Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO SOCIAL
A TRADIÇÃO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO:
ANÁLISE DOS CABOCLINHOS
MONTESCLARENSES – TERNO DO CONGADO DAS
FESTAS DE AGOSTO
Mona Lisa Campanha Duarte Colares
Montes Claros, 2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
Colares, Mona Lisa Campanha Duarte.
C683t A tradição no mundo contemporâneo : análise dos caboclinhos
montesclarences – terno do congado das festas de agosto / Mona Lisa
Campanha Duarte Colares. – 2006.
110 f.
Bibliografia: f. 106-110.
Dissertação (Mestrado) Universidade Estadual
de Montes Claros – Unimontes. Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Social, 2006.
Orientador Prof. Dr. João Batista de Almeida
Costa, Unimontes.
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO SOCIAL
A TRADIÇÃO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
(ANÁLISE DOS CABOCLINHOS MONTESCLARENSES – TERNO DO
CONGADO DAS FESTAS DE AGOSTO)
Dissertação apresentada para obtenção do título de
Mestre junto ao Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Social
Banca Examinadora:
Dr. João Batista de Almeida Costa - Unimontes
Orientador
Dr. João Valdir Alves de Souza - UFMG
Dra. Simone Narciso Lessa - Unimontes
Montes Claros, 2006
3
Desaprendi a pobreza dos pobres e dos merdunchos. E, já creio, aprendi a pobreza
envergonhada da classe média.
João Antônio - escritor brasileiro
4
Agradecimentos
No final de uma jornada, sempre muito a agradecer àqueles que nos
auxiliam no decorrer do caminho. Não se chega a lugar nenhum sozinho. Por
isso, devo agradecer a algumas pessoas que sei que caminharam juntas comigo,
sofreram e torcem pela minha chegada, seja onde vai ser. Antes de todos,
agradeço a Júnior, meu companheiro de estrada, meu companheiro de vida,
nossos “papos-cabeças”, realmente são nossos, continuarão mesmo depois do
mestrado. A João, meu filho, ensinou-me a concentrar em meio a barulhos
diversos, ensina-me, junto com seu pai, que a “vida não gosta de esperar, a vida
é pra valer, a vida é pra levar”. A João Batista, meu pai, você não está aqui mas
está em mim; está também nesta dissertação. A João Batista, orientador do
trabalho, meu “mestre”, obrigada pela orientação, obrigada pela direção; o
respeito e a admiração é que me fazem lhe chamar de mestre João, como se diz
no Congado. A minha irmã, Lanna por torcer por mim. A minha mãe, Vana -
obrigada pela torcida e pelas orações. A tia Luíza, quantos obrigadas ainda lhe
direi? Obrigada pela dedicação, precisei muito de você durante o mestrado. Nós
precisamos de você. A Cida, pelo tanto que se envolve, obrigada pelo carinho.
Devo agradecer bastante a Joaquim Poló e a sua família pela acolhida tão
afetuosa. Aos mestres e integrantes do Congado, bem como a todos que me
passaram informações relevantes sobre as festas de Agosto agradeço a todos
que tiveram seus nomes citados no decorrer do trabalho. Agradeço aos
professores e aos colegas do mestrado pelo aprendizado, as discussões em sala
foram sempre muito frutíferas. Solange, valeu a força final no inglês. Obrigada
também a vocês da secretaria do mestrado– Madalena, Cláudio e Luquinha,
pelas tantas xícaras de café.
Dedico este trabalho a todos os caboclinhos de Montes Claros.
5
RESUMO
O trabalho consiste em uma análise das Festas de Agosto de Montes Claros, focalizando
o olhar e a leitura no terno dos caboclinhos. A interpretação realizada, que tem a
questão do desenvolvimento como leit-motiv percorrendo a argumentação, procura
articular a compreensão do imbricamento, no ritual, de questões teorizadas como
tradição, folclore e cultura popular. No Congado montesclarense, é apreendido o
dinamismo da tradição e a “circularidade” existente entre os materiais simbólicos da
cultura popular e da cultura erudita. Analisamos o ritual da “trança-do-cipó”,
dramatizado pelos caboclinhos e o rito de passagem dos catopês que consiste em vestir
as “fardas” após o levantamento do primeiro mastro. Discutimos como o discurso do
“desenvolvimento” na perspectiva iluminista que opõe tradição à modernidade,
contribuiu para se firmar uma idéia negativa das Festas de Agosto, e como esse discurso
se refaz de outro modo na atualidade. Entende-se os catopês, marujos e caboclinhos
como símbolos importantes para a construção da identidade do montesclarense.
ABSTRACT
This study consists in an analysis of the August Parties that traditionally happen in
Montes Claros, focusing the view on the Terno dos Caboclinho. The interpretation
made in the study, which has the discussion about development as a leit-motiv, tries to
articulate the comprehension of the connection, in the ceremony, of the questions
theorized as tradition, folklore and popular culture. In the celebration of Congado
(which happens in Montes Claros every year in August), one can apprehend the
dynamism of tradition and the circularity that exists between symbolic material of
popular culture and that of erudite culture. The study analyses the ritual of trança-do-
cipó performed by the Caboclinhos and the passage ritual of the Catopês, which
consists in the dressing of uniforms after the rising of the first mast. The study also
discusses the way the discourses about development, in the illuminist perspective which
opposes tradition to modernity, contribute to establish a negative idea about the August
Parties, and how those discourses are rebuilt in a different way in the present days. The
study understands the Catopês, Marujos and Caboclinhos as important symbols for the
construction of the identity of the people from Montes Claros.
6
SUMÁRIO
Introdução 07
Capítulo 1: Tradição e modernidade – uma análise conciliatória, 13
A tradição vista por Ilustrados e Românticos, 17
A tradição vista pelos modernos, 19
O lugar da tradição na modernidade, 27
A “valorização” da tradição é necessária?, 32
A outra modernidade de outros homens também modernos, 34
Capítulo 2: Os caboclinhos nas Festas de Agosto de Montes Claros 41
As Festas de Agosto 42
Questão de tradição 53
O espetáculo multimídia do sagrado 59
O sagrado e o profano 60
Os caboclinhos 63
A trança-do-cipó: análise de discurso 67
Capítulo 3: Tradição, folclore e cultura popular nas Festas de Agosto 73
Perquirindo a tradição 75
Folclore: problematização do conceito 83
Festas de Agosto: interação entre “alta” e “baixa” cultura 90
Conclusão 95
Referências Bibliográficas 104
7
INTRODUÇÃO
8
Nas Festas de Agosto em Montes Claros, tomando os Caboclinhos como sujeitos
tradicionais, busca-se entender a circularidade existente entre tradição e modernidade.
Os rituais do Congado montesclarense são manifestações inseridas no mundo moderno,
que dialogam com o seu tempo e assim demonstram o dinamismo da tradição e sua
permanência na modernidade.
Este trabalho foi uma experiência de percorrer novos trajetos que enriqueceu
sobremaneira a minha formação acadêmica de jornalista. Particularmente, um
aprofundamento no que vem a ser o “olhar antropológico”, sendo as leituras desta
disciplina fundamentais para o entendimento do conceito de “tradição”, para a análise
das Festas de Agosto, de maneira geral, e dos caboclinhos de forma específica. Algumas
lições do trabalho etnográfico produzido para esta dissertação, servem também como
lições para se produzir uma boa reportagem. A metodologia utilizada foi, num primeiro
momento, através de referências bibliográficas contrapor os discursos sobre tradição e
modernidade. No segundo momento, a descrição etnográfica foi o método utilizado para
tentar interpretar as Festas de Agosto, a partir do olhar de seus diversos atores e
informantes, vinculada à análise do discurso dos caboclinhos.
Durante boa parte do mestrado, o trabalho consistiu em indagar sobre o que vem
a ser “tradição”. Uma resposta, que à primeira vista parece simples, foi a que mais
trouxe alento: para Marcel Mauss, “tradição é aquilo que se transmite” (2001). Mas a
cadeia de transmissão é dinâmica, isto significa que uma constante interação entre o
novo e o velho no interior da tradição. Desde o Iluminismo vem-se construindo um
discurso dicotômico que ao separar o velho do novo, também separa o tradicional do
moderno; cria-se a ilusão de que passado, presente e futuro podem ser fragmentados e
lidos de maneira distinta, apesar da linearidade do tempo
1
. Mas, enfim, a direção aponta
1
Penso que é possível fazer uma discussão sobre o tempo para se entender a tradição, o que não farei
nesta dissertação.
9
para um caminho complexo no qual tradição e modernidade, velho e novo o são
categorias dicotômicas. O conhecimento coletivo do mundo moderno também se
transmite de forma tradicional, pré-figurado em um saber anterior.
Assim se fazem as Festas de Agosto em Montes Claros em meio a uma cadeia
de transmissão, que se inicia na memória dos rituais do Congado colonial. Os atos são
revividos e atualizados a cada nova apresentação, que se mostra maleável às ações de
novos e antigos atores desde funcionários de órgãos públicos que argumentam sobre
as vestimentas do ritual a “mestre” que inova no seu terno com a participação de
mulheres. No interior da tradicional Festa de Agosto não consenso, existe uma
constante “queda de braço” entre os seus protagonistas, que acontece em função do
próprio dinamismo inerente aos processos tradicionais - uma luta livre entre a “tradição-
nostálgica” e a “tradição-princípio”, conforme discussão de Pereira e Gomes (2002) em
seus estudos sobre os Arturos e outras manifestações culturais populares.
No interior dessas cadeias de transmissão, às vezes, encontramos informações
que passam despercebidas aos olhos de quem assiste e até mesmo de quem está
envolvido no ritual. A presença do terno dos caboclinhos na estrutura do Congado e a
dramatização da trança-do-cipó representam uma ruptura no interior da tradição
indígena que culminou no fim dessa tradição. Se a tradição se faz de cadeias de
transmissão, iremos observar que a morte da mamãe-vovó e do papai-vovô pode
representar a quebra do elo. Sem nos dar conta, revivemos, anualmente, o massacre de
um povo e a inserção de seus filhos (curumins) numa nova tradição.
No decorrer da pesquisa, devido à persistência do seu uso corriqueiro, uma
problematização dos discursos sobre o “folclore”. Entende-se que o folclore deve ser
visto como prática social fixada no presente, qualquer tentativa de atrelá-lo ao passado,
que aliás, é o mais comum, transforma-o em peça de museu, sem sentido para aqueles
10
que o vivificam. Sendo assim, é tão móvel e flexível quanto às tradições que os
compõem. Persiste a dúvida quanto a real necessidade de se insistir na utilização desse
conceito, principalmente porque ele carrega em si, um fardo que lhe foi imposto tanto
por românticos quanto por evolucionistas, de estar relacionado com a “preservação” das
raízes populares. Hoje, muitos pesquisadores preferem abandonar o termo e referir-se às
tradições populares ou simplesmente à cultura popular. Por estar sobre rasura, naquela
perspectiva derridariana, acredita-se que em meio à popularização da palavra “folclore”
seria didático insistir em lhe dar novos sentidos, principalmente porque este é uma
categoria apropriada pelos caboclinhos. As Festas de Agosto são vistas como sendo
parte do folclore da cidade.
Inseri-se também uma pequena discussão sobre cultura popular, na perspectiva
de analisar a sua interação com a cultura de elite, isso porque o que se em agosto em
Montes Claros é uma festa, na qual observa-se uma troca de materiais simbólicos entre
os grupos sociais, que ultrapassa os limites das culturas envolvidas. Ao adequar a este
cenário, tanto o conceito de apropriação quanto o de circularidade, busca-se contestar a
rigidez dos limites que possam existir entre os grupos sociais na contemporaneidade, no
que diz respeito à captação de materiais simbólicos.
Enfim, na conclusão da dissertação são tecidas algumas linhas unindo o tema
escolhido à problemática do desenvolvimento social. O “desenvolvimento” nem
sempre, aliás, quase sempre, trouxe tantos malefícios quanto benefícios às sociedades
“escolhidas” para adotá-lo, principalmente na América Latina. Criado no interior de
novas relações de poder entre as nações, tendo os Estados Unidos como país
hegemônico, sua lógica consistiu em importar regras de fora e aplicá-las na América
Latina, conforme Rist (1997). Isso afetou diretamente a “cultura”, criando-se a ilusão de
que os latino-americanos deveriam abandonar hábitos e costumes que denunciavam o
11
“atraso”. A lógica do “desenvolvimento” fez com que a população de Montes Claros
por muito tempo ignorasse os ternos dos mestres do seu Congado. A elite entendia que
abandonar a cultura local se fazia necessário em nome do progresso, conforme Souza
(2003). A medida que o progresso foi mostrando seus frutos podres, cada sociedade
latino-americana repensou e repensa qual o padrão de desenvolvimento que mais se
adapta às suas reais necessidades. Os estudos sobre desenvolvimento evidenciam,
teoricamente, que para um povo ou um país se desenvolverem que construir padrões
diferenciados, pois eles devem atender, de cada povo, necessidades que são diferentes
de acordo com cada cultura.
Neste contexto, acredita-se que a “tradição” também pode contribuir para os
estudos sobre “desenvolvimento social”, na medida em que apresenta uma outra
perspectiva de ação, baseada não na linearidade e fragmentação do tempo, por um lado,
e no progresso, por outro lado, mas na circularidade e numa constante mudança que
mantém coerência com a matriz de onde se originou. Nas palavras de Hall (2003), seria
o “mesmo em mutação”. Não é esta a lógica da vida?.
A dissertação está dividida em três capítulos, sendo o primeiro uma análise de
alguns discursos teóricos sobre a tradição e do discurso epistemológico que opõe a
mesma à modernidade. Acredita-se que a chegada da modernidade não implica
necessariamente na perda das tradições.
No segundo e no terceiro capítulos é realizada uma descrição etnográfica dos
caboclinhos e dos catopês com base nos referenciais teóricos que achamos adequado. O
objetivo dessa metodologia é demonstrar o dinamismo que ocorre no decorrer das
manifestações populares tradicionais, decorrente, muitas vezes, de adaptações
necessárias ao seu estar no mundo moderno, mas, também, de conflitos existentes entre
os próprios atores da tradição. Importante salientar que o dinamismo pode implicar
12
“invenção” por ação de grupos externos, como no caso da junção das Festas de Agosto,
que antes ocorriam em datas diferentes, pelo bispado local; ou por ão dos próprios
congadeiros, como no caso de Seo Joaquim Poló que “levantou a caboclada”
2
,
interrompida desde os anos 1950.
A conclusão do trabalho consiste na contribuição da tradição para o debate sobre
o desenvolvimento social. Isto fica mais fácil, na medida que se compreende que as
tradições não são estáticas e atreladas a um passado remoto, mas servem ao homem no
presente, dando sentido às suas ações. O reconhecimento disso, mais do que garantir
sustento econômico aos atores da tradição, visto que muitas comunidades e grupos
sociais aprendem a comercializar, de alguma maneira, os produtos simbólicos de sua
tradição, garantem também o fortalecimento da identidade, da auto-estima e do
reconhecimento social de grupos sociais que, muitas vezes, viram a sua produção
cultural ser considerada motivo de atraso, de empecilho ao desenvolvimento.
2
Termo utilizado pelo mesmo para informar o re-nascimento dos caboclinhos nas festas de agosto
montesclarense.
13
CAPÍTULO I
TRADIÇÃO E MODERNIDADE: UMA ANÁLISE CONCILIATÓRIA
14
O que é tradição? O que é modernidade? Como se a construção do discurso
moderno que imagina a sociedade moderna oposta à sociedade tradicional? Por que a
tradição é apresentada como descartável, por ser o substrato inferior? E finalmente,
como alguns autores contemporâneos questionam o lugar da tradição no mundo
moderno, reposicionando-a frente à modernidade? Apresentarei aqui algumas possíveis
respostas, temporárias como todo conhecimento.
A origem etimológica da palavra tradição provém “do verbo latino tradere,
composto de dare, dar ou transmitir, entregar, e do prefixo trans, completamente, de um
lado ao outro” (Rodrigues, 1994, p. 53). Essa acepção foi utilizada originalmente no
contexto do direito romano, especificamente no caso de herança, as propriedades
passadas de geração em geração deveriam ser zeladas e promovidas porque eram dadas
por confiança (Giddens, 2003, p. 49). A tradição, nesse contexto, pode ser vista como
sendo aquilo que persiste ao longo do tempo, que aproxima o passado “para reconstruir
o presente”. Para Giddens, “as características distintivas da tradição são o ritual e a
repetição” (2003, p. 51). Este caráter repetitivo, para o autor, precisaria ser explicado
melhor porque “não nenhuma conexão necessária entre repetição e coesão social”
(1997, p. 80). Apesar de mudar, a tradição precisa ter “algo” que persiste, pois para esse
autor, como crença ou prática “tem uma integridade e continuidade que resiste ao
contratempo da mudança” (Giddens, 1997, p.80). Giddens considera, ainda, que a
tradição está ligada à memória que sendo coletiva não pode ser vista simplesmente
como lembrança. Emerge de sua leitura a compreensão de que a tradição se concretiza
na vida dos homens através de rituais, através dos quais lhe é conferida “integridade”.
Para esse autor, a tradição possui guardiões, que são detentores da verdade sobre a
mesma e que considera “formular”, pois apenas algumas pessoas têm pleno acesso à
15
mesma. Para o autor, na ordem tradicional é o “status” e não a “competência” que
caracteriza principalmente o guardião. Interessa-nos a sua afirmação de que
“os guardiões (...) têm muita importância dentro da
tradição porque se acredita que eles são os agentes, ou os
mediadores essenciais, de seus poderes causais. Lidam
com os mistérios, mas suas habilidades de arcanos provêm
mais de seu envolvimento com o poder causal da tradição
que do domínio de qualquer segredo ou conhecimento
esotérico.” (Giddens, 1997, p. 83)
Todavia, Douglas (1976) observa que “em condições primitivas” se
considerarmos um “homem numa posição de autoridade que abusa dos poderes
seculares do seu cargo”, veremos que a sua comunidade concluirá que ele não é
merecedor do “poder espiritual investido no mesmo.” A tradição por si não garante
legitimidade aos guardiões.
Giddens também propõe uma diferenciação entre “tradição” e “costume”. A
tradição, segundo ele, envolve ritual que ajuda a distinguir as práticas tradicionais
daquelas cotidianas – e possui guardiões; “ao contrário do costume [a tradição] tem uma
força de união que combina conteúdo moral e emocional. (1997, p.81)” Em Weber, há a
seguinte definição para “costume”: “probabilidade de uma regularidade do
comportamento, de um grupo de homens, quando e em que medida esta probabilidade é
dada unicamente por seu exercício de fato (1995, p. 421) ”. Mas quando esse exercício
de fato se baseia num “enraizamento duradouro”, o costume deve então se chamar
hábito (Weber, 1995, p. 421).
Assim, hábito e tradição podem ser consideradas categorias bastante similares.
Hábito para Weber é
“uma norma não garantida exteriormente, a qual é
observada pelas pessoas ‘voluntariamente’, ou simplesmente ‘sem
reflexão alguma’, por ‘comodidade’ ou por outros motivos quaisquer,
16
e cujo provável cumprimento por causa de tais motivos pode ser
esperado por parte dos outros homens que pertencem ao mesmo
círculo ou grupo (1995, p. 421).”
É verdade que as sociedades modernas se estabelecem em oposição às
sociedades ditas “tradicionais” e que por isso, hegemonicamente, a “tradição” se
enfraqueceu gradativamente à medida que a modernidade se alastrou. Giddens
argumenta que “as sociedades modernas tornaram-se destradicionalizadas”. Segundo
ele, é “olhar para formas específicas de símbolo e ritual e considerar até que ponto
elas ainda compõem ‘tradições” (Giddens, 1997, p.85). Em seu argumento, a tradição
aparece como “antítese da indagação racional”. Novamente, considerando os conceitos
básicos de Max Weber, temos que a ação tradicional se distingue da ação racional em
relação a fins. Para Weber, a primeira é “simplesmente uma reação amortecida quase
automática a estímulos costumeiros”; enquanto que “a ação racional é da espécie
orientada a fins quando envolve a devida consideração de fins, meios e efeitos
secundários”. Da mesma maneira que Giddens contrapôs a tradição à indagação
racional, Weber no seu sistema de classificação da ação social dirá que a “ação em
termos afetivos ou tradicionais é incompatível” com a ação racional em relação a fins
(Weber, 2002, p. 43). Muitos questionamentos foram feitos à “racionalidade
instrumental”. Neste sentido vide Adorno (1996), que juntamente com Horkheimer
argumentam que ao tentar livrar o homem do mito e da superstição, o Iluminismo
converteu a si próprio em um mito, ao qual não se pode questionar.
A tradição vista por Ilustrados e Românticos
17
O discurso sobre as tradições populares na sociedade moderna ocidental se fez
sobre duas matrizes opostas, o Romantismo e a Ilustração: de um lado, aqueles que
defendem sua pureza e preservação; do outro, aqueles que vêem o fim inevitável destas
tradições frente ao progresso e à chegada do mundo moderno. Para os primeiros, as
tradições devem ser preservadas, porque são elas que nos remetem ao passado, um
passado que foi melhor que o presente apresentado pelo mundo moderno (Barbero,
1997). para os ilustrados, a tradição é um empecilho ao desenvolvimento, o passado
não deve ser considerado. A sociedade caminha para frente, qualquer insistência em
valorizar ou retornar ao passado é impedir o progresso humano.
Na Ilustração foi construído um discurso negativo sobre a permanência das
tradições. Do lado oposto, ao meu ver, apesar de alguns méritos, a visão romântica
contribuiu para a elaboração de um discurso de exclusão ao defender que as tradições
populares sobreviveriam se permanecessem à parte do processo da modernidade. O
movimento romântico construiu um discurso sobre a cultura, considerando-a cindida em
duas dinâmicas, a da elite que considerou como kultur e a popular que categorizou
como folk-lorem. O discurso sobre a cultura popular nos remete a uma vida simples,
campestre, rural, longe dos apelos tecnológicos e da ganância do homem, visão esta,
que está longe de ser a realidade das classes mais pobres, daquelas que fazem e vivem
as culturas populares. O mesmo ocorreu com a construção do discurso sobre as suas
tradições.
Historicamente, como explica Barbero (1997, p. 23 à 31), o movimento
romântico que exalta o popular surge como oposição ao discurso ilustrado, que tem na
racionalidade a mola para impulsionar o desenvolvimento da sociedade. Para os
ilustrados, o povo, preso a suas crendices e superstições, significa o atraso, o passado, a
ignorância. Ao contrário, os românticos vêem na fé racionalista e no utilitarismo
18
burguês as causas da transformação do presente em um caos, em uma sociedade
desorganizada. Por isso, se apegam ao popular, àqueles que ainda não foram
corrompidos pelos ideais do progresso. Para os românticos, o que faz do povo, essa
instância superior, é o seu isolamento na sua “vidinha besta”, como diria o poeta Carlos
Drummond de Andrade. Se tentarem se educar, se tornarão tão cruéis quanto a elite
racional que os governa. “(...) a originalidade da cultura popular residiria
essencialmente em sua autonomia, na ausência de contaminação e de comércio com a
cultura oficial, hegemônica”(Barbero, 1997, p. 30).
