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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL E DA PERSONALIDADE
Osnilda Pisa
PSICOLOGIA DO TESTEMUNHO:
OS RISCOS NA INQUIRIÇÃO DE CRIANÇAS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do
Sul como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Psicologia Social e
da Personalidade.
Lilian Milnitsky Stein, Ph.D.
Orientadora
Porto Alegre, Julho de 2006
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP )
P673p Pisa, Osnilda
Psicologia do testemunho : os riscos na inquirição de crianças
/ Osnilda Pisa. – Porto Alegre, 2006.
131 f.
Diss. (Mestrado em Psicologia Social e da Personalidade)-
Fac.dePsicologia,PUCRS.
Orientadora: Lilian Milnitsky Stein, Ph.D.
1. Testemunhos (Psicologia). 2. Entrevista Forense.
3. Falsas Memórias. 4. Inquirição – Crianças. I. Título.
CDD 158
CDDir 340.73
Bibliotecária Responsável: Salete Maria Sartori, CRB 10/1363
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Agradecimentos:
Esta dissertação é fruto de valiosas contribuições de muitas pessoas. Agradecer
nominalmente a cada um que, de uma forma ou outra, colaborou para o desenvolvimento e
conclusão deste trabalho seria tarefa árdua e, por certo, correria um grande risco de esquecer
de nominar importantes colaboradores. Desta forma, opto por destacar a professora Doutora
Lílian Milnitsky Stein, minha orientadora. Incentivadora e apoiadora, abriu-me as portas do
Grupo de Pesquisa em Processos Cognitivos. Desde 2002, quando tive o privilégio de
conhecê-la, inicie um processo de aperfeiçoamento pessoal e profissional. Sair da posição de
magistrado e ingressar numa área quase desconhecida poderia ter sido um movimento
doloroso. No entanto, sua orientação firme e direta, permitiu-me transpor de forma tranqüila
os diversos obstáculos que se apresentaram ao longo desta jornada. E neste caminho contei
com os componentes do Grupo de Pesquisa, professores e colegas das diversas
disciplinas, às secretárias e demais funcionários da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul.
Ao DECA - Departamento Estadual da Criança e do Adolescente e aos Colégios
Piratini e Visconde de Pelotas, bem como aos participantes da pesquisa, aos meus familiares
e amigos, o meu agradecimento e minha homenagem pelo imenso apoio recebido.
Agradeço, ainda, ao professores Desembargador NEREU JOSÉ GIACOMOLLI e
Doutor JORGE TRINDADE que aceitaram fazer parte da Comissão Examinadora. Suas
análises foram muito valiosas para a qualificação do trabalho.
4
Resumo
A presente dissertação apresenta dois artigos, ambos versando sobre a inquirição ou
entrevista forense de crianças. O primeiro artigo faz uma breve análise histórica da violência
sexual contra crianças e dos movimentos que passaram a alertar para o problema.
Considerando que a sociedade e o Estado ainda estão mais focados na punição do agressor
que na proteção à vítima e diante da importância da palavra da vítima nos crimes contra a
liberdade sexual, após revisão da literatura científica sobre sugestionabilidade e falsas
memórias, analisaremos possíveis falhas na apuração da prova desse tipo de processo
criminal, que podem contaminar a confiabilidade das declarações da vítima. O segundo artigo
buscou revisar as pesquisas da Psicologia do Testemunho Infantil com o objetivo de
identificar as melhores técnicas para a inquirição de crianças, relacionando os achados da
literatura com os resultados de nosso estudo empírico. O delineamento do estudo busca uma
validade ecológica ao tentar mimetizar as situações reais em que crianças são entrevistadas
nas delegacias especializadas no atendimento de crianças e adolescentes.
Palavras-chave: Psicologia do Testemunho; Entrevista forense; Sugestionabilidade de
crianças; Falsas memórias; Técnicas de inquirição de crianças
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Abstract
This essay presents two articles, both of which debate on inquisition or forensic
interview of Children. The first article does a brief historical analysis of sexual violence
against children and the movements that have alerted to the problem. Considering that the
society and the state are still focused more on the aggressor punishment than on the victim
protection itself and face to the importance of the word ‘victim’ in crimes against sexual
liberty, after revising the scientific literature about suggestibility and false memories, we will
analyze possible failures in the verification of such criminal suits that may contaminate the
reliability of the victim’s statement. The second article intends to revise the researches into
infant testimonial psychology aiming an identification of better techniques to the inquisition
of children, relating to what was found in the literature and the results of our empirical
studies. The study lineation searches for an ecological legitimacy when trying to disguise the
real situations in which children are interviewed in police departments specialised in children
and adolescent care.
Key-words: Testimonial psychology; Forensic interview; Childre’s suggestibility; False
memories; Questioning techniques.
6
SUMÁRIO
I. Introdução ..................................................................................... 06
II. Artigo I .......................................................................................... 08
Abuso Sexual Infantil e a Palavra da Criança Vítima: Pesquisa
Científica e a Intervenção Legal
III. Artigo II ......................................................................................... 47
Entrevista Forense de Crianças: Técnicas de Inquirição e
Qualidade do Testemunho
IV. Considerações Finais.................................................................... 101
Anexo A: Normas de Publicação da Editora Revista dos Tribunais.......102
Anexo B: Normas de Publicação da Revista da Ajuris.......................... 105
Anexo C: As alterações no projeto de pesquisa original.........................106
Anexo D: Projeto de Pesquisa ................................................................107
Anexo E: Carta de aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da PUCRS
7
Introdução
A presente dissertação, intitulada “Psicologia do Testemunho: Os Riscos na Inquirição
de Crianças”, será apresentada de acordo com o modelo proposto pelo Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. De
acordo com esse modelo, a dissertação é apresentada sob a forma de artigos. Para a obtenção
do título de Mestre em Psicologia, o Programa exige a apresentação de, no mínimo, dois
artigos. Adicionalmente, a dissertação conta com uma introdução geral ao trabalho
desenvolvido, assim como considerações finais englobando os dois artigos apresentados.
O primeiro artigo que compõe o presente trabalho é intitulado “Abuso Sexual Infantil
e a Palavra da Criança Vítima: Pesquisa Científica e a Intervenção Legal”, estando formatado
de acordo com as normas da Revista dos Tribunais ou na Revista Brasileira de Ciências
Criminais, obedece às normas de publicação da Editora Revista dos Tribunais. O segundo
artigo, denominado “Entrevista Forense de Crianças: Técnicas de Inquirição e Qualidade do
Testemunho”, havendo a intenção de publicá-lo na Revista da AJURIS, da Associação dos
Juízes do Rio Grande do Sul.
Os dois artigos representam o esforço para oferecer aos operadores do direito um
apanhado, ainda que breve, da vasta pesquisa científica na área da Psicologia do Testemunho
Infantil, ainda pouco divulgada no Brasil. O primeiro artigo está focado na análise das
acusações falsas e verdadeiras em delitos sexuais contra crianças. O segundo, por sua vez,
busca fazer uma revisão dos estudos sobre as técnicas de entrevista forense e seus efeitos
sobre a qualidade das declarações de crianças, relacionando os achados da literatura com os
resultados de nossa pesquisa.
Com o interesse em buscar uma validade ecológica, nosso estudo empírico tentou
mimetizar as situações reais em que crianças são entrevistadas nas delegacias especializadas
no atendimento de crianças e adolescentes. Os resultados relativamente à tendência dos
8
entrevistadores de formularem perguntas fechadas e sugestivas na entrevista forense de
crianças, identificados em nosso estudo, encontram apoio na literatura científica e servem de
alerta quanto aos riscos de tais técnicas de entrevista comprometerem a confiabilidade da
palavra da criança.
Nesse sentido, a presente dissertação possui dois objetivos: (1) alertar para os riscos
provenientes da realização de inquirições inadequadas de crianças; e (2) oferecer informações,
com embasamento na Psicologia do Testemunho Infantil, sobre as técnicas de entrevista
forense de crianças, que poderão contribuir para implementar modelos de intervenção capazes
de proteger a vítima e preservar a prova. Em razão disso, com a intenção de alcançar o maior
número de operadores do direito e de outros profissionais que atuam na abordagem de
crianças vítimas, alguns tópicos são abordados nos dois artigos, como é o caso das
recomendações que podem maximizar a qualidade da entrevista forense.
9
Título completo em Português: ABUSO SEXUAL INFANTIL E A PALAVRA DA
CRIANÇA VÍTIMA: PESQUISA CIENTÍFICA E A INTERVENÇÃO LEGAL
Sugestão de título abreviado: ABUSO SEXUAL INFANTIL E A INTERVENÇÃO
LEGAL
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Violência e abuso sexual infantil - 3. Pesquisa científica e o
testemunho infantil - 4. Alegações de abuso sexual infantil e implicações legais - 5.
Intervenção da justiça criminal e a prova - 6. Inquirição de crianças e técnicas da entrevista
forense - 7. Conclusão. Bibliografia.
10
Resumo
Distinguir entre acusações falsas e verdadeiras em delitos sexuais contra crianças é tarefa
árdua, muitas vezes impossível. É que não basta identificar a mentira, porque a vítima pode
declarar como verdadeiro um evento não real, baseado em falsas memórias. Logo, para a
segurança do julgamento é preciso adotar algumas cautelas que preservem a memória da
vítima.
Palavras-chaves: Abuso sexual infantil - Entrevista forense - Sugestionabilidade de crianças
- Falsas memórias - Técnicas de inquirição de crianças.
11
1. Introdução
A violência contra crianças, inclusive a violência sexual, acompanha a humanidade
desde os seus primórdios. Nas últimas décadas, a luta a favor do respeito aos direitos humanos
fundamentais, os movimentos feministas e de proteção às crianças passaram a alertar para o
problema. Em que pese a relevância de diversas medidas para proteger as crianças, o certo é
que a sociedade e o Estado ainda estão mais focados na punição do agressor que na proteção à
vítima.
A palavra da vítima, na maior parte dos processos de crimes contra a liberdade sexual,
é a única prova a incriminar o réu. Julgar esse tipo de processo é ainda mais complexo quando
a vítima é uma criança, porque fatores como fantasia, linguagem, memória,
sugestionabilidade e até coação podem afetar sua competência de testemunhar (Lamb et al.,
2000. p. 263). No sistema da justiça criminal de vários estados americanos e em países da
Europa, para avaliar a veracidade do testemunho de crianças, os peritos examinam as
gravações das entrevistas realizadas para detectar se os relatos da criança podem ter sido
distorcidas pelas técnicas empregadas pelo entrevistador. No Brasil, no entanto, não
exigência legal dessa gravação e não se adota essa sistemática, o que torna bastante precária a
realização da avaliação da confiabilidade da palavra da vítima.
Assim, para decidir entre o direito constitucional à liberdade de um cidadão e o
acolhimento de um grito de socorro de uma criança vítima de crimes contra a liberdade
sexual, o juiz criminal, geralmente, está adstrito a confrontar a versão da tima e do réu.
Aquela é submetida a uma série de entrevistas antes de prestar suas declarações sob o crivo do
contraditório e parece existir uma tendência desses entrevistadores a confirmar a ocorrência
do alegado evento. O magistrado não tem acesso às técnicas utilizadas e ao conteúdo dessas
entrevistas, porque não são gravadas. Resta a ele montar um quebra-cabeça com algumas das
12
poucas informações registradas por esses profissionais, como declarações consignadas nos
conselhos tutelares ou repartições policiais ou breves relatos constantes de documentos
técnicos.
Considerando a importância da palavra da vítima nos crimes contra a liberdade sexual,
após breve histórico sobre a problemática do abuso sexual infantil e das pesquisas científicas
sobre sugestionabilidade e falsas memórias, analisaremos possíveis falhas na apuração da
prova nesse tipo de processo criminal, que podem contaminar a confiabilidade das
declarações da vítima. Confiabilidade, aqui, é comparável com exatidão, é o “grau de
fidelidade de uma informação em relação ao original” (Houaiss, 2001, p. 795), enquanto a
credibilidade implica que o locutor sabe se o que é dito é verdadeiro ou falso. No caso das
falsas memórias, fenômeno de lembrar de algo que não aconteceu, o indivíduo tem como
verdadeiro o que declara, mas sua informação não é fiel ao fato realmente ocorrido.
2. Violência e Abuso Sexual Infantil
Violência é “a ação ou efeito de violentar, de empregar força física (contra alguém ou
algo) ou intimidação moral contra (alguém)” (Houaiss, 2001, p. 2866); são ações ou omissões
que podem prejudicar o normal desenvolvimento dos seres humanos (Koller, 2000). Desde os
primórdios da raça humana existe violência contra crianças (Minayo, 2002; Ferrari, 2002),
englobando a exploração sexual e os impulsos incestuosos (Lippi, 1990). No entanto, apenas a
partir do culo XIX teve início o interesse em torno da problemática da violência contra
crianças. O caso da menina Mary Ellen muito contribuiu para esse despertar da humanidade.
Em 1874, na ausência de leis de proteção às crianças, a menina de oito anos de idade, vítima
da negligência e de abuso físico, foi removida da casa dos pais adotivos por meio de pedido
formulado pela Sociedade de Prevenção da Crueldade contra Animais de Nova York, que
fundamentou o pedido, equiparando a menina a um animal (Benetti, 2002; Hanking, 2001).
13
Dentre os diversos termos utilizados indiscriminadamente para designar a violência
contra crianças e adolescentes, alguns mais outros menos populares, encontramos a expressão
“abuso” (Azevedo, 2002; Caminha, 2000). Abusar é “fazer pouco caso, ridicularizar;
menosprezar, humilhar (...); faltar à confiança, enganar (...); ultrajar o pudor de; tirar a
virgindade de; desflorar, desonrar, seduzir (...); agredir com insultos ou injúrias; afrontar (...)”
(Houaiss, 2001, p. 33). Segundo Hacking, “tem certo sentido dizer que a idéia de abuso
infantil foi construída” ou como ele prefere, “feita e moldada” (2001, p. 208). A idéia surgiu
com o trabalho desenvolvido por pediatras norte-americanos de Denver, dirigidos por C. H.
Kempe, em 1961, utilizando o aparelho de raios-X, constataram seqüelas em crianças
espancadas, que denominaram síndrome da criança espancada ou maltratada (Hanking, 2001;
Guerra, 2001; Mattos, 2002; Ferrari, 2002)
.
A expressão “child abuse”, inicialmente
apresentada como um conceito científico, pois o dano era comprovado objetivamente por
radiografia, logo passou a abranger outras formas de violação da integridade física e
emocional das crianças. Na esteira dessa mudança de consciência, a violência sexual contra
crianças foi denunciada por Florense Rush, em 1971, na Conferência Feminista Radical de
Nova York. A relação entre abuso infantil e incesto passou a ser debatida publicamente em
1977, com a publicação do artigo “Incesto: O abuso infantil começa em casa”, de Ellen Weber
(Hanking, 2001, p. 230).
Como destacado por Hanking, “a proibição tradicional do incesto se refere à relação
sexual em sentido estrito. No entanto, quando incesto e abuso infantil se juntaram, se ampliou
radicalmente o conceito de incesto. Apalpamentos e toques se converteram em incesto
exatamente igual às relações sexuais” (2001, p. 231). Ainda, abuso infantil passou a englobar,
também, o abuso entre irmãos e os jogos sexuais entre crianças, especialmente quando há uma
significativa diferença de idade. Nos últimos 40 anos o tabu do incesto foi ampliado passando
14
a englobar qualquer tipo de atividade orientada ao sexo envolvendo um adulto e uma criança
da mesma família (Hanking, 2001).
A violência contra as crianças, em especial contra a liberdade sexual, tem sido
denunciada de forma alarmante e crescente em todo o mundo (Lamb et al., 2000; Mattos,
2002; e Benetti, 2002). Passou-se, então, do silêncio a um assustador número de denúncia de
abuso sexual infantil. Segundo Flores e Caminha (1994), embora a diversidade de estudos
sobre as variáveis sociais que estão envolvidas na freqüência maior ou menor de abusos
sexuais em uma cultura, ainda o se tem dados confiáveis sobre a causa do aumento do
número de registros de abusos. Depois de revisarem a literatura na área, estes autores
concluem que a freqüência real de abusos pode ter permanecido constante nos últimos 120
anos, o que estaria aumentando é a comunicação e registro de sua ocorrência.
Esse aumento na comunicação de ocorrências é atribuído, em parte, ao trabalho de
conscientização realizado pelos movimentos de direitos humanos, feministas e de proteção às
crianças. Diversos documentos surgiram com o objetivo de reconhecer os direitos das pessoas
enquanto indivíduos, incluindo a população infanto-juvenil. Destacamos: (a) Declaração de
Genebra, de 1924, que já determinava a necessidade de proporcionar proteção especial às
crianças; (b) Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 1948, que
previa o direito a cuidados e assistência especiais em benefício da infância; (c) Declaração
Universal dos Direitos da Criança, de 1959; (d) Convenção Americana de Direitos Humanos,
conhecida como Pacto de San José da Costa Rica; (e) Regras de Beijyng; e (f) Convenção
Internacional sobre Direitos da Criança, aprovada por unanimidade pela Assembléia Geral das
Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, que definiu quais os direitos humanos comuns a
todas as crianças e consagrou a Doutrina de Proteção Integral.
No Brasil, a violência praticada contra crianças e adolescentes passou a ser
publicamente debatida com o advento da Constituição Federal de 1988, que adotou a doutrina
15
da proteção integral
1
. Legalmente, a criança deixou de ser objeto (dos pais) e passou a ser
sujeito de direitos. Com base nesse novo paradigma, entrou em vigor a Lei Federal n.º 8.069,
de 13 de julho de 1990, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O novo
diploma legal não conceituou qualquer crime de abuso, embora tenha definido alguns crimes
praticados contra crianças e adolescentes. O Código Penal Brasileiro, instituído pelo Decreto-
Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, com as alterações da Lei n.º 7.209, de 11 de julho de
1984, prevê a prática de diversos crimes que podem ser enquadrados como abuso, violência
ou exploração sexual de crianças e adolescentes, como previsto no § 4º do art. 227 da
Constituição Federal, como o homicídio (art. 121); lesão corporal (art. 129); ato obsceno (art.
233); omissão de socorro (art. 135), maus-tratos (art. 136); abandono material (art. 244).
O Título VI da Parte Especial do Código Penal trata dos crimes contra os costumes,
sendo o Capítulo I relativo aos crimes contra a liberdade sexual. O art. 213 prevê o crime de
estupro
2
e o art. 214, o atentado violento ao pudor
3
. Em ambos os casos, a pena é de reclusão,
de seis a dez anos (redação dada pela Lei 8.072, de 25.07.90), aumentada de quarta parte,
se o crime é cometido com o concurso de duas ou mais pessoas, e de metade, se o agente é
ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, companheiro, tutor, curador, preceptor ou
empregador da vítima ou por qualquer outro título tenha autoridade sobre ela (art. 226, com
redação dada pela Lei 11.106, de 2005). Em qualquer caso, presume-se a violência se a
vítima é menor de catorze anos (CP, art. 224).
Oportuno ressaltar que a expressão “conjunção carnal” diz respeito à cópula vagínica,
razão pela qual, por óbvio, meninas, adolescentes ou mulheres podem ser vítimas deste
crime. O coito anal tipifica o crime de atentado violento ao pudor, aqui sim, a vítima pode ser
1
C.F. art. 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...) § 4º - A lei punirá
severamente o abuso, a violência e a exploração sexual de crianças e adolescentes.”
2
CP, art. 213: “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”.
16
de ambos os sexos. No tipo penal previsto no artigo 214, o ofendido é constrangido a praticar
ou a permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal, englobando
desde coito anal e felação até abraços, beijos ou apalpação lascivas com violência, ainda que
ficta.
Os demais crimes previstos nesse Capítulo do Código Penal são: posse sexual
mediante fraude (art. 215); atentado ao pudor mediante fraude (art. 216); assédio sexual (art.
216-A, incluído pela Lei 10.224, de 2001). Para esses crimes, também, aplica-se o disposto
nos art. 224 (presunção de violência quando a vítima é menor de catorze anos) e o aumento da
pena previsto no art. 226. No Capítulo II, o art. 218 prevê o crime de corrupção de menores
4
.
Sedução (art. 217) e rapto em suas diversas formas (art. 219-222), não mais são tipos penais
(artigos revogados pela Lei n 11.106, de 2005).
Não há, portanto, na legislação brasileira um tipo penal denominado abuso, seja físico,
emocional ou sexual. A única exceção é o abuso de incapazes, previsto no art. 173 do Código
Penal, que tem por objeto jurídico o patrimônio. Todavia, o termo abuso é comumente
utilizado para indicar as diversas formas de envolvimento sexual com crianças e adolescentes.
Segundo Hacking, as expressões “abuso infantil”, “criança submetida a abusos”, “abusador
infantil” foram “moldadas e modificadas nos Estados Unidos e logo exportadas (Hanking,
2001, p. 244)”.
Ao examinar aspectos legais do abuso sexual infantil, Furniss cita Shechter e Roberge,
como autores de uma das mais conhecidas definições: “A exploração sexual das crianças
refere-se ao envolvimento de crianças e adolescentes dependentes, imaturos
desenvolvimentalmente, em atividades sexuais que eles não compreendem totalmente, às
quais são incapazes de dar um consentimento informado e que violam os tabus sociais dos
3
CP, art, 214: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se
pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”.
4
CP, art. 218: “corromper ou facilitar a corrupção de maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com
ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo”.
17
papéis familiares” (Shechter e Roberge, 1976, p. 129). Acrescentando Furniss: “e que
objetivam a gratificação das demandas e desejos sexuais da pessoa que comete o abuso”
(1993, p. 12). O conceito de abuso sexual infantil elaborado pela agência federal americana
National Center of Child Abuse and Neglect (NCCAN) e reproduzida em centenas de artigos
e livros, está em conformidade com a definição apresentada por Furniss - compreende os
contatos e interações entre uma criança e um adulto, quando o adulto (agressor) usa a criança
para estimular sexualmente a si próprio, a criança ou a outra pessoa. O abuso sexual também
pode ser cometido por pessoa menor de 18 anos, quando esta é significativamente maior que a
criança (vítima) ou quando (o agressor) está em posição de poder ou controle sobre a criança.
3. Pesquisa Científica e o Testemunho Infantil
As crianças foram historicamente avaliadas como mais vulneráveis para a sugestão.
Alguns julgamentos baseados em depoimentos de crianças, como a “Erupção de Histeria de
Bruxas”, ocorrido na Suécia, entre os anos de 1668-1676, e as “Bruxas de Salem”, nos
Estados Unidos, em 1692, contribuíram para essa avaliação negativa. O interesse pela prova
pessoal como um processo psicológico não é recente. Além da observação casuística, desde o
início do século passado, vários pesquisadores europeus destacaram-se na experimentação
sistemática aplicada ao estudo dos testemunhos, em especial os alemães Gross e Stern e o
francês Binet (Pessoa, 1913).
Alfred Binet constatou numerosos erros involuntários de crianças submetidas a testes
de recordação e, em 1900, publicou La Suggestibilité, onde apontava para a fragilidade da
memória infantil em termos de ser sugestionável. Binet concluiu que embora crianças mais
velhas e adultos sejam sugestionáveis, o grau de sugestionabilidade das crianças mais jovens é
significativamente mais alto, em razão de dois fatores diferentes: (a) cognitivo ou auto-
sugestão, porque a criança desenvolve uma resposta segundo sua expectativa do que deveria
acontecer; (b) e outro social, que é o desejo de se ajustar às expectativas ou pressões de um
18
entrevistador. Binet, também, destacou a linguagem e o método de interrogatório do
examinador como fatores externos que poderiam contaminar as declarações das crianças. Ele
constatou que, quando as crianças foram solicitadas a escrever um relato livre sobre tudo o
que haviam observado, elas forneciam poucas informações, mas altamente precisas. No
entanto, quando respondiam perguntas focadas sobre um detalhe particular, eram menos
precisas. Todavia, quando respondiam perguntas que sugeriam uma resposta incorreta ou
pergunta sugestiva, as crianças assumiam a falsa informação incluída na pergunta. Binet,
ainda, reportou que as crianças costumam repetir respostas com exatidão e confiança, mesmo
sendo a resposta errada. Por fim, alertou que as crianças são mais sugestionáveis em grupos
(Ceci e Bruck, 1996; Diges, 1997).
O trabalho de Willian Stern consistia em mostrar um desenho a uma série de
indivíduos e após intervalos de tempos, maiores e menores, eram convidados a narrar
livremente o que tinham visto ou respondiam a uma série de perguntas, ou as duas coisas
sucessivamente. Stern constatou que as recordações livres apresentavam poucos erros,
enquanto perguntas enviesadas produziam muitos erros nos relatos. Stern colocou, então, uma
pergunta ainda atual: “Em que medida o testemunho de um indivíduo saudável e de absoluta
boa-fé pode ser considerado como o relato exato dos fatos a que ele se refere?” (Gorphe, p.
12-13).
No período de 1900-1915, além dos trabalhos pioneiros de Binet e Stern, são
destacados os estudos de Varendonck e Lipmann. Com relação aos estudos sobre o
testemunho infantil desenvolvidos no início do século passado, Ceci e Bruck (1996) apontam
a importância da tentativa de desenhar contextos experimentais correlatos aos procedimentos
judiciais; a constatação do envolvimento de fatores cognitivos (codificação, armazenamento e
recuperação da memória) e sociais (obediência às figuras de autoridade ou pressão de iguais);
e um grande número de achados que aparecem na literatura moderna, como: os perigos da
19
repetição de perguntas e entrevistas, a recordação livre produz menos erros que a inquirição
com perguntas com respostas sim/não, a confiança da testemunha não está relacionada com a
exatidão do seu relato, dificuldade de distinguir fantasia e realidade e a sugestionabilidade.
Umberto Fiore (1914), François Gorphe (1949), Luigi Battistelli (1963) e Enrico Altavilla
(1981) realizam uma vasta revisão das observações e dos estudos experimentais
desenvolvidos até o início do século passado, interrompido pela Primeira Guerra Mundial.
Poucas foram as pesquisas acerca da sugestionabilidade de crianças realizadas no período de
1915-1970.
Na década de 70 ressurge o interesse pela psicologia da memória e os estudos sobre
recordação e sugestionabilidade das crianças, dentre outros fatores, em razão do crescente
número de denúncias de abuso sexual infantil. Loftus e Palmer (1974) realizaram dois
experimentos, parcialmente baseados nas idéias do início do século, sobre sugestão e a forma
de fazer perguntas de recordação e deram início à extensa pesquisa sobre o efeito de
informações falsas sobre a memória. Com o prosseguimento dos estudos, os pesquisadores
foram aperfeiçoando o paradigma da falsa informação ou sugestão. Tal paradigma,
basicamente, consta de três partes, de acordo com as fases do funcionamento da memória:
codificação (apresentação do material), retenção (sugestão de informação falsa) e recuperação
(teste de memória). Um desses experimentos de Loftus consistia na apresentação a estudantes
universitários de slides relativos a um acidente de automóvel envolvendo um pedestre. A
manipulação experimental ou a informação sugestiva era introduzida na fase de retenção da
memória através de um questionário e consistia na substituição da placa “pare” pela placa “dê
a preferência”.
O objetivo de Loftus não era apenas demonstrar que as testemunhas presenciais de um
evento se equivocam ou podem ser sugestionadas, mas testar a idéia de que a memória é
reconstruída ou que as recordações não permanecem inalteradas somente sujeitas ao
20
esquecimento. Na impossibilidade de observar as representações mentais diretamente, os
pesquisadores desenvolvem meios empíricos para inferir o que ocorre dentro da mente.
