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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DILZA CÔCO
PRÁTICAS DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO
VITÓRIA
2006
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1
DILZA CÔCO
PRÁTICAS DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação do Centro de
Educação da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito parcial para a
obtenção do Grau de Mestre em Educação,
na linha de pesquisa Educação e
Linguagens.
Orientador: Profª Drª Cláudia Maria Mendes
Gontijo.
VITÓRIA
2006
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2
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Côco, Dilza, 1970-
C647p Práticas de leitura na alfabetização / Dilza Côco. – 2006.
361 f. : il.
Orientador: Claudia Maria Mendes Gontijo.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro de Educação.
1. Linguagem. 2. Diálogo. 3. Texto. 4. Leitura. 5. Compreensão. I.
Gontijo, Claudia Maria Mendes. II. Universidade Federal do Espírito
Santo. Centro de Educação. III. Título.
CDU: 37
3
4
A meus pais e irmãos pelo constante
incentivo aos estudos, e a Luciano, meu
filho, que se fez presente integralmente
no percurso de produção desta
pesquisa.
5
Agradecimentos
Ao Programa de Pós-graduação em Educação, aos funcionários, professores e
coordenadores que apoiaram o desenvolvimento desta pesquisa.
Ao Sistema Municipal de Ensino de Vitória por viabilizar condições que favoreceram
a minha participação no curso de Mestrado.
Aos colegas de trabalho por compreender e apoiar as demandas da pesquisa, em
especial à professora Solanje dos Reis Cardoso e ao professor Jorge Roberto
Bernadino.
Aos profissionais da escola que acolheu o estudo e que se dispuseram a socializar
suas práticas, saberes e fazeres.
Às crianças e seus familiares pela confiança e colaboração.
As professoras Alina e Rosângela pelo trabalho de revisão textual.
A professora Edivanda Mugrabi que contribuiu com suas valiosas considerações no
momento da qualificação do projeto de pesquisa.
As colegas da linha de pesquisa Educação e Linguagens, em especial à Maristela
Gatti Piffer, que, no percurso de inserção no campo da pesquisa e produção deste
estudo, colaborou com significativas discussões em torno da temática de estudo.
A Profª Drª Cleonara Maria Schwartz que, em diferentes momentos, participou como
interlocutora. Suas observações, desde a qualificação do projeto, possibilitaram um
rico diálogo em torno das questões de investigação.
A Profª Drª Francisca Izabel Pereira Maciel, pela gentileza e disponibilidade de
compartilhar desse diálogo no momento de defesa.
A meus pais e irmãos pelo apoio incondicional e constante incentivo aos estudos.
Ao Francisco, Roberto e Christiano pela compreensão nos diversos momentos de
ausências e por partilhar das demandas cotidianas e necessárias às atividades de
pesquisa inerentes ao curso de Mestrado.
E, por fim, a Profª Drª Cláudia Maria Mendes Gontijo que soube conduzir com
sabedoria, respeito, criticidade, parceria e disponibilidade todo o processo de
orientação e elaboração desta pesquisa.
6
Para a feira do livro
Folheada, a folha de um livro retoma
o lânguido e vegetal da folha folha,
e um livro se folheia ou se desfolha
como sob o vento a árvore que o doa;
folheada, a folha de um livro repete
fricativas e labiais de ventos antigos,
e nada finge vento em folha de árvore
melhor do que vento em folha de livro.
Todavia a folha, na árvore do livro,
mais do que imita o vento, profere-o:
a palavra nela urge a voz, que é vento,
ou ventania varrendo o podre a zero.
Silencioso: quer fechado ou aberto,
inclusive o que grita dentro; anônimo:
só expõe o lombo, posto na estante;
modesto: só se abre se alguém o abre,
e tanto o oposto do quadro na parede,
aberto a vida toda, quanto da música,
viva apenas enquanto voam suas redes.
Mas apesar disso e apesar de paciente
(deixa-se ler onde queiram), severo:
exige que lhe extraiam, o interroguem;
e jamais exala: fechado, mesmo aberto.
(João Cabral de Melo Neto)
7
RESUMO
O trabalho integra um grupo de pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo,
na linha de pesquisa Educação e Linguagens, que desenvolve estudos no campo da
linguagem, numa perspectiva histórico-cultural. Esta dissertação de Mestrado tem por
objetivo analisar as práticas de leitura em uma classe de alfabetização (1º ano do
Ensino Fundamental), do Sistema Público Municipal de Ensino de Vitória, ES, a partir
dos pressupostos teóricos de Vigotski e Bakhtin. Busca compreender as interações
estabelecidas entre a criança e o texto escrito, bem como as interações das crianças
com outros sujeitos do contexto escolar que influenciam no processo de produção de
sentidos por meio da leitura. Para isso, adota a opção metodológica de estudo de caso
do tipo etnográfico e utiliza o recurso da observação participante em sala de aula
como principal estratégia de coleta de dados. Ainda faz uso de entrevistas com os
sujeitos envolvidos na investigação (alunos, profissionais da escola, pais) e também
de análise de documentos, fotografias, filmagens e registros de áudio para constituir o
corpus da pesquisa. As análises dos dados foram organizadas a partir de três
suportes de leitura mais recorrentes nas práticas observadas. Dessa forma, são
apresentados eventos de leitura com os livros de literatura infantil, os livros didáticos
de Língua Portuguesa e com os cadernos das crianças, com a finalidade de dar
visibilidade às práticas de leitura constituídas em contexto escolar no período da
alfabetização. O percurso de análise busca compreender como a organização do
espaço físico, o modo como os sujeitos interagem com os suportes de leitura, os
objetivos que orientam as atividades e os procedimentos de ensino aprendizagem
influenciam no processo de constituição de sentidos ao texto. Considera que as
discussões desenvolvidas nas análises dos eventos contribuem para a reflexão das
relações de ensino aprendizagem, evidenciando a importância das relações entre os
sujeitos e de se constituir práticas de ensino, na sala de aula, que considerem a leitura
como uma atividade dialógica.
Palavras-chave: Linguagem. Diálogo. Texto. Leitura. Compreensão.
8
ABSTRACT
The work integrates a group of research of Universidade Federal do Espírito Santo, in
the line of research Education and Languages, that it develops studies in the field of
the language in a historical-cultural perspective. It refers to a master's degree
dissertation that has for objective to analyze the reading practices in a literacy class
(1st year of the Elementary School), of the Municipal Public System Education of
Vitória, starting from the theoretical presuppositions of Vigotski and Bakhtin. Search to
understand the established interactions between the child and the written text, as well
as the children's interactions with other subject of the school context that they influence
in the process of production of senses through the reading. For that, it adopts the
methodological option of study of case of the type ethnographical and it uses the
resource of the participant observation in classroom as main strategy of collection of
data. It still makes use of interviews with the subjects involved in the investigation
(students, professionals of the school, parents), analysis of documents, pictures, film
version and audio registrations to constitute the corpus of the research. The analyses
of the data were organized starting from three more appealing reading supports in the
observed practices. In that way, reading events are presented with the books of
childish literature, the text books of Portuguese Language and with the children's
notebooks, with the purpose of giving visibility to the reading practices constituted in
school context in the period of the literacy. The analysis course looks for to understand
as the organization of the physical space, the way as the subjects interact with the
reading supports, the objectives that guide the activities and the procedures of
teaching learning influence in the process of constitution of senses to the text. It
considers that the discussions developed in the analyses of the events contribute for
the reflection of the relationships of teaching learning, evidencing the importance of the
relationships among the subjects and of constituting teaching practices, in the
classroom, that they consider the reading as an activity dialogical.
Keywords: Language. Dialogue. Text. Reading. Comprehension.
9
LISTA DE FOTOS
Foto 1 – Vista externa da unidade de ensino pesquisada.........................................98
Foto 2 – Estacionamento externo da unidade de ensino pesquisada.......................98
Foto 3 – Suporte de livros fixado na parede da sala de aula ..................................102
Foto 4 – Cartaz de aniversariantes da sala.............................................................102
Foto 5 – Crianças utilizando a biblioteca infantil......................................................105
Foto 6 – Crianças lendo na biblioteca infantil..........................................................105
Foto 7 – Alunas lendo na biblioteca infantil.............................................................105
Foto 8 – Crianças escolhendo livros na biblioteca infantil.......................................105
Foto 9 – Crianças utilizando a biblioteca geral........................................................106
Foto 10 – Biblioteca geral........................................................................................106
Foto 11 – Alunos lendo o livro de literatura infantil no palco da sala de aula..........162
Foto 12 – Aluno lendo o livro de literatura infantil em sala de aula .........................162
Foto 13 – Alunos observando os cartazes da história O menino brigão que virou
um amigão, expostos no quadro pela Prof. 2..........................................174
Foto 14 – Alunos observando os cartazes no quadro.............................................174
Foto 15 – Prof. 4 orientando leitura de um grupo de alunas ...................................180
Foto 16 – Alunos ensaiando jogral..........................................................................180
Foto 17 – Prof. 4 orientando a leitura de alunos......................................................181
Foto 18 – Alunos lendo o texto do jogral.................................................................181
Foto 19 – Alunos apresentando teatro na Feira do Verde em 23-9-2005 ...............183
Foto 20 – Alunos interpretando a história A borboleta cinza ..................................183
Foto 21 – Lui encerrando apresentação de teatro na Feira do Verde.....................183
Foto 22 – Suporte de livros fixado na parede da sala de aula ................................185
Foto 23 – Alunos lendo no palco da sala de aula....................................................185
Foto 24 – Bru com sua coleção pessoal de livros...................................................186
Foto 25 – Livros da coleção pessoal de Bru ...........................................................186
Foto 26 – Alunos lendo livro de literatura infantil em sala de aula...........................187
Foto 27 – Jon lendo o livro de literatura infantil de Ine............................................187
Foto 28 – Alunos lendo livros de literatura infantil no palco da sala de aula ...........188
Foto 29 – Alunos lendo livros de literatura infantil em dupla, no palco da sala de
aula .........................................................................................................188
Foto 30 – Crianças lendo livros de literatura infantil no tapete de borracha............190
10
Foto 31 – Crianças interagindo, por meio da leitura, com livros de literatura infantil190
Foto 32 – Ari fazendo leitura individual de livro literatura infantil.............................191
Foto 33 – Ine fazendo leitura individual de livro literatura infantil............................191
Foto 34 – Lui fazendo leitura individual de livro literatura infantil ............................191
Foto 35 – Ray fazendo leitura individual de livro literatura infantil...........................191
Foto 36 – Lil fazendo leitura individual de livro literatura infantil..............................191
Foto 37 – Reb fazendo leitura individual de livro literatura infantil...........................191
Foto 38 – Ati fazendo leitura individual de livro de literatura infantil .......................192
Foto 39 – Dav fazendo leitura individual de livro de literatura infantil .....................192
Foto 40 – Crianças escolhem livros de literatura infantil para leitura na biblioteca .197
Foto 41 – Ine e Rha escolhendo livros de literatura infantil ....................................197
Foto 42 – Lui lendo na biblioteca infantil.................................................................198
Foto 43 – Crianças lendo na biblioteca infantil........................................................198
Foto 44 – Crianças em grupo lendo na biblioteca infantil........................................199
Foto 45 – Bru lendo em voz alta para Ine ...............................................................200
Foto 46 – Bru e Ine lendo individualmente..............................................................200
Foto 47 – Mau lendo em voz alta para Vic na biblioteca infantil..............................201
Foto 48 – Alunos manuseando livros de uma mesma coleção na biblioteca infantil202
Foto 49 – Ati lendo junto com os colegas na biblioteca infantil ...............................202
Foto 50 – Crianças lendo em voz alta para a profissional da escola ......................203
Foto 51 – Crianças lendo em voz alta para a bibliotecária......................................203
Foto 52 – Lil lendo em voz alta para as colegas na biblioteca infantil ....................204
Foto 53 – Lui lendo em voz alta para a pesquisadora na biblioteca........................204
Foto 54 – Bibliotecária lendo em voz alta para as crianças ....................................211
Foto 55 – Crianças ouvindo a leitura de história .....................................................211
Foto 56 – Crianças fazendo atividade de desenho orientada pela bibliotecária
após a leitura de histórias .......................................................................218
Foto 57 – Crianças consultando livros de literatura para fazer atividades de
desenho ...............................................................................................218
Foto 58 – Desenho sobre os personagens das histórias dos livros de
literatura infantil.......................................................................................218
Foto 59 – Desenho representando o superpalavrão da história..............................218
Foto 60 – Alunos utilizando o livro didático em sala de aula...................................231
Foto 61 – Gab lendo texto do caderno no palco da sala de aula ............................259
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Ficha de leitura de Ali.............................................................................143
Figura 2 – Ficha de leitura de Bru ...........................................................................144
Figura 3 – Ficha de leitura de Rha ..........................................................................145
Figura 4 – Cartaz 1 mostrando a capa do livro O menino brigão que virou um
amigão .................................................................................................165
Figura 5 – Cartaz 2 mostrando página do livro O menino brigão que virou um
amigão .................................................................................................168
Figura 6 – Cartaz 3 mostrando página do livro O menino brigão que virou um
amigão..................................................................................................169
Figura 7 – Cartaz 6 mostrando página do livro O menino brigão que virou um
amigão..................................................................................................170
Figura 8 – Cartaz 9 mostrando página do livro O menino brigão que virou um
amigão..................................................................................................171
Figura 9 – Cartaz 12 mostrando página do livro O menino brigão que virou um
amigão..................................................................................................173
Figura 10 – Texto produzido por Jon, em 9-11-2005, em sala de aula...................175
Figura 11 – Texto produzido por Reb, em 9-11-2005, em sala de aula ..................176
Figura 12 – Texto produzido por Ine, em 9-11-2005, em sala de aula....................177
Figura 13 – Página 92 do livro didático de Língua Portuguesa de título Uma
proposta para o Letramento, de Soares (1999)...................................233
Figura 14 – Página 93 do livro didático Uma proposta para o letramento, de
Soares (1999).......................................................................................236
Figura 15 – Ilustração do texto de Lui.....................................................................266
Figura 16 – Texto extraído do caderno de atividades de casa de Ine.....................269
Figura 17 – Texto de Fel retirado do caderno de atividades de casa......................271
Figura 18 – Itens que compõem a ficha de avaliação da disciplina de Português .279
12
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Distribuição dos alunos segundo idade.................................................340
Tabela 2 – Distribuição dos alunos segundo o sexo...............................................340
Tabela 3 – Distribuição das crianças com experiência escolar anterior ao
ensino fundamental................................................................................340
Tabela 4 – Distribuição das crianças que freqüentaram a turma de 6 anos
segundo unidade de ensino ...................................................................340
Tabela 5 – Distribuição das crianças quanto ao sistema de educação
que freqüentaram na educação infantil ..................................................341
Tabela 6 – Distribuição das crianças conforme regionais em que residem.............341
Tabela 7 – Distribuição dos alunos conforme nível de escolaridade do pai............341
Tabela 8 – Distribuição dos alunos conforme nível de escolaridade da mãe..........342
Tabela 9 – Distribuição dos alunos conforme renda familiar...................................342
Tabela 10 Distribuição das crianças conforme o número de pessoas que moram
em sua casa............................................................................................342
Tabela 11 – Distribuição das crianças de acordo com o número de irmãos ...........343
Tabela 12 – Distribuição dos sujeitos de acordo com a ocupação do pai...............343
Tabela 13 – Distribuição dos sujeitos de acordo com a ocupação da mãe.............344
Tabela 14 – Distribuição dos sujeitos de acordo com materiais disponíveis
para leitura no contexto familiar ..........................................................345
Tabela 15 – Distribuição dos sujeitos de acordo com a visão dos pais em relação
à independência na leitura para realizar atividades do cotidiano .........345
Tabela 16 – Distribuição dos sujeitos conforme materiais de leitura utilizados
por eles ou por outra pessoa que lê para a criança no ambiente
familiar..................................................................................................345
Tabela 17 – Distribuição dos sujeitos conforme motivos explicitados pelos pais
para a importância da aprendizagem da leitura e da escrita................346
Tabela 18 – Distribuição dos sujeitos conforme opinião dos pais sobre a
fase propícia para o aprendizado da leitura .........................................346
Tabela 19 – Distribuição dos alunos conforme opinião dos pais sobre as
atividades mais adequadas ao aprendizado da leitura.........................347
Tabela 20 – Distribuição dos alunos segundo os programas de rádio e
13
televisão favoritos.................................................................................348
Tabela 21 – Distribuição das crianças quanto à diversão preferida........................348
Tabela 22 – Distribuição das crianças por atividade cultural...................................349
Tabela 23 – Distribuição das crianças quanto aos materiais de que mais gostam de
ler .........................................................................................................349
Tabela 24 – Distribuição das crianças que declaram ter recebido
presentes destinados à leitura .............................................................350
Tabela 25 – Distribuição dos sujeitos quanto à preferência entre a atividade
de leitura e escrita ...............................................................................350
Tabela 26 – Distribuição dos sujeitos quanto à opinião da criança em definir
quem lê para ela no contexto familiar...................................................350
Tabela 27 – Distribuição dos sujeitos conforme opinião dos alunos quanto à
pessoa que o auxilia a fazer os deveres de casa.................................351
Tabela 28 – Distribuição dos alunos conforme atividade de leitura das crianças
para outras pessoas.............................................................................351
Tabela 29 – Distribuição dos sujeitos quanto ao tipo de leitura preferida ...............351
Tabela 30 – Distribuição dos sujeitos, quanto ao sexo, que responderam
ao questionário sobre práticas de leitura do responsável pela criança 352
Tabela 31 – Distribuição dos sujeitos sobre quem mais influenciou no gosto
pela leitura do responsável pela criança ..............................................352
Tabela 32 – Distribuição dos sujeitos quanto aos livros que possuem em casa.....353
Tabela 33 – Distribuição dos sujeitos conforme os gêneros de livros que
costumam ler........................................................................................353
Tabela 34 – Distribuição dos sujeitos conforme o tipo de biblioteca em que
esteve ou costuma freqüentar..............................................................354
Tabela 35 – Distribuição dos sujeitos conforme participação em cursos além
do ensino formal...................................................................................354
Tabela 36 – Distribuição dos sujeitos conforme o recebimento de cartas via
correio de amigos ou parentes.............................................................354
Tabela 37 – Distribuição dos sujeitos quanto ao uso do computador .....................355
Tabela 38 – Distribuição dos sujeitos quanto à freqüência de utilização
do computador .....................................................................................355
Tabela 39 – Distribuição dos sujeitos conforme atividades culturais que
14
costuma realizar...................................................................................356
Tabela 40 – Distribuição dos sujeitos quanto à idade dos profissionais..................357
Tabela 41 – Distribuição dos sujeitos quanto à quantidade de jornadas diária
de trabalho .........................................................................................357
Tabela 42 – Distribuição dos sujeitos quanto à situação funcional na unidade
de ensino..............................................................................................357
Tabela 43 – Distribuição dos sujeitos quanto à formação acadêmica.....................357
Tabela 44 – Distribuição dos sujeitos conforme tempo de experiência na profissão358
Tabela 45 – Distribuição dos sujeitos quanto à vinculação sindical da categoria
do magistério........................................................................................358
Tabela 46 – Distribuição dos sujeitos segundo assinatura de jornais, revistas
e periódicos..........................................................................................358
Tabela 47 – Distribuição dos sujeitos conforme atividades culturais que
sempre costumam realizar ...................................................................358
Tabela 48 – Distribuição dos sujeitos segundo suas leituras mais comuns............359
Tabela 49 – Distribuição dos dias gastos em coletas de dados na escola..............360
Tabela 50 – Eventos de leitura identificados nos registros de diário de campo......361
15
LISTA DE SIGLAS
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM – Banco Mundial
COLTED – Comissão Nacional do Livro Técnico e Didático
ENADE – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
FMI – Fundo Monetário Internacional
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
LD – Livro Didático
MEC – Ministério da Educação e Cultura
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
PROAVI Programa de Avaliação de Vitória
PROSALEITURA – Programa Salas de Leitura
SAEB – Programa Nacional de Avaliação da Educação Básica
SNEL – Sindicato dos Editores
USAID – United States Agency for Internacional Development
16
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................18
2 A LEITURA NO BRASIL: CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA ...................22
3 POLÍTICAS PÚBLICAS E LEITURA NO BRASIL ................................................30
4 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE AS PRÁTICAS DE LEITURA NA
ALFABETIZAÇÃO....................................................................................................40
5 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS..........................................71
5.1 O ENFOQUE HISTÓRICO-CULTURAL DE VIGOTSKI......................................72
5.2 A LINGUAGEM NA PERSPECTIVA BAKHTINIANA...........................................74
5.3 O TEXTO COMO SUPORTE AO DIÁLOGO NO PROCESSO DE
ENSINO APRENDIZAGEM.......................................................................................77
5.3.1 O texto e os gêneros discursivos.................................................................82
5.3.2 O texto e a leitura ...........................................................................................84
5.4 O PERCURSO METODOLÓGICO......................................................................88
5.4.1 O Acesso ao campo e a caracterização da escola......................................94
5.4.2 Caracterização do espaço da sala de aula da primeira série do
ensino fundamental ..............................................................................................100
5.4.3 Caracterização da biblioteca escolar..........................................................103
5.4.4 A inserção na sala de aula e a aproximação com os sujeitos..................107
5.4.5 Caracterização das crianças.......................................................................110
5.4.6 As crianças e a prática da leitura no contexto familiar.............................115
5.4.7 As práticas de leitura dos pais e/ou responsáveis....................................120
5.4.8 Caracterizão dos profissionais da escola (professores regentes de
projetos, de informática, estagria de sala, bibliotecária e pedagoga).................124
6 PRÁTICAS DE LEITURA NA ESCOLA...............................................................133
6. 1 AS PRÁTICAS DE LEITURA E OS LIVROS DE LITERATURA INFANTIL......139
6.1.1 A literatura infantil no contexto da sala de aula........................................142
6.1.2 A leitura livre dos livros de literatura infantil na biblioteca escolar.............196
17
6.1.3 A literatura infantil e as práticas de leitura mediadas pela bibliotecária.210
6.2 AS PRÁTICAS DE LEITURA COM O LIVRO DIDÁTICO..................................221
6.3 AS PRÁTICAS DE LEITURA COM O CADERNO DAS CRIANÇAS.................256
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................281
8 REFERÊNCIAS....................................................................................................290
9 APÊNDICES ........................................................................................................299
18
1 INTRODUÇÃO
A partir dos anos 90, percebemos que diferentes sistemas de avaliação foram
implementados no País, com o propósito de captar as capacidades de leitura de
crianças e jovens. As justificativas para essas avaliações, segundo os órgãos
responsáveis, era conhecer as capacidades dos alunos, além de produzir
informações sobre a realidade brasileira que subsidiassem a organização e o
planejamento de políticas públicas na área de leitura. Essas avaliações foram
sistematizadas em nível mundial, federal, estadual e municipal.
Os dados revelados por esses programas indicaram que as capacidades em leitura
dos estudantes brasileiros não eram satisfatórias. Nesse sentido, lançaram um
debate em torno dos processos de ensino da leitura que se desenvolvem,
principalmente, nas instituições de ensino. É importante observar que, embora esses
resultados apresentassem significativas informações, organizadas nos mais variados
modos, como os índices alcançados por país, por região da federação, por estados,
por municípios, por escolas, bem como o resultado individual dos sujeitos envolvidos
na pesquisa, eles eram de caráter global e não possibilitavam uma discussão
específica em torno das práticas de leitura que ocorriam no contexto da ação
educativa.
Estudos em grande escala, como os observados nesses sistemas de avaliações,
geralmente, apresentam essas lacunas e, por isso, demandam novas pesquisas que
focalizam um olhar mais específico sobre o fenômeno. Dessa forma, a aproximação
com o contexto em que ocorre o processo de ensino aprendizagem da leitura, como
a sala de aula, pode oferecer outros elementos que auxiliam na compreensão sobre
as capacidades de leitura dos estudantes. Nesse sentido, algumas questões, dentre
muitas outras, são relevantes para compor a complexidade de fatores que envolvem
essa temática: como os processos de ensino são sistematizados no período da
alfabetização? Quais os suportes de leitura mais utilizados para este trabalho? Que
condições são oferecidas às crianças na escola, para que possam se apropriar
efetivamente das capacidades de leitura do texto verbal? Qual o tempo destinado a
19
atividades de leitura? O que as crianças gostam de ler? Como elas reagem às
propostas de atividades desenvolvidas na escola?
Nesse universo de idéias, situamos nossa investigação em torno das práticas de
leitura em uma turma de alfabetização, crianças de sete anos, do Sistema Municipal
de Educação de Vitória, ES. A metodologia utilizada foi o estudo de caso do tipo
etnográfico por considerarmos uma abordagem de pesquisa apropriada para captar
a complexidade das interações que ocorrem no contexto da sala de aula. Os dados
foram coletados no ano de 2005, no período de abril a dezembro, totalizando 82 dias
de observação participante, discriminados conforme APÊNDICE P. Na coleta dos
dados, utilizamos técnicas como fotografias, entrevistas com pais, profissionais da
escola e crianças, análise de documentos, gravações de áudio e filmagens de
eventos de leitura.
A articulação desses instrumentos de coleta de dados torna-se importantes para a
pesquisa, pois possibilita captar diferentes vozes que se entrecruzam na dinâmica
das práticas de leitura na escola. Assim, partimos do pressuposto de que a sala de
aula é um espaço socialmente constituído por muitas vozes e que os sujeitos que
participam e produzem os discursos sobre a leitura, veiculados nesse espaço, são
historicamente situados num tempo e num lugar, ou seja, as interações discursivas
constituem um tecido polifônico no sentido bakhtiniano de linguagem.
A partir dessa premissa, este estudo focalizará as práticas de leitura dos alunos/as
em fase de alfabetização. Nesse sentido, a análise dessas práticas terá como
referência a perspectiva dialógica de linguagem, compreendendo a leitura como
processo de produção de sentidos decorrente das interações entre sujeitos e textos
verbais e sujeitos e sujeitos. Nessa direção, consideramos
[...] que a leitura é produzida e se procura determinar o processo e as
condições de sua produção. [...] a leitura é o momento crítico da
constituição do texto, o momento privilegiado da interação verbal,
uma vez que é nele que se desencadeia o processo de significação.
No momento em que se realiza o processo da leitura, se configura o
espaço da discursividade em que se instaura um modo de
significação específico (ORLANDI, 1996, p.37-38).
20
A compreensão das práticas de leitura exigiu a consideração de alguns conceitos-
chave. como linguagem, sinal, signo, sujeito, texto, interação, leitura, diálogo,
enunciado, enunciação, numa concepção discursiva. Assim, as contribuições da
perspectiva bakhtiniana de linguagem são fundamentais nesse contexto de idéias.
Este texto foi organizado em seis capítulos. No primeiro e no segundo capítulos,
apresentamos aspectos históricos que contextualizam as práticas de leitura no
cenário nacional. Nesse sentido, situamos alguns mecanismos de controle,
interdição e incentivo à prática da leitura no Brasil. Esses aspectos indicam que o
fraco desempenho dos alunos/as em leitura, apresentados pelos sistemas oficiais de
avaliação (PISA, SAEB, ENEM, PROAVI), é fruto de uma longa construção histórica
e tem origem nas relações sociais organizadas em bases desiguais.
Para evidenciar a importância de se trabalhar a temática das práticas de leitura e,
em especial, aquelas que ocorrem em contexto escolar, procuramos situar, no
terceiro capítulo, alguns trabalhos acadêmicos que refletem parte da produção do
conhecimento da área de ensino e leitura. Nesse capítulo, apresentamos o percurso
de investigação de quatro pesquisadores e suas contribuições teóricas, assim como
as lacunas deixadas em seus trabalhos em função do momento histórico em que
foram produzidos. Esses trabalhos foram selecionados tendo em vista a temática
desenvolvida e a possibilidade de aproximação com o aporte teórico e metodológico
de nossa pesquisa.
Os conceitos-chave que subsidiam a temática de nosso estudo foram desenvolvidos
e discutidos no quarto capítulo, a partir dos autores de referência, como Vigotski e
Bakhtin, e por outros que, em nossa perspectiva, se identificam com o enfoque
histórico-cultural. Os pressupostos metodológicos foram também delineados nesse
capítulo.
Em seguida, construímos o quinto capítulo em que desenvolvemos as análises dos
dados. Nesse capítulo, apresentamos uma tabela que resume, de forma geral, os
eventos de leitura observados no período da coleta de dados. As informações
evidenciadas nessa tabela permitiram que elaborássemos um roteiro de análises, a
partir dos suportes de leitura mais recorrentes e observados nas práticas que se
21
constituíram no espaço escolar. Nesse sentido, iniciamos nossas análises com as
práticas de leitura sistematizadas nos livros de literatura infantis, pois foi o suporte
mais utilizado, pelos sujeitos deste estudo de caso, nas práticas de leitura. Essas
práticas, observadas no contexto da sala de aula e da biblioteca, envolveram
diferentes profissionais da escola.
O livro didático foi o segundo suporte mais utilizado. Privilegiamos, para análise,
eventos de leitura que tinham como base o livro didático de Língua Portuguesa
porque o foco do nosso trabalho se situa no campo da linguagem. Por fim, foram
tratados os eventos de leitura que tiveram como suporte o caderno. Esses cadernos
faziam parte dos materiais pessoais dos alunos e davam materialidade aos textos
produzidos por eles em diferentes situações de ensino. Assim, buscamos dar
visibilidade às práticas de leitura desenvolvidas em sala de aula que tomavam esses
textos para leitura.
No sexto e último capítulo, tecemos nossas considerações finais em torno das
práticas de leitura na alfabetização, sabendo que não são necessariamente finais,
mas que integram a corrente da comunicação verbal e, por isso, são colocadas à
disposição dos leitores para dar continuidade ao diálogo permanente que constitui a
essência viva da língua, conforme proposto por Bakhtin. Acreditamos que este
trabalho pode contribuir com elementos de discussão sobre o processo de ensino
aprendizagem da língua materna, em especial, no período da alfabetização e, dessa
forma, apontar novas reflexões sobre as praticas de leitura desenvolvidas em
contextos escolares. Também é importante ressaltar que os processos de
investigação e reflexão, construídos na pesquisa, podem indicar demandas em
direção aos processos de formação continuada dos profissionais envolvidos com o
trabalho docente no campo da alfabetização.
22
2 A LEITURA NO BRASIL: CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA
No contexto contemporâneo, a temática da leitura tem mobilizado diferentes
segmentos da sociedade, tais como os professores, os pesquisadores, os
interessados em fortalecer o mercado editorial e os responsáveis pela
implementação de políticas públicas e programas de avaliações dos estudantes em
etapas da Educação Básica. Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é explorar os
dados indicativos do perfil de leitura dos alunos brasileiros delineados em diferentes
sistemas de avaliações, com vistas à contextualização deste estudo que focaliza as
práticas de leitura que se desenvolvem com crianças no período de alfabetização.
De maneira geral, os dados apurados acerca da capacidade de leitura dos alunos,
no cenário nacional, não demonstram resultados satisfatórios. Desde os anos de
1990, vem sendo desenvolvido o Programa Nacional de Avaliação da Educação
Básica (SAEB)
1
com o objetivo de fornecer informações sobre a qualidade, a
eqüidade e a eficiência da Educação Básica brasileira. Como um dos componentes
desse sistema de avaliação, foi criado, a partir de 2005, pelo governo federal e em
parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, a Prova Brasil.
Segundo dados do Ministério da Educação e Cultura (MEC), esse instrumento de
avaliação foi idealizado para produzir informações sobre o ensino, oferecido por
municípios e escolas, individualmente, com o objetivo de auxiliar os governantes nas
decisões quanto aos investimentos técnicos e financeiros, bem como servir de apoio
para a comunidade escolar para planejar metas e ações pedagógicas e
administrativas que possibilitem a melhoria da qualidade de ensino. Outro programa,
de âmbito internacional, que também tem revelado dados significativos sobre a
capacidade de leitura dos alunos é o Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes (PISA).
2
Esse programa tem como finalidade:
1
Coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), órgão ligado ao
Ministério da Educação e Cultura.
2
Elaborado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No Brasil, o
PISA é também coordenado pelo INEP. Apesar de o País não fazer parte da OCDE, ele tem
participado das avaliações desse programa como convidado.
23
a) Avaliar conhecimentos e habilidades que são necessários em
situações da vida real. O Pisa enfatiza a eficácia externa do processo
de escolarização e se propõe a examinar o desempenho alcançado
pelos alunos nos três domínios avaliados (Leitura, Matemática e
Ciências), abordando-os em situações que estão além do contexto
escolar.
b) Relacionar diretamente o desempenho dos alunos a temas de
políticas públicas. O Pisa foi concebido para apresentar os resultados
alcançados em um número considerável de países, de maneira a
lançar luz sobre questões de interesse dos governos, como, por
exemplo, sobre o preparo escolar das crianças para a vida em
sociedade; sobre as estruturas e práticas educacionais que
maximizam as oportunidades de alunos vindos de contextos
desvantajosos, ou sobre a influência da qualidade dos recursos
escolares sobre os resultados alcançados pelos alunos.
c) Permitir o monitoramento regular dos padrões de desempenho. O
Pisa está comprometido com a avaliação das áreas de Leitura,
Matemática e Ciências. Visa avaliar, a cada três anos, se os jovens
estão sendo preparados para enfrentar os desafios do mundo
contemporâneo, procurando fornecer indicadores internacionais em
condições de serem utilizados por responsáveis pela administração
de sistemas educacionais na orientação de políticas públicas
(PROGRAMA INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO DE
ESTUDANTES, 2000, p. 19).
Outros sistemas de avaliação também são concomitantemente desenvolvidos, como
o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o Exame Nacional de Desempenho
de Estudantes (ENADE) destinado à análise da qualidade dos cursos superiores em
função do rendimento dos alunos quanto aos conteúdos programáticos, suas
habilidades e competências. Em instância local, o Sistema Municipal de Ensino de
Vitória, ES, a partir de 2003, implantou o Programa de Avaliação de Vitória
(PROAVI). Esse programa teve como finalidade avaliar, na área de Língua
Portuguesa, a proficiência em leitura dos alunos da e séries do Ensino
fundamental. As questões de avaliação foram elaboradas com base na matriz de
referência utilizada pelo SAEB composta de seis itens: procedimentos de leitura;
implicações do suporte, do gênero e/ou do enunciador na compreensão do texto;
relações entre textos; coerência e coesão no processamento do texto; relações entre
recursos expressivos; e efeitos de sentido e variação lingüística. Os índices de
desempenho dos alunos foram comparados com os resultados do SAEB/Brasil,
SAEB/ES. Além disso, foi apresentado o resultado de cada unidade de ensino
municipal. Ao final do processo de avaliação, os resultados levaram a três
classificações de nível de desempenho dos alunos:
24
Crítico: Constata-se que não teve início o processo de construção
das competências sicas em Língua Portuguesa associadas a
quatro anos de escolarização. Esse desempenho é considerado
inferior ao desejável, a ponto de ameaçar a continuidade dos
estudos.
Intermediário: Constata-se que as competências básicas não estão
consolidadas e algumas delas estão em início de construção.
Suficiente: Constata-se que uma parte das competências básicas
estão constituídas, o que caracteriza o domínio básico da leitura
esperado nesse nível de escolarização (PROGRAMA DE
AVALIAÇÃO DE VITÓRIA, 2004, p. 24, grifos nossos).
Cada programa de avaliação possui particularidades e metodologias próprias
podendo, conforme os procedimentos adotados, ocasionar diferenças nos
resultados. No entanto, a característica marcante que aproxima os resultados
dessas avaliações é a relativa insistência de índices que demonstram os baixos
níveis de domínio da leitura dos estudantes.
Na avaliação do desempenho em leitura, o PISA de 2000 tomou como referência a
concepção de letramento em leitura relacionado com a
[...] compreensão, o uso e a reflexão sobre textos escritos para
alcançar objetivos pessoais, desenvolver o conhecimento e potencial
individuais e participar plenamente na vida em sociedade
(PROGRAMA INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO DE
ESTUDANTES, 2000, p. 21).
A partir dessa perspectiva de letramento, o exame demonstrou que o Brasil alcançou
um índice de apenas 396 pontos que o colocou em último lugar no ranking dos
países participantes.
Esses programas e seus resultados admitem diferenciadas análises e, por isso, a
divulgação dos dados tem provocado indagações acerca do papel do ensino e da
escolarização, bem como da responsabilidade docente. Ao mesmo tempo, o próprio
sistema de avaliação tem sido alvo de críticas. Acreditamos que os índices por si sós
não bastam, pois é necessário refletir e analisar os sentidos e as causas desses
índices. Dessa forma, cabe indagar sobre o porquê da baixa proficiência de leitura
dos estudantes, analisar os fatores que levam a esses resultados e, então, refletir
sobre os condicionantes sócio-históricos que interferem no processo de apropriação
da linguagem escrita. Além disso, é preciso, em termos pedagógicos, discutir
25
estratégias de ensino que proporcionem aos alunos o domínio efetivo do uso da
língua materna em diferentes situações sociais, incluindo o trabalho com a leitura.
Soares (2004, p. 18) considera a leitura como um bem simbólico, ou seja, bens que
são “[...] fundamentalmente significações e só secundariamente mercadorias”. A
autora analisa a necessidade de sua distribuição eqüitativa sob a perspectiva da
responsabilidade social e da formação do indivíduo. No primeiro aspecto, sob a
perspectiva da responsabilidade social, analisa a possibilidade de leitura e o direito à
leitura como sendo condições para a plena democracia cultural. No segundo
aspecto, “[...] do ponto de vista da formação do indivíduo, a leitura como
instrumento de promoção da democracia cultural a leitura tem o poder de
democratizar o ser humano, em suas relações com o cultural” (SOARES, 2004, p.
20). Porém, argumenta que condições objetivas que impedem a grande maioria
dos brasileiros de ter acesso à leitura. Essas condições vão desde a falta de
bibliotecas públicas bem equipadas a a inexistência de livrarias em muitos
municípios brasileiros, além do alto custo dos livros. Todos esses impedimentos
levam a diagnósticos que relacionam a leitura com a distribuição desigual dos bens
na sociedade. Nesse sentido, a pesquisa Retrato da Leitura no Brasil,
3
referenciada
por Soares (2004, p. 24), indica que as condições de acesso aos livros no Brasil
demonstram uma realidade de grandes abismos, em que “[...] poucos têm muitos e
muitos têm pouco”, ou seja, refletem as diferenças de distribuição de renda no País.
Esse quadro de desigualdade social tem raízes históricas, pois, desde o Período
Colonial brasileiro, o domínio da leitura e da escrita se constituiu privilégio de
determinados grupos sociais. Somente a partir da década de 1950, começam a ser
implementadas, de forma incipiente, políticas públicas de ampliação da oferta de
ensino, muito embora esse movimento tenha sido decorrente de pressões de grupos
organizados, como os sindicatos, os imigrantes e, também, como conseqüência da
necessidade de melhoria da qualidade da mão-de-obra dos trabalhadores
necessária à manutenção e à reprodução do sistema capitalista industrial.
3
Retrato da leitura no Brasil, pesquisa realizada no período de 10 de dezembro de 2000 a 25 de
janeiro de 2001, pela Câmara Brasileira do Livro-CBL/Sindicato Nacional dos Editores de Livros-
Snel/Associação Brasileira de Celulose e Papel-Bracelpa e Associação Brasileira dos Editores de
Livros-Abre-livros (CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, 1 CD-ROM).
26
Dessa forma, o acesso ao Ensino fundamental foi paulatinamente ampliado
chegando praticamente à universalização, no final da década de 1990, quando
atingiu, conforme dados do MEC, uma cobertura de 95,4% da população em idade
escolar.
Uma vez “garantida” a universalização do acesso, na atualidade, as políticas
afirmam a intenção de promover medidas que focalizem a melhoria da qualidade do
ensino oferecido, a fim de garantir a permanência dos alunos na escola e
desenvolver formação condizente com as demandas da sociedade
4
e do próprio
indivíduo no seu processo de constituição e socialização. Sem desconsiderar a
importância dos investimentos que visem a garantir o acesso à escolarização, é
importante assinalar a vinculação entre o acesso e a permanência de modo a não
dissociá-los. Nesta suposta nova perspectiva de focalização na qualidade do ensino,
é fundamental apurar dados que embasam as novas ações e ainda observar que os
níveis em capacidades de leitura alcançados nas avaliações atuais são reflexos de
relações sociais desiguais que impedem e impediram grande parte da população de
ter acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade.
Tendo em vista os resultados dos testes das avaliações de leitura vinculados ao
cenário nacional de desigualdade social, é importante situar a origem desses
movimentos de avaliação dos sistemas de educação, pois não se trata somente de
um movimento nacional, mas de uma dinâmica mundial. A observação mais
ampliada dessas avaliações nos permite captar as transformações que vão sendo
indicadas na relação entre educação e desenvolvimento social, ou seja, vão se
intensificando as demandas por escolarização a partir das transformações
econômicas e tecnológicas. Reafirma-se a educação como um espaço privilegiado
de conquistas em contraste com a redução de investimentos no setor educacional
público.
4
Vale destacar que as “demandas da sociedade” têm implicado exigências cada vez mais
sofisticadas de letramento para inserção nas dinâmicas da vida social. Nesse sentido, a análise das
demandas sociais não se restringe ao cenário nacional, mas se articula diretamente com as
dinâmicas de globalização do capital e das transformações no mundo do trabalho.
27
Em 1990, ocorreu a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em
Jomtien, na Tailândia. Nessa reunião, o conceito de educação básica foi
amplamente discutido gerando, assim, um documento denominado de Declaração de
Jomtien, em que os governos dos países participantes, inclusive o Brasil, se
comprometeram a implementar medidas para a melhoria da qualidade de ensino.
Esse compromisso internacional se baseia no insuficiente desempenho dos alunos,
após o término da educação básica, principalmente nos países pobres e em
desenvolvimento, em frente ao crescimento das demandas sociais e ao acelerado
crescimento tecnológico e econômico. Essa declaração era composta de dez
artigos: satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem; expandir o enfoque;
universalizar o acesso à educação e promover a eqüidade; concentrar a atenção na
aprendizagem; ampliar os meios de ação da educação básica; propiciar um
ambiente adequado à aprendizagem; fortalecer alianças e parcerias; desenvolver
uma política contextualizada de apoio; mobilizar os recursos; e fortalecer a
solidariedade internacional.
Nesse contexto, os organismos internacionais, como o Banco Mundial (BM), Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fundo Monetário Internacional (FMI),
intensificaram sua atuação nas políticas educacionais. Essas políticas, denominadas
neoliberais, colocam o mercado como definidor das relações sociais. Defendem um
Estado mínimo promovendo, assim, um novo modo de gerenciamento das ações e
investimentos na educação. Vinculado a esse “cenário mundial” de transformações
no setor educacional, o Brasil elaborou o Plano Decenal de Educação para Todos
(1993 e 1994) que desencadeou outras medidas, como a nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação; o Fundo de Valorização do Magistério, os Parâmetros
Curriculares Nacionais, a Reforma do Ensino Médio e da Educação Profissional e as
Políticas de Avaliação. Todas essas medidas geraram grandes debates e críticas.
Focalizando as avaliações, ao discorrer sobre o SAEB, Pestana (1998, p. 71)
elencou diversas características positivas desse sistema de avaliação, porém
argumenta que uma das limitações consiste no seguinte aspecto:
28
[...] um sistema nacional de avaliação não responde, nem poderia
responder todas as necessidades de informação. Tampouco tem
capacidade de apreender toda a diversidade e singularidade das
escolas. Por isso, tem que ser complementado. A luz que o SAEB
lançou sobre o sistema de ensino e as escolas não foi suficiente, por
exemplo, para iluminar o que acontecia em sala de aula.
Além de uma visão crítica e contextual dos exames de avaliação, a afirmativa de
Pestana nos indica que conjugar os dados desses sistemas de avaliação com
pesquisas sobre/das práticas educativas é relevante para compor elementos de
análise da realidade de ensino do Brasil. Nesse sentido, é que nos propomos
pesquisar as práticas de leitura de uma classe de alfabetização em uma escola
pública do Sistema Municipal de Ensino de Vitória, ES. A investigação dessas
práticas foi norteada por alguns objetivos, que consideramos relevantes, para
compreendermos, numa perspectiva dialógica de linguagem, como o efetivadas
algumas condições básicas de ensino aprendizagem da leitura no contexto do
microespaço da sala de aula. Assim, torna-se necessário apreender determinados
aspectos que acreditamos ser constitutivos do trabalho com a linguagem e, em
especial, das ações que envolvem as práticas de leitura. Nesse sentido, guiamos
nosso olhar investigativo na tentativa de:
a) compreendermos os sentidos atribuídos à leitura nas classes de
alfabetização;
b) caracterizarmos o tempo e o espaço destinado à leitura e quais os suportes
de leitura predominantes na prática escolar;
c) analisarmos os mecanismos de instrução e de avaliação da capacidade de
leitura na classe de alfabetização;
d) analisarmos eventos de leitura das crianças em grupo e individualmente a
fim de identificar estratégias de leitura construídas pelas crianças no contexto
escolar.
Dessa forma, a partir desses objetivos, acreditamos que possamos problematizar a
questão da leitura nas relações de ensino aprendizagem e, assim, lançar novos
olhares sobre as condições de trabalho que envolvem essa temática, com especial
atenção para o início do processo de escolarização básica, ou seja, uma turma de
alfabetização, de crianças, com sete anos de idade, do Sistema Municipal de Ensino
29
de Vitória, ES. É importante salientar que, embora a alfabetização tenha sido objeto
de estudos intensivos nos seus mais variados aspectos, ao longo do tempo, nas
diferentes instâncias de pesquisas, ainda guarda um potencial significativo de
questões que merecem atenção, principalmente diante das novas exigências sociais
de uma sociedade escriturística e de avançados recursos tecnológicos. Os dados
revelados a partir da institucionalização dos sistemas de avaliação, conforme
situamos no início deste item, indicam esse terreno fértil e evidenciam que a
aprendizagem da leitura, percebida como um bem cultural que possibilita a
interlocução, por meio da escrita, entre os indivíduos, independente da época e do
espaço em que eles vivem, ainda não foi socializada de maneira igualitária entre os
sujeitos.
30
3 POLÍTICAS PÚBLICAS E LEITURA NO BRASIL
No contexto brasileiro, a distribuição dos bens culturais carrega uma história de
desigualdades que tem origem em ações políticas, ideológicas, financeiras,
educacionais, dentre outras. Nesse sentido, consideramos importante esboçar uma
trajetória, no campo das práticas de leitura, que possibilite compreendermos o
presente a partir dos elementos vividos no passado e, dessa forma, delinearmos
nossa história de leitura.
Assim, buscaremos situar os processos de prescrição e de interdição da leitura que,
ao longo da História do Brasil, foi se constituindo por diferentes mecanismos legais e
culturais impostos à população. Esses fatos históricos não podem ser
desconsiderados na compreensão dos baixos índices de proficiência em leitura dos
estudantes, apresentados nas pesquisas sobre a realidade brasileira.
Para isso, é fundamental evidenciar as relações entre políticas públicas e práticas de
leitura. Essas relações tomam como pressuposto que as políticas públicas são
afetadas pelas ideologias presentes em uma dada época, pelo regime político
vigente e pelo sistema econômico proposto. Nesse sentido, discutiremos alguns
aspectos históricos relacionados com a leitura que demonstram o seu caráter
complexo e dinâmico em que mudanças são vivenciadas constantemente na
negociação entre os atores sociais. A análise das negociações sociais associadas
às práticas de leitura indica a presença de processos de censura e de prescrição
vinculados aos sentidos que a leitura vai adquirindo no cenário social.
Historicamente, as práticas de leitura o marcadas por movimentos contraditórios.
Esse movimento dicotômico envolvendo o “hábito de ler” tem raízes no cenário
mundial e ecoa também na sociedade brasileira. A leitura ora era vista positivamente
ora de forma negativa. Abreu (1999) delineia um percurso histórico da leitura em que
os diferentes momentos são discutidos e indica:
31
O repúdio ou o estímulo à leitura podem ser bem compreendidos
se forem examinados os objetos que se tomam para ler e sua
relação com questões políticas, estéticas, morais ou religiosas nos
diferentes tempos e lugares em que homens e mulheres, sozinhos ou
acompanhados, debruçaram-se sobre textos escritos (ABREU, 1999,
p.15)
Na atualidade, o discurso sobre leitura indica que o domínio dessa capacidade é
uma necessidade básica de todo indivíduo e que, por meio dela, podem-se alcançar
variados benefícios, como o acesso a outros bens culturais, obtenção de
informações e, conseqüentemente, a aquisição de uma postura crítica em frente à
sociedade. Entretanto, essa visão positiva nem sempre permeou o discurso sobre a
leitura. Como mostra Abreu (1999, p. 11), na França do século XVIII, Tissot, em seu
livro A saúde dos homens de letras, argumentava que a prática da leitura oferecia
perigo à saúde do leitor como a “[...] perda de apetite, dificuldades digestivas,
enfraquecimento geral, espasmos, convulsões, irritabilidade, atordoamento,
taquicardia”, entre outros problemas. Além dos desgastes físicos ocasionados pela
leitura, esclarecia que oferecia piores perigos à alma do leitor, pois as leituras de
textos literários, principalmente os romances, poderiam colocar em risco a moral.
Esses posicionamentos encontraram apoio no campo da religião e da política que,
por sua vez, promoveram “[...] o controle, a censura e proibição de composição,
publicação, venda e posse de livros tidos como inconvenientes” (ABREU, 1999, p.
13). Além do processo de interdição da leitura, havia o que podemos chamar de
prescrição da leitura, ou seja, a recomendação de leituras que não proporcionavam
o risco de gerar insubordinação, questionamento das desigualdades sociais e que
não afetavam a pureza da verdadeira religião.
No Brasil, essas contradições, interdições e prescrições também estiveram
presentes. Embora em tempo e espaço diferentes, as conseqüências foram
similares, pois essas concepções em torno das influências da leitura não
favoreceram a formação de uma cultura de leitores. O processo de interdição ou de
valorização da leitura, no caso do Brasil, tem estreita relação com o próprio processo
de colonização do País. Por fazer parte do projeto de colonização européia, o Brasil
sofreu interferências culturais, econômicas, religiosas e ideológicas que foram
cruciais na história da leitura de seu povo.
32
No Período Colonial, o domínio do povo, por parte do colonizador, foi assegurado
pela imposição da língua portuguesa como elemento de unificação, pois, por meio
da substituição da língua dos nativos, poderiam ser apagadas a riqueza e a
diversidade da produção cultural e lingüística dos povos locais e, assim, eles
poderiam ser dominados com maior facilidade.
Conforme Paiva (2000), os portugueses passaram a incluir, em suas estratégias de
colonização, a utilização de um sistema educativo orientado para seus interesses.
Nesse aspecto, a Igreja e o Estado uniram forças para implantar e desenvolver o
projeto de colonização. Nesse pacto, a Igreja tinha por objetivo expandir a fé cristã e
o domínio da Igreja Católica pela ação da Companhia de Jesus, além de representar
uma instância de poder local. Para alcançar esse objetivo, os jesuítas se valeram de
um completo plano educacional, o “Ratio Studiorum”, publicado em 1599, que
privilegiava o ensino da Gramática média, da Gramática superior, das Humanidades
e da Retórica. A Filosofia e a Teologia eram destinadas a quem desejasse a
preparação para o sacerdócio. Porém, esse programa de estudo não era destinado
a todos da colônia.
Apesar de, inicialmente, o colégio ter sido pensado para os índios
‘os que hão de estar no Colégio hão de ser filhos de todo este gentio’
[...] ‘este colégio [...] será bom para recolher os filhos dos gentios e
cristãos para os ensinar e doutrinar’ (PAIVA, 2000, p. 43).
Assim, para os índios, a catequese se limitava a disseminar a língua portuguesa até
determinado nível, pois os jesuítas julgavam desnecessários conhecimentos mais
profundos previstos no “Ratio Studiorum”. A ação catequizadora foi responsável por
apagar da memória dos indígenas a diversidade de línguas e muito da sua riqueza
cultural.
Os jesuítas, visando à manutenção do sistema cultural português, que era uma
exigência da época, também se dedicavam à formação da educação das elites, por
meio do ensino das humanidades clássicas. Nesse ensino, a ordem hierárquica e a
religião eram princípios essenciais a serem ministrados. Esse processo educativo
era acompanhado e controlado pela colônia por meio de diversas medidas
restritivas, por exemplo, a destruição, em 6 de julho de 1747, da primeira oficina
33
tipográfica do País (LAJOLO; ZILBERMAN, ano 1998) e a proibição de estudos
superiores na colônia. Essas medidas visavam a coibir qualquer iniciativa de
ameaça ao despotismo lusitano que pudesse emergir de leituras de material
impresso na colônia. Segundo Moll (1996, p. 12), com base em Freire (1989), outras
[...] medidas do pacto colonial estabelecido por Portugal [...]
explicitam o objetivo de manter o saber escrito nas mãos dos
colonizadores. Entre elas, está o Alvará de 20 de março de 1720,
proibindo letras impressas no Brasil; o Alvará de 16 de dezembro de
1794, proibindo o despacho de livros e papéis para o Brasil e o Aviso
de 18 de junho de 1800 ao capitão-general de Minas Gerais,
repreendendo a Câmara dos Tamanduás por ter instituído uma aula
de primeiras letras.
Dessa forma, o Estado português garantiu a continuação do processo de dominação
e exploração durante o longo período colonial. O acesso aos materiais escritos foi
limitado e cerceado e, conseqüentemente, também, as práticas de leitura.
De acordo com estudos de Lajolo e Zilberman (1998), a vinda da Família Real
provocou mudanças nesse cenário, pois a corte necessitava de certo aparato
técnico-administrativo para funcionar, conforme os moldes da Europa. Assim, uma
das mudanças ocasionadas pela vinda da família real foi a implantação da Imprensa
Régia sob o monopólio do governo. Ela servia como instrumento de publicação dos
atos e proclamações do reino, além de ser um mecanismo de controle e censura dos
materiais impressos em circulação.
Contudo, as autoras argumentam que a Imprensa Régia contribuiu para a história da
leitura no Brasil, pois foi responsável, entre 1808 e 1822, pela publicação de 1.173
títulos. Segundo elas, grande parte dessas publicações, como a Arte de gramática
da língua portuguesa; Preleções filosóficas sobre a teórica do discurso e da
linguagem, a estética, a diceósina, e a cosmologia; Arte de gramática portuguesa;
Breve exame de pregadores; Leituras para meninos, entre outras, tiveram
significativo alcance no campo das ciências humanas e das línguas. Outro aspecto
importante foi o trabalho de produção de livros didáticos para atender às
necessidades das instituições de ensino superiores, como a Real Academia Militar, a
Academia Naval e os cursos de Medicina criados por D. João VI. Dessa forma, a
34
Escola superior e imprensa dão-se as mãos neste primeiro momento
de construção das instituições da cultura moderna – logo, da leitura –
no Brasil. A Real Academia Militar, a Academia Naval e os cursos de
medicina careciam de livros apropriados e abastecidos com os
tratados de Legendre, Lacroix, Francoeur e os outros autores,
traduzidos e editados pela Impressão gia. A inclinação a editar
obras destinadas ao ensino visando atender demandas inesperadas
parece ter-se incorporado à história do livro didático em circulação no
país, com conseqüências visíveis no modo como se desenvolvem as
práticas de leitura nos arredores da escola (LAJOLO; ZILMBERMAN,
1998, p. 128).
As instituições educativas criadas para atender às demandas e às necessidades da
corte, necessitavam de material didático adequado para o ensino. Inicialmente,
foram atendidas via tradução de obras estrangeiras e, mais tarde, com a própria
produção local elaborada pelos professores. Assim, o desenvolvimento da imprensa
no Brasil e, portanto, a produção de livros visou a atender a necessidade de
formação de recursos humanos em nível superior (médicos, engenheiros, militares
etc.) que, por sua vez, objetivou atender, conforme Moll (1996), aos 15 mil novos
habitantes que se instalaram no Brasil. Assim, com a vinda da família real, foi
priorizado o ensino superior para as elites e foi sustentado um sistema editorial de
livros didáticos controlado pela Imprensa Régia.
No Período Imperial, apesar de a Constituição de 1824 prever, no art. 179, a
instrução elementar para todos os cidadãos e, no art. 150 a criação de escolas de
primeiras letras em todas as vilas, cidades e vilarejos, não obteve êxito o
desenvolvimento de um sistema de educação que abarcasse os anseios e as
necessidades da população em geral.
Ao final do culo XIX, o Brasil se constitui como um núcleo urbano com uma
economia comercial e tendência para o desenvolvimento das manufaturas. Esse
cenário é palco de divergências dos grupos das elites que entendiam a possibilidade
de um novo regime político – a República – sob diferentes concepções: o liberalismo
americano, o jacobismo francês e o positivismo. Prevaleceu o grupo que defendia o
liberalismo americano e, com a ajuda do Exército, se configurou a República
Democrática e com ela a Constituição (1891). Segundo Moll (1996, p. 19),
35
É a fundação do Partido Republicano, em 1870, que introduz essas
idéias no Brasil, no bojo das críticas à autoridade das instituições
monárquicas, aos direitos dos grandes proprietários, ao trabalho
escravo e à política centralizadora.
A situação educacional, no entanto, continuava crítica, pois o ensino primário
permanecia à margem das discussões teóricas e das decisões político-
governamentais. A fragilidade do sistema educacional, nesse período, pode ser
percebida pelos números estatísticos que, segundo Lajolo e Zilberman (1998),
citando o republicano Olavo Bilac, mostra que, em 1907, a cada 1.000 habitantes em
idade escolar, apenas 137 estavam matriculados nas escolas, e somente 96
freqüentavam as aulas. Conforme lemos em Moll (1996), Ribeiro (1982) também
apresenta números que demonstram que o acesso ao saber escrito continuava
sendo para poucos. A partir do anuário estatístico do Brasil, a autora apresenta os
índices de analfabetismo da população brasileira. Em 1890, do total de 14.333.915
habitantes, apenas 2.120.559 eram alfabetizados, portanto 85% da população eram
analfabetos. Em 1900, houve pouca mudança nos índices, visto que 75% da
população ainda não tinham acesso à alfabetização, bem como revelam os dados
de 1920, em que, dos 30.635.605 habitantes, somente 7.493.357 eram
alfabetizados. Esses dados evidenciam que, apesar da mudança do regime político
para República, as condições de promoção da cultura escrita ainda eram muito
incipientes e, portanto, a prática da leitura se constituía numa prática elitista.
Na República Velha (1889 a 1930), pouca coisa mudou no plano educacional da
população. As transformações econômicas imprimiam mudanças na sociedade
brasileira que, de uma sociedade eminentemente agrária passou para uma
sociedade comercial urbana. Nessa dinâmica, a economia exigia um certo nível de
domínio da leitura e da escrita para sustentar o crescimento e, assim, novos grupos,
como sindicatos, funcionalismo público e classe média urbana, passaram a articular
movimentos em prol de um sistema educacional que contemplasse seus anseios e
as novas exigências e possibilidades de trabalho.
Os acontecimentos externos também contribuíram para moldar esse cenário
brasileiro de interdições e conflitos com relação ao acesso à leitura e à escrita. A
crise mundial de 1929 e as movimentações internas de vários grupos sociais levaram
36
à “Era Vargas”. Com um discurso liberal e revolucionário, Vargas governou por meio
de decretos e utilizou a força para enfrentar movimentos das classes operárias.
Nesse período, criou o Ministério da Educação e Saúde Pública que promoveu
várias reformas educacionais sempre ligadas aos interesses de grupos dominantes.
Contudo, o acesso à escola foi ampliado, mas criaram-se escolas com finalidades
distintas para atender a classes distintas. À classe operária era oferecida uma
escola voltada para o trabalho e, conseqüentemente, menos valorizada e, para as
classes privilegiadas, uma escola cujo objetivo era formar os novos dirigentes da
burguesia industrial.
5
Dessa forma, as políticas públicas, nesse período, estavam
voltadas para a manutenção do poder das elites do capital, prejudicando, assim, a
socialização de bens culturais, como a leitura, por meio da democratização da
educação escolar.
A ditadura militar também representou forte repressão à leitura, pois a prescrição de
determinadas obras em detrimento de outras significou um impedimento consistente
para a formação intelectual brasileira. Nessa fase, assistimos também à aliança dos
militares com as forças econômicas americanas que se encarregaram de implantar
vários programas educacionais que atendiam aos seus próprios interesses
econômicos e não à realidade brasileira. Esses acordos serviram para mascarar a
falta de acesso aos níveis mais elevados de educação da grande maioria da
5
Segundo Romanelli (2001), após a crião do Ministério da Educação e Saúde blica, em 1930, foi
implementada a Reforma Francisco Campos por meio de vários decretos, que visavam a organizar o ensino
secundário comercial e superior (Decreto nº19.850 cria o Conselho Nacional de Educação; Decreto nº
19.851 dispõe sobre a organização do ensino superior no Brasil e adota o regime universirio; Decreto
19.852 dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro, todos de 11-4-1931; Decreto
19.890, de 18-4-1931 – dispõe sobre a organização do ensino secunrio; Decreto 20.158, de 30-6-1931
organiza o ensino comercial, regulamenta a profissão de contador e dá outras providências; e o Decreto nº
21.241, de 14-4-32, que consolida as disposições sobre a organização do Ensino Secundário). A tentativa de
criar uma legislão única para o ensino brasileiro sofreu muitas críticas pois privilegiou apenas os veis de
ensino da elite social, deixando à margem outros sistemas de ensino, como o pririo e o normal, além dos
outros ramos do ensino dio profissional, exceto o comercial. Outra crítica é que essa reforma não
conseguiu fazer articulação entre os diferentes ramos do ensino. Esse período foi marcado por reformas
parciais, ora privilegiando um segmento, ora privilegiando outros, mas sempre atendendo a interesses
burgueses. Com o estabelecimento do Estado Novo, em 1937, novos fatos geraram divergências, pois,
nessa Constituão, a educação passa a ter uma função supletiva e o mais obrigação do Estado. Assim,
em 1942, por iniciativa do ministro Gustavo Capanema, novas reformas parciais tentaram reformar o ensino.
Essas reformas foram denominadas de Leis Orgânicas do Ensino que foram decretadas entre 1942 e 1946
(Decreto-lei 4.073, de 30-01-42 – Lei Orgânica do Ensino Industrial; Decreto-lei 4.048, de 22-1-42 cria o
Servo Nacional de Aprendizagem Industrial; Decreto-lei 4.244, de 09-4-42 Lei Ornica do Ensino
Secundário; Decreto-lei 6.141, de 28-12-43 Lei Ornica do Ensino Comercial). As a queda de
Vargas, ainda no Governo Provirio, foram baixados os Decretos-lei (nº 8.529, de 2-1-46 Lei Ornica do
Ensino Primário; 8.530, de 2-1-46 Lei Orgânica do Ensino Normal; nº 8.621 e nº 8.622 de 10-1-46, que
criam o SENAC, e o de nº 9.613 de 20-8-46 Lei Ornica do Ensino Agrícola).
37
população, além de promover o enfraquecimento da escola pública. Aos poucos,
esse modelo de governo foi sendo questionado pelas divergências produzidas nas
camadas da elite e ainda por grupos da sociedade civil que, de alguma forma,
tentavam se organizar. Nesse sentido, em 1985, inicia-se o peodo da abertura
política para a Nova República.
O período de redemocratização do País iniciou imerso em várias demandas sociais
num contexto econômico de crise. Com relação à leitura, esta foi ratificada como
valor positivo e promulgada como um bem para todos; porém a falta de
investimentos necessários significou outro modo de interdição à leitura. Assim, o
percurso da leitura no Brasil é atravessado por diferentes ações, principalmente
aquelas ligadas à constituição da escola. Essas ações ou a falta delas se coadunam
e desenham a chamada crise da leitura.
Abreu (1999), em seu artigo Os livros e suas dificuldades, questiona essa idéia de
crise da leitura. Argumenta que diversos programas de incentivo a leitura foram
lançados no Brasil sob a justificativa de que o brasileiro “não lê ou não gosta de
ler”. Segundo a autora, essas justificativas “[...] visam manter o status social e
intelectual daqueles que em alta literatura e que m sua formação e
desempenho profissionais fortemente vinculados aos livros” (ABREU, 1999, p. 1).
Essas campanhas de promão da leitura são fortemente marcadas por interesses
do mercado editorial, porém a raiz do problema não está no valor da leitura em si.
Pesquisas demonstram que o brasileiro valoriza a leitura e reconhece a sua
importância. Alguns resultados são reveladores, como os obtidos na Pesquisa
Retrato da Leitura no Brasil, realizada entre 10-12-2000 e 25-1-2001, em 46
cidades. Foram realizadas 5.503 entrevistas com pessoas acima de quatorze anos
e três anos de escolaridade e que corresponde a um universo estimado de 86
milhões de pessoas. Dessa forma, Abreu (1999), utilizando os dados dessa
pesquisa, confirma a inconsistência dos mitos propagados pela chamada crise da
leitura e apresenta:
38
Ao contrário do que normalmente se dizia, os brasileiros têm uma
boa relação com os livros: 89% vêem neles um meio eficaz de
transmissão de idéias; 82% acham que é uma importante forma de
se atualizar; 81% acreditam que é importante ler para os filhos; 78%
gostam de ler livros; 62% leram ou consultaram livros em 2000; 30%
leram livros nos três meses que antecederam a pesquisa, 20%
compraram ao menos 1 livro em 2000; 14% estavam lendo um livro
no dia da entrevista (ABREU, [200-], p. 6-7).
Segundo a autora, apesar de os números revelarem essa boa receptividade, os
livros não são os objetos mais freqüentes utilizados para leitura. Jornais, revistas,
material de propaganda, entre outros, ganham espaço nas práticas de leitura do
brasileiro. E, ainda, os livros de literatura não assumem a preferência dos leitores.
Livros religiosos, técnicos, profissionais, revista em quadrinhos e outros são mais
procurados, contudo não valorizados dentro de uma concepção elitista de leitura.
Assim, o problema consiste na concepção de leitura e de livro que se pretende
divulgar e apresentar como modelo de referência. Dessa forma, concordamos com
sua argumentação de que as campanhas de leitura deveriam focalizar os
investimentos na promoção de uma educação de qualidade; de ampliação, melhoria
e diversidade do acervo das bibliotecas públicas para que realmente se efetive a
formação de uma cultura de leitores e sejam minimizadas as desigualdades
históricas de acesso aos bens culturais.
O breve panorama histórico que delineamos revela que a leitura, no cenário
nacional, passou de uma prática proibida e vigiada para uma prática valorizada. No
entanto, essa valorização se reveste de políticas públicas contraditórias. O estímulo
à leitura é confrontado com as dificuldades vivenciadas pela escola pública, com o
estabelecimento de níveis e padronização de leitura e com limitações na distribuição
dos diferentes materiais escritos. Enfim, num cenário de valorização da leitura e da
produção e circulação de diferentes materiais, as práticas de leitura ainda encontram
empecilhos derivados da organização social em bases desiguais.
Essa perspectiva histórica apresenta conhecimentos significativos que relacionam as
dimensões políticas entrelaçadas às condições objetivas em que se efetivaram as
práticas de leitura no Brasil. Assim, partindo do pressuposto de que a ação
educativa esteve sempre relacionada com esse contexto e que conhecimentos de
natureza pedagógica foram fundamentais para sistematizar as relações de ensino da
39
língua, no próximo capítulo, focalizaremos nosso olhar sobre a produção do
conhecimento a respeito das práticas de leitura no processo de alfabetização, de
modo a nos aproximar, sem perder o contexto explorado, da especificidade da
pesquisa que desenvolvemos.
40
4 A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE AS PRÁTICAS DE LEITURA NA
ALFABETIZAÇÃO
A leitura esteve sempre ligada ao modo como a sociedade se organiza e valoriza
determinadas práticas sociais. A cada momento da História, elas se apresentam
conforme padrões e objetos materiais estabelecidos, que influenciam também os
modos de ensino aprendizagem. Nesse sentido, a leitura vem sendo tratada sob
diversos aspectos, em pesquisas das áreas de ciências humanas e sociais. Esses
estudos procuram compreender a influência da prática da leitura no processo de
desenvolvimento cognitivo, social e cultural dos indivíduos, além de oferecer
elementos que contribuem para pensar metodologias de ensino aprendizagem das
novas gerações.
Assim, muitos pesquisadores m se dedicado aos estudos sobre a linguagem e,
especificamente, sobre a aquisição e desenvolvimento da leitura. Ferreira (1999)
abordou essa temática em tese de doutorado. Em seu estudo, buscou inventariar,
analisar e discutir a trajetória da pesquisa brasileira sobre a leitura. No processo de
investigação, a autora encontrou muitos trabalhos de diferentes instituições. Ainda
observou que muitas dessas produções eram pouco divulgadas e socializadas. Com
o objetivo de tornar visível a produção nacional, elaborou um material de referências
bibliográficas cujo título é Leitura no Brasil: catálogo analítico de dissertações de
mestrado e teses de doutorado: 1980-1995. No período focalizado no trabalho, ela
encontrou 189 trabalhos que abordavam a multiplicidade de olhares sobre a leitura,
além de elencar outros 22 trabalhos produzidos antes da década 1980 que, por
razões metodológicas, não foram incorporados ao catálogo.
Considerando o objetivo geral do nosso trabalho investigar as práticas de leitura
que se desenvolvem em classes de alfabetização – procuramos identificar pesquisas
que abordassem a questão para configurar a produção de conhecimento da área.
Nesse propósito, o trabalho de Ferreira (1999) contribuiu significativamente, pois,
por meio da leitura dos resumos das pesquisas, pudemos encontrar 13 referências,
dentre as quais selecionamos três para análise. Essa escolha teve como critério a
aproximação com a abordagem teórica e metodológica adotada em nossa pesquisa,
41
ou seja, selecionamos estudos de caráter metodológico qualitativo e que
contemplassem a língua numa perspectiva discursiva de linguagem. Buscamos
ainda identificar outras indicações de pesquisas por vias digitais, em sites científicos,
como SCIELO, por meio de palavras-chave, como práticas de leitura e alfabetização,
leitura e alfabetização, dentre outras combinações. Contudo, a partir dessas
possibilidades de localização da produção do conhecimento, identificamos um
reduzido número de trabalhos.
Dessa forma, o primeiro trabalho que tomamos para análise foi a tese de doutorado
Ruptura e retomada na comunicação: o processo de leitura por crianças de periferia,
de autoria de Sylvia Bueno Terzi, defendida em 1992, no Instituto de Estudos da
Linguagem da Unicamp. Em 1995, os conhecimentos produzidos nessa pesquisa
deram origem ao livro A Construção da Leitura: uma experiência com crianças de
meios iletrados. A escolha desse trabalho se justificou pela relevância teórica dos
conhecimentos produzidos a respeito do papel da interação do adulto com a criança
e da criança com outras crianças no processo de apropriação e desenvolvimento da
leitura.
Terzi (1995), para compreender e explicar o processo de leitura de crianças oriundas
de classes populares de uma comunidade de Campinas/SP, parte da idéia de que a
aprendizagem é um processo de construção de conhecimento que se na
interação da criança com o adulto ou com seus pares. Assim, recorre à teoria de
aprendizagem de Vigotski e aos conhecimentos produzidos por pesquisadores
neovigotskianos para analisar o papel do outro nesse processo. Alguns conceitos,
como de intersubjetividade, definição partilhada da situação e de mediação
semiótica, além de afetividade e valoração, são considerados pela autora
importantes nessa abordagem.
Adota uma concepção de leitura que se ancora num processo estratégico de
atribuição de sentido ao texto. Para isso, buscou o modelo estratégico de
compreensão do discurso de van Dijk e Kintsch (1983), pois, nesse modelo,
42
[...] a leitura é considerada em seu aspecto global, como um
processo não-orientado progressivamente por níveis (morfológico,
sintático, semântico e pragmático), mas no qual esses níveis
interagem de maneira intricada, havendo um constante feedback
entre eles [...] (TERZI, 1995, p. 17).
A conciliação da perspectiva de leitura de van Dijk e a concepção de aprendizagem
fundada nos pressupostos vigotskianos possibilitam questionamentos sobre a
coerência entre os pressupostos adotados. A autora, no entanto, antecipa uma
resposta a esse aspecto situando a obra de van Dijk e argumenta que a opção por
essa concepção de leitura se justifica pelo fato de van Dijk apresentar os
pressupostos cognitivos e contextuais que envolvem o processo de compreensão da
leitura. O primeiro grupo (cognitivos) inclui os pressupostos construtivista,
interpretativo, on-line, pressuposicional e estratégico. Os pressupostos contextuais
são aqueles que se referem ao contexto sociocultural de prodão do discurso.o eles:
de funcionalidade, pragmático, interacionista e situacional. A pesquisadora complementa
que, para implementar essa concepção de leitura, deve-se recuperar a função da palavra,
pois encontrou “[...] evincias de que, desde o icio do desenvolvimento da leitura, são
as palavras que determinam o processo de fazer sentido do texto e que, ao mesmo
tempo, vão sendo re-significadas no próprio processo de aprendizagem” (TERZI, 1995, p.
19).
Os sujeitos dessa pesquisa foram três crianças que cursavam o segundo semestre
da segunda série do Ensino fundamental. Para buscar dados que subsidiassem a
análise do processo de leitura dessas crianças, foram realizados encontros
semanais fora do ambiente escolar, durante nove meses. O local dos encontros era
a residência da pesquisadora que oferecia condições para a leitura, como
luminosidade e materiais adequados. Esses encontros foram gravados e,
posteriormente, transcritos para fins de análise. As atitudes e comportamentos
considerados importantes foram anotados por um adulto.
O critério de seleção dos sujeitos da pesquisa (Vagner 8 anos, Fernanda – 8 anos
e Andeuclei – 9 anos) se deu pelo interesse e disponibilidade dos alunos para
participar das atividades da pesquisa. Eles, segundo a autora, pertenciam a famílias
que tinham posições diferentes quanto à importância da escola. A família de Vagner,
especialmente a mãe, acreditava que a educação era um caminho para uma
43
profissão melhor e, por isso, tentava passar essa valoração para os filhos. Vagner
freqüentou a creche dos dois aos quatro anos de idade e, em seguida, foi para uma
escola de Educação Infantil. Porém, essas instituições desenvolviam um trabalho
limitado com a linguagem escrita, pois consideravam que seria desenvolvido no
Ensino fundamental. Dessa forma, Vagner teve poucas oportunidades de contato
com a escrita. Fernanda pertencia a uma família que adotava o discurso
predominante de valorização da alfabetização, mas, ao mesmo tempo, assumia
atitudes contraditórias. Não se interessava pela vida escolar das crianças, não as
estimulava a estudar e permitia que faltasse às aulas por qualquer motivo. Por fim,
Andeuclei pertencia a uma família que considerava a escola apenas como um lugar
seguro para os pais deixarem as crianças enquanto trabalhavam. A pesquisadora
afirma que essas diferentes visões do trabalho da escola, presentes no discurso
familiar, interferiam no processo de aprendizagem das crianças. Outro fator que
também dificultava o processo de apropriação da leitura pelas crianças das classes
populares era a falta de confiança dos adultos nas suas potencialidades. Terzi
(1995) apresentou algumas expressões presentes no discurso das professoras, em
relação aos alunos da pesquisa, tais como: “não tinham cabeça para o estudo”,
“mais cedo ou mais tarde abandonariam a escola”. Esses discursos demonstravam o
descrédito das profissionais quanto às potencialidades de aprendizagem das
crianças.
Num primeiro momento da investigação, a pesquisadora se dedicou a captar as
condições de letramento da comunidade da qual as crianças pertenciam. Para isso,
realizou entrevistas, durante três meses, com membros da comunidade e das
instituições que a serviam: instituições de assistência social, creche, escola infantil,
igreja, órgãos representativos da comunidade. Os dados recolhidos levaram a autora
a considerar que “[...] as condições e características da comunidade fazem com que
as crianças tenham um acesso restrito à escrita e a seus usos [...]” (TERZI, 1995, p.
57). A partir da análise do material coletado, concluiu ainda que as tarefas escolares
eram praticamente a única fonte de escrita que envolvia a família, levando as
crianças a construírem um conceito de escrita que se aproximava muito mais da
escola do que da vida cotidiana. Além disso, o processo educativo que os alunos
vivenciaram na escola infantil não contribuiu para a apropriação dos usos e funções
44
da escrita, desestimulando e trazendo insegurança para as crianças. A autora ainda
explica:
As histórias de fracasso escolar são muitas na comunidade e os pais,
acreditando nas explicações da escola, tomam como causa a
incapacidade dos filhos e expressam, com freqüência, suas dúvidas
quanto ao sucesso das crianças. Essas dúvidas dos pais acabam
sendo internalizadas pelos filhos (TERZI, 1995, p. 57-58).
Assim, os dados dessa primeira fase da pesquisa sobre as condições de letramento
da comunidade forneceram elementos importantes para reflexão. Segundo a autora,
mostram que a história de letramento da criança influencia no seu desenvolvimento
posterior de leitura. Além disso, fornecem subsídios para que possamos desconstruir
falsas idéias, como a de que toda criança chega à escola com conhecimento prévio
sobre a escrita. Ela adverte que essa idéia deve ser relativizada, pois, dependendo
das experiências da criança, isso pode não ser verdadeiro. Nesse aspecto, as
discussões desenvolvidas pela autora foram importantes para a nossa pesquisa,
pois desmistificam alguns pressupostos veiculados no cotidiano das práticas de
leitura.
O segundo momento da investigação consistiu em encontros com as crianças com a
finalidade de proporcionar atividades de leitura que eram sistematizadas a partir de
textos extraídos de livros, jornais, revistas e outros escritos especialmente para
brincadeiras. Essas atividades tinham por objetivo observar as potencialidades dos
alunos quanto à capacidade de
[...] expressar e discutir o sentido construído, com ou sem ajuda de
perguntas, após a leitura total ou de partes de textos; utilizar
informações textuais para descobrir o objeto ou animal sobre o qual
falava o texto; perceber incoerências no texto; completar histórias;
relacionar aspectos gráficos com o conteúdo do texto; seguir
instruções escritas e questionar os colegas sobre o conteúdo do
texto lido [...] (TERZI, 1995, p. 38).
A partir desses objetivos, a pesquisadora organizava os alunos em grupo para a
atividade de leitura, por considerar a natureza social da aprendizagem, com base
nas contribuições teóricas de Vygotski. Para situar as condições objetivas dos
eventos de leitura, Terzi (1995) descreve que indicava o procedimento da leitura
45
silenciosa, global ou parcial dos textos utilizados na pesquisa. Além da leitura
silenciosa individual, uma segunda leitura de partes do texto, feita oralmente, ficava
como uma possibilidade para o período de discussão. A mediação do adulto ocorria
por meio de perguntas e respostas a respeito das informações do texto. A autora
observou, logo nos primeiros encontros, que os alunos manifestavam uma
concepção de leitura eminentemente escolar, pois, diante de uma pergunta do
adulto, demonstravam atitudes que atribuíam ao texto o portador de todas as
repostas. Esse modo de compreender a função da leitura decorre, conforme
assinala Terzi (1995), das concepções de leitura e de produção de textos, adotadas
por professores que, em suas práticas de ensino, priorizam a decodificação da
palavra com um fim em si mesma. Ela argumenta que essa postura rompe com o
processo de desenvolvimento das crianças, tanto dos aspectos da expressão oral
quanto das capacidades de leitura, uma vez que não lhes possibilitam estabelecer
relações entre a linguagem oral e a escrita. Com referência a esse aspecto, as
contribuições teóricas de Marcuschi (2001) o importantes, particularmente,
quando trabalha a noção de língua dentro de um contexto de produção e recepção.
