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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
MESTRADO EM GEOGRAFIA
PATRICIA CHAME DIAS
A CONSTRUÇÃO DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL
EM LAURO DE FREITAS (BA):
ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS E IMPLICAÇÕES DO PROCESSO
Orientador
Prof. Dr. Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva
Salvador
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
MESTRADO EM GEOGRAFIA
PATRICIA CHAME DIAS
A CONSTRUÇÃO DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL
EM LAURO DE FREITAS (BA):
ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS E IMPLICAÇÕES DO PROCESSO
Dissertação apresentada ao Instituto de Geociências como requisito final à
obtenção do título de Mestre em Geografia
Orientador
Prof. Dr. Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva
Salvador
2006
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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Shiguemi Fujimori, Instituto de
Geociências da Universidade Federal da Bahia
D541 Dias, Patrícia Chame,
A construção da segregação residencial em Lauro de Freitas
(BA): estudo das características e implicações do processo
/ Patrícia Chame Dias. _ Salvador, 2005.
200 f. : il. + Anexos.
Orientador: Prof. Dr. Sylvio C.
Bandeira de Mello e Silva.
Dissertação (Mestrado) Pós-Graduação em Geografia
Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia,
2006.
Geografia humana 2. Geografia urbana Lauro de
Freitas (BA) 3. Segregação residencial Lauro de
Freitas (BA) 4. Desigualdade socioespacial Lauro de
Freitas (BA) 5. Espaço urbano I. Título.
CDU 911.9:711 (813.8) (043)
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
MESTRADO EM GEOGRAFIA
PATRICIA CHAME DIAS
ORIENTADOR: PROF. DR. SYLVIO CARLOS BANDEIRA DE MELLO E SILVA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Submetida em satisfação parcial dos requisitos para obtenção do grau de
MESTRE EM GEOGRAFIA
à
Câmara de Ensino de Pós-Graduação e Pesquisa
da
Universidade Federal da Bahia
Aprovado em
Comissão Examinadora
______________________________________
DR. SYLVIO BANDEIRA DE MELLO E SILVA
(ORIENTADOR)
______________________________________ DR. PEDRO DE ALMEIDA VASCONCELOS
______________________________________ DRA. INAIÁ MARIA MOREIRA DE CARVALHO
Data de Aprovação: ____/ ____/ ______ Grau conferido em: ____/ ____/ _____
A meus filhos,
símbolo da esperança
de um mundo onde os homens sejam mais justos.
AGRADECIMENTOS
Realizar uma dissertação é, em teoria, uma jornada solitária em busca do conhecimento.
Realmente, o pensar sobre algo, refletir frente a uma dada realidade, comparar teoria e
prática, construir idéias... são processos de longo prazo e que exigem um esforço
intelectual individual. Mas, essa jornada e esse esforço se fazem acompanhar de pessoas
que para ele contribuem direta ou indiretamente. Assim foi comigo. Desse modo,
muitas pessoas a quem devo sinceros agradecimentos, algumas das quais nomearei aqui.
Se parti da ignorância dos conceitos geográficos e lancei-me ao novo, é porque algo me
movia e porque não estava só. Dentre as idéias que me moviam, estava a de que o
conhecimento é algo fundamental ao homem e que é uma das poucas coisas que podem
pertencer inteiramente ao ser. Essa noção devo a meus pais, Luiz Carlos e Maria José,
que, além de me mostrarem a necessidade do saber, me fizeram acreditar na capacidade de
alcançá-lo. Portanto, meus agradecimentos iniciais são para aqueles que me deram a base,
os ideais que subsidiaram algumas das decisões que tomei pela vida afora.
Cheguei no Instituto de Geociências da UFBA como alguém que nada sabia da Geografia
(a não ser por algumas poucas coisas aprendidas, de forma nada brilhante, enquanto aluna
do e graus) e que buscava conhecimentos para ver se seguiria por esse caminho. Fui
acolhida carinhosamente pela professora Maria Auxiliadora da Silva e pelo professor
Délio José Ferraz Pinheiro que, sem se importarem com de onde eu vinha, me
introduziram nos conceitos geográficos através da literatura. Foi um caminho árduo e
prazeroso, onde Jorge Amado e Milton Santos se juntaram no meu imaginário e, através
deles, aprendi um pouco do que é o espaço. Se concluo agora este trabalho, é também por
conta dessas pessoas que merecem meu respeito, agradecimento e carinho. À professora
Creuza Santos Lage também devo agradecer, pois, além da orientação na elaboração do
projeto, foi com um trabalho de ordenamento territorial que me aproximei de forma
rigorosa, e com o olhar de quem indaga, do lugar onde vivo e que se tornou parte de meu
objeto de pesquisa. Então, veio a seleção para o mestrado: projetos, provas e entrevistas.
Antes do resultado, a ansiedade.
Depois de aprovada, a insegurança. Seria capaz de enfrentar esse novo desafio? O
ingresso nesse programa de mestrado representou muito para mim. Depois de tanto tempo
distante do conhecimento, mais uma vez, me aventurava ao novo. E a cada dia, com cada
leitura sugerida e com as discussões de sala, revia meus objetivos de pesquisa, avaliava
minhas proposições, produzia novas reflexões. Dentre os professores com quem convivi e
aprendi nessa etapa da vida, devo destacar o professor Sylvio Bandeira de Mello e Silva
cujo nome conhecia muito que ao realizar um passeio pela teoria geográfica
me fez conhecer essa ciência. Mais que isso, foi fundamental para a minha aproximação
com a Geografia sua gentileza de ter aceito ser o orientador dessa dissertação e de não ter
perdido a paciência comigo, pelas inúmeras vezes que lhe procurei cheia de dúvidas,
sendo sempre solicito, e por ter, ora mais próximo, ora mais distante, acompanhado o
desenvolvimento desse estudo sem interferir no direcionamento que pretendia dar ao
mesmo. Sendo assim, os méritos do presente trabalho devem ser compartilhados com o
professor Sylvio (que não tem responsabilidade sobre os deméritos), a quem sinceramente
agradeço a colaboração. A professora Barbara-Christine Nentwig Silva, com quem não
tive a oportunidade de cursar qualquer disciplina, foi uma daquelas pessoas que
encontramos em nosso caminho e aos poucos descobrimos algo que nos identifica, embora
às vezes isso nem sempre apareça claramente. Pelas poucas conversas que tivemos e pelas
orientações que me deu contribuindo para que os equívocos cometidos nesse trabalho
fossem diminuídos (e também a paciência em atender aos meus telefonemas dirigidos ao
professor Sylvio), sou grata.
Outro professor que foi importante nessa jornada foi Pedro de Almeida Vasconcelos. Ao
apresentar e discutir concepções de cidade ao longo da história e com sua postura quase
psicanalítica frente aos conceitos, levantou questões e reflexões que me auxiliaram a
pensar sobre a cidade e a formular algumas das linhas que conduziram a pesquisa que
resultou nessa dissertação. Ademais, me fez estar atenta às palavras que empregava, aos
seus significados e significantes. Por sua postura científica e a seriedade do trabalho
acadêmico, contar com sua participação na minha banca é motivo de muita satisfação.
Agradeço-o, portanto, também por ter aceito continuar colaborando comigo até o término
deste mestrado.
A escolha de uma terceira pessoa que avaliasse mais de perto esse trabalho não foi difícil.
Um nome veio de pronto à minha mente: professora Inaiá Maria Moreira de Carvalho.
Desde que tive contato com seu livro
O Nordeste e o regime autoritário
, aprendi a admirar
a força de suas palavras. Depois, por ocasião de uma atividade profissional, tive
oportunidade de conhecê-la pessoalmente, ampliando minha admiração pela sua seriedade
acadêmica. Assim, fico grata por ter participado da banca de avaliação deste trabalho,
colaborando para o seu engrandecimento, o que foi, para mim, motivo de orgulho.
Quanto aos colegas dessa jornada alguns tiveram uma contribuição especial. Agradeço a
Isabela Albuquerque, Denise Maria Santos, Nádia Miranda, Miriam Cléa Coelho Almeida
e Meirelane Rodrigues Maia pelas sugestões, observações e indicações bibliográficas,
mas, principalmente pelo carinho.
Devo acrescentar que as informações prestadas pelos moradores das áreas pesquisadas
foram de muita importância para este estudo. Faz-se, portanto, necessário agradecer a
todos que responderam aos questionários de pesquisa. Além disso, foi possível obter
dados significativos com os representantes da Associação Beneficente Recreativa Unidos
do Centenário, João de Souza Araújo; da Associação Comunitária Desportiva Cultural
Sayonara, Manoel Lázaro do Nascimento e Antonio Dias; da Associação Beneficente
Jardim Talismã, Roque de Oliveira dos Santos e Diomedes Pereira da Silva; da
Associação de Moradores do Araqui, Maria Januária da Silva; e da Associação de
Proprietários e Moradores do Loteamento Miragem, Miguel Polino. Do mesmo modo,
foram de extrema relevância as informações, dados e documentos disponibilizados pelos
funcionários da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas, em especial da Secretaria de
Planejamento, Saneamento, Meio Ambiente e Turismo: Márcia Milan (Departamento de
Dados e Referência); Obadias de Jesus Montanhas, Elton Batista, Nicanor Cardoso do
Valle (Mapoteca); e Georgeth Pain (Diretoria de Gestão Urbana). Também dessa
Prefeitura, agradeço a Mayra Landin (Núcleo de Orçamento Participativo) e Ariston
Xavier Santana (Assessor da Prefeitura).
No trabalho, contei também com a contribuição de colegas que merecem ser citados:
Simone Araújo de Pinho e Cândida Ribeiro Santos, com quem ingressei nesse instituto;
Luís André de Aguiar Alves, que elaborou e me ajudou a entender o que significava o
índice de Gini e outros indicadores econômicos; Alaíde Portela, que digitou alguns dos
meus trabalhos; Ângela Franco, com quem aprendi muito e que sempre me incentivou;
Cláudia Monteiro Fernandes pela compreensão das necessidades de uma mestranda
estressada com seus prazos quase esgotados; e Ângela de Oliveira Belas pela ajuda na
elaboração do projeto e o apoio constante. Mas, principalmente, a Diva Maria Ferlin
Lopes, que de colega de trabalho tornou-se amiga de vida, tenho muito a agradecer.
Durante o período em que fazia esse curso, aconteceram fatos na minha vida que, por isso,
mudou em muitos aspectos. Uma pessoa querida partiu e com isso, durante bom período, a
tristeza abateu-se sobre minha casa. Foi um tempo difícil de mudanças e reformulações e,
dentre outras pessoas, em Diva encontrei uma pessoa que me apoiou constantemente, com
quem dividi as angústias, as inseguranças e as dificuldades; por isso, minha gratidão a ela
é grande: mais do que me ajudar a concluir esse mestrado, me ajudou a ter forças num
momento difícil. Contei também com a solidariedade do professor Sylvio Bandeira, o que
me fez ter mais motivos para admirá-lo.
Mas esse também foi um período em que recebi presentes maravilhosos! Ganhei dois
filhos que vieram, junto com meu precioso e generoso Pedro, a compor uma grande e
agitada família: Lucas que chegou de surpresa, com toda energia de alguém que
desabrocha para o novo, me re-ensinando o quanto é bonito descobrir a vida e Rafael
que veio por um susto, pela dor, para me mostrar o quanto sou forte e capaz de amar. A
esses três meninos agradeço muito; agradeço pela ajuda no trabalho (Pedro e Rafael,
principalmente este último, me ajudaram nas tabulações e na digitação), mas
principalmente por entenderem a minha impossibilidade de acompanhá-los mais de perto
enquanto elaborava essa dissertação. Também agradeço, e muito, ao meu companheiro
Francisco que sempre, desde antes de entrar no Mestrado em Geografia, me incentivava,
acreditando na minha capacidade intelectual e na possibilidade de superar os limites. Ele,
do mesmo modo que as crianças, arcou com horas de ausência, mas constantemente
incentivava a pesquisadora e (coitado!) arcou com o ônus de ser o primeiro leitor de uma
série de textos que resultaram em capítulos dessa dissertação. Suas observações e críticas,
quase sempre incorporadas, foram importantes contribuições teóricas, mas, especialmente,
prova de respeito e de amor.
Comecei pela família e a ela retorno. Se ainda outros a quem devo agradecer, como à
professora Maria Elvira Passos Costa (com quem tive a oportunidade de fazer a atividade
de tirocínio docente), Priscila Anunciação (que abdicou de parte de suas horas de lazer
para cuidar de Lucas enquanto terminava trabalhos), Raoni Ferlin (que trabalhou nos
mapas e fotos), a Dirce Vieira (secretária do Mestrado, sempre me ajudando no que foi
possível), sem minha família esse trabalho não seria possível. Pela formação que tive no
passado e pelo apoio que recebo no presente, agradeço a meus pais, a meu marido e,
especialmente, a meus filhos que me acompanharam e vibraram por mim todo o tempo e
que me motivam a tentar a ajudar a construir um mundo menos desigual.
Eu estava vendo o que só teria sentido mais tarde
quero dizer, só mais tarde teria profunda falta de sentido.
Só depois é que eu iria entender:
o que parece falta de sentido é o sentido.
Clarisse Linspector. 1986
RESUMO
Pouco após sua emancipação, em 1962, Lauro de Freitas passou por uma série de transformações em
sua organização sócio-espacial e dinâmica socioeconômica. Situado na Região Metropolitana de
Salvador (RMS), em processo associado às transformações estruturais da economia e à redefinição
funcional dos municípios dessa região, Lauro de Freitas experimentou um intenso crescimento
demográfico e sua população de, aproximadamente, 10 mil habitantes em 1970, passou para 113 mil
pessoas em 2000. Favoreceram essa dinâmica, a proximidade de Salvador, dos principais pólos
industriais do Estado e a ação do mercado imobiliário que fragmentou o solo do município em
inúmeros loteamentos populares que, à época da implantação, apresentavam precárias condições
estruturais. Esses empreendimentos, que se localizaram, predominantemente, em Itinga, local de
topografia acidentada situado na divisa com a capital, pretendiam atender à demanda de casa própria
das classes populares. Noutra parte do município, especialmente na orla, no que atualmente é
denominado Atlântico Norte, foram lançados loteamentos voltados às classes médias e altas, sob o
signo da fuga dos males urbanos e da melhor qualidade de vida. Desde então, observou-se a
localização diferenciada das classes sociais nesse espaço. Nos anos 90, esses processos se mantiveram
e aprofundaram, sendo que na área destinada aos mais abastados verificou-se um intenso avanço do
número de novos empreendimentos (especialmente condomínios fechados), consolidando um processo
de segregação residencial. Partindo do entendimento de que o espaço é condição e condicionante dos
processos sociais, que, no capitalismo, ele é produzido sobretudo, para manter as condições de
reprodução social e que as elites buscam se apropriar do Estado para que ele represente seus interesses,
buscou-se com esse trabalho discutir as formas e as escalas sob as quais o processo de segregação
residencial pode ser identificado em Lauro de Freitas, analisando as diferentes características dos
locais de moradia das distintas classes sociais em dois de seus distritos: Itinga e Atlântico Norte.
Palavras chave
: Espaço urbano. Lauro de Freitas. Organização socioespacial. Desigualdade sócio-
espacial. Dinâmica socioeconômica. Segregação residencial.
ABSTRACT
After its emancipation, in 1962, Lauro de Freitas passed by a series of transformations in its spatial
and socioeconomic dynamic organization. Located in the Metropolitan Area of Salvador (MAS), such
process associated to the structural transformations of the state economy and the functional
redefinition of the municipalities of the area, Lauro de Freitas has experimented an intense
demographic growth from, approximately, 10 thousand inhabitants in 1970 grew to 113 thousand
people in 2000. The socioeconomic growth was favored by the neighborhood of Salvador, the main
industrial poles of the State and the action of the real estate market that fragmented the soil of the
municipal district into countless popular lots that, at the time of its implantation, they presented
precarious structural conditions. Those enterprises were located, predominantly, in Itinga, a municipal
district that presents great topographic irregularities, located in the frontier of the state capital were
they regarded the demand for home ownership from the popular classes. In another district of the
municipality, especially in the ocean side denominated now Atlântico Norte, the divisions into lots
were directed to the middle and upper classes and under the sign of escapement from of the urban evils
and better quality of life. Since then, the differentiated location of the social classes was observed in
the space. In the nineties, those processes deepened but in the area designated to the wealthiest people
an intense progress of the number of new enterprises was verified (above all gated condominiums),
consolidating a process of residential segregation. Understanding that the space is a condition and that
it conditions the social processes and, in the capitalism, it is produced above all to maintain the social
reproduction conditions and that the elites look up to the State as an authority to represent their
interests, this study discuss the forms and the scales under which the process of residential segregation
can be identified in Lauro de Freitas, analyzing the different characteristics of the residential places of
the different social classes in two of its districts: Itinga and Atlântico Norte.
Key words
: Urban space. Lauro de Freitas. Spatial-social organization. Social space inequality
Socioeconomic dynamic organization.
Residential segregation.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Divisão político-administrativa atual da Região Metropolitana de Salvador
.......................52
Figura 2 Limites políticos-administrativos de Lauro de Freitas
.........................................................79
Figura 3 Localização das principais vias de circulação e dos principais pólos industriais da
RMS
..................................................................................................................................... 80
Figura 4 Planta destinada a divulgar a primeira etapa do loteamento Vilas do Atlântico
................ 104
Figura 5 Localização dos distritos de Lauro de Freitas
.................................................................... 114
Figura 6 Espacialização dos loteamentos populares e outros equipamentos no distrito de Itinga
em 1998
............................................................................................................................. 119
Figura 7 Espacialização de loteamentos, condomínios e outros equipamentos existentes no
distrito do Atlântico Norte em 1998
..................................................................................129
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 -Densidade demográfica de Lauro de Freitas, 1970-2000
..................................................... 66
Gráfico 2 Escolaridade dos moradores com 10 anos e mais das áreas selecionadas de Itinga e
do Atlântico Norte, 2005
.................................................................................................. 144
Gráfico 3 Motivos de mudança para o atual domicílio segundo os moradores das áreas
selecionadas de Itinga, 2005
............................................................................................152
Gráfico 4 Motivos de mudança para o atual domicílio segundo os moradores das áreas
selecionadas de Atlântico Norte, 2005
............................................................................. 153
Gráfico 5 Formas de construção do imóvel segundo os moradores das áreas selecionadas de
Itinga e do Atlântico Norte, 2005
.....................................................................................156
Gráfico 6 Características gerais das paredes externas dos domicílios das áreas selecionadas em
Itinga e no Atlântico Norte, 2005
.....................................................................................158
Gráfico 7 Tipo de cobertura dos domicílios das áreas selecionadas em Itinga e no Atlântico
Norte, 2005
...................................................................................................................... 158
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 População total absoluta dos municípios da RMS, 1940-2000 e estimativas de
população para 2005
............................................................................................................ 58
Tabela 2 Participação relativa da população total dos municípios da RMS na composição da
população regional, 1940-2000 e estimativas de população para 2005
...............................58
Tabela 3 Taxas de crescimento demográfico dos municípios da RMS, 1960-2000
...........................59
Tabela 4 Incremento relativo da população total dos municípios da RMS, 1940-2000
.....................60
Tabela 5 População total, urbana e rural e grau de urbanização de Lauro de Freitas, 1960-2000
..... 65
Tabela 6 Taxas de crescimento total, urbana e rural, 1960-2000
....................................................... 66
Tabela 7 População economicamente ativa de Lauro de Freitas, por setor de atividade, 1970-
2000..................................................................................................................................... 67
Tabela 8 Pessoas residentes em Salvador e Lauro de Freitas com 10 anos e mais de idade por
grupo de anos de estudo, 1991-2000
...................................................................................69
Tabela 9 Rendimento médio mensal da população economicamente ativa de Lauro de Freitas,
1980-2000
............................................................................................................................ 69
Tabela 10 Localização, número médio e área dos lotes dos loteamentos populares implantados
em Lauro de Freitas entre 1963 e 1980
............................................................................... 95
Tabela 11 Área, população absoluta e relativa, densidade demográfica e uso dominante dos
distritos de Lauro de Freitas, 2000
....................................................................................115
Tabela 12 Quantidade de loteamentos e condomínios implantados nos distritos de Itinga e
Atlântico Norte entre 1975 e 2002, por ano de implantação
............................................. 128
Tabela 13 Distribuição da população das áreas selecionadas de Itinga e do Atlântico Norte por
grupos etários, 2005
........................................................................................................... 142
Tabela 14 Local de nascimento dos moradores das áreas selecionadas de Itinga e do Atlântico
Norte, 2005
........................................................................................................................ 143
Tabela 15 Atividades exercidas pelos moradores das áreas selecionadas de Itinga e do
Atlântico Norte, 2005
........................................................................................................ 146
Tabela 16 Vínculo empregatício das pessoas que trabalham nas áreas selecionadas de Itinga e
do Atlântico Norte, 2005
................................................................................................... 146
Tabela 17 Tempo de desemprego dos moradores das áreas selecionadas de Itinga e do
Atlântico Norte, 2005
........................................................................................................ 148
Tabela 18 Local onde os moradores das áreas selecionadas de Itinga e do Atlântico Norte
exercem suas atividades, 2005
...........................................................................................148
Tabela 19 Local de residência anterior dos moradores das áreas selecionadas de Itinga e do
Atlântico Norte, 2005
........................................................................................................ 149
Tabela 20 Tempo de residência no atual domicílio dos moradores das áreas selecionadas de
Itinga e do Atlântico Norte, 2005
......................................................................................150
Tabela 21 Motivos de mudança para o atual domicílio segundo os moradores das áreas
selecionadas de Itinga e do Atlântico Norte, 2005
............................................................ 151
Tabela 22 Vantagens de residir no atual endereço segundo os moradores de Itinga e do
Atlântico Norte, 2005
........................................................................................................ 153
Tabela 23 Desvantagens de residir no atual endereço segundo os moradores de Itinga e do
Atlântico Norte, 2005
........................................................................................................ 154
Tabela 24 Formas de aquisição do imóvel segundo os moradores das áreas selecionadas de
Itinga e do Atlântico Norte, 2005
......................................................................................155
Tabela 25 Características gerais externas dos domicílios das áreas selecionadas em Itinga e no
Atlântico Norte, 2005
........................................................................................................ 157
Tabela 26 Número médio de moradores por domicílio das áreas selecionadas de Itinga e do
Atlântico Norte, 2005
........................................................................................................ 159
Tabela 27 Relação entre o número de moradores por cômodos nos domicílios das áreas
selecionados de Itinga e do Atlântico Norte, 2005
............................................................ 160
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Ano de emancipação, natureza do ato legal e origem dos municípios da RMS
................. 53
Quadro 2 Origem, nome e área dos loteamentos populares implantados em Itinga entre 1970 e
1980..................................................................................................................................... 83
Quadro 3 Nome e área dos loteamentos populares sem origem determinada implantados em
Itinga entre 1967 e 1980
...................................................................................................... 84
Quadro 4 Origem, nome e área dos loteamentos destinados aos segmentos sociais mais
abastados implantados em Lauro de Freitas entre 1966 e 1979
........................................ 101
Quadro 5 Loteamentos e condomínios implantados no Atlântico Norte entre 1981 e 2002
............ 124
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Festa de posse do primeiro prefeito de Lauro de Freitas realizada na Praça da Igreja
Matriz em 07 de abril de 1963
...............................................................................................76
Foto 2 Praça da Igreja Matriz
.............................................................................................................. 76
Foto 3- Rua Abelardo Andréa, anos 1960
.............................................................................................77
Foto 4 Rua transversal do loteamento Vila do Almeida em setembro/outubro de 1980
....................87
Foto 5 Vista panorâmica do loteamento Vila do Almeida em setembro/outubro de 1980
................. 88
Foto 6 Avenida Fortaleza em setembro/outubro de 1980
................................................................... 89
Foto 7 Avenida São Cristóvão em setembro/outubro de 1980
........................................................... 90
Foto 8 Loteamento Sayonara em setembro/outubro de 1980
............................................................. 90
Foto 9 Loteamento Sayonara em setembro/outubro de 1980
............................................................. 90
Foto 10 Estabelecimento comercial situado no loteamento Vila do Almeida em
setembro/outubro de 1980
...................................................................................................... 91
Foto 11 Loteamento Sayonara em setembro/outubro de 1980
........................................................... 92
Foto 12 Casas do loteamento Vila do Almeida em setembro/outubro de 1980
................................
.
93
Foto 13 Peça publicitária do loteamento Vilas do Atlântico
............................................................ 103
Foto 14 Vista panorâmica do loteamento Vilas do Atlântico no verão de 1979/1980
.....................106
Foto 15 Evento promocional de lançamento de uma das etapas do loteamento Vilas do
Atlântico
............................................................................................................................... 107
Foto 16 Vista panorâmica do loteamento Vilas do Atlântico em meados dos anos 1980
................ 108
Foto 17 Placa anunciando a data de ligação do loteamento Vilas do Atlântico à rede geral de
água
...................................................................................................................................... 109
Foto 18 Praça da Matriz e Igreja de Santo Amaro de Ipitanga
......................................................... 116
Foto 19 Chafariz da praça do Largo do Caranguejo
......................................................................... 121
Foto 20 Área para eventos da praça do Largo do Caranguejo
.......................................................... 121
Foto 21 Avenida São Cristóvão
........................................................................................................ 121
Foto 22 Fim de Linha das Kombis
................................................................................................... 122
Foto 23 27º Complexo Policial e Parque Santa Rita
........................................................................ 122
Foto 24 Colégio Municipal Deputado João Leão
............................................................................. 122
Foto 25 Vista panorâmica de Vilas do Atlântico
.............................................................................. 123
Foto 26 Parte da área de lazer do condomínio Eco Vilas
................................................................
.
125
Foto 27 Terceira portaria de Vilas do Atlântico
............................................................................... 125
Foto 28 Vilas do Atlântico, Shopping Malibu
..................................................................................126
Foto 29 Vilas do Atlântico, vista da orla
..........................................................................................127
Foto 30 Araqui, Largo de Arcanja
.................................................................................................... 130
Foto 31 Portaria do condomínio Royal Ville
....................................................................................131
Foto 32 Portaria do condomínio Vila Solaris
...................................................................................131
Foto 33 Foz do Rio Joanes
............................................................................................................... 132
Foto 34 Buraquinho, condomínio Marina
........................................................................................133
Foto 35 Foto 35 Buraquinho, condomínio situado dentro do condomínio Foz do Rio Joanes
......... 133
Foto 36 Loteamento Jardim Centenário
...........................................................................................135
Foto 37 Loteamento Sayonara
.......................................................................................................... 135
Foto 38 Loteamento Jardim Talismã
................................................................................................136
Foto 39 Vista panorâmica de Vilas do Atlântico
.............................................................................. 137
Foto 40 Loteamento Miragem, cruzamento das ruas Ana C. B. Dias e Eliene S. Bonfim
............... 137
Foto 41 Pitangueiras
......................................................................................................................... 137
Foto 42 Araqui
.................................................................................................................................. 137
Foto 43 Localização dos pontos de referência e das áreas de pesquisa no distrito de Itinga
............ 140
Foto 44 Localização dos pontos de referência e das áreas de pesquisa no distrito Atlântico
Norte
..................................................................................................................................... 141
Foto 45 Loteamento Jardim Centenário, rua Jorge Sales
................................................................
.
162
Foto 46 Loteamento Jardim Centenário, rua Ismael Souza Conceição
............................................... 162
Foto 47 Loteamento Jardim Centenário, rua Cardeal Brandão Vilela
.............................................. 163
Foto 48 Loteamento Jardim Centenário, rua Cardeal Brandão Vilela
.............................................. 163
Foto 49 Loteamento Jardim Centenário, travessa Gilberto Matos
................................................... 164
Foto 50 Loteamento Jardim Centenário, rua Ismael Souza Conceição
............................................ 164
Foto 51 Loteamento Sayonara, rua José Cardoso dos Santos ( 1º trecho )
..................................... 166
Foto 52 Loteamento Sayonara, rua José Cardoso dos Santos ( 2º trecho )
..................................... 166
Foto 53 Loteamento Sayonara, rua José Cardoso dos Santos ( 2º trecho )
..................................... 167
Foto 54 Loteamento Sayonara, rua José Cardoso dos Santos ( 3º trecho )
..................................... 167
Foto 55 Loteamento Sayonara, rua José Cardoso dos Santos ( 3º trecho )
..................................... 168
Foto 56 Loteamento Jardim Talismã, rua Sônia dos Santos Nunes
.................................................. 169
Foto 57 Loteamento Jardim Centenário, rua Jorge B. Santos
.......................................................... 169
Foto 58 Loteamento Jardim Talismã, rua Gildete G. de Jesus
...................................................... 169
Foto 59 Foto 59 Loteamento Jardim Talismã, rua Gildete G. de Jesus
........................................ 169
Foto 60 Loteamento Jardim Talismã, 2ª Travessa Carlos Coutinho
................................................. 170
Foto 61 Loteamento Jardim Talismã, 2ª Travessa Carlos Coutinho
................................................. 171
Foto 62 Loteamento Jardim Talismã, rua Presidente Tancredo Neves
............................................ 171
Foto 63 Loteamento Jardim Talismã, rua Presidente Neves
............................................................ 171
Foto 64 Residência de antiga moradora de Pitangueiras
.................................................................. 174
Foto 65 Residência de antiga moradora do Araqui
.......................................................................... 174
Foto 66 Araqui, 2ª Travessa Rodolfo B. B. Barros
.......................................................................... 174
Foto 67 Araqui, 2ª Travessa Rodolfo B. B. Barros
.......................................................................... 174
Foto 68 Araqui, rua Brigadeiro Alberto Costa Matos
..................................................................... 175
Foto 69 Araqui, rua Brigadeiro Alberto Costa Matos
...................................................................... 175
Foto 70 Araqui, casas populares situadas na rua Brigadeiro Alberto Costa Matos
..........................175
Foto 71 Araqui, casa de classe média situada na rua Brigadeiro Alberto Costa Matos
...................176
Foto 72 Pitangueiras, rua Noêmia Paranhos
.....................................................................................176
Foto 73 Pitangueiras, rua José Bonifácio
.........................................................................................177
Foto 74 Pitangueiras, rua Jardim Ipanema
.......................................................................................178
Foto 75 Pitangueiras, domicílios de classe média na rua Jardim Ipanema
....................................... 178
Foto 76 Pitangueiras, domicílios de diferentes classes sociais na rua Jardim Ipanema
....................178
Foto 77 Loteamento Miragem, rua Edgar B. Franco
........................................................................ 179
Foto 78 Loteamento Miragem, rua Edgar B. Franco
........................................................................ 179
Foto 79 Vilas do Atlântico, esquina da avenida Praia de Guarapari e rua Praia da Sereia
............... 180
Foto 80 Vilas do Atlântico, rua Praia de Amaralina
......................................................................... 180
Foto 81 Vilas do Atlântico, rua fechada
...........................................................................................180
Foto 82 Vilas do Atlântico, calçada ajardinada
................................................................................ 181
Foto 83 Vilas do Atlântico, rua Praia da Sereia
................................................................................ 181
Foto 84 Vilas do Atlântico, rua Praia da Paciência, Pitangueiras ao fundo
..................................... 182
Foto 85 Pitangueiras, rua Noêmia Paranhos, Vilas do Atlântico ao fundo
...................................... 182
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE TABELAS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE FOTOS
1
INTRODUÇÃO
............................................................................................................................23
2
O ESPAÇO URBANO NA
SOCIEDADE CAPITALISTA: A QUESTÃO DA
SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL
..............................................................................................28
2.1
PROCESSOS E AGENTES RESPONSÁVEIS PELA ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO
URBANO
.................................................................................................................................... 29
2.2
A DISTRIBUIÇÃO DAS RESIDÊNCIAS DISCUTINDO A SEGREGAÇÃO
...................36
2.2.1
Notas sobre as características da evolução do processo
.........................................................36
2.2.2
Reflexões sobre o conceito de segregação
................................................................................41
3
CONTEXTO DE EMANCI
PAÇÃO, O ADENSAMENTO E A URBANIZAÇÃO DE
LAURO DE FREITAS: ASPECTOS GERAIS E DADOS ESTATÍSTICOS
........................51
3.1
LOCALIZAÇÃO E CONTEXTO GERAL DE EMANCIPAÇÃO
............................................ 51
3.2
DINÂMICA SOCIODEMOGRÁFICA DA RMS NA SEGUNDA METADE DO
SÉCULO XX E O DESTACADO CRESCIMENTO DE LAURO DE FREITAS
....................57
3.3
PARTICULARIZANDO LAURO DE FREITAS: ADENSAMENTO, URBANIZAÇÃO
E ALTERAÇÃO DO PERFIL POPULACIONAL
..................................................................... 64
4
LAURO DE FREITAS:
HISTÓRICO DE CRIAÇÃO DO MUNICÍPIO E A
FRAGMENTAÇÃO SOCIAL E ESPACIAL
...........................................................................72
4.1
BREVE HISTÓRICO DE CRIAÇÃO E CARACTERÍSTICAS GERAIS
................................72
4.2
A CONSTRUÇÃO DA FRAGMENTAÇÃO ESPACIAL E SOCIAL DO
MUNICÍPIO: O ESTADO E OS AGENTES IMOBILIÁRIOS
................................................. 80
4.2.1
Os loteamentos populares e a espacialização dos mais pobres
.............................................. 82
4.2.2
Os loteamentos para as classes mais abastadas
...................................................................... 98
4.3
DA FRAGMENTAÇÃO DAS PROPRIEDADES À SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL
........ 111
5
A FRAGMENTAÇÃO SOC
IAL E ESPACIAL E AS ESCALAS DA SEGREGAÇÃO
RESIDENCIAL EM LAURO DE FREITAS
.......................................................................... 114
5.1
CONDIÇÕES GERAIS DE MORADIA, DE ACESSO A SERVIÇOS E DE CONSUMO
DOS DISTRITOS DE ITINGA E DO ATLÂNTICO NORTE
................................................ 118
5.2
AS DESIGUALDADES SÓCIO-ESPACIAIS DE ITINGA E DO ATLÂNTICO NORTE
E AS FORMAS DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL
........................................................... 133
5.2.1
Diferenças e semelhanças entre moradores e condições de moradia das áreas
selecionadas: dados da pesquisa de campo
...........................................................................142
5.2.2
A segregação dentro da área segregada
................................................................................162
5.2.3
A segregação produzida pela auto-segregação
..................................................................... 173
6
CONCLUSÃO: PRODUÇÃ
O E IMPLICAÇÕES DA SEGREGAÇÃO
RESIDENCIAL
..........................................................................................................................183
REFERÊNCIAS
................................................................................................................................193
ANEXOS
............................................................................................................................................198
APRESENTAÇÃO
O objetivo inicial desta dissertação era o de analisar as mudanças ocorridas na
organização espacial de Lauro de Freitas verificando a importância do componente
migratório nesse processo. Com essa perspectiva em mente, iniciei as pesquisas e as
caminhadas por esse município. Mas, a realidade é algo surpreendente; o que nos parece
tão familiar, comum e estabelecido de repente se torna uma indagação. Ao andar pelas
ruas de Lauro de Freitas, há muito meu espaço cotidiano, com o olhar daquele que
questiona, pude provar, sentir, tocar os frutos da intensa desigualdade existente em
nossa sociedade. E se sempre me indignei com essa situação, conviver mais proximamente
a ela aumentou esse sentimento e redirecionou este trabalho. Foram novas e muitas
questões que surgiram, mas, diante do exíguo tempo de pesquisa e maturação teórica que
um mestrado moderno impõe, tive que optar por uma delas.
Centrei-me na casa, ou melhor, nas diferenças entre as casas e os locais onde estão as
casas dos homens. A casa é o cotidiano, o aconchego, o lar; é para onde o homem retorna
após a labuta diária, onde deposita seus objetos, sonhos e frustrações. Simboliza a família,
o local de vivência e convivência; reflete e representa o próprio eu. A casa é o lugar do
homem no mundo. Mas, como é esse lugar? Mais precisamente, como são esses lugares
onde estão as casas dos homens que, em nossa sociedade, são diferenciados e valorados
por aquilo que são capazes de possuir?
Eis a idéia central que passou a guiar esse trabalho: empreender uma análise das diferentes
características dos locais de moradia dos residentes de Lauro de Freitas, e de como as
desigualdades sociais, que se expressam no espaço, repercutem na vida das pessoas. Viu-
se com clareza que o espaço dos pobres e dos ricos, mesmo quando muito próximos,
assim como as posições que ocupam no mundo da produção, apresentavam-se diferentes.
Mas as queixas, essas eram semelhantes. O que chamou a atenção foi que, de modo geral,
aqueles que residem onde melhor infra-estrutura, em casas com maior qualidade, têm
muitas reclamações e reivindicações. Os mais pobres, com suas angústias e problemas
estruturais, ainda que com reclamações e problemas, se mostravam satisfeitos com sua
moradia, embora em ruas sem pavimentação, com esgoto correndo a céu aberto, onde as
calçadas eram cobertas pelo mato. Essa questão, embora instigante, foi uma das que não
se abordou nesse trabalho.
Do mesmo modo, não se pretendeu investigar por que, embora as desigualdades sejam tão
intensamente marcadas na paisagem e aqueles que pouco tem morem em frente de casas
amplas, com muros altos e sistemas de segurança guardando carros caros e pessoas com
medo, não questionam essa situação, não se revoltam ... apenas se acostumam. Tampouco
se estudou detidamente o papel da ideologia da segurança/violência como produtora dos
lugares, embora essa idéia tenha permeado a maioria das falas dos entrevistados.
O foco desta dissertação foi estabelecer o nexo entre características dos lugares e das
pessoas que nele moram; tentando analisar tais correlações. Buscou-se entender quem,
como e porque foram produzidas as estruturas espaciais e suas conseqüências na vida das
pessoas. Trabalhou-se, nesse sentido, com o conceito de segregação residencial,
verificando a intensidade e as escalas em que emergem as desigualdades espaciais no
município em foco e tentando-se identificar os principais processos e agentes responsáveis
por sua consolidação. Subliminarmente a esse objetivo acadêmico, estão antigas idéias e
indagações pessoais. Desse modo, o que norteou a proposta desse estudo foi tanto a
tentativa de compreender os temas propostos, como provocar reflexões e questionamentos
que produzam novos estudos e estimulem ações que minimizem as conseqüências das
intensas, e estruturais ao sistema capitalista, desigualdades sócio-espaciais.
23
1
INTRODUÇÃO
A noção que fundamenta as reflexões apresentadas nesta dissertação é a de que as
desigualdades sociais encontram uma expressão espacial e que o espaço que as pessoas
produzem e ocupam lhes atribui um valor e contribui para a maior ou menor acessibilidade
aos seus direitos. Para empreender uma discussão em torno dessas idéias mais gerais,
procurou-se analisar a distribuição das residências das diferentes classes sociais1 em um
município da Região Metropolitana de Salvador, Lauro de Freitas.
O espaço urbano das grandes cidades contemporâneas registra na sua paisagem os
ideais que sustentam o sistema capitalista. Especialmente no que tange às desigualdades,
materializa e sintetiza as múltiplas estruturas e ideologias sociais estabelecidas ao longo do
tempo e que incidiram nas diferentes espacializações das classes sociais; em sendo assim, a
forma como se distribuem os locais de moradia dos diferentes segmentos sociais não se faz ao
acaso, mas de acordo com a lógica de um determinado período histórico. No caso latino
americano, em particular, o brasileiro, onde a renda tem sido o fator fundamental dessa
separação, experimentou-se alteração das dinâmicas que, conforme os interesses das elites,
resultaram na localização das diferentes classes sociais nas regiões metropolitanas.
Na década de 1970, de forma geral, verificou-se um processo de periferização das
classes populares que, dado o custo de residir nas grandes cidades e em busca da possibilidade
de acesso à casa própria, migrava para áreas mais distantes e onde a terra fosse mais acessível.
Em tais áreas, as condições de vida eram, predominantemente, precárias. A partir dos anos
1980, parcelas da classe média tenderam a se deslocar para municípios próximos dos núcleos
metropolitanos que se apresentassem como distantes dos problemas decorrentes das grandes
centros urbanos. Buscou-se espaços com qualidade de vida e com um custo menor do
existente nas áreas centrais e nas já caracterizadas como de elite das grandes cidades. Nesse
caso, diferindo dos mais pobres, que por força da necessidade se aventuravam em áreas sem
infra-estrutura, a idéia era morar em loteamentos com algum diferencial (espaços de lazer,
proximidade à natureza, amenidades etc), com alguma facilidade de acesso ao centro, e com,
ao menos, infra-estrutura básica. Destaque-se que nessa época começaram a despontar os
condomínios fechados em município próximo ao núcleo metropolitano, esboçando a
possibilidade de total afastamento da cidade e todos os seus males. Importa destacar que, em
1
Neste trabalho, não está em pauta a discussão do conceito de classe social, adota-se a noção mais geral de que
uma classe expressa a posição do indivíduo no mundo da produção, acrescentando-se na definição de uma
classe, além da renda e da ocupação, deve-se considerar identidade de valores, interesses e possibilidade de
acesso aos seus direitos.
24
ambos os momentos, evidenciava-se a propensão da separação espacial das distintas classes
sociais, com cada uma delas tendendo a predominar sobre as demais em determinadas áreas,
indicando um processo de segregação residencial.
O município de Lauro de Freitas chamou a atenção por ter experimentado intenso
crescimento demográfico nas últimas décadas. Emancipado no começo dos anos 1960, com
menos de 10 mil habitantes (vivendo, sobretudo, em propriedades rurais), no bojo de uma
série de mudanças estruturais da economia baiana que tiveram como uma de suas
conseqüências a ampliação da classe média e a intensificação dos fluxos migratórios para essa
região , na década de 1970 verificou reflexos do processo de periferização dos mais
pobres, fato associado à sua proximidade de Salvador. Como conseqüência das alterações
sócio-espaciais observadas na capital, recebeu como migrantes pessoas de baixa renda, pouco
escolarizadas e que se inseriam mais precariamente no mundo de trabalho em muito por conta
da ação intensa do mercado imobiliário, que instalou inúmeros loteamentos populares no seu
território. Ao mesmo tempo, observou-se a criação de empreendimentos destinados aos
segmentos mais abastados, só que, nesse caso, o objetivo principal dos adquirentes consistia
em lazer: eram amplos terrenos e casas destinadas ao veraneio. No final dos anos 1980 e na
década de 1990, quando parte desses domicílios passou a se constituir em local de moradia
definitiva, ocorreu a intensificação dos investimentos do mercado imobiliário na construção
de condomínios que se multiplicaram na orla de Lauro de Freitas. Assim, se na metrópole
permaneceram os processos que resultaram na atração de pessoas das classes mais baixas, o
município também passou a receber migrantes das classes média e alta.
Além dos processos de ordem socioeconômica mais gerais, o fator locacional
contribuiu para que Lauro de Freitas experimentasse ampliação de sua população. Estando em
no vetor de expansão da área nobre e próximo a um bairro popular de Salvador, de quem
dista, sede a sede, pouco mais de 20km, o município é atravessado pela BA-099, cuja primeira
etapa estende-se do atual Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães até o município de
Camaçari (trecho conhecido como Estrada do Coco) e a segunda, conhecida como Linha
Verde, segue até a divisa da Bahia com Sergipe. Essa rodovia está articulada à Avenida Luis
Vianna Filho (Avenida Paralela, onde se localiza o Centro Administrativo do Estado), que,
por sua vez, faz a ligação entre um dos principais pólos econômico-financeiros de Salvador
(eixo Iguatemi-Rodoviária) ao aeroporto. Assim, a BA-099 favorece o fluxo de pessoas,
mercadorias e informações entre diferentes áreas da Região Metropolitana. Ainda constitui
25
vantagem locacional do município o fato deste estar próximo do aeroporto de Salvador, da
base aérea e da BA-526, rodovia que liga o Centro Industrial de Aratu ao Aeroporto.
Quanto às características internas que teriam colaborado nesse processo, pode-se
destacar que com estrutura fundiária predominantemente rural, tinha terras a um preço mais
acessível do que em Salvador e outros municípios metropolitanos, podendo ser adquiridas
mesmo por incorporadoras e pessoas com menor capacidade financeira. Isso contribuiu para
que os agentes imobiliários promovessem uma intensa fragmentação do solo e obtivessem
elevado lucro ao converter terra rural em urbana. Para essa situação, houve a colaboração do
poder público, na medida em que as normas para a implantação dos empreendimentos em
Lauro de Freitas eram mais flexíveis e as exigências mais tênues do que as estabelecidas pela
prefeitura de Salvador. A ação desses dois agentes, é importante destacar, se fez de forma
estrutural e espacialmente diferenciada de acordo com o segmento social a que se destinasse.
Para os indivíduos das classes mais baixas, a localização privilegiada foi a área de
Itinga que se situa no limite com a capital, próximo ao Aeroporto e ao bairro de São
Cristóvão, em Salvador. Com terreno acidentado, cortado por veios de rios, em Itinga foram
implantados mais de 60 loteamentos populares entre 1963 e 1980, sem infra-estrutura alguma.
Para as classes médias e altas, as imobiliárias aproveitaram-se, principalmente, da orla de
Lauro de Freitas, seja próximo ao mar ou ao rio Joanes. Ao longo desse rio (que é navegável
por pequenas embarcações e onde existe um belo manguezal), bem como nas proximidades de
sua orla oceânica (onde ainda resistem trechos de mata atlântica), desde os anos 1970 foram
implantados grandes loteamentos, dotados de alguma infra-estrutura, cuja clientela era a
classe média emergente (em muito em decorrência da instalação da Petrobrás, anos 50, e,
principalmente, do Complexo Petroquímico). Essa parte do município consolidou sua
vocação para atender as elites quando, nos anos 1990, uma série de condomínios fechados,
com belas fachadas e muros altos, foram nela instalados. Então, já se falava nessa área,
inclusive nas peças publicitárias, como uma opção para morar.
Esse conjunto de caractesticas locacionais e naturais e o custo do solo, associado à
demanda por moradia e às tendência de periferização da população metropolitana foram e ainda
o exploradas pelo mercado imobiliário para a venda de lotes e casas destinadas tanto ao
veraneio como à residência. Igualmente, a atuação do setor blico, interessado em adensar e
consolidar o município, contribuiu para que em Lauro de Freitas se desenvolvesse,
principalmente, a função é a residencial. Acrescente-se que, na década de 1990, uma série de
26
políticas de incentivos fiscais de âmbito municipal colaborou para a atração de investimentos e
empreendimentos comerciais, de serviços e industriais. Tais medidas concorreram para que o
munipio ampliasse seus indicadores econômicos, se tornasse mais atrativo a novos moradores,
para a intensificação da sua urbanização e para que se consolidasse sua conurbação com Salvador.
No fundamental, o crescimento demográfico de Lauro de Freitas decorreu da
conjugação de uma série de processos que provocaram mudanças na sua estruturação e
resultaram na consolidação de novos processos, dentre os quais o de separação dos locais de
moradia das classes sociais, ou seja, de segregação residencial. Construindo empreendimentos
voltados aos diferentes segmentos da estrutura social, os agentes imobiliários romperam com
a lógica de espacialização dos moradores existentes antes e nos primeiros anos de Lauro de
Freitas, separando-os de acordo com a renda e a possibilidade dela decorrente de adquirir
terreno numa ou noutra área desse município. Grosso modo, pode-se dizer que, como
resultado dessas intervenções, produziu-se espaços desiguais e que a Estrada do Coco é uma
linha que separa os espaços dos que tem maior renda do local destinado aos mais pobres.
Essa é a idéia geral de espacialização da segregação residencial nesse município. No
entanto, mesmo nas áreas ditas das elites, existem espaços em que se evidencia pobreza nas
formas e nas condições de moradias. Em outras palavras, não se pode tentar compreender os
processos sociais a partir de uma perspectiva linear de análise, dentro de uma conexão causa-
efeito; a realidade é dinâmica e dialética e a estrutura espacial permite verificar as mudanças
sociais através das formas, que revelam a imbricação dos tempos e processos. Desse modo,
embora seja ponto pacífico que em Itinga e na porção costeira e nas margens do rio Joanes
residam segmentos sociais bastante distintos, questionou-se: como foi construída e quais as
características da segregação residencial nesse município? Partindo dessa indagação, dos
estudos preliminares sobre o Lauro de Freitas, da perspectiva de espaço brevemente
apresentada acima e com base na hipótese de que a segregação residencial em Lauro de
Freitas está fortemente associada às ações do mercado imobiliário e se apresenta em
diferentes escalas, existindo mesmo no interior das áreas consideradas das elites, estabeleceu-
se como objetivo central dessa dissertação discutir o processo de construção, as formas e as
escalas sob as quais de segregação residencial pode ser identificado em Lauro de Freitas,
analisando as diferentes características dos locais de moradia das distintas classes sociais nos
distritos de Itinga e Atlântico Norte.
Para alcançar os propósitos do presente trabalho, empreendeu-se um estudo
27
diacrônico e sincrônico, através de pesquisa bibliográfica, documental e empírica, e dividiu-se
essa dissertação em quatro capítulos, além dessa introdução e da conclusão.
No Capítulo 2, trabalhou-se o marco teórico-conceitual que subsidiou as análises
feitas, especialmente no que tange à concepção de espaço, do espaço urbano e de segregação
residencial. Tratou-se também das características e da variação no tempo das formas da
segregação e da auto-segregação. No Capítulo 3, procurou-se apresentar de forma sucinta o
contexto em que Lauro de Freitas foi emancipado e as mudanças no padrão de redistribuição
de população na Região Metropolitana de Salvador a partir dos anos 1960, observando a
intensidade e a velocidade do aumento da população do município, bem como a mudança do
seu perfil socidemográfico.
No quarto capítulo pretendeu-se atender ao objetivo de esclarecer quais os processos
que resultaram na atração de pessoas de diferentes segmentos sociais para Lauro de Freitas e
estabelecer correlações entre as características dos migrantes que chegaram ao município nas
primeiras décadas após sua emancipação com as características produzidas nas diferentes
localizações. Por fim, no Capítulo 5 discutiu-se o processo de segregação residencial nos
distritos de Itinga e do Atlântico Norte tal como observado atualmente. Visando examinar
comparativamente algumas de suas áreas internas, adotou-se como metodologia observações
estruturadas e entrevistas. No caso de Itinga, trabalhou-se com três de seus loteamentos,
escolhidos a partir dos principais pontos de referência do bairro. Para o Atlântico Norte,
tomou-se como referência o loteamento mais denso e consolidado da área, Vilas do Atlântico,
realizando-se a pesquisa neste e no seu entorno.
Por fim, nas conclusões pretendeu-se responder às indagações que nortearam essa
dissertação e avançar nas reflexões a cerca dos pressupostos utilizados para compreender os
processos de segregação residencial em curso em Lauro de Freitas, destacando-se as
principais implicações da atual espacialização das classes sociais no município e das
características de tais espaços nas condições de vida, possibilidades e limites daqueles que
vivem.
28
2 O ESPAÇO URBANO NA SOCIEDADE CAPITALISTA: A QUESTÃO DA
SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL
O espaço geogfico é o espo do homem. Insncia social e histórica, é seu lugar de
vida, prodão e reprodução. Constitui-se quando a natureza é modificada pela interveão
humana com uma finalidade, atribuindo-lhe funções, formas e valores concretos e simbólicos. É o
conjunto das relações entre tais formas, funções e valores, resultante de processos sociais do
passado e do presente, que o caracterizam tal como se manifesta em suas múltiplas facetas em um
dado momento e ao longo da história. O espo geográfico, desse modo, não pode pré-existir ou
estar desvinculado da sociedade, nem se reduzir à base material dos processos sociais. Santos
(2002a) afirmou que o espaço geográfico é uma instância da sociedade que contém e está contido
nas demais. Sendo assim, não pode ser considerado um elemento neutro, sem significado, simples
receptáculo das interveões humanas. Ao contrário, é, ao mesmo tempo, condição e
condicionante da dimica social. Sua organizão, os objetos nele instalados, os homens que
nele vivem, os processos que nele se desenvolvem e as fuões que desempenha em cada
contexto são determinadas e determinantes da sociedade. Porta, pois, um significado ideológico
na medida em que nos vários momentos históricos com seus respectivos determinantes sociais
, seus elementos detêm um papel e valor específicos. Cada lugar também é, assim, carregado de
signos que o marcam bem como aqueles que nele vivem. Em outros termos, "[...] este espaço é
construído pela sociedade para seu funcionamento e, desde já, pelo menos nesse sentido, faz parte
da sociedade" (OLIVA, 2004, p. 4).
Na medida em que é o trabalho social (ação humana organizada coletivamente) que
transforma o meio, o espaço é socialmente produzido. Por conseguinte, a lógica espacial
acompanha a própria lógica do modo de produção, formadora da totalidade social, atuando
como mecanismo de reprodução da sociedade. Portanto, o espaço geográfico exerce
dialeticamente o papel de resultado e condição da reprodução da formação econômico-social.
É objeto de disputa entre as classes sociais que, por conta da forma como se inserem na
estrutura produtiva, terão possibilidades diferentes de dele se apropriarem e utilizarem. Para
Santos (2002a), cada localização tem um significado e condiciona as novas localizações. As
formas, funções e estruturas passadas constituem uma herança a ser aproveitada no processo
de re-estruturação espacial. A organização do espaço tende a reproduzir as principais linhas
de força da sociedade, tanto quando mantém como quando altera as localizações. Contudo,
assim como as demais instâncias sociais, é uma estrutura subordinante-subordinada, que
mesmo submetida à totalidade social, apresenta certa autonomia. Afinal, para o autor,
29
De fato, o espaço não pode ser apenas reflexo do modo de produção atual
porque é a memória dos modos de produção do passado. Ele sobrevive, pelas
suas formas, à passagem dos modos de produção ou de seus momentos. [...]
As determinações sociais não podem ignorar as condições espaciais
concretas preexistentes. Um modo de produção novo, ou um novo momento
de um mesmo modo de produção, não podendo fazer tábua rasa das
condições espaciais preexistentes (SANTOS, 2002a, p.181-182).
