limpa à minha espera: mundo convite;
Tenho uma cama branca e limpa à minha espera: mundo convite;
Tenho uma vida branca e limpa à minha espera...
Ana Cristina César
Este é um texto convite. Você está convidado a navegar por mares e espaços
distantes, por águas claras e límpidas, outras vezes escuras e turbulentas, espaços
de uma, duas, três ou mais dimensões, e acompanhar a trajetória de uma pesquisa
acadêmica, de retratos de uma paisagem que se descortina e se desdobra na busca
da interpretação de um pequeno, circunstancial, provisório, mas nem por isso, ou
talvez, simplesmente por isso, momento de reflexão na compreensão de um
fenômeno da vida.
Aqui começa a Geometria da Complexidade, um trabalho que pretende
propor algumas questões, tenta responder a alguns anseios, e que se apresenta
traspassado por momentos vividos com muita intensidade, chegadas, partidas,
ânimos, desânimos, caminhos e descaminhos, trabalho que tem a pretensão de
prosseguir no rumo dos que dele participaram ou com ele têm contato, em alguns
casos como uma simples recordação, em outros, talvez, como uma proposta
concreta de transformação.
12
Este estudo consiste em uma análise da Geometria, da sua história e
desenvolvimento, das suas concepções epistemológicas, da forma como é
trabalhada nos cursos superiores de Arquitetura e, fundamentalmente, questiona a
concepção de uma ciência determinista e cartesiana apontando para outra visão
científica, caracterizada pelo movimento, complexidade e transdisciplinaridade.
Considerando que a Geometria, conforme é trabalhada tradicionalmente,
como disciplina cada vez mais compartimentada, especializada e
descontextualizada nos cursos de graduação, não contempla uma visão global de
ciência, de ser humano e, portanto, de um consistente projeto educativo, propomos
uma reavaliação e uma transformação tanto no caminho de concepção de objeto
científico usualmente construído nesta área, quanto nas decorrentes abordagens
pedagógicas que se constituem a partir deste parâmetro de compreensão de
ciência.
A Geometria tradicional, praticada nos cursos de Arquitetura do ensino
superior, contempla, de acordo com os pressupostos teóricos da investigação
científica na modernidade, uma visão de ciência que busca a fragmentação
constante e cada vez mais particularizada do conhecimento, como instrumento de
interpretação e aprofundamento de um domínio conceitual das parcelas por ele
constituídas. Este procedimento se dá como alicerce para a posterior reconstituição
do campo geral do saber, que seria representado pelo simples somatório das etapas
anteriormente investigadas.
13
Nesta perspectiva de construção epistemológica do conhecimento
geométrico, verificamos a priorização de um objeto científico imóvel e acabado,
desvalorizando-se uma análise voltada para as suas relações, conexões,
movimentos e interdependências. A Geometria tradicional adquire neste enfoque o
“status” de uma geometria absoluta e traz, de forma subjacente, implicações
deterministas e muitas vezes utilitaristas na elaboração dos programas de disciplina,
concepções inflexíveis dos conteúdos programáticos, supervalorização de aspectos
quantitativos em relação aos qualitativos, uma avaliação da aprendizagem centrada
na memorização, no treinamento repetitivo, ou seja, podemos dizer que, de forma
geral, a abordagem tradicional da Geometria sustenta, compreende e estimula todo
um fazer pedagógico que concebe um saber estático e, cada vez mais, voltado para
o distanciamento do conhecimento científico em relação aos sujeitos da ciência que
se produz.
Considerando os aspectos mencionados, investigamos uma transformação
epistemológica, por nós implementada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, que procurou reavaliar o
conhecimento geométrico-científico e conseqüentemente seu fazer pedagógico na
Universidade, na busca da sua compreensão como elemento ontologicamente ligado
à complexidade do ser humano e da própria vida, sendo, portanto, um conhecimento
dinâmico, vivo e, fundamentalmente, processual.
Reconhecendo que o estabelecimento das práticas tradicionalmente
utilizadas são construções históricas constituídas ao longo dos tempos,
primeiramente, como forma de embasamento dos nossos questionamentos,
14
encaminhamos, neste trabalho, uma imersão na constituição histórico-
epistemológica do conhecimento geométrico, desde as suas origens até a
atualidade, procurando detectar, em seus entornos culturais e filosóficos, algumas
concepções determinantes de seus conceitos.
A partir desse estudo retrospectivo, analisamos as repercussões das rupturas
verificadas na ciência moderna, disseminadas como momento de “transição
paradigmática”, e sinalizadas pela emergência de concepções científicas de
incerteza e complexidade, na compreensão e construção de uma diferente proposta
pedagógica no estudo da Geometria, caracterizada como área científica com suas
relações aos mais variados saberes.
A geometria da complexidade, como denominamos esta abordagem dos
conhecimentos geométricos, tem como referencial teórico/filosófico o Paradigma da
Complexidade, de Edgar Morin, e propõe a contextualização dos avanços da
Geometria engajada em uma visão dialógica e descompartimentada das ciências,
constituindo-se como um elemento propulsor a olhares valorizadores do
conhecimento voltado para parâmetros humanos e abrangentes de ciência. Esta
proposta sinaliza, nos trabalhos pedagógicos em Geometria, a priorização das suas
relações e interdependências com os momentos históricos, culturais, filosóficos, e
procura, através de migrações conceituais com a emergência de novos significados
dos conteúdos científicos, estabelecer uma concreta renovação nesta área de
aprendizagem.
15
Neste enfoque do conhecimento geométrico, é necessário que sejam
discutidos os objetivos e a aplicabilidade social da ciência produzida e os
questionamentos a ela relacionados: Por que fazer ciência? Como fazer ciência?
Para quem fazer ciência?
A geometria da complexidade busca, desta forma, um estudo integrado,
procurando analisar o que está entre, através e além dos campos disciplinares
estudados, conforme o conceito geral de transdisciplinaridade científica.
Esta tese encontra-se dividida em quatro eixos centrais de apresentação, que
compreendem, na primeira parte (Da constatação à conjectura), as abordagens
teórico/históricas da área pesquisada, correspondentes aos capítulos 1, 2, 3, e 4;
posteriormente, na segunda parte (Da conjectura ao projeto), referente aos capítulos
5 e 6, observamos os aspectos de proposição mais prática de implementação e
desenvolvimento da pesquisa em questão. Na terceira parte (Do projeto à
concretização), capítulos 6 e 7, detalhamos os dados colhidos e suas análises,
baseadas nos referenciais teóricos adotados; na quarta parte (Da concretização à
utopia), capítulo 8, procuramos aprofundar uma análise dos resultados de pesquisa
e introduzir elementos conceituais teóricos trazendo para o corpo do trabalho a idéia
de permanente renovação e movimento.
Mais especificamente, no primeiro capítulo, A Geometria, fazemos uma breve
retrospectiva histórica do desenvolvimento do saber geométrico e algumas
descrições das concepções epistemológico/filosóficas a ele relacionadas, da Grécia
Antiga ao século XIX, passando pelo período de domínio árabe na ciência
16
matemática, durante toda a idade medieval. Em um segundo momento, no capítulo
2, A gênese de uma ruptura, analisamos o início de um tensionamento aos conceitos
geométricos euclidianos, que surgem através de descobertas científicas
historicamente simultâneas, com as chamadas geometrias não-euclidianas, entre
elas a Geometria Hiperbólica e Geometria Esférica, mais tarde denominada
Geometria Elíptica. Posteriormente, no capítulo 3, A Crise, descrevemos as rupturas
com os paradigmas cartesianos e euclidianos, verificadas na Geometria (no qual
abrimos espaço para algumas considerações sobre a Geometria Fractal) e
generalizadas na ciência do século XX. No capítulo 4, A Transição, apresentamos
um panorama da transição paradigmática da ciência e as suas repercussões no
campo geométrico na atualidade. Neste momento, apresentamos o corpo conceitual
de nossa proposta de transformação na abordagem pedagógica da Geometria. No
capítulo 5, O projeto, detalhamos os aspectos mais centrais de operacionalização
deste estudo, o fluxograma aplicativo, as hipóteses, questões de pesquisa, opções
metodológicas com as técnicas de observação, instrumentos de coleta de dados que
serão descritos, segundo as dimensões adotadas, no capítulo 6, Descrição de
dados, e analisados no capítulo 7, Análise de Dados. No capítulo 8, A utopia,
propomos uma revisitação do corpo do trabalho com a introdução do conceito de
utopia, para, finalmente, na conclusão desta tese, no capítulo 9, apresentarmos as
considerações finais ao trabalho realizado e sinalizarmos para algumas reflexões
relacionadas à trajetória percorrida.
17
PRIMEIRA PARTE:
DA CONSTATAÇÃO À CONJECTURA
A crítica da especialização que fazemos não
é antes de tudo a conseqüência de uma tomada de
consciência da estreiteza da visão especializada,
mas a conseqüência de uma tomada de consciência
da pobreza das idéias gerais que acompanham esta
visão especializada. Pois, há que compreender que
os peritos e os especialistas que tanto desconfiam
das idéias gerais só têm idéias gerais fora da sua
especialização. E, muitas vezes, trata-se das idéias
gerais mais ocas e mais vazias que pode haver. A
hiperespecialização generalizada traz o reino das
idéias gerais mais pobres relativamente ao mundo
físico, à sociedade, ao homem e à vida. [...] Na
realidade, não precisamos de idéias gerais, mas de
idéias genéricas. Só as idéias genéricas podem
inspirar uma estratégia e uma arte de pensar o real,
ou seja, um método que se possa articular na
complexidade do real em vez de negá-la e de parar,
mal surgem uma incerteza, uma contradição e uma
especialização.
Edgar Morin
18
1 A GEOMETRIA
Não é possível entrar no mesmo rio duas vezes.
Heráclito
Desde os primórdios da história da humanidade, os conceitos geométricos
foram contemplados nas diversas aproximações do ser humano com as formas,
dimensões e representações no cotidiano de suas vidas. O homem pré-histórico
incorporou suas observações de distância, visualização dos elementos da natureza,
formatação de espaços para o abrigo das intempéries climáticas, observação da
vegetação, dos animais, da topografia da terra em que vivia, entre outros, como
importantes componentes de sua percepção de mundo
1
. No entanto, a conceituação
da palavra Geometria (geo=terra/metria=medir) veio caracterizar-se posteriormente,
com as antigas civilizações egípcias, sendo seu emprego originário da necessidade
de medição das terras que margeavam o Rio Nilo, nos períodos intercalados de
inundações e secas, objetivando a sua demarcação para a atividade agrícola.
1
Foram descobertas em cavernas de Ardéche, no sul da França, pinturas que, de acordo com
datações realizadas através de carbono radioativo, possuem aproximadamente 30.000 anos.
(CAPRA, 1996)
19
Esta Geometria produziu-se com notado componente experimental e prático,
não só nas civilizações egípcias, como também nas regiões mesopotâmicas, às
margens dos Rios Tigre e Eufrates, junto aos Rios Indo e Ganges no centro-sul da
Ásia e junto aos Rios Hwang Ho e Yantzé, na Ásia oriental. O fato de os egípcios
registrarem seus trabalhos em papiros e pedras, aliados ao clima seco de sua
região, e dos babilônicos utilizarem-se de tábulas de argila cozida, extremamente
resistentes ao tempo, contribuiu para que um maior número de dados relativos às
suas representações escritas fossem preservados, se comparados às culturas da
Índia e da China, que produziram as suas representações em materiais perecíveis,
como fibra de entrecasca de árvores e bambu. (EVES, 1992)
Apenas a obra chinesa os “Nove Capítulos sobre a Arte da Matemática”,
elaborada por diversos autores não identificados, destaca-se entre as produções da
época. Este estudo tratava da mensuração de terras, impostos, cálculo de
equações, contudo, mantendo o conceito egípcio/ mesopotâmico de uma
matemática exclusivamente voltada para fins práticos e imediatos. (BOYER, 2001)
De qualquer forma, a fixação do homem em comunidades, através do que
conhecemos por revolução agrícola, propiciou, nestes tempos, a possibilidade do
início de um desenvolvimento científico (mesmo que este avanço tenha se baseado
quase que exclusivamente no empirismo), fato este de relevante importância para os
progressos científicos ulteriores.
20
1.1 A GEOMETRIA GREGA
Com o declínio do poder egípcio e babilônico, um novo tipo de civilização
começou a desenvolver-se nas cidades comerciais localizadas na costa da Ásia
Menor e, posteriormente, na Grécia, Sicília e Itália. Com elas a perspectiva do
conhecimento empírico e utilitarista passou a dar lugar ao conhecimento
especulativo e demonstrativo.
Foi na Grécia Antiga que a Geometria veio a desenvolver-se realmente como
“conhecimento científico”, rompendo com a utilização voltada unicamente para a
prática como concebida até então e tendo o seu valor reconhecido por vários
pensadores daqueles tempos. Tales, Pitágoras, Platão, Euclides foram alguns dos
nomes de maior relevância no período grego clássico do desenvolvimento no campo
geométrico. (CYRINO,1986)
Tales de Mileto, além de ser considerado o “pai da filosofia grega”, foi o
precursor dos estudos geométricos demonstrativos. Ele iniciou sua vida como
mercador para, após, dedicar-se exclusivamente aos estudos e viagens. Consta que
viveu algum tempo no Egito onde se notabilizou por efetuar o cálculo de altura das
pirâmides por meio da sombra solar e, retornando à Mileto, foi reconhecido por sua
grande capacidade intelectual voltada à filosofia e à matemática. As sistematizações
geométricas concebidas por Tales foram os primeiros indicadores do que, séculos
mais tarde, Euclides realizaria na sua principal obra: Os Elementos. (MLODINOW,
2004)
21
O maior referencial teórico da ciência geométrica, Os Elementos, de Euclides,
embasa as Geometrias Euclidianas
2
com seus postulados e axiomas, até os dias
atuais. Além de Os Elementos, são as seguintes obras de Euclides que mantiveram
registros fidedignos ao longo da história: Os Dados, Divisão de Figuras, Os
Fenômenos e Óptica. (BOYER, 2001)
A obra Os Elementos é dividida em treze livros ou capítulos com os seguintes
conteúdos:
Livro I ao VI: Geometria Plana;
Livro VII ao IX: Teoria dos Números;
Livro X: Números Incomensuráveis
3
;
Livro XI ao XIII: Geometria Espacial.
Esta obra é introduzida pelos famosos postulados/ axiomas que reproduzimos
a seguir e, que foram, mais especificamente o quinto postulado, motivo de intensas
controvérsias e investigações nos séculos posteriores (BOYER, 2001, p.73):
Postulados:
1.Traçar uma reta de qualquer ponto.
2.Prolongar uma reta finita continuamente em uma linha reta.
3.Descrever um círculo com qualquer centro e qualquer raio.
4.Que todos os ângulos retos são iguais.
2
Consideramos Geometrias Euclidianas aquelas coerentes com todos os postulados e axiomas
apresentados por Euclides em Os Elementos.
3
Atualmente denominados números irracionais, ou seja, raízes não exatas de números reais.
22
5.Que, se uma reta cortando duas retas faz os ângulos interiores de um
mesmo lado menores que dois ângulos retos, as retas, se prolongadas
indefinidamente, se encontram desse lado em que os ângulos são menores que dois
ângulos retos.
4
Axiomas:
1.Coisas que são iguais a uma mesma coisa são também iguais entre si.
2.Se iguais são somados a iguais, os totais são iguais.
3.Se iguais são subtraídos de iguais, os restos são iguais.
4.Coisas que coincidem uma com a outra são iguais uma a outra.
5.O todo é maior que a parte.
Acredita-se que a obra de Euclides possua em seu corpo várias descobertas
de outros matemáticos antigos, mas seu valor como sintetização e abrangência de
conhecimento são indiscutíveis.
Podemos dizer que na Grécia viveram os maiores expoentes da ciência do
mundo antigo. Suas descobertas estenderam-se para várias outras regiões e, por
séculos, os gregos foram hegemônicos nos saberes matemáticos, filosóficos,
artísticos, entre outros, bem como, nas primeiras tentativas de organização social
democrática da sociedade. Foi com os gregos que se verificou, pela primeira vez, a
busca do princípio ou da substância no interior dos elementos e não fora deles,
através do mito. Para eles, conforme resume Vasconcellos. (2002, p.55):
4
Muito depois, este postulado foi submetido a uma simplificação axiomática que propunha: Por um
ponto fora de uma reta podemos traçar uma, apenas uma, reta paralela à reta dada.
23
O argumento é o fio condutor da demonstração por meio da qual se
justificam as proposições ou afirmações; seu elemento próprio não é
nem a sensação, nem a fabulação, mas a idéia, ou pensamento; seu
objeto próprio não é nem a aparência, nem o sobrenatural, mas a
essência das coisas; seu fim não consiste em instalar toda a
verdade, nem em contentar-se com o comum dos sentidos, mas em
atingir a verdade por meio da constituição da prova. O conhecimento
científico é, portanto, mediado pela razão, ou seja, racional,
discursivo e demonstrativo.
Esta concepção de conhecimento perpassou todo o apogeu de produção
científica na Grécia, mas coerentemente com a afirmação de seus princípios gerais
nos períodos de domínio hegemônico, sofreu a contestação destes na fase de
declínio de sua influência.
A decadência da hegemonia grega na produção científica deu-se,
posteriormente, devido a uma série de fatores, tais como: a diminuição do apoio
governamental às pesquisas com as conquistas romanas, a intensificação do uso da
mão-de-obra escrava, a carência no desenvolvimento de equipamentos para
experimentação das descobertas científicas
5
e o início de um crescente apelo
religioso em oposição à ciência. (EVES, 1995)
Somente muitos séculos após, o mundo ocidental iria resgatar os valores
desenvolvidos na Grécia Antiga e lançar as bases de uma ciência moderna.
5
Este fator restringia-se às áreas mais operacionais, nas quais o avanço das pesquisas realizadas não foi
correspondido pelo desenvolvimento de instrumentos, que seriam necessários para a comprovação e
continuidade dos experimentos..
24
1.2 A IDADE MÉDIA
Com a decadência grega e o declínio do centro de produção científica de
Alexandria
6
, ocorreu um período de menor avanço nas ciências
matemático/geométricas, sendo o seu eixo de produção deslocado para o oriente,
nas regiões indu-arábicas. O “domínio árabe” na matemática, como conhecemos
atualmente, transcorreu durante todo o período medieval.
Este deslocamento do eixo de produção matemático do ocidente para o
oriente foi concomitante com uma valorização dos conhecimentos algébricos, em
detrimento aos tópicos geométricos. “Al-jabr” (ligar conjuntamente), palavra árabe
que originou a Álgebra, fundamenta-se no processo de formatação de quantidades
desconhecidas através de um conjunto/equação, como proposta de solução dos
problemas matemáticos.
O sistema numérico utilizado atualmente, teve as suas origens neste período
de hegemonia árabe. Isto se deu através da apropriação árabe de conceitos
oriundos da Ìndia, que foram desenvolvidos e adaptados, estabelecendo-se na
forma dos numerais indu-arábicos.
Neste período, a hegemonia religiosa e mitológica estagnou o avanço das
ciências no ocidente. A “razão” encontrava fronteiras inexpugnáveis no “mito” e esta
situação permaneceu inalterada por um longo tempo.
6
Cidade que se notabilizou como centro de produção científica e onde foi construída a maior biblioteca do
mundo antigo.
25
Observou-se na Idade Média ocidental apenas algumas formas incipientes de
desenvolvimento no campo geométrico, através de realizações restritas a grupos
específicos. A “sociedade dos companheiros” na França, constituída por grupos de
pedreiros e carpinteiros que acompanhavam as cruzadas construindo pontes, igrejas
e fortificações, era um exemplo destes agrupamentos que se deslocavam pela
Europa realizando obras, sem, no entanto, deixar qualquer tipo de registro escrito de
suas técnicas construtivas, plantas ou projetos de construção. (GAMA,1986)
Desde a prática do corte de pedras, que fundamentou a construção de várias
igrejas góticas medievais e teve seus procedimentos originários nos saberes
geométricos, até a própria edificação das mais variadas obras de engenharia, foram
realizadas de forma considerada artesanal. Sabe-se, atualmente, que o fato de não
registrar os procedimentos construtivos era uma maneira de restringir/monopolizar o
conhecimento unicamente entre estes grupos de oficiais artesãos. (GAMA, 1986)
Deve-se reconhecer ainda que na Idade Média, além do desenvolvimento no
campo da Álgebra, foi de responsabilidade dos povos árabes a preservação de
diversos documentos científicos da Grécia Antiga, entre eles a obra de Euclides.
As primeiras traduções ocidentais desta obra datam apenas do século XII,
mas foi somente em 1482, em Veneza, que se produziu a primeira versão impressa
de Os Elementos, obra considerada a de maior influência na história do pensamento
matemático em todos os tempos. (BOYER, 2001) Com a invenção da imprensa,
instaurou-se na Europa uma ruptura de imensas proporções em relação à
26
monopolização dos saberes por grupos reduzidos e foi possibilitada a divulgação
das mais diversas obras científicas.
1.3 O RAIAR DA MODERNIDADE
Os séculos XVI e XVII caracterizaram-se por mudanças/descobertas
revolucionárias através do método científico de investigação. No final do século XVI,
com Galileu Galilei, iniciou-se, de forma contundente, uma prática científica que
passou a utilizar-se de experimentos sistemáticos para a formulação das leis e
descobertas. Estas concepções de ciência foram o marco do que chamamos de
“ciência moderna”.
Posteriormente, no campo geométrico/matemático, René Descartes
estabeleceu as relações entre as curvas gráficas e suas expressões algébricas
(Geometria Analítica). As conceituações de análise cartesianas foram extremamente
difundidas, ampliando-se como concepção filosófica hegemônica do fazer científico
nas mais diferentes áreas.
Descartes, que teve no Discurso do Método a sua obra de maior repercussão,
explicitou, através das regras da evidência, da análise, da síntese e da verificação,
um corpo conceitual para a orientação filosófico-científica da modernidade. Propôs
que as idéias realmente verdadeiras são claras e distintas, apontou para a divisão
sistemática dos problemas como instrumento de interpretação e resolução, supôs
uma ordem natural do simples ao complexo e, finalmente, determinou a verificação e
revisão geral como ferramentas de exclusão de toda a probabilidade de erro.
27
A importância matemática da obra de Descartes deu-se no sentido de
unificar, através da Geometria Analítica, duas áreas até então distintas e trabalhadas
de forma independente: a Geometria, originária da Grécia Antiga, e a Álgebra,
proveniente do período de hegemonia árabe na matemática.
Figura 1: Eixos Cartesianos
Pode-se dizer que a Geometria, alicerçada nas concepções cartesianas e,
posteriormente, ratificada pela hegemonia do pensamento kantiano, que
considerava as concepções espaciais vigentes categorias inatas ao ser humano, ou
ainda, que o espaço euclidiano, enquadrado nas proposições sintéticas a priori no
qual não dependia da percepção sensorial sendo, portanto, estático e pré-
estabelecido (KÖRNER,1985), assumiu, no final do século XVIII, um ambiente de
profícuo desenvolvimento científico em seus parâmetros tradicionais.
Neste período surgiu a Geometria Descritiva
7
, que consiste, basicamente, na
representação sobre planos de objetos/superfícies espaciais no espaço
tridimensional por meio de suas projeções e fundamenta a concepção e elaboração
de projetos e obras de construção civil até a atualidade, tendo na figura de Gaspard
7
Um breve detalhamento técnico desta Geometria será apresentado no Capítulo 5/ O Projeto.
28
Monge seu maior expoente e divulgador. Logo em seguida, Jean Poncelet,
recuperando conceitos de Gérard Desargues, estabeleceu a Geometria Projetiva, na
qual procurou construir uma teoria geral para a Geometria com o objetivo de
universalizar seus conceitos. (COSTA,1994) Felipe Buache, ainda no século XVIII,
idealizou um sistema projetivo com o propósito de realizar um levantamento do
Canal da Mancha, que veio a ser batizado de Método das Projeções Cotadas.
(EVES, 1995)
Porém, é reconhecido que foi Gaspard Monge que, além da sistematização
dos conceitos de representação através de projeções, unificou de forma mais
contundente o campo geométrico. Inicialmente não divulgada, também pelo seu
aproveitamento em técnicas militares (construção de fortificações e artefatos), a sua
Geometria teve seu grande marco divulgador, em 1799, com a publicação de sua
obra: “Geometrie Descriptive”.
A Geometria Descritiva abriu caminho e intensificou as pesquisas nos
diversos campos do conhecimento geométrico, entre os quais se destacam: a
Geometria Perspectiva, a Grafostática, o Cálculo Gráfico, a Axonometria Oblíqua, a
Perspectiva Axonométrica, entre outras. (COSTA, 1994)
No Brasil, os estudos de Geometria Descritiva deram-se a partir de 1812, com
a publicação da obra Elementos de Geometria Descritiva, de José Vitorino dos
Santos, e foram incrementados com a vinda, em 1818, da missão francesa chefiada
por Joaquim Lebreton para a fundação da Real Academia de Belas Artes, atual
Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. (TELLES,1984)
29
No entanto, todos estes setores de desenvolvimento gráfico/geométricos
citados continuaram baseados nos conceitos gregos/clássicos de Geometria, sendo
pertinente a consideração de que se tratavam de abordagens geométricas de cunho,
fundamentalmente, euclidiano.
De forma generalizada, podemos dizer que o conhecimento científico na
modernidade sobrepôs a razão ao mito, com a organização do conhecimento de
forma compartimentada e especializada. Vasconcellos (2002, p.65) propõe três
pressupostos epistemológicos para definir este período:
- A crença na simplicidade do microscópio, ou seja, a crença em
que, analisando ou separando em partes o objeto complexo,
encontrar-se-á o elemento simples, a substância constituinte, a
partícula essencial, mais facilmente compreensível do que o todo
complexo.
- A crença na estabilidade do mundo, ou seja, a crença em que o
mundo é um mundo estável, que já é como é, e de que podemos
conhecer os fenômenos determinados e reversíveis que o
constituem, para poder prevê-los e controlá-los.
