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Universidade de Brasília – UnB
Instituto de Letras – IL
Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução– LET
Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada
ESPANHOL E PORTUGUÊS EM CONTATO:
O ATRITO DA L1 DE IMIGRANTES ESPANHÓIS
NO BRASIL.
MARÍA CAROLINA CALVO CAPILLA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Lingüística Aplicada da
Universidade de Brasília como requisito à
obtenção do título de Mestre em Lingüística
Aplicada.
Orientador: Prof. Enrique Huelva Unterbäumen
Brasília
2007
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C169 Calvo Capilla, María Carolina.
Espanhol e português em contato: o atrito da L1 de imigrantes
espanhóis no Brasil. / María Carolina Calvo Capilla. -- Brasília,
2007.
xvi, 173 f. : 30 cm.
Orientador: Enrique Huelva Unterbäumen
Dissertação (mestrado) – Universidade de Brasília, Instituto de
Letras, Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução, 2007.
1. Lingüística. 2. Atrito – língua materna. 3. Bilingüismo.
4. Imigrantes espanhóis. 5. Brasil. I. Unterbäumen, Enrique
Huelva. II. Título.
CDU 800.732
Ficha elaborada pelo bibliotecário: Massayuki Franco Okawachi, CRB1 -1821
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TERMO DE APROVAÇÃO
MARÍA CAROLINA CALVO CAPILLA
ESPANHOL E PORTUGUÊS EM CONTATO:
O ATRITO DA L1 DE IMIGRANTES ESPANHÓIS NO BRASIL.
Dissertação aprovada como requisito para obtenção de grau de Mestre em Lingüística
Aplicada do Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada do Departamento de
Línguas Estrangeiras e Tradução, Instituto de Letras, Universidade de Brasília, pela seguinte
banca examinadora:
Orientador: Prof. Dr. Enrique Huelva Unterbäumen
Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução, UnB
Examinador Externo: Prof. Dr. Tommaso Raso
Faculdade de Letras - Lingüística aplicada ao ensino de
línguas estrangeiras, UFMG
Examinador Interno: Prof. Dr. Mark D. Ridd
Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução, UnB
Suplente: Profa. Dra. Maria Luisa Ortíz Alvarez
Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução, UnB
Brasília, 15 de fevereiro de 2007
iv
v
AGRADECIMENTOS
Desejo expressar minha gratidão a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram
para a realização deste trabalho.
Meu especial agradecimento aos participantes desta pesquisa.
A
Família e amigos.
Encarnación Ponce, in memoriam.
Enrique Huelva, orientador desta dissertação.
Antonio Gonçalves de Araújo Neto, pela revisão da dissertação.
CAPES, pela bolsa que facilitou a minha dedicação exclusiva à
realização desta pesquisa.
Professores, alunos e pessoal administrativo do Programa de Mestrado
em Lingüística Aplicada da UnB.
María Luisa Ortíz Alvarez, Mark Ridd e Tommaso Raso, pela sua
participação na banca.
Elena Haz e Luis Fernando Valdivia, pela sua amável colaboração.
Monika Schmid, pela sua inestimável ajuda.
vi
vii
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS ................................................................................................................................. ix
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ................................................................................................. xi
RESUMO ...................................................................................................................................................... xiii
ABSTRACT.................................................................................................................................................. xv
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................... 1
1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA............................................................................................................... 1
1.2 PROBLEMA........................................................................................................................................... 1
1.3 OBJETIVO.............................................................................................................................................. 2
1.4 JUSTIFICATIVA.................................................................................................................................... 3
1.5 PERGUNTAS DE PESQUISA............................................................................................................... 4
2 REVISÃO DE LITERATURA................................................................................................................ 6
2.1 O BILINGÜISMO................................................................................................................................... 6
2.1.1 Bilíngües Equilibrados e Bilíngües Dominantes.................................................................................. 8
2.1.2 Bilíngües Precoces e Bilíngües Tardios ............................................................................................... 8
2.1.3 Bilíngües Compostos e Bilíngües Coordenados................................................................................... 9
2.1.4 O continuum......................................................................................................................................... 10
2.2 O ATRITO: DEFINIÇÃO E DESCRIÇÃO............................................................................................ 11
2.3 CAUSAS DO ATRITO: SIMPLIFICAÇÃO VS. INFLUÊNCIA DA L2 .............................................. 15
2.3.1 A Teoria da simplificação..................................................................................................................... 18
2.3.2 A teoria da Transferência ou Influência Interlingüística ...................................................................... 21
2.4 PERDA DE COMPETÊNCIA VERSUS PROBLEMAS DE DESEMPENHO..................................... 26
2.5 O ATRITO NOS DIFERENTES NÍVEIS LINGÜÍSTICOS.................................................................. 28
2.6 FATORES EXTRALINGÜÍSTICOS...................................................................................................... 30
2.6.1 Idade..................................................................................................................................................... 30
2.6.2 Educação .............................................................................................................................................. 31
2.6.3 Contato ................................................................................................................................................. 32
2.6.4 Duração da emigração.......................................................................................................................... 33
2.6.5 Atitudes ................................................................................................................................................ 33
2.7 ALTERNÂNCIA DE CÓDIGO VERSUS ATRITO.............................................................................. 34
3 METODOLOGIA .................................................................................................................................... 39
3.1 INSTRUMENTOS PARA A COLETA DE DADOS............................................................................. 40
3.2 SELEÇÃO DOS PARTICIPANTES....................................................................................................... 43
3.3 PONTO DE REFERÊNCIA.................................................................................................................... 46
3.4 AVALIAÇÃO DOS DESVIOS OU ERROS.......................................................................................... 46
4 ANÁLISE DOS RESULTADOS............................................................................................................. 48
4.1 PERFIL SOCIOLINGÜÍSTICO DOS PARTICIPANTES..................................................................... 48
4.1.1 Variáveis Demográficas ....................................................................................................................... 48
4.1.2 Variáveis Concernentes à Imigração.................................................................................................... 50
4.1.3 Conhecimentos Lingüísticos................................................................................................................. 50
4.1.4 Utilização das Línguas ......................................................................................................................... 52
4.1.5 Atitudes ................................................................................................................................................ 54
4.2 ANÁLISE DO CORPUS: TRAÇOS LINGÜÍSTICOS........................................................................... 56
4.2.1 Número de Desvios e Avaliação da Competência em L1 dos Participantes......................................... 56
4.2.2 Análise Qualitativa............................................................................................................................... 57
4.2.2.1 Nível fonético.................................................................................................................................... 61
4.2.2.2 Nível léxico ....................................................................................................................................... 62
4.2.2.2.1 Extensões ou decalques semânticos................................................................................................ 62
4.2.2.2.2 Aglutinação semântica.................................................................................................................... 69
4.2.2.2.3 Decalques de uso ............................................................................................................................ 71
4.2.2.2.4 Decalques léxicos ........................................................................................................................... 73
4.2.2.3 Nível morfossintático......................................................................................................................... 74
4.2.2.3.1 O gênero ......................................................................................................................................... 74
4.2.2.3.2 O artigo........................................................................................................................................... 75
4.2.2.3.3 A regência verbal............................................................................................................................ 76
4.2.2.3.4 As preposições................................................................................................................................ 77
4.2.2.3.5 Advérbios e conjunções.................................................................................................................. 78
4.2.2.3.6 Verbos pronominais........................................................................................................................ 81
4.2.2.3.7 Outras interferências morfossintáticas............................................................................................ 81
4.2.2.4. Nível sintático.................................................................................................................................... 82
4.2.2.4.1 A expressão do sujeito pronominal................................................................................................. 83
4.2.2.4.2 A omissão de clíticos...................................................................................................................... 86
4.2.2.4.3 A substituição do possessivo por de + pronome............................................................................. 87
4.2.2.4.4 A posição dos pronomes................................................................................................................. 88
4.2.2.4.5 A ordem das palavras...................................................................................................................... 89
4.2.2.4.6 As respostas com repetição............................................................................................................. 89
4.2.2.4.7 Omissão da preposição a no objeto direto de pessoa...................................................................... 90
4.2.2.4.8 Omissão da preposição a na locução verbal de futuro (ir + a + infinitivo) .................................... 92
4.2.2.4.9 Uso do subjuntivo........................................................................................................................... 92
4.2.2.4.10 Outros decalques estruturais......................................................................................................... 93
4.2.2.5 Alternância de código........................................................................................................................ 96
4.2.2.6 Desvios intralinguais ......................................................................................................................... 99
4.2.3 Recapitulação e Balanço.......................................................................................................................102
5 DISCUSSÃO TEÓRICA..........................................................................................................................105
5.1 SINAIS DE ATRITO NA L1 ..................................................................................................................105
5.2 FATORES EXTRALINGÜÍSTICOS......................................................................................................106
5.3 INFLUÊNCIA DA L2.............................................................................................................................108
5.4 PERDA DE COMPETÊNCIA OU PROBLEMAS DE DESEMPENHO...............................................111
5.5 O ATRITO NOS DIFERENTES NÍVEIS LINGÜÍSTICOS...................................................................113
6 CONCLUSÃO...........................................................................................................................................115
7 REFERÊNCIAS........................................................................................................................................118
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .............................................................................................................127
ANEXO 1 - QUESTIONÁRIO SOCIOLINGÜÍSTICO ...........................................................................130
ANEXO 2 - TRANSCRIÇÕES DAS ENTREVISTAS..............................................................................136
viii
ix
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - A CLASSIFICAÇÃO DO ATRITO DE VAN ELS.................................................................14
TABELA 2 - VARIÁVEIS DEMOGRÁFICAS.............................................................................................48
TABELA 3 - VARIÁVEIS CONCERNENTES À IMIGRAÇÃO.................................................................50
TABELA 4 - CONHECIMENTOS LINGÜÍSTICOS....................................................................................50
TABELA 5 - AUTO-AVALIAÇÃO DE COMPETÊNCIA EM L1 E L2......................................................51
TABELA 6 - CONTATOS COM A L1..........................................................................................................53
TABELA 7 - ELEIÇÃO DA LÍNGUA...........................................................................................................54
TABELA 8 - ATITUDES................................................................................................................................55
TABELA 9 - NÚMERO DE DESVIOS / INTERFERÊNCIAS POR PARTICIPANTE...............................56
TABELA 10 - AVALIAÇÃO DA COMPETÊNCIA EM L1.........................................................................57
TABELA 11 - NÚMERO DE PRONOMES SUJEITO USADOS POR 1000 PALAVRAS.........................84
TABELA 12 - NÚMERO DE DESVIOS DA NORMA ANALISADOS (POR CATEGORIA).................103
x
xi
LISTA DE SIGLAS
AE - Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI.
COREC - Corpus Oral de Referencia del Español Contemporâneo da Universidade
Autônoma de Madri, editado por MARCOS MARIN.
CREA - Corpus de Referencia del Español Actual da Real Academia Espanhola.
DP - Diccionario panhispánico de dudas da Real Academia Espanhola.
HO - Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
MM - Diccionario de Uso del Español de MARÍA MOLINER.
RAE - Diccionario de la lengua española da Real Academia Espanhola (on-line).
SE - Diccionario del Español Actual de SECO.
LISTA DE ABREVIATURAS
Ex. - Exemplo
Fr. - Francês
Ing. - Inglês
L1 - Língua materna
L2 - Segunda língua; faz referência à língua adquirida após a L1 num lugar onde é utilizada
como língua de comunicação cotidiana (o português no Brasil).
LE - Língua estrangeira; se refere ao idioma aprendido num lugar onde não é usado como
língua de comunicação habitual (o espanhol no Brasil).
Tab. - Tabela
xii
xiii
RESUMO
O objetivo desta dissertação é explorar o processo de atrito (ou erosão lingüística) que se
produz na L1 de imigrantes hispanofalantes espanhóis adultos residentes no Brasil e com
proficiência em português, que é, portanto, a L2, a língua de contato. A ação desta língua
desempenha um papel primordial, já que a sua influência sobre a L1 na forma de
interferências é uma das duas causas principais do atrito, sendo a outra a falta de contato com
a L1 e a conseguinte privação de insumo. A pesquisa, de tipo qualitativo, analisa a fala de 8
participantes. Os dados foram elicitados mediante entrevistas semi-estruturadas gravadas e
posteriormente transcritas. Também foi utilizado um questionário sociolingüístico que
proporcionou informações pessoais variadas sobre os participantes, as quais ajudam a explicar
alguns dos resultados. A análise do corpus de fala permitiu marcar, classificar e descrever os
traços lingüísticos que singularizam o espanhol/L1 dos participantes e que podem ser
interpretados como sinais de atrito. O objetivo principal é descobrir e mostrar os efeitos
experimentados pela L1, o espanhol, quando exposto ao contato prolongado com a L2, o
português do Brasil.
Palavras chave: atrito da L1; influência da L2; interferência; contato de línguas.
xiv
xv
ABSTRACT
The aim of this dissertation is to explore the process of attrition or language loss which is
produced in the L1 of Spanish speaking adult Spaniards who are immigrants and residing in
Brazil and who are proficient in Portuguese, which is, therefore, the L2, the contact language.
The action of the latter language plays a decisive role, since its influence over the L1 in the
form of interference is one of the main causes of attrition, the other being a lack of contact
with the L1 and the resulting deprivation of input. The research carried out, of a qualitative
nature, analyses the speech of 8 participants. The data was elicited by means of semi
structured interviews which were later transcribed. A sociolinguistic questionnaire was also
used to obtain personal information of a varied nature about the participants, which helped
explain some of the results. The analysis of the speech corpus allowed us to identify, classify
and describe the linguistic features that characterize the participants’ L1/Spanish and which
can be interpreted as signs of attrition. The main goal is to find out and show the effects
suffered by the L1, Spanish, when exposed to prolonged contact with the L2, Brazilian
Portuguese.
Keywords:
L1 attrition; L2 influence; interference; language contact.
xvi
1 INTRODUÇÃO
1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA
A linguagem humana é dinâmica por natureza e, ao longo da vida, não só ganhamos
competência lingüística nos processos de aquisição, mas também a perdemos no caso do
atrito
1
ou erosão lingüística, tema desta pesquisa. De fato, como CAVALCANTI (2005 e
2006, p. 248-9) afirma, não há na realidade perdas ou assimilações, mas um constante
processo de mudanças lingüísticas.
O atrito lingüístico, de acordo com essa visão, faz parte das mudanças normais que se
produzem na competência ao longo do tempo. Surgiu como área de estudo nos anos 80 e pode
ser considerado um sub-campo do Bilingüismo ou dos estudos de Contato de Línguas,
englobado, portanto, na Lingüística Aplicada.
O estudo desse processo de perda ou deterioração de uma língua no qual consiste o
atrito inclui toda uma variedade de casos. A presente pesquisa se interessa por um dos mais
desatendidos até o momento: o atrito da L1 de imigrantes hispanofalantes espanhóis adultos
residentes no Brasil e proficientes em português.
1.2 PROBLEMA
Em um mundo globalizado como o atual, onde o enorme desenvolvimento das
telecomunicações e dos meios de transporte favorecem os deslocamentos de população, as
línguas, como qualquer outra manifestação humana, raramente permanecem isoladas. Elas
entram em contato e estão, como as próprias sociedades, em constante movimento.
1
Neste trabalho decidiu-se utilizar o termo “atrito” como tradução do inglês attrition, que é o mais
empregado na literatura anglófona, amplamente majoritária nesse tema (KÖPKE, 1999, p. 20). Nos poucos
trabalhos em português, os termos empregados são “erosão” (RASO, 2003) e “atrito” (ARAÚJO, 2004). Este
último foi o primeiro artigo em português ao qual teve acesso a autora, fato que com certeza deve ter influído na
hora da escolha. As traduções de attrition mais freqüentes nos dicionários são “atrito”, “desgaste” e “fricção”.
Todos esses termos compartilham com “erosão” a idéia de desgaste por fricção. De fato, no dicionário on-line da
Princeton University a primeira acepção de attrition que aparece é “erosion by friction, definição que reflete a
origem geológica da designação, questão à qual voltaremos no cap. 2. Contudo, o termo “atrito” (que segundo o
Dicionário HOUAISS, vem do latimattrítus,us” ='esfregadura, fricção, roçadura'), permite exprimir de forma
metafórica a fricção constante entre as duas línguas em contato, L1 e L2. Outros termos utilizados em inglês são
language loss (SHARWOOD SMITH, 1989) e regression (RAMÍREZ, 2003), em francês restructuration
(GROSJEAN; PY, 1991) e em espanhol desgaste (SILVA-CORVALÁN, 2003) e atrición (BRAVO, 1994).
1
Na opinião de COOK (2003, p. 3) os falantes nativos monolíngües não são mais os
“seres humanos típicos”, são cada dia mais escassos
2
. Como afirma SILVA-CORVALÁN
(1995, p.3), mais da metade dos quase 400 milhões de pessoas que falam espanhol se
encontram em situações de bilingüismo, de contato com outras línguas. Inclusive
historicamente, o espanhol evoluiu em contextos multilíngües
3
, algo que, na realidade, é mais
a norma do que a exceção, como se tende a pensar. De fato, segundo ROMAINE
4
, citada por
CAVALCANTI (1999, p. 388), o número de línguas existentes é trinta vezes maior do que o
número de países, o que implica que o bilingüismo está presente na maioria dos países do
mundo.
No caso do Brasil, como lembra a própria CAVALCANTI (1999, p. 387) “existe um
mito de monolingüismo no país (...). Esse mito é eficaz para apagar as minorias, isto é, as
nações indígenas, as comunidades imigrantes”.
Um destes grupos imigrantes é o foco desta pesquisa: os imigrantes espanhóis
estabelecidos em Brasília, Goiânia e Luziânia desde longa data, entre os quais é habitual que
surjam comentários como “já não falo mais espanhol”, “o meu espanhol agora é muito ruim”
ou “já não falo nem espanhol nem português, mas portunhol”. O fenômeno que está por trás
destas afirmações não é outro que o atrito, um processo de erosão lingüística que é sentido na
maioria das ocasiões como uma verdadeira perda.
1.3 OBJETIVO
O objetivo da pesquisa é explorar esse atrito ou erosão lingüística (as mudanças, em
outras palavras) que se produz na língua materna (L1) de imigrantes hispanofalantes
espanhóis adultos residentes no Brasil e proficientes em português, que é, por conseguinte, a
L2, a língua do contexto. Pretende-se, com isso, compreender melhor um fenômeno, o de
línguas em contato, que, como foi dito, aumenta ao mesmo ritmo da globalização. O Brasil,
geograficamente rodeado por países hispanofalantes, não escapa a essa tendência e se integra
cada dia mais ao seu entorno. O Mercosul é só um exemplo desse processo, que ultrapassa o
âmbito puramente econômico ou político.
2
Segundo HAMERS e BLANC (2000, p. 1) o número de indivíduos bilíngües já supera o dos
monolíngües.
3
Isso não só na América, mas também na Espanha, onde, além do espanhol, existem outras três línguas
oficiais em diferentes regiões bilíngües do país.
4
ROMAINE, S. Bilingualism. 2ª ed. Oxford: Blackwell. 1995, p. 8.
2
Os participantes na pesquisa são portanto bilíngües, cujo comportamento lingüístico
nos permite observar a relação que existe entre duas línguas no mesmo indivíduo. Segundo
COOK (2000, p. 1) “transferência é uma das palavras que têm sido usadas para apreender essa
relação”
5
; mas transferência há nas duas direções, como já apontava WEINREICH em 1953
6
no seu Languages in Contact. Porém, até o momento, grande parte das pesquisas tem
focalizado os efeitos da L1 sobre a L2, isto é, as transferências (ou interferências
7
) numa
direção só, L1 > L2. Esta pesquisa, pelo contrário, se propõe estudar os efeitos da L2 sobre a
L1 dos participantes, as interferências L2 > L1.
1.4 JUSTIFICATIVA
Além das motivações sociais mais abrangentes e já mencionadas, existem outras
justificativas mais específicas para a pesquisa. Entre elas estão as de ordem teórica e pessoal.
No que se refere às últimas, o próprio comportamento lingüístico da pesquisadora
permite advertir atrito na sua L1, o espanhol.
Quanto aos motivos teóricos ou acadêmicos, existe nas universidades brasileiras um
número considerável de pesquisas sobre a aquisição de espanhol por brasileiros e os efeitos
que em forma de interferências pode ter a L1/português sobre a LE/espanhol. Porém, o
fenômeno inverso, isto é, o atrito da L1 de hispanofalantes residentes no Brasil e os efeitos da
L2/português sobre a L1/espanhol, segundo o conhecimento da autora não tem sido estudado.
De outro lado, um certo número de hispanofalantes residentes em Brasília
8
se dedica
ao ensino do espanhol. É provável que todos eles sejam afetados de algum modo pelo atrito na
sua L1. Dessa forma, algumas salas de aula de espanhol no Brasil podem ser o cenário onde
se encontram os dois fenômenos mencionados: as interferências da L1/português sobre a LE
de aprendizes de espanhol, e o atrito da L1/espanhol, dos professores hispanofalantes como
conseqüência do contato com a L2/português. Portanto, a investigação sobre o atrito na L1
5
Esta citação, como as demais originárias de outras línguas, é tradução nossa. O original é : “Transfer is
one of the words that has been used to capture this relationship”.
6
Nas referências aparece a 6ª reimpressão de 1968. As suas palavras são: “Those instances of deviation
from the norms of either language
which occur in the speech of bilinguals (...) as a result of language contact,
will be referred to as INTERFERENCE phenomena (grifo nosso, WEINREICH, 1968, p. 1).
7
De fato, o termo usado por WEINREICH é interferência (cf. nota precedente). Alguns autores como
BROWN (2000, p. 94) distinguem entre transferência e interferência (ver cap. 2), mas, geralmente na literatura,
os termos fazem referência ao mesmo fenômeno: a introdução de elementos ou propriedades de uma língua em
outra (RASO, 2003, p. 1).
8
Três dos oito participantes nesta pesquisa são professores de espanhol (cf. 4.1.1).
3
pode ajudar a compreender melhor os complicados processos de ensino/aprendizagem que se
dão numa sala de aula de língua estrangeira (LE). De fato, como MORENO FERNÁNDEZ
(1994, p. 129) afirma “qualquer situação de ensino de segundas línguas ou de línguas
estrangeiras é, na realidade, uma situação de línguas em contato”
9
; do mesmo modo que o
atrito, o qual em palavras de SCHMID (2004, p. 244) “não é mais do que uma situação de
línguas em contato”
10
.
Além disso, um dos pesquisadores pioneiros nesta área, SHARWOOD SMITH (1989,
p. 188), considera que o atrito deve ser visto como parte integrante dos estudos de aquisição
de segundas línguas, já que ambos os processos estão relacionados e implicam mudanças na
competência. Da mesma opinião é DE BOT
11
, citado por HANSEN (2001, p. 61), para quem
atrito e aquisição apresentam um paralelismo quanto aos tópicos estudados e ao papel que
desempenham fatores como a influência interlingüística, a idade, as diferenças individuais, o
cenário lingüístico, as atitudes e a motivação.
No mesmo sentido, de acordo com COOK (2003, p. 1), as mudanças que experimenta
a L1 daqueles que conhecem outras línguas têm conseqüências para a pesquisa em
ensino/aprendizagem de L2/LE.
1.5 PERGUNTAS DE PESQUISA
Esta pesquisa pretende observar o atrito na L1 de imigrantes hispanofalantes espanhóis
adultos residentes no Brasil e com proficiência em português. O objetivo é inédito e
heurístico, dado que, até onde alcança o conhecimento da autora, não existem no Brasil outros
trabalhos sobre o atrito da L1 de hispanofalantes em contato com o português brasileiro
12
.
Os imigrantes espanhóis no Brasil não formam uma verdadeira comunidade, um grupo
estruturado. Conseqüentemente, o foco desta pesquisa se situa no comportamento lingüístico
de indivíduos.
Segundo KÖPKE (1999, p. 71), se partimos do princípio de que a organização
psicolingüística é fundamentalmente a mesma em todos os bilíngües e os monolíngües,
9
“...cualquier situación de enseñanza de segundas lenguas o de lenguas extranjeras es, en realidad,
una situación de lenguas en contacto”.
10
…is nothing more than a situation of language contact”.
11
DE BOT, K. Foreword. In HANSEN, L. (Ed.), Second language attrition in Japanese contexts.
Oxford: Oxford University Press, 1999, p. vii–viii.
12
A autora teve acesso a dois estudos sobre o atrito na L1 de imigrantes italianos no Brasil: o artigo de
ARAÚJO (2004), entitulado “Um caso de interlíngua e atrito lingüístico de imigrantes e aprendizes de italiano” e
“L’italiano parlato a S. Paolo da madrelingua colti. Primi sondaggi e ipotesi di lavoro” de RASO (2003).
4
podemos prever que o atrito segue os mesmos princípios universais. Assim, a intenção desta
pesquisa é descobrir alguns dos fenômenos que se podem considerar característicos do
espanhol em contato com o português do Brasil. Para isso, foi realizada uma análise dos
desvios da norma destacados do corpus de fala das entrevistas. Essa análise tem caráter
exploratório e futuras pesquisas poderão aprofundar o estudo do corpus.
As perguntas que se pretende responder são:
como se manifesta o atrito lingüístico nos níveis léxico, morfológico e sintático
da L1 de imigrantes hispanofalantes espanhóis com proficiência em
português/L2?
Até que ponto é importante no atrito da L1 desses imigrantes bilíngües a
influência interlingüística (crosslinguistic influence)?
São os desvios induzidos externamente ou interlinguais (isto é, as
interferências), mais freqüentes do que os desvios induzidos internamente ou
intralingüais (hipergeneralização, simplificação) na fala desses imigrantes
espanhóis no Brasil?
5
2 REVISÃO DE LITERATURA
A primeira seção introduz alguns conceitos básicos sobre o bilingüismo que servem
como contextualização do fenômeno estudado: o atrito da L1 em um meio de L2. Na segunda
parte, apresenta-se o fenômeno do atrito e algumas das definições básicas. A terceira seção se
ocupa das causas do atrito e oferece uma descrição dos dois modelos teóricos que interessam
à presente pesquisa. Na quarta parte, discute-se o alcance do fenômeno através da dicotomia
competência versus desempenho. A quinta seção analisa os fatores extralingüísticos, os quais
também desempenham um papel importante no atrito. Por último e a modo de adiantamento, a
sexta seção traz o debate sobre a distinção entre alternância
13
de código e atrito.