Propor a valorização através do isolamento está na maré contrária dos processos
históricos de impureza e hibridação. Nenhuma cultura se produz isoladamente, o que
culmina em que as tradições nascem também de encontros culturais
3
. Além disso, existe
outra discussão que gira em torno do binômio inclusão/exclusão. A exclusão das classes
populares propicia que lhes seja negada a sua inserção no processo político e social da
construção da História, a compreensão do processo de exclusão, cumplicidade,
dominação e impugnação que ocorre na formação do popular. Para Barbero, ao ficar
sem sentido histórico, o que se resgata acaba sendo uma cultura que não pode olhar
senão para o passado, cultura-patrimônio, folclore de arquivo ou de museu nos quais
conserva a pureza original de um povo-menino, primitivo” (idem. ibidem).
Barbero conclui que apesar de terem construído “um novo imaginário no qual
pela primeira vez adquire status de cultura o que vem do povo” (ibidem, p.27), os
românticos acabam se encontrando com os ilustrados. Para ambos, “culturalmente
falando, o povo é o passado!” (ibidem, p. 30).
Para finalizar esta discussão, afirmo que a dificuldade romântica de se entender
o popular pode ser expressa nestas palavras de José Martins de Souza:
3
Lévi-Strauss (1976) ao discutir raça e história afirma que as culturas não são isoladas, pois os homens
sempre estiveram em contato com outros povos. Para demonstrar seu argumento ele utiliza a imagem de
uma estação de ferroviária em que diversos trens movimentam-se em diversos sentidos.
19
“Euclides da Cunha fez um refinado discurso sobre a
tragédia dos miseráveis de Canudos, que ele nunca
compreendeu, porque não compreendia a linguagem do
silêncio e dos alienados; porque o compreendia a
dialética de um fazer história à margem da realidade
dominante e das idéias dominantes” (2000, p. 12).
A tradição vista pelos modernos
Na história do Ocidente sempre houve uma ambivalência entre o antigo e o
novo. Le Goff (1996) afirma que o par antigo/moderno “nem sempre se opuseram um
ao outro.” Mas, durante o período pré-industrial, do século V ao XIX, a ambivalência
foi se transformando em oposição clara, dando início a um embate cultural entre o
tradicional e o moderno. Segundo Le Goff, esta oposição “desenvolveu-se num contexto
equívoco e complexo.” Isso porque, além dos termos nem sempre se oporem um ao
outro, “qualquer um dos dois pode ser acompanhado de conotações laudatórias,
pejorativas ou neutras.(Le Goff, 1996, p. 167)”.
Percebemos que na modernidade, a tradição ganhou uma notoriedade negativa.
“Os pensadores do Iluminismo tentaram justificar seu interesse exclusivo pelo novo
identificando a tradição com dogma e ignorância” (Giddens, 2003, p. 50). Toda
referência ao passado passa a ser mal vista. A tradição representa o arcaico, o antigo, o
atrasado, que devem ser abandonados em nome de novos valores como progresso. Para
muitos pensadores iluministas, a tradição é “fonte de mistificação, uma inimiga da razão
e um obstáculo ao progresso humano” (Thompson, 1998, p.160). Suas repetições e seus
rituais são apresentados como amarras, grilhões que impedem o ser humano de alçar
vôo em direção à liberdade individual. Deriva daí a idéia de que nas sociedades
modernas, paulatinamente, a tradição entraria em declínio
4
.
4
Na visão de Giddens, vivemos atualmente, numa sociedade pós-tradicional, todavia existem autores que
acreditam estarmos vivendo em um mundo pós-moderno. Pós-tradicional e pós-moderno surgem como
20
Estudando as obras marxiana e weberiana, Thompson (1998) argumenta que
neles a crença no declínio da tradição é clara. O primeiro define as relações sociais
emergentes no sistema capitalista como “dessacralizadas”. A velocidade que move o
sistema desestrutura as tradições, que juntamente com as relações sociais são
“quebradas e dissolvidas”. Mas, influenciado pelo pensamento iluminista, Marx (1981)
encara positivamente essa nova etapa do desenvolvimento humano. Thompson,
considera que “ao desencarrilhar ‘o trem dos antigos e veneráveis preconceitos e
opiniões’ que abrigou as relações sociais no passado, o capitalismo permite que os
indivíduos vejam suas relações sociais como elas de fato são relações de exploração”
(1998, p. 161).
Weber (2001) acreditou que o desenvolvimento da racionalidade traria a morte
das “cosmovisões tradicionais”. A racionalização progressiva da ação visando a
objetivá-la esmagaria o “puramente pessoal, elemento espontâneo e emotivo da ação
tradicional” (Thompson, 1998, p. 161). Weber (2001) considera que “as forças mágicas
e religiosas de dever” que estiveram no passado,entre as mais importantes influências
formativas da conduta” (2001, p. 30) já não conduzem o homem moderno. É o
“desencantamento do mundo” que aumenta quanto mais o homem “indaga”. Segundo
Weber (2004) esse é o processo de intelectualização, do qual o progresso científico é
apenas um fragmento. A intelectualização e a racionalização nos dão as medidas para
recorrermos sempre à técnica e à previsão, para assim termos o controle dos
acontecimentos que nos rodeiam. Em outras palavras, “poderíamos, conquanto que o
quiséssemos, provar que não existe, primordialmente, nenhum poder misterioso e
imprevisível que interfira com o curso de nossa vida (Weber, 2004, p 38)”
5
.
tentativas conceituais de explicação da mesma realidade talvez no reverso esses “mundos” se
encontrem.
5
Ao discutir a ética protestante e o espírito do capitalismo, Weber (2001) considera que a ruptura
processada na vida humana separando, pela racionalidade, o sagrado da ação mundana propiciou o
desencantamento do mundo.
21
Seguindo a rota da racionalização e da intelectualização, o homem anseia pelo
progresso, do qual a ciência é o motor. Isso leva a um acúmulo de pensamentos,
experiências e problemas. Abraão ou os camponeses do passado morreram ‘velhos e
plenos de vida’, pois que estavam instalados no ciclo orgânico da vida”, a velhice
proporcionava sentido e chegando não havia enigma a desvendar. Já, o homem
civilizado chega ao final da vida “cansado”, nunca “pleno” dela, porque ele sabe que
todo conhecimento é provisório, jamais definitivo. (Ibid., p. 38 e passim). Para este
autor, o mito da caverna, de Platão pode então ser reinterpretado: “Atualmente, acredita-
se que a realidade verdadeira palpita justamente nessa vida que, aos olhos de Platão, não
passava de um jogo de sombras projetadas contra a parede da caverna.(Ibid., p. 40)”
Thompson (1998) explica que na visão weberiana, o processo de racionalização
ocidental é “a fatalidade dos tempos modernos”. Apresenta-se como fatalidade porque
as estruturas racionais são imprescindíveis ao bom funcionamento desse novo sistema:
“pois que o moderno capitalismo racional o necessita apenas dos meios técnicos de
produção, mas também de um sistema legal calculável e de uma administração baseada
em termos de regras formais” (Weber, 2001, p. 29).
A obra marxiana e weberiana foram fundamentais para a formação das teorias
subseqüentes à modernização do mundo. Assim como eles, muitos outros teóricos
fizeram essa ruptura entre tradição e modernidade, dividindo também as sociedades em
tradicionais e modernas
6
. Todavia, Thompson (1998, p. 162) propõe a seguinte questão:
“Se as tradições estavam condenadas à extinção com o
desenvolvimento das sociedades modernas, por que então
6
Particularmente sobre o processo de modernização dos países ibéricos e de origem ibérica ver a obra de
Morse, Richard. O espelho de Próspero cultura e idéias nas Américas. São Paulo: Companhia das
Letras, 1988. Para Morse, esses países fizeram uma opção cultural por uma modernidade sem rupturas,
que não se desgarrou do seu legado arcaico. Conciliatória e tradicional, mas tão ocidental quanto a anglo-
saxã.
22
ainda permanecem – crenças e práticas religiosas incluídas
– como aspectos penetrantes da vida social hoje?”.
Para os modernistas seria suficiente pensar que as tradições persistem apenas
como resquícios do passado, como uma resistência inútil e insignificante frente aos
novos estilos de vida pautados pelos valores modernos. Mas, a tradição não se restringe
a simples permanência do passado. Como discutirei a seguir, considero que a tradição
persiste porque consiste na constante re-significação do legado do passado e da
constante incorporação de novos elementos em sua concretização na vida social
presente. A tradição se faz na relação com o presente, no agora.
7
Ela traz do passado,
signos que são permanentemente contextualizados. Uma sociedade, pautada pela
tradição não vive no passado, tem consciência de que o novo não se faz sem uma
origem. Mesmo que a modernidade tenha tentado banir a tradição, em qualquer lugar, as
relações cotidianas são pautadas por rituais e vivências que estão sempre chamando o
passado para o presente, num processo constante de produção de novas tradições
transmitidas de geração a geração, sendo cada uma delas modificada pela incorporação
de novos elementos que lhe propiciam novas re-significações
8
.
O estudo que Giddens (2003) faz sobre a tradição nos parece ter sofrido algumas
influências desse discurso modernista. São suas estas palavras: “todo contexto de
declínio da tradição oferece a possibilidade de maior liberdade de ação do que antes
7
Thompson (1998, p. 160) chama a atenção para um ponto desconsiderado nas análises sobre a tradição:
o papel do desenvolvimento da mídia. Ela preparou o caminho para que as tradições se “expandissem, se
renovassem, se enxertassem em novos contextos e se ancorassem em unidades espaciais muito além dos
limites das interações face a face.” A mídia não pode ser considerada simplesmente uma destruidora de
tradições. As histórias infantis de maior sucesso comercial continuam sendo contos folclóricos: Os três
porquinhos; Branca de Neve, Pinóquio... ressignificados de diversas maneiras pela cinematografia de
Disney, dentre outros.
8
Ao comentar o livro “A invenção das tradições”, de Hobsbawn, Eric e Terence Ranger. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1997, Giddens (2003, p. 50) argumenta: “Todas as tradições, eu diria, são tradições
inventadas. Nenhuma sociedade tradicional era inteiramente tradicional, e tradições e costumes foram
inventados por uma diversidade de razões. Não deveríamos supor que a construção consciente da tradição
é encontrada apenas no período moderno.” Completamos: nem que a construção inconsciente da tradição
já não é mais possível.
23
existia. Estamos falando aqui da emancipação humana dos constrangimentos do
passado” (Giddens, 2003, p. 56).
Este autor faz parte de uma vertente da sociologia que ao estudar a sociedade
está buscando as origens do individualismo ou da noção de indivíduo na sua concepção
moderna. A lógica que se desenvolve é a de que cada homem é individualmente
responsável pelas suas ações e têm consciência delas, isso faz com que conscientemente
estabeleça um contrato com outros homens, movido por interesse próprio. O indivíduo e
suas ações individuais estão sempre no centro do processo e para que este sistema
funcione bem é necessário que todos os homens sintam que a igualdade foi estabelecida
neste contrato. A igualdade funciona como um sistema de vigilância no qual nenhum
indivíduo gostaria de ser tratado de maneira diferente, pois se tal ocorresse, estaria
abrindo mão dos seus direitos advindo pelo contrato estabelecido entre iguais. É como
comenta Dumont (1993): nesta sociologia, “parte-se, como é natural nos modernos, dos
indivíduos humanos para vê-los em seguida em sociedade; por vezes, tenta-se até fazer
nascer a sociedade da interação dos indivíduos” (1993, p. 12).
Por outro lado, como nos informa Mauss (2003) “em um grande número de
civilizações antigas, as trocas e os contratos são feitos sob forma de presentes
teoricamente voluntários, mas na realidade compulsoriamente dados e retribuídos”
(2003, p. 189). Para Godbout (1999), a leitura maussiana descobre a universalidade da
dádiva nas sociedades antigas, dádiva esta que, segundo Godbout, implica todas as
sociedades, inclusive as modernas e diz respeito à sua totalidade. Assim como o
mercado e o Estado, a dádiva também forma um sistema baseado na reciprocidade e na
confiança, que é omitido pelas teorias que sistematizam a ação no indivíduo isolado. Por
que isso acontece? Segundo Godbout, porque “a modernidade se define essencialmente
por sua absoluta recusa da tradição” acreditando “poder libertar-se dela livrando-se da
24
linguagem que parecia coextensiva à tradição, a linguagem da dádiva” (1999, p. 26).
Para Godbout, é um erro acreditar que “o sistema de dádiva está intrinsecamente ligado
às sociedades tradicionais e primitivas.” A dádiva, segundo ele, “nada mais é do que um
sistema das relações sociais de pessoa a pessoa.” (1999, p. 27)
A sociedade moderna construiu a sua ideologia tendo como ponto fulcral o
indivíduo. Porém, desde, pelo menos, o final do século XVIII, que presenciamos ões
e reações do individualismo e seu contrário. Dumont (1993) nos avisa que há
“no mundo contemporâneo, mesmo em sua parte
“avançada”, “desenvolvida” ou “moderna” por excelência,
e até no plano o-somente dos sistemas de idéias e
valores, no plano ideológico, alguma coisa que nada tem a
ver com o que se definiu diferencialmente como moderno.
E bem mais do que isso: descobrimos que numerosas
idéias-valores que se aceitavam como intensamente
modernas são, na realidade, o resultado de uma história
em cujo transcurso modernidade e não-modernidade ou,
mais exatamente, as idéias-valores individualistas e suas
contrárias, combinaram-se intimamente.” (1993, p. 31)
De que maneira a discussão sobre o individualismo proposta por este
autor pode contribuir para a compreensão da persistência da tradição no mundo
contemporâneo? A tradição situa-se no espaço do coletivo, não se faz a partir de ações
individuais ou de interesses individuais porque diz respeito à unidade da comunidade
em questão. Sendo assim, a tradição se opõe ao individualismo moderno e se faz
presente na sociedade como o contrário da ideologia dominante. Cria-se então, um
processo de complementariedade, no qual o individual e o tradicional reagem
mutuamente às tentativas de imposições de um sobre o outro, mas também se
entrelaçam, dificultando o entendimento do que seja moderno e do que seja tradicional.
Lendo dumontianamente uma tradição específica, a festa dos catopês em Montes
25
Claros, é possível afirmar que essa é uma idéia-valor da moderna sociedade
montesclarense.
Ao discutir “tradição”, é bastante pertinente ter acesso aos argumentos do
pensador moderno Marcell Mauss (2001). Para ele, “uma vez criada, a tradição é aquilo
que se transmite”. Pode-se descrevê-la como sendo “a maneira pela qual os mais velhos
transmitem aos mais novos, um a um, todos os grandes grupos de fenômenos sociais.”
(2001, p.115). Esse autor distingue duas espécies de tradições: a primeira é a tradição
oral; a segunda diz respeito à tradição de cada geração passar a outra “a ciência de seus
gestos e de seus atos manuais.” Nessa cadeia de transmissão percebemos a autoridade e
a tradição social, porque em qualquer sociedade as tradições que são passadas não
fazem parte de um processo de escolhas individuais, mas sim de assimilações culturais.
É essa imposição que produz o reconhecimento e a possibilidade do fenômeno social. O
valor de sinal pode então ser conhecido
“não apenas pelo agente, mas também por todos os outros
espectadores, e que são ao mesmo tempo concebidos
como causas tanto pelos agentes como pelos espectadores,
são os gestos simbólicos que são ao mesmo tempo, gestos
real e fisicamente eficazes.” (Mauss, 2001, p. 115)
Ao discutir fenômenos gerais da vida intra-social, o etnógrafo francês do grupo
Anné Sociologique considera que “a tradição se estende a tudo e é ao menos muito
poderosa [e não deveríamos] enfeitar com este nome aquilo que não passa de inércia, de
resistência ao esforço, de aversão a novos hábitos, de incapacidade de obedecer a forças
novas, de criar um precedente" (2001, p. 117). Em todas as sociedades, esse autor,
argumenta que existem “tradições verdadeiramente conscientes”, que são criadas e
“transmitidas pela força, pois resultam das necessidades da vida comum” (idem,
ibidem). Tradições conscientes, para ele, consistem “no saber que uma sociedade tem de
26
si própria e de seu passado mais ou menos imediato” (id., ibid.). O conjunto das
tradições conscientes formam a “memória coletiva” de uma dada sociedade. Importante
salientar que para Mauss (2001) as tradições, seja de sociedades primitivas ou da
sociedade moderna o criações coletivas e não dadas por algo externo às sociedades.
Sua leitura da tradição opõe-se à visão de Hobsbawn (1997) que considera que as
tradições são inventadas apenas nas sociedades modernas e que nas sociedades
primitivas elas são inconscientemente transmitidas de geração para geração
9
.
Seria então possível viver em uma sociedade destradicionalizada como quer
Giddens (2003)? Elas também não se caracterizam, não trazem em si possibilidade de
adaptações e reformulações? A tradição traz realmente em si a resistência “ao
contratempo da mudança”? Ou são outras suas preocupações? Ou tradições são muitas e
resistir, interessa apenas a alguns grupos sociais ou sociedades? Nos tempos modernos o
tempo da tradição também não pode se reformular?
O lugar da tradição na modernidade
Ao estudar a “tradição”, Thompson (1998) distingue quatro diferentes aspectos:
hermenêutico, normativo, legitimador e identificador. O primeiro diz respeito a um
conjunto de pressupostos de fundo, que são aceitos pelos indivíduos ao se conduzirem
na vida cotidiana e transmitidos por eles de geração em geração” (1998, p. 163). No
sentido hermenêutico, o autor acredita que “o iluminismo não é a antítese da tradição”
como afirmado no pensamento giddensiano, mas uma outra tradição ou um conjunto
delas. O aspecto normativo da tradição regula as pressuposições, crenças e padrões de
comportamento “trazidos do passado” que servem “como princípio orientador para as
9
A noção de tradição é uma construção da modernidade, assim como a noção de cultura popular. O
pensamento ilustrado inventa um discurso sobre a tradição para depois se contrapor a ele. Sendo assim, a
tradição como problema a ser estudado e analisado refere-se aos tempos modernos.
27
ações e as crenças do presente”. Esse aspecto caracteriza a rotina do cotidiano e muitas
das nossas ações baseadas no “agir assim por tradição”. Para comentar o aspecto da
legitimação, esse autor aborda o pensamento weberiano sobre o tema. Segundo o
sociólogo alemão, a legitimidade de um sistema de dominação também pode se dar por
fundamentos tradicionais, que envolveria “uma crença no caráter sagrado de tradições
imemoriais (autoridade tradicional) [pois] o conteúdo das ordens está fixado pela
tradição”, a violação dessas ordens põe em risco o domínio da própria autoridade em
questão. No pensamento weberiano, essas ordens são dadas por um estatuto “válido
desde sempre (por sabedoria)”. Esse mesmo autor, também, contrapõe o domínio
tradicional ao legal
10
e diz que enquanto a administração e a composição dos litígios do
primeiro baseia-se em princípios de “eqüidade ética material, de justiça ou da utilidade
prática”, o segundo baseia-se em princípios de caráter formal. (Weber, 2004, p.131).
Nesse sentido, Thompson (1998) afirma que,
“no caso da autoridade legal, os indivíduos são obedientes
a um sistema impessoal de normas. No caso da autoridade
tradicional, a obediência é devida à pessoa que ocupa a
posição de autoridade tradicionalmente sancionada e cujas
ações se tornam obrigatórias por tradição” (Thompson,
1998, p. 164).
A explicação dada sobre a autoridade tradicional ajuda a clarear as relações de
poder presentes na tradição e como elas podem também funcionar de forma
assimétrica
11
. Finalmente, quanto ao aspecto identificador da tradição, Thompson
(1998) destaca dois tipos de formação de identidade: “auto-identidade” e “identidade
coletiva”. A auto-identidade” é o sentido que cada um tem de si e a “identidade
coletiva” é o sentido de si como membro de um grupo ou da coletividade. A relevância
10
Para Weber existe três tipos puros de dominação legítima: legal, tradicional e carismática.
11
A partir dos estudos que fizemos até aqui, tendemos a acreditar que a autoridade legal também é uma
tradição, apesar dela não possuir as mesmas características da definição weberiana. Ela se constitui como
uma “tradição” da sociedade moderna.
28
da tradição para a formação da identidade de um grupo social é que elas “fornecem
material simbólico para a formação da identidade tanto a nível individual quanto a nível
coletivo” (Id. Ibid.). É o retorno, o olhar constante para o passado, o exercício familiar
da memória que cria um processo de identificação de nações, regiões, comunidades e
famílias.
Esse autor desenvolve o argumento que nas sociedades modernas, há um gradual
declínio dos aspectos normativos e legitimadores da tradição. A lógica da ação, as
regras que regem o mundo moderno não nos permitem fazer por tradição. Existe uma
velocidade, uma busca constante por acúmulo e renovação, uma sensação de estar
ficando para trás que não se encaixa bem na visão tradicional de como e porque
estamos no mundo. Além disso, “os contextos pós-tradicionais”, como define Giddens
(1997), nos obrigam a fazer escolhas o tempo todo. E existe uma multiplicidade delas.
Mesmo nas atividades cotidianas estamos sendo chamados o tempo todo a fazer
escolhas que fogem da rotina e do hábito. Os objetivos e as metas agora vão além do
domínio da tradição. A desintegração da “cultura tradicional”, ao meu ver, esse
sociólogo inglês explica bem. “O âmago do espírito capitalista não foi tanto a sua ética
da negação, mas sua urgência motivacional, despojada das estruturas tradicionais que
relacionavam o esforço com a moralidade” (Giddens, 1997, p. 89). Desgarrada da
tradição, a repetição torna-se compulsão. Segundo ele, nas sociedades pós-tradicionais,
“ao menos que esteja ajustada aos processos da reflexividade institucional [não
lógica] em fazer hoje o que fizemos ontem. (...) O fato de hoje podermos nos tornar
viciados em qualquer coisa qualquer aspecto do estilo de vida indica a real
abrangência da dissolução da tradição” (Giddens, 1997, p. 91). A relação com o passado
também se torna mais complexa. Na sociedade atual, para este autor, olhar para o
passado significa também escavar fundo, em uma tentativa de limpar os resíduos do
29
passado”. Porém, a decisão de se ter poucos filhos, é para Giddens, uma modificação da
sociedade moderna, “parte da dissolução dos sistemas familiares tradicionais”. Alguma
coisa impede que sociedades tradicionais se guiem pela vontade de ter poucos filhos?
Entre as sociedades indígenas é preferencial a existência de famílias com apenas um
filho, mas devido ao contato com a sociedade nacional e ao etnocídio verificado, muitas
delas necessitaram, para continuarem se reproduzindo, adotar a estratégia de famílias
com muitos filhos. As diversas sociedades do planeta conhecem diferentes modos
contraceptivos e sempre fizeram uso deles. Essa decisão levou realmente a uma
sociedade pós-tradicional ou envolve um processo complexamente moderno, mas que
não necessariamente levaria ao abandono das tradições?
No aspecto legitimador, as sociedades modernas tendem a substituir a autoridade
tradicional pela autoridade legal, criando novas formas de legitimação do indivíduo e de
deslegitimação das hierarquias. Entretanto, conforme vem sendo discutido pelo
antropólogo Roberto Da Matta, no caso do Brasil, o imbricamento do indivíduo
legitimado juridicamente com a posição hierárquica de cada um na sua navegação
social. Neste sentido, vide as obra A Casa & a Rua, bem como O que faz o Brasil,
Brasil.