- A crença na possibilidade da objetividade, ou seja, a crença em
que é possível e indispensável sermos objetivos na constituição do
conhecimento verdadeiro do mundo, da realidade.
Ao romper com o mito, a modernidade acabou elegendo a razão como o novo
mito do fazer científico. Morin (2002, p.42) reforça esta colocação:
Enfim, o mito, sobretudo, introduziu-se no pensamento racional no
momento em que este esperava tê-lo expulsado: a própria idéia de
Razão tornou-se um mito quando um formidável animismo deu-lhe
vida e poder, fazendo dele uma entidade onisciente e providencial.
No racionalismo do fazer científico, os conceitos de experimentação,
verificação, ênfase do qualitativo e determinismo são prioritários como interpretação
30
dos fenômenos. Mas mesmo dentro destes parâmetros, em diversos setores
científicos, a realidade passou a esgotar esta compreensão, e novos parâmetros
tiveram de ser posteriormente incorporados à epistemologia científica. Na Geometria
estas mudanças começariam a surgir em várias regiões da Europa, como veremos a
seguir.
31
2 A GÊNESE DE UMA RUPTURA
Uma geometria não é mais verdadeira do que a outra, pode ser,
apenas, mais conveniente.
Henry Poincaré
Muitos foram os matemáticos a trabalhar com Os elementos, de Euclides, e
procurar a comprovação ou substituição axiomática de seu “polêmico quinto
postulado”. Um dos primeiros matemáticos a iniciar uma contestação mais
contundente, propondo a negação do chamado “postulado das paralelas
8
”, foi o
italiano Girolamo Sacheri, no ano de 1733. Sua obra, além de não concretizar seu
objetivo inicial, não teve muita repercussão e somente muitas décadas após, com Carl
Friedrich Gauss, reiniciaram-se as pesquisas neste sentido. (COUTINHO, 2001)
No início do século XIX, ocorreu aquilo que se convencionou chamar, na
ciência, de “descobertas simultâneas”, ou seja, vários cientistas trabalham simultânea
e independentemente o mesmo tema e chegam a conclusões semelhantes. Neste
período, além de Gauss, outros dois matemáticos, Jonas Bolyai e Nicolai
Lobachewsky, desenvolveram, concomitantemente, teorias que refutam o “postulado
das paralelas”, admitindo que por um ponto exterior a uma reta dada podem passar
8
Esta denominação contempla uma visão simplificada deste postulado.
32
uma, duas ou infinitas retas paralelas, contemplando, desta forma, as noções de um
novo espaço (ou concepção de espaço), que originaram o que conhecemos como
Geometrias não-euclidianas
9
. Algumas décadas após, o professor Eugênio Beltrami,
docente em Pisa, Pavia e Roma, encontrou um modelo de superfície que se concebe
segundo os pressupostos da Geometria de Lobachewsky. Esta superfície, gerada
pela revolução de uma linha (tactriz) em torno de sua assíntota, compõe uma
superfície que veio a ser conhecida como “pseudo-esfera”,ou seja, uma superfície
com curvatura negativa constante. (BOYER, 2001)
Figura 2: Pseudo-esfera
Na segunda metade do século XIX, Bernard Riemann desenvolveu outra teoria
no campo das paralelas que propunha a inexistência de uma reta paralela por um
ponto exterior a esta, iniciando as conceituações de uma Geometria não-euclidiana
9
No caso de Bolyai e Lobachewsky também conhecidas como geometria hiperbólica.
33
esférica (mais tarde chamada de elíptica), que posteriormente daria suporte a
algumas descobertas relacionadas ao espaço curvo e a própria Teoria da
Relatividade de Einstein.
Considerando-se que a Geometria não-euclidiana de Lobachewsky gera uma
superfície com curvatura negativa constante e que a Geometria de Riemann
apresenta uma superfície com curvatura positiva constante, pode-se concluir, já que o
plano euclidiano é uma superfície com curvatura constante nula que: “a Geometria
Euclidiana pode ser considerada como um intermediário entre dois tipos de Geometria
não-euclidiana”. (BOYER, 2001, p.378)
Gauss,
Lobachevsk
e Bolyai.
Riemann
Euclides
Figura 3: Planos Geométricos
Constatou-se que, assim como os progressos das geometrias tradicionais
euclidianas utilizaram-se dos fundamentos filosóficos kantianos para a justificação de
suas hegemônicas concepções espaciais, como já mencionado anteriormente, a
ruptura destas formas de compreensão do espaço e a emergência das geometrias
34
não-euclidianas provocaram um conseqüente questionamento a estes parâmetros
filosóficos. (KÖRNER,1985)
A tendência de um maior desenvolvimento da Álgebra e da Física relacionadas
à área geométrica também colaborou para que alguns cientistas, como Plücker,
Cayley e Klein, passassem, a partir do final do século XIX, a desenvolver
conceituações do que definiram como espaços de quatro e até cinco dimensões.
Como ilustração, Plücker propôs a visualização do espaço, ao invés de um lugar de
totalidade de infinitos pontos, como “um feixe de feno cósmico de palhas infinitamente
finas e infinitamente longas”. (BOYER,2001,p.378) Esta forma de concepção espacial
viria a ser retomada ao final do século XX, com John Schwartz, na sua Teoria das
Cordas. (MLODINOW, 2004)
Ainda por volta de 1900, Henry Poincaré foi responsável por uma retomada do
imaginário visual/geométrico no campo da matemática. A sua Geometria não-
euclidiana, a topologia, também popularmente conhecida como “geometria da
borracha”, propunha a possibilidade de transformações nas superfícies por meio de
dobramentos, estiramentos e torções.
Figura 4: Superfície Topológica
35
Figuras 5: Superfícies Topológica / Anel de Moebius
Ao utilizar suas concepções topológicas nas interpretações de complexos
problemas dinâmicos, Poincaré implementou os fundamentos de uma matemática da
complexidade (exemplificada nos capítulos 3 e 4), que também só a partir de 1950
viria a ser mais desenvolvida. (CAPRA, 1996)
Resumindo, pode-se dizer que, ao final do século XIX e início do século XX, o
espaço físico tridimensional, baseado nas concepções euclidianas, começou a perder
o seu privilegiado poder absoluto, que desfrutou por milênios, nas interpretações
físicas das teorias geométricas.
Verificou-se, porém, ao longo dos primeiros cinqüenta anos (1900/1950), uma
redução na produção científica dos estudos geométricos. Este fato deveu-se ao
aprofundamento e deslocamento das pesquisas físico/matemáticas voltadas para a
Álgebra, com as revolucionárias descobertas dos quanta de energia, por Max Planck
e da Teoria da Relatividade de Einstein. Mesmo assim, os referenciais da Geometria
continuaram a alicerçar as descobertas científicas, segundo Ben-Dov (1996, p.123):
36
“[...] a descrição relativista dos efeitos gravitacionais exigia a adoção de uma
representação geométrica não-euclidiana do espaço-tempo.”
Uma nova perspectiva, efetivada inicialmente nas ciências exatas, desde o
Princípio da Incerteza
10
, de Heinsenberg, até a Relatividade, encontrou, mais tarde,
um ambiente potencializador de desenvolvimento, e as profundas transformações,
pelas quais passaram a Física, também iriam repercutir nos mais variados campos da
ciência.
10
Demonstra a impossibilidade da definição exata e simultânea da posição e energia de uma
partícula.
37
3 A CRISE
[...] Desde então, o real entrou em crise. A substância que lhe é
própria desagregou-se nas equações da física quântica. A partícula
deixou de ser o tijolo elementar do universo para tornar-se uma
noção na fronteira do concebível (onda, corpúsculo, quark) e do
inconcebível, estando o próprio concebível sujeito a uma inevitável
contradição entre os termos, doravante complementares, onda e
corpúsculo, unidade elementar e inseparabilidade. Simultaneamente
a Ordem impecável do Universo cedeu lugar a uma combinação
incerta e enigmática de ordem, desordem e organização. O cosmos
apareceu-nos, enfim, nos anos 60, como o fruto de uma
inconcebível deflagração, e o seu devir, submetido à dispersão,
pode ser irreversível. Todos os avanços do conhecimento
aproximam-nos de um desconhecido que desafia os nossos
conceitos, a nossa lógica, a nossa inteligência. (MORIN,1999, p.22)
O desenvolvimento das ciências no século XX apontou, nos mais diversos
campos de conhecimento, para um aprofundamento das rupturas com o determinismo
racionalista das épocas anteriores. Inicialmente com a física quântica e estendendo-
se para outros setores científicos como a biologia, a química, a história, a sociologia,
entre outras tantas áreas, começaram a reavaliar as suas certezas absolutas.
A intensificação na interdependência da Geometria com a Álgebra e da relação
destas com a informática, veio trazer possibilidades de desenvolvimento mútuo para
estas áreas de conhecimento. Como exemplo significativo, podemos citar o avanço
38
nas formas de resolução de equações não-lineares
11
e suas repercussões nos
campos algébrico/físico/geométricos. Estas equações, ao serem abordadas por
métodos analíticos, representavam uma dificuldade histórica no meio matemático e,
quando submetidas às abordagens numéricas
12
, na forma da “tentativa e erro”,
colocavam dificuldades ainda maiores, adicionadas à reduzida precisão destes
procedimentos.
No entanto, com o advento das máquinas computacionais, a alternativa de
abordagem numérica adquiriu outras perspectivas, já que com a utilização de
programas específicos, baseados no processo de iteração contínua, estas equações
podem ser resolvidas de forma rápida e precisa. As soluções destes problemas não
se apresentam como uma fórmula (método analítico), mas sim como um grande
conjunto de valores que satisfazem as equações e que podem ser representados
graficamente em um “espaço matemático abstrato”, conhecido como espaço de
fase
13
. Nestes espaços, um ponto tem a propriedade de descrição de todo o sistema
relacional. (STEWART,1996)
As representações geométricas das trajetórias verificadas nos mais diversos
espaços de fase podem ter as suas formas classificadas segundo a sua “topologia” e
suas propriedades dinâmicas deduzidas da forma do que se chama atratores, ou seja,
zonas para as quais convergem as diferentes trajetórias destes espaços abstratos.
11
Equações que não apresentam linearidade nas correspondências causa/efeito.
12
Os métodos analíticos consistem no isolamento das variáveis das equações, enquanto os métodos
numéricos propõem a substituição iterativa das variáveis por valores que resolvam as equações.
13
Espaço concebido na explicação das leis da termodinâmica no início do século.
39
Existem três tipos básicos de atratores, a saber: os atratores puntiformes,
correspondentes às oscilações que tendem ao equilíbrio; os atratores periódicos,
correspondentes às oscilações periódicas e os atratores estranhos, que diferem dos
anteriores, correspondendo às oscilações dos sistemas caóticos. Concomitantemente
ao estudo dos atratores estranhos/caóticos, verificou-se a descoberta de uma nova
Geometria, a Fractal, como veremos a seguir.
3.1 A GEOMETRIA FRACTAL
Nuvens não são esferas, montanhas não são cones, continentes
não são círculos, um latido não é contínuo e nem o raio viaja em
linha reta. (BENOIT MANDELBROT,1998, P.208)
Do latim fractus (fragmentos) a Geometria Fractal, criada por Benoit Mandelbrot
a partir do último quarto do século XX, consiste em uma Geometria não euclidiana
que apresenta dimensões não inteiras, fracionadas, fragmentadas.
Suas origens remontam ao final do século XIX, com o matemático George
Cantor que trabalhou geometricamente propriedades descritas na subdivisão de uma
linha reta em uma infinidade de pequenos segmentos. Posteriormente, Helge Von
Koch, matemático polonês, estudou as repetidas iterações de um triângulo sobreposto
sobre outros triângulos e representou o que ficou conhecido como o floco de neve de
Koch. (BARBOSA,2002)
40
Figura 6: Fractal Floco de Neve
Neste período o matemático francês Gaston Julia desenvolveu pesquisas na
Geometria que originaram os Conjuntos de Julia, representações estas que mais
tarde seriam utilizadas por Mandelbrot na elaboração dos conceitos da Geometria
Fractal. Ainda nesta linha de iterações geométricas, Waclav Sierpinski estudou uma
forma de representação com base em triângulos que se denominaram Triângulo de
Sierpinski e Pirâmide de Sierpinski.
Figura 7: Triângulo de Sierpinski
41
Figura 8 : Pirâmide de Sierpinski
No entanto, é inegável que foi a introdução dos recursos computacionais que
alavancaram as possibilidades de representação fractal e deram a Mandelbrot e a
outros matemáticos a possibilidade de representar formas não-euclidianas de maior
complexidade.
Figura 9: Fractal
42
Estas formas são alguns exemplos de fractais e obedecem a parâmetros
muito sensíveis de geração, já que uma pequena mudança nas condições iniciais
pode gerar uma significativa diferença no resultado final de representação.
Figura 10 : Fractal Flor
Podemos dizer que se verifica na Geometria Fractal um exemplo inovador de
análise, de forma mais complexa e menos reducionista, das superfícies irregulares
que constituem os elementos da natureza, nos quais também são questionados o
antropocentrismo historicamente dominante nas concepções geométricas: “[...] o
conceito, aparentemente inofensivo, de comprimento geográfico não é inteiramente
‘objetivo’, nem nunca o foi. Na sua definição, o observador intervém de uma forma
inevitável”. (MANDELBROT, 1998, p.31)
Para construir as trajetórias fractais, com as suas propriedades de auto-
similaridade, recorre-se ao processo matemático de iteração, ou seja, a repetição
sucessiva de uma operação, no caso geométrica. O processo iterativo “pode ser
43
considerado o aspecto matemático central que liga a Teoria do Caos
14
à Geometria
Fractal”. (CAPRA,1996, p.119) Posteriormente, constatou-se que os espaços de fase
representantes dos atratores estranhos/caóticos, citados anteriormente, são genuínos
exemplos de formas fractais, nos quais também são observados conceitos
homotéticos, hologramáticos e de padronização multidimensional. (STEWART, 1991)
Outra semelhança entre a Teoria do Caos e a Geometria Fractal é uma
substituição do fundamento de suas concepções, que se desloca de um aspecto,
predominantemente, quantitativo para uma visão qualitativa. Assim como não
podemos prever os valores das variáveis de sistemas caóticos em um determinado
instante, mas sim a característica qualitativa do comportamento geral dos sistemas,
na Geometria Fractal não objetivamos os comprimentos ou áreas para
dimensionamento quantitativo, mas definimos o grau qualitativo de “denteamento” de
suas formas. (CAPRA, 1996)
Entre as formas fractais, existe um grupo que é gerado pelo processo iterativo
de resolução de equações complexas
15
. Ao final dos anos setenta, Mandelbrot
chegou a uma imagem representativa deste grupo de fractais complexos, imagem
esta que veio a tornar-se o símbolo visual da nova matemática: o Conjunto de
Mandelbrot :
14
Teoria originária da pesquisa sobre a turbulência de fluidos, que estuda fenômenos aleatórios
produzidos por um mecanismo determinista e que apresenta hipersensibilidade às condições iniciais
e que foi estendida para vários campos científicos. (RUELLE,1993)
15
Equações que envolvem números complexos,a saber, números compostos por um elemento real e
outro imaginário.
44
Figura 11: Conjunto de Mandelbrot
Figura 12: Aproximação no Conjunto de Mandelbrot
Atualmente o emprego da Geometria Fractal se dá nas mais diversas áreas
científicas, sendo utilizada como forma de representação das superfícies da natureza
e suas práticas estenderam-se além da própria representação para outras áreas,
como a geotecnia, a química, a metalurgia, a medicina, entre outras.
45
3.2 FRACTAIS E COMPLEXIDADE
Certas aproximações, além das citadas em relação à Teoria do Caos, entre
alguns dos parâmetros da Teoria da Complexidade, de Edgar Morin, que apresenta
os princípios hologramáticos, nos quais a parte contém o todo, o todo contém a parte;
de recursividade multidimensional, com a proposta da volta às origens em outra
dimensão e a dialógica, que implica a convivência com as antinomias sem a
necessidade de uma síntese para evolução, também podem ser identificadas nas
formas fractais.
O princípio hologramático (holos:todo/grama:inscrição), é ilustrativo neste tipo
de representação; um recorte na representação fractal invariavelmente contém a
forma de toda a figura. Estes fractais são genuínos exemplos das formas da natureza,
como vegetações, nuvens, montanhas, costas marítimas, entre outras.
A não-linearidade fractal com uma crescente complexidade também é
característica comum entre o conhecimento geométrico e o filosófico. Ao ampliarmos
uma linha curva euclidiana, por exemplo, verificamos uma tendência de esta tornar-se
reta. No caso dos fractais, a ampliação desencadeia uma cada vez mais intensa
complexidade de suas formas. A complexidade é proporcional ao foco das
investigações, tanto na Geometria, como no pensamento complexo.
Ainda considerando o aspecto de ampliação crescente, os fractais são também
familiares aos parâmetros de recursividade multidimensional (volta ao inicial em outra
dimensão), já que a ampliação de suas imagens gera periodicamente a repetição da
46
figura original, de maneira aproximada. Esta particularidade é observada, de forma
muito ilustrativa, no Conjunto de Mandelbrot, citado anteriormente, no qual
observamos através de vídeos, que percorrem a ampliação das mais diferentes áreas
simultaneamente, o recorrente retorno à forma original.
A Geometria Fractal apresenta-se, desta maneira, como singular exemplo da
representação gráfica de alguns conceitos filosóficos da complexidade. A
simultaneidade temporal de suas pesquisas sugere a estreita identificação entre o
pensamento e a representação visual humanas, como verificado em outros distintos
períodos da história.
Além da Geometria, as outras diversas áreas do conhecimento, ao final do
século XX e o início do século XXI trazem em seu âmago a marca da indeterminação.
O determinismo cartesiano/euclidiano, o estruturalismo da concepção
histórico/sociológica, a concepção reducionista e compartimentada dos saberes
científicos em geral sofrem uma reavaliação de proporções irreversíveis, de onde
emergem a dúvida, a incerteza e o sentido mais contundente de complexidade.
O mito de uma razão antropocêntrica e dominadora passa a não mais dar
conta da complexidade dos fenômenos da realidade. Este panorama gera um período
de crise, assim definido por Morin (1999b, p.159):
Uma nova crítica interna surge no cerne da racionalidade. Segundo
ela, que é apropriadamente contemporânea, a razão já não é apenas
denunciada como demasiado racional; é denunciada como
desracional. A crise moderna da racionalidade é a detecção e a
revelação da desrazão dentro da razão.
47
Diferentes concepções se fizeram também relacionar às variáveis geográficas
interpretativas oriente/ocidente. No caso da Geometria, como vimos, sua pesquisa
não assumiu, ao longo de sua história no oriente, a importância e o valor absoluto a
ela concedida no ocidente. No entanto, verificamos, em alguns provérbios orientais,
sinalizações de uma realidade mais flexível aos progressos alcançados em sua
ciência: “O espaço nada mais é senão um modo de particularização, não possuindo
existência real, própria. O espaço existe unicamente em relação a nossa consciência
particularizadora”. (CAPRA, 1975, p.128) Este conceito ilustra a concepção de um
período em que, conforme citamos anteriormente, a Matemática oriental focou seu
olhar para a Álgebra e questionou, sem noções pré-estabelecidas, à própria
concepção de espaço único.
A compreensão da Geometria como ciência em permanente processo de
renovação/regeneração implica abrangentes concepções de espaço, de ciência, de
homem e de sociedade. Estas reavaliações surgem de forma simultânea e
generalizada em diversos campos do conhecimento humano.
O momento de “crise científica”, ocasionado pela abolição do determinismo e
da linearidade, necessita de um pensamento/consciência além de crítico, crísico
16
e
comporta, simultaneamente, oportunidades e desafios. A transição paradigmática da
ciência está em processo.
A consciência das limitações dos vários conhecimentos geométricos é,
provavelmente, seu maior instigador de desenvolvimento, ou ainda, como sinaliza
16
Segundo Morin (1998, p. 88): “ isto é, uma tomada de consciência de sua própria insuficiência e um
despertar problematizador que questione os princípios organizadores do seu conhecimento” .
48
Morin (2000, p. 55): “A maior contribuição de conhecimento do século XX foi o
conhecimento dos limites do conhecimento. A maior certeza que nos foi dada é a da
indestrutibilidade das incertezas, não somente na ação, mas também no
conhecimento”. A assunção da limitação e da incerteza compreende uma reforma do
pensamento.
A atualidade apresenta-se, definitivamente, como momento de transição.
49
4 A TRANSIÇÃO
Preparar-se para um mundo incerto é o contrário de se resignar a um
ceticismo generalizado. (MORIN, 2000, p.61)
O breve percurso que procuramos traçar do desenvolvimento da Geometria
está, obviamente, impregnado de seus aspectos culturais, filosóficos, políticos e
sociais, nos mais diferentes momentos históricos de sua realização. As suas
evoluções e estagnações implicam a noção mais abrangente de “provisoriedade” do
conhecimento científico. No entanto, este provisório não deve ser confundido com
“descartável”, pois fica claro que o desenvolvimento consistente pressupõe os
trabalhos que o antecederam, para avançar nas suas linhas de raciocínio, ou mesmo,
para avançar através das rupturas das mesmas.
Em tempos de algumas simplificações generalizadas quanto ao relativismo dos
fenômenos da ciência, parece ser importante a compreensão da necessidade de o
progresso científico ligar definitivamente as suas metas aos princípios de bem-estar
50
do ser humano e de construção de uma sociedade planetária inclusiva e realmente
democrática.
Como vimos, desde os mais remotos tempos, a Geometria passou por
diferentes concepções de representação como ciência inserida nos contextos
históricos, filosóficos, culturais e sociais. Inicialmente considerada pelos gregos como
a ciência explicativa até mesmo dos anseios existenciais do homem e da natureza,
atravessou, no período da Idade Média ocidental, tempos de desvalorização.
A Geometria somente é retomada para o centro das discussões científicas com
o advento da modernidade, primeiramente através das sistematizações experimentais
no método científico, introduzidas por Galileu, e consolidadas com a hegemonia
racionalista introduzida por Descartes, ou seja, o conhecimento geométrico renasce
com a “ciência moderna”. Mas, mesmo neste período, iniciam-se os questionamentos
quanto à unicidade de seus conceitos.
Nos séculos XX/XXI, a humanidade passa por uma reavaliação científica,
filosófica e política de profundas conseqüências. O desenvolvimento da ciência
moderna como ferramenta controladora/submetedora da natureza e da sociedade
exauriu a sua capacidade de respostas. A dominação, material e monetariamente
direcionada, atinge um esgotamento na solução das relações homem/natureza e nas
próprias relações humanas em sociedade. A necessidade de repensar a vida humana
dentro de uma nova concepção mais responsável, abrangente e complexa assume
uma conotação de urgência, relacionada com a própria manutenção da vida
planetária. Apesar do, nunca antes imaginado, progresso científico-tecnológico,
51
grande parte dos habitantes do planeta vive em condições subumanas, que remetem
a tempos longínquos de luta diária pela sobrevivência. A sociedade pós-industrial
aproxima-se de uma pré-história das relações sociais.
Pode-se dizer que este paradoxo permeia a organização do homem em
sociedade, em relação ao avançado estágio científico atingido nos tempos atuais. As
possibilidades e potencialidades destrutivas desenvolvidas pela ciência na atualidade
são tão grandes, ou maiores, que os progressos construtivos desenvolvidos durante
milênios de estudos e pesquisas.
A complexidade da humanidade consiste na dualidade perspectiva de um
futuro planetário, que pode extinguir o mundo e seus habitantes, ou fazer renascer a
vida sobre a terra baseada em fundamentos de uma nova e consolidada humanidade
sustentável. Ao analisarmos o desenvolvimento humano/científico, verificamos que a
aposta na humanidade é uma das possibilidades.
Também no campo da Geometria, talvez a nossa compreensão seja muito
semelhante à do homem pré-histórico, que citamos no início desta retrospectiva
(incorporando suas observações de distância, visualização dos elementos da
natureza, formatação de espaços para o abrigo das intempéries climáticas,
observação da vegetação, dos animais, da topografia da terra em que vivia,) ao qual
voltamos, exercitando o princípio da recursividade multidimensional, de acordo com o
paradigma da complexidade.
52
No entanto, a natureza, as distâncias, as vegetações, os climas, são outros;
outros espaços estão a surgir, o homem é outro. Mas nesta linha de tempo no
desenvolvimento de um campo científico e, portanto, humano, um elo permanece, não
intacto, mas resistente. Este elo consiste na potencialidade de compreensão humana
de sua própria humanidade.
Pensar a Geometria dentro deste contexto sinaliza para uma maior
flexibilização de suas análises e para a consciência da mobilidade científica que
permeia o avanço da sua ciência, bem como, para um questionamento quanto à
aplicabilidade social de seus progressos. A Geometria de Euclides não respondeu à
totalidade dos avanços científicos; outras geometrias como as não-euclidianas
(Hiperbólica e Elíptica), a Topologia, mais recentemente, a Geometria Fractal
surgiram e outras tantas abordagens estão a ser descobertas.
Vitalizar o estudo da Geometria na universidade, propondo uma análise
integrada em seus contextos históricos, culturais, filosóficos, sociais e políticos,
eliminando a visão insular com que são trabalhados estes conteúdos nos cursos de
graduação, é uma necessidade que sugere uma reflexão atenta na elaboração
curricular dos programas e na forma de trabalho pedagógico praticada nos cursos
acadêmicos.
O deslocamento na priorização analítica quantitativa para abordagens
qualitativas perpassa os movimentos da ciência de forma geral. Nas mais atualizadas
concepções geométricas esse fator é também determinante.
53
Nesta perspectiva de procurar avanços na Geometria, sob diferentes
parâmetros, pensamos ser também importante que sejam reavaliadas as visões
compartimentadas e hiperespecializadas características da ciência na modernidade
de forma geral, na busca de uma visão concreta de transdisciplinaridade científica.
A prática de uma diferente abordagem da Geometria nos currículos escolares,
que denominamos de geometria da complexidade, sugere o ensino da Geometria
dialogicamente relacionado com outros setores de conhecimento.
