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Programa Interunidades em Estética e História da Arte
Universidade de São Paulo
Cassandra de Castro Assis Gonçalves
Clube de Gravura de Porto Alegre
Arte e Política na Modernidade
São Paulo
2005
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2
CASSANDRA DE CASTRO ASSIS GONÇALVES
Clube de Gravura de Porto Alegre
Arte e potica na Modernidade
DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO PROGRAMA
INTERUNIDADES EM ESTÉTICA E HISTÓRIA DA ARTE DA
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO
DE MESTRE
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA DA ARTE
ORIENTADORA: PROFA. DRA. DAISY PECCININI
2005
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3
Para meu pai e minha mãe,
que sempre me deram amor,
liberdade e apoio para que eu fizesse minhas escolhas;
e para o Renato, que me ajuda a fazê-las.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha orientadora, Profa. Dra. Daisy Peccinini, pela
confiança destes últimos seis anos e pelos ensinamentos, que vão
muito além dos acamicos.
Agradeço ao Museu de Arte Contemporânea, onde iniciei minha
atividade acadêmica, ao Programa Interunidades em Estética e
História da Arte, no qual tive a oportunidade e responsabilidade -
de fazer parte da 1
a
. turma de mestrado e à Universidade de São
Paulo, que me abriu as portas do conhecimento e do pensamento
crítico.
Agradeço também a Mayra Laudanna, Carlos Scarinci e Antônio
Hohlfeldt, que me ajudaram a localizar documentos importantes e
abriram seus arquivos pessoais com generosidade e atenção. Aos
incansáveis secretários do Programa Interunidades, Aurélio Sakuma
e Neusa Brandão, nossos anjos da guarda.
Agradeço aos artistas que fizeram parte do Clube de Gravura e
colaboraram com seus depoimentos, Danúbio Gonçalves, Carlos
Mancuso e Glênio Bianchetti, e à Norma, viúva de Glauco
Rodrigues.
Agradeço, por fim, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior, CAPES, que me concedeu uma bolsa de
mestrado que possibilitou a realização desta pesquisa.
5
"A maioria dos seres humanos atua como os historiadores:
só em retrospecto reconhece a natureza de sua experiência"
Eric Hobsbawn
6
RESUMO
GOALVES, Cassandra de Castro Assis.
O Clube de Gravura de Porto
Alegre: Arte e Potica na Modernidade
. Dissertação de Mestrado.
Programa Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de
São Paulo, 2005.
Em um contexto mundial de reconfiguração das relações políticas, sociais
e econômicas do pós-guerra, do início da Guerra Fria e da tensão de um
conflito atômico, a arte respondeu em manifestações de grande alcance,
de um lado, aos anseios imperialistas dos Estados Unidos, que difundiram
o expressionismo abstrato, e de outro, aos ímpetos revolucionários dos
comunistas que seguiram o realismo socialista jdanovista. O Clube de
Gravura de Porto Alegre foi o movimento coletivo de artes plásticas que
representou esta vertente no Brasil.
Fundado em fins de 1950, reuniu artistas interessados em realizar uma
arte de cunho realista e temática ligada ao cotidiano do trabalho, à luta
pela paz e pela reforma social. O Clube de Gravura foi criado como meio
de levantar recursos para financiar a Revista Horizonte, uma publicação
ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCB): editava mensalmente uma
gravura, que era distribuída aos sócios-contribuintes.
Através da pesquisa de documentos da época, como estatutos, atas,
artigos de periódicos e depoimentos, aliados a pesquisas posteriores sobre
o assunto, e apoiando-se em uma bibliografia ampla que abrange aspectos
políticos e culturais da segunda metade do século XX, pretendeu-se traçar
o percurso desta manifestação das artes plásticas gchas em confronto
com o contexto histórico de reconfiguração da ordem política mundial na
cada de 1950.
7
ABSTRACT
GOALVES, Cassandra de Castro Assis.
Porto Alegre Engraving Club:
Art and politics in the Modernity
. Dissertação de Mestrado. Programa
Interunidades em Estética e História da Arte, Universidade de São Paulo,
2005.
In a context of reconfiguration in the political, social and economical
relations of post war, beginning of Cold War and tension of an atomic
conflict, Art answered, in long-reach manifestations, on one hand, to the
imperialist craves of the United States, which spread out the abstract
expressionism and, on the other hand, to the communists revolutionary
spurts that followed the Jdanov's socialist realism. Porto Alegre Engraving
Club was the collective art movement that most exposed this realistic style
in Brazil.
Founded at the end of 1950, by assembled artists interested in developing
realistic art with quotidian work theme and motivated by the peace
struggles and social reforms, the Engraving Club was created to sponsor
the Horizonte Magazine, a publication of the Partido Comunista do Brasil
(PCB): once in a month, they edited an engraving in order to distribute to
the contributor member.
Through the research in documents of the period, like statutes, minutes,
periodic articles and testimonies, allied to late researches about the theme,
and supported in an extensive bibliography which comprehend political and
cultural aspects on the second half of 20
th
Century, this work aims at
remaking the path covered by this art manifestation of Rio Grande do Sul,
in confront to the historical context of worlds new order in the 50's.
8
LISTAGEM DAS FIGURAS (ANEXO)
Figura 1: Revista Horizonte (nova fase) Gravura de Carlos Scliar.
Figura 2:
José Clemente Orozco. Protesto (Manifestação), 1935.
Figura 3: Aleksandr Samokhvalov. Juventude comunista militarizada, 1933
Figura 4: Danúbio Gonçalves. Conferência Continental pela Paz
Figura 5: Vasco Prado. Pelas Liberdades Democráticas para o Povo
Figura 6: Glênio Bianchetti. Pequena Olaria, 1951.
Figura 7: Glauco Rodrigues. Paisagem Gcha, 1951.
Figura 8: Horizonte, fase antiga.
Figura 9: Carlos Scliar. Sesta.
Figura 10: Glênio Bianchetti. Camponeses.
Figura 11: Cen Jen. Soldados da Liberdade.
Figura 12: Carlos Scliar. União por uma vida melhor e pela Paz.
Figura 13: Leopoldo Mendez. Mercado Negro.
Figura 14: Glênio Bianchetti. Apelo por um Pacto de Paz.
Figura 15: Danúbio Gonçalves. Apelo por um Pacto de Paz.
Figura 16: Carlos Scliar. Assine o Apelo por um Pacto de Paz.
Figura 17: Estudo para emblema do Clube de Gravura de Porto Alegre;
Ficha de sócio; Certidão de Registro do Clube de Gravura
Figura 18: Edgar Koetz. Lavadeira das Malocas.
Figura 19: Plínio Benhardt. Mulheres trabalhando em fumo.
Figura 20: Glauco Rodrigues. Conferência Continental Americana pela
Paz.
Figura 21: Vasco Prado. Soldado Morto.
Figura 22: Ailema Bianchetti. Sapateiro.
Figura 23: Glênio Bianchetti. Fazendo Marmelada.
Figura 24: Vasco Prado. Farroupilhas.
Figura 25: Danúbio Gonçalves. Zorreiros.
Figura 26: Danúbio Gonçalves. Mineiros de Butiá.
Figura 27: Folheto de votação da exposição "Por uma arte nacional".
9
SUMÁRIO
I. Prefácio
1. Introdução........................................................................... 13
2. Anos de crise, incerteza e definições.................................. 15
3. Tempos de Paz?
3.1. A Guerra dos Mundos......................................................... 22
3.2. Movimento Mundial pela Paz.............................................. 27
3.3. Situação política no Brasil nos anos 1950......................... 35
4. Internacionalização nas artes
4.1. Políticas culturais e instituições........................................... 43
4.2. A arte do desserviço............................................................ 51
4.3. Desilusão....... ..................................................................... 61
5. Antecedentes do Clube de Gravura
5.1. O ambiente artístico no Rio Grande do Sul......................... 67
5.2. Carlos Scliar e a Europa do pós-guerra.............................. 73
5.3. Um encontro na fronteira..................................................... 79
6. A Revista Horizonte................................................................ 90
10
7. O Clube de Gravura de Porto Alegre
7.1 – Clube dos Amigos da Gravura.......................................... 103
7.2 – O engajamento político...................................................... 108
7.3 – Trabalho coletivo............................................................... 113
7.4 – A gravura do Clube............................................................ 116
7.5 – Viagens e reformulações................................................... 122
7.6 – Exposições........................................................................ 126
7.7 – A dissolução...................................................................... 130
8. Bibliografia.............................................................................. 135
9. Anexos ................................................................................... 135
11
I. PREFÁCIO
A escolha do tema da dissertação aqui apresentada tem sua origem
na pesquisa de Iniciação Científica realizada pela autora, entre 1999
e 2002, sobre o espraiamento do Modernismo no Brasil
1
. Essa
pesquisa englobava processos de renovação artística em quatro
estados brasileiros nas décadas de 1940 e 50 – Bahia, Ceará,
Pernambuco e Rio Grande do Sul.
Neste último caso, chamou-nos a atenção uma agremiação de
artistas engajados politicamente, de militância comunista que, junto
à renovação artística e à busca de uma arte nacional - anseios do
Modernismo – traziam na questão do trabalho coletivo e na inserção
de seus trabalhos em um meio de comunicação, a Revista Horizonte
características da Modernidade. Buscando uma linguagem realista e
uma temática retirada do cotidiano do trabalhador, na tentativa de
efetivar uma aproximação com o povo, estes artistas acreditavam
ser possível realizar uma conscientização política através da
gravura, uma linguagem mais democrática devido a sua
reprodutibilidade.
O Clube de Gravura de Porto Alegre, fundado em fins de 1950, se
destacava pela figuração realista em meio à vaga abstracionista que
tomava os centros do país, em especial após a 1
a
. Bienal do Museu
de Arte Moderna de São Paulo, aberta em outubro de 1951.
Essa arte figurativa era guiada pelos princípios do realismo socialista
difundido pelo Partido Comunista da URSS. Atendia à necessidade
de "educar, esclarecer e organizar" a massa em prol da revolução
proletária, objetivo do Partido Comunista do Brasil, especialmente na
primeira metade dos anos 1950. O Clube de Gravura de Porto
Alegre, como se verá, era fruto e colaborador constante da Revista
"Modernismo Brasileiro e anos 50 – Arte Brasileira do século XX no acervo do
MAC-USP", pesquisa realizada com o apoio da FAPESP, vinculada ao Projeto
Integrado de Pesquisa Criação de Base de Dados e Banco de Imagens no Museu
de Arte Contemporânea da USP: Acervo do MAC on-line. Este projeto visou a
elaboração de um site, dentro do projeto acervo do MAC on-line – arte no século
XX: visitando o MAC na web, que pode ser visualizado em no site www
.macvirtual.usp.br, no link 'projetos'.
12
Horizonte, por sua vez parte da rede de periódicos mobilizada pelo
PCB.
A função da arte para os artistas do Clube de Gravura de Porto
Alegre era ser um instrumento didático-político para a
conscientização da massa proletária. Para isso, estava aliada à
busca de uma identidade nacional, onde se integraram elementos
regionalistas, típicos da cultura local.
Esse panorama, junto a um contexto de reconfiguração da ordem
mundial, nos anos do pós-Segunda Guerra e início da Guerra Fria,
fez da investigação acerca do Clube de Gravura de Porto Alegre um
ponto nodal, para onde confluíam e de onde surgiam questões
relacionadas aos principais aspectos da arte e da política do século
XX.
Desta forma, tratou-se neste trabalho de aprofundar o estudo das
relações da arte com o contexto político, uma vez que não é possível
entender os reais prositos do Clube de Gravura de Porto Alegre
retirando-o do ambiente que o gerou. Esse viés político foi, inclusive,
fator determinante para o recorte da pesquisa e a definição do objeto
de estudo.
Como historiadora interessada em contextualizar as manifestações
culturais no plano das mentalidades e situá-las em um panorama
histórico, econômico e político amplo, permeado de relações
complexas, a pesquisadora acredita ter sido a escolha do Clube de
Gravura de Porto Alegre correta, uma vez que possibilitou a
realização de uma pesquisa documental de fundo, através do
levantamento e análise de materiais primários talvez nunca
trabalhados, ao mesmo tempo em que abriu a oportunidade de
realizar reflexões acerca de questões de grande alcance na segunda
metade do século XX.
13
1. INTRODUÇÃO
Para traçar a trajetória do Clube de Gravura de Porto Alegre, desde
sua fundação no final de 1950, com o objetivo de financiar a Revista
Horizonte, periódico ligado ao PCB, até sua dissolução em 1956, foi
necessário ampliar a mirada histórica em direção ao contexto
político, econômico e social nos âmbitos mundial, nacional e
artístico.
No capítulo 2, o tempo e o espaço nos quais essa manifestação
artística se insere foram delimitados, ao pincelar em linhas gerais o
contexto histórico e artístico de que se tratará. Perceba-se aí que o
foco da pesquisa centrou-se no Clube de Gravura como instituição e
sua produção artística entra aqui como documento histórico
materializando um ideário e uma sensibilidade.
Em seguida, analisa-se a situação política do pós-guerra e as
transformações da ordem político-econômica mundial, com o início
da Guerra Fria e do acirramento das tensões entre capitalismo
estadunidense e comunismo soviético, que se refletem em escala
global.
O Movimento Mundial pela Paz, surgido em fins dos anos 1940,
ligado ao Partido Comunista da URSS, é o assunto do item seguinte.
O Movimento, no qual Carlos Scliar e Vasco Prado, os fundadores
do Clube de Gravura, se envolveram na Europa, e o qual trazem
para o Brasil em sua militância através da Revista Horizonte a partir
de 1950, foi objeto de uma maior atenção, dada à pouquíssima
bibliografia existente sobre o assunto e à generosa quantidade de
documentação encontrada.
No Capítulo 3, analisou-se de forma mais detida o contexto político-
econômico brasileiro ao longo da primeira metade da década de
1950, desde o início do governo democrático de Getúlio Vargas até
a eleição de Juscelino Kubitschek. A trajetória conturbada do Partido
Comunista do Brasil e suas reações aos acontecimentos políticos
mundiais são sucintamente colocadas, de modo a localizar sua
atuação no cenário nacional.
14
O Capítulo 4 foi dedicado à alise da situação das políticas
culturais e instituições, e ao afluxo das correntes abstratas e
figurativas no Brasil, com ênfase no período de fundação dos
museus e da 1
a
Bienal de São Paulo, e nas manifestações do
realismo socialista. Este último que, de seu centro emissor, a URSS,
guiará a concepção artística de muitos militantes aqui no Brasil,
entre os quais os artistas do Clube de Gravura de Porto Alegre, vem
na contra-mão da vaga da abstração patrocinada pela outra parte do
conflito da Guerra Fria, os Estados Unidos. Percebeu-se que, de
todo modo, a questão da internacionalização da cultura estava
presente, seja do lado capitalista, seja do comunista, influenciando
os projetos políticos no âmbito cultural postos em questão no Brasil.
Um breve item discute a crise nos Partidos Comunistas, as a
morte de Stalin, que ocorreu em todo o mundo a partir das
denúncias feitas por Nikita Kruschev no XX Congresso do PC
soviético em relação aos crimes cometidos no período stalinista, que
terão relação direta com a dissolução do Clube de Gravura de Porto
Alegre e com a crise do projeto político de realismo socialista a que
estava atrelado.
O Capítulo 5 se debruça sobre os acontecimentos que antecedem a
fundação do Clube de Gravura, apresentando o ambiente artístico
de Porto Alegre na década de 1940. Discorre ainda sobre as viagens
de Carlos Scliar ao Rio de Janeiro e São Paulo, e depois à Europa,
na mesma década, quando estabeleceu importantes contatos que
posteriormente seriam fundamentais para a fundação do Clube de
Gravura.
O Grupo de Bagé será destacado como um importante antecedente,
uma vez que foi um cleo de onde saíram artistas que
posteriormente se juntam ao Clube de Gravura de Porto Alegre. O
Grupo de Bagé marca, além disso, uma importante – e insólita
manifestação artística no interior do estado do Rio Grande do Sul.
O Capítulo 6 dedica-se à análise da Revista Horizonte, periódico
ligado ao PCB e onde as gravuras do Clube gcho marcaram
constante presença. Seus prositos, suas características físicas e
15
de conteúdo, ligadas à ideologia difundida pelo periódico serão
observadas. Descrevem-se ainda suas campanhas pacifistas e a
concepção estética que o periódico propagava e sobre a qual se
baseia a produção do Clube de Gravura.
Este por fim, é o foco do último capítulo, na tentativa de esclarecer o
trajeto destes artistas militantes que, na década de 1950,
acreditaram poder transformar a sociedade através de sua arte.
Partiu-se da documentação do período para elucidar sua origem, os
primeiros tempos de funcionamento e a questão do engajamento
político de seus artistas-militantes. Analisa-se a importância do
trabalho coletivo em um ambiente carente de instituições de ensino,
mostrando o lado gregário do Clube de Gravura, que é característico
das manifestações artísticas da Modernidade.
A produção do Clube é analisada historicamente, dando ênfase à
questão da relação com o contexto, uma vez que as análises formais
da produção não serão objeto deste estudo. Relatam-se as
transformações na temática das gravuras, que se relacionam aos
acontecimentos políticos de 1953, em especial à morte de Stalin. O
relaxamento do dogmatismo levou a uma abertura do leque de
temas e deu vazão a busca de um aperfeiçoamento do desenho
através da observação direta. Esse anseio de um contato mais
próximo com o tema levou os artistas do Clube de Gravura a
realizarem viagens às estâncias do interior do estado que
resultavam em apontamentos, que eram posteriormente passados
para o lileo e reproduzidos na Revista Horizonte.
Por fim, faz-se um histórico das principais exposições, que refletem
um período de divulgação da produção especialmente entre 1952 e
55, e discorre-se sobre a dissolução do Clube de Gravura, que não
registrou atividades depois de novembro de 1955. Algumas
considerações sobre essa manifestação do realismo socialista no
Brasil fecham este trabalho.
16
2 ANOS DE CRISE, INCERTEZAS E DEFINIÇÕES
"... e a água pútrida é o passado que,
não se organizando racionalmente em
perspectiva histórica, cai no caos do inconsciente."
2
O Clube de Gravura de Porto Alegre foi fundado em 1950, em um
contexto brasileiro e mundial muito bem documentado na
historiografia da arte. Foi um momento de internacionalização dos
movimentos artísticos, com a difusão, por um lado, das linguagens
abstratas, em suas vertentes expressionista e informal ou lírica, e
por outro, do realismo socialista. As duas correntes eram bem
delimitadas e definidas geográfica e conceitualmente. No Brasil, a
fundação dos museus e as Bienais de São Paulo abriram o caminho
para o afluxo dos movimentos abstratos, enquanto o Clube de
Gravura de Porto Alegre foi a manifestação mais contundente do
realismo socialista.
Na Europa, o abstracionismo informal significou um sinal daquilo que
Giulio Carlo Argan magistralmente definiu como "a crise da arte
como ciência européia". O s-guerra trouxe, para o velho
continente, o estremecimento dos paradigmas humanistas e uma
desconfiança em relação ao racionalismo que tinha marcado a
cada de 1930, com suas vertentes construtivistas em arte e
arquitetura.
Nos Estados Unidos, o expressionismo abstrato veio, ao contrário,
afirmar uma identidade artística, um movimento autônomo e
hegemônico
3
, rompendo com a tradição européia de maneira
definitiva.
Com o início da Guerra Fria, a partir de 1947, o expressionismo
abstrato se espalhou pelo mundo, não exatamente por seu apelo
libertário e seu desprezo pela técnica: essa difusão fez parte de um
contexto político-econômico maior, de reconfiguração da ordem
ARGAN, Giulio Carlo.
Arte Moderna:
do iluminismo aos movimentos
contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 527.
Ibidem, p. 507.
17
mundial. À sua influência se contrapunha uma outra visão de mundo,
e de arte, de força tão grande e de apelo igualmente sedutor: a arte
realizada sob a égide do realismo socialista, difundido pela União
Soviética.
Paralelamente à ascensão de Stalin ao longo da segunda metade da
cada de 1920, a arte de propaganda incentivada pelo governo
comunista solapou o construtivismo russo, um dos movimentos
artísticos mais vanguardistas do século XX. A arte moderna vai
perdendo espaço e a vanguarda russa, que vinha paulatinamente
sentindo uma surda reprovação às suas pesquisas formais não
figurativas são definitivamente rechaçadas
4
. É o momento da
"desforra dos medíocres", segundo Argan:
(...) a nova burocracia stalinista nega à arte qualquer autonomia de
pesquisa e de orientação, reduzindo-a a um instrumento de propaganda
política e de divulgação cultural. A vanguarda é desautorizada e reprimida; a
velha academia, revalorizada. À arte da revolução se sucede, usurpando os
títulos de "realista" e "socialista", uma arte de Estado, que de fato não é
arte, e sim uma ilustração banal e enfática de temas impostos.
5
Infelizmente, o idealismo e o sectarismo levaram alguns artistas de
talento à equívocos imperdoáveis em nome do realismo socialista
além de muitos outros ao ostracismo. No mundo todo, artistas
preocupados em atribuir uma função política à arte foram tomados
de entusiasmo pelas iias de Andrei Jdanov, o ideólogo e censor
da literatura e das artes na era Stalin
6
. O ápice desta malfadada
corrente se dá entre 1947 e 53, exatamente no período no qual a
disputa por territórios de influência entre URSS e Estados Unidos se
acirrou – e a cultura se transformou em instrumento de penetração
ideológica e dominação política.
No Brasil, a teoria o realismo socialista chegou através da Revista
Problemas, que em 1947 começou a publicar os textos de Jdanov
SAGER, Peter.
Nuevas formas de realismo
. Madrid: Alianza Editorial, 1986, p.
186.
ARGAN, op. cit., p. 330.
Há variações do nome do principal trico do realismo socialista: Zdhanov,
Zdanov. Preferimos a grafia usada em Dênis de Moraes.
O imaginário vigiado
: a
imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-53). Rio de Janeiro,
José Olympio, 1994.
18
acerca do partidarismo nas questões arsticas em suas várias
linguagens
7
. O Partido Comunista do Brasil, rapidamente, tratou de
disseminar suas iias, fato que não ocorreu só aqui mas em todo
mundo.
Vasco Prado e Carlos Scliar quando voltam da Europa, em fins da
cada de 1940, vêm com as suas concepções artísticas voltadas
para uma arte realista que dialogasse diretamente com o público, ou
seja, imbuídos do espírito da arte engajada com que o PCB, assim
como os PCs europeus, motivavam seus artistas-militantes. Scliar
descreveu a situação que encontrou ao voltar da Europa:
Em fins de 1950 encontrei o Rio, e principalmente São Paulo, em plena
febre dos museus, e a seguir, a partir de 1951, das Bienais, que defendiam,
em regulamento, o vanguardismo do dia. Decidi me enfurnar no Rio Grande
do Sul.
8
Em depoimento de 1951, o artista forneceu pistas de sua posição
em relação ao realismo e ao papel do artista na sociedade:
Os problemas do neo-realismo são muitos e acharão sua solução menos
através de um conceito trico do que pela militância dos artistas. estamos
caminhando. É preciso comunicar com o maior número de pessoas. (...)
Novo realismo quer dizer uma arte dimica, uma arte que não se limite à
verificação da miséria circundante, uma arte que ajude à construção de um
mundo melhor.
9
Com estas iias, Vasco e Scliar chegaram no Rio Grande do Sul,
em 1950, e passaram a integrar o conselho editorial da Revista
Horizonte, periódico em que "a problemática cultural encontra-se
unida umbilicalmente à política"
10
. Com o intuito de financiar a
publicação, através da distribuição mensal de gravuras aos sócios
contribuintes, os artistas fundaram o Clube de Gravura de Porto
Alegre.
Ibidem, p. 17.
8
PONTUAL, Roberto
. Scliar
:
o real em reflexo e transfiguração. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1970, p.141.
Ibidem, p.141.
RUBIM, Antônio Albino Canelas.
Partido Comunista, Cultura e Política
Cultural
. São Paulo: FFLCH-USP, 1986, p. 63.
19
O Clube de Gravura foi uma agremiação de artistas de esquerda,
engajados na busca de uma arte guiada pelos cânones soviéticos,
inspirados ainda no trabalho do Taller da Gráfica Popular do México
e na gravura chinesa do período revolucionário.
A gravura era a linguagem que tinha vocação para a função que os
artistas atribuíam à arte: um meio de conscientização do povo. Ela
tem esse poder democrático em relação às outras linguagens
artísticas e é historicamente um meio popular, que desde a Idade
Média é usado para disseminar reproduções de obras de arte ou de
imagens religiosas. Portanto, nada mais natural que ela ser também
instrumento de disseminação das mensagens político-ideológicas.
Ressalve-se a necessidade de entender que a militância, quer na
Horizonte, quer na atuação artística se deu com acomodações e
concessões conseqüentes das defasagens de informação acerca
das teorias soviéticas e das questões culturais locais. Exemplo disso
é o autodidatismo dos artistas que integravam o Clube de Gravura,
enquanto que os realistas soviéticos eram artistas acadêmicos
.
Se pensarmos sob um outro viés, o Clube de Gravura de Porto
Alegre se insere ainda no contexto de desenvolvimento da
Modernidade nas artes brasileiras. Em nenhum momento a questão
do Clube foi de renovação formal ou ruptura com o passado, ou
mesmo daquela "consciência exaltante-exaltada pelo novo" de que
fala Lefebvre em relação ao Modernismo. No entanto, as suas
preocupações em relação à busca de identidade nacional e de
raízes culturais estão muito próximas à Modernidade, a uma
"reflexão principiante, um esboço mais ou menos adiantado de
crítica e autocrítica, numa tentativa de conhecimento"
11
. A própria
forma de se organizar, essa necessidade de agregar, de formar
grupos, e a temática voltada para temas populares são
característicos dos movimentos da Modernidade.
LEFEBVRE, Henri.
Introdução à
Modernidade: Prelúdios. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1969, p. 5.
20
Ainda que programaticamente inspirada em um modelo "estrangeiro"
foi, enfim, para uma pesquisa de amadurecimento da linguagem e
de temáticas regionais que os artistas da agremiação se voltaram, a
partir de 1953, quando passaram a realizar viagens às estâncias
gchas, na busca de um contato direto com o tema que queriam
retratar e com o público que queriam contatar.
Desta forma, podemos afirmar que o Clube de Gravura de Porto
Alegre se inseriu em um projeto mundial, político partirio,
origirio da União Soviética, mas que tamm veio de encontro a
um processo de Modernidade nacional, em pleno desenvolvimento
nos centros culturais do país, Rio de Janeiro e São Paulo em
especial, na década de 1950 e que em sua expansão vai somando
aspectos regionais.
Desta forma, é sobre este período conturbado e de definições da
geografia de poder mundial que vamos tratar, partindo de um objeto
do trabalho – espiritual, no caso – do homem, da expressão de seus
anseios e conviões e de sua atuação como sujeito no processo
histórico.
21
3 – TEMPOS DE PAZ?
22
3.1 - A GUERRA DOS MUNDOS
"... ao contrário de Washington, Moscou jamais
encarara a Guerra Fria como uma cruzada,
talvez porque não precisasse
levar em conta uma excitada opinião pública."
12
O final da Segunda Guerra Mundial marcou o início de um período
de incertezas em relação ao futuro da humanidade, ameaçada
agora por uma arma de destruição em massa jamais vista, nas mãos
de um país que não teve escrúpulos em usá-la em duas cidades de
população inteiramente civil. O s-guerra foi um período de
transformações político-econômicas, quando as relações de poder
de vários países foram alteradas, culminando na definição de uma
nova ordem mundial, que se manteria mais ou menos intacta até os
anos 1990.
O nazismo jamais teria sido derrotado se os Aliados não contassem
com o Exército Vermelho da URSS. E tampouco a Europa se veria
livre da guerra se os Estados Unidos o entrassem no conflito. Por
isso, ironicamente, foram os dois países não europeus, e que ao
longo das duas décadas anteriores à guerra aumentavam sua
influência política e econômica no planeta, que salvaram o Velho
Mundo das mãos de Hitler.
As transformações políticas conseqüentes, não só na Europa, como
na Ásia, África e América, reforçaram a assertiva de que vitória e
mudança caminhavam juntas
13
- exceto nos Estados Unidos e na
URSS, onde não houve mudança nos sistemas políticos após a
guerra. Nos países em que aconteceram transformações, o que
sobreveio, em geral, foi o fim de sistemas ditatoriais ou colonialistas:
os governos do pós-Segunda Guerra foram em sua maioria
HOBSBAWM, Eric.
Era dos Extremos
: o breve século XX, 1914-1991. São
Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 246.
Ibidem, p. 170.
23
conservadores moderados, muito mais preocupados com o
liberalismo econômico que com o reformismo social.
O caso do Brasil é um exemplo, uma vez que Getúlio Vargas não
resistiu à contradição entre o apoio que emprestou aos Aliados e seu
governo ditatorial, e foi substituído no poder pelo General Eurico
Gaspar Dutra, muito mais afinado às iias liberais, sem pretensão,
no entanto, de alterar a correlação de forças dominantes.
Na Europa, a lembrança do período entre-guerras era ainda muito
clara. A "Era da catástrofe", de que fala Hobsbawn, da Grande
Depressão iniciada em 1929, que provocou no mundo todo
desemprego em massa e, na Alemanha, colaborou para a ascensão
de Hitler, foi fator suficiente para que os partidos trabalhistas
ganhassem força
14
.
O fortalecimento do trabalhismo era um indício: não apenas os
trabalhadores estavam demonstrando a sua ânsia por garantias para
os incertos dias vindouros, eram também as classes dominantes que
demonstravam seus temores. Assegurar o emprego, ou o seguro-
desemprego, era assegurar que a grande massa dos trabalhadores
não iria se inclinar para a revolução social.
No plano político, a guerra enfraqueceu os grandes Imrios do
inicio do século XX, Grã-Bretanha e França principalmente, e levou
ao surgimento ou crescimento dos movimentos de libertação
nacional em vários países asiáticos em que a disputa entre Estados
Unidos e União Sovética, durante a Guerra Fria, chegou às vias de
fato, como Coréia e Vietnã.
A Conferência realizada em Yalta, ainda durante a guerra, em
fevereiro de 1945, marcou o início da divisão do globo em zonas de
influências. Necessitando obter apoio da URSS para derrotar o
Japão, os Estados Unidos cederam o Leste Europeu, em especial a
Polônia, além de restituírem à URSS os territórios tomados pelo
Na Inglaterra, em 1951, 48,8 % dos votos ficaram com os trabalhistas, "(...)
ironicamente numa eleição ganha pelos conservadores com uma votação
ligeiramente menor, graças aos caprichos do sistema eleitoral britânico".
HOBSBAWM, op. cit., p. 278.
24
Japão em 1905. Em Potsdam, em fins de agosto de 1945, outra
conferência definiu a desmilitarização da Alemanha e a ocupação de
seu território pelos quatro países vitoriosos
15
, com maior participação
da URSS e Estados Unidos, respectivamente.
Essa divisão do território que tinha sido o centro do confronto
mundial marcou, na verdade, o início da polarização do mundo em
duas zonas político-econômicas divergentes: no ocidente, os
Estados Unidos liderariam o bloco capitalista, enquanto no leste, a
URSS seria o centro do mundo socialista.
Enquanto durou a Segunda Guerra, existiu uma aliança ocidente-
oriente para derrotar o nazismo, que foi desfeita a partir do momento
em que o comunismo se tornou atraente para muitos países
colonizados ou recém descolonizados e, principalmente, para uma
parte da Europa que ficava, após doze anos de ameaças do
nacional-socialismo, "à mercê dos bolcheviques"
16
. Com o fascismo
liquidado, não havia uma ideologia comum a ser combatida por
capitalismo e comunismo – que passaram, a partir de então, a
combater um ao outro.