2.1 O BILINGÜISMO
O tema desta pesquisa é o atrito da L1 em um contexto de bilingüismo, de contato
entre a L1/espanhol dos imigrantes e a língua do meio, do país de acolhida, a L2/português.
Trata-se, portanto, de observar o comportamento lingüístico de indivíduos bilíngües ou
trilíngües, que alcançaram de forma não simultânea um domínio variável de uma L2, o
português. Nesse contexto, torna-se necessário apresentar alguns conceitos básicos em torno
ao bilingüismo.
O primeiro problema que surge ao se estudar o bilingüismo se refere à grande
variedade de definições existentes. COOK (2003, p. 5), por exemplo, evita utilizar a palavra
bilíngüe
14
“não só por causa da pletora de definições confusas, mas também porque
habitualmente invoca-se o ideal platônico do bilíngüe perfeito, mais do que a realidade da
pessoa comum que usa uma segunda língua para as necessidades do seu dia a dia”
15
.
13
Embora parte da literatura em português utilize “mudança de código” como tradução do inglês code-
switching, neste trabalho será utilizada a outra opção existente, “alternância de código” (vide seção 2.7), termo
que parece refletir melhor o sentido de switch em inglês (ir e vir) e que aparece na própria definição de code-
switching: “... the alternate use of two languages in the same utterance” (grifo nosso), (HAMERS; BLANC,
2000, p. 369). O termo “mudança” é mais amplo e pode fazer referência a processos de modificação ou evolução
dentro de uma mesma língua.
14
Ele utiliza no seu lugar “usuário de L2”
(L2 user) ou “pessoa que conhece duas línguas” (“people who
know two languages”).
15
“… not only because of the plethora of confusing definitions, but also because they usually invoke a
Platonic ideal of the perfect bilingual rather than the reality of the average person who uses a second language
for the needs of his or her everyday life”.
6
Assim, num extremo dessa multiplicidade, encontramos a definição estruturalista
focalizada na competência do “bilíngüe perfeito” de BLOOMFIELD
16
, citado por
EDWARDS (2004, p. 8), HAMERS e BLANC (2000, p. 6) e KÖPKE (1999, p. 25). Para ele,
bilingüismo é o domínio de todos os aspectos de duas línguas como um nativo. Mas esse tipo
de bilíngüe, com uma competência perfeita e totalmente equilibrada entre as duas línguas, é
muito raro.
No outro extremo está MACNAMARA
17
, citado por HAMERS e BLANC (2000, p.
6), segundo o qual bilíngüe é aquele que possui uma competência mínima em pelo menos
uma das quatro habilidades lingüísticas (compreensão auditiva e escrita, e expressão oral e
escrita). Do mesmo modo que a primeira definição restringe enormemente o alcance do
bilingüismo, a segunda o amplia até incluir quase qualquer pessoa. Para EDWARDS (2004, p.
7-9), este tipo de definições não é aplicável, já que o bilingüismo aparece como uma questão
de grau difícil de determinar.
Na opinião de HAMERS e BLANC (2000, p. 23) as mencionadas definições
conceituam o bilingüismo em termos de competência, mas ignoram outras dimensões não-
lingüísticas importantes. Por outro lado, não definem claramente o que entendem por
competência mínima ou por competência nativa, a qual é também variável entre os falantes
monolíngües. Para tentar superar essas deficiências, os autores citados propõem definir o
bilingüismo como “o estado psicológico de um individuo que tem acesso a mais de um código
lingüístico como meio de comunicação social”
18
. O acesso varia de acordo com dimensões
como a competência relativa, a organização cognitiva e a idade de aquisição, entre outras. As
variações que dizem respeito a essas dimensões permitem distinguir entre diferentes tipos de
bilíngües.
Outros autores como GROSJEAN
19
, citado por HAMERS e BLANC (2000, p. 6) e
KÖPKE (1999, p. 25), chamam a atenção sobre o fato de que esse tipo de definições provém
de um enfoque monolíngüe do bilingüismo. Assim, ele afirma que o bilíngüe não é a soma de
16
BLOOMFIELD, L. Language, London: Allen & Unwin, 1935.
17
MACNAMARA, J. The bilingual’s linguistic performance. Journal of Social Issues, 23, 1967, p. 58-
77.
18
“… as the psychological state of an individual who has access to more than one linguistic code as a
means of social communication” (HAMERS; BLANC, 2000, p. 25). Cabe perguntar até que ponto o termo
“estado psicológico” supõe de fato uma superação.
19
GROSJEAN, F. Neurolinguists, beware! The bilingual is not two monolinguals in one person. Brain
and Language, 36, 1989, p. 3-15.
7
dois monolíngües; os bilíngües desenvolvem um comportamento lingüístico próprio
20
que
lhes permite usar cada uma das línguas para cumprir diferentes funções comunicativas. De
fato, um bilíngüe raramente utiliza as duas línguas em todos os âmbitos.
KÖPKE (1999, p. 26) no seu estudo sobre o atrito da L1 de bilíngües tardios propõe
como definição mais apropriada a seguinte: são bilíngües aquelas pessoas com competência
funcional nas duas línguas, a qual lhes permite satisfazer as suas necessidades lingüísticas.
Essa definição, como a de HAMERS e BLANC (2000, p. 25), implica uma grande
variabilidade de acordo com uma série de dimensões que, como foi mencionado antes,
possibilitam a classificação dos bilíngües. A seguir, se apresentam as três distinções mais
pertinentes dentro deste estudo.
2.1.1 Bilíngües Equilibrados e Bilíngües Dominantes
Esta primeira distinção se estabelece com base na competência relativa do individuo.
Os bilíngües equilibrados possuem uma competência equivalente nas duas línguas, enquanto
os dominantes são mais competentes numa delas. Como lembra EDWARDS (2004, p. 9), os
bilíngües equilibrados constituem a exceção mais do que a regra.
Segundo HAMERS e BLANC (2000, p. 27), o mais comum é que a língua dominante
seja a L1. Porém, de acordo com KÖPKE (1999, p. 30-2), os resultados de várias pesquisas
indicam que a dominância lingüística evolui ao longo da vida em função das necessidades
comunicativas. Esse aspecto é de grande interesse para o estudo do atrito da L1, já que mostra
que a L2 pode se tornar dominante, mesmo em indivíduos que a aprendem depois da
adolescência. Essa mudança na dominância pode ser um estágio precursor do atrito, embora
isso não signifique que o atrito apareça sempre que se produz uma mudança de língua
dominante (KÖPKE, id.). Todavia, na presente pesquisa, como veremos na seção 4.1.3, a
maioria dos participantes auto-avalia sua competência em L2 igual à de L1 (cf. tab. 5, p. 51),
de modo que, ao menos na sua percepção, a L2 não se tornou dominante; poderiam, portanto,
ser considerados bilíngües equilibrados.
2.1.2 Bilíngües Precoces e Bilíngües Tardios
A idade de aquisição das línguas determina a diferença entre bilíngües precoces e
tardios. Os primeiros adquirem as duas línguas durante a infância, de forma simultânea
20
Numa linha semelhante de pensamento estão as idéias de COOK (cf. seções 2.3 e 2.3.2).
8
(bilíngües simultâneos) ou consecutiva (bilíngües consecutivos); no caso dos segundos, a
aprendizagem da L2 se produz em uma idade mais avançada, cujo limite é situado
freqüentemente em torno à puberdade, entre os 10 e os 12 anos. Esse limite está relacionado
com a hipótese de LENNEBERG
21
, citado por KÖPKE (1999, p. 32), que postula a existência
de um período crítico para a aquisição da língua (L1 ou L2), o qual terminaria com a
maturidade neuropsicológica, por volta dos 13 anos. Toda aquisição posterior seria
qualitativamente diferente, já que com a lateralização que se completa durante a puberdade se
extingue a grande plasticidade cerebral da criança. Segundo KÖPKE (id.), os estudos mais
recentes indicam que o final do período crítico se situa antes da puberdade. A mesma autora
(ibid., p. 43) recolhe os resultados de pesquisas neurolingüísticas recentes, cujos dados,
obtidos por meio de imaginologia cerebral
22
, confirmam claramente a distinção entre
bilíngües precoces e tardios baseada na hipótese de um período sensível para as aquisições
lingüísticas.
Dentre os participantes nesta pesquisa, quatro podem ser considerados bilíngües
precoces simultâneos, já que adquiriram durante a infância o espanhol e a língua vernácula da
região de onde são originários (cf. seções 3.2, 4.1.3 e tab. 4, p. 50). Não obstante, todos os
participantes, exceto P1 e P8, adquiriram o português posteriormente, na idade adulta (cf. tab.
3 e 4, p. 50). P1 e P8 chegaram ao Brasil com 11 anos, idade que se situa no limite do
“período critico” (cf. seções 3.2 e 5.2).
2.1.3 Bilíngües Compostos e Bilíngües Coordenados
A idade e o contexto de aquisição podem levar a diferenças na organização cognitiva.
No bilíngüe coordenado, os significantes de cada língua estão associados a um significado
distinto que reflete o sentido exato da palavra na língua correspondente. No caso do
composto, os significantes de cada língua estão associados a um único significado que
constitui uma amálgama dos significados da palavra nas duas línguas.
De acordo com HAMERS e BLANC (2000, p. 27), mesmo não existindo uma
correlação exata entre forma de representação cognitiva, idade e contexto de aquisição, um
21
LENNEBERG, E.H. Biological Foundations of Language. New York: Wiley, 1967.
22
Os novos métodos de imaginologia cerebral (os mais usados são a tomografia axial computadorizada,
a ressonância nuclear magnética e a ultra-sonografia) desenvolvidos nos últimos anos, permitem visualizar de
forma fiável as partes do cérebro envolvidas numa tarefa concreta. Por exemplo, uma das pesquisas mencionadas
(Kim et al. Distinct cortical areas associated with native and second languages. Nature, 388, p. 171-174, 1997,
citado por KÖPKE, 1999, p. 41), mostra que nos bilíngües tardios o uso da L2 ativa na área de Broca zonas
diferentes, mas adjacentes das ativadas pelo uso da L1. Essa diferença não é constatada nos bilíngües precoces.
9
indivíduo que tenha aprendido as duas línguas na infância e no mesmo contexto é mais
passível de possuir uma única representação cognitiva para duas palavras que são
equivalentes de tradução (ing. translation equivalents). Pelo contrário, alguém que tenha
aprendido uma L2 num contexto diferente daquele da L1, terá provavelmente uma
organização coordenada com duas representações separadas para dois equivalentes de
tradução.
PARADIS
23
, citado por KÖPKE (1999, p. 29), sugere que os bilíngües coordenados
mostrariam um menor grau de interferência do que os compostos, mas HAMERS e BLANC
(2000, p. 165) advertem que não existem evidências. Para eles (ibid. p. 27), a distinção entre
compostos e coordenados não é binária, mas um continuum que vai de um pólo composto até
um pólo coordenado. Em outras palavras, um bilíngüe pode ser mais composto para certos
conceitos e mais coordenado para outros.
2.1.4 O Continuum
Existe um problema com essas distinções: como lembra EDWARDS (2004, p. 9-11) é
difícil não só medir o bilingüismo, mas também classificar claramente os indivíduos dentro de
uma ou várias das suas categorias ou graus.
Para resolver esse problema, a tendência atual é considerar o bilingüismo um
continuum no qual não existem tipos ou classes que formem compartimentos estanques.
Segundo PY e GROSJEAN (2002, p. 20), a definição de bilingüismo tem-se amenizado nos
últimos anos, atribuindo-se um papel central aos aspetos funcionais, de modo que o aprendiz
de L2 hoje é considerado um bilíngüe em construção (fr. en devenir). Essa concepção se
aproxima da proposta de SILVA-CORVALÁN (1995, p. 4) do Continuum Bilíngüe. Este se
desenvolve em situações de bilingüismo social e compreende diferentes graus de domínio das
duas línguas, que vão “do espanhol padrão ou sem restrições, a um uso emblemático do
mesmo (e vice-versa na outra língua). No nível individual, esses “letos” (ing. lects) não se
correspondem com dicotomias fixas do tipo ‘composto-coordenado’ ou ‘equilibrado-
dominante’. Ao invés disso, constituem uma ampla variedade de níveis dinâmicos de
proficiência”
24
.
23
PARADIS, M. On the representation of two languages in the brain. Language Sciences, 7 (1), 1985,
p. 1-39.
24
“… from unrestricted or standard Spanish to an emblematic use of Spanish (and vice versa in the
other language). At the individual level, these lects do not correspond to fixed dichotomies of the type
10
Próximo também dessa visão se encontra o Continuum de Integração de COOK (2003,
p. 6-9), de acordo com o qual a relação que existe entre duas ou mais línguas na mente se
situa num ponto do continuum que vai da integração total (as duas línguas formam um único
sistema) até a separação total (semelhante segundo o próprio COOK à idéia de bilingüismo
coordenado). Entre esses dois infreqüentes extremos, existem diferentes graus e tipos de
interconexão entre as línguas.
Essa concepção do bilingüismo parece se adaptar aos participantes nesta pesquisa, os
quais mostram uma heterogeneidade difícil de se classificar dentro dessas dicotomias fixas
(cf. seção 4.1).
Por último, cabe fazer menção a uma questão estreitamente relacionada com o tema do
atrito: como mantém o bilíngüe as suas duas línguas separadas? Segundo HAMERS e
BLANC (2000, p. 196), estamos apenas começando a entender o processamento lingüístico
nos bilíngües. Existem controvérsias não resolvidas sobre o nível do processamento no qual
se produz a separação das línguas, ou como funciona a memória bilíngüe (um “depósito” para
cada língua ou um comum às duas). Com respeito a este último ponto, as pesquisas de finais
dos anos noventa parecem apoiar os modelos hierárquicos que assumem a existência de um
processador comum no nível semântico e processadores separados nos níveis superficiais.
2.2 O ATRITO: DEFINIÇÃO E DESCRIÇÃO
Do mesmo modo que com o bilingüismo (cf. 2.1), o primeiro problema que aparece
quando tentamos delimitar o fenômeno do atrito é que não existe acordo sobre uma definição
provada, consistente. Como afirmam KÖPKE e SCHMID (2004, p.1-2), após mais de 20 anos
de pesquisa, as perguntas superam as respostas. De fato, segundo SCHMID (2004, p. 239) as
conclusões de alguns estudos não permitem afirmar com certeza que uma língua materna (L1)
plenamente adquirida possa chegar a experimentar um atrito significativo: até que ponto a
redução de proficiência que implica o atrito afeta as habilidades comunicativas do sujeito na
interação com falantes nativos da sua L1, tanto da perspectiva destes como desde a dele
próprio?
25
É realmente possível “esquecer” a L1?
‘compound-coordinate’, or ‘balanced-unbalanced’. Rather, they represent a wide range of dynamic levels of
proficiency”.
25
Nesse sentido COOK (2003, p. 9) afirma que “a perda de algum aspecto da L1 só é uma desvantagem
se impede o usuário de L2 de realizar uma atividade com sucesso” [“... losing some aspect of the first language
is only a disadvantage if it prevents the L2 user carrying out some activity successfully”].
11
Do ponto de vista da psicologia cognitiva alguns autores
26
consideram que o
conhecimento lingüístico, como qualquer outro, não pode perder-se, desaparecer. Ele se torna
inacessível com a falta de uso, mas é recuperável com os estímulos adequados (HANSEN,
2001, p. 67)
27
. Assim, segundo SHARWOOD SMITH e VAN BUREN (1991, p. 18-23) o
atrito poderia ser interpretado como problemas de recuperação, de acesso on-line à forma ou à
estrutura apropriada, isto é, ao conhecimento que pode permanecer inalterado
28
. Esta questão
está relacionada com o debate sobre competência e desempenho que será mencionado mais
adiante (vide seção 2.4).
Para HAMERS e BLANC (2005, p. 76-7), o atrito é um processo de regressão
lingüística que forma um continuum
29
, que vai desde leves problemas de acesso até a perda
total de uma língua. Na sua opinião, este último caso só é possível no caso de crianças
imigrantes de pouca idade ou em situações pós-mórbidas. Mais comum seria o que eles
chamam de atrito ambiental, no qual o uso restringido da L1, produto da aquisição e utilização
da língua do ambiente, a L2, leva à perda parcial de certos aspectos da L1. Essas perdas
podem ser supridas com elementos da L2. Porém, como os autores mencionados afirmam, o
atrito não deve ser confundido com a mistura de código
30
. Esta é desencadeada pelo contexto
social, o atrito, pelo contrário, ocorre até em contextos monolíngües.
Por outro lado, em muitos casos a palavra “perda” não chega a refletir o processo de
mudança que o atrito produz na L1. Esse processo se manifesta na forma de desvios da
norma
31
, decalques léxicos e semânticos da L2, mudanças morfossintáticas, manifestações
nas quais SELIGER (1989, p. 175; 1991, p. 238), entre outros, considera que existe uma parte
26
KÖPKE (1999, p. 77) cita BADDELEY, A. La mémoire humaine. Théorie et pratique. Grenoble:
Presses Universitaires de Grenoble, 1992.
27
Hansen é um dos nomes mais importantes no campo do atrito de L2.
28
SHARWOOD SMITH e VAN BUREN (1991a).
29
Cf. seção 2.1.4, Continuum Bilíngüe de SILVA-CORVALÁN (1995, p. 4) e Continuum de
Integração de COOK (2003, p. 6-9).
30
Segundo HAMERS e BLANC (2005, p. 369) mistura de código (ing. code-mixing) é “uma estratégia
de comunicação usada por bilíngües na qual o falante duma língua Lx transfere elementos ou regras duma língua
diferente (Ly) para Lx (a língua base); porém, à diferença do empréstimo, esses elementos não são integrados ao
sistema lingüístico de Lx”. [“A communication strategy used by bilinguals in which the speaker of a language Lx
transfers elements or rules of a different language (Ly) to Lx (the base language); unlike borrowing, however,
these elements are not integrated into the linguistic system of Lx”].
31
Com este termo se alude ao que outros autores denominam “erros” (ing. error, SCHMID, 2004 e
KÖPKE, 1999, entre outros), “mudanças” (ing. changes, SILVA-CORVALÁN, 1994) ou “variantes de contato”
(fr. variantes de contact, PY e GROSJEAN, 2002). É similar ao empregado por SELIGER (1989) e
SHARWOOD SMITH (1989) ing. deviant forms. “Desvio da norma” é a tradução do inglês deviation from the
norm, utilizado por WEINREICH (1968, p. 1) na sua conhecida e já mencionada (cap. 1, nota 6) definição de
interferência.
12
de criatividade importante que permite o desenvolvimento de novas regras. De fato, como
afirma SHARWOOD SMITH (1983, p. 226) “o falante nativo ou ex-falante nativo pode
acabar com um conjunto de recursos enriquecido, combinando o melhor de ambos os
sistemas”
32
.
Na opinião de SHARWOOD SMITH (1989, p. 186) aquisição e perda lingüística (isto
é, atrito da L1) aparecem como processos relacionados e opostos. Em outras palavras,
estaríamos contrapondo fenômenos de expansão versus diminuição, de complicação versus
simplificação. Essa visão é desenvolvida pela Hipótese da Regressão de Jacobson. Como
explicam KÖPKE e SCHMID (2004, p. 15-6), essa teoria se baseia no pressuposto de que a
perda lingüística na afasia é o reverso da aquisição lingüística nas crianças: o que foi
aprendido em último lugar seria o primeiro a se perder
33
. Mas a perda lingüística patológica é
localizada e repentina, não progressiva como a aquisição da L1 na infância. A regressão,
portanto, não é verossímil como explicação da afasia. Porém, no caso do atrito não patológico
a regressão é mais provável, já que, este sim, é um processo gradual e não localizado.
O termo atrito provém da área da Geologia e refere-se à erosão que sofre a crosta
terrestre pela ação de agentes externos como a água e o vento
34
. Trata-se, portanto, de um
desgaste causado pela fricção. De acordo com SCHMID (2006), isso nos indicaria que no
começo o atrito lingüístico era visto como a ação desgastante de uma língua sobre outra,
situando-se assim no campo teórico do contato de línguas.
De acordo com KÖPKE e SCHMID (2004, p. 5) o sentido estrito de atrito é “a
redução não patológica
35
da proficiência numa língua previamente adquirida por um
indivíduo, isto é, perda intrageneracional”
36
, sendo este o campo de estudo da presente
pesquisa. Na opinião das mesmas autoras, o atrito deve ser distinguido de fenômenos sociais
como mudança, substituição
37
, perda e morte lingüística (ing. language change, shift, loss and
32
“The native speaker or ex-native speaker may end up with an enriched set of resources by combining
the best of both systems”.
33
Em inglês “Last in, first out”, SCHMID (2006).
34
Assim aparece definido no dicionário de inglês on-line da Princeton University: “Meaning 1: erosion
by friction. Meaning 2: the wearing down of rock particles by friction due to water or wind or ice”.
35
Diferente, portanto, da perda lingüística patológica ou afasia, originada por lesões cerebrais.
36
“... the non-pathological decrease in proficiency in a language that had previously been acquired by
an individual, i.e. intragenerational loss”.
37
Substituição lingüística e mudança lingüística são termos diferentes e não devem ser confundidos,
embora estejam relacionados de forma estreita. WEINREICH (1968, p. 236-243) descreveu a substituição
lingüística (ing. language shift) como a troca ou deslocamento de uma língua de uso habitual por uma outra.
13
death) que se produzem em comunidades bilíngües ao longo de várias gerações. Todavia, essa
distinção terminológica não é aplicada por muitos pesquisadores.
Também deve ser diferenciado da aquisição incompleta, fenômeno que se observa
com freqüência em crianças que adquirem duas (ou mais) línguas de forma simultânea. Como
aponta MONTRUL (2002, p. 39), muitos desses bilíngües têm uma exposição insuficiente a
uma das línguas na infância, tanto em termos de quantidade como de qualidade, ou carecem
da continuidade de input necessária para alcançar a proficiência plena.
A classificação do atrito mais difundida é a atribuída a VAN ELS
38
(citado por
KÖPKE; SCHMID, 2004, p. 8), mas criada na realidade por De Bot e Weltens em 1985. A
divisão é feita em relação à língua afetada (língua materna/L1 ou segunda língua/L2) e ao
ambiente lingüístico (de L1 ou de L2). Resultam quatro tipos de atrito (ver tabela 1), dos
quais a reversão e a perda de dialeto têm sido muito pouco estudadas. A imensa maioria das
pesquisas focaliza os outros dois tipos
39
: o atrito da L1 em um ambiente de L2, objeto de
estudo deste trabalho, e o atrito de L2 em um ambiente de L1. Embora tenham começado de
forma paralela, a partir dos anos 90 as áreas de estudo de atrito da L1 e de atrito da L2
separaram-se e começaram a utilizar métodos de elicitação de dados diferentes (KÖPKE;
SCHMID, 2004, p. 8-10).
TABELA 1 - A CLASSIFICAÇÃO DO ATRITO DE VAN ELS
Ambiente lingüístico
Língua afetada L1 L2
L1
Perda de dialeto
Atrito da L1
L2
Atrito da L2
Reversão lingüística
(nos idosos)
FONTE: KÖPKE; SCHMID (2004, p. 9)
KÖPKE (1999, p. 70) acrescenta a essa classificação a distinção entre o estudo do
atrito em comunidades ou enclaves, normalmente através de várias gerações, ou em
indivíduos de uma mesma geração. A primeira situação tem mais interesse para a
38
VAN ELS, T. An overview of European research on language attrition. In: WELTENS, B.; DE BOT,
K.; VAN ELS, T. (Ed.). Language Attrition in Progress. Dordrecht: Foris, 1986. p. 3-18.
39
Esta circunstância leva KÖPKE e SCHMID (2004, p. 9) a sugerirem que esta classificação possa ter
perdido a sua utilidade.
14
sociolingüística, enquanto a psicolingüística privilegia o estudo do atrito a nível individual. A
presente pesquisa se enquadra dentro da segunda situação.
De modo geral, o atrito da L1 em um ambiente de L2 é um processo no qual a falta de
contato com a L1 leva a uma redução na proficiência desta língua (SCHMID; DE BOT, 2004,
p. 210). SELIGER e VAGO (1991, p. 4) alvitram uma outra definição: a L1 é enfraquecida
pelo aumento de uso e função da L2. Ambas as definições podem ser consideradas
complementares e apontam as duas causas para o atrito que identificam SHARWOOD
SMITH e VAN BUREN (1991, p. 22): a privação de input da L1 e a influência
interlingüística (ing. crosslinguistic influence-CLI) de outra língua que está sendo adquirida e
usada.
Existe uma controvérsia sobre qual seria o fator mais importante como desencadeador
do atrito, a falta de uso ou a influência da L2. Porém, a única circunstância que permitiria
verificar que a falta de uso é causa suficiente seria a situação do sobrevivente a um naufrágio
numa ilha deserta proposta por SHARWOOD SMITH e VAN BUREN (1991. p. 22): um
falante nativo sem oportunidade de ler ou ouvir a sua L1, de se comunicar com outros falantes
nativos e de interagir em uma outra língua. Mas essa situação, que para os autores
mencionados é a mais “pura”, senão impossível, é quando menos bastante improvável e, por
razões óbvias, difícil de se estudar. A situação normal que estamos em condições de observar
é mais complexa e envolve não só falta de exposição à L1, mas também o segundo fator
citado, a exposição a uma L2. Em outras palavras, trata-se de uma situação de bilingüismo.
Do exposto no parágrafo anterior, se deduz que ambos os fatores, um interno, a falta
de uso, e outro externo, a influência da L2, devem influir em maior ou menor medida no
desencadeamento do processo de atrito.
2.3 CAUSAS DO ATRITO: SIMPLIFICAÇÃO VS. INFLUÊNCIA DA L2
Uma das questões mais debatidas no estudo não só do atrito, mas da mudança
lingüística em geral, tem sido as causas que motivam esse processo: fatores internos como a
mencionada falta de uso, ou externos, como a influência da L2.
