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OMAR SCHNEIDER
A CIRCULAÇÃO DE MODELOS PEDAGÓGICOS E AS REFORMAS
DA INSTRUÇÃO PÚBLICA: ATUAÇÃO DE HERCULANO MARCOS
INGLÊS DE SOUSA NO FINAL DO SEGUNDO IMPÉRIO
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2007
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1
OMAR SCHNEIDER
A CIRCULAÇÃO DE MODELOS PEDAGÓGICOS E AS REFORMAS
DA INSTRUÇÃO PÚBLICA: ATUAÇÃO DE HERCULANO MARCOS
INGLÊS DE SOUSA NO FINAL DO SEGUNDO IMPÉRIO
Tese de doutorado apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para a obtenção do título de Doutor em
Educação: História, Política, Sociedade.
Orientador: Profª Drª Maria Rita de Almeida
Toledo.
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2007
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Herculano Marcos Inglês de Sousa
Fonte: Arquivo da Academia Brasileira de Letras
3
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Rita de Almeida Toledo
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Marta Maria Chagas de Carvalho
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Spedo Hilsdorf
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Celia Maria Benedicto Giglio
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Paula Perin Vicentini
_____________________________________________
Prof.º Dr.º Bruno Bontempi Junior (suplente)
_____________________________________________
Prof.º Dr.º Jorge Carvalho do Nascimento (suplente)
Aprovada em _____ de __________________ de 2007
4
Schneider, Omar
S359r A circulação de modelos pedagógicos e as reformas da instrução
pública: atuação de Herculano Marcos Inglês de Sousa no final do
Segundo Império / Omar Schneider. - - São Paulo, 2007.
306 f.
Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, 2007.
Orientador: Profª. Dra. Maria Rita de Almeida Toledo.
1. Educação. 2. Reforma educacional. 3. Instrução pública. 4.
Pedagogia moderna. 5. Inglês de Sousa, Herculano Marcos. I. Título.
CDU 37.014.3
5
6
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta tese por processos de fotocópia ou eletrônico.
Assinatura:_________________________________ São Paulo, ______________________
7
Para minha família
Vocês se completam e me completam
8
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço à professora Maria Rita de Almeida Toledo (Maíta) pela
orientação segura que me proporcionou nos últimos dezessete meses finais para a conclusão
da tese. Desde o mestrado, tem me auxiliado na compreensão dos caminhos que envolvem a
escrita da História, assumindo minha orientação no último ano para o término. No doutorado,
novamente assumiu minha orientação nos últimos meses de conclusão da tese, em um período
de mudança de Estado e também de troca de orientador. Não vou dizer que foi tranqüilo,
porque sempre surgem problemas, mas, felizmente, essas dificuldades foram contornadas e
consegui destravar a escrita do texto de qualificação e chegar ao término da tese. À professora
Maíta devo muito, tanto na metodologia que emprego na pesquisa, quanto na produção de
uma disciplina de estudos.
Agradeço à professora Marta Maria Chagas de Carvalho pela orientação que
desenvolveu comigo durante os primeiros dois anos e meio do doutorado, pela autonomia que
me concedeu para estudar, pela confiança, por sua generosidade acadêmica e pelo incentivo e
participação no processo de qualificação do trabalho. Sua presença foi sempre marcante desde
o primeiro contato.
Somente tenho a louvar a experiência pela qual passei e por ter a oportunidade de
contar com a competência de vocês me auxiliando a encontrar o melhor caminho.
Agradeço à professora Maria Lúcia Spedo Hilsdorf pela participação na banca
examinadora do processo de qualificação. A leitura criteriosa que realizou, os incentivos e
indicações de leituras foram muito importantes para a conclusão do estudo. Espero ter seguido
os conselhos com sabedoria.
Agradeço ao professor Francisco Eduardo Caparróz (Chiquinho) por ter percebido
qualidades em alguém que outros diagnosticaram que não existia nada em que valesse a pena
investir. Sem aquela primeira oportunidade de bolsa de monitoria na biblioteca do Centro de
Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo, em 1997, talvez este
momento nunca tivesse acontecido.
Agradeço ao professor Amarílio Ferreira Neto pelo convite, em 1999, para ser bolsista
de Iniciação Científica e ajudar a desenvolver a pesquisa A Constituição de Teorias da
Educação Física: o debate em periódicos no século XX. Nessa pesquisa, fui aprender a
9
localizar fontes, produzir relatórios, selecionar documentos e ter acesso a leituras que me
direcionaram para o campo da História, especialmente da Educação Física.
Professor Amarílio, obrigado pela confiança, não sei se mais por falta de opção, pois
praticamente fomos empurrados um para o outro. Tenho certeza de que eu ganhei muito com
a convivência, com o aprendizado que me proporcionou, com o acesso que tive à literatura
atualizada, acesso à sua biblioteca particular e com o investimento que fez para que eu fosse
para a cidade do Rio de Janeiro, visitar bibliotecas e localizar os periódicos que compuseram
as fontes da pesquisa A Constituição de Teorias da Educação Física e também para a cidade
de São Paulo, no ano de 2000, com a finalidade de catalogar os impressos publicados pela
Educação Física e assistir às aulas como ouvinte no Programa de Estudos Pós-Graduados em
Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Esse investimento fez toda a diferença em minha formação.
No mestrado, tive como objeto de estudo uma revista sobre Educação Física que
circulou no Brasil entre os anos de 1932 e 1945, denominada Educação Physica: Revista de
Esporte e Saúde. O projeto apresentado na seleção do doutorado tinha como objeto uma
coleção de livros sobre Educação Física e Esportes produzidos pelos editores do impresso que
havia estudado no mestrado, assim como a própria editora que tinha chancelado o
empreendimento editorial, a Companhia Brasil Editora. Desse modo, o doutorado
apresentava-se como uma possibilidade de aprofundar as questões e temas sobre os quais
vinha trabalhando.
No doutorado, orientado pela professora Marta Maria Chagas de Carvalho e integrado
ao grupo de pesquisa A Constituição da “forma escolar” no Brasil: produção, circulação e
apropriação de modelos pedagógicos, decidi mudar meu foco de estudos, deixar o projeto
anterior para um outro momento e tomar como objeto de investigação o processo de
circulação dos modelos pedagógicos, formação de professores para a escola primária e a
constituição da forma escolar na Província do Espírito Santo a partir da reforma da instrução
pública, do ano de 1882, empreendida pelo presidente de província, Herculano Marcos Inglês
de Sousa.
Com a nova proposta, também tive que deslocar meu universo de leituras e
referências, com as quais havia lidado no mestrado, “recomeçando” a minha formação de
historiador. Devo muito aos professores do EHPS, por ter conseguido realizar a transição do
foco de interesses e leituras que sai das décadas de 1930 e 1940 e se desloca para as três
décadas finais do Segundo Império. Agradeço especialmente àqueles com os quais cursei
disciplinas e atividades programadas no doutorado. Professor Kazumi Munakata e suas
10
discussões sobre história das disciplinas escolares, historiografia da educação, fontes e teorias
da história; professor Bruno Bontempi Junior e as análises sobre os intelectuais da educação,
história e teoria. Professor Marcos Cezar Freitas e suas discussões sobre a escolarização da
infância e da juventude; professora Marta Maria Chagas de Carvalho e a professora Maíta por
compartilhar suas reflexões sobre cultura escolar, forma escolar, modelo escolar e história da
educação brasileira; professor Odair Sass pelas discussões realizadas nos estudos teóricos
avançados em educação; e ao professor José Geraldo Silveira Bueno com suas análises sobre
fracasso, sucesso e trajetórias escolares. Todos foram muito importantes para que eu
conseguisse compreender e organizar os recursos teóricos que fundamentam a escrita da tese.
Acredito que essa base de apoio fez toda a diferença para que a transição entre os dois
projetos ocorresse sem maiores problemas.
Durante o doutorado, tive o prazer de visitar os arquivos públicos dos Estados de
São Paulo, Espírito Santo e Sergipe. Nesse processo, fui auxiliado por algumas pessoas na
localização de documentos importantes para a construção da tese. Agradeço ao professor
Itamar Freitas de Oliveira por abrir as portas do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e
ainda por indicar os Anais da Assembléia Provincial de São Paulo, do ano de 1880. Agradeço
ao diretor do Arquivo Público do Estado de Sergipe, José Marques Vieira Macedo, pela ajuda
na localização dos regulamentos da instrução pública. Agradeço também aos funcionários do
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo Débora do Carmo, Jocimar Antonio Pereira
Océlia Boeck, Patrícia do Carmo e Rogério Frigerio Piva pela disponibilidade e pela ajuda na
localização de alguns dos documentos que precisava para o desenvolvimento da pesquisa.
Agradeço à professora Maria do Rosário Longo Mortatti pela gentileza da cessão do
relatório de Silva Jardim enviado a Inglês de Sousa e pela informação de onde encontrá-lo no
Arquivo Público do Estado de São Paulo. Esse material ajudou muito no desenvolvimento do
estudo.
Agradeço ao professor Jorge Carvalho do Nascimento pelos livros e textos que me
forneceu sobre a historiografia da educação de Sergipe e também pelos livros que me
emprestou. Do mesmo modo, também agradeço aos professores José Tarcísio Grunnenvaldt e
Ana Carrilho Grunnenvaldt que me deram total acesso à sua biblioteca particular.
Fiz muitos amigos no doutorado e consolidei algumas amizades do mestrado. A
pesquisa tem também um pouco de vocês. Agradeço àqueles que se tornaram mais próximos:
Andrew Boyd, Claudia Panizzolo Batista da Silva, Geysa Abreu, Rogéria Moreira Rezende
Isobe e Valéria Moreira Rezende.
11
Agradeço à Elisabete Adania (Betinha), mais que uma secretária no Programa de Pós-
graduação EHPS, uma amiga com quem se pode contar nos momentos de tensão. Sempre
pronta a ajudar e resolver os muitos problemas que apareceram durante o último ano do
doutorado.
Agradeço à professora Alina da Silva Bonella pela revisão criteriosa do texto de
qualificação e também do texto final da tese.
Agradeço aos amigos do Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física
(PROTEORIA), Amarílio Ferreira Neto, Wagner dos Santos, Silvana Venturim Andrea
Brandão Locatelli, André da Silva Mello, Ana Claudia Silverio Nascimento, Rafaelle Flaiman
Lauff, Magda Terezinha Bermond, Felipe Ferreira Carneiro, Fernanda Mutz Neitzel, Rachel
Borges Corte, Felipe Rodrigues da Costa, Kezia Rodrigues Nunes e Rosianny Campos Berto,
pela convivência e pelo que temos aprendido em conjunto.
Agradeço aos amigos de Aracaju que ajudaram a minimizar o sofrimento de mudança
de cidade e de Estado. Gildo, Lindalva, Tiago, Juliana, Tarcísio e Ana, obrigado pela
recepção, pelo apoio logístico, pela paciência, pelo apoio emocional e por terem se tornado
minha família em Aracaju.
Agradeço a Sabrina Schneider que, durante os dois últimos anos do doutorado, foi
minha auxiliar de pesquisa, ajudando a fotografar e a transcrever documentos.
Agradeço à minha família que, mesmo sem compreender o que venho estudando,
entendeu que minha ausência era necessária. Sou imensamente grato por me apoiarem em
todos os passos de minha vida e por me ajudarem a transformar sonhos em realidade.
Agradeço ao CNPq e a CAPES que, em momentos diferentes, concederam as bolsas
de estudo que possibilitaram a realização da pesquisa.
Uma tese não se faz sozinho, agradeço a todos que contribuíram para que eu
conseguisse realizar a empreitada, mas, se, porventura, problemas forem detectados, são de
minha inteira responsabilidade.
12
Talvez não tenhamos conseguido fazer o
melhor, mas lutamos para que o melhor fosse
feito... Não somos o que deveríamos ser, não
somos o que iremos ser. Mas, graças a Deus, não
somos o que éramos.
Martin Luther King
13
RESUMO
Esta tese busca compreender a reforma da instrução pública realizada, em 1882, no Espírito
Santo pelo presidente da Província Inglês de Sousa. Parte da hipótese que a circulação dos
modelos pedagógicos, durante o Segundo Império, é marca das lutas de representações que se
engendram no período, e balizam a substituição dos métodos de ensino empregados para a
formação dos professores nas escolas normais e dos alunos das escolas primárias. Para
entender a reforma e desvelar a circulação dos modelos pedagógicos nela contidos, foi
analisado o papel desempenhado pelo presidente de Província como administrador dos
negócios do Império e agente de controle e organização do Estado. Nesse sentido, foram
estudadas as experiências desenvolvidas por Inglês de Sousa nas três Províncias em que
assumiu cargos públicos (São Paulo, Sergipe e Espírito Santo). Procurou-se compreender o
modelo escolar que Inglês de Sousa divulgou e a forma escolar proposta em suas reformas. A
pesquisa aponta que a instrução pública reformada foi compreendida por Inglês de Sousa
como a única esperança possível para a modernização do Brasil e caminho para integrar o
Império ao “nível do século”. A reforma, como estratégia de modernização que ele
empreendeu, foi produzida de acordo com suas convicções liberais e positivistas, sobre as
virtudes da educação como fator de progresso, que não prescindia da necessária laicização do
ensino. Desse modo, a Pedagogia Moderna que ele advoga em suas reformas é aquela que se
fundamenta no ensino intuitivo e nas lições de coisas que ele vai designar como pedagogia
experimental, pois, nesse modelo, a experiência sensível vinha em primeiro lugar, como um
ensino concreto, contrário aos métodos que iniciavam a aprendizagem por noções abstratas.
Palavras-chave: Reformas. Instrução pública. Formação de professores. Escola normal. Escola
primária. Pedagogia Moderna. Presidente de província. Inglês de Souza.
14
ABSTRACT
This work aims at understanding the reform of the public instruction that took place in 1882,
in the State of Espírito Santo, by the Province president, Inglês de Souza. It id based on the
hypothesis that the circulation of pedagogical models, during the Second Empire, is a mark of
representation fights that engendered in the period and delimited the substitution of teaching
methods used for teachers formation in basic schools and of the elementary school students.
To understand the reform and unveil the circulation of pedagogical methods found in it, the
Province president’s role as a manager of the Empire business and as an agent of the State
organization and control was analyzed. In this process, it was studied the experiences
performed by Inglês de Souza in the three Provinces which he had public duties (São Paulo,
Sergipe and Espírito Santo). This way, it aims at understanding the school model revealed by
Inglês de Souza and the school form proposed in his reforms. The research shows that the
reformed public instruction was seen by Inglês de Souza as the only possible hope for Brazil’s
modernization and the way to integrate the Empire to the “century level”. The reform, as a
modernization strategy which he undertook, was produced according to his liberal and
positivist convictions, about the educational virtues as a progress factor that did not consider
the necessary teaching laicization. This way, the Modern Pedagogy that he supported in his
reforms is that one based on the intuitive teaching and on the lessons of things that he will
designate as experimental pedagogy, so in this model, the sensitive experience came first, as a
concrete teaching, on the opposite to the methods that used to initiate the learning process
through abstract notions.
Keywords: Reforms. Public instruction. Teachers formation. Basic school. Elementary school.
Modern Pedagogy. Province president. Inglês de Souza.
15
RESUMEN
Esta tesis busca comprender la reforma de la istrucción pública realizada en 1882, en el
Espírito Santo, por el presidente de la Provincia, Inglês de Sousa. Parte de la hipótesis de que
la circulación de los modelos pedagógicos, durante el Segundo Imperio, es señal de las luchas
de representaciones que se originan en el periodo, y determinan la sustituición de los métodos
de enseñanza empleados para la formación de los profesores en las escuelas normais y de los
alumnos de las escuelas primarias. Para entender la reforma, y aclarar la circulación de los
modelos pedagógicos en ella contenidos, fue analizado el papel desempeñado por el
presidente de la Provincia como administrador de los negocios del Imperio y agente de
control y organización del Estado. En ese proceso fueron estudiadas las experiencias
desarrolladas por Inglês de Sousa en las tres Provincias en que asumió cargos públicos (São
Paulo, Sergipe y Espírito Santo). Procura comprender el modelo de escuela que Inglês de
Sousa divulgó y la forma escolar propuesta en sus reformas. La pesquisa apunta que la
instrucción pública reformada fue comprendida por Inglês de Sousa como la única esperanza
posible para la modernización del Brasil y camino para integrar el Imperio al “nivel del
siglo”. La reforma, como estrategia de modernización que él comprendió, fue producida de
acuerdo con sus convicciones liberales y positivistas, sobre las virtudes de la educación como
factor de progreso, que no prescindia de la necesaria laicización de la enseñanza. De ese
modo, la Pedagogia Moderna que él aboga en sus reformas es aquella que se fundamenta en
enseñanza intuitiva y en las lecciones de cosas que él va a designar como pedagogia
experimental, pues en ese modelo, la experiencia sensible ha venido en primero lugar, como
una enseñanza concreta, contraria a los métodos que iniciaban el aprendizaje por nociones
abstractas.
Palabras claves: Reformas. Instrucción publica. Formación de profesores. Escuela normal.
Escuela primaria. Pedagogia Moderna. Presidente de provincia. Inglês de Sousa.
16
RÉSUMÉ
Cette thèse cherche à comprendre la réforme de l’instruction publique réalisée en 1882, à
Espírito Santo, par le président de la Province, Inglês de Sousa. Elle part de l’hypothèse que la
circulation des modèles pédagogiques durant le Second Empire est une marque des luttes de
représentations qui se sont engendrées pendant cette période et qui rendent évidentes la
substitution des méthodes d’enseignement employées pour la formation des professeurs dans
les écoles normales et des élèves dans les écoles primaires. Pour comprendre la réforme, et
rendre claire la circulation des modèles pédagogiques présents en elle, le rôle joué par le
président de la Province comme administrateur des affaires de l’Empire et agent de contrôle et
d’organisation de l’État a été analysé. Dans ce procès, les expériences développées par Inglês
de Sousa dans les trois Provinces dans lesquelles il a travaillé dans des postes publics ont été
étudiées (São Paulo, Sergipe et Espírito Santo). Ce travail cherche à comprendre le modèle
d’école que Inglês de Sousa a divulgué et la forme scolaire proposée dans ses réformes. La
recherche indique que l’instruction publique reformée a été comprise par Inglês de Sousa
comme le seul espoir possible pour la modernisation du Brésil et le chemin pour intégrer
l’Empire au «niveau du siècle ». La réforme, comme stratégie de modernisation qu’il a
entrepris, a été produite d’après ses convictions libérales et positivistes, sur les virtues de
l’éducation comme facteur de progrès, qui ne renonçait pas à la nécessaire laïcisation de
l’enseignement. De cette manière, la Pedagogie Moderne qu’il défend dans ses réformes est
celle qui se base sur l’enseignement intuitif et dans les leçons des choses qu’il va désigner
comme pédagogie expérimentale, puisque, dans ce modèle, l’expérience sensible venait en
premier lieu comme un enseignement concret, contraire aux méthodes qui débutaient
l’apprentissage par des notions abstraites.
Mots-clés: Réformes. Instruction publique. Formation de professeurs. École normale. École
primaire. Pedagogie Moderne. Président de Province. Inglês de Souza.
17
LISTA DE SIGLAS
AALPSP 1880 Annaes da Assembléa Legislativa Provincial de São Paulo
AAPES 1882 Annaes da Assembléa Provincial do Espirito-Santo
RIPPS 1879 Regulamento da Instrucção Publica da Provincia de Sergipe
de 9 de janeiro de 1877 com as alterações ulteriores até o 1º
de abril de 1879
RGIPPS 1881 Regulamento Geral da Instrucção Publica da Provincia de
Sergipe
RIPPS 1882 Regulamento da Instrucção Publica da Provincia de Sergipe
RGIPPES 1882 Regulamento Geral da Instrucção Publica da Provincia do
Espirito Santo
18
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1
CURSO NORMAL OFERECIDO NA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO
SANTO EM 1873 .........................................................................................
80
QUADRO 2
MATÉRIAS ENSINADAS NO ATENEU PROVINCIAL EM 1877 ......
81
QUADRO 3
MATÉRIAS ENSINADAS NO COLÉGIO NOSSA SENHORA DA
PENHA EM 1877..........................................................................................
82
QUADRO 4
INTRODUÇÃO DO REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA
DA PROVÍNCIA DE SERGIPE EM 1881 ................................................
179
QUADRO 5
CADEIRAS QUE COMPUNHAM O ENSINO NORMAL EM
SERGIPE NO ANO DE 1881 .....................................................................
181
QUADRO 6
CADEIRAS DO ATHENEU SERGIPENSE EM 1881 ............................
191
QUADRO 7
CADEIRAS QUE COMPÕEM O ATHENEU SEGIPENSE A PARTIR
DO REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1882
...............................................................................................................
195
QUADRO 8
MATÉRIAS QUE COMPÕEM O ENSINO NORMAL A PARTIR DO
REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1882 DA
PROVÍNCIA DE SERGIPE .......................................................................
196
QUADRO 9
CADEIRAS OFERECIDAS PELO ATENEU PROVINCIAL EM 1882
...............................................................................................................
258
QUADRO 10
CADEIRAS QUE CORRESPONDIAM AO ENSINO NORMAL EM
1882 ...............................................................................................................
259
QUADRO 11
CURSO DE COMÉRCIO DO ATENEU PROVINCIAL .......................
262
QUADRO 12
CURSO SECUNDÁRIO DE AGRICULTURA DO ATENEU
PROVINCIAL...............................................................................................
262
QUADRO 13
CURSO SECUNDÁRIO DE LETRAS DO ATENEU PROVINCIAL ..
264
QUADRO 14
PRIMEIRA SÉRIE, CURSO GERAL DO ATENEU PROVINCIAL ...
265
QUADRO 15
SEGUNDA SÉRIE DO ATENEU PROVINCIAL ...................................
265
19
SUMÁRIO
N
TRODUÇÃO ......................................................................................................................
20
1.1 O itinerário da pesquisa ........................................................................................
20
1.2 A organização do referencial teórico-metodológico da pesquisa .......................
33
1.3 A análise e a problematização dos documentos em sua materialidade .............
47
C
APÍTULO – A INSTRUÇÃO PÚBLICA NA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO:
D
EBATES QUE ANTECEDERAM A REFORMA DE 1882 ...........................................
68
2.1 O modelo escolar de formação de professores no Espírito Santo: uma
instituição em transição no século XIX ................................................................
70
2.2 A instrução pública nos debates parlamentares: a escolarização gratuita
e a obrigatoriedade como alavancas do progresso ....................
87
C
APÍTULO – A ESCOLA NORMAL DE SÃO PAULO: MODELOS
P
EDAGÓGICOS EM CIRCULAÇÃO – REPRESENTAÇÕES SOBRE A
ORMAÇÃO DOS PROFESSORES .................................................................................
110
3.1 A reforma da instrução pública em discussão: a escola normal e a formação
dos professores .......................................................................................................
115
3.2 Reforma da instrução pública de São Paulo: o embate entre os modelos de
formação .................................................................................................................
136
C
APÍTULO – AS REFORMAS DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1881 E 1882:
L
UTAS DE REPRESENTAÇÕES EM SERGIPE SOBRE O SIGNIFICADO DA
E
SCOLARIZAÇÃO ..............................................................................................................
159
4.1 O presidente de província: análise da sua posição burocrática no Segundo
Império ...................................................................................................................
161
4.2 Inglês de Sousa e a reforma da instrução pública em Sergipe: entre a
tradição e renovação ..............................................................................................
175
C
APÍTULO – SILVA JARDIM E AS CONFERÊNCIAS PEDAGÓGICAS:
M
ODELANDO A PRÁTICA DOCENTE NA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO ..
202
5.1 A Cartilha Maternal e a evolução social ..............................................................
213
5.2 Apropriações do método João de Deus ................................................................
217
5.3 Estratégias de divulgação legitimação do método João de Deus .......................
224
20
C
APÍTULO – A REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DA PROVÍNCIA DO
E
SPÍRITO SANTO: ESTRATÉGIAS E DISPOSITIVOS DE CONFIGURAÇÃO DA
E
SCOLA PRIMÁRIA EM 1882 ...........................................................................................
237
6.1 Gratuidade, obrigatoriedade e laicidade: pontos nevrálgicos
da reforma ....................................................................................................
239
6.2 O ensino primário e sua organização ...................................................................
247
6.3 Os jardins de infância ............................................................................................
255
6.4 Castigos e recompensas .........................................................................................
256
6.5 Grade de matérias do Ateneu Provincial .............................................................
258
5.6 A distribuição das matérias na escola normal .....................................................
259
6.7 O ensino especial ....................................................................................................
261
6.8 Curso complementar de letras ..............................................................................
263
6.9 A organização do plano de estudos do Ateneu Provincial ..................................
264
6.10 A educação como motor do progresso ................................................................
267
C
ONCLUSÕES ......................................................................................................................
279
R
EFERÊNCIAS .....................................................................................................................
287
Bibliografia sobre Herculano Marcos Inglês de Sousa .............................................
287
Bibliografia sobre História da Educação de São Paulo ............................................
288
Bibliografia sobre História da Educação de Sergipe ................................................
289
Bibliografia sobre História da Educação do Espírito Santo ....................................
290
Produção bibliográfica de Herculano Marcos Inglês de Sousa ...............................
291
Referências teórico-metodológicas .............................................................................
292
F
ONTES PRIMÁRIAS .........................................................................................................
301
Anais das assembléias provinciais de São Paulo e Espírito Santo ...........................
301
Jornais ...........................................................................................................................
301
Leis .................................................................................................................................
303
Regulamentos ...............................................................................................................
303
Relatórios dos presidentes de Província .....................................................................
303
21
1 INTRODUÇÃO
1.1 O itinerário da pesquisa
Este estudo é o resultado de uma investigação que buscou compreender a História da
Educação no Estado do Espírito Santo, enfatizando mormente a constituição do modelo de
formação no século XIX, como lócus da formação de professores para as escolas de primeiras
letras
Ao apresentar o projeto de doutoramento no Programa de Estudos Pós-Graduados em
Educação: História, Política, Sociedade (EHPS), minhas expectativas de pesquisa eram
outras: formado originalmente em Educação Física na Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES), as perspectivas de estudos que projetava dirigiam-se, especialmente, para a
investigação de objetos que se correlacionassem com a minha formação de base. Nesse
sentido, o projeto anterior era uma extensão do tema que tratei no mestrado. Neste, tive como
objeto de estudo uma revista sobre Educação Física que circulou entre os anos de 1932 a
1945, no Rio de Janeiro e em outros Estados do Brasil. Se, no estudo que realizei sobre a
revista Educação Physica, consegui dar passos importantes para compreender como esse
campo intelectual começa a se organizar nas décadas de 1930 e 1940, muita coisa ainda
necessitava ser feita, uma vez que não foi possível aprofundar algumas questões, quais sejam:
qual a relação da editora com o grupo que organizava o periódico? Qual a relação da revista
Educação Physica, com as outras coleções de revistas, de mesma temática, que circularam no
mesmo período? Quais outras estratégias poderiam ser mapeadas, nesse período, que se
relacionavam com a constituição de um campo intelectual para a área da Educação Física?
Esses eram alguns dos questionamentos que me propunha a responder naquele momento e que
ainda merecem ser levados a cabo por outras investigações.
Já no doutorado, em 2003, passei a integrar o grupo de pesquisa A Constituição da
“forma escolar” no Brasil: produção, circulação e apropriação de modelos pedagógicos
(2002), coordenado pelas professoras Marta Maria Chagas de Carvalho e Maria Rita de
Almeida Toledo. Nesse grupo, tínhamos como objeto de investigação, entre outros temas, o
processo de escolarização dos saberes elementares, perguntando sobre o processo de
institucionalização da escola primária no Brasil, sobre um modelo escolar que passa por um
22
processo de gradativa especificidade como escola de primeiras letras. Ou seja, “[...] um
questionário de investigação interessado em determinar a natureza e a extensão da demanda
social pelas habilidades de ler, escrever e contar” (CARVALHO, 2003, p. 323, grifos da
autora).
Para responder às demandas da participação no grupo, passei a coletar documentos no
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Em uma das muitas visitas que fiz à instituição,
fiquei sabendo que uma escola estadual da cidade de Vitória, Escola Maria Ortiz, havia sido
anteriormente uma Escola Normal. Nesse momento recolhi todo o material disponível no
arquivo sobre o tema e projetei compreender o processo de institucionalização do ensino
normal no Estado do Espírito Santo.
Entre os materiais localizados, encontrava-se um livro de 22 páginas intitulado 100
anos: Escola Maria Ortiz – escola de talentos. Nesse documento, havia algumas pistas sobre
a Escola Normal, já alguma sistematização sobre a história dessa instituição, mas tudo muito
lacunar; ainda assim, boas indicações de alguns caminhos a serem percorridos. O passo
seguinte seria visitar a Escola Maria Ortiz, instituição que funciona hoje nas dependências do
que foi a antiga Escola Normal da Província do Espírito Santo, ou Escola Normal D. Pedro II.
Após conversar com a diretora da escola, tive acesso a uma pequena caixa de arquivos que
guarda a diminuta memória do que foi a Escola Normal. Nesse pequeno “baú de memórias”,
existiam alguns álbuns de fotos das normalistas, que ingressaram na instituição na década de
1920. Na visita, também encontrei alguns recortes de jornais sobre a história da Escola
Normal, produzidos, especialmente, pelo poeta e escritor capixaba Geraldo Costa Alves.
Esses textos se configuravam em pequenas notas redigidas para o jornal A Gazeta, a partir de
1959, algumas fotos de ex-alunos e um histórico datilografado sobre a História da Escola de
1º e 2º graus “Maria Ortiz”. Esse era todo o material que a instituição guardava do período
em que era uma escola normal.
Tendo escolhido inicialmente como objeto de estudo o tema da escolarização,
especialmente, dos debates e da criação de uma instituição para formação de professores no
Estado do Espírito Santo, fui levado a concentrar meus esforços na localização de estudos que
tivessem como foco a História da Educação do Espírito Santo no século XIX, assim como
investi na captação de fontes primárias, analisando os relatórios produzidos pelos presidentes
de Província e seus diretores da instrução pública.
O mapeamento de fontes para o estudo colocou-me em contato com o Fundo de
Educação, do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, um catálogo de documentos no
qual foram organizados: as leis, os decretos, os regulamentos da instrução pública do Estado
23
do Espírito Santo, os ofícios recebidos e expedidos pela Secretaria da Instrução Pública, os
requerimentos recebidos pelos diretores da Escola Normal, os livros de ponto dos
funcionários da inspetoria geral do ensino e Escola Normal, livro de registros das
correspondências oficiais do diretor do Colégio Normal “Atheneu Provincial” com os
professores e outros funcionários, livros de atas dos exames de habilitação ao magistério
primário, livros de matrículas de alunos no curso normal “Atheneu Provincial”, etc.
Também encontrei os Relatórios dos presidentes da Província do Espírito Santo
(digitalizados) do ano de 1842 ao ano de 1888,
1
assim como algumas obras que buscavam
discutir a condição econômica e social do Estado do Espírito Santo e a sua História, também
digitalizadas.
No levantamento de estudos sobre a História da Educação no Estado do Espírito
Santo, sobretudo relacionada com o século XIX, percebi que poucos são os estudiosos que
direcionaram seus interesses a esse período da História.
2
No arrolamento bibliográfico que
realizei, foi possível o acesso a um conjunto de estudos (por intermédio de anais de
congressos, revistas, monografias, teses e livros) que parece indiciar um baixo investimento
na temática,
3
quando comparado com o fluxo de estudos produzidos em outros Estados do
Sudeste que já possuem uma maior tradição e grupos consolidados em torno do tema da
escolarização em uma perspectiva histórica.
4
1
Também utilizei os Relatórios dos Presidentes da Província do Espírito Santo disponibilizados no site da
Universidade de Chicago (http://www.crl.edu/content.asp?l1=4&l2=18&l3=33&l4=22).
2
Outras pesquisas enfocando a História da Educação Espírito-Santense, em períodos posteriores ao século
XIX, podem ser localizadas com base nos quadros veiculados no estudo de Simões e Franco (2005), A
produção acadêmico-científica sobre a história da educação no Estado do Espírito Santo (1992-2002).
3
Simões e Franco (2004), ao tecerem algumas reflexões sobre a produção, socialização e investigações sobre a
Histórica da Educação no Espírito Santo, relatam que, no caso dessa região, dois desafios se apresentam aos
pesquisadores preocupados com a escrita da História da Educação local, quais sejam: “[...] a) a escassez da
produção historiográfica dirigida ao Estado [...] e à realidade educacional em particular; b) a precariedade e a
dispersão de fontes”. Esse diagnóstico tende a ser superado pois, no ano de 2004, foi publicado um primeiro
levantamento denominado História da Educação no Espírito Santo: catálogo de fontes (impresso e em CD-
ROM) coordenado por Simões e Franco. Produzido basicamente com base no acervo do Arquivo Público do
Estado do Espírito Santo, essa ferramenta tende a ser cada vez mais utilizada uma vez que disponibiliza
registros com nome de autor, título da publicação, ano do lançamento e um resumo sucinto do conteúdo que
pode se encontrado na fonte primária ou secundária catalogada, além dos seus anexos, que ajudam a localizar
com muita facilidade temas e objetos de estudos. Ver também Simões e Franco (2005), A produção
acadêmico-científica sobre a história da educação no Estado do Espírito Santo (1992-2002), em que são
analisadas, com base no catálogo de fontes elaborado no ano de 2004, as tendências teórico-metodológicas,
recortes temporais e temáticos dos estudos que enfocaram a História da Educação do Espírito Santo.
4
Não estou contabilizando os capítulos, subcapítulos ou notas publicadas em livros sobre a história do Espírito
Santo que algumas vezes trazem informações sobre a História da Educação, de estabelecimentos de ensino e
de reformas educacionais empreendidas em terras capixabas. Os exemplos são muitos, desde o livro sobre
História do Estado Espírito Santo, publicado em 1951 por José Teixeira de Oliveira, a obra História do
Espírito Santo de Maria Stella de Novaes (19--), a coleção História do poder legislativo do Espírito Santo
(1835-1889) de autoria de Tristão (1984) e um livro mais recente História e Geografia do Espírito Santo
(2005) de autoria de Adriano Perrone e Thais Helena Leite Moreira.
24
Os estudos que focalizam a História da Educação do Espírito Santo, no século XIX,
são uma um livro escrito por Mattos, em 1927, que procurava produzir uma periodização para
a História da Educação capixaba,
5
dois artigos publicados na Revista Educação, escritos por
Leal (1980a; 1980b), intitulados como História da Educação no Espírito Santo. Foi possível
encontrar também um livro, sobre a temática, escrito por Coutinho (1993), denominado Uma
história da educação no Espírito Santo, três artigos publicados em anais de congressos: nos
Anais da 24ª Reunião Anual da Anped, um estudo produzido por Schwartz (2001), com o
título de O início da escolarização formal da mulher capixaba (1845-1850); uma análise
veiculada nos Anais do XIV Simpósio de História de Vitória, escrito por André (2003), no
qual debate As reformas educacionais na Província do Espírito Santo e o registro de uma
investigação, nos Anais do III Congresso Brasileiro de História da Educação, escrito por
Gondra e Tavares (2004), em que analisam A instrução reformada: ações de Couto Ferraz
nas províncias do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Corte Imperial (1848-1854).
A monografia localizada possui como título A educação da mulher na Província do
Espírito Santo no período Imperial. Escrita por Barcelos (2000), foi pré-requisito para a
conclusão da especialização em História do Brasil, no Departamento de História do Centro de
Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo.
As duas teses, uma escrita por Franco (2001) e outra por Novaes (2001), são oriundas
do processo de doutoramento realizado pelos autores em universidades de São Paulo. O
estudo escrito por Franco (2001) aborda o processo de feminização do magistério no Estado
do Espírito Santo. Em parte, analisa a História da Educação capixaba no século XIX e
circunscreve sua investigação ao período denominado como a Primeira República. A tese tem
como tema Do privado ao público: o papel da escolarização na ampliação de espaços sociais
para a mulher na Primeira República. O autor, para desenvolver seu estudo, enfoca duas
escolas de formação de professores, a Escola Normal de Vitória e o Colégio Nossa Senhora
5
Ao analisar a obra de Mattos, escrita em 1927, como forma de comemorar Um século de ensino no Espírito
Santo, é possível perceber que os anos 80 do século XIX é um marco importante para a História da Educação
capixaba. Utilizando basicamente os relatórios dos presidentes da Província, periodiza o autor (1927) a
História da Educação no Espírito Santo em quatro momentos. “O primeiro, data do Decreto de D. Pedro I
(1827), a 1882, com a reforma Inglez de Souza que inicia o segundo periodo. O terceiro começa com o Dec.
n. 2 de 4 de Junho de 1892. quando entrou o E. Santo, na sua phase constitucional na República; o quarto,
data da reforma de 1908 que se projecta até o presente” (MATTOS, 1927 p. 113). A periodização proposta
por Mattos (1927) é interessante pois estabelece um corte a partir de 1827, com o Decreto de D. Pedro I. Este
decreto, promulgado em 15 de outubro de 1827, estabeleceu a criação das Escolas de Primeiras Letras e sua
generalização para todo o País, tornando oficial o ensino mútuo e abolindo as aulas régias. Ver Saviani
(2006) em O legado educacional do “breve século XIX” brasileiro. A periodização assumida por Mattos
(1927), desconsidera todo o período anterior, mormente a obra dos jesuítas no Espírito Santo e os resultados
das reformas pombalinas para a instrução pública na Província do Espírito Santo. Ao mesmo tempo o autor
(1927) eleva a reforma da instrução pública realizada por Inglês de Sousa, em 1882, a um marco importante
25
do Carmo, e utiliza, como fontes, documentos legais e entrevistas de ex-alunas das respectivas
instituições. Conforme o autor, sua intenção foi contribuir para a discussão da educação
feminina no Brasil, assim como com as questões de gênero na História da Educação, da
valorização da mulher e da feminizarão do magistério.
A segunda tese foi produzida por Novaes (2001) com o título República, escola e
cidadania: um estudo sobre três reformas educacionais no Espírito Santo (1882-1908) e tem
seu foco parcialmente direcionado para o século XIX. De acordo com a autora, o estudo teve
como objetivo discutir as reformas educacionais empreendidas pelos presidentes da
Província/Estado do Espírito Santo. Em primeiro lugar, conforme a autora, a realizada por
Herculano Marcos Inglês de Sousa em 1882, em segundo lugar, a empreendida por José de
Mello Carvalho Moniz Freire em 1892 e, em terceiro lugar, a conduzida pelo governo de
Jerônimo Monteiro em 1908. De acordo com a autora, a intenção do estudo foi comparar os
principais pontos de convergências e divergências que poderiam ser destacados em relação às
propostas pedagógicas das três reformas citadas.
No processo de comparação das reformas, Novaes (2001) traz informações
importantes para se compreender a constituição político e econômica do Espírito Santo, assim
como a conformação de um quadro intelectual, formados por bacharéis, que passaram a
conduzir os interesses da Província a partir das últimas duas décadas do Segundo Império. Em
relação à administração de Inglês de Sousa, como presidente da Província, uma das
conseqüências do processo de reforma, para Novaes (2001, p. 106), foi o fortalecimento dos
“[...] vínculos intelectuais com as doutrinas educacionais positivistas”, além dos vínculos que
são formados e passam a configurar o cenário político local, antes e depois da proclamação da
República. Nesse sentido, o estudo de Novaes funciona como um mapa do movimento
político e educacional no Espírito Santo, em que é possível traçar rotas de investigação. Mas,
por recobrir um período extenso, do ano de 1882 ao ano de 1908, alguns pontos não puderam
ser suficientemente aprofundados. Embora o estudo tenha desbravado os arquivos em busca
de fontes, foi escassa a literatura de apoio, enfocando em particular a História da Educação do
Espírito Santo no período que antecede a República.
Ao analisar o estudo de Novaes (2001), percebi que, ao discutir a reforma da instrução
pública realizada por Inglês de Sousa, em 1882, algumas questões não faziam parte de seu
questionário. A autora não chegou a perguntar o que legitimava esse homem público como
reformador, ou em quais locais havia atuado, que lhe garantiriam a experiência necessária
Cont. da nota anterior
para a História da Educação Espírito-Santense.
26
para assumir a cadeira de presidente e divulgador de novas idéias acerca da instrução pública.
Também percebi que, para discutir a gestão de Inglês de Sousa e sua reforma da instrução
pública, Novaes (2001) fez a opção de se apoiar em apenas um jornal, A Província do Espírito
Santo,
6
ao passo que outros dois, impressos, O Espirito-Santense e O Horizonte, tão
importantes quanto aquele, estavam circulando com a mesma regularidade na Capital da
Província.
7
Desse modo, apesar de o capítulo que analisa a gestão de Inglês de Sousa e suas
reformas trazerem informações interessantes sobre o panorama político que é criado na
Província com a chegada do novo presidente (a maneira como ele lida com as questões
educacionais, a contratação de Silva Jardim para ministrar as conferências pedagógicas
valendo-se do ensino do método João de Deus e o modo com que procura organizar um outro
modelo escolar, com base no regulamento da instrução pública), não é possível perceber as
lutas de representações que se desenvolveram por intermédio dos periódicos a respeito do
tema,
8
uma vez que não se percebem as vozes contrárias ao ímpeto reformador do presidente.
Nesse sentido, o jornal, no estudo de Novaes (2001), figura apenas como receptáculo, em que
é possível buscar informações, não como dispositivos que compõem estratégias, muito bem
definidas, na luta pelo controle e delimitação de um lugar de poder e saber.
Para Novaes (2001, p. 92), “A compreensão do esforço reformador conduzido por
Inglês de Sousa [na Província do Espírito Santo] não é uma tarefa simples, porque a Instrução
Pública durante o Império não tinha uma estrutura simplificada”, apesar de a análise da
reforma possibilitar a compreensão dos procedimentos de institucionalização da escola na
Província do Espírito Santo, o que permite que se possam entender, quando comparadas com
as outras reformas que aconteceram posteriormente na Província, os processos pelos quais os
modelos pedagógicos circularam e foram utilizados pelos homens que ocuparam a presidência
da Província/Estado do Espírito Santo durante o final do Império e as primeiras duas décadas
da República.
9
6
As outras fontes primárias são o relatório produzido por Silva Jardim, como meio de demonstrar como havia
sido veiculado o programa de alfabetização da Cartilha Maternal e os resultados das conferências
pedagógicas que tinha realizado na Província, o regulamento da instrução pública, produzido em 1882, e o
relatório produzido por Inglês de Sousa ao passar o cargo para seu sucessor na cadeira de presidente.
7
No meu estudo utilizo também o jornal A Província do Espírito Santo, mas, nesse caso, percebendo as
diferentes formas com que se noticiam as ações que envolvem a reforma da instrução pública, buscando
captar, em particular, nos impressos, as lutas de representações, dentro do quadro político e educacional da
Província, e seus usos como dispositivos que fazem parte das estratégias de configuração de um lugar de fala
autorizada em relação à instrução pública.
8
Muito menos por intermédio dos anais da Assembléia Província, fonte importantíssima para se perceber a
luta política pelo controle do campo educacional.
9
Para Novaes (2001), os anos finais do Segundo Império são importantes para se compreender a História da
27
Nas suas investigações, sobre as três reformas da instrução pública (1882, 1892 e
1908) que ocorreram no Espírito Santo, Novaes analisa que os reformadores partiam sempre
de profundas críticas aos modelos anteriores.
Embora na prática eles tivessem vários pontos de convergência, no
plano do discurso funcionava sempre como se nada de aproveitável
houvesse até então. Este é um dos elementos que ajudam a entender
porque a presença de um republicano e propagandista importante
como Silva Jardim tivesse ficado perdido na memória. Talvez tenha
sido proposital. Partia do desejo de negar fundamentações anteriores
para fazer valer a idéia da novidade absoluta (NOVAES, 2001, p. 13).
A operação apontada por Novaes (2001) de apagamento de parte da História da
Educação Espírito-Santense e as dificuldades que aponto em encontrar pesquisas que tenham
se debruçado sobre a história educacional do século XIX, em terras capixabas, demonstram
uma tendência mais geral, uma vez que escrever sobre a História da Educação, no Brasil, até
pouco tempo, era remontar a uma História que tem seu início na década de 1930,
10
uma
História forjada, em grande parte, pela memória
11
construída pelos renovadores da educação e
cristalizada ao longo dos anos por pesquisas que vieram utilizar, como marco periodizador
para esse campo do conhecimento, o legado deixado pelos “pioneiros” da escola nova.
Cont. da nota anterior
Educação, tanto em relação às modificações que ocorreram na esfera política, quanto no campo educacional.
Novaes (2001) chama a atenção para o fato de que a reforma de 1882, realizada por Inglês de Sousa ficou,
por muito tempo esquecida e mesmo o contato que tivera com a documentação deu-se sem ser intencional.
Esse contato, segundo a autora, ocorreu quando buscava documentos no Arquivo Público do Estado do
Espírito Santo para compreender as “[...] influências intelectuais que estavam presentes no cenário local,
descobrimos a presença de uma figura que até então não havia ganho relevo na pesquisa: Herculano Marcos
Inglês de Sousa” (NOVAES, 2001, p. 4).
10
Ver Bontempi Junior (1995) na obra: História da educação brasileira: o terreno do consenso. Em pesquisa
realizada, sobre a produção de teses e dissertações nos programas de Pós-Graduação, tendo como tema a
História da Educação, Bontempi Junior (1995, p. 98), verificou que a “[...] diretriz postulada nos anos 30 e
40, de tomar 1930 como ponto de inflexão na história do Brasil [...], consta de maneira geral, da maior parte
das tentativas de explicação do Brasil produzidas ao longo dos anos 50 e 80”, o que demonstra o baixo
investimento em pesquisas relacionadas com o século XIX, principalmente sobre o período anterior à
proclamação da República, por pesquisadores interessados em conhecer a História da Educação desligada das
malhas discursiva, produzidas mediante a afirmação de que somente na década de 1930 aparecem as
condições concretas para se instituir a escola como uma instituição moderna e o estabelecimento pleno da
forma escolar.
11
A memória construída pelos “pioneiros” da escola nova, principalmente por Fernando de Azevedo, é bem
retratada no estudo de Toledo (1995), que analisar os procedimentos de montagem do livro A Cultura
Brasileira, as estratégias argumentativas, as seleções das fontes, o uso que faz dos autores de referência e os
critérios utilizados para decidir a periodização do estudo. Também observa Toledo (1995) que boa parte das
pesquisas que buscaram analisar ou criticar a obra de Azevedo sucumbiram à lógica imposta pelo autor, pois
deixaram ser conduzidas por uma “mão invisível” que estabelece desde o critério de seleção das fontes até o
formato da construção da argumentação central, que tende à polarização entre as lutas do novo versus velho
ou renovadores versus tradicionalistas, ou seja, o progresso contra o atraso, ou o bem contra o mal.
28
O investimento que foi feito a partir da década de 1930, para tornar aquele período
como o inaugural de muitos temas, surtiu seus efeitos. Em relação à História da Educação, a
principal obra que passou a agir como catalisador foi o trabalho de Fernando de Azevedo,
encomendado para servir de introdução ao censo de 1943 e sintetizado na forma do livro A
Cultura Brasileira. Mas esse fato não é novidade, porquanto Carvalho há muito
12
vem
demonstrando, em seus estudos, que A Cultura Brasileira se tornou uma obra de referência a
qual é muito difícil escapar, pois, apesar de lacunar, foi capaz de compendiar muito do que foi
feito em relação à educação no Brasil do período da colônia até a República. Esse fato, que
torna A Cultura Brasileira tão atraente para se investigar a História da Educação brasileira,
também fez com que se configurasse como um empecilho para o avanço dessa área, uma vez
que colocou no vazio boa parte do que foi produzido anteriormente à década de 1930, ou seja,
projetar a História da Educação anterior à década de 1930 era escrever sobre algo que não
houve.
De acordo com Carvalho (2003), reflexos dos usos que foram feitos da obra de
Fernando de Azevedo (A Cultura Brasileira) apresentam-se na pouca importância que passou
a se consagrar ao período histórico anterior à Revolução de 1930, pelas pesquisas que se
propunham a discutir a História da Educação no Brasil. Para Carvalho (2003, p. 321),
[...] a hegemonia que os chamados renovadores da educação
consolidaram no campo educacional brasileiro possibilitou não
somente fincar orientações doutrinárias no campo da pedagogia como
também difundir, largamente, representações sobre a história
educacional brasileira [...] (grifos da autora).
Conforme Carvalho (1997, p. 9), “[...] a voz do narrador de A Cultura Brasileira pode
ser ouvida, ainda hoje, nas seleções de períodos e de temas de estudo, nos padrões descritivos
e explicativos e na periodização que configuram o objeto da investigação e o modo de narrá-
lo” (grifos da autora).
De acordo com Carvalho (2003, p. 322),
12
Ver, por exemplo, o artigo lançado em 1989, com o título: O novo, o velho, o perigoso: relendo A Cultura
Brasileira, em que a autora investiga a narrativa azevediana, com a qual Fernando de Azevedo, ao mesmo
tempo em que produz o efeito de apagamento de boa parte das iniciativas educacionais anteriores a 1930,
busca também produzir uma memória para a Estado Novo, como o coroamento dos anseios de modernização
educacional, assim como para o grupo de signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, como
movimento homogêneo. Ver também o artigo lançado em 1993, designado como Escola, memória,
historiografia: a produção do vazio, em que Carvalho discute as estratégias de apagamento “[...] tanto no
âmbito da prática dos agentes históricos, quanto na de seus interpretes – têm determinado que a escola seja
29
Em razão da força dessa matriz interpretativa [azevediana],os estudos
de história da escola no Brasil são ainda hoje muito incipientes. Não
somente porque ainda são escassos os estudos sobre o tema nos
períodos históricos que antecederam a proclamação da República, mas
sobretudo porque o objeto ‘escola’ não foi ainda suficientemente
desembaraçado das malhas da narrativa que o produziram e o
conformaram segundo determinados pressupostos políticos e teóricos.
A pesquisa proposta foge às delimitações “impostas” pelo modelo azevediano, uma
vez que a periodização com que se trabalha, o recorte temático, as hipóteses de estudo e a
seleção das fontes
13
buscam seguir outros percursos. O recorte temático orienta-se para a
compreensão das estratégias e dispositivos que dão visibilidade às lutas de representações que
fazem parte do processo de configuração da forma escolar
14
no final do Segundo Reinado.
Estudar a História da Educação valendo-se não das oposições, novo versus velho,
renovadores versus tradicionalistas, mas dos dispositivos modelizadores, acionados por atores
sociais em processo de disputa pela voz autorizada, pode revelar as continuidades e
descontinuidades do processo de configuração de um determinado modelo de escolarização,
além de colocar em evidência os usos diferenciados e as práticas de transformação dos bens
culturais em circulação.
Ao ler o livro intitulado 100 anos: Escola Maria Ortiz – escola de talentos, um detalhe
passou a chamar a atenção e, naquele momento, pareceu ser significativo para se compreender
o processo de configuração da escola primária no final do Segundo Império. No documento,
informava-se que teria sido “[...] com a grande Reforma Silva Jardim, que a Escola Normal
15
teve em verdade a sua organização na distribuição de matérias e no atendimento às normas
pedagógicas” (100 ANOS, 1992, p. 7).
Cont. da nota anterior
uma espécie de personagem ausente, apesar de sempre referida, da história educacional brasileira” (p. 11).
13
Os documentos selecionados são de duas ordens: fontes primárias, quando se tratavam de registros
produzidos pelos sujeitos contemporâneos, ligados diretamente ao acontecimento, ou seja, fontes empíricas
diretas. As fontes secundárias, ou de apoio, quando produzidas em outro momento, contendo leituras,
informações e interpretações do acontecimento, também servindo para subsidiar a construção do objeto.
14
Vincent, Lahire e Thin (2001) fazem uso dessa expressão para discernir a invenção da forma escolar, como
novo meio de socialização pela escola estritamente ligada a uma nova ordem urbana social, do surgimento
puro e simples da prática do ensino. Por isso coloca sua teoria como contraponto às abordagens que tratam a
história educacional de forma continuísta, às que lançam mão de análises norteadas por paralelismos e às que
se fecham recorrendo ao uso de metáforas.
15
Estudar o sentido da configuração do modelo de ensino das escolas primárias, com base nos debates a
respeito de uma instituição voltada para a formação de professores, ajuda a determinar quais saberes se
projetavam como necessários aos mestres das escolas de primeiras letras, uma vez que essas instituições são
compreendidas como instâncias de constituição, legitimação e difusão de um corpo de saberes profissionais
(CARVALHO, 2003).
30
A informação de que foi Silva Jardim o responsável pela reforma da instrução pública
é interessante, pois ele não era capixaba, mas um intelectual que, naqueles anos, atuava como
professor da aula primária do sexo masculino, anexa à Escola Normal de São Paulo.
16
Os dados a respeito da presença de Silva Jardim, como reformador da Instrução
Pública na Província do Espírito Santo, apresentaram-se como muito interessantes. Para
Carvalho (2000), a partir da proclamação da República, os governantes do Estado de São
Paulo investem na organização de um ensino modelar que funcionava como dispositivo de
luta pela hegemonia desse Estado na Federação, ao mesmo tempo em que esse modelo de
escolarização passava a ser erigido como símbolo do progresso que a República procurava
instaurar. Para a autora, “O investimento é bem sucedido e o ensino paulista logra organizar-
se como sistema modelar em duplo sentido: na lógica que presidiu a sua institucionalização e
na força exemplar que passa a ter nas iniciativas de remodelação escolar de outros estados”
(CARVALHO, 2000, p. 22).
Carvalho (2000), ao tratar da exportação do modelo paulista
17
para os outros Estados
da União, informa que pessoas interessadas na instrução pública dirigiam-se a São Paulo para
conhecer o que ali se fazia a respeito da educação e, nesse mesmo processo, havia os
empréstimos de técnicos para realizar as reformas educacionais de outras regiões do Brasil.
Ao que parece, a circulação de intelectuais provindos de São Paulo para outras regiões
do País é um processo que já se inicia durante o Segundo Império, ou será o caso de Silva
Jardim um fato isolado?
Ao concentrar os esforços de investigação no ano de 1882, foi possível compreender
que a reforma Silva Jardim, assim como aponta Novaes (2001), foi realizada na gestão de
Herculano Marcos Inglês de Sousa como presidente da Província do Espírito Santo. Nas
consultas ao Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, a fim de localizar fontes para
compreender a reforma da instrução pública do ano de 1882, foi localizado o original do
projeto do Regulamento Geral da Instrucção Publica da Provincia do Espirito Santo. Com a
16
Silva Jardim nasceu em 1860, na Província do Rio de Janeiro. Em 1878, matriculou-se na Faculdade de
Direito de São Paulo, curso que concluiu em 1882. Foi professor da seção masculina do curso anexo à Escola
Normal de São Paulo. Em 1881, aderiu à filosofia de Auguste Comte e inaugurou o primeiro centro
positivista de São Paulo. Em 1884, abriu, em sociedade com João Kopke, conhecido autor de obras didáticas,
a Escola Neutralidade, de ensino primário e laico. Escreveu e publicou, em 1884, um programa de Reforma
do ensino da língua materna. Considerado um dos republicanos radicais do Império, foi, após a proclamação
da República, preterido por seus companheiros. Por esse motivo, exilou-se na Europa. Silva Jardim morreu
na cidade italiana de Nápoles, em 1.° de julho de 1891, quando visitava o Vesúvio e foi tragado por uma
fenda que se abriu inesperadamente junto à cratera do vulcão. (LIMA, 1987).
17
Para Carvalho, o modelo paulista possui algumas características. São elas: “Ensino seriado, classes
homogêneas e reunidas em um mesmo prédio, sob uma única direção, métodos pedagógicos modernos dados
a ver na Escola Modelo anexa à Escola Normal e a monumentalidade dos edifícios em que a instrução
31
análise desse documento e leitura de alguns dos jornais que circularam no ano de 1882 (O
Espirito-Santense e O Horizonte), foi possível compreender que não foi Silva Jardim, apesar
de desempenhar um papel ativo, o responsável pela reforma da instrução pública do ano de
1882, como fazem crer as informações contidas no livro 100 anos: Escola Maria Ortiz –
escola de talentos, mas Herculano Marcos Inglês de Sousa.
Ao constatar que não foi Silva Jardim o articulador da reforma da instrução pública,
mas um intelectual mais conhecido como Inglês de Sousa,
18
o processo seguinte seria buscar
conhecer quem era esse homem público que, no ano de 1882, veio a assumir a presidência da
Província do Espírito Santo.
Ao ler as biografias e os estudos já realizados sobre Inglês de Sousa,
19
descobriu-se
que ele havia sido Bacharel em Direito, que tinha cursado o último ano de estudos (1875) na
Faculdade de Direito de São Paulo e os quatro primeiros anos na Faculdade de Direito de
Recife, era mais reconhecido pela atividade de escritor que havia produzido cinco romances
ambientados na Amazônia, região onde nascera. Os romances que escreveu são: O Cacaulista
(1876); História de um Pescador (1876); O Coronel Sangrado (1877); O Missionário (1891)
e Contos Amazônicos (1893). Na busca de documentos, descobri também que antes, de ser
presidente da Província do Espírito Santo, em 1882, havia sido presidente da Província de
Sergipe, em 1881, e anteriormente deputado Províncial na Província de São Paulo, em 1880.
Essas informações me motivaram a consultar os arquivos públicos dessas duas localidades em
busca de subsídios para compreender as representações que são mobilizadas pelo reformador
no processo de produção e desenvolvimento das reformas da instrução pública.
20
Desse modo,
Cont. da nota anterior
pública se faz signo do Progresso” (CARVALHO, 2000, p. 226).
18
Durante o processo de busca por fontes primárias e secundárias para o desenvolvimento da pesquisa, o nome
de Inglês de Sousa foi encontrado grafado de diferentes formas. Optei por esta que faço uso. Como também
optei em preservar a grafia original nas citações diretas, Inglês de Sousa aparecerá transcrito de outras formas
durante o desenvolvimento do estudo.
19
Para compreender a formação de Inglês de Sousa, poucas são as pesquisas disponíveis. As que foram
localizadas são pequenas biografias produzidas por escritores que compõem/compuseram a Academia
Brasileira de Letras: Marques (1920); Octávio Filho (1955) e Corrêa (1990 e 2003); ou por intelectuais que
tiveram como foco a história da literatura brasileira: Pereira (1945); Hollanda (1946); Sodré (1960); Josef
(1963); Amora (1974) e Barreto (2003).
20
Sobre a História da Educação no Espírito Santo, como já foi mencionado, poucas obras podem ser
localizadas. Entre as que me foi possível ter acesso, a única que aborda a reforma de 1882, realizada por
Inglês de Sousa, é o estudo de Novaes (2001). O caminho possível foi a consulta aos jornais que circularam
no período, a leitura dos relatórios dos presidentes da Província e os debates da Assembléia Provincial
sistematizados nos Anais da Assembléia. Já a passagem de Inglês de Sousa pela Província de Sergipe, apesar
de não ter sido menos turbulenta do que a que ocorreu no Espírito Santo, deixou muitos documentos
(relatórios, livros e artigos em jornais do período) e uma memória que constantemente é mobilizada para
explicar a História da Educação de Sergipe. Muitos trabalhos acadêmicos, como os produzidos por Nunes
(1984), Nascimento, Freitas e Nascimento (2002), Valença (2003), Santos (2004), Nascimento (2004),
Santana (2004), Santos (2004), tocam na reforma proposta por Inglês de Sousa para a instrução pública,
32
o período enfocado, no estudo, foi definido como aquele em que Inglês de Sousa assumiu
cargos públicos nas províncias de São Paulo (1880), de Sergipe (1881) e do Espírito Santo
(1882), e estabeleceu o recorte temático em torno das reformas da instrução pública, nos
modelos de formação de professores, para as escolas primárias que fez circular e nos
dispositivos utilizados para implementar o que denominava como Pedagogia Moderna nas
províncias.
Apesar de aparentar ser um processo bem simples, para se chegar a essa definição do
que seria a pesquisa, muitas outras foram projetadas. De início procurei compreender o
processo de institucionalização da Escola Normal, buscando, nos documentos provinciais, os
debates, as leis, os projetos, os regulamentos e os processos pelos quais essa modalidade de
ensino passou a ser pleiteada como local privilegiado para se formar o professor. As fontes
para tanto seriam os relatórios dos presidentes da Província do Espírito Santo e outros
documentos, como correspondências, anais da assembléia provincial, ofícios e jornais. A idéia
era compreender, na longa duração, em um período que teria seu início na década de 1830 até
a década de 1930, como circularam, foram debatidas e assentadas as idéias relacionadas com
um modelo exemplar/instituição modelar para formar professores de primeiras letras no
Espírito Santo. Desse modo, o ano que serviria como ponto de partida seria 1834, data em que
o Ato Adicional à Constituição do Império, Lei n.º 16, de agosto de 1934, dá poderes às
Assembléias Legislativas Provinciais, entre outras atribuições, de legislar sobre a instrução
pública. A década de 1930 foi levada em consideração para encerrar a pesquisa por três
motivos: o primeiro foi que, a partir de 1936, para ingressar no curso de formação de
professores, passa-se a ter como requisito que os alunos tivessem concluído o curso ginasial
de cinco séries; o segundo motivo é que, a partir dessa década, as políticas educacionais para
a formação de professores voltam paulatinamente a ser centralizadas pelo Estado Nacional; o
terceiro é que
[...] o interventor João Punaro Bley seguindo, como os demais
Estados, na Reforma Capanema [1936], instituiu, no Espírito Santo, o
Cont. da nota anterior
muito em virtude de ele ter entrado em atrito com a tradição de formação de professores que vigorava
naquela Província. Para uma leitura que busca analisar a produção historiográfica da educação em Sergipe,
ver o estudo desenvolvido por Nascimento (2003), Historiografia educacional Sergipana: uma crítica aos
estudos de história da educação. Sobre sua passagem pela Província de São Paulo, foi possível coletar
informações com base nos debates nos anais da assembléia provincial do ano de 1880 e 1881, por intermédio
da tese de Hilsdorf (1986), quando analisa as atividades políticas e educacionais de Francisco Rangel
Pestana, e pela leitura de alguns exemplares do jornal A Província de São Paulo que circularam durante o
período em que estava sendo debatida, em São Paulo, a reforma da instrução pública e a reabertura da escola
normal no ano de 1880.
33
curso e Formação de Professores, com 1ª e 2ª séries, em substituição
ao curso normal de quatro séries para diplomar [os] professores
primários (100 ANOS, 1992, p. 9).
Como essa periodização estava excessivamente longa, o que impossibilitaria os
aprofundamentos necessários ao tema, foi preciso realizar um corte. Um corte possível e que
não fugiria ao tema da implantação da Escola Normal em terras capixabas seria reduzir o
período investigado aos anos entre 1872 e 1936. Uma justificava plausível é que somente em
1872 uma Escola Normal passa efetivamente a funcionar na Capital da Província, em uma
sala do Ateneu Provincial, com alunos do sexo masculino, e em uma sala na Escola Nossa
Senhora da Penha, com estudantes do sexo feminino. A outra data delimitadora do estudo, até
aquele estágio de desenvolvimento da pesquisa, continuava válida. Mesmo com o novo
recorte temporal, ainda seria muito difícil aprofundar suficientemente o tema, sendo mais
lógico que o trabalho fosse realizado por um grupo de pesquisa. Desse modo, passei a me
concentrar em Inglês de Sousa e em suas reformas da instrução pública,
21
para dar a ver a
circulação, os debates e as apropriações dos modelos de formação de professores, nas
Províncias em que o reformador exerceu cargos públicos, que lhe permitiam tomar decisões a
respeito de qual modelo deveria ser adotado para a preparação dos docentes, para as escolas
primárias.
Após previamente conhecer a trajetória de Inglês de Sousa,
22
o foco da investigação
estava, parcialmente, definido. Assim, passei a proceder conforme os conselhos
metodológicos de Bloch (1984, p. 44): começar pelo “[...] mais bem ou do menos mal
conhecido para o mais obscuro”. Nesse caso, como recomenda Bloch (1984), é necessário que
se proceda como no desenrolar de um filme. Para o autor (1984, p. 45), no caso de estar “[...]
intacta a última película. Para reconstituir os vestígios apagados das restantes é forçoso,
primeiro desbobinar a película no sentido inverso das filmagens”. Para Bloch (1984, p. 44),
“Seria, com efeito, erro grave julgar que a ordem adoptada pelos historiadores nas suas
investigações tenha necessariamente de modelar-se pela dos acontecimentos”.
23
Assim,
21
Como Inglês de Sousa foi um intelectual que seguiu um caminho comum a muitos dos homens do século
XIX que construíram um itinerário de formação e de administradores das coisas públicas, como deputado e
presidente de Província, suas andanças pelo Brasil a serviço de seus interesses e também do partido ao qual
era filiado gerou muitos documentos, produzidos por amigos e adversários, que dizem respeito a suas
decisões administrativas e debates aprovando e desaprovando seu modo gerir os interesses das províncias.
Compreender esse panorama só foi possível ao lidar com a massa documental que foi preservada e que hoje é
guardada nos arquivos públicos que buscam conservar a história do século XIX.
22
Por intermédio dos relatos de alguns imortais da Academia Brasileira de Letras que conviveram com Inglês
de Sousa e também pela tese de Novaes (2001) que analisa sua gestão na Província do Espírito Santo como
presidente, no ano de 1882.
23
“Devemos acrescentar que procedendo mecanicamente de trás para a frente corremos sempre o risco de
34
comecei a investigação pelos debates que ocorrem na Província do Espírito Santo em relação
à reforma da instrução pública projetada por Inglês de Sousa, depois passei para os problemas
enfrentados por ele na realização da reforma da instrução pública na Província de Sergipe e
finalmente cheguei à sua atuação como deputado pela Província de São Paulo.
1.2 A organização do referencial teórico-metodológico da pesquisa
A pesquisa A circulação de modelos pedagógicos e as reformas da instrução pública:
atuação de Herculano Marcos Inglês de Sousa no final do Segundo Império integra o projeto
de estudos coordenado pelas professoras Marta Maria Chagas de Carvalho e Maria Rita de
Almeida Toledo, com o título A constituição da “forma escolar” no Brasil: produção,
circulação e apropriação de modelos pedagógicos (2002), que é desenvolvido na Pontifícia
Universidade de São Paulo, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História,
Política, Sociedade. As bases desse projeto estão explicitadas nas proposituras de estudos
lançadas por Carvalho (2003), com a seguinte designação: Modelos pedagógicos, práticas
culturais e forma escolar: proposta de estudos sobre a história da escola primária no Brasil
(1750-1940),
24
que vem a ser uma proposta de reescrita da história da escola, especialmente
na modalidade que se materializa como escola primária no Brasil, o que, segundo a autora,
vem há muito sendo naturalizada.
Conforme Carvalho (2003, p. 323), o projeto tem por “[...] finalidade determinar as
práticas, os processos e os dispositivos constituintes da especificidade ‘escolar’ da
modalidade de intervenção social chamada escola moderna” (grifos da autora). Para tanto,
trabalha com dois pressupostos:
[...] o de que a forma escolar é produto de práticas de apropriação
entendidas como práticas de transformação de matérias sociais
específicas; e o de que os modelos pedagógicos são objetos culturais
produzidos socialmente e que devem ser analisados em sua
materialidade (CARVALHO, 2003, p. 343, grifos da autora).
É nesse lócus teórico/metodológico que alicerço meus interesses, uma vez que analisar
os dispositivos que um reformador coloca em circulação e as disputas em relação a uma
Cont. da nota anterior
perder o tempo à caça dos primórdios ou das causas dos fenômenos que depois, à luz da experiência, se
revelarão talvez imaginários” (BLOCH, 1984, p. 44).
24
O texto encontra-se integrado à obra: A escola e a república e outros ensaios, em que Carvalho (2003)
35
determinada forma escolar é também questionar sobre as demandas de escolarização da
sociedade, é dar visibilidade à circulação de modelos, de projetos e de intelectuais
preocupados com a escola e a educação na modernidade.
Por quais meios Inglês de Sousa faz circular um modelo de formação para os
professores da escola primária? Quais eram os modelos que existiam nas províncias em que
circulou, ocupando cargos públicos, relacionados com a instrução pública que, acreditava,
deveria ser reformado? A quais modelos pedagógicos ele estava se contrapondo como
reformador? Quais estratégias foram mobilizadas e quais dispositivos, Inglês de Sousa,
colocou em ação para implantar a Pedagogia Moderna nas Províncias em que exerceu
capacidade de decidir sobre a esfera pública? Mas o que é a Pedagogia Moderna afirmada por
Inglês de Sousa como aquela que deveria balizar sua ação reformista?
Escrever e explicar o que é a Pedagogia Moderna não é uma tarefa simples, pois ela é
produzida e se configura em um processo, complexo, de longa duração, de disputas políticas
entre grupos e indivíduos singulares que buscam se estabelecer como referência em ambientes
de lutas, oposições, acordos e disposições compartilhadas sobre modelos pedagógicos e
mundos ideais. Mas é possível situar seu aparecimento com o nascimento da Modernidade e
suas revoluções, geográficas, econômicas, políticas, sociais, ideológicas, culturais e
pedagógicas.
25
Cambi (1999), Narodowski (2001) e Hilsdorf (2006) estabelecem em Comenius e sua
Didática Magna os primórdios do que se passou a compreender, e viria a ser chamada de
Pedagogia Moderna, processos diferenciados de socialização do conhecimento distantes do
que era utilizado no mundo clássico ou no mundo medieval para a formação das novas
gerações.
Narodowski (2001), ao analisar a conformação da Pedagogia Moderna, afirma que é
possível perceber em Comenius e sua Didática Magna o nascimento das idéias e dos
mecanismos que embalam esse discurso pedagógico. Conforme o autor (2001, p. 59),
“Comenius instaura, a partir de numerosos escritos, alguns dos mais relevantes mecanismos
Cont. da nota anterior
organiza alguns de seus artigos, publicados nos últimos 20 anos, sobre a História da Educação no Brasil.
25
De acordo com Cambi (1999), todo esse complexo processo vem também tocar profundamente a educação e
a pedagogia, que são, por sua vez, radicalmente transformadas tanto no terreno político e religioso como no
ético e social e também no técnico. No âmbito político, o nascimento do Estado moderno, interessado no
domínio da sociedade civil e que exerce um domínio racional, pensado desde o centro e disseminado por toda
a sociedade que se vê assim controlada em todas as suas manifestações, é que vem determinar uma pedagogia
política, típica do mundo moderno (melhor: típica e central, até os dias de hoje) e uma educação articulada
sob muitas formas e organizada em muitos agentes (família, escola, associações, imprensa etc,) que
convergem num processo de envolvimento e conformação do individuo, de maneira cada vez mais capilar.
36
que se perpetuam ao longo destes últimos quatro séculos na pedagogia moderna”. Quatro
séculos de discursos sobre a educação, desenvolvimento de tecnologias para a instrução e
dispositivos de conformação. O resultado é que, nesses quatro séculos, o discurso pedagógico
atravessou autores e fronteiras até se converter em uma espécie de lugar comum, um ponto de
referência ou, melhor dito, a normalidade no que diz respeito à configuração das escolas
desde a ótica da Pedagogia (NARODOWSKI, 2001).
Como característica, a Pedagogia Moderna constitui-se como um modelo escolar de
socialização do conhecimento que criou vários dispositivos, alguns inéditos até o século XVI,
para estabelecer novas relações educativas entre quem ensina e quem aprende, entre elas, a
“[...] simultaneidade, a gradualidade e a universalidade” (NARODOWSKI, 2001, p. 59).
Mecanismos homogeneizadores, produtores de regularidades, como os horários homogêneos
para o estabelecimento das atividades escolares, os currículos unificados, os livros de texto
unificados e um discurso utópico que afirma ser possível alcançar a perfeição por intermédio
da instrução, tanto em sua vertente, que possui na teologia os fundamentos e os fins da
educação, quanto na vertente científica, que prevê a evolução humana de estágios inferiores
para os superiores e desenvolvidos.
Hilsdorf (2006), ao perseguir O aparecimento da escola moderna, situa Comenius e a
produção de sua Didática Magna
26
em um movimento mais amplo de esforço antijesuíta, de
renovação política, cultural e pedagógica da Europa. Desse modo, participando e possuindo
antecedentes e contemporâneos que partilhavam, em certa medida, do sentimento de
renovação pedagógica no mundo ocidental do século XVII.
Para Cambi (1999), somente no século XVI
27
é possível rastrear e perceber, de forma
mais sistematizada, processos de configuração sociais que marcaram as mudanças das
técnicas educativas e escolares.
28
Conforme Cambi (1999, p. 245-246), é o nascimento de
[...] uma sociedade disciplinar que exerce vigilância sobre o indivíduo
e tende a reprimi-lo/controlá-lo, inseri-lo cada vez mais em sistemas
26
De acordo com Hilsdorf (2001, p. 133), na obra de Comenius articula-se um ordenamento que estipula um
procedimento “[...] gradual e [...] [ordenado que vai] do mais simples para o mais complexo, do próximo para
o remoto, do mais fácil para o mais difícil, isto é, das figuras que produzem as coisas para os ‘vocábulos que
são os seus signos’”.
27
Cambi (1999, p. 246), ao focalizar o século XVI, percebe que nesse momento a educação e a pedagogia
passam a cumprir “[...] um esforço de renovação que vai muito além dos studia humanitatis e das ‘rupturas’
do humanismo [...], [forma-se nesse ponto uma] civilização pedagógica nova, doravante decididamente
encaminhada para as características da Modernidade, embora estas só sejam decantadas plenamente no
século seguinte (grifos do autor).
28
Segundo Cambi (1999, p. 246), é nesse período que há uma grande transformação no que se entendia por
saber pedagógico. Para o autor, ele “[...] se renova: desenvolve-se, torna-se mais autônomo, naturaliza-se e
socializa-se [...] [e] demarca-se como ‘saber político’”.
37
de controle (como bem mostrará a realidade social e política dos anos
Setecentos); forma-se a escola moderna: instrutiva, planificada e
controlada em todas as suas ações, racionalizada nos seus processos. É
uma escola que assume um papel social cada vez mais determinante:
social e civil (podemos dizer) e profissional; que pertence cada vez
mais nitidamente aos ‘aparelhos ideológicos’ mas também
burocráticos do governo, seja ele laico ou religioso-eclesiástico.
29
Mas somente no século XVII, segundo Cambi (1999) é que os ideais sobre a escola
moderna começam a ganhar forma mais concreta. Para o autor, muitos pesquisadores, da
História ou da Sociologia,
30
tendem a creditar ao século XVII a produção e configuração do
que pode ser designado como Modernidade, como Estado moderno, com sua “[...] nova
ciência, a economia capitalista; e ainda; a secularização, institucionalização da sociedade, a
cultura laica e civilidade das boas maneiras” (CAMBI, 1999, p. 278). Desse modo, é possível
delimitar o século XVII como o período em que as instituições formativas vão se renovando,
assim como as teorizações pedagógicas que passam a lhes dar suporte. Mas, para o autor
(1999, p. 278), apesar de a Pedagogia Moderna ter seu início nos séculos XVI e XVII e
realizar seu “[...] completo desenvolvimento, [...] no século XVIII de forma ainda
programática”, somente nos séculos seguintes é que se pode perceber sua efetiva difusão e
realização.
Para os autores, Cambi (1999), Narodowski (2001) e Hilsdorf (2006), uma das
características da Pedagogia Moderna reside no fato de ela ser contrária às formas mais
tradicionais de ensino que, usualmente, eram oferecidas como forma de instruir as novas
gerações, por professores que demarcavam territórios de atuação por intermédio de
corporações de ofícios, ensinando em separado a leitura da escrita e das operações
fundamentais. Um tipo de ensino designado como individual realizado em pequenas escolas,
misturadas ao ambiente doméstico, em que
29
Para Cambi (1999, p. 246), esse processo e demarcado “[...] também no sentido técnico, dando vida a
soluções novas para a aprendizagem (com mais respeito pelas capacidades infantis ou juvenis) e a espaços
sociais para a formação (a escola, os oratórios e a fábrica: na primeira, afirma-se a centralidade da disciplina
e de toda uma ritualidade de práticas, de gestos e de léxicos; nos segundos, organiza-se o tempo livre seja em
função da reorganização funcional para o ‘bem social’ do tempo de trabalho, seja em função da ordem social
[...]; na terceira, realiza-se uma nova práxis de trabalho, ao mesmo tempo mais social e mais parcializado,
portanto mais alienante, na medida em que se torna mais mecânico e mais cego em relação aos fins da
produção)”. Ver também Hilsdorf (2006), quando analisa a educação rudimentar nas pequenas escolas do
século XVI e XVII, e as normas de condutas ensinadas nas escolas lassalistas, “[...] enquanto instrumento de
uma disciplinarização autoritária e sistemática dos corpos e das mentes infantis, aplicadas às crianças das
camadas populares” (HILSDORF, 2006, p. 181).
30
Weber, Max, Elias, Foucault Hobsbawm são autores que, segundo Cambi (1999, p. 277), conseguem
demonstrar como o século XVII é um momento “[...] trágico, contraditório, confuso e problemático, que
manifesta características freqüentemente antinômicas (guerras e revoltas quase endêmicas e profundas
aspirações à paz; racionalismo e superstição; classicismo e barroco; absolutismo e sociedade burguesa com
seus aspectos de individualismo [...]), mas que opera uma série de reviravoltas na história ocidental, as quais
mudaram profundamente sua identidade, como o Estado moderno”.
38
[...] grupos de crianças de idades variadas, freqüentemente meninas e
meninos misturados, [...] [em que se] pratica a pedagogia rudimentar
do tipo individual: cada aluno, sucessivamente, vem soletrar no
saltério ou recitar um trecho de oração, enquanto seus companheiros
trabalham na única mesa de escrita, ou se dedicam a atividades
ruidosas, as quais o mestre tenta remediar com algum castigo corporal
(HILSDORF, 2006, p. 173).
Para Hilsdorf (2006), a escola moderna começa a tender para a plena forma escolar,
somente no final do século XVIII e XIX, com o estabelecimento da “[...] escola elementar de
classes graduadas e método simultâneo, em que os alunos de um mesmo nível trabalhavam
com o mesmo material, na mesma tarefa e ao mesmo tempo os mesmos conteúdos de leitura,
escrita, aritmética, civilidade e religião” (HILSDORF, 2006, p. 183), mas alerta a autora que
esse modelo convive, durante muito tempo, com os modelos anteriores, caracterizando-se em
alguns momentos como uma organização do ensino de forma mista.
Narodowski (2001), analisando a conformação da Pedagogia Moderna, no modelo do
método simultâneo, discute que o processo de desenvolvimento dessa Pedagogia não foi
sempre contínuo, houve descontinuidades. Uma das principais foi a concorrência que sofreu
do ensino mútuo,
31
criado por Bell e Lancaster, que passaram a rever alguns dos elementos
organizacionais que pareciam estar consolidados no que diz respeito à configuração da
instituição escolar, em particular em relação ao ensino simultâneo.
De acordo com Narodowski (2001) e Hilsdorf (2006), o ensino mútuo teve ampla
circulação na Europa e também na América do Sul, colocando-se como alternativa ao ensino
individual e simultâneo, “[...] pois possibilitava, justamente, diminuir as despesas, abreviar o
trabalho dos professores e acelerar o rendimento da aprendizagem dos alunos” (HILSDORF,
2006, p. 192), sem aumentar o número de professores ou das escolas normais, uma vez que os
alunos aprendiam a ser mestres na própria prática monitorial.
Conforme Hilsdorf (2006), as disputas relacionadas a adoção do método de ensino
simultâneo ou do ensino mútuo repercutiam as lutas, no plano político e religioso, que
ocorreram de forma intensa na passagem do século XVIII para o século XIX. No caso da
França, de acordo com a autora, os embates entre os modelos pedagógicos concorrentes
somente foram encerrados quando “[...] o governo de Luiz Felipe [...] prescreveu, pela lei
Guizot de 1833, o modelo simultâneo como o padrão oficial das escolas francesas públicas de
31
Para uma análise em profundidade da circulação do ensino mútuo no Brasil, na Argentina e em Portugal,
conferir a obra organizada por Bastos e Faria Filho (1999) intitulada A Escola elementar no século XIX: o
39
ensino elementar, e as escolas normais [...] como os lugares de formação dos professores”
(HILSDORF, 2006, p. 192).
Para Narodowski (2001), a vitória do modelo escolar de ensino simultâneo
corresponde à efetiva escolarização nos moldes da Pedagogia Moderna, em que o professor
ensina a um grupo homogêneo de crianças, em salas seriadas, com cartilhas e livros
apropriados, enfatizando a língua materna para a aprendizagem da leitura e da escrita,
simultaneamente, das operações matemáticas fundamentais, além de, paulatinamente, a
educação tornar-se laica e controlada pelo Estado.
Muitos são os caminhos que a Pedagogia Moderna segue no Ocidente.
32
No Brasil,
conforme Carvalho (2000), foi essa modalidade de teoria sobre a educação e formação de
professores que animou as iniciativas de institucionalização da escola no Estado de São Paulo,
a partir do final do século XIX, e que passa a ser compreendida como arte de ensinar. Para a
autora (2000, p. 112), “Essa pedagogia [...] [estruturava-se] sob o primado da visibilidade,
propondo-se como arte cujo segredo é a boa imitação de modelos”.
33
Agregavam outros
saberes-fazeres sobre o processo educativo, mas não perdendo suas características de “[...]
ensino seriado; classes homogêneas e reunidas em um mesmo prédio, sob uma única direção”
(CARVALHO, 2000, p. 112), essa pedagogia desenvolve-se tendo como base a
[...] crença na eficácia inconteste dos processos de ensino intuitivo;
concepções acerca da natureza infantil formuladas nos marcos de uma
psicologia das faculdades mentais; [que] aposta na pedagogia
moderna como corpus de saberes e de instrumentos metodológicos
aptos a viabilizar a escola de massas, organizando o ensino simultâneo
em classes numerosas (CARVALHO, 2000, p. 112, grifos da autora).
Para Carvalho (2000), somente na segunda metade da década de 1920 é que um
modelo que havia se instituído, no final do século XIX, como capaz de balizar a formação e a
prática docente, dá sinais de esgotamento. Sabe-se, pelos estudos de Carvalho (2003), que o
processo de corrosão de um modelo pedagógico que vinha, no Brasil, se auto-afirmando como
Cont. da nota anterior
método monitorial/mútuo.
32
Para um maior aprofundamento dos desdobramentos, continuidades e descontinuidades da Pedagogia
Moderna, associada ao ensino simultâneo, assim como das personalidades que se tornaram seus
representantes na Europa, as fórmulas pedagógicas desenvolvidas por eles, consultar Cambi (1999),
Narodowski (2001) e Hilsdorf (2006).
33 Conforme Carvalho (2000, p. 113), “Falar aqui em cópia não tem o sentido pejorativo que iriam mais tarde
lhe emprestar os seus críticos, no intuito de instaurar um novo paradigma de modernidade pedagógica. Falar
aqui em cópia de modelos é falar em um tipo de atividade que, partindo da observação de práticas de
ensinar, é capaz de extrair analiticamente os princípios que as regem e de aplicá-los inventivamente” (grifos
40
novo, moderno, experimental, científico, que se fundamentava no ensino intuitivo, foi
determinado “[...] pelas motivações políticas, sociais e econômicas que constituíram as
plataformas políticas e pedagógicas dos movimentos que Jorge Nagle chamou, em seus
estudos sobre os anos 20, de entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico
(CARVALHO, 2000, p. 111, grifos da autora).
Quais motivações políticas, sociais e econômicas e pessoais orientam as reformas
empreendidas por Inglês de Sousa? Qual o sentido que o reformador atribuía às reformas? A
qual movimento político as reformas de Inglês de Sousa se filiam no campo educacional?
Ao resenhar o livro de Jorge Nagle, Educação e Sociedade na Primeira República,
Warde (2000) aponta que existe na obra desse autor um foco para o qual ele não dá a devida
importância, mas que merece um programa de investigação. De acordo com Warde (2000), o
conceito de reforma e de reformador é decisivo, pois aponta um ato de intervenção. Ao
mesmo tempo, os usos dos termos reforma e reformador instigam algumas questões. Pergunta
a autora:
‘Reformar’ cabe para a ação modificadora da mesma maneira que
para a ação constituidora? ‘Reformador’ é tanto o que reordena quanto
o que remodela e o institui? Ou ‘reforma’ contrapõe-se à ‘revolução’ e
o ‘reformador’ ao ‘revolucionário’? Ou será ainda que no âmbito do
Estado a intervenção sobre instituições – constituindo-as ou
remodelando-as – é sempre de natureza reformista? (WARDE, 2000,
p. 163).
São interrogações instigantes sobre o significado das reformas educacionais, pois
colocam no centro do debate a ação e os resultados da intervenção. A reforma apenas
“modifica” ou constitui algo novo? Na ação reformista, está em jogo a manutenção ou a
possibilidade da transformação? Acredita-se que, sob tal prisma, as respostas apontam as
continuidades e as descontinuidades das práticas que a reforma quer remodelar e/ou instituir.
Vinão Frago (2001), respondendo à questão ¿Fracasan las reformas educativa? la
respuesta de um historiador, argumenta que a cultura escolar
34
possui maior resistência do
Cont. da nota anterior
da autora), ou seja, a imitação inventiva de modelos.
34
Para Julia (2001, p. 10), estudar a cultura escolar é colocar em evidência as “[...] relações conflituosas ou
pacíficas que ela mantém, a cada período de sua história, com o conjunto das culturas que lhe são
contemporâneas: cultura religiosa, cultura política ou cultura popular”. De forma mais específica, segundo o
autor, a cultura escolar pode ser percebida “[...] como um conjunto de normas que definem conhecimentos a
ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e
a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar
segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização)”.
41
que se pode imaginar, pois é constituída por modos de fazer e formas de pensar ancorados em
grande parte por tradições, regularidades e regras do jogo que se transmitem de gerações em
gerações, tendo por principal característica a continuidade e a persistência. Para o autor (2001,
p. 29),
La cultura escolar, así entendida, estaría constituida, en una primera
aproximación, por un conjunto de teorías, ideas, principios, normas,
pautas, rituales, inercias, hábitos y práctivas – formas de hacer y
pensar, mentalidades y comportamientos – sedimentadas a lo largo del
tiempo en forma de tradiciones, regularidades y reglas de juego no
puestas en entredicho y compartidas por sus actores en el seno de las
instituciones educativas. Tradiciones, regularidades y regras de juego
que se transmiten de geración en geración y que proporcionan
strategias para integrase em dichas instituiciones, para interactuar y
para llevar a cabo, sobre todo en el aula, las tareas cotidianas que de
cada uno se esperan, así como para hacer frente a las exigencias y
limitaciones que dichas tareas implican o conllevan. Sus rasgos
característicos serían la continuidad y persistencia en el tiempo, su
institucionalización y una relativa autonomía que lê permite generar
productos específicos – por ejemplo, las disciplinas escolares – que la
configuran como tal cultura independente. La cultura escolar sería, en
síntesis, algo que permanece y que dura; algo que las sucesivas
reformas no logran más que aranãn superficialmente, que sobrevive a
ellas y que constituye un sedimento formado a lo largo del tiempo.
As estratégias produzidas, os dispositivos que lhe dão forma material e a devida
capacidade de pôr em circulação um conjunto de saberes e práticas de ensino, de
aprendizagens e de regras escolares que configura e busca remodelar a cultura escolar que,
segundo Vinão Frago (2001), possui por principais atributos a continuidade e a persistência
no tempo, que somente é arranhado superficialmente pelas reformas, são as características
dessa cultura que o reformador pretende modificar.
Para Vincent, Lahire e Thin (2001, p. 37), a emergência da forma escolar carrega
consigo um conjunto coerente de traços, “[...] entre eles, deve se citar, em primeiro lugar de
um universo separado para a infância a importância das regras na aprendizagem, a
organização racional do tempo, a multiplicação e a repetição de exercícios”. Conforme os
autores (2001), a forma escolar é um modo de socialização que se impôs durante a História,
especialmente a partir do século XVII, a outros modos de socialização. Esse modo de
socialização que vem se impondo, ainda que inventado no interior da produção da escola, não
é estanque aos outros modos também de socialização, mas está ligado a eles. Conforme os
autores, a aparição de uma forma social está ligada a outras transformações.
42
A forma escolar, ao se constituir como tal, inaugura novas situações nas relações
cotidianas vivenciadas pelos atores que compõem o cenário educativo, fazendo com que a
escola seja inventada como uma unidade que se impõe como referência, como modo de
socialização reconhecido por todos como legítimo e dominante. No processo de invenção de
novos modos de socialização, a relação entre o professor e o aluno é modificada, os tempos e
espaços são configurados e novas regras e novas ordens são estabelecidas.
Para compreender a circulação dos modelos de formação, as reformas da instrução
pública e os dispositivos que por intermédio delas eram colocados em cena, utilizam-se os
conceitos de apropriação, estratégia e tática. Essa formulação teórica é desenvolvida por
Michel de Certeau (1994) para possibilitar ao pesquisador da cultura (ordinária) a
compreensão do hiato entre as prescrições e os usos.
Conforme Carvalho (2003), o conceito de apropriação sempre remete a outros dois, o
de estratégia e o de tática: como estratégia, projeta-se mediante um lugar de poder e “[...]
designa dispositivos de normatização e modelização [...] [que] regulam práticas que se
inscrevem em um território que lhes é exterior” (CARVALHO, 2003, p. 343); o de tática, ao
contrario, manifesta-se em um território que não é seu, ou seja, “[...] tem por lugar senão no
do outro [...], por isso deve jogar com o terreno que lhe é imposto” (CERTEAU, 1994, p.
100).
Desse modo, ao falar em apropriação, é também necessário se referir a uma matéria
dessa apropriação, porquanto “[...] essa matéria é um produto cultural que, na sua
materialidade, é sempre um objeto produzido segundo regras determinadas” (CARVALHO,
2003, p. 344, grifos da autora).
A investigação sobre a circulação dos modelos de formação de professores, por meio
do presidente de província, Inglês de Sousa e suas reformas, mobiliza o conceito de
apropriação, porque, conforme explicita Carvalho (2003), falar em práticas de apropriação é,
antes de tudo, falar em práticas de transformação, no caso, transformação de matérias sociais,
ou seja, “[...] a apropriação supõe a situação particular em que agentes dotados de
competências específicas produzem um novo objeto segundo procedimentos técnicos e regras
de uma finalidade condicionada por uma posição” (CARVALHO, 2003, p. 343). Desse modo,
o estudo é produzido seguindo o questionário proposto por Carvalho (2003, p. 345), qual seja,
um modelo de pesquisa
[...] que traga à cena os atores envolvidos [...], procurando reconstituir
a situação-problema com que se defrontaram seja como professores,
43
inspetores, políticos ou intelectuais; os repertórios de modelos [...] a
que tiveram acesso e os recursos culturais (individuais e sociais;
intelectuais e materiais) com que puderam contar na apropriação que
fizeram desses modelos.
Outro conceito que se delineia como muito frutífero é o de representação. Nos moldes
como é utilizado por Roger Chartier (1991, p. 183), tal conceito passa a delimitar e articular:
[...] três modalidades de relação com o mundo social: de início, o
trabalho de classificação e de recorte que produz configurações
intelectuais múltiplas pelas quais a realidade é contraditoriamente
construída pelos diferentes grupos que compõem uma sociedade; em
seguida que visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir
uma maneira própria de ser no mundo, a significar simbolicamente um
estatuto e uma posição; enfim, as formas institucionalizadas e
objetivadas em virtude das quais ‘representantes’ (instância coletivas
ou indivíduos singulares) marcam de modo visível e perpétuo a
existência do grupo, da comunidade ou classe.
Conforme Chartier, esse modo de organizar, delimitar e articular o mundo pode ser
considerado como fazendo parte das lutas de representações. Para o autor (1990, p. 17), “[...]
as lutas de representações têm tanta importância quanto as lutas econômicas para a
compreensão dos mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, sua concepção de
mundo social, seus valores e seu domínio”.
35
De acordo com o autor, as representações que
circulam não estão envoltas por uma aura de neutralidade, por isso é preciso observar que
essas representações são coletivas, o que pressupõe que estejam sempre em concorrência e em
competição. Pode-se considerar, desse modo, que são “[...] matrizes de práticas construtoras
do próprio mundo social” (CHARTIER, 1991, p. 183), o que permite observar que a produção
dessas “[...] representações do mundo social [...] são sempre determinadas pelos interesses de
grupo que as forjam” (CHARTIER, 1990, p. 17), portanto representação pode ser
compreendida como a produção de uma rede de relações materiais e simbólicas.
Mediante o tema proposto como objeto de estudo, impõe-se a necessidade de discutir
de forma mais detida o sentido da noção de dispositivo empregado na investigação. Utiliza-se
na pesquisa o sentido adotado por Anne-Marie Chartier (2002), no estudo que realiza sobre os
cadernos e fichários na escola primária francesa, em que a autora analisa o uso do significado
do termo dispositivo para estudar práticas que, uma vez instituídas, configuram-se “[...] como
35
Conforme Hunt (1995, p. 9), “As relações econômicas e sociais não são anteriores às culturais, nem as
determinam; elas próprias são campos de prática cultural e produção cultural [...], [ou seja, não existe] uma
dimensão extracultural da experiência”.
44
uma máquina que funciona sozinha, ou melhor, que se faz funcionar ‘sem pensar nisso’” (A-
M. CHARTIER, 2002, p. 24).
Conforme A-M. Chartier (2002, p. 10), “No campo da pedagogia, o termo
‘dispositivo’ é freqüentemente utilizado de maneira banal para designar um conjunto de meios
organizados, definidos e estáveis, que são o quadro de ações reiteráveis, conduzidas para
responder a um problema recorrente”. Esse é um sentido para a noção de dispositivo,
argumenta a autora, mas não diz tudo, porque
[...] os dispositivos seriam, pois, o lugar [também] de realizações
inventivas, as que tratam do ‘como fazer’ e que acompanham as
reformas vindas de cima ou as inovações do campo. As pedagogias
novas são, assim, grandes provedoras de dispositivos pedagógicos
concebidos, ajustados e difundidos por praticantes (que se pense no
que a tradição chama de as ‘técnicas Freinet’, a imprensa na escola, o
texto livre, o conselho de cooperativa, a correspondência escolar, o
método natural de leitura etc.) (A-M. CHARTIER, 2002, p. 11).
Para a autora (2002), geralmente, um novo dispositivo é instituído por decisão política
e administrativa, ressaltando que, em um sentido “banal”, o termo dispositivo acaba sendo
utilizado como sinônimo de “técnicas” e “métodos”, embora os próprios usuários percebam a
“permanência das diferenças” nas situações de uso do termo.
36
A autora salienta que
Michel Foucault deu um estatuto teórico àquilo que faz a fragilidade
categorial do termo ‘dispositivo’: é uma realidade heterogênea, na
qual se encontram entrelaçados ‘discursos, instituições,
agenciamentos arquiteturais, decisões regulamentares, leis, medidas
administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas,
morais, filantrópicas, em suma: o dito tanto quanto o não dito’ (A-M.
CHARTIER, 2002, p. 12).
De acordo com a autora (2002, p. 12), a noção de dispositivo pode designar realidades
de natureza e de dimensões extremamente variáveis:
Sob a etiqueta ‘dispositivo disciplinar’, encontra-se tanto uma
instituição como a escola, uma organização como a classe, quanto um
utensílio como o quadro (que se torna no século XVIII ao mesmo
tempo ‘uma técnica de poder e um procedimento de saber’). Com isso,
Michel Foucault sublinha os aspectos que o uso tecnicista do termo
esquece ou recusa. Primeiro traço, todo dispositivo é dispositivo de
36
“O método tem a ver com a lógica de um discurso que justifica suas etapas (que também são ações), enquanto
a técnica encadeia gestos finalizados e validados pelos resultados. O fato de que o termo ‘método’ também
esteja ligado de maneira indelével à produção científica (métodos analítico, experimental etc.) faz dele uma
ordenação intelectual, mais que material, em que as operações mentais e a ordem das razões contam mais que
as ações práticas que as manifestam” (A-M. CHARTIER, 2002, p. 11-12).
45
controle: ‘o dispositivo é isso: estratégias de relações de forças que
sustentam tipos de saber e que são sustentadas por eles’. Ou seja, não
se pode dar conta dele sem inscrevê-lo numa função estratégica de
dominação.
Para A-M. Chartier (2002), essa forma de significar o sentido de dispositivo era “mel
na sopa” dos pesquisadores que buscavam combater a “escola-caserna”. Conforme a autora,
esse discurso estava em consonância com o seu tempo, década de 1970, em que os estudos
desenvolvidos sobre a escola, com base na análise dos dispositivos, estavam “[...] mais
atentos em denunciar os poderes forçosamente abusivos dos ‘dispositivos de controle’
(punição, classificação, inspeção) do que em se interrogar sobre os saberes que eles supõem
ou instauram” (A-M. CHARTIER, 2002, p. 12).
De acordo com A-M. Chartier (2002), Michael Foucault sublinha aspectos que não
tinham sido considerados pelo uso tecnicista do termo dispositivo. Para a autora, um primeiro
traço que deve ser levado em consideração é o de que todo dispositivo é dispositivo de
controle, assim, projetando-se como meio pelo qual se podem perceber estratégias sendo
desenvolvidas segundo relações de forças que sustentam tipos de saber e que são sustentadas
por eles; o segundo traço é que a maior parte dos dispositivos são sem autor. Referindo-se a
Michael Foucault, declara:
O que é difícil de pensar não é o poder dos poderosos (chefes de
estado, ministros, juízes, policiais etc.), nem como eles o utilizam,
mas o poder dos dispositivos que orientam as condutas e as
representações, simplesmente porque eles são o quadro de
experiências comuns, tão comuns que acabam por ter a naturalidade
das evidências e permanecem, portanto, impensadas. Um dispositivo
(seu funcionamento, sua eficácia, sua configuração) não se revela
senão na história longa: no momento no qual ele é atualizado,
reformado ou ‘desmobilizado’, as mudanças induzidas sempre
provocam acontecimento, discursos, resistências, o imprevisto,
conflitos. Assim, o que se pode atingir através dos dispositivos não é a
episteme de um tempo, a história dos saberes discursivos, mas a
história das práticas sociais (A-M. CHARTIER, 2002, p. 13).
Para A-M. Chartier (2002), a noção de dispositivo possui valor heurístico, pois
[...] permite, por exemplo, separar política educativa e ação política.
As políticas educativas testam-se na duração (elas ‘prosseguem’
apesar das alternâncias políticas e das mudanças de ministros) ao
passo que a ação política vive no tempo presente, o tempo dos
projetos a serem transformados em decisão. Por isso, a ação política
tem sucesso ou fracassa em tempo curto, conforme os projetos em
46
curso possam ou não ser ‘atuados’, ou seja, transformados em decisão,
uma vez consultados/enfrentados os parceiros habituais das
negociações (A-M. CHARTIER, 2002, p. 15-16).