A Guerra Fria, como ficou conhecido esse período de mútua
ameaça, em especial após a URSS desenvolver armas de
destruição em massa
17
, foi uma queda de braços no âmbito do poder
político dominado, efetivamente, pelos Estados Unidos. No conflito,
foram usadas mais armas ideológicas que militares: os meios de
comunicação de massa, que haviam sido usados de maneira
requintada pelo nazismo alemão foi, tamm aqui, o mais importante
meio de persuasão, seja de um lado, seja de outro. A paranóia que
essa guerra psicológica incutiu nas gerações seguintes pode ser
sentida hoje, no medo generalizado que envolve os moradores das
grandes cidades, reflexo da guerra de nervos e do uso da mídia para
Apesar de não participar das Conferências, a França entrou na divisão da
Alemanha, uma vez que seus exércitos concorreram para a derrota dos nazistas.
HOBSBAWM, op. cit., p. 175.
"(...) quatro anos depois de Hiroxima no caso da bomba atômica (1949), nove
meses depois dos EUA no caso da bomba de hidrogênio (1953)". HOBSBAWM,
op. cit. p. 227.
25
demonizar o inimigo, seja ele o comunismo ou o imperialismo, seja
ele o seqüestrador.
A violência urbana contemporânea também é fruto da Guerra Fria, já
que as armas que hoje marcam presença diária nas mãos das
personagens das ginas policiais, são uma herança deste período
armamentista, quando uma enorme indústria bélica criou canais de
consumo para seus produtos em países aliados - capitalistas ou
comunistas. Findo o conflito essa indústria – que, no entanto, não
parou de produzir - deixou um armamento numeroso e pesado, que
supera o equipamento de muitos exércitos, nas mãos de
fundamentalistas islâmicos, rebeldes chechenos, plantadores de
papoula colombianos e traficantes dos morros cariocas
18
.
Um fato curioso da Guerra Fria foi que, desde os acordos do s-
guerra, as duas superpotências respeitaram mutuamente os limites
de seu território, e poucas vezes houve confrontos. Esse acordo
tácito foi definido logo no primeiro embate da Guerra Fria, a Guerra
da Coréia, entre 1950 e 53,
em que os americanos se envolveram oficialmente, mas os russos não,
Washington sabia que pelo menos 150 aviões chineses eram na verdade
aviões soviéticos com pilotos soviéticos(...) A informação foi mantida em
segredo, porque se supunha, corretamente, que a última coisa que Moscou
queria era guerra.
19
O que havia era um grande jogo publicitário, de forma a causar
histeria e justificar as enormes verbas para segurança e pesquisa
lica, situação bastante próxima à vivenciada com os atentados ao
World Trade Center em 2001, e à política estadunidense de "Guerra
ao Terror" subsequente.
Não podemos nos esquecer, no entanto, que estamos olhando para
trás, e que temos conhecimento de tudo o que aconteceu – ou não
Além de movimentos iniciados por incentivo de uma das potências e depois
deixados sem apoio: "(...) a Guerra Fria se perpetuou. As guerrilhas que antes
punham clientes de uma superpotência contra os de outra continuaram depois que
o conflito cessou, em base local, resistindo aos que as haviam lançado e agora
queriam encerrá-las." No entanto, "Elas não ficariam sem armas". HOBSBAWM,
op. cit., p. 251.
Ibidem, p. 226.
26
aconteceu – nos sessenta anos que se seguiram ao lançamento da
bomba atômica sobre Hiroxima. No entanto, há 30 anos, se
falássemos em desmantelamento da URSS e fim da Guerra Fria,
seríamos tomados como loucos. A situação não era tão tensa como
nos anos 1950, mas se propagava a iia de risco constante de
uma hecatombe. Ningm imaginava, naquela época, que o mundo
chegaria aos anos 1990 sem o comunismo soviético.
Nos anos 1950, no entanto, essa disputa entre duas grandes
potências militares, que disputavam a supremacia no quesito armas
de destruição em massa, colocaram o mundo em permanente
tensão e a humanidade em um risco de extinção que jamais havia
sido imaginado - a destruição da humanidade pelo próprio homem.
27
3.2. O MOVIMENTO MUNDIAL PELA PAZ
No final da Segunda Guerra Mundial, o cenário desolador no
aspecto material era animador perto do estrago moral que a guerra
causou na humanidade. Uma vez que a sensibilidade – ou a falta de
- da grande maioria das pessoas aos números exorbitantes foi
forjada quando esta situação já estava estabelecida, tende-se a não
compreender o real significado de uma guerra de mais de cinqüenta
milhões de mortos, quarenta milhões de exilados, que terminou em
uma operação que matou, de imediato, ao toque de poucos botões,
cem mil civis com bombas atômicas que arrasaram duas cidades
inteiras.
Não se pode atinar com o que isso significou para aqueles que, em
1945, já tinham idade suficiente para compreender o que acontecia
e, muito menos, para intelectuais e artistas, para os humanistas que
viram os valores da civilização conquistados até então saírem da
guerra abalados e com perspectivas funestas de recuperação. O
conhecimento das atrocidades cometidas no regime nazista alemão,
em especial, mostraram até onde uma ideologia poderia conduzir o
homem.
Entre 1945 e 48 esses humanistas podem ter ficado em estado de
choque, ou iludidos com a Carta das Nações Unidas assinada em
outubro de 1945. Logo ficou claro, no entanto, que o órgão
internacional não tinha poder de ação independente e não estava
tão empenhado em impedir novos conflitos quanto seria desejável
para evitar uma nova guerra. Os comunistas, em especial,
acusavam a ONU de ser subserviente aos Estados Unidos,
enquanto a União Soviética buscava se afirmar como baluarte da
paz.
Em agosto de 1948, com o objetivo de discutir meios de evitar uma
nova guerra e de conseguir a erradicação das armas de destruição
em massa, intelectuais e artistas comunistas convocaram o
28
Congresso dos Intelectuais pela Paz, em Wroclaw, Polônia, um dos
países mais devastados pelo conflito mundial.
O objetivo do congresso era "iniciar um protesto contra o uso da
ciência para fins de destruição", e buscar meios de utilizá-la "para
lutar contra a miséria, a ignorância, as doenças e a pobreza, de que
sofre a maioria da humanidade"
20
. Nasceu assim um grande
movimento pacifista, o Movimento Mundial pela Paz, que mobilizou
um número significativo de pessoas em todo o mundo em prol da
causa pacifista e que, até hoje, não foi alvo de pesquisas que
esclareçam sua atuação no final dos anos 1940 e início da década
de 1950.
O Movimento Mundial pela Paz tinha ligação estreita com a política
externa da União Soviética, e foi amplamente incentivado e
divulgado pelos Partidos Comunistas de vários países. Não se pode
afirmar se o movimento foi iniciado por intelectuais comunistas de
forma independente, e posteriormente acolhido pelo governo
soviético, ou se foi uma orientação de Moscou.
O certo é que, já no final dos anos 1940, a Revista Problemas, do
Partido Comunista do Brasil, dava destaque aos artigos sobre a luta
pela paz, dedicava números inteiros a cobrir os congressos do
Movimento Mundial e inclusive publicava os apelos pacifistas, como
faria a Revista Horizonte a partir de 1950
21
. Importante lembrar que
a divulgação das campanhas pacifistas por esta revista de Porto
Alegre foi tarefa conferida pelo PCB a Carlos Scliar e Vasco Prado,
os artistas fundadores do Clube de Gravura de Porto Alegre.
No Congresso de Wroclaw, foi instituído o Birô Internacional de
Compromisso dos Intelectuais, que proclamou a convocatória para o
Congresso Mundial dos Partirios da Paz, realizado no mês de abril
do ano seguinte, em Paris e Praga simultaneamente - uma vez que
The resolution passed at the World Intellectuals Congres in Wroclaw.
For
Peace
. (publicação do Congresso dos Intelectuais de Wroclaw, Polônia, 1948).
Tradução livre da autora. Arquivo do Instituto Cultural Carlos Scliar.
Cf.
Problemas – Revista Mensal de Cultura Potica
. Rio de Janeiro: outubro
de 1949. Arquivo CEDEM Centro de Documentação e Memória da Unesp.
29
os partirios da paz sofriam perseguições conseentes do
macarthismo, que chegou à Europa em fins da década de 1940 e
impediu muitos intelectuais e artistas comunistas a caminho do
Congresso Mundial de entrarem em Paris. Mesmo com a
perseguição incipiente, a reunião mostrou a força que o movimento
ganhava, realizando-se com 2300 delegados de 72 países.
Neste Congresso foi fundado o Conselho Mundial de Paz, que tinha
como presidente Fréric Joliot-Curie, e vices-presidentes, Pietro
Nenni, Gabriel D'arboussier, Aleksandr Fadeiev e o General zaro
Cárdenas, entre outros. Dos seus membros, podemos citar Bertold
Brecht, Ernst Fisher, Pablo Neruda, Pablo Picasso, Louis Aran,
Gyorgy Lukács, Ilya Ehrenburg, os brasileiros Jorge Amado, Branca
Fialho e Mario Fabião, além de sindicalistas, religiosos, políticos e
militares de 63 países.
O Conselho Mundial atuou desde sua fundação como órgão central
de diversos conselhos nacionais e regionais de paz que se formaram
por todo o mundo, inspirados pelo Manifesto do Congresso Mundial
dos Partirios da Paz. O Manifesto denunciava o não cumprimento
da Carta das Nações Unidas, afirmando que esta "não justifica as
esperanças em que nela depositaram os povos para conservar a paz
e a tranqüilidade"
22
, e estabelecia as atividades que deveriam
efetuar os órgãos regionais para contribuir para o movimento
pacifista.
Por todo o mundo partirios da paz foram perseguidos, presos e
até condenados, uma vez que a luta pela paz em geral era feita ou
ligada à militância comunista, oposição em todos os países
ocidentais.
No Brasil, obteve ampla divulgação nos periódicos ligados ao PCB, o
caso de uma mulher que foi presa e condenada a mais de quatro
anos de prisão, porque carregou, em uma comemoração de 7 de
setembro de 1950, a faixa com os dizeres "Os soldados nossos
Manifesto del Congreso Mundial de los Partidarios de la Paz.
Paris: 25.04.1949.
In
Actos y Resoluciones:
El Movimento Mundial de la Paz. s/l, s/d. Tradução livre
da autora. Arquivo Instituto Cultural Carlos Scliar.
30
filhos não irão para a Coréia", campanha que era encabeçada pelos
partirios da paz, com amplo apoio do partido
23
. Nos Estados
Unidos, o sociólogo e escritor, W. E. B. Dubois, presidente do Centro
Americano de Informações de Paz foi preso, aos 83 anos(!),
acusado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos de estar
a serviço da URSS.
O movimento foi boicotado pelo governo da Inglaterra, que negou os
vistos de entrada a muitas personalidades que participariam do II
Congresso Mundial dos Partirios da Paz na cidade de Sheffield,
em novembro de 1950, obrigando o Conselho a transferi-lo para
Varsóvia. O mesmo boicote aconteceu em relação a Conferência
Continental Americana pela Paz, proibida de se realizar no Rio de
Janeiro e que, não sem problemas, aconteceu em Montevidéu,
Uruguai, em março de 1952.
Essa proibições e perseguições só faziam aumentar a divulgação do
movimento e a adesão dos que eram simpáticos à causa, mesmo
daqueles que não tinham qualquer identificação com o comunismo.
Desta forma, a União Soviética, associando sua política externa aos
partirios da paz, criava uma imagem de Estado conciliador e
deixava aos Estados Unidos o papel de vilão no contexto de tensão
em que o mundo vivia. Mesmo durante a Guerra da Coréia, a URSS
sempre se colocou em favor de um Acordo de Paz, ainda que
estivesse com centenas de soldados no front.
A história, naturalmente, ganhava outros tons na imprensa
capitalista. No Brasil, por exemplo, os periódicos de maior circulação
traziam uma outra versão dos fatos, aí pendente para o extremo
oposto, onde o oriente é que incitava o conflito - no Rio de Janeiro e
em São Paulo, os jornais eram fiéis ao capitalismo e à ação externa
dos Estados Unidos
24
. Nestes periódicos, o movimento pacifista
aparecia como fachada da militância de esquerda.
Posteriormente, a condenação foi revogada. In O mês em toda parte.
Horizonte
. Porto Alegre, nova fase n.10, outubro de 1951.
MORAES, op.cit, p. 190.
31
O combate ao movimento pacifista por parte da imprensa era fruto
da política anticomunista, uma vez que o PCB engajou-se, desde o
começo de 1950, no Movimento Nacional pela Proibição das Armas
Atômicas, coletando assinaturas para o Apelo de Estocolmo
25
. O
Movimento Brasileiro dos Partirios da Paz, tinha com presidente
Graciliano Ramos
26
, um dos principais intelectuais do partido, e a
orientação geral de apoio às campanhas pacifistas era ordem direta
do PC da União Soviética. Prestes, em seus discursos, exaltava
Stálin como "campo da paz e do socialismo", "à frente desse
movimento gigantesco o dos povos amantes da paz"
27
.
É importante perceber as conseqüências dessas campanhas na
mentalidade dos próprios militantes comunistas, em especial dos
artistas e intelectuais, que em sua maioria seguiam as ordens do
partido fielmente e que viam nas política externa soviética intenções
sinceras de paz. Para eles, os Prêmios Internacionais Stalin da Paz,
concedidos pelo Conselho Mundial de Paz, eram a maior honraria a
ser concedida a um artista comunista. Foram ganhadores desse
prêmio, entre outros, Bertold Brecht, Picasso, Pablo Neruda, Charles
Chaplin, Leopoldo Méndez e Jorge Amado
28
.
Os Prêmios Stalin da Paz, sinônimos de fidelidade ao partido e
"correção" ideológica, concedidos por um júri internacional formado
por dirigentes do Movimento Mundial pela Paz, passavam pelo crivo
do PC soviético, conforme testemunhou Jorge Amado, que tamm
foi jurado. Segundo ele, "os prêmios não eram decididos sem a
Sesion del Comite del Congreso Mundial de los Partidarios de la Paz.
Estocolmo, 15 a 19 de março de 1950. In
Actos y Resoluciones:
El Movimento
Mundial de la Paz. s/l, s/d. Tradução livre da autora. Arquivo Instituto Cultural
Carlos Scliar.
Até a morte do escritor, em março de 1953.
RODRIGUES, Leôncio Martins. O PCB: os dirigentes e a organização. In
FAUSTO, Bóris (dir.)
O Brasil Republicano: sociedade e potica (1930/1964).
História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1981, tomo III, 3
o
.
volume, p.438.
Na Revista Horizonte, foi destaque em janeiro de 1952 o anúncio do Prêmio
Internacional Stálin da Paz concedido a Jorge Amado, que foi anunciado na quarta
capa, com desenho que retratava o artista ao fundo.
32
aprovação dos soviéticos" e inclusive os 15.000 dólares saiam direto
de Moscou.
29
No entanto, vale ressaltar, o Movimento Mundial pela Paz tinha um
propósito comum a um número muito grande de pessoas, para além
dos limites dos partidos e das ideologias, extrapolando o número de
militantes dos PCs, exatamente em conseqüência da lembrança
nítida dos horrores da Segunda Guerra Mundial, que ampliou a
adesão à causa pacifista de forma significativa ao longo da década
de 1950.
A maior demonstração de apoio que o Movimento Mundial pela Paz
recebia foi, sem vida, a repercussão do apelo lançado em
fevereiro de 1951, na reunião do Conselho Mundial pela Paz, em
Berlim Oriental. Iniciou-se ali uma ampla campanha de assinaturas
por um pacto de paz entre as cinco grandes potências da época:
Estados Unidos, União Soviética, Grã-Bretanha, República Popular
da China e França. O apelo se dirigia a "todos os homens e todas as
mulheres de boa vontade, a todas as organizações que aspiram à
consolidação da paz"
30
.
No início da década de 1950, a população mundial era de cerca de
2,5 bilhões de pessoas. Entre fevereiro de 1951 e setembro de 1952,
isto é, em apenas um ano e meio, 600 milhões de pessoas
assinaram o Apelo por um Pacto de Paz, o que representava quase
25% da humanidade. Só na América Latina foram 10 milhões de
assinaturas; no Brasil, 4,5 milhões
31
. No entanto, devemos nos
lembrar que a campanha tinha apoio e respaldo da União Soviética,
um dos países mais populosos do mundo.
Além disso, deve-se pensar em como essas assinaturas eram
conseguidas. Gregório Bezerra, um dos líderes do PCB, narrou em
AMADO, Jorge.
Navegação de Cabotagem
: apontamentos para um livro de
memórias que jamais escreverei. Rio de Janeiro: Record, 1992, p. 106-7.
LLamamiento.
Sesion del Consejo Mundial de la Paz. In
Actos y Resoluciones:
El Movimento Mundial de la Paz. s/l, s/d. Tradução livre da autora. Arquivo Instituto
Cultural Carlos Scliar.
Em uma população de cerca de 60 milhões.
33
suas memórias como conseguiu assinaturas de camponeses no
interior de Goiás:
A maioria esmagadora deles não sabia ler. Todos assinaram o Apelo (...) a
rogo. Depois de nos ouvir falar das ameaças contra a paz mundial,
passaram a achar que nós éramos enviados de Cristo para unir o povo
contra guerra, contra peste e contra os malfeitores
32
.
O depoimento serve a título de exemplo de uma prática com certeza
não muito rara para se conseguir a assinatura, conscientizado ou
não o assinante.
A América Latina teve uma participação importante no Movimento
Mundial pela Paz desde o seu início: em Wroclaw estiveram
presentes 16 delegados latino-americanos, dos quais 6 brasileiros,
Jorge Amado e Carlos Scliar entre eles
33
. A maioria residia na
Europa, na condição de exilado político, em especial em Paris, ao
menos até 1949, quando muitos dos vistos de permanência foram
cassados. Jorge Amado, um dos brasileiros nestas condições, se
refugiou na Checoslováquia, para onde também se transferiu a sede
do Conselho Mundial de Paz.
Carlos Scliar e Vasco Prado, que não estavam sendo perseguidos
pelo governo brasileiro, voltaram ao país, e passaram à militância
pela causa da paz, recebendo do PCB a tarefa de reorganizar a
Revista Horizonte, junto a outros militantes gchos.
No primeiro número da Revista Horizonte com programação visual
de Scliar
34
e Vasco Prado, a temática da paz foi o principal assunto,
expresso já na gravura da capa, que busca uma expressão realista,
condizente com seu caráter panfletário (figura 1). Mostra-se uma
fileira de pessoas, como numa passeata, que se perde ao fundo,
característica das representações realistas acerca da paz. Ao longo
BEZERRA, Gregório.
Memórias
. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, II
parte, p. 100.
Vasco Prado tamm esteve presente no Congresso, mas não se pode afirmar
se foi delegado ou não.
Carlos Scliar era responsável ainda pela programação do quinzenário Para
Todos, editado no Rio de Janeiro. In MORAES, João Quartim. (Org.) História do
marxismo no Brasil. Campinas: Unicamp. V.3, p. 337. Apud BALBUENO, Luciana.
A produção de Lila Ripoll na Revista Horizonte
. Porto Alegre: Pontifícia
Universidade Católica, 2001.
34
dos 5 anos do periódico, essa formação de massa, de uma grande
quantidade de pessoas em protesto, apareceu com freqüência. Essa
característica aparece também na obra anterior de Scliar, em
especial nas ilustrações para o romance de Jorge Amado. Uma obra
de José Clemente Orozco (figura 2), e outra, de um realista russo,
demonstram que esse atributo aparece em outras expressões do
realismo pelo mundo (figura 3).
A Horizonte também foi um importante meio de divulgação dos
apelos pacifistas do Movimento Mundial pela Paz: em abril de 1951,
foi publicado o Apelo de Berlim
35
. A Revista Horizonte participou
intensamente da campanha de assinatura do apelo, dedicando a
partir de então várias das quartas capas de suas edições ao Pacto
de Paz, em forma de abaixo assinado, para ser destacado e usado
nas campanhas.
Números inteiros da revista foram dedicados aos Congressos de
Paz, como os exemplares dos meses de fevereiro e março-abril de
1952, dedicados à Conferência Continental Americana pela Paz, que
inicialmente se realizaria no Rio de Janeiro e que foi transferida para
Montevidéu. A edição da revista de março-abril, traz na capa uma
gravura de autoria de Danúbio Gonçalves, integrante do Clube de
Gravura, em que se vê – novamente - uma multidão em um comício
e, no primeiro plano, um camponês de feições indígenas e um
operário negro que apertam as mãos sob uma faixa com os dizeres
"Conferência Continental pela Paz" e cartazes onde se lê "PAN" e
"PAZ". A gravura, põe em evidência o aspecto cartazístico, de
divulgação do Movimento de Paz, onde as preocupações de estilo
são sobrepujadas pela exigência de transmissão da mensagem, no
caso, de um acordo de paz entre os povos (figura 4). No mesmo
mero foram publicados os comunicados, resoluções e uma
convocação aos povos das Américas pela paz, além de mensagens
e artigos sobre o tema, em um diálogo entre textos e ilustração
bastante forte.
Horizonte.
Porto Alegre, nova fase n
o
. 4, abril de 1951.
35
3.3. SITUAÇÃO POLÍTICA DO BRASIL NOS ANOS 1950
O Clube de Gravura de Porto Alegre surgiu e funcionou em um
contexto político que era, ao mesmo tempo, democrático, pois
Getúlio Vargas voltara à presidência através das urnas, e repressor,
uma vez que o Partido Comunista do Brasil, ao qual o Clube era
ligado indiretamente, estava na ilegalidade.
O partido, no período de redemocratização do pós-guerra, ao final
do Estado Novo, tentou uma política aliancista, em que combatia o
imperialismo estadunidense mas fazia concessões ao capital
nacional. Sua esperança de ação democrática havia sido reforçada
com a façanha eleitoral de 1945, quando elegeu a maior bancada do
distrito federal, um bom número de deputados federais e o senador
Luís Carlos Prestes.
A cassação do registro do partido, em 1947, e dos mandatos de
seus deputados no ano seguinte foi um reflexo do acirramento das
tensões internacionais e do início da Guerra Fria. A partir de então,
abandonou sua política aliancista e de luta parlamentar e passou a
pregar a preparação das massas para uma ação revolucionária.
O Manifesto de Agosto de 1950 selou esta nova posição combativa.
No documento, Prestes aconselhava aos comunistas, diante do
aumento da "radicalização e combatividade das massas" a não mais
recear "as formas de luta mais altas e vigorosas e inclusive choques
violentos com as forças da reação e os combates parciais que nos
levarão à luta vitoriosa pelo poder e à libertação nacional". A tática
do PCB agora era de "deslocar o país do campo da reação e da
guerra para o campo da paz, da democracia e do socialismo".
36
O Manifesto de Agosto é um exemplo do paradoxo entre
nacionalismo e internacionalismo que acompanhou o partido e
obnubilou uma política mais objetiva ao longo de todo seu trajeto nos
anos 1940 e 50. O nacionalismo marcou forte presença na
KONDER, Leandro.
A democracia e os comunistas no Brasil
. Rio de Janeiro:
Graal, 1980, p. 74.
36
orientação política do PCB, influência dos militares que desde 1935
eram numerosos no partido; no entanto, seguiam-se as orientações
do PC soviético, obedecendo-se assim a um "internacionalismo
proletário" que enchia de desconfiança acerca dos propósitos de um
possível governo comunista qualquer nacionalista que estivesse fora
de seus quadros.
Ao longo da primeira metade da cada, a imprensa comunista
buscou colocar em prática os preceitos do realismo socialista, de
educar e organizar as massas para a revolução. A Revista Horizonte
de Porto Alegre é exemplo desta fase combativa e de ultra-
esquerdismo do partido, visível em seus textos anti-imperialistas,
que acusam o governo de ser subserviente ao capital dos Estados
Unidos. As coordenadas da política radical do PCB também são
patentes na produção dos artistas do Clube de Gravura, que
buscam, também na trilha do realismo socialista, passar a imagem
de um povo forte, em luta contra a opressão e organizado para o
combate.
Ao radicalizar suas posições depois da cassação, o PCB reforçou
ainda mais o isolamento do partido; proveniente de Moscou, de onde
Stalin e Jdanov comandavam um expurgo que levou à morte
dezenas de líderes comunistas, o sectarismo também assolava os
militantes brasileiros, afastando muitos intelectuais que poderiam
contribuir para a reflexão de problemas brasileiros e elaborar
efetivamente um projeto alternativo de governo. Os que insistiam na
militância, acatavam as orientações partidárias, no plano político,
econômico e estético.
Em 1950 Getúlio Vargas fora eleito com quase 50% dos votos. O
ditador estava de volta ao poder, desta vez legitimado pelo voto
maciço – do povo. Logo no início de seu mandato, uma questão
internacional foi colocada, em virtude da Guerra da Coréia
(1950/53). O confronto era o primeiro da Guerra Fria, e aqui no
Brasil, a decisão entre participar do conflito ou manter-se neutro
37
abarcava questões muito mais amplas, de ordem político-
econômica:
(...) a questão coreana aparece apenas como pano de fundo para as
divergências políticas que tinham como base a questão do desenvolvimento
econômico do país: aqueles que defendiam uma posição ligada ao
desenvolvimento autônomo e preservador das riquezas nacionais e os que
advogavam a causa do desenvolvimento associado ao capital externo.
37
Essa postura de defesa de um "capitalismo nacional" era também a
do PCB até 1948, quando os comunistas acreditavam haver
condições para o desenvolvimento de um setor "burgs
nacionalista", que se encaixava em sua campanha antiimperialista,
de modo a evitar o domínio da produção brasileira pelo capital
externo. Por causa deste precedente, a posição nacionalista de
grupos militares era invariavelmente acusada de pró-comunista.
Vargas, neste contexto, usava sua habilidade política para manter os
dois lados aliados aos seus interesses, associando-se ao capital
estrangeiro ao mesmo tempo em que criava a Petrobrás, atendendo
às aspirações nacionalistas.
No entanto, o discurso de Getúlio havia se transformado
sensivelmente neste seu mandato legítimo: desde o início, eram
freqüentes as críticas à democracia capitalista e as convocações
para que as massas se organizassem na luta por seus direitos
discurso que, naturalmente, não agradava nem ao capital nacional
nem aos partidários de associação com o capital externo. Em um
ponto a burguesia concordava unanimemente, seja nacionalista ou
"entreguista": não ceder às pressões do proletariado.
Getúlio Vargas reconhecia que sua maior base de apoio na eleição
havia sido a classe operária, os trabalhadores urbanos, e pretendia
seguir atendendo as suas reivindicações. Em 1953, nomeou para o
Ministério do Trabalho o petebista João Goulart, político "de fácil
ALMEIDA Jr., Antonio Mendes. Do declínio do Estado Novo ao suicídio de
Vargas. In FAUSTO, Bóris (dir.)
O Brasil Republicano:
sociedade e política
(1930/1964).
São Paulo: Difel, 1981, tomo III, 3
o
. volume, (série História Geral da
Civilização Brasileira), p.249.
38
trânsito nas áreas sindicais", mas também "extremamente suspeito
aos olhos das classes dominantes e de certos setores militares"
38
.
O discurso proferido por Getúlio Vargas em 1
o
. de maio de 1954
poderia ser confundido com o de um político de esquerda: ao pedir o
apoio da classe operária ao seu governo, afirma que no futuro eles é
que "seriam o governo"! Truque de político experiente? Pode ser
possível interpretar também como uma ilusão romântica de que a
vontade do povo pudesse se sobrepor à das classes dominantes, de
modo a mantê-lo no poder.
Mas estas não tardaram a articular sua saída do governo que, no
entanto, foi muito mais bem articulada por ele próprio. "Morrer foi,
para Getúlio, uma continuação daquilo que fizera toda a sua vida:
um ato político"
39
. Ele não entraria na história sem atrapalhar os
planos daqueles que planejaram sua queda. Tanto que, afora as
enormes manifestações populares realizadas após sua morte – que
obrigaram inclusive Carlos Lacerda a sair do país o getulismo foi o
grande responsável pela eleição dos dois presidentes seguintes,
Juscelino Kubstichek e Jânio Quadros.
O PCB também foi pego de surpresa pela morte de Getúlio, devido à
incapacidade de uma compreensão mais ampla da realidade política
brasileira. Como vimos, a radicalização da posição comunista, que
se prolongou pelo menos 1956, afastou a chance de construção de
um pensamento marxista próprio do partido
40
. Segundo Leandro
Konder, os quadros do partido, reduzidos a um cimo de militantes
em relação a 1946, o foram diminuídos ainda mais "graças às
suas campanhas de massa, em defesa da paz mundial, contra a
ameaça de uma guerra atômica, no plano internacional, e em defesa
do nosso petróleo, contra os trustes, no plano nacional".
41
O período que se seguiu ao suicídio de Getúlio Vargas foi um
período de continuidade na aceleração do desenvolvimento
industrial, de substituição das importações e de intervenção política
Ibidem, p.251
Ibidem, p.255
RODRIGUES, op. cit., p.434.
KONDER, Leandro. A democracia ... (op. cit.).
39
do Estado na economia. O Brasil entrava finalmente na era do
capitalismo reformado do pós-guerra, que chegaria até a década de
70.
A burguesia industrial brasileira, no entanto, não adquiriu, como em
outros países, o poder político, necessário ao direcionamento da
economia nacional para os seus interesses. Ao contrário, era
forçada a seguir os ventos da política econômica ditada pelo Estado,
por sua vez servil aos interesses do capital externo. A política
adotada durante o curto período de governo de Café Filho, entre
agosto de 1954 e novembro de 55, e que se prolongou no governo
de Juscelino Kubitschek, agravou a situação de dependência da
indústria nacional ao capital externo: "assegurando aos investidores
estrangeiros a importação de equipamentos industriais segundo uma
classificação prioritária dada pelo governo"
42
, ela obrigou os
industriais brasileiros a se associarem ao capital externo para
desenvolverem a industria nacional.
O governo Kubitschek instaurou definitivamente o capitalismo
monopolista no Brasil, inserindo a economia brasileira na nova etapa
de sua expansão, agora com investimentos diretos nos países
"subdesenvolvidos", configurando uma nova fase do imperialismo:
A ideologia desenvolvimentista e nacionalista veiculada pelo governo JK
tentava ocultar, com relativo sucesso, esse processo de implantação de
uma dimica monopolista submetida a centros externos, essa
subordinação do capital nacional ao estrangeiro.
43
O capitalismo monopolista priorizava a acumulação baseada da
indústria, apoiando-se no setor agroexportador. O Rio Grande do
Sul, no entanto, se caracterizava como um centro de abastecimento
do país, e ficava desta forma sujeito às variações do mercado
interno, com pouca margem para reivindicações das necessidades
específicas de sua economia.
MARANHÃO, Ricardo. O Estado e a política "populista" no Brasil (1954-1964).
In FAUSTO, Bóris (dir.)
O Brasil Republicano:
sociedade e política (1930/1964).
São Paulo: Difel, 1981, tomo III, 3
o
. volume, (série História Geral da Civilização
Brasileira), p.263-264.
Ibidem, p.266.
40
A agropecuária, que até então era o centro das atenções da política
estadual, permanecia em crise. O latifúndio agropecuarista
apresentava pouquíssima rentabilidade. A criação, que continuava
predominantemente extensiva, permanecia quase estacioria
quanto ao crescimento do rebanho. A concentração da propriedade
da terra mantinha áreas improdutivas. A descapitalização levava a
um círculo vicioso: a baixa renda da atividade implicava a baixa
aplicação de capitais na renovação da estrutura produtora, o que,
por sua vez, dava como resultado um baixo rendimento.
44
Este processo de concentração da propriedade privada no campo
resultou em um êxodo de trabalhadores rurais, dos quais uma parte
emigraram do estado, e a outra se concentrou nos cleos urbanos,
engrossando a massa de trabalhadores em busca de emprego e
derrubando o valor da mão de obra operária. Os processos de
produção mecânicos e a extinção das charqueadas contribuíram
para o acirramento das dificuldades dos camponeses.