A importância da tradição no mundo moderno estaria então, conforme
Thompson (1998), principalmente nos seus aspectos hermenêutico e identificador. É um
“meio de dar sentido ao mundo”, de buscar uma interpretação para ele e de “criar um
sentido de pertença”. Vimos que as tradições não são estáticas no tempo, assim também
cada vez mais estão ultrapassando fronteiras, não se limitando somente às relações de
interação face-a-face. O processo de globalização não destruiu as tradições, mas vem
modificando as relações espaciais. A mídia transforma lendas locais em mundiais,
redefinindo novos espaços para a ação de sistemas tradicionais. “A tradição se tornou
30
cada vez mais separada da interação social compartilhada em ambientes comuns. As
tradições não desaparecem, mas perdem sua ancoragem nos locais compartilhados da
vida cotidiana” (Thompson, 1998, p. 165). Para esse autor, um sinal da mudança na sua
natureza e no seu papel diz respeito à confiança cada vez maior que as pessoas
depositam nas tradições mediadas e separadas de “contextos compartilhados” para dar
sentido ao seu mundo e criar um sentido de pertencimento. As experiências do cotidiano
“devem ser consideradas no contexto do deslocamento e da reapropriação de
especialidades, sob o impacto da invasão dos sistemas abstratos” (Giddens, 1997, p.
77).
Ao discutir tradição, Hall (2003) a considera como sendo o mesmo em mutação,
pois a não como o passado, mas como um “desvio através do passado” que nos
capacita, “através da cultura, a nos produzir a nós mesmos de novo, como novos tipos
de sujeitos. Portanto, não é uma questão do que as tradições fazem de nós, mas daquilo
que nós fazemos de [nossas] tradições” (2003, p. 44).
A partir das discussões dos autores apresentados, percebe-se que as tradições
populares, não podem ser vistas como estáticas e atreladas simplesmente a um passado
imemorial. Como já foi visto, a “memória” funciona como um fator identitário da
coletividade, o que não significa que as pessoas vivam para o passado. Ela se emana do
presente que a reivindica constantemente.
Da mesma maneira, quando se fala em “tradições populares” deve-se lembrar
que elas próprias estão impregnadas de costumes e valores provenientes de outros
“lugares” da sociedade. Para melhor explicar, é válido o conceito de “circularidade”
desenvolvido por Ginzburg (1987): “entre a cultura das classes dominantes e das classes
subalternas existiu, na Europa pré-industrial, um relacionamento circular feito de
influências recíprocas, que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo”
31
(1987, p. 12). O discurso da autonomia da cultura que vai classificar e dividir os grupos
sociais de maneira a isolá-los nasce da própria racionalidade moderna. Como foi visto, o
debate entre ilustrados e românticos já se faz sob esse discurso. Nenhum desses dois
grupos de pensadores pensa em termos de circularidade”. Aliás, no decorrer da
modernidade foi criado vários binômios; ela própria se constrói, enquanto discurso, por
pares de opostos, negando a complexidade dos encontros sociais. O discurso que opõe
“tradição” e “modernidade” é o mesmo que nega a “circularidade” entre as diversas
necessidades simbólicas do homem para se inventar e se descobrir cotidianamente,
buscando atualizar as tradições, mas também construir uma modernidade na qual a sua
herança cultural esteja presente.
O processo de preservação de tradições em processo de desaparecimento pode
então, tornar-se problemático. A memória e o ritual funcionam como elos que
desempenham o papel de responder às necessidades e aos anseios, bem como de dar um
sentido de identidade para a comunidade que se encontra, no presente, envolvida com
toda a dinâmica da sociedade. Às vezes, equivocadamente, as políticas culturais se
esquecem disso.
A “valorização” das tradições é necessária?
Haverá um folclore dos astronautas como um folclore
dos chauffeurs de automóveis e pilotos de aviões. Inútil
será pensar que um desenvolvimento industrial anulará o
folclore(...). Câmara Cascudo
As pesquisas sobre o folclore avançaram bastante no que diz respeito ao seu
lugar no mundo contemporâneo. Alguns autores preferem substituir os estudos sobre o
folclore por estudos sobre a tradição na contemporaneidade, principalmente entre as
32
classes populares. Mantemos a nomenclatura, devido ao seu uso corriqueiro nas Festas
de Agosto.
Quando se define que o folclore se constitui de formas inalteráveis que vão
sendo transmitidas de geração em geração como ficou estabelecido na Carta do Folclore
Americano em 1970, que o folclore como um “conjunto de bens e formas culturais
tradicionais, predominantemente de caráter oral e local, e que se apresentam inalteráveis
em seus modos de apresentação” (1999, p.176), percebemos que o debate, na verdade, é
sobre a permanência das tradições. Porém, a palavra vem carregada de inércia e amor
incondicional ao passado; re-significá-la, em consonância com o grupo popular que se
pesquisa, é transpor esse movimento e dar um sentido maior às tradições.
Sendo assim, propomos um debate sobre como se o processo de permanência
da tradição e não da preservação do folclore. Para Coelho (Ibidem, p. 177), os setores
populares, e não eles, não se satisfazem com a mera repetição passiva de formas
arcaicas. Assim sendo, as tradições não se apresentam inalteráveis em seus modos de
apresentação. Para Hall (2003), as “transformações” culturais situam-se no centro da
discussão sobre cultura popular e afirma: “quero dizer com isso, o trabalho ativo sobre
as tradições e atividades existentes e sua reconfiguração, para que estas possam sair
diferentes” (2003, p. 248). Nesse sentido, as pessoas fazem as adequações necessárias
aos seus usos. Cada vez que eu reconto uma história que me foi passada pelos meus
avós, estou fazendo uma nova leitura deste texto. Ao adaptá-la, inserindo novos atores e
cenários, estou demonstrando o caráter dinâmico da memória, associada ao processo
tradicional. O mesmo acontece quando aprendo algum ofício que me foi passado pelos
meus pais. As minhas experiências, a minha história de vida garante que mesmo dando
continuidade ao trabalho, ele o é o mesmo, pois está inserido no meu contexto. As
tradições se adaptam e se renovam a cada dia, a cada geração. Não é apenas o
33
conhecimento do passado, não é o passado. É o passado sempre revisto, revisitado a
partir do momento vivido. Em seu estudo sobre memória, Halbwahs (1976) afirma que
o passado ao ser narrado o é a partir do momento presente do narrador que considera o
contexto em que vive e o pretexto da narração do passado. Assim, a memória, como a
tradição já que vimos que tradição é memória, é sempre direcionada a partir do presente.
Sendo assim, não é necessário preocupar-se com a morte da tradição.
Conhecimentos orais, manuais e rituais sempre serão transmitidos porque somos seres
comunicativos. Todavia, a tradição constitui um dos pólos do complexo mundo
contemporâneo e também contribui para a construção dos novos cenários
presentificados na vivência cotidiana. São produzidas novas misturas, hibridações que
os grupos sociais e as pessoas assimilam com a maior naturalidade. Segundo Canclini
(1998), nas últimas décadas as culturas tradicionais desenvolveram-se transformando-
se”. Uma das causas desse desenvolvimento se deve “à necessidade do mercado de
incluir as estruturas e os bens simbólicos tradicionais nos circuitos massivos de
comunicação, para atingir mesmo as camadas populares menos integradas à
modernidade” (Canclini, 1998, p. 215). O autor argumenta que não mais para dizer
que a modernização provoca o desaparecimento das culturas tradicionais. Sendo assim,
trata-se de perguntar como essas culturas estão se transformando, “como interagem com
as forças da modernidade.”
A outra modernidade de outros homens também modernos
O termo modernidade, segundo nos informa Giddens “refere-se ao estilo,
costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século
XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”
34
(1991, p. 11). Viu-se, então, que o período moderno tem um início fixado no tempo e
em um determinado espaço, do qual se expandiu. Mas, quais são suas principais
características? O que distingue essa nova sociedade que vai se formando da que até
então existia e que foi chamada posteriormente “sociedade tradicional”? Não dúvida
que as transformações foram profundas e intensas, com uma velocidade bem maior que
as sociedades anteriores tinham experimentado até então. Ocorreu a emergência do
indivíduo como portador de direitos. Alteraram relações íntimas e pessoais bem como
experiências do nosso cotidiano. Estabeleceram também novas relações de trabalho e
uma nova lógica de percepção do mundo, centrada na individuação.
Vários são os autores que no decorrer deste percurso se debruçaram sobre a
modernidade, para compreendê-la. Entender e mesmo viver no mundo moderno parece,
a muitos, eloqüente e perigoso ao mesmo tempo. Escritores clássicos narraram os
duplos que nos são apresentados o tempo todo. Fausto de Goethe tornou-se um clássico,
símbolo de toda a ambigüidade, de como se relativiza o bem e o mal na modernidade;
um herói moderno. Segundo Berman (1986), Fausto tem anseios e impulsos que o autor
designa de “desejo de desenvolvimento”. Desejos de experiências humanas de toda a
espécie, alegrias e desgraças que não podem estar desassociadas do desenvolvimento
econômico. Para esse autor, Goethe acredita que essas duas formas de desenvolvimento
devem caminhar juntas promovendo um mundo novo. “O único meio de que o homem
moderno dispõe para se transformar é a radical transformação de todo o mundo físico,
moral e social em que ele vive” (1986, p. 41). Porém este desenvolvimento traria um
alto custo para a humanidade. Este é o sentido da aproximação entre Fausto e o Diabo.
E é a razão para que Berman defina Fausto de Goethe como a “tragédia do
desenvolvimento”.
35
“Aceite a destrutividade como elemento integrante da sua
participação na criatividade divina, e você poderá lançar
fora toda culpa e agir livremente. Nada de sentir-se inibido
pelo freio da dúvida moral: Deveria fazê-lo? Na ampla
estrada do autodesenvolvimento, a única questão vital é:
Como fazê-lo? De início, Mefisto [o diabo] mostra
como, a Fausto; mais tarde, à medida que se desenvolva, o
herói aprenderá a fazê-lo por si próprio” (Berman, 1986, p.
49, grifos no original).
Neste mesmo livro, Berman apresenta outro lírico da modernidade: Charles
Baudelaire, “que fez mais do que ninguém, no século XIX, para dotar seus
contemporâneos de uma consciência de si mesmos enquanto modernos”. Mas como ele
fez isso? Baudelaire contribuiu para a construção literária de um novo tipo de herói.
Segundo o poeta Theodore de Banville
“Ele aceitou o homem moderno em sua plenitude, com
suas fraquezas, suas aspirações e seu desespero. Foi,
assim, capaz de conferir beleza a visões que não possuíam
beleza em si, não por fazê-las romanticamente pitorescas,
mas por trazer à luz a porção de alma humana ali
escondida; ele pôde revelar, assim, o coração triste e
muitas vezes trágico da cidade moderna. É por isso que o
assombrou, e continuará a assombrar, a mente do homem
moderno, comovendo-o, enquanto outros artistas o deixam
frio.” (Banville apud Berman, 1986, p. 130)
Uma das grandes recriações da sociedade moderna é a cidade. “Na verdade, o
urbanismo moderno é ordenado segundo princípios completamente diferentes dos que
estabeleceram a cidade pré-moderna em relação ao campo” (Giddens, 1991, p. 16). Em
seus estudos sobre a vida nas metrópoles, Simmel afirma que novas condições
psicológicas são nelas criadas, observando-se “a rápida convergência de imagens em
mudança, a descontinuidade aguda contida na apreensão com uma única vista de olhos e
o inesperado de impressões súbitas” (1987, p. 12). Assim, a vida na cidade grande
diverge da vida na cidade pequena “no que se refere aos fundamentos sensoriais da vida
36
psíquica”. Nesta, “o ritmo da vida e do conjunto sensorial de imagens mentais flui mais
lentamente, de modo mais habitual e mais uniforme” (Simmel, 1987, p. 12). As rápidas
mudanças que o Ocidente conheceu forçaram o surgimento de uma nova mentalidade,
novas percepções do mundo e novos estilos de vida que foram denominadas de
modernas em oposição ao modo de vida preexistente. Essas alterações aconteceram em
todos os substratos da sociedade, criando um ambiente novo também para as classes
populares.
A cidade moderna tem vida própria. Novas relações de trabalhoo dando mais
e mais, autonomia aos centros urbanos. Assim, costumes e tradições urbanas começam a
aparecer. Mas, em relação à cidade, a grande novidade é o surgimento das massas e seu
estilo de vida. A revolução industrial trouxe um novo cenário de milhares de pessoas
aglutinadas ao redor das fábricas. Era o início do encurtamento do espaço-tempo. A
distância de algumas léguas que precisa ser percorrida para o encontro agora pode se
resumir a alguns passos. Mas, isso se as pessoas tivessem tempo; porque outra grande
novidade da modernidade diz respeito ao trabalho. As pessoas foram aglutinadas para
que ficassem mais próximas dos seus locais de trabalho e suas jornadas de trabalho são
muito extensas. Os homens, crianças e mulheres do primeiro período da modernidade se
apresentam cansados e desanimados. Apesar de próximos, parece que nunca estiveram
tão distantes.
“Que dirá esta noite. Pobre alma solitária,
(...)
Seja na noite negra e em meio à solidão
Seja na rua triste e em meio à multidão,
Seu fantasma pelo ar é a dança mais acesa” (Baudelaire,
1984, p.157).
Baudelaire é um poeta partido ao meio, ele conhece a miséria e as angústias que
a modernidade provoca, mas ao mesmo tempo é apaixonado pelos tipos e pela liberdade
37
metropolitana. O seu grande mérito é ter conseguido ir fundo no mundo da vida da
modernidade, transformando personagens insignificantes para a burguesia: bêbados,
desempregados, prostitutas, mendigos e vadios nos verdadeiros heróis modernos. “O
espetáculo da vida mundana e das milhares de existências desregradas que habitam os
subterrâneos de uma cidade grande dos criminosos e das mulheres manteúdas - , (...)
provam que precisamos apenas abrir os olhos para reconhecer nosso heroísmo”
(Baudelaire apud Benjamin, 1989, p. 77). O que fazem e como vivem esses que de
longe parecem merecer apenas o nosso desprezo? À prostituta ele diz que “porias o
universo inteiro em teu bordel.”
12
E quem, senão Baudelaire, o poeta que segundo
Benjamin (1989) abriu espaço na literatura para a periferia da cidade, poderia contar-
nos tão docemente a história de uma mendiga, como fica claro no poema “A uma
mendiga ruiva?”
13
A importância de Baudelaire para o nosso estudo sobre a modernidade se situa
nesses espaços subalternos, periféricos que ele homenageia em seus processos de
flâneur pelas ruas parisienses. Os personagens que ele descreve são tão modernos
12
“Porias o universo inteiro em teu bordel,/Mulher impura! O tédio é que te faz cruel./Para aguçar a boca
em jogos singulares,/Terás um coração por dia entre os molares./Teus olhos a girar assim como
farândolas,/De festas de fulgor a imitar as girândolas,/Usam com insolência um poder emprestado, Sem
conhecer jamais a lei do próprio estado! quina cega e surda e de um cruor fecundo!/Instrumento a
beber todo o sangue do mundo,/Já perdeste o pudor e ao espelho não viste/Tua beleza cada vez mais
murcha e triste?/A grandeza de um mal de que tu sabes tanto/Certo nunca te fez retroceder de espanto,/Na
hora em que a natureza em desígnios velados,/De ti se serve, ó fêmea, ó deusa dos pecados,/Para plasmar
um gênio, ó imundo animal? /Ó grandeza de lama! Ó ignomínia imortal! (Baudelaire, 1984, p. 127)
13
A uma mendiga ruiva/Ruiva e branca a aparecer, /Cuja roupa deixa ver/Por seus rasgões a
pobreza/Como a beleza,/A mim, poeta sofredor,/Teu corpo de um mal sem cura/Todo manchas de
rubor,/Só tem doçuras. E calças (muito mais bela/Que a Rainha da Novela/Com os seus coturnos
brancos)/Os teus tamancos. Em vez de molambos, mal/Não te iria roupa real,/Chegando as
ondulações/Até os talões;/Em vez de meia de crivos,/Para os olhos dos lascivos/Um punhal na perna
linda/ Fulgure ainda;/E laços mal apertados/Mostrem aos nossos pecados/Os teus seios a brilhar/Como
um olhar; Para seres desnudada/Tu te faças de rogada/Possam expulsar teus braços/Dedos
devassos;/Pérolas formosas, ou/Sonetos, os de Belleau/Que os galantes na prisão/Sempre te dão, A
chusma dos rimadores/Dedicando-te primores,/E olhando o teu escarpim/ No varandim, Muito
pagem a sonhar/E muito Senhor Ronsard/Olhariam com sigilo/Teu fresco asilo! No leito dos teus delírios
/Terás mais beijos que lírios/Tua lei dominará/Mais de um Valois! Porém segue a tua lida,/Só por sobras
de comida/Jogadas por distanciadas/Encruzilhadas; E quer teu sonho louco/Jóias que valem bem
pouco/Que eu nem posso, ó Deus clemente,/Dar de presente. Nada de orna neste instante,/Perfume,
rubim, diamante,/Só tua nua magreza!Minha beleza!” (Baudelaire, 1984, p. 225 e 226)
38
quanto os burgueses, que ele também homenageia, no entanto fazem uma travessia que
pode ser vista como um caminho de resistência aos moldes impostos. Essa resistência
não significa um retorno ao passado; mas uma afirmação de novos estilos de vida que
surgem no interior do mundo urbano, no interior da modernidade, dando a ela um sabor
de multiplicidades, de alternativas que vão além das racionalidades instrumentais
propostas pela teoria. A modernidade na rua, na periferia é uma mescla, um mosaico
que desconstrói o seu próprio discurso.
Em resumo, o texto até aqui, é um mosaico de discussões sobre a questão da
tradição. Contrapõe-se o pensamento de Giddens fundamentado em uma tradição
iluminista e individualista - que imagina uma sociedade pós-tradicional ao de outros
pensadores que argumentam sobre a permanência da tradição no mundo moderno não
como simples resquício do passado, mas como algo que também sentido ao presente
e que o altera constantemente. A permanência se faz a partir do pressuposto de que
tradição é aquilo que se transmite, assim definido por Marcel Mauss (2001) ou de que
tradição é o mesmo em mutação, como define Stuart Hall (1998).
Aponta-se também o conceito de “circularidade” descrito por Ginzsburg (1987)
que ajuda a entender como a dicotomia entre o antigo e o novo o tradicional e o
moderno, bem como a devida associação dos termos ao povo e a elite respectivamente
não existiam antes do período iluminista, ocorrendo uma maior circulação de idéias
entre as classes sociais.
O embate entre românticos e ilustrados, que para o bem ou para o mal, ajudaram
a consolidar um discurso sobre a tradição que a vincula ao passado também é
apresentado. Enfim, insiste-se que a ruptura com a tradição observada no discurso
hegemônico da modernidade o se concretiza porque tradição e modernidade não são
categorias dicotômicas. As sociedades modernas trouxeram novas perspectivas,
39
expandiram os horizontes deixando que os olhares fossem mais longe no mapa mundi,
mudaram as relações pessoais e deram um charme todo especial às palavras igualdade e
liberdade. Não porque imaginar que essas mudanças abalariam as estruturas da
tradição, porque ela o é algo atrelado a um passado imemorial. As tradições se
refazem constantemente e permanecem porque nenhuma sociedade se constrói sem a
sua permanência. Até mesmo nas sociedades modernas, o processo de transmissão do
conhecimento coletivo é conscientemente passado para que seus indivíduos possam se
sentir parte de um todo coerente.
Dizer que a modernidade trouxe o fim das tradições soa como se estivéssemos
em um tempo onde o homem es solto, sem referências e sem nenhum elo com o seu
mundo, sua família, seu país. Isso não é verdade. Sabemos que além do individualismo
igualitário, o mundo moderno também abre espaço para diversas formas de
solidariedade, dádivas e vínculos associados à tradição. Em meio a essas equivalências
da modernidade é que imaginamos o poeta Baudelaire (1984) e por isso quisemos
colocá-lo neste contexto. Seus poemas e seus textos apresentam um mundo moderno
complexo, com atores também complexos. O homem moderno, que Baudelaire elogia
em versos e que Simmel (1987) descreve em sua teoria está envolto numa nova
realidade, recebendo vários estímulos da metrópole onde mora. O objetivo dessa
dissertação é se debruçar sobre estes homens novos que estão envoltos em tradições,
mas que habitam cenários urbanos periféricos. São homens modernos que tecem suas
próprias tradições.
40
41
CAPÍTULO II
OS CABOCLINHOS NAS FESTAS DE AGOSTO DE MONTES CLAROS
42
Este capítulo se inicia com a descrição dos caboclinhos e de sua participação nas
Festas de Agosto de Montes Claros. A intenção é proporcionar uma experiência de
encontro, um aprochegar-se, interpretar este ritual, com ajuda de seus especialistas,
leigos e antropólogos, conforme propõe Turner (2005) em sua metodologia para leituras
de rituais. Para este autor,
“a estrutura e propriedade dos símbolos rituais podem ser
deduzidas de três tipos de dados: (1) forma externa e
características observáveis; (2) interpretações dadas por
especialistas e por leigos; (3) contextos significativos
amplamente elaborados pelo antropólogo.” (Turner,
2005, p.50)
A descrição das Festas de Agosto se deu a partir da pesquisa de campo feita em
2004 e 2005 foram observadas sua história e seus cenários; bem como os caboclinhos
– quem são, o que representam, o que fazem. Também se destaca as falas dos “mestres”
que integram o ritual e de leigos” que têm algo a dizer sobre a festa. Embasando-se
nos trabalhos antropológicos, abre-se caminho para uma reflexão sobre as diversas
falas, o visto e o dito, o discurso das músicas e do “drama” representado pelos
caboclinhos. Foram feitas inserções teóricas na primeira e segunda parte, naquela
perspectiva geertziana de elaboração de etnografias. A discussão sobre a tradição no
mundo moderno é recapitulada, tendo os “caboclinhos” como foco de interpretação. As
experiências de “descrições etnográficas” foi o método utilizado para a produção desse
e do próximo capítulo.
As Festas de Agosto
43
O ritual dos caboclinhos não se faz fora de uma festa maior que abrange também
catopês e marujos. Mas, o que é um ritual? Segundo Turner, “ritual” é “o
comportamento formal prescrito para ocasiões não devotadas à rotina tecnológica, tendo
como referência a crença em seres ou poderes místicos” (2005, p. 49).
Ritualisticamente, todo mês de agosto, catopês, seguidos de marujos e caboclinhos
conduzem as bandeiras de seus santos e levantam os mastros de Nossa Senhora do
Rosário, da qual são devotos os catopês, São Benedito e Divino Espírito Santo, dos
quais são devotos os caboclinhos e marujos. Ao caminharem pelas ruas do centro de
Montes Claros vão cumprindo a divina missão de sacralizar os espaços profanos,
anunciando os reinados que virão
14
.
“Importante salientar que o sagrado, conforme Mircea
Eliade, pressupõe um tempo e um espaço homogêneo, ou
contínuo, que se opõe ao profano que se exprime em
tempo e espaço heterogêneo. Entre os dois não solução
de continuidade, pois não se misturam como a água e o
óleo. Para que o catopê possa conduzir os reis de congo,
como na interpretação de Arthur Ramos, ou a Senhora do
Rosário, como na outra interpretação, é necessário que
retirem das ruas da cidade as energias que o coadunam
com a sacralidade do momento. E, como o sagrado requer
um espaço homogêneo, é necessário fazer a limpeza do
mesmo e unificar as partes quebradas pela profanidade”
(Costa, 2005).
15
Esse autor lembra ainda que quanto maiores as interferências externas na
passagem dos ternos pessoas, carros etc mais tempo levarão para chegarem à
Igrejinha, já que a sua função é construir um espaço sagrado “para que os reis de Congo
ou a Senhora do Rosário possam percorrer as ruas da cidade”. Importante salientar a
origem do Congado – “que implica o culto aos preceitos revelados na aparição de Nossa
14
Neste sentido vide Eliade, Mircea. O sagrado e o profano a essência das religiões. São Paulo:
Martins Fontes, 1992.
