metropolitana. O seu grande mérito é ter conseguido ir fundo no mundo da vida da
modernidade, transformando personagens insignificantes para a burguesia: bêbados,
desempregados, prostitutas, mendigos e vadios nos verdadeiros heróis modernos. “O
espetáculo da vida mundana e das milhares de existências desregradas que habitam os
subterrâneos de uma cidade grande – dos criminosos e das mulheres manteúdas - , (...)
provam que precisamos apenas abrir os olhos para reconhecer nosso heroísmo”
(Baudelaire apud Benjamin, 1989, p. 77). O que fazem e como vivem esses que de
longe parecem merecer apenas o nosso desprezo? À prostituta ele diz que “porias o
universo inteiro em teu bordel.”
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E quem, senão Baudelaire, o poeta que segundo
Benjamin (1989) abriu espaço na literatura para a periferia da cidade, poderia contar-
nos tão docemente a história de uma mendiga, como fica claro no poema “A uma
mendiga ruiva?”
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A importância de Baudelaire para o nosso estudo sobre a modernidade se situa
nesses espaços subalternos, periféricos que ele homenageia em seus processos de
flâneur pelas ruas parisienses. Os personagens que ele descreve são tão modernos
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“Porias o universo inteiro em teu bordel,/Mulher impura! O tédio é que te faz cruel./Para aguçar a boca
em jogos singulares,/Terás um coração por dia entre os molares./Teus olhos a girar assim como
farândolas,/De festas de fulgor a imitar as girândolas,/Usam com insolência um poder emprestado, Sem
conhecer jamais a lei do próprio estado! Máquina cega e surda e de um cruor fecundo!/Instrumento a
beber todo o sangue do mundo,/Já perdeste o pudor e ao espelho não viste/Tua beleza cada vez mais
murcha e triste?/A grandeza de um mal de que tu sabes tanto/Certo nunca te fez retroceder de espanto,/Na
hora em que a natureza em desígnios velados,/De ti se serve, ó fêmea, ó deusa dos pecados,/Para plasmar
um gênio, ó imundo animal? /Ó grandeza de lama! Ó ignomínia imortal! (Baudelaire, 1984, p. 127)
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A uma mendiga ruiva/Ruiva e branca a aparecer, /Cuja roupa deixa ver/Por seus rasgões a
pobreza/Como a beleza,/A mim, poeta sofredor,/Teu corpo de um mal sem cura/Todo manchas de
rubor,/Só tem doçuras. E calças (muito mais bela/Que a Rainha da Novela/Com os seus coturnos
brancos)/Os teus tamancos. Em vez de molambos, mal/Não te iria roupa real,/Chegando as
ondulações/Até os talões;/Em vez de meia de crivos,/Para os olhos dos lascivos/Um punhal na perna
linda/ Fulgure ainda;/E laços mal apertados/Mostrem aos nossos pecados/Os teus seios a brilhar/Como
um olhar; Para seres desnudada/Tu te faças de rogada/Possam expulsar teus braços/Dedos
devassos;/Pérolas formosas, ou/Sonetos, os de Belleau/Que os galantes na prisão/Sempre te dão, A
chusma dos rimadores/Dedicando-te primores,/E olhando o teu escarpim/ No varandim, Muito
pagem a sonhar/E muito Senhor Ronsard/Olhariam com sigilo/Teu fresco asilo! No leito dos teus delírios
/Terás mais beijos que lírios/Tua lei dominará/Mais de um Valois! Porém segue a tua lida,/Só por sobras
de comida/Jogadas por distanciadas/Encruzilhadas; E só quer teu sonho louco/Jóias que valem bem
pouco/Que eu nem posso, ó Deus clemente,/Dar de presente. Nada de orna neste instante,/Perfume,
rubim, diamante,/Só tua nua magreza!Minha beleza!” (Baudelaire, 1984, p. 225 e 226)