Como uma máquina que, ao ser colocada em funcionamento, passa a funcionar
sozinha, ou melhor, que se faz funcionar sem que o usuário passe a pensar constantemente nos
saberes necessários à sua operacionalização. Para A-M. Chartier (2002, 25),
[...] os usuários dos mais familiares dos dispositivos não os percebem
senão quando alguma coisa vem perturbar o seu funcionamento
habitual. Compreende-se, assim, por que dispositivos novos, a priori
bem concebidos e mesmo sedutores, podem ‘não dar pé’, e levar os
inovadores, decepcionados, a denunciar ritualmente o imobilismo
rotineiro dos professores.
Desse modo, para A-M. Chartier (2002, p. 26), “Estudar as realidades ‘como
dispositivos’ é interrogar-se sobre seu valor de uso em contextos e conjunturas, isto é, em
espaços e tempos muito diversamente delimitados”.
Ao analisar os relatórios da inspeção técnica do ensino no Triângulo Mineiro, Isobe
(2004), seguindo a perspectiva aberta por A-M. Chartier (2002), informa que o dispositivo
pode ser compreendido como uma possibilidade para produzir o controle, para modelizar,
conformar, regular, dar a ver para controlar, impor e produzir determinado modelo escolar
num movimento instaurador de nova forma de se fazer educação. Assim dispositivos podem
ser compreendidos como peças que compõem uma determinada estratégia de configuração de
um comportamento que não se quer mais.
Conforme Isobe (2004), ao analisar o dispositivo, uma possibilidade é examiná-lo
como objeto “sem autor”, assim não privilegiando os personagens que o produzem, mas
perspectivando as regras que tornam sua existência possível, seu funcionamento e sua
descrição, realçando, desse modo, os elementos que o constituem e o põem em funcionamento
em uma “realidade heterogênea” que põe em jogo uma variedade de elementos: textos
oficiais, leis e regulamentos do ensino, medidas administrativas, concepções de Pedagogia, de
escola, de professor, “em suma: o dito quanto o não dito”.
Para Carvalho (2003), é necessário que se desnaturalize a História da Educação,
notadamente a que se expressa como a história da escola primária no Brasil. Segundo a autora
(2003), somente a partir da década de 1980 é que a História da Educação começa a ser
reescrita. Antes, conforme Carvalho (2003), essa modalidade de estudos históricos era
constituída predominantemente como história dos sistemas educativos, “[...] baseada em
documentação oficial emanada do Estado e centrada no estudo das políticas e dos dispositivos
47
legais que teriam assegurado a organização e a expansão desses sistemas” (CARVALHO,
2003, p. 317). A conseqüência, de acordo com Carvalho (2003, p. 317), é que, “Enquanto
história dos sistemas educativos, essa historiografia foi cega à historicidade própria da
instituição escolar, naturalizando o objeto escola”.
Ao analisar os dispositivos que compõem as reformas propostas por Inglês de Sousa,
os projetos, os debates parlamentares, os debates nos jornais, as conferências pedagógicas, os
relatórios produzidos pelo presidente da Província e por aqueles que lhe são subordinados –
tem-se como objetivo analisar os meios pelos quais as reformas organizadas por Inglês de
Sousa buscam instituir a circulação de um modelo de formação que denomina como moderna
em relação a outros modos de projetar e significar a escolarização nos anos finais do Segundo
Império.
Desse modo, pretende-se, com base na análise dos documentos
37
produzidos pela
administração pública, compreender o processo circulação dos modelos de formação de
professores para as escolas primarias, as disputas relacionadas com a implantação de uma
forma escolar que se coloca como lugar privilegiado para a formação das futuras gerações,
obrigadas a freqüentar esse novo espaço de socialização. O que leva a interrogar o que
significava reformar a instrução pública no final do século XIX, durante o Segundo Império?
Tem-se como hipótese que o estudo das reformas da instrução pública propostas por
Inglês de Sousa possibilitará compreender a circulação dos modelos de formação de
professores, ao entendimento do processo de mudança sofrido pela sociedade brasileira, no
final do século XIX, ao capturar as estratégias e os dispositivos que compõem as lutas de
representação em torno dos modelos pedagógicos relacionados com a Pedagogia Moderna.
Esse processo é marcado pelo percurso de reestruturação social, decorrente da resistência e
oposição ao velho sistema estamental até então vigente.
O uso que se faz da experiência adquirida por Inglês de Sousa como reformador possui
relação com a hipótese de que um indivíduo com características singulares pode propiciar a
compreensão do trabalho de classificação e recorte de configurações intelectuais múltiplas
pelas quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos que compõem
uma sociedade (CHARTIER, 1991). Nesse sentido, a experiência do reformador produz
elementos que permitem compreender as lutas de representações sobre um determinado tema,
no caso a instrução pública, que é para os homens do século XIX lugar estratégico para
realizar outras reformas que acreditavam serem imperativas para a transformação social.
37
Segundo Bloch (2001, p. 79), os documentos “[...] mesmo os aparentemente mais claros e mais
complacentes, não falam senão quando sabemos interrogá-los”.
48
1.3 A análise e a problematização dos documentos em sua materialidade
A análise do conjunto de documentos apontados como meio para se ter acesso à
circulação de modelos de formação, dos dispositivos, dos saberes e práticas de configuração
da Pedagogia Moderna, nas reformas empreendidas por Inglês de Sousa, faz uso do debate
realizado por Nunes e Carvalho (1993) a respeito da Historiografia da Educação e Fontes. De
acordo com as autoras (1993, p. 8), os investimentos que fazem sobre o tema se referem à
necessidade de problematizar e de alargar a concepção de fonte e assim abrir a possibilidade
“[...] de construir uma historiografia menos generalista e estereotipada” para a História da
Educação.
Recorrendo a Michael de Certeau, em suas reflexões sobre a operação historiográfica,
Nunes e Carvalho (1993) explicitam que uma das primeiras providências do historiador
consiste no ato de separar as fontes que acredita ser pertinentes para o desenvolvimento do
estudo.
[...] a história começa com gestos de separação, reunião e
transformação em ‘documentos’, de certos objetos que ganham nova
distribuição num certo espaço. O trabalho do pesquisador começa
quando, a partir desse campo já produzido, opera novos recortes,
alocamentos e redistribuição dos documentos, a partir de ações que
visam estabelecer ‘suas fontes’ e criar a configuração e um espaço
específico de investigação, a partir de uma redefinição epistemológica
que inclui o trabalho com os conceitos e o tratamento e a interpretação
documental (NUNES; CARVALHO, 1993, p. 27).
A operação historiográfica de redefinição do conceito de fonte e seu processo de
seleção são permeados por uma redefinição epistemológica que, segundo Nunes e Carvalho
(1993, p. 8), busca “[...] cutucar ‘certezas teóricas’ sobre as quais temos confortavelmente nos
apoiado, na elaboração dos nossos trabalhos”. Nessa redefinição, o foco de interesse também
se modifica. Assim, passa-se a perceber a
49
[...] preferência cada vez mais manifesta por privilegiar como objeto
de investigação as práticas culturais, seus sujeitos e seus produtos,
tomados esses últimos em sua materialidade de objetos culturais. Tal
postura implica, de um lado, o abandono dos grandes recortes
temáticos e a opção por análises pontuais, delimitadas e tão exaustivas
quanto possível, da particularidade das práticas e dos produtos
culturais investigados. Por outro lado, o referido impacto se faz sentir
como problematização do lugar simbólico da construção do sujeito e
das suas práticas, implicando a incorporação de referenciais teóricos
atentos aos processos históricos de constituição dos objetos
investigados (NUNES; CARVALHO, 1993, p. 37).
O deslocamento do foco, possibilitado pela passagem dos grandes recortes, para
seleções e análises exaustivas e pontuais dos objetos investigados, permite, segundo Nunes e
Carvalho (1993, p. 44), que “velhos objetos” se tornem “novos”, “[...] porque são apanhados
numa perspectiva que realça sua materialidade de dispositivos, através dos quais bens
culturais são produzidos, postos a circular e apropriados”. Alerta as autoras (1993, p. 9): “É
evidente, portanto, que cabe, ao olhar, escolher como ver”. Desse modo, mesmo que os
documentos oficiais sejam uma das fontes mais utilizadas para se compreender a História da
Educação, tornam-se “novos” porque o questionário interroga não somente pelos discursos
que fazem circular, mas também pergunta pelas práticas que incidiram sobre sua produção e
conformação, pelo seu sentido de dispositivo de controle, emanado de um local de poder.
O uso do documento oficial como fonte,
38
segundo Correia e Silva (2004), não é fácil,
pois ele tradicionalmente foi utilizado como expressão da realidade, o que tem gerado reações
contrárias ao seu alcance analítico. Para os autores,
Se a legislação se mostra neste cenário como objeto e fonte dinâmica
e promissora, não se pode negligenciar que uma das dificuldades na
abordagem deste tema resulta do preconceito gerado por uma
freqüente utilização redutora e descritiva do conteúdo dos textos
legislativos (CORREIA; SILVA, 2004, p. 47).
38
Uma análise crítica sobre as possibilidades de uso da legislação como fonte é realizada por Faria Filho
(1998). Ao discutir A legislação escolar como fonte para a história da educação: uma tentativa de
interpretação, o autor (1998) abre caminhos para o emprego da documentação oficial como forma de
compreender aspectos negligenciados por boa parte dos pesquisadores. Utilizando J. Derrida como suporte,
esclarece Faria Filho (1998, p. 98-99) “[...] que produzir a legislação como corpus documental significa
enfocá-lo em suas várias dimensões. Isso permitiria um triplo movimento: inicialmente, uma crítica às
concepções mecanicistas da legislação, que, grosso modo, a entende como campo de expressão e imposição,
única e exclusivamente, dos interesses das classes dominantes; em seguida, creio que permitiria surpreender a
legislação naquilo que, me parece, ela tem de mais fascinante: a sua dinamicidade; e, finalmente, abriria mais
uma possibilidade de inter-relacionar, no campo educativo, várias dimensões do fazer pedagógico, às quais,
atravessadas pela legislação, vão desde a política educacional até as práticas da sala de aula” (grifo do autor).
50
O texto normativo não surge em um vazio; ele está relacionado com as práticas
sociais. As críticas que foram estabelecidas ao uso da documentação oficial estão direcionadas
a uma utilização mecânica da fonte, como se o texto normativo fosse a imposição dos
interesses da classe dominante. Essa forma de analisar a legislação, para Correia e Silva
(2004), demonstra uma ausência de aparato crítico, um reducionismo dos documentos e uma
lógica simplista. Para os autores (2004), a legislação deve ser percebida como um arquivo
constituído com base em uma determinada lógica de registro. Percebida dessa forma, é
possível visualizá-la valendo-se de uma abordagem panorâmica, o que possibilita recuperar
sua historicidade dentro de um território textual.
39
Considera-se que estudar os processos normativos (leis, normas e regulamento), os
debates realizados por meios dos jornais em torno da reforma da instrução pública de 1882, os
debates na Assembléia Provincial a respeito da instrução pública e os relatórios produzidos
pelo presidente da Província
40
e seus subordinados são meios para se compreender as tensões
que marcaram o processo pelo qual se buscou produzir e institucionalizar um determinado
modelo de formação, com base na Pedagogia Moderna, nos anos finais do Segundo
Império.
41
Para compreender a reforma da instrução pública realizada por Inglês de Sousa, em
1882, na Província do Espírito Santo, alguns documentos são utilizados. Os jornais O
Espirito-Santense e O Horizonte, os Annaes da Assembléa Provincial do Espirito-Santo
(AAPES), os relatórios produzidos pelos presidentes da Província do Espírito Santo, as leis, o
39
De acordo com Hunt (1992), os documentos com os quais o historiador trabalha descrevem ações simbólicas,
não podendo ser considerados textos inocentes e transparentes. Eles foram escritos por autores com
diferentes intenções e estratégias, assim os historiadores da cultura devem criar suas próprias estratégias para
lê-los.
40
No uso dos relatórios dos presidentes e vice-presidentes da Província como fonte, faço a opção, no estudo,
de realizar a referência pelo sobrenome e nome dos presidentes ou vice-presidentes, muito embora, por serem
documentos oficiais, produzidos como uma demanda da administração pública, sua compilação tenha sido
realizada, possivelmente, por secretários, devidamente preparados, e aprovada pelo ocupante da cadeira da
presidência da Província. A análise dos relatórios dos presidentes em exercício na Província e sua
comparação com outros relatórios produzidos, no mesmo período, em outras instâncias administrativas
(Saúde Pública, Instrução pública, Segurança Pública etc.) revela que era uma obra coletiva, compilada com
base em outros documentos também produzidos como demanda da gestão pública. Mesmo assim, tal escolha
justifica-se por ser emblemática a presença desses atores na administração da Província, surgido muitas vezes
como a principal personalidade responsável pela gestão dos interesses provinciais e quem devia responder
pelos problemas e soluções encontradas para a boa governabilidade da cadeira que ocupava.
41
Para Vincent, Lahire e Thin (2001, p. 13), se desejarmos compreender, por intermédio da análise dos
documentos oficiais, apenas o resultado das querelas entre os “especialistas”, sem qualquer importância para
a solução dos problemas, apenas como exercício de retórica, estaríamos esquecendo o seguinte: “[...] que
toda aparição de uma forma social está ligada à outras transformações; que a forma escolar está ligada a
outras formas, notadamente políticas”.
51
Regulamento Geral da Instrucção Publica da Provincia do Espirito Santo (RGIPPES)
42
do
ano de 1882.
Ao analisar a gestão de Inglês de Sousa na Província de Sergipe, foi utilizado um
conjunto de documentos, como o Regulamento da Instrucção Publica da Provincia de
Sergipe (RIPPS), do ano de 1879; o Regulamento Geral da Instrucção Publica da Provincia
de Sergipe (RGIPPS), do ano de 1881, e o Regulamento da Instrucção Publica da Provincia
de Sergipe (RIPPS), do ano de 1882. Também foi utilizada a bibliografia disponível sobre a
administração de Inglês de Sousa e suas repercussões na política local.
Sobre a passagem de Inglês de Sousa pela Assembléia Provincial de São Paulo, e seus
projetos de reforma da instrução pública, no ano de 1880, a fonte principal são os Annaes da
Assembléa Legislativa Provincial de São Paulo (AALPSP), do ano de 1880 e 1881, assim
como as críticas realizadas por seus opositores por intermédio do jornal A Provincia de São
Paulo. Outras fontes secundárias são utilizadas, de forma periférica, para montar o cenário em
que suas teses sobre a reforma da instrução pública foram debatidas.
Escolhi esse conjunto de documentos por compreender que os debates que circulavam
pelos jornais, as discussões produzidas pelos deputados que compunham a Assembléia
Provincial e os regulamentos que tratam do tema da escolarização são reveladores do modo
como o campo educacional foi organizado, como os debates circulam pela imprensa, as
representações e as formas de significar a necessidade do ensino e ainda o modo como os
administradores dos interesses das Províncias lidavam com as questões da instrução pública
nos anos finais do Segundo Império.
Ao observar o período que antecede a chegada de Inglês de Sousa à Província do
Espírito Santo, é possível perceber um intenso debate a respeito da instrução pública,
discussões sobre o modelo de formação de professores para as escolas de primeiras letras,
sobre o sentido de uma instituição voltada para a formação de professores, sobre quais
cadeiras deveriam ser cursadas pelos futuros professores e mesmo sobre os meios de tornar a
escolarização obrigatória na Província. Esses são temas que põem parte dos deputados em
movimento, tanto em situação de defesa, quanto em posição de ataque.
42
Os jornais caracterizam-se por ser órgãos oficiais dos dois partidos que, naquele momento, disputavam o
controle político da Província do Espírito Santo e ser o local em que faziam circular suas representações
sobre o mundo que os cercava e os papéis que deviam desempenhar no palco político para que esse mundo
fosse organizado; os anais, por veicular os debates parlamentares produzidos no âmbito da Assembléia
provincial; os relatórios dos presidentes da Província, por serem o registro oficial da administração, que
informa sobre a gestão dos diferentes setores dos negócios públicos; e o regulamento, por ser o local em que
estão materializadas as prescrições e representações partilhadas para o que se entende como necessário para
uma boa organização da instrução pública.
52
Os discursos que estão em circulação são interessantes, pois são capazes de revelar
que, antes da reforma Inglês de Sousa, outra reforma estava sendo gestada e trazia
representações que faziam parte de um movimento que reivindicava tornar a instrução pública
uma obrigação do Estado, gratuita e obrigatória, ao mesmo tempo em que também é possível
perceber idéias que reivindicavam a descentralização das Províncias e sua maior autonomia
no Império e a liberdade de ensino. Conforme Giglio (2001) esse jogo político faz parte de um
movimento em que se está estruturando arte de governar que
[...] a um só tempo multiplica e produz uma série de espaços de
governo: das famílias, das instituições, da população, do Estado;
[enfim de um] processo de organização da sociedade para o
estabelecimento de certa regularidade nos comportamentos. A
política, a economia, a população [a educação] – enquanto alvo do
governo –, surgem nestes discursos tendo como panorama a Província,
a cidade e as vilas (GIGLIO, 2001, p. 18).
Tanto o Partido Conservador, quanto o Partido Liberal no Espírito Santo fazem uso da
imprensa para proporcionar a circulação de suas representações a respeito da organização da
Província. Cada partido possui jornais com circulação regular e editores preparados para tratar
de diversos assuntos, como educação, política, crítica literária, economia e outros temas. Os
jornais que são órgãos oficiais dos partidos são: O Espirito-Santense, que é produzido pelo
Partido Conservador, e o jornal O Horizonte, que é utilizado para fazer circular as
representações do Partido Liberal.
O jornal O Espirito-Santense e o jornal O Horizonte não são os únicos periódicos que
circulavam, pela Província do Espírito Santo, no ano de 1882.
43
Outros impressos
compunham o que se denomina como pequena imprensa,
44
e serão também utilizados como
fonte, mas em menor intensidade,
45
como o caso dos jornais O Cahoeirano
46
e A Provincia do
Espírito Santo.
47
43
Para conhecer a imprensa periódica, principalmente a pequena, que circulou no Espírito Santo, uma boa fonte
é a catalogação produzida por Pereira (1926a, 1926b e 1926c), publicada na Revista do Instituto Histórico
Geográfico do Espírito Santo, ano V, n. IV, V e VI.
44
Ver o trabalho desenvolvido por Cruz (2000), São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana – 1890-
1915. Nesse estudo, a autora analisa a imprensa periódica, principalmente a que denomina como pequena
imprensa para compreender a experiência social de difusão da cultura, mas também por ser capaz de dar
visibilidade a projetos de grupos letrados que lutam no plano cultural para a obtenção da hegemonia política.
A pequena imprensa é composta por revistas e jornais com circulação restrita a determinadas regiões, sem
regularidade na publicação de seus números, com a efemeridade característica da produção, que,
invariavelmente, possuía um ciclo de vida curto.
45
O uso restrito desses jornais teve como causa o fato de n’O Cahoeirano terem sido encontradas poucas
matérias relacionadas com os debates sobre a instrução pública, ocorridos no ano de 1882. Já no caso do
jornal A Provincia do Espírito Santo, pelo fato de Novaes (2001) ter mapeado as discussões relacionadas
com a instrução pública, do ano de 1882. Desse modo, o acesso mais fácil foi por intermédio do estudo da
53
O jornal O Espirito-Santense começou a circular em 1870, quando lançou seu
primeiro número. O último exemplar circulou em 1889. De acordo com Amâncio Filho (1926,
p. 87), a publicação era designada por seus editores como um impresso que poderia ser
considerado como “[...] politico, scientifico, literário, noticioso e [que] defendia as idéas
conservadoras”. Com uma publicação de três exemplares publicados semanalmente, possuía
uma tiragem de 500 exemplares. Era prensado pela Typographia do Espirito Santense em
papel jornal, nas dimensões 31,5 x 47,5cm, formado por quatro páginas, cada uma divida em
quatro colunas (PEREIRA, 1926a).
48
O Jornal O Horizonte
49
lançou seu primeiro número em 1880, e seu último número
circulou no ano de 1885. Tinha como lema a seguinte divisa “Ordem e Progresso”. Era a voz
do Partido Liberal na Província e responsável pela publicação dos atos oficiais. Possuía uma
Cont. da nota anterior
autora, uma vez, que mesmo o jornal estando microfilmado, no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo,
sua leitura é muito difícil em função das péssimas condições do material.
46
O Cachoeirano nasceu em 1877, na cidade de Cachoeiro de Itapemirim, importante cidade do norte do
Espírito Santo. O jornal O Cachoeirano apresentava-se como órgão neutro em relação ao jogo político da
Província. De acordo com Pereira (1926b, p. 22), “A sua divisa é ainda a imparcialidade; é tanto do partido
liberal como é do partido conservador; em poucas palavras, é enfim o orgam competente para fazer publicar
todas as idéas que não effendam a moral social”. Foram seus colaboradores em diferentes momentos os “[...]
srs. drs.: Horta de Araújo, Maria Leonilda, Antonio Carlos da Fonseca, Bernanrdo Horta, Ildefonso Vianna,
Eugenio Amorim Godofredo da Silva Vidigal, Oscar Leal, dr. Antonio Gomes Aguirre, Dr. Affonso Cláudio
[...] dr. Moreira Gomes, dr. Coelho Lisbôa, dr. Silva Lima, dr. José Marcellino, dr. João Freitas, dr. Jeronymo
de Souza Monteiro, dr. José Lino, Joaquim Ayres, Manoel Fernandes, Pe. Antonio Fernandes da Silva, Pe.
Carloto Fernandes da Silva, dr. Julio Leite, Victor de Moraes, dr. José Batalha Ribeiro, Cel. Antonio da Silva
Marins, João Motta, Mario Imperial, dr. Narciso Araújo, Benjamim Silva, Dr. José Calasans de Mello Rocha,
Antonio Vieira, Tertuliano de Loyola, Moacyr Moraes, Sizenando de Mattos Bourguingnon, Pe.
Carlosregattieri, dr. Belisario Vieira da Cunha, Everaldino Silva, Sylvio Julio, dr. Attilio Vivacqua, etc”
(PEREIRA, 1926b, p. 22-27).
47
A Provincia do Espírito Santo era publicado três vezes por semana na cidade de Vitória, capital da Província.
Criado por Cleto Nunes Pereira e José de Mello Muniz Freire, o jornal nasce em março de 1882, com o ideal
de fazer circular no Espírito Santo as idéias liberais. No seu primeiro editorial afirma: “D’aqui advogaremos
com o criterio de nossas convicções todas as grandes necessidades públicas desta província, estudaremos os
problemas sociais e economicos que se debatem na sociedade brasileira sem brecha em nossas opiniões, sem
compromissos antecipados” (PEREIRA, 1926c, p. 42). Mais à frente deixa claro seus compromissos “[...] As
ideas liberais terão neste jornal uma consagração de crentes convencidos; a bandeira de suas reformas e o
fundo phisolophico que presta á sua doutrina a politica moderna que assenta sobre sciencia social, constituem
para nós um programma” (PEREIRA, 1926c, p. 43). Foram seus colaboradores “[...] dr. José Joaquim
Pessanha Povoa, dr. Ffonso Cláudio, d. Adelina Lyrio, Joaquim de Salles Torres Homem, Murcio Teiceira,
Francisco Peçanha, cel. Augusto Calmom Nogueira da Gama, Ferreira Viana, Adelino Fontoura, Tiburcio de
Oliveira, J. P. Nolaco, Emilio da Silva Coutinho, Gama Rosa , dr. Cerqueira Lima, Francisco de Lima
Escobar Araujo e outros” (PEREIRA, 1926c, p. 43).
48
Eram colaboradores de O Espirito-Santense em diferentes épocas “[...] o Dr. José Joaquim Pessanha Povoa,
Mucio Teixeira, Dr. Affonso Cláudio, padre Antunes de Siqueira, Candido Costa, prof. Ariestides Freire,
Commendador Domingos Vicente Gonçalves de Sousa, Manoel Jorge Rodrigues, Ubaldo Rodrigues, Dr.
Antonio Athayde, Almeida Nobre, Amâncio pereira, Cleto Nunes Pereira, Dr. Alfredo P. V. de Mello, Luiz
Victoriense, Candido Brizindor, Miguel Evariesto Cardoso, Eduardo Gomes Ferreira Velloso, Sebastião
Mestrinho, Dr. Miguel Thomas Pessôa, Edgado Daemon, Magno Machado, J. Firmino dos Santos,
Godofredo Autran, Emilio da Silva Coutinho, M. H. de Moraes, Adrião Rangel e Ignácio Thomaz Pessoa”
(AMÂNCIO FILHO, 1926b, p. 88).
49
O redator-chefe do impresso era Maximiliano Maia e seus colaboradores Peçanha Póvoa, Eliseu Martins,
54
regularidade de dois exemplares publicados semanalmente, durante quase todo o período em
que esteve em atividade.
Era impresso em quatro páginas, em papel jornal, com quatro colunas cada uma, nas
dimensões de 26,7 X 43,3cm. Possuía uma tiragem de 500 exemplares e tinha, entre seus
colaboradores, o Dr. José Joaquim Pessanha Póvoa, o Dr. Elizeu Martins, Tiburcio de
Oliveira, Dr. Cerqueira Lima, Dr. Paulo de Freitas, Dr. Manoel Rodrigues de Campos, entre
outros homens vinculados ao Partido Liberal (PEREIRA, 1926b). Era impresso pela
Typographia d’O Horizonte.
Ao analisar os dois jornais em busca de informações que pudessem oferecer pistas
sobre o debate relacionado com a instrução pública na Província do Espírito Santo, foi
possível perceber que os dois impressos foram estrategicamente utilizados como tribunas, nas
quais ainda é possível ouvir a “voz” dos homens que, na década de 1880, lutavam pela
ampliação do campo de influência política.
Tanto O Espirito-Santense quanto O Horizonte ofereciam aos leitores resenhas do
panorama político na Província, discutiam as leis votadas na Assembléia Provincial, ou em
processo de votação, e as ações do presidente. Importante é ressaltar que uma mesma notícia
muitas vezes era relatada de forma totalmente diferente em cada impresso. Desse modo,
apesar de os editores dos dois jornais afirmarem sobre a neutralidade que buscavam imprimir
a suas publicações, mesmo que sabidamente pertencessem a grupos rivais, pode-se perceber
que as duas publicações tinham como objetivo atacar os adversários ou defender as posições
políticas que professavam. Os jornais funcionavam como dispositivos que compunham as
estratégias de lutas de representações,
50
possibilitando aos dois grupos o trabalho de
classificação, recorte e delimitação da zona de ação dos rivais, ao mesmo tempo em que
buscavam fazer reconhecer sua identidade, sua maneira de ser e posições no jogo político da
Província. Desse modo, a professada neutralidade funcionava mais como estratégia para fazer
circular o dispositivo, permitindo sua venda a leitores,
51
e patrocinadores,
52
aumentando assim
Cont. da nota anterior
Cerqueira Lima, Manoel Rodrigues Campos, Nilo Peçanha e Alcebíades Peçanha.
50
Ver Chartier (1990, 1991), quando discute as relações materiais e simbólicas que compõem o mundo como
representação. Representação, conforme Roger Chartier (1990, 1991), freia o entendimento do conceito como
alguma coisa separada da materialidade, algo como representação mental, idéias desencarnadas longe dos
dispositivos que as põem em circulação. Para o autor, representação está no objeto, é o objeto, o qual passa a
definir uma realidade e os modos de sua apropriação. Compreender dessa forma a imprensa periódica torna
possível projetar o jornal como “[...] dispositivos de imposição de saberes e normatização de práticas”
(CARVALHO, 1998, p. 4).
51
“Do leitor depende a vida do periódico; ele garante o lucro mas também o prestigio do jornal em termos de
idéias e força política” (CAPELATO, 1986, p. 17). Ampliar o número de leitores significa a possibilidade de
manter o impresso circulando, alcançar algum lucro (por intermédio da venda do periódico em seu espaço
55
sua comunidade de leitores
53
do que apenas como impressos sem finalidades muito bem
definidas.
Trabalhar com esse registro significar perceber que:
As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros:
produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que
tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas
menosprezados, a legitimar [ou deslegitimar] um projecto reformador
ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e
condutas (CHARTIER,1990, p. 17).
Nos últimos anos, o impresso tem sido percebido como uma fonte muito frutífera para
se compreender o campo educacional. Estudos sobre a imprensa periódica vem buscando
questionar ou afirmar o papel que esse objeto desempenhou na formação dos professores e na
opinião pública de maneira geral.
54
Passou-se a compreender que a imprensa se constitui em
uma forma muito eficaz para se ter “acesso” à forma como os homens se organizam, fazem
circular suas representações, constituindo-se em um testemunho vivo das ideologias políticas
de uma época, dos métodos e concepções educacionais de um período, da moral e do ethos
profissional de determinado grupo.
Alguns estudos vêm buscado acompanhar o próprio processo de constituição da
imprensa, centrando atenção nas representações veiculadas, nos personagens envolvidos e nos
grupos que se formam em volta desse veículo.
55
Desse modo, a palavra impressa, seus
suportes e prescrições passam a ser percebidos não apenas como registro do que aconteceu,
Cont. da nota anterior
publicitário) para investimento em outras frentes de batalha, ou garantir o retorno do capital aplicado, ao
mesmo tempo em que essa ampliação pode ter como conseqüência, pretendida, o aumento da base de apoio
dos leitores/ouvintes e sua adesão às idéias defendidas por intermédio do impresso. Ver Giglio (1995) no
estudo que realizou sobre o jornal Voz do Trabalhador, impresso que circulou em São Paulo como um dos
principais meios utilizados pelos anarquistas, no começo do século XX, para fazer suas idéias tornarem-se
públicas e arregimentar simpatizantes à causa operária.
52
Os jornais analisados, em suas páginas centrais, anunciam muitos tipos de mercadorias, como tônicos
capilares, livros de romance, hotéis, os serviços de profissionais liberais (advogados, professores particulares
para os exames de preparatórios etc.), cosméticos e utensílios domésticos.
53
Ver Chartier (1994), em A Ordem dos Livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV
e XVIII, principalmente quando trata dos requisitos para a produção de uma história da leitura com base na
compreensão das competências de leitura de determinadas comunidades de leitores encarnadas em gestos, em
espaços e em hábitos.
54
Ver a análise realizada por Luca (2006, p. 112), em que debate os caminhos trilhados pela imprensa periódica
que percorre “[...] o caminho que vai da desconsideração à centralidade [...] na produção do saber histórico”.
55
Ver Carvalho (1996, 1998, 2000 e 2001), Barzotto (1998), Carvalho e Toledo (2000), Biccas (2001) e
Schneider (2003). Sobre as mudanças ocorridas no campo da História da Educação, consultar Nunes e
Carvalho (1993) e Warde e Carvalho (2000).
56
mas como parte constituinte do acontecimento,
56
que tanto pode ser analisado em escala
microscópica, como os usos que dela são feitos pelos professores para atualizar seus
conhecimentos, assim como em escala mais macroscópica, quando se pode perceber a
imprensa como estratégia/tática de divulgação e convencimento do professorado em relação
aos benefícios/malefícios de projetos, reformas ou leis sobre a educação.
O papel desempenhado pelo impresso e seus editores
57
não deve ser desconsiderado
quando se faz uso da imprensa periódica como fonte, pois, “[...] para cada caso, é necessário o
relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza” (CHARTIER,
1990, p. 17). Uma vez que cada editor, ao desenvolver um projeto editorial, antes de tudo é
dirigido pelo modo como representa o mundo, seu lugar nesse espaço de lutas, as expectativas
dos possíveis consumidores e pelas práticas de leituras que imaginam ser da clientela
almejada (CHARTIER, 1994, 2004).
Luca (2006), ao analisar a produção acadêmica sobre a imprensa periódica (jornais e
revistas), como fonte e objeto de estudo, afirma que somente a partir da década de 1970
começa a crescer o interesse por esse documento. De acordo com a autora (2006), podia-se
perceber o interesse em escrever a história da imprensa, mas não a história por intermédio da
imprensa.
58
Para Luca (2006), tal desinteresse estava ancorado em uma tradição de pesquisa
dominante durante o século XIX e as décadas iniciais do século XX. A autora (2006) associa
tal fato ao peso da tradição e a um modelo de investigação que estava preocupado com a
56
De acordo com Darnton (1996, p. 15), “Os historiadores tratam em geral a palavra impressa como um
registro do que aconteceu e não como um ingrediente do acontecimento. Mas a prensa tipográfica ajudou a
dar forma aos eventos que registrava. Foi um a força na história, especialmente durante a década de 1789-
1899, quando a luta pelo poder foi uma luta pelo domínio da opinião pública”.
57
Para compreender o papel dos editores na produção/manutenção de um campo de ação na esfera cultural,
com finalidades políticas e os modos de viabilizar um projeto editorial, consultar os estudos de Chartier
(1994, 2004) no campo da História que discute o papel desempenhado pelos editores de Troyes e a coleção
de livros intitulada Bibliothéque Bleue, designada como o mais poderoso instrumento de aculturação escrita
da França do Antigo Regime. No campo da História da Educação, ver a pesquisa desenvolvida por Toledo
(2001), que trabalha com a Coleção Atualidades Pedagógicas, um conjunto de livros primeiramente
organizados por Fernando de Azevedo e posteriormente por Damasco Penna, entre os anos de 1931 e 1979,
com a chancela da Companhia Editora Nacional. No campo da História da Educação Física, ver o estudo
desenvolvido por Schneider (2003), no qual discute a fórmula editorial da revista Educação Physica
(periódico produzido entre os anos de 1932 e 1945 pela Companhia Brasil Editora) e o papel desempenhado
por seus editores na configuração do impresso como um espaço de luta pela fala autorizada e de
reivindicações durante o governo de Getúlio Vagas.
58
O estudo de Capelato e Prado, na década de 1980, é apontado por Luca (2006) como um dos pioneiros em
abordar a imprensa periódica não somente como fonte, mas também como objeto. Para Capelato e Prado
(1980, p. XIX), até aquele momento, “Os estudos históricos no Brasil [...] [haviam] dado pouca importância à
imprensa como objeto de investigação, utilizando dela apenas como fonte confirmadora de análises apoiadas
em outros tipos de documentação”. De forma contrária aos outros estudos, para as autoras, “A escolha de um
jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-se a imprensa fundamentalmente como instrumento de
manipulação de interesses e de intervenção na vida social; nega-se, pois, aqui, aquelas perspectivas que a
tomam como mero ‘veiculo de informações’, transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos, nível
isolado da realidade político-social na qual se insere” (CAPELATO; PRADO, 1980, p. XIX).
57
busca da verdade dos fatos, que somente acreditava ser possível por intermédio dos
documentos que fossem objetivos, neutros e fidedignos, descartando os que estivessem
marcados pela subjetividade. Conforme a autora:
Nesse contexto, os jornais pareciam pouco adequados para a
recuperação do passado, uma vez que essas ‘enciclopédias do
cotidiano’ continham registros fragmentários do presente, realizados
sob o influxo de interesses, compromissos e paixões. Em vez de
permitirem captar o ocorrido, dele forneciam imagens distorcidas e
subjetivas (LUCA, 2006, p. 112).
Para Luca (2006), a objetividade é uma característica que nenhum vestígio do passado
pode ostentar. Já afirmava Marc Bloch (2001) que toda investigação histórica trabalha com
documentos produzidos por outros, de forma voluntária ou involuntária, mas sempre com uma
seleção prévia do que deveria ser conservado ou descartado. No sentido inverso, os jornais
também não devem ser percebidos como o lugar de toda a subjetividade, eles dizem sobre os
homens no tempo, são arquivos que guardam a memória que determinada
comunidade/sociedade que se empenhou em preservar para a posteridade, mas essa
constatação não valida uma operação histórica calcada em processos mecânicos de
interpretações discursivas, em que se acredita na possibilidade de, após realizada uma seleção
do conteúdo/informações do impresso, tem-se acesso imediato ao real. Alerta Luca (2006)
que esse uso instrumental e ingênuo do periódico, passível de ser manipulado ao bel prazer do
historiador, lugar que funciona como receptáculo de informações a serem selecionadas e
extraídas, não permite perceber que “[...] a imprensa periódica seleciona, ordena, estrutura,
narra, de uma determinada forma, aquilo que se elegeu como digno de chegar até o público”
(LUCA, 2006, p. 139).
59
Como estratégia de luta e produção cultural, os jornais atuam como instâncias
privilegiadas na circulação de um modelo, de um estatuto e de uma posição, pois são capazes
de significar simbolicamente e de forma objetivada a existência de um grupo que busca mudar
59
Ao analisar o poder do jornal na construção da realidade, Correia (1997, p. 134) esclarece que “A função do
jornal (do noticiário, etc.) é a de, periódica e sistematicamente, transformar uma infinidade de
acontecimentos que ocorrem num certo lapso de tempo numa notícia ou num conjunto de notícias, isto é,
num produto jornalístico organizado e entendível para um determinado público. Para que isso seja assim, é
necessário instituir uma certa ordem, para uma certa orientação de trabalho, recorrer a diversos meios,
processos e regras, assim como a determinados critérios e valores, sem os quais a concretização do produto
jornalístico não seria possível. A partir daqui é que surgem os constrangimentos e os condicionantes à acção
do jornalista durante o processo de produção da informação. A simplicidade aparente é substituída pela
complexidade quando se compreende que os factores em jogo para que um acontecimento se transforme em
notícia são vários e se interligam e influenciam mutuamente, sem que seja fácil destrinçá-los”.
58
ou preservar o que se compreende como essencial para se instaurar ou manter a sociedade que
entendem como a ideal. Desse modo, é preciso perceber que os jornais, para a pesquisa, que
circularam durante a gestão de Inglês de Sousa, são muito mais do que documentos que falam
sobre o passado, são testemunhas que falam sobre os homens no tempo
60
que, conforme
Bloch (2001, p. 127), são “[...] seres capazes, por natureza, de fins conscientemente
perseguidos”. As notícias que fazem circular, verídicas ou urdidas na intenção de comover,
criticar, desmoralizar, exaltar ou simplesmente caluniar, são registros das lutas de
representação pelo controle do modo de pensar dos leitores e pela produção de um lugar de
fala autorizada, capaz de evocar a afeição pelos aliados ou desafeição pelos adversários.
61
Os Anais produzidos com base nos debates nas assembléias provinciais caracterizam-
se como documentos que resultam dos debates realizados por homens públicos, eleitos para
exercerem funções de legisladores dos interesses da Província, são fontes privilegiadas para se
buscar elementos para se compreender as representações que circulavam, entre elas, as que
diziam respeito ao debate relacionado ao modelo de formação dos professores para as escolas
de primeiras letras.
Os anais da Assembléia eram compostos da seguinte maneira: a cada sessão, ordinária
ou extraordinária que os deputados realizavam para debater os problemas da Província e
projetos para sanar as dificuldades que porventura estivessem passando, um secretário
produzia uma ata, na qual ficavam registrados os discursos dos deputados e as intervenções
realizadas. Ao que parece, o trabalho de composição dos anais tinha como objetivo registrar o
mais detalhadamente o que era discutido. Ao manusear essa documentação, tem-se a
impressão de se estar diante de um roteiro, tamanho o grau da tentativa de demonstrar
fidelidade à dinâmica parlamentar. A impressão que fica para os leitores é a da fidelidade,
como se o documento espelhasse a realidade tal como ela foi vivenciada pelos atores.
Caso não se perceba que o documento, escolha do historiador, é composto como
monumento, herança do passado, destinado a perpetuar a recordação e testemunhar sobre os
homens no tempo, fica-se tentado a depositar total confiança em seu relato, sem prestar
atenção que “O documento [qualquer que ele seja] não é qualquer coisa que fica por conta do
passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí
detinham o poder” (LE GOFF, 1996, p. 545).
60
Ver Bloch (2001) em Apologia da História: ou o oficio do historiador.
61
Bahia (1990, p. 12), ao estudar os meios de composição e as técnicas empregadas no jornalismo, declara que
“Por muito tempo pensou-se que tudo quanto se imprime [no jornal] é a verdade, ainda que se faça em seu
nome. A verdade reclamada por um veiculo, um editor ou mesmo uma opinião pública pode não ser toda a
verdade. De fato, em geral, ela é apenas uma parte ou uma versão da verdade”.
59
Na produção dos anais, havia a possibilidade de o deputado enviar o discurso
proferido na tribuna ao secretário da Câmara, que, ao final, mandava conjuntamente com seus
relatórios ao tipógrafo para que fosse produzido o compêndio com os debates realizados pela
Assembléia, os quais passavam a ser designados como anais. Mas essa montagem não é tão
simples como faz crer. A diplomacia, aparente, dos discursos, aliada à estratégia do
detalhamento, imprime ao relato a veracidade necessária para que seja aceito como verdade, e
à fonte a condição de insuspeita, criando, desse modo, no leitor, a confiança de que o relato é
inocente e realizado sem cortes ou censuras. Para Le Goff (1996, p. 547),
O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado de uma
montagem consciente ou inconsciente, da história, da época, da
sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas
durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais
continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio.
Nos anais, a exposição do conteúdo segue uma lógica. A cada sessão, são lidos os
nomes dos deputados presentes e explicadas as razões pelo não comparecimento de algum
deles à reunião. Realiza-se a leitura da ata da sessão anterior, que deve ser aprovada pelos
membros presentes na reunião. O secretario lê o expediente, que consiste nos documentos
recebidos e enviados pela Câmara, e passa para a discussão dos problemas, projetos e leis em
trâmite na Assembléia. Nesse processo, os deputados mais “ativos” em plenária podem ser
reconhecidos, pois, antes de cada discurso, apartes, expressões de apoiado, e não apoiado, o
nome de cada articulador é impresso para que seja possível ao leitor acompanhar a dinâmica
dos debates.
62
Mediante a leitura dessa documentação, que busca ser “fiel à dinâmica dos
pronunciamentos”, assim como às intervenções realizadas pelos amigos ou adversários,
quando não apoiados em relação às afirmações que proferem, ou apoiados para demonstrar
aprovação, pode-se “compreender” como homens públicos lidavam com os problemas da
Província e também as ligações e as disputas partidárias que mantinham na condução da
administração provincial.
A leitura dos anais produzidos nos debates parlamentares pode ser reveladora de
muitos debates que movimentaram o cenário político das províncias, pois, nessa
documentação, pode-se ter acesso a uma série de registros, expostos de forma cronológica, a
respeito da movimentação dos deputados a favor ou contra um projeto.
62
O que é dado a ver aos leitores é aquilo que se acreditou ser digno de transmitir para a posteridade.
60
Outra forma de analisar a documentação designada como anais é pelo formato que
apresenta e pelo modo como os debates são expostos. Quando se olha para os anais à procura
dos temas de maior circulação na Câmara e de maior repercussão, percebe-se que havia um
grau de importância entre as discussões. Quanto mais polêmicos são os temas, mais deputados
são envolvidos, pois, nesse momento, maior visibilidade pode ser alcançada por aqueles que
fazem uso da tribuna. Mas, ao que parece, havia regras para se pronunciar perante a
Assembléia.
Os deputados, seguindo as regras do decoro, não se utilizavam de expressões de baixo
calão.
63
Nos debates, nenhuma foi encontrada. Como os debates passavam por um processo
de editoração para serem impressos como anais, acredita-se que também passassem por um
processo de assepsia no qual eram removidas algumas expressões mais fortes, evitando,
assim, que ficassem para a posteridade. A leitura dos anais transmite uma idéia de civilidade e
diplomacia,
64
mas pode ser somente aparência, produzida com base no processo de edição do
documento e pelas disputas relacionadas com o que deveria ser tornado público.
Os anais são documentos que guardam a memória da Assembléia durante o ano de
trabalho, feitos para serem consultados e utilizados, pois revelavam o trâmite legal das
decisões da Câmara, informam ao leitor, amigo ou adversário, o modo como a Assembléia
operou para tomar as decisões. Dessa forma, os usuários dos anais, como fonte de informação,
possuem as condições necessárias para se utilizar o documento com a finalidade de ataque ou
defesa no jogo do poder na Província, na Corte ou em outras províncias. Como documentos
que circulavam pelo Império,
65
informando como os homens públicos lidavam com os
assuntos da Província, os anais certamente deveriam ser objeto de aprovação pela própria
Assembléia. Desse modo, sua confecção não era apenas um gesto técnico, mas uma disputa
política, não ficando sua elaboração a cargo de um secretário, mas dos homens que detinham
o poder de decisão no período de sua publicação.
Ao manusear os Anais da Assembléia Provincial do ano de 1882 em busca de pistas
para compreender o panorama educacional na Província do Espírito Santo, foi possível
63
O que não impedia que a ironia e acusações fossem uma constante nos pronunciamentos.
64
A dinâmica parlamentar era marcada pela interrupção dos discursos e dá o tom nos debates. Deputados que
se sentiam ofendidos de alguma forma pediam constantemente apartes, para poder se defender de acusações
proferidas pelos adversários, ou mesmo aqueles que se sentiam contemplados com a explanação das idéias
interrompiam para demonstrar solidariedade com um Muito apoiado, chegando a ponto de o presidente da
Assembléia ter que interromper algumas vezes os discursos para pedir moderação e menos obstruções para
que alguns pronunciamentos pudessem ser concluídos.
65
Os Annaes da Assembléa Provincial do Espirito-Santo foram encontrados na Fundação Biblioteca Nacional e
no Arquivo Público de São Paulo.
61
perceber que, no ano de 1882, foram eleitos 22 deputados
66
para o biênio 1882-1883, mas,
destes, poucos se fizeram ouvir nos debates. Muitos dos deputados, durante os debates, nunca
chegaram a se pronunciar a favor ou contra o que era debatido, aparentemente somente
aqueles que eram considerados mais ilustrados conseguiam fazer se ouvir na tribuna. Desse
modo, o que chega ao pesquisador é apenas parte do que os homens que lidavam com a
administração da Província pensavam sobre a instrução pública, não todos os deputados, pois
boa parte, no processo, ao que parece, não fez uso da tribuna para decidir ou reivindicar ações
relacionadas com os negócios da Província, pelo menos de forma mais explícita, mas nada
impedia que a atuação deles fosse feita de forma mais periférica e indireta.
Os relatórios dos presidentes da Província se apresentam como uma fonte interessante
para se compreender o debate educacional, porque guardam algumas características
peculiares. Eles são construídos tomando-se por base outras documentações, especialmente as
que são enviadas aos presidentes por seus subordinados, os diretores das instâncias
administrativas da Província. Assim, essas fontes são uma espécie de bricolagem de vários
outros relatórios, os quais o presidente ou vice-presidente em exercício, no momento de
deixar o cargo, no fim do ano administrativo,
67
ou ao final do tempo em que esteve ocupando
a cadeira da administração, utiliza para relatar à Assembléia Legislativa sobre o
desenvolvimento dos negócios da Província naquele período.
Para Resende e Faria Filho (2001, p. 82),
Basicamente, os presidentes apresentavam estes relatórios por dois
motivos: quando precisavam fazer uma espécie de ‘prestação de
contas’ à Assembléia Legislativa Provincial, em circunstâncias
especiais, como, por exemplo, quando deixavam a Presidência, ou em
virtude da reunião anual de abertura da Assembléia. Os relatórios do
‘estado da instrução pública’, em menor número, são relatórios dos
chamados diretores gerais de Instrução Pública, que tinham o encargo
de fiscalizar este ramo da administração provincial, os quais eram
enviados aos presidentes da Província.
66
Os deputados eleitos para exercer mandato no biênio 1882-1883 são: José Feliciano Horta de Araújo
(presidente da assembléia); Eliseu de Sousa Martins; Aristides Arminio Guaraná; José de Mello Carvalho
Moniz Freire; José Pinheiro de Sousa Werneck; José Cesário de Miranda Monteiro de Barros; Joaquim
Marcellino da Silva Lima; João Aprigio Aguirra; Manoel do Couto Teixeira; Ignacio Thomaz Pessoa; Emilio
da Silva Coutinho; Domingos Vicente Gonçalves de Souza; Ignacio de Almeida Trancozo; Emilio da Silva
Coutinho; Antéro José Vieira de Faria; José Pinto Guimarães; Candido Gonçalves Pereira Lopes; Domingos
da Silva Lima; Alexandrino Pires Martins; Leopoldino Gonçalves Castanheiras; Gaudino Faria da Motta e
João Antonio Pessôa Junior.
67
Pela Constituição Politica do Império do Brasil de 1824 1 (1846, p. 36), prescrevia-se no Capítulo V, no Art.
77 que “Todos os annos haverá sessão, e durará dous mezes, podendo prorrogar-se por mais um mez, se nisso
convier a maioria do conselho”.
62
Como um documento que se caracteriza por ser a mescla de vários outros, a utilização
dessa fonte deve ser feita tomando-se alguns cuidados, ou seja, perceber que os relatórios
foram produzidos após passar por muitos filtros e que eles tinham alguns destinatários
potencialmente críticos, para os quais era importante informar sobre alguns assuntos e
interditar o conhecimento de outros. Os destinatários dos relatórios eram, em um primeiro
momento, os deputados da Assembléia Legislativa Provincial e, em um segundo momento, a
Assembléia Geral, os ministros do Império e o Imperador.
Como demonstra Giglio (2001), os relatórios dos presidentes das Províncias se
constituíam como uma teia, em que na Fala do presidente ressoa a voz de outros homens,
produzindo o que a autora (2001, p. 13) chama de “[...] universo prático do governo de
homens e coisas”.
Conforme Giglio (2001, p. 15),
Esta teia de vozes, nascidas das coisas ditas e escritas, se produz num
movimento de diferenciação e num lugar de relações estabelecido
entre a Fala do Presidente e de outros lugares de poder: com
indivíduos, instituições e grupos; com práticas inteiramente novas de
dar visibilidade ao poder, novo modo de circulação de códigos, gestos
e rituais que instauram mais que normas e leis: instauram relações de
sujeição a partir destas escalas de hierarquia que penetram as práticas
mais triviais de registro, rituais tornados insígnias que identificam o
lugar de poder, identificam o Estado.
Assim, os relatórios podem ser compreendidos
[...] como um meio de organização e ordenação, um dispositivo de
controle da administração da vida dos cidadãos e do próprio Estado. O
campo de documentos produzidos nesta operação de controle
basicamente nasce da observação, da reunião e transmissão de
informações, da organização de uma estatística, necessária à atuação
do governo em larga escala, redesenhando o mapa da Província,
permitindo deslocamentos estratégicos nas formas de conduzir os
fenômenos que envolvem a população.
Enfim, de que tratam os relatórios? De acordo com Giglio (2001), no limite de uma
arte de governar, que se multiplica por vários espaços, assim são objetos do relato, as
famílias, as instituições, a população, a economia, a saúde, a instrução, a política e, por fim, o
próprio Estado. Nesse processo narrativo sobre os interesses da Província, afirma Giglio
(2001), estão em jogo e em movimento a construção de uma lógica que está empenhada em
intervir em certos setores da Administração Pública com a finalidade de estabelecer
regularidades no comportamento da população urbana.
63
Ao discutir sobre a materialidade dos relatórios produzidos pelos presidentes da
Província de Minas Gerais, Resende e Faria Filho (2001) descrevem as regras de composição
desses dispositivos de controle da administração. Conforme os autores,
Os relatórios são, quase todos, estruturados da seguinte maneira: uma
Introdução, na qual o presidente cumprimenta a Assembléia, fala das
dificuldades de governar a Província e exalta a família real, além de,
geralmente, dar notícias sobre a saúde da mesma; e um
desenvolvimento, que estrutura os ramos do serviço público quase
sempre nos seguintes aspectos: Administração da Fazenda,
Administração da Justiça, Cadeias, Catequese, Empresas, Engenharia,
Estradas, Força Pública, Iluminação Pública, Instrução Pública,
Jardim Botânico, Legislação Provincial, Limites de Terras, Obras
Públicas, Pontes, Secretaria da Presidência, Segurança Individual,
Tipografia Provincial, Tranqüilidade Pública (RESENDE; FARIA
FILHO, 2001, p. 82).
Os relatórios produzidos pelos presidentes das Províncias do Espírito Santo, Sergipe e
São Paulo não fogem a essas regras de ordenação. Na sua composição, a classificação dos
temas a serem tratados segue a mesma disposição. Mesmo a organização da argumentação é
muito bem estruturada, pois, como dispositivo de controle que compõe uma estratégia de
dominação, que pressupõe um lugar de poder, os relatórios têm por função estruturar uma
forma modelar para sua leitura, tanto mediante a disposição das temáticas a serem tratadas,
como por intermédio da escolha das palavras e figuras de linhagem a serem utilizadas. Para
Resende e Faria Filho (2001, p. 83),
As palavras e frases usadas nos relatórios eram, aparentemente, muito
bem escolhidas. Eles são documentos oficiais e eram escritos
buscando influenciar quem os lesse (ou ouvisse). Seja buscando
persuadir, seja procurando exortar, os textos sempre buscam
convencer o povo, ou seus representantes na Assembléia Provincial,
da importância da instrução pública.
Lendo os relatórios, pode-se perceber que, para além do seu significado de dispositivo
de controle, possuíam outros sentidos. Quando se manipulam os relatórios produzidos pelos
presidentes da Província, pode-se notar que tinham a função de dar a ver aos leitores do
documento o estado da organização da Província em relação às várias seções da
Administração Pública. Nesse sentido, pode-se, com base na leitura dessa fonte, compreender
como os homens que assumiram a função de dirigir as províncias do império focalizaram sua
intervenção em relação à organização das várias instâncias da Administração Pública.
68
68
Ao utilizar as Falas dos presidentes, em relação ao nível de organização da instrução pública ou sobre suas
64
Utilizar os relatórios dos presidentes de Província como fonte, segundo Giglio (2001),
demanda perceber que eles são produzidos por uma teia de falas em que a voz do presidente
ecoa a voz de outros homens também engajados na administração provincial. Nesse sentido os
relatórios são a materialização de diversos relatos, costurados, organizados de uma forma
lógica para fazer saber a outros homens o estágio do governo prático de homens e coisas na
Província.
69
São também a forma como o governo central procura controlar as atividades do
presidente na Província para o qual foi designado. Nesse jogo entre a exposição do que se
acredita ser mais relevante informar ao Imperador e seus ministros, existe um hiato, difícil de
ser transporto, formado pelo conjunto de procedimentos de cortes, interdições, negociações
entre os homens preocupados com administração da Província, ou seja, entre o que acontece e
o que se propõe deixar como registro do acontecimento existe um espaço em branco.
70
A narrativa empregada nos relatórios é padronizada, modelada por códigos e rituais de
exposição que visam a estabelecer um modo exemplar para a sua leitura. São relatórios
organizados por temáticas nas quais são relatados os acertos da administração, as soluções
empregadas na resolução de problemas, de ordem financeira, a respeito da segurança pública,
da saúde pública, da conservação e construção de estradas, do culto público, da instrução
pública etc.
A minudência marca a elaboração do documento, com suas estatísticas, sobre a
quantidade de escolas na Província, alunos matriculados em relação ao sexo, alunos em idade
escolar não matriculados, gastos com professores, aulas vagas, casas alugadas para serem
transformadas em escolas. São registrados balanços orçamentários sobre as fontes de renda e
despesas na Província, usos que foram feitos dos recursos financeiros, orçamentos para os
próximos anos, produção agrícola, quantidade de delitos e prisões realizadas, quantidade de
policiais para fazer a guarda da Província, nome dos funcionários públicos e em que locais
estavam desempenhando funções, quantidade de pessoas hospitalizadas, falecidas e nascidas
durante a gestão, órfãos mantidos pelo Estado, recursos alocados para a salubridade pública, o
estado da Guarda Nacional na Província, os alistamentos para o Exército, o número de
escravos nas cidades e no campo e obras públicas, enfim um relatório que buscava dar conta
Cont. da nota anterior
precariedade, pode-se compreender o desenvolvimento dos debates a respeito da escolarização e, ao mesmo
tempo, entender mais sobre a História da Educação e da circulação das representações relacionadas ao
significado da escola durante o Império.
69
Ver Giglio (2001) em Uma genealogia de práticas educativas na Província de São Paulo (1836-1876), em
que analisa as regras de composição dos relatórios dos presidentes da Província.
70
Essa constatação pode ser aplicada aos outros documentos que são utilizados como fontes para o estudo, pois
são produzidos seguindo os mesmos critérios.
65
dos “detalhes” e peculiaridades da Província.
Analisando os procedimento possíveis para a produção dos relatórios e sua forma
final, elaborados com base nos interesses dos grupos que compõem a sociedade, daqueles que
o redigiram (entre cortes e enxertos), que os guardaram e que os conservaram, é possível
afirmar que o que temos em mãos é a documentação do itinerário da gestão pública,
matizadas, por aquilo que alguns homens consideraram útil, ou vantajoso, moral ou
materialmente deixar como registro àqueles que julgariam o estado de
organização/desorganização dos negócios da Província. Não só imediatamente à sua
produção, mas também como memória serviria para balizar, no futuro, a compreensão do que
foi a gestão provincial em um certo período e em um determinado setor.
Diante dessas constatações, como fica, então, o trabalho historiográfico, se estamos
fadados a sempre conhecer o pretérito por intermédio das palavras dos outros, daquilo que
compreenderam que deveríamos saber? Não tem como fugir, estamos sempre no final da fila,
sendo informados por testemunhos que outros nos deixaram, intencionalmente ou não,
deformados pelo tempo, pelas mudanças e também pelos homens.
71
De acordo com Bloch
(2001), a saída é procurar luz dos raios convergentes produzidos por outros testemunhos.
Segundo Bloch (2001, p. 73), “Como primeira característica, o conhecimento de todos
os fatos humanos no passado, da maior parte deles no presente, deve ser [...] um
conhecimento através de vestígios”. Assim os documentos utilizados, oficiais ou não oficiais,
devem ser compreendidos como um repositório de traços, de pegadas que foram deixadas
pelo caminho, que informam sobre acontecimentos, verídicos ou não, que não existem mais.
72
Os traços deixados pelos homens informam sobre esses mesmos homens, seus
conflitos, desafios, alegrias, tristezas, medos, maneiras de lidar com as demandas da vida,
escolhas realizadas e suas formas de resolver os problemas. Mas, nesse processo de análise,
que parece simples, reside uma questão: nem todas as pistas se prestam, com a mesma
docilidade, à evocação retrospectiva (BLOCH, 2001). Para Bloch (2001, p. 75), “[...] os
exploradores do passado não são homens completamente livres. O passado é o seu tirano.
Proíbe-lhes conhecer de si qualquer coisa a não ser o que ele mesmo lhes fornece [,
conscientemente ou não]”. Faz-se, então, necessário interrogar os documentos, naquilo que foi
deixado como registro, mas também naquilo que ele nos possibilita entender sobre o passado
71
Segundo Bloch (2001), o historiador está necessariamente reduzido a só saber o que aconteceu por
intermédio de estranhos.
72
Para Bloch (2001, p. 77), os “[...] indícios que, sem premeditação, o passado deixa cair ao longo de sua
estrada não apenas permitem suplantar [...] [os] relatos, quando esses apresentam lacunas, ou controlá-los,
caso sua veracidade seja suspeita”.
66
sem o haver pretendido.
73
Ao discutir sobre os Sinais, raízes de um paradigma indiciário, Ginzburg (1999)
esclarece que os dados marginais são considerados reveladores, porquanto, apesar de serem
considerados sem importância, triviais, podem fornecer as chaves para se compreender as
práticas das quais se originaram, uma vez que os pormenores, por serem vistos como
insignificantes, dificilmente são falsificados ou camuflados.
74
Desse modo, o que importa
compreender, mediante a análise dos documentos, não é apenas o discurso que fazem circular,
mas as práticas sociais que são capazes de indiciar.
Compreender a gestão pública, no caso da administração relacionada com a instrução,
por intermédio dos documentos selecionados, constitui-se em possibilidade para se analisar a
circulação dos modelos pedagógicos e de formação nas suas apropriações, transformações e
uso na Província do Espírito Santo. Ao examinar os documentos como núcleo informativo, o
olhar estará voltado para a compreensão das demandas por escolarização na Província, os
meios pelos quais os homens de um determinado período buscaram responder, mesmo
discursivamente, aos problemas que lhes foram apresentados.
Apesar de a documentação – jornais, anais da Assembléia Provincial, relatórios dos
presidentes, leis e regulamentos – se apresentar como fonte privilegiada para se compreender
os debates sobre a instrução pública, no período em que Inglês de Sousa assumiu cargos
administrativos nas Províncias, é necessário reafirmar que tais arquivos não nascem apenas
como um exercício técnico ou de diletantismo. É preciso reconhecer que tais fontes não são
neutras; são documentos que, segundo Le Goff (2003), constituem-se em monumentos
construtores de memória.
Para Bloch (2001, p. 83),
[...] a despeito do que às vezes parecem imaginar os iniciantes, os
documentos não surgem, aqui ou ali, por efeito [de não se sabe] qual
decreto dos deuses. Sua presença ou ausência em tais arquivos, em tal
biblioteca, em tal solo deriva de causas humanas que não escapam de
modo algum à análise, e os problemas que sua transmissão coloca,
longe de serem apenas o alcance de exercícios técnicos, tocam eles
mesmos no mais íntimo da vida do passado, pois o que se encontra
assim posto em jogo é nada menos do que a passagem da lembrança
através das gerações.
73
Ver Bloch (2001) e suas prescrições sobre os procedimentos de crítica documental e sobre os critérios que
devem ser seguidos na observação histórica.
74
Ginzburg (1991), realizando uma analogia entre a atividade cognoscitiva do médico no diagnóstico de
enfermidades e a atividade do investigador na detecção de pistas, discute que os sintomas, assim como as
pistas, são produzidos involuntariamente.
67
Portanto, vale a pena recuperar as reflexões de Le Goff (2003) sobre
documento/monumento, para o qual estes nunca são inócuos, mas resultados de montagens,
conscientes ou inconscientes, de um passado que se quer preservar. Assim, documento é
monumento “[...] resultado do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro –
voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias” (LE GOFF, 2003, p.
538). Cabe ao historiador, por intermédio da crítica documental, compreender as condições de
produção dos documentos/monumentos, seus usos e sua relação com os outros
documentos/monumentos que são produzidos no mesmo período ou anteriormente a eles.
68
Cada um dos seis capítulos, em que está dividida a tese, busca analisar a circulação
dos modelos de formação de professores, com base na circulação do presidente de Província
Inglês de Sousa, no final do Segundo Império. Desse modo, foram utilizadas as intervenções
realizadas por Inglês de Sousa, em relação à instrução pública, em três regiões: São Paulo,
Sergipe e Espírito Santo. Na análise, foi privilegiada a reforma da instrução pública realizada
na Província do Espírito Santo. Desse modo, a experiência acumulada por Inglês de Sousa é
utilizada para que se possa compreender o processo de circulação, apropriação e usos dos
modelos pedagógicos que, no final do Segundo Império, são objetos de disputas por diferentes
grupos interessados na reforma da instrução pública, em especial, nos modelos de formação
de professores para as escolas primárias.
O primeiro capítulo foi organizado para dar a ver aos leitores o caminho percorrido no
processo de localização, seleção, organização das fontes primárias e secundárias, utilizadas
para compreender os debates sobre a instrução pública nas três Províncias em que o estudo se
propôs a investigar as lutas de representação, a circulação dos modelos pedagógicos e os
modelos de formação de professores em disputa no final do século XIX. Essa sessão da tese
também foi o espaço em que, de forma mais aprofundada, foi realizada a crítica documental e
a análise das teorias que dão suporte aos questionamentos realizados durante a elaboração do
projeto e do estudo.
O segundo capítulo aborda o período anterior à reforma da instrução pública realizada
por Inglês de Sousa, na Província do Espírito Santo, em 1882. Procura compreender a
transição que o modelo escolar de formação de professores sofreu durante o século XIX, as
disputas entre modelos, o processo de apropriação e teste de propostas de formação docente e
também o projeto de reforma que antecede a chegada de Inglês de Sousa à Província do
Espírito Santo, como pessoa autorizada nas questões educacionais.
O terceiro capítulo busca compreender a experiência que Inglês de Sousa conseguiu
acumular a respeito da instrução pública, que o qualificava e legitimava perante a Assembléia
Provincial do Espírito Santo, como administrador capacitado a realizar uma ampla reforma
das instituições educacionais, públicas, da Província. Para tanto, o estudo retorna ao período
em que o reformador foi deputado provincial em São Paulo, em 1880. Procura entender os
debates em que Inglês de Sousa tomou parte como deputado para perceber o que ele julgava
ser o modelo de formação necessário aos professores das escolas primárias da Província de
São Paulo, para, com base em suas preleções na Assembléia Provincial, saber quais eram as
representações a respeito do significado da instrução pública e das reformas que os políticos
possuíam durante os anos finais do Segundo Império.
69
O quarto capítulo investiga a experiência de Inglês de Sousa como presidente da
Província de Sergipe para compreender, assim como em São Paulo, a forma como ocorreram
as lutas de representação em relação ao significado da escola normal, os modelos de formação
de professores para as escolas primárias e os debates sobre quais matérias deveriam compor o
rol de conhecimentos que os professores deveriam possuir para serem considerados bons
professores. Assim, o regulamento que Inglês de Sousa produz para reformar a instrução
pública é observado como dispositivo que busca orientar, regrar e disciplinar a formação dos
professores primários da Província de Sergipe. Analisa também a posição burocrática do
presidente de Província durante o Segundo Império, sua função administrativa, sua ação
estabilizadora e homogeneizadora das políticas e interesses do Estado nas Províncias.
Como meio para compreender a reforma da instrução pública que Inglês de Sousa
realizou na Província do Espírito Santo, o quinto capítulo analisa a contratação do professor
da Escola Normal de São Paulo, Silva Jardim, durante os dois meses em que realizou, na
Capital da Província, conferências pedagógicas sobre o método João de Deus. A presença de
Silva Jardim no Espírito Santo, durante o período em que se produzia o regulamento, é
interpretada como uma estratégia que busca modelar o entendimento dos professores acerca
da reforma, das modernas teorias sobre o ensino, sobre a função da escola primária e da
escola de formação de professores no processo de modernização do Brasil.
No sexto e último capítulo, o estudo procura compreender a reforma da instrução
pública com base no regulamento e nas experiências adquiridas por Inglês de Sousa nas outras
Províncias em que exerceu cargos públicos para, desse modo, entender o que ele compreendia
como Pedagogia Moderna. Analisa o que significava para Inglês de Sousa a escola
reformada, nos seus métodos, seus saberes e seus dispositivos para o processo de
modernização do Segundo Império e as lutas de representações que o seu programa de
reforma indicia para se interpretar o modo como os modelos pedagógicos circulavam e o
papel da instrução pública para os grupos em disputa pela voz autorizada sobre as questões
educacionais no jogo político que estava sendo realizado nas décadas finais do século XIX.
70
2 CAPÍTULO
A INSTRUÇÃO PÚBLICA NA PROVÍNCIA DOESPÍRITO SANTO:
DEBATES QUE ANTECEDERAM A REFORMA DE 1882
Para compreender a reforma da instrução pública produzida, em 1882, na gestão de
Inglês de Sousa no Espírito Santo, em primeiro lugar, é necessário entender o panorama que o
novo presidente encontrou na Província em relação aos temas circunscritos ao campo
educacional. Neste capítulo, o foco do estudo estará voltado para a análise dos debates que
antecederam a indicação de Inglês de Sousa para a administração do Espírito Santo, as
discussões que haviam ocorrido anteriormente à sua intervenção sobre a instrução pública,
imediatamente à sua gestão e com um recuo maior no tempo para compreender como o tema
da formação de professores e dos modelos pedagógicos para as escolas de primeiras letras
havia sido abordado pelos presidentes anteriores.
As transformações operadas no cenário educacional das províncias, especialmente
após o Ato Adicional, de 12 de agosto de 1834, que conferiu às províncias, entre outras
atribuições, a liberdade de legislar sobre o ensino primário e secundário, além de possibilitar
que as Assembléias Legislativas Provinciais criassem e organizassem as instituições que
dariam formação aos seus professores, não devem ser desconsideradas no estudo das reformas
da instrução pública. Essa observação é importante por duas razões: em primeiro lugar,
porque o Império não era organizado com base em um modelo federativo, assim a autonomia
que as províncias possuíam era relativa; a segunda razão, que não deve ser desconsiderada, é
que o Brasil está passando por um momento de mudança, notadamente nas décadas de 1870 e
1880. O panorama político brasileiro está sendo reorganizado e outros fatores, como as leis
que impedem o tráfico de escravos e liberta seus filhos, já perspectivando a abolição da
instituição do trabalho forçado, estão impulsionando os políticos, os intelectuais e os
proprietários de terra a rever as relações sociais que constituem a base do Império. Valendo-se
dessas observações, é possível perceber que o Império está passando por um processo de
transição, que não se inicia nas décadas 1870 e 1880, mas tem no Ato Adicional, de 1834, um
elemento que indicia para a reorganização do Estado imperial, no século XIX.
71
Percebe-se que as províncias estão, paulatinamente, reivindicando e conquistando
maior autonomia para decidir sobre os rumos de sua economia, sua política e também sobre o
tema da instrução pública. Nesse processo, é possível observar, com base na análise de
algumas fontes, que as províncias estão procurando meios para fazer valer a liberdade
conquistada com o Ato Adicional. Como o Império não possuía, de forma explícita,
75
um
programa de uniformização do ensino para o Brasil, o que se percebe, ao analisar as políticas
para a instrução pública implementadas pelas províncias, é um movimento de lutas de
representação e teste dos modelos pedagógicos que circulam pelo Brasil e que são oferecidos
como soluções para os problemas educacionais enfrentados pelos políticos do Império.
O modo como os presidentes e deputados provinciais lidavam com as demandas da
instrução pública, mediante os usos, apropriações e transformações dos modelos pedagógicos,
em um primeiro momento, faz pensar que todo esse processo de debates intermináveis
sobre qual o melhor método a ser adotado para formar os professores, as características que
deveriam possuir as instituições de formação para a docência, sobre o sentido da educação
primária e sobre a forma da escola não passa de discussões vazias, que tudo era uma grande
confusão, ou que os homens do século XIX estão perdidos, sem saber qual o melhor caminho
a seguir para resolver os problemas da instrução pública. Tal sensação se deve ao fato de
vivermos um momento em que a forma escolar e os valores associados à escolarização já
estão sedimentados ou, como afirma Carvalho (2003), naturalizados. Dificilmente se escapa à
tentação, inconsciente ou não, de olhar o passado com os olhos do presente e julgar os
discursos e as experiências produzidas anteriormente ao nosso tempo. Essa operação não
deixa ver que os homens do século XIX estão definindo o que hoje compreendemos como
escola, sua função social e sobre o papel do professor nessa instituição. É um momento de
transição em que as decisões estão sendo tomadas e o nosso futuro projetado com base na
escolha dos modelos a serem seguidos, ou apropriados, no processo de modernização do
Brasil e de suas instituições.
75
Autores como Haidar (1972) e Antunha (1980), em seus estudos sobre o ensino secundário, demonstram que
o meio utilizado pelo Império para controlar o ensino primário e o secundário no Brasil era indireto. O Ato
Adicional de 1834 confere às províncias apenas a capacidade de legislar sobre os dois primeiros níveis de
ensino. O ensino superior era reservado ao monopólio do Império. Desse modo, conforme Haidar (1972, p.
172), o ensino secundário, “Destinando-se precipuamente ao preparo de candidatos para as escolas superiores
do Império, o ensino secundário em todo o país, com um ou outro acrescentamento com uma ou outra lacuna,
reproduzia em seu currículo o conjunto de disciplinas fixadas pelo Centro para os exames de ingresso nas
Academias [...]. Em tais condições, apesar da descentralização instituída pelo Ato Adicional, mantiveram os
poderes gerais, indiretamente, o controle do ensino secundário em todo o Império”. Pouco importava como
os conhecimentos necessários ao ingresso nos cursos superiores eram obtidos, desde que dessem conta de
aprovar os estudantes nos exames preparatórios. Essa forma de modelar os conhecimentos necessários ao
ingresso nos cursos superiores, de acordo com Santos (2005) servia como elemento de coesão dos estudos
72
2.1 O modelo escolar de formação de professores no Espírito Santo: uma
instituição em transição no século XIX
Com a fala do presidente da Província do Espírito Santo, do ano de 1838, João Lopes
da Silva Couto, pôde-se perceber que tanto a formação do professor, quanto as características
que esse deveria apresentar passam a ser tema insistente nos relatórios dos presidentes da
Província. No caso do relatório apresentado no ano de 1838, entre algumas considerações do
estado da instrução pública, avalia o presidente que, em relação ao ensino primário, a situação
era muito ruim, pois somente existia na Província uma escola de primeiras letras, que
funcionava como “[...] huma [aula] de ensino individual que [...] [era] frequentada por 181
meninos” (COUTO, 1838, p. 9), a outra aula, aberta para meninas, não havia conseguido
professora que a assumisse. De acordo com o presidente da Província, “[...] he sabido que não
só n’esta Provincia como também em quasi todo o Imperio, a educação da mocidade tem sido
abandonada e confiada a pessôa menos habilitadas para tal cargo, salvas as justas excepções”.
Para contornar esse problema, João Lopes da Silva Couto sugere à Assembléia
Provincial a necessidade urgente de aumentar o ordenado dos professores para que a função
se tornasse mais atraente. Propõe também que fosse enviado à Província do Rio de Janeiro
pessoas que se interessassem pelo Magistério primário a fim de se preparar na Escola Normal
da Corte. Quando concluíssem o curso, deveriam retornar para a Província e assumir as
cadeiras da instrução pública da Capital e das vilas. Não se cogita a instalação de uma
instituição para a formação dos professores na Província. A solução mais simples seria
deslocar estudantes da cidade de Vitória para instituições que já oferecessem o curso
normal.
76
Dois anos depois, outro presidente da Província volta a reclamar das dificuldades
em se abrir uma segunda escola de primeiras letras na capital.
[...] he grande necessidade a creação de outra Escola de Primeiras
Letras nessa Capital: não se póde esperar algum adiantamento da
Cont. da nota anterior
preliminares à educação superior.
76
Antonio Pereira Pinto, assumindo em 1848 a função de presidente da Província, o qual passou o cargo no
mesmo ano ao novo presidente, comendador José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim, faz os
seguintes comentários ao redigir seu relatório para os membros da Assembléia Legislativa: “[...] fallando
sobre a instrução, sinto ter de annunciar á V. Ex. que ella se acha em estado bem pouco satisfactorio, pela
falta mui sensivel de pessoas habilitadas, que occupem o magisterio. Levo em vistas propôr á assembléia
provincial em a sua primeira reunião a consignação de quantia sufficiente para se mandar dous moçõs dos
mais applicados desta provincia cursarem as aulas dessa côrte, afim de importarem para sua patria as lições,
que n’ellas beberem”(PINTO, 1848, p. 18-19).
73
mocidade havendo huma só Aula, e sendo frequentada por 180
alumnos, conforme a relação apresentada pelo Professor. Observo que
alguns com a idade de 15 e 16 annos, e tendo 9 e 10 annos de escola
ainda não estejão prontos; outros ha que frequentando a aula perto de
5 annos apenas soletrão. Este atraso denota que o Professor não póde
dividir sua attenção por todos (OLIVEIRA, 1940, p. 9).
77
José Joaquim Machado de Oliveira, entrando em contato com o presidente da
Província do Rio de Janeiro para saber se era admitido alguém se matricular, respectivamente,
na Escola Normal e na de Arquitetos Medidores, recebeu a resposta de que era possível, desde
que os diretores das escolas aprovassem. Relata o presidente que fez circular pela Província
do Espírito Santo editais convidando jovens que quisessem realizar seus estudos no Rio de
Janeiro, financiados pela Província. Dois jovens se apresentaram para a vaga, mas, ao serem
sabatinados pelo presidente da Província sobre suas expectativas, um desistiu; o outro, após
ser aprovado, também acabou desistindo. A solução foi, então, enviar um órfão para a Corte
para tornar-se professor pela Escola Normal de Niterói e arquiteto medidor pelo Ateneu
daquela cidade.
78
No ano seguinte, ainda como presidente da Província, José Joaquim Machado de
Oliveira resolve que, para sanar a falta de professor para ocupar a segunda cadeira do ensino
primário da Capital, enviaria para a Capital o Império um jovem chamado Manoel Ferreira
das Neves, o qual teria os estudos financiados pela Província, a fim de adquirir “[...] as
habilitações necessarias, não só dos principios instructivos, como do modo de os practicar”
(OLIVERIA, 1841, p. 13). De acordo com o presidente, ao voltar, já capacitado com as
habilitações adquiridas na Escola Francisco Crispiniano Valdetaro (para onde o estudante
tinha sido enviado), assumiria a cadeira de primeiras letras da Capital e procederia à reforma
do método até então utilizado.
79
77
Em 1840, o presidente da Província, José Joaquim Machado de Oliveira, constata as dificuldades de
organizar a instrução pública na Capital. Verificava que havia um baixíssimo aproveitamento dos alunos.
Credita essa situação ao modelo escolar adotado na primeira escolar primária da Capital. Descreve que a
instrução era oferecida como base no ensino individual em uma classe imensa, em que o professor não dava
conta de atender a todos que dele tinham necessidade. Como se pode perceber, o método de ensino individual
ainda era empregado na Província, mesmo que, em 1827, por intermédio da Lei da Instrução Pública, se
preconizasse a adoção do método Lancarter em todos os estabelecimentos de ensino. Constata que esse
ensino individual era empregado em conjunto com o ensino mútuo, situação que lhe causou assombro, pois o
professor não conseguia lidar com as dificuldades que a junção dos dois métodos gerava.
78
Sobre o jovem órfão que foi enviado para estudar na Corte, nunca mais se obteve notícias, apesar de, em
alguns relatórios de presidentes da Província, haver a cobrança de informações sobre seu paradeiro.
79
Em 1848, o então presidente da Província, Luiz Pedreira do Couto Ferraz, ao avaliar a situação do ensino
oferecido no Espírito Santo, observa que a situação não lhe era agradável, mas, em meio à falta de aptidão
que verificava na maioria dos professores, faltaria “[...] porêm á justiça se deixasse de trazer [...] [ao]
conhecimento, que o mesmo mal não se observa em igual intensidade na capital. Brilhantes forão os exames
porque publicamente passarão em dezembro do anno proximo findo, os alumnos da 2. ª cadeira de 1.ªs letras
74
Decorre algum tempo sem que se volte, nos relatórios dos presidentes da Província, a
discutir sobre a necessidade de formar professores.
80
Somente na gestão de Luiz Pedreira do
Couto Ferraz, em 1848, é que se aborda novamente a necessidade de se pensar na formação
dos professores que atuavam nas escolas de primeiras letras, mas apenas para avaliar que a
situação era precária. A solução para a melhoria da instrução pública, para o presidente, era
aumentar a fiscalização, estratégia que, segundo ele, garantiria o bom trabalho do professor.
Prescreve também formar professores com base nas experiências dos professores adjuntos.
Em 1852, ao relatar sobre a Instrução Pública, o presidente da Província, José
Bonifacio Nascentes de Azanbuja, como seus antecessores, qualifica de desanimador o estado
da instrução pública. De acordo com Azanbuja (1852), muitos eram os fatores que concorriam
para esse estado e, entre eles, estaria a “[...] falta de pessoas habilitadas para o ensino; poucos
são os professores que possuem os predicados precisos para poderem com vantagem exercer o
magisterio. Esta causa com difficuldade e só com o tempo poderá ser removida, pois que
depende de estudos que a Provincia não oferece, e nem podem ser procurados em outra parte
pela defficiencia de meios dos seus habitantes; resignemo-nos pois á nossa sorte”
(AZANBUJA, 1852, p. 27-28).
81
Com as dificuldades para a abertura de uma escola normal na Província do Espírito
Santo, um caminho que foi apontado por alguns dos presidentes foi que, com a abertura do
Liceu da Vitória, em 1854, pudesse se formar, além de alunos aptos a ingressar nos cursos
superiores do Império, também professores para o ensino nas escolas de primeiras letras. No
ano seguinte à inaugurarão da instituição, o Barão do Itapemirim, primeiro vice-presidente da
Província, faz os seguintes comentários:
Pesa-me declarar a V. Ex. que continua a luctar com antigos e graves
embaraços este importantissimo ramo da publica administração, sendo
os mais salientes a carencia quasi absoluta de pessoal habilitado para o
execicio do magisterio, e a incuria, e desmazelo do paes. [...] Todavia
o Lycêu inalgurado ha pouco mais de anno pelo illustrado antecessor,
Cont. da nota anterior
a cargo do professor Manoel Ferreira das Neves” (FERRAZ, 1848, p. 16).
80
Os presidentes, em seus relatórios, detêm-se em analisar, conforme suas palavras as péssimas condições do
ensino na Província, algumas vezes as creditando ao baixo salário recebido pelos docentes das escolas de
primeiras letras e, em alguns momentos, a falta de fiscalização ou a pouca vocação dos professores, os quais
muitas vezes exerciam outras atividades profissionais que não possuíam relação direta com a docência.
81
De acordo com o relato do presidente, Sebastião Machado Nunes, em 1854, muitas deficiências que a
Província sofria, em relação a pessoas habilitadas para o ensino das primeiras letras, advinha do fato de “O
ensino da mocidade [...] exigir sacrificios penosos que não tem uma retribuição correspondente. D’aqui vem
que ninguem procura adquiri a instrucção precisa para seguir essa carreira, honrosa sim, porém de pouca
vantagem. Para se conseguir algum melhoramento no ensino primario no estado actual das cousas, convém
marcar as habilitações dos professores, e prometer-lhes maiores vantagens (NUNES, 1854, p. 23).
75
funcciona regularmente sob a zelosa direcção do Dr. João Climaco
d’Alvarenga Rangel, e delle deve a provincia aguarda em parte a
remoção d’alguns embaraços, se receber de V. Ex. como devo esperar
impulso, protecção, e reformas, que reclama (BARÃO DO
ITAPEMIRIM, 1856, p. 19).
Apesar da euforia inicial a respeito da possibilidade de suprir a falta de professores
para a escola primária, com a contratação dos alunos formados pelo Liceu da Vitória, no ano
de 1859, o presidente da Província Pedro Leão Velloso, constata que o Liceu da Vitória não
estava atendendo aos objetivos para os quais foi criado. Comenta o presidente:
[...] o Lyceu, que começou em 1854 sob tão felizes auspicios, chegou
ao mais deploravel estado de decadencia; como que uma força
deleterea mysteriosa e occultamente lhe tem ido, de dia em dia
estragando a vida. [...] Como está, repito-vos não pode continuar o
Lyceu com desperdicio dos dinheiros publicos [...] sob condições de
proveitosa applicação, de ser empregado em cousa de interesse geral:
o contrario é uma verdadeira espoliação. [...] Como está, não pode,
por forma alguma continuar o Lyceu; e aqui cumpre-me dizer-vos,
ainda que esse estabelecimento fosse procurado, pelo modo [como]
está organisado, em resultado final, para bem pouco serviria a
instrucção ahi bebida, não prestado pra preparar jovens, que se tenhão
de dedicar á estudos maiores, nem para dar instrução, que por sí só
possa ser proveitosa aos usos da vida (VELLOSO, 1859a, p. 51).
A instituição, que havia sido criada para ser um celeiro de professores, não atingiu o
objetivo esperado. Desse modo, advoga-se que fosse fechada e, em seu lugar, aberta uma
escola de ensino primário. Com o desalento de o Liceu não ter produzido os frutos esperados,
Pedro Leão Velloso declara que, para esse fim, deveria se buscar um meio para formar os
professores da Província. De acordo com ele: “[...] para esse fim dous são os meios adoptados
- Escolas normaes e Instituição de professores adjuntos” (VELLOSO, 1859a, p. 50).
Em seu relatório de 1860, quando da entrega da cadeira de presidente da Província ao
comendador José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim, segundo vice-presidente,
Pedro Leão Velloso, mostra-se amimado em relação à instrução pública na Província do
Espírito Santo pois havia criado uma instituição capaz de oferecer a formação necessária aos
futuros docentes do Magistério primário. Assim se pronuncia no relato:
[...] com o fim de habilitar gente para o professorado foi por
authorisação da assembléa provincial, creada na capital uma especie
de escóla normal, cuja direcção tive de confiar ao Dr. José Ortiz,
professor de francez no Lyceu, em quem não faltando conhecimentos
para elevar a missão da que foi encarregado á devida altura, sobra
verdadeira vocação e fervorosa dedicação para o ensino e educação da
76
mocidade; o pensamento, que presidio a creação da escola ainda não
foi de todo realisado, não obstante, ella vai produzindo fructos, como
o demonstra o augmento de disciplulos que appresenta a aula. como
V. Ex. verá do respectivo mappa annexo, os pais procurão a escola
com a confiança de que lá seus filhos encontrarão os idoneos alimento
para o espirito e para o coração; consta-me que o Dr. Ortiz prepara um
methodo facil para ensinar a ler (VELLOSO, 1860b, p.18).
No ano de 1861, quando o presidente da Província do Espírito Santo, Antonio Alves
de Souza Carvalho, transfere a administração para o primeiro vice-presidente, João da Costa
Lima e Castro faz os seguintes comentários:
[...] em virtude da lei provincial n.º 14 de 14 de julho de 1859 e
resolução da presidencia de 5 de setembro do mesmo anno, foi
encarregado de reger a 2.ª cadeira do ensino primario desta capital o
Dr. José Ortiz, o qual tem intelligencia superior ás funcções, que
exerce com zelo, filho de uma vocação especial. São obrigados, na
forma das disposições citadas, a frequentar essa cadeira as pessoas que
se destinão ao professorado (CARVALHO, 1861, p. 7).
Mas quem era o professor José Ortiz para receber tal incumbência? Lendo o relatório
de 1857, produzido pelo barão do Itapemirim, então primeiro vice-presidente da Província do
Espírito Santo, fica-se sabendo que o professor José Ortiz
82
tinha sido contratado
primeiramente para integrar o corpo docente do Liceu da Vitória, no qual regeria, como
professor interino as cadeiras de Francês, Geografia e História. Mas, com o fechamento do
Liceu da Vitória,
83
ele passou a lecionar na segunda cadeira de primeiras letras da Capital,
denominada de Colégio do Espírito Santo, que também passou a funcionar como uma espécie
de curso normal, em que os pretendentes ao Magistério passariam a assistir suas aulas para se
habitarem à docência, não como alunos, mas assistentes, ou seja, adjuntos.
Sobre o método de ensino que o professor José Ortiz havia preparado para facilitar o
ensino da leitura, não são fornecidos maiores detalhes nos relatórios. Como é possível
perceber no relato do presidente da Província, Luiz Antonio Fernandes Pinheiro, em 1868, a
forma como o professor João Ortiz havia combinado os métodos, individual, mútuo e
simultâneo, para ele era de muita pertinência. Declara no relatório: “O methodo de ensino
82
O professor José Ortiz, contratado para ensinar na “[...] 2.ª cadeira de 1ªs lettras dessa Capital actualmente
encarregado da regencia da escola normal. Este professor deixando sua importante familia e interesses de
ordem mais elevado no Rio Grande do Sul, pondo de lado as aspirações a que tinha direito pela educação
litteraria que recebera entrega-se com ardor ao ensino de 1ªs lettras e arrastando pela força da vocação guia
com especial e nunca desmentido zelo da instrucção da infância” (PEREIRA JUNIOR, 1862, p.29).
83
“O Lycêo creado pela Lei n.º 4 de 24 de Julho de 1843 e installado com bons auspicios a 25 de Abril de
1854, já não existe!” (MATTOS, 1865, p.13). Posteriormente é reaberto, nas mesmas dependências, o
Colégio do Espírito Santo, em que o professor José Ortiz passa a ministrar as aulas de primeiras letras.
77
adoptado pelo respectivo professor, e por mim approvado é o eccletico ou mixto, isto é ahi
acham-se dando as mãos o methodo individual, o simultaneo e o mutuo. Acho que desta
alliança de methodos só pode resultar o bom aproveitamento dos alumnos” (PINHEIRO,
1868, p.12). Reconhece também que os professores da Província já estavam fazendo uso do
método simultâneo nas escolas de ensino primário, mas não estava surtindo o efeito esperado.
Por isso acredita que o melhor seria que se fizesse a combinação de métodos. A experiência
realizada pelo professor João Ortiz demonstrava que um método eclético era possível.
Como foi descrito, em 1860, Pedro Leão Velloso inaugura, segundo suas palavras,
uma espécie de escola normal que, na verdade, era a segunda escola primária da Capital, a
qual foi confiada ao professor João Ortiz, lente da cadeira de Francês do Liceu da Vitória.
Pelo relato do presidente, a instituição foi estruturada com base no modelo da formação dos
professores adjuntos com freqüência obrigatória para todas as pessoas que tivessem interesse
no Magistério primário.
Nessa escola de formação de professores adjuntos, não existiam matérias a serem
cursadas com a finalidade da habilitação ao ensino primário. Nesse modelo de formação, os
aspirantes ao Magistério se comportariam como aprendizes, como se fizessem parte de uma
corporação de ofícios, em que aprenderiam, por meio da observação de um mestre mais
experiente e por intermédio de lições práticas. Modelo este denominado por Villela (2002,
2005), como artesanal. Segundo a autora (2005), a situação de uma escola normal com apenas
um professor era muito comum, mas dessa situação alguns inconvenientes eram esperados: a
instituição somente podia atender a um número restrito de alunos, os conteúdos eram
rarefeitos, o processo de formação era demorado, uma vez que os alunos eram preparados
individualmente até que se considerasse que estavam prontos para os exames. O resultado era
um grande número de desistências de alunos, mesmo havendo, em alguns momentos,
incentivos financeiros por parte da administração provincial.
No relatório do vice-presidente da Província, Eduardo Pindahiba de Mattos, em 1865,
descrevendo suas viagens pelo Espírito Santo, ele comenta que foi possível encontrar
professores que mal sabiam ler, soletravam com sofrimento e possuíam quase nenhum
conhecimento sobre a gramática. Reportando-se à Assembléia Provincial, prescreve que a
única solução era a criação de uma escola normal para formar os professores da Província.
[...] como remedio a esse mal é minha opinião que devereis decretar a
creação de uma eschola normal, onde aquelles que se destinão ao
magisterio, vão beber a instrucção de que carecem; vão adquirir
perfeito conhecimento das materias que têm de ensinar; onde em uma
78
palavra, aperfeiçoando a sua educação intellectual e moral, se
habilitem para o exercicio de suas importantes funcções. É este a meu
ver o primeiro passo a dar no sentido de melhorar a instrucção publica
entre nós. A utilidade das escholas normaes é reconhecida desde
meados do seculo passado, tendo-as estabelecido na Allemanha com
assignaladas vantagens, e hoje se póde dizer que não ha paiz da
Europa onde se cuide seriamente na educação popular, que as não
tenha adoptado em larga escala (MATTOS, 1865, p. 52).
Porém o que teria havido com a escola normal presidida pelo professor José Ortiz? Os
relatórios dos presidentes da Província não fazem menção, mas, pelas informações que o
relatório de Mattos (1865) fornece, percebe-se que outras representações sobre a formação de
professores já estavam circulando no Espírito Santo, as quais eram incompatíveis com o
modelo de formação oferecido nas aulas do professor José Ortiz. A escola normal
perspectivada no relatório de Mattos (1865) passa a ser projetada como instituição modelar.
Fala-se agora em matérias a serem cursadas, em relação ao que os professores teriam que
ensinar, e disciplinamento intelectual e moral para o exercício da função docente.
Entra em jogo, na preparação do professor para a escola primária, um outro modelo
que possui como referência as instituições que haviam sido organizadas com a finalidade de
modelar a prática docente. Não vendo, na Província, nenhuma instituição que cumprisse a
função de formar o professor, pergunta o presidente Eduardo Pindahiba de Mattos a
Assembléia: o ensino primário possui por missão instruir
[...] mas como fazel-o, se não for elle [o professor] instruido e bem
educado, e que seja mesmo essa sua instrucção e educação superior a
que tem de transmitir á seus discipulos? Mas querendo-o, onde poderá
elle aqui habilitar-se, como adquirir esse gráu de instrucção de que
carece? A eschola normal preencherá esse fim. Estabelecida ella, e
imposta a sua frequencia como condicção aos que aspirarem ao
magisterio; prohibido expressamente por uma lei, que jamais se
admita a concurso, ou que nomêie interinamente para este serviço
quem não provar ter frequentado, por espaço nunca inferior a um
anno, a eschola normal, que em pouco tempo encontraremos pessoas
habilitadas para o desempenho desta importante taréfa (MATTOS,
1865, p. 53).
Somente em 1869, é que, nos relatórios dos presidentes da Província, volta-se a tocar
na necessidade de uma escola normal para a formação dos professores.
84
Em relatório anexo
84
Novamente a pauta de discussão de muitos presidentes se relaciona com os baixos salários recebidos pelos
professores, sobre a presença e contratação de aventureiros que não possuíam as habilidades necessárias ao
Magistério ou com o fato de somente manifestar interesse pela docência pessoas que não conseguiam outros
meios de subsistência.
79
ao do presidente da Província, Luiz Antonio Fernandes Pinheiro, Tito da Silva Machado,
diretor-geral da instrução pública, reclama da falta de “[...] uma aula normal, ou casa que com
ella se pareça, e de algum modo a substitua” (PINHEIRO, 1869, p. 11). Segundo o diretor da
instrução pública, sem uma instituição que formasse o professor “[...] andaremos [...], sem a
menor esperança de melhora, e portanto, de uniformisar em todas as aulas o meio pratico de
ensinar as 1.
as
lettras” (PINHEIRO, 1869, p. 11).
Como conhecedor da situação da instrução pública na Província do Espírito Santo,
Tito da Silva Machado diz achar urgente “[...] a creação de uma aula normal ou cousa que a
substitua, onde vão habilitar-se aquelles que se destinam ao professorado” (PINHEIRO, 1869,
p. 16). Para suprir essa urgência, indica a criação das aulas em uma escola já estabelecida na
Província. De acordo com seu ponto de vista, isso seria possível de se
[...] obter de algum modo, addicionando as aulas do collegio do
Espirito Santo, mais uma em que se estudassem os differentes
methodos do ensino, e bem assim o novo systema de pesos e medidas.
Assim os aspirantes ao professorado, poderiam ali aprender a
arithmetica, o francez, o latim, e ficariam mais preparados para o
ensino da mocidade (PINHEIRO, 1869, p. 16).
Francisco Ferreira Correa, presidente da Província do Espírito Santo no ano de 1871,
ao se dirigir à Assembléia Legislativa para discorrer sobre suas atividades naquela região, fala
sobre o relatório que lhe tinha sido enviado pelo diretor da instrução pública. De acordo com
o presidente, no relatório, o diretor da instrução pública fazia-lhe a seguinte proposição:
[...] com relação ao collegio ‘Espirito Santo’ diz o digno director geral
da instrucção publica, que com o tempo que ha de decorrido, desde a
sua installação, e pelo modo porque se acha constituido, parece poder
se já asseverar que não trará á provincia os beneficios que delle se
devia esperar. Lembra a conveniencia de convertel-o em uma escola
normal, em que se ensinem as materias indispensaveis para formar um
bom professor (RPPES, 1871, p. 40).
Conforme consta do livro publicado para comemorar o centenário da Escola Maria
Ortiz (100 ANOS, 1992), o Colégio Espírito Santo, em 1872, foi transformado no Ateneu
Provincial, o qual passou a abrigar, em uma de suas salas, a escola normal da Província e a
oferecer ao professorado capixaba a formação necessária para atuar no Magistério.
Ao relatar sua administração, em 1873, o presidente da Província, João Thomé da
Silva, registra que, entre suas ações para organizar a instrução pública, uma delas foi a criação
de uma escola normal para habilitar os candidatos ao Magistério primário, pois considerava
80
que era urgente pensar na formação dos professores. Segundo suas palavras, já era ocasião de
começar a ponderar a necessidade de “[...] uniformisar na Provincia a instrucção primaria”
(SILVA, 1873, p. 4). Para isso dois procedimentos eram necessários, tornar a freqüência à
escola primária obrigatória e manter na Província uma escola normal. Para ele, de nada
valeria uma reforma no ensino, se o professor não estivesse devidamente habilitado.
Tenho com effeito para mim, que em pouco importará a legislação e
programma de ensino, se a pessoa do professor não fôr devidamente
habilitado. É hoje verdade reconhecida, que sem um pessoal
moralisado, insttruido, e dedicado ao magisterio publico, não se
poderá desenvolver a instrucção. Se quereis instrucção primaria,
instrui primeiramente o professor; a creação portando de uma Escola
Normal para habitação dos aspirantes ao Magisterio é uma
necessidade, que urge satisfazer (SILVA, 1873, p. 4).
Atribuía o presidente “[...] a decancia da instrucção n’esta Provincia, pela falta
principalmente de habilitações na pessoa dos professores” (SILVA, 1873, p. 4). Pergunta ele
aos deputados: “Que confiança poderão inspirar homens arvorados, ao acaso, por uma simples
portaria da Presidencia, em professores publicos?” (SILVA, 1873, p. 5). Segundo João Thomé
da Silva, não se podia mais pensar em melhorar o ensino primário sem antes enfatizar a
formação de professores. Nesse sentido, não era cabível arregimentar professores apenas por
nomeação. As qualidade de um professor somente poderia ser adquirida em uma instituição
modelar. Modelando o mestre, modelar-se-ia também o ensino primário. Em sua palavras:
Para que o professor se eleve ao nivel de sua importante missão, é
preciso, que aos conhecimentos, que deve possuir, reúna as qualidades
e habilitações especiaes, que não podem ser sufficientemente
adquiridas senão em estabelecimentos pedagogicos. O Magisterio não
pode continuar a ser, como ordinariamente accontece entre nós: um
simples meio de vida, á que occasionalmente se recorre em falta de
outro. Cumpre, que pelas condições e importancia, que se ligarem,
assuma o caracter de uma profissão especial, á qual somente aspire a
capacidade provada (SILVA, 1873, p. 5).
O docente, nas representações que são feitas circular, deve ser professor em tempo
integral. Não deve exercer outras atribuições além daquelas que são as do professor. A
moralização, disciplinamento e qualidades do mestre devem ser adquiridos em instituição
devidamente preparada para essa finalidade. Situação esta muito diferente da que vinha
acontecendo na Província ao longo dos últimos 40 anos de projetos, debates e experiências de
formação de professores.