Além disso, a política seguida pelos governos de Walter Jobim
(1947-51), Ernesto Dornelles (1951-55) e Ildo Meneghetti (1955-59),
apesar das nuances partirias, contribuíram definitivamente para a
tendência do "capitalismo associado" ou o que chamou-se de
"nacionalismo desenvolvimentista", vale dizer, para o
desenvolvimento da indústria nacional, mascarando a entrada
maciça de investimentos estrangeiros no país.
Ao longo dos anos 1940, o país sofreu uma transformação política e
social que acarretou uma mudança no referencial econômico e
cultural, quando se deixa de seguir modelos europeus em prol de
padrões e valores procedentes dos Estados Unidos
45
.
Esse período de redefinição se exacerbou na década seguinte, e o
estabelecimento definitivo de um governo francamente associado ao
PESAVENTO, Sandra Jatahy.
História do Rio Grande do Sul
.
Porto Alegre:
Mercado Aberto, 2002, p. 123.
ORTIZ, Renato.
A Moderna Tradição Brasileira
: cultura brasileira e instria
cultural. São Paulo: Brasiliense, 2001, p.71.
41
capital externo estadunidense coincide com a dissolução do Clube
de Gravura de Porto Alegre. A transformação do imagirio do país,
que vai sofrer uma aculturação a partir do afluxo dos ícones do
consumo provenientes dos Estados Unidos em especial através de
um poderoso instrumento, a televisão, que está em franca
disseminação nos lares brasileiros a partir da segunda metade da
cada de 1950, contribuiu para o fim deste projeto político na arte.
O caráter regional, presente ainda em diversas manifestações
culturais do início da década, vai ser paulatinamente substituído por
um caráter mais universal. No âmbito das artes plásticas, o mesmo
processo acarretou o enfraquecimento do regionalismo gaúcho, que
tornava a linguagem socialista do Clube de Gravura mais aceitável
para o público local. A cultura de massa passou de roldão por cima
do homem da campanha e do gcho heróico.
42
4. INTERNACIONALIZAÇÃO DAS ARTES
43
4.1 – POLÍTICAS CULTURAIS E INSTITUIÇÕES
No panorama cultural dos anos 1950 percebe-se a importância que
representou a "mentalidade gerencial" de uma burguesia industrial
urbana que buscava encontrar meios de distinção social. Carente de
tradições culturais próprias, ela buscava no domínio da cultura meios
de se afirmar socialmente
46
. Para isso, agia com essa mentalidade
empresarial, que "não mais se apoia nos princípios aristocráticos de
cultura, nem nos moldes do mecenato benemérito, mas se trata de
uma ação tipicamente burguesa de uma classe suficientemente rica
para despender grandes somas de dinheiro"
47
.
Essa "mentalidade gerencial" gestou a criação do Museu de Arte de
São Paulo, em 1947, e dos Museus de Arte Moderna, em São Paulo
em 1948 e no Rio de Janeiro, em 1949. Na capital paulista, os
museus faziam parte de um projeto da elite intelectual e de certos
empresários de criar um "lo cultural fundado na ultramodernidade
como referência até mesmo mundial ao mesmo tempo em que
poderia contribuir para internacionalizar (ou 'exportar') a arte
brasileira"
48
.
A fundação dos museus representavam o ápice do projeto
modernista, que "acontece no momento da passagem de um viver
rural e oligárquico e o despontar de outro, urbano e industrial"
49
e se
caracteriza por um momento de afluxo de imigrantes europeus com
"bens, capitais e know-how para aqui instalar seus negócios,
fábricas e empresas"
50
.
O período da guerra e imediatamente posterior a ela assistiu a esse
êxodo de intelectuais, artistas e empresários do continente europeu,
ORTIZ, Renato.
A Moderna Tradição Brasileira
: cultura brasileira e instria
cultural. São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 66
Ibidem, p. 66
ALAMBERT, Francisco e CANHÊTE, Polyana.
As Bienais de São Paulo
: da
era dos museus à era dos curadores (1951-2001).
São Paulo: Boitempo, 2004, p.
33.
LOUREO, Maria Cecília França.
Operários da Modernidade
. São Paulo,
SP, Hucitec/Edusp, 1995, p. 33.
PEDROSA, Mário. A Bienal de Cá para . In
Mundo, Homem, Arte em Crise.
São Paulo: Perspectiva, 1986, p. 253.
44
que iria vir de encontro a um projeto de qualificação profissional de
alto nível que, em São Paulo, tem um marco inicial na fundação da
Universidade de São Paulo em 1934. Com o início da Guerra Fria,
esses profissionais altamente especializados ou capitalizados, no
caso dos industriais formariam a base para a importação de
modelos externos no âmbito das artes plásticas, dos quais os
museus são a expressão mais viva.
Esse período foi marcado ainda pelo processo de substituição das
importações quando, como lembrou Pedrosa: "importam-se
estruturas tecnológicas inteiras, formas de comércio mais
complexos, a fórmula intacta da Bienal de Veneza e as formas mais
atrevidas das artes plásticas"
51
. Importa-se também, via comunismo,
o realismo socialista, dogmaticamente adotado por vários artistas
militantes, entre os quais os gchos do Clube de Gravura de Porto
Alegre
52
. Esta arte figurativa confrontou-se diretamente com os
abstracionismos na grande vaga da internacionalização das artes
nos anos 1950.
As correntes informalistas, que buscavam o desligamento da
realidade circundante, em uma Europa recém-saída da guerra,
dividida cultural e territorialmente, marcaram as artes plásticas na
cada de 1950. Assim, muitos artistas passaram a "conceber
meios de comunicação direta, fora de qualquer questão histórica
preliminar"
53
.
O informalismo, em sua busca de algo místico ou superior, inspirado
por filosofias orientais, primitivas ou por questões existencialistas
era, segundo Giulio Carlo Argan, a "poética da incomunicabilidade",
uma recusa à mensagem ou à interpretação, seja como uma
negativa a se pronunciar acerca da realidade, seja por não saber
muito bem o que dizer face à situação européia.
A contrapartida a esta arte pessimista e angustiada era a
gestualidade do action painting, que afirmava uma nova cultura, a
Ibidem, p. 256.
52
Cf. Capítulo 4.2: A Arte do Desserviço-realismo socialista
ARGAN, op. cit., p. 237.
45
americana – ao contrário do informalismo, que negava a tradição
européia. Esta nova atitude significava: somos livres, somos novos,
somos originais, quebramos com toda e qualquer tradição porque
agora temos a nossa.
O expressionismo é a arte do fazer, é a expressão artística de uma
sociedade pragmática e apressada, neurótica e iconoclasta. "O que
na Europa traz o signo de uma dedução final e constitui o
documento desesperador de uma civilização em crise, nos Estados
Unidos é descoberta, invenção, ímpeto criativo"
54
.
Nesta vaga abstracionista, a arte concreta adquire um relevo
especial no Brasil, e revela também uma atuação política de seus
artistas e teóricos, que pode ser confrontada com aquela do Clube
de Gravura. No entanto, os dois principais representantes desta
vertente construtivista, Waldemar Cordeiro e Mário Pedrosa,
apresentam idéias de política cultural diferentes da visão stalinista
do Clube de Gravura, uma vez que um caminhava pela vertente
gramsciniana e outro pela trotskista, revelando projetos políticos
consistentes de ordem bastante diversa daquela dos gchos.
Os Museus de Arte Moderna, responsáveis pela difusão das
correntes não figurativas no Brasil, foram inspirados e modelados
segundo o Museum of Modern Art, o MoMA, de Nova Iorque. Sua
instalação, acompanhada do action painting, incorporado na pintura
de Jackson Pollock, foram francamente divulgados como parte de
um american way of life que tinha a expressão da liberdade do
indivíduo seu postulado maior. No entanto, essa exaltação no âmbito
artístico continha um componente ideológico de dominação, uma vez
que se iniciava a Guerra Fria e a disputa entre Estados Unidos e
União Soviética por "zonas de influência" tinha no campo das artes
um canal de penetração. Era o início da hegemonia estadunidense.
Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos desenvolveram um projeto "pan-
americanista" que tinha na cultura (e nas artes em particular) um dos seus
braços. O "magnata", como se dizia na época, Nelson Rockfeller (...) é
nomeado para dirigir o Inter-American Affairs Office, uma agência
Ibidem, p. 507.
46
diretamente ligada ao Departamento de Estado norte-americano, cuja
função era exatamente divulgar a "cultura" e os "laços de amizade" dos
americanos do norte com os do sul. Os desdobramentos desse programa
foram extraordinariamente importantes para o surgimento das bienais e para
o desenvolvimento de aspectos da arte e da cultura brasileiras daí para
diante.
55
A ligação do projeto de o fundação do MAM de São Paulo e da
Bienal, pelo industrial Ciccillo Matarazzo, com aquele do empresário
do petróleo estadunidense Nelson Rockfeller está hoje clara, e as
intenções francamente ideológicas deste modelo não são mais
objetos de dúvida. Aracy Amaral narrou um depoimento feito em
1982 por Yolanda Penteado, esposa de Ciccillo no período em
questão, que elucida definitivamente a questão:
Perguntei-lhe das razões que teriam impulsionado Ciccillo a fundar o MAM-
SP e indaguei se ocorrera alguma pressão política por parte de Nelson
Rockfeller nesse sentido. Ela respondeu-me com simplicidade que era
evidente que havendo um museu aqui implantado que traria exposições
internacionais da mais alta e diversa qualidade, abrindo janelas, os artistas
naturalmente se distanciariam de idéias políticas que os faziam
conglomerar-se em debates prejudiciais...
56
As primeiras Bienais tiveram um papel de incontestável atualização,
não só para os próprios artistas como, em especial, para o público,
que pela primeira vez era colocado frente a frente com
manifestações tão variadas de arte moderna. A 1
a
. geração
modernista já havia trazido as novidades da Escola de Paris,
atualizando o cenário artístico nacional. Contudo, essa
modernização foi limitada:
(...) tais novidades ficaram restritas a um grupo, a um pequeno grupo de
escritores, pintores, escultores e músicos.(...) Se a Semana de 22
representou um avanço para os artistas, foi a Bienal de São Paulo que
assegurou a incorporação da chamada "arte moderna" na vida social do
país.
Mais que isso, essa atualização, no âmbito dos próprios artistas,
levou a uma internacionalização da arte produzida aqui; a
ALAMBERT e CANHÊTE, op. cit., p. 28-9.
AMARAL, Aracy. Bienais ou da impossibilidade de reter o tempo.
Revista USP.
São Paulo, no. 52, dezembro/fevereiro de 2001-2002, p. 20.
47
ascendência dos movimentos internacionais sobre a produção
brasileira se dava quase que imediatamente, uma vez que o que
aparecia em uma Bienal já se refletia na representação brasileira na
Bienal seguinte.
A questão que se punha a essa "internacionalidade" era que, em um
corte histórico determinado, como aquele do início da segunda
metade do século XX, o discurso que se afirmava no cenário
"internacional" tinha sede em um país
57
, vale dizer, os Estados
Unidos.
Institucionalizada a arte moderna, o campo arstico abriu-se à penetração
avassaladora dos novos "ismos". Entre resistências e adesões fáceis,
projetava-se a crescente internacionalização das linguagens. Na virada da
cada de 50, o debate entre abstração e figuração tomou conta da cena
cultural. Na realidade, o que estava em jogo era não somente a afirmação
de um paradigma estético, mas o controle ideológico em clima de guerra
fria.
(...) A Bienal de São Paulo não ficou fora dessa disputa. Ao contrário, nos
anos 50, posicionou-se favoravelmente aos movimentos de raiz
construtivista.
58
A forte influência do concretismo, que levou a uma movimentação
artística intensa em São Paulo, através dos artistas reunidos em
torno de Waldemar Cordeiro - que lançaram em 1952 o Manifesto
Ruptura e no Rio de Janeiro, com o grupo Frente, a partir de 1954,
desencadeou uma polêmica com os modernistas, impondo-se como
uma nova vanguarda contra uma arte que já estava na "academia",
em termos institucionais.
A arte concreta criou ainda uma celeuma entre intelectuais e artistas
de esquerda, que se dividiram no apoio ao concretismo, de um lado,
como Mário Pedrosa, que acreditava que a revolução social passava
por uma revolução na sensibilidade, tendo sempre a liberdade como
princípio inexpugvel "a arte é o exercício experimental da
COELHO, Teixeira. Bienal de São Paulo: o suave desmanche de uma iia.
Revista USP
.
São Paulo, no. 52, dezembro/fevereiro de 2001-2002, p. 90.
MILLIET, Maria Alice. Bienal: percursos e percalços.
Revista USP.
São Paulo,
no. 52, dezembro/fevereiro de 2001-2202, p. 94-5.
48
liberdade" - e de outro os comunistas que defendiam uma arte
figurativa de conteúdo e mensagem clara, guiados pelas orientações
soviéticas em prol do realismo socialista, como os artistas do Clube
de Gravura de Porto Alegre.
Para estes artistas, a Bienal e os museus representavam a
dominação cultural, eram instrumentos do imperialismo dos Estados
Unidos e representavam a arte da burguesia decadente. A arte
abstrata estava totalmente desvinculada da realidade objetiva e,
portanto, não podia chegar ao povo.
A Revista Horizonte, da qual os artistas do Clube de Gravura eram
estreitos colaboradores, era enfática em condenar o abstracionismo
e a Bienal de São Paulo. Em setembro de 1951, antes portanto da
abertura da exposição, o arquiteto Vilanova Artigas, assinava um
texto contundente intitulado "A Bienal como expressão da
decadência burguesa"
59
. Começava por classificar os literatos da
Semana de Arte Moderna de "degenerados", "acomodados" e
"submissos", uma vez que eram tidos como os "precursores da
revolução de 30" pelo próprio presidente Getúlio Vargas. Sobre a
Bienal, Artigas a define como
uma grande exposição internacional de arte abstrata no Brasil, com o
comparecimento maciço dos heróis da arte decadente da burguesia, que
transformará o nosso país, por uns meses, em quartel general do
cosmopolitismo.
60
Mesmo ao lembrar que artistas como Portinari e Picasso estavam
presentes na mostra, Artigas logo "desmascarava" a presença de
"artistas famosos que se têm destacado pelas posições claras que
assumiram em defesa das liberdades, da paz e da democracia"
como "uma mistificação comum na época em que vivemos, que
corre por conta da má fé de que a reação lança mão para poder
ARTIGAS, J. Vilanova. A "Bienal" como expressão da decadência burguesa.
Horizonte.
Porto Alegre, nova fase n
o
. 9, setembro de 1951, p 272. O texto foi
publicado originalmente no jornal carioca Imprensa Popular, em 18 de agosto de
1951.
Ibidem, p 272.
49
apresentar-se ante o povo exibindo uma liberalidade que a prática
tem demonstrado não durar muito
61
.
No número seguinte da Horizonte, foi Danúbio Gonçalves, membro
do Clube de Gravura, quem assinou um texto em que pregava a não
participação dos artistas gchos na mostra paulista:
comparecermos à Bienal de São Paulo seria misturarmo-nos na lavagem
despersonalizante da pintura abstrata, que se desliga completamente das
fontes populares e se alimenta do formalismo que os burgueses e seus
tricos apoiam no sentido de justificar as piores expressões da
decadência: os pessimistas suicidas, os sorvedores de entorpecentes que
por luxo pegam nos pincéis sem o mínimo respeito aos grandiosos
ensinamentos técnicos do artesão clássico.
62
Danúbio deixa claro posições contrárias ao abstracionismo, que se
baseiam na ausência de tema, que caracteriza neste momento a
ausência de uma mensagem, de ligação com o povo e que serve,
desta forma, a prositos desideologizantes, caracterizando uma
produção decadente – de uma classe em decadência, a burguesia.
Esta fala de Danúbio concorda com o tom da revista no que tange às
artes plásticas, de uma arte progressista e outra decadente. A
questão da prática artística cujo embasamento remete a
ensinamentos clássicos, está diretamente relacionada a busca de
aperfeiçoamento que os artistas do Clube de Gravura buscavam em
suas seções coletivas de desenho.
É importante lembrar que o contexto político deixava pouca margem
para uma apreciação estética como a de Mário Pedrosa, que fazia,
como dito, a defesa da arte concreta por relacionar a revolução
social à revolução da sensibilidade, sem entregar ao artista a tarefa
de mensageiro.
Dentro dos quadros do Partido Comunista isso era inadmissível,
uma vez que a arte 'progressista', como as ginas da Horizonte
também deixavam claro, está diretamente relacionada ao realismo.
Desta forma, não veremos na imprensa comunista, posições que
Ibidem, p 272.
GOALVES, Danúbio. Sobre a Bienal.
Horizonte.
Porto Alegre, nova fase
n
o
10, outubro de 1951, p. 307.
50
divirjam muito daquelas defendidas por Jdanov para a arte soviética
ao menos até o 1956.
O fato é que, neste período, a arte é a arma de militância para os
artistas da esquerda: o artista e o militante não são papéis
separados, e a própria participação dos artistas do Clube de Gravura
nas campanhas do Movimento Mundial pela Paz é uma prova disso,
como também o é as viagens feitas à União Soviética e às
Democracias Populares, onde vão em busca do contato com uma
arte "de cunho popular" e temática pacifista e de exaltação do povo.
A verdadeira arte nos ditames do realismo socialista.
51
4.2 – A ARTE DO DESSERVIÇO REALISMO SOCIALISTA
O realismo socialista representou um retrocesso na arte soviética
comparável apenas àquele perpetrado no regime nazista. A
disseminação dos preceitos artísticos formulados por Andrei Jdanov
no período stalinista foi um desserviço aos artistas em sua liberdade
de pesquisa estética, não só na União Soviética como em todo o
mundo. No Brasil, os integrantes do Clube de Gravura de Porto
Alegre foram alguns dos que enveredaram pelo sectarismo estético
nos anos 1950.
Desde a elaboração do materialismo dialético por Karl Marx e
Friedrich Engels, muitos tricos buscaram desenvolver uma
estética marxista. Os dois mestres não fizeram definições
especificas acerca da criação artística; apenas algumas indicações
sobre as conviões dos autores estão presentes em textos que, no
entanto, só foram publicados a partir do século XX, como em
"Introdução à contribuição à crítica da Economia Política", que veio à
luz em 1903, e nos "Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844",
publicado somente em 1931
63
.
Desta forma, desde o final do século XIX, busca-se elaborar uma
estética marxista. Tarefa nada fácil, e até hoje incompleta, mas que
em vários momentos contou com hipóteses que obtiveram
legitimação de marxistas e, no período que estamos tratando, dos
comunistas soviéticos. A legitimação da teoria do realismo socialista
por Andrei Jdanov, um dos principais idlogos do Comitê Central
do PC soviético na era Stalin, levou a um caso extremo de
dogmatismo na arte.
No período imediatamente posterior à Revolução de 1917, houve um
desenvolvimento da vanguarda artística russa, empenhada em
colaborar para a construção da nova sociedade, e ser dela sua
expressão mais progressiva. A arte do s-revolução foi feita por
artistas revolucionários:
Portanto, Lenin, por exemplo, não tomou contato com o texto. In KONDER,
Leandro.
Os marxistas e a arte
. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
52
Nos primeiros tempos da revolução a maioria dos artistas colaborou
ativamente na propaganda da revolução. Dos quadros aos cartazes, os
traços apregoavam a nova ordem. Mas a cúpula do PCUS, apegada à arte
tradicional, resistiu ao modernismo.
64
Neste período pós-revolucionário, os artistas ficaram divididos entre
os "de direita" e os "de esquerda". Os artistas acadêmicos faziam
parte dos setores reacionários da sociedade, de forma que se
colocaram contra a revolução. Por outro lado, artistas de vanguarda,
tal como Malévith, Tátlin e El Lissitsky logo se colocaram a serviço
da revolução:
Os artistas inovadores (aqueles que chamavam a si mesmos de os "de
esquerda") logo foram convocados para criação da arte de agitação em
massa, para a criação de cartazes, decoração das praças e fábricas. Ainda
que não fosse oficial, foi bem destacada a divisão que existia entre a arte de
esquerda e os realistas. Justamente os futuristas (aqueles de esquerda)
corresponderam aos objetivos e exigências da nova estética
revolucionária.
65
As a morte de Lenin, em 1919, o tradicionalismo passou a ser
oficial: em princípio discretamente, negando uma interferência direta,
o Comitê Central determinou em 1925 que "caberia ao partido
orientar a política cultural em consonância com os 'objetivos
estratégicos da revolução'"
66
. Em 1932, a
Gazeta Literária
empregava a expressão 'realismo socialista' pela primeira vez, em
substituição às expressões realismo "heróico", "revolucionário" ou
"romântico", usuais até então para se referir à arte figurativa ligada à
revolução. O texto desenhava os contornos da arte que assumiria o
posto oficial: "As massas exigem sinceridade do artista, a
sinceridade e a veracidade do
realismo socialista
, revolucionário na
figuração da revolução proletária"
67
.
A fórmula do realismo socialista foi definida por Máximo Gorki,
escritor de prestígio internacional, que juntou "a perspectiva
64
MORAES, op. cit., p. 113.
KIBLITSKY, Joseph. Arte Soviética da época de Stalin. In 500 anos de Arte
Russa: Museu Estatal Russo. São Paulo: Oca, 11 de junho a 9 de setembro de
2002, p. 130.
MORAES, op. cit., p. 113-114.
53
socialista à substância do realismo" o que "parecia estabelecer um
elo entre o melhor da tradição e o essencial da inovação"
68
. No
entanto, Gorki concebeu sua teoria em moldes estreitos:
A fórmula do
realismo socialista
obteve a sanção oficial da estética stalinista
por ocasião do 1
o
. Congresso dos Escritores Soviéticos, realizado em
agosto de 1934. No discurso que pronunciou em tal congresso, Gorki
conceituou o
realismo socialista
de maneira a atribuir maior importância ao
termo
socialista
do que ao termo
realismo.
O adjetivo cresceu em
detrimento do substantivo e a fórmula do
realismo socialista
assumiu um
caráter voluntarista
69
.
A partir de então, a fórmula foi adotada pelo stalinismo e difundida
como política cultural oficial do Estado soviético.
A fórmula gorkiana, abandonando a herança humanista do realismo crítico
em favor de uma arte comprometida com a propaganda ideológica,
fortaleceu a burocracia partiria e estimulou os preconceitos contra as
correntes de vanguarda e, simultaneamente, contra os clássicos da
literatura mundial.
70
Para legitimar sua teoria, Stalin e Jdanov fizeram interpretações
próprias de textos de Lenin, como o "Quê fazer?", de 1903, que
pregava o dirigismo e centralismo partirio - sem mencionar o
contexto de clandestinidade e agitação revolucionária em que foi
escrito
71
- ou o artigo escrito em 1905, intitulado "A organização do
Partido e a Literatura de Partido", onde Lenin instituiu preceitos para
a atividade da imprensa. No entanto, tamm aqui as teorias
leninistas foram manipuladas, uma vez que se sabe que o líder
revolucionário se referia exclusivamente à produção literária
encomendada pela imprensa partidária e não à literatura em geral
72
.
O realismo socialista cunhado, nos termos jdanovistas, reduzia a
arte à sua "eficácia política mais imediata, destruía-lhe toda e
qualquer universalidade e fazia dela um subproduto da
consciência
Ibidem, p. 115.
KONDER, Os marxistas... (op. cit.), 1967, p. 87.
Ibidem, p. 87.
MORAES, op. cit., p. 117.
Ibidem, p. 89.
KONDER. Os marxistas...(op. cit.) , p. 92.
54
de classe"
73
. Ao almejar prioritariamente um resultado político, ficava
vetada a representação de sentimentos considerados negativos,
como o desespero e a solidão, em prol de uma expressão
exclusivamente otimista e confiante
74
. O realismo socialista tinha a
função de idealizar a realidade ou denunciar condições de opressão,
onde a revolução social ainda não tivesse chegado. Os temas eram
bem definidos:
(...) tudo se resume a obrigar o artista, o pintor, por exemplo, a só pintar
operários de macacão, famintos ou revoltados, mães proletárias grávidas
cercadas de dezenas de filhos esquálidos, burgueses pançudos, de bigodes
retorcidos em torno de uma mesa onde o champanha corre a rodo e com
mulheres lascivas no colo. Também é permitido pintar retratos bem
favorecidos e marciais de alguns heróis e líderes políticos populares
75
.
As personagens são sempre robustas, altivas e possuem braços
musculosos (...) o herói do realismo socialista só troca o macacão de
operário por uma farda militar ou um uniforme esportivo.
76
Os anos de 1947 e 53, entre os quais se assistiu ao auge da
influência do realismo socialista, corresponde respectivamente ao
início da Guerra Fria e à morte de Stalin. Em junho de 1947, Andrei
Jdanov já era o segundo homem da URSS. Cada vez mais exercia
sua visão idiossincrática de cultura, em discussões sobre livros,
condenando o 'formalismo' de Chostakóvitch e Prokófieff e
destituindo diretores de importantes revistas literárias, acusando-os
de publicar "literatura decadente". Seus padrões estéticos estreitos
podem ser vistos em seu comentário em relação à poeta Ana
Akhmatova, que para ele não passava de uma "mulherzinha
histérica que se debate entre a alcova e o oratório", "representante
deste pântano literário apolítico e reacionário".
77
As orientações de Jdanov para a arte se espalharam rapidamente
como palavra de ordem para os PCs de todo o mundo, tornando-se
Ibidem, p. 93.
Ibidem, p. 95.
PEDROSA, Mário. Arte e Revolução.
Mundo, Homem, Arte em Crise
. São
Paulo: Perspectiva, 1986, p. 246
Rita Círio citada em A ditadura estética.
Isto é.
São Paulo: Ano 8, n
o
. 399, 15 de
agosto de 1984, p. 56.
55
o paradigma da imprensa comunista e da produção artística de
dezenas de militantes que, no afã de servirem à causa do
proletariado, abriram mão de sua liberdade criativa e, inclusive, de
sua visão crítica. "Na ânsia de conciliar os desejos libertários com a
lealdade à organização, esses intelectuais acabaram legitimando
involuções autoritárias e repressivas".
78
Vale no entanto frisar que muitos artistas se empenharam
francamente em obedecer e é esta a palavra – aos ditames
estreitos do realismo socialista, acreditando que aquele era o único
caminho possível para a criação artística em uma democracia
popular já existente ou vindoura. De fato, em relação às artes
plásticas, objetos desta pesquisa, as Vanguardas Euroias e mais
ainda as linguagens abstratas eram classificadas como
manifestações de uma arte burguesa decadente, uma vez que não
estavam diretamente – leia-se didaticamente – ligadas aos objetivos
revolucionários.
No Brasil não foi diferente: os preceitos jdanovistas aportaram nas
ginas de Problemas, periódico do PCB editado no Rio de Janeiro,
em 1947. O partido praticamente mantinha o monolio da
informação que chegava do PCUS, e era ouvido pelos militantes
como oráculo.
A imprensa comunista (...) integra um desses aparelhos privados de
hegemonia – o dos meios de comunicação. A meta dos partidos comunistas
é articular-se com segmentos sociais para tentar executar o projeto
revolucionário por eles engendrado. Para isso, dependem da agregação a
suas mensagens do público-alvo: militantes e simpatizantes, em primeiro
plano, e classes populares.
79
De dialético, o marxismo do partido não tinha nada: ao contrário,
para "construir um pilar de sustentação para a obtenção do
consenso em torno da ideologia partidária"
80
o PCB lançou mão dos
KONDER. A democracia ... (op. cit.), 1980, p. 76; JDANOV, Andrei. As tarefas
da literatura na sociedade soviética. In
Problemas:
revista mensal de cultura
política. Rio de Janeiro: ano 3, n
o
. 20, agosto-setembro de 1949.
MORAES, op. cit., p. 20.
Ibidem, p. 45.
Ibidem, p. 45.
56
mesmos artifícios de controle de informação e de produção artística
usados pelo partido soviético: a centralização, o culto à
personalidade do líder aqui além de Stalin, Luís Carlos Prestes e
a sacralização do partido, cuja fala se tornou um mologo repetitivo
e recebido como verdade absoluta por seus militantes.
A imprensa comunista não tratava dos fatos, das teorias marxistas
ou dos programas e problemas do PCB de maneira a dar aos
leitores instrumentos de reflexão e análise, gerando assim frutíferas
discussões e contribuições aos objetivos dos comunistas. Ao invés
disso, o que se via era uma sucessão de exaltações à URSS e de
visões utópicas da situação do partido no contexto nacional que, ao
contrário, era extremamente delicada após o início da Guerra Fria,
quando estava clandestino e com o número de militantes reduzidos
a um décimo em menos de dez anos.
O PCB jamais priorizou a atividade intelectual dentro de seus
quadros, ou reconheceu qualquer mérito de seus membros da
intelectualidade. Para o partido, o que contava era a disciplina
partiria, não o grau de compreensão do marxismo – nenhum
grande teórico esteve entre seus dirigentes.
Desde a escolha de Prestes para secretário-geral, o caráter
messiânico se afirmou e destituiu a reflexão crítica: o proletariado
seria levado pela mão ao poder pelos líderes redentores que
estariam sempre à frente de uma classe social a que não
pertenciam, uma vez que a classe média era a origem de seus
próceres. Os libertadores tinham em Stalin seu líder mundial, e em
Prestes, o nacional.
Dentro deste panorama, os periódicos comunistas eram elaborados
de forma a atender basicamente três pressupostos, os quais eram:
"educar as massas para elevar seu nível de consciência política",
"organizar os setores mais combativos da classe operária em torno
do partido" e "propagar a linha ideológica"
81
.
Para difundir essa "linha", além dos textos com sua fórmula
laudatória e repetitiva, eram importantes tamm as representações
57
artísticas que ilustravam esse discurso. Através das vinhetas o
ideário socialista era transmitido de modo tão eficaz quanto no
discurso escrito: os mesmos valores, o culto à Stalin e Prestes, as
multidões exploradas ou libertadas, o imperialismo opressor, enfim,
a ilustração obedecia aos preceitos de uma arte que mostrasse os
feitos da revolução e a vida idílica do trabalhador ou a situação de
prostração em que viviam os povos ainda não "libertados", na
tentativa de incitá-los para a ação política.
A Revista Horizonte de Porto Alegre foi um periódico comunista que
seguiu as orientações do realismo socialista; em seu conselho
editorial estavam Carlos Scliar e Vasco Prado, os dois fundadores
do Clube de Gravura de Porto Alegre, colaborador constante para as
ilustrações da revista, cujas obras buscavam também seguir as
orientações jdanovistas para as artes plásticas
82
.
Um exemplo do culto à personalidade de Luís Carlos Prestes e do
messianismo do PCB está no segundo número da nova fase da
revista, de janeiro de 1951, inteiramente dedicado ao "Cavaleiro da
Esperança" em virtude de seu aniversário, 3 de janeiro. A gravura de
capa, "Pelas Liberdades Democráticas para o Povo", de Vasco
Prado, traz o líder do PCB com os braços abertos, carregado pela
massa, em um clima de exaltação e vitória, com bandeiras nacionais
ao fundo. Uma faixa onde se lê "Frente Democrática de Libertação
Nacional" remete ao Manifesto de Agosto, de 1950, quando o líder
radicalizou sua posição, pregando a revolução através da luta
armada. Pode-se inferir que o que se vê é uma cena de pós-
revolução. (figura 5)
Este número trazia uma biografia do líder comunista, textos com
títulos como "Prestes, depositário da cultura do proletariado",
poesias exaltadas, como "Prestes, Prestes", "El heroe Luiz Carlos
Prestes", e "Dura Elegia" esta de autoria do poeta chileno Pablo
Neruda. Uma mensagem dos intelectuais gchos, assinada por
alguns integrantes do Clube de Gravura Scliar, Vasco, Glênio
Ibidem, p. 63.
58
Bianchetti e Carlos Petrucci - e um retrato feito por Scliar completam
a homenagem
83
.
Perceba-se que os textos artísticos eram inclusive de autores
estrangeiros, o que marca o internacionalismo do comunismo
expresso na admiração ao líder brasileiro - colocando na arte dita
"progressiva" elementos tão universais quanto àqueles
disseminados pelo internacionalismo nas artes abstratas. O
microuniverso da arte espelhava, assim, o macrouniverso da Guerra
Fria.
