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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM DIREITO
AÇÃO POPULAR, AÇÃO CIVIL PÚBLICA e
POLÍTICAS PÚBLICAS
RODRIGO SANCHES GARCIA
Piracicaba/SP
2007
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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
AÇÃO POPULAR, AÇÃO CIVIL PÚBLICA e
POLÍTICAS PÚBLICAS
RODRIGO SANCHES GARCIA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Direito, da
Universidade Metodista de Piracicaba,
Núcleo de estudo de Direitos
Fundamentais e da Cidadania, como
parte dos requisitos para a obtenção do
título de Mestre em Direito.
Orientador: Sérgio Resende de
Barros
PIRACICABA
Ano: 2007
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3
AÇÃO POPULAR, AÇÃO CIVIL PÚBLICA e POLÍTICAS PÚBLICAS
RODRIGO SANCHES GARCIA
Trabalho defendido em 28 de fevereiro de 2007, à Banca Examinadora
constituída por:
______________________________________
Orientador: Professor Doutor Sérgio Resende de Barros
______________________________________
Professor Doutor Antonio Isidoro Piacentini
________________________________________
Professor Doutor Rubens Beçak
UNIMEP
Piracicaba/SP
2007
4
4
A meus pais, que, na sabedoria de despertar o meu gosto
pelo aprendizado, me fizeram uma pessoa melhor.
Ao meu orientador, que, na forma de ensinar, me mostrou
um direito ainda não visto.
5
5
AÇÃO POPULAR, AÇÃO CIVIL PÚBLICA e POLÍTICAS PÚBLICAS
RODRIGO SANCHES GARCIA
A dissertação trabalha com a necessidade de implementação e fiscalização
das políticas públicas declaradas na Constituição de 1988 ou em normas infra-
constitucionais e com os instrumentos que podem obrigar o Poder Público a
cumprir essas determinações legais.
As gerações de direitos foram estudadas e demonstrou-se que nem
sempre o interesse da administração se confunde com o interesse coletivo, o que
gera a necessidade de instrumentos para a garantia de efetivação desses direitos.
Foi estudado o instituto da ação popular e os motivos de sua pouca
utilização, o que gerou a necessidade de desenvolvimento de um novo
instrumento para a proteção desses novos direitos, ou seja, a ação civil pública.
Esse novo instrumento processual e a sua preponderância atual para a
defesa desses direitos foram analisados e permitiu propostas para melhorar o
acesso à proteção dos direitos coletivos.
Concluiu-se que a implementação e proteção desses direitos sociais e
difusos devem ser realizadas por meio de políticas públicas, e que a omissão do
Poder Público permite sua Judicialização. Atualmente, o principal instrumento de
acesso para tanto é a ação civil pública. Para isso, deve o Poder Judiciário levar
em consideração critérios como a “reserva do possível” e a exigência do “mínimo
existencial”, com base em uma correta interpretação constitucional, progressiva e
construtiva.
PALAVRAS-CHAVE: Ação civil pública, ação popular, políticas públicas,
interesses difusos.
6
6
ABSTRACT
The dissertation aims at showing the necessity to accomplish and inspect
public policies stated by the Brazilian Constitution of 1988 and by non-
constitutional norms such as statutes enacted by ordinary legislative authority. It
also intends to show instruments that oblige public power (State) to observe and
accomplish such norms. For generations of rights were taken into account in order
to demonstrate that public administration’s interests cannot be confounded with
collective ones. This very fact asks for instruments able to guarantee and
accomplish such collective rights.
Then, the dissertation first focuses on the procedural instrument of “Ação
Popular” discussing its non-use or even its misuse and second on a new
procedural instrument called “Ação Civil Pública”, which was thought in order to be
more effective for protecting these ‘new’ (collective) rights. The essay also
discusses the currently predominance of this new procedural tool for defending
such rights and how it improved the access in order to protect them. Finally, it
understands that the protection and accomplishment of these new rights such as
social and “difusos” rights must be done by means of public policies and in case of
omission of the State (Public Power), especially the executive branch, the judiciary
power must intervene. This intervention has nowadays been done through this
procedural instrument of “Ação Civil Pública” and in this case the judiciary power
has to take into account two important criteria such as “reserva do possível” and
the mínimo existencial”, according to a right, constructive and progressive
constitutional interpretation.
KEY-WORDS: Ação civil pública, ação popular, public policies, interesses difusos.
7
7
SUMÁRIO
Resumo 5
Abstract 6
Introdução 9
Capítulo I – A proteção jurisdicional dos direitos - evolução
1. Gerações de direitos. 13
2. Novas gerações de direitos. 28
3. O interesse público. 30
4. Interesse público primário e secundário. 34
5. O acesso à justiça para proteção dos novos direitos. 37
6. A class action. 42
7. A proteção dos direitos difusos na Itália, Portugal, França e
Alemanha. 46
Capítulo II – A proteção pela ação popular
8. Ação popular. 52
8.1 Conceito. 54
8.2 Objeto e natureza da decisão. 55
8.3 Insuficiência. 56
8
8
Capítulo III – A proteção pela ação civil pública
9. Necessidade histórica da ação civil pública. 66
10. Legitimados para a ação civil pública. 72
11. O inquérito civil como diferencial. 78
12. Propostas para melhor proteção dos direitos coletivos. 84
Capítulo IV – A implementação das políticas públicas
13. Estado social e Administração Pública. 89
14. Políticas públicas. 95
15. Judicialização das políticas públicas. 100
16. Reserva do possível e o mínimo existencial. 108
17. Políticas públicas e interpretação constitucional. 115
18. Instrumentos de acesso à justiça e políticas públicas. 124
19. A implementação de políticas públicas pela ação civil pública. 128
Considerações finais 135
Referência Bibliográfica 142
9
9
Introdução
Na pretensão do mundo ocidental de universalizar os direitos humanos, a
necessidade mais atual não é mais declará-los ou fundamentá-los, mas garantir-
lhes efetivo respeito e implementação
1
.
A partir dessa idéia, no presente trabalho afasta-se a averiguação do
respeito e aplicação dos direitos individuais, ditos de primeira geração, e analisa-
se a forma de implementação, principalmente, dos direitos sociais efetiváveis por
meio de condutas comissivas ou omissivas da Administração Pública. Essas
condutas, como se verificará, visam à consecução de programas ou metas
previstos em norma constitucional ou legal e, dessa forma, condicionam a
conduta dos agentes estatais. É o que chamamos políticas públicas.
Entretanto, embora fixadas em normas constitucionais e legais, essas
políticas públicas muitas vezes não são efetivadas, ou o são de forma insuficiente
ou contrária às determinações legais, de modo a surgir a necessidade de um
controle judicial sobre elas.
Com vistas a essa perspectiva, o trabalho se inicia com a evolução das
chamadas gerações de direitos, abordando a dinâmica histórica em que elas se
desenvolveram, não como gerações estanques, mas como uma contínua
evolução. Do surgimento dos direitos sociais e, posteriormente, dos direitos
coletivos e difusos, foi abordado o conceito de interesse público, tido como aquele
fixado ou identificado pela Administração Pública para atingir o bem comum ou o
interesse coletivo.
1
Cf. BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos – paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey,
2003. p. 420 e 445.
10
10
No momento em que a administração se transforma na causadora da lesão
social, surge um problema, pois, se o interesse público é identificado com o
interesse social e o preenchimento de seu conteúdo é feito pela própria
administração, haveria sua responsabilização pelo Poder Judiciário, quando fosse
a causadora da lesão ou deixasse de implementar políticas públicas decorrentes
do Estado Social.
Diante dessa constatação, o trabalho procurou identificar a proteção
desses novos direitos por intermédio do acesso ao Poder Judiciário, com base em
um estudo sobre o acesso coletivo à justiça pela class action do direito norte-
americano e a proteção desses direitos na Itália, França, Portugal e Alemanha.
No direito brasileiro, a primeira forma de proteção coletiva de direitos
sociais ocorreu por meio da ação popular
2
. Para definir o alcance dessa ação
constitucional, fixou-se o seu conceito, seu objeto e a natureza das decisões
proferidas, para uma avaliação dos motivos que levaram à sua pouca utilização.
Esses motivos geraram a necessidade da criação de um novo instrumento
processual que permitisse com maior amplitude o acesso coletivo à justiça. A
2
A chamada doutrina brasileira do habeas corpus, em que pese a amplitude que lhe foi dada, principalmente
pela interpretação fixada por Ruy Barbosa, que estendia o instituto não apenas para proteger a liberdade de
locomoção, mas também para abranger todos os eventuais constrangimentos arbitrários aos direitos
individuais, não alcançava direitos coletivos. Nesse sentido, prescrevia o § 22 do art. 72 da Carta de 1891 que
“dar-se-á habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência, ou
coação, por ilegalidade, ou abuso de poder”. A respeito, conferir julgamento histórico do habeas corpus
impetrado em favor de Nilo Peçanha para que pudesse assumir o cargo de governador do Estado do Rio de
Janeiro em 1914. Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus. Liberdade individual, acesso a
cargo público independentemente de coação à liberdade de locomoção Habeas Corpus nº 3.697- RJ. Rel.
Ministro Pedro Lessa, Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1914. Revista do STF, p. 3-28, jul-set 1915.
Disponível em <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/julghistoricos/monta_resumo.asp?IDE_PROCESSO=hc3697>.
Acesso em: 13 fev. 2007 e TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 1994. 4v. p. 440. Exemplificando a utilização do habeas corpus nesse período, Othon Sidou cita um
episódio que ficou conhecido como “habeas corpus pela fome” em que os presos do município de Macaé/RJ,
passavam fome pelo atraso no pagamento do fornecedor de alimentação para a cadeia e impetraram o
remédio para que fossem soltos e conseguissem garantir a sua própria subsistência. Houve o deferimento da
medida judicial. Cf. OTHON SIDOU, J. M.. “Habeas corpus”, mandado de segurança, ação popular – as
garantias ativas dos direitos coletivos, segundo a nova Constituição. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p.
127.
11
11
ação civil pública ou ação coletiva foi o instrumento idealizado e substituiu
amplamente a utilização da ação popular.
Os fatores que geraram essa ampla utilização da ação civil pública foram
discutidos, tendo ingressado o mínimo possível na análise processual das
modificações trazidas pela lei 7.347/85, pois a abordagem não pretendia esmiuçar
seus institutos, mas identificá-la como instrumento de acesso coletivo à justiça.
Após essa análise, inserida no Capítulo III, o trabalho identifica a forma de
proteção e implementação das políticas públicas. Para tanto, foi realizado um
comparativo entre o surgimento do Estado Social e o surgimento e crescimento
da Administração Pública.
Com a crescente constitucionalização dos direitos sociais, coletivos e
difusos, cujo maior incremento ocorreu com a Constituição Federal de 1988, e
diante da conclusão de que a implementação, proteção e controle das políticas
públicas definidas nas normas sociais são dever da Administração Pública,
passou-se a analisar as situações em que ela descumpre essa determinação
legal.
Definidas essas políticas públicas em grande parte no plano constitucional
e infra-constitucional, procurou-se demonstrar que a Administração Pública não
tem a falaciosa discricionariedade de implementar ou não essas políticas e, sim,
atua apenas na margem de conveniência e oportunidade para tanto.
A complexidade da sociedade e a crescente conflituosidade gerada pela
expectativa de exercício desses direitos levaram ao fenômeno de judicialização
ou tribunalização das políticas públicas. As diversas variantes da intervenção do
Judiciário, quando se trata da falta de uma formulação, implementação e
manutenção de alguma política pública, decorrem da interconexão entre elas, e
12
12
sua composição de gastos nos orçamentos da União, dos Estados e dos
municípios.
Diante dessa constatação, foram analisadas as teorias da “reserva do
possível” e do “mínimo existencial”, que abalizam julgamentos referentes às
políticas públicas. Procurou-se ainda demonstrar que a aplicação dessas teorias
somente é possível com um Judiciário interpretativo e apto a realizar as
exigências constitucionais, diversamente do Judiciário mais conservador que
aplica o direito de maneira “lógico-dedutiva e não criativa” e, portanto, não afinado
ao Estado Social que requer um Judiciário mais progressista.
Diante desse quadro, buscaram-se quais os melhores instrumentos
processuais de acesso coletivo à justiça para o Judiciário intervir nas políticas
públicas. Dentre eles, a conclusão é pela prevalência da ação civil pública,
principalmente pelos predicativos que possui.
Com maior amplitude de legitimados e maior possibilidade de pedidos,
possui o instrumento da ação civil pública as melhores condições para a
efetivação dos ditames legais referentes às políticas públicas.
13
13
Capítulo I – A proteção jurisdicional dos direitos - evolução
1. Gerações de Direitos
Entender o contexto histórico em que surgiu a ação civil pública e a sua
atuação em face das definições das políticas públicas pelo Poder Executivo passa
pela necessidade de compreender a evolução das chamadas “Gerações de
Direitos” ou ‘Dimensões’ de Direitos
3
.
Com o declínio do feudalismo e o incremento das relações comerciais,
surgiu uma nova classe social, os burgueses, em condições de disputar com a
nobreza o poder político. Essa alteração ou divisão de poder restou vantajosa
para os reis e conduziu a uma forma de poder político centralizada denominada
absolutismo.
Os reis fortaleceram-se demasiadamente durante esse período, pois eram
os únicos que possuíam condições de suportar os altos gastos com armamentos
e a manutenção de exércitos capazes de dar a segurança necessária também à
nova classe de comerciantes que se formava ao redor das incipientes cidades
que surgiam
4
. Além dessas condições, no plano político, a diminuição do poder do
Papa facilitou a cobrança de impostos pelos reis. Assim, com condições
econômicas e políticas favoráveis, a união dos feudos centralizou o poder na
pessoa do rei, separando o agenciamento econômico do agenciamento político,
3
Paulo Bonavides entende que o termo “dimensão” substitui com vantagem lógica e qualitativa o termo
“geração” que exprime a idéia de sucessão cronológica e, portanto, caducidade das gerações antecedentes,
fato não verificado na realidade, estando elas em plena eficácia, cf. Curso de direito constitucional. 18. ed.
São Paulo: Malheiros, 2006. p.571.
A terminologia “gerações de direitos” também é criticada por Canotilho, para quem a idéia de generatividade
geracional não é totalmente correta, pois os direitos são de todas as gerações, não havendo perda de
relevância. Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.
ed. Coimbra: Almedina, 2006. p. 386.
4
BURNS, Edward Mcnall. História da civilização ocidental. Tradução de Lourival Gomes Machado e
Lourdes Santos Machado. 4. ed. Porto Alegre: Globo, 1957, Vol. II. p. 519.
14
14
determinando, como ressalva Sérgio Resende de Barros, “a distinção entre
sociedade civil ou burguesa (base, sede das relações econômicas) e sociedade
política ou Estado (superestrutura, âmbito das relações políticas)”
5
(grifos do
autor).
O poder exercido plenamente pelo rei lhe permitia baixar leis, organizar a
justiça, arrecadar os impostos e controlar os exércitos dentro de um determinado
território, decorrente da “reconformação constitucional dos reinos feudais” em um
reino unido e com uma monarquia absoluta, que “foram as formas primogênitas
da constituição política do Estado na sociedade nacional pós-medieval”
6
.
Ainda na Idade Média, surgiram na Inglaterra as primeiras limitações ao
poder dos reis, sendo a mais expressiva delas a elaboração da Magna Carta de
1215
7
, em que os barões ingleses conseguiram restrições ao poder absoluto da
monarquia. Antes dela foram instituídas cartas de privilégios que “eram um
instrumento seguro de composição de deveres com direitos e poderes entre a
burguesia e a nobreza feudal”
8
. Seguidos documentos limitaram o poder dos reis,
como a Petição de Direitos de 1628, imposta a Carlos I pelo Parlamento Inglês.
Nessa petição se declarava que os impostos, prisões, julgamentos e convocações
do exército não poderiam ser executados sem a autorização parlamentar
9
. Com a
lei de habeas corpus de 1679 e a Declaração de Direitos (Bill of Rights) de
fevereiro de 1689, limitou-se ainda mais o poder do rei, dando maiores poderes
ao Parlamento, ressaltando que, na tradição constitucional inglesa, o rei é parte
5
Contributo para o constitucionalismo. São Paulo: [s.n.], USP, 2005. p. 15.
6
Ibid., p. 16.
7
BARROS, Sérgio Resende de. Três gerações de direitos. Disponível em:
http://www.srbarros.com.br/aulas. Acesso em 08 de novembro de 2006.
8
Id. Direitos humanos – paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 262.
9
BURNS, Edward Mcnall. Op. cit., p. 522.
15
15
integrante do Parlamento conhecido como: The King and The Houses of
Parliament.
10
Enquanto na Inglaterra se limitava o poder real desde o início do século
XVII, na França esse recuo do poder absolutista demoraria mais a ocorrer. No
campo intelectual, o movimento Iluminista, com a importância dada à razão, foi
um dos fatores preponderantes. O movimento rejeitava as tradições e procurava
uma explicação racional para os acontecimentos. Atacava a injustiça, a
intolerância religiosa e os privilégios, demonstrando os erros e vícios do regime
absolutista, pregando que a fé deveria ser racionalizada.
O primado da razão, procurando afastar o poder absoluto dos reis, teve no
plano econômico o fortalecimento cada vez mais intenso da burguesia que,
apesar de deter parcela significativa das riquezas, não possuía no plano político a
mesma ascensão. Os pensamentos assim chamados liberais passaram a ter
como primazia a idéia de liberdade, com a concepção de que o homem é livre “e
essa é a verdade primeira a ser considerada por todo aquele que procure a razão
de ser da sociedade, do Estado, das instituições”
11
.
Nas palavras de Jean-Jacques Rousseau, “se indagarmos em que consiste
precisamente o maior bem entre todos (...), descobriremos que ele se reduz a
estes dois objetos principais: a liberdade e a igualdade”
12
. Esses eram direitos
naturais que todos deveriam respeitar. Dentro dessa construção teórica, a lei,
como norma geral e abstrata
13
, surge como centro de referência dessa garantia
10
BARROS, Sérgio Resende de. Op. cit., pg. 359.
11
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de direito e constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 01.
12
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Edipro, 2000. p. 71.
13
Essa idéia de norma geral e abstrata é definida por Rousseau, quando afirma que “a lei poderá muito bem
estatuir que haverá privilégios, porém não poderá conferi-los nominalmente a ninguém; a lei poderá
estabelecer diversas classes de cidadãos, mesmo indicar as qualidades que darão direito a essas classes, mas
não poderá nomear tais e tais indivíduos para admissão nessas classes.”: Do contrato social. São Paulo:
Edipro, 2000. p. 57.
16
16
de liberdade, na medida em que os vários grupos políticos que disputavam o
poder, inclusive o rei, deveriam respeitá-la.
14
Diversos teóricos do pensamento liberal procuraram justificar e estabelecer
a superioridade do Direito sobre o Poder absoluto dos monarcas. Locke, em sua
obra “Tratado do governo civil”, separa o poder Legislativo do Poder Executivo; o
primeiro poder, o Legislativo, é considerado principal em relação aos demais, na
medida em que, ao organizar a vida social e estabelecer a segurança das
relações humanas por meio da lei, obtém o consentimento da sociedade. Esta
cede parte de sua liberdade ao mínimo indispensável, sujeitando o legislador ao
direito natural, preexistente, o que afasta as normas que contradizem esse
direito.
15
Essa separação pregada por Locke se justifica na medida em que afasta
ou ao menos diminui a possibilidade de abuso do poder, pela descentralização
das atividades nas mãos dos reis. A lei não se confunde com a vontade do rei,
pois são leis naturais que devem atender também aos preceitos do justo.
Dentro desse pensamento, entendiam os iluministas que assim como há
leis que regulam os fenômenos da natureza, também as relações humanas são
guiadas por leis naturais. Essa visão de que a lei deveria ser declarada e não
criada pelo Legislador e que, portanto, preexistiria ao próprio Estado, surge
detalhada na obra de Montesquieu. Principal responsável pela clássica divisão de
poderes, no primeiro capítulo do Livro 1 de sua obra “O Espírito das Leis”, afirma
que “as leis, na significação mais lata, são as relações necessárias que derivam
da natureza das coisas”
16
.
14
Para Rousseau, sendo as leis atos da vontade geral, não é necessário perguntar “nem se o Príncipe está
acima das leis, visto que ele é membro do Estado”. Do contrato social. São Paulo: Edipro, 2000. p.58.
15
Id.. Do processo legislativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 42-43.
16
MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat. O espírito das leis. 2004. São Paulo: Edipro. p. 45.
17
17
Inserido na natureza, “o homem também se inscreve num quadro de
relações necessárias, mas, como ser inteligente, pode estabelecer leis para si”
17
.
Outras leis lhe são postas pela natureza, pois “antes que houvesse seres
inteligentes, estes eram possíveis; possuíam, portanto, relações possíveis e,
consequentemente, leis possíveis. Antes que houvesse leis produzidas, havia
relações de justiça possíveis”
18
.
O primado da lei, como norma apreendida pelo legislador e respeitada por
todos, respondeu ao anseio de liberdade da classe burguesa e permitiu no plano
político-econômico seu maior desenvolvimento. Nesse sentido, “a liberdade é o
direito de fazer tudo o que é permitido pelas leis”
19
.
No plano legal, o modelo apresentado por Montesquieu criava a separação
dos poderes até então constituídos, permitindo que um controlasse o outro. Em
suas palavras, “para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela
disposição das coisas, o poder freie o poder”
20
. Como salienta Sérgio Resende de
Barros
21
, Montesquieu, para criá-lo, baseou-se na história política da humanidade
para concluir que todo poder se expande até o momento em que encontra limites,
sendo que a sua limitação pela hierarquia não mais dava limites a contento, pois,
ao se chegar ao ápice dos poderes hierárquicos, no qual se encontra a soberania,
não há acima do soberano poder maior, ressalvando-se, claro, o controle divino a
que os monarcas diziam prestar contas.
O momento histórico vivido por Montesquieu era imbuído pelo cientificismo
e mecanicismo próprio do Iluminismo, em que a razão era preponderante. Assim,
a separação clássica de poderes era, na realidade, uma divisão funcional do
17
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Op. cit., p. 44.
18
MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat. Op. cit., p. 46.
19
Ibid., p. 188.
20
Ibid., p. 189.
21
Medidas, provisórias? Revista da Procuradoria Geral do Estado, n. 53, junho de 2000. p. 1.
18
18
poder. “O modelo de separação de poderes que se tornou clássico correspondeu,
na origem, a um sistema de equilíbrio inercial, decorrente da divisão do poder
estatal em três partes, ditas poderes, separadas rigorosamente por três funções
distintas: a legislativa, a executiva e a judicial. Era, pois, uma divisão funcional do
poder”
22
, embora com objetivo político de garantir a liberdade do indivíduo. Do
equilíbrio formado se impediria que um poder fosse contra o outro, mantendo-se a
estabilidade desejada.
Esse modelo de controle do poder foi acatado pelos revolucionários liberais
que procuravam acabar com o arbítrio dos reis, elevando o respeito à lei como
forma de garantir a liberdade do indivíduo. Antes do advento da Constituição
americana de 1776 e da Constituição francesa de 1791, proclamaram os
movimentos revolucionários as Declarações de Direitos. Estas estabeleciam
verdades que os revolucionários entendiam ser evidentes, pois apreendidas pela
razão e que, portanto, deveriam ser respeitadas pelos governantes e,
conseqüentemente, pelo Estado, não cabendo aos indivíduos renunciar a elas.
Esses direitos declarados se consubstanciaram em liberdades públicas
oponíveis contra o Estado. Conquanto naturais, derivados da própria natureza
humana e, portanto, universais, eram considerados imprescritíveis, inalienáveis e
individuais e constituíram-se na chamada primeira geração de direitos
23
.
Balizavam-se, assim, os limites que viriam a ser adotados nas primeiras
Constituições. Inicia-se nesse período o constitucionalismo, que teve sua primeira
forma escrita na Constituição dos Estados Unidos. O advento das constituições
escritas, nas palavras de Sérgio Resende de Barros
24
,
22
BARROS, Sérgio Resende de. Op. cit., p. 01.
23
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2004. p.22-23.
24
Barros, Sérgio Resende de. Liberdade e contrato: a crise da licitação. 2. ed. Piracicaba: Unimep, 1999. p.
47.
19
19
Foi marcado por um movimento político-jurídico que demandava
dos Estados a formulação de sua constituição por escrito, a fim de
organizar racionalmente o poder político e assegurar diante dele
os direitos do homem e do cidadão, na transição histórica em que
a nação se libertava do rei.
Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “o segundo passo no processo pelo
qual o Estado se sujeita ao Direito é a edição de uma Constituição. Esta é, na
verdade, o pacto social propriamente dito, já que as Declarações de direitos que
eventualmente a precedam não são mais do que a definição do Direito, e dos
direitos, que esse pacto há de salvaguardar”
25
. Por esse motivo, assinala o autor,
as declarações de direitos antecederam as Constituições e, ao serem colocadas
em seu interior, estabeleceram limites ao próprio constituinte, que deve respeitá-
las. Nas palavras de Pontes de Miranda, “as constituições traçam as linhas
mestras da vida do Estado – mas só as linhas político-jurídicas”
26
. Portanto,
estabelecem as instituições pelas quais o Estado se afirmará, como serão criadas
as leis, como serão dirimidos os seus conflitos e quais os direitos que devem ser
respeitados.
27
Esse contorno constitucional adotado nas primeiras constituições seguiu a
clássica separação de poderes, dividindo-o em três órgãos especializados em
determinadas funções e independentes entre si, garantindo o sistema inercial
anteriormente proposto.
Ao teorizarem a apreensão de direitos fundamentais, os revolucionários do
século XVIII, estabeleceram que estes deveriam servir de ponto de referência
25
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de direito e constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 17.
26
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1953. p.
183.
27
Nesse sentido, seriam ordinários os direitos que estivessem fora do texto constitucional, ao passo que
seriam normas constitucionais, ainda que em seu aspecto meramente formal, as normas inseridas na
Constituição. Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 81.
20
20
para a formulação das constituições e, em última instância, aos governantes e ao
parlamento. Com a delimitação de um padrão que deveria ser seguido, a lei
criada dentro desse modelo passou a fixar os limites da liberdade do indivíduo,
permitindo a coexistência de liberdades e, em conseqüência, a vida em
sociedade. Na citação do art. 4º da Declaração Francesa de 1789, parte final
28
, “o
exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles
que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos.
Estes limites apenas podem ser determinados pela lei”. É o chamado Estado de
Direito.
29
A garantia desses direitos no plano político conduziu à expansão da
burguesia, na medida em que a idéia de liberdade acabou sendo levada às
últimas conseqüências. A aversão ao poder concentrado nas mãos dos monarcas
fez com que os movimentos revolucionários liberais afastassem a ingerência do
Estado na vida do cidadão, limitando os governantes a determinar os rumos do
Estado sem interferir na vida dos indivíduos, que possuíam nas declarações de
direitos as regras que deveriam seguir, pois estas balizavam a criação da lei.
A lei elaborada de forma geral, com limites iguais para todos aqueles que
estivessem na mesma situação, garantia à igualdade e, consequentemente, à
liberdade.