81
Em seu próximo relatório da gestão dos negócios da Província, o presidente João
Thomé da Silva, em 1873, anuncia que a escola normal da Província já estava funcionando e
externa sua satisfação de saber que os problemas da falta de professores habilitados logo
seriam, na Província do Espírito Santo, apenas lembranças. Declara no seu relatório:
ESCHOLA NORMAL
Solemnemente installada, no dia 16 de Junho do corrente anno, em
uma das salas do Athenêo Provincial, desde então funcciona
regularmente esta Eschola, sendo: para o sexo masculino, junto ao
mesmo Athenêo, e para o sexo feminino no Collegio de Nossa
Senhora da Penha. Acha-se sob a zelosa e intelligente direcção do
Coronel Manoel Ferreira de Paiva. Tratar da importancia e utilidade
d’esta instituição, seria repetir o que já tive occazião de dizer-vos
largamente. Julgo-me, pois, dispensado de fazel-o. No seguinte
quadro vereis o pessoal dos Professôres, e números de alumnos
matriculados, d’entre os quaes, trez são do sexo feminino (SILVA,
1874, p. 24).
O quadro demonstrativo apresentado no relatório do presidente da Província dá-nos
condição de perceber que o ensino na escola normal começa a atrair um número significativo
de alunos e se estruturar conforme uma instituição modelar em que o aluno deveria cursar
algumas matérias oferecidas no modelo de cadeiras, regida por um mestre unicamente
dedicado àquela função. Não se indica o que era ensinado aos alunos, mas, pela fala do
presidente João Thomé da Silva, deveriam ser matérias que garantiriam ao professor não
somente as habilidades ao Magistério primário, mas também o seu disciplinamento e
moralização.
85
A seguir, a reprodução do quadro apresentado no relatório:
Quadro dos Professôres da Eschola Normal, com o numero de alumnos que frequentão as
respectivas aulas no presente anno de 1873.
Nomes
Cathegorias do ensino N.° de alumnos
1
2
3
4
Dr. Florencio Francisco Gonçalves
P.° J. Gomes de Azambuja Meirelles
Dr. Misael Ferreira Penna
Dr. José Feliciano de Noronha Feital
1.ª Cadr.ª do 1.° anno
2.ª >> >> 1.° >>
1.ª >> >> 2.° >>
2.ª >> >> 2.° >>
10
10
Ainda não têm exercicio
85
Os professores designados para reger as cadeiras do primeiro ano do curso, da escola normal, eram
professores do Ateneu Provincial. Já para reger as cadeiras do segundo ano, os professores eram contratados
como interinos. No relatório do presidente da Província, em 1874, Luiz Eugenio Horta Barbosa, informa-se:
a escola normal está funcionando “[...] em uma das salas do Atheneu Provincial, vai produzindo vantagens,
que, com quanto não compensem ainda os onus de seu estabelecimento, com tudo presagião lisongeiros
resultados, para os quaes ha de poderosamente concorrer a proficiencia dos Professores. Dos alumnos de
ambos os sexos matriculados no anno proximo passado, forão aprovados cinco, e reprovados, dois. Regem as
cadeiras do 1º anno o Dr. Florencio Francisco Gonçalves [professor de Filosofia do Ateneu] e o Rvd. P.º José
Gomes do Azambuja Meirelles [professor de Retórica do Ateneu]. As cadeiras do 2.º anno são preenchidas
interinamente pelos cidadãos Manoel Hermenegildo Xavier de Moraes e Manoel Augusto da Silveira.
Matricularão -se no anno corrente 4 alumnos e 4 alumnas” (BARBOSA, 1874, p. 15).
82
QUADRO 1 – CURSO NORMAL OFERECIDO NA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO EM 1873
Fonte: Silva (1874, p. 24).
Como é possível observar, o curso não seria realizado em um período inferior a dois
anos, tempo em que os alunos deveriam cursar as quatro cadeiras oferecidas na escola normal.
Esse fato revela que está se passando no Espírito Santo, em relação à formação do professor,
de um modelo artesanal, para outro, denominado por Villela (2002, 2005), como
profissionalizante. O que se percebe, mesmo que não estejam indicadas as matérias a serem
cursadas, é um aumento dos conteúdos oferecidos à formação do professor da escola primária,
o que pressupõe também a homogeneização e o aumento do controle da instrução pública por
parte do Estado.
No final do ano letivo de 1874, as cadeiras do segundo ano, do curso normal, ainda
não tinham sido preenchidas de forma regular. Informa o vice-presidente da Província,
Manoel Ribeiro Coitinho Mascarenhas, ao deixar seu cargo, que os professores foram
dispensados por exercerem suas funções por designação do inspetor-geral da instrução
pública. Também informa que, no final do ano de 1874, os alunos matriculados na instituição
eram oito, sendo quatro do sexo masculino e quatro do sexo feminino.
Domingos Monteiro Peixoto, ao deixar o cargo de presidente da Província, em 1875,
relata que as cadeiras do segundo ano, que compunham o ensino normal oferecido no Ateneu
Provincial, haviam sido suprimidas e que os professores que ministravam as disciplinas do
primeiro ano do curso continuariam a exercer suas atividades docentes na formação de
professores. Declara o presidente:
Por disposição d’esta Lei os professores de lingua e litteratura
nacional, de mathematicas elementares, de Historia e Geographia, e da
lingua franceza do Athenêo Provincial, e os de Historia e Geographia,
e da lingua franceza do Collegio Nossa Senhora da Penha, leccionão
cada um no seu instituto, aos individuos de ambos os sexos, de que
tratão os Art,°s 162, 163 e 165 do referido Regulamento, e ficão
sujeitos ás obrigações contidas nos Art.°s 33 a 37 do Regulamento de
20 de Maio de 1873 (PEIXOTO, 1875, p. 22).
Informa-se também que o número de alunos normalistas havia diminuído
radicalmente. No ano de 1875, já não havia alunos do sexo masculino matriculados no curso
normal, freqüentado apenas por duas alunas. Assim descreve o presidente: “Presentemente só
a Escóla Normal estabelecida no Collegio Nossa Senhora da Penha é freqüentado. Por D.
Gliceria Maria de Souza Magalhães, que está no 2.° anno, e D. Rosa Maria Pinto da Victoria,
que é ouvinte do 1.° anno (PEIXOTO, 1875, p. 22). Uma das razões para a diminuta procura
83
pelo curso normal talvez esteja nas condições de estudo e na baixa remuneração que os
professores que freqüentavam a instituição recebiam da Província. Declara o presidente em
seu relatório: “Os alumnos mestres, e alumnas mestras, que freqüentarem a Escóla Normal,
sejão interinos ou effectivos tem direito unicamente a metade do ordenado, e não percebem
mais gratificação alguma” (PEIXOTO, 1875, p. 22).
Como é possível perceber, além da dificuldade de obter professores efetivos para
ocupar as cadeiras do segundo ano do curso normal, também havia o obstáculo colocado aos
interessados nesse ensino, pela Província, de ter seus salários diminuídos à metade, além da
perda das gratificações, quaisquer que tenha havido, pelas horas de estudos realizadas na
escola normal.
Ao relatar suas atividades no primeiro ano como presidente da Província do Espírito
Santo, em 1877, Antonio Joaquim de Miranda Nogueira da Gama, em seu relatório, pede
autorização à Assembléia Provincial para reformar o ensino do Ateneu Provincial e da Escola
Nossa Senhora da Penha, transformando as duas instituições em escolas normais, divididas
cada uma em dois níveis, uma denominada de Ensino primário e a segunda de Ensino
secundário. O curso completo duraria cinco anos. O Quadro 2, a seguir, apresenta a estrutura
do que seria o curso completo do Ateneu Provincial.
1.º ANNO. 2.ª ANNO. 3.º ANNO. 4.º ANNO. 5.º ANNO.
Lingua Nacional;
Lingua Latina;
Lingua Franceza.
Lingua Nacional;
Lingua Franceza;
Lingua Latina.
Lingua Latina;
Lingua Ingleza
Geographia;
Lingua Ingleza;
Historia;
Arithmetica e
Algebra
Historia
Philosophia
Geographia e
Trigonometria;
Rhetorica.
QUADRO 2 – MATÉRIAS ENSINADAS NO ATENEU PROVINCIAL EM 1877
Fonte: Gama (1877a, p. 8).
De acordo com Antonio Joaquim de Miranda Nogueira da Gama, os alunos que
terminassem os estudos, previstos em cinco anos, teriam direito de ingressar no funcionalismo
público. Declara o preesidente: “Adoptando-se o presente plano fica abrangido todo o ensino
da Escóla Normal, e o alumno que, percorrendo este estadio, fôr approvado plenamente em
toda as materias, receberá um titulo, que lhe dá ingresso ao funccionalismo, independente de
curso” (GAMA, 1877a, p. 8).
Pelas matérias oferecidas, percebe-se que o Ateneu Provincial, reorganizado como
escola normal, ainda conservaria suas características de instituição que continuava a realizar a
formação dos alunos que buscavam ingressar em um curso superior, por intermédio dos
84
exames de preparatórios. Os alunos que não quisessem ou não tivessem condições de concluir
o curso, que os habilitaria ao funcionalismo público, poderiam cursar apenas algumas
matérias que poderiam lhes capacitá-las ao ensino nas aulas de primeiras letras. Declara o
presidente:
Os [alunos] que apenas quiserem se dedicar ao magisterio do ensino
primario, teráo um titulo de alumno mestre do Atheneu Provincial,
habilitando-se nas seguintes materias.
Ensino primario.
Lingua Nacional e Litteratura.
Arithmetica.
Noções sumarias de Geometria.
Geometria.
Historia Sagrada e do Brazil.
Lingua Franceza.
Noções de Philosophia comprehendendo as idéas fundamentaes da
moral (GAMA, 1877a, p. 8).
O Colégio Nossa Senhora da Penha, também transformado em uma escola normal,
seria dividido em dois cursos, mas, nesse caso, realizado apenas em dois anos. A instituição
abrangeria as matérias, conforme o Quadro 3, a seguir:
1.º ANNO. 2.º ANNO.
Lingua Portugueza, Orthographia, Franceza,
Arithmetica até proporções, Musica e Piano.
Lingua Portugueza, Franceza, Noções Geraes de
Geographia, Historia Sagrada e do Brasil, Piano,
e Canto.
QUADRO 3 – MATÉRIAS ENSINADAS NO COLÉGIO NOSSA SENHORA DA PENHA EM 1877
Fonte: Gama (1877a, p. 8).
O primeiro ano corresponderia ao ensino primário, já o segundo ano, ao ensino
secundário. Propõe Antonio Joaquim de Miranda Nogueira da Gama que as estudantes que
realizassem os estudos nos dois anos previstos para o término do curso, teriam “[...] direito a
um diploma de alumna mestra do referido collegio, o qual lhe dará direito ao magisterio
publico” (GAMA, 1877a, p. 8).
No ano de 1877, estavam matriculadas na escola normal feminina, anexa ao Colégio
Nossa Senhora da Penha, apenas “[...] 7 alumnas, que a frequentão, sendo no 1.º anno 4, e no
2.º 3” (GAMA, 1877a, p. 8). Se existiam alunos matriculados no ensino normal, no ano de
1877, não há registro nos relatórios. Aparentemente, a situação era a mesma de 1875, quando
se verificou uma diminuição na freqüência das alunas e a inexistência de alunos matriculados
no curso normal. Antonio Joaquim de Miranda Nogueira da Gama, em novo relatório, ao
85
deixar o governo da Província, informa que a escola normal havia sido desativada durante o
seu governo. Declara no relatório:
Extincção — Tendo o Art. 23 da lei Provincial n.º 14 de 27 de Abril
ultimo, revogado o Regulamento de 20 de Fevereiro de 1873,
exceptuando apenas os Arts. 29, 128. 130, 131, 149, 150, 152, 153,
155, 156, 201, 223 e 224, que mandou vigorar, considerando que entre
as diversas disposições revogadas d’aquelle Regulamento acha-se
comprehendido o que creou a Escóla Normal, (art. 157,) [...] (GAMA,
1877b, p. 7).
Não se explicam no relatório, as razões para a desativação da escola normal, mas
talvez um dos fatores tenha sido a baixa procura por alunos dispostos a se preparar para o
Magistério pela freqüência a uma instituição voltada para a formação de professores e, como
já havia sido exposto, a falta de incentivos financeiros para os professores já concursados ou
que atuavam como interinos nas escolas primárias. Com a desativação da escola normal,
pede-se novamente que se formem professores para o ensino primário, valendo-se da
instituição dos professores adjuntos. Ao discutir a necessidade de aumentar o número de
professores para suprir as aulas vagas na Capital e no interior, Manoel da Silva Mafra,
presidente da Província, em 1878, advoga: “Julgo tambem conveniente a creação de
professores adjuntos nas escolas, em que for grande o numero de alumnos. É um meio, na
falta de escola normal, de ir preparando mestres (MAFRA, 1878, p. 33).
Somente no ano de 1882 se volta a discutir a abertura de uma escola normal para a
preparação dos professores, para o ensino nas escolas primárias, da Província do Espírito
Santo, quando um grupo de deputados provinciais, liderados por Eliseu de Sousa Martins,
debate na Assembléia o regulamento para a reforma da instrução pública.
Esse é o esboço da situação em que se encontrava o Espírito Santo, no final da década
de 1870 e início da década de 1880, em relação ao debate relacionado com os modelos
pedagógicos em circulação, as discussões sobre a necessidade do ensino primário e sobre a
formação de professores para as escolas públicas da Província.
Como se pode observar, em um percurso de, pelo menos, cinqüenta anos, muitas
foram as experiências introduzidas no Espírito Santo para formar e qualificar o professor para
a docência. Não existia uma forma consolidada e estabelecida para preparar os docentes para
as escolas de primeiras letras. Os administradores da Província e os deputados provinciais
estavam buscando meios que satisfizessem as necessidades da Província em relação à
instrução pública. Tinham autonomia para fazer as experiências com os modelos pedagógicos.
O Ato Adicional, de 12 de agosto de 1834, garantia essa liberdade.
86
A apropriação dos modelos que circulavam como referência teórico-metodológica para
a realização das experiências de formação e os produtos resultantes das práticas de
apropriação dos padrões pedagógicos, como foi apresentado pelo presidente da Província,
Luiz Antonio Fernandes Pinheiro, em 1868, eram positivos para o ensino. Não havia
constrangimentos em misturar os métodos de ensino, estabelecer as possíveis alianças entre as
formas para produzir algo novo, misto e eclético, desde que fosse para o bom aproveitamento
dos alunos.
As experiências educativas, percebidas como desacertos e não como invenções, tanto
em relação aos projetos de formação de professores, quanto aos usos que são feitos dos
métodos de ensino, impedem que se perceba que a realidade é dinâmica e que a
institucionalização da forma escolar é um processo lento, produzido com base em imposições,
mas também com negociações e usos dos saberes que circulam e se materializam na forma de
práticas de ensino. Importa perceber, conforme Carvalho (2003), que a escola é um produto
de práticas que configura e, ao mesmo tempo, é configurada pelas experiências e pelas
demandas de escolarização.
Foi possível perceber que entre as invenções, criativas, que foram produzidas para
resolver as dificuldades de formação de professores e solucionar os problemas da
alfabetização, na Província do Espírito Santo, duas formas são, de modo mais intenso,
mobilizadas como meio para fazer desaparecer a falta de pessoas devidamente preparadas
para o ensino nas escolas primárias. Uma é a instituição denominada como escola normal e a
outra é a estrutura dos professores adjuntos. São modelos de formação que concorrem e aos
quais são creditadas as esperanças em resolver os problemas de falta de professores.
Os dois modelos de formação de professores possuem características que chamam a
atenção dos presidentes. A escola normal é uma referência por se configurar em uma
instituição possível de produzir a separação racional entre conhecimento teórico e prático,
alargar os conhecimentos dos professores, prover um método específico aos docentes e um
ethos condizente com a profissão, como saber se portar, saber o que ensinar e como ensinar
(VILLELA, 2003, 2005).
Mas a formação dos docentes para as escolas de primeiras letras, por intermédio da
estrutura de preparação dos professores adjuntos, também exercia os seus fascínios. Nesse
modelo, os aspirantes ao Magistério também aprenderiam as técnicas pedagógicas do ensino,
eram ensinados a utilizar as regras da didática, tornavam-se aptos a lidar em um espaço
fechado com grupos de alunos, aprendiam os comportamentos que deveriam ser
recompensados, as atitudes que deveriam ser repreendidas e quais os castigos poderiam ser
87
aplicados, além de permitir que se formassem os professores sem que a Província tivesse que
arcar com os gastos na construção ou adaptação de um espaço específico para receber os
pretendentes ao professorado público, o que tornava a formação menos burocrática, menos
rígida e o gasto com professores especializados ou materiais didáticos inexistente.
Os inconvenientes da formação por intermédio da estrutura dos professores adjuntos é
que ela não garantiria a homogeneização das práticas escolares de forma ampla, uma vez que
cada professor/instrutor poderia utilizar o método com que se sentisse mais à vontade,
podendo até misturar os métodos. Outro problema era o pequeno número de novos
professores que poderiam ser habilitados de cada vez, em razão de o mestre/instrutor não
conseguir acompanhar um grande número de alunos e ainda ter que lecionar na escola de
primeiras letras, local em que a aprendizagem do jovem professor deveria ocorrer. Havia
ainda o fato de que o Estado não garantiria o ethos da profissão, de forma condizente com
suas necessidades. Faltaria o controle da maquinaria de transformação, segundo Varela e
Alvarez-Uria (1992), que escola normal propunha ser, como dispositivo disciplinar em que os
aprendizes de professor sofreriam um processo intensivo de transformação e vigilância de
suas expectativas e moralidade.
Conforme Nóvoa (1991), as escolas normais no século XIX constituem o lugar central
de produção e reprodução do corpo de saberes e do sistema de normas próprios à profissão
docente, e têm uma ação fundamental na elaboração dos conhecimentos pedagógicos e de
uma ideologia comum ao conjunto dos docentes.
Por essas características que lhes são creditadas, as escolas normais se tornam cada
vez mais um sonho acalentado, pois, conforme Nóvoa (1991), descobre-se que os professores
são agentes culturais e, ao mesmo tempo, também são agentes políticos. Claro que essa
valorização não ocorre em todos os lugares e muito menos ao mesmo tempo. Diferentes
países, diferentes agrupamentos sociais e políticos assumem, em momentos diversos, que a
escola normal é a melhor escolha para formar os professores. No Brasil, as primeiras
experiências relacionadas com a criação das escolas normais datam da década de 30 do século
XIX. Período em as Províncias iniciam seus experimentos, em circunstâncias e situação
diferentes econômica, política e culturalmente. O resultado é que não havia um consenso
sobre qual deveria ser o seu formato. Nessas circunstâncias, houve concorrências, entre as
experiências e as representações, sobre qual deveria ser o meio para formar os professores. Ou
a estrutura dos professores adjuntos ou uma formação realizada em uma instituição
devidamente preparada nos seus espaços de formação e controle.
88
Como se pode observar, essas duas formas concorreram como modelos de formação
docente por um longo período. Mas não eram os únicos meios que os presidentes e as câmaras
provinciais possuíam para preencher as vagas de professores da instrução pública. A outra era
a simples indicação de uma pessoa interessada, não necessariamente formada pela escola
normal ou com experiência adquirida como adjunto, em uma cadeira vaga na instrução
pública primária. Talvez essa prática ajude a compreender e auxilie a explicação da baixa
procura pelo ensino normal em todo o período em que se buscou abrir escolas de formação de
professores na Província do Espírito Santo.
Conforme Nóvoa (1991, p. 125), em sua pesquisa Para o estudo sócio-histórico da
gênese e desenvolvimento da profissão docente, “As escolas normais estão na origem de uma
profunda mudança, de uma verdadeira mutação sociológica, do pessoal docente primário”.
Mas, como se pode observar, esse caminho foi longo e tortuoso, pois muitas opções foram
testadas, criadas, descartadas ou modificadas para que o modelo e sua representação se
estabilizassem e passassem a ser reconhecidas como imprescindíveis para a formação dos
professores das escolas primárias. Segundo Nóvoa (1991), coube à escola normal a
redefinição dos critérios de entrada no Magistério primário, as condições necessárias para a
passagem do papel de aluno para o papel de professor.
Como analisam Nóvoa (1991) e Villela (2002, 2005), é a passagem de um modelo
artesanal em que a formação ocorria mais por impregnação, pela convivência do futuro
professor com o mestre mais experiente, para outro regido por códigos de conduta, formativos
do ethos, de uma profissão reconhecida, valorizada e socialmente atraente.
86
Não que a outra
formação não formasse um ethos profissional, mas, no modelo da escola normal, os
professores são formados para serem funcionários do Estado, com todas as garantias e deveres
que a profissão docente possibilita, ou seja, um novo estatuto socioprofissional.
A seguir, será analisado o momento seguinte, quando há uma mobilização dos
deputados provinciais em reabrir a escola normal na Província do Espírito Santo, dando-lhe
um novo regulamento, uma nova organização de matérias, um novo status perante a sociedade
capixaba. Como será possível observar, as representações sobre a escola normal e sua função
formadora já não sofrem, pelo menos discursivamente, concorrência com outro modelo. A
86
A segunda metade do século XIX é um momento de euforia em relação à capacidade que a instrução possui
para desenvolver as potencialidades de cada nação. Há uma crença generalizada de “[...] que um país é o que
a sua educação o faz ser” (BARROS, 1959, p. 23). Nesse sentido, a escola e a instrução encarnam o
progresso e os professores são seus agentes. Desse modo, para Nóvoa (1991), a criação de escolas normais e
o desenvolvimento da forma escolar correspondem à crença nas virtudes da instrução como fator de
progresso, “[...] o que transformam o acesso à profissão docente numa aspiração de diferentes camadas
sociais em uma vida de promoção social” (NÓVOA, 1991, p. 126).
89
disputa, nesse momento, se relaciona com o modelo de escola normal que seria adotado, suas
particularidades e sua organização e o que ela significaria para o desenvolvimento do ensino
primário.
2.2 A instrução pública nos debates parlamentares: a escolarização gratuita
e a obrigatoriedade como alavancas do progresso
O momento que antecede a reforma da instrução pública, do governo de Inglês de
Sousa na Província do Espírito Santo, é marcado por um período de grande disputa entre o
Partido Conservador e o Partido Liberal.
87
Ao analisar algumas fontes, como os jornais que
circulavam na Província e os anais da Assembléia Provincial, é possível perceber que esses
dois grupos estão em disputa por espaço. Nesse processo, é possível percebê-los competindo
pela voz autorizada sobre vários temas, entre eles, o tema da instrução pública.
Conforme Barros (1959), é muito difícil precisar os limites e os contornos que os
partidos políticos assumem no Império. Dizia ele: “[...] há conservadores no partido liberal e
liberais no partido conservador” (BARROS, 1959, p. 31). Para o autor, é possível, durante o
Império, detectar políticos republicanos ultramontanos, positivistas católicos e conservadores
positivistas e o que pode parecer mais contraditório, ultramontanos republicanos e liberais.
Apesar de, segundo Barros (1959), existirem autênticos liberais, como Tavares Bastos ou Rui
Barbosa, não obstante serem monarquistas.
88
Para Barros (1959), faltava aos partidos políticos verdadeiro conteúdo ideológico,
orgânico e conseqüente. Analisando o período a partir da década de 1870, declara que outros
fatores integravam os homens sob o rótulo de conservador, liberal ou republicano. Para o
autor (1959, p. 35), “O que integra, então, os homens nos partidos não são tanto suas
convicções quanto tradições de família, amizade, relações municipais e grupais”. Assim, de
87
Para um estudo sobre A história dos partidos políticos brasileiros no Império, ver Chacon (1985). Já para
compreender a utensilagem mental ou, como diria Barros (1959), os tipos (de mentalidades), como
construções mentais, que durante os últimos 30 anos do Segundo Império conformaram o modo como alguns
grupos se organizaram discursivamente para manter ou ampliar a zona de influência política, ver A ilustração
brasileira e a idéia de universidade. Conferir também o estudo de Hilsdorf (2003) História da educação
brasileira: leituras, principalmente no quarto capítulo, em que a autora analisa A escola brasileira no
império.
88
A lógica que preside as configurações partidárias no Império não é fácil de capturar se for observada de um
ponto de vista estanque. Poderia ser relegada ao rol dos absurdos se não estivéssemos analisando um Brasil,
que escapa a racionalidade e a ordem das regularidades, que não se comporta segundo um modelo europeu ou
norte americano de organização partidária (WARDE, 1993). Conforme Warde (1993, p. 39) “O Brasil,
definitivamente, ficou fora do arsenal cartesiano das idéias inatas; negou-se à distinção e à clareza. Mas
acabou por criar a sua lógica: nova e própria, onde o conhecido e o desconhecido se alternam, sem cadência,
ritmo e direção previsíveis”.
90
acordo com Barros (1959), o mais conveniente não seria falar em partidos políticos, mas em
tipos que se definem por sua mentalidade. Desse modo, “[...] não há mais partidos, mas
tipos, católico-conservadores, liberais ou cientificistas” (BARROS, 1959, p. 35, grifos do
autor).
89
A classificação e tipologia proposta por Barros (1959), apesar da sua relevância para
se compreender a organização dos políticos do Império, pois nos fornece pistas sobre a fluidez
com que os homens se movimentam nesse cenário, uma vez que permite observar, como
afirma Chartier (1991, p. 183), as “[...] configurações intelectuais múltiplas pelas quais a
realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos que compõem uma
sociedade”, a opção é continuar utilizando os termos Partido Liberal e Partido Conservador,
ainda que não descartando utilizar, como ferramentas explicativas, os tipos verificados por
Barros (1959). Essa decisão não quer dizer que, no estudo, se buscará explicar o indivíduo
tomando-se por base o grupo ao qual ele diz estar vinculado ou com base na análise dos
lugares e espaços
90
(sociais, institucionais, culturais) que ocupa, ou determinar uma psicologia
do indivíduo, uma vez que, entre as estratégias e as táticas dos praticantes, há um hiato,
formado mediante processos de apropriações que são feitas do mundo, com base em
interesses individuais e/ou coletivos (CERTEAU, 1994). Para Chartier (1990), o mais
interessante é projetar o estudo dessas conformações particulares ou compartilhadas de
representar o mundo, utilizando como objeto
[...] a compreensão das formas e dos motivos – ou, por outras
palavras, das representações do mundo social – que, à revelia dos
89
Barros (1999), ao analisar sua obra, A ilustração brasileira e a idéia de universidade, 40 anos depois, em
texto que intitulou de A ilustração brasileira revisitada, afirma que as expressões que utilizou para se referir
aos tipos de mentalidades que na década de 1870 configuravam um modo de agir político no Império já não
lhe soavam tão bem aos ouvidos e talvez não fossem tão explicativas quanto tinha imaginado no período em
que escreveu sua tese. Por sugestão de alguns amigos e críticos, concorda que, em lugar de católico-
conservador, o mais conveniente seria denominar essa forma de concepção do mundo como mentalidade
ultramontana. Em lugar de mentalidade liberal, não especificando os matizes desse liberalismo, talvez fosse
interessante pensá-los como liberais-românticos e, finalmente, substituir cientificista por uma expressão mais
apropriada, gramaticamente e, que expressasse com mais propriedade a mentalidade por trás das ações
daquela forma de ver o mundo. Para ele, a expressão que poderia substituir, ganhando muito em capacidade
explicativa e que evitaria equívocos, era a de naturalismo cientista.
90
Para Certeau (1994, p. 201), “Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas
relações de coexistência. Aí se acha portanto excluída a possibilidade para duas coisas, de ocuparem o
mesmo lugar. Ai impera a lei do ‘próprio’: os elementos considerados se acham uns ao lado dos outros, cada
um situado num lugar ‘próprio’ e distinto que o define. Um lugar é portanto uma configuração instantânea de
posições. Implica uma indicação de estabilidade” (grifo do autor). Já para Certeau (1994, p. 202), “Existe
espaço sempre que se tomam em conta vetores de direção, quantidade de velocidade e a variável tempo. O
espaço é um cruzamento de móveis. É, de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que aí se
desdobram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e
o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais” (grifo
do autor).
91
actores sociais, traduzem as suas posições e interesses objectivamente
confrontados e que, paralelamente, descrevem a sociedade tal como
pensam que ela é, ou como gostariam que ela fosse (CHARTIER,
1990, p. 19).
Desse modo, a atenção, em um estudo que busca operar com o conceito de
representação coletiva, deve estar voltada para os modos “[...] como em diferentes lugares e
momentos uma determinada realidade social é construída pensada e dada a ler” (CHARTIER,
1990, p. 17).
Fazendo uso do jornal como dispositivo
91
para fazer circular suas representações, o
Partido Liberal, na voz de um de seus representantes, o deputado Eliseu de Sousa Martins
(Eliseu Martins),
92
a partir do mês de março de 1882, faz circular, pelas páginas do Jornal O
Horizonte, uma série de notas que esclareciam que estava em execução um projeto de reforma
da instrução pública que pretendia organizar o ensino oferecido na Província.
É possível perceber que as preocupações que mobilizavam alguns dos deputados eram
as mesmas que já haviam incomodado Pedro Leão Velloso, presidente que governou a
Província no ano de 1860. No relatório produzido por esse presidente, informam-se algumas
das razões pelas quais se considerava que o ensino público no Espírito Santo era muito difícil
de ser conduzido. De acordo com o presidente,
Falta o discípulo: 1.° Porque falta o professor; o que ensina a elle não
compensa o sacrificio de mandal-o á eschola. 2.° Porque pais, que
educação não receberão, e que sem ella tem vivido, não reconhecem a
sua necessidade: pais, os ha n’esta provincia, que entendem, que os
filhos ganhão em não aprender a ler, porque livrão-se do futuro dos
encargos cívis (VELLOSO, 1860, p. 45).
Mesmo os cidadãos
93
com maiores posses preferiam enviar seus filhos à lavoura a
deixá-los freqüentar a escola. Conta o Presidente da Província que havia
91
Para A-M Chartier (2002, p. 13), o poder do dispositivo, que invariavelmente acompanha as reformas, não
está apenas no seu uso como modelador de práticas e na capacidade que possui de orientar as condutas e as
representações, mas nos saberes que buscam instaurar, como as inovações no campo, as realizações
inventivas que tratam do “como fazer”.
92
Poucos são os dados que foram encontrados sobre esse deputado. Sabe-se, com base nas leituras dos
relatórios dos presidentes da Província, que havia nascido, em 1º de janeiro de 1842, na cidade de Gurgueá,
Província do Piauí. Que era bacharel em direito pala Faculdade de Direito de Recife e que havia sido
presidente da Província do Espírito Santo entre os anos de 1879-1880 e deputado provincial entre os anos de
1882-1883. Também foi senador na República, entre os 1890 a 1894.
93
Há de se perceber que o uso do termo cidadão possui, no texto, um sentido restrito. Pela Constituição
Politica do Imperio do Brazil (de 25 de março de 1824), art. 6º, eram considerados cidadãos brasileiros: “I.
Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez
que este não resida por serviço de sua Nação. II. Os filhos de pai Brazileiro, e os illegitimos de mãi
Brazileira, nascidos em paiz estrangeiro, que vierem estabelecer domicilio no Imperio. III. Os filhos de pai
Brazileiro, que estivesse em paiz estrangeiro em serviço do Imperio, embora elles não venham estabelecer
domicilio no Brazil. IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já residentes no Brazil
92
[...] um cidadão abastado de uma das melhores villas, e que elle
mesmo fruia das vantagens do ensino, ouvi eu dizer, que não fazia
ensinar á ler a seus filhos, para livral-os dos encommodos do jury. E
na maioria preferem os pais o resultado muito do serviço de meninos
applicados á lavoura ao beneficio immenso do seu ensino
(VELLOSO, 1860, p. 45).
O projeto desenvolvido por Elizeu Martins tinha como um de seus objetivos sanar esse
problema. Para isso, conclama aos cidadãos
94
para discutir seu projeto antes que fosse enviado
à Assembléia dos deputados.
A estratégia utilizada por Eliseu Martins não é um caso isolado. Narodowski (2002),
ao analisar as relações entre a infância, disciplinamento do corpo infantil e a introdução do
Ensino Mútuo na Argentina, nas primeiras décadas do século XIX, informa que foi
necessária, por parte do Estado, a produção de uma aliança com as famílias (sociedade)
95
para
que a reforma pretendida fosse aceita, garantindo, assim, o fluxo infantil de uma instituição
para outra.
A aliança entre a instituição escolar e a família para a produção de uma reforma,
segundo Narodowski (2002), é uma necessidade, pois o que se propõe é uma nova forma de
Cont. da nota anterior
na época, em que se proclamou a Independencia nas Provincias, onde habitavam, adheriram á esta expressa,
ou tacitamente pela continuação da sua residencia. V. Os estrangeiros naturalisados, qualquer que seja a sua
Religião. A Lei determinará as qualidades precisas, para se obter Carta de naturalização” (BRASIL, 2001, p.
5). Mas é interresante observar que somente alguns homens poderiam exercer direitos políticos, aqueles
considerados ativos. Discrimina o texto da lei: “Art. 92. São excluidos de votar nas Assembléas Parochiaes.
[...] V. Os que não tiverem de renda liquida annual de cem mil réis por bens de raiz, industria, commercio,
ou Empregos [...]. Art. 93. Os que não podem votar nas Assembléas Primarias de Parochia, não podem ser
Membros, nem votar na nomeação de alguma Autoridade electiva Nacional, ou local. Art. 94. Podem ser
Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros dos Conselhos de Provincia todos, os que
podem votar na Assembléa Parochial. Exceptuam-se I. Os que não tiverem de renda liquida annual de
duzentos mil réis por bens de raiz, industria, commercio” (BRASIL, 2001, p. 10, grifos meus).
94
Durante todo o período imperial, a participação política relacionou-se, prioritariamente, com a riqueza
individual, com base no critério censitário. A Carta de 1824 seccionou a prática da cidadania, por intermédio
da divisão arbitrada no interior do corpo de cidadãos, pela Constituição monárquica de 1824, que estabelecia
a diferença entre os cidadãos “ativos”, a quem eram atribuídos “direitos políticos”, e cidadãos “passivos”,
para os quais só se reconheciam os “direitos civis”. “A diferença entre essas duas categorias seria exercida
pelo voto. Entretanto, como a propriedade era o fundamento da cidadania, seria possível se tornar cidadão ao
se tornar proprietário. Ficava excluída assim, da sociedade política brasileira, grande parte da população,
formada por escravos e por homens livres pobres, como também do acesso à educação, porque a Constituição
de 1824, em seu art. 179, parágrafo 32, só garantia educação gratuita aos cidadãos” (CARDOSO, 2003, n. 5,
p. 199). Para Hilsdorf (2003, p. 43), essa situação era decorrente de “[...] a sociedade brasileira não [...]
[formar] um conjunto, mas uma hierarquia, com camadas diferentes e desiguais, divididas em ‘coisas’
(escravos e índios) e ‘pessoas’, que compreendiam a ‘plebe’ (a massa dos homens livres e pobres) e o ‘povo’
(classe senhorial dos proprietários), a preocupação com o povo expressa por eles não significava a
preocupação com a plebe” (grifo da autora).
95
É necessário compreender que o termo sociedade não se refere, nesse período, a toda a sociedade como
compreendemos hodiernamente, mas a uma parcela de homens livres, com algum poder aquisitivo dentro de
uma composição hierarquizada da divisão social do Império brasileiro. Ver Mattos (1987), em O tempo
saquarema: a formação do Estado Imperial para compreender a constituição da sociedade brasileira durante
o Império.
93
socialização, diferente da que até então é a mais comum, a aprendizagem das regras sociais e
comportamentais por intermédio de um processo não formalizado. A predominância que esse
“novo” meio de socialização oferece, de acordo com Vincent, Lahire e Thin (2001, p. 42), não
é conseguida sem “[...] resistências ‘objetivas’ por parte dos sujeitos sociais socializados em
outras formas e relações sociais”, pois a escola é entendida como uma novidade, estranha,
talvez perigosa, que modifica o cotidiano impondo novas práticas, como a administração
educativa e uniforme do tempo, currículo unificado e docência capacitada de modo
homogêneo (NARODOWSKI, 2002).
O uso que se faz do jornal, explicando sobre o processo de criação do regulamento,
informando sobre o conteúdo e necessidade da participação dos cidadãos (ativos), é estratégia
empregada no âmbito da reforma para angariar simpatizantes, já que estes não poderiam ser
coagidos à adesão; teriam que ser convencidos da eficácia do projeto.
96
O convencimento
seria realizado por intermédio das matérias, positivas, relacionadas com a necessidade da
reforma.
O projeto de uma reforma da instrução pública já acompanhava Eliseu Martins desde
que fora presidente da Província. Em seu relatório da presidência, do ano de 1880, já havia
diagnosticado que seria necessária uma reforma da instrução pública. Dizia ele: “Sem deixar
de ligar a necessaria importancia aos demais assumptos, que fazem o objectivo da
administração, é este um dos que mais de perto deve interessar aos depositarios do poder
publico, responsaveis immediatos pela boa ou má gestão” (MARTINS, 1880, p.1). Nesse
sentido, relata:
5
Infelizmente a Instrução Publica n’esta Provincia, quer a primaria,
quer a secundaria, está bem longe de attingir o alvo que fora para
desejar. Esta verdade, por mais dolorosa que ella seja, convém que a
repitamos incessantemente; não ha talvez outro meio de despertar
nossos brios, de chamar a attenção geral para o objeto de tamanho
alcance e que, não obstante os nossos 58 annos de existencia politica,
se acha ainda em estado rudimentar (MARTINS, 1880, p. 2).
A análise realizada por Eliseu Martins faz parte de uma cadeia discursiva que pode ser
rastreada na maioria dos relatórios de presidentes da Província do Espírito Santo. Dificilmente
os presidentes se reportam, ao analisar o estado da instrução pública, a alguma experiência
educativa que tenha oferecido resultados positivos. A maioria das vezes, como regra,
justificam os parcos resultados da administração provincial nesse setor, pelo fato de seus
96
No quinto capítulo, será analisada, de forma mais detalhada, como é organizado e colocado em ação um
projeto de convencimento dos cidadãos (ativos) da Província, por intermédio dos dispositivos (imprensa e
94
antecessores terem feito baixos investimentos na criação e manutenção de estabelecimentos
de ensino, pela dificuldade na contratação de professores capacitados ao ensino e pela falta de
interesse que muitos tinham a respeito da necessidade da escola, como instância socializadora.
O resultado desses fatores, para Eliseu Martins, era que, na Província, naquele momento, os
professores estavam despreparados para ensinar. Para ele, o modelo utilizado pelo
professorado da Província para ensinar estava muito ultrapassado, quando comparado com o
modelo adotado na América do Norte ou em alguns países da Europa.
97
De acordo com o
presidente “O Profêssorado é máo, não porque em geral não preencha as condições legaes
exigidas, mas porque o typo do professor primário é actualmente o mesmo dos tempos
primitivos, limitando-se suas funções a ensinar mal a lêr, escrever, contar e rezar!”
(MARTINS, 1880, p. 2).
O ensinar a ler, escrever, contar e rezar, para o presidente Eliseu Martins, em 1880,
não era suficiente para instruir o cidadão da Província, pois:
O ensino primario, não ha mais hoje quem o conteste, deve
comprehender todos os conhecimentos que são necessarios ao homem
- por ser homem, - qualquer que seja a sua condição; sem o que será
infrutifero e não poderá nunca influir directa e positivamente no
progresso da sociedade, que, em ultima analyse, consiste, ou melhor
resulta, do aproveitamento real de todas as aptidoes no exercico legal
da actividade de cada um (MARTINS, 1880, p. 2).
De posse desse discurso, crente da necessidade da reforma da instrução pública, Eliseu
Martins procura convencer os ouvintes e leitores do relatório que apresentava, no final do seu
governo, que era urgente melhorar a instrução na Província, pois seria condição para que os
homens pudessem
Conhecer a si e a seus semelhantes, conhecer o que o Estado lhe deve e
o que elle deve ao estado, conhecer o mundo physico, suas leis e forças
e os meios de utilizal-as no proveito proprio e do commum, ninguem
contesta certamente que é essencial ao homem, sem distincção de
classes, hyerarchias ou profissões (MARTINS, 1880, p. 2).
Cont. da nota anterior
palestras pedagógicas desenvolvidas pelo professor Silva Jardim) que dão visibilidade à reforma pretendida.
97
Relata Eliseu Martins (1880) para os deputados provinciais que deveriam urgentemente adotar para a
Província o modelo que na América do Norte e Europa estava surtindo muitos efeitos positivos na instrução
dos cidadãos daquelas regiões. De acordo com o presidente, “Assim se pratica nos Estados-Unido, que n’este
particular, como em muitos outros, offerece larga margem para imitação, ha velha e culta Europa; ahi, o
ensino primario abrange, além das materias que o contituem entre nós, escepto o rezar, as sciencias que o
normalista, o agricultor, o physico; o chimico, o mechanico e o negociante, sem esquecer o que diz respeito
aos direitos individuais e politicos do cidadão; ensino este dado nas devidas proporções e com os melhores
methodos, o que é tudo (MARTINS, 1880, p. 2).
95
É possível observar uma sutil modificação do que se compreendia como as qualidades
que conferiam aos homens a condição de ser cidadão do Império. Para ser considerado
cidadão, seria necessário passar pelo processo de escolarização, no caso não a oferecida no
ambiente doméstico, mas a que o Estado deveria prover. Pelo que se percebe de sua Fala à
Assembléia Provincial, na escola é que se formaria o novo cidadão, consciente de seus
deveres e direitos. A instrução da sociedade seria, para Eliseu Martins, condição sine qua non
para se desenvolver todas as possibilidades da Província. Para Eliseu Martins (1880, p. 3), a
Província possuía problemas que não conseguia resolver porque se havia ignorado “[...] os
segredos de conquistar as grandes e variadas riquezas com que em balde o nosso sólo tenta
pôr em proveitoso movimento a nossa actividade, soterrada á camada espessa da ignorancia,
que nos opprime”.
De acordo com Barros (1959, p. 59) essa forma de pensar as soluções para os
problemas estruturais da sociedade faz parte de um modo peculiar de avaliar os meios para se
modernizar o Brasil. Classifica o autor (1959) essa forma de pensar, como humanismo
científico, na qual subjaz a convicção na potencialidade humana e ao mesmo tempo
[...] a crença na regeneração do homem pelo saber, particularmente
pelo domínio das ciências naturais; uma só lei rege a natureza inteira –
e portanto o homem, que não transcende, não é parte integrante dela;
organismo mais complexo, é certo, mas solidário com o todo
universal. Educar-se, aqui, é reconhecer a natureza e dominá-la,
obedecendo-a (BARROS, 1959, p. 59)
Dois anos depois de ser presidente da Província do Espírito Santo e, agora deputado
provincial, ainda mobilizando esse conjunto de representações, sobre a necessidade da
reforma da instrução, publica no jornal O Horizonte
98
nota anunciando a reforma que estava
preparando. Passa-se a noticiar, a partir de 28 de março de 1882, que um novo projeto para a
instrução pública estava sendo discutido na Assembléia Provincial e que a presença dos
98
Como foi discutido, esse impresso era o órgão oficial do Partido Liberal na Província do Espírito Santo,
responsável em arregimentar para a causa liberal novos simpatizantes e meio eficaz para demarcar um
território de ação e tomada de decisão no campo político. É preciso compreender que, nesse jogo, não há
neutralidade, todas as ações são calculadas. Assim o jornal, O Horizonte circula como um dispositivo
utilizado estrategicamente para a normatização das práticas, objetivadas com base em um local de poder e
saber que busca se legitimar como lugar da fala autorizada. Ver Carvalho (1998), na análise que realiza em
relação aos usos escolares do impresso e as conseqüências para se projetar o estudo da História da Educação
com base em alguns objetos configurados como local de regramento da leitura e dispositivo de
configuração/produção de sentidos. Desse modo, podem-se compreender, também, as notícias que circulam
pelo jornal O Horizonte, como dispositivos mobilizados para persuadir os leitores e os ouvintes do impresso
que ainda não estavam convencidos que reformar a instrução pública era necessário para o desenvolvimento
da Província.
96
interessados no tema seria bem-vinda. Convida-se para participar os professores da Província,
os alunos do Ateneu Provincial e seus lentes. Dizia a nota informativa do O Horizonte:
Chamamos a attenção do professorado d’esta capital para a carta que o
nosso illustrado Dr. Elizeu Martins nos dirigiu em data de hoje,
convidando os professionaes para ouvirem a leitura de um projecto
que pretende apresentar a Assembléa Provincial, relativamente a
reforma da Instrucção Publica da Província (O HORIZONTE, n. 25
1882, p. 2).
Informa-se, três dias depois, que a reunião fora muito produtiva, pois muitas pessoas
compareceram à convocação, políticos, militares, advogados, professores e estudantes, os
quais discutiram os pontos mais polêmicos da proposta de reforma.
Teve hontem lugar, na sala nobre do Atheneu, a reunião convocada
pelo nosso amigo Dr. Elizeu Martins.
A pedido d’este, presidiu a sessão o Dr. Azambuja, que convidou ao
Dr. Maximino Maia e Dr. Freitas para Secretarios.
Compareceram os Srs. Professores Drs. Azambuja, Campos, J. Maia,
Freitas e Sr. Sarmento, director do Atheneu Dr. Barroso; deputados
provinciaes Dr. Horta de Araujo, Muniz Freire, Tenente Coronel
Werneck, Ignacio Pessoa, José Cezario, Tenente E. Coutinho, Major
Domingos Vicente, João Aguirra, e Guimarães; o Juiz de Direito de S.
Matheus Dr. Miguel Amorim; os cidadãos Francisco Costa Junior,
Antero Coutinho, Cleto Nunes, Dr. Diogenes Teixeira, A. Aguirra,
Tenente Terra e muitos alumnos do Atheneu (O HORIZONTE, n. 26,
1882, p. 2).
É necessário não baixar a guarda, pois como analisa Bahia (1990) muito do que é
publicado nos jornais não é a verdade, mas em geral apenas uma parte da verdade. Desse
modo, a lista que é publicada no O Horizonte pode não ser a verdadeira, alguma pessoas
talvez tenham sido excluídas e outras que não compareceram a reunião incluídas na notícia.
Mas um dado chama a atenção os participantes da reunião que é noticiada são pessoas capazes
de influenciar os outros setores da sociedade letrada e iletrada da Província, pessoas que
detinham o poder de decisão, naquele momento, ou que estavam sendo preparadas para tal
fim.
Para que o texto da reforma fosse mais bem compreendido, os professores decidem
que deveriam se reunir para analisar e propor modificações ao projeto formulado pelo
deputado Eliseu Martins. Informa-se, pelo jornal O Horizonte (n. 27, 1882, p. 3), que
estiveram presentes à reunião nove professores, entre eles, o diretor do Ateneu. Após lerem
97
todos os artigos que compunham o plano de reforma, propuseram alguns aditivos e se decidiu,
em conjunto, dar-lhe apoio.
Após o processo de discussão estabelecido com os professores e alunos do Ateneu
Provincial e cidadãos ativos da Província, Eliseu Martins envia o projeto para ser debatido
pela Assembléia Provincial. Entra-se, então, em um novo ciclo de discussões.
Na 12ª sessão ordinária da Assembléia Provincial, em 10 de abril de 1882, o deputado
Eliseu Martins, assinando conjuntamente com o deputado José de Mello Carvalho Moniz
Freire (Moniz Freire),
99
apresenta, perante a Câmara, o Projeto n.º 12, de reforma da instrução
pública. Nesse projeto, buscava-se instituir no Espírito Santo um novo modelo de
escolarização, modificando a estrutura educacional oferecida pelo Estado. Estava no plano
dos deputados dar novo formato ao modo como se preparavam os professores para o ensino
das primeiras letras (ler, escrever, contar e rezar) ou, como denomina Hébrard (1990), saberes
elementares.
100
Outro objetivo do projeto era modificar o direito que as famílias possuíam de
dar ou não educação formal aos seus filhos. No projeto encaminhado à Assembléia um dos
tópicos dizia respeito à obrigatoriedade e à gratuidade do ensino. O primeiro artigo do projeto
é bem claro quanto aos propósitos asseverados pela reforma:
A Assembléa Legislativa provincial resolve:
Art. 1º - O ensino publico primario é gratuito e obrigatorio, e será
ministrado em escolas de 1ª, 2,ª e 3ª entrancia, segundo a classificação
d’esta lei, alem de uma escóla primaria superior, na Capital da
Província (AAPES, 1882, p. 66. grifo meu).
99
José de Mello Carvalho Moniz Freire nasceu na cidade da Vitória, a 13 de julho de 1861. Fez os estudos de
humanidades no Atheneu Provincial, em 1877 matriculou-se no curso jurídico da Faculdade Direito de
Recife, passando, em 1880, para o de São Paulo, onde se formou a 5 de novembro de 1881. Retornando para
o Espírito Santo, foi eleito para deputado provincial para a gestão 1882-1883. Em 15 de março de 1882,
fundou, juntamente com o senador Cleto Nunes, o jornal A Provincia do Espirito Santo, transformado depois,
em 1889, para o diário Estado do Espirito Santo. Em Recife, redigiu, em 1878, com João Peixoto, Arthur
Leal e Clovis Bevilaqua, a Gazeta Academica; em São Paulo, redigiu, como redator-chefe, o O Liberal,
orgão acadêmico dos estudantes filiados ao partido liberal, colaborando também na Opinião Liberal de
Campinas. Em 1890, foi eleito deputado ao Congresso Constituinte da República e, em 1892, tornou-se
presidente do Estado do Espírito Santo (CLÁUDIO, 1912). Ao estudar a História do Positivismo no Brasil,
principalmente com base no que chama de positivistas “independentes”, Lins (1967) faz uma análise dessa
corrente filosófica no Espírito Santo. Para o autor, Muniz Freire pode ser considerado um dos principais
expoentes desse movimento no Espírito Santo. Ver também o estudo de Novaes (2001), quando discute a
formação de uma elite de bacharéis na Província do Espírito Santo, a partir da década de 1880, e o papel
exercido por Muniz Freire na organização da política capixaba no final do século XIX.
100
Hébrard (1990), referindo-se à Europa do século XVIII, esclarece que, nesse período, a escola se torna, tanto
no mundo protestante quanto no mundo católico, o local em que se ensinam os primeiros saberes,
identificados progressivamente com os instrumentos mais rudimentares da cultura escrita: ler, talvez
escrever. Somente na Terceira República, segundo o autor (1990), é que os saberes elementares passam a ser
identificados pela trilogia ler-escrever-contar. Nesses saberes, conforme Hébrard (1990), poderia
perfeitamente ser incluída a catequese (rezar). Saber que deixa de ser ensinado nas escolas primárias somente
com a criação das leis laicas na III República.
98
As matérias que deveriam compor o ensino oferecido nas escolas primárias da
Província estavam regulamentadas pelo art. 16, no qual se estipulava o seguinte:
O ensino nas escólas primarias comprehende: leitura e calligraphia,
recitação em voz alta de trechos de prosadores e poetas nacionaes,
analyse grammatical e lógica dos trechos recitados, instrucção moral e
religiosa, elementos de geographia e historia pátria, principalmente da
Provincia, arithmetica até proporções, inclusive, geometria pratica,
systema legal de pesos e medidas (AAPES, 1882, p. 68).
Em relação à formação dos professores para atuarem nas escolas, o regulamento
determina e marca prazos para que eles se preparassem no curso oferecido por uma instituição
prevista para ser criada na Província, que denominaram de Escola Primária Superior, sem a
qual os professores ficariam impedidos de exercer o magistério.
Os conteúdos que deveriam ser ensinados aos futuros professores são identificados
pelo art. 2º, o qual determinava que a instituição deveria ser mista. Para os deputados Eliseu
Martins e Moniz Freire, a Escola Primária Superior seria cursada em um período de oito anos
de estudos consecutivos. As matérias ministradas na instituição seriam:
Portuguez,
Francez (facultativo),
Inglez (facultativo),
Geographia physica e politica e especialmente do Brazil,
Noções de cousas,
Moral pratica, social e domestica,
Arithmetica,
Algebra,
Geometria plana e no espaço, Trigonometria rectiliea,
Physica experimental,
Chimica orgânica e inorganica,
Escripturação mercantil,
Astronomia elementar,
Botanica em geral, madeiras de construcção, vicios, peso especifico,
resistencia, córte e conservação,
Mineralogia,
Geologia,
Mecanica racional e suas applicações às machinas,
Historia universal e especialmente do Brazil,
Agricultura,
Physiologia,
Principios de economia politica,
Noções de direito publico e criminal, dadas sobre a leitura da
Constituição e Codigo Penal (AAPES, 1882, p. 66).
99
O objetivo de um curso tão extenso e intenso, segundo os deputados, era para que
servisse também de preparatório
101
para os cursos superiores oferecidos na Corte. Tinha-se
também como intenção que a Escola Primária Superior formasse funcionários mais bem
preparados para os postos públicos que a Província oferecia. Como é possível perceber na
citação abaixo, outra possibilidade seria que tal instituição oferecesse formação para
professores para as escolas de primeiras letras. Discutindo o projeto, o deputado Eliseu
Martins esclarece:
Terminado o curso da escola superior o alumno entrega-se á um
officio ou profissão, ou [...] [poderia seguir] um dos cursos superiôres
actualmente existentes no Imperio ou aproveita o privilegio, que lhe
cede o projecto, isto é, vai ser empregado publico, ou professor
(AAPES, 1882, p. 178).
Pelo que se percebe, as matérias fugiam em muito ao regime de formação para um
professor habilitado para lecionar nas escolas primárias oferecidas pelo governo.
Naquele momento, a única instituição que ainda formava professoras, na Província do
Espírito Santo, era o Instituto Normal, que funcionava no Colégio Nossa Senhora da Penha.
As matérias oferecidas no instituto resumiam-se a aulas de
1as. Lettras.
Portuguez e Litteratura.
Francez.
Geographia.
Prendas.
Musica e canto.
Consta, portanto, o curso normal de oito materias, bem ou mal
estudadas, que são julgadas aptas para professoras (O HORIZONTE,
n. 31, 1882, p. 2).
101
De acordo com Haidar (1972), os exames preparatórios se constituíram como a alma do ensino secundário e
superior, durante o Império até a década de 1920. Foi percebido, conforme Haidar (1972), durante todo o
período em que esteve em vigor, quase exclusivamente como canais de acesso aos cursos superiores. Os
estudos secundários reduziam-se, assim, como o ensino das matérias necessárias ao ingresso nas academias.
Para Haidar (1972, p. 47), “[...] os conhecimentos requeridos nos exames de preparatórios constituíram
padrão ao qual procuraram ajustar-se os estabelecimentos provinciais e particulares de ensino secundário”.
Uma característica dos exames preparatórios é que poderiam ser realizados de forma parcelada. Desse modo,
muitos dos alunos que ingressavam nos estudos secundários não chegavam a terminar o curso, pois
conseguiam prestar exames em todas as matérias necessárias para a admissão nas instituições de ensino
superior. Sobre o tema, consultar também a tese de Peres (1973), Educação republicana: tentativas de
reconstrução do ensino secundário brasileiro – 1890-1920, o estudo de Antunha (1980), A instrução na
primeira República: a união e o ensino secundário na primeira República e o trabalho de Santos (2005),
Academia de Direito de São Paulo (1827-1854) e a constituição de uma elite nacional: o lugar da língua
portuguesa.
100
No ano de 1882, não havia Escola Normal que fornecesse instrução para os futuros
professores. A instituição que por muitos anos funcionara junto ao Ateneu Provincial havia
sido extinta pelo regulamento da instrução pública aprovado em 1877 (GAMA, 1877a).
O Instituto Normal do Colégio Nossa Senhora da Penha é passado por avaliação pelos
editores do jornal O Horizonte. Segundo esses editores, desde o ano de 1877, não havia se
formado sequer uma professora pelo Instituto Normal. O estudo era tão mal orientado, que as
alunas repetiam com exaustão as matérias sem conseguir finalizar o curso.
102
Mesmo se
conseguissem concluir, afirmam os editores, não conseguiriam ser boas professoras, pois
faltava à formação das alunas matérias imprescindíveis, como a “Historia Natural, a Physica,
a Chimica, a Pedagogia, a Methodologia, e outras muitas, todas ellas de utilidade para a vida”
(O HORIZONTE, n. 31, 1882, p. 2).
É necessário ponderar a avaliação do cenário pintado pelos editores d’O Horizonte,
pois, nesse momento, desempenham, como atores bem posicionados no jogo político da
Província, a função de criar expectativas, indignação ou apoio à causa que buscam tornar
pública.
A nova instituição projetada mediante a produção do Regulamento n.º 12 também não
atendia à especificidade que se requeria para a formação de um professor para atuar nas
escolas primárias, mas, nesse caso, a reforma previa que deveria existir, anexo à Escola
Primária Superior, um curso de Pedagogia, com duração de dois anos, em que o aluno se
prepararia como professor adjunto.
103
Todo aluno que optasse pelo Magistério após, o termino
dos oitos anos previstos para a conclusão do curso primário superior deveria matricular-se na
escola de Pedagogia.
102
Como foi possível perceber durante o período em que a escola normal funcionou no Colégio Nossa Senhora
da Penha haviam poucas alunas matriculas, que não recebiam nenhum incentivo financeiro, como
gratificações por horas de estudo, pelo contrário, seus salários, sendo concursadass ou interinas em escolas da
região do Espírito Santo, era dividido pela metade. Informação que não é descrita pelo jornal O Horizonte.
Ainda existia o problemas, também não descrito pelo jornal, que a escola normal feminina não possuía os
professores que deveriam ministrar as aulas do segundo ano do curso.
103
Primitivo Moacyr (1937), ao escrever sobre as reformas da instrução pública, durante o Império, informa que
diferentes modelos foram projetados para se formar os professores para as escolas primárias. Segundo o autor
(1937), na reforma da instrução pública apresentada pelo deputado-geral Luiz Pedreira do Coutto Ferraz
(político que já havia exercido o cargo de presidente da Província do Espírito Santo em 1848), em 1854,
havia duas formas para se habilitar professores para o ensino primário: 1) por intermédio das Escolas
Normais, e 2) por intermédio de professores adjuntos ou alunos mestres. A primeira, de acordo com Moacyr
(1937), Coutto Ferraz olhava com desconfiança, pois pouco proveito, segundo o deputado, havia
demonstrado na formação de professores no Brasil. Citando Coutto Ferraz, pondera Moacyr (1937) que o
deputado tinha essa impressão por constatar que as tentativas de criação de escolas normais, invariavemente
até aquela data, haviam se realizado por intermédio de ensaios mal dirigidos. Na segunda possibilidade,
Coutto Ferraz, de acordo com Moacyr (1937), depositava maior credibilidade, porquanto não seria necessário
criar uma instituição modelar para habilitar os professores para o Magistério. Os futuros mestres poderiam
adquirir sua formação acompanhando um professor experiente. Nesse momento, os alunos exercitariam seus
conhecimentos sobre as teorias e metodologias do ensino e as poderiam testá-las diretamente na prática.
101
Com a supressão do Ateneu Provincial e do Colégio Nossa Senhora da Penha, previa a
lei que seus lentes deveriam ser absorvidos como professores da Escola Primária Superior,
instituição que se projetava como modelizadora dos saberes escolares na Província.
A incumbência da direção e inspeção do ensino público, estabelecia o projeto, deveria
estar a cargo da congregação dos professores da Escola Primária Superior, de um inspetor-
geral eleito pela congregação para uma gestão de dois anos e por inspetores paroquiais
nomeados pelo inspetor-geral.
De todos os temas tratados no projeto de reforma, desenvolvido pelos deputados
Eliseu Martins e Moniz Freire, o que mais se destaca como ponto de controvérsias e
discussões acaloradas dizia respeito à obrigatoriedade do ensino primário (as famílias
tornavam-se obrigadas a enviarem seus filhos à escola, sob a pena de serem multadas se assim
não o fizessem).
Um dos opositores ao projeto é o deputado José Feliciano Horta de Araújo (presidente
da Assembléia), que não concorda com o art. 1º do projeto, por acreditar que a população da
Província não estaria pronta para uma lei que obrigasse os pais a enviar seus filhos à escola.
Segundo o deputado José Feliciano Horta de Araújo,
Pelo que concerne á instrucção publica, ao levantamento da
mentalidade popular, penso que não nos devemos olvidar de que os
nossos habitos e costumes, entre os quais ha bons e máus, divesificam
profundamente sob saliente aspectos dos de outros paizes, em virtude
de condições especiaes quanto á raça, ao clima, ao território, á
população em sua maior ou menor densidade, á riqueza, ao systema
tradicional de educação, aos preconceitos, ao pendor natural de cada
um e á predisposição ou repugnancia para a acceitação de reformas,
que tendem a quebrar os élos de uma cadêa secular, a modificar os
costumes, a alterar os hábitos, em summa, a transformar o meio social
em que se tem vivido (AAPES, 1882, p. 154-155).
Conforme as palavras do deputado, as reformas vinham tocar no mais íntimo dos
hábitos e costumes dos cidadãos da Província. As representações sobre o significado da
instrução pública que o dispositivo fazia circular não seriam bem-aceitas, em virtude de os
hábitos arraigados, pelo que chama de sistema tradicional, terem gerado preconceitos que não
permitiriam que o projeto transformasse a freqüência à escola em obrigatória, mesmo que
trouxesse consigo a proposta da gratuidade. Considerava-se que a reforma continha em si uma
invasão à vida privada, impedindo que os pais decidissem sobre o futuro de seus filhos.
Entendia-se que a reforma ia de encontro ao direito do pátrio poder. Para Giglio (2006, p. 2),
102
A obrigatoriedade é elemento central no movimento de
institucionalização. A obrigatoriedade se coloca na fronteira de um
novo modelo de governo da instrução pública e, portanto, em novo
desenho de institucionalização, do qual são dependentes uma rede de
práticas político-administrativas e culturais.
As práticas político-administrativas discutidas pelos deputados na reforma do ensino,
de acordo com José Feliciano Horta de Araújo, não dariam muito certo, uma vez que obrigar a
escolarização da juventude da Província e ao mesmo tempo não oferecer boas escolas,
suficientemente perto dos alunos, e bons professores redundaria em descontentamento por
parte dos pais. Para José Feliciano Horta de Araújo, seria preciso antes educar
[...] os professores, estabelecendo escolas depois cuidaremos de tornar
o ensino obrigatorio, por meio de uma lei convenientemente
decretada, prudente, cautelosa, exequivel, si se fizer sentir a
necessidade de repressão afim de coagir ao ensino (AAPES, 1882, p.
158).
Mesmo entre os editores do jornal O Horizonte, o tema da obrigatoriedade do ensino
não é bem-aceito. Assim que o Projeto n.º 12, se torna público, o periódico faz circular
algumas críticas a pontos que os editores consideravam polêmicos. Segundo os editores do
jornal, não conseguiam reconhecer no projeto as bases da Escola Positivista, pois, da forma
como o projeto estava estruturado, não se poderia esperar que garantisse a ordem e o
progresso. Advertem os editores:
Reconhecemos que o projecto não foi elaborado de accordo com a
Escola Positivista, como era para desejar, visto como só ella pode
produzir resultados que garantão a ordem e o progresso. Somos,
porem, de opinião que uma reforma n’esse sentido, sendo actualmente
inopportuna, attento o estado de mentalidade da população, deve ser
adiado para mais tarde. Assim nos pronunciando, attendemos a grande
lei do meio social e ao principio de que todo progresso prematuro
produz anarchia. Uma doutrina demonstravel deve ser aceita por todos
os cidadãos, mas ella necessita de tempo para convencer os
emperrados, para vencer preconceitos existentes ha muitos seculos.
N’esta circunstancia parece-nos que o melhor caminho a seguir é
considerar — o projecto de reforma de instrucção e que actualmente
se discute na Assembléa d’esta Provincia, como uma transição do
methodo anachronico, ora existente, para o methodo positivista (O
HORIZONTE, n. 38, 1882, p. 2).
104
104
Lins (1967, p. 233), ao estudar a História do Positivismo no Brasil, declara que o redator do jornal O
Horizonte, Maximiliano Maia, era simpatizante do positivismo, “[...] formado em engenharia pela
Universidade de Gard, na Bélgica. No Rio de Janeiro freqüentou a Escola central, onde conheceu Teixeira
Mendes e Miguel Lemos. Esteve também na Escola Militar do Rio, onde foi aluno de Benjamin Constant e
companheiro de Floriano Peixoto, de quem se tornou grande amigo”.
103
Nessas críticas ao projeto, os editores de o O Horizonte não estavam sozinhos. Moniz
Freire, signatário do projeto, diz que dava apoio à proposta por, naquele momento, não ter
condições e tempo para elaborar outra, conforme as bases do sistema filosófico que adotava.
Esclarece o deputado Moniz Freire perante a Câmara Provincial:
Quizera vêr de uma vez desapparecer esse anachronismo e vingado
definitivamente o unico systehema educacional capaz de produzir
transmutações completas á nossa acanhada mentalidade; o systhema á
que mais tarde e vagarosamente hão de chegar todas as nações;
systhema que consiste no doctrinamento total da conducta, a conducta
moral e a conducta intellectual – a synthese da vida humana; mas
ninguem desconhece além do mais o perigo das bruscas transições e a
necessidade de transigir ás vezes com o passado que se condemna e ao
mesmo tempo amanhar o solo onde se sentará mais tarde o alicerce
das futuras reformas (AAPES, 1882, p. 164-165).
105
Conforme Lins (1967), ordem e progresso são dois conceitos que, no vocabulário
positivista, deveriam ser inseparáveis, pois
[...] progresso é o desenvolvimento da ordem, assim como a ordem é a
consolidação do progresso, o que significa que não se podem romper
sùbitamente os laços com o passado e que tôda reforma, para
frutificar, deve tirar seus elementos do próprio estado de cousas a ser
modificado (LINS, 1967, p. 349, grifos do autor).
Nesse sentido, é possível compreender tanto as críticas dos editores do jornal O
Horizonte como a que é proferida por Muniz Freire. Ponto comum entre os dois discursos são
as representações que fazem veicular. Para esses homens, o estágio atrasado da mentalidade
da população ou o seu acanhamento eram um ponto que poderia interferir na boa aceitação da
reforma. Conforme relatam, as reformas deveriam ser realizadas de forma vagarosa e
deveriam ser conduzidas pelo único sistema educacional (Escola Positivista) capaz de
produzir as transmutações necessárias para se chegar à etapa que já haviam chegado as outras
nações. Desse modo, para os críticos ao projeto, seria preciso vencer os preconceitos que
existiam há muitos séculos. Nesse processo, seria necessário convencer a todos os cidadãos
que o doutrinamento total da conduta, moral e intelectual, era a chave para a síntese da vida
humana.
106
105
De acordo com Lins (1967, p. 237), “A figura mais eminente do Positivismo capixaba foi o Dr. José de Melo
Carvalho Muniz Freire, de quem, na História da literatura espírito-santense, diz Afonso Cláudio: ‘As suas
idéias filosóficas, em comêço, obedeceram à Doutrina do Positivismo heterodoxo sobre a direção de Littre;
mais tarde à ortodoxia de Comte, quer na filosofia quer na política” (grifos do autor).
106
Barros (2003), analisando as Obras filosóficas de Pereira Barreto, esclarece que os positivistas, seguidores
de Comte, acreditavam que uma situação qualquer, em um momento da história, é sempre o resultado de tudo
104
Nos textos que circulam no periódico, chama a atenção o sentido empregado para o
termo cidadão. O uso adotado não é apenas aquele que está disposto na Constituição de 1824,
para a qual ser cidadão tinha como prerrogativa básica a posse de propriedades, não a posse
das letras. Para os críticos ao projeto, a falta dessa posse, o letramento, era a responsável pelos
preconceitos e pelo estado atrasado da mentalidade da população. A transmutação operada, ao
que parece, é no sentido do que qualifica o cidadão.
107
O cidadão é aquele que possui
ilustração, que foi doutrinado moral e intelectualmente pela escola. Desse modo, capaz de
reconhecer as regras da ordem e do progresso.
Segundo os editores de o O Horizonte, a determinação de que o ensino deveria ser
gratuito era um acerto, mas estabelecer que também fosse obrigatório
108
não seria conveniente
naquele momento. Para eles, a Província não estava preparada para uma tal mudança, portanto
as modificações deveriam ser lentas e graduais, assim a obrigatoriedade da freqüência à
escola não deveria ser feita em forma de coerção, aplicando multas às famílias que
preferissem ver seus filhos na lavoura a vê-los na escola. Para os editores do periódico, outros
dispositivos poderiam ser utilizados, entre eles, a privação de direitos aos analfabetos e a
concessão de privilégios aos que possuíssem ilustração. Propõem os editores:
Não somos adeptos da obrigatoriedade directa do ensino, pois não
achamos que seja esse o meio afficaz para fazer-se com que os
habitantes de um lugar concorrão as escolas. Tudo quanto é
obrigatorio é vexatorio produz repugnancia e aborrecimento. Temos
outros meios indirectos de convencer a população de que devem
instruir-se. É pela privação de certos direitos; é pela superioridade de
posições concedidas as classes illustradas, que devemos despertar o
estimulo e os brios dos individuos, fazendo lhes nascer o gosto pelo
estudo (O HORIZONTE, n. 38, 1882, p. 2).
Atacado pelos adversários e mesmo por aqueles que militavam no mesmo partido,
como o caso do deputado Horta Araújo, que entendia que o tema da obrigatoriedade do ensino
fazia parte da pauta do Partido Liberal, mas acreditava que a Província não estava preparada
para uma tal modificação na organização da instrução pública. Dizia ele: “Sabem os nobres
Cont. da nota anterior
quanto a precede. Desse modo, acreditavam que, antes de qualquer iniciativa no campo das reformas,
primeiro deveria se observar a fase em que se encontrava uma civilização, por esse motivo entendiam que o
progresso não é passível de ser improvisado. Muitas conseqüências negativas poderiam acontecer se não
fosse observada essa lei geral, pois não se rompe com o passado impunemente.
107
É preciso lembrar que, nesse período, o analfabetismo não era “privilégio” apenas dos pobres e dos escravos.
Muitos indivíduos de posse também eram analfabetos, mas tinham seus direitos políticos e civis garantidos
pela propriedade.
108
A reação das famílias contra a obrigatoriedade da instrução era percebida como um fator que poderia gerar
uma possível desordem social, o que era incompatível com a evolução natural da humanidade.
105
deputados que tres principios se combinam, servindo de base ao ensino moderno: – a
obrigação dos pais de fazerem os filhos aprender, liberdade de escolher os mestre e
secularisação do ensino” (AAPES, 1882, p. 157).
Para o deputado Horta Araujo, antes de se exigir a obrigatoriedade do ensino, todas as
escolas deveriam ser providas com bons professores e mesmo deveriam ser construídas
escolas nas regiões mais afastadas da Província. Para ele, muitos professores que, naquele
momento, exerciam o Magistério nas escolas primárias, não estavam satisfatoriamente
formados, pois a maioria não havia passado pela Escola Normal, visto que não havia a
obrigatoriedade de estudar em uma instituição de formação de professores para atuar como
docente. Os regulamentos da instrução pública anteriores não tinham se preocupado com esse
tema e, mesmo quando faziam menção à lei, esta não havia sido cumprida na totalidade.
Assim, para as cadeiras das escolas de primeiras letras que existiam em regiões menos
povoadas, bastava que algum cidadão se interessasse em abrir uma escola para que
imediatamente fosse considerado professor. Seguindo esse raciocínio, conclui o deputado
Horta Araujo:
O que se não póde, nem temos o direito de exigir é que os nossos
concidadãos sejam forçados a enviar seus filhos ás escólas mal
situadas, mal providas e pessimamente dirigidas; onde em tróca de
uma instrução nominal, deficiente e mesquinha, ser-lhes-ão também
inoculados os germens do vicio e o virus da immoralidade (apoiados;
muito bem), que os ha de infallivelmente prejudicar no futuro
(AAPES, 1882, p. 159).
109
Na segunda discussão do Projeto n.º 12, não concordando com o raciocínio esboçado
no debate anterior por aqueles que eram contrários ao tema da obrigatoriedade do ensino, o
deputado Moniz Freire interveio para informar que, em todos os lugares em que foi
implantada a escolarização obrigatória da população, as condições não eram diferentes das
que se encontrava a Província do Espírito Santo. Na Província de São Paulo, na do Rio de
Janeiro e na da Bahia, que eram mais desenvolvidas economicamente, a situação não era
diferente, a discussão da obrigatoriedade foi recebida com descrédito.
109
De acordo com Barros (1959), no período da ilustração brasileira, algumas pessoas acreditavam que o ensino
obrigatório não deveria fazer parte das reformas sociais, pois o domínio das letras, apesar de suas vantagens,
poderia subverter a ordem. Citando Sá e Benevides relata o pensamento de algumas personalidades da década
de 1870 e 1880 do século XIX. “A instrução obrigatória [...] são exorbitantes da missão natural do Estado e
atentatórias ao direto de personalidade e aos direitos da família” (BARROS, 1959, p. 58). Perguntava
Tarquínio de Souza: “Instruir obrigatoriamente para que? Por acaso a alfabetização, por exemplo, é um bem
em si? Se ela trás certas vantagens, propicia também oportunidades para delitos que sem ela não se
verificariam: sem saber escrever [...] ninguém falsifica assinaturas... A ignorância não é um mal, pelo menos
comparada à impiedade, e a virtude assenta-se em bases completamente diversas do saber; ela independe da
106
Para o deputado Horta Araújo o único remédio para curar a ignorância era a instrução
pública obrigatória. Citando a França, declara:
Os paizes que têm obtido mais vantajoso resultados no que concerne à
instrução primária, os devem á adopção do systema de ensino
obrigatorio. É um remédio energico, e que o ministro da instrução
publica da França em 1864 assignalou como necessario para curar o
mal inveterado da ignorancia popular, considerando-o como realmente
é, não um onus imposto pelo genio do despotismo, mas pelo da
liberdade (AAPES, 1882, p.322).
Para Moniz Freire, a reforma do ensino deveria ser feita e a obrigatoriedade do ensino
deveria ser mantida, pois, segundo o deputado, seria esse um
[...] dogma essencial, um corollario irrecusavel e immediato, uma das
bases fundamentaes da escóla [positivista] a que me filio, e é
considerada como a questão social de mais alta transcedencia, de
influencia mais decisiva sobre a formação e o funccionamento da
intelligencia e do caracter (AAPES, 1882, p. 164).
Formação do caráter, eis o que se pretende alcançar com a reforma da instrução
pública. Para os deputados, somente com base na escolarização obrigatória é que se poderia
pensar a formação de um cidadão pronto para servir o Estado, um homem pronto para viver
em sociedade e com capacidade de decidir o futuro do País.
Para Moniz Freire, o investimento que a Província do Espírito Santo faria para tornar o
ensino primário gratuito deveria ser acompanhado da sua obrigatoriedade, visto que
acreditava-se que somente com as crianças freqüentado a escola se poderia ter o controle
sobre quais características fariam parte de sua identidade e quais representações sobre a
sociedade fariam parte da sua conduta. Em relação ao sistema que possibilitaria tal formação,
Moniz Freire elucida para os deputados da Assembléia Provincial.
Quizera ver de uma vez desapparecer esse anachonismo e vingado
definitivamente o unico systhema educacional capaz de produzir
transmutações completas á nossa acanhada mentalidade; o systhema á
que mais tarde e vagarosamente hão de chegar a todas as nações;
systema que consiste no doctrinamento total da conducta, a conducta
moral e a conducta intellectual (AAPES, 1882, p. 164).
110
Cont. da nota anterior
ciência” (BARROS, 1959, p. 59).
110
Faz o deputado uma referência ao positivismo ou ao que chama de Escola Positivista. A passagem de um
estágio menos desenvolvido para o Estado Positivo seria, para Moniz Freire, possível com a implantação de
um ensino não abstrato ou idealista que tivesse como fundamento a ciência.
107
Outras vozes se levantam na Assembléia em favor do Projeto n.º 12 de reforma da
instrução pública. Entre elas, destaca-se a do deputado João Aprigio Aguirra (João Aguirra),
membro do Partido Liberal. Para o deputado, a questão da obrigatoriedade à escola primária
era uma tendência a qual muitos países estavam aderindo, pois descobriam que muito maior
contribuição pode dar ao Estado um cidadão ilustrado do que um que possuía pouca ou
nenhuma instrução. Afirma o deputado:
[...] as nações tem se empenhado fórtemente em melhorar e propagar
este ramo dos negocios publicos, a instrucção, por todas as camadas
sociaes tem por objectivo, preparado a mocidade, formar bons
cidadãos para o futuro e que saibam condignamente nos limites
naturaes de suas aptidões prestar-lhes serviços quando d’elles
necessitar (AAPES, 1882, p. 168).
Ao tratar do tema da obrigatoriedade do ensino primário dos jovens de sete a doze
anos, João Aguirra esclarece que, em outros assuntos, o Império usava coerção para obrigar
que determinadas necessidades do Estado fossem supridas pelos cidadãos. Para ele se,
[...] os estados exigem do povo a maior contribuição possivel que é
aquella do sangue, obrigando o concurso dos homens para formar seus
exercitos, que fazem abnegação de suas vidas nos campos de combate,
não é muito que o obrigue a ir a escóla para poder melhor conhecer
seus direitos e deveres (AAPES, 1882, p. 168).
O projeto tramita durante dois meses na Assembléia Provincial, com os deputados
propondo emendas aos artigos, mas não é votado, resiste somente à segunda discussão,
quando, então, é abandonado pelos deputados que estavam elaborando o plano de reforma.
Os debates que antecedem a reforma realizada na gestão do presidente da Província,
Inglês de Sousa, em 1882, ajudam a compreender que o Espírito Santo já vivia um momento
de intenso debate sobre o significado da instrução pública. As discussões não nascem quando
Inglês de Sousa chega ao Espírito Santo. Os debates já existiam, com atores já posicionados e
empenhados em construir um projeto de reforma que pudesse transformar o panorama
educacional da Província. No sexto capítulo será possível perceber como essas discussões que
antecedem a reforma, realizada no governo de Inglês de Sousa, são importantes para se
compreender a construção do regulamento da instrução pública aprovado em 1882.
Pela exposição, é possível perceber que, no Espírito Santo, assim como em outras
regiões do País, o cenário político estava em disputa por dois grupos adversários que
possuíam, como objetivo regular, normatizar e, por intermédio do controle das instituições,
auferir ganhos simbólicos, ou seja, apresentar-se como voz autorizada e com capacidade de
108
autorizar outros a falar. Percebe-se também que as posições assumidas pelos dois deputados,
Eliseu Martins e Moniz Freire, filiados ao Partido Liberal, não eram em tudo compartilhadas
com seus correligionários. Em alguns pontos, membros do mesmo partido possuíam
divergências e posições completamente opostas, podendo-se indagar se seguiam as mesmas
diretrizes partidárias.
Barros (1959), em seu estudo sobre A ilustração brasileira e a idéia de universidade,
relata que é muito difícil precisar a quais idéias os políticos se filiavam. Nominalmente diziam
pertencer a um partido político, mas, em alguns aspectos, divergiam das doutrinas que davam
suporte à agremiação política a que estavam “filiados”. Nesse sentido, o estudo de Barros
(1959) sobre os tipos de mentalidades, ou formas de pensamento que circulavam no Segundo
Império, durante as décadas de 1870 e 1880, ajuda muito a compreender as divergências
dentro de um grupo que dizia seguir as mesmas doutrinas filosóficas.
111
De acordo com
Barros (1959) ao se observar o período que corresponde à ilustração brasileira, é possível
perceber que
[...] Liberais clássicos, formados na escola do direito natural, como
um Lafayettes Rodrigues Pereira, liberais ‘cientificistas’, como um
Silvio Romero, liberais semi-indecisos entre as duas direções, como
até certo ponto o foi Rui, – e mesmo ‘cientificistas’ anti-liberais, como
os positivistas ortodoxos, e até alguns heterodoxos, em múltiplos
aspectos conjugam seus esforços e lutam pelos mesmos fins. No caso
dos liberais clássicos e dos liberais cientificistas o ponto de partida é
diverso – mas o ponto de chegada é quási o mesmo; entre êstes e os
positivistas há um parentesco próximo entre os princípios,
divergências nos fins e concordância freqüente acerca dos meios
(BARROS, 1959, p. 66. grifos do autor).
Na Província do Espírito Santo, pelo modo como estava transcorrendo o debate
relacionado com o Projeto n.º 12, de reforma da instrução pública, pode-se supor que a
discussão duraria um bom tempo, pois, como anunciam os editores do jornal O Horizonte, o
plano elaborado por Eliseu Martins e Moniz Freire foi tão atacado por emendas, que os
deputados preferiram retirá-lo da pauta de discussões. Assim, “[...] pela guerra de exterminio,
que muitos lhe faziam, não teve o projecto, terceira discussão” (O HORIZONTE, n. 42, 1882,
p. 2). Outro fator decisivo para a retirada do Projeto n.º 12 da pauta de discussão foi que a
Assembléia Provincial, com base na Resolução Provincial n.º 31, de 20 de maio de 1882,
passou ao presidente da Província, Inglês de Sousa, a tarefa de conduzir o processo de criação
111
Em um mesmo período, circulam idéias liberais, do cientismo naturalista, do ultramontanismo, do
positivismo e do liberalismo de diversos matizes (BARROS, 1999).
109
do projeto que regulamentaria a reforma da instrução pública. Contudo não sem antes
estabelecer algumas regras para que o projeto fosse elaborado.
Conforme a Lei n.º 31, de 20 de maio de 1882, o presidente ficaria autorizado a tomar
as proveniências para a elaboração do regulamento, desde que respeitasse alguns pontos que
entendiam que deveriam ser observados. Como se pode perceber, houve um processo de
negociação entre os deputados provinciais e Inglês de Sousa, ficando este responsável em
acatar alguns pontos que os deputados acreditavam não deveriam ser secundarizados na
reforma. Entre os pontos, incluíam-se: o respeito que deveria ter em relação ao orçamento
provincial para a instrução pública; os exames de preparatórios que não poderiam ser
suprimidos, pois se constituíam, naquele momento, na possibilidade para o ingresso nas
faculdades do Império;
112
a criação na Província de duas escolas para formação de
professores, uma masculina e outra feminina. Desse modo, a Resolução Provincial n.º 31
delimitava o poder de ação do presidente ao orçamento para a instrução pública ao mesmo
tempo em que buscava manter a estrutura do ensino secundário como local de preparação para
o ingresso nos cursos superiores disponíveis no império, garantido que as matérias estudadas
fossem as que eram cobradas nos exames. Quanto ao ensino normal, que não fosse realizado
como co-educação, mas que fossem designadas escolas diferentes para cada sexo, assim como
suas matérias.
LEI N.º 31
20 DE MAIO DE 1882.
Authoriza a reforma da Instrução Publica.
HERCULANO MARCOS INGLEZ DE SOUZA, Bacharel Formado
em Sciencias Juridicas e Sociaes pela Faculdade de S. Paulo, official
da Imperial Ordem da Rosa, e Presidente da Provincia do Espírito-
Santo etc. etc.
FAÇO saber a todos os seus habitantes que a Assembléa Legislativa
Provincial decretou e eu sanccionei a Resolução seguinte:
Art. 1º. – Fica o Presidente da Provincia authorisado a reformar a
Instrucção Publica da província, não podendo exceder em caso algum,
a verba do orçamento. N’essa reorganisação serão contemplados os
preparatorios necessarios para a matricula nos cursos superiores do
Imperio, e instituidos dous cursos normaes para habilitação de
professores de ambos os sexos.
Art. 2º. – Revogão-se as disposições em contrario.
112
Ver Haidar (1972), em O ensino secundário no império brasileiro.
110
Mando portanto, a todas as authoridades a quem o conhecimento e
execussão da referida resolução pertencer, quem a cumprão e fação
cumprir tão inteiramente como n’nella se contem. O Secretario
interino d’esta Provincia a faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palacio do Governo da Provincia do Espirito-Santo, aos vinte
dias do mez de maio de mil oitocentos e oitenta e dous, sexagesimo
primeiro da Independencia do Império.
Herculano Marcos Inglez de Souza (LEIS, 1882, p. 62-63).
Ao analisar a organização das Câmaras Provinciais no seu Panorama do Segundo
Império, Sodré (1998, p. 93) chega às seguintes conclusões:
Nas assembléias provinciais alterava-se a eloqüência brasileira:
sonora, brilhante e vazia. Constituíam essas câmaras-mirins o palco
apagado e escondido onde ensaiavam o vôo as futuras águias do
parlamento nacional. Um estágio nesse andar térreo do edifício
parlamentar brasileiro ia conferir-lhes desembaraço e ânimo para mais
arriscadas façanhas. A elite dos letrados se alistava nesses entreveros
sonoros e inócuos, em que julgavam resolver não só os destinos da
pátria como os do continente, quiçá os da humanidade. Os tropos
oratórios eram cuidadosamente recolhidos. As imagens anotadas para
o uso futuro. A violência épica das passagens causava o enlevo dos
mais tímidos ou dos mais ignorantes. A palavra entrava no uso de que
só agora começa a se desfazer, de enfeite do mau gosto, de fitinha
amarela para a vacuidade do pensamento dessa elite quase parasitária
que se insinuava pelos cargos públicos, que se apegava ao organismo
burocrático nacional, que se infiltrava no arcabouço político do país e,
como as traças, ia derrocá-lo no momento mais favorável.
Para Sodré (1998), as Assembléias Provinciais eram locais utilizados apenas como
lugar de preparação ou de palco para futuras atuações parlamentares. Essa análise não ajuda a
compreender as posições assumidas por alguns desses atores perante algumas questões do seu
tempo. Marc Bloch (2001) alerta sobre a operação histórica que possui mais a intenção de
condenar do que compreender. Para o autor (2001, p. 126), “[...] para penetrar uma
consciência estranha separada de nós pelo intervalo das gerações, é preciso quase se despojar
de seu próprio eu”. Visto ser impossível um lugar de neutralidade, compreender significa
investigar o que queriam, realmente, os homens em determinado período da História e como
se comportavam em frente às questões do seu tempo. Nesse sentido, os debates parlamentares
deixam de ser aquele lugar chato, vazio e repetitivo, formado fundamentalmente pela
“vacuidade” de pensamento da elite, considerada, por Sodré (1998), parasitária.
111
Diferente da análise de Sodré (1998),
113
e como foi possível perceber neste capítulo, o
exame dos debates realizados nas Câmaras de deputados provinciais pode revelar muito sobre
as formas de organização discursiva utilizadas em determinado período da História. Os
debates podem indiciar os modos como os homens públicos projetavam a sociedade, sobre as
apropriações/transformações e usos que faziam das informações/representações, em situações
determinadas, do que estava circulando entre uma comunidade letrada. Nesse sentido, os
discursos proferidos por esses homens que habitam estrategicamente locais de poder não
podem ser compreendidos apenas como exercício de uma retórica vazia, ou de diletantismo.
Pelo contrário, os discursos são cheios de sentidos e informam sobre as lutas de
representação, sobre o modo como eles faziam reconhecer e produziam uma identidade social,
como marcavam de modo perpétuo a existência de grupos com formas diferenciadas de
classificar, delimitar e articular um modo de impor uma certa concepção do mundo, seus
valores e seu domínio.
114
Conforme alertam Nunes e Carvalho (1993), cabe ao olhar escolher como ver. Assim,
os debates parlamentares podem ser muito mais do que um lugar vazio de sentido. Eles
podem dar a ver as reações, apropriações, transformações e usos diferenciados que os homens
faziam da cultura a que estavam envoltos. Desse modo, os discursos proferidos no Parlamento
devem ser interpretados como pistas, sinais ou vestígios
115
que apontam um modo específico
de representar o mundo, mas também como práticas de representação que amarram os
sentidos do enunciado com os mecanismos de recepção, concedendo aos temas em voga
aspectos de verdade inquestionável.
Com a posse do novo presidente os deputados da Província do Espírito, sessam as
discussões em torno do Projeto n.º 12, de reforma da instrução pública, e entregam ao recém
empossado administrador a tarefa de produzir o regulamento. Mas quem era esse novo
presidente para merecer tal incumbência? O que o legitimava como administrador e
reformador da instrução pública? Quais eram as suas experiências em relação à instrução
pública? Nos próximos capítulos do estudo buscarei responder a esses questionamentos e, ao
113
A obra Panorama do segundo império, de autoria de Sodré (1998), foi escrita originalmente em 1939 e,
conforme os editores responsáveis por sua segunda edição, “[...] segue, integralmente, o texto da primeira
[...]. Procedeu-se apenas à atualização ortográfica, corrigindo-se erros eventuais de revisão” (GHAPHIA,
1998, p. 7).
114
Ver Chartier (1990) em A história cultural: entre práticas e representações e também Chartier (1991) o
mundo como representação.
115
De acordo com Bloch (2001, p. 73), “Como primeira característica, o conhecimento de todos os fatos
humanos no passado, da maior parte deles no presente, deve ser [segundo a feliz expressão de François
Simiard,] um conhecimento através de vestígios”. Ver também Ginzburg (1999), na obra Mitos, emblemas,
sinais: morfologia e história.
112
mesmo tempo, compreender a circulação dos modelos pedagógicos, as lutas de representação
em torno da forma escolar para a formação dos professores, para as escolas primárias do
Segundo Império.
No capítulo a seguir serão analisados os debates na Assembléia Provincial de São
Paulo. Momento em que Inglês de Sousa, eleito deputado, procura argumentar sobre a
necessidade de reabrir a escola normal da Província, momento também que torna possível
compreender as lutas de representação em torno da questão da reforma da instrução pública.
113
3 CAPÍTULO
A ESCOLA NORMAL DE SÃO PAULO: MODELOS PEDAGÓGICOS
EM CIRCULAÇÃO – REPRESENTAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO DOS
PROFESSORES
Inglês de Sousa ainda não foi colocado em evidência no cenário educacional. Sua
contribuição, projetos e debates ainda não foram analisados de forma mais profunda.
116
Se, no
campo da educação ele ainda não foi compreendido, no campo da literatura, sua produção está
sendo cada vez mais utilizada como fonte e objeto de análise, notadamente por Leite (2002),
que faz uso da literatura como fonte para entender o panorama social e político do Estado do
Pará, sobretudo da região amazônica em fins do século XIX.
Barreto (2003) também é outro pesquisador que utiliza a obra literária de Inglês de
Sousa para compreender, com base em uma análise socioantropológica, o modo de vida da
sociedade cacaueira amazônica, no terceiro quartel do século XIX.
Na crítica literária, pode-se perceber, durante o século XX, alguns autores que
buscaram compreender a literatura brasileira atribuindo a Inglês de Sousa o título de
introdutor do naturalismo, no romance produzido no Brasil, com a publicação, em 1876, de O
Cacaulista, romance ambientado, em 1866, na região amazônica.
117
Josef (1963), explicando o contexto da produção literária de Inglês de Sousa, analisa
que o interesse de Inglês de Sousa pela literatura de cunho naturalista se desenvolveu por
116
Com exceção do estudo desenvolvido por Novaes (2001), que, em um dos capítulos de sua tese, analisa a
reforma da instrução pública conduzida por Inglês de Sousa, no Espírito Santo, no ano de 1882, outras
pesquisas não foram localizadas, no campo da História da Educação, que tenham focalizado o papel
desempenhado pelo reformador durante o Segundo Império.
117
De acordo com Josef (1963, p. 11), o campo literário deve a Lúcia Miguel Pereira “[...] a renovação dos
estudos sobre Inglês de Sousa e a constatação de que foi pioneiro do realismo no Brasil”. Até os [trabalhos de
Lúcia Miguel Pereira em 1945] emrno do romancista [Inglês de Sousa], julgava-se Aluísio de Azevedo o
iniciador daquele movimento, quando, á aparição do Mulato (1881), já havia Inglês de Sousa publicado
Histórias de um Pescador, O Cacaulista e o Coronel Sangrado. Hollanda, ao prefaciar a terceira edição de O
Missionário, em 1946, credita também a Inglês de Sousa a introdução do naturalismo como estilo literário no
Brasil. O mesmo acontece com Sodré (1960), ao escrever História da literatura brasileira: seus fundamentos
econômicos, e com Amora (1974) ao produzir a obra História da Literatura Brasileira. Os autores são
enfáticos em afirmar as circunstâncias que levaram Inglês de Sousa ser ignorado pela crítica literária. Para
eles, os leitores em geral, ainda não estavam preparados para absorver as idéias e referências estéticas
contidas nos romances produzidos pelo autor, pois estavam mais acostumados com a escola romântica e suas
figuras. As fatalidades com as quais se envolviam os personagens descritos por Inglês de Sousa, a ausência
de finais felizes, a excessiva minudência dos ambientes e dos costumes, mais próximo de um estudo
antropológico da vida dos personagens do que do romance fez com que muitos leitores não se sentissem
114
haver a percepção de que esse gênero literário possibilitava rever as formas consolidadas para
se explicar o Brasil. Assim, para Josef (1963), o processo literário fundamentado na estética
naturalista correspondia a uma atitude “[...] realista diante da vida, ao embate de novas idéias
suscitadas pelo progresso científico e industrial do século XIX, enquadra-se no movimento
racionalista da segunda metade do século Comte e Claude Bernard que orientaram de maneira
decisiva os espíritos” (JOSEF, 1963, p. 8).
Diante do panorama político e cultual que se formou no final do século XIX, os
romances produzidos por Inglês de Sousa representavam na literatura, segundo Josef (1963),
um período de transformação não só dos novos esquemas de compreensão e explicação da
realidade, mas também da consolidação de um novo grupo de intelectuais, segundo Josef
(1963), formado por bacharéis,
[...] engenheiros, militares, médicos, [por intermédio dos quais] irá
surgir o movimento positivista no Brasil, que assumirá atividade
científica para interpretar o mundo. No nôvo clima intelectual de
debate de idéias, conceitos tradicionais e novos se justapõem. Prepara-
se a separação da Igreja e do Estado, realizada após a proclamação da
República (JOSEF, 1963, p. 9).
Ao descrever as características do Naturalismo, Barreto (2003), declara que o
Naturalismo pode ser compreendido como uma forma de Realismo por aprofundar ou
exagerar a abordagem realista com a finalidade de transformar a literatura em uma forma de
ciência e em documentário que buscava ser o mais fiel à realidade.
118
Ao analisar os romances escritos por Inglês de Sousa com a finalidade de compreender
o retrato que ele buscou produzir da sociedade de sua época é possível perceber que o tema da
instrução aparece algumas vezes nas suas descrições. Em o Cacaulista, Inglês de Sousa,
expõe, aos leitores de sua obra, que a maioria das famílias não se preocupavam em dar a seus
filhos nem mesmo a instrução elementar. Contando a história de Miguel Fernandes, filho de
um plantador de cacau da região de Óbidos, relata que o menino já com doze anos passava os
seus dias andando nu pelas margens dos rios e trepado nos galhos da arvores. Segundo o
autor,
Cont. da nota anterior
atraídos pelos seus escritos.
118
Conforme Josef (1963), esse era o tom dado ao romance que passa da caracterização de subjetivo para
objetivo, de abstrato para científico. Ciência fundamentada no positivismo, evolucionismo, no dawinismo e
no racionalismo. “Foi com êste patrimônio de idéias que Inglês de Sousa iniciou sua carreira de escritor e
romancista” (JOSEF, 1963, p. 11).
115
[...] enquanto seu pai viveu foi Miguel criado a lei da natureza, nunca
conseguira o padre licença de João Faria para ensinar sequer uma
palavra latina ao sobrinho, o português, como homem ignorante que
era votava profundo desprezo às letras, e costumava dizer que o cacau
para crescer, e o gado para produzir não precisavam de padres nem de
doutores (SOUZA, 1973, p. 4).
O padre da cidade de Óbidos, que era irmão da mãe de Miguel, estava resolvido a dar
educação ao rapaz e já não havia quem o impedisse. Assim foi Miguel, a contragosto, levado
para a cidade a fim de ser instruído. Narra Inglês de Sousa que “[...] o padre soube convencer
a irmã da utilidade de levar o sobrinho para Óbidos, e ainda que isto custasse muito à viúva, e
o filho berrasse como um endemoninhado, lá se foi o padre todo ufano com a sua presa, a
caminho da cidade” (SOUZA, 1973, p. 4). Assim por mais de três anos esteve Miguel “[...] na
companhia do tio; o padre esforçava-se na sua educação, fazia-o ajudar nas suas missas, e não
esquecia a palmatória para moderar o gênio indócil do sobrinho. [O padre] José Fernandes
prezava-se de saber quebrar gênios” (SOUZA, 1973, p. 5).
Miguel não agüentando a severidade da instrução que recebia, fugiu da companhia do
tio e retornou para a fazenda de cacau de onde tinha sido levado. Desse modo, segundo Inglês
de Sousa (1973), volta o rapaz a viver em liberdade, em contato com a natureza e a ser
comandado por seus instintos, até sofrer uma decepção amorosa, a qual o faz abandonar a
região do cacau e partir para a cidade de Belém, Capital do Pará.
Em seu próximo romance O coronel sangrado: cenas da vida do Amazonas, Inglês de
Sousa (1968), apresenta um novo Miguel Fernandes. Na sua volta para Óbidos ele está
mudado, era uma pessoa muito diferente daquela que tinha sido na sua infância. Partiu de sua
cidade disposto a se vingar, “Mas pouco a pouco, com o viver da capital, foram-se-lhe
modificando as idéias, à medida que se ia ilustrando mais o seu espírito [...]. Queria esquecer
as injúrias recebidas. Era isto efeito do poderoso impulso da civilidade, que lhe alargava a
órbita estreita das idéias.” (SOUZA, 1968, p. 44). Fruto das leituras que havia realizado no
período que trabalhou como caixeiro, Miguel Fernandes, agora se considerava um homem
ilustrado, civilizado que não podia mais deixar se guiar pelos instintos, “Homem ilustrado
hoje, ele abjurava as mesquinhas idéias de outras eras” (SOUZA, 1968, p. 43).
Conforme Barreto (2003), o choque entre a civilidade e a matutice, é um tema
abordado em toda a obra de Inglês de Sousa. A idéia de uma natureza humana que precisa ser
controlada, reprimida e dominada pelo poder das “luzes”. Uma educação que exerça uma
força contrária aos instintos naturais, que ilustre pelo conhecimento, para Inglês de Sousa, em
116
seus romances, é a possibilidade de o saber adquirido agir como elemento civilizatório que
modifica as idéias e também o comportamento.
Ao conceder uma entrevista sobre os autores que contribuíram para que seguisse o
caminho da estética naturalista, fica-se sabendo, pelo relato de Josef (1963), algumas das
leituras que Inglês de Sousa compreendia como significativas em sua formação. Declara Josef
(1963, p. 13): dos autores por ele lidos, “[...] sabermos que Renan abalou-o e, em entrevista
concedida a João do Rio, afirma: ‘Os autores que contribuíram para a minha formação
literária foram Erkmann-Chatrian, Balzac, Dickens, Flaubert e Daudet’”. Os autores que
analisaram a obra literária de Inglês de Sousa não trazem muitas informações sobre os estudos
ou amizades de Inglês de Sousa no período em que esteve em Pernambuco, ou em São Paulo.