Nessa perspectiva, dentro de um sistema capitalista, o espaço também desempenha
função de acumulação e de poder. Moreira (1982), com uma concepção marxista mais radical,
considerou o espaço geográfico parte fundamental do processo produtivo, onde a produção e a
distribuição dos bens se encontram sujeitas às formas como se estabelecem as articulações
entre as diferentes classes sociais. Sendo assim, o arranjo espacial decorre e reproduz as
relações entre as classes, revelando a fusão do espaço com as instâncias que concorrem para a
formação econômico-social.
Castells (2000) salientou que a estruturação espacial é conseqüência da articulação
dos mesmos sistemas que configuram a sociedade os sistemas econômico, político e
ideológico e de suas respectivas práticas sociais. Esse autor entendeu que na estruturação
do espaço: (1) as modificações espaciais ocorrem em paralelo às modificações sociais, suas
alterações funcionais e remodelagens, transformações de formas e localizações não
preexistem ou antecedem as alterações sociais, que se fazem no âmago do mesmo processo; e
(2) o espaço urbano não se organiza ao acaso, mas sim em função da articulação dos
elementos dos sistemas que o compõem. Para esse autor, as combinações e transformações
entre os diferentes sistemas e elementos da estrutura fazem-se por intermédio das práticas
sociais, quer dizer, da ação dos homens determinada por sua inserção particular nos diferentes
locais da estrutura assim definida (CASTELLS, 2000, p. 193).
Partindo dessa compreensão de espaço, no presente capítulo pretende-se discutir
aspectos da constituição do espaço urbano no capitalismo para, posteriormente, tratar das
desigualdades sócio-espaciais, especificamente no que se refere às distintas possibilidades de
apropriação e uso da cidade para fins de moradia pelas diferentes classes sociais.
2.1
PROCESSOS E AGENTES RESPONSÁVEIS PELA ESTRUTURAÇÃO DO
ESPAÇO URBANO
A grande cidade contemporânea se caracteriza pelo grande número de pessoas em
um espaço limitado, diversidade e densidade de construções e atividades econômicas; é o
local onde os investimentos de capitais são maiores, diversificados e mais concentrados.
Espaço complexo, demonstra com clareza as contradições e conflitos sociais. Constitui-se, por
30
isso mesmo, [...] no conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si (CORRÊA,
1989, p. 7), que define áreas distintas e inter-relacionadas e que configuram sua organização
espacial. Desse modo, devem ser apreendidos como um conjunto que é, simultaneamente,
fragmentado e articulado. Essa articulação, decorrente da circulação seja de pessoas, veículos,
capitais, informações, decisões, ideologias etc., possibilita que a cidade, embora se
apresentando fragmentada numa multiplicidade de subespaços tenha uma unicidade e se
complemente mesmo naquilo que parece mais contraditório, assim como acontece com as
relações sociais. Note-se que, divergindo da visão desse autor, Souza (2003, p. 89) crê que a
cidade cada vez menos se apresenta como unidade na diversidade e, cada vez mais, se torna
[...] uma coleção de compartimentos estanques justapostos , sendo dividida, por exemplo,
nas áreas das favelas e dos condomínios exclusivos, que se fecham uma à outra sob a lógica
da segurança, contribuindo para a fragmentação sociopolítica da cidade.
Retornando à concepção de Corrêa (1998), o espaço urbano expressa o trabalho
social, a ação humana ao longo do tempo no processo de transformação da natureza; revela o
desenvolvimento das forças produtivas e as conflituosas relações de produção. Eis o terceiro
modo de se apreender o espaço: reflexo da sociedade. No capitalismo avançado, a
organização espacial está comprometida com a divisão social e territorial do trabalho e com as
relações de complementaridade que se produzem entre os lugares. Numa sociedade dividida
em classes, a organização do espaço representa a natureza classista da produção e do consumo
de bens materiais e dos meios de controle social. Como conseqüência da ação humana ao
longo do tempo e adquirindo as características básicas de uma determinada sociedade, a
organização do espaço [...] refletirá o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de
produção. Como estas últimas vão traduzir-se em classes sociais e seus conflitos, a
organização espacial as espelhará (CORREA, 1998, p. 67). Assim, uma vez que é
condicionado pela sociedade, o espaço é marcado pela desigualdade; é mutável e é complexo.
No entanto, como dito, por não se tratar de um elemento neutro, a organização do
espaço também é condição dos processos sociais. O espaço urbano, ao mesmo tempo em que
é condicionado, é condicionante social, visto que as formas espaciais detêm papel relevante na
reprodução das relações e das condições de produção. Além do seu caráter especular, a
organização espacial se apresenta como condição de reprodução social, papel importante
devido à intensa acumulação de formas espaciais existentes no capitalismo contemporâneo
eis o quarto momento de sua apreensão.
Essa reprodução pode ser de dois tipos: reprodução simples e reprodução ampliada.
Sinteticamente pode-se dizer que, em nível espacial, o primeiro caso se refere à ampliação da
31
concentração de atividades em um determinado local, seja expansão vertical ou horizontal, em
decorrência da implantação de novas empresas num local onde estas apresentavam uma
densidade significativa. A reprodução ampliada pode ser verificada quando são introduzidos
novos centros ou subcentros comerciais, bem exemplificados pelos shoppings centers. Nesse
caso, a organização do espaço é criada ou alterada.
Esta reprodução ampliada do espaço é uma expressão espacializada do
processo de reprodução ampliada do capital, que se verifica simultaneamente
à sua centralização e concentração. [...] reprodução ampliada do capital
significa, no plano das empresas, uma centralização, mas no plano espacial
representa uma descentralização criadora (CORRÊA, 1998, p. 73).
Souza (2003), do mesmo modo, assinalou que [...] a organização espacial e as
formas espaciais refletem o tipo de sociedade que as produziu, mas a organização espacial e
as formas espaciais, uma vez produzidas, influenciam os processos sociais subseqüentes
(SOUZA, 2003, p. 99). Com isso, entende-se que o espaço, muito mais do que condição
material, inscreve as relações de poder, valores e símbolos culturais, objetos concretos ou
imaginários que servem como referência para as relações sociais e sua dinâmica.
Verifica-se que o espaço urbano caracteriza-se por ser simultaneamente fragmentado,
articulado, condição e condicionante dos processos sócio-espaciais; principal lugar de
manifestação dos conflitos e das lutas sociais e, por conta de todos esses aspectos, permeado
de símbolos construídos ao longo do tempo. Para entendê-lo é necessário ter conhecimento
das dinâmicas que o constituíram, das forças sociais que, no jogo de poder, definiram sua
estrutura. Do mesmo modo, através da análise da organização interna da cidade é possível
compreender os processos sociais que lhe deram face específica (CORRÊA, 1989). Dessa
maneira, a localização das distintas funções e grupos sociais no espaço está associada a
processos históricos e às relações entre as classes, relações essas que são de dominação e
prenhes de ideologia.
A distribuição das funções urbanas no espaço, a localização dos diferentes usos da
terra, é, desse modo, conseqüência da tensão entre as forças dos diferentes agentes sociais.
Faz-se importante questionar: (1) quais as forças/interesses que determinam a estrutura
urbana? e (2) quem são os principais agentes que estruturam o espaço?
Villaça (2001) considerou a localização como principal força estruturante do espaço
intra-urbano. De acordo com o autor, a estrutura da cidade se origina na luta entre as classes
pela apropriação das vantagens que cada localização pode proporcionar. A dominação
através da estruturação do espaço intra-urbano visa principalmente a apropriação diferenciada
32
de suas vantagens locacionais (VILLAÇA, 2001, p. 45). Ademais, como o espaço se constrói
a partir da ação humana, do seu trabalho, logo, ele porta um valor. Em verdade, dois tipos de
valores: o valor do produto em si sobre ele construído (casas, edifícios, ruas, praças, infra-
estruturas etc.) e o valor da aglomeração, valor dado pela localização desses produtos, o que
os insere na aglomeração. Na tentativa do capital de produzir e transformar lugares em
mercadorias pela instalação de produtos valorizados socialmente, o espaço vai adquirindo
importância e significados diferenciados.
A localização se apresenta assim como um valor de uso da terra dos lotes,
das ruas, das praças, das praias valor que, no mercado, se traduz em preço
da terra. Tal como qualquer valor, o da localização também é dado pelo
tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la, ou seja, para
produzir a cidade inteira da qual a localização é parte (VILLAÇA, 2001, p.
72).
O valor da terra urbana é, pois, dado pelo valor da localização, da acessibilidade de
uma parte da cidade em relação às demais. Esse autor utilizou a expressão terra-localização
para ressaltar que a acessibilidade é o valor de uso mais significativo da terra, ou seja, a
melhor acessibilidade implica em maior valor. A localização ou o ponto é o valor produzido
pelo trabalho coletivo despendido em sua produção (VILLAÇA, 2001, p. 74). A localização
se constitui pela condição e possibilidade de acesso dos indivíduos aos recursos da cidade.
Se o valor da terra urbana é produzido, se diferentes agentes a configuram e a
significam de forma desigual, também de forma desigual será apropriada e utilizada pelas
várias classes sociais. É nesse sentido que as localizações se associam à dominação: a
dominação do espaço urbano aparece quando a classe dominante comanda a apropriação das
vantagens e recursos da cidade. Dentre essas vantagens, a mais importante é a otimização dos
tempos de deslocamento, a melhor acessibilidade às localizações, especialmente às mais
centrais. No entanto, não se deve confundir necessariamente acessibilidade com proximidade.
Os interesses da classe dominante podem fazer com que o que, em princípio, era mais
distante, passe a ser, num outro momento, espacialmente mais valorizado.
Nem sempre as burguesias procuram o perto em termos de tempo e
distância. Às vezes, elas se afastam na busca de grandes lotes e ar puro, por
exemplo, mas mesmo quando isso ocorre limites para esse afastamento.
Nesses casos elas procuram trazer para perto de si seu comércio, seus
serviços e o centro que reúnem o equipamento de comando da sociedade
e isso não por razões simbólicas ou de
status
, mas pela razão muito prática
de que elas o freqüentam intensamente e nele exercem muitos de seus
empregos (VILLAÇA, 2001, p. 329).
Vale acrescentar que, como bem pontuou Sposito (1999), na cidade contemporânea
33
observam-se, simultaneamente, as tendências de concentração e desconcentração [...] como
se a cidade continuamente se espraiasse indefinidamente no sentido de sua periferia, como
forma de se diluir para se recompor em novas formas de concentração (SPOSITO, 1999, p.
88). Esse processo, decorrente de interesses de grupos e dinâmicas socioeconômicas, pode ser
associado ao avanço e variedade dos meios de transportes, comunicação e das tecnologias de
produção, o que colabora para a redefinição das relações entre centro e periferia. A autora
ressalta a importância da criação dispersa, em novas áreas de concentração, de
estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços na consolidação de novas centralidades
que contribuem para expandir o assentamento urbano e estabelecer de acordo com a
qualidade das vias de circulação a acentuação dos deslocamentos e das trocas entre o
centro e a periferia.
Entende-se, pois, que a localização dos empreendimentos habitacionais mais
afastados dos núcleos metropolitanos dos conjuntos habitacionais populares, instalados
desde os anos 1960, aos loteamentos fechados das classes média que e alta, que se destacaram
na paisagem, sobretudo, a partir da década de 1980 contribuiu para ampliar a importância
grande cidade por conta da intensificação dos fluxos entre ela e sua periferia. Acrescentando-
se a proposição de Villaça (2001), anteriormente posta, pode-se dizer que os novos modelos
de moradia, especialmente no caso da classe média, em termos funcionais e profissionais,
estão extremamente ligados e dependentes das dinâmicas das aglomerações. Vive-se, assim,
simultaneamente, dentro e fora da grande cidade.
Com relação à segunda indagação, que reporta aos principais agentes produtores do
espaço urbano, Corrêa (1989) considerou que a lógica que preside a organização do espaço
interno da cidade decorre da ação e dos interesses conflitantes de diferentes agentes sociais; a
complexidade e o desenvolvimento de tais ações produzem constante reorganização espacial
o que se manifesta de diversas formas, tais como a densificação do uso do solo,
deterioração e/ou renovação de certas áreas em detrimento de outras, implantação e/ou
relocação de infra-estruturas, funções etc. São os processos engendrados pelos (a)
proprietários dos meios de produção, (
b) proprietários fundiários, (c) promotores imobiliários,
(d) Estado e (e) grupos sociais excluídos que repercutem em constante re-estruturação
espacial. Alguns desses agentes, contudo, apresentam interesses convergentes: os
proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários e os promotores imobiliários,
embora com estratégias distintas, servem [...] ao propósito dominante da sociedade
capitalista, que é o da reprodução das relações de produção, implicando a continuidade do
processo de acumulação e a tentativa de minimizar os conflitos de classe, este aspecto
34
cabendo particularmente ao Estado (CORRÊA, 1989, p. 12).
Quanto a este último agente, em especial no Brasil, tem atuado de modo
profundamente desigual no que tange à espacialização dos serviços públicos, tornando-se alvo
de reivindicações sociais. O Estado interfere diretamente na valorização ou não de
determinadas frações do espaço. Uma das formas de observar essa intervenção é pela
regulamentação do uso do solo e pela alocação diferencial de infra-estrutura; via de regra, os
locais mais bem servidos e dotados de melhores condições de vida têm sido justamente os
ocupados pelas elites. Para Miliband (1972), no capitalismo, os homens são levados a
competir entre si pela atenção e pelo poder do Estado e é contra ele que [...] batem as ondas
do conflito social (MILIBAND, 1972, p. 11). Isso se faz por meio das classes sociais, sendo
que, nesse sistema, a classe economicamente dominante o utiliza como instrumento de
dominação da sociedade. Acrescente-se que, no capitalismo, a atuação do Estado se faz,
fundamentalmente e em última análise, visando criar condições de realização e reprodução da
sociedade, isto é, condições que viabilizem o processo de acumulação e a reprodução das
classes sociais e suas frações (CORRÊA, 1989, p. 26).
É importante observar que, tal como afirmou Marcuse (2004), o Estado tem poder
preponderante na determinação das divisões espaciais, especialmente no que se refere à
distribuição de residências motivadas por hierarquias de poder e status. É o Estado que
estabelece toda a estrutura legal e física que possibilita a implantação de um empreendimento
residencial, de estradas, de infra-estrutura de serviços, que concede ou não licença de
construção. Enfim, nenhum mercado privado poderia funcionar se o Estado não
sancionasse as cláusulas contratuais e administrasse os remédios para sua quebra
(MARCUSE, 2004, p. 30). Observe-se que, como bem argumentou Miliband (1972), embora
vários dos interesses/agentes tenham poder de pressão sobre o Estado, dada a forma de
organização capitalista, o empresariado se encontra numa posição privilegiada para pressioná-
lo a atender seus objetivos.
Quanto aos grupos sociais excluídos, de acordo com Corrêa (1989), para solucionar o
problema do acesso à habitação recorrem a estratégias como a ocupação de imóveis antigos
o mais das vezes degradados , a compra de imóveis em conjuntos habitacionais e a
autoconstrução, em terrenos doados ou comprados em locais pré-definidos pelo Estado ou por
outro agente da sociedade. Nessas situações, portanto, a localização de suas moradias está
associada a interesses de outros agentes sociais como o Estado, os proprietários de imóveis e
os proprietários fundiários. Corrêa (1989) considerou que apenas na produção da favela, via
ocupação de terrenos invadidos, os grupos sociais excluídos assumem efetivamente a
35
característica de modeladores do espaço, a despeito dos interesses dos demais agentes
2
. Nesse
processo, de modo direto ou indireto, os moradores de menor renda findam por utilizar as
vantagens locais produzidas para os segmentos mais abastados da sociedade. Faz-se
importante notar, concordando com o autor, que esse processo se converte em estratégia de
resistência e sobrevivência.
Resistência e sobrevivência que se traduzem na apropriação de terrenos
usualmente inadequados para outros agentes da produção do espaço,
encostas íngremes e áreas alagadiças. Trata-se de uma apropriação de fato.
No plano imediato a favela corresponde a uma solução de um duplo
problema, o da habitação e de acesso ao local de trabalho (CORRÊA, 1989,
p 30).
Analisando-se as proposições do autor, ainda que considerando que com a invasão
fica mais evidenciada a atuação dos mais pobres na estruturação do espaço, quando estes
adquirem ou constroem seus domicílios numa ou noutra parte da cidade, também não estariam
contribuindo para estruturar o espaço? Ademais, como já alertou Souza (2003), os pobres não
são excluídos na medida em que são necessários ao sistema capitalista: são incluídos, embora
numa posição de submissão.
A própria evolução da favela, contudo, sua progressiva urbanização e valorização,
fruto da ação dos movimentos dos moradores e do Estado, tende a impossibilitar que os
antigos habitantes tenham condições financeiras de se manter no local, na medida em que
muitos deles são incapazes de arcar com as tarifas públicas e os impostos que advêm com as
melhorias estruturais. A melhor infra-estrutura atrai pessoas com maior renda, que
gradativamente substituem a população original .
Souza (2003) ressaltou que as cidades apresentam uma multiplicidade de espaços de
acordo com a atividade predominante em cada um deles. Sobre as áreas residenciais assim
como outras partes da cidade , diferenciam-se entre si do ponto de vista das características
de seus moradores. Do mesmo modo que Vignoli (2001), apontou que em várias partes do
mundo e em diferentes momentos históricos, a etnia, a cultura e a religião serviram como
referência para a separação dos grupos da sociedade. Separações formais, com áreas
delimitadas para cada um deles residir.
2
Note-se que embora não esteja em foco neste trabalho discutir a pertinência ou os preconceitos embutidos no
termo invasão, deve-se ressaltar que ele passou a ser adotado e repetido quando, em Salvador, o processo de
ocupação irregular de determinadas áreas da cidade passou a interferir nos interesses e perspectivas de
valorização desses terrenos. Com isso, [...] este processo de ocupação periférica assumiu o caráter de verdadeira
luta pelo espaço [...]. No momento em que se explicitaram os conflitos entre os interesses dos proprietários de
terrenos e os da população pobre em geral, estes movimentos de ocupação espontânea do solo urbano passaram a
ser denominados de invasões (
MATTEDI, 1979, p. 73).
36
As localizações distintas das residências dos vários segmentos da sociedade, bem
como as condições e infra-estrutura do local onde se estabeleceram, denotam articulações
entre as estruturas sociais e espaciais.
2.2
A DISTRIBUIÇÃO DAS RESIDÊNCIAS DISCUTINDO A SEGREGAÇÃO
As reflexões postas até o momento não deixam dúvidas de que o espaço, por ser
instância da sociedade, tem papel importante na reprodução social, encerrando na sua
estruturação as desigualdades inerentes ao sistema capitalista. A localização de uma
determinada função urbana, portanto, é tanto produto de condições histórico-espaciais como
colabora para perpetuar as relações que a produziram. Entende-se, com isso, que nenhuma
localização está desvinculada de valores ou de uma ideologia. Sendo assim, a distribuição
geográfica dos locais e condições de moradia, de produção e de consumo dos distintos grupos
sociais guarda significados socialmente construídos. Em verdade, ao longo da história,
muito se verifica a localização espacial diferenciada dos vários grupos sociais, o que não se
restringe à habitação, mas também às condições de consumo, de investimento público, infra-
estrutura etc. Centrando-se na questão da localização das residências, tal processo vem sendo
analisado sob várias denominações: segregação urbana, segregação residencial, segregação
sócio-espacial, segregação espacial ou simplesmente segregação. A discussão teórica desse
fenômeno respeitará, inicialmente, as denominações apresentadas pelos diferentes autores
estudados para, em seguida, apontar a que será utilizada neste trabalho. Antes, porém, de
discutir esse conceito, será apresentada uma breve caracterização da evolução desse processo,
em especial na América Latina.
2.2.1
Notas sobre as características da evolução do processo
A segregação não é um fenômeno recente ou que se apresentou de forma similar nas
várias partes do mundo ao longo do tempo. O fator étnico, o religioso, a nacionalidade foram
elementos que, associados ou não, mostraram-se fundamentais para a separação de grupos
sociais ao longo da história desde a Antiguidade. Nas sociedades capitalistas, contudo, esse
fenômeno foi ampliado e modificado e a renda se consolidou como elemento central de tal
separação, principalmente naquelas onde o capitalismo se desenvolveu mais tardiamente. De
acordo com Souza (2003), embora a separação espacial entre os ricos e pobres existisse
desde a Idade Média, o tipo de produção predominante naquela época favorecia a coabitação
dos diferentes grupos econômicos, embora cada um deles ocupasse um andar específico.
Assim, o autor afirmou que naquela época prevalecia uma separação vertical da sociedade.
37
de acordo com Vasconcelos (2004), na América Portuguesa (1500-1822), a
sociedade era bastante estratificada e tal se refletia em regulamentações discriminatórias. O
critério utilizado para a separação dos grupos sociais (que determinava a possibilidade ou não
de acesso às instituições e às ocupações) estava calcado em características tais como a cor, o
sexo e a etnia/nacionalidade. No que se refere à questão residencial, contudo, não havia
bairros reservados para um ou outro grupo. Mesmo que as atividades e funções fossem
condicionadas por certas características, não se verificava uma separação residencial entre os
senhores e os escravos domésticos. Entretanto, não havia uma área específica da cidade na
qual essas pessoas devessem morar.
Foi no período republicano, com o fim da escravidão, que efetivamente se notou uma
mudança nessa situação. Como a responsabilidade sobre a habitação dos negros e mestiços
não era mais dos senhores ou do Estado, e como essas pessoas não tinham qualificação para
exercer atividades que permitissem melhores rendimentos aliado à questão do preconceito
racial, acrescente-se , os antigos escravos vieram a engrossar a massa densa de pobres
urbanos que enfrentavam, dentre outros problemas, o da habitação e do acesso à terra urbana.
Essa parcela da sociedade se viu, então, obrigada a resolver tal problema por conta própria, do
modo que fosse possível, espalhando-se pela cidade. As soluções passavam pelos cortiços,
pelos loteamentos populares, pela ampliação e/ou divisão de antigos imóveis e pelas invasões.
Retomando a colocação acima feita, no modo de produção capitalista, onde ocorreu a
separação do local de moradia e de trabalho, igualmente observou-se a separação da área de
residência dos trabalhadores do local de residência dos industriais. Com isso, a separação
vertical da sociedade cedeu lugar à horizontal , determinada não mais pelas ocupações,
mas, principalmente, pelo nível dos ganhos monetários que cada uma delas permitia auferir.
De fato, muito foi possível verificar a desigual possibilidade de apropriação e de utilização
do espaço pelos diferentes grupos sociais, relacionada à questão da renda. Engels, já em 1845,
verificou que na Inglaterra, então, a maior potência econômica mundial, a pobreza podia ser
observada concretamente na organização espacial da cidade. Conforme Vasconcelos (1999),
Engels revelou que, na estrutura urbana de Londres, o bairro operário estava localizado ao
redor da zona comercial, formando uma espécie de cinturão . Nas áreas onde esses
trabalhadores viviam estavam as piores casas e as ruas sem pavimento. Para além dessas
áreas, residiam as burguesias média e alta com suas casas regulares, dotadas de infra-estrutura
e de melhor padrão de vida.
Um século depois desse texto, no pós-guerra, quando os Estados Unidos e a União
Soviética consolidaram-se como as novas potências mundiais, mudanças estruturais do
38
sistema capitalista e, diga-se, necessárias a sua auto-sustentação traduziram-se na fase
do Estado do Bem-estar Social (Welfare State), na qual o Estado tentava atender ou subsidiar
as demandas sociais por bens e serviços. Especialmente nos chamados países centrais, nesse
período foram atenuados mas não excluídos os desequilíbrios sociais e questionamentos
mais enfáticos sobre problemáticas sociais mais urgentes. Vidal (2001) considerou que na
chamada época de ouro do capitalismo, que se estendeu por aproximadamente vinte e cinco
anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o crescimento econômico acentuado promoveu
a queda do desemprego e uma relativa atenuação dos desníveis sociais, tanto nos países
centrais como em alguns periféricos.
Quando o novo ciclo do capitalismo se estabeleceu, a partir dos anos 1970, na
chamada era da globalização, do neoliberalismo, da alta concentração pessoal e espacial dos
capitais, da hegemonia dos mercados e da retração do papel do Estado, a crise social se
agravou em escala mundial e os desequilíbrios sociais apareceram de modo enfático. Soares
(2001) destacou que, na América Latina, tal situação teve como uma das principais
conseqüências o crescimento do processo de exclusão social. Com base em dados da
Comissão Econômica para a América Latina, CEPAL
3
, observou que no período 1980-1986
houve aumento da incidência da pobreza e da indigência, sendo que o incremento da pobreza
se concentrou nas áreas urbanas: o percentual de lares pobres passou de 24% para 29%.
Quanto ao nível de indigência, os índices se ampliaram tanto nas áreas urbanas, de 8% para
11%, como nas áreas rurais, de 26% para 28%. Agregado às condições históricas e espaciais
pré-existentes, na primeira metade dos anos 1980, esse aumento da pobreza no contexto
latino-americano tornou-se visível não apenas pelos dados como também pela exacerbação
dos contrastes sociais evidentes no cotidiano, seja nas ruas, nos locais de trabalho, de lazer ou
de moradia.
Em outros termos, a desigualdade social típica do capitalismo expressa-se também na
localização das moradias de cada uma das classes sociais no espaço urbano, normalmente
agravando as condições de vida dos menos favorecidos economicamente. Na medida em que
o espaço também é condicionante social, viver nesses locais potencializa a manutenção desses
moradores em situação de pobreza.
Faz-se importante verificar que
cada homem vale pelo lugar onde está [....] Seu valor vai mudando,
incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças de
acessibilidade [...] Pessoas com as mesmas virtualidades, a mesma formação,
3
A
CEPAL é um órgão das Nações Unidas com sede em Santiago do Chile.
39
até mesmo o mesmo salário têm valor diferente segundo o lugar onde vivem:
as oportunidades não são as mesmas (SANTOS, 2002b, p. 81).
Destaque-se que, conforme Ziccardi (2003), a desigualdade social é um elemento
constitutivo das sociedades da América Latina, se expressando geograficamente na
diferenciação das áreas internas da cidade. Nestas se apresentavam os efeitos mais graves da
pobreza e da exclusão social, traduzidos em marcada segregação e desigualdade de acesso a
bens e serviços sociais. A autora ressaltou que, mesmo nos países desenvolvidos, as cidades
se mostram divididas, fragmentadas, segmentadas, caracterizadas pelos contrastes nas
condições de vida dos seus habitantes. espaços de riqueza e opulência, com mega-centros
comerciais, restaurantes de cadeias internacionais [...] los cuales contribuyen a homogeneizar
el paisaje urbano de estas zonas, imprimiéndoles los rasgos que poseen todas las grandes
ciudades del mundo actualmente . Ao mesmo tempo em que essa modernidade se instala
nas cidades, [...] en este fin de siglo muestra um agravamiento de la segregacion urbana
(ZICCARDI, 2003, p. 155).
Na análise desses autores, na América Latina, embora não exclusivamente, o
componente socioeconômico tem sido fundamental no processo de separação dos grupos
sociais no espaço. Os diferentes níveis de renda encontram-se distribuídos na cidade de forma
evidente. Tomando-se como foco de análise a questão da habitação, nas grandes cidades há os
bairros que são reconhecidos pelo senso comum como de ricos e os de pobres/populares .
Nestes últimos, o nível socioeconômico de seus moradores, se faz acompanhar por uma série
de características estruturais que os diferenciam, imprimindo-lhes paisagens completamente
distintas. Em outros termos, os diferentes níveis de renda se refletem em diferentes formas de
viver e possibilidades de se apropriar do espaço.
Sabatini, Cáceres e Cer (2004), também discutindo a segregação em cidades
latino-americanas, afirmaram que nas áreas onde se concentram as elites, de forma geral,
existe baixa segregação considerando que as diferenças sociais e as identidades de grupo
são definidas, as elites podem compartilhar sua área de concentração espacial, como de fato
fazem, com outros grupos sociais (SABATIN; CÁCERES; CERDÁ, 2004, p. 62) ;
enquanto, onde residem os mais pobres, ocorre alta segregação. Com isso, entendeu-se que
embora haja uma alta segregação das elites (que se separam em determinadas partes da
cidade), na área onde residem também se encontram outras classes sociais. Com relação aos
condomínios fechados, uma das marcas da nova forma de segregação das elites, observaram
os autores que não tem sido raro serem edificados próximo a áreas habitadas por pessoas de
mais baixo poder aquisitivo, o que estaria reduzindo a escala (pode ser identificada em áreas
40
menores) e alterando o padrão tradicional da segregação (com a tendência dos grupos mais
abastados de se concentrarem em áreas tradicionais). Essa situação estaria ligada aos
interesses do mercado imobiliário, que nesses locais pode adquirir terras a um preço mais
acessível e, após a construção dos condomínios, geralmente de grandes proporções, vender a
um preço elevado, com significativa margem de lucro.
É interessante notar que, para esses autores, a proximidade entre os pobres e essas
áreas de moradia exclusiva finda por gerar benefícios para aquele grupo: possibilidades
maiores de emprego, de acesso a serviços e equipamentos urbanos e o sentimento de pertencer
a um lugar que está prosperando.
Estudando as cidades brasileiras de forma geral, tal argumentação se confirma. Souza
(2003) acrescentou que as diferenças econômicas, de poder, prestígio e status entre os grupos
sociais que se relacionam à sua posição no mundo da produção reproduzem-se também
na diferença de qualidade dos espaços de residência. Isso se articula ao fato de que, tal
como afirmou Corrêa (1989), as áreas de moradias segregadas têm papel expressivo nas
formas como se reproduzem as classes sociais.
Todavia, o fato de existirem essas diferenças por bairro não significa que num
mesmo bairro não habitem pessoas de diferentes níveis de renda. Conforme a compreensão de
Villaça (2001), anteriormente exposta, isso não descaracterizaria a existência da segregação se
numa área específica uma classe predomina em relação às demais. Por sua vez, Vasconcelos
(2004) argumentou que [...] os pobres estão distribuídos em todas as partes das cidades,
inclusive nas proximidades dos bairros ricos e mesmo no interior desses bairros, como no
caso dos empregados domésticos, porteiros, caseiros [...] (VASCONCELOS, 2004, p. 269).
Do mesmo modo é observável a existência de moradias, às vezes lado a lado, de classes
sociais distintas num único bairro, como ocorre em Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro,
ou em Ondina, em Salvador. No entanto, é importante verificar que essa proximidade não
implica uma possibilidade igual de uso e de vivência do espaço pelas diferentes classes.
Pelo exposto, evidencia-se que a localização das residências define uma divisão
social do espaço, que é um processo típico da cidade, uma expressão espacial das classes
sociais, que se constitui e se reformula ao longo do tempo. Como bem postulou Corrêa
(1989), a segregação residencial é verificada pela capacidade diferenciada que cada grupo
social possui de pagar pela moradia, de resolver o problema do como e onde morar. Esse
onde assinala exatamente as diferenças de localização das residências. Acrescente-se que
tais diferenças implicam variações de preço, conforto e qualidade da construção, da infra-
estrutura, e acessibilidade aos serviços urbanos, por exemplo. Nesse sentido, importa destacar
41
que [...] a qualidade dos espaços residenciais não é o resultado natural e imutável da
distância em relação ao centro ou da evolução histórica da cidade, mas é também efeito das
políticas públicas, que podem transformar esta qualidade através da criação de infra-estruturas
de equipamentos e serviços (PRETÉCEILLE, 2003, p. 38).
Santos (1994) destacara que, na disputa entre atividades e pessoas por uma dada
localização e frente à carência especulativa de residências, os mais pobres são continuamente
empurrados para a periferia das cidades. Isso os obriga a ampliar o tempo e o gasto financeiro
com o deslocamento para suas atividades cotidianas. Ao mesmo tempo, o centro se fortalece e
se valoriza. Constituem-se, desse modo, sítios sociais particulares, habitados por pessoas de
grupos socioeconômicos distintos, que os moldam de acordo com suas exigências
funcionais.
É assim que certos pontos se tornam mais acessíveis, certas artérias mais
atrativas e, também, uns e outras mais valorizados. Por isso, são as
atividades mais dinâmicas que se instalam nessas áreas privilegiadas; quanto
aos lugares de residência, a lógica é a mesma, com as pessoas de maiores
recursos buscando alojar-se onde lhes pareça mais conveniente, segundo os
cânones de cada época, o que também inclui a moda (SANTOS, 1994, p.
96).
Esse mesmo autor considerou que o valor do homem também está associado a sua
localização e às possibilidades a ela relacionada em termos de acesso a bens e serviços
públicos e privados (SANTOS, 2002b). Dessa forma, sobretudo no meio urbano, o espaço vai
sendo ocupado diferencialmente, de acordo com as classes que compõem a sociedade. E, na
medida em que as cidades evoluem e se avolumam, em que o mercado vai sendo auxiliado
pelo poder público a utilizar o espaço de acordo com seus interesses, torna-se mais evidente a
articulação entre a desigualdade social e a desigualdade espacial. Entendendo, portanto, que
não se pode interpretar as classes sociais e as desigualdades sem considerar sua base territorial
as condições geográficas são condições sociais , a busca de equidade social passa pela
equidade territorial:
[...] igualdade dos cidadãos supõe, para todos, uma acessibilidade
semelhante aos bens e serviços, sem os quais a vida não será vivida com o
mínimo de dignidade que se impõe. [...] Num território onde a localização
dos serviços essenciais é deixada à mercê da lei do mercado, tudo colabora
para que as desigualdades sociais aumentem (SANTOS, 2002b, p. 116).
2.2.2
Reflexões sobre o conceito de segregação
O termo segregação que vem do latim segrego e significa separar do rebanho
42
foi aplicado no meio acadêmico pela primeira vez pelos trabalhos da Escola de Chicago, nas
décadas iniciais do século XX. Um dos principais autores dessa Escola que tinha como
pressuposto teórico a Ecologia Humana , Robert Park, tomando como referência a
sociedade norte-americana e considerando a cidade um organismo social, uma unidade
ecológica, geográfica e econômica produzida pela natureza humana, o [...] habitat natural do
homem civilizado [...] (PARK, 1979, p. 27), compreendeu que os grupos que a formam
tendem a se dividir em áreas de acordo com critérios como a ngua e a cultura (inicialmente)
e a raça. Do mesmo modo formar-se-iam as áreas segregadas; assim sendo, a segregação se
referia à repartição das pessoas, mais propriamente de grupos de pessoas, com características
comuns, na cidade. Em cada área residencial, portanto, haveria similaridade e solidariedade
interna, mas entre os vários grupos haveria distância física. Acrescentou que os processos de
segregação estabelecem distâncias morais que fazem da cidade um mosaico de pequenos
mundos que se tocam, mas não se interpenetram (PARK, 1979, p. 62).
Desse modo, considerando que na sociedade os indivíduos vivem juntos e,
simultaneamente, separados, as relações humanas poderiam ser analisadas observando-se a
distância social e espacial que os separariam para Park (1979), as relações sociais estão
correlacionadas às relações espaciais, dado que a distância física indica a distância social.
Vasconcelos (1999) apontou ainda que esse autor considerava que, na medida em que a
cidade crescesse, necessariamente, ocorreria a seleção e a segregação social, resultando no
surgimento de grupos sociais naturais e de áreas sociais naturais .
Ernest Burgess, outro integrante da Escola de Chicago, concebendo que o
crescimento da cidade decorre de um processo, elaborou o Modelo de Círculos Concêntricos
para analisar a organização espacial, ilustrando os processos de expansão da cidade com um
modelo no qual uma série de círculos concêntricos indicaria suas sucessivas zonas de
expansão. Em cada um dos círculos seria desempenhada uma função urbana e a diferença
entre eles decorreria de um processo de seleção, classificação e distribuição dos indivíduos e
grupos por residência e ocupação. No que se refere à moradia, as zonas habitadas por
operários estariam mais próximas ao centro do que as que fossem convertidas em local de
residência dos grupos de classes mais altas. A análise que Burgess faz do crescimento urbano
revela sua perspectiva organicista, que considera esse processo como análogo ao
metabolismo humano (VASCONCELOS, 1999).
Conforme Corrêa (1989), Mckenzie, outro autor dessa Escola, considerou a
segregação como a concentração de certos tipos da população num determinado território.
Essa situação, bem como a estruturação da cidade, de modo geral, seria determinada por
43
processos ecológicos. Do mesmo modo que Park, entendeu que o crescimento de uma
comunidade seria uma das causas da segregação.
Essencialmente, pode-se dizer que o termo segregação, quando passou a ser usado na
Academia designava o afastamento ou separação de diferentes grupos sociais, relacionando as
raízes dessa situação às características naturais dos indivíduos. Ora, os aspectos naturais
do homem são dotados de valor a partir da vida social e é isso que os faz diferentes, inclusive
na possibilidade de se localizarem no espaço.
Souza (2003), ao analisar a Escola da Ecologia Humana, verificou que essa linha de
pensamento realizou uma analogia entre a teoria da seleção natural de Darwin e a dinâmica
urbana. Desse modo, os mais aptos escapariam da segregação, do gueto a estrutura social
teria peso menor do que as capacidades individuais para explicar as diferentes localizações
espaciais. Tal idéia se coaduna com o ideário liberal, com sua ênfase no individualismo, na
disputa dos indivíduos entre si a par das desigualdades sociais , sendo seu esforço e
habilidades pessoais considerados determinantes das condições de vida.
Outras maneiras de compreender o processo de estruturação urbana e de localização
dos indivíduos foram defendidas ao longo do tempo. Mais recentemente, pode-se destacar a
contribuição de Castells (2000). De modo geral, esse autor argumentou que a organização da
sociedade em um determinado período histórico está na base da lógica da distribuição espacial
da população nos múltiplos espaços da cidade. Longe de ser um processo natural, a separação
espacial dos grupos sociais está relacionada à estrutura da sociedade, mais especificamente à
forma como os diferentes indivíduos se inserem no mundo da produção.
Castells (2000), igualmente, tratou da segregação urbana. Para ele, a distribuição das
residências no urbano ocasiona reagrupamentos dos indivíduos de acordo com sua renda,
status profissional, instrução, dentre outros. Essas características significariam a capacidade
social dos indivíduos . Assim, a estratificação urbana corresponderia ao sistema de
estratificação social. Em conseqüência, a segregação urbana manifestaria a distância social
existente entre as classes. Nas palavras do autor:
[...] entenderemos por segregação urbana a
tendência
à organização do
espaço em zonas de forte homogeneidade social interna e com intensa
disparidade social entre elas, sendo esta disparidade compreendida não
em termos de diferença, como também de hierarquia (CASTELLS, 2000, p.
250, grifos do autor).
Ao utilizar (e grifar) o termo
tendência
, o autor subentende que a organização
espacial da cidade está sujeita a um emaranhado histórico, decorrente da ação combinada de
44
várias estruturas sociais e de arranjos particulares de atividades e status no espaço. Portanto,
as próprias contradições do movimento social possibilitariam modificações nas leis gerais do
sistema, convertendo-as em tendência. Outro termo a ser destacado no conceito de segregação
proposto por esse autor é
hierarquia
. Este está relacionado à idéia de que o espaço é
expressão da estrutura social mas, não seu reflexo tal e qual , sendo a teoria do espaço
uma especificação da teoria da estrutura social. Considera-se necessário assinalar que essa
hierarquia dos lugares associada ao custo do solo e das construções, à acessibilidade, infra-
estrutura etc. se constitui também em resultado de uma valorização ideológica, na medida
em que a noção de lugar melhor ou pior varia de acordo com as modificações sócio-
culturais. Como o próprio autor acrescenta, [...] não há espaço privilegiado antecipadamente,
em termos funcionais, sendo o espaço definido e redefinido segundo a conjuntura da dinâmica
social (CASTELLS, 2000, p. 262). Acrescente-se que, como evidenciado por Préteceille
(2003), a noção de melhor localização é multidimensional, variando social e culturalmente.
Em outros termos, além do preço do imóvel, outros critérios, associados aos valores e aos
interesses dos indivíduos, contribuem para que defina o local de residência.
Numa concepção similar, Vignoli (2001, p. 13) considerou que o termo segregação
[...] remite a la existencia de diferencias o desigualdades dentro de un coletivo y a la
separación de los sujetos em categorías que tienem cierto grado de distinción jerárquica o
valorativa . A segregação territorial (que inclui a residencial) estaria relacionada a um tipo de
segregação onde localizações geográficas separam os grupos de indivíduos, ou seja, ocorre
quando há uma expressão geográfica das diferenças sociais de modo que se verifiquem
contrastes, principalmente do ponto de vista socioeconômico entre as características dos
moradores de áreas diferentes de uma mesma localidade. Sendo assim, considerou a
segregação residencial socioeconômica como [...] la ausência o escasez de mezcla
socioeconómica en las subunidades territoriales de uma ciudad [...] (VIGNOLI, 2001, p. 7).
Acrescentou ainda que a expressão segregação residencial alude à distância e separação física
e/ou sócio-cultural de grupos da população de uma determinada comunidade. Partindo dessa
definição, o autor considerou que para estudar a segregação residencial faz-se necessários, ao
menos, delimitar claramente o atributo que diferenciará os grupos sociais e a escala de
análise.
Quanto a este último aspecto, a delimitação da escala, entendida como a unidade de
referência territorial dentro de uma determinada totalidade, o processo e a intensidade da
segregação variarão: a depender da amplitude espacial adotada (região, cidade, zona, bairro,
rua, etc.) será possível ou não identificar a existência de segregação. Em outros termos, se a
45
totalidade em questão for uma cidade, esta pode ser considerada não segregada mesmo que,
em seu interior, os grupos sociais estejam claramente separados.
Num caso extremo de segregação residencial socioeconômica haveria
exclusivamente membros de um estrato social em uma localização (uma determinada escala
de análise), não acontecendo qualquer tipo de interação com pessoas de outros estratos. É
interessante notar que, conforme Vignoli (2001), existem dois tipos de segregação que podem
ou não coexistir: a sociológica e a geográfica. A primeira se refere à ausência de interação
entre os diferentes grupos sociais; a segunda, a geográfica, à desigual distribuição de tais
grupos no espaço físico.
Corrêa (1989) verificou que a segregação é um processo social cujas formas são as
áreas sociais, estando estas vinculadas à existência e reprodução dos diferentes grupos sociais.
Apesar de adotar alguns pressupostos da Escola de Chicago, utilizou o conceito de segregação
postulado por Castells e centrou sua análise na questão da segregação residencial.
Acrescentou que esse processo é produto da existência de classes sociais, sendo sua
espacialização no urbano (CORRÊA, 1989, p. 60). Em outros termos, a segregação
residencial expressa a diferença entre as classes sociais, sendo um processo que nasce junto
com a cidade: a localização distinta das classes no espaço produz a segregação.
Villaça (2001) conceitua segregação como [...] um processo segundo o qual
diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes
regiões gerais ou conjunto de bairros da metrópole (VILLAÇA, 2001, p. 142). Embora seja
um conceito bastante próximo àquele apresentado por Castells (2000), o autor considerou
equivocado falar em tendência a uma forte homogeneidade interna. Ressaltou que a
segregação é um processo (não uma situação estática), existindo quando, numa área específica
uma classe predomina em relação às demais, não excluindo a possibilidade de haver
segregação mesmo quando segmentos sociais distintos habitem um mesmo espaço. A
heterogeneidade, portanto, não indica inexistência da segregação. Outra observação desse
estudioso que merece ser evidenciada com relação a esse fenômeno, é que se trata de um
processo necessário à dominação social, econômica e política. Entende-se por dominação por
meio do espaço urbano o processo segundo o qual a classe dominante comanda a apropriação
diferenciada dos frutos, das vantagens e dos recursos do espaço urbano (VILLAÇA, 2001, p.
328). Portanto, a segregação é o resultado de um conflito entre classes, onde vitoriosos e
vencidos.
Souza (2003) utilizou o conceito de segregação residencial considerando que esse
processo é um produto e problema da grande cidade, manifestação da pobreza e da
46
desigualdade. Esse autor chamou a atenção para a discussão existente entre segregação
induzida e auto-segregação. A primeira, verificada ao longo da História, acontece quando um
determinado grupo de pessoas é forçado a viver em determinado lugar. Normalmente, essas
pessoas e locais são estigmatizados e, sendo assim, mesmo havendo possibilidade de um
indivíduo passar a residir em outro lugar, de escolher , isso é dificultado pelo medo da
hostilização. Isso poderia, à primeira vista, ser interpretado como uma espécie de auto-
reprodução da segregação, mas o fato é que a persistência de certos preconceitos ou ódios,
disseminados no interior da sociedade, que dificulta a mobilidade espacial dos membros de
grupos minoritários [...] (SOUZA, 2003, p. 70).
Diferentemente, a auto-segregação decorre da opção de se afastar da cidade. Alguns
autores a exemplo de Vasconcelos (2004), Villaça (2001) e Caldeira (2003), consideraram
que, nas cidades brasileiras, quem se segrega são as classes dominantes. Tendência bastante
comum nas grandes cidades contemporâneas, vem sendo vinculada à necessidade de
segurança, de busca de um novo modo de vida, à fuga da cidade. De acordo com Seabra
(2004), a segregação faz parte da práxis social das grandes cidades e a auto-segregação nada
mais é do que um recurso estratégico que visa administrar a separação consumada nos
territórios urbanos (SEABRA, 2004, p. 194). Numa nova forma de segregação a população
de maior renda confina-se em condomínios exclusivos. Estes se relacionam à possibilidade de
evasão da cidade e à idealização do bucólico. Relacionam-se também à possibilidade que se
apresentam às empresas do setor imobiliário de modular a atividade de morar . Sabatini,
Cáceres e Cerda (2004) acrescentaram que o desenho dos condomínios fechados possibilita
alterações na destinação social do solo e criam descontinuidades com o entorno.
De forma geral, conforme os diversos autores aqui citados, a auto-segregação seria
uma resposta das classes sociais mais abastadas aos problemas urbanos. Nesse caso,
verdadeiramente, se trata de uma opção.
[...] porque os que se auto-segregam não costumam ver seus antigos espaços
com olhos nostálgicos, ou seus novos espaços como representando uma
perda; em segundo lugar, porque os que se auto-segregam, na condição de
moradores, são, em grande parte, os mesmos que, na condição de elite
dirigente, são, ao menos co-responsáveis pela deterioração das condições de
vida na cidade, inclusive no que se refere à segurança blica, seja por suas
ações, seja por sua omissão. Em suma, de se manter uma forte distinção
entre segregação induzida e auto-segregação (SOUZA, 2003, p. 71).
Deve-se observar também que essas duas formas de segregação não são opostas, mas
complementares, constituindo duas faces de um mesmo fenômeno. Uma finda por produzir a
outra, na medida em que a separação entre os grupos repercute em ampliação do
47
desconhecimento mútuo, exacerbação de preconceitos, intolerância, medo e desconfiança que
acabam por justificar a manutenção da separação social no espaço. Para Souza (2003),
menos segregação tende a significar maiores chances de interação entre grupos e sociais
diferentes, e maior interação tende a facilitar enormemente a demolição de preconceitos
(SOUZA, 2003, p. 83).
Esse mesmo autor acrescentou que o desejo das elites de se afastar da cidade e dos
seus problemas, do que avaliam como feio ou perigoso, se configura na tentativa de
isolamento e defesa dos seus privilégios frente às intensas e crescentes desigualdades sociais,
ou seja, trata-se de um escapismo hipócrita , pois,
[...] afinal, os que têm condições de se auto-segregar não prescindem,
enquanto patrões, daqueles que eles desejam excluir de seu cotidiano e da
paisagem na qualidade de vizinhos, mas que são necessários na qualidade de
porteiros, empregadas domésticas etc. e, na cidade existente fora dos muros
do condomínio, na qualidade de trabalhadores em geral (SOUZA, 2000, p.
206).
Note-se que, conforme Caldeira (2003), dentro da lógica dos grupos mais abastados,
da necessidade de se afastar do conjunto social como forma de se preservar, os condomínios
fechados passaram a se constituir no tipo de moradia bem como de trabalho, lazer,
consumo desejado. No plano imaginário, pretende-se uma homogeneidade interna (que é
essencialmente econômica, embora isso esteja subjacente nos anúncios e reflexões de seus
moradores) que se associaria a uma nova e melhor ordem social, onde os problemas comuns
às cidades seriam evitados, resultando em maior segurança e qualidade de vida . Assim,
morar em condomínio fechado parece sinônimo de bem estar, de prestígio, de status.
Na busca dessa harmonia interna, tais condomínios precisam ser cercados,
demarcando concretamente a separação do resto da sociedade, do resto da cidade. Gomes
(2002), seguindo a mesma linha de análise, chamou esse tipo de moradia de ilhas utópicas .
Vendidas como cidades dentro da cidade , são associadas a um quadro de vida alternativo
de alto padrão com segurança, calma, status, lazer, infra-estrutura de comércio e serviços e
homogeneidade social. Tudo possível de ser adquirido não pela via da conquista da cidadania,
mas pela compra, pelo consumo. Considera-se importante ressaltar que, de acordo com o
autor, esse modelo de moradia cria o espaço público privado: as ruas, praças etc. são
propriedade particular, regidas por regras que não são exatamente as mesmas das que
regem a cidade de forma geral sendo estabelecidas principalmente por estatutos
condominiais.
Nesse sentido, tais condomínios transformam uma separação social simbólica e
48
abstrata (ainda que seja vivenciada concretamente pelos indivíduos dos diferentes grupos
sociais) em, literalmente, algo concreto. São muros, guaritas, cercas e portões que separam os
de dentro e os de fora. Acrescente-se, que a lógica que preside a vida nos condomínios
fechados é permeada pela desvalorização do espaço público, aberto a todos os grupos sociais
e culturais, ao passo que a propriedade privada para uso coletivo (ou seria seletivo?) é
valorizada. Caldeira (2003) denomina esse tipo de condomínio de enclaves fortificados. Para
Ribeiro (2004), as elites assustadas com os problemas existentes nas cidades e associando
tais problemas às camadas populares, estigmatizam seus territórios e adotam um
comportamento de secessão urbana : estabelecem fronteiras materiais e simbólicas para se
separarem dos que seriam os causadores dos problemas.
Um enclave excludente é uma área de concentração espacial na qual os
membros de um determinado grupo populacional, definido por sua posição
de superioridade em termos de poder, riqueza ou status em relação a seus
vizinhos, aglomeram-se de modo a proteger essa posição (MARCUSE,
2004, p. 25).
Marcuse (2004), embora baseado na experiência de cidades norte-americanas, teceu
considerações convergentes com as de Caldeira (2003). Em princípio, deve-se observar que
para o autor diferença entre enclave e enclave excludente. Enclave seria resultante da
concentração espacial de pessoas de um determinado grupo que se congrega voluntariamente,
baseando-se em características similares de etnia, religião, etc, visando proteger e intensificar
seu desenvolvimento, seja econômico, social, político ou cultural. Enclave excludente seria
resultante de uma relação hierárquica, onde um grupo se impõe aos demais, bem como aos
princípios de uma sociedade democrática, visto que sua efetivação dificulta a interação e as
trocas entre os diferentes membros da sociedade.
Esse tipo de aglomeração configura a segregão definido pelo autor como um [...]
processo pelo qual um grupo populacional é forçado, involuntariamente, a se aglomerar em uma
área espacial definida, em um gueto (MARCUSE, 2004, p. 24) na medida em que es
baseada em diferenças de status hierárquico. Esse processo pode ser exemplificado pelas
residências ou áreas comerciais de luxo, protegidas por segurança particular, onde a renda e/ou
status se constituem em atributos de diferenciação social utilizado para separão espacial, que
por sua vez, influenciam as relações sociais existentes, mas nem sempre as reforçam.
Para estabelecer o conceito de segregação adotado neste estudo, considerou-se além
das análises postas acima, a questão destacada por Vasconcelos (2004) sobre a possibilidade
de usar o termo segregação (originário da Ecologia Humana e apresentado pela Escola de
49
Chicago para compreender processos ocorridos no EUA nas primeiras décadas do século XX)
para nomear um tipo de desigualdade sócio-espacial presente atualmente nas cidades
brasileiras. Essa reflexão conduz à necessidade de lembrar que os conceitos são estabelecidos
dentro de um determinado contexto histórico, econômico, cultural e ideológico. Sendo assim,
tendem a representar os principais paradigmas de uma época. Embora usada de forma precisa
a palavra segregar indique separação e isolamento (VASCONCELOS, 2004), o que não se
aplica aos processos em curso no Brasil, entende-se que segregação, enquanto conceito, tem
um significado distinto, sendo empregado a partir de pressupostos diferentes dos que
norteavam as discussões científicas quando foi estabelecido. No âmbito acadêmico,
recentemente, entende-se por segregação um fenômeno construído socialmente, associado à
desigualdade e, como dito por Suzana Pasternak (2005), um fenômeno relacional: um grupo
pode ser percebido como segregado ou auto-segregado em relação aos demais. Ademais,
sendo a cidade lócus de interação, ainda que as relações sociais sejam permeadas pela
dominação, a segregação não pode pressupor o isolamento. O termo segregação, portanto,
assume face de conceito nos tempos atuais desprendendo-se de sua origem etimológica,
estando associado à forma como os grupos sociais se distribuem e aglomeram no espaço
urbano.
Acrescente-se que, como bem captou Ribeiro (2004), a segregação não pode ser
entendida apenas como a separação espacial ou definida simplesmente pela concentração de
uma determinada classe em determinado espaço. Deve-se notar que esse fenômeno
motivado por fatores sociais e políticos associados aos ditames de um dado período histórico
implica a fragmentação social do espaço que, no caso do Brasil,
[...] traduz a histórica ordem híbrida, na qual valores, práticas e papéis
inerentes a um sistema estatutário, hierárquico, pelos quais pessoas são
consideradas naturalmente desiguais em termos de poder social e ocupam
posições inferiores na escala da honra social, convivem com os valores,
práticas e papéis relativos a uma ordem competitiva e individualista, em que
o mercado distribui os recursos e o poder e as pessoas são consideradas
socialmente pela sua autonomia e capacidade (RIBEIRO, 2004, p. 34).
Sendo assim, a fragmentação espacial das cidades deste país apresenta um padrão
onde proximidade física e distância social, fato resultante da história das relações entre as
classes, de dominação e submissão.
Entendendo que o processo de separação dos locais de moradia das classes sociais
nas cidades brasileiras expressa, ainda que não de forma rígida, a estrutura e a dinâmica da
sociedade; e considerando-se que as moradias e os locais de moradias são uma das
50
características que mais traduzem essa separação, neste estudo será trabalhado o conceito de
segregação residencial entendido como a concentração de moradias de uma classe social
em um determinado espaço da cidade, resultante de processos socioeconômicos, políticos e
ideológicos predominantes em dado momento histórico e que atuam estruturando a cidade
em áreas social e espacialmente diferenciadas.
Partindo-se do conceito de segregação residencial exposto acima e com o intuito de
analisar fatores e agentes que contribuíram para a ocorrência de separação dos locais de
moradia das diferentes classes sociais em Lauro de Freitas, fez-se necessário verificar o
contexto em que se adensou e quando o processo de segregação pôde ser evidenciado neste
município. Para tanto, no capítulo seguinte, serão apresentadas as principais dinâmicas em
curso na Região Metropolitana de Salvador (RMS) que contribuíram para o crescimento da
população de Lauro de Freitas e para sua reestruturação funcional e espacial.
51
3
CONTEXTO DE EMANCIPAÇÃO, O ADENSAMENTO E A URBANIZAÇÃO
DE LAURO DE FREITAS: ASPECTOS GERAIS E DADOS ESTATÍSTICOS
Antes de empreender a análise sobre questões pertinentes à segregação residencial
em Lauro de Freitas, é importante verificar que, desde os anos 1970, seus indicadores sociais
e demográficos indicavam que estavam ocorrendo mudanças nesse município. Emancipado no
começo dos anos 1960, Lauro de Freitas, na década seguinte, experimentou acelerado
crescimento demográfico, fato que resultou em seu adensamento, urbanização e na alteração
do perfil de sua população. Essas mudanças ocorreram no mesmo período em que a Região
Metropolitana de Salvador (RMS) passava por alterações profundas em sua dinâmica
socioeconômica que se fizeram notar em sua estrutura social e espacial. Entendendo que as
transformações espaciais se fazem articuladas às de outras instâncias da sociedade e que para
analisá-las é preciso considerar os processos que a constituíram, bem como as relações que
uma dada realidade espacial estabelece com as demais, considerando-se que a atual estrutura
espacial de Lauro de Freitas teve como uma de suas condicionantes a dinâmica de
crescimento da sua população, entendeu-se ser necessário identificar os principais processos
que incidiram na mudança do seu perfil sociodemográfico como forma de realizar uma
primeira aproximação das modificações em curso nesse município.
Desse modo, são três os propósitos desse capítulo. O primeiro diz respeito à tentativa
de identificar os aspectos mais gerais do contexto metropolitano na ocasião em que o
município foi emancipado. No segundo momento apresentam-se, sucintamente, as tendências
de distribuição da população dos municípios da RMS nas últimas décadas, verificando a
posição de Lauro de Freitas em relação aos demais. No terceiro momento, analisa-se o perfil
da população municipal nas primeiras décadas de sua criação e, mais recentemente, no ano
2000, com base em dados censitários.
3.1
LOCALIZAÇÃO E CONTEXTO GERAL DE EMANCIPAÇÃO
O munipio de Lauro de Freitas está situado na Região Metropolitana de Salvador
(Figura 1) que, além dele e da capital da Bahia, agrupa mais oito municípios, a maior parte dos
quais oriundos de desmembramentos de Salvador (Quadro 1). Este último que dá nome à
região e que, historicamente, concentra as principais dimicas econômicas, sociais e poticas do
Estado observou, entre o final do século XIX e icio do culo XX, um período de estagnação
ecomica e de perda de prestígio político em âmbito nacional prestígio esse conquistado,
52
grosso modo, por ter sido sede do Brasil colonial e, em função da indústria da cana de açúcar, seu
principal expoente econômico por muito tempo , especialmente em relação aos Estados do
Sudeste, já integrados ao modelo de industrialização brasileira introduzido pela Revolução de 30.
Figura
1 Divisão político-administrativa atual da Região Metropolitana de Salvador
Fonte: Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, 2003.
53
Tal situação decorreu do fato de que, desde a época colonial, Salvador se consolidou
como um espaço de controle e de não-produção; sua área interna, sua região e sua dinâmica
em geral foram organizados de modo totalmente dependente das atividades da sua
hinterlândia e da demanda externa (OLIVEIRA, 1987; SANTOS, 1959a). Desse modo, com
as diretrizes estabelecidas pelo governo que se impôs a partir de 1930, quando as elites
urbanas se sobrepuseram às rurais, no momento em que o sistema urbano brasileiro se
adensava, as cidades se diferenciavam e integravam e, principalmente, São Paulo e Rio de
Janeiro se orientavam para a indústria e essa se tornava a atividade motriz na política
econômica nacional, [...] o papel de redistribuição tornou-se insuficiente para guardar a
Salvador a possibilidade de manter com sucesso as antigas correntes comerciais [...]
(SANTOS, 1959a, p. 51). Em outros termos, até meados do século XX, Salvador permanecia
como uma cidade marcada por sua ligação com um mundo agrícola então decadente. Era o
centro de uma economia frágil, o que, ainda que a colocasse numa posição desvantajosa em
termos políticos frente às demais unidades da federação, realçava sua importância no estado.
Como bem colocou Santos (1959a, p. 67), até essa época, toda a história econômica regional
proporcionou uma concentração de funções e recursos [em Salvador], sempre e cada vez mais
forte, em relação ao resto do Estado .
Quadro
1 Ano de emancipação, natureza do ato legal e origem dos municípios da RMS
Município
Ano de emancipação/
fundação
Ato legal
Município de origem
Camaçari
1758
Alvará Régio
Salvador
Candeias
1958
Lei Estadual
Salvador
Dias D'Ávila
1985
Lei Estadual
Camaçari
Itaparica
1831
Decreto Imperial
Salvador
Lauro de Freitas
1962
Lei Estadual
Salvador
Madre de Deus
1989
Lei Estadual
Salvador
Salvador
1549
Alvará Régio
Capitanias Hereditárias
São Francisco do Conde
1693
Carta Régia
Salvador
Simões Filho
1961
Lei Estadual
Salvador
Vera Cruz
1962
Lei Estadual
Itaparica
Fonte: Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, 1999.
No entanto, ainda nessa década, a situação começou a se alterar e a capital baiana
reassumiu papel destacado frente ao sistema produtivo nacional em função da mudança
estrutural de sua economia, que passou a se voltar para a industrialização. Então, ações do
Governo Federal, articuladas aos interesses das elites locais, fizeram com que após a
descoberta da primeira jazida petrolífera do país, a Refinaria Landulfo Alves (RLAM) fosse
instalada pela Petrobrás, em 1955, nas imediações da capital da Bahia, em São Francisco do
54
Conde. Embora isso não tenha implicado uma dinamização ou sequer uma articulação com os
demais setores econômicos pré-existentes antes, representou o aniquilamento do que ainda
restava da cultura canavieira e a desorganização gradativa das atividades agropecuárias ,
destacou-se, dentre os impactos da instalação dessa empresa, a enorme massa financeira
(através de investimentos e salários) despejada em Salvador e no seu Recôncavo.
Além de transformar de modo radical a estrutura e a dinâmica da economia baiana,
esses novos processos colaboraram para que Salvador se tornasse um espaço com elevada
concentração de renda, que a maior parte dos funcionários administrativos, os técnicos e os
petroleiros vieram a residir na capital. Com isso, a estrutura social existente se alterou,
diferenciando uma classe média, que demandava moradias mais qualificadas. O mercado
imobiliário e a indústria da construção civil se expandiram velozmente e a especulação sobre
os preços das terras e dos imóveis foi evidente. Esses processos fizeram com que Salvador
crescesse em termos populacionais, elevasse seus níveis de urbanização, adensando-se,
expandindo a ocupação em direção ao miolo e às bordas, re-localizando atividades e funções.
A partir de então, capitaneada pela estrutura necessária à implantação das atividades
ligadas à extração do petróleo, Salvador adquiriu efetivamente uma dinâmica urbana. Para
Silva e Silva (1989), esses processos fizeram com que a cidade e seu entorno passassem de
metrópole regional a região metropolitana , integrante de um amplo sistema urbano-
regional de caráter nacional.
Nos anos 1960, dentro da política nacional de desenvolvimento regional
implementada pela então Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)
política essa que foi a principal responsável pelo deslocamento de capitais internacionais do
Centro-Sul para o Nordeste em decorrência dos estímulos fiscais (dedução no imposto de
renda), e que resultou numa completa mudança da estrutura industrial da região , a Bahia
foi amplamente beneficiada por incentivos fiscais que permitiram seu ingresso definitivo em
uma economia baseada na industrialização. Nessa década, em 1966, o Estado criou uma série
de facilidades financeiras, infra-estruturais e de escoamento da produção para que surgisse o
Centro Industrial de Aratu (CIA), em Simões Filho.
Nesse contexto de mudanças e reorganizações de ordem socioeconômicas e
espaciais, onde foi acentuada a centralidade de Salvador em relação ao estado, estava em
pauta uma ideologia emancipacionista e sob o slogan dividir para melhor governar , uma
série de novos municípios foi emancipada, dentre os quais, Lauro de Freitas. Contudo, deve-
se destacar que, distinguindo-se de Salvador e de outros municípios da RMS, como São
Francisco do Conde e Simões Filho, no começo da década de 1960, ainda não havia ocorrido
55
alterações mais significativa em Lauro de Freitas que justificassem sua elevação à categoria
de município (ver Capítulo 3).
As mudanças na RMS prosseguiram. Nos anos 1970, beneficiando-se também de
uma estratégia agressiva de incentivos fiscais promovida pela SUDENE e em decorrência da
produção da RLAM, foi iniciado em 1972 e inaugurado em 1978, no município de Camaçari
(ao norte de Salvador e na divisa com Lauro de Freitas), o Complexo Petroquímico de
Camaçari (COPEC), então o segundo mais importante pólo petroquímico do País
(OLIVEIRA, 1987). A instalação do Pólo, como ficou conhecido o Complexo, ao atrair um
elevado número de imigrantes desde a época de sua construção, inclusive de outros estados,
gerou uma nova demanda por moradias voltadas para diferentes segmentos sociais, mas, dada
a pequena oferta existente, principalmente, para a classe média, ocorreu grande avanço da
construção civil e das áreas de assentamento da capital.
A paisagem metropolitana, associada a tais processos, experimentou modificações
que se fizeram evidentes nas décadas posteriores. Note-se que Santos (1959b, p. 127), em
texto sugestivamente intitulado Salvador e o deserto , chamava a atenção para o fato de que
no entorno da capital havia uma [...] extrema rarefação do povoamento, a quase completa
ausência de vida humana [...] , situação associada à estrutura de propriedade existente que
impossibilitava o acesso à terra. Mas, com a Petrobrás, o aumento da população, em geral, e a
diferenciação da classe média, o entorno da capital começava a se modificar pela abertura de
estradas e loteamentos. Assim, o que ocorreu nesses primeiros anos de industrialização foi a
ocupação de áreas antes nuas e uma completa remodelagem do seu espaço rural antes
dominante , com a redefinição dos padrões de uso do solo e do tipo de residência. Tais
espaços foram transformados em urbanos, com os complexos industriais e conjuntos
residenciais substituindo áreas até então destinadas à agropecuária. Em outros termos,
Salvador e sua região observaram intensas transformações, fosse na área ocupada fosse na
estrutura urbana, que se ampliaram por força das transformações acima citadas e dos
interesses das elites locais. É importante ressaltar que,
O crescimento da indústria e dos serviços incidiu sobre uma região pobre e
incipiente, polarizada por uma cidade praticamente estagnada ao longo de
várias décadas, exigindo sua transformação. Isso se deu de forma bastante
rápida e abrupta, entre as décadas de 60 e 70, com a realização de grandes
obras que acompanharam os vetores de expansão urbana (CARVALHO;
ALMEIDA; AZEVEDO, 2001, p. 96).
As mudanças na organização econômica foram acompanhadas de medidas tais como
a ampliação das áreas residenciais com construções na orla norte da cidade, na parte central e
56
na periferia da capital; abertura de avenidas de vale deslocando a população pobre que vivia
no local para a sua porção central (conhecido como o Miolo de Salvador), para suas bordas e
municípios periféricos, a exemplo de Simões Filho e Lauro de Freitas; criação e adensamento
de bairros, conjuntos habitacionais e loteamentos destinados às distintas classes sociais em
diferentes localidades de Salvador e de seus municípios contíguos. Note-se que tal como
Carvalho (1961) assinalou, até o início dos anos 1960, a orla de Salvador passou a se
constituir área de expansão das classes média e alta, situação associada à abertura da avenida
Otávio Mangabeira e à abertura de loteamentos para esses segmentos, construção de casas de
veraneio, clubes e balneários de Amaralina a Itapuã.
Houve também o deslocamento dos órgãos do Governo do Estado do centro
tradicional para uma área até então praticamente desocupada, ao longo da Avenida Luís
Vianna Filho (conhecida como Avenida Paralela, inaugurada nos anos 1970); construiu-se a
Estrada do Coco (acesso Salvador - litoral norte da RMS) e a via Parafuso (acesso Salvador
Camaçari - CIA). Pode-se dizer que o crescimento das distintas porções da capital se fez de
modo desigual e seus limites oficiais já não se mostravam suficientes para comportar sua
expansão. Assim, os processos e fluxos que ocorriam na capital baiana passaram a penetrar
com maior intensidade nos municípios contíguos, espraiando-se em direção a sua periferia.
Nesse período, Salvador experimentou um processo de metropolização,
acompanhado pelo avanço dos níveis de urbanização e integração com outros municípios
baianos, especialmente, os de sua região. Observe-se que tal como Vasconcelos (2002)
verificou, o Estado (nos âmbitos federal, estadual e municipal) e os agentes econômicos se
constituíram nos principais responsáveis pelas diversas transformações da capital baiana, da
abertura de avenidas e vias que a ligavam a outros municípios, à criação e instalação de
loteamentos em diferentes partes da cidade.
De acordo com Silva e Silva (1989), essa situação exigiu adequação dos sistemas de
transporte, de comunicação e da infra-estrutura, o que possibilitou a reorganização urbana e o
direcionamento dos vetores de crescimento da cidade e da RMS. Igualmente, a partir da
instalação do COPEC, observou-se uma intensa e progressiva integração da RMS à economia
nacional.
Estrategicamente, Salvador é, então, induzida [nos anos 70] a se transformar
em um lo de crescimento, de expressão nacional, de que o projeto
petroquímico de Camaçari é o melhor exemplo. Apesar de toda a discussão
em torno do caráter de enclave que um processo de industrialização desse
tipo traz em seu bojo [...] é inegável que o seu impacto foi grande na
anteriormente frágil economia urbana e regional (SILVA, 1994, p. 241).
57
Pelo exposto, é possível notar que Lauro de Freitas foi emancipado num contexto de
transformações estruturais da economia baiana que tiveram como foco a RMS, tendo forte
impacto em sua dinâmica sócio-espacial. Dentre esses impactos, podem-se realçar os
processos de distribuição espacial da população. Lauro de Freitas, contíguo e com vias de
acesso aos municípios onde se instalaram os complexos industriais da metrópole baiana e no
vetor de expansão de Salvador, apresentou intenso crescimento demográfico (como se verá a
seguir) associado a essas dinâmicas mais gerais.
3.2
DINÂMICA SOCIODEMOGRÁFICA DA RMS NA SEGUNDA METADE DO
SÉCULO XX E O DESTACADO CRESCIMENTO DE LAURO DE FREITAS
As transformações econômicas verificadas na Bahia, a partir de meados do século
XX, como mencionado acima, se fizeram concentradas na capital e nos municípios
integrantes de sua região. Os atuais componentes da RMS, até aquela época e com exceção de
Salvador, sobreviviam essencialmente da agricultura. Naqueles localizados na orla oceânica, a
pesca também era praticada. Entenda-se, contudo, que tais atividades geravam baixos níveis
de renda, e o ritmo de vida era lento, ligado ao mundo rural na acepção tradicional da palavra.
Quanto a Salvador, embora de longe fosse a maior cidade do Estado e a que apresentava
maior e melhor estrutura de serviços e mercado de trabalho, dada a estagnação econômica
verificada no começo do século passado e à forma como organizou seu espaço de influência,
em termos demográficos, também cresceu de forma mida, fazendo-a situar-se no grupo das
capitais brasileiras com menor ritmo de crescimento populacional (FARIA, 1980).
Apesar disso, na década de 1940, contava com mais 290 mil moradores, enquanto as
demais unidades municipais, que posteriormente se tornaram metropolitanas, somadas,
detinham pouco menos de 40 mil habitantes. O segundo maior município, então, era Camaçari
com, aproximadamente, 11.200 habitantes (Tabela 1).
Entre 1940-1950, a capital experimentou aceleração de seu crescimento demográfico em
função do acentuado fluxo imigratório oriundo, sobretudo, do interior baiano (contando com mais
de 86% da população regional) e ampliou seu contingente em quase 100 mil pessoas e a segunda
maior população metropolitana continuava sendo a de Camaçari, mas seu contingente
permaneceu inferior a 15 mil habitantes, equivalendo a 3% do total da região (Tabela 2).
Em 1960, Salvador passou a registrar 635.917 moradores e, entre 1950-1960, revelou
elevada taxa de crescimento demográfico (Tabela 3). Nesse ultimo ano, o conjunto dos
municípios em questão somava 734 mil habitantes, mais que o dobro do registrado em 1940,
mas a população mantinha-se excessivamente concentrada na capital (86,63%). Lauro de
58
Freitas, que foi emancipado dois anos após esse censo, então distrito de Santo Amaro de
Ipitanga, contava com menos de 10 mil moradores.
Tabela
1 População total absoluta dos municípios da RMS, 1940-2000 e estimativas de
população para 2005
1940
1950
1960
1970
1980
1991
2000
2005*
Camaçari (3)
11.188 13.800 21.849 33.273
69.783
113.639 161.727
191.885
Candeias
363
7.196
18.484 34.195
54.081 67.941 76.783
82.323
Dias D'Ávila (2) - - - -
19.395 31.260 45.333
54.150
Itaparica
4.969 6.989 7.772 8.391
10.877 15.055 18.945
21.382
Lauro de Freitas (1)
- -
9.865
10.007
35.309 69.270
113.543 141.280
Madre de Deus (2)
- - - -
8.296 9.183
12.036
13.823
Salvador (3)
292.963 392.890
635.917
1.007.195
1.493.685 2.075.273 2.443.107 2.678.560
São Francisco do Conde
10.409 11.077 18.455 20.738
17.835 20.238 26.282
30.069
Simões Filho
487
9.655 9.953
22.019
43.578 72.526 94.066
107.561
Vera Cruz
10.055
9.480
11.781 12.003
13.743 22.136 29.750
34.520
Total
330.434
451.087
734.076
1.147.821 1.766.582 2.496.521 3.021.572 3.355.553
Municípios
População
Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1940-2000; Estimativas das populações residentes em 01.07.2005.
(1)
Município criado após o Censo demográfico de 1960.
(2)
Município criado após o Censo Demográfico de 1980.
(3)
Município que deu origem a outro após o censo demográfico de 1980.
(*)
População estimada.
Tabela
2 Participação relativa da população total dos municípios da RMS na composição da
população regional, 1940-2000 e estimativas de população para 2005
1940 1950
1960 1970 1980 1991 2000
2005*
Camaçari (3)
3,39 3,06 2,98 2,90 3,95
4,55 5,35 5,72
Candeias
0,11 1,60 2,52 2,98 3,06
2,72 2,54 2,45
Dias D'Ávila (2)
0,00 0,00 0,00 0,00 1,10
1,25 1,50 1,61
Itaparica
1,50 1,55 1,06 0,73 0,62
0,60 0,63 0,64
Lauro de Freitas
0,00 0,00 1,34 0,87 2,00
2,77 3,76 4,21
Madre de Deus (2)
0,00 0,00 0,00 0,00 0,47
0,37 0,40 0,41
Salvador (3)
88,66 87,10 86,63 87,75 84,55 83,13 80,86 79,82
São Francisco do Conde
3,15 2,46 2,51 1,81 1,01
0,81 0,87 0,90
Simões Filho
0,15 2,14 1,36 1,92 2,47
2,91 3,11 3,21
Vera Cruz
3,04 2,10 1,60 1,05 0,78
0,89 0,98 1,03
Total
100,00
100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Municípios
População
Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1940-2000; Estimativas das populações residentes em 01.07.2005.
(1)
Município criado após o Censo demográfico de 1960.
(2)
Município criado após o Censo Demográfico de 1980.
(3)
Município que deu origem a outro após o censo demográfico de 1980.
(*)
População estima
da.
As transformações decorrentes da introdução da Bahia no processo de
desenvolvimento nacional ou da divisão inter-regional do trabalho, começaram a ter
expressão na re-distribuição de pessoas entre os municípios metropolitanos a partir da década
de 1960. Entre 1960-70, a RMS apresentou ritmo de crescimento elevado, tal como os
municípios de Salvador já com 1 milhão de moradores , Candeias, Simões Filho e
Camaçari. Os demais ou cresceram pouco ou revelaram perdas migratórias, caso do recém
criado Lauro de Freitas, de Itaparica e de Vera Cruz. Embora o conjunto da região tenha
59
recebido moradores de outras localidades, muito provavelmente parte dos emigrantes
municipais se deslocou para outros municípios da própria RMS (SOUZA, 1988).
Tabela
3 Taxas de crescimento demográfico dos municípios da RMS, 1960-2000
1940/1950
1950/1960
1960/1970
1970/1980
1980/1991
1991/2000
Camaçari
2,12 4,70 4,30 7,69 4,53 4,00
Candeias
34,81
9,89 6,34 4,69 2,10 1,37
Dias D'Ávila
- - -
4,43 4,22
Itaparica
3,47 1,07 0,77 2,63 3,00 2,59
Lauro de Freitas
- -
0,14
13,44
6,32 5,64
Madre de Deus
- - - -
0,93 3,05
Salvador
2,98 4,93 4,71 4,02 3,03 1,83
São Francisco do Conde
-1,50
5,24 1,17
-1,50
1,16 2,95
Simões Filho
34,81
0,30 8,26 7,06 4,74 2,93
Vera Cruz
-0,59
2,20 0,19 1,36 4,43 3,34
Total
3,32 4,82 4,57 4,41 3,19 2,14
Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1940-2000
Municípios
Taxa média geométrica de crecimento anual (%)
Fundamentalmente, foi entre 1970-80 quando ocorreu a construção do COPEC e
o estabelecimento da Região Metropolitana de Salvador como unidade econômica e
administrativa que se notaram, com maior clareza, as alterações nas tendências de
distribuição da população que, de forma geral, se mantiveram nos anos seguintes. Tal como as
Tabelas 1 e 3 demonstram, enquanto São Francisco do Conde perdeu população em termos
absolutos, Candeias, Camaçari, Simões Filho, Salvador e Lauro de Freitas, ao contrário,
tiveram seu crescimento demográfico bastante elevado. É importante verificar que, dentre
esses municípios, Salvador foi o que apresentou menor ritmo de crescimento demográfico, e
Camaçari (onde se instalou o Pólo), Lauro de Freitas revertendo a tendência anterior e
Simões Filho, contíguos à capital, revelaram taxas bastante elevadas e um incremento
significativo: 110%, 253% e 98%, respectivamente (Tabela 4).
Sobre Lauro de Freitas, revelou o mais intenso ritmo de crescimento demográfico da
região também sob influência dos processos em curso na RMS. Seu crescimento demográfico
elevado, pode ser associado à imigração, e decorreu, ao menos parcialmente, de sua posição
geográfica privilegiada em relação à capital e aos municípios onde se implantaram os
complexos industriais. Tendo as terras nesse município menos valorizadas em relação as dos
demais integrantes da região (VASCONCELOS, 1972), Lauro de Freitas recebeu, entre 1970
e 1980, novos moradores integrantes dos grupos sociais mais empobrecidos, que, dadas as
transformações da estrutura urbana da capital se viram na contingência de terem que se
deslocar, principalmente, para os limites desta cidade.
60
Tabela
4 Incremento relativo da população total dos municípios da RMS, 1940-2000
1960-1970
1970-1980
1980-1991
1991-2000
Camaçari
52,29
109,73
62,85 42,32
Candeias
85,00 58,15 25,63 13,01
Dias D'Ávila
- -
61,18 45,02
Itaparica
7,96
29,63 38,41 25,84
Lauro de Freitas
1,44
252,84
96,18 63,91
Madre de Deus
- -
10,69 31,07
Salvador
58,38 48,30 38,94 17,72
São Francisco do Conde
12,37 11,01 13,47 29,86
Simões Filho
121,23
97,91 66,43 29,70
Vera Cruz
1,88
14,50 61,07 34,40
Total
56,36 53,91 41,32 21,03
Municípios
Incremento (%)
Fonte: Censos Demográficos de 1960-2000
Note-se que os munipios onde se instalaram os complexos industriais o
apresentavam infra-estrutura e servos mais especializados. Sendo assim, neles ficaram
residindo, essencialmente, os trabalhadores menos qualificados, que percebiam menores
rendimentos e, portanto, tinham pequena capacidade de promover maior dinamização na
economia local e não tinham condições de morar em locais aonde o custo do solo fosse
mais elevado e/ou não poderiam arcar com maiores despesas de deslocamento. Desse
modo enquanto o crescimento populacional desses munipios se fez, sobretudo, por
passarem a abrigar os trabalhadores de menor formão profissional
4
, os trabalhadores
mais especializados e escolarizados, com maior possibilidade de dinamização urbana,
fixaram resincia em Salvador e em suas áreas de expansão, notadamente a orla de Lauro
de Freitas. Isso provocou a elevão da demanda por servos diversos, fato que repercutiu
na atrão de novos moradores impulsionando, mais uma vez, o crescimento demográfico
da capital e encarecendo o custo do solo urbano. Com isso, foi se consolidando uma
estratificação social e funcional entre os munipios metropolitanos e manteve-se uma
hierarquia entre esses espaços.
Entre as décadas de 1950 e 1970, portanto, colaboraram para o crescimento
demográfico dos municípios da RMS as migrações das áreas rurais ou de pequenas
aglomerações para os principais núcleos metropolitanos ou para aqueles aonde vinham sendo
implantados os novos empreendimentos industriais. Em Lauro de Freitas esses processos
incidiram num significativo incremento da população que, principalmente, se assentou nas
proximidades do Aeroporto, em área contígua ao bairro de São Cristóvão (situado em
4
Observe-se que esse não é um traço particular do caso baiano. Franco (1993), por exemplo, sinaliza que essa é
uma situação bastante comum aos municípios que abrigam grandes indústrias.
61
Salvador). entre 1980-91, embora as taxas de crescimento de modo geral tenham
diminuído
5
, a população metropolitana, que era de 1.776.582 habitantes em 1980, chega a
quase 2,5 mil pessoas, com mais de 2 milhões de moradores em Salvador em 1991.
Lauro de Freitas permanecia com o maior ritmo de crescimento da região e, de 1980
a 1991, obteve um incremento de 96% registrando 62 mil moradores nesse último ano e
assumindo a posição de terceiro maior contingente demográfico da RMS.
Souza (1988), estudando essa década, identificou dois outros tipos de fluxos
migratórios na RMS, distintos dos que haviam se revelado anteriormente, caracteristicamente
intrametropolitanos:
fluxos pendulares diuturnos, envolvendo deslocamentos dos municípios de
residência para o de trabalho, a exemplo do que ocorria entre Salvador e
Lauro de Freitas e entre Salvador e Camaçari;
fluxos de mudança de local de residência, basicamente do centro para a
periferia de Salvador (em direção às bordas da cidade), que envolveu
predominantemente os trabalhadores mais pobres.
Vale assinalar que a capital registrou taxa de crescimento demográfico inferior à de
parte dos municípios metropolitanos o que está em acordo com um fenômeno existente em
outras partes do país. Martine (1995) identificou nas regiões metropolitanas, particularmente
nas de São Paulo e Rio de Janeiro, a partir dos anos 80, um processo de crescimento
demográfico mais intenso nos municípios periféricos dos que naqueles constituíam os centros
regionais, indicando que estaria em curso um processo de periferização da população.
Andrade e Serra (1999), concordando com esse autor, argumentaram que o aumento da
densidade das sedes metropolitanas, dentre outras coisas, produziu a elevação dos preços
fundiários, expulsando parte dos moradores para suas franjas. Assim, a periferização, ou
seja, a mobilidade intra-urbana, dos centros urbanos maiores para os centros de médio porte,
mas próximos aos núcleos regionais, seria reflexo da própria concentração. Esse movimento,
porém, poderia ser também o resultado de uma escolha motivada pela tentativa dos grupos
mais abastados da sociedade de escapar dos males dos grandes centros urbanos. Tal
situação se revelou particularmente em Lauro de Freitas: a partir do final dos anos 1990 uma
parcela de novos residentes, especialmente dos que vieram a residir na sua orla, possuía
elevada escolaridade e renda.
5
Para analisar a importância do declínio dos ritmos de crescimento demográfico é preciso observar que eles
estão influenciados pela queda dos níveis de fecundidade que, na Bahia, declinou de 7,5 filhos por mulher em
1970 para 2,6 filhos por mulher, em 1996 (SOUZA;
MURICY, 2002).
62
Para a RMS, entre 1980-91, embora se possa afirmar que as taxas de crescimento
foram mais elevadas em várias unidades municipais que não Salvador, o processo de
periferização no sentido de um crescimento demográfico mais intenso nos outros
municípios que não a capital não se revelou de forma tão clara como nas regiões
metropolitanas anteriormente citadas. Conforme Franco (1993) pontuou, tal situação está
associada ao fato de que a RMS nasceu a partir da centralidade de Salvador e mesmo a
implantação do parque industrial em municípios vizinhos (Camaçari e Simões Filho,
principalmente) não foi suficiente para diminuí-la. Mesmo que esses apresentassem elevados
níveis de produção e arrecadação, o fluxo financeiro se dirigia e circulava em Salvador.
[...] É exatamente por isso que essas cidades, quando comparadas a outras de
regiões diversas do estado com menor índice de produto, não são
enaltecidas, aparecem em hierarquia inferior, não tem porte para competir,
porque na verdade a sua produção não as utiliza, pouco precisam de sua
infra-estrutura e, por isso mesmo, não alargam sua configuração urbana
(SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA
BAHIA, 1997, p. 116).
Entre os anos de 1991 e 2000, Salvador permaneceu com uma população
extremamente superior às das demais unidades municipais, embora com um ritmo de
crescimento que não revelava ganhos ou perdas por migração, fato que se repetiu em
Candeias. Todos os outros municípios apresentaram taxas elevadas que indicavam imigração
líquida, sendo que Lauro de Freitas, mais uma vez revelou os maiores ritmos de crescimento e
com 113 mil habitantes tornou-se um dos municípios de maior porte demográfico da Bahia
em 2000 (11ª maior população). Nesse período, se identificava uma mudança no perfil dos
imigrantes: além dos mais empobrecidos, ampliou-se a participação dos segmentos sociais de
maior poder aquisitivo.
As estimativas de população dos municípios da RMS para o ano de 2005 (Tabelas 1
e 2) permitem inferir que as tendências de crescimento e concentração demográfica
verificadas até o momento tendem a permanecer, com a região e todos os seus municípios
ampliando população, excessivamente concentrada na capital, mas com ampliação da
participação das suas demais unidades integrantes, especialmente Camaçari, Lauro de Freitas
e Simões Filho.
Todo esse movimento de redirecionamento dos fluxos migratórios, que passaram a
ser mais intensos para outros municípios metropolitanos do que para Salvador, fez com que o
peso relativo da população soteropolitana declinasse ao longo dos anos. Contudo, isso não
significou que a capital tenha revelado perda de expressão em termos demográficos: desde
63
1940 comportava mais de 80% da população da região (Tabela 2). Assim, mesmo que a
maioria dos municípios da RMS tenha elevado seu porte demográfico, o segundo maior
município metropolitano Camaçari detinha pouco mais que 5% do contingente regional em
2000.
Em verdade, a ampliação acentuada do número de habitantes dos chamados
municípios periféricos reflete o transbordamento de Salvador que expandiu sua influência e
centralidade para além dos seus limites legais. De acordo com Sposito (1999), esse processo
está associado à Terceira Revolução Industrial e à possibilidade, por ela ensejada, de
construção de novas espacialidades que, não necessariamente contínuas, se interconectam por
fluxos e seriam exatamente esses fluxos que articulariam as localizações. Essa nova
morfologia urbana pode ser considerada como condição e expressão de uma nova lógica de
localização e se caracteriza pela descontinuidade e intensidade de expansão. A autora apontou
para uma polinucleação de estrutura urbana, articulada por amplos sistemas de transportes e
comunicações. Não se trataria, todavia, de uma negação da importância da aglomeração, uma
vez que certas funções como as de comando permanecem em locais particulares e
centrais.
Para a RMS e a relação que Salvador estabelece com os demais municípios que a
compõem, o poder e a centralidade da capital devem ser entendidos para além de sua
continuidade espacial. Mais propriamente, seu conteúdo e lógica não se circunscrevem ao seu
território, mas se articulam e incorporam outras localidades a partir da ampliação dos
múltiplos fluxos (de pessoas, mercadorias, informações, idéias e símbolos) que a conectam
com municípios tanto da própria RMS como de outras partes do estado e do país. Nesse
sentido, a discussão de Sposito (1999) sobre o fato de que a desconcentração espacial não
implica em perda de influência ou poder dos grandes centros, mas sua expansão para outras
cidades, se aplica com propriedade para o caso de Salvador e mesmo para compreender o
crescimento da população de Lauro de Freitas. Ademais, também concordando com as
proposições da autora, seja pela contigüidade espacial entre esses dois municípios, seja pelo
intenso fluxo entre os mesmos, os limites entre os eles se tornam fluidos e de difícil
identificação.
No final dos anos 1980 e icio dos anos 1990, a economia metropolitana
experimentou diferentes processos a exemplo da redução da mão-de-obra empregada,
terceirizão, diminuição dos investimentos blicos na produção, fechamento de
64
empresas do CIA e COPEC que parecem ter colaborado para mudaas na direção e
intensidade dos fluxos migratórios que não se dirigiam mais essencialmente para
Salvador. Note-se, mais uma vez, que não se pode falar em perda de importância da
capital em termos de porte ou de número de imigrantes, mas também é importante
ressaltar que foi significativo o incremento absoluto e relativo dos municípios que
apresentaram imigração líquida, como Lauro de Freitas, nos peodos que se sucederam às
modificações estruturais da economia baiana.
Acrescente-se que a ampliação do contingente populacional dos vários municípios,
embora relacionada aos mesmos processos, desencadeou situações distintas em função da
estrutura preexistente. Tal situação se associa ao exposto por Santos (1985), de que a estrutura
(os fixos existentes) funciona como condição para o desenvolvimento dos novos processos
produtivos. As indústrias atraídas para a Bahia após os anos 60, se localizaram em áreas que
se apresentavam associadas e subordinadas em termos funcionais à capital. Ademais, nelas
predominavam atividades agrícolas. Sendo assim, o tipo de produção que se tornou dominante
não só estava desvinculado das atividades tradicionais como se opuseram a elas, instalando-se
em propriedades rurais, desestruturando a organização socioeconômica preexistente. Seus
antigos moradores ou perderam suas propriedades ou foram indenizados de forma precária, e
não tendo condições de se inserir na nova lógica produtiva, viram-se obrigados a emigrar para
as cidades e aglomerações urbanas de menor porte.
Isso resultou no crescimento de povoados, a exemplo do que ocorreu com Madre de
Deus, favorecendo sua emancipação. Contudo, observe-se que esse aumento populacional
também pela forma como ocorreu não foi necessariamente concomitante a uma
dinamização urbana, a melhoria das condições infra-estruturais e da qualidade de vida de seus
moradores ou a uma distribuição menos concentrada dos benefícios advindos da expansão
econômica.
3.3
PARTICULARIZANDO LAURO DE FREITAS: ADENSAMENTO,
URBANIZAÇÃO E ALTERAÇÃO DO PERFIL POPULACIONAL
Embora se tenha feito referências a Lauro de Freitas em termos do seu
adensamento e importância demográfica na RMS, tendo em vista os objetivos desse trabalho,
considerou-se importante realçar alguns aspectos especialmente no que tange às mudanças de
algumas características de sua população ao longo das décadas de 1970, 1980 e 1990.
65
Emancipado em 1962, com menos de 10 mil moradores, Lauro de Freitas cresceu
muito pouco nos primeiros anos e chegou ao ano de 1970 com 10.007 hab, a maioria deles
residindo em meio rural (Tabela 5). Acrescente-se que o censo desse ano registrou 2.662
moradores não naturais do munipio, 90,45% vindos de outras localidades do próprio
estado.
em 1980, embora seu porte populacional não fosse alto em relação aos demais
municípios baianos, mais que dobrou seu contingente em relação a 1970 e passou a contar
com mais de 35 mil habitantes. Observe-se que o período 1970-1980 correspondeu ao da
instalação do Pólo Petroquímico, que atraiu novos moradores para a RMS, de forma geral, e
ao da abertura da Estrada do Coco e da eletrificação de suas margens. Nessa década, como
visto, se identificavam na organização espacial metropolitana os efeitos do maior número de
moradores e das novas formas de organização social, que se estabeleceram a partir do
processo de industrialização do estado. Lauro de Freitas, dada sua localização, características
naturais e de organização espaciais, bem como sua estrutura fundiária, à postura do poder
público e à ação dos agentes do mercado imobiliário, se apresentou como alternativa para
moradia de uma parcela dos imigrantes metropolitanos
6
.
Tabela
5 População total, urbana e rural e grau de urbanização de Lauro de Freitas, 1960-
2000
Total
Urbana
Rural
1960
9.865 3.634 6.231
36,8
1970
10.007
3.959 6.048
39,6
1980
35.309 23.388 11.921
66,2
1991
69.270 44.374 24.896
64,1
2000
113.543 108.385
5.158
96,0
Ano
Grau de
urbanização
População
Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1960, 1970, 1980, 1991 e 2000.
A intensidade desse aumento da população se expressa com clareza nas altas taxas de
crescimento demográfico, como se verifica na Tabela 6, indicando imigração líquida de 1970
a 2000. Com relação às áreas urbana e rural, nesse mesmo período, houve crescimento
acentuado, à exceção do ritmo de crescimento rural de 1991-2000, indicativo de perdas
absolutas, o que está associado à revisão da demarcação da área urbana que incorporou
espaços que no censo de 1991 foram considerados rurais. A título de exemplo, por ocasião da
realização deste censo, em parte orla norte de Lauro de Freitas, considerada rural, existiam
6
Esses aspectos serão esclarecidos no capítulo seguinte.
66
áreas de moradia com alguma densidade, serviços e infra-estrutura urbanos. Quando foi
realizado o censo de 2000, tais áreas foram consideradas urbanas.
Tabela
6 Taxas de crescimento total, urbana e rural, 1960-2000
Taxa de crescimento % a.a.
Total
Urbana
Rural
1960-1970
0,77 0,86
-0,30
1970-1980
13,44
19,44
7,02
1980-1991
6,32 5,99 6,92
1991-2000
5,64
10,43
-16,05
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000
Período
A intensidade dos ritmos de crescimento revelou o aumento acelerado da população
que, com seus 113 mil moradores em 2000, situava-se como a 11ª população dentre os
municípios da Bahia. Observe-se que sua densidade também aumentou, como demonstra o
Gráfico 1.
Gráfico
1
-Densidade demográfica de Lauro de Freitas, 1970-2000
-
250,0
500,0
750,0
1.000,0
1.250,0
1.500,0
1.750,0
2.000,0
1970 1980 1991 2000
Anos
Densidade Demográfica
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000.
Nota: Para o cálculo da densidade demográfica, respeitou-se a área oficial do município à
época do censo, a saber, 93 km
2
em 1970 e 1980 e de 60 km
2
, em 1991 e 2000.
Os dados censitários indicam também a alteração do perfil socioeconômico dos
moradores laurofreitenses. A atividade predominante da população ocupada se deslocou, nas
últimas décadas, do setor primário para o secundário (Tabela 7). Em 1970, 28,4% da
população economicamente ativa (PEA) estava ocupada com agricultura. Nos setores de
comércio e serviços concentravam-se, respectivamente, 9,5% e 24,5% da PEA. Pelo resultado
67
do último censo demográfico, menos de 3% dos habitantes de Lauro de Freitas desenvolviam
atividades agrícolas, enquanto 44,7% deles trabalhava no setor de serviços e 19,1% no
comércio. Tais categorias em conjunto agrupavam 64% dos moradores do município.
Observando-se dados referentes ao PIB municipal referentes a 2000, o setor de serviços
respondia por 63,7% do total, o industrial representava 36% e o agropecuário correspondia a,
apenas, 0,5%.
Essa modificação está associada a sua própria redefinição funcional no contexto
metropolitano, tendo se constituído num espaço destinado essencialmente ao uso residencial,
com a conseqüente a demanda por comércio e serviços para atender aos novos moradores.
O dinamismo do processo, com a criação de empregos na construção civil,
serviços e indústrias, fizeram com que as comunidades litorâneas se
voltassem para essas novas atividades, desviando grande parte da mão-de-
obra agrícola e mesmo de pescadores para os novos empregos criados. O
conjunto desses fenômenos redefiniu por completo a ocupação da orla e deu
início a uma nova circunstancia metropolitana, com a nova e efetiva
incorporação socioeconômica dessa área (CAMAÇARI, 1985, p. 166).
Tabela
7 População economicamente ativa de Lauro de Freitas, por setor de atividade, 1970-
2000
Absoluta
%
Absoluta
%
Agricultura
736
28,40
1.178
2,66
Indústria
642
24,77
9.684
21,90
Comércio
247
9,53
8.434
19,07
Serviços
635
24,50
19.766
44,70
Administração pública
176
6,79
2.382
5,39
Atividades sociais
78
3,01
2.084
4,71
Outras
78
3,01
693
1,57
Total
2592
100,00 44.221
100,00
Setor de atividade
1970 2000
Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1970 e 2000.
Dito de outro modo, além da ocupação das áreas agrícolas por moradias com
características urbanas, houve demanda por mão-de-obra para a construção civil que
associada ao intenso incremento do número de estabelecimentos comerciais, industriais e
prestadores de serviços absorveram, ainda que parcialmente, a força de trabalho residente em
Lauro de Freitas e atraíram para esse município pessoas com outro perfil profissional. É digno
de nota que, principalmente nos anos 1990, políticas municipais, como a explicitada no
Programa de Micropólos Industriais de Desenvolvimento e Apoio Social (MIDAS), aprovado
pela Lei 828/94, estimularam empresas novas ou que se situavam em outros municípios a
se transferirem para Lauro de Freitas.
68
Essa lei reservou áreas e facilitou sua concessão para fábricas não-poluentes. Tais
áreas foram dotadas de infra-estrutura de água, esgotamento sanitário, asfalto, drenagem,
transporte coletivo, etc. Entretanto, provavelmente o que foi mais decisivo para os
empresários que decidiram migrar para Lauro de Freitas foram, associado ao aspecto
locacional, os incentivos fiscais que, em princípio, permaneceriam por quatro anos e se
constituíam em: redução do Imposto sobre Serviços (ISS) em 50%; isenção de taxa de Alvará
de Construção e Habite-se; isenção da Taxa de Localização e Funcionamento e isenção do
Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Ainda, dentro desse programa, tais
empreendimentos contariam com apoio técnico na elaboração de projetos de financiamento
junto a bancos. Essas políticas efetivamente resultaram na atração de novos estabelecimentos
industriais e comerciais para Lauro de Freitas que, com isso, também em termos econômicos,
revelou destaque no cenário baiano e, no ano de 2001, registrou o 13º PIB municipal,
conforme informações de técnicos da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da
Bahia (SEI).
Essa mudança no padrão ocupacional, portanto, está relacionada à combinação do
perfil dos imigrantes que vieram residir no município no período em foco que não
necessariamente trabalhavam em Lauro de Freitas com as modificações estruturais e
funcionais pelas quais passou o município, que findaram por atrair novos moradores com
formação voltada para essas atividades.
Indicada nos dados relativos à renda e escolaridade, como elemento desse processo
de transformação, sua estrutura social também se diferenciou. Em 1970, praticamente 60% da
população com mais de 5 anos foi registrada como sem instrução e 40% referiu ter até 9 anos
de estudo, ou seja, o ensino fundamental. Com nível superior, havia apenas 0,1% dos
moradores. No começo da última década do século XX, mesmo considerando as políticas
voltadas para o setor educacional nos últimos anos, as diferenças se mostraram significativas.
Em se tratando daqueles com 10 anos e mais, de 1991 a 2000, o percentual dos que não
tinham instrução diminui consideravelmente de 17,87% para 7,8%, enquanto a participação
daqueles que referiram 15 anos e mais de estudo (ou seja, que tinham pelo menos nível
superior) aumentou de 2,99% para 4,91%. A título de comparação, note-se que em Salvador,
o município com maior proporção de pessoas com nível superior da Bahia, o aumento desse
grupo foi menos acentuado (Tabela 8).
69
Tabela
8 Pessoas residentes em Salvador e Lauro de Freitas com 10 anos e mais de idade por
grupo de anos de estudo, 1991-2000
Salvador
Lauro de
Freitas
Salvador
Lauro de
Freitas
Sem instrução e menos de 1 ano de estudo 9,64
17,87
5,29
7,2
Curso de alfabetização de adultos concluído
0,22 0,33
- -
1 a 3 anos
19,35 25,94 14,22 19,28
4 a 7 anos
32,01
32,9
30,98 32,81
8 a 10 anos
14,24 10,23 17,87 15,37
11 a 14 anos
19,21
9,73
24,77 19,59
15 anos ou mais
5,28 2,99
6,01
4,91
Não determinados
0,05 0,01
0,86
0,84
Fonte: http://www.sidra.ibge.gov.br/. Acesso em 22/05/2005.
Anos de estudo
1991 2000
Na Tabela 9 identifica-se que a proporção da população economicamente ativa
(PEA) com rendimento inferior a 2 salários mínimos (SM) declinou abruptamente entre 1980
e 2000. Pelo Censo de 2000, apenas 0,1% dessas pessoas percebia até ½ salário mínimo,
enquanto em 1980, esse percentual equivalia a 6,5%.
Tabela
9 Rendimento médio mensal da população economicamente ativa de Lauro de Freitas,
1980-2000
Absoluto
%
Absoluto
%
Até 1/2 SM
1.488
6,5
41
0,1
1/2 a 1 SM
3.067
13,4
1.262
2,2
Mais 1 a 2 SM
3.878
17,0
4.416
7,6
Mais 2 a 5 SM
2.604
11,4
7.011
12,1
Mais 5 a 10 SM
459
2,0
1.607
2,8
Mais 10 a 20 SM
171
0,7
772
1,3
Mais 20 SM
108
0,5
367
0,6
Sem rendimento
10.981
48,0
22.243
38,5
Sem declaração
109
0,5
20.021
34,7
Total
22.865
100,0 57.740 100,0
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1980 e 2000
Nota: SM - salário mínimo
Rendimento médio mensal
1980
2000
Inversamente, todos os grupos representados pelos que ganhavam mais de 2 SM
elevaram-se, sendo que a proporção dos que recebiam mais de 10 SM (ainda que pequena)
aumentou entre esses anos. Ao mesmo tempo, a proporção daqueles que não tinham renda
diminuiu, embora ainda fosse elevada, próxima a 40%. Para melhor entender o significado do
aumento da renda no município, acrescente-se que, em 2000, dentre os municípios da Bahia,
Lauro de Freitas contava com a maior proporção de responsáveis pelo domicílio com
rendimentos superiores a 20 SM.
Esses percentuais remetem ao perfil de parte dos imigrantes que passaram a residir
no município no final dos anos 1980 pessoas com maior escolaridade, que se inseriam no
mercado de trabalho em funções mais qualificadas que tinham uma renda acima da média da
70
capital e que, fundamentalmente, não haviam estudado nem trabalhavam em Lauro de
Freitas. É importante ressaltar que a observação do índice de Gini
7
desse município indica que
a concentração de renda se mostra bastante intensa (G = 0,659), superior ao índice estadual
(G= 0,60) e mesmo ao de Salvador (G = 0,626).
Acrescente-se que, em 2000, conforme calculado pela SEI (2002), Lauro de Freitas
detinha o sétimo maior Índice de Desenvolvimento Econômico (IDE
8
) do estado. Para os
indicadores que o compõem estava em terceiro lugar em termos do índice de qualificação da
mão-de-obra é o segundo município do estado em termos de responsáveis por domicílio
com nível superior , era também o 10º e o 11º colocado em relação aos índices de produto
municipal e de infra-estrutura, respectivamente. Esses dados se mostram compatíveis com o
perfil dos moradores acima assinalados.
Com relação ao Índice de Desenvolvimento Social (IDS
9
), a posição de Lauro de
Freitas é ainda melhor do que em relação ao IDE: detinha a terceira colocação (inferior apenas
a Salvador e Barreiras). Para os indicadores que constituem o IDS, contudo, embora tenha
registrado a segunda posição no índice de renda média dos chefes de família e a terceira
colocação no que aufere o nível de serviços básicos, estava em 72º com relação ao índice do
nível de saúde e 311ª lugar em relação ao índice do nível de educação, uma posição nada
confortável. Como o nível de educação é definido por medidas quantitativas do atendimento
em serviços de educação em todos os níveis, pode-se pensar que a elevada escolarização dos
responsáveis por domicílio seja conseqüência do perfil do imigrante de maior poder aquisitivo
ou daqueles que podem se deslocar para outros municípios em busca de maior escolarização.
7
O Índice de Gini verifica a desigualdade de uma distribuição, varia de 0 (zero) a 1 (um) sendo o 0 a igualdade
perfeita e 1 a extrema concentração ou máxima desigualdade.
8
O IDE é composto pelos seguintes indicadores: índice de infra-estrutura (agrupa um conjunto de informações
quantitativas sobre a infra-estrutura do município em termos de terminais telefônicos em serviço, consumo de
energia elétrica e quantidade de estabelecimentos bancários, comerciais e de serviços); índice de qualificação da
mão-de-obra (que se refere ao nível de escolaridade dos trabalhadores ocupados no setor formal); e o índice do
produto municipal (considera o nível aproximado de geração de renda do município em todos os setores da
atividade econômica).
9
O conceito de IDS está baseado capacidade que um determinado município tem de atender sua população em
termos de serviços de educação e saúde, e acesso aos serviços de água tratada e de energia
elétrica.Envolve
também a idéia de que os chefes de família recebem, de algum modo, uma remuneração mensal. É composto
pelos seguintes índices: índice do nível de saúde (construído a partir das variáveis doenças de notificação
obrigatória e óbitos por sintomas, sinais e afecções mal definidos, pressupondo que a assistência adequada na
área de saúde e saneamento diminui os níveis de ocorrência das doenças redutíveis por imunização e saneamento
básico tendem a ser baixos. Também são considerados indicadores de ofertas de profissionais e estabelecimentos
de saúde, vacinações e leitos); índice do nível de educação (expresso através de medidas quantitativas do
atendimento em serviços de educação, na forma de matrículas do ensino formal, do pré-escolar ao nível
superior); índice dos serviços básicos (derivado das variáveis consumo de água tratada e de energia elétrica
residencial, considerados serviços essenciais); índice da renda média dos chefes de família (expressa o
rendimento médio dos chefes de família, supondo toda unidade familiar com um chefe auferindo rendimento
mensal).
71
Nesse sentido, é oportuno realçar que se os dados aqui apresentados refletem uma
série de melhorias em termos de indicadores econômicos e sociodemográficos, tais médias,
embora sejam importantes para caracterizar o município, não dão conta da complexidade e
das contradições dos processos em curso, que nem sempre podem ser captados por dados mais
gerais. Se o panorama geral apresentado pode ser considerado positivo, a forma como se
desenvolveram essas transformações, tal como se verá com maior detalhamento adiante,
consolidaram um processo de fragmentação social do espaço bem demonstrado por estudos
como o de Carvalho, Souza e Pereira (2004). Esses autores ao realizarem a espacialização das
diferentes categorias sócio-ocupacionais da RMS, evidenciaram que parte da elite dirigente da
região se concentra na orla de Lauro de Freitas, enquanto na porção que se limita diretamente
com Salvador e Simões Filho predominam os grupos proletários.
72
4 LAURO DE FREITAS: HISTÓRICO DE CRIAÇÃO DO MUNICÍPIO E A
FRAGMENTAÇÃO SOCIAL E ESPACIAL
A criação, o crescimento demográfico, o desenvolvimento econômico e a
urbanização de Lauro de Freitas se fizeram articuladas às modificações socioeconômicas e
políticas da RMS no transcorrer da segunda metade do século XX. O capítulo anterior
permitiu verificar que tais processos repercutiram na modificação de seus indicadores,
reposicionando-o em relação às demais unidades baianas, e alteraram decisivamente seu perfil
econômico, sua estrutura social e espacial. Entendendo que essas mudanças estão associadas à
intensa imigração verificada em direção a esse município, questionou-se: que processos, além
dos já citados, teriam impulsionado a migração em direção a esse município? Quais as
principais repercussões espaciais desses processos? Que áreas essas pessoas ocuparam em
Lauro de Freitas e quais as especificidades dessa ocupação?
O presente capítulo foi construído como uma tentativa de responder a tais
indagações. Para tanto, ele foi dividido em dois momentos: no primeiro elaborou-se um breve
histórico da emancipação e apresentou-se uma caracterização geral do município e no
segundo discutiu-se como ocorreu da fragmentação do solo em Lauro de Freitas, e a relação
desse processo com a divisão social do espaço.
4.1
BREVE HISTÓRICO DE CRIAÇÃO E CARACTERÍSTICAS GERAIS
Pode-se dizer que a história do território que hoje constitui o município de Lauro de
Freitas se iniciou
10
com o estabelecimento do Governo Geral no Brasil, pela atuação de
dois elementos principais: a Companhia de Jesus e Garcia D Ávila. A primeira, na missão de
catequizar os índios, espalhou padres e missionários por diversas partes da colônia, inclusive
no litoral norte da Bahia, na área então conhecida como Ipitanga (que significa água
vermelha). Foram os jesuítas que, provavelmente em 1578, no município de Salvador,
fundaram a freguesia de Santo Amaro de Ipitanga. Em 1608, a freguesia foi fortalecida pela
instalação da missão de mesmo nome que, então, se estendia de Itapuã (na orla norte de
Salvador) até o Rio Real (atual divisa com Sergipe). Sua sede se localizava num ponto
elevado, em frente ao Rio Ipitanga, entre o oceano e o Rio Joanes. Mais tarde, foi construída a
Igreja Matriz nesse local, trazendo para seu entorno o primeiro núcleo de povoamento do
10
Ao associar o início da história do município ao processo de colonização não se deixou de considerar que
havia um povo que habitava esse território anteriormente, os índios Tupinambás. No entanto, não se obteve
registros que fornecessem informações dos processos empreendidos por esse povo antes da chegada do
colonizador.