Sendo a lei, na visão do pensamento iluminista, a apreensão do legislador
de situações que já eram existentes, mas não regulamentadas, tinha-se que ela
deveria ser em pequeno número. Sendo poucas, aumentava-se a liberdade na
medida em que tudo o que não estava regulamentado era permitido. Com essas
garantias no plano político e jurídico, conseqüentemente, criou-se no plano
28
Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Doc_Histo/texto/Direitos_homem_cidad.html.
Acesso em: 12 nov. 2006.
21
21
econômico as condições para o crescimento da classe burguesa. Com grande
liberdade de contratar, na medida em que o Estado deveria ingerir o mínimo
possível nas relações entre os cidadãos, houve também grande liberdade sobre o
uso da propriedade com a ausência de limites para sua exploração.
Essas condições no plano histórico foram concomitantes à Revolução
Industrial. Com as garantias da igualdade e da legalidade, iniciou-se a exploração
desenfreada do homem pelo homem, na medida em que o Estado, então limitado
a administrar a forma de execução da lei, não poderia interferir na exploração, sob
pena de afetar a igualdade e a liberdade conquistadas. Saliente-se que, no plano
ideológico, a figura do Estado era identificada com a do Monarca, motivo pelo
qual este deveria interferir o menos possível nas relações garantidas pelo Direito.
Como a concentração de capital estava nas mãos da burguesia, houve a
transformação nas relações de trabalho, separando-se o capital, meios de
produção e trabalhadores, que passaram a ser simples assalariados dos
capitalistas. Os problemas não tardaram a surgir. Com a crescente produção e o
excesso de mão-de-obra, fatores como o desemprego passaram a ter importância
pelo número de pessoas que atingiam, agravando-se pela exploração da mão-de-
obra feminina e de crianças que recebiam salários mais baixos que os homens.
Não demorou que surgissem pequenas associações de trabalhadores nos centros
industriais mais importantes, mormente na Inglaterra, berço da Revolução
Industrial.
Formada a grande massa de desafortunados, dentro da sociedade se
iniciou a prática assistencialista para a proteção e atendimento a essa classe que
se avolumava. No plano social surgiram novas reações contra essa nova forma
de controle do poder, chamando a atenção para a necessidade das reformas
29
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Op. cit., p. 23.
22
22
sociais, compreendendo-se as injustiças sociais e os meios de solucionar o
problema. Dentro dessas reações, as teorias socialistas foram sua maior
expressão, culminando com o Manifesto Comunista de Karl Marx e F.Engels.
Eles pregavam que, com a concentração dos meios de produção junto a
uma pequena classe, formava-se uma natural divisão na sociedade, relegando
àqueles que nada possuíam somente a sua força de trabalho. Tal divisão vinha
desde a Idade Antiga e gerava uma luta de classes, cujo fim somente seria
alcançado com a extinção da propriedade privada dos meios de produção,
criando-se, então, uma sociedade coletiva desses meios. Para Marx e
Engels
30
,“cada vez mais a burguesia suprime a dispersão dos meios de produção,
da propriedade e da população. Aglomerou a população, centralizou os meios de
produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A conseqüência
necessária disto foi a centralização política”.
Não tardou para que a Igreja Católica também reagisse, desenvolvendo
uma teoria social cristã baseada na solidariedade e na justiça social, cuja
expressão maior foi a encíclica “Rerum Novarum”, editada sob o pontifício do
Papa Leão XIII.
A posição firmada pela teoria social cristã, mais moderada, pregava que o
problema não estava na propriedade privada dos meios de produção, mas na falta
de controle e regulamentação desses meios de produção. Dever-se-ia, portanto,
estabelecer controles que equilibrassem ambas as forças sociais, dando
tratamento desigual àqueles que se encontravam em situações desiguais.
25. No que diz respeito aos bens naturais e exteriores, primeiro
que tudo é um dever da autoridade pública subtrair o pobre
operário à desumanidade de ávidos especuladores, que abusam,
30
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Edipro, 1998. p.72.
23
23
sem nenhuma descrição, tanto das pessoas como das coisas.
Não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto
de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o espírito e
enfraquecer o corpo.
31
Lembre-se de que o pensamento dominante à época, em razão das idéias
liberais, era o máximo de liberdade e o afastamento completo da interferência do
Estado.
Entretanto, com a difusão dessas duas linhas doutrinárias e as
conseqüentes revoltas populares já no início do século XX, o Estado, outrora
afastado, passou a interferir nas relações sociais. Para a doutrina socialista,
coube a ele substituir o sistema capitalista pelo socialista, enquanto para os
moderados, seu papel foi o de estabelecer critérios para a função social da
propriedade e, portanto, moderar o capitalismo.
Nessa época, as constituições ainda se limitavam a declarar os direitos e
estabelecer as bases pelas quais o poder deveria ser exercido, sendo que as
necessidades históricas fizeram por alterar também as normas constitucionais,
cuja movimentação ocorreu após a 1ª Guerra Mundial, iniciando-se pela
Alemanha.
“Os alemães, arrasados pela guerra, reconstruíram tanto sua vida
econômica, social e cultural, quanto sua constituição jurídica.(...) Na Constituição,
após a ordem política, introduziu-se uma segunda parte, com títulos seqüenciais.
Ao primeiro título, ‘A pessoa individual’, sobrevieram outros, de teor social,
cultural, econômico: ‘A vida social’, ‘Religião e ordens religiosas’, ‘Educação e
ensino’ e, finalmente, ‘A vida econômica’”
32
. No plano constitucional, a
31
Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-
xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.html. Acesso em: 12 nov. 2006.
32
BARROS, Sérgio Resende de. Medidas, provisórias? Revista da Procuradoria Geral do Estado, n. 53,
junho de 2000. p. 06.
24
24
constituição de Weimar, como ficou conhecida por ter sido essa a cidade que
abrigou os trabalhos constituintes, foi a primeira a erigir com caráter de normas
constitucionais os princípios de intervenção social e a pô-la em prática
sistematicamente na ordem econômica e social. Como pontualmente observado
por Sérgio Resende de Barros, embora na constituição francesa de 1848 tenha
ocorrido a preocupação com a questão social, não pela intervenção direta do
Estado, mas pelo incentivo à iniciativa privada e também pela constituição
mexicana de 1917, que determinava a intervenção do Estado na ordem
econômica, sobretudo em questões agrárias, fora efetivamente a constituição
alemã de Weimar que a tratou de forma sistemática.
Esses novos direitos reconhecidos tiveram como objeto principal a busca
da igualdade, sem que houvesse a exclusão das liberdades públicas
33
. Foram
direitos econômicos e sociais que constituíram uma segunda geração de direitos.
Diferentemente da primeira geração, não eram direitos naturais, mas decorreram
da “sociabilidade humana”
34
e exigem uma contraprestação do Estado.
Norberto Bobbio
35
identifica bem essa evolução. Para o autor, após a
segunda guerra houve um aumento maior dos direitos do homem, mas esse
aumento não gerou reconhecimento e proteção efetiva de modo a transformar o
direito em proteção efetiva.
Essa multiplicação (ia dizendo ‘proliferação’) ocorreu de três
modos: (a) porque aumentou a quantidade de bens considerados
merecedores de tutela; (b) porque foi estendida a titularidade de
alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem; (c) porque o
próprio homem não é mais considerado como ente genérico, ou
homem em abstrato, mas é visto na especificidade ou na
33
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
2004. p.41.
34
Ibid., p. 51.
35
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Regina Lyra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 83.
25
25
concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade,
como criança, velho, doente, etc. Em substância: mais bens, mais
sujeitos, mais status do indivíduo.
Para o autor, essas três causas de multiplicação revelam a necessidade de
fazer referência a um contexto social determinado.
Com relação ao primeiro processo, ocorreu a passagem dos
direitos de liberdade – das chamadas liberdades negativas, de
religião, de opinião, de imprensa, etc. – para os direitos políticos e
sociais, que requerem uma intervenção direta do Estado. Com
relação ao segundo, ocorreu a passagem da consideração do
indivíduo humano uti singulus, que foi o primeiro sujeito ao qual se
atribuíram direitos naturais (ou morais) – em outras palavras, da
“pessoa – para sujeitos diferentes do indivíduo, como a família, as
minorias étnicas e religiosas, toda a humanidade em seu
conjunto(...). Nos movimentos ecológicos, está emergindo quase
que um direito da natureza a ser respeitada ou não explorada,
onde as palavras “respeito” e “exploração” são exatamente as
mesmas usadas tradicionalmente na definição e justificação dos
direitos do homem.
Trata-se do que o autor chama de fenômeno de multiplicação por
especificação.
A chamada evolução dos direitos não parou por aí. Como lembrado por
Sérgio Resende de Barros
36
, a classificação dessa evolução de direitos em
primeira, segunda e terceira geração dada pioneiramente por Karel Vasak, em
1979, no Instituto Internacional dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, surgiu do
título da aula inaugural proferida por Vasak, intitulada “Pelos Direitos do homem
da terceira geração: os direitos de solidariedade”. Nessa chamada terceira
geração de direitos, continua o autor, a necessidade histórica de seu
aparecimento foi a reação aos extermínios em massa da humanidade decorrentes
26
26
das duas grandes guerras que internacionalizaram os direitos humanos, levando
à criação de organismos supranacionais, a fim de gerar condições de progresso
material para regenerar padrões morais de respeito à dignidade humana.
Esses novos direitos, ditos de terceira geração,
também foram chamados direitos de solidariedade.
Dessa forma:
Os valores humanos fundamentais, nos quais se expressam as
condições fundantes da vida humana, imprescindíveis à
subsistência da humanidade, tais como a paz mundial, o equilíbrio
do meio ambiente, a autodeterminação dos povos, o
desenvolvimento econômico, social e cultural dos povos, o
patrimônio comum da humanidade e tantos outros, tornaram-se
hoje muito mais necessitados de proteção do que em épocas
anteriores, e por isso desencadearam uma geração atual de
direitos, visando proteger a própria humanidade mediante a
promoção da solidariedade e da dignidade humanas”
37
.
A contínua positivação desses direitos, entretanto, embora declarados à
saciedade, não atingiram o seu escopo de proteção pela falta de efetividade na
sua aplicação, ou ainda pela falta de instrumentos processuais adequados à
garantia desses direitos.
Norberto Bobbio
38
aponta essa deficiência de aplicação.
“A maior parte dos direitos sociais, os chamados direitos de
segunda geração, que são exibidos brilhantemente em todas as
declarações nacionais, e internacionais, permaneceu no papel. O
que dizer dos direitos de terceira e de quarta geração? A única
coisa que até agora se pode dizer é que são expressão de
aspirações ideais, às quais o nome de ‘direitos’ serve unicamente
36
VASAK, Karel, apud, BARROS, Sérgio Resende de. Noções sobre gerações de direitos. Disponível em:
http://www.srbarros.com.br/aulas. Acesso em 26 de junho de 2002.
37
BARROS, Sérgio Resende de. Noções sobre gerações de direitos. Disponível em:
http://www.srbarros.com.br/aulas. Acesso em 26 de junho de 2002.
38
BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 29.
27
27
para atribuir um título de nobreza. Proclamar o direito dos
indivíduos, não importa em que parte do mundo se encontrem (os
direitos do homem são por si mesmos universais), de viver num
mundo não poluído não significa mais do que expressar a
aspiração a obter uma futura legislação que imponha limites ao
uso de substâncias poluentes. Mas uma coisa é proclamar esse
direito, outra é desfrutá-lo efetivamente. A linguagem dos direitos
tem indubitavelmente uma grande função prática, que é emprestar
uma força particular às reivindicações dos movimentos que
demandam para si e para os outros a satisfação de novos
carecimentos materiais e morais.”
28
28
2. Novas Gerações de Direitos
Divergem os autores sobre o surgimento de novas gerações de direitos.
Essa terminologia, utilizada inicialmente por Karel Vasak, teve para alguns
autores, como Sérgio Resende de Barros, intenção meramente didática, na
medida em que não existem efetivamente “gerações” de direitos, mas direitos em
constante evolução. Para ele, a intenção de Vasak foi utilizar o lema da
Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) como base da análise
da evolução das declarações de direitos.
Outros
39
afirmam que estamos diante do nascimento dos chamados
direitos de quarta geração, na medida em que a formulação ou declaração de
novos direitos é um processo contínuo e sem fim, sendo que declarado um novo
direito, sobre ele se desdobrarão outros.
Dissertando sobre o tema, Paulo Bonavides
40
afirma que os direitos de
quarta geração correspondem à fase final da ‘institucionalização do Estado
Social’, correspondendo ao direito à democracia, à informação e ao pluralismo,
como concretização da sociedade cada vez mais universalizada. Nesse sentido,
afirma o autor, os direitos de primeira a terceira geração constituem uma infra-
estrutura a esses novos direitos, motivo pelo qual entende que a terminologia
‘gerações’ leva a impressão de que ocorre uma sucessão e conseqüente
“caducidade dos direitos das gerações antecedentes”, preferindo a terminologia
“dimensão”.
39
Posições defendidas por Paulo Bonavides e Norberto Bobbio.
40
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.524.
29
29
Sobre o nascimento desses direitos de quarta geração nos diz Bobbio
41
que:
“Já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se
de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez
mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá
manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo. Quais
são os limites dessa possível (e cada vez mais certa no futuro)
manipulação? Mais uma prova, se isso ainda fosse necessário, de
que os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando
devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do
homem sobre o homem (...)
Os direitos de terceira geração, como o de viver num ambiente
não poluído, não poderiam ter sido sequer imaginados quando
foram propostos os de segunda geração, do mesmo modo como
estes últimos (por exemplo, o direito à instrução ou à assistência)
não eram sequer concebíveis quando foram promulgadas as
primeiras Declarações setecentistas. Essas exigências nascem
somente quando nascem determinados carecimentos. Novos
carecimentos nascem em função da mudança das condições
sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazê-los”.
Independentemente da corrente admitida, se somente três ou mais
gerações, fato é que, para que esses direitos não ficassem meramente no papel
ou fossem meras aspirações ideais, movimentaram-se os teóricos para garantir a
sua efetividade ou aplicação, incluindo nos textos constitucionais instrumentos de
garantia.
42
41
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Regina Lyra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 26.
42
Frequentemente as expressões “direitos do homem” e “direitos fundamentais” são utilizadas como
sinônimos, muito embora a primeira pode ser conceituada como aqueles direitos universais, válidos para
todos os povos em todos os tempos, também classificados como direitos humanos, naturais e inalienáveis. A
30
30
3. O Interesse Público
Ao que se demonstrou, a evolução dos direitos culminou com o surgimento
da chamada terceira geração de direitos na metade do século passado, após a
eclosão das duas grandes guerras. Esses novos direitos que começaram a ser
declarados, por atingirem uma coletividade de indivíduos nem sempre
determinados, passaram a ter como objetivo proteger um interesse público
difusamente considerado.
Não se pretende aqui tratar da dicotomia público-privado para diferenciar o
interesse de que seria titular o Estado, daquele meramente individual, mas
verificar o alcance da expressão “interesse público” enquanto um interesse da
coletividade
43
, ou um interesse geral
44
difusamente considerado e a sua
confluência com o interesse identificado pelo próprio administrador público.
Odete Medauar
45
, citando Cretella Júnior e Ada Pellegrini Grinover,
diferencia o interesse público do interesse coletivo, atribuindo ao interesse
coletivo a possibilidade de ser a reunião de interesses meramente particulares,
mas coletivamente considerados, inclusive pela possibilidade de existência de um
vínculo jurídico entre eles, permitindo, assim, a identificação dos titulares.
46
O interesse público também aparece muitas vezes conceituado como
interesse social, conceito mais amplo, na medida em que identifica um interesse
da sociedade que não deve ser confundido com o interesse do Estado, como
ocorre na fundamentação da desapropriação prevista no art. 184 da Constituição
segunda seriam os direitos vigentes em uma ordem jurídica e, portanto, seriam os direitos humanos
positivados principalmente nas constituições. Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2006. p. 377 e 393.
43
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p.
45.
44
Medauar, Odete. O direito administrativo em evolução. 2.ed. São Paulo: RT, 2003. p. 187.
45
Ibid., p. 188.
46
Conferir a respeito o art. 81, inciso II do Código de Defesa do consumidor (Lei 8.072/90).
31
31
de 1988
47
e que, na realidade, mostra-se como um interesse público na regular
utilização da propriedade rural pelo seu legítimo proprietário.
48
A expressão interesse público encontra, ainda, outros termos semelhantes
e que são vinculados à “idéia de benefício para todos, para a coletividade, por
vezes em detrimento de interesse restrito, particularizado em indivíduos ou
grupos”, como bem comum, bem de todos, interesse nacional, necessidade
coletiva, interesse comum, utilidade pública e necessidade pública.
49
Héctor Jorge Escola, definindo o interesse público, diz que ele é tudo o que
interessa ao Estado e à Comunidade em seu conjunto, prevalecendo sobre os
interesses individuais, mas sem aniquilá-los, tendo um conteúdo concreto,
reconhecível e determinável e, portanto, perceptível a todos os componentes da
comunidade. Salienta ainda o autor que o que importa é que ele reflita um querer
majoritário e verdadeiro e não o definido necessariamente pelo Governo,
administração pública, Estado, partido governante ou mesmo pelo monarca ou
chefe de governo.
50
Para Odete Medauar, há diversos modos de definir o interesse público, não
sendo possível chegar a uma definição jurídica precisa, mas diz a autora, “parece
possível, no entanto, associá-la ao que deveria ser o bem de toda coletividade, a
uma percepção geral das exigências da comunidade”
51
.
O interesse público, na realidade, é o atingimento de um bem para toda a
coletividade, em conformação com as aspirações da comunidade na qual está
inserido. Nessa conceituação, tem-se que o interesse público evolui juntamente
47
Brasil. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado. 1988:
“Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não
esteja cumprindo sua função social (...)”
48
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 187.
49
Ibid., p. 187.
50
ESCOLA, Héctor Jorge. Legalidad, eficacia y poder judicial. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1997. p.
61-63.
32
32
com a comunidade, sendo, às vezes, manipulado na medida em que serve de
justificativas para a prática de políticas públicas realizadas pela Administração.
Como lembrado por Odete Medauar
52
, durante a Revolução Francesa, “os
revolucionários tentavam explicar, de modo racional, a finalidade de sua ação; o
interesse público era argumento suscetível de propiciar a adesão de todos e, por
isso mesmo, de fundamentar o poder do Estado”. Portanto, o conceito de
interesse público evolui da mesma forma que evoluem os substratos legais que
deve integrar.
Sua natureza, portanto, dependerá das condições políticas, sociais,
econômicas, morais e, também, culturais de um país, não sendo o seu conteúdo
imutável, podendo variar no tempo, total ou parcialmente, de acordo com os
costumes e condições que o originaram.
53
O interesse público é, assim, ao mesmo tempo, fundamento, limite e
instrumento do poder, ou seja, a medida e a finalidade da função administrativa
54
.
Essa noção parte da idéia de que cabe precipuamente à Administração Pública,
no desempenho de suas funções, atingir um interesse que não se limita à vontade
do administrador. Este não tem a propriedade dos bens públicos, que pertencem
à coletividade de cidadãos, fruto da despersonificação do Estado. O interesse
público, assim, não se submete à vontade do agente público que o administra.
55
Mais ainda, o interesse público “materializa-se na forma de políticas
públicas, que expressam escolhas realizadas pelos vários centros de decisão
51
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 189.
52
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 189.
53
ESCOLA, Héctor Jorge. Op. cit., p. 63.
54
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 185.
55
Ibid., p. 186.
33
33
estatal”
56
, sejam ou não as melhores para a sociedade ou representação da
vontade da maioria.
Diferencia-se o que chamamos de “interesse” do que comumente temos
por “direito”. O primeiro é expressão da vontade individual ou coletiva que se
traduz em um desejo ou vontade tendente ao atingimento de uma finalidade. Os
“direitos”, entretanto, são aqueles interesses apreendidos pelo legislador, o qual
por meio de um processo formal os transformam em normas gerais de atenção
obrigatória. Por esse motivo, os primeiros podem ser infinitos, enquanto os
segundos são aqueles que passam a integrar o ordenamento jurídico, sendo,
portanto, limitados
57
.
56
SALLES, Carlos Alberto de. A definição do interesse público. In: SALLES, Carlos Alberto de (org.).
Processo civil e interesse público. São Paulo: RT, 2003. p.61.
34
34
4. O interesse Público Primário e Secundário
Com a crescente intervenção do Estado nas relações sociais como modo
de apaziguar a espoliação gerada pela revolução industrial, o chamado Estado-
administração, que geria a coisa pública, confundia-se com a própria vontade
social e com ela era identificada, na medida em que os “direitos sociais somente
poderiam ser validamente resguardados por intermédio do administrador público,
que titularizava com exclusividade a tutela dos interesses da população
58
”.
Portanto, havendo intervenção da Administração Pública, haveria interesse
público, ao passo que, não havendo essa intervenção, haveria somente interesse
particular.
Tal postura, reducionista em seu próprio postulado, acaba por infundar-se a
partir do momento em que a Administração, ao se agigantar, passa a se
transformar, muitas vezes, na causadora da lesão social
59
. Tem-se, portanto, um
paradoxo. Se o interesse público é identificado como interesse social e o
preenchimento de seu conteúdo é feito pela própria administração, como poderia
haver responsabilização da Administração Pública quando ela própria fosse a
causadora da lesão e deixasse de implementar políticas públicas decorrentes do
Estado Social ou houvesse conflito entre a interpretação dada pela Administração
e o interesse coletivo ou geral? Na solução tradicional, diante do conflito entre
interesses que seriam identificados como privados e os interesses públicos,
57
SOUZA, Motauri. Ciocchetti. Ação civil pública e inquérito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 01.
58
SOUZA, Motauri. Ciocchetti. Ação civil pública e inquérito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 05.
59
Ibid., p. 05.
35
35
caberia a solução do conflito à própria Administração por meio de seus órgãos de
controle internos.
60
A constatação dessa situação levou à divisão do interesse público em
primário e secundário.
61
Essa divisão muitas vezes leva à falsa impressão de que são interesses
antagônicos, na medida em que os primeiros seriam os interesses da sociedade
como um todo, ou interesse geral, ao passo que os secundários seriam interesses
da própria Administração, ou mais precisamente o modo pelo qual o administrador
público interpreta a vontade social. Entretanto os interesses defendidos pela
sociedade, no mais das vezes, identificam-se com os interesses da própria
Administração (interesses secundários), principalmente considerando -se que o
administrador público eleito pelo voto direto tem em sua base de campanha
justamente as aspirações populares, convergindo, assim, ambos os interesses.
Essa divisão, entretanto, mostra-se importante na medida em que, havendo
o choque de interesses (primário e secundário), pode haver a colocação da
Administração Pública no pólo passivo de uma ação judicial pelas ações de
garantia, seja por meio de ação popular, seja por meio de ação civil pública, ainda
que a discussão tenha por objeto a análise do mérito do ato administrativo,
afastando o aparente paradoxo de como resolver o conflito de interesses quando
a própria Administração fosse a causadora da lesão a um interesse público.
Com a declaração dos direitos de terceira geração e a necessidade cada
vez maior de implementação dos direitos sociais garantidos constitucionalmente,
passa a Administração Pública a ser colocada no pólo passivo das ações que têm
60
Basta lembrar que a Constituição Federal de 1967, em seu art. 153, §4º, permitia que o ingresso em juízo
ocorresse após o exaurimento prévio das vias administrativas.
61
ALESSI, Renato. Sistema istituzionale del diritto amministrativo italiano. Milano: Dott. Antonino
Giuffrè -Editore, 1953. p. 183-184.
36
36
por objeto a preservação ou implementação desses direitos, criando o sistema
processual, modalidades de ações até então inexistentes para essa proteção.
Essa preocupação doutrinária e legislativa em identificar e proteger
jurisdicionalmente esses interesses tem sua razão de ser, pois a defesa jurídica
clássica sempre se operou na forma de defesa de interesses meramente
privados
62
ou com o Estado na defesa do interesse público. Esta última forma de
defesa acaba por ser relativizada na medida em que os interesses defendidos
pelo Estado nem sempre coincidem com os interesses públicos primários ou
difusamente considerados, donde surge a necessidade de criar instrumentos de
acesso à justiça sem legitimidade ativa exclusiva.
62
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela
jurisdicional dos chamados “interesses difusos”. Revista de Processo, São Paulo, ano VII, n. 28, p. 07,
37
37
5. O acesso à justiça para proteção dos novos direitos
Muitas vertentes se abrem quando falamos do acesso à Justiça. Essas
vertentes vão desde a identificação dos excluídos dos provimentos jurisdicionais,
passando às causas que levam a essa exclusão e à proteção dos direitos que
devem ser tutelados não mais individualmente, mas coletivamente. Ao que
interessa em nosso trabalho, serão deixadas de lado as discussões do acesso à
Justiça para a proteção aos direitos individuais, concentrando-se na proteção aos
direitos declarados como sociais em sua expressão coletiva e os chamados
direitos difusos.
Como se viu no início do presente trabalho, o surgimento dos direitos de
segunda geração pertencentes a diversos grupos sociais que exigiam do Estado
uma postura positiva e, posteriormente, o surgimento dos chamados direitos de
terceira geração implicaram o questionamento sobre as possibilidades de sua
efetivação e proteção quando não implementados voluntariamente ou ainda
quando violados, como, por exemplo, nas degradações ambientais. A esses
novos direitos carecia o ordenamento jurídico, de uma forma geral, de
instrumentos processuais adequados.
Nos ordenamentos jurídicos do civil law, foram os juristas italianos que
iniciaram as primeiras discussões referentes a esse acesso. Estudo realizado por
Mauro Cappelletti, publicado originalmente em 1975, defendia que, em uma
sociedade de massa, a produção, a troca e o consumo em massa geravam
também uma conflituosidade não mais de caráter individualista, posto que a tutela
outubro-dezembro de 1982.
38
38
jurisdicional frequentemente passou a ser provocada contra “violações de caráter
essencialmente coletivo”, ou “violações de massa”
63
.
Não que os interesses difusos e coletivos, sociais ou não, não existissem
anteriormente. Eles sempre existiram, embora não declarados como direitos,
considerando que a sociedade moderna foi quem os colocou em evidência,
lembrando Ferraz, Milaré e Nery Júnior, para essa conclusão, que o surgimento
de grandes conglomerados urbanos, a explosão demográfica, o desenvolvimento
das relações econômicas, meios de comunicação em massa, além da própria
hipertrofia da intervenção do Estado na esfera social e econômica
64
, foram os
responsáveis por essa evidência.
A complexidade daí advinda passou, muitas vezes, a gerar violações aos
direitos de um número grande de pessoas e cujas lesões nem sempre poderiam
ser reparadas pelos métodos tradicionais do direito processual, advertindo
Cappelletti que, quando esses danos ocorriam, quase sempre os lesados
estavam numa situação imprópria para obter a tutela jurisdicional, seja pela
ignorância do direito violado, ou ainda porque “suas pretensões individuais podem
ser muito limitadas para induzi-la a agir em Juízo”, sem falar nas despesas
processuais
65
, como custas e honorários advocatícios. O dano sofrido
individualmente é normalmente ínfimo perto da violação coletiva, sendo que o
ajuizamento da reparação perante um juízo se traduz normalmente numa
reparação privada e não coletiva.