Mas uma pista sobre suas relações pode ser encontrada no estudo de Nascimento (1999), A
cultura ocultada ou a influência alemã na cultura brasileira durante a segunda metade do
século XIX. Conforme o autor, ao se estudar o que passou a ser denominado como Escola de
Recife, movimento intelectual liberado, na década de 1870, por Tobias Barreto e Sílvio
Romero, alguns nomes não menos importantes devem ser relacionados ao grupo, entre eles:
Artur Orlando, Clóvis Beviláqua, Fausto Cardoso, Castro Alves, Celso de Magalhães,
Capistrano de Abreu, Franklin Távora, Carneiro Vilela, Domingos Olímpio, Luiz Guimarães,
Plínio Lima, Souza Pinto, Santa Helena Magno e também Inglês de Sousa.
119
Octávio Filho (1955, p. 21) ao produzir uma pequena biografia de Inglês de Sousa,
declara que em sua estada em Recife, o estudante, “Foi morar numa república de estudantes,
onde teve como companheiros Bertino de Miranda, os irmãos Bezerra, – Antônio, Demétrio e
Victor, além de Honorato Correa de Miranda – todos mais ou menos tocados pelos ideais do
século, materialistas, racionalistas e pretendidamente ateus”. Já Lins (1967) ao estudar A
História do Positivismo no Brasil, analisa que Inglês de Sousa foi um dos bacharéis formados
em Recife e São Paulo que foram influenciados pelo Positivismo e que aderira à doutrina de
Comte.
119
Um documento que fornece pistas e faz projetar a possibilidade de as relações construídas por Inglês de
Sousa, durante sua passagem pela Faculdade de Direito de Recife, terem permanecido após sua transferência
para a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco é o relatório que produziu no momento de deixar o
cargo de presidente da Província de Sergipe, em 1881. Nesse documento, relata o fato de, em sua
administração, ter convidado para professor da cadeira de Gramática, Língua e Literatura Alemã do Liceu
Sergipano e para diretor da instrução pública de Sergipe Tobias Barreto, o qual não aceitou. As razões para
Tobias Barreto não ter aceitado o cargo não são relatados, mas a proposta indica que havia entre estes uma
certa proximidade. Ver Sousa (1882) no relatório em que passou a administração da Província de Sergipe
para José Joaquim Ribeiro de Campos, primeiro vice-presidente, em 22 de fevereiro de 1882.
117
No quarto ano do curso de Direito, deixou Inglês de Sousa Pernambuco e transferiu-se
para a Faculdade de Direito de São Paulo,
120
local onde conclui o último ano de sua formação,
recebendo, ao final, o grau de bacharel.
121
Como se pode perceber, seja pelas idéias que adotou em seu processo de formação,
seja pelas reapresentações expressas em seus romances, o tema da instrução pública é
problema fundamental para Inglês de Sousa e indiciam a atuação política direta que este teve,
tanto na assembléia paulista, quanto como presidente de Província em Sergipe e no Espírito
Santo.
A seguir o estudo buscará compreender um pouco mais sobre Inglês de Sousa, e ao
mesmo tempo analisará a circulação dos modelos de formação de professores que, nos anos
finais do Segundo Império, concorriam como padrões que deveriam ser seguidos, copiados e
apropriados como referência para se reorganizar a instrução pública.
Como deputado provincial, em 1880, entre as participações que tem na Câmara
Provincial, Inglês de Sousa, apresenta, defende, justifica e ataca projetos que não coadunavam
com seus interesses para a instrução pública. Mas como poderá ser percebido o que estava em
jogo não era apenas a instrução pública Estava em pauta todo um novo esquema de
interpretação da realidade brasileira, seu passado, seu presente e o que ele poderia se tornar no
futuro. Estava se discutindo um outro modelo para o Império, formas com que o Estado
poderia ser atualizado e se tornar sincronizado com o pensamento do período em que estavam
vivendo. Um projeto de civilidade que passava pela reorganização da escola de formação de
professores e pela escola primária oferecida pela monarquia.
Serão analisados, a seguir, os debates em que Inglês de Sousa tomou parte, na
Assembléia Provincial de São Paulo, o que ele compreendia como a função do ensino normal,
da escola primária e qual modelo deveria ser adotado no processo de reabertura da Escola
Normal, de São Paulo. Os momentos dos debates sobre a reabertura da escola normal e sobre
os subsídios financeiros aos colégios Culto à Ciência e ao Bom Conselho, são situações em
120
O exame do estudo produzido por Adorno (1988), Aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política
brasileira, principalmente em busca de indícios da passagem de Inglês de Sousa pela Faculdade de Direito de
São Paulo, não se revelou produtivo em relação ao primeiro objetivo, uma vez que o autor centra a atenção
em sua análise em intelectuais que realizaram todo o curso naquela escola, caso em que não se enquadra
Inglês de Sousa. Ao consultar os arquivos da Faculdade de Direito de São Paulo, nada foi encontrado
relacionado com a passagem de Inglês de Sousa pela instituição, em conseqüência de os arquivos referentes
aos anos anteriores a 1880 terem sido destruídos por um incêndio. Tal calamidade é relatada por Martins e
Barbuy (2000), pesquisadoras que estudaram a história da instituição desde a sua criação, em 1827, até o ano
de 1997.
121
Nesse meio tempo, escreveu e publicou, já em São Paulo, Histórias de um pescador e o Coronel sangrado,
livros que davam continuidade à sua primeira criação, O cacaulista, completando o objetivo proposto de
escrever a série denominada Cenas da vida amazônica.
118
que é possível compreender o entendimento que Inglês de Sousa possuía sobre a educação
escolarizada e se constitui também na oportunidade para se entender as lutas de representação
entre modelos pedagógicos que circulavam naquela região.
119
3.1 A reforma da instrução pública em discussão: a escola normal e a
formação dos professores
Eleito deputado para a Assembléia Provincial de São Paulo em 1879, Inglês de Sousa
passa, de forma sistemática, exercer o seu mandato como representante do Partido Liberal e a
tomar decisões tendo como linha mestra as idéias liberais sobre o significado do Estado
Imperial e a melhor maneira de modernizá-lo, colocando-se, assim, na linha de frente do
embate político entre os dois grupos que lutam pelo poder. Essa luta como será possível
perceber ao longo do estudo, não está restrita apenas a São Paulo, mas acompanha Inglês de
Sousa às outras províncias em que vai exercer cargos públicos.
No ano de 1880, Inglês de Sousa passa a ocupar uma cadeira de deputado provincial
em São Paulo. Nesse ano, fez uma defesa de projeto que proporciona elementos para
compreender a sua relação com a instrução pública e as representações que possuía a respeito
desse ramo da Administração Pública, a circulação dos modelos pedagógicos e os embates
entre diferentes projetos.
122
Inglês de Sousa discursa sobre o tema da instrução pública, como deputado, em alguns
momentos: primeiro quando defende o projeto de reabertura da Escola Normal, quando
discute o subsídio financeiro a escolas particulares
123
No período em que Inglês de Sousa discute o regulamento que subsidiaria a reabertura
da Escola Normal na Província de São Paulo, é possível perceber diferentes projetos sobre a
instrução pública circulando e sendo debatidos na Assembléia Provincial dessa cidade. Barros
(1959), discutindo as características da Ilustração Brasileira, analisa que nas décadas de 1870
e 1880, era lugar-comum, entre os discursos dos políticos e intelectuais, o pensamento de que,
para o Brasil se transformar em um país desenvolvido, o caminho necessário seria o
derramamento de “luz” sobre os brasileiros com a escola. Assim, para o autor (1959, p. 23),
havia a “[...] crença generalizada, no período, que um país é o que a sua educação o faz ser”.
122
O acesso aos debates é realizado com base na leitura e análise dos Annaes da Assembléa Legislativa
Provincial de São Paulo do ano de 1880 e do jornal A Província de São Paulo do ano também de 1880.
123
Colégio Culto à Ciência, de Campinas, e ao Colégio Bom Conselho, de Taubaté. Inglês de Sousa debate
outras propostas encaminhadas pela câmara de deputados, mas não estão relacionados com a instrução
pública, como o caso da contratação de trabalhadores chineses com a finalidade de substituir a mão de obra
escrava nas lavouras de café de São Paulo e a construção e melhorias de estradas, mas não serão foco de
análise no estudo, apesar de fornecerem elementos para se compreender o projeto liberal que é defendido por
Inglês de Sousa.
120
Um dos debates que é capaz de oferecer elementos para compreender como circularam
e foram apropriadas as propostas de escolarização e formação de professores é o que é
realizado na Assembléia Provincial de São Paulo no ano de 1880. Nos confrontos entre os
parlamentares representações, compartilhadas e em luta, sobre o melhor modelo para se
formar o professor, são feitas circular como meio para convencer os adversários ou ganhar
simpatizantes para a causa que era propugnada.
Se havia a crença generalizada de que o país é aquilo que a educação o faz ser, ao que
parece, não havia consenso em relação a quais dispositivos adotar e quais estratégias
deveriam ser implementadas para que as aspirações de um país moderno fossem concretizadas
com a escola.
Desenvolve-se, de acordo com Barros (1959, p. 22-23), entre as décadas de 1870 e
1880, “[...] a crença absoluta no poder das idéias, a confiança total na ciência e a certeza de
que a educação intelectual [...] [era] o único caminho legitimo para melhorar os homens, para
dar-lhes um destino moral”.
Para Barros (1959), no final do século XIX, é possível perceber um panorama
composto por mentalidades, pode-se dizer, de trocas culturais, em que se pode observar:
[...] ‘cientificistas’ anti-liberais, como os positivistas ortodoxos, e até
alguns heterodoxos, em múltiplos aspectos [...] [conjugando] seus
esforços e [...] [lutando] pelos mesmos fins. No caso dos liberais
clássicos e dos liberais cientificistas o ponto de partida é diverso –
mas o ponto de chagada é quase o mesmo; entre êstes e os positivistas
há um parentesco próximo entre os princípios, divergências nos fins e
concordância freqüentemente acerca dos meios (grifos do autor).
Essas variações e proximidades, na forma de representar o mundo e propor caminhos a
serem seguidos, apontadas por Barros (1959), podem ser percebidas na leitura dos debates
parlamentares em relação à instrução pública.
Nos debates parlamentares, é possível perceber um conjunto de representações sobre o
significado da escolarização que incidem sobre a definição dos saberes que deveriam ser
transmitidos nas escolas de primeiras letras e sobre a formação dos professores que atuariam
nessas instituições de ensino.
Um dos caminhos propostos para a formação dos professores é a reabertura da Escola
Normal de São Paulo, mas, nesse caso, faltava também consenso sobre qual modelo de escola
121
normal adotar.
124
Nóvoa (1991) ao estudar a mudança Do mestre escola ao professor do
ensino primário relata que a gênese e o desenvolvimento do modelo escolar constitui um
longo percurso em que houve um jogo complexo de relações sociais e de modificações das
representações sobre a profissão docente e que a estabilização da forma escolar para a
formação dos professores se realiza quando a intervenção estatal provoca a sua
homogeneização. Mas até se chegar a esse estado muitas foram as discussões sobre qual
modelo deveria ser o adotado, um dos motivos é que está sendo transferido a autoridade de
um campo de influência para outro. No caso das crianças que deveriam ser ensinadas é a
diminuição da influência da família, já no caso dos professores é o poder da Igreja e suas
interdições sobre quais conhecimentos eram permitidos aos professores. Dessa forma, o que
se percebe é o aumento do poder do estado, tanto em relação ao ensino primário e nas
instituições formadoras de professores.
O processo de transição entre as representações, o período em que está sendo decidido
o modelo que seria adotado é um momento propício para compreender as propostas que estão
circulando e sendo debatidas por intelectuais e políticos que buscam se auto-afirmar como voz
autorizada sobre o tema da instrução pública. Desse modo, foco o olhar para as práticas de
representação produzidas nos debates parlamentares, para compreender além do modelo que
se torna vencedor aqueles que são oferecidos como opção ao empreendimento de tornar o
Brasil um país moderno com base na escolarização.
Para o estudo, esse processo configura-se como decorrente das lutas de representações
pela imposição da “melhor” fórmula para habilitar professores para as escolas de primeiras
letras. Durante meados do século XIX, havia a concorrência de diferentes modelos
124
No Brasil, a criação das escolas normais está vinculada ao Ato Adicional de 1834, que transfere para as
províncias a obrigação de criar e manter as instituições de ensino primário, normal e secundário, reservando
para o Estado apenas a atribuição de criar e legislar sobre as instituições de ensino superior. Após a
regulamentação, foram criadas as escolas normais das províncias do Rio de janeiro (Niterói) em (1835), na
Bahia (1841), em Minas Gerais (1840) e em São Paulo (1846). No Ato Adicional de 1834, a Constituição
Brasileira de 1822, nos arts. 9º e 10º, o Estado Imperial determinava que seria da competência das províncias
organizar a instrução pública. Nesse dispositivo, prescrevia-se o seguinte: “Art. 9. Compete ás Assembléas
legilativas provinciaes propôr, discutir e deliberar, na conformidade dos arts. 81, 83, 84. 85, 86, 87 e 88 da
Constituição. Art. 10. Cumpre ás mesmas Assembléas legislar: sobre a divisão civil, judiciaria e ecclesiastica
da respectiva provincia, e mesmo sobre a mudança da sua capital para o lugar que mais convier. Sobre
instrucção publica e estabelecimentos proprios a promovê-la, não comprehendendo as faculdades de
medicina, cursos juridicos, academias actualmnente existentes, e outros quaesquer estabelecimentos de
instrucção que para o futuro fôrem creados por lei geral” (RODRIGUES, 1863, p. 170-171). Rodrigues
(1863, p. 171) comentando as atribuições das Assembléias Provinciais, declara: “Não entra nas attribuições
da Assembléas provinviaes conferir a alunmos do lycêo o gráo de bacharel em letras, dando-lhes preferencia
para os empregos públicos provinciaes; 1º, porque a concessão de titulos, honras e distincções não são de sua
attibuição; 2º, porque habilitando aquelle gráo para a matrícula nos estudos da Universidade que se projecta,
o mesmo gráo representará maior ou menor instrucção, conforme o arbitrio das Assembléas na designação
das materias precisas para a sua collação”.
122
pedagógicos que apontavam diversos caminhos para se formar os docentes para as escolas
primárias. A idéia de que seria a escola normal o espaço que melhor serviria para esse
objetivo ainda não estava consolidada, pois havia experiências educativas realizadas dentro e
fora do Brasil que demonstravam que outros modelos eram possíveis e oferecidos como mais
rápidos e menos dispendiosos para os cofres públicos.
125
Ao analisar os debates que são desenvolvidos na Assembléia Provincial de São Paulo,
com base nos Annaes da Assembléa Legislativa Provincial de São Paulo (AALPSP), é
possível perceber o embate de diferentes projetos civilizatórios com base na cultura escrita,
distintas concepções pedagógicas colocadas como solução para o problema da falta de
professores para as escolas primárias e diferentes saberes oferecidos como os que melhor
capacitariam os professores para a atuação docente. Enfim, diferentes modelos culturais em
circulação propondo formas escolares, à primeira análise, muito parecidas, mas com
composições e finalidades bem diversas.
Em 6 de abril de 1880, entra em discussão o Projeto 274, substitutivo ao de número 7,
que passava a autorizar o governo da Província de São Paulo a abrir uma escola normal e dar-
lhe um regulamento.
O primeiro a se pronunciar a respeito do projeto foi Inglês de Sousa. Para o deputado,
o projeto que entrava em votação era um substitutivo de um projeto seu, que havia passado
pela Comissão de Instrução Pública, formado pelos deputados, J. Romeiro, Brotero e Ferreira
Braga, para dar parecer.
Conforme Inglês de Sousa, era seu dever justificar e defender o projeto anterior, uma
vez que foram suas idéias atacadas e “[...] censuradas na imprensa como fructo da
precipitação, e da falta de exame da questão” (AALPSP, 1880, p. 396).
Ao analisar o projeto substitutivo, Inglês de Sousa afirma que um é exatamente
contrário ao outro. Assim, seria necessário justificar as restrições colocadas no projeto
original, pois era “[...] filho de um systhema que [...] pareceu bem pensado, em relação ás
materias do ensino no curso normal” (AALPSP, 1880, p. 396).
Dirigindo-se ao presidente da Assembléia Provincial, o Sr. Dr. Paula Souza,
argumenta que existiam alguns pontos que deveriam ser observados no substitutivo. Desse
modo, elege aqueles que considera os mais urgentes para se debater a questão.
125
Um deles, o sistema de professores adjuntos, consistia em empregar aprendizes como auxiliares de
professores em exercício, de forma a prepará-los para o desempenho da profissão docente. A aprendizagem
do futuro docente consistia na observação do comportamento de um professor mais experiente e das técnicas
didático-pedagógicas empregadas para o ensino dos alunos. Esse sistema, apesar de oferecer baixíssimos
custos para as províncias, trazia o inconveniente da impossibilidade de controle e do que era mais desejável,
123
Farei, sr. Presidente, consistir a defesa do projecto da nobre
commissão, visto como um é exactamente o contrario do outro.
As idéas contidas em um, são radicamente oppostas ás contidas em
outro. Nesse intuito encararei o substitutivo sob diversos pontos de
vista, já em relação á extensão e qualidade do ensino, já em relação à
duração do curso, já em relação á divisão das materias por anno.
Fallarei das lacunas que encontro no projecto substitutivo e do seu
preço (AALPSP, 1880, p. 396).
Começa debatendo sobre a questão da extensão do curso normal e das matérias que o
compunham. De acordo com Inglês de Sousa, um ponto que separava seu projeto do que
estava sendo oferecido como substitutivo residia no fato de como ele percebia o ensino e no
modo como a comissão entendia a questão. Ele fazia uma profunda diferença entre o ensino
normal e o ensino secundário. Para Inglês de Sousa, a comissão “[...] pelas disposições do seu
projecto, parece confundir um com o outro” (AALPSP, 1880, p. 396).
Inglês de Sousa estabelecia profundas diferenças entre o ensino ministrado na escola
normal e o das demais modalidades de ensino. Para ele, duas eram as características principais
que deveriam ficar claras, quando se projetassem os objetivos associados ao ensino normal.
Uma delas era o limite dos anos de estudos que se deveria estabelecer como necessário à
preparação do futuro professor; a outra se relacionava com o grau de profundidade dos
estudos dos alunos e com a quantidade de matérias oferecidas no curso.
Referindo-se ao ensino normal, Inglês de Sousa declara que “Ministrar aos alunos uma
instrucção solida e limitada, eis a missão de uma escóla normal bem organisada; e para que
este ensino seja bastante profundo e possa produzir verdadeiros professores, é indispensavel
que seja limitado” (AALPSP, 1880, p. 396).
Dirigindo-se aos deputados da Assembléia e aos membros da Comissão de Instrução
Pública, esclarece que um ponto atacado em seu projeto se relacionava com a intenção de
diminuir para quatro o número de cadeiras que compunham o curso normal. Não fazia isso,
conforme sua justificativa, por desconhecimento, precipitação ou falta de estudos, mas “[...]
propositadamente, porque [...] [entendeu] que tratando-se de professores, era preciso ensinar-
lhes o que mais tarde deveriam ensinar aos seus alumnos” (AALPSP, 1880, p. 396).
Haviam sido mal interpretadas suas idéias, segundo o autor, pois o que tinha projetado
não era outra coisa senão uma Escola Normal Primária. Chamando em seu favor a legislação
da Província, esclarece que as leis que regravam a instrução pública apontavam que ela
deveria ser bem determinada, o que significava que deveria se diferenciar das outras
Cont. da nota anterior
uma formação homogênea para o corpo de professores públicos.
124
modalidades de ensino. Nessas condições, pergunta aos membros da comissão: “[...] O que
deve fazer o legislador que trata de organizar uma escola nestas condições?” (AALPSP, 1880,
p. 396).
Ele mesmo responde ao questionamento afirmando que deveriam “Ter em vista, e é
essencial este ponto, as materias que formam o ensino elementar do paiz” (AALPSP, 1880, p.
396).
Outra questão é direcionada à Comissão de Instrução Pública, quando Inglês de Sousa
inquire que pensem sobre o papel do ensino normal. Assim pergunta o autor aos deputados:
“Qual a missão da escóla normal entre nós?” (AALPSP, 1880, p. 396). Novamente responde
ao questionamento e argumenta sobre o que, para ele, deveria ser levado em consideração ao
se observar o objetivo do ensino normal.
Criar professores que posam ensinar as materias elementares aos que
iniciam a sua carreira litteraria. Sob este ponto de vista é claro que
toda e qualquer materia que se introduz no ensino normal, sem ser da
ordem das que lhe são essenciais, será pelo menos dispensável, e a
escóla normal, como já disse alguém, só deve occupar-se de materias
indispensáveis. Temos um exemplo no nosso paiz. As faculdades
superiores do império, pela grande extensão que se tem dado ao
ensino, hão produzido effeitos contrarios ao que se desejava. Vemos
dessas faculdades sahir grande numero de alumnos que tendo uma
tintura geral das materias que estudam, não conhecem profundamente
nenhuma dellas, e são incapazes, muitos, logo que deixam os bancos
da academia, de exercerem a profissão para que estudaram 5 ou 6
annos.
Principalmente nas academias de direito temos visto constantemente
que o ensino de materias inuteis, algumas até ridiculas,
sobrecarregando a intelligencia do alumno, tem trasido como
consequencia, apenas uma illustração superficial (quando essa mesma
existe) e incapaz de produzir os fructos que todo homem sensato deve
ter em vista (AALPSP, 1880, p. 396-397).
Inglês de Sousa é bem incisivo em suas posições, quanto à formação dos professores
para as escolas primárias. Para ele, não se deveria ensinar o que não seria utilizado pelo
professor em sua prática docente. Chama a atenção para um fenômeno que estava observando
nas escolas superiores de Direito e Medicina do País. Segundo o autor, essas instituições não
teriam um fim determinado, qual seja, habilitar os alunos a uma profissão certa, ou o emprego
único daquilo que se aprendia nos bancos escolares.
Interpelando o presidente da Assembléia, expressa seu receio de que a comissão não
tenha compreendido a finalidade do ensino normal. Conforme o autor, com o substitutivo
apresentado para votação prevendo apenas dois períodos para o curso, não seria possível
125
habilitar professores para ensinar, porque estes ainda não teriam aprendido com profundidade
os conteúdos que deveria ensinar. Para eles, os professores teriam apenas,
[...] algumas noções das materias que estudaram, [...] [o que os
tornariam] completamente ineptos para ensinal-as. Não é este o
resultado que podia ter em vista a illustrada commissão, apresentando
o seu parecer, porque deve saber que a escóla normal é creada para
formar professores de certas e determinadas materias, e portanto sob
este ponto de vista é que devia firmar-se a base do estudo, procurar
estabelecer o ensino em ordem a produzir um resultado seguro e
illustrar o professor tanto quanto possivel, nas materias que tem de
ensinar (AALPSP, 1880, p. 397).
Esclarece à comissão que não era contra o professor possuir ilustração. Entende que
uma ilustração maior pode ser proveitosa aos futuros mestres, mas, para isso, compreende que
seria “[...] indispensavel que tivessem conhecimentos seguros das materias que ia ensinar, e
que estas noções geraes sobrecaregando a intelligencia do professor, não viessem prejudicar o
ensino das materias essenciaes” (AALPSP, 1880, p. 397).
Um ensino que tivesse por finalidade a ilustração do futuro profissional, para Inglês de
Sousa, era essencial, desde que sua carreira estivesse voltada para as profissões liberais.
Direcionando sua fala ao presidente da Assembléia, afirma:
Eu sei, sr. presidente, que para o homem politico, para o homem
litterato, para aquelle que se encaminha á carreira das lettras, e mesmo
para qualquer homem que quizer figurar na sociedade, são
indispensaveis certos conhecimentos; mas, a reducção das materias da
escóla normal, não impede aos professores de mais tarde irem buscar
esses conhecimentos, como tambem elles não poderão produzir effeito
algum, desde que prejudiquem o ensino das materias indispensaveis
(AALPSP, 1880, p. 397).
Para o autor, o ensino normal não teria como sua função precípua formar literatos,
nem políticos, muito menos homens que no futuro pudessem desempenhar atividades
profissionais que não fossem relativas à docência no ensino de primeiras letras. Conforme
Inglês de Sousa, tratava-se de formar professores, tratava-se de uma profissão certa, “[...] de
um officio, se assim me posso exprimir” (AALPSP, 1880, p. 397).
126
Inquirindo à comissão que apresentava o projeto substitutivo, Inglês de Sousa
apresenta as justificativas sobre o porquê de o projeto original ser composto de apenas quatro
126
Nóvoa (1986), ao discutir sobre formação de professores, em meados do século XIX, em Portugal, analisa
que há um deslocamento no significado e nos modos de formar os docentes para as escolas primárias naquele
período. Para o autor (1986), entendia-se que formar professores não era criar doutores em Pedagogia, mas
126
matérias. Quando construiu o projeto, tinha em mente a formação de professores para o
ensino de primeiras letras, não outro ramo da instrução pública ou ofício. Assim, fazia sentido
que se ensinasse na escola normal aquilo que o futuro professor fosse utilizar na sua profissão.
Dirigindo-se à comissão, ironiza:
De certo que a illustrata commissão de justiça e instrução publica, se
tratasse de organisar uma escóla de ferreiro, não iria exigir para o
ferreiro conhecimentos do serralheiro. Ora, o officio de professor é
um officio como outro qualquer; a escóla normal trata de formar
professores e portanto as materias que este tèm de ensinar é que deve
formar o ensino da mesma escóla (AALPSP, 1880, p. 397).
Conforme Inglês de Sousa, se ele fazia tais afirmações sobre o objetivo da escola
normal, não era por autoridade própria, mas buscava teorizar com base no que se produzia em
outros países, em que a instrução pública já se encontrava mais adiantada. Desse modo,
argumenta em favor de sua proposta:
Nos Estados-Unidos, sr. presidente, paiz que a muito outros se
avantaja pelo desenvolvimento da instrucção popular, reconheceu-se a
supremacia a este respeito; em um paiz europeu muito atrazado em
outras cousas, na Prussia, onde o ensino normal, tem tido grande
desenvolvimento. E, irei buscar em fonte insuspeita o reconhecimento
desta autoridade da Prussia; tenho aqui algumas palavras do relatório
apresentado em 1871 pelo director da instrução publica ao ministro do
interior da União Americana (AALPSP, 1880, p. 397).
127
Em tom de desafio, pergunta à comissão se eles conheciam o regulamento da instrução
pública aprovado em 1855, na Prússia, em especial o que se ocupava das escolas normais e
evangélicas. Nesse regulamento, segundo o autor, não se projetava a formação dos
professores em menos de seis anos e, mesmo assim, as únicas “[...] materias que se exigem;
são apenas: a lingua allemã pela portugueza, chimica, physica, noções de historia universal,
francez e lições de cousas” (AALPSP, 1880, p. 397).
Cont. da nota anterior
criar bons mestres, e bons mestres não se encontram: deveriam ser formados.
127
Uma possibilidade é que Inglês de Sousa esteja se referindo aos relatórios sobre a Instrução Pública,
produzidos por Celéstin Hippeau, professor honorário da Faculdade de Paris e secretário do Comitê de
Trabalhos Históricos e das Sociedades Científicas, que, entre 1869 e 1881, realizou um amplo levantamento
da situação da instrução pública em vários países, como os Estados Unidos da América, França, Alemanha,
Inglaterra, Rússia, Itália e Argentina (GONDRA, 2002). Segundo Collichio (1976, p. 39) “A partir de 1873,
data da publicação do relatório de Hippeau sobre ‘A Instrução Pública na Prússia’, no Diário Oficial do
Império, o interesse pela instrução alemã cresceu, não obstante a posição do escritor francês fosse bem
diversa da entusiástica aprovação de Renan ao povo alemão”.
127
Para Inglês de Sousa, um exemplo que não deveria ser desconsiderado na organização
da instrução pública era aquele proveniente das experiências realizadas pelo governo da
Prússia. Barros (1959), ao discutir A ilustração brasileira, lembra que muitos intelectuais nas
décadas de 1870 e 1880, ou até anteriormente, tinham os olhos voltados para os exemplos do
Estado Alemão e para a organização que aquele país tinha dado à instrução pública. O autor
(1959) vai denominar essa admiração, que parte dos intelectuais sentem pala Alemanha, como
germanismo pedagógico
128
. Segundo Barros (1959, p. 23) a confiança creditada, de forma
“[...] generalizada, no período, que um país é o que a sua educação o faz ser”, possuía ligação
direta com o desenvolvimento econômico obtido pela Alemanha no século XIX e pelas suas
vitórias na guerra austro-prussiana, vencida na Batalha de Königgrätz, ou de Sadowa, em
1868, e franco-prussiana, vencida na Batalha de Sedan, em 1870.
129
Conforme Barros (1959, p. 232) “[...] pensadores de todo o ocidente procuravam
determinar as causas do êxito alemão. Entre estas, é freqüente a alusão à organização do
ensino superior germânico”. Mesmo os franceses derrotados na guerra em 1870 creditam a
superioridade do País triunfante à organização que tinham dado ao ensino, fator que lhes deu,
também, condições de desenvolvimento econômico.
130
Para Barros (1959, 24), “No Brasil, é indiscutível o êxito de tais idéias: espera-se que
de uma reforma do ensino, do aperfeiçoamento da instrução surja uma mentalidade nova,
integrada nas exigências do tempo. A meta visada é a colocação do país ao ‘nível do século’”.
De acordo com Barros (1959), parte dos intelectuais do fim do século XIX possuía,
como característica, um olhar prospectivo sobre a sociedade. Não olham para trás, mas para
frente, para os exemplos que podem ser captados e adaptados para a realidade brasileira de
países considerados já em uma etapa superior de desenvolvimento econômico e social. Crêem
que a civilização a que tinham chegado alguns países europeus e americanos possuía relação
direta com o modelo, de escolarização, por eles adotado. Assim, compreendiam que a
128
Ao discutir sobre as referências a uma presença germânica como norte do pensamento brasileiro do século
XIX, Collichio (1976, p. 23) adverte que esse “[...] não pode ser compreendido senão como uma das
tendências do liberalismo brasileiro na sua trajetória política e literária”.
129
Conforme Collichio (1976, p. 47), “A idéia de que o mestre-escola teria sido o fator decisivo da vitória alemã
parece remontar ao período anterior à guerra franco-prussiana, isto é, à batalha de Koenigsgraetz, em 1866,
em que a Prússia venceu a Áustria. O Barão de Söffel, adido militar á embaixada francesa em Berlim,
afirmava nos seus relatórios que se tornaram famosos: ‘Se vivêsseis na Prússia como eu, reconheceríeis
quando é verdadeiro o axioma, apesar da sua forma um pouco absoluta: ‘Foi o mestre-escola quem ganhou
a batalha de Koenigsgraetz’. Proferiram-se estas palavras logo depois de terminada a campanha em 1866, e
hoje todos na Alemanha as repetem como verdade incontestável” (grifos da autora).
130
Para Collichio (1976, p. 22), “Os liberais franceses procuraram explicar [...] [a] hegemonia [alemã] como
decorrência da supremacia intelectual proveniente da invejável liberdade de pensamento, religião e ensino de
que gozava o povo alemão”.
128
civilização é “[...] um processo histórico único e as principais diferenças entre as nações são
de ‘fase’ e não de ‘natureza’” (BARROS, 1959, p. 25).
Conforme Barros (1959), todo o movimento de aproximação com o germanismo
pedagógico é de inspiração liberal e anti-ultramontana, na qual “A livre-concorrência está no
seu fundamento” (BARROS, 1959, p. 232). Há, nesse período, uma tendência de olhar para a
Alemanha como o exemplo a ser seguido. E assim o fizeram
[...] diversos professores e tratadistas franceses que escrevem sôbre a
Alemanha. [...] [Estes] só têm palavras de encômio [...] [para esse
país]. A Alemanha, vencedora em Sadowa e depois em Sedan, aparece
como a grande nação do ocidente. No Brasil, Tobias Barreto, no norte
se faz arauto da grandeza alemã; e aqui e ali aparecem entusiastas do
germanismo. Vieira da Silva no Senado, a todo instante invoca o
exemplo da Alemanha; Joaquim Teixeira de Macedo, em diferentes
livros, divulga dados e informações sôbre o ensino alemão (BARROS,
1959, p. 232).
Seguindo as pistas levantadas por Barros (1959) sobre o germanismo pedagógico,
Collichio (1976), no seu estudo A contribuição de Joaquim Teixeira de Macedo
131
para o
pensamento pedagógico brasileiro, analisa que tal fenômeno possui relação direta com outro
“movimento intelectual” denominado por Barros (1959) de A Ilustração Brasileira, no qual
se podia relacionar o ator por ela estudado.
Citando Barros (1959), segundo a autora (1976), no Brasil o germanismo assumiu dois
aspectos diferentes:
[...] um germanismo ‘mais de conteúdo do que de forma’, cujos
representantes são Tobias Barreto e seus exaltados seguidores, mais
interessados na filosofia, nas ciências naturais e históricas e na crítica
religiosa, e um germanismo ‘mais de forma do que de conteúdo’, ao
qual se filia a maior parte de nossos intelectuais e políticos, ansiosos
por uma solução para os problemas educacionais brasileiros
(COLLICHIO, 1976, p. 19-20, grifos da autora).
131
“Germanista exacerbado, autêntico liberal romântico, Joaquim Teixeira de Macedo pensa através da
instrução tornar possível a cada homem o encontro consigo mesmo e o domínio de uma vida ética que
impulsione em direção ao humano e ao universal, em um movimento sempre tendente à Unidade que é deus,
na solução fichteriana ou froebeliana para a tensão entre a individualidade e a totalidade. Monarquista,
católico, porém anti-ultramontano, foi partidário da intervenção do estado na Educação, da laicidade do
ensino, da obrigatoriedade da instrução primária e da criação da Universidade pelo Estado, e pioneiro na luta
pela educação da mulher, criação de Jardins da Infância e formação do Magistério como medida fundamental
à reforma do ensino” (COLLICHIO, 1976, p. 19-20).
129
O germanismo no Brasil não foi apenas uma importação de idéias,
132
foi uma
apropriação, seleção e uso das representações que estavam circulando naquele momento,
oferecidas como as mais avançadas em várias esferas do saber, entre elas, o modelo de
escolarização que se havia desenvolvido na Alemanha.
Para Collichio (1976, p. 24),
O germanismo não foi simplesmente uma admiração pela
superioridade da Alemanha como país cuja vitória surpreendia e
fascinava sua própria adversária, a França, mas sim o entusiasmo pela
descoberta de um povo que vigorosamente praticava aqueles ideais
apenas sonhados pelos responsáveis por nossos destinos de país livre:
liberdade de pensamento, de religião e de ensino e responsabilidade
do estado pela educação.
É dessa forma que surge nas discussões sobre a reabertura da escola normal da
Província de São Paulo a possibilidade de ser utilizada a experiência germânica no campo
educacional como referência para a produção do regulamento que balizaria o ensino normal.
Nos seus discursos parlamentares, Inglês de Sousa, não cita a quais leituras teve acesso para
ter tanta certeza de que o modelo alemão de escola normal seria o mais adequado para
desenvolvimento da instrução pública no Brasil, mas, de forma indireta, podem-se levantar
duas hipóteses. Uma é que ele foi leitor do filósofo francês Joseph Ernest Renan que, entre
suas obras havia publicado, em 1868, Questions Conteporaines, em que tecia críticas muito
positivas ao modelo educacional germânico. Lima (1963), um dos biógrafos que apresentam o
itinerário de Inglês de Sousa, relata que, entre os pensadores que o haviam abalado, Renan era
um que não poderia ser esquecido.
133
Também é possível que tenha sido leitor de Joaquim Teixeira de Macedo, visto que,
em um dos discursos que profere na Assembléia Provincial de São Paulo, com o intuito de
convencer os ouvintes de que o modelo alemão, para a escola normal, era o mais adequado,
faz uma citação que pode ser encontrada no livro Breves apontamentos para o estudo das
questões relativas ao ensino normal primario e a educação popular colligidos de varias
publicações em lingua allemã, de autoria de Macedo (1876). Declara Inglês de Sousa que
132
“Os germanistas brasileiros não pretendiam imitar, mas, renunciando a um estreito nacionalismo, até mesmo
hostis às suas formas mais radicais como o indianismo, ‘percebiam argutamente – como diz Roque Spenser
Maciel de Barros – que somos antes de tudo ocidentais e que desgarrar-se do mundo ocidental não era criar
uma civilização própria, mas abdicar da própria civilização” (COLLICHIO, 1976, p. 25).
133
Conforme Collichio (1976, p. 22-23), “As circunstâncias políticas brasileiras, maçadas pela questão religiosa
e pela discussão do projeto de criação de uma universidade eram oportunas à difusão das idéias de Renan e
Taine, que depressa seduziram os intelectuais brasileiros da década de 70”.
130
[...] a questão de instrucção publica, e especialmente a questão de
escóla normal, accupa a attenção dos estadistas prussianos. Um
ministro prussiano Bechedorff em seus Annaes Prussianos publicados
em 1825, disse o seguinte: Para termos boas escolas, é preciso que
haja bons professores, e os estabelecimentos mais proprios para a
formatura dos professores populares são as escolas normaes
(AALPSP, 1880, p. 397).
Essa citação, realizada por Inglês de Sousa, faz parte dos apontamentos realizados por
Macedo (1876) no capítulo de seu livro em que trata da Essência do Ensino Normal. –
Necessidade das Respectivas Escolas. – Sua Definição. – Deverão ser Organizadas como
Internatos ou Externatos? Para Inglês de Sousa, as palavras do estadista prussiano eram cheia
de bom senso e demonstravam que
[...] naquelle Estado se comprehende perfeitamente, qual seja a missão
das escólas normaes, não ficaram sem effeito; e se em 1825 ellas
foram escriptas, em 1854, nos famosos regulamentos da instrucção
publica da Prussia, tiveram a sua applicação e foram perfeitamente
contempladas (AALPSP, 1880, p. 397).
As referências a um modo de lidar com as questões da instrução pública, provenientes
da Alemanha, começam a circular no Brasil na segunda metade do século XIX e se
colocavam como opção para parte dos intelectuais brasileiros que buscava pensar os
problemas considerados de interesse nacional.
134
De acordo com Nascimento (1999), o maior pólo de desenvolvimento das idéias
germânicas no Brasil, na segunda metade do século XIX, foi a Faculdade de Direito de
Recife, sob a liderança de Tobias Barreto. Conforme o autor, essa escola se desenvolveu em
“[...] oposição às idéias predominantes entre as elites que detinham o poder político e
econômico nacional e não se cansava de criticar vários aspectos da influência da cultura
francesa” (NASCIMENTO, 1999, p. 120), e também americana.
135
134
Conforme Collichio, (1976, p. 25), “Para os nossos educadores e administradores, a Alemanha, e a Prússia
especialmente, forneciam, ao mesmo tempo, um modelo de organização de ensino e uma filosofia da
educação coerentes no seu liberalismo. Pressionados pela intolerância religiosa, pela punição à manifestação
de idéias darwinistas, pela discriminação religiosa que negava direitos políticos a estrangeiros naturalizados
[e a] protestantes, vários de nossos liberais se voltariam para a Alemanha como o modelo a seguir”.
135
Para Nascimento (1999, p. 219), dois dos mais representativos intelectuais da escola de Recife, Tobias
Barreto e Sílvio Romero, responsibilizavam “[...] o espírito de rotina pelo quadro que a americanização
industrial do ensino apresentava. Mas, via também na França possibilidade de escapar ao espírito da rotina. E
acreditava ser a Alemanha a nação que reunia as melhores condições para que se pudesse dar um salto de
qualidade”. Inglês de Sousa, foi aluno da Faculdade de Direito do Recife, na qual cursou os quatro primeiros
anos (1870-1874) de estudos jurídicos. Provavelmente, Inglês de Sousa tenha entrado em contato com o
pensamento alemão mediante o convívio com os professores e das possibilidades que o ambiente cultural lhe
proporcionava. Pode-se inferir que, nos anos em que Inglês de Sousa esteve em Recife para realizar seus
estudos, manteve contato com dois dos principais entusiastas do pensamento alemão, Tobias Barreto e Sílvio
131
Conforme Inglês de Sousa, se na Alemanha se julgou que seis anos era tempo para se
ensinar aos alunos-mestres conhecimentos bem limitados, como pretendia “[...] a nobre
commissão em 2 annos sobrecarregar a intelligencia do alumno com conhecimentos tão
variados e tão importantes?” (AALPSP, 1880, p. 397).
Segundo Inglês de Sousa, dois anos era um tempo limitadíssimo para se formar
professores e se tornava mais limitado ainda quando se projetava nesse período que o aluno-
mestre fosse ilustrado com um grande número de matérias, algumas delas consideradas
deslocadas e sem razão de ser na formação dos professores. Interpelando o presidente da
Assembléia, questiona sobre como justificar algumas das matérias escolhidas para figurar
entre as indispensáveis:
Sei, sr. presidente, que a maior parte das pessoas pensa que a lingua
franceza e a historia universal são materias indispensaveis em um
curso de escola normal; e o argumento valioso, o argumento maior
que se tem offerecido em discussão particulares em favor do francez é
que é uma lingua universal, e que os compendios de pedagogia são
escriptos nessa lingua.
Em favor da historia o argumento é que todos devemos conhecer a
historia universal.
Quanto ao primeiro, eu objecto que a lingua franceza não está hoje tào
generalisada como se pensa e, se é, allemã é tanto como ella e a
ingleza ainda mais.
Se esse argumento tem valor, devemos concordar que mais são
necessarias á escóla normal as linguas allemà e ingleza, tanto mais
que todas as obras de pedagogia são escriptas nestas duas linguas, que
os maiores mestres de pedagogia tem escripto em allemão e inglez;
muito pouco, não conheço nenhum, em francez.
Pode-se, porém, me objetar que os francezes traduzem tudo quanto os
allemães publicam sobre a materia. Direi que a traducão nunca vale o
original, e que esse argumento prova de mais, porquanto seria uma
vantagem para nós que os nossos litteratos, aquelles que conhecem as
linguas alemà e ingleza, se dessem ao trabalho de enriquecerem a
nossa litteratura traduzindo essas obras e fazendo-lhes anotações.
Portanto, longe de ser para nós uma vantagem a adopção da lingua
franceza com exclusão destas outras duas, será até prejudicial, porque
obstará que se enriqueça a litteratura patria com a traducção das obras
allemàs e inglezas, e com o estudo mais profundo da sciencia
pedagogica (AALPSP, 1880, p. 397-398).
Cont. da nota anterior
Romero. O primeiro foi aluno da Faculdade de Direito de Recife em 1869, e o segundo era aluno da
instituição, em 1873, ano em que Inglês de Sousa estava realizando os preparatórios para se tornar também
aluno daquela escola. Com relação a um desses intelectuais, uma ligação mais direta pode ser estabelecida.
No ano de 1881, quando Inglês de Sousa torna-se presidente da Província de Sergipe, nomeia Tobias Barreto
para professor da cadeira de Gramatica, Lingua e Literatura Alemã do Liceu Sergipano, assim como diretor-
geral da instrução pública da Província. Cargo que, segundo Nunes (1984), não foi aceito pelo nomeado.
132
A reivindicação de Inglês de Sousa para que fosse adotada, também no Projeto da
Escola Normal, a língua alemã e inglesa tinha por objetivo mostrar que a língua francesa era
irrelevante em um curso de formação de professores para as escolas de primeiras letras, nos
moldes em que havia projetado. Para ele, “[...] se se exigir para o curso da escóla normal a
lingua franceza, exija-se tambem as inglezas e allemã; como a commissão entendeu e muito
bem, dever excluir estas, acho que, para ser coherente deve excluir tambem aquella”
(AALPSP, 1880, p. 398).
De acordo com Inglês de Sousa, para se ensinar a língua portuguesa ou a doutrina
cristã, saberes que se exigem nas escolas elementares, não seria “[...] preciso saber francez,
allemão e inglez. Nunca ninguem disse que para se saber a lingua portugueza era preciso
conhecer a franceza” (AALPSP, 1880, p. 398).
Justifica que, mesmo entre os literatos mais distintos da língua portuguesa, muitos não
sabiam o francês, ou tinham limitadíssimos conhecimentos sobre a língua. Mesmo os
catecismos, fonte da doutrina cristã, que se ensinavam nas escolas, não eram escritos em
francês, mas na língua portuguesa. Com relação às outras matérias, também se dava o mesmo,
como a Contabilidade, a Geografia e a História Pátria. Para provar a necessidade do francês
na formação dos professores das escolas de primeiras letras, segundo Inglês de Sousa, restava
a matéria de Pedagogia, mas, nesse caso, o argumento serviria também para a inclusão da
língua alemã e da língua inglesa.
Outro ponto considerado de difícil discussão, segundo Inglês de Sousa, estava
relacionado com o ensino da História Universal. Para ele, não cabia ensinar essa matéria na
escola normal, já que lá não se pretendia formar literatos, mas professores com um fim
específico. Conforme Inglês de Sousa, a História Universal deveria fazer parte dos
conhecimentos de todo homem de letras, mas esse saber precisava ser profundo, não com base
em noções,
[...] porque historia universal, segundo a sciencia moderna, é uma
parte da sciencia sociologica, tem a sua philosophia, e não consiste o
seu estudo na simples ennumeração dos factos. Conhecer, portanto,
noções de historia, será quando muito ter algumas idéas de
chronologia, mas nunca será saber historia universal.
Ora, sr. presidente, se a commissão de justiça e instrucção publica
entendeu que bastava para os alunnos da escola normal e
conhecimento de algumas noções de historia universal, eu pretendo
que essas noções são inuteis e dispensaveis; inuteis, porque, como já
disse, conhecer historia universal e não conhecer historia universal
vem a ser uma e a mesma cousa, porque o estado da historia depende
de outros estudos anteriores, depende de outros estudos que não
133
podem ser feitos na escola normal, nem podem ser feitos em curso
nenhum secundario. O estudo da historia, pelo menos estudos
profundos, o estudo util, depende do conhecimento de sciencias muito
importantes, e que não podem entrar no programma da organisação de
ensino em uma escola normal.
As noções de historia universal, sr. presidente, além de serem por esse
lado inuteis, são incovenientes porque trazem o viciamento do ensino
(AALPSP, 1880, p. 398).
Conforme Inglês de Sousa, a História possui uma filosofia e essa deveria ser
observada de modo rigoroso, tarefa que não poderia ser feita com base em simples noções.
Para ele, a História era uma
[...] sciencia positiva, e se basea sobre dados de experiencia, e sobre
verdades reconhecidas, segundo o methodo da escola positiva. A
historia é uma sciencia complexa, cheia de leis, ou formada de leis
geraes, a que muitas vezes póde prejudicar o estudo da chronologia
simples, quando mal applicado. O que não será, portanto, em relação á
historia, quando se trata de ministrar ao alumno simplemente noções
de historia universal (AALPSP, 1880, p. 399).
Interroga o autor à Comissão de Instrução Pública sobre o que eles compreendiam a
respeito do significado de noções de História Universal. Ele mesmo responde.
Refere-se á chronologia, teremos que esse estudo, como já disse,
viciará o verdadeiro estudo da historia universal. Se se trata, porém,
do estudo philosophico, teremos que elle é por demais superior á
inteligencia do alumno.
Sim, sr. presidente, não é com simples preparatorios do curso annexo
da escola normal que se há de habilitar o alumno para estudar as
verdades philosophicas da historia.
Portanto, entendo que não só estas noções de historia universal são
inuteis, como prejudiciais; inuteis, porque não ensinam cousa alguma,
prejudiciaes porque viciam o estudo da historia (AALPSP, 1880, p.
399).
Voltando seus olhos para algumas matérias de ensino que compunham o projeto
substitutivo da Comissão de Instrução Pública, declarou que não percebia as razões de elas
fazerem parte do programa de estudos do ensino normal. Para Inglês de Sousa, matérias como
Química e Física estavam deslocadas. Pergunta aos deputados:
[...] senhores, em que occasião o professor do curso elementar de
lettras, do curso primario terá de applicar em relação á sua escola, os
seus conhecimentos de physica e de chimica?
Pergunto ainda, se o ter a noção vaga destas duas sciencias póde
constrituir a illustração de alguem? Se o saber definir a um objeto
134
segundo as leis da physica ou da chimica póde melhorar em alguma
cousa a instrucção publica entre nós, e a condição do alumno em
relação ao seu professor?
Pergunto ainda, sr. presidente, se estes conhecimento, que eu
supponho que a commissão teve em vista ministrar, não estão
comprehendidos na cadeira do projecto primitivo e do projecto
substitutivo que vou ter a honra de apresentar á casa, de pedagogia,
methodologia, noção de cousas? (AALPSP, 1880, p. 399).
A grande questão do debate que Inglês de Sousa trava com a Assembléia relacionava-
se, em muito, com o que considerava como o papel principal de uma escola normal. Em
conseqüência desse sentido, outros elementos deveriam ser colocados em evidência, como o
tempo e as matérias necessárias para formar os professores para as escolas elementares.
Assim, para ele, dois anos, como haviam assinalado os deputados que faziam parte da
Comissão de Instrução Pública, não poderia ser suficiente, já que as matérias de ensino que
compunham o programa desenvolvido por eles eram por demais extensas.
Para Inglês de Sousa, o tempo de três anos seria o recomendado,
136
já que fora esse o
período que tinha como meta no projeto original, apresentado à Comissão de Instrução
Pública. Segundo Inglês de Sousa, a principal missão da escola normal seria ministrar
conhecimentos profundos, embora limitados,
137
mas isso não significava falta de
profundidade nos estudos. Utilizando como referência as escolas normais da Prússia, diz que,
mesmo três anos seria pouco para formar os professores na escola normal. Assim, o mais
indicado seria aumentar para quatro anos o tempo em que o aluno-mestre permaneceria
aprendendo o ofício de professor.
Conforme Inglês de Sousa, seria impossível, como queria a comissão, que, em um
período de dois anos, se estudasse,
[...] grammatica da lingua portugueza, materia que deve ser essencial,
em dous annos; só esta materia precisa de grande desenvolvimento,
quanto mais pedagogia, methodologia, physica, chimica, noções de
Historia universal, geographia, francez e outras materias; é
absolutamente impossivel, e não ha intelligencia alguma que possa
nesse prazo apresentar resultados satisfactorios, quando qualquer
136
No regulamento das escolas normais primárias da Prússia, apresentado por Macedo (1876, p. 162), informa-
se que “O curso completo dos estudos da escola normal durará tres annos. Nos estabelecimentos em que até
agora o mesmo curso tiver sido de menor duração, deverão ser empregados todos os esforços para introduzir-
se esse triennio”.
137
Inglês de Sousa utiliza como referência para propor o substitutivo ao projeto da Comissão de Instrução
Pública o regulamento, que pode ser encontrado em Macedo (1876), em seus apontamentos sobre a formação
de professores na Alemanha. Na sessão 10.ª do regulamento, prescreve-se: “O ensino que receberem os
normalistas deve pela sua fórma servir de modelo ao que elles mesmos tiverem de dar mais tarde como
professores. Cumpre portanto que o lente, nas suas exposições, seja sempre tão correcto como terá de sê-lo o
alumno na reprodução verbal ou por escripto do mesmo objeto” (MARCEDO, 1876, p. 165).
135
dessas materias póde preencher no seu estudo esse lapso de tempo
(AALPSP, 1880, p. 399).
Novamente Inglês de Sousa questiona os deputados. Pergunta quem seria capaz de
estudar tantas matérias em dois anos? Lê a relação de matérias previstas para a escola normal,
que faziam parte do projeto substitutivo dos deputados, “[...] Grammatica e lingua portugueza,
arithmetica, geometria, geographia, historia, etc., etc.’ E ainda mais o francez, lingua
estranha” (AALPSP, 1880, p. 399).
Diante dessa constatação, relata que três anos são indispensáveis para o projeto
original que tinha apresentado, mas “[...] se passar como é possivel, o projecto da commissão,
apresentarei uma emenda para ampliar o tempo a quatro annos” (AALPSP, 1880, p. 399).
Um terceiro ponto, de acordo com Inglês de Sousa, que separava suas idéias do
pensamento da comissão, em relação ao ensino normal, relacionava-se com a divisão das
matérias de ensino. Conforme Inglês de Sousa, no projeto original, ele dividia as matérias em
cadeiras, mas, no substitutivo da Comissão de Instrução Pública, as matérias passavam a ser
dividias por ano, segundo o autor, de forma arbitrária e ilógica.
Lê para os deputados o modo como estavam organizadas as matérias do projeto
desenvolvido pela Comissão de Instrução Pública e, ao mesmo tempo, tece seus comentários a
respeito da lógica subjacente ao programa:
O projecto que tive a honra de apresentar á consideração da casa,
dividia as materias por cadeiras. A commissão no seu substitutivo
dividio as materias por anos e arbitrariamente. Basta lêr as disposições
do projecto da commissão, para chegar-se ao conhecimento dessa
verdade.
Vejamos (lê):
‘1.º anno, 1.ª cadeira. — Grammatica nacional (exame parcial),
Doutrina Christã (exame final), Arithmetica (exame parcial), Systema
metrico e noções geometricas (exame parcial destas e final daquelle),
Estudos praticos de ensino.’
Só na primeira cadeira do primeiro anno, incumbida a um professor,
estão as materias que acabo de numerar, de fórma que um professor,
para que seja bom, para que possa ensinar rasoavelmente, precisa de
ser profundo em todas essas materias.
Na segunda cadeira, vê-se (lê):
‘Noções de historia universal e elementos de geographia (exame
final), Francez (exame parcial)’.
Não basta que o professor seja um grammatico distincto, e que tenha
conhecimento de historia universal; é preciso que saiba francez para
ensinar.
136
3.ª cadeira (lê):
‘Noções de physica e chimica com applicação á hygiene, agricultura e
industria (exame final)’
1.ª cadeira do 2.º anno :
Grammatica nacional, origem e periodos de lingua, estudo de
redacção, ensaio de estylo e declamação. Historia sagrada. Pedagogia
theorica.
Não é somente o desconhecimento dos principios da especialidade do
professor, que se deu aqui; ha ainda mais, confusão das materias do
ensino. Não é somente querer que um professor seja bom em varias
materias, completamente differentes; quer-se ainda mais que o alumno
comece a aprender grammatica com um professor acabe com outro; e
bem assim arithmetica; quer-se que a pedagogia, que é questão de
methodo, principie com um professor e acabe com outro; porque, na
primeira cadeira do primeiro anno, está contemplada a materia; mas a
segunda cadeira trata da mesma cousa. Vejamos.
1.ª cadeira do 1.º anno (lê):
ao passo que no segundo anno está a segunda cadeira com as
seguintes materias (lê):
2.ª cadeira do 1.º anno (lê).
1.ª cadeira do 2.º anno (lê).
De fórma que estuda historia universal com um e historia sagrada com
outro.
As noções de physica e chimica que poderiam ser uteis ao estudo da
pedagogia, estão contempladas na terceira cadeira do primeiro anno,
ao passo que a pedagogia faz parte da segunda cadeira do segundo
anno.
Na segunda cadeira do segundo anno, está o estudo da lingua
franceza; na terceira cadeira do segundo anno ainda o estudo da lingua
franceza.
Não preciso mostrar os graves inconvenientes desta divisão do curso,
feita pela commissão; não preciso demonstrar os erros que podem
resultar deste systema. Cada materia tem seu methodo, cada professor
seu systema. Começar com um e acabar com outro, é tornar
improficuo o ensino, é baralhar o estudo das materias.
Neste ponto divirjo completamente do parecer da commissão e penso
que não póde prevalecer semelhante divisão (AALPSP, 1880, p. 400).
Após a exposição do que considerava as principais falhas no projeto desenvolvido pela
Comissão de Instrução Pública, Inglês de Sousa apresenta seu substitutivo. De acordo com
ele, o documento que estava enviando à mesa era uma atualização do projeto anterior que
tinha desenvolvido e submetido aos membros da Assembléia Provincial, mas, nas
modificações introduzidas, as idéias originais foram conservadas. As alterações efetuadas
tinham sido realizadas, segundo o autor, para “[...] merecer as sympathias da maioria da casa,
que [...] [pareciam] voltadas para o lado da commissão de instrucção publica” (AALPSP,
1880, p. 401).
137
O substitutivo de Inglês de Sousa constava de quinze artigos. Nele é designado o
responsável pela direção da instituição, são enumeradas as cadeiras que deveriam ser cursadas
pelos normalistas, o tempo despendido para tanto, as garantias profissionais dos professores
da escola normal, a remuneração dos professores e de outros servidores, assim como o modo
pelo qual os professores já em exercício nas escolas de primeiras letras poderiam se ausentar
do cargo para se dedicar aos estudos, as garantias que teriam por parte da Província e suas
obrigações após encerrado o curso normal. Inglês de Sousa organiza o substitutivo do
seguinte modo: o curso normal seria realizado em três anos, não em dois como o projeto
desenvolvido pela Comissão da Instrução Pública pleiteava:
SUBSTITUTIVO
A assembléa legislativa provincial de S. Paulo decreta:
Art. 1.º E’ o governo da provincia autorisado a abrir desde já a escola
normal e a dar-lhe regulamento sobre as bases da presente lei.
Art. 2.º A escola normal ficará sob a immediata direcção do inspector
geral da instrucção publica.
Art. 3.º O curso da escola será de 3 annos, e se comporá das
segguintes cadeiras:
A escola normal no substitutivo ficava organizada apenas em quatro cadeiras, mais
uma direcionada ao aprendizado da caligrafia. Cada cadeira seria regida por um professor
diferente, por isso as matérias que as compunham se aproximavam mediante a lógica dos
saberes elementares: ler, escrever, contar e rezar:
1.ª cadeira de grammatica e lingua portugueza, estudos praticos de
estylo e de declamação, doutrina christã.
2.ª cadeira de arithmetica e geometria plana.
3.ª cadeira de geographia geral e de historia do Brazil e especialmente
da provincia, historia sagrada.
4.ª cadeira de pedagogia e methodologia, comprehendendo exercicios
de intuição.
§ Unico. Além destas cadeiras haverá uma aula de callygraphia,
regida por um mestre.
Do quarto artigo ao sexto são prescritas as formas de contratação, estabilidade e
remuneração dos docentes da escola normal.
Art. 4.º O presidente da provincia fará desde já a nomeação interina
dos professores e do mestre de callygraphia, e dentro de um prazo
breve, que em caso algum excederá a um anno, da data da abertura da
escola, sujeitará todas as cadeiras a concurso.
Art. 5.º Os professores da escola normal serão vitalicios, e só poderão
ser demittidos nos casos e nos termos marcados pela legislação em
vigor para os professores em geral.
138
§ 1.º Esses professores haverão annualmente o ordenado de 1: 200$ e
a gratificação de 1:200$.
§ 2.º O mestre de callygraphia haverá o ordenado annual de 600$ e a
gratificação de 800$.
Art. 6.º No impedimento dos professores e do mestre, o presidente da
provincia nomeará quem o substitua, preferindo sempre para essa
substituição os formados pela escola normal.
§ Unico. Estes substitutos perceberão a gratificação dos impedidos.
O art. 7º trata das garantias que a Província teria ao aceitar o aluno no curso normal e
formas de ressarcimento, já que o curso seria gratuito a todos que fossem aprovados como
normalistas:
Art. 7.º Os professores ou professoras que estiverem providos e em
exercicio nas respectivas cadeiras, ao tempo da matricula na escola
normal, terão direito ao ordenado durante o tempo do curso, mediante
termo pelo qual se obriguem a continuar no exercicio do magisterio
por espaço de seis annos consecutivos, logo que completarem o curso
normal, e fiança equivalente ao ordenado de tres annos.
O art. 8º representa o dispositivo que obrigaria os professores que já atuavam como
docentes nas escolas primárias, mas sem formação normal, a freqüentar a instituição.
Provavelmente, faz parte da estratégia coercitiva que tenta pela força homogeneizar e
padronizar o ensino primário e deveria estar voltado para aqueles mestres das escolas de
primeiras letras formados na instituição dos professores adjuntos:
Art. 8.º Findo o praso de 9 annos contados da data da abertura da
escola, nenhuma cadeira primaria poderá ser provida senão por
professor normalista. Os professores, que durante esse lapso de tempo
não se estiverem habilitado perante a escola normal, terão de ceder as
suas cadeiras desde que se apresente candidatos a ellas algum
professor normalista, sem prejuizo, porém, dos direitos á
aposentadoria.
As condições para a obtenção do diploma da escola normal são discriminadas no art.
9º. O curso seria estabelecido de forma gratuita a todos, independente de já possuir
experiência docente. Aos que já estivessem atuando como professor lhes seria garantido o
salário durante o período de estudos e o retorno à cadeira ocupada anteriormente à entrada na
escola normal.
Art. 9.º O curso da escola normal será inteiramente gratuito.
Art. 10º É livre a qualquer um obter a carta de professor normalista,
mediante exame de todas as materias do curso, inclusive o de pratica,
139
prestando perante a commissão de professores da escola, attestados de
boa conducta e folha corrida.
Como forma de controlar o aprendizado, no art. 11º, projeta-se a criação das escolas
anexas, lugar em que o professor da cadeira de Pedagogia e Metodologia poderia acompanhar
o desenvolvimento do aluno. Dispositivo que garantiria a estrutura modelar do curso. Nas
escolas anexas, o aluno aprenderia não somente as teorias do ensino, mas praticaria as formas
de ensinar.
Art. 11º Haverá no mesmo edificio da escola normal duas escolas
primarias, uma para meninos e outra para meninas, annexas ao
estabelecimento, afim de nellas praticarem na regencia das cadeiras os
alumnos da escola normal.
§ 1.º Estas escolas servirão de curso de preparatorios e o presidente
determinará as materias que nellas devem ser ensinadas.
Na segunda seção do art. 11º, o projeto de regulamento desenvolvido por Inglês de
Sousa trata da remuneração dos funcionários da instrução pública, professores das escolas
primárias formados pela escola normal, assim como dos salários dos demais funcionários,
secretário e porteiro do curso normal.
§ 2.º Os professores das escolas annexas receberão o ordenado de
900$000 e a gratificação de 900$000.
Art. 12º O professor normalista, quando em exercicio, vencerá o
ordenado de 900$ e a gratificação de 900$000.
Art. 13º Haverá na escola normal um porteiro com o ordenado de
600$ e a gratificação de 300$; e o continuo vencendo 600$000.
Art. 14º Fica desde já aberto um credito de 18:000$ para occorrer ás
despezas de abertura, organisação e custeio da escola normal.
Art. 15º Ficam revogadas as disposições em contrario.
Paço da assembléa legislativa provincial de São Paulo, 5 de Abril de
1880 — Inglez de Souza (AALPSP, 1880, p. 402-403).
A primeira voz a se levantar contra o substitutivo apresentado por Inglês de Sousa foi
a do deputado Ferreira Braga. De acordo com esse parlamentar, os jornais da Província já
haviam criticado o projeto de Inglês de Sousa, basicamente naquilo que ele voltava a
apresentar como plano para a reformulação da escola normal.
A seguir será analisada, a presença de, outra voz que buscava interferir nos caminhos,
que estavam sendo traçados para a reorganização, do ensino normal na Província de São
Paulo. Desse modo, o jornal a que se referiu Ferreira Braga será uma fonte para conhecer os
debates suscitados no ambiente exterior à Assembléia Provincial.
140
3.2 Reforma da instrução pública de São Paulo: o embate entre os modelos
de formação
Hilsdorf (1986), ao estudar o itinerário de Rangel Pestana, informa que Inglês de
Sousa foi amplamente combatido no jornal A Província de São Paulo
138
por causa de seu
projeto de abertura da escola normal. Conforme Hilsdorf (1986), Rangel Pestana posicionou-
se contrário à abertura da escola normal por compreender que o plano desenvolvido por Inglês
de Sousa era “[...] atrasado 50 anos e indigno de um liberal” (PESTANA, apud HILSDORF,
1986, p. 220). Para a autora (1986), quatro eram os problemas diagnosticados por Rangel
Pestana no projeto desenvolvido por Inglês de Sousa. São eles:
[...] 1º) estava fundamentado na idéia de que o conteúdo ministrado na
Escola Normal se identificava àquele ensinado na escola primária; 2º)
cuidava apenas da formação intelectual dos alunos-mestres,
descuidando dos aspectos morais e físicos; 3º) não valorizava a
profissão atribuindo ao professor normalista baixos salários e
reforçando indiretamente, a procura pelos candidatos à outras vias de
acesso aos cargos (exames, nomeações, etc.) menos custosas; 4º) não
admitia aumento de despesas, com argumento da improdutividade do
uso desses recursos (HILSDORF, 1986, p. 220).
Lendo as notícias e debates que circularam no jornal A Província de São Paulo,
durante o período em que Inglês de Sousa apresentou seu projeto de abertura da Escola
Normal de São Paulo e depois o projeto substitutivo, é possível perceber que as discussões
sobre o modelo de escola normal a ser adotado não ficaram restritas aos debates
parlamentares. Rangel Pestana, por intermédio da imprensa periódica foi ferrenho adversário
que o projeto teve que enfrentar.
Começando uma série de artigos, a partir de 15 de fevereiro de 1880, em que buscava
apresentar as deficiências do projeto que era levado à apreciação dos deputados provinciais,
Rangel Pestana publica o projeto que Inglês de Sousa havia elaborado.
Nessa primeira versão do projeto, Inglês de Sousa apresenta aos deputados provinciais
a estrutura curricular que acreditava deveria fazer parte do curso e as matérias que garantiriam
a formação dos professores que iriam atuar nas escolas de primeiras letras. No art. 3.º do
138
Para conhecer a história do jornal A Província de São Paulo a atuação de seus editores no campo educacional
e os debates relacionados com instrução pública que circularam em suas páginas, ver os estudos de Paris
(1980), A educação no império: o jornal A Provincial de São Paulo – 1875-1889 e também o estudo de
Hilsdorf (1986), Francisco Rangel Pestana: jornalista, político, educador.
141
projeto, anuncia que o curso deveria ser realizado em três anos e nesse tempo os alunos
normalistas deveriam cursar apenas quatro cadeiras. São elas:
Primeira cadeira: de grammatica e lingua portugueza. estudos praticos
de estylo.
Segunda cadeira: de geographia e história patria, e especial da
provincia.
Terceira Cadeira: de Arithmetica e de geometria plana.
Quarta cadeira: de pedagogia e methodologia (A PROVINCIA DE
SÃO PAULO, 1880, ano VI, n. 1493, p. 1).
Diferente daquele que posteriormente apresenta como substitutivo ao da Comissão de
Instrução Pública, por não trazer as matérias de ensino que faziam parte das atribuições de
ensino dos professores de primeiras letras (ler, escrever, contar e rezar), esse deixa de fora o
ensino da Doutrina Cristã, matérias de ensino considerada essencial na formação do cidadão
do Império. Faltam ainda os exercícios de intuição ensinados na Cadeira de Pedagogia e
Metodologia.
Na coluna designada S. Paulo, 18 de fevereiro, Rangel Pestana, como redator do jornal
A Provincia de São Paulo, declara para os leitores:
O projecto exige estudo e reflexão. Por isso louvando a idéa da
reabertura da Escola, nos reservamos o direito de discutir em detalhes
o projecto, sem espirito de opposição, sem paixão partidaria, porque
quando se trata da instrucção publica devemos todos ser de
preferencia – brazileiros.
139
É sob a influencia unica do desejo de bem servir á educação do povo
que emitiremos nossa opinião sobre esse projecto que julgamos
defeituoso e deficiente (A PROVÍNCIA DE SÃO PAULO, 1880, ano
VI, n. 1496, p. 1).
Em artigo intitulado A Escola Normal, os redatores do jornal A Província de São
Paulo, utilizando-se das análises de um político conservador, explicitam como compreendiam
o projeto apresentado por Inglês de Sousa. No relatório do
[...] barão dos Tres-Rios, á pagina 26, encontram-se as seguintes
palavras: ‘Não comprehendo escóla normal pautada pelo molde
acanhado de uma mediocre escóla de instrucção primaria; a que
funccionava na capital muito longe estava de satisfazer as exigencias
de um estabelecimento modelo: para isso tudo faltava’ Contendo uma
verdade evidente na primeira parte, quando se a considerar á luz dos
principios, esta phrase, embora partida de um adversario politico, não
139
A expressãodevemos todos ser de preferência brasileiros acredito ser uma ironia feita ao deputado que
havia proposto o programa de reabertura da Escola Normal. Em outros artigos, Rangel Pestana declara que a
reforma é coisas para inglês ver, ou seja, não sairia do papel, ficaria apenas como projeto.
142
atraiçõou a imparcialidade do juizo, daquelle que á luz dos mesmos
principios estudou a escóla normal do dominio conservador. A Escóla
Normal é, com effeito, a pedra angular sobre a qual se ergue a
organização escolar de qualquer paiz. Entretanto, quando
esperançados por aquellas consoladoras palavras, todos imaginavam,
que a supprimida instituição ia reapparecer, modelada segundo mais
vastos planos, o aleijão conservador surge em plena assembléa liberal,
como o salus populi, mais mutilado e rachitico, no projeto do sr.
deputado Inglez de Souza. Aquella escóla normal que o sr. Batpista
Pereira não comprehendia, – a Escola Normal pautada pelo molde
acanhado de uma mediocre escóla de instrucção primaria, se levanta!
O projecto do sr. Inglez de Souza é realmente desanimador e não
corresponde ao fim da instituição. Entretanto, aproveitada a idéa da
abertura da Escóla Normal, cumpre á assembléa legislar adaptando
um plano mais largo, tanto mais quando as palavras de um liberal
distincto e delegado do governo ahi estão com o dr. Inglez de Souza
em manifesta contradicção, inquinando a outra escóla de instituto
inservível (A PROVINCIA DE SÃO PAULO, 1880, ano VI, n. 1499,
p. 1, grifos do autor).
Para os editores do jornal A Provincia de São Paulo, a Escola Normal constituiria em
um plano de reforma da instrução pública, pedra angular sobre a qual deveria ser organizado o
modelo escolar de qualquer país. Consideravam, por essa razão, que o modelo de ensino
normal proposto era “[...] já por si incapaz de satisfazer as exigencias actuaes, e peiora as
condições do elemento de civilisação mais poderoso com que o presente e o futuro podem
contar” (A PROVINCIA DE SÃO PAULO, 1880, ano VI, n. 1499, p. 1).
Segundo os editores, o projeto seria deficiente por ser organizado como um modelo de
Escola Normal Primária, preocupada apenas em ensinar as matérias que os professores
utilizariam diretamente na prática pedagógica, não dando atenção à necessária ilustração do
docente, portador das luzes do saber com a qual seriam fomentadas “[...] as refórmas
regeneradoras do futuro” (A PROVI NCIA DE SÃO PAULO, 1880, ano VI, n. 1499, p. 1).
Por não perceberem possibilidades, regeneradoras da mentalidade da população, no
projeto apresentado por Inglês de Sousa, os editores do impresso acreditam que a proposta era
um programa antiliberal e antipedagógico que não condizia com o que professava o Partido
Liberal, do qual Inglês de Sousa era membro. Também era editor do jornal que fazia circular
as idéias liberais. Por essas razões, faz circular, em 10 de abril de 1880, uma avaliação do
projeto e de como percebiam o conhecimento que Inglês de Sousa possuía do tema.
Entende o sr. Inglez de Souza que a Escola Normal só deve ensinar o
que fôr necessario ao ensino publico e ensinar de modo que o alumno-
mestre que conhecendo a meteria profundamente e por sua vez apto
para ensina-la bem. Não disse porém, o que é necessario ao ensino, e a
143
julgarmos pelo seu projecto, o intelligente deputado anda muito
atrazado em materia de educação nacional, e cincoenta annos afastado
da epocha em que recebeu o mandato de legislador. O sr. Inglez de
Souza confundiu duas cousas distinctas: o aprofundamento de
materias especiaes do curso, as que fazem parte do ensino geral nas
escolas primarias, e o estudo de materias necessarias à instrucção do
professor, ao alargamento de sua mentalidade, ao desenvolvimento do
gosto pelo estudo das sciencias que se prendem á vida. Este modo de
encarar o problema da instrucção publica não é proprio de um liberal,
porque o achatamento da intelligencia do professor pelo ensino
esclusivo de determinadas materias, como as exigidas no projecto e
mesmo no substitutivo de s. s., não desperta o desejo de adquirir
conhecimentos uteis ao homem nas sociedades modernas e preparar o
professor para uma industria. não é, porém, esta a missão do mestre
incumbido do ensino popular (A PROVINCIA DE SÃO PAULO,
1880, ano VI, n. 1509, p. 1).
É preciso compreender que Rangel Pestana, além de ser um dos principais donos do
jornal A Provincia de São Paulo e redator, também é político representante do Partido
Republicano, adversário dos liberais, em sua maioria monarquistas e algumas vezes também
católicos.
140
Tinha suas certezas quanto ao significado da instrução pública como elemento de
civilização e a escola como local para se ilustrar o futuro cidadão republicano e fomentar,
segundo suas palavras, as reformas regeneradoras do futuro.
141
Rangel Pestana é crítico
mordaz do projeto de Inglês de Sousa, não somente por acreditar que o regulamento era
atrasado, mas também por ser Inglês de Sousa, naquele momento, voz que estava se
projetando como autorizada sobre o tema da instrução pública. Teorizava Inglês de Sousa
sobre a instrução pública sem nunca ter exercido a atividade de professor, ao passo que
Rangel Pestana, ao longo da década de 1870, havia atuado dirigindo, lecionando e criando
escolas. Desse modo, era uma voz muito mais “autorizada” para julgar quais os caminhos a
instrução pública deveria seguir na Província.
142
140
Em um dos debates que é realizado na Assembléia Provincial e São Paulo, em 1881, quando se discute a
subvenção de escolas particulares, o deputado Rodrigo Lobato lembra aos membros da Assembléia que, ao
negarem a subvenção ao Colégio Bom Conselho, de Taubaté, dirigido por irmãs de caridade, não estavam
indo somente contra aquela instituição de ensino, mas “[...] contra o catholicismo que é a religião do Estado,
que é a religião da provincia de S. Paulo, que é a religião dos membros da assembléa!” (AALPSP, 1881, p.
106). Afirmação que foi rebatida por poucos membros da câmara.
141
Paris (1980) em seu estudo A educação no império: o jornal A Provincial de São Paulo – 1875-1889 é uma
fonte secundária importante para se ter o primeiro acesso ao que foi publicado, no jornal A Provincial de São
Paulo, em relação à instrução pública. Os anexos disponibilizados pela autora, em ordem cronológica, das
discussões que foram realizadas no impresso sobre o significado da educação no Segundo Império,
constituem-se como um bom lugar para encontrar objetos para pesquisa.
142
Para conhecer a atuação de Rangel Pestana como educador, ver Hilsdorf (1986), Francisco Rangel Pestana:
jornalista, político, educador, principalmente no capítulo, O educador e a escola, em que discute a atividade
desse político e sua relação com a educação popular.
144
A formação que Inglês de Sousa acreditava ser a melhor para os professores das
escolas primárias, segundo Ferreira Braga, seguia um caminho contrário ao que a Comissão
de Instrução Pública pretendia para o professorado. Esse fato ocorria, de acordo com o
deputado, por Inglês de Sousa ter como referência a instrução pública da Prússia e mostrar
grande predileção pelo sistema germânico. Dirigindo-se a Inglês de Sousa, o membro da
comissão declara:
Releve, porém, o nobre deputado, que não aceitemos o modelo, por
circumstancias especialissimas e conhecidas de todos, e que dizem
respeito ao adiantamento intellectual daquelle povo que progride, é
certo, mas em que o absolutismo campeia, e marca limites á
instrucção das ultimas camadas sociaes. Inclinamo-nos antes para as
escolas primarias e curso normaes dos Estados-Unidos, dignos de
serem por todos os povos americanos estudados, meditados e
imitados, porque alli ninguem jamais cogitou de examinar em que
proporções devia ser distribuido o pão da sciencia: ao passo que o
nobre deputado, julga que deve ser applicado em pequenas dózes,
como lhe aconselha o systema dos allemães (AALPSP, 1880, p. 403).
Para Ferreira Braga, não bastava fazer “[...] professores, cumpre fazer-se cidadãos”
(AALPSP, 1880, p. 403). Com esse pensamento, revela o deputado a fonte em que foi beber
as principais idéias que faziam parte de seus argumentos em favor de um “modelo” norte-
americano para a formação dos professores para as escolas de primeiras letras.
O minimo da educação nos Estados-Unidos, diz Hippeau, não póde
estar abaixo da instrucção que todo o homem deve possuir para
desempenhar os seus deveres para com a sociedade e o Estado, para
dar como jurado, testemunha, eleitor, um concurso intelligente a tudo
o que interessa os negocios do munnicipio ou da nação. O alumno-
mestre, o professor deve passar successivamente por todos os gráos do
ensino elementar, leitura, escripta, orthographia, principios de
grammatica, calculo, desenho; a estes conhecimentos accrescente-se,
litteratura, historia, geometria, algebra, chimica, physica, sciencias
naturaes, e geographia (AALPSP, 1880, p. 403).
Para Ferreira Braga, o projeto que produziram deveria ser implementado, pois já havia
sido testado e aprovado pela opinião popular. Conforme o deputado, o projeto era uma versão
modificada do que era “[...] adoptado pela escola normal da provincia do Rio” (AALPSP,
1880, p. 403).
143
143
Para compreender a história da Escola Normal de Niterói, ver o estudo de Villela (1990), A primeira escola
normal do brasil: uma contribuição à história da formação de professores, e Villela (2002) no estudo Da
palmatória à lanterna mágica: a Escola Normal da Província do Rio de Janeiro entre o artesanato e a
formação profissional (1868-1876).
145
Colocando-se contra as pretensões de Inglês de Sousa de utilizar como referência o
modelo alemão para organizar o Projeto da Escola Normal, Ferreira Braga afirma que melhor
seria que fosse utilizado o padrão implantado nas escolas dos Estados Unidos e da Bélgica.
Dirigindo se a Inglês de Sousa, esclarece:
S. exc. quis dotar a provincia de S. Paulo com uma escola normal
talhada pelo molde prussiano, nós organisamos o substitutivo tendo
deante de nós as escolas belgas, as dos Estados-Unidos, onde a
instrucção publica merece e prende a attenção dos estados, dos
municipios, do povo emfim. Neste assumpto s. exc. enchergou por um
prisma opaco, nós outros, por um diametralmente opposto, diaphano
(AALPSP, 1880, p. 404).
Ao prosseguir com seus esclarecimentos, o deputado Ferreira Braga apresenta uma das
razões pelas quais os membros da Comissão de Instrução Pública acreditavam que no Brasil o
melhor exemplo deveria ser tomado dos Estados Unidos e não da Alemanha. Seguindo seu
raciocínio, Ferreira Braga, explica:
Permitta o meu nobre amigo [Inglês de Sousa] que siga e adopte
opinião contraria a essa [sobre o ensino normal], porque legislamos
para o Brazil, paiz americano, em que as tendencias do povo, sugeitas
a influencia climatericas diversas e em completo antagonismo de
raças, são outras mais distinctas, mais elevadas e varias do que as da
Prussia (AALPSP, 1880, p. 404).
Conforme Chartier (1990), as formas pelas quais o social é percebido e dado a ver a
uma comunidade, de leitores ou ouvintes, são estratégias que se configuram como práticas
(sociais, escolares, políticas) em que se procura instaurar “[...] uma autoridade à custa de
outros, por elas menosprezados, a legitimar um projecto reformador ou justificar, para os
próprios indivíduos, suas escolhas e condutas” (CHARTIER, 1990, p. 17).
As lutas de representação nesse sentido são lutas entre modelos, ideais, que buscam se
tornar referência para resolver questões mais amplas, não somente para responder àquelas que
imediatamente são evocadas. Desse modo, é preciso situar a discussão em um campo que está
em disputa, em concorrência cujos desafios se anunciam em termos de poder e competição.
Barbanti (1977) ao estudar as origens das Escolas americanas de confissão protestante
na província de São Paulo oferece um panorama interessante para se projetar as lutas de
representação em um campo movediço e ao mesmo tempo singular em que é possível
perceber os meios pelos quais a realidade é, de forma contraditória, construída pelos atores
que disputam os espaços de fala autorizada, sua própria existência e identidade social em um
mundo em transformação.
146
Conforme Barbanti (1977), na segunda metade do século XIX,
A Província de São Paulo tinha-se tornado o novo centro cultural do
país, palco de agitadas manifestações de ideais liberais e democráticos
que, no campo da educação, reivindicavam o modelo americano da
escola para todos, científica e prática. Quanto ao aspecto religioso,
São Paulo via disseminar-se o Protestantismo professante, através do
trabalho missionário da Igreja Presbiteriana Americana (BARBANTI,
1977, p. 2).
Nas décadas de 1860 e 1870, a Província de São Paulo vê prosperar iniciativas
particulares no campo educativo, com a criação de escolas dirigidas por americanos, em sua
maioria pastores protestantes, que se tornam referência para um amplo grupo de intelectuais
descontentes com a realidade brasileira. Em seus estudos sobre as escolas americanas de
confissão protestante Barbanti (1977) observa que a essas instituições educacionais muitos
indivíduos e grupos se juntaram como financiadores. Entre eles, conforme a autora (1977),
liberais, republicanos, maçons e anti-clericais que buscavam fazer frente ao regime
monárquico e sua religião oficial, representante da mentalidade católico-conservadora. Para a
autora (1977) os implicados nessas ações de manutenção e expansão das escolas americanas
de fé protestantes
[...] eram, pois, todos aqueles que na Província de São Paulo,
desejosos de colocar o país à altura do século, reivindicavam a
mudança das condições religiosas, culturais e políticas para realizá-la:
protestantes, liberais, republicanos, positivistas, a-católicos, maçons e
anti-clericais” (BARBANTI, 1977, p. 152).
Indivíduos e grupos distintos, mas que comungavam de um mesmo interesse, atribuem
às escolas americanas um papel importante nas décadas de 1860 e 1870. Para eles os
ensinamentos propostos pelo protestantismo serviriam como base para que se criasse uma
outra cultura (pedagógica) no Brasil. Segundo Barbanti (1977, p. 42), para compreender as
razões que fizeram com que grupos tão díspares em suas bases doutrinárias e filosóficas se
interessassem pelas escolas americanas, e o que nelas era ensinado, é preciso em primeiro
lugar considerar
[...] a idéia das vinculações do catolicismo com o espírito aristocrático
e conservador e os velhos método pedagógicos, e a visão do
protestantismo como versão religiosa dos ideais liberais e
democráticos de que estavam imbuídas as lideranças políticas e
culturais da Província de São Paulo, na época também ansiosas por
uma revolução educacional (BARBANTI, 1977, p. 45).
147
Por esse motivo, segundo Barbanti (1977), o interesse nos ideais americanos sobre o
ensino funcionou, nesse período, como ponta de lança
144
que permitiria que se abrissem
caminhos para a mudança de mentalidade em relação aos modelos pedagógicos na Província,
o que por extensão, acreditava-se também, poderia fomentar a mudança da sociedade
brasileira. O interesse pela realidade, econômica, cultural, filosófica, administrativa e
educacional que os protestantes construíram nos Estados Unidos era oposta à situação que o
Brasil vivia naquele período, ou seja,
Enquanto que a sociedade provincial, sacralizada pelo catolicismo
tridentino, era hierarquizada, elitista e aristocrática, pondo ênfase nas
estruturas e não nas pessoas, as quais em sua maioria exibiam uma
concepção de vida de fatalismo e impotência, os valores protestantes
afirmavam que o homem está destinado a ser livre, que não há
estrutura sagradas, que todos os homens são sacerdotes (sacerdócio
universal dos crentes), o que pressupõe uma sociedade fraterna,
democrática, e, finalmente, que é através do trabalho e da disciplina
que o homem adquiri poder para conquistar o mundo. Em suma,
protestantismo era olhado como estruturalmente diferente do
catolicismo e com possibilidade de vir a ‘engrossar as vanguardas
políticas e culturais que no século XIX lutavam para o rompimento do
‘status quo’ (BARBANTI, 1977, p. 146).
A questão do ensino popular, como meio de reverter o quadro político e administrativo
da Província, ou mesmo do Brasil, entra na ordem do dia. O tema então passa a ser encarado
como um problema prioritário, de ordem política, quer por liberais, republicanos, positivistas,
a-católicos, maçons e anti-clericais. A reforma da educação, com base nos ideais da sociedade
norte-americana, passa a ser vista como meio de reformar a sociedade.
144
A introdução de um pensamento pedagógico americanizado na Província de São Paulo, segundo Barbanti
(1977) funciona em sentido de mão-dupla, ou seja, do mesmo modo que servia aos intelectuais interessados
na modernização do Brasil por intermédio da escola, também servia para os americanos como meio de fazer
circular sua forma de pensar para todo um continente possível de ser explorado, no duplo sentido. Desse
modo segundo a autora, não pode ser esquecido “[...] que as escolas protestantes americanas tinham
evidentes fins de proselitismo, funcionando como agências catequéticas: a manutenção de estabelecimentos
de ensino acadêmico representava na realidade, uma das técnicas de evangelização mais largamente
empregadas pela Igreja Reformada na América” (BARBANTI, 1977, p. 42). Dessem modo a educação
formal “[...] serviu ao Protestantismo como elemento de penetração e apoio das atividades catequéticas. Com
essa finalidade, ao lado da escola Dominical, as igrejas protestantes procuravam instalar uma escola
paroquial de primeiras letras, ‘escola da missão’, que, em centros estratégicos, transformavam-se em colégios
de nível secundário e mesmo em escolas superiores” (BARBANTI, 1977, p. 110). Mas a autora (1977) alerta
para o fato de não ser somente em razão de interesses espirituais, econômicos ou da Guerra de Secessão que
os norte americanos se interessaram pelo Brasil, mas também em prol do movimento “Manifest-destiny”, que
em sua base cultural afirmava ser os Estados Unidos da América a nação escolhida por Deus para civilizar os
outros povos, das Américas ou do Oriente. Desse modo, “[...] milhares de americanos, movidos pela crença
na América e seu infinito progresso, pensaram levar a imagem de seu país para o Ocidente [...]. A
determinação e persistência desses aventureiros supunham um espírito pioneiro fundamental, alimentado pela
vigorosa vida da jovem América. A necessidade espiritual de caminhar para o Ocidente e expandir a América
foi concebida como ‘o manifesto destino da nação’” (BARBANTI, 1977, p. 66).
148
Se no final da década de 1860 e durante a década de 1870, o modelo alemão apresenta-
se como um dos melhores exemplos a serem seguidos por entusiastas, que miravam as
conquistas que aquela nação havia obtido em várias esferas (militar, política, educacional), e
mesmos por adversários vencidos, no início da década de 1880, não é possível dizer o mesmo.
O modelo alemão não é mais a única referência. Warde (2000), ao estudar a configuração do
americanismo, como modelo moderno que é oferecido à parte da intelectualidade brasileira, a
partir de meados do século XIX, registra que, nesse período, “[...] os Estados Unidos vão se
afigurando nos ensaios utópicos das elites intelectuais e no imaginário social como a terra
prometida, sem as mazelas da Europa envelhecida e conflituosa” (WARDE, 2000, p. 37).
145
Ao ler os debates em torno dos modelos pedagógicos, oferecidos como meio para se
organizar a Escola Normal de São Paulo, no ano de 1880, pode-se perceber a concorrência
entre duas formas, uma pautada no modelo alemão e outra nas experiências desenvolvidas nos
Estados Unidos da América, que não são antagônicas, mas possuem perspectivas diferentes
quanto aos meios de preparar os professores para a docência nas escolas primárias. As duas
concordam que a formação do professor deve ser realizada na escola normal, modelo
alemão
146
já disseminado e aceito como aquele que melhor poderia modelar os futuros
mestres das aulas de primeiras letras, com o controle necessário para permitir a padronização
do ensino na Província. As maiores divergências são em relação ao tempo para essa formação
e as matérias/saberes que capacitariam os professores, ao mesmo tempo em que poderiam
garantiriam a incorporação das normas e valores da profissão, ou seja, a homogeneização do
saber docente. Desse modo, questionavam se deveriam oferecer maior ou menor ilustração ao
professor, quais matérias comporiam as cadeiras que deveriam, de forma obrigatória, ser
145
Ver por exemplo a grande admiração que um intelectual liberal, como Tavares Bastos (1870), nutria pelos
Estados Unidos da América. Em seu sua obra A Província: estudo sobre a descentralisação no Brazil, Bastos
(1870), enaltece a fórmula política de governo que prevaleceu nos Estados Unidos da América, observando
que o modelo federativo, além da liberdade de religião e de ensino, teria sido o responsável por ter
transformado aquele país no mais poderoso da América. Se quiséssemos ter o mesmo destino havíamos de
nos espelhar naquela nação e assim formar uma “[...] monarchia federativa com presidentes eleitos”
(BASTOS, 1870, p. 38). Completa o autor: “Os americanos do norte, dice-o um grande pensador, estão
insaiando o ideal de governo do futuro. Uma descentralização completa, combinada com a intervenção
constante da soberania popular, eis os traços principaes do seu systema político. E agora digam aquellles que
da descentralisação receiam a fraqueza do poder, digam si o governo dos Estados-Unidos é fraco, si jamais os
representantes de algum povo fizeram-se respeitar melhor no mundo” (BASTOS, 1870, p. 57). Sobre a
instrução pública assevera Bastos (1870, p. 247) “Dispam-se dos prejuizos europeus os reformadores
brazileiros: imitemos a América. A escola moderna, a escola sem espirito de seita, a escola commum, a
escola mixta, a escola livre, é a obra original da democracia do Novo-Mundo”.
146
Sobre as condições de emergência das escolas normais no mundo moderno, ver Villela (1990) em seu estudo
sobre A primeira escola normal do Brasil: uma contribuição à história da formação de professores. A autora
situa o aparecimento das escolas normais como obra do movimento pietista na Alemanha, como contraponto
a uma formação do tipo espontaneista. Para os pietistas, segundo Villela (1990, p. 42), “[...] mestres não são
improvisados, mas devem receber uma formação adequada inclusive com conhecimento da ‘alma infantil’”
(grifos da autora).
149
cursadas por todos os alunos, independente se estivessem começando a formação ou se já
possuíssem experiência como professores nas escolas públicas oferecidas pela Província.
Macedo (1876), ao apresentar a obra que escreveu como forma de discutir as questões
relativas ao Ensino Normal Primário oferecido nas escolas alemãs, revela um fenômeno
interessante. Em sua apresentação, informa:
Seria ocioso em nossos dias encarecer a superioridade de uma
Didactica popular que, de puramente germanica, que era outr’ora, vai-
se tornando insensivelmente cosmopolitica, e passa por ser a mais
propria para regenerar os povos decahidos. Na America, ha muito
tempo que ella emigrou para os Estados-Unidos levada por milhões de
individuos daquella raça, hoje confundidos com a raça Anglo-
Saxonia. Dahi provem os numerosos pontos de analogia, que tem o
systema de instrucção publica nort’americano com o que se pratica em
toda a Allemnha (MACEDO, 1876, p. I, grifos do autor).
Há um deslocamento nos registros discursivos sobre qual país deveria ser o exemplo a
ser seguido pelos brasileiros. Acontecimento histórico, que é iniciado como um processo de
incorporação, seletiva, de outros padrões culturais
147
revela-se com o tempo mais eficiente
que aquele que serviu como modelo. Desse modo, é que a partir de meados do século XIX:
[...] portanto duas a três décadas somente após a declaração da
independência, começaram a circular no Brasil, particularmente nos e
a partir dos centros urbanos do Sudeste (São Paulo, em especial), teses
segundo as quais as chances do Brasil trilhar o caminho do progresso
estavam em se espelhar não mais no Velho Mundo, mas no Novo
Mundo, ou seja, nos Estados Unidos (WARDE, 2000, p. 37).
Relatando a viagem do engenheiro Paula Souza, em 1869, com o objetivo de se
aperfeiçoar nos Estados Unidos, Warde (2000) declara que, em cartas para um amigo no
Brasil, o estudante,
[...] expressa seu entusiasmo com o padrão de educação que ele
observava: ‘Nós, míseros cidadãos brasileiros, não temos idéa, nem
podemos ter, do immenso apreço em que o yankee tem a eschola. É
uma das principaes, sinão a principal questão, do condado, da cidade.
Os homens mais activos e conceituados são eleitos para fazer parte do
conselho de educação [...] É que a educação é para o americano do
norte como a carne e o pão de que necessitam todos os dias. Por isso é
147
Warde (2001) ao analisar os meios pelos quais o americanismo prevalece como projeto cultural de referência
para a organização do campo educacional brasileiro, em fins do século XIX, e se torna hegemônico nas
quatro primeiras décadas do século XX, enfatiza que o americanismo é produto de apropriações de outros
padrões culturais, na construção de sua identidade, desencadeado com base em “[...] uma política de
sistemática e de longo prazo de esquadrinhamento de todas as demais sociedades para a apropriação e difusão
“seletiva” de padrões culturais vigentes em tais agrupamentos societários” (WARDE, 2001, p. 10).
150
também o povo o mais instruído, o mais activo, o mais livre e o mais
poderoso do mundo’ (WARDE, 2000, p. 39).
Ao que parece, são essas as representações que vão constituir e servir como mote para
que alguns deputados não se sentissem mais atraídos pelo modelo alemão. Em seu lugar,
pretenderem que a Escola Normal de São Paulo, de 1880, tivesse como referência o modelo
pedagógico que acreditavam era representativo da modernidade a que os Estados Unidos
haviam chegado.
Outro ponto em que havia divergência entre o projeto da Comissão de Instrução
Pública e o que Inglês de Sousa havia desenvolvido, assim como as novas proposições que
apresentava à Assembléia Provincial, dizia respeito à freqüência ao curso normal pelos
pretendentes ao título de normalista. Para Inglês de Sousa, a freqüência deveria ser obrigatória
para todos os candidatos, assim o curso seria feito essencialmente de forma presencial. Já para
Ferreira Braga e os deputados que assinavam o projeto, a freqüência à instituição deveria ser
obrigatória apenas para os candidatos sem experiência na docência. Chamando a atenção da
Assembléia e de Inglês de Sousa, o defensor do projeto da Comissão de Instrução Pública
pronuncia:
S. exc. o sr. dr. Inglez de Souza, sectario do systema prussiano sobre
este assumpto, entendeu que os professores actuaes deviam frequentar
o curso normal, ao passo que nós demos plena liberdade para que
estes não o frequentando, mas collocados á testa de suas cadeiras
primarias, podessem vir em tempo que lhes fôr designado, disputar o
diploma de normalistas, independente da frequencia, sujeitando-se
apenas ao exame vago das generalidades que compoem o curso
annexo (AALPSP, 1880, p. 405).
Para Inglês de Sousa, essa proposição não era interessante, pois mesmo que pudesse
haver lucro para a Província, uma vez que os professores não precisariam se ausentar de suas
respectivas atividades como docentes a escola normal não cumpriria uma de suas funções que
seria padronizar o método utilizado pelos professores do ensino primário ao mesmo tempo em
que formaria/moldaria as expectativas e subjetividade desse agente a quem o Estado confiaria
a formação dos futuros cidadãos do Império.
148
A acusação imputada a seu projeto, segundo Inglês de Sousa, de tornar o ensino
normal limitado, não era verdadeira, pois umas das características dessa modalidade de
148
Conforme Villela (1990), as escolas normais nascem como uma necessidade para a formação dos professores
quando estavam se constituindo os estados nacionais europeus. Tem-se então como entendimento que “[...]
formar um professor público significa formar um individuo com uma dupla missão: transmitir os bens
culturais que garantiriam a unidade das nações e ao mesmo tempo, através da disciplinarização e dos
ensinamentos morais, facilitar o controle do Estado sobre seus cidadãos” (VILLELA, 1990, p. 23).
151
instrução era o aprofundamento em matérias que tivessem utilidade prática na docência.
149
Como o tempo delimitado para o aprendizado era relativamente curto, não se deveria
sobrecarregar o ensino com matérias que não fariam parte do repertório utilizado para
ministrar as aulas nas escolas elementares. Isso não faria do professor um profissional menos
capacitado, pois estaria fazendo o que dele era esperado no ensino.
Rebatendo a crítica de que seu projeto era limitado, Inglês de Sousa esclarece para os
deputados da Assembléia Provincial de São Paulo:
O facto de excluir-se do programma do ensino normal o conhecimento
do francez, e noções de historia não faz do professor essa entidade
chata, de que fallou um dos membros da nobre commissão de justiça.
Trata-se de formar professores, e o que é indispensavel é ministrar-
lhes conhecimentos necessarios á sua profissão (AALPSP, 1880, p.
454).
Para Inglês de Sousa, a “A funcção da escola normal primaria, seria fazer com que o
professor estudasse as materias do ensino que vae administrar”
150
(AALPSP, 1880, p. 455).
Nesse sentido, aponta o principal problema identificado no projeto da Comissão de Instrução
Pública. Conforme Inglês de Sousa, limitar o ensino oferecido aos alunos-mestres seria um
“[...] ponto essencial para que se não confunda uma escola normal primaria, com um instituto
secundario” (AALPSP, 1880, p. 455).
151
Depois de muitas discussões, e também negociações, sobre qual seria o melhor
modelo a se adotar para a reabertura da Escola Normal de São Paulo, em meio a ataques dos
deputados contrários ao projeto substitutivo, de Inglês de Sousa, e mesmo do jornal A
Provincia de São Paulo, na voz do seu principal articulador, Rangel Pestana, finalmente o
dispositivo foi aprovado. Anuncia-se no jornal A Provincia de São Paulo, de 25 de maio
1880, que o projeto de Inglês de Sousa havia sido sancionado e que seria publicado na íntegra.
149
Proposição que fazia parte do regulamento para a organização das escolas normais primárias do governo da
Prússia de outubro de 1872 “§ 10. O ensino que receberem os normalistas deve pela sua fórma servir de
modelo ao que elles mesmos tiverem de dar mais tarde como professores” (MACEDO, 1876, p. 165).
150
Supondo que Inglês de Sousa tenha lido e se apropriado de parte das reflexões sobre o ensino normal
veiculadas nos apontamentos de Macedo (1876), sobre o ensino normal primário na Alemanha, suas
sugestões seguem a lógica que aquele intelectual diz ser a mais correta a se organizar a aprendizagem dos
futuros professores das escolas de primeira letras. Macedo (1876), em seus apontamentos sobre o ensino
normal primário, analisa as obrigações que incubem a essa modalidade de ensino. Para ele (1876, p. 17) “[...]
Não se trata d proporcionar aos alumnos uma multidão de conhecimentos variados e indefinidos, como se
fosse uma escolha do que ha mais digno de saber-se. Ao contrario, antes de tudo devem-se ensinar os dous
ramos principais de toda e qualquer instrução destinada a formar e ennobrecer o espirito do homem, isto é, de
um lado a Historia, Religião e Litteratura, e de outro lado a Sciencia Natural e Mathematicas” (grifos do
autor).
151
Segundo Inglês de Sousa, a ilustração pretendida pela Comissão de Instrução Pública não seria viável de ser
adquirida em dois anos, como o substitutivo previa. A ilustração deveria ser buscada em outra instituição que
oferecesse o ensino secundário e tivesse como meta não formar professores para as escolas de primeiras
152
O projeto de reforma foi aprovado em 16 de abril de 1880 e sancionado em 25 de abril
de 1880, pelo presidente da Província de São Paulo, Laurindo Abelardo de Brito, com a Lei
n.º 130. No projeto aprovado, no art. 3.º, ficava determinado que o curso deveria ser realizado
em três anos. Com o aumento do tempo para se formar o professor na Escola Normal, o
regulamento determina que o aluno deveria cursar cinco cadeiras. Desse modo, o ensino
normal passa a se constituir como um percurso que necessariamente deveria ser realizado por
todos aqueles que desejassem atuar como professores na Província de São Paulo. As cadeiras
e as matérias que deveriam ser cursadas em cada etapa da formação eram obrigatórias. Todos
deveriam passar pela mesma disciplina e pelos mesmos rituais de formação. As cadeiras
previstas eram:
1.ª – cadeira: grammatica e lingua porgueza.
Estudos praticos de estylo e de declamação.
2.ª – cadeira: arithmetica e geometria.
3.ª – cadeira: geographia geral e historia do Braszil e especialmente da
provincia; historia sagrada.
4.ª – cadeira: pedagogia e methodologia, comprehendendo exercicios de
intuição. Doutrina christa.
5.ª – cadeira: francez e noções de physica e chimica (A PROVINCIA DE
SÃO PAULO, 1880, ano VI, n. 1503, p. 1).
152
Como se percebe, para que o projeto desenvolvido por Inglês de Sousa fosse
aprovado, teve que assimilar também parte do que pensava a Comissão de Instrução Pública a
respeito da organização das matérias do ensino normal.
Matérias não contempladas por Inglês de Sousa, por acreditar que eram supérfluas aos
professores do ensino primário, como Francês e noções de Física e Química, passaram a fazer
parte da redação final do projeto que criava e organizava as bases da Escola Normal de São
Paulo, de 1880, assim como os exercícios de intuição e a matéria Doutrina Cristã, que não
faziam parte de sua primeira proposta.
Conforme Tanuri (1979), a partir da aprovação da Lei n.º 30 de 25, de abril de 1880,
deixava a escola normal o modelo que tivera no passado. Para a autora, a instituição saía
Cont. da nota anterior
letras, mas bacharéis em humanidades.
152
Dias (2002), em seu estudo sobre os Professores da Escola Normal de São Paulo (1846-1890): a história
não escrita, informa que os docentes que ocuparam as cinco cadeiras foram nomeados interinamente e
posteriormente empossados definitivamente; para a primeira cadeira, foi nomeado o professor Vicente
Mamede de Freitas, tornando-se também diretor da instituição; para a segunda cadeira, o professor
Godofredo José Furtado; para a terceira cadeira, o professor José Estácio Corrêa de Sá e Benevides; para a
quarta cadeira, o professor Ignácio Soares de Bulhões Jardim; e, para a quinta cadeira, o professor Paulo
Burroul.
153
[...] dos estreitos limites da instrução primária em que nascera, para
atingir o nível pós-primário ou primário superior. Começava a
desmoronar a idéia limitada acerca do nível de capacitação que o
professor deveria ter, ou seja, a idéia de que o seu conhecimento
deveria restringir-se ao conteúdo a ser ensinado na escola primária
(TANURI, 1979, p. 36).
Discordando dessa avaliação, Barbanti (1970) pondera que apesar de significativas
melhorias como o curso ser realizado em três anos, com freqüência mista, professores
selecionados por concurso, maior número de matérias, instalação de laboratórios de Física e
Química e compra de livros no exterior para a biblioteca da Escola Normal da Província de
São Paulo.
153
O estudo das matérias pedagógicas continuou, porém inexpressivo:
resumida ao ensino da disciplina pedagogia e metodologia,
insolitamente vinculada ao da doutrina cristã, pela divisão de cadeiras,
a formação didática dos professores continuou sendo feita sem a parte
prática, embora duas escolas primárias anexas à Normal tivessem sido
instaladas, desde 1877, para a prática dos normalistas (BARBANTI,
1977, p. 38).
Ao analisar os debates relacionados com a forma que a escola normal deveria assumir,
percebe-se que não havia consenso sobre o que ela representava para a formação dos
professores, o tempo necessário para a aprendizagem e o modelo que deveria adotar. Apesar
de as primeiras experiências sobre formação de professores, em uma instituição modelar,
154
no Brasil, datarem, segundo Villela (2002), do ano de 1835, uma marca que acompanhou sua
institucionalização, segundo Tanuri (1979, 2000), foi a incerteza e as atribulações expressas
na contínua criação e extinção a que essas escolas de formação de professores estiveram
submetidas. Dias (2002), analisando essa assertiva, em estudo intitulado Professores da
Escola Normal de São Paulo (1846-1890): a história não escrita, revela que à fórmula
empregada por Tanuri (1979, 2000), para narrar a constituição do ensino normal nas
províncias, subjaz uma operação de apagamento, de forma inconsciente, de iniciativas
educacionais produzidas durante o Império e a exaltação dos empreendimentos republicanos
153
No regulamento para as escolas normais primárias do governo da Prússia, prescrevia-se que para o seu bom
funcionamento e facilitar o aprendizado do professor “[...] cada escola normal [...] [deveria] possuir, além de
uma boa bibliotheca, um bom gabinete de physica e, sendo possivel, um laboratorio de chimica, também uma
boa collecção dos mais notáveis e melhores objectos materiaes proprios para tornar bem sensivel as
demonstrações scientificas” (MACEDO, 1876, p. 166).
154
Nóvoa (1986, p. 28), ao analisar a história da profissão docente em Portugal, informa que a primeira metade
do século XIX foi “[...] dominada pelos debates em torno da institucionalização do ensino normal, onde os
professores [...] [aprendiam] os conhecimentos e as técnicas e [...] [incorporavam] as normas e os valores
próprios da profissão docente”. Modelar nesse sentido significa produzir o professor em uma instituição
especificamente destinada a tornar homogêneas as expectativas quanto à profissão docente e ao aprendizado
154
no campo educacional. Desse modo, segundo a autora (2002, p. 19), “[...] nossa história
educacional vem favorecendo a divulgação da versão de que só as realizações da República
conseguiram alcançar êxito”.
Villela (2005) ao discutir sobre o momento de enraizamento do modelo profissional de
formação instituído na escola Normal de Niterói em seu estudo Do artesanato à profissão:
representações sobre a institucionalização da formação docente no século XIX, declara que o
entendimento que as escolas normais no Brasil eram “plantas exóticas”, que nasciam e
morriam no mesmo dia, por ser uma importação de modelos estrangeiros ou que não
interessariam aos governantes conservadores a formação de professores, porque não viam
com interesse a instrução popular precisa ser revisto.
Na análise que realizou sobre a história da Escola Normal de Niterói, Villela (2005)
percebeu que as respostas podem ser mais complexas, uma delas se refere à realidade
sociocultural brasileira. Acredita que não se deva falar que a importação de modelos seja a
causa das dificuldades em se implantar o modelo de ensino normal no Brasil. Uma vez que a
existência de grupos articulados em torno da idéia de que a escola normal era um local
privilegiado para a formação dos professores aponta para o fato de que o objeto era disputado
entre setores interessados no tema da escolarização. A forma como as idéias, sobre o ensino
normal, foram apropriadas merece ser compreendida, porque as apropriações/usos são
diferentes do que o modelo prescreve. Processo que, segundo a autora (2005), pode ser
evidenciado com seu estudo sobre a Escola Normal de Niterói.
Em relação à escola de Niterói, foi possível confirmar que entre o
modelo de formação institucionalizada e as apropriações que foram
feitas, vários fatores entraram em ação, como as tensões entre grupos
que participavam do poder, a cultura dos professores que trabalhavam
com as disciplinas, as expectativas da comunidade (VILLELA, 2005,
p. 110).
Quanto à outra proposição, de que as escolas normais não prosperaram por haver
desinteresse na educação popular por parte dos políticos conservadores, daí o descaso em
defender a formação de professores para as escolas públicas, parece também não ter respaldo
em pesquisas históricas, pois segundo Villela (2005, p. 110-111),
[...] se tomarmos como exemplo ações de políticos conservadores
como Paulino José Soares de Souza [Visconde do Uruguai], liberais
como Américo Brasiliense ou intermediários como Rui Barbosa,
Cont. da nota anterior
dos discursos das técnicas pedagógicas.
155
veremos que não se reduzem à lógica partidária. Havia por parte de
todos esses homens, independentemente de sua filiação política, uma
representação positiva sobre a instrução popular como solução para
várias ‘mazelas’ do país.
Para Villela (2005) a hipótese mais viável para responder ao motivo das dificuldades
encontradas para a implantação definitiva do ensino normal, como instituição privilegiada
para se formar professores, é o fato de essa forma escolar de formação dos mestres das escolas
primárias, concorrer com um modelo artesanal de preparação docente. Ou seja, fora da escola
especializada os professores recebiam algum tipo de formação, assim o modelo
institucionalizado nunca foi o único existente.
155
Compreender a história educacional do Império somente pelo seu lado negativo tem
como conseqüência a cristalização do discurso “oficial” de que a Escola Normal produzida
durante o Império era desorganizada e atrasada quanto aos seus objetivos e como instituição
de formação de professores. É bom lembrar que o modelo de ensino normal que sai vencedor
da concorrência, em 1880, na Província de São Paulo, entre as representações, é fruto de
negociações sobre qual modelo deveria ser adotado. Desse modo, ainda não estabilizado, pois
em luta com outros modelos que também eram oferecidos como passiveis de formar o
professorado. Um dos modelos, como já foi relatado, era o dos professores adjuntos, mestres
que eram formados acompanhando um professor experiente na arte de ensinar. O outro, como
descreve Bastos (2005), eram as Conferências Pedagógicas, grandes encontros, de inspiração
francesa, organizados para os professores trocarem experiências, ao mesmo tempo em que se
atualizavam sobre as teorias educacionais que estavam circulando.
156
Segundo a autora
155
Conforme Villela (2005, p. 111), um dos grandes obstáculos para o reconhecimento da escola normal como o
espaço de fato que deveria ocorrer a formação dos professores foi a “Reformar Couto Ferraz, na década de
1850, ao incentivar a provisão das cadeiras do magistério como a figura do adjunto e valorizar os concursos e
a fiscalização em serviço, em detrimento da formação institucional do professor, refreou o impulso inicial de
organização das escolas normais ocorridos a partir da década de 1830, produzindo seus efeitos nefastos nas
décadas seguintes” (VILLELA, 2005, p. 110).
156
Para compreender o papel da primeira conferência pedagógica, ocorrida em 1873, como instituição de
formação de professores e modelar para as outras que foram realizadas durante toda a década de 1870 e
primeira metade da década de 1880 (1874, 1875, 1876, 1882, 1883 e 1884), ver o estudo desenvolvido por
Sousa (2006), Os Tempos do Império: uma análise da reforma do ensino livre de 1879. Nesse estudo o autor
(2006) para compreender a Reforma Leôncio de Carvalho analisa os antecedentes do seu autor, nesse
processo lança luz sobre o movimento educacional surgido no Rio de Janeiro do início da década de 1870 e
que tomou corpo nas conferências pedagógicas. Um fato interessante é que a participação nas conferências
não era livre, os professores primários, muitos deles adjuntos, como bem demonstra Sousa (2006), não foram
convidados para o encontro, mas convocados. Transcreve Sousa (2006) um trecho da convocação que pode
ser encontrada na Coleção de Leis do Império, de 1872. “Todos os professores públicos das escolas primárias
do Município da Corte serão convocados com oito dias de antecedência pela Inspetoria Geral da Instrução
Pública, para se reunirem nas férias de Páscoa e nas do mês de dezembro, a fim de conferenciarem sobre
todos os pontos que interessem: regime interno das escolas; método de ensino; sistema de recompensas e
punições para os alunos; expondo as observações que haja colhido de sua prática e das leituras das obras que
tenham consultado” (SOUSA, 2006, p. 196). Com base nas propostas explicitadas na determinação pode
compreender que as conferências eram projetadas como dispositivo modelar, tornando-se uma alternativa à
156
(2005), a segunda metade do século XIX, no Brasil, foi profícua na realização de eventos para
promover a educação. Descrevendo a situação vivida pela cidade do Rio de Janeiro, no início
da década de 1870, informa que,
[...] a partir de 1873, organizaram-se vários eventos ilustrativos [...]
[do] empenho na vulgarização do conhecimento e no aperfeiçoamento
do corpo docente. Esses eventos foram um espaço privilegiado de
instrução e ensino, transformando-se em uma verdadeira ‘instituição’,
[...] [em que eram divulgadas] as idéias educacionais e prática
educativas que, gradativamente [..] [impunham-se] no contexto
brasileiro (BASTOS, 2005, p. 116).
Percebe-se que, para o ensino normal se estabilizar como forma escolar privilegiada
para a formação dos professores, muitas lutas (de representação) foram travadas por políticos,
intelectuais e professores interessados nos rumos que a instrução pública caminhava durante o
Império. Os debates que ocorreram na Assembléia Província de São Paulo são apenas uma
amostra da intensidade com que o tema foi discutido. Com certeza, outros houveram e
merecem ser compreendidos.
Lendo os debates sistematizados por intermédio dos Annaes da Assembléa Legislativa
Provincial de São Paulo, do ano de 1880, percebe-se que não havia consenso sobre quais
saberes deveriam compor a formação dos professores, muito menos o tempo necessário para
garantir as aprendizagens e a capacitação técnica necessária ao aluno que fosse se tornar
professor das escolas primárias.
157
A segunda ocasião em que Inglês de Sousa faz a defesa de um projeto na Assembléia
Provincial de São Paulo permite que compreendamos um pouco melhor suas motivações, seus
ideais e as suas representações sobre a instrução pública. No segundo debate de que participa,
com a instrução pública como tema, é possível perceber em quais bases se fundamentava sua
intervenção parlamentar.
No dia 5 de fevereiro de 1881, na 11º sessão ordinária, entra em debate e é aprovado
em primeira discussão o projeto n.º 3.
158
Esse projeto consistia em um plano de ajuda
financeira, de 10:000$000, ao Colégio Culto à Ciência
159
de Campinas. Como o projeto de
Cont. da nota anterior
formação, atualização e homogeneização do corpo docente do ensino primário.
157
Ao analisar os debates dos deputados, observa-se que a escola normal poderia ter seguido outros percursos,
pois, na luta de representações, diferentes modelos circularam e eram oferecidos como a melhor saída para
expandir a oferta de professores, devidamente preparados, e erradicar o analfabetismo que assolava o Brasil
do século XIX.
158
O plano de auxílio financeiro foi desenvolvido e defendido pelo deputado provincial pela cidade de
Campinas, Carlos Aranha.
159
Moraes (1981), ao estudar a história do Colégio Culto à Ciência e dos intelectuais que a esta instituição
157
ajuda financeira foi aprovado, o deputado provincial Rodrigo Lobato propõe, em 7 de
fevereiro de 1881, uma emenda que dava a mesma ajuda financeira ao Colégio Bom
Conselho,
160
de Taubaté.
Um dos deputados a argumentar contra a ajuda financeira ao Colégio Bom Conselho
foi Inglês de Sousa. Para o deputado, o Colégio Bom Conselho pervertia o coração das
educandas, pois o ensino era realizado com base em orações sem cessar, fugindo a instituição
de sua missão educacional. Para Rodrigo Lobato, se a escola era organizada dessa forma, era
porque “A educação que se dá naquelle collegio é a educação do catholicismo” (AALPSP,
1881, p. 107).
De acordo com Rodrigo Lobato, a defesa que fazia do auxílio ao Colégio Bom
Conselho fundamentava-se nos princípios do liberalismo, ou seja, na livre iniciativa. Declara
o deputado:
Em materia de ensino eu só conheço um principio verdadeiro, só
conheço, sr. presidente, um principio que dimana, que decorre
naturalmente da escola liberal, é o respeito á iniciativa dos paes,
porque a estes compete exclusivamente a direcção do ensino de seus
filhos (AALPSP, 1881, p. 107).
Para Inglês de Sousa, uma escola que tinha como fundamento o ensino religioso não
prepararia os alunos para a sociedade moderna, pois a educação intelectual, desde que
impregnada com os dogmas do catolicismo, não pode “[...] deixar de ser viciada, desde que
está sujeita a um principio unico, ao principio da obediencia ao papa e de guerra de morte á
sciencia” (AALPSP, 1881, p. 110).
Pergunta Inglês de Sousa: “[...] que sociedade se poderá constituir sobre semelhante
base? Pois o ideal da educação moderna será a recompensa de uma vida futura? Será preparar
o homem para o céu, ou para a sociedade?! (AALPSP, 1881, p. 111). Perante tal declaração,
afirma Rodrigo Lobato que não existe contradição nos propósitos, pois, uma vez que o
Cont. da nota anterior
davam suporte (fazendeiros, comerciantes, militares e intelectuais que se identificavam com o Positivismo,
com a Maçonaria e com os ideais republicanos), relata que o colégio foi criado por um grupo político, do
oeste paulista, que tinha, entre suas pretensões, utilizar a instrução como forma de educar, segundo suas
aspirações, o homem novo para o “novo” Estado Republicano. O Colégio Culto à Ciência, conforme aponta
Moraes (1981), foi criado seguindo algumas diretrizes. Para a autora, “O primeiro plano [...] [consistia] em
erradicar a ignorância pela difusão da instrução ‘em beneficio do adiantamento moral e intelectual do povo’.
O segundo, de finalidade mais restrita e pratica, [...] [buscava] encaminhar os cidadãos às diversas profissões.
O terceiro, de cunho nitidamente político, [...] [relacionava] a instrução à criação da opinião pública, ‘abrindo
(ao individuo) caminho para a razão e para o conhecimento perfeito da importância e sua liberdade como
cidadão’” (MORAES, 1981, p. 221).
160
Rodrigo Lobato informa aos membros da Assembléia Provincial que a instituição educacional foi criada
pelos esforços do monsenhor José Pereira da Silva Barros, bispo de Pernambuco.
158
homem é preparado para o céu, também ele está sendo preparando para a sociedade.
161
Ironizando semelhante afirmação, Inglês de Sousa diz para os deputados que justamente por
essa forma de conceber o fim último da educação é que não deveriam fornecer o auxílio
proposto para o Colégio Bom Conselho. A instrução oferecida nessa instituição, para Inglês
de Sousa, poderia ser considerada ascética, assim “[...] não é a educação que convém ás idéas
modernas, ás necessidades da sociedade, e não póde, portanto, merecer o apoio de uma
assembléa que se diz liberal” (AALPSP, 1881, p. 111).
Ao responder à afirmação de Rodrigo Lobato, de que a função da escola consistia em
preparar o homem para alcançar o prêmio de uma vida futura,
162
apresenta Inglês de Sousa o
que compreendia como o objetivo da educação, ou a finalidade da escola. Para ele,
A educação não consiste em ensinar a lêr, escrever, contar, desenhar,
tocar, cantar, etc; consiste em dar ao menino ou menina uma noção
que tenha por fim, educando sua intelligencia, sua mentalidade, seu
corpo, preparal-o para a vida nas condições de hoje, e não nas
condições de 1700. E, tanto o fim da sociedade moderna não é
preparar homens para o céu, e sim para este mundo, que aqui o tem
direitos e obrigações que se correspondem, e que são completamente
alheios ás questões religiosas (AALPSP, 1881, p. 111).
Segundo Inglês de Sousa, havia uma incompatibilidade entre o catolicismo professado
por Rodrigo Lobato e os preceitos do liberalismo que dizia também seguir. Chama em seu
favor o fato de o deputado defender uma escola que se fundamentava no Syllabus,
163
documento criado pelo Papa Pio IX, que tinha, entre suas diretrizes, o combate aberto ao
liberalismo. Dirigindo-se a Rodrigo Lobato, afirma Inglês de Sousa: “V. exc. que professa
doutrina contraria, não comprehendo como se diz liberal. O Syllabus, por exemplo condemna
161
Analisa Barros (1959, p. 57): “Se o homem é, antes de tudo, o ser decaído que busca a recuperação, educá-lo
é dar-lhe os meios de recuperar-se, é, no sentido legitimo da palavra, familiarizá-lo com os dogmas, com a
disciplina, com os costumes da Igreja: ou a educação tem um sentido eminentemente religioso ou não chega a
ser educação. ‘ instrução só esclarece o espírito; para que o homem seja perfeito é mister que a educação pelo
ensino da religião lhe abra o coração, tornando-o bom’”.
162
Portanto, para Rodrigo Lobato, o que importava ser ensinado na escola era que a vida mundana era
passageira, assim o prêmio da verdadeira educação era a certeza de que o aluno/o homem alcançaria o céu.
Barros (1959), estudando a mentalidade católica conservadora da década de 1870 e 1880, analisa que “[...]
para essa visão do mundo, a religião é o núcleo da cultura. Pouco importa a ciência, o progresso material ou
técnico: a vocação do homem é sobrenatural e o negócio principal da vida é a luta para a salvação da alma”
(BARROS, 1959, p. 44).
163
Desde a segunda parte do pontificado do papa Pio IX (1848-1878), a Igreja Católica havia declarado guerra
ao mundo moderno. Pelo Syllabus, documento da Encíclica Quanta Cura, a democracia, o liberalismo, a
franco-maçonaria, o socialismo, o anarquismo, o feminismo e o voto universal, 80 tópicos ao todo, foram
vistos pelo Vaticano como erros da época moderna, para o qual as modificações que estavam se processando
eram resultados de uma coalizão de forças demoníacas desencadeadas para vir desacreditar ou destruir os
dogmas da fé em Cristo. Assim, tudo que fosse ou parecesse moderno merecia o anátema da Igreja de Roma
(BARROS, 1959).
159
o liberalismo e todas as tendencias da civilisação” (AALPSP, 1881, p. 112).
Conclui Inglês de Sousa sua fala a respeito da emenda oferecida por Rodrigo Lobato
alegando que, diferente da acusação de que fora vítima, não era intolerante a respeito da
religião. Cada cidadão tinha direito de exercitar a crença que achasse melhor, contando que
ela não fosse imposta a outros.
164
Em virtude dessa assertiva, responde Rodrigo Lobato que o
mesmo argumento deveria ser aplicado ao Colégio Culto à Ciência. Para Inglês de Sousa, tal
proposta não possuía fundamento. Conforme o deputado, não se podiam comparar os dois
colégios.
O collegio Culto á Sciencia não tem o mesmo fim, o mesmo methodo
que o collegio de Taubaté; não tem a missão de formar seita, de fazer
sectarios do romanismo, do papismo, tem por fim educar á luz dos
principios que o progresso da sociedade póde comportar. O collegio
Culto á Sciencia merece apoio, porque está desligado de todo espirito
de seita e propaganda, e tem por unico fim fornecer instrucção solida;
porque muito poucos estabelecimentos estão para se comparar com
aquelle (AALPSP, 1881, p. 113).
165
Na seqüência, do debate, volta Inglês de Sousa a acusar o ensino oferecido no Colégio
Bom Conselho de ser contrário ao pensamento da maioria da Câmara de deputados da
Província de São Paulo. No debate anterior, fica-se sabendo que a maior parte dos
representantes que naquele momento ocupavam cargos na Assembléia como deputados
pertenciam ao Partido Liberal, por esse motivo, Inglês de Sousa adverte que um auxílio a uma
instituição que combatia os ideais de uma educação moderna converter-se-ia em uma
contradição para uma Assembléia que dizia seguir as diretrizes do liberalismo.
O momento do debate é a ocasião em que é possível conhecer o pensamento de Inglês
de Sousa a respeito do significado da Instrução Pública, assim como dos políticos que a ele
davam apoio ou se colocavam em posição de antagonismo. Durante o debate a respeito da
164
Sobre suas convicções, fala Inglês de Sousa: “Não sou intolerante, não impeço que cada um axercite sua
religião e observe suas doutrinas; que dirija sua vida como lhe aprouver, comtanto que respeite os direitos
alheios; que prégue sem perseguição as idéas que julgar mais vantajosas” (AALPSP, 1881, p. 1123). Adverte
à Assembléia que não ocupavam aquele espaço para legislar em favor de católicos ou acatólicos, mas “[...]
cuidamos dos interesses geraes da sociedade paulista [...]. Demais, não podemos acompanhar os interesses do
papismo exaltando uma doutrina e abatendo outra; não temos autoridade para determinar e impôr
preferencias” (AALPSP, 1881, p. 113). Desse modo, conclui Inglês de Sousa que dar auxílio ao Colégio Bom
Conselho era uma afronta aos princípios liberais, que “[...] consistem em não dar protecção a uns com
sacrificio de outros” (AALPSP, 1881, p. 112).
165
Como demonstra Moraes (1981) em seu estudo sobre O ideário republicano e a educação: o colégio
“colégio culto à ciência” de Campinas (1869 a 1892), ao contrário do que afirma Inglês de Sousa, percebe-
se que o Colégio Culto à Ciência possuía finalidades de propaganda e se constituía como uma “seita”, em que
os membros possuíam um mesmo tipo de crença, partidários de uma mesma causa. Mesmo a existência da
instituição demarca um momento em que a instrução pública não era percebida como nem um pouco
160
subvenção à escola confessional, algumas das representações atribuídas pelos homens
públicos ao sentido da educação puderam ser compreendidas. Duas formas distintas de
projetar a sociedade em apenas um partido. Para alguns a instrução possuía a função de
preparar o homem para alcançar o paraíso, em uma outra vida, enquanto para outros a
educação fornecida pela escola deveria ser direcionada para formar o homem para a sociedade
moderna em que cada cidadão possuía direitos e obrigações.
Essa é a constatação que se depreende da leitura dos debates. Políticos liberais fieis
aos ideais do liberalismo e políticos liberais que adotavam a confissão dos princípios do
catolicismo como parâmetro para desempenhar o papel de homens públicos.
166
Os últimos,
pelo que se observou, guiavam-se, parcialmente pelo Syllabus, buscando aproximar o Estado
e a Igreja por intermédio do subsídio financeiro a escolas confessionais. Desse modo, podia-se
observar até certa apropriação dos preceitos veiculados pelo liberalismo, pois, ao ler os
debates, é possível observar que os defensores do Colégio Bom Conselho acreditavam serem
genuinamente liberais, embora fossem católicos confessos. Mesmo se constatando, em várias
ocasiões, durante o debate, que a Assembléia Provincial de São Paulo era composta, naquele
ano, por uma maioria de liberais, também foi possível perceber que, apesar de essa maioria
ser liberal, antes de tudo era católica, como bem alertou Rodrigo Lobato a Inglês de Sousa
durante as discussões da emenda que havia proposto subsídio financeiro ao Colégio Culto à
Ciência.
167
Acusado de racionalista, Inglês de Sousa nada mais fazia do que explicitar o
aprendizado intelectual adquirido, na sua passagem, como aluno da Escola de Direto do
Recife e da Escola de Direito de São Paulo.
168
Questões como o problema do ascetismo
ensinado nas escolas que eram guiadas pelos princípios do catolicismo, o mal que percebia na
pregação do romanismo e pela constatação, nas suas palavras, dos descalabros morais que
estavam causando à raça latina as propagandas jesuíticas, fazem crer que seus argumentos
estavam alicerçados no pensamento anticlerical surgido em Pernambuco, em meados do
Cont. da nota anterior
desinteressada, assim como não foi antes e nem depois do período estudado.
166
Barros (1959) observa que alguns políticos católicos, mesmo sendo guiados pelo Syllabus, documento no
qual buscavam as regras para interpretar, julgar e responder às demandas sociais e políticas, ainda se
consideravam liberais.
167
Pelo que se observa, em várias passagens, Inglês de Sousa acreditava que a intromissão da Igreja Católica
nos assuntos educacionais deveria ser diminuída, ou pelos menos não patrocinada por verbas do governo.
Conforme o deputado, os católicos tinham todo o direito de abrir suas escolas, mas estas não deveriam ser
mantidas por intermédio dos impostos pagos pelos cidadãos que não comungavam da mesma fé, pois a
Província não era constituída somente de católicos.
168
Conforme Nascimento (1999, p.157), “As posições assumidas na Escola de Recife se irradiaram por todo o
país principalmente pelo fato de a Faculdade de Direito de Recife ser um grande pólo de convergência dos
161
século XIX, o qual foi denominado de a questão religiosa.
Conforme Barros (1959), a chamada questão religiosa é o
[...] momento culminante da luta entre a mentalidade católico-
conservadora e o espírito laico, liberal, é a expressão brasileira de uma
oposição universal. Ela exprime, no Brasil, o esforço de definição do
catolicismo diante da civilização moderna, que dispensava os seus
serviços; esforço aquele necessário para a sobrevivência da religião de
Pedro, perplexa diante de um mundo hostil que a declarava superada
(BARROS, 1959, p. 40).
Barros (1959), ao analisar os tipos de mentalidades que julga ser aquelas que fazem
parte da forma de os homens do século XIX, especialmente da década de 1870 e 1880, lerem
o mundo, informa que uma era caracterizada por ser católica e, ao mesmo tempo, liberal. Para
Barros (1959), apesar de essa mentalidade ser católica, seus representantes “[...] a todo
instante, identificam-se com a mentalidade liberal, ainda que visceralmente dela apartados, na
luta contra o ultramontanismo, que acaba por ser o mais legitimo representante da
mentalidade presa ao passado” (BARROS, 1959, p. 34).
Ao examinar o panorama do Segundo Reinado, em particular nas suas décadas finais,
Sodré (1998) argumenta que:
Tarefa difícil é a de delimitar a ação dos partidos que fizeram o jogo
político do Segundo Império. Difícil não tanto pela falta de elementos,
que existem até em abundância, mas pela ausência de limites que
caracterizou a vigência desses agrupamentos. Ausência que atingiu
um certo ponto, na fase final do império, em que eles se cindiram,
dividiram-se, borraram as separações doutrinárias que porventura os
tivessem separado, deixando liberdade de ação aos seus adeptos
(SODRÉ, 1998, p. 145).
Em virtude dessas características que marcam esse período de debates em relação às
finalidades da instrução pública, como deveria ser formado o professor? Quais matérias de
ensino deveriam ser cursadas? Em quantos anos o curso deveria ser concluído? Qual a função
social da escola? Essas questões ainda continuavam fazendo parte dos debates sobre os
conhecimentos que deveriam ser transmitidos aos alunos, formados para serem professores e
mesmo dos alunos da escola primária. Os ensinamentos religiosos, no primeiro projeto
apresentado por Inglês de Sousa não aparecem, pois, tomando como referência o modelo
Cont. da nota anterior
jovens filhos da elite de todo o país”.
162
alemão, ele acreditava que na escola não seria o lugar para se ensinar religião.
169
Mas, como
se percebe, o projeto apresentado pela Comissão de Instrução Pública a Doutrina Cristã é
matéria que deve ser ensinada aos futuros professores. No segundo projeto, apresentado por
Inglês de Sousa, como substituto, essa matéria já figura na lista do percurso que o aluno
deveria trilhar dentro da escola normal, o mesmo acontecendo na versão final aprovada para a
reabertura da Escola Normal de São Paulo.
No próximo capítulo, o estudo focalizará a reforma da instrução pública realizada por
Inglês de Sousa no período em que assumiu a cadeira de presidente da Província de Sergipe.
Nesse processo, buscam-se compreender, valendo-se da experiência da administração pública
exercida por Inglês de Sousa, especialmente em relação ao tema da educação, os modelos
pedagógicos que são colocados em circulação, as lutas de representações entre as diferentes
formas de se perceber a necessidade da escolarização no final do Segundo Império e os
dispositivos que são acionados para prescrever, convencer e dar a ver uma forma exemplar
para o ensino, tanto o que ocorria nas escolas direcionadas à formação dos professores, quanto
aquele que era realizado nas escolas primárias.
169
Apesar de o regulamento para as escolas normais da Prússia, de 1872, prescrever a religião como matéria de
ensino aos normalistas, nos três anos que deveriam freqüentar a instituição, estipulando quantas horas
semanais deveriam ser dedicadas a cada tema da instrução religiosa, não estabelece que a religião a ser
ensinada era a religião do Estado, como o era no Brasil Imperial. Fruto de um outro modo de organização
política e dos ideais de uma igreja reformada, com base no modelo luterano, de que o Espírito é dado a todos
de igual forma para compreender as escrituras, no ensino da instrução religiosa nas escolas normais alemãs,
segundo Macedo (1876) o professor era ensinado a interpretar e ensinar sobre as escrituras sem depender de
outra pessoa, no caso o padre ou o pastor. Desse modo, prescreve-se de forma detalhada no regulamento, na
Sessão 19.ª, como deveria ser o plano de estudo de cada classe da escola normal. “3ª classe (4 horas) – A
história biblica do velho testamento, por inteiro (3 horas). Nesta parte, para a 3ª como para a 2ª classe, serão
devidamente explicados os diferentes episodios da historia sagrada no sentido religioso e moral, cumprindo
que os normalistas se exercitem em narral-a livremente e com gravidade de linguagem.[...] Ensinar-se-ha
toda a doutrina religiosa, com o catechismo da religião a que pertencer a escola, fazendo constates referencias
á historia sagrada, e dando as necessarias direcções para o ensino da materia na escola pratica (MACEDO,
1876, p. 171). Para a primeira classe prescrevia-se que o ensino da doutrina religiosa deveria ser oferecida em
duas horas, detalha o regulamento: “Nas escolas normaes da religião evangelica ler-se-hão passagens da
biblia. O mais essencial da historia da Igreja em geral” (MACEDO, 1876, p. 72). “Os livros de religião
(catechismo e livro de historias) introduzidos na escola pratica deverão servir de base para o ensino normal,
por tal fórma que o aluno-mestre fique habilitado para mais tarde servir-se delles e explical-os sem
dependencia de quem quer que seja. [...] para as escolas normaes catholicas, acrescerá o ensino e a explicação
das Orações cuja pratica fôr preceituada pela respectiva Igreja como dever religioso (MACEDO, 1876, p.
172).
163
4 CAPÍTULO
AS REFORMAS DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1881 E 1882: LUTAS
DE REPRESENTAÇÕES EM SERGIPE SOBRE O SIGNIFICADO DA
ESCOLARIZAÇÃO
Neste capítulo, serão utilizados, como uma das fontes, os regulamentos da instrução
pública produzidos como forma de organizar o ensino na Província de Sergipe. Nesse
processo, buscarei analisar os regulamentos como dispositivos modelizadores, organizados
mediante um local de poder que procura se infiltrar pela sociedade, apresentando-se como
autorizado a normatizar práticas sociais, estabelecer novas práticas, devidamente reconhecidas
como exemplares, ou desautorizar formas até então compreendidas como necessárias e
reguladoras de um modo de representar a sociedade, ou o mundo.
Sendo assim, os regulamentos serão trabalhados como dispositivos capazes de dar
visibilidade às lutas de representação que, em um determinado período, e região se inscrevem
como disputa pelo controle do campo político que se ramifica pelo controle do modelo
escolar, que caracterizará uma determinada forma escolar, de socialização do conhecimento,
definindo os saberes a ensinar, a aprender e a valorizar em uma sociedade em transformação.
A experiência de Inglês de Sousa como presidente de província, nesse sentido, oferece
elementos para se compreender as lutas de representação que são explicitadas, dadas a ver de
forma intencional, ou não, que caracterizam o modo com que os homens buscam resolver os
problemas de uma sociedade em mudança, de certa forma ligada às tradições, mas que anseia
pelo novo e necessita equalizar as contradições que a impedem de tornar as representações
objetos materiais com realização concreta.
Com base na análise dos dispositivos da reforma, procurarei compreende de que
modo, no final do Segundo Império se buscou prescrever, convencer e dar a ver uma forma
exemplar para o ensino, tanto o que ocontecia nas escolas direcionadas à formação dos
professores, quanto aquele que era realizado nas escolas primárias. Afasto-me, desse modo,
da tentação de perceber o documento oficial, registro de uma prática administrativa, como
espelho da realidade. Entre as prescrições e os usos, há um hiato criado pelas táticas dos
praticantes, consumidores que produzem algo novo com aquilo que lhe é imposto
164
(CERTEAU, 2002). Mas também é preciso compreender que o texto normativo não surge em
um vazio; ele é prescritivo e está relacionado com práticas sociais, no caso, se não materiais,
discursivas impregnadas de sentidos, de formas de representar o mundo, sendo ele mesmo
uma representação, construída por operações de seleção em um território textual que o molda
e formaliza a produção. As regras de produção condicionam a escrita do regulamento, e ele
não foge do seu tempo, é produto de uma época, composta por racionalidades e por práticas
que lhe moldam o sentido, tanto para a fabricação quanto para sua interpretação e uso. Os
regulamentos podem, utilizando a fórmula de Chartier (1990), ser compreendidos como
produtos culturais, e produtores de cultura. Um caminho de mão dupla em que prescrevem
comportamentos, que atravessa o foro privado, que levam a crer, a fazer e a instaurar
distinções, isto é, discriminar para seus usuários o que é certo ou errado, recomendável ou
desaconselhável de se praticar em um determinado momento, mas que também são o
resultado das seleções de um conjunto de normas e representações que, circulam e que,
condicionam o seu aparecimento em um determinado momento em determinado contexto.
As estratégias implementadas, com o objetivo de colocar em circulação um conjunto
de saberes e práticas de ensino que induzem a mudanças, revelam-se, conforme A-M. Chartier
(2002), como possibilidade para compreender a ação dos dispositivos. Para a autora (2002),
no momento em que são atualizados, revelam seu funcionamento e eficácia em uma
determinada configuração sociocultural, pois, no processo de sua atualização, reforma ou
desmobilização, as mudanças provocam acontecimentos imprevistos, resistências e conflitos
em um mundo que se acreditava ser estável.
Como um registro oficial da administração pública e o resultado das
negociações/imposições de determinados modelos culturais que se inscrevem em certos
protocolos, articulados como exemplares para sua leitura e usos, os regulamentos formam e
conformam uma intrincada rede que não autoriza outras interpretações de seus enunciados.
São produzidos mediante um lugar de poder e saber considerado legítimo. Desse modo,
buscam regular práticas em um território que lhe é exterior, recusando a interferência do
leitor/ouvinte na produção de usos diferenciados. Os protocolos de leitura, tanto os que se
formalizam em capítulos, títulos, artigos e seções, quanto os que são dados a ver ou a ler pela
materialidade de seus suportes, produzem sentidos por sua forma de representação. Conforme,
Carvalho e Hansen (1996), os documentos/arquivos dos quais se servem os pesquisadores
passam a ser percebidos como resíduos e como “[...] práticas datadas, isto é como
representações de práticas que resultam de práticas de representação” (CARVALHO;
HANSEN, 1996, p. 15, grifos dos autores).
165
4.1 O presidente de província: análise da sua posição burocrática no
Segundo Império
Após exercer o mandato de deputado na Assembléia Provincial de São Paulo, pelo
Partido Liberal, e criar o projeto de reabertura da escola normal, Inglês de Sousa é enviado
para Sergipe para atuar como presidente daquela Província.
170
Depois de realizar uma gestão
conturbada de mais ou menos dez meses, na qual realizou uma ampla reforma do ensino
primário, secundário e normal, foi transferido para a Província do Espírito Santo, lugar em
que também reformou a instrução pública. É dessa forma que os biógrafos de Inglês de
Sousa
171
explicam sua trajetória. Esse período de sua vida não traz para eles nenhum
acréscimo à sua atividade de escritor, pois os romances que produziu estão situados
anteriormente ou depois dessa fase.
172
Os estudos com maior aprofundamento, até o momento, como foi comentado em
capítulo anterior, foram realizados por Leite (2002) e Barreto (2003) que utilizam a literatura
produzida por Inglês de Sousa para compreender a sociedade amazônica durante o século
XIX. O foco desses dois pesquisadores não estava voltado para o tema da educação ou para
sua atividade política, mas para a narrativa fundamentada na estética naturalista que Inglês de
Sousa utiliza para retratar os costumes, os hábitos, as intrigas e a política da sociedade
cacaueira de meados do século XIX.
De acordo com Paulo Inglês de Sousa, filho de Inglês de Sousa, em entrevista
concedida, em 1944, a Francisco de Assis Barbosa,
[...] um belo dia, o Conselheiro Saraiva nomeia [...] [Inglês de Sousa]
presidente de Sergipe. O Partido Liberal se achava dividido na
pequena província. A situação era delicada. Meu pai tinha que garantir
a liberdade do voto, na primeira eleição direta que se ia processar. Foi
recebido pelo Imperador. Segundo êle próprio contava, D. Pedro II
começou por dizer-lhe:
– Já o conheço de nome. Sei que é um moço-velho.
E quando meu pai declarou:
170
Inglês de Sousa governou a Província de Sergipe de 18 de maio de 1881 a 22 de março de 1882.
171
Marques (1920), Octávio Filho (1955) e Corrêa (1990 e 2003).
172
Os críticos literários que analisaram a obra literária de Inglês de Sousa, não se interessaram pelo momento
em que ele assumiu os cargos administrativos no Império. Estavam interessados em compreender os meios
pelos quais, como escritor introduziu no Brasil o romance naturalista. Ver, Pereira (1945), Hollanda (1946)
Sodré (1960) Josef (1963) e Amora (1974).
166
– Tenho instruções do Presidente do Conselho para fazer respeitar a
liberdade eleitoral...
Retrucou-lhe o Imperador:
– Isto são histórias do Sr. Saraiva. Não persiga os seus inimigos. Pode
proteger seus amigos.
Mas o moço-velho fez realizar a eleição com absoluta liberdade e
plenas garantias (BARBOSA, 1954, p. 145).
173
O diálogo descrito por Paulo Inglês de Sousa, sobre o encontro de seu pai com o
Imperador, menos pelas características anedóticas que tal ocorrência pode suscitar e mais
pelas regras de seleção que a reunião deixa entrever, permite levantar algumas questões. A
seleção de um presidente não era um processo simples.
174
Não era realizada por votação, mas
por indicações negociadas, possivelmente pelo partido que, no momento da escolha, tivesse
maioria no Senado. A última palavra sobre a escolha do futuro administrador provincial era
do Imperador que decidia sobre a seleção, pois a função que haveria de ocupar era a de um
cargo de confiança.
Estudando os dispositivos que faziam parte da Lei de 3 de outubro de 1834, que
marcavam as atribuições dos presidentes das províncias, percebe-se que esses atores sociais
eram empregados do Império e dele recebiam o seu salário. Desse modo, não lhes era
permitido exercer outras atividades enquanto fossem presidentes. Eles eram a primeira
autoridade na província em que fossem ser administradores e nela representavam o poder do
Império. Nas províncias, todos, independente da situação política, econômica ou social, a eles
eram subordinados.
175
Competia-lhes: fazer executar as leis decretadas pelo Império; exigir
dos empregados as informações necessárias para executá-las na província; cumprir e mandar
cumprir todas as ordens e decretos do governo imperial sobre qualquer objeto da
administração provincial; dispor da força para manter a tranqüilidade na província; informar
ao governo os problemas na execução das leis e a ocorrência de acontecimentos importantes
na província e em suas imediações; inspecionar as repartições da administração provincial e
173
Ferreira (1997), em sua análise sobre a Política de Sergipe no século XIX: o breve governo de Herculano
Marcos Inglês de Souza (1881-1882), explica que uma das principais circunstâncias que fizeram com que
Inglês de Sousa fosse eleito presidente daquela Província o fato de, naquele momento, se necessitar de
alguém de fora para coordenar a realização do processo eleitoral para deputado provincial e deputado geral
do Império.
174
Os presidentes de província passaram a ser nomeados em 1824, quando a Constituição Política do Império
do Brasil passou a regulamentar esse cargo. No Título VII, que trata Da administração e economia das
províncias, especificamente no Capítulo I, Da administração, prescreve-se no “Art. 165. Haverá em cada
provincia um presidente, nomeado pelo Imperador, quem o poderá remover quando entender que assim
convem ao bom serviço do Estado. Os vice-presidentes são tambem de livre nomeação do Imperador, que os
poderá remover quando entender que assim convem ao bom serviço do Estado” (CONSTITUIÇÃO
POLITICA DO IMPERIO DO BRASIL, 1824, p. 72).
175
Com exceção dos mandatos que eram exercidos, na Província do Rio de Janeiro, onde se encontrava a Corte.
167
organizar a sua tesouraria; suspender qualquer empregado da província; receber juramento e
lhes dar posse em cargos públicos; conceder-lhes as licenças; encaminhar os pedidos de título
de nobreza; requisitar títulos de honras para cidadãos que se destacassem por algum feito
extraordinário ou pela fidelidade ao Império.
No caso da escolha dos vice-presidentes, a seleção passava por uma escolha um pouco
diferente, mas não menos hierarquizada. Os nomes de seis cidadãos, escolhidos pelos
deputados provinciais, eram escritos em uma lista que devia ser entregue ao Imperador pelas
mãos do presidente da província. O imperador, de posse de informações relatadas pelo
presidente, então determinava a ordem das substituições que seriam realizadas em caso de
afastamento do presidente da província para a qual havia sido designado.
Como é possível perceber, nas províncias, os presidentes representavam a vontade do
centro. Por esse motivo, havia a obrigação de produzirem, ao final da gestão a que foram
designados, ou ao se encerrar o ano administrativo, os relatórios informando ao Imperador e
seus ministros o estado da organização da província em relação às várias seções da
administração pública. Esse processo também tinha como função dar a ver ao poder central as
qualidades de administrador que o presidente demonstrava, além de ser uma forma prática
para o governo controlar as atividades nas províncias, avaliar o grau de fidelidade de seus
agentes e projetar os possíveis cargos que eles poderiam ocupar futuramente na administração
imperial.
Em virtude do papel que os presidentes deviam cumprir na gestão provincial,
conforme Sodré (1998, p. 93):
Freqüentes e desastrosos eram os conflitos com os presidentes. Eles
representavam a vontade do centro. Eram prepostos da política
imperial. Eram estranhos na terra. Contra eles se objetivava a ira das
populações regionais. Freqüentes e demoradas eram as lutas entre os
dois poderes provinciais. Essas lutas, muitas vezes, continuavam na
forma mais precisa e mais real das rebeliões. Acudia o centro.
Repunha ou reforçava a autoridade do seu preposto.
Concordando com a análise de Sodré (1998)
176
sobre o que representavam os
presidentes para as províncias e para o poder central, Holanda (1977, p. 9) afirma que uma das
funções desses administradores, na organização do Império, era garantir
176
A obra Panorama do Segundo Império, de autoria de Sodré (1998), como já foi explicitado, foi publicada
pela primeira vez em 1939.
168
[...] o predomínio da orientação partidária do ministério no poder. A
êsses presidentes impunham-se a escolha dos chefes políticos
reputados hábeis para decidir o resultado dos pleitos nos colégios
eleitorais, [...] Terminada esta, tratavam de deixar o cargo aos
substitutos legais, quase sempre naturais ou habitantes da mesma
província.
Com essas análises, é possível perceber que o cargo de presidente era estratégico na
uniformização da política imperial. Fato que, segundo Sodré (1998), causa muitos transtornos
nas províncias. A autonomia conferida, por intermédio do Ato Adicional, de 1834, às
Assembléias Provinciais de fato era muito restrita, uma vez que as leis votadas nas câmaras,
as que fossem mais importantes para a boa administração, deviam afetar a parte econômica,
fiscal e política do Império.
Ao discutir O Ensino Secundário no Império, Haidar (1972) analisa que essa forma de
compreender o papel dos presidentes nas províncias, como agentes uniformizadores da
política imperial, para vários setores da administração central, não passava despercebida. De
acordo com a autora (1972, p. 28):
Em seu relatório de 1856, o Ministro do Império Luiz Pereira do
Couto Ferraz referia-se como otimismo à ação uniformizadora dos
presidentes de província: ‘Respeitando o direito conferido às
províncias por aquela lei [Ato Adicional de 1834], mas convencido de
que a uniformidade do ensino traz consigo vantagens reais, continua o
Governo a despertar, por meio de seus delegados, a atenção das
Assembléias Provinciais para as reformas admitidas na Côrte.
Ao produzir o relatório em que passava a direção da Província ao primeiro vice-
presidente de Sergipe, José Joaquim Ribeiro de Campos, relata Inglês de Sousa que, durante o
tempo em que administrou, não poupou esforços para corresponder à confiança nele
depositada pelo Gabinete, do qual teve a honra de ser delegado. Explicava, no documento, sua
retirada de Sergipe e as razões que o levaram a pedir exoneração:
Logo depois de feitas as eleições para deputados gerais, pedi minha
exoneração a qual, inda uma vez solicitada com instancia quando
subia ao poder o actual gabinete, me foi ultimamente concedida por
Decreto de 28 de Janeiro deste ano (SOUZA, 1882a, p. 1).
As apreciações críticas produzidas pelos pesquisadores, Sodré (1998), Holanda (1977)
e Haidar (1972), em relação à circulação dos presidentes de província pelo Império, ao que
169
parece, possuem como fonte comum as análises realizadas por Aureliano Cândido de Tavares
Bastos que, durante o final da década de 60 e início da década de 70, do século XIX, já
realizava um exame crítico da função do presidente na organização e estabilização do Estado
Imperial.
Em estudo intitulado A Província: estudo sobre a descentralisação no Brazil, Bastos
(1870) expõe suas idéias fundamentais sobre a descentralização ou a federalização do
Império. Na obra o autor (1870), advoga a autonomia das províncias e a redução do poder
centralizador de D. Pedro II. Para demonstrar que a forma de governar do Império não
proporcionava o desenvolvimento do Brasil, mas, pelo contrário, exercia uma força que
imobilizava as forças “naturais” que deveriam impulsionar para o futuro.
177
Desse modo,
produz no seu livro uma crítica radical a algumas das práticas administrativas utilizadas na
organização do Império. Nesse processo, um de seus alvos é a instituição dos presidentes de
província.
Conforme Bastos (1870), em um Estado moderno, deveriam existir dois poderes que
se completassem, mas, no Brasil, diferente de alguns países que conhecia, como os Estados
Unidos da América, o Canadá, a Inglaterra, as duas instâncias administrativas provinciais
caminhavam em sentido oposto. Como essas duas forças provinham de origens opostas,
acontecia constantemente de o governador e as assembléias seguirem uma política que não se
completavam. Para contornar esse problema e fazer valer os preceitos da Constituição, de
1824, Tavares Bastos propõe que os presidentes fossem eleitos pelos cidadãos da própria
província em que fosse exercer o mandato. De acordo com o autor (1870), suas reivindicações
não eram novidade no Brasil, pois, em 1832 e 1834, chegaram a ser produzidos projetos que
propunham que o cargo de presidente fosse eletivo.
178
177
Segundo Araujo (2005, p. 231), acreditava Tavares Bastos que “[...] a obra da centralização monárquica
constituía empecilho ao progresso do Brasil, e que apenas uma descentralização de aspecto federalista
poderia restabelecer a monarquia e o progresso social e econômico”.
178
Bastos (1870) rememorando, os projetos que já haviam proposto a eleição dos presidentes de província,
descreve as prescrições que haviam sido propugnadas: “No modo de eleger o presidente procuraram os
projectos liberaes de 1832 e 1834 remover os escrupulos daquelles a quem esta novidade espantava. Esses
projectos, nenhum dos quaes obteve maioria, coincidiam em tres pontos: lista tríplice, escolha e demissão
pelo governo central. A divergencia estava em proporem, um, a nomeação pelos eleitores da província: outro
a apresentação pelas camara minicipaes; e um terceiro, pelas assembléas legislativas. Fixava-se em um delles
o periodo presidencial em dous annos. Recentemente lembrou-se a conveniencia de serem os presidentes
tirados d’dentre os membros da assembléa provincial” (BASTOS, 1870, p.127-128). Para o autor (1870), se
as práticas indicadas tivessem sido incorporadas ao Ato Adicional, de 1834, encerrar-se-ia com um problema
que causava muitos transtornos nas províncias, quais sejam, a grande itinerância desses funcionários do
Estado. Como exemplo, cita que, “No espaço de 45 annos (1824 e 1869) o Maranhão conta 73
administrações, exercidas por 53 cidadãos diversos. O Meio termo é 7 mezes e 11 dias para cada uma. A
maior foi de 3 annos e 9 mezes, de serviço effectivo. O mesmo se póde repetir de quase todas as províncias, e
depois de 1850 o mal agravou-se consideravelmente. Nas maiores províncias, em regra, o presidente renova-
se em cada verão, depois de encerradas as câmaras” (BASTOS, 1870, p.131). Assim, a “Cada anno vê-se
170
Analisa Bastos (1870, p. 124) que a Constituição brasileira
Ao passo que consagrava a autonomia legislativa da provincia,
confiava-se o poder executivo a um delegado do governo central. [...]
Assim [...] deu-se-lhes poder legislativo independente para prover aos
seus interesses meramente locais, mas recusou-se-lhes poder
executivo proprio para cumprir as suas leis particulares, relativas a
esses interesses locais.
Em razão dessa forma de governar imposta pelo Império, segundo o autor (1870),
aconteceram muitas lutas entre os presidentes indicados pelo Imperador e os moradores dos
locais para os quais eram enviados. Analisa o autor:
Quantas lutas inconvenientes! Que espectaculo offerecem os poderes
publicos á população maravilhada! O menor prejuizo é a total
paralysia da administração. Não obteve orçamento? Prorroga o
presidente o anterior, de autoridade propria. Medidas tomadas pelos
antecessores, seus adversários, annulla-as; obras em via de execução,
abandona-as. Projectos votados pela assembléa hostil, recusa
sanccionar os; e, si aquella insiste, suspende-os por qualquer pretexto,
recorrendo para o governo: e alguns fizeram mais, suspenderam a
execução de leis effectivas, anteriores, já promulgadas. há mais
patente desordem? Ha maior anarchia? (BASTOS, 1870, p. 126).
Pelo relato de Bastos (1870), percebe-se que essa forma de governo, que objetivava
manter a estabilidade do Império, apesar de fazer parte dos dispositivos da Constituição de
1824, constando como uma das atribuições do Imperador, as quais foram mantidas também
como suas prerrogativas pelo Ato Adicional de 1834,
179
não era um tema passível para todos.
Pela importância que o cargo possuía, conforme anunciou Couto Ferraz, para a uniformização
dos negócios do Império, existia um movimento político que reivindicava que ele não devia
Cont. da nota anterior
aqui, de viagem para as provincias um enxame de presidentes, chefes de policia e outros empregados, que,
sem demora, emprehendem novas viagens em demanda de novos climas” (BASTOS, 1870, p.131).
179
Conforme Carvalho (2002), o Ato Adicional foi fomentado principalmente por políticos conservadores que
buscavam dirimir os problemas pelos quais o Império estava passando no início da década de 1830. Com
revoltas explodindo em todo o território nacional o Ato Adicional foi uma tentativa de acalmar os ânimos
concebendo um pouco mais de autonomia para as províncias. Mas parte dos políticos do Império acreditavam
que essa situação devia ser revertida, pois estava muito próxima de um modelo federativo ao estilo norte-
americano; faltava apenas a eleição dos presidentes das províncias. No movimento do regresso, segundo
Carvalho (2002), uniram-se os políticos conservadores Rodrigo Torres, Visconde Itaboraí, Eusébio de
Queirós e Paulino José Soares de Sousa, Visconde do Uruguai, que formavam a trindade conhecida como os
Saquarema. Eram os principais articuladores de uma política que pedia um Estado mais centralizado no
Imperador, pois o Brasil ainda não estava preparado para o autogoverno, como os Estados-Unidos da
América. Faltavam-nos tradições, costumes, educação, bitos de ordem e legalidade. Sem essas qualidades,
adviria o caos que ameaçaria a própria existência do Império (CARVALHO, 2002).
171
ser ocupado por qualquer indivíduo, mas por aqueles que efetivamente demonstrassem
inclinação para a gestão pública e que tivessem acumulado experiências em outros setores da
administração imperial. As representações que Bastos (1870) faz circular sobre os presidentes
de província não são nada elogiosas, pelo contrário, admira o autor que pudesse existir
gestores dos interesses do Império menos preparados para administrar. Afirma o autor:
Inhabeis e futeis são tantos dos presidentes nomeados pelo governo
imperial, que sem hyperbole poder-se-ia dizer – que o povo, ainda que
quizesse, não elegeria peiores. Alguns conhecemos literalmente
ignorantes de qualquer sciencia ou arte; outros que nem aprenderam a
grammatica; muitos que não brilhavam por seus costumes privados...
Não, peiores não póde haver que os governadores d’aqui enviados a
perverter, atrazar, individar e desgovernar as provincias (BASTOS,
1870, p. 133).
As generalizações de Bastos (1870) sobre a pouca capacidade técnica e intelectual dos
presidentes escolhidos para administrar as províncias não é como parece indicar uma crítica
ao sistema de governo. Não pensava ele em uma outra forma de governo para as províncias,
muito menos na substituição do Estado Monárquico por outro qualquer que fosse, mas em seu
aperfeiçoamento.
Araújo (2005), em seu estudo Município, federação e educação: história das
instituições e das idéias políticas no Brasil, analisa que as discussões suscitadas por Tavares
Bastos sobre a necessidade da descentralização, concedendo maior autonomia para as
províncias, era uma forma de o Império se modernizar. Mas, para isso, o Partido Liberal devia
assumir o federalismo como bandeira de luta, para, desse, modo voltar a se popularizar e
salvar a monarquia de sua decadência.
180
Segundo Araújo (2005, p. 152-153), Tavares Bastos
acreditava que
[...] a unidade nacional e a sobrevivência da monarquia dependiam da
solução federativa e que o progresso do país era impedido pelo
anacronismo entre o tamanho do País, com sua diversidade de
interesses, e a existência de presidentes de província que não
conheciam a realidade local, visto que eram escolhidos pelo poder
central.
Lembra Araújo que a obra A Província, de 1870, escrita por Tavares Bastos, era uma
resposta aos próceres na defesa da centralização monárquica, um deles o Visconde do
180
“[..] Tavares Bastos [...] só admitia a defesa da organização federativa nos marcos da monarquia” (ARAUJO,
2005, p. 246). Desse modo, os debates sobre a descentralização, ou a maior centralização do Império eram
discussões que objetivavam, de modos distintos, a solução para a crise que o regime monárquico atravessava
172
Uruguai (Paulino José Soares de Souza),
181
que havia escrito, em 1865, os Ensaios sobre o
direito administrativo,
182
obra muito aplaudida por alguns políticos conservadores.
183
Carvalho (1981), em seu estudo A Construção da ordem: a elite política imperial,
realiza uma avaliação do papel dos presidentes de província de uma forma menos negativa
que aquela realizada pelos autores que tiveram as análises de Tavares Bastos como inspiração.
Segundo Carvalho (1981), durante todo o período do Império, foram estabelecidas
regras relacionadas com a mobilidade social que tinham como objetivo a governabilidade do
amplo território nacional. Desse processo, de acordo com Carvalho (1981), nasce a própria
estabilidade do sistema político imperial. Conforme o autor (1981, p. 93), “A estabilidade
permitia a construção de longas carreiras políticas
184
fazendo com que a elite [...] pudesse
acumular uma vasta experiência de governo”. A elite imperial,
185
como afirma Carvalho
(1981), era constituída da seguinte forma: magistrados, deputados provinciais, presidente de
província, deputados gerais, senadores, conselheiros de Estado, ministros e presidente do
Conselho de Ministros. A ocupação dos postos era tanto geográfica como por cargos, o que
significa que a elite circulava pelo País assumindo postos no Judiciário, no Legislativo e no
Executivo.
Cont. da nota anterior
nos anos finais de 1860 e 1870.
181
Sobre o Visconde do Uruguai e sua trajetória política, ver Carvalho (2002) no estudo que realiza sobre essa
personalidade, na condução da política nacional, durante o Segundo Império. Já para compreender sua
atuação no grupo designado como os Saquaremas, ver Mattos (1987) em O Tempo Saquarema.
182
Em sua obra de 1865, no capítulo 25, Dos Agentes Administrativos, o Visconde do Uruguai propõe que o
poder Executivo deveria aumentar a centralidade na figura do Imperador, o qual deveria dispor de três
instrumentos, os agentes administrativos, conselhos administrativos e tribunais administrativos. A ação
administrativa deveria ser confiada a uma série de agentes, dispostos em uma subordinação hierárquica.
Conforme o Visconde do Uruguai, seriam “[...] agentes diretos administrativos no centro do Império os
ministros. [...] [e] agentes diretos nas províncias os presidentes. Chamam-se agentes diretos porque estão em
imediato contato com o chefe do poder Executivo ou com seus ministros” (SOUSA, Apud CARVALHO,
2002, p. 203).
183
“Em ‘A Província’, o alvo de Tavares Bastos é a Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1840, cujo mentor
foi o Visconde do Uruguai. Defendendo as competências do poder legislativo provincial tais como foram
estabelecidas pelo Ato Adicional de 1834, o autor [de A Província] destaca que a diversidade dos municípios
não havia sido contemplada pela legislação de 1840” (ARAÚJO, 2005, p. 232).
184
Mas não nos termos contemporâneos. Conforme Carvalho (1981, p. 98), a carreira política, no Império,
começava muito cedo. “A idade média com que um político atingia o posto de ministro era em torno de 44
anos, mas muitos o conseguiam nos trinta e alguns nos vinte”. Inglês de Sousa iniciou sua carreira política
aos 27 anos, quando foi eleito deputado provincial por São Paulo, assumiu a presidência da Província de
Sergipe com 28 anos e a do Espírito Santo aos 29. Oferecendo como exemplo o caso do Visconde do
Uruguai, Carvalho (1981) informa que, apesar de iniciar a carreira muito cedo, alguns homens, aos 50 anos,
consideravam-se já envelhecidos e retiravam-se da cena política, quando não era o falecimento que lhes
encurtava a carreira política, como os casos de “Feijó [que] morreu com 59 anos, Evaristo aos 38,
Vasconcelos aos 55, Eusébio aos 56, Honório aos 55, Paulino aos 58, Justiniano aos 51” (CARVALHO,
2002, p. 16-17).
185
Segundo Carvalho (1981), no seu estudo, falar em elite imperial não é se referir a grandes homens e às suas
teorias, mas a um grupo de homens que se caracterizava por uma certa homogeneidade, particularmente no
que se referia à ideologia e ao treinamento, tanto advindas da formação superior como por serem recrutados
173
A circulação geográfica era fundamental para o estabelecimento de uma carreira
política.
186
No caso dos presidentes de província, a mobilidade era mais evidente e tinha clara
função de ganho de experiência,
187
que servia para garantir o acesso a outros postos da
administração imperial. As regras do recrutamento estabeleciam a necessidade do acúmulo de
experiência. Segundo Carvalho (1981, p. 94),
[...] o futuro político era levado a conhecer outras províncias além da
sua. Para muitos a primeira nomeação já significa a segunda província
a conhecer, pois já tinha sido obrigado a sair de casa para estudar
direito em Pernambuco ou São Paulo.
A circulação pelas províncias, como presidente, tinha para essa elite a função de
treinamento, o que permitiria alcançar, pelo recrutamento, outros cargos mais importantes
dentro do Estado imperial. Para o governo, além da função de preparar um grupo de homens
altamente especializados, tinha o objetivo de captar aliados promissores e garantir resultados
eleitorais.
Conforme Carvalho (1981), a função de presidente de província era uma das mais
importantes para a manutenção da estabilidade do governo imperial,
[...] uma vez que dele dependia a vitória do governo nas eleições.
Mas mesmo em períodos não eleitorais o presidente conservava
atribuições importantes, uma vez que controlava nomeações
estratégicas como a dos promotores, delegados e subdelegados de
polícia e oficiais inferiores da Guarda Nacional. Indicava ainda os
oficiais do recrutamento militar, reconhecia a validade de eleições
municipais e encaminhava ao ministro do Império, com parecer
pessoal anexos, os pedidos de concessão de títulos honoríficos, a
começar pelos de nobreza (CARVALHO, 1981, p. 94-95).
O cargo de presidente de província, e suas atribuições, era tão fundamental para a
estabilidade do Império, que se chegou a cogitar da sua profissionalização. Segundo Carvalho
(1981), D. Pedro II era favorável a tornar o cargo uma carreira profissional, só permitindo o
governo de uma província importante àqueles que primeiro tivessem demonstrado aptidão na
administração daquelas consideradas menores. A justificativa era a necessidade de
Cont. da nota anterior
entre os setores sociais dominantes.
186
Apesar de ser uma prática considerada essencial para a formação de novos quadros administrativos para a
boa gestão dos negócios do Império, muitos políticos não percebiam essa ampla circulação de presidentes
como positiva. De acordo com Haidar (1972), por essa instabilidade, esses políticos itinerantes foram
apelidados, de forma pejorativa, por Nabuco como “presidentes beduínos”.
187
Para Carvalho (1981, p. 93), muitos “[...] políticos nacionais foram nomeados presidentes de província com o
174
treinamento para que se tornassem administradores mais eficientes. As desigualdades
financeiras entre as províncias eram oficialmente reconhecidas com um projeto debatido pelos
deputados gerais em 1860. Nesse documento, informa Carvalho (1981, p. 107), que se
propunha
[...] a divisão das províncias em três classes: a primeira incluiria São
Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Maranhão e
Pará; a segunda, Sergipe, Goiás, Mato Grosso, Alagoas, Paraíba e
Ceará; a terceira Santa Catarina, Paraná, Espírito santo, Rio Grande do
Norte, Amazonas e Piauí.
O cargo de presidente de província abria as portas para outras possibilidades mais
vantajosas na administração imperial. Conforme Carvalho (1981, p. 95),
Além da experiência administrativa e dos bons salários, o político
tinha ainda, como presidente, a oportunidade raramente perdida de
acelerar sua carreira, especialmente pela garantia de uma eleição para
o Senado, precedida ou não por uma eleição para a Câmara.
No Império, a entrada no círculo restrito da administração era regida por uma regra: ter
um diploma de estudos superiores, especialmente o de bacharel em Direito. A entrada dava-se
preferencialmente pela Câmara, exercendo o papel de deputado provincial. Depois desse
ponto, “[...] estava-se a um passo do círculo interno da elite, ao qual se tinha acesso por uma
combinação de capacidade e patronato, exercendo o Imperador papel ativo na seleção”
(CARVALHO, 1981, p. 96).
A mobilidade dos presidentes de província é um fator marcante dessa forma de
governar. Para Carvalho (1981), no Império, ser presidente de província era um cargo mais
político do que administrativo. Poucos meses ficavam cada presidente em seu cargo, mas, na
forma como se esperava manter a estabilidade do Império, a estratégia fazia todo sentido.
Segundo Carvalho (1981, p. 96), “Num país geograficamente tão diversificado e tão pouco
integrado, onde pressões regionalistas se faziam sentir com freqüência, a ampla circulação
geográfica da liderança tinha um efeito unificador poderoso”. Essa forma de governar, de
acordo com Carvalho (1981), possivelmente foi herdada da experiência colonial. A estratégia
da circulação da elite, ao mesmo tempo em que permitia o treinamento, o acúmulo de
experiência administrativa, captava aliados promissores e também evitava que os
Cont. da nota anterior
objetivo explícito de lhes permitir ganhar experiência na gestão dos negócios do império”.
175
administradores se identificassem demais com os interesses, mais particulares, das regiões
para onde eram enviados.
Percebe-se, então, que a indicação para presidente de província não era somente uma
atividade burocrática; possuía muito mais interesses do que apenas exercício da
Administração Pública. A atividade dos presidentes de província era uma função tão central
para a organização do Estado Monárquico (como meio para formar os novos quadros
administrativos ao conceder experiência a gestores que não possuíam o devido conhecimento
sobre os negócios do Império e captação de aliados políticos), que somente deixou de existir
com a proclamação da República, mas nesse caso, foram substituídos imediatamente pelos
presidentes do Estado, primeiramente indicados e depois eleitos.
Ao estudar a reforma da instrução pública empreendida por Inglês de Sousa na
Província de Sergipe, analisada com base no regulamento aprovado como meio para que fosse
organizado o ensino – primário, normal e secundário –, é possível compreender que a gestão
de um presidente de província muitas vezes não era uma atividade fácil de ser conduzida.
Como afirmaram Bastos (1870) e Carvalho (1981), estranhos à terra a que eram
encaminhados, agindo como vice-reis, sabendo que iriam ficar pouco tempo, mas interessados
em deixar sua marca pessoal na administração provincial, pois uma boa gestão abriria outras
portas na carreia administrativa, muitos presidentes entravam em choque com as tradições
existentes em determinada região por desconhecimento, indiferença ou por seguir uma
política que tinha como função uniformizar as províncias aos imperativos do partido a que era
filiado ou ao Estado.
Nomeado presidente da Província de Sergipe, pelo Conselheiro Saraiva,
188
foi Inglês
de Sousa enviado para aquela região para fazer valer as leis eleitorais que haviam sido
aprovadas na Corte. Seria a primeira eleição direta que se realizaria durante o Império. A
tarefa de Inglês de Sousa era administrar a Província para que as eleições ocorressem sem
tumulto. Nessa eleição, de 1881, estavam proibidos de votar os analfabetos e quem não
possuísse renda, comprovada por documentação, igual ou superior a 400$000 Contos de Reis
anuais.
189
188
Ministro do Império entre 1880 e 1882. Filiado ao Partido Liberal, e monarquista, foi o criador do projeto de
reforma eleitoral, aprovado em 9 de janeiro de 1881, que veio a ser designado como Lei Saraiva, que
modificava as regras para a eleição dos senadores, deputados à Assembléia Geral, membros das Assembléias
Legislativas Provinciais, vereadores e juízes de paz (HOLANDA, 1977).
189
Nos debates sobre como deveria ser redigida a lei eleitoral de 1881, conforme Holanda (1977, p.221), uma
dos argumentos que foi utilizados por Rui Barbosa era que “[...] segundo cálculos autorizados, quem tenha
menos de 400$000 de renda anual líquida pode ser considerado indigente ou mendigo, faltando-lhe por
conseguinte as condições mínimas de independência”.
176
Como o regime eleitoral anterior, que era regido pela Constituição Política do Império
do Brasil, de 1846, para ser considerado cidadão ativo, a capacidade de ler e escrever não
faziam parte dos requisitos, e mesmo o valor da renda comprovada era bem inferior, 100$000
Contos de Reis, o que em 1881, significava que poucas pessoas não podiam exercer o direito
ao voto e a se tornar elegível. Desse modo, a nova lei eleitoral pelas restrições que impunha,
determinava naquele momento, que somente uma minoria poderia ser considerada apta à
cidadania ativa.
Supunha-se que as modificações na lei eleitoral, de 1881, pudessem ser pretexto para
manifestações contra o regime imperial. Por isso, como declara Paulo Inglês de Sousa,
190
seu
pai estava autorizado a usar a Força Policial para que as eleições fossem respeitadas. Como
presidente de província, entre as prerrogativas do cargo, constava a atribuição de manter a
ordem pública, não importando quais método fossem empregados.
No período em que Inglês de Sousa torna se presidente de Província o Gabinete
Ministerial de D. Pedro II é formado com José Antônio Saraiva, como primeiro ministro,
segundo Holanda (1977) liberal convicto e fiel a monarquia. Inglês de Sousa também
pertencente ao Partido Liberal que já havia demonstrado capacidade de articulação. Pretendia
seguir as regras de recrutamento que o império oferecia. Uma das primeiras regras era possuir
o título de bacharel, fato que já havia ocorrido em 1876, quando se diplomou em Direito pela
Faculdade do Largo de são Francisco. O segundo requisito também já havia preenchido,
quando se tornou deputado provincial pelo Distrito da Marinha, em Santos.
191
Filho de uma tradicional família da Província do Pará formada de magistrados,
192
Inglês de Sousa seguiu o mesmo caminho de seu pai. Fez parte dos seus estudos na Faculdade
de Direito de Recife (1872-1875) e transferiu-se para São Paulo. No ano em que Inglês de
Sousa se transfere para São Paulo a fim de cursar o último ano de Direito, seu pai, Marcos
Antonio Rodrigues de Sousa, exercia a função de Juiz de Direito na cidade de Santos. Antes
havia sido desembargador da Relação de São Paulo, cargo que Inglês de Sousa veio a ocupar,
em 1879.
Ao terminar o curso de Direito, Inglês de Sousa muda-se para a cidade de Santos e,
poucos dias depois, como descreve Octávio Filho (1955, p. 22), “[...] foi convidado para
redator-chefe do ‘Diário de Santos’, jornal político e de influência local”.
Octávio Filho (1955), relatando as amizades que passam a fazer parte do cotidiano de
190
Em entrevista concedida, em 1944, a Francisco de Assis Barbosa.
191
Em entrevista concedida a Francisco Assis Barbosa, Paulo Inglês de Sousa relata que seu pai foi “[...] eleito
deputado provincial pelo chamado distrito da Marinha” (BARBOSA, 1954, p.145).
177
Inglês de Sousa, revela que estas se tornaram muito importantes em sua vida profissional.
Narra o autor que Inglês de Sousa, ao envolver-se em um tumulto, em 1877, relacionado com
uma agitação política na cidade de Santos, é preso e logo
[...] solto por hábeas –Corpus concedido pela Relação de São Paulo
[...] [o qual foi] requerido pelo Conselheiro Carrão, lente do quinto
ano da Faculdade de Direito, em face de uma justificação promovida,
pessoalmente, por José Bonifácio, o moço (OCTÁVIO FILHO, 1955,
p. 22).
193
O relato menos por suas características anedóticas e mais pelas pistas que é capaz de
oferecer, supondo que tenha ocorrido como é descrito, interessa para compreender as relações
que Inglês de Sousa foi estabelecendo antes de se tornar deputado provincial em São Paulo e
presidente de província em Sergipe e Espírito Santo.
No ano seguinte (1878), ao mudar-se para São Paulo, ingressa no Partido Liberal e
funda o jornal Tribuna Liberal, o qual se tornou o órgão do partido naquela cidade (JOSEF,
1963). De acordo com Octávio Filho (1955), o jornal, desde o primeiro número, agradou aos
políticos ligados ao Partido Liberal, tornando-se o seu órgão de divulgação. Lembra o autor
que muitos dos amigos que passaram a constituir o círculo de amizades de Inglês de Sousa
iniciaram suas carreiras profissionais naquele periódico, exercendo funções na organização do
impresso. Cita Octávio Filho (1955),
É curioso lembrar que naquele jornal iniciaram suas vidas
profissionais, como revisores, redatores, Silva Jardim e Teófilo Dias,
um grande político e um grande poeta e como tipógrafo, Oliveira
Rocha [...] e Homero Batista, mais tarde Ministro da Fazenda
(OCTÁVIO FILHO, 1955, p. 23).
Todos esses intelectuais comprometidos com os ideais do liberalismo iniciaram suas
respectivas carreiras públicas em São Paulo, conforme aponta Octávio Filho (1955).
“Adentraram a esfera política por meio do apoio de Inglês de Sousa e como ele se elevaram
[...] no cenário da política, do jornalismo, do magistério e da administração pública”
(OCTÁVIO FILHO, 1955, p. 23). A análise, retirada de sua característica apologética,
informa algumas pistas interessantes. Como se pode perceber Inglês de Sousa, em um período
muito curto, estabeleceu relações com um grupo de políticos, ou que se tornariam políticos
Cont. da nota anterior
192
Ver Octávio Filho (1955), em Inglês de Sousa, texto comemorativo ao centenário do romancista.
193
Inglês de Sousa em 1876, no mesmo ano em que se transferiu para São Paulo para concluir seus estudos de
direito, casou se com Carlota Emilia Peixoto, da família de José Bonifácio, o moço (OCTÁVIO FILHO,
178
influentes durante o Segundo Império. Como filho de um desembargador do Império e pelo
seu título de bacharel em direto, Inglês de Sousa, teve muitas portas abertas para entrar no
mundo da política.
Informa Octávio Filho (1955, p. 23) que no ano e 1879, conjuntamente com Antonio
Carlos, funda a Revista Nacional de Artes, Ciências e Letras na cidade de São Paulo. O
desempenho de Inglês de Sousa na imprensa paulistana, conforme Octávio Filho (1955, p.
23), se revela muito ativo, fato que para o biógrafo, o faz ser “[...] considerado pelos homens
de prestígio e valor moral de São Paulo”. Desse modo, termina o ano de 1879 sendo indicado
e assumindo a Secretaria da Relação de São Paulo e também sendo eleito deputado à
Assembléia provincial da mesma Província. O passo seguinte na carreira adminstrativa do
Império seria tornar presidente de uma Província, fato que ocorre em 1881, quando é
designado para gerir os interesses do Estado em Sergipe.
Nos embates que ocorreram na Província de São Paulo foi possível perceber qual o
modelo de formação de professores Inglês de Sousa acreditava que deveria ser instalada,
quais matérias deveriam ser cursadas pelos professorese e em virtude de qual perspectiva
político-filófica ele organizava seus argumentos para projetar a instrução primária. Também
se ficou sabendo quais representações fez circular durante os debates, sobre qual o modelo
pedagógico que compreendia como o mais eficaz para ser implantado em São Paulo. Agora
como presidente da Província de Sergipe, sua condição era outra, era ele quem em última
instância decidiria qual seria o programa de reforma da instrução pública, o que deveria conter
e o que deveria ser elimindo, mesmo que suas decisões desagradassem a algumas pessoas ou
fosse contrária ao que a maioria da população compreendesse como necessário.
Em função do poder contido no posto que ocupavam, conforme Bastos (1870), os
presidentes de Província entravam em atrito com as forças locais para onde eram enviados.
Conforme o autor (1870), ocorriam muitas lutas inconvenientes, produzidas no choque entre
os dois poderes públicos, um eleito pelos cidadãos e outro indicado pelo Imperador e seus
ministros, pois os administradores agiam como interventores, fiscais e primeira autoridade da
província. Nos conflitos entre as forças políticas e nas lutas de representação que, no caso de
Inglês de Sousa, marcaram o processo pelo qual ele buscou transformar/modificar a sociedade
pela implantação e institucionalização de um modelo de formação fundamentado na
Cont. da nota anterior
1955).
179
Pedagogia Moderna,
194
é que se pode compreender a circulação dos modelos pedagógicos,
sua propaganda e usos durante o final do Segudo Império.
4.2 Inglês de Sousa e a reforma da instrução pública em Sergipe: entre a
tradição e a renovação
A historiadora Maria Thetis Nunes (1984), ao fazer uma análise da História da
Educação em Sergipe,
195
discute, em um dos capítulos de sua obra, a passagem de Inglês de
Sousa por essa região. Conforme Nunes (1984), com objetividade, o novo presidente realizou
diagnóstico da situação econômica da Província, fundamentada basicamente na monocultura
da cana-de-açúcar, sujeita, desse modo, às instabilidades do mercado internacional.
Preocupou-se com a ausência de estradas de ferro, com a inexistência de indústrias e com as
de rotas de navegação com a Europa ou com a Corte.
No exercício da presidência, preocupou-se Inglês de Sousa com vários problemas
pelos quais passava a Província. A todos buscou dar uma solução,
196
mas, de suas ações, a que
maior repercussão produziu foi a reforma da instrução pública que realizou no ano de 1881.
197
194
Inglês de Sousa refere-se à adoção da Pedagogia Moderna como eixo de sua reforma, mas não explicita qual
modelo seria esse. Conforme Narodowski (2001), falar em um ensino moderno é mobilizar um conjunto de
referências que se contrapõem a um modelo de escolarização considerado ultrapassado, não científico e
pouco racional, no qual foi enquadrado o ensino individual e o mútuo. Pensar em Pedagogia Moderna é
projetar a forma escolar fundamentada na simultaneidade em que “[...] um professor ensina a um grupo
homogêneo de crianças, ensinando ao mesmo tempo os mesmos conteúdos” (NARODOWSKI, 2001, p. 175).
Outra característica da Pedagogia Moderna, de acordo com Narodowski (2001), é a sua capacidade de
ressignificar, integrar, justapor diferentes autores em um único discurso pedagógico, eliminando o que já não
é capaz de responder às necessidades do presente. Por esse motivo, mesmo nascendo utilizando como uma
das suas principais referências a Didática Magna de Comenius, em meados do século XIX, se configura
como um conjunto de enunciados que possui por base a ciência (o positivismo e o materialismo), o
liberalismo e a laicidade do ensino, com sua secularização do conhecimento, como fonte de inspiração.
195
No campo da História da Educação, principalmente de Sergipe, é possível detectar um maior número de
pesquisadores que perceberam ser possível, com base na atuação de Inglês de Sousa, compreender os
embates entre as forças políticas na constituição de um modelo pedagógico de escolarização no final do
Segundo Império. Mas, invariavelmente, sua atuação nessa região é somente utilizada como ilustração para
que seja possível visualizar alguns acontecimentos na História da Educação Sergipana. Inglês de Sousa nos
estudos sobre a História da Educação de Sergipe é uma figura emblemática que constantemente é trazida a
tona, porém sem permanecer na superfície mais que algumas linhas, para depois desaparecer da narrativa,
deixando a impressão de, que se não tivesse aparecido, não mudaria o ritmo dos acontecimentos. Ver,
Nascimento, Freitas e Nascimento (2002), Valença (2003) Santos (2004) e Nascimento (2004). Um texto que
não se detém ao campo educacional, mas que tem a gestão de Inglês de Sousa como objeto é a monografia
desenvolvida por Ferreira (1997), realizada como pré-requisito para a obtenção do grau de licenciado em
História pela Universidade Federal de Sergipe.
196
Ferreira (1997), estudando a gestão de Inglês de Sousa na Província de Sergipe, discute que uma das
primeiras providências do administrador recém-empossado foi a realização de uma viagem pelo interior de
Sergipe, a fim de conhecer os seus problemas, e depois uma outra viagem ao Rio de Janeiro, com o objetivo
de conseguir empréstimos para sanear as dívidas da Província.
197
Na reforma da instrução pública, empreendida por Inglês de Sousa, o ensino na Província ficou dividido em
público e particular. O ensino público era subdividido em primário, secundário e normal.
180
Conforme Nunes (1984), a reforma produzida em Sergipe era resultado das novas concepções
pedagógicas que circulavam pelo Brasil. Nascia, dessa forma, segundo a autora, como uma
tentativa de colocar em prática a Reforma Leôncio de Carvalho.
198
Desse modo, ao montar os
artigos que compunham o regulamento, uma das providências foi a retirada da matéria voltada
para o ensino religioso, tanto do ensino primário, como daquele que fazia parte do ensino
oferecido pela escola normal. Deixava, desse modo, a matéria de ser oferecida de forma
obrigatória nas escolas da Província. Conforme Nunes (1984), a eliminação do ensino
religioso da formação dos professores e dos alunos das escolas primárias estava de acordo
com o regulamento da reforma empreendida por Leôncio de Carvalho, que estabelecia a
liberdade de crença como um de seus fundamentos.
A reforma da instrução pública, segundo Nunes (1984), chocava-se de frente com as
tradições e as crenças de alguns homens que, naquele momento, disputavam o Poder Político
na Província de Sergipe. Um deles foi o monsenhor Olympio Campos,
199
sacerdote católico
que entendia que a exclusão do ensino religioso das escolas poderia trazer graves prejuízos à
formação dos alunos e à futura estabilidade do Império. Carmelo
200
(1910), ao escrever a
biografia de Olympio Campos, relata os embates por intermédio da imprensa, no ano de 1881,
que tiveram o sacerdote e o presidente Inglês de Sousa.
201
Escrevendo sobre as razões que
moviam Olympio Campos, afirma Carmelo (1910, p. 14-15):
198
A Reforma Leôncio de Carvalho foi implementada em 1879, durante o governo do primeiro-ministro
Visconde de Sinimbu e, conforme Calvi (2003), já em seu programa, estava indicada a necessidade da
liberdade e ensino, da obrigatoriedade da instrução primária, das caixas escolares, dos museus escolares e
bibliotecas, da construção de escolas, da co-educação dos sexos, das escolas primárias ambulantes, da
alfabetização de adultos, da formação de professores e das conferências pedagógicas. Leôncio de Carvalho
também postulava a liberdade de ensino como forma de incentivar a multiplicação dos estabelecimentos de
ensino. Sobre a Reforma Leôncio de Carvalho, ver o estudo de Sousa (2006), Os Tempos do Império: uma
análise da reforma do ensino livre de 1879, que discute os dispositivos da reforma e sua relação com as
transformações sociais e políticas que o mundo europeu vinha sofrendo desde o final da década de 1860.
199
Barreto ([200-]), em seu Pequeno dicionário prático de nomes e denominações de Aracaju, declara que os
problemas suscitados pela reforma, encaminhada por Inglês de Sousa, na Província de Sergipe, tornaram
possível o envolvimento do monsenhor Olympio Campos com a política sergipana, projetando o seu nome
como referência para o Partido Conservador da região, fato que fez com que se candidatasse “[...] a Deputado
Provincial, com a promessa de tornar novamente obrigatório o ensino de religião nas escolas públicas
sergipanas (1882). Foi Deputado Geral no Império (1885-1886, 1886-1889), com a Proclamação da
República foi Intendente de Aracaju, Deputado Estadual e Presidente da Assembléia Constituinte (1892),
Presidente do Estado (1899-1902)” e eleito Senador da República entre os anos de 1903 e 1911 (BARRETO,
[200-], p. 81).
200
Carmelo, na verdade, é o Padre Antônio Carmelo, que foi sacerdote na cidade de São Cristóvão, região
vizinha a Aracaju. Sua obra intitulada Olympio Campos perante a história foi escrita em 1910, quatro anos
depois do assassinato de Olympio Campos no Rio de Janeiro pelos filhos de Fausto Cardoso, como vingança
por seu pai ter sido também assassinado, provavelmente a mando do desembargador Guilherme Campos,
irmão de Olympio Campos, em Aracaju, no ano de 1906.
201
Os artigos publicados na Gazeta de Aracaju, em 1881, tinham como título Á minha provincia e o seu actual
presidente o sr. dr. Herculano Marcos Ingles de Souza. Os textos foram escritos como forma de incitar a
sociedade sergipana a ir contra a gestão de Inglês de Souza. A cada matéria publicada por Olympio Campos,
o jornal Echo Liberal fazia circular observações assinadas por Homo. Entendeu o monsenhor que deveria ser
181
Attendendo-se ás circumstancias de estarem unidos o Estado e a
Egreja, e por isso mesmo áquelle incumbindo zelar pelos interesses
desta, facilitar sua acção e assegurar-lhe a conquistas, não sei como
criticar, nem mesmo quero, o golpe desfechado por aquelle
magistrado sobre leis vitaes do paiz, de caracter e interesse geraes que
lhe garantiam sua existencia moral.
O que, porém, não foge a quem observa é que se o illustre presidente
foi tão facil em assim proceder, descarregando um golpe de sabre,
sobre a organisação viva de uma idéa de ordem privada e publica,
reputada por todos quantos a estudam, com superioridade, o melhor
elemento de perfeição moral, de solidariedade e perfeição humana, é
porque vendo a nossa sociedade por um prisma que lhe não dissociava
bem as cores da verdade dos negrumes do erro, tudo lhe parecia um
agglomerado sem cohesão que devia ser disperso para melhor ser
vencido.
Os debates travados por Olympio Campos contra a reforma empreendida por Inglês de
Sousa duraram meses e, ao final, o próprio monsenhor tratou de publicar os artigos em
formato de livro com o título O ensino religioso na eschola normal da Província de Sergipe.
Comentando a reforma da instrução pública, informa Olympio Campos:
Tal reforma consistio em crear no então Atheneu Sergipense, hoje
Lyceu secundario de Sergipe, um curso de Bacharel em Letras, e uma
Eschóla Normal com um curso de 3 anos, omittindo todavia uma
cadeira para o ensino da religião do estado, consagrada no Art. 5.º da
Constituição Politica do Império (CAMPOS, 1882, p. 1).
Segundo Olympio Campos, ele não tinha a menor intenção de discutir sobre o
regulamento da instrução pública, só fazia isso porque a retirada do ensino religioso da
formação dos professores da escola normal era um grave erro.
202
Externar sua opinião por
Cont. da nota anterior
Inglês de Sousa, utilizando um pseudônimo, e passou a atacar com mais veemência a reforma da instrução
pública. Somente depois de publicados os artigos em forma de livro, em fevereiro de 1882, é que se
descobriu, que, na verdade, o autor que assinava como Homo não era o presidente, mas Antônio Joaquim
Sousa Botafogo, inspetor da alfândega, o qual, segundo Ferreira (1997), foi homem cuja lealdade fora sempre
exaltada por Inglês de Sousa.
202
Analisando as críticas do monsenhor Olympio Campos à reforma de Inglês de Sousa sobre a instrução
pública, Carmelo (1919, p. 15) explica a situação: “O Padre Olympio Campos era o pergureiro da grei, sua
barraca erguia-se no presbyterio e d’ali vigiava o rebanho. Vae então, escrever um oficio ao Exm. Sr.
Presidente da Província promptificando se leccionar gratuitamente ás alumnas as materias constantes do
programa do ensino religioso suppresso. A resposta não se fez esperar. Justo é dizer aqui, que nenhum dos
dous cavalheiros se enganava: nem o Presidente pensando effectivmente o Padre julgasse que aquella
suppresão era motivo de ordem economica, nem o Padre esperando fossem aceitos seos bons officios. O
presidente supprimia porque perseguia; o Padre se offerecia por dever de consciencia, pois sabia não ser
querido”. Essa é a visão que Carmelo possui sobre os acontecimentos, permeada por sua condição de
182
intermédio da imprensa era a única arma com que podia contar,
203
já que o oferecimento que
havia feito de ensinar gratuitamente, no estabelecimento, as matérias que faziam parte do
ensino religioso, havia sido rejeitado pelo presidente. Diz o monsenhor:
[...] mas olvidada a religião, sem a qual não pode haver sociedade bem
organisada, tive de lavrar o meu protesto contra a zizania que o
governo Provincial quis plantar em Sergipe, que, acostumada as
pratica sublimes da religião de Jesus e a saudar no crepusculo
vespertino a famosa Maria Stella, vio com assombro banir-se do
templo dos mestres da infancia, o Livro da mais profunda sabedoria,
que o timbre da mesma divindade, o sagrado evangelho. Testemunhar
os meus jovens comprovincianos receberem a luz da intelligencia sem
o cultivo das virtudes que inspira o Chistianisno, seria causa de
grandissino desprazer [...]. Como sacerdote e como sergipano
catholico não devia consentir que se impozesse uma Lei odiosa à
minha provincia, sem um brado de alerta, somente porque o poder é
poder. Cumpri o meu dever (CAMPOS, 1882, p. 1-2, grifos do autor).
Mas a reforma colocada em prática por Inglês de Sousa não teve como adversário
somente Olympio Campos. Outros pontos em que o Regulamento Geral da Instrucção
Publica da Provincia de Sergipe (RGIPPS) tocava eram tão capazes de gerar controvérsias
quanto a retirada do ensino religioso da formação dos alunos matriculados na escola normal e
sua obrigatoriedade nas aulas da escola primária. Entre eles, estavam: a criação de uma escola
normal mista e a obrigatoriedade de o aluno interessado em estudar apenas para os exames
preparatórios ter que cursar um ensino secundário seriado. De acordo com Nunes (1984),
esses pontos escandalizavam a sociedade sergipana, pois desafiavam o modelo escolar a que
estavam acostumados.
Como primeira autoridade do local em que fosse exercer a presidência, o enviado da
Coroa possuía poder suficiente para modificar ou instituir as regras administrativas que
colocassem a província em consonância com as diretrizes do Império. Desse modo, podia
também rejeitar práticas administrativas dos negócios da província, mesmo que fossem
amplamente aprovadas pela população.
Cont. da nota anterior
sacerdote da mesma ordem religiosa.
203
Ferreira (1997), ao analisar a administração de Inglês de Sousa, informa que Olympio Campos, no combate
às reformas empreendidas pelo presidente, fez uso também de outras estratégias para que o ensino de religião
voltasse a ser incorporado às cadeiras oferecidas pelo Ateneu Sergipense. Diz o autor que o púlpito se tornou
o lugar em que o monsenhor podia influenciar a população pobre e analfabeta, já que, por intermédio dos
jornais, alcançava apenas aqueles que haviam sido alfabetizados.
183
A introdução do texto do regulamento, como protocolo, que regra o entendimento
ideal da lei, e que ao mesmo tempo reafirma o poder do presidente para fazer cumprir as
determinações do Império, se apresenta como uma leitura que não deve permitir uma segunda
interpretação. Ele é composto para demonstrar que o administrador possuía capacidade para
fazer valer sua autoridade.
No Quadro 4, a seguir, foi transcrita a introdução do regulamento que mandava
reorganizar a instrução pública na Província de Sergipe em 1881. Nele é possível perceber
que ao presidente não importavam as práticas educativas, escolares, anteriores estabelecidas.
Sua função como presidente era fazer as normas serem observadas. Para que não houvesse
segunda interpretação, prescreve que qualquer disposição anterior deveria ser considerada
revogada, ou seja, deixaria de existir.
O Presidente da provincia, attendendo á necessidade de reformar as disposições do
regulamento da instrução publica de accordo com os principios da Pedagogia Moderna, e as
regras aconselhadas pela pratica das nações cultas e a conveniencia de serem as disposições
relativas ao assumpto que se acham exparsas em diversas leis e regulamentos, reunidas e
consolidadas em um corpo que contenham toda a legislação que rege tão importante materia
resolve que, considerando-se revogadas toda e qualquer disposição que agora não for
consolidada, seja observado seguinte:
REGULAMENTO
TITULO I
Art. 1. Ao Presidente da provincia compete a suprema inspecção e direcção da instrução
publica, que exercerá por si e por meio das autoridades constituídas neste regulamento.
QUADRO 4 – INTRODUÇÃO DO REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DA PROVÍNCIA DE
SERGIPE EM 1881
Fonte: RGIPPS (1881, p. 1).
O ensino nas escolas de primeiras letras, naquele momento, em Sergipe, deveria ser
realizado por intermédio dos princípios da Pedagogia Moderna e para isso exerceria a
inspeção ele próprio ou algum de seus auxiliares na administração da instrução pública. Desse
modo, para ser considerado um bom professor, seria necessário que o docente adotasse os
princípios da Pedagógica Moderna na condução de suas aulas.
Exercicios de intuição, ou noções de cousas, acompanhando os
exercicios de leitura, escripta e as explicações de geometria e de
desenho.
Os exercicios de leitura serão feitos de preferencia em livros com
estampas, para melhor aplicação das noçoes de cousas.
184
Não é explicado, por intermédio do regulamento, quais seriam esses princípios, mas,
como será possível perceber na análise do que é prescrito como matérias para o ensino
primário e para a escola normal, fala-se em ensino intuitivo, exercícios de intuição, ou noções
de coisas. Possivelmente Inglês de Sousa estivesse falando de um ensino que tivesse como
base o pensamento de Froebel.
Conforme Narodowski (2001), A Pedagogia Moderna possuía como característica no
século XIX, ser referendada em certa leitura das obras de Froebel, que defendia a escola como
o lugar em que deveria ser ensinados os saberes reconhecidos como científicos valendo-se de
um processo simultâneo de ensino em que a aprendizagem fosse realiza tomando-se por base
a passagem do concreto para o abstrato. Desse modo, em uma reforma que tinha como
objetivo a implantação da Pedagogia Moderna a matéria Instrução Religiosa fazia pouco
sentido em permanecer como um saber a ser transmitido na escola.
Duas representações eram evidentes sobre o sentido do ensino religioso na escola
estão em disputa. Para o monsenhor Olympio Campos, sem o ensino desses conhecimentos
sobre a religião na escola, o resultado seria uma sociedade desorganizada, pois estaria sem
parâmetros para reconhecer a verdade ou o erro. O futuro a ser vislumbrado, sem a Instrução
Religiosa, era o caos. Um mundo que desconheceria a moral, sem solidariedade e incapaz de
possibilitar a perfeição humana, sem a qual não se transporia as portas do paraíso. Já para
Inglês de Sousa, os saberes que poderiam garantir a perfeição humana adviriam por
intermédio de um estado positivo frente à realidade, uma atitude racional, científica, que
conduziria ao progresso.
No exercício do poder, Inglês de Sousa valendo-se do regulamento, que se abrisse uma
escola normal na Província de Sergipe, instituindo que deveria ser para ambos os sexos. Uma
escola normal organizada em regime de co-educação na província era uma novidade. De
acordo com Nunes (1984), a formação de professores com base na co-educação era contrária
às representações de uma sociedade patriarcal que era indiferente à necessidade de fornecer
educação ao sexo feminino, que fosse além das prendas domésticas. No capítulo dedicado ao
ensino na escola normal, dizia-se o seguinte: “Haverá nesta capital uma eschola normal
destinada a habilitar individuos de ambos os sexos na theoria e pratica do magisterio
primário” (RGIPPS, 1881, p. 32).
Esse ensino misto oferecido aos futuros professores foi amplamente criticado pela
imprensa, principalmente pela Gazeta do Aracaju, que dizia que a instituição se tornaria uma
casa de hermafroditas (NUNES, 1984). O curso oferecido aos futuros professores foi
185
programado para ser concluído em três anos, período no qual se deveria cursar cinco cadeiras.
São elas:
1. Cadeira Grammmatica e Lingua nacional,
2. Cadeira Mathematicas elementares,
3. Cadeira Geografia e Historia,
4. Cadeira Grammatica e Lingua franceza
5. Cadeira Pedagogia e methodologia (RGIPPS, 1881, p. 32).
As cadeiras seriam distribuídas nos três anos do curso e cada uma deveria ser
composta das seguintes matérias (Quadro 5):
1.º Anno
1. Cadeira - Grammatica portugueza, leitura e analyse logica e
grammatical dos prosadores brasileiros. Exercicios de declamação,
caligraphia
2. Cadeira - Arithmetica até logarithmos, inclusive geometria plana
4. Cadeira - Elementos de geographia, geographia physica, estudos feitos
sobre mappas e espheras
2.º Anno
1. Cadeira - Grammatica da lingua portugueza, analyse logica e
grammatical dos prosadores e poetas classicos, exercicios de declamação e
ensaios de redação
2. Cadeira - Geometria no espaço, algebra até equações dos 2.º gráo.
Astronomia
3. Cadeira - Geographia politica e commercial. Resumo da historia
universal
4. Cadeira - Grammatica e tradução da lingua franceza
3.º Anno
1. Cadeira - Grammatica da lingua portugueza, analyse logica e
grammatical dos classicos, exercicios de declaração e redação
3. Cadeira - Geographia e história do Brasil e especialmente da Provincia
de Sergipe
4. Cadeira - Grammatica e traducção da lingua franceza
5. Cadeira - Pedagogia e methodologia
QUADRO 5 – CADEIRAS QUE COMPUNHAM O ENSINO NORMAL EM SERGIPE NO ANO DE
1881
Fonte: RGIPPS (1881, p. 33).