73
atual município. Dentre as muitas sesmarias que se localizavam na freguesia de Santo Amaro
de Ipitanga, a mais importante delas foi a de Garcia D Ávila (CORREIA; FREITAS, 1998).
Este se tornou o maior latifundiário da Bahia; suas terras e boiadas se estendiam do atual
bairro da Amaralina (em Salvador) até Tatuapara (foz do Rio Pojuca), seguindo em direção ao
Piauí, adentrando pelo sertão em direção ao Rio São Francisco. Sua presença foi marcante
para o desbravamento da região.
Não foram, porém, apenas essas atividades que viabilizaram a ocupação do seu
território na época colonial. Nos solos férteis dos vales dos rios Joanes e Ipitanga,
desenvolveu-se, entre os séculos XVI e XIX, o cultivo mais rentável para a Coroa portuguesa
até então, a cana-de-açúcar. se instalaram engenhos de cana-de-açúcar, dentre os quais se
destacaram o Caji e o Japara (este último chegou a ser um dos mais importantes do
Recôncavo), que foram de grande importância para a economia da freguesia. A grande
produção mantida pelo braço escravo escoava pelo Rio Joanes, onde havia
ancoradouros e trapiches (LAURO DE FREITAS, 2004a).
A história da região é, conforme Gildásio Freitas (apud
MALTA, 2005), marcada por
lutas. Em 1624, na época da invasão holandesa, sua Igreja Matriz, além de ter sido usada
como refúgio para os moradores de Salvador, foi um dos locais onde se organizou de reação
contra os invasores. No ano de 1814, no seu território aconteceu o Combate do Rio Joanes, às
margens do qual, escravos muçulmanos rebelados foram derrotados e mortos pela milícia dos
d Ávila e pela cavalaria do governo. Além disso, os moradores de Ipitanga tiveram ativa
participação nas lutas pela independência da Bahia (em 1823), tendo o General Labatut se
abrigado no engenho Caji.
Com a falência da economia canavieira e o fechamento dos engenhos, não se
desenvolveram novas atividades econômicas significativas na antiga freguesia. Segundo esse
historiador, na mesma época, por volta de 1855, ocorreu um surto de cólera na região que
dizimou parte expressiva da população local. Ainda em 1855, a freguesia de Santo Amaro de
Ipitanga foi extinta e sua sede transferida para Nossa Senhora da Conceição de Itapuã.
Seguiram-se sucessivos desmembramentos que diminuíram sua extensão.
no século XX, em 1931, ocorreram modificações na denominação da divisão do
município de Salvador e a antiga Freguesia foi transformada em Distrito de Santo Amaro de
Ipitanga. Sete anos mais tarde, através do Decreto-Lei estadual 10.724 estabeleceu-se que
apenas a sede municipal, no caso Salvador, poderia ser denominada distrito e os demais
passariam a ser identificados como zonas. Em 1954, a Lei 502 definiu novas divisões e
74
denominações para o território municipal e, dentre os distritos que o compunham, estava o de
Ipitanga, integrado pelo subdistrito de Santo Amaro de Ipitanga (GANTOIS, 2002).
Em meio a esse processo de alterações de cunho político-administrativo, no âmbito
internacional, acontecia a Segunda Guerra Mundial e o Brasil se alinhou com os países
Aliados. Como em Santo Amaro de Ipitanga havia um campo de aviação, foi de que as
tropas baianas embarcaram para os campos de batalha. Correia e Freitas (1998) observaram
que, nesse ínterim, em 1942, foi construído o aeroporto e a Base Aérea de Santo Amaro de
Ipitanga, o que resultou numa movimentação e reorganização do local. Parte dos
trabalhadores empregados na construção desses equipamentos passou a morar em suas
proximidades, o que consolidou o bairro de São Cristóvão e, em menor escala, trouxe novos
moradores para o que atualmente constitui Lauro de Freitas.
No final dos anos 1950 e início dos anos 1960, como referido no Capítulo 2, a Bahia
passava por uma série de transformações socioeconômicas que se fizeram acompanhar por
uma onda emancipacionista, resultando, para a área metropolitana, na criação de três novos
municípios no entorno de Salvador (ver Quadro 1, no capítulo anterior). Nesse processo, em
27 de julho de 1962 foi sancionada e, em 31 do mesmo mês, publicada, Lei Estadual 1.753,
que criou Lauro de Freitas a partir do Distrito de Ipitanga.
A transformação desse distrito em município, entretanto, não decorreu de uma
dinâmica interna que houvesse alterado suas estruturas econômica, social ou espacial.
Mantinham-se, essencialmente, os mesmos processos e ritmos de décadas passadas. Carvalho
(1961) observou que caracterizava esse, até então, distrito a presença de algumas propriedades
rurais, parte delas especializadas no cultivo de coco, granjas de tamanho médio, chácaras,
pequenas olarias e hortas. Aqueles que tinham uma produção maior, a comercializavam,
sobretudo, nas feiras de Salvador e na Base Aérea. Havia duas aglomerações maiores: as vilas
de Santo Amaro de Ipitanga e Portão. A autora assim descreveu esse último: [...] um
povoado em linha, margeando a estrada seguramente recente, decorre de fazenda do mesmo
nome, importante abastecedora de leite e outros produtos perecíveis para Salvador
(CARVALHO, 1961, p. 40).
Carvalho (1961) assinalou que o uso residencial se encontrava em recente
desenvolvimento na área, fortalecendo os centros de Santo Amaro de Ipitanga, Portão e
Itapoã. Ainda de acordo com sua compreensão, o crescimento do povoamento estaria
associado à proximidade da Base Aérea, à falta de especulação sobre os terrenos e a
existência de três linhas regulares de ônibus entre as aglomerações do distrito e a capital.
Acrescente-se que, quanto aos moradores de Ipitanga, no final de década de 1950, pode-se
75
dizer que [...] não se trata de gente miserável, mas, apenas de população pobre em sua
maioria, que trabalha na Base aérea ou na cidade, reforçando ou complementando,
modestamente, seu salário com a atividade agrícola ou outras ocupações de appoint
(CARVALHO, 1961, p. 40-41).
Ao que tudo indica, além do jogo de interesses políticos, não houve um fato concreto
que justificasse a emancipação de Lauro de Freitas. Observe-se o texto do professor Emanuel
Paranhos, historiador do município, em artigo publicado em jornal local:
O princípio era dividir para melhor governar , havendo uma certa febre
emancipacionista no ar, atendendo legítimos desejos de independência, e a
interesses políticos paroquiais [...].
Em Stº Amaro de Ipitanga, longe do centro da capital, era periferia carente
de serviços e possibilidades de desenvolver-se sem sua independência
política e administrativa, além de identificar nos ipitanguenses o desejo de
autonomia e separação (PARANHOS, 2003b, p. 06).
Em verdade, à época de sua emancipação, Lauro de Freitas possuía uma pequena
população, essencialmente vivendo em meio rural e se ocupando da produção e
comercialização de hortigranjeiros (feita principalmente nas feiras de Salvador) e pesca,
praticada pelas pessoas que residiam nas proximidades dos rios e do mar. Tais atividades
geravam baixos níveis de renda aos moradores locais. Seu espaço era organizado visando
atender às suas necessidades internas e o município pouco se articulava com os demais da
área metropolitana.
A Foto 1, que apresenta a solenidade de posse do primeiro prefeito do município, na
praça da Igreja Matriz, centro antigo da cidade, revela que o tipo de casa existente no seu
entorno era bastante simples. Na Foto 2, vê-se a mesma praça sob outro ângulo e nota-se que
a mesma era de terra, assim como as ruas que a cercavam. Associando-se as informações
levantadas a essas fotos, pode-se dizer que a área central de Lauro de Freitas apresentava-se
como um núcleo populacional pequeno e desprovido de características tipicamente urbanas, o
que se confirma pela observação da rua Abelardo Andréa (Foto 3, da mesma época), vizinha à
praça central: verifica-se as casas com telhado de palha junto a outras cobertas com telha de
cerâmica, com cercas de arame a separá-las e a rua era recoberta de vegetação.
Um fato bastante interessante em relação à emancipação de Lauro de Freitas diz
respeito a uma batalha judicial que se estendeu por quase três décadas: a Procuradoria Jurídica
do Município de Salvador impetrou mandato de segurança contra a Assembléia do Estado e o
município de Lauro de Freitas, pois, no seu entender, o desmembramento do novo município
foi feito à revelia do bom senso representando uma grave investida contra o patrimônio
76
de Salvador. Observe-se que nos textos que criavam municípios novos, de forma geral,
determinava-se que os próprios municipais, o patrimônio existente no território, passariam a
pertencer ao novo município, independente de qualquer tipo de indenização ao município de
origem. Sendo Salvador uma cidade foreira, no caso específico do desmembramento de Lauro
de Freitas, o próprio municipal consistia no território de Salvador (PROCURADORIA
GERAL DO MUNICÍPIO DE SALVADOR, 1978).
Foto
1 Festa de posse do primeiro prefeito de Lauro de Freitas realizada na Praça da Igreja
Matriz em 07 de abril de 1963
Fonte: Lauro de Freitas, 2004b.
Foto
2 Praça da Igreja Matriz
Fonte: Lauro de Freitas, 2004b.
O embate legal que decorreu dessa situação culminou na redução significativa do
77
território de Lauro de Freitas em relação ao que possuía na data de sua emancipação. Em
1962, de acordo com o decreto que o criou, Lauro de Freitas contava com 200 km
2
e
compreendia, por exemplo, o Aeroporto Internacional (então chamado Dois de Julho), a Base
Aérea, os núcleos de São Cristóvão, Valéria, Pirajá e Pau da Lima. Em 1967, o artigo 138 da
Constituição da Bahia estabeleceu que o aeroporto, a base aérea e as vias de acessos a eles
retornariam a ser propriedade de Salvador, implicando a necessidade de re-estabelecer a
demarcação territorial do novo município. No ano de 1969, feita uma revisão dos limites de
Lauro de Freitas, sua área passou a contar com 93 km
2
. Em texto publicado em 1978, os
membros da Procuradoria Geral do Município de Salvador consideraram que uma vez
reduzido a menores proporções (Lei nº 2.713, de 25 de agosto de 1969) o município passaria a
desempenhar a função de área de lazer da capital, não tendo condições de sobrevivência
autônoma (PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO DE SALVADOR, 1978).
Posteriormente, a área de Lauro de Freitas experimentou outra diminuição e, em 1987, foi
delimitada nos atuais 60 km
2
, com seu território passando a ser propriedade da prefeitura
desse município ou da Irmandade de Santo Amaro de Ipitanga.
Foto
3
- Rua Abelardo Andréa, anos 1960
Fonte: Lauro de Freitas, 2004b
78
Embora com uma área bastante reduzida é o quarto menor município baiano
11
,
mesmo que tenha perdido a propriedade de espaços densos e equipamentos importantes,
Lauro de Freitas encontra-se numa posição geográfica privilegiada. Seu crescimento
populacional, associado ao da capital, resultaram em sua conurbação com Salvador (com
quem se limita ao Sul e a Oeste) e tem também com municípios vizinhos Camaçari, Simões
Filho (ao Norte, ver Figura 2), dois dos mais industrializados da Bahia.
Articula-se com a capital e Camaçari, principalmente, pela BA-099 (Estrada do
Coco), que o atravessa longitudinalmente. Essa via foi constrda em duas etapas. A
primeira, que corta o município, foi inaugurada no como da cada dos 70, estendendo-
se do atual Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães até o munipio de Camaçari
(trecho conhecido como Estrada do Coco). A segunda, datada dos anos 90 e conhecida
como Linha Verde, segue até a divisa da Bahia com Sergipe. Am disso, essa rodovia
funciona como um prolongamento da Avenida Luis Vianna Filho (Avenida Paralela),
que liga um dos principais los econômico-financeiros de Salvador (eixo Iguatemi-
Rodovria) ao aeroporto, como se verifica na Figura 3. A BA-099 se faz importante por
permitir o acesso de Salvador a Camari, às localidades da Região Litoral Norte e ao
Estado de Sergipe, favorecendo intenso fluxo de pessoas, mercadorias e informações entre
essas diferentes áreas. Acrescente-se que nos últimos anos, essa estrada, espacialmente no
trecho de Lauro de Freitas, vem sendo implantados uma rie de estabelecimentos
comerciais diversificados em termos de produto e clientela que pretende atender.
Encontram-se supermercados, lojas de móveis e eletrodomésticos dos mais populares aos
mais sofisticados, lojas de material de construção, de artesanato, de plantas, imobilrias,
empresas de paisagismo, bancos, bares, restaurantes, delicatessens, concessiorias de
veículos, shoppings, centros dicos etc, formando um corredor de serviços que atende
a Lauro de Freitas, aos moradores de outros municípios (como Camaçari e Salvador) e
àqueles que se transitam entre o litoral norte e capital.
Ainda se constitui em vantagem locacional do município o fato deste estar próximo
do aeroporto de Salvador e da BA-526 (rodovia CIA-Aeroporto), que está ligada à BR-324
(via Salvador Feira de Santana) e o fato de ter, como seu limite leste, o Oceano Atlântico,
com uma bela orla oceânica. É, também, banhado pelos rios Joanes, Caji, Ipitanga e Sapato.
Apresenta dunas, coqueirais, arbustos e resquícios de mata atlântica.
.
11
Superando apenas as áreas dos municípios de São José da Vitória (53
km²), Itaparica (43
km²) e Madre de
Deus (11
km²).
79
Figura
2 Limites políticos-administrativos de Lauro de Freitas
3
8
º
1
9
3
8
º
1
9
12º54
12º54
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a
l
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0
1,0
2,0
3,0
Km
80
Figura
3 Localização das principais vias de circulação e dos principais pólos industriais da
RMS
Fonte: CENTRO DE ESTATÍSTICA E INFORMAÇÕES; COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DA
REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR, 1994.
4.2
A CONSTRUÇÃO DA FRAGMENTAÇÃO ESPACIAL E SOCIAL DO
MUNICÍPIO: O ESTADO E OS AGENTES IMOBILIÁRIOS
Lauro de Freitas, à época de sua emancipação, era um município com características
eminentemente rurais, com os habitantes desenvolvendo atividades agrícolas e apresentando
baixos níveis de renda e escolaridade. Era composto por grandes glebas de terra terrenos
foreiros da prefeitura Municipal de Lauro de Freitas ou pertencentes a ordens religiosas ,
parte das quais, herança de desmembramentos de fazendas fundadas nos tempos coloniais. No
bojo das transformações socioeconômicas que vinham sendo implementadas na RMS
(lembre-se dos processos que resultaram na implantação do CIA e do Pólo e suas
conseqüências, especialmente no que se refere à questão da habitação), e de seus principais
impactos na estrutura social e espacial de Salvador, Lauro de Freitas apresentava condições
adequadas para ser transformado em área residencial. Essa situação estava associada tanto à
81
sua localização (proximidade de Salvador e dos municípios mais industrializados do estado) e
acessibilidade, como por sua estrutura fundiária que, por ser predominantemente rural, se
prestava a ser convertido a outras finalidades sem que para isso fosse preciso elevados
dispêndios. É oportuno retomar o texto de Santos (1959b) que, ao tratar das áreas litorâneas
no entorno de Salvador, indicou a existência de pequenas roças e quintais; ressaltou também
que a forma como eram ocupadas as áreas próximas da capital estava associada à estrutura da
terra e ao fato de que seus proprietários a guardavam com a expectativa de serem aproveitadas
para loteamentos, opção mais rentável do que o uso agrícola, e que já começava a se
apresentar [...] depois que obras custeadas pelo Estado (União, Petrobrás, Estado da Bahia,
Prefeitura) valorizaram ainda mais esses terrenos (SANTOS, 1959b, p. 128).
Especificamente sobre Lauro de Freitas, o trabalho de Carvalho (1961), anteriormente
mencionado, confirma a pequena densidade e a predominância de terrenos ocupados com
atividades de cunho agrícola.
Entendendo que o uso agrícola é menos rentável que o uso urbano, os promotores
imobiliários e os proprietários fundiários atentos às tendências de periferização metropolitana
que se prenunciavam em diferentes estados brasileiros e que se projetavam sobre a RMS,
com anuência do Estado, investiram no parcelamento das terras do município as quais,
independentemente de suas potencialidades, foram, em boa medida, transformadas em
condomínios e loteamentos residenciais. Como assinalou Corrêa (1989), esses agentes, tendo
como interesse a apropriação da renda da terra, desconsideram suas potencialidades com a
intenção deliberada de converter a terra rural em urbana, situação decorrente do fato de que
esta última possui valor superior ao da rural, na medida em que o valor de troca se sobrepõe
ao valor de uso. Justamente por isso, a terra localizada na periferia da grande cidade, tal como
em Lauro de Freitas entre os anos 1960 e 1970, torna-se especialmente interessante à
especulação imobiliária, podendo ser colocada em processo de transformação de rural
(agrícola) em urbana. Com isso, são valorizadas sem que necessariamente sejam feitos
investimentos ou modificações de maior vulto. Villaça (2001, p. 80) verificou que a garantia
de uma demanda e a possibilidade que os proprietários da terra têm de especular, fazem com
que a terra rural atinja o estágio de potencialmente urbana, antes, no tempo e no espaço, de
sua efetiva ocupação por atividades urbanas . Acrescente-se, que como bem observou de
Santos (1961), o loteamento é uma atividade puramente especulativa. [...] basta o anúncio da
criação fantasística do novo bairro ou cidade-jardim para multiplicar muitas vezes o valor
dos terrenos (SANTOS, 1961, p. 30).
Partindo dessa lógica, o parcelamento do solo e a urbanização de Lauro de Freitas
82
foram efetivados. Contudo, cabe indagar quais as circunstâncias e características da instalação
desses empreendimentos. Sabendo-se que pessoas de diferentes segmentos da sociedade se
dirigiram para esse município, também se questionou como foi a espacialização de cada grupo
social.
4.2.1
Os loteamentos populares e a espacialização dos mais pobres
À demanda de moradia por pessoas com menor poder aquisitivo, uma das respostas
possíveis do mercado de habitação é o loteamento popular. De forma geral, esse tipo de
empreendimento é feito por pequenas imobiliárias e incorporadoras, clandestinas ou não, que
dividem a terra em pequenos lotes e parcelam seu pagamento ainda que o morador não
grandes garantias da possibilidade de honrar seu compromisso. De modo geral, aqueles que
adquirem terreno nesse tipo de loteamento utilizam a autoconstrução para erguer sua casa,
aproveitando seu tempo livre. Em Lauro de Freitas, tal empreendimento foi uma estratégia
bastante utilizada nos anos 1970 para atender à demanda por habitação popular da RMS, para
adensar o município e também para ampliar a área de expansão de Salvador. Conforme estudo
realizado pela Fundação Centro de Pesquisas e Estudos - CPE (1980), nesse município
estavam 43% dos loteamentos populares (legais ou ilegais) localizados na capital e nas suas
adjacências, sendo que no distrito de Itinga foram instalados 70% desse total.
Desde os primeiros anos de sua emancipação, verificou-se a existência de
loteamentos populares
12
em Itinga área vizinha a São Cristóo (bairro popular de
Salvador), situado no final da Avenida Paralela, e próximo ao aeroporto, onde circulavam
linhas de transportes coletivos. Ao que tudo indica, a prefencia por essa área por parte
dos loteadores estamm intimamente associada, ao fator localização, à sua estrutura
fundiária, que am de contar com fazendas, era formada por tios, chácaras e pequenas
propriedades agrícolas tamm resultante de desmembramentos de fazendas maiores que
existiram no passado. Sendo assim, em Itinga havia (1) terras baratas de origem rural, (2)
acessibilidade em relação à capital e (3) proximidade a uma área já urbanizada de fato.
Associava-se a tais circunstâncias a demanda por moradia popular. Estavam dadas as
condições para a produção de empreendimentos imobiliários voltados para atender aos
grupos sociais de menor renda. Tal situação pode bem ser ilustrada com o Quadros 2 e 3:
de um total de 62 loteamentos populares implantados entre os anos 1960 e 1980, 45
12
É importante mencionar que essa situação está associada à tendência verificada a partir dos anos 1960 de os
novos loteamentos populares se concentrarem nos limites de Salvador.
83
localizavam-se em Itinga.
Quadro
2 Origem, nome e área dos loteamentos populares implantados em Itinga entre 1970 e
1980
Nome
TAC/Ano de implantação¹
Área total (m²)
Observações
Fazenda Boa Nova
Jardim Jaraguá
1974
74.486,00
286 lotes e lote padrão
igual a 200m²
Vila do Almeida
1975
17.806,84
65 lotes e lote padrão
igual a 200m²
Jardim Independência
1975
81.613,94
259 lotes e lote padrão
igual a 200m²
Fazenda Itinga de Baixo
Nova Itinga
1973
20.008,00
68 lotes e lotes e lote
padrão igual a 200m²
Jardim Tarumã
1971
175.000,00
502 lotes e lote padrão
igual a 250m²
Jardim Taruminas
1972
31.892,00
84 lotes lotes e lote
padrão igual a 250m²
Jardim Talismã
1972
169.119,85
484 lotes e lote padrão
igual a 400m²
Jardim Taubaté
1972
108.832,40
175 lotes e lote padrão
igual a 250m²
Jardim Tropical
1974
269.231,50
815 lotes e lote padrão
igual a 200m²
Jardim Cidade Nova
1975
154.391,00
450 lotes e lote padrão
igual a 200m²
Jardim Talaia
1975
70.034,00
155 lotes e lote padrão
igual a 200m²
Pouso Alegre
1975
348.480,00
800 lotes e lote padrão
igual a 200m²
Jardim Centenário
1976
214.614,00
187 lotes e lote padrão
igual a 200m²
Jardim Metrópole
1975
261.532,00
497 lotes e lote padrão
igual a 300m²
Jardim São Cristóvão
1976
(...)
83 lotes e lote padrão
igual a 200m²
Novo Horizonte
1979
20.229,00
64 lotes e lote padrão
igual a 200m²
Xangô e Oxalá
(...)
34.500,00
119 lotes e lote padrão
igual a 155m²
São Judas Tadeu
1974
124.174,80
lote padrão de 200m²
São Salvador
1975
(...)
180 lotes
Parque Santa Júlia
1975
88.269,00
Vila de Sena
1975
104.000,00
244 lotes e lote padrão
igual a 250m²
Pouso Alegre
1975
348.480,00
800 lotes e lote padrão
igual a 200m²
Parque São Paulo
1975
1.351.203,00
815 lotes e lote padrão
igual a 300m²
Chácara Taiti
1975
87.120,00
151 lotes
Faz. da Telha
Jardim União
1976
(...)
129 lotes e lote padrão
igual a 300m²
Origem
Loteamento
Fazenda Jaqueira
Fazenda Vilão
Fazenda Gaia
Fazenda Itinga
Fonte: Fundação Centro de Estudos e Pesquisas, 1980; Termos de Acordo e Compromisso e Memoriais Descritivos dos
loteamentos; Lauro de Freitas, 2002.
(1)
Na ausência do TAC, indicou-se o período de implantação/comercialização do loteamento conforme Fundação Centro
de Estudos e Pesquisas, 1980.
84
Quadro
3 Nome e área dos loteamentos populares sem origem determinada implantados em
Itinga entre 1967 e 1980
Nome TAC/Ano de implantação¹ Observações
Jardim Itinga TAC 1967
Jardim Lindóia TAC de 1968
Área total de 43.907m², com 93 lotes
Parque N. S. da Penha 1969
Clandestino, contava com 130 lotes e
lote médio igual a 170m²
Sayonara início dos anos 70 Clandestino
Davina Menezes início dos anos 70 Clandestino
Chácaras São Roque início dos anos 70
Clandestino, contava com 44 lotes e
lote médio igual a 300m²
Jardim Pérola Negra TAC de 1972 306 lotes e lote médio igual a 200m²
Jardim São Judas Tadeu TAC de 1974 112 lotes e lote médio igual a 200m²
Diamante TAC de 1974 159 lotes e lote médio igual 300m²
Cond. Águas Finas 1974 101 lotes
Taiti
TAC de 1975 151 lotes e lote médio igual a 250m²
Cidade Nova TAC de 1975 478 lotes e lote médio igual 200m²
Jaíba TAC de 1975
Jardim Liberdade TAC de 1975
Área total de 8.444m², com 37 lotes
e lote médio igual a 200m²
Jardim Ipitanga TAC de 1975 649 lotes e lote médio igual 300m²
Rio Itinga TAC de 1975
Área total de 18.712, com 54 lotes e
lote médio igual 200m²
São Cristóvão TAC de 1976 78 lotes e lote médio igual 200m²
Santos Dumont 1980
Clandestino, contava com 74 lotes e
lote médio igual a 160m²
Arco-íris (...)
Horto Florestal (...) Área total de 47.647m²
Fonte: Termo de Acordo; Compromisso e Memoriais Descritivos dos loteamentos; Lauro de Freitas, 2002.
(*) Na ausência do TAC e do memorial descritivo, indicou-se o ano de implantação do loteamento, conforme
dados da CPE, 1980.
Evidencia-se que esse tipo de empreendimento provocou uma fragmentação do
território municipal. Da Fazenda Jaqueira
13
, por exemplo, foram derivados 13 loteamentos
populares apenas em Itinga que, somados, contavam com uma área de 1,8 km². Da Fazenda
Vilão originaram-se cinco loteamentos que totalizavam mais de 6,65 km². O Parque São
Paulo, isoladamente, o maior dos loteamentos registrados, decorrente de uma divisão da
Fazenda Gaia, contava com mais de 1,3 km².
A ação das imobiliárias encontrou contrapartida por parte dos órgãos municipais que
85
apresentavam menor rigidez, em relação à prefeitura de Salvador, para autorizar a instalação
de loteamentos. Um panfleto
14
de divulgação do Loteamento Jardim Tauba(oficializado em
1972) demonstra bem o espírito desses empreendimentos:
O Loteamento
JARDIM TAUBA
está localizado no Município de Lauro de
Freitas
Estrada do Gaia
próximo a São
Crisvão
ruas abertas
pronta entrega.
V. poderá construir já sua casa.
Não pag
ue mais aluguel.
Em pesquisa de campo realizada no primeiro semestre de 2005 nos loteamentos
Jardim Centenário, Sayonara e Jardim Talismã, verificou-se junto aos moradores mais antigos
que o sonho de ter uma casa própria consistiu no principal motivo da compra do terreno em
Itinga. A maioria deles oriunda de bairros populares de Salvador, soube dos loteamentos por
corretores que visitavam tais bairros para divulgá-los. Os terrenos eram vendidos em
prestações, demorava-se mais ou menos cinco anos para quitar o imóvel. De acordo com João
de Souza Araújo
15
, da Associação Beneficente Recreativa Unidos do Centenário, [...] O lote
era caro, preço de um Fusca, mas era de 60 meses (sic). Se não tivesse emprego ou
poupança, a pessoa não conseguia pagar.[...] As pessoas diziam que eu era maluco de morar
aqui
16
. Em outros termos, tal como Santos (1961) havia assinalado, a luta pelo espaço na
região de Salvador fez com que os mais pobres, a grande maioria da população procurasse se
abrigar fosse como fosse e, acrescente-se, onde quer que fosse.
Isso foi importante tanto para o município de Lauro de Freitas (que com isso
13
Conforme informações obtidas na
PMLF, essa fazenda ocupava também parte do que , atualmente, compõe o
distrito
Caji-Picuiaia.
14
Esse panfleto consta dos arquivos da Mapoteca da Secretaria Municipal de Planejamento e Meio Ambiente de
Lauro de Freitas, no entanto, dado ao seu estado de conservação, foi impossível retirá-lo para ser fotocopiado.
Tentou-se reproduzi-lo com o máximo de
fidedignidade, inclusive no que se refere ao tamanho do original.
15
Em entrevista concedida em 18/05/2005.
16
Preservou-se o anonimato dos moradores entrevistados na reprodução das suas falas; foi mencionada a autoria
apenas das falas dos representantes comunitários que autorizaram sua identificação.
86
ampliava sua população) como para Salvador, que se expandia para sua periferia,
principalmente por conta da migração de parte dos seus habitantes de menor renda. Uma
pesquisa realizada pela CPE (1980) identificou que
[...] o tipo de relação que se estabelece entre o poder público e os loteadores
do Município de Lauro de Freitas [...] explica, em grande parte, a incidência
relativamente alta de loteamentos populares nele situados, com registro e
aprovação no órgão competente. Com efeito, os dados mostram que nele tem
existido bastante flexibilidade no processo de registro dos loteamentos,
sendo inúmeros os casos de loteamentos aprovados sem processo e de outros
aprovados alguns anos, estando total ou parcialmente vendidos, mas
ainda sem o Termo de Acordo e Compromisso firmado com a Prefeitura
(FUNDAÇÃO CENTRO DE PESQUISAS E ESTUDOS, 1980, p. 13).
O mesmo estudo observou que
[...] as exigências de implantação de infra-estrutura pelo loteador, além de
reduzidas, variam de um loteamento para outro, refletindo a falta de critério
para a aprovação e o não cumprimento (ou a inexistência) de legislação
relativa ao processo de parcelamento e desmembramento do solo urbano
(FUNDAÇÃO CENTRO DE PESQUISAS E ESTUDOS, 1980, p. 13).
Efetivamente, o Termo de Acordo e Compromisso (TAC) padrão da Prefeitura
Municipal de Lauro de Freitas (PMLF), nos anos 1970 (Anexo 1), exigia basicamente que os
responsáveis pelos loteamentos reservassem área para uso da comunidade (para ruas, praças,
jardins, hospitais, escolas etc que deveriam estar demarcadas na planta), realizassem a
abertura de ruas com colocação de meio fio e encascalhamento devendo servir para futuro
asfaltamento (a ser feito pela Prefeitura posteriormente), demarcassem os lotes, instalassem
postes e solicitassem à empresa competente a ligação à rede elétrica. Embora com algumas
variações, essas eram as normas mais comuns, e nem sempre cumpridas.
As Fotos 4 e 5, do Loteamento Vila do Almeida, que começou a ser comercializado
em 1974, embora o TAC date de 1975, mostram parcialmente as condições desses
loteamentos, com ruas sem pavimentação e terrenos recobertos por mato. Nessas fotos, feitas
cinco anos após o contrato firmado entre a imobiliária e o poder municipal, vê-se ruas de
terra, sem meio fio e que os postes para iluminação pública, ainda que tivessem sido
instalados nas ruas principais, não atendiam o loteamento como um todo. Também se nota a
ausência de fiscalização e de regularização desses loteamentos, visto que embora os
compromissos não tenham sido cumpridos, não houve sequer, pelo menos nos registros dos
loteamentos constantes na Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Lauro de
Freitas (PMLF), notificação ao loteador. Levantamentos documentais permitiram observar
que as áreas reservadas ao domínio público demarcadas nas plantas para a instalação de
87
ruas, praças, escolas, postos médico etc. foram, ao menos em parte vendidas ou reloteadas
implicando a necessidade da Prefeitura, posteriormente, desapropriar imóveis, indenizando
seus proprietários, para implantação desses equipamentos, principalmente escolas. Isso
aconteceu nos Loteamentos Lindóia, Jardim Cidade Nova e Parque São Paulo, dentre outros.
Ademais, nessas áreas também ocorreram ocupações irregulares (invasões), mais ou menos na
mesma época em que os primeiros compradores chegaram.
Foto
4 Rua transversal do loteamento Vila do Almeida em setembro/outubro de 1980
Fonte: Fundação Centro de Pesquisas e Estudos, 1980.
As facilidades para a implantação desses loteamentos se fizeram relevantes
também porque, de forma geral, frente à capacidade financeira do investidor e a necessidade
de lucro rápido, sua viabilidade estava associada à burla das normas legais, sobretudo no que
se refere ao seu registro, à implantação de infra-estrutura e aos requisitos de urbanização. Pelo
mesmo motivo, a incorporação da área foi bastante comum na medida em que se eximia o
loteador do desembolso imediato de dinheiro para o pagamento da terra, o que se fazia pela
transferência de parte dos lucros pela venda dos lotes ao proprietário do terreno. Por exemplo.
parte dos empreendimentos imobiliários estabelecidos em Itinga, foram registrados na PMLF
constando como responsáveis pelo loteamento, além de uma empresa, lavradores e prendas
do lar . Em outros, havia efetivamente um Contrato de Prestação de Serviços, no qual uma
loteadora ou pessoa física se apresentava como representante dos proprietários,
comprometendo-se a arcar com todo o ônus no processo de divulgação e venda dos lotes em
troca do repasse de uma parte do pagamento aos proprietários da terra. Tal foi o caso do
88
Jardim Talismã, Jardim Tarumã e Jardim Taruminas.
Foto
5 Vista panorâmica do loteamento Vila do Almeida em setembro/outubro de 1980
Fonte: Fundação Centro de Pesquisas e Estudos, 1980.
De todo modo, [...] parece estar claro que estas empresas cumprem o importante
papel de desbravamento, de ampliação do tecido urbano e, principalmente, de valorização dos
terrenos situados na periferia urbana e mesmo fora dela (BORGES, 1982, p. 210). Nesse
processo, aos poucos, conforme as primeiras casas são erguidas, iniciam-se as pressões
populares pela intervenção do poder público no local, pela sua urbanização , o que resulta
por agregar valor àquela localização e aos terrenos vizinhos, comumente área de reserva para
especulação. Com isso, os promotores imobiliários, ao continuarem a atuar no mesmo lugar,
podem aumentar o preço dos lotes e sua margem de lucro sem fazer novos investimentos.
Dito e outro modo, [...] ao incorporar terrenos distantes concedendo-lhes um uso urbano,
eleva-se o preço do solo na periferia e, conseqüentemente, reforça-se o aumento dos preços
nos terrenos melhores situados (CPE, 1980, p. 15): a chegada de serviços públicos (como a
rede geral de água, de energia elétrica, a abertura de vias e a pavimentação das mesmas, por
exemplo) repercute em valorização monetária e social do terreno. No caso de Salvador e do
seu entorno, esses mecanismos, associados aos interesses dos agentes imobiliários, foram
conduzindo os pobres para locais cada vez mais afastados do Centro e para os piores sítios
urbanos.
O fato é que já nos anos 1960, de acordo com informações levantadas para o
programa PROMORAR (1981), havia cinco loteamentos residenciais populares em Itinga:
Santa Bárbara, Lindóia, Rio Itinga, Jardim Independência e Jardim Liberdade, todos
89
desprovidos de infra-estrutura e que não estavam devidamente regularizados, portanto, que
não davam a posse oficial da terra. Caracterizavam-nos também a precariedade das vias de
acesso, pois, excetuando as duas ruas principais de Itinga que davam acesso à Estrada do
Coco tal como se nota pelas Fotos 6 e 7 (essa última apresenta a placa indicativa da
entrada do Loteamento Sayonara) , todas as demais não eram asfaltadas.
Foto
6 Avenida Fortaleza em setembro/outubro de 1980
Fonte: Fundação Centro de Pesquisas e Estudos, 1980.
Isso corrobora as informações dadas pelos antigos moradores desses locais: até
final dos anos 1970, para sair ou chegar em casa, a estragia mais comum era, em grupo,
abrirem picadas na mata . Ainda conforme o levantamento acima mencionado, as casas
eram dispostas de modo desordenado e o tinham condições de infra-estrutura adequada:
61,28% delas era de bloco aparente, 59,28% não tinham água encanada e apenas 1,20%
dos iveis possa fossa ptica. Com relação à rede elétrica, 63,67% dos imóveis
possuíam ligação regular, embora alguns moradores alegassem o poder pagá-la,
situação essa confirmada em pesquisa de campo: parte dos moradores mais antigos referiu
que mesmo após a instalão da rede de energia elétrica adequada, muitos permaneceram
com gatos (nome popular para ligação elétrica clandestina), pois, não podiam arcar com
esse custo. Era um dando gato pro outro pra luz ficar mais barata (V, morador do
Loteamento Sayonara). Os gatos , evidentes nas Fotos 8 e 9, que serviam para suprir
áreas não cobertas pela rede pública, tamm eram utilizados para baratear ou para
eliminar os custos da conta de luz. Outros moradores acrescentaram que foram eles
próprios que, posteriormente, instalaram os postes de concreto.
90
Foto
7 Avenida São Cristóvão em setembro/outubro de 1980
Fonte: Fundação Centro de Pesquisas e Estudos, 1980.
Foto
8 Loteamento Sayonara em
setembro/outubro de 1980
Fonte: Fundação Centro de Pesquisas e Estudos, 1980.
Foto
9 Loteamento Sayonara em
setembro/outubro de 1980
Fonte: Fundação Centro de Pesquisas e Estudos, 1980
.
As mesmas Fotos 8 e 9, do Loteamento Sayonara (implantado de forma irregular) no
começo da década de 1970, também em Itinga, exemplificam as condições em que os
loteamentos costumavam ser entregues aos compradores dos lotes: posteação inadequada e
ruas sem qualquer tipo de demarcação (o que, necessariamente não diferia dos loteamentos
regularizados). De acordo com V., que 32 anos reside no Sayonara, aqui era tudo mato,
nem rua tinha, era só caminho, [...] Não tinha piquete, nem poste... quando botaram o
primeiro poste, todo mundo puxou gato .
É importante salientar que a área de Itinga era conhecida como área de invasão. Isso,
conforme informações de funcionários da Prefeitura, se relaciona tanto ao fato de que alguns
loteamentos não foram regularizados à época de sua comercialização, bem como pelo fato de
91
parte deles ter sido ocupada de maneira irregular. Ademais, nos casos de loteamentos sem
documentação, não havia escritura de compra e venda e a posse do lote era garantida por
meio de um recibo de pagamento ao responsável pelo loteamento. Outro estudo realizado no
começo dos anos 1980 verificou que os loteamentos de Itinga, como os das áreas de Capelão e
de Areia Branca, se localizavam numa área de topografia acidentada, onde os serviços básicos
de iluminação, serviços de água, esgoto e coleta de lixo inexistiam. O comércio era incipiente
e precário (a exemplo do demonstrado na Foto 10), não havia postos de saúde e as cinco
escolas existentes atendiam apenas da à série. Apesar disso, de 1975 para 1988, ocorreu
acelerado crescimento demográfico nessa área: de 8.000 habitantes passou para,
aproximadamente, 30.000 moradores, respectivamente. Observe-se que 51% desses
imigrantes eram oriundos de Salvador, sendo que a grande motivação para se mudarem para
esses loteamentos se relacionava ao custo da moradia. Embora distante do local de trabalho
(82% dos moradores trabalhava fora da área de residência e 30% dos entrevistados para esse
estudo necessitavam de mais de um transporte para chegar no trabalho), o custo mais
acessível do solo permitia a aquisição do lote ou da casa própria (COMPANHIA DE
DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR, 1981).
Foto
10
Estabelecimento comercial situado no loteamento Vila do Almeida em
setembro/outubro de 1980
Fonte: Fundação Centro de Pesquisas e Estudos, 1980.
A fala dos moradores entrevistados coincide com os aspectos levantados em tais
estudos e indicam que morar em Itinga, no final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, não
era empreitada fácil. Ainda que, de modo geral, as ruas estivessem abertas e os lotes
demarcados, as exigências contratuais feitas ao loteador, de forma geral, não eram cumpridas
(ver, por exemplo, Foto 11).
92
Foto
11
Loteamento Sayonara em setembro/outubro de 1980
Fonte: Fundação Centro de Pesquisas e Estudos, 1980.
Ainda conforme João de Souza Araújo residente no bairro desde 1977 , essa era
a situação do Jardim Centenário quando foi entregue aos compradores: Aqui tinha mato.
As máquinas abriram as ruas, marcaram os lotes com piquetes, nós viemos. Foram quatro
anos sem energia, eu mesmo usava candeeiro. A gente pegava ônibus em São Cristóvão, a
gente ia andando até lá. A água era de poço. A Embasa veio depois de uns cinco anos,
depois da luz
17
. Outro morador do Jardim Centenário confirma essa situação.
Quando
cheguei aqui, vinha morar quem tinha coragem. [...]. A luz veio bem depois. A luz veio
anos depois (O., 57 anos). Essas circunstâncias não foram específicas desse loteamento
como atestaram depoimentos dos primeiros moradores do Sayonara e do Jardim Talismã.
Manoel Lázaro do Nascimento
18
, da Associação Comunitária Desportiva Cultural
Sayonara disse que quando chegou ao bairro, 28 anos, não havia água, luz, nem transporte.
As pessoas compravam seus terrenos em Itinga porque era mais barato, um jeito de
construírem sua casa própria. Roque de Oliveira dos Santos
19
, da Associação Beneficente
Jardim Talismã, afirmou em seu depoimento: Foi o bairro que eu achei dentro das minhas
condições, comprei o lote e paguei em 60 meses. [...] Não tinha luz, nem poste. Água, a gente
cavava o chão e a água minava. Luz era de candeeiro ou de fifó
20
. [...] O transporte era na
entrada do Aeroporto. A gente tinha que sair andando . Uma residente nesse bairro desde
1975, de 51 anos, acrescentou que para fazer compras tinham que ir até Itapuã ou São
17
Entrevista concedida em 18/05/2005.
18
Entrevista concedida em 21/05/2005.
19
Entrevista concedida em 20/06/2005.
20
O
fifó é uma lamparina feita de lata de óleo ou similar muito utilizada em áreas rurais, onde não há luz elétrica,
por pessoas de baixa renda. É feita uma base, onde é colocado o querosene, e um bico com um cordão ou tufo de
pano, que chega até o combustível, que é aceso.
93
Joaquim. Essa e outros moradores dizem que havia uma kombi que trazia o pessoal do
aeroporto até o bairro, mas, os horários não eram regulares e ela circulava até as 20 horas.
Assim, na maioria das vezes, como Itinga era muito distante da cidade , demorando a
chegar, tinham que vir andando, muitas vezes pelo mato, de São Cristóvão ou do aeroporto
(de onde havia linhas regulares até o Comércio e para a antiga Rodoviária) até suas casas. A
idéia de que o local se parecia com uma cidade do interior, igualmente, foi recorrente no
discurso daqueles que conheceram ou vivem no bairro há mais de 10 anos.
Nessa época, era comum que as pessoas se defrontassem com cobras, e ajacarés,
pássaros, vários tipos de macacos, tomassem banho nos rios que, ainda não poluídos, corriam
no local e bebessem água de fonte. Era uma vida diferente e distante de onde a maioria
migrou das áreas centrais de Salvador mas a possibilidade de aquisição do imóvel
próprio, ainda que construído precariamente em locais onde as condições de vida eram
penosas compensava essas dificuldades que, se esperava, não permaneceriam por muito
tempo. Na Foto 12 pode-se ver de modo bastante claro o tipo de moradia e a precariedade do
tipo de rua predominante nos loteamentos de Itinga nos anos 80.
Foto
12
Casas do loteamento Vila do Almeida em setembro/outubro de 1980
Fonte: Fundação Centro de Pesquisas e Estudos, 1980.
Para atender a demanda de moradia das pessoas de mais baixa renda, os agentes do
mercado imobiliário apresentaram um discurso de supervalorização das vantagens locacionais
de Itinga e o preço/condições de pagamento dos lotes, subdimensionando os problemas que
adviriam da falta de infra-estrutura, inclusive com relação aos custos de deslocamento e a
dificuldade de transportes (na pesquisa realizada pela Companhia de Desenvolvimento e Ação
Regional - CONDER, em 1981, o problema em relação aos meios de transporte foi assinalado
94
como um dos principais do bairro). O Estado, igualmente, desenvolveu um projeto que
pretendia expandir a habitação popular a essa porção de Lauro de Freitas. É o caso do
Conjunto Habitacional Parque Santa Rita, construído pela Habitação e Urbanização da Bahia
S.A (URBIS
21
). Em uma área total de, aproximadamente, 200 mil m
2
foram edificados 42
blocos, com 672 apartamentos de dois quartos, 530 casas de um quarto e 513 com dois
quartos. No seu projeto de implantação previa-se uma série de equipamentos como centro
comunitário, praça, escola, área verde e para prática de esporte. Estimou-se para o loteamento,
pouco mais de 6.800 moradores.
O crescimento do setor imobiliário voltado para pessoas de baixa renda em Lauro de
Freitas foi beneficiado também pelo processo de abertura de vias possibilitando sua
aproximação do centro de Salvador, dos seus serviços e mercado de trabalho, e melhoria de
outras que chegavam até os núcleos industriais da RMS, ampliação da rede elétrica e de
abastecimento de água. Com isso, novos fixos foram criados, processos e formas foram
desenvolvidos, modificando o sistema socioeconômico que até então predominava no local,
contribuindo para a reorganização funcional do município. Em Itinga, em decorrência desses
e de outros processos, uma nova paisagem foi construída, uma paisagem que se relacionava
ao grupo social que passou a residir: trabalhadores pobres e pouco qualificados que
edificavam suas casas nas horas de folga e que encontraram um espaço sem infra-estrutura
básica ao qual tiveram que se adaptar.
Fundamentalmente, pode-se verificar que a partir do início da década de 1960,
existiam loteamentos populares em Lauro de Freitas. Embora esse tipo de empreendimento
estivesse presente também na sua porção litorânea (nas áreas então denominadas Santo
Amaro de Ipitanga, Ipitanga e Jockey Clube), a grande maioria deles foi implantada à
esquerda da Estrada do Coco (Itinga, Portão, Capelão e Areia Branca), sendo que em Itinga
estavam 71% do total (ver Tabela 10). Observe-se também que o loteamento mais antigo do
município situava-se em Portão (área cuja ocupação remonta ao período colonial, na divisa de
Lauro de Freitas com Camaçari), o Loteamento Granjas Reunidas Concórdia que se estendia
até a orla do município, com TAC de 1963. É importante acrescentar que, além da infra-
estrutura deficiente, não houve um planejamento para implantação integrada desses
loteamentos.
21
A URBIS foi criada em 1965, como sociedade de economia mista vinculada ao Governo do Estado da Bahia,
visando atuar na construção e
higienização habitacional e em obras de urbanização em geral.
95
Tabela
10
Localização, número médio e área dos lotes dos loteamentos populares implantados
em Lauro de Freitas entre 1963 e 1980
Localização
Quantidade de
loteamentos
Período
Nº médio de
lotes
Tamanho médio
do lote (m²)
Itinga
42
1967-1980
241 257
Portão
4
1963-1976
119 200
St. Amaro de Ipitanga
1
1967
104
...
Jockey Clube
2
1970-1978
81 250
Areia Branca
8
1972-1979
165 250
Capelão
1
1975
575 300
Ipitanga
1
1979
23 180
Fonte: Fundação Centro de Pesquisas e Estudos, 1980.
Dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) analisados por Souza (1988)
indicaram que o crescimento do número de moradores de Lauro de Freitas se fez com maior
intensidade em Itinga e Lauro de Freitas (Centro antigo): entre 1970 e 1987, os setores
censitários dessas áreas apresentaram, uma taxa de crescimento do número de domicílios
superior a 200%, uma das maiores da RMS, decorrente tanto da implantação de loteamentos
populares como de invasões. Assim, ainda na segunda metade dos anos 1980, Itinga
permanecia como a área do município que mais atraia novos moradores
predominantemente pessoas de baixa renda, boa parte delas oriunda de Salvador. Mais uma
vez, pode-se dizer que as migrações para Lauro de Freitas estavam diretamente relacionadas
ao crescimento econômico e demográfico de Salvador, à demanda/oferta de habitação a um
custo menor do que na capital, além de aspectos referentes ao fator localização, associado às
melhorias que começavam a ocorrer no bairro: ampliação do número das ruas asfaltadas,
eletrificação de parte delas, chegada da água tratada e implantação de linhas de transporte
coletivo dentro do bairro.
Esse último é um aspecto que precisa ser ressaltado: o maior adensamento da
periferia da capital foi possível pela ampliação do sistema viário permitindo que as
pessoas, ainda que com dificuldades, conseguissem morar longe do seu local de trabalho, do
comércio e dos serviços de saúde e educação. Caldeira (2003), tratando da Região
Metropolitana de São Paulo, já havia assinalado a correlação entre a expansão da ocupação da
periferia e da oferta de transporte coletivo
22
, numa situação que guarda alguma similaridade
com o observado na RMS.
Ele [o sistema de transporte] tornou possível vender lotes no meio do mato
e ajudou a criar um tipo peculiar de espaço urbano no qual áreas ocupadas e
vazias intercalavam-se aleatoriamente por vastas áreas. Não havia nenhum
22
Nesse caso específico, a autora verificou que parte dos especuladores imobiliários era composta por
empresários ligados ao setor de transporte e, portanto, [...] o sistema de transporte era irregular e aleatório
projetado sobretudo para servir aos interesses imobiliários (CALDEIRA, 2003, p.220). No caso da RMS, neste
trabalho não se investigou se havia ou não relação entre os agentes dessas duas atividades.
96
planejamento prévio e as regiões ocupadas eram aquelas que os
especuladores haviam decidido investir. [...] Os especuladores imobiliários
desenvolveram várias práticas ilegais ou irregulares para maximizar seus
lucros: da grilagem e fraude ao não suprimento de serviços urbanos básicos
[...] (CALDEIRA, 2003, p. 220).
Em outros termos, as novas formas e funções atribuídas àquele espaço
transformaram o valor de sua localização, nos termos de Villaça (2001). Itinga, pertencente a
Lauro de Freitas, mas periferia de Salvador, passou a estabelecer outras tipos de relações com
o espaço metropolitano.
Quanto às características dos moradores, a pesquisa realizada pela CONDER (1981)
levantou que 77% dos que tinham renda recebiam até 3 salários mínimos (38% recebiam até 1
salário mínimo), 88% tinham até a 4ª série e 47% das pessoas em idade ativa estavam
ocupadas. Era gente simples. Pessoas que lutou muito (sic) para ter uma casa. Geralmente,
eram pedreiros, eletricista, pintor [...] disse J., que veio morar em Itinga no final da década
de 1970; ele e outros afirmaram que a maior parte pioneiros do bairro eram pouco
escolarizados ou analfabetos, mas que naquela época as pessoas tinham trabalho (O, 52
anos, morador de Itinga desde 1978). De fato, em pesquisa de campo, dentre os moradores
com mais de cinco anos de residência em Itinga e que tinham pelo menos 30 anos de idade
(que seguramente chegaram adultos ao bairro e, geralmente, foram os adquirentes dos lotes ou
casas), mais da metade deles tinha ensino fundamental incompleto, e quase 20% apenas
sabiam ler e escrever. Alguns mencionaram ter voltado a estudar há alguns anos o que,
provavelmente, influenciou na melhoria do grau de escolaridade desse conjunto da população.
No entanto, ainda se mostra significativa a proporção de pessoas que sequer concluíram a
série.
A análise do processo de imigração para Itinga remete à reflexão de Santos (2002b) a
respeito da mobilidade das pessoas no país:
[...] vista pelo ângulo da sua causa, são verdadeiras migrações forçadas,
provocadas pelo fato de que o jogo do mercado não encontra qualquer
contrapeso nos direitos dos cidadãos. São freqüentemente também migrações
ligadas ao consumo e à inacessibilidade a bens e serviços essenciais
(SANTOS, 2002b, p. 44).
Ao tratar da questão do direito à moradia, esse estudioso acrescentou que,
politicamente, quando se decidiu sobre a necessidade de construir casas para os mais pobres,
estas foram feitas em condições literalmente subnormais . Acrescentou que por meio de
extensores [urbanos] e de programas de habitação popular, a cidade aumenta
97
desmesuradamente a sua superfície total e este aumento de área encoraja a especulação, o
processo recomeçando e se repetindo em crescendo (SANTOS, 2002b, p. 46).
Note-se, contudo, que como dito anteriormente, a tendência de expulsar as camadas
populares para fora dos grandes centros urbanos não é exclusiva da RMS. No século XX,
aquelas foram forçadas seja pelo custo da moradia ou pelas políticas de ordenamento do
solo e de localização das habitações populares a residir longe do centro e dos seus locais de
trabalho, implicando maiores gastos financeiros e tempos de deslocamentos.
[...] o fato é que a grande maioria dessas camadas ocupa o lado de da
cidade e as periferias afastadas. O longe para elas é produzido por vários
processos: pelas dificuldades de acesso, inclusive econômico, a um sistema
de transportes satisfatório [...]; pelas crescentes distâncias, em tempo e em
quilômetros, a que são impelidas suas casas e, finalmente, pelo deslocamento
dos centros de emprego e subemprego terciários para a direção oposta dos
bairros residenciais (VILLAÇA, 2001, p. 225).
Acrescente-se que como morar na periferia é, na maioria das cidades brasileiras, o
destino dos pobres, eles estão condenados a não dispor de serviços sociais ou utilizá-los
precariamente, ainda que pagando por eles preços extorsivos (SANTOS, 2002b, p. 47). Mais
uma vez, destaca-se a questão dos transportes, pois, além do custo aumentar quando se mora
mais distante do centro (normalmente, as pessoas passam a depender de mais de um
transporte), o tempo de deslocamento também se amplia, diminuindo a possibilidade e o
tempo de repouso, de lazer e de convivência com a família.
As argumentações postas até o momento têm a intenção de destacar que não se está
considerando que o aumento da população de Lauro de Freitas tenha decorrido apenas do
crescimento econômico da região ou da ampliação da ocupação de Salvador embora esse
fato tenha sido de fundamental importância no processo ou que tenha sido um processo
espontâneo, sem qualquer tipo de intencionalidade ou estruturação. É digno de nota que,
como bem argumentou Villaça (1973), todo arranjo de usos do solo segue determinadas leis e
tem uma determinada racionalidade, ainda que não tenha sido proposta oficialmente por um
órgão ou instrumento de planejamento. O crescimento demográfico e a reestruturação desse
município estão efetivamente associados à ação de determinados agentes sociais,
principalmente ao poder público e ao mercado imobiliário. Também, em alguma medida, pela
ação dos grupos sociais excluídos (CORRÊA, 1989) que ocuparam determinados espaços
de forma ilegal, embora, nesse caso, tenham se instalado em áreas que, de modo geral,
estavam destinadas a esse segmento da sociedade.