SELIGER e VAGO (1991, p. 7-10) e SILVA-CORVALÁN (1994, p. 92, 133), entre
outros, ao analisarem as mudanças que o atrito produz na L1, distinguem entre motivos
internos e externos, os quais podem ser identificados respectivamente com os processos de
15
atrito intra-sistema (ing. intra-system) e inter-sistema (ing. inter-system) descritos por
PRESTON
40
(citado por SHARWOOD SMITH, 1989, p. 192). Essa distinção permite
classificar os desvios da norma ou erros que aparecem na L1 dos falantes atingidos pelo atrito
em dois tipos: intralinguais, devidos a causas internas, e interlinguais, devidos a causas
externas, isto é, a influência da L2. Entre os primeiros estão fenômenos como a simplificação,
a hipergeneralização, a regularização e a substituição de formas sintéticas por analíticas ou
perifrásticas; entre os segundos se contam a transferência ou interferência e a convergência.
Porém, não existe uniformidade terminológica entre os diferentes autores. Assim, esses
fenômenos que poderíamos qualificar de universais são denominados e, às vezes, definidos de
diferentes formas. É, portanto, necessário explicitar com que sentido se empregam esses
termos no presente trabalho. Utilizam-se para tanto basicamente as definições de SILVA-
CORVALÁN (1994, p.2-5), caso contrário, são mencionados os autores.
Fenômenos intralinguais:
Simplificação: o uso de uma forma é expandido (ou generalizado) a um maior número
de contextos, de modo que se produz uma redução de formas e a eliminação de
alternativas, isto é, um sistema simplificado com menos formas.
Hipergeneralização
41
: o processo de estender o uso de uma regra a itens que estão
excluídos dela na norma lingüística. A diferença da simplificação é que esta produz
contração, já que implica o uso menos freqüente ou eliminação de uma outra forma. A
hipergeneralização, no entanto, aparece em contextos nos quais não existe outra forma
competidora, assim não ocorre redução (por exemplo, a pronominalização do verbo
em (134)
42
(VIII-320) *se están cambiando *de plumas [están cambiando las plumas]
= estão mudando as penas; ou a ditongação de (128) (VII-23) *nuevecientos
[novecientos] = novecentos).
40
PRESTON, D. How to lose a language. Interlanguage Studies Bulletin. 6, 2, 1982, p. 64-87.
41
Alguns autores como RASO (2003) usam o termo “hipercorreção” para fazer referência a desvios da
norma não devidos à influência da L2, nos quais o falante tenta diferenciar as duas línguas quando estas
coincidem (exemplos do corpus, (VIII-27) le preguntamos *de la capota [le preguntamos por, sobre la capota]
= perguntamos-lhe pela, sobre a capota; ou (VII-23) *nuevecientos [novecientos] = novecentos. O falante
ditongou o numeral seguindo o modelo de nueve = nove). De fato, a hipercorreção é uma hipergeneralização na
qual o falante, numa busca excessiva de correção, troca uma forma correta da língua que ele interpreta como
incorreta, por uma outra forma que ele considera correta, mas que nesse contexto não é.
42
Os números entre parêntese situados antes dos exemplos do corpus são os utilizados na seção 4.2 para
numerar os desvios da norma analisados neste trabalho.
16
Regularização: termo relacionado com o anterior que se aplica quando as formas
hipergeneralizadas são as de maior distribuição. Como define Preston, o resultado é a
criação de regularidades onde havia irregularidades.
Fenômenos interlinguais:
Transferência ou interferência: ambos os termos são freqüentemente utilizados para
fazer referência ao mesmo fenômeno, a incorporação de traços de uma língua a uma
outra com a conseqüente reestruturação de padrões nos subsistemas envolvidos. Mas
outros autores no campo de ensino de L2/LE, como BROWN (2000, p. 94),
estabelecem uma diferença entre transferência como transmissão de conhecimento
prévio que é corretamente aplicado e facilita a aprendizagem, e interferência, quando
esse conhecimento é incorretamente associado e perturba a aprendizagem.
Transferência e interferência seriam, portanto, a face positiva e negativa
respectivamente do mesmo fenômeno, considerado uma estratégia de aprendizagem
universal. De fato, alguns autores como HAMERS e BLANC (2000, p. 41) utilizam o
termo transferência negativa para fazer alusão à interferência. Dado que poucos
autores parecem aplicar essa distinção entre ambos os termos, neste trabalho serão
utilizados como sinônimos.
Contudo, existem pesquisadores que, embora estejam se referindo ao mesmo
fenômeno evitam a utilização da palavra “interferência”. Assim, PY e GROSJEAN
(2002, p. 20-1) os quais consideram inadequado encarar os fenômenos de mistura
lingüística de forma negativa, como fracassos. Conseqüentemente, introduzem uma
nova denominação “variante de contato”. Do mesmo modo, COOK (2000, p. 4-5)
prefere falar de “efeitos” da L2 sobre a L1; na sua opinião, não se trata de
transferência de itens de uma língua a outra, mas de criação por fusão de algo
diferente, uma competência com alterações que não devem ser interpretadas como
deficiências.
Convergência: consecução de uma maior semelhança estrutural em um aspecto dado
da gramática das duas línguas. Em geral, é o resultado do processo de transferência,
mas, também pode ser o resultado de tendências preexistentes motivadas internamente
e aceleradas pelo contato.
17
Após esses esclarecimentos e voltando-se aos desvios intralinguais e interlinguais, é
necessário ressaltar a importância dessa categorização na presente pesquisa, já que um dos
objetivos da mesma é analisar o papel da influência da L2 no atrito da L1 dos imigrantes
espanhóis no Brasil.
Não obstante, como lembram SCHMID e DE BOT (2004, p. 212-3), em muitas
ocasiões é difícil distinguir entre mudanças devidas à influência da outra língua e aquelas
produzidas por modificações dentro do próprio sistema. Neste sentido, SILVA-CORVALÁN
(1994, p. 2) aponta que a inclinação teórica do lingüista vai determinar o peso que confere às
causas internas ou externas. Desse modo, surgem dois modelos teóricos: a teoria da
simplificação, que privilegia os fatores internos, e a teoria da transferência ou influência
interlingüística, que focaliza um dos fatores externos
43
, a influência da L2.
2.3.1 A Teoria da Simplificação
A respeito do primeiro modelo, KÖPKE e SCHMID (2004, p. 16) afirmam que a
simplificação “não pode, na realidade, explicar nada”
44
. Isso é devido, em parte, à falta de
precisão do termo “simplificação”. Em alguns casos, ele faz referência à preferência por
estruturas analíticas no lugar das sintéticas; mas também pode indicar a eliminação de
estruturas que exigem mais tempo para processar ou de aquelas que requerem mais
transformações. De fato, como lamenta SILVA-CORVALÁN (1994, p. 2-3), não existe
acordo entre os pesquisadores sobre o significado deste termo; para ela a simplificação supõe
“a maior freqüência de uso de uma forma X em um contexto Y (isto é, generalização) em
prejuízo de uma forma Z, que habitualmente está em concorrência com X e semanticamente
relacionada com ela (...) o resultado final deste processo é a redução ou perda de formas e a
eliminação de alternativas, isto é, um sistema simplificado
45
.
Todavia, como adverte SCHMITT (2004, p. 313), a simplificação não pode explicar
aqueles casos nos quais o atrito supõe um incremento do número e da complexidade ao invés
de uma redução. Entre os exemplos que aporta a mesma autora, no caso do russo/L1 falado
por crianças emigradas aos Estados Unidos, estão o aumento do número e da complexidade
43
Os fatores externos abrangem o que SILVA-CORVALÁN (1994, p. 1) denomina “forças sociais
externas” (external social forces), nas quais se inclui a L2.
44
“... it cannot, in reality, explain anything”. No mesmo sentido SCHMITT (2004, p. 299).
45
“... the higher frequency of use of a form X in context Y (i.e. generalization) at the expense of a form
Z, usually in competition with and semantically closely related to X (...) its final outcome is reduction or loss of
forms and elimination of alternatives, i.e. a simplified system”.
18
das conjunções, e o aumento dos sujeitos pronominais. Esses casos, segundo a autora
poderiam ser atribuídos à convergência com a outra língua.
Uma variante do modelo de simplificação supõe que o atrito segue os mesmos
princípios da mudança lingüística. De acordo com SCHMID
46
, citada por KÖPKE e
SCHMID (2004, p. 17) estes seriam: “redução de registros devido à redução de funções;
redução do léxico afetando mais especificamente os itens de baixa freqüência, e redução da
complexidade morfológica que tem como resultado uma estrutura lingüística mais
analítica”
47
.
Esse modelo é freqüentemente usado em estudos de enfoque sociolingüístico que se
ocupam do atrito intergeneracional em grupos ou comunidades. Dentre essas pesquisas, duas
são especialmente relevantes para o nosso tema: a de PY e GROSJEAN (2002) sobre o
espanhol falado em comunidades de imigrantes espanhóis na Suíça francófona, e a de SILVA-
CORVALÁN (1994) sobre a variedade de espanhol das comunidades mexicanas em Los
Angeles. Em ambos os casos, o atrito é visto como uma forma de mudança lingüística
acelerada num indivíduo ou numa comunidade (SCHMID; DE BOT 2004, p. 213).
Já no caso de PY e GROSJEAN (2002, p. 23) a influência da L2 aparece como a
principal fonte das mudanças, mas coincidem na visão do atrito
48
como promotor da mudança
lingüística. Assim, consideram que as que denominam “variantes de contato”
49
(interferências) podem revelar tendências profundas do sistema e ilustram “um estado
transitório numa competência mutável”
50
. O processo de reestruturação da competência que
implica aprender uma L2 (isto é, o surgimento do bilingüismo) está determinado pelo
princípio da simplicidade: “quanto mais simples é uma regra da L1, melhor resiste à pressão
da outra língua”
51
. A simplicidade é definida por três critérios: “a extensão do domínio de
46
SCHMID, M. S. First Language Attrition, Use, and Maintenance. The case of German Jews in
Anglophone countries. Amsterdam / Philadelphia: John Benjamins, 2002, p. 13.
47
“... reduction in registers due to reduction in functions; reduction of the lexicon affecting more
specifically low-frequency items; and reduction in morphological complexity resulting in a more analytical
language structure”.
48
O termo utilizado por eles é “restructuration” (reestruturação), já que desejam evitar o uso de
palavras como “atrito” ou “interferência”, as quais na sua opinião escondem uma visão negativa dos fenômenos
de mistura lingüística (PY; GROSJEAN, 2002, p. 20-1).
49
De acordo com PY e GROSJEAN (2002, p. 20-1) as “variantes de contato” são formas produzidas
por um contato prolongado e regular com outra língua e diferem das variantes padrão, estruturas cuja
legitimidade é reconhecida pelas gramáticas coetâneas da língua em questão. Com esse termo aludem às
interferências.
50
“... um état transitoire dans une compétence mouvante”.
51
Plus une règle est simple, mieux elle resiste à la pression de l’autre langue”.
19
aplicação de uma regra, a saliência dos indícios que permitem reconhecer as formas
compreendidas neste domínio e a redução do número de operações requeridas pela regra”
52
.
SELIGER (1989, p.173) propõe um princípio similar como causa última do atrito, o
Princípio de Redução da Redundância (ing. Redundancy Reduction), segundo o qual “Se
ambas as línguas contêm uma regra que serve a mesma função semântica, a versão da regra
que é formalmente menos complexa e tem uma distribuição maior (...) substituirá a regra mais
complexa e com menor distribuição”
53
. De fato, essa transferência das regras mais simples da
L2 reduz a carga da memória; o falante bilíngüe pode manter as duas línguas combinando
elementos da L1 e da L2, conseguindo desse modo uma gramática mais econômica (ing.
parsimonious) (SELIGER, 1989, p.182-3).
Essas propostas se aproximam das idéias de SILVA-CORVALÁN (1995, p. 9)
segundo a qual, para tornar mais leve a carga cognitiva que supõe recordar e usar duas
línguas, os bilíngües desenvolvem estratégias, sendo uma delas a transferência da L2 (as
outras são simplificação, hipergeneralização, desenvolvimento de construções perifrásticas e
alternância de código). No mesmo sentido, SHARWOOD SMITH (1983, p. 226) aponta que a
transferência (da L1 na aquisição, da L2 no atrito) supõe a facilitação do processamento
lingüístico quando se trata de duas línguas. Assim propõe como hipótese que serão adotadas
(na L1 ou na L2) da outra língua aquelas estruturas que levem a maior simplicidade de
processamento.
Segundo SILVA-CORVALÁN (1994, p. 92), muitas das mudanças têm uma causa
interna dado que já estavam em andamento na “variedade monolíngüe” antes de se produzir o
contato. Não obstante, também admite a existência de modificações produzidas pela
influência da L2. Assim, de acordo com a sua concepção, existem cinco fenômenos
característicos do bilingüismo: simplificação, hipergeneralização, análise (desenvolvimento
de construções perifrásticas), transferência e convergência. Dentre eles, os três primeiros
também caracterizam a mudança lingüística em comunidades monolíngües e com freqüência
são, portanto, o resultado de fatores intralingüísticos. Só os dois últimos seriam conseqüência
da influência interlingüística. Por exemplo, considera que as mudanças observáveis no
sistema verbal espanhol dos imigrantes mexicanos em Los Angeles possam ser explicadas em
52
“...l’étendue du domaine d’application d’une règle, la saillance des indices permettant de reconnaître
les formes comprises dans ce domaine, et la réduction du nombre d’opérations requises par la règle”.
53
If both languages contain a rule which serves the same semantic function, that version of the rule
which is formally less complex and has a wider linguistic distribution (...) will replace the more complex more
narrowly distributed rule”.
20
termos de simplificação, generalização e perda de categorias. Porém, a preferência pelo uso
do indicativo no lugar do subjuntivo e a neutralização da oposição perfeito-imperfeito não
poderia ser interpretada como uma transferência (quando menos indireta) do inglês, o qual
não possui esses contrastes?
Em síntese, SILVA-CORVALÁN (1994, p. 218) considera que no processo de atrito
intervêm quatro tipos de fatores: os já mencionados intralingüísticos e interlingüísticos, mais
dois, os cognitivos e os sociais. Dentre os primeiros, destaca “a necessidade de simplificar e
generalizar regras, talvez para fazer a produção oral mais rápida e automática”
54
(ibid., p. 92),
e a “maior complexidade cognitiva de certos tipos de discurso”
55
(SILVA-CORVALÁN,
1990, p. 7); dentre os segundos sobressaem três fatores extralingüísticos (cf. seção 2.6) que
favorecem o atrito na L1: a ausência de pressões normativas na L1, a restrição dos usos
comunicativos da L1 e as atitudes positivas dos falantes sobre a L2 (SILVA-CORVALÁN,
1994, p. 7). Contudo, na sua opinião, o fator determinante do grau de difusão das inovações e
do resultado final do contato lingüístico é a história sociolingüística dos falantes (ibid. p. 6).
2.3.2 A teoria da Transferência ou Influência Interlingüística
Se, como acabamos de ver, o modelo anterior privilegiava as causas internas do atrito,
o presente modelo volta seu olhar para os motivos externos, em concreto, a influência da L2.
Dado que esta pesquisa pretende observar o papel desempenhado por esse fator no atrito da
L1, a teoria da transferência está no foco do nosso interesse.
O atrito não é conseqüência unicamente da falta de uso da L1. Segundo SCHMID e
DE BOT (2004, p. 212) nas situações de contato lingüístico as modificações que se produzem
no sistema de uma das línguas são devidas, ao menos em parte, à “invasão” de uma língua na
outra: a L1 sofre o “ataque” da L2 quando esta é muito usada e, por conseguinte, começa a
perder elementos. Essas perdas levam à aparição de lacunas (ing. gaps) que serão preenchidas
por itens da L2. Esta “imagem bélica” utilizada por SCHMID (2006) e SHARWOOD SMITH
(1989, p. 185) para descrever o processo do atrito reflete a importância que uma grande parte
dos pesquisadores da área concede à influência da L2 como causa principal.
De fato, no idioleto dos indivíduos que experimentam atrito aparecem desvios da
norma que mudam segundo a língua de contato: na fala dos imigrantes hispanofalantes nos
54
“... the need to simplify and generalize rules, perhaps to make oral production quicker and more
automatic”.
55
“...higher cognitive complexity of certain types of discourse”.
21
Estados Unidos, na Suíça ou no Brasil observam-se desvios diferentes, que mostram a
influência do inglês, do francês e do português, respectivamente. É evidente, portanto, que a
influência da L2 desempenha um papel decisivo
56
, embora não seja o único fator
interveniente. A seguir recolhem-se alguns exemplos destas interferências na L1 de
imigrantes hispanofalantes:
Inglês como L2: atendimos la junta, no lugar de asistimos a la junta, por influência
do inglês to attend (em português “assistir”); la llamo pa’trás, por le devuelvo la
llamada, do inglês to call back (literalmente poderia ser traduzido por “ligar atrás”,
mas na realidade significa “ligar de volta”)
57
.
Francês como L2: decidió de llamar al médico, no lugar de decidió llamar al médico,
por influência do francês il a décidé d’appeler le médecin (em português “ele decidiu
chamar o médico”); no entiendo el ruido del tren, por no oigo el ruido del tren, do
francês je n’entend pas le bruit du train (em português “eu não ouço o barulho do
trem”)
58
.
Português como L2: ( parecido con quién, por parecido a quién, por influência do
português “parecido com quem”;(47) chillante, em espanhol chillón, formada
provavelmente a partir do português “gritante”
59
.
Assim, para explicar este tipo de fenômenos, nos primórdios dos estudos sobre atrito,
SHARWOOD SMITH (1989, p. 185) propõe a Hipótese da Influência Interlingüística (ing.
Crosslinguistic Influence) segundo a qual, dentre os processos que determinam o atrito, a
transferência é um dos mais importantes. O termo é de origem psicolingüístico e se refere à
influência que um dos sistemas lingüísticos que o aprendiz possui pode exercer sobre o outro,
tanto quando existe uma língua já desenvolvida (ing. mature) como quando há uma
interlíngua ainda em desenvolvimento. O termo pretende ser mais amplo do que
“transferência” e inclui empréstimos, influência da L1 na L2 e evitação da transferência.
56
Com o que concorda SILVA-CORVALÁN (1995, p. 11-2).
57
Exemplos de TORIBIO (2000, p. 176)
58
Exemplos de PY e GROSJEAN (2002, p. 21).
59
Exemplos do corpus da presente pesquisa.
22
Posteriormente, com um enfoque similar, SELIGER (1991, passim) e SHARWOOD
SMITH e VAN BUREN (1991, passim) começam a aplicar as noções chomskianas de insumo
(input) e evidência (evidence)
60
para explicar essa influência da L2.
De acordo com SHARWOOD SMITH e VAN BUREN (1991, p. 23), o falante nativo
precisa de evidências não só para desenvolver a sua L1, mas também para mantê-la. Assim, “a
L1 muda não por falta de uso, mas por falta de evidência que permita confirmar que a L1 é do
modo que ela é”
61
. No caso do atrito, ante a falta de insumo da L1, a L2 começa a
desempenhar esse papel e se transforma, em palavras de SELIGER (1991, p. 237), em
“evidência positiva indireta”, isto é, quando se produz um problema para recuperar ou acessar
formas ou estruturas da L1, o bilíngüe acode à gramática da L2 como fonte de conhecimento
para avaliar a L1. Mas a evidência positiva indireta pode-se transformar em evidência positiva
direta, quando um número suficiente de falantes começa a utilizar esses desvios da norma,
essas variantes de contato. Desse modo, a nova gramática que resulta do processo de atrito é
reforçada e pode supor o começo de um dialeto imigrante. Assim acontece na situação
estudada por PY e GROSJEAN (2002, o espanhol dos imigrantes espanhóis na Suíça
francófona).
Na opinião de KÖPKE (1999, p. 109-110), a questão mencionada no parágrafo
anterior é a principal diferença entre as situações nas quais o atrito se produz em indivíduos
que vivem de forma isolada e aquelas nas quais o indivíduo se integra em comunidades
lingüísticas ou enclaves. Neste caso, a variante modificada da L1 se transforma na norma que
serve de referência aos falantes dessa comunidade. No primeiro caso, não se dispõe de insumo
suficiente da L1 e, portanto, a única possibilidade é recorrer ao insumo da L2.
Conseqüentemente, a autora considera que é razoável atribuir à L2 um papel importante no
processo de atrito.
De acordo com a classificação que utiliza SILVA-CORVALÁN (1994, p.4-5), existem
transferências diretas e indiretas. Entre as primeiras distingue dois tipos:
60
A palavra “insumo” faz referência às amostras de língua alvo, orais ou escritas, que o aprendiz
encontra durante seu processo de aprendizagem e são uma fonte para elaborar hipóteses sobre a estrutura dessa
língua. A noção de “evidência” remete às informações que permitem ao aprendiz julgar a validade das suas
hipóteses. Elas podem ter a forma de “evidências negativas diretas” (correções feitas pelos interlocutores),
“evidências negativas indiretas” (a ausência ou baixa freqüência de estruturas agramaticais) e “evidências
positivas” (as estruturas corretas produzidas pelos outros falantes). Para mais detalhes ver CHOMSKY, N.
Lectures on government and binding. Dordrecht: Foris, 1981, citado por SHARWOOD SMITH (1989,
passim).
61
The L1 changes not because of lack of use but because of a lack of confirming evidence that the L1
is the way it is...”.
23
1- uma forma ou estrutura da L1 é substituída por uma outra da L2, ou uma forma ou
estrutura desta língua é incorporada à L1; no corpus analisado nesta pesquisa (cf.
seção 4.2.2), este tipo está representado pelos decalques léxicos, os decalques
estruturais, a regência verbal e a alternância de código; por exemplo, *bobage substitui
a tontería e alquer é usado como medida de superfície;
2- o significado de uma forma da L2 é incorporado a uma forma da L1; nesta pesquisa,
formam este grupo os decalques e as aglutinações semânticas, e alguns aspectos da
morfossintaxe como as preposições, advérbios e conjunções; por exemplo, o verbo
colar incorpora o valor de aderir que em espanhol é pegar, e este, por sua vez,
incorpora o sentido do português, segurar, prender.
As transferências indiretas também podem ser de dois tipos:
1- a maior freqüência de uso de uma forma; neste corpus, corresponde aos decalques de
uso e algumas questões sintáticas como a expressão dos pronomes sujeito ou a
susbstituição do possesivo por de + pronome; por exemplo, o uso de mas no lugar de
pero (= mas), sendo esta última a mais usada no espanhol monolíngüe ou sem contato;
2- a perda de uma categoria ou uma forma na L1 que não tem equivalente na L2; no
corpus observa-se nas omissões de clíticos e da preposição a no objeto direto pessoal e
na locução verbal de futuro; por exemplo, tuvo usted [lo tuvo a usted] (= teve o
senhor), onde estão ausentes o clítico lo e a preposição a, ambas formas não utilizadas
no português.
Para autores como COOK (2000, 2003) ou SCHOENMAKERS (1989), a influência
da L2 não se restringe aos aspectos formais ou lingüísticos, mas também leva a uma mudança
semântico-conceitual. Segundo COOK (2000, p. 5), os “usuários de L2” (cf. seção 2.1, nota
14) adquirem uma outra visão do mundo que não é simplesmente acumulativa, isto é L1 + L2,
já que supõe a criação de algo diferente (cf. seção 2.3). Na sua opinião, os efeitos da L2 sobre
a L1 não são nem positivos nem negativos: simplesmente produzem diferenças na
competência lingüística que não devem ser interpretadas como deficiências. Mas não só isso,
a mente do usuário de L2 também é diferente da dos monolíngües.
SCHOENMAKERS (1989, p. 103-6), da sua parte, propõe a Hipótese Conceitual que
explica o atrito no nível semântico como uma mudança de conceitualização no sistema
lingüístico, devido ao afastamento da comunidade da L1 e ao contato intensivo com a
comunidade da L2. Segundo a autora, cada comunidade lingüística tem a sua própria maneira
24
de conceitualizar a realidade; todavia, “o significado essencial é o mesmo para todas as
línguas, mas as fronteiras entre os termos básicos de diferentes línguas podem mudar”
62
.
Assim, o atrito se produz quando existem diferenças de conceitualização entre L1 e L2; nesse
caso, o conceito da L1 é gradualmente adaptado ao conceito em L2.
No entanto, segundo PAVLENKO (2004, p. 54), o atrito da L1 e a influência da L2 na
L1 são dois fenômenos diferentes. Geralmente, nos estudos de atrito assume-se que as
interferências são devidas ao atrito; são consideradas, em palavras de HAMERS e BLANC
(2000, p. 41), a “expressão da falta de competência lingüística”
63
. Mas nem sempre é assim:
como analisa PAVLENKO (id.), a influência da L2 pode ocorrer na fala não erodida de
bilíngües “normais” em um contexto bilíngüe
64
. Para contar como atrito, essa influência deve
produzir uma perda ou reestruturação permanente de formas ou regras da L1, constatável não
só em contextos bilíngües, mas também em contextos monolíngües de L1
65
.
De fato, a influência da L2 produz uma mistura lingüística (ing. linguistic mixing), que
de acordo com HAMERS e BLANC (2000, p. 41) e SELIGER e VAGO (1991, p. 6) não é
necessariamente uma questão de interferência; pode ser uma estratégia específica do falante
bilíngüe. Do ponto de vista das normas monolíngües, a mistura e a alternância de código (ing.
code-mixing e code-switching) podem parecer anomalias, desvios. Mas, segundo
GROSJEAN
66
, citado por HAMERS e BLANC (2000, p. 41), os bilíngües normalmente
misturam as línguas quando falam com outros bilíngües com os quais compartem as suas
línguas. A simples alternância de código não deve ser considerada uma prova de atrito, já que
o uso de um ou vários elementos da L2 não significa que o falante tenha perdido os
correspondentes da L1; simplesmente, pode considerar que é mais apropriado em um contexto
comunicativo determinado.
Em relação à influência da L2, aparece a questão da semelhança entre as duas línguas.