15
Costa, João Batista de Almeida. Os catopês de Montes Claros” - texto produzido por ocasião da 27ª
Festa de Agosto de 2005 a pedido da Prefeitura Municipal de Montes Claros.
44
Senhora do Rosário, na recordação dos antepassados e na honraria aos santos
protetores” (Pereira e Gomes, 2002, p. 67). É um culto de origem africana, celebrado
inicialmente por escravos que ao chegarem em Portugal, “fundavam associações mais
ou menos secretas, nas quais elegiam reis e rainhas para rememorar os reinados
existentes em seus países de origem” (Côrtes, 2000, p. 137)
16
.
Quando o Congado, que em Montes Claros se constitui de catopês, marujos e
caboclinhos
17
chega à igrejinha do Rosário, inicia-se um rito de passagem, o ápice da
festa - o momento do levantamento do mastro, que representa a ligação completa dos
reinos e o início de um só reinado sagrado.
“O mastro, sendo um elemento simbólico de grande
importância nas comemorações coletivas, passa a
caracterizar o centro energético da festa, constituindo-se
no sinal concreto da ‘axis mundi’ que une terra e céus,
vivos e mortos, homens e deuses. O indivíduo se liga aos
seus santos, aos arquétipos e aos seus antepassados.”
(Costa, 1995, p 24)
A partir desse ritual, virão três dias, nos quais o sagrado se instituirá em Montes
Claros reis, rainhas, imperador e imperatriz reinarão protegidos pelos seus padroeiros
respectivos: Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Divino Espírito Santo. E a
Igrejinha do Rosário transforma-se no “centro do mundo”.
Atualmente, todos os ternos se apresentam em agosto, sendo o principal evento
das tradicionais “festas de agosto”. Todavia, como citado em Paula (1957, p. 138) , a
16
A devoção a Nossa Senhora do Rosário se faz de início por homens brancos europeus. A sua
assimilação pelos negros africanos se deu, conforme alguns estudos, pelas mãos de padres dominicanos
portugueses que se teriam utilizado da “imagem da santa para catequizar os povos africanos em plena
África, fazendo a relação sincrética da Virgem do Rosário com o Orixá Ifá, do Panteão Mitológico
africano, que era o oráculo dos homens e mesmo dos deuses, e possuía um colar de sementes de palmeiras
que foi associado ao Rosário de Maria.” (Côrtes, 2000, p. 137)
17
“a fraternidade de Nossa Senhora do Rosário e dos santos pretos, entre os quais São Benedito e Santa
Efigênica é constituída em Minas, por oito guardas, a saber: candombe, moçambique, congo, vilão,
marujos, catopê, cavaleiros de São Jorge e caboclinhos (...) que formam a congada, denominação genérica
da grande família coreográfica em torno dos referidos santos.” (Martins, 1988, p.8)
45
notícia mais antiga que se tem sobre o assunto “é datada de 23 de maio de 1839, quando
‘Marcelino Alves pediu licença pra tirar esmolas para as festas de Nossa Senhora do
Rosário e Divino Espírito Santo que pretendia fazer nesta freguesia.”
18
O mesmo autor
afirma que, já no ano de 1841, quando se comemorou a coroação de D. Pedro II, em 8
de setembro: “foram permitidos vários divertimentos durante três dias: ‘catopês,
cavalhadas, volantims e quaisquer outros divertimentos que não ofendam a moral
pública (1957, p. 138).” Segundo Costa, (1995, p.8) no século passado, os marujos e
caboclinhos realizavam a sua festa para o Divino Espírito Santo no mês de maio, mas o
bispado local determinou a junção da mesma com as festas de Nossa Senhora do
Rosário, que desde então são realizadas no mês de agosto.” A festa em Montes Claros
passou, então a possuir algumas particularidades em relação a outros lugares de Minas
Gerais que comemoram separadamente seus santos de devoção pelas suas respectivas
irmandades.
A flexibilidade da tradição que ocorre nas Festas de Agosto e que se discute
teoricamente no capítulo inicial, está presente desde o início quando se constata que se
hoje, tem-se a concentração dos diferentes mastros e das diferentes festas em agosto,
isso não quer dizer que foi sempre assim. No interior da tradição, existe um processo
constante que se faz de imposições, negociações e re-elaborações que não fazem nem
mesmo do ritual em si, algo inflexível e imutável. As Festas de Agosto, como são
realizadas atualmente, nem sempre foram em agosto, mas hoje os envolvidos na sua
organização a fazem e a vivem nesse mês, “tradicionalmente”. O que não fixa a tradição
nesse mês, a tradição é flexível porque os homens envolvidos o são. O papel do bispo
local na fusão e re-elaboração de diferentes festas religiosas em apenas uma, no mês de
18
Em 1831 o Arraial das Formigas é elevado à condição de Vila, que se instala em 1832. Para que tal
ocorresse vieram diversas famílias de Diamantina, Sabará e Ouro Preto, dentre outras cidades mineiras,
com seus poucos escravos. Mas, é possível uma outra interpretação. Como a vida local começa a ser
registrada com a implantação da estruturação do Estado, por meio da Vila, é possível que os rituais a
Nossa Senhora do Rosário ocorressem mesmo antes da chegada das famílias mineiras que se
transferiram para o antigo Arraial.
46
agosto, remete a análise feita por Hobsbawn (2002) sobre “a invenção das tradições”.
Segundo ele, as tradições se adaptam quando é necessário “conservar velhos costumes
em condições novas ou usar velhos modelos para novos fins. Instituições antigas, com
funções estabelecidas, referências ao passado e linguagens e práticas rituais podem
sentir necessidade de fazer tal adaptação” (2002, p. 13).
em Montes Claros, três festas fundidas sendo que, originalmente, cada uma
ocorria em uma data específica. A data festiva de louvor a São Benedito é 26 de
dezembro e segundo Côrtes (2000), as festividades do Divino são realizadas durante o
período de Pentecostes, cinqüenta dias após a Páscoa. Sendo realizado em agosto, no
terceiro dia de cortejo, o império do Divino em Montes Claros não conta com a Folia do
Divino, e a bandeira dos festeiros com a figura de uma pomba branca representando o
Espírito Santo é conduzida por catopês, marujos e caboclinhos, personagens do
Congado. A origem da devoção ao Divino Espírito Santo é européia, chegou a Portugal
trazida da Alemanha.
“Foi instituída pela rainha Isabel, casada com o rei Dom
Dinis, o lavrador, na cidade de Alenquer, onde foi
construída uma igreja em homenagem ao Divino Espírito
Santo. Conta a lenda que a rainha gostava de distribuir
esmolas para os pobres, especialmente comida. O rei,
sovina, passou a proibir a esposa dessa prática. Certa vez,
quando levava pão aos famintos na rua, ela foi
surpreendida de repente pelo rei, que lhe perguntou o que
trazia. Temendo a reação do marido, ela respondeu que
trazia rosas. Ao verificar, espantado, o rei viu lindas
flores” (Côrtes, 2000, p. 24).
A partir desse milagre, a devoção se espalhou rapidamente. Conforme esse
autor, a festa foi trazida para o Brasil no século XVI, “sob o nome de Império do
Divino” (Côrtes, idem, ibidem). O nome Império decorre “da referência ao altar
montado na casa do festeiro, ou seja, do imperador do Divino”. Durante “as festas de
47
Agosto”, alguns se perguntam porque dois dias de reinado e um de império. Na
verdade, as festas de origens distintas foram juntadas posteriormente, sendo as de
Nossa Senhora do Rosário e São Benedito originárias da coroação dos reis congos e a
do Divino, na devoção de um imperador ao Divino Espírito Santo.
Em Portugal, os negros precisavam se reunir e coroar seus reis e rainhas em
irmandades secretas. Quanto à origem das Congadas, Côrtes (2000) afirma que no
período colonial, no Brasil o clérigo local e “os portugueses para acalmar os escravos e
manter a ordem, incentivavam as chamadas coroações dos reis do congo (...) em
homenagem à padroeira ou a Nossa Senhora do Rosário” (2000, p. 90). Os negros se
“rejubilavam ao ver seus reis coroados, as comemorações à santa eram magníficas,
repletas de danças e batuques” (Cortes, id., ibid.). Segundo Martins (1988), o Congado
“é a maior ocorrência folclórica em Minas”. Sua origem estaria associada
principalmente às lembranças “da rainha Ginga de Angola e de Chico Rei, o lendário
animador negro de Vila Rica”. O registro mais antigo que se tem da festa em Minas
encontra-se nos escritos de João Antonil publicados em 1711.
Enfim, o congado é “um nome genérico dado aos diversos grupos vinculados ao
culto do santo de devoção (...) aparecem então sob a forma de reprodução simbólica da
história tribal, com a coroação dos reis do congo” (Côrtes, 2000, 138).
“Exprime inegavelmente uma sobrevivência histórica de
antigas epopéias angolaconguesas, onde podemos
identificar os seguintes temas: (a) cerimônias de
coroamento dos antigos monarcas do congo; (b) lutas
destas monarquias, uma contra outras; (c) lutas contra o
colono invasor; (d) episódios históricos vários, com trocas
de embaixadas, oráculos de feiticeiros etc. (...) O que
tende a sobreviver do referido auto é a cena processional
(leit – motiv da embaixada real) que sempre termina numa
igreja de devoção negra.” (Ramos citado por Costa, 1995,
p. 8)
48
Em Montes Claros, a devoção é a Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito,
mas, também, ao Divino Espírito Santo
19
. De uma forma geral, os reinados vêm
ritualmente protegidos pelas suas guardas que são em número de sete: Congo,
Moçambique, Catopê, Marujo, Caboclinho, Cavaleiro de São Jorge, Vilão. Segundo
Martins (1988), cada uma delas possui vestuário próprio e autonomia. Guarda é a
designação mais comum, dependendo do lugar pode ser chamada também de corte,
banda, terno, batalhão. Em Montes Claros, participam das festividades os seguintes
ternos: catopês, marujos e caboclinhos. Os catopês vão à frente do cortejo, são os
responsáveis pelas bandeiras e pelo levantamento do mastro, sua presença é tão
significativa que a festa é conhecida, popularmente, como Festa dos Catopês. Estão
associados aos africanos que vieram para o Brasil. Os marujos são a segunda guarda.
Segundo Côrtes (2000), sua função histórica dentro da Irmandade do Rosário é
“rememorar a longa e dolorosa travessia marítima da África para o Brasil” (Nau
Catarineta). Durante suas exibições, os marujos realizam as embaixadas e, logo a seguir,
a resinga, “nome dado aos dois embaixadores, um vestido de azul e o outro de
vermelho, com a vitória do primeiro, em uma referência à guerra existente entre os
mouros e cristãos, descrita na cavalhada” (2000, p. 153). Em Montes Claros, além da
marujada, compõe-se a guarda do patrão, contramestre, piloto e calafatinho; o ponto alto
de sua apresentação, a resinga ou morte do patrão, já há algum tempo não é dramatizado
pelos marujos. Segundo “Seo” Miguel Sapateiro, mestre da marujada, isto se devido
à impossibilidade de todos os atores-devotos estarem presentes ao mesmo tempo nas
dramatizações, ou falta o contramestre ou falta o piloto. Apesar disso, o auto está bem
presente em sua memória, convidado para falar a estudantes universitários, devidamente
19
O Império do Divino não se constitui propriamente como um congado. Em Montes Claros foi
incorporado às festividades, isto diferencia a festa do congado montesclarense das que ocorrem em outros
lugares. Entretanto, esta é uma questão que foge ao escopo deste trabalho.
49
fardado, ele recitou os versos e contou como se teatralmente a morte do patrão. A
encenação e a utilização das fardas em um outro cenário, que não o do rito sagrado, traz
à tona uma discussão, de como os próprios atores-devotos estão refazendo suas relações
em novos espaços considerados profanos.
Inicialmente tida como celebração restrita aos escravos, aos poucos a festa foi se
transformando em evento da sociedade como um todo, os catopés foram vendo os seus
reis e rainhas negros sendo substituídos pelos filhos de famílias brancas e ricas. Apesar
de em algumas localidades do Brasil, haver a manutenção da coroação de reis e rainhas
negros, em Montes Claros, os reis e imperadores vêm de famílias que têm condições
financeiras de assumir os gastos com a alimentação de toda a corte. Essas famílias de
festeiros o fazem por motivos vários que nem sempre se ligam à sacralidade do rito.
Sendo assim, os mestres fazem suas análises particulares dos festeiros, observando que
nem todos manifestam a devida relação com o sagrado, pois se mostram pouco devotos
ou pouco respeitosos com a bandeira, o símbolo dominante a demonstrar o sagrado. O
depoimento de Gerinha porta-bandeira de Zanza é exemplar: “Chegamos na casa do
festeiro a bandeira de Nossa Senhora tava no chão!!! Eu peguei, fiquei segurando,
acho que a mulher [festeira] percebeu. Pegou. Pôs numa cadeira. Num tem capacidade
pra quê que pega?” Capacidade nesse contexto não diz respeito à condição financeira,
mas à fé. O devoto se espanta ao perceber que para os festeiros de Nossa Senhora do
Rosário, a bandeira não incorpora a sacralidade devida, ele espera que os festeiros
estejam envolvidos no mesmo mundo sagrado dele, de adoração e respeito à bandeira.
Ao concluir que não existe esta relação, questiona que motivos levam os festeiros a
assumirem a responsabilidade pela bandeira?
Mesmo que os festeiros nem sempre estejam no mesmo nível de envolvimento
sagrado com as bandeiras que as suas guardas, provavelmente nem todos os integrantes
50
dos ternos também o estão, eles se integram à totalidade do ritual. Seguindo a linha de
pensamento de Émile Durkheim (1996) em seu estudo sobre religião, entende-se que é
necessário compreender a religião no seu aspecto social. Seja qual for a relação
individual estabelecida com o sagrado, a religião tem a função de ajudar a viver. Além
disso, ela reflete valores morais, sentimentos hierárquicos que foram construídos em
determinada sociedade e que precisam ser atualizados constantemente na memória
coletiva.
“Assim se explica o papel preponderante do culto em
todas as religiões, sejam quais forem. É que a sociedade
pode fazer sentir sua influência se for um ato, e será
um ato se os indivíduos que a compõem se reunirem e
agirem em comum. É pela ação comum que ela toma
consciência de si e se afirma; ela é, acima de tudo, uma
cooperação ativa” (Durkheim, 1996, p. 461).
O símbolo ritualístico, para Turner (2005), como qualquer outro símbolo
também está envolvido no processo social. É um fator permanente na ação social e está
associado aos interesses humanos, objetivos, fins e meios, explicitamente formulados ou
não. A função das bandeiras nas Festas de Agosto que são símbolos ritualísticos cheios
de significados ultrapassa o sagrado. Elas possuem uma função social que envolve
interesses diferentes, estruturantes da mesma sociedade: a relação de festeiros e foliões
com as bandeiras, bem demonstram como um símbolo ritualístico tem uma função
social e responde a diferentes interesses e objetivos.
Mas o que é um símbolo? Segundo Turner “é uma coisa encarada pelo consenso
geral como tipificando ou representando ou lembrando algo através da posse de
qualidades análogas ou por meio de associações em fatos ou pensamentos" (2005, p.
49). Todo ritual possui “símbolos dominantes”, aqueles que se tornam o foco da ação.
Nas Festas de Agosto, os símbolos dominantes são os catopês, marujos e caboclinhos,
porém como foi dito, ocorre uma hierarquização entre os ternos, interna ao símbolo.
51
Os catopés situam-se acima dos outros ternos; a festa é conhecida também como Festa
dos Catopês e os seus mestres são requisitados, preferencialmente, para entrevistas,
fotos e eventos produzidos pela Prefeitura. Observa-se cartões postais e camisas com
fotos dos mestres Zanza e João Faria – o que não significa que os marujos e caboclinhos
também não simbolizem as festas, mas os catopês a dominam simbolicamente. Até
mesmo como discurso de atraso da região, escuta-se pessoas dizerem durante os
cortejos: “quem vem de fora acha que aqui só tem catopê”. A importância simbólica dos
catopês para a sociedade local ultrapassa os eventos dedicados a Nossa Senhora do
Rosário, isto pode ser observado: no traje típico da miss montesclarense no concurso de
miss Minas Gerais, que costuma ser uma estilização do traje dos catopês; na fábrica de
laticínios loca, denominada Catopé; e na ação da atual gestão da Prefeitura que estilizou
o capacete dos catopês como seu símbolo.
Sendo os símbolos, mesmo ritualísticos, construções sociais, o que representam
os catopês para a sociedade montesclarense? Os símbolos tipificam algo que foi passado
através de associações de idéias, e como evidencia-se acima, os catopês são o símbolo
dominante das Festas de Agosto e da cultura local. Historicamente, no tempo e no
espaço ritual, os catopês são os donos das festas, carregam as bandeiras, levantam os
mastros e são os devotos de Nossa Senhora do Rosário - aquela que pela aparição aos
escravos origem ao Congado e se torna a padroeira dos negros escravizados nas
Américas. Segundo Costa (1995), as festas também já foram denominadas por Hermes
de Paula como “A Festa das Raças”, os catopês representam os negros, os marujos
representam os europeus e os caboclinhos representam os índios. Os catopês como
símbolo dominante no cenário ritual e cultural da sociedade montesclarense evidencia o
seu lugar crucial, por um lado, em sua festa e, por outro lado, a sua agência na própria
52
cultura local. Nas Festas de Agosto, por possuírem o principal destaque, é reconhecido e
afirmado o seu valor para a construção da identidade cultural de Montes Claros.
Uma das propriedades de um símbolo dominante é a “unificação de significados
díspares. Os significata díspares são interconectados em virtude de possuírem em
comum qualidades análogas ou por associação em pensamento ou na prática. [cuja
generalidade os capacita a] aglutinar as mais diversas idéias e fenômenos” (Turner,
2005, 58 e 59). Os símbolos ritualísticos das festas de agosto catopês, marujos e
caboclinhos - assumem assim diversos significados para a festa e para a cidade.
A pesquisa foi feita em 2004 e 2005, no mês de agosto, nos cinco dias das festas,
que incluem o levantamento do mastro de Nossa Senhora do Rosário no primeiro dia; o
cortejo do primeiro reinado pelas ruas do centro da cidade pela manhã do segundo dia e
o levantamento do mastro de São Benedito à noite; novamente o cortejo pelas ruas no
terceiro dia, agora sob as bênçãos de São Benedito, e à noite o levantamento do último
mastro, o do Divino Espírito Santo. O cortejo do quarto dia é do Imperador e da
Imperatriz do Divino. Todos os cortejos terminam em frente à Igrejinha do Rosário com
a celebração da missa. Os “mordomos” pais dos reis e imperadores da festa assumem
o compromisso de servirem o almoço aos participantes do Congo nos seus respectivos
reinados e no império. No último dia ocorre o encontro dos três cortejos e juntos são
saudados pelos catopês, marujos e caboclinhos que rodopiam e desfilam em procissão
levando, em adores os seus santos. Essa procissão ultrapassa o universo local, pois tem
a participação de congados de outras cidades mineiras que vem a Montes Claros
confraternizarem-se e afirmarem a importância dos mesmos para a cultura estadual.
Celebrada a última missa, os ternos relembram que “para o ano eu voltarei prá cumprir
nova missão”.
53
Apesar de acontecerem eventos paralelos, como shows, oficinas e barraquinhas,
o coração das festas está no acontecimento religioso organizado e vivido pelos catopês,
marujos e caboclinhos. Escuta-se que eles são os donos das festas, que sem eles não
haveria festa. Além disso, a cidade é ornamentada com fitas vermelhas, azuis e brancas
que se referem às fitas usadas pelos catopês, mas também às cores dos três ternos. Os
artesanatos vendidos nas barraquinhas dos eventos paralelos são representações dos
integrantes do congado montesclarense. A prefeitura presta sua homenagem no espaço
público e muitas lojas também a faz nos seus espaços privados, utilizando-se de
bandeiras, capacetes e fitas na decoração das vitrines. Também nas barraquinhas, as
lembranças das festas dizem respeito aos personagens do congado. O pequi em agosto é
substituído por bonecos de barro com fitas na cabeça. E mestre Zanza estampado em
camisetas é vendido sem que os direitos à imagem sejam contestados.
Questão de tradição
“Tradicionalmente”, na primeira noite, antes do levantamento do primeiro
mastro, os grupos saem à paisana, ou seja, sem os seus trajes de festa. Em 2005, a
prefeitura se reuniu com os mestres” e pediu que eles usassem as roupas em todos os
dias, inclusive no primeiro, para a festa ficar mais bonita. Os argumentos utilizados pelo
secretário de cultura, João Rodrigues foram: primeiro, logo no primeiro dia em que
personalidades políticas regionais estariam presentes, eles iriam aparecer sem os belos
trajes o famosos; segundo, além do mais, Nossa Senhora também mereceria tê-los
homenageando-a com as roupas da festa. Mestre Zanza reclamou que não tinha como ir
54
com a roupa todos os dias porque os rapazes iriam sujá-las; Mestre João Faria disse ser
uma questão de tradição. Resolveram conversar e deixaram a prefeitura sem resposta
20
.
As intervenções nas manifestações populares são recorrentes, buscar a
simbologia de suas ações é importante, pois, elas se transvestem em políticas públicas
culturais. No senso comum local, os catopês, marujos e caboclinhos não saem à paisana
no primeiro dia para pouparem a roupa para os outros dias. E o sentido dessa
simbologia, talvez eles nem consigam expressar porque nunca houve necessidade de
racionalização dessa ação, ela sempre se deu no campo da vivência. Dizer que “é
tradição” resume tudo.o se deve buscar motivos práticos nas simbologias rituais que
se repetem a anos. Por isso, o argumento de Zanza não convence nem a ele próprio
funciona como um pretexto
21
. É o discurso de que se vale, que não conseguiria
“explicar” para os letrados tudo aquilo que para ele se resume numa única palavra:
tradição. Sobre isso, Costa afirma que “os membros dos ternos de catopês, marujos e
caboclinhos em Montes Claros desconhecem o mito que origem à devoção a que
seguem, a ele se referem como sendo uma ‘tradição que vem desde o princípio,
princípio do mundo’” (1995, p. 19).
Hobsbawm (1997) explica que as “tradições ocupam um lugar diametralmente
oposto às convenções ou rotinas pragmáticas”. Para mostrar o lado fraco de uma
“tradição” utiliza-se do caso dos judeus liberais que justificam as restrições na dieta,
valendo-se do argumento pragmático de que os antigos hebreus não comiam carne de
porco por motivos de higiene, “os objetos e práticas só são liberados para uma plena
utilização simbólica e ritual quando se libertam do uso prático” (1997, p.12).
20
Essa reunião ocorreu no dia 05 de agosto de 2005 e foi presenciada e gravada por mim. Além de pedir
para saírem fardados no primeiro dia, o secretário perguntou se não poderiam chegar mais cedo para
estarem presentes na abertura da festa, já que eles (os mestres com seus ternos) eram as figuras principais.
Porém os horários não batiam porque nesse momento eles estariam na casa do festeiro fazendo as honras
à bandeira. O secretário pediu desculpas, reconheceu o erro de cálculo e disse que, infelizmente a abertura
seria feita sem eles porque o cronograma da festa já estava impresso e sendo distribuído.
21
Antes de entrarem na sala do secretário de cultura, os mestres dos ternos presentes estavam decididos a
não acatarem o pedido da prefeitura de saírem fardados também no primeiro dia.