66
63
CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil. Revista de
Processo, São Paulo, ano II, n. 05, p. 130, janeiro-março 1977. Texto original publicado na Rivista Di Diritto
Processuale nº 30, p. 362-402, Pádua, 1975.
64
FERRAZ, Antônio Augusto Melo de Camargo; Milaré, Edis; Nery Júnior, Nelson. A ação civil pública e
a tutela jurisdicional dos interesses difusos. São Paulo: Saraiva, 1984. p.54-55.
65
CAPPELLETTI, Mauro. Op. cit., p. 130.
66
Ibid., p. 136.
39
39
Um dos pioneiros a tratar do tema no Brasil, Barbosa Moreira, seguindo a
linha dos processualistas italianos, já chamava a atenção para o problema em
que houvesse uma coletividade de pessoas cujos interesses não repousassem
necessariamente sobre uma relação jurídica base ou um vínculo jurídico bem
definido. Nessa situação, diz o autor, torna-se impensável a decomposição do
interesse comum em interesses meramente individuais, apresentando o conjunto
de interessados “contornos fluidos, móveis”, tornando praticamente impossível a
individualização de todos os atingidos
67
.
É preciso registrar que diversas normatizações em nosso país começaram
a proteger, ainda na primeira metade do século passado, direitos difusos. O
Decreto 23.777, de janeiro de 1934, em que Getúlio Vargas disciplinou o
lançamento de resíduos das usinas açucareiras nos rios, obrigando-as à adoção
de tanques de depuração para que somente resíduos depurados fossem
lançados, é um dos primeiros exemplos. Em 1961, o Decreto 50.877, de 29 de
julho, editado pelo então Presidente Jânio Quadros, disciplinou o lançamento de
resíduos tóxicos e oleosos nas águas interiores e litorâneas, sendo normas
pioneiras na proteção de direitos difusos a sadia qualidade da água e preservação
da fauna aquática, inclusive no plano internacional.
68
Embora estivessem cada vez mais sendo declarados, esses direitos, uma
vez violados ou em vias de violação, não possuíam instrumentos processuais
adequados à sua proteção. Conforme prelecionado por Kazuo Watanabe,
figurativamente, a tutela jurisdicional desses interesses difusos e coletivos deveria
ser feita molecularmente em benefício de todos e não atomizadamente.
69
67
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Op. cit., p. 09.
68
SARNEY, José. Prefácio- Interesses difusos e direito coletivo. In: Milaré, Edis (org). Ação civil pública-
Lei 7.347/85 – Reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: RT, 1995. p. 14-15.
69
WATANABE, Kazuo. Demandas Coletivas e os Problemas emergentes da Práxis Forense. In: Teixeira,
Sálvio de Figueiredo (Coord). As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 188 e 196.
40
40
Surge dessa identificação a necessidade de reformulação do processo civil
tradicional, pois, como salientado por Lúcia Valle Figueiredo, “a mentalidade
acanhada, a interpretação mesquinha do Direito Processual, trouxe, deveras,
durante longos anos, sério problema de tutela aos interesses difusos”
70
.
Constatado esse espaço na processualística, diversas reformas passaram
a procurar solução para os problemas levantados pela sistemática tradicional. Um
primeiro problema a ser resolvido era o da legitimação. Segundo a regra do art. 6
do CPC, a ninguém é dado pleitear em nome próprio direito alheio, portanto era
necessário permitir que indivíduos ou grupos de indivíduos atuassem na defesa
dos interesses difusos. Para a definição dessa legitimação, era necessário ainda
resolver quem seria o “representante adequado” da coletividade para, por
exemplo, receber citação ou mesmo poder comparecer em juízo, bem como
resolver o problema da extensão dos efeitos da coisa julgada, considerando que a
decisão proferida relativamente a um direito coletivo atingiria indivíduos que não
participaram da lide.
71
A discussão sobre a modificação do acesso à Justiça não ocorreu apenas
no plano infra-constitucional. A garantia desse acesso na Constituição de 1967
expressava a doutrina predominante do sistema processual de cunho
individualista. O art. 153, §4º, daquela carta, assim expressava: “A lei não poderá
subtrair à apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão a direito individual”,
subtraindo a proteção coletiva no plano constitucional.
Esse mesmo acesso no atual texto constitucional ganhou amplo espectro,
assegurado pelo princípio da inafastabilidade da Jurisdição inserido no art. 5º,
XXV, da Constituição Federal de 1988. Nele se garante o acesso irrestrito à
70
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 416.
41
41
atividade jurisdicional do Estado para qualquer “lesão ou ameaça a direito”.
Portanto, garante-se não apenas o ressarcimento do direito já violado, mas
amplamente se permite uma atividade inibitória a evitar a lesão ou perecimento do
direito tutelado,
72
seja individual, seja coletivo.
71
CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor,
1988. p.50.
72
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Legitimidade Processual e Legitimidade política. In Salles, Carlos
Alberto de (org.). Processo civil e interesse público. São Paulo: RT, 2003. p.102.
42
42
6. A class action
Enquanto nos idos de 1970 se discutiam nos países do civil law as formas
de acesso à Justiça para proteção dos direitos difusos e coletivos, nos países do
common law e, nestes, mais especificamente nos Estados Unidos, desde 1938 já
havia um instrumento coletivo de acesso à Justiça, chamado de class action.
73
O
objetivo desse instrumento processual era evitar que demandas com objetos
similares se multiplicassem, em evidente prejuízo para a prestação jurisdicional.
A primeira sistematização no direito americano ocorreu com a Federal
Rules of Civil Procedure, mais especificamente na Regra nº 23, datada de 1938,
que especificava ser possível a admissão da class action sempre que impossível
a reunião de todos os integrantes de uma determinada classe, cabendo ao juiz
que analisasse o caso verificar se haveria representação adequada e comunhão
de interesses entre os membros da classe.
74
A regra subsistiu até 1966, quando foi modificada por uma reforma
processual que estabeleceu como pré-requisito a necessidade de que a classe a
ser representada fosse de tal forma numerosa que seria impossível a reunião de
seus membros. Deveria haver questões de direito ou de fato comuns à classe,
além da verificação de que as partes representativas protegeriam adequadamente
os interesses da classe.
75
A modificação ocorrida em 1966 acrescentou ainda como condição de
admissão da class action o entendimento do juiz de que as questões de fato e de
direito, comuns aos membros da classe, predominam sobre as questões
73
GRINOVER, Ada Pellegrini. Da class action for damages à ação de classe brasileira. In: Milaré, Edis
(org.) Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT, 2001. p. 21.
74
Ibid., p. 21.
75
Ibid., p. 22.
43
43
individuais e, ainda, de que a class action constitui o instrumento de tutela que se
mostra mais adequado para a correta e eficiente solução do litígio.
76
Conforme observado por Robert H. Klonoff e Edward K. M. Bilich
77
, desde
1966, quando a Regra 23 foi adaptada, as ações de classe cresceram e
passaram a dominar um cenário de litígio até certo ponto inesperado, agregando
não só ardentes partidários, como críticos veementes, mas inegavelmente se
constituíram em poderosos instrumentos de mudança social.
Tal incremento na proteção dos direitos coletivos frequentemente, como
assinalam os autores
78
, suscita o questionamento se no endereçamento da ação
está só uma classe ou verdadeiramente uma ‘ação popular’. Ou seja, essa classe
é simplesmente um caminho prático ou refere-se a uma coleção de indivíduos, ou
é uma classe em si mesmo ou ainda uma associação que tem status separado de
seus membros individuais? Tribunais e doutrinadores freqüentemente têm
analisado os pressupostos a respeito deste assunto, tais como o papel de
representantes de classe, os membros de classe ausentes e a determinação de
causação e prejuízos.
Essas preocupações devem ser solucionadas pela verificação do caráter
coletivo e efetivo das ações de classe norte-americanas, cabendo ao juízo,
conforme alínea ‘b’ (3) da Regra 23, verificar se as “questões de fato e de direito,
comuns aos membros da classe, predominam sobre as questões individuais”
79
,
sendo ainda a tutela coletiva a mais adequada para a solução dos litígios.
76
GAMBÔA, João Carlos Corsini. As condições da ação coletiva para defesa de direitos individuais
homogêneos: Comparação com as class actions do direito norte americano. 1999, 185p. Dissertação
(Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo.
77
KLONNOFF, Robert. H., BILICH, Edward K. M.. Class actions and other multi-party litigation: cases
and materials. St. Paul, Minn: West Group. 2000, American casebook series. p. 01.
78
Ibid., p. 05.
79
Gambôa, João Carlos Corsini. Op. cit., p. 49.
44
44
Embora não se analisem no presente trabalho as características
específicas das class actions, tais preocupações não destoam da doutrina
nacional que deliberadamente se inspirou em seus institutos para a elaboração
das regras concernentes ao acesso à Justiça para a proteção dos chamados
interesses individuais homogêneos, conforme dicção do art. 81, inciso III, do
Código de Defesa do Consumidor.
80
Nas class actions, deve-se verificar a prevalência das questões comuns
sobre as individuais como condição de admissibilidade, ressaltando Ada Pelegrini
Grinover
81
que, “prevalecendo as questões individuais sobre as comuns, os
direitos individuais serão heterogêneos e o pedido de tutela coletiva se tornará
juridicamente impossível”.
A class action, apesar de sua importância, sofre críticas ao seu
ajuizamento, lembrando Luís Roberto Barroso que elas possuem um grau de
rejeição grande por parte da doutrina, principalmente pela multiplicidade de
problemas processuais que dificultam a sua conclusão. Na prática, diz ele, “ela é
mais um instrumento dos advogados que pressionam e intimidam as empresas a
fazerem acordos do que um instrumento de tutela efetiva de direitos”
82
.
Nesse sentido, como advertem também Robert H. Klonnoff e Edward K. M
Bilich, os advogados ou procuradores, que ajuízam as class actions, têm
amealhado grandes fortunas e levado empresas quase à falência, fato que tem
chamado a atenção pela ausência de procuradores com responsabilidade em
prestar contas de suas ações.
83
80
GRINOVER, Ada Pellegrini. Da class action for damages à ação de classe brasileira. In: Milaré, Edis
(org.) Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT, 2001. p. 38.
81
Ibid., p. 32.
82
BARROSO, Luís Roberto. Ação popular e ação civil pública. Aspectos comuns e distintivos. RT,
Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 04. p. 237, 1993.
83
KLONNOFF, Robert. H., BILICH, Edward K. M.. Class actions and other multi-party litigation: cases
and materials. St. Paul, Minn: West Group. 2000, American casebook series. p. 01.
45
45
De qualquer forma, as class actions têm servido nos Estados Unidos como
modelo de acesso coletivo à Justiça.
46
46
7. A proteção dos Direitos Difusos na Itália, Portugal, França e
Alemanha
As soluções de proteção dos direitos coletivos e difusos no direito
comparado surgiram com instrumentos distintos. Inicialmente, foi a ação popular o
instrumento adequado à proteção de direitos difusos específicos, sem a feição
que emprestamos a eles atualmente.
Na Itália, a ação popular não é prevista na Constituição, mas em leis
ordinárias, cujos objetivos de proteção são as causas eleitorais e controle de
instituições públicas de beneficência. Há ainda ação popular para responsabilizar
tesoureiros e contadores de comunas e províncias em matéria de tributos
locais,
84
além daquelas que podem ser ajuizadas contra atos violadores das
normas urbanísticas.
85
A partir dos estudos de processualistas, como Mauro Cappelletti
86
e
Massimo Villone
87
, que influenciados principalmente pelo instituto da class action
do direito norte-americano, desenvolveram-se na Itália teorias para o acesso à
Justiça e à proteção dos direitos coletivos, sem, entretanto, haver uma
implementação mais profunda nos meios processuais.
Analisando essa proteção na Itália, Andrea Giussani extrai a conclusão de
que no país existem instrumentos diretos que favorecem de alguma maneira a
ação coletiva, mas só em algumas categorias de acontecimentos, citando como
84
SILVA, José Afonso da. Ação popular constitucional - doutrina e processo. São Paulo: RT, 1968. p.42-
45.
85
RAMOS, Elival da Silva. A ação popular como instrumento de participação política. São Paulo: RT,
1991. p. 138.
86
CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor,
1988. 165p. e CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil.
Revista de Processo, São Paulo, ano II, n. 05, p. 128-159, janeiro-março 1977.
87
VILLONE, Massimo. La colocazione istituzionale dell’interesse diffuso. In: La tutela degli interessi
diffusi nel diritto comparato. Milano: Giuffrè, 1976.
47
47
exemplo as condutas anti-sindicais e de proteção ao meio ambiente, enquanto
para a generalidade das controvérsias se aplicam as normas processuais
ordinárias, concebidas para situações subjetivas individuais, faltando, assim, uma
disciplina geral para as causas coletivas.
88
Aponta ainda referido autor que, mesmo naqueles casos nos quais se
prevêem regras especiais, elas são largamente ineficientes, pois não configuram
de qualquer maneira um sistema de estímulos satisfatórios a reduzir aquela
esperança que aflige os componentes dos grupos não "privilegiados", seja porque
dispersos ou porque constituídos de grupos sociais minoritários, privilegiando os
sindicalizados.
89
Em específico sobre a tutela do meio ambiente, embora tenha merecido
grande contribuição doutrinária, os resultados sobre o plano da reforma dos
instrumentos processuais são considerados extremamente modestos, visto que
na evolução dos direitos se reconhece com maior ênfase um direito individual
constitucionalmente garantido, como a saúde e perda da salubridade do
ambiente, não havendo sistema de estímulos para favorecer a ação em juízo da
tutela dos grupos interessados.
90
Salienta ainda o autor que, mesmo com a lei n. 349, de 1986, o legislador
italiano se limitou a conferir ao Estado e às pessoas jurídicas territoriais uma
legitimação para atuar em nome próprio, e às associações ambientais,
reconhecidas como tais em assento administrativo, pressupostos de
representatividade para danos ambientais e acusação de fatos lesivos aos
88
GIUSSANI, Andrea. Studi sulle “class actions”. Padova: CEDAM, 1996, pubblicazioni della università di
pavia studi nelle scienze giuridiche e sociali. Nuova Seria, v. 80. p. 358.
89
Ibid., p. 358.
90
Ibid., p. 354.
48
48
recursos ambientais, sem contemplar algum estímulo para as vítimas das
condutas denunciadas.
No direito português, também a ação popular inicialmente foi utilizada para
a proteção de direitos difusos relacionados à matéria eleitoral, prevendo ainda o
Código Administrativo Português ações populares para a defesa do patrimônio
público com base na impugnação de atos ilegais da administração autárquica,
restrita ao âmbito local onde residente o autor da ação popular.
91
Com a revisão constitucional de 1989, a Constituição Portuguesa ampliou o
direito de ação popular em seu art. 52, nº 3, introduzindo no âmbito constitucional
as ações coletivas:
92
É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de
defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos
casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer
para o lesado ou lesados a correspondente indemnização,
nomeadamente para:
a) promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial
das infracções contra a saúde pública, os direitos dos
consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e
do património cultural;
b) assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões
autónomas e das autarquias locais.
Tal regramento foi regulamentado pela lei 83/95, de 23 de agosto de 1995,
havendo no direito português um único instrumento para a defesa coletiva do
patrimônio público, incluindo o patrimônio cultural, direito do consumidor,
91
RAMOS, Elival da Silva. A ação popular como instrumento de participação política. São Paulo: RT,
1991. p. 132.
92
FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiros. Direito constitucional comparado. 4. ed.. Belo Horizonte: Del Rey,
2004. p. 251.
49
49
preservação da qualidade de vida e do meio ambiente.
93
Nesse aspecto diverge o
direito português do direito brasileiro, pois no Brasil temos dois institutos para a
proteção desses direitos, a ação popular e a ação civil pública.
Como salienta Canotilho e Vital Moreira, “o objecto da acção popular é,
antes de mais nada, a defesa de interesses difusos”, cujos legitimados podem ser
os cidadãos e as associações, traduzindo na atual Constituição Portuguesa um
alargamento da legitimidade processual, independentemente do interesse
individual ou da “relação específica com os bens e interesses em causa”,
constituindo a norma constitucional caráter meramente exemplificativo, sem ter
caráter residual.
94
Na França, segundo Andrea Giussani
95
, não há nada comparável às class
actions, prevalecendo o princípio geral de que ninguém litiga por procurador, ou
seja, no sentido de que qualquer direito é capaz de ser exigido ou defendido em
juízo sem um mandato do seu titular, muito embora, acresce o autor, isso não
tenha impedido o desenvolvimento na França de situações comparáveis ao
acesso à Justiça, daquelas vistas nas class actions, havendo uma técnica
difundida, seja na legislação, seja na jurisprudência, consistente em proteger os
componentes de grupos muito numerosos, interesses difusos ou coletivos
ajuizados em juízo por associações ou subgrupos organizados que tenham como
fim estatutário a tutela mais ampla da "classe" que representam.
96
Tal legitimação não promana de disposições legislativas específicas,
havendo discussões de que o juiz usurparia nessa admissão o papel do legislador
93
GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação popular portuguesa: uma análise comparativa. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo, n. 18, p. 40, abr./jun. 1996.
94
CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. 3. ed.
Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p. 281-282.
95
GIUSSANI, Andrea. Studi sulle “class actions”. Padova: CEDAM, 1996, pubblicazioni della università di
pavia studi nelle scienze giuridiche e sociali. Nuova Seria, v. 80. p. 321.
96
Ibid., p. 322.
50
50
na seleção e na indicação das situações subjetivas a serem tuteladas como
interesses gerais.
A evolução da França no acesso coletivo à Justiça ocorreu em especial em
matéria de direitos do consumidor. Primeiramente, com o reconhecimento da
legitimação das associações para atuar com a lei. nº 1.193, de 1973, e,
posteriormente, com a lei nº 14, de 1988, que ampliou a possibilidade das
associações ingressarem com medidas civis. Entretanto, como lembra Andrea
Giussani, as reformas elaboradas nesses últimos anos para favorecer a tutela dos
consumidores tiveram uma ampliação com a lei nº 60, de 1992, quando algumas
associações – previamente homologadas em assento administrativo – puderam,
além de promover a ação inibitória para a tutela dos interesses coletivos, também
ajuizar uma ação ressarcitória em favor de consumidores, só precisando estes
que confiram um mandato específico, fato que ainda resultou em sua baixa
aplicação, demonstrando o peso político dos sindicatos e associações dos
consumidores.
97
Também na Alemanha não há instituto semelhante à class action, ou
mesmo inspirado nela. Há, entretanto, institutos comparáveis, como a disciplina
da concorrência desleal (Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb) e das
condições gerais de contrato (Gesetz zur Regelung des Rechts der Allgemeinen
Geschaftsbedingugen). Relativamente à concorrência desleal, admite-se que uma
ação inibitória possa ser proposta por associações que não sejam vítimas
necessariamente da conduta denunciada, em evidente defesa do direito coletivo à
lealdade no comércio.
98
Não atua, assim, na defesa de um direito próprio, mas
97
GIUSSANI, Andrea. Op. cit., p. 328.
98
Ibid., p. 330.
51
51
age ao invés como substituto processual das vítimas, autorizado pela lei a fazer
valer em nome próprio direitos alheios.
Em termos análogos se coloca a ação das associações dos consumidores
para a inibição de cláusulas abusivas, vexatórias e condições gerais de contrato,
suscitando, de maneira geral, tanto quanto na França, a discussão dos
mecanismos de legitimação próprios das associações, além do problema da
assimetria das partes em jogo, sejam elas habituais ou ocasionais.
99
52
52
Capítulo II – A proteção pela ação popular
8. A ação popular
O consenso sobre a necessidade de assegurar aos direitos difusos e
coletivos uma forma de proteção jurisdicional, discussão acelerada na segunda
metade da década de 70, encontrou, desde o início, no sistema processual
brasileiro, um instrumento que se não plenamente adequado a essa proteção, ao
menos tinha a função da defesa de um interesse difuso na proteção do patrimônio
público e da legalidade
100
.
Essa proteção foi consagrada inicialmente à ação popular, com a feição
que lhe foi dada após a Constituição Federal de 1934, primeiro texto
constitucional em que é fixada. Não era, entretanto, estranha ao nosso
ordenamento jurídico. Rodolfo de Camargo Mancuso
101
, ao citar a evolução da
ação popular antes e depois da Constituição de 1934, menciona que Corrêa
Telles, em sua obra Doutrina das ações, informava não haver impedimento a que
qualquer do povo pudesse demandar outrem por ter, v.g., invadido prédio público
ou embargar obra prejudicial a lugar público, ou mesmo o previsto no art. 157
102
da Constituição Federal de 1824, que previa uma ação popular contra aquele que
praticasse peculato ou suborno. Mancuso
103
menciona ainda João Mendes Júnior,
que na obra Curso de direito judiciário afirmava que, “no cível, dizem-se ações
99
GIUSSANI, Andrea. Op. cit., p. 334.
100
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela
jurisdicional dos chamados “interesses difusos”. Revista de Processo, São Paulo, ano VII, n. 28, p. 09,
outubro-dezembro de 1982.
101
Ação popular. 5. ed. São Paulo: RT. p. 58.
102
BRASIL. Constituição 1824. Constituição Brasileira de 1824. Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1824. Art.
157 “Por suborno, peita, peculato e concussão, haverá contra eles ação popular, que poderá ser intentada
dentro de ano e dia pelo próprio queixoso, ou por qualquer do povo, guardada a ordem do processo
estabelecida na Lei”. O artigo inserido no capítulo ‘Do Poder Judicial’ se refere aos juízes e oficiais de
Justiça.
53
53
populares as ações que podem ser intentadas por qualquer pessoa do povo, para
conservação e defesa das coisas públicas”.
Com o advento da Constituição de 1934, a ação popular passou a ser
declarada constitucionalmente, no capítulo dos direitos e garantias individuais, art.
113, item 38, que prescrevia que “qualquer cidadão será parte legítima para
pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da
União, dos Estados ou dos Municípios”. Com o advento do Estado Novo e a
outorga da Constituição de 1937, ela acabou por ser retirada do ordenamento
pátrio.
Com o retorno do período democrático, ressurgiu a ação popular na
Constituição de 1946. O texto afirmava que “qualquer cidadão será parte legítima
para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do
patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e
das sociedades de economia mista”. O confronto entre os dois dispositivos
constitucionais demonstra que houve na redação do texto de 1946 uma ampliação
do objeto para incluir a proteção à administração indireta.
Essa ampliação do texto de 1946 não encontrou continuidade na
Constituição de 1967, nem na Emenda 01/69. Em seu art. 153, § 31, deixou o
legislador constituinte de 1967 de especificar quais são as entidades merecedoras
dessa garantia, declarando que “qualquer cidadão será parte legítima para propor
ação popular que vise anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas”.
Pelo dispositivo, excluíam-se as sociedades de economia mista e empresas
públicas, cuja natureza e estrutura são de entidades privadas.
A lei 4.717, de 29 de junho de 1965, em seu art. 1º, entretanto, deu
redação mais abrangente que o legislador constituinte viria a dar em 1967,
103
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 59.
54
54
declarando que “qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou
a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito
Federal, dos Estados e dos Municípios, de sociedades autárquicas, de sociedade
de economia mista (...)”.
Por sua vez, o legislador constituinte de 1988 optou por declaração mais
abrangente ainda, ao afirmar que “qualquer cidadão é parte legítima para propor
ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de
que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de
custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
8.1 Conceito
Não divergem muito os autores sobre a conceituação da ação popular,
mantendo a definição constitucional como parâmetro. Como observa Rodolfo de
Camargo Mancuso
104
, não são populares as ações, tão só porque algum do povo
pede proteção judicial, tal como o habeas corpus e o mandado de segurança
individual ou coletivo e nem mesmo as ações que envolvam dissídio coletivo ou o
procedimento assegurado no art. 356 da lei 4.737/65 (código eleitoral), afastando
ainda as ações coletivas previstas no código de defesa do consumidor e previstas
na lei 7.347/85 (ação civil pública). Para ele, somente podem ser consideradas
populares aquelas intentadas por qualquer do povo e que objetivem à tutela de
um dos interesses metaindividuais, como a moralidade administrativa, o meio
ambiente e o patrimônio público.
104
MANCUSO. Rodolfo de Camargo. Ação popular. 5. ed. São Paulo: RT, 2003. pg. 67-68.
55
55
José Afonso da Silva,
105
sob a égide da Constituição de 1967, define a
ação popular como “um instituto processual civil, outorgado a qualquer cidadão
como garantia político-constitucional, para a defesa do interesse da coletividade,
mediante a provocação do controle jurisdicional corretivo da ilegalidade de atos
lesivos ao patrimônio público”. Hely Lopes Meirelles
106
, em obra sobre o tema,
define-a como “meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para
obter a invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a estes equiparados
– ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas
autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com
dinheiro público”. No mesmo sentido, Maria Sylvia Zanella di Pietro transcreve
literalmente a definição dada pela própria Constituição Federal.
107
8.2 Objeto e natureza da decisão
A partir dessas definições, tem-se que a ação popular possui como objeto a
invalidação de determinado ato lesivo ao patrimônio público
108
, bem como a
condenação dos responsáveis pelo ato invalidado ou dele beneficiado ao
pagamento de perdas e danos.
109
Pode alcançar também a recomposição ou
restauração do patrimônio público, compreendendo não somente o erário, mas os
bens e valores históricos, artísticos, turísticos e paisagísticos, meio ambiente e
moralidade administrativa. Portanto, não se resume, assim, à proteção
meramente pecuniária, na medida em que os direitos difusos protegidos por essa
105
SILVA, José Afonso da. Ação popular constitucional- doutrina e processo. São Paulo: RT, 1968. p.
105.
106
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de
injunção, habeas data. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p.113.
107
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 679.
108
BARROSO, Luís Roberto. Ação popular e ação civil pública. Aspectos comuns e distintivos. RT,
Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 04, 1993, p. 239.
56
56
modalidade de ação “não raro se mostram insuscetíveis de redução a valores
monetariamente expressos”
110
, mas serve também à invalidação de atos que
lesem bens imateriais.
Essa recomposição ou restauração parte da anulação do ato lesivo aos
interesses difusos, sendo, portanto, o pedido da ação constitutivo-negativo e,
ainda, condenatório
111
. A utilidade que se obterá será, então, o retorno aos cofres
públicos do dinheiro malversado ou desviado; a recomposição do meio ambiente
ou de prédio de relevante valor histórico ou arquitetônico.
8.3 Insuficiência
Conforme já afirmado, a ação popular somente foi codificada com a
Constituição Federal de 1934, afirmando Clovis Bevilaqua
112
que a sua inserção
no código civil havia sido entendida como desnecessária, surgindo como
verdadeiro instrumento de proteção somente em 1934.
Transcrevendo o dispositivo Constitucional que determinava no art. 113, nº
38, da Constituição de 1934, ser qualquer cidadão parte legítima para ajuizar a
ação popular, alertava o jurista que, “sem negar o caracter democrático dessa
resurreição, receio que nos venham dahi inconvenientes, que a bôa organização
do Ministério Público evita. Para funções dessa classe, a sociedade possue
órgãos adequados, que melhor as desempenham do que qualquer do povo”.
Esse prenúncio que Clovis Bevilaqua veio a fazer ainda no ano de 1935
denotava a preocupação dos autores e que a prática forense acabou por
109
SILVA, José Afonso da. Op. cit., p.109.