Para alguns autores (SELIGER, 1989, p. 182; SHARWOOD SMITH, 1989, p. 194-5 e 1983,
p. 225; WEINREICH, 1968, p. 57) as formas estruturalmente semelhantes são mais propensas
à interferência. O primeiro autor, situa a semelhança estrutural entre os fatores que “podem
62
“... the core meaning is the same for every language, but the boundaries between the basic terms of
different languages may differ”.
63
“... an expression of the lack of linguistic competence...”.
64
KÖPKE; SCHMID (2004, p. 31).
65
Concordam HAMERS; BLANC (2000, p. 77).
66
GROSJEAN, F. The bilingual as a competent but specific speaker-hearer. The Journal of
Multilingual and Multicultural Development, 6, p. 467-477, 1985.
25
conspirar para facilitar”
67
o atrito. Igualmente, pesquisas como as de ALTENBERG (1991, p.
191), KÖPKE (1999), SILVA-CORVALÁN (1994, p. 217) e SCHOENMAKERS (1989)
parecem indicar que a semelhança é uma condição necessária para que se produza
transferência. Assim sendo, a influência da L2 seria mais forte quando as duas línguas são
similares
68
.
Em síntese, de acordo com levantamento realizado por KÖPKE (1999, p. 110-111), a
maioria das pesquisas sobre atrito da L1 tanto em crianças como em adultos, constatam que as
mudanças observadas são, ao menos em parte, imputáveis à interferência da L2. Dentre esses
estudos
69
, apenas três testam explicitamente a influência da L2, os de ALTENBERG (1991),
PELC (1998) e SCHOENMAKERS (1989), mas este último evidencia um nível de atrito
mínimo.
Por último, não se deve esquecer que, apesar das diferenças existentes entre os dois
modelos da simplificação e da influência interlingüística, ambos se aproximam ao aceitar a
transferência como um dos fenômenos básicos no atrito, o que funciona como estratégia
facilitadora da carga cognitiva que supõe recordar e usar duas línguas no processamento
lingüístico bilíngüe (cf. seção 2.2.1).
2.4 PERDA DE COMPETÊNCIA VERSUS PROBLEMAS DE DESEMPENHO
Após a discussão sobre as causas internas e externas do atrito, ponto focal desta
pesquisa, apresentaremos brevemente outra das questões básicas e mais debatidas pelos
autores; se refere esta à pergunta sobre o verdadeiro alcance do fenômeno: as mudanças que o
atrito produz implicam uma modificação da competência lingüística subjacente ou se situam
no nível do desempenho? Trata-se de saber, como foi antecipado na seção 2.1, se o atrito
consiste em uma verdadeira perda de conhecimento lingüístico ou apenas em uma redução da
acessibilidade.
De acordo com KÖPKE (1999, p. 105), a distinção entre competência lingüística
subjacente e a sua manifestação através do desempenho observável do falante é uma das
67
“... might conspire to facilitate ...”.
68
Apesar de português e espanhol serem línguas afins, a presente pesquisa não se ocupa dessa questão,
já que não é possível provar o impacto da semelhança estudando apenas duas línguas. Seria necessário desenhar
um experimento com pelo menos três línguas, uma mesma L1 e duas L2 como no caso da pesquisa de KÖPKE
(1999), para poder comparar o nível de atrito em cada caso (SCHMID, 2006). Além disso, é difícil definir e
operacionalizar o conceito de semelhança.
69
Por exemplo PY; GROSJEAN (1991, 2002), SCHMID (2002) e SELIGER (1991).
26
questões principais em psicolingüística. As duas noções foram confrontadas pela primeira vez
por CHOMSKY
70
, citado por KÖPKE (id.), a fim de distinguir entre o conhecimento
idealizado das estruturas lingüísticas (competência) e a sua utilização em tempo real
(desempenho). Para expressar grosso modo os mesmos conceitos, SHARWOOD SMITH e
VAN BUREN (1991, p. 18) utilizam as expressões “conhecimento” (ing. knowledge) e
“processamento on-line” desse conhecimento (ing. on-line processing of knowledge).
Um dos autores que mais se ocupam desta questão, SHARWOOD SMITH (1989, p.
224-5), considera que certos sinais do atrito podem ser atribuídos a “um uso desviado ou
inusual das ‘regras de tráfego’ psicolingüístico”, isto é, problemas de ativação ou acesso on-
line a um conhecimento intato; outros sinais seriam imputáveis a uma mudança da
competência subjacente, isto é, um conhecimento transformado.
Assim, esse mesmo autor
71
, citado por KÖPKE (1999, p. 105) sugere que o atrito
comporta três etapas:
1) Na primeira etapa se produzem desvios de desempenho, enquanto a competência
permanece estável;
2) A segunda é uma etapa transicional na qual ocorrem mudanças na competência,
mas o falante é ainda capaz de adotar uma variedade padrão da língua quando as
circunstâncias o requerem;
3) A terceira etapa se caracteriza pela emergência duma nova competência.
Porém, segundo KÖPKE (ibid. p. 107), as pesquisas realizadas sobre atrito na L1 de
adultos
72
não permitem constatar a existência da terceira etapa. Em geral, descrevem
problemas de desempenho, dificuldades de acesso, que parecem corresponder à segunda
etapa. De fato, em alguns casos os participantes nas pesquisas quando confrontados com as
próprias respostas, não concordam com elas. Contudo, na opinião da mesma autora (id.) é
prematuro chegar à conclusão de que a competência não pode mudar nos adultos: se já está
parcialmente modificada, nada impede que ela continue experimentando mudanças até
alcançar essa terceira etapa de “nova competência”.
70
CHOMSKY, N. Aspects of the theory of syntax. Cambridge, MA: MIT Press, 1965.
71
SHARWOOD SMITH, M.A. On explaining language loss. In: FELIX, R. ; WODE, H. (ed.)
Language development at the crossroads. Tübingen: Gunter Narr Verlag, 1983, p. 49-59.
72
Ao contrário do que acontece nos estudos com crianças, em que se verificam reestruturações da
competência.
27
De acordo com KÖPKE e SMITH (2004, p. 21), no nível da competência, o atrito
implica uma reestruturação do conhecimento lingüístico subjacente; no nível do desempenho,
o atrito tem como resultado dificuldades no controle desse conhecimento e pode produzir dois
tipos de fenômenos: dificuldades para encontrar palavras (ing. word finding), dado que a
acessibilidade do léxico é reduzida, e problemas de processamento. Estes últimos aparecem
quando, devido à mudança dos patrões de dominância entre as duas línguas, os falantes
experimentam dificuldades cada vez maiores para inibir a L2 enquanto usam a L1 e evitar
desse modo interferências.
Nesse contexto, surgem as noções de inibição e ativação, diretamente relacionadas
com a freqüência de uso, a qual é interpretada como reforço de um sistema ou um item ou
estrutura lingüística particular. Por essa perspectiva, o atrito é considerado uma redução da
acessibilidade, conseqüência natural da falta de uso da língua. A partir desta visão, PARADIS
(1993, 2004) desenvolve a Hipótese do Limiar de Ativação (ing. Activation Threshold
Hypothesis), segundo a qual os elementos ou línguas ativados com maior freqüência precisam
de menos estimulação para serem reativados (isto é, têm um limiar de ativação baixo) do que
os elementos ou línguas ativados com menor freqüência (que têm, portanto, um limiar de
ativação alto). Nos bilíngües a intenção de falar uma língua suporia a inibição do outro
sistema e evitaria as interferências, exceto se, como ocorre no atrito, o limiar de ativação de
uma língua, a L2, é muito baixo por causa da freqüência de uso, e o da outra, a L1, muito alto.
2.5 O ATRITO NOS DIFERENTES NÍVEIS LINGÜÍSTICOS
A maioria dos autores concorda que o atrito não se produz ao acaso, mas é um
processo seletivo
73
. Alguns aspectos da gramática da L1 parecem ser mais vulneráveis do que
outros. De fato, como apontam KÖPKE (1999, p. 113), MUYSKEN (2004, p. 161) e
SCHMID e DE BOT (2004, p. 215), entre outros, grande parte da literatura sugere que o atrito
aparece primeiro no nível léxico, dado que os itens lexicais são mais facilmente transferíveis
do que os gramaticais; só em fases mais avançadas seriam afetados os níveis morfológico e
sintático. Porém, segundo SCHMID (2004, p. 240-1), é possível que os testes usados para
avaliar o repertório léxico sejam mais eficazes para detectar problemas do que as técnicas de
avaliação usadas nos níveis morfológico e sintático. Assim, a imagem que se obtém nas
73
Entre outros, KÖPKE; SCHMID (2004), HAMERS e BLANC (2000, p. 78), SELIGER (1991, p.
228), TSIMPLI et al. (2004).
28
pesquisas não seria totalmente correta. De outro lado, como já advertia WEINREICH (1968,
p. 67), é difícil quantificar e comparar o atrito
74
nos diferentes níveis lingüísticos. No mesmo
sentido, SCHMID (2004, p. 240) se pergunta se é possível comparar, por exemplo, a redução
de alomorfes de plural com a perda de itens lexicais.
KÖPKE (1999, p. 327-8) aporta vários argumentos que tentam explicar a maior
vulnerabilidade do léxico ao atrito. De um lado, o tratamento do léxico está, segundo a autora,
mais submetido ao efeito da freqüência do que o tratamento da gramática; nesse sentido, é
necessário recordar que as palavras gramaticais têm uma freqüência claramente mais elevada
do que os termos léxicos, o que está ligado ao fato de que os primeiros são limitados em
número, ao contrário do léxico. De outro lado, tomando como base os trabalhos com
imaginologia cerebral (cf. seção 2.1.2), Köpke formula como hipótese que existem zonas no
cérebro predestinadas à aquisição da morfossintaxe, as quais não estão mais disponíveis
depois de uma certa idade (relativamente cedo, por volta dos 5 anos). Essas zonas estão
adaptadas a tratamentos de tal complexidade que os conhecimentos nelas localizados têm
maior estabilidade e resistência à interferência. Os conhecimentos léxicos, cuja aquisição
prossegue ao longo da vida toda, são diferentes e, portanto, mais vulneráveis às interferências.
Na mesma linha, PERECMAN (1989, p. 233) argumenta que o processamento
lingüístico do bilíngüe permite explicar a maior incidência das interferências no nível léxico.
De acordo com a autora, as interferências são produzidas pela interação dos sistemas
lingüísticos a diferentes níveis do processamento. Essa interação mostra uma estrutura
hierárquica. Assim, no que ela denomina nível “pré-lingüístico conceitual”, as diferentes
línguas estão unificadas num sistema único. No nível léxico-semântico, elas têm uma ligação
forte. À medida que o processamento se aproxima ao nível fonético-articulatório, essas
ligações entre as línguas vão sendo cada vez mais fracas. Isso gera mais fenômenos de
mistura no nível léxico do que no nível fonológico.
Existem explicações do processo seletivo do atrito baseadas na noção de Gramática
Universal de Chomsky. De acordo com esse modelo, a Gramática Universal contém um
conjunto de princípios fixos e alguns parâmetros abertos, que são definidos durante o
processo de aquisição de L1. Esses parâmetros têm diferentes valores possíveis (marcados e
74
Ele não utilizava esse termo, mas quando analisa “interferências” na L1, está na realidade se
ocupando do que hoje conhecemos como atrito na L1.
29
não-marcados) e, a menos que a evidência do insumo mostre o contrário, o valor não-marcado
é preferido.
No caso do atrito, algumas pesquisas (SELIGER, 1989, 1991) parecem indicar que
ocorre nesse processo um reposicionamento (ing. resetting) de parâmetros marcados da L1,
que podem passar a ter um valor não-marcado para se equipararem a equivalentes da L2. Isso
seria o resultado do insumo interlingüístico, que ativa um procedimento de cópia da L2 à L1
(SHARWOOD SMITH; VAN BUREN, 1991, p.25-7). No entanto, esses mesmos autores
questionam a validez desta hipótese, já que, em geral, supõe-se que o posicionamento (ing.
setting) dos parâmetros esteja condicionado pela evidência do insumo e o atrito caracteriza-se
precisamente pela ausência de evidência devido à falta de contato (ibid., p. 26).
Mais recentemente, alguns estudos
75
aplicaram a última versão do gerativismo
chomskyano: o Minimalismo. Esse modelo estabelece a diferença entre traços
semanticamente importantes ou “+interpretáveis” e aqueles sem conteúdo semântico, não-
interpretáveis ou “-interpretáveis”. Os resultados dessas pesquisas indicam que o atrito afeta a
interface entre sintaxe e semântica, isto é, traços +interpretáveis; entretanto, os traços
puramente morfossintáticos, -interpretáveis, permanecem estáveis (KÖPKE; SCHMID, 2004,
p. 19).
2.6 FATORES EXTRALINGÜÍSTICOS
O atrito é determinado só parcialmente por fatores lingüísticos, internos ou externos
(cf. seção 2.2.1). Até mesmo em um estudo de enfoque psicolingüístico
76
é necessário
contemplar o papel nada desprezível que desempenham os fatores extralingüísticos. Entre eles
contam-se variáveis sociolingüísticas como idade e educação, e outras questões como o
contato com a L1, a duração da imigração e as atitudes.
2.6.1 Idade
Um dos fatores mais importantes numa perspectiva psicolingüística é a idade. Segundo
KÖPKE e SCHMID (2004, p. 9-20), os resultados das pesquisas mostram (e existe um amplo
acordo sobre este ponto) que o atrito da L1 é muito mais grave nas crianças do que nos
75
MONTRUL (2002, 2004), TSIMPLI (2004).
76
Segundo KÖPKE (1999, p. 73), a motivação principal dos estudos de enfoque sociolingüístico, à
diferença dos psicolingüísticos, é isolar os fatores que determinem a manutenção ou o abandono duma língua em
uma comunidade.
30
adultos. Para explicar este fenômeno existem duas possibilidades. A primeira é que o atrito
seja influenciado pelos mesmos fatores que levaram a postular a Hipótese do Período Crítico,
segundo a qual, devido à maturação do cérebro, aprender uma outra língua torna-se mais
difícil passada uma certa idade. No que se refere ao atrito, isso implica que quanto mais fácil é
para a criança aprender uma L2, mais provável é que esqueça a sua L1. Isso nos remete à
distinção entre bilíngües precoces e tardios cujas diferenças no processamento lingüístico
foram comprovadas pelas pesquisas neurolingüísticas recentes (cf. seção 2.1.2).
De fato, existem múltiplas evidências de que o sistema da L1 pode ser gravemente
erodido quando o processo de atrito se declara antes da puberdade. Já nos casos em que os
falantes contavam mais de 12 anos no momento da redução do insumo da L1 e a aquisição da
língua tinha se completado
77
, o grau de atrito observado é em geral surpreendentemente baixo
(ibid., p. 10).
A segunda possibilidade para explicar o menor atrito nos adultos é que o alfabetismo,
em interação com a idade, seja um fator de resistência ao atrito. Assim, a leitura e a escrita
não só permitem maior contato com a língua em caso de emigração, mas também facilitam a
fixação da língua no cérebro.
2.6.2 Educação
Na opinião de SCHMID e DE BOT (2004, p. 219-220), o nível de educação é um
aspecto até o momento negligenciado nas pesquisas sobre atrito. Isso pode ser devido a dois
motivos, sendo o primeiro a dificuldade para definir o construto de educação em contextos
multilíngües e multiculturais. No segundo caso, trata-se de um problema metodológico: como
determinar se esse fator afeta unicamente o atrito ou o desempenho lingüístico em geral? De
fato, o nível de educação “melhora” os resultados dos testes baseados em tarefas
metalingüísticas como juízos de gramaticalidade (ing. grammaticality judgements) ou
exercícios de correção de frases (ing. sentence correction).
Por outro lado, as pesquisas mostram efeitos variados do fator educação sobre o atrito.
No estudo de KÖPKE (1999, p. 341) não exerce nenhuma influência sobre a produção oral
dos participantes. Já os resultados de YAĞMUR et al. (1999, p. 63-66), são ambivalentes: um
77
Como pontualizam MONTRUL (2000, passim) e SCHMID e DE BOT (2004, p. 219) não se deve
falar de atrito no caso de uma aquisição falida ou incompleta.
31
nível mais alto de educação pode facilitar a substituição (ing. shift) da L1 pela L2 ou
favorecer a manutenção da L1.
2.6.3 Contato
Parece evidente que o atrito da L1 pode depender em grande medida do contato que o
indivíduo tem com falantes dessa língua e muitas pesquisas confirmam essa idéia
78
. Porém,
outras não encontraram correlação entre contato e nível do atrito
79
.
Como apontam SCHMID e DE BOT (2004, p. 221-2), trata-se de um fator difícil de
quantificar. Além disso, só pode ser estabelecido por meio de informações dos próprios
falantes e, sendo a questão da proficiência lingüística muito sensível, os dados podem refletir
mais as aspirações da pessoa do que a realidade.
Os mesmos autores (id.) explicam que o contato depende de dois fatores: oportunidade
e opção. É, portanto, um fator complexo, no qual é difícil decidir até que ponto está
influenciado pela atitude ou, simplesmente, fica fora do controle do falante por motivos sócio-
geográficos. O imigrante pode-se encontrar num lugar onde não há falantes da sua L1; mas
também o contato pode estar reduzido a um pequeno número de pessoas em contextos
específicos, como o familiar. Não obstante, também é possível que o imigrante tenha contato
com falantes da sua L1, mas opte por não usar essa língua na interação com eles.
Segundo KÖPKE e SCHMID (2004, p. 14), numa tentativa de avaliar este fator de
forma mais rigorosa, várias pesquisas aplicaram a Teoria da Rede Social de Contatos (ing.
Social Network Theory). Trata-se de estabelecer um vínculo entre o atrito e a multiplicidade e
a densidade de relações que o indivíduo mantém com outros falantes da L1. Contudo, os
resultados não são conclusivos; por exemplo, na pesquisa de HULSEN
80
, citada por KÖPKE
e SCHMID (2004, p. 14), um maior número de contatos em L1 teve conseqüências negativas
sobre as respostas corretas no teste aplicado. Isso poderia ser interpretado como um efeito de
grupo (cf. seção 2.2.2): quando o falante faz parte de uma comunidade de imigrantes, os
contatos em L1 podem efetivamente ser freqüentes, mas com outros imigrantes cuja L1
também deve ter sido afetada pelo atrito. Desse modo, o insumo que recebe não provém da L1
padrão, mas de uma variedade imigrante já modificada.
78
Por exemplo DE BOT et al. (1991), KÖPKE (1999) e SCHOENMAKERS (1989).
79
Assim como JASPAERT, K.; KROON, S. Social determinants of language loss. I.T.L. Review of
Applied Linguistics, 83/84, 1989, p. 75-98, citado por KÖPKE; SCHMID (2004, p. 14).
80
HULSEN, M. Language Loss and Language Processing. Three generations of Dutch migrants in
New Zealand. Tese de doutorado não publicada. Nijmegen: Katholieke Universiteit Nijmegen, 2000.
32
2.6.4. Duração da Imigração
KÖPKE e SCHMID (2004, p.11) mencionam estudos psicolingüísticos segundo os
quais a imersão em um meio lingüístico diferente leva a uma mudança na dominância, isto é,
o acesso à L1 torna-se mais lento do que o acesso à L2, mesmo se a competência nesta última
não alcança o nível de nativo. Essa mudança na dominância não é exatamente atrito; porém, é
muito provável que o atrito esteja precedido por uma alteração desse tipo (cf. seção 2.1.1).
Contudo, como lembram SCHMID e DE BOT (2004, p. 220), os resultados de
numerosas pesquisas mostram que a duração da imigração não tem a relevância que se
poderia pensar (o tempo transcorrido desde o começo do atrito parece não ser um fator tão
importante quanto se pensava). DE BOT et al. (1991, p. 94), por exemplo, sugerem que o
tempo transcorrido desde o começo da imigração unicamente tem um efeito quando há pouco
contato com a L1.
De modo geral, parece existir consenso na literatura (SCHMID e DE BOT, 2004, p.
220) que o atrito se produz na primeira década da imigração: os imigrantes que conseguem
manter sua L1 durante esses primeiros 10 anos, têm altas probabilidades de continuar sendo
fluentes nessa língua, mesmo depois de muitas décadas num ambiente de L2 (por exemplo,
SCHMID, 2004).
2.6.5. Atitudes
Na opinião de KÖPKE e SCHMID (2004, p. 12), as atitudes aparecem como um fator
bastante mais decisivo do que o tempo, ainda que muito mais difíceis de se mensurar. As
pesquisas sobre aquisição de L2 têm mostrado o forte impacto que atitudes, motivações e
outros fatores afetivos exercem sobre a aprendizagem lingüística. Parece, portanto, razoável
assumir que elas influam também no atrito.
De fato, como apontam SCHMID e DE BOT (2004, p. 222), as atitudes são cruciais na
hora de se determinar se o resultado do processo de aquisição é um bilingüismo aditivo ou
subtrativo. No primeiro caso, trata-se de uma experiência enriquecedora que soma uma L2
sem perder a L1. Já no segundo caso, a aquisição tem efeitos nocivos sobre a L1, isto é, pode
desencadear um processo de atrito nessa língua.
Segundo esses mesmos autores (id.), atitudes e motivações têm como base as
percepções individuais da situação e o modo como o grupo minoritário e o majoritário se
percebem mutuamente. Por conseguinte, estes fatores estão relacionados com questões sociais
como a identidade.
33
Pesquisas como as de DEWAELE (2004), PAVLENKO (2002) e SCHMID (2002)
aportam evidências em favor da influência dos fatores afetivos e atitudinais no processo de
atrito. Na pesquisa de SCHMID (id.) sobre atrito na L1/Alemão de Judeus-Alemães que
emigraram para paises anglófonos, a conseqüência da perseguição Nazista, o grau de trauma
sofrido é o único fator que pode explicar as maiores perdas lingüísticas do grupo que emigrou
por último. O atrito observado no grupo que saiu da Alemanha em primeiro lugar e, portanto,
passou mais tempo no ambiente de L2, é muito menor, mas as suas atitudes para com a
Alemanha são menos negativas, dado que não chegaram a sofrer as piores agressões, como o
Pogrom da Reichskristallnacht.
Existem duas formas de medir as atitudes; a primeira seria a elicitação aberta (ing.
overt) mediante questionários. Neste caso, os resultados podem-se ver distorcidos porque os
sujeitos, por cortesia ou para serem politicamente corretos, podem dizer o que eles acham que
os outros querem ouvir, não o que pensam na realidade. A segunda é a elicitação velada
81
(ing. covert) que pretende testar atitudes de uma maneira menos óbvia, indiretamente
(SCHMID, 2006).
2.7 ALTERNÂNCIA DE CÓDIGO VERSUS ATRITO
De acordo com SILVA-CORVALÁN (1995, p. 9-10), o empréstimo léxico
82
e
alternância de código fazem parte das estratégias usadas pelos bilíngües para tornar mais leve
a carga cognitiva que emplica usar duas línguas. Ao mesmo tempo, empréstimos léxicos e
decalques estão entre os traços mais característicos do processo de atrito. Porém, os
fenômenos de contato lingüístico são, pelo seu caráter “miscigenado”, de difícil classificação.
Quando um dos participantes nesta pesquisa utiliza as palavras “farol” ou “divisa”, idênticas
em espanhol e português, com o significado correspondente ao português, trata-se de um
81
Por exemplo, o teste chamado Matched Guise, que consiste em apresentar ao sujeito várias gravações
do mesmo texto lido pelas mesmas pessoas em línguas diferentes; a seguir, ele deve qualificar as pessoas como
mais ou menos inteligentes, simpáticas, confiáveis, etc.
82
Com o termo “empréstimo” se traduz o inglês borrowing, que na literatura anglófona é utilizado
freqüentemente para fazer referência a formas de transferência ou influência interlingüística que se produzem na
fala de indivíduos bilíngües dentro do processo do atrito. Todavia, como lembra EDWARDS (2004, p. 18), um
“empréstimo individual” (o que ele denomina loan word) cujo uso se generaliza, transforma-se em permanent
borrowing, isto é, um empréstimo a nível de sistema lingüístico, que é o sentido que normalmente tem o termo
em português: “Há empréstimo lingüístico quando um sistema A utiliza e acaba por integrar uma unidade ou um
traço lingüístico que existia antes num sistema lingüístico B e que A não possuía. A unidade ou o traço tomados
como empréstimo são eles próprios chamados empréstimos” (Dicionário de Termos Lingüísticos da Associação
de Informação Terminológica, disponível em <
http://www.ait.pt/index2.htm?
http://www.ait.pt/recursos/dic_term_ling/>, acesso em nov 2006).
34
decalque semântico ou de alternância de código? O participante está usando as formas
espanholas com um significado modificado, ou as portuguesas? Em geral, estabelecer
fronteiras entre esses fenômenos é uma tarefa intrincada, tanto pela própria natureza difusa e
mutante dos processos, como pela falta de acordo entre os pesquisadores. Assim surgem duas
questões levantadas por numerosos autores
83
: podemos considerar a alternância como
evidência de atrito?, é possível distinguir entre empréstimos (ou decalques) e alternância de
código?
A alternância de código (ing. code-switching) consiste no uso alternativo de dois ou
mais códigos lingüísticos no mesmo evento conversacional (TORIBIO, 2000, p. 174). É usada
pelos bilíngües como estratégia comunicativa e marca de pertença a um grupo étnico em
situações de comunicação bilíngüe. Existem dois tipos: a alternância que se produz entre
orações distintas ou inter-oracional (114) (IV-155: “tú no dices buenos días. no . yo no . eu
não falo bom dia”), e a alternância dentro de uma mesma unidade oracional ou intra-
oracional
84
(V-182: “unas ideas meias meias ... libres”). As primeiras são reguladas
principalmente por fatores sociais e discursivos, enquanto as intra-oracionais se regulam mais
por restrições sintáticas
85
. As pesquisas mais recentes têm centrado sua atenção neste segundo
tipo (FONTANA; VALLDUVÍ, 1990, p. 172).