Em janeiro de 1952, a revista novamente é dedicada a Luís Carlos
Prestes. Reproduz na íntegra do Manifesto de Agosto, um poema de
Pablo Neruda intitulado "Prestes do Brasil", um desenho de Danúbio,
"Coluna Prestes", além do desenho que ilustra a capa, com o
mesmo tema, de Glauco Rodrigues, e uma gravura de Vasco Prado
que retrata o líder.
O editorial usa termos característicos da adoração comunista a seus
líderes, colocados daquela forma repetitiva que falamos acima:
"Nosso mestre, chefe de todo o povo brasileiro em luta pela Paz e
pela libertação nacional", "chefe provado, aquele que traça, dia a
dia, o rumo certo para a libertação social e nacional de nossa Pátria
e para a manutenção da Paz no mundo inteiro (...) o companheiro
incansável que tem sabido dedicar toda a sua vida à mais nobre
causa: a causa do povo da paz, da liberdade, da democracia popular
e do socialismo". Chama o Manifesto de Agosto de "o maior
documento político de nossa história", e classifica Prestes como o
"maior trico e estudioso dos problemas brasileiros e o único
dirigente político que soube, até hoje, dar a perspectiva correta e a
justa solução para os problemas que afligem o nosso povo". Tudo
isso em meia página!
Os artistas do Clube de Gravura não ficavam para trás no empenho
de realizar uma arte voltada para o povo, de mensagem acessível,
Cf. Capítulo 7 Clube de Gravura de Porto Alegre.
Horizonte.
Porto Alegre, n
o
. 5, 20 de janeiro de 1951.
59
nos moldes do realismo jdanovista, com o mesmo tom laudatório,
expresso através de seus retratos do líder. E se preocupavam
também em difundi-la: Vasco e Scliar acabavam de retornar da
Europa quando fundaram o Clube de Gravura e, através de seus
discursos, buscavam explicitar a nova concepção artística que os
guiava.
Vasco Prado, em texto publicado na Horizonte, em 1951, fez uma
crítica ao seu "Negrinho do Pastoreio" escultura em tamanho
natural que realizou em 1943 – onde afirmava que "por um defeito
formalista de minha formação artística" o trabalho valorizou demais
aspectos dramáticos em detrimento dos humanos, resultando em um
"realismo incompleto" e que, agora, sentia necessidade de refazer
não só essa escultura, mas toda sua obra, utilizando um novo
"critério estético que aceito por achá-lo justo – mais de acordo com a
minha condição de artista e de homem o critério estético do
realismo socialista"
84
. Com isso, o artista pretendia retirar de sua
obra os aspectos considerados "negativos":
Quero agora realizar um Negrinho que represente a mudança, o progresso,
o triunfo de toda a juventude de nossa pátria. Um Negrinho que represente
pelo conteúdo e pela forma a simplicidade, a altivez, o grande anseio de
liberdade de nosso povo e não apenas um herói subjugado, morto, incapaz
de lutar.
85
O Negrinho devia passar a imagem de triunfo, de forma a dar
impulso aos anseios de transformação da sociedade. Esse era o
principal objetivo da arte feita em consonância com o realismo
socialista: "acessível, ditica, funcionando em diversos aspectos
como uma arma de publicidade e propaganda para a liderança
política".
86
Scliar, no número seguinte da revista, analisou esta mudança na
obra de Vasco Prado reforçando qual devia ser a temática desta
"nova arte":
PRADO, Vasco. O Negrinho.
Horizonte
. Porto Alegre: n
o
. 6 (nova fase n 1
o
. 3),
fevereiro e março de 1951, p. 85.
Ibidem, p. 85.
60
É suficiente hoje uma constatação crítica da miséria, das dificuldades do
nosso povo, sem mostrar as forças em crescimento, que são a realidade
maior, a realidade revolucionária, que originam o realismo socialista
(...)?
Para Scliar, o mais importante era, através do Negrinho, ou de
qualquer outra obra de arte, representar "a mudança, o progresso, o
triunfo de toda a juventude de nossa pátria"
87
, de uma maneira clara,
utilizando um realismo despojado de virtuosidade ou estilo:
No Realismo Socialista (...) as demandas por tipicidade e popularidade
definiam a agenda para um naturalismo que suprimia a complexidade da
representação, com o intuito de levar mais facilmente o público a assimilar a
mensagem política veiculada.
88
A eliminação do caráter dramático correspondia à valorização do
heróico, a exaltação em lugar do drama, ao "mito do herói positivo":
(...) próprio a uma sociedade em que tudo se passa como se fosse
constituída uma nova pirâmide social, cuja base era formada de heróis
ainda não ou imperfeitamente positivos e que iam, de degrau em degrau,
positivando até o cume, onde se encontra o único absoluto herói positivo, o
generalíssimo genialíssimo.
89
Os artistas gchos - assim como muitos daqueles que aderiram ao
realismo socialista - só iriam fazer uma análise crítica do sectarismo
com que definiram o papel do artista na sociedade a partir de 1953,
quando a morte de Stalin afrouxou as amarras que limitavam a arte,
e principalmente após o choque provocado pelas denúncias de
Nikita Kruschev no XX Congresso do PCUS, em 1956. A partir daí,
atônitos, muitos irão buscar sua visão critica, deixada para trás, nas
mãos dos líderes do PCB, e perceberão que a URSS não era a terra
prometida que eles acreditavam e pregavam ser. "A ética do
herói positivo acabou destroçada quando o Absoluto Herói Positivo
capitulou, como qualquer não-herói, perante a morte"
90
.
WOOD, Paul. Realismos e realidades. In FER, Briony; BATCHELOR, David;
WOOD, Paul.
Realismo, Racionalismo, Surrealismo:
a arte no entre-guerras.
São Paulo: Cosac & Naify, 1998, p. 316.
SCLIAR, Carlos. Exposição de Vasco Prado.
Horizonte
. Porto Alegre, nova fase
n
o
. 4, abril de 1951, p. 118.
WOOD, op.cit., p. 310.
PEDROSA, Mário. Vicissitudes do artista soviético.
Mundo, Homem, Arte em
Crise
. São Paulo: Perspectiva, 1986, p. 94.
Ibidem, p. 95
61
4.3 - DESILUSÃO
"Os anos do as guerra, a militância, a criação comprometida
com o povo e com o ser humano (...) um sonho de fraternidade
que se transformou em um funeral de ilusões"
Jorge Amado
91
A segunda metade da cada de 1950 foi um período difícil, para se
dizer o mínimo, para os militantes comunistas de todo o mundo. Em
1956, no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, o
então chefe do governo soviético Nikita Kruchev - que substituíra
Stalin no cargo de primeiro-secretário do Comitê Central do PC,
após a morte deste em 1953 - denunciou os crimes cometidos
durante o período stalinista, e o culto à personalidade do líder
soviético. A divulgação dos números de prisões e assassinatos
cometidos no período stalinista – da ordem de milhões - caiu como
uma bomba para os comunistas em todo o mundo.
No Brasil, o PCB manteve-se praticamente mudo sobre o fato
durante meses, o que parece demonstrar o estado de choque em
que ficaram os dirigentes do partido. Muitos se recusaram a dar
credibilidade ao relatório. Agildo Barata, integrante do Comitê
Central do PCB, descreveu sua reação às denúncias:
Senti uma dor no estômago, percebi que a vista estava escurecendo e, com
náuseas, tive uma vontade irresisvel de vomitar. O choque era tremendo.
Desmoronavam-se de um golpe, velhos sonhos, e ilusões que enchiam ,
mais de 20 anos, toda a minha imaginação de admirador entusiasta e
incondicional de Stálin e daquilo que eu supunha ser sua grandiosa obra.
92
Este depoimento de um dos líderes do PCB ilustra o sentimento que
tomou conta dos comunistas em todo o mundo: desilusão. Até então
AMADO, op. cit., p. 280.
BARATA. Agildo. Vida de um revoluciorio. Rio de Janeiro: Melson, s/d, p. 356.
Apud RODRIGUES, op. cit. p.423.
62
o regime soviético era o modelo a ser buscado, a ditadura do
proletariado, o regime da paz.
O PCB, após esse período de mutismo, no qual o refreou o debate
revisionista, abriu a discussão crítica na imprensa partiria a partir
de setembro de 1956. Logo, as posições se dividiram entre os
conservadores, formada pelos líderes, e os renovadores, que
pregavam um debate com vistas a autonomização do partido em
relação ao PCUS e à democratização da liderança partidária.
Prestes, que de início apoiou a abertura do debate, percebeu logo o
risco de cisão que corria o partido e repreendeu os ataques à URSS
e ao PCUS que, segundo ele, "visavam desmantelar o PCB"
93
. Foi a
resposta negativa ao debate amplo. Muitos militantes,
decepcionados agora com a direção do PCB, abandonaram o
partido, inclusive seu único deputado federal, Bruzzi de Mendonça,
muitos jornalista e grande parte dos intelectuais que ainda militavam
em suas fileiras: para muitos deles, era o fim de um projeto de vida,
o afastamento definitivo da vida política.
Não é de se estranhar, portanto, que a partir de 1956 muitos projetos
ligados ao PCB foram abandonados. A Revista Horizonte deixou de
circular neste ano, e não há notícias de atividades do próprio Clube
de Gravura de Porto Alegre. Os militantes se sentiam ao mesmo
tempo traídos e traidores, pois trabalharam durante anos na
divulgação e defesa de um ideário que não correspondia à realidade.
Algumas questões podem ser postas a essa atitude decepcionada
de muitos militantes inclusive líderes, como visto face às
denúncias perpetradas por Kruschev: em primeiro lugar, não é
realmente possível acreditar que não se tinha nenhuma vida
quanto a tão propagada liberdade do período stalinista. Não foram
poucos os artistas plásticos, escritores, músicos, dançarinos,
intelectuais que saíram da URSS entre 1929 e 1953, e que não
escondiam sua insatisfação com o modo que Stalin conduzia o
CHILCOTE, Ronald H.
O Partido Comunista Brasileiro
: conflito e integração
1922/1972. Rio de Janeiro, Graal, 1982, p. 117-120.
63
regime soviético. Mais que isso, é necessário lembrar que muitos
foram os que visitaram a URSS no período, tendo assim a
oportunidade de ver com os próprios olhos a realidade do país.
O escritor Jorge Amado viveu em Praga, capital da Tchecoslováquia,
entre 1949 e 1952, depois de ter sua permissão de estadia na
França suspensa. Foi várias vezes a Moscou, inclusive para receber
o Prêmio Internacional Stalin da Paz, em 1952. Durante este
período, ocorreram grandes expurgos que, ainda que revelados nas
suas reais proporções muito depois, puderam ser sentido pelo
brasileiro, que relatou a situação na Checoslováquia em seu livro de
memórias:
Posso tocar o medo com a mão. Erguido em nossa frente o muro da
devassa na visitação do Santo Ofício comunista. Separa a vida e morte
infamante dos traidores, ninguém está a salvo das ameaças, nem o mais
ilustre, nem o mais poderoso: bocas trancadas, olhares fugidios, a dúvida, a
desconfiança, o medo.
Nas forcas stalinistas balouçam os cadáveres dos mais poderosos dos
principados tcheco e eslovaco, ainda ontem senhores da corda e do baraço,
Slansky, Clementis, Gaminder, a cúpula do Partido. Antes já tinham
executado Rajk na Hungria, a onda de processos e purgas se alastra no
mundo socialista, as confissões e as sentenças.
94
No entanto, no período, sua visão crítica parecia estar obnubilada.
Ao receber o Prêmio Internacional Stalin da Paz, em 1952, declarou:
Há longos anos o nome de Stalin significa para mim todas as aspirações de
paz e felicidade do gênero humano, a conquista da independência, do
progresso e da cultura para todos os povos. O prêmio que ostenta o nome
glorioso de Stalin é uma contribuição inestimável a causa da paz. Stalin foi o
forjador de um mundo novo, onde os povos podem viver livres e felizes.
95
De volta ao Brasil, em 1953, Jorge Amado não rompeu com o
partido, não criticou a URSS ou censurou qualquer coisa que tenha
visto nas "democracias populares"; ao contrário, participou
ativamente dos congressos de paz e de intelectuais que se
AMADO, op. cit., p. 241.
Horizonte.
Porto Alegre, ano II, n
o
. 1, janeiro de 1952.
64
realizaram no Brasil e América do Sul, vinculados aos Partidos
Comunistas. Por quê?
Uma hitese está ligada ao fato de ser muito difícil romper com o
PCB: eqüivalia a se isolar, ser colocado no ostracismo por aqueles a
quem se admirava muito. Ser questionado e ter que justificar o
rompimento, e ser acusado, desta forma, de traidor da causa do
proletariado. Como o compositor Cláudio Santoro, que aderiu
também ao realismo socialista no final dos anos 1940, resumiu com
perfeição: "Na minha geração, aos vinte anos, quem não era
comunista não tinha coração".
96
A distância histórica permite reavaliações que transformam os
agentes do processo histórico em seres menos ingênuos ou mais
passíveis de culpa do que estes realmente podem ter sido: acreditar
no que o partido diz, e não no que se vê, ou pior, o ver, não
exercer seu senso crítico, não foram atitudes isoladas. Muitos foram
os que toleraram a discrepância entre aquilo que acreditavam ser
um caminho para a liberdade, para o mundo da paz e para o fim da
opressão, e o dia a dia do PCB, sua censura velada e suas regras. A
desconfiança de que a URSS não era o paraíso da paz e da
liberdade muito provavelmente passou pela mente da maioria dos
militantes. Só que ningm levou o pensamento à fala, o que só
aconteceu de maneira coletiva quando foi revelado que o que podia
ser ruim, era muito pior.
Zélia Gattai, esposa de Jorge Amado, deu um depoimento que
ilustra esse medo de se desvincular, de ir contra, que assolava os
comunistas não só do Brasil. Ao lembrar ocasião da morte de
Jdanov, em 1948, escreveu:
Acabava de morrer um dos homens mais discutidos do mundo socialista,
naquele momento. (...) homem de Stalin, Andrei Jdanov provocava
polêmicas pelo mundo afora. Suas teorias de exaltação ao realismo
socialista eram certas ou erradas?
Jornal de Brasília. Brasília, DF: 14 de outubro de 1984. Apud MORAES, Dênis
de.
O imaginário vigiado
: a imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil
(1947-53). Rio de Janeiro, José Olympio, 1994, p. 20
65
Stalin achava-as certas e Stalin estava vivo, cabeça do mundo,
comandando, pensando por todos... Qual o comunista peitudo, capaz de
discordar dele? Quem era o louco? A grande maioria, em nome da
'consciência política', e, sobretudo, da fidelidade partiria, dizia amém a
tudo, raciocinando assim: se Stalin acha que isso está certo, quem sou eu,
mísero mortal, para achar que está errado? (...) Os stalinistas adotavam
diante de Stalin a mesma atitude dos religiosos perante Deus. (...) A
verdade é que ninguém quer ser acusado de traidor.
97
Entre 1956 e 58, o PCB atravessou um período de crise em que o
partido perdeu a participação de muitos militantes, inclusive de
Agildo Barata, intensamente atacado pela cúpula, que acabou
rompendo em maio de 1957, o que acarretou a saída de outros
renovadores e a formação de um proto-partido, que nunca funcionou
verdadeiramente, o Movimento Socialista Renovador.
Em 1958, as a retirada das acusações contra Prestes e outros
líderes do partido, aconteceu um processo de "desestanilização" do
PCB, quando o discurso se tornou mais ameno e pacífico, ainda
apoiando, naturalmente, o PCUS, mas caracterizado pela busca da
conquista de espaços democráticos
98
. No entanto, o partido jamais
se recuperou das baixas sofridas pelas denúncias de 1956, e na
cada de 1960, outro partido, o PCdoB, pregaria um comunismo
vinculado à corrente maoísta, e liderado por antigos militantes do
PCB, marcando assim uma ampliação da esquerda no Brasil.
97
GATTAI, Zélia.
Senhora Dona do Baile
. São Paulo: Círculo do Livro/ Record,
1984, 116.
CHILCOTE, op.cit., 123.
66
5. ANTECEDENTES DO CLUBE DE GRAVURA
67
5.1 – AMBIENTE ARTÍSTICO NO RIO GRANDE DO SUL:
DÉCADA DE 1940
O ambiente artístico de Porto Alegre oferecia poucas opções para
aqueles que buscavam orientação artística na primeira metade do
século XX. As artes plásticas gchas eram marcadas pelo
romantismo e pelo regionalismo do gcho heróico, destacado "pela
sua valentia, pelas suas relações com o meio ambiente, pelos seus
traços étnicos, com vistas a confrontá-lo com as características
frágeis do imigrante europeu e do homem urbano"
99
, o que
demonstrava a dominação dos setores culturais pelas oligarquias
rurais que passavam por um processo de perda do poder político
econômico em um cenário de ascensão do capitalismo monopolista,
que priorizava investimentos nas áreas industriais no sudeste do
país.
Entre 1925 e 1935, as opções para a formação artística eram
restritas: o Instituto de Belas Artes ou os ateliês de artistas, como o
de Oscar Boeira ou de Gustav Epstein, que Carlos Scliar freqüentou
por algum tempo
100
.
No campo das artes gráficas, o alemão Karl Ernst Zeuner, emigrado
no pós-Primeira Guerra Mundial, trouxe um fôlego ao setor de
ilustração gaúcho. Zeuner, "desenhista, portador de enorme
experiência junto às principais gráficas alemãs"
101
, foi contratado
para dirigir o departamento de arte gráfica da Livraria do Globo, que
havia sido fundada com vistas a "modernizar o processo de
editoração"
102
. O departamento de arte gráfica era responsável
também pela Revista do Globo, criada em 1929 com a intenção de
ser para o Rio Grande do Sul "uma ponte de ligação mental e social"
KERN, Maria Lúcia Bastos, A Pintura Modernista no Rio Grande do Sul. In:
BULHÕES e Kern, BULHÕES, Maria Amélia e KERN, Maria Lúcia (org).
A
Semana de 22 e a emergência da Modernidade no Brasil
. Porto Alegre:
Secretaria Municipal de Cultura, 1992, p. 46.
Do passado ao presente
: as artes plásticas no Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: Cambona Centro de Arte, catálogo comemorativo dos 5 anos de
atividades, s.d., p. 26.
TORRESINI, Elisabeth R.
Editora Globo
: uma aventura editorial nos anos 30 e
40. São Paulo/ Porto Alegre: EDUSP/ COMARTE/UFRGS, 1999, p. 56.
68
com o resto do mundo, e tinha um certo "elã modernizante",
chegando mesmo a combater o regionalismo
103
. Percebe-se que a
insatisfação com o ambiente artístico conservador era latente, ao
mesmo tempo em que era muito grande a necessidade de
informação vinda de fora do estado.
Ao coordenar os desenhistas desta seção de desenho, Zeuner logo
se tornou o mestre dos jovens autodidatas sedentos por orientação:
"Principalmente aos sábados à tarde, quando do encerramento do
expediente comercial da semana"
104
. No entanto, considerando a si
mesmo um mero gráfico, sem pretensões maiores no campo
artístico, "Zeuner soube permitir que os desenhistas sob sua chefia
desenvolvessem cada um o seu próprio caminho"
105
.
Entre os ilustradores da Revista do Globo estavam João Fahrion,
Sotero Cosme, José Rasgado Filho, Edla Silva, Vitório Gheno,
Nelson Boeira Faedrich, Edgar Koetz, Gastão Hoffstetter e Carlos
Scliar
106
.
Estes quatro últimos participariam, na década de 1950, do Clube de
Gravura de Porto Alegre. Hoffstetter afirmou que foi na seção de
desenho da Editora Globo que conheceu Scliar: "Scliar, que então
era um estudante, começou a freqüentar o ambiente, e fizemos
amizade"
107
. Foi Ernst Zeuner quem apresentou aos jovens
ilustradores as técnicas da xilogravura, lileo e da litografia
108
.
Apesar do fato da ilustração chocar-se diretamente com as questões
de autonomização das artes plásticas no modernismo, que
buscavam uma "independência da narrativa", a ilustração teve papel
fundamental na rotinização do moderno
109
.
Ibidem, p. 37.
SCARINCI, Carlos.
A Gravura no Rio Grande do Sul
- 1900/ 1980. Porto
Alegre, RS, Mercado Aberto Editora, 1982, p. 45.
TORRESINI, op. cit., 1999, p. 56.
SCARINCI, op. cit., p. 46.
Do passado ao presente
: as artes plásticas no Rio Grande do Sul. op. cit.., p.
26.
Correio do Povo.
29 de novembro de 1928, p. 13.
SCARINCI, op.cit., p. 46.
LOUREO, Maria Cecília França. Operários da Modernidade. São Paulo, SP,
Hucitec/Edusp, 1995, 178-183.
69
Transportadas essa afirmação para o ambiente artístico gcho dos
anos 1940 vemos que, com suas especificidades, que se referem
em especial ao próprio conservadorismo estético do discurso desses
ilustradores, foi a atividade gráfica que primeiro se atualizou em
relação aos centros do país e mesmo ao exterior, pela própria
"necessidade de atualização" que "possibilita o acesso às revistas,
aos livros, e jornais estrangeiros e nacionais, permitindo o
conhecimento da produção contemporânea"
110
.
Os ilustradores da Revista e Editora do Globo fundaram, em 1938, a
Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa, que foi a primeira
associação artística do estado:
Vivíamos o nacionalismo dirigido dos dias inaugurais do Estado Novo e sua
influência estava no espírito dos artistas reunidos. Associação teria que
homenagear um artistas plástico de absoluta autenticidade brasileira e logo
veio o nome do Aleijadinho de Vila Rica à memória de todos.
111
O resgate do barroco brasileiro era herança do modernismo, fruto da
busca das raízes culturais e artísticas brasileiras. A questão da
associação vinha no bojo do Estado Novo, e do projeto moderno por
ele engendrado, de transformações sociais sentidas em especial
para o homem urbano, e talvez até com força maior para aquele das
províncias aspirantes à Modernidade, como o Rio Grande do Sul.
No mesmo ano, os fundadores da Associação realizavam o 1
o
.
Salão Oficial da Chico Lisboa. A partir de então, instalou-se uma rixa
entre os artistas da "Chico Lisboa", que logo aumentou o número de
seus membros, e os alunos do IBA, em especial porque este nunca
havia realizado um salão de arte, o que só aconteceu no ano
seguinte. Mas as dissidências o eram causadas somente pela
antecedência no salão:
Aparentemente, os membros da Chico eram reformistas de esquerda contra
os acadêmicos de direita do IBA. Só aparentemente, porém, pois os
KERN, op. cit., p. 47.
Guido Mondim: um depoimento que veio de Brasília.
Boletim do MARGS
. No.
2 – Edição Histórica. Porto Alegre, Museu de Arte do Rio Grande do Sul,
novembro de 1983.
70
dirigentes da Associação eram contrários à entrada da arte moderna no Rio
Grande do Sul.
112
Note-se que na década de 1940 as questões políticas sobrepujavam
as questões estéticas; o mesmo se dará na década seguinte que
será marcada pelo sectarismo estético-partirio do Clube de
Gravura de Porto Alegre.
Uma demonstração desta sobreposição de questões políticas e
estéticas foi o 1
o
. Salão Moderno de Artes Plásticas, organizado em
janeiro de 1942 por integrantes da Chico Lisboa: Oswaldo
Goidanich, João Faria Viana, Edgar Koetz e Guido Mondim. O salão,
realizado, em verdade, para ridicularizar a arte moderna, foi
encerrado com um manifesto que afirmava suas reais conviões:
o modernismo nada mais é que uma arte falsa nos seus processos e
mistificadora nas suas intenções, praticada por gênios improvisados que
surgem na espontaneidade dos cogumelos para pregarem revoluções
dentro dos conceitos eternos da Beleza, com ares inspirados de Iluminados
portadores da Verdade Nova.
113
Mais ainda, o Manifesto acusava o modernismo de "obra
destruidora, subversiva, subterrânea e letal, que utiliza processos
ultra socialistas, vermelhos e implacáveis". Seguia desenrolando
uma cartilha já conhecida: "Seu objeto preferido são as
deformidades físicas e morais".
O salão, que apresentou obras falsas, feitas pelos organizadores e
por mais 17 artistas, foi organizado como resposta desafiadora a
uma conferência pronunciada por Manoellito de Ornellas, em
homenagem a Carlos Scliar, no seu retorno à Porto Alegre em 1942.
Scliar havia obtido medalha de prata na Divisão Moderna no Salão
Nacional de Belas Artes, em 1940 e exposto junto à Família Artística
Paulista, envolvendo-se enfim, com o ambiente moderno do sudeste
do pais. Além disso, organizou a participação moderna do Salão do
Do passado ao presente
: as artes plásticas no Rio Grande do Sul. op.cit., p.
28.
GOIDANICH, Oswaldo, VIANA, Jo Faria, KOETZ, Edgar e MUNDIN Fo.,
Guido. Manifesto de Encerramento. Reproduzido na íntegra em Encerrou-se
ontem, o 1
o
. Salão Moderno de Artes Plásticas.
Diário de Notícias.
Porto Alegre,
6 de janeiro de 1942, p. 7.
71
Bicenterio de Porto Alegre no mesmo ano, o que deixou o jovem
artista marcado como o representante do modernismo no sul do
país
114
.
Manoellito de Ornellas, que além de poeta e ensaísta, era chefe da
seção gaúcha do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP),
órgão de censura do governo, pronunciou o "Elogio da Arte
Moderna", em que tentava ligar as renovações estéticas do
modernismo "à renovação política da sociedade brasileira", "o início
revolucionário de uma era que levaria o Brasil a encontrar os seus
caminhos históricos"
115
. A reação dos artistas da Chico Lisboa ao
pronunciamento de Manoellito tem, portanto, relação estreita com a
oposição ao Estado Novo.
A exposição enganosa repercutiu de maneira curiosa na imprensa,
dando vazão aos reacionarismos. Um jornalista, antes dos
organizadores do Salão Moderno publicarem seu manifesto e
mostrarem as verdadeiras intenções das obras expostas, escreveu:
"É a bolchevização (para além) da Arte. É o movimento desencadeado por
Picasso, Marinetti, Debussy e tantos outros revoluciorios cansados com
o marca-passo infindo do conservantismo.
(...) Há uma lição bem grave na obsessão que domina o modernismo na
pretensa superioridade do presente sobre o passado
116
Outro crítico suspeita da blague do Salão Moderno ao notar a
ausência de Scliar na exposição: "até ontem, apenas o nome de
Scliar era citado como modernista. E parece estranho que seu nome
não figure no 1
o
. Salão. Por quê?"
117
.
Vale ressaltar que nem todos os expositores sabiam da farsa e
alguns mandaram obras que acreditavam ser "honestamente
modernas", como Carlos Alberto Petrucci
118
- que mais tarde
SCARINCI, op.cit., p. 65.
Do passado ao presente
: as artes plásticas no Rio Grande do Sul. op.cit., p.
32.
O., A.
Notas de Arte
: em torno da arte moderna. S/ l. 6 de janeiro de 1942.
(NDP/ MARGS)
VALDEZ, E. Cros.
Artes e artistas
: arte moderna. Sem referência. 4 de janeiro
de 1942
Do passado ao presente
: as artes plásticas no Rio Grande do Sul. op. cit., p.
35.
72
participou do Clube de Gravura. Pode-se dar crédito ao artista que
apresentou dois óleos e uma pintura sobre madeira, mas é difícil não
perceber a farsa nos títulos das obras e nas técnicas usadas: "O ovo
de Colombo", "O quinto cavaleiro do Apocalipse", "O Apolo de
Copacabana", "Fogo no banheiro" e até uma "Madona", "pintura a
fogo sobre vidro leitoso"(!)
119
.
Carlos Scliar iniciou seu percurso como artista plástico neste
ambiente contraditório e precário. Desde os dezenove anos,
procurou sair do cerio confinado da capital gcha. Entre idas e
vindas ao Rio de Janeiro e São Paulo, foi envolvendo-se no
ambiente artístico da Modernidade, expondo e trabalhando com os
artistas da Família Artística Paulista e, no Rio de Janeiro, através de
suas participações nos Salões Nacionais, foi obtendo incentivo dos
críticos locais. Assim, seu espírito inovador e empreendedor, aliado
a seu decidido caráter combativo, deu-lhe condições de ser o
personagem central do Clube de Gravura de Porto Alegre.
1
o
. Salão Moderno de Artes Plásticas do Rio Grande do Sul
. Porto Alegre:
janeiro de 1942 (NDP/MARGS)
73
5.2 – CARLOS SCLIAR E A EUROPA DO PÓS-GUERRA
Carlos Scliar foi, desde cedo, uma personalidade irrequieta e
vibrante, um "campeão na formação de grupos", segundo Renina
Katz
120
. Sua atuação como elemento aglutinador é marcante em
todas as manifestações em que se envolveu, seja no início da
cada de 1940, no Rio de Janeiro e em São Paulo, na sua estada
na Europa, junto aos latino-americanos em Paris a partir de 1947,
bem como em Porto Alegre entre 1950 e 55, período em que atuou
no Clube de Gravura de Porto Alegre. Sua intensa atividade e
constante liderança ficam claras na documentação pesquisada, nos
depoimentos e na própria biografia do artista.
Desde os 15 anos, artista precoce, Scliar participava da vida artística
de Porto Alegre. Em 1935 exs pela primeira vez, na Exposição
Comemorativa do Centenário da Revolução Farroupilha, onde entrou
em contato com os ilustradores da Editora do Globo, passando a
trabalhar na sua seção de desenho no ano seguinte – e tornando-se
um dos discípulos de Ernst Zeuner.
Desde então, conviveu com algumas das figuras mais importantes
das artes gráficas de Porto Alegre nos anos 1940 – aqueles artistas
autodidatas, que se dedicavam à ilustração para sobreviver e eram
considerados inferiores pelos artistas do Instituto de Belas Artes. Em
1938, esteve entre os fundadores da Associação Francisco Lisboa,
participando da primeira manifestação não-acadêmica, no sentido
institucional, da cidade. Logo, no entanto, polarizou as animosidade
dos conservadores dentro da associação, conseqüência de sua
posição decididamente modernista no período
121
.
Foi com Ernst Zeuner, entre 1936 e 38, que Scliar iniciou seu
trabalho na gravura, linguagem artística considerada inferior,
excluída das Belas Artes. Em 1939 ganhou de presente do pai uma
viagem ao sudeste. Foi primeiro ao Rio de Janeiro, onde visitou o
In AMARAL, Aracy.
Arte para quê?
A preocupação social na arte brasileira
1930-1970: subsídios para uma história social da arte no Brasil. São Paulo : Nobel,
1987, p. 187.
SCARINCI, op. cit., p. 65.
74
ateliê de Cândido Portinari. O artista, que realizava uma pintura de
caráter social patente e tinha uma atuação política definida,
fascinava o jovem Scliar, assim como toda a sua geração.
No ano seguinte, transferiu-se para São Paulo, onde realizou sua
primeira mostra individual, bem recebida pela crítica, em especial
por Rubem Braga e Oswald de Andrade. Apresentou pinturas feitas
nos dois anos precedentes, com um acento expressionista e
claramente influenciadas por Lasar Segall e Portinari, revelando
suas intenções sociais na arte
122
.
Envolveu-se com os artistas da Família Artística Paulista,
embebendo-se do clima da Modernidade de São Paulo. Em 1940,
quando exs em seu último salão, no Rio de Janeiro, recebeu a
medalha de prata na Divisão Moderna do Salão Nacional de Belas
Artes, em pintura. Começava o jovem gcho a se tornar conhecido,
e reconhecido.
Dois anos depois, ainda em São Paulo, Scliar começou a dar
mostras da sua personalidade gregária: junto alguns elementos do
grupo Santa Helena - Clóvis Graciano, Manuel Martins e Aldo
Bonadei - além de Oswald de Andrade Filho, Walter Levy, e Lívio
Abramo, Scliar encabeçou a edição de um dos primeiros álbuns
coletivos feitos no Brasil, intitulado "35 litografias".