55
A ordem e organização pretendidas pela Prefeitura também podem ser vistas
como diametralmente contrárias ao ritual, se o observamos à luz do que diz Douglas
(1976): “admitindo-se que a desordem estraga o padrão, ela também fornece os
materiais do padrão”. O ritual dos catopês
22
inicia-se na desordem representada pelas
guardas vestidas à paisana, só depois de vestirem as fardas é que estarão devidamente
ordenados e preparados para o ritual. Douglas reconhece que a desordem “é nociva para
os modelos existentes, como também que tem potencialidade. Simboliza tanto perigo
quanto poder” (1976, p. 117). O ritual aceita a desordem, reconhecendo assim seu
poder. Ao intervir no campo da “desordem” a prefeitura provoca um enfraquecimento
do ritual.
No dia 17 de agosto de 2005, os ternos saíram para buscar a bandeira de Nossa
Senhora do Rosário na casa do festeiro e deslocaram-se em procissão até a Igrejinha do
Rosário. Surpresa: os grupos não estavam à paisana, acataram o pedido da prefeitura.
Com exceção de um o terno de Nenzinho destoa do cenário. Seus marujos estão todos
com roupas comuns, no outro dia, depois do levantamento do primeiro mastro é que
prestarão suas homenagens com suas roupas de festa como manda a tradição. Mas o
que dizem os outros ternos sobre a “impertinência” de Nenzinho? Ele é um ignorante,
faz isso só para pirraçar”. Interessante salientar que Mestre Nenzinho é o mais velho dos
marujos; ao ser indagado porque não estava fardado como os outros, respondeu com a
frase que resume tudo: “Porque assim manda a tradição!”. Mas, os outros mestres
reunidos, decidiram que não custava nada aparecerem fardados no primeiro dia.
Acataram o argumento do secretário municipal de cultura de que, naquele dia estariam
presentes prefeitos das maiores cidades de Minas Gerais e eles não entenderiam porque
os ternos não se apresentavam com suas roupas tão vistosas. Aqueles que vivem a
22
Às vezes, contextualmente, substituirei catopês, marujos e caboclinhos, por catopês, grafado em itálico,
devido à força simbólica que carregam no que diz respeito à festa.
56
tradição sabem que as coisas vão e voltam, o que não deu certo este ano, pode dar o ano
que vem. Mas, o que foi que não deu certo? Segundo Costa
23
, não é a primeira vez que a
prefeitura faz esse tipo de interferência e da outra vez ocorreu a mesma reclamação por
parte de alguns mestres: feito dessa maneira não é possível haver conexão.
Qual conexão? Qual o simbolismo existente na mudança da roupa? Antes da
interpretação do ritual, é importante refletir sobre o papel do pesquisador. Turner (2005)
coloca a seguinte pergunta: “Como pode, então, o antropólogo social justificar sua
pretensão de interpretar os símbolos rituais de uma sociedade mais profundamente e de
modo mais compreensível que os próprios atores?”. Ele próprio responde que o
antropólogo possui técnicas e domínio de conceitos que o tornam capaz de enxergar a
performance de um dado tipo de ritual.
“Em outras palavras, ele pode situar esse ritual no seu
campo significante e descrever a estrutura e as
propriedades desse campo. Por outro lado, cada pessoa
que participa do ritual o encara do seu ângulo particular
de observação. Tem o que Lupton chamou de sua própria
‘perspectiva estrutural’. Sua visão é circunscrita pelo fato
de ocupar uma posição peculiar, ou mesmo um conjunto
de posições situacionalmente conflitantes, tanto na
estrutura persistente de sua sociedade, como também na
estrutura de papeis do ritual em questão” (Turner, 2005, p.
57).
O participante age movido por interesses, objetivos e sentimentos que dependem
da sua posição específica mais o seu conhecimento da situação como um todo. Assim
sendo, cada integrante do catopê, marujada e caboclada mesmo inserido num sistema
ritual total, tem uma fala e uma ação particular que por si só, não explicam o rito
sagrado. Aliás, para Turner o que não tem nenhum significado para um ator que
desempenha um papel específico pode ser altamente significativo para um observador
23
Conversa informal.
57
ou analista do sistema total” (2005, p. 58). Também considera legítimo incluir “dentre o
significado total de um símbolo ritualístico dominante”, aspectos de comportamento que
os próprios atores são incapazes de interpretar e que realmente desconhecem. Assim,
quando o especialista consegue entender o significado geral de um determinado ritual e
explicita à comunidade seus significados não pragmáticos cumpre um papel relevante.
O pesquisador pode ajudar até mesmo os atores envolvidos no ritual a expressar melhor
em palavras as suas ações, funcionando como agentes que proporcionam “lugar de fala”
àqueles que não a possuem.
Como construir um discurso sobre a tradição dos ternos de Montes Claros
saírem à paisana no primeiro dia de levantamento do mastro? Quando Mestre Nenzinho
e também Mestre João Faria dizem que o fazem por “tradição” não estão sendo
“pirracentos”, estão cumprindo um ritual feito muitos anos cheio de significado, mas
que não se explica pelo campo da ação prática. Tradição é aquilo que se transmite,
sendo então também aquilo que se recebe, nesse sentido funciona como uma corrente; a
repetição encerra um forte caráter emotivo daquele que recebeu e tem a
responsabilidade de repassar.
Os catopês têm uma missão anual, uma responsabilidade, um pacto com a
tradição: instituir um tempo sagrado. Eles cumprem uma ação que para eles é sagrada:
levantar o mastro, que passa a caracterizar o “centro energético da festa, é o sinal
concreto da verticalidade, unindo terra e céu, vivos e mortos, corpo e alma” (Gomes,
1988, p. 160). O mastro levantado une “três planos do mundo dos catopês”.
o mundo do divino prefigurado na bandeira alçada aos
ares, o mundo do humano manifestado pelos próprios
catopês e o mundo dos catopês ausentes, prefigurado pela
entrada do mastro na terra e a relembrar os mortos.
Quando o mastro é levantado eles dizem ao girá-lo: viva
os catopês ausentes (todos os catopês que morreram) e
58
os presentes (os vivos e os que mortos ainda não saíram
deste mundo). Por isto, não se pode estar vestido com as
roupas de catopês no primeiro dia. É necessário fazer
uma passagem, um rito de passagem, é necessário fazer a
conexão entre os três planos do mundo dos catopês para
que o eixo do mundo se concretiza e sacraliza o tempo
festivo” (Costa, 2005).
A mudança das roupas é tão importante para este ritual que possui nome
especial. Os ternos que estavam “à paisana” logo após o levantamento do mastro de
Nossa Senhora do Rosário, o primeiro, podem vestir suas “fardas”. O vestir as “fardas”
demonstra que a passagem foi realizada, saiu-se da profanidade do mundo e penetrou-se
na sacralidade do mundo religioso. Quando os grupos aparecem no outro dia “fardados”
significa que o novo reino foi instaurado. A utilização dos termos militares “à
paisana” e “fardados” explica que os ternos têm a importante função de anunciar e
proteger o novo reino. Se se colocam inicialmente, “à paisana” é porque ainda não
foram investidos da sacralidade necessária para serem “soldados”, o rei ainda não
chegou. O levantamento do mastro representa esta passagem, a chegada do novo reino
que os catopês precisam proteger. então poderão dizer: “Às fardas!” Ao observar a
procissão, percebe-se que ela também cumpre uma função militar: inicia-se com os
ternos dos catopês, marujos e caboclinhos que vão abrindo caminho para a corte,
formada por crianças da classe média e alta vestidas de reis, rainhas, princesas,
príncipes, damas e criados. Além da banda de música da polícia militar que acompanha
o cortejo, devidamente fardada. Ramos citado por Costa afirma que
“nos moldes da monarquia portuguesa compunha-se de
rei, rainha, secretário de estado, mestre de campo, arautos,
damas de honor e açafates; e um serviço militar com
marechais, brigadeiros, coronéis e todos os demais postos
do exército” (1995, p.12).
59
Enfim, o desfile das guardas sem o rito de transição representado pela
vestimenta das fardas após saírem à paisana destrói um importante momento do ritual:
o momento da passagem. Importante porque “o perigo está nos estados de transição,
simplesmente porque a transição não é nem um estado nem o seguinte, é indefinível”
(Douglas, 1976, p. 119). A passagem é perigosa e o “poder” só pode ser concedido após
a sua travessia. Qual poder? O que as fardas expressam, como símbolos referenciais.
O espetáculo multimídia do sagrado
Sob câmeras, filmadoras, muitas luzes e muitos flashes, o ritual ao redor do
mastro é iniciado pelos catopês, um por um, os três ternos de catopês vão prestando sua
homenagem: “Nossa senhora reina em seu altar”. “Viva nossa senhora com seus
anjinhos!”. De repente uma quebra, uma parada pós-moderna, a jornalista da TV precisa
da fala, não se contenta com a imagem, de Zanza naquele instante. Somente Zanza pára,
e, em meio aos batuques, responde à repórter, iluminado e ofuscado pelas luzes do
repórter cinematográfico. A ação de Zanza mostra o tanto que o tradicional está aberto
ao moderno, assim como a necessidade do sagrado de se adaptar ao dinamismo de uma
nova cultura, que podemos denominar de cultura de massa. A ação da repórter mostra
que existem novas formas de interpelação do sagrado por agentes que não se envolvem
nem assistem, apenas buscam a melhor estética de apresentação. Sob a égide da
“estética multimídia”, o espetáculo poderá despertar tanto o êxtase religioso quanto o
prazer estético
24
. O espetáculo sagrado corre o risco de se transformar em simples
imagens consumidas apenas pelo seu valor estético sem nenhuma preocupação em
explicitar o que significa o ato para o homem religioso. Todavia, como bem afirma
Pereira e Gomes (2002), muitos filmes, documentários e reportagens se voltam para a
24
Não descarto a possibilidade da TV também servir de apoio à religiosidade social, que como vimos, não
se nem no campo do êxtase individual nem no da estetização do sagrado. Assim, a TV transmite
valores e significações religiosas que identificam a sociedade em questão.
60
compreensão da estética do sagrado. Além disso, o vídeo pode propiciar novos tipos de
experiência com o sagrado:
“Por exemplo: se a oralidade representa um suporte
tradicional articulado com base nos contatos diretos entre
enunciador e ouvinte, com os aparatos da mídia moderna
ele propicia uma experiência comunicativa
essencialmente intermediada. Em termos concretos, se
estabelece uma diferença estética que implica uma
diferença de sentido – entre a narrativa que um devoto faz
para o outro e a gravação em deo de um evento que é
assistido por uma ou mais pessoas” (Pereira e Gomes,
2002, p. 71).
O vídeo proporciona novas experiências também para o ator-devoto que passa a
poder se ver em cena. “Muitas vezes, ao olhar-se no vídeo, o devoto repete os gestos e
as emoções vividos; por isso, dança, canta, sorri ou chora numa atitude de
reconhecimento de si mesmo” (Pereira e Gomes, 2002, p. 73). Os aparatos modernos
interferem, mas não chegam a impedir a instauração do sagrado.
O sagrado e o profano
Na manhã do dia 18 de agosto de 2005 iniciou-se o reinado de Nossa Senhora do
Rosário. Neste dia, a cor predominante é o azul. Toda a corte desfila pelas ruas do
centro da cidade. Nas calçadas, acompanhando o cortejo crianças e adultos, professores
e alunos de escolas primárias que vieram em ônibus especialmente para ver o
acontecimento
25
. Muitas maras: de pesquisadores como eu, de documentaristas, de
turistas e de pais dos príncipes, princesas, pagens que vão à frente do rei e da rainha. Os
25
Como as Festas dos Catopês são consideradas pela sociedade local como o sanctum sanctorum da
cultura montesclarense, todo ano as escolas solicitam à prefeitura municipal a liberação de ônibus para
levarem seus alunos, alguns vestidos como catopês, para assistirem, nas manhãs, aos cortejos. Assim,
mesmo crianças de outros municípios são introduzidos na cultura local por meio de seu principal evento.
O ir ao centro acompanhar os ritos do congado é parte de atividades desenvolvidas na semana do folclore
que cada escola realiza na época dos catopês.
61
pais fazem um cortejo à parte porque é preciso levar muita água para as crianças, as
mães precisam também dar um apoio moral para os príncipes e princesas menores o
sol é de rachar e as roupas são quentes. Algumas choram insistentemente, os
espectadores comentam tudo. Enquanto nesta parte do “desfile temos uma mãe e uma
garrafa d’água para cada criança, abrindo caminho para eles, temos trinta e dois
caboclinhos que no decorrer do cortejo revezam os pedidos de água a uma única
“assessora”: dona Lena, esposa de Seo Joaquim que vai alternando respostas de “daqui a
pouco”, “espera um pouco”, “não toma tudo”. Dona Lena se desdobra para arrumar
água para todas as crianças do terno, que não é mineral como as dos pagens, príncipes,
princesas, rei e rainha.
Para Gomes e Pereira (2002, p. 63), “os rituais são constituídos como
configurações teatrais que dizem à comunidade aquilo que ela foi, é e poderá ser,
mediante um conjunto de atitudes que devem ser analisados pelos devotos”. Assim,
através das encenações, cortejos acompanhados de coreografias e músicas, o “sagrado
se a ver aos indivíduos imersos também no mundo profano”. Isso ocorre com o
congado montesclarense: a medida que se inicia o cortejo pelas ruas do centro, o ritual
interfere no cotidiano. É observado, visto pelo mundo profano. “Mas se, por um lado, o
sagrado se manifesta e se mostra ‘como alguma coisa absolutamente diferente do
profano’, por outro, é necessário considerar que os espaços do profano se abrem como
possibilidades para receberem o sagrado”(2002, p. 64). E esta interação encontra eco
nas palmas que recebem pelos caminhos, nas diversas maneiras que são interpelados por
diferentes atores do mundo profano. Pereira e Gomes afirmam em uma análise que
fazem sobre a estética do sagrado no Congado e na Folia de Reis:
“Isso revela o caráter de espetáculo que anima os rituais,
no sentido daquilo que se apresenta como realidade a ser
62
vivida e percebida. O ritual é ao mesmo tempo práxis
(entrega do devoto à atividade laudatória ou imprecatória)
e análise da práxis (considerações que o devoto faz acerca
de si mesmo mediante a consciência de que outros agem
como ele e também o observam)” (2002, p. 65).
O sagrado e o profano se encontram na Festa de Agosto, sendo uma importante
data para a cidade como um todo. O congado aqui não se constitui como um ritual
restrito aos devotos e interessados no evento. Ele ocorre no coração da cidade, no
centro, em dias úteis e vai, à medida que passa, interpelando a todos que por ali se
encontram, obriga pessoas desavisadas a tomarem conhecimento, a se posicionarem
diante do sagrado que passa, diante da tradição que se repete, diante da história da
cidade que vai sendo recontada e refeita num novo cenário que não se abre para o
sagrado como se abria no passado. Os empecilhos agora são muitos: carros, sinais,
motos, curiosos que ultrapassam e interferem no ato solene e deixam o cortejo mais
longo. Mas ele sempre chega e se repete a cada ano com uma carga simbólica cada vez
maior de representação da “identidade montesclarense”.
Costa afirma que a festa deixou de pertencer a um segmento da sociedade
local, para se constituir em um ritual de construção da identidade do homem
montesclarense” (1995, p. 21).
Os caboclinhos
Quando os caboclinhos iniciam sua homenagem ao mastro levantado, o som do
batuque e das violas é substituído pela rabeca de Seo Joaquim Poló e pela voz forte de
Socorro a cacicona
26
que puxa o coro dos curumins. O som é para a santa, seo
26
Personagem sempre presente no drama, a cacicona é quem trama a morte da mamãe-vovó. É uma
figura de destaque. No desfile é quem comanda os caboclinhos ou curumins, sempre obedientes a suas
ordens.
63
Joaquim não as costas para o mastro, toca para Nossa Senhora. Hermes de Paula
(1957) ao observar a trajetória dos caboclinhos nas festas de agosto do passado, relata
que vestem
“saiotes vermelhos, enfeitados de plumas, com o busto nu
e pintado de urucu e outras tintas; conduzem arcos e
flechas; têm a cabeça guarnecida por capacete de penas.
Além desses indiozinhos ou caboclinhos, o grupo se
compõe de uma figura infantil, o caciquinho, 6 figuras
adultas (a Cacicona, o Cacicão, Papai-vovô, Mamãe-
vovó, Pantalão e Capitão Campó) dois porta-bandeiras e
os músicos.
As figuras adultas usam roupas vermelhas enfeitadas de
penas, máscaras de arame, muitos balangandãs sem a
menor semelhança com trajes indígenas; ao contrário
usam excesso de roupas. As duas figuras de mulher a
Cacicona e a Mamãe-vovó são homens com roupas
femininas. A Mamãe-vovó e o Papai-vovô são cômicos. A
Cacicona é quem dirige o grupo, mas não fala diretamente
com nenhum: suas ordens são transmitidas através do
caciquinho” (1957, p.166).
Para Queiroz (2003, p. 137), os caboclinhos retratam a figura do índio brasileiro,
associado à Confraria de Nossa Senhora do Rosário. Seus trajes simbolizam as
vestimentas indígenas, com enfeites de penas acopladas às roupas vermelhas”.
Diferentes dos caboclos do nordeste, em Minas Gerais, os caboclinhos se apresentam
nas festividades dos santos de devoção como guardas dos reinados do Congo.
Os caboclinhos vestem saias de penas e camisas vermelhas, escrito
“CABOCLINHOS”, distribuídas pela prefeitura. Se antes desfilavam com o busto nu,
hoje, isso já não é possível, devido à presença marcante de meninas no festejo. A camisa
é doada e varia de ano em ano. Além dessa que vão vestidos, em 2005, ganharam
outras, azuis, no início do primeiro cortejo são um peso a mais, carregado por Dona
Lena.
64
Um comentário à parte sobre a cor da camisa: o vermelho tem um significado
especial para os caboclinhos por ser a cor da Bandeira do Divino, do qual são devotos.
Segundo Seo Joaquim foi por intermédio do Divino Espírito Santo que os indiozinhos
atravessaram a mata e chegaram à cidade para serem batizados. As crianças carregam
pequenos arcos com flechas acopladas uma vez receberam através de doação vários
arcos e flechas que nunca foram utilizados porque Seo Joaquim tem medo de que as
crianças se machuquem com eles, achou-os muito pontiagudos. Servem para enfeitar a
sua casa.
Desde que Seo Joaquim e sua filha Socorro assumiram a organização dos
caboclinhos, em 1982, as personagens femininas são representadas por mulheres, ao
contrário do que ocorria inicialmente, segundo relato de Paula (1957). Outro fato é que
na caboclada de Seo Joaquim, não existe uma obrigatoriedade de saírem todas as
personagens se é que em algum dia existiu. Em 2004, não desfilaram a Mamãe-vovó,
nem o papai-vovô, Pantalão e Capitão Campó. Da mesma maneira, não foi dramatizado
o rito da trança de fita. A cacicona e o caciquinho, estes sim são figuras de destaque
Socorro e Weldson. Seo Joaquim, de viola ou de rabeca, dá o tom para a orquestra.
São trinta e dois caboclinhos, que seguem os violeiros, as bandeiras, a cacicona,
a mamãe-vovó e o papai-vovô. Dos três grupos que fazem a festa (marujos, catopês e
caboclinhos) é neste último que observamos a presença de mulheres, tanto adultas
quanto crianças. Na verdade, dos trinta e dois caboclinhos, somente cinco são meninos.
Também uma mulher que vai à frente com dois homens rodopiando com as
bandeiras. Tradicionalmente, os porta-bandeira, função presente em todos os grupos da
festa, são homens, mas, não na caboclada de Seo Joaquim.
A pedido da prefeitura apresentaram a “trança do cipó”. Segundo Seo Joaquim
“não deu tempo de ensaiar os meninos direito, mas pro ano que vem vai ficar melhor”.
65
muito tempo, os caboclinhos deixaram de apresentar os seus atos, seguindo
simplesmente o cortejo. Segundo ele, as pessoas reclamavam que as apresentações
demoravam muito e atrapalhavam o decorrer da festa como um todo. “Mas, a gente
ensaia, os meninos sabem fazer, só não fazem porque não dá tempo”.
Seo Joaquim foi o responsável pelo ressurgimento dos caboclinhos nas festas de
agosto, ou, como diz ele próprio:
“Minha menina Socorro pegou, ela tocava muito bem
viola e ela tomou conta. eu tive de voltar, para ajudar
ela. Ela saiu fora, casou e ficou prá lá e eu tive que tomá
conta, peguei a cabeceira. Mas, sempre ela nunca me
largou, agora mesmo ela vai vim, que ela tá na roça”.
Os catopês mais velhos questionam a presença de mulheres no grupo da
caboclada. Aos comentários, Seo Joaquim responde que sabe que existe o tal de
machismo, mas pergunta se em algum lugar tem escrito que é permitido aos
indiozinhos meninos festejarem e adorarem Nossa Senhora e o Divino. Os caboclinhos
sem a presença das meninas, seria um grupo reduzido a cinco simplesmente. Cada vez
mais, as mulheres vão tomando espaço nas danças folclóricas que antes se constituíam
em lugares marcadamente masculinos, e como tais cheios de uma simbologia referente a
este universo. Neste sentido, além do terno de Seo Joaquim Poló, também em
Bragança Paulista, a marujada que “se apresenta em duas filas de marujas guiadas pela
capitoa e pela subcapitoa, seguidas pelos tocadores e demais marujos” (Côrtes, 2000, p.
46). ternos com catopéias pelo interior do Brasil
27
, mulheres tocando em folias
28
.
Duas filhas de Seo Joaquim Poló são violeiras num terno de folia em Montes Claros. As
27
No município de Bocaiúva, desde 2005 que o terno de catopê é dirigido por uma mulher, a filha do
antigo mestre que antes de falecer pediu-lhe que mantivesse a tradição.
28
Em Gado Bravo, município de Matias Cardoso há um terno de folia de reis composto por mulheres.
66
falas de Seo Joaquim e sua esposa Dona Lena resumem o orgulho de verem suas
“meninas” se sobressaindo neste mundo transmudado por elas.
Seo Joaquim: - “Agora eu falei: ‘Cês reúnem seus chefes
de folia e vai disputar com elas duas pra se eles
ganham”.
Dona Lena: - “Em janeiro, pode ir todas as folias, mas se
Joaquim não for com essas meninas não tem folia”.
Seo Joaquim: - “Elas são as duas pessoas principais de
dentro da folia”.
Dona Lena: - “Se elas num for o povo reclama. Pergunta:
por que que as meninas num veio?”.
Os caboclinhos, atualmente, não existem sem a família de Seo Joaquim Poló.
Toda a sua gente está agregada à manifestação, inclusive sua esposa que prepara os
lanches nos ensaios e segue paralela ajudando no que pode. “Brincam” sete filhos e
quatro netos os “postos” mais importantes são dos seus filhos o caciquinho, a
cacicona, quase todos os violeiros (inclusive uma violeira) e os porta-bandeiras. no
primeiro dia de reinado, o terno não sai completo. O motivo: segundo Joaquim é que “o
patrão não libera”.
“Então eu tenho a menina que é a chefe de todos, né.
tenho aqui um rapazinho que no lugar dela sendo
o chefe. Ele comanda tudo, faz tudo né?. com 11 anos
de idade, mas sabe fazer de tudo, ele toca viola, toca
violão... Então, ele que tomando conta no lugar dela até
ela chegar, a hora que ela chegar ele vai para a viola e ela
também para a viola e ... ela na roça, o marido dela
trabalha na fazenda. Ela vai chegar agora dia 15 para
pegar essa parte. E eu fico tomando conta das outras
partes, eu faço tudo, eu mexo com instrumento, mexo
com flecha... Eu o deixo cair essa tradição... eu tenho
medo desse velho que já tá aqui se chegar a cair não achar
ninguém pra tomar conta, mas eu acho que daqui de
dentro vai nascer um que vai tomar conta... pra num
deixar morrer
29
”.