Para finalizar o curso, os alunos deveriam realizar provas práticas, semanais, no
terceiro ano de estudos, momento em que teriam seus conhecimentos de Pedagogia e
Metodologia avaliados. A escola anexa à escola normal era o local em que deveriam ocorrer
as avaliações práticas sobre o domínio da teoria e da didática do ensino. Prescreve o
regulamento:
Os alumnos do 3.º anno irão uma vez por semana a eschola annexa
respectiva, onde sob a direcção do profesor de pedagogia. se
exercitarão na prática dos melhores methodos do ensino,
186
encarregando-se cada um por sua vez da regencia momentanea da
cadeira, e applicando as regras que tiverem recebido (RGIPPS, 1881,
p. 33).
Conforme o que se anuncia na introdução do regulamento da instrução pública: “O
Presidente da provincia, attendendo á necessidade de reformar as disposições do regulamento
da instrução publica de accordo com os principios da pedagogia moderna, e as regras
aconselhadas pela pratica das nações cultas” (RGIPPS, 1881, p. 1), prescreve como necessário
ao curso normal um ensino menos voltado para a memorização das regras da Pedagogia e
mais direcionado para a experiência, para a incorporação dos princípios pedagógicos. Propõe
o regulamento que “O ensino das diversas materias que compoem o curso da eschola normal
será dado de um modo todo pratico e experimental, de forma que o alumno venha a ter
aprofundados conhecimentos da materia por suas diversas faces” (RGIPPS, 1881, p. 33-34).
Por essa razão, ficava “[...] absolutamente prohibida toda a lecção por apostilas” (RGIPPS,
1881, p. 34).
Com essas prescrições, pode se entender um pouco mais como Inglês de Sousa
compreendia a Pedagogia Moderna. Para ele, um tipo de pedagogia para ser considerado
como moderno deveria dar ênfase à prática (aos exercícios práticos), a um processo de ensino
fundamentado na experiência, conhecido como lições de coisas, na intuição e na
experimentação. Tal pedagogia tornava possível, ao aluno da Escola Normal ou da escola
primária, conhecer a natureza por suas diversas faces. Para o presidente de Província,
significava o abandono das lições por apostilas, que trabalhasse com o método da
memorização do conhecimento.
Apesar de o curso normal ser projetado como uma instituição que ofereceria a a co-
educação, prescreve-se no regulamento que: “[...] para o fim de exercitar os alumnos da
eschola normal na pratica dos methodos e regencia de cadeira, haverá annexa a eschola duas
aulas primarias, uma para o sexo masculino e outra para o sexo feminino” (RGIPPS, 1881, p.
47).
Nas escolas anexas, deveriam ser ensinadas as seguintes matérias:
1.º Leitura pelos methodos mais rapidos, devendo-se adoptar o de
João de Deus, logo que se tenhão adquirido os mappas paretaes e
compendios precisos.
2.º Calligraphia, desenho linear, geometria pratica, orthographia.
3.º Dechamação de prosa e versos; noções de cousas.
4.º Principios geraes de historia natural.
5.º Rudimentos de geographia physica e de corographia da
Provincia de Sergipe.
187
6.º Contabilidade, arithimetica até proporções exclusive.
7.º Grammatica elementa da lingua portugueza.
8.º Trabalhos de agulha na aula do sexo feminino (RGIPPS, 1881,
p. 47-48).
204
O ensino oferecido na Escola Normal, como se pode observar pela lista de cadeiras a
serem cursadas pelos normalistas, se restringia Ao aprendizado das matérias que iriam ser
ensinadas aos alunos primários, sendo oferecido pouco conhecimentos para ilustração do
futuro professor das escolas primárias. Essa dinâmica de aprendizagens mantinha-se no
exercício do Magistério efetuado nas escolas anexas, cuja a ilustração não era um objetivo a
ser perseguido.
Proibido o ensino por apostilas – denunciadas como instrumentos de memorização do
conhecimento, outro material é prescrito para ser utilizado pelos professores. Tratava-se da
introdução, na Província de Sergipe, da Cartilha Maternal, método de Alfabetização
desenvolvido pelo poeta Português João de Deus, na segunda metade do século XIX. Pela
primeira vez, aparece a observação de que o conhecimento deveria ser trabalhado com base
nas lições de coisas, base para o ensino do Método Intuitivo.
Tratava-se de um novo saber pedagógico que começava a circular no Brasil, como
alternativa às práticas livrescas de memorização do conhecimento e castigos corporais, como
forma de garantir que os alunos se empenhassem na aprendizagem.
O método intuitivo também é conhecido como lições de coisas, processo que
demandava do professor o domínio de outros saberes, que não poderiam ser adquiridos apenas
acompanhado um professor mais antigo, na fórmula de formação dos professores adjuntos.
Segundo Schelbauer (2005, p. 136).
Como saber pedagógico em circulação, o método intuitivo
desembarcou na realidade brasileira na bagagem de nossos
intelectuais ilustrados: homens públicos, reformadores, juristas,
proprietários de escolas, diretores e professores, e se constituiu num
dos principais elementos da renovação educacional por eles propostos
nos projetos de reforma, pareceres, conferências pedagógicas e
experiências educacionais de vanguarda, vinculadas a iniciativas
governamentais e de particulares, as quais acreditavam poder
modificar o cenário da nação, modificando-o através da educação.
204
Como foi possível observar, no curso normal, não existia uma matérias de ensino de trabalhos manuais, com
agulhas. Naquele espaço de aprendizagem, a formação era indiferenciada, mas as matérias a serem ensinadas
no ensino primário requeriam que as professoras soubessem ensinar às educandas a lidar com as necessidades
que o trabalho doméstico impunha. As aulas anexas tinham esta função: oferecer a experiência e as
188
Trata-se de um saber pedagógico que se contrapõe a outros, já estabilizados pela
tradição, por interesses políticos, ou por produzir resultados que se acreditava serem os
esperados, necessários ou até essenciais para a estabilidade da sociedade. Conforme A-M.
Chartier (2002), os dispositivos tratam do “como fazer” e geralmente acompanham as
reformas e mesmo as inovações do campo. No caso dos regulamentos, não somente
prescrevem como fazer, mas buscam também estabilizar o campo. Sua característica de
dispositivo oficial, produzido mediante um local de poder e saber, confere-lhe, mesmo que
legalmente, a capacidade de delimitar o que são práticas dignas ou reprováveis. Para a
História da Educação, sua característica de dispositivo regulador importa menos que sua
capacidade de indiciar para as continuidades e as descontinuidades das práticas. Em seu
processo de atualização ou desmobilização, reside a possibilidade de compreender a ação
política e os projetos a serem transformados em decisão.
Nas escolas primárias, prescrevia o regulamento da instrução pública que as matérias
deveriam ser ensinadas em escolas para meninos e para meninas. Somente em casos em que
não houvesse professor para assumir alguma escola é que uma professora poderia lecionar
para o sexo masculino, mesmo assim, estes deveriam ser dispensados quando a matéria fosse
o trabalho com agulhas. O ensino primário seria composto das seguintes matérias:
1.º Leitura, calligrafia, exercicios de declamação e de redação,
2.º Contabilidade, systema metrico decimal,
3.º Noções de geometria pratica e desenho linear,
4.º Rudimentos de geografia e de cosmographia,
5.º Exercicios de intuição,
6.º Elementos de grammatica portugueza, analyse logica e
grammatical de prosadores nacionaes,
7.º Trabalhos de agulha, nas aulas do sexo feminino (RGIPPS,
1881, p. 16).
O curso primário seria dividido ainda em dois níveis, o primeiro e o segundo grau.
205
O aluno poderia ser matriculado em um, ou em outro, dependeria do quanto já estivesse
adiantado nas primeiras letras no momento em que passasse a freqüentar a escola.
No primeiro grau do ensino primário, o aluno deveria aprender:
1.º principios de leitura, Caligraphia,
Cont. da nota anterior
habilidades necessárias que se acreditava que toda senhora deveria possuir.
205
As aulas dos dois graus aconteceriam em momentos diferentes. Haveria uma sessão na parte da manhã
voltada para os alunos do primeiro grau, das oito às dez horas. À tarde, os alunos do segundo grau teriam
aulas do meio-dia até as duas e meia.
189
2.º Noções de geometria pratica, desenho linear,
3.º Exercicios de intuição, ou noções de cousas, acompanhando os
exercicios de leitura, escripta e as explicações de geometria e de
desenho.
Os exercicios de leitura serão feitos de preferencia em livros com
estampas, para melhor aplicação das noçoes de cousas.
4.º Costura simples nas escolas do sexo feminino (RGIPPS, 1881,
p. 17).
Já no segundo grau do ensino primário, o aluno deveria dominar:
1.º Leitura, calligraphia, declamação de trechos em prosa e verso.
Os exercicios de leitura será feito em livros de história patria, e
acompanhado de explicações do professor sobre os homens e os
acontecimentos mais notaveis. De preferencia serão usados os livros
de história da provincia de Sergipe.
2.º Contabilidade, systema metrico de pezos e medidas,
3.º Rudimentos de geographia do Brazil e especialmente a da
provincia de Sergipe.
4.º Continuação dos exercicios de intuição,
5.º Elementos de grammatica portugueza. Analyse logica e
grammatical dos prosadores nacionaes. Exercicios de redacção
6.º Trabalhos de agulha e thesoura nas aulas do sexo feminino
(RGIPPS, 1881, p. 17).
Percebe-se que, nos dois níveis do ensino primário, as lições de coisas estão
incorporadas como exercícios de intuição que deveriam fazer parte da rotina dos alunos.
Conforme Schelbauer (2005), o ensino intuitivo na rotina de aprendizagem dos professores,
por ser naquele momento considerado como o método de ensino capaz de reverter a
“ineficiência” do ensino oferecido pelas escolas públicas do Império. Desse modo, os saberes
elementares, ler, escrever, contar e rezar, que durante todo o Império constituíram o
conhecimento que deveria ser transmitido pelas escola,s começam a ser contestados como
capazes de realmente igualar o Brasil aos países desenvolvidos, da América do Norte ou de
parte da Europa.
Em função das modificações que estão se processando sobre as representações que se
tinha sobre o papel da escola em uma sociedade em transformação, passa a figurar como
saberes que deveriam ser ensinados nas escolas primárias, os saberes sobre contabilidade,
sistema métrico decimal, geometria, desenho linear, geografia do Brasil e regional,
cosmografia, ensino de história pátria, dos acontecimentos e de homens notáveis do Império,
além dos exercícios de intuição que estimulavam o acesso ao conhecimento pela natureza das
coisas. Nesse processo de mudança do significado da escola para realizar o desenvolvimento
do Brasil, um tema que não é esquecido é aquela que trata dos castigos corporais.
190
Constava do regulamento que os castigos disciplinares a que estavam sujeitos os
alunos eram:
1.º Reprehensão em particular,
2.º Reprehensão em classe,
3.º Trabalhos n’aula fóra das horas lectivas,
4.º Privação de logares de distincção, e em geral tudo que desperte a
emulação ou produza vexame moral (RGIPPS, 1881, p. 18-19).
Não são especificados no regulamento os castigos disciplinares que ficavam proibidos,
mas apenas quais, a partir daquele momento, poderiam ser utilizados pelos professores. Mas,
se tomarmos como referência a descrição que Machado de Assis realiza de um dia de aula em
uma escola em que se aprendia as primeiras letras, é possível compreender que a forma
proposta contida no regulamento era totalmente diferente da que era utilizada por alguns
professores na regência de suas aulas. Escreve Machado de Assis, em um Conto de Escola,
sobre um dia típico em uma aula do ensino primário. Dizia ele:
A escola era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de Pau. O ano
era de 1840. Naquele dia, uma segunda-feira, do mês de maio – deixei
me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a
manhã. [...] De repente disse comigo que o melhor era a escola
(ASSIS, 2001, p.5).
Não poderia fugir da escola, segundo o autor, porque já havia faltado às aulas duas
vezes, e havia sido descoberto. O pagamento ele recebeu nas mãos. Seu pai sonhava para ele
uma profissão comercial, mas, para que o sonho fosse realizado, teria que aprender os
elementos mercantis, ler, escrever e contar. Isso para ele não importava muito, mas a
lembrança do último castigo foi incentivo suficiente para ir para a escola. Chegando ao
estabelecimento de ensino, tratou de subir a escada com cautela para não ser ouvido pelo
professor, o qual entrou logo em seguida. Sem uma palavra, sentou-se e com apenas o olhar
fez com que todos os que estavam em pé se sentassem também. Tudo estava em ordem,
começaram os trabalhos. Narra o autor:
Com franqueza, estava arrependido de ter vindo. Agora eu ficava
preso, ardia por andar lá fora, e recapitulava o campo e o morro,
pensava nos outros meninos vadios [...]. Para cúmulo de desespero, vi
através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do
morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de
uma corda imensa, que bojava no ar, uma coisa soberba. E eu na
escola, sentando, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática
nos joelhos (ASSIS, 2001, p. 5).
191
A toda ação que não condissesse com as regras estabelecidas pelo modelo de ensino
adotado, a recompensa eram os bolos oferecidos pela palmatória, que a todos observava e
impunha silêncio com seus “cinco olhos” de vigia. Descreve o autor o ambiente em que
aprendia as primeiras letras. A palmatória, essa
[...] estava, pendurada no portal da janela, à direita, com os seus cinco
olhos do diabo. Era só levantar a mão, despendurá-la e brandi-la, com
a força do costume, que não era pouca (ASSIS, 2001, p.10).
Dito e feito, na primeira oportunidade, o professor o pegou em outras atividades que
não aquelas que faziam parte da lição do dia. Já sabendo qual seria a recompensa por se
distrair durante a aula, implora para não ser castigado. O mestre responde que era para
emenda e para exemplo para que o erro não se repetisse e também para não ser imitado pelos
outros alunos.
– Perdão, seu mestre... Solucei eu.
– Não há perdão! Dê cá a mão! Dê cá! Vamos! Sem vergonha! Dê cá
a mão!
– Mas, seu mestre...
– Olhe que é pior!
Estendi-lhe a mão direita, depois a esquerda, e fui recebendo os bolos
uns por cima dos outros, até completar doze, que me deixaram as
palmas vermelhas e inchadas (ASSIS, 2001, p.17).
Villela (2002), ao analisar a história da escola normal de Niterói, em seu estudo Da
palmatória à lanterna mágica: a escola normal da província do Rio de Janeiro entre o
artesanato e formação profissional (1868-1876), descreve que o uso dos castigos físicos era
muito comum no ensino das primeiras letras. Uma “pedagogia da suavidade”, em que o
controle deveria ser exercido de outras formas, possui relação com a circulação da Pedagogia
Moderna, em sua vertente de ensino intuitivo. De conformidade com os princípios de um
ensino moderno que buscava preparar para o mundo, no caso liberal, para o autogoverno, a
livre iniciativa, as características que deviam ser moldadas eram outras, assim como o sistema
de prêmios e recompensas.
De acordo com os princípios da forma escolar adotada na reforma da instrução
pública, o regulamento prescreve que o ensino primário deveria ser voltado para a prática sem
a necessidade da memorização, pelo ensino livresco, realizado pela recitação interminável das
regras. Desse modo, determina-se que
192
O Professor procurará tornar o ensino o mais pratico possivel, fazendo
conhecer os objetos, as suas qualidades, a sua organisação, e partindo
sempre do concreto para o abstracto; prescindirá de pertubar a
intelligencia do alumno com o ensino de muitas regras, procurando
despertar-lhe a faculdade de attenção, por meio do interesse pelo
objecto estudado. Usará de uma lingoagem chã, mas clara e precisa,
que familiarise a intelligencia do alumno com o assumpto (RGIPPS,
1881, p. 17)
Em nenhuma hipótese, poderia o professor utilizar o sistema do ensino mútuo,
considerado ultrapassado e não apoiado na Pedagogia Moderna. Proíbe-se o professor de
possuir monitores que o auxiliem nas aulas. Prescreve o regulamento: “Não é permitido ao
systhema de ensino por decuriões ou monitores, e o professor é obrigado a leccionar
pessoalmente a todos os seus alumnos” (RGIPPS, 1881, p. 18).
Apesar de todas as críticas realizadas pelo monsenhor Olympio Campos a respeito de
o regulamento da instrução pública ter excluído o ensino da religião do programa da escola
normal e do ensino primário, a religião ainda poderia ser ensinada, mas não de forma
obrigatória e nem financiada pelo Estado. Informa o regulamento para aqueles professores
que achassem por bem ensinar aos seus alunos as doutrinas da religião católica,
Nos domingos ou em um ou mais dias santificados da semana, o
professor publico convidará o vigario da freguesia para doutrinar o
cathecismo da religião christã em sua aula, facilitando aos mesmos
parochos todos os meios de que precisarem para esse fim, caso
queirão prestar esse relevante serviço (RGIPPS, 1881, p. 18).
Caso não houvesse um vigário que pudesse ministrar os ensinamentos da doutrina
católica, o professor poderia assumir essa função, desde que não fosse mais de uma vez por
semana, mesmo assim apenas se ele desejasse e as famílias concordassem, já que esse ensino
não fazia parte das matérias obrigatórias do curso primário.
Já com o debate, na Assenbléia de São Paulo, sobre o subsídio a escolas particulares –
Colégio Culto a Ciência de Campinas e Colégio e Colégio Bom Conselho de Taubaté – foi
possível perceber que Inglês de Sousa não concordava com a idéia de que o lugar do ensino
da religião era a escola. Para ele, os padres tinham essa função, o que poderia ser feito nas
igrejas, não nas escolas públicas em que estudavam católicos e acatólicos. Não era contra a
religião, queria somente que não fosse financiada pelos cofres públicos. Afirma Inglês de
Sousa: “Não proponho a abolição [da igreja]; podem viver, mas sem auxilio da provincia —
têm liberdade” (AALPSP, 1881, p. 107). De acordo com Inglês de Sousa, “Os principios
193
liberaes consistem em deixar á iniciativa dos paes a educação religiosa, mas o Estado não se
deve pronunciar por esta ou aquella instituição” (AALPSP, 1881, p. 112).
Conforme Inglês de Sousa, quando era deputado, sua atuação como homem público
não era pautada no interesse de legislar para grupos específicos, católicos e não católicos, mas
cuidava dos “[...] interesses geraes da sociedade paulista [...]. Demais, não podemos
acompanhar os interesses do papismo exaltando uma doutrina e abatendo outra; não temos
autoridade para determinar e impôr preferencias” (AALPSP, 1881, p. 113). Essa idéia não era
compartilhada por todos. Ignácio de Sousa Valladão, diretor da Escola Normal, ao enviar o
relatório dos trabalhos desenvolvidos na instituição ao diretor da instrução pública, Gonçalo
D’Agiar Botto de Menezes, reclama da falta da instrução religiosa na formação dos
normalistas. Explica o diretor: “Não comprehendo educação sinão sob a triplice relação:
phisica, intellectual, moral e religiosa” (VALLADÃO, 1882, p. 5).
Com a finalidade de alterar o regulamento da instrução pública, o diretor da Escola
Normal chama a atenção para a necessidade da criação da cadeira de Religião, integrando
conjuntamente com as outras cadeiras o curso normal. Ao analisar o ensino oferecido pelo
curso normal, segundo o diretor, havia chegado à seguinte conclusão:
Tendo sido satisfeita, de alguma sorte, a primeira parte [educação
física] com obrigação do professor de pedagogia ir aos sabbados – á
aula annexa, pôr em pratica os methodos de ensino, para o que são
indispensaveis exercicios e movimentos, que concorrem para
desenvolver os músculos e dar vigor ao corpo; e bem assim a segunda
[intelectual] com a criação de diferentes cadeiras, cujas disciplinas
directamente concorrem para desenvolver e enriquecer a inteligência;
foi inteiramente esquecida a terceira – a do ensino moral e religioso,
não menos importante, senão a principal, por isso que dirige a vontade
e forma o coração do educando. Entretanto, para sanar essa lacuna do
Regulamento, peço á V. S. encarecidamente se digne de propor ao
poder competente, em nome da mocidade, cuja educação tem de ser
confiada aos futuros alumnos mestres da nossa Escola, a creação de
uma cadeira especial de Religião, cujo professor seja obrigado a fazer
preleções dos principios da moral philosophica (VALLADÃO, 1882,
p. 5).
Como foi discutido, os relatórios dos presidentes de província se caracterizam como
documentos que são produzidos valendo-se da mescla de vários outros. Ou seja, o relatório do
diretor da Escola Normal deveria fornecer os elementos para compor o relatório do diretor da
instrução pública e o deste para compor o da presidência. Mas ,quando se comparam os três
relatórios, percebe-se que as observações realizadas por Ignácio de Sousa Valladão, a respeito
do ensino religioso, não são incorporadas aos outros dois relatórios. Fazendo parte, segundo
194
Giglio, dos dispositivos que assinalam uma arte de governar, opiniões contrárias, ou
divergentes, não poderiam ser dadas a ver à comunidade de leitores, ou ouvintes dos
relatórios.
Com a reforma, fecha-se o acesso ao Magistério primário para as pessoas que não
possuíssem o curso normal oferecido pela Província. Ficava proibido que professores
trabalhassem como adjuntos, forma muito empregada para qualificar docentes para atuar nas
escolas primárias.
206
Tornava também o Magistério um ofício estável. Prescreve o
regulamento: “O professor publico primario, sendo normalista, será considerado vitalicio,
desde o dia em que entrar no exercicio da regencia de sua cadeira” (RGIPPS, 1881, p. 15).
Para Nunes (1984), a garantia da estabilidade do professor do ensino primário era um
dos maiores ganhos da reforma, pois impedia que os professores continuassem a ser joguetes
dos interesses políticos da Província. Os professores somente poderiam ser removidos de suas
cadeiras se pedissem para deixar a docência ou por algumas penas previstas no regimento.
O ensino secundário oferecido na Província de Sergipe, também um dos alvos da
reforma da instrução pública, toma, na gestão de Inglês de Sousa, outros caminhos. Não é
apenas o curso que habilita os alunos para os preparatórios, mas projetava uma formação mais
ampla, obrigando que os alunos cursassem matérias que não faziam parte dos pontos cobrados
para ingressar nos cursos superiores. Ao que parece, era um curso seriado, análise que fez
também Nunes (1984), quando estudou a reforma da instrução pública que Inglês de Sousa
fez em Sergipe. No ensino prescrito no regulamento da instrução pública, fazia-se necessário
que o aluno, antes de cursar uma matéria, tivesse anteriormente sido aprovado em outras que
serviriam de pré-requisito. O curso somente era completado em seis anos, havendo ainda
necessidade da preparação e da defesa de uma dissertação sobre uma das matérias que
compunham o curso. Ao terminar essa etapa, o aluno formando passaria a ostentar o título de
bacharel em Letras, o que lhe abria as portas para qualquer emprego, independente de
concurso, na administração da Província e mesmo a possibilidade de tornar-se professor do
Liceu Sergipano. As cadeiras que compunham o curso secundário estavam assim divididas:
1.º Cadeira – Grammatica, lingua e litteratura nacional, rhetorica e
poetica,
2.º Cadeira – Mathematicas elementares,
3.º Cadeira – Phisica, Chimica e História natural,
4.º Cadeira – Geographia e História,
5.º Cadeira – Grammatica, lingua e litteratura latina,
206
“Ninguém poderá ser nomeado professor sem antes que se mostre habilitado competentemente pela Eschola
Normal com o diploma de professor normalista” (RGIPPS, 1881, p. 11).
195
6.º Cadeira – Grammatica, lingua e litteratura franceza,
7.º Cadeira – Grammatica, lingua e littererara ingleza,
8.º Cadeira – grammatica, lingua e litteratura allemã
9.º Cadeira – Grammatica, lingua e litteratura italiana
10.º Cadeira – Escripturação mercantil,
11.º Cadeira – Philosophia racional e moral; direito publico,
constitucional e das gentes (RGIPPS, 1881, p. 20-21).
De acordo com Nunes (1984), a forma como o ensino secundário foi organizado era
uma tentativa de fazer o secundário ir além da simples preparação para os cursos superiores
do Império, mesmo que, a partir do Ato Adicional de 1834, as províncias pudessem, na
prática, criar e organizar o ensino secundário que ofereciam a seus cidadãos. Na verdade,
pouco se pôde perceber de inovador no ensino oferecido pelas instituições, de ensino
secundário, criadas em cada província. Como os cursos superiores poderiam ser oferecidos
apenas pelo Estado, que estabelecia o número de matérias em que os candidatos deveriam
demonstrar estar habilitado, o resultado foi, segundo Haidar (1973), que o ensino secundário
foi estabelecido quase exclusivamente como canal de acesso aos cursos superiores. De modo
mais detalhado, as aulas no Lyceu Sergipense eram assim distribuídas (Quadro 6):
1.º Anno
1.º Cadeira - Leitura dos prosadores brasileiros, exercicios de declamação;
grammatica da lingua
2.º Cadeira - Arithmetica até porporções, geometria plana
4.º Cadeira - Principios de geologia, geographia physica, estudo feito sobre mappas e
espheras
2.º Anno
1.º Cadeira - leitura de prosadores e poetas da lingua nacional, exercicios de
declamação; grammatica da lingua, analyse logica e grammatica dos classicos
2.º Cadeira - Continuação de arithmetica até logarithmos inclusive systhema metrico
decimal, geometria no espaço, algebra até equação do 1.º gráo
4.º Cadeira - Geographia geral e especial do Braszil, história antiga
3.º Anno
1.º Cadeira - Grammatica geral e philosophica, estudos de estylo, rhetorica e poetica
2.º Cadeira - Algebra até equação de 2.º gráo, geometria no espaço, principios de
astronomia
3.º Cadeira - Principios geraes de physica e chimia, applicados á industria e
agricultura
4.º Cadeira - Geographia politica e commercial, historia da idade media, estudo feito
á vista dos mappas respectivos
4.º Anno
1.º Cadeira - Grammatica geral e philosophica e elementos de litteratura nacional
3.º Cadeira - Continuaçãodos principios de physica e chimica applicados á industria e
agricultura, história natural
4.º Cadeira - Historia dos tempos modernos, historia do Brazil, corographia da
provincia de Sergipe
5.º Cadeira - Grammatica latina, traducção de Entropio, Cornelio Nepos e Justino
6.º Cadeira - Grammatica franceza, conversação e traducção
10.º Cadeira - Escriptura mercantil por partidas simples
5.º Anno
5.º Cadeira - Grammatica latina, traducção de Virgilio, Cicero, Julio Cezar e
Sallustio, composição.
6.º Cadeira - Grammatica da lingua franceza, conversação, traducção e versão
7.º Cadeira - Grammatica da lingua ingleza, traducção, versão, elementos de
196
litteratura
8.º Cadeira - Grammatica da lingua allemã, composição, versão.
10.º Cadeira - escripturação mercantil por partidas dobradas
6.º Anno
5.º Cadeira - grammatica da lingua latina, traducção de Horacio, Tito Livio e Tacito,
versão, elementos de litteratura da lingua
6.º Cadeira - Elementos de litteratura da lingua franceza
8.º Cadeira - Lingua allemã, traducção, versão, elementos de litteratura
9.º Cadeira - Grammatica da lingua italiana, traducção, versão, elementos de
litteratura da lingua
11.º Cadeira - Philosophia racional e moral, noções de direito publico, constitucional
e das gentes
QUADRO 6 – CADEIRAS DO ATHENEU SERGIPENSE EM 1881
Fonte: RGIPPS (1881, p. 21-23).
Para Nunes (1984), é o ensaio de uma formação profissional valendo-se do curso
secundário, já que o ensino de conhecimentos voltados para a escrituração mercantil e o
ensino de línguas desnecessárias aos exames de preparatórios visavam à formação de
funcionários qualificados para a administração provincial e ao comércio com outros países,
enquanto os estudos de corografia da Província permitiriam um melhor ordenamento dos
investimentos e a produção de mapas, necessários à compreensão das particularidades de cada
região.
Mesmo que a intenção fosse a de que Inglês de Sousa, ao ser enviado para a Província
de Sergipe, coordenasse o processo eleitoral que ocorreria em 1881, como afirma seu filho e
Ferreira (1997), sua ação foi muito mais determinante nos rumos que a instrução pública
tomou a partir de 1881. Para Nunes (1984), somente com a reforma que Inglês de Sousa
propôs é que o ensino normal foi definitivamente implantado em Sergipe.
Quando propôs a abertura da Escola Normal na Província de São Paulo, basicamente
as matérias que seriam ensinadas na instituição eram aquelas que comporiam o rol de saberes
necessários para os professores atuarem nas escolas de primeiras letras. Matérias mais
específicas, como Contabilidade, Aritmética, Proporções e Trabalhos de agulha, eram
ensinadas na escola anexa, lugar em que os alunos-mestres poderiam se exercitar ensinando a
outros alunos.
Se, como deputado provincial, sua autoridade era relativa, ficando suas sugestões
dependendo da aprovação de outros, como presidente de província, empossado pelo
Imperador, Inglês de Sousa estava em outra condição. Desse modo, a tentativa que tinha feito
de tornar o ensino laico, na reforma que propôs para o ensino normal na Província de São
Paulo, foi realizada no regulamento da instrução pública da Província de Sergipe, aprovado
em 11 de setembro de 1881.
197
Diferente da reforma aprovada para a reabertura da Escola Normal da Província de
São Paulo, essa que implementou Inglês de Sousa, ao que parece, não foi negociada. Os
poderes que um presidente de província possuía era muito maior do que a força que poderia
mobilizar um deputado provincial para fazer valer suas decisões. O poder depositado nas
mãos do presidente de província poderia ser exercido de forma intensa e extensa, pois todos,
independente da posição social, econômica ou cultural, lhe deviam obediência. Por essa razão,
Tavares Bastos (1870), em suas análises em A Província, considera os presidentes de
província verdadeiros vice-reis do Império. Desse modo, diferente da redação do programa
que mandava reabrir a Escola Normal da Província de São Paulo, a redação do projeto de
reforma da instrução pública não traz a matéria Instrução Religiosa incorporada às cadeiras
que deveriam ser cursadas pelos futuros professores da Província de Sergipe.
Após a aprovação do novo regulamento, como foi explicitado, o monsenhor Olympio
Campos, representando a Igreja do Estado, o Partido Conservador, assim como alguns
integrantes do Partido Liberal, ao qual era filiado Inglês de Sousa, passa a atacar sua gestão
com a finalidade de reverter as diretrizes que ordenavam o ensino primário, normal e
secundário na Província.
Ao apresentar seu livro, O ensino religioso na eschola normal da Província de
Sergipe, em 8 de fevereiro de 1882, momento em que Inglês de Sousa ainda estava
empossado como presidente daquela Província,
207
Olympio Campos declara a seus leitores:
Sôb o fascinador casulo das idéas liberaes foi lançada a perigosa
semente pelo Sr. Dr. H. M. Inglez de Souza, presidente da Provincia!
Mas, a semente não germinou; e a prova é que, instalada, há oito
mezes, a Eschola Normal, ainda não conta um só freqüentador!
Foi n’essa conjuntura que tive de lavrar o meu protesto contra o acto
subseversor da Constituição Politica do Imperio e das crenças
religiosas de minha Provincia, a qual o seu Presidente tentou
sacrilegamente arrancar dos braços da cruz de Jesus-Cristo para
immergil-a na materialidade do paganismo, dando-lhe escholas sem
Deus e mestres sem Fé (CAMPOS, 1882, p. II).
Conforme Olympio Campos, foi como cidadão sergipano, como pároco da cidade que
se colocava contra a reforma, pois não poderia deixar figurar na Legislação provincial um
[...] artigo que consagrava o ateísmo, ou a indiferença em religião,
como se, libertada da doce e suave influencia d’esta, podesse a Escola
207
Aceito seu pedido de exoneração do cargo de presidente da Província de Sergipe, por acreditar que sua
missão já estava finalizada, Inglês de Sousa é indicado para tornar-se presidente da Província do Espírito
Santo, deixando o cargo em 22 de março de 1882.
198
Normal de Sergipe formar peritos educadores da infância, bons pais e
extremosas mãis de familia! (CAMPOS, 1882, p. II).
Para Nunes (1984), a reforma realizada por Inglês de Sousa desafiava uma tradição
secular que contrariava alguns interesses de setores políticos da Província. Desse modo, para
Nunes (1984), a obra produzida no governo de Inglês de Sousa não ultrapassa a sua gestão,
pois, ao deixar o cargo, tudo o que fez foi desfeito na gestão seguinte. Assim
Apressaram-se os adversários a demolir os alicerces educacionais que
ele havia fincado em Sergipe com o regulamento de setembro de
1881. Logo, a resolução n. 1.210, de 30 de março de 1882 (um pouco
mais de um mês do fim da administração), o Vice-presidente, em
exercícios, Dr. José Joaquim Ribeiro Campos, declarava como não
existente aquele regulamento, bem como todos os atos dele
decorrentes (NUNES, 1984, p. 151-152).
As inovações introduzidas pela reforma, de acordo com Nunes (1984), assustaram até
mesmo os correligionários políticos de Inglês de Sousa, o que fica evidenciado pela rápida
reorganização da instrução pública pelo novo regulamento votado e aprovado pela
Assembléia Provincial, em 3 de março de 1882. Nunes (1984), ao estudar as repercussões da
reforma da instrução pública realizada em 1881, declara:
A Assembléia Legislativa Provincial, ao rejeitar a reforma de 1881,
através do Parecer das Comissões de Instrução Pública e Justiça Civil,
presididas pelo Padre Olímpio Campos, em sessão de 3 de março de
1882, autorizava o Vice-presidente, em exercício, o Bacharel José
Joaquim Ribeiro Campos, a reformar a instrução pública segundo as
novas bases estabelecidas [...]. Assinado em 13 de maio desse mesmo
ano, o novo regulamento fazia retornar o ensino de Instrução
Religiosa as escolas primárias e, como disciplina, ao currículo da
Escola Normal. Também era extinto o curso de humanidades seriado,
volvendo-se ao sistema das disciplinas isoladas requeridas pelos
Preparatórios. Desaparecia a Escola Normal mista, voltando a
existirem uma escola feminina, localizada no Asilo N. S. da Pureza, e
outra masculina funcionando no pavimento térreo do palacete da
Assembléia (NUNES, 1984, p. 152).
Por que fracassam as reformas educativas? De acordo com Vinão Frago (2001),
porque essas incidem sobre um conjunto de práticas e teorias sedimentadas ao longo do
tempo, formas de tradições e regras que se transmitem de geração, em geração que
sobrevivem e possuem como característica a continuidade e a persistência no tempo. Vinão
Frago (2001) designa a esse conjunto de teorias, idéias, princípios, normas, regularidades,
199
rituais, inércias, hábitos e práticas, formas de fazer e pensar, mentalidades e comportamentos
como cultura escolar. Para A-M. Chartier (2002), a introdução de um dispositivo sempre
induz à mudanças, sempre provoca acontecimentos não previstos pela tradição. Nesse sentido,
os discursos, resistências e conflitos aos imprevistos que as reformas introduzem em um
movimento “natural” de continuidade no tempo produzem, de forma já esperada, movimentos
contrários que buscam impedir a descontinuidade, ou seja, atuam para que efetivamente as
reformas educativas sejam realizadas.
No caso de uma nova forma escolar de socialização, que propõe novas regras de
aprendizagens, de organização racional do tempo, de saberes considerados legítimos e
ilegítimos de figurar nos currículos escolares, vai encontrar resistências, pois a forma escolar
que vai ser proposta impõe-se contra outras formas de socialização, o que, por seu turno,
anuncia outras modificações/transformações sociais.
Na nova reorganização estabelecida pela reforma, direcionada pelo monsenhor
Olympio Campos, o ensino secundário, oferecido no Ateneu Sergipano,
208
se apresentava
dividido em dois graus: um direcionado para o ensino normal e outro que tinha como função
habilitar os alunos para os exames preparatórios para os cursos superiores. O ensino no
Ateneu passou a ser formado pelas seguintes cadeiras (Quadro 7):
1.ª CADEIRA 2.ª CADEIRA 3.ª CADEIRA
Grammatica philosophica da
lingua nacional
Rhetorica, Poetica e Litteratura
nacional
Arithmetica e Algebra
4.ª CADEIRA 45.ª CADEIRA 6.ª CADEIRA
Geometria e Trignometria
rectilinea
Historia universal e histoira
especial do Brasil
Cosmographia, Geographia geral e
Geographia especial do Brazil
7.ª CADEIRA 8.ª CADEIRA 9.ª CADEIRA
Pedagogia theorica e Pedagogia
pratica
Instrucção religiosa Sciencias phisiscas e naturaes,
elementos de Physiologia e Hygiene
10.ª CADEIRA 11.ª CADEIRA 12.ª CADEIRA
Phylosophia Lingua latina Lingua franceza
13.ª CADEIRA 14.ª CADEIRA 15.ª CADEIRA
Lingua ingleza Lingua italiana Lingua allemã
QUADRO 7 – CADEIRAS QUE COMPÕEM O ATHENEU SEGIPENSE A PARTIR DO
REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1882
Fonte: RIPPS (1882, p. 13).
208
Para um estudo sobre a história da instituição de ensino secundário Ateneu Sergipense, ver o trabalho
produzido por Alves (2005), em que analisa, com base na pesquisa O Atheneu sergipense: uma casa de
educação literária examinada segundo os seus planos de estudos (1870-1908), o papel desempenhado por
essa escola secundária na formação das personalidades que ocuparam o panorama político e cultural de
Sergipe, no final do século XIX e início do século XX.
200
As matérias, nessa configuração de ensino, ficavam divididas em duas séries. A
primeira série era composta das matérias: “Grammatica philosophica da lingua nacional;
Noções geraes de geogrphia e historia do Brasil; Arithmetica, pedagogia e instrucção
religiosa” (RIPPS, 1882, p. 13).
As matérias da primeira série formariam o curso especial de preparação para o
Magistério primário, tanto para o sexo masculino quanto para o sexo feminino. Esse curso era
dividido em três anos.
A formação dos professores e professoras seria, conforme o novo regulamento,
realizada no que se denominará de Escola Normal do 1.º grau, e o curso seria divido em três
anos e abrangeria as seguintes matérias (Quadro 8):
1.º anno
Grammatica, Arithmetica e Geographia do Brasil e Pedagogia
(licções de cousas)
2.º Anno
Grammatica, Historia do Brasil e Pedagogia theorica
3.º Anno
Grammatica, Pedagogia pratica e Instrucção religiosa
QUADRO 8 – MATÉRIAS QUE COMPÕEM O ENSINO NORMAL A PARTIR DO REGULAMENTO
DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1882 DA PROVÍNCIA DE SERGIPE
Fonte: RIPPS (1882, p. 14).
O ensino da matéria Pedagogia Prática seria oferecido pelo professor da Cadeira de
Pedagogia da Escola Normal em duas aulas anexas ao ensino primário (ainda no primeiro
ano) da Capital, uma para o sexo masculino e outra para o sexo feminino. Teria o professor da
aula anexa, entre suas obrigações, a função de ensinar desenho linear e caligrafia aos
normalistas; e a professora da outra escola anexa a função de ensinar às normalistas, além do
desenho linear e caligrafia, prendas domésticas e trabalhos com agulhas. Nessas aulas,
realizadas nas escolas anexas, prescreve-seo novo regulamento que seria o lugar em que “[..]
por-se hao em pratica os methodos de ensino individual, simultaneo, mutuo e mixto” (RIPPS,
1882, p. 14).
As matérias que compreendiam a segunda série relacionavam-se com aquelas exigidas
para a matrícula nas faculdades oferecidas pelo Império.
Nas modificações que o novo regulamento impõe sobre a instrução pública, na gestão
do vice-presidente José Joaquim Ribeiro de Campos, percebe-se que o regime das escolas
primárias também é modificado. A escola primária em Sergipe, a partir da reforma de 1882, é
organizada com as seguintes matérias:
209
209
Percebe-se que o novo regulamento não difere em muito do que vigorava no período anterior à gestão de
Inglês de Sousa. Analisando o regulamento de 1879, pode-se observar que as matérias que faziam parte do
ensino oferecido nas escolas primárias, tanto para os meninos, quanto para as meninas, são basicamente as
201
Instrucção religiosa.
Leitura.
Elementos de grammatica nacional.
Elementos de arithemetica.
Elementos de calligraphia.
Noções geraes de geographia e historia especiaes do Brazil.
Leitura da constituição politica do Imperio.
§ Unico. Nas escholas de meninas ensinar-se-ha alem dessas materias,
os trabalhos de agulhas e prendas domesticas (RIPPS, 1882, p. 10).
O método de ensino ou os métodos de ensino, utilizados pelos professores nas escolas
primárias, não era mais o que foi prescrito por Inglês de Sousa na sua reforma, mas volta-se a
prescrever o uso daquelas fórmulas didáticas que ele já havia condenando, desde sua
passagem pela Assembléia Provincial de São Paulo, como deputado. Prescreve-se, pelo art.
37, do novo regulamento, baixado pelo vice-presidente em exercício, Dr. José Joaquim
Ribeiro Campos, que “[...] n’aquelles lugares em que houver conveniencia [...] instituir-se-ha
o methodo individual; de 20 á 60 [alunos] o simultaneo; de 60 á 100 [alunos] o mutuo, de 100
[alunos] para cima o mixto” (RIPPS, 1882, p. 10).
Como se pode observar, o ensino secundário oferecido pelo Ateneu Provincial também
volta a ter especificamente a função de prover aos alunos a formação necessária para realizar
os exames preparatórios.
210
É possível, com a da análise da gestão de Inglês de Sousa, na Província de Sergipe,
como presidente, perceber que dois sistemas de representação estão em disputa: um que se
prende às tradições pedagógicas de um “velho modelo” que paulatinamente é desacreditado
como capaz de realizar o ideal de modernização do País, e outro que acredita que, somente
com a implantação da Pedagogia Moderna, seria possível desenvolver o Brasil à condição
Cont. da nota anterior
mesmas. No art. 44 do regulamento, prescreve-se que o ensino primário deveria compreender: “Instrucção
moral e religiosa; Leitura e escripta; Elementos de grammatica nacional; Elementos de arithmetica e
systhemas metrico decimal; Elementos de geographia e história, principalmente do Brazil” (RIPPS, 1879, p.
13). Nas escolas para meninas, dever-se-iam ensinar também os trabalhos com agulhas.
210
Nesse caso, também o programa de ensino volta a ter as características daquele que compunha o regulamento
da instrução pública que era observado no ano de 1879. O programa do Ateneu Sergipense era composto
apenas das matérias que capacitavam os alunos para enfrentar as provas dos exames preparatórios. O
programa do Ateneu, segundo o presidente da Província de Sergipe, no ano de 1879, Ferreira de Araujo
Pinho, era composto como um Curso de Humanidades que tinha como objetivo fornecer os estudos prévios
para acesso a um curso superior. O Curso de Humanidades era composto com as seguintes aulas: “1.º
Grammatica philosophica da lingua nacional e analyse dos clássicos; 2.º Grammatica, Traducção e versão da
lingua franceza; 3.º Grammatica, Traducção e versão da lingua ingleza; 4.º Traducção e versão da lingua
ingleza e latina; 5.º Arithmetica e Álgebra; 6.º Geometria e trigonometria; 7.º Geographia, cosmographia e
chorographia do Brazil; 8.º Historia antiga, media , moderna e a do Brazil; 9.º Rhetorica e Poetica e
Literatura nacional; 10. Philosophia” (RIPPS, 1879, p. 16-17).
202
que já tinham atingido países, principalmente como a Alemanha, a França e os Estados
Unidos da América.
Ao que parece, os dois grupos em disputa estão conscientes de que uma reforma pode
acarretar outras reformas. Como as reformas tocam no mais intimo das representações, que
são os esquemas explicativos sobre a realidade, ceder espaço ou ganhar espaço significa ter
menor ou maior capacidade de decidir sobre o futuro que se quer preservar ou tornar possível
que aconteça.
Inglês de Sousa já havia compreendido esse jogo ao participar dos debates na
Assembléia Provincial de São Paulo, em 1880, quando discute o problema de se oferecer às
novas gerações uma educação que tenha como fundamento os preceitos da religião. Para
Inglês de Sousa, a educação moral oferecida pela escola não deveria ser fundamentada na
religião, pois era contrária aos ideais da modernidade. Discursando na Câmara Provincial,
afirma o presidente, na gestão que teve como deputado em 1880.
Em relação á educação moral, eu gastaria o dia todo se quizesse
ennumerar os descalabros moraes que têm causado na raça latina as
propagandas jesuiticas das taes irmãs de S. José [que dirigiam e
ensinavam no Colégio Bom Conselho de Taubaté]! Bastaria partir do
principio de que ellas, como todas dessa escola, entendem que o
homem vive na sociedade mundana unicamente para aperfeiçoar-se
afim de entrar em uma vida futura, que todos os seus actos, todos os
seus passos devem ser tendentes a esse desideratum, á consecução de
um premio na vida futura! Que este mundo nada vale, que a vida nelle
é passageira, que tudo se deve esperar da vida futura, eis a philosophia
que ha de guiar uma raça inteira ao atrophiamento moral (AALPSP,
1881, p. 111).
Ao considerar a educação a que estavam expostas as educandas matriculadas no
Colégio Bom Conselho, indaga Inglês de Sousa aos deputados: “Ora, pergunto eu: que
sociedade se poderá constituir sobre semelhante base? Pois o ideal da educação moderna será
a recompensa de uma vida futura? Será preparar o homem para o céu, ou para a sociedade?!”
(AALPSP, 1881, p. 111).
Para Inglês de Sousa, a função da escola não seria preparar o homem para alcançar o
prêmio de uma vida futura, pelo contrário, era incumbência da escola preparar para a vida
hodierna. Assim, para ele,
A educação não consiste em ensinar a lêr, escrever, contar, desenhar,
tocar, cantar, etc; consiste em dar ao menino ou menina uma noção
que tenha por fim, educando sua intelligencia, sua mentalidade, seu
corpo, preparal-o para a vida nas condições de hoje, e não nas
203
condições de 1700. E, tanto o fim da sociedade moderna não é
preparar homens para o céu, e sim para este mundo, que aqui o tem
direitos e obrigações que se correspondem, e que são completamente
alheios ás questões religiosas (AALPSP, 1881, p. 111).
Com os debates sobre a configuração do significado da escola primária, do ensino
normal e do secundário, podem-se compreender as continuidades e as descontinuidades em
que o tema da escolarização esteve submetido, como a instrução pública foi alçada
estrategicamente como lugar de poder, como espaço de organização da sociedade, ou seja,
ambiente propício para formar as novas gerações e decidir o destino do Brasil.
Para Vincent, Lahire e Thin (2001, p. 12), tratar da forma escolar é pensar a mudança,
cortes e continuidades inesperadas, “[...] que toda aparição de uma forma social está ligada a
outras transformações; [ou seja,] que a forma escolar está ligada a outras formas, notadamente
políticas”. É o que se pode perceber com a reforma proposta, em 1881, na Província de
Sergipe. Com a modificação da estrutura e finalidade do ensino secundário oferecido na
Província, ele deixaria de cumprir uma função que se acreditava era a sua. A nova forma
escolar projetada para o ensino secundário não necessariamente deveria ser uma ponte para o
ensino superior, mas deveria agregar saberes, a serem ensinados, que encaminhavam para os
ofícios em que faltavam pessoal qualificado na região.
O ensino secundário, na nova configuração, convertia-se em um modelo seriado que,
mesmo preservando o curso de humanidades, necessário ao ingresso em um curso superior,
por intermédio dos exames preparatórios, não prescrevia que fosse realizado em separado do
restante do programa, já que as matérias deveriam ser cursadas de modo progressivo, e a
aprovação em uma habilitaria a matrícula em outra. Com as mudanças produzidas pelo
monsenhor Olympio Campos, no programa do ensino secundário, em 1882, as matérias que
deveriam constituí-lo voltam a ser aquelas que marcaram essa modalidade de ensino por
quase todo o período em que durou o Império, ou seja, habilitar para a entrada nos cursos
superiores, com exceção da Instrução Religiosa, que deveria ser cursada tanto pelos alunos
interessados em um curso superior, como pelos alunos que desejassem se formar para serem
professores das escolas primárias da Província.
Para Inglês de Sousa, o Ensino Religioso, como matéria a ser ministrada na Escola
Normal, ou nas escolas de primeiras letras, não se constituía em conhecimento que devesse
ser financiado pelo Estado. Na reforma que produz em 1881, o curso para formação de
professores era organizado em cinco cadeiras, mas, em nenhuma delas, obrigava-se a ensinar
204
a instrução religiosa.
211
Com a reforma realizada posteriormente, a de Inglês de Sousa, o
ensino nas escolas primárias volta a ser oferecido com a Instrução Religiosa como matéria
obrigatória e, de forma simbólica, no regulamento aprovado, ela é a primeira da lista dos
saberes que deveriam ser transmitidos pelos professores.
Holanda (1974) observa que as reformas implementadas pelos liberais, nas décadas de
1870 e 1880, tinham como alvo a separação da Igreja-Estado, união que havia sido
sancionada em 1824, no art. 5º da Constituição Imperial. Para Holanda (1974, p. 334), “Todo
o pensamento ‘moderno’, liberal, positivista ou cientificista, se orientava na mesma direção”.
A idéia de um Estado laico e verdadeiramente liberal a cada dia ganhava mais adeptos. Desse
modo é que, segundo Holanda (1974, p. 336):
Primeiro é o decreto de 19 de abril de 1879, sôbre o ensino livre e
devido ao ministro Leôncio de Carvalho, que, no seu art. 25,
dispensava do juramento católico e até mesmo de qualquer juramento
religioso todo o pessoal docente e administrativo das escolas primárias
e secundárias. Vem depois a reforma eleitoral de 1881 (Lei Saraiva,
de 9 de janeiro), que permitia a elegibilidade dos acatólicos. Em uma
palavra, aqui e ali, o sistema da religião oficial ia sendo aos poucos
minado, para atender às reivindicações da consciência moderna.
Desse modo, a reforma proposta por Inglês de Sousa busca modificar não só a
estrutura do ensino oferecido na Província de Sergipe, mas também os métodos pelos quais os
saberes deveriam ser transmitidos aos futuros professores e alunos do ensino primário. Se, na
Lei da Instrução Pública de 1827, prescrevia-se que a instrução fosse ministrada pelo método
Lancaster e que desse ensino fizesse parte a moral cristã e a doutrina da religião católica,
212
cinqüenta anos depois, em busca da constituição de um país moderno, essa obrigação já não
fazia sentido. Por esse motivo, entre as providências que são tomadas no regulamento, uma
delas é a proibição que se continuasse a ensinar nas escolas primárias valendo-se do ensino
mútuo. Para Inglês de Sousa, o ensino deveria ser realizado tomando-se por base um método
211
Nem nas escolas anexas, lugar em que os alunos deveriam se exercitar na metodologia e didática do ensino
com a orientação do professor de Pedagogia e de Metodologia, a religião não faz parte dos conhecimentos a
serem ensinados ou avaliados pelo lente.
212
Na Lei da Instrução Pública de 1827, no art. 4.º, regulamentava-se que o ensino oferecido nas escolas
primárias, públicas do Império, seria tipo lancasteriano. “Art. 4.º As escolas serão do ensino mútuo nas
capitais das províncias; e serão também nas cidades, vilas e lugares populosos delas, em que for possível
estabelecerem-se” (BONAVIDES; AMARAL, 1996, p. 562). Já em relação ao que deveria ser ensinado, o
art. 6.º explicitava: “Art. 6.º Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética,
prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de
língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana,
proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a
História do Brasil” (BONAVIDES; AMARAL, 1996, p. 562).
205
mais rápido e para isso o Método João de Deus, acrescido dos exercícios de intuição e lições
de coisas, seria o mais indicado.
Com sua transferência para a Província do Espírito Santo, o regulamento aprovado
deixava de fazer sentido e, em seu lugar, outro é produzido em que era prescrito o uso dos
mesmos método pedagógicos que anteriormente eram utilizados na Província (os métodos de
ensino individual, simultâneo, mútuo e misto)
213
para a alfabetização das crianças e
preparação dos professores normalistas na escola anexa à Escola Normal.
A circulação dos modelos pedagógicos, e a projeção de determinada forma escolar de
socialização do conhecimento, passam primeiramente por uma seleção dos saberes que se
acredita serem os legítimos e essenciais para a manutenção ou modificação da sociedade. A
disputa entre o modelo pedagógico prescrito por Inglês de Sousa na sua reforma e o modelo
pedagógico que já existia em Sergipe, configurando uma determinada forma escolar, é
incompatível.
Como foi discutido no capítulo anterior, a Pedagógica Moderna que Inglês de Sousa
põe em circulação é uma pedagogia laicizada, que busca se projetar por intermédio dos
conhecimentos científicos e que possui o positivismo como base. Advogando a secularização
da sociedade, na escola não há espaço para se ensinar conhecimentos sobre religião, saberes
considerados abstratos e que não preparam para o mundo moderno, competitivo e racional
que demandava competências não previstas por um modelo pedagógico em que o fim último é
a preparação do homem para o seu religamento com Deus. Por essa razão, o modelo escolar é
pautado na realidade concreta. Realizado por intermédio das lições de coisas, é o ensino
intuitivo, em que os sentidos são a via de acesso para se descobrir e compreender a natureza.
Desse modo, o ensino é percebido como uma atividade racional e organizada que permite
depois da experiência as generalizações e abstrações.
Atentando para as diretrizes de um ensino moderno, uma das prescrições da sua
reforma foi a proibição do ensino mútuo como forma de socializar conhecimentos e preparar
os professores para o ensino nas escolas primárias. Ao mesmo tempo, indicava-se o método
João de Deus como modelo de ensino para a leitura e a escrita nas escolas de formação de
professores e nas escolas de primeiras letras. Se, na reforma da instrução pública da Província
de Sergipe, suas proposições para a utilização do método João de Deus ficaram apenas no
regulamento, não indicando como deveria ser utilizado para aumentar a rapidez do ensino. Na
213
Prescreve-se mesmo a situação em que cada método deveria ser utilizado: o método de ensino individual em
localidades em que o professor tivesse de 20 a 60 alunos; o método simultâneo, quando tivesse de 60 a 100
alunos; e o método mútuo ou misto, quando tivesse mais de 100 alunos.
206
outra província para a qual foi enviado como presidente, as prescrições não ficam apenas no
regulamento, mas são dadas a ver, e a ouvir, pela mobilização de outras estratégias de ação.
No próximo capítulo, já compreendendo parte da experiência administrativa de Inglês
de Sousa, suas representações sobre o que seria a Pedagogia Moderna e o significado da
reforma da instrução pública para a harmonização das províncias com as reformas que
estavam acontecendo em outras partes do Imrio e do mundo, o estudo se concentrará em
uma estratégia empregada pelo presidente da Província do Espírito Santo para a organização
do ensino, com base em uma educação moderna. Desse modo, o próximo capítulo analisará a
atuação de Silva Jardim, professor da Escola Anexa à Escola Normal de São Paulo na
condução de uma série de conferências pedagógicas, ministradas aos professores da Província
do Espírito Santo, a convite de Inglês de Sousa, para a implantação do Método João de Deus.
207
5 CAPÍTULO
SILVA JARDIM E AS CONFERÊNCIAS PEDAGÓGICAS:
MODELANDO A PRÁTICA DOCENTE NA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO
SANTO
Qual o papel do impresso na organização da sociedade e o que significa na produção
dos acontecimentos? Darnton (1996), ao introduzir a discussão encaminhada por alguns
pesquisadores da história da imprensa, busca dar uma resposta a essa questão. Segundo o
autor (1996), geralmente se trata a palavra imprensa apenas como um registro do que
aconteceu e não como um ingrediente do acontecimento. Mais do que veicular informações
sobre um acontecimento, conforme Darnton (1996), a imprensa ajuda a dar forma ao que por
ela é registrado. É uma força que não deve ser desconsiderada na constituição da História,
pois possui condições de moldar “os olhares”, uma vez que interpreta para o leitor o
“acontecido”, criando, em alguns momentos, uma caricatura pela adição ou subtração de
informações. Para produzir os efeitos esperados, utiliza uma linguagem que pode ser
exagerada, sensacionalista, “fundamentada” na “imparcialidade” ou na militância, mas uma
característica que não deve ser creditada à imprensa é a neutralidade.
Bahia (1990), analisando as técnicas empregadas pelo jornalismo na veiculação das
notícias, observa que esse processo se configura como um procedimento calculado de
confecção de informações, pela seleção, apuração e reunião do que será impresso, com base
no que se acredita ser interessante para o “leitor”. Mas esses procedimentos não são gratuitos;
possuem como objetivo levar o leitor a participar da vida social. Desse modo, o impresso
coloca-se na condição de intermediário da sociedade. Ou seja, por intermédio da imprensa,
busca-se forjar a opinião pública, pois os jornalistas consideram que “[...] o público se orienta,
quase sempre decide e raciocina não pelas coisas em si, mas pela feição que lhe damos, pelos
sinais que a mídia lhes atribui” (BAHIA, 1990, p. 11). Nesse sentido, é que Darnton (1996)
afirma que a luta pelo poder é antes de tudo a luta pela opinião pública.
Para utilizar o impresso como fonte, com o objetivo de compreender a História, é
necessário também entender o papel desempenhado por seus editores, pois é sempre
necessário relacionar os discursos com um lugar de produção e também com a posição, nas
208
lutas de representações, de quem os profere, ou deles faz uso. Isso significa projetar o
impresso não apenas como receptáculo, em que é possível buscar informações, mas como
dispositivo em um campo, de batalha simbólico, em que se compete pela capacidade de dizer
o que deve ser interditado ou permitido sobre determinado tema.
Os quatro impressos que estão sendo utilizados como fonte neste estudo
214
são aqueles
que, no ano de 1882, na Província do Espírito Santo, detêm os maiores capitais simbólicos,
pois, em seus quadros de colaboradores, figuram as personalidades mais atuantes e
respeitadas no cenário político da região.
215
Cada um desses periódicos, de forma mais clara
ou não, é veículo dos dois partidos
216
que buscam o controle das decisões políticas da
Província. Como órgãos dos partidos conservador e do liberal, os jornais O Espirito-Santense
e O Horizonte, de forma explícita, são operados como tribunas em que se busca criar a
imagem negativa e positiva em torno da administração e da reforma realizada por Inglês de
Sousa. Nos primeiros dias em que o novo presidente chega à Província do Espírito Santo, é
possível, com a análise dos editoriais e das notas de informação que circulam nos dois
impressos, perceber o modo como se administra a notícia nas duas redações.
Inglês de Sousa, após ter exercido uma gestão em que procurou organizar a instrução
pública da Província de Sergipe, nos níveis primário, normal e secundário, e ter recebido uma
obstinada oposição de políticos filiados ao Partido Conservador e mesmo ao Partido Liberal,
encaminha-se para a Província do Espírito Santo como seu novo presidente. Assim como em
Sergipe, onde sua administração foi tumultuada, no Espírito Santo, não foi menos conturbada.
Como foi possível perceber no primeiro capítulo, Inglês de Sousa não encontrará no Espírito
Santo uma situação mais amena. As disputas em torno da organização da instrução pública já
estavam em curso, com atores já devidamente informados, posicionados e empenhados em
construir um projeto de reforma que pudesse modificar o panorama educacional da Província.
214
O Espirito-Santense, O Horizonte, O Cahoeirano e A Provincia do Espirito Santo.
215
Ver a introdução do estudo quando é realizada a apresentação dos colaboradores dos jornais que são
utilizados como fonte. Local também em que é realizada a crítica àdocumentação em relação aos usos do
impresso na historiografia.
216
Boeher (195-), brasilianista, estudiososda história dos partidos políticos, principalmente daqueles que
existiram durante o Império, em seu estudo Da monarquia à república: história do partido republicano no
Brasil – 1870-1889, registra que, no Espírito Santo, o Partido Republicano somente passou a existir em 1887.
Declara o autor: “[...] Na província do Espírito Santo não houve Partido republicano, isto é, clubes
republicanos, senão já nos últimos anos do império. Em maio de 1887, em Cachoeiro de Itapemirim, foi
fundado o primeiro Clube Republicano da província, graças aos esforços de Bernanrdino Horta de Araújo,
Antônio Aguirre e Joaquim Pires de Amorim. Dezesseis pessoas estiveram presentes à reunião inaugural e
elegeram Pires Amori como presidente. Aguirre como secretario, João Loiola como subsecretario e Henrique
Wanderley como tesoureiro, no mês seguinte, José Romaguerra da Cunha Correa, e Henrique Deslandes,
como delegados ao Congresso republicano nacional” (BOEHER, 195-, p.147).
209
No dia 4 de abril, dois dias depois de chegar ao Espírito Santo e tomar assento na
cadeira de presidente da Província, passam os jornais capixabas a dar notícia sobre sua
experiência como homem público. O primeiro deles é o jornal O Horizonte, órgão oficial do
Partido Liberal. Esclarecem os editores do impresso:
O Exm. Sr. Dr. Inglez de Souza — Chegou a esta cidade, no dia 2,
vindo da Bahia, no Paquete Pará com sua Exm.ª familia, o Exm. Sr.
Dr. Herculano Marcos Inglez de Souza, recentemente nomeado
Presidente da Provincia. S. Ex.ª foi recebida pelo 1.º Vice Presidente,
authoridades civis, e militares, chefes de repartições; fazendo uma
guarda de honra as continencias do estylo. No dia 3 prestou S. Ex. o
juramento, no espaço da Assembléa, assumindo a administração. O
acto foi muito concorrido pellas mesmas authoridades que o recebeu e
pelos deputados provinciaes. O Exm. Sr. Dr. Inglez, traz um nome,
desde os bancos da Academia, altamente considerado; tornando-o
ainda mais saliente na imprensa da Provincia de S. Paulo, onde
conquistou com vantagem inexcedivel os fóros de jornalista. Vem S.
Ex. da Provincia de Sergipe, onde deu provas exhuberantes do seu
tino administrativo. Reformou a instrucção publica, que como aqui,
resentia do acanhamento incompativel com os professores do seculo.
Oxalá que S. Ex. possa deixar aqui tambem seu nome gravado em um
monumento de tal ordem como é o da reforma da instrucção. Duas
grandes questões devem actualmente prender a sua attenção — a
reforma completa da instrucção publica, e o melhoramento do estado
financeiro da Provincia. Temos fé que S. Ex. conseguirá uma e outra.
Os nossos comprimentos (O HORIZONTE, 1882, n. 27, p. 2).
O segundo jornal a noticiar a chegada de Inglês de Sousa à Capital da Província foi O
Espirito-Santense, órgão responsável em divulgar as propostas políticas do Partido
Conservador. No dia 6 de abril, os editores do impresso fazem circular o periódico com uma
longa observação relacionada com a formação do presidente. Chamam a atenção dos leitores e
do próprio presidente para o fato de que sabiam quem ele era e o que já havia realizado como
homem público. Informam os editores:
Tomou posse da administração da provincia, no dia 3 do corrente,
havendo na Assembléa Provincial prestado o devido juramento, o
Exmº Sr. Dr. Herculano Marcos Inglez de Souza. Conhecemos S. Ex.ª
por tradição, já como Secretario da Relação de S. Paulo, já como
deputado da Assembléa d’aquella provincia, já como orador politico,
pelo illustrado orgão conservador o Correio Paulistano; já como
Presidente do Sergipe, pelas publicações dos jornaes liberaes e
conservadores d’aquella provincia: Gazeta de Aracajú, Democrata,
Echo Liberal, Echo Sergipano, Guarany e outros e por tanto estamos
mais ou menos a par da indole de S. Ex.ª, suas idéas e seus feitos
como homem politico. Tem hoje S. Ex.ª mais ou menos pratica dos
210
negocios publicos provinciaes, não só como deputado provincial,
como tambem por haver administrado já uma outra provincia em
melhores condicções do que esta. Não entra, pois, S. Ex.ª na
administração sem ter falta de pratica como a outros muitos, nós; S.
Ex.ª deve positivamente estar interado, por antecedentes estudos
feitos, o que é esse machinismo official chamado repartições publicas,
quaes as causas que actuão para os esbanjamentos dos dinheiros dos
cofres provinciaes, como se innicião no espirito dos Presidentes certas
pretenções cavilosas, e tambem como certos individuaes se
recommendão perante os administradores a fim de obterem
determinados favores, que as vezes dão causa a desprestigios
rediculos e máos conceitos áquelles que se achão á testa dos publicos
negocios provinciaes, como presidentes. Tudo isso, theorica e
praticamente deve S. Ex.ª conhecer, e por tanto, não haverá razão de
ser em S. Ex.ª deixar-se illudir pelo canto das sereias políticas, que
pouco se importão que os administradores provinciaes fiquem
compromettidos perante a opinião publica, como patrocinadores de
desregramentos e pactuadores de actos muitas vezes vergonhosos ao
homem publico (O ESPIRITO-SANTENSE, 1882, n. 27, p. 1, grifos
do autor).
Diferente do jornal O Horizonte, a tática do O Espirito-Santense é intimidar o
presidente, colocando em evidência que já possuíam informações provindas de diferentes
lugares onde ele já havia atuado. Conheciam seu passado político, sabiam o que havia
realizado e o que dele poderiam esperar. Alertam que ele não deveria se iludir com seus
correligionários do Partido Liberal e muito menos teria direito de errar na sua gestão, pois a
experiência que havia acumulado como administrador deveria ser suficiente para garantir o
equilíbrio da presidência:
No Espirito-Santo não tem S. Ex.ª de fazer eleições, como lhe
aconteceu em Sergipe, onde mais ou menos teve de comprometter-se
nas luctas dos partidos, não – encontra a provincia em paz, sem a
effervescencia trazida durante os pleitos eleitoraes. Encontrará, sim,
os cofres exaustos, devendo ao funccionalismo desde um a seis e oito
mezes de ordenados, e uma divida superior a cento e vinte contos,
pelo que, terá S. Ex.ª de cingir-se a uma restricta economia dos
dinheiros publicos, a fim de poder em sua administração não ser
taxado de esbanjador e ainda mais, sacrificar a provincia levando-a a
uma bancarrota. A sciencia econômica póde muito auxiliar a S. Ex.ª,
desde que, de modus in rebus, só gaste o restricto a esse ou aquella
exigencia, necessária ao desenvolvimento moral ou material da
provincia. Logo que o Sr. Dr. Inglez de Souza se afaste destes
preceitos, mal, muito mal seguirá em sua administração,
compromettendo-se perante o paiz como um administrador que ainda
mais sacrificou o Espirito-Santo, do que já se achava por alguns de
seus antecessores. Não receie-se S. Ex.ª que o partido conservador não
lhe fará justiça, conservado que seja em devida altura nas raias do
211
justo e do honesto (O ESPIRITO-SANTENSE, 1882, n. 27, p. 1,
grifos do autor).
Ao que parece, temiam que a presença do presidente pudesse desequilibrar a disputa
política entre os dois partidos. Desse modo, seria muito mais fácil para os projetos e
programas pleiteados pelos liberais conseguir aprovação na Assembléia Provincial. O artigo
serve, desse modo, como forma de intimidar e diminuir uma provável disposição do
presidente em proteger seus correligionários:
E’ S. Ex.ª formado em jurisprudencia, sérvio em um tribunal superior,
onde a justiça é pautada segundo o direito de cada um; legislou como
deputado provincial, conhecendo por si ou por seus collegas as chagas
que corroem o nosso povo; administrou já uma provincia, adquirindo
assim a pratica do direito administrativo; pois bem, deve, portanto,
theorica e praticamente conhecer S. Ex.ª, por estudos e actos dos
poderes – legislativo, judicial e executivo – e se portanto errar, mal,
maior mal trará a seu futuro, porque não terá a seu favor invocar a
falta de conhecimentos de que acima fallamos. Lembre-se S. Ex.ª, e
tenha em vista aquellas celebres palavras de Lord Canning, em sua
circular aos eleitores de Plymouth: – ‘Nosso repouso actual não prova
a nossa impossibilidade de agir, nem estado de inercia e inactividade,
não. Possamos nós trabalhar a bem de nossa propriedade, desenvolver
a lavoura, cultivar as artes, dar ao commercio um novo renascimento,
descobrindo novos dominios nas sciencias, em bem geral de todos; é
este o nosso facto na moderação em que nos collocamos’ (O
ESPIRITO-SANTENSE, 1882, n. 27, p. 1).
Como forma de convencer o presidente, descreve o editor que a Província estava,
naquele momento, sem problemas ou conflitos, portanto caberia a ele manter esse estado, não
exercendo sua influência, ou governando apenas para um grupo. Esclarecem os editores os
termos para que nenhum conflito fosse estabelecido entre eles e o presidente:
Está completamente em paz a provincia; encontra uma população por
sua natureza socegada; existem mananciaes immensos de que póde
lançar mão para engrandecer o Espirito-Santo; pois bem, aproveite-se
desse conjuncto de qualidades e faça alguma cousa para esta terra.
Ordeiro, consciencioso e moderado como é o partido conservador elle
fará justiça a S. Ex.ª, desde que seja um Presidente justiceiro e
cordacto, pois, temos por bussola não negarmos ao adversario suas
qualidades Moraes, quando são pautados seus actos de conformidade
com a lei.
E’ isto o que esperamos e só dezejamos.
E.... mais nada.... (O ESPIRITO-SANTENSE, 1882, n. 27, p. 1).
212
Interessante e ao mesmo tempo instigante é imaginar a velocidade com que as notícias
percorrem de uma província para outra, em um momento em que a grande invenção que
permite que as informações circulem é o tipo móvel. Sem um grande aparato tecnológico que
encurte as distâncias entre as regiões de um país continental como o Brasil, percebe-se que os
homens mais engajados no mundo da política são muito bem informados. Sabiam com
detalhes dos acontecimentos mais recentes que estavam se desenvolvendo em outras
províncias e mesmo do que ocorria em outros países. Somente com uma bem montada rede de
informações, mediante a circulação de periódicos, cartas e com informações de outros
funcionários do Império ou de militantes dos partidos, sempre prontos a reportar a seus pares
o perfil dos agentes do Império, é que seria possível aos editores do jornal O Espirito-
Santense saber de tantas particularidades em relação à gestão de Inglês de Sousa na Província
de Sergipe, poucos dias depois de ter deixado aquela administração.
217
A chegada de um novo presidente à Província deveria causar um desequilíbrio
momentâneo entre as forças que dominavam o cenário político, pois ele era estranho aos
problemas locais e representava a vontade do centro que o indicava sem consulta prévia à
Província. Conforme Carvalho (1981), recorrentes eram os conflitos entre os administradores
que estavam sempre de passagem e os habitantes das regiões governadas, que conviviam com
a falta de recursos financeiros e de investimentos do Império.
Durante mais de um mês, os jornais da Província pouco discutem a gestão do novo
presidente, pois estão mais ocupados em debater a reforma da instrução pública que, naquele
momento, está tramitando na Assembléia Provincial e sendo defendida pelos deputados Eliseu
Martins e Moniz Freire. A reforma, como foi discutido no primeiro capítulo, não chegou ao
terceiro debate na Câmara, em razão de a Assembléia de deputados ter determinado, a partir
da Resolução Provincial n.º 31, de 20 de maio de 1882, que o presidente da Província, Inglês
de Sousa, deveria conduzir o processo de criação do projeto de regulamento da instrução
pública.
Após receber a determinação de reformar a instrução pública, um dos primeiro atos de
Inglês de Sousa foi convocar a Comissão de Instrução Pública que o auxiliaria na tarefa de
criar o novo regulamento da instrução pública. Ao deixar o cargo de presidente da Província
do Espírito Santo, declara Inglês de Sousa o nome das pessoas que participaram da elaboração
do regulamento e relata Inglês de Sousa, perante a Assembléia Provincial:
217
Como o presidente de Província, freqüentemente, era um estranho ao lugar a que era indicado para
administrar, a rede de informações que os provincianos tinham que montar era um meio para evitar possíveis
surpresas em relação à nova gestão que lhes era imposta.
213
Devendo utilisar-me da autorisação que me foi concedida pela
Resolução Provincial n.31 de 20 de Maio d’esta anno, e desconfiando
das proprias forças não quiz desprezar, por occasião de organisar o
plano do novo regulamento da instrucção publica o concurso dos
homens entendidos na materia, e para esse fim nomeei por acto de 24
do mesmo mez uma commissão composta dos Srs. Dr. Eliseu de
Souza Martins, Dr. José de Mello Carvalho Muniz Freire, Dr.
Francisco Gomes de Azambuja Meirelles, Dr. Alfredo Paulo de
Freitas e Capitão Manoel Rodirgues de Campos para estudar um plano
de reforma, de accordo com o programa que lhe foi presente (SOUZA,
1882b, p. 1).
Segundo o presidente, a comissão se reuniu “[...] muitas vezes em uma das salas do
Palacio do Governo, e ao concurso de suas luzes e bôa vontade, muito devi na confecção das
disposições que fazem parte do novo regulamento” (SOUSA, 1882b, p. 1).
Se o auxílio dos políticos, relacionados por Inglês de Sousa, foi importante para a
elaboração dos artigos que passaram a compor e legitimar o regulamento, outro dispositivo de
configuração da instrução pública, talvez mais eficiente, pode ser percebido fazendo parte das
estratégias acionadas pelo reformador.
218
Trata-se do convite realizado por Inglês de Sousa ao
professor Antônio da Silva Jardim para ministrar, durante dois meses, na cidade de Vitória,
conferências e cursos sobre o método João de Deus para o ensino da leitura, com a Cartilha
Maternal, ou Arte da leitura. É possível identificar, pela análise dos debates encaminhados
pela imprensa, que esse dispositivo foi crucial para criar a atmosfera, necessária às mudanças,
que estavam sendo preparadas para a realização da reforma da instrução pública.
Doze dias depois de anunciada a comissão que auxiliaria na confecção do novo plano
de reforma da instrução pública, os editores de O Horizonte fazem circular a notícia de que o
presidente convidaria Silva Jardim para ensinar o método João de Deus na Província.
Informam os editores:
Instrucção Pública – Consta-nos que o S. Ex. o Sr. Dr. Inglez de
Souza mandará convidar o habil professor da Escola Normal de São
Paulo, Dr. Antonio da Silva Jardim, afim de propagar n’esta provincia
o methodo de ensino João de Deus. As vantagens d’este methodo,
outros, antes e melhor do que nós, já demonstraram. Segundo estamos
informados, as experiencias feitas em S. Paulo pelo illustrado Dr.
Jardim poseram bem patentes o que deve ser o preferido a todos os
systemas conhecidos de aprender a ler.
218
Trata-se de um dispositivo que é estabelecido em meio a relações de força que sustentam saberes e, ao
mesmo tempo, são sustentadas por ele. Para A-M. Chartier (2002), não é possível compreender o dispositivo
sem inscrevê-lo numa função estratégica de dominação, mas somente essa relação não basta, pois todo
dispositivo é dispositivo de controle, o que é necessário é interrogar sobre os saberes que eles supõem ou
instauram e sobre as representações e condutas que passam a orientar.
214
S. Ex. com esse convite dá uma prova que deseja reformar a
instrucção publica, iniciando o novo e aperfeiçoado methodo (O
HORIZONTE, 1882, n. 44, p. 3, grifos dos autores).
No plano da reforma produzida para regulamentar a instrução pública na Província de
Sergipe o ensino da leitura, com um método que fosse mais rápido, estava previsto, porém
faltava uma peça-chave para que se eliminassem, ou pelo menos reduzisse, as resistências às
modificações que estavam em curso. Não bastava apenas dizer qual método de ensino deveria
ser adotado, era necessário demonstrar como ele deveria ser aplicado.
Como parte da estratégia de reforma, é contratado para ensinar o método João de Deus
aos docentes da Província, por quase dois meses,
219
o professor da escola anexa à Escola
Normal de São Paulo, o professor Antônio da Silva Jardim, quinto anista da Faculdade de
Direito de São Paulo.
220
A contratação de Silva Jardim é amplamente debatida pelos dois
jornais de maior circulação na Capital da Província, O Espirito-Santense e o O Horizonte.
No dia 17 de junho, anuncia O Horizonte a presença de Silva Jardim na Capital da
Província, chama a atenção dos leitores para a necessidade da participação e,
estrategicamente, apresenta parte do que deveria ser discutido no primeiro encontro. Alerta
ainda para o fato de existirem poucas vagas. Quem estivesse interessado em conhecer as mais
modernas metodologias de ensino deveria se apressar, caso contrário, perderia a oportunidade
de conhecer as vantagens do novo método. Noticiam os redatores de O Horiozonte:
219
Silva Jardim esteve no Espírito Santo para ensinar o método João de Deus do dia 17 de junho até 6 de agosto
de 1882.
220
Dornas Filho (1936), ao escrever sobre o papel de Silva Jardim nos debates políticos no final do século XIX,
informa que o encontro deste com Inglês de Sousa foi realizado pelo conselheiro Martim Francisco, professor
da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Segundo o autor, esse encontro valeu a Silva Jardim um
emprego de redator no jornal A Tribuna Liberal, de propriedade de Inglês de Sousa, e, mais tarde, na escola
anexa à Escola Normal de São Paulo. Lima (1987), ao traçar o Perfil político de Silva Jardim, também
estabelece uma relação estreita entre Silva Jardim e Inglês de Sousa. Segundo o autor (1987), a relação entre
esses dois homens públicos data do período em que Silva Jardim ainda era estudante na Faculdade de Direito
de São Paulo. De acordo com Lima (1987), um dos primeiros empregos de Silva Jardim foi na redação do
jornal Tribuna Liberal, de propriedade de Inglês de Sousa, no qual escrevia uma seção denominada de
“Filigranas”. Segundo o autor (1987), após estreitar os laços de amizade com Inglês de Sousa e já ter
adquirido a necessária experiência, é convidado para ser o diretor do jornal. Deixou de trabalhar no jornal, de
acordo com Lima (1987) por estar passando por dificuldades financeiras. Conforme Lima (1987, p. 43),
“Inglês de Sousa, encarregado pelo governo [de São Paulo], de criar o primeiro estabelecimento de ensino
normal, convida Silva Jardim para ser professor do curso anexo primário”. No ano de 1884, Silva Jardim
publica o programa de ensino denominado de Reforma do Ensino da Lingua Materna, produzido com base
nos resumos das conferências públicas que tinha realizado na Escola Normal. Depois de passar por concurso
público, tornou-se professor vitalício da 1ª cadeira de Língua Portuguesa e interino da 4ª cadeira de
Pedagogia. Na obra, Reforma do Ensino da Lingua Materna, além de dedicar a publicação a sua família, a
alguns professores da instituição em que trabalhava, dedica também a Inglês de Sousa, reconhecido por ele
como o criador da lei que mandou organizar o ensino normal na cidade de São Paulo (JARDIM, 1884).
215
Dr. Jardim – Este illustre jovem, propagador do methodo João de
Deus, acha-se entre nós, vindo no ‘Maria Pia’.
Moço ainda, tem contudo o Dr. Jardim um nome saliente entre os
educadores da mocidade paulista. Professor da Escola Normal é
considerado, com justiça pelo seu talento, pela sua illustração.
Estudante, ainda, vence, pela sua fecunda intelligencia, os trabalhos
do curso, e educa os futuros professores da escola normal, incutindo-
lhes a sciencia de que já é tão rico. S. S., a convite do Exm. Sr.
Presidente da Provincia, veiu conferenciar sobre o methodo João de
Deus. As vantagens deste merthodo estão provadas, em muitas
provincias, e nem-uma duvida deixam sobre a sua preferencia. Fará
duas series de conferencias: uma semanal, para o publico, e,
especialmente para as senhoras; e outra, diaria, para os professores.
Não é sem fundamento essa divisão; porque, tendo o author d’aquelle
importante trabalho lhe dado o nome de Cartilha Maternal, é porque
reconheceu que a mulher cabe de preferencia a educação da infancia.
Assim, pois ficou justificada a razão da necessidade da presença das
senhoras. Quanto á segunda, é indispensavel e imprescindivel, porque
o methodo poupa as proprias crianças o tempo; que hoje gasta
inutilmente. O Sr. Dr. Jardim pretende demorar-se entre nós, dous
mezes. A 1.ª Conferencia é no Domingo, e no Collegio N. S. da
Penha. Todos, em geral, devem ser apressados para obter um lugar,
onde tem muito que aprender (O HORIZONTE, n. 48, p. 3, grifos dos
autores).
Mesmo O Espirito-Santense, a princípio, entra no clima e também dá a notícia, nesse
caso, de forma bem pontual:
Hospede – Está nesta cidade, O Sr. Dr. Silva Jardim, que vem
propagar o methodo João de Deus. Consta que S. Sª fará hoje no
sallão do Collegio Nossa Senhora da Penha, uma conferencia sobre
aquelle assumpto. Comprimentamos S. Sª (ESPIRITO-SANTENSE,
n. 48, 1882, p. 2, grifo do autor)
Já na segunda notícia sobre o trabalho desenvolvido por Silva Jardim, trata o Jornal o
Espirito-Santense de descrever as conferências proferidas sobre o método João de Deus.
Anunciam os redatores:
Conferencia – A que houve no dia 18 do corrente na sala do Collegio
de Nossa Senhora da Penha pelo Sr. Silva Jardim, que exibio-se sobre
o methodo João de Deus, demonstrou a utilidade de ser propagada.
Fôra regular o numero de assistentes distinguindo-se pessôas de
representação e visivel o interesse que os ouvintes ligarão ao
assumpto e as explicações que ião ouvir, na quasi certeza de que, o
orador saberia demonstrar a utilidade de similhante methodo á acabar
216
com o actual, que tem dado tambem satisfatorios resultados
(ESPIRITO-SANTENSE, n. 49, 1882, p. 2 grifo do autor).
Narodowski (2002), ao estudar a introdução do método lancasteriano na América
Latina, mais precisamente em Buenos Aires, informa que uma estratégia usual para a
introdução de um novo sistema de ensino, quando se necessita de legitimidade para uma
reforma, é a contratação de especialistas autorizados. Ao analisar o caso do contrato feito pelo
governo de Buenos Aires ao pedagogo britânico Thomson, pergunta Narodowski (2002, p.
230): “O que é que Thomson representa, quais são os saberes de que é portador, que estranho
feitiço é capaz de produzir para que sua presença possua uma aceitação e um reconhecimento
como os obtidos”. Responde o autor (2002, p. 229) que o motivo é “[...] o valor que no
simples mercado local de conhecimentos possuem seus conhecimentos acerca do último grito
da moda pedagógica européia, o método lancasteriano”.
Sem muita dificuldade, a pergunta e a resposta encontrada por Narodowski (2002)
podem ser aplicadas a Silva Jardim e a divulgação que faz do método João de Deus e dos usos
possíveis da Cartilha Maternal. No mercado local de conhecimentos pedagógicos, Silva
Jardim representa o novo, o moderno e é símbolo do aperfeiçoamento a que havia chegado a
Província de São Paulo, que, conforme Barbanti (1977), tornava-se o centro cultural do
Império que avançava na busca de estabelecer uma escola científica, prática e tolerante em
relação à liberdade de religião e ao seu ensino nas instituições educativas mantidas por
particulares.
De acordo com Narodowski (2002), é no saber que se encontra a chave da questão:
Saber pedagógico sustentado em uma novidade metodológica, [...] a
partir do qual é possível organizar o processo de escolarização desde
pautas racionais, cientificamente legitimadas e sustentadas na
eficiência que a sociedade européia crescentemente industrializada
exige de suas ações educacionais. Saber que legitima o diferente e lhe
outorga um status especial (NARODOWSKI 2002, p. 230, grifo do
autor).
Também essa reflexão poderia ser aplicada à contratação de Silva Jardim para dar a
ver aos professores das escolas primárias da Província do Espírito Santo as mais modernas
técnicas de ensino da leitura, fundamentadas no método João de Deus, testadas em Portugal –
no ensino da infância – e na cidade de São Paulo, na escola anexa à Escola Normal – na
alfabetização dos alunos da instituição e preparação dos alunos normalistas do curso normal.
217
Silva Jardim, ao descrever sobre sua passagem pela Província do Espírito Santo, relata
que, entre as cláusulas do contrato feito para aperfeiçoar pedagogicamente os professores
públicos, havia a obrigação de, em primeiro lugar:
[...] propagar o methodo de João de Deus, leccionando gratuitamente a
todas as pessoas que o desejassem aprender; 2º a fazer sete
conferencias publicas, justificando a importancia do referido methodo
e sua utilidade; 3º a abrir um curso publico diário com 42 licções para
professores e mais pessoas; 4.º a leccionar em casas particulares, sem
remuneração alguma, comtanto que o tempo gasto com todas as
licções não excedesse a sete horas por dia; 5º a apresentar no fim do
curso um relatorio circumstanciado de todos os meus trabalhos,
incluindo noticias detalhadas sobre o resultado que tivesse obtido
n’esta provincia com o meu curso diário [mediante a confecção de um
relatório] (JARDIM, 1882a, p. 3).
Conforme Silva Jardim, sua missão educadora na Província do Espírito Santo era
tornar possível aos alunos aprender as teorias sobre as quais repousavam o método João de
Deus,
221
para depois o colocarem em prática. Assim, uma de suas primeiras tarefas seria
convencer os professores sobre o porquê de o método João de Deus ser o melhor entre todos
os outros para a alfabetização dos alunos que freqüentavam a escola primária. Relata ao
presidente:
Historiei a evolução das grandes syntheses educadoras até nossos dias,
e procurei fazer notar a necessidade de fundir a educação moderna
numa unidade poderosa de sentimento, intelligencia e actividade. Era
necessario preambular antes de abordar directamente o assumpto, que
estudei, ao terminar minha primeira conferencia, mostrando-o um
resultado d’essa evolução. Procurei que o numeroso e selecto
audictorio que me ouvia sympatisasse com a missão civilisadora com
que tinha sido honrado; e devo dizer a V. Ex. que a minha expectativa,
de ante-mao mui sympathica, foi,entre tanto, summamente excedida
pela realidade das adhesões que tive a felicidade de inspirar
(JARDIM, 1882a, p. 3).
221
O que se havia estipulado como ideal de formação na Escola Normal de Sergipe, instituição em que o
aluno deveria aprender os saberes necessários para a docência no ensino primário e exercitando-se na prática
na escola anexa, tornou-se uma realidade na Província do Espírito Santo. Como foi possível perceber, a
reforma realizada em Sergipe no ano de 1881, por Inglês de Sousa, estipula como objetivo que o professor
deveria, nas escolas anexas ao curso normal, aprender os métodos de leitura mais rápidos, adotando-se para
tanto o método João de Deus.
218
5.1 A Cartilha Maternal e a evolução social
Ao estudar as atividades de Francisco Rangel Pestana, como jornalista, político e
educador, Hilsdorf (1986) analisa a circulação das cartilhas para a alfabetização na Província
de São Paulo, em fins da década de 1870, e os debates suscitados por intermédio do jornal a
Província de São Paulo. Conforme a autora (1987), em uma das seções do impresso,
capitaneado por Rangel Pestana, denominada de seção Bibliografia, fazia-se a crítica dos
livros considerados bons e daqueles tidos como corruptores da sociedade por ensinar erros aos
seus leitores. Em meio às disputas de métodos de ensino que, naquele momento, mobilizam os
interessados no tema da escolarização, de acordo com Hilsdorf (1986), um tornou-se o mais
notório. Esse método era conhecido como Cartilha Maternal, criado pelo poeta português
João de Deus,
222
o qual foi “[...] difundido no Brasil por Antônio Zeferino Cândido, professor
de matemática da Universidade de Coimbra que no ano de 1878, fez uma verdadeira tournê de
propaganda realizando conferências em várias cidades da Província de São Paulo e do Rio”
(HILSDORF, 1986, p. 128).
Para Hilsdorf (1986), a proposta de ensino, da Cartilha Maternal, era o método mais
moderno, naquele momento, não por ser o único que advogava a aprendizagem da leitura por
intermédio da palavração, pois o método de ensino desenvolvido por João Köpke, chamado de
Método rápido para aprender a ler, publicado em 1874, portanto dois anos antes da primeira
publicação de a Cartilha Maternal, mas por seu divulgador, Antônio Zeferino Candido, ter se
apropriado das idéias de João de Deus e tê-las comunicado como a evolução final dos
processos de ensino da leitura. Por esse motivo, os republicanos endossaram completamente o
método de ensino veiculado na Cartilha Maternal, porque ele era mais uma prova de que toda
a sociedade, para chegar a seu estágio final de desenvolvimento, deve passar por três fases
evolutivas, no caso, a República era a terceira que estava sendo fomentada.
Em meio a controvérsias sobre qual método deveria ser utilizado para a alfabetização,
o produzido por João de Deus se sobressaiu, sendo adotado em muitas escolas da Província de
222
Conforme Hilsdorf (1986), o método foi criado com o objetivo de substituir as cartilhas anteriores que
ensinavam a ler por intermédio da silabação e da soletração, método tidos por João de Deus como abstratos e
sem sentido. O seu método era fundamentado na palavração e consistia em ensinar a ler de uma forma mais
natural, partido das palavras inteiras para se compreender as suas partes. Ou seja, do concreto para o abstrato.
O método de aprendizagem por intermédio da Cartilha Maternal consistia em ensinar à criança “[...] o valor
da letra, prolongando-a, porque, assim, ela passa a ler imediatamente, e enquanto prolonga o valor de um
modo automático pensa na letra seguinte e diz a sílaba. A criança vai-se habituando a dar o valor real exato
às letras, pondo de parte as que não têm significação alguma, de modo que reconhecida a inutilidade será
219
São Paulo e do Rio de Janeiro.
223
Silva Jardim, amigo de João Köpke,
224
tornou-se o principal
divulgador, na década de 1880, do método criado por João de Deus em Portugal e vulgarizado
em São Paulo por Antônio Zeferino Cândido, no final da década de 1870.
Boto (1997), ao estudar a História da Educação em Portugal, do ano de 1820 a 1910,
informa que o método João de Deus tem sua data de criação em 1876, pelo poeta Português
João de Deus Nogueira (1830-1896), depois simplificando o nome para João de Deus.
225
A
obra a Cartilha Maternal, de acordo com Boto (1997), foi publicada primeiramente em forma
de fascículos pela imprensa portuguesa. Foi muito elogiada pela crítica por criar novos
procedimentos para o ensino da leitura. Conforme a autora, o que distinguia o método João de
Deus de ensino da leitura dos outros que existiam, ou viriam a existir, era sua simplicidade.
Mas também havia algo de radicalmente novo no modo de se ensinar a ler.
O ponto de partida deixava de ser o entediante processo de soletração,
ou a soletração carente de significado. Enfim, não se partia
exclusivamente do som, mas buscava-se alçar fundamentalmente o
significado das palavras; e por essa razão o ponto de partida da
alfabetização era a palavra. Poderíamos mesmo dizer que João de
Deus inventou para o caso português a alfabetização analítica. As
palavras da Cartilha, grafadas com diferentes tonalidades, faziam
dessa distinção tipográfica a chave para a posterior compreensão das
partes sonoras de que se compõem os vocábulos. Finalmente, a
uniformidade dos exercícios era apreciada pelos entusiastas do
método como fonte de clareza lógica. Diante disso, havia quem
classificasse o método como uma derivação pedagógica da corrente
positivista; seja como for o método procura ser radicalmente moderno
(BOTO, 1997, p. 147, grifo da autora).
Trindade (2001), ao estudar a circulação das cartilhas, ou primeiros livros de
alfabetização no Rio Grande do Sul, de 1890 a 1930, buscou também analisar o processo de
elaboração da Cartilha Maternal, já que essa publicação teve ampla divulgação e uso no
Brasil. Mas não somente no Brasil, adverte a autora, pois, desde que foi publicada, se
Cont. da nota anterior
fácil eliminá-la da escrita” (HILSDORF, 1986, p. 129).
223
Consultar Hilsdorf (1986).
224
Para um estudo sobre João Köpke, seus ideais, suas publicações, empreendimentos educacionais e relações
de amizade durante o Império e a República, ver Panizzolo (2006) em João Köpke e a escola republicana:
criador de leituras, escritor da modernidade.
225
Analisando os jornais e revistas que discutiram o método proposto por João de Deus, Boto (1997) explica que
“Alguns o viam como regenerador social, outros destacavam a singeleza de sua concepção, outros ainda
apontam que seus exercícios de intuição visual seriam o caminho para interromper, de uma vez por todas, o
interminável império da soletração” (BOTO, 1997, p. 159). “[...] João de Deus era, na época, cultuado e sua
obra apontada como a grande descoberta da pedagogia” (BOTO, 1997, p. 161).
220
espalhou rapidamente pelos países de língua portuguesa. Assim, além de ter sido muito
utilizada em Portugal, pôde-se constatar seu uso em outros locais, tais como Madeira e
Açores, antigas colônias africanas, e Índia.
226
De acordo com Boto (1997), em muitos de seus escritos, João de Deus associa as
interseções entre cultura letrada e civilização. Nesse processo, produzia a representação de
que prosperidade material era resultante do desenvolvimento das letras. Para a autora,
[...] era como se a nova civilização que estava por vir exigisse a forma
escolar como seu modelo básico. Por ser assim, o ler e escrever
passam a ser apreendidos como armas competitivas, instrumentos de
cuja posse dependeria o progresso das nações. A humanidade, no atual
estágio por que passava, exigia o signo da escrita como condição
imprescindível para seu desenvolvimento (BOTO, 1997, p. 150).
O ensino da leitura, nessa representação, era percebido como um projeto civilizatório.
Proporcionar o acesso ao mundo das letras à população era sinal de prosperidade e único meio
de se alcançar a condição de país moderno. Boto (1997), na análise sobre essas
representações, indica que a passagem da barbárie para a civilidade (prosperidade) passava
pela escola. Nesse sentido, uma sociedade moderna deveria se destacar, não pela oralidade,
pois, na evolução da espécie, havia chegado o tempo da alfabetização. Desse modo, citando
João de Deus, afirma Boto (1997, p. 153): “Ler é essencial a todos. Onde há um analfabeto,
não há civilização”.
Sem a acumulação de conhecimento pela escrita, não haveria possibilidade de
progresso, analisa João de Deus. Assim, conforme Boto (1997), o processo de aprendizagem
pregado, por intermédio da Cartilha Maternal, apresenta-se tanto como uma atividade sagrada
quanto científica. Para a João de Deus, esclarece a autora:
A sacralização da atividade da leitura vem acoplada a uma percepção
evolutiva da humanidade: a leitura decorre da palavra divina,
aproxima o homem do seu Criador e favorece a partilha, a
socialização e circulação das idéias. Na acepção evolutiva desse
modelo interpretativo, prosperariam os povos que melhor se fizessem
capazes de aproveitar dos benefícios trazidos pela distribuição da
palavra escrita. A civilização, por tal dispositivo, acumula memória e
sai vitoriosa do embate contra o obscurantismo popular. Transformar
226
Segundo Boto (1997), antes mesmo de a cartilha ser impressa, João de Deus “[...] dava lições a crianças e a
adultos e, pouco a pouco, iria se formando uma rede de professores que eram enviados por todo o país
[Portugal] para divulgar o método. A Cartilha Maternal teria tido, nessa medida, ressonância prática, tanto
em Portugal como no Brasil” (BOTO, 1997, p. 170, grifos da autora).
221
o povo era tarefa urgente [...]. O ensino da leitura seria visto, por tal
dimensão, como um projeto civilizatório (BOTO, 1997, p. 151).
Segundo Boto (1997), João de Deus constrói seu método por perceber que a educação
oferecida para a juventude de seu tempo não era capaz de causar o estímulo necessário ao
desenvolvimento da civilidade. Muito em função, segundo autora, da
[...] maneira dogmática e constritiva mediante a qual a escola estivera
desde remotas épocas estruturada, o aluno que não era capaz de
aprender, de modo geral, era um estudante espiritualmente bloqueado
para o aprendizado. O aluno deveria ser, portanto, estimulado,
motivado, a partir do entusiasmo com que o mestre lhe devolvia a
auto-estima que ficara alhures perdida (BOTO, 1997, p. 151-152).
227
O estímulo ao aprendizado ocorreria por meio do abandono da silabação: forma
considerada antinatural de se aprender as letras. No modelo proposto por João de Deus, o
ensino da leitura se realizaria por intermédio da palavração, processo em que o aluno não
trabalharia com a memorização dos símbolos, mas com a associação entre formas. Por isso
seu método tinha como proposta o aprendizado com base, não no abstrato, mas no concreto,
ou seja, o que parte do conhecido para o desconhecido. De posse dessa regra, segundo Boto
(1997), João de Deus acreditava ter descoberto os segredos da didática da leitura. Para Boto
(1997, p. 157), “O que a Cartilha Maternal trazia de novo era fundamentalmente sua
pretensão à simplicidade e ao favorecimento da intuição do aluno” (BOTO, 1997, p. 157,
grifos da autora).
Conforme Trindade (2001) o método João de Deus na sua simplicidade eficaz
prescrevia que a leitura deveria ser iniciada por uma abordagem fônica, fazendo uso da
intuição do aluno. Desse modo, o professor deveria oferecer ao aluno muitos exemplos de um
padrão fônico antes de chegar a uma generalização. “Isto é: as regras ou generalizações
seriam ‘construídas’ a cada lição da Cartilha Maternal pela exploração de exemplos”
(TRINDADE, 2001, p. 165, grifos da autora). Assim, para Trindade (2001, p. 165) “[...] a
Cartilha Maternal ilustra uma nova compreensão da leitura e do ensino, ao priviegiar a
análise fonética das palavras” (grifos da autora).
227
Conforme Boto (1997, p. 152), uma das principais preocupações que o professor deveria ter com os seus
alunos seria criar estratégias para convencê-los de “[...] que sua dificuldade de aprender não era ocasionada
por sua incapacidade, mas pela ineficácia da ação escolar, dizia-se a ele que, em função disso, tentar-se-ia
usar método diferenciado dos procedimentos tradicionais já experimentados pelo mesmo aluno; este passaria
então a acreditar na possibilidade da mudança e na ocorrência efetiva do aprendizado, aberto para aprender, o
jovem aprenderia [...] E assim, criava-se um ciclo de estímulo, auto-confiança e sucesso escolar”.
222
5.2 Apropriações do método João de Deus
Descrevendo suas conferências pedagógicas, Silva Jardim (1882) explica a Inglês de
Sousa sobre o que foi discutido no segundo encontro com os professores. Ao relatar a segunda
conferência, deixa registradas as apropriações que havia feito em relação ao método João de
Deus. Explica o conferencista:
Na segunda abordei o meu thema. Considerei a arte da leitura nas suas
tres phases successivas: a soletração, a syllabação e a palavração.
Analysei-as e, creio, mostrei que a palavração era neste particular o
mais racional dos systhemas. O methodo João de Deus dei-o com o
seu outro propagador, o Dr. Zeferino Candido, filiado a palavração.
Fiz vêr em que ele afastava-se dos actuaes, e demonstrei que sua base,
inteiramente nova consistia na analyse dos valores das letras, quando
ate aqui tem-se ensinado a lêr pelos seus nomes (JARDIM, 1882a, p.
3).
Na descrição dos procedimentos, Silva Jardim (1882) relata que sua fonte de
inspiração não era apenas o método João de Deus, mas uma determinada forma de lidar com o
aparato teórico e técnico relacionado com a Cartilha Maternal. Segundo o autor, na exposição
que realizara aos professores espírito-santenses, tratava do método de ensino da leitura
conforme seu outro propagador, o Dr. Zeferino Cândido.
Como foi analisado por Hilsdorf (1986), o que fazia circular Antônio Zeferino
Cândido não era apenas o método João de Deus, mas uma interpretação do que propunha seu
autor. Assim era a Cartilha Maternal, impregnada com outros sentidos, talvez distantes do
que foi originalmente proposto por João de Deus.
Ao escrever sobre a passagem de Antônio Zeferino Cândido pela Província de São
Paulo, Hilsdorf (1986) lembra que existe um aspecto desse professor que não deve ser
desconsiderado: ele era um positivista ativo. Desse modo, fazia circular o método João de
Deus porque acreditava que o poeta português havia inaugurado
[...] com a Cartilha Maternal baseada na palavração, ‘a fase ou
estado positivo do processo de leitura’. Este fora, na sua evolução
histórica, teológico com a soletração, e metafísico na silabação: com a
palavração se alcançaria o terceiro estado da lei formulada e
223
demonstrada por Auguste Comte (HILSDORF, 1986, p. 129, grifos da
autora).
Ao recuperar o debate sobre a formação de Rangel Pestana, Hilsdorf (1986) recupera
também o pensamento de Zeferino Cândido sobre o valor do método João de Deus. Para
Zeferino Cândido, segundo a autora,
Na soletração, as letras, tomadas em separado, eram as entidades
sobrenaturais, que tinham o miraculoso poder de construir palavras
sem o que o espírito pudesse descortinar a relação entre a causa e o
efeito, entre o elemento e o composto. De fato ninguém pode
descobrir como be e a produz – ba, pe, agá, o, esse produz fós, etc.
Na silabação, as sílabas constituem os elementos subjetivos que,
isoladamente se podiam sujeitar a uma mecânica de memória
infinitamente grade e difícil, para depois, coletivamente considerados,
e combinados de todos os modos, constituírem palavras. Há de
metafísico neste processo este modo de conceber de sílabas como
entidades abstratas, inteiramente separadas das palavras, formando-se
previamente no espírito a idéia da síntese que dá em resultado o
vocábulo. A idéia desce do espírito para as coisas, como sucede
exatamente na concepção metafísica. Na palavração, os elementos de
toda a organização técnica do processo da leitura são as próprias
palavras, como sendo e constituindo a realidade, e é pelo método geral
da análise recaindo sobre as palavras quando ela se decompõe, as
letras com os seus exatos valores, por outro as leis legítimas e simples
que devem presidir à organização da palavra. Assim a idéia sobe das
coisas para o espírito, como sucede na concepção positivista
(HILSDORF, 1986, p. 129-130, grifos da autora).
Com base na representação de que a evolução humana está relacionada com a Teoria
dos Três Estados (teológico ou fictício, metafísico ou abstrato e positivo ou científico),
acredita Silva Jardim que para se estudar e ensinar a linguagem escrita se deveria aplicar os
mesmos princípios.
Mortatti (2000), ao estudar os sentidos da alfabetização no Brasil, mais principalmente
em São Paulo, de 1876 a 1994, discute que a educação, nos moldes propostos por Silva
Jardim, tem como base a “teoria da educação positiva” formulada pelo comtismo. Segundo a
autora, dessa forma de projetar o significado da educação,
[...] decorre a idéia de revolução no ensino, entendida e praticada
como reforma que visa à substituição do antigo – fase imediatamente
anterior e transitória – pelo novo – fase científica e definitiva –, de
acordo com a lei comtiana dos três estados – teológico, metafísico e
positivo – que rege a evolução social, rumo ao progresso
(MORTATTI, 2000, p. 43).
224
Conforme Boto (1997), diante das proximidades que havia entre o que era proposto
como método de ensino da leitura, por João de Deus, e a teoria da evolução da filosofia
desenvolvida por Comte, “[...] havia quem classificasse o método [João de Deus] como uma
derivação pedagógica da corrente positivista” (BOTO, 1997, p. 147). Para Boto (1997), os
entusiastas do método filiavam a proposta educacional de João de Deus ao positivismo de
Comte, pelo fato de o poeta utilizar, como ponto de partida, não o som, imagem abstrata da
coisa observada, mas a coisa em si como representação do real. De acordo com Boto (1997),
mesmo que tenha sido classificado de positivista, João de Deus preferia sempre se referir ao
seu método como arte e não como ciência, apesar de não deixar de ser científica a forma de se
ensinar. Mesmo o subtítulo da cartilha designava o método como arte da leitura e não ciência
da leitura. Mas foi por intermédio de Zeferino Cândido, segundo Mortatti (2000), que a obra
de João de Deus passou a ser associada ao positivismo de Comte, apropriação essa que Silva
Jardim passa a utilizar nas conferências pedagógicas. Desse modo, na sua missão civilizatória,
Silva Jardim (1882) faz uso não das proposições de João de Deus, mas das transformações
que Zeferino Candido havia introduzido no método proposto pelo poeta português.
A terceira conferência realizada por Silva Jardim, no Espírito Santo, tratou da
metodologia de ensino proposta por João de Deus. Relata o professor:
Na terceira conferencia, estudei a analyse original da fala, a que
procedeu João de Deus, o como ele dividiu-a em vozes e articulações
ao inverso do ate aqui em voga, procurei demonstrar a razão de ser da
leitura das vogais em primeiro lugar, e do v, e, successivamente do v e
j, em terceiro e quarto. Tive de remontar as primeiras idades, estudar a
theoria das ideas e da origem da linguagem, os órgãos da voz, para
fundamentar, scintificamente, o novo methodo (JARDIM, 1882a, p. 3,
grifos do autor).
A decomposição proposta para a fala em vozes e articulações, conforme Trindade
(2001), é a chave para o aprendizado da leitura. Descreve a autora:
Segundo a classificação usada por João de Deus, as ‘vozes’
corresponderiam a elementos que se proferem simplesmente com a
voz; os ‘vozeios’ corresponderiam aos elementos que se proferem
com a voz modificada pela língua, dentes ou lábios; já os ‘bafejos’
correspondem a elementos que se proferem só com ‘bafo’ e, por fim,
os ‘modos’ correspondem a elementos sem som apreciável, limitando-
se a posições essenciais da língua, ou dos lábios [...]. As vogais
escritas corresponderiam às vozes e todos os seus valores fônicos e as
consoantes corresponderiam aos demais elementos discretos da fala –
225
vozeis, bafejos e modos – e todos seus valores fônicos (TRINDADE,
2001, p. 85).
A quarta conferência realizada por Silva Jardim é destinada ao ensino dos valores das
letras, vogais e invogais e os meios técnicos de se ensinar a leitura. De acordo com Trindade
(2001), o método empregado para se ensinar, com base na Cartilha Maternal, era a
segmentação da fala em três partes.
[...] a primeira parte dizia respeito ao ensino das ‘vogais’ (a, e, i, o, u)
já constituindo palavras pela suas combinações e corresponderia à
primeira lição; a segunda parte seria composta pelo conjunto de 23
lições e envolveria o estudo das 'consoantes certas' (v, f, j, t, d, b, p, l,
k, q), das 'consoantes incertas' (c, g, r, z, s, x, m, n), das 'consoantes
compostas certas' (th, rh, nh, lh, ph, ch) e da consoante 'composta
incerta'(y); a terceira e última parte, formando a 25ª lição, tratava da
apresentação do 'alfabeto maiúsculo’ (TRINDADE, 2001, p. 85, grifos
da autora).
A quinta conferência proferida por Silva Jardim é uma continuidade da quarta, em que
abordou as regras criadas por João de Deus para o ensino com seu método. Diz o professor:
Na quinta conferencia após recapitular as lettras anteriores, invogaes
simples e certas, fiz o estudo das invogaes simples e insertas
c,g,r,z,s,x,m,n. Então, demonstrei a razão de sua ordem, e o modo
pratico de ensinal-as a ler, com as regras especiaes sobre seus valores,
e os meios que o ensino lhe tem garantido como mais efficazes
(JARDIM, 1882a, p. 3, grifos do autor).
O sexto encontro com os professores foi preparado para recapitular os encontros
anteriores e apresentar exemplos dos usos da Cartilha Maternal em outras províncias e em
Portugal. Relata o professor:
Restava, porem, ainda, concluir o ensino da cartilha maternal,
explicando as invogaes compostas e certas e a incerta; e apresentar as
provas evidentes de sua vantagem. Foi o que fiz na sexta conferencia,
citando os resultados obtidos pelo methodo em Portugal, pelos
apontamentos que pude colher da leitura do livro que resume a
polemica havida a proposito. A Cartilha Maternal e o Apostolado, e
no Brasil, especialmente na provincia de S. Paulo, por experiências
individuaes em minha aula, e pelas d’um habilíssimo colega da cidade
de São José dos Campos, n’aquella provincia, o Sr. Sebastião Humel
(JARDIM, 1882a, p. 3, grifos do autor).
226
De acordo com Silva Jardim, na apresentação que fez na sexta conferência, buscou
abordar a educação do ponto de vista moral, em que a instrução deve ser uma ferramenta
capaz de subordinar os instintos egoístas aos valores altruístas. Esclarece o autor sobre seus
ensinamentos:
Para que, porém, meu ensino fosse completo, harmônico, eu devia
completar a exposição da Cartilha Maternal, isto é, do methodo de
leitura com o plano geral da educação primaria nos seus outros ramos;
e o da educação secundaria. Fez ainda assumpto d’esta 6ª conferencia
a primeira parte deste plano. Tomei o homem no berço; esforcei-me
em demonstrar a necessidade da educação sobre o ponto de vista
moral da subordinação de seus instinctos egoístas aos altruístas;
procurei dar ao publico idéa do modo de dar essa educação: das
licções de cousas; dos jardins de Crianças. Combati, devo dizel-o V.
Ex., os actuaes processos do ensino primário. Processos que, sem
errar, jamais eu poderia defender (JARDIM, 1882a, p. 3, grifos do
autor).
No desenvolvimento de suas reflexões sobre o modo como abordou o ensino do
método João de Deus, fica-se sabendo que uma de suas preocupações relacionava-se com o
ensino voltado para a infância, com base nos jardins de crianças, uma escola voltada para os
menores de sete anos. A infância, para Silva Jardim, era o momento propício para se moldar a
personalidade. Por essa razão, outra de suas preocupações relacionava-se com a preparação
das mães. A educação da infância, para o professor, deveria começar mediate a instrução que
a mãe poderia oferecer aos seus filhos. Pondera sobre o tema:
Mas, preoccupado com o espirito philosophico que deve animar o
mestre desenvolvi a verdade scientifica de que esse ensino deve, de
preferencia, ser dado no lar, e pelas Mãis; pois que, penso, conforme
disse, ser a escola primaria uma instituição, santa e utilissima hoje
sem duvida, mas que um dia desapparecerá., quando a mulher assumir
a funcção educadora (JARDIM, 1882a, p. 3).
228
Ao analisar a obra de João de Deus, Trindade (2001) explica que o título da Cartilha
Maternal foi criado pelo poeta português em virtude de sua crença de que em casa se iniciava
a alfabetização da criança. As mães, nesse processo, são as primeiras educadoras com quem o
228
Em sua peregrinação para ensinar o método João de Deus na Província do Espírito Santo, demonstra Silva
Jardim muita felicidade ao perceber que as senhoras da sociedade estavam interessadas em compreender a
utilidade da Cartilha Maternal. Relata o professor ao presidente: “Encho-me d’uma satisfação tanto mais
justa, quando considero que muitos [...] [interessados no curso] foram senhoras da alta sociedade espirito
santense, devotadas pela grandesa de seu coração ao ensino de seus proprios filhos. O elevado sentimento
moral da população soube acolher como uma verdade indiscutivel hoje,o principio de que as Mãis cabe de
preferencia a educaçãoo” (JARDIM, 1882b, p. 4).
227
infante tem contato. Para João de Deus, em princípio, quem ensinava a falar também deveria
ser responsável por introduzir a criança no mundo das letras, porque uma das condições para
se aprender pelo método era que a criança soubesse falar.
Trindade (2001), citando a análise realizada por Lage (1924) sobre o método
desenvolvido por João de Deus, informa que o sistema se fundamentava nos seguintes
princípios:
a) A instrução primária deve ser dada pelas mães, pois ninguém como
elas possui a vontade, a aptidão e a paciência indispensáveis para que
todos os momentos em que a criança dá ensejo ao ensino seja
aproveitados.
b) O ensino deve ser feito por uma ordem natural e lógica, não só para
ir de encontro [sic] às leis do desenvolvimento intelectual, mas
também porque tornando-se dêsse modo simples e claro para a
criança, aumenta-lhe o interêsse pelo saber (TRINDADE, 2001, p.
83).
De acordo com Trindade (2001), a associação da figura materna com o ensino das
primeiras letras ocorre pelo fato de João de Deus ter utilizado, como referência para a
construção de sua obra, o discurso froebeliano. Conforme a autora (2001), Froebel ao sugerir
a criação dos jardins das crianças, relacionava crianças com flores, cabendo esclarecer que,
para o autor, os jardins não se destinariam somente às crianças, mas também às mães de
família e às moças que se preparassem para o matrimônio.
Para o sétimo encontro com os professores, Silva Jardim procura, como revela o seu
relatório, recapitular o que já havia tratado nos outros seminários e introduzir o estudo do
ensino secundário, no caso a Geografia e a Gramática. Diz o professor:
Na minha sétima e ultima conferencia, occupei-me ainda da escola
primaria, emittindo observações sobre sua hygiene, sua mobília,
duração das horas de aula, etc. depois, estudei, para completar as
minhas observações, o ensino secundário, especialisando o da
geographia, da grammatica, etc. fiz de parte as imperfeições que
reconhecem existir nesse ramo de estudos todos os estadistas
esclarecidos de nosso paiz, entre os quaes folgo vêr o nome de V. Ex.
Desenrolei aos olhos do auditório o quadro da verdadeira educação, a
encyclopedica, desde a mathematica até a moral, percorrendo a
hierarchia scientifica (JARDIM, 1882a, p. 3).
Ao relatar sobre a forma pela qual projetava o significado da instrução, Silva Jardim
(1882a) revela as representações que possuía sobre a sua missão civilizadora. Para o
conferencista, as novas gerações deveriam ser formadas valendo-se de dois elementos, a
228
ordem e o progresso. Isso significava que os professores deveriam fomentar nos alunos o
civismo e o amor pelos antepassados. Para tanto, a escola deveria ser o lugar de se recordar os
grandes homens, vivos ou mortos. O professor explica, assim, a Inglês de Sousa os objetivos e
os procedimentos que havia empregado nas conferências que ministrou aos professores.
Estudando este ensino na escola primaria, procurei, Exm. Sr.,
conciliar os elementos de ordem com os progresso, fazendo vêr a
necessidade de desenvolver a veneração das crianças pelos grandes
homens por meio de retratos ou quadros commemorativos nas salas
das aulas; datas notaveis, especialmente sete de setembro, dia da festa
da patria, e pelo dia da festa dos mortos, em que relembramos o que
devemos aos nossos antepassados. Aconselhei então aos professores
as medidas mais sãs no sentido de regenerarem o ensino primario
(JARDIM, 1882a, p. 3, grifos do autor).
Coma análise da fala de Silva Jardim (1882a), percebe-se o projeto de uma outra
dinâmica para a escola primária na Província do Espírito Santo. Refere-se o conferencista a
festas cívicas, não a dos dias santos, mas as de veneração de antepassados e de grandes
homens, vivos ou mortos. Segundo Monarca (1999), Silva Jardim, como professor da Escola
Normal da Província de São Paulo, fazia parte de um grupo que se denominava como
positivistas.
229
Homens empenhados em fazer circular as idéias de uma nova corrente
filosófica (e também política) que julgava ter encontrado o caminho da luz rebatiam os
preceitos fundamentais da Religião do Estado e buscavam implantar em seu lugar a Religião
da Humanidade.
230
Conforme Monarca (1999), o pensamento de Silva Jardim e Artur Gomes (o outro
professor que fazia parte do núcleo positivista da Escola Normal de São Paulo), está
vinculado “[...] à etapa dramática, relacionada com a mudança de orientação do positivismo
brasileiro na década de 1880” (MONARCA, 1999, p, 124). Essa mudança, segundo Monarca
(1999), tinha ligação com a criação da Igreja Positivista no Brasil, que possuía um forte
componente messiânico e também uma hagiografia própria e um salvador que se projetava na
forma de Augusto Comte.
229
De acordo com Monarca (1999), o grupo era formado inicialmente por Silva Jardim e Artur Gomes.
230
A Humanidade para o positivismo é composta pelo conjunto de seres humanos convergentes, passados,
229
5.3 Estratégias de divulgação legitimação do método João de Deus
No relatório destinado a Inglês de Sousa, Silva Jardim (1882) discorre sobre a clareza
com que tratou todos os assuntos para os quais foi contratado, não escondendo seus objetivos
dos conferencistas e muito menos a que escola filosófica era filiado. Relata o professor:
Fiz então, Exm. Sr., baseado na grande regra de moral — viver as
claras, a declaração de que minhas idéas sobre ensino eram os da
escóla do grande pensador francez Augusto Comte, a Escóla
Positivista. E declarei mais ao auditorio que não tinha pretenções a
original; que tudo que eu dissera, podia-se encontrar ao livrinho de
João de Deus — A Cartilha Maternal, e nas obras d’aquelle
philosopho (JARDIM, 1882a, p. 3, grifos do autor).
Durante o período em que esteve na Província do Espírito Santo, a atuação de Silva
Jardim não se resignou a proferir as conferências pedagógicas em sua missão civilizatória,
impunha-se a obrigação de abrir cursos públicos para ensinar professores e demais
interessados na aprendizagem do método João de Deus e fazer exposições sobre as teorias que
sustentavam o seu projeto de ensino e exercícios práticos com os professores.
231
De acordo
com Jardim (1882), as lições que ministrava eram sempre para dois grupos. Depois de
ensinar, passava a limpo o aprendizado por intermédio de questões sobre o método. Ao
perceber que os professores participantes do curso haviam compreendido de forma suficiente
os detalhes do método, informava que a próxima etapa seria mostrar para um público maior o
estágio de aprendizagem a que tinham chegado os seus alunos. Relata o conferencista:
Quando vi que os dignos assistentes achavam-se sufficientemente
habilitados, quis que o público conhecesse das vantagens, da
emulação e das risonhas promessas que ao ensino vinha trazer o novo
sistema de leitura. Então, de accordo com os meus ouvintes, formulei
21 pontos sobre toda as questões especiais da Cartilha Maternal, e
pedi a todos que escrevessem também sobre o plano geral da mesma
(JARDIM, 1882a, p. 4, grifos do autor).
Cont. da nota anterior
futuros e presentes.
231
De acordo com Silva Jardim (1882, p. 4), até aquele momento na Província do Espírito Santo, “[...] ninguém
sabia até então, inteiramente, o methodo João de Deus, e os assistentes guiavam-se apenas pelas minhas
explicações oraes, porquanto nem exemplares a Cartilha Maternal existiam á venda; além d’estas provas,
repito, convidei a uma exibição oral publica de seus conhecimentos os meus ouvintes d’esta primeira turma.
Os resultados apresentados então na consciencia da população espirito-santense”.
230
Como meio de evidenciar para a população as promessas que o sistema de ensino da
leitura, por intermédio da Cartilha Maternal, oferecia, organiza apresentações públicas para
testar o grau de profundidade a que cada aluno havia chegado. De forma espetaculizada, Silva
Jardim busca dar visibilidade aos progressos de seus aprendizes a todos que pudessem ter
alguma forma de desconfiança das vantagens do método. Desse modo, demonstrava a
superioridade que o método João de Deus tinha sobre os outros sistemas de ensino. Relata ao
presidente da Província que tais encontros fizeram muito sucesso e muitas pessoas da
sociedade espírito-santense foram assistir às demonstrações que organizou para seus alunos.
Declara o professor:
As sympathias que a elles me ligam não alterarão o meu juízo.
Revelaram todos, inquestionavelmente, desejo ardente de aprender
esse methodo novo de ensinar a lêr ás crianças. Os professores antigos
tinham incentivo na amenidade e facilidade que elle lhes vinha
proporcionar; as novas vocações eram guiadas por essa tendencia
irresistível de nossa epocha para a diffusão do ensino por todas as
camadas sociaes. Todos concebem a necessidade de uma regeneração
na sociedade, e todos antevêm que os mais perfeitos devem se
collocar pelos mais fracos. Esta, Ex. Sr., é uma verdade scientifica,
vós vêdes a sua comprovação nos applausos que vossa iniciativa
levantou (JARDIM, 1882b, p. 3).
O entusiasmo de Silva Jardim, quanto à receptividade que houvera alcançado na
promoção do método João de Deus, fez com que estendesse as suas aulas a explicações
particulares. Passa, desse modo, a visitar e ensinar aos interessados a utilidade da Cartilha
Maternal. Relata o professor:
A pedido de alguns cidadãos dirigi-me a suas moradas para o mesmo
fim; a do Sr. Dr. Eliseu de Souza Martins, (cuja adhesão convicta e
esclarecida, após um estudo consciencioso do methodo, em muitos
veio contribuir para os bons resultados de minha missão) onde
leccionei a tres pessoas. A distincta professora particular D.
Philomena Manso, e sua filha, tambem utilisaram-se de explicações
em sua casa, e bem assim o Sr. Alexandre Ferreira Calmon e mais tres
pessoas de sua família. Creio que todos os discipulos a que me refiro
ficaram sufficientemente preparados para, ajudados pela leitura da
Cartilha, ensinarem a ler racionalmente, sem martirisar a infância
(JARDIM, 1882b, p. 4).
232
232
Na sua missão de ensinar àqueles que buscavam compreender os mistérios do método João de Deus, Silva
Jardim se dispôs a ensinar gratuitamente a pessoas que não eram professores, mas possuíam a curiosidade de
saber como utilizar o sistema de alfabetização para ensinar os próprios filhos. Ocupou uma sala no Ateneu
Provincial com essa finalidade. Alega o professor: “[...] em uma das salas d’aquela repartição publica no
231
Afluíam para as suas conferências, segundo Silva Jardim, todos os que tinham o
desejo e também o entusiasmo pela instrução pública, pois essa era a única ferramenta capaz
de regenerar os povos. Os seus cursos eram freqüentados por toda a sociedade espírito-
santense: “Médicos, militares, júris-consultor, jornalistas, empregados publicos, chefes de
família, ou não, todos, com uma rara persistência corriam a ouvir a palavra de João de Deus”
(JARDIM, 1882, p. 7). Tal o grau de entusiasmo que foi demonstrado pelos participantes das
conferências, que Silva Jardim declara que os encontros podiam ser considerados como
verdadeiras festas que possibilitavam a comunhão
233
de todos a um único ideal, a melhoria da
situação da instrução pública, único caminho capaz de livrar o homem das sombras da
ignorância. Declara ao presidente Inglês de Sousa:
Tenho o indizível prazer de declarar a V. Ex. que as licções e
conferencias sobre o methodo João de Deus foram verdadeiras festas,
inicio expontaneo das que o futuro há de presenciar; festas em que
aprendia-se porque juntos interpretávamos um grande coração
illuminado por uma bella intelligencia; e sentia-se, pelo comercio de
afetos entre o audictorio, — a gratidão impede-me de d’izer mais —
entre o auditório e conferente (JARDIM, 1882b, p. 4).
Como forma de ratificar a eficácia do método que veiculava no Espírito Santo, Silva
Jardim realiza seu último ato. O espetáculo que estava proporcionando aos espírito-santenses
já há dois meses precisava ser finalizado de forma apoteótica. Para que não restassem dúvidas
sobre a força superior que havia no método João de Deus, para o ensino da leitura, coloca
Silva Jardim à prova toda a teoria sobre o ensino com base na Cartilha Maternal. Relata ao
presidente qual a estratégia que havia utilizado para afastar qualquer desconfiança sobre as
possibilidades reais de utilização do método João de Deus. Explica o professor: “Tambem nos
foi de muito auxilio, amenisando nossas licções e demonstrando a efficacia do methodo, uma
linda criança de 5 annos, filha do Illm. Sr. Dr. Juiz de Direito da Capital” (JARDIM, 1882b,
p. 7). Prossegue esclarecendo:
Cont. da nota anterior
edificio do Atheneu Provincial, dei começo a esse ensino. Durante o tempo em que ahi me achava solvia as
duvidas de particulares e professores sobre diversos pontos da Cartilha” (JARDIM, 1882b, p. 4).
233
Para Silva Jardim, estava no “[...] animo da população, sabeis-lo, Exm. Sr., o enthusiasmo que esse facto
inspirou na Capital. Tenho certeza mesmo que, alem de desenvolvimento intellectual, elle contribuiu para sua
elevação moral; não ha negar que os laços d’uma feliz sociabilidade estreitaram-se entre professores da
capital e do interior; entre as Exmas. Sras. da Cidade, entre, ouso dizel-o, os diversos membros da
communhão espirito santense” (JARDIM, 1882b, p. 4).
232
Embora não pudesse concluir o ensino a esta criança, attenta a falta de
tempo e a insufficiencia de sua idade, comtudo o pouco que
espontânea, alegre e conscienciosamente ella aprendeu, veio
demonstrar quanto o novo systhema de leitura prende os corações
infantis, inspirando sua juvenil intelligencia a um digno exercicio
(JARDIM, 1882b, p. 4).
A estratégia utilizada por Silva Jardim, para dar a ver à platéia, ávida por resultados,
razões para aderir à causa, não era uma novidade. O espetáculo da alfabetização, conforme
Boto (1997), foi prática muito utilizada por João de Deus para angariar simpatizantes e
eliminar suspeitas sobre seu método de ensino. A autora relata que João de Deus estava
sempre pronto para colocar seu método à prova ensinando criança de cinco a doze anos,
mesmo aquelas que já haviam passado quatro anos na escola e haviam pouco aprendido dos
rudimentos da leitura. Os lugares preferidos eram os auditórios.
Conforme Hilsdorf (1986), este aspecto, da ação propagandista, merece ser explorado,
pois o padrão de conduta dos homens, entusiastas da educação, que saem a percorrer as
províncias demonstrando as últimas descobertas da Pedagogia é muito semelhante àquele que
a literatura do oeste norte-americano retrata como vendedores de poções milagrosas. Pergunta
a autora: Estaríamos a um passo de charlatões, de exploradores da fé popular, ingênua, ou de
lideranças que realmente depositavam esperanças no poder da educação?
Lendo o relato de Silva Jardim, é possível compreender que ele realmente acreditava
no poder da educação, na sua capacidade transformadora e, por que não redentora da
humanidade, ou seja, na sua possibilidade regeneradora. Nesse processo de transformação,
percebe-se que, em seu modo de ver, todos tinham um papel a cumprir, o dele era o de ser um
profeta
234
que anunciava as boas-novas da Pedagogia e o dos professores, participantes das
conferências, de serem apóstolos que espalhariam essas boas-novas que lhes foram confiadas,
em outros locais da Província. Declara o professor:
[...] o professorado, sabendo comprehender o papel que lhe tocava
representar, o depor-se atesta do movimento; a imprensa, prestando
seu concurso constante e dedicado; a mocidade, juntando seus
applausos aos da sociedade, está, tendo a intuição do grande futuro
que nos aguarda, regenerado pela educação; e finalmente
234
Uma das críticas à passagem de Silva Jardim pela Província do Espírito Santo, de acordo com os editores do
jornal O Espirito-Santense, era que muitos dos professores passaram a comparar o conferencista com o
messias. Diziam eles: “Heresias: entre as proposições condemnadas pela igreja [por intermédio do Syllabus],
não foi prevista a verossimilhança de Christo com Silva Jardim” (ESPIRITO-SANTANSE, n. 62, 1882, p. 1).
Referiam-se os editores ao baile que foi realizado no Ateneu Provincial, no dia 30 de junho de 1882, com o
objetivo homenagear Silva Jardim pelas palestras proferidas, ocasião em que aproveitaram para coroar o
professor.
233
inauctorisado propagar por têr — perdoe V. Exc. a falta de modestia
— procurado envidar os esforços possíveis, aspirando a um fim
vantajoso (JARDIM, 1882b, p. 4).
Na empreitada que tomou sobre seus ombros, Silva Jardim apresenta ao presidente da
Província os frutos que havia colhido tomando por base as conferências que foram realizadas.
Taes foram, Exm. Sr. Os resultados na minha propaganda do methodo
João de Deus nessa provincia. N’ella ficam 10 professores, 6
professoras, 4 alumnas mestras do collegio N. S. da Penha e 5
alumnas do mesmo collegio aspirantes áquelle titulo; 5 alumnas do
Atheneu Provincial e 7 particulares, entre os quaes 3 senhoras e 4
senhores; ao todo 37 pessoas conhecedoras do methodo João de Deus
(JARDIM, 1882b, p. 4).
Para Silva Jardim, sua atividade propagandista era uma missão civilizadora que
deveria desenhar um novo caminho para a humanidade, o qual só poderia ser concretizado por
intermédio do derramamento da instrução a todos. Sobre sua missão, declara Silva Jardim:
Se minha missão teve resultados prósperos, digam-no a V. Ex. as
bênçãos que hoje cahem sobre o nome João de Deus e sobre o de V.
Ex. que e, bôa hora lembrou-se de commisionar-me em tão util
propaganda n’esta Provincia. Creio termos todos comprido o nosso
dever, Exm. Sr., V. Ex. dando-me a mais plena liberdade espiritual de
exposição, sem o que meu ensino teria um caracter retrogrado, pondo
todos os elementos progressistas a meu dispor (JARDIM, 1882b, p.
4).
Para finalizar seu relatório, Silva Jardim, utiliza a seguinte reflexão:
Trabalha por todos, modificando o presente em bem do provir: ‘Em
tempo de evolução a difficuldade, dizia Tacito, não está em cumprir o
dever, esta em saber onde elle se acha’. Nós sabíamos onde estava o
dever, felizmente, creio poder assegurar que seguimol-o á risca
(JARDIM, 1882b, p. 4).
Sua missão era uma obrigação que se impôs e que deveria ser seguida, pois seria no
presente que o futuro precisava ser forjado e um novo homem poderia ser moldado. Silva
Jardim estava consciente de sua missão e sabia em que espaço deveria atuar. A escolarização,
com uma Pedagogia atenta ao desenvolvimento da criança, deveria ser voltada para a
sensibilidade, que lidasse menos com a memorização e que tivesse uma ação mais direta sobre
a realidade, ou seja, uma forma escolar que levasse em conta que “[...] todo o ensino deve ser
acompanhado de afecto” (JARDIM, 1882b, p.4). Nesse sentido, conclui o relator:
234
“Preparamos tambem a obra do futuro ensinando o methodo as alumnas do collegio N. S, da
penha e a alguns discipulos do Atheneu” (JARDIM, 1882b, p. 4).
Destacam os jornais o O Horizonte, O Cachoeirano
235
e mesmo Inglês de Sousa, no
seu relatório final, que as conferências proferidas por Silva Jardim haviam obtido bons
resultados. Das preleções realizadas sobre o uso da Cartilha Maternal, muitas foram as
adesões, mas um aluno havia se destacado. Esse aluno era o professor de Cachoeiro de
Itapemirim, Quintiliano Fernandes e Azevedo. Por essa razão, e para não deixar o
aprendizado cair no esquecimento, comissiona Inglês de Sousa esse bom aluno do método
João de Deus para que agisse como propagador dos ensinamentos recebidos sobre a Cartilha
Maternal e transmitisse seu aprendizado aos professores da Província que não puderam
comparecer às conferências na Capital da Província. Relata Inglês de Sousa no momento de
deixar a presidência:
A vista dos resultados abtidos por este ultimo professor e
considerando ter sido elle um dos que mais se distinguio no estudo da
Cartilha Maternal, por portaria de 17 de 10 Novembro encarreguei-o,
de mediante a gratificação de 200$000 réis, de uma só vez, propagar
n’outros pontos da Comarca de Itapemirim o Methodo João de Deus
(SOUSA, 1882b, p. 11).
Como faz circular o jornal O Cachoeirano, Quintiliano estava empenhado em ensinar
a outros professores o uso do método João de Deus para o ensino da leitura. Veiculam os
editores do jornal:
O nosso amigo Quintiliano Fernandes d’Azevedo, professor publico
de Itapemirim, commissionado pelo governo provincial para propagar
durante as ferias, nesta comarca o methodo João de Deus, esteve esta
semana fazendo aqui prelecções do referido methodo. Ouvimol-o e
estamos convencidos que o methodo João de Deus iniciado nesta
provincia pelo Exm. Sr. Dr. Inglez de Souza e de immediato e
surpreendentes resultados (O CACHOEIRANO, n. 51, 1882, p. 2).
Mesmo sem querer, os editores do jornal O Espirito-Santense informam que as
preleções do professor Silva Jardim tinham surtido efeito e, na Província, estava-se ensinando
com o método João de Deus. Em matéria ironizando a utilidade da Cartilha Maternal e os
conhecimentos apresentados pela professora e diretora do Colégio Nossa Senhora da Penha,
D. Eulalia Julia da Silva Moreira, a respeito do método, os editores do impresso informam
sobre a seguinte situação:
235
Methodo ((João de Deus)) – Chamamos a attenção do Sr. Director
Geral da Instrucção Publica para o procedimento pouco respeitoso de
alguns garotos, que diariamente se collocão em frente ao Collegio
Nossa Senhora da Penha, e sem a menor ceremonia encarregão – se
(sempre que ninguem lhes tivesse encommendado o sermão) de imitar
a voz, aliás maviosa attrahente, da respectiva directora, logo que esta
dá começo ás suas prelecções sobre o methodo – João de Deus –
explicando com louvavel zelo e invejavel naturalidade os valores de
cada uma das lettras do nosso alphabeto, e sibilando-os com mera
graça encantadora, segundo somos informados por pessôas
competentes (O ESPIRITO-SANTENSE, n. 61, 1882, p. 2).
Percebe-se que a passagem de Silva Jardim pela Província do Espírito Santo foi capaz
de mobilizar e incentivar os professores dessa região a modificar o método utilizado para o
ensino das primeiras letras e, como já foi destacado, pelo menos um discípulo foi formado
para dar continuidade aos ensinamentos do mestre e passou a utilizar as mesmas estratégias
das conferências pedagógicas para convencer o professorado de localidades mais afastadas da
Capital da Província.
Para os editores do jornal O Espirito-Santense, Inglês de Sousa, com a contratação de
Silva Jardim, para ensinar o método João de Deus, fazia gastos que não estavam previstos no
orçamento da Província. Por esse motivo, segundo os editores, saía perdendo os cidadãos que
viam o tesouro da Província sendo dilapidado ao mesmo tempo em que fazia sofrer os
professores da região do Espírito Santo que tinham que arcar com as despesas de se deslocar
para a Capital para assistir às preleções de Silva Jardim.
Segundo os editores do jornal O Espírito-Santense, a Província já estava por demais
endividada para que Inglês de Sousa fizesse mais despesas e sacrifícios dos cofres públicos e
dos professores. Lembra aos leitores que, para que Silva Jardim aceitasse ir a Vitória ensinar o
método João de Deus, o governo da Província contraiu dívidas e, ao mesmo tempo, os
professores contraírem também. Alertam os editores:
[...] segundo dizem, 1.300$000 mensaes [é o que Silva Jardim está
recebendo], e ainda [faz vir] de todas as localidades da província os
professores publicos para assistirem ás prelecções do Sr. Jardim, afim
de aprenderem o methodo João de Deus. Calcule-se agora o sacrifício
que fazem os pobres professores a virem de distancias, desde 2 a 30 e
40 leguas, com mingoados ordenados e com familia a sustentarem,
fazendo despezas na capital e veja-se então o quanto o Sr. Inglez é
reflectido?!!! [...] E os alumnos? Os alumnos que ficão um e dois
Cont. da nota anterior
235
Jornal da cidade de Cachoeiro de Itapemirim.
236
mezes sem serem leccionados por os professores estarem fóra! Quem
perde nos exames no fim do anno? (O ESPIRITO-SANTENSE, 1882,
n. 54, p. 1, grifos dos autores).
Em resposta às acusações realizadas pelos editores de O Espírito-Santense, publica-se
no jornal O Horizonte, do dia 12 de julho de 1882, matéria que busca rebater todas as críticas
que foram veiculadas pela folha adversária.
A edição do ‘Espirito Santense’, do Domingo ultimo trouxe, para
bater a administração do Exm. Sr. Dr. Inglez de Souza, um castello de
cartas, no qual não sabemos — o que mais admirar: si a fertilidade da
imaginação do escriptor da folha conservadora; si a coragem com que
se avançam factos, que na consciencia d’uma população inteira não
passam de flagrantes inverdades inventadas pela raiva impotente
d’uma opposição desnorteada. Fertilidade d’imaginação ou couragem
pouco invejavel, qualquer que seja a origem do monstruoso producto
que constitue o edictorial do ‘Espirito Santense’ de 9 do corrente, não
podemos deixar passar sem a devida resposta áquelle acervo inaudito
de parvoices e inexactidões, umas filhas legitimas da ignorancia dos
factos, outras oriundas da má fé do partidario, que nada quer vêr de
bom nos actos d’um Presidente adversário (O HORIZONTE, 1882, n.
55, p. 2).
As informações que os dois jornais fazem circular a respeito da administração de
Inglês de Sousa demonstram que os impressos eram utilizados como tribuna para se defender,
ou para atacar os adversários. As resenhas que produzem sobre a administração provincial são
marcadamente fundamentadas nas posições políticas que ocupam no cenário capixaba. São
locais em que é possível flagrar as lutas pelo controle da forma de pensar dos cidadãos da
Província. As representações que circulam, em relação à gestão de Inglês de Sousa, são, antes
de tudo, uma disputa pelo controle da opinião pública, dos cidadãos que, mesmo não atuando
diretamente no jogo político, possuem o poder de eleger a próxima Assembléia de Deputados
Provinciais, que poderia ser mais conservadora ou mais liberal.
Ainda no trabalho de rebater as críticas direcionadas à contratação de Silva Jardim
para proferir as conferências pedagógicas, os editores d’ O Horizonte reiteram sua
discordância a respeito das críticas proferidas pelos editores de O Espírito-Santense.
[...] não deveria censurar o Dr. Inglez de Souza por gastar a
insignificante quantia de 1:300$000, dividida em duas prestações com
a propaganda do novo e importantissimo methodo de João de Deus,
que a folha conservadora desconhece completamente. Aquella
pequena quantia não está de certo em relação com as vantagens que se
podem tirar da propaganda d’um methodo, que veiu fazer uma
verdadeira revolução no ensino da leitura, e simplificar, melhorando, a
237
educação primaria: necessidade há muito sentida, n’esta, como em
outras provincias, e só agora attendida pelo administrador da
provincia. A Economia Politica nos ensina, que não são improductivos
os gastos feitos com a instrucção popular, e, portanto, censurar que se
gaste 1:300$000 com uma propaganda, tal como a que é feita pelo
habil professor Dr. Silva Jardim, é apegar-se a teias de aranha para
fazer opposição [...]. Os professores chamados a Capital não foram
obrigados a isso. O Governo lhes paga despesas de ida e volta, e
proporciona-lhes o meio de conhecer o novo methodo. A vinda é livre,
e das pequenas despezas feitas com a viagem, a Provincia só poderá
tirar vantagens, e não prejuizos: assim como os alumnos só tem a
lucrar com a falta temporaria do professor, motivada pôr semelhante
facto [...]. Quanto ás intensões que o ‘Espirito Santense’ empresta ao
Administrador da Provincia, e ás graçolas chulas que lhe dirige, essas
não podem ser discutidas, porque seria suppor que o publico não
conhece o espirito que anima o redactor da folha conservadora, que
balda de assumpto para bater uma Administração honesta, moderada e
criteriosa como é a do Exm. Sr. Dr. Inglez de Souza, anda ás tontas se
apegando a qualquer facto inventado para cumprimento da missão que
lhe impusera (O HORIZONTE, 1882, n. 55, p. 2).
Os jornais na disputa pela simpatia da opinião pública funcionavam como dispositivos
que compunham as estratégias de lutas de representações, possibilitando aos dois grupos o
trabalho de classificação, recorte e delimitação da zona de ação dos rivais, ao mesmo tempo
em que buscavam fazer reconhecer a sua identidade, o que permite projetar os impressos
como representações de práticas que resultam de práticas de representação (CHARTIER,
1990; CARVALHO; HANSEN, 1996), que buscam regular práticas de apropriação do mundo
e das formas de lhe conferir significado.
Assim como o método João de Deus sofreu críticas, quanto à sua originalidade, em
Portugal,
236
na propaganda que Silva Jardim (1882) realiza, no Espírito Santo, acontece o
mesmo. Basicamente, as críticas recaem sobre a novidade do método. Para os editores do
jornal O Espírito-Santense, no número veiculado no dia 9 de julho, o que propunha Silva
Jardim nas suas conferências era o aperfeiçoamento de outro método que já existia. Conforme
os editores,
O methodo João de Deus não é uma idéa nova, não é mais do que o
aperfeiçoamento do methodo Navarro, que ha 30 annos para mais foi
introduzido no Brazil e de que ainda existem methodos impressos
nesta provincia. O intelligente espiritosantense Manoel Ferreira das
Neves, que teve nesta capital um bem montado estabelecimento de
educação o ensinou em sua aula de primeiras lettras, e ahi então entre
236
Ver Boto (1997), no estudo Ler, escrever, contar e se comportar: a escola primária como rito do século XIX
português (1820-1910).
238
outros os professores Alexandrino Paiva, Lellis e mais cidadãos que
por elle aprenderão, e senão cotege-se os methodos impressos de
Navarro e João de Deus e digão-nos depois se a differença é grande
(O ESPIRITO-SANTENSE, 1882, n. 54, p. 1, grifos dos autores).
237
No dia 30 de julho, outra notícia, publicada pelo O Espirito-Santense, busca
descaracterizar o método João de Deus como o melhor entre os métodos para se ensinar a ler.
Para os editores do impresso, havia no Brasil um método desenvolvido por um brasileiro, um
sistema capaz de preparar com maior rapidez o professor para o ensino das primeiras letras.
Segundos os editores, o uso desse método, chamado de João Valente, já ocorria em algumas
escolas primárias da Província de Minas Gerais com grande sucesso. Tinham recebido uma
cópia do método e os dispositivos que lhe davam suporte e, ao analisar sua funcionalidade,
concluíram que o método divulgado por Silva Jardim devia ser preterido em função do criado
pelo pedagogo brasileiro. Informa O Espirito-Santense:
Methodo João Valente – Recebemos a Artinha Nacional, composta
pelo illustrado Professor o Sr. João Valente. Sobre os methodos que
conhecemos para o ensino rápido entre elles o de Navarro, valdetaro,
Castilho, teophilo Braga, Aulete, João de Deus e Abilio, escripto para
a nossa lingua e por brasileiros e portuguezes, derivados esses
methodos dos de Pesthalozzi e Froebel. Não erramos em dizer ser elle
o melhor entre os apresentados pelos illustres doutrinarios do ensino
escolar, acima citados, e comnosco está a imprensa toda do paiz e
tambem de Portugal, onde o grande litterato Pinheiro Chagas foi um
dos primeiros a isso reconhecer. O methodo João de Deus exige um
estudo apuradissimo do proprio professor, para poder ensinar, seja isto
bem notado; o methodo João Valente por sua simplicidade, clareza e
nenhum embaraço nos nomes e valores dados ás lettras do alphabeto;
faz de cada um que lê a Artinha Nacional um mestre. Os quadros que
recebemos, reproduzindo as licções da Artinha, ainda vem melhor
explicar, com certas e determinadas figuras, a rapidez de
comprehensão aos meninos. A proficuidade do systema, o bem
delineado do methodo, a simplicidade na exposição, tudo esta
conformado de maneira a exclarecer o menino. A pronuncia das
vogaes e das consoantes, sem o embaraço que nisso se encontra em o
methodo João de Deus, ainda leva-lhe a primazia. A definição entre a
educação physica, moral e intellectual, vindo como um addendo á
Artinha é proveitosa. Emfim, a nosso vêr, se não é a ultima palavra
sobre o ensino rapido ao menino, é o melhor methodo actualmente
existente entre os apparecidos. Virifique-se, e nos dirão depois se
237
Sobre essas acusações, responde Silva Jardim: “Tendo um periodico da capital, O Espirito Santense,
contestando as vantagens e a originalidade da Cartilha Maternal, julguei do meu dever convidar o redactor
da folha a assistir a quarta conferencia que veria os resultados que se poderiam colher com o ensino pelo
sisthema que eu propagava, e tambem a differença completa do novo para os antigos methodos de leitura. O
redactor da folha assistiu, segundo fui informado, á minha demonstração ao público, e no número seguinte de
seu jornal confessou dignamente ser o methodo João de Deus um aperfeiçoamento” (JARDIM, 1882a, p. 3,
grifos do autor).
239
temos razão ou não de assim pensar, e como pensão os homens mais
competentes na materia de ensino primário (O ESPIRITO-
SANTENSE, n. 60, 1882, p. 2).
Os editores completam o anúncio com a trancrição da matéria publicada por Jorge
Rodrigues, veiculada no jornal O Globo da Província do Rio de Janeiro.
Transcripções, Artinha Nacional – No intuito de tornar conhecido
um novo methodo de ensino que merece todo o acolhimento dos que
se dedicão ao magisterio, começamos a publicar no Pharol,
conceituado e importante jornal que se publica em Juiz de Fóra um
roteiro da Artinha Nacional, fundada pelo illustre professor João E. do
M. Valente. Conhecendo a bôa vontade com que a illustrada redacção
do Globo, dirigida pelo primeiro dos nossos jornalistas, auxilia a
causa da instrucção, cujos advogados são ainda em numero defficiente
em nosso paiz, vimos tambem nestas columnas apresentar o methodo
a que nos referimos e chamar para elle a attenção do pessoal docente
da capital do Imperio. Muitos methodos têem apparecido nestes
ultimos tempos, propondo-se cada um delles fazer importantes
revoluções no ensino primario; e entretanto, ainda nenhum conseguio
auferir um resultado proficuo, demonstrando plenamente um meio
facil de ensinar o menino a ler com promptidão e brevidade. Todos
esses methodos que têem apparecido em todas as nações, podem
reduzir-se todos ás trez classes seguintes: methodo soletração,
methodo de syllabação e methodo de leitura progressiva [...]. Á
apreciação dos educadores da infancia, submettemos a obra do Sr.
João Valente e nutrimos bem fundadas esperanças de que ella a
consagração da pratica logo que seja verificada em criterioso exame, e
apreciada devidamente, com imparcialidade e justiça. No escriptorio
desta folha estão a Artinha Nacional e os seus quadros á disposição
dos entendidos que os quizerem examinar (O ESPIRITO-
SANTENSE, n. 60, 1882, p. 3, grifos do autor).
Percebe-se que, entre os métodos apresentados pelos editores, não está presente o que
possui como fundamento a palavração. Não se faz menção ao sistema de ensino desenvolvido
por João de Deus. Quando a ele é realizada referência, é para desqualificá-lo. Conforme os
editores do O Espirito-Santense, quando comparados os dois métodos, o ensinado por Silva
Jardim e o desenvolvido por João Valente, percebia-se que o primeiro tinha pouco alcance. A
preparação do professor pelo método português era mais demorada. Como forma de o
professor ter condição de tirar suas dúvidas, anunciam que, na redação do jornal, havia uma
cópia da Artinha Nacional à disposição de quem quisesse aprender.
Ao se analisar a estada de Silva Jardim no Espírito Santo, o momento de sua chegada à
Província, as adesões que recebeu e o estado de euforia que causou entre os professores,
estudantes e demais pessoas interressadas no tema da instrução pública, é possível ponderar
240
que os dois meses em que esteve na Província foram fundamentais para que o regulamento
adquirisse o formato com que foi apresentado à Assembléia Provincial. As conferências
ministradas por Silva Jardim serviram como local propício para o convencimento dos
professores de que era necessário mudar o método de ensino no Espírito Santo.
Utilizando como referência o a pesquisa desenvolvida por Narodowski (2002), no
estudo das reformas da instrução pública, em Buenos Aires, sobre a presença dos especialistas
contratados para servir de símbolos da modernidade pedagógica, pode-se dizer que as
conferências oferecidas por Silva Jardim servem para afastar os elementos arcaicos de uma
Pedagogia fundamentada na memorização, fortemente condenada pelas pedagogias modernas.
As práticas dadas a ver por Silva Jardim, com o que propunha a Cartilha Maternal, são
exercícios práticos, ativos de apropriação da leitura e da escrita. Uma nova relação
pedagógica preocupada com as relações efetivas que devem ser estabelecidas entre quem
ensina e quem é ensinado, que propõe que os mestres cultivem seus alunos como se estes
fossem flores que possuem fases próprias, físicas e psicológicas de desenvolvimento ou que
se colocassem na posição das mães, “[...] que do coração professam a religião da adorável
innocencia e até por instincto sabem que em cérebros tão tenros e mimosos todo o cansaço e
violencia póde deixar vestigios indeléveis” (DEUS, 1876, p. VIII).
238
A idéia de que o professor deveria dominar um saber pedagógico sobre a infância é
crucial na propaganda que faz Silva Jardim. Em suas conferências, o tema da escolarização da
infância e a escola como o lugar que deve estar preparado para essa finalidade deixa ver que o
professor também deveria ser preparado, no caso, por intermédio da escola normal. Suas
conferências eram apenas a introdução. O conteúdo completo do método deveria ser adquirido
em uma instituição devidamente preparada para essa finalidade.
239
Ao analisar a participação de Silva Jardim na reforma da instrução, por intermédio de
seus relatórios sobre as conferências ministradas, pode-se perceber que seu papel de
especialista, autorizado nas questões pedagógicas, foi fundamental para a reforma ser
organizada, se não contribuindo na escrita, com certeza com a construção do ambiente de
238
Os professores, desse modo, não deveriam ser improvisados, pois o discurso e a prática pedagógica, como
demonstra Silva Jardim, são compostos por saberes especializados fundamentados em um conjunto de regras
pedagógicas que se, bem aplicadas, poderiam alfabetizar e conceder aos alunos a arte da leitura “[...] sem a
qual o homem não passa de um selvagem (DEUS, 1876, p. 10).
239
Com o havia declarado Silva Jardim (1882), ninguém na Província havia tido conhecimento do método João
de Deus, nem havia disponível para a venda exemplares da Cartilha Maternal, muito menos dos seus
suportes. Em virtude dessa situação haveria que ter um aprofundamento daqueles que passaram pelas
conferências para aprenderem a utilizar a cartilha e os quadros parietais (pôsteres) facilitadores da
alfabetização.
241
euforia necessário ao desenvolvimento do sentido de que somente com a modificação dos
métodos de ensino e o engajamento dos professores se poderia realmente efetivar a reforma.
O último encontro que Silva Jardim realizou com os professore da Província é relatado
pelo jornal A Provincia do Espirito Santo. Em suas notas informativas, descreve:
O conferencionista agradeceu aos espirito-santenses, a benevolencia
com que o tem distinguido, e apresentou S. Ex. Sr. Dr. Inglez como o
verdadeiro apostolo d’esta crusada que o conferencionista vai
terminar, dando assim uma prova de que seu zêlo pela Instrucção
publica não se limita a uma questão de palavras. Suas ultimas
expressões são para o professorado, a quem o orador conjura em
termos convenientes para persistir em uma propaganda continua em
prol da Patria. Foi, ao concluir o orador coberto por uma salva de
palmas. Falaram, cumprimentando o illustrado conferencionista o Sr.
Professor Sarmento, e o intelligente Sr. Aldano Paiva, orador da
Sociedade ‘Amôr ás lettras’, alumno do Atheneu e offerecendo em
nome do Exm. Sr. Dr. Inglez um bello volume de poesias de Camões
ás Exmas. Professoras, e algumas Exmas. Sras., os meninos
sympathicos e assistentes da propaganda do methodo João de Deus.
Terminou a festa litteraria ás 8¾ da noite (A PROVINCIA DO
ESPIRITO SANTO, 1882, n. 57, p. 3).
Seu papel de especialista, referência principal para o professorado, é apresentado
como padrão a ser seguido e objetivo a ser alcançado por aqueles que acreditassem que a
modificação da sociedade passaria pela reforma da escola. Ideal compartilhado por um grupo
de intelectuais, classificados por Barros (1959) como ilustrados e portadores de um conjunto
de crenças sobre o valor da educação e da escolarização, como meio para o desenvolvimento
da sociedade, seu progresso e evolução. Com o que foi exposto, é possível afirmar que a
presença de Silva Jardim na Província do Espírito Santo funcionou como uma estratégia e
suas conferências como dispositivos que procuravam apresentar uma pedagogia modelar,
renovada e que dava a “todos” a confiança de que a reforma da instrução pública era o meio
para que a Província alcançasse o progresso, e conseqüentemente, atingisse o estado final,
positivo e científico que era prometido pelo novo administrador do Espírito Santo. Mesmo
Silva Jardim, como arauto do progresso era uma modelo, um espelho em que todos que
comungassem dos mesmos ideais poderiam se ver refletidos, porque já compartilhavam os
mesmos ideais de que pela modificação da rotina das escolas, com os métodos renovados pela
Pedagogia Moderna, essa instituição poderia produzir a regeneração do homem pelo saber e,
em contrapartida, a própria sociedade Imperial.
No próximo capítulo, serão discutidos, com base no regulamento da instrução pública
as representações que subjazem ao discurso da reforma e os termos da transformação que se
242
pretende operar na sociedade imperial, valendo-se da implantação da forma escolar da
Pedagogia Moderna. Conforme Inglês de Sousa, seria possível, por intermédio da instrução
pública, “[...] acompanhar o desenvolvimento da sciencia da educação e facilitar a todos os
Espirito-Santenses a acquisição de conhecimentos scientificos e litterarios, endispensaveis à
[...] sociedade moderna” (SOUZA, 1882b, p. 11).
243
6 CAPÍTULO
A REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DA PROVÍNCIA DO
ESPÍRITO SANTO: ESTRATÉGIAS E DISPOSITIVOS DE
CONFIGURAÇÃO DA ESCOLA PRIMÁRIA EM 1882
A constituição de uma forma escolar e sua predominância sobre outras formas de
socialização são também a predominância sobre outros modos escolares de transmissão da
cultura, que não prescindem das reformas educacionais, porque estas estariam sempre ligadas
a transformações sociais,
240
ou seja,
Segundo parece, a forma escolar de relações sociais só se capta
completamente no âmbito de uma configuração social de conjunto e,
particularmente, na ligação com a transformação das formas de
exercício do poder (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001, p. 17, grifos
dos autores).
241
Nóvoa (1991), ao estudar o processo de constituição sócio-histórico da profissão
docente, argumenta que a elaboração da forma escolar de socialização da cultura letrada faz
parte de um movimento histórico que opera a redefinição do conceito de infância, do que se
compreendia como função da escola, dos saberes transmitidos pelo professor, da formação
desse professor e de quem seria o responsável por essa formação.
242
.
Conforme Nóvoa (1991, p. 125), “A partir do século XIX, a Escola dispõe de um
poder que não é concedido senão a outras duas instituições, a Igreja e o Exército”, pois a ela é
creditado o poder transformador da realidade, motor do progresso e do desenvolvimento.
Assim como a Igreja e o Exército, a escola passa a ser percebida como uma instituição capaz
de garantir a unidade nacional, por intermédio da transmissão de um conteúdo unificado e de
valores culturais e morais que garantiriam o sentimento pátrio.
A crença nas virtudes da instrução, como afirma Barros (1959), estava intimamente
240
Ver, por exemplo, o estudo de Narodowski (2002) sobre Os pedagogos lancasterianos e a infância na
Argentina do século XIX. Para o autor, as reformas educacionais conduzidas naquela região estavam ligadas
também a reformas políticas, a transformações pelas quais o próprio Estado estava passando.
241
Conforme Narodowski (2002, p. 221), em um processo de reforma “[...] o discurso pedagógico explica as
necessárias transformações das sociedades”.
242
Para compreender a constituição da escola como instituição da modernidade, ver Varela e Alvares-Uria
(1992) no estudo A maquinaria escolar em que discutem o processo histórico que permitiu a emergência da
forma escolar e suas continuidades como modelo de socialização do conhecimento e também como
244
ligada ao desenvolvimento econômico, tecnológico e militar que cada país conseguia
demonstrar a seus aliados ou inimigos. A escola primária era percebida como o local em que
se produziria o homem industrioso, capaz de movimentar a economia e com capacidade
inventiva, virtuoso e patriótico para defender sua pátria de inimigos internos e externos. Essa
confiança no poder da educação também é uma confiança no poder da ciência, no caso da
ciência pedagógica e de seus métodos de ensino renovadores da didática de ensino.
Métodos de ensino que, se não fossem tidos por modernos, não teriam vez em um
ambiente que buscava atingir em pouco tempo o desenvolvimento de todos os setores que
organizavam o Estado. A escola renovada pelos métodos de ensino da Pedagogia Moderna
seria a garantia de que o objetivo da modernização poderia ser alcançado e a civilização
aportaria no Brasil. Por esse motivo, as reformas da instrução pública são a chave para
compreender o movimento de transformação que está sendo projetado para o Estado, sua
modernização e progresso, fatores que, segundo Barros (1959), colocariam o Brasil ao “nível
do século”. Relatando o panorama das décadas de 1870 e 1880, com base no pensamento de
Silvio Romero, Barros (1959) declara que essas duas décadas foram um período de grandes
transformações político e social, pois era um momento em que,
A guerra do Paraguai estava ainda a mostrar a todas as vistas os
imensos defeitos de nossa organização militar e o acanhado de nossos
progressos sociais, desvendando repugnantemente a chaga da
escravidão; e então a questão dos cativos se agita e logo após é
seguida da questão religiosa; tudo se põe em discussão: o aparelho
sofistico das eleições, o sistema de arroxo das instituições policiais e
da magistratura e inúmeros problemas econômicos; o partido liberal,
expelido grosseiramente do poder, comove-se desusadamente e lança
aos quatro ventos um programa de extrema democracia, quási
verdadeiro um socialismo; o partido republicano se organiza e inicia
uma propaganda tenaz que nada o faria parar (ROMERO, apud
BARROS, 1959, p. 30).
Mediante essas condições, é que se busca reformar as instituições consideradas
capazes de resolver os problemas do Estado e ao mesmo tempo garantir sua estabilização e
desenvolvimento.
Neste capítulo do estudo, buscarei compreender a reforma da instrução pública
realizada por Inglês de Sousa com a análise do regulamento produzido como documento
oficial. Esse documento busca regular, interditar e promover novas práticas escolares na
Cont. da nota anterior
dispositivo de controle.
245
Província do Espírito Santo. Práticas tidas como exemplares, promotoras da Pedagogia
Moderna e meio de modernizar a educação em terras capixabas.
6.1 Gratuidade, obrigatoriedade e laicidade: pontos nevrálgicos da reforma
Com base na publicação da Lei n.º 31, Inglês de Sousa passa a convocar os deputados
que comporiam a Comissão da Instrução Pública. Esses homens teriam a função de estudar,
debater e propor as bases da reforma da instrução pública da Província do Espírito Santo.
Informa o jornal O Horizonte:
A commissão nomeada pelo presidente da Provincia para estudar um
plano de reforma de Instrucção Publica, reunir-se-ha uma vez por
semana em uma das sallas do Palacio do Governo, com assistência do
Presidente da Provincia e do Inspector Geral da Instrucção Publica,
alem das reuniões particulares que julgar dever fazer, sob a
presidencia do Dr. Elizeu de Souza Martins (O HORIZONTE, n. 42,
1882, p. 2).
A Lei n.º 31, de 20 de maio de 1882, que autorizava ao presidente conduzir o processo
de criação do projeto de regulamento da instrução pública, também o obrigava a não exceder
à verba destinada à reforma. O projeto teria que contemplar, na organização do ensino
secundário, as matérias que habilitariam os alunos para a realização dos exames de
preparatórios e a criação de dois cursos normais, um para o sexo masculino e outro para o
sexo feminino.
Ao publicar os pontos que serviriam como referência para a confecção do regulamento
da instrução pública, é possível perceber que a abrangência pretendida para a reforma
superava em muito o que havia delimitado e votado a Assembléia Provincial. As questões
formuladas por Inglês de Sousa para direcionar a discussão do novo regulamento da instrução
pública resumiam-se em um número de dez. São elas:
I – A Escola Primaria, sua divisão e classificação, regimen e
disciplina. programma e methodo de ensino. Casas, mobilias e
utensilios.
II – Condicções do ensino primario. Gratuidade e obrigatoriedade. O
ensino deve ser LAICAL? Auxilios de livros e roupas aos meninos
pobres.
III – Gráos de ensino. Ensino supplementar, complementar e superior.
Escolas Normaes.
IV – O professorado primario. Condicções da admissão. Prerrogativas.
246
Vencimentos e gratificações. Deve ser vitalicio o professor primário?
Deve ser amovivel ou inamovivel?
V – Ensino profissional. Escolas agricolas e industriaes.
VI – São convenientes as caixas econômicas escolares?
VII – Jardim da infancia. Pequenas bibliothecas escolares?
VIII – Direcção, Inspecção e Fiscalisação do ensino.
IX – Ensino particular primario e secundario. Deve ser inteiramente
livre ou sujeito á exigencia de habilitação e moralidade dos
professores?
X – Penas e recompensas. Processos disciplinares.
Todas as questões serão decididas no seio da commissão á maioria
absoluta de votos votando tambem o seu presidente (O HORIZONTE,
n. 42, 1882, p. 2).
Para discutir o novo regulamento, Inglês de Sousa convoca cinco pessoas pertencentes
ao Partido Liberal. Percebe-se que a comissão é composta por pessoas que já vinham
debatendo o tema da instrução pública. Dessa comissão alguns já haviam participado das
discussões relacionadas com o Projeto n.º 12 de reforma da instrução pública, analisado no
primeiro capítulo. Conforme anunciado no jornal O Horizonte, a comissão era formada pelos
deputados provinciais e pelos professores do Ateneu Provincial: “[...] Drs. Eliseu de Souza
Martins, (como presidente), Francisco Gomes de Azambuja Meirelles, José de Mello
Carvalho Muniz Freire, Alfredo Paulo de Freitas e Manoel Rodrigues de Campos” (O
HORIZONTE, n. 42, 1882, p. 3).
Entre os temas que servem para direcionar os encaminhamentos da reforma, alguns
são novos e outros já vinham sendo pauta de discussões acaloradas entre os deputados
provinciais. Pergunta-se novamente sobre a necessidade da escolarização, da formação de
professores, se o ensino deveria ser gratuito, se deveria ser obrigatório e agora se deveria ser
laico.
Com a reforma da instrução pública, de Inglês de Sousa, o ensino primário passou a
ser organizado em escola elementar, suplementar e complementar, em que a primeira tornou-
se obrigatória para todas as crianças de sete a dez anos de idade. Caso as famílias, ou tutores,
se recusassem a enviar seus filhos para as escolas do ensino fundamental que a Província
oferecia, estariam sujeitas a uma multa de 5$ a 20$000 Contos de Reis, aumentando o valor
em casos de reincidência.
Mesmo a argumentação de que a criança era necessária no trabalho doméstico ou na
lavoura não justificaria a sua falta às aulas. A Província se responsabilizaria em auxiliar as
famílias que provassem que não tinham condições de manter os filhos na escola. Para isso, o
247
regulamento prevê a criação de um fundo escolar.
243
Desse modo, com base na reforma, estipulado-se que
A indigencia dos pais e tutores não é excuza legitima para deixar de
enviar os meninos á escola. A provincia, por meio do fundo escolar,
auxiliará os alumnos pobres, com livros, roupas, e calçados, mas a
falta desse auxilio não izenta, os pais e tutores das multas em que
incorrerem (RGIPPES, 1882, p 2).
Para Veiga (2002), a obrigatoriedade da educação faz parte das estratégias do Estado,
no século XIX, de monopolizar os saberes elementares.
244
Produzindo dispositivos
disciplinares, a escolarização tornou-se compulsória a todos, como projeto civilizatório. Os
dispositivos disciplinares indicavam uma nova configuração social em que o Estado passa a
fazer uso da força para estabelecer uma nova forma de disciplinarização. Segundo a autora
(2002), a obrigatoriedade
245
torna possível, de forma coercitiva, a educação das crianças
promovida pelo Estado, mas adverte:
É evidente que a universalização da instrução elementar e a extensão
social das formas de comportamento civilizado constituíram um
aprofundamento do controle das normas de conduta, e isto esteve
relacionado à produção de novas formas de sociabilidade e de
distinção social, engendradas pela escolarização (VEIGA, 2002, p.
99).
Justamente os novos modelos de sociabilidade oferecidos pelo Estado vão caracterizar
novas formas de intervenção, em que os principais pontos são: a criação de um universo
separado para a infância e o aprendizado do uso racional do tempo.
Ao escrever sobre a introdução do Ensino Mútuo na Argentina, Narodowski (2002)
afirma que o processo de escolarização, ou a busca de fixar as crianças na escola não
243
O fundo escolar é instituído para oferecer o auxílio prometido pelo art.° 6.° do regulamento. Esse auxílio se
referia ao fornecimento de livros, roupas e calçados aos meninos pobres, matriculados no ensino primário.
Seria composto tomando-se por base: a cota votada no orçamento municipal relativo a cada município; dos
descontos e diferenças que sofriam os professores e empregados da instrução nos seus vencimentos; das
sobras das verbas destinadas ao pagamento do pessoal docente e administrativo do ensino; do produto de toda
e qualquer multa imposta em virtude do desrespeito ao regulamento; do produto líquido da venda de livros,
de mapas, publicados pela Província; e dos donativos recebidos para a manutenção da instrução pública
(RGIPPES, 1882).
244
Para um estudo amplo do significado dos saberes elementares e a sua constituição como saberes escolares,
consultar Hébrar (1990), na análise que realiza sobre A escolarização dos saberes elementares na época
moderna.
245
Para Veiga (2002, p. 99), “A universalização do acesso aos saberes e a escolarização em massa marcou o
grande diferencial em relação a outros tempos históricos, pela dimensão inclusiva de todos, ou, mais
especificamente, dos pobres, nos processos de socialização em curso na sociedade”.
248
acontecem de forma rápida, mas lentamente, apesar de os regulamentos afirmarem o
contrário, pois foi preciso que as famílias fossem convencidas de que os saberes socializados
pela escola, instituição vista com desconfiança, possuía algo a oferecer, além da reclusão e do
disciplinamento.
O presidente da Província do Espírito Santo, em 1868, Luiz Antonio Fernandes
Pinheiro, ao deixar o cargo, manifesta aos deputados provinciais que havia muita dificuldade
em fazer as famílias enviar seus filhos à escola para receber as primeiras letras. Para ele,
deveria haver um esforço conjunto para que os pais fossem convencidos de que havia
vantagens em mandar seus filhos para a escola. Declara o presidente:
Ha necessidade tambem que o governo, e os seus agentes, persuadam
aos paes de familia quanta necessidade ha de instruir e educar seus
filhos, de mandal-os á escola. Por meio da palavra e da influencia dos
parochos, por meio dos juizes letrados, por meio das camaras
municipaes, por meio da leitura de publicações ligeiras, repetidas e
gratuítas, por meio de sociedades, deve-se com esforço procurar
innocular no pensamento de todos os homens de nossas villas,
povoações e aldeias, as vantagens que resultam do ensino primario,
sem o qual o menino não póde ser capaz, em tempo algum, para os
differentes e muitos encargos, a que destina a sociedade (PINHEIRO,
1869, p. 13).
246
Ao que parece, a escolarização somente era interessante para uma parte da sociedade,
pois nem todos compreendiam que o saber ler, escrever e fazer contas era uma necessidade
fundamental para a vida. Vivia-se bem sem ser possuidor desses saberes, tanto que a
obrigatoriedade e a freqüência à escola passa a fazer parte da pauta dos reformadores. Para
essa sociedade, que tem a oralidade como meio privilegiado para o acesso e a troca de
informações, a escolarização não é compreendida como um direito, mas como uma obrigação
que deve ser evitada.
Boto (1997), ao estudar o processo de escolarização em Portugal, no século XIX e
início do século XX, por intermédio dos debates sobre a escola primária, percebe que há uma
reorganização relacionada com os discursos sobre esse espaço de socialização. Um processo
246
Oliveira, presidente em 1841, indignado com a situação da instrução pública na Província do Espírito Santo,
descreve a seguinte situação: “No Municipio de Itapemirim, alêm da Escola publica de Primeiras Letras em
que aprendem 20 meninos, existem duas particulares freqüentadas por 19 alumnos, mas observa a Camara
Municipal, que, calculando-se em 150 os meninos que podem já receber a instrucção primaria, ficão 111 fóra
das Escolas, talvez por deleixo dos pais, ou das pessoas que os tem a seu cargo: esta neglicencia quasi que he
geral; predominando mais o preconceito, de que he incompativel a instrucção com os misteres da vida rural,
do que o testemunho que a cada momento temos á vista, de que o ensino primário, desenvolvendo a
intelligencia e a moralidade, predispoem a mocidade ao melhoramento e economia nesses mesmos trabalhos;
prepara-a para a vida social; cimenta e firma a razão publica” (OLIVEIRA, 1841, p. 13).
249
de longa duração que produz novas configurações associadas ao modo de significar e
valorizar a instituição educacional, que torna a escola como ponto privilegiado para a
socialização da infância. Para Boto (1997, p. 169),
A escola, ao se apropriar da tarefa educativa que anteriormente era
reservada ao outros setores sociais, particularmente a família, institui
práticas inusitadas de formação do comportamento religioso e da
conduta civil, de conformação dos hábitos de obediência e de
disciplina, de treino para a submissão às autoridades e táticas visando
o controle do corpo e dos impulsos. Haveria, sob tal perspectiva,
regras impessoais que determinariam a dinâmica da instituição; sob
tais regras, deveriam ser normatizadas as atitudes dos mestres e dos
discípulos. [...] trata-se fundamentalmente da transmissão e aquisição
de competências e habilidades, que de modo algum, reduziam-se ao
domínio cognitivo, abarcado – por assim dizer – aspectos afetivos,
motores, corporais e emocionais.
Esse modo de significar a escolarização pode ser percebido na reforma organizada por
Inglês de Sousa. A escola passa a ser elemento central no processo de transformação social e
lócus privilegiado para a socialização da juventude. Mesmo que fosse de forma obrigatória,
todas as crianças deveriam passar pelo processo. Tal estratégia formava-se valendo-se da
representação de que a educação correspondia à condição necessária ao desenvolvimento e à
prosperidade, dentro de um processo de ordem e progresso.
Silva Jardim, ao realizar a sua última conferência sobre o método João de Deus,
instiga os professores e demais assistentes para que entendessem que as crianças, ao chegar à
escola, deveriam ter como única referência o mestre, não sendo possível, desse modo, uma
competição entre a família e a escola, sobre o que se deveria ensinar aos alunos nesse
ambiente. Os editores do jornal A Provincia do Espirito Santo, ao veicularem as palavras de
Silva Jardim, em sua última conferência, informam que o conferencista
Assignalou as perniciosas consequencias da indebita intervenção do
Pae na economia escolar, impondo ao mestre este ou aquelle plano de
ensino em relação aos seus filhos. O pae, desde que abdica de suas
attribuições de guia do espirito do filho, tem o dever de sujeitar-se ás
prescripções d’aquelle que faz as suas vozes, sob pena de ser o
primeiro a dar ao filho uma licção de desrespeito (A PROVINCIA DO
ESPIRITO SANTO, p.1882, n. 57, 3).
A escola, entendida como lugar privilegiado para a socialização da juventude, também
é compreendida como um universo separado para a infância. A instituição escola não é o local
250
em que a família continuaria a exercer poderes sobre a criança. Nesse novo modelo de
socialização, somente o professor teria competência para exercer influência sobre o corpo
infantil.
Um tema que não deveria passar despercebido e, estrategicamente, é impresso na
pauta de debates sobre o regulamento em destaque, dizia respeito à laicidade do ensino. Esse
tema já havia sido a causa de discussões tanto na Assembléia Provincial de São Paulo, quando
o reformador nega ajuda financeira às escolas confessionais, como foi causa de desavenças
entre Inglês de Sousa e o monsenhor Olympio Campos, ao retirar das escolas primárias e
normal o ensino de instrução religiosa.
Discussões relacionadas com o tema da laicização da instrução pública até aquele
momento não haviam aparecido nos relatórios dos presidentes da Província do Espírito Santo.
Pelo contrário, a educação distribuída pelo Estado é, em vários momentos, também associada
ao ensino da religião do Estado.
O presidente da Província, Carlos de Cerqueira Pinto, em 1867, ao apresentar seu
relatório sobre o estado da instrução pública, realiza o seguinte comentário:
A instrucção primaria, principalmente sendo fundada nos verdadeiros
principios da religião, não só é uma das fontes mais fecundas da
prosperidade publica, como contribúe para a boa ordem da sociedade,
predispondo os animos á obediencia ás leis e ao cumprimento de todos
os deveres (PINTO, 1867, p. 19).
Mais adiante, o presidente da Província afirma que nunca se poderia abdicar de ensinar
a instrução religiosa na escola porque ela era a base da sociedade e pela qual se aprendia os
requisitos básicos da cidadania.
Ensine-se ainda a historia sagrada [na escola primária], pois como diz
Rollin, é ella a historia de Deus, do Ser Soberano; a historia de sua
Omnipotencia, de sua sabedoria infinita, de sua providencia, que
estende-se a tudo, de sua santidade de sua justiça, sua misericordia e
outros attributos, manifestados sob mil formas, e feitos sensiveis por
uma infinidade de factos brilhantes. São esses os dous requisitos
essenciaes, ao cidadão e ao christão (PINTO, 1867, p. 20).
Na reforma da instrução pública realizada em 1877, no governo de Antonio Joaquim
Miranda Nogueira Gama, anterior à reforma Inglês de Sousa, projeta-se modificar o ensino
normal na Província. De acordo com o projeto, como já discutido em capítulo anterior, essa
modalidade de ensino seria oferecida em duas instituições, no Colégio Nossa Senhora da
251
Penha e no Ateneu Provincial. Os alunos que cursassem as matérias oferecidas no Ateneu
Provincial estariam habilitados a seguir carreira como funcionários públicos.
Adoptando-se o presente plano fica abrangido todo o ensino da Escóla
Normal, e o alumno que, percorrendo a este estadio, fôr approvado
plenamente em toda as materias, receberá um titulo, que lhe dá ingresso
ao funccionalismo, independente de curso (GAMA, 1877, p. 65).
O ensino no Ateneu Provincial seria concluído em cinco anos. As matérias oferecidas,
no primeiro ano e segundo ano do curso, seriam voltadas para o ensino das línguas (Língua
Nacional, Latim e Francês). No terceiro ano, além das línguas (Latim e Inglês), os alunos
cursariam a matéria de Geografia. Somente no quarto ano do curso e que o peso das línguas
seria menor (Língua Inglesa) e o aluno estudaria História, Aritmética e Álgebra. No Quinto
ano as matérias estariam voltadas para o aprendizado da História, Filosofia, Geografia,
Trigonometria e Retórica.
247
Depois de concluído o curso secundário oferecido pelo Ateneu Provincial, o aluno que
fosse atraído pelo Magistério primário deveria cursar mais algumas matérias voltadas para as
escolas de primeiras letras: Português e Literatura, Aritmética, Noções de Geometria, História
Sagrada e do Brasil, Língua Francesa e Filosofia com noções fundamentais de moral (GAMA,
1877).
Para as alunas, do Colégio Nossa Senhora da Penha, o curso normal seria realizado em
três anos, e sua divisão seria em dois níveis. No primeiro nível, designado como primário, as
alunas deveriam cursar as seguintes matérias: primeiras letras, trabalhos de agulha, prendas, e
princípios de musica. No secundário, primeiro ano, as matérias oferecidas eram a Língua
Portuguesa e Francesa, Ortografia, Aritmética e proporções, além de Musica e Piano. O
segundo ano, do secundário, comportava as matérias voltadas para o aprendizado da Língua
Portuguesa, Francesa, Noções Gerais de Geografia, Historia Sagrada e do Brasil além do
Piano e do Canto. As alunas que fossem aprovadas em todas as matérias estariam
consideradas aptas ao magistério público.
248
Percebe-se, tanto no curso oferecido pelo Ateneu Provincial, quanto naquele
ministrado no Colégio Nossa Senhora da Penha, para a formação de professores para as
escolas primárias, a presença da matéria designada como História Sagrada, a qual deveria
transmitir os preceitos religiosos da Igreja oficial do Império. Como no ensino normal se
247
Conf. Quadro 2 – Matérias ensinadas no ateneu Provincial em 1877.
248
Conf. Quadro 3 – Matérias ensinadas no Colégio Nossa Senhora da Penha em 1877.
252
aprendia aquilo que se deveria ensinar, supõe-se que, no ensino primário, uma das funções
dos professores era também ensinar sobre a religião cristã.
Werebe (2004), ao discutir sobre a laicidade no ensino primário francês, indica que
esse movimento faz parte de um processo de mudança maior, ocorrido em fins do século XIX,
de transformação da sociedade, em que o Poder Público busca sua independência ao se afastar
da Igreja, tornando a escola oferecida pelo Estado laica e obrigatória. Ou seja, a educação
passa a se configurar como “razão de Estado”.
249
O tema da secularização do ensino primário já havia sido objeto de discussão, quando
Inglês de Sousa atuou como deputado na Assembléia Provincial de São Paulo e também
quando fez a reforma da instrução pública na Província de Sergipe. Ao debater o tema dos
subsídios às escolas particulares em 1880, na Província de São Paulo, Inglês de Sousa diz ser
contrário ao emprego do dinheiro público para ajudar um tipo de ensino que não estava de
acordo com os interesses da sociedade moderna.
250
Analisando o que era ensinado às alunas
matriculadas no Colégio Bom Conselho, de Taubaté, Inglês de Sousa lê parte do se que
perguntava e se respondia no catecismo criado pelo monsenhor Gaume sobre duas grandes
personalidades da ciência moderna.
P. Qual foi a vida de Voltaire?
R. A vida de Voltaire foi indigna, não só de um christão, senão
tambem de um homem honrado. Ao sahir do collegio, foi expulso de
casa por seu pae, e depois preso. Enganou um livreiro, arruinou um
outro com a sua velhacaria, e deu largas a toda a corrupção do seu
coração, e a todo o seu odio contra a religião, até a sua morte que foi
em 1778.
P. E que morte foi a sua?
R. A de um desesperado. Muitas vezes repetiu, furioso, as seguintes
palavras: ‘Estou abandonado de Deus e dos homens.’ ‘Tinha pedido
um padre, e seus amigos não consentiram que o chamassem.’ [...]
‘P. Quem era Rousseau?
R. Rousseau nasceu em Genebra; desde que nasceu foi ladrão; abjurou
o protestantismo para abraçar a religião catholica, e depois voltou ao
249
Conf.: Nóvoa (1986, 1991) e Narodowski (2002).
250
Posição muito diferente daquela que o presidente da Província do Espírito, Carlos de Cerqueira Pinto, em
1867, acreditava ser a ideal para a sociedade. Para Pinto (1867), a educação das novas gerações deveria ser
fundamentada nos princípios da religião, fonte da prosperidade pública e da ordem social. Como foi possível
observar no terceiro capítulo, essa representação, na década de 1880, já não era partilhada por todos os
políticos do Império. Alguns políticos do Partido Liberal, entre eles, Inglês de Sousa, acreditavam
exatamente no oposto, que a causa do atraso do Brasil em relação a outros países desenvolvidos,
especialmente protestantes, estava exatamente na educação que era oferecida nas escolas primárias.
Consideravam que a falta de prosperidade do Brasil advinha da educação ascética que algumas escolas
ofereciam a seus alunos, assim como do ensinamento de uma atitude contemplativa perante a vida, para
receber os prêmios em um mundo vindouro, transmitidos pela matéria de ensino religioso nas escolas
públicas.
253
protestantismo. Viveu por vinte e cinco annos em uma libertinagem
publica.
P. E qual foi a sua morte?
R. Teve um fim digno da vida que viveu; suicidou-se’.
A respeito das virtudes de Rousseau, de suas obras, dos seus
trabalhos, da sua influencia na historia do seu tempo, nem uma
palavra; [comenta Inglês de Sousa,] apenas diz que foi um ladrão e
que suicidou-se! (AALPSP, 1881, p. 110).
Contrário a esse tipo de explicação sobre as grandes referências da ciência moderna do
seu tempo, Inglês de Sousa retira do regulamento da instrução pública o ensino da religião,
realizando no Espírito Santo o que já havia feito na reforma da instrução pública da Província
de Sergipe. Nesses debates, percebe-se que está se propondo um processo de secularização da
sociedade brasileira que passa pela laicização da escola pública (primária, normal e
secundária). É um procedimento de secularização que buscava diminuir o poder espiritual da
Igreja sobre os assuntos do Estado.
6.2 O ensino primário e sua organização
Com a reforma da instrução pública, o ensino primário foi dividido em três níveis: a
escola elementar, suplementar e complementar. O critério para a divisão e seleção das
matérias de cada escola foi estabelecido em função da região em que ela era instalada,
levando em conta a densidade populacional e desenvolvimento da região. Desse modo,
considerava-se que seriam “[...] escolas elementares principalmente as situadas nos centros
agrícolas, supplementares as dos centros de mais desenvolvimento e densidade de população,
e complementares as das villas e cidades que tiverem maior progresso industtrial ou
commercial” (RGIPPES, 1882, p 2).
Estavam obrigadas a freqüentar a escola elementar todas as crianças entre sete e dez
anos de idade. Apenas nos casos em que os pais ou tutores provassem que a as crianças sob
sua guarda tinham acesso aos mesmos conteúdos oferecidos nas escolas públicas, é que
estavam isentas de cumprir o regulamento. Os pais ou tutores também ficavam obrigados a
comunicar ao diretor da instrução pública quando seus filhos estivessem em idade de
freqüentar a escola elementar. A não obediência ao regulamento seria punida com multas, as
quais eram dobradas de valor em caso de reincidência. As matérias que compunham o ensino
elementar eram em número de seis para os meninos e sete para as meninas e as aulas
254
aconteceriam em instituições separadas. A seguir, as matérias da escola elementar:
1.° Leitura.
2.° Noções de geometria pratica Dezenho linear.
3.° Calligraphia.
4.° Exercicios de intuição, ou noções de cousás, acompanhando os
exercicios de leitura e escripta e as explicações de geometria e de
dezenho.
5.° Contabilidade. Quatro operações fundamentaes de calculo sobre
inteiros e fracções, systema metrico decimal.
6.° Rudimentos de geographia physica da provincia.
7.° Costura simples nas aulas das meninas (RGIPPES, 1882, p 3).
O método empregado para o ensino nas escolas elementares, prescreve o regulamento,
não deveria ser colocado em prática por intermédio da memorização, mas deveria ser
valorizada a experiência e a atividade como forma para se instruir os alunos. Para que o
método fosse eficaz, indica-se que os exercícios oferecidos pelos professores da escola
elementar deveriam empregar as imagens e as ilustrações como meio para que os alunos
tivessem sua atenção despertada. Desse modo,
Os exercicios de leitura serão feitos de preferencia em livros com
estampas, para melhor applicação das noções de cousas: Serão
escolhidos esses livros d’entre os que tratarem da Flora e da Fauna
Brasileira, especialmente da Espirito-Santense, ou de methodos
agrícolas (RGIPPES, 1882, p 3).
Com a intenção de reformar as bases do processo educacional, indica-se que o
professor deveria fazer os alunos conhecerem os objetos, suas qualidades e seus modos de
organização. Assim, dever-se-ia ensinar partindo-se sempre do concreto para o abstrato. Tal
fato requeria que o ensino estivesse pautado na atividade e fosse tão prático quanto possível,
sempre respeitando o estágio de desenvolvimento do aluno. O objetivo seria tornar mais fácil
aos alunos compreender os objetos, suas qualidades e sua organização, conforme prescreviam
os métodos de educação ativa.
O ensino na escola suplementar deveria ser composto das seis primeiras matérias
oferecidas no ensino elementar acrescidas de mais seis. Eram elas:
1.° Leitura de poezias de autores nacionais.
2.° Declamações de trechos de poezia e verso.
3.° Elementos de geographia physica do Brazil, especialisando a do
Espirito Santo.
4.° Arithemetica até proporções exclusive.
5.° Noções gerais de geometria plana.
6.° Trabalhos de agulha e thezoura nas aulas do sexo feminino.
O exercicio de leitura corrente de proza será feito em livro de historia
255
patria, acompanhado de explicações do professor sobre os homens
reconhecidamente dignos da gratidão nacional e em livro que tratem
praticamente da agricultura do paiz (RGIPPES, 1882, p. 3-4).
A freqüência à escola suplementar, estabelecia o regulamento, seria livre com aulas
para meninos e meninas. Assim como no ensino elementar, determina-se que o professor
deveria ensinar as matérias da forma mais prática possível. Prescreve-se no regulamento:
O professor tem obrigação de tornar o ensino tão pratico quanto
possivel, fazendo conhecer os objectos, as suas qualidades a sua
organização, e partindo sempre do concreto para o abstrato deve
prescindir de perturbar, a intelligencia da criança com o estudo
prematuro de muitas regras; e deve procurar desperta-lhe a attenção,
sem fatigal-a usará de uma linguagem chã, mas clara e preciza, que
familiarize a intelligencia do alumno com o assumpto (RGIPPES,
1882, p. 3).
Entende-se o termo prático, no sentido atribuído no regulamento, como ativo, uma das
premissas para se trabalhar com o ensino intuitivo. Uma educação ativa prescrevia a
importância do contato, o mais direto possível, entre a criança e o que deveria ser objeto do
seu conhecimento, por compreender que somente dessa forma ocorreria um aprendizado
significativo. Esse modo de projetar o ensino dos educandos estava relacionado com o a
noção de que os “sentidos são a porta de entrada do conhecimento”, pois, dada a importância
dos sentidos como canal de entrada dos conteúdos a serem aprendidos, o contato, o mais ativo
possível, representava a possibilidade de uma maior estimulação dos órgãos dos sentidos e,
conseqüentemente, um desenvolvimento mais rápido e uma aprendizagem mais acelerada da
criança.
Para a escola complementar, as matérias selecionadas para o ensino abrangeriam as
matérias da escola elementar e da escola suplementar e, como a anterior, a freqüência seria
livre. Pela abrangência das matérias oferecidas nessa escola, considerava-se que ela seria a
chave de todo o ensino primário. As matérias previstas para a escola complementar estavam
assim distribuídas:
1.° Elementos de grammatica portugueza. Analyze syntaxica e
etymologica da Constituição Politica do Imperio acompanhado de
ligeiras explicações sobre estas, posteriormente dos classicos da
lingua.
2.° Exercicios de redacção, principalmente da correspondencia
epistolar
3.° Geographia physica e elementos de geographia commercial,
principalmente do Brazil, Cosmographia.
4.° Arithemetica. Proporções. Regras de trez, de juros, e de compahia.
256
5.° Geometria.
6.° Noções Geraes de physica , chimica e historia natural.
7.° Continuação dos exercicios de leitura feitos em livro de historia
patria e de agricultura, com as explicações do professor.
§ 8.° Trabalhos de agulha, cortes, moldes e bordados nas aulas do
sexo feminino (RGIPPES, 1882, p. 4).
Qual a razão de se considerar o ensino complementar como a chave de todo o ensino
primário? Ao observar a disposição das matérias oferecidas, percebe-se que são
conhecimentos eminentemente práticos, voltados para a formação de mão-de-obra que
pudesse preencher vagas oferecidas na administração provincial. São matérias que
possibilitariam o exercício de uma profissão, principalmente de secretários, ou que
despertariam o interesse pelos cursos especiais oferecidos pelo Ateneu Provincial.
As aulas ministradas no ensino primário deveriam ser divididas em sessões de duas
horas, uma sessão para os alunos menores e outras para os alunos maiores. As aulas
ocorreriam todos os dias da semana, com exceção dos domingos. Fica também instituído que
o professor acompanharia seus alunos às solenidades cívicas, em dias de feitos nacionais,
assim como no dia 2 de novembro (dia de Finados), quando os levaria em visitas aos
cemitérios da cidade.
Como as aulas ministradas deveriam ter como base a Pedagogia Moderna, uma das
condições para o ensino se relacionava com as possibilidades de aprendizagem que o
professor deveria oportunizar aos alunos. O contato com a natureza seria imprescindível para
que o ensino se diferenciasse da forma escolar que até aquele momento vigorava na Província.
Assim, os professores deveriam programar excursões ao campo como meio de tornar o ensino
mais prático e menos abstrato. Esses passeios seriam realizados nas quintas-feiras. Prescreve
o regulamento:
Nesse dia, o professor reunirá os seus alumnos em uma hora certa e os
levará a passeio pelo campo, aproveitando os objectos que se lhes
offerecerem á vista para dar aos meninos explicações ligeiras sobre
historia natural, cosmographia ou agricultura (RGIPPES, 1882, p. 5).
251
Caso não fosse possível ao professor seguir o regulamento, em relação aos passeios ao
campo nas quintas-feiras, poderia reunir seus alunos, durante as duas horas que
correspondiam às sessões, para dar-lhes lições de nacionalismo. Diz o regulamento:
251
Silva Jardim, ao preferir sua sexta conferência sobre o método João de Deus, prescreve aos professores que
deveriam utilizar o recurso dos passeios ao campo para tornar o ensino mais prático. Diz o professor: “Os
professores devem levar os alumnos a passeios no campo, pela manhã, fazel-os admirar os quadros na
natureza, approveitando a opportunidade para lhes ensinar alguma cousa sobre a história natural” (O
HORIZONTE, 1882, n.º 59, p. 2).
257
Não sendo possivel fazer o passeio campestre, o professor reunirá os
alumnos na casa escola durante duas horas, fazendo-os cantar o
Hynno nacional ou outros hynnos patrioticos, ensinar alguma couza
de musica aquelles que desejarem apprender, animando-os á recitação
de poezias nacionaes, ou entretendo alguma palesttra animada, em que
lhes dê noções geraes sobre os deveres do homem como membro da
familia e cidadão. Nas escolas dos centros agricolas essa palestra
versará principalmente sobre factos e methodos de lavoura
apropriados ao lugar sempre que fôr possivel o professor fará aos seus
alumnos praticarem em narrações de factos (RGIPPES, 1882, p. 5).
O ensino prático que deveria ser oferecido nas escolas elementar, suplementar e
complementar era uma reação a um modelo denominado como “abstrato”, que não fazia uso
das experiências com os objetos para transmitir o conhecimento, mas da memorização como
meio privilegiado para o acesso ao saber. Conhecer, por intermédio de noções abstratas, é
apresentado como uma etapa da aprendizagem que deveria ser superada, o que também
poderia explicar o investimento na contratação de Silva Jardim para ensinar o método João de
Deus, considerado pelo professor paulista e por Zeferino Candido, como o estágio final,
252
então perfeito, dos métodos de ensino da leitura.
Prescreve o regulamento que as escolas primárias somente poderiam funcionar em
ambientes higiênicos, em salas arejadas, ainda que fossem ornamentadas com retratos dos
brasileiros considerados mais ilustres e com quadros que retratassem os feitos mais notáveis
da História nacional. Tanto na proposição de visita aos Cemitérios no dia de Finados, quanto
na adoção da prática de reverência a brasileiros notáveis, pode-se perceber a estada de Silva
Jardim na Província como uma presença invisível que estipula alguns temas que
fundamentam o regulamento.
Transcrevendo a sexta conferência realizada por Silva Jardim, o diretor do jornal O
Horizonte apresenta quais homens eram considerados, pelo conferencista, dignos de servir
como modelos para a juventude. Segundo o diretor,
Com o fim de despertar o sentimento da veneração pelos grandes
homens, diz que as salas de aulas devem ter os retratos de José
Bonifacio, Tiradentes, V. do Rio Branco, João de Deus e o do
professor; e, entre nós o de Domingos Martins.
253
Lembra que o
252
Conforme Lins (1967), para Comte, teórico da Lei dos Três Estados, a evolução, intelectual do ser humano
passaria por três estados distintos: no primeiro estado, “teológico” ou “fictício”, os fatos observados são
explicados pelo sobrenatural, ou seja, as idéias baseadas no sobrenatural são usadas como ciência; no
segundo estado, “metafísico” ou “abstrato”, já se encontram as idéias naturais, mas ainda há a presença do
sobrenatural nas ciências; no terceiro estado, “científico” ou “positivo”, ocorre o apogeu do que os dois
anteriores prepararam progressivamente. Neste, os fatos são explicados segundo leis gerais de ordem
inteiramente positiva, em contato com o real/concreto.
253
Grande comerciante de algodão, Domingos José Martins era um capixaba que havia tomado parte,
258
professor tem o dever de ter estes retratos; independente do concurso
do governo (O HORIZONTE, 1882, n.º 59, p. 2).
Para que o novo método de ensino fosse eficiente e para não haver concorrência,
ficava abolida a presença do ensino mútuo nas escolas da Província, e os professores
tornavam-se obrigados a lecionar pessoalmente a seus alunos. Ao mesmo tempo em que, no
regulamento, se extinguia o ensino mútuo, os professores que quisessem continuar na prática
do método lancaster deixariam de ser considerados funcionários públicos.
Com a proibição do ensino mútuo na Província, estipula o regulamento que a
quantidade de alunos não poderia ultrapassar o número de trinta em cada sessão. A
justificativa era para que o professor conseguisse dar atenção aos seus alunos sem recorrer a
ajudantes.
Para Silva Jardim, o ensino público da Província deveria ser reorganizado em toda a
sua estrutura. A forma escolar exposta na reforma da instrução pública deveria ser realizada
segundo a Pedagogia Moderna. Ao descrever a sétima conferência, pronunciada por Silva
Jardim na Província do Espírito Santo, em 1882, os editores do jornal A Provincia do Espirito
Santo esclarecem alguns dos temas abordados pelo conferencista.
Proseguindo o conferencionista entrou no estudo da economia da
escola, do local da aula, do numero de horas que deve ella funccionar,
da inconveniencia da promiscuidade n’ella de meninos de diversas
idades, dos exercicios a que deve o professor habituar seus alumnos”
(A PROVINCIA DO ESPIRITO SANTO, p.1882, n. 57, 3).
As disposições sobre a forma como o professor deveria lecionar e a quantidade de
alunos em cada sessão de aulas, previstas no regulamento, de 1882, era muito diferente do
modo com que, na Província do Espírito Santo, o ensino havia historicamente sido
organizado. Relatando suas visitas às escolas de primeiras letras da região do Espírito Santo,
em 1840, o presidente José Joaquim Machado Oliveira fez a seguinte avaliação:
[...] logo no começo da minha administração, ao visitar a Aula de
Primeiras Letras desta Capital, e observar o methodo alli praticado,
impressões desagradaveis causarão-me o estado ruinoso da casa, e o
seu acanhamento para uma escola de 170 meninos, e ainda mais
estranho me foi o resultado do suscinto exame que fiz sobre o
methodo do ensino alli adoptado; que não he outro se não huma
incurial e imperfeita amalgamação do ensino mutuo
254
com o
Cont. da nota anterior
juntamente com outros revolucionários, da Revolução Pernambucana, em 1817, e da Confederação do
Equador, em 1824.
254
“Enquanto, nos métodos individual ou simultâneo, o agente de ensino é o professor, nos método mútuo, é o
259
individual,
255
sem que tenha aquelle ligamento indispensavel para
dissipar os estorvos que apresenta a approximação dos dois methodos,
e facilitar a sua comprehensão (OLIVEIRA, 1840, p. 11).
Em 1868, a situação não era muito diferente. O presidente da Província, Luiz Antonio
Fernandes Pinheiro, ao relatar o estado da instrução pública, informa que não era possível
fiscalizar, para uniformizar, esse ramo do serviço público, mas pelo relatório que lhe havia
sido enviado, pelo diretor do Colégio do Espírito Santo, era possível compreender qual era a
situação de ensino na maioria das escolas públicas.
O digno director do collegio do Espirito Santo, referindo-se a aula de
1.ª lettras estabelecida no mesmo collegio, pronuncia-se deste modo
em o relatorio que enviou a esta directoria ‘O methodo de ensino
adoptado pelo respectivo professor, e por mim approvado é o eccletico
ou mixto, isto é ahi acham-se dando as mãos o methodo individual, o
simultaneo e o mutuo. Acho que desta alliança de methodos só pode
resultar o bom aproveitamento dos alumnos’.
Em geral o professorado da provincia usao do methodo simultaneo
para o ensino da instrucção primaria.
Si os professores estivessem todos no caso de pôr em execução a sabia
combinação de methodos, que, por experiencia, o Sr. Dr. Ortiz achou
ser a melhor, seria para desejar que assim se fizesse em todas as aulas;
pois reconheço os resultados seriam certos e infalliveis a bem do
aproveitamento dos alumnos. É porém o que, por ora, não julgo
possivel e assim mister será que por algum tempo se permitta que
vigore a citada disposição do regulamento de 1848,
256
acerca do
methodo do ensino nas aulas de 1.ªs lettras.
Enquanto não tivermos uma aula normal, ou casa que com ella se
pareça, e de algum modo a substitua, andaremos assim, sem a menor
esperança de melhora, e portanto, de uniformisar em todas as aulas o
meio pratico de ensinar as 1.ªs lettras (PINHEIRO, 1868, p. 12).
O relatório do presidente da Provincial do Espírito Santo, ou outros documentos
encontrados, não trazem maiores detalhes de como o professor da escola de primeiras letras
trabalhava com o ensino individual, com o ensino mútuo e, ao mesmo tempo, ministravam
suas aulas pelo método simultâneo, pois, teoricamente, os três são opostos. Ao que parece, o
Cont. da nota anterior
aluno que é investido dessa função: ‘O princípio fundamental deste método consiste [...] na reciprocidade de
ensino entre os alunos, o mais capaz servindo de professor àqueles que é menos capaz, e é assim que a
instrução é ao mesmo tempo simultânea, pois todos avançam gradualmente, seja qual o número de alunos’”
(LESAGE, 1999, 11).
255
“O ensino individual consiste em fazer ler, escrever, calcular, cada aluno separadamente, um após o outro, de
maneira que quando um recita a lição, os demais trabalham em silêncio e sozinhos. O professor dedica
poucos minutos a cada aluno. O emprego de meios coercitivos garante o silêncio e o trabalho. Não existe um
programa a ser adotado e as variações, de escola para escola , são imensas” (BASTOS, 2005, p. 34).
256
Conforme Pinheiro (1868, p. 12), “O art. 32 do regulamento de 20 de fevereiro de 1848, dispõe que o
methodo do ensino da instrucção primaria nas escholas publica seja em geral, o simultaneo, podendo-se
260
professor havia conseguido transpor os inconvenientes que os métodos impunham a suas
aproximações. Apesar de o relatório não detalhar o resultado da aproximação dos métodos de
ensino, é possível perceber, pelas pistas, os meios pelos quais ocorrem os processos de
apropriação e transformação de matérias sociais, ou como afirma Certeau (2002), em sua obra
A invenção do cotidiano: artes de fazer, exemplos do fazer com, invenções discretas mediadas
pelo consumo e fabricação que produz resultados inesperados valendo-se da apropriação e
seleção das práticas formais. O resultado da fabricação é algo novo, no caso do professor José
Ortiz, um produto eclético ou misto.
Diferente da análise realizada pelo presidente de Província, Luiz Antonio Fernandes
Pinheiro, o qual incentivava a aliança entre os métodos, desde que auxiliassem na formação
dos alunos, no regulamento da instrução pública, baixado por Inglês de Sousa, não era
permitida a concorrência entre métodos de ensino, muito menos a adaptação entre técnicas
pedagógicas, mesmo que, pela experiência, as aproximações resultassem positivas. Para
Inglês de Sousa, qualquer método de ensino que não se fundamentasse na Pedagogia
Moderna deveria deixar de existir.
Percebe-se, nesse relatório, a crítica a todo um processo de ensino que historicamente
havia se arraigado na Província do Espírito Santo. Em relação ao significado da escola, ela
não pode ser mais aquela do ensino individual, ou do ensino mútuo ou do misto, uma vez que
entende que o regente da classe, nos outros modelos de ensino, não possuía condição de evitar
a promiscuidade entre os alunos de diferentes idades que freqüentavam uma mesma sala de
aula. O que se buscava era a homogeneidade, tanto do ensino quanto dos alunos submetidos à
disciplina de estudo.
O ensino intuitivo ou ativo, em que os alunos deveriam realizar experiências com o
objeto a fim de melhor compreender suas qualidades, passa a ser norma, tanto para a escola
primária como para os jardins de infância, instituição que passa a ser projetada para funcionar
na Capital da Província.
Prevê o regulamento que haveria uma lógica de organização no ensino primário. Em
cada nível do ensino primário, o aluno faria prova de habilitação nas matérias. Cada etapa
completa daria direito a um diploma, o que asseguraria garantias de matrícula na unidade
seguinte. Somente poderia se matricular no ensino complementar o aluno que tivesse
concluído os outros dois níveis, o elementar e o suplementar. De posse dos três diplomas, o
aluno teria direito a se matricular em qualquer dos cursos oferecidos pelo Ateneu Provincial
Cont. da nota anterior
porém adoptar outros que forem mais adequados conforme os logares, sua necessidade e recurso”.
261
(ensino normal primário, o ensino secundário e o ensino especial).
6.3 Os jardins de infância
Pela primeira vez, um projeto de reforma da instrução pública, produzido no Espírito
Santo, faz referência à criação de uma escola para crianças em idade inferior a sete anos. O
Capítulo VI, Dos Jardins de Infancia, prescreve a criação, junto a uma escola elementar anexa
aos cursos normais, de um espaço para ensinar as crianças que ainda não estivessem em idade
de freqüentar o ensino elementar. Os procedimentos de ensino utilizados pelos professores
deveriam ser realizados em conformidade com o Método de Froebel. Desse modo, prescreve-
se no regulamento que as atividades realizadas em aula deveriam ser instrutivas, com noções
exatas sobre as coisas. Nessas aulas, os alunos-mestres das escolas normais fariam o
aprendizado das técnicas do ensino ativo.
Art. 47.° Em uma escola elementar e de preferencia em uma das
annexas aos cursos normaes, se creará, logo que for possivel um
jardim, destinado a servir de recreio instructivo e a dar noções exactas
sobre as cousas, aos meninos que não estiverem em idade de
frequentar a escola elementar.
Art. 48.° Logo que os recursos do Thesouro permittirem, o Presidente
da Provincia poderá mandar contractar um professor para inaugurar o
jardim, a que se refere o artigo supra, e dar as primeiras licções
conforme o methodo de Froebel (RGIPPES, 1882, p. 6-7).
Luzuriaga (1980), ao estudar a História da educação e da pedagogia, declara que um
dos maiores pensadores sobre a Pedagogia Moderna, e que maior força exerceu sobre os
novos modelos pedagógicos que circularam no final do século XIX, tinha sido Friedrich
Wilhelm Algust Froebel. Sua obra sobre a educação da infância foi recebida em muitos países
como a experiência que poderia expurgar os velhos métodos de ensino e dar à educação uma
base científica, pois percebia na criança não um adulto em miniatura, mas um ser humano que
passava por fases de desenvolvimento. Desse modo, em cada fase, o ensino deveria ser
exercitado de uma forma diferenciada para que atingisse os seus objetivos de educar o homem
para a sociedade. Assim, para Luzuriaga (1980, p. 201), a educação haveria “[...] de adaptar-
se, pois, às fases do desenvolvimento do homem, reconhecendo o valor de cada uma e
particularmente a infância”. Para Luzuriaga (1980, p. 201), “A grande criação de Froebel foi o
haver visto antecipadamente o que os psicólogos descobriram depois: que os primeiros anos
de vida são os decisivos no desenvolvimento mental do homem”.
Outras idéias de Froebel amplamente aceitas, conforme Luzuriaga (1980) por aqueles
262
que acreditavam que somente uma educação moderna poderia colocar Brasil ao nível dos
países já desenvolvimentos, foram as que se relacionavam com o valor da atividade e da
liberdade. Para Luzuriaga (1980), esses valores consistiam na essência do pensamento
pedagógico de Froebel. Ao discutir sobre o valor da atividade e da liberdade na pedagogia
froebeliana, Luzuriaga (1980, p. 201) cita o autor alemão dizendo:
‘O homem, desde que nasce e começa sem qualquer exceção a
desenvolver-se, deve aprender a trabalhar e produzir, a manifestar sua
atividade em obras exteriores’ Todas as crianças, todos os moços e
jovens, sem qualquer exceção, qualquer que fosse a situação e a
classe, deveriam empregar pelo menos uma ou duas horas diárias em
um trabalho sério, na produção de objetos determinados. Isto é
necessário sobretudo para a revelação das tendências e impulsos
interiores, e para sua subseqüente direção.
Em uma reforma produzida por liberais que buscavam tornar o Brasil moderno, que já
percebiam o término da escravidão como uma realidade que se aproximava, os valores que
Froebel agrega a suas teorias sobre o ensino são fundamentais para se forjar, valendo-se da
escola, o homem do amanhã, industrioso, hábil na resolução de problemas, criativo, laborioso
e disciplinado.
6.4 Castigos e recompensas
Na Pedagogia Moderna proposta por Inglês de Sousa, utilizando como referência as
proposições de Froebel, em que o professor deveria compreender as diferenças de cada fase
de desenvolvimento da criança, não havia lugar para os castigos corporais, mas para
estratégias que evocassem a autodisciplina.
Pelo novo regulamento da instrução pública, ficavam suprimidas todas as formas de
violência físicas contra os alunos. Repreensões e castigos não poderiam ser corporais. Os
professores que aplicassem punições físicas aos alunos estariam sujeitos a multas e à perda da
cadeira de professor primário.
257
È expressamente prohibido nas escolas primarias o castigo corporal,
de qualquer especie que seja. A infracção deste artigo sujeita o
professor a suspenção immediata do exercicio, imposta pela primeira
authoridade competente que tiver conhecimento do facto, seguindo-se
logo o processo disciplinar (RGIPPES, 1882, p. 7).
257
Como já foi descrito no capítulo anterior, uma das propostas de Silva Jardim era que a Pedagogia Moderna
deveria ser guiada pelo afeto; não pelos castigos aplicados muitas vezes pela palmatória.
263
Dispõe o regulamento que os únicos castigos disciplinares que poderiam ser aplicados
aos educandos estavam relacionados com:
1.° Reprehensão em particular.
2.° Reprehensão em classe.
3.° Trabalho na escola fóra das horas lectivas,
4.° Privação das palestras e passeios das quintas feiras ficando o
alumno retido na casa da escola durante as duas horas que durar a
diversão dos outros (RGIPPES, 1882, p. 5).
Arce (2002), ao discutir a Pedagogia dos jardins de infância na proposta educacional
de Froebel, analisa que, para o educador alemão, a disciplina na escola não deveria ser
controlada por castigos físicos, mas por estratégias que levassem o educando a internalizar as
normas, o que desenvolveria a capacidade de a própria criança regular seu comportamento.
A escolarização da infância, com as Pedagogias Modernas, segundo Veiga (2002),
passa pela produção da autodisciplina e do autocontrole. Para Veiga (2002, p. 98), “A
escolarização no século XIX, pela extensão do autocontrole ao conjunto das relações sociais,
é também uma extensão do controle da violência (castigos físicos) sobre as crianças,
interferindo no âmbito privado das famílias em geral”. Isso significa, para a autora (2002),
que a monopolização dos saberes escolares pelo Estado produziu as condições necessárias
para se ultrapassar os modelos pedagógicos que se fundamentavam em “[...] práticas de
adestramento e castigos físicos, de memorização e de dor, por uma pedagogia que fizesse da
civilização a própria natureza humana, homogeneizada para toda a sociedade” (VEIGA, 2002,
p. 100).
Ao estudar a instrução pública em Minas Gerais, Rosa (2006) observa que a
introdução do ensino mútuo naquela região foi tema de acirrados debates entre os defensores
do ensino individual. Os que defendiam o ensino mútuo se apoiavam nos resultados,
verificáveis, de ser possível alfabetizar muitos alunos ao mesmo tempo. Mas, em função do
número aumentado de alunos em um único local, o controle e a disciplina não eram atingidos
apenas com advertências. Por isso, acompanhando a defesa do ensino mútuo, também se
advogava a adoção pelos professores do livro denominado como Castigos Lancasterianos
(publicado pelo governo da Província de Minas Gerais), uma codificação de como os
professores deveriam lidar com os alunos que não se comportassem adequadamente. Para a
autora:
Os castigos propostos tinham como objetivo manter a ordem e a
disciplina em sala, com a intenção de garantir o melhor e maior
264
aproveitamento do tempo. Para que a ordem fosse garantida, além de
castigos de natureza física e/ou moral, os quais chamam a atenção
pela extrema crueldade, defende-se com veemência o estabelecimento
da hierarquia entre os alunos e a obediência estrita a ela, enfatizando a
importância de os decuriões não descuidarem da execução de suas
tarefas. Reforçando mais uma vez a idéia da emulação e da
competição entre os meninos (ROSA, 2006, p. 94-95).
Pelo que se percebe, a reforma da instrução pública, na gestão de Inglês de Sousa, era
totalmente contrária a um tipo de controle realizado com base no exterior. Por isso, a
repreensão era projetada apenas como verbal e o castigo estava relacionado com a perda do
direito de acompanhar o professor nas palestras e nos passeios realizados nas quintas-feiras,
momentos considerados de maior diversão e menor rotina.
6.5 Grade de matérias do Ateneu Provincial
Com a reforma da instrução pública, o Ateneu Provincial passou a oferecer três cursos:
o ensino normal primário, o ensino secundário e o ensino especial.
A idade mínima para a matrícula em qualquer dos cursos oferecido pelo Ateneu
Provincial era de onze anos e a distribuição das matérias a serem cursadas, pelos alunos
matriculados na instituição, fazia-se na forma de cadeiras. Ao todo, as cadeiras eram quinze e
deveriam ser cursadas de acordo com o programa de cada curso em que o aluno se
matriculava. As cadeiras que comporiam o ensino oferecido no Ateneu Provincial, na reforma
de 1882, estavam distribuídas do seguinte modo (Quadro 9):
1.ª CADEIRA 2.ª CADEIRA 3.ª CADEIRA
Grammatica e Lingua Nacional.
Rhetorica e Poetica
Lingua Latina Lingua francesa
4.ª CADEIRA 5.ª CADEIRA 6.ª CADEIRA
Lingua italiana Lingua ingleza Lingua alemã
7.ª CADEIRA 8.ª CADEIRA 9.ª CADEIRA
Mathematicas elementares
(Arithmetica e Algebra)
Geometria, trigonometria
rectilinea. Mecanica applicada ás
machinas
Cosmographia Geographia
Physica, Commercial e Politica
10.ª CADEIRA 11.ª CADEIRA 12.ª CADEIRA
Physica Chimica e Historia
natural
Physiologia Humana precedida
das indispensaveis noções de
anatomia. Hygiene
Historia universal Noções geraes
de economia politica, de
estatisticas e finanças
13.ª CADEIRA 14.ª CADEIRA 15.ª CADEIRA
Philosophia, Noções geraes de
direito constitucional, civil-
criminal e commercial brasileiros
Pedagogia e medeseignados
comothodologia
Agricultura, Methodo intensivo e
extensivo Noticia abreviada dos
principaes productos nacionaes
265
QUADRO 9 – CADEIRAS OFERECIDAS PELO ATENEU PROVINCIAL EM 1882
Fonte: RGIPPES (1882, p. 8).
Além das matérias que compunham as quinze cadeiras que configuravam o ensino
oferecido no Ateneu Provincial, outras matérias seriam ensinadas nas classes anexas, as quais
também faziam parte da estrutura da instituição. As classes anexas seriam regidas por mestres
especiais contratados para oferecer aprofundamento em matérias que se consideravam
imprescindíveis na formação dos normalistas e dos alunos dos cursos especiais. As matérias
oferecidas nas classes anexas se relacionavam com os conhecimentos sobre:
1º - Calligraphia.
2º - Desenho.
3º - Principios de arte musical. Musica vocal e instrumental.
4º - Escripturação mercantil (RGIPPES, 1882, p 8).
Estipula-se, pelo art. 68 do regulamento, que os pretendentes ao Magistério teriam que
cursar, além das matérias relacionadas com as cadeiras do ensino normal, as aulas oferecidas
nas classes anexas, especialmente as aulas de Caligrafia e Música. Já os alunos do curso de
Comércio teriam que freqüentar as aulas especiais de Caligrafia e Escrituração mercantil.
5.6 A distribuição das matérias na escola normal
Pelo regulamento, os estudantes que tivessem a intenção de se habilitar ao Magistério
primário, de qualquer grau, deveriam cursar algumas cadeiras oferecidas pelo Ateneu
Provincial. A essas cadeiras reunidas dava-se o nome de ensino normal primário, e aos
estudantes que as cursassem, o título de normalistas. As cadeiras e as matérias que
constituíam o ensino normal primário estavam distribuídas da seguinte forma (Quadro 10):
1.ª CADEIRA 3.ª CADEIRA 7.ª CADEIRA
Grammatica e lingua nacional Grammatica e traducção dos
classicos
Mathematicas elementares
8.ª CADEIRA 9.ª CADEIRA 10.ª CADEIRA
Geometria e Trigonometria
rectilinea
Cosmographia, Geographia
Physica, Commercial e Politica
Physica Chimica e Historia
natural
11.ª CADEIRA 12.ª CADEIRA 14.ª CADEIRA
Physiologia Humana precedida
das indispensaveis noções de
anatomia e Hygiene
Historia universal Pedagogia e methodologia
QUADRO 10 – CADEIRAS QUE CORRESPONDIAM AO ENSINO NORMAL EM 1882
Fonte: RGIPPES (1882, p. 8-9).
266
No regulamento se estabelecia que o curso normal primário fosse dividido em duas
seções, uma para o sexo masculino e outra para o sexo feminino, cada uma funcionando em
uma instituição, mas com os mesmos professores. As aulas para as meninas seriam
ministradas no Colégio Nossa Senhora da Penha; já para os meninos as aulas ocorreriam no
Ateneu Provincial. Também ficava estipulado que cada seção teria à sua disposição uma
escola primária complementar, local em que os estudantes matriculados no ensino normal
assistiriam a um professor e exercitariam os métodos e técnicas aprendidos.
258
A seção feminina do curso normal, que funcionaria no Colégio Nossa Senhora da
Penha, possuía algumas diferenças da seção masculina, ministrada no Ateneu Provincial.
Apesar de as duas seções estarem sob a direção do diretor do Ateneu Provincial, sendo
também esse o diretor-geral da instrução pública, o ensino normal ministrado no Colégio
Nossa Senhora da Penha ficaria sob a responsabilidade de uma diretora que se encarregaria de
manter a ordem no estabelecimento ao mesmo tempo em que se ocuparia com o ensino das
aulas de piano, de trabalho com agulhas, de corte e de moldes e bordados.
Nenhuma aluna poderia se matricular na escola normal sem antes ter idade completa
de quatorze anos, possuir atestado de vacinação ou moléstia contagiosa, licença do pai ou do
marido e certificado nas matérias do ensino complementar. Para encerrar o curso, nenhuma
aluna poderia ser considerada mestra sem que antes se mostrasse perita em prendas
domésticas, ensinadas pela diretora, e provasse que estava habilitada na prática do ensino.
O prazo para que os professores da Província se habilitassem na Escola Normal era
estipulado em nove anos. Após esse período, ninguém poderia mais assumir aulas no ensino
primário sem que antes tivesse passado pelo curso normal. Para aqueles professores que já
estivessem exercendo o Magistério, seria oferecida uma vaga na Escola Normal. As
professoras que comprovassem experiência no Magistério primário estariam isentas de
apresentar as provas (atestados de saúde, licenças do pai ou do esposo e certificados do ensino
primário), e ainda teriam o direito ao ordenado mensal se já estivessem ministrando aulas por
mais de um ano.
Para que fosse considerado um professor habilitado, o formando da escola normal
deveria, ao final do curso, prestar exame na presença do presidente da Província e de outros
que ele tivesse convidado. O exame seria para verificar as habilidades dos novos professores,
tanto no domínio teórico das matérias quanto em relação às técnicas pedagógicas e sua
258
As aulas práticas seriam ministradas pelo professor de Pedagogia do Ateneu Provincial. As atividades
práticas ocorreriam uma vez por semana, sempre na escola anexa e sob a supervisão do professor de
Pedagogia. Prescrevia-se no regulamento que nenhum aluno poderia se formar sem mostrar proficiência no
267
aplicação no ensino das crianças. Prescreve o regulamento:
A habilitação pratica a que se refere o art 91.° será verificada em
exame especial feito perante o Presidente da Provincia, e por
examinadores, nomeados por elle, d’entre os lentes do curso, um dos
quaes será o professor de Pedagogia. Nesse exame, que constitui a
prova definitiva de habilitação, o alumno deverá ser argüido sobre
generalidades de todas as materias do curso pedagogico com
applicação á pratica do ensino. No julgamento das provas exibidas por
essa occasião, os examinadores terão muito em vista o procedimento
moral e civil que tiver mostrado o examinando durante a frequencia
do Athenêo (RGIPPES, 1882, p. 10).
A eficiência do ensino oferecido no curso normal seria atestada durante o exame, que
avaliaria o domínio das teorias e técnicas pedagógicas, mas somente essa avaliação não
garantiria o diploma de normalista. O aluno seria acompanhado durante todo do seu
aprendizado e seriam anotadas avaliações sobre sua conduta, moralidade, pontualidade e
disciplina. O domínio das teorias e das técnicas pedagógicas não demonstrava o preparo dos
professores; era necessário também, saber se as lições de moralidade haviam sido
incorporadas pelos alunos.
Estipula-se, com base na reforma, que o provimento das cadeiras do ensino primário
só seria realizado por concurso entre os titulados pela escola normal. Mas, no caso de não
existir na província número suficiente de normalistas formados, poder-se-ia recorrer à
nomeação de candidatos a vagas, desde que tivessem apoio dos professores do ensino normal.
O concurso abordaria as matérias ensinadas no ensino primário, seguindo a ordem fornecida
no programa do regulamento.
Os professores que passassem pelo concurso, a partir da reforma, seriam considerados
efetivos da instrução pública, o que lhes garantiria a estabilidade. Adverte-se que, “[...] desde
a data da nomeação, [o professor] só pode ser demettido do magisterio, a seo pedido, ou por
sentença do conselho disciplinar, confirmada pelo Presidente da província e ouvido o
conselho superior” (RGIPPES, 1882, p. 10).
6.7 O ensino especial
Cont. da nota anterior
domínio dos métodos e na prática do ensino.
268
Do ensino especial oferecido pelo Ateneu Provincial faziam parte o curso de Comércio
e o curso de Agricultura.
O curso de Comércio poderia ser realizado com as seguintes cadeiras (Quadro 11):
1.ª CADEIRA 2.ª CADEIRA 5.ª CADEIRA
Grammatica e lingua nacional Lingua Latina Lingua ingleza
6.ª CADEIRA 7.ª CADEIRA 8.ª CADEIRA
Lingua alemã Mathematicas elementares
(Arithmetica e Algebra)
Geometria e Trigonometria
rectilinea
9.ª CADEIRA 12.ª CADEIRA 13.ª CADEIRA
Cosmographia, Geographia
Physica, Commercial e Politica
Noções geraes de economia
politica, estatistica e finanças
Noções de direito constitucional,
civil criminal e commercial
brazileiro
QUADRO 11 – CURSO DE COMÉRCIO DO ATENEU PROVINCIAL
Fonte: RGIPPES (1882, p. 13).
O curso de agricultura oferecido pelo Ateneu Provincial compreendia as seguintes
cadeiras (Quadro 12):
1.ª CADEIRA 3.ª CADEIRA 7.ª CADEIRA
Grammatica e lingua nacional Lingua franceza (leitura e
traducção)
Mathematicas elementares
(Arithmetica e Algebra)
8.ª CADEIRA 9.ª CADEIRA 10.ª CADEIRA
Geometria, trigonometria
rectilinea. Mecanica applicada ás
machinas
Cosmographia, Geographia
Physica, Commercial e Politica
Physica Chimica e Historia
natural
11.ª CADEIRA 13.ª CADEIRA 15.ª CADEIRA
Physiologia Humana precedida
das indispensaveis noções de
anatomia. Hygiene
Noções geraes de direito
constitucional, civil criminal e
commercial brasileiro
Agricultura, Methodo intensivo e
extensivo. Noticia abreviada dos
principaes productos nacionaes
QUADRO 12 – CURSO SECUNDÁRIO DE AGRICULTURA DO ATENEU PROVINCIAL
Fonte: RGIPPES (1882, p. 14).
Para a matrícula em qualquer uma das aulas do curso especial, o candidato deveria
provar habilitação nas matérias que compunham o curso geral, prova que seria realizada por
uma comissão constituída pelo diretor do Ateneu Provincial. Já para a matrícula no curso
geral (de letras), requeriam-se os certificados de habilitação recebidos ao término do curso
primário.
O ensino especial possui como objetivo a formação profissional, os candidatos não
cursavam matérias que visavam a ilustração, mas matérias que buscavam a especialização.
Ele objetiva preparar para o mercado de trabalho, suas matérias são organizadas com base em
um núcleo comum, composta de cinco cadeiras em que se estuda a Gramática nacional, a
matemática elementar, noções geometria e trigonometria, cosmografia e geografia física,
269
comércio e política, noções de direito constitucional, civil, criminal e comercial brasileiro. As
outras eram voltadas para o curso que o candidato escolhesse. No curso de comércio a maior
ênfase era dada ao estudo de idiomas, língua inglesa e alemã. A especialização era enfatizada
com base na matéria Noções gerais de economia política e estatística e finanças. No curso de
agricultura a especialização era feita na matéria Agricultura, método intensivo e notícias dos
principais produtos nacionais.
6.8 Curso complementar de letras
O ensino secundário ministrado no Ateneu Provincial compunha-se do curso de
preparatórios para a matrícula nas faculdades superiores do Império e do curso complementar
de Letras. O curso de Letras era estruturado com as seguintes cadeiras (Quadro 13):
1.ª CADEIRA 2.ª CADEIRA 3.ª CADEIRA
Grammatica e Lingua Nacional.
Rhetorica e Poetica
Lingua Latina Lingua francesa
4.ª CADEIRA 5.ª CADEIRA 6.ª CADEIRA
Lingua italiana Lingua ingleza Lingua alemã
7.ª CADEIRA 8.ª CADEIRA 9.ª CADEIRA
Mathematicas elementares
(Arithmetica e Algebra)
Geometria e Trigonometria
rectilinea
Cosmographia, Geographia
Physica, Commercial e Politica
10.ª CADEIRA 11.ª CADEIRA 12.ª CADEIRA
Physica Chimica e Historia
natural
Physiologia humana precedida
das indispensaveis noções de
anatomia e Hygiene
Historia universal
Noções geraes de economia
p
olitica, de estatisticas e finanças
13.ª CADEIRA
Philosophia, Noções geraes de
direito constitucional, civil-
criminal e commercial brasileiros
QUADRO 13 – CURSO SECUNDÁRIO DE LETRAS DO ATENEU PROVINCIAL
Fonte: RGIPPES (1882, p. 12).
Mesmo os alunos que tivessem como meta apenas os exames de preparatórios, prevê o
regulamento, que eles deveriam se matricular no curso de Letras oferecido pelo Ateneu
Provincial. A matrícula nas cadeiras que compunham o curso de Letras deveria ser realizada
seguindo o plano de estudos estabelecido pelo regulamento:
As materias necessarias para a matricula nos cursos superiores do
Império, não podem ser estudadas senão segundo a ordem e planos de
estudos, estabelecidos neste regulamento, mas os alumnos que não
quizerem completar o curso de lettras poderão fazer separadamente os
270
exames de accordo com o que adiante se prescreve (RGIPPES, 1882,
p. 12).
Os alunos que terminassem o curso de Letras teriam total acesso aos cargos públicos
disponíveis na administração provincial, exceto o de professor primário, salvo se não
houvesse normalista pleiteando a vaga, mas teriam preferência na regência interna e definitiva
de alguma cadeira vaga do Ateneu Provincial, ocupada mediante concurso. Aos que
terminassem o curso de Letras seria dado o grau de Humanista.
Percebe-se que, mesmo preservando as matérias que preparavam para os exames de
preparatórios, como foi requerido pelos deputados, pois constituíam o acesso aos cursos
oferecidos pelo Império, os conteúdos que compunham o curso de Letras abrangiam saberes
não exigidos para ingressar numa faculdade. O curso de Letras oferecido no Ateneu
Provincial tinha por objetivo, além dos exames de preparatórios, também formar pessoas
habilitadas para os cargos da administração provincial, ou professores para os cursos
oferecidos pelo Ateneu Provincial.
Como forma de obrigar a matrícula nos cursos oferecidos pelo Ateneu, estipula-se que,
findados doze anos, depois de aprovado o regulamento, ninguém poderia pleitear qualquer
cargo público sem apresentar diploma de qualquer dos cursos oferecido pela instituição. Já
para a matricula em qualquer dos cursos do Ateneu Provincial, depois de três anos da
aprovação do regulamento, somente seriam admitidos alunos que possuíssem o diploma do
curso complementar. Por esse motivo, Inglês de Sousa considera a escola complementar a
alma da reforma.
6.9 A organização do plano de estudos do Ateneu Provincial
De acordo com o plano de estudos estipulado para o Ateneu Provincial, o ensino
estaria “[...] dividido em classes e series, guardando a ordem logica da concatenação das
materias” (RGIPPES, 1882, p 14).
A propósito de se criar um curso secundário seriado, dividem-se as séries em primeira
série, compreendendo o curso geral (obrigatório para todos os candidatos à habilitação nos
cursos especiais), e segunda série, que compreendia as matérias dos cursos especiais.
As cadeiras que compunham o curso geral, primeira série, organizavam-se com base
nos conhecimentos relacionados com as seguintes matérias (Quadro 14):
271
1.ª CADEIRA 3.ª CADEIRA
Grammatica e Lingua nacional Lingua franceza (leitura e traducção)
7.ª CADEIRA 9.ª CADEIRA
Mathematicas elementares (Arithemetica e
Algebra)
Cosmographia, Geographia physica, Commercial
e Politica
QUADRO 14 – PRIMEIRA SÉRIE, CURSO GERAL DO ATENEU PROVINCIAL
Fonte: RGIPPES (1882, p. 14).
No regulamento, estipula-se que as cadeiras seriam divididas em classes, conforme as
matérias que a compunham. A divisão das cadeiras em classes era realizada da seguinte forma
(Quadro 15):
1.ª CADEIRA 2.ª CADEIRA 3.ª CADEIRA
1ª classe. Geometria e lingua
nacional
2ª Rhetonica e poetica. As lições
da 1ª classe terão lugar
diariamente, tanto no Athenêo
como na secção feminina. As de
2ª classe em dias da semana
determinados no horario da
congregação
Uma só classe dividida em
turmas, desde os principios da
grammatica até a traducção dos
p
oetas classicos, conforme
determinar o programma. As
aulas serão diarias
Uma só classe dividida na fórma
da antecedente. As aulas serão
diárias
4.ª CADEIRA 5.ª CADEIRA 6.ª CADEIRA
Uma só classe. Aulas diarias Uma só classe, dividida em
turmas na fórma das
antecedentes. Aulas diarias
Uma só classe. Aulas diárias
7.ª CADEIRA 8.ª CADEIRA 9.ª CADEIRA
1ª Classe. Arethemetica.
Exposição desde a idéa de
quantidade até logarithmos
inclusive;
2.ª Classe Algebra até equações
de 2.° gráu. Aulas diárias
1ª Classe. Geometria e
trigonometria rectilinea.
2ª Classe. Mechanica applicada
as machinas.
A 1ª classe lecciona no Athenêo e
na escola normal; a 2.ª só no
Athenêo
Uma só classe, curso seguido
para todos
10.ª CADEIRA 11.ª CADEIRA 12.ª CADEIRA
Uma só classe. Curso seguido de
physica, chimica, mineralogia,
botanica e zoologia
Uma só classe. Curso seguido 1ª Classe. Historia universal.
2ª Classe. Noções geraes de
economia politica, estatistica e
finanças
13.ª CADEIRA 14.ª CADEIRA 15.ª CADEIRA
1ª Classe. Philosophia.
2ª Classe. Noções geraes de
direito constitucional, civil
criminal e commercial brazileiro
Uma só classe.Curso seguido Uma só classe. Curso seguido
272
QUADRO 15 – SEGUNDA SÉRIE DO ATENEU PROVINCIAL
Fonte: RGIPPES (1882, p. 14-15).
Ao analisar o regulamento da instrução pública, percebe-se a tentativa que foi feita de
eliminar a dicotomia entre os níveis do ensino. Para que o aluno passasse de um nível para o
outro, seria necessário apresentar diplomas de conclusão das etapas precedentes, consideradas
como pré-requisitos, e cursar um núcleo comum de matérias, o que evitaria que o Ateneu
Provincial se configurasse em apenas um curso de humanidades e preparatórios para o ensino
superior.
Com a reforma, o Ateneu Provincial passou a oferecer matérias que fugiam ao
esquema do ensino apenas com conteúdo propedêutico, em que se valorizava, em sua maior
parte, o aprendizado dos saberes designados como Humanidades.
259
Em um modelo de ensino em que a finalidade última era atingir os cursos superiores,
desde os primeiros anos de estudos realizados nas escolas de primeiras letras, a condição
essencial para o desenvolvimento da aprendizagem era o exercício da memória. Atividades de
aprendizagem que Chervel (1990), em seu estudo sobre a História das disciplinas escolares:
reflexões sobre um campo de estudo, vai chamar de ginástica intelectual, modo de formar os
“espíritos” pelo exercício intelectual das humanidades clássicas (estudo do latim, do grego e
das artes da retórica).
260
Conforme Chervel e Compère (1999), as humanidades são, em princípio, uma
educação moral, que se distancia de uma educação liberal, pois sua função não é ensinar
conhecimento que seja
[...] diretamente útil às profissões que serão exercidas em seguida [à
formação]. A formação recebida por grupos de crianças e jovens, nos
estabelecimentos reservados a um pequeno grupo, pretende-se
fundamentalmente gratuita, no significado moral do termo,
desinteressada, desprovida de qualquer preocupação imediatista.
Assim, o latim almeja ter um caráter eminentemente simbólico. Essa
formação confere, àqueles que dela participam, uma marca indelével
259
Para compreender a ascensão e a queda das Humanidades como eixo central da formação do cidadão
oitocentista, francês, ver o estudo desenvolvido por Chervel e Compère (1999) As humanidades no ensino.
Nesse estudo, os autores analisam, na longa duração, a substituição das Humanidades clássicas no final do
século XIX por algo que passou a ser denominado como humanidades modernas, ou cientíticas.
260
Para Chervel e Compère (1999, p. 155) a educação clássica, fundamentada nas Humanidades, era
basicamente “[..] uma formação do espírito que [...] tendia a desenvolver um certo número de qualidades, ou
seja, a clareza do pensamento e da expressão; o rigor no encadeamento das idéias e de proposições; o cuidado
com a medida e o equilíbrio; a adequação mais justa possível da língua à idéia. Para esse objetivo ser
atingido, os alunos [...] [eram] submetidos a um conjunto de exercícios orais e escritos”. Desse modo, para
demonstrar a eficiência do ensino, o aluno deveria “[...] decorar, no curso de sua escolaridade, milhares de
versos de Ovídio, Horácio, Virgílio e Homero, a verborragia pomposa de Tito Lívio, discursos de Cícero, que
se supõem constituir a base de sua cultura e, excetuando-se Homero, são modelos para seus exercícios de
composição” (CHERVEL; COMPÈRE, 1999, p. 152-153).
273
de pertencer à elite, sendo um signo de reconhecimento, senão pelo
desempenho ou gosto pelas línguas antigas, pelo menos por uma certa
familiaridade com frases ou citações latinas (CHERVEL; COMPÈRE,
1999, p. 152, grifo do autor).
Na sociedade Imperial, pela forma de distribuir socialmente as tarefas de organizar e
suprir as necessidades do Estado, optou-se pelo regime da escravidão de povos considerados
“inferiores”, o que acabou associando ao trabalho não intelectual uma condição também de
inferioridade pois, em razão dessas representações na educação, não se valorizava a atividade
como princípio educativo. Pelo que se percebe, na reforma proposta por Inglês de Sousa,
ainda que se preservasse parte das matérias em que se aprendiam os conteúdos das matérias
que capacitavam para os cursos superiores (como foi prescrito pela Lei n. 31, que autorizava a
reforma e produção do seu regulamento), como é possível perceber, no currículo do ensino
secundário, já existiam matérias que estavam ligadas não somente às humanidades, mas
também ao que Chervel e Compère (1999) vão denominar como humanidades modernas, ou
científicas.
O curso primário organizado em três níveis (elementar, suplementar e complementar),
ao que parece, foi a tentativa da organização de um ensino primário de longa duração e que
tivesse uma certa progressão na oferta de matérias e no grau de aprofundamento. Já o núcleo
comum, chamado curso geral, oferecido pelo Ateneu Provincial, serviria para tornar o ensino
secundário menos dependente dos exames de preparatórios, uma vez que, sob a designação de
curso secundário, havia matérias mais próximas do ensino profissional (ensino especial,
oferecido como curso de comércio e Curso de Agricultura).
6.10 A educação como motor do progresso
As representações e proposições colocadas em evidência por intermédio do
regulamento foram muito bem projetadas. São formadas pelos interesses de um grupo de
homens conectados com os ideais do seu tempo, ao que parece, em uma luta intestina contra
tudo que consideram “tradicional”. Nessa disputa pela voz autorizada, a escola e suas
possibilidades de formação são colocadas na ordem do dia. Notadamente a escola primária
passa a ser visualizada como lugar de formar as novas gerações e impedir a “degeneração”
diagnosticada e associada a uma forma escolar considerada ultrapassada, pois ligada à
274
religião, ou que tinha a religião como único parâmetro para tomar decisões a respeito dos
saberes que deveriam ser distribuídos pela escola.
A missão empreendida por Silva Jardim, segundo suas palavras, com o objetivo de
civilizar a Província, convencendo ao seu seleto auditório, formado por políticos, professores,
alunos e autoridades da região do Espírito Santo, de que a cultura letrada era fator decisivo
para a prosperidade material, permite também perceber que, para esses atores sociais, a escola
reformada era um dispositivo que comporia uma estratégia mais abrangente de reformas
capazes de assegurar o progresso e futuro próspero, que havia sido anunciado pelos países que
fizeram da escolarização uma questão de Estado, como uma das formas mais eficazes para
promover melhorias sociais, necessárias para o Brasil se tornar um país moderno.
Conforme Barros (1959), em seu estudo sobre a Ilustração brasileira, entre as décadas
de 1870 e 1880, acreditava-se que seriam as idéias a força capaz de mover o mundo. Nessas
representações, a escola seria o local privilegiado em que se poderia projetar o futuro do país
pela organização e desenvolvimento das idéias. Para o autor (1959), “No Brasil, é indiscutível
o êxito de tais idéias: espera-se que da reforma do ensino, do aperfeiçoamento da instrução,
[...] [surgisse] uma mentalidade nova, integrada nas exigências do tempo. A meta visada era
colocar o país ao ‘nível do século’” (BARROS, 1959, p. 24).
A educação, nesses termos, é condição para se produzir uma mente mais esclarecida,
iluminada e liberta das trevas que a falta das letras produzia. Passa também a ser condição de
distinção social, não que antes não fosse, mas, no novo panorama, ela passa a conferir algo
mais, a cidadania, entendida como a capacidade de escolher de forma esclarecida seus
governantes e, no sentido inverso, a falta de instrução era um meio para desqualificar como
votante quem somente possuía bens materiais.
Assim, pode-se supor que a configuração pela qual o significado da instrução está
passando também é uma reordenação do sentido atribuído ao que se entende por cidadão. Se a
Constituição de 1824 definia como critérios a posse para designar e qualificar os cidadãos, na
década de 1870, esse princípio já não é tão simples de ser aceito pelos políticos do Império.
De acordo com Holanda (1977), na década de 1870, a grande discussão era que, além
da renda, o cidadão eleitor deveria possuir discernimento, adquirido pelo saber ler e
escrever.
261
O cidadão ilustrado seria aquele que saberia tomar as melhores decisões no
261
Conforme Holanda (1977), acreditava-se que “O discernimento necessário para conhecer os negócios do
Estado, não o obtém o indivíduo do simples convívio social, da ‘coletividade’ [...]. Não é na conversação
diária, não é nos sermões do pároco, nem é nas sessões parlamentares, que funcionam nas mesmas horas em
que as classes laboriosas se dedicam aos seus afazeres, que se podem aprender as coisas da política. O povo
não se constitui das seiscentas a mil pessoas que a curiosidade, o sentimento das questões públicas, as
275
processo eleitoral. Conforme o autor (1977), se, em 1824, se pode constatar uma falta de
preocupação em relação a esse tema, na década de 1870, essa nova forma de atribuir
cidadania passa a ser discurso corrente. Desse modo,
No Brasil daquela época [década de 1820], e não apenas no Brasil,
ainda mal se difundia a crença de que o bom discernimento do
eleitorado dependia de semelhante condição. Nem era compatível essa
exigência num país onde a grande massa da população se compunha
de analfabetos (HOLANDA, 1977, p. 180).
Segundo o autor (1977), o discurso de que a escolaridade era fator necessário ao
progresso passou a ser partilhado de forma generalizada e se tornou tema que, independente
da inclinação partidária, era repetido e respeitado como verdade última. Segundo suas
palavras:
[...] o progresso no saber era fonte milagrosa de tôdas as virtudes
cívicas e privadas, que não se julgava sequer lícito pôr em discussão
essa crença. Nem se duvidava de que êsse saber mágico poderia
reduzir-se ao saber ler e escrever. Uma vez convertida em verdade
axiomática, a opinião passava a ser partilhada por todos os espíritos,
independentemente de inclinações partidárias, de modo que a podia
subscrever não só um liberal como Tavares Bastos, mas igualmente
um conservador com Tôrres Homem (HOLANDA, 1977, p. 184).
Passa a fazer parte das representações o entendimento de que o analfabetismo não era
compatível com o direito ao voto. Isso significa que a escola se torna o repositório da
confiança e da esperança, lugar mágico que ofereceria as condições necessárias para preparar
o cidadão para o exercício do voto. A instrução pública é, desse modo, percebida como meio
para se produzir uma eleição conscienciosa e limpa, ou seja, acreditava-se “[...] na difusão
maior dos conhecimentos como um meio de permitir a mais activa participação do povo na
vida política” (HOLANDA, 1977, p. 188).
Conforme Holanda (1977) no final de década de 1870, oito décimos da população
brasileira não era alfabetizada. Ao analisar as estatísticas produzidas no ano de 1876 e
utilizadas pelo governo em 1879, para projetar a população que teria direito ao voto,
tomando-se por base o critério do saber ler e escrever como condição para o exercício da
cidadania, chega-se à seguinte conclusão:
Cont. da nota anterior
emoções da ocasião ou o gosto da crítica ilustrada atraíam para as galerias da câmara. O verdadeiro
discernimento político, o conhecimento dos negócios, só se aprendem com a leitura, e isto é impossível aos
analfabetos” (HOLANDA, 1977, p. 220).
276
A população nacional atingia o total de 8.419.672 habitantes, dos
quais 4.139.362 do sexo masculino e 4.036.829 mulheres. Dêsse total,
o número dos que sabiam ler e escrever era de 1.012.087. Tirados as
mulheres, os menores, os interditos, os que não tivessem renda
superior a 400$000, quantos poderão participar de eleições?
Cálculando por alto conclui-se que, dos 8.419.672 habitantes do
Império, 400.000 apenas hão de êsse direito, ou seja, 1/20 da
população livre (HOLANDA, 1977, p. 202).
De acordo com Holanda (1977), acreditava-se que, até o momento da implantação da
reforma eleitoral, os analfabetos teriam tempo para procurar as escolas, dominar os recursos
da linguagem escrita e se tornar cidadãos aptos a participar das eleições. Mesmo assim, boa
parte dos cidadãos estariam impedidos de votar, já que a maior parte da população não
escrava tinha uma renda mensal de 12$000 mensais, o que equivaleria a um ganho bruto de
144$000 por ano, bem menos do que era exigido de um votante (HOLANDA, 1977).
262
Hilsdorf (1977), citando Laerte Ramos de Carvalho, analisa que o euforismo com que
políticos liberais e republicanos tratavam a questão da liberdade de ensino nas décadas de
1870 e 1880 ocorria por depositarem grandes esperanças na educação povo como forma de
produzir melhorias na sociedade. Segundo Hilsdorf (1977, p. 36),
As instituições que os novos grupos políticos liberais e republicanos
propunham nos seus programas de ação dependiam, para o seu bom
êxito, de um adequado sistema educacional, pois pressupunham que o
povo fosse educado para o exercício do sistema representativo. ‘Os
males do Império, assim pensava, tinham por causa o obscurantismo
de um povo que, por não ter escolas, não conheceu o catecismo dos
direitos e deveres cívicos que organizam e encaminham a vontade
popular no sentido de congregação dos interesses da sociedade civil
politicamente organizada’.
Holanda (1977), ao analisar o processo de discussão das reformas eleitorais propostas
durante o Império, percebe que os critérios que definiam como o indivíduo poderia alcançar a
cidadania está passando por mutações. As características que atribuíam direito à cidadania
deixam de exigir exclusivamente a posse de bens materiais e passam a incluir a posse da
cultura letrada. Sobre essa mutação nas representações que qualificavam o cidadão, declara o
autor:
262
Ao utilizar, como referência, o relatório da Diretoria Geral de Estatística do Império, correspondendo ao ano
de 1874, analisa Holanda (1977) que a população com capacidade de votar era de 1.114.066 indivíduos. Com
a Lei Saraiva, de 1881, essa população é reduzida para 155.296 votantes. Isto é, “[...] a oitava parte do
eleitorado antigo e a menos de 1,5 por cento do total de habitantes do Brasil, estimado em 9.941.471 em
277
É verdade que no artigo 92 da Carta do Império, declarava-se que
estariam excluídos de votar, mesmo nas eleições primárias ou de
paróquias, aquêles que não tivessem de renda anual a quantia de 100
mil-réis por bens de raiz, indústria e comércio ou emprêgo. Contudo,
êsse limite de renda, que se estabelecera por julgar-se que indicaria
um relativo grau de independência para o votante, ainda que fosse
restritivo em 1824, deixava de sê-lo cinqüenta anos mais tarde,
mesmo com o aumento havido quando se mudou o valor da moeda, na
proporção dessa mudança [de 100 mil-réis para 400 mil-réis mínimos
anuais]. Dizia-se, então, que só mendigos não estariam em condições
de atender a semelhante exigência (HOLANDA, 1977, p. 180).
Contra essa realidade que já aparentava ser um sufrágio universal, pois poucas pessoas
já não conseguiriam obter a renda suficiente para se tornar eleitor, a reforma eleitoral institui
que a nova condição para ser cidadão era a posse também das letras. Toma-se essa decisão, de
acordo com Holanda (1977), por ter sido entendido que quem não possuísse instrução também
não possuiria interesse no futuro do Império e mesmo as massas sendo desinteressadas teriam
condições para decidir os rumos da política brasileira. Declara o autor que, nos debates para a
aprovação da lei eleitoral, se insistiu muito que o sufrágio universal, como já eram
compreendidas as eleições,
[...] importava no predomínio das classes baixas e miseráveis sôbre
outras, que dispondo de haveres e ilustração, pareciam mais
naturalmente interessadas na manutenção da ordem, na preservação da
tranqüilidade pública e no bom funcionamento das instituições
(HOLANDA, 1977, p. 242).
As reformas da instrução pública e as propostas de obrigatoriedade, nesse sentido,
seriam garantias, em longo prazo, de que, se os miseráveis voltassem a ter direito ao voto,
estariam devidamente disciplinados e esclarecidos sobre como escolher seus representantes.
Mas se fosse apenas esses fatores que moviam os reformadores, a história seria
demasiadamente esquemática. Outras questões estão em jogo. Acredito que um dos principais
problemas enfrentados, nas décadas de 1870 e 1880, por alguns políticos, se relacionavam
com a necessidade de modernização do Império.
As reformas da instrução pública, com suas discussões sobre a gratuidade do ensino
primário, com sua conseqüente obrigatoriedade, o tema da laicização do ensino, a diminuição
do poder eclesiástico acerca das decisões do Estado e sobre o que deveria ser ensinado nas
Cont. da nota anterior
1881” (HOLANDA, 1977, p. 224).
278
escolas, a modernização do ensino, com a introdução das pedagogias modernas, a inclusão de
matérias nos cursos secundários, sem a característica de serem apenas propedêuticas, mas de
preparação para o trabalho, são demonstrações de que o Império buscava se modernizar e um
de seus agentes de transformação e de controle das expectativas das Províncias, que a cada dia
buscava maior autonomia, era o presidente de província.
O presidente de província era o agente regulador que assegurava que as políticas
produzidas nas províncias não interferissem com a política do Centro e, ao mesmo tempo,
também garantia que as decisões do Império seriam observadas em todas as regiões do Brasil.
Não era uma mediação fácil de ser realizada, uma vez que os políticos das províncias sabiam
que a função do administrador escolhido pelo Império era controlar e ordenar o que
compreendesse que estava desorganizado. As leis imperiais garantiam os seus direitos e
obrigações como administrador, facultando-lhe os poderes necessários para fazer cumprir suas
decisões, mesmo que contrariassem o que havia sido anteriormente decidido pelos deputados
provinciais, ou pelo administrador da gestão anterior.
A tarefa não era simples. Silva Jardim, convidado para realizar as conferências com os
professores da Província e com pessoas interessadas no tema da educação, explica para Inglês
de Sousa que foi necessário convencer a todos de que a escolarização era uma necessidade
imprescindível para o desenvolvimento da sociedade. Em seu relatório, deixa claro que suas
energias foram colocadas a serviço desse objetivo. Declara o professor: “Procurei que o
numeroso e selecto auditório que me ouvia sympathisasse com a missão civilizadora com que
tenho sido honrado” (JARDIM, 1882, p. 1).
263
Assim como para Silva Jardim sua viagem à Província do Espírito Santo era
considerada uma missão que tinha como função levar civilidade a um lugar que ainda não a
possuía, a missão de Inglês de Sousa era implantar nas províncias em que teve poder para
decisão o que considerava a única maneira de melhorar e transformar a sociedade, ou seja, a
instrução do povo. Nesse sentido, Inglês de Sousa foi um agente muito eficiente na função de
administrador e agente da modernização que o Império requeria para sobreviver à crise pela
qual estava passando.
Conforme Barros (1959), os homens da Ilustração que acreditavam no poder do
conhecimento, como meio de libertação do obscurantismo e desenvolvimento do Brasil, eram
homens que “[...] buscaram os instrumentos capazes de integrar-nos, de vez, na grande
263
Para Hébrard (2001, p. 130), “[...] a introdução da escrita [mesmo de forma obrigatória] numa sociedade se
traduz por uma reestruturação dos modos de pensar”. Esse novo modo de pensar a função da alfabetização na
sociedade é compartilhado por Silva Jardim que, em sua missão civilizatória, acreditava no poder
279
comunidade euro-americana; ao invés de se entregarem a uma suposta realidade brasileira,
procuraram criá-la pela ação educativa da lei, da escola, da imprensa, do livro” (BARROS,
1959, p. 26).
Percebe-se que, para Inglês de Sousa, a reforma era a única via possível para
modernizar a sociedade. Por essa razão, em um período de apenas três anos, tomou como
missão reestruturar a instrução pública de três províncias em que exerceu capacidade de
decidir os rumos da política no império. Ele possuía um projeto educacional compartilhado
com outros homens de seu tempo.
264
Deixou esse dado explícito em seu relatório de governo.
A sua intenção com a reforma da instrução pública, no Espírito Santo, era implantar a
Pedagogia Moderna nas escolas capixabas, porque acreditava que somente desse modo seria
possível acompanhar a ciência da educação a qual facilitaria a aquisição dos conhecimentos
científicos e literários indispensáveis à sociedade moderna. Mas um dado que não pode ser
esquecido é que, para além do projeto compartilhado, Inglês de Sousa também possuía um
projeto pessoal. Não é possível perder a referência de que, conforme Bloch (2001, p. 127), os
homens são “[...] seres capazes, por natureza, de fins conscientemente perseguidos”.
Inglês de Sousa não estava sozinho; ele competia com outros pretendentes para se
tornar liderança política no Império. Os embates que teve em São Paulo e em Sergipe
demonstram que outros atores também procuravam assumir os locais de poder que o Estado
oferecia.
265
Uma gestão que deixasse marcas positivas era um caminho viável de se conseguir
projeção dentro da estrutura do Império. Uma administração que conseguisse resolver os
problemas da instrução pública era uma forma de se conseguir, além do reconhecimento de
seus pares, também a atenção e o reconhecimento do Imperador.
Inglês de Sousa, quando chega ao Espírito Santo, demonstra que, aliado ao projeto
liberal de reorganização do Estado, seu projeto de ascensão dentro da estrutura do Império já
era uma realidade. O fato de ter sido indicado para uma segunda gestão como presidente de
província indica que nele foi depositada confiança, se não do Imperador, mas dos ministros
que o auxiliavam nas decisões administrativas. Pelo que parece, Inglês de Sousa conseguiu
chamar a atenção de D. Pedro II, pois, entre as credenciais que apresentou quando assumiu a
Cont. da nota anterior
transformador da escola mediante a preparação do cidadão para o exercício esclarecido do voto.
264
Homens como Tavares Bastos, Rui Barbosa e Silva Jardim compartilharam as representações de que por
intermédio de uma educação renovada, seria possível transformar o Brasil, levá-lo a se modernizar e alcançar
o nível de países desenvolvidos.
265
O monsenhor Olympio Campos, adversário da gestão de Inglês de Sousa na Província de Sergipe, torna-se,
depois dos embates sobre a reforma da instrução pública, deputado provincial, deputado geral do Império,
após a Proclamação da República, deputado estadual e, posteriormente, senador.
280
gestão da Província do Espírito Santo, uma chama a atenção. Inglês de Sousa, ao chegar ao
Espírito Santo já detinha o posto de oficial da Imperial Ordem da Rosa,
266
titulação que era
concedida somente a indivíduos que se distinguissem por sua fidelidade à pessoa do
Imperador e por serviços prestados ao Estado.
267
A opção de seguir carreira dentro da estrutura administrativa do Império não era
incompatível com seus ideais liberais, pois o Brasil estava vivendo o que Hilsdorf (2003) vai
chamar de o segundo liberalismo.
Barros (1959), analisando a constituição do que chamou de A Ilustração Brasileira,
durante a década de 1870 e 1880, declara:
O liberalismo do século XIX, para manter-se ao nível das aspirações
da época, [...] precisava reanalisar os seus fundamentos. Para os
homens da política militante podem bastar, às vêzes as justificações
do velho direito natural: para os pensadores liberais [do final do XIX,]
essa fonte é insuficiente. Desenha-se, assim, um novo liberalismo, um
liberalismo cientificista que, se não aniquila o antigo, estreita ao
menos os seus limites. A revolução industrial, a marcha ascensional
das massas, o socialismo, exigem uma redefinição do liberalismo. Não
se trata mais de uma declaração abstrata dos direitos inalienáveis do
homem; tratam-se de reivindicações sociais e econômicas concretas,
que escapam aos quadros e às preocupações do velho liberalismo. A
situação nova, do ponto de vista social, político, intelectual,
econômico, exige uma teoria nova da vida, da ética, do direito
(BARROS, 1959, p. 72).
268
Relatando o panorama brasileiro das décadas de 1870 e 1880, Barros (1959) indica
que vários fatores, internos e externos, motivavam os políticos a buscar a renovação do
Império. Os resultados da Guerra do Paraguai, a crise econômica, a pouca eficiência do
Exército brasileiro, a escravidão, a questão religiosa e, entre outros problemas, a baixa
266
Comenda criada em 1829, pelo Imperador D. Pedro I, para perpetuar a memória de seu matrimônio com D.
Amélia de Leuchtemberg e Eischstaedt. A Ordem servia para premiar militares e civis, nacionais e
estrangeiros, que se distinguissem por sua fidelidade à pessoa do Imperador e por serviços prestados ao
Estado, e comportava um número de graus superior às outras ordens brasileiras e portuguesas, então
existentes. De 1829 a 1831, D. Pedro I concedeu apenas 189 insígnias. Seu filho e sucessor, D. Pedro II, em
seu extenso período de Reinado, chegou a agraciar a 14.284 cidadãos com a honraria.
267
A hierarquia na Ordem da Rosa era móvel, podendo-se passar de um grau para o outro. O primeiro grau era o
de Cavaleiro, o segundo o de Oficial, o terceiro o de Comendador, o quarto o de Dignitário e o quinto e
último grau o de Grão-cruz (AZEVEDO, 1912). Inglês de Sousa já havia atingido o segundo posto na escala
hierarquica
268
Diferente do primeiro liberalismo, do período da Proclamação da Independência, que é moderado, esse que
se configura na década de 1870 e 1880, pode ser caracterizado como um segundo liberalismo, reformista,
porque defende o trabalho livre, a abolição e a integração dos negros à sociedade brasileira (HILSDORF,
2003). Ideais muito diferentes daqueles que animaram o “partido brasileiro”, liberal-conservador que
aplicava “[...] o princípio liberal dos direitos individuais à preservação da propriedade escrava e o sufrágio
281
qualidade da educação fornecida pelo Estado, conforme Barros (1959, p. 34), criaram
questões urgentes a serem resolvidas. Houve, portanto, um esforço por parte de alguns
políticos em repensar o Brasil, “[...] para transformar o país, para liberalizá-lo, para mudar-lhe
as idéias, para libertar o trabalho e a consciência”. Um dos grandes esforços, segundo Barros
(1959), foi introduzir o laicismo no Estado, na educação, na cultura e na vida, condição sem a
qual seria impossível pensar um Brasil moderno no século XIX.
Diante das questões a serem equacionadas, de acordo com Hilsdorf (2003, p. 49), “[...]
diferentes grupos socioculturais e políticos [...] [buscaram] olhar a situação do país em
comparação com a de outras sociedades modernas que haviam extinguido o trabalho
compulsório”. O confronto da situação do Brasil com as outras sociedades européias e norte-
americana exigiu dos grupos socioculturais e políticos “[...] uma posição acerca do conjunto
das condições brasileiras que marcaram o ‘atraso do Império em relação ao século’”
(HILSODORF, 2003, p. 49).
Para responder às demandas que as comparações com os outros países provocaram, os
liberais da segunda geração buscaram inverter a lógica do tempo saquarema. Desse modo,
passaram a pensar o Estado com base em uma inquestionável necessidade de mudança e
atualização. Os homens engajados no segundo liberalismo, ligados aos ideais da ilustração,
com sua confiança no poder que a educação teria em transformar o Brasil em um país
moderno, partem da idéia de que, nas reformas na instrução pública, estaria a força capaz de
alavancar o País rumo a tão decantado estado de modernidade.
Em função das representações sobre o poder da educação, as reformas são feitas com a
introdução das inovações pedagógicas, na qual se projeta a Pedagogia Moderna como um
meio de libertar o ensino das malhas de um modelo escolar que se apresentava apenas como
forma de preparar os alunos para os cursos superiores do Império ou para uma vida ascética.
A escolarização passa a ser obrigatória e organizada com base no ensino intuitivo, na
atividade, valendo-se das lições de coisas. Assim, faz parte da estratégia de revigoramento da
instrução pública oferecida pelo Império a introdução dos jardins de infância, o ensino
simultâneo da leitura e da escrita, valendo-se dos métodos rápidos de ensinar a ler e escrever,
aplica-se o sistema de recompensas para a disciplina e indisciplina dos alunos, com a
proibição dos castigos corporais, buscando meios de fomentar a liberdade e o autocontrole.
Pensava-se na preparação para o trabalho mediante o estudo das matérias científicas. Há uma
tentativa de organizar os estudos tomando-se por base a fórmula do ensino seriado, o que
Cont. da nota anterior
indireto censitário, de base econômica” (HILSDORF, 2003, p. 42).
282
diminuiria a dependência dos estudos secundários dos exames de preparatórios e, para
completar, os professores, para cumprir sua missão, deveriam passar pela escola normal, lugar
em que se formaria um corpo de mestres especializados que seriam regidos por um conjunto
de normas, definidas como saber se portar, saber o que ensinar e saber como ensinar, ou seja,
pela homogeneização dos mestres, também se uniformizaria a instrução pública na Província,
o que serviria como exemplo para outras regiões, quiçá para todo o Brasil, o que poderia
acarretar a realização da desejada modernização, que colocaria o Império ao “nível do
século”.
Mas, conforme Hilsdorf (2003), os homens do segundo liberalismo, ao realizarem as
reformas, introduzindo novas representações sobre o valor da educação e do trabalho,
atualizando os conteúdos de ensino, iniciando o processo de laicização da instrução pública e
a conseqüente secularização do Estado, contribuíram, sem o querer, em alguns casos, para o
fim da estrutura que dava sustentação ao próprio Império.
Inglês de Sousa deixou o cargo de presidente da Província do Espírito Santo no dia 9
de dezembro de 1882 e em 19 de maio do ano seguinte, o novo administrador, Miguel
Bernardo Ribeiros Amorim, empossado em 25 de abril de 1883, comunica que um outro
regulamento deveria ser observado para a organização da instrução pública. Faz circular por
toda da Província a seguinte prescrição:
REGULAMENTO DA INSTRUCÇÃO PUBLICA
N. 86. – 1ª Secção. – Resolução. – O Presidente da Provincia, uzando
da attribuição que lhe confere o artigo 7 da Lei Provincial sob n. 23 de
11 do corrente mez, resolve mandar vigorar provisoriamente o
Regulamento da Instrucção Publica de 17 de Dezembro de 1877 com
as alterações de que trata a Lei n. 4 de 12 de Novembro de 1879,
artigo 8°§ 1ª Sessão extraordinária [...].
Palacio do Governo da Provincia do Espírito Santo, em 19 de Maio de 1883.
Miguel Bernanrdo Vieira de Amorim (LEIS, 1883, p. 125).
Em seu relatório administrativo, Amorim (1883), informa as razões pelas quais havia
resolvido reformar a instrução pública. Conforme o presidente os cofres da Província não
conseguiriam suportas as despesas produzidas pelo regulamento de 1882. Para fazer economia
os gastos, com a instrução pública, deveriam ser diminuídos. Desse modo, utilizando da
autorização “[...] contida no art. 7 do titulo 13 da Lei n. 23 do anno passado (orçamento em
vigor) ex-via da disposição do art. 12 da mesma Lei, que mandou suspender nas palavras –
desde já – a execução do Regulamento que vigorava, pela Resolução de 15 de Setembro de
283
1882” (AMORIM, 1883, p. 9, grifo do autor).
Conforme o presidente (1883), a volta ao antigo regulamento foi realizado por não
possuir tempo hábil para produzir um outro. A outra razão, segundo o Amorim (1883), foi
pela comissão por ele nomeada, para discutir as bases do novo projeto, não aceitar o encargo.
Declara o presidente quais pessoas ele convidou para reformar a instrução pública da
Província.
Devo dizer, porem, a V. Ex. que animado dos melhores desejos para
prestar n’esse sentido a Provincia um serviço util, e sobretudo, curar
de modo satisfactorio a educação da infancia, primeira necessidade
que conheço como verdadeiro prepara para o bom cidadão, não quiz
confiar sómente de minhas debeis forças esse encargo difficil e cheio
de responsabilidade, e por isso o declinei em mãos mais habilitadas,
para aproveitar melhor as luzes, e vantagens que pudessem advir; pelo
que em Resolução n. 83 de maio d’aquelle anno nomeei uma
commissão composta dos Drs. Jose de Mello carvalho Muniz Freire,
Francisco Gomes de Azambuja Meirelles, Alfredo Paulo de Freitas e
dos cidadãos João Aprigio Aguirra e Domingos Vicente Gonçalves de
Souza, para que me offerecessem um projecto de reforma a respeito
(AMORIM, 1883, p. 9).
Continua, o presidente (1883), relatando o que o fez mandar observar o regulamento,
de 1877, que havia sido extinto pelo de 1882.
Infelizmente essa commissão não pode satisfazer aos meus desejos,
porque conforme declaração verbal que me fisera o seu Presidente, e
outros Membros, era escasso o tempo para poder prestar esse bom
serviço. N’essas circumstancias não tive outro alvitre a tomar senão
baixar a citada Resolução de n. 86, como fica referido, o que inda com
pezar, repito, não posso dizer a V. Ex. que foi reforma, no sentido das
luzes do seculo, mas unicamente um recurso de supremo esforço, de
que lancei mão n’aquela emergencia, para que não fosse a Instrucção
da Provincia um corpo sem regimen, e sem normas de acção
(AMORIM, 1883, p. 9).
Pelos menos três pessoas convidadas pelo presidente Miguel Bernardo Ribeiros
Amorim, fizeram parte da elaboração do regulamento que havia, há apenas nove meses, sido
promulgado como a esperança de que a Província do Espírito Santo, conforme Inglês de
Sousa, conseguisse acompanhar o desenvolvimento da ciência da educação, a qual facilitaria,
aos capixabas, a aquisição dos conhecimentos científicos e literários que eram indispensáveis
à sociedade moderna.
Segundo o novo o presidente, ele acreditava na reforma de Inglês de Sousa e até era
“[...] Sectario das doutrinas admiradas que em sua maior parte contén o Regulamento de 1882
284
expedido por nosso illustrado antecessor o Exm. Sr. Dr. Herculano marcos Inglez de Souza”
(AMORIM, 1883, p. 9). Mas mesmo incorrendo em ser designado como “[...] retrogrado,
apegado as velhas formulas” não poderia deixar de reformar a instrução pública, pois
acreditava que uma instrução sólida era a “[...] primeira necessidade que conheço como
verdadeiro preparo para o bom cidadão” (AMORIM, 1883, p. 9).
Como foi possível perceber no Regulamento da Instrução Pública de 1877, o Ateneu
Provincial era percebido, sobretudo, como local de preparação para os exames preparatórios.
O ensino normal projetado, para funcionar naquele estabelecimento, nunca chegou a
funcionar, razão pela qual foi extinto em 1879. O curso normal que se pretendia oferecer tinha
como base apenas as matérias que deveriam ser ensinadas nas escolas de primeiras letras.
Desse modo, na preparação dos professores faltariam matérias como Pedagogia e
Metodologia. Em conseqüência do retorno ao regulamento de 1877, a matéria História
Sagrada se tornaria obrigatória, tanto no curso normal masculino, quanto no curso normal
feminino. O ensino continuaria a ser gratuito nas escolas primárias, mas não seria obrigatório.
Em decorrência da mudança, estabelecida no novo regulamento, o curso normal não
seria mais pré-requisito para o ingresso no magistério primário. Desse modo, para concorrer a
uma cadeira, do ensino primário, o interessado deveria apenas pleitear sua indicação na
direção da instrução pública, mas como acontecia antes, da reforma de 1882, os professores
não teriam garantias, de não serem removidos, assim que a administração da Província
mudasse de mãos.
285
7 CONCLUSÕES
Foi possível compreender no estudo que o presidente de Província foi um ator
importante para que os modelos pedagógicos circulassem no amplo território do Império.
Além da função de administrador, gerindo os interesses do Centro nas Províncias e atuando
como elemento-chave para a coesão, o controle e a estabilização do regime imperial, agiu
também como divulgador dos novos métodos pedagógicos, agitador cultural, agente da
mudança dos meios utilizados para a formação dos professores para as escolas públicas. O
cargo de presidente de Província foi tão importante no Império que Tavares Bastos (1870) o
qualificava como vice-rei, e segundo Holanda (1977), a função chegou a ser cogitada em ser
profissionalizada por D. Pedro II.
No processo de circulação dos modelos pedagógicos para a formação de professores
na Província do Espírito Santo, pode-se perceber que, para que houvesse a definição de um
padrão institucional de formação, houve também procedimentos de apropriações, de
transformação, de descarte, de testes autorizados e não autorizados dos métodos de ensino
para os professores das escolas primárias. Isso demarca que, em um mesmo período, não
houve consenso sobre qual deveria ser o modelo adotado, quais deveriam ser suas
características, as matérias que deveriam ser ofertadas, o conteúdo que as matérias
transmitiriam aos pretendentes ao Magistério primário e os mecanismos de controle que
deveriam ser produzidos para garantir uma formação modelar.
O final do século XIX é um momento em que se processa a transição do modelo de
formação artesanal de professores, para outro considerado profissional, mas essa transição não
aconteceu ao mesmo tempo e em todas as regiões do Brasil. O caso da Província do Espírito
Santo é exemplar nesse sentido. As experiências da Escola Normal da Província do Rio de
Janeiro e sua organização não são compartilhadas com o Espírito Santo. Em terras capixabas,
foram usados outros recursos para formar professores. O Liceu da Vitória, projetado como
preparatório para os cursos superiores, também representou um meio para se formar
professores para as escolas de primeiras letras. Sua desativação e transformação em Colégio
do Espírito Santo que, ao mesmo tempo, era uma aula de primeiras letras, considerada como
uma espécie de escola normal, obrigatória para os interessados em se tornar professores, mas
que funcionava com a estrutura de professores adjuntos, em que havia experiências com os
métodos (individual, mútuo e simultâneo), gerou, conforme o presidente da Província, Luiz
286
Antonio Fernandes Pinheiro, em 1868, um programa de ensino designado como eclético, que
era recomendado como muito eficiente no ensino das primeiras letras.
Percebe-se também que, com o passar dos anos, há uma diminuição da quantidade de
experiências em torno das alternativas à formação de professores, subsistindo apenas dois
modelos: o modelo das escolas normais como espaço organizado, controlado, vigiado e que
buscava a padronização das experiências e outro representado nas expectativas dos
presidentes como o modelo de menor dispêndio, porém de menor controle por parte do
Estado. O caminho para que o modo escolar de formação de professores para as escolas de
primeiras letras se estabilizasse foi longo e tortuoso. Muitas opções foram testadas, criadas,
descartadas ou modificadas para que o modelo e sua representação se estabilizassem, ao final,
a escola normal fosse compreendida como imprescindível para a padronização do ensino.
Mas o modelo de formação de professores, materializado como escola normal,
produziu um outro problema que deveria ser resolvido: quais matérias deveriam fazer parte da
formação dos professores? Em quantos anos o curso deveria ser concluído? Quantos anos
deveriam ser dados para que todos os professores já formados passassem pela escola normal?
Quais conteúdos garantiriam a padronização da formação? Em meio a todas essas questões,
ainda se perguntava: qual padrão pedagógico deveria ser seguido, o “germânico” ou o
“americano”? Qual deles ofereceria os melhores resultados? Essas são perguntas que fizeram
parte dos questionamentos dos reformadores e às quais tiveram que responder para que fosse
possível tornar a escola normal uma realidade. Mas, como se pode observar, as respostas não
foram fáceis de serem encontradas.
Os debatedores sobre a forma de se organizar a escola normal possuíam suas
representações sobre o que significava seguir um modelo ou outro. Na luta de representações,
o resultado, como foi possível perceber, teve que ser negociado. No caso do programa da
Escola Normal de São Paulo, o resultado foi que algumas idéias sobre o ensino mais prático,
em conformidade com as representações que Inglês de Sousa possuía do modelo alemão, de
formação de professores, foi preterido em favor de uma formação que buscava a ilustração do
professor, associada, pelos concorrentes de Inglês de Sousa, como o modelo americano. Ao
final, prevaleceu a idéia de que as matérias ofertadas aos professores não poderiam ser
somente aquelas com a as quais eles trabalhariam nas escolas primárias. Desse modo, houve
um acréscimo de matérias nas cadeiras que deveriam ser cursadas pelos normalistas, mas, em
contrapartida, houve também um aumento no tempo em que o aluno permaneceria como
estudante da escola normal, definindo-se por uma formação mais longa.
Em uma reforma educacional que buscava a modernização do País e a sua entrada no
287
rol dos países considerados desenvolvidos, haveria lugar para a instrução religiosa? Nas
representações de Inglês de Sousa sobre o significado de uma educação moderna, de acordo
com o “espírito” do século XIX, a resposta era um sonoro não. Positivista que era, Inglês de
Sousa acreditava na Teoria dos Três Estados, em que as crenças religiosas e os saberes sobre
a religião estariam ainda no primeiro estágio teológico ou fictício, sem condições, então, de
direcionar o desenvolvimento, progresso e modernização das instituições. As lições de moral
ascética para o desprendimento das coisas materiais e a espera da recompensa em uma vida
após a morte não faziam sentido para um país que buscava se organizar tendo como base o
liberalismo.
Os embates em Sergipe, em relação à exclusão do ensino religioso da formação dos
professores e das escolas primárias, é o resultado da tentativa de, na década de 1880, algumas
pessoas se empenharem em modernizar a monarquia. Inglês de Sousa buscava, como se pode
observar nos debates parlamentares em que ele tomou parte em São Paulo, a separação do
Estado da Igreja. Nas reapresentações do reformador, a Igreja era contrária à modernização do
Império. Desse modo, era uma instituição anacrônica que impedia o desenvolvimento material
do Estado. O Syllabus, como documento que condenava o liberalismo e o materialismo, bases
do pensamento moderno, deveria ser combatido, pois uma de suas manifestações era o
catecismo ensinado nas aulas de religião que anatematizava os pensadores modernos.
Os embates, na Província de São Paulo, a respeito da negativa ao subsídio financeiro
ao Colégio Bom Conselho e ao mesmo tempo da defesa do Colégio Culto à Ciência como
instituição que deveria ser subsidiada pelo Estado, demonstram que havia uma clara
propensão nas ações de Inglês de Sousa para o desligamento do Império das influências da
Igreja Católica. Também os embates na Província de Sergipe entre o monsenhor Olympio
Campos e o modelo laicizado de escola normal e escola primária, proposto por Inglês de
Sousa, fornecem elementos para se compreender o processo de secularização que as reformas
empreendidas nos anos finais do Segundo Império estavam tendo para a modernização do
Estado.
Na Província do Espírito Santo, um dos preceitos que se acreditava como necessário à
modernização seria a laicização da instrução pública. O tema aparece pela primeira vez na
reforma realizada por Inglês de Sousa. Mas, diferente dos debates anteriores, não surgem
resistências a essa prescrição do regulamento, o que pode ser apenas aparente, pois, assim que
Inglês de Sousa deixa a Província do Espírito Santo, seu sucessor reorganiza o ensino de
forma que a instrução religiosa volta a fazer parte dos saberes ensinados, tanto na escola para
professores, quanto no programa das escolas primárias. Fato que já havia acontecido na
288
reforma que realizou na Província de Sergipe.
Nas reformas empreendidas por Inglês de Sousa, a escola reformada era o caminho
mais seguro para se atingir o estado a que os outros países industrializados haviam chegado.
Na escola se produziria o homem criativo, industrioso e possuidor de outras concepções de
mundo. As pedagogias modernas são, para o reformador, o meio para atingir as metas que ele
havia traçado para a modernização da Província, quiçá do Brasil. A introdução de novos
métodos de ensino que se fundamentavam na atividade, nas experiências com as coisas, não
poderia ser realizado, valendo-se dos métodos considerados ultrapassados, como o individual
e o mútuo. A escola reformada seria o local em que se poderia criar o novo homem para a
nova sociedade moderna e industrializada com base no liberalismo. Assim em suas reformas
em Sergipe e no Espírito Santo, é possível perceber a prescrição das pedagogias modernas
como meio para se ensinar os professores que, depois de devidamente convencidos da eficácia
de um ensino mais moderno, ensinariam aos alunos das escolas primárias.
Na reforma realizada por Inglês de Sousa, não haveria possibilidade de concorrência
entre métodos de ensino. A escola reformada, para alcançar os objetivos estabelecidos pelo
reformador, deveria abolir as lições realizadas pelos métodos individual e mútuo. Na nova
escola, as aulas deveriam ser realizadas com base no ensino simultâneo, valendo-se do ensino
intuitivo das lições de coisas, o que é designado por Inglês de Sousa como método
experimental.
Para demonstrar que uma outra pedagogia era possível de ser utilizada para o ensino,
foi convidado o professor Silva Jardim que, com suas conferências pedagógicas, deveria
esclarecer a todos os professores, alunos e interessados nas questões relativas à educação que
um ensino renovado era um potente agente de civilização. Com base no método João de Deus,
pretendia demonstrar aos capixabas que, para ser eficaz, o ensino deveria ser realizado
valendo-se do concreto, das experiências, não de noções abstratas incompreensíveis para as
crianças que não teriam todos os seus sentidos desenvolvidos.
Na adoção do método de ensino João de Deus, apropriado por Zeferino Cândido e
divulgado por Silva Jardim, a criança seria educada dentro de padrões de conhecimento que
postulavam o uso dos sentidos para compreender a natureza, assim prescindindo da
memorização como meio de se apossar do saber. Desse modo, busca-se ensinar a usar mais a
razão, a observação e a interpretação e menos a memória como meio para se relacionar com o
conhecimento.
A idéia de que onde existisse o analfabetismo não existiria civilidade, ideal
compartilhado pelos homens da Ilustração e expressa nas palavras de João de Deus, por meio
289
de sua Cartilha Maternal: ou arte da leitura, é uma representação muito forte e mobiliza
Inglês de Sousa na contratação de Silva Jardim para ensinar aos professores um meio
moderno e rápido para alfabetizar a infância. Declarava João de Deus, ao falar da arte da
leitura: “Há-de haver meio facillimo, grato, universalmente accessível, de espalhar essa arte,
ou antes faculdade, sem a qual o homem não passa de um selvagem” (DEUS, 1876, p. 10).
Mas, para que a alfabetização não fosse apenas um ideal não realizado, a instrução
pública deveria se tornar obrigatória à infância. Tema que foi objeto de muitas discussões
entre os deputados provinciais do Espírito Santo, ao analisarem a viabilidade do projeto que
antecedeu a reforma de Inglês de Sousa. Como foi possível observar, o entendimento sobre a
obrigatoriedade da instrução primária mobilizou os deputados porque havia duas formas de
compreender os princípios do liberalismo. Para parte dos deputados, um dos fundamentos que
a obrigatoriedade feria era o da liberdade. Percebia-se que uma interferência do Estado nas
decisões das famílias, no sentido de dar ou não instrução a seus filhos, era descabida e
significava uma violação que daria margem para outros atentados contra a liberdade.
Os contrários à obrigatoriedade do ensino acreditavam que deveriam existir outras
formas de convencer as famílias a enviar seus filhos à escola. Para os que acreditavam na
obrigatoriedade do ensino primário como uma das únicas forças possíveis para melhorar as
condições da Província, à escola era creditada o papel de instância socializadora, capaz de
reverter as deficiências da Província em relação à mão-de-obra qualificada para alavancar o
progresso da região do Espírito Santo. Desse modo, a modernização não poderia prescindir da
obrigatoriedade da instrução, mesmo que ferisse os princípios do liberalismo. Assim, como
informa Barros (1959), a lógica partidária no Segundo Império era fluída, os políticos se
movimentavam menos por suas convicções e mais pelos interesses do momento, o uso que é
feito do liberalismo também passa pelo mesmo tratamento. Dessa forma é que se torna
possível localizar liberais monarquistas, católicos liberais e republicanos ultramontanos.
Nas discussões realizadas em relação à reforma da instrução pública na Província do
Espírito Santo, foi possível detectar uma mudança no que se acreditava que deveria conferir
status de cidadania. Para ser considerado cidadão, seria necessário passar pelo processo de
escolarização, no caso não a oferecida no ambiente doméstico, mas a que o Estado deveria
prover. Um indivíduo alfabetizado tornar-se-ia ilustrado, desse modo, consciente dos seus
direitos e deveres com o Império. Mas, como o investimento que historicamente havia
realizado, pelo Estado, foi muito abaixo das expectativas, o resultado seria que muitas pessoas
perderiam o status de cidadão. Fato que também se tornaria um empecilho para muitos
poderem exercer o direito ao voto, o que significava também a perda da capacidade de
290
escolher quem os representaria perante o Estado. Ligada a outras reformas, como a realizada
pelo conselheiro Saraiva, que proibia o voto dos analfabetos, que criava uma elite com direito
ao voto, a obrigatoriedade da escolarização poderia ser uma garantia de que, no futuro, os
votantes, pelo menos aqueles que também tinham renda suficiente para ser considerado
cidadão, exerceriam seus direitos como eleitor de forma consciente, pois eram ilustrados e
convencidos de que o sistema em que viviam era o melhor para “todos”.
Para garantir um ensino primário capaz de produzir o eleitor ilustrado e convencido
das suas responsabilidades, o investimento na formação de professores tornou-se uma
necessidade e o modelo deveria ser o que garantisse uma educação modelar, sacerdotal e um
professor convencido e capaz de transmitir “[...] uma moral adquirida em sua própria carne na
passagem pela escola normal” (VARELA; ÁLVARES-URIA, 1992, p. 82). Claro que a figura
é pintada com tintas fortes, mas, se a escola normal não fosse capaz de moldar todos na
mesma forma, tornando os docentes em dispositivos da maquinaria, pelos menos alguns
seriam tocados pelos ideais que se buscava transmitir. Esses seriam considerados os bons
professores, exemplo a serem seguidos e imitados.
Nas mãos dos presidentes de província era depositada a confiança do Imperador e de
seus conselheiros. Ele era percebido como agente de coerção e de controle, por isso se
explicam os atritos que aconteciam entre os habitantes das províncias e os administradores
enviados para gerir os interesses da Coroa e impedir que decisões contrárias fossem tomadas
aos interesses do Imperador.
Inglês de Sousa, pela sua formação e por suas ações como presidente de província, ao
que parece, estava galgando as escadas da burocracia imperial. Quando deixa a Província do
Espírito Santo, dirige-se novamente à cidade de Santos, a fim de concorrer a um cargo maior
na administração imperial. Lançou-se candidato a deputado geral pela Província de São Paulo,
mas como descrevem seus biógrafos, não obteve sucesso na empreitada. Em virtude do
desapontamento, volta-se para a sua formação de base, abrindo um escritório de advocacia na
Província do Rio de Janeiro.
Em entrevista a Francisco Assis Barbosa, Paulo Inglês de Sousa descreve a seguinte
passagem:
Parecia ser a política o destino de Inglês de Sousa. depois da
presidência de Sergipe, ocupa a do Espírito Santo. Pede demissão do
cargo e volta a Santos, a fim de pleitear a inclusão de seu nome na
chapa de deputados à Assembléia Geral. Fracassa, porém, a
candidatura. Desgostoso com a política – com os políticos
291
principalmente – recolhe-se à sua casa da Barra (BARBOSA, 1954, p.
145).
Alguns anos depois de deixar a presidência da Província do Espírito Santo, Inglês de
Sousa tenta mais uma vez exercer um cargo público, mas, na ocasião, as condições para ele
eram mais desfavoráveis do que no período em que foi preterido ao cargo de deputado geral.
Paulo Inglês de Sousa declara que seu pai estava na Província do Rio de Janeiro durante a
Proclamação da República, por isso foi se encontrar com o Governo Provisório para pedir
melhorias para a Província do Amazonas. Inglês de Sousa deixa registrado em seu diário os
encontros que realizou com o Marechal Deodoro da Fonseca:
17 de novembro. Sou apresentado ao Marechal Deodoro da Fonseca,
chefe do Govêrno Provisório. Expondo-lhe o estado em que se acha o
Amazonas e peço-lhe providências. Em resposta, o Marechal convida-
me para governador do Amazonas.
21 de novembro. Por conveniências políticas não se realiza minha
nomeação. Sou lembrado para governador de Pernambuco pelos Drs.
Silva Jardim e Aníbal Falcão. Também não se realiza nomeação por
conveniências políticas. Regresso a Santos (BARBOSA, 1954, p.
147).
Com uma carreira marcada pelos projetos de reformas e modernização das instituições
educacionais durante o Império e também considerado monarquista, fato que é negado por seu
filho na entrevista concedida a Francisco Assis Barbosa (1954), e ainda ostentando o grau de
cavaleiro na Ordem da Rosa, título concedido apenas a indivíduos que se distinguissem por
sua fidelidade à pessoa do Imperador e por serviços prestados ao Estado, dificilmente Inglês
de Sousa conseguiria assumir algum posto na República. Declara Paulo Inglês de Sousa:
Meu pai estava no Rio de Janeiro quando arrebentou a revolução
[...]. Como era grande amigo de Silva Jardim, pôde acompanhar dia a
dia o desenrolar dos acontecimentos. Registrou-os no seu diário.
Apesar de suas idéias avançadas [...], não participou da propaganda
republicana. Por isso, talvez, era considerado monarquista
(BARBOSA, 1954, p. 146).
Mesmo que Inglês de Sousa não se considerasse um monarquista, suas ações, durante
o Segundo Império, demarcavam uma posição assumida de modernizar o Estado. Desse
modo, as decisões que tomou durante o Império e as representações que o compeliam a
reformar a instrução pública passam a compor um cenário que “[...] à revelia dos actores
292
sociais, traduzem as suas posições e interesses objectivamente confrontados e que,
paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como gostariam que
fosse” (CHARTIER, 1990, p. 19).
O processo de laicização do ensino iniciado pelas reformas educacionais, a tentativa de
produzir a modernização do Império com o distanciamento deste das influências da Igreja
talvez tenha acarretado, ou ajudado no processo de questionamento da sociedade
hierarquizada em que se equilibrava o poder monárquico.
Recuperando as palavras do presidente da Província do Espírito Santo, Carlos de
Cerqueira Pinto, em 1867, ao relatar o estado da instrução pública, pronuncia a todos que
considerava o ensino da matéria Instrução Religiosa, na escola primária, de extrema
pertinência, pois a considerava uma das fontes mais fecundas da prosperidade pública, que
contribuía para a boa ordem da sociedade ao predispor os ânimos à obediência às leis e ao
cumprimento dos deveres que todo cidadão deveria ter em relação ao Império.
As conseqüências das reformas da instrução pública para o desmoronamento dos
alicerces que apoiavam o Estado imperial devem ser entendidas com maior profundidade,
mas, nesse caso, configura-se em uma outra história que deve ser compreendida, o que
demanda uma outra investigação.
293
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A PROVINCIA DE SÃO PAULO. S. Paulo, 9 de Abril. São Paulo, ano VI, n. 1553, p. 1, 10
abr. 1880.
JARDIM, Silva. Noticias locaes:conferencias pedagogicas. A Provincia do Espirito Santo.
Vitória, n. 57, p. 3, 28 jun. 1882b.
JARDIM, Silva. Propaganda e propagandistas. A Provincia do Espirito Santo. Vitória, n.
62, p. 3, 9 ago. 1882a.
JARDIM, Silva. Propaganda e propagandistas. A Provincia do Espirito Santo. Vitória, n.
64, p. 3-4, 13 ago. de 1882b.
O CACHOEIRANO. Methodo João de Deus. Cachoeiro de Itapemirim, n. 51, p. 2, 17
dez.1882.
311
O ESPIRITO-SANTENSE. Conferencia. Vitória, n. 49, p. 2, 22 jun. 1882.
O ESPIRITO-SANTENSE. Cousas do sr. Inglês. Vitória, n. 54, p. 1, 9 jul. 1882.
O ESPIRITO-SANTENSE. E isso se diz! Vitória, n. 85, p. 1, 29 out. 1882.
O ESPIRITO-SANTENSE. Hospede. Vitória, n. 48, p. 2, 18 jun. 1882.
O ESPIRITO-SANTENSE. Noticiario. Vitória, n. 61, p. 2, 3 ago. 1882.
O ESPIRITO-SANTENSE. Noticiario: methodo João Valente. Vitória, n. 60, p. 2, 30 jul.
1882.
O ESPIRITO-SANTENSE. Noticiario: transcripções, Artinha Nacional. Vitória, n. 60, p. 3,
30 jul. 1882.
O ESPIRITO-SANTENSE. Noticiario:propagação do methodo João de Deus. Vitória, n. 60,
p. 2, 30 jul. 1882.
O ESPIRITO-SANTENSE. O sr. dr. Inglez de Souza. Vitória, n. 27, p. 1, 6 abr. 1882.
O HORIZONTE. A instrucção pública na província: II. Vitória, n. 31, p. 2, 18 abr. 1882.
O HORIZONTE. Dr. Jardim. Vitória, n. 48, p. 3, 17 jun. 1882.
O HORIZONTE. Gazetilha: reforma da instrucção publica. Vitória, n. 25, p. 2, 28 mar. 1882.
O HORIZONTE. Gazetilha: reforma da instrucção publica. Vitória, n. 26, p. 2, 31 mar. 1882.
O HORIZONTE. Gazetilha: reunião do professorado. Vitória, n. 26, p. 3, 4 abr. 1882.
O HORIZONTE. Instrucção publica. Vitória, n. 44, p. 3, 3 jun. de 1882.
O HORIZONTE. O Exm. Sr. Dr. Inglez de Souza. Vitória, n. 27, p. 2, 27 abr.1882.
O HORIZONTE. O projecto de reforma da instrucção publica. Vitória, n. 38, p. 2, 12 maio
1882.
O HORIZONTE. Opposição as tontas. Vitória, n. 55, p. 2, 12 jul.1882.
312
O HORIZONTE. Reforma da instrucção. Vitória, n. 42, p. 2, 26 maio 1882.
O HORIZONTE. Sexta conferencia do dr. Silva Jardim. Vitória, n. 59, p. 2, 26 jul. 1882.
Leis
CONSTITUIÇÃO POLITICA DO IMPÉRIO DO BRASIL - 1824. Rio de Janeiro: Editores
Eduardo & Henrique Laemmert, 1846.
LEIS da Provincia do Espírito Santo: contendo as leis e resoluções da Assembléa legislativa
na sessão ordinária de 1883. Victória: Typographia do Horizonte, 1883.
LEIS da Provincia do Espirito-Santo: contendo as leis e resoluções da Assembléa Legislativa
na sessão ordinaria de 1882. Victoria: Typographia do Horizonte, 1882.
Regulamentos
REGULAMENTO da instrucção publica da Provincia de Sergipe de 13 de maio de 1882.
Aracaju: Typ. do Jornal de Sergipe, 1882.
REGULAMENTO da instrucção publica da Província do Espirito Santo. Victoria:
Typographia do Horizonte, 1882.
REGULAMENTO da instrucção publica de Sergipe de 9 de janeiro de 1877 com as alterações
ulteriores até 1º de abril de 1879. Sergipe: Typ. do Jornal de Sergipe, 1879.
REGULAMENTO Geral da instrucção publica da Provincia de Sergipe. Aracaju: Typ. do
Jornal e Sergipe, 1881.
REGULAMENTO geral da instrucção publicublica da Provincia de Sergipe. Aracaju, Typ. do
Joarnal de Sergipe, 1881.
Relatórios dos presidentes de Província
313
AMORIM, Miguel Bernardo Vieira de. Relatorio com que o exm. sr. dr. Miguel Bernardo
Vieira de Amorim, 2. vice-presidente, passou a administração desta Provincia ao exm.
sr. dr. Joaquim José Affonso Alves no dia 12 de janeiro de 1884. Victoria, Typ. do
Horisonte, 1884.
AZANBUJA, José Bonifácio Nascentes de. Relatorio que o exm. presidente da provincia
do Espirito Santo o bacharel José Bonifácio Nascentes de Azanbuja dirigiu á assembléia
legislativa da mesma Provincia na sessão ordinária de 24 de maio de 1852. Victoria: Typ.
Capitaniense, 1852.
BARÃO de Itapemirim. Relatorio que o exm. sr. barão de Itapemirim, primeiro vice-
presidente da provincia do Espírito Santo, apresentou na abertura da assembléa
legislativa provincial, no dia 23 de maio de 1856. Victoria: Typ. Capitaniense, 1856.
BARBOSA, Luiz Eugenio Horta. Relatorio apresentado ao s. ex.° sr. coronel Manoel
Rangel Ribeiro Coutinho Mascarenhas pelo exm. sr. Luiz Eugenio Horta Barbosa por
occasião de deixar a administração da provincia do Espirito Santo. Victoria: Typ.
Espirito-Santense, 1974.
CARVALHO, Antonio Alves de Souza Relatorio que o exm. dr. Antonio Alves de Souza
Carvalho ex. presidente da provincia do Espirito Santo passou a administração da
mesma ao exm. dr. João da Costa Lima e Castro primeiro vice-presidente no dia 11 de
Março de 1861. Victoria: Typ. Capitaniense, 1861.
CARVALHO, Antonio Alves de Souza. Relatorio que o Exm. Dr. Antonio Alves de Souza
Carvalho Ex. presidente da Provincia do Espirito Santo passou a administração da
mesma ao Exm. Dr. João da Costa Lima e Castro primeiro Vice-Presidente no dia 11 de
Março de 1861. Victoria: Typ. Capitaniense, 1861.
COUTO, João Lopes da Silva. Discurso com que o Exmo. Presidente da Provincia do
Espirito Santo o Dr João Lopes da Silva Couto, fez a abertura da Sessão Ordinaria da
Assembléa Provincial, no dia 8 de Setembro de 1838 Rio de Janeiro: Typographia de
Josino do Nascimento Silva, 1838.
FERRAZ, Luiz Pedreira do Couto. Relatorio do presidente da Provincia do Espírito Santo
o doutor Luiz Pedreira do Coutto Ferraz na abertura da assembléia legislativa
provincial no dia 1.º de março de 1848. Rio de Janeiro: Tipografia do Diario de N. L.
Vianna, 1848.
GAMA, Antonio Joaquim de Miranda Nogueira da. Relatório apresentado a assembléa
legislativa da Província Do Espírito Santo em a 2ª sessão ordinária da vigésima primeira
legislatura provincial pelo presidente desta província, dr. Antonio Joaquim de Miranda
Nogueira da Gama, Victoria: Typ. Do Jornal da Victoria, 1877a.
314
GAMA, Antonio Joaquim de Miranda Nogueira da. Relatório com que s exª. o sr. dr.
Antonio Joaquim de Miranda Nogueira da Gama passou a administração da província
ao exmº. sr. 1º vice-presidente, coronel Manoel Ferreira de Paiva. Victoria: Typ.
Capitaniense, 1877b.
LIMA, Joaquim Marcelino da Silva. Falla dirigida á assembléa legislativa da provincia do
espirito santo pelo exm. vice-presidente da mesma provincia Joaquim Marcellino da
Silva Lima. Rio de Janeiro: typographia Brasiliense de F. M Ferreira, 1945.
MAFRA, Manoel da Silva. Relatório apresentado pelo exm. sr. dr. Manoel da Silva
Mafra a Assembléa Legislativa Provincial do Espírito Santo no dia 22 de outubro de
1878. Victoria: Typ. Espirito-Santense, 1978.
MARTINS, Eliseu de Sousa. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa do Espirito-
Santo em sua sessão ordinaria de 9 de março de 1880 pelo presidente da provincia, o
exm. sr. dr. Eliseu de Sousa Martins. Victoria: Typ. da Gazeta da Victoria, 1880.
MASCARENHAS, Manoel Ribeiro Coitinho. Relatório apresentado à Assembléa
Legislativa Provincial do Espirito Santo pelo Exmº. sr. 1º vice-presidente, coronel
Manoel Ribeiro Coitinho Mascarenhas na sessão da 21ª Legislatura. Victoria: Typ.
Espirito-Santense, 1974.
MATTOS, Eduardo Pindahiba de. Relatorio apresentado pelo exm. 1º vice presidente, dr.
Eduardo Pindahiba de Mattos, na occasião de intregar a administração da provincia ao
exm. presidente dr. José Joaquim de Carmo. Victoria: Typ. Liberal do Jornal da Victoria,
1865.
MONJARDIM, José Francisco de Andrade e Almeida. Relatorio que o exm. sr.
commendador José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim, segundo vice-
presidente da provincia do Espirito Santo, apresentou na abertura da assembléa
legislativa provincial no dia 23 de maio de 1858. Victoria: Typ. Capitaniense, 1858.
NUNES, Sebastião Machado. Relatorio com que o exm. sr. dr. Sebastião Machado Nunes,
presidente da provincia do Espírito Santo abriu a sessão ordinaria da respectiva
assembléa legislativa no dia vinte e cinco de maio do corrente anno. Victoria: Typ.
Capitaniense, 1854.
NUNES, Sebastião Machado. Relatorio com que o exm. sr. dr. Sebastião Machado Nunes,
presidente da provincia do Espírito Santo, abriu a sessão ordinaria da respectiva
assembléa legislativa no dia vinte e cinco de maio do corrente anno. Victoria: Typ.
Capitaniense, 1855.
OLIVEIRA, José Joaquim Machado de. Falla que o ex.mo presidente da provincia do
espirito santo dirigio á assembléa legislativa provincial no dia 1º de abril de 1840. Rio de
Janeiro: Typographia Nacional, 1840.
315
OLIVEIRA, José Joaquim Machado. Falla com que o ex.mo presidente da provincia do
Espirito Santo, José Joaquim Machado 'Oliveira, abrio a Assembléa Legislativa
Provincial no dia 1.o de abril de 1841. Rio de Janeiro:, Typografia Nacional, 1841.
PEIXOTO, Domingos Monteiro. Falla com que o exm. sr. dr. Domingos Monteiro Peixoto
installou a Assembléa Provincial do Espírito Santo na sessão do dia 18 de setembro de
1875. Victoria: Typ. Espirito-Santense, 1976.
PEREIRA JUNIOR, José Fernandes da Costa. Relatorio apresentado á assembléa
legislativa provincial do Espirito Santo no dia da abertura da sessão ordinaria de 1861
pelo presidente, José Fernandes da Costa Pereira Junior. Victoria: Typ. Capitaniense,
1861.
PINHEIRO, Luiz Antonio Fernandes. Relatorio com que foi aberta a sessão ordinaria da
assembléa legislativa da provincia do Espirito Santo pelo exm. Sr. presidente, Dr. Luiz
Antonio Fernandes Pinheiro, no anno de 1868. Victoria: Typ. do Correio da Victoria, 1869.
PINTO, Antonio Pereira. Relatorio com que o Exm. Sr. dr. Antonio Pereira Pinto
entregou a presidencia da Provincia do Espirito Santo exm. sr. commendador José
Francisco de Andrade e Almeida Monjardim, segundo vice-presidente da mesma.
Victoria: Typ. Capitaniense, 1848.
PINTO, Carlos de Cerqueira. Relatorio com que foi aberta a sessão ordinaria da
assembléa legislativa provincial pelo exm. sr. dr. Carlos de Cerqueira Pinto, 1º vice-
presidente da provincia, no anno de 1867. Victoria: Typ. Do Jornal da Victoria, 1867.
REBELLO, Camillo Ferreira. Relatório com que o Exm. Sr. Dr. José Camillo Ferreira
Rebello, 3º vice-presidente da Província do Espírito Santo passou a administração ao
exm. sr. Presidente, Dr. Custodio José Ferreira Martins, no dia 17 de setembro de 1884.
Victoria, Typ. do Horisonte, 1884.
SILVA, João Thomé da. Falla com que foi aberta a sessão extraordinaria da Assembléa
Provincial pelo exm. sr. presidente, o doutor João Thomé da Silva, em maio de 1873.
Victoria: Typ. Espirito-Santense, 1873.
SILVA, João Thomé da. Falla dirigida a Assembléa Legislativa Provincial pelo exm. sr.
presidente da provincia do Espirito Santo, dr. João Thomé da Silva, em occasião da
abertura de sua sessão ordinaria, que teve lugar no dia 10 de setembro de 1873. Victoria:
Typ. do Espirito-Santense, 1874.
SOUZA, Herculano Marcos Inglez de. Relatorio com que o Exm. Sr. Dr. Herculano
Marcos Inglez de Souza passou a adminstração da província de Sergipe ao Exm. Sr.
316
Primeiro vice-presidente Dr. José Joaqueim Ribeiro de Campos em 22 de fevereiro de
1882. Aracaju: Typ. do Jornal de Sergipe, 1882a.
SOUZA, Herculano Marcos Inglez de. Relatorio com que o Exm. Sr. Dr. Herculano
Marcos Inglez de Souza entregou no dia 9 de dezembro de 1882 ao Exm. Sr. Dr. Martim
Francisco Ribeiro de Andrada Junior a administração da Província do Espírito Santo.
Victoria: Typographia do Horizonte, 1882b.
VELLOSO, Pedro Leão. Relatorio com que o exm. sr. commendador Pedro Leão Velloso,
ex-presidente da provincia do Espirito Santo, passou a administração da mesma
provincia ao exm. sr. commendador José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim,
segundo vice-presidente, no dia 14 de abril de 1860; acompanhado do relatorio e
appensos com que o mesmo exm. sr. vice-presidente fez a abertura da assembléa
legislativa provincial no dia 24 de maio do corrente anno; e do officio com que passou a
administração da provincia ao exm. sr. dr. Antonio Alves de Sousa Carvalho. Victoria:
Typ. Capitaniense, 1860b.
VELLOSO, Pedro Leão. Relatorio do presidente da provincia do Espirito Santo, o
bacharel Pedro Leão Velloso, na abertura da assembléa legislativa provincial no dia 25
de maio de 1859a. Victoria: Typ. Capitaniense, 1859.
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