110
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Op. cit., p. 10.
111
SILVA, José Afonso da. Op. cit., p.108.
57
57
confirmar, qual seja, a de que a ação popular se transformaria em instrumento
não de defesa política da sociedade como corolário da cidadania, mas de
instrumento de “politicagens” utilizado quase sempre em período eleitoral ou pós-
eleitoral
113
, e cuja ineficácia acabou por atribuir competência ao Ministério Público
para a defesa dos mesmos direitos.
José Emmanuel Burle Filho
114
chama a atenção para o declínio da ação
popular, especialmente após o surgimento da ação civil pública, citando como
principais fatores o seu uso indevido e abusivo, que levou à desnaturação e a seu
conseqüente descrédito. Para ele:
Em inúmeras ações populares percebe-se que o verdadeiro intuito
do autor-popular não é a defesa do Povo ou do patrimônio público
no seu amplo sentido, porém o mero espírito de perseguição
política ou até mesmo pessoal, haja vista que o seu autor sabe
que a imprensa normalmente dá, ou pelo menos dava, divulgação
especial ao ajuizamento dessa ação, causando ao réu, pelo
alarido, inegável lesão à sua imagem pessoal, familiar, funcional
ou política.
Para o autor, as causas do declínio da ação popular devem servir de
exemplo aos legitimados da ação civil pública, para que se evite o ajuizamento de
ações sem fundamento legítimo, que a levaria, tal qual a ação popular, ao
descrédito e antipatia com inevitáveis reações negativas e perigosas contra o
instrumento constitucional.
115
Outra não é a opinião de Luís Roberto Barroso, ao afirmar que a ação
popular não deixa de ser, em muitos casos, manipulada como instrumento
112
BEVILAQUA, Clovis. A constituição e o código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 97/18,
setembro de 1935.
113
ALMEIDA, José Luiz Gavião de Almeida. A ação popular e a Constituição de 1988. Revista dos
Tribunais, ano 85, julho 1996, vol. 729. p. 75.
114
BURLE FILHO, José Emmanuel. Ação civil pública, instrumento de educação democrática. In: Milaré,
Edis (org.) Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT, 2001. p. 366.
115
Ibid., p. 371.
58
58
político, “desvirtuada para perseguir e espezinhar adversários políticos”, sendo
que só há discussão de interesse público quando há interesse particular por
trás.
116
Para Seabra Fagundes
117
, ao tratar da falta de interesse na defesa da
coisa pública, a atividade individual é movida sempre, em maior ou menor grau,
pelo interesse próprio e direto do indivíduo, “de sorte que onde êste não apareça
no grau mínimo necessário a estimular a capacidade de movimentação do
homem, a inércia prevalecerá sobre a ação”.
Lucia Valle Figueiredo
118
, discorrendo sobre o assunto, afirma que falta um
conceito mais arraigado de cidadania, o que explica o fato de a ação popular não
ser tão facilmente utilizada. Para ela, o empobrecimento do uso dessa ação
decorre justamente da legitimidade exclusiva à pessoa física, sendo que seria
necessária a maior conscientização da própria cidadania para que se
possibilitasse uma tutela real e efetiva dos direitos coletivos pelos próprios
cidadãos.
E finaliza a autora, dizendo que “não podemos esperar e cobrar que União,
Estados, Municípios, e mesmo o Ministério Público, associações de classe, façam
por nós tudo aquilo que nos omitirmos de fazer enquanto cidadãos”
119
.
As críticas são fundadas em dados da realidade, principalmente pela
constatação da maior utilização dessa modalidade de ação em anos eleitorais e
pós-eleitorais, mas outros pontos de ordem técnica levaram à pouca utilização do
instrumento.
116
BARROSO, Luís Roberto. Ação popular e ação civil pública. Aspectos comuns e distintivos. Revista dos
Tribunais, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 04, 1993. p. 237.
117
SEABRA FAGUNDES, Miguel. Da ação popular. Revista Forense, Rio de Janeiro, vol. 112, p. 07, julho
de 1947.
118
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 8. ed.. São Paulo: Malheiros, 2006. p.
431.
119
Ibid., p. 397.
59
59
Rafael Bielsa
120
, analisando o instituto da ação popular em escrito de 1947,
chega à conclusão de que “o cidadão que promove a ação popular contra um ato
arbitrário lesivo do patrimônio do Estado, das liberdades públicas, da moralidade
administrativa deve ser rodeado” de garantias na condição de defensor da ordem
constituída.
As garantias que devem rodear o autor popular atingem diretamente o
efetivo acesso à justiça e se constituem em diversos obstáculos que devem ser
transpostos. Podemos citar as custas judiciais, sejam elas periciais, sejam
relativas a honorários advocatícios; recursos financeiros para suportar a demora
do litígio; habitualidade com que o autor popular litiga em juízo e,
consequentemente, a capacidade de reconhecer o direito violado ou em vias de
violação e, ainda, propor as medidas adequadas a sua proteção
121
.
Barbosa Moreira aponta o problema do custeio do processo como
empecilho a maior utilização desse instrumento. Para ele, o custo do ajuizamento
da ação popular afasta o “cidadão zeloso, mas de parcos recursos (...)
arrefecendo-lhe o ânimo de ir a Juízo em prol do interesse coletivo”
122
.
Nesse aspecto, procurou a lei 4.717/65 reduzir a possível abstenção de
ingresso do autor popular, ao eliminar o pagamento antecipado de custas,
determinando em seu art. 10 que as “partes só pagarão custas e preparo a final” e
ainda no art. 12, “o pagamento, ao autor, das custas e demais despesas, judiciais
e extrajudiciais, diretamente relacionadas com a ação e comprovadas, bem como
o dos honorários de advogado”.
120
A ação popular e o poder discricionário da administração. Revista de Direito Administrativo, vol. 38. p.
57, outubro-dezembro 1954.
121
CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor,
1988. p.15-29.
122
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Op. cit., p. 13.
60
60
A isenção de custas foi elevada à garantia constitucional, prescrevendo o
art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal de 1988, que fica o autor popular,
“salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
Embora isento de custas, a necessidade do autor popular de constituir
advogado para representá-lo em juízo, quando ele não tiver capacidade
postulatória, também se mostra um obstáculo à maior utilização desse
instrumento de acesso à justiça, ainda que possa, a posteriori, receber a
condenação dos honorários advocatícios da parte adversa.
A constituição de advogado, devidamente especializado em direito público,
representa certamente custo elevado, principalmente considerando a demora na
solução do litígio, bem como a ausência de habitualidade do autor popular em
litigar em juízo, o que contribuiu para a crítica de Clovis Bevilaqua de que um
órgão público, tal como o Ministério Público, teria maior sucesso na defesa
desses direitos.
A insuficiência na utilização dessa ação constitucional e o consequente
declínio talvez pudessem ter sido mitigados se fosse resolvido o problema da
legitimação. Na ação popular, somente o cidadão, entendido como aquele que se
encontra no gozo de seus direitos políticos, é que pode ser autor, não havendo
outros co-legitimados, como ocorre com a ação civil pública, como veremos.
Exclui-se a possibilidade de ajuizamento por pessoa jurídica
123
e pelo Ministério
Público.
O problema da legitimação não é isolado na doutrina, apontando ainda
Mancuso
124
, “para a defasagem ou a insuficiência da fórmula restritiva de
legitimação ativa para a ação popular, sem embargo de que o art. 1º, caput, da
123
Súmula nº 365 do STF: “Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular”
124
MANCUSO. Rodolfo de Camargo. Ação popular. 5. ed. São Paulo: RT, 2003. pg.87.
61
61
Lei 7.347/85, sobre a ação civil pública para tutela de interesses metaindividuais,
invoque, subsidiariamente, a ação popular (...)”.
Essa legitimação, restrita ao cidadão, não é unânime na doutrina. José
Afonso da Silva, analisando a posição do Ministério Público nos processos de
ação popular, sob a égide da Constituição de 1946, sustenta que, embora seja
possível ao Parquet assumir a titularidade da ação popular quando houver
desistência pelo autor, ou seja, por intermédio de sucessão processual, examina
a possibilidade de o próprio membro do Ministério Público ser o autor dessa
modalidade de ação. Conclui, assim, que é possível que membros do Ministério
Público, na condição de cidadãos, intentem a ação popular.
125
Embora a premissa seja verdadeira, na medida em que não intenta a ação
como representante do Ministério Público, mas como cidadão, a conclusão, a meu
ver, é equivocada, pois o autor da ação popular não age como órgão de execução
do Ministério Público, mas na condição de qualquer cidadão, não havendo,
portanto, ampliação da legitimação da ação popular. Saliente-se ainda que a
posição externada pelo autor foi realizada antes da sistematização da ação civil
pública, sendo que hoje não haveria interesse ao Ministério Público no
ajuizamento de ação popular, quando é co-legitimado para a ação civil pública
com idêntico objeto.
Nesse sentido, José Luiz Gavião de Almeida
126
, analisando o art. 25 da lei
nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público), em comparação com o art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal de 1988,
aponta a coincidência de objeto, chegando a questionar se não seria sustentável
125
SILVA, José Afonso da. Ministério Público nos processos oriundos do exercício da ação popular. Revista
Justitia. São Paulo: 60 anos- número especial. p. 297, 1999.
126
ALMEIDA, José Luiz Gavião de Almeida. Op. cit., p. 77.
62
62
ao Ministério Público o ajuizamento da ação popular, posto que idênticos os
objetos.
Dispõe o art. 25, inciso IV, alínea ‘b’, da lei nº 8.625/93, incumbir ao
Ministério Público a promoção da ação civil pública “para a anulação ou
declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade
administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou
fundacionais ou de entidades privadas de que participem”.
Quase idêntica a redação do art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal
de 1988, que prevê a ação popular para “anular ato lesivo ao patrimônio público
ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa...”.
Ada Pellegrini Grinover, analisando ambos os dispositivos, chega a afirmar
que a única diferença entre ambos passou a ser a legitimação ativa, sendo um
conferido ao MP e o outro, ao cidadão. Para a autora:
Pode-se assim afirmar, sem temor de erro, que a Lei Nacional do
MP ampliou a legitimação à ação popular, atribuída pela
Constituição ao cidadão, para estendê-la ao MP. Mas, na
verdade, esta ação civil pública, criada pela LNMP, nada mais é
do que uma espécie que pertence ao gênero ação popular.
127
Na modalidade de ação civil pública examinada, conclui a autora, a
natureza jurídica é de ação popular, diferenciando-se pela legitimação ativa
conferida ao Ministério Público.
Ainda que se admita a ampliação da legitimação para ajuizamento da ação
popular, o que não me parece correto, pois, a meu ver, há somente coincidência
de objetos a serem protegidos em juízo, mas por modalidades processuais
diversas, embora possa, como afirmado por Ada Pellegrini Grinover, haver
63
63
conexão, continência ou mesmo litispendência entre ambas as ações, pois os
autores, cidadão ou Ministério Público, são substitutos processuais da
coletividade
128
, tal não foi suficiente para a ampliação do uso da ação popular.
Nesse aspecto, outro ponto importante ressalta a insuficiência do
instrumento da ação popular como meio de defesa aos direitos difusos e coletivos
e diz respeito ao seu objeto.
Ainda sob a égide da Constituição de 1967, cogitava-se da utilização da
ação popular para a defesa de outros direitos difusos, incluindo no conceito de
patrimônio público também o meio ambiente. Entretanto, tal como posta a sua
conceituação legal, difícil se tornou a utilização adequada desse instrumento
processual para essa finalidade, o que somente foi equacionado com a
Constituição de 1988.
Álvaro Luiz Valery Mirra aponta outros problemas, como a “limitação da
abrangência da ação como instrumento destinado essencialmente à impugnação
de atos praticados pelo Poder Público e à reparação de danos resultantes desses
atos” e ainda à inadmissibilidade do exercício da ação para a prevenção ou
correção de lesões decorrentes de atividade de particulares.
129
Motauri Ciocchetti de Souza aponta que a ação popular sempre visa à
anulação de ato lesivo
130
, sendo que Elival da Silva Ramos demonstra que o
interesse do autor popular é que “a legalidade seja restabelecida e o patrimônio
público restaurado”
131
.
127
GRINOVER, Ada Pellegrini. Uma nova modalidade de legitimação à ação popular. Possibilidade de
conexão, continência e litispendência. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 19. p. 53,
1997.
128
GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 54-55.
129
MIRRA, Álvaro. L. Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2002. p. 128-129.
130
SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Interesses difusos em espécie. 2000. São Paulo: Saraiva. p. 126.
131
RAMOS, Elival da Silva. A ação popular como instrumento de participação política. São Paulo: RT,
1991. p. 156.
64
64
Portanto, o objeto restrito no campo de atuação da ação popular também
corresponde a sua pouca utilização.
Os problemas que geraram a insuficiência da ação popular como
instrumento de proteção ou garantia dos novos direitos conceituados como de
terceira geração ou difusos e coletivos, ou ainda como forma de implementação
dos direitos sociais, com base em políticas públicas, demonstraram a
necessidade de evolução legislativa, seja no plano constitucional, seja no plano
infra-constitucional, evolução que culminou na elaboração do instrumento
processual da ação civil pública que se falará adiante.
Embora subsistam maiores críticas do que elogios à utilização da ação
popular, há também ardorosos defensores do uso desse meio processual de
defesa dos interesses difusos. Para eles, a ação popular é verdadeiro instrumento
de exercício da cidadania como corolário da atuação político-jurídica na
salvaguarda dos interesses da coletividade.
Instrumento de educação política, o alargamento da ação popular, na visão
de Seabra Fagundes, “poderia exercer relevante papel no aperfeiçoamento da
mentalidade política, chamando os cidadãos a cooperar, ativamente, na prática de
um regime de legalidade efetiva”, e mais, criando aos agentes públicos o “hábito
de submissão à ordem legal”
132
.
Nesse sentido, Nelson Oscar de Souza afirma caracterizar-se a ação
popular como a ação efetivamente voltada para o objetivo do exercício de
cidadania e de utilização pedagógica destinada à socialização do povo eleitor.
Mesmo que tenha a ação civil pública abrangido todo o objeto da popular, isso
132
SEABRA FAGUNDES, Miguel. Da ação popular. Revista forense, Rio de Janeiro, vol. 112. p. 07, julho
de 1947.
65
65
corrobora o argumento de se manter o cidadão no pólo ativo dela, com
exclusividade.
E termina por concluir:
Do exame dos repertórios jurisprudenciais ressalta o número
inexpressivo de ações que têm sido ajuizados no País, e neste
Estado, durante o curso do tempo: de 1934 a esta parte. O
verbete comparece apoucadas vezes em cada volume das
decisões dos Tribunais.
133
Esse número, segundo o autor, vem crescendo nos últimos anos, dado o
incremento da consciência de cidadania e da possibilidade efetiva de poder
controlar o poder público nos atos ilegais.
Esse aumento no número de ações populares ajuizadas vem sendo
incrementado principalmente após a constituição de 1988, seja pela ampliação de
seu objeto, com a inclusão da moralidade administrativa e da proteção ao meio
ambiente, seja pela constitucionalização da garantia de isenção de custas. Dados
colacionados por José Luiz Gavião de Almeida informam que até 1988, na cidade
de São Paulo, o número de ações populares não passava de 10 ao ano. Segundo
o autor, em 1990 foram 28; em 1991, 29 ações; em 1992, o número foi de 35
ações e, em 1993, mais de 40 foram ajuizadas.
134
Elival da Silva Ramos chega a afirmar que os riscos decorrentes do uso
inadequado da ação popular não são tão grandes, se for adotado um sistema
adequado de freios e contrapesos com adequada análise das condições da ação,
sendo grandes os benefícios na “medida em que, por ser voluntário, só atrai, em
regra, os cidadãos dotados de alto nível de politização e espírito público”.
133
SOUZA, Nelson Oscar de. Ação popular. Revista de direito constitucional e internacional. São Paulo:
RT, 2000, janeiro-março, ano 08, nº 30. p. 144.
66
66
Capítulo III – A proteção pela ação civil pública
9. Necessidade histórica da ação civil pública
A insuficiência da ação popular como instrumento efetivo de proteção dos
chamados direitos sociais e difusos demonstrou a necessidade de elaboração de
um novo sistema instrumental de defesa desses direitos, não apenas para o
patrimônio público, mas também que pudesse ser utilizado para a proteção da
moralidade administrativa, do meio ambiente e, mais ainda, de qualquer outro
direito difuso ou considerado em seu aspecto coletivo.
Diversos doutrinadores brasileiros
135
já se dedicavam ao estudo dessa
nova matéria processual, baseados principalmente nos estudos de Mauro
Cappelletti e nas chamadas class actions do direito norte-americano.
No direito pátrio, poucas eram as ações que protegiam de alguma forma
esses direitos recentemente declarados. Além da já citada ação popular, havia
outras para defesa de direitos específicos, como a representação ao Supremo
Tribunal Federal para a declaração de inconstitucionalidade de lei (arts, 102, I, ‘a’,
103, VI e 129, IV, da Constituição Federal); a notificação ao loteador para
regularizar seu loteamento (art. 38, §2º da lei nº 6.766/79); ação de
responsabilidade por danos ao meio ambiente (art. 14, §1º da lei nº 6.938/81) e a
ação de responsabilidade de administradores em casos de liquidação extrajudicial
de instituições financeiras (art. 46 da lei nº 6.024/74).
Desenvolvendo o tema, Hugo Nigro Mazzilli elenca dezenas de outras
ações que podem ser chamadas de civis públicas na medida em que o principal
134
ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Op. cit., p. 75.
67
67
autor é o Órgão do Ministério Público, mas que não serão aqui elencadas por não
serem, em sua essência, ações de proteção aos direitos difusos e coletivos, tais
como ação de anulação de atos simulados ou de nulidade de casamento,
inscrição de hipoteca legal em favor do interdito, abertura de inventário, etc.
136
Desde 1981 já existia uma previsão específica de proteção do meio
ambiente enquanto bem difusamente considerado. Nesse sentido, dispunha o art.
14, §1º, da lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (Política Nacional do Meio
Ambiente): “O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para
propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio
ambiente”. Visava o dispositivo constranger o poluidor a indenizar ou a reparar os
danos causados ao meio ambiente, bem como a terceiros, independentemente de
culpa.
Tais regramentos eram evidentemente insuficientes para a finalidade que
se pretendia alcançar, qual seja, a de criar um instrumento processual que desse
guarida à proteção dos novos direitos que vinham sendo proclamados e
reconhecidos desde a segunda metade do século passado. Isso porque, como já
dito acima, embora se conferissem atribuições para a proteção dos direitos
difusos, trabalhava-se com a sistemática processual individualista, baseada na
proteção dos chamados direitos de primeira geração.
Barbosa Moreira, sintetizando esse pensamento, afirma que “tem sabor de
lugar-comum a observação de que a estrutura clássica do processo civil, tal como
subsiste na generalidade dos ordenamentos de nossos dias, corresponde a um
135
José Carlos Barbosa Moreira, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe,
Waldemar Mariz de Oliveira Jr., Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Edis Milaré e Nelson Nery Jr.
dentre outros.
136
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 19. ed.. São Paulo: Saraiva, 2006. p.
68-74.
68
68
modelo concebido e realizado para acudir fundamentalmente a situações de
conflito entre interesses individuais.”
137
Os trabalhos de elaboração da nova sistemática de proteção iniciaram-se
com um anteprojeto do qual participaram Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel
Dinamarco, Kazuo Watanabe e Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, o qual,
submetido em 1983 ao Congresso Nacional de Direito Processual, realizado na
cidade de Porto Alegre, sofreu contribuições de Barbosa Moreira, sendo
apresentado à Câmara dos Deputados por Flávio Bierrenbach (projeto
3.034/84).
138
Entretanto, um outro anteprojeto também fora apresentado ao Ministério da
Justiça pelo Ministério Público Paulista, fruto da discussão de tese apresentada
no XI Seminário Jurídico de Grupos de Estudos realizado em dezembro de 1983,
cujos autores, Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Edis Milaré e Nelson
Nery Júnior, discutiam sobre o tema “a ação civil pública”, baseados no
anteprojeto apresentado à Câmara dos Deputados. O Executivo Federal acabou
por apresentar o anteprojeto do Ministério Público Paulista que, por tramitação
mais célere, acabou por ser sancionado.
A sanção parcial ao projeto de lei nº 4.984/85 (numeração da Câmara dos
Deputados) e 20/85 (numeração do Senado) demonstrava, entretanto, expressa
preocupação com o alcance da proteção que seria dada pela nova lei, fato que
ficou patente com o veto político realizado pelo então presidente José Sarney.
139
Referido veto incidia parcialmente sobre a ementa, o art. 1º, inciso IV; o art.
4º e art. 5º, inciso II, todos referentes à expressão: “qualquer outro interesse
137
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela
jurisdicional dos chamados “interesses difusos”. Revista de Processo, São Paulo, ano VII, n. 28, p. 07,
outubro-dezembro de 1982.
138
MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 109.
139
MILARÉ, Edis.(org.). Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT, 2001. p. 834 (anexos).
69
69
difuso”. Prescrevia o autógrafo encaminhado para sanção que se regeriam pelas
disposições da referida lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de
responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e
direitos de valor artístico estético, histórico, turístico e paisagístico, bem como a
qualquer outro interesse difuso.
As razões do veto político elucidam a falta de amadurecimento político que
existia à época e a preocupação com tão poderoso instrumento processual
140
,
inclusive pelo risco de o instrumento voltar-se contra o próprio governo
141
. Diz a
mensagem nº 359 encaminhada ao Congresso em 24 de julho de 1985:
As razões de interesse público dizem respeito precipuamente à
insegurança jurídica, em detrimento do bem comum, que decorre
da amplíssima e imprecisa abrangência da expressão “qualquer
outro interesse difuso”.
A amplitude de que se revestem as expressões ora vetadas do
projeto mostra-se, no presente momento de nossa experiência
jurídica, inconveniente.
É preciso que a questão dos interesses difusos, de inegável
relevância social, mereça, ainda, maior reflexão e análise. Trata-
se de instituto cujos pressupostos conceituais derivam de um
processo de elaboração doutrinária, a recomendar, com a
publicação desta Lei, discussão abrangente em todas as esferas
de nossa vida social.
É importante, neste momento, que, em relação à defesa e
preservação dos direitos dos consumidores, assim como do
patrimônio ecológico, natural e cultural do país, a tutela
jurisdicional dos interesses difusos deixe de ser uma questão
meramente acadêmica para converter-se em realidade jurídico-
positiva, de verdadeiro alcance e conteúdo sociais.
140
SARNEY, José. Prefácio- Interesses difusos e direito coletivo. In: Milaré, Edis (org). Ação civil pública-
Lei 7.347/85 – Reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: RT, 1995. p. 19.
141
MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 120.
70
70
Eventuais hipóteses rebeldes à previsão do legislador, mas
ditadas pela complexidade da vida social, merecerão a oportuna
disciplinação legislativa. (...)
Não tardou a recuperação do prestígio do novo instrumento de garantia dos
direitos fundamentais. Com os trabalhos realizados na Constituinte em 1987,
logrou-se inserir, dentre as atribuições do Ministério Público, a promoção da ação
civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos, conforme disposto no art. 129, inciso III
da Constituição Federal. Retomava-se, assim, a ampla proteção a esses novos
direitos, muito embora sua atribuição genérica pela Constituição fosse apenas ao
Ministério Público, mantendo-se a exclusão dos demais co-legitimados da lei
7.437/85, em razão do veto presidencial.
Tal situação somente restou plenamente resolvida quando da elaboração,
em 1990, do Código de Defesa do Consumidor que, em seus arts. 83, 110 e 117,
expressamente autorizou a defesa, por meio da ação civil pública, de qualquer
outro interesse difuso ou coletivo, devolvendo à lei 7.347/85 a norma de extensão
anteriormente vetada, prevista no art. 1º, inciso IV. As hipóteses legais, portanto,
não ficaram mais como numerus clausulus.
E foi exatamente a implementação da nova ordem constitucional com o
incremento de direitos fundamentais e difusos declarados que deu intensidade e
abrangência à utilização cada vez maior desse importante instrumento de garantia
desses mesmos direitos.
Segundo Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz, normas quase
sempre originadas do texto constitucional e “que disciplinavam relevantes
71
71
interesses sociais encontraram, na ação civil pública, canal eficiente para que seu
efetivo cumprimento pudesse ser reclamado perante o Poder Judiciário”
142.
Não foi por outro motivo o alargamento do uso desse instrumento de
proteção, citando referido autor, à utilização em áreas bem distintas: “do meio
ambiente ao consumidor; do urbanismo e do patrimônio histórico à prevenção de
acidentes do trabalho; da infância e da juventude aos idosos; da moralidade
administrativa e do patrimônio público à saúde, educação, moradia e transporte”.
142
FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo. Ação Civil Pública, inquérito civil e Ministério Público.
In Milaré, Edis.(org.). Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT, 2001. p. 85.
72
72
10. Legitimados para o ajuizamento da ação civil pública
Um dos problemas que foram apontados para a insuficiência da ação
popular como instrumento de proteção dos direitos difusos é justamente a
legitimidade única conferida ao cidadão.
Se por um lado o espectro é amplo, já que qualquer um que esteja no gozo
de seus direitos políticos detém legitimidade para o ajuizamento da ação popular,
a motivação quase sempre política ou mesmo a prevalência da cultura ‘do que é
público não é de ninguém’ concorreram para a pouca utilização desse instrumento
de proteção, carecendo o ordenamento jurídico de meios que aumentassem a
participação social na defesa desses interesses.
143
Embora defendessem alguns a opção de legitimar o Ministério Público
também para o ajuizamento da ação popular, considerando que na sistemática da
lei 4.717/65, em seu art. 9º, esse Órgão detém legitimidade para o
prosseguimento da ação quando o autor popular desistir ou der motivo à
absolvição, não foi essa a opção legislativa.
A lei 7.347/85 fixou diversos co-legitimados para o ajuizamento da ação
civil pública, figurando dentre eles o Ministério Público, Defensoria Pública, União,
Estados, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de
economia mista e associações civis,
144
surgindo a discussão se essa legitimação
seria ordinária, extraordinária ou uma legitimação autônoma.
Na legitimação ordinária pela sistemática processual tradicional, deve
ocorrer identidade entre o titular da ação e o direito material lesado ou sob
ameaça de lesão, o que significa dizer em outras palavras que a ninguém é
143
FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo. Op.cit., p. 100.
144
Art. 5º da Lei nº 7.347/85, alterado pela Lei 11.448/07
73
73
conferido o direito de defender como próprio um direito alheio. Não é o que ocorre
na defesa de direitos difusos e coletivos.
Nesses novos direitos, face à não coincidência entre os titulares do direito
de ação e o titular do direito material que é defendido em juízo, a legitimação seria
extraordinária
145
. E assim deve ser, pois, sendo o direito defendido difuso quanto
aos seus titulares, inviável a identificação do titular do direito material lesado, que
pertence a todos os indivíduos, sem comportar, portanto, nenhuma divisão.