Nesse sentido, o autor afirma:
[...] que as diferenças entre fala e escrita podem ser frutiferamente
vistas e analisadas na perspectiva do uso e não do sistema. E, neste
caso, a determinação da relação fala-escrita torna-se mais
congruente levando-se em consideração não o código, mas os usos
do código. Central, neste caso, é a eliminação da dicotomia estrita e
a sugestão de uma diferenciação gradual ou escalar (MARCUSCHI,
2001, p. 43).
Na trajetória da pesquisa, Terzi (1995) relata que a relação entre adulto e criança foi
se transformando em uma relação de confiança. Em sua perspectiva, o adulto
passou a ser visto como parceiro mais experiente na atividade de leitura e, portanto,
as crianças sabiam que poderiam contar com sua ajuda para resolução de possíveis
conflitos de compreensão do texto. Ela ainda observou que, nessas atividades, o
conceito de leitura foi se modificando e também o de texto. Os alunos passaram a
perceber o texto como algo sobre o qual poderiam tecer considerações e até mesmo
discordar. Assim, passaram a conceber a leitura como uma relação de interação
com o texto. Nesse sentido, segundo a autora, a leitura
46
[...] deixa de ser constatação de informações e interpretação local
das mesmas, para ser interpretação global com base no
conhecimento prévio, a partir da palavra como índice necessário
para a mobilização desse conhecimento (TERZI, 1995, p. 90).
A transformação na concepção de leitura implicou também a transformação na
concepção de texto para as crianças, pois,
Através do trabalho desenvolvido, pela exposição às propostas do
adulto e pelo suporte oferecido por ele na interação, o texto deixa
de ser, para as crianças, um objeto estranho, para constituir-se num
objeto do qual se fala e que tem características de fornecer
elementos para responder ao adulto. Em seguida, ele deixa de ser
tema das conversas e começa a emergir como linguagem
significativa. O texto tem então algo a lhes dizer (TERZI, 1995, p.
90).
Todas essas alterações no conceito de leitura e de texto, explicitadas pelas crianças,
a partir das atividades estruturadas no trabalho de investigação, levaram a
pesquisadora a perceber que o componente avaliativo
[...] passa também a fazer parte da leitura: as crianças se libertam da
preocupação única de narrar a seqüência de fatos apresentados na
narrativa e se soltam num trabalho de discutir esses fatos, analisar-
lhes as causas, avaliar-lhes as conseqüências. Seus horizontes se
ampliam e começam a perceber o poder da
linguagem escrita de
levá-las a outros mundos, até então desconhecidos (TERZI, 1995, p.
126).
Essas mudanças, construídas pelas crianças em relação à leitura e ao conceito de
texto, possibilitaram a Terzi (1995) tecer algumas considerações a respeito da
aprendizagem da leitura. Segundo ela, a leitura não pode ser vista
independentemente da construção da interação na qual ela se deu, pois ambos os
processos se influenciam mutuamente. Ainda aborda outro aspecto fundamental a
ser considerado nesse processo de interação e de construção de sentido da leitura
que está relacionado com o poder da palavra. Assim, explica que, no processo de
interação/mediação, deve ser recuperado o lugar e o espaço da palavra para
estabelecer o processo de desenvolvimento da aprendizagem da leitura.
O percurso de investigação trilhado por Terzi (1995) fornece significativas
contribuições acerca do processo de aprendizagem da leitura. Concordamos com
47
ela, quando explicita a importância da mediação, tanto no espaço doméstico quanto
no ambiente escolar. Porém, como a escola é o espaço socialmente privilegiado
para a formação de sujeitos leitores, torna-se necessário o planejamento de
atividades de leitura que levem em consideração as suas especificidades e suas
condições objetivas. Ou seja, planejar atividades de leitura implica analisar,
conhecer e definir materiais de leitura mais adequados a cada situação comunicativa
desenvolvida na escola e observar como as crianças elaboram suas estratégias de
leitura a partir da interação com o texto escrito e com os outros do contexto, testar e
verificar as possíveis interferências do professor que facilitem o processo de
aprendizagem da leitura. A atuão do regente assume status de elemento central
nesse processo, pois poderá desencadear váriasões de constituição do sujeito leitor.
Apesar da relevância das contribuições de seu estudo para a reflexão da prática
social da leitura, bem como do processo de ensino aprendizagem de crianças em
período de alfabetização, identificamos fragilidades com relação à metodologia. A
autora, ao definir o estudo como sendo do “tipo” etnográfico, não observou algumas
características que são essenciais nessa opção metodológica. Segundo André
(1995), o estudo do “tipo” etnográfico se configura em uma opção metodológica que
busca retratar o dinamismo de um problema numa forma muito próxima do seu
acontecer natural. Outro aspecto importante dessa abordagem consiste em tratar o
problema na sua profundidade sem, no entanto, desconsiderar a sua complexidade
e totalidade. Nesse sentido, a pesquisadora, ao realizar a coleta de dados relativa às
estratégias de leitura das crianças em um ambiente previamente preparado e
externo à sala de aula, não observou essas características básicas que sustentam a
metodologia anunciada no estudo. Tomar o contexto real em que acontecem as
situações de ensino aprendizagem dos alunos, sujeitos da pesquisa, talvez pudesse
evidenciar outros elementos de interferências no processo de apropriação da leitura
das crianças. Sendo assim, a identificação da pesquisa, nessa abordagem
metodológica, suscita dúvidas e provoca questionamentos.
O segundo trabalho que tomamos, para configurar a produção de conhecimento em
torno das práticas de leitura, foi a pesquisa Condições de Construção de Leitores:
48
um estudo na escola e na família em camadas populares.
6
A contextualização desse
trabalho, em nossa revisão de literatura, foi importante porque concebe os sujeitos
da investigação e os processos de ensino aprendizagem a partir da perspectiva
sócio-histórica, o que nos aproxima em termos de pressupostos teóricos. A
metodologia adotada também faz referência aos princípios orientadores de nossa
pesquisa.
Evangelista (1993) explica que, inicialmente, a proposta metodológica da pesquisa
que ela empreendeu sobre essa temática configurava-se numa abordagem
etnográfica. Contudo, devido ao limitado tempo de inserção em campo, adaptou
para uma abordagem metodológica de estudo de caso com observação direta, numa
perspectiva qualitativa.
Nesse sentido, considerou importante iniciar a pesquisa pela reconstituição da sua
trajetória de trabalho relacionada com as práticas pedagógicas de ensino da língua e
para que pudesse justificar sua opção de trabalhar a temática da leitura numa classe
de alfabetização. Assim, explica que o interesse pela problemática das condições de
construção de leitores em camadas populares foi sendo constituído a partir das
atividades de ensino e extensão da Fundação Universidade Federal de Rondônia.
Ao ministrar a disciplina Prática de Ensino de Português, do Departamento de Letras
da UNIR, emergiram várias questões decorrentes das discussões sobre a teoria e a
prática da leitura e do ensino da língua. Assim, Evangelista (1993, p. 21)
argumentou que “[...] ratificar teorias de deficiências, carências ou privações
socioculturais” das camadas populares não era sua finalidade e essas explicações
para o desempenho em leitura remetiam a outras indagações, tais como:
[...] como trabalhar com a leitura e com a língua materna de modo a
contemplar as diferenças e riquezas culturais e lingüísticas dos
alunos e não a reforçar as desigualdades próprias do sistema
capitalista (EVANGELISTA, 1993, p. 21-22).
A partir dessa questão, desenvolveu o projeto de extensão denominado Programa
Salas de Leitura (PROSALEITURA), em parceria com outras instituições
6
Pesquisa produzida por EVANGELISTA, Aracy Alves Martins. Esse trabalho refere-se a uma
dissertação, defendida na Faculdade de Educação, da Universidade Federal de Minas Gerais, no ano
de 1993, em Belo Horizonte, MG. A pesquisa foi orientada pela Profª. Drª. Magda Becker Soares.
49
(Universidade, Secretarias Estadual e Municipal de Educação, biblioteca pública,
Delegacia do MEC de Rondônia, entidades estudantis etc.). Esse projeto foi
realizado em escolas públicas de e graus e tinha por objetivo tornar conhecido
e apreciado o acervo de literatura infanto-juvenil presente no contexto escolar. O
trabalho se iniciou pela prática de leitura livre, avançando para as práticas de
produção de textos e de análise lingüística.
Na tentativa de envolver os professores das escolas nas ações do projeto, foram
realizados encontros, cursos, seminários e debates. Em um momento posterior, as
atividades de ensino e extensão se fundiram, pois foram disponibilizadas vagas no
Curso de Letras para os professores de e 2º graus, atuantes na rede pública, que
estavam interessados na temática. Assim, tiveram espaço em duas disciplinas:
Literatura Infantil e Juvenil e Prática de Ensino de Português. A autora explica que,
na execução desse projeto, foi possível perceber as dificuldades e limitações do
trabalho com a leitura e constatou que a cultura escolar estava centrada sobre a
escritura.
Para justificar o enfoque de sua pesquisa na alfabetização, articulou seu discurso a
outras vozes, de outros autores, que também buscam compreender as questões em
torno da leitura. Dessa forma, recorreu a Kato (1985, p. 1-2), que explicita uma razão
para voltar o olhar investigativo, especificamente, para os processos de
alfabetização. Nesse sentido, essa autora explica que
[...] muitas das dificuldades dos aprendizes devem-se principalmente
à sua inabilidade de interagir com o texto escrito [...] professores e
pesquisadores passam a ter um
objetivo
comum: compreender
melhor os processos subjacentes à leitura e à formação do bom
leitor. Esta, porém, não é uma tarefa a ser iniciada no âmbito da
universidade. Se nosso aluno universitário não sabe ler textos
acadêmicos, é preciso desencadear um trabalho preventivo e
formativo e não apenas corretivo, isto é, trabalhar a leitura desde a
sua aquisição.
Assim, Evangelista (1993) justifica a razão do foco da pesquisa no período da
alfabetização. Ela explica ainda que o trabalho teve por finalidade esclarecer, com
maior profundidade, quais eram as “[...] condições de construção de leitores, na
interação, especificamente em camadas menos favorecidas, no momento do
50
processo de alfabetização que é atribuído à escola e por ele é assumido”
(EVANGELISTA, 1993, p. 26). Para isso, procurou acompanhar, do início ao final do
ano letivo de 1991, as atividades escolares de uma escola pública, localizada na
periferia urbana de Belo Horizonte. Essa escola atendia a uma clientela proveniente
de uma área de ocupação de terreno público, cuja comunidade era denominada Vila
São José. Todas as turmas envolvidas na pesquisa eram de primeira série. Teve
como referência, para coleta de dados, os alunos e as professoras de uma das
turmas, além de pesquisar as potencialidades de leitura no contexto familiar de treze
crianças. Apesar de a pesquisadora ter realizado um extenso trabalho de descrição
das condições da comunidade e das famílias dessas crianças, não explicitou com
clareza quais foram os critérios utilizados para selecionar tais sujeitos. Com relação
a esse aspecto, limitou-se a dizer que foram as crianças consideradas “significativas”
(EVANGELISTA, 1993, p. 36). Mas, considerando que a maioria das crianças era
submetida a condições similares, conforme os dados da própria pesquisa, o que
podemos entender por crianças significativas?
A pesquisadora, ao se inserir na realidade escolar, buscou captar as representações
de leitores e de leitura em diferentes espaços: na biblioteca, na sala de aula, no
pátio e na comunidade. Nesse último, privilegiou o espaço doméstico, com o
objetivo de [...] observar as condições sociais de construção de leitores, através do
discurso e da prática dos familiares dos alunos sobre a leitura, incluindo a exposição
das crianças a materiais escritos, com ou sem interfencia da escola” (EVANGELISTA,
1993, p. 36).
Na tarefa de buscar estabelecer as condições sócio-históricas e culturais da
comunidade e da família, com relação à história de leitura dos alunos, a
pesquisadora trilhou caminhos muitas vezes inesperados e não previstos na
proposta de estudo. Assim, como ela mesma diz, esse percurso, por vezes, se
distanciou do objetivo da pesquisa.
Evangelista (1993) buscou, então, delimitar aspectos macrocontextuais e
microcontextuais que julgava interferir nas condições de formação de sujeitos
leitores. Um dos aspectos macrocontextuais estava relacionado com a concepção
de habitus. Ou seja, a maneira de pensar, de sentir, de agir ou de falar internalizada
51
pela convivência no grupo social. Assim, na realidade estudada, a autora observou
que, para os professores, as dificuldades do processo de ensino aprendizagem eram
decorrentes da falta de habitus escolares das crianças. Dessa forma, um dos
fatores macrocontextuais que dificultavam a constituição de leitores, na comunidade
investigada, estava relacionado com as divergências entre o modo burguês de
pensar o processo educativo presente na escola e os habitus das crianças.
Na tentativa de diminuir esse distanciamento, a disciplina autoritária, na visão dos
profissionais da escola e reforçada pela visão dos pais, constituía elemento básico
para a organização do trabalho pedagógico e, conseqüentemente, para o sucesso
da aprendizagem. A pesquisadora observou eventos na sala de aula, eventos no
recreio, reuniões pedagógicas e fez entrevistas com os pais. Nos espaços de coleta
de dados, percebeu que a disciplina tinha por objetivo moldar os comportamentos e
os habitus, conforme o estilo da classe burguesa. Dessa forma, muitos momentos,
como na hora da brincadeira e da imaginação, que faziam parte do processo de
formação de leitores, foram cerceados em nome da disciplina. No espaço da sala de
aula (microcontexto), a pesquisadora capturou falas da professora, como “Zíper na
boca“; “Vamos ler aqui os cartazes da parede. Mãozinha pra trás”; “Quem estiver
falando, vou ter que anotar. Está com os pontinhos pra baixo” (EVANGELISTA,
1993, p. 101-102), que revelavam a dimensão da disciplina como fator moderador e
inibidor da interação.
O recreio também constituiu um tempo/espaço permeado de relações disciplinares,
intitulado pela pesquisadora como experiência contida. Diversas reuniões
pedagógicas observadas tiveram como tema o recreio, visto que havia grande
preocupação em manter a ordem e a disciplina. As crianças não poderiam brincar no
recreio e, por isso, ficavam num pequeno pátio onde os profissionais teriam
condições de melhor controlá-las. Segundo a autora, nesse contexto de regras
rígidas, perde-se a riqueza da interação com o outro (adulto ou criança). Em sua
opinião, a disciplina poderia ser trabalhada por meio de brincadeiras relevantes para
a formação da identidade, para o autocontrole e desenvolvimento da aprendizagem.
Nesse sentido, a pesquisadora, a partir da obra de Vigotski e Benjamin, admite que
52
O jogo e o brinquedo deveriam, portanto, permear tanto as atividades
pedagógicas – não como artifício, mas como um lúdico que tinha que
estar em sala de aula, _ como as atividades de descoberta e de
criação no recreio livre das crianças (EVANGELISTA, 1993, p. 116).
Nas atividades festivas e de lazer realizadas no espaço escolar, envolvendo os pais
e os alunos, a disciplina também vigorava com muita força, pois, de acordo com os
dados da pesquisa, eram freqüentes os pedidos de silêncio, o uso de cordões de
isolamento, entre outros mecanismos disciplinares. Dentre essas atividades festivas,
encontrava-se o teatro. Viabilizado por um funcionário (também pai de aluno) que
tinha formação básica em teatro, esses eventos poderiam potencializar a
interpretação, o lúdico, a imaginação. Contudo, tornaram-se experiência suspensa,
como denominada pela pesquisadora, devido a problemas de disciplina dos alunos.
O motivo relacionado pelo funcionário responsável, para o encerramento das
atividades de teatro, era que as crianças invadiam o palco.
Diante dessas contradições explicitadas nos dados coletados, a pesquisadora afirma
que
A leitura sofre [...] influências de fatores culturais macro-contextuais,
que certamente determinam as condições micro-contextuais de sua
produção, principalmente quando a infância, além de confinada em
relação à cultura, foi substituída pela ‘alunância’ (F. Enguita,
1989:157) [...] (EVANGELISTA, 1993, p. 123).
Segundo a autora, as condições macrocontextuais estabelecem estreita ligação com
as condições microcontextuais na construção de leitores. Isto é, nesse ambiente
onde a ordem, a regra, o controle são os mecanismos predominantes no
direcionamento das ações, provavelmente, esses fatores irão se refletir na postura
dos sujeitos no ato de ler, ou seja, nas condições microcontextuais. Dessa forma,
nos diferentes espaços de interação com o outro, vai sendo construída a visão do
que seja leitura.
Evangelista (1993) busca, ainda, no cotidiano familiar, as possibilidades e
potencialidades de promoção da leitura. Assim, a pesquisadora constatou que os
objetos de leitura presentes no espaço doméstico são limitados e com forte
influência dos materiais escolares, como o livro didático. Outro aspecto relevante,
53
observado no contexto das relações familiares, foi a concepção dos adultos sobre o
conceito de ato de ler, pois manifestaram a percepção de que a criança se
tornava leitora quando fosse capaz de decodificar palavras. Dessa visão restrita do
conceito de leitura, segundo a pesquisadora, decorre também outra característica
importante relacionada com o sucesso ou insucesso das crianças. Muitas vezes,
eram atribuídos aos insucessos escolares a falta de saúde, como “problemas de
nervos”. Também encontravam justificativa na “falta de interesse” do próprio aluno.
Reafirmavam a responsabilidade centrada no indivíduo e nunca questionavam as
formas de ensino ministradas na escola. Essas eram sempre isentadas de qualquer
inadequação.
A autora também aponta precárias condições físicas do ambiente familiar, que não
ajudavam na construção de leitores. As habitações eram de pequenas dimensões e
comportavam, geralmente, grande número de pessoas, além de apresentarem
deficiências nos sistemas de iluminação. Quanto à importância da
mediação/interação do adulto para o processo de aprendizagem da leitura, as
crianças dessa comunidade também não encontravam condições favoráveis, pois,
conforme falas dos pais, a exaustiva jornada de trabalho e, em muitos casos, os
compromissos religiosos, impediam um melhor relacionamento com as crianças,
pois o pouco tempo disponível era destinado ao descanso sem muito espaço para o
diálogo com elas.
Dessa forma, a pesquisadora explicita que as relações do sistema capitalista
impostas a essa comunidade refletem uma situação de desigualdades de diversas
naturezas, inclusive no aspecto cultural da formação de sujeitos leitores.
A partir dessas condições, a escola, como espaço socialmente privilegiado para a
promoção da cultura letrada, tinha uma enorme responsabilidade com essa
comunidade, na construção da leitura. Contudo, a pesquisadora observou que a
escola também sofria das limitações materiais e culturais presentes na comunidade.
Para realizar a análise dos fatores microcontextuais, observou momentos em que a
leitura era trabalhada na sala de aula e na biblioteca. Em sua percepção, a
concepção de língua que norteava o trabalho pedagógico se enquadrava na
concepção blomfieldiana. A língua era encarada como objeto, externa ao aprendiz, e
54
não era percebida como parte do sujeito cognoscente. Assim, o ensino era pensado
e processado a partir das partes menores, como letras, labas, palavras e frases,
até chegar ao todo de sentido. Nessa metodologia, o controle do processo de ensino
ficava a cargo do professor e a leitura, muitas vezes, era dosada conforme
considerasse necessário.
Segundo a autora, a organização das práticas escolares reflete a visão sobre o que
seja considerada leitura na escola e, ao mesmo tempo, constrói nos alunos um
conceito de leitura. No caso da escola pesquisada, a leitura era concebida como
uma mera aquisição da técnica de ler com ênfase nos componentes grafofônicos da
língua. Durante o trabalho, a pesquisadora observou que, em muitas oportunidades,
a professora que trabalhava na biblioteca era deslocada para atividades de sala de
aula, tendo em vista a ausência de algum profissional da escola, remetendo, assim,
à idéia de que a prioridade da escola era a alfabetização e que a leitura não era
inerente a esse conceito, portanto não se constituindo nenhum problema em
suspender as aulas na biblioteca. Dessa forma, diversos eventos dessa natureza
levaram a pesquisadora a concluir que “[...] a sala de aula focalizava a
sistematização do ato de ler e escrever, e a biblioteca, a convivência com materiais
escritos” (EVANGELISTA, 1993, p. 166).
Ainda no microcontexto da biblioteca, as interações em atividades de leitura foram
significativas para capturar as precárias condições de construção de leitores das
camadas populares. A pesquisadora apreendeu falas que demonstravam o
utilitarismo e o formalismo da disciplina e da organização escolar em atividades de
leitura. Nesse sentido, Evangelista (1993) observa que os procedimentos dos
profissionais na biblioteca não favoreciam a aproximação dos alunos com os
materiais de leitura e, portanto, apesar de as pretensões dessas atividades fazerem
referências aos aspectos da ludicidade, elas não se concretizavam.
Esses eventos levaram a pesquisadora a identificar as limitações da formação inicial
das professoras para atuarem na construção de sujeitos leitores e, em diversas
outras situações, constatou a demanda por formação específica, inclusive a partir
das falas das professoras.
55
Os dados referentes ao macrocontexto dessa pesquisa contribuem para a
compreensão das sutilezas presentes na prática de ensino da leitura e de como
influenciam a formação de sujeitos leitores. Porém, ao apresentar as questões
microcontextuais da sala de aula e da biblioteca, percebemos a ausência de
elementos que observassem as estratégias de leitura das crianças nesses
ambientes. Se os alunos estavam sendo submetidos a determinadas condições de
ensino, quais seriam as possibilidades de aprendizagem? Quais estratégias tinham
condições de formular? Que limitações eram impostas? Nesse sentido, a pesquisa
poderia ser complementada com dados dessa natureza para, então, fornecer uma
proposta de reflexão mais ampla à comunidade escolar, podendo possibilitar ou
provocar um mecanismo de mudança na realidade de ensino das crianças e na
formação de sujeitos leitores.
Nesse segundo trabalho de pesquisa, podemos observar, em diversos momentos,
reflexões sobre as inconsistências das práticas dos professores alfabetizadores com
relação à formação de sujeitos leitores. Essas inconsistências são de diversas
ordens, dentre elas, as relacionadas com o processo de formação inicial e
continuada. É nessa direção que seguiremos com a análise da próxima pesquisa.
O estudo de Borges (1995) também empreende esforços para tratar das questões
relacionadas com o ensino da leitura. Segundo ela, apesar de ter ocorrido, a partir
dos anos de 1970, um movimento de intensa produção teórica a respeito da leitura
em vel mundial e nacional, os professores alfabetizadores, no momento em que
ela realizou a pesquisa, apresentavam pressupostos de trabalho do ensino da leitura
sustentados por teorias superadas, como as que subsidiavam os métodos
sintéticos e analíticos. Borges (1995) argumenta que essa afirmativa foi formulada a
partir das observações elaboradas por educadores que participavam de diversos
cursos de formação de professores e, também, no Curso de Pedagogia no qual a
pesquisadora atuou como formadora, a partir de 1980.
Assim, com base nessas observações, a pesquisadora elaborou a seguinte
hipótese:
56
Os professores alfabetizadores entendem a leitura como ‘o
movimento inverso’ da escrita, ou seja, se esta se caracterizou,
historicamente, como a ‘escrita da fala’, a leitura passa a ser
entendida como a ‘fala da escrita’ (BORGES, 1995, p. 11).
Dessa forma, para confirmar ou refutar a sua hipótese, procurou desenvolver a
pesquisa com 50 professores alfabetizadores (1ª série do Ensino fundamental) da
Rede Pública Estadual e Municipal, que atuavam em áreas urbanas do município de
Uberaba-MG, a fim de desvendar a seguinte questão: “Por que os professores
alfabetizadores continuam priorizando a vocalização do texto, como forma de ensino
e de avaliação da leitura?” (BORGES, 1995, p. 11).
Para evidenciar a intensa produção teórica sobre leitura, a pesquisadora apresentou,
no primeiro capítulo da dissertação, um breve histórico das contribuições de alguns
estudiosos. Ela explicou o significativo interesse dos pesquisadores por essa
temática, com base em dois aspectos. Primeiro considera que, em âmbito mundial,
os estudos e pesquisas ligados às Ciências da Linguagem e à Psicologia Genética,
em diferentes países, provocaram mudanças na compreensão do ensino da ngua
e, conseqüentemente, da leitura. No cenário nacional, admite que essas novas
contribuições teóricas chegaram num momento de constatação de “crise da leitura”,
levando diversos pesquisadores a elaborarem trabalhos que tinham como objetivos
contribuir para a formulação de novas propostas de ensino da língua.
Com relação às novas propostas, a autora aponta os estudos de Franchi (1989),
Soares (1991), Smolka (1989), Ferreiro (1985, 1986, 1990, 1992), Ferreiro e
Teberosky (1985) e Jolibert (1994) como fundamentais para pensar a sua
formulação. Faz referência ainda aos trabalhos de Mary Clay, da Austrália; Kenneth
Goodman, Frank Smith e Charles Read, nos Estados Unidos; e Lourence Letin, na
França. Ainda cita os estudos de Foucambert, Harste, Burke, Grompone, Sinclair,
Dowing, Ferreiro e Palácio, Charmeux e os trabalhos relacionados com a
historiografia da alfabetização, como os de Graff, nos Estados Unidos, e os de
Frago, na Espanha. A pesquisadora ainda se preocupa em detalhar o trabalho
desenvolvido por Soares (1991) sobre a construção do conhecimento no campo da
alfabetização, apresentando e comentando os diversos dados da pesquisa. Nesse
57
último aspecto, acreditamos que não haveria necessidade dessa especificidade,
visto que não se configurava como o objetivo do seu trabalho.
Em seguida, discute o processo de leitura, com a finalidade de oferecer aporte
teórico que sustentação à “[...] superioridade da leitura visual silenciosa sobre a
leitura vocalizada na garantia do significado” (BORGES, 1995, p. 28). Para isso,
buscou articular as relações entre pensamento e linguagem nas especificidades das
ligações entre linguagem escrita e pensamento, nas relações entre a linguagem oral
e a linguagem escrita e a explicação dos processos internos e das estratégias
utilizadas no ato de ler, a partir das contribuições da Psicologia Genética de Piaget e
das pesquisas de Vigotski sobre a gênese da capacidade de compreensão.
Consideramos que essa articulação seja de difícil sustentação, tendo em vista as
diferenças teórico-filosóficas entre as teorias. A incompatibilidade entre os
pressupostos defendidos pelos autores pode ser percebida na própria elaboração da
pesquisadora, quando escreve:
Na perspectiva piagetiana, o acesso à linguagem como um sistema
de signos possibilita a construção de conceitos gerais e a inserção
progressiva do pensamento individual, egocêntrico, numa realidade
objetiva e comum. Para VIGOTSKY [...] ao contrário, não é o
pensamento individual que se insere na realidade social ao longo do
desenvolvimento, mas na realidade social e funcional da palavra que
constitui a subjetividade, ou seja, o discurso interior traz a marca do
discurso social (BORGES, 1995, p. 11).
A autora também discute o papel da memória na atividade de leitura a partir das
contribuições de Smith (1989) e Piaget e Inhelder (1980). Adota a idéia de que a
memória é de fundamental importância na capacidade de compreensão dos
estímulos e experiências do sujeito. Em relação à linguagem escrita, afirma que a
memória possibilita a retenção das informações visuais, favorecendo as suas
organizações ao longo da leitura e ainda permite que as informações não visuais se
articulem, gerando o sentido do texto. Também apresenta as diferenças entre
linguagem oral e linguagem escrita nos aspectos da estrutura de superfície e de
estrutura profunda que interferem na compreensão da leitura.
Nesse sentido, busca subsídios em Marcuschi (1988) para dizer que não existe
dicotomia entre fala e escrita, mas apenas aspectos distintos que são requeridos em
58
cada contexto em que a fala ou a escrita é utilizada. Borges (1995) ainda adverte
que o desconhecimento ou a não consideração das especificidades da linguagem
oral e da linguagem escrita podem ser observados no ensino da leitura,
especialmente nas metodologias de alfabetização que pretendem ensiná-la por meio
de transformação do escrito em oral. A limitação na compreensão das relações entre
oralidade e escrita, segundo a autora, é um dos fatores que promovem a leitura
vocalizada, objeto de estudo da pesquisa.
A pesquisadora oferece elementos das produções teóricas sobre os procedimentos
de leitura, em especial a favor da leitura silenciosa, a partir de Goodman e Smith, ao
abordar a utilização da informação prévia, a movimentação dos olhos na leitura
silenciosa, o controle da velocidade da leitura, o papel da intencionalidade na leitura
seletiva, a função antecipatória e a identificação e a reconstrução do significado.
Apesar de os dados empíricos serem importantes para compreender os
procedimentos de leitura elaborados pela criança, consideramos que, no ato de ler,
o aluno não utiliza os procedimentos de leitura, apontados pela autora, de maneira
tão estruturada como foi apresentado na discussão teórica.
Ao tratar da leitura oral, explicita que o grau de dificuldades dos alunos
alfabetizandos consiste em proceder à leitura em voz alta concomitante à apreensão
e à reconstrução de significado. E conclui que,
[...] para as crianças, na fase inicial da aprendizagem da leitura, a
formação de unidades significativas a partir dos sons é uma atividade
extremamente complexa, exatamente por não existir uma
correspondência simples e direta entre unidades acústicas e
unidades lingüísticas, ou, como afirma GOLBERT (1988), ‘Os sons
da linguagem não existem isolados, realizam-se e modificam-se
dentro da palavra’ (BORGES, 1995, p. 53-54).
A partir dessas considerações, a pesquisadora traçou um percurso histórico das
práticas de leitura a fim de compreender as razões do predomínio da modalidade de
leitura com mediação sonora sobre a leitura silenciosa. Nessa parte, trouxe
significativas informações sobre a história dos suportes materiais de leitura até o
surgimento do livro, e sua produção em larga escala por meio das tecnologias de
impressão. Ela discorre também sobre as diferentes maneiras de proceder à leitura,
59
em face dos materiais disponíveis em cada momento histórico, e aborda as
influências dessas diferentes maneiras de ler nas modalidades do ensino da leitura
e, em especial, no método sintético e analítico.
Após situar as produções teóricas que tratam da questão da leitura, Borges (1995)
apresenta os instrumentos de coleta de dados, o percurso da pesquisa e as análises
dos dados. Define, como metodologia de pesquisa, o processo de sondagem tendo
em vista ser um mecanismo que possibilita a obtenção de dados mensuráveis, a
custo módico e em tempo breve, a partir de uma população predefinida. Segundo a
autora, a pesquisa consistiu em aplicação de questionário composto de 12 questões,
sendo 11 objetivas e uma dissertativa. A amostra teve como sujeitos 50 professores
da Rede Pública que atuavam na rie do Ensino fundamental, no ano de 1994.
Desses profissionais, 30 trabalhavam na Rede Municipal e representavam 40,5% da
população e 20 professores pertenciam à Rede Estadual de Ensino e representavam
23,6% da população. A pesquisadora ainda esclarece que os critérios para seleção
dos sujeitos da pesquisa foram decorrentes de dois fatores: primeiro os sujeitos
pesquisados deveriam estar envolvidos diretamente no trabalho de alfabetização, ou
seja, na regência de classe; segundo, deveriam atender crianças de classes
populares. Quanto a esse último critério, Borges (1995, p. 67) afirma:
Muitas dessas crianças, provavelmente a maioria, não têm um
ambiente familiar ‘alfabetizador’, ou seja, que permita a ampla
convivência com atos de leitura e de escrita. Em conseqüência, fica
para a escola, a grande responsabilidade de formar as estratégias
básicas de leitura, que possam garantir o uso da linguagem escrita
em situações funcionais e a possibilidade de aprimoramento dessas
estratégias pelo próprio uso das mesmas
.
Com a delimitação do público-alvo, a autora buscou, em reuniões de formação em
serviço, os sujeitos da pesquisa, para que pudesse efetivar a aplicação dos
questionários. Em alguns poucos casos, ela procurou os profissionais nas escolas
onde atuavam, para obter as informações. Afirma que a seleção dos sujeitos
pesquisados se deu de forma aleatória. Quanto à formulação do questionário,
considera que foi elaborado com a finalidade de alcançar informações que
pudessem atender aos seguintes objetivos:
60
Analisar a relação tempo de experncia / avanço científico e
metodogico.
Conhecer sobre a interferência dos modelos pessoais de leitura na
metodologia de ensino do professor.
Identificar a conceão de leitura do professor voltada para a
relão leitura silenciosa ou vocalizada / construção de
significados.
Relacionar diferentes estratégias de leitura com os modelos de
leitura silenciosa e o de oralização do texto (BORGES, 1995, p.
71).
Ao tratar os dados da investigação, Borges (1995) infere que o professor, à medida
que adquire experiência na docência, tende a não assumir turmas de alfabetização,
demonstrando, assim, que a sua qualificação não reflete resultados diretos nas
turmas de alfabetização. Confirma também a hipótese inicial do trabalho, pois os
dados revelaram que 100% dos professores pesquisados admitiam utilizar
prioritariamente a leitura em voz alta nas salas de alfabetização.
Ao finalizar as análises dos dados, ela afirma que os professores pesquisados
percebiam o ensino da leitura da seguinte forma:
a)para os alfabetizadores, a leitura vocalizada permite aos alunos
a aquisão da mecânica da leitura, isto é, o reconhecimento
automático dos sinais gráficos; a leitura com pontuação e boa
pronúncia; a memorização das palavras escritas e a aprendizagem
da escrita;
b)também atribuem à leitura vocalizada a função de aumentar o
vocaburio e favorecer a desinibão;
c)na categoria compreensão, ambas as formas de leitura
vocalizada e silenciosa são citadas como possuindo este
objetivo;
d)os professores entendem que a leitura vocalizada tem por
objetivo, ainda, a alfabetização, enquanto a leitura silenciosa é um
modelo de leitura próprio de uma fase posterior;
e)acrescentam, tamm, a função avaliativa da leitura vocalizada,
ou seja, a possibilidade de se verificar, pela sonorizão do texto,
‘se realmente o sujeito sabe ler (BORGES, 1995, p. 89-90).
A partir dessas constatações, a pesquisadora explora a idéia da importância da
formação de professores em serviço. Argumenta que essa formação deveria
proporcionar aos profissionais conhecimentos teóricos de sustentação de novas
práticas de ensino. E ainda acrescenta que [...] não basta doar uma determinada
teoria aos professores, mas provocar um processo de reflexão que permita o intercâmbio
entre o conhecimento acadêmico e a competência prática (BORGES, 1995, p. 95).
61
É possível observar que as considerações da autora acerca dos dados da pesquisa
se limitam a demonstrar empiricamente, por meio de percentuais, os resultados,
confirmando, assim, a sua hipótese inicial de pesquisa, quando afirma que os
professores, em sua maioria, “[...] ensinam a ler através de procedimentos que
estimulam, reforçam e fixam como hábito a leitura através da vocalização ou
subvocalização dos sinais gráficos da escrita” (BORGES, 1995, p. 93).
O detalhamento desse último trabalho de pesquisa explicita alguns elementos que
demonstram lacunas quanto à sua construção. O primeiro consiste no fato de os
subsídios teóricos que nortearam a pesquisa o serem retomados pela
pesquisadora nas análises dos dados e o segundo se refere à redução de uma
temática tão complexa, como as práticas de ensino da leitura, na dicotomia entre
leitura vocalizada e leitura silenciosa. Acreditamos que essa temática envolve várias
dimensões, como a social, a política, a cultural e a pedagógica, que precisam ser
entrecruzadas para não incorrermos no risco de tratarmos o tema de maneira vaga.
Nessa mesma perspectiva, consideramos que, ao utilizar apenas um instrumento de
coleta de dados, como o questionário, os resultados podem não desvelar todos os
movimentos instaurados nas práticas de leitura desenvolvidas pelos professores
pesquisados, pois o cotidiano da sala de aula está revestido de elementos
significativos, como enunciações, gestos, atitudes, procedimentos, formas de
organização do espaço, ou seja, as condições objetivas do trabalho com a leitura no
seu acontecer natural também falam, e não podemos centrar nosso olhar apenas em
elementos da formação dos professores.
Reconhecendo a importância de compreender o modo como os professores se
apropriam das novas perspectivas teóricas sobre o conhecimento e a sua relação
com a sistematização das práticas no trabalho pedagógico, conforme Borges (1995)
evidencia em seu estudo, passamos a abordar uma outra pesquisa que também
apresenta essa preocupação, embora possamos situá-la num período mais atual.
Nesse sentido, a pesquisa que selecionamos para análise foi a tese de doutorado de
Macedo (2004), intitulada Interações e Práticas de Letramento em Sala de Aula: o
62
uso do livro didático e da metodologia de projetos.
7
Esse trabalho busca investigar
os processos de apropriação do “discurso da inovação” por parte dos professores,
sobre os processos de ensino aprendizagem da leitura e da escrita, presentes no
discurso oficial e nos programas de formação continuada. Para isso, focalizou suas
análises nas interações discursivas presentes nas práticas de letramento
desenvolvidas em duas turmas do primeiro ciclo do Ensino fundamental da Rede
Municipal de Belo Horizonte, a fim de compreender como se constitui a dialogia – no
sentido atribuído por Bakhtin nos processos de interlocução entre alunos e
professora, na construção de práticas de letramento das turmas envolvidas na
pesquisa.
Macedo (2004) argumenta que o interesse por essa temática de pesquisa surge com
base em vivências de trabalho como professora alfabetizadora, bem como de
experiências oriundas do trabalho de formação de professores da Rede Municipal de
Belo Horizonte. Ao longo de sua trajetória profissional, observou a influência, a partir
da década de 80, de novas orientações teórico-metodológicas sobre alfabetização e
sobre ensino aprendizagem, bastante divulgadas no meio educacional e nos
diferentes níveis (federal, estadual e municipal) das políticas governamentais do
setor. Dentre esses referenciais, a autora relaciona a pesquisa de Ferreiro e
Teberosky no campo da psicogênese da língua escrita e das formulações de
Vigotsky que indicavam o papel da interação com o outro nos processos de
construção do conhecimento. A partir dessas considerações, Macedo (2004, p. 13)
elabora os seguintes questionamentos:
Como os professores apropriam-se das concepções expressas
nessas propostas de mudanças? Em que medida essas novas
proposições têm influenciado a prática de professores do ensino
fundamental, das séries/ciclos iniciais?
Para configurar a abrangência dessas novas contribuições teóricas no campo das
práticas de ensino na língua materna, a autora ainda leva em consideração a
influência da política nacional do livro didático, especificamente do livro de
Português, que é disponibilizado aos professores para seleção e adoção. Ou seja, o
7
O trabalho tomado para análise nessa pesquisa é a tese de MACEDO, M.S.A.N. defendida em
2004, na Universidade Federal de Minas Gerais/F.E. Os resultados da pesquisa também podem ser
encontrados no livro de mesmo título, editado em 2005, pela Editora Martins Fontes.
63
livro didático constitui um suporte textual produzido especificamente para o contexto
educacional e, a partir da introdução dessas novas abordagens teóricas, sofre
adaptações quanto à estrutura de apresentação dos conteúdos. Macedo (2004, p.
15) afirma:
[...] os novos materiais estão estruturados em torno de uma seleção
textual diversificada e de atividades que potencializam diferentes
formas de organização da sala de aula, como trabalhos em grupos e
em duplas.
Esses fatores subsidiaram a elaboração da questão central norteadora da pesquisa,
apresentada por Macedo (2004, p. 15) da seguinte forma: “[...] como as mudaas
em torno das conceões de leitura e escrita e em torno da conceão de
aprendizagem eso sendo compreendidas e implementadas por professores do
primeiro ciclo da escola blica?”. Dessa questão ampla emergiram outras com o
objetivo de delimitar melhor o foco de alise da investigação:
Como as interações na sala de aula são organizadas? Como os
padrões de interação são construídos pelos sujeitos participantes,
alunos e professora? Como o professor concebe e organiza a
proposta de trabalho em grupo, em dupla e na rodinha? Como as
interações e práticas de letramento são construídas quando um livro
didático de português está sendo usado? Como as interações e
práticas de letramento são construídas quando a professora opta por
trabalhar com a metodologia de projetos?
Para viabilizar a compreensão dessas questões, a pesquisadora declara que articulou
procedimentos metodológicos que contemplavam dados quantitativos e dados de cunho
etnogfico. Inicialmente, enviou 2.400 questionários, estruturados em 17 perguntas,
aos professores do primeiro ciclo da Rede Municipal de Belo Horizonte. Obteve o
retorno de 23% dos questionários, ou seja, 529 professores que atuavam em
aproximadamente 70% das escolas de primeiro ciclo da Rede Municipal. Os dados
explicitados nos questionários propiciaram trar o perfil dos profissionais quanto a
gênero, faixa etária, estado civil, formação acadêmica, tempo de experiência no
Magistério e em turmas de alfabetizão, jornada de trabalho, formas de organizão
da prática pedagógica e das interações em sala de aula, além de indicar os materiais
mais utilizados para o trabalho de alfabetização. Evidenciaram também que os
64
professores, em seus discursos, priorizavam o trabalho em grupo e em duplas, como
formas de organizão das interações no processo ensino aprendizagem.
Os dados revelados por meio dessa metodologia propiciaram uma compreensão macro
das questões relacionadas com a pesquisa, pom não possibilitavam análises
específicas das interões do contexto de sala de aula que sustentassem as perguntas
de investigão. Assim, em uma segunda fase de coleta de dados, a pesquisadora
afirma que adotou a perspectiva etnográfica de estudo de caso e focalizou o lócus da
investigação no interior de duas salas de aula. O processo de seleção dos sujeitos da
pesquisa guiou-se por dois critérios principais: primeiro estava relacionado com a
definão da turma, ou seja, a pesquisadora optou por trabalhar com turmas do terceiro
ano do primeiro ciclo por considerar que, nesse nível, os alunos já tinham certo domínio
do sistema alfabético de escrita; e o segundo seria a disponibilidade do profissional em
participar da pesquisa.
Para obter acesso ao campo, a pesquisadora descreve uma série de situões
envolvidas nesse processo. Iniciou a busca por meio de indicões dos profissionais da
formação continuada que tinham relacionamentos constantes com os professores.
Assim, quando chegou à primeira escola indicada, a equipe pedagógica e a professora
já tinham conhecimento da proposta de pesquisa. Dessa forma, encontrou um ambiente
receptivo aos seus objetivos de investigação.
A professora selecionada desenvolvia o trabalho pedagógico com o grupo de alunos
desde o início do primeiro ciclo, ou seja, no momento da pesquisa, estava iniciando
o terceiro ano de contato com as crianças. Essa turma foi denominada de A. Era
composta de 26 alunos freqüentando, com faixa etária entre oito e nove anos, e
pertencia à zona oeste da cidade. A pesquisadora iniciou a coleta de dados a partir
do primeiro dia letivo (5-2-2001) até o mês de junho. Utilizou, como principal
instrumento para captar os dados, a gravação em vídeo, perfazendo um total de 38
horas. Para complementar os dados, a pesquisadora também realizou entrevista
com a professora. Nesse contexto de investigação, a regente assumia o uso do livro
didático como um importante suporte para o trabalho de alfabetização. As
características dessa turma eram representativas em relação à realidade de ensino
65
do município de Belo Horizonte, com base no levantamento de dados explicitados
nos questionários.
Definido o primeiro grupo de sujeitos e iniciada a coleta de dados, a pesquisadora tinha
o desafio de encontrar a segunda turma. Porém, esse segundo grupo não poderia se
distanciar muito das características do primeiro, visto que a oão de análise da
pesquisa era a de contraste.
Em minha pesquisa, busquei realizar uma análise contrastiva das
interações e práticas de letramento em quatro níveis, utilizando os
diferentes tipos de dados coletados: a) contraste entre os diferentes
estudos realizados sobre interações em sala de aula e esta
pesquisa; b) contraste entre o que os professores dizem nos
questionários e nas entrevistas e o que se observou na sala de aula;
c) contraste nas práticas das duas professoras; d) contraste entre os
diferentes eventos em cada sala de aula (MACEDO, 2004, p. 71).
Assim, a seleção da segunda turma foi condicionada à proximidade das
características da primeira, porém optou por identificar uma professora que assumia
não fazer uso do livro didático, pois a pesquisa quantitativa demonstrou que esse
material vem sendo utilizado das mais variadas formas e aliado a outros materiais.
Nesse momento da pesquisa, o recurso da indicação de colegas da área de
formação continuada novamente foi fundamental.
O segundo grupo de sujeitos foi denominado de turma B. A escola também estava
localizada em uma região de periferia, a professora atuava pelo segundo ano
consecutivo com os alunos, que pertenciam ao terceiro ano do primeiro ciclo e
estavam na faixa etária esperada, entre oito e nove anos. A professora estruturava o
trabalho de alfabetização por meio de projetos e admitia a organização dos alunos
de diferentes formas, grupos, duplas e rodinha. Nessa sala, foram gravadas em
vídeo 20 horas de aula observadas no período de março a julho, perfazendo um total
de 15 dias.
O corpus da pesquisa de cunho etnográfico constitui-se de 29 fitas de vídeo com um
total de 58 horas de filmagem, além de dados de entrevistas das professoras e de
textos produzidos durante as interações na sala de aula. Esses registros foram
transcritos observando três níveis:
66
O primeiro, refere-se ao mapeamento de todas as aulas filmadas,
com descrições rápidas dos eventos e atividades ocorridas em cada
aula. O segundo nível refere-se à seleção das aulas a serem
analisadas e à elaboração de mapas de eventos. O terceiro, refere-
se à identificação das seqüências discursivas a serem analisadas
(MACEDO, 2004, p. 72).
Segundo a pesquisadora, todos os procedimentos de coleta e análise dos dados
foram ancorados na abordagem sociocultural. Utilizou as
[...] proposições de Vygotski sobre os processos de aprendizagem e
a teoria da enunciação de Bakhtin como teorias básicas na
constituição de uma perspectiva analítica para as interações e
práticas de letramento em sala de aula (MACEDO, 2004, p. 25).
Dessa forma, as análises dos eventos foram norteadas a partir dos conceitos de
discurso de autoridade e discurso internamente persuasivo propostos por Bakhtin
compreendidos como duas dimensões constitutivas do discurso do outro. A partir da
perspectiva teórico-metodológica adotada na pesquisa, os dados desse estudo de
caso revelaram que:
[...] os professores apropriam-se das novas concepções de diferentes
maneiras, reconstruindo-as a partir de suas experiências de ensino,
de dispositivos construídos cotidianamente em sua prática
pedagógica, ou seja, do seu ‘saber-fazer’. Dito de outra maneira, o
processo de apropriação das novas concepções é dialógico, pois os
professores posicionam-se produzindo ‘contrapalavras’ à palavras
dos documentos oficiais e dos seus interlocutores em cursos de
formação continuada (MACEDO, 2004, p. 300).
Macedo (2004) ainda afirma que, embora as professoras tenham demonstrado ter se
apropriado do discurso do trabalho coletivo em suas práticas cotidianas, ao propor a
organização dos alunos, em grupos, em duplas e em rodinhas, as atividades eram
de caráter eminentemente individual.
As análises das interações discursivas entre professoras e alunos demonstraram
também que, em ambas as turmas, ocorreram predominância de seqüências
estendidas de interação, conforme definido por Mehan (1979). Observou, ainda, que,
nessas ocorrências discursivas, as professoras tinham por objetivo permitir o fluxo
do diálogo com os alunos para que eles atendessem às suas expectativas de
resposta. Na turma B, também foi observada a presença de cadeias discursivas de
67
interação, pois as respostas dos alunos não eram encerradas com avaliações da
professora, mas eram incorporadas para a formulação das questões de estudos do
projeto que estavam desenvolvendo naquele período da pesquisa. Assim, a autora
conclui que o discurso entre alunos e professoras foi construído numa tensão entre
discurso de autoridade e internamente persuasivo, na perspectiva apontada por
Bakhtin.
Isso evidencia que o discurso pedagógico é marcado pela
heterogeneidade e contradição e não pela homogeneidade e
autoritarismo. [...] permite-nos afirmar que o discurso produzido nas
salas de aula analisadas promove a participação dos alunos sem,
contudo, deixar de controlar o processo de ensino-aprendizagem,
visto que o lugar social que as professoras ocupam a autorizam a
agir dessa forma. Isso significa que as interações em sala de aula
são assimétricas, e nesse contexto, as práticas de letramento escolar
são construídas
(MACEDO, 2004, p. 304).
O estudo também revelou a marca do tempo institucional como um fator de tensão
presente no discurso das professoras, condicionando os processos de ensino
aprendizagem. As análises dos dados demonstraram a ansiedade das professoras
em realizar as atividades dentro do tempo previsto, ao mesmo tempo em que
pretendiam dar voz aos alunos. Essa tensão marca o discurso produzido nas
relações de ensino aprendizagem na escola.
A utilização do recurso do livro didático de língua portuguesa, como opção
metodológica explicitada pela professora da turma A, evidenciou que, ao ser
incorporado às suas rotinas de trabalho, sofreu adaptações quanto à proposta
prevista pelo autor do material. A regente não seguiu a seqüência apresentada no
livro, ou seja, o utilizou o livro didático de forma linear, tanto em relação à seleção
das unidades quanto no que se refere à seleção de atividades no interior de cada
unidade. Assim, foi possível perceber que a professora construiu uma [...] seqüência
a partir de suas experiências de ensino, a partir da forma como ela concebe o processo
de ensino, adequando-a as rotinas constrdas pelos participantes nos três anos de
trabalho com a turma” (MACEDO, 2004, p. 306).
Outro aspecto relevante observado pela pesquisadora foi que, a partir do momento
em que o livro didático foi introduzido como suporte material das atividades de
68
alfabetização, acentuou-se a leitura e a produção de textos baseados
fundamentalmente nesse material. Como estratégia de adequar os diferentes ritmos
dos alunos na execução das atividades do livro didático, a “leitura livre” ganhou
espaço, pois os alunos que terminavam as tarefas escolhiam livros de literatura
disponibilizados pela professora para que pudessem ocupar o tempo com a leitura
desses materiais, enquanto os colegas concluíssem as atividades. Ocorreu também
a construção de um certo padrão das rotinas de leitura que não estavam previstas
pelo autor do livro didático, refletindo novamente as especificidades do contexto da
sala de aula e a forma de apropriação do material pela professora. Nas rotinas, esse
padrão era estruturado sempre de forma regular e se manifestava do seguinte modo:
[...] leitura silenciosa dos alunos, leitura oral (de alguns alunos, da
turma como um todo, de um aluno individualmente), discussão das
ilustrações e do texto, elaboração de respostas coletivamente,
elaboração de respostas por escrito (no caderno) e registro das
respostas no quadro-de-giz por um aluno escolhido pela professora
(MACEDO, 2004, p. 307).
Essa rotina também pode ser observada na turma B, onde a professora adotava a
pedagogia de projetos, porém com um diferencial. A “leitura livre” não tinha espaço
nas aulas, pois, mesmo que os alunos trouxessem textos sobre o tema do projeto,
estes eram socializados nos momentos da rodinha e sob a orientação da professora.
Os textos que estruturavam as atividades do projeto eram oferecidos pela regente,
demonstrando, assim, o trabalho de mediação pedagógica como controle do
processo de produção de sentido.
A concepção de leitura que regia as práticas das turmas investigadas pode ser
considerada, segundo a pesquisadora, como repetição do conteúdo do texto, leitura
como decodificação e o como um processo de produção de sentido pelo aluno-
leitor. Foi possível observar a ênfase na leitura oral como sinônimo de fluência oral,
pois a leitura silenciosa não foi objeto de sistematização das aulas analisadas.
Macedo (2004) ainda explicita que identificou apenas um evento em que a ngua
escrita foi tratada na sala de aula como um objeto social, contextualizado, com
função social e interlocutor claramente definido. Esse evento ela descreve quando a
professora da turma
B orienta os alunos a escreverem uma carta para a direção da
69
escola informando sobre as condições de produção de focos da dengue no pátio da
escola e solicitando providências para sanar o problema. As demais aulas
analisadas demonstraram que a mediação pedagógica das professoras não
explicitava claramente quem eram os possíveis interlocutores dos textos dos alunos,
sendo subentendido que escreviam para um único interlocutor, ou seja, a
professora. Contudo, a pesquisadora ainda observou que
[...] enquanto interlocutoras privilegiadas dos alunos, não se
colocaram como leitoras efetivas de suas produções, não adotando
uma atitude responsiva no diálogo com os textos produzidos por eles
(MACEDO, 2004, p. 308).
Assim, a produção escrita tinha por finalidade a avaliação em detrimento da leitura,
ou seja, a escrita o tinha o objetivo de estabelecer um diálogo, uma interlocução
com o outro.
A pesquisadora, a partir de suas análises, conclui que as professoras demonstram
ter apropriado o discurso das novas teorias que circulam nos processos de formação
continuada e nos documentos oficiais, porém, elas
[...] ressignificam essas propostas fazendo uso a partir dos princípios
que norteiam o seu saber-fazer, ou seja, a partir dos dispositivos que
constituem a sua prática pedagógica. Nesse sentido, as práticas de
letramento em sala de aula são mediadas e construídas pelos
sujeitos a partir das suas concepções de letramento, de ensino da
leitura e da escrita, que podem ou não coincidir com a concepção
implícita no material didático que ele faz uso (MACEDO, 2004, p.
313).
Assim, Macedo (2004, p. 313) adverte que não basta a “[...] simples proposição de
novas metodologias de ensino como dispositivo para a construção de mudanças
efetivas nas práticas de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita”, mas que as
políticas educacionais e os processos de formação continuada de professores
investissem em ações que proporcionassem a “[...] discussão e problematização das
concepções e práticas dos professores” (p. 313), como estratégia para emergir
novas práticas educativas.
70
Esse trabalho demonstra a importância de se pesquisar as práticas de ensino com o
rigor teórico necessário à captação das singularidades da sala de aula, além de
tornar visíveis as contribuições da análise do discurso para pesquisas nesse
contexto. Contudo, apesar das ressalvas explicitadas pela própria autora quanto ao
risco de se fazer generalizações a partir de um determinado estudo de caso, em
suas análises, ela apresenta um número limitado de observações na turma B. Esse
aspecto pode ser identificado na apresentação dos mapas de eventos, pois relata
apenas um tema de projeto desenvolvido nessa turma (Dengue). Diante dessa
característica, será que poderíamos generalizar as práticas analisadas para
qualquer tema de projeto desenvolvido por essa professora? Essa questão talvez
pudesse ser elucidada com um período maior de permanência no lócus da pesquisa.
Autores como Zago, Carvalho e Vilela (2003), André (1995), Bogdan e Biklen (1994),
entre outros, que se dedicam às questões metodológicas, admitem que o fator
tempo de inserção no contexto de investigação constitui um elemento importante a
ser considerado, quando optamos pelo uso da metodologia de pesquisa do tipo
etnográfica.
Assim, revisitando a produção do conhecimento sobre a temática da leitura no
contexto da alfabetização, encontramos muitas contribuições importantes. Contudo,
no universo da produção acadêmica, essa abordagem não se esgota nessa tentativa
de delineamento aqui apresentada. Dessa forma, reconhecemos a possibilidade de
outras pesquisas serem pertinentes à nossa discussão, e que o nosso diálogo com
essas outras vozes não se fecha nos trabalhos aqui apresentados, apenas indica um
primeiro movimento de articulação com o acervo de conhecimentos sobre o
processo de apropriação e domínio da leitura.
71
5 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS
As transformações que ocorreram no campo da linguagem indicam que, no século
XX, as temáticas a ela associadas caminharam da unidade para a multiplicidade em
que a palavra, antes compreendida como sinal, passa a ser concebida como signo
(BRANDÃO, 1997). Essa transformação implicou novas abordagens para a leitura.
8
Nesse contexto, verificou-se um grande interesse pelos estudos da área e o
surgimento de novas teorias e enfoques metodológicos.
Com relação aos enfoques metodológicos, observamos um movimento de
percepção das línguas humanas que supera as especulações de caráter sistêmico
ligadas aos estudos mais tradicionais. Nesse novo campo, os estudos
sociolingüísticos procuraram mostrar o peso do componente social, histórico e
cultural nas mudanças e variações da língua e os estudos lingüísticos se ocuparam
especificamente do texto e do discurso dando origem ao sentido da linguagem, não
apenas como material verbal, mas também como aspectos relacionais definidos no
contexto da história, da cultura e da ideologia (PICANÇO; CASTRO; COSTA, 2002).
Assim, para o estudo das práticas de leitura desenvolvidas em classes de
alfabetização, torna-se importante observar as transformações que ocorreram no
campo da linguagem, com vistas a delinear os conceitos que sustentaram nossa
investigação. Nesse sentido, a articulação entre as teorias de Vigotski e seus
colaboradores e do círculo de Bakhtin possibilitou pensarmos, a partir de uma
perspectiva dialógica, as concepções de texto e de leitura. Esse aporte teórico é
importante porque considera que o estudo no campo das ciências humanas é
possível por meio de textos e, por isso, é dialógico. Dessa forma, o sujeito não pode
ser “[...] percebido e estudado como coisa, porque, como sujeito e permanecendo
sujeito, não pode tornar-se mudo; conseqüentemente o conhecimento que se tem
dele pode ser dialógico [...]” (BAKHTIN, 2003, p. 400). A partir dessa premissa,
8
Brandão (1997, p. 288) destaca que “[...] compreender a palavra enquanto sinal implica uma
compreensão de leitura enquanto ato monológico de descodificação, de mero reconhecimento;
conceber a palavra enquanto signo implica uma concepção de leitura enquanto atividade, ação entre
interlocutores, dialogicidade”.
72
construímos o percurso metodológico da pesquisa e buscamos apoiar as análises
dos dados coletados.
5.1 O ENFOQUE HISTÓRICO-CULTURAL DE VIGOTSKI
Dentre as teorias desenvolvidas sob o enfoque social, psicológico e lingüístico, a
teoria de Vigotski busca compreender, no campo da Psicologia, o desenvolvimento
humano a partir das relações entre pensamento e palavra. Os estudos desse autor
podem ser situados numa perspectiva histórico-cultural e tiveram por finalidade,
além de construir uma nova metodologia para a Psicologia, mostrar a origem social
da consciência humana. Em seu percurso de produção, elaborou vários conceitos,
como sinal, signo, significação, mediação semiótica, internalização etc. que auxiliam
na compreensão do desenvolvimento do ser humano cultural. Nessa abordagem, os
estudos têm como foco “[...] o indivíduo em sua totalidade, articulando
dialeticamente os aspectos externos com os internos, considerando a relação do
sujeito com a sociedade à qual pertence” (FREITAS, 2002, p. 22).
Para Vigotski, o desenvolvimento humano o pode ser compreendido sob a
perspectiva dualista que desintegra o biológico e o cultural. Segundo o autor, os
seres humanos se desenvolvem a partir das relações que estabelecem com a
natureza e com os outros seres humanos. Essas relações, por sua vez, são sempre
mediadas por instrumentos e signos. Os signos se tornaram objeto de interesse nos
estudos de Vigotski, porque se diferenciam dos instrumentos. Eles atuam sobre os
próprios indivíduos e sobre as pessoas.
Nesse sentido, Pino (2000, p. 51), ao discutir sobre o biológico e o cultural, na teoria
de Vigotski, a partir do “Manuscrito” de 1929, intitulado Concrete Human Psychology,
explica:
A história do homem é a história dessa transformação, a qual traduz
a passagem da ordem da natureza à ordem da cultura [...]. As
funções biológicas não desaparecem com a emergência das
culturais, mas adquirem uma nova forma de existência: elas são
incorporadas na história humana. Afirmar que o desenvolvimento
humano é cultural equivale, portanto, a dizer que é histórico, ou seja,
traduz o longo processo de transformação que o homem opera na
natureza e nele mesmo como parte dessa natureza. Isso faz do
homem o artífice de si mesmo.
73
Assim, no desenvolvimento do indivíduo ou na passagem do biológico para o
cultural, estão envolvidos os instrumentos e os signos. Ambos pertencem ao mundo
da cultura, pois se trata de criações humanas. Como dissemos, tanto os
instrumentos como os signos funcionam como mecanismos de mediação com o
mundo externo e interno do sujeito. Os instrumentos estão dirigidos para a atividade
externa do ser humano com a natureza, enquanto os signos estão voltados para o
próprio indivíduo e para seus pares. Dessa forma, a linguagem/signo é mediadora
das relações entre as pessoas e, desse modo, possibilita a formação das funções
psíquicas superiores nos indivíduos. Essa concepção de linguagem como signo
aproxima os estudos de Vigotski dos trabalhos de Bakhtin. Por sua vez, Silvestri e
Blanck (1993, p. 34), ao tratar dessa questão, a partir das contribuições teóricas
desses autores, afirmam:
Todas las funciones mentales superiores, aquellas que son
específicas del lombre e integran la órbita de su conciencia, son
procesos mediatizados, y los signos son los médios que los
organizan y dirigen. Pero com ellos no se nace. Se adquieren
durante el desarrollo ontogenético del hombre em sociedad,
mediante la actividad social.
Nesse sentido, a linguagem organiza e dirige as funções mentais superiores que são
desenvolvidas e apropriadas por meio das relações com as pessoas. Assim, uma
criança, para transpor a barreira do mundo natural (funções elementares) para o
cultural (funções superiores) necessita, além da mediação do meio, estar em
constante relação com as pessoas por meio da linguagem. Luria (1960) defende que
a linguagem é um fator essencial para o desenvolvimento, pois tanto permite a
interação do adulto com a criança, como também é apropriada pela criança.
Quando a criança assimila a linguagem, fica apta a organizar de
nova maneira a percepção e a memória; assimila formas mais
complexas de reflexão sobre os objetos do mundo exterior, adquire a
capacidade de tirar conclusões das suas próprias observações, de
fazer deduções, conquista todas as potencialidades do pensamento
[...]. A atividade verbal, além de ser um meio de generalização é uma
fonte de pensamento, é também um meio para regular o
comportamento (LURIA, 1960, p. 125).
No processo de desenvolvimento infantil, o papel do outro não se configura apenas
como um simples mediador instrumental, mas atua como condição do
74
desenvolvimento do ser cultural. Nesse sentido, a inserção do sujeito no mundo da
cultura passa por uma “[...] dupla mediação: a dos signos e a do Outro, detentor de
significação [...]” (PINO, 2005, p. 99). Em outras palavras, o adulto, por meio dos
signos, oferece a sua percepção de mundo para a criança e, portanto, quando se
apropria das coisas do mundo, está tornando sua a significação do outro. Assim,
Pino (2000, p. 66) afirma que a “[...] significação é a mediadora universal nesse
processo e que o portador dessa significação é o outro, lugar simbólico da
humanidade histórica”. Nessa dinâmica de conversão das relações sociais em
intrapessoais, o que fica constante e, ao mesmo tempo, se modifica, são as
significações.
Na perspectiva histórico-cultural, a linguagem é considerada como um fenômeno
social em que a ação dos sujeitos envolvidos no processo de comunicação verbal
atua na constituição da língua. Quando o sujeito opera com a língua, ele “produz” a
língua. Em resumo, a linguagem é uma atividade constitutiva, porque constitui o
sujeito e a própria língua no processo de interlocução entre falantes.
A partir dessas considerações, podemos entender a escrita como um sistema de
signos gráficos, fruto da história humana e, portanto, objeto cultural. Assim sendo,
um sistema criado por seres humanos, para ser apropriado pelas crianças, necessita
de organização planejada do ensino para ser aprendida, pois a escrita se configura,
na perspectiva de Vigotski, na esfera dos conceitos científicos. Segundo esse autor,
os conceitos científicos são generalizações superiores capazes de subsidiar uma
reconceitualização do mundo já existente.
5.2 A LINGUAGEM NA PERSPECTIVA BAKHTINIANA
O modo como Vigotski postula o processo de formação dos indivíduos por meio da
linguagem aproxima seu pensamento dos pressupostos de Bakhtin sobre a
linguagem. Para esse último autor, a língua não se configura como um conjunto
75
rígido de elementos lingüísticos e nem como um produto acabado, mas como um
processo de interação verbal de caráter dialógico. Segundo Voloshínov,
9
[...] el lenguaje nace de la necesidad de comunicación de los
reagrupamientos humanos de la primeira edad de piedra.
Inicialmente se compone del material de los gestos y de la mímica,
después del material sonoro. Sirviendo a las necesidades de
comunicación de los hombres, el lenguaje sirve al mismo tiempo
como instrumento particular de um proceso econômico, sirve de
conjuro mágico. Siendo producto de la vida social, reflejándola no
sólo en el campo semântico, sino también el de las formas
gramaticales, el lenguaje tiene al mismo tiempo uma enorme
influencia inversa sobre el desarrollo de la vida econômica y
sociopolítica.
Com la ayuda del lenguaje se crean y se forman los sitemas
ideológicos, la ciência, el arte, la moral, el derecho, y al mismo
tiempo el lenguaje crea y forma la conciencia de cada hombre
(VOLOSHINOV, 1929, p. 242).
Ao considerar a linguagem numa visão sociodialógica, Bakhtin também apresenta
alguns elementos de análise metalingüísticos que são fundamentais para
compreender o processo de comunicação verbal. Apresenta a entoação, a
significação, a apreciação e a compreensão como elementos que constituem a
corrente de interação verbal. A compreensão é considerada um processo ativo e
criativo da interação verbal, pois é por meio dela que ocorre a participação dos
interlocutores no diálogo.
A compreensão, conforme Bakhtin, é um pressuposto fundamental para pensar as
práticas de leitura, pois remete a um modo de diálogo entre o leitor e o autor. A
compreensão estabelecida a partir das palavras do autor configura a idéia de
criação, pois o leitor continuaria alimentando a corrente da comunicação verbal, não
sendo a leitura do texto o objetivo final da interação. Jobim e Souza (2001, p. 109)
explicam:
9
O título original desse artigo é Shtó takoie iazik. Foi publicado em nome de V.N. Voloshínov, em
Literatúmaia uchoba, 2, Leningrado, 1929. As notas são de Bakhtin. Tradução do italiano de Ariel
Bignami e supervisão científica de A. Silvestri.
76
No processo de compreensão, a cada palavra do outro fazemos
corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica.
Quanto mais numerosas e substanciais forem nossas réplicas, mais
profunda e real é a nossa compreensão. Compreender é, portanto,
opor à palavra do locutor uma contrapalavra. O sentido construído na
compreensão ativa e responsiva é o traço de união entre os
interlocutores
A compreensão ativa e responsiva é um dos elementos que caracteriza o caráter
dialógico da linguagem, pois, na relação de comunicação entre o destinador e o
destinatário, permeia uma estrutura triangular de diálogo. Assim, compreender é
tornar-se o terceiro num diálogo. No primeiro ponto dessa estrutura, encontra-se o
sujeito enunciador que, na produção do discurso, prevê um destinatário possível e
imaginado. Esse destinatário virtual se configura no segundo ponto da estrutura do
diálogo. O enunciado se completa quando ocorre a interação social entre o autor e o
leitor. Geraldi (1997) afirma que o texto é esse lugar de encontro, sendo possível,
então, constituir o terceiro elemento da estrutura dialógica do enunciado. Assim, a
constituição desse elemento se dá no ato de compreensão do discurso do autor pelo
leitor, quando este é capaz de oferecer contrapalavras.
Ao considerar esse processo de compreensão proposto pela perspectiva
bakhtiniana, Geraldi (2002, p. 82) ainda ressalta:
Um leitor que não oferece às palavras lidas as suas contrapalavras
recusa a experiência de leitura. É preciso vir carregado de palavras
para o diálogo com o texto. E essas palavras que carregamos
multiplicam as possibilidades de compreensões do texto (e do
mundo) porque são palavras que, sendo nossas, são de outros, e
estão dispostas a receber, hospedar e modificar-se face às novas
palavras que o texto nos traz. E estas se tornam por sua vez novas
contrapalavras, nesse processo contínuo de constituição da
singularidade de cada sujeito, pela encarnação da palavra alheia que
torna nossa pelo nosso esquecimento de sua origem.
Perceber a leitura como essa atividade discursiva cognitiva que se realiza na
interação verbal, por meio de textos escritos, é essencial no processo de
constituição de leitores. Assim, consideramos que o processo inicial de ensino
aprendizagem da leitura deve pressupor continuamente situações que possibilitem
aos sujeitos aprendizes a construção de contrapalavras ao texto.
77
Tendo esta pesquisa como foco as práticas de leitura de textos escritos, é
importante definir o conceito de texto, por ser um elemento integrante da atividade
de leitura. Para chegarmos a esse conceito, abordaremos, primeiramente, de
acordo com Geraldi (1997), a trajetória de inserção do texto nas práticas de ensino
aprendizagem da língua.
5.3 O TEXTO COMO SUPORTE AO DIÁLOGO NO PROCESSO DE ENSINO
APRENDIZAGEM
Geraldi (1997) discute com propriedade questões sobre o ensino da língua materna
a partir da unidade texto e evidencia as implicações para as práticas pedagógicas,
argumentando que as dificuldades que os profissionais vivenciam no cotidiano
escolar, em relação ao ensino da língua materna, têm várias razões. Para ele,
Antigamente, os professores eram da ‘elite’ cultural e os alunos, da
‘elite’ social; os alunos aprendiam, apesar das evidentes falhas
didáticas; aprendiam muito com professores altamente capazes por
vocação e, sobretudo, pelas condições favoráveis: saúde,
alimentação, farta possibilidade de leitura (GERALDI, 1997, p. 116).
A partir dessa compreensão, destaca que, desde 1970, a política de democratização
da educação – pressionada pelas demandas econômicas e pelas lutas sociais
conforme explorado no Item 2 promoveu a ampliação de acesso à escola para
diferentes classes sociais. Sem desconsiderar o direito à escolarização da
população, constata que essa iniciativa, ao invés de significar uma melhoria na
qualidade da educação, produziu demandas que a sociedade não estava organizada
e nem preparada para atender. Assim, segundo o autor, foi necessário criar cursos
rápidos de formação de professores que, diante das condições de emergência, não
tiveram a qualidade necessária para possibilitar o exercício eficiente da profissão.
Para minimizar as conseqüências da formação dos professores, a solução que se
seguiu foi o uso de livros-textos para os alunos e de livros-roteiros para os
professores. Dessa forma, ocorreu um processo de automatização das práticas dos
sujeitos envolvidos na relação de ensino aprendizagem (professor e aluno). O texto
passa a ser tomado conforme a configuração oferecida pelo livro didático. Este, por
sua vez, era organizado numa concepção de ensino da ngua que privilegia o seu
78
estudo a partir de definições, de classificações, de preceitos dogmáticos, ou seja,
como se fosse uma língua morta.
A língua, no entanto, não pode ser considerada como um sistema fechado de regras
com sentidos definidos e acabados. Essa percepção leva apenas a um objetivo do
ensino que é conhecer o sistema lingüístico o saber a respeito da língua.
Considerando os pressupostos de Bakhtin, a língua precisa ser vista na
comunicação viva entre falantes e, portanto, em uso.
Partindo da concepção de ngua, conforme postulada por Bakhtin (1977), Geraldi
(1997) elabora uma abordagem de ensino da língua materna com textos. Afirma que
a produção de textos (orais e escritos) deve ser considerada como pontos de partida
e de chegada do processo de ensino aprendizagem da língua, porque é
[...] no texto que a língua objeto de estudos se revela em sua
totalidade quer enquanto conjunto de formas e de seu
reaparecimento, quer enquanto discurso que remete a uma relação
intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação
marcada pela temporalidade e suas dimensões (GERALDI, 1997, p.
135)
.
Assim, partilhamos das idéias de Geraldi e, sobretudo, do pressuposto de que o
ensino da língua deve ser fundado no trabalho com textos. O texto, conforme
mencionado, é lugar de encontro entre leitor e autor e, portanto, lugar de diálogo.
Dessa forma, o desenvolvimento de uma atitude responsiva ativa é essencial no
processo de leitura. Segundo Geraldi (1997), podem ser adotadas diferentes
estratégias de relacionamento com os textos e, dessa forma, podem ser feitas
variadas leituras de um texto (leitura _ busca de informações utilizada para
esclarecer nossas dúvidas; leitura _ estudo do texto que indica uma forma de
escutá-lo para que possamos conhecer mais sobre um determinado campo, leitura
pretexto, leitura fruição). Porém, independente das suas finalidades, a leitura deverá
ser sempre um processo de construção de sentidos e, portanto, um processo de
produção de textos.
79
Seguindo essa linha de raciocínio, Geraldi (1997, p. 101) diz que o texto [...] é
uma seqüência verbal escrita coerente formando um todo acabado, definitivo e
publicado. Ele ressalta que o sentido de publicado não se refere à publicação
editorial, mas de destinação. Ou seja, um indiduo produz um texto quando
pre a exisncia de um interlocutor imaginário ou real. Nesse sentido, Bakhtin
diz que uma das características do enunciado (texto) es relacionada com a
idéia de conclusibilidade.
A conclusibilidade do enunciado é uma espécie de aspecto interno
da alternância dos sujeitos do discurso; essa alternância pode
ocorrer precisamente porque o falante disse (ou escreveu) tudo o
que quis dizer em dado momento ou sob dadas condições
(BAKHTIN, 2003, p. 280).
Essa iia comporta a atitude responsiva, ou seja, a idéia de que o texto escrito
ou oral oferece a possibilidade de resposta. Para que isso possa ocorrer, Bakhtin
(2003) apresenta ts condões que estão interligadas no todo orgânico do texto:
exauribilidade do objeto e do sentido, projeto de discurso ou vontade de discurso
do falante, formas típicas composicionais e de nero do acabamento. Nesse
sentido, explica que, quando escolhemos determinado tipo de gênero discursivo,
estamos indicando ao outro a intenção do nosso dizer, pois os gêneros
discursivos apresentam as “[...] formas relativamente estáveis e típicas de
construção do todo” (BAKHTIN, 2003, p. 282). Isto é, o sentido de publicado
proposto por Geraldi (1997) es intimamente ligado à iia de acabamento
desenvolvida por Bakhtin.
Barros (2001), ao discutir o conceito de texto, a partir dos pressupostos de
Bakhtin, esclarece o sentido que queremos atribuir ao texto neste estudo.
Conforme a autora, o texto é o objeto de estudo e o método das cncias
humanas e, sendo assim, é
80
a. objeto significante ou de significação, isto é, o texto significa;
b. produto da criação ideológica ou de uma enunciação, com tudo o
que es subentendido: contexto histórico, social, cultural,
etc.(Em outras palavras, o texto não existe fora da sociedade,
existe nela e para ela e não pode ser reduzido à sua
materialidade lingüística (empirismo objetivo) ou dissolvido nos
estados psíquicos daqueles que o produzem ou o interpretam
(empirismo subjetivo));
c. dialógico: como conseqüência das duas características
anteriores o texto é, para o autor, constitutivamente dialógico;
define-se pelo diálogo entre os interlocutores e pelo diálogo com
outros textos;
d. único, não reproduzível: os traços mencionados fazem do texto
um objeto único, não reiterável ou repetível (BARROS, 1997, p.
28-29).
A autora explica que o texto, objeto de estudo das ciências humanas, na teoria de
Bakhtin, está relacionado com a idéia de compreensão respondente que, por
definição, é dialógica, no sentido de diálogo entre interlocutores. Dessa forma, o
indivíduo procura sempre interpretar ou compreender o outro e não apenas
conhecer um objeto (o texto). A relação respondente marca o caráter dialógico da
interpretação que ocorre entre sujeitos, destinador e destinatário. Dessa forma, a
compreensão é considerada como uma resposta à questão colocada pelo texto
interpretado. Reiterando o caráter dialógico dos textos, a autora aponta duas
diferentes concepções do princípio dialógico em Bakhtin, uma que consiste no
diálogo entre interlocutores e a outra no diálogo entre discursos.
Ainda explicita que o diálogo entre os interlocutores é a primeira característica do
princípio dialógico da linguagem. Diz que, segundo Bakhtin, o elemento fundador da
linguagem é a interação dos interlocutores. Assim sendo, o sentido do texto e a
significação das palavras dependem da relação entre sujeitos, pois o sentido e a
significação são construídos na produção e na interpretação dos textos. No diálogo
entre os interlocutores, a intersubjetividade é anterior à subjetividade, pois a relação
entre sujeitos não apenas funda a linguagem e sentido ao texto, mas também
constitui os próprios sujeitos do texto. O sujeito, nessa acepção, é a noção de sujeito
social, caracterizado por pertencer a uma classe social em que dialogam os
diferentes discursos da sociedade. Assim, desloca o conceito de sujeito, que perde o
lugar de centro ao ser substituído por diferentes vozes sociais que fazem dele um
sujeito histórico e ideológico.
81
A segunda característica do princípio dialógico da linguagem teorizado por Bakhtin
se refere ao diálogo entre discurso que, conforme Barros (2001), deve-se ao fato de
que o discurso não é individual, mas mantém relação com outros discursos. Dessa
forma, três aspectos devem ser observados. Primeiro as relações do discurso com a
enunciação, com o contexto sócio-histórico ou com o outro são consideradas por
Bakhtin como relações entre discurso-enunciado. Outro ponto que deve ser
observado é que o dialogismo nesse princípio define o “[...] texto como um tecido de
muitas vozes, ou de muitos textos ou discursos que se entrecruzam, se complementam,
respondem umas às outras ou polemizam entre si no interior do texto” (BARROS, 2001,
p. 34). A terceira observação está relacionada com o caráter ideológico dos
discursos devido às diferentes vozes que mostram a compreensão de cada classe
ou segmento de classe da sociedade de um dado momento histórico e que são
marcados por coerções sociais.
Assim, a compreensão do texto, na teoria bakhtiniana, está associada ao conceito
de dialogismo e de polifonia. Barros (2001, p. 36), ao tratar da distinção entre esses
dois conceitos, afirma que o termo dialogismo se refere ao princípio constitutivo da
linguagem e de todo discurso e que
[...] a palavra polifonia para caracterizar um certo tipo de texto,
aquele em que o dialogismo se deixa ver, aquele em que são
percebidas muitas vozes, por oposição aos textos monofônicos que
escondem os diálogos que os constituem.
A autora esclarece ainda que o diálogo é condição da linguagem e do discurso,
portanto está presente nos textos. Quanto à existência de textos polifônicos e
monofônicos, esses são assim considerados em função das estratégias discursivas
empregadas em sua produção. Os textos polifônicos são aqueles em que os
diálogos entre discursos se mostram, se deixam ver ou entrever. Nos textos
monofônicos, esses diálogos se ocultam sob a aparência de um discurso único, de
uma única voz, ou seja, as demais vozes são escondidas na tentativa de evidenciar
consensos e conflitos.
Desse modo, o conceito de texto adotado neste estudo focaliza a idéia de dialogia
que se constitui na interação verbal. Nesse sentido, os processos interativos
82
constituem espaços privilegiados para captar as atitudes responsivas dos sujeitos.
Neste trabalho, observar o contexto interativo senecessário com vistas a captar o
processo complexo e conflituoso das interações estabelecidas entre os sujeitos e os
textos nas classes de alfabetização.
5.3.1 O texto e os gêneros discursivos
Bakhtin (2003, p. 261) afirma que “[...] os diversos campos da atividade humana
estão ligados pelo uso da linguagem”. Acrescenta ainda que “[...] o caráter e as
formas de uso da linguagem são tão multiformes quanto os campos de atividades”
(p. 261) e, por isso, os “[...] enunciados refletem as condições específicas e as
finalidades de cada [...] campo da atividade humana” (BAKHTIN, 2003, p. 261) por
exemplo, os gêneros do discurso cotidianos, retóricos, científicos, literários etc.
Dessa forma, o autor ainda explica que cada campo de utilização da língua elabora
seus tipos relativamente estáveis de enunciados os quais designamos de gêneros
do discurso. Eles possuem três dimensões que formam sua identidade, ou seja, o
conteúdo temático, o estilo e a construção composicional. Esses elementos estão
interligados no todo do enunciado e são determinados pela situação objetiva de
comunicação social. Schneuwly (2004), no estudo dos gêneros lingüísticos,
classifica-os como instrumentos semióticos complexos, ou seja, uma forma de
linguagem prescritiva que viabiliza, concomitantemente, a produção e a
compreensão de textos. Bakhtin (2003, p. 283) ressalta:
Se os gêneros do discurso não existissem e nós não os
dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no
processo do discurso, de construir livremente e pela primeira vez
cada enunciado, a comunicação discursiva seria quase impossível
.