Em 1942 voltou a Porto Alegre, onde ilustrou algumas obras como
"Almas Penadas" de Pedro Wayne, que conhecia desde a
adolescência, e "As águas não têm memória", de Clóvis Assumpção,
dois importantes poetas e críticos gchos. Contribuiu ainda, sem
querer, para a blague expositiva que se viu no item anterior, uma vez
que sua presença no cenário porto-alegrense foi considerada
provocativa pelos artistas conservadores da Chico Lisboa.
Mas Scliar permaneceu pouco tempo na terra natal, logo voltando ao
Rio de Janeiro, onde envolveu-se na preparação de um
documentário de Rui Santos sobre Lasar Segall, além de trabalhar
em cenário para teatro. Neste período de efervescência foi
75
convocado para a Força Expedicionária Brasileira, partindo como
cabo-artilheiro para o front italiano em 1944.
A experiência da guerra marcou profundamente o jovem Scliar.
Como judeu, inclinou-se desde logo para as ideologias antinazistas;
no palco da guerra, vê de perto a tragédia humana do povo e
decide-se por uma atuação em favor das massas. A partir de então
se envolveu cada vez mais em movimentos políticos e sociais. Esse
comprometimento estaria presente em sua produção artística, em
sua atuação política como militante do PCB, em sua preocupação
com a profissionalização do artista, com a destruição do patrimônio
histórico nacional, com a poluição industrial, enfim, abarcaria todos
os âmbitos de sua vida.
Depois da guerra, Scliar voltou ao Brasil disposto a repensar sua
obra, na procura por um realismo que resolvesse melhor o que
chamava de "problema da comunicação", vale dizer, da relação de
sua arte com o público a que queria dirigir-se, na ânsia de transmitir
seus ideais sociais através da atuação artística. Chegou a dizer que
"a pergunta básica que creio ser a dominante em nossas
preocupações de então residia em: 'Com quem você quer se
comunicar?"
123
Havia chegado a hora de experimentar um novo ambiente artístico, o
mais fervilhante do pós-guerra, capaz de oferecer opções para as
vidas e anseios do artista: Paris.
Quando partiu para a Europa, em 1947, Scliar já era militante do
PCB
124
, e assim que chegou envolveu-se nas manifestações
políticas que se sucediam pelo continente. Em agosto compareceu
ao I Congresso da Juventude Democrática, em Praga. Logo depois,
foi à Itália, junto com Jorge Amado, para cobrir a vitória comunista
nas eleições italianas que não aconteceu. Neste mesmo ano foi
PONTUAL, Roberto et alii. op.cit
.
, p. 22.
In AMARAL, op.cit, p. 144.
"Levava consigo uma carta de Luís Carlos Prestes para o secretário-geral do
PCF, em que dizia que o portador era um companheiro do PCB que ia tentar a
vida em Paris como pintor". In AMARAL, op.cit., p. 144.
76
delegado no Congresso dos Intelectuais pela Paz em Wroclaw, na
Polônia e, em 1949, no I Congresso Mundial pela Paz em Paris.
Junto ao seu comprometimento com os congressos e eventos
políticos, Scliar se envolveu intensamente nas atividades da
Associação Latino-Americana, ou Associatión Latino-Americáine. Os
artistas latino-americanos reunidos na capital francesa, buscavam,
através da Associação, difundir sua produção artística, colaborando
para a divulgação da arte de seus países. Conseguiram realizar
algumas publicações, como o Cahier n
o
. 1, em 1949, por ocasião de
uma exposição de suas obras que realizaram na Maison de
l'UNESCO
125
.
A iia era publicar uma série, o que não aconteceu: Scliar, voltou
ao Brasil e, como era o coordenador da edição, o projeto acabou
abortado. Segundo ele, "a associação quase que nasceu como um
trabalho paralelo ao próprio Movimento da Paz", que ganhou impulso
cada vez maior: "nosso trabalho específico era coisa secundária,
naquele momento, pela prioridade do trabalho político"
126
.
A Associação Latino-Americana seguiu uma experiência semelhante
liderada por Leopoldo Méndez no México, o Taller da Gráfica
Popular. O Taller, uma associação coletiva de artistas fundada em
1937, tinha como objetivos o aperfeiçoamento e a difusão da
gravura, que ao mesmo tempo era um meio para propagação de
mensagens políticas, um instrumento crítico de conscientização do
povo.
Los miembros del TGP, quienes a menudo habían seguido los cánones de
la gráfica expresionista, conviertieron su obra en la manifestación de un
realismo popular menos riguroso, que los aproximó a Posada.
127
Da Exposition D'Oeuvres D'Artistes Latino Américains participaram os
brasileiros Otávio Araújo, Antônio Bandeira, Athos Bulcão, Enrico Camerini, Lucy
Citti Ferreira, Clóvis Graciano, Lina Hazan, Israel Pedrosa, Frank Schaeffer, Carlos
Scliar, Teresa Nicolao e Paulo Vicente da Fonseca. In AMARAL, Aracy.
Arte para
quê? A preocupação social na arte brasileira 1930-1970
: subsídios para uma
história social da arte no Brasil. São Paulo : Nobel, 1987, p. 148.
Apud in AMARAL, op.cit., 1987, p. 150.
127
PRIGNITZ, Helga.
El Taller de Gráfica Popular en México:
1937-1977.
México, D. F., INBA, 1992, p. 13.
77
Inspiradas na obra de José Guadalupe Posada, que distinguia-se
pelo caráter narrativo, aludindo aos acontecimentos do ponto de
vista popular, o Taller da Gráfica Popular buscava um realismo
prático, sem teorizações de partido
128
. Segundo o próprio Leopoldo
Méndez, o Taller era "um centro de trabalho coletivo para a
produção funcional e o estudo dos diferentes ramos da pintura e da
gravura", que buscava, através de sua produção, "beneficiar os
interesses progressistas e democráticos do povo mexicano,
principalmente em sua luta contra a reação fascista"
129
. Tinha forte
ascendência dos muralistas mexicanos, em especial de David
Alfaros Siqueiros, e sua iia de "multirreprodutibilidade" para
democratizar o acesso à arte: as gravuras chegavam a tiragens de
3.000 cópias!
130
.
Carlos Scliar conheceu Leopoldo Méndez no Congresso dos
Intelectuais em Wroclaw onde também estava presente Vasco
Prado
131
. Os dois gaúchos se interessaram pela experiência
mexicana. O contato com Leopoldo Méndez, e com as obras do
Taller da Gráfica Popular inspiraram a iia de um projeto
semelhante para o Brasil:
A experiência e o trabalho de Méndez inspirariam a maneira como o jovem
gaúcho programaria a atuação do artista num meio como o brasileiro (...).
Leopoldo Méndez, mais os objetivos do Congresso de Wroclaw,
desencadeariam uma aplicação, para o Brasil, das idéias de participação do
artistas na vida social.
132
De fato, Carlos Scliar e Vasco Prado, voltariam ao Brasil e
colocariam um projeto em andamento, com influência muito grande,
em seu funcionamento, ao Taller mexicano. Para isso, contaram
com outros artistas gchos empenhados na busca de uma arte
realista voltada para o povo. Já vimos que, ao longo da cada de
1940, Carlos Alberto Petrucci, Edgar Koetz, Gastão Hoffstetter e
Nelson Boeira Faedrich estavam envolvidos no ambiente artístico de
Ibidem.
AMARAL, op.cit., p. 153.
PRIGNITZ, op.cit.
Scliar afirma que viu as obras de Méndez pela primeira vez no apartamento de
Jorge Amado, no Rio de Janeiro, em 1941. In AMARAL, op.cit., p. 153 (nota 57).
78
Porto Alegre. Mas para a formação do Clube de Gravura
concorreram ainda jovens artistas do extremo sul do país, um
pequeno núcleo formado por Danúbio Gonçalves, Glauco Rodrigues
e Glênio Bianchetti: o chamado Grupo de Bagé.
AMARAL, op.cit., p. 153.
79
5.3 – UM ENCONTRO NA FRONTEIRA: O GRUPO DE BAGÉ
"A distância de Baa Porto Alegre era, nos anos 50,
a mesma que separava o Rio de Paris ou Porto Alegre do Rio".
Glauco Rodrigues
133
No extremo sul do Brasil, a 400 quilômetros de Porto Alegre, na
fronteira com o Uruguai, um grupo de jovens artistas constituiu, na
cada de 1940, o que seria o germe de uma das mais significativas
manifestações artísticas do Rio Grande do Sul. Danúbio Gonçalves,
Glauco Rodrigues e Glênio Bianchetti integraram este grupo e, mais
tarde, juntaram-se ao Clube de Gravura de Porto Alegre.
Essa manifestação inusitada foi possível graças à convivência de
jovens artistas com o poeta Pedro Wayne, e da orientação que
receberam esses jovens de dois artistas: Carlos Scliar e José
Moraes.
Pedro Wayne, morador de Bagé que mantinha um olhar atento às
manifestações dos modernistas paulistas, conheceu Scliar quando
este era praticamente uma criança. O artista precoce morava em
Porto Alegre, e veio a Bagé em visita a parentes, por volta de 1932.
Scliar ficou entusiasmado com o estímulo que recebeu do poeta:
"Talvez porque era amigo dos meus tios, me deu uma atenção que
pela primeira vez eu recebia de um adulto"
134
. Logo depois era
assunto de uma crônica de Wayne publicada em Bagé, a primeira
escrita sobre seu trabalho – tinha na ocasião apenas 12 anos!
O incentivo dado por Pedro Wayne seria fundamental para o
aspirante a artista, que ainda não havia se envolvido em um
ambiente que pudesse contribuir para o desenvolvimento de suas
aptidões e não recebia estímulo por parte da família.
HOLFELDT, Antônio. Grupo de Bagé I "O importante hoje é fazer uma arte
nacional", diz início do depoimento.
Correio do Povo
. Porto Alegre, 16 de
setembro de 1976, p. 17.
HOLFELDT, A., MORAES, A. e WEBSTER, M. H. Grupo de Bagé IV as
primeiras noções de pintura e o ambiente do estado nos anos 40.
Correio do
Povo
. Porto Alegre, 21 de setembro de 1976, p. 15.
80
Alguns anos depois, em 1935, Pedro Wayne começava a escrever o
romance "Xarqueada" - grafado com "X" por sugestão de Oswald de
Andrade e Jorge Amado
135
. Repare-se que estes escritores
modernos eram tamm bastante combativos na área política,
ambos filiados ao Partido Comunista do Brasil.
No final dos anos 1930, Glauco Rodrigues, outro jovem bageense,
que não havia completado 10 anos, passou a freqüentar a casa dos
Waynes, através da amizade com Ernesto, filho do poeta. Juntos,
Ernesto e Glauco – além de Ramón, filho mais novo de Wayne
interessavam-se por literatura e cinema, e faziam miniaturas de
cenários de filmes.
136
Em 1941, os dois jovens conheceram Glênio Bianchetti, e os três
passaram a desenhar histórias em quadrinhos juntos. Frequentando
a casa dos Wayne, conviviam em um ambiente cultural e de apelo
estético para os jovens único na cidade, descrito por Glauco anos
depois:
Atravessando a rua todos os dias para brincar na casa dele (Ernesto), eu
entrei em contato com o escritório de Pedro. Era uma coisa misteriosa para
meus olhos de infância. Quadros de Scliar pelas paredes, e umas músicas
modernas... Era Manuel De Falla, Debussy
137
.
Carlos Scliar voltou a Bagé, em 1945, para fazer uma conferência
sobre sua participação na Segunda Guerra Mundial como integrante
da Força Expedicioria Brasileira. Vinha no clima de euforia da
recepção aos expedicionários, que atingiu todo o país, uma vez que
estes representavam ao mesmo tempo a participação do Brasil na
guerra – ou seja, sua existênciacomo nação no cenário exterior
e a vitória dos aliados sobre o nazismo. Scliar já não era mais
aquele que Pedro Wayne incentivou em 1932, e sim um artista que
estava embebido do ambiente de Modernidade do Rio de Janeiro e
São Paulo do início da década de 1940, que havia conhecido
Encontro de Bagé – a visita dos velhos senhores. Entrevista de Ernesto Wayne
a Maria Helena Webster.
Correio do Povo
. Porto Alegre, 4 de janeiro de 1976.
Ibidem.
HOLFELDT, A., MORAES, A. e WEBSTER, M. H. Grupo de BaV Portinari
era a continuidade da busca de um conteúdo brasileiro.
Correio do Povo
. Porto
Alegre, 22 de setembro de 1976, p. 15.
81
Portinari, o pintor social que inspirava toda a geração, com sua arte
e atuação política. A presença de Scliar suscitou curiosidade nos
jovens artistas de Bagé.
Pedro Wayne lhe ofereceu um jantar e apresentou-lhe três
"meninos": eram Glauco, Glênio e Clóvis Chagas, que também
ensaiava seus primeiros passos na pintura. Passos improvisados,
uma vez que eles dissolviam suas tintas em tampinhas de cerveja, e
tinham aprendido, pouco tempo antes, que era necessário preparar
o fundo da tela antes de iniciar a figura. Desta forma, as palavras de
Scliar causaram nos três iniciantes um choque na ocasião, como
lembrou Glauco:
Acho que o Scliar falava uma língua diferente da nossa. Ele começou a
explicar que existiam vários tons de vermelho. É um negócio que a gente
não entendeu nada. (...) Mas foi muito bom o que o Scliar nos disse, foi uma
sacudida que nos fez começar a levantar dúvidas. Era tudo muito intuitivo, o
clima da cidade influía.
138
As palavras de Scliar, relativas ao fazer da pintura, mostrou aos
jovens artistas o quanto estavam longe de "saber tudo", sentimento
típico de adolescente e que seria abalado profundamente, como fica
claro já pelo fato de Glauco e Glênio se lembrarem dessas palavras.
Este último afirmou na mesma entrevista que "a primeira vez que a
gente ouviu falar em composição e ritmo foi com o Scliar"
139
.
Glênio diz que Glauco e ele estavam em plena fase "tango", ou "fase
terrorista":
Essa fase terrorista significava para nós, a quebra total, o rompimento com
tudo. Mas s não sabíamos nem o que era
tudo
em pintura. Isso foi muito
antes de nosso encontro com José Moraes. Glauco já tinha pintado uns três
ou quatro quadros e eu uns cinco ou seis.
(...) Nós nos propúnhamos a reinventar a pintura. E o Pedro Wayne,
humildemente, tentava nos mostrar Segall dizendo que aquilo era bom. Nós
não conseguíamos achar o mesmo.
140
MORAES, Angélica. Revalorização da cultura brasileira, uma proposição do
Clube de Gravura.
Folha da Manhã.
Porto Alegre, 10 de janeiro de 1976, p. 41.
Ibidem, p. 41.
HOLFELDT, A., MORAES, A. e WEBSTER, M. H. Grupo de Bagé VII A
grande fidelidade temática da obra de Danúbio Gonçalves.
Correio do Povo
.
Porto Alegre, 28 de setembro de 1976, p. 19.
82
As palavras de Glênio mostram o apenas o desconhecimento
acerca da situação arstica da primeira metade do século XX, mas
principalmente uma vontade intuitiva de inovação, de ruptura e
criação de algo inédito, próximo aos sentimentos vanguardistas do
Modernismo. Não havia, no entanto, uma busca consciente de se
aproximar deste, apesar da presença de Wayne, que considerava a
Semana de Arte Moderna de 1922 um acontecimento decisivo na
história da arte brasileira
141
. Ao mesmo tempo, pode-se afirmar que
a preocupação com o fazer, com o metier, era característico da
Modernidade – preocupação presente nas manifestações em São
Paulo, na década de 1930, com o grupo Santa Helena, por exemplo.
Esses artistas paulistas, da mesma forma que os bageenses 10
anos depois, "não são acadêmicos e tampouco comungam com as
mesmas circunstâncias vivenciais e formacionais, comparativamente
aos modernistas históricos"
142
.
Como fica claro pelos depoimentos, a informação artística se
restringia ao que Pedro Wayne podia lhes mostrar, e um quadro
mesmo, uma obra de arte moderna de verdade eles só foram ver
muito tempo depois. O contato que tinham com obras de Segall, por
exemplo, era através de reproduções, o que torna mais
impressionante essa movimentação nos limites do território nacional.
A defasagem de conhecimentos artísticos começou a ser
compensada a partir da chegada do pintor José Moraes, que após
receber o Prêmio de Viagem ao País na Divisão Moderna do Salão
Nacional de Belas Artes, foi a Bagé visitar uns parentes - que
também eram parentes de Scliar.
José Moraes havia estudado com Quirino Campofiorito na Escola
Nacional de Belas Artes e era discípulo de Cândido Portinari -
acabava de chegar de Minas Gerais, onde havia auxiliado a executar
o painel da capela de São Francisco de Assis na Pampulha. Algum
tempo antes de ir a Bagé, tivera seus quadros em uma exposição
SCARINCI, op. cit, p. 75.
LOURENÇO, op. cit., p. 61.
83
cortados a gilete por um grupo de direita
143
. Enfim, era tudo o que os
jovens ávidos por orientação e novidade precisavam. Moraes vinha
contribuir com sua vivência na Modernidade do Rio de Janeiro, e
com sua obra marcadamente social, de influência cézanniana. Logo,
um grupo, no qual estavam Glauco Rodrigues e Glênio Bianchetti, se
formou em torno do pintor carioca, ao qual se juntou Danúbio
Gonçalves.
Danúbio também era bageense, mas morava no Rio de Janeiro
desde os 10 anos de idade. Aos 19, em 1944, fez em Bagé uma
exposição, sua primeira individual, onde mostrava trabalhos que
retratavam os morros cariocas, resultado da convivência que já tinha
com pintores modernos em cursos livres que freqüentava. Os
trabalhos de Danúbio chamaram a atenção de Pedro Wayne, que,
da mesma forma que fizera com Scliar, estimulou o jovem pintor
escrevendo uma matéria para o jornal local. No entanto, foi somente
quando José Moraes se instalou na cidade que Danúbio conheceu
Glauco e Glênio, como relatou em depoimento:
Zé Moraes (...) ganhou Prêmio de Viagem ao País e ele escolheu a cidade
porque o irmão dele estava em Bagé, e lá ele conheceu Glauco Rodrigues,
que era bem ingênuo, não sabia nada de arte. Eu morava no Rio, mas tinha
contato, porque meu pai, minha família morava em Bagé, então todo fim de
ano, nas férias, eu vinha de navio.
144
Aqui, ele ficou uma temporada pintando num ateliê alugado, sendo visitado
por Glênio e Glauco. Foi lá que eu conheci eles. Aí já havia um grupo,
porque da primeira vez que eu vim, não havia ninguém que soubesse de
Artes Plásticas. Quando eu voltei para o Rio, continuei me correspondendo
com o Moraes.
(...) Depois do período do Moraes em Bagé e meu retorno para o Rio, eu
continuava mantendo o Glauco e o Glênio informados do que eu fazia e eles
também me contavam o que estavam realizando em Ba. Começamos a
nos ligar desde aí.
145
Em 1948, Danúbio voltou definitivamente à cidade natal, e com
Glauco e Glênio, alugou um ateliê onde os três continuaram os
SCARINCI, op.cit, p. 75.
Depoimento de Danúbio Gonçalves à autora. Porto Alegre, 30 de novembro de
2004.
84
estudos iniciados com Moraes, e onde Glênio e Glauco também
podiam trocar informações com Danúbio, que tinha mais
conhecimentos do fazer artístico. Nestes encontros, os artistas
além dos três, havia outros pintores amadores na cidade -
preparavam obras que, em setembro de 1948, corajosamente
levaram ao Auditório do Correio do Povo, em Porto Alegre. A
exposição teve ampla repercussão pela qualidade inesperada das
obras de artistas tão isolados. O fato insólito levou a exageros:
Quando fui informado, por uma reportagem de Pedro Wayne (...) de que
havia na cidade de Bauma floração de jovens pintores modernistas,
experimentei uma sensação primeiro de certo espanto e logo depois de
franca incredulidade. (...) Mas o que vi, comovidamente, foi uma safra
pictórica que tanto poderia ter florescido em Bagé como em Paris. Tem-se a
impressão, aliás, que aqueles rapazes vivem com o corpo em Bagé e com o
espírito em Paris(...)
146
O trabalho desenvolvido com tão poucos recursos
147
chamou a
atenção:
Quatro jovens desconhecidos, que se arrojavam à nossa metrópole sem
nenhum convencimento, mas também sem nenhum receio, escudados
simplesmente na fé em si mesmos. Toda a sua história está ainda por ser
contada, porque eles pertencem ao futuro (...) um fator fundamental a ser
considerado no seu desenvolvimento arstico: os 'Novos de Bagé' são cem
por cento autodidatas.
148
A denominação 'Novos de Bagé' foi dada ao grupo ainda em 1946,
por Pedro Wayne, em reportagem sobre o grupo para a Revista do
Globo, segundo afirmação de seu filho Ernesto
149
, e referia-se aos
artistas plásticos que faziam parte de um movimento maior da
cidade, que tinha suas origens na literatura, e que logo ampliou suas
manifestações também para o teatro e a música. Segundo Clóvis
MORAES, Angélica de. Revalorização da cultura brasileira, uma proposição do
Clube de Gravura.
Folha da Manhã.
Porto Alegre, 10 de janeiro de 1976, p. 41.
REVERBEL, Carlos. Notícias de uma exposição.
Revista do Globo
. Porto
Alegre, 20 de novembro de 1948, p. 53-55.
Apesar de Glauco já haver freqüentado por algum tempo os cursos do Instituto
de Belas Artes de Porto Alegre e Danúbio ter feito cursos livres no Rio.
Vocação e autodidatismo: os 'Novos de Bagé' e a história de sua pintura.
Correio do Povo
. Porto Alegre, 26 de outubro de 1948, p. 13.
Encontro de Bagé – a visita dos velhos senhores. Entrevista de Ernesto Wayne
a Maria Helena Webster.
Correio do Povo
. Porto Alegre, 4 de janeiro de 1976.
85
Assumpção, que apresentou a mostra dos "Novos de Bagé" e foi
um dos incentivadores do Grupo de Ba
150
, "ao movimento inicial
de literatura, teatro e música do grupo concorreram de modo
específico os artistas plásticos, com esquemas, estudos, cenários e
principalmente ilustrações"
151
.
Além de Glauco Rodrigues, Glênio Bianchetti e Danúbio Gonçalves,
faziam parte dos "Novos de Ba" e levaram obras a Porto Alegre,
Júlio Meirelles, Deny Bonorino e Clóvis Chagas. Este último recebeu
criticas bastante favoráveis na exposição do Correio do Povo; no
entanto, largou a pintura e foi trabalhar com publicidade em São
Paulo, permanecendo para sempre, entretanto, o quarto integrante
dos 'Quatro de Bagé', outra alcunha que os quatro expoentes
bageenses receberam nos jornais da época.
No começo do ano seguinte, o Grupo de Bagé começou a se
dispersar: Glauco e Danúbio foram para o Rio de Janeiro, e este
logo partiu para a Europa. Glênio passou a freqüentar o Instituto de
Belas Artes, em Porto Alegre, enquanto os outros pintores que
participaram da exposição seguiram outras profissões, desligando-
Na parte de literatura, Ernesto Wayne e Ernesto Costa, e na música
(composição), Jacy Maraschin, completavam o Grupo de Ba. ASSUPÇÃO,
Clóvis.
Arte no Grupo de Bagé
- História. Porto Alegre, 1975. Datado como
"Porto Alegre, dezembro de 1953" (NDP/ MARGS)
Ibidem. Vale dizer que, 25 anos depois de sua fundação, quatro artistas que
participaram do Clube de Gravura de Porto Alegre Glauco, Glênio, Dabio e
Scliar - é que passaram a ser chamados de Grupo de Ba, quando sua história
foi resgatada pelo Projeto Cultur, sob coordenação de Antônio Hohlfeldt, cuja
primeira etapa foi chamada de Encontro Nacional de Artistas Plásticos, que
aconteceu em Bagé, durante as primeiras semanas de 1976. Ao longo deste
encontro, os quatro artistas do grupo deram horas de depoimento sobre sua
história e voltaram para as estâncias da região para desenhar, com outros
propósitos e direcionamentos estéticos, mas como o mesmo rigor e disciplina da
cada de 1950. Alguns meses depois, esses trabalhos foram reunidos em uma
exposição em Porto Alegre, e desta forma a história destes quatro artistas ficou
registrada sob a denominação de "Grupo de Bagé", o que causa uma certa
confusão com aquele grupo, que alguns componentes do Clube de Gravura
integrou, na década de 1940.
Em 1997, o título de outra exposição homenageando os quatro artistas reforçou a
confusão de designações, apesar do texto do catálogo esclarecer muito bem a
trajetória do grupo. Intitulada "O Grupo de Bagé no Clube de Gravura – década de
50", e apresentando obras de Scliar, Glauco, Glênio e Danúbio, deixou
transparecer que os quatro é que formavam o Grupo de Bagé. No texto, contudo,
Marilene Pietá esclarece a confusão, ao afirmar que na revisão histórica feita na
cada de 1970 se legitimou uma presença que, em realidade, Scliar só teria de
maneira sistemática em Bagé na década de 1950.
86
se das artes plásticas. Para aqueles que não queriam desligar-se do
fazer artístico, foi um período de buscas e aperfeiçoamento.
Danúbio somente conheceria Carlos Scliar naquele ano de 1949, em
Paris, segundo relatou:
(...) antes dele ir para a Força Expedicioria ele fez uma exposição no
Instituto dos Arquitetos, e eu fui à exposição, não no vernissage. Eu fui
conhecê-lo em Paris, porque por casualidade eu fiquei num hotel quase na
frente do dele, no
Quartien Latin
, ali perto da
Sorbonne
152
.
Esse encontro foi importante para estreitar os laços de Scliar com os
artistas de Bagé, pois pode ter contaminado Danúbio com seu
entusiasmo pelo caráter social da gravura e suas convivções
políticas de esquerda. Em seu retorno ao Brasil em 1950, quando
Scliar se empenhou na atuação política e artística na Revista
Horizonte, pediu a colaboração dos artistas bageenses, que
passaram a contribuir com suas gravuras para o periódioco.
Participaram ainda do Clube de Gravura de Porto Alegre e do
Movimento de Paz. É provável inclusive que Scliar tenha influído na
filiação de Danúbio Gonçalves ao PCB.
Depoimento de Danúbio Gonçalves à autora. Porto Alegre, 30 de novembro de
2004.
87
O envolvimento destes artistas foi tanto que, em 1951, o Grupo de
Bagé, aqui restrito a Glênio e Glauco, e mais tarde Danúbio, todos
de volta à cidade natal, fundaram um Clube de Gravura nos moldes
daquele que Vasco Prado e Carlos Scliar haviam fundado alguns
meses antes em Porto Alegre. Com as mesmas finalidades do
congênere da capital, o Clube de Gravura de Bagé seguiu as
orientações estéticas do realismo socialista, e engajou-se com afinco
nas campanhas do Movimento Mundial pela Paz. Pedro Wayne, em
junho de 1951, relatava as atividades do grupo:
A fundação do "Clube da Gravura", por eles levada a efeito, pela
importância das suas finalidades, é um desses empreendimentos locais, de
tão grande significado, que não permite que se lhe fique indiferente.
Marcando-lhe o primeiro feito, não há muito foi aberta sua "galeria", onde
exposições permanentes de obras de arte estarão franqueadas ao público.
Logo as, a instalação da Escolinha, aonde atualmente cento e tantas
crianças (...) passam horas proveitosas tomando contato com a pintura.
153
O Clube de Gravura de Bagé, que desde logo contou com atividades
diticas, provavelmente em consequência do ambiente precário de
instituições artísticas, chegou mesmo a trabalhar com a pintura,
como visto no comentário acima.
Tinha sede no "Teatro Espanhol", segundo recorda Ernesto Wayne:
"A preocupação era a de documentar a faina campesina, seu labor,
seus hábitos, suas tipicidades, seu quotidiano"
154
. Essa ânsia de
retratar a vida do trabalhador do campo gaúcho – ou do trabalhador
urbano humilde - vinha da necessidade de registrar suas raízes e de
aperfeiçoar o desenho, que eram preocupações do Clube de Porto
Alegre. No entanto, a opção estética do realismo socialista de
Jdanov seguidas pelos artistas do Clube de Gravura, que revelam
suas conviões políticas, levou Ernesto Wayne a se desligar do
grupo em 1952 e explicitar sua posição:
WAYNE, Pedro. Danúbio, Glauco, Glenio e Deni. Correio do Sul, Ba, 5 de
junho de 1951. Apud A partir de Domingo, artistas que começaram em Bagé
retornam à terra.
Correio do Povo
. Porto Alegre, 30 de setembro de 1975, p. 15.
Repare-se que aqui Wayne inclui ainda Deni Bonorino, artista que era ainda mais
jovem que os outros três e que não seria mais citado junto ao grupo a partir da
fundação do Clube de Gravura.
88
A fim de desfazer definitivamente equívocos que ainda possam perdurar,
declaro que, discordando inteiramente da orientação ideológica imprimida
ao Clube de Gravura de Ba, contrária ao que hoje é a minha convião, já
tempos deixei de pertencer à referida agremiação.
155
Como seu similar da capital, o Clube bageense também editava
gravuras de seus artistas, que eram distribuídas aos sócios. Foram
editadas "Pequena Olaria", de Glênio Bianchetti, em 1951, trabalho
que recebeu medalha de prata no V Salão da Associação de Artes
Plásticas Francisco Lisboa – a "Chico Lisboa" - em Porto Alegre
(figura 6), "Vendedor de objetos de osso", de Danúbio Gonçalves,
"Paisagem", de Glauco Rodrigues (figura 7), ambas de 1951, e de
artistas do Clube de Gravura de Porto Alegre, "O linotipista", de
Vasco Prado, e "Gauchinho no galpão", de Scliar
156
.
Em fins de 1951, com a transferência definitiva dos integrantes do
Clube de Gravura de Bagé para a capital gcha, seu acervo passou
a integrar o do Clube de Gravura de Porto Alegre. Mas o grupo,
acrescido de Carlos Scliar, voltaria sempre para a cidade com vistas
a realizar desenhos nas estâncias da região, com o objetivo de
registrar
in loco
os costumes e as paisagens da campanha,
buscando assim alcançar uma temática ligada ao cotidiano
campesino – ou do trabalho humilde da pequena cidade - daqueles a
quem sua gravura queria alcançar. Essas viagens caracterizaram
uma fase do Clube de Gravura na qual os artistas vão em busca de
aperfeiçoamento técnico, através do desenho de observação das
atividades no campo, que também eram ligadas à preocupação
social de seu trabalho.
Encontro de Bagé – a visita dos velhos senhores. Entrevista de Ernesto Wayne
a Maria Helena Webster.
Correio do Povo
. Porto Alegre, 4 de janeiro de 1976.
Correio do Sul
. Bagé, 8 de janeiro de 1952.
SCLIAR, Carlos. Nocias do Clube de Gravura.
Horizonte
. Porto Alegre, ano II,
n
o
. 6, junho de 1952, p. I a VIII.
89
6 – A REVISTA HORIZONTE
90
6. A REVISTA HORIZONTE
A Revista Horizonte de Porto Alegre fazia parte de uma ampla rede
de periódicos comunistas que, apesar da ilegalidade do PCB,
circularam ao longo da década de 1950. Seguia uma resolução que
definia as tarefas dos meios informativos dada pelo Kominform,
órgão soviético que reunia os PCs de todo o mundo, fundado em
1947. Estas eram: "aumentar a vigilância revolucionária, educar as
massas 'no espírito da intransigência face aos inimigos do
socialismo' e combater a 'influência burguesa' sobre a classe
operária".