A Geometria, ao ser estudada nas suas ligações com a História, a Filosofia,
entre outras, propicia que a compreensão de suas evoluções seja alicerçada em
conceitos abrangentes de ciência, nos quais propostas de migração conceitual para
reavaliação dos conhecimentos dos vários campos científicos devem estimular um
estudo integrado dessa instigante área da Expressão Gráfico/Matemática.
Em tempos de transição paradigmática da ciência, a execução de um projeto
científico/pedagógico na forma de uma diferente abordagem da Geometria, que
compreenda o conceito de provisoriedade científica positiva e auxilie
alunos/professores/pesquisadores a construírem alternativas de desenvolvimento em
seus estudos, instigando questionamentos epistemológico/científicos e,
simultaneamente, o emprego da ciência como ferramenta de construção da
sociedade, pode contribuir para uma proposta didático-pedagógica concretamente
transformadora.
54
Compreendendo a especificidade dos diversos campos de conhecimento,
porém acreditando que as ações de mudança, mesmo que localizadas, justificam-se
em suas próprias práticas e podem, assim, fornecer alguns dados a serem
transpostos para outras áreas, encaminhamos a nossa pesquisa.
A concepção de um trabalho acadêmico no qual olhares mais abrangentes e
menos deterministas de ciência sinalizam possibilidades de transformações no
cotidiano universitário que reforçam o aspecto solidário de humanidade, como diz
Morin (2002/c p.118): “talvez abdicando ao melhor dos mundos, mas de forma alguma
a um mundo melhor”, foi o desafio que encaminhou a execução desta tese de
doutorado.
55
SEGUNDA PARTE:
DA CONJECTURA AO PROJETO
A leitura do mundo que se funda na
possibilidade que mulheres e homens ao longo
da história criaram de inteligir a concretude e de
comunicar o inteligido se constitui como fator
indiscutível de aprimoramento da linguagem. A
prática de constatar, de encontrar a ou as razões
de ser do constatado, a prática de denunciar a
realidade constatada e anunciar a sua
superação, que fazem parte do processo de
leitura do mundo, dão lugar à experiência da
conjectura, da suposição, da opinião a que falta,
porém, o fundamento preciso. Com a
metodização da curiosidade, a leitura de mundo
pode ensejar a ultrapassagem da pura
conjectura para o projeto de mundo. A
presença maior de ingenuidade que caracteriza
a curiosidade no momento da conjectura vai
cedendo o espaço a uma inquieta e mais segura
criticidade que possibilita a superação da pura
opinião ou da conjectura pelo projeto de mundo.
O projeto é a conjectura que se define com
clareza, é o sonho possível a ser viabilizado pela
ação política.
Paulo Freire
56
5 O PROJETO
A pesquisa foi desenvolvida na Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, Universidade que conta com aproximadamente 30.000 alunos e
1.600 professores, em 72 cursos de graduação.
Especificamente no Curso de Arquitetura e Urbanismo, onde realizamos o
trabalho, são 600 alunos e 55 professores e sua subdivisão organizacional se dá
através de três departamentos: Departamento de Expressão Gráfica, Departamento
de Teoria e História e Departamento de Projeto.
A disciplina trabalhada, Geometria Descritiva, pertence ao Departamento de
Expressão Gráfica e, para uma melhor contextualização da pesquisa,
apresentaremos, a seguir, a dinâmica de aula tradicional na Geometria Descritiva do
Curso de Arquitetura e uma dinâmica transdisciplinar, por nós proposta. Estas duas
metodologias são aplicáveis à carga horária de 4 horas semanais desenvolvidas em
um dia da semana.
57
1) Metodologia Tradicional:
- Aulas teórico/práticas sobre os conceitos específicos de Geometria
Descritiva;
- Execução repetida de exercícios aplicativos dos conceitos trabalhados;
- Duas provas de resolução gráfica de exercícios.
2) Metodologia Transdisciplinar:
- Aulas teóricas sobre a evolução dos conceitos geométricos relacionados
com aspectos históricos, culturais e filosóficos dos períodos estudados;
- Apresentação de vídeos e discussão sobre a concepção de ciência ao longo
da história;
- Discussão inicial sobre conceitos genéricos
17
e suas possíveis relações com
a Arquitetura e Geometria;
- Inserção da Geometria Descritiva neste contexto e aulas teóricas sobre seus
conceitos específicos;
17
Trabalhamos com a perspectiva do termo genérico no sentido do que contém o fundamento, a
essência do humano, no caso desta pesquisa propomos os conceitos de solidariedade e criatividade,
como justificaremos posteriormente.
58
- Resolução de exercícios específicos de Geometria Descritiva utilizando-se
de suas relações com práticas cotidianas da arquitetura;
- Leitura e discussão, ao final das aulas, de pequenos textos, propostos pelo
professor e pelos alunos relacionando conceitos genéricos as mais variadas áreas
científicas;
- Provas com a participação do grupo de alunos, tanto na elaboração quanto
na correção dos conteúdos
18
;
- Projetos de Trabalho na fase conclusiva do semestre que reintroduzem os
conceitos genéricos para transitar em suas relações com a área da
Geometria/Arquitetura.
Ainda procurando situar a pesquisa realizada, apresentamos, a seguir, os
conteúdos técnicos específicos de Geometria Descritiva que são estudados tanto na
perspectiva tradicional, como na transdisciplinar. Estes tópicos caracterizam-se pela
representação de objetos espaciais sobre um plano denominado “épura” e parte das
conceituações destes entes fundamentais: ponto, reta, plano para, posteriormente,
trabalhar as representações das superfícies. Os procedimentos adotados em suas
técnicas consistem na resolução gráfica de proposições relativas às projeções dos
objetos/superfícies/edificações, de modo que se estudem problemas relacionados às
suas formas, grandezas e posições. (MACHADO, 1973)
18
Para maoir detalhamento desta metodologia ver: Avaliação participativa no ensino superior e
profissionalizante. (Diligenti, 2003).
59
A Geometria Descritiva permite a representação tridimensional em um plano
bidimensional (épura), no qual são trabalhados os mais variados espectros de
soluções para problemas relacionados com os objetos representados. A noção de
planificação do espaço tridimensional, na forma da épura, se dá com a determinação
de três planos de divisão do espaço, nos quais os objetos são representados por
suas projeções através de suas coordenadas descritivas, a saber: o plano vertical de
projeção, o plano horizontal de projeção e o plano lateral de projeção. Imagina-se a
rotação do plano vertical sobre o plano horizontal e o conseqüente deslocamento do
plano lateral seguido de sua rotação sobre o plano horizontal. Desta forma,
desmembra-se o espaço na forma de um só plano/épura e propiciam-se as
condições para a representação dos objetos através de suas projeções e as
resoluções para as mais variadas proposições construtivas. (BORGES, BARRETO e
MARTINS,1998)
São necessários para o estudo da Geometria Descritiva os conhecimentos da
Geometria plana e espacial, já que muitas de suas construções implicam
propriedades anteriores conceituadas nas geometrias citadas.
Atualmente, os programas das disciplinas de Geometria Descritiva nas
universidades, tanto brasileiras quanto estrangeiras, obedecem à seguinte forma
geral:
- Conceituação dos sistemas projetivos; Centro de projeção finito/perspectiva
cônica
Centro de projeção infinito/perspectiva cilíndrica;
60
- Estudo do ponto;
Representações por coordenadas descritivas; Primeiro, segundo, terceiro e
quarto diedros
- Estudo da reta;
Nomenclaturas; Posições relativas; Retas Notáveis;
- Estudo do plano;
Formas de representação; Nomenclaturas;Posições relativas;
- Método descritivo de mudança de plano de projeção;
Projeções acumuladas; Projeções em verdadeira grandeza;
- Método descritivo de rotação e rebatimento;
Projeções acumuladas; Projeções em verdadeira grandeza; Dupla rotação;
- Intersecções;
Reta/reta; Reta/plano; Plano/plano;Visibilidades
- Paralelismo;
Retas; Planos; Reta/plano
- Perpendicularismo;
Retas; Planos;Reta/plano
- Distâncias;
Ponto/reta; Ponto/plano; Retas/planos
- Alçamento;
Condições geométricas; Operações gráficas
- Estudo das Superfícies (definidas pelas suas leis de geração quanto às
suas diretrizes
19
e geratrizes
20
) :
19
Linha que define a direção da superfície.
20
Linha que, através de seu deslocamento contínuo, concebe a geração da superfície.
61
Superfícies Poliédricas
Pirâmides: a diretriz é uma poligonal, as geratrizes são retas e possuem
vértice próprio
21
.
Prismas: a diretriz é uma poligonal, as geratrizes são retas e o vértice é
impróprio.
Superfícies Retilíneas Desenvolvíveis
Cilindro: a diretriz é uma circunferência, as geratrizes são retas e o vértice é
impróprio.
21
Ilustrações obtidas junto ao Laboratório de Computação Gráfica da Faculdade de Arquitetura da
UFRGS, em trabalho realizado pelos professores Silva, Fábio e Silva, Régio Pierre.
62
Cone: a diretriz é uma circunferência, as geratrizes são retas e o vértice é
próprio.
Superfícies Retilíneas não Desenvolvíveis ou Reversas
Cilindróide: possui duas diretrizes curvas, suas geratrizes são retas reversas
e é paralelo a um plano diretor.
Conóide: possui uma diretriz curva e outra reta, suas geratrizes são retas
reversas e é paralelo a um plano diretor.
63
Parabolóide Hiperbólico: possui duas diretrizes retas, suas geratrizes são
retas reversas e é paralelo a um plano diretor.
Superfícies de Revolução
Esfera: gerada pela rotação de uma semicircunferência ao redor de um eixo a
ela pertencente.
Toróide: gerado pela rotação de uma circunferência ao redor de um eixo não
pertencente à mesma.
64
Elipsóide: gerado pela rotação de uma elipse ao redor de um eixo
pertencente à mesma.
Hiperbolóide de Revolução: gerado pela rotação de um segmento reverso em
relação a um eixo.
Superfícies Helicoidais
Helicóides Axiais e Helicóides de Núcleo: gerados pela rotação e translação
simultânea de um segmento ao redor de um eixo.
O desenvolvimento tecnológico atual trouxe uma importante ferramenta para
o estudo da Geometria Descritiva e para outras disciplinas da área da Expressão
65
Gráfica, na utilização de programas computacionais gráficos como forma de auxílio à
operacionalização de suas análises. Além da apresentação dos conceitos
específicos das disciplinas, os softwares direcionados a estas áreas permitem a
interatividade do aluno na resolução dos problemas gráficos propostos.
66
FLUXOGRAMA APLICATIVO DA METODOLOGIA PROPOSTA
67
5.1 FLUXOGRAMA APLICATIVO
A ruptura epistemológica na concepção de ciência em que se busca a
priorização do movimento, das relações e das redes interdependentes consiste em
uma proposta transdisciplinar da Geometria, na qual os conhecimentos geométricos
atravessam os conceitos migrantes (solidariedade e criatividade) e são, por estes,
atravessados.
Conforme o fluxograma aplicativo apresentado na proposta de uma geometria
da complexidade, os conceitos da Geometria foram trabalhados, primeiramente, de
forma geral, contextualizados nos aspectos históricos, filosóficos e culturais de suas
realizações e, só posteriormente, os conceitos de Geometria Descritiva específicos
foram introduzidos. Esta postura procurou apresentar o conhecimento geométrico
em constante evolução, e diversos outros tipos de Geometria, que não a Descritiva,
foram discutidos para a ilustração desta perspectiva. Podemos citar como exemplo
destas, a Geometria Plana, a Geometria Hiperbólica, a Geometria Elíptica, a
Topologia e a Geometria Fractal.
A introdução dos conceitos genéricos de solidariedade e criatividade deu-se,
em um primeiro momento, sob a forma de suas definições gerais, e ao longo do
semestre relacionando-os a várias áreas da ciência. Nos trabalhos de conclusão
eles foram abordados em um sentido diretamente relacionado com os
conhecimentos geométricos/arquitetônicos e em suas inserções no contexto social.
68
A opção pelos conceitos de solidariedade e criatividade foi adotada por
compreendê-los como vitais em uma proposta de aprofundamento do fazer
educativo e, também, por entendermos que são valores significativamente
cerceados nas propostas tradicionais de ensino.
Apresentamos, inicialmente, estes conceitos ao grupo por uma definição
geral, como transcrevemos abaixo. Os significados dos termos propostos foram
retirados do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) e a generalização em
suas significações foi adotada com o objetivo de não induzir as análises dos grupos
de estudantes, mas sim instigar a autonomia de suas interpretações.
1) SOLIDARIEDADE:
Acepções
- substantivo feminino: caráter,
condição ou estado de solidário.
1 compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras e cada uma
delas a todas;
2 laço ou ligação mútua entre duas ou muitas coisas ou pessoas,
dependentes umas das outras;
3 sentimento de simpatia, ternura ou piedade pelos pobres, pelos
desprotegidos, pelos que sofrem, pelos injustiçados, etc.;
4 manifestação desse sentimento, com o intuito de confortar, consolar,
oferecer ajuda etc.;
69
5 cooperação ou assistência moral que se manifesta ou testemunha a
alguém, em quaisquer circunstâncias (boas ou más);
6 estado ou condição de duas ou mais pessoas que dividem igualmente entre
si as responsabilidades de uma ação ou de uma empresa ou negócio, respondendo
todas por uma e cada uma por todas; responsabilidade, interdependência;
7 mutualidade de interesses e deveres;
8 identidade de sentimentos,de idéias , de doutrinas;
9 estado ou condição grupal que resulta da comunhão de atitudes e
sentimentos, de maneira que o grupo venha a constituir uma unidade sólida, capaz
de oferecer resistência às forças externas e, até mesmo, de se tornar mais firme
ainda em face da oposição procedente de fora.
2) CRIATIVIDADE
Acepções
- substantivo feminino
1 qualidade ou característica de quem ou do que é criativo;
2 inventividade, inteligência e talento, natos ou adquiridos, para criar,
inventar, inovar, quer no campo artístico, quer no científico, esportivo etc.
2.1 CRIAR
Acepções
- verbo transitivo direto
1 conceber, tirar aparentemente do nada, dar existência a;
2 formar, gerar, dar origem a;
3 imaginar, inventar, produzir (algo ger. original, novo);
70
4 inventar, elaborar (alguma coisa, ger. de cunho científico, utilitário);
5 fundar (alguma coisa); instituir, estabelecer;
6 adquirir (algo) que anteriormente não se possuía, passar a ter (alguma
coisa) como resultado de esforço próprio ou por puro acaso;
7 causar, originar;
8 deixar-se tomar por (determinado sentimento); passar a manifestar;
9 crescer em convívio com (alguém ou algo);
10 promover (alguém) a; nomear, tornar;
11 nascer, originar-se ;
12 crescer, desenvolver-se em (determinado lugar);
No movimento gerado pela abordagem que denominamos geometria da
complexidade, entrelaçado com a geo-solidariedade e geo-criatividade, recolhemos
os subsídios para uma análise integradora, que pretendeu estabelecer algumas
conclusões na forma de um seminário final, que chamamos de geo-humanidade,
O fluxograma aplicativo da proposta apresentada aproximou-se, desta forma,
a uma espécie de rede que se retroalimentou, permanentemente, do seu próprio
exercício de aplicação.
5.2 HIPÓTESES E QUESTÕES DE PESQUISA
Trabalhamos com a hipótese de que a Geometria compreendida e praticada
na forma tradicional, como descrita anteriormente neste trabalho, não atende a um
projeto de abrangente significado pedagógico. Suas fragmentações e prejudicam o
71
aprofundamento de seus conceitos e simultaneamente interditam as correlações
disciplinares que se fazem necessárias para uma educação integral, não fracionada
e atualizada.
Pensamos que as transformações conceituais na forma de abordagem do
objeto científico na Geometria nas quais sejam priorizadas as conexões,
interdependências e migrações conceituais entre diversas áreas científicas e as
decorrentes transformações pedagógicas inerentes a estes processos, poderiam
valorizar o estudo desta importante área de compreensão, representação e
expressão humana em nossas universidades.
Utilizando-se destes pressupostos, propusemos que os trabalhos
pedagógicos em Geometria, na abordagem desenvolvida, após relacionarem-se em
seus contextos históricos, filosóficos e culturais promovessem, como forma de
conclusão dos trabalhos do semestre, a constituição de dois subgrupos conceituais
que transitaram junto aos conceitos específicos disciplinares (conforme fluxograma
aplicativo apresentado anteriormente) a saber:
- subgrupo 1: Geo-solidariedade;
- subgrupo 2: Geo-criatividade;
A estes dois subgrupos migrantes, que foram colocados como uma proposta
inicial e mantida durante o decorrer dos trabalhos, foram associados os grupos de
alunos que procuraram investigar, para além dos conceitos geométricos específicos,
suas interconexões com o tema proposto para cada subgrupo. Após relacioná-los na
72
forma de projetos de trabalho com os outros grupos de sala de aula, foi proposto um
seminário para a apresentação das conclusões realizadas pelos subgrupos e
discussão com o grupo geral/seminário Geo-humanidade.
Procuramos desenvolver um estudo, conforme pesquisa a ser detalhada a
seguir, sobre esta proposta alternativa, para a investigação das seguintes questões:
1) Como o grupo de estudantes recebe a proposta de uma abordagem
transdisciplinar da Geometria?
2) Quais são as dificuldades metodológicas, epistemológicas e cognitivas de
implementação de uma abordagem desta natureza?
Estas questões demarcaram o campo pesquisado de forma abrangente, e
considerando a positividade verificada na comunicação entre
sujeitos/objeto/pesquisador, permanecemos neste caminho até o fim dos trabalhos
de pesquisa.
5.3 METODOLOGIA DE PESQUISA
Para introduzir a metodologia de pesquisa utilizada na construção do
conhecimento científico pensamos, preliminarmente, conceituar nossa perspectiva
de metodologia de forma geral.
73
Trabalhamos com a compreensão de metodologia explicitada por Minayo
(2000, p.22):
[...] entendemos por metodologia o caminho e o instrumental
próprios da abordagem da realidade. [...] a metodologia inclui as
concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que
possibilitam a apreensão da realidade e também o potencial criativo
do pesquisador. Enquanto abrangência de concepções teóricas de
abordagem, a ciência e a metodologia caminham juntas,
intrincavelmente engajadas.
A adequada opção metodológica consiste, desta forma, em uma decisiva
etapa para um desenvolvimento coerente das análises teórico/práticas de um
trabalho investigativo.
Considerando este parâmetro geral, optamos que a pesquisa, realizada junto
a seis diferentes turmas de primeiro ano de graduação em Arquitetura e Urbanismo,
fosse de cunho, fundamentalmente, qualitativo.
Atentos ao fato de que as pesquisas essencialmente quantitativas “sacrificam
os significados no altar do rigor matemático, ou ainda, pretendem evitar distorções
através de codificações e quantificações e, inegavelmente, simplificam a vida social
classificando-a segundo elementos ordenados” (MINAYO, 2000, p.31), acreditamos
que o enfoque qualitativo, por outro lado, abre perspectivas de interpretação dos
fenômenos de forma mais abrangente, complexa e, conseqüentemente, mais
próximas da realidade humana.
74
Estas considerações se fazem no sentido de orientar o fundamento das
pesquisas, não significando que uma abordagem de cunho qualitativo prescinda de
aspectos quantitativos ou vice-versa. Esta visão é apontada por Minayo (2000, p.28):
[...] a discussão relativa aos métodos quantitativos e qualitativos na
abordagem do social tem se desenvolvido de forma inadequada. A
dicotomia que se estabelece na prática, de um lado deixa à margem
relevâncias e dados que não podem ser contidos em números, e de
outro lado, às vezes contempla apenas os significados subjetivos,
omitindo a realidade estruturada.
Procurando resumir a perspectiva adotada, ambicionamos realizar uma
pesquisa qualitativa que compreendesse a complementaridade dialógica dos
aspectos qualitativo e quantitativo.
5.4 SUJEITOS DA PESQUISA
[...] todo o ser humano, como o ponto singular de um holograma,
contém o cosmo em si. Pode-se dizer também que todo o indivíduo,
mesmo aquele reduzido a mais banal das vidas, constitui um cosmo.
Contém a multiplicidade interior, as personalidades virtuais, uma
infinidade de personagens quiméricos, uma poliexistência no real e
no imaginário, o sono e a vigília, a obediência e a transgressão, o
ostensivo e o secreto, efervescência larvar em suas cavernas e
abismos insondáveis. Cada um contém galáxias de sonhos e de
fantasias, impulsos indomáveis de desejos e de amores, abismos de
infelicidade, vastidões de indiferença gelada, abrasamentos de
astros em fogo, avalanches de ódio, extravios idiotas, clarões de
lucidez, tempestades de demência... Cada um contém uma solidão
inacreditável, uma pluralidade extraordinária, um cosmo insondável.
(MORIN, 2002:93)
Os sujeitos da pesquisa foram os alunos universitários de seis diferentes
turmas na disciplina de Geometria Descritiva, nas quais foram pesquisadas duas
turmas por semestre, durante o período de 2004/2, 2005/1, 2005/2, onde atuamos
75
simultaneamente como professor e pesquisador, no curso de Arquitetura e
Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Conforme dados obtidos junto à secretaria do curso pesquisado, a faixa etária
dos alunos compreende dos 17 aos 26 anos, média esta que permaneceu constante
nos três semestres de realização da pesquisa. A grande maioria dos alunos mora
em Porto Alegre e necessita de ajuda dos pais e familiares para custear os seus
estudos. Deve-se ressaltar, ainda, que são oferecidas bolsas de estudo e crédito
educativo e/ou descontos para familiares em, aproximadamente, vinte por cento dos
alunos matriculados, conforme circular 06/2005/PUCRS.
Figura 13: Turma de Alunos FAU/PUCRS.
76
A opção por esta disciplina no primeiro ano de curso universitário se deu,
além do conteúdo focado no conhecimento geométrico, pelas razões expostas a
seguir:
1) É uma disciplina de início de curso, período em que o grupo de estudantes
ainda se encontra numa fase de transição do Ensino Médio, adaptando-se ao Ensino
Superior. Este momento de transição implicou, a nosso ver, uma maior abertura,
possibilidade e potencialidade para transformações e questionamentos às estruturas
tradicionais de ensino.
2) É uma disciplina de Expressão Gráfica, realizada em ateliês
(adequadamente estruturados em seus espaços para o desenho e demais
atividades práticas), onde o número de alunos por turma (módulo professor/aluno) é
limitado a 20 alunos por professor, diferentemente das disciplinas exclusivamente
teóricas, nos quais esta relação chega a 60 alunos por professor. Este fato
certamente permitiu uma relação mais direta e personalizada com o grupo de
estudantes/sujeitos da pesquisa.
3) A idade dos alunos da disciplina situa-se em uma faixa de 17 a 26 anos,
caracterizando-se, segundo algumas observações preliminares por nós realizadas,
não só uma fase de transição escolar, como também (e não poderia ser diferente)
de uma acentuada variação nas suas vidas pessoais, com o ingresso em uma fase
mais independente e adulta.
77
A opção por trabalhar com seis turmas e durante três semestres, deu-se com
o intuito de estabelecer uma análise fidedigna que não se restringisse a um número
limitado de alunos ou a um curto período de tempo. As análises comparativas entre
um trabalho mais tradicional, mencionado na apresentação do projeto, e uma
abordagem transdisciplinar, procuraram contemplar o aspecto de
complementaridade de perspectivas. Deve-se considerar que um estudo
relativamente comparativo pressupôs uma conceituação inicial junto ao grupo
pesquisado sobre o entendimento de um fazer pedagógico tradicional em
Geometria, com suas decorrentes implicações, para que fossem analisadas as
conseqüências das práticas alternativas que procuramos desenvolver.
Para finalizar, destacamos o nosso compromisso durante todo o trabalho com
uma postura de respeito aos sujeitos de pesquisa, aos seus tempos, momentos de
vida, peculiaridades, anseios, disponibilidades (ou não disponibilidades) o que, a
nosso ver, propiciou a possibilidade de estabelecer uma escuta satisfatória das
relações sujeito de pesquisa/objeto/pesquisador. Aprender a ouvir, cada vez mais,
sem induzir a fala dos alunos foi um exercício que balizou os trabalhos que
realizamos, segundo Silva (2001, p.26): “O silêncio maior se consuma por excesso
de fala.” Foi nesta atenção com os sujeitos que procuramos desenvolver as
atividades. Observamos ainda, como referência, a concepção de Brandão (1985:11):
“[...] Aprender a reescrever a história a partir de sua história. Ter no agente de
pesquisa uma espécie de gente que serve. Uma gente aliada[...]” e,
fundamentalmente, reconhecemos e valorizamos as complexidades e singularidades
destes alunos, compreendendo-os como protagonistas do estudo que realizamos.
78
5.5 TÉCNICAS DE OBSERVAÇÃO E COLETA DE DADOS
As pesquisas foram realizadas no cotidiano de três semestres do referido
curso de graduação, e sua instrumentalização foi dada na forma da observação
participante, que segundo os pressupostos de Schwartz & Schwartz, apud Minayo
(2000, p.135), define a situação do pesquisador da seguinte forma:
[...] O observador está em relação face a face com os observados e,
ao participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe dados.
Assim o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo
tempo modificando e sendo modificado por este contexto.
Acreditamos que a especificidade do estudo no qual o pesquisador é o
próprio professor conduz a opção de uma observação participante como a mais
coerente para a execução dos trabalhos.
A coleta de dados foi basicamente realizada através de questionários para o
grupo, entrevistas individuais, encontros em subgrupos menores e grupo geral com
observação “in loco” dos trabalhos. Procuramos nestes encontros indagar, de forma
geral, como os estudantes estavam recebendo as propostas desenvolvidas na
disciplina trabalhada.
Durante os dezoito meses de realização da pesquisa com as seis turmas, foi
disponibilizada uma página na internet
22
que continha os princípios fundamentais de
organização dos grupos e roteiros dos trabalhos em desenvolvimento. Esta página
foi sendo atualizada de acordo com a evolução das pesquisas nos três semestres de
22
Site: www.disciplinas/fau/mdiligenti/projetopiloto.