Segundo TORIBIO (2000, p. 175) e MUYSKEN (2004, p. 157) essas alternâncias
intra-oracionais exigem um domínio dos sistemas envolvidos maior do que outras formas de
contato lingüístico como o empréstimo (exemplo de TORIBIO: Leí el libro en el “reference
room”), que pode aparecer mesmo entre falantes monolíngües. Assim, o uso de um ou vários
elementos da L2 não significa que o falante tenha perdido os correspondentes da L1;
simplesmente, pode considerar que é mais apropriado ou que aporta “cor local”
86
(SCHMID;
83
TORIBIO (2000) dedica um artigo integramente à primeira questão; da segunda se ocupa LIPSKI
(2005).
84
Porém, MUYSKEN (2004, p. 149) denomina essas alternâncias intra-oracionais “mistura de código”
(ing. code mixing) para diferenciá-las da mais específica alternância de código inter-oracional.
85
Segundo APPEL e MUYSKEN (1996, p. 183-191) existem restrições particulares e universais. As
primeiras permitem a alternância em alguns contextos mas não em outros; por exemplo, é possível entre um
núcleo nominal e uma oração relativa, mas auxiliar e verbo principal devem estar na mesma língua. As
universais são de dois tipos: as restrições lineares e as de dependência. De acordo com as restrições lineais, a
alternância tende a aparecer nos pontos em que a estrutura superficial de ambas as línguas é similar. As
restrições de dependência ou de regência prevêem que não pode haver alternância entre dois elementos quando
dependem um do outro. Como apontam TORIBIO e RUBIN (1996, p. 203), alguns autores põem em dúvida a
própria existência dessas restrições sintáticas, dado que, como as pesquisas têm mostrado, todas elas têm
exceções.
86
De fato, na literatura aparece um outro tipo de alternância, a emblemática, a qual consiste na
utilização de exclamações, locuções ou palavras com função pragmática de uma língua dentro de orações numa
35
DE BOT, 2004, p.215). Conseqüentemente, a alternância de código não denota
necessariamente a existência de atrito, embora tenha sido considerada no passado um sinal de
incompetência lingüística (HAMERS; BLANC, 2000, p. 258) e continue gerando atitudes
negativas.
BEN-RAFAEL (2004, p. 168-175) numa pesquisa sobre israelenses francófonos
considera que a alternância é sinal de atrito unicamente quando utilizada como estratégia para
suprir termos franceses que se tornaram inacessíveis por causa do processo de atrito. Noutras
ocasiões, a alternância compensa a ausência de termos franceses apropriados para refletir os
valores culturais israelenses; a autora denomina estes casos “alternância sem atrito”.
Em algumas pesquisas a alternância aparece como catalisador do processo de atrito.
Neste sentido, HAMERS e BLANC (ibid., p. 77) mencionam uma pesquisa de CLYNE
(1977) sobre atrito entre imigrantes holandeses residentes na Austrália, cujo comportamento
lingüístico mostra fenômenos de erosão e, ao mesmo tempo, um freqüente uso da alternância
de código.
SELIGER e VAGO (1991, p. 6), de sua parte, consideram que em situações normais
de bilingüismo, a alternância de código pode ser controlada pelo falante
87
; mas, quando o
bilíngüe começa a perder o controle das condições que regulam (constrain) essa alternância,
esta pode tornar-se precursora do atrito
88
. De fato, segundo EDWARDS (2004, p. 19), em
geral, a alternância se produz de forma consciente e está mais influenciada por fatores
extralingüísticos; já os fenômenos de interferência (para ele, transferências, decalques,
empréstimos) estão determinados por fatores internos. No mesmo sentido, KÖPKE (1999, p.
54) considera que a alternância é intencional, à diferença das interferências, que seriam não-
intencionais.
A respeito da diferenciação entre empréstimos (ou decalques, interferências enfim) e
alternância de código, LIPSKI (2005, p. 2) aponta que a linha de separação não é clara,
especialmente no caso da inserção de elementos funcionais como conjunções. Se essas
alternâncias se tornam freqüentes, o resultado pode ser a gramaticalização e incorporação do
elemento emprestado à língua receptora. De fato, de acordo com FONTANA e VALLDUVÍ
(1990, p. 173) os empréstimos ocasionais ou espontâneos (ing. nonce-borrowings) não seriam
língua diferente. Essas expressões expletivas funcionam como emblemas do caráter bilíngüe de orações pelo
resto completamente monolíngües (APPEL; MUYSKEN, 1996, p. 176).
87
No mesmo sentido TORIBIO (2000, p. 177).
88
Também em RASO (2003, p. 24).
36
uma alternância de código genuína, já que não se produz uma alternância de gramáticas, mas
um “processo puramente léxico, por meio do qual se introduz um elemento do léxicon de uma
língua (X1) numa oração gerada pela gramática de outra (GRAM 2).”
89
(ib., p. 178). Todavia,
para outros autores como SÁNCHEZ
90
, citado por MUYSKEN, 2004, p. 157), a interferência
léxica (isto é, empréstimos ou decalques de palavras lexicais) não gera mudanças sintáticas na
gramática bilíngüe; unicamente a interferência em aspectos funcionais produz essas
mudanças.
Um dos critérios utilizados
91
para diferenciar empréstimos de alternância de código é a
adaptação fonológica e morfológica à língua anfitriã, que se produz no caso dos empréstimos,
mas não na alternância. Existem, não obstante, exemplos de empréstimos não adaptados e que
não podem ser considerados alternância de código (whisky em português ou espanhol, por
exemplo, pronunciado com a seqüência [wi-] estranha aos padrões fonológicos de ambas as
línguas, FONTANA e VALLDUVÍ, 1990, p. 174-5; APPEL e MUYSKEN, 1996, p. 257)
92
.
A partir de estudos da área de alternância de código (ing. code-switching) de MYERS-
SCOTTON e JAKE (2001), BOLONYAI (2000), SCHMITT (2004) e outros, tem-se
desenvolvido um modelo teórico para o estudo do atrito composto por três modelos inter-
relacionados: o Marco da Língua Matriz (ing. Matrix Language Frame), o modelo 4-M
(quatro tipos de morfemas) e o modelo do Nível Abstrato (ing. Abstract Level) (HANSEN,
2001, p. 61). Segundo esses modelos, os mesmos princípios que configuram a fala bilíngüe
operam no atrito, o que pode ser explicado em termos de convergência com a L2 e alternância
de código (SCHMITT, 2004, p. 299). Assim, os morfemas de conteúdo ou léxicos (ing.
content morphemes) e os morfemas gramaticais “anteriores”
93
(ing. early system morphemes)
ligados diretamente aos léxicos, são ativados ou selecionados antes que os morfemas
gramaticais “posteriores”
94
(ing. late system morphemes), designados estruturalmente. Desse
89
“...proceso puramente léxico, por medio del cual se introduce un elemento del lexicón de una lengua
(X1) en una oración generada por la gramática de otra (GRAM 2).
90
SÁNCHEZ, L. Interference and convergence in functional categories: A study on Quechua-
Spanish child bilingualism at the Steady State. MS, Rutgers University, em preparação.
91
Entre outros, por MUYSKEN (2004, p. 158); por OTHEGUY, G. O.; FERNÁNDEZ M. Transferring,
Switching, and Modeling in West New York Spanish: An Intergenerational Study. In: WHERRIT, I.; GARCÍA,
O. (Ed.) US Spanish: The Language of Latinos. International Journal of the Sociology of Language, special
issue n. 79, 1989, p. 41-52, citado por SILVA-CORVALÁN (1994, p. 170); e por SERRANO; HOWARD
(2003, p. 5).
92
Contudo, desconhecendo a autora a existência de um método mais confiável, na analise dos dados
será este o critério empregado para determinar os casos de alternância de código.
93
Por exemplo, os artigos e as preposições quando regidas por um verbo.
94
Por exemplo, as desinências verbais de pessoa e os pronomes clíticos.
37
modo, os primeiros são mais afetados pelo atrito, já que são diretamente escolhidos pelo
falante e suas intenções. Os morfemas gramaticais “posteriores” são menos vulneráveis ao
atrito, porque estão longe das decisões do falante (MYERS-SCOTTON; JAKE 2001, p. 84,
99). De fato, as pesquisas (TSIMPLI et al., 2002?; SCHMID; DE BOT, 2004, p. 215)
mostram que o atrito aparece primeiro nos morfemas léxicos, os elementos de classe aberta do
léxico que permitem a incorporação de novos itens. Estes são também mais propensos à
alternância de códigos do que os elementos de classe fechada (determinantes, pronomes,
preposições), com menor conteúdo semântico e que constituem inventários muito restritos,
pouco flexíveis para novas incorporações.
38
3 METODOLOGIA
Uma das diferenças fundamentais entre o conhecimento científico e o popular se refere
precisamente ao método. O conhecimento popular, segundo LAKATOS e MARCONI (2000,
p.20), é assistemático, já que não procura formulações gerais que sistematizem as idéias. No
entanto, também aplica métodos (indução, dedução), mas não de forma planejada como o
conhecimento cientifico; este é consciente e consensual, dado que a comunidade científica
chega a um consenso sobre os métodos e os critérios a utilizar. Poderíamos dizer que o
conhecimento científico não é apenas metódico, mas “metodológico”, no sentido de que
existe uma reflexão sobre o método.
Assim, este capítulo está dedicado à justificação das opções metodológicas que
norteiam a presente pesquisa. Em primeiro lugar, serão explicitadas as razões que nos levaram
a escolher os instrumentos para a coleta de dados utilizados. A seguir, abordaremos as
questões relativas à seleção dos participantes. Por último, ocupar-nos-emos dos problemas do
ponto de referência e da avaliação dos desvios ou erros.
O objetivo da presente pesquisa é heurístico, já que busca fazer descobertas e
compreender melhor o fenômeno do atrito da L1. Tenta-se descrever os traços que
caracterizam o fenômeno e descobrir os fatores mais importantes de maneira indutiva. Dadas
as características mencionadas, foi escolhido o método qualitativo como melhor alternativa
para a realização do estudo.
Os dados proporcionados pelos instrumentos usados para a coleta foram, portanto,
analisados de forma essencialmente qualitativa e não foi realizado tratamento estatístico.
Todavia, foram efetuadas de forma pontual análises quantitativas básicas para obter uma visão
de conjunto do grupo pesquisado.
Devido ao reduzido número de participantes, oito, a pesquisa enquadra-se dentro dos
estudos de caso. Estes, como afirma NUNAN (1997, p. 88-9) são apropriados para estudos de
pequena escala, nos quais “o problema da validade externa é menos importante”
95
, já que não
é possível fazer generalizações a partir de populações tão pequenas. Por outro lado, segundo
KÖPKE (1999, p.140), os estudos sobre atrito confrontam-se habitualmente com populações
muito heterogêneas, de modo que o estudo de caso aparece como a melhor solução.
95
“... the problem of external validity is less significant ...”.
39
3.1 INSTRUMENTOS PARA A COLETA DE DADOS
Como destacam SELIGER e SHOHAMY (1995, p.153-197) o primeiro critério de
qualidade científica, e talvez o mais importante, é a adequação dos procedimentos de coleta
de dados aos objetivos da pesquisa. Segundo eles, os procedimentos pouco explícitos, abertos
e “informais” (ing. informal), são os mais utilizados nas pesquisas heurísticas, como é o caso
da presente. Assim, os métodos utilizados neste estudo foram dois: entrevistas semi-
estruturadas e um questionário sociolingüístico. A entrevista se inscreve dentro dos chamados
em inglês naturalistic methods, os quais, de acordo com KÖPKE e SCHMID (2004, p.27) são
os mais indicados quando se trata de estudos preliminares para identificar áreas sensíveis.
De acordo com SCHMID e DE BOT (2004, p.225-6), a grande maioria das pesquisas
realizadas até o momento nesta área assume como idéia básica que o atrito supõe uma
habilidade lingüística diminuída e que a melhor forma de se medir essa redução é com base
nos erros ou desvios da norma
96
. Neste tipo de estudos a diferença (dependendo de como
sejam obtidos) entre dados naturalísticos (ing. free data) e dados elicitados por meio de testes
formais é especialmente importante, já que, como está demonstrado
97
, a forma de coleta dos
dados influi sobremaneira no número de erros. Assim, os dados elicitados por meios formais
contêm, geralmente, maior número de erros do que o discurso livre. Por este motivo,
SCHMID (2004, p. 241) propõe que as pesquisas sobre atrito incluam “dados obtidos por
meio de testes menos formais, para se chegar a uma avaliação realista da variedade de léxico
conservado”
98
.
Em todo caso, como SELIGER e SHOHAMY (1995, p.184-5) lembram, qualquer
procedimento de coleta afeta os dados. Assim, embora a intenção da entrevista realizada para
a presente pesquisa fosse obter uma fala espontânea e com o menor nível de monitoração
possível, é claro que não se trata de fala completamente natural; a observação impede o
acesso à língua mais natural, como sustenta, na sua vigência, o “paradoxo do observador” de
LABOV
99
, citado por SELIGER e SHOHAMY (1995, p.183-4).
96
SCHMID (2004, p. 239) e DE BOT (2004, p. 234-5) consideram que as pesquisas sobre atrito
colocam um foco excessivo nos erros e não estabelecem comparações com falantes sem atrito. Como DE BOT
(id.) lembra “uma pessoa só precisa monitorar a própria fala em cinco minutos de conversação livre, para
perceber que dificilmente há uma única frase produzida com fluência e livre de erros”.
97
Em pesquisas sobre aquisição de L1 (SCHMID; DE BOT, 2004, p.225) e sobre perdas lingüísticas
patológicas (KÖPKE; SCHMID, 2004, p.24-5).
98
“…data, obtained through less formal tests, in order to arrive at a realistic assessment of the range of
lexicon which is retained”.
99
LABOV, W. The study of language in its social context. Studium Generale, v. 23, 1970, p.30-87.
40
O questionário sociolingüístico
100
utilizado neste estudo é basicamente estruturado.
Foi elaborado tomando como modelo o questionário que SCHMID (2005?, p.41-6) apresenta
no seu manual de pesquisa sobre atrito. Está redigido em espanhol e consta de 77 perguntas,
das quais 72 são fechadas, dado que o participante deve selecionar entre um número de
opções ou responder com dados concretos como datas ou nomes. As cinco restantes são
questões abertas, que o participante pode responder de forma descritiva. Quatro dos
participantes (P1, P2, P4, P8)
101
, preencheram o questionário antes da entrevista. Nos casos
em que isto não foi possível, o questionário foi utilizado como roteiro para a entrevista semi-
estruturada e a própria pesquisadora anotou parte das respostas. Assim aconteceu com os
participantes P3 e P7 que moram em Goiás e foi aproveitada uma breve visita a Brasília para
realizar a entrevista. Nos casos de P5 e P10, a sua limitada disponibilidade foi o motivo que
impediu que completassem previamente o questionário.
Não foi testado o nível dos participantes em L2/português. A sua proficiência nessa
língua foi medida apenas por auto-avaliação, mediante as perguntas 11, 22 e 23 do
questionário. Seguindo a argumentação de KÖPKE (1999, p. 135), parte-se do princípio de
que a duração da sua estadia no Brasil (uma média de 42 anos, cf. tab. 3, p. 50) e a freqüência
de utilização da L2/português permitam afirmar que eles têm um bom domínio funcional da
L2.
O questionário sociolingüístico proporciona informação variada sobre os participantes
que ajuda a explicar alguns dos resultados. Os dados coletados mediante o questionário
podem ser agrupados nas seguintes subvariáveis ou temas:
a) Características pessoais
Idade (pergunta 1)
Sexo (pergunta 2)
Tempo no Brasil (pergunta 7)
Educação (pergunta 6)
Profissão (perguntas 15, 16)
b)
Contato com a L1
Freqüência de visitas à Espanha (pergunta 18)
Freqüência de uso (pergunta 26, 69)
Língua materna do cônjuge ou companheiro (pergunta 34)
Língua materna dos amigos (perguntas 29, 56)
Quantidade de contato com amigos e família na Espanha (pergunta 51)
c)
Eleição da língua (language choice)
Língua dos ofícios religiosos (pergunta 21)
100
Encontra-se no anexo 1, p. 130.
101
Os 8 participantes são identificados como P1, P2, P3, P4, P5, P7, P8 e P10.
41
Uso da L1 com o cônjuge ou companheiro (perguntas 38, 39)
Uso da L1 com filhos e netos (perguntas 42, 43, 45, 46)
Uso de meios de comunicação em L1 (perguntas 63-7)
Redes de contatos (network) (perguntas 58, 59)
Pertença a clubes ou organizações espanhóis no Brasil (perguntas 60, 61)
d)
Auto-avaliação da competência em L1
Competência atual (pergunta 25)
Competência antes da emigração (pergunta 24)
Mudança na competência (pergunta 68)
Bilíngüe (pergunta 72)
e)
Auto-avaliação da competência em L2
Aulas de L2 antes da emigração (pergunta 11)
Competência antes da emigração (pergunta 22)
Competência atual (pergunta 23)
f)
Atitudes
Importância de manter a L1 (pergunta 27)
Importância da aquisição da L1 por parte dos filhos (perguntas 28, 47, 48, 49, 50)
Preferência cultural (pergunta 30)
Preferência lingüística (pergunta 31)
Importância da L1 como meio de contato na casa (pergunta 54)
Saudades da Espanha (pergunta 62)
Embaraço na hora de falar espanhol (perguntas 70, 71)
Incômodo ante um forte sotaque de L1 na L2 (pergunta 73)
Intenção de retornar (perguntas 74, 75)
Valoração do tempo passado no Brasil (pergunta 76)
(SCHMID, 2005?, p.16-7)
Os dados de fala foram elicitados mediante entrevistas semi-estruturadas gravadas em
situação informal e ambiente descontraído, dado o efeito que pode produzir a formalidade da
situação sobre as variáveis lingüísticas (DEWAELE; PAVLENKO, 2002, p.280). Desse
modo, espera-se ter obtido uma fala o mais espontânea possível e, portanto, uma imagem mais
aproximada do comportamento lingüístico real dos participantes.
A língua utilizada tanto nas entrevistas como nos contatos telefônicos com os
participantes foi sempre o espanhol, L1 dos entrevistados e da própria autora, e objeto de
estudo nesta pesquisa.
Exceto no caso de P8
102
, as entrevistas utilizaram como roteiro algumas das perguntas
centrais do questionário, basicamente sobre as histórias de vida de cada individuo. Em
geral
103
, as conversas discorreram sobre os mesmos temas: as experiências do participante na
Espanha antes da imigração, as circunstâncias que envolveram a sua decisão de vir ao Brasil e
as dificuldades que experimentaram no novo lugar de residência. Todos os participantes se
mostraram satisfeitos de poder contar as suas histórias de vida e, em muitas seções das
102
O participante P8, que preencheu o questionário antes da entrevista, quis relatar uma viagem.
103
Com a exceção já mencionada de P8.
42
gravações, os participantes falaram sem interrupção durante longos períodos. Esse
envolvimento dos participantes na conversação pode indicar que não se sentiam afetados pelo
ambiente de pesquisa.
As entrevistas, com uma duração aproximada de 30 minutos (+ / - 5 min.), foram
realizadas entre fevereiro e maio de 2006. Todas elas foram conversações face a face entre um
dos participantes e a autora. Cada um deles foi entrevistado apenas uma vez num lugar da sua
escolha: três no seu domicílio, outros três no seu local de trabalho, um na Embaixada da
Espanha de Brasília e o último numa sala de aula da Universidade de Brasília. Posteriormente,
as entrevistas gravadas foram transcritas
104
. Nessa transcrição as intervenções da
pesquisadora reduziram-se às estritamente necessárias para a compreensão das respostas dos
participantes. Também foram omitidos alguns trechos para proteger a privacidade dos
participantes.
As entrevistas têm uma utilidade dupla (RAMÍREZ, 2003, p. 2). Em primeiro lugar,
foram usadas para obter um corpus de fala no qual se pudesse procurar sinais de atrito
lingüístico e obter informação sobre a competência lingüística (SELIGER; SHOHAMY,
1995, p.167). Ao mesmo tempo, proporcionaram, conjuntamente com o questionário,
informações biográficas e sociolingüísticas sobre os participantes.
3.2 SELEÇÃO DOS PARTICIPANTES
Nesta seção, apresentam-se os critérios e os meios utilizados para a seleção dos
participantes.
Os participantes, residentes em Brasília e Goiás, foram contatados por meio de
conhecidos e amigos da autora, e através da Embaixada da Espanha em Brasília. No contato
telefônico inicial, foi-lhes indicado que o estudo tratava do bilingüismo e do modo pelo qual
duas línguas se influenciam mutuamente, em particular, sobre o espanhol falado pelos
imigrantes espanhóis no Brasil. É comum que para se conseguir uma produção lingüística
mais “real” ou espontânea, os pesquisadores não informem aos participantes os verdadeiros
objetivos do estudo
105
. Isso apresenta um problema ético sobre o papel dos participantes que
CELANI (2005, p.110) explica de forma muito ilustrativa:
104
A transcrição das oito entrevistas figura nos anexos.
105
Assim como, por exemplo, GROSS (2004, p.290).
43
A proteção dos participantes é essencial (Denzin & Lincoln, 1998). Para isso é indispensável o
consentimento informado, esclarecido, na forma de diálogo contínuo e reafirmação de consentimento ao
longo da pesquisa. Esse diálogo possibilitará ao pesquisador certificar-se de que os participantes
entenderam os objetivos da pesquisa, seu papel como participantes, ao mesmo tempo que deixa clara a
esses a liberdade que têm de desistir de sua participação a qualquer momento. A preocupação do
pesquisador deve ser sempre a de evitar danos e prejuízos a todos os participantes a todo custo,
salvaguardando direitos, interesses e suscetibilidades. Já que não poderá nunca eliminar a relação
assimétrica de poder, porque, afinal de contas, quem toma decisões do ponto de vista epistemológico, e
também do ponto de vista dos procedimentos a serem adotados é o pesquisador (Cameron et al., 1992).
É certo que CELANI (2005, p.110) se refere nesse trecho à pesquisa educacional
crítica, mas os valores destacados podem ser aplicados à grande maioria das pesquisas em
Lingüística Aplicada.
Sendo a presente pesquisa um estudo de pequena escala cuja intenção não é fazer
generalizações, o corpus de dados utilizado não parte de variáveis conhecidas como no caso
da amostragem estatística aleatória. De acordo com BAUER e AARTS (2002, p.39), na
pesquisa qualitativa “ ‘construção de corpus’ significa escolha sistemática de algum racional
alternativo”. Dentre os racionais utilizados, cabe destacar a nacionalidade dos participantes,
que são espanhóis como a própria pesquisadora. Pretende-se, com isso, evitar que variações
dialetais regionais pudessem ser identificadas como desvios ou erros (SCHMID; DE BOT,
2004, p.227).
É necessário lembrar neste ponto que na Espanha existem cinco Comunidades
Autónomas
106
com língua própria
107
: o galego na Galícia, o basco no País basco e o catalão
em Catalunha, Ilhas Baleares e Valença. Nessas regiões bilíngües, podemos encontrar em
diferentes proporções falantes bilíngües, falantes monolíngües de espanhol e falantes
monolíngües da língua vernácula (LLÁCER, 1996, p. 421, 436).
Assim, dado que o tema da pesquisa é o atrito do espanhol como L1, o primeiro
critério de seleção dos participantes foi que tivessem o espanhol como L1. Por esse motivo,
foi excluído um participante que, na entrevista, afirmou não ser o espanhol a sua L1. Porém,
foram incluídos dois participantes bilíngües precoces espanhol / catalão que declararam ter
aprendido as duas línguas de forma simultânea e ter um domínio semelhante em ambas. Nesse
caso, o espanhol pode ser considerado uma das duas L1 do indivíduo.
Em outros dois casos, os participantes, originários da Galícia, afirmaram que o
espanhol era a sua língua dominante no momento da imigração, dado que nessa época a
106
As Comunidades Autónomas espanholas podem ser consideradas equivalentes aproximados dos
Estados Brasileiros.
107
Que também é oficial junto com o espanhol.
44
ditadura tinha proibido o uso de galego, basco e catalão. Além disso, os dois são originários
de áreas urbanas, mais afetadas pela proibição. Vários candidatos foram excluídos por
proceder de zonas rurais, onde o galego era a língua dominante mesmo na época da ditadura.
A opção de incluir estes participantes bilíngües na pesquisa foi, na realidade, uma
imposição das circunstâncias. Por um lado, é impossível obviar a realidade multilingüe da
Espanha, com 5 das 17 Comunidades Autónomas bilíngües. Por outro, sendo Galícia uma das
comunidades espanholas com taxas mais altas de emigração, não é estranho que muitos dos
candidatos a participante fossem dessa origem. Por estes motivos, não é fácil encontrar
participantes espanhóis monolíngües em espanhol.
Sete dos oito participantes têm residido de forma continuada no Brasil por mais de 40
anos (ver 4.1.2, tabela 3, p. 50). Só num caso o tempo de imigração no Brasil é de 6 anos. Este
participante foi incluído porque algumas pesquisas sobre atrito reduzem o tempo de imigração
a 7 ou 5 anos
108
. De modo geral, existe consenso em que o atrito se produz na primeira década
da imigração: os imigrantes que conseguem manter sua L1 durante esses primeiros 10 anos
têm altas probabilidades de continuar sendo fluentes nessa língua, mesmo depois de muitas
décadas num ambiente de L2 (SCHMID; DE BOT, 2004, p. 220). Segundo DE BOT et al.
(1991, p. 94), o tempo transcorrido desde o começo da imigração só parece ser um fator
relevante quando não existe muito contato com a L1. Foram excluídas as pessoas com menos
de 6 anos no Brasil para evitar participantes que se encontrassem ainda em situação de
aprendizagem da L2/português.
Trata-se de um estudo transversal com imigrantes de primeira geração. Todos os
participantes emigraram ao Brasil depois dos onze anos de idade (ver 4.1.2, tabela 3). Esta
idade de corte, do mesmo modo que a inclusão de participantes bilíngües, não foi de fato uma
opção planejada; surgiu de forma casual, por causa da já mencionada dificuldade para
localizar em Brasília ou em zonas próximas, imigrantes espanhóis com o espanhol como L1 e
disponíveis para participar da pesquisa. Em geral, é estabelecida uma idade de corte porque se
considera que existe uma “idade crítica” na qual as estruturas da L1 já estão firmemente
adquiridas. Embora um certo número de pesquisas sobre atrito escolha como idade limite 14
ou 16 anos
109
, KÖPKE e SCHMID (2004, p.10) lembram que outros estudos rebaixam essa
108
KÖPKE (1999, p. 144) e SILVA-CORVALÁN (1994, p. 15), respectivamente.