Para esse último autor, reconhecer a heterogeneidade dos gêneros discursivos
implica admitir a dificuldade de se definir a natureza geral do enunciado. Com base
na característica de heterogeneidade, faz distinção entre dois tipos de gêneros: os
gêneros primários (simples) e os gêneros secundários (complexos). Os gêneros
secundários são organizados predominantemente por meio da escrita e surgem em
condições culturais desenvolvidas. Para exemplificar esse tipo de gênero, cita os
83
romances, os dramas, as pesquisas científicas, entre outros. Esses gêneros se
desenvolvem a partir da incorporação e reelaboração dos diversos gêneros
primários que são construídos a partir de circunstância de comunicação verbal
espontânea
Embora estabeleça uma distinção entre os gêneros primários e secundários, o autor
não contempla a primazia de um em detrimento do outro. Reafirma a natureza
constitutiva de cada um e especifica que o gênero secundário ou complexo aponta
as relações com a escrita e os ambientes culturais organizados para a promoção e
constituição desse tipo de gênero. Nas sociedades contemporâneas, a escola é
esse espaço socialmente organizado para planejar e organizar as situações de
ensino aprendizagem das crianças.
O desenvolvimento e a organização do processo educativo das gerações mais
novas, sistematizados no contexto escolar, remete a exigências específicas. Nesse
sentido, conforme apontam Schneuwly e Dolz (2004), surgem os gêneros escolares.
Segundo os autores, algumas especificidades importantes devem ser consideradas,
ou seja, os gêneros escolares funcionam, ao mesmo tempo, como ferramentas e
objeto de ensino aprendizagem nas situações de comunicação. Assim, sua
utilização pressupõe uma decisão didática que visa a objetivos precisos de
aprendizagem. Esses objetivos podem ser delineados para que as crianças possam
“[...] melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para melhor saber compreendê-lo, para
melhor produzi-lo na escola ou fora dela [...]” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 80). Os
gêneros escolares ainda podem ser úteis para “[...] desenvolver capacidades que
ultrapassam o gênero e que são transferíveis para outros gêneros próximos ou
distantes [...]” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 80).
Contudo, para que esses objetivos de ensino possam ser atingidos, torna-se
necessário, de acordo com os autores, que ocorram mudanças no gênero original
por meio de sua simplificação, ênfase em determinadas dimensões, entre outras
adaptações pertinentes à situação de comunicação de aprendizagem. Eles justificam
que a pertinência dessas mudanças é devido ao fato de o gênero funcionar num
outro “[...] lugar social, diferentes daquele em que foi originado [...]”. Ele não tem o
84
mesmo sentido; ele é “[...] gênero a aprender, embora permaneça gênero para
comunicar [...]” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 81).
Os elementos que configuram a especificidade dos gêneros escolares
desempenham um papel importante para o trabalho escolar e têm por finalidade a
inserção das crianças nas situações complexas de comunicação. Assim, por meio
de seqüências didáticas que viabilizem o conhecimento da diversidade de gêneros
textuais, o texto é trabalhado na sua materialidade como produto discursivo da
enunciação. Nesse sentido, Geraldi (1997, p. 22) entende que
Conceber o texto como unidade de ensino/aprendizagem é entendê-
lo como lugar de entrada para este diálogo com outros textos, que
remetem a textos passados e que farão surgir textos futuros.
Conceber o aluno como produtor de textos é concebê-lo como
participante ativo deste diálogo contínuo: com texto e com leitores.
Desse modo, a compreensão do gênero se torna importante para esta pesquisa
porque remete à necessidade de observar os processos de aprendizagem.
Enquanto a aprendizagem dos gêneros primários se estabelece no cotidiano, os
gêneros secundários carecem de aprendizagem intencional e planejada.
5.3.2 O texto e a leitura
Na relão dialógica, a noção de texto o se refere apenas ao discurso que es
colocado pelo autor, porque, em todo texto, está inscrito um leitor que, no ato da leitura,
continua o processo de reconstrão de sentidos. Isto é, o texto ultrapassa o lugar de
interação, ele é uma unidade de significão que se vale do sistema da ngua para a
prodão de sentido. Dessa forma, a leitura consiste em um processo de produção de
sentidos. Sobre essa queso, Orlandi (1996, p. 9-10) defende a leitura como sendo
[...] o momento crítico da produção da unidade textual, da sua
realidade significante. É nesse momento que os interlocutores se
identificam como interlocutores e, ao fazê-lo, desencadeiam o
processo de significação do texto. Leitura e sentido, ou melhor,
sujeitos e sentidos se constituem simultaneamente, num mesmo
processo. Processo que se configura de formas muito diferentes,
dependendo da relação (distância maior ou menor) que se
estabelece entre o leitor virtual e o real.
85
A leitura concebida dessa forma difere radicalmente da leitura como simples ato de
decodificação. Para essa abordagem restrita de leitura, o texto é visto como um
produto previamente definido e finalizado, sendo possível apenas apreender o
sentido proposto pelo autor. Ou seja, o texto apresenta um sentido único e a relação
existente entre autor e leitor está explicitamente delimitada e se caracteriza pela
reprodução. Para promover a apropriação do sentido do texto, o processo educativo
se reduziria apenas em desenvolver técnicas derivadas do conhecimento lingüístico.
Orlandi (1996) denomina essa concepção do ato de ler como leitura parafrástica.
Numa concepção discursiva, pressuposto deste trabalho, a leitura vai muito além da
visão restrita de decodificação. A leitura é concebida como trabalho intelectual.
Orlandi (1996), ao propor a concepção de leitura como espaço de produção de
sentido, afirma que, nessa idéia, está inserido o aspecto da incompletude. A noção
de incompletude envolve o sentido de implícito e de intertextualidade. Ou seja, os
sentidos do texto não são dados a priori; passam por uma relação dele com outros
textos. Assim, a leitura é um processo complexo que envolve capacidades que não
são supridas no imediatismo da decodificação. Nesse sentido, a leitura, como
processo de compreensão e de interpretação, também denominado de processo
polissêmico, apresenta algumas características elementares que devem ser levadas
em consideração:
a. o de pensar a produção da leitura e, logo, a possibilidade de
encará-la como possível de ser trabalhada (se não ensinada);
b. o de que a leitura, tanto quanto a escrita, faz parte do
processo de instauração do(s) sentido(s);
c. o de que o sujeito-leitor tem suas especificidades e sua
história;
d. o de que tanto o sujeito quanto os sentidos são determinados
histórica e ideologicamente;
e. o fato de que há múltiplos e variados modos de leitura
f.
finalmente, e de forma particular, a noção de que a nossa
vida intelectual está intimamente relacionada aos modos e
efeitos de leitura de cada época e segmento social
(ORLANDI, 1996, p. 8).
Também encontramos, nos trabalhos de Brandão e Micheletti (1997, p. 17-18), o
enfoque da leitura como processo discursivo de produção de sentidos que assim
define a leitura:
86
O ato de ler é um processo abrangente e complexo; é um processo
de compreensão, de intelecção de mundo que envolve uma
característica essencial e singular ao homem: a sua capacidade
simbólica de interação com o outro pela mediação da palavra. Da
palavra enquanto signo, variável e flexível, marcado pela mobilidade
que lhe confere o contexto [...].
Nessa perspectiva conceitual de leitura, Brandão e Micheletti (1997) tomando
referências em Eco (1979) e Bakhtin (1979) ainda afirmam que o leitor se institui
no texto em dois níveis: o nível pragmático e o nível lingüístico-semântico. No nível
pragmático, o texto significa objeto veiculador de uma mensagem, que está atento
ao seu destinatário, pois o próprio texto contém estratégias que possibilitam a
comunicação. Ainda no aspecto do outro como destinatário, de acordo com a teoria
de Bakhtin, o outro se instala no momento da produção do texto. Isso ocorre
quando o autor direciona sua fala conforme seu público-alvo. O outro no texto
também se inscreve na figura do interdiscurso, do diálogo que todo texto trava com
outros textos. Dessa forma, o leitor deve mobilizar seu universo de conhecimento
para dar sentido, resgatar essa interdiscursividade, a fonte enunciativa desses
outros discursos que perpassam o texto.
No nível lingüístico-semântico, o texto é tomado como uma potencialidade
significativa que, no ato da leitura, se atualiza. O leitor que está instituído no texto é
capaz de reconstruir o universo representado a partir das indicações, pistas
gramaticais, que lhes são oferecidas. Nesse sentido, é na dinâmica da leitura e no
trabalho de elaboração de sentido que se concretude ao texto. Porém, o trabalho
de produção de sentido, realizado na pratica discursiva da atividade de leitura,
ocorre dentro de determinados limites e, portanto, é guiado por uma série de
elementos tais como:
a existência de uma base textual que supõe um sistema
lingüístico de domínio comum ao do locutor;
a necessidade de conhecimentos relevantes partilhados com os
que o texto trabalha;
a pressuposição de que uma coerência temática preside a
construção do texto;
a necessidade da presença nima ou suficiente de contextos
situacionais de espaço e de tempo (BRANDÃO; MICHELETTI,
1997, p. 20).
87
Assim, o trabalho de leitura é visto como um movimento de expansão, porque
permite a proliferação de sentidos, mas, ao mesmo tempo, um movimento de
filtragem que restringe o locutor quando ele seleciona a interpretação pertinente.
Dessa forma, o trabalho de leitura deve estar atento à dialética entre forma e
abertura. Na relação entre o leitor e o texto, no processo de produção de sentidos,
se configura o conceito de co-enunciação, entendido como
[...] o diálogo que o autor trava com o leitor virtual, cujos movimentos
ele antecipa no processo de geração do texto e também como
atividade de atribuição de sentido ao texto promovido pelo leitor no
ato da leitura (BRANDÃO; MICHELETTI, 1997, p. 21, grifos do
autor).
A concepção de leitura, como um espaço de criação de sentidos vinculados ao
contexto, torna-se relevante para nossa pesquisa, porque possibilita a aproximação
com os pressupostos da concepção de linguagem de perspectiva bakhtiniana.
Dessa forma, partilhamos com os autores que subsidiaram a construção dos
conceitos delineados neste catulo o pensamento de que a atividade de leitura
não pode ser percebida como reconhecimento das idéias do autor pelo leitor, mas
como um processo de compreensão em que estão envolvidos sujeitos que
dialogam entre si por meio de textos. Nesse sentido, é fundamental recuperarmos
a caminhada interpretativa do leitor” na produção de sentidos. É preciso dialogar
com esse leitor sobre as pistas deixadas no texto pelo autor, que desencadearam o
processo de compreensão. Assim, o trabalho com texto pode viabilizar uma ptica
discursiva de linguagem no contexto de aprendizagem e, ainda, permitir que os
sujeitos do processo (professor e alunos) possam se reconhecer e se constituir
como sujeitos ativos que integram a corrente da comunicação verbal ao apresentar
suas contrapalavras.
A partir da delimitação dos pressupostos teóricos e dos conceitos, como de
linguagem, texto e leitura, que consideramos importantes para o nosso trabalho de
pesquisa, passamos, no próximo item, a explicitar o percurso metodológico que
construímos para investigar as práticas de leitura de uma turma de alfabetização.
88
5.4 O PERCURSO METODOLÓGICO
A linguagem, como campo de estudos, remete-nos a diferentes aspectos da
natureza humana. Considerando a leitura uma prática social relacionada com as
potencialidades do indivíduo de interagir por meio dos textos para conhecer e
compreender novas realidades, é necessário atentar para as especificidades desse
processo de interlocução. Dessa forma, Kramer (1998, p. 22) diz:
[...] só existe ciência que se pretenda humana se esta, em seu
âmago, jamais prescindir da dialogicidade. Para entender o homem
não mais como um produto estanque, objeto de explicação, mas
como um ser histórico e social, em processo, que se interroga
constantemente, é preciso também um olhar que o perceba inclusive
no incessante movimento e na multiplicidade que é a sua vida.
Nesse sentido, a leitura, como uma prática social que se desenvolve em processo e
que está no conjunto das relações humanas, exige, para seu estudo, uma
abordagem qualitativa. Esse tipo de abordagem de pesquisa teve sua origem na
Sociologia, quando essa área estava buscando desenvolver um formato
metodológico adequado aos estudos dos fenômenos humanos e sociais. Os autores
da época que compartilhavam dessa idéia defendiam que os fenômenos sociais e
humanos eram complexos e dinâmicos e por isso a investigação deveria se
preocupar com a “[...] interpretação dos significados contidos num texto (entendido
num sentido muito amplo), levando em conta cada mensagem desse texto e suas
inter-relações” (ANDRÉ, 1995, p. 16).
Nesse aspecto, também encontramos em Bakhtin (2003) proposões que reafirmam
a idéia de que, nas ciências humanas, não podemos tratar os dados como objetos
empíricos.
As ciências humanas são as ciências do homem em sua
especificidade, e não de uma coisa muda ou um fenômeno natural. O
homem em sua especificidade humana sempre exprime a si mesmo
(fala), isto é, cria texto (ainda que potencial). Onde o homem é
estudado fora do texto e independente deste, já não se trata de
ciências humanas (BAKHTIN, 2003, p. 312).
A partir desses pressupostos, a abordagem qualitativa de pesquisa foi se
configurando dentro de uma concepção denominada de idealista-subjetivista. A
89
construção dessa corrente de pensamento contou com contribuições de diferentes
ramos da Sociologia, como a fenomenologia, o interacionismo simbólico, a
etnometodologia e a etnografia. Essas contribuições foram discutidas por diferentes
autores, dentre eles, Bogdan e Biklen (1994) e André (1995). Segundo esses
pesquisadores, a fenomenologia foi importante porque enfatizava, em seus estudos, a
compreensão interpretativa das interações humanas valorizando os aspectos
subjetivos do comportamento das pessoas. O interacionismo também influenciou os
pressupostos da abordagem qualitativa, por considerar que a experiência humana é
mediada pela interpretação, ou seja, os significados são construídos pelas interações.
No campo da etnometodologia, “[...] o modo como as pessoas percebem, explicam e
descrevem a ordem no mundo que habitam” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 60) é
considerado como elemento importante na compreensão dos fenômenos humanos e,
por fim, na área da etnografia, as representações dos sujeitos assumem fator de
destaque no tratamento da investigação.
A articulação dessas contribuições serviu de base para configurar as principais
características da abordagem qualitativa de pesquisa. Nesse sentido, as
características básicas que marcam essa abordagem metodológica podem ser
relacionadas nos seguintes aspectos: a fonte direta dos dados é o ambiente natural
em que ocorre o fenômeno; o pesquisador constitui o principal instrumento de
pesquisa; os dados são marcadamente descritivos; o processo interessa mais ao
pesquisador do que os resultados; a análise dos dados tende a ocorrer de forma
indutiva; e o significado assume importância essencial nesse tipo de metodologia.
A aplicação dessa abordagem de pesquisa no campo da educação é bastante
recente, pois começou a ser implementada a partir de 1960. Os estudos de André
(1995) demonstraram que, inicialmente, os fundamentos da Psicologia Experimental
de base positivista predominavam nas metodologias de pesquisas que se
desenvolviam no contexto escolar. Nessa fase, “[...] a pesquisa de sala de aula
utilizava basicamente esquemas de observação que visavam registrar
comportamentos de professores e alunos numa situação de interação” (ANDRÉ,
1995, p. 36). Esse modelo de pesquisa sofreu críticas devido à “[...] supervalorização
da metodologia em detrimento da teoria” (AND, 1995, p. 37), ou seja, ao configurar
o trabalho de pesquisa, o investigador utilizava “[...] categorias definidas a priori que
90
[separava] o cognitivo e o afetivo” (p. 37). Outro elemento alvo de críticas nesse tipo
de metodologia era a “[...] preocupação exagerada com a objetividade, que [levava] a
valorizar mais o número de observações que seu conteúdo” (p. 37).
Buscando superar essas limitações e aprimorar a análise e compreensão das
interações de ensino aprendizagem que ocorriam no cotidiano escolar, outros campos
de conhecimentos foram articulados à abordagem qualitativa. Assim, a partir de 1980,
observou-se um processo crescente de estudos da área educacional que optava por
utilizar a metodologia de pesquisa qualitativa que utilizava muitos recursos da
etnografia. A origem da etnografia está ligada aos estudos antropológicos que se
dedicavam a apreender práticas, hábitos, crenças, valores, linguagens e significados
de determinado grupo social. À medida que algumas técnicas desse esquema de
pesquisa foram incorporadas no processo de investigação educacional, a
denominação da abordagem de pesquisa foi adaptada para pesquisa qualitativa do
tipo etnográfica. Sarmento (2003, p. 152) assinala que
[...] a etnografia ime [...] uma orientação do olhar investigativo para
os mbolos, as interpretações, as crenças e valores que integram a
vertente cultural, (ou, dado que a cultura não existe no vazio social,
talvez seja mais apropriado dizer vertente sociocultural) das dinâmicas
daão que ocorrem nos contextos escolares.
Dessa forma, as práticas de leitura na alfabetização, objeto deste estudo, podem ser
pensadas a partir desse olhar investigativo da etnografia, pois essas práticas
constituem, em essência, elemento cultural de nossa sociedade grafocêntrica.
Entendemos, também, que, para melhor compreender a dinâmica estabelecida entre
os sujeitos e o texto e entre o sujeito com seus pares na produção de sentidos, é
preciso delimitarmos um paradigma epistemológico orientador da investigação.
Nesse sentido, definimos o paradigma interpretativo crítico como a opção mais
apropriada para a natureza da pesquisa que desenvolvemos.
Esse paradigma apresenta três pressupostos básicos. O primeiro refere-se ao
caráter de singularidade. Sarmento (2003, p. 145) explica:
91
[...] não pode haver uma ciência das dinâmicas da ação em contexto
escolar que não seja uma ciência das singularidades, das diferenças,
das infinitas variações dentro de um campo de possibilidades, da
emergência do inesperado, do fluido e do ambíguo.
Nesse contexto, a análise da organização da ação educativa é uma ciência que não
busca uma lei geral procurando compreender os elementos específicos, as
diferentes manifestações que constituem a ação educativa.
O segundo pressuposto epistemológico do interpretativismo crítico está relacionado
com a intersubjetividade, ou seja, o esforço interpretativo está voltado para os
sistemas de interpretação gerados na ação dos atores sociais, dando ênfase à tarefa
de ouvir a voz e o discurso do outro.
O terceiro pressuposto refere-se ao caráter lingüístico, pois a interpretação ocorre
por excelência por meio da linguagem verbal. Sem desconsiderar os
comportamentos não-verbais que fazem parte da interpretação, a escuta da
significação dada pelos atores sociais é parte constituinte do diálogo interpretativo
para a compreensão da dinâmica de funcionamento da escola, da sala de aula e do
trabalho educativo. Nesse aspecto, não podemos esquecer que, nessas relações
comunicativas, estão envolvidas interpretações de realidades que o simbólicas e
politicamente construídas.
Para concluir os pressupostos do interpretativismo crítico, temos o princípio
metodológico da reflexividade que significa que o pesquisador é o primeiro
instrumento de coleta e análise da informação. Portanto, ele está imerso na
construção do conhecimento, o que implica a necessidade de auto-observação no
sentido de se interrogar o que se e por que se determinado fato,
acrescentando no seu campo de visão um “olhar-outro”, coexistente no investigador.
A partir dessas considerações acerca da abordagem qualitativa de pesquisa e das
singularidades que envolvem o lócus de nosso objeto de estudo, ou seja, a dinâmica
de interlocução e organização estabelecida entre os sujeitos, e destes com o texto
verbal em uma sala de alfabetização, optamos pela metodologia de estudo de caso
do tipo etnográfico para nortear o desenvolvimento da pesquisa sobre as práticas de
leitura. Sobre o conceito desse esquema metodológico, podemos encontrar, em
92
Sarmento (2003), uma definição apropriada aos fundamentos de nossa pesquisa. O
autor explica que, no contexto do paradigma interpretativo crítico, o estudo de caso
do tipo etnográfico possibilita a “[...] descrição e análise intensiva e holística de uma
dada realidade social singular, de um acontecimento ou de uma seqüência de fatos”
(p. 152). Esse tipo de metodologia, para o nosso estudo, ainda se justifica pela
dimensão da “natureza sociocultural da investigação”, visto que o pesquisador
direciona o seu olhar para os “[...] fenômenos simbólicos e culturais das dinâmicas
de ação no contexto organizacional da escola” (p. 152).
Nos aspectos relacionados com os instrumentos de coleta de dados, o estudo de
caso do tipo etnográfico contempla várias técnicas, dentre elas, uma das mais
importantes consiste na observação participante que prevê a inserção do
pesquisador na realidade que objetiva estudar, ou seja, no acontecer natural dos
fatos. Freitas (2001, p. 28) diz que a observação é “[...] um encontro de muitas
vozes: ao se observar um evento, depara-se com diferentes discursos verbais,
gestuais e expressivos”. Assim, não podemos deixar de considerar três dimensões
básicas nas análises dos eventos observados: a institucional ou organizacional, a
instrucional ou pedagógica e a sociopolítica/cultural, pois elas estão entrelaçadas
nessa multiplicidade de vozes que constituem as práticas de leitura na alfabetização.
André (1995) explica que a dimensão institucional ou organizacional refere-se às
formas de organização do trabalho pedagógico, às estruturas de poder e de decisão,
nos níveis de participação dos seus componentes, na disponibilidade de recursos
humanos e materiais que naturalmente interferem nas relações das atividades de
sala de aula. A segunda, a dimensão instrucional ou pedagógica, está direcionada
ao contexto das situações de ensino em que ocorre o encontro professor-aluno-
conhecimento. Alguns elementos (objetivos e conteúdos de ensino, linguagem,
formas de avaliar o processo de ensino aprendizagem, entre outros) estão
envolvidos nessa relação. Por último, a dimensão sociopolítica/cultural, que é
inerente aos estudos da prática pedagógica. Essa dimensão refere-se aos
determinantes macroestruturais e inclui uma reflexão sobre o momento histórico,
sobre as forças políticas e sociais e sobre as concepções e os valores presentes na
sociedade.
93
Para captar os aspectos dessas diferentes dimensões da prática pedagógica,
utilizando o recurso da observação participante, é necessário um longo período de
permanência do investigador no contexto da pesquisa para que possa “[...]
documentar o não documentado, isto é, desvelar os encontros e desencontros”
(ANDRÉ, 1995, p. 41) que constituem o cotidiano das práticas de leitura na
alfabetização, objeto de nosso interesse de pesquisa.
Dessa forma, para constituirmos o corpus de nossa investigação, realizamos
observação participante durante 82 dias letivos, no período de abril a dezembro de
2005, em diferentes espaços da escola, bem como em eventos culturais realizados
em outros locais externos à unidade de ensino. A dinâmica estabelecida, nas
interações entre os sujeitos e destes com os objetos de leitura no espaço da sala de
aula, da biblioteca e nos momentos de apresentações de eventos culturais, ofereceu
informações sobre as práticas de leitura desses sujeitos, que foram registradas em
diário de campo. Preocupamo-nos, também, em complementar esse registro de
diário de campo com filmagens, gravações em áudio e registro de fotografias, com o
objetivo de captar melhor o dinamismo das situações escolares no sentido de
orientar a análise e interpretação dos dados.
O estudo de caso do tipo etnográfico ainda prevê outros instrumentos de coleta de
dados, como o recurso da entrevista e da análise de conteúdo de documentos.
Nesse sentido, utilizamos a técnica da entrevista tendo em vista a necessidade de
ampliar a coleta de dados sobre as práticas de leitura das crianças e seus familiares.
Assim, buscamos situar elementos das práticas de leitura dos sujeitos no contexto
extra-escolar, bem como dos profissionais da escola. Também fizemos uso da
análise de conteúdo de documentos, como as fichas de matrícula dos alunos,
projeto político-pedagógico da escola, materiais didáticos utilizados pela professora
e materiais produzidos pelos alunos. A articulação desses diferentes instrumentos
de coleta de dados possibilitou o cruzamento das informações e ofereceu elementos
para a triangulação dos dados, a fim de buscarmos a abrangência do processo de
pesquisa e da confirmação das informações.
94
Assim, definidos os princípios orientadores de nosso estudo, passaremos a explicitar
a trajetória percorrida para a coleta dos dados, com o objetivo de caracterizar o
processo de inserção ao campo e aproximação com os sujeitos investigados.
5.4.1 O acesso ao campo e a caracterização da escola
A metodologia de pesquisa adotada em nosso trabalho pressupõe que o
investigador tenha proximidade com o campo de estudos em que pretende se
inserir. Para delimitarmos o público-alvo de nossa pesquisa, buscamos focalizar o
Sistema Público Municipal de Ensino de Vitória, ES, por duas razões. A primeira por
privilegiar um sistema público de ensino que, em nossa realidade brasileira, atende a
uma significativa parcela da população e, por esse motivo, esse contingente
participa consideravelmente na composição dos índices nacionais das avaliações
em leitura. A segunda razão está relacionada com a história pessoal da
pesquisadora, ou seja, a nossa trajetória profissional tem estreita ligação com o
Sistema Municipal, porque atuamos nessa rede de ensino desde 1991, como
professora de séries iniciais do Ensino fundamental e como pedagoga.
Definido o sistema de educação, o passo seguinte consistiu em selecionar a unidade
com a qual seria proposta parceria para o desenvolvimento do estudo. Essa seleção
da escola foi norteada por alguns critérios ligados à temática da leitura, ou seja, a
unidade de ensino deveria apresentar determinadas condições de trabalho com a
língua materna tais como:
a) a escola deveria contemplar um histórico de trabalho com textos no processo de
ensino aprendizagem de língua portuguesa;
b) a estrutura física da escola deveria apresentar ambientes destinados ao trabalho
com a leitura, por exemplo, a existência de biblioteca, salas de leitura ou outros
espaços similares;
c) a turma de alfabetização (crianças de sete anos) precisava ser orientada por uma
professora que assumisse desenvolver uma prática pedagógica que propiciasse
aos alunos momentos de trabalho com a leitura de diferentes gêneros textuais.
95
A partir desses critérios, identificamos a escola e estabelecemos os primeiros
contatos. Na segunda quinzena do mês de abril de 2005, elaboramos uma carta de
apresentação da pesquisa, informando os objetivos do estudo, o tipo de metodologia
a ser utilizada, os procedimentos éticos e os instrumentos de coleta de dados, e
solicitamos parceria com a escola e seus profissionais para o desenvolvimento do
estudo. Junto a essa correspondência, entregamos também um memorial da
pesquisadora para possibilitar à equipe da escola conhecer maiores detalhes sobre
a relação da pesquisa com a trajetória profissional da investigadora. Essas
correspondências foram entregues pessoalmente a uma das pedagogas da unidade
de ensino selecionada, devido ser essa a profissional responsável por articular os
projetos e ações pedagógicas da escola.
Após análise da solicitação, realizada pelas pedagogas e professoras das turmas da
série do Ensino fundamental, a pedagoga do turno vespertino informou sobre o
aceite da proposta de investigação e colocou-se à disposição para possíveis
demandas da pesquisa. A autorização de acesso ao campo foi formalizada por meio
de correspondência assinada pela diretora da escola, pela pedagoga e pela
professora regente da turma de alfabetização (crianças de sete anos), do turno
vespertino, conforme Apêndice A. Também enviamos correspondência ao
Departamento de Ensino fundamental do Sistema Municipal de Ensino, dando
conhecimento do trabalho ao responsável pelo setor.
A receptividade ao estudo, demonstrada pelos profissionais da escola, em especial
pela equipe do turno vespertino, pode ser entendida pela própria história de
constituição desse espaço escolar. A escola tem sua origem vinculada ao sistema
federal de ensino e foi criada em 1987, pela Portaria do reitor da universidade, com
a justificativa de ser um espaço de ensino aprendizagem experimental que
possibilitaria atender às demandas de estágios de práticas de ensino dos diversos
cursos de licenciatura. No ano seguinte, foi estabelecida parceria com o município
de Vitória e iniciou suas atividades com apenas três turmas, pré (crianças de seis
anos), primeira e segunda séries. Gradativamente foram ampliadas as turmas até
que, em 1994, completou o atendimento de todo o Ensino fundamental.
96
A escola fica localizada em um dos bairros que integram a Regional IV, denominada
de Continental. O bairro apresenta um intenso comércio e possui boa infra-estrutura
como shopping, supermercados, farmácias, posto de saúde, escolas, igrejas,
restaurantes, agências bancárias e de correios, entre outros estabelecimentos
comerciais. O bairro também é cortado pelas principais vias rodoviárias da cidade
onde há uma intensa circulação de veículos.
A partir de 1988, a escola passou a ser administrada e financiada exclusivamente
pelo Sistema Municipal de Ensino, sendo apenas o prédio físico pertencente ao
sistema federal de educação. Contudo, ainda mantém estreita relação com as
diferentes atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas pela
universidade. Devido à sua localização estar no âmbito da comunidade universitária,
a escola atende a toda a população do município de Vitória. As vagas disponíveis
são ofertadas por meio de sorteio público, com edital divulgado na imprensa local. O
número de alunos atendidos em cada turma, no momento em que realizamos a
pesquisa, estava previsto no projeto político-pedagógico, sendo determinado o limite
de 25 para todas as séries. A cada ano são oferecidas 50 vagas para as turmas de
pré (seis anos) e às demais turmas são disponibilizadas apenas as vagas
provenientes de desistências ou transferências de alunos. No ano de 2005, atendia,
em média, 450 alunos, distribuídos em nove séries, ou seja, de pré (seis anos) até a
oitava série do Ensino fundamental.
Os fundamentos sociofilosóficos que sustentavam a concepção educativa da
unidade de ensino estavam explicitados no projeto político-pedagógico construído
para o período de 2003 a 2005. Nesse documento, a escola assumia a filosofia
sócio-histórica como concepção orientadora dos trabalhos, além de adotar a
pedagogia de projetos como opção metodológica. Para fundamentar e justificar o
trabalho educativo a partir de projetos, essa unidade de ensino toma por base os
pressupostos de Zaballa (1990) e define que
97
[...] a Pedagogia de Projetos se coloca como uma das expressões de
uma concepção globalizante de aprendizagem, permitindo aos
alunos analisar os problemas, as situações e os acontecimentos
dentro de um contexto e em sua globalidade, utilizando, para isso, os
conhecimentos presentes nas disciplinas e sua experiência sócio-
cultural. O desenvolvimento de projetos, com o objetivo de resolver
questões relevantes para o grupo, vai gerar necessidade de
aprendizagem e, nesse processo, os alunos irão se defrontar com os
conteúdos das diversas disciplinas, entendidas como ‘instrumentos
culturais’ valiosos para a compreensão da realidade e intervenção
em sua dinâmica (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2003, p. 9).
Nesse contexto, observamos que a escola pesquisada, ao explicitar a adoção da
pedagogia de projetos na sua proposta de trabalho, a escola evidencia que sofreu
influências do discurso pedagógico inovador veiculado a partir da década de 90, no
Brasil. Esse tipo de metodologia educacional adquiriu visibilidade especialmente
com os trabalhos de Hernandez e Ventura (1992, 1998) e Hernandez (1998). Era
considerada uma proposta progressista e transgressora, que, segundo os autores,
buscava superar as limitações impostas pelo currículo de base disciplinar.
Essa opção metodológica de trabalho implicava um novo olhar para a avaliação.
Nesse sentido, o sistema de avaliação da escola estava estruturado numa
concepção de avaliação qualitativa descritiva. Dessa forma, a escola fazia uso de
instrumento de sistematização do processo de ensino aprendizagem baseado em
objetivos. Esses objetivos englobavam aspectos cognitivos e atitudinais que eram
observados nas diferentes atividades cotidianas, sendo atribuídos conceitos ao
desenvolvimento dos alunos, como: alcançou, alcançou em parte ou não alcançou
os objetivos propostos. Os registros das avaliações eram realizados trimestralmente
pelas professoras e socializados com os pais, em reuniões agendadas
especificamente para tratar do desenvolvimento educativo das crianças.
Quanto às instalações físicas, a escola possuía uma arquitetura linear, composta de
doze salas de aula, um laboratório de informática, duas bibliotecas e uma sala de
vídeo. Também contava com salas para projetos, espaço para radioescola e outras
dependências destinadas às atividades administrativas, como coordenação,
secretaria, sala de direção, sala de pedagogos, almoxarifado, sala de professores,
refeitório e banheiros. Possuía uma quadra poliesportiva coberta, pátio aberto, play
ground e uma ampla área verde gramada. O acesso a esses ambientes podia ser
98
feito por meio de rampas e passarelas cobertas. Toda a área do terreno da escola
era cercada por telas, facilitando a visibilidade do entorno. À frente da escola, existia
um amplo estacionamento, além de outras construções pertinentes ao conjunto de
prédios do campus universitário.
As salas possuíam janelas de esquadrias de alumínio de dimensões que
proporcionavam ventilação e iluminação adequadas ao contexto escolar. Na parte
externa, existiam toldos para proteção da chuva e excesso de sol. As paredes
internas de todas as dependências da escola eram revestidas até a metade com
cerâmicas brancas e verdes e a partes superiores pintadas de tinta de cor clara. As
salas de aula contavam com ventiladores de teto, quadro branco, armário de aço
para os professores, cadeiras e mesas para alunos e regentes. A biblioteca, a sala
de vídeo, a sala dos professores, a sala de informática e a direção eram equipadas
com ar-condicionado.
A sala dos professores era um ambiente agradável, bem iluminado, ventilado e onde
estavam disponíveis os jornais diários do Estado (A Gazeta e A Tribuna).
Apresentava boas condições de conservação e também era utilizada como sala de
reunião. Esse espaço era composto por uma grande mesa de madeira com tampo
de vidro, várias cadeiras, dois sofás, quadro branco para avisos, armários e estante
modulados, um computador com impressora destinada ao uso dos professores.
Também possuía instalação na parede de filtro de água, uma geladeira que ficava
Foto 1 Vista externa da unidade de
ensino pesquisada
Foto 2 Estacionamento externo da
unidade de ensino pesquisada
99
ao lado da pia e uma bancada de granito utilizada para servir lanches. A partir da
sala dos professores, os profissionais também tinham acesso aos banheiros
privativos dos funcionários.
O projeto político-pedagógico da escola contemplava a organização da estrutura
física em salas ambientes para todas as disciplinas. Para as turmas de pré (seis
anos) aa quarta série do Ensino fundamental, os alunos freqüentavam uma sala
específica para as disciplinas do núcleo comum. Nas aulas de Artes, eles usavam a
sala ambiente dessa disciplina e nas aulas de Educação sica utilizavam os
espaços do pátio e da quadra para desenvolvimento das atividades.
No período em que estivemos coletando os dados, no ano de 2005, a escola
desenvolveu diferentes projetos extracurriculares. Na área musical, eram oferecidas
aos alunos aulas de flauta, violão e coral. A professora responsável por esse projeto
também orientou um grupo de alunos para implantação e funcionamento da
radioescola, além de promover montagem de peças de teatro. A culminância das
atividades do projeto musical foi sistematizada com a organização de um sarau
cultural, quando os alunos tiveram oportunidade de tocar os instrumentos, recitar
poesias, apresentar peça de teatro além de apresentar músicas de coral para a
comunidade escolar. Outra atividade oferecida aos alunos consistia em aulas de
ginástica rítmica. Nessas aulas, a professora responsável desenvolvia os
treinamentos e organizava musicais em que alunos de diferentes séries faziam a
composição dos espetáculos.
A escola ainda ofertava aulas de italiano. Todas essas aulas eram oferecidas no
horário inverso e a inserção dos alunos nesses projetos estava vinculada ao
interesse pessoal de cada um. Outro projeto desenvolvido na escola consistia em
aulas de xadrez, que estavam previstas na carga horária regular dos alunos. Um
professor itinerante visitava a escola uma vez por semana e ministrava uma aula
para cada turma de segunda até quarta série. A escola também participava do
projeto do Governo Federal denominado de Escola Aberta. Nesse projeto,
desenvolvia oficinas diversificadas nos fins de semana, com o objetivo de integrar
alunos e familiares.
100
Nos aspectos administrativos, os profissionais da escola eram admitidos por meio de
concurso público de ingresso e de remoção. Esses concursos eram regidos pela
legislação educacional em vigor e organizados pela Secretaria de Educação e de
Administração do município. Todos os profissionais do Magistério e de cargos
técnicos lotados na escola eram habilitados para as devidas disciplinas que
ministravam ou atividades/funções que desenvolviam. A escola ainda contava com
serviços terceirizados de empresas que trabalhavam nas áreas de limpeza e
manutenção, preparação de merenda e vigilância. Possuía também uma estagiária
de Pedagogia destinada ao auxílio das atividades da sala de alfabetização (turma de
sete anos). Essa profissional foi disponibilizada para a escola a partir do ano letivo
de 2005, tendo em vista uma política municipal da Secretaria.
A administração da unidade de ensino era realizada por uma diretora escolhida pela
comunidade escolar, por eleições diretas, para um pleito de três anos e a gestão era
efetivada em parceria com o Conselho de Escola. Desse Conselho, participavam
diferentes segmentos da escola, como professores, pais, alunos e funcionários,
escolhidos também por meio de eleições diretas.
A escola funcionava em dois turnos, matutino e vespertino, no horário das sete às
onze e trinta e das treze às dezessete e trinta, respectivamente. Todas essas
características ofereceram elementos de configuração do contexto da pesquisa,
além de indicar alguns aspectos da dimensão organizacional e política da escola.
5.4.2 Caracterização do espaço da sala de aula da primeira série do ensino
fundamental
As turmas de primeira série do Ensino fundamental de ambos os turnos da escola
pesquisada utilizavam a mesma sala de aula. Esse ambiente era composto de
mesas e cadeiras para alunos e professora, dois armários de aço para as
professoras guardarem os materiais didáticos, suporte para livros pendurado na
parede, cestas de plástico para organização de jogos e materiais, quadro branco,
cortina decorada com desenhos infantis, relógio de parede, espelho retangular,
tapete de borracha decorado com as letras do alfabeto e um pequeno palco de
101
madeira em formato quadrado que ficava no canto da sala ao lado do quadro. Neste
palco, também havia algumas almofadas de tecido e um colorido tapete composto
com tiras de malhas.
As carteiras da sala eram organizadas em três filas duplas e a professora sempre
orientava onde algumas crianças deveriam sentar. Contudo, não existia lugar fixo,
viabilizando, assim, constante alteração da dinâmica de interação entre as crianças.
A professora também instituía diariamente a escolha de um aluno ajudante, que
ficava sentado ao lado da sua mesa. Esse aluno era selecionado de acordo com a
ordem alfabética dos nomes e tinha como atribuição auxiliar a professora na
distribuição dos diversos materiais didáticos utilizados no decorrer das aulas.
Durante as observações realizadas na pesquisa, foi possível perceber grande
interesse das crianças em desempenhar o papel de ajudante.
Quanto aos aspectos relativos ao ambiente alfabetizador, a sala apresentava
ilustrações da turma do ursinho pooh, fichas com letras do alfabeto fixadas na
parede acima do quadro, cartaz de aniversariantes em forma de tabela, cartaz com o
cardápio da semana, diferentes livros de literatura infantil disponíveis no suporte de
parede, além de jogos educativos, gibis e fichas com textos de livros didáticos
disponíveis nos cestos de plástico (Fotos 3 e 4). As interações das crianças com
esses materiais ocorriam diariamente. O cartaz de aniversariante era um
componente sempre consultado na sala. Assim, quando identificavam que algum
colega estava aniversariando, faziam uma homenagem cantando parabéns. Os
livros de literatura infantil e os gibis também eram manuseados constantemente. As
crianças, no intervalo entre as atividades propostas pela professora, escolhiam
algum livro no suporte da sala para que pudessem se dedicar à atividade de leitura.
Esse procedimento parecia estar instituído nas práticas da sala de aula, pois as
crianças tinham esse comportamento com muita freqüência e naturalidade. As
leituras eram realizadas em diferentes lugares da sala, como nas próprias mesas de
estudo, sentadas no palco ou no tapete de borracha e, às vezes, no chão.
Costumavam ler individualmente ou escolhiam algum colega para fazer leitura
alternada, e cada criança lia uma página da história.
102
Os materiais didáticos de uso dos alunos eram guardados no armário da sala e eles
levavam para casa aqueles necessários às atividades de dever de casa, além da
agenda, que era utilizada como meio de comunicação entre a escola e a família. Os
alunos usavam livros didáticos consumíveis, fornecidos pelo programa do livro
didático do Ministério da Educação e Cultura, das diferentes disciplinas. O livro
adotado na área de Língua Portuguesa era Uma proposta para o letramento, de
Magda Soares; o de Geografia e de História era o primeiro volume da coleção
Pensar e viver, de Chianca e Teixeira; o de Matemática era o livro Pensar e
descobrir, de Giovani e Giovani Jr.; e o da área de Ciências era o primeiro volume
da Coleção Ediouro, de Ana Maria Machado. Além dos livros, cada aluno recebia um
minidicionário Aurélio.
As crianças possuíam ainda três cadernos: um era utilizado para atividades de sala,
outro destinado exclusivamente à produção de textos e o terceiro para atividades de
casa. Esses cadernos eram fornecidos pelas famílias das crianças, devidamente
encapados e identificados. A professora também fixou uma tabela na parte interna
da capa de cada livro didático para que as crianças pudessem registrar o dia e as
páginas do livro destinadas a tarefas de casa. Esse instrumento servia para situar as
crianças no momento da execução das atividades, além de oferecer informações
aos familiares sobre os deveres de casa. A responsabilidade pela conservação dos
livros também era socializada com as famílias, pois os pais ficavam responsáveis
por encapar esses materiais.
Foto 3 Suporte de livros fixado na
parede da sala de aula
Foto 4 Cartaz de aniversariantes da
sala
103
A professora também tinha disponível, no armário da sala, lápis de escrever, lápis de
cor, canetas coloridas, cola, tesouras, apontador, livros de literatura infantil e várias
revistas Recreio que oferecia aos alunos quando considerava necessário. Nesse
armário, também guardava seus materiais pedagógicos, como diferentes livros
didáticos, diário de classe e caderno de planejamento, entre outros materiais
pertinentes ao contexto escolar. A descrição do espaço da sala de aula da pesquisa
nos permitiu visualizar algumas condições materiais do trabalho com a leitura nesse
contexto educativo, porém outros espaços da escola também nos forneceram
significativas informações. Nesse sentido, é relevante apresentar a configuração da
biblioteca tendo em vista que foi um espaço utilizado regularmente pelas crianças da
sala de alfabetização em atividades de leitura.
5.4.3 Caracterização da biblioteca escolar
A escola incorporava em sua rotina atividades regulares no espaço da biblioteca,
contemplando na grade curricular dos alunos horário de aulas nesse local. Para isso,
contava com dois espaços distintos voltados à prática da leitura. Um desses
espaços era denominado de biblioteca infantil, que possuía um acervo significativo e
variado de livros de literatura infantil. Essa biblioteca foi criada pela escola com a
finalidade de atender preferencialmente os alunos das turmas de pré a quarta série.
Durante o primeiro semestre, a biblioteca infantil funcionava em uma sala ampla,
bem ventilada e iluminada, localizada ao lado da coordenação e próxima às salas do
primeiro segmento do Ensino fundamental (de 1ª a série). Essa sala seguia os
padrões físicos do prédio, pois tinha janelas de esquadrias de alumínio, paredes
revestidas de cerâmica, ventilador de teto e relógio de parede. O mobiliário da sala
era composto de várias mesas de fórmica na cor branca, em formato quadrado,
além de cadeiras. Esses móveis apresentavam dimensões propícias para crianças
de tamanho menor.
Um grande acervo de livros de literatura infantil era organizado em prateleiras de
aço fixadas na parte inferior da parede, facilitando o acesso das crianças aos livros
no momento da seleção e escolha desse material. O ambiente também contava
104
com dois armários de madeira, mesa e cadeira destinados ao uso do funcionário
responsável pela biblioteca, além de bonecos de fantoches que ficavam expostos
em cima de um armário. A partir do segundo semestre, o funcionamento da
biblioteca infantil foi transferido para um local alternativo, ou seja, foi organizada no
final do corredor do prédio onde funcionavam as turmas de 5ª a 8ª série. A biblioteca
geral ficava localizada ao lado desse espaço alternativo, que antes era utilizado
como depósito de livros didáticos.
Para estruturar o espaço e configurar como biblioteca infantil, havia uma divisória
composta de revestimento de fórmica com parte de vidros e uma porta. Essa
divisória separava a parte interna da biblioteca com o espaço do corredor onde havia
a circulação dos alunos. As condições físicas desse novo recinto não eram as mais
indicadas à prática da leitura, devido a vários fatores: dimensões reduzidas, pouca
ventilação, iluminação insuficiente e barulho constante.
Pelo fato de o espaço desse local alternativo ser inferior à sala anteriormente
utilizada para a instalação da biblioteca infantil, apenas parte do mobiliário, como
mesas e cadeiras dos alunos, foi transferida para esse local, bem como os livros e
bonecos de fantoches. Nesse aspecto, as condições de circulação dos sujeitos entre
as mesas que utilizavam para fazer as atividades de leitura ficaram bastante
prejudicadas. As crianças também sempre reclamavam do calor, pois, em dias de
temperaturas elevadas, a ventilação não era suficiente e o espaço o contava com
ventilador.
Os livros foram organizados em suportes de aço fixados na parede e também em
um armário de madeira que existia no local. No ambiente, também havia um
armário de madeira, uma mesa e uma cadeira destinados ao uso do bibliotecário.
Assim, a partir do segundo semestre do ano letivo de 2005, as crianças sujeitos da
pesquisa freqüentaram esse espaço de leitura (Fotos 5, 6, 7 e 8).
105
A outra biblioteca era destinada a todos os alunos e profissionais da escola, pois
apresentava um acervo variado de obras que abarcava diferentes áreas do
conhecimento. Esse acervo era organizado em diversas estantes de aço e, em cada
prateleira, havia a identificação da área de conhecimento e as respectivas obras
catalogadas. Essas prateleiras eram dispostas paralelamente em uma parte da sala
e outras encostadas na lateral de uma parede. O restante do espaço era composto
de várias mesas de fórmica no formato de trapézio com cadeiras, destinadas aos
usuários.
O espaço físico da biblioteca era amplo, com ventilação e iluminação adequadas ao
porte físico da escola, além de contar com aparelho de ar-condicionado. O ambiente
também era composto de mesa de fórmica, computador para uso do bibliotecário,
Foto 5 Crianças utilizando a
biblioteca infantil
Foto 6 Crianças lendo na biblioteca
infantil
Foto 7 Alunas lendo na biblioteca
infantil
Foto 8 Crianças escolhendo livros
na biblioteca infantil
106
fichário de mesa para organização das fichas de empréstimo de livros aos usuários,
armário de aço com gavetas, relógio de parede, entre outros componentes
pertinentes ao contexto da biblioteca. No segundo semestre, a escola recebeu uma
significativa remessa de títulos novos enviados pela Secretaria Municipal de
Educação para incrementar a composição do acervo da escola.
Esses espaços (Fotos 9 e 10) eram explorados de diferentes formas, pois
subsidiavam atividades de pesquisa, possibilitavam momentos de leitura e também
viabilizavam o empréstimo do acervo para a comunidade escolar. Contudo, no
período de coleta de dados da pesquisa, o funcionamento da biblioteca ficou
bastante prejudicado, tendo em vista a rotatividade de funcionários. No período de
abril a dezembro, ocorreram três mudanças de bibliotecário. O primeiro profissional
atuou na escola de maio aagosto, a segunda trabalhou um mês e dez dias, no
período do final de setembro ao início de novembro, e a terceira iniciou suas
atividades na escola a partir de 21 de novembro.
Apesar dessa dificuldade de profissionais para atendimento na biblioteca, a turma de
alfabetização não ficou impossibilitada de participar das atividades de leitura
previstas na grade curricular. Nesses momentos, as crianças da classe de
alfabetização foram acompanhadas pela estagiária de sala e/ou pela pesquisadora,
além de contar com atendimento de uma professora de Educação Física que estava
disponível para atuar em serviços administrativos na escola, devido a problemas
relativos à saúde. Dessa forma, durante o período de observação, foi possível
Foto 9 – Crianças utilizando a
biblioteca geral
Foto 10 – Biblioteca geral
107
verificar 16 eventos de interação das crianças com os materiais de leitura da
biblioteca.
Esses momentos eram organizados de acordo com uma escala de horários. Para a
classe de alfabetização, eram reservados dois horários de 50 minutos cada um,
durante as segundas-feiras. As crianças eram dividas em dois grupos. O primeiro
grupo de alunos participava de atividades de leitura na biblioteca, sob a supervisão
do bibliotecário ou de outro membro da escola, enquanto o segundo ficava com
atendimento na sala de aula com a professora regente. Esse atendimento era
denominado de “reforço” e tinha por objetivo atender às demandas de aprendizagem
específicas de cada grupo de alunos. No segundo momento, esses grupos eram
alternados.
A partir da descrição da composição e funcionamento da biblioteca infantil e da
biblioteca geral, podemos inferir que essa unidade de ensino demonstrava
preocupação em viabilizar momentos destinados a atividades de leitura para os
alunos, porém, tendo em vista a rotatividade de funcionários, não possuía as
condições necessárias para um atendimento adequado.
5.4.4 A inserção na sala de aula e a aproximação com os sujeitos
Após obter autorização da equipe de profissionais da escola, articulamos
previamente com a pedagoga o início das atividades de observação participante. Ela
se encarregou de informar à professora regente, pois, até esse momento, ainda não
tínhamos tido oportunidade de conversar pessoalmente. O primeiro contato com os
sujeitos da pesquisa ocorreu em 26 de abril de 2005 e prosseguiu regularmente até
15 de dezembro de 2005, totalizando 82 dias de observação participante.
No primeiro dia de observação participante, ao chegar à escola, as turmas de pré a
quarta séries estavam organizadas em filas no pátio, aguardando as professoras
regentes para se dirigirem à sala de aula. Quando a professora da turma da série
do ensino fundamental chegou ao pátio, nos apresentamos e logo nos dirigimos para
a sala de aula. Salientamos que, se fosse necessário, poderia aguardá-la iniciar as
108
atividades de sala e assim conversar com os alunos sobre nossa presença nesse
ambiente. Ela informou que poderíamos entrar junto com todos, pois os alunos
daquela escola já estavam acostumados com a participação de pessoas externas no
contexto da sala de aula, e isso não seria motivo de estranhamento ou dificuldade
para eles.
As crianças entraram na sala conversando enquanto se acomodavam em seus
lugares. Logo observaram a nossa presença na sala de aula e começaram a fazer
perguntas (nome e se éramos também estagiária, fazendo referência à estagiária de
Pedagogia que estava realizando observação das aulas). A professora regente,
percebendo a curiosidade das crianças, formalizou a apresentação e informou sobre
o nosso interesse em observar e estudar as práticas de leitura desenvolvidas
naquele espaço. Esclareceu, ainda, que o nosso estudo era diferente do estudo da
outra estagiária e que eles poderiam ajudar fornecendo informações sobre como
aprendiam a ler. Após esses esclarecimentos, prosseguiu as atividades conforme a
rotina da turma.
As crianças demonstraram ficar satisfeitas com as explicações e retomaram as
atividades. Durante a execução das propostas de trabalho da professora, os alunos
solicitavam auxílio da estagiária e da pesquisadora para execução das tarefas,
evidenciando e confirmando o posicionamento inicial da professora regente, quando
ela afirmou que eles interagiam com naturalidade com diferentes sujeitos no
contexto escolar.
Apesar dessa recepção favorável, reconhecemos que era necessário estabelecer
um período de aproximação dos sujeitos, a fim de viabilizar a observação das
práticas de leitura no seu acontecer cotidiano. Dessa forma, conforme sugerem
Bogdan e Biklen (1994), iniciamos a observação participante de forma gradativa, ou
seja, a presença da pesquisadora no contexto da sala de aula privilegiou,
primeiramente, os momentos em que a professora desenvolvia o trabalho de língua
portuguesa. Esses momentos estavam previstos no planejamento semanal da
regente e eram acordados previamente. Assim, promovemos a observação
participante durante três vezes por semana.
109
A turma de alfabetização era composta de 25 alunos, sendo 15 do sexo feminino e
dez do sexo masculino, ou seja, 60% e 40%, respectivamente. Após o período inicial
de familiarização da pesquisadora com os sujeitos, enviamos aos pais e/ou
responsáveis o protocolo de autorização para a participação dos alunos na
pesquisa, conforme formulário Apêndice B. Do total de alunos da sala, obtivemos
autorização das famílias para participação, no estudo, de 23 crianças, pois uma não
devolveu o formulário de consentimento e outra, por motivos pessoais, não permitiu
a utilização dos dados.
A partir desse contexto inicial, implementamos o desenvolvimento da pesquisa,
participando e observando com mais intensidade as atividades na sala de aula e na
biblioteca, além de participar dos momentos de planejamento com a professora e a
estagiária de sala. Também tivemos oportunidade de participar de reuniões de pré-
conselho, quando era discutido com a pedagoga o desenvolvimento das crianças,
bem como de reuniões de pais promovidas pela escola. No decorrer da pesquisa,
ainda aconteceram diferentes eventos culturais desenvolvidos e articulados com a
ação da sala de aula, como: apresentação de teatro na Feira do Verde, a partir da
história Borboleta Cinza de Mario Vale; sarau cultural apresentado no auditório do
Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo; e feira cultural da
escola. A participação dos alunos da classe de alfabetização nos dois primeiros
eventos foi orientada e organizada em parceria entre a professora regente, a
professora de projeto e a estagiária de sala.
Esse envolvimento regular da pesquisadora no contexto da escola ofereceu
subsídios para a elaboração dos registros de diário de campo. Esses registros foram
sistematizados a cada dia de observação, sendo organizados em duas partes. A
primeira constava de elementos de identificação dos eventos observados, tais como:
data da observação, dia da semana, horário, espaço onde ocorreram as interações.
A segunda parte era destinada à descrição detalhada das atividades cotidianas da
escola, em especial aquelas que envolviam práticas de leitura. Para isso, fizemos
uso de falas dos sujeitos que consideramos significativas, atitudes, gestos, sons,
além das impressões e dúvidas da pesquisadora. Sobre a pertinência desse
procedimento de registro descritivo adotado em nosso estudo, encontramos em Tura
110
(2003, p. 190) um conceito que ampara nossa opção metodológica, quando ele
afirma:
A descrição densa é o esforço de articulação entre fatos, o
envolvimento na lógica de sua organização, o decifrar dos aspectos
obscuros, o buscar pistas para desvendar certos mistérios. Tudo isso
exige que a atividade fundamental do pesquisador seja a
interpretação/reinterpretação dos acontecimentos. Esta é a forma de
tornar os mbolos inteligíveis. É a maneira de se apreender a
hierarquia estratificada de estruturas significantes, que está na base
de práticas e costumes sociais.
Assim, nesse esforço de interpretar e reinterpretar as práticas de leitura na turma de
alfabetização, a partir de 15 de junho de 2005, incorporamos à coleta de dados o
registro fotográfico e de áudio, a fim de captar melhor as enunciações que
mediavam as interações nos espaços escolares. Também utilizamos o recurso da
filmagem para registrar as participações dos alunos da turma de alfabetização nas
apresentações culturais promovidas pela escola. Esse conjunto de recursos
utilizados para captar informações no contexto da sala pesquisada ajudou a produzir
o corpus da pesquisa.
Outros materiais produzidos e ou utilizados pelos alunos, como suportes de leitura,
serviram para ampliar a composição do corpus da investigação. Dentre esses
materiais, podemos elencar cadernos de atividades e agenda de alunos, livros
didáticos, atividades xerocopiadas, textos, livros de literatura infantil e convites
diversos presentes no contexto escolar cedidos pelos sujeitos da investigação ao
longo do período de coleta de dados. A diversidade de instrumentos utilizados para
captar as práticas de leitura forneceu elementos para olhar o objeto na sua
complexidade, pois a aproximação com os sujeitos e a inserção no contexto das
dinâmicas de ensino aprendizagem evidenciaram que essa temática é múltipla,
diversa e reflete diferentes relações sociais e históricas dos sujeitos. Nessa
perspectiva, a caracterização das crianças merece especial atenção.
5.4.5 Caracterização das crianças
A caracterização das 23 crianças envolvidas neste estudo foi construída a partir de
informações coletadas nas fichas de matrícula da secretaria escolar e entrevistas
111
realizadas com os pais e/ou responsáveis, conforme roteiro especificado no
Apêndice J deste trabalho, que forneceu informações significativas sobre as
crianças. O formulário foi enviado as 23 famílias pelos alunos, mas tivemos retorno
de apenas 19 questionários. Buscando ampliar o olhar sobre os sujeitos, também
fizemos entrevistas com as crianças, durante o período de inserção ao campo.
Essas entrevistas foram realizadas com 22 crianças, pois um aluno não se dispôs a
participar desse momento. Esse instrumento de pesquisa foi utilizado com o objetivo
de dar voz aos alunos, possibilitando-lhes explicitar objetos preferidos de leitura, a
forma como interagiam com esses materiais, além das práticas de leitura familiares e
escolares. Reconhecendo as limitações e dificuldades implicadas nesse
procedimento, conforme assinalam Sarmento (2003) e Kramer (2002), organizamos
esses momentos de entrevista a partir do roteiro do Apêndice L. Esses momentos
podem ser aludidos a conversas informais, estabelecidas, em sua maioria, no
contexto da biblioteca, durante as atividades de leitura desenvolvidas nesse espaço.
Assim, a partir da construção desse aporte metodológico, reunimos diversas
informações sobre as crianças, que foram trabalhadas no Apêndice M e que nos
permitiram tecer algumas considerações. Conforme indicado, a turma de
alfabetização do turno vespertino, da unidade de ensino pesquisada, era composta
de 25 crianças, dentre as quais 23 participaram da pesquisa.
Podemos situar, quanto à questão de sexo, que, predominantemente, os sujeitos da
investigação pertenciam ao sexo feminino, ou seja, 60,87%, que representavam 14
meninas e, do sexo masculino, havia nove meninos (39,13%). Esses alunos
apresentavam faixa etária adequada à série que estavam cursando, pois 11 crianças
(47,82%), ao final do ano de 2005, tinham sete anos completos e 12 crianças
(52,18%) haviam completado oito anos no segundo semestre do mesmo ano.
Nos aspectos relativos à experiência escolar, os dados demonstraram que 22
crianças (95,65%) tinham experiência escolar na educação infantil e apenas uma
(4,35%) não se declarou a respeito dessa informação. Vale ressaltar que essa
experiência teve origem em diferentes instituições, contudo 82,60% freqüentaram a
turma de pré (seis anos) na própria unidade de ensino, três crianças (13,04%)
vieram de outras unidades e uma (4,36%) não forneceu esse dado. Essa
112
característica retratava uma situação específica dessa unidade de ensino, pois até o
ano de 2005 era a única escola de ensino fundamental do município de Vitória,
dentre as 46 existentes, que, desde a sua criação, contemplava o atendimento de
crianças de seis anos. O Sistema Municipal de Ensino majoritariamente oferecia o
atendimento a essa faixa etária nos estabelecimentos de educação infantil, que
totalizavam 43 unidades no ano da coleta de dados da pesquisa.
Os dados ainda revelaram que o histórico de experiências escolares na educação
infantil das crianças envolvidas no estudo ocorreu, prioritariamente, no Sistema
Municipal de Ensino, pois 15 famílias descreveram diferentes unidades da Rede de
Educação Infantil de Vitória com as quais as crianças tiveram experiências
educativas. Constatamos, ainda, que apenas quatro alunos utilizaram os serviços do
sistema privado de educação infantil e três fizeram uso dos serviços de atendimento
de educação infantil vinculados ao Sistema Federal. Esses últimos números revelam
índices modestos e confirmam a relevância dos investimentos públicos em educação
do poder municipal.
As informações sobre os pais e/ou responsáveis pelos alunos também indicaram
que estes têm ou tiveram acesso à educação nos diferentes níveis de escolaridade.
Doze pais cursaram apenas o ensino médio e seis tinham ensino superior. Um tinha
o ensino fundamental e outro não havia completado o ensino médio. Os documentos
que sustentaram nossas análises não nos permitiram tecer comentários sobre a
escolaridade de três pais, pois não constava esse tipo de informação.
As mães demonstraram que também tiveram ou têm acesso à educação, contudo o
acesso foi ampliado até o nível da pós-graduação o que não foi observado no
segmento dos pais. Treze mães concluíram o ensino médio, uma tinha o nível
superior incompleto e três haviam concluído o ensino superior. Assim, foi possível
perceber que, de maneira geral, as es apresentavam nível de escolaridade
superior ao dos pais, 78,25% delas haviam cursado o ensino médio ou superior e
uma tinha concluído o curso de mestrado. Essa característica da escolaridade dos
sujeitos pesquisados acompanha a tendência dos indicadores nacionais divulgados
pelo Instituto Brasileiro Geográfico e de Estatísticas (IBGE). Esses indicadores têm
evidenciado que as pessoas do sexo feminino apresentaram maior nível de
113
escolaridade em relação ao sexo masculino. Contudo, os nossos dados indicaram a
inversão dessa condição nos níveis iniciais da escolarização, pois duas mães tinham
o ensino fundamental incompleto e três apenas conseguiram concluir esse nível de
escolarização. Esse dado revela que 21,75% delas tiveram acesso apenas ao nível
do ensino obrigatório, significando um índice muito superior em relação ao grupo dos
pais, que foi de 4,35%.
A escola pesquisada também apresentava outra característica peculiar relacionada
com os domicílios dos alunos. O município de Vitória é subdividido
administrativamente em sete regionais denominadas de Centro, Santo Antônio, Bento
Ferreira, Maruípe, Praia do Canto, Continental e São Pedro. Dessas, os alunos da
turma de alfabetização residiam em cinco diferentes regiões. A região que congregava
maior número de domicílios de alunos era a Região de Maruípe, pois dez crianças,
que representavam 43,47% do total, afirmavam morar nos mais variados bairros
dessa região. A segunda região que constava um mero significativo de residências
dos alunos era a Região Continental. Nessa região, 26,08% dos alunos, ou seja, seis,
moravam nos bairros dessa área. Os demais alunos moravam nas Regiões Centro,
Bento Ferreira e Praia do Canto (26,10%). Apenas uma criança (4,35%), das 23,
residia em um município vizinho à Vitória, denominado de Serra.
A variedade de bairros e regiões em que os alunos residiam indicava a necessidade
de transporte para que as crianças freqüentassem a escola. Dessa forma, é possível
entender que a população considera positivo o trabalho desenvolvido na unidade de
ensino, pois, apesar da distância do local de moradia das crianças, há interesse das
famílias em matricular seus filhos na escola. Esse argumento de valorização do
trabalho de ensino aprendizagem desenvolvido nessa escola é ainda confirmado,
quando observamos que, em todas as regionais, o município mantém outras
unidades de ensino.
As crianças pesquisadas pertenciam a famílias que declararam, em sua maioria, ou
seja, sete (36,85%), que possuíam renda familiar entre dois e quatro salários
mínimos. As demais crianças eram divididas nos outros níveis salariais de maneira
equalizada. Duas (10,53%) tinham renda familiar entre quatro e seis salários
mínimos, três (15,78%) entre seis e oito salários, outras duas (10,53%) estavam na
114
faixa de oito a dez e apenas duas (10,53%) famílias afirmavam ganhar acima de dez
salários mínimos. Três (15,78%) famílias não prestaram essa informação nos
questionários de entrevista.
O rendimento familiar era composto, predominantemente, pelas atividades
profissionais dos pais, pois 21,06% das mães declararam desempenhar atividades
no contexto do lar, ou seja, não remuneradas. Nas outras famílias dos alunos, a
composição do rendimento doméstico tinha participação de pais e mães. As
atividades profissionais deles eram as mais diversas e por isso, para facilitar a
organização dos dados, nos apoiamos na classificação brasileira de ocupações
utilizada pelo Ministério do Trabalho. Essa classificação nos permitiu organizar os
dados em dez categorias. Assim, foi possível perceber que a categoria de atividades
que mais abarcou as profissões dos pais foi a GG3, de técnicos de nível médio,
representando quatro sujeitos, ou seja, 21,05%. As próximas três categorias, a
GGO, que contemplava as Forças Armadas, policiais e bombeiros militares; a GG1,
que reunia membros superiores do Poder Público, dirigentes de organizações de
interesse público e de empresas e gerentes; e a GG5, que cobria os trabalhadores
dos serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados, apresentavam a
ocorrência de três sujeitos em cada uma delas (15,79%). A categoria GG4, dos
trabalhadores de serviços administrativos, apresentava apenas duas ocorrências,
representando o percentual de 10,53%, e um (5,26%) dos demais pais se declarou
autônomo, não especificando suas atividades. Dessa forma, nesse caso, não
conseguimos fazer a classificação dentro das categorias previstas. Outros dois
sujeitos não declararam a profissão que desempenhavam, representando mais
10,53% do total dos sujeitos investigados.
No segmento de mães, as profissões puderam ser classificadas, de acordo com a
tabela, em cinco categorias diferentes. Contudo, as mães que declararam
desempenhar atividades do lar não estavam contempladas nas categorias previstas
e assim foram especificadas como não classificadas nas ocupações remuneradas.
Essas representavam quatro sujeitos da pesquisa, ou seja, 21,05%. Esse percentual
também foi identificado na categoria GG2, dos profissionais das ciências e das artes.
As demais ocupações puderam ser classificadas nas categorias GG3, de técnicos
de nível médio; na GG4, de trabalhadores de serviços administrativos; e na GG5, de
115
trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados, com a
ocorrência de três mães (15,79%) em cada uma delas. Por último, a categoria GG7,
dos trabalhadores da produção de bens e serviços industriais voltados à forma dos
produtos, que reunia atividades profissionais de duas mães (10,53%).
No aspecto da formação familiar, os alunos apresentavam, em sua maioria, a
constituição cssica de família, ou seja, 14 crianças (60,65%) moravam com pais e
irmãos, quatro sujeitos (17,40%) moravam apenas com pai e e, dois (8,70%)
afirmavam morar com apenas um dos pais e irmãos e outros dois (8,70%), além dos
pais e irmãos, tinham outros parentes residindo em suas casas. Apenas uma criança
(4,35%) informou que morava com os avós e tios. Apesar de 78,26% indicarem a
existência de irmãos na composição da família, o número destes era bem reduzido.
Os dados revelaram que 12 alunos possuíam apenas um irmão e outros cinco eram
filhos únicos. Essa situação demonstrou que, em 73,91% dos alunos, a família era
composta de no máximo quatro componentes. Quanto as demais crianças, os dados
indicaram que cinco alunos tinham dois irmãos e somente um registrou a existência
de três irmãos. Novamente podemos recorrer aos dados das pesquisas do IBGE para
fazer analogia com os nossos dados. As pesquisas desse órgão m demonstrado
que quanto maior o nível de escolaridade dos pais, menor a ocorrência de filhos. Essa
análise pode ser aplicada ao grupo de sujeitos da nossa pesquisa, visto que o grande
percentual de famílias tinham apenas um ou dois filhos.
Assim, acreditamos que, ao tecer considerações a respeito da caracterização das
condições socioeconômicas das crianças envolvidas neste estudo, estamos
contribuindo para ampliar o nosso olhar sobre os sujeitos, bem como perceber as
implicões das condições de vida nas práticas de leitura, observadas no contexto
escolar.
5.4.6 As crianças e a prática da leitura no contexto familiar
Pesquisar as práticas de leitura numa abordagem sócio-histórica articulada à
metodologia de estudo de caso do tipo etnográfico não nos permite centrar o nosso
olhar apenas nas condições socioeconômicas que trabalhamos anteriormente.
116
Dessa forma, reconhecendo a importância de tratar a questão da leitura a partir de
diferentes ângulos, buscamos contemplar, também, nos instrumentos de entrevistas,
itens que pudessem oferecer indícios de aproximação dos alunos com o campo da
leitura.
Assim, as entrevistas com as famílias mostraram que o contexto familiar das
crianças possibilitava o contato com diferentes materiais de leitura, conforme mostra
a Tabela 14 do Apêndice M. A referência aos livros foi indicada por 84,21% dos
sujeitos, seguida de jornais com 78,94%, gibis com 63,15%, revistas em 57,89%,
encartes publicitários com 42,10%, correspondências pessoais com 26,31% e textos
eletrônicos com 10,52%. Os dados das entrevistas ainda permitiram captar a visão
dos pais em relação à independência das crianças na prática da leitura nas
atividades do cotidiano. A maioria dos pais declarou que geralmente as crianças liam
sozinhas no contexto familiar, ou seja, 52,63%, que representavam dez alunos. Um
percentual significativo (42,10%) afirmava que, às vezes, as crianças solicitavam
ajuda e apenas 10,54% explicitaram que os filhos sempre pediam auxílio no
momento da leitura. Outro dado interessante é que somente uma família observou
que a criança não fazia uso da leitura nas atividades cotidianas, conforme
observamos na Tabela 15.
Com relação aos materiais para a leitura mais utilizados pelas crianças ou por algum
adulto que lia para elas no ambiente familiar (Tabela 16), constatamos referência a
vários tipos. Os livros de literatura infantil foram citados por 84,21% dos
entrevistados, ou seja, 16 sujeitos. Os gibis e revistas tiveram a mesma freqüência
de respostas, pois dez sujeitos (52,63%) admitiram que esses materiais faziam parte
das práticas de leitura do contexto doméstico. Os jornais também foram
evidenciados por oito entrevistados (42,10%). Esses dados demonstraram que
alguns materiais de leitura voltados para o público infantil, como a literatura infantil e
os gibis, foram incorporados nas representações e práticas de leitura das famílias
como os mais indicados para as crianças.
Brandão e Rosa (2005), discutindo sobre a inserção da literatura infantil no contexto
das práticas de leitura no período da alfabetização, explicam que os textos literários
começam a ganhar espaço a partir da década de 80, do culo XX. Esse período foi
117
marcado pelas críticas contundentes aos usos de textos acartilhados na
alfabetização.
A literatura nas salas de alfabetização passou a ser vista, então,
como uma alternativa a tais textos estereotipados, que eram lidos e
escritos somente na escola. Por meio [da] literatura, portanto,
esperava-se aproximar a criança de usos e práticas sociais de
leitura, oferecendo a elas textos mais significativos e reais, ou seja,
que também circulariam no mundo fora das salas de aula
(BRANDÃO; ROSA, 2005, p. 52).
Talvez possamos inferir que a escola, ao rever seus métodos e materiais que
orientam a organização das situações didáticas de ensino da leitura, também pode
influenciar a percepção das famílias quanto à adequação de determinados materiais,
por exemplo, a literatura infantil explicitada em nossos dados.
Os diferentes discursos veiculados no interior da nossa sociedade escriturística, que
atribuem sentido para a apropriação da leitura, são também explicitados pelos pais
e/ou responsáveis (Tabela 17), quando apresentaram as motivações para essa
aprendizagem. Grande parte dos pais (26,31%) argumentou que a apropriação da
leitura era importante para que os “[...] filhos [pudessem] ser alguém na vida e ter um
futuro melhor”. Observamos que o percentual de sujeitos que explicitaram esse
discurso sobre a importância da leitura ainda é significativo em nossa sociedade,
embora existam estudos consistentes que questionam essa relação direta de
domínio da leitura com a possibilidade de ascensão econômica. Graff (1994), em
seus estudos sobre alfabetização, apresenta análise aprofundada sobre essa
questão e aponta as fragilidades desse discurso. Afirma que somente a aquisição da
leitura e da escrita não garante a promoção social, pois outros elementos de classe,
etnia, raça, sexo e idade, estão envolvidos nessa questão. Macedo (1990) também
se aproxima dessa discussão e diz que pensar a apropriação da leitura, a partir
dessa perspectiva progressista, privilegia uma abordagem utilitarista no sentido de
atender às demandas do capital numa sociedade tecnológica cada vez mais
complexa, “[...] ao mesmo tempo [em] que sacrifica a análise crítica da ordem social
e política que dá origem à necessidade de leitura” (MACEDO, 1990, p. 94).
118
Outras razões também foram freqüentes nas enunciações como: “para não ser
analfabeto”, “para desenvolver a inteligência e o senso crítico” e “para acessar novos
conhecimentos”. Cada motivo desses foi explicitado por três pais, indicando um
percentual de 15,79%. Ainda identificamos outras três motivações nas enunciações
dos pais de três crianças, que representaram 5,26% das opiniões. Assim, eles
consideram que a leitura era importante “para comunicação” ou “para incentivar os
estudos quando os filhos estivessem adultos” e ainda “para ter cultura”.
Ao considerar a importância para a apropriação da leitura, os pais também
explicitaram suas opiniões quanto ao período mais propício para essa
aprendizagem. De acordo com as entrevistas, podemos perceber que as famílias
atribuíam especial atenção ao período da pré-escola e/ou primeira série, pois
57,89%, ou seja, 11 pais, afirmaram ser esse período da escolaridade a fase mais
propícia para o domínio da leitura. Cinco pais (26,31%) acreditavam que o período
para essa aprendizagem abrangia todas as fases da escolaridade desde a educação
infantil e dois (10,54%) indicaram o ensino fundamental. Ainda foi observada a
referência de um entrevistado (5,26%) as quatro primeiras séries do ensino
fundamental. Assim, podemos inferir que a fase entre seis e sete anos se configura,
nas representações das famílias, como a mais adequada ao aprendizado da leitura.
Nesse período, algumas atividades foram consideradas pelos pais como
necessárias e importantes no contexto das relações de ensino aprendizagem
(Tabela 19). Eles relacionaram, em suas enunciações, 11 tipos de atividades, tais
como: possibilitar às crianças condições para que elas pudessem fazer leitura de
livros infantis, organizar momentos em que o aluno pudesse ouvir histórias contadas
por outras pessoas, fazer deveres de casa e trabalhos escolares, freqüentar a
biblioteca, participar de atividades teatrais, de jogos, ter contato com diversos
portadores textuais fazendo tentativas de leitura, desenvolver atividades de
informática, utilizar brinquedos educativos que incentivem a leitura, desenvolver
leitura de placas de publicidade e de ônibus e ler jornais.
A percepção dos pais, em torno da importância dos livros de literatura infantil para a
aprendizagem da leitura, pode ser também encontrada nas falas das crianças, pois,
ao serem solicitadas a explicitarem suas preferências de materiais para leitura, 19
119
crianças (86,36%), evidenciaram esse tipo de material como os mais desejados,
seguido dos gibis (31,81%). As crianças ainda faziam referência aos jornais
(18,18%), à Bíblia (4,54%), aos deveres da escola (4,54%), a dicionários (4,54%), a
revistas evangélicas (4,54%) e a vários tipos de livros. Assim, podemos observar
ressonâncias entre as opiniões dos pais e as preferências de materiais de leitura das
crianças.
A aproximação dos sujeitos pesquisados com a leitura pôde ainda ser observada
quando 20 crianças admitiram ter ganhado de presente algum material de leitura,
ou seja, 90,90%. Apenas uma criança reconheceu nunca ter recebido presente
dessa natureza e outra não soube precisar essa informação. Os alunos também
explicitaram preferência pela atividade de leitura em detrimento à atividade de
escrita, pois 15 crianças (68,18%) disseram gostar mais de ler e sete (31,82%)
afirmaram que gostavam de ambas as atividades. Essa preferência pela atividade de
leitura relatada pelas crianças apresentava três formas distintas. A primeira consista
na leitura oral em que elas liam para outros colegas (45,46%), a segunda era a
leitura silenciosa (36,36%) e a terceira era a leitura oral que a criança pudesse fazer
para a professora ou para alguém da família, com ocorrência em 18,18% dos
entrevistados. Um tipo de leitura presente nas práticas escolares e que não foi
referenciado pelas crianças foi a leitura seqüenciada, em que cada pessoa faz a
leitura de uma parte do texto. Esse dado é importante ao refletirmos sobre as
atividades de leitura na sala de aula.
As entrevistas também ofereceram elementos sobre as práticas de leitura das
crianças no contexto familiar. Conforme mostra a Tabela 26, onze alunos
reconheceram que a pessoa da família que predominantemente fazia leitura para
elas era a mãe, dez também afirmaram que o pai costumava desenvolver essa
atividade. Os irmãos, primos, avós e tios foram referenciados, porém em menor
escala. Três crianças informaram que, no contexto familiar, essa prática não ocorria
e duas disseram que costumavam ler sozinhas. O relacionamento familiar mais
próximo também predominou nas respostas das crianças, quando foram
questionadas se tinham oportunidade de ler em casa para outras pessoas.
Dezesseis (72,72%) explicitaram que liam para os pais, irmãos e tios, cinco (22,72%)
120
disseram ler para amigos e uma criança fez referência à empregada. Outras três
crianças (13,63%) relataram não ler para outras pessoas da família.
Esses dados evidenciaram a influência da mãe na leitura. Outro item que indica o
envolvimento da figura materna com as demandas da escola estava relacionado
com o auxílio às crianças na realização das tarefas escolares, pois 18 alunos
(81,81%) afirmaram que a mãe era a principal pessoa que os ajudavam. Outras dez
crianças (45,45%) também mencionaram o pai, quatro (18,18%) citaram os irmãos e
apenas uma confirmou ajuda da avó.
As entrevistas com as crianças também possibilitaram uma aproximação com o seu
universo recreativo. Os desenhos e as novelas eram as programações televisivas
que despertavam maior interesse dos sujeitos. No contexto das diversões, diferentes
brincadeiras foram referenciadas, contudo brincar de casinha/boneca e jogar futebol
foram as opções mais recorrentes, com 18,18% e 13,63%, respectivamente. As
crianças também demonstraram que haviam participado de diferentes atividades
culturais, como ir ao cinema e à banca de revista (90,90%), livraria (86,36%),
bibliotecas variadas (81,81%), teatro (77,27%) e show musical (45,45%). Neste
último item, a influência religiosa foi marcante, pois várias crianças relataram ter
participado de eventos musicais de cantores/as evangélicos/as.
Após discorrer sobre algumas características das práticas de leitura no contexto
familiar, buscaremos situar elementos históricos sociais das práticas de leitura dos
pais e/ou responsáveis, a fim de ampliar nosso olhar sobre o objeto de pesquisa.
5.4.7 As práticas de leitura dos pais e/ou responsáveis
As diferentes interações estabelecidas pelas crianças, sejam familiares, sejam
escolares, podem proporcionar significativas aprendizagens de leitura, dependendo
das condições de mediação e das relações com os diferentes objetos de leitura que
lhes são oferecidos. Acreditamos que as experiências de leitura vividas pelos
adultos que convivem com as crianças podem influenciar nessas mediações. Por
isso, buscamos, por meio da entrevista, caracterizar as experiências dos pais e/ou
121
responsáveis a partir das informações prestadas na segunda parte do questionário
(Apêndice J). Essas informações foram organizadas no Apêndice N em forma de
tabelas e serão tomadas para análise.
A maioria das entrevistas foi respondida pelas mães, ou seja, 13, representando
68,42% do total de 19 formulários devolvidos. Cinco formulários foram respondidos
por pais (26,32%) e identificamos um caso em que as informações foram emitidas
por uma avó, que percentualmente significou 5,26%. Aqui temos nova oportunidade
de observar o envolvimento das mães com a leitura.
A história de leitura dos 19 sujeitos que responderam à entrevista foi marcada por
diferentes pessoas (Tabela 31). Nessas histórias, encontramos sete referências a
algum professor ou professora, seis à figura da mãe ou responsável do sexo
feminino, quatro admitiram que ninguém os influenciou no gosto pela leitura e três
responderam que o pai ou responsável do sexo masculino desempenhou esse
papel. Outros três relataram a interação com algum amigo ou amiga, dois disseram
que foram outros parentes e apenas uma pessoa relacionou a influência de
padre/pastor ou algum líder religioso no desenvolvimento do gosto pela leitura. Um
entrevistado disse que foi influenciado por outra pessoa, mas não especificou o grau
de relacionamento. Esses dados evidenciaram a importância do trabalho pedagógico
desenvolvido no contexto escolar na formação de leitores, visto que o maior
percentual (36,84%) identificou a influência de algum professor(a), além de reforçar
a influência do sexo feminino.