Assim, com os experimentos realizados, Loftus e seus colegas (1978) sugerem que
integração da informação de mais de uma fonte na memória, bem como o uso dessa
informação na reconstrução da memória de um evento que nunca existiu ou de uma falsa
memória.
No prosseguimento das pesquisas, Loftus (1979) constatou que quando percebemos
um evento também o interpretamos, de modo que, o que se armazena na memória se baseia
em parte na percepção, mas também no conhecimento prévio e em inferências prováveis
sobre aspectos da situação não percebida ou não atendida por completo. Além disso, a
memória provavelmente é armazenada em fragmentos e ao tentar recuperá-la contamos com
fragmentos e com base neles reconstruímos o evento inicial. No caso de uma sugestão falsa, é
mais um fragmento armazenado e, no momento da recuperação, sua resposta depende dos
fragmentos armazenados disponíveis.
No clássico estudo de Ceci, Ross e Toglia (1987), relatado no artigo Suggestibility of
children’s memory: Phycholegal implications, os pesquisadores apresentam os resultados de
quatro experimentos para avaliar a vulnerabilidade dos pré-escolares à sugestão pós-evento e
de alguns dos mecanismos psicológicos responsáveis pela sugestionabilidade. Em linhas
gerais, os resultados obtidos indicam que suscetibilidade à sugestão é maior em crianças mais
jovens em relação às crianças mais velhas e aos adultos. Outro aspecto importante desse
trabalho diz respeito ao impacto da figura de autoridade do entrevistador na sugestão em
crianças. Quando apresentada por outra criança, a influência da informação falsa diminuía,
levando os pesquisadores a concluir que a sugestionabilidade das crianças surge em parte do
desejo de adaptar-se à expectativa de uma figura adulta de autoridade.
21
Atualmente, esse fenômeno da recordação alterada ou das falsas memórias tem sido
estudado com base na Teoria do Traço Difuso (Fuzzy-Trace Theory) (Brainerd e Reyna,
2005). Os pesquisadores Brainerd e Reyna identificaram dois tipos de memória: a de essência
e a literal, que são processadas paralelamente e independentemente uma da outra (Stein e
Pergher, 2001; Neufeld e Stein, 2001). A memória literal reproduz os detalhes específicos da
situação vivenciada, as informações são registradas de forma precisa, de modo que os detalhes
são registrados e armazenados de forma episódica. Contudo, esse tipo de armazenamento é
frágil e rapidamente torna-se inacessível, sendo mais suscetível às interferências. Ao
contrário, a memória de essência armazena as informações que representam o significado da
experiência como um todo, o sentido das situações vivenciadas. É mais estável e resistente,
sendo menos suscetível às interferências. A memória das crianças mais jovens seria
codificada preferencialmente de forma literal, razão pela qual seria mais suscetível ao
esquecimento.
A memória não funciona como uma filmadora, que grava a imagem e essa pode ser
vista e revista diversas vezes. Muitas são as interferências que podem ocorrer entre as fases da
aquisição e recuperação da memória de um evento. As falsas memórias podem resultar de
sugestão externa, acidental ou deliberada, como no caso dos experimentos, com a introdução
de informação falsa, ou de origem interna, resultado de processos de distorções mnemônicas
endógenas. Estas são as chamadas falsas memórias espontâneas ou auto-sugeridas. Diversos
fatores externos podem levar uma criança a distorcer internamente fatos por ela vivenciados
ou testemunhados (Reyna, 1995; Brainerd e Reyna, 2005). Dentre esses fatores estão os tipos
de entrevistas utilizados para se obter as informações das crianças. A distorção da memória
poderá ter sérias implicações legais, quando o evento vivenciado ou testemunhado
caracterizar uma infração penal, porque a credibilidade da criança não implica na
confiabilidade (exatidão) de seu relato.
22
O testemunho infantil pode ser verdadeiro ou falso. O testemunho verdadeiro
corresponde a uma memória verdadeira, ou seja, o relato é fiel ao fato vivenciado ou
testemunhado. Diz respeito à exatidão entre o fato ocorrido e aquele relatado. Por outro lado,
o testemunho falso pode decorrer de distorção proposital dos fatos (mentira) ou de distorção
da memória (falsas memórias). A criança mente quando lembra o que realmente aconteceu,
porém, conscientemente distorce a informação, seja por desejo de vingança, punição ou,
ainda, mediante coação de terceiros, especialmente dos próprios pais. Ao contrário, no caso de
distorção da memória, o testemunho é falso, mas a criança acredita estar dizendo a verdade.
As falsas memórias são caracterizadas pela recordação de algo que, na realidade, nunca
aconteceu. A interpretação errada de um acontecimento pode ocasionar a formação de falsas
memórias.
Obter informações precisas de crianças não é uma tarefa fácil (Ceci e Bruck, 1996),
especialmente quando se trata de falar sobre abuso sexual. Em razão do fracasso das crianças
reportarem os fatos e do ceticismo com que eram recebidos os seus relatos, os investigadores
do abuso sexual passaram a usar abordagens dirigidas e focadas, com perguntas fechadas e
repetidas, buscando informações úteis da criança. Ceci e Friedman (2000) reconhecem que o
interrogatório dirigido é muito mais efetivo que solicitar o relato livre. Todavia, alertam para
os riscos de criar um falso positivo. Eles examinam estudos realizados por Gail Goodman e
seus colaboradores para demonstrar a influência deletéria do uso de perguntas sugestivas
sobre a exatidão das informações de crianças, mesmo quando esse tipo de pergunta é
formulado em entrevistas neutras e encorajadoras, sem combinação com outros fatores de
sugestionabilidade, como repetição de interrogatórios, coerção ou pressão de pares.
Por outro lado, outros estudos também foram conduzidos com o uso de técnicas nos
moldes daquelas, em geral, utilizadas por investigadores de casos de abuso sexual de crianças
(Bruck, Ceci e Hembrooke, 2002). As pesquisas sistemáticas desenvolvidas muito
23
colaboraram para a compreensão dos fatores que influenciam a qualidade das informações
obtidas das crianças. Porém, ainda não permitem identificar, com segurança, a confiabilidade
de um relato. Entre os diversos fatores que afetam a exatidão das recordações das crianças, as
técnicas utilizadas na realização da entrevista forense é indubitavelmente um deles.
Ao revisarem as pesquisas sobre a credibilidade e confiabilidade do relato de crianças,
Bruck, Ceci e Hembrooke (2002) destacaram rias formas de interferência do entrevistador
sobre a exatidão das declarações das crianças. Segundo eles, o entrevistador que tem
convicções prévias sobre o evento pode moldar a entrevista de modo a maximizar revelações
que sejam consistentes com suas convicções e tende a não desafiar a autenticidade do relato
da criança que estiver de acordo com sua hipótese, até mesmo quando a criança fornece
evidências incompatíveis ou estranhas, essas o ignoradas ou interpretadas dentro de sua
prévia convicção. De outro lado, quando a declaração da criança for incongruente com a
prévia convicção do entrevistador, a criança poderá ser desafiada ou perguntas serão repetidas
para alinhar os relatórios subseqüentes da criança com as convicções iniciais do entrevistador.
Esse tipo de entrevista é altamente sugestivo e não é um problema restrito aos profissionais
que entrevistam crianças, mas também pais, professores e outros profissionais quando
questionam as crianças sobre determinado evento. Se por um lado, o encorajamento imparcial
aumenta a resistência das crianças às perguntas enviesadas, por outro, o encorajamento
estruturado, seletivo para as declarações que são consistentes com a convicção do
entrevistador, é outro fator de risco para a exatidão das declarações.
Outro problema é a utilização de perguntas fechadas (sim/não) ou perguntas sugestivas
(entrevistador fornece informações que a criança desconhecia) e a pressão de pares
(entrevistador assegura à criança que o seu amigo(a) relatou esse fato e que ela se sentirá
melhor após falar). Quando essas técnicas são repetidas através de entrevistas múltiplas, os
relatos das crianças podem se tornar incertos (Ceci e Bruck, 1996; Bruck, Ceci e Hembrooke,
24
2002). A realização de entrevistas terapêuticas sugestivas é outro fator de risco à exatidão das
declarações de crianças. Alguns terapeutas defendem o uso dessas técnicas reivindicando que
as crianças vitimadas estão freqüentemente com medo ou envergonhadas de relatar o abuso e
então os entrevistadores devem usar uma variedade de ferramentas para extrair relatos para
proteger a criança de um trauma adicional (Bruck, Ceci e Hembrooke, 2002; Loftus e Davis,
2006).
No caso New Jersey contra Michaels, Margaret Kelly Michaels foi acusada de abuso
sexual infantil. A acusação teve início quando uma das crianças visitou o pediatra e, enquanto
a enfermeira tomou a temperatura retal, a criança declarou: “isto é o que minha professora faz
durante o tempo de descanso na escola”, indicando o nome de Kelly. Posteriormente,
questionado pela mãe, a criança indicou que Kelly teria feito a mesma coisa com outras
crianças. O fato foi levado ao conhecimento do escritório do promotor público, que
entrevistou várias crianças e seus pais. A acusada acabou condenada em primeiro grau pela
prática de diversos delitos sexuais contra várias crianças. O Comitê de Cientistas Sociais dos
Estados Unidos apresentou ao Tribunal de Nova Jersey um resumo da literatura científica
relativa às técnicas de entrevista de crianças, apontando as diversas técnicas de entrevista
altamente sugestivas utilizadas pelos investigadores na inquirição das vítimas, que poderiam
ter aumentado substancialmente o risco de que os relatos das crianças fossem reflexos das
sugestões dos entrevistadores. O documento foi assinado por quarenta e três dos quarenta e
seis pesquisadores da memória solicitados a firmá-lo, dentre eles, os mais respeitados
pesquisadores daquele país (Bruck e Ceci, 1995). As informações apresentadas pelo Comitê
contribuíram para fundamentar a decisão do Tribunal, que absolveu de Kelly Michaels.
4. Alegações de Abuso Sexual Infantil e Implicações Legais
A revelação e a comunicação do abuso sexual infantil gera a intervenção de diversas
instituições e de profissionais de diversas áreas. O objetivo dessas intervenções deveria ser
25
proteger a criança, enquanto vítima, e punir o agressor. No entanto, não é o que sói acontecer.
O abuso pode ser revelado a um familiar, professor, amigo, vizinho e/ou aos profissionais da
saúde. Em qualquer das hipóteses, o fato deve ser comunicado ao Conselho Tutelar e à
autoridade policial. Em razão da ameaça ou violação aos direitos da criança (art. 98, II, do
ECA), o Conselho Tutelar deverá aplicar as medidas de proteção necessárias, dentre aquelas
previstas no art. 101, incisos I a VI, do ECA, e comunicar o fato ao Ministério Público (art.
136, incisos IV e XI, do ECA). Por se tratar de crime, o fato deverá ser comunicado à
autoridade policial para instauração do inquérito policial, oportunidade em que a vítima se
encaminhada para a realização dos exames periciais. Por outro lado, em razão das medidas
protetivas, a criança também passará a ser atendida na rede de saúde e assistencial. Diferente
não é a situação quando o abuso é revelado nas redes de saúde ou ensino, havendo a
obrigatoriedade de comunicação ao Conselho Tutelar (art. 13 do ECA), sob pena de
cometimento de infração administrativa (art. 245 do ECA).
5
A vítima, a princípio, relata os fatos ao ente de sua confiança, familiar ou não, e aos
diversos profissionais das referidas instituições. Não bastasse essa repetição de entrevistas,
também pode haver a intervenção dos meios de comunicação, que entrevistam vítimas,
agressores e testemunhas, correndo o risco de ampliar possíveis distorções. após tudo isso,
a pequena vítima chega ao juízo criminal para relatar o fato criminoso. As diversas
intervenções podem produzir um dano e traumatismo maior nos relacionamentos familiares e
nas crianças individualmente do que o alegado abuso original (Furniss, 1993). Além de
produzir a revitimização, a repetição de entrevistas, como demonstram as pesquisas
científicas, poderá fragilizar a confiabilidade da declaração da vítima como prova no processo
criminal.
5
“Deixar um médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental,
pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo
suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente. Pena multa de três a vinte salários de
referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência”.
26
Com relação à questão do trauma decorrente do abuso sexual infantil, considerando
que esse conceito engloba não o incesto, mas também os diversos toques e apalpamentos,
não se pode ignorar o risco de que a interpretação do evento produza uma releitura
traumatizante, mais deletéria que o próprio evento. Mees (2001, p.139) destaca um relato de
Lacan, citado por Melman (1994), “no qual ele diz: ‘vocês batem na bochecha de uma menina
e ela coloca a pergunta: será que é um tapa ou um carinho? E vocês respondem é um tapa,
ela chora’ (p.35)”. Com base nessa ilustração, Mees alerta que ao se “considerar sempre
traumática esta violência sexual, dizem que se trata - sem exceção - de um tapa, banindo as
possibilidades defensivas no que tange a tal interpretação. Estranho cuidado...”. Portanto, os
cuidados, quando se trata de entrevistar crianças, devem ser redobrados, sob pena de causar
sérios danos à criança, além de violar a prova. Esses cuidados devem ser tomados em
qualquer entrevista, não só naquelas inquirições formais (repartição policial ou em juízo).
5. Intervenção da Justiça Criminal e a Prova
O processo penal tem plice finalidade: o interesse da sociedade na punição de todo
culpado e a proteção das liberdades individuais e, em conseqüência, a tutela dos inocentes
(Mittermaier, 1997). A base de todas as garantias processuais está na preocupação com a
tutela do inocente (Ferrajoli, 2002). A Carta Cidadã, que adotou a doutrina da proteção
integral das crianças e dos adolescentes, também coroou o princípio do favor rei, favor
innocentiae ou favor libertatis, ao erigir à categoria de dogma constitucional a presunção de
inocência (art. 5.º, inciso LVII). Além disso, adotou o princípio do devido processo legal, que
abrange os princípios da amplitude do direito de defesa e do contraditório (art. 5.º, incisos
LIV e LV).
Oportuno, ainda, ressaltar a gravidade dos apenamentos cominados aos crimes de
estupro e atentado violento ao pudor. O autor de um abraço ou um beijo à força, o passar a
mão nas coxas ou seios, mesmo por cima da roupa, poderá ser condenado por incurso nas
27
sanções do crime de atentado violento ao pudor (art. 214 do CP). A pena mínima será de nove
anos de reclusão, se o condenado é ascendente, padrasto, tio, irmão ou tutor da vítima ou
qualquer por qualquer outro título tenha autoridade sobre ela (art. 226, com redação dada pela
Lei nº 11.106, de 2005).
Contudo, para a condenação do acusado é necessário prova emoldurada de certeza e
alicerçada em fatos que não deixem qualquer vida para a condenação. Prova é a soma dos
motivos geradores da certeza dos fatos (Mittermayer, 1997). A finalidade da prova é formar a
convicção do juiz sobre os elementos necessários para a decisão da causa (Tourinho Filho,
2001). No processo penal, o juiz pode acolher a hipótese acusatória se estiver provada e
“não a aceitando, conforme o critério pragmático do favor rei, não se resultar desmentida,
mas também se não forem desmentidas todas as hipóteses em conflito com ela” (Ferrajoli,
2002, p. 122).
A prova pode ser pessoal (arts. 185-230 do CPP), documental (art. 232 do CPP) e
pericial (art. 159 do CPP). A prova pessoal é constituída pelo interrogatório do acusado,
declarações da vítima e depoimentos das testemunhas. No Processo Penal a prova pessoal é
imprescindível, porque em casos excepcionais os fatos delituosos são comprovados com
outros elementos. “O crime é história, passado, e como tal, depende exclusivamente da
memória de quem narra” (Lopes Jr., 2004, p. 263). Diante da importância dessa prova é que a
Psicologia Forense, termo que engloba aplicações como Psicologia do Testemunho, entre
várias outras, desenvolve pesquisas científicas com o objetivo de oferecer aos operadores do
direito importantes contribuições, como a natureza das declarações pessoais.
Na vasta maioria dos processos pela prática de crimes contra a liberdade sexual,
geralmente cometidos às escondidas, e muitas vezes sem evidências físicas, a palavra da
vítima é de extrema relevância. No entanto, examinar a confiabilidade dessas declarações é
mais complexo quando se trata de criança, porque inúmeros fatores podem contribuir para a
28
inexatidão de seu relato, especialmente em situações envolvendo a sexualidade. No Brasil
poucas são as pesquisas, principalmente sobre a identificação de fatores que fragilizam a
confiabilidade das declarações das crianças. O discurso que se repete em palestras, livros,
laudos e até em algumas sentenças e acórdãos sugere que a criança nunca mente ou fantasia
sobre casos de abuso sexual, em especial o intrafamiliar, porque “a maior parte das crianças
não-abusadas não têm conhecimento dos detalhes de encontros sexuais” (Pires, p. 67, 2000)
ou que histórias inventadas são facilmente detectáveis (Flores e Caminha, 1994).
Contudo, na análise de casos judiciais constatamos que crianças e adolescentes
também podem fazer declarações falsas, sejam elas baseadas em falsas memórias ou numa
distorção proposital dos fatos (mentira). Em muitos casos, a criança passa a repetir, como uma
verdade, a história fruto de percepções e suposições equivocadas de um adulto, que interpreta
de forma inadequada algum evento e, inadvertidamente, termina induzindo a criança a
acreditar que efetivamente foi vítima de um abuso sexual. Logo, há falsas acusações em que a
própria criança vítima tem como verdadeiras suas recordações. Todavia, essas recordações
não correspondem a um evento real, é o fenômeno das falsas memórias.
Por isso, para o julgamento desses processos é preciso ir muito além da análise da
credibilidade da palavra da vítima. Como anteriormente examinado, o testemunho infantil
pode ser verdadeiro ou falso. O testemunho verdadeiro diz respeito à exatidão entre o fato
ocorrido e aquele relatado. Por outro lado, o testemunho falso pode decorrer de distorção
proposital dos fatos (mentira) ou de distorção da memória (falsas memórias). A criança mente
quando lembra o que realmente aconteceu, porém conscientemente distorce a informação, às
vezes, de forma deliberada, por vingança, como no processo crime de 00113621123 da
Comarca de Porto Alegre.
Uma menina de dez anos de idade acusou o padrasto de estupro, relatando uma
história baseada num programa televisão. Trata-se de caso gravíssimo, porque um cidadão
29
inocente foi preventivamente preso, causando grave sofrimento não ao acusado, mas a
todos seus familiares. Imperioso esclarecer que a sedizente vítima narrou detalhadamente o
ataque sofrido à autoridade policial, até mesmo relatando a prática de conjunção carnal, como
foi descrito na denúncia: “...o denunciado, aproveitando-se da ausência de familiares na
residência e mediante violência física contra esta, consistente em tapas e empurrões, obrigava
a vítima a se despir, momento em que introduzia seu pênis na vagina da menor, até que esta
gritasse de dor. Em algumas oportunidades, à noite, o denunciado se dirigia ao quarto da
vítima, lhe amarrava e amordaçava, abusando sexualmente dela...”.
Além disso, foi entrevistada pela psicóloga do CRAI – Centro de Referência no
Atendimento Infanto-Juvenil, no mínimo, em três oportunidades, de acordo com o relatório da
técnica. Essa profissional não explorou qualquer outra hipótese nas entrevistas, como a
distorção proposital dos fatos pela criança ou uma falsa atribuição da autoria ao padrasto.
Com base no laudo fornecido pelo CRAI, o acusado foi preso preventivamente. Somente
quando inquirida em juízo, a vítima admitiu que inventou a acusação por vingança, porque
estava com raiva do réu e desconhecia as conseqüências dessa acusação. A negativa acabou
confirmada pelo laudo pericial que comprovou a virgindade da vítima e o próprio Ministério
Público postulou a absolvição do réu.
Além de mentir de forma deliberada, algumas crianças e adolescentes utilizam a
acusação de abuso sexual para fazer cessar outras formas de violência física, psicológica ou
negligência. A posição de vítima de abuso sexual pode oferecer à criança a atenção, o respeito
e os cuidados necessários ao desenvolvimento do ser humano que lhe estavam sendo negados.
E não é difícil inventar um relato, até de certo modo detalhado, com base em notícias
divulgadas pelos meios de comunicação, como notícias da ocorrência de crimes sexuais ou
pelas cenas de sexo de filmes e novelas, bem como pelas informações de uma amiga, colega
de aula, parente ou conhecida que efetivamente foi vítima de um crime sexual. Nesses casos,
30
também, parece haver uma tendência dos profissionais que atuam no atendimento das crianças
e adolescentes vítimas na busca da confirmação da ocorrência do crime sexual.
Outras crianças mentem sobre abuso sexual porque são coagidas. Nesse caso, a
mentira pode ser no sentido de acusar falsamente um inocente, negar a prática do crime ou
imputá-lo a terceiro para isentar o próprio agressor. A decisão proferida pela Oitava Câmara
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento da Apelação Crime
699251492, como se constata da leitura do voto proferido pelo Desembargador Luís Carlos de
Carvalho Leite, decisão que bem exemplifica esses casos de falsa acusação:
“... A prova colhida, quer na fase investigativa, quer na fase judicial, mostrou-se toda
ela contrária a AM (o réu), coerentes e uniformes as declarações da pequena ofendida, de seu
irmão J., de sua mãe E. e de AS. Tanto a menina como J. relatam o relacionamento sexual do
réu com E. (vítima), narrativas confirmadas por E. (mãe) e AS. Diante dos elementos até
então colhidos, incensurável o veredicto condenatório. Entretanto, depois de prolatada a
sentença, veio aos autos documento [...], o qual refere que a ofendida prestara declarações
[...], para a assistente social, subscritora do aludido ofício, para a pediatra e para a
psicopedagoga, afirmando que quem praticara o ato sexual consigo fora AS, o que era do
conhecimento de sua e, que nada fazia, por estar sendo ameaçada por aquele, e que antes
acusara o réu porque coagida por AS, que ainda lhe fizera promessa de dar-lhe bens materiais
(fl. 82). [...] E o exame que procedo está a demonstrar que os elementos coligidos até a
prolação da sentença estavam a impor solução condenatória, como salientei acima, pela
coerência e uniformidade de todos os depoimentos colhidos. No entanto, reinquirida em juízo
a vítima, disse ela que ‘AM, seu pai, nunca fez tais atos com a depoente’ (fl. 142),
esclarecendo mais que ‘AS mandava a depoente tirar a roupa e ela se recusava, sendo que ele
retirava à força e colocava o pênis no ânus da depoente’ (fl. 142). E, ainda, referindo-se à
conduta de AS, conclui, afirmando que ‘AS também penetrou a depoente na vagina’ (fl. 142),
31
ao asseverar, claramente que AS praticava com ela coito anal e vaginal, nenhuma prática
sexual sendo cometida por AM. Nessa linha foi o depoimento de sua avó. E (mãe), no
entanto, quando reinquirida, passou a admitir que AS também abusara sexualmente da menor,
não retirando, porém, a acusação que fizera a AM, sempre contando que assim lhe fora dito
pela vítima e por J. Mas frisa E. que sua filha ‘disse que desmentiu tudo em juízo porque
quando acusou o padrasto estava com raiva dele porque ele tinha ido atrás dela na saída da
escola’ (fl. 154v). [...] Por outro lado, a palavra da vítima, sempre relevante em delitos desta
natureza, quando coerente, segura e uniforme, não pode ter valor decisivo quando vacilante.
Com efeito, E. (vítima), a par de sua pouca idade, a exigir reservas diante de suas declarações,
por tratar-se de testemunho infantil, não inspira a credibilidade necessária porque, depois de
acusar o réu, inocenta-o, para incriminar AS. A conclusão que se chega é que se trata de
criança facilmente influenciável, para não se dizer que esteja coagida, porque sua palavra
varia de acordo com presumíveis pressões.”
A situação noticiada nesse Acórdão ilustra o quanto uma criança pode mentir e mentir
cinicamente. Ainda que tenha agido mediante coação, quiçá da própria mãe, isso demonstra a
necessidade de especial cuidado na investigação e produção da prova desse tipo de delito.
Nesses dois casos de testemunho falso, a criança distorceu a informação dos fatos de forma
consciente e deliberada e, mesmo assim, não foi fácil detectar a mentira.
E no caso de distorção da memória, como identificar o testemunho falso se a criança
acredita estar dizendo a verdade? As falsas memórias são caracterizadas pela recordação de
algo que, na realidade, nunca aconteceu. A interpretação errada de um acontecimento pode
ocasionar a formação de falsas memórias. Assim, falsas acusações de abuso sexual também
ocorrem em razão de percepções e suposições equivocadas, normalmente por parte de um
adulto, que interpreta de forma inadequada algum evento e termina induzindo uma criança a
32
acreditar que efetivamente foi vítima de um abuso sexual. É o caso do processo crime
00106967913 de Porto Alegre. Consta da sentença:
“... a acusação teve início quando a mãe viu sangue na calcinha da vítima, levando-a a
concluir que a criança teria sido desvirginada naquela data. Tomada de desespero, diante da
suposição de estupro, a mãe passou a questionar a filha, que foi confirmando as suspeitas.
Tanto é que, até hoje, conforme informou quando prestou as declarações em juízo (fls. 78/79),
não sabe se houve desvirginamento. Aliás, foi justamente isso que constou na ocorrência
policial ‘Informa que na hora de dar banho em sua filha menor, K, constatou que havia
sangue nas calcinhas, ao perguntar para sua filha o porquê do sangue, a mesma começou a
chorar e disse que foi o tio que colocou os dedos dentro dela, digo, dentro da calcinha.’ -
(fls.09). Na mesma oportunidade, afirmou a mãe ‘que a criança estava no pátio às 17:00 da
tarde e possivelmente neste horário teria ocorrido o fato...’. Exatamente essa é a versão do
acusado, que ele permaneceu no pátio da casa, brincando com a ofendida e seu irmão. [...] No
entanto, como consignei, no exame pericial, realizado no dia do fato, além de não constatar
nenhuma lesão vaginal ou anal na vítima, os peritos garantem que a vítima era virgem, [...]
Aliás, a versão apresentada em juízo pela vítima, que contraria sua versão inquisitorial, restou
isolada no conjunto probatório. [...] Ao fim, verifica-se que as versões da ofendida são mais
uma reafirmação das versões maternas, com os acréscimos e esquecimentos respectivos, em
pontos fundamentais, não confirmados pela prova, tanto testemunhal como técnica. Aqui, ao
contrário do alegado pela defesa, tenho que a mãe da vítima não produziu maliciosamente
uma falsa acusação. Não. Aqui o desespero da mãe ao visualizar o sangue na calcinha da filha
foi o que a levou a questionar a filha, essa vendo o estado da mãe, também, ficou desesperada.
Aliás, toda essa situação, o choro e o desespero da mãe, exame no posto médico [...], o
constrangimento dos exames no DML, as declarações na repartição policial, certamente,
33
independentemente de haver ocorrido ou não o fato, causaram sérios danos emocionais à
vítima, compatíveis com as seqüelas relatadas pela mãe...”.
De outro lado, falsas denúncias de abuso sexual, também, servem como poderosa arma
nos litígios, especialmente aqueles envolvendo disputa de guarda (Lamb et al., 2000). O
psiquiatra americano Richard Gardner estudou o atuar sistemático de um genitor para denegrir
a imagem do outro genitor perante os filhos, nomeando esse processo de Síndrome de
Alienação Parental - SAP (Trindade, 2004). Uma das principais acusações contra o genitor
alienado é a prática de abuso sexual. Em geral, a mãe é o genitor alienador e a falsa imputação
recai sobre o pai. No entanto, o pai também pode ser o alienador, nesse caso a acusação é
atribuída ao companheiro da e ou a outro familiar dela. Na Argentina, o aumento de falsas
alegações de abuso sexual infantil em disputas de guarda e o problema da SAP foram
relatados por Cárdenas no artigo “El abuso de la denuncia de abuso” (2000). A médica
Belinerblau (2004) contrapõe-se ao alerta feito por Cárdenas e afirma que se trata de uma
reação negativa e violenta contra os profissionais que trabalham no campo da proteção da
infância. Contudo, ela admite que em sua experiência no corpo médico forense da Argentina,
no período de 1994 até 2000, da amostra de 315 casos de abuso sexual infantil, segundo
avaliação psiquiátrica, apenas 164 (52%) foram considerados fundados, 137 (43,2%)
infundados e 12 (3,8%) falsas denúncias. No entanto, analisadas apenas as acusações contra
os pais em geral, da amostra de 144 casos, apenas 55 (38,2%) foram consideradas acusações
fundadas, 83 (57,6%) acusações não fundadas e 6 (11%) falsas acusações. Por fim, tratando-
se de acusações contra pais com divórcios litigiosos, da amostra de 16 casos, 2 (12,5%) foi o
número de acusações fundadas, 13 (81,25%) não fundadas e 1 (6,25%) de falsa acusação de
abuso sexual.
Pesquisa realizada nos Estados Unidos sobre alegações de abuso sexual em casos
envolvendo litígio entre os pais, de uma amostra de 169 casos, em 67% dos casos as
34
acusações provinham da mãe, 28% dos pais e 11% de terceiros. Em 129 casos foi possível
obter uma determinação sobre a validade da alegação, sendo que em 50% dos casos a decisão
reconheceu o abuso, em 33% reconheceu o não abuso ou alegação falsa, e em 17% dos casos
não foi possível determinar a ocorrência ou não do abuso (Thoennes e Tjaden, 1990).
Trindade, ao analisar a Síndrome de Alienação Parental, reconhece que “a produção
dessa Síndrome constitui uma forma de abuso, para a qual, entretanto, parece que ainda não
estamos plenamente capacitados para identificar precocemente e intervir de forma eficaz,
deixando a criança exposta a uma série de eventos psicopatológicos e mesmo psiquiátricos de
natureza patológica, de difícil reversibilidade” (2004, p. 156). O genitor alienador confia aos
filhos seus sentimentos negativos e as más experiências vividas com o genitor ausente,
fazendo com que eles absorvam toda a negatividade que o alienador coloca no alienado.
Quando as denúncias de abuso sexual provêem de pais em litígio, os cuidados precisam ser
redobrados. Geralmente, essas vítimas aparecem com um relato pronto para contar. Não se
trata de mentir. Ao contrário, a versão foi cuidadosamente construída e implantada na
memória da criança pelo genitor alienador, com a utilização das técnicas de entrevista, de
questionamentos repetitivos e altamente sugestivos, em geral, com o apoio de seus familiares
e até, inadvertidamente, de profissionais da área de saúde e do sistema legal, como adverte
Trindade (2004).
O relato da mãe de uma vítima de crime de atentado violento ao pudor, tendo com
acusado o ex-marido, demonstra sua incessante busca para afastar em definitivo o filho do
convívio paterno: “... Eu estava mais ou menos desconfiada porque eu vinha cuidando,
porque sempre que ele vinha da casa do pai, eu dava uma revisada [...] Porque eu estava
desconfiada que ele estava abusando sexualmente do guri. [...] Eu ia e falava com a advogada
que dizia que não tinha provas. J: Como você foi conseguindo as provas? T: Eu comecei a
perceber no banho e achei que o único jeito era levar ele numa psicóloga. Procurei várias,
35
muitas atenderam, mas não faziam o tratamento que tinha que fazer. J: Que tratamento tinha
que fazer? T: De conversar com a criança para tentar descobrir o que estava acontecendo...”.
Outra mãe foi mais persuasiva ao questionar a filha de 04 anos de idade, como se
constata ao analisar as declarações prestadas no processo criminal contra o ex-marido e pai da
vítima: “Que ela chegou em casa da visita e começou a fazer uns desenhos estranhos [...]. Daí
ela não queria me contar, ela chorava, chorava. Aí eu a sentei num banquinho e disse que ela
iria ficar de castigo até ela contar. Contou que o pai tinha dado banho, está? Pedi para ela
desenhar o que ela estava vendo, como ela estava vendo, como é que ela via. Ela desenhou
direitinho. Que o pai tinha ensinado que no carro tinha um tico pendurado, sendo que eu
nunca tinha falado isso aí para ela, está?”
Dos casos judiciais citados, observa-se que nem sempre a vítima mente quando se
trata de uma falsa acusação. Muitas vezes a criança passa a repetir, como uma verdade, a
história cuidadosamente construída e implantada pelo genitor alienador ou a história fruto de
percepções e suposições equivocadas de um adulto, que induz a criança a acreditar que
efetivamente foi vítima de um abuso sexual. Logo, além das falsas acusações em que a vítima
mente conscientemente, outras falsas acusações em que a própria criança vítima tem como
verdadeiras suas recordações, é o fenômeno das falsas memórias. Diante dessa realidade, a
tarefa do juiz criminal é árdua. Como distinguir entre acusações verdadeiras e falsas? Ainda
que se reconheça que histórias inventadas pelas crianças e adolescentes sobre abuso sexual
são facilmente detectáveis (Flores & Caminha, 1994), afirmação que não corresponde à
prática forense, notadamente como se dos exemplos citados, distinguir entre relatos fruto
de falsas memórias e a confiabilidade das declarações das crianças é tarefa que ainda não
encontrou resposta na pesquisa científica. A única solução é implementar medidas para
prevenir possíveis máculas na confiabilidade dos relatos das vítimas.
6. Inquirição de Crianças e Técnicas da Entrevista Forense
36
Inicialmente é preciso distinguir os objetivos da entrevista forense e entrevista
terapêutica. A entrevista forense busca evidências do crime. Como ensina Tourinho Filho, “o
sujeito passivo do crime, de regra, é quem melhor poderá fornecer à Autoridade Policial
elementos para o esclarecimento do fato” (2001, p. 62). Ceci e Bruck salientam que “o papel
principal e único do investigador forense é recolher os fatos do caso. Na terapia, entretanto, há
uma ênfase na ajuda, ao invés de priorizar os fatos; os terapeutas reconhecem que existem
representações múltiplas da realidade do seu paciente que necessitam serem valoradas antes
de se decidir que abordagem será a mais terapêutica. Dependendo de sua orientação teórica e
o papel percebido, os terapeutas podem estar interessados em acompanhar os conflitos
intrapsíquicos que podem ou não ser baseados na realidade” (1996, p. 290).
As entrevistas forenses, portanto, são aquelas projetadas para facilitar o recolhimento
de evidências pelas declarações da vítima ou testemunhas. Embora exista uma clara distinção
entre os papéis - terapeuta e entrevistador forense - parece ainda haver dificuldades na
compreensão desta diferença, situação que pode contribuir para o uso inadequado de técnicas
que podem vir a contaminar as declarações das crianças e, em conseqüência, conduzir a
injustiças, com absolvição de culpados e, mais grave, condenação de inocentes. A tarefa de
entrevistar crianças é desafiadora, especialmente quando se trata de recolher informações
sobre suspeita de abuso sexual. São necessárias estratégias competentes para ajudar a criança
a conversar sobre suas experiências íntimas e sentimentais, sem introduzir informações por
elas não mencionadas.
A pesquisa experimental em Psicologia do Testemunho identificou algumas cautelas
que podem maximizar a qualidade da entrevista forense com crianças. No tocante à
linguagem, a orientação é o uso da voz ativa, de palavras e frases simples, evitar duplos
negativos e perguntas múltiplas, bem como prestar atenção se a criança compreendeu a
pergunta (Walker, 2002). Os diferentes protocolos de entrevista forense, modo geral, dividem
37
a entrevista em três etapas distintas. A primeira é uma fase inicial para construção do rapport
e estabelecimento das regras da entrevista. Além de favorecer a ambientação da criança à
situação da entrevista, é nessa etapa que o entrevistador conhece as habilidades de
comunicação e o grau de compreensão da criança e forma com ela um vínculo de confiança.
A entrevistada é informada sobre o propósito da entrevista e o entrevistador deve estabelecer
com ela algumas regras básicas, especialmente: (a) enfatizar a importância de dizer a verdade;
(b) explicar que o entrevistador não pode conhecer os detalhes corretos, porque ele não estava
presente na hora do incidente, solicitando informações detalhadas; (c) ensinar a criança a usar
adequadamente como resposta o “eu não sei”; (d) dar permissão à criança para indicar quando
não compreende uma pergunta; (e) explicar que a repetição da uma pergunta não significa que
a criança respondeu incorretamente; (f) a criança deve entender a importância de responder
cada pergunta honestamente; e (g) encorajar a criança a corrigir o adulto, se o entrevistador
incorretamente interpreta mal uma resposta ou comete algum outro engano (Memon, 2000;
Sternberg et al, 2002; Walker, 2002; Fivush et al, 2002).
Na segunda etapa a criança é solicitada a relatar livremente o evento, com todos os
detalhes que possam ser recordados (Warren & Lane, 1995; Memon, 2000; Milne, 2000;
Sternberg et al., 2002; Walker, 2002). Durante o relato livre, o entrevistador não deve
interromper, limitando-se a manifestações de incentivo para a criança prosseguir o relato - “E
aí?”, “Sim, que mais?”, “E então, o que aconteceu?”. A declaração obtida em relatos livres,
embora menos detalhada que aquela produzida por questionamentos específicos, tende a ser
mais precisa (Lamb et al, 2000; Walker, 2002).
Considerando que, mesmo quando solicitado um relato livre, raramente as crianças
fazem uma detalhada e completa exposição dos incidentes observados ou experimentados,
para se obter informações adicionais do evento, como o contexto de tempo e espaço e as
pessoas envolvidas, é preciso formular perguntas. A literatura não apresenta uma definição
38
consistente dos tipos de perguntas (Ceci & Friedman, 2000), mas freqüentemente
encontramos a distinção entre perguntas abertas, fechadas e sugestivas. Perguntas abertas
(gerais ou exploratórias) são aquelas que demandam recordação da criança. O entrevistador
pergunta algo (O que aconteceu?) deixando que a criança forneça todos os detalhes (Lyon,
2002). É o tipo de pergunta mais indicada, porque pouco risco de macular a confiabilidade
das declarações. Por outro lado, as perguntas fechadas são aquelas de reconhecimento, a
criança se limita a afirmar, negar ou escolher entre as opções que lhe são oferecidas (Lyon,
2002). Aqui as opções devem ser formuladas com base no relato livre da criança. Por fim, a
técnica da pergunta sugestiva, consiste na introdução de nova informação, ainda não
mencionada pela criança, dentro de uma entrevista (Garven, Wood et al., 1998). Ainda que
necessário, somente depois da etapa narrativa é que a criança deve ser questionada. O cuidado
do entrevistador nesta terceira etapa é buscar mais informações baseando-se naquelas
fornecidas pela criança no relato livre. Perguntas fechadas e sugestivas, se necessário, devem
ser usadas somente no final da entrevista (Lamb et al., 2000).
Depois de obter tantas informações quanto parece que a criança é capaz de fornecer, a
literatura sugere que os entrevistadores perguntem à criança se existe alguma informação
adicional. Agora é a oportunidade de agradecer a colaboração da criança, recapitular e
verificar a veracidade do resumo do entrevistador, explicar a seqüência dos atos legais,
permitir que a criança esclareça suas dúvidas e subseqüentemente oferecer um momento para
retomar um assunto neutro (Sternberg et al , 2002; Walker, 2002).
Fundamental, além disso, é que a entrevista seja gravada. Os pesquisadores afirmam
que a avaliação da confiabilidade das informações obtidas nas entrevistas investigativas
somente pode prosseguir quando um completo registro eletrônico - preferencialmente um
videotape - não pelas respostas fornecidas pela criança, mas também para analisar as
perguntas formuladas e os estímulos pelos quais as respostas foram produzidas (Sternberg et
39
al , 2002; Walker, 2002). Acrescente-se a isso que, o registro eletrônico de entrevistas
conduzidas de modo competente logo depois dos alegados eventos é um elemento duradouro
das informações obtidas da vítima ou testemunha, não sujeitos ao esquecimento pelo
transcurso do tempo. Embora os registros eletrônicos não possam substituir o depoimento sob
o crivo do contraditório, eles podem ser admitidos como importantes indícios no acervo
probatório. Outra razão para gravar as entrevistas é para o aperfeiçoamento dos
entrevistadores, porque eles se tornam mais responsáveis e, também, em razão da utilização
da gravação para o treinamento e supervisão. Aliás, a importância do treinamento dos
entrevistadores para a adoção das melhores técnicas da entrevista forense é destacada por
diversos pesquisadores (Lamb et al, 2000; Fivush et al, 2002).
7. Conclusão
É do embate dos opostos que surge algo que combina os melhores elementos de
ambos, segundo as idéias do filósofo Georg Hegel
(1992). O aumento contínuo de denúncias
de abuso sexual infantil coincidiu com a retomada das pesquisas sobre a capacidade
mnemônica e a sugestionabilidade das crianças. As pesquisas sugerem que as crianças, até as
mais jovens, podem fornecer informações confiáveis e válidas sobre suas experiências (Quas
e Shaaf, 2002; Bruck, Ceci e Hembrooke, 2002; Orbach et al., 2000; Lamb et al., 2000). No
entanto, a sensibilidade e a competência dos entrevistadores são fundamentais para evitar os
vários problemas que maculam a confiabilidade do testemunho infantil. Como destacam
Fivush, Peterson e Schwarzmueller, “a questão não é quão críveis são os testemunhos das
crianças, mas sim, como são cautelosos os entrevistadores forenses” (2002, p. 350). Dentre os
fatores externos que podem levar uma criança a distorcer internamente fatos por ela
vivenciados ou testemunhados estão as técnicas de inquirição ou tipos de entrevistas
utilizados para se obter as informações das crianças.
40
Os riscos na inquirição de crianças demonstram a necessidade da observância de
alguns cuidados nimos para a não contaminação dos relatos, a ponto de ser impossível
identificar a fonte das declarações da criança: recordação de um evento experimentado ou
falsas memórias implantadas por entrevistas inadequadas. Tais entrevistas abrangem não só as
inquirições formais (polícia e juízo), mas englobam todos os questionamentos, como aqueles
realizados pelos pais, familiares, professores, jornalistas e outras pessoas, técnicos ou não,
que, sem o conhecimento e a adoção das melhores técnicas, acabam destruindo a
confiabilidade da palavra da vítima, restando como solução a absolvição dos acusados. Para
Ceci e Friedman (2000), na incerteza sobre como as entrevistas foram conduzidas, juízes não
deveriam decidir em favor da ação penal.
De acordo com Bruck e Ceci (1995), a ausência de gravações de áudio e vídeo das
primeiras entrevistas com crianças, torna impossível determinar a exatidão de suas
declarações subseqüentes, ainda quando as entrevistas subseqüentes são gravadas
eletronicamente. Os resumos escritos de entrevistas, não gravadas, estão sujeitos a inúmeras
distorções, porque os entrevistadores recordam somente o essencial, mas eles não conseguem
lembrar as exatas palavras usadas, nem as seqüências das interações de uma entrevista. Além
disso, se o investigador tem uma preconcepção de que a criança foi sexualmente abusada, isto
pode colorir suas interpretações sobre o que a criança disse ou fez. É essa interpretação que
ele consigna e não um relato fidedigno da entrevista.
Assim, ao juiz criminal resta a permanente angústia de absolver um culpado e, pior,
condenar um inocente, baseado unicamente na palavra da pequena vítima, que passou por
diversas entrevistas e está cansada de reprisar sua narrativa, seja sobre um evento doloroso
vivido ou sobre o evento que lhe foi sugerido por familiar ou pelos diversos entrevistadores
aos quais foi submetida. As semelhanças entre memórias falsas e verdadeiras são mais
profundas do que os pesquisadores tinham previamente pensado (Gonsalves e Paller, 2002;
41
Leichman, Wang, Davies, 2000). A adoção de um sistema de gravação, ainda que somente em
áudio, das entrevistas ou inquirições realizadas com a vítima na fase inquisitorial é medida
indispensável para permitir que o juiz criminal tenha condições de examinar a confiabilidade
da palavra da vítima. O treinamento dos entrevistadores para a adoção das técnicas de
entrevistas adequadas, de modo a proteger a vítima e maximizar a qualidade e confiabilidade
de suas declarações, é outro fator reconhecido na área da Psicologia do Testemunho.
No caso da mãe que visualizou sangue na calcinha da filha, o descontrole materno
possivelmente causou traumas psicológicos na filha, que poderiam ter sido minimizados com
o adequado atendimento no posto de saúde, acalmando a mãe e buscando identificar a efetiva
origem do sangue, até porque a menina não apresentou nenhuma lesão. O encaminhamento à
repartição policial e, posterior, ao DML, ao contrário, contribuíram para fazer a mãe acreditar
que a filha efetivamente havia sido desvirginada. Ninguém buscou explicações alternativas
para a origem do sangue. Como se ocorresse uma histeria coletiva, a única hipótese
investigada foi o desvirginamento.
Portanto, para cumprir a Constituição Federal e assegurar a proteção integral às
crianças e aos adolescentes e o princípio do favor rei, favor innocentiae ou favor libertatis,
bem como, para cumprir a dúplice finalidade do processo penal (interesse da sociedade na
punição de todo culpado e a proteção das liberdades individuais), são necessários alguns
cuidados básicos na investigação do abuso sexual infantil, em especial, quanto às entrevistas
ou inquirições das crianças.
42
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desenvolvimento de crianças vítimas de abuso sexual. Psicologia: Reflexão e
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48
Título completo em Português: ENTREVISTA FORENSE DE CRIANÇAS: TÉCNICAS
DE INQUIRIÇÃO E QUALIDADE DO TESTEMUNHO
Sugestão de título abreviado: TÉCNICAS DE INQUIRIÇÃO FORENSE DE CRIANÇAS
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Pesquisa científica e as entrevistas com crianças - 2.1 Viés do
entrevistador- 2.2 Repetição de entrevistas - 2.3 Repetição de perguntas - 2.4 Indução de
estereótipos - 2.5 Tom sentimental da entrevista - 2.6 Pressão de Pares - 2.7 Status do
entrevistador - 2.8 Entrevista forense e tipos de perguntas - 2.9 Registro eletrônico da
entrevista - 2.10 Recomendações da literatura - 3. Estudo empírico: Metodologia – 3.1
Amostra - 3.2 Instrumentos - 3.2.1 Evento - 3.2.2 Ocorrências - 3.2.3 Conteúdo das
entrevistas - 3.3 Procedimentos- 4. Resultados 4.1 - Análise das entrevistas - 4.1.1 Tipos de
perguntas das entrevistadoras - 4.2 Qualidade das informações - 4.3 Análise qualitativa 5.
Considerações finais - Bibliografia.
49
Resumo
Neste artigo analisaremos alguns estudos sobre as técnicas de entrevista forense e seus efeitos
sobre a qualidade das declarações de crianças, relacionando os achados da literatura com os
resultados de nossa pesquisa. O delineamento do estudo busca uma validade ecológica ao
tentar mimetizar as situações reais em que crianças são entrevistadas nas delegacias
especializadas no atendimento de crianças e adolescentes. A correlação entre o uso de
perguntas fechadas e sugestivas e a tendência ao aumento de informações falsas e diminuição
das informações verdadeiras identificadas em nosso estudo encontra apoio na literatura
científica e serve de alerta quanto aos riscos de algumas técnicas de entrevista
comprometerem a confiabilidade da palavra da criança.
Palavras chaves: Psicologia do Testemunho. Técnicas de inquirição de crianças. Entrevista
forense. Interferência do entrevistador. Sugestionabilidade de crianças.
50
1. Introdução
O vasto número de pesquisas científicas desenvolvidas para melhorar a confiabilidade
das declarações de crianças é proporcional à relevância que a palavra da vítima assume nos
crimes contra a liberdade sexual, crimes estes geralmente cometidos às escondidas e na
maioria das vezes sem evidências físicas. O fato da vítima ser criança não retira o valor de
suas declarações. No entanto, vários fatores como desenvolvimento cognitivo, linguagem,
coação, fantasia, memória e sugestionabilidade podem comprometê-las. A palavra da vítima é
produzida em inquirições ou entrevistas forenses. “Uma entrevista, no mínimo, é uma
interação verbal entre pelo menos duas pessoas, na qual um dos participantes (o entrevistador)
tem a meta de obter informações específicas de outro participante (o entrevistado)”
6
. A
entrevista forense, com freqüência, é o componente mais importante da investigação. Assim, a
construção das entrevistas ou o método pelo qual as informações são obtidas é crucial para
avaliar a confiabilidade dessas declarações. Aqui, diferenciamos confiabilidade de
credibilidade. A credibilidade implica que o locutor sabe se o que é dito é verdadeiro ou falso.
Confiabilidade, porém, é comparável com exatidão, é o “grau de fidelidade de uma
informação em relação ao original”
7
.
A pesquisa experimental em Psicologia do Testemunho identificou um conjunto de
práticas e seus efeitos sobre a confiabilidade das declarações das crianças. Com base nessa
literatura, apresentaremos um estudo empírico que tem por objetivo conhecer os métodos de
inquirição utilizados pelas escrivães de polícia de delegacias especializadas no atendimento de
crianças e adolescentes e avaliar as possíveis conseqüências sobre as informações obtidas nas
entrevistas com crianças.
2. Pesquisa Científica e as Entrevistas com Crianças.
6
CECI e BRUCK, 1996, 1996, p. 76.
7
HOUAISS, 2001, p. 795.
51
Os objetivos da entrevista forense são distintos daqueles da entrevista terapêutica.
Como salientem Ceci e Bruck, “o papel principal e único do investigador forense é recolher
os fatos do caso. Na terapia, entretanto, há uma ênfase na ajuda, ao invés de priorizar os fatos;
os terapeutas reconhecem que existem representações múltiplas da realidade do seu paciente
que necessitam serem valoradas antes de se decidir que abordagem será a mais terapêutica.
Dependendo de sua orientação teórica e o papel percebido, os terapeutas podem estar
interessados em acompanhar os conflitos intrapsíquicos que podem ou não ser baseados na
realidade”
8
. Embora exista uma clara distinção entre os papéis - terapeuta e entrevistador
forense - parece ainda haver dificuldades na compreensão desta diferença, podendo contribuir
para contaminar as declarações das crianças e, em conseqüência, conduzir a injustiças, com
absolvição de culpados e, mais grave, condenação de inocentes.
A literatura sugere que crianças, até as muito jovens, podem recordar e relatar detalhes
importantes de eventos. No entanto, a sensibilidade e a competência dos entrevistadores são
fundamentais para evitar os vários problemas que maculam a confiabilidade do testemunho
infantil. Enrico Altavilla
9
, desde o início do século passado, alertava sobre as cautelas a
observar nos depoimentos de crianças em razão dos fatores que comprometem sua
confiabilidade, como o desenvolvimento fisiopsicológico, a percepção, imaginação e
emotividade, atenção, memória, egocentrismo, distância e intervalo de tempo, sugestão,
sinceridade impulsiva, mentiras e erros, vaidade e curiosidade. Segundo ele, “a criança tem
grande intuição e descobre com facilidade a opinião de quem interroga, e isso perturba o que
ela sabe”
10
.
Nas últimas décadas aumentaram os estudos sobre a capacidade mnemônica das
crianças, sugestionabilidade e relatos de eventos falsos ou das falsas memórias. Esse interesse,
em parte, decorre do crescente número de alegações de abusos sexual contra crianças. Muitos
8
CECI e BRUCK, 1996, p. 290.
9
ALTAVILLA, 1981.
52
pesquisadores focaram seus estudos na capacidade e nas limitações de crianças jovens
fornecerem informações confiáveis e válidas sobre suas experiências
11
. Todavia, esse vasto
campo de pesquisa ainda é pouco conhecido no Brasil.
Referência para diversos estudos, a obra Jeopardy in the Courtroom, dos
pesquisadores Stephen Ceci e Maggie Bruck
12
, faz uma análise científica do testemunho das
crianças baseada em diversas pesquisas. Pela sua importância para compreensão dos achados
científicos sobre o tema, destacaremos algumas dessas técnicas de entrevista. Reconhecem
esses pesquisadores que obter informações precisas de crianças relativamente a eventos
forenses importantes não é uma tarefa fácil, porque (1) as crianças não estão acostumadas a
fornecer narrativas elaboradas sobre suas experiências; (2) a passagem do tempo dificulta a
recordação de eventos; e, (3) pode ser muito difícil reportar informações sobre eventos que
causam estresse, vergonha ou dor.
Nessa obra, inicialmente os autores analisam as características da conversação diária
entre adulto e criança para mostrar que os adultos estruturam a interação ao redor de seu
conhecimento sobre o assunto, formulando muitas perguntas, freqüentemente perguntas
específicas e principais e, quando a resposta não é satisfatória, repetem a pergunta. Os adultos
podem fazer comentários para recompensar respostas ou conduzem a interação de volta ao
foco de seu interesse, extinguindo a produção de observações da criança. Ou seja, a criança
responde de modo consistente com as convicções do adulto ou suas respostas simplesmente
refletem as informações que são obtidas nas perguntas dos adultos. Estudos sugerem que as
respostas das crianças para perguntas dos adultos podem, às vezes, refletir o que elas pensam
que o adulto quer ouvir, no lugar do que elas lembram
13
. Na tentativa de demonstrar sua
10
ALTAVILLA, 1981, p. 69.
11
QUAS e SHAAF, 2002; FIVUSH, PETERSON e SCHWARZMUELLER, 2002; BRUCK, CECI e
HEMBROOKE, 2002; ORBACH et al., 2000;
LAMB et al., 2000; GARVEN et Al., 1998; CECI e BRUCK,
1996; CECI, TOGLIA e ROSS, 1987.
12
CECI e BRUCK, 1996.
13
CECI, ROSS e TOGLIA, 1987.
53
cooperação com o adulto, a criança raramente responde eu não sei”, mesmo quando não
compreende as perguntas. Para demonstrar que são companheiros sociáveis e cooperativos
dos adultos, quando a mesma pergunta é formulada mais de uma vez, a criança seguidamente
muda sua resposta. As crianças parecem interpretar a pergunta repetida como eu devo não ter
dado a resposta correta, então para ser agradável, eu devo fornecer novas informações.
Algumas dessas características da conversação de adultos com crianças em torno de eventos
diários ou de tarefas de laboratório neutras, também ocorrem nas entrevistas forenses, o que
pode colocar em risco a confiabilidade do relato infantil, principalmente quando associadas
com algumas técnicas específicas usadas por entrevistadores profissionais.
2. 1 Viés do Entrevistador
Os pesquisadores Ceci e Bruck
14
revisam a literatura para demonstrar que o viés do
entrevistador caracteriza aquelas entrevistas onde o entrevistador tem prévias convicções
sobre a ocorrência de certos eventos e, como resultado, molda a entrevista para produzir
declarações do entrevistado consistentes com essas convicções. Neste caso, o entrevistador
não faz perguntas que poderiam fornecer explicações alternativas para as alegações ou sobre
eventos que são incompatíveis com sua hipótese. Quando a criança fornece evidência
incompatível com sua convicção, ele a ignora ou a interpreta de acordo com sua hipótese
inicial.
O viés do entrevistador foi objeto de centenas de estudos em razão de suas implicações
também com pesquisas científicas confiáveis. Extensa revisão da literatura é encontrada no
artigo de Nickerson
15
. Para o autor o viés confirmatório denota o buscar ou interpretar pelo
entrevistador de evidências parciais de modo a confirmar suas convicções, expectativas ou
hipótese. Este autor analisa a evidência de tal desvio em uma variedade de formas e
exemplos de sua operação em vários contextos práticos. Importante, segundo Nickerson, é
14
CECI e BRUCK, 1996.
15
NICKERSON, 1998.
54
diferenciar o viés confirmatório, que é construir um caso sem estar ciente disso, daquelas
situações em que ocorre a construção de um caso consciente e deliberadamente, como ocorre
com a construção dos argumentos da acusação e da defesa num julgamento. A questão que o
autor coloca é se o viés confirmatório pode ser modificado com treinamento. Para Nieckerson,
é preciso mais pesquisa para responder a esta questão, mas há evidências que pode ser
melhorado quando o entrevistador tem consciência desse viés.
O viés do entrevistador pode ser observado em comportamentos sutis, como um
sorriso, um movimentar de cabeça, o tom da voz ou a forma de formular uma pergunta. As
expectativas e viéses contaminam como os eventos são codificados e depois lembrados. Ceci
e Bruck
16
apresentam três pesquisas para evidenciar os efeitos do viés do entrevistador
relativamente à exatidão de relatos de crianças:
No estudo “Simon Says”, conduzido por Ceci, Leichtman e White
17
, crianças da pré-
escola participaram de um jogo. Um mês depois, elas foram entrevistadas por um assistente
social treinado. Antes da entrevista, o entrevistador recebia um relatório de uma página
contendo dois tipos de informações sobre o episódio do jogo: informações corretas e
informações falsas, mas ele não era informado sobre a inexatidão de algumas das
informações, sendo-lhe solicitado para conduzir uma entrevista para determinar o que cada
criança podia recordar sobre toques e contatos físicos ocorridos no evento.
As informações fornecidas influenciaram a hipótese ou convicção do assistente social
sobre a ocorrência do evento e a dinâmica da entrevista. Quando foram dadas informações
precisas ao entrevistador, as crianças corretamente recordaram 93% de todos os eventos.
Porém, quando o entrevistador recebia informação incorreta, 34% das crianças de 3 para 4
anos de idade e 18% de 5 para 6 anos confirmaram um ou mais eventos falsos que o
entrevistador acreditava que tivessem ocorrido. Muitas crianças inicialmente recordaram
16
CECI e BRUCK, 1996.
17
CECI, LEICHTMAN e WHITE, 1999.
55
corretamente os detalhes dos eventos, mas como o entrevistador persistiu fazendo perguntas
consistentes com sua hipótese falsa, um número significativo dessas crianças abandonou suas
contradições e hesitação e endossaram a hipótese errônea do entrevistador. Durante essas
entrevistas, o entrevistador efetuou registros sobre os relatórios das crianças. Dois meses mais
tarde, esses registros foram passados para outro entrevistador, que reintrevistava as crianças
sobre o episódio do toque original. As crianças continuaram a dar relatórios inexatos, e sua
freqüência aumentou um pouco com relação à primeira entrevista. Parece que os registros do
primeiro entrevistador influenciaram as convicções e as hipóteses do segundo, que conseguiu
não a confirmação das errôneas declarações das crianças que eram consistentes com suas
hipóteses, mas muitas crianças aumentaram a confiança nos seus relatos imprecisos dos fatos.
Com isso, os autores concluem que, quando as hipóteses dos entrevistadores são corretas, a
recordação das crianças pode ser altamente precisa. Porém, quando as hipóteses dos
entrevistadores são incorretas, eles produzem uma quantia significativa de informações
inexatas, especialmente das crianças mais jovens
18
.
Um segundo estudo foi desenvolvido na Austrália por Pettit, Fegan e Howie
19
e
apresentado no congresso internacional realizado em Hamburgo
20
. Os pesquisadores
examinaram como a convicção dos entrevistadores sobre um determinado evento pode
contaminar seu estilo de interrogar as crianças e a exatidão de seus relatos subseqüentes. Dois
atores, atuando como guardas-florestais, visitaram as salas de aula e interagiram com as
crianças. Durante a apresentação, um dos guardas-florestais acidentalmente derrubou um
objeto que se quebrou, ficando um silêncio abrupto e todos pararam as atividades. Duas
semanas mais tarde, todas as crianças foram questionadas sobre o evento. Parte dos
entrevistadores recebeu informações precisas do evento, outros receberam informações falsas
e alguns não receberam nenhuma informação. Aos entrevistadores foi solicitado questionar
18
CECI e BRUCK, 1996; BRUCK, CECI e HEMBROOKE, 2002.
19
PETTIT, FEGAN e HOWIE, 1990.
56
cada criança até descobrir o que aconteceu, sendo-lhes pedido para evitar o uso de perguntas
fechadas. Apesar da advertência, 30% de todas as perguntas dos entrevistadores podiam ser
caracterizadas como fechadas, e metade dessas sugestivas. Entrevistadores com conhecimento
inexato (convicções falsas) faziam de quatro a cinco vezes mais perguntas sugestivas que os
outros entrevistadores. Em geral, as crianças concordaram com 41 % das perguntas
sugestivas, e aquelas entrevistadas pelos entrevistadores com informações falsas deram as
informações mais inexatas. Analisando os dados dessa pesquisa, Ceci e Bruck
21
mostram que,
quando a convicção do entrevistador contraria o que a criança realmente experimentou, a
entrevista é caracterizada por uma superabundância de perguntas sugestivas, que, por sua vez,
resultam no fornecimento de informações altamente inexatas pelas crianças.
O último estudo citado por Ceci e Bruck
22
foi conduzido por Clarke-Stewart,
Thompson e Lepore
23
, com crianças de 5 e 6 anos de idade, que visualizaram um evento que
podia ser interpretado como abusivo ou inocente. Algumas crianças interagiam com um
operário chamado "Chester", quando ele limpou algumas bonecas e outros brinquedos em
uma sala de brinquedos. Outras crianças interagiam com Chester quando ele lidou com as
bonecas de uma maneira ligeiramente abusiva. O diálogo do Chester reforçou a idéia que ele
estava limpando a boneca (“Esta boneca está suja, é melhor limpar isto”) e ou tocando de
maneira rude (“Eu gosto de bater nas bonecas. Eu gosto de espirrar água na cara delas”). As
crianças foram questionadas sobre o acontecimento várias vezes no mesmo dia, por
entrevistadores diferentes que diferiram em suas interpretações do evento. O entrevistador era
(a) acusatório no tom (sugerindo que Chester tinha estado inadequadamente tocando os
brinquedos em vez de trabalhar), (b) desculpador no tom (sugerindo que o Chester estava
limpando os brinquedos e não tocando), ou (c) neutros e sem tom sugestivo. Nos primeiros
20
BRUCK e CECI, 1993.
21
CECI e BRUCK, 1996.
22
CECI e BRUCK, 1996.
23
CLARKE-STEWART, THOMPSON e LEPORE, 1989; GOODMAN e CLARKE-STEWART, 1991.
57
dois tipos de entrevistas, as perguntas mudaram de ligeiramente para fortemente sugestivas
quando a entrevista progrediu. Na primeira entrevista, todas as crianças foram solicitadas a
dizer em suas próprias palavras o que elas testemunharam. Depois foram feitas algumas
perguntas factuais (O Chester enxugou a face da boneca?) e algumas perguntas interpretativas
relativas às atividades do Chester (O Chester estava fazendo seu trabalho ou ele estava sendo
ruim?). Então, cada criança era interrogada por um segundo entrevistador que reforçou ou
contradisse o tom do primeiro. Finalmente, as crianças foram solicitadas por seus pais para
recontar o que o Chester fez.
Quando questionada por um entrevistador neutro ou por um entrevistador cuja
interpretação era consistente com a atividade visualizada pela criança, os dois relatos foram
corretos e consistentes. Porém, quando o entrevistador contradisse a atividade visualizada pela
criança, suas histórias prontamente se ajustaram com as sugestões ou convicções do
entrevistador. Ao final da primeira entrevista, 75% dessas observações das crianças eram
consistentes com o ponto de vista do entrevistador, e 90% responderam a pergunta
interpretativa de acordo com o ponto de vista sugerido, ao invés de realmente de responder de
acordo com o que aconteceu. As crianças mudaram suas histórias da primeira até segunda
entrevista se os dois entrevistadores diferiram na interpretação dos eventos. Deste modo,
quando o segundo entrevistador contradisse o primeiro entrevistador, a maioria das crianças
ajustou suas histórias para as sugestões do segundo entrevistador. Se a interpretação do
entrevistador era consistente nas duas entrevistas, mas incompatíveis com que a criança
observou, as sugestões implantadas na primeira sessão rapidamente foram mencionadas pelas
crianças na segunda sessão. Além disso, quando questionadas por seus pais, as respostas das
crianças eram consistentes com os desvios dos entrevistadores.
Baseados nesses três estudos, Ceci e Bruck
24
demonstram importante evidência da
influência dos vieses e convicções dos entrevistadores sobre a condução das entrevistas e o
58
conseqüente prejuízo na exatidão do testemunho das crianças. Os dados destacam benefícios e
perigos do entrevistador possuir uma hipótese do evento. Quando a hipótese é correta,
resulta em níveis muito altos de recordação precisa por crianças jovens (por exemplo, 93% no
primeiro estudo), mas quando a hipótese for incorreta, pode levar a altos níveis de recordação
inexata. Por fim, os autores alertam que muitos casos envolvendo abuso sexual se originam
deste fenômeno de viés do entrevistador. Às vezes estes desvios iniciais ocorrem em sessões
de terapia em que o terapeuta investiga uma única hipótese sobre dificuldades da criança.
Depois de períodos de terapia, algumas crianças acabam por fazer revelações de um abuso
sexual e, para confirmá-lo, são realizadas múltiplas entrevistas por trabalhadores de serviços
de proteção à criança, operadores do direito (policiais, promotores de justiça, advogados e
magistrados) ou pelos próprios pais, que conduzem as conversações com suas crianças
convictos que o abuso ocorreu.
2.2 Repetição de Entrevistas
Os efeitos da repetição de entrevistas e de perguntas é outro assunto tratado por Bruck
e Ceci
25
. Eles concordam com os pesquisadores que, baseados em pesquisas sobre a memória,
sustentam que a repetição de entrevistas é uma forma de prevenir o esquecimento. De acordo
com esse entendimento, é importante a testemunha repetidamente recordar os detalhes do
evento de forma a não esquecê-los. A literatura também aponta que a formação de uma
memória (isto é, sua consolidação) é facilitada quando a primeira recordação acontecer em
seguida ao evento. Nos estudos sobre a memória e em situações mais naturalistas (onde
sujeitos recordam uma série de eventos ou um episódio), alguns destes veredictos (facilitar a
consolidação da memória e evitar o esquecimento) são reproduzidos. Especificamente quando
são solicitadas recordações livres, tanto crianças como adultos lembram novos detalhes com
24
CECI e BRUCK 1996; BRUCK e CECI, 1999 e 2002.
25
BRUCK e CECI, 1996.
59
entrevistas adicionais, fornecendo informações além das descrições originais
26
. Assim, a
repetição de entrevistas com crianças é associada a efeitos benéficos. De outro lado,
considerando que o decurso do tempo enfraquece o traço da memória original e, em
conseqüência, intrusões podem ser implantadas na memória, os autores destacam que
entrevistas repetidas também estão associadas a efeitos perniciosos.
No estudo conduzido por Bruck e colaboradores.
27
, as crianças visitaram seu pediatra
quando eles tinham 5 anos de idade. Durante aquela visita, um pediatra (homem) fez em cada
criança um exame físico, deu uma vacina de pólio oral e uma injeção. Na mesma visita, uma
assistente de pesquisa (mulher) conversou com as crianças sobre um cartaz na parede, leu uma
história e pisou na criança. Aproximadamente um ano mais tarde, no período de um mês, as
crianças foram reintrevistadas quatro vezes. Nas primeiras três entrevistas, algumas crianças
eram falsamente lembradas que o pediatra mostrou a elas o cartaz, as pisou, e leu a elas uma
história e que a assistente de pesquisa deu a elas a vacina injetável e a oral. Outras crianças
não receberam nenhuma informação falsa sobre os atores destes eventos. Durante a quarta e
última entrevista, quando foi solicitado para que recordassem o que aconteceu durante a visita
médica original, crianças que não receberam quaisquer informações sugestivas deram relatos
finais altamente precisos. Elas corretamente recordaram quais eventos foram apresentados
pelo pediatra e pela assistente de pesquisa. Em contraste, as crianças falsamente sugestionadas
eram muito inexatas; não eles incorporaram as sugestões enganosas em seus relatórios,
como mais da metade dessas crianças renderam-se às sugestões (por exemplo, reivindicando
que a assistente as inoculou no lugar do pediatra), mas 38% destas crianças também incluíram
eventos inexatos, mas não sugeridos, em seus relatórios. Elas falsamente reportaram que a
assistente de pesquisa checou suas orelhas e nariz. Essas declarações são inferências
consistentes com a sugestão errônea que a assistente administrou a injeção, tais quais, ela
26
WARREN e LANE, 1995.
27
BRUCK, CECI et al, 1995.
60
então deve ter sido a médica, e então ela executou procedimentos comumente apresentados
por médicos. Nenhuma das crianças controle (sem informação falsa) fizeram tais inferências
falsas. As crianças jovens, como se vê, usam sugestões para reconstruir e às vezes distorcer a
realidade (como ocorreu no estudo do Chester).
Ainda este mesmo estudo destaca os efeitos danosos da repetição de entrevistas com
informações falsas sobre os relatos de crianças jovens, porque essas informações falsas podem
ser incorporadas nos relatos subseqüentes das crianças (elas, inclusive, usam as palavras dos
entrevistadores em suas declarações) e, portanto, levar a inexatidões. As entrevistas sugestivas
múltiplas podem ter efeitos danosos não só por causa de sua quantidade, mas também porque
a cada entrevista sugestiva adicional aumenta o decurso de tempo entre o evento original e o
relato da criança. Às vezes estas duas variáveis são inseparáveis: além da repetição de
entrevistas, as crianças normalmente estão sujeitas a uma longa demora entre o evento
alegado e as entrevistas finais. Os autores citam estudos com adultos e crianças para
demonstrarem que o efeito de informações falsas é menos danoso se for fornecido em uma
entrevista que acontece em seguida a um evento, comparado com uma entrevista que acontece
muito depois de um evento
28
. Para os autores, os resultados sugerem que a mais alta de
precisão do testemunho é obtida na primeira entrevista. Com o passar do tempo e os aumentos
de entrevistas e/ou aumento de entrevistas sugestivas, o risco de reportar erros também parece
aumentar. Concluem que uma entrevista inicial neutra parece ter o efeito de reforçar a
memória. Como conseqüência, entrevistas subseqüentes sugestivas resultam em menos
alterações que poderiam ocorrer se a entrevista inicial fosse sugestiva ou ausente.
2.3. Repetição de Perguntas Dentro da Entrevista
Outra preocupação dos pesquisadores está relacionada com o grau de contaminação
das declarações das crianças com a repetição de uma mesma pergunta dentro de uma mesma
entrevista. Ao entrevistar crianças, muitos adultos, freqüentemente repetem uma pergunta
61
porque a primeira resposta da criança não pode fornecer suficientes informações. Em
entrevistas forenses, perguntas podem ser repetidas para verificar a consistência das
declarações da criança. Às vezes, a repetição de perguntas é sinal de enviesamento dos
entrevistadores. Alguns entrevistadores parecem continuar perguntando a uma criança a
mesma pergunta até que recebam a resposta que estão esperando. Vários estudos
29
mostram
que quando fazemos, mais de uma vez, a mesma pergunta dentro de uma entrevista, a uma
criança tende a mudar sua resposta.
Neste sentido, as pesquisadoras Poole e White
30
examinaram os efeitos da repetição de
perguntas dentro de uma única entrevista e através de diversas entrevistas. Adultos e crianças
(4, 6, e 8 anos de idade) testemunharam um evento ambíguo. Metade dos participantes foi
logo entrevistada após o evento. Os participantes restantes foram entrevistados somente uma
semana depois do evento. Dentro de cada sessão, todas as perguntas foram feitas três vezes. A
repetição de perguntas abertas (por exemplo, “O que o homem gostou de olhar?”), tanto
dentro de uma mesma entrevista ou em sucessivas sessões, teve pequeno efeito (seja positivo
ou negativo), nas respostas das crianças ou adultos. Porém, em repetidas perguntas sim/não
(por exemplo, “O homem machucou Melanie?”), as crianças de 4 anos de idade foram as que
mais mudaram suas respostas, dentro da mesma sessão e em sucessivas sessões. Também,
quando foi feita uma pergunta específica sobre um detalhe para o qual elas não tinham
nenhuma informação, muitas crianças responderam somente com especulações. Além disso,
crianças e adultos forneceram menos detalhes com perguntas repetidas e conseqüentemente
soaram mais confiantes sobre suas declarações. Isso ilustra o perigo da repetição de perguntas
específicas -- as crianças freqüentemente cooperaram advinhando respostas, mas depois de
várias repetições, a incerteza desaparece.
28
CECI e BRUCK, 1996.
29
FIVULSH, PETERSON e SCHWARZMUELLER, 2002.
30
POOLE e WHITE, 1991.
62
Este estudo ainda sugere que a repetição pode contaminar as respostas das crianças
muito jovens para perguntas fechadas. A repetição de perguntas meramente abertas pode
sinalizar um pedido para informações adicionais, enquanto a repetição de perguntas fechadas,
que tem as respostas limitadas em sim/não, pode sinalizar para crianças jovens que sua
primeira resposta era inaceitável para o entrevistador. Esse achado é importante porque
crianças jovens tendem a dar respostas limitadas para perguntas abertas, e os entrevistadores
freqüentemente recorrem a perguntas fechadas para produzir informações adicionais. E, ainda,
para confirmar as respostas da criança, entrevistadores freqüentemente repetem a mesma
pergunta. Embora Poole e White não usaram perguntas sugestivas, o uso repetido de
perguntas sim/não pode ser visto como uma forma sutil de sugestão. A simples repetição de
perguntas sim/não pode ter o efeito de sugerir para crianças que o entrevistador não está
satisfeito com sua resposta inicial.
O outro estudo apresentado por Ceci e Bruck
31
foi desenvolvido pelos pesquisadores
Cassel e Bjorklund
32
, que questionaram crianças e adultos sobre um evento gravado em vídeo.
Inicialmente foram feitas perguntas fechadas. Não obtendo a resposta desejada, os
entrevistadores prosseguiam com perguntas mais sugestivas. As crianças da pré-escola foram
mais contaminadas por esta manipulação. Como esperado, comparados com adultos e crianças
mais velhas, os pré-escolares eram mais inexatos em responder as primeiras perguntas
sugestivas; mas também quando a segunda pergunta mais sugestiva era feita, mudavam suas
respostas e incorporavam a resposta sugerida em suas segundas respostas.
Com base nos achados desses estudos, Bruck e Ceci explicam que as crianças mais
jovens são mais propensas para mudar suas respostas quando a mesma pergunta for repetida
dentro de uma entrevista. Elas são sensíveis à repetição de perguntas e, em alguns casos,
compreendem a repetição como uma solicitação do entrevistador para novas informações. Em
31
Ceci e Bruck, 1996.
32
Cassel e Bjorklund, 1995.
63
outros casos, no entanto, as crianças podem mudar sua resposta para agradar o adulto que as
interroga. A repetição, para elas, é compreendida como se o entrevistador não tivesse gostado
da resposta. Para alguns, aquelas respostas das crianças podem mudar porque as sugestões
prévias do entrevistador ficam incorporadas em suas memórias. Por exemplo, no estudo de
Brainerd e Reyna
33
, crianças recebiam listas de palavras para memorizar. Mais tarde, para
testar sua memória a criança deveria responder "sim" para os itens previamente estudados e
"não" para novos itens (itens que não estavam na lista estudada). Este procedimento aumentou
a taxa de positivos falsos no teste posterior; isto é, as crianças diziam que o item do teste de
memória estava no estudo original da lista, quando, na realidade, não estava. Além disso,
existe alguma evidência que estas respostas de reconhecimento falso são estáveis, e algumas
vezes mais estáveis que respostas verdadeiras
34
. A estabilidade das falsas memórias pode ter
mais potência quando a informação falsa é repetida em entrevistas sucessivas, com algum
tempo entre elas para permitir que a informação falsa seja incorporada na memória.
Esses estudos sugerem que entrevistas repetidas e perguntas repetidas dentro de
entrevistas podem diminuir a exatidão e aumentar o risco de distorção das declarações de
crianças quando as entrevistas são conduzidas por entrevistadores parciais
35
. Essas técnicas
podem sinalizar para a criança o viés do entrevistador, de forma que eventualmente ela
aprenda como responder as perguntas para fornecer as informações que ela pensa que o
entrevistador deseja ouvir.
2.4. Indução de Estereótipos.
A indução de estereótipos é uma técnica de entrevista usada para ajudar crianças
assustadas ou envergonhadas a relatarem os detalhes do abuso ou de um evento
testemunhado. Porém, segundo Ceci e Bruck
36
, o uso dessa técnica, particularmente nas mãos
33
Brainerd e Reyna, 1996 e 2005.
34
Brainerd, Reyna, e Brandse, 1995.
35
Bruck e Ceci, 1996.
36
Ceci e Bruck, 1996.
64
de entrevistadores parciais, poderá comprometer a exatidão das declarações das crianças.
Existem várias técnicas poderosas de entrevista sugestiva que são mais sutis que perguntas
sugestivas. Uma das técnicas é a indução de estereótipos
37
. A expressão refere-se à tentativa
por parte de um entrevistador de transmitir para uma criança uma caracterização negativa de
uma pessoa ou um evento, seja ela verdadeira ou falsa. Como dizer para a criança que o
suspeito faz coisas ruins ou tentava assustar crianças é um exemplo de indução de
estereótipo negativa.
O uso de indução de estereótipo em entrevistas é um dos reflexos do viés do
entrevistador. O uso de tais técnicas é justificado pela necessidade de fornecer um ambiente
mais acolhedor e encorajador para a criança falar sobre o abuso. Destacam os autores que a
revisão da literatura científica indica que a indução de estereótipo pode ter um efeito negativo
na exatidão de relatos subseqüentes das crianças. Algumas crianças ingênuas podem
eventualmente começar a incorporar os estereótipos dos entrevistadores em seus próprios
relatos. Por exemplo, nos relatos das crianças no estudo do Chester, o que ele estava fazendo
em sua sala dependia do estereótipo do entrevistador. Quando os entrevistadores induziram
um estereótipo positivo (por exemplo, Chester estava fazendo um bom trabalho limpando a
sala de aula), muitas crianças direcionavam o relato do evento daquela maneira, não
importando o que Chester realmente fez. Igualmente, quando o entrevistador induz um
estereótipo negativo, muitas crianças dirigiam o relato do evento de acordo com essa visão,
não importando o comportamento real de Chester
38
. Os dois estudos abaixo, apresentados na
obra de Bruck e Ceci, fornecem evidências adicionais dos poderosos efeitos de indução de
estereótipo em relatórios das crianças.
No estudo de Lepore e Sesco
39
, crianças (4 até 6 anos de idade) brincaram com um
homem chamado “Dale”. O Dale tocou em alguns dos brinquedos na sala do pesquisador, e
37
CECI E BRUCK, 1996.
38
CLARKE-STEWART, THOMPSON e LEPORE, 1989.
65
ele também pediu a criança para ajudá-lo a tirar seu suéter. Mais tarde, um entrevistador pediu
a criança para dizer tudo o que aconteceu quando Dale estava na sala. Para metade das
crianças, o entrevistador manteve uma posição neutra sempre que elas recordaram uma ação.
Para as crianças restantes, o entrevistador reinterpretou cada uma das respostas da criança de
modo incriminador (“Ele não deveria fazer ou dizer isto. Isso foi ruim. O que mais ele fez?”).
Nesta condição incriminadora, um estereótipo negativo era induzido (“O Dale faz coisas
ruins”). No término deste procedimento incriminador, foram feitas três perguntas altamente
sugestivas (“Ele não tirou um pouco de suas roupas, também? Outras crianças disseram que
ele as beijou, ele não fez isso com você?” e “Ele tocou em você e ele não deveriam fazer isto,
não é?”). A todas as crianças foi feita uma série de perguntas diretas, exigindo sim ou não,
sobre que aconteceu com Dale.
As crianças da condição incriminadora deram mais respostas inexatas para perguntas
diretas sim/não do que as crianças na condição neutra. Aquelas crianças (condição
incriminadora) fizeram erros em itens relacionados com ações ruins que lhes tinham sido
sugeridas pelo entrevistador. Um terço das crianças na condição incriminadora incluíram
vários detalhes falsos em suas respostas para essas perguntas, e essas respostas estavam
sempre na direção da sugestão incriminadora. A pergunta que produziu mais freqüentemente
essa condição foi Dale tocou em outras crianças na escola?"
40
. As respostas para essa
pergunta incluíram informações sobre quem Dale tocou (“Ele tocou em Jason, ele tocou em
Tori, e ele tocou em Molly”), onde ele tocou nelas (“Ele tocou em suas pernas”), como ele
tocou nelas (...e algum que ele beijou . . . nos lábios), e como ele pegou as roupas das crianças
(“Sim, meus sapatos e minhas meias e minhas calças. Mas não minha camisa”).
Quando as crianças eram reintrevistadas uma semana mais tarde, aquelas crianças na
condição estereótipo incriminador continuaram a responder perguntas sim/não
39
LEPORE e SESCO, 1994.
40
CECI e BRUCK, 1996, p. 129.
66
incorretamente, e elas continuaram a ilustrar suas respostas. Finalmente, a condição
incriminadora teve um efeito muito poderoso nas interpretações das crianças das
características e ações de Dale. Em comparação com crianças na condição de entrevista
neutra, as crianças na condição da entrevista incriminadora eram mais espontâneas para fazer
declarações negativas sobre Dale (por exemplo, “O sujeito veio e fez algumas coisas ruins”) e
a concordar que Dale durante a sessão de jogo foi ruim, mesquinho, brincou, e não fez seu
trabalho.
O segundo é o estudo desenvolvido por Leichtman e Ceci
41
e igualmente demonstra os
efeitos poderosos de uma indução de estereótipo quando combinada com repetidos
interrogatórios sugestivos. Nessa pesquisa, um estranho chamado “Sam Stone” visitou a sala
de aula de crianças com idades de 3 a 6 anos por dois minutos. Durante esta visita, ele
meramente disse, “Oi”, caminhado em torno da sala, então disse, “Adeus”, e partiu. Ele não
tocou, rasgou, jogou, ou quebrou qualquer coisa. Depois da visita de Sam Stone, foram
solicitados às crianças detalhes sobre a visita em quatro ocasiões diferentes após um período
de dez semanas. Nestas quatro ocasiões, a entrevistadora absteve-se de usar perguntas
sugestivas. Ela simplesmente encorajou as crianças para descreverem tantos detalhes quanto
possíveis que elas lembrassem da visita de Sam Stone. Um mês depois da quarta entrevista, as
crianças foram entrevistadas uma quinta vez por um novo entrevistador que perguntou sobre
dois "não-eventos" envolvendo Sam Stone, que teria feito alguma coisa para um ursinho de
pelúcia e um livro. Em realidade, Sam Stone nunca tocou em qualquer um dos dois. Na quinta
entrevista, quando as crianças foram perguntadas se “Sam Stone fez algo para um livro ou um
ursinho de pelúcia?”, a maioria das crianças corretamente respondeu “não”. Somente 10%
das mais jovens (3 e 4 anos de idade) responderam que Sam Stone fez alguma coisa para um
livro ou ursinho. Quando perguntadas se elas realmente viram ele fazendo alguma coisa para
o livro ou ursinho, agora 5% de suas respostas continham afirmações de que algo
67
aconteceu. Finalmente, quando estes 5% foram desafiados (“Você realmente não viu ele fazer
qualquer coisa para o livro/ursinho, não é?”), 2,5% insistiu na realidade do evento
imaginário. Nenhuma das crianças mais velhas (5 e 6 anos de idade) disseram ter visto
realmente Sam Stone fazer qualquer um dos eventos imaginários.
Para um segundo grupo de crianças foi apresentado um estereótipo de Sam Stone antes
dele visitar a escola. Toda semana, começando um mês antes da visita de Sam Stone, era
contada uma nova história de Sam Stone para as crianças, em que ele era descrito como muito
desajeitado. Estas induções foram tão bem sucedidas que as crianças comumente ofereciam
sua própria versão do final da história antes do pesquisador terminar. Um dia depois da visita
de Sam Stone, foi mostrado às crianças um livro rasgado (o mesmo que eles estavam lendo
quando Sam Stone veio visitá-los) e um ursinho sujo (esse não esteve na sala durante a visita
de Sam Stone). Elas foram perguntadas se sabiam como o livro tinha sido rasgado e o ursinho
sujo. Poucas crianças disseram ter visto Sam Stone fazer essas coisas, mas um quarto delas
disse que talvez ele poderia ter feito isto, uma declaração que é razoável, dada a indução de
estereótipo que eles receberam antes de visita.
Dez semanas depois da visita de Sam Stone, estas crianças foram entrevistadas de
forma sugestiva quatro vezes. Cada entrevista continha duas sugestões falsas, uma sobre
rasgar um livro e outra sobre sujar um ursinho (“Lembra quando Sam Stone visitou sua sala
de aula e derramou chocolate naquele ursinho branco? Ele fez isto de propósito ou foi um
acidente?” e “Quando Sam Stone rasgou o livro, ele estava brincando ou estava bravo?”).
Deste modo, crianças nesta condição foram submetidas tanto a um estereótipo negativo
quanto a uma série de perguntas sugestivas. Um mês mais tarde, quando um novo
entrevistador sondou sobre esses eventos (“Alguma coisa aconteceu com um livro?” “Algo
aconteceu com um ursinho?”), 72% das crianças mais jovens afirmaram que Sam Stone fez
um ou outro, esse percentual baixou para 44% quando foram perguntadas se eles realmente
41
LEICHTMAN e CECI, 1995.
68
viram ele fazer estas coisas. Importante, destacar que 21% continuaram a insistir que eles
viram ele fazer estas coisas, até quando sutilmente desafiadas. Mesmo no grupo de crianças
mais velhas, embora mais precisas, ainda incluíram algumas crianças (11 %) que insistiram
terem visto ele fazer isso.
Como alertaram os pesquisadores, o mais surpreendente desses relatos das crianças foi
o número de detalhes perceptivos falsos, como também gestos não verbais, que eles
forneceram para ilustrar suas histórias destes não-eventos. Por exemplo, crianças usaram suas
mãos para mostrar como Sam sujou o ursinho; algumas crianças reportaram ter visto Sam no
playground, a caminho da loja para comprar sorvete de chocolate, ou no banheiro lavando o
ursinho antes manchado com giz cera. Algumas crianças afirmaram que existia mais de um
Sam Stone. E uma criança forneceu um detalhe falso surpreendente, qual seja, de que Sam
esteve em sua casa sujando o seu quarto.
Dois pontos são destacados na análise dos resultados feita por Bruck e Ceci
42
.
Primeiro, os porcentuais de informações falsas podem ser elevados ou reduzidos, de acordo
com as manipulações experimentais, mais ou menos intensas, aumentando o número de
perguntas sugestivas ou o intervalo de tempo. Depois, se as crianças na arena forense são
entrevistadas do mesmo modo como as crianças desse estudo, a indução de estereótipo pode,
em última instância, influenciar uma proporção pequena das crianças mais jovens. No
entanto, quantas vezes as crianças são entrevistadas na arena forense do mesmo modo como
as crianças deste estudo? Se crianças mudaram uma resposta falsa para uma verdadeira em
razão de uma única recusa do entrevistador (“Isto realmente não aconteceu, não foi?”),
igualmente elas podem ser induzidas a mudar uma resposta verdadeira para uma falsa se elas
forem repetidamente desafiadas. Essas retratações freqüentemente são explicadas invocando o
medo e o uso de negação pelas crianças quando fazem uma revelação verdadeira. Embora
possível que a negação seja a forma de se proteger contra emoções negativas associadas com
69
revelações verdadeiras, também é possível que as retratações das crianças de afirmações
antigas sejam reflexo de seu desejo de ajustar o seu testemunho, em razão da recusa do
entrevistador. Apesar desta última explicação parecer mais consistente com os dados do
estudo Sam Stone, talvez um observador ingênuo, desconhecendo o que as crianças realmente
viram durante a visita do Sam Stone, poderia interpretar as retratações de suas primeiras
afirmações como negação do mecanismo da verdade. O ponto é que a Ciência não fornece
nenhuma resposta certa para este dilema. Nós não podemos simplesmente escolher quando
aceitar uma retratação como real e quando negar que seja real.
Bruck e Ceci
43
, depois da análise dos três estudos aqui descritos (Chiste, Dale, e Sam
Stone), concluem que os resultados são bastante consistentes com os efeitos negativos de
indução de estereótipo com interrogatório sugestivo. Estes efeitos são visíveis, não
importando se a criança é entrevistada uma vez (como no estudo de Dale) ou depois de várias
vezes (como no estudo de Sam Stone). Os efeitos negativos são patentes se a indução de
estereótipo aconteceu antes de um evento (Sam Stone) ou depois de um evento (Chester,
Dale). Ambas as situações têm seus análogos forenses. Por exemplo, algumas crianças podem
vir a interpretar falsamente um evento como sendo negativo, com base em estereótipos
negativos posteriores ao evento que são transferidos a elas por entrevistadores, inclusive
familiares, professores ou outros técnicos. Outras podem interpretar mal um evento com base
em declarações incriminatórias que os pais fizeram sobre uma certa pessoa. Em outros casos,
as crianças podem vir a fabricar um evento inteiro com base em estereótipos adquiridos.
2.5. Tom Sentimental da Entrevista
Importante para a entrevista com crianças é a construção do rapport para que elas se
sintam confortáveis e sem ameaças. Para alcançar esta meta, os entrevistadores podem gastar
tempo interagindo com a criança antes de começar a entrevista propriamente dita. Durante
42
BRUCK E CECI, 1996.
43
Idem
70
este tempo, o entrevistador pode pedir à criança para falar sobre a escola ou atividades que
gosta de fazer depois da escola. Normalmente, os entrevistadores tentam favorecer uma
atmosfera encorajadora, atuando positivamente, prestando atenção e recebendo com seriedade
as respostas da criança.
Poucos poderiam criticar o uso de tais técnicas com crianças ou adultos, como
afirmam Ceci e Bruck
44
. Goodman e seus colegas
45
demonstraram alguns dos benefícios
destas técnicas para recordação das crianças pequenas de um evento estressante. Neste estudo
de Goodman, crianças de 4 e 7 anos de idade foram questionadas sobre uma visita prévia para
uma clínica médica, onde elas receberam uma injeção. Metade das crianças era entrevistada
em um ambiente encorajador, elas recebiam biscoitos e suco antes da entrevista. A
entrevistadora era afetuosa e simpática. Ela sorriu muito e fez elogios à criança. O elogio não
era vinculado ao fornecimento de quaisquer informações específicas, como “Você está
fazendo um ótimo trabalho” ou Você tem uma boa memória”. As outras crianças não foram
tratadas de forma afetuosa. Elas não receberam suco ou biscoitos, e o entrevistador era mais
distante, ocasionalmente respondendo “OK” ou “certo”. As crianças, que foram entrevistadas
na condição encorajadora, fizeram menos declarações incorretas, quando solicitadas a dizer
com suas próprias palavras o que aconteceu durante a visita para receber a vacina, e as
respostas inexatas tenderam a diminuir quando lhes era feito perguntas sugestivas. Esses
dados levariam a recomendação que nas entrevistas forenses seja criado um ambiente
encorajador para a criança.
Todavia, Bruck e Ceci
46
, destacam um problema nesta recomendação; quando os
entrevistadores presumindo estarem estabelecendo uma relação encorajadora estão, na
realidade, configurando um tom sentimental à entrevista pelo uso, implícito ou explícito, de
ameaças, subornos e recompensas. Por exemplo, em contextos forenses, a fim de obter
44
CECI e BRUCK, 1996.
45
GOODMAN et al.,1991.
71
informações de crianças testemunhas, entrevistadores, às vezes, fazem algumas das seguintes
declarações como, “nós sabemos que algo ruim aconteceu, não é bom deixar pessoas tocarem
em você, você se sentirá melhor falando”, ou não tenha medo de falar”. Eles fazem estas
declarações para ajudar a criança a revelar fatos que elas podem estar assustadas ou
envergonhadas para contar. No entanto, essas declarações encorajadoras podem criar riscos
de confiabilidade, porque, em alguns contextos, elas podem ser ambíguas. Isto é, estas
declarações podem, de fato, criar um tom acusatório, que reflete o viés do entrevistador, e um
contexto que pode promover revelações falsas. Em alguns estudos, quando algumas dessas
declarações encorajadoras foram usadas, crianças fabricaram mais relatos falsos de eventos,
sendo que, em alguns casos, estes relatos fabricados eram de natureza sexual
47
.
Noutro estudo conduzido por Goodman e seus colaboradores
48
, decorridos quatro anos
de um evento onde as crianças brincaram com um assistente de pesquisa por cinco minutos, as
crianças foram solicitadas a recordar a experiência e então foram submetidas a uma série de
perguntas sugestivas sobre o evento, inclusive sobre abuso sexual. No momento da entrevista,
os pesquisadores criaram o que eles descreveram como uma atmosfera de acusação, dizendo
às crianças que elas seriam questionados sobre um evento importante e dizendo coisas tais
como, “você está com medo de falar?” ou “você se sentirá melhor se você falar”. Embora
poucas crianças tivessem qualquer memória do evento ocorrido quatro anos, elas não
foram sempre muito precisas quando responderam perguntas que sugeriam abuso. Cinco das
quinze crianças concordaram com a pergunta falsa e sugestiva do entrevistador que elas
tinham sido abraçadas ou beijadas pelo assistente de pesquisa, duas das quinze concordaram
que foram fotografadas no banheiro e uma das crianças declarou que lhe foi dado um banho.
46
BRUCK e CECI, 1996.
47
CECI e BRUCK, 1996; GARVEN et al., 1997.
48
GOODMAN et al., 1989.
72
Para Ceci e Bruck
49
uma importante conclusão desse estudo é que as crianças podem
começar a dar informações incorretas para perguntas sugestivas sobre eventos dos quais elas
não têm nenhuma memória, se o entrevistador cria uma atmosfera (tom sentimental) de
acusação. Essa forma de atmosfera sentimental é conceitualmente semelhante à indução do
estereótipo negativo. Na maior parte das amostras de casos judiciais examinados por esses
dois pesquisadores, a atmosfera de acusação consistia em dizer para as crianças que os réus
estavam na prisão e elas estavam seguras para contar sobre o abuso.
2.6 Pressão de Pares
Usada por alguns entrevistadores para obter informações das crianças, a pressão de
pares ou de igual consiste em dizer ao entrevistado o que outras crianças supostamente
reportaram. O senso comum indica que a criança acompanhará os iguais e as pesquisas
sugerem que a criança fornecerá uma resposta inexata apenas para poder ser igual ao grupo.
Ceci e Bruck fazem referência a três estudos para ilustrar esses achados das pesquisas
científicas: Binet
50
constatou que as crianças mudaram suas respostas para serem consistentes
com aquelas de seu grupo até quando estava claro que a resposta era inexata. O segundo é o
estudo de Pettit e outros
51
, relativamente à visita dos guarda-florestais na escola. Sete alunos
estavam ausentes da sala de aula quando ocorreu o evento. Mesmo assim, questionadas duas
semanas depois, seis dessas crianças informaram que elas tinham estado presentes, levando os
pesquisadores a presumir que essas seis crianças deram relatos falsos pelo desejo de participar
do grupo como seus amigos. Esse estudo mostra como as experiências reais do grupo de pares
em um evento podem levar não-participantes a fabricar relatos do evento. O último é o estudo
de Pynoos e Nader
52
sobre a memória das pessoas atacadas por um vigia. Em 24 de fevereiro
de 1984, um vigia atirou em crianças em um playground de uma pré-escola. Muitas crianças
49
CECI e BRUCK, 1996.
50
BINET, 1900.
51
PETTIT et al., 1990.
52
PYNOOS e NADER, 1989.
73
foram feridas, uma criança e um transeunte foram mortos. Aproximadamente 10% do corpo
de alunos, 113 crianças, foram entrevistadas entre seis a dezesseis semanas depois. Cada
criança era solicitada para recordar livremente a experiência e então responder as perguntas
específicas. Algumas daquelas crianças que foram entrevistadas não estavam na escola
durante o tiroteio, inclusive aquelas que estavam a caminho de casa ou de férias. Até as não-
testemunhas tiveram memórias sobre o evento.
Ao analisarem casos judiciais, os dois autores salientam que, em algumas
oportunidades, parecia que os terapeutas deliberadamente usaram um irmão para obter
revelações de outro. Referem um estudo com crianças de 7 e 10 anos de idade que
testemunharam um incidente ocorrido na sala de aula e depois foram solicitadas a recordar
seus detalhes. As crianças mais jovens recordaram menos informações sobre o incidente e
eram mais suscetíveis para o interrogatório sugestivo que aquelas de 10 anos. Porém, quando
aquelas de 7 anos de idade tinham permissão para falar do incidente na presença de um amigo
que os acompanhou à entrevista, as diferenças entre as idade eram significativamente
reduzidas. A presença de um amigo na entrevista criou um ambiente favorável que resultou
em relatos mais precisos e menos sugestionáveis para as crianças mais jovens. Mas, concluem
os autores, esses dados são pertinentes somente nos casos em que as crianças têm alguma
coisa a revelar. Caso contrário tais práticas podem alterar seus relatos dos fatos.
2.7 Status do Entrevistador
As crianças jovens são sensíveis para o status e poder de seus entrevistadores e o
resultado é a provável concordância com a orientação implícita ou explícita de tais
entrevistadores. Se o relato é questionado, as crianças podem alterá-lo para concordar com o
entrevistador adulto. Até certo ponto, o reconhecimento deste poder diferencial do status do
entrevistador pode ser uma das mais importantes causas do aumento da sugestionabilidade na
criança. É mais provável a criança acreditar em adultos que em outras crianças, e elas estão
74
mais dispostas a aceitar os desejos e a incorporar convicções dos adultos em seus relatos. Este
fato foi reconhecido por pesquisadores desde o início do século passado
53
e foi demonstrado
em muitos estudos
54
. Por exemplo, crianças são menos abertas a influências sugestivas
quando as sugestões são plantadas por seus pares que quando elas forem plantadas por
adultos
55
. Diferentemente da pressão de pares”, que consiste em dizer ao entrevistado o que
outras crianças supostamente reportaram, o status do entrevistador diz respeito ao desejo da
criança de concordar com a orientação do adulto
56
.
Porém, a criança pode, também, ser sensível para status e poder diferente no meio de
adultos, como de policiais, juízes, e pessoas da área médica. O estudo realizado por Tobey e
Goodman
57
mostra que entrevistas feitas por adultos com alto status podem ter efeitos
negativos na exatidão de relatos das crianças. Neste estudo, crianças de 4 anos de idade
participaram de uma brincadeira com um assistente de pesquisa que era chamado baby-
sitter”. Onze dias depois, as crianças retornaram ao laboratório. Metade delas encontrou um
policial que se disse preocupado com algo ruim que poderia ter acontecido quando a criança
brincou com um baby-sitter e precisava da colaboração da criança para a investigação,
apresentando um companheiro para inquirir a criança, em verdade, um assistente de pesquisa
com farda da polícia. A outra metade das crianças nunca encontrou o policial e foi
entrevistada somente por um entrevistador neutro sobre que aconteceu com o baby-sitter.
Quando foi solicitado às crianças para contar tudo o que podiam lembrar, aquelas na condição
de polícia deram declarações menos precisas que as crianças na condição neutra. Duas das
treze crianças na condição de polícia demonstraram claramente que foram enganadas pela
sugestão que o baby-sitter fez algo ruim. Uma menina disse para sua mãe, eu penso que o
baby-sitter tinha um canhão e foi me matar”. Mais tarde, em sua recordação livre, a mesma
53
BINET, 1900.
54
CECI e BRUCK, 1993.
55
CECI, ROSS e TOGLIA, 1987.
56
BRUCK, CECI e HEMBROOKE, 2002.
75
criança disse, aquele homem poderia tentar fazer algo ruim para mim... Realmente ruim
sim”. Outra criança reportou suas idéias do que seria algo ruim dizendo, eu caí, eu fiquei
perdido, eu fui machucado em minhas pernas, e cortei minhas orelhas”. Goodman alertou
sobre a preocupação não com as perguntas de uma entrevista, mas também com o contexto
da entrevista, porque um contexto acusatório ou intimidatório pode levar ao aumento erros
nos relatos das crianças. De acordo com Bruck e Ceci
58
, é importante explorar os efeitos
potenciais destes contextos acusatórios. Parece que a criança pode ficar muito excitada porque
é parte de uma investigação, deste modo trazer muitas de suas fantasias.
Estudos mais recentes, como o realizado por Bull e Corran
59
, fazem referência a
poucas publicações relativamente aos efeitos do estilo do entrevistador sobre as respostas das
crianças. Na sua revisão da literatura destacam alguns estudos que também sugerem que o
desejo das crianças de obedecer, de ser útil, pode ser mais forte que seu desejo de reportar
o que efetivamente recordam e, assim, acabam preenchendo detalhes esquecidos. Segundo
eles, reduzindo o efeito do fator autoridade, nós podemos aumentar os relatos verdadeiros.
Os pesquisadores Ceci e Bruck
60
não encontraram efeito do status do entrevistador na
recordação livre das crianças, mas, quando a entrevista era conduzida na condição
encorajadora, as crianças demonstraram mais resistência para perguntas enganosas. Para os
pesquisadores, esse efeito sugere que no estilo encorajador de entrevistar, as crianças parecem
menos ansiosas, mais autorizadas e, por seu turno, menos intimidadas e mais competentes
para resistir às sugestões enganosas do entrevistador.
Para Bull e Corran existem algumas evidências que o modo/estilo do entrevistador
pode, em algumas circunstâncias, contaminar o testemunho infantil. Todavia, alertam, todos
os estudos diretamente relevantes foram conduzidos nos Estados Unidos e não se pode
57
TOBEY e GOODMAN, 1992.
58
BRUCK e CECI, 1996.
59
BULL e CORRAN, 2002.
60
CECI e BRUCK, 1996.
76
esquecer as diferenças do estilo de comportamento interpessoal entre países e culturas. Em
razão disso, eles realizaram um estudo na Inglaterra sobre o fator estilo de entrevistar, com
dois estilos, um autoritário e outro não-autoritário. Os estilos foram manipulados pelo tom de
voz, expressão e postura facial e do corpo. O estilo autoritário adotou, em lugar da postura de
corpo mais descontraída, uma expressão facial austera e um tom mais formal de voz, sendo
que todas as entrevistas foram realizadas por uma única entrevistadora. Para as respostas
incorretas foi encontrado um efeito significativo para o tipo de pergunta, como também na
interação entre tipo de pergunta, idade e estilo.
De acordo com os pesquisadores que conduziram o estudo, essas interações revelam
que, enquanto para perguntas neutras e abertas não existia nenhum efeito do estilo de
entrevistar, para perguntas fechadas e sugestivas o estilo autoritário produziu mais respostas
incorretas que o estilo não-autoritário. O efeito do estilo de entrevista sobre as perguntas
sugestivas foi relacionado com a idade. As crianças mais jovens deram respostas incorretas
para as perguntas sugestivas na condição entrevistar autoritário em mais de 82% dos
acontecimentos. Diante desse e outros resultados, os pesquisadores sugerem maior atenção
para o modo/estilo/comportamento do entrevistador ao inquirir crianças.
2.8 Entrevista Forense e Tipos de Perguntas
Considerando que, mesmo quando solicitado um relato livre, raramente as crianças
fazem uma exposição detalhada e completa dos incidentes observados ou experimentados,
usualmente é preciso formular perguntas para obterem-se mais informações, por exemplo,
detalhes que envolvem a identificação e descrição de pessoas, objetos, eventos ou ações
relevantes do incidente alegado
61
. Não existe na literatura uma definição consistente dos tipos
de perguntas
62
, mas freqüentemente encontramos denominações como perguntas abertas,
61
LAMB et al., 2000.
62
CECI e FRIEDMAN, 2000.
77
gerais, exploratórias, fechadas, enfocadas, diretas, principais, pergunta sim/não, de escolha
forçada, sugestivas, sucessivas, múltiplas e confirmação.
Perguntas abertas, gerais ou exploratórias, são aquelas que demandam a recordação
livre da criança. O entrevistador pergunta algo como “o que aconteceu?”, deixando que a
criança forneça todos os detalhes
63
. Interessante o resultado da pesquisa conduzida por Lamb
e colaboradores
64
, quando as crianças foram encorajadas a fornecer respostas narrativas
(recordação livre) ainda na etapa introdutória da entrevista, elas continuaram com essa
sistemática depois que os entrevistadores deslocaram o enfoque para o alegado incidente de
abuso sexual, sugerindo que o treinamento prévio para fornecer respostas narrativas indicou à
criança o desejo do entrevistador por descrições detalhadas dos eventos alegados.
Perguntas fechadas, sugestivas, enfocadas, diretas, sim/não ou escolha forçada são
perguntas de reconhecimento. O entrevistador fornece escolhas e a criança seleciona a escolha
correta com base em suas lembranças dos fatos. As perguntas de reconhecimento incluem
aquelas que são respondidas com sim/não e perguntas de escolha forçada, ou seja, a criança
escolhe uma das respostas oferecida - “era A ou B?” - ou os detalhes são oferecidos pelo
entrevistador que a criança confirma ou rejeita
65
. Frente a esse tipo de perguntas, a criança se
limita a afirmar, negar ou escolher entre as opções que lhe são oferecidas. Apesar dos riscos
para a confiabilidade das declarações das vítimas, parece haver uma tendência, mesmo dos
entrevistadores "treinados", para realizarem entrevistas interrogativas, com perguntas
fechadas, mesmo quando as crianças fornecem respostas longas para a primeira pergunta
substantiva aberta
66
. Os pesquisadores sugerem que perguntas específicas ou focadas, se
63
LYON, 2002.
64
LAMB et al., 2000.
65
LYON, 2002.
66
LAMB et al., 2000.
78
necessárias, deveriam ser feitas somente depois que a criança teve oportunidade para
descrever os eventos com suas próprias palavras, a partir de perguntas abertas
67
.
Entre recordação livre e perguntas de reconhecimento são colocadas perguntas de
recordação que enfocam a atenção da criança em um tipo particular de resposta aceitável,
mas que permita a criança preencher os detalhes. Estas incluem perguntas wh (do inglês what,
where, when, who, why, ou how), ou seja, o que, onde, quando, que, por que, ou como, que
podem ser classificadas como perguntas abertas ou fechadas. Com perguntas “wh” o
entrevistador pode iniciar com perguntas abertas - “O que o homem estava vestindo?” - até as
mais fechadas - Qual era a cor da bermuda do homem?” No segundo exemplo, o
entrevistador assume um detalhe, o homem estava vestindo bermuda
68
.
Para Garven e colaboradores
69
, a técnica da pergunta sugestiva consiste na introdução
de uma nova informação, ainda não mencionada pela criança, dentro de uma entrevista. Lyon,
por entender que o significado preciso de pergunta sugestiva é obscuro, prefere pensar sobre
perguntas ao longo de um contínuo, num extremo a criança fornece todos os detalhes e de
outro os detalhes são fornecidos pelo entrevistador. Se a criança é solicitada a fornecer todos
os detalhes, as perguntas são abertas. Quando as perguntas se posicionam na direção fornecida
pelo entrevistador, elas se tornam mais fechadas e sugestivas. Nesse extremo, o entrevistador
termina por oferecer à criança as informações do evento
70
.
2.9 Registro Eletrônico da Entrevista
Diversos pesquisadores
71
alertam sobre a importância do registro eletrônico de uma
entrevista forense para posterior avaliação das informações obtidas, não pelas respostas
fornecidas pela criança, mas também para permitir uma análise das perguntas formuladas e os
estímulos para os quais as respostas foram produzidas. Além disso, o registro eletrônico de
67
Idem
68
LYON, 2002.
69
GARVEN et al., 1998.
70
Idem
79
entrevistas conduzidas de modo competente, logo depois dos alegados eventos, é um
elemento duradouro das informações obtidas da testemunha, não sujeitos ao esquecimento
pelo transcurso do tempo. Embora os registros eletrônicos não possam substituir o
depoimento sob o crivo do contraditório, eles podem ser admitidos como importantes indícios
no acervo probatório. Outra razão para gravar as entrevistas é para o aperfeiçoamento dos
entrevistadores, porque eles se tornam mais responsáveis e, também, em razão da utilização
da gravação para o treinamento e supervisão. Aliás, a importância do treinamento dos
entrevistadores para a adoção das melhores técnicas da entrevista forense é destacada por
diversos pesquisadores
72
.
2.10 Recomendações da Literatura
Como destaca Fivush e colaboradores
73
, “a questão não é quão críveis são os
testemunhos das crianças, mas sim, como são cautelosos os entrevistadores forenses”. Da
vasta literatura na área da Psicologia Cognitiva aplicada ao testemunho infantil são extraídas
recomendações que podem maximizar a qualidade da entrevista forense com crianças. No
tocante à linguagem, a orientação é o uso da voz ativa, de palavras e frases simples, evitar
duplos negativos e perguntas múltiplas, bem como prestar atenção se a criança compreendeu a
pergunta
74
.
Os diferentes protocolos de entrevista forense, em geral, apresentam três etapas
distintas. A primeira é uma fase inicial para construção do rapport e estabelecimento das
regras da entrevista. Essa etapa serve para ambientar a criança e para o entrevistador conhecer
as habilidades de comunicação e o grau de compreensão da mesma. Nessa etapa a criança é
informada sobre o propósito da entrevista e o entrevistador deve estabelecer com ela algumas
regras básicas, especialmente: (a) enfatizar a importância de dizer a verdade; (b) explicar que
71
CECI e FRIEDMAN, 2000; LAMB et al., 2000.
72
LAMB et al., 2000; JONES et al., 2005.
73
FIVUSH, PETERSON e SCHWARZMUELLER, 2002, p. 350.
74
WALKER, 2002.
80
o entrevistador não pode conhecer os detalhes corretos, porque ele não estava presente na hora
do incidente, solicitando informações detalhadas; (c) ensinar a criança a usar adequadamente
como resposta o eu não sei”; (d) dar permissão à criança para indicar quando não
compreende uma pergunta; (e) explicar que a repetição da uma pergunta não significa que a
criança respondeu incorretamente; (f) a criança deve entender a importância de responder
cada pergunta honestamente; e (g) encorajar a criança a corrigir o adulto, se o entrevistador
incorretamente interpreta mal uma resposta ou comete algum outro engano
75
.
Na segunda etapa ou fase substantiva da entrevista, a criança é solicitada a relatar
livremente o evento, com todos os detalhes recordados
76
. Durante o relato livre, o
entrevistador não deve interromper, limitando-se a manifestações de incentivo para a criança
prosseguir o relato - “E ?Sim, que mais?” E então, o que aconteceu?” A declaração
obtida em relatos livres, embora menos detalhada que aquela produzida por questionamentos
específicos, tende a ser mais precisa
77
. Somente depois da etapa narrativa é que a criança é
questionada para se obter informações adicionais do evento, como o contexto de tempo e
espaço e as pessoas envolvidas. O cuidado do entrevistador, nesta terceira etapa, é buscar
mais informações, baseando-se naquelas fornecidas pela criança no relato livre.
A última etapa é o fechamento da entrevista, igualmente importante. Depois de obter
tantas informações quanto parece que a criança é capaz de fornecer, a literatura sugere que os
entrevistadores perguntem a criança se existe informação adicional. Agora é a oportunidade
de agradecer a colaboração da criança, recapitular e verificar a veracidade do resumo do
entrevistador, explicar a seqüência dos atos legais, permitir que a criança esclareça suas
dúvidas e subseqüentemente oferecer um momento para retomar um assunto neutro
78
.
3. Estudo Empírico
75
MEMON, 2000; MILNE, 2000; STERNBERG et al., 2002; WALKER, 2002.
76
WARREN e LANE, 1995; MEMON, 2000; MILNE, 2000; STERNBERG et al., 2002; WALKER, 2002.
77
LAMB et al., 2000; WALKER, 2002
78
STERNBERG et al., 2002; WALKER, 2002
81
A Psicologia do Testemunho, com base na vasta pesquisa, retratada em centenas de
artigos e livros, aponta alguns problemas para a obtenção de informações fidedignas de
crianças, especialmente quando se trata de relatar eventos que causam dor, estresse ou
vergonha. Do mesmo modo, apresenta um conjunto de técnicas para a realização da entrevista
forense que podem contribuir para maximizar a exatidão das informações e reduzir os riscos
de distorção da memória (falsas memórias) e da revitimização da criança.
Com o objetivo de comparar os efeitos das técnicas de entrevista e de informações
prévias dadas às entrevistadoras sobre a qualidade das declarações de crianças, adotamos para
a presente pesquisa um delineamento misto, combinado os métodos quantitativo e qualitativo.
Nosso estudo busca uma maior validade ecológica ao tentar mimetizar as situações reais em
que crianças são entrevistadas nas delegacias especializadas no atendimento de crianças e
adolescentes, na impossibilidade de analisar entrevistas reais, porque essas não são gravadas
eletronicamente. Para tanto, a informação prévia foi manipulada a partir de uma ocorrência
policial sobre o desaparecimento de dinheiro, sendo que metade das entrevistadoras recebeu o
histórico da ocorrência sugerindo um suspeito. Todas as entrevistas foram registradas de duas
formas: o registro consignado pela entrevistadora e a gravação em áudio.
3.1 Amostra
Entrevistadoras: Participaram 4 escrivães de polícia das repartições especializadas no
atendimento de crianças e adolescentes, todas do sexo feminino, com idades entre 37 e 44
anos, escolhidas por conveniência, em razão da larga experiência na inquirição de crianças
naquele departamento.
Entrevistados: 17 crianças (n=10 meninos), com idade média de 7,6 anos. Todos
alunos da primeira série do ensino fundamental de dois estabelecimentos de ensino público
estadual, localizados em região de classe média, sendo oito participantes de um colégio e
nove do outro, escolhidos por conveniência pelas características das escolas: localização
82
próxima entre elas, turmas com poucos alunos, uma com primeira série somente no turno da
manhã e outra no turno da tarde e a colaboração da direção e das professoras.
3.2 Instrumentos
Três instrumentos foram utilizados nesse estudo: a) o evento a ser testemunhado, na
forma de um vídeo; b) dois registros de ocorrência policial; e c) dois tipos de registros dos
conteúdos das entrevistas: os termos digitados pelas entrevistadoras durante a inquirição e a
degravação das entrevistas gravadas em áudio.
3.2.1 Evento
Foi produzido um vídeo, com duração de 1 minuto e 20 segundos, retratando uma cena
doméstica envolvendo a mãe, seus dois filhos, um menino e uma moça, e um outro menino
que era vizinho. A e guardava louça num armário enquanto os dois meninos estavam
sentados no chão, próximos a um sofá, manipulando controles de videogame. Não aparece
televisor e vídeo game, apenas os meninos manuseando os controles de vídeo game. Alguém
bate palmas na rua e a mãe pede ao filho para atender. O menino abre a porta, sai e retorna
dizendo que é “um velho vendendo laranjas”. A mãe confere um dinheiro guardado em um
pequeno pote aberto, que estava na prateleira do armário onde ela guardava a louça, e sai para
atender o vendedor. O outro menino, o vizinho, levanta e vai até a peça de onde a mãe trazia a
louça. Nesse meio tempo, a moça vem do interior da casa, pega o dinheiro da prateleira,
coloca uma nota no bolso da jaqueta e recoloca a outra cédula no mesmo pote e local. Depois
ela pega a bolsa e vai em direção à porta e, ao encontrar a mãe, despede-se. A mãe, então,
o menino visitante retornando com um copo de água na mão esquerda e com a mão direita no
bolso da calça. A mãe vai até o móvel pegar o dinheiro e percebe que uma das notas.
Pergunta ao filho Lucas se ele viu o dinheiro e o menino responde negativamente. A mãe
continua procurando e também pergunta ao visitante se ele não viu o dinheiro. Ele responde
não e continua jogando. A mãe aproxima-se dos meninos, pede que o visitante para casa,
83
porque ela quer conversar com o filho. Os meninos levantam-se, o visitante sai e o filho senta
no sofá, abraçando-se a uma almofada. A mãe diz ao filho que vai dispensar o vendedor,
porque não tem dinheiro para comprar mais nada, e depois conversará com ele. No transcorrer
da cena, ouve-se o latido de cachorros e ruído de veículos passando na rua.
Para avaliar a qualidade do material em termos de suscitar dupla interpretação dos
fatos, inicialmente o deo foi exibido em sala de aula para um grupo de dez estudantes
universitários, cursando o semestre do curso de Direito, orientados inicialmente apenas a
prestar atenção ao vídeo. Imediatamente depois da apresentação, sem qualquer comunicação
entre eles, foi solicitado o relato individual e por escrito de todos os detalhes observados no
evento retratado no deo. Os relatos mostraram que o deo permite diferentes
interpretações, tanto em relação ao evento principal - quem pegou o dinheiro - quanto ao
comportamento dos personagens.
Após e antes da coleta dos dados, foi realizado um teste piloto com uma menina de
dez anos, cursando a 5ª série, devidamente autorizada a participar do projeto, que foi inquirida
por uma entrevistadora que, embora exercendo outra função pública, por mais de três anos
atuou na inquirição de crianças vítimas na delegacia de polícia. Essa entrevistadora leu
(informação prévia) o relato feito por um dos alunos do curso de direito, apontando que tanto
a jovem como um dos meninos teria pegado parte do dinheiro. Depois foi orientada a tentar
obter da menina o maior número de detalhes sobre a cena. O resultado desses dois
procedimentos prévios demonstrou a adequação do evento ao fim proposto em termos de
dupla interpretação do evento.
3.2.2 Ocorrências Policiais
Foram utilizados dois registros de ocorrência policial, nos moldes do formulário
padrão informatizado utilizado pelas repartições policiais, identificados como Ocorrência
001/2005 e Ocorrência 002/2005. Nas duas ocorrências o fato foi tipificado como “furto”,
84
tendo como comunicante uma dona-de-casa, que relata o desaparecimento de dinheiro
guardado em casa, sendo que na ocorrência 001/2005, a vítima informa que desconfia dos
colegas do filho, enquanto no histórico da outra apenas referência ao fato do
desaparecimento do dinheiro, sem apontar suspeito.
3.2.3 Tipo de Registros
As entrevistas foram registradas de duas formas: o termo de declarações digitado pelas
próprias entrevistadoras, nos moldes do trabalho por elas realizado na repartição policial, e a
gravação em áudio com a posterior degravação.
3.3 Procedimentos
Previamente foi realizado contato com o Diretor do Departamento e com os Delegados
de Polícia com atuação nas delegacias especializadas no atendimento de crianças e
adolescentes, quando, informados dos objetivos do projeto, autorizaram os contatos com as
servidoras. As escrivãs foram pessoalmente esclarecidas sobre a participação voluntária e em
caráter anônimo, com possibilidade de desistência a qualquer momento, sem que isso
acarretasse qualquer tipo de conseqüência para as participantes. Nessa ocasião, também,
foram formalizados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido e programada a data
para a participação de oito escrivãs. Em razão de imprevistos de ordem administrativa, na data
programada para a coleta de dados, foi possível a participação de apenas quatro escrivãs, duas
no turno da manhã e duas no turno da tarde. A coleta de dados foi realizada no mesmo dia,
para evitar a troca de informações entre as entrevistadoras.
Igualmente, foi realizado contato com a direção das duas escolas, sendo-lhes
explicados os objetivos do estudo. Os pais ou responsáveis foram informados sobre os
objetivos da pesquisa e todos os procedimentos éticos envolvidos, em conformidade com a
legislação, foram obedecidos. Assim sendo, somente aquelas crianças cujos pais ou
responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e que se encontravam
85
presentes no dia da coleta dos dados, participaram do estudo. No turno da manhã, as duas
entrevistadoras foram instaladas em salas separadas, equipadas com mesa, computador e
cadeiras, nos moldes do respectivo gabinete ou local de trabalho da repartição policial. Além
disso, foi disponibilizado o gravador, orientando a entrevistadora para ligar o aparelho com a
chegada do entrevistado e somente desligá-lo depois de sua saída. Cada entrevistadora
recebeu uma pasta contendo uma carta de orientação para a pesquisa e, aleatoriamente, uma
das duas ocorrências policiais. Nessa carta de orientação, foi solicitado à entrevistadora para
inquirir a criança do mesmo modo como ela procedia na repartição policial, sendo-lhes
informado que a criança, antes de ser inquirida, assistiria a um pequeno filme relativo ao fato
noticiado pela vítima na comunicação de ocorrência que acompanhava a instrução. O tipo de
ocorrência foi sorteado para ser incluído no material da entrevistadora.
Os alunos autorizados, presentes na data, foram informados que participariam de um
trabalho escolar da pesquisadora e que o objetivo seria qualificar o atendimento das crianças
que são ouvidas como testemunhas. Os participantes foram levados, em duplas, até a sala de
áudio-visual, quando foram orientados a assistir ao filme com atenção. Terminada a exibição
do filme, cada um, designado aleatoriamente, foi imediatamente levado até a sala de uma das
entrevistadoras, não sendo permitido qualquer troca de informação com as crianças antes da
entrevista. Encerrada a entrevista, o aluno era levado para participar de uma atividade
recreativa, não havendo contato com os outros alunos, ainda não entrevistados, seguindo-se o
mesmo procedimento com as demais crianças. Depois da coleta de dados, a pesquisadora
esclareceu às crianças sobre a função do Poder Judiciário e a importância da testemunha para
a realização da justiça, agradecendo a participação de todos e a colaboração da professora e da
direção da Escola.
No mesmo dia, no turno da tarde e em outro estabelecimento de ensino, foi realizado o
mesmo procedimento com outras duas escrivães de polícia e nove alunos, sendo que a
86
entrevistadora que aleatoriamente recebeu a ocorrência de 001/2005 realizou cinco
entrevistas, em razão do número ímpar de participantes, enquanto as cada uma das demais
entrevistou quatro crianças.
4. Resultados
4.1 Análise das Entrevistas.
Para a análise das técnicas de entrevista adotadas pelas entrevistadoras, nessa etapa,
dividimos a entrevista em três partes distintas, buscando uma identificação com as etapas
propostas pela literatura
79
: rapport e construção das regras básicas da entrevista; relato livre;
e tipos de perguntas. Em que pese fundamental para o bem-estar da criança, o fechamento da
entrevista não foi objeto de análise em razão do objetivo do projeto.
Nenhuma das entrevistadoras realizou o rapport nos moldes sugeridos pelos diversos
protocolos de entrevista forense. As perguntas específicas sobre o vídeo, de um modo geral,
foram precedidas apenas pela saudação e breve apresentação da entrevistadora. Igualmente,
não foi solicitado o relato livre, embora a primeira pergunta sobre o evento, na maioria das
entrevistas, tenha sido do tipo aberto, inclusive em algumas delas com expressões de
incentivo. Assim, optamos por avaliar e computar apenas os tipos de perguntas formulados.
4.1.1 Tipos de Perguntas das Entrevistadoras
O trabalho de identificação e contagem foi realizado por três estudantes de Psicologia,
sendo que cada entrevista foi avaliada (julgada) de forma independente por dois desses juízes.
No exame da concordância entre os dois juízes, não foram constatadas diferenças
significativas nos julgamentos, sendo considerada na análise dos resultados a média obtida
entre os dois juízes (média de concordância). Para a padronização dos critérios entre os juízes,
adotamos os seguintes conceitos, conforme Figura 1. Na contagem dos tipos de pergunta, a
sugestão prevaleceu sobre os demais tipos de perguntas, independentemente se foi
79
MEMON, 2000; MILNE, 2000; STERNBERG et. al., 2002; WALKER, 2002; FIVUSH, PETERSON e
SCHWARZMUELLER, 2002.
87
apresentada por meio de pergunta fechada, sucessiva, repetição ou confirmação, como no
exemplo: E: “E quando ela saia, a criança dela aproveitava e fazia o quê? O que ele fazia?”
Figura 1. Tipos de Perguntas
Tipos de Perguntas Definição Exemplos
Pergunta Aberta
Permite uma resposta detalhada com
base na recordação
E: “E que tinha no filme?”
Pergunta Fechada
O entrevistador fornece opção de
escolha forçada, como sim/não
E: “Tinha uma irmã na sala junto?”
Pergunta ou confirmação
sugestiva
Pergunta ou afirmação que apresenta
alguma informação até então não
mencionada pela criança,
independentemente de ser correta ou
não a informação.
E: “Então tinha os meninos jogando
vídeo game, e eles estavam aonde,
na cozinha?” (a escrivã sugere que
os meninos estavam jogando na
cozinha)
Pergunta múltipla
São feitas duas ou mais perguntas,
sem permitir pausa para a resposta.
E: “Não? Então tu não sabe? Tinha
quantas notas? Não viu? Quantas
cédulas? Quantos papeizinhos de
dinheiro, tu não viu?”
Interrupção
A entrevistadora interrompe o relato
da criança.
E: “(...) quem é que tava nessa
sala?”
C: (“Hum, a mãe...”
E: “Essa que tu acha que era a
mãe?”
C: “A guria... a moça, um menino e
uma guriazinha”
Repetição
Repetir a pergunta dentro de uma
entrevista, ou seja, perguntar o que
havia sido perguntado
anteriormente.
E: “Ela ou ele? Tu disse que era ela,
uma menina né?
C: “É. Ele falou que não tinha...
não... ele falo que... não... ele não
viu”.
E: “É uma menina ou um menino?
C: “Menina.”
E: “Menina. Então é ela né?”
Confirmação
Afirmação ou pergunta feita
imediatamente após a resposta do
entrevistado com o objetivo de
confirmar a resposta da criança.
C: “Não deu nem tempo de eles
conversa porque acabo o filme.” E:
“Não deu tempo deles
conversarem?”
C: “Não, porque aí acabou o filme.”
4.2 Qualidade das Informações
Com o objetivo de investigar os efeitos das técnicas de entrevista sobre a qualidade
das declarações, seguindo modelo da literatura
80
, optamos por classificar as informações
obtidas das crianças entrevistadas em cinco grupos: a) informações verdadeiras: relato
88
daquilo que corresponde a algo visto no vídeo; b) informações falsas: relato que contraria o
que aparece no deo; c) subjetivação: interpretação pessoal de algo possível com base nas
informações do vídeo, mas que não aparecem efetivamente; d) confabulação: informação
sobre algo que não aparece no vídeo e foge totalmente do contexto; e) mudança de resposta: o
entrevistado muda de resposta conforme a intervenção da entrevistadora. A identificação e a
contagem das informações foi realizada por três estudantes de Psicologia, sendo que cada
entrevista foi avaliada de forma independente por dois desses juízes. Examinada a
concordância entre os dois juízes, não foram constatadas diferenças significativas nos
julgamentos e contagem dos tipos de informação, sendo considerada na análise a média obtida
entre os dois juízes.
Tendo em vista as diferenças individuais constatadas entre as entrevistadoras, optamos
por apresentar os dados separadamente, tendo por base todas as entrevistas realizadas por
cada uma delas, evitando assim uma perda qualitativa dos resultados. Para apresentação dos
dados, cada uma das quatro entrevistadoras é designada por uma letra, observada a ordem
decrescente do percentual de informações verdadeiras produzidas por cada entrevistadora. A
informação prévia - indicação de suspeito, de forma aleatória, foi entregue às entrevistadoras
B e C. O percentual de cada tipo de resposta (verdadeira, falsa, subjetivação, confabulação,
mudança de resposta) foi calculado com base no total de respostas obtido por cada
entrevistadora. Do mesmo modo, o percentual de cada tipo de pergunta (aberta, fechada,
confirmação, sugestão, repetida, confirmação, sucessivas, interrupção) foi calculado sobre o
total de perguntas formuladas por cada escrivã. A correlação entre os tipos de perguntas
(abertas, fechadas e sugestivas) e a qualidade das informações (verdadeiras e falsas) pode ser
observada na Figura 2.
Examinado o efeito das perguntas abertas sobre a qualidade do relato, observamos
que o número de perguntas abertas é diretamente proporcional ao número de informações
80
STEIN e MEMON, 2006
89
verdadeiras e inversamente proporcional ao número de informações falsas. A entrevistadora
que realizou 43% de perguntas abertas gerou 82% de informações verdadeiras e apenas 12%
de informações falsas. Por outro lado, aquela que efetuou apenas 19% de perguntas abertas
produziu somente 55% de informações verdadeiras, mas o percentual de informações falsas
subiu para 30%.
Figura 2. Percentual de tipos de perguntas X informações das crianças por entrevistadora
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
A B C D
Entrevistadora
Percentual
Abertas
Fechadas
Sugestivas
Verdadeira
Falsa
Com relação às perguntas fechadas, uma tendência ao aumento de informações
falsas e diminuição das informações verdadeiras. Essa tendência não foi observada somente
com relação à entrevistadora D. Contudo, essa exceção pode ser explicada pelo procedimento
adotado na contagem dos tipos de pergunta, prevalecendo a pergunta sugestiva, em caso de
perguntas caracterizadas ao mesmo tempo como fechadas e sugestivas. Assim, embora a
escrivã D tenha totalizado um baixo percentual de perguntas fechadas (6%), foi responsável
por quase metade (37%) das perguntas sugestivas.
Um dado que merece destaque é o alto número de confirmações (22%) e perguntas
sugestivas (15%) realizadas pela entrevistadora identificada pela letra A, que obteve o maior
índice de informações verdadeiras e menor de informações falsas. Analisando as quatro
entrevistas por ela realizadas, constatamos que ao realizar a primeira entrevista, a
entrevistadora formou sua convicção sobre o evento e nas entrevistas posteriores passou a
90
sugerir essas informações. Como no estudo do caso Simon Says, considerando que o primeiro
entrevistado forneceu informações verdadeiras, portanto, a hipótese da entrevistadora ao
entrevistar as demais crianças estava correta, ela obteve um alto percentual de informações
precisas, apesar das perguntas sugestivas. No entanto, como alertam os pesquisadores Ceci e
Bruck, “quando as hipóteses dos entrevistadores são incorretas, eles produzem uma quantia
significativa de informações inexatas”
81
.
Constatamos, ainda, que as entrevistadoras B e C, que receberam a informação prévia
formularam mais perguntas fechadas (M=11,22) em relação àquelas que não receberam
sugestão (M=3,07) (t(14)=2,806, p<0,05). Não outras evidências da influência da sugestão
sobre as declarações das crianças. Esse resultado pode ser explicado pela sutileza da
informação e pelas diferenças individuais das entrevistadoras, na ausência de um treinamento
prévio. Oportuno destacar que, embora a entrevistadora D não tenha recebido informação
prévia, por razões desconhecidas, ao entrevistar a primeira criança sobre o evento, formou a
convicção de que foi o filho quem pegou o dinheiro. A partir daí, ela realizou o mais alto
percentual de perguntas sugestivas, como vimos acima, além de inserir a expressão
aproveitava”, não mencionada pela a criança (E: “E quando ela saia, o filho dela aproveitava
e fazia o quê? O que ele fazia?”). Tal expressão pode ser considerada como indução de
estereótipo e quiçá tenha contribuído para a mudança da resposta da criança quanto à autoria
da suposta subtração do dinheiro, como veremos adiante.
Nesse aspecto, os resultados de nosso estudo encontram apoio em outras pesquisas,
como no trabalho Simon Says realizado por Pettit, Fegan e Howie
82
, segundo o qual,
entrevistadores com convicções falsas faziam de quatro a cinco vezes mais perguntas
enganosas que os outros entrevistadores. Aqui, como demonstraram Bruck e Ceci
83
, quando a
convicção do entrevistador contraria o que a criança realmente experimentou, a entrevista é
81
CECI e BRUCK, 1996, p. 90
82
PETTIT, FEGAN e HOWIE, 1990.
91
caracterizada por uma superabundância de perguntas enganosas, que, por sua vez, resultam
em crianças fornecendo informações altamente inexatas.
O percentual de confirmações apresentou pouca variação entre as entrevistadoras
(14% a 22%) e a mudança de resposta somente foi verificada nas entrevistas realizadas pelas
entrevistadoras C (5%) e D (6%). A análise correlacional entre os tipos de pergunta e a
mudança de resposta aponta um resultado estatisticamente significativo para perguntas
repetidas (r = 0,771, p<0.01), confirmação (r = 0,709, p<0.01) e sugestão (r = 0,759 p<0.01),
ou seja, quanto mais alto o percentual de perguntas repetidas, assim como de confirmações de
respostas e de perguntas sugestivas, maior o incremento do percentual de mudança nas
respostas das crianças entrevistadas.
4.3. Análise Qualitativa
Considerando os resultados obtidos pela entrevistadora D, com o menor percentual de
informações verdadeiras (55%) e o mais alto de informações falsas (30%), confabulações
(8%) e mudança de resposta (6%), elegemos a primeira entrevista por ela realizada para uma
análise qualitativa. Iniciamos pela análise do termo consignado pela entrevistadora:
“... passa a ouvir a informante X referente à ocorrência n 002/05/DECA: Informou que
a vítima deixou dinheiro guardado num cofrinho e saiu de casa. Que o filho dela,
aproveitando que quando a mãe não estava, pegou o dinheiro e saiu de casa. Quando a mãe
chegou em casa foi pegar o dinheiro no cofrinho e viu que faltava dinheiro, tinha um
pouquinho. Que a vítima ao perguntar ao filho sobre o dinheiro, ele disse que não tinha visto
o dinheiro e não viu ninguém pegando. Nada mais.”
Como se verifica, pelo registro consignado pela entrevistadora é impossível identificar
as informações efetivamente verbalizadas pela criança e, também, analisar as perguntas
formuladas e os estímulos pelos quais as informações foram produzidas
84
. Contudo, a análise
83
BRUCK e CECI, 1995.
84
CECI e FRIEDMAN, 2000; LAMB et al., 2000; JONES et al., 2005.
92
da transcrição da gravação em áudio permite detectar as informações recordadas e
efetivamente declaradas pela criança, bem como as técnicas utilizadas pela entrevistadora. Ao
contrário do teor do registro efetuado pela entrevistadora, a criança iniciou narrando
corretamente o evento no sentido que foi a filha quem pegou o dinheiro. Prosseguiu dizendo
que havia também um filho e um amigo dele. Todavia, por diversas vezes a entrevistadora
repetiu a pergunta sobre quem pegou o dinheiro, interrompendo a criança, enquanto ela
contava sobre outra cena, o diálogo da mãe com o filho. As perguntas fechadas, as sugestões e
as interrupções acabaram por fazer a criança contar ou confirmar uma história bem diversa
daquela por ela inicialmente recordada e mais fiel aos fatos do vídeo. Além disso, a criança
que estava fazendo relatos livres, depois de confrontada, passou apenas a confirmar as
informações da entrevistadora. Vejamos o teor da entrevista, em alguns nos pontos relevantes:
1. “Entrevistadora: Tá. O que tu viu nesse vídeo?
2. Criança: Eu vi uma guria né, a mãe, eu acho que é a mãe dela né, a mãe dela boto
um dinheiro dentro de uma coisa lá e daí a filha, ela pego o dinheiro e saiu na rua.
(...)
3. Entrevistadora: E? E ficava quem em casa daí?
4. Criança: O filho dela.
(...)
5. Entrevistadora: E quando ela saia o filho dela aproveitava, e fazia o que? O que ele
fazia?
6. Criança: A filha dela pegava o dinheiro.
7. Entrevistadora: Ah:: era uma menina. ... E ela aproveitava que a mãe...?
8. Criança: Saia e pegava né.
9. Entrevistadora: Ela aproveitava então... pegava o dinheiro, e fazia o que com o
dinheiro?
10. Criança: Saia pra fora da rua.
11. Entrevistadora: E saia pra rua?
12. Criança: É.
13. Entrevistadora: E ele... e... pegava o dinheiro, e ela fez isso várias vezes ou só uma
vez?
14. Criança: Só uma.
(...)
15. Entrevistadora: Ahã. Então ele fez isso uma vez? Ela fez, a menina fez, uma vez?
... Pego o dinheiro e saia de casa?
(...)
16. Entrevistadora: O que ela fez, ela perguntou pra ele, e o que ele disse?
17. Criança: Disse que...
18. Entrevistadora: Ela.
19. Criança: Ele disse...
93
20. Entrevistadora: Ela ou ele? Tu disse que era ela, uma menina né?
21. Criança: É. Ele falo que não tinha... não.. ele falo que... não... ele não viu.
22. Entrevistadora: É uma menina ou um menino?
23. Criança: Menina.
24. Entrevistadora: Menina. Então é ela né?
25. Criança: É.
26. Entrevistadora: Ela disse que não viu o dinheiro?
27. Criança: Ele disse que não viu.
28. Entrevistadora: Então é um menino, não é uma menina. A filha da mulher que
roubou dinheiro, é um menino então, é um menino?
29. Criança: Acho que é.
30. Entrevistadora: E a mãe perguntou então e ele disse que não pego dinheiro, que
não viu o dinheiro.
31. Criança: É.
32. Entrevistadora: ... Ele disse que não tinha visto o dinheiro?
33. Criança: É.
34. Entrevistadora: E aí, que a mãe disse pra ele?
35. Criança: Pra ele toma, eu acho que tinha um amigo dele né, daí ela falo pro
amigo dele i embora...
36. Entrevistadora: O amigo dela, da mãe?
37. Criança: Não sei.
38. Entrevistadora: Tava lá, e daí?
39. Criança: Daí ela mando, o amigo né, embora da casa dela.
40. Entrevistadora: Era amigo da mãe ou do filho?
41. Criança: Do filho.
42. Entrevistadora: E daí ele mando o amigo embora.
43. Criança: É.
44. Entrevistadora: E falo alguma coisa pro amigo também ou não?
45. Criança: Não.
46. Entrevistadora: Não?
47. Criança: Não sei.
48. Entrevistadora: Não sabe.
49. Criança: Ahã.
50. Entrevistadora: Só mandô o amigo dele embora pra conversa com a criança.
51. Criança: É.
52. Entrevistadora: E o que o filho disse?
53. Criança: Que não viu, que não viu ninguém pegando o dinheiro.
54. Entrevistadora: Que ele não viu o dinheiro e também não viu ninguém pegando.
55. Criança: É.
56. Entrevistadora: .... E o que mais daí?
57. Criança: Do que eu vi só né.
58. Entrevistadora: Então... e o filho nego até o fim? O filho nego que não pego o
dinheiro?
59. Criança: É.
60. Entrevistadora: Mas, tu viu que ele pego?
61. Criança: Ele pego.
62. Entrevistadora: ... Isso que tu viu, meu amor?
63. Criança: É.
64. Entrevistadora: Então tá.”
94
Ao responder a primeira pergunta, uma pergunta aberta, a criança iniciou um relato
livre e corretamente informou que foi a filha quem pegou o dinheiro, prosseguindo com mais
informações corretas, como a presença na casa também um filho. No entanto, a entrevistadora
diversas vezes repetiu a pergunta sobre quem pegou o dinheiro, expressamente referindo “ele”
ou “menino” (perguntas 13, 15, 20, 22, 24, 26 e 28), interrompendo o relato (perguntas 19 e
20), enquanto a criança contava sobre o diálogo da mãe com o filho. A criança acabou
mudando o relato no tocante a quem pegou o dinheiro, primeiro respondendo “acho que é”
(pergunta 29) e depois afirmando “Ele pegou” (pergunta 61), quando novamente questionado
se o menino pegou o dinheiro. Outro ponto que merece destaque é a repetição, pela
entrevistadora, da expressão “aproveitava” (perguntas 5, 7, 9), que em nenhum momento foi
usada pela criança, mas a escrivã a consignou no termo como expressão verbalizada pela
criança (“... Que o filho dela, aproveitando que quando a e não estava...”). Constata-se,
aqui, que a criança foi se retraindo durante a entrevista e, na última parte da entrevista, acabou
praticamente respondendo de forma monossilábica, com as expressões “é”, “não” ou
confirmando a pergunta sugestiva (a partir da pergunta 43).
É certo que os dados da análise quantitativa não nos permitem fazer generalizações.
Primeiro, em razão do reduzido número de entrevistas. Depois, porque a qualidade das
informações, como visto, depende de vários fatores, inclusive de características pessoais dos
entrevistadores. No entanto, os índices obtidos no presente estudo, ressalvadas suas
limitações, estão de acordo com a literatura e parecem indicar a influência das técnicas de
entrevista sobre as declarações da criança.
5. Considerações Gerais
A fim de se obter uma maior validade ecológica, não foi realizado qualquer
treinamento prévio que padronizasse as cnicas utilizadas pelas entrevistadoras. Elas foram
apenas orientadas a inquirir as crianças da forma como habitualmente procedem na repartição
95
policial. Mesmo com todas as diferenças individuais, é possível destacar algumas
características gerais. A primeira é a ausência do rapport ou da construção das regras da
entrevista, como prescreve a literatura na área.
De acordo com a literatura, quando realizada adequadamente essa etapa inicial da
entrevista, aumenta a quantidade de informações fornecidas pela criança sobre o evento e
reduz os efeitos da sugestionabilidade do entrevistador
85
. Oportuno, todavia, destacar a
atuação da entrevistadora A que, embora não realizando o rapport nos moldes sugeridos pelos
diversos protocolos, com a construção das regras da entrevista, realizou uma longa e adequada
acolhida. Mas, no decorrer da primeira entrevista, depois de fazer diversas perguntas abertas e
usar expressões de incentivo (E: “E o que você viu no filme?” (...) E: “Mhm. Que mais?” (...)
E: “Que mais que você lembra do filme, assim?” (...) E: “Só isso? Tem mais alguma coisa que
você lembra do filme que chamou sua atenção, dessa historinha?”), quando a criança afirmou
que não tinha nada mais para contar, a entrevistadora a esclareceu que ela não conhecia o
filme, a partir daí a criança forneceu vários outros detalhes (C: “Mas tu não viu o filme aqui?”
E: “Não, por isso que eu estou te perguntando. Eu não sei ... Quantos guris tavam jogando?”).
Isso corrobora os achados da literatura quanto à importância de explicar à criança que o
entrevistador não pode conhecer os detalhes corretos, porque ele não estava presente na hora
do incidente, solicitando informações detalhadas
86
.
Os resultados de nossa pesquisa mostram, ainda, a tendência dos investigadores
forenses a realizarem poucas perguntas abertas (31,75%), justamente o tipo de pergunta mais
recomendado pelos trabalhos científicos na otimização da oitiva de testemunhas. Outro dado
importante é o percentual de perguntas fechadas e sugestivas. As perguntas fechadas e/ou
sugestivas são apontadas pela literatura como as mais deletérias, porque a criança se limita a
85
STERNBERG et al., 2002; WALKER, 2002; FIVUSH, PETERSON e SCHWARZMUELLER, 2002.
86
Idem
96
afirmar, negar ou escolher entre as opções que lhe são oferecidas. Ceci e Friedman
87
sustentam que uma única técnica sugestiva pode distorcer uma entrevista. Essa tendência a
formular perguntas sugestivas e fechadas é encontrada mesmo em entrevistadores treinados
88
.
As pesquisas sobre a sugestionabilidade de crianças foram fundamentais para alertar
sobre a possibilidade de falsas alegações de crimes e, ao mesmo tempo, possibilitar o
desenvolvimento de protocolos não sugestivos para entrevistar crianças, em especial, sobre
abuso sexual. Casos em que técnicas de entrevistas altamente sugestivas e coercitivas
aterrorizaram crianças e potencialmente geraram condenações de inocentes são relatadas em
diversos estudos, entre eles, o trabalho assinado por mais de 40 pesquisadores americanos
89
.
No Brasil, infelizmente poucas são as pesquisas nessa área e a literatura disponível em língua
portuguesa é, ainda, escassa.
Os resultados do nosso estudo estão em consonância com achados da literatura
científica mundial e sinalizam para o potencial perigo de alguns tipos de entrevistas forenses
na contaminação das declarações das crianças. A tendência é que as escrivães de polícia, ao
inquirir crianças vítimas ou testemunhas, adotem as técnicas de entrevistas similares àquelas
por elas adotadas para o desenvolvimento da pesquisa. Os resultados da interferência do
entrevistador sobre as declarações das crianças indicam a necessidade da observância de
alguns cuidados nimos para a não contaminação dos relatos, a ponto de ser impossível
identificar a fonte das declarações da criança: recordação de um evento experimentado ou
falsas memórias implantadas com entrevistas inadequadas. Nessas entrevistas inadequadas,
também, estão incluídas as informais, como as realizadas pelos pais, familiares, professores,
jornalistas e outras pessoas, técnicos ou não, que, sem o conhecimento e a adoção das
melhores técnicas, acabam destruindo a confiabilidade da palavra da vítima. Dentre esses
cuidados mínimos está a necessidade de um sistema de gravação, ainda que somente em
87
CECI e FRIEDMAN, 2000.
88
LAMB et al., 2000.
97
áudio, das entrevistas ou inquirições realizadas com a vítima na fase inquisitorial, para
permitir que o juiz tenha condições de examinar a confiabilidade da palavra da vítima. Outro
fator importante é o treinamento dos diversos profissionais que entrevistam crianças, não
os operadores do direito (policiais, advogados, promotores de justiça e magistrados), mas
também outros profissionais, principalmente da educação e da saúde, para a adoção das
técnicas de entrevistas adequadas, principalmente na inquirição de crianças quando há
suspeita de abuso sexual, de modo a proteger a vítima e maximizar a qualidade e
confiabilidade de suas declarações.
89
BRUCK e CECI, 1995
98
Referências
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101
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publications, 1995.
102
Considerações finais
Os estudos apresentados na presente dissertação mostram que as pesquisas sobre a
sugestionabilidade de crianças foram fundamentais para alertar sobre a possibilidade de falsas
alegações de crimes, em especial de crimes sexuais, e, ao mesmo tempo, possibilitou o
desenvolvimento de protocolos não sugestivos para entrevistar crianças.
Deste modo, para a efetiva proteção das crianças e adolescentes não basta buscar
cegamente a condenação de um suspeito da prática de um crime sexual. Não se nega a
ocorrência de crimes contra a liberdade sexual de crianças e adolescentes, muitas vezes
gravíssimos, como a realização de coito anal ou vaginal, com seqüelas emocionais e até lesões
físicas ou morte. Contudo, os resultados da interferência do entrevistador sobre as declarações
de crianças indicam a necessidade da observância de alguns cuidados nimos para a não
contaminação dos relatos, a ponto de ser impossível identificar a fonte das declarações da
criança: recordação de um evento experimentado ou falsas memórias implantadas com
entrevistas inadequadas.
Dentre esses cuidados mínimos está a necessidade de um sistema de gravação, ainda
que somente em áudio, das entrevistas ou inquirições realizadas com a vítima na fase
inquisitorial, para permitir que os operadores do direito tenham condições de examinar a
confiabilidade da palavra da vítima. Outro fator importante é o treinamento dos
entrevistadores para a adoção das técnicas de entrevistas adequadas de modo a proteger a
vítima e maximizar a qualidade e confiabilidade de suas declarações.
No Brasil, a literatura e as pesquisas na área da Psicologia do Testemunho Infantil são
escassas e poucos são os profissionais treinados para a realização de entrevistas forenses e,
menos ainda, aqueles capacitados para realizar treinamentos nessa área. A partir da presente
dissertação, pretende-se oferecer aos diversos profissionais que entrevistam crianças, em
especial aos operadores do direito (policiais, advogados, promotores de justiça e juízes)
informações sobre técnicas de entrevista forense, de modo a permitir avaliar com maior
segurança a confiabiliadade dos relatos de crianças, bem como implementar modelos de
intervenção capazes de proteger a vítima e preservar a prova.
103
ANEXO A
NORMAS DE PUBLICAÇÃO DA EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS
1. Os trabalhos para publicação nos periódicos editados pela Editora Revista dos
Tribunais deverão ser inéditos e sua publicação não deve estar pendente em outro
local. Uma vez publicados pela Editora, consideram-se licenciados para a Editora
Revista dos Tribunais com exclusividade para o veículo impresso em papel ou digital,
pelo prazo de duração dos direitos patrimoniais do autor. Os trabalhos também
poderão ser publicados em outros lugares desde que após autorização prévia da
Editora Revista dos Tribunais citada a publicação original como fonte, constando o
nome da editora, a cidade, o ano e as páginas.
2. Os trabalhos podem ser enviados por via postal, em arquivos gravados em disquetes
de 3,5 polegadas (Recomendamos a utilização do processador de texto Microsoft
Word 97. Pode-se, no entanto, utilizar qualquer processador de texto, desde que os
arquivos sejam gravados no formato RTF (Rich Text Format), que é um formato de
leitura comum a todos os processadores de texto), acompanhados de prova impressa
para a Editora Revista dos Tribunais, aos cuidados do Editorial de Revistas, na Rua do
Bosque, 820, Barra Funda, São Paulo, SP (CEP 01136-000); ou, pelo correio
eletrônico, para o endereço [email protected] (caso em que não é necessário
o envio por correio), juntamente com endereço completo para correspondência,
curriculum resumido, autorização de publicação em caso de aprovação e declaração de
ineditismo do artigo.
3. Os trabalhos deverão ter entre 20 e 50 laudas. Os parágrafos devem ser alinhados à
esquerda. Não devem ser usados recuos, deslocamentos, nem espaçamentos antes ou
depois. Não se deve utilizar o tabulador <TAB> para determinar os parágrafos: o
próprio <ENTER> determina, automaticamente, a sua abertura. Como fonte, usar o
Times New Roman, corpo 12. Os parágrafos devem ter entrelinha 1,5; as margens
superior e inferior 2,5 cm e as laterais 3,0 cm. O tamanho do papel deve ser A4.
4. Os trabalhos deverão ser precedidos por uma folha na qual se fará constar: o título do
trabalho, o nome do autor (ou autores), endereço, telefone, fax e e-mail, situação
acadêmica, títulos, instituições às quais pertença e a principal atividade exercida.
5. As referências bibliográficas deverão ser feitas de acordo com a NBR 6023/2000
(Norma Brasileira da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT). Uma
referência bibliográfica básica deve conter: sobrenome do autor em letras maiúsculas;
vírgula; nome do autor em letras minúsculas; ponto; título da obra em itálico; ponto;
número da edição (a partir da segunda); ponto; local; dois pontos; editora (não usar a
palavra editora); vírgula; ano da publicação; ponto, como no exemplo a seguir:
NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil
comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 1999.
6. Os trabalhos deverão ser precedidos por um breve Resumo do mesmo (10 linhas no
máximo) e de um Sumário, do qual deverão constar os itens com até 3 dígitos, como
no exemplo:
104
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Responsabilidade civil ambiental: legislação: 2.1
Normas clássicas; 2.2 Inovações: 2.2.1 Dano ecológico; 2.2.2 Responsabilidade civil
objetiva
...
7. Deverão ser destacadas as palavras-chave (palavras ou expressões que expressem as
idéias centrais do texto), as quais possam facilitar posterior pesquisa ao trabalho. Vide
exemplo:
Palavras-Chave: Criminologia Criminalidade organizada Lavagem de dinheiro
Delinqüência econômica ...
8. Todo destaque que se queira dar ao texto impresso deve ser feito com o uso de itálico.
Jamais deve ser usado o negrito ou a sublinha. Citações de textos de outros autores
deverão ser feitas entre aspas, sem o uso de itálico.
9. Será prestada uma retribuição autoral pela licença de publicação dos trabalhos em
nossas revistas ou qualquer tipo de mídia impressa (papel) ou eletrônica (Internet,
CDRom, e-book etc.), correspondente a um exemplar da revista em cujo número seu
trabalho tenha sido publicado ou do produto digital quando contido em suporte físico.
10. Os trabalhos que não se ativerem a estas normas serão devolvidos a seus autores, que
poderão reenviá-los, desde que efetuadas as modificações necessárias.
11. A seleção dos trabalhos para publicação é de competência do Conselho Diretivo da
revista. Os trabalhos recebidos e não publicados não serão devolvidos. Se o trabalho
aprovado para publicação não estiver de acordo com as normas, o mesmo será devolvido
para que o autor faça a padronização.
Publicação de livros pela RT:
Abaixo seguem as normas para avaliação de livros jurídicos pela Editora Revista dos
Tribunais:
Para encaminhar originais destinados a monografia para avaliação, é necessário que nos
envie pelo correio uma cópia impressa da íntegra do trabalho, juntamente com cópia
do currículo completo e da ata de defesa (no caso de tese ou dissertação).
Se desejar, o autor também poderá enviar anexa uma carta de apresentação do trabalho
(pessoal ou de terceiro), destacando os pontos editorais ou comerciais que julgar
importante para o processo de avaliação.
Endereço:
Editora Revista dos Tribunais
Rua do Bosque, 820 - Barra Funda
105
CEP 01136-000 São Paulo, SP
A/C Conselho Editorial
Ressaltamos que não são publicados trabalhos de graduação, conclusão de curso
e de especialização em Direito.
Informamos que o período de avaliação dura de 05 a 08 meses. Se a obra for aprovada
para publicação pelo nosso Conselho Editorial, a Editora entrará em contato. Após
aprovação, o prazo de publicação é sujeito à decisão do Departamento Comercial.
Ficamos à disposição para maiores esclarecimentos. Se o material não puder ser
aproveitado, os originais serão devolvidos pelo correio.
Mais informações sobre o processo de avaliação e/ou resultados podem ser obtidos
exclusivamente pelo e-mail [email protected]
106
ANEXO B
Normas de publicação da Revista da Ajuris
O artigo passa pela avaliação do Conselho Editorial, que é composto por Juízes e
Desembargadores. Na seleção será definido se o mesmo será publicado na Revista em
livro, na Revista eletrônica (internet) ou não será publicado.
O Conselho Editorial dá preferência aos artigos inéditos, ou seja, que não tenham sido
publicados em outras revistas e/ou sites jurídicos.
Normas:
1. Os artigos deverão ter, no máximo, 25 páginas no tamanho A4.
2. Fonte: Times New Roman, tamanho 12 e espaçamento entre linhas de, no máximo,
1,5.
3. Deverá constar no corpo do artigo o nome completo do autor e sua qualificação
profissional atual.
4. No corpo da mensagem deve vir a solicitação de análise do artigo e todos os
endereços para correspondência, telefones para contato e endereços eletrônicos.
5. Muito importante: Revisar títulos e subtítulos do sumário com a lista de títulos e
subtítulos em toda a extensão do artigo, revisar formatação das Referências
Bibliográficas (nome das obras em itálico) e notas de rodapé (nome das obras em
itálico, cuidar a indicação da nota e a colocação do texto da mesma, a numeração das
notas deve ser corrida e não por seção).
6. As revisões ortográfica e gramatical ficam a cargo do autor, devendo o mesmo, fazê-
las antes de enviar o artigo para análise.
7. Será aceita somente UMA ÚNICA VERSÃO DO ARTIGO. Portanto, o autor deve
fazer toda revisão que julgar necessária, antes de enviar o artigo para análise.
8. Enviar mensagem com cópia do artigo anexada, em formato Word, para:
Sandra Flores, Dep. Revista da AJURIS.
Fone: 51.3284.9131 - Fax: 51.3284.9135
107
ANEXO C
Alterações realizadas no projeto original
O estudo inicialmente previa um delineamento experimental misto de 2 (Tipo de
Entrevista) X 2 (Tipo de Registro) com medidas repetidas na última variável, com o objetivo
de comparar os efeitos de dois tipos de entrevistas sobre o testemunho da criança, a Entrevista
Investigativa Confirmatória (EIC) e a Entrevista Investigativa Livre (EIL), e duas formas de
registrar essas entrevistas, a transcrição da entrevista gravada eletronicamente e o relato
consignado pelo entrevistador.
Todavia, com o apoio do DECA foi possível buscar uma maior validade ecológica ao
tentar mimetizar as situações reais em que crianças são entrevistadas nas delegacias
especializadas no atendimento de crianças e adolescentes. Assim, deixamos de comparar dois
tipos de protocolos de entrevista (EIC e EIL) para analisar os efeitos das técnicas utilizadas
pelas escrivães de polícia, sem qualquer trinamento prévio. Elas foram apenas orientadas a
inquirir as crianças da forma como habitualmente procedem na repartição policial.
108
ANEXO D – Projeto de Pesquisa Original
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL E DA PERSONALIDADE
Osnilda Pisa
OS EFEITOS DA INTERFERÊNCIA DO ENTREVISTADOR SOBRE O TESTEMUNHO
DAS CRIANÇAS: COMO DETECTAR AS IMPRECISÕES?
Projeto de Pesquisa apresentado ao Programa
de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Psicologia Social e da
Personalidade.
Lilian Milnitsky Stein, Ph.D.
Orientadora
Porto Alegre, novembro de 2004.
109
Introdução
A palavra da vítima, na maior parte dos processos de crimes contra a liberdade sexual,
é a única prova a incriminar o réu. Julgar esse tipo de processo é ainda mais complexo quando
a vítima é uma criança, porque fatores como fantasia, linguagem, memória e
sugestionabilidade podem afetar sua competência de testemunhar. No sistema da justiça
criminal dos Estados Unidos e de países da Europa, para avaliar a veracidade do testemunho
de crianças, os peritos examinam as gravações das entrevistas realizadas para detectar se as
declarações da criança podem ter sido distorcidas pelo entrevistador ou outro fator. No Brasil,
no entanto, não exigência legal dessa gravação, o que torna praticamente impossível a
realização de perícia nesse sentido.
Assim, para decidir entre o direito constitucional à liberdade de um cidadão e o
acolhimento de um grito de socorro de uma criança vítima de crimes contra a liberdade
sexual, o juiz criminal, geralmente, está adstrito a confrontar a versão do réu e da vítima,
sendo que essa é submetida a uma série de entrevistas antes de prestar suas declarações sob o
crivo do contraditório. Parece existir uma tendência desses entrevistadores a confirmar a
ocorrência do evento. O magistrado não tem acesso ao conteúdo dessas entrevistas, porque
não são gravadas. Resta a ele montar um quebra-cabeça com algumas das informações
registradas por esses profissionais ou a ele relatadas em audiência.
Desta forma, considerando a importância da palavra da vítima nos crimes contra a
liberdade sexual, o objetivo deste projeto é identificar fatores que levem a imprecisões e
falhas na realização de entrevistas no campo extrajudicial, que poderão contaminar o
testemunho das crianças no âmbito da justiça criminal. Pretende-se comparar a qualidade
dessa prova utilizando duas formas de entrevista, uma Entrevista Investigativa Confirmatória
e uma Entrevista Investigativa Livre, e dois sistemas para registrá-la, a consignação feita pelo
entrevistador e a transcrição das declarações gravadas eletronicamente.
110
1 Fundamentação Teórica
1.1 A Violência contra crianças
Violência é “a ação ou efeito de violentar, de empregar força física (contra alguém ou
algo) ou intimidação moral contra (alguém)” (Houaiss, 2001); “são ações e/ou omissões que
podem cessar, impedir, deter ou retardar o desenvolvimento pleno dos seres humanos”
(Koller, 2000). “O discurso sobre a questão da Violência Doméstica contra crianças e
adolescentes - em nível nacional e internacional - revela uma utilização indiscriminada de
termos, alguns mais outros menos populares” (Azevedo, 2002). Além de violência (Guerra,
2001; Lorencini & Ferrari, 2002), são utilizados com freqüência abuso (Caminha, 2000) e
maltrato (Benetti, 2002). Maltratar é “ofender (alguém) com palavras ou atos; ultrajar; fazer
sofrer; tratar com aspereza, grosseiramente; dar golpes violentos em; espancar, bater, açoitar;
causar lesão física em; mutilar, machucar” (Houaiss, 2001). Abusar é “fazer pouco caso,
ridicularizar; menosprezar, humilhar; faltar à confiança, enganar; ultrajar o pudor de; tirar a
virgindade de; desflorar, desonrar, seduzir; agredir com insultos ou injúrias; afrontar”
(Houaiss, 2001). De qualquer forma, independente do termo adotado, é comum a subdivisão
em (a) física; (b) sexual; (c) emocional ou psicológico; e (d) negligência.
Na maioria das civilizações existiu violência contra crianças (Minayo, 2002; Amazarray
& Koller, 1998; Ferrari, 2002). A crueldade contra crianças foi alvo da cruzada vitoriana e,
em 1874, a menina Mary Ellen, vítima da negligência e de abuso físico, foi removida da casa
dos pais adotivos, por meio de pedido formulado pela Sociedade de Prevenção da Crueldade
contra Animais de Nova York, que fundamentou o pedido, equiparando a menina a um animal
(Benetti, 2002; Hanking, 2001).
Apesar disso, a idéia do abuso ou maltrato infantil foi socialmente construída, ou como
prefere Hacking (2001), “feita e moldada”. Pediatras norte-americanos de Denver, dirigidos
111
por C. H. Kempe, em 1961, utilizando o aparelho de raios-X, constataram seqüelas em
crianças espancadas, que denominaram síndrome da criança espancada ou maltratada
(Hanking, 2001; Guerra, 2001; Mattos, 2002; Ferrari, 2002). A expressão child abuse”,
inicialmente apresentada como um conceito científico, pois o dano era comprovado por
radiografia, logo passou a abranger outras formas de violação da integridade física e
emocional das crianças. Na esteira dessa mudança de consciência, a violência sexual contra
crianças foi denunciada por Florense Rush, em 1971, na Conferência Feminista Radical de
Nova York. Entretanto, a relação entre abuso infantil e incesto passou a ser debatida
publicamente em 1977, com a publicação do artigo Incesto: O abuso infantil começa em casa.
(Webber, 1977, em Hanking, 2001). Desde então, vários países mudaram suas legislações e a
violência contra as crianças, em especial crimes contra a liberdade sexual, tem sido alegada de
forma alarmante e crescente em todo o mundo (Lamb et al., 2000; Hanking, 2001; Mattos,
2002; e Benetti, 2002).
No Brasil, a violência praticada contra crianças e adolescentes passou a ser
publicamente debatida com o advento da Constituição Federal de 1988, que adotou a doutrina
da proteção integral, como reza o artigo 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Legalmente, a
criança deixou de ser um objeto dos pais e passou a ser sujeito de direitos.
Com base nesse novo paradigma, entrou em vigor a Lei Federal n.º 8.069, de 13 de julho
de 1990, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O novo diploma legal não
conceituou qualquer crime de abuso ou maus-tratos, mas definiu alguns crimes praticados
contra crianças e adolescentes, entre os quais, produzir ou dirigir representação teatral,
112
televisiva ou película cinematográfica, utilizando-se de criança ou adolescente em cena de
sexo explícito ou pornográfica (art. 240); ou contracenar, nas condições referidas, com criança
ou adolescente (art. 241); fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente (art. 241); e submeter criança ou adolescente à prostituição
ou a exploração sexual (art. 244-A), ressalvando a legislação penal.
O Código Penal Brasileiro, instituído pelo Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de
1940, com as alterações da Lei n.º 7.209, de 11 de julho de 1984, no art. 136 prevê o crime de
maus-tratos: “expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou
vigilância, para o fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de
alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou
inadequado, quer abusando dos meios de correção ou disciplina”. Para este crime a pena é de
detenção, de dois meses a um ano, ou multa, aumentada de um terço, se o crime é praticado
contra pessoa menor de 14 anos. No mais, estão previstos outros crimes, como o homicídio
(art. 121); lesão corporal (art. 129); corrupção de menores (art. 218); ato obsceno (art. 233);
omissão de socorro (art. 135), abandono material (art. 244); corrupção de menores (art. 218);
entre outras formas de violência contidas na definição de abuso contra crianças e adolescente.
O Título VI da Parte Especial do Código Penal, trata dos crimes contra os costumes,
sendo o Capítulo I relativo aos crimes contra a liberdade sexual. Os crimes de estupro
(constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça - art. 213); e
atentado violento ao pudor (constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a
praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal - art.
214), são os mais comuns. Em ambos os casos, se o ofendido é menor de catorze anos,
presume-se a violência (art. 224). Oportuno ressaltar que a expressão “conjunção carnal” diz
respeito à cópula vagínica, razão pela qual, por óbvio, a mulher pode ser vítima deste
crime. O coito anal tipifica o crime de atentado violento ao pudor, aqui sim, a vítima pode ser
113
de ambos os sexos. No tipo penal previsto no artigo 214, o ofendido é constrangido a praticar
ou a permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal, englobando
desde o coito anal e felação até abraços, beijos ou apalpação lascivas à força.
Não há, portanto, na legislação brasileira um tipo penal denominado “abuso”, seja físico,
emocional ou sexual. Todavia, apesar de não inserido como tipo penal, o termo “Abuso” é
muito utilizado, tanto na literatura como popularmente, para indicar as diversas formas de
violência sexual infantil.
1.2 Abuso sexual da criança e as múltiplas intervenções
A revelação e a comunicação do abuso sexual infantil gera a intervenção de diversas
instituições e de uma variada gama de profissionais de diversas áreas. O objetivo dessas
intervenções é proteger a criança enquanto vítima e punir o agressor.
O abuso pode ser revelado a um familiar, professor, amigo, vizinho e/ou aos
profissionais da saúde. Em qualquer das hipóteses, o fato deve ser comunicado ao Conselho
Tutelar e à autoridade policial. Em razão da ameaça ou violação aos direitos da criança (art.
98, II, do ECA), o Conselho Tutelar deverá aplicar as medidas de proteção necessárias, dentre
aquelas previstas no art. 101, incisos I a VI, do ECA, e comunicar o fato ao Ministério
Público (art. 136, incisos IV e XI, do ECA). De qualquer forma, por se tratar de crime, o fato
deverá ser comunicado à autoridade policial para instauração do inquérito policial,
oportunidade em que a vítima será encaminhada para a realização dos exames periciais. Por
outro lado, em razão das medidas protetivas, a criança também passará a ser atendida na rede
de saúde e assistencial. Diferente não é a situação quando o abuso é revelado na rede de
saúde, havendo a obrigatoriedade de comunicação ao Conselho Tutelar (art. 13 do ECA).
A vítima, a princípio, relata os fatos ao ente de sua confiança, ao conselheiro tutelar, a
autoridade policial, aos peritos legais e aos profissionais da saúde. Não é só. Em alguns casos,
114
ainda, precisa relatar o fato aos técnicos que atuam junto ao Conselho Tutelar, à autoridade
policial, ao Ministério Público, aos Juizados da Infância e da Juventude e de Família. Não
bastasse essa repetição de entrevistas, também a intervenção dos meios de comunicação,
que entrevistam vítimas, agressores e testemunhas, ampliando as distorções. após tudo
isso, a pequena vítima chega ao juízo criminal para relatar o fato criminoso.
As diversas intervenções podem produzir um dano e traumatismo maior nos
relacionamentos familiares e nas crianças individualmente do que o abuso original (Furniss,
1993). Além de produzir a revitimização, a repetição de entrevistas acaba por fragilizar a
declaração da vítima como prova no processo criminal.
1.3 A Justiça Criminal
Nos juízos da infância e da juventude e também naqueles de família, a intervenção legal
sempre terá como objetivo preservar a criança, prioridade absoluta nos processos de guarda,
suspensão ou destituição do pátrio-poder (art. 227 da CF). A dúvida sempre deverá ser
interpretada em benefício da criança, porque o objetivo é sua integridade física e emocional.
Diversa, no entanto, é a situação no juízo criminal. O processo penal tem dúplice finalidade: o
interesse da sociedade na punição de todo culpado e a proteção das liberdades individuais e,
em conseqüência, a tutela dos inocentes (Mittermaier, 1997). A base de todas as garantias
processuais está na preocupação com a tutela do inocente (Ferrajoli, p. 483, 2002). A Carta
Cidadã, que adotou a doutrina da proteção integral das crianças e dos adolescentes, também
coroou o princípio do favor rei, favor innocentiae ou favor libertatis, ao erigir à categoria de
dogma constitucional a presunção de inocência (art. 5.º, inciso LVII). Além disso, adotou o
princípio do devido processo legal, que abrange os princípios da amplitude do direito de
defesa e do contraditório (art. 5.º, incisos LIV e LV).
115
Destarte, dentro desse quadro e considerando a gravidade dos apenamentos cominados
aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, para a condenação do acusado é
necessário prova emoldurada de certeza e alicerçada em fatos que não deixem qualquer
dúvida. Destaco, por oportuno, que o autor de um abraço ou um beijo à força, ações
tipificadas como atentado violento ao pudor (art. 214 do CP), pode resultar sentenciado a
cumprir a pena mínima de seis anos de reclusão, mesma pena cominada ao homicídio simples
(art. 121) e quantidade muito superior às penas cominadas aos crimes de lesão corporal (art.
129), maus-tratos (art. 136) e omissão de socorro (art. 135).
1.4 Da prova
Prova é a soma dos motivos geradores da certeza dos fatos (Mittermayer, 1997). A
finalidade da prova é formar a convicção do juiz sobre os elementos necessários para a
decisão da causa (Tourinho Filho, 2001). No processo penal, o juiz só pode acolher a hipótese
acusatória se estiver provada e “não a aceitando, conforme o critério pragmático do favor rei,
não se resultar desmentida, mas também se não forem desmentidas todas as hipóteses em
conflito com ela” (Ferrajoli, p. 122, 2002).
A prova pode ser pessoal (arts. 185-230 do CPP), documental (art. 232 do CPP) e
pericial (art. 159 do CPP). A prova pessoal é constituída pelo interrogatório do acusado,
declarações da vítima e depoimentos das testemunhas. No Processo Penal a prova pessoal é
imprescindível, porque em casos excepcionais os fatos delituosos são comprovados com
outros elementos. Todavia, ainda que excluindo o falso testemunho deliberado e limitações
sensoriais, especialmente visão e audição, uma infinidade de hipóteses que podem
interferir na precisão dos relatos das crianças, entre eles a fantasia, linguagem, memória e
sugestionabilidade.
116
O interesse pela prova pessoal como um processo psicológico não é recente. Além da
observação casuística, desde o início do século passado, vários pesquisadores europeus
destacaram-se na experimentação sistemática aplicada ao estudo dos testemunhos,
destacando-se os alemães Gross e Stern e o francês Binet. Hans Gross (1909), na clássica obra
“Guia Prático para a Instrução dos Processos Criminais”, dedicou um capítulo à prova
pessoal, destacando os problemas de percepção e da memória. Alfred Binet constatou
numerosos erros involuntários de crianças submetidas a testes de recordação e, em 1900,
publica La Suggestibilité”, onde apontava para a fragilidade da memória infantil em termos
de ser sugestionável. Dois anos depois, Willian Stern publicou seu trabalho. A experiência de
Stern consistia em mostrar um desenho a uma série de indivíduos e após intervalos de tempos,
maiores e menores, eram convidados a narrar livremente o que tinham visto ou responderem
a uma série de perguntas, ou as duas coisas sucessivamente. Stern constatou que as
recordações livres apresentavam poucos erros, enquanto questões enganosas produziam
muitos erros nos relatos. Outros pesquisadores como Lizt, Weber, Lipmann, Claparède e
Lobsien, também, utilizaram-se de representações teatrais para suas pesquisas (Pessoa, 1913;
Ceci e Bruck, 1995a).
As obras de Umberto Fiore, François Gorphe, Luigi Battistelli e Enrico Altavilla
realizam uma vasta revisão das observações e dos estudos experimentais desenvolvidos até o
início do século passado, interrompidos pela Primeira Guerra Mundial. Atualmente, a
preocupação com as causas das imprecisões das declarações prestadas em juízo são objeto de
numerosas pesquisas em diversos países. Mais recentemente, Ceci e Bruck (1995a)
examinaram o interesse na precisão dos relatos das crianças pelos profissionais do sistema
legal e pelos cientistas, em diversos períodos. A primeira fase, relativamente aos trabalhos
realizados na Europa, no período de 1900-1915, além dos trabalhos criativos de Binet e Stern,
destacam aqueles de Varendonck e Lipmann. Os autores ressaltam a aplicação desses estudos
117
no sistema legal, a constatação do envolvimento de fatores cognitivos e sociais, e um grande
número de achados que aparecem na literatura moderna: repetição de perguntas, perguntas
fechadas, dificuldade de distinguir fantasia e realidade e a sugestionabilidade de adultos.
Poucos foram as pesquisas realizadas no período de 1915-1963.
Na década de 70, aos poucos ressurgiram os estudos sobre a sugestionabilidade das
crianças. Os experimentos de Loftus e Palmer deram início à extensa pesquisas sobre o efeito
de informações enganosas sobre a memória. O paradigma da falsa informação ou sugestão
utilizado por Loftus, conhecido como original ou standard, consiste de três partes, de acordo
com as fases do funcionamento da memória: codificação (apresentação do material), retenção
(informação enganosa) e recuperação (prova de memória). No prosseguimento das pesquisas,
Loftus constatou que quando percebemos um evento também o interpretamos, de modo que o
que se armazena na memória se baseia em parte na percepção, mas também no conhecimento
prévio e em inferências prováveis sobre aspectos da situação não percebida ou não atendida
por completo. O trabalho de McCloskey e Zaragoza, em 1985, teve duas conseqüências inter-
relacionadas, uma metodológica e outra dirigida a problemas teórica (Diges, 1997). Das
inúmeras pesquisas sobre a sugestionabilidade das crianças, destaco o estudo de Ceci, Ross e
Toglia (1987). O artigo “Suggestibility of children’s memory: Phycholegal implications”
apresenta o resultado de quatro experimentos que tratam da vulnerabilidade das crianças às
perguntas sugestivas ou guiadas e de alguns dos mecanismos psicológicos responsáveis pela
sugestionabilidade. Na primeira experiência constataram que crianças de 3 a 4 anos são
suscetíveis a informações enganosas posteriores. No segundo experimento, constataram que a
suscetibilidade à informação enganosa diminuía quando outra criança a apresentava, levando-
os a concluir que a sugestionabilidade das crianças surge em parte do desejo de adaptar-se aos
desejos de uma figura adulta de autoridade. Para o terceiro e o quarto experimentos,
utilizaram os procedimentos de prova de reconhecimento standard e modificado para
118
examinar o método mais apropriado para avaliar a deterioração da memória. Nos dois
procedimentos, os rendimentos diminuíam substancialmente quando comparados com a
condição de controle. Assim, concluíram que as sugestões posteriores podem distorcer a
memória.
No Brasil, infelizmente, poucas são as pesquisas nessa área, principalmente sobre as
distorções dos relatos das crianças. O discurso que se repete em palestras, livros, laudos e até
em algumas sentenças e acórdãos sugere que a criança nunca mente ou fantasia sobre casos de
abuso sexual intrafamiliar, porque “a maior parte das crianças não-abusadas não têm
conhecimento dos detalhes de encontros sexuais” (Pires, p. 67, 2002) ou que histórias
inventadas são facilmente detectáveis (Flores & Caminha, 1994). Esse discurso foi
socialmente construído a partir da idéia do abuso ou maltrato infantil. No Sul do país,
percebe-se a influência de profissionais argentinos na propagação desse discurso (Barudy,
1998, e Sanz & Molina, 1999, em Docke, 2001).
1.4 A dialética do abuso sexual de crianças
“A verdade é raramente pura e nunca simples”, como anunciado por Oscar Wilde (Fear,
p. 117, 2004). Nos últimos 40 anos, passou-se do silêncio a um alarmante número de denúncia
de abuso sexual infantil. Segundo Flores e Caminha (1994), embora a diversidade de estudos
sobre as variáveis sociais que estão envolvidas na freqüência maior ou menor de abusos
sexuais em uma cultura, ainda o se tem dados confiáveis sobre a causa do aumento do
número de registros de abusos. Depois de revisarem a literatura, os autores concluem que a
freqüência real de abusos pode ter permanecido constante nos últimos 120 anos, o que estaria
aumentando é a comunicação e registro de sua ocorrência.
Por outro lado, falsas denúncias de abuso sexual também passaram a incrementar as
estatísticas. Geralmente essas falsas alegações servem como poderosa arma nos litígios
119
envolvendo disputa de guarda (Lamb et al., 2000). Do mesmo modo, num extremo estão os
que garantem que as crianças nunca mentem sobre suas experiências sexuais, enquanto do
lado oposto estão aqueles que desacreditam totalmente as declarações das crianças. O
aumento contínuo de denúncias de abuso sexual contra crianças coincidiu com a retomada das
pesquisas sobre memória e sugestionabilidade. É do embate dos opostos que surge algo que
combina os melhores elementos de ambos, segundo as idéias do filósofo Georg Hegel (Fear,
2004). Para essa evolução, é necessário que os pesquisadores busquem identificar fatores de
distinção entre narrativas ou detalhes verdadeiros daqueles falsos, Além disso, é preciso que
as múltiplas intervenções preservem a prova necessária para formar o juízo de convicção na
justiça criminal.
As pesquisas sistemáticas desenvolvidas muito colaboraram para a compreensão dos
fatores que influenciam a qualidade das informações obtidas das crianças. Porém, ainda não
permitem identificar com segurança as diferenças entre relatos verdadeiros e falsos. Entre os
vários fatores que afetam a exatidão dos relatos das crianças, a forma de entrevista é
indubitavelmente um deles. Ao revisar as pesquisas sobre a credibilidade e confiabilidade do
relato de crianças, Bruck, Ceci e Hembrooke (2002) definiram a entrevista como uma
interação verbal entre pelo menos dois participantes onde a meta é um participante obter
informações do outro. Os autores destacam as inúmeras formas de interferência do
entrevistador sobre a exatidão das declarações das crianças. Alertam que o entrevistador que
tem convicções prévias sobre o evento molda a entrevista de modo a maximizar revelações
que são consistentes com suas convicções, bem como não desafia a autenticidade do relato da
criança que estiver de acordo com sua hipótese. Para esse entrevistador, até quando a criança
fornece evidências incompatíveis ou estranhas, estas são ignoradas ou interpretadas dentro de
sua prévia convicção. Ao contrário, quando a declaração da criança é incongruente com a
prévia concepção do entrevistador, a criança será desafiada ou as perguntas serão repetidas
120
para alinhar os relatórios subseqüentes da criança com as convicções iniciais do entrevistador.
Entrevistadores parciais empenhar-se-ão em entrevistas altamente sugestivas. Esses
problemas não são restritos aos profissionais que entrevistam crianças, mas também pais,
professores e outros profissionais quando questionam as crianças sobre determinado evento.
Se o encorajamento imparcial aumenta a resistência das crianças a perguntas enganosas,
o encorajamento estruturado, seletivo para as declarações que são consistentes com a
convicção do entrevistador, é outro fator de risco para a exatidão das declarações. Outro
problema são as perguntas fechadas (sim ou não), porque a tendência da criança é dizer sim
para o que ela vê como conhecimento do evento. Igualmente problemático é quando o
entrevistador fornece informações que a criança desconhecia ou utiliza a pressão da
igualdade, garantindo ao entrevistado que o seu amigo relatou e que se sentirá melhor após
falar. Quando essas técnicas são repetidas através de entrevistas múltiplas, os relatos das
crianças podem se tornar incertos. Muito sério e importante é o problema das entrevistas
terapêuticas sugestivas. De acordo com os autores, alguns terapeutas defendem o uso destas
técnicas reivindicando que as crianças vitimadas estão freqüentemente com medo ou
envergonhadas de relatar o abuso e então os entrevistadores devem usar uma variedade de
ferramentas para extrair relatos para proteger a criança de um trauma adicional.
Muitas dessas técnicas de entrevistar são utilizadas pelos diversos profissionais que
entrevistam as crianças vítimas de abuso sexual. Entretanto, as sugestões dificilmente são
detectadas no processo criminal, porque essas entrevistas não são gravadas. Por essa mesma
razão, muitos detalhes importantes das declarações das crianças são perdidos. De acordo com
Bruck e Ceci (1995b), a ausência de gravações de áudio e vídeo das primeiras entrevistas com
crianças, torna impossível determinar a exatidão de suas declarações subseqüentes, ainda
quando as entrevistas subseqüentes são gravadas eletronicamente. Os resumos escritos de
entrevistas não gravadas eletronicamente estão sujeitos a inúmeras distorções, porque os
121
entrevistadores recordam somente o essencial, mas eles não conseguem lembrar as exatas
palavras usadas, nem as seqüências das interações de uma entrevista. Além disso, se o
investigador tem um preconceito de que a criança foi sexualmente abusada, isto pode colorir
suas interpretações sobre o que a criança disse ou fez. É essa interpretação que ele consigna e
não um relato fidedigno da entrevista.
Assim, ao juiz criminal resta a permanente angústia de decidir sobre a liberdade do
semelhante, na maioria dos processos de crimes de estupro ou atentado violento ao pudor
contra crianças, baseado unicamente na palavra da pequena vítima, que passou por diversas
entrevistas e está cansada de reprisar sua narrativa, seja sobre um evento doloroso sentido ou
sobre o evento que lhe foi sugerido por familiar ou pelos diversos entrevistadores. Os
pesquisadores afirmam que a avaliação das informações obtidas nas entrevistas investigativas
somente pode prosseguir quando um completo registro eletrônico - preferencialmente um
videotape - não somente das respostas das crianças, mas também dos estímulos do qual elas
são extraídas (Lamb et al., 2000; Bruck & Ceci, 1995b).
No início do século passado Umberto Fiore chamava a atenção de como preservar a
prova no processo criminal: “Muitas vezes a justiça é comprometida por uma idéia
preconcebida saída da mente do juiz, idéia que não pode afastar de si e segundo a qual
inconscientemente dirigiu a instrução” (Fiore, 1914, p. 23). Atual, também, a afirmativa do
autor no sentido de que uma das maiores fontes de erros decorre da necessidade de se reduzir
a escrito o resultado das investigações, alertando sobre as deformações e as dissonâncias que
se manifestam no pensamento reduzido pelos outros a escrito (Fiore, 1914). Na sistemática
ainda hoje adotada no Brasil para registrar as entrevistas extrajudiciais, inclusive as
entrevistas periciais, sem o registro eletrônico, um grande risco de distorção da palavra da
vítima, gerando a insegurança da prova.
122
Pior que isso, intervenções realizadas de forma inadequada e em desacordo com os
requisitos legais, como perícias psicológicas realizadas por um profissional, quando a lei
exige que as perícias sejam realizadas, no mínimo, por dois peritos (art. 159 do CPP). Mais,
uma repetição de entrevistas com o objetivo de confirmar a ocorrência do crime contra a
liberdade sexual. Desta forma, os diversos relatórios ou laudos, produzidos com base nas
reiteradas entrevistas com a vítima, contribuem somente para aumentar a incerteza quanto à
precisão das declarações posteriormente prestadas em juízo. Portanto, são documentos
imprestáveis ao convencimento do juiz, pois realizados por um profissional e que, em
muitos casos, não passam de um relato pessoal do entrevistador sobre as declarações da
vítima.
Por conseguinte, o objetivo deste projeto é identificar os efeitos da interferência do
entrevistador sobre o testemunho da criança, comparando a qualidade da entrevista reduzida a
escrito no Termo de Declaração, utilizando dois sistemas de registro, o relato consignado pelo
entrevistador e a transcrição da entrevista gravada eletronicamente, e verificando o efeito de
dois tipos de entrevista sobre a precisão do testemunho da criança: uma Entrevista
Investigativa Confirmatória e uma Entrevista Investigativa Livre.
.
123
2 Problemas e Hipóteses
2.1 Problema e Hipótese 1
A forma de registrar a entrevista altera a qualidade das informações do testemunho?
H0 - A forma de registrar a entrevista não altera a qualidade das informações do testemunho.
H1- A transcrição da entrevista eletronicamente gravada aumenta a qualidade das informações
do testemunho em comparação com o relato consignado pelo entrevistador.
2.2 Problema e Hipótese 2
O tipo de entrevista altera a precisão do testemunho da criança sobre um evento?
H0 - O tipo de entrevista realizado não altera a precisão do testemunho da criança.
H1 - A Entrevista Investigativa Confirmatória diminui a precisão do testemunho da criança
em comparação com a Entrevista Investigativa Livre.
2.3 Problema e Hipótese 3
Pela análise das informações registradas no Termo de Declaração é possível detectar
se a precisão do testemunho da criança foi afetada pelo tipo de entrevista?
H0 - Pela análise das informações registradas no Termo de Declaração não é possível detectar
se a precisão do testemunho da criança foi afetada pelo tipo de entrevista.
H1 – Pela análise das informações registradas no Termo de Declaração pelo sistema de
transcrição da entrevista gravada eletronicamente, é possível detectar se a precisão do
testemunho da criança foi afetada pelo tipo de entrevista.
H2 Pela análise das informações registradas no Termo de Declaração pelo sistema de
consignação da entrevista pelo entrevistador, é possível detectar se a precisão do testemunho
da criança foi afetada pelo tipo de entrevista.
124
3 Definição Operacional das Variáveis
3.1 As Variáveis Independentes
Tipo de entrevista, em dois níveis: uma Entrevista Investigativa Confirmatória (EIC)
e uma Entrevista Investigativa Livre (EIL).
Tipo de registro da entrevista: transcrição da entrevista eletronicamente gravada e
relato consignado pelo entrevistador.
3.2 A variável dependente
A qualidade e precisão do testemunho da criança em termos de informações verdadeiras,
informações falsas e informações inconsistentes.
125
4 Método
O presente estudo envolverá um delineamento experimental misto de 2 (Tipo de
Entrevista) X 2 (Tipo de Registro) com medidas repetidas na última variável. Neste estudo
serão comparados os efeitos de dois tipos de entrevistas sobre o testemunho da criança, a
Entrevista Investigativa Confirmatória (EIC) e a Entrevista Investigativa Livre (EIL), e duas
formas de registrar essas entrevistas, a transcrição da entrevista gravada eletronicamente e o
relato consignado pelo entrevistador.
4. 1. Amostra
Os participantes serão 60 alunos, de ambos os sexos, com idades entre 72 a 96 meses (6
a 8 anos), cursando a primeira série do ensino fundamental em escolas públicas de Porto
Alegre, escolhidos por conveniência e designados aleatoriamente para cada tipo de entrevista,
observada a proporcionalidade quanto ao sexo.
4.2. Material e técnicas
4.2.1. Evento.
Será selecionado um vídeo, sem áudio, com duração aproximada de três minutos,
retratando uma situação que pode sugerir a subtração de um objeto dentro de um
estabelecimento comercial. O evento não conterá qualquer cena de violência física ou ameaça
à pessoa, sexo ou drogas. Todos os personagens envolvidos na cena serão adultos. O vídeo
será detalhadamente examinado e serão levantados os detalhes mais importantes do evento,
como a ação desenvolvida por cada um dos personagens, suas características físicas e vestes,
além dos objetos presentes no ambiente onde se desenvolve a ação. Com base nesses dados
serão formuladas as perguntas das entrevistas e analisada a qualidade e precisão das
informações do testemunho registrado no Termo de Declaração.
126
4.2.2 Forma de registrar a entrevista.
Todas as entrevistas serão reduzidas a escrito em documento denominado Termo de
Declaração, utilizando-se dois sistemas de registro, a consignação realizada pelo próprio
entrevistador e a gravação eletrônica, com posterior transcrição. Os entrevistadores utilizarão
a sistemática adotada na delegacia de polícia especializada no atendimento da criança vítima
para registrar a entrevista, ou seja, enquanto entrevista a criança, o entrevistador vai
consignando as declarações, utilizando o computador que será instalado na sala reservada para
a realização de entrevistas. A entrevista também será simultaneamente gravada em áudio e
depois transcrita.
4.2.3 Tipo de entrevista.
Serão utilizados dois tipos de entrevistas: uma Entrevista Investigativa Confirmatória
(EIC) e uma Entrevista Investigativa Livre (EIL). Na Entrevista Investigativa Confirmatória
(EIC), o entrevistador conduzirá a entrevista de modo que a criança entrevistada venha a
confirmar ações e detalhes não presentes no vídeo. Para obter essa confirmação da criança, o
entrevistador usará as técnicas descritas por Bruck, Ceci e Hembrooke (2002), como
encorajamento seletivo, pressão de igual (teu colega contou que...) e repetição de perguntas,
além de realizar um determinado número de perguntas, previamente elaboradas, dentre elas,
perguntas enganosas, específicas e fechadas (sim/não, branco ou preto). Na Entrevista
Investigativa Livre (IEL) serão formuladas perguntas, abertas e não enganosas, previamente
selecionadas, com o objetivo de obter apenas as informações recordadas pela criança.
4.3. Procedimento
Inicialmente será realizado um contato pessoal prévio com a direção das escolas
selecionadas e, havendo a autorização para o desenvolvimento do projeto, os pais ou
127
responsáveis pelas crianças serão pessoalmente informados sobre o objetivo do projeto e o
procedimento a ser adotado. Para esse contato com o responsável pelo participante será
aproveitada uma reunião agendada pela escola, oportunidade em que serão esclarecidos,
também, sobre o caráter voluntário e anônimo dos participantes e da possibilidade de
desistência a qualquer momento, sem que isso acarrete qualquer tipo de conseqüência para os
participantes. Nessa ocasião, também, serão formalizados os termos de consentimento livre e
esclarecido dos pais ou responsáveis. Somente aquelas crianças cujos pais ou responsáveis
assinarem o termo de consentimento serão incluídas no estudo.
Definido o local e o horário, os participantes presentes e devidamente autorizados
pelos pais ou responsáveis serão divididos em duplas. A cada dupla será apresentado o vídeo
selecionado. Os participantes serão orientados a prestarem atenção a todos os detalhes do
filme. Logo após a apresentação, os participantes serão individualmente entrevistados. De
cada dupla, será designado, aleatoriamente, um dos participantes para a Entrevista
Investigativa Confirmatória e o outro para a Entrevista Investigativa Livre. A criança será
recepcionada pelo entrevistador e, num primeiro momento, será realizado um rapport para a
familiarização da criança com o entrevistador. Depois será solicitado um relato livre e, a
seguir, serão formuladas perguntas sobre o evento, de acordo com o tipo de entrevista a que
está sendo submetido. Todas as entrevistas, além de consignadas pelo respectivo
entrevistador, serão gravadas em áudio e filmadas. A filmagem será realizada para
comprovação dos procedimentos éticos adotados, se necessário, de modo a resguardar os
pesquisadores, os entrevistadores e os participantes, além de produzir material rico para
análises posteriores e produção de material científico.
Será mantido controle para evitar o contato entre os participantes entrevistados e não
entrevistados, mantendo essa separados daqueles. Os entrevistadores serão duas escrivães de
polícia, do sexo feminino (devido ao fato de que na delegacia especializada de Porto Alegre
128
somente escrivães do sexo feminino realizam entrevistas com as crianças vítimas), com três
anos de experiência, no mínimo, na função. Haverá um treinamento prévio para cada tipo de
entrevista, para que as entrevistadoras se familiarizem com as perguntas selecionadas e as
diferentes técnicas para realizar cada tipo de entrevista. Após a coleta dos dados, as
declarações gravadas eletronicamente serão transcritas. As informações de cada Termo de
Declaração, consignado e transcrito, serão classificadas em verdadeiras, falsas e
inconsistentes, com base nos dados apurados no exame detalhado do vídeo. As informações
em consonância com o vídeo serão classificadas como verdadeiras e aquelas que lhe são
contrárias serão classificadas como falsas. As demais informações serão classificadas como
insubsistentes.
Antes de iniciar a coleta de dados será realizado um projeto piloto com quatro crianças,
com o objetivo de detectar e sanar eventuais problemas no tocante aos tipos de entrevistas,
perguntas a serem formuladas e registro das declarações.
A pesquisa adotará todos os procedimentos éticos indicados pelo Comitê de Ética e
Pesquisa desta Universidade.
4.4 Plano de tratamento e análise dos dados
Os dados obtidos serão organizados e digitados em um banco de dados, para que
possam ser realizados cálculos estatísticos, através do programa SPSS (Statistical Package for
the Social Sciences). Para a análise de dados, seutilizado o teste paramétrico de Análise de
Variancia (ANOVA) com medidas repetidas. O nível de significância será de p<0,05.
129
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132
6 Cronograma
2005 2006
Atividades Jan. Fev. Mar.
Abr. Maio
Jun. Jul. Ago.
Set. Out. Nov.
Dez.
Jan. Fev.
Revisão de
Literatura
Escolha do vídeo e
Elaboração do
roteiro das
entrevistas
Estudo piloto
Preparação do
material para coleta
de dados
Coleta da amostra
definitiva
Tratamento e
análise dos dados
Redação da
dissertação
Defesa da
dissertação
Elaboração dos
artigos científicos
133
Livros Grátis
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