157
Ao voltarem da Europa, onde haviam passado os últimos anos,
Vasco Prado e Carlos Scliar passaram a fazer a programação visual
da Horizonte. Os dois receberam esta tarefa do Partido Comunista
do Brasil
158
, aos quais eram filiados Vasco havia sido inclusive
candidato a deputado estadual em 1946.
O periódico teve uma primeira fase, antes da entrada dos artistas
plásticos, que circulou entre março ou maio e julho de 1949
159
(figura
8). A segunda fase, iniciou-se em dezembro de 1950, e parece ter
seguido até novembro de 1955
160
. (figura 9)
A partir da reformulação de dezembro de 1950, os dois artistas,
Vasco e Scliar, tiveram a iia de criar o Clube dos Amigos da
Gravura
161
, que depois ficou conhecido como Clube de Gravura de
Porto Alegre, para conseguir recursos para a publicação.
Inspirado no Taller da Gráfica Popular do México e na experiência
de Carlos Scliar na Associação Latino-Americana em Paris, o
MORAES, op. cit., p. 189.
Depoimento de Carlos Scliar em VERAS, Eduardo. Idealistas de Bagé.
Zero
Hora
. Porto Alegre, 12 de outubro de 1996, Cultura, p. 4.
Em MORAES, op. cit., temos que o n
o
. 1 de Horizonte é de março de 1949. Já
na própria revista, há um pequeno texto intitulado "22 de maio é (...) o aniversário
de 'Horizonte'". (O mês em toda parte.
Horizonte
. Porto Alegre, nova fase n
o
. 6,
junho de 1951, p. 182) Fica, portanto, em vida qual informação seria correta..
O exemplar de novembro de 1955 foi o último localizado, após pesquisas nas
bibliografias acerca da imprensa comunista e da investigação no Instituto Cultural
Carlos Scliar. Não há qualquer referência a um exemplar posterior da revista.
A primeira referência que temos ao Clube de Amigos da Gravura foi encontrada
em PINTO, Armando R. Gravura – Arte Democrática.
Guaíra.
Curitiba, maio de
1951. p. 15-17.
91
objetivo do Clube de Gravura era arrecadar fundos através da
distribuição das obras mediante pagamento de mensalidade pelos
sócios-contribuintes do Clube.
No entanto, a partir do quinto número, a revista se pagava com o
recurso de suas assinaturas e o Clube de Gravura continuou a
existir, segundo Scliar afirmou anos depois, "como resposta a uma
escie de indagação que todos nós tínhamos"
162
. A maioria das
estampas publicadas na Horizonte continuou sendo feita pelos
artistas da agremiação gcha até a extinção do periódico.
A partir deste primeiro número da nova fase, Horizonte trouxe
mudanças em seu formato e conteúdo. A entrada dos dois artistas
plásticos na programação visual da revista alterou claramente sua
estrutura e a diagramação: a revista agora tinha formato maior, texto
e gravura na capa. A Apresentação explicitava a orientação da
revista e sua posição acerca do cenário político:
'Horizonte' é uma revista de intelectuais de vanguarda. Nossa arte, portanto,
estará a serviço do que, na sociedade humana e em nossa terra, represente
o que há de novo, de progressista, que consulte às mais nobres aspirações
da Humanidade e de nosso povo.
Uma linha nítida e tensa, divide o mundo de hoje em dois campos. De um
lado, os partirios da Paz, da cultura, de um mundo novo, com o qual
sonharam os grandes pensadores do passado e que já se ergue, a nossos
olhos, na gloriosa União Soviética, na Nova China e nas Democracias
Populares.
E explicitava tamm os princípios a serem defendidos:
(...) queremos a independência nacional e cremos em um Brasil livre e
democrático-popular. Cremos que a verdadeira arte só pode ser aquela que
represente o nosso povo e seus anseios, sirva-lhe de esmulo em sua luta
por melhores dias e pela emancipação nacional.
163
O primeiro ano da nova fase de Horizonte foi dedicado
principalmente à divulgação do Movimento Mundial pela Paz, de
Scliar: "somos quatro amigos, quatro pintores, quatro caminhos diferentes".
Correio do Povo
. Porto Alegre,
4 de janeiro de 1976, p. 31. Lembre-se, no
entanto, que a afirmação foi feita em um momento de repressão política, no
período de ditadura militar, o que provavelmente fez com que o artista não
explicitasse que espécie de "indagações" tinham os artistas do Clube de Gravura
neste momento.
Horizonte.
Porto Alegre, n
o
. 4, 20 de dezembro de 1950.
92
textos relativos à cultura chamada "progressista", identificada à arte
realista produzidas em países comunistas, à publicação de críticas
literárias, contos e poesias, sempre de artistas e intelectuais do
partido, ou de partidos comunistas estrangeiros.
Na parte gráfica, a reprodução de obras que respondiam aos
preceitos jdanovistas para as artes plásticas: desenhos e gravuras
de artistas do Clube de Gravura de Porto Alegre e Bagé, obras
realizadas pelos integrantes do Taller da Grafica Popular do México,
gravuras chinesas.
Marque-se a presença, em mais de um exemplar, de gravuras da
expressionista alemã Kathe Kollwittz. Segundo nota na Horizonte de
julho de 1952, a "grande gravadora alemã (...) foi uma lutadora pela
paz, e as gravuras que publicamos representam sua contribuição à
luta contra a guerra, que desenvolveu em todo o mundo no período
compreendido entre 1919 e 1939"
164
.
Carlos Scliar foi o autor da capa do número um da nova fase, de
dezembro de 1950, uma gravura de temática pacifista
165
. A capa do
mero seguinte ficou a cargo de Vasco Prado, e retratava Luís
Carlos Prestes sendo carregado por uma multidão
166
. Aos poucos
outros artistas do Clube de Gravura que se formava passaram a
colaborar, apesar de não serem filiados ao PCB - "a gente só não
tinha carteirinha", segundo Glênio Bianchetti
167
.
A obra de Bianchetti aparece já no segundo número da revista: a
gravura "camponeses" mostrava um grupo de trabalhadores e, em
primeiro plano, um homem abaixado que segura uma foice com a
mão esquerda, não deixando claro se ele está carpindo ou
levantando a ferramenta. Além dele, outro camponês, armado com
uma espingarda, mostra um ar de vigilância, evidenciado pelo seu
rosto voltado para fora da cena. Os trabalhadores são retratados ao
modo do realismo socialista, com uma postura heróica, de força e
Horizonte.
Porto Alegre, ano II, n
o
. 7, julho de 1952.
Cf. item 3.2 – Movimento Mundial pela Paz (figura 1).
Cf. item 4.2 – A arte do desserviço (figura 5).
VERAS, Eduardo. Idealistas de Bagé.
Zero Hora
. Porto Alegre, 12 de outubro
de 1996, Cultura, p. 4.
93
resistência à opressão. Um deles, inclusive, aparece sorrindo. (figura
10)
Um dos exemplares foi todo ilustrado por gravuras chinesas, e as
peças mostravam os guerrilheiros do exército revolucionário de Mao
Tsé Tung em ação; no mesmo número foi ainda publicado um texto
intitulado "A Gravura Chinesa", que situava a gravura revolucionária
como exemplo a ser seguido pelos gravadores brasileiros
168
. (figura
11)
Em abril, para justificar o aumento do preço, de Cr$ 3,00 para
Cr$5,00, a revista trazia um prognóstico do conteúdo dos próximos
exemplares. Na parte de fião, prometia a divulgação de "contos,
novelas e trechos de romances inéditos de Jorge Amado, Graciliano
Ramos, Dalcidio Jurandir, Alina Paim, Plínio Cabral e James Amado
e outros escritores brasileiros, além de apresentar os mais
importantes escritores progressistas do mundo inteiro"; em poesia,
anunciava os Prêmios Internacionais Stalin da Paz, Pablo Neruda e
Nazim Hikmet. Junto a isso, os ensaios e as críticas literárias e, com
destaque, a publicação das obras dos artistas gchos Vasco Prado,
Carlos Scliar, Glênio Bianchetti, entre outros
169
.
O exemplar de junho de 1951 trazia uma gravura que ocupava a
primeira capa e a quarta capa da revista, de modo que podia ser
destacada e aberta; era uma gravura de Scliar intitulada "União por
uma vida melhor e pela Paz", e mostrava uma passeata onde
homens, mulheres e crianças carregavam faixas com dizeres com
"Liberdade", "Pão" e "Paz", formando uma grande massa
impulsionada para frente e que se perdia no horizonte, dando uma
iia de infinidade
170
. (figura 12)
Outra gravura de grande expressão foi reproduzida neste mesmo
mero: intitulada "Mercado Negro" e de autoria de Leopoldo
Méndez, do Taller da Gráfica Popular, apresentava um enorme
morcego com grandes garras pousado sobre sacas de alimento,
Horizonte
. Porto Alegre, n
o
.6 (nova fase n
o
. 3), fevereiro e março de 1951.
Aos Leitores.
Horizonte
. Porto Alegre, nova fase n
o
. 4, abril de 1951.
Horizonte
. Porto Alegre, n
o
.6, junho de 1951.
94
armazenadas em uma escie de forro. Sob o forro, uma fila de
pessoas cabisbaixas e esqlidas caminham na direção de uma
porta escura, como para um matadouro. Alegoria do imperialismo
dos Estados Unidos e da opressão capitalista. (figura 13)
As capas dos números seguintes traziam gravuras chinesas, de
temática ligada ao estabelecimento da Republica Popular da China,
expressos já nos títulos como "O Semeador" e "Chegada do Exército
de Libertação"
171
. Um desenho de Leopoldo Méndez, retratando
Jorge Amado, foi a primeira capa em outra linguagem artística,
apesar de ser um desenho de traços definidos e contornos
marcados, que poderia ser perfeitamente passado para a
madeira
172
.
Os textos da Horizonte buscavam estabelecer uma relação entre o
nazismo alemão e o imperialismo dos Estados Unidos. As análises
maquiavélicas dos fatos acabavam por denunciar o quanto o
sectarismo prejudicava raciocínios mais profundos, engessando
"avaliações críticas sobre diferentes campos estéticos, isolando
ainda mais um partido que vinha sendo duramente perseguido pela
reação"
173
. Um bom exemplo é o texto de Plínio Cabral, que
apresentava o panorama mundial:
Na realidade estamos frente a duas culturas. Uma que serve a causa do
progresso, que se inspira na vida, que assimila as tradições arsticas
positivas do passado de cada povo; outra que serve a causa dos fautores
de guerra, dos inimigos do progresso. Uma reúne o que há de melhor no
pensamento humano; a outra o que há de pior, os restos, os fracassados.
E ainda usa termos muito próximos àqueles usados pelos nazistas
para designar os movimentos artísticos do modernismo,
aproximando a arte que não seguisse o modelo do realismo
socialista à "arte degenerada" rechaçada por Hitler:
Essa 'cultura' é que pretendem nos impor. O crime, a prostituição, as
aberrações físicas, as deformações monstruosas eis os temas e heróis
174
.
Horizonte.
Porto Alegre, nova fase n
o
. 7, julho de 1951;
Horizonte.
Porto
Alegre, nova fase n
o
. 8, agosto de 1951.
Horizonte.
Porto Alegre, nova fase n
o
. 9, setembro de 1951.
MORAES, op. cit., p. 221.
CABRAL, Plínio. Os Intelectuais e a Defesa da Cultura.
Horizonte.
Porto
Alegre, nova fase n
o
. 9, setembro de 1951, p 253.
95
Em outubro a Paz voltava a ser o tema da capa de Horizonte: de
autoria de Glênio Bianchetti, retratava uma cena onde vários
trabalhadores, vestidos como os trabalhadores da campanha
gcha, se acotovelam sobre uma mesa para assinar o Apelo por
um Pacto de Paz
175
. É uma gravura de mensagem clara e direta,
panfletária no seu objetivo de difundir o Movimento Mundial pela
Paz, servindo a seu propósito de chamamento e aos objetivos da
revista de difusão do movimento pacifista. (figura 14)
Neste mesmo número um artigo intitulado "Artes Plásticas" trata do
V Salão da Associação Francisco Lisboa, de Porto Alegre, que
voltava a acontecer depois de quase dez anos. O texto, não
assinado, começava por louvar a realização do salão "em primeiro
lugar porque demonstrou que os nossos artistas têm possibilidade
de expor as suas obras sem para tanto sujeitar-se à censura de
algum milionário paulista"
176
colocando desde logo uma crítica à
Bienal e seu idealizador, o empresário Ciccilo Matarazzo.
Comentava o "triunfo incontestável dos artistas mais avançados e
progressistas", em referência a premiação de obras realistas e de
temática cotidiana.
Entre as obras premiadas, estavam muitas de artistas ligados ao
Clube de Gravura de Porto Alegre - nem todas nesta linguagem -
entre as quais havia a de Edgar Koetz, medalha de ouro e de Glênio
Bianchetti, medalha de prata. As obras de outros artistas do Clube
recebem comentários, em especial ligados ao tratamento realista, a
inspiração na realidade local e ao poder comunicativo da gravura.
A revista completa um ano (de nova fase) com outra capa de
temática pacifista, de Danúbio Gonçalves, que retrata uma sala de
aula onde a lousa ao lado da professora traz a inscrição PAZ
177
. Na
janela, à direita da gravura, vemos um camponês monumental
assinando o apelo por um pacto de paz. Infere-se que a conquista
Horizonte.
Porto Alegre, nova fase n
o
.10, outubro de 1951.
Artes Plásticas.
Horizonte.
Porto Alegre, nova fase n
o
10, outubro de 1951, p.
307
Artes Plásticas em 1951.
Horizonte
. Porto Alegre, nova fase n
o
11-12,
novembro-dezembro de 1951
96
da paz passa pela educação, de que é uma questão de
conscientização não só das crianças mas de todas as gerações. A
gravura panfletária é diretamente relacionada ao PCB pela
presença, na parede, de um retrato de Prestes: a paz está presente
na sala de aula em um governo comunista. (figura 15)
O PCB enfrentava uma situação delicada: o partido estava na
ilegalidade e seu líder, Prestes estava vivendo clandestinamente no
Brasil, pois era procurado pelo governo. A rede de periódicos
comunistas era responsável pela disseminação de seus manifestos
e buscava associar o nome do "Cavaleiro da Esperança" à luta pela
paz.
Este número trazia ainda um balanço do ambiente artístico no Rio
Grande do Sul ao longo daquele ano de 1951, o que evidencia um
espaço cada vez maior dado às artes dentro da publicação.
Segundo o texto, o que se mostra com mais clareza é a "esforço
realizado por um grupo de nossos pintores, escultores e gravadores
no sentido do realismo socialista", destacando a atuação de seu
colaborador, o Clube dos Amigos da Gravura, através não só da
produção artística como também das exposições que a agremiação
realizou ao longo do ano
178
.
A gravura de capa em maio de 1952, de Carlos Scliar, mereceu
comentários de Diego Rivera, o que recebeu de imediato um grande
destaque, passando a ser citado nos catálogos do Clube de Gravura
(figura 16). A figura, uma criança oferecendo o Apelo por um Pacto
de Paz, foi vista por Rivera na exposição realizada pelo Clube no
Congresso Continental de Cultura, em Santiago do Chile, em março
de 1953. Incitado a tecer comentários sobre a exposição, o pintor
mexicano disse com entusiasmo:
Quanta simplicidade! Que pureza de emoção! Ninguém que a veja se
negará a assinar o apelo de paz. Sente-se o ardor interior que a impulsiona
e isso aumenta a sua beleza plástica. Está aí um exemplo perfeito do papel
da obra plástica com conteúdo político claro, singelo e forte.
179
Ibidem.
LESSA, Orígenes. Diego Rivera e os Gravadores Gchos. In Congresso
Continental de Cultura.
Suplemento da Revista
Horizonte
, Porto Alegre, s/d.
97
Em junho de 1952 a Horizonte trouxe uma espécie de caderno
especial intitulado "Notícias do Clube de Gravura", catálogo com
uma pequena biografia sobre os expositores e uma lista com as
obras de cada um, além de várias reproduções de gravuras que
tinham como tema o trabalho e costumes populares. Traz ainda um
artigo de Carlos Scliar sobre o Clube de Gravura de Porto Alegre, à
época conhecido como Clube dos Amigos da Gravura, por ocasião
de uma exposição que estava sendo apresentada em Porto Alegre
naquele momento e cujas obras "quase simultaneamente estarão
sendo apresentadas em Montevidéu, Buenos Aires, Santiago do
Chile e Nova York". Perceba-se que, ainda que em um circuito
artístico paralelo àquele das linguagens abstratas, o realismo do
Clube de Gravura se insere em um processo de internacionalização
da produção artística nos anos 1950
180
.
No mês seguinte, foi publicada a notícia da premiação dos Clube de
Gravura de Porto Alegre e Bagé, que a esta altura já estavam
integrados, com o Prêmio Pablo Picasso, oferecido pelo Movimento
Brasileiros dos Partirios da Paz aos artistas que mais se
destacavam por seus trabalhos a favor da manutenção da paz. O
texto dizia que o Clube de Gravura vinha realizando inúmeros
trabalhos
(...) nos quais a paz é o tema central. Além disto, participaram e
colaboraram ativamente nos trabalhos da Conferência Continental pela Paz,
e nesta ocasião entraram em entendimentos com artistas plásticos de
outros países, tendo assentado a realização de exposições de gravuras em
Santiago do Chile, Nova York e Buenos Aires. Prestaram, assim, os Clube
de Gravura excelentes serviços em prol do intercâmbio cultural entre os
povos.
181
Ao comemorar dois anos de existência, a Horizonte de dezembro de
1952 trazia na capa a reprodução de uma gravura chinesa e a
seguinte citação de Lenin:
SCLIAR, Carlos. Nocias do Clube de Gravura.
Horizonte
. Porto Alegre, n
o
6,
ano II, junho de 1952, p. I-VIII.
Premiados dois Clubes de Gravura Gchos.
Horizonte
. Porto Alegre, ano II,
n
o
. 7, p. 198, julho de 1952.
98
A arte pertence ao povo. Ela deve assentar suas mais profundas raízes no
verdadeiro cerne das amplas massas trabalhadoras. Deve ser
compreensível para estas massas e elevá-las. Deve despertar os artistas no
seio das massas e desenvolvê-las.
182
O editorial lembrava que outras publicações semelhantes
dificilmente passavam dos seis meses de vida; mas Horizonte
chegava aos dois anos pois era "uma revista de novo tipo, (que) tem
o apoio popular e de intelectuais progressistas", e vinha prestando
"serviços à causa da cultura, de uma nova cultura que exprime os
anseios de paz e de independência de nosso povo". Afirmava ainda
que a redação da revista buscou sempre apresentar o que seriam
os preceitos de "uma arte de novo conteúdo; rebatendo com vigor as
teorias da 'arte pela arte'".
183
Lembrava as tarefas a serem cumpridas, em especial no que dizia
respeito ao "desenvolvimento de uma nova arte de contdo
nacional e popular que esteja à altura das grandes lutas que trava o
povo brasileiro e do grandioso futuro que lhe está reservado"
184
.
Conclamava, por fim, os intelectuais e artistas do estado para
colaborarem com suas produções e, principalmente, para angariar
fundos para que a revista pudesse continuar a sair regularmente.
Ao que parece, contudo, a convocação não granjeou adesões:
Horizonte ficou fora de circulação nos seis meses seguintes,
somente voltando a sair em julho de 1953.
A Revista Horizonte registrou, neste número, a morte de Stalin,
acontecida em março. Dedicou ao líder soviético a edição
praticamente inteira: a capa era composta por uma foto; o editorial,
dedicado ao luto do líder. Os textos tinham títulos laudatórios: "Um
homem, um povo, uma obra", "Stalin está conosco!", "Sobre o
singelo grande homem" e "Adeus, pai!", em grande parte tirados de
jornais soviéticos como o
Pravda
ou franceses como
Les Lettres
Françaises.
Havia ainda um texto de autoria do próprio Stalin e
frases de grandes personalidades comunistas sobre a morte do
Horizonte.
Porto Alegre, ano II, n
o
10, dezembro de 1952.
Editorial.
Horizonte.
Porto Alegre, ano II, n
o
10, dezembro de 1952.
Editorial.
Horizonte
. Porto Alegre, ano II n
o
.10, dezembro de 1952.
99
líder, como as de Mao Tsé Tung, Maurice Thorez, Palmiro Togliati e
Luis Carlos Prestes
185
.
O número seguinte, publicado entre julho e outubro de 1953, trazia
um caderno especial sobre o Congresso Continental de Cultura,
realizado em março na capital chilena, onde grandes intelectuais e
artistas tomaram parte das discussões em torno da defesa das
características regionais da cultura americana, de um maior
intercâmbio entre os povos das Américas e da liberdade de criação e
pensamento
186
. O caderno trazia a íntegra de várias intervenções,
entre as quais a de Orígenes Lessa em defesa de uma troca cultural
maior entre os países em que ele cita entre as manifestações que
merecem ser conhecidas e difundidas o próprio Clube de Gravura de
Porto Alegre
187
.
É também neste caderno especial que o jornalista publica sua
conversa com Diego Rivera sobre a exposição dos gravadores
gchos, que já citamos, onde o mexicano afirmava que ficou
positivamente surpreso pela qualidade técnica e ressaltava o
"conteúdo emocional e humano" das gravuras gchas. Elevava seu
resultado "à altura das melhores produções do México, da China e
das democracias populares, países em que se desenvolveu a
gravura do tipo eminentemente popular" e considerava que elas
estavam de acordo com a "linha enunciada por Mao Tsé Tung em
sua conferência sobre as artes e as letras, na qual recomendava ele
que as nossas obras o fossem nem um cartaz nem uma
consigna"
188
.
Para o Clube de Gravura de Porto Alegre, essas palavras do Rivera
significavam a mais alta honra e reconhecimento pelos seus
esforços de fazer uma arte voltada para o povo e de mensagem
Editorial.
Horizonte
. Porto Alegre, ano III n
o
.1, julho de 1953.
Temário. Congresso Continental de Cultura, Santiago do Chile, março-abril de
1953.
Suplemento da Revista Horizonte.
Porto Alegre, s/d.
Pois assim como não podemos nos isolar em nossos países, não podemos nos
isolar dos outros continentes.
Congresso Continental de Cultura, Santiago do
Chile, março-abril de 1953.
Suplemento da Revista Horizonte.
Porto Alegre, s/d.
LESSA, Orígenes. Diego Rivera e os Gravadores Gchos. In Congresso
Continental de Cultura.
Suplemento da Revista
Horizonte
, Porto Alegre, s/d.
100
clara e direta, sem abrir mão da qualidade do trabalho e do teor
humano do tema.
A última edição de 1953, a partir da qual o nome de Vasco Prado
desapareceu dos créditos da direção da revista, permanecendo o
nome de Scliar, destacou a premiação das gravuras do Clube de
Gravura em salões municipais. Carlos Mancuso, Danúbio Gonçalves
e Fortunato Oliveira foram laureados no Salão Municipal, organizado
pela Associação Francisco Lisboa, e Carlos Scliar e, novamente,
Danúbio Gonçalves, no IV Salão de Belas Artes, do Instituto de
Belas Artes. A notícia da premiação dos artistas do Clube de
Gravura deve ser consideradas, uma vez que o grupo, que buscava
um aperfeiçoamento do desenho que não passava pelo ensino
oficial, era reconhecido justamente pelo IBA, demonstrando assim
sua inserção no ambiente artístico oficial
189
.
No mês seguinte, Carlos Scliar assinou um artigo onde relatava as
atividades do Clube de Gravura, suas exposições, prêmios e
publicações, reproduzindo comentários de críticos como Mário
Barata e Sérgio Milliet e de artistas como Quirino Campofiorito,
Leopoldo Méndez e Júlio Pomar. Reafirmava os objetivos de
democratização da gravura, afirmando que ainda seria possível ver
as obras do Clube de Gravura "em todos os lares: coladas nas
paredes pobres, emolduradas nas outras paredes, transmitindo um
conteúdo de confiança na vida e na luta da nossa gente"
190
.
O último exemplar que foi localizado trazia na capa uma gravura de
Carlos Scliar, que recebeu o Prêmio de Viagem ao País no Salão
Nacional de Belas Artes em 1955, e era resultado das viagens que
fazia com outros integrantes do Clube de Gravura às estância e da
observação direta da temática campesina que queria retratar. (figura
9)
A Revista Horizonte deixou de circular em 1956. Seu
desaparecimento "representa uma quebra na orientação anterior das
Salões de Porto Alegre.
Horizonte
. Porto Alegre, ano III n
o
.3,
novembro/dezembro de 1953.
SCLIAR, Carlos. Das atividades e perspectivas do Clube de Gravura.
Horizonte
. Porto Alegre, ano IV, n
o
.26, janeiro/ fevereiro de 1954, p. 24-25.
101
publicações culturais ligadas ao partido e em circulação na primeira
fase da cada de 50"
191
. Decorrente das denúncias feitas com
relação ao período stalinista no XX Congresso do PC soviético, a
crise que assolou os militantes comunistas levou ao fim de vários
projetos culturais, inclusive do próprio Clube de Gravura, que se
dissolveu no mesmo período.
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Partido Comunista, Cultura e Política Cultural.
São Paulo: FFLCH-USP, 1986, p. 68.
102
7. CLUBE DE GRAVURA DE PORTO ALEGRE
A arte pertence ao povo. Ela deve assentar suas mais profundas raízes
no verdadeiro cerne das amplas massas trabalhadoras.
Deve ser compreensível para estas massas e elevá-las.
Deve despertar os artistas no seio das massas e desenvolvê-las.
Lenin
103
7.1 - CLUBE DOS AMIGOS DA GRAVURA
No final da década de 1940, Carlos Scliar (1920-2001) e Vasco
Prado (1914-98) estavam em Paris, onde freqüentavam cursos livres
Scliar na École de Beaux Arts, Vasco com Etiénne Hajdu e
Fernand Léger - e participavam da efervescência do pós-guerra,
sorvendo a agitação cultural da cidade, neste período repleta de
artistas e intelectuais latino-americanos.
Os dois artistas plásticos comunistas Vasco havia sido candidato a
deputado estadual nas eleições de 1946 e Scliar levou consigo uma
escie de carta de apresentação assinada por Luís Carlos
Prestes
192
- envolveram-se desde logo no Movimento Mundial pela
Paz, comparecendo a seu primeiro encontro, o Congresso dos
Intelectuais pela Paz em Wroclaw, na Polônia, no qual integraram a
delegação brasileira. No Congresso, os dois conheceram o
mexicano Leopoldo Méndez, líder do Taller da Gráfica Popular, e
encantaram-se com a experiência dos gravadores mexicanos.
Por volta de fins de 1949, Vasco Prado voltou ao Brasil, enquanto
Scliar chegaria em setembro de 1950
193
. Logo após retornarem,
receberam do PCB a tarefa de organizar uma publicação para
divulgar o programa do partido e o Movimento Mundial pela Paz, que
já era tema constante na revista Problemas, editada pelo partido no
Rio de Janeiro
194
. Desta forma, eles ingressaram no conselho
editorial de uma revista porto-alegrense, fundada em 1949, a
Horizonte
195
.
Para conseguir colocar a revista em circulação, era necessário
dinheiro e, como lembrou Scliar, para os editores do periódico o
Recordações do artista que foi à guerra.
Jornal do País.
Caderno de Cultura,
18 a 24 de outubro de 1984, p. 17.
HOLFELDT, A., MORAES, A. e WEBSTER, M. H. Grupo de Bagé IX Aos
poucos nasceu a consciência de que o lugar de todos era aqui.
Correio do Povo
.
Porto Alegre, 30 de setembro de 1976, p. 17.
Problemas Revista Mensal de Cultura Potica
. Rio de Janeiro. Vide na
coleção pertencente ao CEDEM Centro de Documentação e Memória da Unesp,
os exemplares de 1948 a 1950 .
Ver capítulo 6 deste trabalho.
104
"ouro de Moscou" o chegava
196
. Desta forma, Scliar e Vasco
Prado resolveram colocar em prática a iia de uma agremiação
semelhante ao Taller da Grafica Popular, utilizando principalmente a
técnica da linoleogravura. Este material era de acesso fácil e barato,
e os efeitos de linhas grossas e arredondadas, de realização simples
pela doçura do lileo ao ser escavado, tornavam-no perfeito para
os objetivos de ilustração da revista e de tiragens numerosas do
Clube de Gravura.
Acrescentando o baixo custo do material à experiência de Scliar na
edição de álbuns coletivos em São Paulo, em 1942, e no trabalho
coletivo da Associação Latino-Americana, em Paris, os artistas
formaram o Clube de Gravura:
(...) de cada uma destas experiências, tiramos algo diferente e
complementar para nosso 'Clube de Gravura de Porto Alegre'. Assim como
em São Paulo (1942), a iia de conseguir dinheiro com gravuras que
naquele contexto, por sua tiragem e preço foi a fórmula capaz de ser mais
rapidamente atingida; de Paris, a preocupação de levar nossa obra a um
ambiente que não nos conhecia; e dos mexicanos, a proposta política
197
.
Assim, nos fins do ano de 1950, alguns artistas passaram a realizar
encontros no ateliê de Vasco, com vistas a formar o Clube de
Amigos da Gravura, discutindo uma arte que se aproximasse das
massas e a elas transmitisse uma mensagem político partidária, e de
temática nacional, seguindo os princípios do realismo socialista, de
exaltação do "herói positivo", seja o camponês ou o operário.
O grupo inicial era composto por artistas convidados pelos
fundadores. O grupo era eclético, e incluía desde os experientes
ilustradores da Editora e Livraria do Globo, como Edgar Koetz (1914-
1969) e Gastão Hoffstetter (1917-86), até os jovens do Grupo de
Bagé, Glênio Bianchetti (1928), Danúbio Gonçalves (1925) e Glauco
Rodrigues (1929-2003). Além destes, compunham o grupo inicial
Carlos Alberto Petrucci (1919-?), Carlos Mancuso (1930), Plínio
PERES, Glênio. Scliar: a energia de um artista consciente.
Jornal do País.
Caderno de Cultura, 18 a 24 de outubro de 1984, p. 17.
SCLIAR, Carlos. Carlos Scliar.
Centro de Artes e Letras
. Santa Maria: 25 de
novembro a 7 de dezembro de 1981.
105
Bernhardt (1927-2004), Fortunato Oliveira e Ailema, esposa de
Glênio Bianchetti
198
.
O ateliê coletivo funcionou por pouco tempo na casa de Vasco (na
Avenida Farrapos) e depois passou para um galpão nos fundos da
casa do pai de Scliar, no bairro do Pathernon
199
. Em outubro de
1953, transferiu-se para uma sala alugada em edifício da Rua dos
Andradas, junto à Praça da Alfândega
200
, e finalmente teve sede em
uma casa, na mesma rua, n
o
. 1529, "cujo primeiro aluguel foi pago
por Vasco Prado - depois s nos quotizávamos para pagar o
aluguel, os modelos vivos, e outras despesas"
201
, segundo Glênio
Bianchetti. O caráter gregário, de artistas que unem forças e
recursos para levarem adiante seu trabalho artístico, fica claro neste
depoimento. Essa formação de grupo é característica da
Modernidade – a necessidade do coletivo, da crítica e da autocrítica
e da extroversão da produção.
Na sede do Clube de Gravura os artistas se reuniam para sessões
de desenho, onde mostravam seus trabalhos e ouviam as críticas
dos colegas, de forma a aprimorar a técnica e o conteúdo. A questão
da realização de uma arte que transmitisse uma mensagem era
essencial, pela própria orientação estética do grupo, guiada pelo
realismo socialista. Algumas dessas gravuras eram publicadas na
Horizonte, e aquela que fosse considerada a de melhor qualidade,
editada para os sócios-contribuintes, que recebiam uma gravura por
mês.
Alguns meses depois, Glauco Rodrigues e Glênio Bianchetti
fundavam o Clube de Gravura de Bagé, ao qual logo se juntou
Danúbio Gonçalves. O Clube de Bagé se confundia com o de Porto
Alegre em conseqüência do intercâmbio quase em tempo integral
Clube de Gravura vitoriosa realização de um grupo de artistas conterrâneos.