Outro elemento importante das práticas de leitura está relacionado com os objetos.
Nesse aspecto, torna-se relevante conhecer os materiais disponíveis no ambiente
familiar direcionados à leitura dos adultos. Dessa forma, Bíblias, livros sagrados ou
religiosos foram referenciados por 18 sujeitos (94,73%), assim como os livros infantis
tiveram o mesmo percentual de citação. Materiais, como guias, listas, catálogos e
livros escolares, apareceram em segundo lugar, com 16 ocorrências (84,21%).
Outros materiais também foram indicados como objetos de leitura que possuíam em
casa, como livros de receitas de cozinha, 14 pessoas (73,68%); dicionário, 13
pessoas (68,42%); livros de literatura/romances, sete pessoas (36,84%); e
enciclopédias, cinco pessoas (26,31%). Além da variedade de tipos de materiais
122
disponíveis, é importante conhecermos também os gêneros de livros que os pais
costumavam ler, pois esse dado colabora para estabelecer o perfil de leitura dessas
pessoas.
Nesse sentido, os dados revelaram que os livros religiosos ou a Bíblia assumem
lugar de destaque, pois 13 entrevistados (68,42%) indicaram este gênero presente
em suas práticas de leitura. Em segundo lugar, sete sujeitos apresentaram os livros
didáticos (36,84%), seguido dos livros de auto-ajuda e orientação pessoal com cinco
referências (26,31%). Biografia ou relatos históricos foram outros gêneros citados
por quatro sujeitos (21,05%), assim como os livros técnicos, de teoria e ensaios com
igual percentual. A opção por livros de poesia foi escolhida por três entrevistados
(15,78%) e os livros de romance, aventura policial e ficção foram evidenciados por
duas pessoas (10,52%). Um dado significativo foi que três sujeitos declararam que
não costumavam ler livros, o que representou 15,78% dos entrevistados.
A relação dos pais e/ou responsáveis com a leitura ainda pôde ser observada a
partir das informações que fazem referência ao uso de bibliotecas. Os sujeitos
evidenciaram que tinham acesso a esse espaço de leitura. A biblioteca escolar era o
local conhecido pela maioria dos entrevistados, ou seja, nove pessoas (47,36%). A
biblioteca pública também representou um espaço de leitura bastante próximo do
universo desses sujeitos, pois foi evidenciada por oito pessoas (42,10%). Bibliotecas
no local de trabalho tiveram apenas quatro (21,05%) indicações dos pais e outros
dois (10,52%) relacionaram outros tipos de bibliotecas. Apesar de as informações
indicarem diferentes tipos de bibliotecas, podemos perceber a prevalência da
biblioteca escolar, o que mostra a importância desse espaço no contexto educativo
para a promoção das práticas de leitura.
A participação em cursos de formação continuada também indicou a necessidade e
o envolvimento dos sujeitos em práticas de leitura. Nesse aspecto, podemos
constatar que três sujeitos investigados (15,78%) declararam estar participando de
cursos dessa natureza, cinco (26,32%) admitiram ter feito nos últimos doze meses e
oito (42,10%) afirmaram que fizeram há mais de um ano. Apenas dois reconheceram
nunca ter participado de cursos de formação continuada e um dos entrevistados não
forneceu esse tipo de dado. Assim, inferimos que grande parte dos pais e/ou
123
responsáveis tiveram demandas de leitura relacionadas com cursos de formação
continuada, possibilitando necessidades de estabelecer práticas de leitura mais
regulares.
Outro aspecto que também demanda o envolvimento em práticas da leitura refere-se
à utilização do computador. Nesse sentido, as informações prestadas pelos pais
e/ou responsáveis revelaram que o ambiente em que mais utilizavam esse
equipamento era em casa e no trabalho, com ocorrência de oito citações, ou seja,
42,10%. O acesso a esse equipamento em locais públicos ou na escola foi citado
apenas por uma pessoa. As ausências de respostas para essa questão também
foram importantes, pois cinco pessoas (26,31%) não declararam essa informação.
Esse aspecto pode ser relacionado com os dados sobre freqüência com que os
sujeitos utilizavam o computador, pois quatro entrevistados (21,05%) informaram
que não faziam uso dessa ferramenta. Esses índices evidenciaram um percentual
significativo de pessoas que não interagiam com essa ferramenta tecnológica o que
indicou que as experiências de leitura desses sujeitos ainda estavam vinculadas aos
suportes convencionais de leitura, ou seja, a impressão gráfica no papel. Podemos
ainda observar que os indivíduos que possuíam acesso aos computadores
apresentavam uma regularidade quanto ao uso, pois cinco pessoas (26,31%)
afirmaram que utilizavam todos os dias da semana. Outros três (15,78%) indicaram
que usavam o computador quase todos os dias e dois (10,54%), uma ou duas vezes
por semana. A utilização eventual ou esporádica foi declarada por apenas três
entrevistados e outros dois não prestaram essa informação.
A caracterização desses diversos aspectos ligados ao mundo da leitura dos pais
e/ou responsáveis é importante, porque demonstra as condições desses sujeitos
em operar com diversas fontes e formas de conhecimento. Assim, esses dados
podem ser analisados à luz de outras pesquisas que tratam a questão e oferecem
significativas contribuões a respeito de acesso e capacidades em leitura da
população jovem e adulta do Brasil. Nesse sentido, podemos utilizar informações
apresentadas no documento Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional
124
(INAF
10
-2005), que apresenta diversas análises sobre a relação dos sujeitos com a
leitura. Uma dessas análises indicou que
[...] as pessoas que buscam mais de uma fonte de informação são as que
demonstram melhor desempenho de leitura, assim como as que costumam
ler mais de um gênero de livro, já foram a mais de um tipo de biblioteca
(INDICADOR NACIONAL DE ALFABETISMO FUNCIONAL, 2005, p. 26).
Assim, os dados de nossa investigação demonstram que os pais e/ou responsáveis
pelas crianças envolvidas na pesquisa buscam fontes de informações que
favorecem o desempenho positivo em leitura. Ainda com base no documento INAF
2005, podemos identificar a classificação de quatro níveis de leitura (analfabeto,
alfabetizado nível rudimentar, alfabetizado nível básico, alfabetizado nível pleno),
definidos a partir de certas capacidades de leitura demonstradas por indivíduos
jovens e adultos. Essas capacidades levam em consideração diferentes
características da relação dos sujeitos com a leitura. A partir desses níveis, podemos
inferir que as características do grupo de sujeitos investigados são pertinentes ao
maior nível de leitura, ou seja, o nível pleno. Nesse nível, são compreendidos
sujeitos que possuem o ensino médio, apesar de o nível de escolarização nem
sempre definir o bom desempenho em leitura. As pessoas do sexo feminino
apresentavam níveis de escolaridade superior ao masculino, costumavam receber
correspondências em casa, utilizavam computadores, possuíam acesso a diferentes
suportes textuais, como jornais, revistas, livros, entre outros, além de ter acesso a
bibliotecas variadas. Dessa forma, podemos inferir que o contexto familiar das
crianças favorecia as práticas de leitura.
5.4.8 Caracterização dos profissionais da escola (professores regentes, de
projetos, de informática, estagria de sala, bibliotecária e pedagoga)
Para realizar a caracterização dos profissionais da escola, consideramos como
sujeitos aqueles que desenvolveram alguma atividade de ensino aprendizagem de
10
INAF 2005 (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional) é um documento elaborado em parceria
com três instituições: Ação Educativa, Instituto Paulo Montenegro e Ibope Opinião e tem por objetivo
oferecer informação qualificada a respeito das capacidades de leitura e escrita da população jovem e
adulta do Brasil. Esse documento está disponível no site www.ipm.org.br.
125
linguagem na turma de alfabetização. Assim, participaram da pesquisa quatro
professoras. A primeira foi a professora regente, denominada neste trabalho de Prof.
1, atuou na turma até o mês de agosto de 2005 e, por motivo de licença-
maternidade, foi substituída pela segunda professora denominada de Prof. 2. A
professora identificada como Prof. 3 atuava no laboratório de informática e a Prof. 4,
como professora de projetos da escola. Esta desenvolveu várias atividades culturais
com os alunos da sala de alfabetização e, por isso, foi considerada nessa
caracterização.
A caracterização de outras três profissionais, como a estagiária de sala (Est.), a
pedagoga (Ped.) e a bibliotecária (Bibl. 4), que iniciou as atividades na biblioteca em
21 de novembro de 2005, foi feita por desempenharem atividades ligadas
diretamente ao contexto da turma da primeira série. Consideramos, neste estudo,
apenas a última bibliotecária, tendo em vista que foi a profissional que, apesar de
pouco tempo de contato com as crianças, implementou um trabalho sistemático de
leitura no espaço da biblioteca.
As diferentes relações pessoais estabelecidas pelos profissionais com a prática da
leitura foram captadas por meio de entrevistas pessoais agendadas previamente no
decorrer do período de coleta de dados. As entrevistas tiveram por objetivo obter
informações sobre esses profissionais, a fim de configurar suas condições de
aproximação com o objeto de estudo desta pesquisa. As entrevistas foram
orientadas por meio de questionários constantes nos Apêndices E, F, G, H e I deste
trabalho, que contemplavam questões objetivas e dissertativas sobre a temática. A
primeira parte desse instrumento de pesquisa referia-se a questões objetivas que
situavam dados de identificação, formação acadêmica, experiência profissional,
objetos de leitura e atividades culturais de que esses educadores costumavam
participar. A segunda referia-se a questões que buscavam conhecer algumas
memórias dos profissionais relacionadas com as experiências pessoais de leitura,
bem como elementos ligados ao trabalho docente que envolvia esse objeto.
No momento das entrevistas, as profissionais entrevistadas preencheram as
questões objetivas dos questionários cujas respostas subsidiaram a construção das
tabelas constantes no Apêndice O. Com relação às respostas das questões
126
dissertativas, estas foram gravadas em áudio com autorização prévia dos sujeitos e,
posteriormente, transcritas pela pesquisadora para análise. O trabalho de
transcrição foi realizado com base nas normas apresentadas por Fávero (2005).
Duas profissionais, a bibliotecária e a professora de projetos, preferiram prestar
todas as informações por meio escrito.
Assim, os dados revelados nas entrevistas demonstraram que todas pertenciam ao
sexo feminino e apenas uma delas tinha idade menor que 25 anos. As demais
tinham idade superior a 30 anos, e duas estavam na faixa etária entre 31 e 35 anos,
uma na faixa etária entre 36 e 40 e o maior percentual se concentrava na faixa
superior a 40 anos, ou seja, 42,85%, que representavam três sujeitos.
Essas profissionais explicitaram que tinham larga experiência, pois a maioria, isto é,
quatro que representavam 57,16%, atuavam no Magistério mais de dez anos. As
outras três profissionais estavam distribuídas em três diferentes faixas. Uma tinha
entre sete e dez anos de experiência, a outra atuava entre dois e cinco anos na
profissão e apenas uma tinha experiência inferior a dois anos. Das quatro
profissionais que declararam ter mais de dez anos de experiência, três informaram
que também tinham mais de dez anos de trabalho nessa unidade de ensino,
inclusive a Prof. 1. A professora de projetos também evidenciou que desenvolvia
trabalhos na escola pesquisada quatro anos. Apenas uma das professoras
regentes, a Prof. 2, a estagiária e a bibliotecária não apresentavam histórico de
atuação no contexto das atividades de ensino aprendizagem da escola pesquisada,
pois foram admitidas ao quadro desses profissionais no ano de 2005. Contudo, cabe
ressaltar que as profissionais admitiram que adquiriram experiência
predominantemente no ensino fundamental. Apenas uma profissional relatou que
havia atuado no ensino médio e a bibliotecária declarou que também teve
oportunidade de trabalhar em outros níveis de ensino e em funções técnicas.
O regime de trabalho mais referenciado foi o estatutário, pois quatro profissionais
foram admitidas por meio de concurso público, duas eram contratadas por tempo
determinado e uma tinha contrato de estágio remunerado. Em geral, a carga horária
de trabalho estabelecida pelo Sistema de Ensino do Município determinava o
cumprimento de 30 horas semanais, porém a bibliotecária tinha contrato diferenciado
127
que previa 40 horas, ou seja, ela atendia à escola nos turnos matutino e vespertino.
A professora de projetos também desenvolvia trabalhos nos dois turnos, contudo
atendia os alunos do matutino durante três vezes por semana e os alunos do
vespertino dois dias, perfazendo uma carga horária de 30 horas. Quanto às
professoras regentes, estas cumpriam 20 horas de trabalho em sala de aula, cinco
horas de planejamento na escola ou dedicadas a cursos de formação continuada
promovidos pelo Sistema Municipal de Ensino e as outras cinco horas eram
disponibilizadas para planejamentos diversos fora do contexto escolar. Apenas a
estagiária tinha contrato de 20 horas de trabalho destinadas ao auxílio das
professoras regentes da classe de alfabetização. Um dado interessante relacionado
com os vínculos empregatícios que regiam as atividades profissionais das
entrevistadas era que todos os sujeitos estatutários, ou seja, quatro (57,15%),
estavam vinculados ao sindicato da categoria profissional enquanto os contratados
por tempo determinado e a estagiária não participavam como associadas dessa
entidade.
As entrevistas ainda forneceram outros elementos importantes sobre as
profissionais, pois evidenciaram que quatro delas se dedicavam à dupla jornada de
trabalho e apenas três trabalhavam em um único turno. Para detalhar os dados
dessa questão, podemos identificar nas informações que uma das professoras
regentes e a pedagoga da escola atuavam no turno matutino como formadora
11
nos
grupos de estudos dos cursos de formação continuada desenvolvidos pelo Sistema
Municipal de Ensino e a professora do laboratório de informática trabalhava no turno
noturno como docente do ensino superior. A bibliotecária tinha uma situação
específica, pois, conforme descrevemos, atuava integralmente na escola devido ao
contrato de trabalho que previa 40 horas de serviço. As demais professoras também
relacionaram outras atividades que as impossibilitavam de exercer dupla jornada no
Magistério, pois uma das professoras regentes, a Prof. 2, e a estagiária ainda
estavam cursando Pedagogia na Universidade Federal do Espírito Santo, e a
professora de projetos, além de dividir a carga horária nos dois turnos da escola,
desenvolvia outros tipos de trabalhos. A natureza desses trabalhos pode ser
11
Esse termo, no contexto dos cursos de formação continuada desenvolvidos pelo Sistema Municipal de Ensino
de Vitória/ES, refere-se ao profissional que organizava e articulava os encontros que reuniam vários profissionais
do Magistério que atuavam nas unidades de ensino, para que pudessem desenvolver atividades de estudo.
128
percebida em sua própria descrição, quando especificou: “Sou cantora profissional e
contadora de histórias, ministro oficinas e palestras nesta área”. Essas condições
configuravam as demandas de trabalho das profissionais envolvidas nesta pesquisa.
No aspecto da formação acadêmica, a maioria das profissionais apresentava
titulação de especialistas em nível de pós-graduação, ou seja, cinco que
representavam 71,43%. As demais estavam cursando a graduação. A participação
em diferentes cursos de formação continuada, como fóruns, seminários, palestras,
congressos, entre outros, foi evidenciada por todas as entrevistadas, ou seja, 100%.
Esse dado indica o envolvimento dos sujeitos na busca de aperfeiçoamento contínuo
na sua área de atuação e uma preocupação em manter-se atualizados com as
questões educacionais.
Outros dados relativos a lazer e ao campo cultural também foram suscitados nas
entrevistas. Nesse sentido, observamos que 100% dos sujeitos declararam que
tinham o hábito de assistir à televisão e 71,42% costumavam assistir a vídeo ou
DVD. Ouvir rádio e freqüentar sessões de cinema teve menos indicações, ou seja,
três pessoas, que representavam 42,85%. Apenas uma profissional informou que
costumava ir ao teatro. Assim, podemos perceber que as programações oferecidas
por veículos de comunicação de massa tomam maior espaço em detrimento das
outras manifestações culturais.
Observamos que as profissionais eram assinantes de diferentes tipos de periódicos.
Dentre eles, as revistas apresentaram maior incidência, pois 57,14% admitiram ser
assinantes das revistas Veja e Isto é, 42,85% elencaram diferentes outros títulos e
uma pessoa, ou seja, 14,28%, citou a revista Nova Escola. Outras duas pessoas
ainda afirmaram que assinavam o jornal local A Gazeta e somente uma profissional,
no momento da coleta de dados, declarou que não era assinante de nenhum
periódico. Com relação às práticas de leitura, os dados anteriores retornam à cena,
pois 85,71% afirmaram que sempre liam os jornais locais e 71,43% periódicos
diversos. Em seguida, os livros didáticos também se constituíam materiais bastante
utilizados nas práticas de leitura dos entrevistados, visto que 57,15% dos
profissionais indicaram esse material. Periódicos da área de educação e livros
variados sobre a área foram referenciados por 42,85% e 28,57%, respectivamente.
129
Além de conhecer os tipos de materiais que circulavam no contexto das práticas de
leitura das profissionais, torna-se relevante, também, conhecer as experiências
pessoais de leitura vividas por elas. Nesse sentido, Kramer (2001), dialogando com
Benjamin (1987a) sobre a importância desse aspecto, defende que,
[...] para escapar da barbárie e do isolamento, é preciso estabelecer
outra relação com a tradição e a cultura, o que acentua a importância
da rememoração. Rever o passado permite colocar o presente numa
situação crítica e mesmo mudar o futuro. Pela rememoração, na
linguagem e na narrativa, resgata-se o poder de ser no presente, no
passado e no futuro, tecendo a história, não mais como cronologia,
mas como processo de recriação do significado.
As histórias de vida e as histórias de leitura/escrita dão assim
importante suporte teórico-metodológico: o professor, ao lembrar,
a sua vida outros sentidos, antevê mudanças. Lembrar então é
refazer, reconstruir, repensar as experiências do passado, processo
que se relaciona à história e à cultura, pois a memória de cada um se
liga à memória do grupo e a laços de coletividade (KRAMER, 2001,
p. 155).
Assim, podemos identificar, na segunda parte das entrevistas, diferentes memórias
que descreveram objetos, pessoas, situações e práticas que as aproximavam do
mundo da leitura. Uma das professoras regentes, a Prof. 1, identificou, em suas
memórias, lembranças de experiências de leitura que, em sua percepção, foram
classificadas como agradáveis. Ao explicitar como ocorreu o seu processo de
socialização com a leitura, ela relatou
Prof. 1: [...] quando eu comecei::: a alfabetização... essas coisas... foi de forma... bem:::....
bem natural... não tive nenhum problema... trauma que as pessoas têm:::... né? sempre
gostei muito de ler::::... eu lembro que na escola sempre todo ano tinha um livrinho pra gente
lê... pra fazer um trabalho... e aquilo para alguns colegas era um casti:::go... né? ler um
livro... pra mim não.... eu sempre gostava... achava interessante... adorava quando a
professora indicava um livro pra ler... e foi de forma tranqüila... (DC01R34)
Esse relato demonstra que as experiências de socialização com a leitura,
vivenciadas pela Prof. 1, foram marcadamente vinculadas ao contexto escolar.
Outras profissionais, como a pedagoga e a bibliotecária, também demonstraram
experiências parecidas.
Ped: eu/eu.... não freqüentei a pré-escola... eu entrei direto na primeira série... [...] escola
pública... né? do Estado... e eu e minha prima fomos para essa escola... ela tinha feito o
pré... eu não... fomos para a primeira série... e era uma professora assim... muito
conceituada... né? sabe aquelas professoras competentes da escola?... [...] professora
130
Marília... e sempre me saí muito bem... [...] fui uma aluna boa... tirava boas notas... e nada
de muito extraordinário... acho que eu tive uma alfabetização normal... (DC01R81)
Bibl. 4: Minha experiência com a leitura iniciou-se desde cedo, nas primeiras séries da
escola primária. Em sala de aula eu era tímida e temia a ‘hora da leitura’. Em contrapartida,
quando chegava em casa, minha mãe incentivava que fizéssemos a leitura dos textos dados
em sala. Meu pai lia muito e isso também colaborou bastante para a minha formação
literária (DC01R73)
As enunciações das profissionais confirmam a forte influência da escola no processo
inicial de aproximação e constituição de suas práticas de leitura. Também
evidenciaram, por meio de expressões como “um livrinho pra gente lê... pra fazer um
trabalho” ou “temia a hora da leitura’”, que participaram de experiências de leitura
escolarizadas. Nesse sentido, Kramer (2001), ao analisar narrativas de professores
que relatavam experiências similares a registradas em nossa pesquisa, reconhece
que a escola desempenha indiscutível papel como instância formadora na vida
desses profissionais, contudo, “[...] parece que a escola com a obrigatoriedade e a
fragmentação dos textos esteriliza as práticas de leitura e escrita [...]” (KRAMER,
2001, p. 159), ou seja, reduz a leitura a uma matéria, a conteúdo escolar. Geraldi
(1997, p. 169) também indica que as experiências de leitura desenvolvidas nessas
condições fazem com que os alunos leiam “[...] para atender a legitimação social da
leitura externamente constituída fora do processo em que estão, eles,
leitores/alunos, engajados [...]”, ou seja, leitura legitimada a partir da autoridade do
professor.
Podemos ainda observar que, na narrativa da Bibl. 4, ela evidenciou influência do
contexto familiar na diversificação das experiências de leitura, além de denunciar o
papel secundário da escola no desenvolvimento do gosto de ler nesse período inicial
de aprendizagem. Em outras entrevistas também encontramos referências familiares
que viabilizaram diferentes interações, ampliando o universo das práticas de leitura
vividas pelas profissionais.
Prof. 1: meu pai é advogado... então meu pai sempre leu muito... [...] sempre discutiu muitos
assuntos... os problemas sociais:::... né... problema de jornal... tudo que ele estava
resolvendo... alguma petição que tava fazendo... ele sempre lia... conversava... ele sempre
participava... né... (DC01R34)
Prof. 2: eu fui criada com minha mãe trabalhando... então eu ficava na casa da minha avó...
eu... meus primos... meu tio... eu tenho um tio que não é tão mais velho assim... então eles
iam pra escola... já liam... e eu era a caçula da história... e era doida pra ler... eu ficava
131
junto com eles... me ensinando... [...] minha mãe comprava livrinhos da Disney [...]... onde
minha mãe trabalhava tinha um [senhor que vendia]... e ela comprava aquelas caixas...
cheia de contos da Disney pra ler... [...] minha avó cantava pra gente... e muitas músicas eu
uso quando eu vou alfabetizar... [...] tinha uma [história] que minha avó contava sempre...
agora que você falou eu lembrei... era um livrinho que tinha... Dona pardoca e seus dois
pardais... era uma história do joão de barro... um casal de joão-de- barro... [...] eles viviam
numa floresta... que um dia dona pardoca se encantou com a cidade... e resolveu se
mudar pra cidade... foi morar num telhado... (DC01R71)
Prof. 4: Meu pai foi professor de Português e sempre incentivou-nos o gosto pela nossa
língua e pelos escritores brasileiros. Ele comprou de um vendedor ambulante na porta de
casa, o grande recurso iniciador e dinamizador de minha paixão pela leitura, fonte de
minhas viagens literárias, fantasias e inspirações: a coleção organizada por Monteiro
Lobato, com as histórias do Sitio do Pica-Pau-Amarelo, contos de Anderson, fábulas e
outras obras adultas do escritor. Descobri logo que tínhamos um tesouro em casa e me
deliciava horas a fio explorando-o. Um livro que me encantou e marcou também, foi O
Pequeno Príncipe de Antoine Saint-Exupéry lido por minha tia, quando eu tinha sete anos, e
claro relido por mim, mais tarde. Do lado de minha mãe vieram as canções, serestas ao
violão com meus tios, cantos de igreja, textos embalados pela música que mexeu comigo
acho que desde o colo ou antes disso (DC01R73)
As implicações das relações familiares na constituição dos sujeitos leitores
explicitadas em nossos dados também podem ser observadas em outras pesquisas.
Dentre esses trabalhos, podemos situar o estudo de Cornélio (2006), que apresenta
uma série de narrativas de professoras vinculadas ao curso de educação a distância
da Universidade Federal do Espírito Santo. A contextualização desse estudo é
importante porque podemos identificar, nas narrativas das professoras-aprendizes
entrevistadas por Cornélio (2006), elementos comuns que também integravam as
memórias das professoras sujeitos de nossa investigação. Nos dois grupos de
professoras, foi possível perceber referências ao contexto familiar que
proporcionaram, segundo elas, significativas experiências de leitura, bem como
davam visibilidade às interações que envolviam seus pais. Cabe ressaltar que,
apesar desse ponto de aproximação, o estudo de Cornélio (2006) se distingue da
nossa pesquisa no aspecto do referencial teórico, uma vez que tomou os princípios
da fenomenologia existencial para análise dos dados, o que não compreende a
mesma abordagem teórica adotada em nossa investigação.
Essas memórias demonstraram que as interações vivenciadas pelos sujeitos no
contexto das práticas de leitura deixaram marcas, e que essas marcas alimentam a
tessitura de nossas histórias de leitura. Nesse sentido, as experiências que
vivenciamos no campo das práticas de leitura, nos diferentes contextos sociais,
132
viabilizam a aproximação com os textos das mais variadas formas, como podemos
observar nas falas dessas profissionais.
A partir de Geraldi (1997), podemos inferir que algumas dessas experiências,
principalmente aquelas ligadas ao contexto familiar, produziram fios coloridos que
foram capazes de bordar as memórias das professoras com riqueza de detalhes
enquanto outras se constituíram em lembranças sem muitos realces. Assim,
assumindo a perspectiva dialógica das interações que estabelecemos nas relações
sociais no decurso de nossa trajetória, e em especial na trajetória profissional,
acreditamos que as experiências descritas pelas professoras entrevistadas possam
ser entrelaçadas, rememoradas, ressignificadas e refeitas na corrente da
comunicação verbal. É com esse olhar que iremos, no próximo capítulo, tratar os
eventos das práticas de leitura mediadas por esses profissionais na turma de
alfabetização.
133
6 PRÁTICAS DE LEITURA NA ESCOLA
Após a explicitação dos procedimentos teórico-metodológicos adotados na pesquisa,
iremos, neste capítulo, situar alguns eventos de leitura que buscam retratar as
práticas de leitura desenvolvidas no contexto de uma classe de alfabetização. A
análise desses eventos teve por objetivo ampliar o olhar sobre as condições de
formação de sujeitos leitores a partir da singularidade das interações que ocorreram
na sala de aula e na biblioteca, ou seja, tomando como base as relações de ensino
aprendizagem estabelecidas numa instituição escolar do Sistema Municipal de
Educação de Vitória. Dessa forma, buscamos compreender, numa perspectiva
dialógica de linguagem, como os sujeitos da pesquisa interagiam com seus pares e
com os diferentes textos verbais que permeavam as práticas de leitura.
Nesse sentido, algumas questões guiaram o nosso olhar investigativo: quais os tipos
de suportes predominantes nas práticas de leitura dessa classe de alfabetização?
Que gêneros textuais continham nesses suportes? Quais espaços da escola eram
destinados prioritariamente à interação dos sujeitos com os materiais de leitura?
Como eram organizadas as atividades de leitura nesses espaços? Que finalidades
eram explicitadas nas enunciações dos profissionais da escola para mediação
dessas atividades?
Assim, durante os 82 dias de observação participante que realizamos na escola
campo, no ano de 2005, procuramos compreender as diferentes dimensões do
fenômeno de constituição de sentidos produzidos nas práticas de leitura na classe
de alfabetização. Os diversos eventos de leitura observados revelaram que a sala de
aula da turma de alfabetização e a biblioteca foram os espaços da escola onde as
práticas de leitura ocorreram com mais intensidade.
As situações de leitura observadas nesses espaços possibilitaram inicialmente a
organização dos dados em nove categorias diferentes, conforme a tabela a seguir:
134
TABELA 50
CATEGORIAS DE LEITURA IDENTIFICADAS NOS REGISTROS DE DIÁRIO DE CAMPO
Categorias F %
Livre na sala de aula (predominância de
livros de literatura infantil)
25 30,48
No livro didático (diversas disciplinas) 24 29,26
Na biblioteca (predominância de livros
de literatura infantil)
16 19,51
De atividades diversas na sala de aula
(xerocopiadas ou para identificação dos
materiais de aula)
15 18,29
De textos produzidos pelas crianças e
apresentados para a turma (caderno)
14 17,07
Para atividades de apresentação para
interlocutores externos à sala de aula
(livros de literatura infantil)
7 8,53
Projeto Leitura Surpresa (livros de
literatura infantil)
5 6,09
De literatura infantil pela professora
regente para os alunos
5 6,09
Na aula de informática 3 3,65
Essas categorias permitiram visualizar que a presença dos livros de literatura infantil
foi bastante significativa, pois observamos que esse suporte foi recorrente em várias
situações de leitura. Outro aspecto evidenciado nos dados foi a freqüência do uso do
livro didático. Conforme mostra a tabela, foi o segundo suporte mais utilizado nas
situações de leitura observadas no contexto escolar. Atividades didáticas
xerocopiadas fornecidas pelas professoras regentes e textos produzidos pelos alunos
também tiveram espaço nas práticas de leitura da turma pesquisada. No período de
observação participante, ainda identificamos a presença de textos eletrônicos que
tinham o computador como suporte no laboratório de informática.
Assim, considerando que os dados demonstraram certa predominância de suportes de
leitura, optamos por reorganizar os eventos observados a partir dos tipos identificados
com maior freqüência. Nesse sentido, criamos três categorias para construir nosso
percurso de análise: as práticas de leitura com os livros de literatura infantil, as práticas
de leitura com o livro didático e as práticas de leitura com os cadernos das criaas.
Essas categorias foram pensadas com o objetivo de conhecer como foram organizadas
essas práticas e quais suportes foram utilizados para estruturá-las no contexto da sala
de aula da turma de alfabetização e no espaço da biblioteca escolar. Ainda
135
considerando esses dois espos, buscamos compreender como se efetivavam os
modos de interação das crianças com os materiais de leitura, das crianças com os
colegas da sala e das criaas com os adultos que organizavam os eventos de leitura.
Nesse contexto, é relevante explicitar que o conceito de suporte de leitura ainda
suscita discussões no campo teórico, principalmente quando articulado ao conceito
de gênero textual. Apesar de Marcuschi (2003) considerar que as suas elaborações
estão abertas a novas contribuições, ele nos oferece uma definição interessante
para o suporte de gênero. Assim, o “[...] suporte de um gênero é uma superfície
física em formato específico que suporta, fixa e mostra um texto” (MARCUSCHI, 2003,
p. 8). Afirma também que, ao tentarmos correlacionar a materialidade física do
suportes com os gêneros textuais, é interessante observar que “[...] os gêneros têm
preferências e não se manifestam na indiferença aos suportes” (MARCUSCHI, 2003,
p. 9). Dessa forma, é importante retomarmos o conceito de gênero discursivo para
que possamos entender as pontuações do autor. Bakhtin (2003, p. 262) explica que
os gêneros podem ser orais ou escritos e são “[...] tipos relativamente estáveis de
enunciados” que são constituídos sócio-historicamente num campo da atividade
humana. Esclarece ainda que a
[...] riqueza e a diversidade de neros do discurso o infinitas porque
o inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e
porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de neros
do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se
complexifica um determinado campo [...] (BAKHTIN, 2003, p. 262).
Os enunciados materializados nos textos e produzidos em determinada área da
comunicação humana comportam três elementos que estão imbricados no gênero, ou
seja, o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional que se manifestam
nos mais variados suportes. Nesse sentido, a relação de dependência entre os
gêneros e os suportes, configura uma relação dialógica de utilização da língua nos
eventos comunicativos.
A partir do conceito de gênero discursivo desenvolvido por Bakhtin (2003) e de
suporte trabalhado por Marcuschi (2003), podemos supor que nossas duas primeiras
categorias de alise são capazes de atrair determinados tipos específicos de
gêneros textuais. Nesse sentido, os livros de literatura infantil possibilitam a
136
circulação de discursos organizados em alguns tipos de gêneros, tendo em vista o
auditório social a que se destinam.
Martins e Versiane (2005, p. 20), ao discutirem sobre o trabalho com a leitura literária
no contexto escolar e, em especial, a literatura infantil, tomam Gee (2001, p. 719)
para dizer que os “[...] discursos, que sempre envolvem linguagem, envolvem mais do
que linguagem propriamente. Um discurso integra modos de falar, ouvir, escrever, ler,
agir, interagir, acreditar, valorizar e sentir [...]”. Nessa perspectiva, podemos entender
que as características físicas que compõem o universo dos livros de literatura infantil,
como cor, textura, capa, tamanho, ilustrações, número de páginas, entre outras,
também participam da produção dos discursos veiculados pela literatura infantil. Esses
elementos concorrem na produção de sentidos do texto verbal, além de oferecer
atrativos para os gêneros discursivos que perpassam pelos livros de literatura infantil.
A literatura infantil, ao ser incorporada às práticas de leitura desenvolvidas no contexto
escolar, pode ser ainda tratada na esfera dos gêneros escolares (SCHNEUWLY;
DOLZ (2004). Desse modo, ela assume finalidades específicas nas relações de ensino
aprendizagem, pois, além de ser um instrumento de comunicação, é, também, objeto
de ensino aprendizagem. Ler ou ouvir histórias na escola pode ser completamente
distinto de ler ou ouvir histórias com a família ou na igreja, pois as finalidades são
outras.
Soares (2001), discutindo sobre a escolarização da literatura infantil, defende que
esse processo é inevitável e negá-lo significaria negar a existência da própria escola.
A literatura infantil é uma produção cultural. Assim, é natural que faça parte do
repertório do programa escolar, contudo é necessário observar: como se a
apropriação desse material de leitura nas práticas escolares? Quais as finalidades que
regem a sua utilização na escola? A literatura infantil chega à sala de aula em seu
suporte original? Em que momento a sua leitura é autorizada? Quem faz a seleção
dos títulos? Todos esses aspectos tornam-se importantes para compreendermos
como a literatura infantil é apropriada pela escola e como pode contribuir para a
formação de leitores.
137
A literatura infantil também é inserida nas relações de ensino aprendizagem por meio
dos livros didáticos, em especial, os livros didáticos de língua portuguesa. A
transposição de suporte ou a inserção do texto literário nos livros didáticos demandam
adaptações e alterações, pois geralmente a composição do livro didático não
comporta o texto literário na sua originalidade. Dessa forma, relacionar-se com o livro
de literatura infantil é bem diferente de ler o texto literário no livro didático. As
diferenças são muitas, pois as finalidades dos livros são diferentes, o aspecto físico do
material é significativamente distinto e as ilustrações não coincidem. Além dessas
diferenças, no livro didático, os textos literários são predominantemente apresentados
junto com enunciados de exercícios e atividades que devem ser elaborados pelas
crianças. Assim, a leitura desses textos está voltada para finalidades especificas e
determinadas pelo contexto do livro didático. Outros gêneros textuais, como histórias
em quadrinhos, cartazes, anúncios e outros, também sofrem o mesmo tratamento ao
serem incorporados aos livros didáticos.
Apesar das alterações e modificações sofridas por um determinado gênero com a sua
inserção no livro ditico, no contexto deste trabalho, iremos adotar a idéia defendida
por Marcuschi (2003), que considera o livro didático um suporte de textos diversos, ou
seja,
[...] o livro didático (LD), particularmente o LD de língua portuguesa, é um
suporte que conm muitos gêneros, pois a incorporação dos gêneros
textuais pelo LD não muda esses gêneros em suas identidades, embora
lhe outra funcionalidade, fato ao qual denominei reversibilidade de
função. Falo aqui em funcionalidade e não função para que se tenha
claro este aspecto. Por exemplo, uma carta, um poema, uma história em
quadrinhos, uma receita culinária e um conto continuam sendo isso que
representam originalmente e o mudam pelo fato de migrarem para o
interior de um LD. Não é o mesmo que se dá, por exemplo, no caso de
um romance que incorpora cartas, poemas e anúncios, entre outros.
O problema da incorporação dos gêneros no caso do romance, tal como
tratado por Bakhtin (1979), diz respeito a uma transmutação’ de gêneros
que é efetuada por um gênero secundário ao incorporar outros gêneros.
Certamente, Bakhtin nunca teria classificado o livro didático entre os
gêneros secundários e sim como um conjunto de gêneros
(MARCUSCHI, 2003, p.17, grifos do autor).
Assim, o livro didático proporcionou a circulação de diferentes gêneros textuais na
classe de alfabetização pesquisada. Esse suporte foi muito utilizado na sala de aula e,
devido ao seu caráter utilitário, imprimiu certos procedimentos de leitura que iremos
138
detalhar com a explicitação dos eventos tomados para análise. Entretanto, é
importante questionar se a leitura do livro didático ocorreu da mesma forma que outros
materiais, como a literatura infantil ou o caderno. Em que momentos esse material foi
utilizado para leitura? Como foram exploradas as características dos gêneros textuais
que integravam o livro didático? Que espaço da escola privilegiava o uso desse
material? Acreditamos que todas essas questões podem ser elucidativas na
composição das práticas de leitura na alfabetização.
Outros materiais, como os cadernos dos alunos, folhas de atividades xerocopiadas,
cartazes publicitários, convites, jornais e outros tipos também estavam presentes nas
práticas de leitura desenvolvidas na sala de alfabetização. Consideramos que todos
esses tipos de materiais de leitura com os quais os sujeitos puderam interagir no
contexto escolar podem oferecer indícios para compreendermos a dinâmica das
práticas de leitura. Contudo, em nossas análises, iremos privilegiar aquele que esteve
presente com maior freqüência no contexto escolar, ou seja, o caderno. Conforme foi
explicitado na Tabela 50, identificamos 14 situações de leitura em que esses textos
escritos nos cadernos foram tomados para leitura em voz alta, com o objetivo de os
alunos apresentarem suas produções textuais. Assim, observamos que o caderno
possibilitava inserir os alunos como produtores de textos no universo das práticas de
leitura. Nesse sentido, é importante atentarmos para as condições de produção
dessas leituras e analisarmos: como eram organizados esses momentos de
apresentação dos textos dos alunos? Ocorria diálogo entre o sujeito autor/leitor e os
demais participantes da situação de leitura? Que mediações de ensino aprendizagem
eram proporcionadas nesses eventos?
Após delinearmos o conjunto de questões sobre as quais iremos refletir por meio das
análises dos diferentes eventos de leitura, reafirmarmos que as práticas de leitura no
cotidiano escolar revelaram uma multiplicidade de movimentos, gestos, idéias,
significações, formas e objetos que não se deixaram captar em sua totalidade. Assim,
reconhecendo a especificidade do objeto de pesquisa com o qual estamos
trabalhando, consideramos importante enfatizar que, neste estudo de caso, elegemos,
como foco de análise, a articulação do espaço e dos materiais de leitura
predominantes nas práticas de leitura dos sujeitos pesquisados. Dessa forma,
139
buscaremos dar visibilidade às práticas de leitura seguindo o seguinte roteiro de
análise:
a) as práticas de leitura com os livros de literatura infantil no contexto da sala de
aula e da biblioteca escolar;
b) as práticas de leitura com os livros didáticos na sala de aula;
c) as práticas de leitura com o caderno de atividades das crianças.
6.1 AS PRÁTICAS DE LEITURA E OS LIVROS DE LITERATURA INFANTIL
A inserção da literatura infantil no universo escolar vem sendo discutida por diferentes
autores, como Soares (2001, 2004), Aguiar (2001), Paiva e Maciel (2005), Zilberman
(1991), Perroti (1990), Lajolo (1997), entre muitos outros que têm se preocupado com
essa temática. Assim, consideramos pertinente recuperar algumas questões que
marcaram esse processo de apropriação da literatura infantil no contexto das
situações de ensino aprendizagem desenvolvidas no espaço da escola, como
possibilidade de alargar os nossos horizontes de compreensão sobre esse objeto
cultural.
A literatura infantil, segundo Aguiar (2001), tem suas origens históricas nos grupos
primitivos de culturas orais. De acordo com a autora, nessa época, os indivíduos se
organizavam coletivamente e, por meio de narrativas, os contadores transmitiam
valores, conhecimentos, crenças, enfim, toda a produção cultural de uma dada
sociedade para as gerações futuras. Dessa forma, a força da memória adquiria status
fundamental para a manutenção dos elementos socioculturais. Com o advento da
escrita e de outras transformações sociais, como o surgimento da classe burguesa,
uma outra estrutura social foi construída, ou seja, a vida passou a ser centrada na
cidade e um novo modelo familiar foi se delineando em torno da lula pai-mãe e
filhos. A autora ainda ressalta que, ao considerarmos as duas dimensões, individual e
social, do fenômeno das transformações sociais, “[...] podemos afirmar que o leitor
precisa sair do pensamento mítico/público para o individual/privado, o que corresponde
à passagem da cultura oral para a escrita [...] (AGUIAR, 2001, p. 251).
140
Nesse cenário de transformações, o conceito de infância também foi tomando novos
contornos e, conforme Aguiar (2001, p. 243), a criança passou a ser “[...] tratada de
modo especial, como idade de formação do homem [...]”. Nessa perspectiva, havia
necessidade de investimentos no campo da educação infantil e, portanto, de produção
de materiais apropriados que pudessem oferecer suporte para a inserção numa
sociedade letrada e competitiva. A escola também nasce como produto dessas novas
demandas sociais e, nesse sentido, colaborou como uma instituição que promoveu a
expansão e a apropriação da literatura infantil.
Assim, a escola, como espaço socialmente constituído destinado à formação das
crianças e responsável por viabilizar a mediação do mundo infantil para o mundo
adulto, por meio da apropriação dos elementos culturais e científicos de uma
sociedade grafocêntrica, encontrou, na leitura da literatura infantil, mecanismos para
efetivar esse processo de desenvolvimento. Nesse sentido, Paiva e Maciel (2005)
explicitam que as
[...] histórias infantis podem desempenhar uma primeira forma de
comunicação sistemática das relações da realidade, que se
apresentam à criança numa objetividade corrente. A linguagem que
constrói a literatura infantil apresenta-se como mediadora entre a
criança e o mundo, propiciando um alargamento no seu domínio
lingüístico e preenchendo o espaço do fictício, da fantasia, da aquisição
do saber. Vista assim, a produção literária para criança o livro de
imagens inclusive o tem fronteiras. Ela desvela o maravilhoso, o
ilimitado, o maleável, o criativo universo infantil, explora a poesia e
suscita o imaginário (PAIVA; MACIEL, 2005, p. 117).
Nessa estreita relação entre escola e literatura infantil, perpassam também interesses
econômicos e ideológicos, como a expansão e manutenção do mercado editorial. Os
livros infantis podem ser percebidos ainda como bons veículos de disseminação de
comportamentos, desejos, motivações, atitudes, uma vez que atingem um público na
mais tenra idade.
Contudo, a literatura infantil, justamente por estar voltada prioritariamente ao blico
infantil, teve necessidade de utilizar mecanismos de “[...] adequão do texto às
condições cognitivas, sociais e afetivas dos leitores, tanto em relão ao seu conteúdo
quanto aos aspectos compositivos e à apresentação material [...] (AGUIAR, 2001, p. 244).
141
Nesse sentido, a autora esclarece que a literatura infantil estrutura-se como um conto
primitivo e recorre a uma estrutura simples de apresentação do texto que contempla
um início conflituoso, passando por um processo de solução, até chegar ao sucesso
final. Segundo ela, o que importa é uma
[...] história enxuta, com predomínio da ação, apresentação direta das
personagens e diálogos ágeis, o poema como dosagem equilibrada de
imagens encadeadas, ritmos e sonoridades em que os sentidos se
desdobram [...]. O estímulo à inteligência e à imaginação nasce,
justamente, dessa economia estrutural. Queremos dizer que os
indicadores lingüísticos da obra literária não podem ser tão poucos a
ponto de que os sentidos não se produzam, e nem tantos que
congestionem a comunicação (AGUIAR, 2001, p. 246-247).
Ainda abordando as especificidades que configuram os livros de literatura infantil,
Aguiar (2001) evidencia a importância das características físicas desse objeto cultural.
Argumenta que elementos, como ilustrações, diagramação, cores, capas, entre outros
dessa natureza, atuam na constituição de sentidos e defende que a multiplicidade de
linguagens que envolve a produção dos livros de literatura infantil possibilita a
emergência de ditos, não ditos e subentendidos, verbais e visuais, que são colocados
à disposição do leitor para contribuir com o processo da leitura.
Esses elementos que marcam a literatura infantil provocam divergências quanto à
natureza literária dos livros classificados na categoria infantil. Dessa forma, vários
autores defendem a idéia de que literatura infantil é literatura e que escrever
[...] para a infância, portanto, não é escrever pobre, mas escrever
fluente, as expressões novas explicando-se no contexto da frase e do
texto, na situação de comunicação [...]. A criança está exposta ao
mundo e convive com os falantes ao seu redor. Com eles aprende a se
expressar, com eles dialoga sem necessitar de um dialeto especial. A
literatura, assim, também não precisa valer-se de um jargão rebaixado
(AGUIAR, 2001, p. 246).
Assim, a partir dessa exposição a respeito do surgimento da literatura infantil e sua
vinculação com o contexto escolar, observamos uma arena de lutas em torno desse
objeto cultural em que diferentes forças políticas, econômicas, ideológicas e sociais
concorrem para ganhar espaço junto aos leitores. Dessa forma, em
142
[...] cada época, em cada rculo social, em cada micromundo familiar,
de amigos e conhecidos, de colegas, em que o homem cresce e vive,
sempre existem enunciados investidos de autoridade que dão o tom,
como as obras de arte, ciência, jornalismo político, nas quais as
pessoas se baseiam, as quais elas criam, imitam, seguem. Em cada
época e em todos os campos da vida e da atividade, existem
determinadas tradições, expressas e conservadas em vestes
verbalizadas: em obras, enunciados, sentenças, etc...
(BAKHTIN,
2003, p. 294).
Talvez, ancorados nessa tradição, os livros de literatura infantil se faziam presentes na
sala de aula e na biblioteca infantil da escola pesquisada. Nesses dois espaços, as
crianças tinham oportunidade de participar constantemente de atividades de ensino
aprendizagem em que a literatura infantil era tomada como base para as práticas de
leitura. Nesse sentido, iremos tomar nas análises eventos de leitura desenvolvidos na
sala de aula e na biblioteca, que tiveram como mediadores a Professora 1
12
e a
Professora 2
13
que atuaram como regente da turma em períodos diferentes do ano
letivo, a professora 4,
14
também denominada de professora de projetos, que orientou e
organizou atividades de teatro com base em textos da literatura infantil e a
Bibliotecária 4,
15
que, por questões de ordem administrativa, iniciou sua atuação na
escola nos últimos dois meses do ano letivo, mas, mesmo nessas condições, realizou
mediações importantes da leitura no espaço da biblioteca.
6.1.1 A literatura infantil no contexto da sala de aula
A primeira experiência que observamos ocorreu durante o primeiro trimestre do ano de
2005, quando a Prof. 1 desenvolveu um projeto denominado de Leitura Surpresa.
Esse projeto consistia na distribuição de cinco pastas decoradas com ilustrações
contendo um livro de literatura infantil e uma ficha de leitura para cinco crianças
diferentes. Essas pastas eram distribuídas às sextas-feiras para que os alunos
pudessem levá-las para casa e, durante o fim de semana, proceder à leitura da
12
A Professora 1 será denominada no texto pela sigla de Prof. 1.
13
A Professora 2 será denominada no texto pela sigla de Prof. 2.
14
A Professora 4 será denominada no texto pela sigla de Prof. 4. Essa profissional, também chamada
de professora de projetos ou dinamizadora, atuava na escola desenvolvendo projetos de
musicalização, contação de histórias e atividades de coral para todas as crianças interessadas, como
atividades extraclasse. No contexto da turma de alfabetização, a Prof. 4 ainda articulava ações em
parceria com as professoras regentes.
15
A Bibliotecária 4 será denominada no texto pela sigla de Bibl. 4.
143
história junto com a família. Também deveriam fazer o preenchimento da seguinte
ficha de leitura:
No início da semana seguinte, a professora recolhia as pastas com as fichas de leitura
e, ao longo da semana, convidava cada criança para apresentar algumas informações
sobre o livro lido para os demais colegas da turma. A professora fazia oralmente as
perguntas contidas na ficha de leitura e a criança mostrava o livro e respondia
conforme havia preenchido com os dados da história. Nesses momentos de
apresentação, as crianças que demonstravam pouca fluência na leitura das respostas
da ficha recebiam o auxílio da professora regente para que pudessem explicitar com
clareza para a turma as informações.
As atividades de leitura previstas nesse projeto demonstraram a preocupação da
escola em proporcionar atividades de leitura às crianças utilizando materiais
valorizados socialmente, como textos de contos maravilhosos, fábulas, lendas, entre
outros pertinentes ao universo infantil. Contudo, ao solicitar o preenchimento da ficha
de leitura, revelou a natureza escolar da apropriação desse objeto cultural. No
cotidiano, as crianças não interagiam com os livros para preencher uma ficha, mas
para conhecer a história, os personagens, apreciar as ilustrações, ler para outras
pessoas do seu convívio ou simplesmente se distrair. A escola, então, criou um
instrumento de controle da leitura, pois a ficha possibilitava verificar se a criança havia
ou não lido a história. Nessas condições ler para preencher a ficha –, o potencial co-
Figura 1 – Ficha de leitura de Ali
144
enunciativo do leitor estava previsto no roteiro de perguntas da ficha, limitando, dessa
forma, as possibilidades de exploração do texto. A aluna Bru, ao apresentar o livro que
havia recebido na pasta surpresa, o demonstrou dificuldade para responder às
perguntas da professora, mas a sua exposição da compreensão do texto limitou-se
aos aspectos do roteiro estabelecidos na ficha.
Em alguns casos, essa atividade tornava-se estéril, pois as crianças, apesar de
entregarem as fichas de leitura preenchidas, não sabiam relatar a experiência
vivenciada. Encontramos, no registro 14 do diário de campo datado de 2-6-2006
(Figura 3), impressões sobre esse momento de apresentação das fichas de leitura. A
professora convidou Rha para apresentar o livro O Jaburu que recebeu na pasta de
leitura surpresa.
Figura 2 – Ficha de leitura de Bru
145
A criança, ao ser questionada sobre o assunto da história, respondeu que o livro
contava a história de um homem. A professora, observando a inconsistência da
resposta, aproximou-se da aluna e começou a mostrar as ilustrações do livro que
indicavam um pássaro e indagou se ela não estava enganada sobre a sua resposta.
Com esse procedimento, a professora demonstrou a previsibilidade das respostas e,
assim, a criança lembrou que a história contava sobre a poluição da natureza, mas
não conseguiu relatar maiores detalhes.
O comportamento de RHA indicou que essa atividade de leitura não viabilizou uma
relação ativa com o texto, pois a criança não conseguiu apresentar ou demonstrar
compreensão do que leu. A o compreensão pode ser explicada pelo fato de a
criança, naquele momento do ano letivo, não possuir o domínio da leitura e, também,
a professora limitar a escolha do material de leitura, uma vez que esse material era
definido pela regente. Assim, o direcionamento de determinadas leituras merece
reflexões, pois atividades de leitura dessa natureza podem levar as crianças apenas a
cumprir um protocolo didático sem proporcionar uma interação efetiva com o texto e o
seu autor.
Porém, mesmo nesse contexto que inicialmente pode ser percebido como de caráter
monológico, pois o professor define e direciona as ações que envolvem o trabalho
com a leitura, outros elementos que compõem as situações de comunicação na sala
de aula atuam para estabelecer seu potencial dialógico. Nesse sentido, “[...] a situação
Figura 3 – Ficha de leitura de Rha
146
social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por
assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação” (BAKHTIN,
2004, p. 113).
Essa afirmativa de Bakhtin possibilita a ampliação de nosso olhar sobre as ações do
projeto de leitura surpresa. Ainda no registro 14 do diário de campo, de 2-6-2005, além
das atividades de apresentação das fichas de leitura, conforme relatadas, registramos
outros movimentos de leitura vivenciados pelas crianças. Essa movimentação em
torno da leitura se deu, por exemplo, relacionada com os diversos livros de piadas e
poesias que os alunos haviam adquirido num evento comercial. Uma vendedora
independente montou uma exposição de livros no hall de entrada da escola. Nesse
evento, as crianças tinham oportunidade de manusear diferentes obras e fazer opções
de compra. O aspecto econômico foi preponderante nas escolhas, pois a maioria das
crianças da turma da 1ª rie adquiriu livros cujo valor era de um real e que traziam
versões simplificadas do gênero piadas e poesias.
Assim, essa situação imediata de apresentação das informações dos livros do projeto
de leitura surpresa viabilizou uma nova proposta de apresentação das publicações,
negociadas a partir das solicitações dos alunos. As crianças estavam eufóricas com os
novos materiais de leitura adquiridos e, em diversos momentos, buscavam
interlocutores para suas leituras. Observamos que o fator novidade e as
características do texto do gênero piadas eram elementos que atraíam as crianças
para sua leitura, pois os alunos trocavam os exemplares entre si e faziam questão de
apresentar alguns textos para outros colegas. Para exemplificar, é importante mostrar
o registro que efetuamos da iniciativa do aluno Ati. Ele fazia questão de apresentar
para vários colegas a piada “O telefonema maluco”. A piada é a seguinte: “Um louco
ligou para a padaria e perguntou: saiu o pão? O padeiro respondeu: Sim, senhor.
Então ele perguntou: A que horas que ele volta?”. Essa busca por interlocutores pode
ser entendida, também, além das outras duas razões mencionadas, pelo caráter de
diversão dos textos, bem como pela necessidade de troca de experiências.
Havia ainda crianças que buscavam interlocutores com o objetivo de alcançar a
compreensão das piadas. Para ilustrar situações de leitura dessa natureza, podemos
identificar, em nossos registros de diário de campo, as enunciações construídas entre
147
o aluno Vic e a estagiária da sala, Raq. A criança, nesse momento do ano letivo, ainda
não dominava a leitura fluente. Ele se aproximou da estagiária de sala e fez a leitura
de uma piada de forma pausada: “Um homem foi à farmácia e perguntou ao
balconista: Tem sal de frutas? Ele respondeu: Sim. Então me um de morango”. A
falta de domínio de leitura do aluno, portanto, a leitura silabada, não possibilitou a
compreensão do sentido do texto. Embora tivesse conhecimento prévio do caráter
lúdico, não conseguiu concretizar essa finalidade na atividade de leitura. Assim, a falta
de domínio da leitura fluente implicou a necessidade de busca de auxílio de um leitor
mais experiente que, nesse caso, foi a estagiária de sala. Dessa forma, ao se
aproximar da estagiária, foi logo esclarecendo que não havia entendido a piada.
Então, a estagiária explicou a ele a associação que o autor quis indicar entre a
expressão sal de frutas com a palavra morango. Após esse momento de interlocução,
o aluno compreendeu a relação entre os termos e conseguiu identificar o aspecto
divertido do texto. A descrição desse último evento de leitura evidencia que o aluno
Vic percebeu que precisava de auxílio para compreender o texto. A observação de
que precisava de ajuda resultou do fato de não ter alcançado o objetivo da leitura _
divertimento. Acreditamos que essa observação foi possível pelo fato de o aluno
estar inserido em práticas de leituras com as outras crianças em que essa finalidade
se concretizava.
Nesse contexto, foi posvel constatar que os livros de piadas geraram nas crianças
grande interesse, além de provocar uma movimentão na sala de aula que fugia aos
procedimentos regulares instaurados pela professora no cotidiano e nas práticas de
leitura. Várias criaas, concomitantemente, circulavam pela sala de aula para mostrar
seus livros para outros colegas. Nesses momentos, identificavam determinadas piadas
que mais lhes chamavam a atenção, liam para os outros, faziam trocas provisórias dos
livros, comentavam sobre os sentidos da piada, buscavam aulio para compreender os
textos, sorriam e davam gargalhadas, quando uma criança fazia a leitura de alguma piada
que ainda o conheciam, enfim, demonstravam que o nero piada era altamente
atrativo para elas.
Acreditamos que esse envolvimento pessoal e coletivo na atividade de leitura,
demonstrado pelas crianças no contexto da sala de aula, foi viabilizado, inicialmente, pela
possibilidade de escolha dos materiais de acordo com seus interesses pessoais;
148
segundo, pela possibilidade de troca entre elas dos diversos exemplares, socializando,
assim, a exploração das diferentes piadas, muitas vezes em parceria com os outros
colegas. Ainda percebemos que as características do gênero textual piada também
atraíram a ateão das crianças, uma vez que os materiais adquiridos pelos alunos
apresentavam textos curtos e diretos que pressupunham dos leitores atitudes de alegria e
divertimento.
Essas condições eram bem distintas das situações de leitura propostas pela
professora no momento do projeto de Leitura Surpresa, começando pelo aspecto da
escolha do material, seguido pela dinâmica de envolvimento das crianças na proposta
de leitura, ou seja, apenas uma criança interagia com o livro de literatura infantil e, a
partir do roteiro da ficha, apresentava alguns aspectos do texto. A organização da
ficha em perguntas e respostas também prejudicava a construção de um todo de
sentido no momento da apresentação, pois era comum as crianças se limitarem ao
roteiro previamente definido. Outro aspecto que mereceu atenção estava relacionado
com a construção das questões da ficha de leitura que contemplava um roteiro fixo
para todas as crianças, para todos os textos e que exigia do leitor apenas a
identificação de elementos explícitos do texto, como título, autor, personagem principal
e assunto. A possibilidade de o leitor apresentar suas contrapalavras ao texto estava
resumida apenas na última questão, quando solicitava a sugestão de um outro título.
Assim, podemos nos perguntar sobre as finalidades da tarefa. As observações dessas
situações de leitura indicavam que a criança identificava esses elementos apenas para
apresentar para a turma, sem, contudo, estabelecer outras vinculações com as suas
experiências. A interação com a professora regente também era norteada pelas
questões do roteiro e ampliada em poucos momentos da interlocução. A regente
costumava perguntar se a criança havia gostado da história e se, em sua opinião, era
uma boa indicação de leitura para os outros colegas.
Geraldi (1997), ao discutir sobre o trabalho com textos na sala de aula, afirma que
atividades de leitura organizadas nesse formato inviabilizam que o sujeito leitor ao
texto cheio de perguntas, querendo aprender. Ele chega ao texto marcado pelo
roteiro das questões da ficha de leitura, ou seja, “[...] faz do texto um meio de estimular
operações mentais e não um meio de, operando mentalmente, produzir
conhecimentos (GERALDI, 1997, p.170). Ainda ressalta que “[...] não perguntas
prévias para se ler. perguntas que se fazem porque se leu [...] (GERALDI, 1997, p.
149
170). Esses aspectos é que nos possibilitam perceber que a interação dos alunos com
os textos, no projeto de Leitura Surpresa, se constituiu em bases distintas, em relação
à leitura dos livros de piadas, pois, nesses últimos, não tinham perguntas prévias a
responder. A leitura deste gênero textual gerava risos, possibilidades de conversas,
trocas, divertimento, etc.
Assim, considerando a intensidade do envolvimento das crianças com a atividade de
leitura dos livros de piadas, a professora percebeu e foi sensível às novas demandas
geradas nas situações descritas. Dessa forma, redimensionou sua proposta de
atividades incorporando a solicitação dos alunos para apresentar as piadas para os
demais colegas da turma. Reorganizou a atividade de leitura, intercalando a
apresentação de um livro do projeto de Leitura Surpresa e uma piada dos livros que as
crianças haviam adquirido. Essa postura da professora dinamizou a atividade de
apresentação, pois diferentes alunos manifestaram o desejo de participar da atividade
de leitura. Algumas crianças que não haviam comprado os livros também se sentiam
motivadas a participar do momento da apresentação e, então, solicitavam
emprestados aos colegas os livros para escolher uma piada e fazer a leitura. Ainda
percebemos a preocupação das crianças em se fazerem compreendidas, pois, em
muitas situações, elas liam o texto da piada e, em seguida, ratificava o sentido
divertido com suas explicações. Também percebemos que escolhiam para leitura as
piadas que ainda não tinham sido apresentadas.
Dessa forma, a interação com os demais colegas e a professora era dinâmica, pois
sorriam e teciam comentários sobre a leitura dos textos, como identificamos no
registro 14, de 2-6-2005 em nosso diário de campo, quando Reb fez a leitura de uma
piada que tratava de uma pesquisa do IBGE.
16
Ao final da leitura de Reb, a aluna Mars
comentou: “Minha mãe trabalhou no IBGE”. A professora também fazia elogios às
crianças dizendo “Muito bem”, “Legal essa piada”, além de fazer comentários do tipo
“Essa eu conhecia”, por exemplo, quando o Vic leu a piada sobre o carpinteiro que
prendia na boca vários pregos e uma senhora falou que era para ele tomar cuidado
para não engolir. O carpinteiro respondeu que não havia problemas, pois ele tinha
mais pregos. Além desses comentários apreciativos em relação à leitura das piadas
16
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
150
pelos alunos, também orientava as crianças quanto à entonação adequada da leitura
de algumas palavras e o tom de voz necessário para que a turma como um todo
pudesse ouvir a leitura.
Assim, as características dessas duas situações de leitura, observadas no contexto da
sala de aula, demonstraram que a situação social mais ampla envolvendo a leitura na
escola, como o evento comercial de livros, influenciou na estrutura enunciativa da
atividade de leitura, no contexto mais imediato dos eventos de ensino aprendizagem,
indicando, assim, o caráter dialógico das situações comunicativas.
Outra forma de contato dos alunos com a literatura infantil estava relacionada com a
ação pedagógica desenvolvida pelas professoras envolvidas neste estudo. O primeiro
evento que observamos de apropriação da literatura infantil pela Prof. 1 demonstrou
que ela a utilizava como pretexto para atividades que privilegiavam a dimensão
lingüística da alfabetização. No registro 11 do diário de campo, de 25-5-2005,
encontramos observações de um evento de leitura dessa natureza. A Prof. 1 solicitou
ao bibliotecário livros do acervo da biblioteca. Este entregou-lhe, no início da aula,
alguns livros e a Prof. 1 selecionou um exemplar que utilizou para leitura na sala de
aula. Nesse contexto, foi possível observar a fragilidade de critérios no momento da
seleção do material de leitura, o que avaliamos ser prejudicial às condições de leitura.
O tema do livro abordava o poder da televisão e, após o término da leitura do texto, a
Prof. 1 fez alguns comentários com os alunos sobre as informações transmitidas. Em
seguida, a regente solicitou que os alunos registrassem no caderno de atividade de
sala a primeira tarefa cujo enunciado foi explicitado na lousa “1- DITADO:”.
Complementou esse enunciado explicando oralmente que iria ditar 15 palavras que
constava na história que tinha acabado de ler e que as crianças deveriam fazer os
seus registros no caderno. Dessa forma, consultou as páginas do livro e escolheu para
o ditado as seguintes palavras: colorido, janela, mágico, cidade, amor, raiva, imaginar,
milagre, música, guerra, socorro, escutando, respirando, atenção e televisão. A Prof. 1
ainda fez a correção ortográfica dos registros das palavras individualmente e, quando
havia alguma inadequação no registro, apresentava a forma ortográfica convencional
ao lado, para que o aluno pudesse realizar a correção.
151
Outro evento que a Prof. 1 incorporou à literatura infantil em suas atividades
pedagógicas ocorreu em condições bem diferentes da anterior. A Prof. 1 recebeu de
presente da pesquisadora dois livros cujos títulos eram: O príncipe que bocejava, de
Ana Maria Machado, e O livro do riso do Menino Maluquinho, de Ziraldo. Esses
materiais foram comprados em uma feira de livros, durante a participação da
pesquisadora em um congresso de leitura. Assim, no retorno à sala de aula, a
pesquisadora entregou à turma o presente acompanhado de um bilhete. Esse bilhete
foi lido pela Prof. 1 para a turma e tinha por objetivo explicitar aos alunos os critérios
que foram considerados na escolha do material. O primeiro livro, O príncipe que
bocejava, foi escolhido com o objetivo de oferecer à Prof. 1 um material inédito de
leitura e que ela pudesse socializar com os alunos. O segundo livro, O livro do riso do
Menino Maluquinho, foi escolhido especialmente pelo interesse dos alunos pelas
piadas, manifestado em outras situações de leitura, conforme relatamos nos eventos
anteriores. Dessa forma, os alunos e a professora puderam conhecer a origem dos
materiais, bem como a intenção da proposta de leitura.
Esses procedimentos podem configurar alguns dos elementos que regem as
condições de produção da leitura. Outros aspectos também se tornam pertinentes,
como a questão do contato prévio com o texto antes da leitura em voz alta. Nesse
sentido, a Prof. 1 evidenciou, em suas enunciações, como esse fator influenciou os
seus procedimentos de leitura. Ela iniciou a atividade da seguinte forma:
Prof1: esse livro é muito legal [...] ontem quando eu estava lendo eu falei... ah... a primeira
série vai adorar esse livro... vou ler pra vocês... e depois eu vou deixar lá nos nossos livros...
pra quem quiser pegar... pra ler de novo... pra olhar as figuras... de pertinho... a Prof. 1 vai
deixar lá... que é nosso... é de vocês... então vou ler a história do Príncipe que bocejava...
(DC01R25 – 13-7-2005)
Assim, incentivou os alunos a ouvir a história e, também, indicou a possibilidade de
rever o livro com diferentes finalidades. Antes da leitura do texto, explorou o
significado do título com as perguntas: “Quem sabe bocejar?”, “Quando a gente
boceja?”, “É educado a gente bocejar perto dos outros?”, “Quem sabe me dizer o que
significa bocejar?”. Essas questões proporcionaram diferentes respostas dos alunos,
como podemos observar nas falas:
152
Alic: eu sei:::... quando a gente tá com sono...
Ati: é porque de noite... e tarde... minha mãe fala... na hora de dormir... eu
falo... eu quero assistir filme... ela fala... vai dormir... e eu falo... quero assistir filme... ela
deixa... [...] eu chego lá... quando passa a terceira parte... eu chego e oh ((aluno
imita o ato de bocejar)) (DC01R25 – 13-7-2005)
Nesses relatos, as crianças demonstraram o caráter de sujeitos ativos no processo de
leitura e suas respostas indicaram outras relações sociais não circunscritas nas
situações imediatas de leitura, mas que colaboraram para o processo de interlocução
com o texto verbal. Também possibilitou ao professor ampliar o horizonte das
interpretações, como observamos na fala da Prof. 1:
Prof1: Ati falou de filme... é legal... quando o Ati bocejou na hora do filme ... ele tava dizendo
o que pra mãe dele? que ele tava ficando com sono... mas às vezes eu vou assistir um
filme... chato também... um filme enjoado também... eu vou ficando sem vontade de
assistir...
[
Alic: e vai dormir...
Prof1: e vai me dando sono... um cansaço... e aí eu vou oh:::... e bocejo... nesses momentos
que bocejar não é educado... (DC01R25 – 13-7-2005)
]
Esses procedimentos, no momento das atividades de leitura, possibilitaram a inserção
prévia do leitor ao texto e ainda puderam despertar a curiosidade do sujeito leitor em
explorá-lo. Outras enunciações da Prof. 1 também indicaram a utilização dessas
estratégias de envolvimento dos alunos na atividade de leitura como:
Prof1: as meninas vão se apaixonar por esse príncipe...
Aluna: por que tia?
Prof1: por quê? presta atenção na história pra você saber... [...] ‘era uma vez um príncipe
muito bem-educado... que tinha se preparado durante toda a vida para se rEi um dia... [...]
quando cresceu ficou um rapaz encantador... para quem acreditasse nessas coisas de
príncipe encantado... todas as moças suspiravam por ele... sonhavam com ele... recortavam
suas fotos que saíam nas revistas... e então chegou a hora de escolher com quem iria se
casar... deram um grande baile’... aqueles bailes pra escolher a noiva... quem viu uma
história que tinha um baile assim?
153
Alic: eu sei... a Cinderela... (DC01R25 – 13-7-2005)
Assim, essas estratégias utilizadas pela Prof. 1 para convidar os alunos a participar da
leitura do texto possibilitaram outras relações de sentidos, como podemos observar na
referência a outros textos nas enunciações da aluna Alic, quando ela conseguiu
relacionar elementos do texto lido com outro conto de fada. Esse aspecto pode ser
analisado com base nas proposições de Orlandi (1996), quando afirmou:
[...] relações de sentidos que se estabelecem entre o que um texto
diz e que ele não diz, mas poderia dizer, e entre o que ele diz e o que
outros textos dizem. Os sentidos que podem ser lidos, então, em um
texto não estão necessariamente ali, nele. O(s) sentido(s) de um texto
passa(m) pela relação dele com outros textos (existentes, possíveis, ou
imaginários) (ORLANDI, 1996, p. 11).
Nesse contexto, a Prof. 1 continuou a leitura do livro para a turma. O conto
maravilhoso narrava a história de um príncipe que sempre bocejava, quando
conversava com as moças bonitas do reino que se candidatavam a serem sua noiva.
Durante as várias festas que eram promovidas no palácio, ele sempre apresentava o
mesmo comportamento de bocejar e justificava que era devido ao assunto chato das
candidatas. As crianças estavam atentas e ouviam silenciosamente a leitura do texto
pela professora. A cada momento que a regente possibilitava a alternância dos
sujeitos do discurso, ou seja, na perspectiva bakhtiniana de linguagem, viabilizava
réplicas, as crianças assumiam uma posição responsiva. Essas atitudes responsivas
puderam ser observadas em diferentes momentos da leitura do texto como:
Prof. 1: [...] ‘o príncipe estava bocejando... mas que mal-educado... pensou alguém... o
príncipe deve estar muito cansado... comentou o assessor... essa princesa deve ser uma
chata... também houve quem dissesse... e trataram de levar a moça dali... e chamar outra
para conversar com o príncipe... não adiantou nada.. em cinco minutos ele estava de
novo’... ((professora imita o ato de bocejar))... que que vocês acham que era? será que
eram essas moças que eram chatas?
Alunos: não...
Prof. 1: existe moça bonita e chata?
Alunos: existe...
Prof. 1: exis:::te... um monte... existe moça bonita e burra?
Alunos: existe...
154
Prof. 1: adianta ser muito linda e ter um papo muito chato?
Alunos: não::::
Prof. 1: não::: não adianta, né?
[...]
Prof. 1: ‘depois de poucos minutos de conversa... vinha aquela vontade incontrolável de’?
Alunos: de bocejar... ((respondiam em coro))
[...]
Prof. 1: [...] ‘do regime da prima... da cunhada que tinha feito uma peça pro duque... do
número de calorias do empadão... do chapéu novo da marquesa... do chapéu velho da
baronesa... o corte de cabelo esquisito da condessa’... ((as candidatas à noiva do príncipe
falavam)) só fofocada... só sabiam falar bobeira...
Alunos: ai que chato...
Prof. 1: [...] então... meninas... na hora de conversar com os rapazes... cuidado com as
conversas chatas... hein... se não os rapazes vai fazer o quê?
Alunos: bocejar...
Prof. 1: ‘e em seguida... UM grito... chega... não quero mais conhecer princesa nenhuma...
vou viajar do Meu jeito’... o jeito dele... sabe qual era? ‘era se disfarçar... para ninguém
reconhecer... nem chegar perto dele... com aquela conversa chata... e como suas fotos
estavam em todos os lugares... tratou de ficar bem diferente.. cortou e pintou o cabelo... pôs
brinco... óculos escuros... se vestiu de um jeito bem moderninho... botou uma mochila nas
costas... quem visse achava que ia para um festival de rock’...
Alic: igual roqueiro...
Prof. 1: isso mesmo Alic.. igual um roqueiro...
Alunos: deixa eu ver... tia... ((a ilustração))
Prof. 1: vou mostrar... [...] olha ele de moto... ((professora mostra as ilustrações do livro para
a turma))
Alunos: que legal... ((alunos fazem vários comentários ao mesmo tempo))
Prof. 1: cabelo azul... bem moderninho...
Gab: tia... é ele mesmo? deixa eu ver...
Prof. 1: depois você ver... agora é que vem a parte legal... olha meninas... ((ele viajou
muitos dias de moto e quando se cansou resolveu viajar de trem))... ‘logo no primeiro trecho’
((da viagem))... ‘o trem estava meio cheio... e não havia lugar perto da janela... sentado
junto a vidraça... ele sentou do lado’...((professora faz comparações com os locais onde as
crianças estavam sentadas na sala perto ou longe da janela)) ‘e do lado dele... uma moça
nem olhava a paisagem fora... sabe por quê? porque estava distraída lendo um livro... o
príncipe ficou esperando uma oportunidade... para propor uma troca de lugares’... sabe
quando você não olhando pra janela... deixa eu sentar no seu lugar... enquanto você
155
lendo o livro... a moça não dava oportunidade... ‘estava mergulhada no livro... não parava de
um minuto... às vezes arregalava os olhos... outras vezes sorria sozinha... devia ser um
livro interessantíssimo... ele morria de curiosidade para ver o título do livro... mas ele não
conseguia ver o tulo do livro... até que ele não conseguiu mais e perguntou.. quando ela
respondeu ele sorriu... eu adoro esse autor... mas eu ainda não conheço muito esse livro... é
que acaba de sair... a história se passa no mesmo lugar que aquele outro que ... nesse
instante começaram a conversar sobre livros... sobre aquele autor... sobre aquele lugar...
tinham livros... começaram a falar sobre os personagens... eles tinham lido alguns livros
iguais... cada um tinha suas leituras diferentes... também... e começaram a contar... a
contar... a contar ... os trechos dos livros que gostaram... os trechos que não gostaram...
criticando... elogiando’... olha lá... ((professora mostra as ilustrações))
Alunos: nossa... que legal...
Prof1: lá do lado da mocinha...
Alunos: uau... que legal....
Prof. 1: então vamos ver o que vai acontecer... ( ) “para onde você esindo? perguntou
ele depois de quatro horas de viagem... e de conversa... sem bocejar nenhuma vez”... por
que será que ele não estava bocejando perto dela?
Reb: porque o papo era legal...
Prof. 1: ah... porque o papo é legal... será que é isso mesmo... Jon?
Jon: é:::...
[...]
Prof. 1: ‘ele estava entusiasmado cada vez mais com a moça’... hein... ‘incluíam mais uma
visita no caminho... estavam adorando viajar juntos... e ele nem’...
Alunos: bocejava... ((vários alunos responderam))
Prof1: ‘bocejava... mas um dia começou a pensar... que mistério era aquele? como é que
aquela moça poderia ir para onde quisesse daquele jeito? será que ela não tem família? não
mora em lugar nenhum? de onde será que ela veio? para onde ela vai? resolveu perguntar...
ela ficou meio envergonhada para responder... bem eu moro mesmo em um lugar meio
longe daqui... e disse justamente o nome do reino dele... no reino que ele é rei’... que ele
é príncipe... né? disse o nome do reino... ela também morava lá...
Alunos: ela virou princesa...
Prof. 1: ‘depois continuou... estou podendo viajar... porque ganhei um prêmio... o
segundo lugar no concurso... se fosse o primeiro... eu ia ganhar muito dinheiro... uma casa
mobiliada... até com livros na estante... e um carro na garagem... mas como foi o segundo
prêmio... ganhei uma passagem de trem válida por seis meses... para ir onde eu quiser... e
uma caixa de livros... mas eu tinha lido alguns da biblioteca... então a gente troca... você
me passa os que você leu.. e lhe dou os livros que não tiver lido... combiNAdo...
combinado... ainda mais porque eram da mesma cidade... ia ser fácil fazer a troca... e ele
ficou convencido... que em poucos meses... quando acabasse o passe dela... ela também ia
voltar pra casa’... quando acabasse a passagem dela... olha ela... quem queria como
ela é oh...
156
Alunos: ai que bonitinha... deixa eu ver... ((alunos falam ao mesmo tempo quando a
professora mostra as ilustrações))
Prof. 1: vamos lá... hein... última página... terminando... ‘e você... por que tá viajando?’ agora é
a vez dele... contar a história dele... hein... ‘meio sem jei:::to... ele resolveu que ia contar seu
segredo... e dizer a verdade... tinha vontade de ficar o resto da vida ao lado dela...
conversando sem parar... não podia mentir... bom... de verdade eu sou o príncipe... ela riu
batendo palmas’ ((professora bate palmas)) ‘PRÍNCIPE’... será que ela acreditou? será que
acreditou? ‘que maRAvilha... ela falou... mas que coincidência... eu também sou princesa...
ele... prinCEsa? é... tirei o segundo lugar do concurso de rainha da uva da festa da colheita...
eu não lhe Disse?’... ela era princesa de verdade?
Mau: era...
Prof. 1: não...
Alunos: da festa da colheita...
Prof. 1: teve uma festa... igual quando a gente faz festa junina... e tira a princesa caipira... ela
teve uma festa... e ela foi a princesa da festa... porque será que uma moça ganha... pra ser a
princesa da festa?
Alin: dinheiro...
Prof. 1: não... por quê?
[
Alic: é porque ela pode ser bonita...
Fab: ganhar alguma coisa...
]
Prof. 1: porque geralmente são moças bonitas... inteligentes... né...
Alic: sabidas...
Prof. 1: aí ela falou que tirou o segundo lugar... se fosse o primeiro lugar ela ia ser princesa?
Alunos: não...
Prof. 1: ela ia ser o quê?
Mau: ia ser rica...
Prof. 1: se fosse o primeiro lugar ela ia ser princesa da colheita? ela ia ser o que da colheita?
Alunos: princesa...
Reb: rainha...
Prof. 1: rainha da colheita... o primeiro lugar é a rainha... ‘não... não tinha dito... não era
exatamente isso... mas não fazia mal.. daí alguns meses... a princesa que lia... e o príncipe
que não bocejava mais... voltaram para casa... e se casaram’
157
Alunos: ((palmas))
Prof. 1: ‘não sei se viveram felizes para sempre [...] mas por muitos e muitos anos... até
onde a memória alcança... tiveram assunto para conversar e se divertir... leram muito... e às
vezes quando bocejavam... já sabiam por que era’... por quê?
Fab: cansados...
Prof. 1: não... ‘estavam com sono e era hora de ir pra cama... e agora ninguém bocejava por
que era chato a conversa’... olha eles aqui ((professora mostra a ilustração))
Alunos: ((alunos fazem comentários ao mesmo tempo))
Prof. 1: velhinhos viveram muitos e muitos anos... gostaram da história?
Alunos: ((batem palmas e fazem muito barulho demonstrando satisfação)) de novo... de
novo ((alunos falam em coro))
Prof. 1: não... não... o nosso combinado era.. quem quiser ler... pode pegar com a Prof1 ((o
livro))... o nosso combinado foi esse... [...] (DC01R25 – 13-7-2005)
Durante a apresentação da história, a Prof. 1, em suas enunciações, convidou os
alunos a participarem do processo de interlocução com o texto em diferentes
momentos, conforme podemos observar nas falas:
Prof. 1: [...] que que vocês acham que era? será que eram essas moças que eram chatas?
Prof. 1: existe moça bonita e chata?
Prof. 1: adianta ser muito linda e ter um papo muito chato?
Prof. 1: [...] então meninas... na hora de conversar com os rapazes... cuidado com as
conversas chatas... hein... senão os rapazes vai fazer o quê?
Prof. 1: [...] por que será que ele não estava bocejando perto dela?
Prof. 1: [...] ela era princesa de verdade?
Prof. 1: por que será que uma moça ganha... pra ser a princesa da festa?