98
4.2.2
Os loteamentos para as classes mais abastadas
A complexidade e dinâmica dos processos sociais incidem na cidade alterando
formas e funções, relocalizando pessoas dentro de novas lógicas, embora tais lógicas não
fujam a padrões mais ou menos comuns ao sistema capitalista especificamente fala-se das
desigualdades e das relações de dominação. A ampliação da classe média na RMS e a difusão
da idéia da valorização da natureza que emergiu num momento de acentuada urbanização
da sociedade em escala mundial, com a cultura urbana expandindo-se vorazmente e do
contato com ela como forma de minimizar os problemas gerados por esse modo de vida,
consubstanciou a produção do paradigma da contra-urbanização, da necessidade do retorno às
origens, de aproximação da natureza, esta simbolizando a pureza e a paz.
Lauro de Freitas, como dito, possuía porções de mata atlântica, principalmente, na
margem dos rios, manguezais e praias. Tendo em vista as tendências de desconcentração dos
grandes núcleos metropolitanos que já se evidenciavam em outras partes do país e essa
nova forma de pensar a necessidade de contato do homem com a natureza, Lauro de Freitas,
próximo a Salvador e de Camaçari, parecia ser um espaço propício para investir na demanda
solvável. Essa situação concorda com a tendência assinalada por Martine (1995) de que
estariam ressurgindo ideais antimetropolitanos , que associariam os valores tradicionalmente
considerados rurais a uma vida mais saudável, sem poluição e criminalidade. Souza (2000)
assinalou que, desde meados da década de 70, as elites estariam tendendo a sair dos grandes
centros urbanos, refugiando-se (auto-segregando-se) em municípios próximos a esses centros,
mas buscando separar-se fisicamente da cidade como totalidade. Isso seria motivado, como
referenciado no Capítulo 1, pela tentativa de se afastar da sua deterioração física e ambiental,
da pobreza expressa na paisagem, do aumento da criminalidade, e pela busca de certa
exclusividade social e de amenidades naturais.
A ação do mercado imobiliário e as políticas públicas empreendidas na RMS como
um todo e em Lauro de Freitas, em particular, desse modo, não pretenderam transformá-lo
numa alternativa apenas para os grupos sociais mais empobrecidos e com menor possibilidade
de resolver o problema da moradia. As grandes empresas do setor, considerando e
aproveitando-se das lógicas que baseavam as dinâmicas de desconcentração das grandes
cidades, investiram nos segmentos mais abastados e, embora inicialmente não fosse destinado
à moradia, quase que simultaneamente, foram criadas alternativas também para os grupos
sociais de maior poder aquisitivo. A questão é que o tipo de empreendimento (tamanho do
lote, localização e característica do mesmo), a infra-estrutura existente ou compromissada em
99
contrato de compra e venda findavam por gerar um preço bem diferenciado e esse induzia
cada um dos grupos sociais a se colocar em distintos lugares. Mais precisamente, pode-se
afirmar que os preços e as formas de financiamento e pagamento dos empreendimentos mais
qualificados impediam que as pessoas com menor rendimento tivessem acesso a eles como
proprietários. Nesse caso, obviamente, a relativa proximidade em relação a Salvador era
considerada, no entanto as características do local mais enaltecidas nas peças publicitárias
referiam-se à beleza natural , à possibilidade de associar moradia e lazer e à uma vida mais
tranqüila em relação à cidade (longe de engarrafamentos e da violência). A localização, aí,
assume aspecto diferente do evidenciado em relação a Itinga, por exemplo.
Esses empreendimentos mais qualificados destinavam-se sobremaneira a dar conta
da demanda por moradia gerada pela nova classe média que se diferenciou e ampliou a partir
da instalação da Petrobrás e do Pólo. Parte dos trabalhadores metropolitanos melhor
posicionados em termos de hierarquia e salários, assim como parte dos funcionários públicos
e integrantes da classe média que moravam em Salvador, começavam a ocupar a orla
oceânica da capital (onde foram implantados infra-estrutura pública e empreendimentos mais
modernos e com melhor padrão de construção para moradia e lazer). Gradativamente, parte
desses segmentos sociais foi sendo atraída via publicidade pelas qualidades da orla
norte metropolitana onde se encontra Lauro de Freitas
23
. Assim, neste município, a partir da
década de 1970, mesmo sendo desprovido de uma série de equipamentos comerciais e de
serviços públicos, foram implantados vários loteamentos destinados à segunda moradia dos
grupos sociais mais privilegiados, principalmente na área próxima à orla e ao rio Joanes.
Fundamentalmente, com a pavimentação da BA-099, foi criada uma demanda
imobiliária artificial nas orlas de Lauro de Freitas e Camaçari, colocando-as como uma
alternativa para veraneio mais acessível do que a Ilha de Itaparica (para onde recorriam,
muito, os moradores de Salvador em busca de lazer), visto os problemas decorrentes das filas
de espera para a utilização do ferry-boat
24
. Assim, com essa estrada foi facilitada a expansão
de Salvador em direção à orla norte metropolitana. Cabe verificar que para Villaça (2001)
As vias regionais de transportes constituem o mais poderoso elemento na
atração da expansão urbana; note-se que até aqui não se falou de localização
de indústrias, pois a expansão urbana não está necessariamente
correlacionada com a localização de indústrias [...].
No Brasil, até a década de 70, as grandes vias regionais atraíam a
23
Nesse período, foram lançados uma série de loteamentos também na orla de Camaçari,
notadamente nas praias
de
Arembepe, Guarajuba e
Itacimirim.
24
Embarcação que serve como um dos meios de acesso à Ilha de Itaparica, tanto para pedestres como para
veículos.
100
expansão urbana representada pelos bairros de baixa renda. Com a difusão
do automóvel e das auto-estradas de interesse regional, algumas daquelas
vias passaram a atrair bairros de alta renda. É o caso da rodovia Castelo
Branco, em São Paulo, mas não da Rio-Santos nem da Estrada do Coco, em
Salvador. Nessas rodovias, a região estava marcada para ser de alta renda
antes de elas se tornarem rodovias regionais de alguma importância
(VILLAÇA, 2001, p. 85).
De todo modo, é inegável que, embora a orla do município estivesse reservada a
empreendimentos destinados aos segmentos sociais de maior poder aquisitivo, a Estrada do
Coco diminuiu as distâncias auxiliando a valorização daquela área facilitando a ligação do
Pólo, em Camaçari, a Salvador, com seus diversificados comércio e serviços. Ademais, a
acessibilidade é um atributo que necessariamente agrega valor à localização.
Disso também decorreram alterações na estrutura fundiária, como se verifica no
Quadro 4. No entanto, diferentemente do que se observou em relação aos loteamentos
populares, é importante que se ressalve, ao invés de dividir antigas propriedades, houve casos
de loteamentos surgidos da fusão de algumas delas, a exemplo do Loteamento Recreio de
Ipitanga, Loteamento Varandas Tropicais e Loteamento Vilas do Atlântico.
Um conjunto significativo de loteamentos, destinados às pessoas com maior renda,
foi implantado no atual distrito do Atlântico Norte, onde, até 1980, havia 11 deles. A análise
dos TACs desses empreendimentos, nos anos 1970, revelou que, em se tratando das
exigências do poder público municipal, poucas eram as diferenças em relação aos loteamentos
populares seguindo o padrão comum (como exemplifica o TAC apresentado no Anexo 1).
No entanto, a área dos lotes era significativamente maior, normalmente superior a
800m
2
em Itinga, a maior parte deles contava com menos de 300m
2
. Notou-se, também,
que algumas das empreendedoras que atuaram nessa área, até aquela data, eram empresas com
estrutura técnica e financeira mais consistente do que as que investiram em Itinga, o que se
revelou pelo detalhamento e qualidade a que se comprometem no Memorial Descritivo, ou
mesmo no TAC dos loteamentos. Exemplos de tal situação são os documentos referentes ao
Condomínio Riviera (de 1976), que indica a entrega do empreendimento com ruas asfaltadas,
muro, guarita de segurança e portão. Na maior parte deles se falava de área de lazer,
principalmente lazer infantil. O mesmo pode-se dizer em relação ao Loteamento Pedras do
Rio Joanes às margens do Rio de mesmo nome , cujo memorial indica que seria cercado,
haveria área de lazer e ancoradouro.
101
Quadro
4 Origem, nome e área dos loteamentos destinados aos segmentos sociais mais
abastados implantados em Lauro de Freitas entre 1966 e 1979
Nome
TAC
Área total () Observações
Chácara Convívio
Lot. Santo Antônio 1970 14.662,00
Localizado na Estrada do
Côco
Lot. Santa Terezinha 1972 34.000,00 Localizado no Centro
Lot. Portão (...) 45.952,00 Localizado em Portão
Lot. Riviera 1977 (...)
19 lotes com áreas
variando de 1.000 a 1.325
Lot. Portão do Sol 1972 (...)
Lot. Miragem 1977 1.351.462,00
Localizado na orla; foi
implantado com 691 lotes
com 1.200em média.
Lot. Jardim Brasil 1979 12.180,00
26 lotes com áreas
variando de 294 e 429m²
Lot. Jardim Ipanema 1972 56.779,00 135 lotes
Lot. Morada do Sol 1975 330.000,00
Localizado entre a Estrada
do Coco e a orla com 315
lotes com áreas variando
de 730 a 1.690m²
Lot. Vilas do Atlântico 1979 ver abaixo
ver abaixo
Lot. Granjas Reunidas
Concórdia
1974 (...)
65 lotes com áreas
variando de 9.600 a
11.800m²
Loteamento Pedras do Rio
Joanes
1974 92.926,00
Localizado em Portão, às
margens do Rio Joanes.
Fazenda Carapina
Lot. Bosque dos
Quiosques
1975 272.826,00
192 lotes com áreas
variando de 880 a
1.949m².
Sítio Sobradinho
Lot. Cond. N. Sra. de
Lourdes
1975 87.000,00
Localizado no Centro,
com 30 lotes variando de
2.000 a 2.980m².
Cond. Parque dos
Coqueiros
1975 143.365,00
Localizado em Portão com
72 lotes e lote padrão igual
a 1.324m².
Lot. Vilas do Atlântico 1979 ver abaixo
ver abaixo
Sítio Sobradinho
Lot. Menino Jesus de
Praga
1976 13.000,00
Localizado em Portão com
10 lotes variando de 900 a
1.664
Fazenda Japara
Lot. Parque Encontro das
Águas
1976 2.506.980,00
Localizado em Portão,
com 516 lotes.
Fazenda Buraquinho
Fazenda Sacuri
Fazenda São João
Fazenda São João de Cima
2.870.568,00
Localizado entre a Estrada
do Coco e a orla, esse
loteamento previa uso
residencial e comercial
com quadras de tamanho
bastante variável,
conforme o uso previsto;
construído em oito etapas .
Fazendas Reunidas
Agricultura e Pecuária
Fazenda Reunidas
Concórdia
Fazenda Santo Antônio
Lot. Vilas do Atlântico 1979
Terreno da PMLF
Fazendas Reunidas
Agricultura e Pecuária
Fazenda Portão
Fazenda Pitangueiras
Origem
Loteamento /Condonio
Lot. Recreio de Ipitanga Localizado na orla.1966 (...)
Fonte: Termo de Acordo e Compromisso; Memoriais Descritivos dos loteamentos; Lauro de Freitas, 2002.
A idéia central desses empreendimentos permanecia associada ao lazer e à fuga da
cotidianeidade e dos males da vida moderna. Observe-se esse trecho do Memorial Descritivo
102
do Condomínio Rio Joanes, cujo TAC data de junho de 1981: [...] os lotes possuem
profundidade variável que irá permitir o fundo de quintal , uma das melhores características
coloniais e que tem preservado na Cidade de Salvador, os nossos famosos vales arborizados.
Com isso, se acentua o lazer [...] Para a prefeitura de Lauro de Freitas será uma
profilaxia
do
mal urbano (p. 5). Esse mesmo documento aponta a necessidade de guarita e de uma reserva
de espaço para futuro adensamento do condomínio
25
.
Parte desses empreendimentos foi dotada de alguma infra-estrutura antes ou a partir
do seu lançamento. De forma geral, foram entregues com, pelo menos, postes de concreto,
com ligação elétrica, caixas coletoras de águas pluviais e ruas pavimentadas. Mas,
efetivamente, o condomínio Encontro das Águas e o loteamento Vilas do Atlântico se
tornaram uma referência pela qualidade de suas instalações e pelo tamanho em relação aos
demais, se destacando na Estrada do Coco e, gradativamente, foram sendo associados a
moradia de status.
É oportuno ressaltar que ambos foram implantados na época em que o COPEC
iniciava suas atividades. Duas das muitas conseqüências desses processos, e que contribuíram
para a implantação de tais loteamentos, tão próximos à Estrada do Coco, a meio caminho de
Salvador e Camaçari, devem ser mencionados: a proporção significativa de trabalhadores
qualificados que foram trazidos de outros estados para trabalhar no Pólo em atividades de
nível superior e os elevados salários pagos aos seus funcionários em relação ao mercado
anteriormente existente. Esses aspectos foram levados em consideração pelas empresas que
criaram esses loteamentos; eram especialmente esses trabalhadores que se visava atrair.
O condomínio Encontro das Águas foi registrado como Loteamento Parque Encontro
das Águas, sendo originário de desmembramentos das fazendas Japara e Portão. Localiza-se
nas margens dos rios Joanes e Ipitanga com seu portão principal situado na Estrada do Coco.
Seu TAC, de 06/11/76, seguia o mesmo padrão dos demais loteamentos dessa década
chamando a atenção apenas pelo tamanho da área, contava com de mais de 3,2 mil m
2
com os
516 lotes ocupando um total de 2.506.980,90m
2
. Em junho de 1980 ocorreu uma reti-
ratificação do TAC, passando à condição de condomínio fechado, e a imobiliária assumiu a
responsabilidade de (a) pavimentar 1.600 metros de ruas com chapa de concreto asfáltico
dentro dos padrões Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e Departamento
Nacional de Estradas e Rodagens (DNER), envolvendo tanto ruas de dentro do loteamento
como as de acesso ao mesmo; e (b) limpar, regularizar e compactar o acesso municipal ao rio
25
Atualmente esse condomínio se chama Residencial Marina Riverside e possui características completamente
diferentes das existentes à ocasião de seu lançamento.
103
Joanes, entre esse loteamento e o Condomínio Chácaras do Rio Joanes. A partir dessas
condições, a Prefeitura se comprometeu a aprovar a alteração do perfil do loteamento. O fato
é que o Encontro das Águas, neste ano, possuía ruas asfaltadas, água potável, sistema de
drenagem fluvial, rede elétrica e de iluminação pública, praças e áreas verdes, área de lazer
com restaurante, piscina, parque infantil, quadras, duas barragens para recreação, hangar para
lancha e uma área destinada a implantação de escola pública.
Suas características e preço, desde o início, o destacaram como empreendimento
voltado aos segmentos sociais dotados de maior poder aquisitivo. Nas campanhas de
divulgação e venda, que incluíam passeios de barco no rio Joanes e de charrete pela área
loteada, eram realçadas suas características naturais .
Do mesmo modo, as belezas da natureza foram um dos argumentos da campanha
publicitária para a comercialização do Loteamento Vilas do Atlântico, que, no total, tinha
2.870.568m² divididos em 2.422 lotes. No entanto, os anúncios espalhados nos principais
jornais da cidade,
outdoors
e televisão também relacionavam o empreendimento à
possibilidade da fuga dos problemas urbanos, dos engarrafamentos e necessidade de
associação homem-natureza. Para o lançamento da sua etapa inicial ao todo foram oito, a
primeira datada de 22 de março de 1979 e a última de 1982 , a principal peça publicitária
(Foto 13) realçava o fato de se poder construir uma
comunidade
de forma
planejada
. A
separação da cidade real estava anunciada como um ideal a ser vendido. Pagando-se seria
possível viver num mundo melhor, próximo à natureza (praia), organizado, afastado da
sociedade, como uma comunidade à parte.
Foto
13
Peça publicitária do loteamento Vilas do Atlântico
Fonte: Vilas Magazine, nº 68, set. 2004a.
Note-se que, de início, seu diferencial em relação aos demais empreendimentos da
época pôde ser notado nas especificidades do seu TAC. Esse documento, embora seja do
104
mesmo período (anos 1970) dos demais observados até aqui, é extremamente detalhado,
abordando uma série de aspectos de sua implantação, inclusive as datas de lançamento das
etapas posteriores, previstas para serem concluídas em até dez anos. Destaque-se que além do
tamanho das quadras e dos lotes, havia a descrição e localização dos equipamentos que seriam
instalados antes e após o lançamento, a exemplo das áreas que seriam destinadas aos villages
(que poderiam ter até três pavimentos em algumas quadras e até quatro em outras), das vagas
dos estacionamentos destes, das quadras que poderiam ter casas com até dois pavimentos, da
área do centro comercial, do clube, das escolas, dos templos religiosos, do centro de animação
e distribuição das áreas de lazer, tal como se via inclusive na planta que constituía uma das
peças publicitárias da primeira etapa desse loteamento (Figura 4). Note-se a localização dos
condomínios de apartamentos e de casas. Igualmente, se destacava a praia e as áreas de lazer
(quadras e campo de futebol) e comércio.
Figura
4 Planta destinada a divulgar a primeira etapa do loteamento Vilas do Atlântico
Fonte: Vilas Magazine, nº 68, setembro de 2004.
(1) Áreas pluridomiciliares; (2) espaços destinados ao lazer e à
prática desportiva; (3) equipamentos comerciais; e (4) ciclovia.
Ademais, foi acordado que seria entregue com ruas asfaltadas, caixas de drenagem
pluvial e calçadão para caminhada na orla. Observe-se na Foto 14 que na entrega da
105
primeira etapa, as ruas principais estavam parcialmente asfaltadas (av. Praia de Itapuã e av.
Praia de Copacabana) e as quadras de tênis e o campo de futebol do clube (Vilas Tênis Clube)
estavam instalados.
A idéia era atrair pessoas com o mesmo perfil socioeconômico, sendo o loteamento
com o metro quadrado mais caro da região de acordo com artigo de um jornal do bairro,
publicado por ocasião do 25º aniversário do loteamento:
Vilas do Atlântico nascia destinado à alta classe média, desde quando o
preço dos terrenos (a partir de Cr$ 500,00 o metro quadrado) era o mais caro
da época. Para se ter idéia, no Encontra das Águas, o lote de 4.000m² custava
400 mil (ou Cr$ 100,00 o m²), no Miragem, o lote de 1.100 o m² era vendido
por 242 mil (ou Cr$ 220,00 o m²). Embora situados em Lauro de Freitas, os
empreendimentos não citavam a localização nos anúncios, dando ênfase à
Praia de Buraquinho, talvez por querer ser independente, ter autonomia ou
simplesmente por não ser estratégico situar tal projeto num município tão
carente, como era na época (BANDEIRA, 2004, p. 8).
Embora abordando as deficiências estruturais de Vilas nos primeiros anos após sua
implantação, ainda que o abastecimento de água fosse irregular e a energia elétrica não
atendesse adequadamente todas as residências (nos principais meses de veraneio, afirmam
alguns moradores, havia falta de água e queda de luz), depoimentos de antigos proprietários
apontam que foram atraídos pela idéia de uma nova forma de viver, busca de maior
segurança, de estar mais próximo à natureza e de compor em uma sociedade mais homogênea.
Na época foi a tranqüilidade do local, com padrão de qualidade diferenciada e modernidade
que me atraíram disse Rogério Fracassi que passou a residir em Vilas no início dos anos 80
(apud
SEMENOV, 2004a, p. 14).
Do mesmo modo, uma moradora de Vilas 23 anos afirmou que se mudou de
Salvador para em busca de maior tranqüilidade; um senhor de 67 anos, com 18 anos nesse
loteamento, argumentou que, além de uma boa opção financeira, veio para Vilas também em
busca de maior tranqüilidade. Outro morador, que adquiriu o lote diretamente da loteadora
(quando morava no Rio de Janeiro), mas que passou a residir a 11 anos disse: tenho paixão
por esse lugar... foi amor à primeira vista [...] queria sair da violência do Rio e morar numa
casa com privacidade, que não fosse cercada por prédios altos, com um clima bom,
qualidade de vida, com as facilidades de uma sociedade homogênea, sabe, as pessoas de uma
mesma classe [...] (D., 60 anos); se não tivesse vindo para teria morrido, aqui encontrei
paz e tranqüilidade que não tinha em Salvador
(H., há 22 anos mora em Vilas).
106
Foto
14
Vista panorâmica do loteamento Vilas do Atlântico no verão de 1979/1980
Fonte: Vilas Magazine, nº 68, setembro de 2004a.
(1) av. Praia de Copacabana; (2) av. Praia de Itapuã; e (3) quadras de
Vilas Tênis Clube.
Com relação à infra-estrutura, havia deficiências tanto no que se refere a serviços
como ao comércio. Contudo, depoimentos de antigos moradores atestam que a construtora
preocupou-se em sanar esses problemas: asfaltou as ruas, criou áreas de lazer, proporcionou
abastecimento de água, linhas de transporte coletivo, financiou a instalação de uma escola
particular etc. Veja-se a entrevista que o senhor Roberto Mascarenhas, que se tornou residente
de Vilas em 1983, ao jornal Vilas Magazine:
Não existia água da EMBASA, então havia uma estação de tratamento de
água da própria construtora. Um caminhão pipa da [construtora] Odebrecht
abastecia as construções das casas... Para telefonar, tínhamos que ir até o
aeroporto. Uma linha telefônica que hoje é de graça, naquela época custava
20% do valor do terreno. As coisas eram difíceis. Comprávamos pão em
Portão. [...] O primeiro ônibus foi mantido pela Odebrecht. Ele pegava as
pessoas no clube e levava ao Aeroporto. Para chegar até aqui telefonávamos
do Aeroporto e iam nos buscar. [...] Os moradores deveriam voltar a adotar a
postura que tinham no início. Éramos uma comunidade, mas perdemos esse
espírito (in SEMEANOV, set. 2004, p. 13).
Ademais, o poder aquisitivo dos moradores, parte dos quais funcionários do Pólo,
permitia que eles mesmos, sem auxílio da construtora e do poder público, viabilizassem a
minimização dos problemas: alugavam kombis para levar as pessoas que o tinham
automóvel para Salvador e pagavam para que o lixo fosse retirado, por exemplo.
A segunda etapa do loteamento (lançada também em 1979) foi feita com uma intensa
campanha de divulgação em jornais,
outdoors
e TV; difundia-se a idéia de um planejamento
107
urbano integrado e de um loteamento bem sucedido com 38% dos lotes da primeira etapa
vendidos, 120 casas sendo edificadas, clube construído e um segundo em fase de construção,
um colégio conhecido em Salvador em fase de implantação e com uma série de eventos
esportivos e sociais sendo realizado em sua área: coquetéis, campeonatos escolares, peças
teatrais infantis, leilões de cavalos de raça, exposição de cães, campeonatos de tênis com
atletas de nível nacional, inaugurações etc (Foto 15). O revolucionário Vilas tornava-se
então, o maior sucesso de vendas e divulgação do mercado imobiliário da Bahia nos últimos
tempos (BANDEIRA, set. 2004, p. 6).
Foto
15
Evento promocional de lançamento de uma das etapas do loteamento Vilas do
Atlântico
Fonte: Vilas Magazine, nº 69, out. 2004.
Além disso, aproveitando-se de um programa da Caixa Econômica Federal (Pró-
Áreas), que financiava a construção da casa própria, a política de penetração dos preços
utilizada na primeira etapa não se fazia mais necessária e a própria valorização do
empreendimento determinou que o valor médio do aumentasse de 1,23 para 1,54 OTNs
(25,2% em termos reais) (FREITAS, 2004, p. 3). Desse modo, mais uma vez o poder
público, através de políticas de financiamento da casa própria, voltada à classe média,
favoreceu a esse grupo social em relação aos mais pobres. É interessante observar o slogan
dessa etapa intitulada Viva a nova década: está nascendo um novo tempo, e mais do que
nunca é preciso estar na frente para viver a melhores coisas dessa década . De acordo com o
jornal acima mencionado, Vilas do Atlântico passava a significar um novo conceito de vida ,
associado à tranqüilidade e ao contato com o meio ambiente, atraindo moradores de Salvador.
Embora não esteja explícito, associado ao slogan anterior, esse novo conceito indicava a
possibilidade de criar uma comunidade com pessoas com perfil semelhante, diga-se perfil de
108
renda semelhante, o que conduziria a um lugar melhor. Caldeira (2003) verificou que para as
classes dia e alta a aquisição de residência se faz mediada pelos anúncios publicitários,
indústrias imobilrias e da construção. No caso de o Paulo, mas que se aplica ao de Vilas, os
anúncios se referem a um novo conceito de moradia criando a imagem da moradia desevel,
onde se associa o morar bem à segurança, ao isolamento, à homogeneidade social, exisncia de
equipamentos e serviços próprios para esse grupo. Os anúncios apresentam a imagem de ilhas
para as quais se pode retornar todos os dias para escapar da cidade e para encontrar mundo
exclusivo de prazer entre os iguais (CALDEIRA, 2003, p. 265).
Verifica-se que na segunda metade dos anos 1980 começaram a ser instalados os
primeiros condomínios fechados dentro de Vilas, inclusive com prédios condomínios
dentro de um loteamento supondo ainda mais conforto, senão no tamanho da moradia, mas na
segurança e nos serviços. Na Foto 16, datada dessa década, é possível ver que o asfalto foi
implantado em todas as principais ruas do loteamento e que a instalação das quadras do clube
estava avançada em relação ao ano anterior. Essa foi a ocasião do lançamento da terceira
etapa de Vilas do Atlântico.
Foto
16
Vista panorâmica do loteamento Vilas do Atlântico em meados dos anos 1980
Fonte: Vilas Magazine, nº 68, setembro de 2004.
Avenida Praia de Copacabana, (2) da Avenida Praia de Itapuã,
e (3) continuação das obras de construção do clube.
É importante destacar que, como dito no capítulo anterior, as elites têm maior poder
de pressionar o poder público. Ainda que não se possa afirmar que os residentes de Vilas dos
anos 1980 pertencessem às classes mais altas (embora com certeza integrassem a classe
109
média), nem se possa determinar com clareza quais os tipos e formas de ingerência praticados
pelos mesmos nos órgão públicos, organizados em associação ver informações da placa na
Foto 17 contribuíram para trazer para o loteamento a água tratada e encanada e iluminação
elétrica adequada antes que isso ocorresse em Itinga de modo geral, ainda que a ocupação e
densidade deste fosse anterior e maior.
Foto
17
Placa anunciando a data de ligação do loteamento Vilas do Atlântico à rede geral de
água
Fonte: Arquivo do Colégio Perfil, [1984].
Para o atendimento da demanda solvável em Lauro de Freitas, houve tentativa
ainda que não se possa generalizar do agente imobiliário de prover a infra-estrutura não
contemplada pelo Estado, o que se observou nos Condomínio Parque Encontro das Águas e
no Loteamento Vilas do Atlântico. De acordo com os moradores mais antigos, as dificuldades
existentes nos primeiros anos desse loteamento o se sobrepunham às vantagens de ter uma
casa (não necessariamente para morar) em um lugar classificado como aprazível e tranqüilo.
Inclusive, valia à pena pagar caro para adquirir tais vantagens.
Observe-se que em nenhum dos domicílios onde se realizou a pesquisa empírica,
houve referência aos aspectos negativos ou às dificuldades de vir morar em Vilas nesses
primeiros anos do loteamento, quando os problemas emergiam no discurso eram tratados
como aventura , ou ainda, do mesmo modo que em Itinga, como algo que seria passageiro.
Mas, é fundamental verificar o que representou Vilas do Atlântico para os que já
residiam no local. A tentativa de urbanizar áreas rurais com vistas a valori-las, mencionada
acima, e que foi marcante em Itinga, aqui adquire um tom mais forte. Evidenciou-se que Vilas
representou a união de seis propriedades rurais que, conforme o levantamento documental,
pertenciam a diferentes pessoas, ou seja, não era um grande latifúndio. Ao sul do que hoje
110
constitui Vilas do Atlântico, o atual bairro de Pitangueiras, há antigos moradores, alguns residem
ou conhecem o local , aproximadamente, 40 anos, antes de esse loteamento ser implantado.
Aquela área era propriedade de Edgar Paranhos, que a dividiu e vendeu-a parcialmente a pessoas
com pequeno poder aquisitivo. Uma senhora, que comprou um desses lotes há 33 anos, disse que
já conhecia o lugar a antes, havia alguns parentes seus que moravam nas redondezas. Mas, ali não
havia nada, era o caminho para uma olaria, [...] tinha uma estradinha de barro, os carros para
passar (sic) tinham que colocar casca de cocos. Era tipo uma fazenda de Edgar Paranhos, era
tudo plantação... ele foi vendendo nos anos 60
(E., 57 anos).
Os que conheceram o local há mais tempo falaram que ali era uma roça . Repare-se,
o era mato como Itinga, uma roça significa a exisncia de plantação. No caso, de várias
plantações. As pessoas podiam cultivar nas antigas fazendas; havia roça de milho, feio,
mandioca, e, principalmente, hortaliças que são cultivos temporários, mas alguns dizem que eles
ou seus pais e avós plantaram mangueiras, jaqueiras, o que indica o tempo que pretendiam ou
usavam o lugar. [...] era a roça do meu avô, a gente comeu jaca da jaqueira que ele tinha
plantado
(W. 32 anos, 14 morador de Pitangueiras). Havia tamm lavadeiras que
trabalhavam nos riachos que cortavam o atual loteamento. Contam que iam trabalhar na roça ou
lavar roupa e, na hora do almo, comiam frutas, tomavam banho de rio e descansavam na
sombra das árvores. A chegada de Vilas e dos seus primeiros moradores alterou rapidamente
esse modo de vida; as roças se reduziram ou sumiram, quem tinha o terreno um pouco maior
de manter essa atividade. Os altos muros das casas erguidas em Vilas e as guaritas além da
praia, mais três acessos a Vilas (a portaria principal, a portaria 2 e a portaria 3), todos com
guarita e poro (que nos primeiros anos era mantido fechado) impediam ou dificultavam o
acesso dessas pessoas ao espaço que lhes era tão familiar.
Um morador, cuja família adquiriu lote em Pitangueiras 40 anos, apresenta a sua
visão do conflito que se estabeleceu a partir desse momento entre os compradores dos terrenos do
loteamento que se propunha a ser um novo modelo de comunidade
e os antigos, e pobres,
moradores. Vilas do Atntico sufocou Pitangueiras. Vilas dominou. [...] Quando a Odebrecht
fez Vilas, colocou um muro e separou, [...] eles [os moradores] cercaram o que era acesso para
Vilas [...] Eles disseram que aqui era tudo invasão, quem não tinha seus documentos teve que
botar advogado ou ir na prefeitura (W., 32 anos, 14 anos residindo em Pitangueiras). Assim,
desde o início, Vilas do Atlântico representou tanto a dissolução das relações sócio-espaciais
existentes, como a busca de construir um espaço à parte, separado da cidade de onde,
predominantemente, vieram os moradores e da sociedade que ali já existia.
111
4.3
DA FRAGMENTAÇÃO DAS PROPRIEDADES À SEGREGAÇÃO
RESIDENCIAL
A fragmentação espacial em Lauro de Freitas nas primeiras décadas de sua existência
como unidade municipal foi mais do que a divisão de antigas propriedades ou do solo. Foi
uma divisão social do espaço. Desde os primeiros anos de sua implantação, as localizações e
condições de entrega dos loteamentos das diferentes áreas do município foram
acentuadamente distintas tal como as fotos, documentos e depoimentos apresentados
permitem afirmar. Com efeito, a espacialização das desigualdades presentes na sociedade,
desigualdades associadas à inserção no mundo da produção, e que se refletem no consumo da
mercadoria habitação, produziu uma separação entre as classes indicando um processo de
segregação residencial, tal como definido nesse trabalho: concentração de moradias de uma
classe social em um determinado espaço da cidade, resultante de processos socioeconômicos,
políticos e ideológicos predominantes em dado momento histórico e que atuam estruturando a
cidade em áreas social e espacialmente diferenciadas. Com isso, não se pretende apenas dizer
que as desigualdades sociais se refletem na desigual distribuição do espaço, mas que as
estruturas espaciais, decorrentes dos processos sociais num dado contexto histórico,
constituem-se em uma de suas expressões. Na medida em que o espaço se constitui numa das
instâncias sociais, também produz condições diferenciadas de inserção social.
Como extensão territorial da capital, o município recebeu os pobres que, na
tentativa de construir sua moradia se distribram no munipio, mas se concentraram em
Itinga, espo preparado como rece-los, com infra-estrutura precária ou inexistente,
(não) proporcionada pelo loteador e pelo Estado. Para alcaar o sonho de adquirir a casa
própria (nesse caso, de constr-la), de ter a posse dela, valia o sacrifício das horas de
lazer, do convívio familiar, do próprio corpo. O discurso dessas pessoas indica que ter a
casa é um símbolo, morar no que é meu , é o seu projeto de vida. Tendo em vista os
limites econômicos de suas possibilidades de escolha, os grupos de mais baixa renda,
normalmente e tal como no caso em estudo, o impelidos a dirigirem-se a determinados
lugares que o mais baratos, desvalorizados comercialmente, com menor infra-estrutura,
geralmente mais longínquos, o que incide em maior custo e tempo de deslocamento. Pode-
se dizer que esse grupo é segregado dada a sua restrita possibilidade de escolha, mais
propriamente, normalmente os locais acessíveis às pessoas de baixa renda são mais
afastados das áreas centrais e/ou com infra-estrutura precária. Conforme Souza (2003), é
uma segregação induzida.
112
No caso da consolidação de Itinga como bairro residencial, essa situação se associa,
sobretudo, a uma lógica de separação social seguida nos anos 1970 em grandes cidades
brasileiras, de periferização dos mais pobres periferização esta associada à distância do centro
e a condições precárias de moradia. É importante ressaltar que esse tipo de separação entre as
classes aconteceu em um período onde as diferenças sociais não estavam em foco nas discussões
acadêmicas, no Estado e na mídia. De acordo com Caldeira (2003), ao menos três fatores teriam
colaborado para desatenção em relação a essa questão: (1) a separação sica entre as classes
dificultou seus encontros, restringindo-os, principalmente, à circulação das zonas mais centrais;
(2) o crescimento econômico, desencadeado nos anos 1950 e cujo ápice foi nos anos 1970,
produziu crescimento econômico e expectativa de mobilidade social; e (3) a ditadura militar que
impediu organizações políticas e expressões contrárias ao regime. Mas as tensões provocadas
pelas desigualdades permaneceram latentes e evidentes na estruturação espacial.
Em Lauro de Freitas, com a chegada dos grupos mais abastados, esses contrastes
ficaram explícitos. Esse segmento social se fez presente no município a partir de outros
objetivos, em busca de amenidades. A relativa proximidade de Salvador, as características
naturais e a idéia de construir uma comunidade planejada foram argumentos adotados
pelos promotores imobilrios para converter antigos espaços rurais em área de lazer
qualificada para as classes de maior poder aquisitivo. Loteamentos foram criados e
vendidos sob o signo da qualidade de vida. Para estabele-los, escolheram-se,
principalmente, as orlas do rio e do mar.
No caso das elites, que tem capacidade de escolha bem mais ampla, diz-se que se
auto-segregam. Para esse grupo, como se verifica em relação aos moradores de Vilas do
Atlântico, o longe adquire uma outra conotação: a de afastamento dos problemas cotidianos,
das mazelas da vida dos grandes centros urbanos. Efetivamente se trata de uma opção, o custo
elevado é, na visão desse segmento, compensado pelas vantagens do local. Observe-se: em
Vilas do Atlântico, o agente privado, representado pela construtora, visando atender à
demanda de sua clientela, buscou suprir as deficiências de serviços públicos. Ademais, o
poder público municipal corroborou os interesses do mercado imobiliário, favorecendo e
apoiando a instalação de empreendimentos para os grupos mais abastados. Em Itinga, onde o
agente imobiliário era mais frágil em termos técnicos e financeiros e onde se pretendeu
atender a demanda por moradia dos segmentos de menor renda, a falta de infra-estrutura não
foi suprida pelo mercado ou pelo ente público. Seus moradores se viram, desse modo, na
contingência de terem que resolver seus problemas por si sós ou, como manifestaram em
entrevista, na luta junto ao poder público.
113
Produziu-se uma espacialização das classes sociais, concentrando-as em localizações
distintas em vários sentidos: em termos de lugar propriamente dito, de infra-estrutura, de
acessibilidade e de valoração ideológica. Não tardou o senso-comum associar Vilas e
Encontro das Águas, particularmente, à moradia da elite, ao bem-viver. Sobre Itinga, logo
incidiu o estigma de lugar de pobres, de difícil acesso e a com alto índice de criminalidade.
O poder blico municipal ao estabelecer normas gerais e pouco gidas para a
implantação desses loteamentos, inclusive no que tange à sua localização, permitiu que os agentes
imobilrios adquirissem papel marcante na estruturação do espo municipal, especialmente na
queso da localizão residencial. Essa situação pode ser esclarecida pelas análises de Corrêa
(1989) que destacou a relação entre os interesses da classe dominante e as ações do Estado que
atua de modo espacialmente desigual com o mercado imobilrio, o que lhe permite controlar o
mercado de terras, a incorporão e a construção, reservando para si as frações do espaço que
mais lhe conm. Mas caberia ao Estado, direta ou indiretamente, minimizar a desigualdade por
meio do seu poder de controle e, por exemplo, por uma distribuão mais igualitária de
equipamentos, infra-estrutura ou financiamentos ou através de um controle de uso da terra que
beneficiasse a construção de empreendimentos e contribuíssem para a equidade e integrão
social e desestimulasse a implantação de enclaves (MARCUSE, 2004).
Acrescente-se que até os anos 1970, não se pode falar que em Lauro de Freitas
houvesse uma organização urbana propriamente dita ou uma estrutura de classes que fosse
suficientemente clara para produzir, a partir de sua própria dinâmica, uma diferenciação de
usos do solo ou uma distribuição das classes sociais no espaço. O crescimento da população
desse município e a mudança de sua estrutura e organização do solo que se anunciava estava
associada à intensa emigração da capital para seu território. Era a cidade de Salvador que se
expandia, simbolicamente e através dos fluxos, redefinindo seu território, estabelecendo novas
e mais intensas relações com o seu entorno. Nesse sentido, pode-se dizer que se produziu um
processo de segregação residencial em Lauro de Freitas antes mesmo que esse constituísse
como cidade propriamente dita. A segregação nesse município, sem dúvida, decorreu de um
processo cujo núcleo era Salvador de onde, predominantemente, vieram as pessoas que
adquiriram os lotes, fossem os mais pobres ou os mais abastados.
114
5
A FRAGMENTAÇÃO SOCIAL E ESPACIAL E AS ESCALAS DA
SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL EM LAURO DE FREITAS
O crescimento da população de Lauro de Freitas observado a partir de sua
emancipação resultou de processos diferentes, embora complementares, de distanciamento
dos moradores da capital para a periferia metropolitana: os mais pobres que imigraram em
busca do sonho da casa própria e os segmentos mais abastados que procuravam afastamento
dos males das grandes cidades. Esses processos resultaram, dentre outras conseqüências, na
fragmentação social e espacial do município, produzindo espaços desiguais. Se Lauro de
Freitas é apontado, tanto na mídia como no senso comum, pela sua elevada qualidade de
vida , onde residem artistas, esportistas, políticos e empresários, onde se localizam Vilas do
Atlântico e o Encontro das Águas, ao mesmo tempo, é fato conhecido que nos bairros de
Itinga e Portão, onde moram pessoas dos segmentos mais baixos, a violência aparece como
um dos principais estigmas.
Para melhor entender as
características dessas áreas, no capítulo
anterior procurou-se verificar como esses
espaços se consolidaram para, no presente
capítulo, buscar explicitar as características
principais desses espaços e de sua
estruturação atuais. Para tanto, considerou-se
inicialmente a divisão de distritos do
município tal como proposta pela Prefeitura
Municipal de Lauro de Freitas PMLF ,
a saber: Areia Branca, Atlântico Norte, Caji-
Picuaia, Centro, Ipitanga, Itinga e Portão,
cuja localização se verifica na Figura 5.
Figura
5 Localização dos distritos de Lauro
de Freitas
Atlântico Norte
Ipitanga
Centro
Itinga
Caji - Picuaia
Portão
Areia Branca
Fonte: Lauro de Freitas, 2002.
Desses distritos, quatro foram definidos pelo Governo Municipal como de uso
predominantemente residencial: Atlântico Norte, Centro, Ipitanga, Itinga e Portão, como se
indicou na Tabela 11.
No distrito de Areia Branca, que aparece com uso indefinido, uma grande parte
ocupada por mangue, embora existam loteamentos populares dos mais antigos de Lauro de
Freitas. No Caji - Picuaia, definido como empresarial, situam-se as áreas destinadas ao Pólo
115
Industrial/MIDAS (ver Capítulo 2). Nesse distrito, onde ainda existem grandes e antigos
sítios, nos anos 1990, foi implantado o Conjunto Habitacional Vida Nova composto por casas
populares. Contudo, sua densidade está associada também a um processo de ocupação
irregular da área, tendo sido verificada a existência de seis invasões no seu território: Jardim
Ipitanga, Jardim Castelão, Paulista, Pouso Alegre, Acalanto e Caji da Embasa (LAURO DE
FREITAS, 2005a).
Tabela
11
Área, população absoluta e relativa, densidade demográfica e uso dominante dos
distritos de Lauro de Freitas, 2000
Absoluto
%
Absoluto
%
Areia Branca
22,33
32,98 3.151
2,78
141,11
Indefinido
Atlântico Norte
7,96
11,75
12.188
10,73
1.531,73
Residencial
Caji -Picuaia
15,62
23,07
11.328
9,98
725,22
Empresarial
Centro
5,98
8,83
17.205
15,15
2.876,13
Misto
Ipitanga
3,19
4,71
12.237
10,78
3.834,85
Residencial
Itinga
6,90
10,19
41.558
36,60
6.021,15
Residencial
Portão
5,73
8,46
15.876
13,98
2.772,62
Residencial
Total
67,71
100,00
113.543
100,00
1.676,95
Residencial
Função
dominante
Distrito
Área (km
2
População
Densidade
demográfica
Fonte: Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas, 2005.
1
Para efeito administrativo, devido ao fato de haver uma área de litígio em Itinga e Ipitanga com a
Prefeitura Municipal de Salvador, a Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas trabalha com uma área de
67,71km
2
, diferindo, portanto, de sua área oficial.
No Centro, sede da antiga freguesia que originou Lauro de Freitas, se encontra a
Igreja de Santo Amaro de Ipitanga (Foto 18). É onde se localizam, atualmente, a prefeitura e a
maior parte das secretarias municipais, a biblioteca pública, o ginásio de esportes e a pista de
skate, para onde convergem pessoas de vários dos bairros do município para praticar do
skatismo. Nesse distrito, também havia áreas densamente habitadas, fossem originárias de
loteamentos (tanto populares como destinados aos segmentos da classe média), como por
conjunto habitacional (o Clériston Andrade, situado na Estrada do Coco) ou por ocupação
irregular (a invasão dos Irmãos). Nesse distrito onde se localiza a maior parte das instituições
de nível superior do município, uma escola do Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI), assim como uma série de galpões onde funcionam pequenas e médias
indústrias, oficinas, etc.
Enfocando-se os distritos ditos de uso residencial, Portão, cuja origem é uma
propriedade rural de mesmo nome, configura-se numa área de ocupação bastante antiga e que,
originariamente se estendia até a praia de Buraquinho. Nele residiam basicamente pessoas das
classes populares, em núcleo consolidado, onde além de domicílios, existem equipamentos
públicos e privados de educação e saúde e algum comércio popular. Atualmente, em Portão
estão instaladas duas Secretarias Municipais, as de Saúde e Planejamento.
116
Foto
18
Praça da Matriz e Igreja de Santo Amaro de Ipitanga
Fonte: Vilas Magazine, nº 51, abr. 2003.
No distrito de Ipitanga, que ocupa parte da orla de Lauro de Freitas, ocorreu uma
intensa ação dos agentes imobiliários nos últimos anos. Limitando-se com a Praia do
Flamengo, em Salvador, por muito tempo foi local de veraneio da classe média e,
relativamente pouco tempo, foi sendo convertido em local de moradia: há casas, alguns
condomínios fechados e nos últimos anos alguns de seus lotes vêm sendo especialmente
utilizados para a construção de
villages
e pequenos condomínios. Diferentemente de Portão,
contudo, o apresenta comércio relativamente desenvolvido, mesmo para consumo de
gêneros de primeira necessidade. O que se destaca nesse bairro, em termos de serviços, são as
barracas de praia
26
que se estendem por praticamente toda a orla. O transporte coletivo
também é incipiente, ao contrário do que se verifica nas localidades centrais de Portão. Em
2005, de acordo com dados da Secretaria de Planejamento, Saneamento, Meio Ambiente e
Turismo do município, existem cinco invasões em Ipitanga, todas bastante densas, assim
denominadas: Lagoa da Base, Chafariz, Boca do Vulcão, Lagoa dos Patos e Jockey Clube.
Em Portão, três invasões: Pedro Paranhos, Solar União e Vila Nova de Portão (LAURO
DE FREITAS, 2005a).
Os distritos de Itinga e Atlântico Norte, cuja ocupação se associa em muito da ação
dos agentes imobiliários, têem o início do processo de adensamento e de redefinição funcional
datado dos anos 1970, tendo acontecido mais aceleradamente em Itinga. Seu crescimento
demográfico decorreu de lógicas paralelas de deslocamento de determinados setores sociais
para a periferia da capital, como se discutiu no capítulo anterior. Tratam-se de áreas cujas
características gerais dos moradores e das condições de moradia são, em média, bastante
26
Considera-se barraca de praia uma espécie de bar localizado na areia da praia, onde se servem bebidas,
petiscos (tira-gosto) e refeições.
117
distintas entre si: enquanto em Itinga predominam pessoas das classes populares, com baixa
escolaridade e renda, no Atlântico Norte, prevalecem indivíduos das classes média e média-
alta, bastante escolarizadas. Em ambos os distritos, existe comércio intenso e uma série de
equipamentos públicos e privados de educação e saúde e transporte coletivo para diferentes
locais do município e de Salvador.
As características e lógicas de produção desses dois distritos (apresentadas no
Capítulo 4) e o senso comum sobre os mesmos resultaram em indagações e fizeram com que
se tornassem os objetos centrais dessa pesquisa. Itinga e Atlântico Norte, situados em lados
opostos da Estrada do Coco, são áreas que, embora apresentem as mesmas funções e tipos de
equipamentos, revelam, qualitativamente, formas e estruturas bastante diferentes, servindo de
símbolo: de um lado a pobreza e de outro a riqueza. Note-se que a Estrada do Coco é
considerada um símbolo da separação social, ou como generalizou a atual prefeita Moema
Gramacho
27
, uma linha de apartheid separando o dormitório dos incluídos , a porção
litorânea, do povo de Portão, Caji, Itinga que não pode freqüentar as praias de Buraquinho,
Ipitanga e Vilas .
Partindo dessas noções mais gerais e do entendimento de que esses distritos são
muito significativos para caracterizar Lauro de Freitas Itinga, bairro popular, com a maior
adensamento, intenso comércio, foi o primeiro a ser efetivamente ocupado; o Atlântico Norte,
situado na orla, concentra a maior parte da elite socioeconômica do município e onde
localizam comércio e serviços bastante sofisticados , neste capítulo pretende-se analisar as
condições de moradia de Itinga e do Atlântico Norte discutindo-se questões referentes ao
processo de segregação residencial nos mesmos. Para tanto, inicialmente, e para melhor
justificar a opção por esses dois distritos, foi apresentada uma caracterização mais geral dos
mesmos. Num segundo momento, propõe-se verificar as semelhanças e diferenças das
condições de moradia de algumas de suas áreas internas a partir de pesquisa empírica, feita
por meio de levantamento de informações e percepções dos moradores e observações de
campo em ambas as áreas. Particularmente em relação a essa segunda perspectiva, segue-se o
objetivo de verificar as características e em que escalas se pode evidenciar o processo de
segregação residencial.
27
Trata-se do discurso da proferido pela prefeita no evento denominado Reunião da Prefeitura e População.
Decidindo Juntas Orçamento Participativo que pretendeu instaurar o programa de orçamento participativo no
município, ocorrida em 5 de março de 2005 no Terminal Turístico de Portão. Para essa reunião convocou-se a
sociedade em geral através de faixas e convites pessoais foram dirigidos a lideranças comunitárias. Contou,
também, com a participação de técnicos da prefeitura, o Secretariado de Governo, deputados estaduais e federais
e com o prefeito de Alagoinhas.
118
5.1
CONDIÇÕES GERAIS DE MORADIA, DE ACESSO A SERVIÇOS E DE
CONSUMO DOS DISTRITOS DE ITINGA E DO ATLÂNTICO NORTE
Na Figura 6 é possível notar a quantidade e a importância de tais loteamentos na
estruturação de Itinga, processo decorrente, sobretudo, da participação dos agentes
imobiliários (ver Capítulo 4) e dos chamados grupos sociais excluídos (CORRÊA, 1989).
Contudo, igualmente, identificou-se residências com terrenos maiores, dentre as quais,
algumas são remanescentes ou pertencentes a familiares dos primeiros fazendeiros do local.
Note-se que tais áreas, sejam loteamentos ou invasões, apresentam uma tal contigüidade
espacial que se torna difícil, à primeira vista, identificar seus limites.
Eminentemente residencial, Itinga é um bairro
28
que tem nas proximidades da avenida
Fortaleza (uma das principais) as áreas com maior densidade e valorizão; afastando-se delas
ainda é possível ver grandes espos sem edificações e terrenos maiores. Também em suas
proximidades estão as ruas pavimentadas e mais movimentadas, por onde circulam a maior parte
dos transportes coletivos do bairro, notadamente entre a BA-099 e o Largo do Caranguejo
29
.
Nessas ruas, igualmente, é posvel ver casas com melhor acabamento. Afastando-se dessa
avenida central, contudo, de forma geral, eso os domicílios dos mais pobres, as ruas sem
pavimentação, calçamento e saneamento. As calçadas, quando existem, decorreram da ão dos
próprios moradores. Há mato em parte dos terrenos vazios e nas ruas.
Percebe-se que não foi feito um planejamento para a instalação das casas, que em
determinadas partes de Itinga parecem se amontoar, e que as incipientes normas dos TACs
dos loteamentos (recuo das calçadas, número de pavimentos possíveis, instalação de rede de
escoamento pluvial, por exemplo) não foram seguidas. Observam-se casas inacabadas, ainda
que se saiba que a construção foi iniciada bastante tempo, algumas em terrenos com
árvores sabidamente antigas.
Itinga possui uma série de estabelecimentos comerciais e de serviços que pretende
atender à demanda local, mas também é utilizada por moradores de áreas vizinhas,
especialmente, do Caji, do Centro e do Jardim das Margaridas (em Salvador). Nesse
comércio, mais variado e denso que o do centro tradicional do município, lojas de roupas,
sapatos, artigos de decoração e para festas, lojas de aluguel de roupas, bares, pequenos
28
Itinga será tratada como distrito e também como bairro, pois, é dessa forma, como uma unidade e não como
uma série de loteamentos próximos, que é percebida pelos moradores, diferentemente do que acontece na
maioria das áreas pesquisadas que nasceram como loteamentos.
29
Em conversa com antigos moradores locais, duas versões para o nome desse Largo. Resumidamente, uma
diz que havia um mangue na área, onde as pessoas pegavam caranguejo para vender. Outra diz que um dos
primeiros moradores do lugar era um senhor que vendia caranguejo por ali para outros moradores.
119
restaurantes, padarias, mercados de pequeno e médio portes, mercearias, peixarias, açougues,
farmácias,
pets shops
, locadoras de filmes, casa lotérica, várias lojas de material de construção
de pequeno, médio e grande porte, barbearias, salões de beleza, borracharias, oficinas
mecânicas, oficinas de conserto de eletrodomésticos etc.
Figura
6 Espacialização dos loteamentos populares e outros equipamentos no distrito de Itinga
em 1998
Fonte: Lauro de Freitas, 2002.
Em termos de serviços, existem escolas e creches públicas e privadas, consultórios
médicos e odontológicos, laboratórios, clínicas particulares, hospitais e postos de saúde
públicos (inclusive de emergência e especializado no atendimento à mulher); imobiliárias,
escritórios de advogados, contadores; órgãos da Secretaria de Educação, de Saúde e de
Segurança pública. Além disso, há rádios AM e FM.
Entretanto, apesar da quantidade de estabelecimentos comerciais e de serviços e do
número de moradores, Itinga não possui sequer uma agência bancária, nem caixa eletrônico,
nem agência dos correios, o que obriga seus moradores a arcarem com o custo do
120
deslocamento para pagarem suas contas, à exceção daquelas que podem ser pagas na única
lotérica do bairro.
Existe transporte coletivo por ônibus e micro-ônibus, gerido por diversas empresas,
para distintos partes de Salvador, como Itapuã, Comércio, Estação Rodoviária, Estação da
Lapa, Estação Mussurunga, de onde partem linhas de ônibus para diferentes locais da Cidade
Baixa e Alta e para outros municípios metropolitanos. Partem igualmente, e em profusão,
vans
e micros-ônibus para Ipitanga, Centro de Lauro de Freitas, Vilas de Atlântico (via Centro
e via Estrada do Coco), Portão, e para os bairros de Itapuã e Praias do Flamengo, em
Salvador. Esse transporte é mais barato que os ônibus tradicionais e o preço é variável
conforme o destino do passageiro. No entanto, é importante salientar que os veículos de
transporte coletivo circulam nas duas principais avenidas do bairro, obrigando àqueles que
moram mais distantes a andarem à pé por um caminho, às vezes, bastante longo.
Os estabelecimentos comerciais e de serviços, em sua maioria absoluta, se localizam
na avenida Fortaleza, que segue da Estrada do Coco até o Largo do Caranguejo nessa
avenida existe uma grande concentração e diversidade de estabelecimentos comerciais, de
escritórios de profissionais liberais, escolas, oficinas mecânicas e borracharias etc. Daí em
diante, essa avenida assume o nome de avenida São Cristóvão e segue até um dos pontos
finais de Itinga (Parque São Paulo), passando pele o Fim de Linha das Kombis
30
. A avenida
São Cristóvão, estruturada de modo similar à anterior, conta com menor densidade de
estabelecimentos comerciais. Mas, nesta se localizam o Centro de Saúde da Mulher, também
se encontram escolas públicas municipais e estaduais e a 27ª Delegacia.
Com relação ao Largo do Caranguejo é um dos pontos centrais de Itinga (Fotos 19 e
20), mencionado sobremaneira quando se conversa com os moradores locais. Trata-se de uma
praça quadrada, onde a avenida Fortaleza cruza com a avenida São Cristóvão (acesso a ruas
Alto do Itinga e Valentina dos Santos, que se iniciam na BA - 099), e onde se encontram
bares, barbeiros, lanchonetes, acontecem eventos públicos (de shows a comícios) e a Lavagem
do Caranguejo, no último domingo de novembro.
30
O Fim de Linha das
Kombis será grafado neste trabalho com letra maiúscula, pois, se, atualmente, não é mais
o ponto final das linhas de transporte coletivo do bairro, inclusive das
kombis e
vans
, em referência a uma
situação antiga, esse passou a ser o nome do local.
121
Foto
19
Chafariz da praça do Largo do
Caranguejo
Fonte: A autora, maio 2005
Foto
20
Área para eventos da praça do
Largo do Caranguejo
Fonte: A autora, maio 2005.
Em torno do Caranguejo, como muitos chamam o lugar, existe intenso comércio, escolas
particulares, clínicas dicas particulares, laboratórios de análise cnicas, escritórios de
profissionais liberais e o Hospital Municipal Aristides Novis. Na Foto 21, feita aproximadamente
às 9 horas da manhã de uma segunda feira, apresenta-se um trecho da avenida São Cristóvão, com
o Largo do Caranguejo ao fundo; vê-se parte das lojas e da movimentação do local.
Outro ponto de referência é o Fim de Linha das Kombis (Foto 22), localizado
numa das partes finais do bairro. Embora em escala bem menor do que no Largo do
Caranguejo, em torno dele há uma concentração de comércio e em suas proximidades
estão situados o 27º Complexo Policial (Foto 23, com o Parque Santa Rita ao fundo), o
Espaço do Cidao e o Cogio Municipal Deputado João Lo (ao fundo da Foto 23 e na
Foto 24). Tal delegacia foi bastante referenciada na fala dos moradores como um divisor
de águas na história do bairro, considera-se que após sua instalação ocorreu ampla
diminuão nos índices de criminalidade.
Foto
21
Avenida São Cristóvão
Fonte: A autora, 08/08/2005.
122
Foto
22
Fim de Linha das Kombis
Fonte: A autora, 02/08/2005.
No outro lado da Estrada do Coco, na porção litorânea de Lauro de Freitas está o
distrito Atlântico Norte. Este tem como seus limites os distritos do Centro, Ipitanga e Portão,
além do oceano Atlântico e o rio Joanes (divisa de Lauro de Freitas com Camaçari) e a
avenida Luís Tarquínio, uma das que liga a BA-099 ao Centro antigo. Nessa avenida
centros médicos, diversos pontos comerciais (onde se vendem produtos e serviços tanto a
preços populares como mais sofisticados), faculdades e colégios privados, bares e
restaurantes, (tanto populares como voltados à elite) e condomínios de classe média e classe
média-alta.
Foto
23
27º Complexo Policial e Parque
Santa Rita
Fonte: A autora, 20/05/2005.
Foto
24
Colégio Municipal Deputado João
Leão
Fonte: A autora, 20/05/2005.
É onde se situa Vilas do Atlântico (Foto 25), dentre outros loteamentos de grande e
médio porte, em sua maioria absoluta destinados aos segmentos sociais de maior renda. Mas,
123
principalmente, nessa área verificou-se entre dos anos 1980 e 1990 a instalação de inúmeros
condomínios fechados e
villages,
empreendimentos decorrentes, sobretudo, de subdivisões de
loteamentos mais antigos, com área e lotes maiores. Assim, dentro de um loteamento como o
Morada do Sol, o Miragem e o Vilas do Atlântico, por exemplo, se encontram vários
condomínios, sendo que inicialmente eles haviam sido previstos em Vilas. Para o período
1981-2002, encontraram-se dados indicando a existência de 22 novos loteamentos, 19 dos
quais com informações no Quadro 5
31
. Observe-se que o constam na relação abaixo os
condomínios fechados e
villages
instalados em Vilas, constatados em observação de campo.
Acrescente-se que, por este mesmo procedimento, notou-se que após 2002, houve o aumento
da quantidade desse tipo de empreendimento no Atlântico Norte.
Foto
25
Vista panorâmica de Vilas do Atlântico
Fonte: A autora, 02/08/2005.
Diferentemente de Itinga, nesse distrito os inúmeros empreendimentos imobiliários e
as áreas tradicionais de moradia não se complementam nem se confundem. Ao contrário seus
limites, físicos ou não, são evidentes. Sendo assim, esse distrito não pode ser denominado
bairro, até porque não é percebido como tal por seus moradores. o bairro de Vilas, o
loteamento Miragem não é mais só um loteamento, mas, talvez também não seja bairro ,
o bairro do Araqui, Pitangueiras e Buraquinho.
31
O número de loteamentos e condomínios a que se faz referência aqui tem como base o mapeamento desses
empreendimentos realizado pela Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas que utilizou dados de 1998.
124
Quadro
5 Loteamentos e condomínios implantados no Atlântico Norte entre 1981 e 2002
Nome
TAC
Área total (m²)
Observações
Cond. Alameda das Acácias
... 805,00
21 casas com área útil de, em
média, 420 m²
Lot. Recanto Beatrice
1981 9.600,00
20 lotes, cujo tamanho variava
de 240,00 a 395,00; os lotes só
poderiam ser separados por cerca
viva.
Cond. Residencial Parque
Paraíso
1999 39.976,00
Condomínio fechado com 71
casas, com área útil variando de
300 a 450m ².
Villa Solaris
2000 9.600,00
Condomínio fechado com 17
casas, com área útil variando de
355 a 397m ².
Cond. Residencial Vila Verde
2000 18.768,52
Condomínio fechado com 47
casas, com área útil variando de
300 a 314 m ².
Lot. Granjas Reunidas Concórdia e
Faz. Reunidas Agricultura e Pecuária
Cond. Recanto de Vilas
1994 38.400,00
Condomínio fechado com 39
casas, com área útil variando de
532 a 1.112m ². Convenção
condominial previu muro de 2,5
m.
Cond. Atlantic Ville
1999 19.520,00
Condomínio fechado com 49
casas, com área útil média de
90,47m².
Cond. Residencial Gileade
2002 58.085,00
Condomínio fechado com 140
casas, com área útil média de
81m ². TAC previa muro de 2m².
Cond. Intervillas
1993 87.080,22
Condomínio fechado com 168
casas, com área útil variando de
384 a 783m ².
Lot. Jardim Atlântico
1991 175.122,00
Condomínio fechado com 191
casas, área útil variando de 300
a 450m ². TAC previa também
atividade hoteleira e pequeno
comércio.
Lot. Vilas das Castanheiras
... 14.803,97
Lotes variando de 497,00 a
1.480,00 m²
Lot. Morada do Sol
Eco Vilas
1992 125.000,00
Condomínio fechado com 199
lotes, com área média de 400m ²,
sendo que em 5 lotes foram
autorizados villages.
Lot. Santo Antônio
Cond. Alameda das Árvores
2002 2.025,00
Village com 8 casas e média de
126m² de área útil.
Rio Mar 1998 11.070,00
Com 46 casas e média de 109m²
de área útil.
Cond. Residencial Porto Rio
Mar
1998 11.070,60
Com 46 casas e média de 109m²
de área útil.
Cond. Top Vilas Residence
1998 20.420,00
60 módulos habitacionais de
72,63m² em média.
Cond. Residencial Versailles
1995 11.876,00
Contava com 16 lotes, com área
útil variando entre de 469 a
680m²
Cond. Residencial Praia de
Buraquinho
1997 43.061,00
Contava com 146 casas com área
útil média de 51m²
Cond. Marina Riverside Village
1981 57.284,30
Foi registrado como Cond. Rio
Joanes e totalmente alterado
posteriormente assumindo o
nome atual. Porém, desde a
implantação estava previstaa
instalação de guarita.
Mar Onda Morena
Palm Ville
Residencial Jardins
SEM INFORMAÇÕES
SEM INFORMAÇÕES
Lot. Portão
Faz. Portão
Sítio Samburá
SEM INFORMAÇÕES
Origem
Loteamento /Condomínio
Lot. Granjas Reunidas Concórdia
Lot. Miragem
Fonte: Termo de Acordo e Compromisso; Memoriais Descritivos dos loteamentos e condomínios;
Lauro de Freitas, 2002.
É importante ressaltar que o significado de Vilas do Atlântico para a região se expressa
através do nome de rios loteamentos e condomínios localizados em suas proximidades, a
125
exemplo do Intervilas, Vila Sollaris, Atlantic Vile, Eco Vilas e Top Vilas Residence. Note-se que
esses dois últimos, embora oficialmente não tenham sido instalados na área de Vilas, tem como
único acesso esse loteamento. Nem mesmo a pé é posvel entrar no Eco Vilas (Foto 26) ou no
Top Vilas Residence senão pelos portões de Vilas do Atlântico
32
(Foto 27), o que foi utilizado
como indicativo de qualidade dos mesmos em suas campanhas publicitárias. Essa situão está
associada ao fato de que Vilas, especialmente nos anos 1990, se desenvolveu como local de
residência das classes média e alta, oriundos , sobretudo, de Salvador, sendo o loteamento
incorporado à área urbana do município, assumindo a categoria de bairro. Isso se fez de forma
acelerada e o setor de comércio e o de serviços em boa medida acompanhou tal transformação.
Foto
26
Parte da área de lazer do condomínio Eco Vilas
Fonte: Vilas Magazine, nº 71, dez. 2004.
Foto
27
Terceira portaria de Vilas do Atlântico
Fonte: A autora, dez. 2002.
(1) Portaria do Condomínio Top Vilas Residence, situada antes da
(2) terceira portaria de Vilas do Atlântico. Fora desse portão, está o
(3) Puerto Banus Residencial.
32
Embora não seja um condomínio fechado, os muros das casas de Vilas separam o antigo loteamento das áreas
circunvizinhas. O acesso ao bairro, portanto, pode ser feito pela praia e pelo calçadão que ligam as praias
de Ipitanga e
Buraquinho e pela portaria principal (na avenida Luís Tarquínio), a portaria 2 (próximo ao largo
de
Arcanja, avenida
Juracy Magalhães) e portaria 3 (na rua Priscila Dutra, próximo ao Miragem).
126
Contando com residências de elevado padrão de construção, algumas com projetos
assinados por empresas e arquitetos conhecidos, apresenta uma ampla quantidade e
diversidade de estabelecimentos comerciais e de serviços voltados, sobretudo, aos segmentos
mais abastados. Quanto aos estabelecimentos comerciais podem ser citadas lojas de roupas,
de calçados, perfumes, acessórios, bebidas; de material elétrico e de construção, de venda e
conserto de bicicletas; de equipamentos de lazer e manutenção de piscina; pet shops;
mercados, mercearias, padarias, docerias e
delicatessens
; farmácias, floricultura; dentre
outros. Alguns desses estabelecimentos situam-se em centros comerciais ou em
shoping
centers
de pequeno porte (existiam três em 2005, um dos quais visto na Foto 28).
Foto
28
Vilas do Atlântico, Shopping Malibu
Fonte: Arquivo do Colégio Perfil, 12/09/2001.
No que se refere a atividades de
lazer, na avenida principal e nas suas
proximidades encontram-se lanchonetes,
restaurantes, bares, pizzarias, dois clubes
(um de equitação e um de tênis), um
cinema (em um dos
shoppings
),
lan
houses
e locadoras de vídeos.
No setor de serviços, destacam-se os educacionais, que incluem educação de todos os
níveis, inclusive superior, academias de esportes, de arte e dança de diversos tipos. Conta com
vários salões de beleza e clínicas de estética; bancas de jornais e revistas, livraria; clínicas e
hospitais veterinários; agencias de turismo, pousadas; uma casa lotérica; uma agência
bancária (do Banco Bradesco), caixas eletrônicos (Banco 24 Horas, Banco do Brasil,
Bradesco e Caixa Econômica Federal). Possui consultórios médicos de rias especialidades,
laboratórios de análises clínicas e uma série de profissionais liberais de outras categorias.
Em termos de serviços públicos, há apenas uma escola que, à noite, cede espaço para
que funcione uma escola de ensino fundamental mantida pela Prefeitura. Todos os demais
estabelecimentos de ensino, bem como os de saúde, são mantidos pela iniciativa privada.
Ainda conta com a sede de uma reprodutora de TV à cabo (TV Vilas) e de um jornal (Vilas
Magazine) que é distribuído gratuitamente no bairro e adjacências e no bairro da Praia do
Flamengo, em Salvador, e que além de propaganda, traz notícias sobre esses locais tal
jornal possui também uma versão eletrônica e uma rádio FM.
127
Conta, ainda, com um parque ecológico público, uma área de preservação ambiental
(cercada e acesvel, principalmente, por dentro de um colégio particular) e algumas praças
(embora na maior parte delas não haja qualquer equipamento). Mas, sem dúvida a principal área
de lazer de Vilas é a praia, onde se localizam barracas com serviço de bar e restaurante bastante
sofisticados e onde freqüentemente m sido realizados campeonatos de surf e filmagens de
programas de rede nacional particularmente, da MTV: o Veo MTV (Foto 29).
Toda essa estrutura de comércio e serviços atende a moradores mais próximos,
especialmente os de maior poder aquisitivo. Note-se que em Vilas, estavam as únicas farmácias
do distrito, o mesmo ocorrendo em relação às agências bancárias e aos caixas eletrônicos.
Vilas do Atlântico é o único bairro de Lauro de Freitas que possui plano de uso do
solo (aprovado em 1998), o que tem sido instrumento fundamental para impedir que
estabelecimentos comerciais se espalhassem indiscriminadamente por seu território. Desse
modo, o maior fluxo de carros e pessoas concentrou-se na sua parte central, preservando a
tranqüilidade das ruas vicinais e nas proximidades da orla. É importante salientar que, em
termos de transportes coletivos, além das
vans
que se dirigem à Itinga, não existe ligação
direta com o Centro de Lauro de Freitas. Quanto aos ônibus, há, em 2005, duas linhas
regulares: Vilas do Atlântico Praça da Sé e Vilas do Atlântico Terminal da França,
servidas por duas empresas, dando acesso ao centro tradicional de Salvador, passando ou pela
orla da capital (de Itapuã à Barra) ou pelo novo centro, eixo Iguatemi-Rodoviária.
Foto
29
Vilas do Atlântico, vista da orla
Fonte: Vilas Magazine, n º 70, nov. 2004.
(1) Calçadão que segue por toda a orla; (2) uma das barracas de
praia típica do bairro e (3) barracas da MTV para gravação de
programa.
128
A referência a Vilas, portanto, é uma referência a seus serviços e comércio e às
características daqueles que lá residem. Mas, os loteamentos que surgiram nessa parte de
Lauro de Freitas, tal como se depreende dos TACs e dos memoriais descritivos, igualmente
procuravam atender à demanda das classes mais abastadas. Observe-se que, por exemplo, o
Condomínio Eco Vilas, resultante de uma modificação parcial do Loteamento Morada do Sol,
foi entregue com ciclovias, passeios, área verde, clube, praças, área para lazer e recreação,
drenagem de águas pluviais e iluminação pública. o Condomínio Gillead, instalado na área
do loteamento Miragem, contava com vias de acesso asfaltadas, passeios externos, área de
lazer com clube, piscina, parque infantil, quadra poliesportiva, salão de festas, bar, local para
administração e depósito; era ainda responsabilidade da construtora a instalação de uma
estação para tratamento de esgoto. Ou seja, tal como afirmou uma técnica da prefeitura, o
mercado imobiliário investe onde existe infra-estrutura, essa se torna um atrativo do local
que se junta a outros, no caso, as amenidades: os investimentos que vieram para as
proximidades de Vilas, tinham características similares
33
, nesse sentido, pretendiam atender
à mesma clientela.
Verifica-se na Tabela 12, comparando-se a proporção dos loteamentos instalados em
Itinga e no Atlântico Norte, por ano de implantação, que enquanto no primeiro a maior parte
deles data do começo dos anos 1970 e 1980, no segundo, foi na década de 90 que a maioria
foi registrada, o que coincide com o período em que Vilas consolidou-se como local de
moradia e que passou a apresentar uma infra-estrutura extremamente diversificada. Observe-
se, mais uma vez, que o comércio e os serviços de Vilas são voltados para um público de
classe média e alta, não havendo estabelecimentos populares.
Tabela
12
Quantidade de loteamentos e condomínios implantados nos distritos de Itinga e
Atlântico Norte entre 1975 e 2002, por ano de implantação
Absoluto
%
Absoluto
%
até 1975
35,0 59,3
6,0 17,6
de 1976 a 1980
6,0
10,2
5,0 14,7
de 1981 a 1985
3,0
5,1
2,0 5,9
de 1986 a 1990
0,0
-
0,0
-
de 1991 a 1999
1,0
1,7
11,0 32,4
de 2000 a 2002
1,0
1,7
4,0 11,8
sem informação
13,0 22,0
6,0 17,6
Total
59,0
100,0
34,0 100,0
Ano
Itinga
Atlântico Norte
Fonte: Fundação Centro de Pesquisas e Estudos, 1980; pesquisa realizada na Mapoteca da SEPLANTUR da
PMLF em março de 2005 baseada nos TACs e memoriais descritivos.
33
Trata-se do depoimento dado por uma técnica da
SEPLANTUR feito em 17/06/2005.
129
Esses novos loteamentos e condomínios em muito contribuíram para o maior
adensamento do Atlântico Norte (Figura 7). Tomando-se Vilas como referência de
localização, ao sul existem dois bairros de ocupação mais antiga: Araqui e Pitangueiras.
O Araqui é uma área de ocupação bastante antiga, parcialmente decorrente de
invasões, e que vem observando nas últimas décadas gradativa mudança pela venda de alguns
lotes a pessoas de classe média. Existe um pequeno comércio popular, alguns bares, uma
escola pública de ensino fundamental e duas escolas privadas que atendem ao ensino infantil e
fundamental. Há uma empresa de mudanças, uma oficina mecânica e uma fábrica de polpa de
frutas. É um bairro composto basicamente por duas ruas e algumas travessas.
Figura
7 Espacialização de loteamentos, condomínios e outros equipamentos existentes no
distrito do Atlântico Norte em 1998
Fonte: Lauro de Freitas, 2002.
No Largo de Arcanja (Foto 30), que fica numa das extremidades do bairro (próximo
à segunda portaria de Vilas), o fim de linha de
vans
que circulam em direção ao Centro de
Lauro de Freitas, Itinga, Portão, Ipitanga, Itapuã e Praias do Flamengo e micro-ônibus que
passam no Centro de Lauro de Freitas e se dirigem para alguns desses destinos, mas nenhum
desses veículos entra em Vilas.
130
Foto
30
Araqui, Largo de Arcanja
Fonte: A autora, 13/03/2005.
Pitangueiras corresponde a uma área de ocupação antiga, com moradores de classes
mais baixas e chácaras de pessoas de classe média e média alta, e loteamentos de portes
variados. Particularmente a partir do início dos anos 1990, verificou-se o início de um
processo de expansão imobiliária bem caracterizado pela implantação de
villages
e
condomínios com pequeno número de domicílios. Nessas áreas, não existem estabelecimentos
comerciais ou de serviços mais significativos, apenas em alguns pontos algumas vendas de
balas, doces e refrigerantes, restaurantes de refeições caseiras e salões de beleza.
Recentemente foi inaugurado um
buffet
de café da manhã. também uma escola municipal
e uma particular. Parte dos terrenos que compõem Vilas do Atlântico, originalmente, faziam
parte de Pitangueiras.
Nesses dois bairros, indubitavelmente, predomina a função residencial.
Ao norte de Vilas, estão os loteamentos Granjas Reunidas Concórdia e o Miragem,
este seguia, originalmente, da orla à Estrada do Coco e a localidade de Buraquinho. Quanto ao
primeiro, muito de sua área original foi desmembrada resultando numa série de loteamentos e
condomínios fechados no final dos anos 90 e início do século XXI. Dentre esses novos
empreendimentos estão o Parque Paraíso, Recanto Beatrice, Alameda das Acácias,
Residencial Jardins, Atlantic Ville, Puerto Banus, Top Vile Residence, Royal Ville (Foto 31),
Vila Verde, Vila Solaris (Foto 32), Palm Vile (cujo panfleto publicitário trazia a seguinte
mensagem: O melhor e mais seguro condomínio fechado de Vilas ), etc. A maior quantidade
deles se localiza na rua Priscila Dutra, ao lado de Vilas e as referências a essa proximidade se
131
fazem presentes em boa parte dos nomes desses empreendimentos residenciais que se
caracterizam por serem fechados e cercados por muros altos
34
.
34
Alguns desses loteamentos e condomínios não estão localizados na Figura 7 em função da data de seu registro
ser posterior à construção da base de dados que norteou a sua elaboração. Exemplo disso são os condomínios
Puerto
Banus (situado no loteamento Miragem) e o
Royal
Ville (situado no loteamento Granjas Reunidas
Concórdia).
Foto
31
Portaria do condomínio Royal Ville
Fonte: A autora, 23/08/2005.
Foto
32
Portaria do condomínio Vila Solaris
Fonte: A autora, 23/08/2005.
O Loteamento Miragem, embora tenha sido implantado na mesma época de Vilas,
veio a ser efetivamente ocupado mais recentemente havendo ainda muitos terrenos vazios,
que sequer foram murados , a partir de inúmeros desmembramentos e redefinições das
funções de suas áreas. Eminentemente residencial, conta também com algumas casas em
terrenos maiores (muitos adquiridos nos anos 1980), embora a fragmentação dos lotes para
originar
villages
, permitida a partir das redefinições acima citadas, tenda a ser mais comum.
Outra estratégia de venda que vem sendo adotada por pequenas construtoras é de, dado o
tamanho dos lotes, fazerem três ou quatro casas iguais, mas, independentes entre si.
apenas um pequeno mercadinho e uma escola particular especializada em educação infantil e
ensino de primeira à quarta série. Parte desse loteamento tem ruas de barro, sem qualquer tipo
de pavimentação.
Um dos principais problemas do Miragem se refere ao transporte coletivo:
normalmente, só atende em determinados horários (pela manhã, até, mais ou menos às 8:00h e
à noite, entre 18:00h. e 21:30h.), além disso, o número de veículos é restrito. Essa dificuldade
vem sendo parcialmente superada pelo uso de moto-táxi. O problema referente ao transporte
132
coletivo, igualmente, se verificava em Buraquinho, onde boa parcela dos que possuem casa é
veranista, diferentemente do observado nas demais áreas, embora se verifique ampliação
progressiva do número de famílias que estão passando a morar em busca de qualidade de
vida . Nesta última localidade, o comércio é mínimo, a não ser por um hipermercado
localizado na Estrada do Coco, no entanto, esse se encontra bem mais próximo do núcleo de
Portão do que o de Buraquinho.
Historicamente integrada ao distrito de Portão mais recentemente passou a
compor o Atlântico Norte , Buraquinho possui uma praia que desde os anos da implantação
da Estrada do Coco era conhecida e freqüentada nos fins de semana, embora, na época, o
acesso entre a via principal e a praia fosse muito difícil. É, até hoje, um local aprazível, onde
o mar e o rio Joanes se encontram (Foto 33). Havia toscas barracas de praia e um núcleo de
pescadores; atualmente, tais barracas persistem, porém, as voltadas para a praia,
principalmente, foram ampliadas e dotadas de maior infra-estrutura (cadeiras e mesas, guarda-
sois, banheiros, chuveiros, etc.). Além disso, como opção de lazer, podem ser alugados desde
pequenos botes e grandes bóias infláveis para crianças brincarem no rio a
kaitesurfs
, e ver
embarcações saírem para pescar em alto mar. Ainda persistem uma colônia de pescadores e
algumas barracas mais simples com preços populares.
Foto
33
Foz do Rio Joanes
Fonte: Vilas Magazine, nº 50, mar. 2003.
Na margem do rio Joanes, condomínios, como o visto parcialmente na Foto 34, o
Marina Riverside Village que resultou de uma reformulação expressiva da proposta de
casas amplas do condomínio Rio Joanes e possui, aproximadamente, 170 unidades
residenciais com casas geminadas e apartamentos de 2 ou 3 quartos e um hotel , o Portão
com chácaras amplas pertencentes a pessoas das classes mais elevadas e o Foz do Rio
133
Joanes (Foto 35).
Foto
34
Buraquinho, condomínio Marina
Fonte: A autora, 25/03/2005.
Foto
35
Buraquinho, condomínio situado
dentro do condomínio Foz do Rio Joanes
Fonte: A autora, 23/08/2005.
Essas características, aliadas à proximidade de Vilas (as praias de Vilas e Buraquinho
são contíguas) favoreceram a implantação, a partir de meados dos anos 1980, de um crescente
número de loteamentos e condomínios em Buraquinho, embora ainda existam terrenos vazios
e chácaras, parte das quais integra loteamentos mais antigos, geralmente em grandes terrenos,
localizadas em ruas onde há guaritas e vigilância particular (Foto 35).
Observe-se que tanto no Miragem como em Buraquinho existem muitas ruas que não
são calçadas e, recobertas por barro, havendo chuva, se tornam intransitáveis para automóveis
e, em alguns pontos, mesmo para pedestres, o acesso é difícil.
5.2
AS DESIGUALDADES SÓCIO-ESPACIAIS DE ITINGA E DO ATLÂNTICO
NORTE E AS FORMAS DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL
As difereas entre as formas e os processos de intervenção que produziram
Itinga e o Atlântico Norte na cada de 1970 se mantiveram nos decênios seguintes
resultando na consolidação de áreas onde o predonio de uma de uma classe social em
relão às demais em fuão de seus interesses espeficos e/ou características
socioeconômicas mais ou menos comuns e de uma rie de processos sócio-espaciais
articulados: em Itinga pessoas de classe média-baixa e baixa e no Atntico Norte de
classe média e média-alta. Em outros termos, comparando-se esses dois distritos
verificava-se um processo de segregação residencial tal como definido nesse trabalho. Isso
de ser confirmado inclusive pelos dados censitários (desagregados por setor censitário)
e outros estudos que m sendo feito sobre a RMS.
Exemplo disso é o citado trabalho de Carvalho, Souza e Pereira (2004) que, com
os dados do Censo de 1991, revelaram a intensa densidade de pessoas dos níveis ocupacionais
134
mais elevados na porção litorânea de Lauro de Freitas e nas proximidades do Rio Joanes.
Ressalte-se que essa área apresentava uma das maiores concentrações desse grupo, definido
como elite dirigente, do contexto da RMS. Por outro lado, na parte mais próxima à capital,
agregando-se os distritos que compõe Itinga (bem como, em Portão) encontraram-se os
trabalhadores menos qualificados e escolarizados, denominado pelos autores de proletariado
empregados do comércio ou da indústria, empregados do setor de serviços (especializados
ou não), em serviços auxiliares e da construção civil.
De acordo com estudos realizados a partir dados do Censo Demográfico de 2000,
para composição do Mapeamento da Pobreza em áreas urbanas do Estado da Bahia
35
(BAHIA, 2005), no Atlântico Norte a incidência da pobreza variava de média a baixíssima,
prevalecendo áreas onde é muito baixa. Em Itinga se concentravam áreas onde a intensidade
de pobreza varia entre baixa (em apenas um setor censitário, onde um conjunto
habitacional) e elevadíssima e, de modo diferente do verificado no Atlântico Norte,
predominavam áreas onde a pobreza é elevada e muito elevada (BAHIA, 2005). Além dos
dados, é possível utilizando-se da observação simplesmente, verificar que nesse bairro
predominam pessoas com baixos níveis de renda, enquanto no Atlântico Norte predominam
moradores das classes mais abastadas. Atentando-se especialmente para a questão residencial,
as formas, os padrões de construção, as estruturas das ruas desses dois distritos apresentavam-
se bastante distintos e indicam as características daqueles que as produziram e moram lá.
Contudo, questionou-se se analisando cada um desses distritos internamente, ainda
assim poderia se falar da desigualdade entre eles. Será que se tomando como escala uma rua
ou bairro, pode-se dizer que segregação residencial entre esses distritos? Até que ponto
maior concentração de um determinado grupo social em Itinga ou no Atlântico Norte?
Para tentar responder a essas indagações principais, além das fontes até agora
apresentadas, empreendeu-se um estudo empírico em áreas selecionadas desses dois distritos, que
consistiu em entrevistas com moradores e associações de bairro (quando existiam e se
dispusessem a responder às perguntas) e observações estruturadas. Para realizá-las, elegeu-se
áreas a partir dos principais pontos de referência dos distritos em questão estabelecidos através de
leituras, observações, conversas informais com técnicos da prefeitura, moradores e comerciantes.
35
Para delimitar a intensidade da pobreza, esse estudo estabeleceu, em um primeiro estágio, os indicadores de
condições sociais precárias, a partir dos seguintes dados, em percentual: domicílios com abastecimento de água
precário, domicílios com esgotamento sanitário precário; domicílios sem coleta de lixo; domicílios com mais de
sete moradores; homens responsáveis por domicílio; mulheres responsáveis por domicílio; responsáveis por
domicílio sem instrução ou com até quatro anos de estudo e mulheres responsáveis por domicílio ou com até
quatro anos de estudo. Num segundo estágio, priorizaram-se alguns desses indicadores e associou-os a presença
de responsáveis por domicílios com até um salário mínimo. Em seguida, estabeleceu-se um quadro síntese. A
escala variava de baixíssima a elevadíssima.
135
Em Itinga, o Largo do Caranguejo é um ponto central. Além de ser mencionado com
grande freqüência pelos moradores, é um lugar onde, há concentração de uma série de
equipamentos públicos e privados. Todos os transportes coletivos que circulam em Itinga
passam pelo Caranguejo. Outro ponto bastante mencionado, foi o Fim de Linha das Kombis
que também apresenta alguma centralidade em termos de comércio, sendo o ponto final de
algumas das
vans
que transitam em Itinga e que fica próximo ao fim da principal via de
circulação do bairro. Assim, elegeram-se três áreas para realizar entrevistas e observações em
Itinga: uma entre a BA-099 e o Largo do Caranguejo Loteamento Jardim Centenário; outra
entre esse Largo e o Fim de Linha das Kombis Loteamento Sayonara; e uma terceira entre
o Fim de Linha e o final da avenida São Cristóvão Jardim Talismã (Fotos 36, 37 e 38,
respectivamente). Esses loteamentos têm histórico de ocupação bastante semelhante. Tratam-
se de empreendimentos voltados a pessoas de baixa renda, comercializados no começo dos
anos 1970, sendo que apenas para o Jardim Centenário havia processo de legalização na
PMLF nessa época, os demais foram implantados clandestinamente e, após ter sido iniciada a
comercialização dos lotes, buscou-se regularização junto aos órgãos competentes.
Foto
36
Loteamento Jardim
Centenário
Fonte: A autora, 22/05/2005.
Foto
37
Loteamento Sayonara
Fonte: A autora, 28/06/2005.
Antigos moradores dessas áreas, dentre eles alguns dos primeiros adquirentes e
moradores, fizeram relatos bastante semelhantes sobre suas características à época em que
chegaram: aqui era tudo mato, não tinha casa nenhuma [...] (L., moradora do Talismã
28 anos); [...] vinha morar aqui quem tinha coragem [...] pra gente chegar em casa tinha
136
que pisar na lama. (O., há 29 anos no Centenário); nem rua tinha, era caminho! (V., 32
anos no Sayonara). Essas falas, que parecem complementares, descrevem um processo
semelhante em espaços que se tornavam distintos pela ação das imobiliárias e pelas
intervenções públicas.
Foto
38
Loteamento Jardim Talismã
Fonte: A autora, 20/06/2005
.
Acrescente-se que enquanto alguns disseram que compraram o lote porque gostaram
do loteamento, no discurso de outros se evidencia com clareza que não importavam as
características do lugar, era onde o dinheiro dava para comprar... (R., 33 anos morando no
Talismã). Os representantes das associações de bairro desses três loteamentos, todos também
antigos moradores, referendam a idéia de condições mais ou menos comuns no início da
produção de tais espaços. Primeiro o mato, depois a abertura de ruas, a luz e mais tarde a água
tratada. Eram lotes acessíveis às pessoas de baixa renda, mas, via de regra, podiam ser
adquiridos pelo extenso prazo de pagamento (60 meses, em média).
Para o Atlântico Norte, a referência central foi o Loteamento Vilas do Atlântico
(Foto 39), importante no adensamento e urbanização da área e conhecido, mesmo que apenas
por nome, pela maioria das pessoas entrevistadas preliminarmente; todas, embora de modo
diferente, falaram de Vilas como um lugar privilegiado em termos de moradia. Assim, além
de realizar entrevistas e observações em Vilas do Atlântico, definiu-se como área de pesquisa
os bairros e loteamentos que lhe fossem contíguos: ao Norte, o Loteamento Miragem (Foto
40) e, ao sul, o Pitangueiras (que inclui o Lotemento Morada do Sol, mas não se reduz a ele) e
137
o Araqui (Fotos 41 e 42, respectivamente).
Foto 39
Vista panorâmica de Vilas
do Atlântico
Fonte: A autora, 23/05/2005
.
Foto
40
Loteamento Miragem, cruzamento das
ruas Ana C. B. Dias e Eliene S. Bonfim
Fonte: A autora 23/08/2005.
Foto
41
Pitangueiras
Fonte: A autora, 10/06/2005.
Foto
42
Araqui
Fonte: A autora, 07/05/2005
.
O processo de construção e venda do loteamento Vilas do Atlântico (ver Capítulo 4)
foi bastante específico e diferenciado dos demais do lugar. O Loteamento Miragem,
igualmente de grandes proporções e voltado para classe média e média alta, como dito
anteriormente, mais recentemente, no final dos anos 90 começou a verificar algum
aumento do número de moradores. É importante notar que diferentemente de Vilas, esse
loteamento não consistia em área de veraneio (ainda que existissem domicílios com essa
finalidade, eram esparsos), desse modo, as residências e os moradores do Miragem são
relativamente recentes. Conforme Miguel Polino, presidente da Associação de Proprietários e
Moradores do Miragem, divergências políticas entre o Governo do Estado e a empresa
responsável por esse lotemanto fizeram com que esse não fosse beneficiado com
investimentos públicos, como ocorreu em Vilas, e a maior parte dos proprietários dos lotes
não os ocuparam. As construções e o adensamento se iniciaram em 2000, com novas ações do
138
mercado imobiliário que se aproveitou das últimas áreas verdes próximas da capital e que
poderiam servir para moradia da classe média alta , como dito por Polino
36
. Outro fato que
se observa no loteamento é a grande proporção de imóveis para alugar, o que ele chamou de
efeito da geração FORD , em alusão à implantação da fábrica dessa empresa em Camaçari.
Araqui e Pitangueiras, como dito, são bairros de ocupação mais antiga. A origem do
primeiro está associada, sobretudo, a dois processos de invasões: o primeiro tendo acontecido
pouco após a emancipação do município e o outro na segunda metade dos anos 1980.
Conforme alguns entrevistados, quando para se mudaram, ali ainda era conhecido como
Santo Amaro de Ipitanga e havia alguns moradores, embora fossem poucos aqueles que se
aventuravam a ir morar lá. [...] antes era tudo mato... Era (sic) poucas casas, como se fosse
fazenda, depois abriram as ruas e foi tudo loteado [...] Quando a gente veio morar aqui era
tudo areia e mato (R, aproximadamente 40 anos morando no local). Outra residente
bastante antiga afirmou que, ao chegar do interior, necessitando de um lugar para morar,
[...]
pedi ao prefeito e ele disse para procurar um lugarzinho para fazer a casa. Cheguei aqui e
gostei, era um sítio [...]
(E, 35 anos no local).
A fala dessa moradora concorda com as de outros que começaram a residir nessa área
naquela época. o havia luz, que foi instalada nos anos 1970, ou sequer ruas demarcadas.
Quanto ao segundo ciclo das invasões, data do início dos anos 1980 e trata-se de uma pequena
área ocupada por pessoas que moravam nas proximidades e pagavam aluguel. As
transformações no Araqui começaram a ser notadas no fim da década dos 80, quando alguns
terrenos foram vendidos para segmentos sociais mais abastados. A pavimentação das ruas e a
melhoria do acesso aos serviços público aconteceram nos anos 1990.
Pitangueiras também é um bairro muito antigo resultante, basicamente, da
fragmentação de uma fazenda em lotes pequenos e, mais recentemente, do adensamento do
loteamento Morada do Sol (implantado em 1975). Conforme os moradores dos tempos mais
remotos, a transformação da antiga fazenda Santo Antônio de Pitanga (ou fazenda das
Pitangueiras) em área de moradia se iniciou nos anos 1960, quando o seu proprietário dividiu
parte das terras em pequenos lotes e vendeu-os a pessoas de baixa renda. No começo, a
maioria das casas era de taipa e, aos poucos, os tijolos e as telhas de amianto foram
substituindo o material original. Outros vieram com a implantação dos loteamentos que,
mesmo sendo dos anos 1970, começaram a experimentar maior adensamento no final da
década de 90. Apesar de ainda existiram terrenos desocupados e chácaras remanescentes dos
primeiros anos do empreendimento, se observa crescente número de pequenos condomínios e
36
Entrevista concedida em 11/06/2005.
139
casas voltados à moradia.
Entendeu-se que com uma pesquisa feita por meio de amostragem intencional seria
possível compreender melhor o fenômeno em estudo, permitindo responder com maior
propriedade as questões de pesquisa. Desse modo, realizou-se o estudo empírico que ocorreu
entre fevereiro e junho de 2005, através de entrevistas domiciliares feitas em três ruas de cada
local, em média, e observações estruturadas em todo o bairro e/ou loteamento. Para a escolha
das ruas, usou-se como critério o fato de ter menor número de lotes vazios ou moradias
destinadas a veraneio.
As ruas selecionadas em Itinga foram as seguintes:
Loteamento Jardim Centenário: rua Ismael Souza Conceição, rua Jerônimo
Santana e rua Cardeal Brandão Vilela;
Loteamento Sayonara: rua José Cardoso de Menezes (única do loteamento, tendo
ainda quatro transversais);
Loteamento Jardim Talismã: rua Sônia dos Santos, rua Presidente Tancredo
Neves, rua Jorge B. dos Santos, rua Gildete G. de Jesus, 2ª Travessa Carlos
Coutinho.
No Atlântico Norte as ruas onde se realizaram as entrevistas foram:
Araqui: rua Brigadeiro Costa Matos e 2ª Travessa Rodolfo B. Barros;
Pitangueiras: rua Noêmia Paranhos, rua José Bonifácio e rua Jardim Ipanema;
Vilas do Atlântico: rua Praia da Paciência, rua Praia de Amaralina, rua Praia de
Guarapari, rua Praia da Sereia e Praia de Marataípe ;
Loteamento Miragem: rua Edgar B. Franco, rua Edna dos Santos, rua Eliene S.
Bonfim.
Na Fotos 43 e 44, é possível ver a localização dos pontos de referência de Itinga e do
Atlântico Norte adotados neste trabalho e as áreas onde se realizou a pesquisa.
Em Vilas do Atlântico, o número de domicílios encontrados sem algum dos
moradores e/ou alguém que se dispusesse a responder ao questionário foi elevado, tendo se
constituído também no bairro onde se registrou o maior número de recusas em responder à
pesquisa
37
, 16. As pessoas alegavam não ter disponibilidade ou interesse nesse tipo de
trabalho. No Loteamento Miragem, a recusa ocorreu em cinco domicílios, em Pitangueiras e
no Araqui em quatro domicílios em cada um (para esse último bairro, todas em domicílios de
140
classe média-alta). Em Itinga, a recusa aconteceu apenas em um domicílio no Loteamento
Sayonara e em dois, no Loteamento Jardim Centenário.
Foto
43
Localização dos pontos de referência e das áreas de pesquisa no distrito de Itinga
Fonte: Lauro de Freitas, 2005b
Para responder ao questionário (Anexo 2) era necessário que a pessoa residisse no
domicílio e tivesse idade igual ou superior a 16 anos (considerou-se a possibilidade do
37
Considerou-se recusa quando um ou mais morador estava presente no domicílio, mas disse não querer
responder ou não poder responder nem naquele horário, nem mais tarde ou em outro dia. Difere, portanto, do
fato de não haver morador presente.
141
entrevistado prestar as informações necessárias com fidegnidade).
Quanto à seleção dos domicílios, seguiu-se o seguinte critério: após a primeira
entrevista, contavam-se três domicílios à sua direita e tentava-se aplicar o questionário.
Quando isso não era possível, tentava-se o domicílio em frente, à sua direita ou esquerda.
Com isso, pretendeu-se evitar que a opinião de um dos entrevistados interferisse na do
vizinho, principalmente nas áreas mais populares e nos
villages
, onde as pessoas ouviam e
interferiam nas respostas do outro ou sugeriam que entrevistássemos seus amigos ou parentes
que moravam, em muitos casos, ao lado, ou quando queriam nos levar na casa de alguém que
era mais estudado e tinha condições de responder melhor.
Foto
44
Localização dos pontos de referência e das áreas de pesquisa no distrito Atlântico
Norte
Fonte: Lauro de Freitas, 2005c.
142
Foram aplicados um total de 120 questionários 55 em Itinga (20 no Jardim
Centenário; 17 no Sayonara; 18 no Jardim Talismã) e 65 no Atlântico Norte (18 no Araqui; 14
em Pitangueiras; 16 em Vilas do Atlântico; 17 no Miragem) , abarcando informações de um
total de 531 pessoas, 241 moradoras de Itinga (96 no Jardim Centenário; 65 no Sayonara; 80
no Jardim Talismã) e 290 no Atlântico Norte (92 no Araqui; 74 em Pitangueiras; 66 em Vilas
do Atlântico; 58 no Miragem).
Nessas entrevistas pretendeu-se identificar quem eram as pessoas que residiam
nessas áreas e verificar que correlações existiriam entre esse perfil e a estrutura do lugar onde
vivem, para isso levantou-se as características dos moradores, o tempo e o motivo que os
levaram a morar no atual endereço, suas impressões sobre o bairro, suas relações e as
características do domicílio.
5.2.1 Diferenças e semelhanças entre moradores e condições de moradia das áreas
selecionadas: dados da pesquisa de campo
Os resultados dos questionários indicaram que nos domicílios selecionados havia um
total de 531 pessoas, sendo a maioria delas do sexo feminino, 53,3%. Com relação às idades,
agregando-se a população por grupos etários (0 a 14 anos, 15 a 64 anos e 65 e mais),
verificou-se a maioria dessas pessoas estavam em idade potencialmente ativa (15 a 64 anos),
tanto no distrito de Itinga como no Atlântico Norte: mais de 70% da amostra em ambos
(Tabela 13). Note-se também que a proporção de crianças foi semelhante nas duas áreas
(20,8% em Itinga e 18,6% no Atlântico Norte), contudo, a participação dos idosos no
Atlântico Norte mostrou-se superior à de Itinga (7,3% e 2,9%, respectivamente). Tal situação
pode ser associada ao fato de que a parte litorânea de Lauro de Freitas tem se tornado local de
moradia dos aposentados que buscam um local tido como mais tranqüilo para residir.
Tabela
13
Distribuição da população das áreas selecionadas de Itinga e do Atlântico Norte por
grupos etários, 2005
Absoluto
%
Absoluto
%
0 a 14
50
20,8
54
18,6
15 a 64
184
76,3
215
74,1
65 e mais anos
7
2,9
21 7,3
Total
241
100,0
290 100,0
Grupos etários
Itinga
Atlântico Norte
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
A maior parte dessas pessoas nasceu em Salvador. Do total de Itinga, 37% nasceu na
capital baiana, 27% em Lauro de Freitas, em percentual semelhante ao verificado para os
originários de outros municípios do estados (26%), e 9% são de outros estados brasileiros. No
143
Atlântico Norte, 35% são soteropolitanos, 22,7% laurofreitenses, 24% nasceu em outros
municípios e, observe-se, 18% nasceu em outros estados e/ou países (Tabela 14). Esses dados,
se desagregados pelos diferentes espaços internos estudados desses distritos, não mostram
diferenças expressivas em Itinga (a não ser pela proporção dos que nasceram em Salvador e
residem no Sayonara, 60,2%, contra, em média, 25% dos demais loteamentos), ao passo que
no Atlântico Norte, em nenhum dos domicílios entrevistados em Vilas ou no Miragem havia
pessoas nascidas em Lauro de Freitas. No Araqui, o percentual desse grupo era de 53% e em
Pitangueiras de 36%.
É importante acrescentar que, de acordo com os entrevistados, nos anos 1970 não
havia maternidades confiáveis no município, sendo assim, era comum que mesmo morando
em Lauro de Freitas, na época do parto, a mulher recorresse aos hospitais da capital. Os mais
jovens que moram em Itinga, de modo geral, nasceram no município, em casa ou no Hospital
Geral Menandro de Farias (situado na Estrada do Coco e mantido pelo Governo do Estado).
Mas, houve mulheres que preferiram ter filhos nas maternidades da capital por achá-las
melhor equipadas e com melhor corpo técnico. Aquelas com maior poder aquisitivo, que
possuem plano de saúde e/ou tem condições de arcar com o custo do parto em instituições
privadas, tiveram seus filhos em Salvador visto que em Lauro de Freitas não existem
maternidades particulares.
Sobre os que nasceram em outras unidades da federação, em Itinga, a maior
concentração desses indivíduos estava no Jardim Centenário (19% dos residentes), enquanto
nos demais loteamentos esse percentual era de 4,6% no Sayonara e 1,3% no Talismã. No
Atlântico Norte, a maioria dos 53 nascidos em outros estados é paulista, sendo que 25 deles
moram em Vilas e 19 no Miragem.
Tabela
14
Local de nascimento dos moradores das áreas selecionadas de Itinga e do Atlântico
Norte, 2005
Absoluto
%
Absoluto
%
Lauro de Freitas
66
27,4
66
22,7
Salvador
89
36,9
102
35,2
Interior da Bahia
64
26,6
69
23,8
Outras estados brasileiros /países
22
9,1
53
18,3
Total
241
100,0
290
100,0
Local de nascimento
Itinga
Atlântico Norte
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
No que tange aos níveis de escolaridade, os moradores com 10 anos e mais do
Atlântico Norte se revelaram mais escolarizados que os de Itinga. Tal como se nota no
144
Gráfico 2, nos domicílios que compuseram a amostra, 43,1% dos residentes de Itinga não
completou o ensino fundamental, com 22,6% deles tendo estudado até a série. Quase 7%
eram analfabetos e 1,5% foi classificado como alfabetizado
38
. Observe-se que todos os
analfabetos e apenas alfabetizados desse distrito eram adultos e estavam fora da rede de
ensino. Os que possuíam ensino médio incompleto ou completo, 18% e 20,5%
respectivamente, eram essencialmente os mais jovens, normalmente filhos dos proprietários
dos lotes ou que o adquiriram mais recentemente. Para os mais idosos, ter um filho com
ensino médio completo se revelou motivo de orgulho, foi relativamente comum respostas do
tipo ... não sei ler direito, mas meus filhos completaram os estudos.... . De um total de 195
pessoas com 10 anos e mais, três estavam fazendo nível superior, sendo que duas dessas
pessoas são filhos de antigos moradores (ao menos um dos pais possui nível médio completo)
e a terceira residia no interior e pouco, após passar no vestibular, veio a morar com
parentes no Jardim Centenário.
Gráfico
2 Escolaridade dos moradores com 10 anos e mais das áreas selecionadas de Itinga e
do Atlântico Norte, 2005
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
Analfabeto
Alfabetizado
Fundamental
incompleto
Fundamental
completo
Médio
incompleto
Médio completo
Superior
incompleto
Superior
completo
s-graduação
incompleta
s-graduação
completa
Não sabe
informar
Moradores com 10 anos e mais
Itinga
Atlântico Norte
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
No Atlântico Norte, o perfil de escolaridade se mostrou distinto: o maior percentual
dos moradores está cursando (20,4%) ou cursou nível superior (18,1%), sendo que a maior
parte desse contingente residia no Miragem e em Vilas com superior completo e
incompleto nesses bairros eram, respectivamente, 54% e 68% dos residentes. Lembre-se que
38
Considerou-se o indivíduo como alfabetizado quando era dito que ele sabia ler e escrever.
145
muitos dos que vieram residir em Vilas integravam o grupo dos funcionários mais
qualificados do Pólo; no Miragem, de ocupação mais recente, destaca-se a quantidade dos que
vieram de outros estados para trabalhar na Ford e em outras empresas que foram transferidas
para Lauro de Freitas.
Por outro lado, enquanto nesses loteamentos, em conjunto, só havia duas pessoas
entre analfabetos e alfabetizadas (ambas trabalhadoras domésticas que residiam no
domicílio dos patrões), no Araqui, 9% da dos componentes da amostra pertenciam a esse
grupo, o mesmo se dando para 19% dos moradores de Pitangueiras. Assim, se o percentual
de analfabetos dos dois distritos era próximo, se a participão dos alfabetizados no
Atlântico Norte superava Itinga, isso decorreu particularmente dos dados desses últimos
bairros.
Com ensino médio completo, foram quase 18% dos indivíduos, contra 14% de Itinga.
Ademais, todos os jovens em idade escolar do Atlântico Norte estavam na escola, o que não
ocorria em Itinga.
Sobre a atividade dos moradores dos domicílios em questão, em Itinga o maior
percentual deles estudava (31,6%) e em segundo lugar está a categoria trabalhava (29,4%).
No Atlântico Norte, 39,5% trabalhavam e 24,2% estudavam. Observe-se que em Vilas e,
especialmente, no Miragem, considerando os que apenas trabalhavam e os que trabalhavam e
estudavam, havia um alto percentual de pessoas trabalhando: 48% e 66%, respectivamente.
Estudavam e trabalhavam 4,4% dos que moram em Itinga, sendo que o maior contingente
desse grupo residia no Jardim Centenário e se constituía em alunos do ensino fundamental e
médio. No Atlântico Norte, 7% do total trabalhavam e estudavam, destacando-se que no
Miragem, que apresentou o maior grupo dessa categoria, todos os que estudam e trabalham ou
fazem curso superior ou pós-graduação.
O grupo de pessoas que não trabalhava fora do lar, equivalente para os dois
distritos, em torno de 7,5% (Tabela 15), é composto apenas por mulheres de diferentes
faixas etárias.
Para os que trabalhavam, identifica-se diferentes tipos de vínculos empregatícios,
sendo que tanto em Itinga (42%) como no Atlântico Norte (38%) a maior parcela das pessoas
possui carteira assinada, o que se repetiu em todas as áreas estudadas (Tabela 16). As
exceções são o loteamento Sayonara com 32% dos moradores tendo emprego fixo, mas,
sem carteira assinada e Pitangueiras, onde essa última situação abrangia 50% dos
146
indivíduos. Note-se que o percentual dos que tinham carteira assinada era igual ao dos que
não tem emprego fixo no Talismã. No Miragem, 65% dos que trabalham estavam legalizados
(com carteira assinada) e um grupo bem menor era autônomo, 24%. Em Vilas do Atlântico e
Araqui, a situação se mostrou correlata. Quando ao emprego no serviço público, se revelou
mais expressivo em Pitangueiras (15,4%).
Tabela
15
Atividades exercidas pelos moradores das áreas selecionadas de Itinga e do
Atlântico Norte, 2005
Estuda
Estuda e
trabalha
Trabalha
Desempre
gado
Não trabalha
fora do lar
Estagiário/
voluntário
Aposentado/
pensionista
Jd. Centenário
31,0
6,9
32,2 11,5
9,2 0,0 9,2
Sayonara
28,8
1,5
36,4
6,1
13,6
1,5
12,1
Jd. Talismã
34,7
4,0
20,0 24,0
0,0
12,0
5,3
Itinga
31,6
4,4
29,4
14,0
7,5
4,4
8,8
Araqui
30,4
1,3
36,7 11,4
7,6 2,5
10,1
Pitangueiras
23,4
9,4
29,7 18,8
6,3 1,6
10,9
V. do Atlântico
21,7
5,0
43,3
5,0 6,7
3,3
15,0
Miragem
18,9 15,1 50,9
0,0 9,4 0,0 5,7
Atlântico Norte
24,2
7,0
39,5
9,4
7,4
2,0
10,5
Bairro/Loteamento/
Distrito
Atividade
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
Tabela
16
Vínculo empregatício das pessoas que trabalham nas áreas selecionadas de Itinga e
do Atlântico Norte, 2005
Carteira
assinada
Fixo sem
carteira
assinada
Funcionário
público
S/ emprego
fixo
(biscate)
Autônomo
Proprietário
Jd. Centenário
56,3
12,5
6,3 9,4 9,4 6,3
Sayonara
28,6
32,1
0,0
17,9
7,1
14,3
Jd. Talismã
36,8
26,3
0,0
36,8
0,0 0,0
Itinga
41,8
22,8
2,5
19,0
6,3
7,6
Araqui
37,1
14,3
5,7
17,1 25,7
0,0
Pitangueiras
3,8
50,0
15,4
7,7
11,5 11,5
V. do Atlântico
51,6
12,9
0,0 0,0
25,8
9,7
Miragem
64,7
5,9
0,0 5,9
23,5
0,0
Atlântico Norte
37,6
21,1
5,5
8,3
22,0
5,5
Vínculo empregatício
Bairro/Loteamento/Distrito
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
Dentre aqueles que tinham emprego fixo, mas não possuíam carteira de trabalho
assinada, em Itinga 23% dos moradores da amostra estavam as empregadas domésticas,
motoristas de
vans
, vendedores do comércio local e trabalhadores que possuíam contrato de
prestação de serviços com a PMLF (geralmente, agentes de saúde, porteiros, faxineiros,
funcionários administrativos). No Atlântico Norte, 21,1% estavam nessa situação. Entretanto,
se no Araqui e Pitangeiras o perfil de trabalhador nessas condições era semelhante ao de
147
Itinga, em Vilas e no loteamento Miragem esse grupo era formado por médicos, veterinários,
arquitetos, engenheiros e corretores imobiliários.
Do mesmo modo, é preciso considerar que as categorias sem emprego fixo,
autônomo e proprietário, com respectivamente 19,0%, 6,3% e 7,6% em Itinga e 8,3%, 22,0%
e 5,5% no Atlântico Norte, apresentaram diferenças qualitativas para os dois distritos. No
primeiro, as pessoas que não tinham emprego fixo eram, principalmente, pedreiros,
carpinteiros e diaristas. O mesmo valia para o Atlântico Norte, acrescentando-se
manicures, cabelereiros , contudo, nos bairros de Vilas ninguém se encontrava nessa
categoria.
Aunomos em Itinga, no Araqui e Pitangueiras correspondiam, sobretudo,
vendedores de roupa, utensílios dosticos e costicos. Proprietários eram donos de
pequenos estabelecimentos comerciais: bares, bombonieres, mercados, lojas de roupas e
presentes etc. Em Vilas e no Miragem, eram aunomos e proprietários de pequenas
empresas e estabelecimentos comerciais, representantes comerciais e profissionais
liberais.
Quanto aos desempregados, em Itinga foram 14% dos moradores. No Talismã
esse percentual era 24,0%, equivalente ao do grupo que trabalha (considerando-se também
os que trabalham e estudam). Essa foi a única área selecionada onde tal situação foi
registrada. No Atlântico Norte, no conjunto, o percentual daqueles que estavam
desempregados foi inferior ao encontrado em Itinga (9,4%). Na mesma Tabela 16 pode-se
verificar que o maior grupo de desempregados foi registrado em Pitangueiras, 19%. Em
Vilas, apenas 5% estavam desempregados e no Miragem nenhuma das pessoas se
encontrava nessa situação.
A maior parte das pessoas desempregadas estava sem trabalhar menos de um ano.
Dentro da área de Itinga, onde 43,8% compunham esse conjunto, apenas no Sayonara o maior
percentual dos desempregados estava na faixa de 1 a 3 anos (50,0%). Das quatro áreas
selecionadas do Atlântico Norte, no Araqui e Pitangueiras mais de 50% dos desempregados
estavam nessa condição menos de 1 ano e em Vilas 67% tinha entre um e três anos sem
emprego. Como se verifica na Tabela 17, 58,3% dos desempregados desse último distrito
estavam desempregados a menos de um ano. De modo geral, comparando os distritos
selecionados do Atlântico Norte e Itinga, nesse último havia mais pessoas com dificuldade de
conseguir se re-inserir no mercado de trabalho após a perda do emprego.
148
Tabela
17
Tempo de desemprego dos moradores das áreas selecionadas de Itinga e do
Atlântico Norte, 2005
menos de 1
ano
entre 1 e 3
anos
entre 3 e 5
anos
a mais de 5
anos
Jd. Centenário
50,0 20,0
20,0 10,0
Sayonara
25,0 50,0
25,0 0,0
Jd. Talismã
44,4 27,8
11,1 16,7
Itinga
43,8 28,1
15,6 12,5
Araqui
55,6
0,0 33,3 11,1
Pitangueiras
66,7
8,3 16,7 8,3
V. do Atlântico
33,3 66,7
0,0 0,0
Miragem
0,0
0,0 0,0 0,0
Atlântico Norte
58,3 12,5
20,8 8,3
Bairro/Loteamento/Distrito
Tempo de desemprego
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005
A Tabela 18 informa o local onde as pessoas exerciam suas atividades (trabalho ou
estudo, estágio, atividade voluntária, etc.). Nos dois distritos, o maior contingente estudava,
trabalhava ou era estagiário ou voluntário em Lauro de Freitas. Considerando as áreas internas
de Itinga, no Centenário 87,3% exerciam suas atividades em Lauro de Freitas, no Sayonara
esse percentual era de 65,1% e no Talismã, 66,7%. Nesse distrito, 75,5% atuavam dentro do
município e 24,5% o faziam em outros municípios.
Tabela
18
Local onde os moradores das áreas selecionadas de Itinga e do Atlântico Norte
exercem suas atividades, 2005
Lauro de Freitas
Salvador
Outros
municípios da
RMS
Outros
municípios
baianos
Outros
estados
Jd. Centenário
87,3
11,27
1,41
0,0 0,0
Sayonara
65,1 32,6
2,3 0,0 0,0
Jd. Talismã
66,7 31,1
2,2 0,0 0,0
Itinga
75,5
22,6
1,9
0,0
0,0
Araqui
74,1 19,0
5,2 1,7 0,0
Pitangueiras
79,4 12,7
6,3 1,6 0,0
V. do Atlântico
41,7 45,8
8,3 2,1 2,1
Miragem
46,9 36,7 12,2
2,0 2,0
Atlântico Norte
62,4
27,1
7,8
1,8
0,9
Bairro/Loteamento/Distrito
Local onde exerce a atividade
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
No Atlântico Norte, 62,4% atuavam em Lauro de Freitas, mas, se no Araqui e em
Pitangueiras mais de 70% dos que trabalhavam ou estudavam o faziam no próprio
município, esse percentual se reduzia para 41,7% em Vilas do Atntico onde 46% das
pessoas exerciam suas atividades em Salvador, e os que o faziam em Lauro de Freitas
149
eram, sobretudo, estudantes, e 46,9% no Miragem. Nesse último loteamento, 36,7%
dos indiduos atuava em Salvador, 12,2% em outros munipios da RMS
(particularmente, Camaçari, onde estão o Pólo e a Ford) e 4% em outros municípios da
Bahia e outros estados.
Além caracterizar os moradores, um outro grupo de perguntas visava verificar quanto
tempo residem no atual endereço, os motivos que os levaram para e onde residiam
anteriormente. Perguntados sobre a cidade da moradia anterior, em ambos os distritos, a maior
parte das pessoas era oriunda de Salvador: 58% dos que residiam em Itinga e 46% dos que
estavam no Atlântico Norte (Tabela 19).
Tabela
19
Local de residência anterior dos moradores das áreas selecionadas de Itinga e do
Atlântico Norte, 2005
Lauro de
Freitas
Salvador
Outros
municípios
baianos
Outros estados
Jd. Centenário
50,0 25,0 10,0 15,0
Sayonara
5,9 76,5 17,6 0,0
Jd. Talismã
11,1 77,8 11,1 0,0
Itinga
23,6 58,2 12,7 5,5
Araqui
44,4 38,9 11,1 5,6
Pitangueiras
28,6
21,4
42,9
7,1
V. do Atlântico
6,3 75,0 0,0 18,8
Miragem
23,5 47,1 5,9 23,5
Atlântico Norte
26,2 46,2 13,8 13,8
Bairro/Loteamento/Distrito
Local de residência anterior
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
Note-se que em Itinga, no Sayonara e Jardim Talismã, mais de 70% dos
entrevistados referiu ter migrado da capital, predominando nesses loteamentos pessoas com
tempo de residência no atual endereço igual ou superior a 21 anos, isso se verificou em 58% e
55,6% dos domicílios, respectivamente (Tabela 20). No Jardim Centenário (onde 25% dos
entrevistados moram no atual endereço mais de 20 anos), encontrou-se pessoas cujos pais
moravam em Itinga, e que após constituírem nova família optaram por permanecer no
bairro, seja no mesmo terreno ou adquirindo outro. Igualmente, havia pessoas que mais
recentemente se mudaram para esse loteamento e que residiam em outros pontos próximo,
mas que contavam com menor infra-estrutura. Essa situação pode estar associada ao elevado
percentual de pessoas que já residia em Lauro de Freitas.
No Atlântico Norte, 46,2% dos moradores tamm migrou de Salvador. No entanto,
150
deve-se destacar que esse percentual foi fortemente influenciado pelo perfil dos moradores de
Vilas e do Miragem: 75% e 47,1% do total vindo da capital, correspondentemente. Para o
Miragem ressalta-se, igualmente, o percentual dos oriundos de outros estados, equivalente ao dos
que viviam em Lauro de Freitas (23,5%), parte dos quais moradores de Vilas ou de Ipitanga.
Foi nesse bairro onde se encontrou a maior participão de migrantes interestaduais. Conforme a
Tabela 20, 88% dos moradores desse loteamento referiram ter menos de três anos no atual
endereço. Em Vilas, quase 38% dos entrevistados possuíam entre 10 e 15 anos no endereço atual.
Tabela
20
Tempo de residência no atual domicílio dos moradores das áreas selecionadas de
Itinga e do Atlântico Norte, 2005
até 3
4 a 9
10 a 15
16 a 20
21 a 25
26 a 30
31 e mais
Jd. Centenário
10,0
30,0
5,0
30,0
15,0
10,0
0,0
Sayonara
5,9
11,8
17,6
5,9
11,8
23,5 23,5
Jd. Talismã
11,1
22,2
11,1
5,6
16,7
22,2 11,1
Itinga
9,1
21,8
10,9 14,5
14,5
18,2 10,9
Araqui
33,3
5,6
11,1 22,2
5,6 5,6
16,7
Pitangueiras
28,6
21,4
7,1
0,0 0,0
14,3 28,6
V. do Atlântico
18,8
25,0
37,5
6,3 6,3 0,0 6,3
Miragem
88,2
11,8
0,0
0,0 0,0 0,0 0,0
Atlântico Norte
43,1
15,4
13,8
7,7 3,1 4,6
12,3
Bairro/Loteamento/
Distrito
Tempo que reside no atual domicílio (em anos)
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
No Araqui e em Pitangueiras, a situação mais similar à de Itinga, com pessoas
residindo em terrenos de familiares que muito estavam no local. Em Pitangueiras, estava o
grupo de residentes mais antigo dentre todas as áreas de pesquisa, com 28,6% dos
entrevistados referindo ter mais de 31 anos no domicílio atual (encontrou-se indivíduos com
mais de 40 anos no local) e a maior parte dos que estavam na amostra, 42,9%, imigrou do
interior do estado. Nesse bairro, assim como no Araqui, alguns entrevistados referiram ter
saído do bairro para outros locais de Lauro de Freitas, no entanto, por motivos diversos,
principalmente pelo menor custo da moradia, retornaram para o atual bairro, sobretudo para
morar no mesmo endereço, ainda que em outro domicílio. Isso repercutiu na quantidade de
pessoas que migraram de outras partes do município.
Acrescente-se que, no Araqui, uma área de invasão, e que resultou, em muito, da
ação de pessoas que moravam nas proximidades, em especial no Centro e em Portão.
Igualmente deve-se considerar que o custo de moradia nesse bairro é inferior ao de áreas
próximas (Ipitanga, Centro e Vilas) e possui melhor infra-estrutura do que uma área popular e
de invasão próxima (Lagoa dos Patos). Isso se relaciona à quantidade de moradores que tem
três anos ou menos de morada no Araqui (33,3%).
151
A Tabela 21 confirma que a possibilidade de aquisição da casa própria
39
no Araqui
foi um dos motivos principais que levou novos moradores ao bairro: 37,5% dos entrevistados
desse bairro apresentaram essa resposta. No entanto, em igual proporção, os entrevistados do
Araqui, assim como a maior parte dos de Vilas do Atlântico (66,7%) e do Miragem (56,3%)
se referiram à qualidade de vida
40
do bairro como o atrativo preponderante do local onde
vivem. Com isso, embora em Pitangueiras, 31,3% apresentassem a possibilidade de adquirir
moradia como a causa mais relevante de morar no bairro, no Atlântico Norte o principal fator
de atração desses moradores foi a qualidade de vida, seguida da possibilidade de aquisição da
casa própria. É importante salientar que em Vilas, nenhuma das respostas destacou esse
último ponto e que no Miragem o menor custo da moradia foi principalmente mencionado
pelos que alugaram a casa.
Tabela
21
Motivos de mudança para o atual domicílio segundo os moradores das áreas
selecionadas de Itinga e do Atlântico Norte, 2005
Possibilidade
de aquisição
da casa
própria
Qualidade de
vida
Localização
Mudança/
proximidade
de emprego
Ganhou
terreno
Outros
Jd. Centenário
40,1 14,8 25,9
7,4 0,0
11,1
Sayonara
52,4 28,6
9,5 0,0 9,5 0,0
Jd. Talismã
57,9 21,1 15,8
5,3 0,0 0,0
Itinga
49,3
20,9
17,9
4,5
3,0
4,4
Araqui
37,5 37,5 16,7
0,0 4,2 4,2
Pitangueiras
31,3 18,8 12,5 18,8 12,5
6,3
V. do Atlântico
0,0
66,7 12,5 12,5
0,0 8,4
Miragem
12,6 56,3
6,3
18,8
6,3 0,0
Atlântico Norte
18,7
47,9
11,5
12,5
5,2
4,2
Bairro/Loteamento/
Distrito
Motivos
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
No Atlântico Norte também se destacou a questão da maior proximidade ou da
mudança de emprego foram 12,5% do total de respostas , sobretudo pelos moradores do
Miragem, com 18,8% das respostas, e de Pitangueiras (também 18,8%), sendo que para esse
bairro, isso se verificou apenas para os moradores do Loteamento Morada do Sol (Tabela 21).
No Miragem, onde se encontrou significativa proporção de pessoas vindas de outros lugares
por conta de emprego, tanto situados em Lauro de Freitas como em outras unidades
39
Observe-se que nesse item, dado o tamanho da amostra e o pequeno grupo dos que alugavam a casa em todos
os bairros e loteamentos em foco, agrupou-se respostas referentes ao custo para residir, o que incluía tanto
compra como aluguel, que no caso desse bairro, foi equivalente a 16,7% enquanto aquisição da casa própria foi
de 20,8%.
40
Delimitou-se o que seria qualidade de vida , para efeito desse estudo, a partir das próprias respostas dos
entrevistados. Quando a expressão aparecia, perguntava-se o significado. Listando tais significados, agrupou-se
como qualidade de vida: tranqüilidade, pouco barulho, menor violência/maior segurança, melhor clima,
proximidade da natureza, morar em casa e aspectos estruturais do bairro.
152
municipais da RMS, a opção de morar nesse loteamento decorreu da proximidade em relação
ao emprego, mas igualmente foi importante o custo menor em relação a Vilas e a
possibilidade de usufruir (dada a contigüidade espacial) da sua infra-estrutura e da apontada
qualidade de vida do bairro.
Em Itinga, no distrito de forma geral, assim como nos três loteamentos estudados, a
possibilidade de aquisição da casa própria foi fundamental para que as pessoas entrevistadas
para se mudassem (representando 46,3% das respostas), estando o item qualidade de vida
em segundo lugar para o distrito. A questão da localização aí também foi bastante importante,
especialmente para os moradores do Jardim Centenário (25,9% das respostas, a segunda mais
mencionada). No Atlântico Norte, o fator localização foi o quarto mais mencionado,
aparecendo em todas as subáreas pesquisadas. Destaque-se que a localização foi mais
mencionada no Araqui e menos no Miragem.
Sob esse aspecto, partindo-se das considerações de Villaça (2001) e Santos (2002b),
que tratam da localização enquanto proximidade e acessibilidade, agregou-se nesse indicador
respostas que mencionassem a presença no bairro ou em suas áreas circunvizinhas ou a
facilidade para se chegar e/ou ser atendido em suas demandas a locais, equipamentos e
serviços (centro de Salvador, centro de Lauro de Freitas, comércio, bancos, escolas, serviços
médicos, trabalho etc.) e no mercado de trabalho.
Os Gráficos 3 e 4 evidenciam com mais clareza as diferentes motivações que
levaram as pessoas se deslocaram dos seus antigos domicílios para Itinga e para o Atlântico
Norte, especialmente nos itens relacionados à possibilidade de aquisição da casa própria e a
busca de qualidade de vida.
Gráfico
3 Motivos de mudança para o atual domicílio segundo os moradores das áreas
selecionadas de Itinga, 2005
Possibilidade de
aquisão da casa
própria
Qualidade de vida
Localização
Mudança/proximidade
de emprego
Ganhou terreno
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
153
Gráfico
4 Motivos de mudança para o atual domicílio segundo os moradores das áreas
selecionadas de Atlântico Norte, 2005
Possibilidade de
aquisição da casa
própria
Qualidade de vida
Localização
Mudança/proximidade
de emprego
Ganhou terreno
Outros
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
Respondendo sobre as vantagens e desvantagens de residir em seu domicílio
atualmente, em Itinga a localização apareceu como principal vantagem: 35% das respostas
(Tabela 22). Em seguida, com 30%, assinalou-se qualidade de vida proporcionada pelo bairro.
Contudo, a localização também foi apresentada como uma das principais desvantagens de
residir em Itinga, superada apenas pelos problemas decorrentes da falta de serviços públicos
adequados e falta de infra-estrutura (18%, 27% e 21%, correspondentemente). Destacaram-se
as respostas que ressaltavam os problemas existentes na área de saúde; assim, mesmo
havendo uma série de equipamentos públicos e privados no bairro, seus moradores
consideraram que, especialmente no setor público, o atendimento (em termos das
necessidades de especialidades médicas e forma de relação dos funcionários com o público)
era deficiente. Esse foi um problema apontado nas três áreas de pesquisa, especialmente por
aqueles entrevistados mais escolarizados ou que tinham filhos pequenos.
Tabela
22
Vantagens de residir no atual endereço segundo os moradores de Itinga e do
Atlântico Norte, 2005
Absoluto
%
Absoluto
%
Boas relações de vizinhança
4
5,2
7
5,7
Características infra-estruturais do bairro
9
11,7
3
2,5
Localização (proximidade e acessibilidade)
27
35,1
26
21,3
Não sabe/não tem
4
5,2
6
4,9
Qualidade de vida
23
29,9
77
63,1
Ter casa própria
2
2,6
1
0,8
Tudo
7
9,1
1
0,8
Outros
1
1,3
1
0,8
Total
77
100,0 122
100,0
Atlântico Norte
Vantagens
Itinga
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
154
Quanto à falta de infra-estrutura, estava associada, sobretudo, à questão da ausência
de saneamento básico, de rede de coleta de águas pluviais, pavimentação e construção de
passeios e limpeza das ruas. Essa resposta foi mais comum no Jardim Talismã, ainda que
tenha aparecido nas demais áreas.
No Atlântico Norte, foi considerada como vantagem principal dos bairros a
qualidade de vida (63%). Essa resposta emergiu particularmente no discurso dos residentes de
Vilas e do Miragem, mas não exclusivamente. Mencionou-se também a localização como um
dos aspectos positivos do local, essa foi a segunda resposta mais repetida (21,3% do total),
contudo, a localização igualmente se constituía em desvantagem (Tabela 23). Assim como em
Itinga, o fato de ser longe de Salvador, do centro, ... onde acontecem as coisas... , como
disse uma moradora de Vilas, é um grande problema em termos de tempo e custo de
deslocamento. A distância de uma série de serviços e do comércio mais diversificado, de
eventos e lugares de lazer, portanto, aparece como um problema para os moradores de Itinga e
do Atlântico Norte. Note-se que em Vilas e no Miragem, assinalou-se que embora se constitua
num problema, as vantagens (inclusive a possibilidade de morar num espaço maior a um custo
menor) compensam morar mais afastado da capital. Nas áreas de Itinga, ressaltou-se que a
localização do bairro dificulta inclusive o acesso ao mercado de trabalho.
Tabela
23
Desvantagens de residir no atual endereço segundo os moradores de Itinga e do
Atlântico Norte, 2005
Absoluto
%
Absoluto
%
Ausência de serviços adequados
21
26,9
17
17,3
Descaso do poder público
1
1,3
5
5,1
Falta de infra-estrutura, sanemento, drenagem,
pavimentação e limpeza
16
20,5
18
18,4
Localização (distância e dificuldade de acesso)
14
17,9
27
27,6
Não sabe/não tem
14
17,9
12
12,2
Preconceito com relação ao bairro
3
3,8
2
2,0
Tudo
0
0,0
4
4,1
Violência/insegurança
7
9,0
13
13,3
Vizinhança
2
2,6
0
0,0
Total
78
100,0
98
100,0
Atlântico Norte
Desvantagens
Itinga
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
A falta de infra-estrutura, o segundo maior problema do Atlântico Norte conforme os
entrevistados, com 18,4% das respostas, foi mais mencionada no Araqui embora tenha sido
dita em todas as áreas. Falou-se dos alagamentos, das calçadas irregulares, da pavimentação
deficiente ou inexistente das ruas e da ausência de rede de esgoto, principalmente.
Do mesmo modo que em Itinga, a ausência de serviços adequados especialmente
155
de saúde foi assinalada. Mesmo em Vilas e no Miragem houve queixas associadas à falta
de serviços públicos, que foram mais assinalados no Araqui e em Pitangueiras.
Levantados os motivos que levaram as pessoas a residir no atual bairro, procurou-se
identificar as formas de aquisição do imóvel e como para a maior parte dos entrevistados, a
compra foi do lote e não do domicílio, investigou-se a forma de construção.
Tratando-se das formas de aquisição, nos dois distritos a compra foi feita
principalmente junto a particular, ou seja, não adquiriram os lotes ou casas diretamente do
agente imobilrio, que aparece em segundo lugar tanto para Itinga como para o Atlântico
Norte. Em Itinga 49,1% dos proprietários compraram o ivel de terceiros e 25,5%
diretamente da imobiliária (Tabela 24). No Atntico Norte, no primeiro caso estavam
41,5% dos entrevistados e no segundo 20,0%, sendo que para esse distrito tamm houve
compra de domilios prontas junto a construtoras, o que o ocorreu em nenhum dos
loteamentos de Itinga. Em relão à forma de aquisição, não houve varião significativa
nas áreas internas dos dois distritos, à exceção Miragem, onde aluguel mencionado em
47% dos domilios.
Tabela
24
Formas de aquisição do imóvel segundo os moradores das áreas selecionadas de
Itinga e do Atlântico Norte, 2005
Absoluto
%
Absoluto
%
Aluguel
1
1,8
15
23,1
Compra junto a imobiliária/construtora
14
25,5
13
20,0
Compra junto a particular
27
49,1
27
41,5
Herança/ganhou de parente
5
9,1
5
7,7
Invasão
2
3,6
3
4,6
Não sabe
6
10,9
2
3,1
Total
55
100,0
65
100,0
Forma de aquisição do imóvel
Itinga
Atlântico Norte
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
Em Itinga, apenas no Jardim Talismã algumas pessoas (11%) mencionaram ter
ocupado o terreno ilegalmente (invasão). Note-se que parte das entrevistas foi realizada numa
área reconhecidamente de invasão, no entanto, já se tratavam de moradores que haviam
comprado a casa ou o lote do primeiro ocupante. Ademais, nos casos em que foi declarado
que se herdou ou ganhou o terreno (leia-se parte do terreno de algum parente) não foi possível
identificar a forma como a proprietário original adquiriu o lote. No Atlântico Norte, somente
no Araqui, onde 16,7% dos entrevistados disseram ter obtido a partir de sua ocupação
irregular, verificou-se o mesmo processo.
Quanto à forma de construção, excluindo-se os que alugam o domicílio (1,8% em
156
Itinga e 23,1% no Atlântico Norte), e os que compraram o domicílio pronto (10,9% em Itinga
e 27,5% no Atlântico Norte), em ambos os distritos predominou a auto-construção: 59,2% no
primeiro distrito e 40,5% no segundo. Em Itinga, a segunda forma predominante de
construção foi a associação da autoconstrução e mutirão (esse realizado para bater a lage ) e
em terceiro lugar a contratação de particular (geralmente parente ou conhecido) 20,4% e
16,3%, correspondentemente. No Atlântico Norte, a segunda resposta mais mencionada foi
contratou particular (29,7% eram desde parentes e conhecidos até profissionais de nível
superior) e em terceiro, contratou empresa especializada (16,2%) como se nota no Gráfico 5.
Gráfico
5 Formas de construção do imóvel segundo os moradores das áreas selecionadas de
Itinga e do Atlântico Norte, 2005
0,0
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
Mutirão Auto-
constrão
Contratou
particular
Auto-
constrão e
mutirão
Contratou
particular e
auto-
constrão
Contratou
empresa
especializada
Não sabe
Formas de cosntrução
Itinga
Atlântico Norte
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
Deve-se ressaltar que o processo de autoconstrução nesse último distrito ocorreu
apenas no Araqui e em Pitangueiras e em elevada proporção (46,2% e 69,2%,
respectivamente). Nas demais áreas do Atlântico Norte prevaleceu a contratação de terceiros,
empresas ou trabalhadores especializados.
Verificar as características dos domicílios e a quantidade de moradores por domicílio
foi outro objetivo desse questionário. Nesse sentido, observaram-se as paredes da frente das
casas
41
por ser a única possível de ver em todos os domicílios e os tipos de cobertura.
Em conjunto, no bairro de Itinga, tal como se nota pela Tabela 25, a maior parte dos
domicílios (36,4%) tinha acabamento em sua parte frontal, sendo emassados e pintados.
Contudo, quase 30% delas era rebocada e pintada e 18,2% estavam com tijolo aparente.
41
Nas moradias mais pobres, muitas vezes a parede externa, frontal à rua, era a com melhor acabamento: embora
a frente da casa fosse pintada, o interior e/ou as laterais eram de tijolo aparente. Do mesmo modo, por vezes o
muro externo era emassado e pintado, mas o domicílio não possuía esse tipo de acabamento.
157
Quanto ao tipo de cobertura, predominou a telha de amianto em 49% dos domicílios. Em
seguida, registrou-se 25,5% de residências cuja cobertura era de laje. Nessas era comum que a
laje se constituísse numa preparação para posterior construção, o que ficava mais evidente nos
casos de, além da laje, haver pilares e outro tipo de cobertura. Note-se que as pessoas
consideravam que a casa tinha mais de um pavimento se os cômodos já tivessem sido
erguidos, mesmo que a área (laje) fosse usada como um terraço.
Tabela
25
Características gerais externas dos domicílios das áreas selecionadas em Itinga e no
Atlântico Norte, 2005
Absoluto
%
Absoluto
%
Tijolo aparente
10
18,2
4
6,3
Emassada
1
1,8
5
7,8
Emassada e pintada
20
36,4
48
75,0
Rebocada
8
14,5
1
1,6
Rebocada e pintada
16
29,1
6
9,4
Paredes externas/frente
55
100,0
64
100,0
Amianto
27
49,1
12
18,8
Telha de cerâmica
7
12,7
14
21,9
Laje
14
25,5
4
6,3
Laje e telha de cerâmica
2
3,6
32
50,0
Laje e telha de amianto
4
7,3
1
1,6
Amianto e cerâmica
1
1,8
1
1,6
Cobertura
55
100,0
64
100,0
Características do domicílio
Itinga
Atlântico Norte
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
No Atlântico Norte, 75% dos domicílios tinham ao menos suas paredes da frente
emassadas e pintadas, ou seja, com acabamento final. Rebocadas e pintadas eram somente
9,4% das moradias. Em 50% delas, a cobertura era de laje e telha de cerâmica. O segundo tipo
de cobertura mais comum foi a telha de cerâmica.
Todavia, destaque-se que as áreas pesquisadas tanto em Itinga como no Atlântico
Norte apresentam diferenças significativas nos padrões de construção (Gráficos 6 e 7). Com
relação às paredes, Vilas e Miragem despontam com 100% dos domicílios emassados e
pintados, embora esse também tenha sido o tipo predominante no Jardim Centenário (50%),
Sayonara (35,3%), Araqui (53%)e Pitangueiras (43%). Apenas no Talismã, a maioria dos
domicílios contava com outro tipo de acabamento em maior proporção: rebocada e pintada,
em 39% das residências.
Sobre as especificidades da cobertura, mais uma vez Vilas do Atlântico e o Miragem
destacavam-se por terem, em mais de 70% das residências, laje e telha de cerâmica. O tipo de
telha mais barata, a de amianto, foi evidenciado em maior número no Sayonara (47%), no
Talismã (83%), Araqui (41%) e Pitangueiras (36%). No Centenário, 40% das casas tinham a
158
combinação de amianto e cerâmica, alternativa utilizada, geralmente, para recompor parte do
telhado danificado.
Gráfico
6 Características gerais das paredes externas dos domicílios das áreas selecionadas em
Itinga e no Atlântico Norte, 2005
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Jd.
Centenário
Sayonara Jd. Talismã Araqui Pitangueiras V. do
Atlântico
Miragem
Tipos de parede
Tijolo aparente Emassada Emassada e pintada Rebocada Rebocada e pintada
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
Gráfico
7 Tipo de cobertura dos domicílios das áreas selecionadas em Itinga e no Atlântico
Norte, 2005
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Jd.
Centenário
Sayonara Jd. Talismã Araqui Pitangueiras V. do
Atlântico
Miragem
Tipos de cobertura
Amianto Telha de cerâmica
Laje
Laje e telha de cerâmica
Laje e telha de amianto
Amianto e cerâmica
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
Na maioria dos domicílios dos dois distritos residem de três a quatro pessoas; no
159
entanto, em Itinga e no Atlântico Norte, aproximadamente, 12,5% deles contavam com sete e
mais habitantes. A Tabela 26 evidencia que os domicílios mais populosos foram encontrados
no Araqui e os com menor número de moradores no Miragem.
Tabela
26
Número médio de moradores por domicílio das áreas selecionadas de Itinga e do
Atlântico Norte, 2005
de 1 a 2 de 3 a 4 de 5 a 6
7 e mais
Jd. Centenário
10,0 30,0 45,0 15,0
Sayonara
11,8 70,6 17,6
0,0
Jd. Talismã
27,8 33,3 16,7 22,2
Itinga
16,4 43,6 27,3 12,7
Araqui
17,6 41,2 17,6 23,5
Pitangueiras
0,0
35,7 42,9 21,4
V. do Atlântico
0,0
75,0 18,8
6,3
Miragem
29,4 58,8 11,8
0,0
Atlântico Norte
12,5 53,1 21,9 12,5
Bairro/Loteamento/Distrito
Número médio de moradores
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
Sobre o número médio de cômodos, as diferenças são mais expressivas. Em Itinga, a
média foi de 5,7. Os domicílios, normalmente, seguem a estrutura quarto (ou quartos), sala,
cozinha e banheiro, podendo ser acrescentada uma varanda ou área de serviço fechada. No
caso dos diferentes loteamentos desse bairro, isso foi o mais comum. Em nenhuma das
residências de Itinga havia dependência de empregada ou área de lazer mais sofisticada, no
máximo o quintal ou o jardim.
No Atlântico Norte, a média foi bastante superior, 8,9 cômodos/domicílio. Na Tabela
27 verifica-se que as residências com maior número de cômodos estavam em Vilas e no
Miragem, (11,5 e 10,0, respectivamente). Além do mais, 85% dos domicílios desses bairros
possuíam dependência de empregada (no distrito 46% das moradias contava com
dependência), entendida como quarto e banheiro; normalmente essas casas, especialmente as
de Vilas, tinham mais de três dormitórios, duas a três salas, mais de dois banheiros além da
suíte, escritório, copa etc. Ademais, algumas tinham piscina e sala de jogos e dormitório para
caseiro na área externa.
Em outros termos, na quantidade de cômodos se torna mais significativa quando se
observam as características desses domicílios que, pelo apresentado até o momento, se
revelam mais qualificados em Vilas do Atlântico e no Miragem. Acrescente-se que a área dos
mesmos é significativamente maior, espacialmente os de Vilas, cujo tamanho médio de
terreno é próximo a 450m
2
. Ademais, neste bairro, a construção das moradias contou com a
contratação de mão-de-obra particular, que variou desde operários, a mestres-de-obras e
160
engenheiros. No caso do Miragem, as moradias seguem um padrão semelhante, contudo, é
importante que se lembre da fragmentação a que os terrenos originais foram submetidos o que
resultou em divisão dos lotes para a construção, por exemplo, de
villages
onde foram
realizadas algumas entrevistas. Nesses, embora as moradias fossem menores em termos de
área construída, existe uma estrutura de lazer composta por, basicamente, piscina, área para
festas e churrasqueira.
Tabela
27
Relação entre o número de moradores por cômodos nos domicílios das áreas
selecionados de Itinga e do Atlântico Norte, 2005
Bairro/Loteamento/Distrito
Moradores/quarto
Nº médio de cômodos
Nº médio de
moradores/ domicílio
Jd. Centenário
2,4 5,9 4,8
Sayonara
2,0 6,1 3,8
Jd. Talismã
2,5 5,2 4,7
Itinga
2,3 5,7 4,4
Araqui
2,4 6,7 5,1
Pitangueiras
2,0 7,5 5,3
V. do Atlântico
1,5
11,5
4,1
Miragem
1,1
10,0
4,1
Atlântico Norte
1,7 8,9 4,7
Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro-junho/2005.
Em Pitangueiras e no Araqui, os processos evidenciados foram mais distintos. No
entanto, pode-se dizer que, associando-se os dados da Tabela 27 a outros apresentados, o
maior mero médio de cômodos em relação a Itinga resultou tanto das moradias edificadas
no Loteamento Morada do Sol (Pitangueiras), destinado à classe média, como dos novos
moradores do Araqui, sejam descendentes dos antigos moradores ou efetivamente novos
proprietários que ampliaram ou edificaram outros domicílios com melhor e maior padrão de
construção, derrubando os antigos.
Em Itinga, o terreno oscila em torno de 200m
2
, havendo mais de uma moradia no
mesmo lote. Ademais, a construção decorreu essencialmente de autoconstrução raramente
contando com uso de mão-de-obra ou materiais mais qualificados.
Vale destacar algumas das características dos dados da amostra aqui apresentados.
Comparando-se os dois distritos notou-se que em Itinga, de modo geral, encontraram-se
pessoas com pouca escolaridade (predominando o contingente que não tinha sequer o ensino
fundamental completo), maior proporção de desempregados e de pessoas sem emprego fixo
que recorrem aos biscates como estratégia de sobrevivência. Parte significativa dos
entrevistados reside mais de 20 anos no local e foi atraída pelo sonho da casa própria.
Nesses domicílios, o tipo de cobertura mais usado e as características da parede frontal
161
denotam que os domicílios pertencem a pessoas de menor poder aquisitivo.
No Atlântico Norte, para a maior parte das pessoas verificou-se que estavam
cursando ou haviam concluído vel superior. Havia significativa parcela de pessoas que
trabalhavam, a maioria com carteira assinada, e uma proporção também significativa de
autônomos exercendo profissões de nível superior. Predominam pessoas que moram no atual
domicílio menos de quatro anos, em residências cujo acabamento principal das paredes é
do tipo mais qualificado, contando com cobertura de laje e telhado de cerâmica.
Observando-se cada uma das áreas internas desses distritos, ou seja, a partir de uma
escala mais restrita, pode-se identificar algumas peculiaridades no que tange às características
dos moradores e dos domicílios. Em Itinga, houve maior convergência entre o perfil levantado
para os loteamentos Sayonara e Jardim Centenário em termos da escolaridade e da inserção
no mercado de trabalho, sendo que nesse último havia maior número dos que tinham carteira
assinada. Igualmente no Centenário, registrou-se maior proporção dos que referiram nível
médio e superior e de domicílios com melhor tipo de acabamento.
No Jardim Talismã, ainda que houvesse mais pessoas com nível médio concluído do
que no Sayonara, a proporção de desempregados era quatro vezes maior, sendo esta área onde
aqueles que não possuíam emprego fixo obtiveram maior participação no conjunto daqueles
que exerciam algum tipo de atividade. Quanto aos domicílios, foi significativa a proporção
dos que tinham tijolo aparente, superando em muito a encontrada nas demais áreas.
No Atlântico Norte, as desigualdades de condições dos moradores e domicílios
ficaram mais evidentes. Pode-se, na verdade, agrupar, dadas as semelhanças, Vilas do
Atlântico e Miragem. Esses dois loteamentos que conferiram a esse distrito a alta participação
de pessoas com nível superior. Quanto à inserção no mercado de trabalho, aliada à condição
de carteira assinada, verificou-se que 1/3 dos que trabalhavam eram autônomos, sendo esses
profissionais liberais. Tendo como motivo primeiro para passarem a residir nesses locais a
busca de qualidade de vida , os moradores de Vilas e do Miragem possuíam, de modo geral,
casas mais amplas em termos de número de cômodos e mais qualificadas em termos do
material de construção do que os de todas as demais áreas.
No Araqui, o nível de escolaridade e a forma de participação do mundo do trabalho,
assim como as características predominantes dos domicílios, de acordo as respostas dos
entrevistados, se aproximam muito mais dos observados em Itinga do que com a média do
Atlântico Norte. em Pitangueiras, embora haja escolaridade maior do que a do Araqui,
havia mais desempregados do que neste último. Do mesmo modo, a proporção de
desempregados de Pitangueiras superava a apresentada pelos loteamentos Jardim Centenário e
162
o Sayonara, em Itinga. Do mesmo modo, a proporção dos que trabalhavam e as características
da residência dos moradores mais antigos eram mais similares às desses últimos loteamentos
do que com Vilas e Miragem.
Acrescente-se que no Araqui e Pitangueiras, o principal motivo que levou os
entrevistados a morarem nesses bairros foi a possibilidade de aquisição da casa própria.
5.2.2
A segregação dentro da área segregada
Em Itinga existem áreas onde a pobreza é mais ou menos evidente, mas
indubitavelmente, nesse distrito predominam pessoas com baixo poder aquisitivo. Se as
histórias iniciais dos loteamentos Jardim Centenário, Sayonara e Jardim Talismã foram
similares, as condições em que se encontram no presente os distinguem. O primeiro desses, o
Jardim Centenário, se situa nas proximidades da área mais central de Itinga (o Largo do
Caranguejo) e, dentre os três loteamentos, era o mais próximo à BA-099. Além disso, esse
loteamento é atravessado pela mais movimentada avenida de Itinga, a Fortaleza. Contando ou
estando próximo a uma série de equipamentos comerciais e de serviços e linhas de transporte,
o trecho do loteamento, situado entre o Caranguejo e a avenida Fortaleza encontra-se
praticamente todo asfaltado (como nas ruas das Fotos 45, 46 e 47), conta parcialmente com
rede de esgoto, e coleta de lixo diária na porta dos domicílios e, eventualmente, as ruas são
varridas pelo órgão público responsável.
Foto
45
Loteamento Jardim Centenário,
rua Jorge Sales
Fonte: A autora, 18/05/2005.
Foto
46
Loteamento Jardim Centenário, rua
Ismael Souza Conceição
Fonte: A autora, 18/05/2005.
Quanto às calçadas (que os moradores denominavam de
passeio
), de modo geral,
foram feitas (quando existem) pelos proprietários dos lotes, à exceção, do margeamento da
163
avenida Forteleza, onde se verificou intervenção da prefeitura. Dada a forma de construção,
com ausência de fiscalização ou orientação sobre o recuo necessário, a altura etc., as calçadas
são irregulares (feitas em degraus ou com altura diferente em cada domicílio) dificultando sua
utilização em alguns trechos. Como disse um morador
o cara só anda na pista [...] é calçada
para canguru, que vive pulando...
(a exemplo do destacado na Foto 45).
Sobre os domicílios, a visão geral era de casas que haviam sido concluídas em etapas
(um pavimento, depois outro), ao lado de outras onde as obras pareciam estar em estágio
inicial de construção, sendo que o primeiro tipo prevalecia sobre o segundo, a exemplo do que
se identificou na rua Cardeal Brandão Vilela e na Travessa Gilberto Matos. Na Foto 47 e 48,
vê-se moradias com o primeiro pavimento pronto e um segundo ou terceiro em construção,
embora já sirvam de moradia para filhos do proprietário. Destacou-se na Foto 47, algo que foi
visto em alguns dos domicílios: uma escada comum dando acesso ao pavimento superior da
casa ainda sendo construído.
Foto
47
Loteamento Jardim Centenário, rua
Cardeal Brandão Vilela
Fonte: A autora, 22/05/2005.
Foto
48
Loteamento Jardim Centenário, rua
Cardeal Brandão Vilela
Fonte: A autora, 22/05/2005
.Igualmente, verificam-se domicílios com muros altos e calçadas ajardinadas, com
fícus, a exemplo do encontrado em bairros onde predominam moradores das classes médias e
altas (Fotos 49 e 50).
Sabendo-se que nessa área a construção das casas decorreu essencialmente do
emprego do trabalho da família nas suas horas de folga, quando havia disponibilidade
financeira para comprar material de construção, um processo sabidamente demorado, o
estágio de parte dessas casas revela o tempo e o dinheiro que as pessoas empregaram na
construção da sua moradia. Isso finda por se refletir na melhoria de sua condição de vida e do
164
seu status residencial , como disse Caldeira (2003), com as características do domicílio
incidindo na melhor qualificação do bairro. Nesse processo, o indivíduo se sente responsável
e gratificado pela melhoria do lugar aonde vive.
Foto
49
Loteamento Jardim Centenário, travessa
Gilberto Matos
Fonte: A autora, 22/05/2005.
Foto
50
Loteamento Jardim
Centenário, rua Ismael Souza Conceição
Fonte: A autora, 22/05/2005.
Os moradores destacaram o progresso do seu loteamento, o que foi associado à
pavimentação das vias de circulação, ao crescimento do número de casas e melhoria das
mesmas e à diminuição da violência. Isso foi verificado inclusive por moradores de outras
áreas de Itinga e do município na medida em que se mudaram para por conta de ser um
lugar melhor e mais perto da rua , ou seja, mais central.
As fotos anteriores evidenciam domilios com mais de um pavimento, casas com
muros altos e, seguindo o pado atual de embelezamento utilizado pelas classes
dias, parte dela tinha, no lugar das calçadas, jardins. As casas mais bem estruturadas,
normalmente, pertenciam a falias que chegaram em Itinga bastante tempo e
instalaram algum tipo de corcio no local. Isso fez com que essas pessoas
estabelecessem uma relação especial com o lugar uma familiaridade com ele e com as
pessoas que moravam nele , foi onde conseguiram tudo , am da casa própria, a
condição de sobrevincia da falia (normalmente, toda a falia, inclusive os filhos,
trabalham no comércio dos pais).
Do mesmo modo, viu-se residências mais simples, menores e/ou sem ao menos a
parede da frente pintada. Identificaram-se, igualmente, situações onde o terreno foi
fragmentado para que se construísse mais de um domicílio, para alugar ou para abrigar um
165
parente (normalmente filhos dos proprietários) que tivesse constituído nova família.
O loteamento Sayonara, embora não contasse com nenhum comércio mais
significativo, tinha apenas algumas pequenas vendas e bares, nem escolas ou qualquer outro
serviço, encontra-se bastante próximo dos mesmos, inclusive de supermercados bastante
utilizados por pessoas de outras localidades, dada a sua diversidade e preço mais acessível.
Segundo afirmaram alguns moradores, principalmente com a implantação do Parque Santa
Rita
42
(localizado em frente ao Sayonara, ver Foto 39) onde, além de moradias, havia
escolas e comércio ocorreu a instalação de pontos comerciais nas proximidades, embora
antes já morassem muitas pessoas naquela região de Itinga.
Composto apenas de uma longa e enladeirada rua central, o loteamento Sayonara
possuía trechos com características distintas. Num primeiro trecho , embora sem
manutenção adequada, a rua está pavimentada com paralelepípedos, conta com calçadas e
esgotamento sanitário em parte dos domicílios. Cabe notar que as calçadas foram instaladas
pelos próprios moradores, o mesmo tendo ocorrido com a rede de esgoto (construída por meio
de mutirão, com material doado pelo poder público municipal). Esse é o trecho que, em
termos de infra-estrutura, possui as melhores condições de moradia do loteamento e é o mais
próximo da avenida São Cristóvão.
Os domicílios dessa parte do Sayonara possuem padrões de constrão distintos,
embora predominem casas onde, aparentemente, o processo de construção alcançou sua
fase final, com toda a área externa estando pintada, acabamento nas janelas, portas e pisos.
Em parte delas havia mais de um pavimento. Ao lado dessas, encontravam-se moradias
mais prerias, algumas pequenas e com poucos cômodos, e terrenos com mais de um
domicílio que, do mesmo modo que no Centenário, isso normalmente decorria da
divisão feita pelo proprietário com seus filhos. Geralmente, quando havia esse tipo de
arranjo, a moradia das famílias era precária. Verifica-se domilios com caractesticas de
constrão distintas, sendo que naquele onde o muro era de tijolo aparente, havia cinco
residências e uma loja (cuja porta está fechada). Percebe-se a calçada irregular (quando
existe) e, tanto nela como na rua, brotam plantas. Chama-se a atenção também para a casa
mais à direita da Foto 51: do mesmo modo que rias das vistas em Itinga, a parede lateral
é de tijolo aparente.
42
Conjunto residencial construído pelo Estado e que como tal, foi adquirido por pessoas com algum vínculo
empregatício.
166
Foto
51
Loteamento Sayonara, rua José Cardoso dos Santos ( 1º trecho )
Fonte: A autora, 28/06/2005.
No segundo trecho , na pavimentação das ruas encontrava-se o que os moradores
chamaram de resto de calçamento , em parte dela já não existia ligão com a rede de esgoto, e
mesmo onde havia, essa ligação era inadequada fazendo com que ocorressem entupimentos e o
esgoto retornasse para a rua. Para as águas da chuva também não existia um sistema de coleta
adequado e, quando elas ocorriam de modo mais intenso, nas porções mais baixas dessa rua, que
se localizam nesse trecho, havia alagamento. Nessa parte do loteamento, as calçadas praticamente
inexistiam ou estavam recobertas pelo mato que, aliás, também se encontrava em alguns terrenos
(Fotos 52). Em termos das características dos domicílios, o diferiam essencialmente das do
primeiro ou do terceiro trecho dessa rua (Foto 53). Viu-se muros altos e casas maiores,
normalmente abrigando mais de uma família. Contudo, algumas apresentavam características
mais precárias, além de, como no Centenário, apresentarem diferentes estágios de construção.
Foto
52
Loteamento Sayonara, rua José Cardoso dos Santos ( 2º trecho )
Fonte: A autora, 28/06/2005.
(1) Calçadas irregulares (em degraus) e não pavimentadas; (2) parte da cobertura
da rua danificada.
167
Foto
53
Loteamento Sayonara, rua José Cardoso dos Santos ( 2º trecho )
Fonte: A autora, 28/06/2005.
No terceiro trecho , mais afastado da avenida principal, as casas de modo geral não
eram ligadas à rede de esgoto, a rua era de terra e as calçadas se mostraram ainda mais
exíguas, entretanto os domicílios eram maiores, alguns se assemelhavam a pequenas chácaras,
e os muros mais altos dos que a média das outras duas partes do loteamento. Também eram
mais esparsos, havendo terrenos desocupados e recobertos por mato (Fotos 54 e 55).
Foto
54
Loteamento Sayonara, rua José Cardoso dos Santos ( 3º trecho )
Fonte: A autora, 28/05/2005.
(1) Ruas sem pavimentação, (2) sem calçadas e com mato e entulho no lugar das
mesmas e (3) esgoto correndo a céu aberto.
168
Foto
55
Loteamento Sayonara, rua José Cardoso dos Santos ( 3º trecho )
Fonte: A autora, 28/05/2005.
(1) Ruas sem pavimentação, (2) sem calçadas e com
mato e entulho no lugar das mesmas.
O Jardim Talismã se localiza na parte final da avenida São Cristóvão. Os acessos
principais a esse loteamento se situam nas proximidades de Fim de Linha das Kombis. Essas
ruas são asfaltadas, assim como parte das cinco ruas centrais que o compõe: parte da rua
Sônia dos Santos Nunes (Foto 56), parte da Presidente Tancredo Neves e a parte da rua Jorge
B. dos Santos (Foto 57). As demais ruas do bairro não apresentam qualquer tipo de
pavimentação e, conforme um dos representantes da associação do bairro, Roque de O. dos
Santos, tem rua que não se passa nem de bicicleta
43
. Mais que isso, em alguns trechos, o
mato tomava conta do que seria uma rua forçando os moradores, como na época de
implantação dos loteamentos, a abrir caminho no mato para poder chegar aos seus domicílios.
Não sistema de coleta de água ou rede de esgotamento sanitário no Talismã. Mais
propriamente, como parte dos domicílios não dispõe nem mesmo de fossa séptica, o esgoto
das casas é canalizado para o rio que passa pelas ruas do bairro. Correndo a céu aberto, o
esgoto/rio atravessa alguns quintais e terrenos vazios se juntando ao lixo que, como não é
coletado em todas as ruas ao contrário do que ocorria no Centenário e no Sayonara ,
devido a ausência de pavimentação impossibilitar o acesso do caminhão a todas as localidades
do bairro. Por esse motivo, alguns moradores jogavam o lixo nos terrenos baldios. Observe-se
que, ainda com relação à coleta de lixo, mesmo as ruas pavimentadas não eram totalmente
atendidas pelos funcionários da limpeza urbana. De modo geral, cabia aos moradores
depositar o lixo em determinados locais, principalmente na calçada lateral do Colégio
Municipal Jardim Talismã (ver detalhes da Foto 56), para ser recolhido posteriormente. No
entanto, não existem
contêineres
; assim, o lixo, do mesmo modo que o esgoto, fica exposto.
43
Em entrevista concedida em 20/05/2005.
169
Verificam-se ruas inteiras ou em grandes trechos das mesmas sem asfalto e onde as condições
de circulação são precárias; algumas áreas do loteamento eram acessíveis à por degraus
escavados no barro. As Fotos 58 e 59 apresentam diferentes partes de uma rua onde passam
veios d água.
Foto
56
Loteamento Jardim Talismã, rua Sônia
dos Santos Nunes
Fonte: A autora, 20/06/2005.
(1) Trechos das ruas sem pavimentação, (2) local onde o
lixo deve ser depositado para ser recolhido pela empresa de
limpeza urbana
Foto
57
Loteamento Jardim Centenário,
rua Jorge B. Santos
Fonte: A autora, 20/06/2005.
(1) Trechos das ruas sem pavimentação, (2)
local onde o lixo deve ser depositado para
ser recolhido pela empresa de limpeza
urbana e (3) a falta de pavimentação das
calçadas.
Foto
58
Loteamento Jardim Talismã,
rua Gildete G. de Jesus
Fonte: A autora, 20/06/2005.
Foto
59
Loteamento Jardim Talismã, rua
Gildete G. de Jesus
Fonte: A autora, 20/06/2005.
170
Há uma parte desse loteamento cuja ocupação foi decorrente de um processo de invasão
do que seria sua área verde. Trata-se da Travessa Carlos Coutinho que tem como um aspecto
marcante o fato de ter sido constrda com casas à esquerda e à direita de um rrego que cai de
uma elevação de pedras, como uma cascata (Foto 60). De sua margem para as casas, em ambos os
lados, a distância é, no ximo, pouco superior a um metro. Havendo chuvas, essas casas são
inundadas (em algumas delas, existiam pequenas muretas nas portas para dificultar a entrada da
água) e, como essa travessa o é pavimentada e se encontra em área bastante úmida, mesmo
alguns dias após a chuva, observa-se lama, dificultando o acesso dos moradores. Ademais, esse
córrego se encontra poluído por esgoto e por lixo (Foto 60 e 61).
Foto
60
Loteamento Jardim Talismã, 2ª Travessa Carlos Coutinho
Fonte: A autora, 20/06/2005.
(1) Queda d água; (2) o veio d água passando pela estreita
rua ; (3) tipo de barreira existente em várias das casas dessa
travessa para tentar impedir que a água entre e (4) saída de
esgoto.
Com relação especificamente às moradias dessa travessa, mostravam-se bastante
simples, com paredes emassadas e pintadas, algumas de estuque, outras com tijolos aparentes,
e telhados de amianto ou cerâmica bastante envelhecidos, como se nota em algumas das fotos
aqui expostas. São pequenas e com pouca possibilidade de expansão dado que foram
construídas bastante próximas umas das outras. Na verdade, a expectativa dos moradores era
de serem retirados do local em função da possibilidade de deslizamento de pedras de um
morro situado em suas proximidades
44
.
44
Os moradores falam desse morro como As Pedreiras e dizem que nas intensas chuvas do primeiro semestre
desse ano houve um deslizamento que, embora não tenha provocado vítimas, causou pânico às pessoas.
171
Foto
61
Loteamento Jardim Talismã, 2ª Travessa Carlos Coutinho
Fonte: A autora, 20/06/2005
A situação das ruas, que causa indignação entre os moradores ( [...] a gente não tem
nem direito a uma rua! disse A. que mora no loteamento desde 1973), associada à ausência
de drenagem e sistema adequado de escoamento do esgoto tem provocado contínuo
alagamento, com perdas significativas para os moradores. Na Foto 62 apresenta-se um
exemplo de local onde, rotineiramente, ocorre essa situação. Nota-se no Talismã o predomínio
de ruas onde a pavimentação inexiste, parte das quais com o mato ocupando o que deveria ser
uma via de passagem. Chama-se a atenção também para a precariedade das casas edificadas
no local (além das fotos já apresentadas, ver Foto 63).
Foto
62
Loteamento Jardim Talismã, rua
Presidente Tancredo Neves
Fonte: A autora, 20/06/2005.
Foto
63
Loteamento Jardim Talismã, rua
Presidente Neves
Fonte: A autora, 20/06/2005.
Centrando nas características das moradias desse loteamento, como nos demais são
domicílios do tipo casa, algumas com mais de um pavimento, mas, essencialmente, com
aspecto de estar em construção, ou seja, numa fase onde ainda não se havia pintado as
172
paredes, colocado piso ou portão. Foi o único desses loteamentos onde se viu terrenos com
residências cercadas com arame farpado, como demonstram as fotos acima, ainda que fossem
poucos. Nas ruas sem pavimentação, estavam, de modo geral, os domicílios mais precários.
Compare-se, por exemplo, as Fotos 62 e 63: nos dois trechos de uma mesma rua nota-se que
alguns dos domicílios situados na parte alta (Foto 63) eram mais precários, cercados com
arame farpado; nessa parte do loteamento viu-se plantação de mandioca e feijão. O trecho
dessa rua onde existem resquícios de pavimentação e casas com melhor acabamento situa-
se mais próximo da avenida São Cristóvão e do Colégio Municipal Jardim Talismã.