Mesmo na situação em que os direitos sejam individuais homogêneos, tidos pela
dicção do art. 81, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor como aqueles
“decorrentes de origem comum” e cuja proteção judicial de forma coletiva foi
claramente inspirada na class action do direito norte-americano, há a legitimação
extraordinária, considerando que quem ajuizará a ação não é o titular do direito
defendido em juízo, apesar de serem plenamente identificáveis esses titulares.
Outros autores ainda entendem ser a legitimação da ação civil pública uma
legitimação autônoma para a condução do processo
146
e não uma legitimação
extraordinária prevista no Código de Processo Civil de cunho evidentemente
individualista. Para esses autores, não há entre legitimados e tutelados “a
sobreposição de legitimações processual e material”
147
e, portanto, não há a
mesma relação “no que se refere ao interesse material e processual”
148
. Nessa
linha de raciocínio, se os legitimados não são detentores do interesse material em
juízo, não poderiam os substituídos, titulares dos interesses, ingressarem em
juízo, subsistindo, assim, a classificação como legitimação autônoma.
145
Posição de Hugo Nigro Mazzilli, Marcelo Menezes Vigliar, Ada Pellegrini Grinover.
146
Nelson Nery Júnior, Rosa Maria de Andrade Nery, Motauri Ciocchetti de Souza, Arruda Alvim, Ricardo
Negrão.
147
NEGRÃO, Ricardo. Ações coletivas - enfoque sobre a legitimidade ativa. São Paulo: Leud, 2004. p.
288.
148
Ibid., p. 288.
74
74
Impende desde já observar que a legitimidade conferida ao Ministério
Público para promover a ação civil pública consubstancia-se em função
institucional afiançada pela Constituição Federal. Tal legitimidade não é ao que
faz crer em um primeiro momento irrestrita, pois, conforme art. 127, caput da
Constituição, a atribuição desse Órgão é para a defesa daqueles direitos difusos
considerados indisponíveis, excluindo-se, portanto, aqueles que, embora possam
ser coletivamente considerados, o são individuais e disponíveis quando
considerados isoladamente.
Para José Roberto dos Santos Bedaque
149
, a legitimação do Ministério
Público para o ajuizamento dessas ações não é nem autônoma para a condução
do processo e nem é extraordinária. É simplesmente ordinária, pois o Parquet não
está defendendo interesse meramente individual, substituindo processualmente o
titular do direito, mas, pelo deferimento da legitimação constitucional (art. 127 e
129 da CF), está atuando na defesa do interesse coletivo, sendo assim o
legitimado primário na defesa desses interesses.
Não obstante as pessoas acima indicadas tenham a mesma legitimidade
para o ajuizamento da ação civil pública, fato é que o Ministério Público foi o
legitimado que mais tem utilizado desse instrumento de proteção. Isso porque se
trata de um Órgão Público que tem como princípio de atuação a obrigatoriedade
consistente no dever de, constatada a situação prevista em lei, adotar todas as
medidas necessárias para a reparação ou mesmo a prevenção do dano que
possa ter um direito fundamental e, em nosso enfoque, coletivo ou difuso.
150
149
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Legitimidade Processual e Legitimidade política. In Salles, Carlos
Alberto de (org.). Processo civil e interesse público. São Paulo: RT, 2003. p.106.
150
SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Ação civil pública e inquérito civil. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.
49.
75
75
Essa obrigatoriedade já era consubstanciada no código de processo penal,
no qual deve o Ministério Público ajuizar a ação penal, salvo nas situações de
delitos de menor potencial ofensivo, previstos na lei nº 9.099/95. Na lei da ação
civil pública recebe tratamento diverso, pois, diagnosticada a situação legal, pode
ocorrer a composição administrativa por meio do chamado termo de ajustamento
de conduta.
151
Alguns autores
152
entendem que essa obrigatoriedade não atinge os
demais Órgãos legitimados para a propositura da ação. Estes, pela sistemática
legal, não têm o dever de propor a ação civil pública, mas possuem a faculdade
de fazê-lo, o que significa dizer que podem realizar um juízo de conveniência e
oportunidade quanto ao ajuizamento ou não da ação.
Discordamos dessa opinião na medida em que, excetuadas as
associações, os demais legitimados para o ajuizamento ou não da ação civil
pública para a proteção de direitos difusos (União, Estados, Distrito Federal e
Município) têm por finalidade constitucional a proteção desses direitos.
Nesse sentido, disciplina o art. 23 da Constituição Federal ser competência
comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições
democráticas e conservar o patrimônio público;
II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia
das pessoas portadoras de deficiência;
III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor
histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens
naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
151
SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Ação civil pública e inquérito civil. 2.ed.. São Paulo: Saraiva, 2005. p.
49.
152
Ibid, Op. cit., p. 50.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo, Ação civil pública. 4. ed. São Paulo: RT, 1996. p. 40.
76
76
IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de
obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico e
cultural;
V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à
ciência;
VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer
de suas formas.
Se há competência administrativa comum entre os entes federativos para a
proteção desses direitos, todos têm o dever de tomar as providências legais
pertinentes, diagnosticada a situação de descumprimento legal, tal qual o
Ministério Público, sob pena de, em se constatando a omissão, serem sujeitos
passivos de eventual ação civil pública, tanto quanto os infratores do objeto
material protegido, dado que a sua omissão é legalmente relevante.
Imbuídos da competência de reger os interesses do povo como
representantes legalmente constituídos, têm, portanto, o dever legal de agir.
Ainda quanto à legitimidade, cabe aqui observar que, muito embora as
associações que tenham sido constituídas há pelo menos um ano e tenham entre
suas finalidades institucionais a proteção dos direitos elencados no art. 5º, inciso
II, da lei nº 7.374/85
153
, possam também ajuizar ações em proteção a direitos
difusos, há ainda pouca utilização desse instrumento.
Nesse sentido, pertinente a observação de Kazuo Watanabe, quando
relembra audiência pública organizada pelo Centro de Apoio das Curadorias do
Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de São Paulo. Naquela, segundo
relata o autor, inúmeras ONGs e Associações Civis reclamavam a demora no
processamento da representação formulada por elas perante o Ministério Público,
153
Proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
77
77
quando elas próprias tinham legitimação para pleitear a defesa dos direitos que
reclamavam proteção ao Ministério Público. O que faltava? “Faltava um pouco de
iniciativa por parte dessas ONGs e também, por parte do Ministério Público,
faltava um trabalho de orientação e de auxílio às associações civis para que
passassem elas próprias a agir, em nome próprio, na tutela jurisdicional dos
interesses da Coletividade”
154
.
154
WATANABE, Kazuo. Processo Civil de Interesse Público: Introdução. In: Salles, Carlos Alberto de
(org.). Processo civil e interesse público. São Paulo: RT, 2003. p. 16.
78
78
11. O inquérito civil como diferencial
Embora já se tenha dito que não se pretende a abordagem dos aspectos
processuais da ação civil pública, observações pontuais sobre alguns desses
aspectos certamente devem ser feitas, pois influenciarão na utilização desse
instrumento na implementação das políticas públicas, objeto fim deste trabalho.
Já foi anotado acima que um dos fatores da insuficiência da ação popular
para a proteção dos direitos difusos foi a legitimação conferida apenas ao cidadão
e não a outros co-legitimados. Entretanto não foi esse o único diferencial que fez
da ação civil pública o principal instrumento de defesa dos direitos difusos, e mais,
que fez do Ministério Público o principal propositor dessas ações.
Segundo previsão do art. 8º da Lei 7.347/85, qualquer interessado poderá
requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar
necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15(quinze) dias” para instruir a
inicial. Decorre essa previsão legal diretamente do direito de certidão assegurado
no art. 5, incisos XXXIII
155
e XXXIV
156
.
Entretanto o §1º do art. 8º da referida lei permite que o Ministério Público
instaure, “sob sua presidência, inquérito civil”, ou requisite “de qualquer organismo
público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que
assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10(dez) dias úteis”.
155
BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado.
1988: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de
interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas
aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”
156
BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado.
1988: São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: (b) a obtenção de certidões em
repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal.
79
79
A criação do inquérito civil surgiu de discussões no âmbito do Ministério
Público Paulista
157
a partir da necessidade de criar um instrumento semelhante ao
inquérito policial e capaz de melhor subsidiar a propositura da ação civil pública
com a prévia colheita de provas, à semelhança do que ocorria com o inquérito
policial no processo penal.
A proposta original foi melhorada e acabou por ser encampada no projeto
de lei encaminhado ao Ministério da Justiça, convertido na Lei 7.347/85.
Posteriormente, a previsão legal do referido instrumento foi devidamente
constitucionalizada em 1988 como função institucional do Ministério Público
(art.129, inciso III).
Trata-se de procedimento administrativo de natureza inquisitiva, portanto,
sem contraditório, cuja titularidade cabe ao Ministério Público e que tem por
finalidade a coleta de subsídios para a eventual propositura de ação civil
pública
158
.
Não é unânime na doutrina a natureza inquisitiva e, portanto, sem
contraditório desse procedimento. Ada Pellegrini Grinover entende que o
contraditório e a ampla defesa são garantias constitucionais em qualquer
processo administrativo, sendo que no inquérito civil há efetivamente um conflito
de interesses na medida em que, uma vez instaurado pelo Ministério Público,
poderá ocorrer o seu arquivamento, ser proposto um termo de ajustamento de
conduta ou ainda subsidiar a proposição da ação civil pública. Para a
processualista, nessas duas últimas hipóteses, sem que a parte contrária tenha
157
Hugo Nigro Mazzilli cita que as primeiras sugestões datam de 1980 em reunião de grupo de estudos
ocorrida na cidade de Ourinhos/SP. Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo.
19. ed.. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 399.
158
SOUZA Motauri Ciocchetti de. Ação civil pública e inquérito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.
101.
80
80
conhecimento do teor do inquérito civil, não será possível a realização do acordo
ou mesmo a utilização do inquérito na ação civil pública.
159
A natureza inquisitiva e não contraditória, entretanto, é a posição
predominante em relação ao inquérito civil.
Tratando-se de procedimento administrativo, à semelhança do inquérito
policial em que claramente foi inspirado, é desnecessária a sua instauração para
a propositura da ação civil pública, fato que explica por que não houve a extensão
de sua utilização para os demais co-legitimados que, independentemente das
conclusões do inquérito civil, poderão ajuizar a ação civil pública.
Sob esse enfoque, quando analisa as críticas a essa exclusão, Rodolfo de
Camargo Mancuso
160
explica que “esse inquérito é um instrumento destinado a
possibilitar uma ‘triagem’ das várias denúncias que chegam ao conhecimento do
Ministério Público: somente as que resultarem fundadas e relevantes acarretarão,
por certo, a propositura da ação; de todo modo, a conclusão a que chegue o
Ministério Público não é vinculante para a entidade denunciante”.
As críticas realizadas à época da promulgação da Lei da Ação Civil
Pública, de que o instrumento do inquérito civil, conferido somente ao Ministério
Público, geraria restrição ao acesso dos demais co-legitimados, mostraram-se em
parte verdadeiras.
Dotado desse importante instrumento, não conferido aos demais co-
legitimados, o Ministério Público passou a ter ativa preponderância no
159
GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação Civil Pública e a Ação Popular: Aproximações e diferenças. In: Salles,
Carlos Alberto de (org.). Processo civil e interesse público. São Paulo: RT, 2003. p 140.
160
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. 4. ed.. São Paulo: RT, 1996. p. 93.
81
81
ajuizamento das ações civis públicas, devido em parte ao próprio perfil da
Instituição. Como assinalado por Ronaldo Porto Macedo Júnior
161
:
A lei da Ação Civil Pública de 1985, constituindo um episódio
incomum e talvez involuntário na vida legislativa do Brasil, veio
acompanhada de uma bem-estruturada organização capaz de
fazer uso da mesma. O Ministério Público conferiu à lei uma
estrutura de enforcement eficaz e poderosa na medida em que
está organizado em todo o território nacional(...).
Se a estrutura organizacional e formação de seus membros permitiram à
Instituição do Ministério Público abraçar a causa da proteção dos direitos difusos,
certamente a competência constitucional e legal para a instauração e condução
do inquérito civil contribui para isso, a ponto de, muitas vezes, os co-legitimados
provocarem a atuação do Ministério Público em vez de averiguarem os fatos e
promoverem o ajuizamento das ações, conforme citação de Kazuo Watanabe, no
tópico anterior.
A exclusividade na instauração do inquérito civil certamente é um desses
motivos. Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz
162
destaca essa
preponderância ao afirmar que:
O inquérito civil representa poderoso fator de concentração de
iniciativas por parte do Ministério Público: muitos casos – de regra
os mais relevantes – demandam profundas e demoradas
investigações, custosas perícias, requisição de informações,
convocação de testemunhas e de técnicos, instrumentos esses
que, por não estarem disponíveis para as associações, por
exemplo, em muito limitam o exercício concreto da legitimidade
ativa.
161
MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Ministério Público brasileiro: um novo ator político. In:Vigliar, José
Marcelo Menezes; Macedo Júnior, Ronaldo Porto (coord). Ministério Público II, democracia. São Paulo:
Atlas, 1999. p. 107.
162
FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo. Ação Civil Pública, inquérito civil e Ministério Público.
In: MILARÉ, Edis.(org.). Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT, 2001. p. 91.
82
82
Mas não foi o único, considerando-se que, em relação às associações
civis, também a ausência de uma maior orientação e auxílio para que pudessem
passar a agir sozinhas na proteção desses novos direitos foi fator decisivo.
163
Nesse aspecto, ressalta Pedro Lenza que muitos foram os incentivos para
estimular e incentivar a atuação das associações civis, destacando a isenção do
adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e a condenação em
honorários advocatícios, custas e despesas processuais, ressalvada a
comprovação de má-fé, havendo, assim, todo um arsenal para a organização
adequada da sociedade civil, sem falar dos direitos e garantias ao associativismo
conferidos por nossa Constituição Federal em seu art. 5º, incisos XVII a XXI e art.
174, §2º.
164
A opinião é comungada também por Ada Pellegrini Grinover, ao afirmar
que, embora haja diversos incentivos, raras são as demandas de associações,
respondendo o Ministério Público por mais de 90 % das demandas de ações civis
públicas existentes no país.
165
Dados levantados junto à Corregedoria Geral do Ministério Público do
Estado de São Paulo, referentes às ações civis públicas em andamento,
ajuizadas pelo Ministério Público Paulista e por terceiros nos últimos anos,
demonstram claramente essa prevalência, conforme quadro abaixo.
163
WATANABE, Kazuo. Op. cit., p. 16.
164
LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: RT, 2003. p. 188.
165
GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação popular portuguesa: uma análise comparativa. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo, n. 18, p. 47, abr./jun. 1996.
83
83
Ano Ações propostas
pelo Ministério
Público
Ações propostas
por terceiros
Ações em
andamento
propostas pelo
Ministério Público
Ações em
andamento
propostas por
terceiros
2002 2404 0,0 8287,50 755,17
2003 2395 3 9571,75 1056,67
2004 3305 934 10679,17 1438
2005 2452 591 12533,17 1794,92
Analisando o número de feitos em andamento na Câmara Especial do Meio
Ambiente, do Tribunal de Justiça de São Paulo, no período compreendido entre
29/11/05 e 26/09/06, o desembargador Renato Nalini, em palestra proferida no
10º Congresso de Meio Ambiente e 4º congresso de Habitação e Urbanismo
promovido pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, chamava a atenção
para a existência, na referida Câmara, de 251 ações civis públicas, todas movidas
pelo Ministério Público, e somente 24 ações populares, dados que confirmam as
observações acima.
166
A maior organização do Ministério Público, a obrigatoriedade da defesa dos
direitos difusos e coletivos aliada aos instrumentos de que dispõe para a colheita
de provas ficam evidentes quando analisamos os números acima.
Assim, se para as pessoas jurídicas legitimadas para o ajuizamento da
ação civil pública resta a dificuldade de colher provas para o ajuizamento da ação,
certamente essa também é uma limitação para a utilização com maior freqüência
da ação popular, qual seja, a dificuldade de o cidadão comum investigar e colher
elementos que lhe permitam, com segurança, ir a juízo.
166
Nalini, Renato. Câmara de Direito Ambiental e Questões Processuais. Palestra proferida no 10º
Congresso de Meio Ambiente e 4º congresso de Habitação e Urbanismo promovido pelo Ministério Público
do Estado de São Paulo, 19-22 out. 2006, Campos do Jordão/SP.
84
84
12. Propostas para melhor proteção dos direitos coletivos
Inúmeras são as propostas e foram as mudanças para o avanço no acesso
à justiça, que vão desde a reforma do sistema processual à criação de
defensorias públicas para aqueles que não podem custodiar uma causa judicial.
As propostas que se farão não são nesse sentido, mas dentro do enfoque deste
trabalho, em que foram colocadas as causas que geraram a insuficiência da ação
popular e as que transformaram a ação civil pública no principal instrumento de
defesa e implementação dos direitos coletivos.
Um primeiro enfoque nos remete à legitimação exclusiva do cidadão para o
ajuizamento da ação popular, apontada acima como uma das causas da
insuficiência desse instrumento de proteção.
Distinguindo a nacionalidade do status de cidadão, Manoel Gonçalves
Ferreira Filho utiliza o termo cidadão para “designar quem conta com direito a
intervir no processo governamental”
167
e cuja aquisição é possível com a inscrição
como eleitor. Essa intervenção, entretanto, não é feita de forma exclusiva pelo
cidadão-eleitor, pois, por nosso sistema constitucional, é necessária a existência
de partidos políticos devidamente constituídos, com estatutos registrados que
prevejam limitações aos programas, a forma de ação, organização e
financiamento
168
, garantindo o seu adequado funcionamento.
José Afonso da Silva afirma que “os partidos têm por função fundamental
organizar a vontade popular e exprimi-la na busca do poder, visando à aplicação
de seu programa de governo. Por isso, todo partido político deveria estruturar-se
167
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 32. ed. São Paulo: Saraiva,
2006. p.114.
168
Ibid., p. 122.
85
85
à vista de uma ideologia definida e com um programa de ação destinado à
satisfação dos interesses do povo”
169
.
Se o exercício do mandato político, outorgado pelo povo, é uma das
funções representativas dos partidos políticos e se, “em tese, ao menos (...) o
povo participa do poder por meio dos partidos políticos”
170
, poderia a ação popular
exercer relevante papel no aperfeiçoamento da mentalidade política, chamando
não só os cidadãos
171
a cooperar, ativamente, na prática de um regime de
legalidade efetiva, mas também os próprios partidos políticos.
Isso já ocorre, por exemplo, com a legitimação universal dos partidos
políticos para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade e a ação
declaratória de constitucionalidade, ambas previstas no art. 103 da Constituição
Federal de 1988.
A discussão não é nova. Em julgado colacionado por Elival da Silva
Ramos, a 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, por voto vencido
do então desembargador Cunha Cintra e publicado na Revista dos Tribunais, vol.
181, pp. 826-845, sustentava-se a legitimidade dos partidos políticos para o
ajuizamento da ação popular, baseando-se no art. 141, § 38, da Constituição de
1946. A tese era a de que “à natureza política da ação popular e à proeminência
dos partidos em nosso sistema político, haveria que se interpretar o mencionado
parágrafo 38 de modo a nele compreender não apenas os cidadãos, mas,
implicitamente, as pessoas jurídicas constituídas por cidadãos”
172
.
169
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.
400.
170
Ibid., p. 407.
171
SEABRA FAGUNDES, Miguel. Da ação popular. Revista Forense, Rio de Janeiro, vol. 112, p. 07, julho
de 1947.
172
RAMOS, Elival da Silva. A ação popular como instrumento de participação política. São Paulo: RT,
1991. p. 211.
86
86
Falta, entretanto, a previsão legal que, embora pudesse ser feita no plano
infra-constitucional
173
, melhor seria a ampliação da legitimação na própria
Constituição Federal, modificando o disposto no art. 5, inciso LXXIII.
A modificação no plano constitucional e infra-constitucional levaria a
diversas vantagens. Primeiro porque os partidos políticos, como pessoas
jurídicas, teriam maiores condições de suportar os custos iniciais do ajuizamento
da ação popular, como, v.g., a realização prévia de perícia contábil para constatar
a lesividade ao patrimônio público, ou mesmo danos ou risco de danos ao meio
ambiente. Têm ainda, no corpo de sua estrutura, uma estrutura jurídica composta
por advogados que assessoram a sua atuação, além de terem condições de
suportar financeiramente a demora no julgamento da causa. Sem contar que já
possuem também habitualidade nas causas judiciais, sem descuidar de que, em
um sistema democrático participativo, têm ainda os partidos políticos uma função
também fiscalizatória dos atos do poder público.
Essa solução, ao que me parece, mantendo-se a idéia de que o cidadão,
ou um “corpo” de cidadãos, sejam os legitimados para o ajuizamento da ação
popular, não só fortaleceria esse importante instrumento de exercício da
cidadania, como tornaria desnecessária a ampliação ou modificação dos
legitimados para o ajuizamento da ação civil pública.
Outro ponto a ser apresentado diz respeito à ampliação dos legitimados à
instauração do inquérito civil ou implementação de instrumento semelhante.
Embora o art. 8º da Lei 7.347/85 preveja que qualquer interessado poderá
requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar
necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15(quinze) dias”, prerrogativa que
173
RAMOS, Elival da Silva. Op. cit., p. 212.
87
87
decorre do direito de certidão assegurado no art. 5, incisos XXXIII
174
e XXXIV
175
,
fato é que somente a colheita de informações e certidões nem sempre é suficiente
para a correta formação de convencimento sobre a necessidade de ajuizamento
ou não da ação civil pública.
Nesse aspecto, os co-legitimados da Administração Pública direta e
indireta podem instaurar, dentro de sua competência, um procedimento
administrativo semelhante ao inquérito civil, no qual reuniria as informações sobre
o fato investigado com perícias e requisição de informações baseadas no art. 8º,
caput, da Lei 7.347/85, custodiadas pela própria Administração Pública.
Semelhante ‘procedimento’ poderia ser também realizado no âmbito das
associações.
Entretanto a instauração e o sucesso desse procedimento administrativo
esbarrariam hoje na ausência de previsão legal para esses co-legitimados
intimarem pessoas para prestarem esclarecimentos, muitas vezes determinantes
para o ajuizamento ou não da ação civil pública, dada a falta de coercibilidade
para que compareçam, além da publicidade da instauração desse procedimento.
Esta seria necessária para que fosse efetuado o controle pelos demais co-
legitimados, evitando-se o risco de ajuizamento de ações idênticas, além, é claro,
do benefício da soma de forças no ajuizamento da ação, inclusive pela formação
de litisconsórcio ativo.
174
BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado.
1988: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de
interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas
aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”
175
BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado.
1988: São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: (b) a obtenção de certidões em
repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal.
88
88
No âmbito do Ministério Público
176
, há normas que disciplinam a
publicidade do inquérito civil, cuja semelhança poderia servir de base para a
publicidade do procedimento administrativo a ser instaurado perante os demais
co-legitimados, podendo também ser criado um controle sobre o arquivamento
dessas peças informativas, tal qual ocorre com o inquérito civil e cujo
arquivamento é submetido ao controle do Conselho Superior do Ministério
Público.
Adviriam dessa sistemática grandes vantagens, pois se organizaria melhor
não só a participação maior da sociedade civil, mas também a troca de
informações e a complementação de provas pelo Ministério Público.
Outro ponto a ser abordado diz respeito à ampliação do objeto da ação
popular para incluir a proteção dos consumidores, à semelhança do que fez
Portugal com a revisão constitucional de 1989, em que ampliou o direito de ação
popular em seu art. 52, nº 3, regulamentado pela lei 83/95, de 23 de agosto de
1995, daquele país, permitindo, assim, o ajuizamento também para a proteção de
interesses individuais homogêneos, entendidos como aqueles de origem comum,
conforme sistemática adotada pelo Código de Defesa do Consumidor em seu art.
81, parágrafo único, inciso III.
176
Ato 484, de 5 de outubro de 2006, do Colégio de Procuradores do Ministério Público Paulista - art. 8º - A
publicidade consistirá na divulgação oficial com o exclusivo fim de conhecimento público mediante
89
89
Capítulo IV – A implementação das políticas públicas
13. Estado Social e Administração Pública
A declaração de direitos e a transição do absolutismo para o liberalismo
vieram marcadas por um movimento que demandava dos Estados a formulação
de um instrumento capaz de organizar racionalmente o poder político e, diante
desse poder, assegurar os direitos declarados como sendo do homem e do
cidadão. A esse movimento chamou-se constitucionalismo
177
, marcado pelo
advento das constituições escritas enquanto lei suprema de um Estado.
Antes desse movimento, a concepção de lei havia sofrido profunda
modificação. A serviço do absolutismo, na concepção de Hobbes, “ninguém pode
submeter-se a si mesmo”, não estando o rei sujeito às leis que estabeleceu
178
.
Essa concepção sofreu modificações no pensamento de Locke, para quem,
pregando a separação entre Legislativo e Executivo, deveria a lei ter um
sentimento de Justiça, estando o legislador submetido ao Direito natural. A
concepção liberal da lei, aperfeiçoada por Montesquieu, para quem “a lei, em
geral, é a razão humana, na medida em que governa todos os povos da terra”
179
,
adquire sua concepção atual com Jean–Jacques Rousseau, para quem o “objeto
das leis é sempre geral” e abstrato.
180
A evolução dessas concepções vieram impressas na Declaração de
Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, em seu art. 6º, no
publicação de extratos na imprensa oficial e, facultativamente, em meios cibernéticos ou eletrônicos (...).
177
BARROS, Sérgio Resende de. Liberdade e contrato: a crise da licitação. 2. ed. Piracicaba: Unimep,
1999. p. 47.
178
CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. 8. ed. Rio de
Janeiro: Agir, 2002. p. 76.
179
MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat. O espírito das leis. São Paulo: Edipro, 2004. p. 49.
180
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Edipro, 2000. p. 57.
90
90
qual a lei é a expressão da vontade geral, tendo todos os cidadãos o direito de
concorrer, pessoalmente ou por intermédio de mandatários, para a sua formação.
Para os revolucionários, ela “deve ser a mesma para todos, seja para proteger,
seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente
admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua
capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus
talentos”.
A formação de Estados Constitucionais baseados na concepção das três
funções do Estado: Legislativa, Executiva e Judicial, seguindo o desenvolvimento
da teoria de Montesquieu
181
, e à idéia de supremacia da lei, deu ensejo à
formação do chamado Estado de Direito e, com ele, à construção teórica da figura
da Administração Pública.
Na concepção clássica, cabendo ao Poder Legislativo a criação da norma
geral e abstrata, restaria ao Poder Executivo o cumprimento da lei, o que somente
poderia ser alcançado com a Administração Pública. Embora inicialmente fosse
essa Administração reduzida em tamanho e importância, as necessidades do
Estado Social intervencionista fizeram com que ela crescesse, tomando para si
atividades variadas para a consecução dos direitos positivos, ditos de segunda
geração, incluindo aqui as atividades legislativas, uma vez que os parlamentos
contemporâneos não conseguiram elaborar as leis com a rapidez reclamada pela
Administração ou mais propriamente pelo Governo.
182
Para Hely Lopes Meirelles, o que chamamos de Governo “ora se identifica
com os Poderes e órgãos supremos do Estado, ora se apresenta nas funções
originárias desses Poderes e órgãos como manifestação da Soberania. A
181
MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat. Op. cit., p. 189.