Prof1: [...] ‘e às vezes quando bocejavam.. já sabiam por que era’... por quê? (DC01R25 13-
7-2005)
Contudo, os diferentes sentidos elaborados pelas crianças na produção da leitura
muitas vezes não foram considerados no processo de interlocução, como podemos
observar na resposta de Mau quando explicitou que, se a personagem da história
tivesse ganhado o primeiro lugar, seria rica. É possível encontrar evidências no texto
158
que justificam sua resposta, como quando a autora especificou o prêmio para a
primeira colocada no concurso como muito dinheiro, casa e carro. Assim, percebemos
que a compreensão da criança estava perfeitamente de acordo com o texto, porém
não atendia às expectativas de resposta da regente. Dessa forma, a Prof. 1 insistia na
pergunta até que alguma criança enunciasse a resposta desejada que, nesse caso,
era rainha da colheita. Em outro trecho do evento, observamos o mesmo movimento
de interlocução que demonstrava buscar uma resposta única para o processo de
compreensão do texto. A professora, ao fazer o questionamento “e às vezes quando
bocejavam... sabiam por que era... por quê?”, esperava que as crianças
respondessem que era porque os personagens estavam com o sono, porém Fab
enunciou que era porque estavam cansados. A resposta do aluno pode ter sido
formulada com base nas suas experiências pessoais ou pode ainda está ancorada no
comentário inicial da professora sobre o ato de bocejar, quando ela afirmou que, em
algumas situações, indicava cansaço.
Diferentes aspectos evidenciados no evento de leitura do livro O príncipe que
bocejava indicaram que a professora adotava uma concepção de leitura que buscava
integrar as crianças no processo de interlocução, como explicitado em suas perguntas
direcionadas aos alunos. Ainda é possível identificar a intenção da professora em
considerar as opiniões das crianças, quando ela iniciou uma conversa ao final da
leitura da história:
Prof. 1: [...] o que será que faz... pelo que o texto falou pra nós... que o texto contou pra nós...
que o livro contou pra nós... o que será que faz a gente ter... uma conversa legal... e ser uma
pessoa interessante... e ser uma pessoa inteligente... que sabe muitas coisas?
[
Alic: inteligência...
Reb: a gente tem que estudar... ler livros...
]
Prof. 1: ah... estudar... ler livros... acompanhar tudo que está acontecendo no mundo... assistir
filmes... tudo isso faz a gente entender as coisas... (DC01R25 – 13-7-2005)
159
Assim, percebemos que a dinâmica da situação de ensino aprendizagem envolvendo
a leitura e mediada pela professora contemplava a participação dos diferentes
sujeitos. A partir dessas atitudes, inferimos que a regente buscava implementar
propostas didáticas inovadoras, porém, em suas enunciações, ainda observamos que
as palavras do autor do texto e da própria professora prevaleciam no processo de
constituição de sentidos à atividade de leitura. Esse aspecto pôde ser também
identificado quando a professora apresentou propostas de atividades decorrentes da
leitura, ou seja, buscou uma finalidade para a leitura, conforme observamos a seguir:
Prof. 1: posso ditar a primeira palavra do ditado? [...] primeira palavra... príncipe...[...] a
gente fala prínciPI... mas a gente escreve?
Alunos: prin-cê-pe:::...
[...]
Prof. 1: depois de educado... baili... baili...
Alunos: bai-le...
Jon: fala baili... mas escreve bai-lê... (DC01R25 – 13-7-2005)
Os procedimentos de escrita de palavras explicitados nesse trecho seguiram as
mesmas orientações do evento de leitura registrado no DC01R11 - 25-5-2005, ou seja,
a professora ditou 20 palavras que foram registradas pelas crianças no caderno em
forma de lista e a correção foi realizada individualmente pela professora que indicava,
caso necessário, a grafia convencional. A recorrência de propostas de leitura seguida
de escrita de palavras evidenciou aspectos que podem ser compreendidos dentro de
uma concepção de leitura que toma o texto como pretexto para trabalhar, como na
situação observada, a ortografia. Nessa perspectiva, a prática da leitura responde à
busca de uma resposta pontual, específica. Entretanto, considerando a dinâmica
estabelecida pela professora no momento da leitura, foi possível observar formas
ativas de interlocução com o texto, apesar de o seu objetivo final ser a escrita de
palavras. Nesse contexto, é importante perguntar: o que as crianças teriam a escrever
sobre o texto, para os personagens? Isso não ajudaria na aprendizagem da
ortografia?
160
Geraldi (1997) aponta diferentes formas de abordar a leitura de textos na sala de aula,
mas, segundo ele, o trabalho de leitura deve ser guiado pela seguinte questão: “[...]
para que se o que se lê? [...]” (GERALDI, 1997, p.168). Assim, o autor esclarece
que podemos ir ao texto para “perguntar-lhe” algo que queremos saber ou para
“escutá-lo” no sentido de
[...] retirar dele tudo o que ele possa me fornecer (e eu, no momento
desta leitura, possa detectar). É o que se pode chamar de leitura-
estudo-do-texto. Esforço maior, esta leitura confronta palavras: a do
autor com a do leitor. Como a palavra do autor, sozinha, não produz
sentido, minha escuta exige-me uma atitude produtiva. Que razões
podem levar a um estudo de um texto? Novamente, aqui, o querer
saber mais é imprescindível: o leitor não disposto ao confronto, ao risco
de constituir-se nas interlocuções de que participa, e este risco aponta
para a possibilidade de re-fazermos continuamente nossos sistemas de
referências, de compreensão do mundo [...] (GERALDI, 1997, p. 172).
O autor explicita ainda outras finalidades para orientar a leitura de textos na sala de
aula, como para usá-la na produção de novos textos. Nesse sentido, Geraldi (1997)
afirma que não problemas em tomar o texto como pretexto, pois esse objetivo é
legítimo. Também indica a leitura como fruição e explica que, nessa situação, ela é
regida pelo sentido da gratuidade, ou seja, não busca atender a uma finalidade
imediata, mas apenas estabelecer um diálogo entre leitor e autor, ambos carregados
com suas vivências e histórias.
Nesse contexto de possibilidades, a compreensão do texto, numa perspectiva
dialógica de linguagem, a partir da atividade de leitura, é vista como um processo ativo
em que o leitor possa apresentar suas contrapalavras. Sobre esse aspecto, Bakhtin
(2004, p. 131-132) explicita que
[...] compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em
relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto
correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em
processo de compreender, fazemos corresponder uma série de
palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e
substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão [...]. A
compreensão é uma forma de diálogo; ela está para a enunciação
assim como uma réplica está para a outra no diálogo. Compreender é
opor à palavra do locutor uma contrapalavra [...].
161
Assim, a atividade de leitura, ancorada nesses pressupostos, toma o texto não como
um objeto pronto e acabado, que tem um sentido único e definido pelo autor. A leitura
é concebida como
[...] o momento crítico da constituição do texto, o momento privilegiado do
processo de interação verbal, uma vez que é nele que se desencadeia o
processo de significão. No momento em que se realiza o processo da
leitura, se configura o espo da discursividade em que se instaura um
modo de significação espefico (ORLANDI, 1996, p. 37-38).
Dessa forma, pensar o trabalho com a leitura numa perspectiva dialógica de
linguagem, pressuposto desta pesquisa, supera a concepção de texto como objeto de
informação em que podemos pinçar elementos isolados. Ele deve propiciar, antes de
tudo, a possibilidade de instaurar o diálogo entre o autor e o leitor e, nessa relação,
constituir o processo co-enunciativo em que o sentido do texto não está determinado
apenas pelo autor, mas também não se limita à esfera subjetiva do leitor. O sentido do
texto é construído no encontro dessas duas vozes, em que os sujeitos envolvidos
possam dialogar a partir de suas diferentes experiências e vivências relacionadas com
o mundo da leitura e da escrita.
Embora os eventos de leitura orientados pela Prof. 1 tenham evidenciado aspectos
que configuraram a leitura como pretexto para sustentar diferentes propostas
didáticas, é interessante observar que a forma e as condições como foi conduzida a
leitura do livro O príncipe que bocejava foi distinta de outros eventos de leitura
orientados por ela. A professora, ao ler oralmente o livro para a turma, teve contato
prévio com o material, o que acreditamos ter possibilitado construir as estratégias
discursivas que buscava integrar os alunos no processo da leitura. Dessa forma,
observamos que essas condições produziram novos movimentos de leitura na sala de
aula, pois as crianças, em várias oportunidades, buscavam o livro para leitura,
conforme podemos observar nos registros fotográficos
162
Assim, é possível perceber que os modos como as crianças interagiam com o livro de
leitura assumiam formas e objetivos diversos. Na Foto 11, a exploração do material
era feita em grupo e, após o manuseio do livro, os alunos encontraram o jogo nas
últimas páginas, o que despertou grande interesse neles. Essa possibilidade de
trabalho não foi explorada pela professora, mas teve espaço na interação entre as
crianças. A oralidade era outra marca da interação dos alunos com o texto verbal, pois
trocavam idéias e informações sobre o jogo.
A Foto 12, que mostra Vic explorando o livro, evidencia uma postura corporal
descontraída, como a dos alunos da Foto 11, demonstrando, assim, que as situações
de leitura eram regidas por certa liberdade de organização. A Foto 12 distingue-se da
Foto 11, devido ao caráter individual de manuseio do material, além de Vic interagir
com o livro pelo procedimento de leitura silenciosa. Dessa forma, observamos que a
leitura foi produzida e que, sob determinadas condições discursivas, como explicitado
pela professora nas interações com os alunos, quando ela esclarecia para as crianças
a possibilidade de acesso ao material de leitura e a liberdade de objetivos quanto ao
manuseio da obra, viabilizou diferentes modos de apropriação do livro de literatura
infantil:
[...] e eles vão adorar porque eles adoram coisas assim... aí pergunta sobre o sítio do Pica-
Pau-Amarelo... sabe... tem perguntas de vários tipos de leitura... que outros (personagens)...
então são umas coisas muito legais e que você pode... trazendo para o dia-a-dia... e
mostrando pra eles... (DC01R34- 10-8-2005)
Foto 11 Alunos lendo o livro de
literatura infantil no palco da sala de
aula
Foto 12 – Aluno lendo o livro de
literatura infantil em sala de aula
163
O grande interesse dos alunos em acessar o livro também pode ser explicado pelo
caráter de novidade que o material representava para aquele grupo de leitores.
Observamos que esse aspecto também influenciou os procedimentos de leitura da
Prof. 1, pois, no DC01R34, de 10-8-2005, foi registrada, em entrevista pessoal com a
regente, referência ao uso do livro. A professora explicou que, no grupo de formação
continuada de professores que ela coordenava, tinha um momento de socialização de
leituras que se chamava “Li, vi, gostei e recomendo”. Assim, ela considerou pertinente
apresentar para as colegas desse grupo o livro O príncipe que bocejava e explicitou:
Prof. 1: [...] eu levei aqueles dois livros que você deu de presente pra minha turma... eu
conversei mais a nível... né... da nossa sala de aula... da importância de você escolher um
bom livro pra sua sala de aula... de repente o legal de você ir a uma livraria e escolher um
livro lançamento... um livro que você sabe que a criança ainda não teve acesso... que está
sendo uma novidade...
P:
17
o da Ana Maria Machado era esse o caso...
Prof. 1: [...] então eu achei isso legal... isso me fez refletir em cima disso... muitas vezes tem
os livros da biblioteca que é... O patinho feio... Cinderela... não sei que... sabe? essas coisas
que eles conhecem... né? então quando você traz uma leitura no:::va... [...] que fala de
algo novo... inclusive esse livro [...] ela faz todo esse posicionamento de... porque é
importante você ler... né? [...] a razão de você ler... porque que o príncipe não gostava da
conversa daquelas princesas... daquelas moças bonitas... né? porque elas eram bonitas...
mas elas não tinham uma leitura que ele tinha... né? então eu percebi isso quando eu li para
as crianças... que eles conseguiram entender isso... quando eu li pra minha filha... quando
ela percebeu isso... sabe? então... faz você viajar diferente... (DC01R34- 10-8-2005)
Nesse relato, a Prof. 1 evidenciou aspectos avaliativos quanto à importância de ter
critérios na escolha dos materiais de leitura e fazer escolhas por textos de qualidade.
Também observamos que o modo como ela tomou o texto para leitura, a qualidade
das estratégias do dizer contidas no livro e a forma como organizou o processo de
interação verbal na sala de aula e nas relações familiares produziram efeitos que
viabilizaram a instauração dos sujeitos como interlocutores no evento de leitura,
possibilitando, assim, o desencadeamento do processo de significação que, nas
palavras da professora “[...] faz você viajar diferente”. Em outro trecho da entrevista, a
regente retoma a experiência de leitura que realizou com esse material para explicitar
novas possibilidades de trabalho com a leitura.
17
Doravante, as enunciações da pesquisadora nos trechos de transcrição serão indicadas com a letra
P.
164
Prof. 1: [...] na última folha... eu não tinha reparado ainda... agora lendo novamente na
formação... pra formação né... eu vi que tem umas perguntas sobre literatura geral...
P: joguinho também né...
Prof. 1: você leu o livro dessa autora? né... que outros livros/ que outros três livros dessa
autora você conhece? então estou pensando fazer um trabalho com eles na biblioteca...
todo dia antes de ir para a biblioteca... eu lançar uma dessas perguntas que tem lá...
P: uhn...
Prof. 1: pra biblioteca ser um local de pesquisa... né... ele vai pesquisar (DC01R34- 10-8-
2005).
Percebemos que, nas narrativas da professora, os diferentes objetivos que orientaram
a leitura do livro, como para planejar as atividades de sala de aula, para compartilhar
com a filha ou para socializar com as colegas nos encontros de formação continuada,
permitiram acrescentar novos olhares ao texto, demonstrando que
[...] a leitura incide sobre ‘o que se tem a dizer’ porque lendo a palavra
do outro, posso descobrir nela outras formas de pensar que,
contrapostas às minhas, poderão me levar à construção de novas
formas, e assim sucessivamente (GERALDI, 1997, p. 171).
Contudo, embora a Prof. 1 tenha percebido novas possibilidades de trabalho com a
leitura, a partir das diversas releituras que realizou do texto, não tivemos oportunidade
de observar a implementação de ações voltadas para a concretização da proposta de
trabalho, uma vez que ela teve necessidade de entrar em licença-maternidade por
todo o restante do período letivo. Porém, a literatura infantil continuou permeando as
atividades pedagógicas de sala de aula no período de atuação da Prof. 2, que foi de
agosto a dezembro de 2005.
Nesse sentido, verificamos que a Prof. 2, ao utilizar a literatura infantil em suas
propostas didáticas, geralmente solicitava às crianças uma produção de texto como
decorrência das atividades de leitura. Assim, podemos identificar, no registro de diário
de campo 67, de 9-11-2005, uma atividade de leitura que explicita essas finalidades
para a literatura infantil.
165
Prof. 2: olha... não é um livro.. é uma história... ((professora fica à frente da turma com
vários cartazes... cada cartaz apresentava uma página do livro que predominantemente era
composto de texto visual... mostra o primeiro cartaz e diz))... qual o título do livro?
Alunos: O menino brigão que virou um amigão
18
((em coro))
Prof. 2: olha... o que vocês conseguem enxergar aqui? ((aponta o cartaz))
Ati: um menino com raiva...
Alic: e o outro alegre...
Prof. 2: é a mesma pessoa?
Alunos: não ((em coro))
Ati: é... só que ele mudou de camisa...
Alunos: ele mudou... são gêmeos...
Prof. 2: totalmente... é o mesmo... é o menino brigão ((aponta para a ilustração do menino
com expressão de raiva)) que virou um amigão ((aponta para a ilustração do menino com
expressão alegre))... o nome desse menino aqui é Vinícius... ((professora fixa o cartaz no
quadro da sala)) (DC01R67 – 9-11-2005)
Nas enunciações da Prof. 2, constatamos as implicações que o suporte do texto traz
para as interações. Ela iniciou definindo que não se tratava de um livro e sim de uma
história. Porém, ao prosseguir com a apresentação do texto, retomou o conceito de
livro, quando questionou as crianças sobre o título. Dessa forma, demonstrou
18
O livro O menino brigão que virou um amigão é de autoria de Jardinete Tavares, com ilustrações de
Nilcéa Pinheiro.
Figura 4 Cartaz 1 mostrando a capa do livro O
menino brigão que virou um amigão
166
contradições, pois o material utilizado originalmente consistia em um livro, porém, para
aquela situação didática, foi transposto para o suporte cartaz, preservando algumas
características do texto organizado em livro, como um cartaz para cada página,
inclusive a capa. Nesse evento, observamos que esses elementos relacionados com a
materialidade física de apresentação do texto o constituíram objetos de análise da
professora e nem foram explorados na situação de ensino aprendizagem.
Consideramos que o esclarecimento para os alunos das características do suporte
original do texto e as razões que explicariam a transposição para o cartaz naquela
situação de leitura poderia contribuir como um dos elementos de configuração das
condições de leitura.
Na seqüência das interações, a Prof. 2 elaborou questionamentos para os alunos
quanto à interpretação das ilustrações da capa, com o objetivo de instaurar o processo
de leitura. Nesse momento, as crianças dialogavam com a professora e entre si e se
inseriram nesse processo como sujeitos ativos e responsivos, pois iniciaram suas
respostas a partir das evidências explícitas do texto proposto, quando indicaram as
diferenças entre os dois meninos da ilustração, ou seja, a expressão de raiva e alegria
e as cores da camisa.
Nesse sentido, podemos perceber que respostas como “são gêmeos” demonstravam
elementos de suas experiências, pois, em nossa cultura, é comum utilizar cores
diferentes de roupas em crianças gêmeas que possuem semelhanças físicas. Ainda é
possível observar, nas enunciações, que a questão de autoria do texto não foi
evidenciada no processo de ensino aprendizagem, o que, em nossa percepção,
constitui um elemento que limita a instauração do processo de constituição de
sentidos à atividade de leitura. Sobre esse aspecto, é interessante notar que
informações a respeito do autor(a) e/ou ilustrador(a) tornam-se relevantes no
momento da leitura, por indicar elementos sobre o lugar de onde o autor/ilustrador
estão falando, sobre as vozes sociais que habitam o seu discurso e o auditório social
ao qual eles direcionam o texto. Assim, acreditamos que a explicitação desses
aspectos, em eventos de leitura no contexto de situações de ensino aprendizagem,
pode contribuir na construção de sentidos do texto. Bakhtin, ao tratar dessa questão,
distingue o autor-pessoa (o escritor, o artista) do autor-criador (função estético-formal
167
engendradora da obra). Segundo Faraco (2005, p. 38), Bakhtin afirma que é o “[...]
posicionamento valorativo que dá ao autor-criador a força para constituir o todo [...]” da
obra, inclusive a forma composicional e o material. Ainda evidencia que
[...] a grande força que move o universo das práticas culturais são
precisamente as posições socioavaliativas postas numa dinâmica de
múltiplas interrelações responsivas.
Em outras palavras, todo ato cultural se move numa atmosfera
axiológica intensa de inter-determinações responsivas, isto é em todo
ato cultural assume-se uma posição valorativa frente as outras
posições valorativas [...] (FARACO, 2005, p. 38)
Assim, é importante perceber que o autor-criador está intrínseco à obra e que não
explicita os eventos da vida passivamente, mas apresenta uma certa posição
axiológica ao produzir o objeto artístico-estético. Conforme esclarece Faraco (2005, p.
40), “[...] o discurso do autor-criador não é a voz direta do escritor, mas um ato de
apropriação refratada de uma voz social qualquer de modo a poder ordenar um todo
estético”. Dessa forma, conhecer aspectos do contexto de produção da obra/livro,
como: quem é esse autor, onde vive ou viveu, com que objetivo escreveu o livro, que
relação mantém com o ilustrador, em que período produziu a obra, pode ser
importante, pois revela elementos que merecem ser tratados como condições de
produção da leitura, porque permitem ampliar o universo de compreensão do
pensamento do autor-pessoa e as finalidades do texto.
Encontramos também outras falas que marcaram as condições de envolvimento dos
sujeitos no processo de constituição de sentido ao texto por meio da leitura.
[
Rha: ô tia... eu quero ler essa historinha também...
Prof. 2: é um menino muito esperto... cheio de vida... mas tem uma coisa... ((fixa o segundo
cartaz na parte de baixo do quadro))
Aluno: tia... cola no alto... pra sala toda ver...
]
Prof. 2: o que está falando aqui? ((aponta para o segundo cartaz))
168
Ati: ele está brincando com o iôiô...
Alunos: ((vozes))
Prof. 2: Vinícius é aquele menino serelepe...
Gab: serelepe é o quê... tia?
Prof. 2: o menino era muito esperto... que não pára quieto...
Mau: ((levanta o braço e diz)) igual eu... tia... eu não paro quieto...
Prof. 2: ele não pára quieto... ele faz bagunça... ele é levado... muito legal... tem uma
coisa... ele não tem limite... ele é muito legal... adora brincar... mas ele não sabe a hora de
parar... o Vinícius... como ele brinca demais... às vezes incomoda... aí quando a brincadeira
passa por demais... aí vira o quê? bagunça...
Mau: e depois... tia?
Prof. 2: e com isso... ele começou a perceber... que as pessoas não queria bagunçar com
ele... brincar o tempo que ele queria... ele começou a fazer o quê? ele começou a bagunçar
o que as pessoas estavam fazendo... o que as crianças estavam fazendo... ( ) ((professora
apresenta o terceiro cartaz)) olha o que o Vinícius estava fazendo?
Figura 5 Cartaz 2 mostrando página do livro O
menino brigão que virou um
amigão
169
Ati: que massa ele...
Mau: olha a boca...
Prof. 2: fazia careta pra todo mundo... assustava as meninas... pisava no rabo do gato...
aprontava tudo o que tinha direito.. e o que não tinha...
Fab: ali no segundo (cartaz)... parece que ele era legal... olha a carinha dele...
Essas interações evidenciaram a tentativa dos alunos em instaurar o espaço da
discursividade no processo da leitura. Alguns trechos mostram que os sujeitos da
situação comunicativa se reconheciam como interlocutores do texto, como podemos
observar na fala de Mau, quando reconheceu possuir algumas características
comportamentais similares ao do personagem da história. Outros comentários
valorativos enunciados pelas crianças, como “que massa ele”, “parece que ele era
legal”, também demonstram o potencial de respostas dos alunos ao texto oral
apresentado pela professora. Sobre essas atitudes responsivas, Bakhtin (2003, p.
271) afirma que
[...] o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (lingüístico) do
discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição
responsiva: concorda ou discorda dele (totalmente ou parcialmente),
completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.; essa posição
responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo o processo de
audição e compreensão desde o seu início, às vezes literalmente a
partir da primeira palavra do falante.
Figura 6 – Cartaz 3 mostrando página do livro O
menino brigão que virou um amigão
170
Contudo, as atitudes responsivas dos alunos não encontraram réplicas no curso da
comunicação verbal e a professora continuou apresentando a seqüência das cenas da
história. A construção do texto oral seguiu evidenciando o perfil do personagem
Vinícius como um menino que não costumava manter uma relação amistosa com os
colegas, pois, nas palavras da regente, sempre era muito “bagunceiro... não tinha
limites... começou a arranjar encrenca com todo mundo” (DC01R67- 9-11-2005). Após
certo tempo, ele resolveu fazer uma festa para comemorar o seu aniversário e
convidou os seus amigos. Nesse momento, a professora apresentou a cena a seguir e
interpelou os alunos:
Prof. 2: [...] o que você faz no seu aniversário?
Jon: chama os colegas...
Prof. 2: e você chama os seus colegas pra quê?
[
Alin: pra comemorar...
Mau: e pra comer...
Hem: pra se divertir...
]
Prof. 2: e o que você faz?
((vozes))
Figura 7 – Cartaz 6 mostrando página do livro O
menino brigão que virou um amigão
171
Prof. 2: (chama) para uma festa... não é isso mesmo?
((vozes))
Prof. 2: eles vão ver que é uma festa bonita...
Mau: eu já tive festa de aniversário...
Ray: eu também...
Aluno: eu também...
Nesse fragmento, podemos inferir que a interação dos sujeitos, por meio da atividade
de leitura, possibilitou que as crianças manifestassem suas opiniões sobre os diversos
sentidos que podem atribuir a uma festa de aniversário, além de explicitar suas
vivências sociais e familiares relacionadas com esse contexto. A professora, ao
continuar a narrativa da história, salientou que os convidados do Vinícius não
compareceram à sua festa e ele recebeu apenas uma correspondência de seus
familiares, conforme mostra a próxima cena da história:
Reb: lê... tia...
Prof. 2: o que é um telegrama?
Reb: é tipo uma carta de... de mandar um aviso...
Prof. 2: é isso mesmo... uma carta... pode ser um recado... mas não é com sua letra... não é
feito com sua letra... você pode até ligar pra lá... eles vão digitar... e vão mandar pra
Figura 8 – Cartaz 9 mostrando página do livro O
menino brigão que virou um amigão
172
pessoa... a família dele mandou... e ninguém ligou pra ele... então olha aqui... ‘Vinícius...
não podemos viajar hoje... tenha um feliz aniversário com seus amigos... um beijo da vovó...
do vovô... da sua tia... e dos primos’... Vinícius começou a pensar... no que ele tinha
feito... ele ficou muito triste... porque ele queria comemorar mais um ano de vida... e
ninguém foi no aniversário dele [...].
Dessa forma, podemos perceber que, por meio da atividade de leitura, a Prof. 2
comentou sobre outro gênero textual, o telegrama. Em suas enunciações,
identificamos tentativas de explorar as características e finalidades desse gênero,
porém as informações prestadas não caracterizam suas propriedades
sociocomunicativas. Características básicas que marcam o telegrama, como
mensagens breves, objetivas, enviadas geralmente em caráter de urgência, utilizado
para felicitar ou comunicar fatos importantes, não foram contempladas nas
explicações da Prof. 2. Assim, podemos inferir que esse objetivo não estava
contemplado em sua proposta de leitura e, por isso, talvez não foi evidenciado. A
regente continuou narrando a história, dizendo que o Vinícius ficou muito triste com a
ausência dos amigos e familiares em sua festa de aniversário. Segundo ela, a partir
desse momento, ele percebeu que suas atitudes afastavam as pessoas e que por isso
ele iria mudar de comportamento.
Prof. 2: então ele parou com esse comportamento... ele mudou de atitude.. e o que
aconteceu no outro ano? Vinícius foi fazer a festa de aniversário e convidou todo mundo...
como é que foi?
Reb: foi linda... foi a avó... foi todo mundo que ele convidou...
Lil: até o cachorro foi...
((vozes))
173
Prof. 2: gente... o Vinícius mudou muito... não é?
((palmas))
Alunos: de novo... de novo... ((em coro))
Prof. 2: quem vai fazer tudo de novo são vocês... eu vou entregar a folha... e vocês vão
olhar os quadrinhos e vão contar a história...
Reb: tia... tem que fazer os desenhos?
Prof2: não... não precisa... não...
((vozes))
Prof. 2: é a história dele (Vinícius)... vocês que vão contar...
((vozes))
Prof. 2: olha... vou um minuto pra vocês virem aqui ((no quadro))... e olharem os desenhos
da história... vai ser por fila
...
Figura 9 Cartaz 12 mostrando página do livro O
menino brigão que virou um amigão
174
Nas enunciações da Prof. 2,
vocês vão olhar os quadrinhos e vão contar a história” e “é a
história dele (Vinícius)... vocês que vão contar”,
podemos observar que está implícita a
noção de texto como um produto discursivo definido, pronto e acabado, passível de
ser repetido. Esse conceito também ecoou nas vozes das crianças, quando chegaram
a indagar se os desenhos também deveriam ser retratados em suas versões. Em
alguns momentos da leitura, a Prof. 2 permitiu a manifestação dos sujeitos alunos no
processo de interlocução com o texto, quando eles se identificaram com as
características do personagem da história ou quando relataram suas festas de
aniversário; entretanto, não houve, por parte da professora, respostas para as
avaliações das crianças. Assim, esses momentos foram pontuais e não observados na
maioria da produção escrita dos alunos, o que confirma que a concepção de texto que
orientou a atividade de leitura e de escrita estava centrada na idéia de um objeto finito,
fechado em si mesmo e, portanto, passível de ser retratado pelos alunos sem a
manifestação de suas idéias. Se considerarmos o que disseram sobre o primeiro
quadro, não havia razões para o personagem receber o castigo (ausência dos
familiares e amigos à sua festa de aniversário). Apesar de esses sentidos não
ecoarem, pois a professora não os tematiza, discute, eles o foram completamente
calados como podemos observar nos textos a seguir:
Foto 13 Alunos observando os
cartazes da história O menino brigão que
virou um amigão expostos no quadro
pela Prof. 2
Foto 14 Alunos observando os
cartazes no quadro
175
Figura 10 – Texto produzido por Jon, em 9-11-2005, em sala de aula
176
Figura 11 – Texto produzido por Reb, em 9-11-2005, em sala de aula
Texto produzido por Reb em 09/11/2005 na sala de aula.
177
Nas produções de Jon e Reb, percebemos a reinteração de vários elementos do texto
apresentado pela professora, a começar pelo título das produções que foram
idênticos. O conteúdo do texto das duas crianças também seguiu percurso similar ao
que a regente havia exposto, demonstrando, assim, que o sentido do texto produzido
pela professora, no momento da atividade de leitura, prevaleceu na produção escrita
dos alunos. Essa característica pode ser compreendida no contexto das relações entre
aluno e professor. As crianças geralmente querem atender às expectativas dos
professores e há, em certas condições, receio de imprimir suas marcas no texto
prevendo possíveis repreensões. Embora a maioria dos textos das crianças
explicitasse um sentido único, marcado pela voz da professora, percebemos que
algumas delas, mesmo discretamente, se aventuraram a construir novos sentidos. No
texto de Ine, podemos identificar que ela buscou uma outra razão para explicar o
comportamento do personagem Vinícius, ou seja, que ele se sentia muito só e por isso
costumava atrapalhar os colegas. Dessa forma, Ine imprimiu, por meio da escrita, sua
Figura 12 – Texto produzido por Ine, em 9-11-2005, em sala de aula
178
expressão como leitora e evidenciou que seu discurso estava povoado de vozes para
além do contexto da sala de aula. Ao apresentar uma razão para o comportamento do
personagem, visa a desculpá-lo e, desse modo, apresentar também (mesmo que não
esteja escrito) uma justificativa para a sua discordância com o castigo que foi aplicado
ao personagem.
A partir desse evento, podemos inferir sobre a importância de instaurar as condições
de produção da leitura. Nesse sentido, explicitar as finalidades para a atividade de
leitura, os critérios que nortearam a escolha do material, contextualizar a autoria e
explorar as características textuais, podem configurar elementos nessa direção.
Viabilizar o diálogo, a partir da atividade de leitura do texto, com os vários sujeitos
envolvidos na interação, também potencializa a constituição de sentidos, ou seja,
várias experiências sociais vividas pelos interlocutores atuam no momento do diálogo
para instaurar o espaço da discursividade. Outro aspecto que nos auxilia a
compreender os motivos pelos quais a maioria dos alunos concebeu o trabalho de
escritura apenas como uma reinteração do texto apresentado pela professora está
relacionado com às condições de produção da escrita. Isto é, não observamos, nas
enunciações, a explicitação da razão para a produção do texto escrito e nem quais
seriam seus interlocutores. Importava apenas reproduzir a história ouvida e a
apreciação construída pela professora.
Outro aspecto interessante que podemos observar, a partir desse evento de leitura,
refere-se às características moralizantes da história. Nessa perspectiva, podemos
compreender que a leitura é também tomada como forma de veicular determinados
comportamentos desejados dentro de uma organização social, como a escola. Sobre
esse assunto, podemos encontrar em Chartier e Hébrard (1995) referências que
evidenciam as origens históricas do modelo educativo das narrativas moralizantes no
contexto francês. Segundo os autores, as histórias de cunho moral foram introduzidas
no universo da escola por meio dos manuais de leitura, também denominados de livro
de leitura corrente.
179
Para ilustrar lições de moral, uma trama romanesca ou narrativas de
ficção deixam de ser um obstáculo para se tornar uma ajuda, visto que a
identificação com heróis sempre positivos torna o apólogo mais eficaz. O
esquema é sempre o mesmo em quase todos os casos: surge na vida
de uma criança um acontecimento que traz um problema (bem ou mal
resolvido) e provoca uma tomada de consciência, mediante a qual a
criança é transformada [...] (CHARTIER; BRARD, 1995, p. 398).
Assim, a tradição de utilizar a leitura para trabalhar questões de cunho moral com o
objetivo de “[...] educar a sensibilidade, a inteligência e a vontade; oferecer modelos de
identificão: ampliar a miscula experncia de cada um por meio da experiência fictícia
colhida nas histórias [...]” (CHARTIER; HÉBRARD, 1995, p. 408), implementada pelos
manuais de leitura, ainda se faz presente nas práticas de leitura desenvolvidas na
escola, conforme observamos na história apresentada pela Prof. 2. No evento de
leitura do livro O príncipe que bocejava, desenvolvido pela Prof. 1, também
identificamos enunciações dessa natureza, como “[...] nesses momentos que bocejar
não é educado” (DC01R25 13-7-2005). É importante salientar que, em cada
momento histórico, essas histórias são revestidas de novas formas. No caso
observado, ela se apresentou a partir da literatura infantil.
Outras possibilidades de trabalho com a literatura infantil também foram observadas.
Nesse sentido, a professora de projetos, denominada aqui de Prof. 4, concebia a
leitura como um dos elementos constitutivos e necessários às suas propostas de
trabalho. Assim, procurava esclarecer os objetivos e os procedimentos das atividades
e organizava, juntamente com os alunos, as estratégias para alcançar o melhor
resultado. Para dar visibilidade a essas situações de ensino aprendizagem,
selecionamos uma atividade que envolveu diferentes formas de expressão, como a
leitura de uma história de literatura infantil, música e teatro. Essa atividade foi
reelaborada para ser apresentada na Feira do Verde.
19
A professora relatou que, no
ano de 2004, trabalhou com a turma o livro A borboleta Cinza, de Mario Valle. Explicou
que fizeram a leitura da história e depois produziram uma música com os alunos. Em
seguida, viabilizou a gravação de um CD em um stúdio, onde os alunos e alguns pais
tiveram oportunidade de conhecer o funcionamento de um estúdio, bem como adquirir
19
A Feira do Verde é um evento anual que ocorre num parque da cidade de Vitória-ES, onde são
apresentados vários projetos de educação ambiental promovidos pelas empresas, escolas e
instituições públicas. A programação desse evento contempla apresentações de teatro, dança,
música, exposições, oficinas e palestras com o objetivo de trabalhar a importância da preservação
ambiental. É aberto ao público em geral.
180
o CD. Comentou também que os alunos apresentaram a música em outros eventos
coletivos organizados na escola.
No ano de 2005, a escola recebeu o convite para participar da Feira do Verde. Dessa
forma, a Prof. 4 resolveu recuperar o trabalho com o livro A borboleta cinza, pois essa
história abordava a questão da poluição ambiental, pertinente à temática do evento.
Como o texto já era conhecido pelas crianças, a professora propôs a produção de uma
dramatização da história, articulada com a música anteriormente produzida. Também
ressaltou a importância de explicitar previamente para o público do evento o conteúdo
da história que iriam apresentar na dramatização. Para isso, indicou no texto trechos
para que cada grupo de alunos pudesse apresentá-lo em forma de jogral. A partir
dessa orientação, observamos que, nos momentos dos ensaios, as crianças
demonstravam preocupação em recorrer ao texto escrito. Nesse sentido, buscavam
dominar o texto de memória e adquirir fluência e entonação na sua expressão oral,
requisitos básicos e necessários para sua apresentação na forma de dramatização.
Essas atitudes das crianças podem ser visualizadas nas fotos a seguir:
Foto 15 Prof. 4 orientando leitura de um
grupo de alunas
Foto 16 – Alunos ensaiando jogral
181
As imagens, registradas no momento do ensaio de preparação do teatro, confirmam a
preocupação das crianças em dominar a leitura do texto escrito, além de evidenciar
atitudes colaborativas em relação ao outro. Também podemos observar que o texto foi
transposto do suporte livro para folhas, com o objetivo de viabilizar o acesso de todas
as crianças ao texto e possibilitar a sua leitura no contexto familiar. Durante os
ensaios, ainda foi possível perceber que a professora fazia orientações aos grupos
quanto aos aspectos de entonação e fluência na leitura, evidenciando, assim, a
importância da clareza na expressão. Outro aspecto utilizado para compor o processo
de interpretação do texto estava relacionado com os diferentes figurinos que os alunos
vestiam para representar os personagens da história, como animais, executivo,
crianças, borboleta. Assim, todas as ações configuravam estratégias para alcançar o
objetivo do trabalho, e a leitura, nesse contexto, consistia numa capacidade
fundamental que possibilitava o envolvimento das crianças.
Participaram da apresentação 22 alunos, porque duas crianças, por motivos
familiares, não tiveram autorização e uma outra criança, por iniciativa pessoal, não
quis participar da dramatização. Esse último aluno demonstrava comportamentos de
timidez, inclusive em sala de aula, e não costumava se expressar oralmente, por isso
preferiu ficar na platéia, como espectador, decisão que foi respeitada e tomada como
natural pelo grupo.
As crianças, ao chegarem no espaço do parque onde acontecia a Feira do Verde,
foram encaminhadas para o local da apresentação que se tratava de um circo, com
Foto 17 Prof. 4 orientando a leitura de
alunos
Foto 18 Alunos lendo o texto do
jogral
182
um grande palco. A equipe da escola, professora regente, professora de projetos,
estagiária e pedagoga providenciaram a preparação dos alunos com o figurino
específico de cada personagem. Observamos também a presença de vários pais que
auxiliavam a equipe nesse momento. As crianças demonstravam entusiasmo e
segurança, pois conheciam o roteiro de procedimentos. Dessa forma, o grupo, ao
ser convidado pelo locutor do evento para a apresentação do espetáculo, entrou no
palco e a Prof. 4 contextualizou a atividade para o público, como podemos observar
nas enunciações:
Prof. 4: eu quero apresentar... esse é um projeto de musicalização... e incentivo a leitura...
da escola X... essa é uma história... musicada e dramatizada... a história... A borboleta
cinza... a gente musicou... e depois levou os meninos para gravar num stúdio... como eu
falei... é uma história musicada e dramatizada... do Mario Valle... chamada A borboleta
cinza... [...] primeiramente os meninos vão contar a história... e depois vão apresentar a
dramatização... (DC01R55- 23-9-2005)
A partir desse momento, a professora regente apresentou a turma e direcionou o
microfone para captar a oralização do texto pelas crianças.
Prof. 2: com vocês... A borboleta cinza... pela primeira série X... da emef X...
Reb/Hem/Mars: ‘ninguém prestava atenção... na borboleta perdida... no meio da poluição’
Jon: ‘ela não tinha graça... era da cor da fuma::ça’
Lil/Alin/Ati: ‘e as pessoas... só olhavam pra televisão’
Dav/Ray: ‘a borboleta então... foi embora para bem::: longe’
Gab/Lui: ‘o lugar era cheio:::: de bichinho coloridos’
Fab/Ari: ‘ela se escondeu... com vergonha da sua cor... chorou a noite toda... e um banho de
lágrima tomou’
Fel/Vic/Mau: ‘de manhã cedinho... não agüentando de frio... foi se secar ao sol’
Alic/Ine/Rha/Sca: ‘os bichinhos... quando viram a borboleta.. gritaram... que Linda’
Alunos: ‘a borboleta então voou... fazendo um arco íris no céu’ ((fizeram gestos com os
braços imitando as asas da borboleta voando... terminando o jogral os alunos se dividiram
no palco na posição que previa a dramatização e iniciaram a apresentação... a cada parte
da história musicada... entravam em cena os alunos interpretando a história)) (DC01R55
23-9-2005)
183
Após a apresentação, a equipe da escola festejou com os alunos o sucesso do
espetáculo, parabenizando as crianças. Os pais que estavam presentes também
receberam seus filhos com satisfação, registrando fotografias daquele momento. As
crianças demonstravam expressões de alegria e euforia, pois sabiam que tinham
atendido às expectativas, principalmente pela reação do público que aplaudiu com
bastante intensidade. Durante a retirada dos figurinos, as crianças e as professoras
comentavam detalhes sobre a experiência vivenciada sempre com tons valorativos
positivos.
A partir desse percurso de interação com o texto de literatura infantil A borboleta cinza,
observamos que este foi tomado de diferentes formas. A cada fase do trabalho,
determinados objetivos orientavam os procedimentos de leitura, influenciando, assim,
Foto 21 Lui encerrando
apresentação de teatro na Feira do
Verde
Foto 19 Alunos apresentando teatro
na Feira do Verde em 23-9-2005
Foto 20 Alunos interpretando a
história A borboleta cinza
184
na forma de ler o texto. A professora de projetos, ao articular o texto de literatura
infantil com o universo da música, propôs a atividade de gravação do CD, o que gerou
necessidade de reorganização textual em formato de música, além de influenciar na
entonação e no modo de leitura desse texto. Na atividade de dramatização, isso
também ocorreu, pois as crianças trabalharam com o texto na forma de jogral
influenciando também no modo como interagiam com o texto por meio da leitura, uma
vez que cada grupo iria fazer a apresentação de apenas um trecho. Contudo, o
conhecimento do todo do texto verbal era necessário, pois as crianças precisavam
acompanhar a sua seqüência para atuar na dramatização. Dessa forma, o trabalho
com a leitura desenvolvido pela professora de projetos demonstrou uma outra
proposta, ou seja, a leitura foi tomada como um processo e pode ser produzida de
várias formas dependendo do objetivo que a motivava.
Após apresentar esses diferentes eventos de leitura que tinham como referência a
literatura infantil, observamos que um elemento recorrente em todos eles foi o
direcionamento das propostas pelas diferentes professoras. Porém, não podemos
deixar de registrar que outras práticas de leitura, envolvendo a literatura infantil,
ocorriam no contexto da sala de aula. Essas práticas aconteciam concomitantes às
atividades organizadas pelas professoras, a partir de iniciativas dos próprios alunos.
Mas, em que momentos elas ocorriam? Onde os materiais de leitura eram acessados?
De que formas eram organizados?
Conforme configuramos no capítulo que tratou da metodologia de pesquisa, a sala de
aula pesquisada proporcionava um ambiente sugestivo a práticas de leitura, pois, em
sua composição, apresentava diferentes objetos que estimulavam essas práticas.
Nesse aspecto, o palco no canto da sala, o tapete de tiras de retalhos coloridos, as
almofadas, o tapete de borracha e os livros disponibilizados nos cestos de plástico e
no suporte de parede constituíam as condições materiais para o envolvimento dos
alunos com a leitura. Alguns desses elementos podem ser observados nas imagens
que se seguem:
185
Assim, devido ao caráter não formal desses eventos de leitura, observados no
contexto da sala de aula, como não consistiram em objetos de avaliação
sistematizada, denominamos esses eventos de leitura livre. A leitura livre era
viabilizada devido às condições materiais presentes na sala de aula, conforme
descrevemos, articuladas a uma lógica de funcionamento desse espaço. Nesse
sentido, registramos, em nosso diário de campo, alguns procedimentos e enunciações
que indicavam essa lógica de funcionamento, como podemos identificar no registro do
diário de campo 09, de 18-5-2005, quando a Prof. 1 retirou do seu armário uma caixa
cheia de livros e colocou no palco para que as crianças que haviam terminado a
atividade apresentada no quadro pudessem utilizá-los para leitura. Os alunos
demonstraram familiaridade com essa rotina, pois observamos que, à medida que
concluíam a tarefa do quadro, seguiam a sugestão da Prof. 1 escolhendo livros para
leitura. Outra evidência dessa lógica de funcionamento pode ser percebida nas
enunciações da Prof. 2 e da estagiária de sala:
Prof. 2: quem terminou... pode pegar livros para leitura... porque tem gente ainda
terminando a atividade... (DC01R43 – 25-8-2005)
Estagiária: psiu:::... só um momento... Gab... Bru... silêncio... Mars... Lil... silêncio... guarda o
livro de historinha pra depois... embaixo da mesa... Lil... livro de historinha embaixo da
mesa... ((estagiária tenta organizar a sala para iniciar o trabalho com o livro didático))
(DC01R76- 5-12-2005)
Assim, percebemos que a leitura livre era permitida nos momentos de intervalo entre
uma atividade e outra que a professora regente apresentava na sala de aula. Esses
30
/0
9
/2005
Foto 22 Suporte de livros fixado na
parede da sala de aula
Foto 23 – Alunos lendo no palco da
sala de aula
186
momentos de leitura também funcionavam como um recurso regulador dos diferentes
estágios de desenvolvimento das crianças, pois aquelas que concluíam com rapidez
as atividades poderiam se ocupar com a leitura, enquanto os demais colegas
pudessem terminar as tarefas. Esse modo de organização favorecia uma intensa
interação de algumas crianças com os materiais de leitura, além de permitir que
experimentassem diferentes modos de ler. Nesses momentos, as crianças faziam
leitura silenciosa, leitura em voz alta para um colega, leitura em grupo, leitura em
dupla. Também é necessário notar que, devido à lógica da sala de aula, a leitura era
vivida com menor intensidade por crianças que demoravam a concluir as atividades
propostas pela professora. Talvez fossem essas crianças que mais precisassem
vivenciar essa experiência.
As crianças ainda buscavam parceria com a pesquisadora, manifestando o desejo de
ler ou demonstrando suas relações com a leitura fora do contexto escolar,
apresentando seus diversos livros de literatura infantil. Os alunos mostravam com
orgulho seus materiais e socializavam com os colegas. Esses eventos evidenciaram a
importância de disponibilizar novos materiais de leitura na sala de aula, pois, quando
uma criança apresentava seus livros, despertava nos outros colegas grande interesse
e curiosidade, uma vez que eles sempre solicitavam o empréstimo. Algumas dessas
situações podem ser percebidas nas imagens que se seguem:
Foto 24 Bru com sua coleção pessoal
de livros
Foto 25 – Livros da coleção pessoal de
Bru
187
As Fotos 24 e 25 evidenciam esse movimento de socialização dos materiais de
leitura. Bru apresentou na sala de aula sua coleção pessoal de livros de histórias de
personagens bíblicos, o que demonstrou influências de suas relações familiares, pois,
conforme constatamos em entrevista pessoal, a aluna participava de uma religião
evangélica. Muitos colegas se interessaram por seus livros e solicitavam empréstimos
para leitura. As Fotos 26 e 27 mostram outro exemplo de como ocorria a interação
entre as crianças em face à presença de novos livros de leitura. Na foto 26, Fab
estava lendo o livro da colega Ine, porém vários outros colegas o rodeavam
aguardando a vez de ler. Os gestos das mãos de Jon e Lil indicavam a demanda de
solicitações pelo livro. Lil, ao solicitar a Fab o livro para ler, Jon a interpelou dizendo
que ele estava aguardando e seria o próximo a fazer a leitura, como mostra a
última foto. Esse livro circulou por várias mãos e houve forte envolvimento das
crianças na leitura desse material. Acreditamos que dois aspectos podem justificar
esse desejo das crianças em interagir com o livro. Primeiro, o caráter de novidade e,
segundo, devido ao formato do suporte que remetia à imagem da personagem
principal, ou seja, uma ovelha.
A leitura livre também configurava momentos coletivos de interação com o texto
verbal, em que a leitura dos livros de literatura infantil era o elemento unificador e
desencadeador das diferentes experiências. Eventos que retratam essas situações
comunicativas podem ser ilustrados com imagens registradas na sala de aula e que
evidenciavam os mais variados modos de interação com o texto literário.
Foto 26 Alunos lendo livro de literatura
infantil em sala de aula
Foto 27 Jon lendo o livro de literatura
infantil de Ine
188
Na Foto 28, Bru, sentada no palco da sala, fazia a leitura oral do texto para Hem, que
ouvia e acompanhava a história olhando as páginas do livro. Na Foto 29, observamos
que o espaço utilizado para leitura era o mesmo, contudo ocorreu uma rotatividade de
crianças. O modo como elas organizavam as atividades de leitura também se
diversificava, como pudemos registrar na interação entre Reb e Gab, que estavam
sentadas na parte da frente do palco. Elas escolherem o livro O cachorrinho herói, de
Neli Falheiro, e ilustrações de Alberto Naddeo, material este que estava disponível no
suporte de parede da sala. As alunas realizaram a leitura em voz alta da seguinte
forma:
Reb: [...] ‘o domador chegou gritando... ordens e estalando o chicote... mas o grande tigre
parecia esquecido de todo o treinamento... e não escutava nada... rosnava ameaçador sem
querer voltar para a jaula’...
Gab: ‘foi aí que to-dos ouvi-ram uma lati-di-nha e viram um cachorrinho correndo como’...
Reb: ‘uma flecha’
Gab: ‘flecha na direção do tigre... la-ti:::a:::’
Reb: ‘latia bravamente’...
Gab: “bravamente ro-de-an-do a fera... na maior pro-vo-ca-ção... o tigre ficou irritado com a
ou-sadia do cachorrinho a/u/urrava alto mais Fa-ró-lé-te latia ainda mais’... ((passa o livro
pra Reb))
Reb: ‘o tigre então resolveu mostrar quem era mais forte... e correu para o lado do
provocador... farolete... mais que depressa... disparou na corrida... e meteu-se pela porta
aberta da jaula... o tigre foi atrás... mas acabou batendo o nariz no fundo da jaula’...
Foto 28 Alunas lendo livros de
literatura infantil no palco da sala de aula
Foto 29 Alunos lendo livros de
literatura infantil em dupla, no palco da
sala de aula
189
(uuuuuu:::)... ‘isso porque farolete... como era pequeno... tinha se safado por entre as
grades’... ((entrega o livro para Gab))
Gab: ‘aproveitando que o ti-gre estava ainda meio ton-to... depois daquela cabeçada... o
domador tran/tran-cou a jaula... muito bem trancada... foi a maior’
Reb: ‘foi o maior’... ((corrige a leitura de Gab))
Gab: ‘foi o maior aplau-so... o maior en-tu’
Reb: ‘entusiasmo’...
Gab: ‘todos os artistas correram para o cachorrinho que já estava no colo do Renato todo feliz’
Reb: ‘na grande estréia do circo... todos os amigos do Renato estavam presentes...
assistindo ao espetáculo de graça... e no colo do Renato... é claro que estava o Farolete...
todo feliz... comendo cachorro-quente de graça... que esperto... é/e que heróico era o
Faróléte... o Farolete’... e fim da história:::
Gab: e fim da história...
Reb: a história de Reb e Gab... (DC01R43 – 25-8-2005)
Esse extrato evidencia que a leitura foi alternada, pois cada criança lia para outra, em
voz alta, uma página do livro. Também demonstra atitudes colaborativas da Reb em
relação à Gab, quando auxilia a colega a fazer a leitura de determinados trechos da
história com mais fluência. Nessas interações, o aspecto avaliativo presentificado em
muitos momentos da fala de Reb, como “latia bravamente” ou foi o maior”, dentre
outros trechos, figurava como uma estratégia para a melhoria da qualidade da leitura,
percebida por Gab com muita naturalidade, pois ela recuperava as indicações da
colega e dava prosseguimento à leitura do texto. As imagens também explicitam que,
nos momentos de leitura livre, as crianças interagiam com os livros de uma forma bem
descontraída. Nesse aspecto, outros eventos de leitura reafirmam essa característica,
como podemos observar em seguida.
22
190
Assim, nas Fotos 30 e 31, as crianças demonstram a informalidade que permeava os
momentos de leitura livre na sala de aula. Essas imagens também dão visibilidade à
dimensão socializadora da leitura, pois uma criança, ao ler determinado livro, atraía a
atenção de outros colegas. Contudo, nessas situações, os colegas não participavam
da atividade como ouvintes passivos, pois costumavam acompanhar a exploração do
livro observando se a criança que estava fazendo a leitura em voz alta a fazia com
correção. Quando identificavam alguma dificuldade nesse sentido, os colegas do
grupo envolvido na atividade de leitura auxiliavam, indicando a verbalização correta da
palavra, às vezes antecipavam a leitura de trechos do livro bem como teciam
comentários sobre os fatos narrados ou sobre algum aspecto do texto visual.
Podemos dizer que a leitura livre representava um momento rico de diálogo com os
textos de literatura infantil que muitas vezes se constituía no espaço da coletividade.
Em termos de capacidades de leitura, também viabilizava, por meio das interações
entre as crianças, a possibilidade de sistematizar diferentes aprendizagens, como o
domínio pleno das relações fonológicas, fluência, além de poder observar que a
entonação empregada no momento da leitura, para os colegas, contribuía para a
constituição de sentidos ao texto. As práticas de leitura organizadas individualmente
também eram muito comuns, conforme podemos observar nas imagens a seguir.
Foto 30 Crianças lendo livros de
literatura infantil no tapete de borracha
Foto 31 Crianças interagindo, por meio
da leitura, com livros de literatura infantil
191
Foto 32 Ari fazendo leitura individual
de livro literatura infantil
Foto 33 Ine fazendo leitura individual
de livro literatura infantil
Foto 34 Lui fazendo leitura individual
de livro literatura infantil
Foto 35 Ray fazendo leitura
individual de livro literatura infantil
Foto 36 Lil fazendo leitura individual
de livro literatura infantil
Foto 37 Reb fazendo leitura
individual de livro literatura infantil
192
As crianças tinham oportunidade, no decorrer do desenvolvimento das aulas, de
articular práticas de leitura independentes e de forma muito singular. Nessas
situações, predominava a leitura silenciosa, característica essa que pode ser explicada
pela situação de organização das atividades de sala de aula. Ou seja, esses eventos
ocorriam quando o aluno concluía a atividade apresentada pela professora e,
enquanto aguardava a próxima orientação de tarefas, interagia com os materiais de
leitura de literatura infantil. Dessa forma, os livros passavam a ocupar a cena principal
do espaço físico da mesa de estudo, como evidenciado em muitas fotos que
apresentamos, como as de número 32, 33, 35, 39, entre outras constitutivas do corpus
desta pesquisa. Assim, os livros de literatura infantil não assumiam apenas essa
dimensão complementar, muitas vezes concorria com a própria tarefa escolar. As
crianças sutilmente se dedicavam à leitura concomitante às atividades pedagógicas,
como podemos perceber na Foto 37, em que a criança fazia a leitura do livro com o
caderno aberto na mesa, pois, a todo o momento, poderia voltar às tarefas
apresentadas no quadro.
Essas práticas de leitura, denominadas de livres, estavam incorporadas ao contexto
de organização da sala de aula. Nesses momentos, as crianças também buscavam
interlocutores adultos para suas leituras e com freqüência reconheciam a
pesquisadora ou a estagiária de sala como pessoas habilitadas para interagir e ser
ouvintes. Nesse sentido, podemos analisar o extrato de um diálogo identificado no
registro 51, de 16-9-2005, do diário de campo. A Prof. 2 havia apresentado vários
exercícios de Matemática na lousa e as crianças registravam no caderno, a fim de
Foto 38 Ati fazendo leitura individual
de livro de literatura infantil
Foto 39 Dav fazendo leitura individual
de livro de literatura infantil
193
proceder à sua resolução dos cálculos e conhecer os resultados das operações de
adição e subtração. Após um determinado tempo, Ray se levantou de sua carteira e
foi até o suporte de livros e escolheu um exemplar. Em seguida, dirigiu-se à
pesquisadora que estava observando a turma, sentada em uma cadeira ao lado do
suporte de livros, e disse:
Ray: tia... ((mostra o livro para a pesquisadora))
P: fala Ray...
Ray: posso contar pra você?
P: pode... ((aluna aproxima-se da pesquisadora...senta-se ao lado e começa a leitura))
Ray: ‘o susto de nina... nina ficou ( ) e des-co-briu ( ) o be’...
P: ‘o barulho’ ((pesquisadora auxilia a leitura))
Ray: ‘o barulho... dentro do ( ) al-ma pe-na-da... ela su-biu pe-la escada tre-men:::...
tremendo com mui::-to medo... a/a’... o quê?
P: ‘abre’...
Ray: ‘abre a por-ti-nha e o que vem’...
P: ‘e o que vê?’... porque quando tem o ponto de interrogação ((mostra no texto))... significa
que está fazendo uma pergunta... aí a gente lê assim oh... ‘ela sobe pela escada... tremendo
com muito medo... abre a portinha... e o que vê?’...
Ray: ‘se-u quarto de brin-que-do... era o ur-si-nho que ( ) fazendo mil tra-ves-su-ras além de
mui-to levado não tem me-do de al-tura’...
P: uhm...
Ray: ‘de rápido’...
P: ‘de repente’...
Ray: ‘de repente... ele ca-iu e não con-se-guiu se virar’...
[...]
((vozes))
Prof. 2: lembra quando a gente fez o diálogo do texto ecológico... entre a árvore queimada e
o rio poluído.. quem lembrado? ((professora faz referência a uma atividade de produção
de texto que havia desenvolvido em aulas anteriores))
P: guarda o livrinho Ray... e marque onde você parou.. que ela ((Prof. 2)) vai falar alguma
coisa pra vocês agora ... depois você continua lendo pra mim... (DC01R51 – 16-9-2005)
194
Nesse diálogo, podemos perceber que a criança soletrava várias palavras, como des-
co-briu, al-ma, pe-na-da, entre outras. Essa característica ecoa marcas do discurso
pedagógico que muitas vezes utiliza a soletração para orientar o processo de ensino
aprendizagem, conforme observamos em situações didáticas de ditado de palavras.
Outro aspecto que podemos inferir é que a aluna ainda não dominava a leitura fluente.
Entretanto, isso não impedia que lesse e buscasse ajuda de outra pessoa para ler.
Assim, acreditamos que, devido a essas práticas de leitura serem constituídas a partir
da iniciativa dos alunos, bem como não configurarem objetos específicos de controle
da aprendizagem instituídos na esfera da avaliação escolar daquela turma,
possibilitava as crianças experimentar de diferentes modos a leitura e, dessa forma,
contribuía para o diálogo com diferentes textos e com os colegas.
Nessas situações de leitura livre, as crianças, por meio das interações com os textos e
com os outros sujeitos da sala de aula, alunos, professoras, estagiária e pesquisadora,
tinham oportunidade de ampliar seus conhecimentos sobre a linguagem escrita, numa
relação dialógica, baseada no princípio da parceria. A importância dessa relação com
o outro sujeito mais experiente no percurso de aprendizagens da leitura, também foi
discutido por Nogueira (1993). Os estudos dessa autora são importantes nesse
contexto, por contribuir com diferentes análises sobre as interlocuções explicitadas em
eventos de leitura compartilhados, similares aos apresentados em nosso trabalho.
Assim, adota o conceito de zona potencial de desenvolvimento com base nos
pressupostos desenvolvidos por Vigotski, em que a mediação do outro é elemento
central para o processo de aprendizagem.
Assim, a zona potencial de desenvolvimento é vista como o espaço de
construção, vinculado com as relações e interações que permeiam o
processo de internalização e de desenvolvimento das estruturas e
funções psíquicas. Levando em conta que aprendizagem e
desenvolvimento ‘estão ligados entre si desde os primeiros dias da vida
da criança’,
20
o estudo da zona potencial permite explicitar o caminho
da internalização: da atividade interpessoal para a atividade
intrapessoal (NOGUEIRA, 1993, p. 17).
Tomando esse conceito como norteador de análise dos aspectos evidenciados na
interação, observamos, no último evento apresentado, que, em diferentes trechos da
20
L. S. Vygotsky et al., 1988, p.110.
195
leitura de Ray, ela evidenciou que utilizou o recurso da repetição e da retomada da
leitura do outro, como visualizamos nos trechos “o barulho” e “de repente”. Segundo
Nogueira (2003), essas marcas explicitadas no processo da leitura “[...] não são
processos diretos e mecânicos. Ao contrário, quando a criança repete o trecho lido/falado
pelo outro, ela está, ao mesmo tempo, incorporando-o e transformando-o: a apropriação é
interativa” (NOGUEIRA, 2003, p. 27).
Dessa forma, observamos que a história de leitura de Ray, construída durante o
percurso desta pesquisa foi marcada pelas diferentes interações que estabelecia no
contexto educativo. Com muita freqüência e regularidade, a criança solicitava a
pesquisadora para ler e também não demonstrava inibição para fazer leitura para
outros colegas. A superação das dificuldades de fluência e entonação no ato da leitura
foi sendo vencida gradativamente. O domínio dos diferentes aspectos envolvidos na
leitura também foi reconhecido e valorizado no contexto das interações familiares.
Nesse sentido, o registro 53 do diário de campo explicita bem essa situação, pois, em
reunião de pais, promovida pela escola em 20-9-2005, a mãe da criança relatou à
pesquisadora a satisfação que estava sentindo em relação aos progressos da filha em
torno da leitura. Salientou que observava que Ray estava mais tranqüila diante de
demandas de leitura presentes no cotidiano e ainda percebia um maior interesse em
fazer leituras dos livros do seu acervo pessoal.
A apresentação dos diversos eventos em que a literatura infantil esteve presente no
espaço da sala de aula nos ofereceu indícios para compreendermos as diferentes
formas de sistematização das práticas de leitura nessa turma de alfabetização. Porém,
observamos que a literatura infantil também predominava no acervo da biblioteca
escolar. Assim, a fim de configurar de forma ampla as práticas de leitura desse grupo
de sujeitos, buscaremos dar visibilidade aos eventos de leitura livre no espaço da
biblioteca infantil e na biblioteca geral, bem como às atividades de leitura mediadas
pela Bibliotecária 4. Por meio das análises de diferentes eventos de leitura ocorridos
nesses locais, buscaremos encontrar pistas que nos auxiliem na compreensão de
algumas questões, tais como: como eram organizados esses momentos de leitura livre
na biblioteca? Qual o tempo destinado a eles? Que objetivos orientavam as práticas
de leitura realizadas nesses espaços? Como ocorriam as diferentes interações entre
196
os sujeitos e os livros de literatura infantil? A mudança de espaço físico influenciou nas
práticas de leitura das crianças?
6.1.2 A leitura livre dos livros de literatura infantil na biblioteca escolar
A utilização da biblioteca escolar pelas diferentes turmas da escola tinha tempo
delimitado na carga horária semanal da escola. Assim, cada turma tinha um período
exclusivo durante a semana para acessar o espaço e interagir com os materiais de
leitura. Nesse sentido, o horário reservado para a turma da 1ª série era às segundas-
feiras, no período das 13h às 14h40min, ou seja, nas duas primeiras aulas. A turma
era divida em dois grupos de alunos que se revezavam na sala de aula e na biblioteca
infantil (acervo de literatura infantil) ou biblioteca geral (acervo de todas as áreas do
conhecimento). O grupo que ficava na sala de aula recebia atendimento da professora
regente para desenvolver atividades específicas de leitura e de escrita, visando ao
domínio pleno dessas capacidades. Esses momentos eram denominados, pelos
profissionais da escola, de momento de reforço e eram destinados a atividades, como
caça-palavras, revisão e correção de textos produzidos pelos alunos, entre outras que
buscavam atender à superação de dificuldades de coesão textual e questões
ortográficas.
O grupo que participava de atividades na biblioteca era acompanhado por outros
profissionais da escola, como bibliotecários, profissional de apoio
21
e estagiária de
sala. Porém, no ano de 2005, a escola não contou com profissional efetivo para o
cargo de bibliotecário e assim ficou na dependência de bibliotecários contratados para
prestação de serviços por tempo determinado. Essa situação gerou falta de
regularidade no funcionamento da biblioteca, pois, durante o ano letivo, três
profissionais assumiram o cargo e, após um breve período de atuação, solicitavam
transferência para outra unidade de ensino ou encerravam o contrato de trabalho.
Assim, o primeiro profissional, denominado de Bibl. 1, prestou serviço na escola, no
21
O profissional de apoio da escola era de uma professora de Educação Física que, por problemas
associados à saúde, estava afastada das atividades docentes e por isso desenvolvia diferentes
tarefas na escola. Dentre essas atividades, estava previsto o atendimento dos alunos na biblioteca,
caso ocorresse a ausência do profissional especializado, ou seja, o bibliotecário. Neste trabalho, esse
profissional será denominado de Bibl. 3.
197
período de 16-5-2005 a 10-8-2005; o segundo, chamado de Bibl. 2, atuou de 26-9-
2005 a 4-11-2005; e o terceiro, denominado de Bibl. 4, assumiu os trabalhos da
biblioteca a partir de 21-11-2005 até a conclusão do ano letivo. Nos períodos em que
não havia um profissional especializado para fazer o atendimento às crianças na
biblioteca, a profissional de apoio, a estagiária de sala e, também, a pesquisadora
atuaram em regime colaborativo, para garantir que esses momentos de leitura fossem
oferecidos.
Assim, em face dessas questões de ordem administrativas, as práticas de leitura
desenvolvidas no espaço da biblioteca, durante os 16 eventos que tivemos
oportunidade de observar, foram predominantemente livres, ou seja, as crianças
tinham acesso ao espaço da biblioteca infantil ou geral e exploravam os materiais de
acordo com suas preferências e nas mais variadas formas. As crianças, ao chegarem
à biblioteca, tinham liberdade para escolher os livros que desejavam, como podemos
observar nas fotos a seguir:
Após a seleção dos materiais, as crianças dedicavam-se à leitura dos livros de diferentes
modos. Muitos alunos preferiam fazer a leitura silenciosa, outros gostavam de fazer leitura
em dupla e ainda havia aqueles que se organizavam em grupos para ler e trocar idéias
sobre os personagens, as ilustrões e também sobre o conteúdo do texto. Outro
comportamento muito recorrente apresentado pelas crianças, no contexto da biblioteca,
era o desejo de fazer a leitura oral para os adultos, como o profissional responsável pelo
acompanhamento da turma ou para a pesquisadora. As crianças demonstravam
Foto 40 Crianças escolhem livros de
literatura infantil para leitura na biblioteca
Foto 41 Ine e Rha escolhendo livros de
literatura infantil
198
satisfação em realizar essa atividade e, muitas vezes, se organizavam em fila de espera
para poder apresentar e ler a hisria. Os diferentes modos de interagir com os livros na
biblioteca retratavam, de certa forma, a diversidade de práticas de leitura também
presente no contexto da sala de aula. Assim, iremos apresentar eventos de leitura com o
objetivo de demonstrar a riqueza e diversidade das interações entre as crianças e delas
com os materiais de leitura.
Buscando configurar o contexto dessas interões, observamos que o funcionamento das
aulas” na biblioteca era bastante dimico, pois as crianças sempre teciam comentários
diversos, faziam referências a livros que tinham lido, indicavam essas referências para
outros colegas, circulavam pela biblioteca constantemente para ir até a estante e trocar de
exemplares ou para mostrar algum aspecto interessante do livro que estavam lendo para
outro aluno, enfim, fugiam aos padrões de conduta na biblioteca que geralmente m
como princípio o silêncio. Contudo, mesmo nesse contexto dimico de organizão, as
criaas demonstravam grande poder de concentrão e interesse pessoal por
determinadas histórias. Para exemplificar essas situações, as fotos que se seguem
demonstram movimentos em que a atividade de leitura individual prevaleceu.
Na Foto 42, a aluna Lui procurou um lugar afastado dos demais colegas para ler o
livro que havia escolhido A vira volta de Janjão. Quando terminou a leitura,
aproximou-se dos outros colegas e, ao observar uma criança lendo para a
pesquisadora, manifestou o desejo de apresentar o livro que havia lido, conforme
registramos no diário de campo, em 18-7-2005. A criança mostrou as páginas do livro
44
Foto 42 Lui lendo na biblioteca
infantil5
Foto 43 Crianças lendo na biblioteca
infantil5
199
e recontou a história. Também buscava articular as informações do texto com as
ilustrações apontando com o dedo as imagens relativas aos fatos narrados na história.
Na Foto 43, Gab também teve atitude similar, ou seja, buscou um certo isolamento
para realizar a leitura do livro. Mas não foi só o isolamento que marcou a leitura
individual.
As crianças, como mostra a Foto 44, também demonstravam seus interesses pessoais
de leitura utilizando um espaço coletivamente. Nesse registro, é possível perceber que
os alunos interagiam com livros diferentes, embora ocupassem a mesma mesa. Dessa
forma, podemos compreender que a leitura individual acontecia independente do
modo de organização dos alunos no espaço físico, e o tipo de interação com o texto
dependia do interesse da criança, uma vez que, naquele momento, o objetivo da
leitura era a fruição, ou seja, “[...] é estar com os outros, e com ele se constituir”
(GERALDI, 1997, p. 174) que marca esse tipo de diálogo com o texto.
Outra forma de relação construída pelas crianças com os textos de literatura infantil na
biblioteca era a leitura em dupla. Esse modo de ler ocorria de duas maneiras: a leitura
em voz alta, quando uma criança lia para outra ouvir, e a leitura alternada, em que
cada criança lia uma página do livro.
Foto 44 Crianças em grupo lendo na
biblioteca infantil
200
Na Foto 45, Bru lia para Ine. Esta última ouvia com atenção e, quando Bru concluiu a
leitura, ela iniciou sua leitura individual silenciosamente, como podemos perceber na
Foto 46. Em muitos momentos de leitura individual, conforme registramos em diário de
campo, Ine deslizava a ponta dos dedos sobre as linhas do texto verbal para
acompanhar a seqüência da história.
A outra forma de leitura em dupla que observamos, ou seja, a leitura alternada em voz
alta, em que cada criança fazia a leitura de uma página do livro pode ser percebida
pelas enunciações no momento da leitura, conforme conseguimos captar em meio ao
universo de interações que ocorriam na biblioteca. Lui e Lil escolheram um livro e
sentaram juntas, uma ao lado da outra, em uma mesa, e começaram a fazer a leitura
do livro da seguinte forma:
Lui: [...]porque era meninos... não podia brincar com os meninos... sentiu-se vitoriosos...
Rodrigo e Andrei continuaram seu jogo... teco... teco... no cantinho da rua’... ((passa o livro
para Lil continuar a leitura da pxima gina))
Lil: ‘de repente... quando ainda estavam distrdos... quem apareceu bem na frente deles? seria
a mae de Claudinha? que nada... nem tampouco... a mulher maravilhosa... que ela... a
ppria Claudinha.. que/com sa... laço’
Lui: saia, lo’... ((corrige a leitura de Lil))
Lil: ‘saia... laço de fita... e tudo... ajoelhou-se no chão... ( ) e mais ganhou... feliz da vida... todas
as bolinhas do jogo... os meninos ficaram com cara de tacho... sem saber o que fazer’...
Lui: ‘lá foi Claudinha pela rua das palmeiras... toda rebolando... exibindo satisfeita... a sacola... e
os bolsos da saia... cheios de bolinha... ((Lui e Lil continuam lendo o livro)) (DC01R47 5-9-
2005)
Foto 45 – Bru lendo em voz alta para Ine
Foto 46 Bru e Ine lendo
individualmente
201
Assim, observamos que essa dinâmica de organização das atividades de leitura
ocorria tanto na sala de aula como na biblioteca. O recurso da repetição e da
retomada da leitura do outro também foi explicitado no momento em que Lui interferiu
na leitura de Lil, devido à entonação inadequada da palavra saia. Esse processo de
interlocução entre os alunos viabilizava atitudes avaliativas quanto à leitura do outro
num contexto de parceria em que uma criança colaborava com a outra. As atitudes
avaliativas também atuavam como reforço positivo, conforme podemos perceber nas
enunciações que Vic fez a respeito de Mau.
A partir das experiências de leitura vivenciadas por Mau e Vic nos diferentes espaços
da escola, Vic percebia que Mau ainda não dominava fluentemente a leitura. Contudo,
nessa interação que registramos na biblioteca, Mau leu uma página do livro com mais
desenvoltura, para o colega Vic. Ao ouvir, ele expressou: “Viu como vo leu
depressa. Já está aprendendo” (DC01R45 – 29-8-2005).
A leitura livre na biblioteca também propiciava situações em que as crianças tinham
oportunidade de manifestar interesses comuns de leitura e trocar idéias sobre as
informações dos diferentes textos a que tinham acesso.
Foto 47 Mau lendo em voz alta para Vic
na biblioteca infantil
202
Nas Fotos 48 e 49, observamos que várias crianças exploravam os livros de uma
mesma coleção que tratava sobre animais. Esse grupo de alunos, em outros
momentos, também evidenciava grande interesse por livros que apresentavam
informações sobre dinossauros, principalmente o Jon. Dessa forma, Jon atraía a
atenção dos colegas devido a essa preferência e, assim, desencadeava a exploração
dos livros. Nesses momentos, faziam comentários relacionados com os personagens
de alguns desenhos animados veiculados pela televisão que também apresentavam
histórias sobre animais e dinossauros.
Assim, os eventos descritos evidenciam as diferentes formas de interação entre as
crianças e delas com os materiais de leitura, que configuravam a leitura como fruição
naquele grupo pesquisado. É interessante notar que a escola, ao garantir
regularmente momentos exclusivos para a leitura em espaço específico e com certo
grau de autonomia para as crianças se organizarem, viabilizava condições para os
alunos explicitarem suas preferências de leituras, acesso a um acervo mais ampliado
do que as coleções pessoais ou da sala de aula conseguiam comportar, modos
diversos de exploração desses materiais, troca de experiências de leitura entre os
diferentes sujeitos, intercâmbio de conhecimentos sobre o sistema da língua em que
os leitores mais experientes colaboravam com os alunos que necessitavam de
determinadas informações necessárias para concretizar o diálogo com o texto verbal,
entre muitos outros aspectos que ocorriam na intensidade das interações. Contudo, as
crianças também demonstravam buscar outras finalidades para além da fruição, ou
Foto 48 Alunos manuseando livros de
uma mesma coleção na biblioteca infantil
Foto 49 Ati lendo junto com os colegas
na biblioteca infantil
203
seja, costumavam solicitar a atenção dos adultos presentes no contexto da biblioteca
e legitimados pelas relações de poder, inerentes ao contexto escolar, para
demonstrarem suas capacidades de leitura.
Nesse sentido, como dito, era comum as crianças manifestarem o desejo de ler para
a/o bibliotecária(o), o profissional de apoio, a estagiária ou a pesquisadora que
tivessem acompanhando o grupo. Muitas vezes os alunos, no trajeto da sala de aula
até a biblioteca, se apresentavam para tal tarefa e fazia enunciações, conforme
registro 45, de 29-8-2005, em diário de campo, do tipo: “Tia, eu vou ser a primeira a ler
pra você”, “Então eu vou ser a segunda”, “Eu também quero”. Nos momentos em que
um aluno lia para o adulto, as outras crianças, que também tinham interesse em
apresentar outras histórias, ficavam por perto ouvindo a leitura e aguardando a sua
vez. Assim, podemos perceber que esses momentos também configuravam situações
de leitura compartilhada, como podemos perceber nas Fotos 50 e 51 que
apresentamos a seguir.
Podemos compreender ainda que o interesse das crianças em ler para os adultos na
biblioteca era motivado pelo reforço positivo que os profissionais da biblioteca
costumavam explicitar em suas enunciações, quando do término da leitura pelas
crianças. Encontramos, no registro 56, de 26-9-2005, do nosso diário de campo,
extratos que evidenciam esses comentários valorativos como “você lendo muito... tá
de parabéns”, “muito bem... ela tá lendo direitinho... né?” .
Foto 50 – Crianças lendo em voz alta
para a profissional da escola
Foto 51 – Crianças lendo em voz alta
para a bibliotecária
204
A atividade de pesquisa, no contexto das práticas de leitura do grupo pesquisado,
também imprimiu marcas que foram evidenciadas nas atitudes das crianças. Nesse
sentido, foi possível perceber que elas demonstravam satisfação em registrar suas
leituras em áudio para a pesquisadora, pois conheciam o objetivo do estudo e, dessa
forma, encontravam outras finalidades para a prática da leitura. Esses momentos
reuniam a atenção de várias crianças, como podemos perceber nas fotos a seguir:
Na Foto 52, identificamos três crianças que ouviam e acompanhavam a leitura do livro,
A galinha que sabia nadar, de Paul Adshead, feita por Lil. Contudo, elas o eram
ouvintes passivas, pois observamos, conforme registro de diário de campo, que, em
diferentes momentos, interferiam na leitura fazendo correções, quando Lil verbalizava
alguma palavra do texto indevidamente. Quando ela leu patinhos ao invés de
pintinhos, Reb logo interferiu dizendo “é pintinhos”. Esses procedimentos de correção
não inibiam a atividade de leitura de Lil, pois ela continuava explorando o texto lendo.
Na Foto 53, Lui também demonstrou o desejo de registrar a leitura do livro Barata
tonta, de Maria do Carmo Brandão, junto com a pesquisadora. Ao final da leitura,
indicou ter compreendido o texto e fez relatos de experiências que envolviam esse
inseto.
Assim, todos os eventos tomados para configurar as práticas de leitura denominadas
de livres, no contexto da biblioteca, foram marcados pela auto-organização das
crianças e, também, pela liberdade de escolha dos materiais dentro do acervo
Foto 52 Lil lendo em voz alta para
as colegas na biblioteca infantil
Foto 53 Lui lendo em voz alta para
a pesquisadora na biblioteca
205
disponível. Outro aspecto importante a ser considerado é que esses eventos de leitura
não tinham objetivos previamente determinados; privilegiava a interação com os livros
da biblioteca e as possibilidades de diálogo com os textos e com os outros do grupo.
Durante todo o período de coleta de dados da pesquisa, identificamos apenas uma
atividade de leitura orientada pela Prof. 2, que foi realizada na biblioteca. Essa
atividade consistia na produção de uma ficha de leitura de algum livro que ficava a
critério do aluno. Nessa ficha, a professora explicou que deveria constar o nome do
autor, do ilustrador, do título e um resumo da história. Para indicar essa atividade, a
regente argumentou que tinha conhecimento de que as crianças não estavam
aproveitando o momento da biblioteca para se dedicar à atividade de leitura
adequadamente. Entretanto, observamos que elas liam na biblioteca. Devido a essa
situação, de acordo com a professora, os alunos, então, deveriam produzir essa ficha
de leitura com o objetivo de, posteriormente, apresentá-la na sala de aula para os
demais colegas e, assim, caso algum colega considerasse interessante a história,
poderia buscar o livro para leitura em outros momentos. A opção de tratar a análise
desse evento no âmbito da leitura livre na biblioteca justifica-se pelo fato de que o
critério para a escolha do livro, conforme ocorreu nos outros eventos, estava sob a
esfera do interesse, desejo e decisão das crianças.
Segundo a rotina, a turma foi divida em dois grupos de alunos para participar das
atividades na biblioteca. Nesse dia, os alunos foram acompanhados pela estagiária de
sala, que era a responsável por fornecer a folha para o registro da ficha, e, também,
esclarecer dúvidas, caso houvesse, sobre os procedimentos da atividade. Ao
chegarem à biblioteca, as crianças, como de costume, foram logo escolhendo os
livros, conversando, trocando idéias sobre os diversos materiais. A aluna Hem sentou-
se em uma mesa e fez a leitura de um livro rapidamente. Em seguida, dirigiu-se à
estagiária e disse: “tia... me a folha”. Essa solicitação da criança desencadeou uma
série de repostas carregadas de sentidos em torno do conceito de leitura, como
podemos perceber na interlocução a seguir:
Estagiária: só depois que ler o livro...
Hem: já li...
206
Estagiária: não... você pode ter lido outro dia... agora você não leu... não...
Hem: não... li... sim... agora...
Estagiária: agora? ((recebe o livro da mão de Hem e folheia))... ah... tá... porque tem um texto
pequeno.. lê outro...
Hem: outra vez... ah... tia:::...
Estagiária: é... outra... não pega historinha muito pequenininha não... senão muito
rápido... pega história mais longa... pra demorar mais um pouquinho...
Hem: ((retorna à estante de livros e escolhe outro exemplar))... achei...
Estagiária: isso... lê outra... depois você escolhe... deixa separadinho... tá bom?