109
Por exemplo KÖPKE (1999, p. 144) e GROSS (2004, p. 289).
45
idade aos 12 anos. SILVA-CORVALÁN (1994, p. 15), por exemplo, utiliza como idade de
corte os 11 anos.
3.3 PONTO DE REFERÊNCIA
Existem várias formas para se definirem as particularidades que caracterizam o uso
lingüístico de um indivíduo com atrito em comparação com um falante não atingido por
processos desse tipo. Uma delas é coletar dados de um grupo de controle monolíngüe e
confrontar o uso lingüístico destes sujeitos com o do grupo de atrito. Não fazer este tipo de
comparações supõe assumir tacitamente a existência de uma “fala nativa homogênea e sem
erros” (KÖPKE; SCHMID, 2004, p.28). Contudo, não é fácil encontrar um grupo de controle
monolíngüe com um nível cultural médio similar ao dos falantes com atrito. Assim, por
exemplo, no estudo de KÖPKE (1999, p. 147), o nível de escolaridade do grupo de controle é
mais baixo do que nos grupos experimentais, o que pode tornar inválidas as comparações
(SCHMID, 2006). Por outro lado, a língua falada no país de origem no momento da pesquisa
não é necessariamente idêntica à língua que os participantes praticavam 40 ou 50 anos antes,
quando emigraram (KÖPKE, 1999, p. 141; SCHOENMAKERS, 1989, p. 107).
No entanto, SCHMID e DE BOT (2004, p.228) consideram que o estudo ideal sobre
atrito da L1 deveria ser uma pesquisa longitudinal, a qual permitisse comparar a proficiência
dos sujeitos em diferentes estágios do processo de atrito. Mas também os estudos
longitudinais apresentam problemas. De um lado, o fato de se repetirem os testes tem efeitos
de treinamento que podem em si mesmos prevenir o atrito; de outro, raramente são praticáveis
por causa dos longos intervalos que devem passar entre uma medição e a seguinte.
Essas considerações e o limitado alcance deste estudo fizeram com que fosse decidido
utilizar, no lugar de um grupo de controle, corpora lingüísticos para estabelecer o ponto de
referência. Os dois utilizados foram o Corpus de Referencia del Español Actual (CREA), da
Real Academia Espanhola, e o Corpus Oral de Referencia del Español Contemporáneo
(COREC), da Universidade Autônoma de Madri, editado por MARCOS MARÍN.
46
3.4 AVALIAÇÃO DOS DESVIOS OU ERROS
Segundo ANDERSEN (1982, p. 91), o atrito é caracterizado pelo que chama de “lack
of adherence to the linguistic norm
110
. Isso significa que a fala de uma pessoa que
experimenta atrito deve apresentar mais erros ou desvios da norma do que um falante
competente dessa língua (cf. 3.1). Portanto, na procura de sinais de atrito, foram inventariados
os erros do corpus de fala coletado nas entrevistas dos participantes. Para minimizar as
distorções que pode produzir o fato de ser o pesquisador o único que avalia os dados,
recorreu-se a dois lingüistas espanhóis que examinaram o corpus e as listas de erros
destacados pela autora. De fato, trata-se de uma forma de triangulação, a qual aumenta a
confiabilidade da pesquisa ao incorporar outras perspectivas (BAUER; GASKELL, 2002, p.
482-3). Os desvios marcados pela autora que os dois “juízes” independentes consideraram não
ser erro não foram contabilizados. Aqueles que ao menos um dos juízes e a autora avaliaram
como erro foram inclusos na classificação.
Ademais, esses mesmos juízes avaliaram a competência aparente em L1 dos
participantes. Para isso, eles escutaram trechos de aproximadamente cinco minutos de cada
uma das entrevistas e classificaram cada falante numa escala de 1 (perfeitamente nativo) a 3
(não nativo)
111
.
110
Não-observância da norma lingüística.
111
Procedimento utilizado por SCHMID (2004, p. 242-3).
47
4 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Este capítulo consta de duas seções; na primeira serão delineadas as características
sociolingüísticas dos participantes, proporcionadas pelos questionários e a entrevista. Na
segunda seção será analisado o corpus lingüístico das entrevistas. Em primeiro lugar, figura
uma análise quantitativa sucinta do número de desvios e a avaliação da competência em L1
dos participantes realizada pelos “juízes” independentes. A seguir, se apresenta a análise
qualitativa dos traços característicos da L1/espanhol dos participantes. Nela serão marcados,
classificados e descritos esses traços.
4.1 PERFIL SOCIOLINGÜÍSTICO DOS PARTICIPANTES
Nesta seção, apresentam-se as características dos participantes
112
recolhidas nos
questionários e nas entrevistas, começando pelas variáveis demográficas.
4.1.1 Variáveis Demográficas
Como se pode observar na tabela 2, o grupo de participantes contém o mesmo número
de homens que de mulheres, quatro em cada caso.
TABELA 2 – VARIÁVEIS DEMOGRÁFICAS
PARTICIPANTE SEXO IDADE GRAU DE
INSTRUÇÃO
OCUPAÇÃO
ATUAL
P1 F 62 Universitário Professora
universitária
(de espanhol)
P2 M não computada
40?
Universitário Professor de espanhol
P3 M 79 Segundo grau
(enfermagem)
Aposentado
P4 F 77 Magistério Professora de
espanhol Aposentada
P5 M 69 Segundo grau
(Contabilidade)
Empresário
P7 M 70 Médio (Projetista) Empresário
P8 F 54 Médio Contadora
P10 F 78 Primeiro grau Dona de casa
FONTE: A autora - Pesquisa de campo
Com respeito à idade (tabela 2), um dos participantes que preencheu pessoalmente o
questionário antes da entrevista, não respondeu a questão correspondente ao ano de
112
Os 8 participantes são identificados como P1, P2, P3, P4, P5, P7, P8 e P10. Os números que faltam,
P6 e P9 correspondem a participantes entrevistados mas não incluídos na pesquisa (cf. 3.2).
48
nascimento. Dado que a autora entrevistou pessoalmente o participante, aponta-se uma idade
provável de 40 anos.
Assim, a idade escalona-se entre os possíveis 40 anos de P2 e os 79 de P3, sendo,
portanto, a idade média bastante elevada, 66 anos. Como já foi apontado, cinco dos
participantes contam com mais de 69 anos. Isso significa que se trata de uma população
majoritariamente idosa, o que de acordo com pesquisadores como KÖPKE (1999, p. 144-145)
e GROSS (2004, p. 282) pode introduzir um problema: até que ponto os desvios ou erros
achados na fala destes participantes são produto do atrito ou efeito do processo de
envelhecimento normal? De acordo com GROSS (2004, p. 282), a literatura sobre perdas
lingüísticas não patológicas “reporta que indivíduos com uma idade superior aos 70 anos
parecem apresentar mais dificuldades na recuperação léxica (...) [e] mais erros gramaticais
que seus homólogos mais jovens”
113
.
Contudo, a impressão pessoal da autora é que todos os participantes continuavam
levando, apesar da idade, uma vida consideravelmente ativa. O processo de envelhecimento
não lhes parecia afetar de forma notável.
O grau de instrução (tabela 2) revela-se alto, já que dos participantes dois contam com
estudos universitários, outro com um curso de magistério e apenas um com estudos primários.
A maioria, quatro, cursou estudos médios de caráter profissionalizante. Dado que o grupo não
foi selecionado por meio de amostragem estatística aleatória, esta distribuição provavelmente
não se corresponde à real entre os imigrantes espanhóis em Brasil.
Com respeito à ocupação, observa-se a presença de três professores de espanhol.
Alguns pesquisadores como KÖPKE (1999, p. 146) ou OPITZ (2006)
114
, decidiram excluí-
los, dado que apresentam um comportamento atípico determinado pela sua profissão. KÖPKE
(1999, p. 146), por exemplo, assinala a hipercorreção nos “testes de gramaticalidade”. Do
mesmo modo, o nível de monitoração durante as entrevistas é normalmente maior nos
professores do que em indivíduos com outras profissões. Por outra parte, os professores
mantêm um uso maior do espanhol já que eles utilizam a L1 no meio de trabalho. Dado que
esta pesquisa não pretende fazer generalizações dos resultados, o possível comportamento
atípico dos professores de espanhol não supõe um problema e, portanto, foram mantidos. Por
outro lado, existe no Brasil um número nada desprezível de espanhóis (e latino-americanos)
113
“…report that individuals over the age of seventy appear to exhibit more difficulties in lexical
retrieval (…) [and] more grammatical errors than their younger counterparts.”
114
Informação verbal em apresentação durante oficina sobre o atrito (Amsterdã, jan. 2006).
49
que se dedicam ao ensino do espanhol, de forma que, na realidade, não constituem um grupo
tão atípico.
4.1.2 Variáveis Concernentes à Imigração
No que se refere às variáveis relacionadas com a imigração, duração da mesma e idade
na chegada, a tabela 3 recolhe todos os dados coletados. Essas variáveis já foram objeto de
análise na seção 3.2 da metodologia.
TABELA 3 – VARIÁVEIS CONCERNENTES À IMIGRAÇÃO
PARTICIPANTE ANOS NO BRASIL IDADE NA CHEGADA
P1 51 11
P2 6 -
P3 53 26
P4 43 34
P5 52 17
P7 44 26
P8 43 11
P10 49 29
MÉDIA 42 26
FONTE: A autora - Pesquisa de campo
4.1.3 Conhecimentos Lingüísticos
O questionário inclui perguntas sobre línguas adquiridas na Espanha e cursos de L2
antes de emigrarem. As respostas dos participantes estão resumidas na tabela 4, a seguir:
TABELA 4 - CONHECIMENTOS LINGÜÍSTICOS
PARTICIPANTE LÍNGUA/S ADQUIRIDAS
NA ESPANHA
ENSINO FORMAL DE L2 ANTES
DA EMIGRAÇÃO
P1 espanhol / galego Não
P2 espanhol Não
P3 espanhol / catalão / basco Não
P4 espanhol Não
P5 espanhol / galego Não
P7 espanhol Não
P8 espanhol Não
P10 espanhol / catalão Não
FONTE: A autora - Pesquisa de campo
O mais destacável desta tabela é que nenhum dos participantes realizou cursos de L2
antes da chegada no Brasil, prática habitual entre os emigrantes espanhóis em épocas
passadas.
No que se refere às línguas adquiridas na Espanha antes da emigração, observa-se a
presença de três participantes bilíngües e um trilíngüe (vide 3.2).
50
P1, P3 e P5 declararam na entrevista que, no momento da emigração, o espanhol era a
sua língua dominante. No caso de P10, o espanhol, língua da sua mãe, foi sempre o meio de
comunicação no ambiente familiar.
A singularidade de P3, o participante trilíngüe, provém das terríveis circunstâncias da
sua vida: nascido na Catalunha, aprendeu catalão e espanhol, mas ainda criança perdeu a sua
família durante a Guerra Civil Espanhola e foi mais tarde acolhido por uma família basca com
quem aprendeu essa língua.
No questionário também foram incluídas perguntas nas quais os participantes deviam
auto-avaliar a sua competência em L1 e L2. As respostas estão compendiadas na tabela 5 a
seguir:
TABELA 5 – AUTO-AVALIAÇÃO DE COMPETÊNCIA EM L1 E L2
COMPETÊNCIA NA L2 COMPARADA COM
A L1
MUDANÇA NA COMPETÊNCIA
EM L1 DEPOIS DA IMIGRAÇÃO
PARTICIPANTES L2 MELHOR
DO QUE L1
L2 IGUAL
A L1
L1 MELHOR
DO QUE L2
MELHOR IGUAL PIOR
P1 x x
P2 x x
P3 x x
P4 x x
P5 x x
P7 x x
P8 x x
P10 x x
FONTE: A autora - Pesquisa de campo
O aspecto mais destacado desta tabela é o fato de que nenhum dos participantes
considera sua competência em L2 melhor do que a de L1. Não obstante, 4 dentre eles
admitem uma diminuição da sua competência em L1. Essas mesmas pessoas declaram ter um
domínio semelhante da L1 e da L2. Uma interpretação possível é que P3, P5, P7 e P10
julguem sua competência lingüística em ambas as línguas incompleta; isto é, poderia ser um
reflexo da sensação de falta de domínio e de mistura entre ambos os códigos que com
freqüência expressam os imigrantes em frases como a mencionada na Introdução, “já não falo
nem espanhol nem português, mas portunhol”.
Dos três professores de espanhol, P2 e P4 apresentam uma coincidência surpreendente
nas suas respostas, tanto mais se lembramos a diferença de tempo de residência no Brasil: P2
apenas 6 anos e P4, 43 anos. Ambos afirmam, de forma coerente, que a sua competência na
L1 não mudou e que a competência em L2 é pior do que em L1. A explicação provável é, no
caso de P2, o curto tempo transcorrido desde o início da imigração e, no caso de P4, a sua
51
atitude extremamente positiva para com a língua e a cultura espanholas (vide seção 4.1.5, tab.
8 e a transcrição da entrevista nos anexos). De fato, é o único participante que avalia de forma
negativa sua vinda ao Brasil.
4.1.4 Utilização das Línguas
Um grupo de variáveis muito importante neste campo de estudo são aquelas que
concernem à utilização das línguas, já que o atrito pode depender em grande medida do
contato que o indivíduo afetado tem com falantes da L1. Segundo SCHMID e DE BOT (2004,
p.221-2) e SCHMID (2005?, p.16-7), existem dois fatores que influenciam o contato: a
oportunidade e a eleição; o primeiro está além do controle do indivíduo, o outro não. De fato,
pode suceder que no entorno de um imigrante não se encontrem outros falantes da sua L1, de
modo que o uso dessa língua para a interação diária não seja mais uma opção. Não obstante,
também é possível que o imigrante tenha ainda contato com falantes da L1, mas decida não
usar essa língua nas interações com eles (DE BOT; SCHMID, 2004, p.221-2).
Na tabela 6, recolhem-se as respostas relacionadas com esse primeiro fator, a
oportunidade de contatos com a L1.
Em geral, observa-se muito contato com a Espanha, tanto pelas visitas freqüentes (2
participantes uma vez por ano, 4 a cada dois ou três anos e só dois nunca voltaram), como
pelo contato com familiares e amigos de lá por meio de telefone ou correio eletrônico. De
forma coerente, os mesmos participantes que nunca retornaram à Espanha, P3 e P7, são os
que menos contato têm com familiares ou amigos de lá (P3 nunca e P7 raramente).
No que se refere às visitas relativamente freqüentes à Espanha, esse dado é ainda mais
significativo se levarmos em conta que a grande distância que separa esse país do Brasil.
KÖPKE (1999, p. 339-340) aponta que muitas pesquisas sobre imigrantes europeus na Europa
constatam uma incidência escassa ou nula do atrito, enquanto outros estudos sobre emigrantes
a países mais distantes mostram uma incidência maior de fenômenos de atrito.
A situação no Brasil é bem diferente, já que, na maioria dos casos, a língua das
pessoas mais próximas (cônjuge e amigos) é o português. Não obstante, observa-se uma
freqüência de uso da L1 relativamente elevada: cinco dos oito participantes declaram usar a
L1 diariamente, dois algumas vezes por semana e só um poucas vezes por ano. Isso pode
significar que os contatos freqüentes com família e amigos na Espanha possibilitem o uso da
L1.
52
Em todo caso, deve-se lembrar que três dos participantes que usam a L1 diariamente
são professores de espanhol.
TABELA 6 – CONTATOS COM A L1
PARTI
CIPAN
TE
FREQÜÊNCIA DE
VISITAS À
ESPANHA
FREQÜÊNCIA
DE USO DA L1
LÍNGUA
MATERNA
DO
CÔNJUGE
LÍNGUA
MATERNA
DOS
AMIGOS
CONTATO C/
FAMÍLIA E AMIGOS
NA ESPANHA
P1 º cada 2 ou 3 anos Diariamente ¹ L1 / Gal + L2 Muito freqüentemente
P2 1 vez por ano Diariamente L2 + L2 Muito freqüentemente
P3 Nunca ² Semanalmente L2 + L2 Nunca
P4 º cada 2 ou 3 anos Diariamente L1 + L1 Muito freqüentemente
P5 1 vez por ano ² Semanalmente L2 + L2 Muito freqüentemente
P7 Nunca ³ Anualmente L2 + L2 Raramente
P8 º cada 2 ou 3 anos Diariamente L2 + L2 Muito freqüentemente
P10 º cada 2 ou 3 anos Diariamente L1 + L2 Muito freqüentemente
FONTE: A autora - Pesquisa de campo
NOTA: º 1 vez cada 2 ou 3 anos.
¹ espanhol e galego.
² Algumas vezes por semana.
³ Poucas vezes por ano.
O segundo fator que influencia o contato é, como já foi dito, a eleição da língua. Para
examinar este aspecto foi realizada a tabela 7, na qual estão compendiadas as respostas às
questões relativas à língua usada nos diversos relacionamentos. Nela podemos observar que a
L2 é a língua mais usada em todos os âmbitos, especialmente com os amigos, esfera na qual
unicamente dois participantes afirmam usar mais a L1. Relacionado diretamente com o
anterior está o fato de nenhum deles pertencer a clubes ou organizações espanhóis no Brasil.
Isso é um indício de que os imigrantes espanhóis, ao menos em Brasília e Goiás, não formam
um grupo étnico organizado.
Pelo que se refere aos filhos, as respostas mostram que apenas dois participantes usam
a L1 nesse relacionamento, um de forma exclusiva, o outro de forma preferencial. Dois outros
alternam o uso da L1 e da L2 e a maioria (4) usa a L2 de forma preferente (3) ou exclusiva
(1). Isso pode ser interpretado como a ausência de uma atuação clara por parte dos
participantes para transmitir a L1 aos filhos.
Observa-se também que um dos participantes usa a L2 com o cônjuge, mesmo sendo a
L1 a língua materna deste.
53
No caso da língua dos ofícios religiosos, a ausência de respostas de quatro dos
participantes se deve à não-inclusão desta pergunta no roteiro da entrevista. As respostas
existentes provêm dos questionários
115
completados pelos próprios participantes.
Por último, adverte-se uma elevada utilização de meios de comunicação em L1 que
favorece muito o contato. De fato, um dos participantes declarou na entrevista que a TV em
espanhol era o meio que tinha para se atualizar nessa língua.
TABELA 7 – ELEIÇÃO DA LÍNGUA
PAR
TICI
PAN
TES
LÍNGUA
USADA COM
CÔNJUGE
LÍNGUA
USADA
COM
FILHOS
LÍNGUA
USADA NO
TRABALHO
LÍNGUA
USADA
COM
AMIGOS
LÍNGUA
OFÍCIOS
RELIGIO
-SOS
USO DE
MÍDIA EM
L1
MEMBRO DE
CLUBES
ESPANHÓIS
NO BRASIL
P1 + L2 + L2 + L1 + L1 L2 TV, M, J, L Não
P2 L2 L1 + L1 + L2 L2 M, R, J, L Não
P3 L2 L1 e L2 L2 + L2 - J, L Não
P4 L1 L1 e L2 L1 + L1 L2 todos Não
P5 L2 L2 L2 + L2 - TV Não
P7 L2 + L2 + L2 + L2 - M, J, L Não
P8 L2 + L2 L1 + L2 L1 e L2 todos Não
P10 L1 + L1 - + L2 - TV Não
FONTE: A autora - Pesquisa de campo
NOTA: Sinais convencionais utilizados:
- + L2 = A L2 é mais usada. - M = música
- + L1 = A L1 é mais usada. - J = jornais
- L2 = somente L2. - L = livros
- L1 = somente L1. - R = rádio
4.1.5 Atitudes
O último bloco de perguntas analisado é o que faz referência a questões relativas às
atitudes e às preferências. As respostas foram compendiadas na tabela 8. De modo geral, os
participantes mostram atitudes positivas para com a L1 e a sua cultura.
Todos os participantes consideram importante (3) ou muito importante (5), a maioria,
manter a L1. As respostas a este item mostram em todos os casos, exceto um (P1), uma
correspondência lógica com as respostas ao segundo item: o sentimento de pesar por os filhos
não falarem a L1. Aqueles participantes que consideram muito importante manter a L1,
manifestam sentir muito pesar no caso dos filhos não falarem a L1. Já aqueles para quem
manter a L1 é apenas importante, revelam pouco pesar. A exceção mencionada, P1, considera
muito importante manter a L1, mas não sente pesar pelo fato dos filhos não falarem a L1. P1 é
115
Como já foi explicado em 3.1, apenas quatro participantes completaram o questionário pessoalmente
antes da entrevista.
54
também o único participante que utiliza mais a L2 com o cônjuge mesmo sendo este de
L1/espanhol (cf. tab. 6 e 7).
Voltando ao segundo item da tabela 7, comprova-se que, em geral, os participantes
que sentem pouco ou nada de pesar por os filhos não falarem L1, utilizam mais a L2 no seu
relacionamento com eles (com exceção de P10 que declara usar mais a L1). Pelo contrário,
aqueles que sentem muito pesar usam, em alguma medida, a L1 com os filhos (com a
exceção, desta vez, de P7 que utiliza mais a L2).
TABELA 8 - ATITUDES
PARTI
CIPAN
TE
IMPORTÂNCIA
DE MANTER A
L1
PESAR POR OS
FILHOS NÃO
FALAREM L1
PREFERÊNCIA
CULTURAL
PREFERÊNCIA
LINGÜÍSTICA
VALORAÇÃO
DA
IMIGRAÇÃO
P1 muito importante não igual igual positiva
P2 muito importante muito igual L1 positiva
P3 muito importante muito igual L1 positiva
P4 muito importante muito cultura L1 L1 negativa
P5 importante pouco igual igual positiva
P7 muito importante muito cultura L1 igual não sabe
P8 importante pouco igual igual não sabe
P10 importante pouco Igual igual positiva
FONTE: A autora - Pesquisa de campo
Observa-se na tabela 8 que nenhum dos participantes declara ter preferência pela L2
ou a sua cultura. Nesse sentido, se compararmos a preferência lingüística com a auto-
avaliação de competência na L2 (tab. 5), comprova-se que a preferência coincide com a auto-
avaliação: aqueles que não manifestam preferência porque se sentem igualmente cômodos
com ambas as línguas consideram que têm a mesma competência em L2 e em L1. Já os que
preferem a L1 acham que têm menos competência em L2 do que em L1; isso com a exceção
de P3, para quem a sua competência em ambas as línguas é igual, mas manifesta preferência
pela L1.
Com respeito à valoração da imigração, só um dos participantes, P4, emite um juízo
negativo sobre esse período da sua vida. De fato, é o participante que mostra atitudes mais
positivas para com a L1, além de grande contato e freqüente utilização.
55
4.2 ANÁLISE DO CORPUS: TRAÇOS LINGÜÍSTICOS
4.2.1 Número de Desvios e Avaliação da Competência em L1 dos Participantes
Em primeiro lugar, foi realizada uma análise quantitativa sumária do corpus. Na tabela
9 são recolhidas as dimensões das entrevistas, incluídas as intervenções
116
da entrevistadora, e
o número de desvios, interferências ou erros por participante
117
, mesmo quando estavam
seguidos por uma autocorreção
118
. A contagem não pretende ser exaustiva; a intenção é
fornecer uma visão global da situação lingüística. Na verdade, uma apuração completa dos
desvios ou erros resulta uma tarefa dificílima, já que é necessário contar com a diferença de
percepção entre falantes. De fato, em múltiplas ocasiões, não existiu acordo sobre o que
deveria ser considerado desvio ou erro entre os “juízes” independentes e a autora (vide 3.4).
TABELA 9 – NÚMERO DE DESVIOS / INTERFERÊNCIAS (POR PARTICIPANTE)
PARTICIPANTE NÚMERO DE DESVIOS /
INTERFERÊNCIAS
EXTENSÃO DAS
ENTREVISTAS
P1 31 306 l. / 7 p.
P2 9 284 l. / 7 p.
P3 47 412 l. / 10 p.
P4 10 414 l. / 9 p.
P5 81 374 l. / 9 p.
P7 134 344 l. / 9 p.
P8 48 368 l. / 9 p.
P10 40 318 l. / 8 p.
TOTAL 400 2820 l. / 68 p.
FONTE: A autora - Pesquisa de campo
NOTA: Sinais convencionais utilizados:
l. = linhas p. = páginas
Por outro lado, dado que não foi realizada uma análise da proficiência (riqueza léxica,
complexidade gramatical), o número de desvios ou erros pode oferecer uma imagem
distorcida do desempenho real do falante. Este pode ter desenvolvido estratégias de
evitamento (avoidance strategies) para compensar as suas capacidades reduzidas; o resultado
pode ser uma fala com poucos desvios ou erros SCHMID (2004, p. 242).
Igualmente, como já foi exposto em 3.4, dois juízes independentes avaliaram a
competência em L1 de cada participante. Após escutar trechos de aproximadamente cinco
116
Como já foi mencionado em 3.1, as intervenções da autora foram limitadas nas transcrições às
estritamente necessárias para a compreensão das respostas.
117
As intervenções da entrevistadora não foram analisadas, embora também apareçam nelas sinais de
atrito da L1/espanhol.
118
Assim como em KÖPKE (1999, p. 134).
56
minutos de cada uma das entrevistas, classificaram os participantes como pode ser observado
na tabela 10.
TABELA 10 - AVALIAÇÃO DA COMPETÊNCIA EM L1
PERFEITAMENTE
NATIVO (1)
(2) NATIVO COM
INTERFERÊNCIAS
NÃO-NATIVO
(3)
PARTICIPANTE JUIZ 1 JUIZ 2 JUIZ 1 JUIZ 2 JUIZ 1 JUIZ 2
P1 x x
P2 x x
P3 x x
P4 x x
P5 x x
P7 x x
P8 x x
P10 x x
FONTE: A autora - Pesquisa de campo
O aspecto mais significativo desta tabela é que nenhum dos participantes foi
considerado não-nativo pelos juízes. Isso pode ser um indício de que os desvios da norma e
interferências que implica o atrito não afetam as habilidades comunicativas do sujeito na
interação com falantes nativos da sua L1 (vide seção 2.2 e nota 25).