Diário de Notícias
. Porto Alegre, 20 de setembro de 1955.
Depoimento de Carlos Mancuso à autora. Porto Alegre, 4 de dezembro de
2004.
Rua dos Andradas, 1155, sala 908. ASSUMPÇÃO, Clóvis. Clube de Gravura.
Correio do Povo
. Porto Alegre, 10 de outubro de 1953, Suplemento de Sábado,
p. 8.
Depoimento de Glênio Bianchetti por correio eletrônico.
106
dos seus artistas; de fato, nos inícios de 1952, o acervo dos dois
Clubes de Gravura se fundiu, em conseência da mudança dos
artistas bageenses para a capital.
Entre os participantes do Clube de Gravura estavam artistas
experientes e reconhecido nos salões de arte do Rio Grande do Sul:
Vasco Prado, Edgar Koetz e Carlos Alberto Petrucci que tinham
ficado conhecidos após participarem de uma exposição intitulada
"Grupo dos Seis", em junho de 1944; os dois últimos, haviam
participado da Associação Rio-Grandense de Artes Plásticas
Francisco Lisboa, sendo que Koetz participou da sua fundação. No
entanto, nenhum deles tinha experiência em gravura, uma vez que
eram conhecidos por seus trabalhos em escultura e pintura.
Gastão Hoffstetter e Scliar participaram da fundação da Associação
Francisco Lisboa. Alguns dos artistas, freqüentavam o Instituto de
Belas Artes, como Plínio Bernhardt, formado em 1948 e Carlos
Mancuso que, em 1950, tinha apenas 20 anos de idade e era
estudante de arquitetura do IBA. Outros, tinham um convívio
esporádico com o grupo, como Ailema Bianchetti e Fortunato
Oliveira, um major do exército, carioca, que freqüentava o ateliê e
chegou a ter uma gravura, "Rinha", editada pelo Clube de Gravura
de Porto Alegre
202
.
Edgar Koetz, Hoffstetter e Scliar trabalharam juntos, na cada de
1940, no setor de ilustração da Revista do Globo. Os artistas do
Grupo de Bagé, que paralelamente ao Clube de Gravura de Porto
Alegre mantinham um similar na cidade natal, tinham muitas
deficiências na formação, e sem vida o aprimoramento do
desenho representou a maior contribuição do Clube de Gravura para
estes artistas.
Vasco Prado já era um escultor conhecido não só no estado, e era
um artista plástico com obra já consolidada. Carlos Scliar, mais
jovem mas também bastante conhecido, estava ainda em uma fase
Depoimento de Danúbio Gonçalves à autora. Porto Alegre, 30 de novembro de
2004.
107
de definições e incertezas, mas naquele momento seguia fielmente e
com entusiasmo as orientações inclusive estéticas do PCB.
108
7.2 - O ENGAJAMENTO POLÍTICO
O Clube de Gravura se inseriu naquilo que poderia ser chamado de
tarefa de mediação entre o partido e o público, "voltadas para fora"
da máquina partiria. Entre estas tarefas estavam as publicações,
como a Revista Horizonte, a realização e colaboração em
congressos, conferências, assinaturas de manifestos, atividades
político-culturais
203
, tudo o que pudesse contribuir para dar
visibilidade ao partido, divulgar sua ideologia e ampliar seus
quadros. Estas atividades eram exercidas pelos intelectuais, artistas
e jornalistas que queriam, através da especificidade de sua
profissão, exercer sua militância.
Apesar desta profunda ligação com a militância comunista, alguns
artistas do grupo procuram diminuir, hoje, o engajamento político
que estava na origem do próprio Clube de Gravura. Mancuso é
enfático ao afirmar que seu maior interesse na participação do Clube
de Gravura era o aperfeiçoamento do desenho:
(...) O desenho é a base da gravura, então vamos desenvolver o desenho,
quer dizer, vamos habilitar o jovem a ter uma capacidade gráfica de
desenho para poder fazer gravura. Porque a gravura era um elemento
popular, prático, fácil de fazer, etc.
204
Insistindo sempre em que não era militante comunista. Danúbio
Gonçalves também foi enfático ao dizer que o Clube de Gravura não
era sectário:
Há uma coisa que não é certa. Tinham pessoas que eram engajadas
politicamente, até militante, o Scliar, o Vasco, de esquerda, tinha jornal
naquela época, agora, os outros não eram, apenas a temática do Rio
Grande do Sul interessava; a gente não impunha nada, era livre, não tinha
uma doutrina, um tipo de arte. Tem gente que acha que tinha, não tinha.
RODRIGUES, Leôncio Martins. O PCB: os dirigentes e a organização. In
FAUSTO, Bóris (dir.).
O Brasil Republicano:
sociedade e política (1930/1964).
São Paulo: Difel, 1981, tomo III, 3
o
. volume (série História Geral da Civilização
Brasileira), p.412.
204
Depoimento de Carlos Mancuso à autora. Porto Alegre, 4 de dezembro de
2004.
109
No entanto, o próprio Danúbio foi escolhido pelo PCB para visitar a
URSS, em 1953, pela sua fidelidade partidária. Além disso, Scliar e
Vasco eram dois militantes comunistas conhecidos no Rio Grande
do Sul, portanto, todos os que freqüentaram o Clube de Gravura
sabiam a que prositos a arte feita por seus artistas servia.
Esta "contaminação" dos mais combativos se dava de forma
inevitável uma vez que, se os objetivos são os de discutir um
trabalho em conjunto, as iias de uns vão, com certeza, influir nos
trabalhos de outros - e é fato que as obras deste período eram todas
carregadas de influências do realismo socialista, fossem retratos ou
paisagens, e na sua quase totalidade tratavam de temas
relacionados ao trabalho – em geral exaltando o trabalhador, o que
era, inegavelmente, característico da busca de aproximação com o
realismo socialista.
A leitura que os próprios artistas fizeram de seu trabalho neste
período retirou o tom ideologizante da temática para colocá-la como
uma questão de regionalismo, que têm tradição arraigada no Rio
Grande do Sul. Um período inicial de trabalho guiado por orientação
partiria não parecia algo interessante de ser lembrado, em
especial depois desses artistas encontrarem seus próprios rumos
através da liberdade de pesquisa estética. Vasco Prado, um do mais
combativos e sectários, ao menos no discurso da época - do Clube
de Gravura, disse em depoimento:
Apesar do sectarismo dos que pretendiam impor um dirigismo político no
Clube de Gravura, o que nunca aceitei, acho que aí se fez um trabalho
importante. (...) Voltamos a atenção para os temas locais, desenvolvendo
um tratamento realista, às vezes com algo de documental.
205
A tentativa de retratar o homem gaúcho, de achar as raízes do povo
da campanha, foi uma preocupação de um segundo momento do
Clube de Gravura, que não estava em absoluto desligado do
realismo socialista, mas já é indício de uma visão mais crítica de
VASCO Prado. Porto Alegre: MARGS/ São Paulo: Companhia Iochpe de
Participações, 1984, p. 16.
110
alguns artistas com relação às orientações estéticas do PCB em
especial de Scliar.
Este chegou a afirmar que se afastou do Partido em 1951, o que
com certeza não procede pois, além das intensa atividade que
desenvolveu entre 1950 e 1952 junto à publicação e ao Clube de
Gravura, em 1953, ele viajou à URSS junto à delegação de
intelectuais do partido, escolhida a dedo sob o critério da lealdade
partiria e solidariedade incondicional à URSS. Impossível,
portanto, que ele "não pensasse como antes" já em 1951.
206
No entanto, a distância temporal dos acontecimentos não o fez errar
tanto a data: a partir de 1953, Scliar realmente vai se preocupar
muito mais com a questão da fazer artístico, do aprimoramento do
desenho, do que com a problemática social sem abandoná-la de
todo, mas com uma interpretação mais pessoal do papel do artista
na sociedade. Nesse momento, afastou-se. Seu engajamento
político, estava bastante abalado:.
No Partido Comunista (...) fui chamado de 'espírito de porco', nos últimos
tempos de tanto que brigava lá dentro. No dia em que achei que não
adiantava mais brigar, afastei-me. Nunca rompi publicamente porque eu
também era responsável por algumas das besteiras que foram a razão de
meu afastamento.
207
Demonstrava aqui não só a dificuldade de discussão dos preceitos
estéticos naquele período, mas até uma certa amargura em
reconhecer seu próprio sectarismo. Anos mais tarde, Scliar chegou a
afirmar que tinha muito respeito pelo panfletarismo na arte,
reconhecendo: "já vivi esta fase, foi algo enriquecedor para mim, que
jamais renegaria". E continua: "um jovem sectário me parece
Carlos Scliar procura a beleza nas coisas simples.
Zero Hora
. Porto Alegre, 11
de setembro de 1994. Revista ZH, p. 8-9.
PERES, Glênio. Scliar: a energia de um artista consciente.
Jornal do País.
Caderno de Cultura, 18 a 24 de outubro de 1984, p. 17. Scliar chegou a afirmar
mais tarde que sua participação no partido acabara em 1951: "E me afastei porque
o partido não pensava mais como antes." Carlos Scliar procura a beleza nas
coisas simples.
Zero Hora
. Porto Alegre, 11 de setembro de 1994, Revista ZH, p.
9.
111
saudável", deixando claro que a maturidade lhe trouxe outra
concepção acerca do trabalho artístico
208
.
A revisão que Scliar fez, a partir de 1953, de seus próprios objetivos
como artista, em relação à sua liberdade de criação, foi motivo de
um conflito entre ele e Vasco Prado, que continuava sectário,
conforme relatou Carlos Mancuso,:
(...) houve uma briga entre o Vasco, Vasco ainda continuava com essas
idéias. Claro, gosto muito da obra dele mas era sectário, o socialismo dele
era sectário e o Scliar começou a discutir (...) que aquele não era o
caminho, ele não podia ser doutrinado pelo partido.
209
O período em que Scliar reflete sobre o sectarismo do Clube de
Gravura e repensa suas posições estéticas coincide com o ano em
que Danúbio Gonçalves e ele integraram uma delegação de artistas
e intelectuais, que visitou países do Leste Europeu as chamadas
democracias populares e a União Soviética.
Nesta viagem, os dois gravadores participaram de reuniões com
artistas plásticos soviéticos e submeteram seus trabalhos à
apreciação de membros da Academia de Belas Artes da URSS. As
críticas dos artistas soviéticos, ainda que bastante favoráveis aos
trabalhos, ressaltaram "certos elementos de índole decorativa que,
às vezes, borram a imagem do homem"
210
. Esse decorativismo de
que falaram os soviéticos era com certeza relacionado a questão do
narrativo e do regional. Essas ressalvas feitas à obra dos gchos
demonstram que não havia nenhum espaço para caracteres locais
no realismo socialista, e deve ter causado uma impressão de
decepção aos gaúchos.
O ano de 1953 tamm foi o ano da morte de Stalin, o que permitiu
um afrouxamento do sectarismo e provavelmente incitou algumas
autocríticas quanto ao direcionamento político do trabalho artístico.
HOLFELDT, Antônio. Carlos Scliar, mais do que nunca, amor pela vida, fé no
Homem e na Arte.
Correio do Povo.
Porto Alegre, 17 de novembro de 1981, p.
15.
Depoimento de Carlos Mancuso à autora. Porto Alegre, 04 de dezembro de
2004.
210
De los textos taquigraficos de la conversación de los miembros de la Sésión de
Artes Plásticas de la VOKS con los artistas brasilos C. Scliar, D. Gonçalves y
Ch. Devesa
. Tradução livre da autora. Instituto Cultural Carlos Scliar.
112
O jdanovismo começa então a ceder espaço, no Clube, para uma
criação mais livre e comprometida com a qualidade da gravura de
forma autônoma, não apenas como ilustração. Mancuso vê essa
transformação pela qual passou o Clube de Gravura com absoluta
clareza, talvez exatamente por ter sido um integrante menos central,
que freqüentava o ateliê coletivo sem participar das discussões de
método ou ideológicas:
(...) lá pelas tantas tu começas a fazer uma análise, tu vais ver que no início
isso foi importante, mas que a obra de arte está muito acima disso. Foi no
início um compromisso ideológico, compromisso cultural, mas depois cada
artista tem que cuidar da sua obra, do seu caminho, e aí a cabeça dele vai
girando, você vê o Glauco, o Danúbio, meu trabalho... cada um vai para o
seu lado, cada um procura o seu mundo.
211
Depoimento de Carlos Mancuso à autora. Porto Alegre, 04 de dezembro de
2004
113
7.3 - TRABALHO COLETIVO
A partir da relação de artistas do Clube de Gravura fica claro que o
grupo era eclético e tinha diferentes níveis de experiência. O próprio
Carlos Scliar afirmou que "o convívio dos artistas mais
experimentados com os mais jovens só poderia trazer os melhores
resultados para o enriquecimento de nossas artes plásticas"
212
.
Demonstrava, assim, o objetivo de formação técnica do artista que o
Clube de Gravura tamm perseguiu - e que a partir de 1953 foi, na
verdade, a principal atividade do grupo. Comentando em 1976 suas
atividades, ele lembrou:
(...) as pesquisas que tentamos fazer através do Clube de Gravura nos
permitiu adotar aquilo que posteriormente percebemos ser o melhor método
de educação arstica: um curso livre. Utilizando modelo vivo e realizando
muitas discussões sobre os fins aos quais pretendíamos chegar, s
superávamos as nossas deficiências profissionais conquistando um domínio
do material, um domínio de técnica (...)
213
A primeira fase do Clube de Gravura foi marcada pela atividade
política, em especial àquela ligada ao Movimento Mundial pela Paz,
expressa nas colaborações com a Revista Horizonte, nas gravuras
feitas para cartazes da campanha de assinatura do Apelo por um
Pacto de Paz e pela própria atividade de coleta das assinaturas,
além da participação de alguns de seus artistas nos congressos pela
paz.
Neste período, a produção dos artistas foi divulgada sobretudo no
periódico, que reproduzia as gravuras na capa e em seus artigos; a
partir de setembro de 1951, a produção passa a ser exposta com
freqüência em Porto Alegre e Bagé, e em março do ano seguinte os
gravadores gchos realizam sua primeira exposição no exterior, na
mostra de artes plásticas do Congresso Continental pela Paz, em
Montevidéu, Uruguai.
SCLIAR, Carlos. Nocias do Clube de Gravura.
Horizonte
. Porto Alegre, n
o
6,
ano II, junho de 1952, p. I.
HOLFELDT, Antônio. Grupo de Bagé I "O importante hoje é fazer uma arte
nacional", diz início do depoimento.
Correio do Povo
. Porto Alegre, 16 de
setembro de 1976, p. 17.
114
Nesta ocasião, os artistas Scliar e Danúbio foram delegados no
encontro – estabeleceram contatos que resultaram em intercâmbios
e exposições importantes. Em junho de 1952 noticiavam as
exposições que simultaneamente aconteciam em Porto Alegre,
Montevidéu, Buenos Aires, Santiago do Chile e Nova Iorque
214
,
sendo que neste mesmo ano, as gravuras gaúchas também fizeram
sua estréia no Rio de Janeiro e em São Paulo e na Europa, no
Congresso dos Povos pela Paz, em Viena.
Carlos Scliar já relatava, também em junho de 1952, a existência de
outros grupos de gravadores, não só em Bagé mas também em São
Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro e Santos
215
. De fato, um dos artistas
do Clube de Gravura, Mário Gruber, também estivera em Paris no
-guerra e voltou interessado em reproduzir aqui as experiências
doTaller da Gráfica Popular e da gravura chinesa revolucionária:
"Viemos para o Brasil o Scliar, eu, o Luís Ventura, o Otávio Araújo
com a firme determinação de fundarmos Clubes de Gravura,
visando a disseminar toda uma discussão que estava implícita neste
tipo de evento"
216
.
De fato, foram implantados Clubes de Gravura em São Paulo –
liderado por Luís Ventura, com a participação de Renina Katz, Clóvis
Graciano e Otávio Brandão – e em Santos, levado a cabo por
Gruber, que expunha, contudo, com os paulistas. No entanto,
segundo Katz, "aqui a experiência foi muito penosa"
217
referindo-se
à dificuldade de levar o projeto adiante. Também em São Paulo, o
grupo fazia a ilustração de um periódico, a Revista Fundamentos.
Em Recife a implantação do Clube de Gravura foi de encontro a uma
intensa agitação artística que já havia na cidade, liderada por
Abelardo da Hora, que em 1952 fundara o Ateliê Coletivo da
Sociedade de Arte Moderna do Recife. Além de Abelardo, Gilvan
Samico, Ionaldo Cavalcanti, Ivan Carneiro, José Corbiniano Lins,
SCLIAR, Carlos. Nocias do Clube de Gravura.
Horizonte
. Porto Alegre, ano II
n
o
. 6, junho de 1952.
Ibidem
AMARAL, op.cit., p. 187.
Depoimento de Renina Katz, apud AMARAL, op. cit., p. 187.
115
Ladjane Bandeira, Wellington Virgolino e Wilton de Andrade
produziam gravuras em uma técnica inovadora, ainda mais
econômica que o lileo usado pelos gaúchos: gravuras em gesso.
Segundo Aracy Amaral, "a problemática social encontraria campo
fértil nesse punhado de artistas do Ateliê Coletivo do Recife (...) pela
tradicional identidade nordestina com a arte popular"
218
. Foi o próprio
Carlos Scliar quem levou a idéia aos artistas pernambucanos, e
depois os convidou a realizar uma exposição itinerante junto ao
Clube de Gravura gaúcho e paulista.
219
Além dos Clubes de Gravura que foram fundados em São Paulo,
Santos e Recife, e ao que parece no Rio de Janeiro
220
, existiram
associações semelhantes no Uruguai, onde foi fundado o Club de
Grabado de Montevideo
221
, e no Porto, em Portugal, com a
Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses
222
.
"Assim como no sul a tradição regional possibilitaria uma receptividade rápida
para a temática urbana e rural da época do Clube de Gravura". AMARAL, op. cit.,
p. 18
Clube de Gravura de Porto Alegre (org.).
Exposição de Gravuras Brasileiras
.
Com a participação dos Clubes de Gravura de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.
Porto Alegre: Galeria Casa das Molduras, 2 a 28 de setembro de 1954.
Floriapolis: Salão do Lux Hotel, outubro de 1954. Paraná: Sociedade Cultural
Israelita Brasileira do Paraná, novembro de 1954;
Grabadores Brasileños
.
Buenos Aires: Sociedad Argentina de Artistas Plásticos, novembro de 1954.
Apesar da menção ao Clube de Gravura do Rio de Janeiro, não há informações
sobre esta agremiação nos catálogos encontrados, nem nomes de artistas que
tenham exposto nestas mostras citadas.
Conforme atesta o folheto da
"Muestra de Grabados de Rio Grande del Sur"
.
Montevidéu, Uruguai, sob patrocínio do Club de Grabado de Montevideo, 20 de
novembro a 5 de dezembro, Faculdade de Arquitetura. (Arquivo do Instituto
Cultural Carlos Scliar)
Correspondência de Júlio Pomar a Carlos Scliar. Lisboa, 25 de outubro de
1955. (Arquivo Instituto Cultural Carlos Scliar). Scliar ainda se refere, em um artigo
publicado n
'O Estado do Paraná,
em 9 de novembro de 1954, ao Centro de
Gravura do Paraná.
116
7.4 - A GRAVURA DO CLUBE
Desde o começo, o material mais usado pelos artistas do Clube de
Gravura foi o lileo, por ser um material barato, fácil de trabalhar e
que permitia uma alta tiragem com qualidade boa. Para as obras que
entravam como vinhetas ou mesmo capas da Revista Horizonte, a
linoleogravura tamm era de ótima qualidade, e suas linhas
grossas e arredondadas sobressaíam na capa de papel mais grosso
do periódico.
Scliar conta que se impressionou com o método usado pelos
mexicanos do Taller da Gráfica Popular do México, e que no Clube
de Gravura foi o principal material:
(...) sua utilização do lileo à maneira dos alemães para fazer um trabalho
político, de propaganda (...) se presta para esta propagação.(...)
Utilizamos muito o lileo (...) Fazíamos o clic, recortávamos o desenho
num material precário, que não respondia como a madeira, com suas
texturas. Por isso tirávamos partido daquilo que era peculiar no material,
usando como disse, a gravura como um meio de democratização da arte,
para atingir um maior blico. E isso conseguimos, além de termos nos
atirado numa proposta de linguagem mais direta, numa proposta ética de
comunicação.
Alguns dos artistas do Clube de Gravura, depois de adquirirem mais
experiência na gravação, passaram a trabalhar com xilogravura, e
Danúbio Gonçalves inclusive gravou toda sua série "Xarqueadas" na
madeira. Prova de uma maturidade do fazer artístico dos gchos.
No período inicial, entre 1950 e 1952, a produção do Clube de
Gravura de Porto Alegre foi voltada especialmente à questão
pacifista, questão intimamente ligada à militância comunista. A
estética realista buscava seguir os ditames soviéticos para as artes
plásticas. Desta forma, a exposição dos trabalhos no Brasil e em
vários países - contribuindo para a divulgação do Movimento
Mundial pela Paz e, indiretamente, do programa do PCB - rendeu ao
Clube de Gravura de Porto Alegre e Bagé, ainda em 1952, o Prêmio
Pablo Picasso, conferido pelo Movimento Brasileiro dos Partidários
da Paz por sua contribuição à divulgação da causa pacifista.
117
Em virtude do prêmio, foi editado um álbum com gravuras de todos
os artistas atuantes no Clube de Gravura, com tiragem de 5000
exemplares e apresentação de Jorge Amado, que justificava a
escolha dos Clubes de Gravura nos seguintes termos:
Num momento em que alguns agentes da confusão procuram desorientar
os meios plásticos brasileiros, a série de gravuras reunida neste álbum,
verdadeiramente brasileira, (...) destaca-se em meio às ridículas e pobres
exaltações modernistas, abstracionistas, surrealistas e outras aberrações,
provando mais uma vez, que a arte para ser válida deve refletir os
problemas e anseios do povo.
223
Justificativa que coroava a intenção estética do grupo, de uma arte
nacional que negava as manifestações modernistas, obedecendo
assim às orientações do partido para a arte. Vale lembrar que todos
os membros do júri que concedeu a premiação eram militantes
comunistas: Graciliano Ramos, Branca Fialho, Jorge Amado,
Cândido Portinari, Clóvis Graciano, Oscar Niemeyer e João Pereira
Sampaio.
Depois da premiação, os artistas do Clube de Gravura passaram a
aliar, cada vez mais, a preocupação política de seu trabalho à busca
de aperfeiçoamento técnico, de aprimoramento do desenho,
respondendo a uma deficiência conseqüente da formação autodidata
da maioria de seus componentes. Ao mesmo tempo, ao oferecer
cursos livres, o Clube de Gravura abriu uma alternativa ao ensino do
IBA e os artistas buscaram organizar melhor a agremiação, de modo
a oficializá-lo juridicamente. Clóvis Assumpção, situou o Clube de
Gravura no contexto porto-alegrense de 1953:
Começa uma nova fase para o Clube de Gravura de Porto Alegre, que
passa de uma sociedade de fato a ser pessoa jurídica, perfeitamente
organizada, com vida própria, inclusive com estatutos registrados em
cartório.
(...) Estas iniciativas, efetivadas com pleno êxito pelo Clube, atestam sua
vitalidade e importância, dando vazão e revelando um movimento de 1
a
.
Clube de Gravura de Porto Alegre.
Gravuras Gaúchas
: 1950-1952. Rio de
Janeiro: Estampa, 1952.
118
ordem na arte da gravura, com características definidas e valor ponderável
no movimento geral de renovação das artes plásticas.
224
Em agosto de 1953, o Clube foi registrado como pessoa jurídica
225
, e
os estatutos expressavam seus objetivos: impulsionar e difundir a
arte da gravura, agremiando artistas, proporcionando-lhes material e
ensino, estimulando seu trabalho com a distribuição de prêmios
através de concursos periódicos
226
. (figura 17)
Estabelecia as duas naturezas dos seus associados, os sócios-
artistas e os sócios-contribuintes. Aos primeiros era facultado o
direito de trabalhar na sede do Clube, com acesso a material e
orientação nas aulas de gravura e, quando premiados nos concursos
para escolha de melhor trabalho, receberem prêmios em dinheiro.
Os sócios-contribuintes tinham direito a um exemplar de cada
gravura editada pela agremiação, a descontos na compra de álbuns,
cadernos ou estampas e a receber um boletim e as pastas para
gravura
227
.
Os estatutos estabeleciam ainda os deveres de cada parte: os
artistas deveriam apresentar, ao menos, uma gravura por mês, e
eram obrigados a transferir o direito dos trabalhos premiados para o
Clube de Gravura. Os sócios-contribuintes deveriam pagar
pontualmente a mensalidade e "difundir os objetivos" do grupo.
228
A institucionalização do Clube de Gravura corresponde a um
momento de alargamento de seus objetivos, quando seus principais
membros passaram a focar menos a preocupação partidária para
dar atenção à questão técnica. Isso não significa que os artistas
deixaram de se preocupar com o conteúdo, pelo contrário,
buscavam cada vez mais uma aproximação com o homem do povo,
ASSUMPÇÂO, Clóvis. Clube de Gravura.
Correio do Povo.
Porto Alegre, 10
de outubro de 1953, Suplemento de Sábado, p. 8.
Segundo Certidão de Registro em Cartório Especial de Porto Alegre, RS,
encontrada no Arquivo do Instituto Cultural Carlos Scliar.
Estatutos do Clube de Gravura de Porto Alegre. Arquivo do Instituto Cultural
Carlos Scliar.
Não temos nocia de que tenha existido regularmente um boletim do Clube de
Gravura de Porto Alegre.
Estatutos do Clube de Gravura de Porto Alegre. Arquivo do Instituto Cultural
Carlos Scliar.
119
que queriam retratar e a quem pretendiam levar sua mensagem
política.
O próprio Scliar abordava essa mudança do grupo, em carta enviada
em 1956 a Leonel Brizola, à época prefeito de Porto Alegre, na qual
pedia amparo financeiro:
(...) Já muito avançada ia na trilha de exitosos empreendimentos quando,
em outubro de 1953, o CGPA se registrou como pessoa jurídica – dando
início, então, a uma nova fase, caracterizada pela consolidação orgânica e
afirmação definitiva de seus propósitos.
229
Propósitos esses que, agora, estavam mais vinculados à questão da
profissionalização, do fazer artístico. Nesta carta, Scliar tamm
descrevia a gestão 1953-54 da diretoria do Clube: o presidente do
Clube de Gravura era o próprio Scliar, o vice-presidente, Danúbio
Gonçalves, o 1
o
. secretário, Bianchetti, o 2
o
. secretário, Mancuso, e
Gastão Hoffstetter era o encarregado da difusão cultural, todos
portanto artistas que participavam da agremiação desde o início
230
.
Segundo as fichas de associados que encontram-se no Arquivo do
Instituto Cultural Carlos Scliar, os sócios eram em sua maioria de
Porto Alegre (20), Curitiba (8) e Rio de Janeiro (7), e havia sócios
pelo interior e outras capitais
231
.
No registro mais antigo do Clube dos Amigos da Gravura na
imprensa, de maio de 1951, o funcionamento do Clube foi descrito
de forma semelhante àquele registrado nos estatutos anos mais
tarde: os sócios, que em maio de 1951 eram cerca de cem,
subscreviam uma série de 12 gravuras anuais, recebendo uma
gravura por mês à época, cada gravura custava cinqüenta
cruzeiros cada.
Carta de Carlos Scliar a Leonel Brizola. porto Alegre, 20 de janeiro de 1956.
Scliar citava ainda Nelson Souza como tesoureiro, mas não encontramos
outras menções a esse nome. É provável que fosse um sócio-contribuinte, e não
sócio-artista.
Como Florianópolis; cidades do interior do Rio Grande do Sul: Bagé, Rio
Grande, Bento Gonçalves, Santa Maria, Erechim, Alegrete, Vacaria, Carazinho e
Lagoa Vermelha. Lageado, em Santa Catarina. No entanto, vale ressaltar que as
fichas não estão completas, o que se verifica pela sua numeração. Em todo caso,
os meros servem de amostra para a proporção de sócios de cada lugar, uma
vez que destas cidades do interior havia um ou dois sócios, o que indica que era
provável terem relação de parentesco com os artistas ou militância no Partido
120
O Clube havia editado três gravuras até então: "O Barco", de Vasco
Prado, "Paisagem Gaúcha", de Carlos Alberto Petrucci e "Soldados
da FEB descansando", de Carlos Scliar
232
, todas obras de 1950.
Em 1951 aumentou a preocupação com a temática regional, sempre
tratada nos moldes do realismo socialista. Seguiu a série de
gravuras editadas pelo Clube
233
: "Lavadeiras das Malocas", de
Edgar Koetz, (figura 18). Na gravura, duas mulheres
monumentalizadas estão agachadas esfregando roupas com um
vigor e determinação característicos do retrato daquele "herói
positivo" difundido pela estética jdanovista, que mitifica o trabalhador
em suas atividades cotidianas. Já "Mulheres trabalhando em fumo",
de Plínio Bernhardt tem uma atmosfera mais expressionista (figura
19).
Ainda foram editadas "Minha Mãe", de Bianchetti, "Meninos
Brincando", de Danúbio, "Velha", de Glauco Rodrigues e a única
obra de Fortunato Oliveira editada pelo Clube, "Rinha", que retrata a
briga de galos. Por fim, foi em 1951 que o Clube editou "Retrato", de
Carlos Mancuso, que recebeu de Diego Rivera comentários, na
mesma exposição em que o artista mexicano elogiou a gravura de
temática pacifista de Carlos Scliar:
Está aqui outro exemplo de contdo humano. Quando primeiro vi este
retrato, recebendo dele um profundo impacto emocional, senti tão clara a
sua força que perguntei ao meu guia se o modelo não seria a noiva do
pintor. Ele disse que sim. De fato, não se poderia exigir mais ternura e
clareza na transmissão de uma emoção.
234
Muitas obras relacionadas às campanhas de assinatura do
Movimento Mundial pela Paz foram editadas e grande parte delas
integraram a Revista Horizonte. Algumas posteriormente foram
reunidas no álbum "Gravura Gcha", como as relacionadas à
Comunista do Brasil, o que inferimos por alguns nomes constantes das listagens
encontradas no Instituto Cultural Carlos Scliar.
Esta última também conhecida com "Soldados no Front". PINTO, Armando R.
Gravura – Arte Democrática. Guaíra. Curitiba, maio de 1951. p. 15-17.
Não nesta ordem, mas ao longo de 1951.
LESSA, Orígenes. Diego Rivera e os Gravadores Gchos. In Congresso
Continental de Cultura.
Suplemento da Revista
Horizonte
: Porto Alegre,
agosto/setembro de 1953.
121
assinatura do apelo por um pacto de paz que foram capas da
Horizonte, de Carlos Scliar e Danúbio Gonçalves, "Conferência
Continental Americana pela Paz", (figura 20) de Glauco Rodrigues -
que retrata o encontro realizado em Montevidéu em março de 1952 -
e "Soldado Morto", de Vasco Prado (figura 21) que faz parte da
campanha contra o envio de tropas brasileiras para a Guerra da
Coréia
235
.
Há um conflito de informações entre os documentos de controle do
Clube de Gravura, os textos de Scliar sobre suas atividades que
eram publicados na Horizonte e outros documentos de periódicos
sobre a ordem das gravuras editadas. Com base nas informações da
Revista Horizonte, a edição de gravuras continuou no ano de 1952,
quando foram editadas "Sapateiro", de Ailema Bianchetti, (figura 22)
"Obras", de Gastão Hoffstetter, "Fazendo Marmelada", de Glênio
Bianchetti (figura 23), além de gravuras de Koetz, Mancuso, Scliar,
Glauco e Vasco Prado ("O Tirador novo"). As obras em geral
apresentam a mesma monumentalidade dos trabalhadores que
aparece no primeiro ano da série, intercalada, agora, por outras de
temática cada vez mais regional, como a "Carreta com Arreios", de
Scliar.