A partir dessas enunciações, podemos inferir que a leitura estava sendo proposta
dentro de uma concepção utilitarista. Segundo Macedo (1990, p. 94),
[...] essa abordagem enfatiza o aprendizado mecânico de habilidades
de leitura, ao mesmo tempo em que sacrifica a análise crítica da ordem
social e política que origem à necessidade de leitura em primeiro
lugar [...].
As interações entre a aluna Hem e a estagiária ainda explicitam que o conceito de
texto, nesse evento, era abordado a partir de suas características estruturais, como
pequeno ou longo. Observamos ainda que a atividade de leitura, nessas condições,
gerou atitudes de resistência em Hem, como podemos perceber em suas
reclamações, como “outra vez... ah...tia:::”. Contudo, a força do discurso pedagógico
predominou no diálogo em vários argumentos, como: “você pode ter lido outro dia”,
“porque tem um texto pequeno... outro”, “pega história mais longa... pra demorar
mais um pouquinho”.
Outras enunciações das crianças também podem ser compreendidas como forma de
reação à orientação utilitarista da atividade de leitura.
Hem: tia... é para colocar meu nome? ((pergunta para a estagiária))
Reb: tia... é pra colocar o nome e mais o quê?
Estagiária: seu nome... o autor... quem fez a história... e o resumo da sua história... da sua
cabecinha... não é para olhar a história e copiar...
207
[...]
Ray: tia... é para copiar a história?
[...]
Vic: ((vai até a estagiária e mostra um livro))
Estagiária: já fez o resumo da história?
Vic: é para copiar?
Estagiária: não... não é para copiar... é pra fazer o resumo... é para você colocar o seu
nome... nome do autor... nome da história... e depois o resumo...
[...]
Mau: é pra copiar... tia?
Estagiária: não é pra copiar... não... é pra fazer a ficha de leitura... então termina de ler pra
fazer a ficha de leitura... vai dar a hora... e vocês não fizeram... todo mundo já fez ...
Dav: como eu vô ler... tia?
Mau: tia... eu não entendi nada... que a Prof. 2 falou...
Estagiária: só você que não entendeu...
Rha: tava conversando com o Ati...
Estagiária: tava conversando... o Ati fez.. ele fez.. é pra ler o livro... depois você vai colocar
aqui na folha... o seu nome.. pra poder saber que foi você que fez...
Dav: ó tia... como eu vou ler?
Estagiária: deixa eu falar... o seu nome.. o nome do livro... o nome do autora da história.. se
tiver o nome de quem ilustrou... também colocar o nome... e faz o resumo da história que
você leu... você vai fazer um resuminho pequeno...
Mau: o que que é resumo... tia?
Estagiária: é você contar a história... em pouquinhas palavras...
Assim, observamos que as crianças faziam as mesmas perguntas várias vezes e
obtinham as mesmas respostas, talvez por isso insistissem nos questionamentos. A
reação das crianças ainda pode ser compreendida pelo fato de o reconhecerem
legitimidade para as atividades e as explicações sobre a mesma pergunta se limitarem
a alguns aspectos estruturais e não nas estratégias do dizer. Uma outra razão que
possibilita entender a dificuldade das crianças na produção do resumo é que, durante
o período de coleta de dados, não foram observados trabalhos com esse gênero
208
textual. Assim, podemos inferir que as crianças não tiveram oportunidade de
experimentar situações de ensino aprendizagem que contemplassem as
características do texto resumo. Machado (2002), ao desenvolver considerações a
respeito do conceito de resumos, salienta que o termo pode gerar confusão no ensino
por indicar tanto um processo de sumarização quanto o resultado textual desse
processo. Dentre suas conclusões, a autora apresenta uma definição do gênero
resumo como
[...] textos autônomos que, dentre outras características distintivas,
fazem uma apresentação concisa dos conteúdos de outro texto, com
uma organização que reproduz a organização do texto original, com o
objetivo de informar o leitor sobre esses conteúdos e cujo enunciador é
outro que não o autor do texto original [...] (MACHADO, 2002, p. 150).
A partir dessa definição, podemos perceber que as explicações dadas às vidas das
crianças sobre o conceito de resumo eram simplificadas, como: “você vai fazer um
resuminho pequeno”, “é você contar a história... em pouquinhas palavras”, que não
ofereciam subsídios para compreender a finalidade e o objetivo da produção desse
gênero textual e nem mesmo as suas características.
Durante a observação desse evento, os alunos também demonstraram atitudes
diferenciadas dos outros eventos de leitura, pois estavam preocupados em produzir a
ficha e assim não exploravam muitos livros. Escolhiam logo o exemplar para fazer o
trabalho de escritura. Ou seja, as repercussões desse tipo de atividade de leitura
foram imediatas. Contudo, observamos que algumas crianças continuaram
manifestando atitudes pertinentes às práticas cotidianas da leitura livre, como o desejo
de fazer a leitura para um adulto. Assim, Lui, mesmo sabendo da urgência de produzir
a ficha de leitura em detrimento do tempo destinado à aula da biblioteca, o aceitou
ser privada do momento de demonstração de suas capacidades de leitura.
Lui: tia... deixa eu ler pra você ((aluna fala para a pesquisadora))
P: só um minutinho... senta aqui... pode sentar aqui nessa mesinha.. que eu já vou te ouvir...
Lui: depois pode mostrar as figuras?
P: pode...
209
Lui: ‘ninguém é igual a ninguém... moro em uma rua... que não é grande... e nem pequena...
e tem gente de todo jeito... Paulinho meu vizinho... de esquerda’...
Hem: lê baixo... ((reclama para a colega Lui, pois estavam sentadas na mesma mesa))
Lui: eu lendo pra tia P... ‘alguns meninos vivem gritando pra ele... Paulinho baleia... saco
de areia... ele cho:::ra e chora... e Joana a vizinha da direita... é negra e sempre diz que
queria ser branca... Dav que mora em frente... é ruivo... e fica furioso quando o chamam de
cabeça de fogo... é fogo mesmo’... ô gente... não pode falar alto... que eu tô lendo pra tia P...
((fala para as colegas Lil e Hem que estavam lendo em voz alta os livros que tinham
escolhido))
Hem: ela também tá atrapalhando a gente ler... né? ((fala para Lil como se estivesse
pedindo apoio para sua reclamação))
Lui: ‘toda casa tem sempre alguém que quer ser diferentes’... tia... tá muito barulho...
P: senta ali... ((indica a mesa do bibliotecário))
Lui: ((criança senta-se na mesa indicada para continuar a leitura)) ‘eu sou magrelo... porque
é assim que sou... antes não gostava que ninguém mexesse comigo... tive apelido de
palito... agora nem dou bola mais... ( ) sou um menino chamado Danilo ( )’...
[...]
Lui: ‘oi... eu sou o Tim... quero ser seu amigo... e fazer muita coisa legal ( ) e a sua casa
como é? qual o lugar da casa que você mais gosta de ficar? como é a sua família?((aluna
mostra a página do livro e diz)) aqui é para escrever... mas não pode... ‘passamos um bom
tempo juntos... agora é a hora de nos despedirmos... deixo pra você o meu carinho... ah...
ia me esquecendo... o carteiro deixou essas cartas para você’... ((lê as mensagens das
cartinhas apresentadas no livro))
P: Lui... é sobre esse livro que você vai escrever a ficha de leitura para apresentar na sala?
Lui: ((balança a cabeça positivamente e se dirige à estagiária para pegar a folha e produzir a
ficha de leitura))
É interessante notar também que as crianças estavam preocupadas em se deter no
texto verbal do livro para a produção da ficha de leitura e, por isso, solicitavam
silêncio. A atitude de Lui em dedicar-se à produção da ficha, quando do término da
leitura do livro, confirma que esse tipo de atividade restringiu a interação entre as
crianças bem como a exploração dos diversos materiais de leitura. As fichas foram
entregues para a estagiária e não observamos, durante a coleta de dados, se foram
retomadas para apresentação na sala de aula, conforme os encaminhamentos iniciais
da Prof. 2.
210
Outras atividades de leitura com os livros de literatura infantil, direcionadas pelos
profissionais da escola, foram observadas no contexto da biblioteca durante a inserção
em campo, porém sob a orientação da Bibl. 4. Esses eventos serão analisados no
próximo item, tendo em vista a natureza dos encaminhamentos e os procedimentos de
seleção dos livros tomados para leitura.
6.1.3 A literatura infantil e as práticas de leitura mediadas pela bibliotecária
Durante a maior parte do ano letivo, observamos que as práticas de leitura na
biblioteca foram preponderantemente delineadas pelas crianças e, por isso,
denominadas de livres. A partir da chegada da Bibl. 4 na escola, essa situação sofreu
alterações. A profissional iniciou um trabalho de leitura direcionado, ou seja, ela
selecionava alguns livros e apresentava às crianças para que elas pudessem escolher
um ou dois. A partir dessa escolha, a bibliotecária fazia a leitura da história sempre
buscando o diálogo com os alunos e, depois, encaminhava uma atividade. Esses
procedimentos também foram explicitados pela Bibl. 4 em entrevista pessoal,
conforme podemos perceber em suas enunciações:
Bibl. 4: Normalmente tenho uma metodologia própria de trabalho com as crianças. Sigo
etapas, observando nível da leitura, percepção, compreensão, análise, interpretação e a idade
das crianças/jovens correlacionadas com as fases do meu projeto. Não gosto de atividades
‘soltas’, sem objetivos, sem finalidades. Acredito que isso não colabora muito com o
aprendizado (DC01R73).
Em outro trecho da entrevista, a Bibl. 4 continua relatando sua proposta de trabalho e
explica que:
Bibl4: [...] após várias visitas a biblioteca chega um determinado momento em que inverto os
papéis com as crianças. Não sou eu quem conta a história, mas os alunos. Daí começa o
trabalho de dicção, postura, entonação, pausas, respeito ao colega que está lendo,
compreensão, interpretação, releitura do texto, desinibição. Os objetivos e o perfil do leitor a
ser alcançado estão co-ligados ao aprendizado e a performance do aluno em sala de aula
(DC01R73).
Assim, no período de atuação dessa profissional, de novembro a dezembro de 2005,
foi possível observar ações relativas apenas à primeira etapa da sua proposta de
211
trabalho, ou seja, a fase em que ela lia para as crianças. Nesse sentido, iremos
apresentar os eventos tomados para análise a fim de explicitar o processo de
mediação que a Bibl. 4 fazia nos momentos da atividade de leitura.
Observamos que o direcionamento e a organização eram fatores evidenciados desde
o momento da entrada das crianças na biblioteca. A bibliotecária recebia as crianças
com o espaço já organizado para a atividade. Geralmente, ela colocava as mesas nas
extremidades da sala e o espaço central deixava livre para as crianças se
acomodarem no chão. Sentava em uma cadeira para que pudesse ficar visível a todas
as crianças e iniciava os encaminhamentos da atividade de leitura. Essas condições
físicas podem ser visualizadas nas fotos a seguir:
Assim, as Fotos 54 e 55 mostram que as crianças ficavam em posições descontraídas
para ouvir as histórias e demonstravam atenção ao que estava sendo narrado pela
Bibl. 4. Durante nossa observação, percebemos que os alunos faziam silêncio e,
quando a bibliotecária lançava perguntas, as crianças tinham atitudes responsivas.
Essas interações podem ser percebidas no trecho a seguir:
Bibl. 4: ((apresenta os livros)) essas historinhas aqui... são livrinhos da tia... tá? eu trouxe
de casa pra vocês... tem esse aqui que se chama Beleléu... esse monstro aqui verde de
bumbum pra cima...
((risos))
[...]
Foto 54 Bibliotecária lendo em voz
alta para as crianças
Foto 55 Crianças ouvindo a leitura
de história
212
Bibl. 4: tem esse daqui... Julho tem medo do escuro...
Jon: eu não tenho medo não...
Alunos: eu tenho...
Bibl. 4: tem essa daqui... Luiza fala palavrão...
Aluno: é Lui ((vários alunos falam simultaneamente para a colega que tem o mesmo nome
do título do livro))
Bibl. 4: é você... Lui?...
Lui: não é meu nome... é com s ((mostra o título do livro))...
Bibl. 4: ah é... o dela é com z...
Lui: ele escreveu errado...
Reb: tia... depois deixa eu ler esse? ((mostra o livro O piolho que havia levado para casa na
condição de empréstimo))
[...]
Aluno: ((alunos comentam os preferidos e fazem as escolhas))...
Bibl. 4: então venceu Beleléu e Luiza fala palavrão... então vamos ler... Beleléu... oh... quem
escreveu Beleléu foi Patrício Lugnani... olha aqui a foto do Patrício aqui atrás ((mostra a foto
do autor na contracapa))...
Aluno: feio...
Aluno: caracas...
Reb: é bonito...
Bibl. 4: é bonito ele... oh...
Lil: ô... tia... ele é seu namorado...
Bibl. 4: quem dera... ‘mãe::: cadê meu ursinho?... você guardou quando mandei Luizinho’...
nossa falei tudo errado... ‘você guardou quando mandei... Luizinho? olha o menino
berrando ((mostra a ilustração))...
Aluno: não:::...
Aluno: mãe:::...
Bibl. 4: ‘então foi para o beleléu’... olha ((mostra a ilustração)).. quando alguma coisa
some... a gente fala que foi pro reino do beleléu... né? vocês conhecem o reino do beleléu?
Aluno: eu não...
Bibl. 4: ah... então nessa história vocês vão conhecer o reino do beleléu... óh... olha o
ursinho do menino aqui perdido... tem alguém pegando o ursinho...
213
Aluno: beleléu ((em coro))
Bibl. 4: ‘quando você perde alguma coisa... e não consegue encontrar... pode ter certeza...
quem pegou foi o beleléu’...
[...]
Bibl. 4: ‘beleléu é um monstrinho... na sombra... que vive pegando tudo que encontra pela
frente’ ... ((mostra as ilustrações))
Aluno: ele é de verdade?
Bibl. 4: não sei se ele é de verdade... ‘quantas vezes você foi procurar algo que costuma
deixar guardado num certo lugar... ( )... você procura em todos os lugares e não consegue
encontrar?’ ((mostra a ilustração da página))
[...]
Fab: eu... eu perdi cinqüenta contos...
Aluno: ((vários alunos levantam a mão e comentam simultaneamente))
Bibl. 4: e quem guardou alguma coisa no armário e já falou... eu guardei isso aqui... e
agora onde foi parar?
Fab: eu já guardei... o guarda-chuva...
Bibl. 4: e no outro lugar... ‘a culpa é do beleléu’... olha aqui ele entrando na sala... olha
o bumbum grandão dele... ‘ele pegou e escondeu de você’... olha onde tava o relógio do
menino... oh... ((mostra a ilustração))
Jon: colocou debaixo da cama...
Bibl. 4: é ele escondeu debaixo da cama... ‘a única maneira de impedir o ataque do
beleléu... e manter tudo sempre em ordem... os brinquedos guardados no armário... as
roupas dobradas... as gavetas limpas... e a cama bem arrumadinha’... ih:::... quem tem
mania de deixar o quarto desarrumado aqui?
Aluno: ((vários alunos levantam a mão))
Reb: ele gosta de sujeira...
Bibl. 4: vai ser vítima do beleléu direto ((fala para os alunos que levantaram a mão))...
Aluno: ((várias crianças relatam simultaneamente situações de desorganização))
Bibl. 4: ‘quando você deixa seu quarto sujo... as gavetas desarrumadas... os brinquedos
espalhados... pode esperar’... olha ((mostra a ilustração))... tem até casca de banana
aqui... oh... ‘o beleléu vai chegar’... até o fim do livro o beleléu foi pegar... que tava no
armário...
Ati: de novo... de novo...
Bibl. 4: agora deixa eu perguntar uma coisa pra vocês... essa historinha é real?
Aluno: não... ((em coro))
214
Bibl. 4: esse personagem existe de verdade?
Aluno: não ((em coro))
Bibl. 4: não... isso daqui se chama fictício... é uma coisa que o autor inventou... uma criatura
que ele inventou... pra fazer uma historinha... é um personagem... e criou essa historinha..
então todos nós aqui somos capazes de escrever uma historinha... criar um personagem e
fazer uma historinha sobre esse personagem... tá? cada um de vocês pode fazer isso um
dia... (DC1R73- 28-11-2005)
Nesse evento, foi possível perceber que a bibliotecária direcionou a leitura, mas o
deixou de considerar o potencial de decisão dos alunos, quando apresentou os
livros. O processo de compreensão dos textos se iniciou desde o momento da
escolha dos títulos a serem lidos, pois as crianças tiveram que se posicionar e,
assim, fizeram várias avaliações. Nessas avaliações, tinham o que dizer, dentre
elas, que conheciam o livro, que tinham medo ou não de escuro, como o título de
outro exemplar dava a entender; que, apesar do nome da personagem do livro Luiza
fala palavrão ser parecido com o nome de uma aluna da turma, ela recusou essa
identificação, provavelmente pelo aspecto pejorativo do termo palavrão e, assim,
identificou diferenças gramaticais para argumentar a distinção do seu nome com o
do título do livro, enfim, durante toda a atividade de leitura, foi possível observar
atitudes responsivas dos alunos. A bibliotecária também se preocupou em indicar a
autoria e explorou alguns aspectos do texto, como o conceito de ficção e elementos
da ilustração que ampliavam o processo de compreensão do texto verbal. Por meio
das perguntas que lançava para as crianças, permitiu que elas se constituíssem
como interlocutores, pois, a partir das palavras do autor, apresentaram diferentes
experiências pessoais. Nesse contexto, Bakhtin esclarece que é
[...] impossível uma compreensão sem avaliação. Não se pode
separar compreensão e avaliação: elas são simultâneas e constituem
um ato único integral. O sujeito da compreensão enfoca a obra com
sua visão de mundo formada, de seu ponto de vista, de suas
posições. Em certa medida, essas posições determinam a sua
avaliação, mas neste caso elas mesmas não continuam imutáveis:
sujeitam-se à ação da obra que sempre traz algo novo [...]. O sujeito
da compreensão não pode excluir a possibilidade de mudança e até
de renúncia aos seus pontos de vista e posições já prontos. No ato
da compreensão desenvolve-se uma luta cujo resultado é a mudança
mútua e o enriquecimento (BAKHTIN, 2003, p. 378).
215
A bibliotecária continuou a leitura conforme havia delineado no início e passou para
a leitura do segundo livro selecionado pelas crianças. A dinâmica de interação com
elas foi similar.
Bibl. 4: [...] então vamos ler agora Luiza fala palavrão...
Alunos: ((vozes))
Bib. l4: ‘Luiza fala palavrão’... olha o que está saindo da boca de Luiza... ((mostra a
ilustração))
Fab: é o beleléu...
Bibl. 4: só falta essa... o beleléu sair da boca da gente também... ‘era hora do recreio... Luiza
estava andando de bicicleta... quando de repente Edu chegou e disse... me sua
bicicleta... não:::’...
((risos))
Bibl. 4: Edu ficou com muita raiva... e falou um monte de palavrões’... olha os palavrões
dele... a cara dos palavrões dele ((mostra as ilustrações))... ‘Luiza não conhecia nenhum
palavrão... e não sabia o que responder... então saiu correndo’... olha ela tapando os
ouvidos... pra não escutar os palavrões dele... falar palavrão é bonito?
Alunos: não ((vários alunos respondem simultaneamente))
Ati: meu pai me xinga de ( )...
Bibl. 4: mas não está certo ele te chamar assim... não... sabe por quê?... porque não... é
bonito a gente xingar palavrão? alguém sabe me dizer? em primeiro lugar porque...
[...]
Lil: ((levanta a mão))... pode ensinar outra pessoa falar palavrão...
Bibl. 4: é... pode fazer com que outra pessoa comece a falar palavrão... fala... ((indica para
Lui))
Lui: se três amigos... e um grande fala um palavrão... ele pode escutar e aprender a falar... e
começa a repetir...
Bibl. 4: olha que interessante que ela falou... ( )...
Reb: ô tia... o meu irmão ouviu um palavrão.. e depois começou a falar...
Bibl.4: isso é mau exemplo... não é?... ‘no caminho de volta para casa... Luiza viu dois
homens... discutindo bem alto... o que aquele homem falou... mãe?... ah minha filha.. deixa
pra lá... eles estão falando palavrão’... olha lá... os monstrinhos saindo da boca do homem...
e as pessoas ficam feias quando falam palavrão... né? normalmente elas estão com raiva...
estão nervosas e elas começam a ficar feia... ‘então ela passou perto do homem que estava
brigando... e epa::... pegou um palavrão... venha comigo eu preciso de você’... olha ela
falando com o palavrão ((mostra a ilustração))... será que ela vai trazer o palavrão pra vida
dela?...
216
((vozes))
Bibl. 4: agora olha aqui ele falando... ‘você escolheu bem... eu sou o pior palavrão do
mundo... meu nome é superpalavrão’... ((mostra a ilustração))
Alunos: olha o superpalavrão...
Alunos: superpalavrão...
Reb: o superpalavrão... vai embora...
Bibl. 4: ‘no outro dia... quando Luiza chegou à escola... foi logo procurar o Edu’... olha o que
ela falou... ‘seus palavrões são tão bobos... para derrotar Luiza... Edu saiu falando
palavrão... na mesma hora o superpalavrão atacou’... olha o superpalavrão pulando em
cima do palavrão de Edu...
Reb: ele saiu da boca dela... tia...
Bibl. 4: tá certo a gente ficar rebatendo palavrão dos outros?...
Alunos: não... ((vários alunos falam simultaneamente))
Bibl. 4: não... isso é muito feio... mostra que a pessoa é mais mal-educado ainda... né?
‘mais tarde quando todos estavam na classe... quem pode me dizer o que trouxe para o
lanche?’... a Luiza levantou a mão e disse... eu trouxe biscoito de banana... Edu saiu na
gargalhada.. uma banana... rá... rá... rá... igualzinho a um macaco... a classe toda deu
risada... então olha... ele debochou da Luiza... falando que ela tinha trazido uma banana
porque era igualzinha a um macaco... comparou ela a um macaco... ele começou a implicar
com ela.. . olha só... ‘Luiza ficou uma fera... e abriu a boca para responder... e daí soltou o’?
Alunos: superpalavrão...
Bibl. 4: ‘superpalavrão... Luiza tentou segurar... mas era tarde demais’... olha onde ele foi
parar... na cabeça da menina... depois foi atacar outro menino... depois jogou a lixeira no
chão...
Hem; fez tudo de errado na escola...
Bibl. 4: ‘a professora ficou brava... Luiza...você não sabe que é feio falar palavrão?... não foi
minha culpa... escapou’...
Ati: escapuliu...
Bibl. 4: ‘o pai de Luiza foi buscá-la na saída da escola... parece que sua professora está
meio zangada... aconteceu alguma coisa de errado?... Luiza abaixou a cabeça e ficou
torcendo para que seus pais não descobrissem a história do superpalavrão’... uai... a Luiza
vai para a escola para aprender palavrão?
Alunos: não...
Fab: tia... qual é o superpalavrão?
Bibl. 4: ah... é superpalavrão dela... cada um tem um... ‘quando chegou em casa... ela foi
brincar com Rodrigo... seu irmãozinho’... olha o que o irmãozinho dela falou... ‘sabe... eu
aprendi um palavrão... é bunda’...
217
((risos))
Bibl. 4: a Luiza falou assim pra ele... ‘e eu sei o pior palavrão de todos... falo se você
prometer não contar pra ninguém’... aí o irmãozinho dela falou assim... ‘prometo’... aí a Luiza
foi no ouvido dele (cochichou)... ‘nossa esse é feio... hein’... olha ele olhando o palavrão
dela... ‘na hora do jantar... Luiza estava muito orgulhosa... pois ela sabia ajudar pôr a
mesa... mas de repente’... o pai falou... ‘bem crianças... o que vocês fizeram hoje?’... o
Rodrigo falou...’eu aprendi um palavrão daqueles’... a Luiza... ‘não fale.’... porque ele ia
falar o palavrão que a irmã tinha ensinado pra ele... né? ‘tarde demais... Rodrigo deixou
escapar o palavrão... nossa Rodrigo... quem te ensinou a falar essa palavra horrível? foi a
Luiza’... e agora? será que a bunda da Luiza vai esquentar? será que o pai e a mãe vai dar
uns tapas na Luiza?
Alunos: vai...
Bibl. 4: ‘Luiza ficou vermelha feito um pimentão... e com vontade de chorar... então ela
correu pra cozinha e jogou o superpalavrão na lata de lixo... não quero mais saber de você...
você é muito sujo’... olha lá ela jogando o superpalavrão na lata do lixo...
((vozes))
Bibl. 4:’a noite... na hora de dormir... Luiza ainda estava um pouco triste... felizmente sua
mãe foi conversar com ela... sabe... quando o Edu me xinga eu tento responder’... a mãe
falou... ‘é você dizer a ele... cale a boca... meleca do nariz... não é um palavrão... e além
do mais é engraçado’...
Reb: não é engraçado...
Bibl. 4: não... ela falou que era engraçado...
Reb: além do mais...
Bibl. 4: é engraçado... meleca do nariz é engraçado falar... aí terminou a historinha...
(DC1R73- 28-11-2005).
A partir da descrição integral das interlocuções da Bibl. 4 com as crianças, durante a
leitura na biblioteca envolvendo a literatura infantil, podemos observar que ela
utilizou determinadas estratégias para constituir sentido ao texto. Por meio da
exploração dos elementos verbais, visuais e também da prosódia, buscou envolver
as crianças na leitura. Assim, percebemos que, ao fazer a leitura de trechos da
história, fazia entonações diferentes para distinguir as falas dos personagens, bem
como exibia para os alunos as ilustrações. Indicava para as crianças aspectos do
texto visual que contribuía para a compreensão do texto verbal e estabelecia a
interlocução com os alunos por meio de perguntas. Dessa forma, as crianças, a
partir da análise dos aspectos ilustrativos e das questões propostas pela Bibl. 4,
apresentavam suas idéias, experiências pessoais e valores relacionadas com o
218
tema. Nesses momentos, podemos inferir que o espaço da discursividade foi
contemplado na atividade de leitura.
Após a conclusão da leitura dos livros de literatura infantil, a Bibl. 4 sempre indicava
uma atividade para ser realizada pelas crianças, mas nem sempre essa atividade
tinha uma relação direta com as histórias que havia lido. Nesse evento em particular,
ela solicitou às crianças: “Agora eu quero que vocês desenhem o beleléu de vocês
ou o superpalavrão... espera nas mesas que eu vou colocar o material pra vocês
((folha e lápis de cor))” (DC1R73- 28-11-2005). Também tivemos oportunidade de
observar que a bibliotecária, em outros eventos, desenvolveu atividades de quebra-
cabeças a partir de imagens obtidas em revistas. Assim, durante todo o período de
permanência dos alunos na biblioteca, a profissional procurava direcionar o trabalho
desenvolvido.
Foto 56 - Crianças fazendo atividade de
desenho orientada pela bibliotecária após
a leitura de histórias
Foto 57 - Crianças consultando livros de
literatura para fazer atividades de
desenho
Foto 58 Desenho sobre os
personagens das histórias dos livros de
literatura infantil
Foto 59 Desenho representando o
superpalavrão da história
219
Observamos, ainda, que o trabalho da Bibl. 4 ocorria de forma independente das
ações do contexto da sala de aula, uma vez que, conforme relatamos, a professora
regente não tinha oportunidade de participar desses momentos. Podemos
compreender também que a leitura proposta nessas condições propiciava a interação
entre os sujeitos e destes com o texto verbal. Contudo, não vislumbramos a leitura
integrada ao processo de produção, conforme proposto por Geraldi (1997), pois as
atividades produzidas, a partir da leitura dos livros de literatura infantil, não estavam
direcionadas a um interlocutor definido e com um objetivo específico de comunicação.
As produções das crianças também explicitavam elementos de cunho moral
veiculados pelas histórias de literatura infantil que, conforme discutimos, tem por
objetivo transformar o sujeito criança e moldá-lo de acordo com os valores dominantes
da sociedade.
A nova dinâmica na biblioteca propiciou a focalização da atenção das crianças em
torno de um mesmo texto, o que se distingue radicalmente da rotina da leitura livre,
em que os interesses eram diversos. Porém, durante os eventos, as crianças
explicitavam a necessidade de ampliar a proposta, pois demonstravam gostar de ouvir
histórias contadas pela Bibl. 4, contudo, também desejavam interagir com os materiais
de uma forma mais independente, como podemos observar nas enunciações:
Alic: ô tia... lê a do piolho... ((mostra o livro que está em sua mão)) (DC01R71 – 21-11-2005)
Mars: tia... agora deixa a gente ler sentada na mesa (individualmente)... (( fala para a Bibl. 4
após a apresentação de uma história)) (DC01R71 – 21-11-2005)
Reb: tia... depois deixa eu lê esse? ((mostra o livro que estava segurando)) (DC01R73 – 28-
11-2005)
Lil: depois você me empresta esse ... ((aponta um livro que a Bibl. 4 apresentou para
escolha)) (DC01R73 – 28-11-2005)
Assim, a descrição dos diversos eventos de leitura com a literatura infantil, no espaço
da sala de aula e da biblioteca, indicou diferentes práticas de leitura. Nessas práticas,
os objetivos para acessar a literatura infantil eram variados, como ler para fruição, ler
para fazer atividades com ênfase em questões gramaticais, ler para atividades de
teatro, ler para moldar atitudes e comportamentos, ler para se divertir, ler para ocupar
220
o tempo livre entre as atividades de sala de aula, ler para o outro ouvir, entre outros
objetivos que podem ter escapado ao nosso olhar.
Os suportes que sustentavam as práticas de leitura observadas foram
majoritariamente o livro, com as especificidades e características do universo infantil,
nas suas versões originais, com raríssimas exceções que identificamos no caso do
cartaz e da folha de papel. Os textos também não sofreram cortes e adaptações e as
crianças interagiam com um acervo variado, embora a renovação dos títulos não fosse
constante e dependesse das remessas da administração central do município ou do
Ministério da Educação e Cultura. As formas de organização dessas práticas eram
delineadas conforme os objetivos, pois percebemos práticas de leitura direcionadas
pelas professoras regentes, pela professora de projetos, pela bibliotecária e com muita
recorrência pelas próprias crianças.
Nesse sentido, as crianças se organizavam de forma individual ou coletiva.
Percebemos a prática da leitura silenciosa, da leitura em dupla ou em grupo. Por meio
do recurso da fotografia, focalizamos diferentes cenas em que pudemos perceber a
influência dos espaços, mobiliários, materiais e os mais variados gestos de leitura que
permearam as práticas de leitura observadas. Dessa forma, podemos dizer que o
trabalho com a literatura infantil na turma pesquisada era bastante rico e as interações
entre os sujeitos eram intensas, o que viabilizava a emergência de uma polifonia de
vozes. Ou seja, nas práticas de leitura, percebemos as vozes do discurso pedagógico
que buscam articular a leitura aos objetivos de ensino e as vozes dos diferentes
autores que dialogavam com os sujeitos leitores por meio dos textos e, nessa relação,
estão imbricadas visões de mundo, de sujeito e de sociedade que se interrogam,
divergem e também podem encontrar convergência.
Assim, a abordagem da temática da leitura no contexto escolar, em especial da
literatura infantil, aproximou o nosso olhar da multiplicidade de sutilezas evidenciadas
nas interações entre os sujeitos e destes com os mais variados materiais de leitura
presentes nesse espaço de ensino aprendizagem.
221
6.2 AS PRÁTICAS DE LEITURA COM O LIVRO DIDÁTICO
A organização inicial dos dados coletados em nossa pesquisa indicou que o livro
didático (LD) das diferentes disciplinas (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências,
História e Geografia) constituiu um material utilizado com freqüência na turma
investigada, ou seja, obteve o segundo maior índice de uso na Tabela 50, que
apresenta as diferentes situações de leitura observadas. Esse dado é interessante,
porque reitera resultados de outras pesquisas nacionais que demonstram que o
objeto cultural LD tem grande alcance de público no universo das relações de ensino
aprendizagem. Alguns elementos sociais, políticos, históricos e econômicos podem
auxiliar na compreensão desse quadro que evidencia o LD como um importante
suporte de leitura presente no espaço escolar.
Um primeiro aspecto a ser considerado e de fundamental importância é que o
acesso ao LD nas escolas públicas, que atende a grande contingente da população,
é garantido por programa de distribuição de livros didáticos desenvolvido pelo
Ministério da Educação e Cultura. Batista (2004) faz um resgate dessa estreita
relação da ação do governo no campo da educação com o mercado editorial do LD,
e explica que, a partir de meados da década de 1970, a produção editorial ficou
menos onerosa e difícil, devido a isenções de impostos e renovação dos
equipamentos gráficos. Segundo o autor, o processo de modernização do parque
industrial gráfico implicou um aumento da produção editorial.
Ainda evidencia que os índices de crescimento da oferta da produção cultural
impressa não foram acompanhados pelo crescimento satisfatório do mercado
consumidor. Nesse contexto, o governo militar se encarregou de criar a Comissão
Nacional do Livro Técnico e Didático (COLTED), por meio do Decreto presidencial nº
59.355, de 4 de outubro de 1966, com o objetivo de executar o Programa Nacional
do Livro Didático. Essa comissão era financiada com recursos do Ministério da
Educação e pela United States Agency for Internacional Development (USAID), além
de contar com a colaboração do sindicato dos editores (SNEL). Dedicava-se ao
trabalho de aquisição de livros didáticos (LDs) diretamente das editoras, promoção
de consultorias e seminários para editores e profissionais de editoração e
comercialização, bem como ao treinamento de professores para o uso dos livros.
222
Alguns autores, como Geraldi (1997) e Bunzen e Rojo (2005), discorrem também
sobre a articulação dessa expansão editorial com a expansão da escola pública. O
governo militar, buscando construir a idéia de democratização, por meio da
escolarização, ampliou o número de anos de escolaridade. Dessa forma, gerou
maior demanda de atendimento no sistema público educacional. Para atender à
demanda crescente por educação escolar, foi necessário, também, segundo Geraldi
(1997), um número maior de profissionais docentes. Nessa direção, foram
implementadas, de acordo com esse mesmo autor, mudanças na formação com a
criação de cursos de curta duração e de qualidade questionável, pois “[...] o que se
viu foi a formação de professores em cursos rápidos, sem maior embasamento
teórico [...]” (GERALDI, 1997, p. 116). A fragilidade na formação dos professores,
decorrente de uma formação inicial aligeirada, exigiu, na perspectiva de Geraldi
(1997), um instrumento de sistematização do conhecimento que facilitasse a ação
do professor e, também, a tornasse uniforme, ou seja, adequada ao regime ditatorial
da época. Isso poderia ser alcançado com a utilização do LD, pois a sua adoção
possibilitaria ordenar e disciplinar a aprendizagem e ainda solucionar o problema da
formação de professores.
Assim, a solução para o despreparo do professor, em dado
momento, pareceu simples: bastaria oferecer-lhe um livro que,
sozinho, ensinasse aos alunos tudo o que fosse preciso. Os livros
didáticos seriam de dois gêneros: verdadeiros livros de textos para
os alunos, e livros-roteiros para os professores, para que
aprendessem a servir-se bem daqueles. Automatiza-se, a um tempo,
o mestre e o aluno, reduzidos a máquinas de repetição material
(GERALDI, 1997, p. 117).
Nesse sentido, os LDs tornaram-se necessários a um cenário de mudanças
políticas, sociais e econômicas e passaram a se constituir em um produto editorial
de vendas predominantemente voltado para a esfera governamental e ainda
desempenhavam a importante função de veiculação de conteúdos pretensamente
científicos.
A produção de novos conhecimentos em diversos campos das ciências humanas,
por exemplo, da linguagem, da Psicologia, da Sociologia, entre outros, constituiu as
condições de compreender o processo de ensino aprendizagem a partir de novos
223
referenciais que se distanciavam da visão pragmatista e racionalista do
conhecimento, adotada pelos livros editados durante o regime militar. A partir da
segunda metade da década de 1980, com o processo de abertura política, o
desenvolvimento desses diversos saberes imprimiu necessidades de adaptações e
adequações na forma de abordar os conteúdos nos livros didáticos. A criação em
1985, do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação e
Cultura, para “[...] avaliação, aquisição e distribuição universal e gratuita [...]”
(BATISTA; ROJO; ZÚÑIGA, 2005, p. 49) dos diferentes LDs das áreas do
conhecimento, também atuou na regulação dessa produção. Estudos têm
evidenciado que os critérios estabelecidos para a avaliação do PNLD têm
influenciado e orientado os autores e editores no momento da produção e
apresentação dos LDs.
Batista, Rojo e Zúñiga (2005) ressaltam que a avaliação dos LDs, instituída em
1996, integra, portanto, o conjunto dos mecanismos por meio dos quais o Estado
procura exercer o controle do currículo. Segundo os autores, o controle ocorre
devido ao fato de os critérios de avaliação do Programa incidirem sobre a seleção
dos conteúdos e sobre a transposição didática. O Estado ainda busca legitimar os
procedimentos de avaliação dos LDs a partir de critérios políticos e técnicos, com a
contratação de especialistas das áreas do conhecimento para realizar esse trabalho.
Por último, ainda explicam que o controle do currículo se faz pelo Guia do Livro
Didático, instrumento enviado para as escolas com o objetivo de guiar a escolha de
determinados LDs, conforme a caracterização e classificação propostas pelos
especialistas. É importante salientar também que, a partir da implantação desse
sistema de avaliação, os LDs apresentaram melhor qualidade no aspecto gráfico-
editorial. Além disso, os autores desses materiais passaram a adotar, segundo Val e
Castanheira (2005), uma diversidade de gêneros textuais superando a perspectiva
de texto acartilhados. Essas mudanças têm relação com as descobertas nos
diversos campos do conhecimento (Psicologia, Lingüística etc.), mas também visam
a estar coerentes com a nova ordem política e econômica. As autoras advertem, no
entanto, com relação aos livros de Português, sobre
224
[...] o tratamento dado à leitura e à produção de textos escritos,
embora pertinente em diversos aspectos na maioria das obras, não
focaliza adequadamente as condições de produção de sentido, que
envolvem a contextualização e o trabalho lingüístico-discursivo dos
interlocutores (VAL; CASTANHEIRA, 2005, p.179-80).
Essa breve incursão em torno da emergência e da produção desse objeto cultural
denominado de LD indica que o seu público-alvo se situa no contexto escolar. E,
ainda, observando as possibilidades de leitores desse material, podemos identificar
que, preferencialmente, são direcionados aos avaliadores do PNLD, aos professores
e, por último, os alunos. Assim, os LDs são
[...] obras produzidas com o objetivo de auxiliar no ensino de uma
determinada disciplina, por meio da apresentação de um conjunto
extenso de conteúdos do currículo, de acordo com uma progressão,
sob a forma de unidades ou lições, e por meio de uma organização
que favorece tanto usos coletivos (em sala de aula), quanto
individuais (em casa ou em sala de aula) (BATISTA; ROJO, 2005, p.
15).
Desse modo, as práticas de leitura com os LDs, seja para avaliar, seja para
escolher, seja para usar no cotidiano da sala de aula, compreendem uma relação de
poder. Munakata (2002, p. 579), ao discutir sobre esse aspecto, explica que ler/usar
[...] livro didático implica assim pelo menos dois leitores
permanentes: aluno e professor. É claro que outros livros também
supõem uma diversidade muito grande de leitores, mas o que faz
essa dupla de leitores peculiar no livro didático é que ela é, digamos,
estrutural: se uma aparecer sem o outro pode-se amesmo dizer
que o livro didático deixa de sê-lo. Esses leitores, além disso,
mantêm entre si certa relação de poder: mesmo que o leitor final seja
o aluno, não cabe a este escolher o livro.
Dessa forma, a possibilidade de escolha do livro didático depende do lugar que o
sujeito leitor ocupa nas relações de poder que se instituem com a adoção desse
suporte de textos e, também, as práticas de leitura instauradas são distintas. O
avaliador do PNLD, ao tomar esse tipo de material para leitura, o faz com
determinados objetivos, ou seja, para identificar aspectos delineados nos critérios de
avaliação do Programa que contribuam para ele produzir a resenha relativa ao LD
analisado. Assim, a sua leitura está vinculada à produção de um novo texto, à
resenha, que tem por objetivo orientar os docentes quanto aos aspectos positivos e
negativos de determinados LDs, na fase de seleção das obras a serem adotadas.
225
Por sua vez, o professor, ao fazer a leitura desse mesmo material, busca olhar como
o LD pode auxiliar nas propostas didáticas de sala de aula e, nesse sentido, as
características dos alunos também são consideradas nesse momento. Contudo,
nessa relação de forças, os alunos apresentam um reduzido potencial para
influenciar a escolha desse suporte de textos para leitura, apesar de serem eles os
mais interessados, pois são os sujeitos que irão fazer uso desse material por todo o
período do ano letivo. Tradicionalmente, as práticas de leitura com os LDs,
instauradas no contexto escolar com os alunos, estão voltadas para as relações de
ensino aprendizagem das diferentes disciplinas. Essas práticas têm por objetivo
desenvolver algum conteúdo específico do currículo e, geralmente, são direcionadas
pelos regentes que definem quando, como e o que ler.
O LD de língua portuguesa adotado na turma pesquisada era o volume 1 da coleção
Uma proposta para o letramento, de Magda Becker Soares, que recebeu a melhor
classificação prevista no PNLD/2004, ou seja, foi classificado como recomendado
com distinção (RD). De acordo com o programa, somente são classificadas nessa
categoria “[...] obras com qualidade inequívoca e bastante próximas do ideal
representado pelos princípios e critérios definidos” (PROGRAMA NACIONAL DO
LIVRO DIDÁTICO, 2004, p. 14). Elas apresentam “[...] propostas pedagógicas
elogiáveis, criativas e instigantes” (PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO,
2004, p. 14).
Os critérios que orientam a avaliação da leitura são explicitados da seguinte forma:
As atividades de exploração do texto têm como objetivo o
desenvolvimento da proficiência em leitura. Portanto, se
constituem como tais, na medida em que:
encararem a leitura como uma situação efetiva de
interlocução leitor/autor, situando a prática de leitura em seu universo
de uso social;
colaborarem para a reconstrução dos sentidos do texto pelo
leitor, não se restringindo à localização de informações;
explorarem as propriedades discursivas e textuais em jogo,
subsidiando esse trabalho com os instrumentos metodológicos
apropriados;
desenvolvam estratégias e capacidades inerentes à
proficiência que se pretende levar o aluno a atingir (PROGRAMA
NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO, 2004, p. 39).
226
A coleção Uma proposta para o letramento, de Soares (1999), atendeu
positivamente a todos os critérios indicados, e os avaliadores do PNLD/2004
ressaltaram ainda algumas de suas qualidades, tais como: apresentava uma
excelente seleção textual e diversidade de tipos e gêneros. Com relação à
compreensão de textos, argumentaram que as propostas de atividades exploravam
“[...] diversificados procedimentos ou estratégias de leitura [...]” (PROGRAMA
NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO, 2004, p. 171).
Como verificamos, o livro utilizado na classe pesquisada privilegia a organização por
unidades temáticas. A primeira unidade é intitulada “É hora da escola”; a segunda,
“Muito prazer, dona rua!; a terceira, “O melhor amigo do homem”; e a quarta e
última, “Bruxas? Bruxas!”. Na perspectiva dos avaliadores do PNLD/2004, as
temáticas exploradas, no volume 1, são instigantes e atendem aos interesses dos
alunos. Observamos, também, que a autora do livro, para desenvolver as várias
temáticas, recorre, predominantemente, à unidade texto. Eles são de diferentes tipos
e gêneros e apresentam relações entre si a partir do conteúdo, da forma ou do modo
de dizer.
Nos enunciados dos exercícios, tarefas ou atividades a serem feitas pelas crianças,
a autora busca, segundo os avaliadores, materializar uma concepção de língua e
linguagem como interação, pois cria situações de diálogo entre ela (autora), as
crianças e a professora como estratégia didática de preparação para as atividades
de leitura e de escrita. Dessa forma, em todas as unidades do LD analisado, podem
ser encontradas orientações que evidenciam esse diálogo, conforme podemos
perceber nos extratos de enunciados a seguir:
Seu professor vai ler o texto para vocês. Escutem com atenção
(SOARES, 1999, p. 35).
Analise, com seu professor e seus colegas, o anúncio das colas:
(SOARES, 1999, p. 41).
Entenda a brincadeira, conversando com seu professor e seus
colegas: (SOARES, 1999, p. 61, grifos nossos).
Segundo os avaliadores, as marcas discursivas presentes nos enunciados e outras
características explicitadas no material, como diversidade textual e seções didáticas
que trabalhavam a linguagem oral e escrita dentro da concepção de interação,
227
constituíram subsídios aos avaliadores para construírem uma análise da proposta
metodológica do LD. Segundo eles, os
[...] pressupostos teórico-metodológicos explicitados na proposta
pedagógica fundamentam-se, predominantemente, nos estudos
sobre o letramento, que consideram a língua como comunicação ou
interação e mostram como a escrita e a oralidade ocorrem no interior
das diferentes práticas sociais. A linguagem, tanto escrita como oral,
é considerada, na perspectiva adotada, como processo de interação
entre sujeitos, em que os sentidos e a forma dos textos se
constituem a partir das experiências de cada sujeito e do contexto
em que se dá a interação.
Coerentemente com esses pressupostos, promove-se um amplo
trabalho de leitura e análise lingüística de gêneros e tipos textuais
diversificados, concretizando o objetivo da coleção: possibilitar a
interação lingüística do aluno, familiarizando-o com a função e a
estrutura de textos que são produzidos em diferentes gêneros e
práticas sociais (PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO
2004, p. 172, grifos do autor).
Outra característica marcante do livro utilizado na classe pesquisada é a
regularidade das seções internas apresentadas em cada unidade temática. A
organização dessas seções didáticas sempre contempla a utilização de textos
visuais ou verbais, indica a leitura oral, leitura silenciosa, interpretação oral,
interpretação escrita, produção de texto e ainda apresenta uma sessão de
vocabulário. Esse percurso didático que observamos também foi objeto de atenção
da equipe do PNLD/2004, pois, ao elaborarem a resenha, direcionada aos
professores, ressaltam que as
[...] seções, nos livros [dessa coleção], distribuem-se de maneira
regular, divididas nas seguintes atividades: Leitura (preparação para
leitura, leitura oral, leitura silenciosa, interpretação oral, interpretação
escrita, sugestões de leitura); Produção de texto; Língua oral/língua
escrita; Linguagem oral; Vocabulário (PROGRAMA NACIONAL DO
LIVRO DIDÁTICO, 2004, p. 171, grifos do autor).
É interessante notar que o trabalho com a leitura, objeto de nossa pesquisa, é
contemplado nessas seções didáticas de maneira variada. A autora indica atividades
de diferentes formas, ou seja, orienta a leitura oral e silenciosa. Segundo análise dos
avaliadores do programa do LD/2004:
228
[...] as atividades geralmente são iniciadas com propostas de
previsão de hipóteses e predições sobre o conteúdo dos textos ou
das imagens apresentadas. Durante a leitura dos textos, também
um trabalho de levantamento e de confirmação de hipóteses, o que
recupera o dinamismo típico das situações de leitura em que o leitor
vai progressivamente ajustando as suas expectativas em função
daquilo que vai lendo (PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO
DIDÁTICO, 2004, p. 172).
Além dessa sistematização das atividades de leitura, consideramos muito pertinente
a seção denominada de sugestões de leitura que identificamos ao final de cada
unidade temática páginas (43, 89, 149 e 199). Nessa seção, os alunos e professores
encontram uma relação de livros do universo da literatura infantil que abordam a
temática estudada. Assim, podem ampliar as práticas de leitura para além dos textos
oferecidos no LD, o que, em nossa percepção, evidencia uma estratégia
interessante de integrar o trabalho de leitura com o LD e outros suportes. Em cada
seção, Soares (1999) indica uma relação gradativa de títulos de diferentes autores,
como Ziraldo, Eva Furnari, Ricardo Azevedo, Sylvia Orthof, dentre outros
consagrados na área da literatura infantil. Percebemos que, na unidade 1, a seção
sugestões de leitura apresenta uma relação de cinco livros e conclui, na unidade 4,
com a indicação de oito títulos. Contudo, estudos têm evidenciado que as
seqüências didáticas pensadas pelos autores dos LDs nem sempre se concretizam
na sala de aula da forma como prevista. Macedo (2004, p. 306), ao discutir sobre
essa questão, afirma que os professores não utilizam o LD de “[...] forma linear,
tanto em relação à seleção de unidades quanto em relação à seleção de atividade
no interior de cada unidade”. Ainda ressalta que os professores, ao fazerem uso do
LD, incorporam suas experiências de ensino e adaptam as atividades propostas em
função das singularidades da sala de aula.
Assim, como foi evidenciado, o LD foi um recurso muito utilizado nas práticas de
leitura. Porém, podemos nos perguntar: como as atividades de leitura foram
organizadas? As orientações delineadas nas propostas desse material foram
seguidas? Qual o objetivo da leitura do livro didático? Como ocorria a mediação no
processo de ensino aprendizagem? Todas essas questões nos ajudam a perceber
que o trabalho, na sala de aula com o livro didático, dependendo das relações
construídas entre os sujeitos nesse espaço, é complexo, dinâmico e pode assumir
nuances diferentes. Buscando compreender melhor as práticas de leitura ocorridas
229
na sala de aula, com esse suporte, é que nos propomos a apresentar eventos de
leitura com o objetivo de configurar a dinamicidade das práticas de leitura no
contexto escolar. Apesar de termos observado, durante a coleta de dados, eventos
de leitura com os diferentes LDs das disciplinas escolares (Ciências, Geografia,
Matemática, História), privilegiaremos os eventos de leitura desenvolvidos a partir do
LD de língua portuguesa. Esse recorte justifica-se pelo fato de que nosso foco de
interesse de pesquisa situa-se no campo da linguagem.
As práticas de leitura com os LDs, na turma pesquisada, eram instauradas,
predominantemente, a partir das orientações das regentes que indicavam as
páginas e os exercícios a serem realizados em sala de aula ou como tarefa de casa.
Esse procedimento pode ser observado nas enunciações que se seguem:
Prof. 1: [...] agora a Gab ((ajudante do dia)) vai passar recolhendo os cadernos... e a
estagiária vai entregar os livros...
[...]
Prof. 1: página cento e onze... psiu::: psiu::: ((professora registra no quadro o número da
página do livro que era para ser localizada)) (DC01R26 – 15-7-2005)
Prof. 1: guardaram o caderno? agora nós vamos começar (no livro de Geografia)...
((vozes))
Prof. 1: abrindo o livro na página cinqüenta e dois... (DC01R36 – 16-8-2005)
Esses trechos evidenciam a relação de poder inerente ao uso do LD conforme
discutido por Munakata (2002). Eles demonstram que, numa perspectiva do
microespaço escolar, ou seja, nas relações estabelecidas no interior da sala de aula
entre professora e alunos, fica a cargo da primeira definir em que momento esse
material deveria ser utilizado e ainda determinar qual parte do livro a ser trabalhada.
Também observamos outras marcas de direcionamento no uso do LD, como a
presença de uma tabela fixada no interior da capa de cada exemplar. Essa tabela
tinha por objetivo instruir as crianças e os familiares sobre o dia que a professora
solicitava a tarefa de casa e as respectivas páginas em que as tarefas se
230
encontravam. Nessa tabela, observamos que o registro das páginas era sempre em
ordem crescente o que evidenciou que as professoras seguiram a seqüência de
unidades temáticas proposta no material. É interessante ressaltar, também, que
nem todas as atividades foram desenvolvidas, demonstrando, assim, que o
professor, no momento do uso do LD, avalia e seleciona as tarefas que se adequam
aos seus objetivos de ensino. Nesse sentido, mesmo que a professora tenha
estabelecido uma seqüência crescente na realização das tarefas, ela não trabalha
todas as propostas do livro. Ela se apropria do material com finalidades específicas
e, desse modo, entram em jogo suas experiências de formação, de regência, além
da percepção que tem em relação ao potencial de aprendizagem dos seus alunos.
Chamou nossa atenção o fato de, nos momentos de leitura dos textos do livro
didático, a organização da sala de aula pesquisada ser sempre formal, ou seja, as
crianças ficavam sentadas nas carteiras organizadas em filas duplas e, apesar das
interações coletivas mediadas pelas professoras, durante as orientações das
atividades, o trabalho era individual, pois cada criança acompanhava a leitura com
seu livro, conforme podemos observar na Foto 60. Estamos denominando esses
modos de organização de formais, porque os comparamos com os instaurados pelas
próprias crianças nos momentos em que liam textos dos livros de literatura. Como
vimos, a leitura dos livros de literatura infantil ocorria com muita mais freqüência por
iniciativas dos alunos, que escolhiam os títulos que mais lhes interessavam dentro
do acervo disponível na escola. Ao fazer a leitura dos textos, as crianças sentavam
no tapete de borracha que ficava ao fundo da sala, no palco da sala de aula, nas
próprias carteiras, em parceria com outros colegas ou individualmente, na biblioteca,
enfim, tinham várias possibilidades, o que não observamos nos eventos de leitura
com os LDs.
231
Outra característica importante a ser considerada, quando tratamos de práticas de
leitura envolvendo o LD, para além da forma de organização do espaço, e se a
comparamos com as práticas de leitura possibilitadas na sala de aula com os livros
de literatura, refere-se à questão das uniformidades de conteúdo a ser lido, pois
todos os alunos acompanhavam individualmente o mesmo texto e no mesmo ritmo
de leitura. A professora, ao solicitar que uma criança iniciasse a leitura, em voz alta,
dos enunciados das atividades ou de partes dos textos apresentados no LD de P
Português, pedia que as demais crianças acompanhassem a leitura dos trechos,
pois, caso fossem solicitados a continuar a leitura em voz alta, não teriam
dificuldades para atender à solicitação. Esses procedimentos podem ser
confirmados nos dois extratos abaixo:
Prof. 1: [...] o Reb... continua lendo pra nós... lá embaixo da figura... [...] parou aí... Reb...
[...]
Prof. 1: Jon... continua lendo... Jon... a página cinqüenta e cinco pra nós... (DC01R25 13-
7-2005)
Prof. 2: vamos sentar... estou esperando silêncio... primeira série... vamos começar...
alguém precisa ler... quem quer ler...
Alunos: eu... eu... eu...((falam simultaneamente))
Prof. 2: olha só... todo mundo presta atenção então... que a Lui vai começar... e quando eu
pedir pra ela parar... outro vai começar... então vamos prestar atenção então... pra ninguém
passar vergonha... todo mundo acompanhando a leitura... tá bom... Lui pode começar...
Lui: ((começa a fazer a leitura do livro didático))
Foto 60 – Alunos utilizando o livro
didático em sala de aula
232
Prof. 2: pode parar... Lui... continua... Jon...
Jon: ((continua a leitura do livro didático))
Prof. 2: pronto... Jon... pode parar... vai... Lar...
Lar: ((não sabia localizar o trecho do LD para continuar a leitura))
Prof. 2: tem que acompanhar [...] (DC01R42 – 24-8-2005)
Assim, as práticas de leitura envolvendo o LD assumiam marcas de organização do
espaço físico, de enquadramento dos corpos e de uma rotina de procedimentos de
ensino aprendizagem voltada, especificamente, para a execução de tarefas
propostas nesse material. O tipo de leitura mais explicitado, nos eventos
observados, era a leitura oral, embora o LD adotado indicasse outras formas,
conforme destacamos na avaliação do PNLD/2004. Todas essas marcas
evidenciavam certa regularidade e formalidade na configuração das práticas de
leitura com esse suporte que podem ser compreendidas dentro do universo da
cultura escolar. Também é importante notar que, entre as práticas de leitura com o
LD e com os livros de literatura infantil, havia diferenças marcantes, ou seja, a
dinâmica de organização do espaço, os objetivos que orientavam a leitura e o
movimento dos corpos, conforme tratamos no item anterior deste trabalho,
caracterizavam essas distinções.
Nesse contexto de diferenças, consideramos importante explicitar com mais detalhes as
interações que ocorriam na sala de aula no momento do uso do LD. Para isso,
tomaremos para análise alguns eventos observados, buscando mostrar as
aproximações e distanciamentos explicitados pelas regentes, em relação às propostas
constantes no LD, em especial aquelas relacionadas com a leitura. O primeiro evento
que privilegiamos para essa análise foram as atividades do texto 1 da unidade 3 do LD
de ngua Portuguesa adotado na turma. Essa unidade tinha como temática O melhor
amigo do homem, ou seja, o cão, e iniciava a exploração do tema com a seguinte
proposta:
233
Conforme podemos observar na Figura 13, o texto 1 tinha por objetivo o trabalho
com verbetes e o manuseio do dicionário. Para desenvolver essas atividades, a
regente distribuiu um minidicionário escolar para cada criança e apresentou o
dicionário Aurélio, versão ampliada, de capa dura e formato grande. Explicou que o
Figura 13 Página 92 do livro didático de Língua Portuguesa de título Uma proposta para
o Letramento, de Soares (1999)
234
dicionário maior continha mais palavras, era mais completo e os minidicionários
eram versões menores para facilitar o uso e manuseio, porém não contemplavam
grande parte das palavras usadas na nossa língua. Em seguida, solicitou às
crianças que localizassem a palavra cão no minidicionário. Contudo, elas tiveram
dificuldades, pois demonstraram não conhecer a organização interna do dicionário.
Embora grande parte dos alunos soubesse que o dicionário era estruturado em
ordem alfabética, eles localizavam apenas a parte que continha palavras que
começavam com a letra c e procurava a palavra cão em todas as páginas, ou seja,
não percebiam que deveriam continuar a seleção pelas próximas letras do verbete.
Diante das dificuldades, a professora informou o número da página em que estava
escrita a palavra para que todas as crianças a localizasse. Então, pediu que um
aluno fizesse a leitura do significado da palavra: “[...] cão sm. 1. Zool. Mamífero
canídeo, domesticado pelo homem desde tempos remotos. 2. Peça de arma de fogo
que percute espoleta. [Pl.: cães.]” (FERREIRA, 2000, p. 128).
Após a leitura oral da criança, a professora explorou o significado de outras palavras
que apareciam na definição.
Prof. 1: desde os tempos antigos... olha desde muito tempo... o cão é um mamífero
domesticado pelo homem... o que que quer dizer domesticado pelo homem?
Alunos: ((vozes))
Prof. 1: é que vive em casa... que é domado.. que é criado... que obedece ao homem... esse
foi o primeiro significado de cão... esse cão é cachorro... que a gente conhece... o
animal...
[...]
Prof. 1: a espoleta... né? então cão também... é aquela parte do revolver... onde fica a bala...
(DC01R16 – 15-6-2005)
Assim, aponta que, em nosso meio, não usamos a palavra cão, mas cachorro. Na
seqüência do evento, a Prof. 1 continuou a exploração oral do significado da palavra
cão com exemplos, para que as crianças pudessem observar os diferentes sentidos.
Prof. 1: [...] na fazenda da minha tia tem um cão:::... que morde a sandália de todo mundo...
que cão é esse?
Alunos: animal... ((respondem simultaneamente))
235
Prof. 1: é o animal... doméstico... domesticado pelo homem... carnívoro... é esse animal...
mas se eu formo uma frase bem assim... fui dar um tiro e o cão da arma não funcionou... eu
tô falando de qual cão?
Alunos: o cão da arma...
Prof. 1: ah::... então eu não tô falando do cão animal... não... eu tô falando do cão da arma...
tá vendo que no dicionário aparecem dois significados... porque depende do texto do que eu
tô falando... né? tem hora que vai aparecer no meu texto o cão animal... agora vamos ver no
livro da gente... no livro de vocês... (DC01R16 – 15-6-2005)
Todo esse percurso de exploração inicial demonstrou que a professora, além de
ampliar a proposta do LD com a elaboração de exemplos próprios para melhor
esclarecer os diferentes sentidos da palavra cão, ressignificou as orientações
indicadas no exemplar do professor, quanto aos procedimentos de leitura. Soares
(1999, p. 92) orienta que, ao “[...] ler oralmente o verbete para os alunos, o professor
pode esclarecer superficialmente o significado da abreviatura sm= substantivo
masculino [...]”, além de explorar outros exemplos de substantivos masculinos e
femininos, detendo, portanto, em aspectos gramaticais. Contudo, a regente fez a
seguinte enunciação:
Prof. 1: [...] vou pedir para o Jon ler no livro... o que é cão...
Jon: ‘mamífero carnívoro quadrúpede... desde o tempo em que vivia em cavernas... o
homem cria cães como animal doméstico... o cão guarda a casa... ajuda seu dono a caçar...
e a tomar conta dos rebanhos... os cães pertencem à mesma família da raposa e do lobo’...
((enunciado de texto informativo do gênero verbete apresentado na gina 92 do LD de
português))
[...]
Prof. 1: então todo mundo fez o dever de casa... vou pedir pro Fáb ler a página 94... então
ele vai ler a página 94... só pra gente conversar rapidinho... gente... (DC01R16 – 15-6-2005)
Assim, percebemos que a Prof. 1 implementou ações didáticas que o estavam
explicitadas nos enunciados do LD, mas que faziam parte das orientações da autora
direcionadas aos regentes, como o uso de dicionários. Percebemos, ainda, que
outras indicações, como o esclarecimento aos alunos do significado da sigla sm
presente no verbete e a abordagem de questões gramaticais, como substantivo e
gênero do substantivo, não foram exploradas pela professora.
236
Outro elemento que merece atenção foram as adaptações dos procedimentos de
leitura, quando a regente solicitou ao aluno Jon que fizesse a leitura do verbete. É
importante também notar um movimento de distanciamento da proposta do LD,
quando a professora orientou os alunos a continuar a leitura na página 94 do livro,
que enfocava a interpretação escrita, suprimindo o trabalho de interpretação oral
previsto na página 93.
As questões da sessão Didática interpretação oral, da página 93, contemplavam
uma série de elementos que compunham o dicionário, discutiam suas finalidades e
funções, além de a questão 7 trabalhar a especificidade de organização interna dos
verbetes que, em nossa avaliação, constituía uma necessidade da turma
pesquisada, uma vez que os alunos demonstraram dificuldades em encontrar
Figura 14 Página 93 do livro didático Uma proposta para o
letramento, de Soares (1999)
237
palavras no dicionário e que a professora teve que indicar o número da página para
que todos pudessem localizar o verbete em estudo. Em nossos registros de diário de
campo, identificamos outras enunciações que reafirmavam a necessidade de
explorar conhecimentos dessa natureza, como podemos perceber:
Prof. 1: muito bem... nesse dicionário aqui... do livro... esse daqui... o dicionário ilustrado
((mostra a ilustração do livro))... não aparecem dois significados de cão... não... só apareceu
um... qual significado?
Lui: do mamífero...
Alunos: de quatro pés ((em coro))
Prof. 1: vamos lá... agora embaixo... então olhe o que é verbete aí... gente... verbete ou
verbéte... olhe o que que é... depois que nós lemos lá no nosso dicionário...
Jon: verbete ((Jon entende que é para procurar no dicionário a palavra verbete))
Prof. 1: não é para procurar a palavra... não... qual é a parte... verbete é a parte do
dicionário... que parte do dicionário é verbete? olha aí no livro de vocês... no dicionário não...
no livro de vocês está mostrando...
Alunos: Ziraldo...
Prof. 1: não... o que que é verbete? quero ver quem descobre...
Alunos: ((vários crianças respondem coisas diferentes consultando o livro didático))
Prof. 1: gente... cada pedacinho... cada pedacinho do significado que aparece no
dicionário... é o verbete...
[...]
Porf1: [...] agora vamos usar correto essa palavra... o que que tem no dicionário? tem o
verbete... ou significado das palavras... (DC01R16 – 15-6-2005)
Dessa forma, podemos inferir que o objetivo principal que norteava a proposta de
atividades do LD de Língua Portuguesa na gina 92 e 93 era a compreensão das
funções e da organização do dicionário, porém não foram exploradas na sua
totalidade, sendo enfatizadas pela regente as questões de conteúdo relacionadas
com o tema cão e as atividades de interpretação escrita. A seqüência das interações
também possibilitou que, entre as propostas de trabalho expressas nos LDs e a sua
implementação, existiu um espaço interdiscursivo que permeou diferentes vozes,
além de evidenciar que os LDs não são apropriados de forma linear.
238
Assim, pensar o uso do LD numa perspectiva monológica de linguagem, em que a
voz do autor prevalece, parece ser uma visão reducionista que não contempla todos
os movimentos de interação que observamos na sala de aula. Nesse contexto,
O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um
elemento da comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas
sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de
maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado no
quadro do discurso interior, sem contar as reações impressas,
institucionalizadas, que se encontram nas diferentes esferas da
comunicação verbal (críticas, resenhas, que exercem influência
sobre os trabalhos posteriores, etc.). [...] Assim, o discurso escrito é
de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em
grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma,
antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc.
(BAKHTIN, 2004, p. 123).
Nesse intenso processo de diálogo, diferentes práticas vão se constituindo, dentre
elas, as de leitura. Conforme demonstramos nos vários extratos de enunciados
apresentados, a leitura oral predominava nos momentos em que a professora
privilegiava o uso do LD. Essa observação ainda pode ser confirmada nas
interações a seguir:
Prof. 1: [...] dever dois Lil... ler pra nós...
Vic: eu... tia?
Prof. 1: Lil... ler bem alto Lil... ler baixo não vai dar certo... não...
[...]
Prof. 1: [...] vou pedir para Alin terminar... lendo a última bolinha (atividade)... (DC01R16
15-6-2005)
O detalhamento desse evento, em que o suporte principal de leitura era o LD de
Língua Portuguesa, demonstrou que as práticas de leitura eram majoritariamente em
voz alta, dependiam da autorização da professora e tinham por objetivo executar as
tarefas propostas nesse material. Nesse último aspecto, é interessante notar que a
seqüência de atividades desenvolvidas em sala de aula não seguia rigorosamente
as especificações expressas no LD, pois sofria adaptações de acordo com a
avaliação da regente. Nesse sentido, o LD assumia realmente sua identidade, ou
239
seja, a dimensão didática prevista na própria denominação se constituía nessas
situações comunicativas.
Essa característica que integra o universo dos LDs pode ainda ser observada em
outro evento de leitura que tomamos para análise. A regente iniciou os trabalhos do
dia solicitando aos alunos que abrissem o LD na página 150 e perguntou: Nessa
página está escrito o que aqui?” (DC01R57 30-9-2005). As crianças logo
respondem em coro: “bruxas... bruxas” (DC01R57 30-9-2005). Ao registrar no
quadro o título da unidade, a professora escreveu apenas “bruxa” e um aluno
complementou dizendo: “tia... com s no final”. Ela procedeu à adequação no registro
e iniciou uma conversa com as crianças sobre a definição de bruxa. Muitos alunos
manifestaram o desejo de expressar suas idéias e, assim, a professora foi
direcionando as falas:
Prof. 2: levanta o dedo e me diz o que é uma bruxa? fala... Gab...
Gab: tem bruxa má... e tem bruxa boa...
[...]
Gab: elas só existem nos contos de fadas...
Prof. 2: existe aonde?
Gab: nos contos de fadas...
Prof. 2: e o que ela faz?
Lil: ela faz bruxarias...
Prof. 2: faz bruxarias... Lil... o que é bruxarias?
Alic: é com as pessoas...
Aluno: é mágica...
Lil: feitiço...
[...]
Mau: tia... igual na música...
Prof. 2: tem música que fala de bruxa?
Aluno: tem...
Prof. 2: quem lembra de música que fala de bruxa?...
240
Reb: ((canta)) a bruxinha da vassoura... que carrega... ô bruxinha bonitinha... da vassoura
de capim... ah... não lembro...
Prof. 2: mas essa bruxinha bonitinha... ela é boa ou má?
Vic: boa:::...
Prof. 2: e a má... é bonitinha?
Aluno: não... é feia ((vários alunos respondem))
Aluno: é ridícula [...] (DC01R57 – 30-9-2005)
Essas enunciações evidenciam que as crianças conseguiam elencar diferentes
características que poderiam configurar o conceito de bruxa, além de demonstrar
que esse tema era familiar, conforme suas experiências de leitura de literatura
infantil. Isso pode ser percebido em diferentes extratos, como o de Gab que afirmou:
“Elas existem nos contos de fadas”. Ainda explicitaram que outros gêneros,
como sicas, voltados para o universo infantil, também tematizavam esse
personagem.
A partir dessa conversa inicial com os alunos, a professora orientou as atividades da
página 152, na sessão didática Preparação para leitura. O enunciado dessa sessão
indicava duas imagens, relativas às histórias de Joãozinho e Maria e A bela
adormecida. Para cada imagem, o LD apresentava um texto verbal com algumas
informações sobre as histórias e, ao final, apresentava os seguintes
questionamentos, respectivamente: “Quem conhece esta história?” e “[...] porque a
princesinha foi enfeitiçada por uma bruxa quando nasceu...” (SOARES, 1999, 152).
Assim, a professora explorou essa página abordando inicialmente os elementos do
texto visual, fazendo as seguintes enunciações: “[...] olha a primeira gravura aqui
óh... de que história é essa?” (DC01R57 30-9-2005). Esse questionamento
desencadeou uma série de respostas e inferências das crianças, como podemos
perceber no extrato a seguir:
[...]
Aluno: João e Maria... ((em coro))
Prof. 2: João e Maria?... mas a bruxa de João de Maria não tem uma casa de....?
241
Aluno: tijolo... ((em coro))
Prof. 2: é de João e Maria... e a outra?
Aluno: A bela adormecida ((em coro))...
Prof. 2: vocês conhecem tudo quanto é história também ... não é?
Mau: tia... essa daqui é a bruxa do príncipe e o sapo... ((faz referência a imagem da página
153))
Prof. 2: e a bruxa de João e Maria e da bela adormecida é boa ou má?
Aluno: má ((em coro))...
Prof. 2: é má?
Aluno: é...
Prof. 2: por que que ela é má? o que ela faz? a bruxa de João e Maria faz o quê?
[...]
Vic: ela quer enganar...
Prof. 2: fala... Fab...
Fab: ela chama eles pra entrar.. dá doces pra eles... e depois
Prof. 2: ah... então ela é boazinha...
Aluno: não... não é não... ((falam simultaneamente tentando esclarecer a história para Prof.
2))
Prof. 2: espera aí... deixa ele terminar...
Fab: a história de João e Maria foi que... ela pede pra eles entrarem... comer doces... ficar
bem gordo... pra ela comer...
Prof. 2: ah... então ela queria engordar os meninos para ela ter muita comida... NOSSA...
então ela é má...
Reb: ô... tia... mas ela colocou o Joãozinho pra engordar... (aí ele colocava o palitinho)...
mas a Mariazinha ela não entrava na (gaiolinha)... ela ia trabalhar pra bruxa... o irmão dela
(que ficava preso)
Prof. 2: mas ele colocava o palitinho e ela (a bruxa) não via... não?
Reb: não... ela era cega...
Prof. 2: ahn...
Gab: tia... é pra dever de casa?
Prof. 2: espera aí... hoje é sexta-feira... (DC01R57 – 30-9-2005)
242
Dessa forma, as crianças relataram com propriedade o que conheciam sobre as
histórias, confirmando a grande presença da literatura infantil no contexto das
experiências de leitura dos alunos. É interessante também perceber que a atividade
de lembrar numa situação coletiva pode viabilizar que diferentes sujeitos participem
da situação comunicativa, como podemos identificar nas enunciações de Fab e Reb,
em que o primeiro iniciou narrando a história, mas, logo em seguida, Reb
complementou com outros elementos importantes que ajudavam na configuração de
sentido do texto oral.
Na seqüência do evento, ainda podemos observar que a Prof. 2 fez adaptações da
proposta do LD em relação à leitura:
[...]
Prof. 2: Mars... começa pra gente... página 152... ‘preparação para a leitura’...
Mars: ‘com-vem-sa’...
Prof. 2: ‘converse’...
Mars: ‘converse com seu professor e seus colegas/e seus colegas... vamos lembrar bruxas
de velhas histó-rias/histórias... que... qua-se to-do mundo conhece...
Prof. 2: ótimo... então nós relembramos já... ‘vamos relembrar as bruxas de velhas histórias
que todo mundo conhece’... nós relembramos ( ) da bela adormecida... porque nós olhamos
a figura... [...] quem lembra de outra bruxa? João e Maria... a bela adormecida... branca de
neve...
Reb: o sapo...
Hem: O sapo e a princesa...
[...]
Fab: tem o desenho da Bruxonilda...
[...]
Prof. 2: jóia... o Fab falou também uma outra bruxa...
Fab: o desenho da Bruxonilda...
[
Aluno: tem na biblioteca...
]
243
Ray: a Bruxonilda e as trigêmeas...
[...]
Prof. 2: a Bruxonilda... ela é feia?
Aluno: é... ((falam simultaneamente))
Prof. 2: ela é má?
[
Fab: é legal...
Reb: bonita...
Jon: ela é engraçada...
Jon: [...] às vezes... ela manda as trigêmeas pro passado... e depois manda elas de volta ...
[...]
Prof. 2: vamos terminar a leitura...
[...]
Prof. 2: [...] lê... Lui... pra gente isso aí...
[...]
Lui: ‘Joãozinho e Maria que estavam perdidos na floresta... uma bruxa os prendeu para
engordá-los bem... e depois comê-los... mas Joãozinho e Maria conseguiram se livrar da
bruxa... e escapar... quem conhece essa história?’ eu...
[...]
Prof. 2: ok... termina a leitura... Alin...
[...]
Alin: ‘quem se lembra da história da Bela adormecida?’...
[...]
Alin: ‘uma princesa e todos do palácio que ficaram dormindo por cem anos... um século...
porque a princesinha foi enfeitiçada por uma bruxa quando nasceu’...
Prof. 2: ótimo... Ari... na outra página...
Ari: ‘e quem conhece a história A rã encantada?’ (DC01R57 – 30-9-2005)
Assim, embora as orientações do enunciado da sessão didática do livro, Preparação
para a leitura, fosse apenas uma conversa entre a professora e os alunos, conforme
244
podemos perceber, “Converse com seu professor e seus colegas: Vamos lembrar
bruxas de velhas histórias, que quase todo mundo conhece?” (SOARES, 1999, p.
152), a Prof. 2, depois de ter desenvolvido essa proposta oralmente, ainda requisitou
que alguns alunos fizessem a leitura de trechos do texto dessa página. Nessa
situação, a leitura não tinha um objetivo definido, pois o que poderia ser dialogado
com as crianças, sobre as histórias de literatura infantil apresentadas no LD havia
sido contemplado na oralidade, tanto que a aluna Gab tenta encontrar uma razão
para aquela situação de ensino aprendizagem com a pergunta: “tia... é pra dever de
casa?”.
Apesar da dúvida da criança, a professora se limita a dizer: espera aí... hoje é
sexta-feira”, pois, de acordo com a rotina dos procedimentos da escola, para os fins
de semana, não era comum indicar tarefas para serem realizadas em casa. Assim,
continua o trabalho de orientação didática solicitando a leitura em voz alta do texto
para algumas crianças. Nesse contexto, a leitura pode ser percebida como um fim
em si mesma, como um processo de decodificação. Geraldi (1997) defende que uma
das razões para a entrada de um texto para leitura na sala de aula é que ele possa
responder a necessidades e provocar necessidades. Para o autor, “[...] estas
necessidades tanto podem ter surgido em função do que temos chamado ‘ter o que
dizer’ quanto em função das ‘estratégias do dizer’ [...]” (GERALDI, 1997, p. 188), o
que não fica evidenciado nas interações discursivas da professora com os alunos.
Em seguida, o LD apresentava um texto com uma definição de bruxa e indicava a
leitura silenciosa. A regente, então, solicitou aos alunos que procedessem à leitura
conforme as especificações.
Prof. 2: Lar que está quietinha... vamos começar a outra parte.. na página 153... leitura... a
não Lar... olha o que está escrito...todos lendo essa parte agora...
Alunos: leitura silenciosa ((em coro))
Prof. 2: leitura silenciosa... agora todo mundo concentrado lendo esse texto aqui...
Aluno: ((alunos fazem leitura silenciosa do texto))
[...]
Prof. 2: eu vou dá mais um minutinho para quem não terminou... lê...
245
((vozes))
Gab: terminei... tia...
Prof. 2: ((professora solicita silêncio))...
Reb: tia:::... deixa eu ler...
Prof. 2: [...] essa leitura ninguém vai ler... porque todo mundo leu em silêncio... eu quero
que alguém possa levantar o dedo... pra me contar o que leu... conta... Jon...
Aluno:((vários alunos solicitam para contar o que havia lido no texto))
Prof. 2: ah... então... Vic... vai contar... fala sobre o quê?...
Vic: bruxa...
Prof. 2: o que tem essa bruxa?
((vozes))
Prof. 2: fala sobre bruxas... Hem... que tipo de bruxas?
Hem: ela era velha...
Prof. 2: a pessoa que escreveu esse texto... gosta de bruxa?
Aluno: gosta ((em coro))
Aluno: não...
Prof. 2: quem acha que gosta... levanta o dedo...
Aluno:((muitos alunos levantam o braço))
Prof. 2: ela gosta... quem escreveu esse texto... Mônica Stahel... o que ela disse da bruxa...
ela falou bem ou mal da bruxa?
Aluno: mal...
Prof. 2: ela tá falando de que tipo de bruxa... da bruxa... tipo a Bruxonilda... ou da bruxa...
dos contos de João e Maria?
Ati: João e Maria...
Prof. 2: da bruxa má... né? como é essa bruxa?... ‘é velha... rosto enrugado...testa
franzida... boca chupada’...
Alunos: ((algumas crianças faziam a leitura em voz alta junto com a professora))
Prof. 2: vamos lê juntos?
Alunos: vamos...
246
Prof. 2: todo mundo lendo junto... um... dois... três... vamos... ‘bruxa...é uma mulher velha...
de rosto enrugado... testa franzida... boca chupada... meio bigoduda... desdentada...
vesga... ( )... muito rabugenta ... e que anda sempre com um gato ( )’...
Alunos: ((fazem a leitura do texto em coro))
Prof. 2: muito obrigado... ah... olha o que o Mau perguntou... ô tia... o que é boca
chupada?...
Fab: é boca que já chupou...
Prof. 2: olha aqui... a Hem sabe fazer ((exemplifica boca chupada))...
((vozes))
Prof. 2: é essa boca bem murchinha... olha a Hem fazendo...
Aluno: até eu sei fazer...
((vozes))
Prof. 2: agora... olha aqui... vira a página... ((explora o texto visual da página 154 que
apresenta uma ilustração de uma bruxa com as características expressas no texto escrito))
Jon: tia... como é que é vesga?
Prof. 2: gente... alguém sabe exemplificar como é uma pessoa vesga?
Aluno: ((alunos fazem movimento com os olhos para exemplificar o que seria uma pessoa
vesga))
((vozes))
Prof. 2: agora... gente... o papo está muito bom... mas a gente vai guardar o livro... o Igo vai
recolher os livros... (DC01R57 – 30-9-2005)
Essas enunciações demonstram as adaptações constantes que as atividades dos
LDs sofriam no momento do uso desse material, pois a leitura do texto em coro não
estava prevista. Nessa atividade, Soares (1999, p. 153) explicita aos professores a
finalidade da leitura silenciosa desse texto, fazendo as seguintes considerações:
Após a leitura silenciosa feita pelos alunos, verificar se problemas
de compreensão de palavras ou expressões, relendo o texto em voz
alta, ou pedindo a algum aluno que o faça; discutir com os alunos se
a definição descreve como eles imaginam ser as bruxas das histórias
que conhecem discutir como diferentes imagens podem ser feitas
de um mesmo ser: é uma preparação para o exercício de Produção
de Texto.