182
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 14.
91
91
constante, porém, do Governo é a sua expressão política de comando, de
iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e de manutenção da ordem jurídica
vigente
183
(grifo meu).
Assim, cabe ao governo, de forma precípua e constante, a iniciativa e a
fixação de objetivos do Estado, independentemente e de forma política, sendo a
Administração Pública encarregada dos atos de execução, com maior ou menor
grau de autonomia, pautando-se pelos limites legais de sua competência.
A preeminência do Governo sobre o próprio Legislativo que, no modelo
clássico, era o Poder Supremo inicia-se na necessidade de realização de
finalidades coletivas por meio de programas de ação governamental ou políticas
públicas.
184
O exercício dessa atividade administrativa ocorre por intermédio do ato
administrativo, sendo com base nesses atos que a Administração Pública, ao
manifestar sua vontade, adquire e impõe obrigações aos administrados. A
doutrina identifica neles diversos elementos necessários à sua formação. Desses,
três requisitos são vinculados à obediência legal e sobre os quais não cabe à
Administração Pública sua alteração, sendo eles a competência, a forma e a
finalidade do ato administrativo. Utilizando-se da lição de Hely Lopes Meirelles, a
competência é o poder atribuído ao administrador público, poder esse definido
sempre em lei e que confere validade aos atos praticados por ele. A forma,
também requisito vinculado pela lei, são os procedimentos especiais que o ato
administrativo deve seguir para atingir sua plena validade. A finalidade
183
MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 64.
184
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista
dos Tribunais, n. 737, ano 86, p. 17, março 1997.
92
92
consubstancia-se no objetivo do interesse público que deve ser atingido, ou
resultado a ser alcançado.
185
Outros dois requisitos também integram a formação do ato administrativo,
mas a sua fixação nem sempre vem definida em lei, sendo, por vezes, deixada ao
critério do administrador público. São eles o motivo e o objeto do ato
administrativo. Por motivo, entende-se a identificação no plano concreto da
situação de fato e de direito que determina ou então que autoriza que
determinado ato seja realizado. Não sendo expresso na lei, o que lhe daria a
característica de ato vinculado, o motivo pode ser integrado no ato administrativo
pela valoração da Administração Pública, integrando-se com o último elemento do
ato administrativo, que seria o objeto, identificado com o próprio conteúdo do ato,
e tem como fim a criação, modificação ou comprovação de situações jurídicas que
ficam ao critério de escolha do administrador público.
186
Ideologicamente, cabe ao Estado, representado pela Administração
Pública, atingir o bem comum
187
. Para o bom desempenho dessa atividade, o
administrador nem sempre se depara com situações previamente definidas em lei,
dada a impossibilidade de o legislador prever todas as hipóteses que a prática da
Administração enfrenta. Por essa razão, nem todos os atos administrativos são
vinculados, existindo aqueles que se revestem de discricionariedade, permitindo
ao administrador liberdade de escolha da conveniência, oportunidade e conteúdo
do ato administrativo. Ressalte-se que a competência, forma e finalidade do ato
administrativo são sempre requisitos vinculados aos ditames legais e sobre os
185
MEIRELES, Hely Lopes. Op. cit., p. 149-153.
186
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 199-200.
187
Entendido aqui como o conjunto de condições indispensáveis para a cooperação da sociedade. Lopes, José
Reinaldo de Lima. A definição do Interesse Público. In: Salles, Carlos Alberto de (org.). Processo civil e
interesse público. São Paulo: RT, 2003. p.96.
93
93
quais não cabe a discricionariedade. Esta vai incidir justamente no motivo e objeto
do ato administrativo.
Diretamente ligado aos requisitos do ato administrativo, embora não seja
requisito direto de sua formação, o mérito do ato administrativo consubstancia-se
na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, quando o administrador,
autorizado a expressar a conveniência e oportunidade de sua realização,
estabelece a prioridade de atuação da Administração.
188
Não se perca de vista que o bem comum a ser atingido confunde-se com o
interesse coletivo ou social e que, de alguma forma, determina a atuação da
Administração Pública, ainda que os atos administrativos endereçados a esse
objetivo sejam discricionários.
Desde a implantação do Estado Liberal, a Administração Pública se tornou
responsável pela interpretação do interesse público e, mais ainda, tornou-se
executora da vontade geral. Passou a deter, assim, na concepção clássica, a
função de identificar o interesse público, tornando-o o objetivo de sua função ao
concretizá-lo em atos e medidas, justificando decisões no exercício de seus
poderes e funções.
189
Essa função da Administração Pública é extremamente sensível, dadas as
necessidades de implementação dos direitos sociais e a proteção dos chamados
direitos difusos.
Embora em termos didáticos se procure falar em gerações de direitos, “os
direitos sociais não constituem uma categoria diversa dos direitos difusos e
188
MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 152.
189
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 190.
94
94
coletivos”
190
. Como salienta Carmem Lúcia Antunes Rocha,
191
os direitos não se
substituem, mas antes:
ampliam-se, estendem-se, adicionam-se, adensam-se nos que se
seguem e que se põem como plus em relação ao que se tinha
anteriormente. Não há antinomia entre eles, mas uma relação de
complementariedade.
Há, portanto, uma soma dos direitos conquistados, o que não permite que
cada “geração de direitos” seja tratada isoladamente, na medida em que a
eficácia de uma depende da eficácia das demais
192
. Há, portanto, uma
interdependência entre os direitos declarados. Apenas a título de exemplificação,
o direito à vida como direito individual encontra-se intimamente ligado ao direito
social à proteção à maternidade e ao direito à saúde, declarado como um direito
de todos, portanto difuso, e dever do Estado.
A inserção desses direitos na Constituição mostra não só a
instrumentalização para a elaboração de normas infra-constitucionais, como
também a operacionalização que deve seguir a Administração Pública para que
sejam postos em prática por meio de políticas públicas.
190
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha – os
(des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.
p. 105.
191
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O Constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização para a
eficácia dos Direitos Fundamentais. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros, nº 16. p.
45, 1996.
95
95
14. Políticas Públicas
No evoluir das chamadas gerações de direitos, o Estado agigantou-se para
a proteção da parte social mais fraca, em detrimento da categoria social mais
forte, proteção que se consubstanciou em prestações do Estado a “fim de
promover a igualdade social”. Como salienta Sérgio Resende de Barros, com o
intuito de – indo além do formalismo jurídico – igualar os desiguais à medida que
no plano fático eles se desigualam. Direitos assim não somente oponíveis ao
Estado, mas que necessitam dele para obter uma prestação concreta, seja no
plano legislativo, administrativo ou judiciário.
193
Embora forte o argumento da necessidade histórica do surgimento dos
direitos sociais, o grande problema destacado nunca foi o seu fundamento, mas a
sua inexequibilidade, chamando à atenção Norberto Bobbio que “o problema
fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-
los, mas o de protegê-los”, o que significa dar-lhes efetividade
194
, através de
políticas.
Ou como salienta Sérgio Resende de Barros, “não basta garantir a eficácia
jurídica sem buscar a eficácia social.” É preciso, acrescenta: “cuidar dos recursos
materiais para usufruí-los: completar a efetividade”
195
.
Analisando a dinâmica do poder em uma sociedade de massas, Karl
Loewenstein
196
classifica a decisão política fundamental como uma nova divisão
192
Ibid., p. 57.
193
BARROS, Sérgio Resende. Noções sobre gerações de direitos. Disponível em:
http://www.srbarros.com.br/aulas. Acesso em: 03 setembro 2006.
194
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p 43.
195
Contributo para o constitucionalismo. São Paulo: [s.n.], USP, 2005. p. 254.
196
Para o autor, o dogma da separação de poderes deve ser substituído por uma nova divisão, consistente na
decisão política fundamental (policy determination); na execução da decisão (policy execution) e no controle
político (policy control). LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución. 2. ed. Barcelona: Editorial
Ariel, 1982. p. 62-63.
96
96
do poder (tripartida). Para o autor, a decisão política consiste na eleição de uma
dentre as várias possibilidades existentes em uma comunidade estatal,
considerando decisão política como aquelas resoluções da sociedade que são
decisivas e determinantes para o presente e o futuro. Cita como exemplo dessas
decisões a escolha, dentro da Constituição (decisão política fundamental), do
câmbio livre ou do protecionismo, a escolha do método de ensino (humanista ou
técnico), livre iniciativa ou controle estatal da economia, política fiscal e monetária,
etc.
A execução dessa decisão política é realizada principalmente pelo
Executivo na realização de finalidades coletivas a serem concretizadas
programadamente por meio de políticas públicas ou programas de ação
governamental.
197
Trabalhando com o conceito de política, Fábio Konder Comparato a
classifica “como uma atividade, isto é, um conjunto organizado de normas e atos
tendentes à realização de um objetivo determinado”
198
e unificado pela finalidade.
Assim, o que justifica o aparecimento das políticas públicas (fundamento
mediato) é a própria existência dos direitos sociais e a necessidade de sua
implementação.
199
As políticas pelas quais o Estado Social se realiza não se reduzem
somente ao campo das políticas econômicas, mas, como ressalta Eros Grau,
“englobam, de modo mais amplo, todo o conjunto de atuações estatais no campo
social (políticas sociais). A expressão políticas públicas designa todas as
197
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista
dos Tribunais, n. 737, ano 86, p. 17, março 1997.
198
Ibid., p. 18.
199
BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas e direito administrativo. Brasília: Revista de informação
legislativa, 1997, ano 34, n. 133, jan./mar. p.90.
97
97
atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do poder público na
vida social.”
200
A política pública, na definição de Rodolfo de Camargo Mancuso, “pode ser
considerada como a conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, em
sentido largo, voltada à consecução de programa ou meta previstos em norma
constitucional ou legal, sujeitando-se ao controle jurisdicional amplo e exauriente,
especialmente no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos
resultados alcançados”
201
.
Para Sérgio Resende de Barros, “políticas públicas são diretrizes de
interesse público que enformam programas de ação governamental segundo
objetivos a serem alcançados e que, para esse fim, condicionam a conduta dos
agentes estatais”. São, continua o autor, antes diretrizes de programas e de
condutas do que os programas e as condutas propriamente ditos por elas
dirigidos.
202
Sentido semelhante é trazido por Maria Paula Dallari Bucci, quando afirma
que políticas públicas são a “coordenação dos meios à disposição do Estado,
harmonizando as atividades estatais e privadas para a realização de objetivos
socialmente relevantes e politicamente determinados”
203
. É, assim, um conceito
mais amplo que o de serviço público, abrangendo ainda as funções de
coordenação e de fiscalização dos agentes públicos e privados.
200
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 26.
201
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil pública como instrumento de controle judicial das
chamadas políticas públicas. In: Milaré, Édis (Coord.) Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT, 2001. p.
730.
202
BARROS, Sérgio Resende de. O poder judiciário e as políticas públicas: alguns parâmetros de atuação.
Disponível em: http://www.srbarros.com.br/artigos. Acesso em: 03 setembro 2006.
203
BUCCI, Maria Paula Dallari. Op. cit., p. 90.
98
98
A atuação estatal na ordem social ocorre pelo desenvolvimento de políticas
públicas
204
, portanto, pela fixação de princípios e diretrizes, ou seja, “metas
coletivas conscientes que direcionam a atividade do Estado, objetivando o
interesse público”
205
.
Como conclui Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, as políticas públicas “são
aquelas voltadas para a concretização da ordem social, que visam à realização
dos objetivos da república, a partir da existência de leis decorrentes dos ditames
constitucionais”
206
. No caso brasileiro, não somente os direitos sociais estão
estabelecidos na Constituição de 1988, mas, em linhas gerais, há políticas
públicas ali explicitadas, como a política de educação e saúde.
207
Aceitando a divisão elaborada por José Reinaldo de Lima Lopes
208
, as
políticas públicas agrupam-se em diversos gêneros. Assim, há (1) as políticas
sociais que configuram a prestação de serviços públicos essenciais, como saúde,
educação, segurança, justiça, etc.; (2) políticas sociais compensatórias, como a
previdência social, seguro desemprego e a assistência social; (3) as políticas
públicas de fomento, como fixação de créditos e incentivos, seja para preços
mínimos ou para desenvolvimento industrial e agrícola; (4) políticas de reformas
de base, como a reforma agrária e a urbana; (5) políticas de estabilidade
monetária, como a fixação do câmbio e emissão ou não de títulos públicos.
209
204
GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 25.
205
GARCIA, Maria. Políticas públicas e atividade administrativa do Estado. São Paulo: RT, Cadernos de
Direito Constitucional e Ciência Política, ano 4, n. 15, p. 65-66, abril/junho 1996.
206
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas – A responsabilidade do administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000. p 80.
207
Ibid., p 58.
208
LIMA LOPES, José Reinaldo de. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado
social de direito. In: FARIA, José Eduardo (org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 133.
209
Ingo Wolfgang Sarlet utiliza a sistematização proposta pelo publicista germânico Dieter Murswiek para
quem as prestações estatais, as quais denominamos políticas públicas, podem ser divididas em quatro grupos:
(a) prestações sociais em sentido estrito (assistência social, saúde, ensino, etc.); (b) subvenções materiais em
geral; (c) prestações de cunho existencial (fornecimento de água, gás, luz, uso de bens públicos); (d)
participação em bens comunitários que não se enquadrem no item anterior (participação em cota parte de
99
99
São, assim, sempre atividades estatais fixadas por princípios e diretrizes de
atuação para a realização de objetivos socialmente relevantes ou, mais
propriamente, para a implementação de direitos sociais. Esses direitos, ao
contrário das chamadas liberdades públicas negativas, não se dirigem à proteção
da liberdade e igualdade em seu sentido formal, mas “encontram-se intimamente
vinculados às tarefas de melhoria, distribuição e redistribuição dos recursos
existentes, bem como à criação de bens essenciais não disponíveis para todos os
que deles necessitem”
210
recursos naturais de domínio público). Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais.
6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 297.
210
Ibid., p. 298.
100
100
15. Judicialização das Políticas Públicas
É consenso na doutrina que a separação de poderes, tal qual prevista por
Montesquieu, não passou de um modelo ideal de Estado, à medida que, na
dinâmica da administração do Estado, sempre houve uma interpenetração de
funções, praticando determinado órgão funções que são típicas de outros, embora
se mantenham as aparências de separação.
211
Karl Loewenstein
212
chama a atenção para o pensar mecanicista, típico da
época do surgimento da teoria da separação de poderes e que contribuiu para a
consolidação dessa teoria como verdadeiro dogma padrão do Estado
Constitucional, muito embora tenha ocorrido a sua superação na realidade do
século XX. Como exemplo, o constitucionalista utiliza o governo parlamentarista
no qual o legislativo e o executivo não estão separados, uma vez que os
membros do governo são membros do legislativo.
O desenvolvimento do direito constitucional, diante da complexa realidade
da segunda metade do século XIX em diante, fez por surgir instituições que,
embora expressões de Poder, não mais se enquadram na clássica separação de
Montesquieu, tal como o Ministério Público, os Tribunais Constitucionais e o
Tribunal de Contas.
213
Embora remanesça em nosso texto constitucional a declaração de que
“são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário”, conforme art. 2º do texto de 1988, essa declaração
formal deve ser preservada na medida em que, no contexto atual, representa uma
211
MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2.ed. São Paulo: RT, 2003. p. 121.
212
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución. 2ª edição. Barcelona: Editorial Ariel, 1982. p. 55.
213
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 122.
101
101
“garantia da democracia”
214
, além da dificuldade de modificar um dogma
arraigado no contexto constitucional e também a dificuldade de formular uma
nova conformação do poder no texto constitucional,
215
muito embora se
sugestione a busca de um novo modelo, “mais adequado ao momento presente,
mais coerente com o Estado e a sociedade contemporâneos.”
216
Mais consentâneo com a evolução do direito constitucional, Karl
Loewenstein afirma que o que se chama separação de poderes é, em realidade,
uma distribuição de determinadas funções estatais a diferentes órgãos do estado,
sendo que a idealização da teoria da separação de poderes foi necessária em
determinado tempo e circunstância para o confronto do liberalismo político com o
absolutismo monárquico.
217
A necessidade de revisão desse princípio de Separação de Poderes, de
grande força simbólica, como salientado por Andreas J. Krell, está produzindo um
“efeito paralisante”, em especial as reivindicações de cunho social e a
implementação dos chamados direitos de terceira geração, “e precisa ser
submetido a uma nova leitura, para poder continuar servindo ao seu escopo
original de garantir Direitos Fundamentais contra o arbítrio e, hoje também, a
omissão estatal”.
218
Nesse contexto, necessário afastar a objeção sempre defendida de que
não cabe ao Judiciário, pelo princípio da separação dos poderes, julgar ‘questões
políticas’. Tal proibição já teve assento constitucional, conforme prelecionava o
214
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 122.
215
LOEWENSTEIN, Karl. Op. cit., p. 55.
216
MEDAUAR, Odete. Op. cit., p. 123.
217
LOEWENSTEIN, Karl. Op. cit., p. 55.
218
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha – os
(des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.
p. 88.
102
102
art. 68 da Constituição Federal de 1934, segundo o qual “é vedado ao Poder
Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas”.
219
Tratando o assunto, Paulo Bonavides entende que as “questões políticas”
são todas aquelas discricionárias e reservadas aos poderes políticos para ditar,
como exemplifica, “as medidas de política econômica, declarar a guerra, negociar
a paz, estabelecer o regime tributário, decretar a intervenção nos preços e na
moeda, regular as relações internacionais, promover o desenvolvimento”,
concluindo serem todas aquelas que podem compor uma política ou uma
legislação
220
.
Termina por concluir que as questões políticas, “expressas em atos
legislativos e de governo, fogem à alçada judicial, não sendo objeto de exame de
constitucionalidade, salvo se interferirem com a existência constitucional de
direitos individuais”
221
.
A postura me parece extremamente reducionista, pois são passíveis de
controle judicial, não somente se interferirem na existência dos direitos
individuais, mas também sociais e difusos, na medida em que, mesmo medidas
econômicas, por exemplo, ao serem implementadas, devem resguardar
adequação e coerência com os fundamentos e objetivos traçados pelo
Constituinte e, portanto, passíveis de verificação, não quanto a sua forma de
implementação, mas quanto à adequação de seu conteúdo às normas
constitucionais.
Como adverte Baracho, a constituição, além da enunciação de princípios,
procura promovê-los por meio de garantias que pressupõem o compromisso dos
219
BRASIL. Constituição 1934. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado.
1934.
220
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 323.
221
Ibid., p. 324.
103
103
poderes públicos e não somente iniciativas judiciais individuais. Para ele, “os
conflitos políticos e jurídicos são resolvidos pela correta interpretação dos direitos
fundamentais, tornando possível concretizar os enunciados contidos na
Constituição, compatibilizando todos eles”.
222
Nesse aspecto, a Constituição Federal de 1988 traça certos objetivos ao
corpo político como um todo. Exemplo disso são os objetivos fundamentais
fixados em seu art. 3º que devem orientar todo o funcionamento do Estado e a
organização da sociedade e que se repetem por toda a extensão da Constituição,
como, v.g., no art. 170, VIII; 208, II, e 214. Tais “objetivos são juridicamente
vinculantes para todos os órgãos do Estado e também para todos os detentores
de poder econômico ou social, fora do Estado.”
223
Se as tarefas do Estado foram alargadas pela Constituição Federal de
1988, “a política deixa de ser concebida como um domínio juridicamente livre e
constitucionalmente desvinculado”
224
. Seus domínios passam a sofrer limites e
imposições por meio de vinculação normativa passíveis de concretização pelos
Órgãos constitucionalmente previstos.
Assim, o confronto das atividades de Governo, aqui propriamente
chamadas de políticas públicas, ainda que envolta com a nomenclatura de
“questões políticas”, com os objetivos constitucionalmente vinculantes a essas
atividades, permitem a judiciabilidade das políticas governamentais.
O fenômeno da judicialização da política é hoje uma realidade. Aponta
Kazuo Watanabe que, “hoje, o Judiciário julga não somente os conflitos sócio-
jurídicos, como também os de natureza política”, apontando como exemplo os
222
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da Cidadania – a plenitude da cidadania e as
garantias constitucionais e processuais. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 61.
223
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista
dos Tribunais, n. 737, ano 86, p. 19, março 1997.
224
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 219.
104
104
planos de governo em que predominantemente de natureza política vêm
traduzidos em termos jurídicos
225
, como o plano real elaborado em 1994 pelo
governo de Itamar Franco.
Se na tradição liberal cabia ao legislativo produzir a lei e ao Judiciário, a
aplicação do direito infringido, esquema que funcionava enquanto fosse a lei clara
pelo processo interpretativo, o uso abusivo de princípios pelo legislador rompe
essa estrutura lógica, na medida em que, no momento em que vai ser aplicado, a
interpretação do princípio funciona como “um fechamento de natureza lógica, um
fechamento normativo”, acabando por quebrar a clássica divisão. Nesse sentido,
aponta José Eduardo Faria, transforma-se o Judiciário em co-legislador,
deslocando-se as funções do Legislativo para o Judiciário,
226
o que gera a
acusação de que o Judiciário estaria invadindo a esfera de atuação do Legislativo
e do Executivo.
Esse fenômeno de judicialização ou tribunalização da política decorre da
complexidade da sociedade em que a utilização excessiva de princípios funciona
como um mecanismo de sobrevivência da legislação, ainda que disso resulte a
perda da unidade lógico-conceitual do direito.
227
Nesse aspecto, boa parte dos direitos sociais, ditos de segunda geração, e
os direitos de terceira geração dependem de implementação de políticas públicas,
cuja negativa leva à necessidade de sua cobrança judicial (judiciabilidade das
políticas públicas)
228
.
225
WATANABE, Kazuo. Processo Civil de Interesse Público: Introdução. In: Salles, Carlos Alberto de
(org.). Processo civil e interesse público. São Paulo: RT, 2003. p. 20.
226
FARIA, José Eduardo. A definição do Interesse Público. In: Salles, Carlos Alberto de (org.). Processo
civil e interesse público. São Paulo: RT, 2003. p.81.
227
Ibid., p.82.
228
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil pública como instrumento de controle judicial das
chamadas políticas públicas. In: MILARÉ, Edis (Coord.) Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT,
2001. p. 711.
105
105
O uso abusivo dos princípios e a necessidade de um processo
interpretativo levam à discussão sempre presente nos tribunais da distinção entre
os atos administrativos vinculados e discricionários.
Na distinção entre esses atos administrativos, a visão clássica é de que
somente aqueles vinculados expressamente pela lei é que poderiam ser objeto de
apreciação pelo Poder Judiciário, ao qual é vedado entrar na discussão do mérito
administrativo. Assim, autores como Hely Lopes Meirelles têm como um erro:
considerar-se o ato discricionário imune à apreciação judicial, pois
só a Justiça poderá dizer da legalidade da invocada
discricionariedade e dos limites de opção do agente
administrativo. O que o Judiciário não pode é, no ato
discricionário, substituir o discricionarismo do administrador pelo
do juiz. Mas pode sempre proclamar as nulidades e coibir os
abusos da Administração
229
.
E ainda na lição de Seabra Fagundes, citado por Lídia Helena Ferreira da
Costa Passos:
o mérito do ato administrativo constitui um aspecto do
procedimento da Administração, de tal modo relacionado com
circunstâncias e apreciações só perceptíveis ao administrador,
dados os processos de indagação de que dispõe e a índole da
função por ele exercida, que ao juiz é vedado penetrar no seu
conhecimento. Se o fizesse, exorbitaria, ultrapassando o campo
da apreciação jurídica (legalidade ou legitimidade), que lhe é
reservado como órgão específico de preservação da ordem legal,
para incursionar no terreno da gestão política (discricionariedade),
próprio dos órgãos do Poder Executivo...
230
Ocorre que, quando se fala em políticas públicas, não se deve esquecer
que estas são estabelecidas em programas ou metas fixadas constitucionalmente
229
MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro: 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 118.
230
PASSOS, Lídia Helena Ferreira da Costa. Discricionariedade Administrativa e Justiça Ambiental. In:
MILARÉ, Édis(org.) Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT, 2001. p.455.
106
106
ou por lei, o que afasta a discricionariedade do administrador público em
implementá-las ou não, surgindo daí a possibilidade do controle judicial, seja ele
restrito ou amplo, considerando aqui a possibilidade de o Judiciário determinar a
eficiência dos meios empregados e a forma de avaliação dos resultados.
231
O papel do Judiciário é, sem dúvida, extremamente relevante na
implementação das políticas públicas dentro de um Estado Social. Se na visão
positivista exigiam-se juízes racionais e imparciais que aplicassem o direito de
forma lógico-dedutiva e não criativa, a exigência atual para o Estado Social é de
uma magistratura apta a realizar as exigências materiais desse Estado,
232
ou,
como salienta José Eduardo Faria, apta a desvendar as relações sociais
subjacentes às normas e às relações jurídicas com base em informações novas,
de natureza econômica, política e sociológica.
233
Não pode o Judiciário perder de vista a imperatividade jurídica dos direitos
econômicos, sociais e culturais, pois, como salienta Flávia Piovesan, com base na
doutrina da indivisibilidade dos direitos humanos apregoadas pela Declaração
Universal de 1948 e pela declaração de Viena em 1993, esses direitos são
“autênticos e verdadeiros direitos fundamentais e, por isso, devem ser
reivindicados como direitos e não como caridade ou generosidade.”
234
235
Há, prossegue a autora, uma equivocada noção de que a classe dos
direitos civis e políticos merece inteiro reconhecimento, enquanto a dos direitos
231
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil pública como instrumento de controle judicial das
chamadas políticas públicas. In: MILARÉ, Édis (Coord.) Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT,
2001. p. 731.
232
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha – os
(des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.
p. 73.
233
FARIA, José Eduardo. O Judiciário e o desenvolvimento sócio-econômico. In: FARIA, José Eduardo
(org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 26.
234
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 88.
235
A respeito, conferir o Pacto Internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais. Cf. PIOVESAN,
Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 174
e 346.
107
107
econômicos, sociais e culturais não merece nenhum reconhecimento. “A idéia da
não-acionabilidade dos direitos sociais é meramente ideológica e não
científica”
236
.
Por isso é que a implementação dos direitos sociais exige uma nova lógica
do Poder Judiciário, na qual deve ser afastado o tradicional argumento da
separação de poderes que impediria o controle judicial da atividade
governamental, sob pena do “perigo de inviabilizar políticas públicas,
resguardando o manto da discricionariedade administrativa, quando há o dever
jurídico de ação”
237
.
A constatação de que os direitos sociais são autênticos direitos
fundamentais e, portanto, imediatamente aplicáveis por força do disposto no art.
5º, §1º, da Constituição Federal, é defendida entre nós, também, por Ingo
Wolfgang Sarlet. Para ele, “a exemplo das demais normas constitucionais e
independentemente de sua positivação, os direitos fundamentais prestacionais,
por menor que seja sua densidade normativa ao nível da Constituição, sempre
estarão aptos a gerar um mínimo de efeitos jurídicos”.
238
O quanto de eficácia cada direito social poderá desencadear deve ser
apreciado em cada caso pelo Poder Judiciário.
236
PIOVESAN, Flávia. Op.cit.., p. 80.
237
Ibid, p. 91.
238
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006. p. 294.
108
108
16. Reserva do possível e o mínimo existencial
Quando se analisa no sistema jurídico os direitos sociais, ditos de segunda
geração, e os direitos difusos, chega-se à conclusão de que a sua baixa eficácia
não se deve à falta de legislação, mas antes, à ausência, total ou parcial, de
prestação dos serviços básicos pelo Poder Público, ou seja, à falta de uma
formulação, implementação e manutenção de políticas públicas e sua composição
de gastos nos orçamentos da União, dos estados e dos municípios.
239
Sendo as políticas públicas o conjunto de ações que o Poder Público
realiza visando ao efetivo alcance do conteúdo do princípio da igualdade
240
, isso
implica a “atuação do Estado a prestações diretamente vinculadas à destinação
dos bens públicos e à disponibilidade orçamentária”
241
, salientando Sérgio
Resende de Barros que as políticas públicas e, mais particularmente, os direitos
sociais que elas enformam têm uma dimensão ou um peso economicamente
relevante para o Estado
242
, principalmente pela exigência de ações positivas por
parte deste.
243
De uma forma ou de outra, a implementação de políticas públicas que dê
plena eficácia aos direitos sociais dependerá dos recursos públicos disponíveis
244
,
sempre finitos, acarretando o problema da verificação da real existência dos
239
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha – os
(des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.
p. 31.
240
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas – A responsabilidade do administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000. p 58.
241
BARROS, Sérgio Resende. O Poder Judiciário e as políticas públicas: alguns parâmetros de atuação.
Disponível em: http://www.srbarros.com.br/artigos. Acesso em: 03 setembro 2006.
242
Ibid..
243
José Eduardo Faria coloca que os direitos sociais não configuram um direito de igualdade mediante
tratamento uniforme, mas são direito das preferências e das desigualdades, ou seja, um direito
discriminatório com propósitos compensatórios. Cf. FARIA, José Eduardo. O Judiciário e os direitos
humanos e sociais: notas para uma avaliação da Justiça Brasileira. In: FARIA, José Eduardo (org.). Direitos
humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 105.
244
KRELL, Andreas Joachim. Op. cit., p. 22.
109
109
meios para cumpri-las, ressaltando novamente o autor que “a efetividade das
políticas públicas resulta dependente da atual disponibilidade de recursos por
parte do destinatário da pretensão: o Estado. Esse é um limite fático que precisa
ser ponderado”
245
.
Essa dimensão econômica não é restrita à implementação dos direitos
sociais, econômicos e culturais, porquanto mesmo os direitos ditos de primeira
geração, em geral, exigem um conjunto de medidas positivas pelo poder público.
Exigem, assim, um “custo” que “nunca constituiu um elemento impeditivo da
efetivação pela via jurisdicional”.
246
A importância dada aos recursos financeiros tem impossibilitado a
realização de muitos direitos sociais mediante a acomodação do Poder Público. O
argumento da escassez de recursos financeiros tem postergado a realização
prática desses direitos,
247
argumentando-se muitas vezes que é necessária uma
progressividade de sua implementação, o que não deve significar uma indefinição
quanto a ela.
A existência ou não de recursos públicos gerou o desenvolvimento da
teoria da “reserva do possível”, segundo a qual a realização e implementação dos
direitos sociais estariam condicionadas à dependência dos recursos econômicos
existentes, configurando a carência desses recursos “verdadeiro limite fático à
efetivação dos direitos sociais prestacionais
248
”.
Analisando a “reserva do possível”, Andreas J. Krell situa a teoria como
uma adaptação de um “tópos” da jurisprudência constitucional alemã, na qual os
“direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos pelo Estado estão
245
BARROS, Sérgio Resende de. Op. cit.
246
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006. p. 299.
247
LIMA JR., Jayme Benvenuto. Los derechos humanos económicos, sociales y culturales. La Paz:
Plataforma Interamericana de Derechos Humanos, Democracia y Desarrollo, 2001. p. 105-106.
110
110
sujeitos à condição da disponibilidade dos respectivos recursos”, sendo que essa
disponibilidade fica condicionada à discricionariedade dos parlamentos e de
decisões de governo mediante a composição do orçamento público.
249
Nesse aspecto, José Reinaldo de Lima Lopes chama à atenção que “para
a compreensão das políticas públicas, é essencial compreender-se o regime das
finanças públicas.”
250
Para o autor, estas devem ser planejadas não somente para
o desenvolvimento nacional, mas devem ser vistas também como garantia das
condições de exercício dos direitos sociais, refletindo despesas e receitas
públicas.
Analisando a possibilidade e o poder de disposição do Estado quanto à
alocação e aplicação de recursos, Ingo Wolfgang Sarlet
251
sustenta uma
“dimensão tríplice” para a designada reserva do possível, no sentido de que a
prestação reclamada pelo indivíduo frente ao Estado deve corresponder ao que
razoavelmente pode ser exigido, mesmo que o Estado tenha disposição
orçamentária. Para ele, essa dimensão deve abranger:
a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para e efetivação
dos direitos fundamentais;
b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos,
que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e
competências tributárias, orçamentárias, legislativas e
administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama
equacionamento(...) no contexto do nosso sistema constitucional
federativo;
248
KRELL, Andreas Joachim. Op. cit., p. 51.
249
KRELL, Andreas Joachim. Op. cit., p. 52.
250
LIMA LOPES, José Reinaldo de. Direito Subjetivo e direitos Sociais: o dilema do Judiciário no Estado
social de direito. In: FARIA, José Eduardo (org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 133.
251
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006. p. 301.
111
111
c) proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua
exigibilidade e razoabilidade.
O vínculo financeiro, subordinado às possibilidades orçamentárias do
Estado e à implementação gradual dos direitos sociais, é uma realidade. Assim,
como salienta o Ministro Celso de Mello, “comprovada, objetivamente, a
incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá
razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata
efetivação do comando fundado no texto da Carta Política”
252
.
Tal relação de interdependência, entretanto, não pode se tornar uma
desculpa permanente para a não implementação das políticas públicas, na
medida em que a sua efetivação não se reduz a um simples “apelo” ao legislador,
mas a uma imposição constitucional, legitimadora, entre outras coisas, de
transformações econômicas e sociais
253
.
Desse modo, como adverte Celso de Mello, a “reserva do possível” não
deve ser invocada pelo Estado para se eximir do cumprimento das obrigações
constitucionalmente impostas, “notadamente quando, dessa conduta
governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de
direitos constitucionais” dotados de fundamentalidade.
254
Assim é que a reserva do possível constitui, no dizer de Ingo Wolfgang
Sarlet, uma “espécie de limite jurídico e fático dos direitos fundamentais, mas
também poderá atuar, em determinadas circunstâncias, como garantia dos
252
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Políticas Públicas - Intervenção Judicial - "Reserva do Possível".
Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45, informativo 345 - Rel. Ministro CELSO DE
MELLO, Brasília, 29 de abril de 2004. DJU de 4.5.2004. Disponível em http://www.stf.gov.br/informativo.
Acesso em: 07 set. 2006.
253
PEREZ, Marcos Augusto. O papel do Poder Judiciário na efetividade dos direitos fundamentais.
Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: RT, ano 03, n. 11, p. 242, abril-junho de
1995.
254
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Políticas Públicas - Intervenção Judicial - "Reserva do Possível".
Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45, informativo 345 - Rel. Ministro Celso de
112
112
direitos fundamentais, por exemplo, na hipótese de conflitos de direitos”
255
em que
é invocada a indisponibilidade de recursos para salvaguardar outro direito
fundamental.
De alguma forma, as políticas públicas definidas constitucionalmente e
legalmente devem importar em fornecimento de prestações positivas.
Logicamente, a teoria surgida no direito constitucional alemão deve ser vista com
adaptações à realidade de países em desenvolvimento como o Brasil, onde a
implementação de políticas públicas notadamente sociais são ainda uma
necessidade preeminente.
A dignidade da pessoa humana como fundamento, bem como a
erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e a promoção do
bem comum como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil só
podem ser alcançadas pela fixação do que se convencionou chamar de “mínimo
existencial
256
. Ou seja, além da proteção dos direitos individuais, é necessário
assegurar ao indivíduo, por meio de prestações positivas do Estado, condições
mínimas para a existência digna.
A implementação dessas condições decorre necessariamente de políticas
públicas que envolvam gastos públicos, incluindo “um atendimento básico e
eficiente de saúde, o acesso a uma alimentação básica e vestimentas, à
educação de primeiro grau e à garantia de uma moradia”
257
. Nesse ponto, dita
teoria acaba por atribuir ao indivíduo um direito subjetivo e, como tal, passível de
cobrança perante o Poder Público.
Mello, Brasília, 29 de abril de 2004. DJU de 4.5.2004. Disponível em http://www.stf.gov.br/informativo.
Acesso em: 07 set. 2006.
255
SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 302.
256
Ricardo Lobo Torres, citado por Luiza Cristina Fonseca Frischeisen também utiliza a denominação
“mínimos sociais”. Op. cit., p. 68.
257
KRELL, Andreas Joachim. Op. cit., p. 63.
113
113
Luís Roberto Barroso, analisando o princípio da dignidade humana,
salienta ser o “mínimo existencial” o seu núcleo material elementar. Para o autor,
“aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade.”
258
O importante na teorização do “mínimo existencial” ou “mínimo social” é
que, sem tornar o direito inexeqüível, permite que, ao ser exigida a sua
implementação, se ultrapassem as questões que se refiram ao limites financeiros
do Estado, pois o que se exige não é o impossível, mas somente o factível. Como
exemplifica Andreas J. Krell, o direito ao trabalho como direito fundamental é
impossível de ser exigido frente ao Estado, considerando que, em uma economia
de mercado, o Estado não cria e distribui emprego, mas é factível exigir do Estado
medidas necessárias ou políticas públicas que residam “preponderantemente em
políticas de formação profissional e medidas de fomento tributário para a iniciativa
privada.
259
É possível, pela conjugação desses dois princípios (reserva do possível e
mínimo existencial), o estabelecimento de prioridades orçamentárias como
condicionamento para a concretização dos direitos sociais, sejam eles de
segunda ou de terceira geração.
Certamente a dificuldade reside no número elevado de situações, as quais,
nem sempre, o Judiciário está apto a analisar, por envolver questões políticas e
de gestão pública. Assim, diante de uma lei orçamentária ou mesmo do plano
plurianual, em que se prevêem programas de duração continuada, é necessário
analisar qual o impacto que a política pública vai causar, qual o seu alcance,
quais os beneficiários a curto, médio e longo prazos, quais as chances de
258
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
p. 335.
259
KRELL, Andreas Joachim .Op. cit., p. 55.
114
114
sucessos e a interligação entre políticas públicas já desenvolvidas ou em
desenvolvimento pelo Poder Público.
260
Embora muitas dessas questões sejam de difícil apreensão para o julgador,
é possível investigar a falta ou escassez de recursos e os motivos que levaram a
ela, podendo ser verificado, por exemplo, se no orçamento anual previsto, há
verbas para custear gastos não prioritários, como propagandas institucionais, pois
“antes de os finitos recursos do Estado se esgotarem para os direitos
fundamentais, precisam estar esgotados em áreas não prioritárias do ponto de
vista constitucional e não do detentor do poder”
261
.
A ausência de previsão orçamentária ou mesmo a responsabilidade fiscal
do gestor público não podem impedir que ao menos se inicie a política pública,
quando as limitações orçamentárias impedirem o seu cumprimento integral.
262
260
LIMA LOPES, José Reinaldo de. Judiciário, democracia, políticas públicas. Revista de informação
legislativa, 1994, ano 31, n. 122, abril/jun. p. 259.
261
FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: RT, 2005. p. 74.
262
Ibid., p. 74.
115
115
17. Políticas públicas e interpretação constitucional
Quando se discute a possibilidade de o Judiciário determinar ao Executivo
a implementação de determinada política pública, esbarra-se na objetividade e na
neutralidade que se espera das decisões judiciais. Embora esperado, esses
atributos são incapazes de apresentar-se à totalidade dos casos submetidos ao
Judiciário. Essa pretensão, conforme preleciona Luís Roberto Barroso, “fraqueja
exatamente nas situações em que, pelo teor político ou pela multiplicidade de
alternativas, não há um único resultado possível”
263
.
264
Essa dificuldade é mais presente quando da análise de normas
constitucionais que versem sobre direitos fundamentais cujo conteúdo, no mais
das vezes, é formado por conceitos vagos, abstratos ou de textura aberta e que
não podem ser adequadamente interpretados pelos métodos de hermenêutica
tradicionais em que prevalece uma operação meramente lógica ou formalista
265
.
Analisando as regras de interpretação propostas por Savigny no século
XIX
266
, José Carlos Vieira de Andrade observa que esse método interpretativo
ignora as referências valorativas, considerando muitas vezes a norma fora do seu
contexto fático e axiológico.
267
263
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
p. 278.
264
Para Canotilho, “os juízes não se podem transformar em conformadores sociais, nem é possível, em
termos democráticos processuais, obrigar jurisdicionalmente os órgãos políticos a cumprir um determinado
programa de acção”. Para ele, a política deliberativa sobre as políticas da República pertence à política e não
à justiça. Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed.
Coimbra: Almedina, 2006. p. 946.
265
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha – os
(des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.
p. 71.
266
Por essas regras a interpretação deve ter em conta o elemento gramatical (textual ou liberal), sistemático
(inserção no contexto de outras normas), elemento lógico/teleológico (expresso pelo conteúdo) e o elemento
histórico (expresso pelos trabalhos preparatórios da norma).
267
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
Coimbra: Almedina, 1998. p. 116-118.
116
116
As normas constitucionais relativas a direitos fundamentais não contêm
muitas vezes uma regulamentação completa ou perfeita, pois são constituídas,
principalmente, por afirmações de princípios mais ou menos abstratos, por
diretivas que “fixam fins, mas pouco dizem acerca dos meios, processos ou
intensidade da sua realização”, fazendo constantemente apelos “a conceitos
indeterminados e de valor, a fórmulas gerais e elásticas.”
268
A falta de uma interpretação adequada dos princípios constitucionais pelos
tribunais subverte, segundo Andreas Krell, a lógica jurídica na medida em que
deixa prevalecer as normas infralegais que foram editadas sem a devida
conformação com as normas constitucionais ou, muitas vezes, com ela
conflitantes. Disso resulta que a interpretação meramente formalista pelo
Judiciário aplica o direito de maneira “lógico-dedutiva e não criativa”, exigência
contrária ao Estado Social, que requer um Judiciário interpretativo e apto a
realizar as exigências constitucionais.
269
No caso das políticas públicas, se a sua implementação decorresse
somente de um método simples de interpretação, silogisticamente falando, com
base na premissa maior (norma), premissa menor (fatos), chegando-se a uma
conclusão, não haveria problema. Ocorre que essa subsunção do fato à norma
tem limites decorrentes principalmente do aumento dos princípios inseridos
constitucionalmente.
270
Isso se mostra mais concludente em relação ao cumprimento dos direitos
inseridos na ordem social. Para a implementação desses direitos, o administrador
está vinculado ao seu cumprimento, “o que resulta na obrigação à implementação
das políticas públicas necessárias ao efetivo exercício dos direitos sociais”, não
268
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Op. cit., p. 119.
269
KRELL, Andreas Joachim. Op. cit., p. 73.
117
117
havendo discricionariedade para a sua realização ou não, mas, quando muito, a
escolha da melhor forma de implementação.
271
Essa aparente conflituosidade entre normas constitucionais, levando à
possibilidade de soluções diversas e contraditórias, não será resolvida pela
subsunção simples, mas por um raciocínio complexo e multidirecional, para
produzir a solução mais adequada àquela situação. Luis Roberto Barroso chama
a atenção para a utilização do que se convencionou chamar de técnica de
ponderação. Com base nesse sistema interpretativo, detectam-se as normas
relevantes para a aplicação em determinada situação, passando ao exame dos
fatos e circunstâncias concretas e à sua interação com os fatos normativos. Em
uma terceira fase é que “os diferentes grupos de normas e a repercussão dos
fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma conjunta”
272
.
Entretanto, adverte ainda Barroso, a técnica de ponderação permite ampla
discricionariedade judicial, mas que não deve configurar-se num exercício
indiscriminado. Deve, antes, ser motivada, sendo “absolutamente indispensável
que o julgador exponha analítica e expressamente o raciocínio e a argumentação
que o conduziram a uma determinada conclusão”, o que permite às partes
envolvidas o controle dos atos judiciais.
273
Esse juízo de ponderação deve procurar, em face de situações, formas ou
modos de exercício dos direitos, encontrar e justificar a solução em melhor
conformidade com o conjunto de valores constitucionais.
274
O caminho dessa análise deve passar pelo contexto da atual Constituição.
Nela verificaremos que a “discricionariedade” da Administração Pública e a
270
BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 356.
271
KRELL, Andreas Joachim. Op. cit., p. 106.
272
BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 359-360.
273
Ibid., p. 364.
274
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Op. cit., p. 224.
118
118
possibilidade de jurisdicionalização quanto ao tema das políticas públicas
encontram assento constitucional.
Se, por um lado, o constituinte de 1988 fixou como direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos
desamparados
275
; por outro, estabeleceu, no Título VIII – “Da Ordem Social”, a
forma de implementação e o detalhamento de tais direitos, a serem concretizados
mediante políticas públicas.
276
Assim, embora existam conceitos vagos, abstratos ou de textura aberta
relacionados às políticas públicas
277
, a legislação infra-constitucional, seguindo os
ditames da Constituição, já fixou a maior parte dessas políticas a serem seguidas
pela Administração Pública, a saber:
278
a) à seguridade social: artigos 194/204 da Constituição Federal:
- saúde: Leis n. 8.080/90 e n. 8.142/90 (Sistema Único de Saúde),
- previdência social: Leis n. 8.212/90 e 8.213/90 (custeio e benefícios
Previdenciários),
- assistência social: que contém disposições às pessoas portadoras de
deficiência e idosos que não podem se manter por si e por suas famílias lei nº.
8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social) e lei nº. 8.909/94 (Lei das
Filantrópicas);
275
BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado.
1988. Art. 6º.
276
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas – A responsabilidade do administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000.p. 81
277
Incluem-se aqui expressões como erário, idoso, deficiente físico, ordem econômica, meio ambiente,
estética urbana, interesse social, função social.
278
Normas elencadas por Luiza Cristina Fonseca Frischeisen. Políticas públicas – A responsabilidade do
administrador e o Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 81, e por Rodolfo de Camargo
Mancuso. A ação civil pública como instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas. In:
Milaré, Edis (Coord.) Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT, 2001. p. 716.
119
119
b) à educação: artigos 205/214 da Constituição Federal, artigo 60 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, Leis n. 9.394/96 (Diretrizes e Base)
e Medida Provisória 339/06 (regulamentou o artigo 60 do ADCT - FUNDEB);
c) à cultura: artigos 215/216 - lei nº. 8.313/91 - dispõem sobre incentivos
fiscais;
d) ao desporto: artigo 217 - lei nº. 9.615/98;
e) à ciência e tecnologia - artigos 218/219;
f) à comunicação social - artigos 220/224 – lei nº. 9.472/97 e lei nº.
9.612/98;
g) ao meio-ambiente - artigos 225 – lei nº. 9.605/98;
h) à família, criança, adolescente e idoso - artigo 226/230 - lei nº. 8.069/90
(Estatuto da Criança e Adolescente), lei nº. 8.842/94 (Política Nacional do Idoso)
e lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso).
i) aos índios - artigos 231 e 232 CF e Lei Complementar 75/93, art. 6º;
j) improbidade administrativa – lei 8.429/92;
k) minorias étnicas – Lei Complementar 75/93;
l) estética urbana – Lei 9.605/98 - arts. 62 a 64 e Lei 10.257/01 – Estatuto
das Cidades;
m) patrimônio genético – lei 11.105/05, art. 8º;
n) ordem econômica – lei 8.884/94, art. 88;
o) deficientes físicos – lei 7.853/89, arts. 1º a 3º, e
p) defesa do consumidor – lei 8.078/90.
Há, portanto, mecanismos legais para a aplicabilidade dessas políticas
públicas, concluindo Luiza Cristina Fonseca Frischeisen que “a função de
implementação, hoje, cabe muito mais aos administradores do que aos
120
120
legisladores”
279
e, na ausência de sua implementação, caberá ao Judiciário impor
a sua aplicabilidade.
Analisando a passagem das constituições liberais para as constituições do
Estado Social, Paulo Bonavides ressalta que a “programaticidade” das atuais
constituições insere o problema da conversão dos princípios sociais enunciados
em direitos subjetivos e, portanto, aptos a serem exigidos. O drama jurídico das
constituições contemporâneas, como adverte o autor, “se vê, na dificuldade, se
não, impossibilidade de passar da enunciação de princípios à disciplina, tanto
quanto possível rigorosa ou rígida, de direitos acionáveis, ou seja, passar da
esfera abstrata dos princípios à ordem concreta das normas”
280
.
O problema envolve a classificação tradicional das normas da ordem social
como programáticas, o que implica a fixação do parâmetro se teriam elas força
vinculante ou seriam meramente indicativas ao legislador e ao administrador
público
281
. Nesse ponto, cabe observar que o ingresso dessas normas na
constituição não se fez acompanhar da positividade que era reclamada, ou seja,
não foram inicialmente dotadas de aplicabilidade direta e imediata, tais quais os
direitos individuais.
282
Tal exigência histórica pode ser compreendida pela
necessidade de esses direitos, ditos de segunda geração, sempre necessitarem
de uma atuação positiva do Estado.
Luís Roberto Barroso define normas programáticas como aquelas que
“veiculam princípios, desde logo observáveis, ou traçam fins sociais a serem
279
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Op. cit., p. 83.
280
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.233.
281
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Op. cit., p. 38.
282
José Carlos Vieira de Andrade entende que os preceitos relativos aos direitos sociais a prestações não são
meramente proclamatórios, mas são normas jurídico-positivas que concendem aos indivíduos posições
jurídicas subjetivas ou ao menos estabelecem garantias institucionais que impõem ao legislador a obrigação
de lhes dar cumprimento. Cf. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1998. p. 300.
121
121
alcançados pela atuação futura dos poderes públicos”
283
. Para o autor, dada essa
natureza, elas não geram a possibilidade de exigir do Estado comportamentos
comissivos, mas permitem aos jurisdicionados demandar aos órgãos estatais que
“se abstenham de quaisquer atos que contravenham as diretrizes traçadas”,
elencando como exemplos as normas constitucionais que estabelecem a função
social da propriedade (art. 170, VII), a redução das desigualdades regionais e
sociais (art. 170, VII), o apoio à cultura (art. 215), o fomento às práticas
desportivas (art. 217) e o incentivo à pesquisa (art. 218)
284
.
Para Vezio Crisafulli, o conceito de normas programáticas serve para
definir aquelas “mediante as quais um programa de ação é adotado pelo Estado e
cometido aos seus órgãos legislativos, de direção política e administrativa,
precisamente como programa que obrigatoriamente lhes incumbe realizar nos
modos e formas da respectiva atividade”. Esse programa político, para o autor, é
provido de eficácia prevalente sobre as normas ordinárias
285
.
Esse conteúdo de princípios e fins a serem alcançados por atuação futura
tem legitimado ao Poder Público a inobservância de algumas determinações
constitucionais, advertindo Paulo Bonavides que isso ocorre com as normas
constitucionais formuladas em “termos genéricos e abstratos, às quais
comodamente se atribui a escusa evasiva da programaticidade como expediente
fácil para justificar o descumprimento da vontade constitucional”
286
.
A eficácia vinculante das normas programáticas prevalece, lembrando
Fábio Konder Comparato que esses objetivos são juridicamente vinculantes para
283
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
p. 255.
284
Ibid., p. 256.
285
CRISAFULLI, Vezio. La Costituzione e le sue disposizioni di principio. Milão, 1952. pg. 104. apud
Bonavides, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.248.
286
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.245.
122
122
todos os órgãos do Estado e também para todos os detentores do poder
econômico ou social fora do Estado.
287
A correta interpretação dessas normas é importante na medida em que,
sendo juridicamente vinculantes, a “grande maioria das leis insere-se, hoje, no
quadro de políticas governamentais”, não mais com a finalidade de declaração de
direitos e deveres já amplamente declarados, mas para a implementação de
políticas públicas, seja pela resolução de conjunturas, seja por meio de incentivos
às atividades privadas ou ainda regulação de procedimentos administrativos.
288
De qualquer forma, a implementação das políticas públicas como
determinação constitucional é uma realidade. Nesse ponto, não se deve perder de
vista, como adverte Hesse, a existência do condicionamento recíproco entre a
constituição jurídica e a realidade político-social, pois a norma constitucional não
tem existência autônoma em face da realidade.
289
A pretender retirar eficácia
jurídica das normas ditas programáticas, estar-se-ia deixando de reconhecer que
a força condicionante da realidade e a normatividade da Constituição podem ser
diferenciadas, mas “elas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou
confundidas”.
290
Raciocínio contrário permitiria ao Executivo, e mais propriamente à
Administração Pública, a identificação pura e simples do que seria o “interesse
público” a ditar a implementação de políticas públicas, desconsiderando a força
normativa das regras constitucionais, ainda que programáticas, e transformaria a
287
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista
dos Tribunais, n. 737, ano 86, p. 19, março 1997.
288
COMPARATO, Fábio Konder; Op. cit., p. 19.
289
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris editor, 1991, p. 13-14.
290
Ibid., p. 15.
123
123
constituição em mera “folha de papel”, prevalecendo a crítica de Lassalle
291
,de
submissão dela aos fatores reais de poder.
291
LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Tradução de Walter Stonner. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2001. p. 17.
124
124
18. Instrumentos de acesso à Justiça e políticas públicas
As declarações de direitos deixam de possuir significação prática a partir
do momento em que não têm possibilidade de efetiva aplicação. Nesse sentido,
os direitos econômicos, sociais e culturais têm mais dificuldade de implementação
em razão dos mecanismos de proteção que precisam ser fortalecidos.
292
Necessitando o Judiciário de provocação para que aplique a lei ao caso
concreto, diversos são os instrumentos de acesso coletivo à Justiça que
permitiriam o controle e a implementação das políticas públicas.
Dentre eles, situam-se a ação direta de inconstitucionalidade, inclusive a
por omissão; ação declaratória de constitucionalidade; argüição de
descumprimento de preceito fundamental; ação civil pública; ação popular e
outras, como o mandado de segurança coletivo e o mandado de injunção.
293
Relativamente às ações de controle de constitucionalidade, a
judiciabilidade das políticas públicas pode ocorrer quando, estabelecidas
determinadas políticas, haja confronto direto com objetivos constitucionalmente
vinculantes. Suponhamos que Lei Federal de incentivo agrícola dispusesse sobre
um incentivo que favorecesse a manutenção de latifúndios improdutivos. Nessa
hipótese, aduz Fábio Konder Comparato
294
, haveria flagrante afronta à política
fundiária estabelecida nos arts. 184 e 186 da Constituição Federal, na medida em
que a função social da propriedade rural é atendida dentre outros parâmetros pelo
“aproveitamento racional e adequado” da propriedade rural.
292
LIMA JR., Jayme Benvenuto. Los derechos humanos económicos, sociales y culturales. La Paz:
Plataforma Interamericana de Derechos Humanos, Democracia y Desarrollo, 2001. p. 94-95.
293
BARROS, Sérgio Resende. O Poder Judiciário e as políticas públicas: alguns parâmetros de atuação.
Disponível em: http://www.srbarros.com.br/artigos. Acesso em: 03 setembro 2006.
294
COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 20.
125
125
A inconstitucionalidade pode ocorrer também por condutas omissivas da
Administração, quando deixa de realizar concretamente, ou realiza
insatisfatoriamente os preceitos fixados constitucionalmente. Na ausência de
implementação de um direito social por meio de políticas públicas, o instrumento
da ação direta de inconstitucionalidade por omissão também seria eficaz para o
acesso coletivo à justiça, tal qual o mandado de injunção.
Não se trata da hipótese de substituir a vontade do legislador pela vontade
do Judiciário, como falaciosamente argumentam alguns, mas de, com base em
parâmetros objetivamente aferíveis e inscritos no texto constitucional, determinar
o caminho a ser perseguido. Entretanto, ambos os instrumentos, como já
assinalado pelo Supremo Tribunal Federal, não permitem expedir provimentos
normativos com o objetivo de suprir a inatividade pela omissão legislativa.
295
A ação declaratória de constitucionalidade, cujo objeto é a análise da
constitucionalidade das leis e atos normativos federais, tem um alcance restrito no
controle de políticas públicas, pois, “se eventualmente proposta para esse fim, a
ação visa apenas ratificar a constitucionalidade de medidas já adotadas”
296
.
Outra modalidade de ação constitucional que permite viabilizar a
concretização de políticas públicas é a argüição de descumprimento de preceito
fundamental.
Criada pela emenda constitucional 03/93 e regulamentada pela Lei
9.882/99, a ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental tem
por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do
295
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Desrespeito à Constituição – Modalidades de comportamentos
inconstitucionais do Poder Público – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.439-DF Rel. Ministro Celso
de Mello, Brasília, 22 de maio de 1996. Revista Trimestral de Jurisprudência STF, vol. 185, nº 03, p. 794-
814, jul-set 2004.
296
FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: RT, 2005. p.
117.
126
126
Poder Público. A determinação do que seja preceito fundamental não foi feita quer
pela Constituição, quer pela norma que regulamentou essa modalidade de ação.
Há autores
297
que sustentam que o alcance da expressão “preceito
fundamental” se refere àqueles preceitos classificados como materialmente
constitucionais, ou seja, àqueles tidos por imprescindíveis à Constituição e
fundamentais à sua estruturação
298
. Outros
299
entendem que devem ser
considerados os fundamentos e objetivos da República (arts. 1º e 3º), os direitos
fundamentais, os princípios constitucionais sensíveis e os fixados como limitações
materiais à revisão constitucional (art. 60, §4º). A posição do STF, externada pelo
ministro Néri da Silveira
300
, considera como preceitos fundamentais os
fundamentos e objetivos da República (arts. 1º e 3º), os fixados como limitações
materiais à revisão constitucional (art. 60, §4º), os direitos sociais, políticos, as
normas relativas à organização político- administrativa, distribuição de
competências entre os entes federativos, discriminação de rendas e garantias da
ordem econômica e financeira, portanto todos os preceitos que asseguram a
estabilidade e continuidade da ordem jurídica democrática.
Como exemplo teríamos a hipótese da não inserção de valores mínimos
para recursos para erradicação da pobreza como política pública determinada
constitucionalmente. Assim, como já reconhecido pelo STF, se o Estado “deixar
de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da
Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se,
297
ARAÚJO, Luis Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 9.
ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 56.
298
Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed.
Coimbra: Almedina, 2006. p. 247; ARAÚJO, Luis Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso
de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 5.
299
FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. Op. cit., p. 117.
300
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Preceito Fundamental – Competência do STF para definição de seu
conteúdo. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1-7 RJ - Rel. Ministro Néri da
127
127
em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição impôs” ao
Estado, incidirá em violação negativa do texto constitucional
301
, o que permitirá o
ajuizamento da ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental.
Também a ação popular pode ser utilizada para o controle das políticas
públicas. Como ela possui como objeto a invalidação de um determinado ato
lesivo ao patrimônio público e também dos bens e valores históricos, artísticos,
turísticos e paisagísticos, meio ambiente e moralidade administrativa, é possível
que determinado ato administrativo seja contrário a uma política pública fixada,
por exemplo, para a proteção do patrimônio histórico, cabendo o pedido de
anulação do ato, obtendo-se como utilidade o retorno à situação de proteção
fixada anteriormente como política pública.
Silveira, Brasília, 3 de fevereiro de 2000. DJU de 7.11.2003. Disponível em
http://www.stf.gov.br/jurisprudência. Acesso em: 19 fev. 2007.
301
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Políticas Públicas - Intervenção Judicial - "Reserva do Possível".
Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45, informativo 345 - Rel. Ministro Celso de
128
128
19. A implementação de políticas públicas pela ação civil pública
Dos diversos instrumentos processuais de acesso coletivo à Justiça, para o
fim de controle e implementação de políticas públicas, não são as ações
constitucionais de controle de constitucionalidade as que podem ser mais
utilizadas, na medida em que demandam sempre a análise da lei em tese, ou a
ausência dessa lei, por violação negativa do texto constitucional.
A meu ver, a maior utilização pode se dar pela via da ação popular ou da
ação civil pública, sendo inúmeras as suas possibilidades. No caso específico da
ação popular, como ela tem como objeto a tutela do patrimônio público, histórico,
cultural, moralidade administrativa e meio ambiente e tem seu pedido restrito à
anulação do ato lesivo
302
, a sua utilização acaba sendo menor. Por outro lado, a
ação civil pública, por expressa determinação da lei que a regulamentou, cabe
para a proteção de qualquer interesse difuso e coletivo
303
, podendo contemplar
qualquer tipo de pedido, de cunho declaratório, constitutivo ou condenatório,
cautelar ou de execução, conforme artigos 21 da Lei 7.347/85, c.c. art. 83 do
Código de Defesa do Consumidor.
304
A fórmula meramente exemplificativa utilizada pela Lei 7.347/85 e art. 129,
inciso III, da Constituição Federal, tem permitido uma “contínua tendência
Mello, Brasília, 29 de abril de 2004. DJU de 4.5.2004. Disponível em http://www.stf.gov.br/informativo.
Acesso em: 07 set. 2006.
302
Art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal de 1988.
303
Além daqueles elencados no art. 1º da Lei 7.347/85, podemos citar, sem esgotar as hipóteses, a proteção à
infância e juventude (Lei 8.069/90), aos idosos (Lei 10.741/03) a pessoa portadora de deficiência (Lei
7.853/89) e a proteção contra a violência doméstica (Lei 11.340/06).
304
SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Interesses difusos em espécie. São Paulo: Saraiva. 2000. p. 126.
129
129
ampliativa, agregando outros relevantes valores e interesses sociais àqueles
previstos originalmente”
305
.
Vetada no texto original da Lei 7.347/85, a chamada cláusula de
extensão
306
foi reinserida no texto legal em seu art. 1º pelo Código de Defesa do
Consumidor (Lei 8.072/90), embora anteriormente, como já foi dito, tenha sido
inserida dentre as atribuições do Ministério Público pela Constituição Federal de
1988.
Importante ressaltar que, ao permitir o ajuizamento da ação civil pública
para a defesa de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, a referida cláusula
de extensão, como ressalta Rodolfo de Camargo Mancuso, vem evidenciar que a
condição legitimante independe da titularidade ou mesmo do valor em causa,
“mas prende-se ao binômio relevância social + representação adequada, e assim
(...)possibilita o acesso à Justiça de certas massas de interesses ainda não
tipificadas normativamente”
307
, citando o autor como exemplo os cidadãos HIV
soropositivos, os moradores de rua e os sem-terra.
Face a essa amplitude e permissão legal para que a ação civil pública
contenha qualquer tipo de pedido é que a norma Constitucional ou infra-
constitucional estabelece uma obrigação de fazer ou não fazer à Administração
Pública, “fica assegurada a possibilidade de cobrança dessas condutas comissiva
ou omissiva, em face da autoridade e/ou órgão competente”
308
.
Nesse aspecto é que, sendo a política pública uma conduta comissiva ou
omissiva da Administração Pública e que se volta à consecução de programas ou
metas previstos em norma constitucional ou legal, o controle quanto a sua
305
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil pública como instrumento de controle judicial das
chamadas políticas públicas. In: Milaré, Edis (Coord.) Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT, 2001. p.
712.
306
Contida na expressão: “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.
307
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 713.
130
130
implementação, eficiência e resultados pode ser cobrado mediante ação civil
pública por qualquer tipo de pedido de cunho declaratório, constitutivo,
condenatório, cautelar ou de execução, o que dá a esse instrumento larga
vantagem sobre as demais ações que possam servir ao controle e implementação
das políticas públicas.
Nem se diga que a estreita correlação entre o erário público e a
implementação de políticas públicas não configuraria interesses passíveis de
defesa pela ação civil pública. Isso porque “é inegável o caráter
preponderantemente difuso do interesse que envolve a higidez do erário público”,
na medida em que é indeterminado o número de pessoas que possam habitar um
dos entes Federativos e, consequentemente, sofrer, ainda que transitoriamente,
os efeitos da boa ou má aplicação do dinheiro público na implementação de
políticas públicas
309
.
Logicamente, quando falamos do controle e da implementação dessas
políticas públicas via ação civil pública, não devemos esquecer que os co-
legitimados para o ajuizamento dessa mesma ação são justamente os entes
federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) que deveriam
implementá-las, mas que, por diversos motivos, deixam de fazê-lo. Nesse ponto,
já se afirmou acima que não têm esses entes federativos quase exercido o
ajuizamento de ações civis públicas, uma vez que, como chama a atenção
Rodolfo de Camargo Mancuso, os agentes públicos e administradores se revelam
de algum modo relacionados, “por ação ou omissão, aos históricos dos prejuízos
infligidos a valores e interesses metaindividuais (...), e, portanto, igualmente
308
Ibid., p. 726.
309
BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ação civil pública: defesa do patrimônio público e da moralidade
administrativa. RT 735, p. 179 e 181, jan. 1997. apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil
pública como instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas. In: Milaré, Edis (Coord.)
Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT, 2001. p. 711.
131
131
sujeitam-se a questionamentos em face do deficiente manejo de políticas
públicas”
310
.
Nesse aspecto, como salientado por Maria Paula Dallari Bucci, “a escolha
das diretrizes da política, os objetivos de determinado programa não são simples
princípios de ação, mas são os vetores para a implementação concreta de certas
formas de agir do poder público que levarão a certos resultados”
311
. Essa escolha,
entretanto, já foi, no mais das vezes, realizada pelo Constituinte ou pelo legislador
infra-constitucional, cabendo pequena margem de discricionariedade ao
administrador.
312
Portanto é a ação civil pública o instrumento processual mais amplo para
“juridicizar a demanda coletiva pela implementação de direitos assegurados pela
ordem social constitucional”
313
, relacionando-se, na maioria das vezes, a
obrigações de fazer.
Mesmo considerando a extensão de pedidos que possam ser feitos em
uma ação civil pública, embora constituam predicativos que lhe garantam a maior
utilização frente aos demais meios de acesso coletivo à Justiça no que tange ao
ponto específico das políticas públicas, é na atuação extrajudicial, principalmente
do Ministério Público, que reside a melhor busca no equacionamento da sua
implantação e controle.
Essa atuação extrajudicial pode ocorrer por meio dos inquéritos civis, cuja
solução de continuidade pode ocasionar, antes da propositura da ação civil
pública, a celebração de termos de ajustamento de conduta ou ainda o
arquivamento do inquérito mediante a expedição de recomendação.
310
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 739.
311
BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas e direito administrativo. Brasília: Revista de informação
legislativa, 1997, ano 34, n. 133, jan./mar. p. 96.
312
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas – A responsabilidade do administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000. p 95.
132
132
O termo de ajustamento de conduta assenta-se na possibilidade de
realização de uma transação sobre interesses indisponíveis. Embora proíba o
código civil essa possibilidade, conforme se depreende do seu art. 841, ao admitir
a transação somente quanto a direitos patrimoniais de caráter privado, a lei
7.347/85 expressamente o admitiu para a hipótese de interesses indisponíveis,
sob a forma de compromisso de ajustamento de conduta, garantindo, assim, a
essa forma de composição de litígios plena eficácia jurídica.
314
Essa composição deve ter por finalidade o ajustamento do ente federativo
às normas legais que prescrevem a implementação ou adequado manejo das
políticas públicas, devendo ser contempladas no compromisso as mesmas
exigências que seriam objeto do pedido na hipótese de ajuizamento da ação civil
pública, sem que haja, portanto, restrição na solução a ser buscada, de forma a
resguardar a indisponibilidade do interesse tutelado. Como adverte Fernando
Grella Vieira, “a esfera passível de ajuste fica circunscrita à forma de cumprimento
da obrigação pelo responsável, isto é, ao modo, tempo, lugar e outros aspectos
pertinentes”
315
.
Quanto à expedição de recomendação, esta é prevista na lei
Complementar 75/93, em seu art. 6ª, inciso XX (Lei Orgânica do Ministério
Público Federal), extensível aos Ministérios Públicos Estaduais pelo art. 80 da lei
8.625/93. Dispõe referido dispositivo legal competir ao Ministério Público da
União:
XX - expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços
públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos
313
Ibid., p 126-127.
314
VIEIRA, Fernando Grella. A transação na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos: compromisso
de ajustamento de conduta. In: Milaré, Édis (Coord.) Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT, 2001. p.
229.
315
Ibid., p. 238.
133
133
interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando
prazo razoável para a adoção das providências cabíveis.
Como salientado por Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, “a recomendação
é instrumento de atuação do Ministério Público, que tem o objetivo de prevenir
responsabilidades da Administração e informá-las sobre eventuais deliberações
do Ministério Público”.
316
Com esse instrumento, permite-se que a Administração
incorpore o ordenamento e o planejamento de políticas públicas, diferindo da
atuação quando ocorre o termo de ajustamento de conduta ou mesmo o acordo
ou sentença judicial em ação civil pública, na medida em que não houve ainda a
violação ou inércia na implementação da política pública reclamada, tendo a
Administração a possibilidade de criar demandas, estratégias e idéias para o seu
controle e implementação.
317
A possibilidade de larga utilização desses dois instrumentos, precedentes à
ação civil pública, reside em dois pontos sensíveis. O primeiro é que, sendo o
inquérito civil um instrumento não judicial, tanto a celebração do termo de
ajustamento de conduta como a expedição de recomendação não necessitam do
crivo do Judiciário. Ou seja, resolve-se a solução dos conflitos com a vantagem
da agilidade quase nunca proporcionada pelas decisões judiciais, constituindo o
termo de ajustamento de conduta um título executivo extrajudicial conforme
dispõe o art. 5º, §6º da lei 7.347/85.
O segundo ponto é que essa vantagem acaba por gerar uma preferência
nessa forma de solução de litígios, principalmente pelo “fato de a impossibilidade
de uma sentença judicial contemplar as inúmeras vertentes relativas à
316
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Op. cit., p. 138.
317
Ibid., p. 139.
134
134
implantação de políticas públicas”
318
, e permite uma ampla negociação, seja com
a Administração, seja com os entes privados, podendo, nesses espaços de
negociação, “ser contempladas as grandes questões atinentes à implementação
de políticas públicas, como as temporais, orçamentárias e de conciliação entre as
várias demandas existentes na sociedade”, permitindo de modo razoável a
“fixação de prazos necessários à implementação das exigências legais e
eventuais adequações orçamentárias”.
319
318
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. A atuação do Ministério Público na implantação de políticas
públicas estabelecidas na Constituição Federal. Jornal da AJUFESP (Associação dos Juízes Federais de
São Paulo e Mato Grosso do Sul). Set. 1998, p. 11. apud: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil
pública como instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas. In: Milaré, Édis (Coord.)
Ação civil pública – 15 anos. São Paulo: RT, 2001. p. 718.
319
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas – A responsabilidade do administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000. p 133-134.
135
135
Considerações finais
Iniciada no fim do século XIX
320
, a evolução do Estado Liberal para o
Estado Social acelerou-se demasiadamente após a segunda grande guerra,
motivada em grande parte pelas lutas sociais que, segundo Boaventura de Souza
Santos, foram protagonizadas “por grupos sociais até então sem tradição histórica
de ação coletiva de confrontação”, como, por exemplo, “os negros, os estudantes,
amplos setores da pequena burguesia em luta por novos direitos sociais no
domínio da segurança social, habitacional, educação, transportes, meio ambiente
e qualidade de vida”
321
. Nesse contexto, a igualdade meramente formal passou a
ser questionada, exigindo no plano administrativo a intervenção cada vez mais
constante para o atendimento de demandas sociais, cuja realização somente é
possível pela fixação de políticas públicas.
Essa expansão de demandas sociais no plano jurídico gerou uma
conflituosidade relacionada ao direito do trabalho, segurança social, habitação e
consumo, dentre outros
322
, para os quais o sistema jurídico tinha pouca ou
nenhuma capacidade de responder mediante a utilização dos instrumentos
processuais tradicionais de acesso à Justiça de natureza eminentemente
individual.
Não constituindo esses direitos sociais categoria diversa dos direitos
difusos e coletivos, foi estudado o conceito de interesse público e a divisão entre
320
Países como Alemanha, Áustria, França, Itália e Inglaterra iniciaram já no final do século XIX programas
sociais que visavam afastar o excesso de individualismo trazido pelas reformas liberais. Leis de seguro-
operário contra doenças e acidentes, inspeção fabril com a limitação de emprego de mulheres e crianças e o
estabelecimento máximo de horas que poderiam ser trabalhadas, além de serviço médico gratuito e
indenização por danos físicos aos trabalhadores, foram algumas dessas modificações. Cf. BURNS, Edward
Mcnall. História da civilização ocidental. Tradução de Lourival Gomes Machado e Lourdes Santos
Machado. 4. ed. Porto Alegre: Globo, 1957, Vol. II. p. 711-713.
321
SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução à Sociologia da Administração da Justiça. In: Faria, José
Eduardo (Org.). Direito e justiça – a função social do Judiciário. 3. ed. São Paulo: Ática, 1997. p. 43.
136
136
o interesse público primário e o interesse público secundário, pois, na realização
dos direitos sociais e proteção dos direitos difusos e coletivos, não há um único
interesse público envolvido, mas vários interesses que podem estar ou não em
contradição.
323
Essa contradição, que no mais das vezes é somente aparente, é
apontada por Perez Luño
324
, o qual afirma que, quando os direitos sociais
aumentam, muitas vezes os direitos individuais diminuem ou se relativilizam. Isso
ocorre, por exemplo, quando o direito de propriedade, antes absoluto, é afastado
para a distribuição de terras, ou ainda, a liberdade contratual é restrita pela função
social do contrato.
O conflito gerado pela expansão dessas demandas sociais abriu a
discussão para a necessidade de novos instrumentos de acesso coletivo à
Justiça. O surgimento desses novos instrumentos processuais ocorreu por
diversos modos, legitimando, principalmente, o cidadão ou categorias de classes
sociais irem a juízo e defenderem como verdadeiros substitutos processuais a
implementação ou proteção desses novos direitos.
No que tange à experiência brasileira, o instituto da ação popular, na forma
como surgiu e evoluiu, não foi suficiente para a proteção e implementação desses
novos direitos, exigindo que um novo instrumento de acesso coletivo fosse
desenvolvido, o que culminou com a elaboração do instituto da ação civil pública.
Embora esta já existisse como instrumento para o ajuizamento de diversas ações
pelo Órgão do Ministério Público, a lei 7.347/85 e posteriormente a Constituição
de 1988 deram um alcance superior ao da ação popular e aos demais
instrumentos processuais para decisões de natureza coletiva, como as ações
322
Ibid., p. 43.
323
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha – os
(des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.
p. 105.
137
137
diretas de inconstitucionalidade (direta ou por omissão), ações declaratórias de
constitucionalidade, ou ainda a argüição de descumprimento de preceito
fundamental.
Esse maior alcance teve como principais fatores a legitimação concorrente
e disjuntiva para o ajuizamento dessa ação, além do objeto amplo dado à ação
civil pública que comporta a proteção a qualquer interesse difuso ou coletivo,
sendo que foram realizadas no curso do trabalho diversas sugestões para o
aperfeiçoamento do acesso coletivo à Justiça, como a ampliação da legitimação
para o ajuizamento da ação popular para os partidos políticos, formados por
cidadãos e com uma estrutura que permitiria suportar as dificuldades decorrentes
da complexidade dessas ações, além da ampliação do uso do inquérito civil para
os demais co-legitimados para o ajuizamento da ação civil pública, aperfeiçoando
a forma de sua instauração e publicidade, além de definir a necessidade do prévio
conhecimento do investigado de sua instauração e possibilidade de
complementação de documentação.
Superada essa fase de identificação dos instrumentos de acesso à Justiça,
o trabalho procurou identificar a relação entre o surgimento do Estado Social e o
papel da Administração Pública. A partir da fixação dos objetivos do Estado pelo
Governo, é a Administração Pública a encarregada dos atos de execução, com
maior ou menor grau de autonomia, pautando-se pelos limites legais de sua
competência na necessidade de realização de finalidades coletivas por meio de
programas de ação governamental ou políticas públicas.
Assim, o surgimento das políticas públicas é a própria existência dos
direitos sociais e a necessidade de sua implementação. Entretanto, quando a
324
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Los derechos fundamentales. 7. ed. Madrid: Editorial Tecnos S.A.,
1998. 204p.
138
138
própria Administração deixa de formular as políticas públicas ou deixa de
implementá-las ou controlá-las, surge a necessidade de buscar no Poder
Judiciário essa resposta.
Isso ocorre pela politização do Poder Judiciário e pela judicialização das
políticas públicas.
Dos diversos instrumentos de controle, a ação civil pública, considerando a
amplitude de seu objeto, bem como as inúmeras possibilidades de pedido, fixou-
se como instrumento preponderante na atuação do Poder Judiciário.
Nesse aspecto, a efetividade na implementação de políticas públicas pela
via judicial, principalmente por meio da ação civil pública, tende a evitar a
trajetória paradoxal pela qual enfrenta os direitos sociais e difusos atualmente.
Como alerta José Eduardo Faria, quanto mais são afirmados, incorporando-se no
texto das constituições e no discurso de pessoas influentes, como líderes
políticos, empresariais, religiosos e sindicais, “mais eles tendem a se abrir
interrogativamente em direção a um futuro sempre concebido como um problema
– e jamais visto como certeza”
325
.
Embora nossa atual Constituição seja ampla na declaração dos direitos,
sejam eles individuais, sociais ou difusos, é principalmente pela ausência ou
implementação insatisfatória de políticas públicas já estabelecidas no plano
constitucional e infra-constitucional que a Administração Pública enfraquece o
“mínimo existencial”.
Dessa constatação, surge a necessidade cada vez mais ampla de uma
correta interpretação constitucional.
325
FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica – implicações e perspectivas. São Paulo:
Malheiros, 1998. p 130.
139
139
Conhecida é a obra de Ferdinand Lassalle
326
, em que ele discute a
essência da constituição escrita. Utilizando de um raciocínio indutivo, o autor
distingue a Constituição, que ele chama de lei fundamental, de outra qualquer, por
ser a constituição básica e fundamental na medida em que orienta e origina todas
as demais leis, ou seja, irradia efeitos para que as demais normas possam ter
validade. Isso decorre da necessidade de conformação para que a orientação das
leis e das instituições vigentes no país ocorra em determinado sentido e não
aleatoriamente.
Se número significativo de políticas públicas já foi expressamente fixado
pela constituição ou regulamentado por normas infra-constitucionais, não cabe ao
administrador público decidir ou não pela sua implementação, mas verificar dentre
as hipóteses possíveis a melhor forma de fazê-lo.
Não há, portanto, substituição de vontades do legislador pela vontade do
Judiciário, mas com base em parâmetros objetivamente aferíveis e inscritos no
texto constitucional, é possível determinar o caminho a ser perseguido.
Como salienta Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, o não cumprimento das
políticas públicas da ordem social fixadas na constituição atenta contra a
finalidade da administração, que é atender o interesse público.
327
Por outro lado, o acesso universal à educação, à saúde, à moradia e ao
emprego são objetivos a serem perseguidos, tanto que considerados pelo
constituinte como fundamentos da república e como fatores de realização da
dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III da CF). Esses direitos sociais e
326
LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Tradução de Walter Stonner. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2001. p.40.
327
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas – A responsabilidade do administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000. p 147.
140
140
difusos somente podem ser protegidos e alcançados pelo uso probo e adequado
ou eficiente do dinheiro público, ainda que se realize o mínimo possível.
Sob esse enfoque, evidente que a ação civil pública hoje responda
socialmente aos anseios de sua criação, sendo tal situação facilmente percebida
pela judicialização dos conflitos metaindividuais cada vez mais complexos,
abrangendo não só os direitos e interesses derivados da dignidade da pessoa
humana e dos objetivos do Estado Democrático Brasileiro, mas também para os
princípios da Administração Pública, ordem econômica e tributária e também da
ordem social
328
.
A amplitude e a permissão legal para que a ação civil pública contenha
qualquer tipo de pedido (declaratório, constitutivo, condenatório, cautelar ou de
execução) facilitam a judicialização das políticas públicas mediante o controle
quanto a sua implementação, eficiência e resultados, independentemente de a
consecução de programas pela Administração ser provida por condutas
comissivas ou omissivas ou metas previstas em norma constitucional ou legal.
Essa a larga vantagem sobre as demais ações que possam servir ao controle e
implementação das políticas públicas.
Por outro lado, o desenvolvimento do trabalho, ao estabelecer que a
escolha das políticas públicas já foi no mais das vezes realizada pelo constituinte
ou pelo legislador infra-constitucional e que, portanto, cabe pequena margem de
discricionariedade ao administrador, também concluiu que, melhor do que a
judicialização dos conflitos envolvendo a implementação e o controle de políticas
públicas, é na atuação extrajudicial dos entes legitimados que se encontra uma
solução mais pragmática pela celebração de termos de ajustamento de conduta
141
141
ou ainda o arquivamento do inquérito civil pelo Ministério Público mediante a
expedição de recomendação.
Essas possibilidades, como se assentou, decorrem expressamente da lei
nº 7.347/85 e lei complementar 75/93 que garantiram, assim, a essa forma de
composição de litígios plena eficácia jurídica.
329
Essa composição deve ter por finalidade o ajustamento do ente federativo
às normas legais que prescrevem a implementação ou adequado manejo das
políticas públicas, devendo ser contempladas no compromisso as mesmas
exigências que seriam objeto do pedido na hipótese de ajuizamento da ação civil
pública, sem que haja, portanto, restrição na solução a ser buscada, de forma a
resguardar a indisponibilidade do interesse tutelado.
A “judicialização” das políticas públicas pode assim ocorrer de forma
extrajudicial, não dependendo somente do aperfeiçoamento do Poder Judiciário
frente às necessidades de implementação dos direitos sociais e garantia dos
direitos difusos assegurados pela Carta Constitucional de 1988.
328
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329
VIEIRA, Fernando Grella. Op. cit., p. 229.
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