Comparando-se os três loteamentos em questão, de modo geral, pode-se afirmar que
no Jardim Talismã estão os domicílios e as condições de moradias mais precárias.
Analisando-se as informações e as características levantadas nos três loteamentos
estudados em Itinga, é possível dizer que esse é um bairro segregado em relação a outros de
Lauro de Freitas, visto que nele o grupo de pessoas mais pobres predomina sobre os das
demais classes sociais, situação decorrente da conjugação de uma série de processos presentes
na sociedade em dado momento. Observe-se que no Jardim Talismã, dentre as áreas de estudo
desse distrito, a mais distante do centro de Itinga e dos principais equipamentos e serviços do
bairro, que possui a menor infra-estrutura, maior dificuldade de acessibilidade e maior
precariedade estrutural. Frente aos demais loteamentos estudados, considerando as ações
públicas nas mesmas e suas conseqüências na maior ou menor infra-estrutura desses locais,
pode-se dizer o Jardim Talismã era uma área segregada? Entende-se que sim, ainda que a
comparação seja feita com outras áreas onde predominem pessoas pobres. Ou seja, se não se
pode afirmar com convicção que os moradores desse loteamento tenham uma renda inferior
aos dos demais estudados em Itinga, mas é possível asseverar que as condições de vida do
Jardim Talismã são mais precárias do que as do Jardim Centenário e do Sayonara.
O que se verificou foi que se os aspectos estruturais desses loteamentos por ocasião
da chegada dos primeiros moradores e o perfil dos mesmos, em termos de escolaridade e
ocupação foi semelhante. Atualmente, no Talismã está tanto a menor infra-estrutura como a
maior proporção de pessoas desempregadas e com menor escolaridade dentre os três
loteamentos analisados de Itinga. Verificou-se que as condições de moradia e as
características do espaço se refletiam na menor possibilidade que seus moradores tinham de
participar dos processos em curso, em menores possibilidades de acesso aos benefícios e
oportunidades sociais, mesmo tratando-se do bairro em que residem. Então, pode-se verificar
claramente que o espaço é condicionado pelo meio social, mas é igualmente importante
173
instância de constituição das condições sociais.
5.2.3
A segregação produzida pela auto-segregação
Diferentes estudos têm mostrado que o Atlântico Norte é uma área onde
predominavam, na última década, pessoas com renda média e escolaridade elevada, fazendo
com que essa área se destaque no município e na RMS. Essa situação estava firmemente
associada à chegada de migrantes para residir nos diversos loteamentos e condomínios que
foram implantados nessa porção de Lauro de Freitas demarcando um evidente processo de
auto-segregação das elites metropolitanas. Contrapondo-se a essa lógica de produção espacial
mais recente, permaneciam estruturas decorrentes de processos mais antigos quando esse
espaço foi ocupado de modo espontâneo (VILLAÇA, 1973).
A análise das observações e dos dados levantados no Araqui, Pitangueiras, Vilas do
Atlântico e Miragem evidenciaram diferenças nos processos e agentes responsáveis pela
estruturação de tais áreas e nas condições de vida, produção e reprodução dos que lá residiam.
Com histórias de ocupação mais remotas, o que atualmente é denominado Araqui e
Pitangueiras se constituíram como área de moradia popular. Os primeiros moradores do
Araqui tomaram posse da terra via invasão. Em Pitangueiras, os moradores iniciais
(excluindo-se, obviamente, a família dos antigos proprietários da Fazenda Santo Antônio de
Pitanga) compraram pequenos lotes onde construíram suas casas. Havia em comum nesses
bairros o fato de que essas residências foram improvisadas (de sopapo, taipa e restos de
materiais de construção conseguido junto à Prefeitura) e, gradativa e lentamente foram sendo
melhoradas e ampliadas, embora ainda haja aquelas que preservam muitos de seus aspectos
iniciais. Note-se nas Fotos 64 e 65, que parte dos antigos moradores permaneceram em
moradias bastante similares às dos primeiros tempos em termos estruturais. Essas fotografias
são de casas onde os proprietários adquiriram os lotes mais de 30 anos. A forma de
aquisição do lote, contudo, foi diferente: enquanto em Pitangueiras a dona da casa disse ter
comprado o terreno, no Araqui ocorreu invasão. Em ambos os terrenos havia mais de um
domicílio, que eram ocupados por filhos e netos dos primeiros moradores. Há, em comum, a
precariedade da construção, seja pelas paredes ou a falta de piso, seja pelas telhas bastante
envelhecidas e quebradas.
Igualmente é comum a esses bairros o fato de que, principalmente a partir do final
dos anos 1980, seus terrenos venham sendo adquiridos por pessoa de maior poder aquisitivo
com vistas a fazer desse lugar sua moradia.
174
Foto
64
Residência de antiga
moradora de Pitangueiras
Fonte: A autora, 14/06/2005
Foto
65
Residência de antiga moradora do Araqui
Fonte: A autora, 21/05/05.
No Araqui, contudo, isso não aconteceu na 2ª Travessa Rodolfo B. B. Barros: área de
invasão mais recente com ruas estreitas (apenas num pequeno trecho é possível passar, com
dificuldade, um automóvel), casas edificadas pelos próprios moradores em diferentes estágios
de construção, com pessoas de baixa renda, a maior parte delas com pouca escolaridade,
embora dentre os mais jovens houvesse os que freqüentavam ou haviam concluído o nível
médio (Fotos 66 e 67).
Foto
66
Araqui, 2ª Travessa Rodolfo B. B. Barros
Fonte: A autora, 05/05/2005.
Foto
67
Araqui, 2ª Travessa Rodolfo
B. B. Barros
Fonte: A autora, 05/05/2005.
Já na rua Brigadeiro Alberto Costa Matos, onde se situam as casas das Fotos 68 e 69,
coexistiam moradias bastante rudimentares (algumas mais do que as da Travessa acima) com
casas de pessoas mais abastadas, com seus muros altos, porteiro eletrônico e piscina. Sobre as
moradias populares, terrenos onde reside toda a família do antigo proprietário: filhos e
175
netos, em alguns casos também outros parentes que vieram de outros municípios. Existem os
que tenham construído sua casa num puxado da original ou como domicílio separado. Parte
desses terrenos também está fechada com muros altos, à forma de um condomínio como
disse um morador, noutros o existe sequer cerca. É importante salientar que essas casas, de
pessoas de diferentes segmentos sociais da rua Brigadeiro Costa Matos, estão, ora lado a lado,
ora estão uma frente a outra (Fotos 69, 70 e 71).
Foto
68
Araqui, rua Brigadeiro Alberto
Costa Matos
Fonte: A autora, 14/06/2004.
Foto
69
Araqui, rua Brigadeiro Alberto
Costa Matos
Fonte: A autora, 21/05/2005.
Foto
70
Araqui, casas populares situadas na rua Brigadeiro Alberto Costa Matos
Fonte: A autora, 21/05/2005.
Todas as ruas do bairro estão pavimentadas; a coleta de lixo é diária, sendo que na 2ª
Travessa as pessoas se defrontam com um problema: os garis não entram na rua para recolher
o lixo e inexiste um local específico para depositá-lo. Não se fala aqui apenas da ausência de
contêineres, mas, também da falta de um lugar para colocar o lixo para que seja apanhado
pelos agentes da limpeza urbana. Quanto ao esgoto, não havia ligação à rede geral; havia sido
parcialmente canalizado para um córrego, trabalho feito em mutirão com material arranjado
por um vereador.
176
Foto
71
Araqui, casa de classe média situada na rua Brigadeiro Alberto Costa Matos
Fonte: A autora, 21/05/2005
Pitangueiras foi parcialmente dividido em grandes loteamentos como o Morada
do Sol, o Jardim Ipanema e áreas de Vilas do Atlântico. O local onde residem os primeiros
moradores, nas imediações da avenida Luís Tarqnio, integrava as plantas do loteamento
Morada do Sol embora já fosse habitada , ora como área verde, ora como área de
antigos rendeiros. No entanto, embora em boa parte desse loteamento, assim como no
Jardim Ipanema, as principais ruas fossem pavimentadas, a rua Noêmia Paranhos, onde
moram os que fizeram desse local seu domilio a mais de 25 anos conta apenas com
alguns metros de asfalto (Foto 72).
Foto
72
Pitangueiras, rua Noêmia Paranhos
Fonte: A autora, 20/03/2005.
177
De modo geral, a rua Noêmia Paranhos é de barro, bastante irregular, com vários
trechos muito esburacados (como apresenta a Foto 41, na página 138). Havendo chuva, parte
dessa rua, que assim como a rua José Bonifácio (Foto 73) onde casas de pessoas de
distintos segmentos sociais , fica intransitável para automóveis, bicicletas e mesmo a e
algumas casas são invadidas pela água. Tal situação, relatam os moradores, foi ocasionada
pela pavimentação de ruas que ficam na parte mais alta do bairro sem que se fizesse um
sistema adequado de coleta das águas pluviais, que findam por escoar para rua Noêmia
Paranhos. Ademais, como inexiste rede de esgoto em todo o bairro, havendo áreas onde ele é
jogado na rua, a situação se torna ainda mais grave. Cabe ressalvar, que esse bairro,
particularmente essa última rua, é contígua a Vilas.
Foto
73
Pitangueiras, rua José Bonifácio
Fonte: A autora, 23/08/2005.
A rua Jardim Ipanema, asfaltada às speras da última eleição (2004), apresenta
semelhanças com a Brigadeiro Costa Matos (da qual é paralela), no Araqui. Encontram-se
casas de tijolo aparente, terrenos com até sete moradias, todas com ao menos um morador
analfabeto, ao lado de outros cujos proprietários tinham carro importado, e eram pessoas de
nível superior (Foto 74). Assim, ainda que a infra-estrutura seja semelhante, pessoas de
diferentes classes sociais moram bastante próximas, e embora os domicílios mais qualificados
tendam a se concentrar num certo ponto da rua, vê-se a parcial substituição de moradores
mais antigos e de menor renda por pessoas da classe média (Fotos 75 e 76).
178
Foto
74
Pitangueiras, rua Jardim Ipanema
Fonte: A autora, 14/06/2005.
(1) Chácaras onde moram profissionais de nível superior, (2) famílias que
construíram mais de um domicílio num mesmo terreno, em que parte dos
adultos era analfabeta e (3) terrenos onde, além do domicílio, se
desenvolviam atividades comerciais.
Foto
75
Pitangueiras, domicílios de classe média
na rua Jardim Ipanema
Fonte: A autora, 14/06/2005.
Foto
76
Pitangueiras, domicílios de
diferentes classes sociais na rua Jardim
Ipanema
Fonte: A autora, 14/06/2005.
No Miragem, como descrito, embora seja um loteamento dos anos 1970, tem
moradores com, predominantemente, menos de uma década residindo no local e pertencentes
aos estratos médios da sociedade. Parte dessas pessoas trabalha em empresas de Camaçari e
de Lauro de Freitas e é oriunda de outros municípios baianos e estados. Nesse loteamento,
verifica-se que, embora os domicílios sigam um padrão de classe média, não havia
pavimentação adequada; poucas de suas ruas encontram-se inteiramente asfaltadas, e,
conforme os moradores, com asfalto de qualidade inferior e sem a devida manutenção pela
Prefeitura (Fotos 77 e 78). Note-se, na Foto 78, o modelo de empreendimento que vem sendo
179
comumente implantado no bairro: terrenos fragmentados para a construção de casas iguais,
mas, independentes.
Foto
77
Loteamento Miragem, rua Edgar B.
Franco
Fonte: A autora, 23/08/2005.
Foto
78
Loteamento Miragem, rua Edgar B.
Franco
Fonte: A autora, 23/08/2005.
É importante destacar que, mesmo sem comércio ou serviços de educação e saúde,
ou infra-estrutura pública adequada, o aumento do número de residentes no Miragem se deu
em muito por conta de sua proximidade a Vilas. Referências à facilidade de acesso a esse
bairro se fazem presentes seja nas campanhas publicitárias dos empreendimentos instalados
no Miragem, seja na fala dos técnicos da prefeitura e no discurso dos moradores. Foi
considerada como uma vantagem de morar nesse loteamento quase tão importante como a
qualidade de vida estar próximo a Vilas (ainda que se ressalve o elevado custo de consumir
neste bairro). Assim, seja por conta da iniciativa privada ou de interesses e disponibilidades
particulares, no Miragem residem pessoas de classe média, com suas belas casas, com jardins,
calçadas enfeitadas e muros altos.
Vilas do Atlântico, com suas ruas asfaltadas (veja-se todas as fotos do bairro
apresentadas nesse trabalho) e varridas diariamente pela Prefeitura, com coleta de lixo
igualmente diária, com seu comércio e serviços diversificados e qualificados, é,
indubitavelmente, o bairro dos mais abastados de Lauro de Freitas, representando status e
qualidade de vida. Obviamente, tal como a fala dos seus moradores apontou, nesse bairro
existem problemas com relação à qualidade do asfalto, de segurança pública e de transporte
coletivo, por exemplo, mas a magnitude desses problemas e os impactos na vida de seus
moradores era inferior ao das demais áreas. As moradias, do mesmo modo, são de melhor
padrão de construção dentre as áreas de pesquisa (Fotos 79 e 80) e não apresentam variações
significativas de uma rua para a outra, à exceção das situadas nas proximidades do calçadão,
que são, de forma geral, maiores. Mas, o fato de possuírem terrenos amplos, serem grandes,
em parte dotados de área de lazer, caracteriza os domicílios de Vilas do Atlântico. Alguns
180
deles situam-se em ruas com guaritas, protegidas por empresas de segurança privada,
algumas delas impedindo a livre circulação das pessoas (Foto 81).
Foto
79
Vilas do Atlântico, esquina da
avenida Praia de Guarapari e rua Praia da
Sereia
Fonte: A autora, 23/08/2005.
Foto
80
Vilas do Atlântico, rua Praia de
Amaralina
Fonte: A autora, 23/08/2005.
Foto
81
Vilas do Atlântico, rua fechada
Fonte: A autora, dez. 2002.
As calçadas, assim como em outros loteamentos, ficaram ao encargo do comprador
do lote e algumas foram transformadas em jardins, gramadas, floridas e com fícus (fotos
acima e Fotos 82 e 83). Mesmo que considerado esteticamente bonito pelos moradores, de
modo geral, os jardins impossibilitam que as calçadas sejam utilizadas para a sua finalidade:
as pessoas, precisando caminhar, normalmente, utilizam a rua.
181
Foto
82
Vilas do Atlântico, calçada ajardinada
Fonte: Vilas Magazine, nº 45, out. de 2002.
Foto
83
Vilas do Atlântico, rua Praia da
Sereia
Fonte: A autora, 23/08/2005.
Embora não seja um condonio fechado, um enclave fortificado no pleno
sentido dado a esse termo por Caldeira (2000), Vilas do Atlântico se constitui num
enclave, pois, mesmo que simbolicamente, se fechou ao restante dos moradores do
município: àqueles que não podem consumir , que são diferentes, que o tem as
mesmas características.
Seguindo o pado de localização dos mais abastados, do afastamento da cidade,
da gica de embelezamento e segurança que predomina como idéia de qualidades de vida,
Vilas do Atlântico com seu corcio, diversidade de serviços, suas belas casas e
condonios dotados de infra-estrutura de lazer, parte delas com muros altos, porteiros
eletrônicos e câmeras de circuito interno de TV além de ter um posto policial,
policiamento nas ruas e no caao, vigilância feita por uma seguraa particular em todo
o bairro, tendo nos seus acessos (excetuando-se a praia) portões e meras de seguraa
fiscalizando aqueles que entram e saem foi assim interpretado por C., morador de
Pitangueiras há 14 anos, Vilas é o point de Lauro de Freitas. Hoje seria a menina dos
olhos de Lauro de Freitas, é a riqueza. [...] é o lugar onde muitos desejariam morar se
pudessem
. Usando os termos de Gomes (2002), efetivamente Vilas foi transformada
numa ilha utópica .
Assim, mesmo não podendo se fechar de fato à cidade, persegue-se esse objetivo.
Em realidade, Vilas e Pitangueiras, embora coladas , estão, concretamente, de costas uma
para a outra (Foto 84 e 85).
182
Foto
84
Vilas do Atlântico, rua Praia da
Paciência, Pitangueiras ao fundo
Fonte: A autora, 23/08/2005.
Foto
85
Pitangueiras, rua Noêmia Paranhos,
Vilas do Atlântico ao fundo
Fonte: A autora, 23/08/2005
(1) Domicílio situado na rua Noêmia Paranhos, em Pitangueiras; (2) Domicílio situado na rua Praia da Paciência,
em Vilas do Atlântico.
Nesse distrito, portanto, as diferentes condições de moradia nessas quatro áreas se
evidenciaram de modo a podem ser associadas à classe dos que vivem. As análises feitas
permitem afirmar que em Vilas do Atlântico e no Miragem os moradores de baixa renda são
os empregados domésticos. são proprietários de domicílios nessas áreas indivíduos
pertencentes à classe média e média alta. Em Pitangueiras e no Araqui, estão pessoas de
classes diferentes, mas o que se verifica é uma tendência de substituição dos mais antigos
(geralmente mais pobres) por pessoas com maior poder aquisitivo. A segregação imposta pela
criação dos loteamentos e condomínios alterou as características do espaço e dos seus
habitantes. Principalmente pela ação dos agentes imobiliários, a lógica de instalação de
domicílios existente desde antes de Lauro de Freitas ser emancipado foi alterada: fez-se a
fragmentação social e espacial do distrito associada à tendência de escapismo das elites dos
problemas urbanos, que como disse Souza (2003), se manifesta pela auto-segregação. Esse
processo, como movimento de várias faces, segregou os que estavam no lugar, embora não
os tenha afastado completamente, na medida em que eles podem circular e trabalhar nos
locais mais qualificados e com melhor infra-estrutura.
É importante notar que mesmo que pessoas de diferentes classes sociais morem
bastante próximas geograficamente, as barreiras a uma proximidade efetiva se mantêm. Como
disse uma moradora, filha daqueles que primeiro chegaram em Pitangueiras, as pessoas
passam por aqui, mas não tem relação com a gente, passam... . A segregação pôde ser
constatada, portanto, em escalas bastante reduzidas.
183
6 CONCLUSÃO: PRODUÇÃO E IMPLICAÇÕES DA SEGREGAÇÃO
RESIDENCIAL
O espaço geográfico tem como peculiaridade o fato de conter, numa estrutura
presente e em movimento, a memória de processos ocorridos em tempos passados e de
indicar, de forma dinâmica, determinadas tendências. A paisagem, modelada e remodelada
continuamente, revela as transformações da sociedade e os ideais dominantes num
determinado momento na multiplicidade e diversidade de suas formas. Partindo-se desse
entendimento e com o objetivo de estudar um dos aspectos das desigualdades sócio-espaciais,
a questão da distribuição das residências das diferentes classes sociais no espaço urbano,
buscou-se analisar como se produziu, quais as características e as conseqüências do processo
de segregação residencial em Lauro de Freitas, a partir do estudo de dois de seus distritos:
Itinga e Atlântico Norte.
Diferentes autores verificaram que no Brasil, onde as lógicas do neoliberalismo e do
capitalismo se tornaram os paradigmas dominantes da sociedade, o espaço urbano se
apresenta fragmentado, complexo e desigual expressando a hierarquia das relações sociais que
o estruturaram. Mas, por ser instância social, igualmente atua como condicionante da
sociedade na medida em que sua estrutura, não sendo produzida ao acaso, contribui para
perpetuação das forças sociais que preponderaram na determinação de sua organização
(CORRÊA, 1989; CASTELLS, 2000; SANTOS, 2002a; SANTOS, 2002b; SOUZA, 2000;
SOUZA, 2003). Desse modo, se a localização das áreas residenciais das distintas classes não
são definidas ao acaso, algumas premissas ou agentes atuam mais decisivamente nesse
processo. Corrêa (1989), Santos (2002b), Caldeira (2003), Souza (2000; 2003) e Marcuse
(2004) apresentaram contribuições importantes para compreensão desse fenômeno, indicando
que, normalmente, são os interesses das classes sociais dominantes (política e
economicamente) que comandam a espacialização dos grupos sociais e isso é possível pela
intervenção do Estado, tanto pela permissão como pela proibição da instalação de
determinadas funções, equipamentos e serviços em dado local, como pela distribuição
espacialmente diferenciada dos serviços públicos, via de regra, privilegiando os locais onde os
grupos mais abastados (e com maior capacidade de atuar e pressionar os Governos) residem.
Do mesmo modo, a partir da leitura dos trabalhos desses autores, especialmente
Santos (2002b), além de Villaça (2001), é possível destacar a importância da localização e da
acessibilidade na determinação da espacialização dos grupos sociais. Como num jogo de
184
forças e de relações de poder, os espaços com melhor localização e acessibilidade (no sentido
amplo dessas palavras) são ocupados pelas elites.
Baseando-se em Caldeira (2003) e Souza (2003), entre outros autores, verificou-se
que a localização das classes média e alta e dos mais pobres por conseqüência no Brasil
se modificou ao longo das últimas décadas e, mais recentemente, uma das tendências
identificadas é o afastamento das elites dos grandes centros urbanos, dirigindo-se a
municípios de menor porte, mas próximos (em termos de acessibilidade) dos núcleos das
metrópoles. Numa tentativa de afastamento da cidade e de seus principais problemas, esses
grupos sociais buscam um novo jeito de viver e enclausuram-se entre muros, na
segurança de condomínios, auto-segregando-se.
Situado na RMS, no vetor norte de expansão de Salvador, registrando, desde os anos
1970, intensa imigração, Lauro de Freitas foi integrado a essa lógica e, no final do século XX,
recebeu dentre os novos habitantes, pessoas pertencentes aos segmentos sociais mais
privilegiados em termos de educação e renda. Mas, como o espaço é uma instância onde,
através da paisagem, o registro das ideologias do passado se expressa no presente, em Lauro
de Freitas se identifica um grande contingente de pessoas pertencentes aos grupos sociais de
mais baixa renda, que chegaram a esse município desde a época de sua emancipação,
principalmente, em decorrência da lógica de periferização das classes mais populares, quando
o centro era supervalorizado como local de moradia das elites (VILLAÇA, 2001;
CALDEIRA, 2003). Além disso, no caso específico de Salvador, que observou intensas
transformações sócio-espaciais a partir dos anos 1950, parte dos pobres que tiveram que sair
das áreas centrais da cidade (que moravam em invasões ou bairros populares sem efetiva
posse da terra ou que pagavam aluguel) migrou para a periferia da capital, onde se localiza
Lauro de Freitas, sobretudo, para a área atualmente denominada de Itinga produzida desde
então como espaço para os pobres.
Lauro de Freitas se adensou, urbanizou e consolidou como município cuja principal
função é a residencial, portanto, devido ao intenso fluxo imigratório formado por pessoas de
diferentes segmentos sociais. Se nas primeiras décadas de sua existência como unidade
administrativa predominavam indivíduos de baixo poder aquisitivo dentre os imigrantes, mais
recentemente, a partir de meados dos anos 1980, esse movimento passou a contar com
contribuição expressiva dos segmentos sociais de maior escolaridade e renda.
Procurou-se analisar onde e como se instalaram esses grupos e quais os agentes que
atuaram mais decisivamente nessa espacialização. Ficou evidenciado que o Estado e os
agentes imobiliários tiveram preponderância na determinação da localização e das
185
características dos espaços produzidos para os mais pobres, essencialmente em Itinga, e dos
mais ricos, basicamente, na orla de Lauro de Freitas, no Atlântico Norte. A concentração de
loteamentos, condomínios e similares destinados a cada um desses grupos sociais, como se
demonstrou ao longo desta dissertação, evidenciaram um processo de segregação residencial
tal como foi definido neste estudo:
concentração de moradias de uma classe social em um
determinado espaço da cidade, resultante de processos socioeconômicos, políticos e
ideológicos predominantes em dado momento histórico e que atuam estruturando a cidade em
áreas social e espacialmente diferenciadas.
É importante ressaltar que os ideais que resultaram na atração de pessoas dos
distintos segmentos sociais para Lauro de Freitas, embora decorrentes de processos mais
gerais, se mostraram teórica e empiricamente diferentes: os mais pobres vieram para Itinga
enfrentando uma série de adversidades pela possibilidade de aquisição da casa própria; as de
classes mais altas, passaram a residir em Vilas e no Miragem em busca do prazer em relação à
moradia, prazer esse denominado qualidade de vida, que conta também, em alguma medida,
com a busca de distanciamento dos problemas da cidade real.
No presente, nota-se que essas duas áreas se mantêm estruturadas de modo desigual.
As intervenções do poder público ocorridas nessas cadas, além de confirmarem as
diferenças iniciais, fizeram com que em Itinga, área segregada, ocorresse um processo de
estruturação desigual do espaço, resultando na produção de um processo de segregação dentro
do bairro associado, sobretudo, à desigualdade de distribuição de infra-estrutura, o que
repercute nas diferentes condições de vida dos seus moradores. Evidenciam-se áreas tão
precárias que lembram as existentes no começo do loteamento, ao passo que outras, mais
centrais, contavam com infra-estrutura pública ainda que não necessariamente completa ou
de qualidade e, ao menos, alguns serviços básicos. No entanto, em função da história de
transformação dos loteamentos e do bairro de Itinga (como um todo), de modo geral, seus
moradores não se percebem como segregados ou desprivilegiados, nem compararam de forma
mais evidente suas condições de vida com as existentes em outras áreas mais privilegiadas.
Grosso modo, pode-se dizer que comparavam a Itinga de hoje com a Itinga de ontem. Dessa
forma, à exceção de parte dos residentes do Talismã, viu-se que os que moram em Itinga se
sentem satisfeitos com o lugar em que vivem: venceram e, como se ouviu algumas vezes,
agora experimentam o progresso do bairro.
No Atlântico Norte, as ações do mercado imobiliário se intensificaram mais
recentemente. Foram construídos condomínios fechados, com belas fachadas e altos muros,
evidenciando a crescente auto-segregação, símbolo de qualidade de vida e de status.
186
Consolidou-se também, com a produção desses enclaves, a separação tanto da grande cidade
como da própria dinâmica da Lauro de Freitas que antes existia, dos bairros e das pessoas que
viviam e trabalhavam. Nesse distrito, a segregação se faz de forma mais cruel, pois impôs
uma vizinhança de diferentes, o que expõe as desigualdades sociais lado a lado. Mas, ao
mesmo tempo, essa forma de fragmentação espacial é mais instigante. Ao evidenciar
claramente as diferenças, permite comparações que podem resultar em questionamentos sobre
a necessidade e o porquê das mesmas, podendo levar uma ação efetiva de enfrentamento
dessas condições. De fato, nessa área foram identificadas mais posturas de indignação e
protestos quanto à diferença de condições de vida de Pitangueiras (principalmente) e do
Araqui em relação a Vilas. É importante mencionar que os residentes de Vilas do Atlântico e
do loteamento Miragem não se consideram privilegiados pelo poder público. Ao contrário,
acreditam que a prefeitura não dispensa a atenção necessária ao local em que vivem.
O Estado, assim como o mercado, atuou de modo desigual nas diferentes áreas do
Atlântico Norte. Os bairros de fato, que se construíram como tal, pouco contaram, ao longo
dos anos, com uma efetiva qualificação em termos de infra-estrutura ou de instalação serviços
públicos que se refletisse em melhoria de qualidade de vida dos mais pobres desse distrito.
Partindo de tais constatações, cabe retomar algumas considerações teóricas que
subsidiaram essa dissertação. Uma delas diz respeito à proposição de Villaça (2001) de que
mesmo existindo diferentes classes sociais num mesmo espaço, se uma tender a predominar
sobre as demais se pode falar de segregação. Ao comparar o Atlântico Norte e Itinga,
indubitavelmente, em cada uma dessas áreas tende a predominar uma classe social, embora se
perceba a presença de outras classes em cada um desses distritos, o que indica segregação
residencial nos termos desse autor. No entanto, tal como Vignoli (2001) discutiu, é importante
compreender que a escolha de uma determinada escala de análise pode revelar ou ocultar a
existência de segregação, o que pode servir a determinados interesses. Especificamente, para
o caso de Lauro de Freitas, tomando-se as áreas onde se realizou esse estudo, é possível
afirmar que a escolha do distrito como espaço de avaliação oculta as desigualdades sócio-
espaciais presentes em cada uma delas. No Atlântico Norte, principalmente, a escolha dessa
escala mais ampla inviabiliza uma apreensão real da espacialização das diferentes classes
sociais, das diferentes condições de vida de cada uma delas e dos processos que resultaram na
estrutura presente. Acrescente-se que, com isso, algumas ações e/ou falta de ações do poder
público podem ser justificadas. Note-se que Pitangueiras e Araqui, mesmo sendo bairros de
ocupação antiga, não são percebidos como tal pelos moradores mais abastados das localidades
próximas; são abafados pela grandiosidade de Vilas e pela recente expansão do Miragem.
187
Reviu-se as questões postas por Vasconcelos (2004) no que tange à possibilidade do
uso do termo segregação para descrever o fenômeno do caso em estudo. Os pobres não estão
segregados no sentido etimológico da palavra, e nem o poderiam ser na medida em que a
pobreza e as desigualdades são inerentes e necessárias ao sistema capitalista e que a própria
história de consolidação das relações entre as classes sociais no Brasil favoreceu a
proximidade das mesmas, como apontado por Ribeiro (2004). Assim, entende-se a
existência da segregação no seu sentido lato, à luz dos processos socioeconômicos, políticos e
ideológicos que predominam em uma determinada sociedade. Observe-se que os distintos
espaços da cidade o passíveis de serem construídos e utilizados por pessoas das diferentes
classes sociais; contudo, o uso e a relação que os membros de cada uma das classes faz com
as várias áreas da cidade é diferente, a exemplo das empregadas domésticas que residem no
domicílio dos seus patrões, como em Vilas. Sua possibilidade de uso das ruas, do comércio e
dos serviços do bairro é distinta da dos empregadores, ainda que tenham o mesmo endereço.
Assim, nas áreas sob análise se pode falar em segregação ainda que em parte delas, diferentes
classes sociais sejam vizinhas.
É importante salientar que no Atlântico Norte, a proximidade espacial não
aproximava os diferentes naquele sentido posto por Souza (2003), de minimizar
preconceitos entre as classes em função da possibilidade de haver uma interação que
diminuísse o desconhecimento do outro. Inexistem trocas efetivas entre as classes que residem
nesse distrito, até porque não locais onde efetivamente possam ocorrer encontros entre
elas. Ainda que morem, literalmente, lado a lado, ambos como proprietários, não trocas
entre esses grupos. É mais uma proximidade circunstancial , resultante dos processos sociais
que concorreram para a construção desses lugares.
Entendendo que a dinâmica das relações sócio-espaciais está articulada às relações
de poder decorrentes da posição dos indivíduos no mundo da produção, da possibilidade
daqueles que estão nas posições mais privilegiadas de comprar serviços e infra-estruturas e
de influenciar o Estado na espacialização dos serviços públicos, obviamente que os espaços
mais qualificados eram aqueles habitados pelas classes mais altas. Dentre as áreas estudadas,
apenas Vilas do Atlântico (onde residem as pessoas com maior escolaridade e renda) é
totalmente pavimentada, totalmente iluminada, onde a coleta de lixo e a limpeza das ruas são
diárias. Não se desconhece que a implantação da infra-estrutura desse bairro foi realizada,
sobretudo, pela iniciativa privada, mas, quem mantém essa estrutura é o poder público. O
mesmo que permitiu que em Itinga os loteamentos fossem entregues em condições precárias,
que não supriu essas falhas, que não asfaltou totalmente o bairro e que não realiza limpeza
188
urbana com regularidade. Também foi o poder público que manteve as ruas de Pitangueiras
sem pavimentação e sem saneamento adequado.
Espacializando de modo desigual a infra-estrutura e os serviços, o Estado, ao invés
de atuar na direção de contribuir para reduzir a iniqüidade social e territorial, vem
reproduzindo as desigualdades, criando localizações diferenciadas em termos de valorização e
das vantagens que podem proporcionar aos seus moradores. Em Lauro de Freitas, esse agente
vem atuando na estruturação do espaço urbano, como de forma geral o faz nas sociedades
capitalista, de modo a criar e consolidar a as desigualdades sócio-espaciais. O poder público,
então, agiu de modo a sustentar os interesses do mercado, melhor dizendo, nesse município a
segregação residencial se consubstanciou por conta de uma ação combinada entre as forças
do mercado e as decisões do Estado.
Outra discussão que cabe ser feita se refere à noção de que a proximidade das
moradias entre os diferentes grupos sociais permitiria aos mais pobres usufruírem a infra-
estrutura implantada para contemplar as elites. No caso em estudo, essa possibilidade é real
desde que se restrinja aos serviços públicos e ao sistema de transporte. Em Itinga, onde as
desigualdades de renda dos moradores e da estruturação do espaço não são tão intensas, a
infra-estrutura embora concentrada na parte mais central, encontra-se relativamente
distribuída por todo o bairro. A diferença principal estava no fato de que alguns podiam
utilizar serviços particulares (associe-se o custo dos mesmos ao custo do transporte para
chegar aos locais onde se encontram), enquanto outros podiam recorrer ao setor público ou
do bairro ou do centro de Lauro de Freitas ou de Salvador. No Atlântico Norte, no Miragem e
em Vilas não havia equipamentos públicos, enquanto Pitangueiras e Araqui possuíam escolas
da rede municipal. Quando os moradores dessas duas últimas áreas precisavam recorrer a
serviços privados de saúde ou educação, utilizavam os do bairro, de Portão ou do Centro, a
não ser as pessoas de classe média-alta que podem pagar pelos existentes em Vilas. Os ônibus
que circulam em Vilas não passam por outros bairros de Lauro de Freitas (apenas na Estrada
do Coco); as vans que circulam entre Itinga e Vilas, no máximo, passam no Miragem (a
decisão quanto ao trajeto é, muitas vezes, do motorista). Essencialmente, os mais pobres não
têm possibilidade de usufruir a estrutura de Vilas, a não ser do transporte quando se
deslocam até ou da praia que, além das ruas (que não são fechadas, algumas praças e o
Parque Ecológico, os dois últimos pouco freqüentados mesmo pelos moradores locais), se
constitui efetivamente no único espaço público do bairro. Mas, nesse bairro e nas
proximidades existe um mercado de trabalho em potencial, onde parte dos moradores das
áreas mais pobres se insere, fundamentalmente como empregados domésticos, prestadores de
189
serviços (pedreiros, eletricistas, manicures etc) e trabalhadores de estabelecimentos
comerciais e industriais de pequeno porte.
Principalmente, é importante verificar que a proximidade entre as classes média e
baixa existente no Atlântico Norte não repercutiu em melhorias significativas da qualidade de
vida ou socioeconômica dos de menor renda. Em termos de escolaridade, inserção no
mercado de trabalho e renda e da presença de infra-estruturas, por exemplo, os moradores que
primeiro chegaram ao local e seus descendentes não se distinguem com clareza dos de Itinga.
Pelos dados coletados empiricamente, o percentual dos que trabalham e o perfil dos
trabalhadores desses bairros são bastante semelhantes ao encontrado em Itinga, ainda que
fossem mais escolarizados. Ao que tudo indica, a acessibilidade se constituiu numa das
vantagens de morar próximo às áreas ocupadas por pessoas de renda mais alta. A outra
vantagem dessa proximidade, a maior delas com certeza, foi o aumento do preço da terra. Os
lotes dos moradores antigos, principalmente daqueles mais pobres, com suas moradias
precárias, gradativamente estão sendo comprados por um valor alto mas não
necessariamente o valor de mercado associado ao local onde residem (seria o valor do
mercado imobiliário voltado para as pessoas de baixa renda ainda que elas morem em áreas
próximas às de renda mais alta) por pessoas e imobiliárias e substituídos por grandes casas
e pequenos condomínios fechados. Gradativamente e numa tendência que deve prosseguir, os
terrenos dos mais pobres e dos moradores mais antigos do Atlântico Norte estão sendo
transformados ao gosto do novo jeito de viver das classes mais abastadas, com maior
qualidade de vida , em condomínios fechados. Assim, essas classes ao separem-se da cidade
por muros, reais e/ou simbólicos, re-estruturam o espaço.
Em outros termos, as especificidades do processo de construção dessas novas
residências tornam-se um impeditivo para que as pessoas de menor poder aquisitivo adquiram
tais imóveis. Ademais, a chegada de moradores das classes mais altas atrai uma série de
equipamentos e serviços mais qualificados, com um preço que não pode ser pago pelos mais
pobres. Estes, então, se vêem na contingência de ter que consumir em outras partes da cidade.
No caso em análise, com a contínua alteração do perfil dos moradores do Atlântico Norte
seguindo na direção de ser local de moradia da elite, a estrutura espacial esse tornando
estranha e hostil aos antigos proprietários. Destaque-se que mesmo quando esses novos
locais de moradia não são fechados, a noção de que não são locais acessíveis, tanto pelo
valor dos produtos e serviços, como pelas atitudes que evidenciam a idéia de que viver junto
aos pobres é indesejado.
Em Itinga, até o momento, o se verificou uma tendência a mudança no perfil dos
190
moradores associada do processo de especulação imobiliária, a uma efetiva qualificação do
lugar desenvolvida pelo Estado, ou a maior ou melhor possibilidade dos moradores do bairro
de participarem do desenvolvimento socioeconômico que o município experimenta.
Destaque-se que, além dos loteamentos mais recentes, da mesma forma que os instalados na
década de 1970, se destinam às camadas populares, as pesquisas indicaram que aqueles que
tinham menos tempo de residência nesse bairro vieram de bairros periféricos de Salvador e de
outras áreas de Lauro de Freitas, sobretudo, da própria Itinga e não tem um perfil
socioeconômico muito diferente dos que cresceram lá. Tal situação evidencia tanto uma
mobilidade dentro do próprio bairro, como a tendência a que as características da população
desse distrito não observem alterações mais significativas por conta de um processo
migratório, a exemplo do que vem ocorrendo no Atlântico Norte.
Nas análises postas até o momento tentou-se mostrar as diferentes características
sócio-espaciais de Itinga e do Atlântico Norte, especialmente no que se refere às condições de
vida das pessoas que residem, ao perfil socioeconômico das mesmas e da relação entre
esses dois aspectos. Em outros termos, via de regra, no local onde havia melhor infra-estrutura
estavam aqueles com escolaridade e renda mais elevadas, cuja participação no mercado de
trabalho associava-se a profissões de maior status. Aqueles com menor renda, escolaridade,
com inserção mais precária no mercado de trabalho e que tem empregos de menor valorização
social residem em áreas onde a infra-estrutura é mais deficiente, à exceção do Miragem, onde
apesar das moradias denotarem que as pessoas que estão pertencem ao segmento médio da
sociedade, não conta com infra-estrutura adequada em todo o bairro, sendo, por exemplo,
poucas as ruas asfaltadas. Essa situação só pode ser entendida à luz dos processos que
produziram esse lugar: era um loteamento de grandes proporções, com lotes extensos e caros
que sucessiva e mais recentemente foram sendo subdivididos para serem implantados
empreendimentos de menor porte, mas voltados a esse segmento social.
Essencialmente, importa verificar que as desigualdades sociais encontraram uma
expressão espacial nesse município. Mas, como o espaço não se confunde com o solo, não se
reduz à base material dos processos sociais, constituindo-se em instância condicionante da
realidade, uma vez produzido influenciou os processos que se seguiram. Desse modo, a
manutenção das diferentes infra-estruturas e condições de acesso a bens e serviços e ao
mercado de trabalho contribuíram para que a pobreza fosse mais intensa numa ou noutra área.
Como apontado nesta dissertação, no Jardim Talismã, onde, sob todos os aspectos estudados
as características dos domicílios, as condições de moradia e a acessibilidade se revelaram
mais precárias, estavam as pessoas mais distantes das áreas mais centrais (e visíveis do
191
município), com a maior dificuldade de se inserir no mercado de trabalho, e de efetivar
melhorias nos seus domicílios.
Pôde-se verificar que a área que, desde o início, apresentava as melhores condições
estruturais dentre as pesquisadas, Vilas do Atlântico, manteve e mesmo acentuou suas
vantagens locacionais em relação às demais, atraindo a maior infra-estrutura, quantidade e
diversidade de serviços permanecendo como lugar da elite do município e daqueles que tem
acesso ao maior número de oportunidades. Os que vivem próximos a essa ilha de
prosperidade , de forma geral e virtualmente, contam com maiores possibilidades de desfrutar
das acessibilidades e infra-estrutura de Vilas, em relação aos que estão em Itinga. Isso de fato
ocorre com parte dos que moram no Miragem. Para os habitantes do Araqui e Pitangueiras,
ainda que se excluam alguns dos que chegaram mais recentemente e que integram a classe
média, há, por exemplo, mais pessoas com nível superior do que nos loteamentos estudados
em Itinga. Essas pessoas, entretanto, não estudaram em Vilas, mas em escolas públicas de
Lauro de Freitas ou de Salvador. Tampouco cursam ou cursaram faculdade no seu município
visto que todas são particulares. É importante destacar que do total de entrevistados nesses
dois bairros, poucos, menos de 2%, mencionaram fazer compras ou estudar ou mesmo
circular em Vilas. Apesar de, às vezes, passearem no seu calçadão e usarem a praia,
efetivamente se integram ao bairro como mão-de-obra. Acrescente-se que a maior parte
dos moradores de Itinga nunca foi a Vilas e sabe que é onde moram os ricos . Dos
moradores do Atlântico Norte, poucos de Vilas e do Miragem afirmaram conhecer Itinga;
aqueles que o conhecem, só o fizeram de passagem.
Assim, ainda que a densidade e a renda dos moradores de Vilas tenham atraído uma
série de serviços e equipamentos para o seu território e para o entorno, isso não se fez com
efetiva possibilidade de acesso do conjunto dos moradores do distrito e do município, à
exceção dos que auferem maiores rendimentos.
Uma nota a mais se faz necessária: se os indivíduos, com suas diferentes
características socioeconômicas, podem valorizar de modo distinto os lugares em que residem
e, via de regra, os mais abastados criam e ocupam espaços com maior infra-estrutura e uma
estética mais próxima aos ditames da moda, igualmente é verdadeiro que o lugar é um
atributo que dota os homens de determinado valor social. Ser morador de Vilas do Atlântico
efetivamente proporciona ao indivíduo importância social mais elevada; como bairro
associado à elite econômica da metrópole baiana, aquele que se diz residente de é, de modo
geral, considerado integrante desse grupo. Isso acontece ainda que não se saiba sua profissão,
escolaridade ou a renda. Não é ao acaso que os empreendimentos residenciais, especialmente
192
os condomínios fechados, instalados nas suas proximidades, mas não em seu território,
anunciem estar localizados em Vilas. Além desse endereço remeter à qualidade e às
acessibilidades do bairro, indica o que ele representa e ao valor simbólico que pode agregar ao
indivíduo.
Por outro lado, dizer-se morador de Itinga pode remeter aos problemas do bairro.
Tanto aqueles que tem seus domicílios, como os das outras áreas onde se fez a pesquisa,
ressaltam as mudanças positivas de Itinga, tanto em termos de infra-estrutura como da
redução dos antes elevados níveis de criminalidade. Mas, predominam nas falas dos
entrevistados a associação desse lugar à violência e à pobreza, mesmo que fosse para dizer o
quanto esse bairro havia melhorado em relação a tais problemas. Ser morador de Itinga ainda
significa poder ser sujeito a esse estigma.
Ao se estudar a segregação residencial em Lauro de Freitas confirmou-se a hipótese
de que esse processo se apresenta no município com sob diferentes formas e que se
consolidou a partir de uma intensa ação dos agentes imobiliários, mas também do Estado
que ao longo das últimas décadas vem reproduzindo-a. No entanto, mais do que o esperado,
as desigualdades espaciais, além de serem constatadas no distrito em que predomina a elite,
foi evidenciada em Itinga, onde prevalecem as pessoas de baixa renda. A preocupação era
demonstrar as especificidades desse fenômeno e os processos que os produziram em Lauro de
Freitas; contudo, não se teve como meta propor soluções para tal problema. Considerando-se
que o espaço está articulado ao jogo das relações sociais que o estabeleceram e que,
dialeticamente, contribui para estabelecer, sendo o valor e as possibilidades do indivíduo
relacionados à sua localização, que os desequilíbrios socioeconômicos reinantes na sociedade
contemporânea e o poder dos interesses dominantes encontram na estruturação espacial uma
de suas expressões e formas de perpetuação, pensar na possibilidade da produção de um
espaço com mais equidade, significa pensar na modificação da lógica que domina os
processos sócio-espaciais, no ideário que sustenta o capitalismo. Nesse sentido, com este
trabalho pretendeu-se contribuir de forma crítica para a construção do conhecimento acerca
dessa problemática. Espera-se que o mesmo seja útil para basear discussões e intervenções
que busquem diminuir a intensidade das desigualdades sócio-espaciais, embora se tenha a
convicção de que, dentro do atual contexto do capitalismo, estas jamais poderão ser
totalmente eliminadas.
193
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198
ANEXOS
ANEXO 2
QUESTIONÁRIO MORADOR (A)
Nº: ________
DISTRITO ( ) ITINGA
( ) ATLÂNTICO NORTE
Nome: _______________________
Data da entrevista: ______/ ______/ 2005
Rua onde mora:______________________________________________________________
Bairro: _____________________________________________________________________
1.
Tempo de residência no endereço atual: _____________________________________________
2.
Local de residência anterior (bairro/cidade/estado):_____________________________________
3.
Por que se mudou para atual endereço? _____________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
______________________________________________________________
4.
Como adquiriu seu imóvel?
( ) aluguel
( ) compra jun
to a particular
( ) compra junto a imobiliária
( ) herança
( ) ocupação/invasão
( ) outros: ______________________________________________________________________
5
. Caso tenha comprado terreno, quem construiu sua residência?
( ) comprou a residência pronta
( ) auto-construção
( ) mutirão
( ) contratou particular
( ) contratou empresa especializada
( ) outros: ______________________________________________________________________
6.
Nº de quartos: ______
7. Nº de banheiros: _______
8.
Nº cômodos: ( ) 1 ( ) 2
( ) 3 ( ) 4
( ) 5
( ) 6
( ) 7 ( ) 8
( ) 9 ou mais
9.
Nº de pavimentos: ___________
10.
Dep. de empregada:
( ) sim
( ) não
11.
Possui empregada doméstica?
( ) sim
( ) não
Onde ela reside (bairro/cidade)? _______________________________________________________
12.
Características dos moradores do domicílio:
Idades
Sx
Local de nascimento
(cidade/estado)
Escolaridade
Atividade
Onde exerce
a atividade
(bairro/cid.)
Obs
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
13.
Tipo de vínculo empregatício dos responsáveis pelo domicílio:
( ) autônomo
( ) funcionário público
( ) proprietá
rio: _________________________
( ) fixo com carteira assinada ( ) fixo sem carteira assinada
( ) sem emprego fixo
( ) desempregado tempo: __________________________
( ) outros: _____________________________________________________________________
14.
Quais são as vantagens em morar aqui (domicílio, rua bairro)?
________________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________
15.
Quais são as desvantagens em morar aqui (domicílio, rua bairro)?
________________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________
____________________________________________________
16.
Impressões sobre o bairro:
Não
tem
Péssima
Ruim
Regular
Bom
Muito bom
Ótimo
Asfalto
Calçada
iluminação pública regular
Rede de esgoto
Transporte coletivo
Não
tem
Péssima
Ruim
Regular
Bom
Muito bom
Ótimo
Área de lazer
Serviço de saúde
Estabelecimento de ensino
Comércio alimentar
Comércio em geral
Farmácia
A) Recebe IPTU: ( ) SIM
( ) NÃO
B
) CORREIO: ( ) SIM
( ) NÃO
C
) GÁS NA PORTA: ( ) SIM
( ) NÃO
( ) DEPÓSITO
D)
ABASTEC. DE ÁGUA ENCANADA:
( ) SIM
( ) NÃO
( ) DIÁRIA
(
) MAIS DE UMA VEZ AO DIA
( )EM DIAS ALTERNADOS______
E
) COLETA DE LIXO:
( ) SIM
( ) NÃO
( ) DIÁRIA
( ) MAIS DE UMA VEZ AO DIA
( )EM DIAS ALTERNADOS______
F
) VARREÇÃO DE RUAS:
( ) SIM
( ) NÃO
( ) DIÁRIA
( ) MAI
S DE UMA VEZ AO DIA
( )EM DIAS ALTERNADOS______
17
. Local preferido para compra de alimentos (bairro/cidade):
18
. Local preferido para compra em geral (bairro/cidade)
_______________________________________________________________________________________________
19.
Na sua opinião quais são as principais características dos bairros:
VILAS DO ATLÂNTICO: ______________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
ITINGA: ___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
Observações gerais:
A)
Carac. da ocupação: ( ) espontâneo
( ) loteamento ( ) condomín
io
( ) rua fechada
Outros:__________________________________
B) Tipo de paredes: ____________________________________________________________
C) Telhado: _______________________________________________________________________________
ANEXO 3
QUESTIONÁRIO REPRESENTANTE
DISTRITO:
( ) ITINGA ( ) ATLÂNTICO NORTE
Bairro / Loteamento: _______________________________________________
Data: ______/ ______/ 2005
Nome: _______________________________________________________________________
Nome da entidade: ______________________________________________________________
Cargo que ocupa: _______________________________________________________________
Tempo que ocupa o cargo: ________________________________________________________
A.
Características do representante:
1
. Idade: ______
2.
Sexo: ( ) Masc.
( ) Fem.
3
. Escolaridade: ____________________________
4
. Profissão:________________________________________
5
. Local em que trabalha (empresa/bairro, cidade): ________________________________________
6
. Tempo que reside no bairro: _______________________
7
. Por que veio morar no bairro? ______________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
8
. Local de residência anterior (bairro/cidade/estado):______________________________________
B.
Características gerais do bairro
9. Origem do bairro: ________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
10.
Atualmente nesse bairro :
a
) Tipo de pavimentação predominante das ruas:
( ) de terra/barro
( ) asfaltadas
( ) com concreto
______________________________________________________________________________
b
) Tipo de pavimentação predominante das calçadas:
( ) pavimentadas pela prefeitura
( ) pavimentadas pelos moradores
( ) de terra
( ) com grama
( ) não existem
_____________________________________________________________________________
c
) Abastecimento de água (rede geral):
( ) regular diário
( ) regular em dias alternados
( ) poço
( ) outros
___________________________________________________________________________
d
) Iluminação pública
( ) em todo o bairro
( )na maior parte do bairro
( ) em
pequena parte do bairro
( ) não existe
___________________________________________________________________________
) Esgotamento sanitário
( ) rede geral
( ) fossa e sumidouro
( ) fossa
( ) escoamento a céu aberto
( ) escoamen
to para o rio
___________________________________________________________________________
f
) Coleta de lixo
( ) diária
( ) em dias alternados
( ) coletado na porta
( ) colocado em containeres
( ) em todo o bairro
( ) em parte do bairro
( ) não tem
___________________________________________________________________________
g
) Varreção de ruas
( ) diária
( ) em dias alternados
( ) em todo o bairro
( ) em parte do bairro
( ) não tem
___________________________________________________________________________
11.
Quais os tipos de estabelecimentos de ensino existem?
( ) pré-escolar público
( ) pré-escolar privado
( ) pré-escolar comunitário
( ) fundamental público
( ) fundamental privado
( ) básico público
( ) básico privado
( ) médio público
( ) médio privado
( ) superior público
( ) superior privado
( ) nenhum
( ) Creche (tipo______________________________________________)
( ) cursos de idiomas
( ) cursos de artes/música
( ) biblioteca
12
.Quais os tipos de estabelecimentos de saúde existem?
( ) posto de saúde ( ) consultório particular
( ) clínica particular
( ) hospital público
( ) hospital privado
( ) não existe
( ) agente de saúde
( ) Outros
________________________________________________________________
13.
Tipos de estabelecimentos comerciais existentes:
( ) gêneros alimentícios em geral
( ) panificadoras
( ) confecções ( ) calçados
( ) farmácias
( ) móveis
( ) armarinhos
( )materiais de construção
( ) auto-peças
( ) eletro-eletrôni
cos
( ) presentes
( ) livrarias
( ) outros _____________________________________
_______________________________
14.
Existem
:
( ) Agência/posto dos correios
( ) Casa lotérica:
( ) Imobiliárias
( ) Caixa eletrônicos
Agências bancárias( ) sim (______________________________________________)
( ) não
Templos religiosos: ( ) sim (______________________________________________)
( ) não
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
15.
Quais os equipamentos podem ser encontrados no seu bairro?
( ) restaurante
( ) bar
( ) lanchonete
( ) sorveteria
( ) locadora de filmes
( ) cinema
(
) teatro
( ) praça
( ) parque infantil
( ) quadra poliesportiva
( ) campo de futebol
( ) clube
( ) praia
________________________________________________________________________________
C.
C. Característica dos moradores/moradias
16
. Em sua opinião, como eram os primeiros moradores?
________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
17
. Em sua opinião, muitos dos primeiros moradores permanecem no bairro? Por quê?
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
18
. Qual o perfil de escolaridade e emprego dos atuais moradores do bairro?
_________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________
19
. Com relação às moradias, quais delas podem ser encontradas nesse bairro?
( ) casas isoladas de um pavimento
( ) casas isoladas de dois pavimentos
( ) casas isoladas de mais de dois pavimentos
( ) condomínios/vilages de até 20 unidades
( ) condomínios/vilages de 20 a 50 unidades
( ) condomínios/vilages com mais de 50 unidades
( ) loteamentos com até 20 lotes
( ) loteamentos com 20 a 50 lotes
( ) loteamentos com mais de 50 lotes
( ) conjuntos habitacionais públicos
( ) conjuntos habitacionais privados
( ) Outros
______________________________________________________________
_____________________________________________________________________________
20
) Quais são as vantagens em morar aqui (domicílio, rua, bairro)? ___________________________
______________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
21
) Quais são as desvantagens em morar aqui (domicílio, rua, bairro)? ______________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
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