247
Essas orientações foram parcialmente adotadas, conforme observamos nas
interlocuções dos alunos e da professora. Percebemos que a questão da
compreensão de palavras ou expressões emergiu dos próprios alunos, pois
questionavam o significado de determinados termos, como “boca chupada” ou
“vesga”. A Prof. 2 também procurou articular o conceito de bruxa trabalhado no texto
com as bruxas retratadas nas histórias que os alunos relataram conhecer, fazendo
comparações. É importante salientar que esses procedimentos de leitura estavam
propostos no LD como um recurso para preparação para as atividades de
interpretação escrita. Contudo, a professora encerrou suas orientações nessa etapa
de preparação, sem dar continuidade às propostas de escrita naquele momento.
Nessa perspectiva, “[...] os alunos [...] em para atender a legitimação social da
leitura externamente constituída fora do processo em que eles estão, leitores/alunos,
engajados” (GERALDI, 1997, 169), o que mais uma vez reforça a distinção entre as
práticas de leitura envolvendo o LD e as práticas de leitura observadas com os livros
de literatura infantil. Percebemos, ainda, que o modo como a professora
desenvolveu o trabalho de leitura com as crianças não possibilitou uma recriação
das propostas do LD no sentido de ampliar os conhecimentos dos educandos,
apesar das adequações realizadas. Contudo, a ausência de explicações e
esclarecimentos, quanto à finalidade de cada sessão didática, pode ter
comprometido a compreensão dos alunos com referência aos objetivos da leitura
dos textos, principalmente, por não ter articulado uma relação entre as atividades de
leitura e de escrita apresentadas no LD.
Outros LDs, diferentes dos adotados na turma, também eram eventualmente
tomados para subsidiar as atividades de ensino planejadas pelas professoras. Esses
livros eram de coleções variadas e faziam parte do acervo de materiais das
regentes. Dentre eles, identificamos um de título Porta de papel 1, de autoria de
Angiolina Domanico Bragança, que subsidiou o próximo evento de leitura ao qual
iremos dar visibilidade. Esse livro não constava na relação do PNLD/2004, o que
pode talvez indicar que sua proposta de trabalho com a linguagem não se
aproximava dos critérios estabelecidos por esse programa.
Para situar as condições de produção da leitura nesse evento, é importante
esclarecer que a organização do espaço físico da sala de aula seguia o padrão dos
248
eventos anteriores, ou seja, as crianças estavam sentadas em três filas duplas com
seus materiais pessoais, e a professora solicitava silêncio para que pudesse iniciar
as atividades do dia. Nesse contexto formal de organização, a Prof. 1 anunciou que
iria proceder à leitura oral de um texto de determinado LD que ela havia selecionado,
porém o esclareceu os motivos que subsidiaram a sua escolha e nem as
finalidades de tal proposta. Contudo, a dinâmica de interação entre os sujeitos
demonstrou que estava implícita aos procedimentos da professora a execução de
alguma tarefa. Nesse cenário, a professora iniciou a leitura oral do texto enfatizando
a entonação das rimas.
Prof. 1: ‘quem vai querer... tem melancia e melão... limão verdinho... que beleza... ainda...
banana e mamão... frutos da natureza... quem vai querer?... feijão de vara... fresquinho...
farinha pra fazer pirão... melão bem madurinho... tomate para o molho de macarrão...
aLÔ:::... prezada freguesa... para não ter chateação... digo a todos com franqueza...
campeão da feira é o Sebastião’... quem será que é o Sebastião desse texto? (DC01R32
3-8-2005)
Ao final da leitura, a regente estabeleceu um diálogo com as crianças a partir do
questionamento sobre a profissão do personagem. Procurou trabalhar estratégias de
inferências para a compreensão oral do texto, além de fazer interlocuções com os
alunos a fim de explorar suas experiências relacionadas com o tema.
Fab: é o vendedor...
Prof. 1: ah... é o vendedor... é o vendedor da onde?
Fab: de uma lojinha...
Prof. 1: de uma loja?
[
Fab: não... de uma barraca...
Reb: de uma barraquinha...
]
Prof. 1: é... de uma barraca... e onde fica a barraquinha dele?
Alunos: feira ((vários alunos respondem ao mesmo tempo))
249
Prof. 1: numa feira... olha lá o Sebastião... ((professora mostra a ilustração do livro))
Sebastião é um homem muito alegre... tá vendo como ele chama as freguesas dele? falando
tudo em rima... tudo em poesia...
Alunos: mostra de novo... tia... de novo...
Prof. 1: quem já foi a uma feira?
Alunos: eu tia... eu::::... ((alunos respondem ao mesmo tempo))
Prof. 1: Jon... quando você vai à feira [...] você vai com quem?
Jon: com a minha mãe...
Prof. 1: e o que a sua mãe gosta muito de comprar na feira?
Jon: frutas... carne... coisas pro almoço...
Prof. 1: coisas pra fazer almoço... e você vai à feira da onde?
Jon: de Jardim da Penha...
Prof. 1: e você sabe que dia da semana é a feira de Jardim da Penha?
Jon: quarta-feira...
[...]
Prof. 1: hoje é quarta-feira... você foi a feira hoje de manhã?
Jon: hoje não...
Prof. 1: ah... hoje você não foi à feira...
[...]
Prof. 1: vão vê... Alin... Alin... quando você vai à feira... você vai com quem?
Alin: com minha mãe... com meu pai...
Prof. 1: e o que vocês compram lá na feira... e nunca deixa de comprar?
Alin: peixe...
Prof. 1: peixe é coisa de feira também... e o que mais?
Alin: água de coco...
Prof. 1: água de coco...
Alin: e pastel...
Prof. 1: ah::: ela gosta de lanchar na feira... eu também... e Alin... em que feira você vai... da
onde?
Alin: de Itararé...
250
Prof. 1: e que dia que é a feira de Itararé?
Alin: quarta-feira...
[...]
Prof. 1: e Lui ... o que você compra na feira?
Lui: peixe... ovo... e sempre quando tem uma data especial a gente compra buquê de
flores... e levamos...
Prof. 1: ai que legal... ela compra buquê de flores na feira... né? e com quem que você vai à
feira?
Lui: eu vou com meu pai... mas a maioria das vezes eu vou com minha mãe...
[...]
Prof. 1: e que dia é a feira?
Lui: sábado...
Prof. 1: vamos ver... Rha... e depois nós só vamos copiar o texto hein...
Alunos: ((alunos reclamam porque não foram contemplados com as perguntas da professora
e assim não poderiam expor suas experiências. Diante das reclamações, a Prof. 1 continua
abordando todas as crianças.))
Prof. 1: Rha... você vai a feira com quem?
Rha: com meu pai...
Prof. 1: com seu pai... e o que você compra na feira?
Rha: banana...
Prof. 1: delícia... e o que mais...
Rha: peixe... pastel...
Prof. 1: você gosta de pastel de quê?
Rha: queijo com presunto...
Prof. 1: e você vai na feira da onde... Rha?
Rha: de Santa Marta...
Prof. 1: e que dia que é a feira de Santa Marta?
Rha: sábado...
[...]
Prof. 1: Lil vai na feira da onde?
251
Lil: onde a mãe do Vic trabalha...
Prof. 1: na Feira dos Namorados... é tem a Feira dos Namorados também... né... gente...
vende verduras na feira da Praça dos Namorados?
Alunos: é uma feira diferente...
Prof. 1: é... uma feira diferente... na Feira dos Namorados vende verduras?
Alunos: não ((vários alunos respondem juntos))
Prof. 1: vende o que na feira da Praça dos Namorados? vende artesanato... brinco... boneca
de pano...
Alunos: ((vozes))
Prof. 1: o que a mãe do Vic faz?
Reb: íma...
Prof. 1: biscuit... vende biscuit...
Alunos: ((vozes)) (DC01R32 – 3-8-2005)
Nessas enunciações, também percebemos que a professora se preocupou em
marcar características composicionais do texto, como a rima e a poesia. Outro
aspecto importante a ser considerado foi que, a partir da leitura do texto, as crianças
tinham o que dizer, ou seja, puderam apresentar suas “contrapalavras”. Essas
atitudes responsivas permitiram que as crianças se constituíssem como sujeitos no
processo. Em seus relatos sobre os produtos que costumavam comprar, as feiras
que freqüentavam, as pessoas com as quais conviviam nessas situações, entre
outros aspectos, evidenciaram muitas informações que delineavam o lugar social de
onde estavam falando. Ainda é interessante notar que a prática da Prof. 1
contemplava o diálogo de forma intencional, como podemos identificar em um trecho
da entrevista pessoal realizada com ela.
Prof. 1: [...] é muito legal a leitura na sala de aula de primeira série... acho que é uma coisa
que eles aceitam muito bem... porque lendo você aprende muita coisa... você muita
coisa... de repente de um pequeno texto você tem comentários riquíssimos que você pode
fazer... até aquele texto da feira... que outro dia nós fizemos... quem foi à feira? todo
mundo foi... o que você compra? então de um texto de um feirante... fazendo a
propaganda na feira... eles podem dar opinião... ouviram... podem dizer o que acham...
podem dizer o que conhecem... eu acho que a leitura enriquece... faz você viajar... e eles
aceitam bem... acrescenta... (DC01R34 – 10-8-2005)
252
Contudo, apesar dessa percepção positiva em relação à atividade de leitura,
percebemos que o texto foi tomado como pretexto para subsidiar a atividade de
cópia.
Prof. 1: então vamos lá... copie... pulou uma linha... letra bo::nita... vamos fazer igual a gente
fez aquele dia... depois Prof. 1 vai ler um de cada um... pra ver quem consegue não errar
nenhuma letrinha... então vamos prestar atenção...
[...]
Prof. 1: [...] oh... o texto está escrito... eu não falei... eu não sei qual o autor... é o mesmo
autor do livro... deve ser... Angiolina Bragança... ((professora procura localizar o nome da
autora no livro didático)) é... o texto está escrito em formato de poesia... com rima e tudo...
não foi que rimou? então quando a Prof. 1 mudar de linha... é pra mudar de linha... é
pequenininho...
[...]
Alunos: o título é isso... tia?
Prof. 1: é... quem vai querer? é uma pergunta... ele tá perguntando...
Alunos: ((silêncio... crianças copiando o texto no caderno))...
[...]
Prof. 1: isso... quem terminou... vai me mostrar o texto... pra ver se não tem errinho
nenhum... e se eu estiver corrigindo de alguém... então vai pegar... enquanto espera...
desenha uma barraquinha de feira bem legal... pro Sebastião... vendendo essas coisas que
ele falô que tá vendendo...
Alunos: eu já acabei... eu já acabei ((vários alunos respondem))
Prof. 1: então traz pra eu olhar... um de cada vez... eu vou sentar atrás (da
sala)...(DC01R32 – 3-8-2005)
Todos os encaminhamentos orientados pela professora nesse evento indicaram que
novamente ela fez uma apropriação singular do LD, pois recortou apenas o texto
desse material. Suas propostas de trabalho distanciaram-se dos encaminhamentos
explicitados no LD, e a professora, no intuito de oferecer o acesso dos alunos ao
texto para além da experiência de leitura, procedeu ao registro do texto na lousa,
para que todas as crianças fizessem cópia. Nessa perspectiva, a atividade de cópia
pode ser compreendida como restritiva, tendo em vista que a forma como foi
proposta não acrescentou outras possibilidades de conhecimentos e tinha por
objetivo apenas o registro gráfico convencional. O desenvolvimento de questões
253
como: por que existem as feiras? Há quanto tempo existe a feira que o aluno
costumava freqüentar? Qual o contexto histórico de criação dessa feira? Qual a
importância das feiras nos centros urbanos? Qual a procedência dos produtos que
são comercializados nesses locais? Nas feiras que as crianças freqüentavam eram
comercializados produtos orgânicos? Os alunos e seus familiares consumiam
produtos desse tipo? Qual a rotina de trabalho dos feirantes? Eles são bem
remunerados? Como e quando eles se tornaram feirantes?
Todas essas questões e provavelmente outras que poderiam ser formuladas,
demonstram o potencial de perguntas que podemos fazer a partir da leitura de um
texto, trabalhadas de diversas formas, inclusive a atividade de cópia. Ou seja, “[...]
não perguntas prévias para se ler. perguntas que se fazem porque se leu [...]”
(GERALDI, 1997, p. 170). A organização de atividades de leitura dessa natureza,
demanda
[...] a busca de outras informações, de outros modos com que outros
viram e vêem experiências semelhantes. É neste sentido que a
leitura incide sobre ‘o que se tem a dizer’ porque lendo a palavra do
outro, posso descobrir nela outras formas de pensar que,
contrapostas às minhas, poderão me levar à construção de novas
formas, e assim sucessivamente (GERALDI, 1997, p. 171).
Nesse sentido, a atividade de leitura extrapola as informações apresentadas no texto
e possibilita o diálogo com outros textos e novos autores.
Os eventos retratados, nesse item, ofereceram subsídios para que pudéssemos
configurar, a partir do suporte LD, algumas características que permearam as
práticas de leitura desenvolvidas no espaço da sala de aula. Assim, podemos dizer
que essas práticas ocorriam com regularidade nesse contexto, uma vez que
identificamos ser esse o segundo material de leitura mais utilizado no grupo
pesquisado. Outro aspecto importante a ser considerado foi que essas práticas de
leitura dependiam sempre de iniciativas das professoras regentes, pois eram elas
que definiam o dia e o momento da aula para utilizar o LD, a parte que iria ser
trabalhada, além de orientar e indicar os procedimentos de como fazer a leitura.
254
A seqüência dos procedimentos de leitura predominantes pode ser configurada da
seguinte forma: as professoras solicitavam que algumas crianças fizessem,
individualmente, a leitura oral dos textos, enquanto, para as outras, a indicação era
que acompanhassem no texto, por meio da leitura silenciosa, a seqüência da leitura
oral do colega, pois, caso fossem indicados a prosseguir a atividade de leitura em
voz alta, não teriam dificuldades de atender à solicitação. Nesse aspecto, a questão
do discurso de autoridade, a partir do lugar de poder que o sujeito ocupava nas
relações, ficava evidente. Os alunos procuravam corresponder às expectativas das
professoras em relação às propostas de leitura com os LDs, com solicitações para
serem escolhidos a fazerem a leitura em voz alta dos trechos selecionados pelas
professoras. Esse comportamento manifestado pelas crianças demonstrava que as
modalidades de leitura solicitadas pelas regentes eram reconhecidas e legitimadas,
mesmo que os alunos o encontrassem confirmação nos enunciados desse
material.
A recorrência desses procedimentos de leitura com os LDs ainda pode evidenciar a
ênfase e valorização da leitura oral em detrimento dos outros tipos de leitura, o que
significou um importante recurso para controle e avaliação da fluência e do ritmo.
Nessa perspectiva, a concepção de leitura que permeava as práticas era a leitura
como fluência oral, pois, quando as crianças se equivocavam na oralização de
alguma palavra, eram corrigidas tanto pelas professoras quanto pelos colegas.
Dessa forma, podemos compreender que esses encaminhamentos implicavam
uniformidade das práticas de leitura dos alunos em função de alguns elementos
como: o texto utilizado ser comum a todas as crianças, o tempo destinado à leitura
desses textos ser o mesmo e o ritmo da leitura ser determinado pelas indicações da
professora. A organização do espaço físico era outra característica que imprimia
marcas nessas práticas de leitura, devido à regularidade e à permanência da forma.
Como configurado em todos os eventos descritos, as crianças ficavam sentadas em
três filas duplas de carteiras, com seus respectivos materiais pessoais e o LD. A
dinâmica de funcionamento dessas situações, compreendia uma certa formalidade,
sendo solicitado às crianças silêncio e atenção para acompanhar as orientações das
atividades de leitura ou de escrita.
255
É importante esclarecer que essa organização do espaço físico e do funcionamento
da dinâmica dos eventos de leitura permeava tanto os LDs provenientes do PNLD,
quanto aquelas situações didáticas que utilizava LDs de outras coleções que
compunham o acervo pessoal de materiais das regentes. A diferença entre essas
duas condições referia-se apenas ao acesso das crianças ao texto que, no primeiro
caso, ocorria no material original e, no segundo, os alunos tinham acesso por meio
da leitura oral das professoras seguida, muitas vezes, pelo registro na lousa.
Os diferentes eventos, observados e registrados em diário de campo, também
evidenciaram que os LDs eram apropriados de forma singular pelas professoras.
Essas profissionais não seguiam a seqüência de todas as propostas de atividades.
Faziam escolhas, adaptações e avaliações para selecionar quais atividades seriam
privilegiadas nas aulas. Dessa forma, no momento do uso dos LDs, ocorria um
espaço interdiscursivo de manifestação de diferentes vozes. Nesse diálogo, as
regentes deixavam marcas enunciativas constituídas e acumuladas ao longo de
suas experiências de ensino que lhes davam autonomia para não cumprir todas as
especificações presentes nos LDs. Também utilizavam seus conhecimentos sobre
as potencialidades dos alunos quanto às capacidades e interesses por determinadas
atividades, além das diferentes vozes que marcavam as histórias de formação de
cada profissional.
No entanto, o grau de liberdade explicitado pelas professoras, na apropriação do LD
no momento do seu uso, não propiciou alterações das propostas de trabalho com a
leitura, que viabilizasse mudanças substanciais que instaurassem novas condições
de produção e que os sujeitos leitores se constituíssem como co-enunciadores dos
textos selecionados. Assim, as práticas que envolviam esse suporte de leitura e de
textos, observadas neste estudo, tinham, basicamente, o objetivo de subsidiar
alguma tarefa escrita para ser realizada no exemplar do aluno ou indicada pela
professora na lousa.
Assim, as crianças, nesse processo de ensino, eram sujeitas às necessidades
instauradas a partir dos conteúdos desenvolvidos nos LDs, ou em função das
propostas elaboradas pelas professoras com os outros LDs que subsidiavam os
planejamentos. Dessa forma, observamos que os alunos, geralmente, dedicavam-se
256
à leitura dos textos apresentados nesse suporte, no tempo institucional da escola,
que era sistematizado em função das várias disciplinas do currículo (História,
Português, Geografia, Matemática e Ciências) durante o curso das aulas.
Assim, delineadas as várias características das práticas de leitura com os LDs,
percebemos diferenças significativas, principalmente no aspecto da diversidade,
pois, com os livros de literatura infantil, essas práticas eram organizadas e
sistematizadas de variadas formas e em tempos e espaços diferentes. Ocorria
também a interação das crianças, no momento das atividades de leitura, com
profissionais que atuavam fora do contexto da sala de aula, o que possibilitava a
troca de experiências por meio da leitura. Nesse sentido, o suporte LD restringiu
todos esses movimentos, o que acreditamos decorrer da própria natureza do
material, ou seja, objeto cultural direcionado para as finalidades didáticas do
contexto escolar.
6.3 AS PRÁTICAS DE LEITURA COM O CADERNO DAS CRIANÇAS
A presença do caderno nas práticas escolares, segundo Hérbrard (2001), não pode
ser datada com precisão, mas estudos têm revelado que ele foi “[...] instrumento
comum desde o século XVI [...]” (HÉRBRARD, 2001, p. 118). Esse autor ainda
afirma que a generalização desse objeto cultural na escola primária pode ser situada
na França, no primeiro terço do culo XIX, e significou um fato importante na
evolução da alfabetização escolar.
O caderno pode ser compreendido como um dispositivo assimilado, integrante da
cultura escolar, ou seja, “[...] é uma realidade interior tanto quanto exterior, subjetiva
tanto quanto objetiva, representada tanto quanto instituída. Fala-se dele sem que se
pense nele [...]” (CHARTIER, 2002, p. 15). Assim, por meio desse objeto cultural,
podemos registrar discursivamente a história coletiva de um grupo de sujeitos
durante um período letivo de uma dada época, além de possibilitar a impressão de
marcas da trajetória individual do processo de aprendizagem do portador do
caderno. Ele também funciona como um instrumento de registro diário de algumas
257
ações de ensino aprendizagem que ocorrem no cotidiano escolar e, de acordo com
a área de conhecimento (Matemática, Língua Portuguesa, História etc.), apresenta
um vocabulário específico. A regularidade desses registros, em função de um
período de tempo prolongado, também explicita marcas e práticas do grupo ou da
instituição educativa que utilizaram esse suporte de escrita.
Assim, o caderno comunica, imprime e organiza a história coletiva e individual de um
grupo no contexto educativo. Reflete modos de pensar, conteúdos privilegiados em
situações de ensino, teorias da aprendizagem, valores e atitudes socialmente
aceitos em determinado tempo e lugar. O caderno também pode ser percebido como
um suporte de escrita em que inscrevemos processos de ensino aprendizagem
sistematizados na escola. Nesses processos, diferentes vozes se manifestam, tais
como: as vozes dos professores, dos alunos, das propostas pedagógicas das
instituições educativas e das formas avaliativas. Assim, por meio da escrita,
organizada no suporte caderno, oferecemos ao público (pais, familiares, amigos,
profissionais do contexto educativo) entre outros interessados em acompanhar o
processo de ensino, elementos que configuram os procedimentos que acontecem no
interior da sala de aula. Nessa perspectiva, o caderno também funciona como um
instrumento de controle. Além desses diferentes aspectos, os registros ainda
possibilitam o resgate da memória, em que podemos a qualquer tempo retomá-los
para lembrar, recordar, rever e dialogar com outros escritos ou com outros
interlocutores.
O caderno, segundo Chartier (2002), nesse cenário de idéias, possibilita estudar as
realidades devido ao seu valor de uso em determinado contexto e conjuntura. Por
meio desse objeto, denominado pelo autor de instrumento ordinário, podemos
conhecer como
[...] funcionavam, o que permitiu ver que eles colocavam em relação
atores (professores, profissionais contratados), saberes (as
disciplinas escolares), instituições (primária e secundária), que os
alunos, escrevendo segundo os ‘habitus’ da classe, isto é, sob a
injunção dos professores, construíam empiricamente relações
(CHARTIER, 2002, p. 26).
258
Nesse sentido, iremos privilegiar as práticas de leitura da turma pesquisada
envolvendo os cadernos das crianças, pois, conforme explicitamos na Tabela 50, o
caderno era muito utilizado para subsidiar essas práticas que ocorriam
principalmente no contexto da sala de aula e compreendiam relações entre os
sujeitos (professoras e crianças), e entre os sujeitos e esse dispositivo organizador.
Mas, que registros eram privilegiados para a leitura? Qual o contexto de produção
desses registros tomados para leitura? Quem sistematizava esses momentos da
aula? Quando e como ocorriam? Quais finalidades norteavam essas práticas de
leitura?
A partir dessas questões, iremos apresentar alguns eventos de leitura, observados
na sala de aula, com o objetivo de retratar as práticas que tinham o caderno como
suporte de leitura. Para isso, é importante situarmos as diversas interações entre os
sujeitos da situação comunicativa no sentido de delinearmos as condições de
produção da leitura e dar visibilidade ao envolvimento das crianças nessas situações
de ensino aprendizagem.
Os eventos que privilegiamos para análise, neste estudo, foram sistematizados nos
cadernos de atividades de casa, embora possamos identificar, nos registros de
diário de campo, eventos de leitura com cadernos de outras áreas do conhecimento.
O primeiro evento que iremos apresentar refere-se à leitura de piadas na sala de
aula, pesquisadas e registradas pelas crianças no caderno de atividades de casa.
Essa tarefa foi organizada e orientada, pela Prof. 1, no dia 14-7-2005, e indicava
dois procedimentos, conforme podemos perceber no enunciado: “1- Leia a piadinha
do livro do Ziraldo” e “2 – Pesquise outra piada e copie no caderno”.
A Prof. 1 explicou para a turma que havia selecionado 25 piadas diferentes, do Livro
do Riso do Menino Maluquinho, de Ziraldo. Ela xerocopiou e colou uma em cada
caderno das crianças. Solicitou que fizessem a leitura em casa para os outros
membros da família e que registrassem uma outra piada que conhecessem. No dia
15-7-2005, iniciou as atividades solicitando que os alunos apresentassem as piadas
para a turma, por meio da leitura em voz alta realizada no palco da sala de aula. As
crianças eram convidadas a fazer a leitura dos textos de acordo com a seqüência
259
dos lugares em que estavam sentadas, evidenciando, assim, uma certa ordem na
organização do evento de leitura.
No momento das interações, os alunos demonstravam muito interesse em participar
da atividade de leitura, talvez por ser uma experiência vivenciada por eles em
outros períodos do ano letivo, ou seja, tinham conhecimentos prévios a respeito das
finalidades daquele gênero textual e a situação comunicativa, leitura no palco para
os colegas e professora, era uma prática instituída no cotidiano de leitura na sala de
aula. Instituída, porque a necessidade da leitura, na turma pesquisada, parecia ser
consenso entre os sujeitos (alunos e professora), uma atividade importante e
necessária para o processo de alfabetização e, dessa forma, deveria ser praticada
em diversos momentos.
[...]
Lui: tia... eu sou depois de Dav ((fazendo referência que, depois do último colega, ela iria ler
outra piada e, por isso, já estava aguardando a vez de ser chamada))
[...]
Fab: tia... depois de Fel eu posso ler uma...
Prof. 1: depois a gente deixa... depois que todo mundo ler... quem quiser mais lê...
pode...lê bem bonito lá... do jeitinho que leu em casa... por isso que a Prof. 1 pediu pra ler
em casa... muitas vezes... pra mamãe...
[...]
Hem: eu vou ler as quatro que eu escrevi...
Foto 61 Gab lendo texto do caderno
no palco da sala de aula
260
Prof. 1: as quatro... não... umazinha só... escolhe uma... e pra nós... a mais legal...
(DC01R26 – 15-7-2005)
Essas enunciações confirmam o envolvimento ativo das crianças e podem também
ser compreendidas, na situação apresentada, pelo caráter divertido dos textos.
Outro aspecto que talvez poderia justificar o interesse da turma é o fato de os textos
serem desconhecidos pelas crianças, pois cada aluno trazia piadas diferentes e
queria contá-las para os colegas.
Jon: eu vou ler só um...
Prof. 1: mas lê a que a Prof. 1 colou no seu caderno... ( ) bem altão... Jon...
Jon: ‘o filho chega em casa... você sabe escrever no escuro? não.... por quê? é porque eu
queria que você assinasse o meu boletim da escola’...
Prof1: ((risos)) no mínimo tinha uma nota baixa... né... Jon? não vai ler a outra... não... a
que você fez?
Jon: ((balança a cabeça negativamente))
Prof1: Fel... bem altão... tá... Fel?
Fel: eu escolhi a primeira...
Prof1: tá...
Fel: ‘um maluco... ele estava escrevendo uma carta no parque... quando chegou o outro
maluco... o que é que você está fazendo? escrevendo uma carta... pra quem? pra mim
mesmo... e o que diz a carta? sei lá... ainda não recebi’...
Alunos: ((vozes))
Prof1: é boa... jóia... agora lê a sua...
Fel: ‘estava a Mônica almoçando junto com o Cebolinha... quando ela perguntou...
Cebolinha... você gosta de comer acelga? ele respondeu...gosto de comer a cega... a
surda... a muda’...
Prof1: ((risos)) a cega... a surda... e a muda...
Fel: era uma planta... ele entendeu a cega...
Prof1: era uma verdura... né? uma hortaliça... (DC01R26 – 15-7-2005)
[...]
261
Outro fator que podemos inferir a partir desse extrato, que também poderia confirmar
o desejo das crianças em participar dessa atividade de leitura, seria o espaço de
decisão e escolha dos alunos. Esse aspecto possibilitava certa autonomia, pois
poderiam apresentar a piada que eles consideravam mais engraçada, como fez Jon,
ou seguir as orientações da regente, como fez Fel. É interessante observar que este
último, ao final da leitura, preocupou-se em oferecer explicações sobre o sentido do
texto. Muitas outras crianças, no momento da leitura, procuravam fazer entonação
adequada com o objetivo de constituir sentidos ao texto.
[...]
Lui: ((aluna sobe no palco com seu caderno de atividades de casa e começa a ler))... ‘três
amigas queriam atravessar o deserto do Saara... a morena levava um cubo de gelo... a ruiva
um balde de água... e a loira uma porta de um carro... ela perguntou para a morena...
porque você está levando um cubo de gelo... a morena respondeu... se eu sentir calor eu
me refresco... porque você está levando um balde de água... se eu sentir sede eu bebo... (e
a outra perguntou) porque você está levando a porta de um carro... alô:::: se tiver abafado...
eu abro a janelinha’
Alunos: ((palmas))
Prof. 1: muito bom... alô::: vamos lá... Mars... sua vez...
[...]
Prof. 1: vamos lá... Mars... rápido... é a sua vez... então conta a sua primeira...
[...]
Prof. 1: bem alto... hein... [...]
Mars: ‘professor quem vende leite é leiteiro’
Prof. 1: Mars... só um pouquinho... abaixa ((o caderno)) pra gente vê o seu rostinho...
Mars: ‘professor... quem vende leite é leiteiro... quem vende pão... é padeiro... e quem
vende carne... é carneiro... professor?’
Prof. 1: muito bom... ((palmas)) carneiro é que vende carne?
Alin: não...
Prof. 1: é o quê?
ALin: açougueiro...
Prof1: vai a outra... Mars...
Mars: ‘caso grave... o médico dis-se’ ((aluna teve dúvida na hora da leitura e interrompe com
olhos fixados no texto))
262
Prof1: ((professora se aproxima do palco e olha o texto da aluna Mars)) o médico
disse... ‘terei de ser sincero com você’...
Mars: ‘terei de ser sincero’...
Prof1: começa de novo... o médico...
Mars: ‘o médico disse... terei de ser sincero com você... seu caso não tem cura... deseja ver
alguém... sim... doutor... quero ver outro médico’...
Prof1: ((risos)) muito bom... Mars...
Alunos: ((batem palmas)) (DC01R26 – 15-7-2005)
Essa seqüência de interações discursivas explicita que a entonação também era
objeto de atenção e intervenções da professora, conforme observamos nas
orientações de Prof. 1 para Mars, quando ela solicitou que a criança retomasse o
texto e fizesse a leitura fluente. Esse aspecto também pode ser percebido no
momento da leitura de outras crianças.
[...]
Prof1: psiu::: vai... Ray... bem altão... hein...
Ray: ‘as horas... o... louco... chega... pa-ra o ou-tro e pergunta... você sabe que horas
são?... sim... ((aluna olha para o caderno... fica em dúvida... e sai do palco em direção à
mesa da professora))
Prof1: eu vou lá... ((no palco)) sei... ‘o louco pergunta pro outro... claro’... sim... ‘o louco
pergunta pro outro... você sabe que horas são? o louco fala’...
Ray: ((aluna volta para o palco)) sei... res-pon...
Fab: respondeu...
Ray: respondeu... o ((aluna fica em dúvida novamente e retorna a mesa da professora))
Prof1: é legal essa piada... mas não pode ficar parando ela... senão fica sem graça...
((professora se dirige ao palco e fica ao lado da aluna ajudando)) ‘o louco chega para o
outro e pergunta... você sabe que horas são?’
Ray: sei...
Prof1: ‘res-pondeu’...
Ray: ‘respondeu’...
Prof1: ‘muito obri’....
Ray: ‘respondeu muito obrigado’...
263
Prof1: não disse as horas... respondeu... muito obrigado... disse que sabia...[...] palmas
pra Ray... [...] (DC01R26 – 15-7-2005)
Assim, as crianças que tinham alguma dificuldade na atividade de leitura recorriam
ao auxílio da professora. Ela se mostrava disposta a ajudá-las, pois queria que
superassem as suas limitações e, também, por meio da leitura, produzissem o
sentido ao texto, alcançando, desse modo, a finalidade de divertir pertinente a esse
gênero textual. Esses procedimentos da regente motivavam os alunos a
participarem, principalmente, aqueles que ainda estavam em processo de
apropriação e domínio da linguagem escrita. Dessa forma, por meio da interação
com os outros sujeitos do contexto escolar e familiar, as crianças puderam participar
de uma prática de leitura em que estavam em jogo diferentes capacidades,
essenciais a esse gênero textual, dentre elas, a entonação e a fluência. O caderno,
nesse contexto, era a materialidade física que comportava os textos e o instrumento
de apoio e sistematização da situação de ensino aprendizagem.
A reação dos colegas que ouviam as piadas era outro indicativo que o leitor tinha
para perceber se havia estabelecido uma relação de comunicação efetiva com seus
interlocutores por meio da leitura, pois a turma expressava risos, palmas e
comentários, bem como a professora enunciava falas do tipo: “muito legal... essa é a
piada do meu pai... ele conta direto essa piada”, ”((risos)) muito bom”, “((risos)) essa
é boa... essa eu conhecia”, entre outros comentários que reforçavam a compreensão
do sentido divertido do texto. As diversas interações que configuraram esse evento
demonstraram que uma atividade de linguagem do tipo apresentação de piadas
implicou a mobilização de diversas capacidades por parte dos sujeitos, como:
[...] adaptar-se às características do contexto e do referente
(capacidade de ação), mobilizar modelos discursivos (capacidades
discursivas) e dominar operações psicolingüísticas e as unidades
lingüísticas (capacidades lingüísticas-discursivas) (SCHNEUWLY;
DOLZ, 2004. p. 74).
Outros eventos também demonstraram práticas de leitura em que o caderno era
utilizado como suporte de escrita de textos dos alunos, que eram tomados para
leitura. Nesse sentido, é importante salientar que esses eventos situavam as
crianças como sujeitos ativos do processo de aprendizagem em duas perspectivas:
264
como produtores e leitores de textos. Nessas oportunidades, as crianças
expressavam, por meio de suas produções, sentimentos, valores, expectativas,
ansiedades, conhecimentos sobre a escrita e sobre a leitura entre outros aspectos
pertinentes as suas vivências, embora as condições de produção não fossem bem
delineadas.
Assim, o próximo evento que iremos apresentar demonstra que as crianças, mesmo
não contando com condições favoráveis de produção de texto e de leitura,
encontravam maneiras de superar as limitações do dizer, propostas nas atividades
de ensino aprendizagem que tomavam o texto como unidade de ensino. No dia 15-
8-2005, a Prof. 1 solicitou aos alunos, como tarefa, a escolha de um desenho de sua
preferência. Indicou que as crianças fizessem cópia da ilustração, pintassem e
colassem no caderno para que pudessem produzir um texto. Essa atividade se
iniciou na sala de aula e foi concluída em casa.
Sobre essa estratégia didática de produção de textos a partir de ilustrações,
bastante conhecida no contexto das práticas escolares, Geraldi (1997, p. 139) alerta
que devemos colocar em suspeita dois aspectos: “[...] a) o próprio apelo ao recurso
didático da gravura; b) a própria demanda feita: uma história que se inventa a partir
de uma gravura”. Para o autor, esses aspectos induzem o “conteúdo a dizer” e “as
razões ou motivações para dizer”. Dessa forma, não favorecem que a atividade de
produção de texto se torne um momento privilegiado em que o aluno tenha a
possibilidade de revelar-se como sujeito, por meio da escrita, e que a leitura de seu
texto constitua uma situação de interlocução efetiva com os outros sujeitos, com o
intuito de produção de conhecimentos numa perspectiva dialógica.
No dia 16-8-2005, a regente começou os trabalhos recuperando a atividade do dia
anterior, como de costume. Assim, as crianças já tinham a expectativa de apresentar
suas produções para a turma, pois a rotina dos trabalhos da sala de aula
contemplava esses procedimentos. Nesse contexto, como no evento anterior, todas
as crianças eram convidadas a apresentar seus textos. Contudo, algumas, por
questões de timidez ou de insegurança quanto ao domínio dos aspectos lingüístico-
discursivos da linguagem, recusavam-se a participar desse momento de
265
apresentação, embora ocorressem enunciações de incentivo tanto da professora
quanto dos colegas da sala.
Prof. 1: Bru... igual da última vez... bem altão... tá?
Bru: ((se dirige ao palco com seu caderno e faz a leitura do texto para os colegas... a leitura
é feita em tom de voz baixo... quando terminou entregou o caderno para a professora))
Prof. 1: muito bem... Bru... ((recebe o caderno de Bru e mostra para os alunos observarem a
ilustração e o texto))
Aluno: eu não ouvi nada... tia...
Aluno: eu também não ouvi...
Prof. 1: mas a Bru tá tentando... eu ouvi... Lui ouviu... você ouviu... Lui?
Lui: ouvi...
Reb: eu ouvi... (DC01R36 – 16-8-2005)
Essas enunciações da professora reforçavam positivamente e encorajavam as
crianças a participarem da atividade. No decorrer das experiências cotidianas,
sistematizadas em sala de aula, alunas como Bru superavam reações de timidez e
se adaptavam às condições que lhes eram requeridas nas situações de leitura,
como fazer a leitura em tom de voz adequado ao espaço e ao número de
interlocutores, posicionar o suporte de leitura em relação ao corpo, com o objetivo de
que a amplitude da voz fosse favorecida, entre outros aspectos, à situação de
comunicação.
Outras recusas das crianças podem ser justificadas por ainda não dominarem a
tecnologia da escrita de maneira convencional, mas também podem ser
compreendidas como reações à natureza da proposta de produção, solicitada pela
professora. Nesse caso, por não encontrarem motivações e nem razões para dizer
nada, apresentavam justificativas que nem sempre eram bem aceitas pela regente.
Prof. 1: [...] Rha... lê o seu pra nós...
Rha: eu não fiz...
Prof. 1: não fez por quê?
266
Rha: é porque eu copiei o desenho do passatempo...
Prof. 1: e o que que tem isso? podia copiar o desenho de qualquer lugar... que depois
tinha de escrever uma história... oh... estou de olho em Rha [...] (DC 01R36 – 16-8-2005)
A partir da última enunciação da regente, a atividade de leitura também pode ser
percebida como uma maneira de controlar e garantir a execução da tarefa escrita, e
não ser um momento privilegiado para ouvir o que as crianças tinham a dizer por
meio da leitura de seus textos.
Em outros casos, os momentos de apresentação dos textos das crianças na sala de
aula evidenciavam, ainda, estratégias que os alunos utilizavam para ampliar a
proposta de produção de texto explicitada pela professora. Nesse sentido, buscavam
maneiras de dizer que possibilitavam narrar suas experiências e vivências, ou seja,
demonstravam que tinham algo a dizer que consideravam importante naquele
momento, sem, contudo, deixar de atender às especificações da regente.
Para exemplificar eventos dessa natureza, podemos tomar o texto de Lui. Ela
estruturou a atividade de escrita no caderno, conforme a seqüência de orientações
expressas no enunciado, ou seja, primeiro ela providenciou a cópia de um desenho,
depois coloriu e colou no caderno (Figura 15), para, em seguida, fazer a produção
do texto a partir da ilustração. Esses procedimentos evidenciam características
similares aos textos e atividades apresentadas em cartilhas, em que, geralmente, o
conteúdo do texto verbal reitera elementos do texto visual.
Figura 15 – Ilustração do texto de Lui
267
Prof. 1: [...] bem alto... hein Lui...
Lui: ((vai até o palco e começa a leitura)) ‘o primeiro dia de aula é marcado com muita
ansiedade... todos os alunos se conhecem... mas chega a hora de cantar o hino... formam a
fila... cantam e vão para a sala... a professora diz... quero saber o nome de todos...
Santiago... Junior... Lucas... Poliana... esperem... vamos falar um por um... começando por
mim... eu sou Lupita e de agora em diante sou a professora de vocês... eu sou Mar’... ela
era uma menina... sua chará...
Prof. 1:Mar é uma aluna... então tá bom...
Lui: ‘eu sou Angelo... eu sou Damião... professora, meu nome é Simone... mas todos me
chamam de Simoninha... estou aqui presente para de agora em diante ser sua aluna... sou
Cidinha... eu sou Poliana’... ((continua a leitura do seu texto e, ao final, entrega o caderno
para a Prof. 1))
Prof. 1:muito bem... ((palmas))... essa história me é mais ou menos familiar... tem a ver com
a nossa conversa de ontem... ((professora faz referência à conversa que teve com a turma
sobre a mudança de professora e a necessidade de os alunos receberem bem a Prof. 2))
Lui: tem... sim...
Prof. 1:então tá jóia... eu gostei dessa história... ((professora mostra o texto para a turma))
(DC01R36 – 16-8-2005)
Assim, a aluna Lui expressou, em seu texto, situações vivenciadas naquele
momento por ela e por seus colegas, ou seja, a troca de professoras. A partir de
uma conversa que a Prof. 1 teve com a turma sobre os procedimentos e
comportamentos que ela esperava que as crianças tivessem em relação à recepção
da Prof. 2, Lui evidenciou, nessa produção escrita, suas expectativas e ansiedades
quanto a esse momento de transição e adaptação com outra professora. Em outro
trecho do texto, podemos perceber esses aspectos com mais detalhes.
[...]
LUPITA TEVE QUE IR VIAJAR E CAROLINA FICOU SUBSTITUINDO A LUPITA
ELA FICOU UMA SEMANA SENDO MALTRATADA ELA NÃO AGUENTOU LIBEROU ELES
PARA O RECREIO E COMESA A CHORAR.
JOAQUIM O PORTEIRO DA ESCOLA CHAMOU MAR. PARA CONVERSAR E
PERGUNTOU:
O QUE ESTA ACONTE SENDO COM A CAROLINA? NA, NA, NADA JOAQUIM!
MAR. NÃO ME ESCONDA NADA.
TABOM EU CONTO É QUE NÓS ANDAMOS MALTRATANDO ELA.
FAZENDO O QUE?
ESCONDEMOS O ANEL, ASSIM QUE CAIU NO CHÃO PEGAMOS.
268
ENTÃO ELA TEM MOTIVOS PARA ESTAR CHORANDO. SIM.
MAS JOAQUIM DE QUE MODO ELA PODE NOS PERDOAR.
BOM MENINA O ÚNICO JEITO É PEDIR DESCULPAS [...]. (Extrato do texto de Lui)
22
O texto de Lui demonstra a sua preocupação com relação à mudança de professora.
A ilustração que ela escolheu não retratava com propriedade o conteúdo do texto.
Dessa forma, mostrou que as razões e as motivações do seu dizer não dependiam
do recurso visual. Ela tinha algo a dizer sobre os seus sentimentos e, por meio da
atividade de escrita e de leitura, materializada no caderno e no contexto das
relações da sala de aula, tinha a possibilidade de comunicar aos outros colegas a
problemática que a afetava naquele momento.
Outras crianças responderam às propostas da professora, articulando suas
preferências e experiências pessoais, por meio da ilustração e do texto verbal.
Nesse sentido, podemos observar o texto
23
produzido por Ine (Figura 16).
22
Esse trecho do texto de Lui foi transcrito do caderno de atividades de casa. A única adaptação que
fizemos foi a abreviação MAR. por referir-se ao nome da Prof. 1).
23
O texto de título A Helloy-Kitty foi registrado a lápis, por isso a visibilidade da imagem fica um
pouco prejudicada. Devido a esse fator, apresentamos a transcrição do conteúdo do texto. Esta é a
Hello-Kitty. Ela gosta muito de ler histórias em quadrinhos, a bíblia e outros. Ela também gosta que o
papai e a mamãe contem histórias para ela. Fim”.
269
Ine reproduziu uma imagem com a sua personagem preferida a Hello Kitty. Essa
preferência também foi demonstrada em uma situação de leitura na biblioteca,
quando a criança trouxe de casa um livro dessa personagem para socializar com os
colegas da escola e, em entrevista pessoal, relatou que era o livro preferido de sua
coleção. Podemos perceber, ainda, que, em suas enunciações, ela explicitou os
gêneros que mais a atraíam, como as histórias em quadrinhos e os textos da Bíblia.
Nesse caso, reafirmou suas experiências religiosas, além de indicar práticas de
leitura com seus familiares, quando explicitou que gostava de ouvir histórias
contadas pelo pai e pela mãe.
Observamos também que o discurso pedagógico comprometeu o dizer de algumas
crianças e a atividade de leitura como processo de construção de sentidos, proposta
Figura 16Texto extraído do caderno de atividades
de casa de Ine
270
por Geraldi (1997), não de ser observada. Para exemplificar, podemos analisar as
enunciações a seguir:
[...]
Prof. 1: [...] o Ati vai ler agora...
Ati: ((vai para o palco e fica olhando para a Prof. 1))
Prof. 1: vai... bem alto... hein...
Ati: ‘o patinho feio... era uma vez um patinho muito feio... as pessoas zombavam da cara
dele... um dia ele foi embora ficou triste e sozinho... ele achou um cisne... um falou com o
outro... cisne... olá...(vale a pena você entrar na água)... ele ficou muito alegre’...
Prof. 1: ficou muito alegre de que...
Ati: do negócio de...
Prof. 1: que ele não era?
Ati: o patinho feio...
Prof1: ((recebe o caderno do Ati e mostra para a turma))... olha o desenho do Ati...
(DC01R36 – 16-8-2005)
Assim, dadas as condições de produção propiciadas aos alunos, Ati manifestou uma
concepção de texto artificializada, ou seja, como redação realizada na/para a escola.
O seu dizer era marcado pelas narrativas dos textos do universo da literatura infantil,
que provavelmente ele conhecia. Assim, diante da solicitação de produção de texto
que não articulou razões para dizer e nem as finalidades, a leitura passou a
configurar uma tarefa que não viabilizou contrapalavras dos outros sujeitos do
contexto da sala de aula e se encerrou quando a professora apresentou a ilustração
da criança para a turma.
Percebemos, ainda, que a estrutura de organização dos textos no caderno das
crianças mantinha uma forma regular prevista no enunciado da tarefa, como:
apresentação da ilustração seguida do texto verbal. Contudo, em relação ao seu
conteúdo, a organização discursiva apresentava uma variedade de marcas
enunciativas de diferentes gêneros, que refletiam a ausência de direcionamentos, de
objetivos e finalidades para a produção do texto.
271
Nessa perspectiva (Figura 17), a atividade de leitura dos textos das crianças na sala
de aula propiciava o contato dos alunos com diferentes estilos de organização
textual, porém, na maioria dos casos, não constituía uma atividade dialógica, em que
os outros sujeitos do contexto escolar tivessem a oportunidade de apresentar suas
contrapalavras, e o texto ser o ponto de encontro entre autor e leitor. Assim,
podemos inferir que a leitura em voz alta configurava uma prática que viabilizava o
controle de execução da tarefa escrita, e não uma prática discursiva em que havia
interesse em conhecer o que as crianças tinham a dizer. Dessa forma, essa
modalidade de leitura, no contexto das práticas escolares, ainda carrega
características antigas de suas origens históricas. Ferreira (2001, p. 27) explica
que, inicialmente, se configurou a leitura em voz alta como um artifício para [...]
garantir o acesso de mais pessoas ao texto bíblico, segundo para que o leitor se
mantivesse atento ao que lia e não produzisse significados silenciosos, inacessíveis
aos outros [...]”. Chartier (1998, p. 143) também vai relacionar práticas de leitura em
voz alta em diferentes espaços, até situá-la no contexto educativo.
A leitura em voz alta alimentava o encontro com o outro, sobre a
base da familiaridade, do conhecimento recíproco, ou do encontro
casual, para passar o tempo. No século XIX, a leitura em voz alta
voltou-se para certos espaços. De início, o ensino e a pedagogia:
fazendo os alunos ler em voz alta, procurava-se paradoxalmente
controlar sua capacidade de ler em silêncio, que era a própria
finalidade da aprendizagem escolar. Lia-se ainda em voz alta nos
lugares institucionais como a igreja, a universidade, o tribunal.
Durante todo um período do século XIX (ao menos na primeira
metade), a leitura em voz alta foi também vivida como uma forma de
mobilização cultural e política dos novos meios citadinos e do mundo
artesanal e depois operário. Em seguida, esvaziaram-se numerosas
formas de lazer, de sociabilidade, de encontros que eram
sustentados pela leitura em voz alta. Chega-se à situação
contemporânea em que a leitura em voz alta é finalmente reduzida à
relação adulto-criança e aos lugares institucionais.
Figura 17 – Texto de Fel retirado do caderno de atividades de casa
272
Esses aspectos históricos nos auxiliam na compreensão de algumas enunciações e
procedimentos presentes na sistematização desse evento, pois observamos que a
leitura em voz alta ainda tem espaço nas práticas escolares como um mecanismo
regulador.
As condições de produção da leitura nos dois eventos apresentados evidenciaram
diferenças, pois as crianças, na situação de leitura de piadas, conheciam desde o
início da proposta da atividade, mesmo não explicitada verbalmente, a finalidade do
texto que pesquisaram. Outro aspecto importante a ser considerado era o
reconhecimento, por parte dos alunos, do objetivo da atividade de leitura, ou seja,
liam para socializar as novas piadas pesquisadas com os colegas e também para
divertir-se. Para isso, necessitavam de aplicar alguns conhecimentos de leituras
requeridos para aquele gênero textual, que eram necessários à constituição de
sentidos ao texto, no momento da leitura em voz alta na sala de aula. No segundo
evento descrito, a mediação da professora não possibilitou essa clareza, e talvez por
isso tenha gerado percursos singulares de produção, conforme as experiências das
crianças. Porém, é importante salientar que, apesar de as condições não serem
favoráveis, os alunos encontravam estratégias para atender às orientações da
professora e, ainda, algumas crianças, como Lui e Ine, conseguiam instituir-se no
texto como sujeitos autores, porque elas evidenciaram que tinham algo a comunicar
por meio da atividade de leitura.
O próximo evento que tomamos para análise indicou que a atividade de leitura em
voz alta, que ocorria com regularidade no cotidiano das práticas na sala de aula,
também gerava atitudes colaborativas entre as crianças. Quando um aluno se
recusava a participar desse momento de leitura, outras crianças se colocavam à
disposição para realizá-la.
Nesse sentido, podemos identificar interações discursivas entre os sujeitos que
demonstravam essas atitudes colaborativas das crianças. A Prof. 2, no dia 22-8-
2005, solicitou que os alunos pesquisassem e registrassem no caderno provérbios,
por estarem no mês em que se comemorava o dia folclore. No dia 23-8-2005, elas
fizeram a leitura de seus registros na sala de aula e, em seguida, a regente indicou
uma outra atividade para ser realizada em casa com o seguinte enunciado:
273
“Escolher um provérbio e criar uma história com ele”. Assim, no dia 24-8-2005, a
professora sorteou cinco crianças para apresentar, por meio da leitura em voz alta,
os textos que haviam produzido. Por estar iniciando a atuação na turma naquele
mês, a regente ainda estava em processo de adaptação e buscando aproximação
com as crianças. Esse procedimento, que limitava a participação dos alunos na
atividade de leitura, gerou reclamações por parte deles. Eles faziam comentários e
comparações com as rotinas de trabalho da sala de aula, instauradas pela Prof. 1 , e
ainda verbalizavam enunciações em tons de reclamações do tipo:
Reb: Então para que eu fiz o texto?
Vic: Com a Prof. 1 todo mundo lia.
Essas enunciações podem ser compreendidas como resistências das crianças,
quanto à troca de professoras, o que nos parece comum ocorrer nessas situações,
devido à relação emocional que costuma ser estabelecida ao longo do tempo, entre
as crianças e a professora. Assim, nessa fase de mudança de regentes, qualquer
alteração nos procedimentos de rotina pode ser motivo de reclamação e rejeição dos
alunos. Entretanto, essas verbalizações também podem ser percebidas como uma
manifestação positiva, de valorização e aceitação das atividades de leitura
instauradas naquela sala de aula, demonstrando que eles gostavam de realizar a
leitura em voz alta para os colegas e a professora, embora os objetivos e as
finalidades para esse tipo de leitura nem sempre fossem bem delineados nas
situações de ensino aprendizagem.
Outra criança reagiu com choro por não ter sido selecionada para fazer a leitura de
seu texto sobre provérbios. Diante dos questionamentos e das diferentes reações
dos alunos, a Prof. 2 redimensionou sua orientação e explicou que, devido ao limite
do tempo da aula, as outras crianças poderiam apresentar seus textos nos dois dias
seguintes. Assim, podemos perceber, a partir da perspectiva bakhtiniana de
linguagem, que os enunciados produzidos numa situação discursiva podem ser
compreendidos no contexto da corrente da comunicação verbal e estão carregados
de atitudes responsivas, como observamos nas falas dos alunos e da professora. De
acordo com Bakhtin (2003, p. 371),
274
Não pode haver enunciado isolado. Ele sempre pressupõe
enunciados que o antecedem e o sucedem. Nenhum enunciado pode
ser o primeiro e o último. Ele é apenas o elo na cadeia e fora dessa
cadeia não pode ser estudado. Entre os enunciados existem relações
que não podem ser definidas em categorias nem mecânicas nem
lingüísticas. Eles não têm analogia consigo.
Na seqüência desse evento, outras enunciações evidenciaram a complexidade das
relações que constituíam as situações discursivas de ensino aprendizagem,
observadas na sala de aula. No dia 26-8-2005, a escola organizou uma
apresentação dos diversos trabalhos desenvolvidos sobre o folclore, nas turmas de
pré aa série, com o objetivo de integrar os conhecimentos sobre a temática,
além de oferecer aos alunos oportunidade de situações comunicativas que
envolviam diferentes saberes, dentre eles, o de leitura. No planejamento desse
evento, estava previsto que cada série ficaria responsável por apresentar um
aspecto das manifestações folclóricas que havia estudado. Nesse sentido, devido ao
fato de o assunto privilegiado na turma da 1ª série ter sido os provérbios, as crianças
iriam apresentar o conceito desse termo e alguns exemplos de provérbios para as
outras turmas da escola.
Contudo, o trabalho de produção de textos a partir dos provérbios, desenvolvido pela
Prof. 2 com os alunos da turma da série, despertou interesse da pedagoga, no
momento em que ela observou a atividade de leitura em voz alta das crianças. Essa
profissional foi até a sala de aula pesquisada, com a finalidade de dar um recado à
regente, porém, para não interromper os procedimentos de leitura do aluno que
estava apresentando, aguardou um momento propício. Nesse momento, a pedagoga
ouviu atentamente a leitura dos textos de algumas crianças e, ao final, fez algumas
interlocuções: “Qual era mesmo o provérbio?”, “Muito legal o seu texto”, entre outros
comentários. As réplicas da profissional geravam atitudes responsivas, tanto do
leitor que estava em evidência naquele momento, quanto nos outros alunos.
Uma das manifestações que registramos em nosso diário de campo, relacionada
com essas atitudes responsivas, referiu-se ao desejo de algumas crianças em
proceder novamente à leitura de seus textos em função do interesse explicitado pela
pedagoga. Porém, suas solicitações não foram atendidas, devido ao fato de a
275
profissional não ter tempo disponível para continuar participando desse evento de
leitura na sala de aula.
Todo esse contexto discursivo de interações foi permeado por relações dialógicas.
Faraco (2003, p. 64), discorrendo sobre esse assunto, a partir dos escritos de
Bakhtin, explica:
Para haver relações dialógicas, é preciso que qualquer material
lingüístico (ou de qualquer outra materialidade semiótica) tenha
entrado na esfera do discurso, tenha sido transformado num
enunciado, tenha fixado a posição de um sujeito social. assim é
possível responder (em sentido amplo e não apenas empírico do
termo), isto é, fazer réplicas ao dito, confrontar posições, dar acolhida
fervorosa à palavra do outro, confirmá-la ou rejeitá-la, buscar-lhe um
sentido profundo, ampliá-la. Em suma, estabelecer com a palavra de
outrem relações de sentido de determinada espécie, isto é, relações
que geram significação responsivamente a partir do encontro de
posições avaliativas.
Assim, a pedagoga, ao interagir no contexto da rotina da sala de aula, estabeleceu
relações de sentido com as palavras dos alunos. Dessa forma, explicitou atitudes
responsivas, sugerindo à professora que alguns daqueles textos, produzidos pelas
crianças, pudessem ser inseridos no momento de apresentação coletiva das turmas.
Nessa perspectiva, evidenciou para aquele grupo aspectos de valorização das
produções dos alunos, bem como de seus procedimentos de leitura em voz alta.
Contudo, os sentidos produzidos não foram homogêneos e, para alguns alunos que
não foram contemplados com a seleção de seus textos, essa proposta repercutiu de
outra forma. Lui, sendo uma delas, reagiu questionando a decisão da pedagoga,
dizendo que, se ela não teve oportunidade de ouvir a leitura de seu texto, como
realizou a escolha? E ainda manifestou uma posição avaliativa: “Isso não é justo”.
Outras crianças faziam comentários, reclamações e recusas em participar dessa
atividade de leitura coletiva extraclasse, concomitantemente, gerando alterações e
tumultos na organização da sala de aula.
As reações das crianças podem ser compreendidas a partir de diferentes aspectos.
Inicialmente, podemos pensar que as finalidades da produção e da leitura dos textos
não foram explicitadas e, por isso, desencadeou todo esse movimento contraditório
de enunciações. Outra justificativa que podemos inferir, a partir dos registros de
276
diário de campo, foi que os critérios de escolha dos textos não foram esclarecidos e
nem compartilhados com os alunos, gerando, em algumas crianças, a recusa em
proceder à leitura em voz alta para um público externo ao da sala de aula. Diante
dessas recusas, outras crianças manifestaram o desejo de ler e se colocaram à
disposição dos colegas, principalmente pelo sentido de valorização da atividade de
leitura, construído a partir das atitudes responsivas da pedagoga. Dessa forma,
As relações dialógicas são, portanto, relações entre índices sociais
de valor que como vimos, constituem [...] parte inerente de todo
enunciado, entendido este não como unidade da língua, mas como
unidade da interação social; não como complexo de relações entre
palavras, mas como um complexo de relações entre pessoas
socialmente organizadas (FARACO, 2003, p. 64).
Nesse sentido, as atividades de leitura não podem ser resumidas a simples
capacidade dos alunos de decodificação de textos escritos, passível de ser
controlada por meio da leitura em voz alta, mas como atividades que situam sujeitos,
sujeitos esses que estabelecem vínculos e relações com os outros do seu convívio e
que participam de relações dialógicas que constituem sentidos. O extrato de
enunciações a seguir, produzidas no evento de apresentação coletivo sobre o
folclore, reforça essa idéia:
[...]
Ped: a primeira série preparou pra gente... provérbios... eles estudaram os provérbios e
entenderam o significado... a interpretação de cada provérbio... e escreveram textos...
alguns vão falar os provérbios... e outros vão ler os textos que eles inventaram com os
provérbios... tá bom...
[...]
Prof. 2: agora... as crianças vão ler os textos que eles fizeram com os provérbios...
Reb: ((vai até o microfone segurando o caderno já aberto na página do texto)) ‘a noite é boa
conselheira... Mars estava com problemas...com seu dever... por isso ela ficou no silêncio da
noite pensando o que ia fazer... e a noite a inspirou a ter uma idéia para resolver o seu
problema... a idéia que ela teve foi chamar as amigas dela para elas fazerem juntas o
dever... assim Mars fez o dever e na outra noite ela agradeceu a ajuda da noite
conselheira... Mars era a única que se inspirava pela noite’...
((palmas))
Lui: eu vou ler o texto... mas a autora foi a Ine... ‘de grão em grão a galinha enche o papo...
Joãozinho é um menino e não gostava de almoçar... mas gostava de doces... ele vivia
comendo doces.... e acabou ficando gordo... e a sua mãe falou... de grão em grão a galinha
277
enche o papo... e sua amiga chamada Lar... chegou e foi brincando... e chegou a hora... e
chegou a hora do almoço... e Lar comeu e ensinou Joãozinho a comer’
Fab: olha... eu vou ler o texto... mas quem fez o texto foi o Dav... ‘era uma vez um menino
pobre... gostava muito de estudar... mas não/ mas não consegui’...
Aluno: conseguia...
Fab: ‘era uma vez um menino pobre... gostava muito de estudar... mas não estava
conseguindo tirar boas notas... como sempre pedia a Deus e confiava na/ em suas
orações... Deus atendeu... e José tirou boas notas... vou seguir esse exemplo... quem
chama por Deus... sempre alcança’ ((professora ficou ao lado do aluno e o ajudou a
compreender a letra do colega Dav))
((palmas))
Fel: ‘quem com ferro fere com ferro será ferido... era uma vez uma menina que achou um
cachorro... a menina levou ele para casa... ela maltratava ele... um dia ele fugiu... ela foi
passear pela rua e ela encontrou o cachorro... ele viu a menina... e mordeu ela’...
((palmas))
Ati: eu vou ler esse texto... mas não foi eu que fiz...
Prof2: fala quem foi...
[
Ati: foi o Ari... ‘o homem ruim e deus ( )... casa de ferrei-ro... espeto de pau’... ((Ati confunde
a página e começa a fazer a leitura dos provérbios em vez do texto sobre os provérbios))
((vozes...))
]
Ped: espera um pouquinho... gente... vocês estão lembrando que é a primeira série que
está aqui... um dia vocês foram primeira série... vamos respeitar... ((pedagoga faz referência
à conversa paralela dos alunos que estavam assistindo... e dos risos))
Ati: ((localiza a página correta do caderno)) ‘o Cebolinha e o cascão estavam a/ andando
pela rua... e o Cebolinha viu um cachorro e disse... Cascão... cuidado com o cachorro...
quem avisa amigo é o cebolinha/quem avisa amigo é... ô cebolinha... mas minha avó me
disse... que cachorro que late... não morde’...
((palmas))
Ati: obrigado...
Ped: que bonitinho... vocês entenderam... eles inventaram a historinha em cima dos
provérbios... né? é difícil a gente ler história de outras pessoas... por isso que eles tiveram
um pouquinho de dificuldade... parabéns... agora a terceira série vai está apresentando
algumas adivinhas.. pode vir o pessoal que tá preparado... (DC01R44 – 26-8-2005)
278
Nesse contexto, a atividade de leitura das produções dos alunos, registradas no
suporte caderno, ampliou-se para além das relações cotidianas da sala de aula,
sendo objeto de atenção de outros sujeitos do contexto escolar. Essa experiência de
leitura gerou, nas crianças da turma pesquisada, novas atitudes até então não
observadas. Elas solicitavam aos colegas, autores dos textos, para relerem as
produções, talvez influenciadas pelas reações do público ouvinte que, ao final da
leitura de cada texto, aplaudia, sorria e ainda reconhecia e compreendia as
dificuldades dos alunos leitores conforme sua fase de aprendizagem. Porém, esses
textos ganharam destaques e, dessa forma, despertaram o desejo dos colegas em
reler as histórias, sendo possível, nessas relações construídas entre os sujeitos,
encontrar finalidades para a produção e leitura dos textos. Vale ressaltar que a falta
de fluência e entonação, manifestada por algumas crianças que leram os textos dos
outros colegas, pode ser compreendida em função das condições de produção da
leitura, pois não tiveram oportunidade prévia de se prepararem para esse momento.
Em outras situações cotidianas, não era comum esses alunos explicitarem essas
características em atividades de leitura em voz alta.
Assim, a descrição dos eventos que apresentamos neste item possibilitou
caracterizarmos as práticas de leitura com os cadernos das crianças na turma
pesquisada. Essas práticas ocorriam predominantemente no interior da sala de aula
e a dinâmica de funcionamento mesclava procedimentos comuns às práticas de
leitura com os livros de literatura infantil e às práticas de leitura com os livros
didáticos. Os aspectos que podemos fazer relação com as práticas de leitura com os
livros de literatura infantil referem-se aos procedimentos de leitura em voz alta para
os outros colegas da turma, que ocorriam nas duas situações, com regularidade.
Também podemos perceber que essas práticas de leitura eram articuladas ao
processo de ensino aprendizagem e, por isso, demandavam a execução de alguma
tarefa orientada pelas professoras, dentre elas, atividades de ditado, no caso da
literatura infantil, e de produção de textos, no caso do suporte caderno.
A aproximação das práticas de leitura com os livros didáticos pode ser considerada
a partir do formalismo e da permanência da organização do espaço físico. Nesse
sentido, independente do suporte de leitura, as práticas ocorriam num contexto em
que as crianças ficavam sentadas em três filas duplas de carteiras, sendo solicitada
279
a apresentação de um leitor de cada vez, enquanto as outras crianças deveriam
fazer silêncio e ter atenção ao que estava sendo apresentado. Outra característica
inerente a essas práticas era que as crianças, para participar dessas experiências
de leitura, dependiam formalmente das diretrizes das professoras que indicavam,
quando, quem, o que e como deveriam ler.
A modalidade de leitura em voz alta, presente nas práticas de leitura com os três
tipos de suportes mais recorrentes, que identificamos no contexto da turma
pesquisada, sustentava também mecanismos de avaliação institucional. Nessas
situações, as professoras tinham, como eixos orientadores, os critérios
estabelecidos na ficha de avaliação da área de Língua Portuguesa, como mostra a
Figura 18:
Assim, os critérios previstos na ficha de avaliação individual dos alunos
evidenciavam concepções de aprendizagem, de sujeito, de texto e de leitura, que
perpassavam os procedimentos observados no contexto da sala de aula, além de
integrarem muitos elementos das enunciações discursivas dos eventos de leitura.
Contudo, como a língua, na perspectiva bakhtiniana, não pode ser concebida como
um “[...] sistema de formas que remetem a uma norma [...]” (BAKHTIN, 2004, p.
108), e sim como um “[...] fenômeno puramente histórico” (BAKHTIN, 2004, p. 109),
Figura 18 Itens que compõem a ficha de avaliação da
disciplina Português
280
percebemos que as orientações expressas nessa ficha foram ressignificadas, no
curso da interação verbal que permeava as práticas de leitura, porque envolviam
sujeitos (professores e alunos) situados historicamente.
Nessa perspectiva, as atividades de leitura sistematizadas no cotidiano da escola
pesquisada eram múltiplas e assumiam formas específicas em função das
condições propiciadas às crianças nas situações de ensino aprendizagem, bem
como os sujeitos envolvidos nas experiências de leitura. Os objetivos e finalidades
que norteavam as práticas, em alguns eventos que analisamos, podem ser
considerados restritos e se prendiam aos aspectos cognitivos e lingüísticos da
leitura. Contudo, em outros, observamos uma dinâmica de organização que
favorecia a interação das crianças com diferentes textos e com os outros sujeitos do
contexto escolar. Essas interações desencadeavam atitudes responsivas que
provocavam escolhas, opiniões, conflitos, sentimentos, desejos, parcerias e
aprendizagens diversas entre as crianças. Acreditamos que esse ambiente favorável
a práticas de leitura que não estavam previamente determinadas possibilitou a
inserção das crianças como sujeitos, capazes de interferir, indicar, planejar e criar
ações que contribuíam para o processo de constituição de sentidos ao texto verbal
por meio da leitura.
A sensibilidade dos profissionais na consideração das atitudes responsivas dos
alunos foram elementos que contribuíram para a construção desse ambiente,
favorável às práticas de leitura, pois demonstraram que, apesar de seus discursos
pedagógicos ainda serem atravessados por uma concepção de produção de
texto/sentido, dissociada da concepção de leitura, estavam abertos a fazer
adaptações e adequações em suas propostas de ensino, sempre valorizando as
aprendizagens das crianças.
281
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Empreender nosso estudo sobre as práticas de leitura implicou o reconheçimento
que se trata de uma prática social e, como tal, está em constante movimento. É
prática social, porque envolve sujeitos e suas produções culturais que, pelos mais
variados motivos, adquirem status de serem registradas por meio da escrita. Nesse
processo de registro, está inerente a presença de um leitor que, inicialmente, se
constitui como um leitor virtual, mas que poderá se concretizar no momento em
que ocorre o encontro do leitor com o texto, ou seja, um momento de diálogo com o
outro e que abre a possibilidade de estabelecer elos na corrente da comunicação
verbal. A leitura, nessa perspectiva, configura um processo de produção de sentidos
em que o sujeito leitor assume uma posição ativa diante dos textos.
Pensando a leitura como uma atividade dialógica e em permanente mudança em
função dos objetos, dos valores, das políticas públicas, dos espaços destinados a
essa prática social, do acesso aos materiais, bem como das demandas de uma
sociedade cada vez mais exigente em termos da capacidade de os indivíduos se
relacionarem, por meio da leitura e da escrita, com os recursos tecnológicos,
sabemos que as reflexões e análises apresentadas neste estudo, em torno das
situações de ensino aprendizagem, não se esgotam em nossa pesquisa e nem
temos essa pretensão.
Nesse sentido, ao centrar nosso foco de interesse nas práticas de leitura que se
desenvolveram em uma turma de alfabetização, na qual estudavam crianças de sete
anos, do Sistema Municipal de Ensino de Vitória, ES, foi necessária uma abordagem
teórica e metodológica que possibilitasse a compreensão da dinâmica da sala de
aula e de outros espaços de leitura da escola envolvida no trabalho. Assim,
pesquisar práticas de leitura no espaço escolar e, mais especificamente, na sala de
aula, demanda uma aproximação longa e contínua do pesquisador com os sujeitos
investigados. Apontamos, então, a pertinência do estudo de caso do tipo etnográfico
como metodologia de pesquisa, pois a nossa inserção em campo possibilitou
apreender a multiplicidade de fatores integrantes das práticas de leitura observadas.
Os 82 dias em que estivemos em interação com o grupo de sujeitos envolvidos na
282
investigação permitiram que pudéssemos entrelaçar diferentes dados, como os tipos
de suportes presentes na escola e valorizados nas práticas de leitura, o tempo
destinado a essas atividades, os discursos veiculados no espaço da escola sobre a
temática, as enunciações explicitadas nas situações de ensino aprendizagem, o
modo de organização e relacionamento dos sujeitos com os objetos de leitura, entre
outros aspectos que influenciavam na produção de sentidos do texto verbal por meio
da atividade de leitura.
Pensar o trabalho com a linguagem a partir desses pressupostos teórico-
metodológicos significou perceber a ação de sujeitos. Sujeitos que são sócio-
históricos e que, ao participarem das relações de ensino aprendizagem, produzem
discursos a partir de outros e com os outros em função das demandas das situações
de comunicação sistematizadas no espaço escolar e que atribuíam sentidos à
leitura. Nessa direção, a articulação da perspectiva bakhtiniana de linguagem com
as contribuições da metodologia de estudo de caso do tipo etnográfico foram
consideradas as mais apropriadas para investigar as práticas de leitura, pois
permitiu o entrecruzamento entre os vários momentos em que foram desenvolvidas
e com os discursos que estão presentes na escola e fora dela.
É importante salientar que, no próprio processo de produção da pesquisa que
realizamos, está implicado o diálogo com outros textos, formando um tecido
polifônico em que ecoa vozes de diferentes contextos, como da sala de aula, da
produção acadêmica sobre a leitura e da trajetória de vida da pesquisadora. Foi no
entrecruzamento dessas vozes que ressignificamos, a cada momento, o
conhecimento sobre a leitura. Dessa forma, resgatamos os trabalhos de Terzi
(1995), Evangelista (1993), Borges (1995) e Macedo (2004) que contribuíram para a
composição de nosso discurso sobre as práticas de leitura. Esses trabalhos mostram
a pertinência de pesquisar a temática da leitura articulada aos processos de ensino,
compreendendo que as interações discursivas entre os sujeitos e destes com os
textos de leitura são elementos significativos na produção de sentidos que são
constituídos nas práticas de leitura desenvolvidas na ou para a escola.
As vozes de outros autores que concebem o trabalho com a linguagem numa
abordagem dialógica também foram fundamentais para subsidiar o percurso de
283
análise dos dados produzidos em nossa pesquisa. Nesse sentido, ao delinearmos o
caminho de compreensão das práticas de leitura na alfabetização, no contexto
escolar, percebemos que alguns suportes de leitura eram predominantes e, então,
buscamos apreender os modos como os sujeitos se relacionavam com eles.
Dessa forma, organizamos os dados a partir de três suportes nos quais
identificamos maior recorrência no cotidiano das práticas de leitura observadas: os
livros de literatura infantil, os livros didáticos e os cadernos das crianças. Essa foi
uma organização dentre muitas outras possíveis. Implicou idas e vindas,
reformulações... Tentamos com as nossas análises abarcar a complexidade das
práticas que envolveram esses suportes de leitura, mas, com certeza, muitos
aspectos não puderam ser explicitados por meio deles, mas tivemos que efetuar
escolhas que objetivaram a construção de uma síntese para dar visibilidade às
práticas de leitura mais recorrentes numa turma de alfabetização.
Para isso, julgamos necessária a contextualização dos eventos analisados com o
intuito de delinear as condições de produção da leitura no processo de ensino
aprendizagem. Essas condições evidenciaram que a atividade de leitura integrava
diferentes práticas. Em relação ao suporte livro de literatura infantil, percebemos que
as práticas de leitura observadas na escola emergiam por iniciativa das crianças ou
estavam incorporadas às situações didáticas planejadas pelos profissionais da
escola.
Com relação às práticas que se desenvolviam por iniciativa das crianças, os eventos
observados evidenciaram que elas demonstravam familiaridade com os livros de
literatura infantil. Nesse aspecto, o acesso a eles na escola era constante e
planejado, pois, além do acervo disponibilizado em sala de aula, as crianças
também sabiam previamente, conforme horário das aulas, os momentos semanais
de leitura na biblioteca. Esses momentos foram marcados por duas características
distintas: na maior parte do ano letivo de 2005, as crianças investigadas
freqüentaram a biblioteca acompanhadas por profissionais de apoio, como estagiária
e professora em situação funcional de laudo médico, bem como a pesquisadora e,
em alguns meses, a maioria não consecutivos, os alunos contavam com o
atendimento de bibliotecários contratados. Acreditamos que, em face dos
284
problemas, de ordem administrativa, vivenciados pela escola no período da
pesquisa, a leitura no espaço da biblioteca, na maioria das vezes, não foi
sistematizada em função de objetivos educacionais previstos pelos profissionais que
dirigiram ou orientavam as crianças. Porém, embora não explicitado verbalmente, o
objetivo da leitura na biblioteca era de fruição.
Conforme proposto por Geraldi (1997), o que prevalece na leitura fruição é a
gratuidade de estar com os outros e com eles se constituir por meio da leitura.
Nesse sentido, as crianças tinham oportunidade de dialogar com diferentes autores,
pois o acervo da biblioteca era variado. Além desse diálogo, os alunos ainda
explicitavam atitudes que demonstravam a necessidade de articulação com outros
interlocutores no momento da leitura. Eles costumavam fazer leitura em voz alta
para outro colega ouvir, praticavam leitura silenciosa e, ainda, gostavam de ler em
parceria com outra criança. Nesse caso, faziam leitura alternada, em que cada aluno
lia em voz alta uma página do livro.
As crianças ainda costumavam solicitar aos adultos que as acompanhavam nos
momentos de atividades na biblioteca que ouvissem a leitura que realizavam dos
livros selecionados por eles. Essa situação pode ser compreendida como uma
maneira de demonstrar suas capacidades de leitura, bem como evidenciar a
necessidade de dialogo com leitores mais experientes. Dessa forma, as práticas de
leitura, na biblioteca, constituíam situações comunicativas que integravam colegas e
profissionais, pois, ao realizar a leitura em voz alta, direcionada preferencialmente
para o adulto, outras crianças se aproximavam para ouvir o colega ler histórias. No
curso dessas leituras, ocorriam muitos comentários e interferências, ou seja,
crianças e adultos davam opiniões, faziam sugestões e ainda explicitavam atitudes
avaliativas quanto à compreensão da leitura realizada pela criança. Essas interações
ocorriam num clima de conversa, ou seja, de forma colaborativa.
Acreditamos que a informalidade que permeava as diferentes práticas de leitura
estruturadas por iniciativas das crianças na biblioteca viabilizava aprendizagens
significativas, como a superação de dificuldades das relações convencionais entre
sons e letras, fluência e entonação, compreensão de elementos extraverbais, dentre
outros aspectos importantes envolvidos na atividade interdiscursiva entre autor e
285
leitor. As interações com outras pessoas mais experientes, no momento da leitura,
foram fundamentais para que essas aprendizagens ocorressem. Observamos,
ainda, que os alunos tinham oportunidade de estabelecer relações ativas em frente
aos objetos disponíveis para leitura, pois explicitavam suas preferências e escolhiam
materiais que julgavam mais adequados às suas capacidades de leitura.
As características que configuravam essas práticas de leitura na biblioteca também
eram explicitadas no contexto da sala de aula. Porém, foram sistematizadas em
caráter complementar às atividades pedagógicas orientadas pela professora. As
crianças com menor destreza em concluir as tarefas, muitas vezes, ficavam privadas
de participar dessas interações em que o foco era a leitura, o que pode ser
compreendido como uma contradição, pois talvez fossem justamente essas crianças
as que mais necessitavam dessas situações de aprendizagem.
As leituras organizadas pela bibliotecária também tiveram como finalidade a fruição.
A dinâmica de trabalho contemplava situações em que as crianças participavam
ativamente. A profissional apresentava algumas opções de livros inéditos para os
alunos e ouvia suas sugestões quanto à escolha do exemplar. Iniciava a atividade
de leitura com a exploração de textos contidos na capa, como título e autoria.
Apresentava a biografia do autor e seguia com a leitura do texto, utilizando recursos
de entonação juntamente com a exploração dos recursos visuais. Em suas
enunciações, explicitava preocupação quanto à ativação de conhecimentos prévios
sobre os temas das histórias. Também interagia com as crianças por meio de
perguntas que subsidiavam a antecipação e produção de hipóteses, checadas no
curso da leitura. Esses procedimentos prendiam a atenção dos alunos e
desencadeava um intenso diálogo com o texto. Ao final da leitura, costumava
direcionar alguma atividade relacionada com as histórias apresentadas. Contudo, o
interlocutor previsto para as produções dos alunos era a própria bibliotecária.
O trabalho pedagógico desenvolvido em sala de aula pelas professoras regentes
também contemplava, em vários momentos, o uso dos livros de literatura infantil.
Dentre eles, podemos identificar, em nossos registros de diário de campo, o Projeto
de Leitura Surpresa e a leitura de histórias articulada com a indicação de atividades
de escrita. Essas relações de ensino aprendizagem demonstravam preocupação
286
com a dimensão lingüística da alfabetização, o saber a respeito da língua e, por isso,
utilizavam a leitura do texto como pretexto para desencadear atividades de ditado,
de produção de fichas de leitura, de cópia e de escrita de textos. Dessa forma, a
leitura não pode ser concebida com uma atividade dialógica, pois as necessidades
criadas a partir da atividade de leitura eram situadas na esfera das tarefas escolares
que, também, serviam como elementos de avaliação das capacidades gramaticais
dos alunos. Essas ações didáticas devem ser compreendidas não como ações
isoladas de sujeitos (professoras), mas como integrantes de um discurso social e
pedagógico produzido historicamente, em que predomina a ênfase na apropriação
da língua dos aspectos fonéticos e fonológicos em detrimento de sua natureza
discursiva.
Um movimento contrário a essa perspectiva foi observado nas atividades
desenvolvidas pela professora de projetos. Em suas ações pedagógicas, realizadas
com a turma de alfabetização pesquisada, percebemos que utilizou a leitura de livros
de literatura infantil em função de alguma situação comunicativa que necessitava da
organização de determinadas estratégias discursivas a partir da leitura das histórias.
Nesse sentido, a adaptação do texto literário à linguagem teatral foi conveniente
para as situações de apresentação que as crianças foram convidadas a participar,
como no evento da Feira do Verde e do Sarau Cultural, promovido pela escola. Para
isso, as crianças precisavam atentar para os aspectos de entonação e fluência
adequada à leitura devido ao público que destinava o seu dizer, pois, caso essas
condições o fossem atendidas, a comunicação da mensagem não seria eficiente.
Os gestos e figurinos também colaboravam para a construção do processo de
compreensão do texto. Todos esses aspectos eram evidenciados nas enunciações
da professora e, dessa forma, contribuíam para o processo de ensino aprendizagem
da leitura, como atividade de produção de sentidos, que, inclusive, e não apenas,
requeria o domínio dos elementos lingüísticos.
A inserção da literatura infantil no contexto das práticas de leitura observadas neste
estudo de caso assumia formas variadas e, portanto, os sentidos construídos para
as atividades de leitura também eram distintos. A multiplicidade de práticas de leitura
explicitadas e sistematizadas pelos sujeitos da pesquisa, a partir desse suporte de
leitura, pode ser compreendida em decorrência da origem e abrangência social
287
desse objeto cultural. Pelo fato de o livro de literatura não estar circunscrito ao
campo educacional e, desse modo, as crianças e profissionais da escola se
relacionarem com ele em diversos espaços sociais, as experiências de leitura
assumiam diferentes nuances.