29
Entrevista dia 09 de julho de 2005.
67
Esse um, é Weldson o de 11 anos. Não que todos não sejam entusiasmados
com a festividade, mas é que Weldson tem “talento”. Ele, além de ter o reconhecimento
do seu grupo, de seu pai, de sua irmã e de seus irmãos, possui eficácia simbólica, como
na perspectiva levistraussiana de análise do reconhecimento social do xamã. “Ele sabe
como ele brinca, como agir, como fazer tudo e tem voz e tudo isso e sabe as músicas
todas, então ele sabe como erguer e todo mundo já respeita ele como chefe”.
A trança do cipó: análise de discurso
Como foi dito acima, em 2005, a pedido da prefeitura os caboclinhos fizeram a
trança do cipó, que não faziam algum tempo. Paula (1957) registra que além dela, os
caboclinhos também apresentavam a “dança do mastro ou trança da fita”.
A trança do cipó “é composta de quatro atos independentes: arapuca, quejeme
(casa, rancho), tango e banguê” (Paula, 1957, p.169). No primeiro ato, quando a
cacicona ordena, os caboclinhos iniciam uma dança trançando o cipó até formarem a
arapuca, na qual se prende o caciquinho. O segundo ato quejeme consiste na
formação de “um corredor, cujos dois lados são constituídos pelos caboclinhos e o teto
pela“trança do cipó” (Paula, 1957, p.169). Seguindo as ordens da cacicona, o
caciquinho fala com o papai-vovô para dar um passeio no quejeme que mandou fazer
para ele. Como observou Paula:
“O papai-vovô mexe, vira, faz uma graçola, umas
piadas e se mostra receioso de atravessar o corredor.
A Cacicona ordena:
- Caciquinho, fala com mamãe-vovó para entrar no
quejeme com papai-vovô.
68
O caciquinho o recado. Após muitas ‘piruetas’ os dois
velhos entram no corredor vagarosamente, com muito
receio.
Os caboclinhos cantam:
Lá evém papai-vovô – bis
Lá da mata do Pessanha – bis
Viemos comendo cobra – bis
Bebendo ovos de aranha – bis
Nisso, a ‘trança do cipó despenca em cima dos velhos,
mas papai-vovô salta de lado, deixando a mamãe-vovó
presa. Isso é motivo de muita troça, muita piada e os
caboclinhos cantam na música de “Lá vem papai-vovô”:
Quem matou papai-vovô – bis
Foi um grande matador – bis
Quem matou mamãe-vovó – bis
Foi a trança do cipó – bis
30
Repetem muitas vezes isso e terminam o ato soltando
mamãe-vovó” (1957, p.170).
Segundo Paula (1957), o ato “tango” consiste na dança praticada entre o
intervalo de duas quadras e o ato banguê, “consiste em formar uma cruz com os cipós
trançados”, enquanto dançam. Apesar de não cantarem, a letra da música nos é
apresentada pelo autor:
“Pipoca/ amendoim torrado/ casei com uma véia/ fiquei
logrado... Se eu tivesse/ com a barba de bode/ eu ia no
barbeiro/ fazer o bigode... Se eu tivesse/ com fome de
cachorro/ eu pegava uma ia/ e dizia que morro... Se eu
soubesse/ que vinha de lá/ biscoito de doce/ docinho de
araçá” (1957, p.171).
O relato da trança do cipó feito por Paula (1957) não sofreu muitas alterações.
Sem dúvida, a dramatização da trança do cipó revive o doloroso processo de
30
Esses versos populares são citados na canção “Jaíba” gravada pelo Grupo Agreste, grupo regional que
fez sucesso nos anos 1980 e que teve seus dois discos remasterizados pela Universidade Estadual de
Montes Claros, em 1999.
69
catequização dos índios brasileiros pelos jesuítas portugueses. Freyre (2003) afirma que
“o missionário tem sido o grande destruidor de culturas não européias, do século XVI
ao atual; sua ação mais dissolvente que a do leigo” (2003, p. 178). Classificando as
causas da degradação da raça e da cultura indígena no Brasil, Freyre cita a abolição “da
autoridade dos chefes (...) da autoridade dos pajés, mais visados que aqueles pela
rivalidade religiosa dos padres e mais importantes que os morubixabas” (2003, p. 180)
31
. Talvez, venha daí a representação do papai-vovô e da mamãe-vovó dentro da
dramatização da “trança do cipó” pelos caboclinhos de Montes Claros como figuras
cômicas, destituídas de todo o respeito que a tradição pressupõe que se tenha aos seus
atores mais velhos, dentro de uma comunidade. A desvalorização, que se encerra no
assassinato de ambos, se num contexto em que, à Igreja Católica interessa
ridicularizar os rituais sagrados dos indígenas, juntamente com aqueles que sendo mais
velhos guardam a história sagrada do seu povo. A cacicona aparece então como aquela
que trama a morte da mamãe-vovó e convence o caciquinho a fazê-lo junto com os
outros indiozinhos na trança do cipó
32
. Assim, a cacicona, mais aberta ao novo, sacrifica
todos os cultos dos seus antepassados em função da nova religião que vai se impondo ao
mundo. Sem as figuras memoriais do papai-vovô e da mamãe-vovó, os índios podem
ser conduzidos, pelo Divino Espírito Santo, através da floresta, para serem batizados na
Igrejinha do Rosário, enquanto cantam: “Quem matou papai-vovô? Foi um grande
matador/ Quem matou mamãe-vovó? Foi a trança do cipó. Esses dois personagens
podem ser vistos como símbolos da resistência indígena ao massacre dos indígenas
brasileiros, tanto no sentido físico nas mãos dos apreadores de índios quanto no sentido
31
Reproduzimos aqui uma nota de Freyre, obra citada, p. 243: “Às léguas”, diz Afonso De E. Taunay,
“fugiam os pajés dos detestados inacianos, que a seu turno os abominavam, infelizmente, pois das
informações dos pajés muito se poderia ter aproveitado” (“A fundação de São Paulo”, vol. 3 tomo
especial do Congresso Internacional de História da América, Rev. Inst. Hist. Geog. Bras., Rio de
Janeiro, 1927).
32
Neste sentido, Freyre nos adverte sobre o papel que o menino indígena representou como veículo
civilizador do missionário católico junto ao gentio.
70
simbólico nos feitos da catequização. Os índios mais novos fazem-se cúmplices dos
invasores: “tornou-se o inimigo dos pais, dos pajés, dos maracás sagrados, das
sociedades secretas.(...)”, à medida que conseguem dessacralizá-la aos olhos dos
curumins:
“Às vezes os padres procuraram, ou conseguiram, afastar
os meninos da cultura nativa, tornando-a ridícula aos seus
olhos de catecúmenos: como no caso do feiticeiro referido
por Montoya. Conseguiram os missionários que um velho
feiticeiro, figura grotesca e troncha, dançasse na presença
da meninada: foi um sucesso. Os meninos acharam-no
ridículo e perderam o antigo respeito ao bruxo, que daí em
diante teve de contentar-se em servir de cozinheiro dos
padres. (Freyre, 2003, p. 218)”
Assim, os indiozinhos brasileiros, que agora nem índios são mais, e sim,
caboclinhos, são incluídos na religião católica e na cultura brasileira
33
. Um doloroso rito
de passagem transforma-os em quase brasileiros, a partir do momento em que
abandonam sua tribo, atravessam a floresta, simbolicamente protegidos não pelos
espíritos da floresta, mas pelo Espírito Santo e chegam até a Igreja.
Em um sentido simbólico a trança-do-cipó pode ser compreendida a partir da
afirmação de Freyre (2003) como, “o processo civilizador dos jesuítas [que se] consistiu
principalmente nesta inversão: no filho educar o pai; no menino servir de exemplo ao
homem; na criança trazer ao caminho do Senhor e dos europeus a gente grande”
(Freyre, 2003, p. 218)).
33
Cardoso de Oliveira (1996) ao estudar a situação de contato vivida pelos Tükuna com a sociedade
nacional discute a ambigüidade do caboclo, que não é mais indígena e nem é brasileiro. Nessa posição
ambígua é desenvolvida toda uma ideologia, o caboclismo, semelhante àquela do pensamento hegeliano
baseada na relação senhor x escravo. CARDOSO, Roberto de Oliveira. O índio e o mundo dos brancos.
Campinas: Editora Unicamp, 1996, 4ª ed.
71
A trança-do-cipó dramatizada e revivida anualmente pelos caboclinhos é uma
pantomina alegórica do massacre dos índios brasileiros. Simbolicamente, é uma crítica
mordaz à sociedade que até hoje tem dificuldades em aceitar a identidade indígena. Os
caboclinhos, como elemento do símbolo dominante, dessa forma, significa a
persistência e resistência da cultura indígena, colocada em um ritual que festeja as raças
formadoras da sociedade nacional em geral e da sociedade montesclarense em
particular.
Neste capítulo foram apresentadas as origens das Festas de Agosto,
demonstrando seu caráter de “tradição inventada” na medida que sua formação, como se
conhece hoje, é fruto da intervenção do bispado local , que alterou o ritmo de tradições
populares locais, fundindo três festas em uma. Isto não significou o fim da devoção dos
fiéis que adaptados às novas datas continuaram a “instaurar anualmente o tempo
sagrado na terra”.
Observou-se que as Festas de Agosto representam algo não para os grupos de
Congado que no momento do ato sagrado expressam uma religiosidade mística e
transcendente, mas também para a comunidade como um todo, demonstrando o caráter
social que todo ato religioso possui.
Ao interpretar o significado atribuído às “fardas” dentro do ritual, foram
apontados os sentidos ocultos trazidos pela tradição que não devem ser buscados dentro
de uma racionalidade prática. Ao mesmo tempo, foi proposta uma crítica à maneira
como os órgãos públicos intervêm nos rituais de cunho popular.
O caráter dinâmico da tradição foi particularmente observado na trajetória dos
caboclinhos desde que Seo Joaquim assumiu sua organização. A inserção consciente de
mulheres no terno dos caboclinhoso que ainda não se observa nos ternos de catopês e
72
de marujos é de uma importância simbólica que diz muito sobre a atualidade da
tradição. Também é relevante observar como se o envolvimento total da família de
Seo Joaquim com o terno dos caboclinhos, a partir de 1982, ano da “invenção dessa
tradição”. Eles não têm memória anterior sobre o evento, apesar do patriarca sempre ter
sido um “homem religioso”.
Por fim, a análise do discurso da “trança do cipó” reflete como esta manifestação
popular recria simbolicamente, ainda que transmitida de forma inconsciente, o massacre
dos índios brasileiros. A morte do papai-vovô e da mamãe-vovó expressa o fim das
tradições dos “vencidos”, entretanto, enquanto ato ritual de resistência os caboclinhos
reafirmam algo da cultura indígena que, ainda, possuem como quase brasileiros.
73
CAPÍTULO III:
TRADIÇÃO, FOLCLORE E CULTURA POPULAR NAS FESTAS DE AGOSTO
74
O capítulo três contém algumas discussões sobre tradição, folclore e cultura
popular aplicadas ao universo específico das “Festas de Agosto” em Montes Claros.
foi feita uma apresentação teórica sobre a tradição no primeiro capítulo, enfatizando
como foi construída, enquanto discurso, como oposição à modernidade, estando os
modos tradicionais fadados ao desaparecimento. Mas, a tradição permanece, por vezes,
até mesmo, para legitimar novas ações devidamente planejadas. Ocorre no mundo
moderno uma constante revitalização da tradição no cotidiano corriqueiro das pessoas
comuns sem nenhum tipo de planejamento racional. A descrição etnográfica do objeto
de estudo apresentado tenta mostrar como esse ritual sagrado, de âmbito tradicional, se
mostra a conhecer hoje, no mundo moderno. A análise de um ato festivo - a trança do
cipó é lida como uma quebra de tradição, uma ruptura nos elos de transmissão da
memória indígena. O entendimento da tradição como ato de transmissão daquilo que foi
passado a alguém por outrem, faz com que persista de maneira significativa. Não
havendo transmissão, a tradição se rompe a partir do momento em que os valores
morais e religiosos vividos são substituídos por novos simbolismos formadores de um
novo imaginário social que se reproduz e se expressa em crenças e rituais, ou seja, como
“atos de sociedade” como afirmado por Dürkheim (1996).
Soma-se a essa discussão algumas análises sobre folclore e cultura popular. São
temas que por vezes se confundem, mas que não foi, ainda, abordado nesta dissertação e
que são importantes para uma melhor compreensão da nossa temática. Historicamente,
duas perspectivas são apresentadas: uma romântica, que exalta o popular, e outra
evolucionista, que inicia a discussão sobre níveis e diferenciação de culturas. Em
seguida são apontados alguns autores que problematizam essas questões.
75
Perquirindo a tradição
O tempo é algo de difícil compreensão e nos interpela em todos os momentos:
no antes, no agora e no depois. Expressões como “no tempo dos meus avós” ou
“naquele tempo” demarcam as linhas do passado, deixando-o distante do que é o
presente. Mas, de alguma maneira, “o tempo dos avós” se mostra no hoje. E encontrar
suas pistas nos recalques da vida é o que a sensação não da repetição, mas do
contínuo, do moto-contínuo que faz com que passado, presente e futuro se vejam e se
costurem. A “tradição” é este contínuo, que envolve o seu portador em um respeitoso
olhar para o passado e um humilde, mas não submisso, olhar para o presente e para o
futuro. Compreender o tempo na perspectiva da tradiçãoé possível numa perspectiva
não-iluminista, na qual a linearidade do tempo possa ser substituída pela real
complexidade dos espaços do tempo.
Observando diversas manifestações populares que compõem as festas de agosto
em Montes Claros, percebe-se a persistência desse tempo complexo, que vai e que volta,
que interage com o presente alterando-se permanentemente, mas mantendo-se no seu
âmago. Por outro lado, a ausência de manifestações que revivam algum ritual
tradicionalmente tido como sagrado não significa, necessariamente, que certa tradição
esteja morta. Apesar de não celebrarem anualmente “a trança do cipó”, a dança se
mantém viva, na memória de Seo Joaquim, que a transmite aos seus filhos e aos
caboclinhos que apesar da não dançarem, conhecem sua história, sua coreografia, sua
música e alguma interpretação. O mesmo se com a marujada de Seo Miguel
Sapateiro e Seo Nenzinho. Mais do que evento cultural que se desdobra também em
espetáculo, a tradição se vale da oralidade e da memória da comunidade para se
manter viva. Apesar disso, o desdobramento da tradição como ato de sociedade, naquela
76
perspectiva dürkheimiana, ou seja, a celebração material da tradição, mesmo
reproduzindo e expressando a comunidade que a realiza, encontra diversos empecilhos
no mundo moderno, como, por exemplo, a incompreensão dos não congadeiros sobre a
importância da participação dos congadeiros nos rituais, confrontando-se duas lógicas
de reprodução social distintas, uma vinculada à produção de riqueza e outra vinculada à
produção do homem, como na perspectiva marxiana sobre sistemas de produção social.
A tradição, enquanto ligada a algo de caráter religioso e sagrado, é tida como
pertencente ao mundo da comunidade, particular e separada de outras instâncias do
mundo, como o trabalho e a escola. Esta fragmentação do mundo, que separa o sagrado
do profano, é uma característica das sociedades modernas, que dessacralizadas, não dão
ao místico, um tratamento particular. Por isso, um dos porta-bandeiras da caboclada
participa do cortejo no Domingo; o mesmo ocorrendo com o “piloto” da marujada de
Seo Miguel Sapateiro. Assim, muitos dos devotos se vêem divididos entre esses dois
mundos que antes se integravam em um só. A memória permanece, mas nem sempre é
possível manifestá-la. A não manifestação do evento não deve ser suficiente ao
pesquisador para condenar certa comunidade por não preservar suas tradições”. Da
mesma forma, as alterações que determinada tradição sofre pelos contratempos da
mudança não decretam seu fim.
Neste aspecto, contribui para a argumentação, os conceitos de “tradição-
nostálgica” e “tradição-princípio” propostos por Pereira e Gomes (2002). Eles o
construíram em seus estudos desenvolvidos na comunidade negra dos Arturos, existente
em Contagem, Minas Gerais. Estes celebram, anualmente, suas festas religiosas,
transformadas em eventos locais, e comentam que havia um uníssono entre pessoas
externas à comunidade de que “os Arturos estavam perdendo a tradição”. Isso porque os
equipamentos modernos mudavam o cenário da festa, fazendo com que a festa não fosse
77
mais como antigamente. A análise dos autores se aplica perfeitamente à Festa de
Agosto. Segundo eles,
“estas celebrações, assim como a cultura popular dentro
da qual se situam, são analisadas como ‘a tradição’, que
tem como aval de autenticidade a manutenção de traços os
quais, do exterior para o interior, lhes são facultados como
essenciais. Assim, tradição ou é um estágio anterior do
evento ou uma produção intelectual imposta às
comunidades. Novamente a idealização atravessa o
caminho da tradição, transformando-a num retrato do
paraíso perdido ou numa projeção de desejos
individualizados” (2002, p. 120).
Segundo Pereira e Gomes (2002), os intelectuais que insistem em encarar
nostalgicamente, a questão da mudança dos eventos, “suspiram mais pela ruptura de
sonhos pessoais do que pela necessária mobilização dos eventos sociais”. Comentando
Achebe, Pereira e Gomes (2002) dizem ser a tradição um processo dialético, “no qual as
interlocuções entre preservação e mudança se realizam como requisito básico para a
existência da própria tradição”. Entendida, então, “como preservação e mudança
simultâneas”, a atualização da tradição, com novas roupagens não deveria causar
nostalgia, embora Pereira e Gomes aceitem que isso possa acontecer em relação ao
evento. A tradição não deve ser entendida como evento; e “as classificações de velho e
novo, embora aplicadas à tradição, caem melhor aos eventos” (2002, p. 121). A
corrosão que ameaça os eventos não afeta a tradição, pois “só pode aspirar a ser tradição
aquilo em que respira a perspectiva da mudança”. Novamente os autores citados
recorrem a Achebe para dizerem que “a tradição não é a ‘necessidade absoluta e
inalterável”.
Na produção discursiva sobre a tradição, Pereira e Gomes (2002) constróem
duas linhas interpretativas: “uma que a subordina ao tempo linear, outra que a apreende
78
fora desse eixo”. Quando se subordina a tradição ao tempo linear, passamos a
compreendê-la como “sucessão de eventos regida por uma norma que traça um caminho
do período áureo para a decadência” (2002, p. 122). Por isso, as festas do passado
sempre seriam melhores do que as de hoje, e imbuídos desse espírito cunham a noção
de tradição-nostálgica, vista por eles como o estímulo para “restaurar os eventos”.
Quando fora do eixo do tempo linear, os autores afirmam a possibilidade da
interferência do novo e, para operacionalizar suas leituras de tradição constroem a
noção de tradição-princípio. Para os autores, “se a tradição nostálgica entra em choque
com o novo e se aparta dele, a tradição princípio admite o conflito e o torna alimento de
sua atividade” (2002, p. 123).
Assim como lido na comunidade dos Arturos em Contagem por Pereira e Gomes
(op.cit.), nas Festas de Agosto em Montes Claros, os ternos dos catopês, marujos e
caboclinhos também vivenciam simultaneamente a tradição-nostálgica e a tradição-
princípio. A insistência com que a Secretaria Municipal da Cultura pediu aos Mestres
Joaquim Poló e Miguel Sapateiro para realizarem respectivamente a “trança do cipó” e a
“morte do patrão”, como antigamente, se inserem nessa tentativa de resgatar
“nostalgicamente” algo do passado da origem, que vem se perdendo. a tradição-
princípio é que possibilita aos ternos aceitarem a introdução de eventos no conjunto de
rituais, como a realização do “encontro com o imperador” em 2004, que passou a
ocorrer no sábado anterior ao começo dos rituais até então realizados, ou, como a
introdução de pessoas não investidas de funções da tradição do congado no espaço
sacralizado em torno do mastro. Aceitam as interferências externas como filmadoras,
pesquisadores e gravadores como sinal das “mudanças dos tempos”; como algo inerente
ao processo no qual estão inseridos.
79
Ao observar os caboclinhos de Montes Claros, percebe-se que a família de Seo
Joaquim Poló é fundamental para a continuação dos mesmos no conjunto de rituais que
organizam as festas de agosto. Todos seus filhos e quatro netos participam, além de sua
esposa que acompanha o cortejo, ajudando no que é preciso. Nos dias de ensaio, que são
feitos na casa de sua família, é ela quem prepara o suco para os caboclinhos. Além
disso, Seo Joaquim acredita que um dos seus filhos, Weldson, hoje com onze anos, é
que vai tomar conta quando ele se for, “para nunca deixar morrer” a tradição que retirou
das brumas do passado desde 1986, para restaurar o esplendor das festas de agosto que
já foi interpretada como a festa local das raças.
Pereira e Gomes (2002) afirmam que “a organização social dos devotos revela
que a família vem sendo, ao longo de rias gerações, o eixo fundamental para a
preservação e a mudança da vivência religiosa”. Em seu trabalho de campo entre os
Arturos, se depararam com a “íntima ligação estabelecida entre a prática religiosa
(pertencimento ao Congado) e o grupo social (pertencimento a uma família)” (2002, p.
124). Constata-se o mesmo em relação aos caboclinhos em Montes Claros: a guarda de
caboclos do Congado de Montes Claros é formada, em seus cargos principais, pela
família de Seo Joaquim porta-bandeira, caciquinho, cacicona, violeiros, rabequeiro,
além do que, são eles que organizam o evento, introduzindo na prática religiosa,
crianças vinculadas ao grupo social por relações de parentesco, compadrio e vizinhança.
Consciente disso, Seo Joaquim prepara, indiretamente, o filho que acha mais apto
para assumir o controle depois dele.
Assim como toda a festa, o evento dos caboclinhos também gravita nas órbitas
da tradição-nostálgica e da tradição-princípio. Seo Joaquim Poló tem o mérito de ter
conseguido, junto com sua filha Socorro, inserir os caboclinhos permanentemente no
80
cortejo das Festas de Agosto
34
. Antes de assumir o comando em 1986, os caboclinhos
passaram pelas mãos de vários mestres, que por razões diversas, abandonavam a função
requerida pela sociedade local.
Percebe-se, a partir do envolvimento de toda a família de Seo Joaquim com o
evento, que dura vinte anos, que ele conseguiu com que seus filhos vissem um
sentido na tradição. Isso não ocorreu, especificamente, devido ao envolvimento emotivo
de Seo Joaquim com os caboclinhos. Em sua argumentação, ele diz que “precisava de
alguém para levantar a caboclada e eles acharam que eu seria o indicado”. Por isso, Seo
Joaquim diz ter buscado na memória, todas as lembranças que possuía da caboclada,
para reconstituí-la junto com sua filha Socorro. Foi a caboclada que encontrou um solo
fértil capaz de produzir frutos uma família voltada para o sagrado, capaz de resgatá-la
graças, ao que poderíamos chamar aqui de tradição-nostálgica.
Antes de “levantar” a caboclada, Seo Joaquim foi catopê e também marujo.