Ao se compararem as tabelas 9 e 10, observa-se que os resultados de ambas são
coerentes: os participantes considerados pelos juízes “perfeitamente nativos” (tab. 10: P1, P2
e P4), são também aqueles que apresentam um número menor de desvios ou interferências na
sua fala (tab. 9, p. 56). Do mesmo modo, dos três participantes que os dois juizes coincidem
em qualificar como “nativo com interferências”, dois, P5 e P7, são os que têm um número
maior de desvios.
Outro ponto relevante na tabela 10 refere-se à diferente apreciação dos juízes nos
casos de P8 e P10. O juiz 1 os avaliou como perfeitamente nativos e o juiz 2 como nativos
com interferências. A opinião da própria autora coincide com a avaliação do juiz 2.
4.2.2 Análise Qualitativa
A seguir será realizada uma análise qualitativa dos traços lingüísticos presentes no
corpus que singularizam o espanhol/L1 dos participantes e que podem ser interpretados como
sinais de atrito. O objetivo é descobrir e mostrar os efeitos experimentados pela L1, o
espanhol, quando exposto ao contato prolongado com a L2, o português do Brasil.
57
O foco é, portanto, estudar os fenômenos de contato, aqueles nos quais o atrito da L1
parece devido à interferência da L2
119
. No entanto, como já foi citado no capítulo 2, a
influência interlingüística (ing. Crosslinguistic Influence) não deve ser considerada a única
causa de regressão lingüística; fenômenos como a redução do insumo da L1, tanto em
quantidade como em qualidade, e a simplificação influem igualmente no processo de atrito
(RASO, 2003, p.1). Como lembra SCHMID (2004, p. 239), para se obter um “quadro
holístico” do nível de competência do individuo que experimenta atrito, é preciso se
considerar não só aquilo que foi perdido, isto é, os desvios da norma, mas também o que foi
retido. Nesse sentido, seria adequado analisar a riqueza léxica ou a complexidade gramatical,
aspectos que não foram examinados nesta pesquisa.
Os traços singulares ou desvios da norma foram, portanto, classificados
120
em duas
grandes categorias: desvios interlinguais e desvios intralinguais. A primeira categoria está por
sua vez dividida em quatro seções correspondentes ao nível lingüístico (nivel fonético, léxico,
morfossintático e sintático), mais uma outra subdivisão onde estão incluídos os casos de
alternância de código (ing. code-switching) em L2/português (cf. seções 2.7 e 4.2.2.5).
A respeito das duas primeiras categorias, a classificação etiológica dos erros ou
desvios é habitualmente utilizada na área de aquisição de LE/L2
121
. BROWN (2000, p. 94)
distingue dois tipos de fenômenos como causa ou origem dos desvios: os intralinguais
(hipergeneralização e aplicação incompleta de padrões da LE/L2) e os interlinguais ou
interferências da L1. Como aponta ANDERSEN (1982, p. 86), dado que o atrito faz parte das
mudanças normais que se produzem na competência lingüística ao longo do tempo, a melhor
forma de estudá-lo, descrevê-lo e explicá-lo é dentro de um modelo teórico que inclua todos
os outros fenômenos de aquisição e uso lingüístico. Assim, a utilização das mencionadas
categorias está justificada e é pratica freqüente (por exemplo, KÖPKE, 1999). Na presente
análise, essa categorização é fundamental já que ela faz parte das perguntas de pesquisa, as
quais focalizam o papel da influência interlingüística e a importância dos desvios interlinguais
comparados com os intralinguais.
Porém, como aponta SELINKER (1972, p. 221), nem sempre é possível identificar
claramente a origem do erro; na realidade podem intervir vários fenômenos ao mesmo tempo.
119
Assim como no estudo de RASO (2003, p.1) sobre a erosão (atrito) da L1 de imigrantes Italianos
cultos no Brasil.
120
Foram utilizadas como modelo as classificações de KÖPKE (1999. p. 176) e RASO (2003, p. 6 et
seq.).
121
Assim como, por exemplo, em BROWN e FLORES (1998).
58
Além disso, existe diferença entre desvios ou erros mais ou menos sistemáticos e lapsos ou
enganos ocasionais que também sofrem os falantes nativos. No caso do discurso espontâneo,
como o das entrevistas do presente corpus, a análise dos desvios vem a ser particularmente
problemática. Um mesmo erro pode ser interpretado como interferência ou como fenômeno
intralingual. Como indica KÖPKE (1999, p. 308-310), dado que não se pede ao falante que
justifique a sua eleição, o motivo que o levou a produzir o desvio nos escapa. De fato, alguns
pesquisadores do atrito como SCHMID (2004, p. 244) consideram interferências todos os
desvios; mas outros como SILVA-CORVALÁN (1994, p. 131-132) estabelecem claras
diferenças entre causas internas e externas dos desvios, e favorecem em muitas ocasiões as
interpretações intralingüísticas. No mesmo sentido, KÖPKE (1999, p. 308) considera
interlinguais apenas aqueles desvios nos quais a influência é manifesta, como os decalques
léxicos.
No que diz respeito à classificação em níveis lingüísticos, às vezes é difícil estabelecer
limites precisos entre eles e não existe uniformidade de critérios entre os autores (no mesmo
sentido ver WEINREICH, 1968, p. 29). Segundo KÖPKE (1999, p. 136), os erros
relacionados com as preposições, numerosos tanto na sua pesquisa quanto nesta, podem ser de
natureza léxica ou sintática e, “com freqüência, é difícil decidir entre as duas”
122
. Todavia,
RASO (2003, p. 13-14) classifica as preposições dentro do nível morfosintático, linha que foi
adotada de modo geral nesta pesquisa. Por exemplo, em (VIII-388) viajar de coche [en coche]
(= de carro) se produz uma substituição de uma preposição (en) por outra (de) similar às que
ocorrem no léxico, com a diferença de que o significado das preposições é geralmente muito
amplo (KÖPKE, 1999, p. 312) (cf. seção 4.2.2.3.4); no entanto, esses desvios são
categorizados de forma habitual no nível morfossintático, e assim figuram neste trabalho. Já
no caso da omissão da preposição a no objeto direto pessoal (vide 4.2.2.4.7), isso supõe uma
mudança nas relações no eixo sintagmático (KÖPKE, 1999, p. 135) e conseqüentemente foi
classificado no nível sintático.
Em resumo, a distribuição dos traços por níveis que foi efetuada pode não ser acertada,
mas permitiu destacar e analisar as caraterísticas principais dos desvios observados.
As interferências, ou variantes de contato na terminologia usada por PY e GROSJEAN
(2002, p. 20-21), são comparadas com variantes padrão, estruturas cuja legitimidade é
122
“...souvent difficile de trancher entre les deux”.
59
reconhecida pelos dicionários e gramáticas coetâneos do espanhol
123
. Entre os dicionários, os
mais empregados foram o Diccionario de Uso del Español (2001), de MARÍA MOLINER
(MM), o Diccionario del Español Actual (1999), de SECO et al. (SE) e os dicionários on-line
da Real Academia Española, o Diccionario de la lengua española (RAE) e o Diccionario
panhispánico de dudas (DP). Entre as gramáticas, as mais utilizadas foram a de ALARCOS
(1999) e a de MONZÚ FREIRE (1994).
Para o português, os dicionários empregados foram o Dicionário Aurélio Eletrônico
Século XXI (AE) (1999) e o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua portuguesa (HO)
(2001), assim como as gramáticas de PERINI (2002), BECHARA (2001) e CUNHA (1981).
Contudo, algumas das formas contabilizadas como desvios não são na realidade
agramaticais; trata-se de erros de uso, já que supõem a utilização de formas pouco habituais.
De acordo com SILVA-CORVALÁN (1994, p. 4), essa maior freqüência de uso é um
exemplo de transferência indireta (indirect transfer). É isso que acontece no que foi designado
neste trabalho como “decalques de uso” (v. 4.2.2.2.3). Assim, as frases (36) (VII-342) los
tiempos mudaron ou (40) (III-260) restan cinco (hijos) não contêm nenhum desvio da norma,
mas do uso: os verbos mudaron e restan são infreqüentes nesses contextos e o mais provável
é que um falante espanhol não afetado pelo atrito, sem contato com a L2/português, tivesse
utilizado no lugar deles cambiaron e quedan, respectivamente.
Além do Corpus de Referencia del Español Actual (CREA), da Real Academia
Espanhola (vide seção 3.3), também foi utilizado o buscador Google como ferramenta para se
obter informação sobre freqüência de uso de palavras e expressões. Tomando como inspiração
o uso do buscador por parte de tradutores
124
para averiguar o termo mais usado num
determinado contexto, considerou-se que a palavra ou expressão que produzia mais resultados
é a mais freqüente. Obviamente, o método apresenta problemas de confiabilidade e validade,
mas pode ser visto como um indicador preliminar.
123
Não obstante, também foi utilizado como fator de comparação o conhecimento lingüístico dos juízes
independentes (dois lingüistas Espanhóis) que examinaram o corpus e as listas de erros destacadas pela autora,
além de avaliar a competência em L1 dos participantes (cf. seções 3.4 e 4.2.1).
124
Informação verbal do professor da UnB Mark D. Ridd.
60
4.2.2.1 Nível fonético
Embora não seja o foco desta pesquisa
125
, foram observados alguns indícios
interessantes de atrito na realização alofônica de certos fonemas. O aspecto mais notável é que
as três primeiras interferências que serão descritas a seguir são observadas cada uma delas em
um participante diferente.
O caso mais claro é a velarização do fonema /r/ no participante P8. O fonema /r/ em
espanhol é uma alveolar vibrante múltipla sonora
126
, que P8 realiza em várias ocasiões (VIII-
47, 160, 180)
127
, mas não de forma constante, como a velar vibrante sonora [R] do
português
128
. Por exemplo, em palavras como rosa, realmente, carretera, romper, arriba
129
,
etc.
O participante P3 numa intervenção (III-144) pronuncia a africada palatal surda [ ] do
espanhol como fricativa pós-alveolar surda, [ ]: ella me daba mucho chocolate . mucho leche
condensada . mucha muchas cosas (= ela me dava muito chocolate, muito leite condensado,
muita muitas coisas)
130
.
O terceiro caso é a realização alveolar, como o som [s] do português, do fonema
interdental fricativo surdo espanhol /θ/
131
. Assim em vez e mezcla (X-62, 96, 114), o
participante P10 realiza o fonema /θ/ como [s], no lugar de [θ] que é a realização mais comum
na Espanha, mas não geral. De fato, em parte da Andaluzia e na Catalunha, lugar de origem
do participante, a realização habitual corresponde a [s]. Conseqüentemente, neste caso não se
pode afirmar a existência de interferência do português.
Aparecem dois casos de conversão em hiato de um ditongo espanhol, seguindo o
modelo da palavra portuguesa correspondente; são eles os heterófonos: financie
132
,
pronunciado como em português, com o vogal i tônico, e não como em espanhol financie; e
hemorragia, pronunciado como em português, sendo em espanhol hemorragia.
125
Daí não ter sido realizada uma transcrição fonética das entrevistas.
126
Como em RÍOS MESTRE (1999, seção 6.1.2.9).
127
O número romano indica a entrevista e o número árabico a linha (do modo em que estão numeradas
na entrevista) em que aparece a formada citada.
128
Como em HORA (2000, p.28).
129
Utiliza-se o itálico para as palavras ou frases em espanhol das entrevistas.
130
Entre parênteses, com o sinal =, indica-se a tradução ao português.
131
Esse fenômeno é conhecido como seseo e supõe a perda de oposição entre o fonema /θ/,
correspondente às letras “c” e “z”, e o fonema /s/, em favor de um único fonema de articulação não interdental,
isto é /s/ (caza=casa). Está generalizado na América.
132
A letra em negrito indica a vogal tônica.
61
Por último, se detectam dois /e/ paragógicos acrescentados no fim de dois nomes
comerciais. Este fenômeno é comum no português do Brasil na pronúncia popular de
empréstimos terminados em consoantes e também em siglas e nomes estrangeiros
133
. Assim o
nome da operadora de televisão a cabo NET é pronunciado como Nete (X-253, V-332) e
CEUB, Centro de Ensino Unificado de Brasília, aparece como Ceube (IV-187).
4.2.2.2 Nível léxico
Como vimos na seção 2.5, de acordo com a literatura, o nível léxico é o primeiro
afetado pelo atrito. Os itens lexicais, de classe aberta, são mais facilmente transferíveis e
suscetíveis de sofrer atrito. A seguir, serão analisados os diferentes tipos de interferências
lexicais presentes no corpus.
4.2.2.2.1 Extensões ou decalques semânticos
espanhol e português são duas línguas muito próximas, especialmente no nível léxico,
onde segundo ULSH
134
, citado por ALMEIDA FILHO (1995, p. 15), 85% do vocabulário
português tem cognatos em espanhol. De acordo com SHARWOOD SMITH (1989, p. 193-5),
a similitude estrutural é um dos fatores que facilitam o atrito. Assim, dado o elevado número
de palavras homófonas, cognatos e falsos cognatos que existem em português e espanhol, se
produzem transferências de significado e uso. É o que SELIGER e VAGO (1991, p. 8)
denominam extensões semânticas e RASO (2003, p. 6) decalques semânticos. SILVA-
CORVALÁN (1994, p. 4) considera essas incorporações de significado um exemplo de
transferência direta, junto com as incorporações de formas, os denominados aqui decalques
léxicos. As maiores freqüências de uso de certas formas (decalques de uso) e a perda de
categorias, traços ou formas são para ela mostras de transferência indireta.
Aparecem, portanto, no corpus palavras da L1/espanhol às quais é adjudicado um
significado diferente ao se estabelecer uma correspondência com uma palavra idêntica ou
similar da L2/português. De modo geral, essas palavras idênticas ou muito similares
coincidem semanticamente em algumas das acepções, mas há outras não coincidentes; por
uma questão de economia
135
, as acepções não coincidentes são eliminadas da L1,
133
(HO) : “no port. moderno, acrescenta-se o /e/ paragógico a empréstimos terminados em consoantes
como fr. chic > port. chique; ing. club > port. clube”. Também em
<
http://www.paulohernandes.pro.br/vocesabia/001/vcsabia060.html> Acesso em: 21 oct. 2006.
134
ULSH, J.L. (ed.). From Spanish to Portuguese. Washington, D.C.: Foreign Service Institute, 1971.
135
Vide SELIGER (1989, p. 182-3) e seção 2.3.1.
62
acrescentam-se as acepções da L2 e as palavras se tornam equivalentes semanticamente,
prevalecendo os significados da L2. Nos seguintes casos podemos observar esse fenômeno:
(1)-(I-30) el programa que tú has firmado [has suscrito] (= o programa que você assinou)
136
.
Firmar e “assinar” compartem a acepção de (AE): “Pôr firma ou assinatura em”, mas não a de
“Tomar assinatura de publicação periódica, transmissão de televisão, série de espetáculos,
etc.”. Neste caso, o espanhol utiliza suscribir.
(2)-(I-226) y llevamos como tres años más sin vernos [pasamos] (= e levamos uns três anos
mais sem nos ver). O significado dos verbos quase idênticos “levar” e llevar é amplamente
coincidente, exceto quando se referem a tempo. Nesse caso o verbo espanhol indica que
alguém passou um determinado período de tempo numa mesma situação ou num mesmo
lugar: (MM): “Llevar: con un complemento de tiempo, haberlo pasado hasta el momento en
que se habla o de que se habla de la manera que se expresa o haciendo la cosa que se
expresa: ‘Lleva tres semanas sin venir por aquí. Llevo una semana en Madrid’ ”. Em
português aparece como sinônimo de “passar”: (AE) “Levar: passar, consumir, tomar (certo
período de tempo): Levou a tarde inteira a chorar”.
(3)-(I-237) le echaba montones de de de defecto(s) [le sacaba, ponía] (= colocava, botava um
monte de defeitos nele). É provável que se trate de uma tradução errada do verbo “botar”, o
qual ocasionalmente pode ser traduzido ao espanhol como echar, por exemplo na cotidiana
frase “botar no lixo”, que em espanhol pode ser echar a la basura.
(4)-(I-311,2) consigo exprimir mejor los sentimientos [expresar] (= consigo exprimir melhor
os sentimentos). Exprimir tem habitualmente o sentido de “espremer”; é certo que também
figura entre as suas acepções a de “exprimir, expressar”, mas é muito pouco freqüente
137
.
(5)-(II-30) yo era padre [sacerdote, cura] (= eu era padre). Em Español padre pode ser
utilizado como forma de tratamento que se dá aos eclesiásticos, sacerdotes e clérigos,
136
Nos exemplos, está em itálico a palavra ou frase do corpus em espanhol, precedida pelo número da
entrevista e o número da linha em que aparece; sublinhado, o desvio ou interferência; entre colchetes, a forma
em espanhol padrão; entre parênteses, precedido por =, a tradução ao português.
137
Apenas dois casos entre 70 no CREA; em SE esse uso é qualificado como “literario, raro”.
63
anteposto ao nome ou ao sobrenome, ou para se dirigir a eles: (MM) “El padre Antonio”.
Porém, não é como em português sinônimo de sacerdote; o seu significado usual é “pai”.
(6)-(II-92) los discursos que ellos tienen que hablar [pronunciar, decir] (= os discursos que
eles têm de dar).
(7)-(VIII-29) este señor además de hablarnos que... [decirnos que] (= este senhor além de nos
falar que...).
Nos exemplos 6 e 7 se observa um uso transitivo do verbo hablar em espanhol, que,
em geral, é intransitivo
138
. A origem é uma interferência do português brasileiro que emprega
“falar” como sinônimo de “dizer”; assim no HO: “transitivo direto e bitransitivo.
Regionalismo: Brasil. dizer, declarar. Ex.: ele (nos) falou que vinha”.
(8)-(III-129,130) yo tengo astillazo aquí de bomba . aquí en la espalda [una esquirla, un
fragmento] (= eu tenho estilhaço aqui de bomba, aqui nas costas). Esta palavra muito pouco
usual
139
foi incluída aqui porque de fato aparece em alguns dicionários como “Golpe que da
una astilla al desprenderse de la madera” (RAE) e “Chasquido que se produce al rajarse la
madera” (MM). Também produz 138 resultados em Google.es, mas se trata na maioria dos
casos do substantivo astilla (“estilha, farpa, lasca de madeira”) mais o sufixo –azo, que em
espanhol “significa golpe dado con la base derivativa” (RAE). Em todo caso, o participante a
utiliza com um sentido muito semelhante ao português “estilhaço”: (AE) “Fragmento de
qualquer objeto despedaçado e projetado com violência: estilhaço de granada; estilhaço de
pedra. 2. Pedaço, fragmento, lasca”.
(9)-(III-143,4,7) esta monja pues . me me cariñaba mucho [me mimaba, me consentía] (= esta
freira me acarinhava muito). A palavra cariñar, embora exista, é muito pouco empregada em
espanhol. Utiliza-se na região de Aragão para exprimir o pesar pela ausência de alguém que
nos é querido
140
. O mais provável é que se trate de uma interferência do verbo português
138
Exceto nos dois casos seguintes: (MM) “tr. Tratar un asunto entre dos o más personas: ‘Eso es para
hablarlo más despacio’. tr. Poder utilizar cierto idioma para expresarse:‘Habla [el] alemán. Puede hablar
latín’.
139
Não figura no Diccionario del Español Actual (1999) de SECO.
140
(MM) “Cariñar : (¿del lat. «carëre», carecer?; Ar.) intr. y prnl. Sentir añoranza una persona al
separarse de otras o de un sitio: ‘El niño se cariñaba en el colegio y tuvieron que ir a buscarle’.
64
“acarinhar”: (AE) “Tratar com carinho; amimar, mimar, acaridar: ‘Ao ver a filha, Dona Maria
do Carmo abraçou-se nela, a acarinhá-la, num choro convulsivo’”.
(10)-(IV-99) después desembarcamos en Santos (…) y bueno el salto . allá allí estaba mi
marido esperándome [llegada, bajada] (= depois desembarcamos em Santos (..) e bom aí
saltamos . lá ali estava meu marido me esperando). O verbo saltar, idêntico nas duas línguas,
comparte o significado básico de (AE) “dar salto(s)”, mas não a segunda acepção do
português: (AE)“Descer ou apear-se de um salto: ‘Saltei do trem’”. Em espanhol os verbos
habituais nesse sentido são ‘bajarse’ e ‘apearse’, não ‘saltar’.
(11)-(V-54, 94/2, 105, 155, 290) mi negocio [mi problema, historia, asunto] (= meu negócio).
(12)-(V-155) va a encontrar un
negocito pequeñito [va a encontrar una cosita pequeñita] (=
vai achar um negócio pequenininho).
As palavras negocio/negócio, idênticas formalmente, também compartem o mesmo
significado, mas no português oral é utilizada como elemento anafórico, de modo semelhante
a “coisa”/cosa (PERINI, 2002, p. 535). Este uso de negocio, que não há no espanhol,
determina que apareça substituindo diversas palavras, entre elas a própria cosa (12).
(13)-(V-120) el que
derrumbó Getúlio Vargas [derribó] (= o que derrubou G.V). Tanto em
espanhol como em português existe a mesma dupla de verbos derribar/derribar e
derrumbar/derrubar. As quatro formas verbais compartem o significado básico de “fazer
cair”, mas em espanhol quando se trata de um chefe de governo ou um regime político utiliza-
se derribar: (MM) “tr. Hacer caer al suelo una cosa que está en un lugar alto: ‘El caballo
derribó al jinete. Derribar una estatua’. Tirar. Particularmente, hacer caer a una persona de
un empleo, privanza o posición elevada”. Já em português tanto “derribar” (AE: “Obrigar a
exonerar-se; destituir; depor: derribar um chefe de governo”), como “derrubar” (AE: “Bras.
Gír. Agir deslealmente em prejuízo de; dar uma rasteira em: ‘Fez tudo para derrubar o amigo,
tomar-lhe a namorada’.”) seriam justos no contexto do exemplo.
65
(14)-(V-212) tiene hijos? —sí . tres (…) este es el más viejo [mayor] (= este é o mais velho).
Como explica o diccionario MM
141
, em espanhol tanto más viejo como mayor indicam de
mais idade, mas o primeiro é utilizado preferentemente para pessoas anciãs e mayor para
crianças. O português não tem essa restrição e utiliza “mais velho” para crianças. Google
mostra as diferentes freqüências: 72.100 páginas em espanhol de mi hijo mayor frente a seis
de mi hijo mas viejo; a situação se inverte em português: 29 para "meu filho maior" e 9.470
para "meu filho mais velho”.
(15)-(V-213) es formado en hotelería y turismo [licenciado] (= é formado em hotelaria e
turismo).
(16)-(V-222) se está *s(e) formando [licenciando] (= está se formando). O verbo “formar”
comparte em ambas as línguas os significado básicos de “dar forma, compor, educar”; mas o
português acrescenta uma acepção ausente em espanhol: (AE) “Adquirir a formatura
universitária”. É este significado (em espanhol expressado com licenciarse) que o participante
adiciona ao verbo formar, tornando-o equivalente ao homófono português.
(17)-(V-309) me están llenando [me están hartando, cansando] (= estão me enchendo). O
verbo espanhol llenar é habitualmente traduzido por “encher”, mas não neste caso. Aqui o
participante está traduzindo literalmente a gíria brasileira (AE) “encher o saco: Bras. Gír
Aborrecer-se, chatear-se; amolar-se”, que em espanhol poderia ser expressa de diferentes
formas, entre elas hartar ou cansar.
(18)-(V-368) mi oído no es afilado [fino, agudo] (= meu ouvido não é afiado). Os adjetivos
afilado e “afiado” compartem o significado básico (AE: “De gume muito cortante; aguçado:
faca afiada”), mas o espanhol não se aplica em geral aos sentidos, como acontece em
português (AE: “Fig. Apurado, aprimorado, aperfeiçoado, aguçado. 4.Fig. Perspicaz,
penetrante, agudo: olhar afiado”). Nesse contexto o espanhol utiliza os adjetivos fino (MM:
Aplicado a los sentidos, *agudo: ‘No tiene un olfato muy fino’.”) ou agudo (MM: “Aplicado
a personas y, correspondientemente, a sus sentidos”).
141
De más *edad; se emplea especialmente refiriéndose a niños: ‘Tu hijo es mayor que el mío’; y
menos refiriéndose a personas ancianas; se puede decir ‘mi abuela es mayor que mi abuelo’, pero es más
frecuente usar cualquier otra fórmula; como ‘tiene más años’ o ‘es más vieja’. ”
66
(19)-(V-371)-(X-219) quiero ir * pasear (a España) [ir de viaje, de excursión] (= quero ir
passear). O verbo espanhol pasear, habitualmente, aparece em combinação com expressões
como por este parque, a caballo por el campo, por la calle, por centros comerciales, a
cualquier hora, al perro
142
, mas não com nomes de países, como acontece em português
(assim em Google Brasil, por exemplo, “ir passear na Áustria”, “na França” ou “na
Alemanha”). Pasear em espanhol é algo que se faz perto do lugar de residência. Para
“passeios” mais longe utiliza-se normalmente ir de viaje ou de excursión.
(20)-(VII-136) yo había aumentado la metraje [los metros, las medidas, la medición] (= eu
tinha aumentado a metragem). A palavra espanhola metraje, que além do mais é masculina,
tem como sentido único o de comprimento de um filme, uma das acepções da portuguesa
“metragem”; esta inclui também o sentido de (AE) “Medição em metros. Número de metros”.
Assim, o substantivo espanhol é usado com o sentido do português, isto é, passa a coincidir
semanticamente com a palavra portuguesa.
(21)-(VII-190, 311, 317, 319)- ligué pa(ra) San Pablo [llamé a] (= liguei para São Paulo). O
verbo ligar comparte em ambas as línguas o significado básico de (AE): “Apertar, prender,
atar com laço ou ligadura; fazer nó ou laço em; prender, fixar”; mas em espanhol não está
presente a acepção utilizada pelo participante (AE): “Bras. Comunicar-se, ou tentar
comunicar-se, por telefone; telefonar”. Em espanhol esse sentido se expressa com llamar (por
teléfono).