79
sua aplicação. Os resultados obtidos, bem como, a opção por acréscimos de textos
também foram amplamente discutidos com os grupos de trabalho.
80
TERCEIRA PARTE:
DO PROJETO À CONCRETIZAÇÃO
A esperança não é o afeto oposto ao
desesespero; é o ato cognitivo oposto ao da
reminiscência, uma forma de premonição. É por
esse ato cognitvo da esperança que sabemos
possível uma outra forma de relação do homem
com o homem e do homem com a natureza, que
não seja a da espoliação, da destruição, e da
poluição, mas a da aliança; a esperança é a
expressão desta não realizada possibilidade de
uma nova forma de relação de aliança com a
natureza, numa natureza humanizada, assim
como uma nova forma de relação entre os
homens, numa sociedade naturalizada.
Ernst Bloch
81
6 DESCRIÇÃO DE DADOS
O viver é solitário e solidário. O ser vivo emerge para a solidão
acedendo ao egocentrismo. Mas a vida solitária não pode deixar de
ser solidária. Vivendo cada um a nossa vida, participamos de
miríades de outras vidas que nos alimentam e que alimentamos.
Cada vida autônoma é possuída no interior e no exterior por outras
vidas. Ninguém nasce só. Ninguém está só no mundo, no entanto,
cada um está só no mundo. (MORIN, 2001, p.442)
Os dados obtidos na pesquisa empírica foram relacionados considerando-se
as observações quanto ao conteúdo da disciplina, à dinâmica de ensino e ao
aproveitamento do trabalho executado. Estas ênfases foram adotadas devido ao
próprio foco diretivo das respostas obtidas junto aos alunos. Transcreveremos
aqueles mais representativos devido ao extenso número de sujeitos pesquisados e,
muitas vezes, a ocorrência de repetidas respostas quanto aos temas trabalhados.
Os dados colhidos através de depoimentos voluntários escritos
23
ou
entrevistas, reuniões individuais e encontros com subgrupos e grupo geral, foram
coletados apresentando-se como consiste a forma de desenvolvimento tradicional
na prática pedagógica da Geometria e a concepção transdisciplinar de abordagem
que trabalhamos. Esta situação é explicitada em alguns depoimentos que
23
Os depoimentos escritos foram reproduzidos sem correções gramaticais, exatamente conforme o
texto dos alunos, com objetivo de preservar a autenticidade e amplitude nas interpretações dos
mesmos.
82
mencionam as distinções entre estas duas abordagens. No entanto, considerando-
se o cuidado da pesquisa ao propor, coerentemente com sua opção teórica, uma
idéia de não estabelecer pré-conceitos ou induzir conclusões, tanto nas descrições
quanto na análise de dados, reconhecemos a simultaneidade
tradicional/transdisciplinar como elemento enriquecedor de análise científica.
A seguir apresentamos as falas dos alunos, procurando relacioná-las com as
dimensões descritivas citadas anteriormente e tecemos alguns comentários que
ilustram estes relatos.
6.1 QUANTO AO CONTEÚDO DA DISCIPLINA
Uma visão de conteúdo estático, no qual o conhecimento é legitimado e
valorizado por sua mera aquisição como objeto e não segundo uma perspectiva
processual, é evidenciada em vários depoimentos:
- Eu ainda não consegui gostar desta cadeira, acho que porque não
entendi muito bem o conteúdo. Em me sinto insegura e também me
sinto como se fosse a aluna que menos sabe.
- A geometria descritiva é importantíssima para podermos ver os
objetos em três dimensões. Ela é um objeto que nos ajuda a achar a
verdadeira medida de um lado para que possamos calcular
corretamente.
- Eu particularmente tenho muitas dificuldades com a matéria de
geometria descritiva. Apesar de ser interessante, ela é bastante
complicada.
- Como não poderia deixar de ser, há teoria também, e junto dela
nomes e nomenclaturas, criados, talvez pelo ego de seu criador! É
exatamente isto que não me agrada: nomenclaturas... Não vejo
83
utilidade para elas, e acho que apenas embotam o brilho da
disciplina.
Verificou-se também que o anúncio de uma proposta que não enfatiza a
memorização trouxe algumas vezes para o grupo a idéia incorreta de que não seria
necessária a utilização da memória como instrumento cognitivo. Qualquer situação
em que se fez necessário memorizar algum conceito acabava sendo compreendida
como “decoreba” por parte dos alunos.
- Como os conteúdos da disciplina só são bem assimilados com a
prática, às vezes acho tudo muito mecânico. São muitas regras e só
é possível lembrar com uma prática constante de atividades. Parece
ser uma matéria que somente depois de decoradas todas as regras
é que se torna fácil. Não deveriam ser só provas e sim só mais
trabalhos extraclasse.
Mesmo em algumas alternativas propostas pelos alunos, a falta de autonomia
para a aprendizagem também é explicitada e evidencia-se, por exemplo, na
realização dos trabalhos extraclasse nos quais o professor não está presente para
auxiliar o aluno.
- Eu gosto de fazer os exercícios durante a aula, pois eu tiro todas
as dúvidas no momento em que surgem, pois quando se faz em
casa, aparecem as dificuldades e acabamos esquecendo e não
aprendendo.
- Nos primeiros dias eu estava sempre nervosa. Não sei se pela
emoção de estar na faculdade ou se foi a aula mesmo. Eu achava
estranho que nas aulas eu conseguia resolver os exercícios mas ao
chegar em casa, ao fazer os temas eu me apavorava porque não
conseguia nem começar.
Estava sempre ligando para os meus colegas para pedir ajuda,
porque eu não conseguia entender certas (os nomes delas), eu não
conseguia visualizar elas.
- Os exercícios ajudam bastante, é bom fazê-los em aula, só acho
que poderíamos corrigir mais os de casa, às vezes achamos que
estamos fazendo certo, mas acabamos errando pequenas coisas e
não nos damos conta, acho que para isso serviria a correção.
84
Nas questões levantadas sobre a avaliação, demonstra-se a freqüência com
que o conteúdo é concebido de forma utilitarista. Sua validade é reduzida à condição
de ser ou não aprovado na disciplina, e algumas vezes apenas este parâmetro é
considerado como comprobatório do desenvolvimento do conhecimento.
- Gosto do jeito que as aulas são dadas. Se a média não for mudada
para 5, acharia bom que as provas tivessem mais questões.
- Um problema que eu vejo, é que na aula eu acho que eu entendi
tudo que o professor explicou, mas na hora de estudar em casa e na
hora da prova eu sinto muita dificuldade.
- Acho que poderia ter um maior aprofundamento em certos
conteúdos e a prova com mais questões creio que seria melhor, nos
testaria muito mais.
As dificuldades na visualização dos objetos da Geometria podem originar
posturas de desânimo em relação ao curso, como verificamos no depoimento a
seguir:
- Às vezes, penso em desistir da faculdade de arquitetura por causa
da geometria, pois na minha cabeça parece que “não anda” que eu
vou ficar sempre no mesmo lugar.
A proposta de uma avaliação participativa tanto na elaboração quanto na
correção das provas é questionada em algumas situações.
- Não gosto da parte da correção individual, pois é na frente de
todos os colegas e como possuo muitas dificuldades, todo mundo
fica olhando para ver se agente foi bem ou mal.
O conhecimento como resultado de treinamento e repetição de exercícios é
uma visão freqüente nas disciplinas que envolvem o saber matemático. A prática da
85
repetição é muitas vezes solicitada pelo grupo de alunos como forma de estabelecer
um roteiro resolutivo para os problemas.
- A geometria descritiva para mim necessita de mais prática e
resolução dos exercícios em aula, pois na prática não temos
facilidade de colocarmos a teoria na prática. Nesta primeira parte a
matéria não é tão difícil, mas com muitos detalhes a serem
explicados. Há muita matéria, e assim com um primeiro contato com
a geometria a quantidade de matéria ajuda na dificuldade que a
matéria tem a piorar. A geometria descritiva com mais prática não
teria a dificuldade que aparentemente tem.
- Na minha opinião no semestre (para mim, ao menos) não tive as
expectativas superadas. Achei a maneira/método das aulas muito
vagos, não absorvendo todo o conteúdo dos pontos propostos.
Gostaria de ter visto uma aplicação mais prática dos conteúdos e
exercícios, não ficando somente com a ênfase acadêmica.
- Bom, eu gostei, pois era um assunto fácil, e com exercícios. A
gente aprendia e logo após exercitava poderia ser mais já que isso é
bom para memorizar e ajuda um monte.
Mesmo os depoimentos que compartilham a necessidade de apresentação
dos conhecimentos geométricos de forma mais abrangente, muitas vezes reduzem a
compreensão de sua proposta de reformulação a uma simplificada visão de aliança
entre geometria e história, geometria e filosofia, entre outras, como observamos
nestes relatos:
- Achei as aulas que misturam geometria com a história e filosofia
muito interessantes, mas não sei em que ponto isso tudo poderia me
ajudar com a matéria. Já na aula que a matéria foi colocada no
computador foi mais útil e me ajudou a enxergar melhor, coisa que
eu não estou conseguindo direito.
- No decorrer do semestre estudamos geometria descritiva de uma
forma diferente, aliada à filosofia. Acredito que essa experiência
tenha sido válida, porém, confesso que não gosto muito de filosofia,
prefiro o lado mais matemático. Quanto às aulas, não tenho críticas,
acho que foram produtivas e claras. Só acho que deveriam ser feitas
correções nos exercícios do conteúdo, isso nos deixaria mais
seguros na hora de fazer a prova.
86
Em alguns depoimentos, a proposta de relacionar a Geometria com outras
áreas do conhecimento é compreendida como uma atividade extracurricular,
distorções, ou até mesmo como “curiosidades sobre o assunto”, o que demonstra
claramente a dificuldade em romper estruturas cultural e historicamente arraigadas
na vida escolar dos estudantes.
- Gostei da idéia de mesclar o conteúdo teórico com curiosidades a
respeito da matéria, pois é mais conhecimento que adquirimos. É
interessante conhecer a história da geometria, aprendemos coisas
diferentes. E a aula fica mais interessante, fica mais dinâmica.
- Assuntos extra-curriculares são muito bem vindos, ainda mais se é
sobre conteúdos referentes aos estudados. O excesso de conteúdo
nunca vai nos prejudicar. É bom saber o porque e de onde vem os
conteúdos do currículo, isso é bom e nos abre novos caminhos para
compreende-los.
- Achei muito boa as aulas que trataram da parte histórica, porque
pode mostrar um lado diferente da geometria dada em aula. Ficaram
aulas bem interessantes, pois conseguimos unir bem a prática com
a teoria. A princípio achei que as aulas envolvendo a história fossem
ser chatas, mas se revelaram muito boas. Estimula a curiosidade
sobre assuntos que normalmente não são tratados em aulas.
- Achei muito bom esse ritmo de aula porque não deixa a disciplina
cansativa. A forma mais tradicional é muito cansativa e as
apresentações enriqueceram mais o aprendizado. Ao decorrer do
semestre o professor foi levando as aulas numa distorção bem
legal...Seria bom se continuasse nesse ritmo, pois assim temos a
oportunidade de mudar a forma de pensamento sobre a disciplina.
A expectativa dos alunos em relação às disciplinas ligadas à matemática
geralmente não são positivas, provavelmente isto se dá devido à forma como estas
áreas são trabalhadas em níveis escolares anteriores.
- A geometria se tornou mais dinâmica, tivemos aulas diferentes,
outras formas de nos fazer pensar a geometria. Acho que agora
houve maior interesse da turma, tendo trabalho em grupo. As aulas
de Geometria Descritiva do primeiro semestre foram muito boas. No
87
começo quando entrei, pensei que as aulas seriam bem maçantes e
cansativas.
- Ver como tudo começou é bem melhor do que ficar quebrando a
cabeça para ter certeza do que se está fazendo. O melhor tentar
fazer e não compreender bem o que se fez. Fiquei surpresa.
Por outro lado alguns depoimentos demonstram outra compreensão da
proposta apresentada, nos quais os aspectos formais específicos da disciplina
conseguem ser compreendidos como parcelas de uma mais aprofundada visão de
transformação e não como uma mera troca na forma de apresentação dos
conteúdos. Observamos a seguir algumas destas contribuições:
- É muito bom que possamos relacionar a geometria com outras
áreas, como a filosofia e a história, pois assim, teremos um
conhecimento mais aprofundado e amplo, não só de geometria, mas
também das outras ciências.
O depoimento a seguir demonstra a potencialidade e a necessidade da
transformação do processo de ensino-aprendizagem e sinaliza a insatisfação dos
alunos quanto às aulas que permanecem utilizando modelos tradicionais:
- Transgressão. Acho que esta é a palavra mais forte na cabeça de
quem entra na faculdade (e isto em tudo, a faculdade, casualmente
é o desafio da vez). É uma palavra meio chata, foi feita para ser
praticada, e não dita. Quando se chega na sala de aula e se depara
com aulas estáticas e sem vida, é uma grande decepção. Aquela
palavrinha, transgressão, fica ecoando no ouvido. Porém, quando se
entra em contato com coisas novas, novos jeitos de ver as coisas,
novas formas de se aprender, aquela palavra deixa de ecoar e
passa a ser vivida.
Acho que isso não é bom, é fundamental, devia ser obrigatório.
As relações com o contexto histórico e o estudo da evolução na concepção
dos saberes geométricos são referidos como aspectos positivos pelos alunos.
88
Observamos que os questionamentos quanto às perspectivas mecanizadas e sem
significado para os estudantes são repensadas no grupo pesquisado.
- Os estilos das aulas estão bem interessantes, pois mostra de
formas diferentes o que é a geometria. O surgimento dela também é
muito importante, porque muitas vezes fazemos as coisas sem
saber ao certo o que é mesmo e de onde veio aquilo.
- Acho que estudando a história da geometria, vamos conseguir
entender a sua forma de evolução e descobrir como ela chegou a
ser o que ela é hoje. Estudando as suas diversas formas de
evolução conseguiremos identificar o que fez ela evoluir e o que não
foi bem empregado, facilitando assim nossos estudos com objetivos
de inovação e acréscimo ao seu estudo.
Em alguns relatos a idéia de conhecimento em permanente renovação e
movimento parece ser bem assimilada pelos estudantes. A ênfase nas relações e
interdependência entre as várias áreas do conhecimento é descrita pelos
estudantes.
- Embora muitos achem que a geometria não tem ligação com nada
na vida de um ser humano. Mas vimos que tem e muita. Utiliza-se a
geometria não só pela praticidade que nos dá essa resolução de
problemas, mas também para as explicações de certas obras que
foram feitas. Com a geometria conseguimos provar certos fatos que
às vezes nos parecem impossíveis. Com a aula percebemos que a
geometria tem relação não só com a arquitetura, mas também com
a filosofia e que é uma área da ciência que não é estável, está
sempre mudando e sendo contestada por novos pesquisadores e
filósofos.
A procura de uma maior abrangência do conhecimento e a necessidade de
um aprofundamento na própria significação das atividades estudantis, também foi
muitas vezes colocada, como vemos a seguir:
- Muito interessante o trabalho. Navegar pelas raízes da disciplina e
descobrir todo o processo de sua formação, ao invés de apenas
apresentar o que está marcado no currículo, contribui bastante para
a formação de um indivíduo, visto que nada surge por acaso e tudo
tem um grande motivo para ser pesquisado.Outro fator importante
89
foi a relação feita com a filosofia, onde mostra que tudo, de certa
forma “se encaixa”. Aliás a própria filosofia diz que não basta
conhecer o superficial dar coisas, deve-se buscar sempre o princípio
para melhor compreendê-la e as aulas estão mostrando isso
claramente.
- Achei muito interessante a pesquisa, porque ela mostra a
geometria como uma ciência, com uma história e suas descobertas
ao longo dos tempos. Com isso, o aluno se interessa mais pela
matéria e vê suas aplicações.
- Acho que estudar a história da geometria é muito importante, pois
muitas vezes não entendemos por que estudamos determinada
matéria, e essa forma de apresentação auxilia o entendimento, o
motivo da origem e, também, seu fundamento.
- Acho importante saber o que é, e para que estamos estudando
geometria, portanto, é bom saber como e porque ela surgiu, saber
um pouco de sua história, levando em conta os principais
pensadores que a tornaram o que é hoje.
Quando os estudantes percebem o significado dos conteúdos trabalhados seu
interesse em relação à disciplina aumenta consideravelmente e o próprio
entendimento de saberes mais específicos da Geometria é facilitado.
- Acho muito interessante a inclusão da história da geometria nas
aulas, pois quando a gente conhece o “porquê” de tudo o que
fazemos, as coisas ficam mais lógicas e interessantes. Ver os
variados tipos de geometria e o porque delas existirem desperta um
interesse maior e uma curiosidade de saber mais da matéria, assim
ela não fica mais parecendo um “bicho de sete cabeças.
Observamos em alguns casos a potencialidade e a necessidade de os alunos
se expressarem para além dos conteúdos acadêmicos propriamente ditos e
relatarem os momentos de vida que estão passando, demonstrando o desejo de
compartilhar as suas experiências e trazê-las para o contexto universitário.
- Esses últimos seis meses foram para mim,meses de renovação de
mudanças. Foi o momento que entrei na faculdade que queria, fazer
90
o curso que queria. Logo que começaram as aulas fiquei
apreensiva, pois não sabia se me daria bem, se era o que realmente
queria. Quando me deparei com uma boa turma para trabalhos, e
bons professores. No caso da Geometria Descritiva, no início, não
pude deixar de duvidar o que seria e o que aprenderia nessa
disciplina. Após o início dos conteúdos, acabei vendo que era uma
matéria de fácil compreensão. Uma matéria que com a capacidade e
união da turma se tornou ainda mais harmoniosa.
A proposta de uma metodologia mais abrangente gera nos estudantes
questionamentos mais generalizados sobre o seu papel na sociedade e como esta
se encontra organizada.
- É fundamental ter em uma aula a amizade entre todos, inclusive
professor-aluno, e isso nossa turma alcançou muito bem. Não se
pode deixar de citar, os momentos finais da aula em que era lido
algum texto para que parássemos para pensar em como se vive em
nossa sociedade. Nunca esqueço de um dos textos lidos sobre dois
garotos que viviam em mundos distintos, um era rico o outro era
pobre. Nele falava como nossa sociedade pode ser mesquinha.
Parei e pensei como o ser humano não se ajuda quando se precisa.
Há poucos com muito e muitos com pouco.
Questionamentos quanto à filosofia institucional da universidade onde foi
realizada a pesquisa também são observados nos relatos:
- Bem, antes de mais nada, gostaria de explicar o porque de
escrever à mão livre. Eu achei que a mão seria mais pessoal e acho
que essa era a intenção deste relatório. No início o semestre quando
me preparei para iniciar as minhas atividades acadêmicas pensava
que a geometria descritiva seria uma pedra no meu sapato, que
seria chata, maçante... Qual não foi a minha surpresa já no primeiro
dia a descontração, alegria (encobrindo a ´seriedade´), nada
parecido com o modelo que eu experimentara. Já tenho algum
tempo na estrada da PUC e custei muito, muito a entender que não
tinha problemas com os cursos que cursei, o problema era a
´metodologia´, o estilo PUC de ser. Não sou pessimista, mas acho
que esta universidade deixa muito a desejar. Neste semestre a
minha teoria foi comprovada, ficou muito claro, parece que o
projeto
24
de sair para a rua com a universidade não evoluiu por
causa da PUC. A PUC fez justiça ao PONTIFÍCIA que carrega no
nome, e ainda se diz filantrópica e social...Mas não falarei dos meus
24
Projeto de inserção dos trabalhos na Vila Fátima, em Porto Alegre, que não se realizou por
dificuldades em questões institucionais.
91
recalques e raivas da PUC. Contrariando todas as expectativas, tive
nesse semestre o prazer de conviver com essa turma. Sem nenhum
tipo de puxa saquismo, fiquei feliz em dividir momentos bons, a
matéria fluiu de maneira simples parecendo até ser fácil. Quanto ao
professor, tem uma parcela importante nesta trajetória porque
inovou, mostrou para nós jovens e para os mais jovens do que eu
uma outra verdade e deu uma noção de realidade do que é a vida, o
mundo e isso em determinados momentos de formação é mais
importante que uma nota bobinha ou um tapinha nas costas. Espero
que eles tenham absorvido a mensagem porque quando tinha 17,
18 anos não recebi esta mensagem, talvez se a tivesse ouvido e
captado hoje seria tudo diferente.Então sou grato a esta experiência,
ao conhecimento adquirido e a mais uma lição de vida dada, da qual
certamente não levo tudo... mas levo uma parcela e deixo a minha
contribuição.
É importante observar, como no relato a seguir, a valorização da abertura de
possibilidades de relacionamento dos conhecimentos técnicos específicos com
perspectivas mais abrangentes de conhecimento:
- Ao longo do semestre eu achava que não me adaptaria as aulas
de geometria, pela razão da qual nunca fui muito bem, porém
quando comecei a faculdade de Arquitetura e tive a primeira aula de
geometria descritiva percebi que não havia razão para tal
preocupação. As aulas da disciplina foram excelentes, bastante
dinâmicas, as pessoas tiveram sem dúvida alguma “espaço”, com os
nossos “momentos de reflexão”
25
, pudemos entender que a
geometria, matemática, arquitetura, não podem viver apenas de
números e retas, e devem sim, é aprender a sentir a nossa
sociedade, ter sentimentos quando se faz algum projeto, um
trabalho, não olhar apenas para o papel onde está o trabalho. Nesta
disciplina aprendemos, não apenas geometria e suas respectivas
funções, todavia a sua origem, através de projetos, conseguimos
interpretá-la melhor, infelizmente as saídas para fora da
universidade não puderam ser feitas, mas o último trabalho feito em
grupo foi uma ótima experiência de aprendizado.
A consciência da necessidade da academia abrir as suas portas à
comunidade como forma de interação e construção realmente significativa dos
conhecimentos estudados, e a sinalização para uma tomada de consciência social
dos estudantes, são abordadas no depoimento a seguir:
25
Os momentos de reflexão referidos nos depoimentos consistiam na leitura e na breve discussão, ao
final das aulas, de textos, poemas, reportagens propostos pelo professor ou pelos alunos nos quais
eram abordados temas das mais diversas áreas.
92
- Foi proposta à turma 260 de geometria descritiva, do curso de
Arquitetura uma maneira diferente de trabalhar com esta matéria. O
foco não estaria apenas em buscar projeções de pontos, retas e
planos, de fazer rotações, alçamento e outros tópicos base desta
cadeira. Mas sim uma abrangência maior da geometria, um contato
maior dos alunos com os assuntos do dia a dia, com pessoas que
sequer praticam a geometria, fazer com que os alunos do início do
curso saibam que existe vida além dos muros da universidade, que
o curso de Arquitetura e Urbanismo pode oferecer muito mais do
que ensinar a fazer plantas e desenhos elaborados.Muitos
universitários entram em seus cursos, passam cinco anos ou mais
dentro de salas de aula, aprendendo a usar lapiseiras para criar
desenhos, sua inteligência para desenvolver projetos, mas acabam
não tendo o mais importante, o contato com pessoas, contato este
que é fundamental, pois faz com que estes alunos vejam que o
mundo não é tão maravilhoso como muitas vezes pra eles se
apresenta. A maioria dos alunos do curso de Arquitetura não sabe o
que é passar necessidade, o que é ter que trabalhar durante o dia
para ter o que comer a noite. Buscando olhar para fora e um
convívio com pessoas de fora do meio acadêmico, e do meio social
habitual, pode-se então existir uma troca de experiências, onde os
alunos que buscando conhecer as necessidades e carências podem
oferecer opções, meios auxiliares para contornar a situação e muitas
vezes resolver tais problemas, e os alunos acabam tendo um
conhecimento melhor da vida, e de quantas formas diferentes ela
pode se apresentar dependendo da classe social em que se vive...
Verificou-se, de acordo com os dados colhidos, que uma concepção de
conteúdo imóvel, como mero objeto de aquisição, permanece arraigada em uma
parcela dos estudantes. Mesmo reconhecendo a sua insuficiência e até mesmo a
falta de interesse que este tipo de abordagem propicia, alguns ainda permanecem
apegados a estas propostas. A potencialidade de transformação nesta visão
coisificada do saber, no entanto, é latente e é explicitada pela maior parte dos
alunos que compreende as transformações de forma mais generalizada, sugerindo
que estas práticas transdisciplinares sejam também incorporadas às outras
disciplinas do curso.
Cabe ainda considerar que mesmo os depoimentos mais resistentes às
mudanças apresentam, muitas vezes de forma implícita, algumas pistas que indicam
a necessidade de transformações. Os depoimentos nos quais os estudantes
93
procuram, de alguma forma, contar-nos um pouco de sua vida são, a nosso ver,
solicitações da abertura do espaço acadêmico para uma maior aproximação na
relação professor-aluno e também indicam a necessidade de diálogo não só
pessoal, mas do conjunto da universidade com a comunidade.
A seguir apresentaremos os depoimentos que enfatizam questões ligadas à
dinâmica de ensino. Gostaríamos, no entanto, de observar que estas subdivisões
atendem um aspecto mais didático de leitura, no sentido de facilitar algumas
observações. Compreendemos, por outro lado, que qualquer classificação implica a
possibilidade de simplificação na complexidade dos depoimentos e é com esta
ressalva que damos seqüência às descrições.
6.2 QUANTO À DINÂMICA DE ENSINO UTILIZADA
Observou-se, na grande maioria dos depoimentos, um crescente entusiasmo
com a proposta de concepção transdisciplinar da Geometria, na qual aspectos como
o incentivo à participação, ao exercício da criatividade e à liberdade no ambiente de
trabalho são extremamente valorizados pelos alunos, sendo recorrentes as
colocações quanto à descontração e ao prazer nas atividades acadêmicas.
- A aula é bastante participativa, é uma aula descontraída. Os
alunos não ficam parados, estão sempre fazendo alguma atividade,
é uma aula legal! A maneira como a aula está sendo conduzida é
ótima e devia continuar assim.