Além dos caboclinhos, ele tem um grupo de folia de reis em que seus filhos e filhas
participam. Percebe-se que o contato com o sagrado existia dentro da família, isto
facilitou o envolvimento de todos com um evento (caboclada) que conheciam devido
à tradição. É possível ler Seo Joaquim Poló como uma pessoa, naquele sentido
maussiano de pessoa moral
35
, que contem todos os membros de seu grupo, que
permanece no tempo através das gerações. Como pessoal moral, Seo Joaquim Poló, ao
dar fundação a um circuito de reciprocidade como caboclinho, resgata o circuito da
dádiva, vivido como catopê ou como marujo, inaugurado anteriormente, por outra
pessoal moral, do grupo familiar de que faz parte. Ao assim fazê-lo, Seo Joaquim Poló
procura re-encadear os elos da reciprocidade que por um tempo ele havia rompido. Essa
leitura é realizada ao se olhar sua entrada nos ternos de Catopês e de Marujos,
34
Desde 1986 que Seo Joaquim Poló comanda a caboclada. De lá prá cá, apenas uma vez, o terno dos
caboclinhos não saiu.
35
Neste sentido vide Mauss (2003), seu estudo sobre a dádiva.
81
anteriormente, após seu retorno a sua cidade natal. E, num gesto, que no futuro o
elevará à condição de ancestral fundador dos Caboclinhos, propicia, por um lado, à
sociedade local narrar suas raízes históricas, culturais e étnicas e, por outro lado,
garantir que seus ancestrais se vinculem aos seus descendentes no interior do circuito da
dádiva, fazendo-se, assim, mais que um agente da tradição. Ele resgata a honra familiar,
que por um lapso do tempo, fora colocada em suspensão.
A outra órbita na qual também gravita a família de Seo Joaquim, a tradição-
princípio fundamenta uma ação moderna de Joaquim Poló: a inserção de mulheres no
ritual do Congo, “tradicionalmente” dançado apenas por homens.
O ato de resgatar uma guarda do Congado, mas sem a ilusão de querê-lo idêntico
aos dos antepassados traduz a vontade de Seo Joaquim de também deixar suas marcas
na tradição, fazendo com que sua caboclada também tenha uma identidade. Como
afirma Pereira e Gomes (2002), “é na tensão estabelecida entre preservar e mudar que
os devotos forjam sua identidade ou identidades e apontam o desafio de reconhecer em
que situações é mais pertinente fazer valer um sentido ou outro da tradição”. Os atritos
que ocorrem entre os mestres do Congado por exemplo, alguns não aceitam a postura
de Joaquim Poló de inserir mulher no terno – demonstram que o espaço da tradição é de
discussão e de inter-relação, que nos faz pensar em diferentes vertentes da tradição. Os
atores envolvidos em determinado ritual não formam um uníssono sobre o que deve
mudar e o que deve permanecer, existe um conflito permanente.
Neste sentido, Pereira e Gomes (2002), afirmam que “a lógica da tradição
estabelece a necessidade da ocorrência desse momento e tentar impedi-la sob pretexto
de ‘salvar a tradição’ pode ser uma atitude que contrarie a própria tradição”
36
. Enfim, ao
assumir a caboclada, procurando resgatar para a sociedade local uma tradição-
36
Vide o episódio da “roupa” no rito de passagem: não houve consenso entre os mestres sobre a
utilização das fardas no primeiro dia antes do levantamento do mastro.
82
nostálgica que deixara de ser atualizada, o sujeito Joaquim Poló “constrói um modelo
daquilo que deve ser preservado ou do que precisa ser impulsionado pela mudança”. E,
ao realizar o seu gesto fundador dos caboclinhos realiza um ato embebido naquela
perspectiva de uma tradição-princípio que “surpreende com as possibilidades
inumeráveis resultantes de sua dialética de preservação e mudança” (Pereira e Gomes,
2002, p. 129) A tradição-nostálgica por si não preenche os dilemas do homem pós-
moderno, pois:
“o sujeito da tradição nostálgica não aceita a mudança dos
rituais ou do discurso que os fundamenta, censura os
jovens porque julga que eles nem chegam a aprender o
passado. A tradição, nesse caso, exibe a face da
permanência e pode significar para o grupo uma opção
segura. Por isso tende a prevalecer a opinião dos mais
antigos, em alguns casos, acompanhada da volta aos
esquemas primordiais de reza, dança, canto, vestimenta,
iniciação. O fechamento dos sujeitos implica uma
preparação para que eles se tornem melhor do que são: a
lógica consiste em voltar ao passado de onde o Eu emerge
melhor do que no presente e pode, portanto, pensar o
futuro como horizonte da esperança.
Por outro lado, a pós-modernidade se mostra tolerante
com as diferenças de comportamento, porém exige mais
cuidado na relação entre o Eu e o Outro, que ambos se
colocam mutuamente em risco. A vigilância cede lugar à
noção de risco, pois o que limita a ação dos sujeitos é a
emergência do possível com seus múltiplos rostos. Não se
espera do sujeito que seja deste ou daquele modo, mas
que seja capaz de mudar e possa pensar o futuro além dos
limites que lhe são impostos pelo medo da perda do que
hoje existe” (Pereira e Gomes, 2002, p. 130).
A tradição-princípio prevê a ocorrência das mudanças como risco e estimula
situações nas quais os sujeitos terão de se mobilizar. Os autores nos quais é baseada a
interpretação advertem que esses termos tradição-nostálgica e tradição-princípio são
proposições teóricas que não se fecham como categorias absolutas. Apresentam-nos
como partes intercomplementares de um mesmo fenômeno, evitando atribuir valor a
83
uma ou outra. Para eles, “ambas se relacionam dialeticamente e a questão de sua
coerência em determinado contexto é fruto da opção dos sujeitos” (2002, p 135). Não
existe hierarquização entre elas, o sendo assim, uma categoria melhor que a outra,
seja por nostalgia ou por princípio, ambas são apenas construções teóricas para se
entender a tradição vivida por grupos sociais, atualizando o mundo vivido por seus
ancestrais, mas colocando nela o mundo vivido por eles mesmos. É o “discurso
cotidiano das comunidades (...) que delineiam a sua pertinência como fenômeno social”
como afirmam os autores. (2002, p.135)
Essas categorias aplicadas aos Arturos em seus rituais de Congado, à Festa da
Capina e à Folia de Reis nos ajudam a compreender melhor também, as Festas de
Agosto de Montes Claros.
Folclore: problematização do conceito
A problematização do folclore é pertinente porque as Festas de Agosto são vistas
como patrimônio do “folclore” da cidade e dessa maneira são estudadas na escola. Da
mesma forma, os próprios devotos m consciência do termo e o reafirmam como
categoria social local. Essa leitura pode ser vista nos discursos de Joaquim Poló, que
disse “então brinca dentro do folclore...” e de Dona Lena que afirmou “tem tanta gente
querendo mudar, mas o folclore, nós segura ele...”
37
. Curioso observar que a fala insere
o folclore no universo da brincadeira. Mas, como entendê-lo pelo olhar dos teóricos que
sobre o assunto propuseram discussões? Em qual vertente podemos inserir o conceito de
folcore assimilado por alguns mestres?
37
Frases de Joaquim Poló e Dona Lena, recolhidas em entrevista já citada. Também escutei os mestres
Miguel Sapateiro e João Faria utilizarem a palavra folclore referindo-se à festa.
84
Pode-se pensar o folclore em pelo menos três perspectivas. A primeira, da qual
nasce o termo, compreende a visão romântica de preservação e resgate do saber popular.
De acordo com Ortiz (1985), a palavra “folclore” foi criada na Inglaterra, no início do
século XIX, por William John Thoms, membro da classe média que juntamente com
outros da mesma classe se reuniam nos chamados clubes de antiquários para discutir e
publicar livros e revistas sobre as antiguidades populares. O termo surge pela primeira
vez em um de seus artigos:
“(embora seja mais um saber do que uma literatura, e
seria mais apropriado descrevê-lo por uma boa
combinação saxônica, Folk-Lore o saber do povo) que
não é sem esperança que lhes peço ajuda para cultivar as
poucas espigas que existem dispersas no campo, e que
nossos antepassados juntaram numa boa colheita. Todos
aqueles que estudaram as maneiras, os costumes, práticas,
superstições, baladas, provérbios etc., dos tempos antigos,
devem ter chegado a duas conclusões: primeiro, o quanto
tudo isto é curioso e que o interesse por elas está agora se
perdendo; segundo, o quanto pode ainda ser recuperado”
(Thoms citado por Ortiz, 1985, p.38)
Com o intuito de “não deixar morrer” o saber popular que parece a esses
estudiosos ser “tão curioso”, na segunda metade do século XIX, pessoas vão se
aperfeiçoar nesse tipo de pesquisa e se autodenominam “folcloristas”. Em 1878, os
ingleses criam a Folklore Society primeira associação do folclore que pretendia
transformá-lo em ciência
38
. A tentativa de enquadrar as tradições populares numa
“ciência do folclore” pode parecer uma atitude positivista, mas também serviu para dar
status a esses estudos.
Segundo Ortiz, os folcloristas concebiam os estudos desenvolvidos por eles
como,
38
Interessante discussão sobre o folclore como método científico encontra-se em Fernandes, Florestan.
“O folclore em questão”, São Paulo: Martins Fontes, 2003.
85
“o corpo de conhecimento dos homens deseducados
[pois] o povo é um verdadeiro relicário, uma fonte de
achados, um conglomerado de remanescência de hábitos,
pensamentos e costumes perdidos, um verdadeiro museu
de antiguidades, cujo valor e preço é inteiramente
desconhecido por aquele que o possuía; o povo é o
arquivo da tradição” (Machado y Alvares citado por Ortiz,
1985, p. 39).
Comentando o pensamento de Certeau, Ortiz diz que os folcloristas se
contentam em mirar a beleza do morto, pois o que lhe interessa é o passado em vias de
extinção. Sendo assim, o que os estudos do folclore não conseguem é dar conta nem das
mudanças contínuas pelas quais passa o “saber popular” e nem da dinâmica existente
entre os diversos tipos de saberes, que impossibilita a ordenação histórica do
conhecimento a partir de classes populares. Apesar do longo tempo que separa o início
do século XIX do inicio do século XXI, o discurso de “preservação do folclore”
continua o mesmo e muito se parece com os argumentos vistos sobre a tradição
nostálgica. Essa interpretação das “coisas do povo”, não as compreende como um
sistema integrado de conhecimento, mas como fragmentos de conhecimentos de
“homens deseducados”.
Mas, por que somente a partir do século XIX vamos sentir a necessidade da
preservação do “saber popular”?. O apego às coisas do povo é a resposta do
Romantismo ao mundo elitista do Iluminismo cada vez mais racionalizado e
“desencantado”, envolto em valores progressistas e científicos que vêem todas as
tradições populares como sinais de atraso e ignorância. Nisso consiste a segunda
perspectiva de análise do folclore. A visão evolucionista que cresce no decorrer do
século XIX dentro das academias e entre as classes hegemônicas, espalhando-se depois
86
por toda sociedade, é de que os povos evoluem progressivamente de estágios culturais
atrasados até chegarem em níveis mais avançados.
Da mesma forma, o “progresso” não chega para todas as camadas sociais de
maneira uniforme, havendo por isso estratos sociais mais desenvolvidos e outros que
acompanham esta evolução com retardamento. O folclore se insere nesses estágios
atrasados, nos quais os saberes produzidos pelo homem são envoltos em misticismos e
crendices por serem “deseducadados”, forma elegante para não se dizer “primitivos” e
não incluir suas sociedades no alicerce da escala de evolução da cultura humana, como
olhado a partir do imaginário evolucionista daquele período.
Para os evolucionistas, insistir em preservar as tradições populares é reconhecer
que no cerne de sua própria sociedade, homens que não tiveram acesso à evolução e
ao desenvolvimento. Se observamos as Festas de Agosto sobre este aspecto, teremos de
um lado aqueles para os quais a manifestação “só serve para mostrar o quanto somos
atrasados”, conforme Souza (2003), e do outro aqueles que acreditam que devemos
preservar aquilo que vêm do povo e que faz parte das nossas raízes. Esses discursos
informam que o embate é entre aqueles que querem o progresso, novos valores, um
mundo moderno e aqueles que vivem voltados para o passado o velho e o novo, a
tradição e a modernidade.
Vê-se, pois que ambas as perspectivas são conseqüências do surgimento da idéia
de “progresso”. Tanto a dos folcloristas que insistem em preservar o saber “atrasado”,
mas puro e não corrompido do passado popular que está em perigo frente ao
“progresso” eminente, quanto à dos evolucionistas e positivistas que não vêem sentido
nesta preservação, visto que acreditam na superioridade do “progresso”. Enfim, segundo
Fernandes (2003) “o folclore nasceu de uma representação do desenvolvimento social e
cultural”. Este autor admitia que “os meios populares eram incapazes de ‘progresso’,
87
vivendo imobilizados pelo passado e por valores residuais da burguesia, única, aliás,
capaz de ‘progresso’, nessa concepção” (Fernandes, 2003, p. 43, grifos meus).
Mesmo com os problemas históricos que o conceito carrega, é necessário aceitar
como Fernandes (2003) que o folclore se erigiu em instrumento de consciência e de
interpretação da mentalidade popular brasileira”. Dessa forma, encontra-se uma nova
perspectiva de análise que vai além da visão romântica de simples preservação de
costumes arcaicos e do abandono por completo pretendido pelos evolucionistas. Para
este autor, o folclore “permite observar fenômenos que lançam enorme luz sobre o
comportamento humano, como a natureza dos valores culturais de uma coletividade, as
condições e circunstâncias em que eles se atualizam” (Fernandes, 2003, p. 10). Assim,
as coisas do povo, para ele, deveriam ser compreendidos “numa ordem de fenômeno
mais ampla a cultura [pois] os fatos folclóricos não passam de um aspecto da cultura
totalmente considerada e são fatos que se referem a modalidades diferentes dessa
cultura e, por conseguinte, podem ser explicados a partir dessa mesma cultura
(Fernandes, 2003, p. 49). Não é material para ser colecionado, mas fonte para se
compreender a “dimensão psicocultural das condições de existência social” (idem,
ibidem).
Sendo assim, o folclore pode dizer muito sobre o homem de hoje e não, do
homem antigo. O sociólogo paulista a natureza do folclore como “forma de saber e
como processo intelectual de criação ou de renovação de valores estéticos” (Fernandes,
2003, p. 23), que devem estar associados às situações sociais de vida. Em sua
interpretação, fortemente influenciada pela antropologia, o folclore: 1. Exprime
“modalidades do comportamento coletivo; 2. Vincula “às condições da vida social
organizada da comunidade, assumindo, por isso, o caráter de ocorrências que satisfazem
88
a necessidades psicossociais e socioculturais determinadas” (Fernandes, 2003, p.29)
39
.
E, ainda, o folclore se insere em todas as camadas sociais, sobrepondo-se às variações
restritas da vida de seus membros e às diferenças ocasionadas por essas variações [e
expressa] “o ideal social, criado pela sociedade sob a forma de valores” (Fernandes,
2003, p. 45).
Talvez seja uma tarefa árdua desvencilhar do “folclore” esse caráter
romântico que lhe acompanha de amor incondicional às coisas do passado, que apregoa
um passado melhor que o presente e a necessidade de conservá-lo. Mas, assim como
fazemos uma nova leitura da “tradição” como um espaço que não aceita a mudança,
mas a tem como parte inerente, fruto da ação humana de transpor para ela suas
identidades; devemos também reler o folclore, como sendo um campo de estudo amplo
que caracteriza o saber popular nas suas interseções com o presente.
O folclore, visto como algo próprio da cultura, é produzido nas relações
diárias, no comunicar-se diário. Todo tempo tem o seu folclore o conhecimento
oralmente transmitido que faz sentido para determinada sociedade. É do processo social
que na transmissão oral e na vivência social alguns saberes e manifestações persistam e
outros não. Uma política cultural de preservação do folclore funciona se os valores a
serem preservados interessam, fazem sentido para a comunidade; e, continuamente, se a
população se envolve na produção do que se pretende preservar. A contradição está no
fato de que se este envolvimento da população com o fato folclórico, as políticas de
preservação são desnecessárias. O folclore flui sem intervenção governamental. Na
maioria das vezes, as manifestações folclóricas produzidas sem um envolvimento da
comunidade ganham um ar artificial de produto produzido para ser consumido por
39
Importante fala de Florestan Fernandes sobre os estudos folclóricos: “Precisamos, com urgência
inegável, ampliar e elevar os padrões de trabalho intelectual, imperante nos estudos folclóricos, tanto no
que concerne à descrição quanto no que tange à interpretação das ocorrências folclóricas. Para isso,
vejo um caminho digno dos espíritos construtivos e da mentalidade científica: a colaboração
interdisciplinar” (Fernandes, 2003, p. 37, grifos no original meus ).
89
atores externos. Às vezes, certas manifestações “folclóricas” não estão mais presentes
no cotidiano da comunidade e continuam a ser relembradas por pequenos grupos
internos sem despertar maior interesse da comunidade e se transformam em “atos de
sociedades” restritas. É claro que são manifestações válidas, porém não respondem aos
verdadeiros anseios da sociedade como um todo.
Uma verdadeira política cultural de preservação do folclore não deve buscar as
raízes, o passado e trazê-lo de volta. O passado que interessa está atualizado no
cotidiano das pessoas simples. É dar destaque para manifestações que estão
presentes, mas marginalizadas.
também, que considerar, que a noção de folclore transformou-se em Montes
Claros em uma categoria local. Seu conteúdo informa, conforme demonstram Souza
(2003) e Costa (1995) a “invenção da intervenção do poder público municipal” nessas
festas, nos anos 1960. Nesse período, porque significavam o atraso local, foram
retirados os apoios das classes abastadas e com a morte de Dona Custodinha, os ternos
se desestruturam e apenas uns poucos catopês, capitaneados pelo mestre Zanza,
permaneceram atualizando a tradição. Ao entrar no processo, a prefeitura municipal
“inventou” o festival folclórico, que neste ano é o XXV e, por meio de alguns
folcloristas locais, disseminou pelas escolas municipais a prática da semana do folclore,
atualizada anualmente. Fruto desta estratégia de “preservação do folclore local”, é a
leitura que a imprensa, os professores universitários ou não, os funcionários públicos,
a polícia, enfim todos os membros da sociedade local fazem das manifestações culturais
vinculadas a Nossa Senhora do Rosário, que são vistas, afirmadas e informadas como
“folclore”. Assim, aquilo que era visto como “promessa” (Costa, 1995), depois como
“tradição” pelos congadeiros, passou a ser “folclore” e transformou-se em categoria
nativa desses mesmos congadeiros.
90
Festas de Agosto: interação entre “alta” e “baixa” cultura
Assim como o folclore, a noção de cultura popular também se origina no
Movimento Romântico, a partir dos meados do século XVIII, fortalecendo-se no século
XIX. Segundo Cavalcanti (2001),
“ao longo desse período, marcado pelos movimentos da
Reforma e da Contra-reforma, as elites européias
afastaram-se de um universo cultural do qual até então
haviam participado na condição de ‘biculturais’. Um rico
senhor que participasse de uma peregrinação não se veria
participando de um movimento ‘do povo’, pois sua
participação era parte integrante de uma cultura que,
embora diferenciada, era integralmente vivida como sua”
(2001, p. 70).
A fragmentação da cultura em dois pólos inaugura-se, “quando se reconhece,
intelectualmente, uma distância entre os modos de vida das elites e do povo”. Vemos
nascer, então, uma antinomia no interior da cultura de uma sociedade, pela criação da
oposição entre a cultura popular e a cultura de elite. Segundo Elias (1993, p. 249), “é a
necessidade de distinguir-se de tudo que é burguês que aguça” novas formas de
sensibilidade entre a elite. Da mesma forma que iam se refinando, iam também tomando
“asco do vulgar”, do pouco refinamento das classes mais baixas. O “medo social” fazia
com que “os membros da classe superior” mantivessem uma
“intensa vigilância com que observavam e poliam tudo o
que os distinguia das pessoas de categoria mais baixa; não
apenas nos sinais externos de status, mas também na fala,
nos gestos, nas distrações e maneiras. A pressão constante
exercida a partir de baixo e o medo que induzia em cima
foram, em uma palavra, algumas das mais fortes forças
propulsoras embora não únicas do refinamento
específico civilizado que distinguiu os membros dessa
91
classe superior das outras e, finalmente, para eles se
tornou como que uma segunda natureza” (Elias, 2003, p.
251, grifos no original).
Consequentemente à separação dos estratos sociais, vemos surgir os discursos
que colocam em lados opostos os grupos sociais internos a uma sociedade, fazendo
mesmo que aja uma oposição entre cultura popular e cultura de elite. Todavia, a
revolução industrial e o desenvolvimento cada vez maior de uma cultura de massa, na
qual os meios de comunicação têm um papel fundamental fizeram com que as pesquisas
sobre “apropriação” e “circulação” entre as classes voltassem à tona num cenário que às
vezes lembra a Idade Média de Menocchio. Hall (2003) afirma não haver um estrato
“autêntico” na cultura popular, saturada que está de imperialismo popular. Charttier
(1990) propõe que as “distinções primordiais expressas na maioria das vezes em pares
de oposição” high culture e popular culture tornaram-se objeto de problematizações
(1990, p. 54). E, Canclini (1998) sustenta esse mesmo ponto de vista: “as culturas já não
se agrupam em grupos fixos e estáveis e, portanto, desaparece a possibilidade de ser
culto conhecendo o repertório das ‘grandes obras’, ou ser popular porque se domina o
sentido dos objetos (...) de uma comunidade mais ou menos fechada” (1998, p. 304).
De acordo com Hall (2003), tentar escrever a história da cultura popular somente
a partir do seu interior, “sem compreender como elas são mantidas em relação às
instituições da produção cultural dominante, não é viver no século vinte.” Para ele, é
necessário relacionar o povo, a concentração e a expansão dos novos aparatos culturais,
considerar a “monopolização das indústrias culturais, por trás de uma profunda
revolução tecnológica” (2003, p. 253). Isto não significa que o povo, por essa
perspectiva assuma uma posição passiva em relação aos aparatos dominantes nem que,
por outro lado possa existir fora da lógica da indústria cultural, uma cultura popular
92
autêntica que não se deixa enganar por propagandas comerciais. O poder cultural
dominação e subordinação “é um aspecto intrínseco das relações culturais [pois] não
existe uma ‘cultura popular’ íntegra, autêntica e autônoma, situada fora do campo de
força das relações de poder e de dominação culturais. Em segundo lugar, essa
alternativa subestima em muito o poder da inserção cultural” (2003, p. 254). Percebe-se
que, muitas vezes o estudo da cultura popular desloca-se entre “dois pólos inaceitáveis:
da autonomia pura ou do total encapsulamento” (2003, p. 254)
Nessa questão, observa-se uma luta constante travada no interior das redes
culturais. Para Hall,
“esta é a dialética da luta cultural. “Na atualidade, essa
luta é contínua e ocorre nas linhas complexas da
resistência e da aceitação, da recusa e da capitulação, que
transformam o campo da cultura em uma espécie de
campo de batalha permanente, onde não se obtêm vitórias
definitivas, mas onde sempre posições estratégicas a
serem conquistadas ou perdidas” (Hall, 2003, p 255).
Ao que parece, as Festas de Agosto representam algo tanto para a cultura das
classes populares envolvidas quanto para a elite montesclarense; além de se constituir
em material simbólico também para a cultura de massa local e regional, devido à
veiculação de emissora local de televisão por toda o norte de Minas. No seu interior
interagem diferentes aspectos e níveis culturais; os papéis são bem definidos e dizem
muito sobre a importância das festas para a comunidade em geral.