O Clube de Gravura de Porto Alegre editou ainda, em 1950, a
linoleogravura "Bumba meu Boi", de Carlos Scliar, para um
programa de música folclórica
236
, assim como o cartaz para o IV
Congresso Brasileiro de Escritores, de Vasco Prado (figura 24).
Clube de Gravura de Porto Alegre.
Gravuras Gaúchas
: 1950-52. Rio de
Janeiro: Estampa, 1952.
Premiada com Medalha de Prata no V Salão da Associação Rio-Grandense de
Artes Plásticas Francisco Lisboa em 1951. SCLIAR, Carlos. Nocias do Clube de
Gravura.
Horizonte
. Porto Alegre, n
o
6, ano II, junho de 1952, p. VIII.
122
7.5 - VIAGENS E REFORMULAÇÕES
A associação cada vez maior de obras de tema político e outras de
cunho regional, retratos quase documentais da vida, trabalho e
costumes do povo, foi fruto de uma busca de aprimoramento do
desenho. Essa necessidade de aperfeiçoamento técnico levou os
artistas do Clube a realizarem viagens às estâncias gchas,
visando um contato mais direto com o tema: o desenho de
observação era exercício constante. A partir de 1953, segundo
Scliar,
O que aconteceu foi uma mudança qualitativa muito grande, a partir do
momento em que ganhamos o Prêmio da Paz Pablo Picasso, em 1952. A
partir dali, a tarefa pelo movimento da paz, que aparecia nas gravuras do
Glauco, do Dabio, publicadas na revista Horizonte, estava cumprida (...)
Foi quando começamos, em 1953, a freqüentar uma fazenda nos arredores
de Bagé, para passar meses desenhando.
237
"Mudou o enfoque do nosso trabalho. A missão estava cumprida, e a
gente ia lá só para desenhar", concorda Glauco Rodrigues, na
mesma entrevista, o que deixa transparecer realmente o fim de uma
fase, percebida com clareza pelo grupo somente muitos anos
depois. Glauco Rodrigues afirmou que
(...) apenas em 1953 nós realmente começamos de uma maneira mais
consciente uma tentativa de descobrir o homem daqui. Na verdade, s não
estávamos, na época, dando muita importância a isso. Nós falávamos muito
numa arte brasileira mas o próprio gaúcho – o homem do lugar onde nós
nhamos nascido e nos criado – não era olhado com atenção. isso foi um
processo lento Apenas no fim de 1953 nós sentimos que alguma coisa
nesse sentido estava acontecendo com a nossa formulação de trabalho.
238
Em verdade, uma experiência de trabalho deste tipo, feita por
Danúbio Gonçalves no interior do Rio Grande do Sul, já havia
rendido um trabalho primoroso, o que provavelmente incentivou
estas pesquisas de observação direta: no ano anterior, a partir da
VERAS, Eduardo. Idealistas de Bagé.
Zero Hora
. Porto Alegre, 12 de outubro
de 1996, Cultura, p. 4.
HOLFELDT, A., MORAES, A. e WEBSTER, M. H. Grupo de Bagé II O
fundamental é descobrir o Brasil e documentar o que está acabando.
Correio do
Povo
. Porto Alegre, 17 de setembro de 1976, p. 14.
123
observação dos charqueadores de gado, Danúbio fez um conjunto
muito grande de apontamentos que resultaram na série de gravuras
"Xarqueadas", de 1952
239
. Uma das gravuras dessa série,
"Zorreiros", (figura 25) recebeu o Prêmio de Viagem ao País no
Salão Nacional de Arte Moderna no Rio, em 1953
240
.
Esse prêmio mostra que os artistas buscavam expor no centros do
país, tentando desta forma obter crédito e reconhecimento para seu
trabalho. Os gravadores afirmam que usavam suas obras realistas
como uma forma de lutar por espaço nos centros do país. Segundo
eles, suas obras eram rechaçadas pelos concretistas, como lembrou
Danúbio:
Quando tirávamos prêmios de viagem, eles (os concretistas) ficavam
furiosos. Dois meses antes era aquele negócio. Eles faziam campanha no
Rio, brigavam, discutam.
241
Scliar afirmou que os gchos mandavam trabalhos para os Salões
de modo a conseguir extroverter sua produção e mostrar que havia
algm fazendo arte figurativa:
Nós, a partir do momento em que começamos a perceber que o nosso
trabalho estava causando impacto e confusão, que o nosso trabalho estava
incomodando, concluímos que ele deveria ter alguma importância. Como
vários de nós nhamos isenção do júri no Salão (Nacional) de Arte
Moderna, aproveitamos este recurso e passamos a mandar
sistematicamente trabalhos que mostravam tudo o que nós estávamos
fazendo em pintura, em desenho, em gravura. Com isso, pelo menos, s
mostrávamos a toda uma faixa de público que em arte não existia apenas a
verdade do abstracionismo.
242
No mesmo ano de 1953, o Clube de Gravura de Porto Alegre editou
a série de gravuras de Danúbio Gonçalves que, segundo Carlos
Scliar foram as obras mais importantes do período da agremiação.
Grafado com
X
como no livro de Pedro Wayne.
ASSUMPÇÃO, Clóvis. Artes Plásticas.
Correio do Povo
. Porto Alegre, 9 de
outubro de 1954, Suplemento de Sábado, p.9.
VERAS, Eduardo. Idealistas de Bagé. Zero Hora. Porto Alegre, 12 de outubro
de 1996, Cultura, p. 5.
Scliar, Glauco, Glênio e Danúbio seguem amanhã para encontro de Bagé.
Correio do Povo
.Porto Alegre, 3 de janeiro de 1976, p. 9.
124
O registro do trabalho de abate e carneação do gado era um
espetáculo chocante e asqueroso, realizado por trabalhadores que
ao final da lida estavam completamente cobertos de sangue. Dentro
do espírito do realismo socialista do Clube de Gravura, Danúbio
ressaltou a força dos charqueadores na realização da tarefa, e o
heroísmo cotidiano com que os trabalhadores realizavam trabalho
tão abjeto.
O trabalho de Danúbio ficou como único registro dessa atividade
típica do estado, que ao final da década de 1940 já era quase
inexistente, uma vez que as charqueadas "transformaram-se em
cooperativas que procuravam utilizar processos mais modernos de
transformação da carne"
243
, o que aumenta em certa medida o
caráter documental que inevitavelmente está presente no trabalho.
Carlos Scliar tamm recebeu o Prêmio de Viagem ao País no Salão
Nacional de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, em 1955, com a
gravura "Sesta" uma obra da fase das viagens às estâncias, na
busca de observação direta do tema.
Danúbio Gonçalves, no período de dissolução do Clube de Gravura,
realizaria outra série de gravuras a partir de apontamentos
resultantes da observação do tema. A série sobre "os mineiros de
Butiá", definiu o talento do artista para a gravura e trouxe toda a
questão social de maneira mais livre e aberta a criatividade, com
traços mais expressionistas. (figura 26)
O próprio Danúbio relatou as viagens às estâncias, que se tornaram
freqüentes a partir de 1953:
A gente tinha dois amigos lá que eram donos de estâncias e eles sempre
convidavam no verão. Eu, o Scliar e o Glauco ficávamos lá desenhando um
tempo. (...) Agora, isso nós fazíamos independente do Clube de Gravura, a
gente fez muita coisa, da vida do campo, nesse período.
244
Apesar do artista afirmar que as viagens eram atividades paralelas
ao Clube de Gravura, na verdade muitos apontamentos feitos no
campo iam, mais tarde, para a madeira ou o lileo e eram editados
PESAVENTO, op. cit., p. 116.
Depoimento de Danúbio Gonçalves à autora. Porto Alegre, 30 de novembro de
2004
125
pelo Clube, aparecendo ainda nas ginas da Horizonte. Além disso,
esse trabalho de observação direta da natureza, a busca por um
aperfeiçoamento da técnica e de aproximação direta com o tema,
influiu de forma determinante nas atividades do Clube de Gravura,
que além de extroverter a produção já realizada por seus artistas,
passou a dar prioridade ao ensino.
Em 1954 Glauco Rodrigues ministrou um curso de desenho e Scliar
fez uma espécie de oficina de gravura na semana de abertura de
uma exposição das obras do Clube de Gravura em Florianópolis.
Estas são as atividades que comprovadamente ofereceram os
artistas, mas, vale lembrar, que a sede do Clube era um espaço de
troca de críticas e de discussões artísticas, o que trazia orientação
para os jovens artistas que o freentassem.
Em 1955, no derradeiro período de atividade do Clube de Gravura,
este passou a funcionar no segundo andar de uma casa da Rua dos
Andradas onde finalmente passou a ter uma galeria de arte própria,
inaugurada pela exposição "As técnicas de gravura através dos
tempos".
126
7.8 - EXPOSIÇÕES
Depois de 1952, quando o enfoque do Clube de Gravura passou a
abarcar a questão da técnica, abrindo um pouco as barreiras do
realismo socialista – sem se desvincular da questão de uma arte
engajada – o Clube de Gravura de Porto Alegre se preocupou com e
a difusão das obras realizadas até então.
A primeira exposição, do então Clube de Amigos da Gravura, foi no
IV Congresso Brasileiro de Escritores, que aconteceu em Porto
Alegre, em 1951. Logo depois, o grupo organizou uma exposição
intitulada "História da Gravura", no Auditório do Correio do Povo, que
foi também apresentada em Bagé, pelo Clube de Gravura local
245
.
Em 1952, o grupo consegue aumentar seus contatos, em especial
depois de sua primeira exposição no exterior, no Congresso
Continental pela Paz, em Monteviu, em março. Realiza ainda suas
primeiras exposições no Rio de Janeiro e em São Paulo, intituladas
"Gravuras Gchas", respectivamente em outubro e dezembro, além
de uma mostra em Pequim (Congresso da Paz dos Povos da Ásia,
em setembro), em Viena (Congresso dos Povos pela Paz, em
dezembro), além das exposições que o grupo continuou organizando
no Auditório do Correio do Povo, a mais importante realizada em
maio, com obras do grupo, que foi apresentada simultaneamente,
segundo relato de Scliar, em Montevidéu, Buenos Aires, Santiago do
Chile e Nova Iorque
246
.
Em 1953, o Clube de Gravura participou de uma mostra no
Congresso Continental de Cultura, em Santiago do Chile, em abril,
onde personalidades importantes da cultura latino-americana
entraram em contato com suas obras, como o já citado Diego
Rivera, Nicolás Guillén, René Depreste, entre outros. Além disso,
realizaram uma exposição itinerante que rodou pelo Uruguai, sob o
"Desde 1951 diferentes exposições foram realizadas. As primeiras em Porto
Alegre e Bagé". SCLIAR, Carlos. Das atividades e perspectivas do Clube de
Gravura.
Horizonte
. Porto Alegre, ano IV, n
o
.26, p. 24, janeiro-fevereiro de 1954.
SCLIAR, Carlos. Nocias do Clube de Gravura.
Horizonte
. Porto Alegre, n
o
6,
ano II, junho de 1952, p. I.
127
patrocínio do Club de Grabado da capital, passando por
Montevidéu, Salto e Melo.
No ano seguinte, o Clube de Gravura de Porto Alegre aumentou o
mero de exposições, dentro do objetivo de divulgar as obras
realizadas. Carlos Mancuso afirma que Scliar arranjava as
exposições, os intercâmbios, convidava os artistas de fora para
expor junto ao Clube, enfim, era o agitador do grupo
247
. Foi neste
período de divulgação do trabalho pelo Brasil e pelo exterior que
outros Clubes se formaram, e ao longo deste ano os Clubes de
Gravura de Porto Alegre, São Paulo, Recife e Rio de Janeiro
realizaram em conjunto a exposição "Gravuras Brasileiras", em Porto
Alegre, Florianópolis, Curitiba, Buenos Aires e na
Tchecoslováquia
248
. Clóvis Assumpção registrou em sua coluna
semanal do Correio do Povo o sucesso da exposição em Porto
Alegre, e não só com o público:
Esta mostra não somente tem divulgado bastante os artistas, como tamm
contribuiu para um aumento considerável de sócios do Clube de Gravura de
Porto Alegre, em vista do entusiasmo que despertou o grande progresso
obtido pelos expositores.
249
O ano de 1955 marcou uma importante conquista para o Clube de
Gravura, que cada vez mais se preocupava com a questão da
técnica e do ensino: a mudança da sede para uma casa, onde
ocupavam todo o 2
o
. andar, e finalmente dispunham de uma galeria
para realizarem suas exposições. Na inauguração, a Galeria de Arte
apresentou a exposição "As técnicas de gravura através do tempo",
entre junho e julho.
A exposição, segundo o catálogo, não esgotava o ambicioso tema
de seu título, mas apresentava diversas técnicas: entre outras
peças, havia gravuras francesas do século XIV, XV e XVI, trabalhos
Depoimento de Carlos Mancuso à autora. Porto Alegre, 4 de dezembro de
2004.
Baseado em catálogos encontrados no Arquivo do Instituto Cultural Carlos
Scliar, o que significa que provavelmente esta mostra esteve em outras cidades ou
mesmo países.
128
de Dürer, Felix Muller, Goeldi, Leopoldo Méndez; gravuras chinesas
e japonesas, dos artistas do Taller da Gráfica Popular Alfredo Zalce
e Méndez, de Rembrandt, Morandi e Carlos Oswald, Toulose-
Lautrec, Goya, Daumier e Kathe Kollwittz e por fim obras de artistas
de Clubes de Gravura, Bianchetti, Glauco, Mancuso, Scliar, Renina
Katz e Mario Gruber Correa
250
.
Nesta nova sede foi ministrado o famoso curso de gravura em metal,
por Iberê Camargo, cuja freqüência média era de 40 alunos, número
considerável para a época
251
. O curso obteve patrocínio do governo
do estado, o que demonstra que o grupo tinha o apoio dos órgãos
governamentais neste período em que seu empenho comunista
havia diminuído vertiginosamente. Paralelamente ao curso, foi
apresentada na própria sede uma exposição de gravuras de Iberê.
Ainda houve, no mesmo ano, uma exposição de litografias de
Honoré Daumier, em agosto, de gravuras de Carlos Scliar, em
setembro, e de "Estampa Chinesa Contemporânea", em novembro.
No entanto, a exposição que conseguiu despertar mais entusiasmo
o que se pode inferir pela repercussão nos jornais da época – foi
realizada fora da galeria do Clube de Gravura. Aliás, foi realizada ao
ar livre, no Parque Farroupilha, também conhecido pelos gaúchos de
Parque da Redenção, em 25 de setembro de 1955.
Também realizada com apoio da prefeitura, a exposição de
trabalhos do Clube de Gravura foi realizada com o intuito de contatar
um público heterogêneo e, desta forma, perceber até que ponto os
artistas do Clube estavam realmente conseguindo alcançar seu
objetivo de comunicação com o homem do povo.
A mostra, visitada por mais de mil pessoas que, ao entrar, recebiam
um folheto com a listagem de todas as obras expostas 55
ASSUMPÇÃO, Clóvis. Artes plásticas: mostra de gravuras.
Correio do Povo
:
Porto Alegre, ? de setembro de 1954.
As técnicas de gravura através dos tempos. Porto Alegre: Galeria de Arte do
Clube de Gravura de Porto Alegre, junho e julho de 1955 (Arquivo Instituto Cultural
Carlos Scliar)
Carta de Carlos Scliar a Leonel Brizola. porto Alegre, 20 de janeiro de 1956
129
gravuras, de 16 artistas. Cada obra tinha um mero e uma bolinha
do lado, de forma que o folheto era, na verdade, uma espécie de
cédula de votação:
Todos os presentes vendedores, ambulantes, lavadeiras, comerciários,
engraxates, estudantes, advogados, médicos e engenheiros todos
deveriam votar (e votaram) naquela gravura que mais gostassem.
252
Os jornais deram destaque ao fato das obras escolhidas terem sido
exatamente obras de artistas premiados em salões artísticos de
Porto Alegre (ainda que quase todos os expositores já houvessem
obtido prêmios nestes certames). A idéia era mostrar que o povo
sabia julgar as obras de arte tão bem quanto a crítica especializada
ou melhor, segundo o que acreditavam os artistas do Clube de
Gravura, uma vez que grande parte da crítica incentivava a arte
abstrata: "É um fato significativo que veio mais uma vez destruir a
falsa conceituação de que a arte e o seu conhecimento é privilégio
de alguns poucos"
253
; "Não há desinteresse do homem da rua pelas
realizações artísticas, mas é preciso que se leve até ele as melhores
obras"
254
. (figura 27)
A última exposição organizada pelo Clube de Gravura de Porto
Alegre que temos notícia foi "Estampa Chinesa Contemporânea", na
sede do associação. Depois disso, ao que tudo indica, o grupo se
dispersou.
CASTILHOS, Raul. Uma exposição no Parque da Redenção em que o povo foi
o juiz.
Folha da Tarde
. 8 de outubro de 1955.
Ibidem.
130
7.7 - A DISSOLUÇÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os artistas do grupo inicial do Clube de Gravura não estiveram o
tempo todo em Porto Alegre; Glênio Bianchetti, por exemplo, casou-
se em janeiro de 1951 e mudou-se para Curitiba, onde morou cerca
de um ano. Isso não o impediu em absoluto de continuar seu
trabalho ligado ao Clube de Gravura de Bagé, que depois passou a
integrar o Clube de Gravura de Porto Alegre. "(...) ele faria perto
de 50 gravuras, todas ligadas à temática dos trabalhadores do Rio
Grande do Sul, da gente da campanha que ele conhecia. Mas tudo
de memória"
255
.
Glauco Rodrigues fez sua primeira viagem a Europa em 1953, e
freqüentou em Paris a Academie Julian, onde afirmou que os
professores ficaram 'escandalizados' com seu classicismo
256
.
O próprio Scliar viajava para os congressos do Movimento Mundial
pela Paz, em geral como delegado; Danúbio Gonçalves o
acompanhou em março de 1952 à Conferência Continental
Americana pela Paz. Os dois tamm viajaram juntos à URSS em
1953, como integrantes da delegação cultural do PCB que visitou o
país.
Em verdade, essas viagens em geral serviam também para divulgar
o trabalho do Clube de Gravura e estabelecer contatos para o
empréstimo de obras de artistas locais para exposições em Porto
Alegre . Mas demonstra também que o Clube de Gravura mantinha
suas atividades normais, mesmo nestes períodos em que os artistas
mais ativos não estavam presentes, mantendo assim uma
constância em seu funcionamento.
OLMEDO. Em Praça Pública.
A Hora
. Porto Alegre, 14 de outubro de 1955.
Depoimento de Carlos Scliar. HOLFELDT, A., MORAES, A. e WEBSTER, M. H.
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manifestações.
Correio do Povo
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formais vêm da Europa ou do Modernismo Brasileiro.
Correio do Povo
. Porto
Alegre, 29 de setembro de 1976, p. 17.
131
As cinco anos de atividade em grupo, no entanto, os artistas que
estavam à frente do Clube de Gravura foram pouco a pouco buscar
seus próprios caminhos e deixaram a organização nas mãos de
artistas mais novos. Apesar de terem feito uma tentativa de mantê-
lo, formando uma nova geração, esta não tinha o mesmo empenho e
ideal que seus fundadores, e consequentemente o Clube de Gravura
se extinguiu. "Quando deixamos o Clube, ele morreu naturalmente,
por não ter mais o mesmo ritmo que lhe havíamos dado"
257
.
Scliar sem dúvida foi a figura central, o grande agitador; o "Oswald
de Andrade dos pampas", segundo Carlos Mancuso. Foi o
responsável pela maioria dos convites aos artistas para realizarem
gravuras, fez contatos com artistas do mundo todo, levando
exposições do Clube de Gravura até o Extremo Oriente e difundiu a
experiência em outros estados do Brasil, o que fez com que
surgissem outros Clubes de Gravura.
Vasco Prado, fundador junto com Scliar, era um artista mais
experiente e conhecido já à época da fundação, além de possuir
uma obra bastante sólida e definida, que passou por uma certa
reformulação mais teórica do que prática por causa do realismo
socialista. Sua participação no Clube de Gravura estava ligada à sua
militância, seu comprometimento com o partido. Mancuso recorda
que "no Clube da Gravura ele não participava, fazia uma gravura e
entregava", afirmando que ele ia ao Clube de Gravura para
conversar, discutir, mas o trabalhar. Naturalmente, ele devia
preferir trabalhar em seu próprio ateliê, luxo que a maioria dos
jovens artistas ainda não tinham.
Não só Vasco participava esporadicamente das atividades do Clube;
alguns apenas ficaram como freqüentadores eventuais, outros com
participação de uma gravura editada. Este foi o caso de Plínio
Bernhardt, segundo Danúbio: "Conheci o Plínio Benhardt na época
do Clube de Gravura, onde foi editada gravura sua destinada aos
Scliar: "somos quatro amigos, quatro pintores, quatro caminhos diferentes".
Correio do Povo. Porto Alegre, 4 de janeiro de 1976, p. 31.
132
sócios"
258
. Outros, presentes desde o início, como Nelson Boeira
Faedrich, não tiveram gravuras editadas pelo Clube. Por volta de
1955, um nova geração aparece nos catálogos de exposição do
Clube de Gravura, como Avatar de Moraes (1933-), Chales Meyer
(1933-), Chico Ferreira e Paulo Yolovich
259
. Segundo Scliar, tentou-
se fundar um grupo jovem, mas a experiência não resistiu a
mudança de Scliar e Glauco para o Rio de Janeiro e o afastamento
dos demais membros do trabalho no Clube de Gravura.
Assim, quando Carlos Scliar aceitou o convite para dirigir o setor
gráfico da revista Senhor, no Rio de Janeiro, e mudou-se de Porto
Alegre em definitivo em 1956, o Clube de Gravura ficou sem seu
principal membro. Na mesma época, outros artistas que
participavam desde o início começaram a se envolver em suas
próprias carreiras, uma vez que, com a exceção talvez só de Vasco,
todos tinham que trabalhar em outras profissões, pois não havia
mercado de arte ou aparatos públicos que possibilitassem a todos
viverem exclusivamente de seu trabalho. A maioria trabalhava como
ilustrador, e havia exceções como Carlos Mancuso, que estava se
formando como arquiteto no IBA.
Carlos Scliar, esta personalidade marcante que conseguia formar
grupos e realizar ações onde quer que estivesse, fez sua avaliação
sobre o período, sem ressentimentos ou distorções:
... enquanto consideramos útil, nos concentramos em nosso trabalho nos
Clubes, tentando chegar a um melhor conhecimento de nossa realidade, de
nossos costumes, tentando buscar formas que nos parecessem mais
convenientes para nossa comunicação com um blico popular que
pretendíamos conquistar.
A proposta pode, agora, parecer ingênua, e ainda hoje penso que quase
nada fizemos nesse sentido. Nosso público está ainda para ser
Segundo relato datado de 3 de abril de 1988, Porto Alegre, encontrado no
NDP/MARGS.
VERAS, Eduardo.
Idealistas de Bagé
. Zero Hora. Porto Alegre, 12 de outubro
de 1996, Cultura, p. 5.
133
conquistado, mas penso que os clube de gravura buscaram formas para
isso.
260
O Clube de Gravura de Porto Alegre foi uma manifestação única no
Brasil: reuniu artistas muito jovens e inexperientes a outros que
haviam percorrido caminhos os mais diversos, em torno de um ideal
político e guiados por uma estética dogmática que colocava o artista
como um fazedor de mensagens. Mesmo assim, os artistas que
participaram das sua atividades e editaram gravuras no Clube
continuaram seu trabalho posteriormente, pouco a pouco libertando-
se das amarras sectárias e tornando-se mais artistas que militantes,
em sua obra plástica.
Deve-se ressaltar a singularidade de seu trabalho figurativo em um
ambiente que era inundado pelas correntes abstratas, colocando-os
na contracorrente dos caminhos da arte brasileira que só retomaria a
figuração nos anos 1960 – também impulsionada por questões
políticas. Exatamente por essa existência solitária, o Clube de
Gravura não havia até aqui sido analisado sob o prisma da estética
politico-partidária que seguia. A partir daqui, percebe-se que a
inserção definitiva do Brasil na órbita da hegemonia cultural
estadunidense não se deu sem resistência – Em um lugar
excêntrico, fora do ambiente agitado dos centros da cultura, um
grupo de artista lutou, com suas conviões e sectarismos, e
improvisos para desenvolver aquilo que acreditavam ser uma arte
para as massas, ligada à realidade nacional.
O Clube de Gravura, que surgiu para disseminar uma ideologia que
colocava nas mãos do ou dos líderes a definição da verdade, não
superou o trauma da morte do líder e do mito da verdade que ele
havia forjado. Quando a verdadeira realidade veio à tona, junto com
milhões de cadáveres, ficou claro para muitos militantes que não
havia como se colocar acriticamente em um rebanho, seguindo o
venerado mestre, e depois dizer que não se teve escolha.
Correspondência de Carlos Scliar a Ana Maria Spadari. Rio de Janeiro: 3 de
junho de 1980. Arquivo Instituto Cultural Carlos Scliar
134
O resgate da história destes artistas que buscaram realizar uma arte
nos moldes do realismo socialista mostra que a história tem muitas
facetas e deve ser constantemente revista e reavaliada: mais que
uma manifestação que modificou o cenário artístico de Rio Grande
do Sul, com características extremamente modernas em sua
organização e atuação, ele é prova que a internacionalização das
artes na década de 1950 se deu também em linguagens não
abstratas, e não esteve ligada somente ao crescimento da
hegemonia capitalista. Em um momento de Guerra Fria, quando
existiam dois combatentes no cenário internacional, a arte
respondeu de forma apaixonada, apontando outros caminhos e
gerando manifestações como esta do Clube de Gravura de Porto
Alegre, no Brasil.
135
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Recordações do artista que foi à guerra. Jornal do País. Caderno de
Cultura, 18 a 24 de outubro de 1984, p. 17.
Carlos Scliar procura a beleza nas coisas simples. Zero Hora. Porto
Alegre, 11 de setembro de 1994, Revista ZH, p. 9.
VERAS, Eduardo. Idealistas de Bagé. Zero Hora. Porto Alegre, 12
de outubro de 1996, Cultura, p. 4-5.
AMARAL, Aracy. Bienais ou da impossibilidade de reter o tempo.
Revista USP. São Paulo, no. 52, p. 16-25, dezembro/fevereiro de
2001-2002.
COELHO, Teixeira. Bienal de São Paulo: o suave desmanche de
uma idéia. Revista USP. São Paulo, no. 52, p. 78-91,
dezembro/fevereiro de 2001-2002.
KNOLL, Victor. Bienal de São Paulo: 50 anos. Revista USP. São
Paulo, no. 52, p. 6-9, dezembro/fevereiro de 2001-2002.
MILLIET, Maria Alice. Bienal: percursos e percalços. Revista USP.
São Paulo, no. 52, p. 92-99, dezembro/fevereiro de 2001-2002.
142
Arquivos, bibliotecas e outras contribuições
Arquivo pessoal de Antônio Hohlfeldt, Porto Alegre, RS
Arquivo pessoal de Carlos Scarinci, São José dos Campos, SP
Arquivo pessoal de Mayra Laudanna, São Paulo, SP
Arquivo pessoal de Norma Rodrigues, Rio de Janeiro, RJ
Arquivo e Biblioteca do Instituto Cultural Carlos Scliar, Cabo Frio, RJ.
Biblioteca da Pinacoteca do Estado de São Paulo, SP
Centro de Documentação e Memória da UNESP, São Paulo, SP.
Núcleo de Documentação e Pesquisa do Museu de Arte do Rio
Grande do Sul Ado Malagoli, Porto Alegre, RS.
Setor de Imprensa do Museu da Comunicação Social Hilito José
da Costa, Porto Alegre, RS.
Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo, SP
Depoimentos
Depoimento de Dabio Gonçalves a autora. Porto Alegre, 30 de
novembro de 2004.
Depoimento de Carlos Mancuso a autora. Porto Alegre, 4 de
dezembro de 2004
Depoimento de Glênio Bianchetti a autora. 9 de maio de 2005 (por
correio eletrônico)
Demais fontes relevantes
The resolution passed at the World Intellectuals Congres in Wroclaw.
For Peace. (publicação do Congresso dos Intelectuais de Wroclaw,
Polônia, 1948). Arquivo do Instituto Cultural Carlos Scliar.
Manifesto del Congreso Mundial de los Partidarios de la Paz. Paris:
25.04.1949. In Actos y Resoluciones El Movimento Mundial de la
Paz. s/l, s/d. Arquivo Instituto Cultural Carlos Scliar.
LLamamiento. Sesion del Consejo Mundial de la Paz. In Actos y
Resoluciones El Movimento Mundial de la Paz. s/l, s/d. Arquivo
Instituto Cultural Carlos Scliar.
143
9. ANEXOS
144
Figura 1
Revista Horizonte (nova fase) Gravura de Carlos Scliar
Horizonte. Porto Alegre, n
o
4, 20 de dezembro de 1950.
145
Figura 2
José Clemente Orozco.
Protesto (Manifestação)
,
1935.
Figura 3
Aleksandr Samokhvalov.
Juventude comunista militarizada
, 1933
146
Figura 4
Danúbio Gonçalves.
Conferência Continental pela Paz
Horizonte. Porto Alegre, n
o
3-4, março-abril de 1952.
147
Figura 5
Vasco Prado.
Pelas Liberdades Democráticas para o Povo
Horizonte. Porto Alegre, n
o
.5, janeiro de 1951.
148
Figura 6
Glênio Bianchetti.
Pequena Olaria
, 1951.
Figura 7
Glauco Rodrigues.
Paisagem Gaúcha
, 1951.
149
Figura 8
Horizonte, fase antiga.
Figura 9
Carlos Scliar.
Sesta.
Horizonte. Porto Alegre, ano VI, n
o
.31, novembro de 1955..
150
Figura 10
Glênio Bianchetti.
Camponeses.
Horizonte. Porto Alegre,n
o
. 5, janeiro de 1952.
151
Figura 11
Cen Jen.
Soldados da Liberdade.
Horizonte. Porto Alegre, n
o
. 6 (nova fase n
o
.3), fevereiro e março de 1952.
152
Figura 12
Carlos Scliar.
União por uma vida melhor e pela Paz.
Horizonte. Porto Alegre, n
o
.6, junho de 1951.
153
Figura 13
Leopoldo Mendez.
Mercado Negro.
Horizonte. Porto Alegre, n
o
.6, junho de 1951.
154
Figura 14
Glênio Bianchetti.
Apelo por um Pacto de Paz.
Horizonte. Porto Alegre, nova fase n
o
.10, outubro de 1951.
155
Figura 15
Danúbio Gonçalves.
Apelo por um Pacto de Paz.
Horizonte. Porto Alegre, nova fase n
o
.11 e 12, novembro e dezembro de 1951.
156
Figura 16
Carlos Scliar.
Assine o Apelo por um Pacto de Paz.
Horizonte. Porto Alegre, n
o
. 5, maio de 1952.
157
Figura 17
Estudo para emblema do Clube de Gravura de Porto Alegre
Ficha de sócio
Certidão de Registro do Clube de Gravura
158
Figura 18
Edgar Koetz.
Lavadeira das Malocas
.
Figura 19
Plínio Benhardt.
Mulheres trabalhando em fumo.
159
Figura 20
Glauco Rodrigues.
Conferência Continental Americana pela Paz
.
Figura 21
Vasco Prado.
Soldado Morto.
160
Figura 22
Ailema Bianchetti.
Sapateiro.
161
Figura 23
Glênio Bianchetti.
Fazendo Marmelada.
Figura 24
Vasco Prado.
Farroupilhas.
162
Figura 25
Danúbio Gonçalves.
Zorreiros.
Figura 26
Danúbio Gonçalves.
Mineiros de Butiá.
163
Figura 27
Folheto de votação da exposição "Por uma arte nacional"
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