- É bom que os exercícios podem ser feitos bem descontraídos,
conversando e tirando nossas dúvidas com colegas.
94
- Bom, a maior sacada da geometria descritiva é a sua aplicação
prática evidente. Não apenas porque é algo que futuramente será
imprescindível, mas sim pelo modo como isto é claro. Sabendo da
utilidade da disciplina você ganha fôlego novo e a matéria um
“tchan” a mais.
- Atividades diferentes fazem com que a aula se diferencie das
outras, não ficando enjoativas e cansativas.
- A disciplina é muito boa de se fazer. A matéria é interessante e
passa uma sensação de utilidade, o que é justamente o que se
procura quando se entra numa faculdade.
A motivação para os trabalhos é citada freqüentemente pelos estudantes
quando os conteúdos são apresentados de forma abrangente. Os relatos que
denominam estas práticas como “diferentes” sugerem que estas metodologias não
são usuais em outras disciplinas do curso.
- É bom ter professores que sabem transmitir motivação durante
uma aula, fazendo ela satisfatória e esclarecida. Temos liberdade de
expor nossa criatividade na hora de resolver um problema, com isso
o conteúdo torna-se fácil e de boa compreensão.
- Essas aulas mais descontraídas, não prejudicaram meu
aprendizado, pelo contrário, possibilitaram mais harmonia entre o
professor e alunos, com isso mais facilidade para aprender.
- As aulas, onde vimos filmes, slides foi mais descontraída, porque
pudemos discutir os assuntos e aprender a geometria de uma forma
diferente. Eu gostei dessas aulas porque conseguimos visualizar
nas construções o que estamos aprendendo. Todo o conteúdo foi
bem transmitido para mim, consegui entender as matérias e tirar
minhas dúvidas. Essa forma diferente de dar as aulas, mostrando a
geometria de várias formas deixa as aulas menos massantes.
- Achei bem interessante, clara e descontraída. Também achei que
o professor explicou com clareza e gratidão, até mesmo em
questões de outro semestre. Gostei muito também do entrosamento
entre os alunos com o professor e vice-versa. Achei muito
interessante a atitude do professor para com os alunos,
preocupação no interesse do aluno para aprender o conteúdo.
95
A possibilidade de diálogo freqüente nas aulas é muito valorizada pelos
alunos. Sua participação, inclusive nas elaborações e correções de provas, é
mencionada geralmente como aspecto inovador e positivo na dinâmica dos
trabalhos desenvolvidos.
- O pessoal fica muito à vontade para perguntar e tirar dúvidas, não
sei porque mas o jeito dele parecia que ele sentia bem o que o aluno
sentia em aula em relação aos estudos e dessa forma ele levou as
aulas bem descontraídas mas muito sérias levando ao compromisso
de nos ensinar a matéria dada. Achei bem bala como o professor
levou as aulas, ele ensinou bem a matéria e nos deu uma visão bem
clara do que ia cair em prova. Foi bem legal o que ele botou no
quadro, uma frase mostrando bem que o aluno e o professor tem
que ter um relacionamento legal e não ser só aquela coisa de ele
vim botar a matéria no quadro e quem entendeu, entendeu.....Gostei
bastante das aulas.
- A integração do professor com os alunos, seus estímulos torna a
disciplina mais atrativa.Com a integração do conteúdo no novo dia-
a-dia torna mais fácil e aprendizagem, trabalhos diversificados,
vídeos, trabalhos.
- O professor questiona, interage com os alunos assim tornando a
resolução das atividades mais fácil de lembrar de forma que
aprendemos. Embora não goste muito da matéria, vejo um bom
trabalho do professor onde em momento nenhum ele dificulte para o
aluno. Havendo interesse todos são capazes.
Notamos que muitos depoimentos que se relacionam com a dinâmica de
ensino sobrevalorizam o aspecto da avaliação da atividade do professor. Achamos
que estas observações fazem parte do conjunto da opinião dos alunos e omiti-las
seria retirar possibilidades de interpretação na pesquisa, portanto, transcrevemos de
forma integral os depoimentos.
- Falamos sobre a história da geometria, filosofia, outros tipos de
geometria e também o resto da matéria propriamente dita, com
exemplos e exercícios. Foram aulas bem mais interessantes,
passaram mais rápido, nos ajudaram a entender melhor o que
96
estamos estudando. É um tipo que faz com que o professor e a
turma interajam mais entre si.
Uma maior flexibilidade na dinâmica de ensino aponta, em muitos casos, para
a reavaliação da utilização dos conhecimentos desenvolvidos na universidade e
sugere a necessidade de uma participação prática dos alunos em atividades
externas aos espaços acadêmicos, buscando, segundo nossa leitura, uma maior
aproximação com a comunidade.
- Honestamente: revendo toda a matéria, eu não acho geometria
difícil. Sério mesmo. Muita gente apavora, acha que a prova vai ser
um bicho e sete cabeças. Sabe que eu acho que não! Pelo seguinte
motivo: pelo que a gente viu não tem como complicar. A parte
técnica a gente sabe bem e aprendeu tudo , se não sabe, deveria,
porque foi bem dada. Mas quem sabe, ao invés de trabalhar com
retas e planos a gente não bota umas visitas, passeios, ou alguma
coisa que lembre a gente pra que a gente ta aprendendo aquilo.
Quanto ao projeto da vila, eu achei uma pena não ter prosseguido.
Concordo plenamente com a gente da universidade sair para a rua
para fazer alguma coisa. Ótimo, acho que alguma cadeira precisa
abrir mão de umas horinhas e ir fazer alguma coisa de útil pelo
mundo... “show de bola” como tu mesmo diz.
- Nossa turma teve uma harmonia, o que tornou as aulas
interessantes. Achei os momentos de reflexão importantes, nos faz
pensar sobre o mundo, o que anda acontecendo ao nosso redor, e
traz a realidade para dentro da sala de aula.
A relação aluno-professor foi fundamental para chegarmos no final
deste semestre com algum aprendizado.
A necessidade de abertura de canais de comunicação entre alunos e
professores evidencia-se com a freqüência dos depoimentos que estendem as suas
análises específicas para aspectos mais pessoais, caracterizando o espaço
educativo como espaço de integralidade da vida, como observamos em muitos
depoimentos.
- Este semestre foi muito importante para mim. Muitas mudanças,
novidades, uma outra vida. Muito tempo esperei por isso! Adorei
todos os professores, o esforço que eles fazem para que possamos
aprender de uma forma mais dinâmica e interessante também, para
97
nos tornarmos pessoas melhores. Assim foram as aulas de
geometria. Desde o início uma cumplicidade entre todos ajudou para
que as aulas se tornassem ainda melhores. Os “momentos de
reflexão” ajudaram a “fechar”, encerrar as terças-feiras com chave
de ouro!
- A maneira como foi desenvolvida a matéria de geometria
descritiva, neste semestre, se destaca das demais cadeiras por mim
estudadas. Digo isso baseado na importância dos ensinamentos
passados, pois me colocou diante da idéia que fazia da rotina das
aulas no curso de arquitetura, retas, planos, etc...E o interessante é
que as aulas ministradas criaram interesse cada vez maior pelo
curso que escolhi.Sem contar os momentos de reflexão, trazendo a
vida para dentro da sala de aula, fazendo esquecer um pouco as
retas, planos...Criou-se uma harmonia na turma, capaz de estreitar
as relações de amizade, o que considero muito importante, posto
que são amigos que me acompanharão ao longo do curso, e talvez
para a vida inteira.
A dúvida quanto às escolhas profissionais são freqüentes nos jovens desta
faixa etária. Verificamos, porém, que a simples proposta de uma disciplina trabalhar
com maior dinamismo reforça, muitas vezes, as perspectivas de realização pessoal
dos estudantes.
- Há alguns anos atrás, eu venho pensando e me interessando
muito pela área da arquitetura, principalmente pela parte de
decoração de interiores, detalhamento e criação de móveis. Em
casa eu sempre opinava, dava palpites de cores dos ambientes, dos
móveis (inclusive os desenhos), da combinação de plantas. Enfim,
sempre estive muito presente. Já no colégio, sempre fui muito bem
na parte da matemática, geometria e desenho geométrico. Essas
matérias me davam prazer de estudar (mais no colégio, porque
nunca fui de estudar em casa)! Sendo assim, juntando estas coisas
todas, resolvi fazer vestibular para Arquitetura e hoje estou aqui!
Não tenho certeza de que é realmente isso que quero para minha
vida profissional, penso e tenho muita vontade de fazer vários
cursos, como teatro, jornalismo e pedagogia; porém o ambiente ao
qual estou é ótimo, estou adorando o curso, as pessoas que convivo
são super gente boa.
- Acho interessante essa parte teórica porque ajuda a compreender
o que estamos estudando, e com isso está relacionado ao nosso
estudo, ao nosso futuro como arquitetos.
Aulas com debates são interessantes, porque ajuda a saber o que
os outros pensam do mesmo assunto escolhido que pode não ser o
mesmo pensamento que o nosso debate.
98
A forma de trabalhar, algumas vezes relacionada com a avaliação de
características pessoais dos professores pelos alunos, são apontadas por estes,
como fator de envolvimento com os trabalhos.
- A matéria de Geometria para mim foi muito interessante, gostei
dela, parece fácil, parece não ela é fácil, mas encontrei muita
dificuldade de entender ela embora eu tenha adorado. Encontrei
dificuldades no início do semestre por não ter minha audição muito
boa e no decorrer do tempo meu aparelho auditivo não tinha ficado
pronto ainda, mas mesmo assim tentei entender, e acho que
consegui pegar o barco andando. Bom! Adorei muito mesmo a aula
de Fractais, me encantou, mas o encanto maior foi a professora
convidada, um exemplo de vida, uma pessoa maravilhosa, e é claro
que o professor titular da disciplina não está fora desta, com sua
simpatia e alegria é um ótimo professor e tenho certeza que como
pessoa também, digo isto porque acredito que os olhos de alguém e
suas palavras , dizem tudo com seus livros,suas poesias, foi
maravilhoso.
- Eu fui ver mesmo ou entender numa aula onde o professor
mostrou onde usaríamos tudo aquilo e também como usaríamos,
gostei muito daquela explicação. E vendo pelo modo geral as aulas
estão bem tranqüilas e bem “descontraídas” para aprender a matéria
dada em aula.
As práticas tradicionais encontram-se alicerçadas no histórico de vida escolar
dos alunos, e as resistências às mudanças, mesmo quando existe o reconhecimento
de suas necessidades, são também colocadas, como verificamos em alguns relatos:
- Eu particularmente, prefiro a linha de aula tradicionais, pois
assimilo melhor o conteúdo mas acho essa nova metodologia
bastante promissora, e talvez as novas gerações, acostumando
desde o início dos estudos com essa metodologia, venham a preferir
esse modelo de aula.
- Eu gosto do tipo de aula tradicional, pois desde o colégio foi esse o
método usado pelos meus professores e é o que me ajuda melhor
no entendimento dos conteúdos. Porém, eu acho que esse método,
para proporcionar ao aluno um bom entendimento da matéria
precisa ser aplicado com uma grande quantidade de exercícios, por
se tratar de uma metodologia bastante “rígida”, que não aproxima o
aluno do professor e não faculta a interação do estudante com a
aula.
99
- Eu prefiro aulas mais práticas, eu nunca gostei de aulas teóricas,
pois não me chamam muito a atenção. Mesmo quando o assunto é
interessante, eu acabo dispersando. Aulas no computador com
textos não chamam muito á atenção como desenhos, gráficos e
outros.
Os relatos quanto à dinâmica de ensino evidenciam, em sua grande maioria,
o entusiasmo dos estudantes em participar de encontros com maior liberdade,
flexibilidade e descontração. É importante destacar que o prazer em realizar as
tarefas desta forma em nenhum momento aparece como uma falta de rigorismo
científico, ao contrário, aumenta o interesse e estimula, segundo os depoimentos, a
aproximação com o mundo escolar, que muitas vezes se encontra dissociado do
cotidiano de suas atividades.
6.3 QUANTO AO APROVEITAMENTO DO TRABALHO EXECUTADO;
O aproveitamento apresenta-se freqüentemente relacionado a um maior
interesse nas práticas educativas. O período de atividade escolar, como propiciador
de um maior relacionamento com os colegas e professores, é valorizado, como
observamos a seguir:
- Um aspecto que eu acho bem positivo é a tranqüilidade das aulas,
e os exercícios são muito diferenciados o que nos ajuda a aprender
e na hora de estudar para a prova. Este momento de questionar a
aula é também muito importante, pois é um espaço onde colocamos
nossas idéias.
- A idéia dos alunos ajudarem a planejar as provas é muito boa
porque assim não ficamos tão desnorteados quanto a complexidade
das questões. É bom também que os exercícios a gente pode fazer
em duplas, trios ou grupos porque é uma maneira descontraída de
se fazer coisas importantes. Seria como “aprender brincando”,
discutindo idéias, etc...No resto, está tudo bem também, o professor
ajuda a descontrair, a tornar a aula mais leve, o espaço dado para
as opiniões dos alunos também é ótimo.
100
- A disciplina com liberdade de descontração e debate com os
colegas torna o conteúdo mais leve e claro.
- Acho que aulas explicando a origem e o desenvolvimento do
conteúdo que estamos aprendendo são muito interessantes, pois
parece que dá mais sentido aos exercícios que fazemos.
- Acredito que este método utilizado foi de bom resultado, trazendo
mais interesse da turma e até mesmo trabalhando na união da
mesma podendo trabalhar em grupos.Enfim, terminamos o semestre
muito bem, podemos dizer que as aulas evoluiram demais e o
interesse cresceu 100%.
Verificou-se que, mesmo com as propostas de maior flexibilidade, a
concepção de aproveitamento do conhecimento, sob uma ótica praticista e utilitarista
continuou presente, em alguns casos, sinalizada pela valorização excessiva dos
aspectos avaliativos e, em outros, revelando um imediatismo nas aplicações
profissionais destes conteúdos, conforme observamos a seguir:
- O estudo da geometria é essencial para o desenvolvimento de um
arquiteto, na medida que viabiliza o processo de visualização dos
projetos no imaginário, antes de executá-lo.A geometria também
contribui na execução dos projetos, pois considero como sendo toda
a base dos projetos arquitetônicos que quero iniciar já.
- A aula é legal, não é tão cansativa e o professor sempre está
tirando nossas dúvidas. Acho que a prova deveria ter mais
questões, pois é ruim quando a prova tem poucas questões, assim
se tu erra uma você já fica na média e se erra duas abaixo da
média, então acho que com mais questões daria mais chances aos
alunos.
Mais uma vez constatamos que alguns alunos restringem o aproveitamento
da disciplina ao seu rendimento nas provas e priorizam este parâmetro mesmo com
uma proposta pedagógica que aponte para um sentido diferente.
- Só as questões da prova tem um valor muito alto, acho que
poderiam haver mais questões e o tempo para resolução delas
101
deveria ser um pouquinho maior. A matéria é um pouco estranha,
mas é interessante, pois há dúvidas sobre o porquê e como
usaremos geometria descritiva futuramente.
- Eu odiei esse tipo de aula, porque nós já tivemos esse modelo de
aula em matemática e ela teve que mudar seu tipo de aula porque
as notas foram muito baixas e ninguém aprendia nada. As primeiras
aulas eram mais monótonas, Pelo menos deveria escrever o que
nós temos que copiar em vermelho nos slides, porque nós não
conseguimos copiar completa a matéria.
- Bom, sinceramente, eu acho geometria descritiva muito difícil. Na
verdade eu comecei a entender só agora, o que foi um pouco
tarde... Por isso, eu só vi pontos positivos agora, pois nas primeiras
aulas eu me sentia muito perdida, tanto que quando eu chegava em
casa eu começava a chorar. Já na última aula antes da prova, como
eu vi que finalmente tinha entendido, cheguei em casa e chorei, mas
de emoção! O maior problema é que na arquitetura tem cadeiras
muito trabalhosas que nos ocupam a maior parte do tempo vago e
daí não temos cabeça pra estudar para as que são difíceis... mas
espero que tudo melhore.
A utilidade da disciplina é questionada e compreendida sob diversos ângulos,
como observamos a seguir:
- Logo no início das primeiras aulas, não sabia porque eu tinha essa
disciplina, não sabia para que servia. Depois comecei a perceber
que ela é muito importante, mas difícil, é preciso muito estudo e
prestar bastante atenção nas aulas. Realizar os exercícios é o
fundamental.
- Mas adoraria saber o porque “mesmo” da geometria descritiva em
arquitetura, saber coisas práticas, como por exemplo, como e
quando vamos utilizá-la na nossa profissão, acho que é mais
importante aprender a prática do que a filosofia da geometria, pelo
menos no nosso caso. Pois acho difícil um aluno gostar da matéria
sem saber como vai usá-la futuramente.
- Tenho idéia de que a geometria é a base das matérias exatas, e
pelo que já li, a geometria teve origem há muito tempo atrás, no
princípio das civilizações organizadas. A sua utilidade hoje, é
fundamental, pois ajuda a visualização de um objeto inexistente, o
que faz com que a geometria seja ainda mais importante na
arquitetura, onde trabalharemos encima de projetos apenas.
102
Percebe-se que um melhor aproveitamento verificado nas turmas
pesquisadas, tanto nos aspectos de rendimento escolar como no processo de
construção do conhecimento, aumentou proporcionalmente ao aumento do interesse
das turmas nos trabalhos propostos. Evidenciou-se a necessidade do prazer em
estudar, participar, opinar, entre outros, como elementos fundamentais para o
melhor desenvolvimento da aprendizagem.
Ao finalizar esta transcrição individual de dados, reafirmamos que a nossa
leitura procurou permanentemente afastar-se de uma classificação julgadora quanto
aos depoimentos. Verificamos também que deva ser considerada a situação
específica no depoimento dos sujeitos sobre a disciplina na qual o pesquisador é o
próprio professor. Este fato pode, mesmo sem a necessidade de identificação nos
depoimentos escritos, direcionar algumas opiniões.
Achamos, no entanto, que de forma geral estes aspectos foram minorados
com as freqüentes solicitações aos sujeitos da pesquisa que opinassem com total
liberdade sobre os temas pesquisados, ou ainda, pela verificação de uma parcela de
depoimentos resistentes e contrários às mudanças propostas no trabalho.
Na seqüência dos trabalhos de pesquisa, foram realizados debates com os
grupos de trabalho nos quais foi proposta a relação dos conceitos genéricos de
solidariedade e criatividade com os conhecimentos geométricos na Arquitetura, e
estimulada uma proposta de projeto de atuação dos estudantes para concretizar
seus planejamentos. Estas propostas e conclusões são listadas, neste momento,
como encerramento dos dados de pesquisa.
103
A proposta de fazer transitar os conceitos de solidariedade e criatividade,
relacionados com a Arquitetura, em uma etapa conclusiva dos trabalhos foi adotada
na pesquisa, considerando as possibilidades de prosseguimento de suas discussões
em níveis imediatamente posteriores do curso. A confirmação desta hipótese
necessitaria de outras pesquisas específicas para tanto, de qualquer forma,
pensamos que o momento de introdução destes elementos auxiliou a abertura para
esta possibilidade.
6.4 PROJETOS DE TRABALHO DE CONCLUSÃO
6.4.1 Grupos Geo-solidariedade
O conceito de solidariedade foi elaborado de diferentes formas na
apresentação dos trabalhos finais dos semestres. Apresentamos a seguir uma
listagem de propostas efetuadas pelos subgrupos e alguns comentários por eles
relatados ao final das discussões com o grupo geral:
- Proposta de restauração arquitetônica do Internato Pão dos Pobres, Porto
Alegre;
- Proposta de oficinas de desenho para crianças da Vila Fátima, Porto Alegre;
- Proposta de ONG Arquitetos Solidários, com estudo específico sobre o
projeto de restauração de um Hospital em São José dos Pinhais (Paraná);
104
- Proposta da construção de casas para moradores de rua de Belo Horizonte
(MG);
- Replanejamento da Escola Estadual Cerenepe, em Pelotas (RS);
- Proposta de adequação dos prédios públicos para portadores de
necessidades especiais, Porto Alegre;
- Proposta de construção de casas para moradores de rua de Porto Alegre;
Conclusões dos subgrupos:
- A idéia de ajudar as outras pessoas é que faz a gente seguir uma
profissão.
- Não adianta uns terem tudo e outros nada, com a nossa profissão
podemos transformar isto.
- O mais importante da arquitetura é que podemos construir espaços
de moradia para aqueles que não tem condições.
-Pensar o futuro da nossa profissão com solidariedade dá mais
ânimo para a gente seguir em frente. Não é só o dinheiro que
manda, nós mandamos na gente.
- Quem receber solidariedade vai também praticar ela, e isto forma
uma corrente, uma rede que não tem fim.
Observamos, tanto na escolha dos projetos de trabalho como nas conclusões
apresentadas no encontro final, que a aproximação dos saberes
técnico/profissionais com o conceito de solidariedade foi muito bem aceita pelos
grupos de estudantes. Os alunos confrontados com a experiência de fazer circular
105
pelos campos disciplinares a idéia de solidariedade vislumbram, além de suas
atividades estudantis, as suas futuras práticas como arquitetos inseridos em um
contexto social. Percebemos que este fato gera reavaliações nos papéis dos
estudantes universitários. A intenção de uma maior abertura para os trabalhos que
envolvam a comunidade é explicitada e, também, verificamos leituras perspectivas
das suas atividades profissionais, nas quais se colocam como protagonistas de
possíveis ações transformadoras nas suas relações com o trabalho profissional e de
como estas atividades inserem-se no contexto social.
Compreendemos que a discussão sobre o conceito de solidariedade foi
brevemente abordada, em função das limitações de tempo e da própria estrutura
curricular a que estão submetidos os trabalhos de sala de aula. No entanto, ficou
evidenciado que a latência e a potencialidade do grupo em buscar canais de
exercício para estas práticas são significativas. A abertura desta possibilidade no
espaço educativo universitário foi a nossa proposta e, baseado nas observações
colhidas, pensamos que o grupo de estudantes pesquisados responde de forma
afirmativa e participativa a este desafio.
6.4.2 Grupos Geo-criatividade
Da mesma forma que a solidariedade, a criatividade foi sugerida como
elemento de migração conceitual a ser trabalhado inter-relacionado com os
conceitos geométricos/arquitetônicos através da execução de projetos de trabalho,
conforme listamos a seguir. As conclusões foram colhidas após as apresentações
dos trabalhos finais.
106
- Oficina de desenho na creche Três Corações, na Vila Fátima, Porto Alegre;
- Estudo da criatividade na metodologia de ensino das aulas de Geometria
Descritiva da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUCRS;
- Estudo da criatividade nas obras de arte do renascimento italiano;
- Estudo da criatividade no projeto do museu Oscar Niemeyer, em Curitiba;
- Estudo da criatividade no projeto do pavilhão da Empresa Philips, em
Bruxelas.
- Proposta de exposição de trabalhos desenvolvidos na disciplina para outras
unidades acadêmicas da PUCRS;
Conclusões dos subgrupos:
-
A criação, a criatividade é a alma da arquitetura, mas devemos
pensar: criar o quê, porque e quem vai utilizar o que criamos.
- A criatividade está presente em todas as obras arquitetônicas, que
começam com pequenos atos criativos para chegarem à obras
maiores.
- A criatividade é o que diferencia o homem e o seu exercício é
importantíssimo para o desenvolvimento da técnica e do próprio
homem.
- Onde não existe criatividade não existe vida, tudo é criação.
107
- É impossível ser arquiteto ou exercer qualquer outra profissão sem
criar. A criatividade é que faz as coisas progredirem.
A idéia de criatividade como elemento desencadeador de progressos e
evoluções é recorrente. Assim como nos subgrupos que trabalharam a
solidariedade, verificamos que a discussão sobre a criatividade percorreu de forma
intensa a elaboração dos trabalhos apresentados. Fazendo elos entre os saberes
técnico/profissionais com o que chamamos de conceitos genéricos (criatividade e
solidariedade), observa-se uma crescente busca do exercício destas relações, não
só na disciplina trabalhada como em outras disciplinas do curso.
Verificamos, também, nos grupos que trabalharam o conceito de criatividade
tentativas de aproximação com as práticas solidárias, o que, a nosso ver, demonstra
a compreensão de que, além da necessidade dos conteúdos disciplinares
relacionarem-se entre si, os próprios conceitos migrantes que atravessam as
disciplinas devem ser relacionados e trabalhados de forma conjunta.
Concluindo esta descrição, colocamos, mais uma vez, a necessidade de
abertura de espaços nos currículos universitários estudados, para que conceitos,
como estes por nós sugeridos, e muitos outros que resgatem a perspectiva de
desenvolvimento científico voltado para o ser humano e para a natureza sejam
incorporados às práticas educativas na universidade.
A seguir, especificamos uma apresentação detalhada do referencial teórico
utilizado e analisamos os dados segundo a dimensão de análise adotada.
108
7 ANÁLISE DE DADOS
A sociologia do conhecimento não pode apenas detectar as
limitações sociais, culturais, históricas que imobilizam e aprisionam
o conhecimento. Ela deve também considerar as condições que o
mobilizam ou liberam, isto é, as condições que permitem a
autonomia do pensamento e, correlativamente, as condições
sociais, culturais, históricas das possibilidades de objetividade, de
inovação e de evolução no domínio do conhecimento.
(MORIN,1998, p.33)
Os dados obtidos na pesquisa, sob a forma de uma observação participante,
foram analisados segundo a perspectiva metodológica da hermenêutica-dialética.
Nesta perspectiva, trabalhamos com a visão explicitada por Minayo (2000, p.221),
onde:
A hermenêutica traz para o primeiro plano, no tratamento dos dados,
as condições cotidianas da vida e promove o esclarecimento sobre
as estruturas profundas desse mundo do dia-a-dia. A pesquisa
hermenêutica também analisa os dados da realidade tendo como
ponto de partida a manutenção e a extensão da intersubjetividade
de uma intenção possível como núcleo orientador da ação. A
compreensão do sentido orienta-se por um consenso possível entre
o sujeito agente e aquele que busca compreende
r.
Esta concepção é compreendida de forma relacionada e complementar a uma
análise dialética. Embasada em conceitos de Habermas, ao apontar que a
hermenêutica-dialética não se reduz a uma técnica de tratamento de dados e sim a
109
sua autocompreensão, Minayo salienta que os aparentes paradoxos, ao invés de
inibirem, estimulam a compreensão dos fenômenos.
Enquanto a hermenêutica penetra no seu tempo e através da
compreensão procura atingir o sentido do texto, a crítica dialética se
dirige contra o seu tempo. Ela enfatiza a diferença, o contraste, o
dissenso e a ruptura de sentido. A hermenêutica destaca a
mediação, o acordo e a unidade de sentido. Assim a hermenêutica e
a dialética apresentam-se como momentos necessários na produção
da racionalidade. (MINAYO,2000, p.227)
Sua proposta de trabalho, ao aliar a análise hermenêutica à dialética,
prefigura uma valorização da complementaridade na interpretação dos dados
científicos. Opondo-se ao determinismo clássico expressado pelas relações de
causa-efeito e às certezas mecanicamente constituídas, esta abordagem
metodológica propõe a inserção e a comunicação com as incertezas, as leituras dos
significados implícitos aos dados recolhidos, sugere a dualidade ao invés do
dualismo, o diálogo com o irracionalizável e a compreensão da complexidade como
elemento indispensável para a compreensão da realidade.
Ainda procurando sintetizar a positividade de uma abordagem hermenêutica-
dialética, pensamos que esta ligação leva o pesquisador a compreender os
depoimentos como resultado de um processo de conhecimento, expresso pela
linguagem e inserido em um contexto social.
Na concepção de uma opção metodológica dialética em sua relação com a
hermenêutica, verificamos a possibilidade de transcendência do aspecto dialético
tradicional e a contemplação de um sentido dialógico na pesquisa, respeitando a
110
convivência das antinomias e não buscando a simplificação através de uma síntese
superadora dos aspectos de abordagem.
Observamos, novamente, a nossa preocupação com a sensibilidade à
diversidade no grupo de pesquisa, no qual cada sujeito foi pesquisado com a sua
singularidade e complexidade, como um ponto do holograma que se inscreve e,
simultaneamente, contém o todo, segundo as próprias concepções do paradigma da
complexidade.
A opção metodológica de uma pesquisa qualitativa com observação
participante e análise hermenêutica-dialética pareceu-nos justificar-se dentro desses
parâmetros, respeitando a compreensão da interferência pesquisador/sujeitos de
pesquisa/objeto de pesquisa como elementos relacionados, e merecedores de um
estudo que compreenda suas interdependências, simbolizadas na forma de uma
rede que se movimenta em conjunto, não linearmente, e sim, sujeita às mais
sensíveis modificações como repercussoras de transformações nos resultados de
pesquisa.
Trabalhamos no sentido de que a postura de pesquisa fosse revestida de
uma cuidadosa atenção às mais variadas possibilidades, procurando afastar-se de
análises pré-concebidas e valorizar, determinantemente, a capacidade de surpresa e
reavaliação dos diversos caminhos a serem percorridos.
Buscamos com estas opções metodológicas nos aproximar do sentido mais
abrangente, complexo e, portanto, humano de uma pesquisa, que em nenhum
111
momento pode abdicar da autenticidade, transparência e constante busca de uma
explicitação da verdade, balizados, de acordo com a premissa de Bachelard, na qual
não poderia haver verdade primeira, apenas erros primeiros, já que evidência
primeira nunca é uma verdade fundamental.
Como forma de apresentação e caminho para o exercício de interpretação, os
dados foram analisados segundo a concepção de conhecimento a eles atrelada.
A opção por esta especificidade na dimensão de análise justifica-se por
considerarmos a concepção de conhecimento como ponto nevrálgico da ruptura que
propomos no ensino da Geometria.
Percebemos a amplitude de leituras e de interpretações que advém de um
processo de pesquisa empírica, porém acreditamos que, alicerçados em nossos
referenciais teóricos, conseguimos percorrer uma trajetória que elucida alguns
questionamentos e, conforme o próprio caráter da pesquisa, também propõe outras
questões.
Lembramos ainda que os estudantes pesquisados encontram-se em um nível
inicial do curso superior, porém as suas trajetórias escolares anteriores não podem
ser desprezadas nesta análise. Histórica e culturalmente verificamos que as
propostas de um conhecimento tradicional são preponderantes em suas trajetórias,
mas a potencialidade e até mesmo a necessidade de transformação nestas
perspectivas ficaram evidenciadas nos depoimentos colhidos ao longo do trabalho.
112
7.1 COMPLEXIDADE E CONHECIMENTO
Como forma de introdução da análise, apresentamos a seguir, a nossa
interpretação dos pontos basilares do paradigma da complexidade em sua relação
com o conceito de conhecimento.
Trabalhamos com a idéia de paradigma conforme a conceituação proposta
por Morin (2000/b, p.189):
Um paradigma é constituído por conceitos fundamentais e por
categorias dominantes da inteligibilidade, ao mesmo tempo por
relações lógicas (conjunção, disjunção, implicação ou outras) entre
estes conceitos e categorias. Assim, os paradigmas organizam e
controlam de forma oculta todas as observações, todos os
enunciados, todas as teorias que obedecem ao seu comando.
O termo complexo origina-se do latim complexus (aquilo que é tecido junto,
aquilo que está ligado). As ligações interdependentes geram o movimento interativo
da complexidade, e remetem à impossibilidade de uma certeza absoluta,
reconhecendo a incerteza como componente de sua concepção de mundo e da vida.
A complexidade apóia-se nestes dois eixos, conforme Morin (2002, p.564): “A
complexidade repousa ao mesmo tempo sobre o caráter de tecido e sobre a
incerteza”.
O conhecimento complexo, portanto, baseia-se nesta idéia de rede
interdependente e, ao assimilar a incerteza como elemento de sua própria
constituição, rompe com a absolutização do conhecimento científico.
113
De forma geral, Morin (1999, p.58) afirma que o conhecimento comporta
inicialmente três níveis: tradução/construção/solução:
- tradução em signos/ símbolos e em sistemas de signos/símbolos
(depois, com os desenvolvimentos cerebrais, em representações,
idéias, teorias...);
- construção, ou seja, tradução construtora a partir de princípios/
regras (“programas”) que permitem constituir sistemas cognitivos
articulando informações/signos/símbolos;
- solução de problemas, a começar pelo problema cognitivo da
adequação da construção tradutora à realidade que se trata de
conhecer.
Na concepção de universo do paradigma, pode-se identificar e relacionar
com a caracterização das dimensões do conhecimento, o tetragrama: ordem,
desordem, organização, interações, proposto por Morin, indica que o objetivo do
conhecimento não é mais o de uma descoberta para a apropriação da realidade e
sim a possibilidade de estabelecer uma relação e aproximação com a sua
complexidade. Esta posição é reforçada por Morin, apud Pasternak (1992, p.87):
[...] a ordem e a desordem, isoladas, são duas calamidades. Um
universo que fosse apenas ordem seria um universo onde não
haveria nada de novo, nem criação. Já um universo que fosse
apenas desordem não chegaria a constituir uma organização e seria
inapto ao desenvolvimento e à inovação. É por isso que precisamos
conceber o universo a partir daquilo que denominei o tetragrama:
ordem/desordem/organização/interações. Esse tetragrama não
fornece a ‘chave’ do universo; ele permite compreender o seu jogo.
Ele nos revela a sua complexidade. O objetivo do conhecimento não
é descobrir o segredo do mundo numa palavra-chave. É dialogar
com o mistério do mundo.
114
Esta é uma concepção generalizada de todos os fenômenos relacionados à
vida universal, portanto, passível de transposição para o processo de conhecimento.
(MORIN, 1999)
O paradigma da complexidade é instrumentalizado por três pilares de análise:
a dialógica, a recursividade multidimensional e o princípio hologramático.
O princípio da dialógica permite manter a dualidade na unidade. Os
elementos antagônicos não necessitam de uma síntese superadora (dialética) mas,
sim, contemplam o conceito de “complementaridade”, as observações/conclusões
não pressupõem o conceito excludente, o “ou” afasta-se de um puro determinismo
para se ressignificar na perspectiva do “e”, propondo a emergência do conceito de
simultaneidade. Morin (2000/b, p.63) reforça este raciocínio citando Pascal: “A fonte
de todas as heresias é não conceber o acordo de duas verdades opostas.”
O princípio da recursividade multidimensional propõe a ruptura com o
conceito de linearidade (causa / efeito), o efeito já está contido na causa como esta
está contida no efeito; a forma do desenvolvimento aproxima-se a uma espiral
recursivamente auto-alimentada, na qual se verifica o retorno à origem em outra
dimensão.
E finalmente, no princípio hologramático (etimologicamente holos=todo
grama=inscrição/desenho, aquilo que se inscreve no todo), contempla-se a relação
dialógica partes/todo. O todo não é a simples soma das partes, assim como as
partes não são a simples divisão do todo, o todo está na parte como a parte está no
115
todo. Mais uma vez utiliza-se de Pascal, Morin (2002/e, p.20): ”Uma vez que todas
as coisas são causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas
[...] considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto
conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes.”
Estes princípios estão indissociavelmente interligados; a idéia de holograma
se liga à recursividade que, por sua vez, supõe a dialógica e assim simultaneamente
relacionam-se dialógica, recursiva e hologramaticamente.
Para a operacionalização destes princípios, são aplicadas duas ferramentas,
que consistem na migração conceitual e na construção metafórica. A migração
conceitual é o movimento de um domínio científico para outro que permite a
ressignificação e a ampliação de conceitos originalmente disciplinares, ou seja, ao
transitar por diferentes áreas os conceitos, além de adquirirem novos significados,
permitem a compreensão e o aprofundamento de outros conceitos mais específicos
disciplinares.
Na construção metafórica procura-se exercitar o pensamento metafórico em
sua forma mais profunda, aproximando, dialogando e buscando identidades entre as
complexas singularidades da matéria. A metáfora (methaforus/transposição) adquire
desta forma papel elucidativo na compreensão dos fenômenos da realidade.
Através destas ferramentas Morin, situa a necessidade do conceito de
transdisciplinaridade, como o que possibilita o conhecimento percorrer
transversalmente os campos disciplinares, no qual se permite religar o homem ao
116
mundo, o sujeito ao objeto, a natureza à cultura, o mito ao logos, a objetividade à
subjetividade. (ALMEIDA,1999)
O conceito de transdisciplinaridade é reforçado de forma sintética por
Nicolescu (1997, p.15), para o qual: “como o prefixo trans indica, é o que está entre
as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de cada disciplina. Sua
finalidade é a compreensão do mundo presente, da qual um dos imperativos é a
unidade do conhecimento.”
Este conhecimento que prioriza as relações e as interdependências e que, ao
invés de separar, procura aproximar as diferentes áreas, está no cerne de uma
epistemologia que pretende dar conta do desenvolvimento da ciência na atualidade
e nesta linha de raciocínio desenvolvemos as nossas análises.
A concepção de conhecimento alia-se a uma diferente postura diante do
processo de aprendizagem. Esta relação é explicitada por Morin (1999, p.70), da
seguinte forma:
Aprender não é somente reconhecer o que, virtualmente, já era
conhecido; não é apenas transformar o desconhecido em
conhecimento. É a conjunção do reconhecimento e da descoberta.
Aprender comporta a união do conhecido e do desconhecido.
Nesta união do conhecido com o desconhecido subjaz a idéia de evolução
processualidade e movimento na construção do conhecimento.
117
Considerando estes aspectos, a proposta de conhecimento que procuramos
contemplar em nosso trabalho foi a do conhecimento complexo, que conforme
coloca Morin (2002, p.18), de forma incisiva:
O conhecimento que propomos é complexo:
- porque reconhece que o sujeito humano estudado está incluído no
objeto;
- porque concebe, inseparavelmente, a unidade e a diversidade
humanas;
- porque concebe todas as dimensões ou aspectos, atualmente
separados e compartimentados, da realidade humana, que são
físicos, biológicos, psicológicos,sociais, mitológicos, econômicos,
sociológicos, históricos;
- porque concebe homo não apenas como sapiens, faber, e
economicus, mas também como demens, ludens e consumans;
- porque junta verdades separadas e que se excluem;
- porque alia a dimensão científica (ou seja, a verificação dos
dados, o espírito de hipótese e a aceitação da refutabilidade) e as
dimensões epistemológica e reflexiva (filosóficas);
- porque dá novamente sentido às palavras perdidas e esvaziadas
nas ciências, inclusive cognitivas: alma, espírito, pensamento.
A complexidade do conhecimento é reconhecida por Morin (1998, p. 23) em
sua profundidade e abrangência da seguinte forma:
Significa dizer não apenas que o menor conhecimento comporta
elementos biológicos, cerebrais, culturais, sociais, históricos. Quer
dizer, sobretudo, que a idéia mais simples necessita conjuntamente
de uma formidável complexidade bioantropológica e de uma
hipercomplexidade sociocultural. Falar em complexidade é, como
vimos, falar em relação simultaneamente complementar,
concorrente,antagônica, recursiva e hologramática entre essas
instâncias co-geradoras de conhecimento.
A complexidade do conhecimento é, portanto, impregnada por fatores
externos e internos ao sujeito, o que traz para as suas interpretações a necessidade
desta amplitude. A concepção de conhecimento atravessando o cotidiano da empiria
é o que veremos a seguir.
118
7.2 SUJEITOS E CONHECIMENTO
O conhecimento, sem o conhecimento do conhecimento, sem a
integração daquele que conhece, daquele que produz o
conhecimento e o seu conhecimento, é um conhecimento mutilado.
(MORIN, 2000/c:53)
Conforme verificamos na pesquisa, o conhecimento ainda é visto por uma
parcela de estudantes em uma perspectiva de objeto, de elemento estático e com
acentuado componente de valorização dos conceitos de certo/errado,
verdadeiro/falso, útil/inútil, e que a sua separação em conteúdos disciplinares ou na
própria disciplina, facilita as compreensões gerais. Morin (2002/b, p.560) define esta
postura como característica de uma lógica clássica e ultrapassada denominando-a
dedutivo-indutivo-identitária, onde:
Se atribuía um valor de verdade quase absoluta à indução, um valor
absoluto à dedução e pelo qual toda e qualquer contradição deveria
ser eliminada. O aparecimento de uma contradição num raciocínio
assinalava o erro e obrigava a abandonar tal raciocínio. É claro que
um princípio de causalidade linear reinava nesta visão.
Como constatamos, os reflexos desta visão continuam fazendo parte do
cotidiano educativo.
A perspectiva de um conhecimento como elemento imóvel induz a idéia da
possibilidade de sua apropriação como forma coisificada do saber. Soethe (2003, p.
23), enfatiza esta concepção que estamos descrevendo:
Domínio e controle são conceitos que expressam racionalidade e
objetividade e que veiculam, por meio da experiência compreensiva,
sentido e sentimento de posse da realidade em estudo. O sentido e
o sentimento de posse estão relacionados à idéia da apropriação [...]
e o modelo da presença do ser humano no mundo, com sede de
119
dominação, são construídos na epistemologia, ou seja, o modo
como se produz ciência gesta também a concepção de poder.
Neste raciocínio percebemos quanto o conhecimento é influenciado e, ao
mesmo tempo, influencia os seus entornos. Apropriação e posse são parâmetros
característicos de uma sociedade que se organiza por meio da legitimação destes
elementos. O conhecimento como propriedade é alimentado e alimenta a sociedade
da propriedade.
As desestabilizações nesta concepção tradicional do conhecimento, mesmo
que localizadas, acabam transcendendo às práticas acadêmicas e vêm,
invariavelmente, acompanhadas, segundo verificamos nos dados colhidos, de
reavaliações mais amplas sobre a sociedade e o papel dos estudantes e
profissionais que nela se inserem.
A importância de uma reavaliação focada na concepção de conhecimento
amplia, desta forma, suas interpretações para aspectos sociais, pessoais (objetivos
e subjetivos), históricos, econômicos, ou ainda, de todos os componentes que
constituem a complexidade do conhecimento.
Por outro lado, analisando ainda as conseqüências de uma visão de
conhecimento imóvel, observamos que esta se estende para a própria epistemologia
disciplinar, fazendo com que os conteúdos trabalhados sejam muito pouco
modificados ao longo dos anos no curso universitário.
120
Nas aulas de Geometria e outras disciplinas de Expressão Gráfica do curso
de Arquitetura, são frequentemente utilizados os mesmos desenhos de peças e
superfícies que foram utilizados por estudantes há muitas décadas. Especificamente
na área de Geometria são abordados conceitos exclusivos da Geometria euclidiana,
sendo que as geometrias não-euclidianas, como, por exemplo, a Geometria Fractal,
não são nem mencionadas. Pensamos que a concepção de conhecimento gera a
opção curricular.
Pode-se dizer, até mesmo, que poucos professores têm algum conhecimento
sobre geometrias não-euclidianas, o que reforça a sua não inclusão no currículo e
conseqüentemente a idéia de um conhecimento perene e imutável. Morin(1999,
p.121) contesta esta perspectiva de espaço e geometrias únicos ao indagar-se: “[...]
Mas esse espaço euclidiano é real ou faz parte de uma tradução? As formas e
proporções situadas no espaço não seriam tradução de uma realidade que
escaparia aos nossos sentidos e ao nosso entendimento?” Questionamentos desta
natureza, só podem ser exercitados no espaço educativo com uma compreensão
mais generalizada da Geometria, de suas evoluções e, fundamentalmente, de suas
relações com outras áreas do saber. A positiva subversão a conceitos, que adquirem
ao longo do tempo, uma conotação de “verdades absolutas”, necessita de um
entorno educativo instigador para o seu desenvolvimento.
Estes e outros aspectos mostram que não podemos analisar a concepção de
conhecimento de forma isolada. A sua centralidade no processo educativo promove
uma integração indissociável entre os demais componentes do processo de ensino-
aprendizagem.
121
Assim como na escolha dos tópicos curriculares, a concepção de
conhecimento envolve diferentes posturas pedagógicas e evidencia a diferenciação
entre a explicação e a compreensão na busca do conhecimento. Enquanto a
explicação simples pressupõe uma postura tradicional de mera informação, a
compreensão procura ligar a explicação ao sujeito, de acordo com as suas
objetividades e subjetividades. Sobre esta distinção, Morin (2000, p.93) argumenta:
Explicar é considerar o objeto de conhecimento apenas como um
objeto e aplicar-lhe todos os meios objetivos de elucidação. De
modo que há um conhecimento explicativo que é objetivo, isto é,
que considera os objetos dos quais é preciso determinar as formas,
as qualidades, as quantidades, e cujo comportamento conhecemos
pela causalidade mecânica e determinista. A explicação, claro, é
necessária à compreensão intelectual ou objetiva. Mas é insuficiente
para a compreensão humana.
Em outra posição coloca a idéia de compreensão como portadora de um
maior sentido e significado educativos:
Há um conhecimento que é compreensível e está fundado sobre a
comunicação e a empatia/simpatia, intersubjetivas [...] Compreender
comporta um processo de identificação e de projeção de sujeito a
sujeito [...] a compreensão sempre subjetiva, necessita de abertura e
generosidade. (MORIN, 2000:93)
Estas diferenças na forma de aproximação com o conhecimento demonstram
que a sua realização só pode ser concebida com o envolvimento da integralidade do
ser humano.
A explicação definida como simples informação e a compreensão que propõe
um envolvimento das objetividades com as subjetividades dos sujeitos sinalizam,
também, diferentes patamares na interpretação do sentido dado para o
122
conhecimento. Em um meio social que se proclama como a “sociedade da
informação”, cada vez mais, se verifica a confusão sobre o significado do que é a
informação e o que é o conhecimento. Morin ao aprofundar o significado do
conhecimento com a inclusão de um patamar mais elevado, que ele chama de
sabedoria, utiliza-se freqüentemente de T. S. Eliot (MORIN, 2002/d, p. 83) para
abordar esta questão: “Onde está o conhecimento perdido na informação? Onde
está a sabedoria perdida no conhecimento?”.
Nas turmas pesquisadas de Expressão Gráfica, acontece um agravamento
desta perspectiva, já que a inclusão crescente de softwares gráficos (que
consideramos necessários como “ferramentas”) pode, muitas vezes, induzir a uma
visão simplificadora do conhecimento, na sua mera visualização como componente
prioritário de desenvolvimento. Esta característica na área pesquisada é reflexo de
uma cultura dominante na atualidade, e a sua reformulação é, a nosso ver,
imprescindível.
Em tempos de instantaneidade generalizada, urgência permanente, de uma
cenarização apressada e superficial da vida, os aspectos que organizam as
informações em conhecimento e aprofundam o conhecimento em sabedoria, que
implicam a possibilidade de reflexão e construção substanciada do conhecimento ou
sabedoria com o devido tempo de maturação, ficam prejudicados ou até mesmo
eliminados. A necessidade de transformação nesta perspectiva é assim definida por
Morin (1999/b, p.54):
O princípio de explicação da ciência clássica tendia a reduzir o
conhecível ao manipulável. Hoje, há que insistir fortemente na
123
utilidade de um conhecimento que possa servir à reflexão,
meditação, discussão, incorporados por todos e cada um, no seu
saber, na sua experiência, na sua vida.
Percebe-se nos alunos universitários pesquisados a dificuldade de ligação
mesmo entre disciplinas da mesma área de conhecimento. É comum alguns
estudantes pensarem que as mesmas superfícies representadas na Geometria
Descritiva, através de suas projeções sobre um plano e através de suas equações
algébricas na Geometria Analítica, tratam de assuntos completamente diferentes.
Esta fragmentação dos saberes, ao não promover a ligação entre os próprios
objetos específicos de conteúdo, reforça o distanciamento do conhecimento
acadêmico de sua aplicabilidade social e profissional. Ao perceber este
distanciamento, o conhecimento fica para o estudante universitário, cada vez mais,
deslocado da realidade de seus cotidianos.
A ciência que se produz nesta perspectiva aparece como desengajada,
asséptica e neutra em relação à sociedade. O profissional que é formado nestas
condições tem a tendência a absorver estes parâmetros para as suas atividades
futuras. Morin (2000, p.100) explica esta influência da seguinte forma:
Como as mentes, em sua maioria, são formadas segundo o modelo
de especialização fechada, a possibilidade de um conhecimento
para além de uma especialização parece-lhes insensata. E, de fato,
estes especialistas, experts, vivem de idéias gerais e globais, mas
arbitrárias, nunca criticadas, nunca refletidas. O reino dos
especialistas é o reino das mais ocas idéias gerais, sendo que a
mais oca de todas é a de que não há necessidade de idéia geral.
124
A tendência à formação de profissionais com especializações cada vez mais
restritas, além de dificultar uma compreensão social do fazer científico, também
impede o importante exercício de diálogo entre as várias áreas do conhecimento.
O distanciamento entre os alunos pesquisados na faculdade de Arquitetura e
os estudantes de diferentes cursos é também ilustrativo desta situação. As
aproximações entre os grupos universitários, quando se dão, são prioritariamente na
organização de atividades de lazer (sociais ou esportivas) e muito poucas vezes
sobre a relação dos conhecimentos científicos trabalhados em suas respectivas
unidades. Mesmo nos Salões de Iniciação Científica
26
, que representariam uma
tentativa de maior aproximação das diferentes áreas científicas, observa-se a
formação de grupos específicos definidos, com pouca integração nas áreas de
conhecimento.
A universidade, ao invés de apresentar-se como lugar de integração do
conhecimento, acaba constituindo-se, como uma espécie de espaço caracterizado
pela instituição de “guetos do saber”, na qual a falta de comunicação entre as suas
áreas inviabiliza projetos mais abrangentes de ciência. As conseqüências destas
fragmentações estendem-se para vários aspectos do fazer pedagógico e alimentam
perspectivas insulares na própria concepção do conteúdo a ser estudado.
Acreditamos que a concepção de conhecimento está forçosamente ligada à
concepção de objeto científico. Os diferentes rumos de uma perspectiva de
conhecimento estático em relação a um conhecimento dinâmico, em permanente
26
Encontros anuais para divulgação da pesquisa universitária.
125
evolução, passam pela compreensão e pela reavaliação da forma como se constitui
o objeto na ciência. Soethe (2003, p. 21) propõe a divisão na concepção de objeto
científico em objeto em si e objeto para. No primeiro caso o conhecimento prioriza o
corpo do objeto a ser estudado e, no segundo, as suas relações com seu entorno. O
conhecimento que é constituído através de um objeto em si reforça a perspectiva de
fragmentação disciplinar, segundo este autor:
O objeto em si possui uma frágil existência própria, uma vez que o
seu sentido é construído nas relações e conexões no contexto. O
objeto em si é uma abstração; e apenas algumas coisas podem ser
compreendidas nesse estado. A sua maior riqueza epistemológica
advém de suas relações e conexões no contexto. Uma das grandes
causas da fragmentação do conhecimento é proveniente da
construção do objeto científico enquanto coisa em si como modo de
fazer ciência.
A concepção da Geometria como objeto em si compreenderia o simples
estudo de execução e resolução gráfica dos seus entes fundamentais e superfícies,
enquanto uma visão do conhecimento geométrico como objeto para pressupõe o
questionamento no uso dos seus avanços científicos, suas interdependências com
outras áreas científicas e, também, remete a um redimensionamento do próprio
conteúdo específico, já que trabalhado de forma relacional este adquire diferentes
interpretações.
Verifica-se que a defasagem entre os conhecimentos trabalhados dentro da
universidade e aquilo que faz parte do cotidiano dos alunos, ou mesmo, em relação
aos conhecimentos mais recentes do próprio conhecimento disciplinar contribui para
um desinteresse sobre as disciplinas acadêmicas e traz questionamentos por parte
dos alunos sobre porque trabalhar determinado conteúdo, já que não vislumbram
utilidade para o que estão estudando.
126
Pode-se argumentar que uma visão que procura utilidades imediatas para o
conhecimento alia-se à idéia de apropriação ou posse, como analisamos
anteriormente, mas a distância entre o que se trabalha na universidade e as
vivências que os estudantes experimentam fora dela parece ser tão grande, que
mesmo estes aspectos, ao apontar para estes questionamentos, merecem uma
avaliação cuidadosa. Sobre esta necessidade de relacionar o espaço educativo com
o espaço da vida, Morin (2002/b, p.21) alerta:
Não basta enunciar as necessidades de contextualizar e de religar
os saberes. É preciso ainda encarar os métodos, instrumentos,
operadores e conceitos aptos a produzir esta reunião. [...] As
disciplinas deveriam apresentar uma adequação a objetos que
sejam a um só tempo naturais e culturais, como o mundo, a terra, a
vida, a humanidade.
Percebemos ainda o quanto uma perspectiva tradicional inibe a autonomia
dos alunos para buscar diferentes caminhos, quer seja na resolução de problemas
específicos, como também na possibilidade de generalizações sobre o saber.
O conhecimento estático aprisiona a criatividade dos estudantes, por outro
lado, conforme a pesquisa realizada, a ruptura com esta concepção propicia uma
maior liberdade para experimentar e mesmo resgatar conceitos mais ligados à vida
dos estudantes, como os de criatividade e solidariedade propostos no trabalho. O
cerceamento destes conceitos são uma forma de compreensão da realidade que
afasta o sujeito de um conhecimento mais aprofundado, ao reduzir o conhecimento a
um tecnicismo abstrato. Ao separar o sujeito do conhecimento, este se separa de
sua própria essência de sujeito. A impossibilidade desta dissociação e a
necessidade de resgate dos conceitos genericamente humanos para o sujeito da
127
ciência que se produz no aprendizado são explicitadas por Morin (2002,p.107)
ilustradas pela sua concepção de criatividade:
A palavra criatividade foi expulsa do cientificismo, hipostasiada pelo
espiritualismo, banalizada pela administração. Não podemos
eliminar a criatividade na história humana [...] A criatividade humana
é técnica (invenção da roda, do moinho , da máquina a vapor, etc.),
estética (ornamentos, cantos, pinturas, artes poesias), intelectual
(idéias, conceitos, teorias), social (leis, instituições), mas inclusive
neste último caso, precisa dos indivíduos.
Esta incorporação de conceitos que remetem à reflexão do ser humano sobre
si próprio e de sua condição perante o outro é indispensável em qualquer nível de
aprendizagem escolar. No entanto, o que se observa é um crescente afastamento
destes parâmetros do currículo, de acordo com o desenrolar das etapas de ensino.
A universidade encontra-se no topo desta escala e, portanto, submetida fortemente
aos danosos efeitos destas não integralidades.
O conhecimento concebido em movimento, tendo reconhecidas as suas
evoluções e constituído pela convivência de seus antagonismos, causa um
estranhamento inicial nos trabalhos acadêmicos. Os estudantes, considerando as
historicamente tradicionais metodologias escolares, tem esta perspectiva de
continuidade na universidade, e a tentativa de ruptura, mesmo que restrita a uma
disciplina, no caso a Geometria, parece trazer, em um primeiro momento, um certo
desconforto, postura esta que foi se modificando com o decorrer dos trabalhos. A
importância desta transição e sua relação com o sujeito é analisada por Morin (1999,
p.58): “Não é somente o ser que condiciona o conhecer, mas também o conhecer
que condiciona o ser; [...] a vida só pode auto-organizar-se com o conhecimento. A
vida só é viável e passível de ser vivida com conhecimento. Nascer é conhecer.”
128
A intensidade desta relação entre ser e conhecer remete à centralidade da
concepção de conhecimento na educação.
Consideramos que a referida desestabilização inicial, verificada no grupo de
trabalho, auxiliou a idéia de que os participantes da pesquisa questionassem de
forma mais contundente a sua leitura de conhecimento, qual a relação do
sujeito/aluno com o conhecimento e como se dá a integração do conhecimento
trabalhado na universidade e a sua inserção na sociedade. A positividade desta
instabilidade é reforçada por Morin (1999/b, p. 205):
Trabalhe com a incerteza. O trabalho com a incerteza perturba muito
os espíritos, mas exalta outros; incita a pensar aventurosamente e a
controlar o pensamento. Incita a criticar o saber estabelecido, que se
impõe como certo. Incita ao auto-exame e à tentativa de auto-crítica
.
Verificamos em todo o processo de conhecimento uma interpretação e a
freqüente procura de modelos muitas vezes estereotipados do que é conhecer. Esta
visão também é pensada de outra maneira com as mudanças nas perspectivas
tradicionais, visto que os modelos passam a ser também reavaliados. Podemos
dizer que um diferente parâmetro de conhecimento surge com as rupturas das
formas tradicionais. Neste parâmetro ocorre a aproximação do conhecimento ao
sujeito em sua integralidade e não afastado da vida do estudante.
O conhecimento como processo cognitivo/biológico/psicológico/social
constitui-se em uma interpretação e reorganização dos saberes pelo sujeito
cognoscente, observando as suas singularidades e complexidades pessoais.
Caracterizado desta forma podemos dizer que a mobilidade é intrínseca ao ato de
129
conhecer, e cercear este movimento descaracteriza a autenticidade do processo
cognitivo. Verificamos em Morin (1999, p. 18) a ênfase da multidimensionalidade que
permeia este processo de mobilidade do conhecimento:
[...] todo o acontecimento cognitivo necessita da conjunção de
processos energéticos, elétricos, químicos, fisiológicos, cerebrais,
existenciais, psicológicos, culturais, lingüísticos, lógicos, ideais,
individuais, coletivos, pessoais, transpessoais e impessoais, que se
encaixam uns nos outros. O conhecimento é, portanto, um
fenômeno multidimensional, de maneira inseparável,
simultaneamente físico, biológico, cerebral, mental, psicológico,
cultural, social.
Definido desta maneira, o conhecimento engloba, como não poderia deixar de
ser, as variadas dimensões da complexidade do ser humano e da vida em geral.
Observamos, também, que uma proposta transdisciplinar traz consigo o
receio do novo, portanto, uma relativa insegurança sobre o que está sendo
estudado. O estabelecimento de uma maior compreensão sobre as mudanças
ocorreu ao longo dos trabalhos do semestre, na medida em que o grupo de trabalho
assimilou as inter-relações instigadas, e transformou-se em um entusiasmo
crescente na dinâmica das aulas próximas aos trabalhos de conclusão.
Este acréscimo de entusiasmo e interesse verificados nos grupos
pesquisados, com a evolução para uma mais abrangente proposta de
aprendizagem, denota a potencialidade de transformação implícita e explícita no
grupo de estudantes. Suas interpretações da proposta trabalhada foram
amadurecendo durante o decorrer do semestre, e a tendência inicial de classificar o
projeto como uma simples modificação na metodologia de ensino foi, com o
desenrolar das atividades, dando lugar à compreensão de que o que estava sendo
130
proposto com uma diferente forma de aprender, era uma também distinta
compreensão do conhecimento.
A relação dialógica entre aprendizagem/conhecimento/sujeito cognoscente foi
intensificando-se com o exercício das atividades. A inserção da discussão dos
conceitos de criatividade e solidariedade foi fundamental para um maior
engajamento do grupo, já que estes conceitos transitaram entre os trabalhos
realizados e trouxeram a percepção de que os conteúdos não são “perecíveis” ou
somente específicos, mas que podem ser desenvolvidos em outras disciplinas do
curso, em diferentes momentos e mesmo fora da universidade.
É importante que além de relatar algumas das dificuldades mencionadas para
as transformações, devido ao tradicionalismo escolar histórico com que os
estudantes chegam à universidade, compreendamos que as classificações entre
tradicional e transdisciplinar não podem constituir-se como elementos isolados. Suas
perspectivas priorizam formas de concepção do conhecimento, no entanto, a
convivência de seus antagonismos não pode ser descartada em uma visão simplista
destes fenômenos. Verificamos muitos aspectos tradicionais na proposta
transdisciplinar, como também, não subestimamos as possibilidades abrangentes
em algumas faces da proposta tradicional. Morin (1999, p.256) sugere a
complementaridade destes fatores e sua relação com o método do conhecimento da
seguinte forma:
O reconhecimento desta complexidade não exige apenas a atenção
às complicações, às sobreposições, às inter-relações, aos riscos
que tecem o próprio fenômeno do conhecimento, mas requer bem
mais do que o sentido das interdependências e da
multidimensionalidade do fenômeno cognitivo e bem mais do que a
capacidade de enfrentar os paradoxos e as antinomias que se
131
apresentam ao conhecimento deste fenômeno. Exige o recurso a
um pensamento complexo capaz de tratar da interdependência, da
multidimensionalidade e do paradoxo. Em outras palavras, a
complexidade não é somente problema de objeto de conhecimento,
mas também questão de método de conhecimento apropriado ao
objeto.
Percebemos ainda na pesquisa que, mesmo submetidos a metodologias
historicamente tradicionais, os estudantes sinalizam, a sua maneira, compreensões
sobre a complexidade do conhecimento. Ao responder com extensos relatos sobre o
momento de suas vidas, o grupo não apenas demonstra a necessidade de uma
abertura maior na interlocução aluno/professor, mas também, e talvez de forma
subliminar, apresentam em suas respostas carregadas de subjetividade uma
tentativa de resgatar o subjetivo que foi retirado pela pseudo-objetividade do
conhecimento tradicional. Esta abertura para a demonstração das singularidades de
cada estudante é uma necessidade do processo educativo. Morin (2002/c, p.125)
enfatiza esta importância na educação e na vida:
A diversidade humana é o tesouro da unidade humana, que é o
tesouro da diversidade humana. Daí decorre o duplo imperativo:
reencontrar e realizar a unidade humana no desabrochar das
diversidades. Salvar singularidades e diversidades e, ao mesmo
tempo, instituir um tecido comum.
É nesta tênue fronteira que se estabelece entre as singularidades dos
indivíduos e os aspectos generalizados do grupo que caminha o processo educativo.
A percepção do sujeito/estudante que é constituinte do todo, como também ele
constituindo um todo singular, é imprescindível a um trabalho pedagógico que
procura afastar-se de padronizações simplificadoras.
132
A diversidade nos grupos de estudantes aparece como elemento que
representa uma postura de oposição às padronizações e modelagens hegemônicas,
tão difundidas na cultura da atualidade. Ao “ser diferente” o papel do estudante
reflete a unicidade de cada ser e, também, a sua possibilidade como grupo. O
estudante reivindica, de sua forma, a complexidade de sua condição.
É importante, que do mesmo modo que analisamos os depoimentos
receptivos às transformações, que aqueles depoimentos mais resistentes a elas
sejam interpretados, e buscadas as causas que justificam estas posturas.
Verificamos nestes depoimentos contrários uma recorrente necessidade de
reportarem-se a práticas passadas, como se sua simples repetição fosse
legitimadora destas posturas.
- Se sempre foi assim para que mudar...?
- É importante continuar como está para se ter mais segurança...
A idéia da perda do controle ou da desapropriação do conhecimento, pelo
questionamento de uma abordagem quantitativa por uma perspectiva de cunho mais
qualitativo, também foi, algumas vezes, expressada no grupo mais resistente às
modificações. Aqueles fatores que não podem ser quantificados são menosprezados
em suas leituras. O maior extravasamento desta postura verifica-se quanto à
dificuldade de estabelecer conteúdos práticos e objetivos que fossem “cobrados” nas
provas:
133
-O que vai cair na prova deste jeito?
-E a Geometria onde fica nessas, cai na prova ou não?
-Como a gente vai medir o que é mais ou menos solidário?
-A solidariedade vale mais que a criatividade na nota final?
Comentários como os acima descritos verificaram-se nas discussões de como
avaliar os trabalhos, já que as expectativas iniciais de quantificação, objetividade e
utilidade imediata do conhecimento estavam sendo questionadas no
desenvolvimento do trabalho proposto aos alunos.
O conhecimento, quantificado e imobilizado, subentende uma idéia de
dominação e posse do objeto, alimenta a noção de quantificação e revela a
contradição de uma perspectiva de possibilidade ilimitada do conhecimento. Em
oposição a este aspecto e com a compreensão da limitação do conhecimento como
aspecto emancipatório de sua própria evolução, Morin (1999, p.245) comenta:
A descoberta dos limites do conhecimento é muito mais do que uma
descoberta dos limites. Constitui uma aquisição capital do
conhecimento. Indica que o conhecimento dos limites do
conhecimento faz parte das possibilidades do conhecimento e
realiza essa possibilidade. Supera os limites do conhecimento
restrito que se acreditava ilimitado. Faz-nos detectar uma realidade
que excede as nossas possibilidades de conhecimento [...] A idéia
de que o conhecimento é ilimitado não passa de uma idéia limitada.
A idéia de que o conhecimento é limitado tem conseqüências
ilimitadas.
134
Neste sentido a idéia da limitação do conhecimento apresenta uma
positividade para o próprio avanço do conhecimento e implica uma noção não
menos salutar de ruptura com um antropocentrismo dominante nas interpretações
científicas clássicas da realidade. A compreensão da fragilidade do ser perante o
universo configura a sua potência.
Podemos dizer ainda, que o parcelamento verificado nas turmas quanto à
aceitação ou não das propostas apresentadas reflete também as ambivalências
pessoais/individuais quanto à aceitação das mudanças, considerando a análise do
grupo em sua relação interferente com cada sujeito de pesquisa, segundo o princípio
hologramático do referencial por nós adotado e exposto anteriormente.
O conhecimento como processo necessita de relações com seu entorno,
contextualizações e, principalmente ressignificações permanentes. Este fato se dá, a
nosso ver, com a possibilidade de o conhecimento integrar e ser integrado pelos
conceitos que chamamos de genéricos por consistirem o fundamento, o princípio do
humano.
Solidariedade e criatividade entram nesta etapa como elementos que dão
significado ao conhecimento, e as discussões sobre estes conceitos aprofundam a
legitimação do espaço educativo como lugar de desvelamento da realidade externa
e reflexão sobre o estar no mundo dos estudantes. A resistência cultural às idéias
gerais e, por outro lado, à necessidade de sua apropriação pelo conhecimento é
assim compreendida por Morin (1998, p.86):
135
À crise da reflexidade associa-se a crise das idéias. As idéias gerais
tornam-se cada vez mais desencarnadas na cultura humanística.
[...] No campo científico o especialista recusa as idéias gerais
porque as considera necessariamente vazias. Mas a rejeição às
idéias gerais é a mais oca das idéias gerais. E, de resto, nenhum
especialista escapa às idéias gerais: ninguém pode prescindir de
idéias sobre o universo, a vida, a política, o amor.
As idéias gerais, aqui utilizadas no sentido de idéias genéricas, integralizam o
conhecimento e o sujeito cognoscente. A sua carência, por outro lado,
descaracteriza o processo de conhecimento, tornando-o elemento estanque ao
sujeito e à vida. O conhecimento não integralizado determina a fragmentação do
próprio sujeito, em sujeito do conhecimento, neste caso, desligado de sua imanente
condição humana e o sujeito artificialmente humanizado. A tentativa de ruptura desta
dicotomia foi o aspecto determinante do projeto executado com os estudantes
universitários.
A solidariedade e a criatividade definidas na apresentação inicial da proposta
de trabalho, conforme as definições abrangentes citadas anteriormente,
atravessaram e foram atravessadas pelos conceitos geométricos e arquitetônicos, e
sua redefinição apresenta-se em um nível diferente da proposta inicial, após a
realização dos trabalhos. Depoimentos sobre estes conceitos limitavam-se, no início
da pesquisa, a considerações vagas, nas quais os alunos demonstravam seu
distanciamento destes parâmetros.
- A solidariedade é boa, faz bem para todos...
- Ser solidário é legal, criativo melhor ainda...
136
Relatos como estes acima citados foram dando lugar a compreensões mais
elaboradas com o desenvolvimento do projeto.
O aspecto de retornar ao ponto inicial em uma dimensão diferente contempla
o princípio da recursividade do paradigma da complexidade. A sua concretização no
trabalho foi evidenciada na transformação da compreensão de conceitos que
pareciam abstratos e desconectados das vidas dos estudantes, em conceitos reais,
palpáveis, e mesmo, indispensáveis em suas práticas profissionais.
As relações da solidariedade com um fazer profissional, que não se limita a
um individualismo competitivo, a noção de criatividade como motor dos progressos
científicos, a relação entre solidariedade e criatividade como fator de integração
pessoal e social, foram alguns dos aspectos levantados nos projetos de conclusão
dos trabalhos. Pensamos que este olhar comparativo dos momentos iniciais e
conclusivos da pesquisa revela a riqueza de possibilidades interpretativas
desenvolvidas com os grupos de jovens universitários.
A concepção de conhecimento sobressai destas interpretações como ponto
nevrálgico que determina e é determinado pela abordagem do processo de
aprendizagem e metodologias educacionais adotadas.
A sua representação como conhecimento complexo, conforme citado no início
destas análises, é reforçada quando são realizados os procedimentos que
desarticulam o conhecimento pré-estabelecido e tradicional. As conseqüências
137
destas desestabilizações são, por sua vez, também complexas e não obedecem
relações deterministas de causa e efeito, como vimos no transcorrer deste estudo.
Mesmo considerando estes aspectos, avançar no sentido de procurar apontar
alguns resultados que possam auxiliar a compreensão deste epicentro do processo
educativo é uma necessidade a que se propõe esta pesquisa. Nesta perspectiva,
mesmo não tendo a pretensão de dar conta da amplitude das concepções de
conhecimento, pensamos que sinalizar para a possibilidade de reavaliações de
perspectivas mais tradicionais na disciplina de Geometria possa trazer algumas
repercussões nesta e em outras áreas no ensino da Arquitetura.
Neste sentido pensamos que a análise de dados realizada permitiu-nos
chegar a algumas conclusões quanto à concepção de conhecimento dos estudantes
de Arquitetura e as diferentes abordagens a elas atreladas. Colocamos, a seguir, os
aspectos mais relevantes que verificamos ao confrontar os dados de pesquisa com
os referenciais de análise adotados.
O conhecimento como objeto, imóvel e desligado tanto da vida pessoal dos
estudantes como da comunidade na qual se insere a universidade, é uma
concepção historicamente arraigada na percepção dos alunos, isto se deve as suas
experiências escolares anteriores e a todo o entorno cultural por eles vivenciado.
As dificuldades na implementação de uma proposta pedagógica que procure
a ruptura com esta imobilidade do conhecimento e proponha, concretamente, a sua
processualidade, provisoriedade e complexidade são marcantes em uma etapa
138
inicial de pesquisa. Esta resistência aparece no grupo como uma incompreensão da
proposta de transformação ou como a sua classificação em uma simples mudança
na metodologia de ensino.
Após superadas as dificuldades iniciais, verificou-se uma crescente adesão e
inserção do grupo nos temas propostos, o que demonstra a potencialidade e latência
em relação às mudanças, onde os estudantes passam a experimentar papéis
protagonistas no processo de ensino-aprendizagem e emancipatórios em sua
concepção como sujeitos históricos inseridos em um contexto social.
A inclusão da discussão dos conceitos de criatividade e solidariedade foi
muito bem aceita pelo grupo de estudantes e percebeu-se a necessidade expressa
dos alunos em estender estes conceitos para outras disciplinas do curso,
procurando desta forma um significado mais contundente para o que estudam no
curso, porque estudam e de que forma suas atividades podem repercutir na
comunidade na qual se inserem.
Destacamos, ainda, que mesmo constituindo-se a pesquisa em uma
abordagem prioritariamente qualitativa, não podemos desprezar os significativos
resultados quantitativos, relacionados ao rendimento escolar, que a execução do
projeto ocasionou. Tanto os índices de evasão (que não são baixos em disciplinas
de primeiro semestre), como os de repetência, foram consideravelmente reduzidos
em comparação com semestres anteriores.
139
A comparação dos dados foi possível pelo fato de o pesquisador atuar na
disciplina pesquisada, Geometria Descritiva, desde 1998, e a metodologia utilizada
anteriormente ter sido próxima do que podemos chamar de tradicional, apenas com
algumas diferenciações, como a participação dos estudantes na elaboração e
correção dos exercícios avaliativos e abertura de alguns espaços ao final das aulas
para discussão de temas mais generalizados.
Finalmente, é preciso mais uma vez destacar que a proposta de exercitar um
conhecimento complexo não poderia trabalhar de forma maniqueísta e dicotômica
com as diversas possibilidades advindas de sua interpretação. Compreender,
coerentemente com os seus pressupostos, a convivência dos antagonismos no
próprio interior do seu exercício e aceitar a complementaridade de concepções do
conhecimento como fator de autenticidade em suas análises, foi fundamental para o
aprofundamento de suas interpretações.
Percorremos, na análise de dados, uma trajetória que buscou desvelar alguns
aspectos do conhecimento. O conhecimento como conceito formal e o conhecimento
que redimensiona o seu conceito quando impregnado de relação com o humano.
Esta relação aponta uma reflexão: na busca de uma melhor compreensão do
conhecimento voltamos o nosso olhar para a concepção de sujeito, e desta ligação
emerge um novo conhecimento humano e um novo sujeito cognoscente. Como
afirma Morin (1999, p.245): “A unidade das possibilidades do conhecimento é
indestrutível. Aquilo que permite o conhecimento também o limita; o que limita o
conhecimento também o possibilita.” A limitação do conhecimento se dá na relação
140
com a concepção de sujeito, mas é também esta relação que rompe com a limitação
do conhecimento, para concebê-lo como complexo e potencialmente ilimitado.
Ser e conhecer estão, portanto, dialogicamente relacionados, e sua
conjunção remete a análises do presente e perspectivas futuras do conhecimento e
do sujeito, mas talvez, fundamentalmente, indiquem o retorno ao início. “O começo é
agora. Ele não jaz atrás de nós [...] mas se ergue a nossa frente.” (HEIDEGGER,
apud MORIN, 2002, p.293). Um holograma temporal desprende-se, nesta
perspectiva, de uma linearidade em seu próprio tempo. O presente, que contém o
passado e futuro, transcende a caracterização de tempo seqüencial e comporta,
assim, a compreensão de uma eternidade instantânea e de um instante eterno.
O exercício do princípio hologramático aparece aqui, a nosso ver, de forma
mais sutil do que o verificado nas questões relacionadas com o espaço. E seguindo
esta linha de interpretação, podemos dizer que o retorno à origem é o que nos resta
para avançar. Este retorno se dá no resgate dos conceitos genéricos, que auxiliam o
ser humano a compreender a potencialidade de realização de sua humanidade.
O conhecimento perpassado pela solidariedade e pela criatividade foi
experimentado nas seis turmas de geometria pesquisadas durante um ano e meio
de realização da pesquisa empírica. Se os resultados obtidos não foram tão
contundentes como talvez prevíssemos no início dos trabalhos, não podem, por
outro lado, ser subestimadas as sementes de possibilidades instauradas nos grupos,
suas formas complexas e, portanto, autenticamente humanas de respostas.
141
O projeto, por nós denominado geometria da complexidade, percorreu um
longo caminho e também ele regenera-se, na intenção de sua continuidade como
proposta de transformação. Esta regeneração se dá na busca da compreensão do
conceito de utopia.
142
QUARTA PARTE:
DA CONCRETIZAÇÃO À UTOPIA
Ante o ainda não ser, de Ernst Bloch, caem
todos os realismos; mas o que sobra não é um
idealismo, e sim um hiper-realismo, que vê além da
aparência mais imediata da realidade atual e assim
não deixa de ver os germes do novo dentro desta
mesma realidade: sua possibilidade real. É através
deste hiper-realismo que se percebe o caráter auroral
do mundo, o seu caráter de aurora, de amanhecer,
de dia incompleto, de abertura para mais ser e para o
novo. É quando percebemos que recém chegamos
ao começo.
Suzana Albornoz
143
8 A UTOPIA
O ser que condiciona a consciência, assim como a consciência que
trabalha o ser, compreendem-se, em última instância, somente a
partir de onde e para onde tendem. A essência não é o que foi, ao
contrário: a essência mesma do mundo situa-se na linha de frente.
(ERNST BLOCH, 2005:28)
Procurar um significado para a existência. Talvez seja o sentimento que
mobilize os projetos de vida do ser humano, consciente ou inconscientemente.
Propostas de transformação, sonhos de realizações pessoais e coletivas necessitam
de ações concretas que justifiquem suas buscas. Mas a busca, o processo, o anseio
não vão legitimar-se por resultados, por diferentes pontos de chegada. A busca
legitima-se no seu processo, na trajetória, nas suas nuanças, nos meandros do
caminho percorrido. A busca legitima-se na utopia.
Esta utopia pode fornecer significado para a existência, talvez
subliminarmente, em uma pretensa negação de sua limitação, talvez reconhecendo
em sua limitação o seu aspecto de perenidade.
O conceito de utopia entra na discussão teórica a que se propõe este trabalho
como o último vértice de um tripé, composto por solidariedade, criatividade e utopia.
Abordaremos aqui alguns conceitos sob a ótica da utopia de Ernst Bloch e
144
pensamos que trazer a discussão deste elemento para o estudo aqui desenvolvido,
pode instigar uma nova visitação de suas etapas, releituras de suas interpretações
e, de alguma forma, legitimar ou dar significado para o caminho percorrido.
A utopia, segundo Bloch, constitui-se na realidade, porque manifesta a
possibilidade dos homens e, quando confrontada as circunstâncias reais nas quais
se estabelece, caracteriza-se pela elucidação do vir a ser na própria realidade
presente. Esta é a utopia concreta.
A perspectiva de movimento que aponta para frente é característica da utopia,
é algo que “ainda” não é, mas pode vir a ser. É algo que ainda não tem lugar, mas
pode acontecer no futuro. (ALBORNOZ, 2001)
Bloch ao diferenciar os sonhos noturnos, como portadores de lembranças e
significados do passado, dos sonhos diurnos que são portadores dos significados
futuros, afirma a necessidade imperiosa de que estes últimos sejam incorporados ao
real e, através de um novo real, denominado hiper-realismo, vislumbra o germe da
possibilidade como ontologicamente ligado à evolução do ser humano e da vida.