O segundo suporte de leitura mais utilizado pelo grupo pesquisado foi o livro
didático. Esse suporte implicou práticas de leitura que, de acordo com as
características explicitadas, podem ser consideradas de caráter formal. A
organização do espaço físico, o enquadramento dos corpos dos alunos, os objetivos
que orientavam as atividades de leitura no caderno, bem como a prevalência de uso
no espaço sala de aula levam-nos a compreender que esse objeto cultural, desde a
sua origem, ainda circula eminentemente ligado ao campo das práticas escolares
tradicionais.
Entretanto, observamos que pesquisas acadêmicas que concebem a língua como
atividade interdiscursiva têm produzido dados interessantes que repercutem na
produção desses materiais. Contudo, as apropriações desses discursos não são
lineares e guardam, conseqüentemente, um espaço de interdiscursividade no
momento de seu uso. Nossas análises demonstraram várias situações enunciativas
em que podemos identificar e perceber outros discursos que dialogam na
constituição das práticas de leitura com os livros didáticos, tais como o discurso
pedagógico regulado pelo tempo escolar e que contempla o controle da
aprendizagem. Assim, na turma pesquisada, os vários livros didáticos, das diferentes
disciplinas, eram tomados para leitura conforme o tempo das aulas destinado a cada
campo de conhecimento.
A modalidade de leitura mais explicitada com o livro de Língua Portuguesa foi a
leitura oral de enunciados de exercícios e de textos. Essas situações didáticas eram
permeadas por relações de poder, pois ficava a cargo das professoras a definição
da parte a ser tomada para leitura, assim como a indicação dos alunos para realizar
a leitura em voz alta. As finalidades que permeavam essas práticas de leitura,
muitas vezes, não seguiam as orientações previstas no material e eram adaptadas
conforme as experiências de trabalho e de formação das professoras.
288
Por fim, o terceiro suporte de leitura que enfocamos, pela regularidade de uso na
sala de aula, foi o caderno das crianças. É interessante observar que esse suporte
possibilitou a inserção dos alunos como produtores e leitores dos textos por eles
produzidos. A dinâmica construída, no contexto da sala de aula, contemplava
momentos para os alunos apresentarem seus textos, por meio da leitura em voz
alta, para os colegas e para a professora. Contudo, percebemos que as condições
de produção dos textos delineadas pelas professoras nem sempre favoreciam que
as crianças escolhessem estratégias de organização do seu dizer por meio da
escrita e nem delimitavam objetivamente interlocutores e objetivos para o trabalho
de produção textual. Assim, as crianças atendiam às orientações das professoras e
algumas, mesmo diante de condições desfavoráveis à produção de textos,
conseguiam se constituir como sujeitos, pois tinham o que dizer sobre suas
expectativas, ansiedades, histórias de vida...
Contudo, mesmo esses alunos, no momento de exploração dos textos, por meio da
leitura, encontravam limitações em estabelecer uma relação dialógica e de produção
de sentidos com seus pares. A leitura, nesses eventos, não desencadeava um
diálogo entre os sujeitos que viabilizasse o aparecimento de suas vivências,
experiências, valores, posições, etc. Isto é, as práticas de leitura a partir dos
cadernos das crianças, de forma geral, constituíam um espaço em que elas tinham a
possibilidade de demonstrar suas capacidades de domínio quanto às relações entre
sons e letras, de fluência e de entonação, porém, não chegavam a se concretizar
como uma atividade de diálogo integrada a produção de textos.
Os três suportes de leitura mais recorrentes nas práticas observadas no contexto da
pesquisa demonstram que o trabalho com a leitura desenvolvido por essa unidade
de ensino era variado e assumia diferentes perspectivas. Os educadores
privilegiavam o uso de textos e reconheciam a importância de disponibilizar tempo e
espaço adequado para a interação dos alunos com os materiais de leitura. Os
profissionais também se preocupavam em organizar atividades de ensino
aprendizagem em que o foco era a leitura. Consideramos que esses aspectos têm
repercussões positivas na formação de sujeitos leitores, porém não são suficientes.
289
É preciso repensar os diferentes aspectos que permeiam essas práticas de leitura e
atentar para a necessidade de processos de formação inicial e continuada dos
profissionais da educação que trabalham com o ensino da língua materna, desde as
séries iniciais. Assim, a formação, voltada para uma concepção discursiva de
linguagem, em que a leitura constitui um processo de produção de sentidos, é um
desafio na atualidade. Os investimentos escassos nessa área ajudam a
compreender os índices insatisfatórios demonstrados pelos alunos, nos diferentes
sistemas de avaliação implementados no País, no campo da leitura e evidenciam a
necessidade de reconhecimento da formação de professores como fundamental
para a melhoria da qualidade da educação.
Dessa forma, a articulação das dimensões teóricas e práticas nos processos de
formação dos profissionais da educação aliada a políticas públicas de incentivo à
leitura para esses profissionais são fatores importantes _ incentivos traduzidos em
condições de trabalho e acesso a espaços e materiais de leitura de qualidade, assim
como programas e projetos em longo prazo voltados para esse objetivo.
Enfim, as análises desenvolvidas, neste trabalho, mostram que os dados de
pesquisas sobre os saberes e fazeres dos professores e das crianças, no cotidiano
das práticas de ensino aprendizagem, podem colaborar na compreensão dos índices
gerais de desempenho em leitura produzidos por pesquisas de grande porte, pois
colocam em evidência os problemas, os avanços alcançados e, portanto, os
desafios a serem enfrentados para que todas as pessoas escolarizadas tenham
efetivamente acesso à leitura e possam usá-la para participar criticamente da
sociedade em que vive.
290
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infantil e juvenil. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p.17-48.
______. Português: uma proposta para o letramento. São Paulo: Moderna, 1999.
TERZI, S.B. A construção da leitura: uma experiência com crianças de meios
iletrados. São Paulo: Pontes Editora,1995.
TURA, M. de L. R. A observação do cotidiano escolar. In: ZAGO, N.; CARVALHO, M.
P.; VILELA, R. Q. T. (Org.). Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em
Sociologia da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p.183-206.
VAL, M. da G. C.; CASTANHEIRA, M. L. Cidadania e ensino em livros didáticos de
alfabetização e de língua portuguesa (de 1ª a 4ª série). In: VAL, M. da G. C.;
MARCUSCHI, B. (Org.). Livros didáticos de língua portuguesa: letramento e
cidadania. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 147-184.
VOLOSHÍNOV, V. N. Literatúmaia uchoba. In: SILVESTRI, A; BLAUCK, G. Bajtin y
Vigotski: la organización semiótica de la conciencia. Barcelona: Anthropos, 1993.
ZILBERMAN, R. A leitura e o ensino da literatura. 2. ed. São Paulo: Contexto,
1991.
ZAGO, N; CARVALHO, M. P. de; VILELA, R. A. T. (Org.). Itinerários de pesquisa:
perspectivas qualitativas em Sociologia da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
299
APÊNDICES
300
APÊNDICE A – CARTA ENVIADA À UNIDADE DE ENSINO
1ª Parte
Este instrumento de pesquisa foi enviado à unidade de ensino selecionada para
obter autorização de acesso ao campo.
Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, apresenta-se aos profissionais (sujeitos
da pesquisa) da EMEFE “________________”, unidade da Rede Municipal de
Ensino de Vitória-ES, o projeto de pesquisa “Práticas de leitura na alfabetização, de
autoria da mestranda Dilza Côco, como recomendação para a realizão do Mestrado em
Educão do Programa de Pós-Graduão em Educação (PPGE), da Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES).
O objetivo da pesquisa é analisar as práticas de leitura na alfabetização (1º ano do
ensino fundamental) e suas implicações para a formação de leitores. Como
instrumentos de pesquisa, serão utilizados formulários para análise de documentos,
para realização de entrevistas e observação participante em sala de aula com
gravações em vídeo ou áudio e registros em diário de campo. Solicitaremos às
famílias consentimento para participação das crianças na pesquisa com
esclarecimentos sobre o tratamento ético dos dados. O trabalho serealizado a
partir de negociações com os sujeitos e os resultados serão disponibilizados aos
interessados durante e após o relatório final que será apresentado na dissertação
com possibilidade de publicação.
Vitória, ____de___________de 2005.
Nome do profissional Função Assinatura/RG Telefone
Professora
Pedagoga
Diretora
301
2ª parte
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO
Em cumprimento ao protocolo da pesquisa Práticas de Leitura na Alfabetização
realizada por Dilza Côco, no ano de 2005, na EMEF ______, na turma da 1ª série do
turno vespertino, e dando continuidade ao tratamento ético dos dados, solicita-se a
autorização dos profissionais da escola, envolvidos neste estudo, para utilização de
imagens obtidas por meio de fotografias e filmagens na produção do relatório de
pesquisa. Essas imagens serão utilizadas para fins estritamente científicos ligados a
essa pesquisa.
Atenciosamente
Dilza Côco
Pesquisadora
Eu, _____________________________________________________, portador da
CI nº__________, residente e domiciliado na Rua
_________________________nº______Bairro__________________________ do
município de _____________________, profissional da escola
_________________________________ autorizo a utilização das minhas imagens
na produção da pesquisa Práticas de Leitura na Alfabetização realizada por Dilza
Côco .
Assinatura do profissional:__________________________________________
Data: ____________________________
302
APÊNDICE B – CARTA ENVIADA AOS PAIS OU RESPONSÁVEIS
1º PARTE
Este instrumento foi utilizado para obter autorização dos pais ou responsáveis
quanto à utilização dos dados coletados relativos às crianças, na análise do estudo.
Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, apresenta-se aos pais/responsáveis
das crianças/sujeitos da turma da 1ª série, turno vespertino, EMEF
___________”, unidade da Rede Municipal de Ensino de Vitória-ES, o projeto
de pesquisaPráticas de leitura na alfabetização, de autoria da mestranda
Dilza co, como recomendação para a realização do Mestrado em Educação
do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), da Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES).
O objetivo do estudo é analisar as práticas de leitura na alfabetização e suas
implicações para a formação de leitores. Desse modo, a pesquisa será realizada
na sala de aula, por meio da observação participante com gravações em deo
ou áudio, de entrevistas e registros em diário de campo. Para garantir o
tratamento ético dos dados, o nome da escola será mantido em sigilo. Serão
utilizadas apenas as iniciais dos nomes das crianças e as filmagens seo
efetuadas sem comprometimento da ação educativa, preservando, sobretudo, a
integridade do grupo. Os dados/resultados da pesquisa seo apresentados na
dissertação e poderão ser utilizados para publicação. Por isso, solicitamos sua
autorização por meio da assinatura deste consentimento:
Eu, _________________________________________________, responsável
pelo(a) aluno (a) ___________________________________, da 1ª rie, da
EMEF __________________do turno vespertino, autorizo sua participação no
projeto de pesquisa intitulado Práticas de leitura na alfabetização de autoria da
mestranda Dilza co (PPGE/UFES), concordando com os procedimentos
acima apresentados.
Assinatura:______________________________________RG:__________
Vitória, ____ de __________de 2005.
303
2ª PARTE
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO
Em cumprimento ao protocolo da pesquisa Práticas de Leitura na Alfabetização
realizada por Dilza Côco, no ano de 2005, na EMEF______, na turma da série do
turno vespertino, e dando continuidade ao tratamento ético dos dados, solicita-se a
autorização dos pais ou responsáveis dos alunos envolvidos nesse estudo para
utilização de imagens obtidas por meio de fotografias e filmagens na produção do
relatório de pesquisa. Essas imagens serão utilizadas para fins estritamente
científicos ligados a essa pesquisa.
Atenciosamente
Dilza Côco
Pesquisadora
Eu, _____________________________________________________, portador da
CI nº__________, residente e domiciliado na Rua
_________________________nº______Bairro__________________________ do
município de _____________________,responsável pelo(a) aluno(a)
___________________________________, autorizo a utilização das imagens do
meu filho (a) na produção da pesquisa Práticas de Leitura na Alfabetização realizada
por Dilza Côco .
Assinatura do responsável:______________________________________________
Data: ____________________________
304
APÊNDICE C
24
_ ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA
ESCOLA
Este instrumento de pesquisa foi utilizado para coletar informações destinadas à
caracterização da escola-campo
1- Nome da escola:
___________________________________________________________________
2- Endereço:
___________________________________________________________________
3- Ano de fundação:
___________________________________________________________________
4- Aspectos físicos:
a) Número de salas de aula:
___________________________________________________________________
b) Condições das salas de aula:
___________________________________________________________________
c) Possui biblioteca?
___________________________________________________________________
d) Possui sala ambiente? ________ Quais? _________
e) Possui salas de professores, sala de direção e de coordenação pedagógica?
___________________________________________________________________
f) Possui refeitório?
___________________________________________________________________
5- Recursos humanos:
a) Número de professores por turno
Matutino: __________ Vespertino: __________ Noturno: _________
Número de alunos: __________
Média de alunos por turma: __________
b) O corpo técnico-administrativo é composto por: _______________________
24
Este instrumento de pesquisa foi elaborado com adaptações, tomando como referência o anexo A
da tese de GONTIJO, Cláudia Maria Mendes. O processo de apropriação da linguagem escrita na
fase inicial de alfabetização. Campinas: SP, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de
Educação, 2001.
305
c) Número de turmas por série/turno:
Matutino Vespertino Noturno
Turma de Pré
1ª série
2ª série
3ª série
4ª série
5ª série
6ª série
7ª série
8ª série
d) Número de faxineiras e merendeiras: _______________________________
6) Recursos materiais:
a) Tipo de material pedagógico existente na escola:
___________________________________________________________________
b) Recursos audiovisuais:
___________________________________________________________________
7) Histórico da escola:
___________________________________________________________________
8) A escola desenvolve ou desenvolveu projetos com o objetivo de incentivo à
leitura? Caso a resposta seja afirmativa, quais?
___________________________________________________________________
306
APÊNDICE D – FORMULÁRIO DE REGISTRO DE DIÁRIO DE CAMPO
O diário de campo foi um instrumento de pesquisa destinado ao registro das
observações realizadas na sala de aula
Escola: _________________________________________________________
Data da observação: ______________________________________________
Horário: ________________________________________________________
Espaço: ________________________________________________________
1- Observações:
307
APÊNDICE E
25
_ ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS PROFESSORAS
Este instrumento de pesquisa foi utilizado para coletar as informações para a
caracterização das professoras de classe denominadas Prof. 1, Prof. 2 e Estagiária
envolvidas no estudo.
1ª Parte
1- Sexo
Masculino ( )
Feminino ( )
2- Idade:
Abaixo de 25 anos ( )
Entre 26 e 30 anos ( )
Entre 31 e 35 anos ( )
Entre 36 e 40 anos ( )
Mais de 40 anos ( )
3- Você trabalha em:
Um só escola ( )
Duas escolas ( )
Três escola ou mais ( )
4- Nesta escola, você é:
Profissional efetivo ( )
Profissional contratado ( )
Outros ( )
Especificar: _______________________________________________________
Desde quando você trabalha nesta unidade de ensino:
___________________________________________________________________
25
A primeira parte deste instrumento de pesquisa foi elaborada com adaptações, tomando como referência o
anexo C da tese de GONTIJO, Cláudia Maria Mendes. O processo de apropriação da linguagem escrita na
fase inicial de alfabetização. Campinas: SP, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação,
2001.
308
Além de trabalhar nesta(s) escola(s), você exerce outra atividade profissional?
Sim ( )
Não ( )
Se sua reposta foi afirmativa, qual é essa atividade? _______________________
5- Sua formação acadêmica está em nível:
( ) Médio - tipo de curso: _______________________
( ) Licenciatura curta - tipo de curso: _______________________
( ) Licenciatura plena - tipo de curso: _______________________
( ) Pós-graduação/aperfeiçoamento (menos de 360 horas)
( ) Pós-graduação/especialização (360 horas ou mais)
( ) Mestrado
( ) Outros
Especificar: _______________________________________________________
6- Sua experiência como professora é:
( ) Abaixo de 2 anos
( ) Entre 2 e 5 anos
( ) Entre 6 e 7 anos
( ) Entre 8 e 10 anos
( ) Acima de 10 anos
7- Sua experiência profissional foi adquirida:
( ) Em nível fundamental (1ª a 4ª séries)
( ) Em nível fundamental (5ª a 8ª séries)
( ) Em nível médio
( ) Na docência e em funções técnicas de ensino
8- Vo participou de outros cursos que tenham contribuído para a sua
formação como professor(a)?
( ) Sim
( ) Não
Se sua resposta foi afirmativa, indique quais, citando três, por ordem de
relevância, e indicando a carga horária correspondente: ____________________
309
9- Você é vinculado ao sindicato?
( ) Sim
( ) Não
10- Assina jornais, revistas, periódicos?
( ) Sim
( ) Não
Se sua resposta foi afirmativa, quais? __________________________________
11- Participa de congressos, seminários ou encontros similares?
( ) Sempre
( ) Às vezes
( ) Nunca
12- Suas atividades culturais mais freqüentes são:
SEMPRE ÀS VEZES NUNCA
( ) ( ) ( ) - ouvir rádio
( ) ( ) ( ) - assistir à TV
( ) ( ) ( ) - assistir a vídeo/DVD
( ) ( ) ( ) - ir ao cinema
( ) ( ) ( ) - ir ao teatro
Especificar outras, caso haja:
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
13- Suas leituras mais comuns:
SEMPRE ÀS VEZES NUNCA
( ) ( ) ( ) - jornais locais
( ) ( ) ( ) - jornais do País
( ) ( ) ( ) - periódicos da área de educação
( ) ( ) ( ) - livros didáticos
( ) ( ) ( ) - livros variados sobre educação
( ) ( ) ( ) - periódicos diversos
310
Especificar outras se ocorrerem:
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
2ª Parte
14- Como se deu o seu processo de socialização com a leitura? (conte suas
experiências com a leitura no âmbito familiar, escolar e profissional fazendo um
breve histórico – ressaltando as experiências consideradas significativas).
15- Como você definiria o seu perfil atual como leitora?
16- Você gosta mais de ler ou de escrever? Em sua opinião, o que é mais fácil ou
mais difícil de ler?
17- A leitura é importante para o professor? Como desenvolvê-la?
18- Dentre os livros que você leu, quais os dois que você recomendaria a um
amigo professor? Por quê?
19- Com quem você conversa sobre seus problemas de trabalho? Essas pessoa(s)
lhe indica(m) leitura(s)? (Como se dá esse processo?)
20- Quais as suas condições atuais de leitura? (tempo disponível, materiais mais
freqüentes, acesso a esses materiais...)
21- O que a escola demanda que os professores leiam?
22- Em que o grupo de formação continuada pode colaborar no desenvolvimento da
leitura do professor?
23- O professor que com desenvoltura ensina melhor o aluno a ler? Qual a sua
opinião?
311
24- Você dedica tempo para planejar atividades específicas ao ensino da leitura com
o objetivo de formar leitores? Exemplifique essas situações de ensino.
25- Quais os fatores intra-escolares que influenciam no desenvolvimento do trabalho
com a leitura? (qualidade do livro didático, existência de biblioteca, material didático
diversificado, existências de projetos que valorizem a leitura).
26- Você encontra alguma dificuldade para propor práticas em leitura na sala de
aula? Quais condições de ensino aprendizagem são necessárias em atividades de
leitura ? Explique.
27- Que critérios são utilizados para selecionar os textos que compõem suas
propostas de atividades de leitura? Em que materiais você busca esses textos?
28- A avaliação de leitura dos alunos é realizada em quais situações? Que
aspectos são observados? Quais os objetivos que norteiam esse procedimento?
Existe um perfil ideal de leitor a ser alcançado?
29- Quais atividades podem ser desenvolvidas fora do espaço da sala de aula, que
você considera importantes para a formação de sujeitos leitores? Essas atividades
são acessíveis aos seus alunos?
312
APÊNDICE F
26
_ ROTEIRO DE ENTREVISTA COM A PEDAGOGA
Este instrumento de pesquisa foi utilizado para coletar as informações para a
caracterização da pedagoga envolvida no estudo.
1ª Parte
1- Sexo
Masculino ( )
Feminino ( )
2- Idade:
Abaixo de 25 anos ( )
Entre 26 e 30 anos ( )
Entre 31 e 35 anos ( )
Entre 36 e 40 anos ( )
Mais de 40 anos ( )
3- Você trabalha em:
Um só escola ( )
Duas escolas ( )
Três escolas ou mais ( )
4- Nesta escola você é:
Profissional efetivo ( )
Profissional contratado ( )
Outros ( )
Especificar: _______________________________________________________
Desde quando você trabalha nesta unidade de ensino?
___________________________________________________________________
26
A primeira parte deste instrumento de pesquisa foi elaborada com adaptações, tomando como referência o
anexo C da tese de GONTIJO, Cláudia Maria Mendes. O processo de apropriação da linguagem escrita na
fase inicial de alfabetização. Campinas: SP, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação,
2001.
313
Além de trabalhar nesta(s) escola(s), você exerce outra atividade profissional?
Sim ( )
Não ( )
Se sua reposta foi afirmativa, qual é essa atividade? _______________________
5- Sua formação acadêmica está em nível:
( ) Médio - tipo de curso: _______________________
( ) Licenciatura curta - tipo de curso: _______________________
( ) Licenciatura plena - tipo de curso: _______________________
( ) Pós-graduação/aperfeiçoamento (menos de 360 horas)
( ) Pós-graduação/especialização (360 horas ou mais)
( ) Mestrado
( ) Outros
Especificar: _______________________________________________________
6- Sua experiência como pedagoga:
( ) Abaixo de 2 anos
( ) Entre 2 e 5 anos
( ) Entre 6 e 7 anos
( ) entre 8 e 10 anos
( ) Acima de 10 anos
7- Sua experiência profissional foi adquirida:
( ) Em nível fundamental (1ª a 4ª séries)
( ) Em nível fundamental (5ª a 8ª séries)
( ) Em nível médio
( ) Na docência e em funções técnicas de ensino
8- Vo participou de outros cursos que tenham contribuído para a sua
formação como pedagoga?
( ) Sim
( ) Não
Se sua resposta foi afirmativa, indique quais, citando três, por ordem de
relevância, e indicando a carga horária correspondente:____________________
314
9- Você é vinculado ao sindicato?
( ) Sim
( ) Não
10- Assina jornais, revistas, periódicos?
( ) Sim
( ) Não
Se sua resposta foi afirmativa, quais? __________________________________
11- Participa de congressos, seminários ou encontros similares?
( ) Sempre
( ) Às vezes
( ) Nunca
12- Suas atividades culturais mais freqüentes são:
SEMPRE ÀS VEZES NUNCA
( ) ( ) ( ) - ouvir rádio
( ) ( ) ( ) - assistir à TV
( ) ( ) ( ) - assistir a vídeo/DVD
( ) ( ) ( ) - ir ao cinema
( ) ( ) ( ) - ir ao teatro
Especificar outras, caso haja:
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
13- Suas leituras mais comuns:
SEMPRE ÀS VEZES NUNCA
( ) ( ) ( ) - jornais locais
( ) ( ) ( ) - jornais do País
( ) ( ) ( ) - periódicos da área de educação
( ) ( ) ( ) - livros didáticos
( ) ( ) ( ) - livros variados sobre educação
( ) ( ) ( ) - periódicos diversos
315
Especificar outras se ocorrerem:
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
2ª Parte
14- Como se deu o seu processo de socialização com a leitura? (conte suas
experiências com a leitura no âmbito familiar, escolar e profissional fazendo um
breve histórico – ressaltando as experiências consideradas significativas).
15- Como você definiria o seu perfil atual enquanto leitora?
16- Você gosta mais de ler ou de escrever? Em sua opinião o que é mais fácil ou
mais difícil de ler?
17- A leitura é importante para o professor? Como desenvolvê-la?
18- Dentre os livros que você leu, quais os dois que você recomendaria a um
amigo professor? Por quê?
19- Com quem você conversa sobre seus problemas de trabalho? Essa(s) pessoa(s)
lhe indica(m) leitura(s)? (Como se dá esse processo?)
20- Quais as suas condições atuais de leitura? (tempo disponível, materiais mais
freqüentes, acesso a esses materiais...)
21- O que a escola demanda que os profissionais leiam?
22- Em que o grupo de formação continuada pode colaborar no desenvolvimento da
leitura do professor?
23- O professor que com desenvoltura ensina melhor o aluno a ler? Qual a sua
opinião?
316
24- Você dedica tempo para planejar atividades/projetos específicas ao ensino da
leitura com o objetivo de formar leitores? Exemplifique essas situações de ensino.
25- Quais os fatores intra-escolares que influenciam no desenvolvimento do trabalho
com a leitura?
26- Você encontra alguma dificuldade para propor práticas em leitura na escola?
Quais condições de ensino aprendizagem são necessárias em atividades de leitura?
Explique.
27- Você participa em algum momento do processo de avaliação da aprendizagem
do aluno? Se afirmativo, explique como isso acontece?
28- Como são definidos os objetivos relacionados com o ensino aprendizagem da
leitura?
29- Existe alguma orientação em nível de sistema municipal de ensino para
avaliação dos alunos, quanto à capacidade de leitura e da escrita? Se a resposta for
positiva, explique como isso acontece?
30- Como você avalia o trabalho de leitura desenvolvido com os alunos da série
do ano de 2005? Quais ações você considera que foram mais importantes? Que
fatores contribuíram e/ou dificultaram para as condições de leitura proporcionadas a
esse grupo?
31- Você observa diferenças ou aproximações quanto à capacidade dos alunos em
leitura entre as turmas (1ª a 4ª série)?
317
APÊNDICE G
27
_ ROTEIRO DA ENTREVISTA COM A PROFESSORA DE
PROJETO
Este instrumento de pesquisa foi utilizado para coletar as informações para
caracterização da professora de projeto envolvida no estudo.
1ª Parte
1- Sexo
Masculino ( )
Feminino ( )
2- Idade:
Abaixo de 25 anos ( )
Entre 26 e 30 anos ( )
Entre 31 e 35 anos ( )
Entre 36 e 40 anos ( )
Mais de 40 anos ( )
3- Você trabalha em:
Um só escola ( )
Duas escolas ( )
Três escola ou mais ( )
4- Nesta escola você é:
Profissional efetivo ( )
Profissional contratado ( )
Outros ( )
Especificar: _______________________________________________________
5- Além de trabalhar nesta(s) escola(s), você exerce outra atividade profissional?
Sim ( )
Não ( )
27
A primeira parte deste instrumento de pesquisa foi elaborada com adaptações, tomando como
referência o anexo C da tese de GONTIJO, Cláudia Maria Mendes. O processo de apropriação da
linguagem escrita na fase inicial de alfabetização. Campinas: SP, Universidade Estadual de
Campinas, Faculdade de Educação, 2001.
318
Se sua reposta foi afirmativa, qual é essa atividade? _______________________
6- Sua formação acadêmica está em nível:
( ) Médio - tipo de curso: _______________________
( ) Licenciatura curta - tipo de curso: _______________________
( ) Licenciatura plena - tipo de curso: _______________________
( ) Pós-graduação/aperfeiçoamento (menos de 360 horas)
( ) Pós-graduação/especialização (360 horas ou mais)
( ) Mestrado
( ) Outros
Especificar: _______________________________________________________
7- Sua experiência como professor (a):
( ) Abaixo de 2 anos
( ) Entre 2 e 5 anos
( ) Entre 6 e 7 anos
( ) Entre 8 e 10 anos
( ) Acima de 10 anos
Quantos anos de experiência você tem nessa escola? _____________________
8- Sua experiência profissional foi adquirida:
( ) Na docência em nível fundamental (1ª a 4ª séries)
( ) Na docência em nível fundamental (5ª a 8ª séries)
( ) Na docência em nível médio
( ) Na docência e em funções técnicas de ensino
9- Você participou de outros cursos que tenham contribuído para a sua
formação como professor (a)?
( ) Sim
( ) Não
Se sua resposta foi afirmativa, indique quais, citando três, por ordem de
relevância, e indicando a carga horária correspondente: ____________________
319
10- Você é vinculado ao sindicato?
( ) Sim
( ) Não
11- Assina jornais, revistas, periódicos?
( ) Sim
( ) Não
Se sua resposta foi afirmativa, quais? __________________________________
12- Participa de congressos, seminários ou encontros similares?
( ) Sempre
( ) Às vezes
( ) Nunca
13- Suas atividades culturais mais freqüentes são:
SEMPRE ÀS VEZES NUNCA
( ) ( ) ( ) - ouvir rádio
( ) ( ) ( ) - assistir à TV
( ) ( ) ( ) - assistir a vídeo/DVD
( ) ( ) ( ) - ir ao cinema
( ) ( ) ( ) - ir ao teatro
Especificar outras, caso haja:
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
14- Suas leituras mais comuns:
SEMPRE ÀS VEZES NUNCA
( ) ( ) ( ) - jornais locais
( ) ( ) ( ) - jornais do País
( ) ( ) ( ) - periódicos da área de educação
( ) ( ) ( ) - livros didáticos
( ) ( ) ( ) - livros variados sobre educação
( ) ( ) ( ) - periódicos diversos
320
Especificar outras se ocorrerem:
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
2ª Parte
15- Como se deu o seu processo de socialização com a leitura? (conte suas
experiências com a leitura no âmbito familiar, escolar e profissional fazendo um
breve histórico – ressaltando as experiências consideradas significativas).
16- Como você definiria o seu perfil atual enquanto leitora?
17- Você gosta mais de ler ou de escrever? Em sua opinião, o que é mais fácil ou
mais difícil de ler?
18- Relate o histórico da criação, nesta escola, das atividades do projeto de música.
Foi uma ação do sistema municipal de educação ou uma iniciativa da escola/grupos
de profissionais? Como você se inseriu nesse contexto?
19- Qual a estrutura do projeto (carga horária, público atendido, dias da semana,
número de profissionais envolvidos...)?
20- Quais os objetivos que motivaram a implementação do projeto de música na
escola?
21- Como ocorrem a participação e seleção dos alunos nas atividades
desenvolvidas no projeto de música? Quais critérios são utilizados?
22- Quais as principais atividades desenvolvidas pelo projeto de música? Que
objetivos as norteiam?
321
23- Como ocorre o planejamento das ações do projeto? Quais profissionais da
escola participam da definição e execução das atividades a serem desenvolvidas?
Quem viabiliza as condições materiais para a implementação das atividades?
24- Considerando o grupo de alunos da série, quais as atividades foram e/ou são
desenvolvidas pelo projeto de música?
25- Essas atividades contribuem para o processo de ensino aprendizagem da
leitura dos alunos? Em caso positivo, como isso acontece?
26- Que critérios o utilizados para selecionar os textos que compõem as
atividades do projeto?
27- Quais estratégias de leitura são requeridas dos alunos, principalmente dos
alunos da 1ª série, nas atividades do projeto de música?
28- Você planeja momentos específicos de orientação para leitura dos textos
selecionados que compõem as atividades? Em caso afirmativo, como isso
acontece?
29- Existe um momento de avaliação do trabalho desenvolvido no projeto de
música? Quem participa e em que momento(s) isso ocorre? Qual o
destino/finalidade da avaliação nesse contexto?
30- Utilize este item para relatar outras informações que você considera
importantes para explicitar as atividades do projeto de música, que possam não ter
sido contempladas nas perguntas anteriores.
322
APÊNDICE H
28
_ ROTEIRO DE ENTREVISTA COM A PROFESSORA DO
LABORATÓRIO DE INFORMÁTICA
Este instrumento de pesquisa foi utilizado para coletar informações para a
caracterização da professora do laboratório de informática envolvida no estudo.
1ª Parte
1- Sexo
Masculino ( )
Feminino ( )
2- Idade:
Abaixo de 25 anos ( )
Entre 26 e 30 anos ( )
Entre 31 e 35 anos ( )
Entre 36 e 40 anos ( )
Mais de 40 anos ( )
3- Você trabalha em:
Um só escola ( )
Duas escolas ( )
Três escola ou mais ( )
4- Nesta escola você é:
Profissional efetivo ( )
Profissional contratado ( )
Outros ( )
Especificar: _______________________________________________________
Desde quando você trabalha nesta unidade de ensino?
___________________________________________________________________
28
A primeira parte deste instrumento de pesquisa foi elaborada com adaptações, tomando como
referência o anexo C da tese de GONTIJO, Cláudia Maria Mendes. O processo de apropriação da
linguagem escrita na fase inicial de alfabetização. Campinas: SP, Universidade Estadual de
Campinas, Faculdade de Educação, 2001.
323
Além de trabalhar nesta(s) escola(s), você exerce outra atividade profissional?
Sim ( )
Não ( )
Se sua reposta foi afirmativa, qual é essa atividade? _______________________
5- Sua formação acadêmica está em nível:
( ) Médio - tipo de curso: _______________________
( ) Licenciatura curta - tipo de curso: _______________________
( ) Licenciatura plena - tipo de curso: _______________________
( ) Pós-graduação/aperfeiçoamento (menos de 360 horas)
( ) Pós-graduação/especialização (360 horas ou mais)
( ) Mestrado
( ) Outros
Especificar: _______________________________________________________
6- Sua experiência como professor (a):
( ) Abaixo de 2 anos
( ) Entre 2 e 5 anos
( ) Entre 6 e 7 anos
( ) Entre 8 até 10 anos
( ) Acima de 10 anos
E nesta função: ___________________
7- Sua experiência profissional foi adquirida:
( ) Na docência em nível fundamental (1ª a 4ª séries)
( ) Na docência em nível fundamental (5ª a 8ª séries)
( ) Na docência em nível médio
( ) Na docência e em funções técnicas de ensino
8- Você participou de outros cursos que tenham contribuído para a sua
formação como professor (a)?
( ) Sim
( ) Não
324
Se sua resposta foi afirmativa, indique quais, citando três, por ordem de
relevância, e indicando a carga horária correspondente: ____________________
9- Você é vinculado ao sindicato?
( ) Sim
( ) Não
10- Assina jornais, revistas, periódicos?
( ) Sim
( ) Não
Se sua resposta foi afirmativa, quais? __________________________________
11- Participa de congressos, seminários ou encontros similares?
( ) Sempre
( ) Às vezes
( ) Nunca
12- Suas atividades culturais mais freqüentes são:
SEMPRE ÀS VEZES NUNCA
( ) ( ) ( ) - ouvir rádio
( ) ( ) ( ) - assistir à TV
( ) ( ) ( ) - assistir a vídeo/DVD
( ) ( ) ( ) - ir ao cinema
( ) ( ) ( ) - ir ao teatro
Especificar outras, caso haja:
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
325
13- Suas leituras mais comuns:
SEMPRE ÀS VEZES NUNCA
( ) ( ) ( ) - jornais locais
( ) ( ) ( ) - jornais do País
( ) ( ) ( ) - periódicos da área de educação
( ) ( ) ( ) - livros didáticos
( ) ( ) ( ) - livros variados sobre educação
( ) ( ) ( ) - periódicos diversos
Especificar outras se ocorrerem:
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
2ª Parte
14- Como se deu o seu processo de socialização com a leitura? (conte suas
experiências com a leitura no âmbito familiar, escolar e profissional fazendo um
breve histórico – ressaltando as experiências consideradas significativas).
15- Como você definiria o seu perfil atual enquanto leitora?
16- Você gosta mais de ler ou de escrever? Em sua opinião, o que é mais fácil ou
mais difícil de ler?
17- A leitura é importante para o professor? Como desenvolvê-la?
18- Dentre os livros que você leu, quais os dois que você recomendaria a um
amigo professor? Por quê?
19- Com quem você conversa sobre seus problemas de trabalho? Essas pessoa(s)
lhe indica(m) leitura(s)? (como se dá esse processo)
326
20- Quais as suas condições atuais de leitura? (tempo disponível, materiais mais
freqüentes, acesso a esses materiais...)
21- O que a escola demanda que os professores leiam?
22- Em que o grupo de formação continuada pode colaborar no desenvolvimento da
leitura do professor?
23- O professor que com desenvoltura ensina melhor o aluno a ler? Qual a sua
opinião?
24- Você dedica tempo para planejar atividades específicas ao ensino da leitura com
o objetivo de formar leitores? Exemplifique essas situações de ensino.
25- Quais os fatores intra-escolares influenciam no desenvolvimento do trabalho
com a leitura? (qualidade do livro didático, existência de biblioteca, material didático
diversificado, existências de projetos que valorizem a leitura).
26- Você encontra alguma dificuldade para propor práticas em leitura na sala de
aula? Quais condições de ensino aprendizagem são necessárias em atividades de
leitura no laboratório de informática? Explique.
27- Que critérios são utilizados para selecionar os textos que compõem suas
propostas de atividades de leitura? Em que materiais você busca esses textos?
28- Você participa em algum momento do processo de avaliação da aprendizagem
do aluno? Se afirmativo, explique como isso acontece?
29- Quais atividades que podem ser desenvolvidas no laboratório de informática
você considera importantes para a apropriação da leitura?
327
APÊNDICE I
29
_ ROTEIRO DA ENTREVISTA COM A BIBLIOTECÁRIA
Este instrumento de pesquisa foi utilizado para coletar informações para a
caracterização da bibliotecária envolvida no estudo.
1ª Parte
1- Sexo
Masculino ( )
Feminino ( )
2- Idade:
Abaixo de 25 anos ( )
Entre 26 e 30 anos ( )
Entre 31 e 35 anos ( )
Entre 36 e 40 anos ( )
Mais de 40 anos ( )
3- Você trabalha em:
Um só escola ( )
Duas escolas ( )
Três escola ou mais ( )
4- Nesta escola você é:
Profissional efetivo ( )
Profissional contratado ( )
Outros ( )
Especificar: _______________________________________________________
Desde quando você trabalha nesta unidade de ensino?
___________________________________________________________________
29
A primeira parte deste instrumento de pesquisa foi elaborada com adaptações, tomando como
referência o anexo C da tese de GONTIJO, Cláudia Maria Mendes. O processo de apropriação da
328
5- Além de trabalhar nesta(s) escola(s), você exerce outra atividade profissional?
Sim ( )
Não ( )
Se sua reposta foi afirmativa, qual é essa atividade? _______________________
6- Sua formação acadêmica está em nível:
( ) Médio - tipo de curso: _______________________
( ) Licenciatura curta - tipo de curso: _______________________
( ) Licenciatura plena - tipo de curso: _______________________
( ) Pós-graduação/aperfeiçoamento (menos de 360 horas)
( ) Pós-graduação/especialização (360 horas ou mais)
( ) Mestrado
( ) Outros
Especificar: _______________________________________________________
7- Sua experiência como bibliotecária:
( ) Abaixo de 2 anos
( ) Entre 2 e 5 anos
( ) Entre 6 e 7 anos
( ) Entre 8 e 10 anos
( ) Acima de 10 anos
8- Sua experiência profissional foi adquirida:
( ) Em nível fundamental (1ª a 4ª séries)
( ) Em nível fundamental (5ª a 8ª séries)
( ) Em nível médio
( ) Na docência e em funções técnicas de ensino
9- Você participou de outros cursos que tenham contribuído para a sua
formação como bibliotecário?
( ) Sim
linguagem escrita na fase inicial de alfabetização. Campinas: SP, Universidade Estadual de
Campinas, Faculdade de Educação, 2001.
329
( ) Não
Se sua resposta foi afirmativa, indique quais, citando três, por ordem de
relevância, e indicando a carga horária correspondente: ____________________
10- Você é vinculado ao sindicato?
( ) Sim
( ) Não
11- Assina jornais, revistas, periódicos?
( ) Sim
( ) Não
Se sua resposta foi afirmativa, quais? __________________________________
12- Participa de congressos, seminários ou encontros similares?
( ) Sempre
( ) Às vezes
( ) Nunca
13- Suas atividades culturais mais freqüentes são:
SEMPRE ÀS VEZES NUNCA
( ) ( ) ( ) - ouvir rádio
( ) ( ) ( ) - assistir à TV
( ) ( ) ( ) - assistir a vídeo/DVD
( ) ( ) ( ) - ir ao cinema
( ) ( ) ( ) - ir ao teatro
Especificar outras, caso haja:
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
14- Suas leituras mais comuns:
SEMPRE ÀS VEZES NUNCA
( ) ( ) ( ) - jornais locais
( ) ( ) ( ) - jornais do País
330
( ) ( ) ( ) - periódicos da área de educação
( ) ( ) ( ) - livros didáticos
( ) ( ) ( ) - livros variados sobre educação
( ) ( ) ( ) - periódicos diversos
Especificar outras se ocorrerem:
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
( ) ( ) ( ) -
2ª Parte
15- Como se deu o seu processo de socialização com a leitura? (conte suas
experiências com a leitura no âmbito familiar, escolar e profissional fazendo um
breve histórico – ressaltando as experiências consideradas significativas).
16- Como você definiria o seu perfil atual enquanto leitora?
17- Você gosta mais de ler ou de escrever? Em sua opinião, o que é mais fácil ou
mais difícil de ler?
18- A leitura é importante para o professor? Como desenvolvê-la?
19- Dentre os livros que você leu, quais os dois que você recomendaria a um
amigo professor? Por quê?
20- Com quem você conversa sobre seus problemas de trabalho? Essas pessoa(s)
lhe indica(m) leitura(s)? (como se dá esse processo)
21- Quais as suas condições atuais de leitura? (tempo disponível, materiais mais
freqüentes, acesso a esses materiais...)
22- O que a escola demanda que os profissionais leiam?
331
23- O professor que com desenvoltura (entonação, ritmo, gestos, expressões...)
ensina melhor o aluno a ler? Qual a sua opinião?
24- Você dedica tempo para planejar atividades específicas ao ensino da leitura com
o objetivo de formar leitores? Exemplifique essas situações de ensino.
25- Em sua opinião, quais os fatores intra-escolares que influenciam no
desenvolvimento do trabalho com a leitura? (qualidade do livro didático, existência
de biblioteca, material didático diversificado, existências de projetos que valorizem a
leitura).
26- Você encontra alguma dificuldade para propor práticas de leitura na biblioteca?
Quais instruções de leitura são necessárias nesse espaço? Explique.
27- Que critérios são utilizados para selecionar os textos que compõem suas
propostas de atividades de leitura, principalmente aquelas voltadas para a turma da
1ª série? Em que materiais você busca esses textos?
28- A avaliação de leitura dos alunos é realizada em quais situações? Que
aspectos são observados? Quais os objetivos que norteiam esse procedimento?
Existe um perfil ideal de leitor a ser alcançado?
29- Você encontra espaço de interlocução das atividades e avaliações de leitura
desenvolvidas na biblioteca com a professora regente/pedagogos/diretor?
30- Quais atividades que podem ser desenvolvidas fora do espaço da sala de aula,
que você considera importantes para a formação de sujeitos leitores? Essas
atividades são acessíveis aos alunos dessa escola?
31- Como você definiria o perfil de leitor dos alunos desta unidade de ensino?
Existem diferenças ou semelhanças significativas entre os alunos de 1ª a série e
os alunos de 5ª a série, quanto ao uso do espaço da biblioteca e solicitação de
empréstimo de livros?
332
32- Como funciona o acesso e utilização aos materiais da biblioteca? A que público
são destinados? Quais as principais características do acervo?
33- Como você observa a demanda de leitura dos profissionais desta escola no
espaço da biblioteca?
333
APÊNDICE J
30
_ ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA A CARACTERIZAÇÃO
DAS CRIANÇAS
Este formulário foi o instrumento de pesquisa utilizado para coletar informações junto
às famílias e destinadas à caracterização das crianças.
1- Aluno(a): ________________________________ Nascimento: _______________
2- Endereço completo:
___________________________________________________________________
3-
Nome do pai _______________________________________________________
Série ou grau que concluiu na escola: ____________ Profissão: ________________
4- N
ome da mãe: _____________________________________________________
Série ou grau que concluiu na escola: ___________ Profissão: _________________
5 - Outro responsável:__________________________________________________
Série ou grau que concluiu na escola: ___________ Profissão: _________________
6 - Renda mensal da família: ____________________________________________
7 - Tem irmãos: _________________ Quantos? _____________________________
8 - Quais são as pessoas da família que moram com a criança?
___________________________________________________________________
9 - Há quanto tempo a criança freqüenta a escola (educação infantil/ensino
fundamental)? ____________________
10 - Já estudou em outra escola? Qual/Quais?
___________________________________________________________________
30
A primeira parte deste instrumento de pesquisa foi elaborada com adaptações, tomando como referência o
anexo D da tese de GONTIJO, Cláudia Maria Mendes. O processo de apropriação da linguagem escrita na
fase inicial de alfabetização. Campinas: SP, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação,
2001. A segunda parte tomou como referência os itens usados no 5º Indicador Nacional de Analfabetismo
334
11 - Atividades mais comuns que a criança realiza:
a) Em casa: _________________________________________________________
b) Fora do ambiente familiar: ____________________________________________
12 - Que tipos de materiais escritos são usados para leitura em casa:
( ) Jornais. Quais: __________________________________________________
( ) Revistas. Quais: _________________________________________________
( ) Livros. Quais: ____________________________________________________
( ) Gibis. Quais: _____________________________________________________
( ) Encartes publicitários. Quais: ________________________________________
( ) Correspondências pessoais. De que tipos: _____________________________
Outros tipos de materiais não relacionados: ________________________________
13 - Quando necessita usar a leitura nas tarefas de casa ou no dia-a-dia, a criança:
( ) Geralmente lê sozinha
( ) Às vezes solicita ajuda de outra pessoa
( ) Sempre solicita ajuda de outra pessoa
( ) Não faz uso da leitura
14 - Que tipo de material é utilizado pela criança (ou por outra pessoa que lê para
ela) para leitura no ambiente familiar?
( ) Livros de literatura infantil
( ) Gibis
( ) Revistas
( ) Jornais
( ) Nenhum material
( ) Outros:
15 - Para você, é importante que seu filho(a) aprenda a ler e escrever? Por quê?
___________________________________________________________________
Funcional [Avaliação de leitura e escrita], coordenado pelo Instituto Paulo Montenegro, Ação Educativa e
IBOPE opinião disponível no site www. imp.org.br,
335
16 - Em sua opinião, qual é a fase escolar mais propícia para o aprendizado da
leitura? Por quê?
___________________________________________________________________
17 - Que atividades você considera importantes e/ou contribuem para que seu filho
aprenda a ler?
___________________________________________________________________
2ª PARTE
As perguntas que seguem estão relacionadas com a prática do adulto (pai , mãe ou
responsável) que convive com a criança.
Nome do entrevistado:
___________________________________________________________________
1- Quem mais influenciou no seu gosto pela leitura?
( ) Mãe ou responsável do sexo feminino
( ) Algum professor ou professora
( ) Pai ou responsável do sexo masculino
( ) Algum amigo ou amiga
( ) Algum outro parente
( ) Padre / pastor ou algum líder religioso
( ) Algum colega ou superior no trabalho
( ) Outra pessoa
( ) Ninguém
2- Qual/quais dos livros abaixo você possui em casa?
( ) Dicionário
( ) Guias, listas e catálogo
( ) Enciclopédias
( ) Bíblias, livros sagrados ou religiosos
( ) Livros escolares
( ) Livros de literatura/ romances
( ) Livros infantis
( ) Livros de receita de cozinha
3- Quais gêneros de livros você costuma ler?
( ) Bíblias ou livros religiosos
( ) Romance, aventura, policial, ficção
( ) Livros didáticos
( ) Poesia
( ) Biografia, relatos históricos
( ) Livros técnicos, de teoria, ensaios
( ) Auto-ajuda, orientação pessoal
( ) Não costuma ler livros
336
4- Marque o tipo de biblioteca em que você já esteve ou costuma freqüentar
( ) Biblioteca pública
( ) Biblioteca escolar
( ) Biblioteca no local de trabalho
( ) Outras não relacionadas
( ) Nunca foi a bibliotecas
5- Tem realizado curso além do ensino formal?
( ) Esta fazendo
( ) Fez nos últimos 12 meses
( ) Fez há mais de um ano
( ) Nunca fez
6- Costuma receber cartas via correio de amigos ou parentes?
( ) Sim
( ) Não
7- Faz uso do computador:
( ) Em casa
( ) No trabalho
( ) Em locais públicos
( ) Na escola
( ) Na faculdade
( ) Em outros locais não relacionados
8- Com que freqüência utiliza o computador:
( ) Todos os dias da semana
( ) Quase todos os dias da semana
( ) Um ou dois dias por semana
( ) Eventualmente / de vez em quando
( ) Não utiliza computador
9- Marque as atividades abaixo que costuma realizar:
( ) Ir ao cinema ( ) Sempre ( ) Às vezes ( ) Raramente ( ) Nunca foi
( ) Assistir a filmes em
casa
( ) Sempre ( ) Às vezes ( ) Raramente ( ) Nunca foi
( ) Ir a shows ( ) Sempre ( ) Às vezes ( ) Raramente ( ) Nunca foi
( ) Ir ao teatro ( ) Sempre ( ) Às vezes ( ) Raramente ( ) Nunca foi
337
APÊNDICE L _ ROTEIRO DA CONVERSA COM AS CRIANÇAS
Este formulário foi o instrumento de pesquisa utilizado para coletar informações com
os alunos é destinado à caracterização das crianças.
1. Nome: ____________________________________________________________
2. Pais: _____________________________________________________________
3.Irmãos: ___________________________________________________________
4. Pessoas que moram com a criança: ____________________________________
5. Programas favoritos:
Rádio: ______________________________________________________________
TV: ________________________________________________________________
Outro(s): ____________________________________________________________
6. Diversão preferida da criança: _________________________________________
7- Quais os lugares a que você já foi? Quem o/a acompanhou?
( ) Cinema
( ) Teatro
( ) Show musical
( ) Livraria
( ) Bibliotecas
( ) Banca de revistas
8- Ajuda em casa? Como? _____________________________________________
9- Trabalha fora de casa? Onde? Quantas horas? É uma atividade
remunerada?_________________________________________________________
10- Gosta de ler? __________ O quê? ____________________________________
11- Quando você lê?
___________________________________________________________________
338
12- Quando você escreve? __________ Por quê? ___________________________
13- O que você mais gosta de fazer. Ler ( ) ou Escrever ( ) Por quê?
___________________________________________________________________
14- Quais os presentes que costuma ganhar?
___________________________________________________________________
15- Dentre os presentes que costuma receber, já ganhou material para leitura
(livros)? Quem deu? Em que ocasião?
___________________________________________________________________
16- As pessoas da família fazem uso da leitura em casa? Que tipo de material?
___________________________________________________________________
17- Quem lê para a criança em casa? _____________________________________
O quê? __________________________________________________________
Quando? ________________________________________________________
18- Quem ajuda nas tarefas da escola? ___________________________________
19- Já estudou em outra escola? _______ Qual? ___________________________
20- Gosta desta escola? _________ Por quê? ______________________________
21- Qual atividade mais gosta de fazer na escola? ___________________________
22- Qual não gosta? ___________________________________________________
Por quê? _________________________________________________________
23- Você já comprou algum livro ou revista? Qual/quais?
___________________________________________________________________
24- Quando você quer ler, onde consegue os livros?
___________________________________________________________________
339
25- Você gosta da aula na biblioteca?
___________________________________________________________________
26- O que você acha dos livros da biblioteca? São bons? Têm muita variedade?
Você consegue levar sempre aquele que procura?
___________________________________________________________________
27- Você lê para alguém? Quem? O que você lê?
___________________________________________________________________
28 – Você gosta de ouvir histórias? De que tipo?
___________________________________________________________________
29- Descreva a atividade de leitura mais interessante que você gosta de fazer?
___________________________________________________________________
30- O que você acha dos textos de seus livros didáticos de Português, Matemática,
História, Geografia e Ciências? Por quê?
___________________________________________________________________
31- Qual a matéria que você mais gosta de estudar? Por quê?
___________________________________________________________________
32- Qual o tipo de leitura que você prefere?
( ) Leitura silenciosa
( ) Leitura oral em que só você lê para os colegas
( ) Leitura oral em que várias pessoas lêem seguindo uma ordem
( ) Leitura oral só para um adulto como a professora ou alguém da família
33. Outros dados suscitados durante a conversa: ____________________________
340
APÊNDICE M _ CARACTERIZAÇÃO DAS CRIANÇAS
Nas tabelas que se seguem, estão organizadas as informações coletadas por meio
dos Apêndice J e L destinadas à caracterização das crianças envolvidas no estudo.
Tabela 1 – Distribuição dos alunos segundo idade
Idade F %
Abaixo de 7 anos
7 anos
8 anos completos no
primeiro semestre
8 anos completos o
segundo semestre
00
11
00
12
0
47,82
0
52,18
Total 23 100
Obs.: A turma, objeto do estudo de caso, era composta de vinte e cinco crianças;
uma os pais não permitiam a utilização dos dados na pesquisa e outra não devolveu
o formulário de consentimento de autorização.
Tabela 2 – Distribuição dos alunos segundo o sexo
Sexo F %
Feminino
Masculino
14
09
60,87
39,13
Total 23 100
Tabela 3 Distribuição das crianças com experiência escolar anterior ao ensino
fundamental
Escolaridade anterior F %
Sim
Não declarado
22
01
95,65
4,35
Total 23 100
Tabela 4 Distribuição das crianças que freqüentaram a turma de 6 anos segundo
unidade de ensino
Unidade de ensino F %
Na própria escola
Outras unidades
Não informado
19
03
01
82,60
13,04
4,36
Total 23 100
341
Tabela 5 - Distribuição das crianças quanto ao sistema de educação que
freqüentaram na educação infantil
Tipo de sistema de
educação
F %
Sistema público
municipal
15 78,94
Sistema federal 3 15,78
Sistema privado 4 21,05
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, tendo em vista que um
sujeito poderia ter experiência na educação infantil em mais de um sistema de
ensino. O cálculo do percentual foi feito com base em dezenove sujeitos, porque
quatro crianças não devolveram os formulários enviados para as suas casas.
Tabela 6 – Distribuição das crianças conforme regionais em que residem
Regionais F %
I - Centro
II- Santo Antonio
III- Bento Ferreira
IV- Maruípe
V- Praia do Canto
VI- Continental
VII- São Pedro
Outros municípios da
região metropolitana
1
0
4
10
1
6
0
1
4,35
0
17,40
43,47
4,35
26,08
0
4,35
Total 23 100
Obs.: Esta tabela foi organizada com base nas regionais administrativas que
congregam todos os bairros do município de Vitória. As informações sobre cada
regional estão disponíveis no site www.vitória.es.gov.br/regionais.
Tabela 7 - Distribuição dos alunos conforme nível de escolaridade do pai
Grau de instrução do pai F %
Ensino fundamental
Ensino médio
incompleto
Ensino médio completo
Superior
Não declarado
1
1
12
6
3
4,35
4,35
52,17
26,08
13,05
Total 23 100
342
Tabela 8 - Distribuição dos alunos conforme nível de escolaridade da mãe
Grau de instrução da
mãe
F %
Ensino fundamental
incompleto
Ensino fundamental
completo
Médio completo
Superior incompleto
Superior completo
Pós-graduação
2
3
13
1
3
1
8.70
13,05
56,50
4,35
13,05
4,35
Total 23 100
Tabela 9 – Distribuição dos alunos conforme renda familiar
Renda familiar F %
1 até 2 salários mínimos 0 0
3 até 4 salários mínimos 7 36,85
5 até 6 salários mínimos 2 10,53
7 até 8 salários mínimos 3 15,78
9 até 10 salários
mínimos
2 10,53
Acima de 10 salários
mínimos
2 10,53
Não informaram 3 15,78
Total 19 100
Obs.: O cálculo do percentual foi feito com base em dezenove sujeitos, porque
quatro crianças não devolveram os formulários enviados para as suas casas.
Tabela 10 – Distribuição das crianças conforme o número de pessoas que moram
em sua casa
Pessoas que moram em
sua casa
F %
Pais e irmãos 14 60,85
Pai e mãe 4 17,40
Um dos pais e irmãos 2 8,70
Pais, irmãos e outros
parentes
2 8,70
Avós e tios 1 4,35
Total 23 100
343
Tabela 11 – Distribuição das crianças de acordo com o número de irmãos
Número de irmãos F %
Um irmão 12 52,17
Dois irmãos 5 21,74
Nenhum irmão 5 21,74
Três irmãos 1 4,35
Total 23 100
Tabela 12 – Distribuição dos sujeitos de acordo com a ocupação do pai
Ocupação do pai F %
GG0 – Forças Armadas, policiais e
bombeiros militares
3 15,79
GG1- Membros superiores do Poder
Público, dirigentes de organizações de
interesse público e de empresas e gerentes
3 15,79
GG2- Profissionais das ciências e das artes 0 0
GG3- Técnicos de nível médio 4 21,05
GG4- Trabalhadores de serviços
administrativos
2 10,53
GG5- Trabalhadores dos serviços,
vendedores do comércio em lojas e
mercados
3 15,79
GG6- Trabalhadores agropecuários,
florestais, da caça e da pesca
0 0
GG7- Trabalhadores da produção de bens e
serviços industriais voltados à forma dos
produtos
0 0
GG8- Trabalhadores da produção de bens e
serviços industriais que envolvem o controle
de variáveis físico-quimicas de processos
0 0
GG9- Trabalhadores de reparação e
manutenção
1 5,26
Não declarado 2 10,53
Não classificado (autônomo) 1 5,26
Total 19 100
Obs.: O cálculo do percentual foi feito com base em dezenove sujeitos, porque
quatro crianças não devolveram os formulários enviados para as suas casas.
Os grupos profissionais considerados nesta tabela foram tomados na classificação
brasileira das ocupações obtidas no site no Ministério do Trabalho
www.mtecbo.gov.br/.
344
Tabela 13 – Distribuição dos sujeitos de acordo com a ocupação da mãe
Ocupação da mãe F %
GG0 – Forças Armadas,
policiais e bombeiros
militares
0 0
GG1- Membros
superiores do Poder
Público, dirigentes de
organizações de
interesse público e de
empresas e gerentes
0 0
GG2- Profissionais das
ciências e das artes
4 21,05
GG3- Técnicos de nível
médio
3 15,79
GG4- Trabalhadores de
serviços administrativos
3 15,79
GG5- Trabalhadores dos
serviços, vendedores do
comércio em lojas e
mercados
3 15,79
GG6- Trabalhadores
agropecuários,
florestais, da caça e da
pesca
0 0
GG7- Trabalhadores da
produção de bens e
serviços industriais
voltados à forma dos
produtos
2 10,53
GG8- Trabalhadores da
produção de bens e
serviços industriais que
envolvem o controle de
variáveis físico-quimicas
de processos
0 0
GG9- Trabalhadores de
reparação e
manutenção
0 0
Não classificada (do lar) 4 21,05
Total 19 100
Obs.: O cálculo do percentual foi feito com base em dezenove sujeitos, porque
quatro crianças não devolveram os formulários enviados para as suas casas.
Os grupos profissionais considerados nessa tabela foram tomados na classificação
brasileira das ocupações obtidas no site no Ministério do Trabalho
www.mtecbo.gov.br/.
345
Tabela 14 – Distribuição dos sujeitos de acordo com materiais disponíveis para
leitura no contexto familiar
Materiais para leitura F %
Livros 16 84,21
Jornais 15 78,94
Gibis 12 63,15
Revistas 11 57,89
Encartes publicitários 8 42,10
Correspondências
pessoais
5 26,31
Outros (e-mails, texto
da/na Internet)
2 10,52
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia ter mais de um tipo de material para leitura disponível no contexto familiar. O
percentual foi calculado tendo por base 19 sujeitos que responderam ao
questionário.
Tabela 15 Distribuição dos sujeitos de acordo com a visão dos pais em relação à
independência na leitura para realizar atividades do cotidiano
As crianças nas tarefas
do cotidiano quando
necessitam utilizar a
leitura
F %
Geralmente lê sozinha 10 52,63
Às vezes solicita ajuda 8 42,10
Sempre solicita ajuda a
outra pessoa
2 10,54
Não faz uso da leitura 1 5,26
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia utilizar a leitura de diferentes maneiras. O percentual foi calculado tendo por
base 19 sujeitos que responderam ao questionário.
Tabela 16 Distribuição dos sujeitos conforme materiais de leitura utilizados por
eles ou por outra pessoa que lê para a criança no ambiente familiar
Tipos de materiais F %
Livros de literatura
infantil
16 84,21
Gibis 10 52,63
Revistas 10 52,63
Jornais 8 42,10
Outros (bíblia, e-mails,
bilhetes, cartas)
3 15,78
Nenhum material 1 5,26
346
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia utilizar mais de um tipo de material para leitura. O percentual foi calculado
tendo por base 19 sujeitos que responderam ao questionário.
Tabela 17 Distribuição dos sujeitos conforme motivos explicitados pelos pais para
a importância da aprendizagem da leitura e da escrita
A apropriação da leitura
e da escrita é importante
F %
Para ser alguém na vida
e ter um futuro melhor
5 26,31
Para não ser analfabeto 3 15,79
Para desenvolver a
inteligência e o senso
crítico
3 15,79
Para acessar novos
conhecimentos
3 15,79
Não respondeu 2 10,54
Para comunicação 1 5,26
Para incentivar os
estudos quando adulto
1 5,26
Para ter cultura 1 5,26
Total 19 100
Obs.: O cálculo do percentual foi feito com base em dezenove sujeitos, porque
quatro crianças não devolveram os formulários enviados para as suas casas.
Tabela 18 Distribuição dos sujeitos conforme opinião dos pais sobre a fase
propícia para o aprendizado da leitura
Período propício para o
aprendizado da leitura
F %
Na pré escola e/ou
primeira série
11 57,89
Em todas as fases
desde a educação
infantil
5 26,31
Ensino fundamental 2 10,54
Primeira etapa do
ensino fundamental
1 5,26
Total 19 100
Obs.: O cálculo do percentual foi feito com base em dezenove sujeitos, porque
quatro crianças não devolveram os formulários enviados para as suas casas.
347
Tabela 19 – Distribuição dos alunos conforme opinião dos pais sobre as atividades
mais adequadas ao aprendizado da leitura
Tipos de atividades F %
Ler livros infantis 5 26,31
Ouvir histórias lidas e
contadas por outras
pessoas
4 21,05
Fazer dever de casa e
trabalhos escolares
3 15,78
Freqüentar a biblioteca 3 15,78
Participar de atividades
teatrais
3 15,78
Jogos 2 10,54
Não informado 2 10,54
Ter contato com
diversos portadores
textuais fazendo
tentativas de leitura
2 10,54
Atividade de informática 1 5,26
Brinquedos educativos
que incentivem a leitura
1 5,26
Leitura de placas de
publicidades e de ônibus
1 5,26
Ler jornais 1 5,26
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia opinar mais de uma atividade que considera adequada ao ensino da leitura.
O percentual foi calculado tendo por base 19 sujeitos que responderam ao
questionário.
348
Tabela 20 – Distribuição dos alunos segundo os programas de rádio e televisão
favoritos
Programas de rádio e
televisão favoritos
F %
A grande família 1 4,54
Desenhos 18 81,81
Filmes 7 31,81
Jornal 2 9,09
Mais Você 1 4,54
Músicas 8 36,36
Novelas 10 45,45
Programas de esporte 3 13,63
Programas religiosos 8 36,36
Sítio do Pica-Pau-
Amarelo
5 22,72
TV Xuxa 7 31,81
Zorra total 1 4,54
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia ter preferência por mais de um programa. O percentual foi calculado tendo
por base 22 sujeitos que responderam à entrevista, pois uma criança não se
disponibilizou a responder às questões.
Tabela 21 – Distribuição das crianças quanto à diversão preferida
Diversões preferidas F %
Brincar (casinha,
boneca)
4 18,18
Jogar futebol 3 13,63
Brincar de carrinho 2 9,09
Ir ao parque 2 9,09
Ir ao clube (piscina) 2 9,09
Ler 2 9,09
Brincar de pular corda 2 9,09
Brincar com o cão 2 9,09
Jogos no computador 2 9,09
Pique-esconde 2 9,09
Andar de bicicleta 1 4,54
Pique-bandeira 1 4,54
Desenhar 1 4,54
Jogar queimada 1 4,54
Jogar lego 1 4,54
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
possuía mais de uma diversão preferida. O percentual foi calculado tendo por base
22 sujeitos que responderam à entrevista, pois uma criança não se disponibilizou a
responder às questões.
349
Tabela 22 – Distribuição das crianças por atividade cultural
Lugares ligados a
atividades culturais
F %
Cinema 20 90,90
Banca de revista 20 90,90
Livraria 19 86,36
Bibliotecas 18 81,81
Teatro 17 77,27
Show musical 10 45,45
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia conhecer mais de um lugar ligado a atividades culturais. O percentual foi
calculado tendo por base 22 sujeitos que responderam à entrevista, pois uma
criança não se disponibilizou a responder às questões.
Tabela 23 – Distribuição das crianças quanto aos materiais de que mais gostam de
ler
Tipos de materiais F %
Livros de literatura
infantil*
19 86,36
Gibi (Turma da Mônica) 7 31,81
Jornais 4 18,18
Jogando conversa fora 1 4,54
Bichobol 1 4,54
Bíblia 1 4,54
Histórias de aventura 1 4,54
Histórias de mistérios 1 4,54
Harry Potter 1 4,54
Revistas 1 4,54
Deveres da escola 1 4,54
Dicionário 1 4,54
Revistas evangélicas 1 4,54
Não informado 1 4,54
* Livros citados pelas crianças (Fada Azul, Cinderela, A bela e a fera, O mágico de
Oz, Rei Leão, Vida de inseto, Pequena sereia, Chapeuzinho vermelho, A
formiguinha companheira, Nemo, Smilinguido, Branca de neve, Miney, Mickey)
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia ter preferência em ler mais de um tipo de material. O percentual foi
calculado tendo por base 22 sujeitos que responderam à entrevista, pois uma
criança não se disponibilizou a responder às questões.
350
Tabela 24 – Distribuição das crianças que declaram ter recebido presentes
destinados à leitura
Alunos que receberam
presentes destinados a
leitura
F %
Sim 20 90,90
Não 1 4,55
Não informado 1 4,55
Total 22 100
Obs.: O percentual foi calculado tendo por base 22 sujeitos que responderam à
entrevista, pois uma criança não se disponibilizou a responder às questões.
Tabela 25 – Distribuição dos sujeitos quanto à preferência entre a atividade de
leitura e escrita
Preferência dos alunos F %
Preferem ler 15 68,18
Preferem escrever 0 0
Ambas 7 31,82
Total 22 100
Obs.: O percentual foi calculado tendo por base 22 sujeitos que responderam à
entrevista, pois uma criança não se disponibilizou a responder às questões.
Tabela 26 – Distribuição dos sujeitos quanto à opinião da criança em definir quem lê
para ela no contexto familiar
Pessoa da família que lê
para a criança
F %
Mãe 11 50,00
Pai 10 45,45
Irmã ou irmão 4 18,18
Ninguém 3 13,63
Lê sozinha 2 9,09
Primo ou prima 2 9,09
Avós 1 4,54
Tia ou tios 1 4,54
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque uma mesma
criança poderia ter mais de um parente que fazia atividade de leitura para ela. O
percentual foi calculado tendo por base 22 sujeitos que responderam à entrevista,
pois uma criança não se disponibilizou a responder às questões.
351
Tabela 27 – Distribuição dos sujeitos conforme opinião dos alunos quanto à pessoa
que o auxilia a fazer os deveres de casa
Pessoa que ajuda a
criança fazer o dever de
casa
F %
Mãe 18 81,81
Pai 10 45,45
Irmão ou irmã 4 18,18
Avó 1 4,54
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque uma mesma
criança poderia ter mais de um parente que a auxilia na execução dos deveres de
casa. O percentual foi calculado tendo por base 22 sujeitos que responderam à
entrevista, pois uma criança não se disponibilizou a responder às questões.
Tabela 28 – Distribuição dos alunos conforme atividade de leitura das crianças para
outras pessoas
Pessoas para quem a
criança faz leitura
F %
Família (pai, mãe,
irmãos e tios)
16 72,72
Amigos 5 22,72
Não lê para pessoas da
família
3 13,63
Empregada 1 4,54
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque uma mesma
criança poderia fazer atividade de leitura para mais de uma pessoa. O percentual foi
calculado tendo por base 22 sujeitos que responderam à entrevista, pois uma
criança não se disponibilizou a responder às questões.
Tabela 29 – Distribuição dos sujeitos quanto ao tipo de leitura preferida
Tipos de leitura F %
Leitura oral em que só a
criança lê para os
colegas
10 45,46
Leitura silenciosa 8 36,36
Leitura oral só para uma
pessoa como a
professora ou alguém da
família
4 18,18
Leitura oral em que
várias pessoas lêem
seguindo uma ordem
00 0
Total 22 100
352
APÊNDICE N _ CARACTERIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE LEITURA DOS PAIS OU
RESPONSÁVEIS
Nas tabelas que se seguem estão organizadas as informações coletadas por meio
do Apêndice J segunda parte, destinadas à caracterização das práticas de leitura
do adulto (pai, mãe ou responsável pela criança).
Tabela 30 - Distribuição dos sujeitos, quanto ao sexo, que responderam ao
questionário sobre práticas de leitura do responsável pela criança
Responsável pela
criança
F %
Mãe 13 68,42
Pai 5 26,32
Avó 1 5,26
Total 19 100
Obs.: Esta tabela apresenta o total de 19 sujeitos, porque quatro crianças não
devolveram o questionário.
Tabela 31 Distribuição dos sujeitos sobre quem mais influenciou no gosto pela
leitura do responsável pela criança
Quem mais influenciou
no gosto pela leitura do
responsável pela criança
F %
Algum professor ou
professora
7 36,84
Mãe ou responsável do
sexo feminino
6 31,57
Ninguém 4 21,05
Pai ou responsável do
sexo masculino
3 15,78
Algum amigo ou amiga 3 15,78
Algum outro parente 2 10,52
Padre/Pastor ou algum
líder religioso
1 5,26
Outra pessoa 1 5,26
Algum colega ou
superior no trabalho
0 0
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia sofrer influência no gosto pela leitura por mais de uma pessoa. O percentual
foi calculado tendo por base 19 sujeitos que responderam ao questionário.
353
Tabela 32 – Distribuição dos sujeitos quanto aos livros que possuem em casa
Tipos de livros que os
responsáveis pela
criança possuem em
casa
F %
Bíblias, livros sagrados
e religiosos
18 94,73
Livros infantis 18 94,73
Guias, listas e catálogo 16 84,21
Livros escolares 16 84,21
Livros de receita de
cozinha
14 73,68
Dicionário 13 68,42
Livros de
literatura/romances
7 36,84
Enciclopédias 5 26,31
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia ter mais de um tipo de livro em casa. O percentual foi calculado tendo por
base 19 sujeitos que responderam ao questionário.
Tabela 33 – Distribuição dos sujeitos conforme os gêneros de livros que costumam
ler
Tipo de gênero de livros
que o responsável pela
criança costuma ler
F %
Bíblias ou livros
religiosos
13 68,42
Livros didáticos 7 36,84
Auto-ajuda, orientação
pessoal
5 26,31
Biografia, relatos
históricos
4 21,05
Livros técnicos, de
teoria, ensaios
4 21,05
Poesia 3 15,78
Não costuma ler livros 3 15,78
Romance, aventura,
policial, ficção
2 10,52
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia ler mais de um tipo de gênero.O percentual foi calculado tendo por base 19
sujeitos que responderam ao questionário.
354
Tabela 34 – Distribuição dos sujeitos conforme o tipo de biblioteca em que esteve
ou costuma freqüentar
Tipo de biblioteca que o
responsável já esteve ou
costuma freqüentar
F %
Biblioteca pública 8 42,10
Biblioteca escolar 9 47,36
Biblioteca no local de
trabalho
4 21,05
Outras não relacionadas 2 10,52
Nunca foi a bibliotecas 0 0
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia conhecer ou freqüentar mais de um tipo de biblioteca. O percentual foi
calculado tendo por base 19 sujeitos que responderam ao questionário.
Tabela 35 Distribuição dos sujeitos conforme participação em cursos além do
ensino formal
Participação em cursos
além do ensino formal
F %
Está fazendo 3 15,78
Fez nos últimos doze
meses
5 26,32
Fez há mais de um ano 8 42,10
Nunca fez 2 10,54
Não informado 1 5,26
Total 19 100
Obs.: Esta tabela apresenta o total de 19 sujeitos porque quatro crianças não
devolveram o questionário.
Tabela 36 Distribuição dos sujeitos conforme o recebimento de cartas via correio
de amigos ou parentes
O responsável recebe
cartas via correio de
amigos ou parentes
F %
Sim 9 47,36
Não 8 42,10
Não informado 2 10,54
Total 19 100
Obs.: Esta tabela apresenta o total de 19 sujeitos porque quatro crianças não
devolveram o questionário.
355
Tabela 37 – Distribuição dos sujeitos quanto ao uso do computador
O responsável faz uso
do computador
F %
Em casa 8 42,10
No trabalho 8 42,10
Em locais públicos 1 5,26
Na escola 1 5,26
Na faculdade 0 0
Outros locais não
relacionados
0 0
Não informado 5 26,31
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia utilizar o computador em mais de um local. O percentual foi calculado tendo
por base 19 sujeitos que responderam ao questionário.
Tabela 38 Distribuição dos sujeitos quanto à freqüência de utilização do
computador
Freqüência em que o
responsável utiliza o
computador
F %
Todos os dias da
semana
5 26,31
Não utiliza computador 4 21,05
Quase todos os dias da
semana
3 15,78
Eventualmente ou de
vez em quando
3 15,78
Um ou dois dias por
semana
2 10,54
Não informado 2 10,54
Total 19 100
Obs.: Esta tabela apresenta o total de 19 sujeitos porque quatro crianças não
devolveram o questionário.
356
Tabela 39 Distribuição dos sujeitos conforme atividades culturais que costuma
realizar
Atividades culturais que
o responsável costuma
realizar
F %
Assistir a filmes em casa
18 94,73
Ir ao cinema 8 42,10
Ir a shows 7 36,84
Ir ao teatro 3 15,78
Não informado 1 5,26
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia realizar mais de uma atividade cultural. O percentual foi calculado tendo por
base dezenove sujeitos que responderam à entrevista.
357
APÊNDICE O _ CARACTERIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS
Nas tabelas que se seguem, estão organizadas as informações coletadas por meio
dos Apêndices E, F, G, H, I destinadas à caracterização dos profissionais envolvidos
no estudo (2 professoras regentes, 1 estagiária de sala, 1 pedagoga, 1 professora
de projeto, 1 professora do laboratório de informática e 1 bibliotecária).
40 – Distribuição dos sujeitos quanto à idade dos profissionais
Faixa etária dos
profissionais
F %
Abaixo de 25 anos 1 14,29
Entre 26 e 30 anos 0 0
Entre 31 e 35 anos 2 28,57
Entre 36 e 40 anos 1 14,29
Mais de 40 anos 3 42,85
Total 7 100
41 – Distribuição dos sujeitos quanto à quantidade de jornadas diária de trabalho
O profissional trabalha
em
F %
Apenas um turno 3 42,85
Dois turnos 4 57,15
Três ou mais turnos 0 0
Total 7 100
42- Distribuição dos sujeitos quanto à situação funcional na unidade de ensino
Situação funcional do
profissional
F %
Efetivo 4 57,15
Contratado 2 28,57
Outros (estagiária) 1 14,28
Total 7 100
43- Distribuição dos sujeitos quanto à formação acadêmica
Nível de formação
acadêmica
F %
Ensino médio 0 0
Graduação incompleta 2 28,57
Graduação 0 0
Pós graduação –
especialização
5 71,43
Mestrado 0 0
Outros 0 0
Total 7 100
358
44- Distribuição dos sujeitos conforme tempo de experiência na profissão
Tempo de experiência F %
Abaixo de 2 anos 1 14,28
Entre 2 e 5 anos 1 14,28
Entre 6 e 7 anos 0 0
Entre 8 e 10 anos 1 14,28
Acima de 10 anos 4 57,16
Total 7 100
45- Distribuição dos sujeitos quanto à vinculação sindical da categoria do magistério
O profissional tem
vínculo sindical
F %
Sim 4 57,15
Não 3 42,85
Total 7 100
46 – Distribuição dos sujeitos segundo assinatura de jornais, revistas e periódicos
Tipos de materiais de
leitura que o profissional
é assinante
F %
Jornal A Gazeta 2 28,57
Revistas (Veja, Isto é) 4 57,14
Revista Nova escola 1 14,28
Outras revistas (Terra,
Cidade nova, Monet)
3 42,85
Não é assinante 1 14,28
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia ser assinante de mais de um tipo de periódico. O percentual foi calculado
tendo por base 7 sujeitos que responderam à entrevista.
47 – Distribuição dos sujeitos conforme atividades culturais que sempre costumam
realizar
Atividades culturais que
sempre realiza
F %
Ouvir rádio 3 42,85
Assistir à TV 7 100
Assistir a vídeo ou DVD 5 71,42
Ir ao cinema 3 42,85
Ir ao teatro 1 14,28
Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento, porque um mesmo sujeito
poderia realizar mais de uma atividade cultural. O percentual foi calculado tendo por
base 7 sujeitos que responderam à entrevista.
359
48- Distribuição dos sujeitos segundo suas leituras mais comuns
Tipos de
materiais
Freqüência de leitura dos sujeitos pesquisados
Sempre
%
Às vezes
%
Nunca
%
Não
informado
% Total %
Jornais locais 6 85,71 1 14,29 0 0 0 0 100
Jornais do país 0 0 5 71,42 1 14,29 1 14,29 100
Periódicos da
área de
Educação
3 42,85 4 57,15 0 0 0 0 100
Livros didáticos 4 57,15 3 42,85 0 0 0 0 100
Livros variados
sobre educação
2 28,57 5 71,43 0 0 0 0 100
Periódicos
diversos
5 71,43 2 28,57 0 0 0 0 100
360
APÊNDICE P _ DISTRIBUIÇÃO DE DIAS UTILIZADOS PARA COLETA DE DADOS
NA ESCOLA CAMPO
Tabela 49 – Distribuição dos dias gastos em coletas de dados na escola.
DIAS GASTOS EM COLETA DE DADOS NA ESCOLA DURANTE O ANO
LETIVO DE 2005
ABR.
MAIO
JUN.
JUL.
AGO.
SET.
OUT.
NOV.
DEZ
TOTAL
GERAL
26
30
02
03
06
10
11
16
18
20
25
30
01
02
06
15
17
21
22
24
27
04
11
12
13
15
18
20
21
22
01
03
08
10
15
16
17
18
19
22
23
24
25
26
29
31
05
06
12
14
16
19
20
21
23
26
30
03
05
10
11
24
27
03
04
07
09
11
16
18
21
23
28
30
01
02
05
06
07
09
13
15
TOTAL
02 10 09 09 16 11 06 11 08 82
361
APÊNDICE Q – TABELA DE EVENTOS DE LEITURA IDENTIFICADOS NOS
REGISTROS DE DIÁRIO DE CAMPO
Tabela 50 _ Eventos de leitura identificados nos registros de diário de campo
Eventos de leitura F %
Livre na sala de aula (predominância de
livros de literatura infantil)
25 30,48
No livro didático (diversas disciplinas) 24 29,26
Na biblioteca (predominância de livros
de literatura infantil)
16 19,51
De atividades diversas na sala de aula
(xerocopiadas ou para identificação dos
materiais de aula)
15 18,29
De textos produzidos pelas crianças e
apresentados para a turma (caderno)
14 17,07
Para atividades de apresentação para
interlocutores externos à sala de aula
(livros de literatura infantil)
7 8,53
Projeto Leitura Surpresa (livros de
literatura infantil)
5 6,09
De literatura infantil pela professora
regente para os alunos
5 6,09
Na aula de informática 3 3,65
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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