O aspecto sagrado da festa se refaz anualmente através das teias de significação
tecidas pela cultura popular dos ternos de catopês, marujos e caboclinhos, mas é cada
vez mais comum encontrar pessoas letradas nas filas dos ternos, numa atitude de
respeito e homenagem. O envolvimento com o sagrado não é o mesmo, prevalece a ação
nostálgica da preservação, mas diz muito sobre a necessidade de se repensar a
93
bipolaridade entre cultura de elite e cultura popular. Baseando-se em Dürkheim (1996),
é possível afirmar que a sacralidade das festas de agosto em Montes Claros saem do
escopo da religião e se introduzem no escopo da sociedade. As pessoas letradas
“tornam-se” congadeiros para imergirem na sacralidade social local e saírem daí
reconhecidos como montesclarenses”, ou para reafirmarem sua “montesclarinidade”.
Assim, vê-se que as festas de agosto em Montes Claros propiciam, do ponto de vista da
religiosidade social, a emergência do tempo e do espaço da sacralidade local, quando a
sociedade se celebra e se revifica, reproduzindo, simbolicamente, a si mesma.
Vê-se também, que a cultura ultrapassa as fronteiras das classes sociais e se
constrói na totalidade das ações humanas, mesmo que ao final funcione como
instrumento para manutenção das diferenças entre as camadas sociais.
Ao terminar este capítulo, compreende-se que na dinâmica da tradição,
entrelaçam-se tanto o olhar fixo no passado quanto o olhar móvel nas necessidades e
novidades do presente, lançando o homem para o futuro. Isto faz com que o espaço da
tradição seja dialético, conflituoso mas também aberto. Ao contrário do que possam
imaginar, o espaço da tradição não é gido e inabalável, entre os atores culturais das
Festas de Agosto existem conflito de idéias que influem diariamente nas tradições que
lhes cercam, demonstrando que o mundo é complexo e não cabe em categorias rígidas e
intransponíveis.
Após a leitura do folclore, conclui-se que em frente ao debate travado entre
folcloristas (românticos) e evolucionistas, a manutenção da nomenclatura é possível
num contexto, no qual o folclore seja pensado como “práticas sociais atuais e
pertinentes”. Qualquer tentativa de enquadrar o folclore no passado, faz dele peça de
museu a ser descartada ou preservada; o que não interessa a quem vive e sim a quem vê.
Só enquanto vivência e prática é que o folclore faz sentido para as classes populares.
94
Outro discurso que não se sustenta mais no campo da bipolaridade é o que opõe
cultura popular à cultura de elite. Existe um jogo constante entre materiais simbólicos
de ambas. As festas de Agosto mostram como é complexo esse jogo, no qual se
presencia apropriações” e “circularidades” entre as culturas. As diferenças culturais
continuam existindo, todavia os mesmos materiais simbólicos navegam e por vezes
servem a diferentes culturas. A oposição entre cultura popular e cultura de elite não está
nos materiais simbólicos que utilizam, mas nos discursos proferidos em relação a eles. É
possível, ainda, interpretar que essas diferenças podem ser lidas nas posições
hierárquicas por meio da condição subalterna que a primeira exprime em relação à
segunda, construindo, assim, sua subalternidade.
95
CONCLUSÃO:
A TRADIÇÃO E O DESENVOLMENTO SOCIAL
96
Uma definição de cultura popular, ainda que de maneira ambígua e complexa,
deve considerar sua relação com a cultura dominante. Segundo Hall, as culturas de
classe tendem a se entrecruzar e a se sobrepor num mesmo campo de luta. O termo
‘popular’ indica esse relacionamento um tanto deslocado entre a cultura e as classes”
(2003, p. 262) Desse modo, segundo Hall pode-se dizer que a área a qual o termo
‘popular’ nos remete é a cultura dos oprimidos e das classes excluídas (2003, p. 262).
Os rituais das Festas de Agosto situam-se nessa arena, na qual se observa o “popular”,
na perspectiva apresentada por Hall.
Dentro do campo dos subordinados encontra-se formas e atividades específicas,
incorporadas através de “tradições”, que, neste contexto específico, para além de uma
noção teórica, constitui-se em um ato de sociedade que propicia reconhecimento e
inclusão de membros das classes populares porque, apesar de ser mantida pela cultura
popular, diz muito para a sociedade montesclarense como um todo.
Ao se afirmar que a cultura popular pode ser considerada a cultura dos
excluídos, cabe perguntar: “excluídos de que?” Excluídos das benesses do capitalismo,
dos padrões globalmente definidos de acesso a determinados bens e condições mínimas
de vida. Todavia, também são excluídos de um tipo de sistema, que tem o
desenvolvimento como meta, que privilegia o individualismo em detrimento do sistema
de dádiva, como visto em Godbout (1999).
Para os excluídos, cunhou-se o termo “subdesenvolvidos em dia e hora
marcados: 20 de janeiro de 1949”. De acordo com Esteva (2000), o discurso do
Presidente norte-americano Truman, que acabava de tomar posse, colocava ao mundo a
“era do desenvolvimento”. No século XIX não se falava em desenvolvimento e sim, em
progresso. Os subdesenvolvidos passam a ser aqueles que, submetidos à hegemonia do
novo país dominante, devem almejar o estilo de vida estadunidense, considerado o
97
melhor, o mais desenvolvido. Todos deve querer ser os Estados Unidos. A América
Latina entra na era “desenvolvimentista” sob a hegemonia estadunidense.
Naquele dia, dois bilhões de pessoas passaram a ser consideradas
subdesenvolvidas. Em um sentido muito real, daquele momento em diante, deixaram de
ser o que eram antes, em toda sua diferença, e foram transformados magicamente, em
uma imagem inversa da realidade alheia: uma imagem que os diminui e os envia para o
fim da fila; uma imagem que simplesmente define sua identidade, uma identidade que é,
na realidade, a de uma maioria heterogênea e diferente, nos termos de uma minoria
homogeneizante e limitada (Esteva, 2000, p. 60).
Como bem afirma esse autor, o subdesenvolvimento diz respeito à grande
maioria heterogênea do globo. Dois terços são formados de subdesenvolvidos. Ao que
parece, algo está errado nos critérios dessa definição. Porque o que se vê a partir daí é a
heterogeneidade das culturas e conhecimentos locais sendo desprezados em nome da
homogeneização da humanidade a partir do desenvolvimento. Desenvolvimento este
que tem nome e endereço. Ser desenvolvido é conseguir alcançar os índices de bem-
estar da Europa e dos Estados Unidos, definidos por estes mesmos países. Qualquer
manifestação, geralmente popular, que fuja aos padrões ocidentais e hegemônicos
serviria apenas para mostrar o “quanto se é atrasado”. Ou então, pode ser um
conhecimento “pitoresco” e “curioso”. O saber popular, o saber dos excluídos, pode-se
dizer, também, o saber dos vencidos é tido como inoperante, ineficaz. Ao qualificá-los
como subdesenvolvidos, baixa-se sua auto-estima porque desqualifica a sua cultura e o
seu modo de vida. Em nome da dominação sobre os demais povos do mundo, o país
hegemônico, ao definir o desenvolvimento como o padrão a ser seguido, criou o
subdesenvolvimento, submetendo, por relações de poder, milhares de indivíduos que
deveriam ser portadores dos direitos universais à exclusão dos direitos que até então
98
viviam em suas sociedades “tradicionais”. Em outras palavras, o subdesenvolvimento
existe porque inventaram o desenvolvimento.
Mas, a bibliografia que diz que a sociedade capitalista e o seu padrão de
desenvolvimento e bem-estar encontra-se em crise, é cada vez maior. Pensadores
europeus como Marx, Freud e Nietzsche advertiam, cada um a sua maneira, que o
padrão de civilização almejado é explorador, castrador e limitador dos anseios e
liberdades humanas. Implicitamente ao se definir desenvolvimento X
subdesenvolvimento também se definiu padrões e condutas culturais melhores e piores.
Qual o sentido da palavra desenvolvimento? Crescimento, evolução, maturação.
Segundo Esteva, “a palavra sempre tem um sentido de mudança favorável, de um passo
do simples para o complexo, do inferior para o superior, do pior para o melhor. Indica
que estamos progredindo porque estamos avançando segundo uma lei [pretensamente]
universal necessária e inevitável, e na direção de uma meta desejável” (2000, p.64).
Porém, esse autor lembra que essa argumentação serve para lembrar aos dois terços da
população mundial que o conseguem se desenvolver daquilo que eles não são. E,
ainda, que a referência do desenvolvimento faz com que abandonem seus sonhos e
metas, escravizem-se a experiências alheias, para fugirem do rótulo do
subdesenvolvimento.
Mas, de Truman para cá, diversos povos que passaram a ser considerados
“subdesenvolvidos” tornaram-se cada vez mais desconfiados dos padrões de
desenvolvimento estabelecidos e novos significados foram atribuídos a esta noção,
principalmente no campo teórico.
“O desastre desses dez anos pôs os atores do
desenvolvimento entre a espada e a parede, obrigando-
lhes a repensá-lo radicalmente, a ponto de chegarem, no
decênio seguinte o último do século a uma
99
reabilitação do fator cultural, por muito tempo
considerado como um obstáculo e não como um recurso
positivo na luta contra a miséria” (Hermet, 2002, p. 77).
Tem-se então a inserção da “cultura” no debate sobre o desenvolvimento social.
Nesta perspectiva, a tradição também pode contribuir para o debate sobre o
desenvolvimento social, na medida em que apresenta um olhar diferente daquele
voltado para uma atividade linear e acumulativa. Ao aceitar a pertinência das tradições
no discurso do desenvolvimento, compreende-se que é possível desenvolver para
continuar sendo os “mesmos”, não os mesmos do passado, mas os mesmos do presente.
A partir desta construção teórica do desenvolvimento, o conhecimento tradicional pode
ensinar as pessoas a saírem da lógica perversa do crescimento e do progresso e entrarem
numa outra que seja mágica, “ingênua” e honesta. Um desenvolvimento que considere o
tradicional deve ser capaz de demonstrar que milênios, os homens são os mesmos
em cada uma de suas diferenças, as idéias são as mesmas. A busca persiste como algo
essencial ao homem, que não necessariamente o conduz adiante, pode conduzi-lo
também ao passado. É costurando o tempo que se tece o mesmo em mutação: o humano
como essência.
A premissa de que o desenvolvimento consiste numa linearidade da evolução do
mundo é ocidental. Além do mais, quando se associa desenvolvimento a crescimento
econômico colhe-se mais desigualdade social. A Organização das Nações Unidas em
sua instituição da cultura, ou seja, a UNESCO, afirma que o fato de que o
desenvolvimento deixa em seu caminho, ou de alguma forma até cria, grandes áreas de
pobreza, estagnação, marginalidade e uma verdadeira exclusão do progresso social e
econômico é demasiado evidente e demasiado urgente para ser ignorado”
40
. Esteva
(2000) afirma que um dos documentos de apoio à Abordagem das Necessidades
40
Relatório das Nações Unidas de 1969, citado por ESTEVA, pág. 68.
100
Básicas, organizado pela Organização Internacional do Trabalho em junho de 1976,
reconheceu que o desenvolvimento não acabaria com a fome e a miséria, ao contrário,
tornaria mais alto os índices de pobreza absoluta. Também Kliksberg (2001) comenta
que “a desigualdade alcançou níveis históricos recordes e se expandiu a numerosas
esferas. Ao mesmo tempo que os avanços em pesquisa em saúde são prodigiosos,
aumentou o número de pessoas que perdem a vida por doenças que cientificamente
podem ser combatidas (2001, p.70)”.
Não existe uma fórmula do desenvolvimento que pode ser aplicada de forma
homogênea em todos os países. Porém, insiste-se na formulação do problema enquanto
categoria absoluta: a existência de culturas superiores e inferiores, os melhores e os
piores; os que atingiram a meta e os que estão distantes de atingi-la. Observa-se
então, um mundo de ganhadores e perdedores, onde os pobres são cada vez mais pobres
e os ricos cada vez mais ricos. Kliksberg avisa que “as cifras indicam que o aumento
das desigualdades é uma característica destes tempos”(2001). E continua se acelerando.
Segundo o mesmo autor, “as características do processo levaram a concentrações em
muito poucas mãos” (2001). Os dados indicam que: “os ativos combinados das três
pessoas mais ricas do mundo são superiores ao Produto Nacional Bruto somando o dos
48 países menos adiantados; os ativos das 200 pessoas mais ricas são superiores à renda
combinada dos 41% da população mundial(Kliksber, 2001, p. 77). Abandonar o
modelo universal de desenvolvimento, que como diria Marx, está a serviço do capital,
faria um bem enorme às culturas subalternas.
Neste sentido, as Festas de Agosto fortalecem as tradições populares e a cultura
local; os grupos de congado envolvidos, se vêem importantes para a comunidade e
também para si próprios. Um programa de desenvolvimento social que respeite a
tradição das culturas populares, enche de auto-estima, um povo que por muito tempo,
101
viu-se tendo que abandonar suas crenças e tradições, em nome de um pretenso
desenvolvimento. Isto aconteceu na Montes Claros dos anos 1950. No auge do período
desenvolvimentista, não havia porque ter orgulho dos catopês, se eles representavam as
“tradições populares” de uma “cultura inferior”.
O cenário vai mudar quando a cultura deixa de ser um empecilho para o
desenvolvimento dos povos e passa a ser fonte de reconhecimento e também de renda.
Hermet (2002) afirma que
“a cultura constitui um setor importante de atividade, que
gera riqueza e cria empregos a veis perfeitamente
contabilizados, ao mesmo tempo em que transmite, como
complemento, mensagens mais compatíveis com a
sensibilidade das populações locais que as das produções
padronizadas estadunidenses, japonesas ou européias. (...)
atua como fermento do desenvolvimento” (2002, p. 20).
Em 1998, o presidente do Banco Mundial James Wolfensohn em conferência
sobre “A cultura no desenvolvimento sustentável”, declarou: “temos que respeitar as
raízes das pessoas em seu próprio contexto social. Temos que proteger a herança do
passado. Mas também temos que estimular e promover a cultura viva em todas as suas
múltiplas formas” (apud Hermet, 2002, p. 88). Mesmo que tenha sido apenas uma
“virada verbal”, este novo olhar sobre o papel das culturas parece iluminar, em Montes
Claros, as definições do seu desenvolvimento social que foi fundamental para o
reconhecimento e apoio às Festas de Agosto pelas elites locais. Porque até então, a
cultura popular era tida como “um fator capaz de paralisar a mudança”. As guardas do
Congado ganharam em termos de fortalecimento de suas tradições, e a cidade, como um
todo, deve a elas o crescimento do comércio local presenciado em agosto.
Economicamente os grupos do congado não se beneficiam muito da festa e
mesmo que reclamem disso entende-se que isso ajuda a compreender que o
102
desenvolvimento social através do fortalecimento das tradições não precisa passar
necessariamente pela lógica econômica. O estabelecimento de valores econômicos não
diz respeito a todas as culturas do globo. E nem a todas as relações sociais. Quando os
valores econômicos ditam as normas do desenvolvimento, outros sistemas, como a
dádiva e a solidariedade são desvalorizados
41
. Essa desvalorização transforma “tradições
em um fardo, sabedoria em ignorância, autonomia em dependência. Transforma as
atividades autônomas e pessoais, que incorporam desejos, habilidades, esperanças e
interação social ou com a natureza, em necessidades cuja satisfação exige a mediação
do mercado” (Esteva, 2000, p. 74). Mas, esse indivíduo frágil, dependente do mercado é
uma criação histórica. Os “mestres” podem até pedir uma “ajuda” como sempre fazem à
prefeitura e à comunidade, mas simbolicamente o ritual se enfraqueceria se a ele
estivesse vinculado, apenas, uma lógica econômica de ação.
Além disso, uma lógica de desenvolvimento baseada na premissa técnica de que
as necessidades humanas são imensas para não dizer infinitas não se sustenta mais. É
necessário um desenvolvimento para si, e não para frente. Um tipo de desenvolvimento
tradicional que não se baseia em premissas econômicas. Como bem nos relata Esteva,
“os homens e mulheres que se vêem hoje à margem do
mundo econômico, os chamados marginalizados,
encontram apoio nessa tradição prévia e continuam a ser
um desafio para as premissas econômicas tanto na teoria
como na prática. No mundo inteiro, descrições de todo um
conjunto de experiências recentes vividas por esses povos
tentam encontrar um espaço nas bibliotecas, mas não se
enquadram bem em nenhuma das classificações sociais,
distorcidas pelas lentes dos economistas (Esteva, 2000, p.
76).
São experiências que mostram que é possível a construção de um
desenvolvimento mantido pela dádiva, pela solidariedade, pela reciprocidade.
41
Sobre a reciprocidade, vide Mauss (2003) e sobre a solidariedade, vide Godbout (1999).
103
Embora, a distribuição menos desigual seja fundamental para o desenvolvimento
de um país, o “maior bem-estar” não passa necessariamente pelo desenvolvimento
econômico. Nasce também das redes de solidariedade que se formam entre os grupos e
do reconhecimento social de suas ações culturais.
104
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
105
ADORNO, Theodor W. Conceito de Iluminismo. In: Os pensadores. São Paulo: Editora
Nova Cultural, 1996;
BARBERO, Jésus-Martin. Dos meios às mediações Comunicação, cultura e
hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997;
BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. São Paulo: Abril Cultural, 1984;
BENJAMIN, Walter. A modernidade. In: Charles Baudaleire um lírico no auge do
capitalismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989;
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar A aventura da
modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1995;
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas. São Paulo: EdUsp, 1998;
CARDOSO, Roberto de Oliveira. O índio e o mundo dos brancos. Campinas: Editora
Unicamp, 1996, 4ª ed;
CAVALCANTI, Maria Laura. Cultura e saber do povo: uma perspectiva antropológica.
In: Revista Tempo Brasileiro. Out.- dez. 147 Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
2001, ed. trimestral;
CHARTIEUR, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Bertrand
Brasil/ Difel, 1990;
COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural. São Paulo: Editora
Luminuras, 1999;
CÔRTES, Gustavo. Dança, Brasil! Festas e danças populares. Belo Horizonte: Editora
Leitura, 2000;
DAMATTA, Roberto. A casa & A rua. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991,
ed.;
-------------------------. O que faz o Brasil, Brasil. São Paulo: Rocco, 1997;
DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976;
106
DUMONT, Louis. O individualismo uma perspectiva antropológica da ideologia
moderna. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1993;
DURKHEIM, Èmile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins
Fontes, 1996;
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano a essência das religiões. São Paulo: Martins
Fontes, 1992;
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1993. 2v;
ESTEVA, Gustavo. Desenvolvimento. In: SACHS, W. Dicionário do desenvolvimento:
guia para o conhecimento como poder. Petrópolis: Vozes, 2000;
FERNANDES, Florestan. O folclore em questão. São Paulo: Martins Fontes, 2003;
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. São Paulo: Global, 2003;
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp,
1991;
--------------, ULRICH, Beck, SCOTT, Lash. Modernização Reflexiva política,
tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Unesp, 1997;
---------------. Mundo em descontrole – o que a globalização está fazendo de nós. Rio de
Janeiro/ São Paulo: Record, 2003;
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes o cotidiano e as idéias de um moleiro
perseguido pela inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987;
GODBOUT, Jacques, CAILLÉ, Alain. O espírito da dádiva. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1999;
GOMES, Núbia P. M et PEREIRA, E. A. Negras raízes mineiras: os Arturos. Juíz de
Fora: Ministério da Cultura/ EDUFJF, 1988;
HALBWACHS, Maurice – Les Cadres de la Memóire. Paris: Mouton, 1976.
107
HALL, Stuart. Da diáspora identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed.
UFMG; Brasília: Representação da Unesco no Brasil, 2003;
HERMET, Guy. Cultura e desenvolvimento. Petrópolis: Editora Vozes, 2000;
HOBSBAWN, Eric, RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1997;
KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e mitos do desenvolvimento social. São Paulo:
Editora Cortez, 2001;
LE GOFF, J. “Antigo/Moderno” In: História e memória. Campinas, SP: Ed. Unicamp,
1996, 4ª ed;
LÉVI-STRAUSS, Claude “Raça e História”. In Antropologia Estrutural Dois. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1976, pp. 328-366;
MARTINS, Saul. Congado: família de sete irmãos. Belo Horizonte: SESC, 1988;
MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista / Marx, Engels. São Paulo: Global,
1981;
MAUSS, Marcel. Ensaios de Sociologia. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001;
-------------------.“Ensaio sobre a Dádiva”. In Sociologia e Antropologia. São Paulo:
Cosac e Naify, 2003;
MORSE, Richard. O espelho de Próspero cultura e idéias nas Américas. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988;
ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas. São Paulo: Editora Olho d’água, 1985;
PAULA, Hermes de. Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes. Rio de
Janeiro: 1957, 1ª edição;
PEREIRA, Edimilson de Almeida; GOMES, Núbia Pereira de Magalhães. Flor do não
esquecimento cultura popular e processos de transformação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002;
108
QUEIROZ, Luis Ricardo Silva. Música e Cultura: a Comunicação na performance
musical do Congado de Montes Claros MG. In: Unimontes Científica Revista da
Universidade Estadual de Montes Claros / Universidade Estadual de Montes Claros.
v. 5, n. 2, (jul. / dez. 2003) – Montes Claros: Unimontes, 2003;
RIST, Gilbert. The history of development from western origins to global faith.
London & New York: Zed Books, 1997;
RODRIGUES, Adriano Duarte. Comunicação e cultura – A experiência cultural na era
da informação. Lisboa: Presença, 1994;
SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio. O fenômeno
urbano. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987;
SOUZA, Fabiano José Alves de. A festa dos catopês de Montes Claros: descortinando
cenários discursivos. Belo Horizonte: UFMG, 2003 (dissertação de mestrado);
SOUZA, José Martins de. A sociabilidade do homem simples. São Paulo: Editora
Hucitec, 2000;
THOMPSON, John. A mídia e a modernidade uma teoria social da mídia. Petrópolis:
Editora Vozes, 1998;
TURNER, Victor. “Floresta de Símbolos Aspectos do Ritual Ndembu”. Niterói:
EdUFF, 2005;
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Editora
Martin Claret, 2001;
---------------- . Conceitos básicos de sociologia. São Paulo: Centauro Editora, 2002;
----------------. “Os três tipos puros de dominação legítima.” In: Weber. São Paulo:
Editora Ática, 2004;
----------------. “A ciência como vocação.” In: Ciência e política duas vocações. São
Paulo: Editora Martin Claret, 2004;
109
------------------. Metodologia das ciências sociais parte 2. São Paulo: Cortez;
Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1995, 2ª ed.
Ficha Catalográfica
Colares, Mona Lisa Campanha Duarte.
C683t A tradição no mundo contemporâneo : análise dos caboclinhos
montesclarences – terno do congado das festas de agosto / Mona Lisa Campanha
Duarte Colares. – 2006.
110 f.
Bibliografia: f. 106-110.
Dissertação (Mestrado) Universidade Estadual de Montes Claros Unimontes.
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social, 2006. Orientador
Prof. Dr. João Batista de Almeida Costa, Unimontes.
1. Folclore – Tradição – Montes Claros (MG). 2. Folclore – Cultura popular Festas de
agosto Montes Claros (MG). 3. Desenvolvimento social I. Costa, João Batista
Almeida. II. Universidade Estadual de Montes Claros. III. Título.
CDD 398.8151
110
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo