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DORCELINA DE FÁTIMA RAMPI
A FORMAÇÃO DE PROFESSORAS DA ESCOLA NORMAL DO
COLÉGIO DE SANTA INÊS: A EDUCAÇÃO SALESIANA NO
BRASIL INSERIDA NA PEDAGOGIA CATÓLICA (1927-1937)
MESTRADO
EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE
PUC / SP
2007
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DORCELINA DE FÁTIMA RAMPI
A FORMAÇÃO DE PROFESSORAS DA ESCOLA NORMAL DO
COLÉGIO DE SANTA INÊS: A EDUCAÇÃO SALESIANA NO
BRASIL INSERIDA NA PEDAGOGIA CATÓLICA (1927-1937)
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Educação, no
Programa de Pós-graduação em
Educação: História, Política, Sociedade,
sob a orientação do Professor Doutor
Bruno Bontempi Jr.
PUC / SP
2007
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___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
AGRADECIMENTOS
“Daí Graças ao Senhor porque Ele é bom,
eterna é a sua misericórdia!”
(Sl. 117).
Não poderia iniciar os agradecimentos deste trabalho de outra forma que não esta,
em que me dirijo à bondade de Deus, até mesmo confirmado pelo fato de este estudo ter
como foco de investigação uma instituição de educação católica da qual sou parte.
Dadas as devidas proporções a este fato, volto meu agradecimento, agora sim, a
tantas pessoas que, de maneira afetiva e efetiva, fizeram parte deste trabalho, lendo,
sugerindo, corrigindo, traduzindo ou encorajando. Todas elas foram importantes e ajudaram
nesta dissertação.
Ao Professor Doutor Bruno Bontempi Jr., pela orientação competente,
dedicada e segura e que, mesmo nos momentos “recheados” daquela vontade em “largar
mão”, porque parecia não valer a pena, incentivou-me nesta pesquisa, sendo firme, crítico,
mas sem perder jamais o “amor educativo”.
Às Professoras Doutoras Cynthia Pereira de Souza e Luciana Maria Giovani,
pelas contribuições ao texto de qualificação, dispondo-se a avaliarem este trabalho.
Aos professores e professoras do Programa em Educação, História, Política,
Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), por ensinarem com
seriedade e partilharem seus conhecimentos comigo: Prof. Dr. José Geraldo Silveira Bueno,
Prof. Dr. Kazumi Munakata, Prof. Dr. Odair Sass, Profª Dra. Maria das Mercês, Profª Dra.
Marta Maria Chagas de Carvalho e o agradecimento especial à Profª Dra. Maria Rita de
Almeida Toledo, que dividiu comigo seus saberes e incentivou-me como professora durante
4 semestres.
Aos colegas de turma, em especial à Sandrinha, Suzana, Suenilde e rcia
Regina. Obrigadas pelo incentivo, pela escuta, pela partilha, pela correção!
À querida Betinha, secretária do Programa, amiga preocupada e zelosa não
somente com a documentação e parte burocrática, mas torcedora e amiga para o bom
andamento do trabalho.
À Inspetoria Santa Catarina de Sena, Inspetoria Salesiana à qual pertenço,
pelas possibilidades e incentivo ao crescimento intelectual.
À querida Ir. Lúcia Maistro – Inspetora, Superiora e amiga que, para além do
apoio e credibilidade no trabalho, partilhou e participou comigo dos momentos de sufoco
vividos ao longo desse curso de pós-graduação.
À minha comunidade religiosa, pela paciência e consideração nos momentos
de ausência. Em particular, minha gratidão àquelas que ajudaram nas leituras e tradução do
italiano, na busca de documentos, bibliografias... (Ir. Josepha, Ir. Edméa, Ir. Becker, Ir.
Teca e Ir. Claudia).
Às pessoas que me ajudaram na busca de materiais nas bibliotecas do
Colégio de Santa Inês, PUC-SP, USP e nos arquivos do Colégio de Santa Inês, da
Inspetoria Santa Catarina de Sena e no Centro de Documentação e Memória Mário Covas.
Aos meus pais que, mesmo de longe, sempre me acompanharam com as
orações e o carinho tão necessários para vencer o cansaço e continuar o percurso.
Minha gratidão a todos, acreditando no que diz Fernando Pessoa que Tudo vale a
pena quando a alma não é pequena.
RESUMO
Nesta pesquisa, o enfoque recai sobre a atuação educativa das Irmãs Salesianas no
Brasil, desenvolvida na Escola Normal Livre Anexa ao Colégio de Santa Inês para a
formação de professoras, entre os anos de 1927 (quando da aprovação, obtida do governo
estadual, da escola normal livre anexa ao colégio de Santa Inês nos moldes da Lei 2.269 de
31 de dezembro de 1927) a 1937 (início do Estado Novo). Por essa temática, dialoga com
assuntos como formação de professores, escola normal, educação católica, educação
feminina, educação salesiana, alfabetização e relação de gênero. Ao se examinarem as
propostas pedagógicas, objetivos, currículos, cotidiano escolar, resultados obtidos,
referências leigas e católicas de educação desenvolvidos nessa Instituição, pretende-se
desvelar o perfil específico de professora que foi sendo formado nessa instituição católica.
Além disso, esta pesquisa tem o valor de trazer do passado elementos que podem ser
atualmente considerados na proposta pedagógica do Colégio de Santa Inês. Para
compreender o que caracterizou, no período em foco, o projeto pedagógico implementado
na Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês, quais eram os princípios
fundamentais que o orientava, a pergunta que orienta a pesquisa versa sobre o que era a
pedagogia católica e no que ela diferia da pedagogia laica? A hipótese é que, como uma
instituição católica, a referida Escola Normal valia-se dos pressupostos religiosos que a
sustentava, mas também de métodos de instituições oficiais laicas, nas quais se desenvolvia
a pedagogia da Escola Nova, conformando-a ao padrão educativo congregacional. Como
principais fontes de pesquisa são utilizadas as crônicas da casa, o livro histórico do Curso
Normal e os documentos da Secretaria Escolar. A maioria dos dados refere-se à vida
interna da Instituição. Com o estudo, pôde-se concluir que esta escola, não só na sua
organização e funcionamento seguiu rigorosamente o que então era esperado de uma escola
normal, como sua prática pedagógica assumiu, além dos métodos da pedagogia católica,
elementos da pedagogia da Escola Nova.
Palavras-chave: Escola Normal Livre, Colégio de Santa Inês, formação de professores,
alfabetização, pedagogia católica, educação salesiana, educação da mulher.
ABSTRACT
In this research, the aim is at the educational performance of Salesian Sisters in
Brazil that was developed in the “Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês” in
order to give teacher formation between the years of 1927 ( when the state government
approved the “Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês”, under the law number
2.269 in December 31
st
, 1927) to 1937 ( the beginning of the “Estado Novo”). Withim this
topic, it is possible to deal with different subjects as teacher formation, teacher training
school, catholic education, woman and salesian education, alphabetization and gender
relation. In order to show the specific teacher profile that was being formed in this catholic
institution, pedagogical proposals, objectives, curriculums, school daily, obtained results,
layman and catholic references of education developed in this Institution were analysed.
Besides, this research presents the value of bringing elements from the past which can be
considered nowadays in the pedagogical proposal of “Colégio de Santa Inês” and to
understand what characterized, in the period mentioned, the pedagogical project used in the
“Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês” and which were the main principles
that guided this project, there is a question that guides the research and it is about what the
catholic pedagogy was and in what it differred from the layman pedagogy. It is supposed
that, as a catholic institution, the Teacher Training School mentioned above, had recourses
to religious teaching that supported it and had also recourses to the methods from oficial
layman institutions where the pedagogy of the “Escola Nova” was developed adjusting
itself to the educative pattern of the congregation. To this research, the school chronicles,
the historical book from the Teacher Training Course and the School Office documents
were used. Most of the information refers to the internal life of the Institution. As a
conclusion, with this study, it is possible to say that this school followed seriously its
organization and working as it was waited as a normal school and assumed in its
pedagogical practice the methods of the catholic pedagogy and elements from the “Escola
Nova” pedagogy.
Key words: Free Teacher Training School, Santa Inês School, teacher formation,
alphabetization, catholic pedagogy, salesian education, woman education.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................2
A
EDUCAÇÃO FEMININA EM INSTITUIÇÕES CATÓLICAS
........................................................4
D
ELIMITAÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA
............................................................................8
CAPÍTULO
1
D
OM
B
OSCO E A EDUCAÇÃO SALESIANA
..................................................18
1.1
–D
OM
B
OSCO E SEU TEMPO
.........................................................................................18
1.2-
A
DOUTRINA SOCIAL DA
I
GREJA
.................................................................................20
1.3–
A
AÇÃO EDUCATIVA DE
D
OM
B
OSCO
:
INSTITUTOS SALESIANOS
................................22
1.4-
A
EXTENSÃO FEMININA DA AÇÃO EDUCATIVA SALESIANA
..........................................28
CAPÍTULO
2-
A
E
SCOLA
N
ORMAL
L
IVRE ANEXA AO
C
OLÉGIO DE
S
ANTA
I
NÊS
..............35
2.1.
A
FUNDAÇÃO
..............................................................................................................35
2.2-
A
BOA FORMAÇÃO MORAL
..........................................................................................48
2.3-
A
PEDAGOGIA
.............................................................................................................60
2.4-
I
NSTRUÇÕES PARA A ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS
..................................................71
2.5-
S
OLENIDADES E FESTAS
..............................................................................................80
CONSIDERAÇÕES
FINAIS ...........................................................................................88
BIBLIOGRAFIA..............................................................................................................92
ANEXOS..........................................................................................................................98
2
INTRODUÇÃO
“A história não é ordem. É desordem: uma desordem racional.
No momento mesmo em que mantém a ordem, isto é,
a estrutura, a história já está a caminho de desfazê-la”.
(Sartre)
A história que se pretende contar remonta a um pedaço” da vida do Colégio de
Santa Inês, que tem seu começo na cidade de São Paulo, em 1907. Esse “pedaço”
refere-se ao período de 1927 (quando da aprovação, obtida do governo estadual, para o
funcionamento da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês nos moldes da
Lei 2.269 de 31 de dezembro de 1927) a 1937 (início do Estado Novo), tendo como
foco de investigação a formação das professoras primárias nessa instituição ao longo do
período.
O interesse para esta pesquisa nasceu das minhas inquietações como educadora
e, principalmente, como religiosa integrante da Congregação Filhas de Maria
Auxiliadora (FMA) ou Salesianas de Dom Bosco, da qual faz parte o Colégio de Santa
Inês, de que sou atualmente diretora. Além dessas inquietações, na condição de religiosa
salesiana, interesso-me pela experiência educativa vivida pelas ex-alunas e irmãs que
atuaram na escola e de que falam a mim com muito entusiasmo. O que fez com que o
curso normal nesta escola tenha tido, para elas, um significado tão especial?
Em 2000, por falta de procura e interesse de alunas e também pelo fato de a Lei
de Diretrizes e Bases (LDB), 9.394/96, estabelecer os Institutos Superiores de
Educação para formação de docentes na educação infantil e nas quatro primeiras séries
do Ensino Fundamental, deu-se o fechamento do Curso Magistério no Colégio de Santa
Inês. Foi grande a angústia de fechar um curso que havia sido, ao longo de quase 100
anos de existência da escola, a menina dos olhos” das religiosas, porque destinado à
formação de professoras que dariam continuidade à ação educativa salesiana, voltada
para a educação integral (moral, religiosa, psicoafetiva, profissional, associativa) da
criança e da juventude.
3
O meu pertencimento pauta o objetivo de, nesta pesquisa, reafirmar que essa
instituição de ensino foi imprescindível na formação da mulher e da professora no
período, e que foi representativa das particularidades da educação católica,
especialmente da salesiana, no Brasil. Esse objetivo requer que se reconstitua, mediante
a análise de fontes históricas, a formação, sob o ponto de vista cristão católico, de
professoras, mulheres e mães na Escola Normal do Colégio de Santa Inês de 1927 a
1937, que comporta um projeto que manteve relação, quer com as prescrições da Igreja
e da Congregação, quer com a dos poderes oficiais da educação brasileira.
Este mesmo pertencimento, por outro lado, desafia-me a procurar a distinção
entre o passado vivido e o passado histórico, ou seja, conjugar o interesse de reconstituir
as ações e idéias de acontecimentos e personagens que não mais existem, com os
interesses e problemáticas vivos e atuais, porque se constituem como parte desse
“presente-passado” do qual a instituição e eu fazemos parte. Por vezes, o “eu pessoal”
se entrelaça com o “eu institucional” e cria problemas para as exigências de
objetividade da pesquisa.
A dificuldade de um religioso em fazer ciência neste campo decorre, de acordo
com Bourdieu da perda da objetividade, “porque, quando se faz parte dele, participa-se
da crença inerente ao fato de se pertencer a um campo” (Bourdieu, 1990, p. 108).
A crença faz com que o pesquisador religioso elabore um juízo diferencial sobre
o objeto, muitas vezes não orientado para fins de conhecimento, de modo a encontrar
nele elementos inexistentes a um observador externo.
O olhar crítico que deve orientar a pesquisa com objetividade e para o interesse
científico defronta-se com o meu pertencimento religioso, levando-me à consciência de
que a história aqui narrada pode ter distorções, uma vez que o “lugar de fala” tende a
sempre interferir e “fazer dessa pertença condição necessária e suficiente para o
conhecimento adequado” (Bourdieu, 1990, p. 110).
Se, no entanto, estabelecer um “domínio consciente” dos interesses ligados ao
fato exige controle aos limites da objetivação e representa um desafio e uma dificuldade
para esta pesquisa, o pertencimento à Congregação e ao Colégio é positivo ao permitir,
tanto o acesso às fontes, como a familiaridade necessária para a compreensão de suas
particularidades.
4
E ciente dos prós e dos contras ao pertencimento do campo para realização de
uma pesquisa científica, foram levantados problemas e hipóteses de pesquisa. Mas,
antes de anunciar os problemas e as hipóteses que nortearam esta investigação, será
apresentado o teor de alguns trabalhos em torno da temática escolhida, a fim de indicar
o enquadramento da presente pesquisa no conhecimento histórico sobre ela existente.
A educação feminina em instituições católicas
Nesta pesquisa, enfoca-se a atuação educativa das Irmãs Salesianas no Brasil,
desenvolvida na Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês para a formação
de professoras, entre os anos de 1927 a 1937. Por essa temática, é preciso manter o
diálogo com assuntos como formação de professores, escola normal, educação católica,
educação feminina, educação salesiana, educação e relações de gênero. Por isso, a fim
de investigar o que já foi produzido a respeito desses assuntos e inserir o presente
trabalho nas discussões acadêmicas em torno deles, procedeu-se pela pesquisa
bibliográfica no Portal de Periódicos e o Banco de Teses e Dissertações da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e, priorizando os estudos
dos últimos cinco anos, o acervo das bibliotecas da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP) e da Universidade de São Paulo (USP).
Feito um primeiro levantamento das produções e localizados os textos,
procedeu-se à verificação da pertinência ao tema desta pesquisa. A escolha de trabalhos
para esta revisão foi pautada pela proximidade, quer pelo modo com que aqui se procura
compreender e interpretar a educação feminina sob o ponto de vista das instituições
religiosas, quer pelas concepções de vida e pessoa humana nelas implícitas.
trabalhos, também, que, embora voltados para períodos posteriores ao recorte temporal
desta pesquisa, interessam por terem se proposto a reconstituir histórias de instituições
católicas que se dedicaram à formação de professores nos moldes do catolicismo
romanizado.
Carvalho (2004) analisa o contexto em que o Colégio Sagrado Coração de Jesus
de Canoinhas (SC) se encontrava, quais as normas adotadas, segundo a Igreja Católica,
para a educação feminina e as manifestações da cultura escolar dessa instituição de
5
ensino: influências pedagógicas, organização do cotidiano escolar, uso de uniformes,
festas etc., dados pelos quais a autora procura compreender o significado e a trajetória
desse colégio. Esse trabalho interessa pela descrição que faz da organização do
cotidiano escolar de uma instituição congênere, católica, e pelo fato de voltar-se para as
práticas cotidianas no que se refere à formação de professoras para a atuação como
alfabetizadoras, embora o seu recorte temporal (1936-1956) compreenda um período em
que mudanças fundamentais na relação Igreja e Estado, pois, se, até 1936 um
diálogo de reaproximação das duas instituições, após 1937, a Igreja pela liderança
intelectual leiga e religiosa passa a olhar para a estrutura política do país de um modo
mais crítico e embasado em uma filosofia humano-cristã. O tratamento indiferenciado
dos períodos dificulta, assim, a interlocução do estudo de Carvalho (2004) com a
presente pesquisa.
Ainda na linha de estudos sobre a educação feminina em instituições católicas,
o estudo de Manoel (1988) Igreja e Educação Feminina: os colégios das Irmãs de
São José de Chamberry (1859 1919). Preocupa-se esse estudo em demonstrar que
esses colégios significaram mais do que simples escolas particulares; representavam o
entrecruzamento de três forças sociais: a Igreja, o Estado e a Oligarquia, que
estabeleciam uma educação conservadora, resolvendo com a ação conjunta alguns dos
problemas que afetavam o tradicionalismo patriarcal, como resguardar as filhas do
contato com a modernidade, apoiando uma educação de “distinção notável” (Manoel,
1988, p.253), de acordo com aquelas preconizadas pelas idéias do catolicismo
romanizado.
Esse estudo traz contribuições para a compreensão de que as práticas desse
colégio em muito se aproximavam às da instituição aqui pesquisada, por serem ambas
católicas, tendo como objetivo comum educar as moças para a moral cristã, num
momento em que se privilegiam, por parte da pedagogia católica, as diretrizes da Igreja
Romanizada. Outro ponto de interesse refere-se ao fato de que o autor indica a educação
jesuítica como um dos pilares na educação proposta pelas Irmãs de Chamberry em seus
colégios, contrapondo-se à orientação feita pelas Irmãs Salesianas, que tinha como
fundamento o Sistema Preventivo de Dom Bosco.
Já Persurno (1991) apresenta em seu trabalho características da presença da
Igreja no Brasil no que toca à educação feminina, sustentando que, mesmo colocada à
parte do sistema educacional, a mulher encontrou, na Igreja, um meio de alcançar o
6
conhecimento, que poderia exercer como educadora da fé, no trabalho de catequese,
promovido pela evangelização católica, considerando que muitos dos trabalhos e
serviços eram executados, na Igreja, por mulheres, o que lhes teria proporcionado um
certo papel de destaque. Embora o trabalho esteja voltado para a educação feminina, o
enfoque se pela participação das mulheres na Igreja, atuando na linha da catequese,
no que certamente difere do foco desta dissertação sobre a formação de professoras na
Escola Normal do Santa Inês.
Sobre a escola normal em instituição católica, o trabalho de Chornobai (2002),
apresenta discussões relevantes sobre gênero, educação e cultura escolar na Escola
Normal de Sant’Ana, centrando as discussões no papel da mulher na romanização da
Igreja Católica e nas concepções católicas sobre a educação feminina, destacando o
início da formação de professoras na cidade de Ponta Grossa. A contribuição desse
estudo se pela discussão de conceitos também utilizados nesta pesquisa, apesar do
distinto recorte temporal, pois, nesse trabalho, são enfatizadas as mudanças decorridas
da legislação na década de 1960.
No que diz respeito à temática da educação salesiana, destacam-se três trabalhos.
O primeiro deles aborda a gênese e o desenvolvimento do Sistema Preventivo de Dom
Bosco (Damas, 2002) na consolidação institucional da Congregação salesiana,
mostrando que esse Sistema, nascido como Oratório, foi, aos poucos, sistematizando-se
nos mais diversos tipos de educação formal, até chegar ao ensino superior.
O segundo estudo teve o objetivo de traçar a história da aplicação do Sistema
Preventivo em três internatos de São Paulo (Santos, 2000). Nesse trabalho, não se
discute o mérito desse sistema educativo, mas é narrada a aplicação de alguns
instrumentos da estrutura administrativa e regulamentar, as práticas religiosas,
associativas, recreativas, culturais, as disciplinares e avaliativas.
Apesar de os estudos citados remeterem à educação salesiana, a discussão
centra-se no desenvolvimento do Sistema Preventivo e na aplicação desse Sistema nos
mais diversos níveis de ensino formal e não formal, tendo assim a virtude de apoiarem
as considerações sobre o assunto feito nesta dissertação. Eles não contemplam,
entretanto, a didática e a prática escolar utilizadas pela escola normal em um colégio
cuja base educativa era o Sistema Preventivo.
7
Ainda um terceiro trabalho sobre a educação salesiana é o estudo realizado por
Silva (2001) sobre a educação de mulheres no Colégio do Carmo, também dirigido
pelas religiosas que estão à frente do Colégio de Santa Inês. Silva (2001) investiga essa
instituição com o objetivo de entender o processo de adaptação e acomodação das
religiosas na cidade de Guaratinguetá, em função do carisma da Congregação, como se
dedicaram à educação das jovens da elite agrária e, ainda, como foram abrindo espaço
para dar conta do atendimento assistencial, sendo fiéis às suas origens.
Pode-se dizer que tal trabalho percorre um caminho de mão dupla: de um lado,
aproximando-se desta pesquisa, por abordar a educação salesiana desenvolvida e
consolidada pelas Irmãs Salesianas em uma realidade na qual precisariam atuar e
atender a diversos desafios quanto à educação das meninas da cidade de Guaratinguetá;
de outro, distanciando-se do que se propõe nesta dissertação, na medida em que não traz
para a discussão elementos relativos ao confronto da pedagogia salesiana e da educação
católica com a pedagogia moderna.
Quanto à temática educação e gênero, estudos que abordam esse tema com a
finalidade de perceber a importância atribuída à figura materna no movimento
ultramontano, como sendo uma das estratégias da Igreja Católica para reconquistar o
público leigo na sociedade moderna (Guariza, 2003). A importância de tais pesquisas
em relação ao modo como as irmãs pensam a formação das moças cristãs católicas
mostra-se porque a Congregação Salesiana, por meio de seus colégios, imprime
verdadeiramente uma estratégia católica que colabora para a construção da civilização
cristã, em que as mulheres são educadas para serem boas mães e boas cristãs, a exemplo
da Virgem Maria.
Nessa linha, outro trabalho, o de Pereira (1996) retrata a presença do discurso
religioso na formação das professoras. Nele, a autora focaliza a compreensão dos
aspectos simbólicos presentes nos rituais escolares que estão na ação educativa, dando
maior atenção às concepções de mulher e educação contidas no discurso religioso do
cotidiano da educação das professoras. A contribuição de estudos como esse consiste na
compreensão de que o discurso religioso perpassa todo o cotidiano escolar, não sendo
somente garantido pela aula de religião na grade curricular, mas sim, pela força
simbólica que esse discurso carrega e que é traduzido nas práticas escolares.
Com relação ao Colégio de Santa Inês, a tese de Livre Docência de Sousa
(2000), na qual a autora dedica um capítulo para o colégio e para a formação católica
8
feminina dada por ele, mediante práticas de leitura, tendo como instrumento de análise a
Revista Auxilium, inaugurada no ano de 1930. Apesar de a presente pesquisa o ter
como instrumento de análise os periódicos editados pelo Colégio, tal estudo é relevante
porque a autora, por meio da análise do periódico, traz à discussão que a força da
educação salesiana atinge não somente as alunas, mas também as ex-alunas, em
especial, as educadoras. Sousa (2000) consegue captar a força simbólica do discurso
religioso no estilo salesiano para a formação das alunas e, em especial, das educadoras.
Ciente da complexidade da problemática que envolve esta pesquisa e
considerando a existência de um grande número de trabalhos relacionados à temática, a
presente revisão mostrou-se útil para alicerçar a pesquisa, além de incentivar a
apresentação de novos dados e perspectivas que neles não estão presentes. Por isso, vale
explicitar como se delimitou o tema e qual o problema que orienta este trabalho.
Delimitação do tema e do problema
O Colégio de Santa Inês recebeu este nome porque as primeiras irmãs chegaram
ao Brasil exatamente no dia 21 de janeiro
1
, data em que a Igreja Católica celebra a festa
de Santa Inês, que foi mártir romana aos 13 anos de idade
2
. Das oito irmãs que
formavam a primeira comunidade, apenas uma era brasileira, as demais eram
missionárias italianas. As atividades tiveram início com um externato, que oferecia o
Jardim de Infância para crianças menores de sete anos, e o Curso Elementar, em quatro
anos, exclusivamente para meninas. Aos domingos, as meninas iam à escola para
receber aulas de catecismo e brincar no chamado “Oratório Festivo”
3
.
Em 1909, foi criado o Curso Secundário de Ensino, para completar a educação
das alunas e preparar candidatas à Escola Normal, primária e secundária, conforme
1 Quando chegaram, no terreno destinado ao colégio, havia uma casa que serviu para abrigar as irmãs e as
primeiras alunas da pequena instituição de ensino. Era uma antiga casa de família, denominada “Chácara
dos Ingleses”.
2
Como a obra seria dedicada especialmente às jovens, nenhum nome era mais indicado do que Inês, que
dera sua vida no tempo da perseguição ao cristianismo.
3
Termo utilizado pela Congregação Religiosa Salesiana para designar o ambiente educativo não-formal,
com a finalidade de evangelização por meio de atividades recreativas, lúdicas e religiosas. O Oratório
Festivo será tratado com mais detalhes adiante nesta dissertação.
9
atesta o Livro do Histórico da instituição. É provável que, desde esse tempo, houvesse a
preocupação das religiosas educadoras de formar professoras primárias.
A partir de 1927, começa a funcionar a Escola Normal Livre, recebendo, em
1929, autorização para funcionar em regime de internato-externato. As alunas eram
provenientes dos vários Estados do Brasil, e não somente de São Paulo. Segundo o
arquivo do Colégio (Livro Histórico), as moças eram originárias de famílias de
fazendeiros ou da classe média, com pais profissionais liberais, comerciantes,
industriais. Encontravam-se, também, alunas de famílias mais pobres, de que são
indícios documentos pelos quais se requisita, pela família ou pelo departamento
assistencial da prefeitura, gratuidade em favor de determinadas alunas. Segundo o
depoimento de duas ex-professoras
4
(uma delas da escola normal, e outra, do ginásio), o
Colégio oferecia ajuda para filhas de famílias pobres, de modo que algumas nada
pagavam; outras, somente uma parcela. Quanto ao corpo docente, este era composto, em
sua maioria, pelas próprias irmãs, com exceção de dois a três professores nomeados
pelo Estado.
Havia grande preocupação, como é possível observar nos documentos da escola,
em formar professoras de acordo com as normas da pedagogia católica. Portanto, cabe
perguntar o que era a pedagogia católica, e no que ela diferia da pedagogia laica? Esta
pergunta remete à história do embate entre “católicos” e “pioneiros”, que marcou a
época em foco nesta pesquisa.
Para os católicos brasileiros, o laicismo proclamado pela República e, em
especial, o laicismo pedagógico então instaurado, notadamente pelas reformas paulistas
a partir de 1890, tinha grande responsabilidade na crise que viam estar presente na
realidade nacional
5
(Cf. Cury, 1984). A saída apontada pelos católicos para a crise seria
o retorno dos homens a Deus, em contraposição à aceitação das leis materiais, para uma
“reconstrução social do mundo” (Cury, 1984, p.40). Essa restauração estaria assentada
nos princípios garantidos pela “autoridade da Tradição, da Escolástica e do Magistério”,
assegurando, com tal medida, que a solução fosse integral e viabilizada pela educação.
4
Depoimentos prestados à autora em janeiro de 2005 por Alice Goulart (falecida em 19 de março de
2005) e Maria Luisa de Vasconcellos (religiosa da Congregação que trabalhou na escola no período
investigado na pesquisa).
5
A Igreja nomeia como crise o mundo deificado, em que tudo estaria desmoronando, desde a economia, a
política, a educação até a moral, dado lugar ao auge do liberalismo e comunismo, impregnados pelo
individualismo, materialismo e naturalismo.
10
Reeducado o homem em sua interioridade, é preciso reconstruir então, o todo
orgânico-social, aceitando o espiritualismo como base de uma economia
equilibrada, tal como era impregnada a Idade Média. O econômico é fonte
legítima, mas secundária, de nossos males. A reintegração do espiritualismo na
sociedade traz a necessidade da moral como força disciplinadora a fim de
manter a ordem e a estabilidade. Este espiritualismo deve germinar em todos os
cidadãos, especialmente a partir daqueles que entendem que sem ele não
verdadeira ordem nas coisas. Pois não reforma econômica ou social sem
reforma moral. (Cury, 1984, pp. 42- 43).
A educação é vista pela Igreja Católica como indispensável para sanar o “mal
intelectual”, instaurado nessa sociedade em crise. Apontavam-se, como passos
educacionais importantes no processo de restauração social, a definição de princípios
pedagógicos coerentes com o catolicismo, além de ter-se presente que a criança devia
ser o objeto central da educação e, ainda, que a adoção do método fosse cabível ao ideal
católico. Assim, cabia à Igreja, à Família e ao Estado, o papel de educar
6
.
Coerentemente com seu projeto recristianizador, a partir da República, a Igreja foi se
consolidando como formadora das elites dirigentes, nos inúmeros colégios católicos que
passou a criar e administrar no Brasil. Segundo Beozzo (1997), é estabelecendo uma
rede importante de colégios em todo o país que a Igreja conta cristianizar as elites, a fim
de que elas cristianizem o povo e o estado.
Se os católicos partiam da constatação de um mundo em crise para pensar um
programa de educação baseado na doutrina católica, os defensores da educação laica
empreendiam um projeto com base na mesma idéia de um mundo em crise, mas tendo
em vista um projeto que fosse vivido em um mundo de mudanças e transformações.
Para Cury (1984), os “renovadores” entendiam como sendo duas as causas para a crise:
uma ligada ao espírito científico do tempo, e outra, ao próprio homem, preso a uma
mentalidade ultrapassada. A educação era vista como “o veículo integrador das gerações
às novas condições de um mundo em mudança”(Cury, 1984, p.80), sendo necessária a
definição de princípios científicos e métodos ativos para uma reforma educacional.
Na década de vinte, a Associação Brasileira de Educação (ABE), fundada em
1924, por Heitor Lira, e que congregava educadores tanto católicos como laicos,
atribuiu a si mesma a tarefa importante na campanha cívica, de superar essa “crise” e
convencer a elite da necessidade de fazer do povo brasileiro, pela educação, uma gente
civilizada e produtiva.
6
Ver Encíclica sobre a Educação cristã da Juventude. (Pio XI, 1974, pp. 6-7).
11
A Associação Brasileira de Educação (ABE) foi, nos anos vinte, a principal
instância de articulação do chamado movimento de renovação educacional no
Brasil. Nela se congregaram, numa mesma campanha pela “causa cívico-
educacional”, grupos de educadores que iriam se antagonizar mais tarde, após a
Revolução de 1930, quando, numa conjuntura de crescimento do aparato estatal
e de disputa por hegemonia política, a luta pelo controle do aparelho escolar
tornou-se, para os referidos grupos, central. (Carvalho, M. M. C., 1999, p. 17).
Para Marta Maria Chagas de Carvalho (1999), até a década de 1930 havia uma
presença expressiva de militantes católicos na ABE, o que garantia à entidade o aspecto
moral, seja por intermédio de propostas de um ensino religioso integrado ao programa
das escolas oficiais, seja por projetos de cunho social e caritativo. Após esse período, os
grupos até então articulados em torno de uma mesma “causa cívico-educacional” se
tornaram rivais e implementaram programas político-pedagógicos diferentes: “nessa
disputa, dois grupos se constituem, antagonizando-se com base em propostas rivais de
controle técnico e doutrinário das escolas: os ‘católicos’ e os ‘pioneiros’” (Carvalho, M.
M. C, 1999, p. 17).
Essa cisão, acontecida na IV Conferência Nacional de Educação, em 1932, teve
como efeito imediato a desarticulação de “uma política educacional que perpetuava a
dualidade do sistema escolar e lhe imprimia orientação religiosa” (Carvalho, M. M. C,
1999, p. 18), em vista de se firmar, na Conferência, posições de defesa da escola única e
da laicidade do ensino (Cf. Cunha, 2003) surgindo espaço para o lançamento do
Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova.
Nessa quebra do “território do consenso” (Carvalho, M. M. C., 1999), a Igreja
elegeu alguns intelectuais católicos, como Alceu Amoroso Lima, reunidos na Revista A
Ordem e no Centro Dom Vital, para a função de recuperar a influência do catolicismo
na sociedade civil e no Estado Brasileiro. Pela atuação de Amoroso Lima na Ação
Católica
7
, vislumbra-se instalar o movimento de “Neocristandade”, visando a
estabelecer nova forma da Igreja se relacionar com seus fiéis, e contra o pensamento
anticristão da época, fruto do liberalismo e do materialismo reinantes na sociedade: “aos
que querem regenerar o mundo pela Revolução, nós opomos a Regeneração do mundo
pela Religião” (Farias, 1998, p.47).
7
Movimento de leigos, instituído por Dom Leme em 1935, nos modelos franceses e italianos. Objetivava
atuar, em linhas gerais, como auxiliar da hierarquia eclesiástica na defesa dos interesses da Igreja, na área
educacional, moral, política e religiosa. (Rodrigues, 2005, p.155).
12
Intelectuais católicos como Amoroso Lima, em especial, os integrantes da
Conferência Católica Brasileira de Educação (CCBE)
8
, militariam no campo
educacional utilizando estratégias com a finalidade de “normatizar as práticas escolares
e de promover uma mudança de mentalidade do professorado para assegurar o controle
da orientação doutrinária do sistema educacional” (Carvalho, M. M. C., 1999, p. 23).
Tais estratégias seguiriam na contramão dos pioneiros
9
, dado que os católicos
utilizariam o discurso pedagógico que lhes era próprio como juiz dos preceitos
escolanovistas; portanto, mobilizavam a propaganda e a difusão das novas pedagogias,
depurando-as de tudo que viesse a contrariar os princípios estabelecidos na Encíclica
Divini Illius Magistri (DIM):
Na verdade, nunca como nos tempos presentes, se discutiu tanto acerca da
educação; por isso se multiplicam os mestres de novas teorias pedagógicas (...).
É, portanto da máxima importância não errar na educação, como não errar na
direção para o fim último com o qual está conexa íntima e necessariamente toda
a obra da educação. (...) a excelência da obra da educação cristã, tem em vista
assegurar o Sumo Bem, Deus, às almas dos educandos, e a máxima felicidade
possível, neste mundo, à sociedade humana. (Pio XI, 1974, pp. 4-6).
Segundo essa Encíclica, a educação pertence, em especial, à Igreja (sociedade
sobrenatural), à Família e, finalmente, ao Estado (sociedades naturais). É sujeito da
educação todo homem, espírito unido ao corpo e que, para obter perfeita educação, é
preciso cuidar das condições de tudo o que rodeia o educando, ou seja, o ambiente em
que se a educação. Disso decorre a crítica católica ao “naturalismo pedagógico”, que
menospreza a formação sobrenatural cristã e ignora a força da Graça como método
educativo, apoiando-se unicamente sobre as forças da natureza humana.
60. É falso, portanto todo o naturalismo pedagógico que, na educação da
juventude, exclui ou menospreza por todos os meios a formação sobrenatural
cristã; é também errado todo o método de educação que, no todo ou em parte, se
funda sobre a negação ou esquecimento do pecado original e da graça, e, por
conseguinte, unicamente sobre as forças da natureza humana.
8
Segundo Sgarbi (1997), os participantes da CCBE tinham características distintas, particulares da “elite
intelectual” do centro Dom Vital e da Revista A Ordem, em especial da gestão de Jackson de Figueiredo.
9
Nas palavras de Marta Maria Chagas de Carvalho (1999, p. 23), “os pioneiros atuaram de modo a
enraizar os usos das expressões ‘educação nova e escola nova’ nas práticas de reorganização da cultura e
da sociedade de que faziam parte as políticas de remodelação da escola e de reforma estrutural do sistema
escolar”.
13
61. Tais são, na sua generalidade, aqueles sistemas modernos, de vários nomes,
que apelam para uma pretendida autonomia e ilimitada liberdade da criança, e
que diminuem ou suprimem, até, a autoridade e a ação do educador, atribuindo
ao educando um primado exclusivo de iniciativa e uma atividade independente
de toda a lei superior natural e divina, na obra da sua educação. (Pio XI, 1974,
p.25).
Para Sgarbi (1997), nos órgãos divulgadores do pensamento católico
educacional, em especial, na Revista Brasileira de Pedagogia (RBP), que circulou nos
anos de 1934 a 1938, nunca fugiu do propósito da “divulgação dos princípios da Divini
Illius Magistri e do diálogo com as idéias ‘avançadas’ e ‘progressistas’, ou seja, com os
ideais da Escola Nova” (Sgarbi, 1997, p. 58). Essa abertura para o diálogo deveria
ocorrer de maneira cuidadosa e progressiva, pois assim seria possível “defender
idéias avançadas, mas criteriosas”; “progressistas, mas ponderadas” (Sgarbi, 1997,
p.170).
Iniciativas como as das revistas católicas A Ordem e Revista Brasileira de
Pedagogia, da atuação dos leigos da Ação Católica, do professorado das Associações do
Professorado Católico (APCs), da Liga Eleitoral Católica (LEC), da Conferência
Católica Brasileira de Educação (CCBE), de constituir uma pedagogia de filosofia
católica era de fundamental importância na construção da chamada “civilização cristã
brasileira” (Sgarbi, 2001, p. 5), a fim de veicular as idéias e doutrinas católicas por meio
da prática pedagógica dos educadores, o que ressalta a ação da escola como “campo de
batalha em que se decide o caráter cristão da sociedade” (Sgarbi, 2001, p.5).
Esse período é marcado, portanto, de um lado, pelos pioneiros nome daqueles
que participaram, efetivamente, do “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova”, que
aspiravam a uma República que pela escola formasse cívica e moralmente o cidadão e
democratizasse a sociedade; e de outro, pelos católicos, representados pelos militantes
do laicato intelectual católico que integraram a ABE nos anos 1920 e que a
abandonaram em 1932 (Cf. Carvalho, M. M. C., 1999). Ambos os grupos pensavam um
projeto educacional nacional, porém, o processo para a concretização estava repleto de
conflitos e divergências. É nesse contexto que se investiga a história da Escola Normal
Livre anexa ao Colégio de Santa Inês como parte de um projeto educacional católico.
14
As Irmãs Salesianas têm como carisma
10
e missão
11
a “educação da juventude”,
no estilo de Dom Bosco
12
, que justifica o empenho na educação de meninas e moças
(internato, semi-internato, externato na educação formal e informal; escola infantil,
primária, ginásio, clássico, científico, prendas domésticas, oratório festivo). Essas Irmãs
passam, a partir de 1927, com a autorização de funcionamento da Escola Normal Livre
anexa ao Colégio de Santa Inês, a se preocupar com a formação de futuras professoras,
ou seja, a pensar naquelas que seriam as profissionais responsáveis pela educação das
crianças e jovens (legado da missão educativa das religiosas). Sendo assim, torna-se
relevante perguntar:
Quais os meios e instrumentos utilizados pela escola para ser um dos
lugares de educação-evangelização no projeto de ação pastoral da Igreja?
Como se caracterizou o projeto pedagógico oferecido às alunas? Quais
eram os seus princípios fundamentais?
Qual o “perfil” de professoras que esta escola pretendeu formar e
formou? Em quais aspectos a formação das futuras professoras
distinguia-se da formação preconizada pelas Escolas Oficiais?
Por ser esta escola uma instituição católica, partiu-se do pressuposto de que
tinha, como linhas orientadoras para a sua ação pedagógica, a conformação com o
campo pedagógico católico e as diretrizes educativo-pastorais da própria Congregação
10
No contexto bíblico e eclesial, o termo “carisma”, de origem grega, significa, em geral, um “dom
espiritual” dado por Deus para ser atuado na igreja a serviço dos outros” (Viganò, s/d, p. 5), e carisma
salesiano é: “O carisma permanente de Dom Bosco consiste em uma presença especial do Espírito Santo
na Família salesiana,pela qual, com a intervenção maternal de Maria, suscitou o fundador e chama cada
um de seus membros para configurar-se com Cristo e para edificar sua Igreja, segundo um projeto
evangélico original. Conduzidos por tal iniciativa do espírito, os filhos/as de D. Bosco oferecem-se a
Deus e vivem a experiência de uma aliança com ele, numa linha eucarística e mariana, comprometendo-se
com uma paixão apostólica radical a doarem as próprias forças especialmente em favor dos jovens pobres
e necessitados aos quais a Igreja os envia, quais ‘missionários da juventude’ e que cultivam com
intensidade o espírito de iniciativa, a flexibilidade realista na ação educativa, a bondade, o trabalho e a
temperança, o equilíbrio do bom senso e viver com simplicidade e alegria. Desse modo o Espírito Santo
imprime na família salesiana uma fisionomia própria que a diferencia das outras congregações”.(Viganò,
s/d, p. 45).
11
A missão é um dos critérios para reconhecer um carisma. Com a missão especifica-se a tarefa que a
Congregação têm na Igreja e o lugar que ela ocupa entre as famílias religiosas: ela a toda a vida dos
consagrados seu tom concreto (Cf. Constituições dos Salesianos, art. 3) e dá, no caso, aos salesianos e às
salesianas, como “missionários da juventude”: “serem, em estilo salesiano, sinais e portadores do amor de
Deus aos jovens, especialmente aos mais pobres” (Cf. Const. Salesianos, Art. 2).
12
Fundador da Congregação Salesiana na Itália, no século XIX, e do chamado “Sistema Preventivo”
estilo de presença apostólica que se apóia na razão, na religião e na “amorevolezza”.
15
Religiosa. Portanto, para responder às perguntas de pesquisa, levantaram-se as seguintes
hipóteses:
1- A Escola Normal do Colégio de Santa Inês desenvolveu uma ação
educativa de construção da civilização cristã”, ou seja, fundada nos
princípios doutrinários da Igreja Católica.
2- Assim como seu funcionamento foi estabelecido na relação com as
normas oficiais do Estado, sua prática pedagógica procurou se valer,
tanto dos métodos pertinentes às instituições católicas, como das
oficiais, em que se desenvolvia a pedagogia laica da Escola Nova.
3- A formação de suas professoras foi fortemente marcada pela
importância dada ao ensino religioso e ao aspecto moral-cristão,
fundamentais na prática do cotidiano escolar para a formação da
mulher, cristã e professora.
O objetivo primeiro nesta pesquisa é contribuir para a História e a Historiografia
da Educação Brasileira, dando a conhecer elementos da prática da pedagogia católica
desenvolvida em uma instituição de ensino que formou professoras num período de
conflito e de afastamento entre os intelectuais católicos e os pioneiros, e num momento
de reaproximação da Igreja com o Estado (Cf. Della Cava, 1975).
Um segundo objetivo, não menos importante que o primeiro, consiste em
contribuir com a história da Congregação da qual faço parte. Os muitos estudos e
pesquisas até então elaborados são de origem italiana. No Brasil, os trabalhos são acerca
do Sistema Preventivo ou da presença das salesianas no Brasil. Este é um trabalho que,
diferentemente dos demais sobre a história da Congregação, indaga sobre a formação
das professoras no Colégio de Santa Inês, problematiza a inserção da pedagogia
salesiana na educação católica, reconstituindo e contribuindo, dessa forma, com a
história da Congregação e sua relevância para a educação brasileira.
Ao se examinarem as propostas pedagógicas, objetivos, currículos, cotidiano
escolar, resultados obtidos, referências leigas e católicas de educação desenvolvidos
nessa Instituição, pretende-se desvelar o perfil específico de professora que foi sendo
formado nessa instituição católica, que, ao apropriar-se de uma proposta pedagógica
moderna, conformou-a ao seu padrão educativo congregacional e ao projeto educativo
16
de educação católica. Além disso, esta pesquisa tem o valor de trazer do passado
elementos que podem ser atualmente considerados na proposta pedagógica do Colégio
de Santa Inês.
A
o pontuar a ação educativa feminina salesiana, em que se procura dar destaque
a mulheres-educadoras-religiosas
13
, é possível compreender sua abrangência e
significado como sujeitos sociais e a singularidade de suas ações, ou seja, “compreender
pelo fio da história aquilo que tem sido considerado a feminização do magistério”
(Pereira, 1996, p. 204). Considera-se tal reflexão oportuna na pesquisa em questão
porque, mais do que se tratar de mulheres que foram crescendo em número como
educadoras, apresenta a prática desse “fazer feminino”, que foi se configurando em um
certo “jeito de educar” em muitos lugares do mundo, inclusive na Escola Normal Livre
anexa ao Colégio de Santa Inês.
Como principais fontes de pesquisa são utilizadas as crônicas da casa, o livro
histórico do Curso Normal e os documentos da Secretaria Escolar. A maioria dos dados
refere-se à vida interna da Instituição. Nas fontes, os fatos são apresentados sob a ótica
das religiosas e da religião (com um certo acento a atribuir os fatos à Divina
Providência), com um certo ufanismo acerca da própria obra e missão educativa, o que
se procurará amenizar mediante uma abordagem, tanto quanto possível, “neutra” e
“objetiva”.
Os resultados da investigação estão apresentados nesta dissertação, organizados
da seguinte forma:
No primeiro capítulo, discorre-se sobre os princípios da educação católica e da
obra e ação educativa salesiana a partir do fundador Dom Bosco; a relação deste com o
seu tempo, com o Estado e com a Igreja. Utilizam-se fontes secundárias sobre Dom
Bosco, sobre o Sistema Preventivo pensado e vivido por ele, em especial, autores que o
inseriram no contexto da relação entre Igreja e mundo do trabalho no período dos
oitocentos na Itália, marcado pela crise Igreja-mundo moderno, além de documentos
sobre a pedagogia, doutrina católica e ação educativa de Dom Bosco. Além das
contribuições de autores que pesquisaram esses temas, são utilizadas, no capítulo,
13
A tríade “mulheres-educadoras-religiosas” foi assim colocada nessa ordem por entender que, antes de
serem religiosas professas, esse grupo de moças, escolhido por Dom Bosco para iniciar o Instituto
Religioso das Filhas de Maria Auxiliadora, com a finalidade de educar as meninas, exercia atividades
recreativas, lúdicas e catequéticas com as crianças de Mornese, com o objetivo de educá-las para o bem,
afastando-as dos possíveis erros, prevenindo para que não incorressem em faltas, aproximando-as sempre
mais de Deus, ou seja, antes de se tornarem religiosas, já haviam atuado como educadoras.
17
fontes como a Encíclica Papal sobre a Educação Cristã da Juventude, os periódicos da
Congregação e textos de personagens que viveram “o calor da hora”.
No segundo capítulo, apresenta-se como se deu a administração escolar da
Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês, com base na ação pedagógica das
Irmãs Salesianas instaladas no Brasil e na documentação da escola, no que diz respeito à
prática pedagógica cotidiana; à relação com os poderes educacionais oficiais; à ação
educativa das irmãs quanto ao currículo e à didática aplicados na formação das
professoras para a alfabetização, em relação à pedagogia moderna.
Nesse capítulo, dialoga-se com a doutrina e a pedagogia católica, que se fez
presente no Brasil por intermédio dos colégios católicos. Utilizam-se, como fontes de
pesquisa, os documentos sobre a pedagogia e a doutrina católica, Crônica da primeira
obra fundada no Brasil (Colégio do Carmo) e a Crônica do Colégio de Santa Inês,
trabalhos sobre a ação educativa feminina salesiana, Livro do Histórico da Escola
Normal, Livro de Crônica do Colégio, Circulares da Madre Geral, Livros de ponto e
Diário da Escola Normal, em confronto com material pesquisado nos documentos sobre
a Escola Caetano de Campos, com a documentação da Igreja e textos de autores que
viveram a própria época.
Todos os textos que aparecem e são utilizados em italiano, são de tradução livre
e foram reproduzidos na língua original nas notas de rodapé ao longo do texto.
18
CAPÍTULO 1 – Dom Bosco e a educação salesiana
1.1 –Dom Bosco e seu tempo
João Bosco nasceu no ano de 1815, em Murialdo, distrito de Castelnuovo
d’Asti
14
. Era o mais novo de três filhos de uma família de camponeses. Segundo seus
biógrafos, sua vida de sacerdote católico teria sido marcada profundamente por um
sonho que teve aos nove anos de idade, em que o “pequeno camponês” aparece entre
crianças briguentas e, em meio à confusão, estabelece uma conversa com duas
personagens que, mais tarde, ele mesmo apresenta como sendo Jesus Cristo e Nossa
Senhora. No sonho, o “homem venerando de manto branco”, orienta-o sobre qual a
melhor maneira de ajudar esses meninos: “não é com pancadas, mas com a mansidão e a
caridade que deverás ganhar esses seus amigos”, e lhe apresenta a sua mestra (Nossa
Senhora) (Bosco, 1999, pp. 16-18).
Com grande inclinação para os estudos e enorme vontade de se tornar padre, sua
mãe o deixou partir, ainda pequeno, para realizá-lo. Com uma vida sofrida e de
aprendiz, destacou-se nos estudos e na aprendizagem rápida de vários ofícios para
sobreviver: canto, música, alfaiataria, barbearia, marcenaria, foi garçom e deu aulas
particulares aos colegas. Foi ordenado sacerdote em 1841 e foi o seu contato com os
jovens de Turim e, em especial, com os jovens nas prisões, que lhe possibilitou se
dedicar ao trabalho com os pobres, abandonados e marginalizados.
Para manter sua obra educativa, Dom Bosco entendeu que precisaria estender a
mão para pedir a quem pudesse ajudar os jovens (seus patrícios turinenses, o clero, os
administradores da cidade, os órgãos da Secretaria do Estado), insistindo quanto às
urgências em providenciar educação, acolhimento, alimentação e vestes, a fim de que
esses jovens não se tornassem delinqüentes. Assim é que Dom Bosco vai se definindo
como um praticante da política do Pai-Nosso: para quem lhe perguntasse a respeito de
política, ou ainda, de que lado se colocava, de Garibaldi, de Mazzini ou de Pio IX, a sua
resposta era sempre esta: fazer o bem e basta. (Cf. Stella, 1964).
14
Castelnuovo d’Asti, a partir de 14 de fevereiro de 1930, passou a ser chamado Castelnuovo Don
Bosco, município a 28Km de Turim. A troca do nome se deveu ao reconhecimento de Dom Bosco, já
neste período, pela Igreja, como beato.
19
Ao mesmo tempo, porém, em que batia às portas da Cúria de Turim e da Casa
Real, no Piemonte e na Europa, segundo Stella, aconteciam mudanças profundas, seja
nas estruturas sociais, seja nas relações entre a Igreja Católica e as autoridades políticas,
ou ainda, entre os católicos praticantes, indiferentes ou adversários (protestantes). Após
as Revoluções Liberais de 1848, o nacionalismo intensificara-se na Península Itálica,
por meio do movimento denominado “Ressurgimento”, que tinha como meta a
unificação dos vários domínios político-administrativos em um Estado Nacional.
Havia, entretanto, segundo Arruda (1996), muitas divergências quanto à forma ideal
para atingir essa unidade, e o problema com os Estados Papais era particularmente
difícil, uma vez que Roma sempre havia sido a capital da Itália, e o Papa, para garantir a
independência da Igreja, recusava-se a entregar a cidade aos revolucionários.
Apesar da declarada postura apolítica de Dom Bosco, fatos indicam ter havido
influência dos assuntos políticos em seus discursos e posições. Com efeito, se até 1855,
Dom Bosco havia sido uma espécie de “porta-voz” da idéia de que a religião deveria ser
o sustentáculo dos tronos, após 1860, esse binômio “trono-altar” se rarefez em suas
obras. Em 1861, com a unificação da Itália, a linguagem se modifica e passam a ser
encontrados em seus escritos termos como “religião e pátria”, “religião, moralidade e
pátria”, “bom costume e sociedade civil” (Stella, 1969, p. 77).
A Igreja de Turim, na pessoa de seu arcebispo, Dom Fransoni, era contrária às
idéias do liberalismo, das sociedades patrióticas e das aspirações constitucionais. Dom
Bosco, nessa linha, aproximava os modernos inovadores aos hereges protestantes, e o
fazia de maneira polêmica. Assim, seus apelos para a educação da juventude adquirem
um sentido mais preciso, pois dizem respeito a salvar os jovens para a Igreja, para Deus,
para a vida eterna, mas também, a impedir à Revolução a possibilidade de renovar-se, a
preparar as jovens gerações para inserirem-se como bons cristãos e honestos cidadãos
na sociedade.
Em 1854 é o único ano em que no Galantuomo [almanaque nacional em que D.
Bosco escrevia] se encontra o convite: votar, votar bem, votar todos. “Porque
ninguém tem o direito de não salvar a sua Pátria. Não votar é ato de mau cidadão.
Votar mal é um delito”. O elemento religioso é o critério essencial para avaliação: o
católico que vai às urnas para eleger os deputados deve ver, sobretudo, se os
20
candidatos têm “bom senso, experiência em administrar e religião”. (Stella, 1969, p.
85)
15
.
A antipatia de Dom Bosco pela experiência revolucionária
16
colocava-se em
plena luz nas páginas que escrevia, por causa das indagações e inquisições minuciosas
sofridas depois de 1860. Aqueles a quem chamava de liberais democráticos, ou
simplesmente italianos, seriam os responsáveis pelos males que afligiam a sociedade e a
Igreja na Itália, porque teriam promovido o “espírito da revolução”, desde o Palácio
Real até a choupana do pobre camponês e artesão.
Dom Bosco é filho de seu tempo, engajado numa Igreja, inserida, também ela,
nesses conflitos políticos. E, como tal, ela buscava respostas para dialogar com essa
sociedade em tempos de crise, como é possível perceber na sua ação social.
1.2- A doutrina social da Igreja
Esse é um tempo, também, de divergências entre os católicos. “Os chamados
católicos liberais desejavam lançar uma ponte entre Roma e o homem moderno; os
católicos integrais pretendiam que a doutrina e os ensinamentos da Igreja se tornassem
abrigo contra os ‘maus ventos’” (Pierrard, 1982, p.241). O Concílio Vaticano I se
posicionou contra a inserção dessa nova mentalidade (exaltação da razão científica,
positivismo), fechando-se ao diálogo com a cultura moderna, que vinha despontando
como expressão da nova sociedade burguesa emergente e procurava manter vínculos
com a sociedade agrária do Antigo Regime. Essa situação de crise atingiria o ápice em
15
Il 1854 è l’único anno in cui sul Galantuomo si trova l’invito: votare, votare bene, votare tutti.
‘Nessuno há il diritto di non votare, perché nessuno há il diritto di non salvar ela sua patria’. Non votare è
atto di cattivo cittadino. Votar male è um delitto’. L’elemento religioso sopravviene come critério
essenziale de valutazione: il cattolico Che va alle urne per eleggere i deputati o i consiglieri comunali
deve guardare soprattutto se i candidati abbiano ‘buon senso, esperienza d’affari e religione’.
(Galantuomo, Almanaco nazionale pel 1854, Torino 1853, p. 86-88).
16
Após as Revoluções Liberais de 1848, o nacionalismo intensificou-se na Península Itálica, por meio do
movimento denominado “Ressurgimento”. Entretanto, havia muitas divergências quanto à forma ideal
para atingir a unidade. O problema com os Estados Papais era bastante difícil, uma vez que Roma sempre
havia sido a capital da Itália e o Papa recusava-se a entregar a cidade, garantia da independência da Igreja.
Todo esse processo de unificação ocorrido na Europa irá alterar o seu quadro político do século XIX,
rearticulando forças que resultaria na Guerra Mundial 1914 a 1918. (Cf. livros de História Geral
sobre “Movimentos Sociais e Nacionais – a Unificação Italiana”).
21
1870, com a conquista de Roma
17
. Os católicos se organizariam, então, como “um
Estado dentro do Estado”. Criaram instituições católicas de mútuo auxílio, bancos
populares, sociedades de seguro, escolas e colégios para a educação de seus filhos, a fim
de garantir os princípios e as práticas católicas tradicionais.
Essa história político-religiosa de conflito tinha como cenário uma sociedade
marcada pela grande miséria vivida pelo povo operários trabalhando 12 horas por dia
nas fábricas, com salários insuficientes à subsistência, com condições inadequadas e de
pouca segurança para o trabalho, sem contar as crianças entre 10 e 12 anos que
perambulavam pelas praças dos mercados, para que viessem a ser “alugadas” pelos
proprietários de terras a fim de trabalharem horas a fio por míseros salários, ficando
elas, sem condições físicas e de tempo para estudarem, ao que se somava uma enorme
massa de migrantes desprovidos de leis que regulamentassem o trabalho e os
desempregados.
Diante dessa questão social, em que a massa de operários estava submetida a
uma espécie de escravidão, o catolicismo se mostrava incapaz de dar uma resposta
global. O proletariado nascera e crescera à margem da Igreja. A desigualdade social foi
considerada por esta como “natural”, mantendo um discurso baseado na máxima “o rico
assiste ao pobre”. A resposta que a Igreja conseguiu dar a esse “novo pobre”, que era o
operário, foi por meio do surgimento de inúmeras obras, como a Sociedade de São
Vicente de Paulo, que ofereciam aos católicos a oportunidade de tomar contato com a
miséria e de se preparar para uma ação reformista social, em que o liberalismo
econômico teria sido denunciado como portador de morte para o “operário-máquina”
(Cf. Stella, 1969). Portanto, não é possível afirmar que, nesse momento, a Igreja tenha
traçado uma doutrina social; antes, ela possibilitou ações de assistência social, que
favoreceram a base de um catolicismo social.
É na Conferência de São Vicente de Paulo que Dom Bosco buscaria inspiração
para criar as chamadas oficinas no Oratório, com os jovens pobres e abandonados. Dom
Bosco, pela inovação, apresentou-se como reformista social, ao implantá-las com um
mecanismo diferente daquele com que as fábricas funcionavam, estabelecendo
“regulamentações trabalhistas” diferenciadas das então aplicadas. Essa concepção de
17
Em 1870, com a invasão da França (Estado protetor da Igreja) pela Prússia, acontece a tomada de Roma
e ocupação dos Estados Pontifícios. O Papa Pio IX, não aceitando o acordo com o Rei, considerou-se
prisioneiro no Vaticano. Essa “Questão Romana” se resolveria em 1929, pelo Tratado de Latrão, entre
Mussolini e Pio XI, que criou o Estado do Vaticano. (Cf. Arruda; Piletti, 1996, pp. 212 – 213).
22
“direitos trabalhistas” faria das escolas profissionalizantes de Dom Bosco um modelo de
escola para a solução desse problema social. O grande desejo dele era oferecer à
juventude pobre e abandonada os instrumentos necessários para o ingresso no mercado
de trabalho, em condições adequadas (Stella, 1969).
Pode-se dizer que a ação de Dom Bosco, no campo social, tenha sido o início do
que mais tarde seria tratado, na encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, sobre a
tomada de consciência e o diálogo da Igreja com o mundo do operário (cf. Aubert,
1975).
As iniciativas de Dom Bosco não se limitavam, porém, à instrução para o
trabalho, ampliava-se na ação educativa dos mais distintos níveis. Para esta pesquisa,
um exemplo elucidativo foram os institutos salesianos.
1.3– A ação educativa de Dom Bosco: institutos salesianos
Para definir a posição de Dom Bosco é preciso definir a posição do clero de
Turim, em que ele se inseria. Havia vários sacerdotes entre o clero secular e não secular
que exerciam influência na administração pública, na faculdade, na cultura e na política,
declarando um vínculo forte com o Estado, com as idéias liberais e com a unificação.
Outra parte do clero, entretanto, mantinha fidelidade à Santa (no movimento
conhecido como ultramontanismo), alinhando-se na defesa do Estado Pontifício. Para
encontrar, ainda, um lugar para Dom Bosco, ele, “como piemontês, ainda que, de início,
tivesse manifestado alguma simpatia com relação à formação do estado italiano, teria
prevalecido o sentimento eclesiástico, deixando, como norma, aos seus salesianos, uma
fidelidade irrestrita à Santa Sé” (Azzi, 2000, p. 55)
18
.
Porém, entre a Igreja e o Estado, Dom Bosco não se inseriu com projetos
próprios; antes, foi um prudente divulgador das idéias da Igreja. Em Dom Bosco,
encontra-se a Igreja Católica como única depositária da verdadeira religião, da verdade,
18
Azzi será citado e utilizado muitas vezes, ao longo do trabalho, por ser considerado o estudioso de
maior competência no que se refere à história da Congregação Salesiana no Brasil. Ele, que era salesiano,
mesmo após ter deixado a Congregação, continuou seus estudos sobre a Igreja Católica, as Congregações
Religiosas e, em especial, deu continuidade à pesquisa no que se refere à Congregação salesiana.
23
da virtude, da justiça, das forças morais capazes de dar solidez e progresso à sociedade
civil. A sociedade, segundo ele, estava minada pela revolução, com a separação entre
ricos e pobres. Tomava a educação da juventude como fator fundamental na
transformação social e afirmava: “quem quer regenerar uma sociedade ou um país não
tem outro meio mais poderoso: é preciso que comece abrindo um bom oratório festivo”
(Dom Bosco, apud Stella, de 1969, p. 96)
19
.
Os problemas sociais, para Dom Bosco, coincidiam com os da educação ética e
religiosa. Para ele, eram problemas que comportavam um tipo de educador que soubesse
trabalhar com os pobres e que exigisse a colaboração de quem podia e devia contribuir
com esse trabalho educativo. Nas Memórias Biográficas(MB)
20
, Dom Bosco apresenta a
declaração de fidelidade à Igreja: “Eu entendo viver e morrer na Santa Igreja Católica
que tem por Chefe o Romano Pontífice, Vigário de Jesus Cristo sobre a terra. Creio e
professo todas as verdades da que Deus revelou à Santa Igreja” (MB, Vol. XVII,
1936, p. 272).
No clima de heresia e ataques contra a Igreja Católica por parte dos protestantes,
Dom Bosco escreveu um opúsculo intitulado Aviso aos Católicos, que, diferentemente
do teor escrito anos antes na obra História eclesiástica, em que manifestava toda a
segurança teológica adquirida por meio das convicções conscientes na Igreja, mostrava
que muitas coisas haviam mudado: os jesuítas haviam sido expulsos do Piemonte,
ficaram desiludidas as esperanças patrióticas sobre Pio IX, crescia a impopularidade do
arcebispo e tornavam-se freqüentes manifestações anticlericais, fazendo com que ele, no
opúsculo, levantasse um grito de alarme (Stella, 1969, pp. 122-123).
Embora Dom Bosco tivesse tido divergências com bispos e alguns irmãos no
sacerdócio, nesse período de ataques, a fidelidade dele à Igreja e ao Papa era
indiscutível. Disso decorre a ação pastoral que ele exerceu pautada no anúncio de que só
havia salvação dentro da Igreja Católica; porém, não era uma ação pastoral baseada na
excomunhão, como para os jansenistas
21
.
19
Chi voglia rigenerare una città od un paese no ha altro mezzo più potente: bisogna che cominci
coll’aprire un buon Oratório Festivo.
20
Memórias Biográficas (MB) é uma coleção de 19 volumes em que o próprio Dom Bosco escreve sobre
si e seu Sistema Preventivo.
21
Os jansenistas dedicaram-se particularmente à discussão do problema da graça, buscando, nas obras de
Santo Agostinho, elementos que permitissem conciliar as teses dos partidários da Reforma com a doutrina
católica. Pretendiam o retorno do catolicismo à disciplina e à moral religiosa dos primórdios do
cristianismo. (Cf. Pierrard, 1986, pp. 198 – 201).
24
Nesse período, todos os escritos evidenciavam um ambiente marcado por
contrastes da luta entre católicos e protestantes, revelando uma “pintura cortada”.
Encontrava-se, no campo da polêmica, o que era verdadeiro e falso, a salvação somente
para os católicos batizados, para aqueles que estavam em “boa fé”.
Nesse ambiente, Dom Bosco comportava-se como um filho dócil e obediente,
mas também hábil. Sabia julgar, fazia-se ouvir e agia, segundo aquilo que acreditava, de
acordo com o espírito da Igreja para a salvação das almas. A sua vida e as suas palavras
integravam “as páginas de divulgação catequísticas e apologéticas em que o fiel é
encaminhado a ser filho devoto e observante” (Stella, 1969, p.138). Sabia escolher os
momentos, os modos e também as pessoas a quem falar. Tinha o sentido da hierarquia,
mas também do carisma pessoal dado a ele e às suas obras. Apresentava-se como
“porta-voz do senhor e escrevia, como “profeta”, a Pio IX e a Leão XIII. Essa
mentalidade é refletida na frase a ele atribuída: “quando surgem dificuldades, eu
respondo abrindo uma nova casa” (Memórias Biográficas MB 14, p. 229). Como se
pode perceber, essa frase revela o temperamento de um homem de ação. Dom Bosco,
segundo os historiadores salesianos
22
, punha em relevo, em seus escritos, a concretude
do seu ideal educativo, que, embora se originando em boa parte da inclinação nativa e
da formação eclesiástica recebida, inseria-se nas urgências ético-religiosas do momento
histórico que atravessava.
Na trama dos acontecimentos desse período, em Turim, segundo Stella (1969),
Dom Bosco encontrou o próprio lugar, primeiro, como catequista de meninos itinerantes
que ali chegavam em busca de trabalho e, depois, como construtor e diretor de obras
educativas, que se originaram nos “Oratórios Festivos”.
Essa atividade não foi uma invenção de Dom Bosco, ele simplesmente
conservou o nome existente e que lhe era simpático, mas implementou três
modificações: em vez de reunir a juventude somente por algumas horas do domingo,
como era de costume, ele ocupava os meninos o dia inteiro dos domingos e festas de
guarda, e, por isso, acrescentou o termo “festivo”. O Oratório não era exclusivamente
paroquial, mas devia receber meninos vindos de todo e qualquer lugar e paróquia. Ainda
atendendo às necessidades dos tempos, diferentemente dos oratórios tradicionais, que só
22
Podem-se encontrar referências sobre o ideal educativo de D. Bosco nos autores que trabalham com a
história da congregação salesiana e de seu fundador: Amadei (1929), Stella (1969), Auffray (1969),
Braido (1969), Bosco (1999).
25
recebiam meninos de boa conduta, Dom Bosco acolhia três tipos de jovens meninos
abandonados, que ficavam vagando pelas ruas e praças, desocupados, sem escola e sem
vontade de aprender nem trabalhar; meninos saídos da cadeia; e rapazes que vinham do
interior pela grande oferta de mão de obra. Para Dom Bosco, o oratório festivo era a
“paróquia” dos meninos abandonados. Ali, ele os ocupava com jogos, diversões e
ensinava os rudimentos da cristã. Desde o início desse trabalho com a juventude
desamparada, ele percebeu que, em termos de educação, o melhor era agir pela
prevenção, a fim de que os jovens não incorressem em erros e perigos, e que não se
tivesse de recorrer a castigos ou métodos repressivos.
Do Oratório Festivo surgiu a idéia de oferecer, além do espaço de brincadeiras e
convivência saudáveis, um lugar onde os meninos pudessem aprender um ofício que os
tornassem, no futuro, cidadãos úteis para o país. É assim que iria florescer, no Oratório,
as oficinas de artes e ofícios, que originariam as escolas profissionalizantes e agrícolas
e, mais tarde, colégios com ensino primário e secundário.
Segundo os historiadores salesianos, o critério fundamental para participação no
oratório era a pobreza. O primeiro regulamento, instituído em 1854-55, traçava a
fisionomia da obra para os jovens aprendizes e estudantes. O jovem artesão era aceito
entre 12 a 18 anos, se fosse órfão de pai e de mãe, pobre e abandonado, sem ter quem
pudesse assumir sua educação. O regulamento recomendava virtudes como piedade,
trabalho e obediência, e se referia a alguns males a serem evitados, como a blasfêmia, a
desonestidade e o roubo. Pelo horário, previa-se levantar cedo, a missa com as orações e
o terço, o café e o trabalho. Todos se reuniam para o almoço e a recreação. À tarde,
retomava-se o trabalho e, à noitinha, estavam previstos os exercícios escolares. O dia
terminava com as orações da noite e breves palavras de Dom Bosco a todos
23
.
Para os jovens estudantes, prescreviam-se três qualidades: especial aptidão para
o estudo, ter piedade e vontade de abraçar a vocação sacerdotal, ficando, porém, livres
para seguir outra vocação, uma vez terminado o curso de latinidade. No que diz respeito
à condição de orfandade e pobreza total, embora no regulamento estivesse previsto esse
23
Essas palavras, para Dom Bosco, tratavam das coisas cotidianas da vida à luz da fé. É uma prática que
permanece ainda hoje nas obras salesianas. Foram transformadas em bom-dia e boa-tarde. Foi o próprio
Dom Bosco quem introduziu essa prática, segundo se conta, tomando, por exemplo, a própria mãe, que
utilizava desse método como recurso na educação dos seus filhos, que deveria ser rápida, simples e
envolvente.
26
pré-requisito, não se insistia drasticamente sobre isso, ainda que a maioria deles fosse
proveniente de ambientes pobres. (Bosco, 1999, pp. 287-295).
Assim, vê-se que pensar a complexidade da atividade de Dom Bosco é pensá-lo
como sacerdote, apóstolo da juventude abandonada e fundador de institutos religiosos
destinados à educação. Os princípios pedagógicos nucleares do Sistema Preventivo
24
encontram fundamento, não na tradição pedagógica, mas na experiência de Dom
Bosco. Ganhar o coração dos alunos e torná-los seus amigos tem como correspondente
ganhar as pessoas para colaborar na obra da educação da juventude.
A atividade educativa desse “sacerdote educador” tinha profunda identificação
com a ação salvadora da Igreja e tornou-se, mais do que um método de educar, um
estilo de vida. Dada a preocupação fundamental de Dom Bosco com a promoção da
juventude e a ação pastoral
25
, os elementos básicos do pensamento e da ação educativa
estavam em consonância com sua mentalidade religiosa. São também chamados de
enfoques do Sistema Preventivo.
grande e assídua vigilância, muita atenção em manter as alunas bem expansivas
nos recreios. As alunas deviam dedicar-se a uma piedade sólida e consciente,
contribuindo para tal fim o bom exemplo das educadoras, as práticas de piedade
cotidianas, a costumeira boa-noite”, a cotidiana leitura espiritual, o catecismo,
o tríduo de abertura do ano escolar e o retiro anual. A disciplina se obtém,
segundo um justo sistema maternal, que não dispensa, no tempo oportuno, a
necessária correção dos defeitos, uma correção quase sempre eficaz. Privar
simplesmente a aluna de uma demonstração de afeto; manifestar o próprio
desgosto, mostrando à culpada a falta cometida, são meios que deram resultados
eficazes, tanto que, durante o período de dez anos, uma ou duas vezes apenas
foi necessário recorrer ao instrumento disciplinar extremo: a expulsão. A
premiação, ao final do ano escolar, assume sempre um caráter solene, mediante
a presença de autoridades eclesiásticas e civis. (Azzi, 1999, p.161).
Observa-se que a atividade educativa de Dom Bosco marca-se pelo senso do
concreto e do prático. Trata-se de uma teoria que brotou da experiência de vida dele
com os jovens e pode ser exprimida da seguinte forma:
24
Quando Dom Bosco falava em Sistema Preventivo, tinha em mente: “um modo de agir, um complexo
de procedimentos educativos, que implicavam todo um organismo de convicções, de idéias, de razão e de
fé, que constituíam o seu modo de tratar educativamente os jovens, sem ulteriores preocupações
científicas e epistemológicas” (Braido, apud Scaramussa, 1984, p. 100), a fim de alcançar a promoção
integral da juventude que, para ele, era construir um novo projeto de pessoa humana e de sociedade
(“bom cristão e honesto cidadão”).
25
“Educar a juventude, para Dom Bosco, significava ajudá-la a salvar-se”. (Memórias Biográficas de
D.B.,Vol. XIV, 1933, p.229)
27
- componentes ético-religiosos: em consonância com a mentalidade religiosa e a
espiritualidade dele. Nesses componentes, são encontrados o conteúdo e o método de
educar, baseados em uma convivência que apresentava dimensões que ele chamou de
tripé do Sistema Preventivo (razão, religião e amor educativo
26
).
- componentes humanísticos: seu objetivo era a promoção da juventude, criando
condições para possibilitar o crescimento humano-religioso-cristão e a construção de
um novo projeto de pessoa e de sociedade. Ao lado do “bom cristão”, estava a
preocupação de formar o “honesto cidadão”. Portanto, faziam parte desse projeto, como
alicerce, a formação humana, moral e profissional.
Os valores especificamente humanos estavam ligados e até dependiam dos
valores religiosos. Ao lado da santidade, os valores da saúde física e mental, e
da sabedoria. Ao lado da catequese, a “educação cívica, moral e científica da
juventude”. Ao lado da religião, a “moralidade” e a “ciência”. Ao lado da
piedade, a “alegria, o estudo e o trabalho” (Scaramussa, 1984, p. 84).
A razão era um elemento imprescindível do conteúdo humanístico defendido por
Dom Bosco, fazendo-o detestar todo e qualquer sentimentalismo e pietismo. A
preocupação dele era preparar o jovem para enfrentar, com seriedade e
responsabilidade, a vida. Para tanto, estabelecia grande confiança na eficácia educativa
do trabalho e para o trabalho
27
.
Ainda sobre o conteúdo humanístico do Sistema Preventivo de Dom Bosco,
pode-se dizer que a liberdade era a característica da metodologia. A pretensão era ver o
jovem gastando energia nos esportes, nos jogos, nas excursões e nas expressões
artísticas. Era preciso, segundo esse Sistema, trabalhar educativamente os “limites” e a
correção deveria acontecer constantemente, porém, sem usar meios coercitivos, mas de
persuasão e de caridade. A instrução escolar era complementada por atividades físicas e
artísticas. As bibliotecas eram, na sua maioria, formadas quase exclusivamente por
26
No presente trabalho, está-se traduzindo o termo em italiano amorevolezza como amor educativo,
mas também se pode usar afeto, bondade. As três dimensões fundamentais no Sistema Preventivo de Dom
Bosco: Razão (o eixo psicológico – refere-se aos processos de compreensão de si e do mundo, à tendência
para a verdade, para o bem, para o belo, para a busca de segurança); Religião (o eixo espiritual-religioso –
refere-se à busca e descoberta do sentido da vida, à abertura para o Absoluto), Amorevolezza(amor
educativo, o eixo afetivo – refere-se à aceitação de si mesmo e à abertura de amor para os outros e para a
vida, à alegria de viver). (Scaramussa, 1993).
27
Dom Bosco tinha uma visão muito ampla do trabalho: “entendia o cumprimento dos deveres do próprio
estado, quer se trate do estudo, quer de qualquer arte ou ofício”. (Regulamento do Oratório de São
Francisco de Sales).
28
fascículos de leituras católicas, com raras exceções, a depender do colégio e dos cursos
desenvolvidos. Ainda que se destacar, como importante na instrução, a valorização
das normas de higiene e limpeza.
Outros elementos importantes na educação humanística eram: ambiente
educativo (o cultivo e a defesa da vida); agentes de educação (educador, comunidade
educativa, associacionismo – prática da solidariedade e da participação); programa
educativo (um caminho de crescimento pessoal e comunitário, baseado na prática de
valores assumidos com progressiva coerência e constância).
Desses elementos podem ser entendidas algumas questões imprescindíveis para
a educação salesiana: a obediência aos regulamentos e cumprimento dos deveres, a
prática de piedade, o “bom-dia”, o espaço sagrado da capela ligado à agitação e
movimentação do pátio e a alegria das festas e passeios. São elementos que denotam,
claramente, a importância dada à formação religiosa e humana.
Para essa formação a atuação feminina aparecia como fundamental.
1.4- A extensão feminina da ação educativa salesiana
E quais foram os fatos históricos que marcaram a instituição da educação, nos
preceitos salesianos, das moças pelas irmãs?
De acordo com a Cronistória
28
,
muito tempo o Rev.
mo
D. João Bosco, fundador e diretor geral de muitos
colégios para a educação cristã e civil dos jovens, desejava abrir uma casa que
fosse o início de um Instituto que estendesse os mesmos benefícios às jovens,
especialmente às do povo, e finalmente esse seu desejo se realizou
(Cronistória,
Vol. I, 1981, p. 273).
Os institutos salesianos de educação religiosa eram organizados em internatos e
externatos. Uma das funções do Internato era a instrução das meninas para as prendas
28
É uma coleção de cinco volumes que relata a história do Instituto das filhas de Maria Auxiliadora
(FMA), nas suas origens. No volume I, aborda-se a preparação e a fundação do Instituto (1828 1872);
no volume II, fala-se do Instituto em Mornese; já no terceiro volume há a história da expansão, ainda com
Madre Mazzarello e a saída das Irmãs de Mornese (local do colégio) para Nizza Monferrato; no
quarto volume é destacada a ação educativa e missionária, sob o comando de uma nova superiora. No
quinto e último volume é relatada a atuação do Instituto feminino sob o olhar do seu fundador Dom
Bosco.
29
domésticas (cortar, coser, bordar, limpar, fazer flores artificiais, pintura). Portanto, o
ano letivo era marcado, por dois tipos de atividades: “instrução elementar (aulas
teóricas) e os trabalhos domésticos (aulas práticas) e ainda, piano, canto, orfeão”. (Cf.
Azzi, 1999, pp. 85 – 86).
Além do Internato, a ação educativa das irmãs ocorria no Externato e no
“Oratório Festivo”. No oratório festivo eram ministradas aulas de catecismo,
participação em solenidades religiosas, jogos, passeios, teatros, unindo alegria, presença
constante do educador, liberdade no pátio, conversas. Dessa forma, além de procurar
ganhar a confiança das crianças e jovens, desenvolvia-se a formação cristã, em
consonância com o projeto da Igreja. Já o regime do Externato foi iniciado para receber,
segundo as Crônicas das Casas, meninas com menos condições econômicas, mas era
regido pelos mesmos princípios educativos, morais e religiosos prescritos para as alunas
internas, com a diferença do tempo de permanência escolar.
Maria Mazzarello
29
se torna, com um pequeno grupo de moças, a superiora do
Instituto Religioso que se ergueria como “braço direito” de Dom Bosco na educação de
meninas. Observa-se que havia, entre ela e Dom Bosco, uma sintonia quanto ao jeito de
atuar e educar.
A respeito da importância de Maria Mazzarello para a ação salesiana, as
informações na Cronistória são elucidativas:
A alma de tudo era Maria, embora não se desse ares de superiora. Sem o
perceber, ela era a inteligência, era a clarividência (...) Chamada a se tornar um
dia cabeça de uma grande família, receberá em dom todos os dotes requeridos
para quem governa (Cronistória, Vol. I, 1981, p. 123).
Desde a primeira hora do nascente Instituto Religioso, apesar de ter em Maria
Mazzarello a Superiora Geral, foi conduzido em aspectos econômicos, administrativos,
legais, religiosos, espirituais e vocacionais pelo superior geral dos salesianos ou por
salesianos por ele delegados, que exerciam as funções de diretor local ou geral. Essa
relação de dependência aos homens da congregação salesiana não era somente relativa
ao carisma e missão, porque, se assim o fosse, não seria dependência, mas sim,
29
Maria Domingas Mazzarello nasceu a 9 de maio de 1837, em Mornese, Itália. Foi, juntamente com
Dom Bosco, a Co-fundadora do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora – as Irmãs Salesianas.
30
comunhão de vida e de missão, como era o desejo do próprio fundador: para ele, “le
nostre suore” (Cavaglià, 2005, p. 81) são parte integrante da obra, ou seja, as irmãs não
deveriam ser um apêndice da Congregação masculina, mas formar com esta uma única
família religiosa. A história eclesiástica, porém, fez com que outro rumo fosse dado.
O relacionamento das irmãs com Dom Bosco, conforme atesta Cavaglià (2005),
sempre foi baseado numa relação filial, de intensa confiança, de fiel submissão e de
profunda gratidão, como também o era com os seus próprios salesianos, do que decorre
usar o termo dependência, e não submissão. No cuidado com as irmãs, ele era tido como
pai, orientador seguro, mestre e formador, até porque, muitas delas foram aceitas no
Instituto por ele. Quanto ao relacionamento em relação aos diretores salesianos, era
perpassado não somente pela confiança, mas por confidência e filial afeto.
A história da separação entre os salesianos e as irmãs constitui um marco
histórico, não para a Congregação Salesiana, como para toda a Igreja Católica. Essa
dependência não era um fato referente somente às Irmãs Salesianas, mas relativa a todos
os institutos femininos que haviam nascido ligados a um instituto masculino. Segundo
Cavaglià (2005), em 1879, a Congregação dos Bispos manifestava a D. Bosco a
perplexidade e fazia crítica acerca da situação jurídica do Instituto Feminino. Em
particular, essa perplexidade da parte da Congregação dos Bispos se dava, sobretudo,
por causa da relação familiar dos salesianos com as Filhas de Maria Auxiliadora, já que
era visto como problemático pelo fato de as irmãs pertencerem à mesma congregação.
Além de dependerem do superior geral, elas desenvolviam atividades apostólicas
e de serviços de ordem geral nas casas dos salesianos. Ainda que houvesse todo um
cuidado em prescrever e elaborar normas disciplinares que regulassem pontualmente o
relacionamento entre os dois institutos, como forma de evitar ou prevenir
inconvenientes e dificuldades, cinco eram os pontos absolutos e incondicionais que
deveriam ser observados no trato com as irmãs, estabelecidos pelo próprio Capítulo
Geral dos Salesianos
30
.
- Não acompanhar o médico, quando este visita as enfermas; - Contentar-
se dos serviços delas na cozinha e no refeitório; 3º - Não opor-se à transferência
de qualquer uma das irmãs; - Não dar o tratamento “tu” e evitar qualquer ato
de liberdade; - À pergunta ao Santo Padre, ao Reitor Maior, à Madre Geral
30
Assembléia que reúne representantes dos vários países em que a Congregação está presente para avaliar
um período de governo e discutir e deliberar novos projetos e objetivos para a Congregação.
31
sobre o fato de permitir às irmãs escreverem livremente ao Diretor Local, aos
antigos diretores e aos confessores, o relator apresentou parecer contrário;
somente àquelas que moravam na América poder-se-ia conceder, devido à
distância escrever ao Inspetor (MB, XVIII,
p. 188)
31
.
Percebe-se a atenção minuciosa, por parte dos superiores, em delinear, com
precisão, regras para as relações de convivência, que tinha como fundamento um estilo
de vida voltado para a familiaridade e confiança e, para que isso não fosse minado, era
impreterível a observância dos regulamentos propostos pelos superiores, em vista de se
manter os limites necessários para não gerar intimidades no campo afetivo. As regras
estabelecidas pontuam o ordinário da vida, deixando entrever que toda e qualquer
intimidade gerada por uma das partes colocaria em risco todo o carisma salesiano,
centrado no valor de “ser família”. Essa preocupação justifica as restrições impostas,
que regulariam as relações entre salesianos e salesianas, como condição necessária para
a vivência do Sistema Preventivo.
Acompanhar uma visita médica, por exemplo, era dar oportunidade de esta ser
entendida por outras pessoas, como total conhecimento pela vida da irmã, não
espiritualmente. Evitar o tratamento “tu” que no Brasil o equivalente é “você”, utilizado
entre as pessoas com boa relação de amizade ou que indica um relacionamento informal
sem reverências ou hierarquia entre as partes, pautado pelo uso da liberdade, ou ainda,
podendo indicar desrespeito e desdém. O correto, no contexto italiano e religioso, seria
utilizar o que, no Brasil, equivale ao tratamento de Senhor e Senhora, tidos como
indicados para se manter o devido respeito e distância conveniente às relações.
Dirigir-se a antigos diretores por meio de cartas significaria a permanência dos
laços afetivos construídos anteriormente, o que denotaria o descumprimento do que
havia sido estabelecido nos itens e da regra, prevista pelos superiores, dando a
entender, por devida desobediência, que não teriam se limitado a ver as irmãs somente
no serviço que a elas fora estabelecido e confiado.
Por essas regras se percebem delineados não só parâmetros e limites cerceadores
para o relacionamento familiar entre os dois institutos masculino e feminino –, como
31
1- non accompagnare il medico, quando visita le inferme; 2- contentarsi del loro servizio nella cucina e
nei refettori; 3- non opporsi al trasloco di qualche suora; 4- non darem ai loro del tu ed evitare ogni atto di
confidenza; 5- al quesito se oltre al santo Padre, al Rettor Maggiore, alla Madre Generale fosse da
permettere Che le suore scrivessero liberamente al direttore locale, agli antichi direttori e al confessore, il
relatore espresse parere contrario; soltanto a quelleche dimoravano in América potersi concedere Che per
ragione della distanza scrivessero all’Ispettore. (Memórias Biográficas).
32
também, um campo delimitado da atuação das irmãs com relação aos salesianos
(serviços na cozinha e no refeitório), sendo, ainda, que a atuação missionária com as
meninas era estabelecida sempre sob a orientação espiritual de um diretor salesiano.
É verdade que se protelou o quanto pôde, no dizer de Cavaglià (2005), tanto da
parte dos salesianos como das irmãs, em obedecer às normas da Santa Sé, que
prescreviam, no documento Normae Secundum Quaes, de 1901, a autonomia dos
institutos femininos de regras de vida simples. A Igreja teria, com essa norma, maior
domínio sobre os institutos femininos, que, até então, não exercia, porque esses se
encontravam sob o comando e orientação masculina, da qual faziam parte por fundação.
Os motivos apresentados pelos salesianos é que eles acreditavam ser a separação
prematura e que isso poderia desestruturar o novo Instituto, antes mesmo de se ter
consolidado o espírito genuíno carismático. Da parte das Irmãs, a separação era vista
como “la massima delle disgrazie” (Cavaglià, 2005, p.83), porque não implicava
somente questões econômicas e jurídicas, mas também, privaria o Instituto da
paternità
32
salesiana e do sustento cultural e espiritual, diminuindo, assim, a
fidelidade às intenções de D. Bosco, que queria os dois institutos unidos em natureza,
missão e organização.
A separação ocorreu, finalmente, no ano de 1906, logo seguida por uma série
de procedimentos como, por exemplo, a separação dos bens materiais. Segundo
Cavaglià (2005), alguns escritos desse período e as cartas circulares da Superiora Geral
revelam que ele foi tido como “período dolorosissimo”.
Houve, por parte da Superiora Geral em exercício nesse período, Me. Catherina
Daghero, cartas circulares
33
às irmãs, a fim de apresentar as novas Constituições do
Instituto com as alterações em conformidade com as normas pedidas pela
Congregação dos Bispos. Eram cartas que denotavam o espírito pelo qual as irmãs se
posicionavam diante da vida. Apesar de não quererem a separação dos salesianos,
porque eram filhas de um tempo em que as mulheres viviam submetidas aos homens, e
isso também se refletia no mundo religioso (talvez até mais fortemente como subjugo,
32
Entende-se aqui essa paternidade não como fruto de uma época marcada pelo poder masculino e
patriarcal, mas também e principalmente porque significava privar-se das atenções provenientes de um
estilo de vida religiosa em que as relações estariam pautadas na família, no acompanhamento espiritual e
de piedade das casas das Irmãs, e não somente de ajuda material e administrativa.
33
Para as circulares de Madre Daghero do ano de 1906 (Ver Anexo 1).
33
dado o voto feito de obediência), o escrito da superiora sinalizava o olhar de para a
situação que a elas se impunha.
Eram palavras fortalecendo e animando as irmãs, vindas de quem, de fato,
assumia, o papel que lhe cabia como autoridade. Sem a dependência do instituto
masculino, o que não quer dizer que agora agiam plena e livremente por conta própria,
porque passaram a obedecer e a depender do bispo, tentava transmitir a necessária
tranqüilidade, afirmando que, se passaram a estar submetidas à Superiora Geral e à
Santa Sé, isso não cortava os laços que as uniam aos filhos de Dom Bosco, porque
também elas eram filhas e, portanto, todos continuariam irmãos, o que significava que
jamais os sucessores do fundador as deixariam de ajudar naquilo que fosse necessário.
A autonomia jurídica do Instituto significou, na prática, no nível administrativo,
segundo Cavaglià (2005), que a gestão econômica e a contabilidade deveriam ser
totalmente separadas dos salesianos, e, em nível espiritual, deveriam depender dos
bispos das devidas dioceses onde se encontravam as suas casas.
É claro que essa situação também denota um jogo de força e poder em relação à
dependência feminina. A quem as irmãs mais obedeciam? Aos bispos ou aos
salesianos? A Igreja, ao prescrever tal autonomia, sequer pensava em dar direitos iguais
às mulheres no seu interior. Antes, queria trazer mais para perto de si o domínio das
Congregações femininas, que, por terem nascido aliadas a uma masculina, em tudo
dependiam e obedeciam ao Superior Geral.
Com relação à dependência aos salesianos, segundo relatos da Cronistória ou
das Cartas de madre Mazzarello, ela não significaria anuência total, por parte das irmãs,
ao que era estabelecido. Isto pode ser percebido nas mínimas coisas em que a Superiora
se opunha aos superiores salesianos e ao próprio Dom Bosco, como exemplos que
denotam a capacidade de discernimento dela, prudência no agir diante das situações
como superiora, o que lhe conferia reconhecimento de autoridade perante os salesianos.
Assim, no diálogo e com muita sutileza e reflexão, ela os fazia perceber que seu
discernimento era o mais oportuno e conveniente para o Instituto
34
.
34
Trechos referentes ao bom discernimento de Madre Mazzarello: “Meu Rev.do e bom Pai, ontem à
tarde, recebi uma carta sua, na qual Ir. Úrsula me dizia que V. foi fazer uma visita a elas e que,
mostrando-lhes as necessidades daquela casa, lhe fizera saber que precisava de uma irmã, ao menos por
algum tempo, e sugerira Ir. Teresa Laurentoni; e que o senhor, bom pai, não apenas aprovava, mas havia
dito que era justamente ela quem teria condições de fazer melhor. Agora eu lhe direi as dificuldades que
tenho em mandar essa irmã. (...) Antes de tudo, quero lhe dizer que Ir. Teresa não entende nada nem de
34
Essa autonomia também foi vista e interpretada, após o primeiro impacto de dor
causado por tantos medos e inseguranças, como sinal de crescimento. Ao menos, foi a
ocasião de uma nova vitalidade, porque possibilitou uma crescente em relação à
responsabilidade mais plena do ponto de vista da administração do Instituto. Lançou as
irmãs num processo de descentralização de governo, criando, por exemplo, outras
inspetorias (como foi o caso da criação da primeira Inspetoria no Brasil, erigida em
1908, na cidade de São Paulo, instalada no prédio do colégio sobre o qual recai este
estudo); contribuiu para que se desenvolvesse, nas novas superioras, a capacidade de
animação, de governo, de guia propositiva, de autonomia na gestão; fez com que as
religiosas buscassem em Maria Mazzarello, a co-fundadora, a mais direta referência
para atuarem como educadoras salesianas; possibilitou o amadurecimento de um novo
estilo de relação com os salesianos, muito mais participativo e em colaboração entre
salesianos e salesianas, como atestam recentes estudos de historiadoras da Congregação,
como Ir. Piera Cavaglià, na Faculdade Auxilium, em Roma, no curso de Espiritualidade
Salesiana.
Como essas mulheres-educadoras-religiosas conseguiram firmar sua identidade
de educadoras salesianas, quer no cenário religioso, quer na sociedade, ou seja, como
imprimiram o estilo de educação feminina salesiana no mundo? Elas, que, muitas
vezes, ao longo de uma história ordenada por critérios masculinos
35
, foram descritas
como “mulheres viris” por serem fortes, determinadas em seus objetivos, audazes no
enfrentamento das dificuldades. Não teriam sido também percebidas como sendo a
síntese proposta como máxima por D. Bosco para a educação: educar com firmeza e
ternura?
A análise de como se procedeu a atuação salesiana feminina na educação, para
cumprir os propósitos designados às mulheres, será realizada no próximo capítulo, para
o que será tomado, como referente, a Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa
Inês.
distribuição de prêmios, nem de exames. Além disso, tem um coração que se apega com muita facilidade
(...). (Carta escrita por Madre Mazzarello em 27/09/1878 para D. Cagliero Diretor Geral das Irmãs).
Outros exemplos à respeito de sua capacidade, de sua prudência, capacidade de julgar e mudar as
situações podem ser encontrados na Cronistória, (Vol. I, p. 223), sobre o silêncio absoluto proposto em
regra e que a Madre faz a proposta da quebra por ser pesado demais.
35
como irmã e superiora no Instituto Religioso, é da própria Mazzarello uma afirmação bastante
peculiar a respeito de qual era sua concepção e convicção do papel da mulher em relação ao homem:
“Ainda que sejamos mulheres, ninguém deve dominar-nos. O que é justo é justo.” (Mazzarello apud
Almeida et al, 1981, p. 47).
35
CAPÍTULO 2- A Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês
2.1. A fundação
As irmãs salesianas estabeleceram-se no Brasil em 1892, mas eram
conhecidas nas últimas décadas da época do Império, segundo Azzi (1999) quer pela
presença dos salesianos que aqui já haviam se estabelecido desde 1883, quer pela
projeção do nome de Dom Bosco, referência no meio católico pelo trabalho de educação
da juventude.
Por exemplo, desde 1882 havia manifestação, por parte da aristocracia de
Petrópolis, a Dom Luís Lasagna
36
, para que ali se fundasse um colégio de irmãs.
Segundo Azzi (1999), a perspectiva de D. Lasagna para a ação educativa das irmãs era,
não somente cuidar da juventude pobre e abandonada, mas abrir colégios para a
formação da classe dirigente e assim se contrapor ao ensino laico, meta dos bispos
reformadores.
Acerca do estabelecimento das salesianas no Brasil, nas Crônicas do Instituto
Nossa Senhora do Carmo, podem ser encontradas informações detalhadas:
No dia 5 de março de 1892, partiram de Montevidéu, capital da República do
Uruguai, doze irmãs Filhas de Maria Auxiliadora, com o fim de abrir as ditas
três casas. Foi nomeada superiora, representante da visitadora, a revda. madre
Teresa Rinaldi (...). Chegando ao Rio de Janeiro, tomaram imediatamente uma
barca, e foram para Niterói, onde foram recebidas no Asilo de Santa
Leopoldina, dirigido pelas revmas. Irmãs de São Vicente de Paulo (...). No
Asilo Santa Leopoldina, foram visitadas por vários cooperadores salesianos, e
pelo revmo. diretor do Colégio Santa Rosa, que as convidou a irem visitar esse
colégio salesiano (...). No dia seguinte assistiram ao santo sacrifício da missa,
celebrado pelo revmo. padre Domingos Albanello, que ao terminar fez uma
breve prática sobre os muitos sacrifícios a que se iam submeter, e encorajou-as a
prosseguirem intrepidamente (...) Tomaram a barca para o Rio, e se dirigiram a
Estação Central. Ao chegarem à estação, viram o trem que ia saindo para São
Paulo. Que contratempo! Não foi sem receio que passaram no Rio de Janeiro
esse dia, porque a epidemia de febre amarela assolava a capital (...). No dia
seguinte, dirigiram-se novamente à Estação Central. Às 4 horas da tarde
chegaram a Lorena, onde foram recebidas na estação pelo revmo. padre Carlos
Peretto, diretor do Colégio São Joaquim, acompanhado da banda musical do
36
Padre salesiano designado para realizar o projeto da vinda dos salesianos no Brasil.
36
colégio, pelo senhor conde de Castro Lima, cooperadores e cooperadoras
salesianas, e muitas pessoas da cidade, no meio de entusiásticos vivas erguidos
à religião católica, a S.S. Leão XIII, a Dom Bosco e às Filhas de Maria
Auxiliadora (...). No dia 15 foram visitadas pelo revmo. padre João Filippo,
fundador do colégio de Guaratinguetá (...). No dia 16 continuaram sua viagem
para Guaratinguetá. (Crônica do Instituto Nossa Senhora do Carmo, Vol. I).
Após as irmãs terem sido instaladas no Brasil, a irmã superiora Teresa Rinaldi
escreveu a D. Miguel Rua (superior geral que havia substituído D. Bosco, após sua
morte), sobre a impressão que tiveram as irmãs quando da chegada em terras brasileiras:
Faz um mês que nos encontramos nesta República: creio que o senhor terá
sabido por outros a recepção que tivemos. Em todo o caso lhe direi que parecem
coisas do outro mundo, e que ficamos muito confusas ao ver-nos assim
acolhidas. Atribuímos tudo à maior glória de Deus, e da cara congregação
salesiana, à qual estamos felizes de ser agregadas. Nas três paradas que fizemos,
nos veio receber um mundo de gente com música e procissão, e com todas as
autoridades eclesiásticas e civis. Oh! Como amam Dom Bosco nestas regiões.
(Crônica do Instituto Nossa Senhora do Carmo, Vol.I ).
D. Luís Lasagna definiu claramente a estratégia de instalar as irmãs
primeiramente nas cidades do interior, onde a tradição religiosa era mais forte, ao
contrário do que acontecia nos centros urbanos, em que reinava a mentalidade liberal.
As irmãs salesianas participariam, assim, do processo reformista da Igreja do Brasil, por
meio da ação educativa de suas instituições religiosas, e centrariam suas atividades na
educação feminina, na assistência social e na área da saúde.
O estabelecimento de congregações femininas em São Paulo foi intenso nas
duas primeiras décadas do século XX. O projeto de educação católica para o
sexo feminino em grande parte correspondia às expectativas e às idealizações
das classes médias e altas. A mulher idealizada pelas congregações femininas
era, sobretudo, a dona de casa, fiel esposa e boa mãe. Os conventos femininos
existentes desde o período colonial perduraram, sem uma revitalização
significativa. Dava-se, ao longo do período, uma substituição do modelo
conventual de vida religiosa contemplativa pelo modelo congregacional ou de
vida religiosa ativa, em que as irmãs engajaram-se nos setores hospitalar,
escolar, assistencial e de promoção humana. As irmãs religiosas assumiram uma
função social, aparecendo como agentes sociais, comprometidas com a
manutenção da ordem existente, poucas vezes como promotoras de uma crítica
social. Entretanto, é inegável que, pelo menos em parte, as congregações
religiosas contribuíram para a ascensão social do sexo feminino e para que, por
meio da educação, muitas mulheres chegassem a um enfoque crítico de sua
existência feminina. (Nunes apud Wernet, 2004, pp. 222-223).
37
As irmãs salesianas iniciaram a ação educativa no Instituto Nossa Senhora do
Carmo, chamado simplesmente de Colégio do Carmo, em Guaratinguetá, também por
meio do Internato (considerado, à época, o regime ideal para a educação da juventude).
Por meio dele, segundo Silva (2001), era possível preparar o sexo feminino para a futura
vida familiar. No internato, as meninas poderiam ser defendidas dos perigos que a vida
social apresentava.
A fundação do Colégio de Santa Inês, na capital paulista, coincide com o
momento em que as irmãs passaram a ter maior independência em relação aos
salesianos. A obra deveria ser o “novo centro das obras das Filhas de Maria
Auxiliadora”, quando iriam iniciar o processo de alargar a atuação para o Oeste
Paulista, deixando o Vale do Paraíba. O bairro do Bom Retiro, com predominância de
imigrantes italianos foi o local escolhido para o colégio, em uma pequena casa
conhecida como “chácara dos ingleses”. As irmãs iniciaram a atividade educativa,
segundo relatam as crônicas, abrindo um externato com dois cursos: o Jardim de
Infância, misto, para crianças de até sete anos; e o Curso Elementar, em quatro anos,
somente para meninas, conforme relata o Livro de Crônica da casa. Em ambos os cursos
seguia-se o programa das escolas oficiais do Estado. Aos domingos e dias santos,
funcionava o “Oratório Festivo”, freqüentado, sobretudo, por crianças e jovens da classe
operária.
Conforme registro na Crônica, as irmãs deixaram escrito que grandes e muitas
foram as dificuldades, restando somente as forças provenientes da fé:
o movimento de alunas é lento e desencorajante. Visita repetida de fiscais de
ensino. Um estranho mal-estar se apodera das irmãs, e todas sentem-se
desanimadas. Falta tudo em casa, e por vezes, o que comer. Nossa Senhora
Auxiliadora nos ajuda e nos esperança de dias melhores. (Livro de Crônica
do Colégio de Santa Inês – 1907-1914)
As religiosas davam testemunho de sua opção pela educação, apesar das
dificuldades que viveram, mas que foram sendo superadas em cada obra que surgia no
Brasil:
Com a graça de Deus e a proteção de Maria pudemos resolver graves
dificuldades financeiras. satisfação no bairro e na cidade, pela ação
38
educativa das irmãs, pelo trabalho que fazem no Oratório Festivo. As crianças e
jovens que freqüentam a casa querem muito bem às irmãs. verdadeira
aceitação do Colégio na cidade e no interior. (Livro de Crônica do Colégio de
Santa Inês – 1907-1914).
Apesar das dificuldades, o edifício foi crescendo e foi aumentando também o
número das crianças e jovens que ali chegavam. Em 1908, inaugurou-se o Internato,
com 23 alunas. Em 1909, ampliou-se o desenvolvimento escolar e religioso do Colégio,
com a criação do Curso Secundário, para completar a educação das alunas e preparar
candidatas à Escola Normal Primária e Secundária.
A Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês surge quando se pleiteia
e se obtém, do Governo Estadual, o direito de funcionamento nos moldes traçados pela
Lei 2269, de 31 de dezembro de 1927, sendo equiparada às oficiais. As atividades foram
iniciadas, segundo o Livro Histórico da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa
Inês, conforme o Decreto de 16 de fevereiro de 1928, assinado pelo Presidente do
Estado, Dr. Júlio Prestes de Albuquerque, e pelo secretário da Educação e Saúde
Pública, Fábio de Sá Barreto.
Por Decreto de 16 de fevereiro de 1928, foram equiparadas, de acordo com a
Lei 2269, de 31 de dezembro de 1927, às Escolas Normais de três anos os
seguintes estabelecimentos: Escola Normal Livre junta à Associação Municipal
Mackenzie, de Araraquara; Escola Normal Livre junta ao Ginásio São Luiz de
Jaboticabal; Escola Normal Livre junta ao Colégio de Santa Inez, nesta capital;
e Escola Normal Livre junta à Escola de Farmácia e Odontologia de Ribeirão
Preto. (Brasil, 1928, p. 1549).
Segundo Tanuri (1979), que trata do processo de expansão das escolas normais
no Estado de São Paulo, “o princípio da liberdade de ensino, entendido como direito de
os particulares abrirem escolas, seria garantido, explicitamente, na Constituição Paulista
de 24/07/1891” (Tanuri, 1979, p. 195). Não obstante tal princípio, a iniciativa particular
de ensino encontraria obstáculos sérios para atuar no início da República. No âmbito de
ensino normal, esse direito foi conquistado a partir de 1927, com a Lei 2.269, que
concedia o direito de equiparação às escolas normais livres e municipais. De acordo
com Tanuri (1979), apesar de qualificadas “livres”, as escolas de iniciativa privada e
municipal estavam subordinadas à fiscalização do Governo, mediante inspetor fiscal
39
nomeado para cada uma delas. Com tal fiscalização, esperava-se manter a qualidade e
uniformidade do ensino.
Logo ao início do funcionamento da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de
Santa Inês, os exames de admissão foram realizados no período de 27 de fevereiro a 2
de março, por uma comissão designada e composta pelos professores Roldão Lopes de
Barros (Presidente), Luiz Pinto e Silva e Manoel Bergstron Lourenço Filho (Ata do
Livro de Inscrições para os exames de suficiência, p. 5). Das vinte e oito alunas
inscritas, vinte e três foram aprovadas, e a aula inaugural foi proferida pelo professor
João Lourenço Rodrigues.
no ano de 1929, por ofício 67, de 4 de janeiro, foi enviada, ao Inspetor
Fiscal da Escola, a autorização de funcionamento da Escola Normal em regime de
Internato-Externato, confirmando o que afirma Tanuri (1979) sobre a atuação de um
inspetor que fiscalizasse e orientasse os trabalhos técnicos e pedagógicos da escola
37
.
Nessas condições, a referida escola normal passava, então, a receber moças, não só da
cidade de São Paulo, mas provenientes de outras cidades e também estados.
Outro Decreto, de 18 de março, nomeava, em comissão, o professor responsável
para exercer o cargo de professor de Pedagogia e Didática para a escola Dona Emma
Ribeiro, adjunta do Grupo Escolar da Barra Funda. (Cf. Diário Oficial de 19 de março
de 1929).
Ainda nos primeiros anos de funcionamento, o professor Ataliba de Oliveira
Inspetor encarregado de visitas para fiscalização, quer das dependências do colégio,
quer dos cadernos de Desenho, Cartografia, Anatomia, Português e Francês das
normalistas –, deixou o seguinte termo no livro “Histórico da Escola Normal”, por
ocasião de sua primeira visita à escola:
37
Eram as seguintes as atribuições do inspetor fiscal: “1) comparecer diariamente à escola para visar o
ponto do pessoal, ficando sujeito ao regime de faltas e licenças estabelecido para o funcionalismo do
Estado; 2) verificar e visar os documentos de inscrição dos candidatos aos exames de admissão; 3)
verificar, assistindo às aulas com assiduidade, se a orientação didática adotada está sendo seguida; 4)
manter com a Diretoria Geral correspondência assídua, informando-a, com a possível urgência, sobre
qualquer irregularidade que se verifique na escola; 5) resolver as dúvidas que apareçam na execução das
leis e regulamentos do ensino, sujeitando seu ato à aprovação da Diretoria Geral; 6) chamar a atenção do
diretor da escola para as irregularidades que porventura verificar; 7) acompanhar o inspetor geral ou o
especial em suas visitas, prestando-lhe com a diretoria da escola, as informações que forem solicitadas; 8)
lembrar ao diretor da escola as medidas que julgar necessárias; 9) justificar as faltas, atestar o exercício e
informar os pedidos de licença do professor de Pedagogia e Didática”. (Dec. 4600, de 30 de maio de
1929, art. 407, apud Tanuri, 1979, p. 211).
40
...acabo de visitar a Escola Normal Livre de Santa Inez. Em companhia da
Ex.ma Ir. Diretora e do Sr. Inspetor Fiscal, percorri as primeiras dependências
do colégio cuja instalação é magnífica. Assistindo aulas e verificando os
trabalhos das alunas constatei, com prazer, que este estabelecimento
corresponde aos intuitos do Governo do Estado. Daqui sairão por certo
verdadeiras educadoras da infância, compenetradas da alta missão que lhes vai
caber na vida. (Livro de Registro interno do Colégio de Santa Inês - Histórico
da Escola Normal, 1930).
Em maio de 1930, o Secretário da Educação e Saúde Pública, conforme registro
interno do histórico da escola, concedeu à Diretora da Escola Normal que as alunas do
ano normal fizessem os exercícios de tirocínio no ensino primário da própria escola,
o que antes era feito todas as 4
ª
s
e
s
feiras em aulas práticas de Didática no Grupo
Escolar Prudente de Moraes.
A função de direção era exercida por uma religiosa, brasileira, formada pela
Escola Normal da Praça da República, conforme prescrições das leis oficiais. O corpo
docente, em sua maioria, era composto por religiosas, exceto nas disciplinas: Inglês,
Aritmética, Álgebra, Geometria, Psicologia e Pedagogia, Organização Escolar e
Didática, Higiene e Puericultura, e no grupo de professores auxiliares para o ensino da
História, Geografia e Matemática, como é possível atestar pelas condições apresentadas
para que lhes fosse concedido o privilégio da equiparação:
- terem sido fundadas e serem mantidas por nacionais, com corpo docente
também de nacionais;
- serem seus cursos e programas organizados de acordo com o regime adotado
nas escolas normais oficiais;
- possuírem um patrimônio mínimo de duzentos contos de réis;
- estarem situadas em municípios que não possuíssem escola normal oficial,
exceto no caso de escolas com regime de internato; apenas uma escola normal
livre no regime de externato seria equiparada em cada município;
- ser o professor de Pedagogia e Didática de nomeação do governo, com os
mesmos vencimentos de seus pares das escolas normais oficiais. (Tanuri, 1979,
pp. 207- 208).
Conforme atesta o Livro do Histórico da Escola Normal, no decorrer do ano, as
normalistas recebiam visitas oficiais de “professores-inspetores”, quer para ministrarem
aulas práticas, quer para assistirem às explicações, ou ainda, para revistar os cadernos.
41
O Sr. Inspetor Geral Armando Bayeux da Silva visita a nossa escola verificando
com prazer os ótimos resultados obtidos: “examinei os trabalhos escritos e
manuais, assisti às aulas do dia, acompanhei o trabalho das professoras e os
exercícios escolares das alunas e verifiquei pelas explicações das professoras e
pela exposição e resposta das alunas o grau de adiantamento destas, o seu ótimo
aproveitamento e o rigor com que está sendo observado o programa em vigor.
Os arquivos estão muito bem organizados e a escrituração está em dia e
obedecem às instruções da Diretoria Geral e às recomendações das autoridades
escolares. A boa vontade dos professores, a sua grande dedicação e
competência, bem como a educação esmerada e a disciplina e respeito entre as
alunas, fazem deste estabelecimento uma casa de ensino modelar, à altura da
civilização e do progresso do nosso estado.” (Livro do Histórico 29 e 30 de
setembro de 1930)
Percebe-se, pelos pareceres das autoridades de ensino oficial, o quanto a escola
normal esmerava-se para em tudo seguir as normas escolares vigentes, observando
ainda os aspectos relativos à boa disciplina:
Acabo de visitar a Escola Normal Livre de Santa Inez. Em companhia da Exma.
Ir. Diretora e do Sr. Inspetor Fiscal, percorri as principais dependências do
colégio cuja instalação é magnífica. Assistindo aulas e verificando os trabalhos
das alunas constatei, com prazer, que este estabelecimento corresponde aos
intuitos do Governo do Estado. Daqui sairão por certo verdadeiras educadoras
da infância, compenetradas da alta missão que lhes vai caber na vida. (Visita do
Professor Inspetor Sr. Ataliba de Oliveira dia 15/05/1929 - Livro Histórico
da Escola Normal).
Ou ainda, o registro da visita do Professor Inspetor Especial Substituto:
... é visível e notável o aproveitamento das alunas nas matérias do Programa, o
que comprova a dedicação e competência do Corpo Docente. Levo, por isso, da
visita a melhor das impressões. (Professor Octávio da Costa Silveira – dia
24/05/1929 - Livro Histórico da Escola Normal).
A julgar pelos ofícios expedidos, seja pela Diretora, seja pelo Professor Fiscal,
no que se refere ao relacionamento com a Secretaria de Educação e Saúde Pública, é
possível perceber que a escola procurou acatar as normas, atendendo aos pedidos que se
referiam à comunicação a respeito de cargos nomeados para a escola, distribuição e
funcionamento da escola com horários das aulas, programa das aulas, relação de alunas
aprovadas, relação de material de cada curso, realização de festas cívicas, pedidos de
42
livros, relação de exames feitos pela escola, composição da banca examinadora,
relatórios sobre quesitos de equiparação, relação de alunas inscritas e aprovadas a
mapas do movimento geral, mensal, semestral e anual de todos os cursos da escola e
mapas de Estatística do Ensino, pagamento relativo à taxa de inscrições, exames
biométricos, entre outros.
A Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês era uma “escola
equiparada”. Segundo Tanuri (1979, p.209) “houve, logo no primeiro ano de
funcionamento das escolas equiparadas, 44 classes com 1503 alunos matriculados, ao
lado de 3.126 matrículas nas dez escolas normais oficiais”. Para a autora, o regime de
equiparação era a causa direta das modificações ocorridas no quadro do ensino paulista
e que, em breve, as escolas equiparadas de iniciativa privada e municipal estariam em
condições de superar o estado em tal setor. Neste caso, isto se confirma no relatório
apresentado como parte das exigências para a equiparação, em que se relata que a
Escola Normal anexa ao Colégio de Santa Inês havia, em total conformidade com as
normas vigentes, diplomado cerca de 228 professoras de 1930 a 1939.
De acordo com Tanuri (1979), apesar de os estabelecimentos livres serem
submetidos, pela exigência de equiparação, aos mesmos currículos e programas
adotados pelas escolas oficiais, eles apresentavam algumas diferenças que os punham
em condições inferiores às oficiais, como, por exemplo, o fato de a lei não ter imposto o
curso complementar, o que permitia aos candidatos, independentemente de sua
escolarização anterior, prestarem exame de admissão e cursar o curso normal. A
ausência de “dispositivos legais que prescrevessem a instalação de escolas-modelo para
a prática pedagógica”, o baixo nível de ensino, tudo isso demonstrava haver neles uma
organização mais simplificada, denotando a falta do caráter de “instituições completas”.
No que toca à Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês, do início de
seu funcionamento até 1930, as normalistas iam todas às quartas-feiras e sextas-feiras
ao Grupo Escolar Prudente de Moraes para as aulas práticas de Didática, o que mostra a
preocupação com a prática pedagógica das moças. Em 24 de maio de 1930, por
concessão do Senhor Secretário da Educação e Saúde Pública, as alunas do ano do
Curso Normal passaram a fazer as aulas práticas no curso primário da própria escola
38
,
38
A data de concessão ocorreu na ocasião dos festejos da Patrona da Congregação, o que imprime o
caráter de vivido pelas irmãs. O fato é atribuído à Providência Divina, pela intercessão materna de
Nossa Senhora.
43
o que denota a preocupação da escola em se equiparar com a escola oficial quer pela
seriedade, quer no cumprimento das leis, quer pela organização didática.
Quanto ao curso complementar, o Livro do Histórico da escola normal, os
relatórios referentes às exigências de equiparação e o livro de matrículas atestam a
existência do curso complementar no colégio, quer pelo registro de inscrições com os
nomes das candidatas, ou seja, pelo exame de admissão, quer pela festa de encerramento
de ano com as devidas turmas, preenchendo, assim, o quesito como uma “instituição
completa”.
No dia 17 de março de 1933 foi enviado ao Professor Fiscal da Escola Normal,
pelo Diretor Geral do Ensino, Fernando de Azevedo, uma circular, descrevendo as
disposições que deveriam vigorar provisoriamente, relativas ao regime de notas e ao
modo de promoção no curso secundário fundamental das Escolas Normais. O Livro do
Histórico atesta que em tudo foram seguidas, por parte da escola, as disposições do
Departamento de Educação, quer quanto à equiparação, quer quanto à nomeação de
professor de Educação para a escola, quer quanto à implantação do novo sistema de
notas.
O ofício encaminhado pela Diretora da Escola Normal Livre anexa ao Santa Inês
– Ir. Jécia Pinheiro – ao diretor Geral da Repartição de Informações, Estatística e
Divulgação da Secretaria de Estado da Educação e Saúde Pública, em março de 1933,
demonstra a disposição, por parte da escola, em atender as normas prescritas pela
secretaria e para que o preparo das professoras do estabelecimento fosse em tudo
idêntico ao oficial. O pedido de material feito, nesse mesmo ofício, por exemplo, denota
que, na escola, circulava o mesmo material de ensino da escola oficial.
No mencionado ofício encaminhado a Teixeira de Freitas, Diretor Geral da
Repartição de Informações, Estatística e Divulgação da Secretaria de Estado da
Educação e Saúde Pública, diz-se assim:
Ilmo. Sr.
Acusando o recebimento da circular 2/110/471 de V. S. e o volume a que a
mesma se refere, comunicamos-lhe, com prazer, que a diretoria deste Colégio
deu as necessárias providências para que nas aulas do curso secundário se
leitura comentada e se façam oportunas discussões e trabalhos escritos sobre a
preciosa conferência do eminente brasileiro Dr. Miguel Couto.
44
No entanto pedimos a V. S. queira remeter-nos mais algumas dezenas do
referido opúsculo, pois os que nos vieram apenas chegaram para os docentes e
um pequeno número de alunas.
Aproveitamos ensejo para solicitar outrossim de V. S. enviar-nos, para o nosso
“Curso de Formação Profissional de professoras”, revistas, folhetos, estatísticas,
fotografias, o que possa enfim colocar as nossas “futuras professoras” a par do
movimento educacional que se realiza em todo o Brasil e, deste modo,
fomentar, entre as mesmas, maior interesse pela causa da educação em nossa
Pátria.
Na certeza de que será grato a V. S. colaborar conosco para a formação e
preparo de um professorado competente e capaz de satisfazer as necessidades
nacionaes, nos subscrevemos com a mais elevada estima e consideração,
Ir. Jécia Pinheiro – Diretora. (São Paulo, 20 de março de 1933).
No que tange às novas medidas sobre a equiparação das escolas normais livres,
os documentos encontrados deixam entrever o momento conturbado que as escolas
católicas atravessavam no período, como se percebe no ofício, enviado pela Direção da
Escola ao Monsenhor Gastão L. Pinto, que apresentou uma sugestão à escola numa
reunião ocorrida no dia 10 de dezembro de 1933
39
, referente a um dos itens
estabelecidos pelo novo decreto no tocante à nomeação do professor à cadeira de
Educação na escola:
São Paulo, 14 de Dezembro de 1933.
Exmo. e Rvmo. Mor. Gastão Liberal Pinto,
Obedecendo à ordem de V. Excia. Revma. de redigir por escrito a sugestão
apresentada verbalmente na reunião do dia 10, o Colégio “Santa Ignez” diz o
seguinte:
Pleiteando a equiparação às Escolas Normais do Estado e submetendo-se para
isto a inúmeras dificuldades, aceitando corajosamente diversas exigências
onerosas, o Colégio teve em vista poder colaborar deste modo em campo mais
vasto e com meios de eficiência mais segura e imediata, na obra da verdadeira
educação da criança, dando-lhe professoras formadas pelas normas da
pedagogia católica.
Mas a legislação escolar em vigor, decretando que o ensino daquela disciplina
de importância capital e básica no conseguimento do nosso ideal seja ministrado
por um professor de educação nomeado pelo Estado, vem lançar a nossa escola
à mercê de vicissitudes graves e mesmo perigosas, quando não fatalmente
contraproducentes.
Para este caso, a nossa humilde sugestão seria:
- que para reger a cadeira de educação fosse nomeada uma religiosa da
mesma comunidade, especializada nesse ramo, cuja idoneidade seria
documentada por diploma.
- caso essa proposta não fosse aceita, o Colégio alvitraria lhe fosse concedido
qualquer forma de intervenção – consulta ou placet – na escolha desse técnico.
Pela Diretoria. (Livro de Ofícios enviados, datado de 10/12/1933).
39
Não foi possível localizar nenhuma ata que comprovasse tal reunião.
45
O cotidiano e a prática escolar da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de
Santa Inês regiam-se pelos princípios do Sistema Preventivo e cumpriam uma grade
curricular assim estabelecida: Português e Literatura, Francês, Inglês, Aritmética,
Álgebra, Geometria, História Geral, Geografia Geral e do Brasil, Física, Química,
Biologia, Psicologia, Pedagogia, Higiene e Puericultura, Organização escolar e
Didática, Desenho Pedagógico, Ginástica, Música e Trabalhos Manuais. Em 1933, o
Programa, mais específico ao curso normal e não mais com uma grade curricular de
conhecimentos gerais, passou a contar com as seguintes disciplinas: Psicologia,
Pedagogia, Prática de Ensino, Organização escolar, História da Civilização, Sociologia,
Biologia Educacional, Música e Trabalhos Manuais. Em 1934, é acrescentado História
da Educação; em 1936, Artes Industriais, conforme relação do corpo docente e
componente curricular no início de cada ano registrado no Livro do Histórico da Escola
Normal.
Essa grade curricular da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês
apresenta, como é possível verificar no quadro 1, referente aos e anos, pouca
diferença em relação à Escola Normal Caetano de Campos, segundo os Livros de
Matrículas e Notas dos anos de 1927 a 1932.
46
Quadro 1
Comparação entre os programas da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de
Santa Inês e a Escola Normal Caetano de Campos
Escola Normal Livre anexa ao Santa Inês Escola Normal Caetano de Campos
Português e literatura Português e caligrafia (1º e ano); Literatura
(4º ano)
Francês Francês; Latim (2º e 3º ano)
Inglês Inglês
Aritmética Aritmética
Álgebra Álgebra
Geometria Geometria; Trigonometria (3º ano)
História Geral História da Civilização
Geografia Geral e Brasil Geografia Geral e Brasil
Trabalhos Manuais Trabalhos Manuais
Física -
Química Química (4º ano)
Biologia Biologia
Psicologia Psicologia
Pedagogia Pedagogia
Higiene e Puericultura Higiene e Puericultura e Phsiologia
Organização Escolar e Didática Didática
Desenho Pedagógico Desenho
Ginástica Ginástica
Música Música
Fonte: Quadro composto com base no Livro de Matrículas e Notas da Escola Normal Caetano de
Campos, de 1927 a 1932 e nos Livros Histórico, Relatório de Equiparação às Normais e de Matrículas e
Notas da Escola Normal Livre anexa ao Santa Inês, referente aos mesmos anos.
O quadro denota que a Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês
estava em conformidade com o programa estabelecido pela Diretoria de Instrução
Pública do Estado, e assumia, a julgar por sua grade curricular, a preocupação em
formar suas professoras para que viessem a ser boas mestras e boas conhecedoras do
universo infantil, segundo os critérios estabelecidos em lei para tal formação.
Nos Regulamentos e no Estatuto do Colégio de Santa Inês
encontra-se o horário
de funcionamento escolar para todos os cursos existentes na escola, nas modalidades de
47
Internato e Externato. No período da manhã, havia atividades extraordinárias para as
alunas internas, o que se comprova por um relatório enviado, pela Direção à Diretoria
de Instrução Pública, conforme ofício encontrado no Livro de Relatório de Equiparação
às Normais, no ano de 1940, com a finalidade de preencher as exigências de
equiparação, com a grade dos componentes curriculares ensinados de segunda a sábado
e os horários de aula
40
.
Embora a escola estivesse com a documentação e ação educativa de acordo com
a legislação vigente, é notável a existência de uma certa “fadiga” e um certo “peso” em
cumprir tantas normas e fiscalizações impostas à escola particular. Em circular recebida
pela Escola, datada do dia 20 de maio de 1934, da Confederação Católica Brasileira de
Educação (CCBE), evidencia-se a preocupação do Conselho Estadual da CCBE diante
da ocorrência de situações conflituosas com algumas escolas católicas. No ofício da
Escola Normal Livre anexa ao Santa Inês, em resposta a CCBE, informa-se que a escola
em tudo se encontrava legalizada e regulamentada segundo o novo decreto; portanto,
não tinha preocupações no que se referia ao atendimento da fiscalização e ao
funcionamento.
Revmo. Presidente do Conselho Estadual da C.C.B.E.
Acusando o recebimento de sua circular de 20 do corrente mês, passo a
responder os quesitos nela apresentados, após agradecer o empenho de V.
Rvma. Pela nossa Escola Normal Livre Confederada. A) A Congregação das
Filhas de Maria Auxiliadora está devidamente registrada com título civil no
Registro Geral e Hipotecas de primeira circunscrição da Comarca da Capital do
Estado de São Paulo, em data de 2 de Julho de 1927, à pág. 62 do Livro VI, sob
1348. b) É dirigida por brasileira nata. C) Tem os cursos e programas
idênticos aos das Escolas Oficiais. D) O Curso Fundamental está equiparado ao
do Colégio Pedro II, nos termos das Leis Federais e atualmente processam-se os
exames parciais sob a fiscalização do sr. Hugo Gouthier nomeado para tal fim
pela Superintendência do Ensino Secundário. E) foi requerido na forma legal
o registro do corpo docente no Departamento Nacional de Educação. F) o
requerimento do registro do corpo docente de Curso de Formação Profissional,
com informes de nomes, títulos de habilitação e cargos dos professores, foi
remetido à Diretoria Estadual. G) o prédio onde funciona a Escola Normal e o
Ginásio satisfaz às condições higiênicas e pedagógicas, como atesta a sua
recente equiparação a ginásio-federal. H) no Tesouro Estadual foi depositada
a quantia de 14.400$000, conforme a exigência regulamentar vigente. Quanto à
segunda parte de sua circular, registramos aqui os quesitos apresentados, com a
respectiva resposta: 1) tem a Escola Normal satisfeito plenamente a todos os
quesitos da lei? Sim. 2) quais os quesitos que ainda não preencheu? Nenhum. 3)
acha V. Rev. que o Conselho Estadual devia apresentar junto ao Secretário da
40
Grade curricular e horário, retirados da fonte: “Relatório de equiparação da Escola Normal”.(ver Anexo
2).
48
Educação solicitando uma prorrogação de prazo (30 dias) de verificação até
Agosto ou Dezembro? Como acima ficou dito, a Escola satisfaz os quesitos
legaes, por conseguinte, do prazo é-lhe indiferente. 4) julga V. Rev. que o
mesmo Conselho Estadual devia representar contra a inovação introduzida pelo
novo decreto de elevar o depósito das Escolas Normais do Interior a
14.000$000. A Escola Normal Livre Santa Ignez é da Capital. Sem outro
assunto me subscrevo com grande consideração.
Ir. Jécia Pinheiro. (Livro do Histórico - ofício enviado no dia 25/5/1934).
A análise das fontes disponíveis permite perceber a trajetória pela qual passou a
Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês para cumprir os requisitos legais a
fim de ter um bom funcionamento. No entanto, embora a preocupação com as questões
legais preocupasse as irmãs nessa escola, uma outra era mais acentuada, a de promover
uma boa formação moral de suas alunas.
2.2- A boa formação moral
Como não poderia ser diferente das demais congregações religiosas desse
período, a principal razão da atividade educativa das irmãs salesianas era a formação
cristã das meninas, e é esse objetivo primordial que características distintas à ação
educativa desenvolvida em seus colégios.
Como a insistência na prática sacramental era elemento imprescindível do
catolicismo romano, e este fazia parte do projeto de reforma estabelecido pela Igreja do
Brasil, a obrigatoriedade da missa cotidiana e da vida sacramental fazia parte do plano
do Internato. Assim, as alunas internas participavam e começavam a ser educadas,
segundo Silva (2001), nessa nova maneira de expressar a fé, diferentemente do que
acontecia na vida familiar, em que a fé se centrava na prática devocional.
Com a finalidade de promover a formação religiosa das alunas nos colégios, as
irmãs adotavam associações religiosas, como a Pia União das Filhas de Maria
Imaculada e a Companhia dos Santos Anjos. Outra forma para complementar a
formação cristã das meninas eram as celebrações de datas religiosas, em especial, a
festa da padroeira da Congregação, Nossa Senhora Auxiliadora, como atestam as
crônicas das primeiras obras fundadas no Brasil, como é o caso do Colégio do Carmo.
49
Se a educação da era o principal objetivo da ação educativa das irmãs, esse
objetivo estava enraizado na boa formação moral das alunas, direcionando-as para
padrões de conduta que fossem condizentes com a moral católica. A carta pastoral de D.
Antonio de Macedo Costa, bispo do Pará, traz um anexo das “obrigações de uma
jovem”, relacionando o que é preciso fazer para se santificar.
1- Ser muito modesta em todas as suas ações
2- Andar acautelada a cada passo
3- Ser grave e sempre decente nas falas e maneiras
4- Gostar de estar em casa, e ajudar a sua mãe
5- Aplicar-se de contínuo ao trabalho
6- Raras vezes sair, e só por necessidade
7- Aborrecer a vaidade nos vestidos e enfeites
8- Evitar conversações indiscretas com pessoas do sexo diferente
9- Detestar dissipações e profanos divertimentos
10- Amar os exercícios de piedade
11- Ser muito franca, leal e amorosa com sua mãe, e não ter segredos para ela
12- Edificar com bom exemplo e doutrina seus irmãozinhos menores
(Carta Pastoral de D. Antonio de Macedo Costa, Livro de Crônica do Colégio
do Carmo, Vol. 1)
Segundo a espiritualidade salesiana, também era prescrita às alunas, e não
somente às irmãs, a virtude da pureza, sendo elas formadas numa vida de recato,
modéstia e simplicidade. A moral católica valorizava a jovem por suas “qualidades de
espírito” e não pelos atrativos do seu corpo.
O pensamento católico desse período foi descrito por Saffiotti (1979, p. 205),
como “representante do conservador”, numa tentativa de manter a estrutura patriarcal na
família, justificando-se pelas diferenças básicas entre homem e mulher. A mentalidade
conservadora restringia o espaço feminino à vida familiar, apesar de existirem
algumas aberturas significativas entre liberais e socialistas, com relação ao papel da
mulher na sociedade. Dois aspectos pesavam para que as irmãs salesianas mantivessem
essa postura conservadora na sua ação educativa: a própria formação religiosa,
proveniente da sua dependência em relação à congregação salesiana masculina; e a
sociedade, cujas famílias mantinham o padrão de dependência feminina. Assim, como
atesta Silva (2001), as meninas eram formadas para continuar atuando segundo esses
moldes de valores tradicionais e conservadores.
50
A
educação feminina “está presente não apenas nas palavras que são ditas, mas
muito mais na forma como se diz e como as coisas são feitas” (Pereira, 1996, p. 207),
ou seja, importa muito mais o dia-a-dia da escola que o que se transmite às alunas.
Assim, a marca da educação feminina se imprimia no ordinário de um cotidiano escolar
em que os saberes ensinados e aprendidos passavam por um ritual que configurava e
fazia entender do que se tratava essa educação salesiana, que trazia, segundo Cavaglià
(1990, p. 103), “princípios educativos práticos de forte inspiração pedagógico-
espiritual”, ou seja, princípios que traziam forte, não o discurso pedagógico, mas,
sobretudo, o religioso.
Entre os princípios de inspiração pedagógico-espiritual estão:
1- assistência contínua; 2- tratar as meninas da mesma maneira que vocês
mesmas gostariam de ser tratadas; 3- corrigi-las com a doçura de N.
Senhora; 4- quando rezar, as necessidades espirituais e corporais delas
sejam as vossas; 5- amá-las todas sem a mínima diferença e parcialidade; é
melhor poucas virtudes mas sem cometer pecados; não exigir de todas o
mesmo rendimento; 8- imponha poucas obediências, basta fazê-las observar
com prontidão sem questionar; 9- a idade, a capacidade, o espírito de cada
uma vos sejam de normas para dirigi-las todas; 10- saber tudo o que as
meninas fazem ou não fazem; 11- dissimular muitas das ações das meninas;
12- premiá-las e puni-las com oportuna parcimônia; 13- não abandoná-las
jamais ao próprio capricho, nem desprezar as suas correções, quando estas
melhoram; 14- tratar cada uma com caridade, jovialidade e cortesia.
41
(Cavaglià, 1990, p. 103).
Esses princípios educativos de inspiração pedagógico-espiritual davam-se nas
escolas salesianas, portanto, eram princípios norteadores da prática do cotidiano escolar
da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de santa Inês, em que o centro norteador da
educação era firmado no direito dos jovens serem formados para que percebessem a
importância da educação recebida, aliada à alegria, à música, à festa, à seriedade, à
disciplina, ao empenho, à colaboração e à participação, tudo para configurar o “bom
cristão e honesto cidadão”. Alunas e educadoras eram chamadas para contribuir na
41
1. sorveglianza continua. 2. trattare le fanciulle nel modo Che desidereste di essere trattata voi stessa. 3.
correggerle colla dolcezza di Maria Santíssima. 4. quando pregate, i loro bisogni tanto spirituali Che
corporali siano i vostri. 5. amatele tutte senza la mínima differenza e parzialità. 6. contentatevi di poche
virtù, purché non facciano peccati. 7. non richiedete da tutte lo stesso profitto. 8. imponete poche
obbedienze; basta farle osservare com prontezza, senza Che domandino il perché. 9. l’età, la capacita, lo
spirito di ciascuna vi siano di norma in dirigerle tutte. 10. sapere tutto cio Che le scolare fanno o non
fanno. 11. con esse dissimulare molte delle loro azioni. 12. premiarle e punirle con opportuna parsimonia.
13. non abbandonarle mai al loro capriccio, disperare della loro emenda. 14. trattate con esse con ogni
carità, giovialità e urbanità.
51
formação dessa casa di educazione(Cavaglià, 1990, p. 157), que deveria refletir, o
mais fielmente possível, a família, conforme atesta o regulamento interno das escolas,
dizendo que “o método que se segue é o paterno, aquele que privilegia a via do coração
antes que o da dureza e do rigor” (Cavaglià, 1990, p. 157).
Esse “fazer feminino” salesiano foi se constituindo por meio de práticas
escolares típicas, que foram coletadas por algumas irmãs, das conferências que foram
feitas por Ir. Emília Mosca, considerada a grande educadora e mestra do Sistema
Preventivo de Dom Bosco na linha feminina da educação salesiana, e com base nas
práticas escolares vividas na primeira escola normal da Congregação na Itália, que se
tornou famosa pelo tipo de formação ali ministrado e que orientou o “fazer feminino” na
escola normal em estudo na formação de suas professorandas. Os conhecimentos
coletados e aprendidos pelas irmãs por meio de Ir. Emília Mosca, seja pelas
conferências, seja por meio das recordações e testemunhos, punham particular relevo à
escola elementar, considerada a base de toda escola. Isso justifica a importância
atribuída à formação das professoras.
Esses conhecimentos, como que numa tradição pedagógico-espiritual, segundo
Cavaglià, traduziam-se em:
passar da atenção aos sinais disciplinares”, das atitudes de disciplina às
motivações que sustentam o dever das várias ações típicas da jornada da escola,
como por exemplo: “entrada na aula, método de interrogação, correção das
tarefas, critérios de valorização, intenções educativas que animam cada escolha
da mestra
42
. (Cavaglià, 1990, p. 165).
A herança transmitida para todas as escolas das irmãs salesianas, em especial à
Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês, objeto desse estudo, era a de que a
instrução era a ocupação principal, que deveria absorver muitas horas de alunas e
mestras, que a formação para a vida era a finalidade suprema, para a qual tudo
convergia. A mulher de fibra iria lentamente se formando, mediante um conjunto
harmônico de ações concretas de gestos consecutivos, motivados e intencionados por
42
(...) si passa dall’attenzione ai “segni disciplinari” all’ ‘abitudine alla disciplina”, dalle motivazione Che
sostengono il dovere alle varie azione tipiche di uma giornata di scuola: entrata nell’aula , método di
interrogazione, correzione dei compiti, criteri di valutazione, intento educativo Che anima ogni scelta
della maestra.
52
meio de relações entre professoras e alunas, na vida cotidiana, como atesta Cavaglià
(1990).
Segundo as orientações feitas para as escolas, e, portanto, para essa escola
normal em estudo, os perigos que poderiam destruir a ação educativa das mestras seriam
as imposições autoritárias, as ambições pessoais, a procura exclusiva de formalismos
externos e a incompetência. Por parte das alunas, o perigo estava nas ações motivadas
unicamente para o sucesso imediato, na ação brilhante por parte da aluna somente para
não sofrer o temor do castigo, e não pelo valor de aprender, na vontade de deixar-se
cativar pela benevolência da autoridade.
Segundo Cavaglià (1990), para manter a uniformidade de método e conteúdo
entre os trabalhos das professoras, eram enviadas às diretoras e professoras normas bem
detalhadas, que elucidavam em subdivisões mensais o programa ministerial, com
instruções e normas pedagógicas práticas para facilitar o desenvolvimento dos
princípios comuns nas diversas condições de lugar, idades e classes, como é o caso do
manual Norme Didatiche (Genghini, 1907), que norteou a prática de ensino das
professorandas da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês para a
alfabetização das crianças.
Toda a ação educativa voltava-se para o intuito de formar um ideal de mulher
que estivesse em sintonia com o desejável para a sociedade, e mais, com o que a própria
sociedade esperava da formação feminina em uma escola religiosa.
O modelo de mulher que constituía o ideal era o de dona de casa, capaz de gerir
a vida doméstica; esta orientação fortemente determinada pela exigência social
é evidente até na escolha dos ditados e problemas propostos pelas mestras às
alunas
43
(Cavaglià, 1990, p 171).
Algumas cartas circulares da Superiora Geral da Congregação do ano de 1918
trazem recomendações e orientações feitas pela Conselheira Geral, responsável para a
animação das escolas das irmãs salesianas, em especial, para as escolas normais,
exortando as professoras de que o ensinamento, o estudo, a escola e as alunas deveriam
43
Il modelo di donna che costituiva l’ideale del corso elementare era soprattutto quello della casalinga,
della donna del popolo, capace dig estire la “vita domestica” in tutte le sue esigense. Quest’orientamento
fortemente determinato dal ruolo sociale appare evidenziato perfino nella scelta dei dettati, dei temi, dei
problemi proposti dalle maestre alle alune durante l’anno scolastico e gli esami di licenza.
53
ser santificados por meio delas. Percebe-se, portanto, que a educação é valorizada e
legitimada pelo discurso religioso como fonte eficaz para a formação feminina, que
perpassa toda a ação educativa.
Segundo a circular, a santificação do ensinamento pode acontecer se as irmãs
professoras fossem, de fato, profundamente religiosas, para que a missão de ensinar
acontecesse de maneira eficaz
44
. A santificação do estudo, por outro lado, para não ser
nocivo, precisaria ter a finalidade de ajuda ao próximo e nunca ser motivo de orgulho.
Segundo os preceitos da formação salesiana, mantidos até os dias atuais, quanto mais
instruída a pessoa for, mais humilde deverá se tornar. O estudo é para melhor conhecer
a Deus, para cumprir bem os próprios deveres, pela força moral que dele provém, e
nunca somente para satisfações intelectuais.
Ainda segundo esses preceitos, a escola é verdadeiramente educativa quando
mantém as alunas distantes dos defeitos dominantes, como a vaidade, a fugacidade e a
sensibilidade. Para tanto, as mestras precisam ser prudentes nas escolhas de temas, das
leituras, dos livros, até mesmo os de piedade. O método preventivo do fundador Dom
Bosco é insistentemente pedido para que se faça valer em todas as atividades propostas,
seja nos trabalhos femininos, nos estudos musicais, nas representações dramáticas, nos
jogos, nas conversas, e o somente nos estudos, o que leva a supor, até mesmo pela
leitura de outras cartas que fazem o mesmo pedido, que o sistema preventivo vivia uma
crise nas escolas e demais obras da Congregação Religiosa. O pedido frisava o exemplo
constante, por parte das religiosas educadoras, do uso da seriedade, mas sempre distante
da aspereza, porque o que se esperava era a ternura firme, o amor desinteressado e
imparcial.
A explicação do chamado Regulamento Colegial às alunas, estabelecendo os
princípios e regras pelos quais a escola era regida dava-se no início do ano letivo com
um “Tríduo” (a exemplo de uma prática religiosa, nos festejos do santo padroeiro). Essa
prática, de levar ao conhecimento das jovens as regras, dava-se desde os tempos do
fundador, por esse defender que, se as regras estivessem claras, seriam evitados e
prevenidos futuros constrangimentos. A partir de 1934, o documento estatutário se torna
oficial. Abaixo, a partir da transcrição de parte desses estatutos, são explicitadas as
normas a que deveriam se submeter as alunas nos colégios salesianos, também as alunas
dessa escola normal em estudo, bem como os procederes do Sistema Preventivo.
44
Circular nº 43 de 24/10/1918 e circular nº 44 de 24/11/1918. (Ver anexo 3).
54
CAPÍTULO XI – Disposições Gerais (para todas as alunas do Colégio)
As contribuições das alunas das diversas secções do Colégio são reguladas pela
Tabela de Pensões e Taxas. Os pagamentos devem ser feitos todos
adiantadamente. As alunas deverão responder pecuniariamente pelos estragos
feitos no edifício ou no mobiliário, assim como por qualquer prejuízo causado
às colegas ou ao Colégio. As alunas não podem receber de fora, revistas ou
jornais de nenhuma espécie, nem livros estranhos ao estudo. A aluna que tiver
habitualmente conversas, maneiras menos decorosas ou fizer ostentação de
irreligiosidade, será excluída do estabelecimento. Serão também motivos de
eliminação: o mau procedimento incorrigível e a insubordinação. Não se
concede dispensa de estudo e dos exames de matérias obrigatórias no ano em
que a aluna está matriculada. Não se admitem alunas ouvintes. Todas as alunas
terão aula de civilidade, de canto coral e ginástica. PARÁGRAFO ÚNICO: o
trabalho manual será obrigatório em todos os cursos. o consideradas
extraordinárias as aulas de Piano, Violino, Pintura, Flores, Plástica e
Datilografia. Aulas e exercícios de declamação, representações dramáticas no
teatro do colégio, execuções de música vocal ou instrumental, conferências
morais ou religiosas, exercícios de ginástica higiênica, comemorações das
grandes datas nacionais, conferências com projeções luminosas, auditórios,
completam o Programa de Ensino do Estabelecimento. [...] O procedimento
mensal costuma se classificar do seguinte modo: ótimo com louvor, ótimo,
muito bom, bom, deficiente, sofrível, mau, péssimo. No fim de cada mês são
distribuídos atestados de procedimento às alunas que o mereceram. O nome
destas alunas, assim como os nomes das primeiras de cada aula, isto é, as que
obtiveram as melhores médias mensais constituem o “Quadro de Honra”,
exposto na sala de visitas. [...] O ato da matrícula importa na aceitação de tudo o
que determinam os presentes Estatutos.
CAPÍTULO XIII - Sistema Educativo do Colégio
Fundamento indispensável de todo o aparelho educativo é a educação moral e
religiosa. É necessário que as alunas conheçam a verdadeira origem dos seus
direitos e dos seus deveres; que obedeçam com convicção espontaneamente,
conscienciosamente; que reconheçam também os direitos dos seus semelhantes
e aprendam a respeitá-los. A conseguir tão sublime objetivo destina-se o
Sistema Educativo Salesiano: O Sistema Preventivo ou do Santo Fundador dos
Salesianos Dom Bosco (1815 1888), o qual, nas suas linhas gerais assim o
expõe textualmente: “Este Sistema” consiste em fazer conhecer o Regulamento
e as praxes do Estabelecimento, e depois trabalhar de tal modo que as alunas
estejam constante e ininterruptamente sob o “olhar vigilante” da Diretora, das
Assistentes, que como Mães amorosas falem, sirvam de guia em todas as
emergências, aconselhem e amigavelmente corrijam. Numa palavra, este
Sistema procura colocar as alunas na impossibilidade de cometer faltas. Baseia-
se todo ele na razão, na religião e no amor: por isso exclui todo castigo violento
e procura evitar os próprios castigos leves. Salvaguardando embora o princípio
da autoridade e da disciplina, o que é indispensável para a boa ordem do
estabelecimento, procura-se, entretanto, tornar a vida colegial a mais branda e
amena possível, transformando-a num como “prolongamento da vida de
família”. Procura-se educar por meios suaves, pela persuasão e pelo apelo aos
bons sentimentos da aluna. Têm-se em vista, não reprimir ou castigar mas sim,
corrigir, estimular. Que este Sistema tenha dado ótimos resultados, demonstra-o
a extraordinária freqüência dos Colégios Salesianos espalhados por todas as
55
partes do mundo. Entretanto, para conseguir todo o efeito desse “Sistema”, é
indispensável poder contar sempre com o apoio e a coadjuvação dos Senhores
Pais ou Tutores das nossas alunas. Chama-se, em linguagem salesiana,
Assistente a irmã encarregada da vigilância das alunas. Esta, acompanha as suas
“assistidas”, não a observá-las de longe, em atitude autoritária, mas vigiando-as
carinhosamente e com o intuito manifesto de prevenir qualquer mal,
conversando amigável e familiarmente com elas e nas horas de recreio,
brincando e folgando com as alunas como a melhor das amigas
45
. (Livro do
Histórico, 1934 - Estatuto do Colégio de Santa Inês).
É provável que os capítulos XI e XIII das Disposições Gerais fossem os mais
abordados com as alunas pelo aspecto de cotidianidade, centrados nas posturas que
deveriam ter as alunas, com uma tônica moralizante e de bons costumes e modos, além,
é claro, de todos os elementos que perpassavam a instrução e como se dariam os
procedimentos devidos, marcadamente pela meta de atingir a perfeição, o que justifica
todo o processo de premiação. Tais capítulos do Regulamento se apresentam de forma
bastante clara e pontual a respeito de como deveria ser o procedimento por parte das
alunas, mas também o da escola.
Vê-se que os dois capítulos regulam o cotidiano da relação das alunas na escola,
porém, é possível perceber que o capítulo XI Das disposições gerais ao tratar de
todo o procedimento escolar, torna explícito no tom, no que tange às regras, um modo
bastante formal e até uma certa rigidez; o capítulo XIII, por outro lado, apresenta-se
como uma espécie de contraponto, que permite pensar a possibilidade de se conjugar à
“firmeza e ternura”, tão peculiar ao sistema do fundador.
Delinear e delimitar tais dispositivos era importante à medida que ajudassem as
irmãs a superarem a tendência de serem “duras demais”, porque seguidoras fiéis das
regras, ou “doces em demasia”, o que geraria uma educação “laissez-faire”, sem
autoridade e disciplina. Percebe-se também que essas disposições tendiam a acentuar a
preocupação das irmãs educadoras com a boa formação moral, conseguida, por
exemplo, por meio da vigilância, estabelecida pela proibição das chamadas “leituras de
fora”, conversas inoportunas à boa formação da moça cristã, posturas de rebeldia.
Esse “olhar vigilante”, tão pedido nas regras, de um lado levaria à aluna a
manter-se segundo os padrões sócio-culturais exigidos para a mulher dessa época, de
outro, deixaria claro os seus direitos e deveres, que, uma vez conhecidos, também
45
foram transcritos os capítulos do Regulamento e Estatuto pertinentes às regras. Os demais que se
referem à Escola normal e que aqui foram suprimidos encontram-se ao final do trabalho. (ver Anexo 4).
56
seriam reconhecidos como fundamentais para a vivência em grupo, o que faria com que
a prática da obediência não mais fosse vista como imposição, mas daria a ela hábitos
que passariam a ser praticados espontaneamente.
Conseguir esses objetivos é o que talvez diferenciasse esse “Sistema Preventivo
de Dom Boscode tantos outros existentes e nascidos na Itália desse período. Era
preciso que a regra fosse clara para ser cumprida, mas deveria ser vivida pelas irmãs sob
o “olhar vigilante” de quem se dirige às alunas como guias amigas que lhes falem
amorosamente, aconselhem e socorram-nas em todas as situações, ou seja, que lhes
aproxime e lhes “falem ao coração”, e que, se houvesse necessidade de punição, dever-
se-iam evitar sempre os castigos, fossem eles leves ou pesados, sempre em vista de não
incorrerem em erros e em situações contrárias aos bons costumes e à boa moral. Assim,
objetivava-se proporcionar no colégio um ambiente que fosse a extensão da casa, numa
relação afetivo-familiar. Isso se explica, talvez em parte, pelo fato de Dom Bosco ter se
tornado órfão de pai aos dois anos portanto, o seu sistema teria que dar aos meninos
abandonados a chance de não só terem um pai, mas de sentirem a força familiar,
elemento imprescindível na educação.
Se havia, portanto, uma busca por estabelecer regras e instrumentos que
ajudassem, na prática, a formação da boa educação cristã, percebe-se também, nas
“disposições gerais”, a importância do conhecimento: todas as alunas eram avaliadas e
classificadas segundo critérios meritórios. Disso decorre o entendimento de uma
avaliação pautada nas provas de conhecimento dos saberes e todo o procedimento que
as levaria ao “Quadro de Honra”.
Esses traços da educação salesiana para as moças consolidavam um certo “fazer
feminino” nas escolas e na formação de suas professoras, que também chegou à Escola
Normal do Colégio de Santa Inês, o que se pode verificar nos relatos das irmãs, nas
cartas e documentos enviados pelas Superioras. Pela documentação disponível, observa-
se que a preocupação das educadoras religiosas da Escola Normal do Colégio de Santa
Inês era a mesma, em sintonia com o projeto educativo estabelecido pela Congregação.
Sousa, em Práticas de Leitura, Memórias de Formação e Relações de Gênero,
dedica-se a analisar a Revista Auxilium, periódico que circulava na escola e entre as ex-
alunas no período de 1930 até 1946. O “espírito” da ação educativa na escola, o poder
do discurso religioso, as prescrições moldadas por uma moral católica, o ritual
57
estabelecido nesse jeito de educar, são elementos pelos quais se trançam os fios da
educação feminina salesiana na Escola Normal. Nas palavras da autora:
Toda a revista Auxilium, como não poderia deixar de ser um periódico
produzido no colégio e dirigido às alunas do colégio, é um grande repositório de
representações e prescrições acerca do sexo feminino, com base no sistema
pedagógico elaborado por Dom Bosco, originariamente para meninos e rapazes,
e depois adaptado para ser desenvolvido no meio estudantil feminino. A figura
que deu existência ao projeto, (...), foi Maria Mazzarello. É sob sua vida, sua
obra e seu exemplo que as meninas e moças do Colégio Santa Inês receberão
educação esmerada, tanto do ponto de vista intelectual, quanto (e
principalmente) do ponto de vista de sua formação moral. As inúmeras páginas
da revista, percorridas uma a uma, são o exemplo inconteste de um projeto
educacional que se desenvolve, que progride, que amplia sua clientela e a oferta
de cursos, que prepara muitas normalistas, secretárias, contadoras para o
mercado de trabalho, mas que também fez de muitas de suas egressas
universitárias. (Sousa, 2000, p.36).
A revista traz muitos artigos relacionados à educação e à formação feminina,
com base nos modelos de virtude e de comportamento que a moça cristã católica
deveria preservar na vida cotidiana. Muitos dos artigos eram escritos ou dirigidos às ex-
alunas, como uma forma de a escola continuar incidindo na vida de cada uma delas, seja
porque a revista refletia a vida escolar, não na dimensão informativa e intelectual,
mas, sobretudo, no sentido religioso, da piedade e da boa moral, seja também para
reavivar os bons tempos das festas, dos passeios, da familiaridade, existentes no colégio,
como atesta o testemunho da aluna Octavia Compagno, do Curso Normal, por ocasião
da volta às aulas.
O tic-tac do relógio, mais vagaroso que de costume, em nada se parecia com o
bater apressado do meu coração. Cada minuto parecia-me um século. É que eu
esperava anciosa [sic] a primeira badalada da tarde, pois, a essa hora entraria
para o Collegio. Antegosava a felicidade de viver mais um anno sob o tecto
carinhoso e hospitaleiro desta casa o prodigamente abençoada pela excelsa
Auxiliadora! Sonhava já com os dias felizes e risonhos que passaria neste
recinto de amor, de bondade e de pureza! Com os momentos incomparáveis em
meio a este jardim, onde cada alma é uma flor que descerra as delicadas pétalas
para receber o orvalho bemfazejo dos ensinamentos religiosos, scientificos e
litterarios. (...) O encontro com as queridas mestras e collegas foi o mais
cordeal! Guardo ainda comigo (...) um desejo immenso de tornar-me boa,
estudiosa e cumpridora exacta dos meus deveres de alumna salesiana!...
(Compagno, 1931, p. 18).
58
A ação educativa na formação das moças e das futuras professoras passava do
ensinamento intelectual e científico para o moral-religioso, ditando normas de conduta
nas quais toda aluna salesiana deveria se espelhar e se esmerar em viver. Esse
ensinamento era ajudado ainda pelo discurso que concebia o magistério como
“obrigação sagrada”, desempenhada não “honestamente e com amor, mas
escrupulosa e religiosamente cumprida”, no dizer do Professor Julio Penna, por
exemplo, paraninfo do ano de 1930. Torna-se legítima, assim, a idéia de missão e
vocação que exige amor às crianças, abnegação, sacrifício, zelo, dedicação e
entusiasmo, tecendo uma rede que fazia com que o magistério fosse uma profissão
feminina, unindo os valores da maternidade com os da religiosidade. A educação era
concebida como uma cruzada, da qual os mercenários não faziam parte, porque o
testemunho era um aviltamento a este apostolado nobre, que objetivava a regeneração
moral dos filhos do Brasil
46
.
Na campanha em prol da boa moça, cheia de virtudes e de piedade, cumpridora
de seus deveres, obediente às autoridades, cortês e educada, muitos são os textos que
revelam a formação centrada no resgate da mulher em sua simplicidade e pureza,
prescrevendo o modelo cristão de mulher, em oposição ao modelo apresentado pela
sociedade moderna e perigosa aos desvios dos “bons costumes” familiares e católicos
47
.
A análise de Sousa (2000) responde ao fato de não haver a necessidade de aulas
de religião ou catecismo para as alunas do curso normal. Havia um espaço do não dito,
mas totalmente compreendido e experimentado, que perpassava todo o ensinamento da
escola, no discurso religioso compreendido como evangelização e missão, que é “o
discurso da Igreja Católica que reveste esse ato para a sua função moralizadora, e para o
seu papel de forjar e moldar identidades e comportamentos sociais de homens e
mulheres” (Pereira, 1996, p. 160). Talvez seja o mesmo espírito do início da
congregação aquele que permeia o ambiente educativo na escola normal.
Jogos, cânticos, passeios, inocentes diversões, premiações, colimando tudo ao
fim principal: - a instrução religiosa da infância e da juventude que as corrobora
e guia à freqüência dos sacramentos, conjunto de confortos para o espírito e
para o corpo, reparando, revigorando e preparando as forças para trabalho mais
seguro, mais abençoado e mais eficaz. (s/autor. 1932, p. 4).
46
Texto sobre “Apostolado da Educadora”, redigido por uma ex-aluna, no ano de 1932. (Ver anexo 5).
47
Os textos “Os melhores caminhos...”, e “Importante e completo abecedário para as meninas
necessário...”, ambos escritos no ano de 1932. (Ver anexo 6).
59
Os gestos, práticas, símbolos, palavras, vestes, aulas, pinturas, ornamentos,
enfim, são elementos impregnados dessa representação do religioso. Segundo Pereira
(1996, pp. 186-187),
No interior dos colégios, todos os movimentos do dia são ritualizados, todos os
comportamentos vigiados e disciplinados. Nesse sentido, nada mais eficaz do
que construir uma disciplina interna e desenvolver uma autovigilância. Para
isso, a dimensão moral inserida no discurso religioso é bastante eficaz, à medida
que ela sai do âmbito estritamente religioso e passa a significar o padrão
cultural da existência. Cultura aqui entendida como forma de olhar o mundo e
significar a vida. (...). Sendo assim, a cultura transmitida pela escola passa, não
pelo que é deliberadamente ensinado, mas, muito mais, pelo que se acredita
possa vir a ser o próprio sujeito humano.
Nesse cotidiano de práticas simbólicas é que se encontra a manifestação da vida
escolar, que desvela um cotidiano bastante participado pelas alunas:
Fevereiro - 23 as alunas estão em polvorosa. Chegou a notícia da Reforma do
Ensino! Que haverá? Que não haverá?!... E nos pateos, nas aulas, em toda a
parte, o assunto é sempre a reforma. Como tudo neste mundo, as novas
modificações no ensino têm adeptas e adversárias. (...) Uma novidade mais vem
alvoroçar a estudantina: a suspensão das aulas até 1 de março, para a necessária
reorganização escolar. Imaginem o gozo das alunas, que, se pudessem,
decretariam férias desde 1 de janeiro a 31 de dezembro!... 25 uma boa leva de
generosas missionárias vai partir para o Rio, donde seguirá pra o Norte. (...) 26
27 28 Carnaval: No Colégio? Por que não? Quem diz que no colégio não se
pode também divertir? Quando não ofensa a Deus, todo divertimento é
lícito. (...) No dia 26: Jogos animados..., à noite, sessão de Rádio. Dia 27:
Sessão cinematográfica no Liceu Coração de Jesus. (...) Dia 28: À noite, no
palco, um programa original. Tudo iniciativa da estudantina, merecendo
destaque entre as organizadoras e melhores expoentes da trupe as alunas do
Curso Profissional. Foi uma sessão completa (s/autor, 1933, pp. 6-7).
As palavras de despedida do professor-fiscal exprimem bem o clima de
religiosidade reinante em todas as atividades do colégio. Religiosidade presente, não
tanto nas aulas de catecismo ou religião, mas principalmente na ritualização do
cotidiano escolar:
60
1 de março: o fato mais importante do dia é a despedida ao nosso bondoso e
estimadíssimo Professor Fiscal, que, tendo sido promovido, por merecimento, a
cargo de maior relevo na Instrução Pública, encerrou hoje o período de sua
grande atividade nesta casa. (...) o sr. Prof. Antonio d’Ávila respondeu com
palavras de louvor e amizade para com todo o pessoal do colégio e com um
apelo à nossa juventude estudiosa, no sentido de cooperar para o
engrandecimento do Brasil mediante os dois únicos fatores capazes de elevar o
nível social e moral da nossa gente: TRABALHO constante, intenso e ordenado
– RELIGIOSIDADE profunda. (s/autor, 1933, pp. 6-7).
Observa-se, assim, que a boa formação estava voltada, necessariamente, para a
incorporação da religiosidade. Incorporação porque não bastava transmitir a religião
católica, mas vivenciá-la no cotidiano escolar, na prática. No entanto, se pôde
observar que, para que essa incorporação se efetivasse, optava-se por um método e
espiritualidade específicos, o Sistema Preventivo, para o que se torna fundamental
explicitar a pedagogia adotada.
2.3- A pedagogia
Os princípios e normas que regiam a pedagogia desenvolvida nas escolas da
Congregação e, particularmente, no Colégio de Santa Inês, encontram-se firmados em
documentos que trazem os desdobramentos educativos da doutrina social católica, tais
como o livro de Chiari (1918), La Dottrina Cattolica e La Pedagogia, em que se trata
da doutrina católica com relação à pedagogia, diferenciando educação e instrução.
Trata-se de um documento importante e de grande densidade, escrito para os
mestres católicos, uma vez que, segundo Maffi (1918), arcebispo de Piza, na
apresentação do livro, o mestre ensina para a “eternidade”, ou seja, a educação é vista
como dimensão de fé e de transcendência.
Tal documento foi enviado às Superioras das irmãs salesianas no Brasil, e
recomendado pelo próprio centro da Congregação para que fosse utilizado pelas
professoras brasileiras, a fim de que a catequese ensinada nos colégios atingisse o nível
61
que a pedagogia e a metodologia modernas tinham introduzido nas disciplinas
“profanas”
48
.
O texto apresenta uma nova linha de catequese, surgida na Igreja após anos de
“materialismo”. A autora preconiza que o primeiro lugar na pedagogia católica compete
ao catecismo e no livro ensina como o catecismo e a pedagogia católica podem
apropriar-se do progresso de método e didática conquistados pela pedagogia. Chiari
(1918) escreve com base em sua prática docente no Instituto Catequético e nas lições
aplicadas em suas aulas, nas quais utilizava os avanços pedagógicos no catecismo,
dando assim, uma resposta à necessidade de o educador refletir sobre a prática
pedagógica.
Segundo Chiari, educar é “trazer para fora o que está dentro”, ou seja, qualquer
ato feito a favor do indivíduo, contanto que dotado de potencialidade, de energia e capaz
de exercer, de alguma maneira, uma atividade, quer seja física ou espiritual. Assim, a
doutrina católica concebe a educação como aperfeiçoamento moral, e não somente
como desenvolvimento intelectual.
O espírito é, de fato, suscetível de melhoramento contínuo; não há limites para
perfeição; mas nós entendemos restringir ainda a ação educativa àquele período
da vida no qual as atividades humanas não atingiram o grau médio do seu
desenvolvimento; a esse período de desenvolvimento mais acentuado, ao fim do
qual o homem conquista a plena consciência dos seus atos, a capacidade de
dirigir o próprio espírito segundo os ditames da razão e da consciência
49
.
(Chiari, 1918, p. 25).
Segundo a autora, a doutrina católica contesta Rousseau na concepção de
educação, porque ele não teria considerado as profundas diferenças existentes entre os
espíritos humanos. Segundo ela, Rousseau afirma que “a natureza é boa e leva ao bem, a
sociedade é má e corrompe”. Já a doutrina católica, revelaria que
48
“À Rev.da. Inspetora a fim de que o leia bem e o faça ler também por quem tem na Inspetoria o encargo
da escola. Uma vez lido bem e lido por quem de direito, ver de aplicar no ensino da religião todas as
melhores possibilidades, a fim de que tamm neste ensinamento consiga ao menos o nível que a
Pedagogia e a Metodologia Moderna introduziram nas outras disciplinas profanas. (COPPA, Marina.
1918. trecho de apresentação do texto para as escolas normais salesianas IN: Dottrina Cattolica
Pedagogia).
49
“Lo spirito umano è infatti suscettibile di miglioramento continuo; non vi sono limiti per la perfezione;
ma noi intendiamo restringere ancora l’azione educativa a quel período della vita in cui le attività umane
non hanno raggiunto il grado médio Del loro svolgimento; a quel período di sviluppo più accentuato, alla
fine Del quale l’uomo ha acquistato la piena coscienza de suoi atti, la capacita di dirigere il propio spirito
secondo i dettami della ragione e della coscienza”.
62
o estudo da nossa alma nos prova que em nós existem tendências ao bem e ao
mal, e que as primeiras não triunfam a não ser mediante um contínuo exercício
que as desenvolva, as reforce e as mantenham em luta contra as outras. A
convivência com nossos semelhantes, por sua vez, prova que se a sociedade
contém elementos de corrupção, possui também forças moralizantes que ajudam
ao desenvolvimento da personalidade humana
50
(Chiari, 1918, p. 27).
A autora afirma que Rousseau separa a educação moral da intelectual e aplica à
moral um método diferente, que requer ação positiva e incessante do educador. Mas,
segundo ela, uma forma mais perfeita de educação requer, no mesmo período de tempo,
a abstenção e a intervenção do mestre, conforme as circunstâncias. O educador não
pode ter a pretensão de produzir o homem perfeito, mas tem o dever de lhe oferecer o
mais preciso conhecimento do seu fim, que é fazê-lo apreciar o supremo valor e formar
sua consciência e seu caráter moral. Portanto, a formação do espírito é necessária,
segundo a concepção católica, a todos. Com base nisso, é preciso entender como
educação a ação, que traz também o elemento educativo religioso, pois ela é o
“desenvolvimento harmônico de todas as atividades endereçadas ao fim último do ser”.
(Chiari, 1918, p.31).
Chiari (1918) apresenta outra crítica à ciência pedagógica que, como uma
“ciência médica”, muitas vezes, utiliza a teoria como “uma receita pronta”, sem saber se
dará certo e sem saber aplicá-la. Diz o pensamento católico: “se se requer um
conhecimento científico em quem educa, requer-se também uma habilidade prática, uma
pedagogia, para adaptar a lei a cada indivíduo e aos seus diversos momentos” (Chiari,
1918, p. 36). Segundo a autora, em auxílio da ciência, é importante o “tato educativo”,
ou seja, a experiência adquirida pela prática, que é iluminada pela ciência, mas que se
torna perfeita porque exercitada pelo educador. A pedagogia, diz, é ciência (sistema
organizado de conhecimentos) e arte (aplicação prática dos conhecimentos científicos).
A pedagogia utilizou a arte primitiva da educação e iluminando-a e
sistematizando-a, chegou a constituir leis educativas, das quais estuda
50
“L’esame dell’anima nostra ci prova che in noi esistono tendenze al bene e al male, e che le prime non
trionfano se non mediante um esercizio continuo che le sviluppi, le rinforzi e le mantenga in lotta contro
le altre. La convivenza coi nostri simili, a sua volta, prova che se la società contieni elementi di
corruzione, possiede anche forze maralizzatrici giovevoli allo sviluppo della personalità umana”.
63
continuamente a aplicação, adaptando-a aos indivíduos e aos ambientes em que
eles vivem
51
. (Chiari, 1918, p. 38).
A autora afirma ainda que a filosofia, a psicologia e a moral são as ciências
fundamentais da pedagogia, e que a anatomia, a fisiologia e a higiene são ciências
subsidiárias”. Por conta disso, defende que é tarefa da pedagogia “aplicar os princípios
filosóficos e morais segundo as leis psicológicas, a fim de que o homem as compreenda,
as ame, as siga, atingindo assim a formação do próprio caráter moral”
52
. (Chiari, 1918,
p. 49). Para a autora, importa ao educador, não o conhecimento de todas as ciências nas
quais a pedagogia se apóia, mas dos períodos do desenvolvimento humano, e, ainda,
considerar a “escola como órgão de vida social e ver no aluno o futuro homem e
cidadão” (Chiari, 1918, p. 51). Enfim, a vida do espírito está ligada à vida do corpo, e o
desenvolvimento intelectual e moral devem ser aperfeiçoados juntos e harmonicamente.
A didática trata dos métodos, dos meios com os quais se deve realizar a instrução, é a
“arte de instruir”.
No documento Educazione Salesiana, encaminhado pelo centro da Congregação
para as diretoras e professoras, encontra-se uma espécie de manual, em que a
Congregação trata de aspectos da educação salesiana e de como se deve proceder em
relação a eles. Esse documento, assim como o de Chiari (1918), traz em sua introdução
a diferença entre educação e instrução. A primeira diz respeito à vontade, ao desejo,
refere-se a formar bom e sólido caráter, tornando-o forte contra as más inclinações,
enquanto a segunda trata da inteligência, de tirar o homem da ignorância, enriquecendo-
lhe a mente de conhecimentos. A instrução é auxiliar da educação.
Também esse documento sobre a educação salesiana tece orientações a respeito
de todas as pessoas que fazem parte da comunidade educativa e com base às orientações
feitas pela Igreja no que diz respeito à pedagogia.
Em relação às pessoas que exercem a função da assistência na escola, o
documento diz que o seu trabalho não deve ser somente passivo, limitando-se a que os
alunos façam silêncio e estejam bem comportados; antes, deve ter um papel bastante
51
“La pedagogia ha utilizzato l’arte primitiva dell’educazione e, illuminandola e sistemandola, è giunta al
possesso delle leggi educative, delle quali studia continuamente l’applicazione, adattandole agli individui
e agli ambienti in cui esse vivono”.
52
consiste nell’applicare i principi filosofici e morali secondo le leggi psicologiche, affinchè l’uomo li
compreenda, li ami, li segua, giungendo cosi alla formazione del próprio carattere morale. (Chiari, 1918,
p. 49).
64
ativo. As assistentes devem cumprir bem suas tarefas para com as alunas, para que
estejam sempre ocupadas, façam bem suas tarefas, empreguem o próprio tempo em
coisas úteis e boas leituras. Deve ser considerada tarefa das assistentes e da diretora o
bem intelectual e moral das alunas, por serem elas o objeto de todos os seus “cuidados e
atenções” e no bem ensinar, assistir, vigiar e encorajar.
Quanto aos pais que colocam suas filhas numa escola das irmãs, eles não querem
somente bons resultados no estudo. Para eles, a importância está no que se refere aos
elementos moral e religioso, para que elas “sejam conservadas boas, tornem-se
melhores, educadas, instruídas e solidificadas na fé e na moral católica” (Azzi, 1999).
Para os educadores e professores, assinala-se a exemplaridade da própria vida
quanto à moral e à religião, ser diligente e cumpridor do dever, observante dos horários,
dos programas de ensino, dos regulamentos e afins. Que eles saibam aproveitar a
ocasião para “inspirar sempre um bom pensamento e boa ação” (Azzi, 1999).
Com base nos elementos educativos delineados no contexto italiano para todas
as casas existentes, é prescrito à escola e aos mestres, em relação ao Sistema
Preventivo:
a) Prevenir não quer dizer perdoar deixando passar tudo, nem deixar os
jovens abandonados a si mesmos. É preciso informar os regulamentos do
Instituto e estar sempre atento e presente para que, como “pais amorosos”,
sirvam de guia, aconselhem, corrijam e coloquem sempre que possível os
jovens na impossibilidade de cometerem faltas.
b) A prática do sistema Preventivo está toda ela apoiada sobre a caridade.
c) É preciso que o jovem freqüente a confissão, a comunhão, a missa
cotidiana. Estas práticas, diz Dom Bosco, são as colunas que devem reger o
edifício educativo. (Genghini 190).
Segundo as diretrizes da Congregação para as casas de educação salesiana, essas
prescrições deveriam ser exercitadas em um ambiente em que se praticasse a boa
instrução, a boa educação, a piedade, a alegria, num clima propositivo, de combate à
vaidade. O educador deveria possuir e cultivar talentos, como vocação para o
magistério, inteligência aberta e vontade forte, consciência clara da responsabilidade
assumida, sensibilidade espiritual, cultura intelectual e psicológica e abundância de vida
espiritual.
65
Nas normas práticas do Sistema Preventivo, está dito que é necessário ter a
certeza de que “Deus nos ama”, presença vigilante, zelo pelas coisas boas, testemunho
de vida, trabalho, familiaridade, confiança no jovem, alegria, diálogo e evitar o ócio. E
ainda, lembrar que a música, jogos, teatros, passeios, são elementos indispensáveis para
a boa educação e que a grande e maior “utilidade” do Sistema Preventivo é prevenir.
Quanto às normas didáticas para as escolas, para as irmãs e para os mestres,
prescreve-se um manual de procedimentos e orientações, Norme Didatiche (1907),
quanto aos vários métodos, deixando à escolha da escola, após todo esclarecimento
referente aos aspectos positivos e negativos que cada um apresenta, aquele que melhor
lhe convier à sua própria realidade. A coleção de Normas Didáticas orienta práticas às
professoras, como, por exemplo,
- não terminar a lição sem fazer recapitulação dos novos conhecimentos
adquiridos.
- o melhor método de ensino é aquele que produz proporcionalidade referente à
mente do aluno, operosidade e atenção constante, disciplina, ordem e silêncio.
Para tanto, Norme Didatiche (1907) descreve em pormenor os pontos favoráveis
e menos favoráveis dos métodos de ensino individual, simultâneo e as lições de coisas.
Aborda aspectos sobre a boa distribuição do programa a ser ensinado, com relação à
leitura, ao método silábico e ortográfico, à escrita (dando preferência à caligrafia
vertical, método mais recente e que estava sendo preferido, porque a oblíqua causava
males como a miopia, desvios e deformações no corpo e nas funções respiratórias), e
como proceder o professor no ensino do idioma, da aritmética, da geometria, da história,
da geografia, da música e canto, da cartografia e para a educação moral e cívica e,
finalmente, as prescrições para o ensino da religião.
Norme Didatiche (1907) prevê, ainda, normas para as notas no que diz respeito à
conduta, estudo, trabalho, ordem e urbanidade, para elaborar as notas semanais. E,
ainda, como seria a concordância da mesa avaliadora para os exames mensais, semanais
e finais, como a professora faria as correções de erros e das tarefas. Estabelecia um
modelo, para a escola, de distribuição das matérias e ensino na semana e de disposição
do que deveria ser feito a cada hora do dia. Esse documento, provavelmente, dado seu
conteúdo em confronto com aquele registrado nos Diários (em anexo), pautava a ação
educativa da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês.
66
Semanalmente
53
, aconteciam também as conferências pedagógicas do Professor-
Inspetor Fiscal, que discorria sobre temas relativos a ensino da linguagem escrita e
falada, procedimentos da professora, necessidade e importância dos exercícios gráficos,
de lógica, como tornar o ensino mais prático, entre outros.
Em cinco de Julho de mil novecentos e trinta e um, reuniu-se o corpo docente
do Collegio de Santa Ignez, sob a direção do Snr. Inspector, para a conferencia
pedagógica semanal [...]. Compareceram a Snra. Ir. Diretora da Escola Normal,
as professoras da mesma e as dos cursos Complementar e de applicação.
Incansável no que diz respeito à linguagem escripta, o snr. Inspector, mais uma
vez abordou o assumpto, que deve ser de máximo interesse para todo o
professorado. Frisou sobremaneira a necessidade do preparo da aula, que em
hippothese alguma pode ser improvisada. Preparado o mestre, as difficuldades
apresentadas pelos alumnos durante a execução do trabalho, serão de uma suave
maneira, mais facilmente vencidas. O preparo da aula é um factor de muito
auxilio para se prever o erro, e portanto, evita-lo. Há um outro resultado
provindo do preparo da aula e que nunca deve faltar para a boa ordem do
trabalho: a direcção deixada na pedra pela professora. É um esforço a menos
para a creança, que o empregará com mais intensidade onde as difficuldades se
fizerem sentir com vehemencia. Um dos pontos também abordados durante a
palestra foi a articulação correcta de toda e qualquer palavra, principalmente das
novas. À uma articulação perfeita que actua sobre a audição infantil, deve o
mestre alliar a exposição e a graphia da palavra, que affectando a vista e
determinando o movimento, ficam efficazmente impressas na mente da alumna.
Daqui se deduz qual a importância do dictado: apenas firmar a graphia das
palavras. Por isso devemos adopta-la com parcimônia, não abusando de seu
emprego. Nos trabalhos escriptos, disse-nos ainda o snr. Inspector, deve a
professora esmerar-se na procura de assumptos que interessem a creança e sobre
os quaes ella tenha cabedal sufficiente para escrever. Vê-se, pois, a necessidade
de que os themas sejam provenientes de actos sentidos ou vividos por ellas
próprias. Sugeriu-nos, então, vários, taes como scenas do collegio, saída das
aulas, o dia do carteiro, do bom alumno, do pedreiro, etc. Deve-se, portanto,
variar o trabalho ora dando composições ou descripções, ora definições e
sentenças, nomes, copias, reproducções, trabalhos enfim, variados e que estejam
à altura da classe. Continuando ainda sobre a correção, o snr. Inspector opinou
para uma aula especial dedicada a ella, aula essa em que se devem corrigir os
erros comettidos pela maioria da classe. Porém, todo esse trabalho de correção
deve ser executado pelas próprias alumnas; faz-se mister a auto-correção para
um resultado satisfactorio. Como já uma vez nos dizia o snr. Inspector, a
professora deverá apenas assignalar o erro e de maneira alguma corrigi-lo. Este
methodo de correção em flagrante, chama a attenção da alumna para o que
errou. Falando acerca do vocabulário da classe, disse-nos da necessidade que
temos de amplia-lo, aproveitando-nos de toda occasião que se nos deparar, quer
seja durante a linguagem ou durante a leitura (...) (Livro das Conferências
Pedagógicas - Relatório da IV Palestra Pedagógica – 5/7/1931).
53
Não foi encontrado nos documentos o dia da semana em que ocorriam tais conferências.
67
É possível perceber, no relatório citado, a preocupação existente com relação,
não só ao conteúdo que a criança deveria aprender, mas, sobretudo, ao modo de ensinar,
ou seja, à escolha do melhor método de ensino. O relatório da palestra pedagógica do
professor-fiscal indica que, na escola, era feita a divulgação de preceitos escolanovistas,
também aceitos entre os católicos. A idéia de que a aula devia ser bem preparada, por
exemplo, era defendida por Jonathas Serrano (1932), para quem o mestre, que
desconhece e não prepara suas aulas segundo bons métodos, acarreta perda de tempo e
prejuízo, traz a fadiga, o tédio e gera aversão dos alunos à matéria mal ensinada.
O mau mestre consegue tornar odiosa a sua disciplina. Ao contrário, o professor
familiarizado com todos os variadíssimos recursos dos modernos processos
pedagógicos opera verdadeiras maravilhas, vence as mais obstinadas antipatias
e logra fazer, do que seria aridez e cansaço, um esforço agradável, sinônimo
quase de prazer. (Serrano, 1932, p. 66).
Outro aspecto diz respeito à necessidade de que os assuntos e temas a serem
trabalhados sejam de interesse e do cotidiano da criança. Para Backheuser (1934, p.
253), “a transformação do ensino, tem de se processar, portanto, de jeito que os
conhecimentos úteis à vida do homem sejam ministrados sob formas e modalidades
interessantes à vida da criança”. Enquanto na escola tradicional o centro do ensino é o
mestre, na pedagogia moderna, o centro de ser a própria criança. Porquanto, ao
mestre cabe a orientação da discussão, a coordenação dos pensamentos infantis; ao
aluno cabe, uma vez bem motivado, o papel de solicitar esclarecimentos, de investigar,
de descobrir verdades, criar e executar. A criança é essencialmente ativa. Para
Backhauser (1934, p.28),
favorecendo as iniciativas, proporciona uma idéia
aproximada da capacidade de ação de cada aluno e desenvolve neste a confiança em si
próprio”.
A palestra, por outro lado, se apresenta também em conformidade com as
orientações estabelecidas no Manual Norme Didatiche (Genghini, 1907), da
Congregação Salesiana, no tocante a esses pontos, o que permite afirmar que as irmãs
seguiam as indicações, quer da Congregação, quer do Ensino Oficial. Pode-se afirmar
que as indicações oficiais eram seguidas por causa da força legal, como requisito
necessário para obter reconhecimento, devido à presença constante da fiscalização e
visitas oficiais de professores nomeados pela Instrução Pública.
68
No que tange às atividades e práticas escolares da Escola Normal Livre anexa ao
Colégio de Santa Inês, os registros são escassos, o que torna difícil discorrer com maior
precisão sobre o conteúdo, a grade curricular, a organização do tempo e espaço e o
aproveitamento na escola normal. Segundo o manual Norme Didatiche (Genghini,
1907), indicado pela Congregação, esse documento era também estudado com as alunas
da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês.
Pedia o documento que as professorandas precisariam conhecer a criança, saber
como educá-la, e qual a melhor maneira de ensinar. Para tanto, as disciplinas de Prática
de Ensino e Pedagogia deveriam se ocupar, de maneira especial, dessas orientações,
acarretando a necessidade de uma certa organização e racionalidade no ambiente da
escola e nas atividades a serem desenvolvidas com as crianças. É necessário remeter a
alguns de seus trechos essenciais, para a compreensão do conteúdo ministrado e da linha
pedagógica das práticas escolares.
Ao referir-se ao melhor método de ensino, Genghini (1907) afirma ser aquele
que contempla proporcionalidade em respeito à mente das alunas, operosidade e atenção
constante, disciplina, ordem, silêncio e atenção geral da classe. Ao explicar como
trabalhar as lições de coisas, a religiosa diz que
as noções várias sejam fornecidas por meio de objetos reais ou figuras e se
aplicam a todas as matérias de ensino (...) Tenha-se, porém presente: a lição
seja ocasional e não acidental, a ocasião deve ser prevista e predisposta, porque
a preparação é mais que necessária para não se ensinar um caos de idéias
nocivas e inúteis. As lições de coisas tenham o seu dia e tempo próprio (...). As
lições de coisas requerem um programa bem distribuído e conexo (Genghini,
1907, s/p.).
54
Genghini prossegue com suas orientações no Manual para as escolas normais da
Congregação, inclusive para a Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês,
acerca dos métodos, prescrevendo que o método intuitivo tinha como proposta a
valorização da intuição como elemento fundamental do ato de conhecer, que se iniciava
pelos sentidos, observação e experiência. Sabe-se, com base em informações dispostas,
por exemplo, em Manoel (1988), que este tipo de orientação não era uma prática
54
Le nozioni varie siamo permite per mezzi delli oggetti reali o figurati e si beghino a tutte le materie
d’insegnamento (...) S’abbia però presente: La lezione sai occasionale e non accidentale, l’ocasione dei
essere proveduta, predisposta, perchè la preparazione é fin che necessário, per non insegnare um caos di
idee inutile e nocive. Le lezioni di cose richiedono um programma bene distribuito e conesso.
69
metodológica utilizada em todos os colégios católicos da época, o que permite acreditar
que a educação salesiana diferenciava-se da educação praticada em outros colégios, em
que a pedagogia se apresentava fortemente marcada pela prática da educação jesuítica
(Ratio Studiorum) e com um referencial teológico ultramontano, conferindo-lhe, assim,
uma ação educativa pedagógica católica, mas peculiar ao seu “jeito salesiano” de
educar, não compartilhando, portanto, dos mesmos ideais, por exemplo, das irmãs de
São José
55
.
Acredita-se conveniente que não se permita às irmãs conservarem consigo o
livro “A professora cristã” de Eniz Amado (Jesuíta), porque é mais adaptado
para professoras seculares. Aquilo que a mim nele existe, como conteúdo
próprio para religiosa, já o temos no manual. Além disso, as práticas nele
sugeridas são segundo o espírito dos jesuítas e não do venerável D. Bosco.
(Genghini, 1907).
56
Dado à clareza de como é exposto por Genghini (1907), no Norme Didatiche,
religiosa responsável na Congregação pelo âmbito escolar, referente aos métodos, e que
foi seguido na Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês, como nas demais
escolas normais das religiosas salesianas, conforme atestam os conteúdos registrados
pelos professores que, contrapondo-se ao método jesuítico, mas não aos princípios
religiosos da doutrina católica, é importante que se remeta ao sistema de avaliação e ao
aproveitamento escolar das normalistas da Escola Normal Livre anexa ao Santa Inês que
utilizou os exames, como forma de avaliar a aprendizagem de suas alunas e de mostrar o
nível de exigências do ensino que ministrava, de acordo com as leis vigentes para o
curso normal e em conformidade com as orientações prescritas no Norme Didatiche.
Em contrapartida, também a avaliação estabelecia-se pela prática de premiação
realizada na escola, ao final do curso, no dia da formatura.
Segundo o Livro do Histórico da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de
Santa Inês que discorre sobre a história da escola, os tipos de exames praticados, além
das notas por conduta disciplinar e trabalhos manuais, eram as provas parciais e finais
55
Um exemplo disso é a proposta educacional das Irmãs de São José, elaborada dentro do Jesuitismo e do
Ultramontanismo, que se encarregava de afastar a idéia de profissionalização do interior de seus
internatos. (Manoel, 1988). Nas palavras do autor, “o objetivo final, mais amplo, da educação proposta
por essa congregação era formar jovens cultas, polidas, sociáveis mas, acima de tudo, cristãs, católicas
convictas, que difundissem, na família e na sociedade, os valores do catolicismo romanizado”. (Manoel,
1988, pp. 192-193).
56
“Si crede conveniente che non si permetta alle suore tenere presso di si il libro ‘La maestra cristiana’ di
Ruiz Amado (gesuita) perchè è piu a datto per gli maestre secolari. Cio che mi esso vi è contenute proprio
per religiose, già l’abbiamo nel manuale. Inoltre, le pratiche mi esso suggerite sono secondo lo spirito dei
Gesuita e non Del Ven.le D. Bosco”.
70
que, somadas, dariam a média final de cada aluna. Esses exames, constituídos de provas
escritas e orais, eram sempre revestidos de caráter solene, compostos sempre de banca
examinadora. Tudo (conteúdo, horário, professores e irmãs que comporiam a banca
examinadora) era fixado com antecedência, a fim de permitir um melhor preparo por
parte das alunas. Também no final do ano montava-se a banca examinadora para os
exames de dependência.
No que toca ao conteúdo, mais precisamente, o documento “cópia dos diários de
classe”, a partir de 1935, apresenta o plano de ensino com os conteúdos que deveriam
ser abordados a cada mês, em cada disciplina, e em cada ano escolar do curso normal.
no documento com as teses para as provas parciaisde cada disciplina e para cada
ano escolar, relativas aos anos de 1933 a 1935, é possível identificar o conteúdo
ministrado e em conformidade com os registrados no livro cópia dos diários de classe,
sendo que cabia às professoras escolher os itens a serem abordados nas provas
57
. Tais
conteúdos, como é possível constatar mais precisamente no anexo 7, ao final deste
trabalho, das disciplinas de Pedagogia e Práticas de Ensino, revelam, de forma clara,
que a Escola Normal seguia as orientações oficiais.
A lista de conteúdos para as provas parciais denota um plano de aula em que se
acentuam muitos aspectos da escola ativa, como, por exemplo: a importância dos
brinquedos e jogos para o aprendizado da criança, os centros de interesse para o ensino
da linguagem, da leitura, da geografia, da história, o ambiente escolar e o mobiliário de
acordo com a natureza infantil, os estudos sobre os testes “ABC” de Lourenço Filho, a
importância dos trabalhos manuais, as gravuras, historietas, o método global, enfim.
Esses conteúdos programáticos também denotam a presença de discussões,
empreendidas com as alunas do curso normal, acerca das diferenças da escola
tradicional e da renovada, a mecanicista e estruturalista, o positivo e negativo dos
métodos utilizados na escola tradicional e na ativa. Apresenta ainda as propostas de aula
sobre o método de ensino, abrindo questionamentos sobre qual deles ser o melhor o
analítico, o sintético, o global -, e se o método, por si só, de fato, ofereceria todas as
respostas para a resolução dos problemas educacionais. Essas reflexões apontam para as
instruções para a alfabetização de crianças, tratadas no item que segue.
57
Para ver os conteúdos ministrados (ver anexo 7).
71
2.4- Instruções para a alfabetização de crianças
Ao confrontar as orientações apresentadas no Manual Norme Didatiche (1907)
com o registro dos Diários de Classe (anos 1935-1937) para as provas parciais da
Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês, é possível verificar e confirmar a
preocupação, por parte da escola, que se estabelecia entre teoria aprendida, prática de
sala de aula e vivência religiosa aplicadas para a formação de professoras na escola em
estudo. Compreender tal preocupação seria, por parte das alunas, de suma importância
para que elas, como futuras professoras, pudessem escolher o melhor método para a
prática de alfabetização, como é possível notar no planejamento a seguir.
Na pedagogia, no ano do Curso Normal, por exemplo, em março de 1935,
segundo o registro de conteúdos no Diário, trabalhavam-se temas com ênfase na leitura
e escrita, dois aspectos de bastante preocupação nas orientações prescritas pelas irmãs
para as escolas normais: a escola do currículo e os sistemas de educação renovada,
fundamentos de aprendizagem da leitura, a leitura e o método analítico, a leitura e o
método analítico-sintético, a leitura e o método das estimulações simultâneas
58
.
O programa de Pedagogia desenvolveu, no mês de abril de 1935: a convenção
oral e a convenção escrita na evolução da linguagem infantil, a leitura e os jogos, a
leitura e os sistemas da educação renovada. no mês de maio e junho do mesmo ano,
os temas foram referentes à aprendizagem da leitura, linguagem escrita, requisitos de
uma boa cartilha, a pedagogia do ditado, da reprodução, da cópia, da composição, a
técnica da correção dos trabalhos escritos e a questão da nota.
Na matéria de Prática de Ensino, também no ano do normal, de 1935, a
metodologia voltava-se para o cotidiano das professoras com os alunos da escola
elementar, visto que a disciplina, após abordar a discussão do que é ensinar e aprender
voltava-se novamente para a metodologia da linguagem, com conteúdos do tipo:
atividades que se devem aplicar para desenvolver a linguagem como a conversação, dar
recados, avisos, ensinar brinquedos, anedotas, adivinhações, histórias, charadas, brindes,
58
Pode-se perceber que o conteúdo programático verificado no livro de registro para as provas parciais da
Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês estava em acordo com o registro diário das
disciplinas que detalham a prática da sala de aula, ou seja, como os conteúdos temáticos foram
trabalhados mensalmente nas disciplinas de Pedagogia e Prática de Ensino. Essas disciplinas foram
destacadas por serem específicas do curso normal. Nota-se que a preocupação com a pedagogia renovada
era intensa no curso normal, em especial no que se referia aos métodos, em vista do aprendizado da
linguagem escrita e oral da criança.
72
discursos, anúncios, pantomima, dramatizações, como conduzir e corrigir as atividades
de conversação, histórias lidas e contadas, estudo das gravuras, adaptação das histórias,
composição oral e escrita, ortografia, ditado e cópia e como ensinar a gramática para o
curso primário.
No mês de maio de 1935, o diário de classe aponta terem sido ministrados
conteúdos na linha da metodologia da leitura. Os assuntos trabalhados foram: o livro de
leitura, a leitura oral, a leitura no , e ano, as fichas de leitura e relatório, a
biblioteca, o clube de leitura, a leitura no ano, os métodos de ensino analíticos,
sintéticos vantagens e desvantagens, o método global, o livro no pré, crítica das
cartilhas, preparação de um plano de aula e execução.
Observa-se que o mês de junho, também do mesmo ano, foi todo dedicado às
provas parciais e à introdução da metodologia da aritmética. Em julho, as alunas
professorandas trabalharam em diversos trabalhos escritos, fizeram crítica de livros de
história, de cartilhas e gravuras, provas mensais, relatórios das aulas dadas no curso
primário, desenvolveram planos de aula e execução e crítica desses planos, alunas
divididas em grupos fizeram a prática nos 4 anos primários, apresentação dos relatórios
com os pontos fortes e fracos das aulas, metodologia da geografia, metodologia da
educação física, o método francês e sueco, como se organiza e executa nestas matérias
um plano de aula para crianças de 1º e 2º ano, para as do 3º e 4º ano.
O mês de agosto desse mesmo ano, segundo registros no Diário, estabelece a
prática nos diversos graus do curso primário, estágio nas diversas disciplinas do
currículo, planos de aula e crítica sobre eles. Nos meses de setembro e outubro,
atividades como: metodologia das Ciências Naturais, das Ciências Físicas, ensino da
higiene na escola primária, instrução moral e cívica, metodologia da música,
metodologia do catecismo, metodologia do desenho. O mês de novembro e último do
ano letivo escolar preparou as professorandas para o aprendizado quanto à legislação
escolar, livros de chamada, matrícula, registro, boletins mensais, folhas de pedido de
material, ofícios, requerimentos, os primeiros dias de aula, a atitude e orientação da
professora.
Verifica-se que todo esse conteúdo, e também muito da sua prática, seguiam as
orientações prescritas pela Congregação por meio do Norme Didatiche. Segue-se o fato
de que deveriam ser traduzidas, para as alunas do curso normal, em detalhes, as práticas
metodológicas e didáticas a serem utilizadas com as crianças do curso primário.
73
Se o programa desenvolvido pelas professoras com as alunas do curso normal do
Santa Inês se preocupava com a metodologia das várias disciplinas a serem ensinadas
no primário, é verdade também a ênfase dada à leitura e à escrita. Isso é possível
constatar também nesse manual, que, apesar de orientar como encaminhar as aulas nas
várias disciplinas da escola primária detém-se na importância e cuidado ao ensinar a
leitura e a escrita, na alfabetização das crianças, tendo presente o contexto vivido por
elas.
A grade curricular desta escola normal, nos anos de 1932 a 1935, conforme o
Livro de Matrículas e Notas é bastante similar à Escola Caetano de Campos, mas não
foi encontrado nenhum outro documento, além desse Livro de Matrículas e Notas da
Escola Normal Caetano de Campos que pudesse estabelecer comparações mais precisas
com o material encontrado na Escola Normal Livre anexa ao Santa Inês, como os
Diários de Classe ou os documentos com os “pontos referentes aos conteúdos
ministrados” para serem estudados nas provas.
Observa-se que a grade curricular em quase nada foge aos moldes da Caetano de
Campos, com base na análise nos Diários de Classe
59
dos anos de 1935 a 1942 e nas
Teses para as provas parciais verificados na Escola Normal Livre anexa ao Colégio de
Santa Inês, referentes às matérias de Psicologia, Pedagogia, Prática de Ensino, Biologia,
Sociologia, Desenho, Música, Artes Industriais nos meses de março a novembro do ano
letivo de 1935. Os conteúdos selecionados e ministrados pouco diferem, até porque
havia a garantia do controle estabelecido pela Diretoria da Instrução Pública, por meio
dos Professores-fiscais.
Percebe-se, pelas disciplinas da Escola Normal, a preocupação com as futuras
professoras em adquirir uma cultura geral para poder ensinar, mas também o cuidado de
ensinar, nos mínimos detalhes, tudo o que fosse útil e importante para o processo de
alfabetização da criança, garantidos, principalmente, pelas disciplinas de Psicologia,
Prática de Ensino e Pedagogia.
Ao confrontar a proposta de aula desenvolvida na Escola, por exemplo, nas
disciplinas de Pedagogia e Prática de Ensino no ano, em que eram discutidos os
métodos de ensino, os processos, modos e formas de alfabetização, o valor dos jogos
escolares, a correção e desenvolvimento da linguagem na conversação, os objetivos e
59
Para ver todo o conteúdo ministrado em cada disciplina da grade curricular para o e ano do curso
normal (ver Anexo 8).
74
valores das histórias para crianças, aprender a fazer um plano de aula de leitura e de
escrita, com as orientações dadas pelo documento Norme Didatiche (1907), percebe-se
que a escola procurava se posicionar diante de uma nova pedagogia que atendesse às
demandas da sociedade paulista da época.
Norme Didatiche indicava, como importantes para a leitura, exercícios
preparatórios, tais como conversação com a criança sobre noções várias (objetivos
conhecidos), exercícios de pronúncia, distinção das vozes simples das articuladas,
conhecimento das cinco vogais e exercícios orais de silabação de palavras conhecidas.
Quanto aos exercícios diretos: escrita e leitura das vogais, escrita e leitura de ditongos
(na lousa), escrita e leitura de palavras conhecidas somente com relação a objetos reais e
figurados que contenham uma letra desconhecida (na lousa). A professora não
deveria passar para a segunda letra sem que a primeira estivesse aprendida. Com base
no método silábico-ortográfico, devia-se proceder assim, segundo as normas: partindo
de uma palavra bem conhecida e bem desejada pela forma, fazê-la pronunciar bem pelos
alunos, escrevê-la no quadro negro sem a nova letra que se une depois em tamanho
maior, portanto, ligar e destacar das outras vogais sem dar o nome e o som da
consoante, senão no fim da lição de leitura, como no exemplo:
(i – o -) (ni – no) (nino)
Mas, a forma da palavra normal é a mais perfeita do método fônico e a mais
difundida. Segundo esse método, conversando uma breve lição sobre a coisa significada
pela palavra normal que contém a consoante a ser ensinada, escreve-se, na lousa, a
palavra e faz-se que pronunciem, sem silabação, como se os alunos a soubessem ler
perfeitamente, depois, compõem-na e recompõem-na, como no exemplo:
(nino); (ni – no); (n – i – n – o)
então é que se deveria dar o nome à consoante. Desse modo, as crianças não
somente aprenderiam a ler a consoante isolada, como a sílaba a qual pertence, mas
também a palavra da qual faz parte sem apenas silabá-la. Depois, deveria passar à
75
leitura de palavras que contivessem a sílaba já ensinada e, em seguida, à leitura daquelas
que contivessem sucessivamente cada uma das outras sílabas análogas. O ensinamento
das consoantes costumava-se fazer em 3 fases, segundo o manual das normas:
1- sílabas simples diretas (consoantes e vogais)
2- sílabas simples inversas (vogais e consoantes)
3- sílabas complexas e sons afins.
Para a leitura, o manual indicava que fossem seguidas normas, tais como:
1- fazer ler separadamente as vogais, sílabas, palavras, sem alterar a voz;
2- ler e pronunciar separadamente;
3- ligar a leitura em coro com a individual para dar variedade e capacitar-se que
todos tenham aprendido a nova consoante e saibam pronunciar corretamente
as palavras;
4- não entregar a cartilha senão quando os alunos souberem já ler e escrever por
cópia e ditado sobre o quadro negro, tudo aquilo que se exige na página da
própria cartilha;
5- na leitura sobre a cartilha, fazer seguir com o dedo da criança, a sílaba ou
palavra que se e não permitir avançar sem uma explicação (não lição) das
palavras e proposições;
6- não esquecer que a leitura e a escrita procedem paralelamente.
No que diz respeito à escrita, o manual prescrevia ser ela o instrumento e auxílio
principal da leitura. A escrita usada na lousa pela professora, nos primeiros meses de
aula, deveria ser a mais semelhante à usada na cartilha. Como a leitura deveria ser
precedida por exercícios preparatórios, assim também, a escrita teria os seus exercícios
de preparação, que consistiriam em “fazer hastes” e em fáceis desenhos de contorno.
Esses exercícios permitiriam adestrar a mão da criança e a preparariam para a
escrituração.
76
Para tais exercícios, poderiam se juntar desenhos que representassem formas de
objetos a serem traçados com vontade pelos alunos, também nas séries infantis, usando
papel quadriculado, lápis preto e lápis de cor, como é possível ver a seguir os tipos de
desenhos.
O desenho, a escrita e a leitura, segundo Genghini (1907), completam-se e
sustentam-se. Entre os meios empregados para ensinar a escrever na série elementar,
exigia-se o uso de quadrinhos, em que se exercitava o aluno com lápis de ardósia,
economizando papel e penas, que, no seu dizer, endurecem a mão e tornam mais difícil
a escrita sobre os cadernos. Este meio, segundo ela, felizmente, agora nesses tempos de
pedagogia moderna foi quase abandonado, permanecendo alguns exercícios em uso:
77
1- a imitação da criança que, no quadro, traça com giz as letras, as sílabas e
palavras semelhantes àquelas primeiramente apresentadas pela professora, sob os olhos
dos alunos;
2- uma primeira segunda imitação sobre cadernos preparados com graduação
lenta ou pela professora ou impressos;
3- a cópia, pela qual a criança representa, com sinais ou símbolos da escrita, as
letras, sílabas e palavras estampadas no livro ou escritas na lousa;
4- o ditado, pelo qual a criança traduz por sinais gráficos, os sons pronunciados
pela professora;
5- o ditado muda (pelo fim do ano), em que a professora faz e toca alguma coisa,
advertindo para observar os seus atos e os alunos escrevem o nome das coisas tocadas e
as ações realizadas por ela;
6- a escrita idealógica (ditado de memória), pelo qual a professora traz à tona, à
mente das crianças, os conhecimentos aprendidos e eles escrevem nomes de animais,
objetos da escola, flores, frutos, metais etc
.
Os exercícios, segundo o manual Norme Didatiche, podem ser feitos dentro e
fora da sala de aula, mas deles as irmãs não aconselham abusar, porque se pode contar
pouco ou nada com os trabalhos fora da escola. Aproveita-se mais o ditado, que deve
seguir todos os dias a lição de leitura. Para a tarefa de casa, o manual orienta que as
noções várias fossem fornecidas por meio dos objetos reais ou figurados, e se ligassem a
todas as matérias ensinadas, mas de maneira especial à leitura, da qual recebem ocasiões
e argumentos vários; à escrita, por meio de perguntas, cujas respostas fossem
chamamentos às conversações feitas; às composições, as quais forneceriam temas,
vocábulos, idéias; à moral, para com os deveres ou pelos sentimentos que
desenvolveriam.
As lições deveriam ser, segundo as orientações prescritas nesse manual,
ocasionais e não acidentais, previstas, predispostas a fim de que a preparação fosse mais
do que necessária para não encenar um caos de idéias inúteis e nocivas. O manual
aponta que as mestras ficassem atentas, porque a leitura e a gramática poderiam dar
ocasião a outras lições objetivas, retornando a conteúdos explicados e vistos. Outra
78
orientação apresentada era referente ao procedimento pedagógico, que deveria ser dado
quando se encontrasse uma palavra desconhecida para o aluno. Deveria ser dado ao
aluno o sentido da palavra, mas não seria oportuno demorar-se para dar uma lição sobre
o valor dela. Tal procedimento estaria em conformidade com a conferência pedagógica
proferida pelo professor inspetor, quando este frisou a necessidade da aula bem
preparada e nunca improvisada, do emprego das mesmas palavras em exercícios
variados, em aulas com temas que interessem às crianças, no uso de atividades variadas
e na necessidade de a criança entender a palavra no contexto usado e não isoladamente.
Por algum tempo, a professora deveria contentar-se com que as crianças
apresentassem, com relativa exatidão, as formas das letras sobre a lousa com giz e sobre
o papel com lápis. Recomenda-se que a mestra preferisse a escrita em linhas largas, para
passar apenas quando possível à de linhas médias. Uma vez obtida uma certa exatidão e
segurança na forma das letras, então se poderia passar a exercícios particulares, para a
bela escrita, usando método especial e cuidando delas aos poucos, à aplicação dos
exercícios de cópia, ditados e tarefas posteriores.
Para corrigir os exercícios de ditado ou cópia (1ª série), a professora, segundo o
documento, deveria circular entre as carteiras, aproximando-se ora de um, ora de outro
aluno para certificar-se de que nenhum deles se enganasse ou errasse. Deveriam ser
ditadas as palavras correspondentes à lição de leitura explicada, fazendo os alunos
dividirem em sílabas destacadas, deixando um pequeno espaço entre sílaba e sílaba, que
deveria ser maior entre palavra e palavra. Além da correção individual, deveria ser
chamado este ou aquele outro aluno para escrever a tal palavra na lousa, a fim de que os
outros pudessem confrontá-la com a que havia sido escrita no caderno, e corrigir os
erros, se fosse o caso.
No manual, a advertência era para que se tivesse cuidado, sobretudo acerca da
posição da mão da criança com o lápis, que uma vez viciada pela pouca insistência da
mestra, adquiriria defeitos difíceis de serem corrigidos quando o hábito se formara
nocivo à vista, à respiração, à saúde dos alunos. Recomenda-se, portanto, que a
professora, no início de cada lição, repetisse as instruções sobre a postura do corpo, a
colocação do caderno e do lápis; que expusesse a lição sobre a lousa, indicando com as
palavras e com o exemplo, o modo de traçar os elementos das letras e as letras que
formam o objeto da lição, que notasse, enfim, os defeitos da escrita em cada uma das
tarefas dos alunos e os ensinassem como evitá-los no futuro.
79
A caligrafia é, pelo manual, para a escrita, aquilo que são o belo vestir-se e os
modos gentis para a pessoa. Como esses tornam mais aceitos um indivíduo, assim, a
bela escrita incita a ler um escrito que demonstra respeito com relação a quem lê. Seria
um equívoco, porém, pensar que nas escolas elementares a caligrafia fosse uma arte e
tolerar que as tarefas diárias fossem descuidadas e borradas.
Uma advertência estabelecida pelo manual Norme Didatiche é que a escrita das
maiúsculas fosse deixada para quando os pequenos alunos tivessem conquistado a
escrita das minúsculas e a leitura das maiúsculas. Até esse tempo, costumava-se
aconselhar a representar as letras maiúsculas como as minúsculas aumentadas um
pouco.
Querendo marcar especiais exercícios de caligrafia, devia-se evitar escrever
palavras e pensamentos frívolos. Em oposição, devia-se fazer uso de palavras notáveis,
úteis, principalmente que lembrassem coisas estudadas e inculcadas, como, por
exemplo, palavras que edificassem a criança, solidificando a formação do “bom cristão
e honesto cidadão”, como queria Dom Bosco, na premissa apresentada como síntese do
seu Sistema Preventivo prevenir leva a criança e o jovem a não incorrerem em erros e
a se prepararem para a vida como bons cidadãos e cristãos.
Outrossim, o próprio Papa Pio XI, na sua Encíclica sobre a Educação Cristã da
Juventude, afirma esse aspecto relativo à educação do bom cristão.
6. É portanto da máxima importância não errar na educação, como não errar na
direção para o fim último com o qual está conexa íntima e necessariamente toda
a obra da educação. Na verdade, consistindo a educação essencialmente na
formação do homem como ele deve ser e portar-se, nesta vida terrena, em
ordem a alcançar o fim sublime para que foi criado, é claro que, assim como
não se pode dar verdadeira educação sem que esta seja ordenada para o fim
último, assim na ordem atual da Providência, isto é, depois que Deus se nos
revelou no seu Filho Unigênito que é o único “caminho, verdade e vida”, não
pode dar-se educação adequada e perfeita senão a cristã. Daqui ressalta, com
evidência, a importância suprema da educação cristã, não para cada um dos
indivíduos, mas também para as famílias e para toda a sociedade humana, visto
que a perfeição desta resulta necessariamente da perfeição dos elementos que a
compõem. (Pio XI, 1974, p. 5).
Esse Papa atesta os plenos direitos reservados à Igreja em promover as letras, as
ciências e as artes, se estas forem necessárias ou úteis à educação cristã, conforme atesta
em sua Encíclica, segundo o Código de Direito Canônico, Cânon 1381 e 1382.
80
20. Além disso, é direito inalienável da Igreja, e simultaneamente seu dever
indispensável vigiar por toda educação de seus filhos, os fiéis, em qualquer
instituição, quer pública quer particular, não no atinente ao ensino religioso
ministrado, mas em qualquer outra disciplina ou disposição, enquanto estão
relacionados com a religião e a moral. (Pio XI, 1974, p. 10).
Ainda a respeito dessas orientações de que, pela leitura e escrita, se fizesse a
construção do bom cristão, ressalta-se a compreensão em relação à distinção
estabelecida entre educação e instrução. A esse respeito, Jonathas Serrano (1932), ao
falar sobre “Escola Nova”, assim discorre:
Todos reconhecemos, ao menos em theoria, que é necessário ministrar ao
alumno os vários conhecimentos de que vai precisar durante a vida, na posição
social que occupar, na profissão, humilde ou elevada, que exercer. Isto é
instrucção e é indispensável. Mas não basta.
A educação é muito mais do que o simples cultivo da intelligência. É o
conjunto de todos os processos tendentes a formar o homem, na sua
personalidade integral. (...) O fim supremo da obra de educação é dar uma idéia
exacta da vida, formando hábitos virtuosos e disciplinando a vontade para a
prática do bem. (Serrano, 1932, pp. 15-16).
Essa distinção estabelecida por Serrano (1932) vem ao encontro do pensamento
da Doutrina Católica referente à Pedagogia, de que “a educação consiste em promover o
desenvolvimento simultâneo e harmônico de todas as atividades do homem” (Chiari,
1918, p.31); enquanto que “a pedagogia é ciência - sistema organizado do conhecimento
- e arte - aplicação prática do conhecimento científico” (Cf. Chiari, 1918, p 37)
.
Mas, para a formação religiosa não importa apenas uma preocupação com a
pedagogia e com métodos empregados, que para uma boa formação deve-se estar
atento a todas as circunstâncias da vida. Por isso, as solenidades e as festas
apresentavam-se com importantes momentos para se efetivar uma boa formação
salesiana”.
2.5- Solenidades e festas
O encerramento do ano letivo da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de
Santa Inês dava-se com a distribuição de prêmios às melhores alunas quanto à conduta,
81
civilidade, estudos, piedade, e com a exposição dos trabalhos escolares e manuais. Essa
prática de premiação e toda a relevância a ela manifestada se revestia de certa pompa,
cumprindo um ritual festivo que provavelmente gerava a competição entre as alunas.
Abaixo, segue um registro de uma exposição de trabalhos manuais:
Fonte: Histórico da Escola Normal: Exposição de Trabalhos Manuais encerramento do
ano de 1932
Também no final do ano, realizava-se a formatura das estudantes, em ritual
bastante solene, com a presença das irmãs, professores, autoridades civis e religiosas.
Aproveitando a solenidade, era feita a entrega do prêmio Dom Bosco à melhor aluna, ou
seja, àquela que obtivesse a melhor média durante o curso normal. A solenidade seguia
o programa oficial das escolas normais, com alguns elementos particulares da educação
salesiana: abertura da sessão solene proferida pelo professor-inspetor; apresentação, em
alguns momentos da cerimônia, de cantos, piano, violino; saudação à autoridade
religiosa presente; Hino Nacional; compromisso das professorandas; entrega dos
diplomas; entrega do prêmio D. Bosco; discursos do paraninfo e da oradora da turma;
entrega de diplomas de catequistas para as que se habilitaram em tal fim; encerramento.
A missa, em ação de graças pelas formandas, geralmente antecedia a sessão de colação
de grau.
82
Fonte: Histórico da Escola Normal – Festa de Formatura das professorandas de 1936
– Discurso do paraninfo: Pe. Hélder Câmara.
Na Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês, ao longo do ano letivo,
como pode ser verificado no Livro do Histórico, nos anos referentes a esse estudo, havia
festas de cunho vico e religioso. As primeiras sempre eram compostas de discursos e
de alguma apresentação ou torneio de ginástica; nas segundas, além dos discursos e
das coreografias de ginástica, realizavam-se apresentações de cantos, instrumentos
musicais, alguma atividade de piedade ou culto. Em ambas, não podiam faltar
autoridades civis e religiosas, como é possível observar nas fotos abaixo. A festa, como
instrumento educativo, trazia, no seu bojo, a marca da disciplina e da ordem. Para as
salesianas, a boa educação pautava-se nesses elementos para a aquisição completa de
uma educação integral.
É importante ressaltar a solenidade e pompa de tais ocasiões e a importância
dada às festas, música, passeios, eventos literários, jogos, missas, cantos, teatro para a
ação educativa salesiana, que, segundo Dom Bosco, são elementos imprescindíveis para
educar.
83
Fonte: Histórico da Escola Normal Festa da Revda. Madre Provincial Torneio esportivo de
25/08/1935
84
Fonte: Histórico da Escola Normal (Festa da Revda. Madre Provincial Momento Religioso
de 25/08/1935
Conforme a tradição salesiana, algumas festas mereciam destaque: em âmbito
religioso, a festa da padroeira da Congregação, Nossa Senhora Auxiliadora, traduzida
no testemunho da aluna Alice de Campos Luz do ano da Escola Normal Livre anexa
ao Colégio de Santa Inês no ano de 1930:
No pateo central, pateo de Maria Auxiliadora, ponto terminal da procissão, o
Revmo. Pe. Consolini, teceu o panegyrico da Virgem que triumphava entre
anjos e lyrios, attrahindo, ao seu throno de misericórdia e de amor, todos os
corações. Feita a exposição do Santíssimo sobre um altar todo cravos e luzes, á
sombra de um docel de saphira e prata, cantando-se o Magnificat de Ravanello e
Tantum Ergo do Mo. Dogliani, baixou sobre todos a bençam de Jesus Hóstia,
saudado pelo hymno nacional. Daquella festa tão linda e amorosa ficou-nos
n’alma uma grande saudade no écho daquella ultima saudação de uma doçura
infinita: “Glória a Maria Auxiliadora” – que o nosso coração há de repetir
sempre pelos dias da vida. (Luz, 1930, pp. 9-10).
85
Havia, ainda, na Escola Normal Livre anexa ao Colégio Santa Inês, festas como
a homenagem ao fundador, de alguns outros santos, da Páscoa e do Natal. Em âmbito
civil, aconteciam as festas solenes de comemorações de datas cívicas, da festa da
Superiora e a festa do regulamento. Eram festas que sinalizavam o reconhecimento às
autoridades, à hierarquia e às leis estabelecidas, pois à educação cabia formar e
“moldar” as alunas ao que era já instituído pela sociedade.
O registro de algumas dessas festas pode ser demonstrado com as fotos abaixo:
Fonte: Histórico da Escola Normal – Momento esportivo da Festa
de D. Bosco – execução de vários números esportivos – 30/04/1933
86
Fonte: Histórico da Escola Normal Um aspecto da festa da Superiora Provincial
torneio ginástico no período da tarde – 02/08/1931
Outra festa solene da Escola Normal em foco, no período investigado, era o
encerramento escolar, que, além da formatura, exibia a exposição dos trabalhos
escolares, manuais, apresentações artísticas e entrega dos prêmios. As festas cumpriam
o objetivo de mostrar às famílias, autoridades e benfeitores o aproveitamento das alunas
em termos de instrução e de educação. A alegria, tônica advinda das festas, era, para as
irmãs salesianas, um meio educativo e, ao mesmo tempo, religioso, de educar as alunas
à santidade, presente desde as origens e muito recomendado, não pelo fundador,
como pela co-fundadora das irmãs. Como se pode perceber nas palavras que seguem:
“(...) Recomendo bom exemplo a vocês e às meninas: paciência longa e doçura sem
medida. Recomendo-lhes ainda uma coisa: estejam sempre alegres, tristeza, jamais,
porque é mãe da tibieza. (Carta de Madre Mazzarello à Ir. Ângela Vallese 20 de
outubro de 1879).
Para seguir com as considerações finais, portanto, faz-se oportuno frisar que
esse capítulo possibilitou entender que a Escola Normal Livre anexa ao Colégio de
Santa Inês, no período investigado, baseou-se em uma educação que formou um perfil
87
de professora construído a partir de uma trajetória educativa em que estaria posto, no
seu bojo, afora o cumprimento dos requisitos legais de escola equiparada, a promoção
da formação moral para incorporar a religiosidade, inclusive sentida nas festas e
solenidades. Garantido isso, optou-se por um método e uma pedagogia de ensino que
dialogaram com as propostas de ensino da escola moderna, em conformidade com o
Sistema Preventivo, considerado método e espiritualidade da congregação religiosa para
a boa formação salesiana.
88
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, procurou-se pontuar a ação educativa das Irmãs Salesianas na
Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês, nos anos de 1927 a 1937.
Perseguiu-se a história da formação de mulheres-professoras-cristãs, a fim de que,
considerando a singularidade da ação educativa salesiana, se pudesse compreender o
significado desta escola como representativa da pedagogia católica, em uma época
marcada, no Brasil, pelo embate entre “católicos” e “pioneiros”.
O trabalho procurou contribuir para a historiografia da educação, ao trazer à luz
alguns elementos da prática da pedagogia católica para a formação de professoras
alfabetizadoras e mulheres, que utilizou o sistema preventivo de Dom Bosco. Assim,
este trabalho soma-se a outros sobre a Congregação Salesiana, que pretendem
reconstituir as práticas e o significado da educação entre as Irmãs Salesianas, ou seja, a
aplicação feminina do método de Dom Bosco e sua apropriação no cotidiano escolar,
sempre em relação com as normas e à fiscalização que os poderes oficiais impunham às
escolas normais equiparadas.
No primeiro capítulo, optou-se por detalhar qual o significado original da
educação que seria praticada na Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês,
dirigida pelas Irmãs Salesianas. Para tanto, reconstituiu-se a origem da educação
salesiana, que teve Dom Bosco como fundador. Buscou-se contextualizar a história do
tempo de Dom Bosco para entender a opção educativa dele para com as crianças e
jovens no ambiente eclesiástico italiano, em que também a Igreja tentava se posicionar e
responder a esses conflitos políticos, religiosos e sociais.
Dom Bosco criou o “Sistema Preventivo”, um jeito peculiar de educar que
privilegiava a prevenção, e não a punição, e que investia na atividade das crianças,
como uma solução católica para a situação social na qual se encontravam os “meninos
empobrecidos”. A ação educativa de Dom Bosco foi desenvolvida nos institutos
religiosos criados por ele: a Congregação dos Salesianos e o Instituto das Filhas de
Maria Auxiliadora (Irmãs salesianas). Os princípios e valores pedagógicos sobre os
quais foi pautado o Sistema Preventivo articulavam necessariamente os valores
humanos aos valores religiosos. Pensar uma escola que optasse pelo ser humano era
reafirmar, não o valor creditado à boa instrução, mas, sobremaneira, ao papel da
89
religião. Formar o caráter, desenvolver os bons sentimentos e combater as más
tendências e vícios era tarefa que cabia ao educador.
A Escola Normal do Santa Inês, em que esta pedagogia foi aplicada, constituiu-
se, portanto, como um dos lugares de construção da “civilização cristã”, pois
fundamentou a sua ação educativa nos princípios doutrinários da Igreja Católica. As
irmãs, como “braço feminino” de Dom Bosco, utilizaram esta escola como lugar de
educação e de evangelização da Pastoral de São Paulo, com meios e instrumentos
pedagógicos regulados pela pedagogia de Dom Bosco e pelas normas e manuais
aprovados pela Santa Sé e adotados nos estabelecimentos das Congregações.
Assim, além dos conteúdos prescritos para a educação das futuras professoras,
fazia parte da educação implementada uma série de recursos metodológicos, tais como
esportes, passeios, expressões artísticas, trabalhos manuais, prática religiosa de piedade,
cumprimento das normas e deveres, vivência da boa moral e bons costumes,
possibilitando, além do crescimento intelectual e da preparação para a futura profissão,
o crescimento humano, religioso e cristão, orientando o projeto de formar, segundo
Dom Bosco, o “bom cristão” e o “honesto cidadão”.
Como a formação moral e cívica e a preocupação pedagógico-educativa estavam
em consonância com a “máxima” salesiana de formar o “honesto cidadão” para a
sociedade, era necessário infundir, nas professoras, o cultivo do sentido cívico e
patriótico, que inculcariam mais tarde nas crianças.
No segundo capítulo, procurou-se responder de que modo esta escola regulou
sua organização e suas práticas pelas normas oficiais estabelecidas para as escolas
públicas do Estado. Concluiu-se que, não a sua organização e funcionamento
seguiram rigorosamente o que então era esperado de uma escola normal, como sua
prática pedagógica assumiu, além dos métodos da pedagogia católica, elementos da
pedagogia da Escola Nova. Mas, embora tenha se esforçado para cumprir as disposições
oficiais, nota-se que a escola conseguiu firmar sua identidade de instituto religioso, ao
garantir, em seu cotidiano, os elementos essenciais da pedagogia salesiana, perceptível,
quer pelo confronto estabelecido com a grade curricular da Escola Caetano de Campos e
suas respostas às exigências para o seu funcionamento como equiparada; quer pelos
elementos estabelecidos como primordiais para a educação da moça cristã: uma
educação que privilegiava não somente a instrução, mas uma moral que valorizava essas
alunas pelas virtudes da pureza, modéstia e simplicidade.
90
Pôde-se perceber que, na Escola Normal Livre anexa ao Santa Inês, no período
de 1927 a 1937, a educação desenvolvida, privilegiou, mais do que saberes ensinados e
aprendidos, um elemento “não dito”, que se dava pelo campo da experiência, do
cotidiano ritualizado. Eram princípios que marcavam, para além do pedagógico, o
discurso religioso. Valorizava-se a assistência contínua, o bom trato, as regras claras e
precisas, a correção feita com o coração (pelo bem-querer), obediência pronta, espírito
de piedade, premiação e punição com parcimônia. Enfim, agir com caridade, mesmo em
situações de castigo, era a finalidade essencial da ão metodológica para que se
cumprissem os currículos e programas para o curso de formação de professoras.
Era preocupação, por parte da escola, para além dessas práticas ritualizadas do
cotidiano escolar, que a futura professora saísse formada com a síntese conhecida e
aprendida entre teoria, prática de sala de aula e a vivência religiosa para escolher o
melhor método a ser adotado, futuramente, na sua vida como alfabetizadora.
A partir da análise da documentação da Escola Normal Livre anexa ao Colégio
de Santa Inês, percebe-se que o método de alfabetização ensinado às professorandas
nessa escola, teria levado em consideração a prescrição católica de que a educação diz
respeito a um todo harmonioso, em que as atividades são, todas elas, endereçadas ao fim
último do ser humano.
Em conformidade com essa máxima católica, a educação salesiana empreendida
na escola normal em estudo, ao priorizar pelo bem intelectual e moral de suas
professorandas, teria abordado com elas, como atestam os Diários de classe, com os
devidos conteúdos registrados, os prós e contras dos métodos analítico, sintético e
global e os mais modernos e importantes métodos na leitura e escrita no processo de
alfabetização das crianças.
Porém, as fontes documentais da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de
Santa Inês deixam claro que havia a preocupação da escola não com o conteúdo que
as professorandas deveriam aprender para transmitir às crianças, mas,
fundamentalmente, com o modo de ensinar.
Uma vez compreendido o universo da infância, a professora familiarizada e com
conhecimento dos variados recursos dos modernos métodos pedagógicos, teria
capacidade de escolher o melhor método que despertasse a criança, fazendo-a se
interessar pelo conhecimento.
91
Para tanto, o curso normal se preocupou com a metodologia das várias
disciplinas que seriam ensinadas na escola elementar, com ênfase dada à leitura e à
escrita. Aprender a fazer um plano de aula era meta a ser cumprida nas disciplinas de
Pedagogia e Prática de Ensino, para avaliar após o tirocínio com as crianças, indicando
que a escola procurava se posicionar diante de uma nova pedagogia, que atendesse às
necessidades de uma boa formação de suas professoras.
Mas era a formação religiosa das futuras professoras, como também nos demais
cursos oferecidos e ministrados no Colégio, que recebia tratamento e destaque especial.
Para um maior conhecimento da crença católica, contribuía as aulas de catecismo e o
curso para catequistas (nos quais recebiam seu diploma de futura catequista, na ocasião
da formatura, das mãos de autoridade religiosa presente), as missas, comunhões diárias
e as freqüentes confissões, as solenidades de “primeira comunhão”, as devoções
congregacionais (realizadas com Tríduos e novenas), as festas religiosas, retiros,
exortações à prática de piedade e dos deveres cristãos (crença e conduta moral),
participação nas associações (Filhas de Maria e Santos Anjos), tudo com a finalidade de
fortalecer o espírito religioso de acordo com as tradições da congregação. A finalidade
da formação religiosa seria oferecer às alunas uma espécie de “proteção” contra os
chamados “perigos do mundo moderno”.
Pôde-se observar ainda que a Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa
Inês, embora mantendo uma pedagogia católica, salesiana, em que instrução e educação
estavam fortemente marcadas pela religião, moral e civismo, construiu um caminho
bastante peculiar, em que a tensão entre o tradicional e o moderno constantemente se
mantiveram presentes, como por exemplo, o controle disciplinar, a presença vigilante
em vista do bom costume e da prática de piedade e a preocupação e adoção de métodos
pedagógicos próprios da modernidade (métodos que privilegiavam o interesse e o
cotidiano da criança), que fossem em tudo idênticos ao oficial, para que as formandas
tivessem uma formação à altura das professoras que eram formadas pelas escolas
normais oficiais.
92
BIBLIOGRAFIA
Fontes Primárias da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês:
- Ata do Livro de Inscrições para os exames de suficiência.
- Atestados de docência / títulos desde 1929.
- Copiador da correspondência entre professor fiscal e a direção da Escola
Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês de 1932.
- Crônica do Colégio de Santa Inês de 1907 a 1937.
- Circolare Superiore Generalizie – 1893 – 1921.
- Circulares da direção da Escola Normal de 1928 a 1953.
- Diários de classe com conteúdos das disciplinas da Escola Normal Livre anexa
ao Colégio de Santa Inês de 1935 a 1946.
- Livro da Ata de conferências pedagógicas de 1931.
- Livro com conteúdos para as provas parciais da Escola Normal Livre anexa ao
Colégio de Santa Inês de 1933 a 1939.
- Livro do Histórico da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês de
1928 a 1938.
- Livro de Matrículas e Notas da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de
Santa Inês (1928 – 1937)
- Livro de Relatório de equiparação às Escolas Normais de 1931 a 1937.
- Ofícios expedidos pela direção da Escola Normal do Colégio de Santa Inês de
1932 a 1941 para os órgãos de competência de educação.
- Ofícios recebidos de 1924 a 1953 dos órgãos de competência de educação para
a direção da Escola Normal Livre anexa ao Colégio de Santa Inês.
93
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GENGHINI, Clélia. 1907. Norme Didatiche. Istituto Figlie di Maria Ausiliatrice.
Ispettoria – Brasile.
Livro de Matrículas e Notas de 1927 a 1932. Escola Normal Caetano de Campos.
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Paulo: Editora Ática.
BEOZZO, Oscar. 1997. II Conferência Geral de História da Igreja na América Latina e
no Caribe. Palestra proferida no Teatro TUCA. PUC-SP.
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VIGANÒ, Egídio. S/D. O carisma de Dom Bosco. Cadernos Salesianos. Escolas
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95
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98
ANEXOS
99
ANEXO 1
Circulares de Madre Catarina Daghero – Ano 1906
100
101
ANEXO 2
Grade Curricular - Curso Profissional – Horário organizado para 1940
(Livro de Equiparação da Escola Normal)
Dias ano profissional ano profissional
2ª feira Sociologia
Desenho
Psicologia
Prática
Ed. Física ou Biblioteca
Psicologia
Prática
Sociologia
Música
Ed. Física ou Biblioteca
3ª feira Música
Psicologia
Pedagogia
Biologia
Canto Orfeônico
Prática
Desenho
Biologia
Pedagogia
Canto Orfeônico
4ª feira Psicologia
Sociologia
Biologia
Prática
Ed. Física ou Biblioteca
Prática – Artes
Biologia
Artes – Prática
Psicologia
História da Educação
5ª feira Pedagogia
Prática
Sociologia
Música
Ed. Física ou Biblioteca
Biologia
Sociologia
Artes – Prática
Prática – Artes
Ed. Física ou Biblioteca
6ª feira Psicologia
Prática
Artes
Artes
Ed. Física ou Biblioteca
Sociologia
Pedagogia
Música
Prática
Ed. Física ou Biblioteca
sábado Sociologia
Biologia
Desenho
Pedagogia
Ed. Física ou Biblioteca
Biologia
Prática – Desenho
Psicologia
Prática – Desenho
História da Educação
1ª aula – 12h30 – 13h20
2ª aula – 13h30 – 14h10
3ª aula – 14h40 – 15h30
4 ª aula – 15h30 – 16h15
Ed. Física – 16h15 – 15h
102
ANEXO 3
Circular nº 43 de 24/10/1918 e nº 44 de 24/11/1918 da Madre Geral
103
104
Circular nº 43 de 24/10/1918 e nº 44 de 24/11/1918 da Madre Geral
105
106
ANEXO 4
Regulamentos e Estatuto do Colégio de Santa Inês
CAPITULO I – Do Colégio de Santa Inês e seus Fins:
O Colégio de Santa Inez, fundado em 1907 e na cidade de São Paulo (Brasil), é
um estabelecimento de ensino, que tem por fim a instrução e educação cristã da
mocidade, especialmente das crianças pobres. O Colégio de Santa Inez, rege-se
pelos regulamentos das Filhas de Maria Auxiliadora e pelos presentes Estatutos.
O Colégio mantêm os seguintes cursos gerais de ensino perfeitamente
organizados e distintos: Primário, Ginasial e de Formação de Professores. As
alunas do Colégio estão distribuídas pelas seguintes secções, que funcionam
debaixo de uma única direção: Internato, Externato, Semi-Internato, Escola
Doméstica, Aulas Noturnas.
CAPÌTULO V – Do Curso de Formação de Professores
O Curso de Formação de Professores do Colégio está organizado de acordo com
o Decreto 6427 de 9 de maio de 1934 e respectivo Regulamento para as
Escolas Normais Livres, oficialmente reconhecidas pelo Governo Estadual. A
matrícula no 1º ano do Curso de Formação de Professores se fará de acordo com
o Art. 670 do Capítulo V do Código de Educação do Estado de São Paulo. O
curso de Formação de Professores consta de 2 anos e segue em tudo o Programa
aprovado pela Diretoria do Ensino de S. Paulo.
CAPÍTULO XII – Da Educação física
É objeto de particular cuidado o desenvolvimento físico das alunas. O colégio
dispõe para isso de aparelhamento higiênico e pedagógico modelar. A ginástica,
os jogos ao ar livre, nos seus amplos páteos, os torneios desportivos, as
excursões semanais pedestres a jardins e locais, de preferência arborizados, são
meios pelos quais o Colégio desenvolve e favorece a cultura física das alunas.
107
ANEXO 5
108
109
ANEXO 6
Textos da Revista Auxilium
110
ANEXO 7
Documento organizado de cópia dos diários de classe a partir do ano de 1935. O
documento apresenta o plano de ensino com os conteúdos que deveriam ser abordados a
cada mês, em cada disciplina e em cada ano escolar do curso normal. Porém, um
outro documento com as “teses para as provas parciais” de cada disciplina e para cada
ano escolar, relativas aos anos de 1933 a 1935.
Seria interessante transcrever, neste momento, os conteúdos pedidos para as
provas parciais do e ano, referentes às disciplinas de Pedagogia e Prática de
ensino. Com certeza, eles irão permitir visualizar a qualidade do ensino ministrado na
escola e a preocupação com a formação profissional da futura professora.
Prova parcial de Pedagogia – 1º ano - Junho de 1933.
- 1 –
a) interesse e fadiga
b) disciplina
c) o ensino de dentro para fora
- 2
a) centro de interesse
b) definição de interesse
c) escola ativa e escola funcional
- 3 –
a) o brinquedo no aprendizado
b) que é o método projeto
c) conceito de esforço na escola estática e na escola dinâmica
- 4 –
a) o problema educacional é uma questão de método?
b) o método analítico
c) conceito de trabalho na escola renovada
- 5 –
a) como a escola tradicional e a escola renovada encaram a questão dos
trabalhos manuais
b) toda escola ativa é escola funcional?
c) o interesse nas escolas intelectualista, sensualista e funcional
- 6 –
a) o problema educacional sob o tríplice aspecto social, biológico e psicológico
b) o aprendizado explicado pela teoria dos reflexos condicionados
c) um exemplo de ensino de leitura pelo método sintético
- 7 -
a) distinguir as diversas formas de ensino
b) que é ensino intuitivo
c) o ensino de dentro para fora é intuitivo – formal? Por que?
111
- 8 –
a) exemplo de centro de interesse e como tratá-lo para se conseguirem noções
de linguagem, leitura, história, geografia, etc.
b) crítica do horário de aulas na escola tradicional
c) que é processo de ensino?
- 9 –
a) a disciplina e as sanções na escola através da história
b) interesse, fadiga, trabalho e esforço na escola renovada
c) a escola renovada (ativa, funcional) é anti-religiosa?
- 10 –
a) o dinamismo interno do educando e sua exteriorização natural, como base de
todo interesse
b) a individualidade infantil e as tendências instintivas
c) a lei biogenética de ferrière
Prova parcial de Prática de Ensino – 1º ano – 1933
- 1 –
a) como organizar o ambiente escolar, de acordo com a natureza infantil?
b) qual o mobiliário escolar mais de acordo com a escola ativa de hoje.
Vantagens.
- 2 –
a) necessidade de conhecer a acuidade visual das crianças de uma classe.
Defeitos comuns da visão miopia e causas. Processos diversos para a
avaliação da acuidade visual
b) técnica para o exame pedagógico da visão
- 3 –
a) necessidade de conhecer a acuidade auditiva das crianças de uma classe
b) aplicações pedagógicas do exame da audição, processos para medir a
acuidade aditiva, condições a serem observadas
- 4 –
a) necessidade da antropometria, medidas que a escola deve aplicar, variação
média que é?
b) exame antropométrico de uma criança do grau, achar o índice P/T dessa
criança e sua variação média
- 5 –
a) índices de Pelidisi e Pignet. A que medidas se refere? Como se obter o
resumo do desenvolvimento físico de uma criança, em toda sua escolaridade?
b) que é percentil? Porque se recorre a estas comparações?
- 6 –
a) a ogiva de Galton – origem e aplicação
b) faça o gráfico representando os resultados dos 3 indices antropométricos para
cada uma das 23 crianças da classe do grau, faça o perfil antropométrico da
mesma classe
- 7 –
a) pede-lhe um diretor de um grupo que selecione as classes do grau. Qual o
seu programa para esse trabalho?
b) aplicar o teste “ABC” a uma das crianças do 1º grau e fazer o seu psicograma
- 8 –
a) como selecionar os alunos de uma classe pelo Q.I., pela idade cronológica ou
pelas diferenças sociais?
b) aplicar o teste “ABC” a uma criança, anotar as respostas, utilizar a escala
apropriada e transportar para o gráfico
- 9 –
112
a) o teste “ABC” prigem e finalidade, que verificação faz cada teste?
b) faça o histograma da classe com os seguintes dados
- 10 –
a) como podemos medir e conhecer a inteligência das crianças?
b) conveniências em formar classes homogêneas? Como estabelecer a
homogenia?
Prova parcial de Pedagogia – 2º ano – Junho de 1933
- 1 –
a) métodos de ensino, processos, modos e formas
b) a posse ou domínio do método resolve o problema educacional
c) instrução e educação
- 2 –
a) que se deve entender por escola renovada?
b) a escola e o ensino intelectualista
c) as sanções e a disciplina na escola
- 3 –
a) o trabalho e o brinquedo nas escolas
b) a questão do horário de aulas e dos programas de ensino na escola tradicional
c) como seria possível uma adaptação da escola estática às novas tendências
educacionais?
- 4 –
a) os trabalhos manuais e sua finalidade
b) a aula ativa e a aula funcional
c) centros de interesse
- 5 –
a) os instintos podem e devem ser anulados?
b) argumentos psicológicos em prol da escola funcional
c) fator social na finalidade educacional
- 6 –
a) o aprendizado em situação total
b) porque existem coisas interessantes que não interessam as crianças
c) valor das salas ambientes
- 7 –
a) a lição analítica e a falsa lição analítica
b) o interesse provém dos atributos intrínsecos da matéria de ensino?
c) o ensino intuitivo formal e sua crítica
- 8 –
a) explanar uma aplicação do sistema de projetos
b) bases bio-psicológicas do sistema de projetos
c) a lei do trabalho aplicada ao ensino
- 9 –
a) a questão da ginástica nas escolas primárias
b) os jogos escolares
c) a fadiga escolar
- 10 –
a) ensinar e educar
b) a escola mecanicista e a estruturalista
c) o ensino do conhecido para o desconhecido na escola intelectualista e na
escola ativa
Prova parcial de Prática de ensino – 2º ano – Junho de 1933
- 1 –
113
a) conversação riqueza da atividade, situações espontâneas ou criadas,
correção e desenvolvimento da linguagem nessa atividade
b) plano para uma aula de conversa
- 2 –
a) histórias lidas, contadas e inventadas pelas crianças e para as crianças,
objetivos, a hora da história e seus valores
b) plano para uma aula de história
- 3 –
a) gravuras estudo das gravuras em geral, o desenvolvimento que favorece
essa atividade, objetivo da professora no uso das gravuras
b) plano para uma aula de história à vista de uma gravura
- 4 –
a) a composição oral e escrita na escola primária. Objetivos. As vantagens do
diário sobre os demais exercícios de linguagem
b) plano para uma aula de linguagem oral em preparação à linguagem escrita
- 5 –
a) como ensinar a ortografia nas classes primárias? Fatores que influem na
ortografia
b) plano para uma aula de ortografia
- 6 –
a) dramatização seus valores quanto aos princípios educativos em geral e aos
de linguagem, dramatização a serviço da história e da geografia
b) plano para uma aula de dramatização
- 7 –
a) o método global – vantagens e objetivos, etapas do método
b) aplicação de um jogo educativo para a fixação de sentenças
- 8 –
a) clubes de leitura, finalidade, organização, “cartões-relatórios”
b) plano de uma aula de poesia
- 9 –
a) biblioteca, sua função na escola, organização
b) plano para uma aula de leitura informativa a se fazer ba biblioteca,
introdução do cartão “relativo
- 10 –
a) a leitura como instrumento para aquisição de experiências, leitura silenciosa
– vantagens objetivos
b) plano para uma aula de leitura silenciosa
114
ANEXO 8
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