Segundo Bloch (2005, p.14), desta forma os sonhos diurnos tornam-se ainda mais
plenos:
[...] o que significa que eles se enriquecem justamente com o olhar
sóbrio - não no sentido da obstinação, mas sim no de se tornar
lúcido. Não no sentido do entendimento meramente contemplativo,
que aceita as coisas como são e estão no momento, mas sim no da
participação, que as aceita em seu movimento, portanto, como
podem ir melhor.
145
Ainda complementando o aspecto progressivo de seu entendimento dos
sonhos diurnos, diz Bloch (2005, p.95): “Para o sonho desperto como sonho amplo é
importante, além disso, comunicar-se com o que está além de si mesmo.” Como
vimos, a idéia de utopia está intrinsecamente relacionada à idéia de um movimento
perspectivo da realidade, sendo, portanto, componente essencial para propostas de
transformação futuras.
Bloch identifica-se com a concepção aristotélica dinâmica da matéria, como
ser em possibilidade, concebe-a como indeterminada e inacabada, na qual tudo se
pode criar. Define a necessidade do possível real pressupor um sujeito, este sujeito
é matéria e esta, um eterno ser. (ALBORNOZ,1985)
Propõe uma diferente aliança do ser humano com a natureza, questionando a
técnica que não se introduz de forma sustentável no ambiente natural, por outra que
a seu ver deve ser “amiga” da natureza. A aliança do ser com o meio ambiente só
pode dar-se, segundo Bloch, com uma nova perspectiva de organização do ser
humano entre si, esta perspectiva é tarefa e, portanto, movimento impregnado de
utopia.
Pensamos que o trabalho de pesquisa realizado por nós insere-se nesta linha
de raciocínio. Ao propor uma ruptura com um modelo estático de conhecimento,
percorremos uma longa trajetória. Esta trajetória foi alimentada pela utopia. Pela
esperança confrontada com o real, e que em um primeiro momento pensava,
presunçosamente, em ser instrumento de uma transformação generalizada no curso
universitário trabalhado. Mas com as circunstâncias vieram as dificuldades, as
146
impossibilidades. No entanto, este real cotidiano foi também realimentador; a forma
como as adversidades foram enfrentadas são algumas destas pistas, que se
concretizaram, às vezes, na fala de um aluno, outras apenas em gestos ou olhares.
O real alimentou-se também na expectativa dos sujeitos e pesquisador, já que estes
influenciam a pesquisa e são por ela influenciados.
Sobre as transposições necessárias para avançar de forma conseqüente,
Bloch (2005, p.14) afirma:
[...] a transposição efetiva não vai em direção a um mero vazio de
algum diante-de-nós, no mero entusiasmo, apenas imaginando
abstratamente. Ao contrário, ela capta o novo como algo mediado
pelo existente em movimento, ainda que, para ser trazido à luz, exija
ao extremo a vontade que se dirige para ela. A transposição efetiva
conhece e ativa a tendência de curso dialético instalada na história.
É nesta perspectiva que compreendemos as dificuldades inerentes a qualquer
projeto de transformação. Suas existências provocam, ao mesmo tempo, momentos
de reavaliação das condições iniciais propostas, bem como, desafios que podem
trazer novas perspectivas nos caminhos da pesquisa.
A dificuldade em executar uma pesquisa externa pelos alunos é significativa e
ilustrativa, como exemplo dos obstáculos encontrados no desenvolvimento do
trabalho. Após as primeiras saídas para contatos com a comunidade, percebeu-se
que um caráter de simples assistencialismo institucional impediria o propósito de
fazer com que os estudantes ensinassem e também, ou principalmente,
aprendessem nas suas saídas a campo. Esta percepção deu-se pelo grupo quando
das discussões com a direção administrativa da universidade na comunidade
147
visitada
27
, onde claramente foi colocado que os estudantes deveriam “oferecer
coisas concretas” aos moradores da vila e não “simples” propostas de troca de
experiências. Neste episódio do trabalho podemos dizer que o institucional frustrou o
sonho em um momento inicial, mas nem por isso eliminou o momento de
aprendizagem. Talvez tenha enriquecido-a com a discussão transparente sobre a
dificuldade imposta. A discussão com o grupo sobre a diferença entre uma proposta
assistencial, onde as trocas seriam alimentadas e instigadas entre os alunos e as
crianças e adolescentes da comunidade pesquisada, e uma proposta
assistencialista, conforme foi sugerido pela direção universitária junto ao campus
aproximado, propiciou um interessante momento de aprendizagem, que não estava
previsto inicialmente. A utopia renovou-se no caminho e o caminho renovou-se na
utopia.
A capacidade de reavaliação das idéias iniciais é fundamental em uma
trajetória de trabalho. Esta flexibilidade é analisada por Morin (2000, p.62) com o
auxílio da comparação entre estratégia e programa:
A estratégia opõe-se ao programa, ainda que possa comportar
elementos programados. O programa é a determinação a priori de
uma seqüência de ações tendo em vista um objetivo. O programa é
eficaz, em condições externas estáveis, que possam ser
determinadas com segurança. Mas as menores perturbações
nessas condições desregulam o programa e o obrigam a parar. A
estratégia como o programa, é estabelecida tendo em vista um
objetivo; vai determinar os desenvolvimentos da ação e escolher um
deles em função do que ela conhece sobre um ambiente incerto. A
estratégia procura incessantemente reunir as informações colhidas e
os acasos encontrados durante o percurso. Todo o ensino tende
para o programa, ao passo que a vida exige estratégia [...]
27
Vila popular conveniada com a PUCRS.
148
A estratégia, como elemento que traz em si a incerteza que vai enfrentar,
consiste em uma aposta e, nesta concepção, Morin aproxima-se da conceituação de
utopia real de Bloch.
Também na linha que procura analisar as dificuldades encontradas como
pistas para interpretações mais amplas, a fala de alguns ex-alunos em meio à
atribulação de diversas tarefas acadêmicas, um ano após a experiência por nós
implementada, é esclarecedora:
- Pô professor, ta faltando criatividade, solidariedade...poesia....é só trabalho,
trabalho...
Estas falas indicam que as propostas de trabalhar as disciplinas com maior
abrangência, ou procurando os conceitos que pudessem transitar pelos campos
específicos da arquitetura para exercício de significações mais amplas não estavam
sendo realizadas, naquele momento, em outras disciplinas ou níveis posteriores do
curso. Ao especificar “-é só trabalho...”, com uma conotação de desânimo, estes
estudantes demonstram quanto o conhecimento científico em propostas tradicionais,
desprende-se de aspectos de maior satisfação, contextualizados em suas vivências
pessoais. Estes comentários expressam a necessidade dos estudantes em relação
aos conceitos genéricos como solidariedade, criatividade, ou o exercício da poesia
(citado acima), entre outros, como fatores de aproximação do conhecimento
universitário dos seus anseios de vida.
149
Bloch reforça o aspecto de “carência” ao afirmar que o estímulo de base do
ser humano é a fome; a fome material, a fome do prazer, a fome dos sentimentos; o
ser humano está em permanente estado de necessidade. (ALBORNOZ, 1999) Ou
ainda, destacando a imprescindibilidade da esperança como elemento
desencadeador de mudanças, Bloch enfatiza (2005, p.15): “A falta de esperança é,
ela mesma, tanto em termos temporais quanto em conteúdo, o mais intolerável, o
absolutamente insuportável para as necessidades humanas”.
Pode-se pensar que a constatação da não continuidade das propostas
transdisciplinares em outras etapas do Curso apontaria para a ineficácia do projeto
executado. A nosso ver, no entanto, esta leitura é simplificadora, já que a
legitimação do trabalho se dá na realização do mesmo e os comentários dos alunos
sobre a falta de continuidade estão a indicar que as potencialidades de
transformação foram, de alguma forma, despertadas e os seus resultados
apresentaram-se, naquele momento, na forma de expectativas. Segundo Bloch
(2005, p.79): “O desejo de ver as coisas melhorarem não adormece. Nunca nos
livramos do desejo, ou então nos livramos apenas ilusoriamente”. E ainda sobre
estas expectativas, Bloch (apud FURTER, 1974, p.94) reforça o presente com o
sentido de movimento para frente, daquilo que ainda pode ser realizado, segundo
ele:
O ‘ainda não ser’ baseia-se na teoria das possibilidades imanentes
do ser que ainda não foram exteriorizadas, mas que constituem uma
força dinâmica que projeta o ente para o futuro. Imaginando os
sujeitos ‘astuciam o mundo’. O futuro deixa de ser insondável, para
se vincular à realidade como expectativa de libertação e
desalienação.
150
Pensamos que é no enfrentamento às adversidades que a utopia parece
renovar-se e adquirir, de acordo com os contextos em que se apresenta, um caráter
de resistência. Uma utopia resistente que se constitui em uma aproximação mais
intensa com o real. É o hiper-realismo de Bloch, que vislumbra a semente do novo
naquilo que está estabelecido. Utopia e resistência formam assim uma aliança que
reforça a sua positividade no enfrentamento transparente das dificuldades. Esta
importância da compreensão da realidade em que se integra o projeto de
transformação é afirmada por Bloch (2005, p.17):
Expectativa, esperança e intenção voltadas para a possibilidade que
ainda não veio a ser: este não é apenas um traço básico da
consciência humana, mas, retificado e compreendido
concretamente, uma determinação fundamental em meio à realidade
objetiva
.
Com isto evidencia-se o aspecto relacional da utopia, que compreende a
necessidade de ligação de um anseio interno pessoal ou coletivo com as
circunstâncias reais externas, que envolvem as suas interpretações.
Se o conceito de utopia tem no senso comum o sentido de algo irrealizável, é
na sua transformação em elemento concreto, real e possível, que se dá o
redimensionamento do seu significado. A concretude da utopia se faz então
necessária, já que o ser humano tem “fome“ desta utopia para a realização de suas
expectativas de vida. Esta necessidade é destacada por Albornoz (2001, p.71):
As utopias não só podem influenciar, como efetivamente têm
influenciado o mundo. Os sonhos dos homens sobre a realidade,
sobre as carências de suas realidades, têm contribuído, pelo menos
parcialmente, às vezes, pontualmente em alguns aspectos e
provisoriamente, em alguns momentos, para transformar a
realidade; e no que tange ao progresso técnico e científico, essas
151
transformações originalmente sonhadas por utopistas, têm tido
conseqüências permanentes.
A utopia compreendida como elemento que dá significado às transformações
no presente deve ser confrontada e analisada segundo os aspectos evolutivos
alcançados posteriormente, em decorrência da atividade prática. Mais uma vez fica
caracterizada a idéia de movimento como indissociável do conceito de utopia.
Nesta linha de raciocínio, a utopia pode ligar-se àquilo que Morin propõe
como o retorno às origens (arkhé) para a realização humana da própria humanidade.
O resgate dos conceitos genéricos, no sentido de conter os fundamentos, as
essências, por um homem genérico, tido na concepção de Marx em sua fase inicial,
pode caracterizar-se nos dias atuais como utopia, utopia concreta e necessária.
Pensar neste sentido, ao propor mudanças na concepção de conhecimento na
universidade e com esta perspectiva pretender transformações mais amplas,
também caracteriza uma utopia mais localizada, mas não menos concreta e não
menos necessária. Desta forma, o exercício de práticas localizadas fornece
elementos para interpretações mais generalizadas. A utopia, neste caso, busca no
antes ou nas origens os subsídios que propõem transformações futuras, sendo
apropriada a sua concepção como um movimento que atravessa o seu próprio
tempo.
Mas será possível exercitar a solidariedade e a criatividade no fazer educativo
universitário? Será possível resgatar um pouco de poesia para a vivência cotidiana
de estudantes e professores? Quantos saberes autenticamente humanos foram
alijados pelo conhecimento especializado e fragmentado da modernidade, que
152
podem ser reincorporados para o espaço acadêmico e para a vida dos que dele
participam? Estas e outras tantas questões, que questionam a concepção de
conhecimento tradicional, quantitativo, tecnicista, descontextualizado,
desinteressado e, cada vez mais, paradoxalmente imóvel em relação à dinâmica da
vida, remetem à necessidade de ações transformadoras, de movimento, de utopia.
De uma utopia concreta, aquela que confrontada com o real avança, não só na
realização de suas propostas, mas também no enfrentamento das dificuldades.
Dentro e fora da universidade, a utopia, em seu exercício permanente como
ferramenta de transformação, apresenta-se como uma necessidade imprescindível.
Respaldando esta idéia, Bloch (2005, p.18) concebe as transformações como
exercícios de uma expectativa atuante:
Somente uma maneira de pensar direcionada para a mudança do
mundo, que municia com informação este desejo de mudança, diz
respeito a um futuro que não é feito de constrangimento (futuro
como espaço de surgimento inconcluso entre nós) e a um passado
que não é feito de encantamento. Por isso, o decisivo é que apenas
o saber como teoria-práxis consciente diz respeito ao que está em
devir e que, por isto mesmo, é passível de decisão.
Nesta visão o conceito de utopia não se submete ao resultado, ao contrário,
as diferentes opções por determinadas ações em um processo de transformação, é
que são submetidas à interpretação utópica da realidade presente.
Ao invés de um idealismo inconseqüente, como pejorativamente é
usualmente concebida, a utopia aparece, então, como um dos pilares de
sustentação na interpretação e transformação da realidade.
153
A pesquisa realizada constitui-se como uma parte do todo, mas também
contém o todo em si. Trabalhar no sentido de transformar realidades locais e
procurar instigar as necessidades de humanização em grupos estudantis é, portanto,
também trabalhar para uma humanização mais generalizada na sociedade. Esta é a
ética da transformação, que na idéia de Albornoz (1999, p.14), caracteriza-se da
seguinte forma: “A ética da transformação, que segue o imperativo de subverter as
relações em que o homem seja menos do que pode ser, será também uma ética da
solidariedade.”
O conhecimento, visto como objeto de propriedade, repercute, como vimos
anteriormente, a ótica de uma sociedade que desta forma se organiza. A ruptura
com esta concepção de conhecimento deve, então, apontar para transformações
nestas formas de organização social. A solidariedade, um dos conceitos propostos
na discussão deste trabalho, passa a refletir-se como necessidade na reorganização
do homem em sociedade. O homem solidário pode encontrar na sociedade solidária
o espaço para exercício de suas potencialidades.
A utopia, como compreensão daquilo que “ainda não é”, impõe, como vimos,
a idéia de movimento. Na trajetória desta pesquisa, o conhecimento em movimento
foi proposto e encontra-se na, sua aproximação com a utopia, este elemento de
identificação. Podemos dizer que o conhecimento em movimento constitui-se utópico
quando a utopia impregnada de movimento a ele vai juntar-se. É nesta união,
através da idéia de uma regeneração permanente dos fenômenos, que somos
auxiliados a compreender o presente como possibilidade.
154
Panta rei (tudo flui) dizia Heráclito, no redimensionamento de um
conhecimento estático em conhecimento dinâmico e vivo, a utopia surge como
ferramenta de interpretação e, principalmente, como elemento real de
transformação.
Neste sentido, após esta breve incursão pelo terreno da utopia, pensamos
que a caracterização de seu exercício como necessidade ontológica do ser humano
talvez seja a nossa principal conclusão.
A utopia perpassou a atividade do pesquisador, impregnou as ações dos
estudantes pesquisados e pretendeu, de alguma forma, revigorar e legitimar o
próprio projeto desenvolvido. Ao instigar a revisitação de suas etapas, o conceito de
utopia pode aliar-se ao princípio da recursividade multidimensional, ao propor o
retorno às fases anteriores em uma diferente dimensão. Este componente de
contemplação do movimento (tanto retrospectivo, como perspectivo) foi alimentado
nesta leitura que fazemos da utopia.
A compreensão da limitação do conhecimento é um dos pilares do novo
paradigma do conhecimento, como pretendemos expor neste trabalho. A limitação
da utopia, por outro lado, não aparece como aspecto elucidativo na compreensão da
realidade; ao limitar a utopia, limita-se a própria vida, que é talvez seu maior
exemplo de concretude. A prática da utopia fornece a possibilidade real de abertura
para o desenvolvimento de uma maior plenitude do viver.
155
A solidariedade e a criatividade, como outros tantos conceitos genericamente
humanos, tão represados nos espaços educativos, podem e devem ser resgatados
para a vida escolar, desde os níveis iniciais, até a universidade. Este resgate
compreenderá novas avaliações de organização social pelos estudantes, no qual o
seu papel protagonizador da história poderá, então, ser exercitado. Isto implica a
compreensão e a esperança em uma nova realidade, mais próxima da realização
humana de sua humanidade; realidade utópica, ou ainda, utopicamente concreta.
A utopia deve permanecer, revigorar-se, regenerar-se, uma meta-utopia pode
vir a auxiliar os seus significados e legitimar, mais ainda, a sua presença. A utopia,
concebida como o que não está em lugar algum e, portanto, pode estar em todo o
lugar, e como o que ainda não é, e só por isso, pode vir a ser, constitui e é
constituída pela complexidade e dinâmica da vida. É com esta perspectiva de
legitimação recíproca da utopia, da vida e do próprio caminho aqui percorrido, que
encaminhamos as nossas considerações finais.
156
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tu perguntas, o que a lagosta tece lá embaixo com seus pés
dourados? Respondo, que o oceano sabe.
Por quem a medusa espera em sua veste transparente?Está
esperando pelo tempo, como tu.
Quem as algas apertam em seu abraço?perguntas... Mais firme que
uma hora e um mar certo? Perguntas sobre a presa branca do
narval? E eu respondo, como o unicórnio do mar, arpoado...., morre.
Perguntas sobre as plumas do rei-pescador, que vibram nas puras
primaveras do sul?
Quero te contar, que o oceano sabe isto:
que a vida em seus estojos de jóias é infinita, como a areia,
incontável, pura.
E o tempo entre as uvas cor de sangue tornou a pedra dura e lisa,
encheu a água-viva de luz, desfez seu nó, soltou seus fios musicais,
como uma cornucópia feita de infinita madrepérola.
Sou só a rede vazia diante dos olhos humanos na escuridão,
com dedos habituados à longitude do tímido globo de uma laranja.
Caminho, como tu, investigando a estrela sem fim
e, em minha rede, durante a noite, acordo nu.
A única coisa capturada é um peixe...
Preso dentro do vento.
Pablo Neruda
É hora de desembarcar. Neste trabalho navegamos por espaços de uma, duas,
três e mais dimensões, ao percorrermos a história da Geometria e suas evoluções,
situada nos mais diferentes contextos.
Procuramos traçar um breve paralelo de seu desenvolvimento relacionando
com alguns aspectos epistemológicos e filosóficos dos períodos estudados e, ao fazê-
157
lo, passamos pela Mesopotâmia, Egito, China, Índia. Aportamos na Grécia, que
justificou uma parada mais demorada, seguimos pela Idade Média com um olhar mais
voltado para o oriente, e posteriormente, com o Renascimento, nos detemos na
Europa Ocidental, onde nasciam os parâmetros da ciência moderna.
Naqueles mares o ser humano parecia ter assumido definitivamente o controle
do destino universal através do conhecimento científico, mas a viagem continuava e o
resultado não seria conforme esta perspectiva. Seguimos em frente, aquilo que era
ordem, organização e determinismo passou a necessitar da desordem, do
imprevisível, do indeterminado, da incerteza como constituintes e indispensáveis nas
tentativas humanas de compreensão da vida.
Naquele momento içamos as velas e, com esperança, falamos de um elo, que
permanecia, não intacto, mas resistente, o elo da potencialidade de compreensão
humana de sua própria humanidade. Navegar é preciso...apostar, indispensável.
Nas águas desta busca seguimos o nosso curso.
Ao chegar à atualidade, em um período conhecido pela fase de transição
paradigmática da ciência moderna, paramos em um porto muito especial, onde fomos
recebidos por um grupo de estudantes, um “Porto Alegre”, mais especificamente na
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. Ali discutimos, pesquisamos, aprendemos muito, ensinamos um
pouco, e durante três semestres de pesquisa empírica procuramos colher os dados
sobre uma nova abordagem da Geometria, indagando sobre a forma como os alunos
158
recebem uma proposta diferente de estudar e conhecer, e as dificuldades
encontradas na implementação destas mudanças.
Descrevemos as respostas obtidas segundo o conteúdo, dinâmica e
aproveitamento educativos. Percebemos que os conteúdos muitas vezes ainda são
compreendidos como objetos e que as dificuldades de transformação nesta
perspectiva envolvem a compreensão de todo um histórico de vida escolar dos
estudantes. Por outro lado, a real potencialidade de transformação nestes
parâmetros, procurando a mobilidade do conhecimento e a sua adequação ao
movimento da vida complexa, foi também muitas vezes observada.
A proposta de uma geometria da complexidade, como denominamos este
projeto de abordagem dos conhecimentos geométricos, trouxe para a dinâmica das
aulas um crescente entusiasmo e participação dos estudantes, fazendo com que
estas posturas se refletissem no aproveitamento educativo. Os resultados obtidos
quanto à minimização da evasão e da repetência na disciplina foram significativos.
Analisamos os dados colhidos focados na concepção de conhecimento a eles
atrelada, por considerar este o ponto central de ruptura que pensamos tensionar
com as nossas propostas. O conhecimento estático tradicional foi desestabilizado
por um conhecimento em movimento. A viagem que era externa interiorizou-se.
Passamos a navegar pelas águas da solidariedade e da criatividade,
conceitos tão caros ao fazer educativo, tão necessários em tempos de não se ter
tempo. Surgiram as potencialidades e também as dificuldades. As potencialidades
159
eram o vento, que tremulava em nossas velas, levando-nos em direção a um rumo
certo. Mas não há rumo certo quando se navega pelas águas da incerteza, da
dúvida e da complexidade. As dificuldades eram tempestades de alto-mar,
tormentas que encontramos ao longo deste percurso. Era preciso enfrentá-las.
Não foram poucas as pessoas de quem nos aproximamos nesta viagem,
famosas e anônimas, todas singulares. Paulo Freire que sempre nos mostrou como
se pode ensinar aprendendo e aprender ensinando, estava presente em vários
portos. E o que dizer do aluno “transgressor”? Aquele que encontrou na palavra
transgressão a definição de boa parte do que talvez tenhamos procurado todo este
tempo. Ou ainda, daquele aluno, que trabalhando de dia para ter o que comer à
noite, percebia que conhecer é muito mais do que aprender a usar lapiseira para
fazer desenhos; conhecer, disse ele, “é relacionar-se com a vida.”
A complexidade, com Edgar Morin a bordo, apareceu como uma bússola a
mostrar-nos caminhos, previsíveis e imprevisíveis, certos e incertos, caminhos
complementares. E a lembrar, que em tempos de relativizações simplificadoras,
“preparar-se para um mundo incerto é o contrário de se resignar a um ceticismo
generalizado.” A esperança na realização da humanidade estava constantemente
sendo realimentada.
Mas o ser humano complexo, igualmente mostrou nesta viagem, as suas
faces menos humanitárias, algumas vezes, tentaram afundar a nossa embarcação.
Em um “navio pirata”, um diretor institucional proclamou que: “-aos pobres deve-se
dar apenas coisas concretas e não propor trocas abstratas”. Resistimos, talvez
160
reforçados por fatos como aquele, em que o aparelho de audição da aluna
pesquisada tenha ficado pronto; ela passou a entender mais Geometria e nós
passamos a entender mais sobre o enfrentamento das dificuldades.
Os momentos de vida deste marinheiro/autor também passaram por suas
dificuldades e, como pesquisa e pesquisador, barco e marinheiro, influenciam e são
influenciados em suas viagens, algumas vezes sentimos vontade de atracar no
primeiro porto e ficar. Mas ficar como? Se a vida segue, e o movimento, conceito
central na realização desta viagem, é a sua essência de realização.
Então, um navegador experiente, chamado Ernst Bloch, cruzou a nossa
travessia e nos ensinou algumas formas de transpor obstáculos, ou ao menos,
entendê-los de uma diferente maneira. Com esta compreensão, no enfrentamento
das adversidades, avistamos outras possibilidades e para lá rumamos.
Desembocamos em diferentes águas e, desta vez chegamos a um mar, que
energizou e deu significado a nossa viagem: o oceano utopia.
Uma utopia concreta, que impregnada ao real transforma-o em um hiper-real,
onde o que é, consiste no que ainda pode ser e, neste redimensionamento, alimenta
o presente das possibilidades e potencialidades de transformações futuras.
No mundo do ceticismo, do materialismo, da competição, do individualismo,
em uma palavra, no mundo do capitalismo, a urgência de ruptura com estes valores
é cada vez mais imperiosa. Na busca desta mudança, a ressignificação do
conhecimento, com o resgate de conceitos humanos para o cotidiano dos espaços
161
educativos, é um exemplo de aposta na realização da humanidade. Aliado à utopia,
o reconhecimento do direito humano de sonhar concretamente passa, então, a
constituir-se em uma ação política.
No conhecimento da utopia e na utopia do conhecimento aportamos.
É realmente hora de desembarcar. O pescador de Neruda responde: - o
oceano sabe...nós compreendemos: a vida sente a si mesma.
O fim é sempre um começo.
162
Mesmo que um sonho tenha se
tornado realidade, ele não o será para sempre. A
morte não interrompe o amor, e sim aquilo que
era visível e vivo para ele [...] Mas então,
produz-se, novamente, um sonho acordado em
forma de imagem , fica uma pós-imagem, do
amor...
Ernst Bloch
163
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1
°
PARTE - MORIN, Edgar. Sociologia: Lisboa :Europa-América, 1984, p. 53.
2
°
PARTE - FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Unesp, 2000, p. 42.
3
°
PARTE- Ernst Bloch, cit por ALBORNOZ, Suzana. O enigma da Esperança. RJ,
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4
°
PARTE- ALBORNOZ, Suzana. O enigma da Esperança. RJ, Vozes,1999, p. 33.
Encerramento - BLOCH, Ernst. O princípio esperança. RJ, EdUERG / Contraponto,
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