(22)-(VIII-41) dos duplas [parejas] (= duas duplas). Em espanhol existe duplo como
substantivo ou adjetivo do mesmo significado de “duplo” em português (HO: “que ou o que
contém duas vezes a mesma quantidade”). Já o substantivo feminino “dupla” pode ser
traduzido ao espanhol como par, quando se trata de dois objetos ou entidades, ou como pareja
quando se refere a pessoas ou animais.
(23)-(X-132) me dio la loca [me dio la locura] (= me deu a louca). Como se pode observar
existe uma locução quase idêntica de forma e significado em ambas as línguas, mas no
142
Exemplos do corpus CREA e de Google España.
67
espanhol loca é adjetivo e, portanto, usa-se o substantivo locura. No exemplo, ele é
substituído pelo adjetivo a exemplo do português.
(24)-(VIII-220) el farol del fin del mundo [el faro] (= o farol do fim do mundo). A palavra
espanhola farol tem o significado básico de “lanterna”; é faro que traduz o português “farol”.
(25)-(VIII-227) hace divisa con Chile [hace frontera con] (= faz divisa, fronteira com o
Chile). A palavra “divisa”, idêntica em ambas as línguas, coincide semanticamente exceto na
acepção que utiliza o participante (HO: “demarcação, fronteira; limite”). Nesse sentido, o
espanhol utiliza o substantivo frontera.
(26)-(VIII-379)-(X-24) aquí era su
escritorio [despacho, oficina] (= aqui era o seu escritório).
O substantivo escritorio em espanhol tem o valor básico de “escrivaninha”, embora
atualmente também seja utilizado na área da informática
143
. Para indicar o (AE) “lugar onde
se faz o expediente relativo a qualquer administração, obra, etc., se tratam negócios, se
recebem clientes, etc.”, o espanhol conta com duas palavras: despacho e oficina.
(27)-(X-30, 87) me pegaron [me cogieron, tomaron] (= me pegaram).
(28)-(X-87) pues ya pego y me voy [pues ya cojo y me voy] (= aí eu já pego e vou). Nos dois
exemplos anteriores usa-se no lugar de coger, o verbo pegar, cujo homônimo português é a
tradução mais freqüente do espanhol coger. Porém, pegar em espanhol significa basicamente
“colar, aderir”, apenas uma das acepções do verbo “pegar” em português. No segundo caso,
X-87, o verbo pegar substitui coger numa construção coloquial na qual o significado deste
último é (RAE) “Tomar. Resolverse o determinarse a efectuar una acción. Cogió y se fue
144
.
A ação que se resolve realizar é a indicada pelo segundo verbo, neste caso me voy (= vou
embora).
(29)-(X-141, 153) colé la postal [pegué] (= colei o cartão). Comparando este exemplo com os
dois anteriores, observa-se que o verbo espanhol pegar sofreu um deslocamento semântico na
143
(SE): “Pantalla en que aparecen los iconos de los distintos elementos de trabajo de un ordenador”.
144
Definição de MM: “(pop.) intr. Seguido de «y» y un verbo, *realizar la acción expresada por éste:
‘Se cansó de esperar y cogió y se fue a América’.. Para uma análise mais detalhada dessa construção ver
COSERIU, Eugenio. Tomo y me voy. Estudios de Lingüística Románica. Madrid: Gredos. 1977.
68
direção do seu homônimo português: ele deveria ser utilizado no presente exemplo, mas é
substituído por colar por interferência do português. Colar em espanhol significa basicamente
“coar, filtrar” e coloquialmente é usado na forma pronominal para errar e desrespeitar direitos
de precedência, furar uma fila, por exemplo.
(30)-(X-30) me pegaron
145
un trecho [me cogieron, tomaron un trozo] (= me pegaram um
trecho). O participante está se referindo a uma gravação em vídeo para a TV, mas o
substantivo espanhol trecho é usado principalmente para indicar uma parte de um caminho ou
longitude que se percorre. Ele não inclui entre as suas acepções a de (AE): “Excerto de uma
obra literária ou musical; fragmento, extrato. Parte de um todo”. Para esse sentido o espanhol
usa trozo, pedazo, fragmento.
(31)-(X-109) un monte de sangre *misturada [un montón de sangre mezclada] (= um monte
de sangue misturado). A palabra “monte” coincide em ambas as línguas no significado básico
de (AE): “Elevação notável de terreno acima do solo que a cerca; serra”, mas para a segunda
acepção em português (AE: “Qualquer amontoado de coisas em forma de monte”), o espanhol
utiliza a palavra montón.
4.2.2.2.2 Aglutinação semântica
Nos exemplos seguintes observa-se o que PRESTON
146
, citado por SHARWOOD
SMITH (1989, p. 191), denomina collapse: a L1/espanhol possui duas palavras para expressar
conceitos que em L2/português são expressos por uma forma só. Como conseqüência da
influência da L2, os dois termos da L1 se aglutinam, perdendo as diferenças
147
, a exemplo da
forma única da L2. O termo da L1 mais semelhante ao único termo da L2 é o que predomina.
Deste modo, se produz uma verdadeira redução de vocabulário.
(32)-(V-302) fue un una
exploración [explotación] (= foi uma exploração). O espanhol possui
duas palavras para traduzir os significados do português “exploração”: exploración, que
145
Ver nos exemplos 27 e 28 a análise da utilização não padrão do verbo pegar.
146
PRESTON, D. How to lose a language. Interlanguage Studies Bulletin, 6, 2, 1982, p. 64-87.
147
PAVLENKO (2002, p. 51) descreve um processo similar no contato L1/russo L2/inglês: “the
speakers appear to have collapsed the distinctions between two Russian translation equivalents of an English
word”.
69
corresponde às duas primeiras acepções no AE (“1.Ato ou efeito de explorar: exploração de
uma região. 2. Pesquisa, sondagem”) e explotación, para as duas segundas (AE “3.
Desenvolvimento de uma indústria, de um negócio, com fins especulativos: A exploração da
fábrica toma-lhe o tempo. 4. Ato ou efeito de explorar (5 a 7): Este preço é uma exploração”).
(33)-(VII-208) la creación de puercos [cría, explotación de puercos] (= criação de porcos).
Em espanhol existem dois verbos para expressar o significado do português “criar”: crear e
criar. O primeiro coincide com as seguintes acepções de “criar”: (HO) “conceber, tirar
aparentemente do nada, dar existência a, (...) inventar”; o segundo com: (HO) “alimentar ao
seio; amamentar, (...) sustentar, (...) manter procriação de (animais)”. Creación é o
substantivo correspondente a crear e, portanto, não adequado no contexto de exemplo. Na
linha 221 da mesma entrevista o participante emprega criación, palavra não existente em
espanhol, formada a partir da portuguesa “criação”.
(34)-(VII-288) moral de la historia [moraleja, conclusión] (= moral da história). De novo
aqui as duas palavras Espanholas moral e moraleja se aglutinam na única forma em
português, “moral”. A primeira, moral, corresponde às seguintes acepções de “moral” em
português: (HO) “estado de espírito (...) conjunto de valores como a honestidade, a bondade, a
virtude etc., considerados universalmente como norteadores das relações sociais e da conduta
dos homens”; a segunda, moraleja, com: (HO) “Moral da história: Conclusão ou lição moral
inerente a um fato narrado. [Us., às vezes, ironicamente.]”. O participante utiliza a primeira
palavra moral, idêntica à única forma portuguesa, numa colocação análoga à do dicionário
(HO: “moral da história”).
(35)-(X-134,7)
cartones de Navidad [tarjetas (postales)] (= cartões de Natal). Neste caso
também o espanhol conta com duas palavras, cartón (HO: “papel encorpado, obtido por
colagem e prensagem de várias folhas, ou utilizando a polpa na fabricação à máquina”) e
tarjeta (HO: “pedaço pequeno e retangular dessa espécie de papel, us. para diversas
finalidades”; também cartão de crédito), para expressar o conteúdo básico do português
“cartão”.
70
4.2.2.2.3 Decalques de uso
Com a expressão decalque de uso se faz referência a casos de redução da sinonímia,
nos quais se observa uma utilização preferencial da forma usada em L2, mesmo sendo esta a
menos freqüente em L1.
(36)-(VII-342) los tiempos mudaron [cambiaron] (= os tempos mudaram).
(37)-(VIII-289) muda el color [cambia] (= muda a cor).
(38)–(X-221) la cosa ya muda [cambia] (= a coisa já muda). Em espanhol, os verbos mudar e
cambiar são sinônimos em determinados contextos
148
, mas mudar é pouco freqüente; de fato,
o CREA oral recolhe apenas um caso de mudar por 367 de cambiar. Em português, a situação
se inverte e, além de não serem esses verbos sinônimos, o mais freqüente em Google Brasil é
“mudar” (12.500.000 páginas em português sobre “mudar”; 186.000 páginas sobre
“cambiar”).
(39)-(X-109) sangre misturada [sangre mezclada] (= sangue misturado). Misturar, variante
ortográfica de mixturar e sinônimo de mezclar, é uma forma muito pouco usada, tal como
mostra o RAE: “tr. p. us. Mezclar”. No corpus CREA oral aparecem 13 casos de mezclar,
mas nenhum de misturar. Como acontecia no exemplo anterior, em português o par
“misturar/mesclar” não guarda uma relação de sinonímia, sendo “misturar” a forma que
produz mais resultados em Google Brasil, 579.000 por 122.000 de “mesclar”.
(40)-(III-260)
restan cinco (hijos) [quedan cinco] (= restam cinco (filhos)). O verbo espanhol
restar na sua acepção de “ficar de sobra, sobrar, subsistir, faltar”
149
, é mais formal e menos
usado do que quedar. Assim, no corpus CREA oral aparecem 9 casos de restan, frente a 329
de quedan. A preferência por restar seria, portanto, resultado da influência do português.
(41)-(VII-129) estrada [camino, carretera] (= estrada). Tanto em MM como em SE, estrada
aparece como palavra inusual.
148
(MM): “intr. y, no frec., prnl. Ponerse una cosa distinta de como era o estaba, en el aspecto que se
expresa: ‘He mudado de gustos. Su pelo ha mudado de color, pero él no ha mudado de carácter’. Cambiar,
variar”.
149
(MM): “Haber todavía algo de cierta cosa: ‘Nos restan todavía algunas esperanzas’. Quedar”.
71
(42)-(VII-207, 208, 222/2
150
) puercos [cerdos] (= porcos). A palavra puerco existe em
espanhol como adjetivo e substantivo com o mesmo sentido do português, mas na Espanha é
muito mais utilizado cerdo. Assim o prova o CREA, que registra apenas 92 casos para puerco
e 1525 para cerdo
151
.
(43)-(V-163) hay que providenciar una barrena [preparar, agenciarse, buscar, coger] (= tem
que providenciar uma broca). (VII-198) puede providenciar mandar a otro [buscarse a otro]
(= pode providenciar mandar um outro). O verbo espanhol providenciar, embora tenha um
significado muito semelhante ao do português, é pouco usado (assim em MM) e de caráter
literário (SE). No corpus CREA não aparece nenhum caso. Nos exemplos mencionados o
nível de língua é coloquial e, portanto, providenciar não é o verbo adequado. Em português,
pelo contrário, é um verbo muito produtivo. Essa situação se reflete no Google:
“providenciar” produz 16.000 páginas em espanhol, frente a 1.500.000 em português.
(44)-(VII-111, 115, 202) una gleba de tierras [una finca, propiedad, unas tierras] (= uma
gleba (de terras)). O substantivo gleba em espanhol, apesar de ter o sentido de “terreno para
cultura” (AE, MM) como em português, é utilizado principalmente no campo da história
associado ao regime feudal, em expressões como siervos de la gleba; assim no corpus CREA.
Ao contrário, em português é mais utilizado com o sentido de “terreno próprio para cultura”,
como reflete a pesquisa em Google Brasil (349.000 resultados, muitos referidos a
parcelamentos e desenvolvimentos rurais).
(45)-(VII-152, 194)- él vino para conferir [comparar, comprobar, ver si estaba bien, cotejar]
(= ele veio para conferir). O verbo “conferir” formalmente idêntico em ambas as línguas,
também coincide semanticamente, mas a acepção mais usada em português (AE: “Ver se está
certo; comparar, confrontar, verificar”) é inusual em espanhol (MM: “cotejar”)
152
. Trata-se,
150
/2 depois do número da linha indica que a palavra aparece duas vezes.
151
Uma freqüência semelhante mostra Google.es: 77.400 resultados para puerco frente a 1.220.000 para
cerdo.
152
As acepções mais comuns em espanhol são (MM):Dar a alguien cierta cosa como un honor, un
empleo o ciertas atribuciones: ‘Le confirieron la más alta distinción’. (form.) Comunicar una cosa a otra o a
una persona, a las que se incorpora, una cualidad no física que las mejora o ennoblece. Ambas também
existem em português: (AE) “Dar; outorgar: ‘Conferiu um título honorífico ao general vitorioso’. 6. Dar;
imprimir: ‘Conferiu à exposição um tom solene’.”
72
portanto de um caso de preferência da forma menos usada em L1 por ser a mais freqüente em
L2.
(46)-(V-175) todo era pago [pagado] (= tudo era pago). Tanto em espanhol como em
português o verbo “pagar”, formalmente idêntico em ambas as línguas, possui dois
particípios: um regular “pagado” e outro irregular “pago”. Todavia, as preferências de uso são
opostas; segundo HO: “o part. pagado, pelo menos no Brasil, vem caindo em desuso,
superado por pago: ser pago, tinha pago”; no caso do espanhol o preferido é pagado
153
.
4.2.2.2.4 Decalques léxicos
Dada a proximidade de português e espanhol, os casos de “criação” de palavras não
são muito numerosos, já que essa afinidade de origem facilita as transferências semânticas
entre palavras semelhantes formalmente. Essas palavras “criadas” ou decalques léxicos
consistem em lexemas portugueses adaptados fonética e morfologicamente ao espanhol.
(47)-(IV-24) chillante [chillona] (= gritante). A palavra chillante segundo o RAE é utilizada
em Nicarágua para se fazer referência a uma cor muito viva. No exemplo do corpus, sendo
que se trata de uma variedade diferente, o espanhol peninsular, considera-se que a palavra foi
“criada” a partir de uma raiz espanhola (a do verbo chillar = gritar), com o mesmo sufixo
utilizado pela palavra portuguesa (-ante, como em “gritante”, no lugar do usado em espanhol,
-ona, chillona).
(48)-(V-134) soy *diseñista
154
[diseñador] (= desenhista).
(49)-(V-191) había *morido [muerto] (= tinha morrido).
(50)-(V-209) *noviado [noviazgo] (= noivado).
(51)-(V-38) *bobage [tontería] (= bobagem).
153
Assim como no RAE:pago: part. irreg. coloq. p. us. de pagar”.
154
O asterisco indica que se trata de formas não existentes em espanhol.
73
(52)-(VII-112) treinta mil *alqueres [4,84 hectáreas] (= trinta mil alqueires).
(53)-(VII-221) *criación [cría, vide 4.2.2.2, l. 208] (= criação).
(54)-(VII-235) *engarrafación [embotellado] (= engarrafagem, engarrafamento).
(55)-(VII-322) están *sorpresos [sorprendidos] (= surpresos).
(56)-(VIII-146) una *fera [feria] (= feira).
(57)-(VIII-159) el *vulcán [el volcán] (= vulcão). Este exemplo poderia ser considerado um
caso de alternância de código, mas a pronúncia sem nasalização de um falante com pleno
domínio do português
155
, parece indicar que a intenção era usar uma palavra espanhola.
(58)-(VIII-366) *piñeros [pinos] (= pinheiros).
(59)-(VIII-302) se *grieta [agrieta] (= greta-se).
(60)-(X-156) *bananera [plátano] (= bananeira). Como lembra MM a palavra banano é
“poco frec. en España”; usa-se em seu lugar plátano”.
4.2.2.3 Nível morfossintático
Segundo as pesquisas, o nível morfossintático é afetado pelo atrito após o léxico, que
seria o primeiro e mais atingido (TSIMPLI et al., 2002?, p. 2; SCHMID e DE BOT, 2004, p.
215-7; SCHMITT, 2004, p. 299), (vide seção 2.5).
4.2.2.3.1 O gênero
No corpus aparecem poucos casos de mudança de gênero na L1 por interferências da
L2. Talvez a explicação seja a grande coincidência existente entre espanhol e português. O
mais significativo é que em todas as ocasiões exceto duas (V-141: la [el] puente; VII-136: la
155
A afirmação está baseada não só na auto-avaliação do participante, que considera a sua competência
em L2 igual a da L1 (cf. tab. 5), mas também no fato de P8 ter chegado ao Brasil com 11 anos de idade (cf. tab.
3).
74
[el] metraje), os participantes corrigem-se ou utilizam a palavra com os dois gêneros. Assim,
em um caso o substantivo feminino leche (= leite) aparece acompanhado de dois adjetivos um
masculino, como em português, e outro feminino, como em espanhol: (III-145) mucho
[mucha] leche condensada (= muito leite condensado). O substantivo árbol, masculino, (=
árvore, feminino) aparece em cinco ocasiões corretamente como masculino, mas na frase
seguinte adjetivos e pronomes a ele referidos são femininos: (VIII-236,7) es un tipo de árbol
más blanducha [blanducho] que el viento las [los] dobla y están to(d)as dobladas . to(d)as
dobladas [todos doblados] (= é um tipo de árvore mais molenga que o vento dobra e estão
todas dobradas).
Com a palavra puente, masculina em espanhol
156
, acontece algo semelhante: em nove
ocasiões é utilizada corretamente como masculina, mas em dez outras figura como feminina;
por exemplo: (VII-134,5) las mediciones de unas [unos] puentes . de unos puentes (= as
medições de umas pontes).
Por último, em VII-345 o participante parece escolher primeiro o artigo feminino
correto em espanhol (la), mas finalmente utiliza o masculino, como em português: la libertad
de la . de los [las] costumbres (= a liberdade dos costumes)
157
.
4.2.2.3.2 O artigo
Esta primeira análise do corpus revelou apenas quatro casos de uso incorreto ou pouco
habitual do artigo por influência do português.
No primeiro caso, foi acrescentado incorretamente um artigo determinado na
expressão (III-125) nos dio *el tiempo que MM recolhe como dar tiempo. Em português a
construção aparece tanto com quanto sem artigo: “nos deu o tempo” ou “nos deu tempo”.
Em espanhol não se utiliza geralmente o artigo el diante da expressão dos anos
completa, com quatro dígitos (por exemplo, en mil novecientos noventa y dos)
158
; mas quando
156
Embora já tenha sido usada como feminina, assim em MM e RAE. Em “El Quijote”, por exemplo,
aparece como feminina.
157
Como aponta RASO (2003, p.9) a autocorreção da forma correta na L1 pela forma da L2 é um sinal
evidente de atrito.
158
Assim o explica o DP: “4. En relación con el uso del artículo el (y, en consecuencia, de la
contracción del) delante de la expresión de los años, hay que tener en cuenta lo siguiente: a) Del año 1 al 1100
es más frecuente el empleo del artículo, al menos en la lengua hablada: Los árabes invadieron la Península en
el 711. Pero no faltan abundantes testimonios sin artículo en la lengua escrita: «Ya en 206 a. de J. C. tiene
lugar la fundación de Itálica» (Lapesa Lengua [Esp. 1942]).b) Del año 1101 a 1999 es claramente mayoritario
el uso sin artículo: Los Reyes Católicos conquistaron Granada en 1492, si bien no dejan de encontrarse
ejemplos con artículo: «Nací en el 1964» (RdgzJuliá Cruce [P. Rico 1989]). Si se menciona abreviadamente el
año, suprimiendo los dos primeros dígitos, es obligatorio el empleo del artículo: En el 92 se celebraron las
75
estes são expressos em dezenas é habitual, ao contrário do que sucede em português, o uso do
artigo. Assim em (VII-309) en noventa y dos [en el noventa y dos] (= em noventa e dois).
O espanhol conta com um artigo neutro lo inexistente em português. No seguinte caso,
esse artigo neutro está omitido a exemplo do português: (V-60,1) (L2)tudo * que [todo lo que]
(= tudo que).
Por último, (IV-396) veo televisión [veo la televisión] (= vejo televisão), construção
que, no espanhol peninsular, é mais freqüente com o artigo la: veo la televisión. Assim, no
CREA aparecem dez casos de ver la televisión por dois para ver televisión. Google em
português apresenta freqüências contrarias: 53.100 páginas para "ver televisão" e apenas
1.970 para "ver a televisão".
4.2.2.3.3 A regência verbal
Dentro do nível morfossintático, as mudanças de regência preposicional do verbo
159
conformam o grupo mais numeroso de interferências.
O caso mais repetido é a utilização da preposição en no lugar de a com verbos de
movimento. No português coloquial é freqüente esse emprego, embora não seja aceito pela
língua padrão (BECHARA, 1975, p. 292). Assim: (III- 195) llegué en Buenos Aires [a Buenos
Aires] (= cheguei em Buenos Aires); (IV-153) venía en casa [a casa] (= vinha em casa); (V-
355) en Rotterdam ya fui [a Rotterdam ya fui] (= em Rotterdam já fui); (VII-94) (venir) en el
Brasil [a/al Brasil] (= vir ao Brasil); (VII-211, 212, 256, 260, 261) vaya de noche en casa (...)
fue en la casa [a casa, a la casa] (= vá à noite em casa (...) foi na casa).
Outros exemplos de verbos que trocam a sua regência preposicional pela do português
são: (I-129) parecido con quién [parecido a quién] (= parecido com quem); (V-353) es
parecido con . con . con la capital [es parecido a la capital] (= é parecido com a capital); (V-
83) acostumbrarse con ellos [acostumbrarse a ellos] (= se acostumar com eles).
Em várias ocasiões, a influência do português não supõe uma troca de preposições,
mas o acréscimo de uma onde não havia nenhuma. Assim, se acrescenta a preposição de
Olimpiadas de Barcelona. c) A partir del año 2000, la novedad que supuso el cambio de millar explica la
tendencia mayoritaria inicial al uso del artículo: Fui al Caribe en el verano del 2000 o La autovía estará
terminada en el 2010”.
159
No caso do português ver LUFT (2003); para o espanhol foram utilizados os dicionários MM, RAE e
SE.
76
quando em espanhol a construção é direta, sem preposição: (I-262) necesitar
160
del portugués
[necesitar el portugués] (= necessitar do português); (IV-175) necesitaba de una profesora
[necesitaba una profesora] (= necessitava de uma professora); (III-81) nos prohibieron de
ha(blar) [nos prohibieron hablar] (= nos proibiram de falar); (VII-118) precisaban (…) de un
español [precisaban un español] (= precisavam de um espanhol); (VIII-93, 98, 100, 101, 104,
106, 107, 108, 111/2) le llama de D [le llama D] (= chama ele de D).
Por último, um exemplo contrário aos anteriores, no qual se perde uma preposição em
espanhol por influência do português: (VII-135) desconfió que [desconfió de que] (=
desconfiou que). Segundo HO, “depois de desconfiar, a prep. de é freq. omitida antes de
complemento oracional (p.ex., desconfio (de) que ele esteja precisando de ajuda), o que faz
com que alguns autores considerem este verbo tb. transitivo direto”.
4.2.2.3.4 As preposições
O caso mais reiterado é a utilização da preposição de no lugar de en para introduzir o
meio de transporte com verbos de movimento. Assim (VII-124,132,133,149) (ir, venir, llegar,
aparecer) de avión [en avión] (= (ir, vir, chegar, aparecer) de avião); (VIII-216) paseo de
barco [en barco] (= de barco); (VIII-388) viajar de coche [en coche] (= de carro).
Em três ocasiões, é utilizada uma preposição desnecessária em espanhol, mas possível
no português coloquial: (VIII-39, 41) íbamos en tres [íbamos tres] (= íamos em três); (VIII-
41) íbamos de dos duplas [íbamos dos parejas] (= íamos de duas duplas).
Aparecem também duas preposições associadas à palavra teléfono infreqüentes em
espanhol: (III-364) me llamó al teléfono [por teléfono] (= me ligou); (VII-349) me decía
también
en el teléfono [por teléfono] (= me dizia também no telefone). Ambas parecem provir
do português
161
“falar/dizer ao/no telefone”.
Em geral, a palavra espanhola hasta, coincide com “até” nos seus valores
preposicionais e adverbiais, exceto quando se combina com “que”. Nesse caso, a forma
espanhola hasta que tem o mesmo valor da preposição (MM: “momento, lugar, etc., en que se
interrumpe o queda realizada una acción (...) ‘No pararé hasta que lo consiga’.”), mas não
no valor adverbial de incluso; isso a diferencia do português “até que”, o qual possui o sentido
160
O verbo necesitar pode ser construído com de também em espanhol (ver RAE e MM), mas é muito
mais freqüente como transitivo direto. No CREA, necesitar aparece 483 vezes, delas apenas em 25 ocasiões
seguido por de.
161
Poderiam tratar-se de desvios não devidos à interferência, mas a problemas para recuperar da
memória a preposição adequada em espanhol.
77
adverbial de “inclusive, mesmo, ainda” (HO). Em dois exemplos hasta que é empregado com
o valor do “até que” português: (X-336) a mí hasta que me gusta [a mí incluso me gusta] (=
eu até que gosto); (V-234) por mí hasta que no había problema [por no había problema]
(= por mim até que não tinha problema). Neste último caso, em espanhol padrão não seria
usado hasta que. O mais provável é que não houvesse nada no lugar de hasta que (por no
había problema), ou, talvez, aparecesse uma outra forma como incluso, la verdad es que ou
en realidad (por mí la verdad es que no había problema).
4.2.2.3.5 Advérbios e conjunções
Aparecem no corpus advérbios e conjunções formalmente semelhantes, homófonos ou
idênticos em ambas as línguas, cujo uso na L1 supõe um decalque do uso na L2.
O caso mais generalizado (em cinco das oito entrevistas) é o advérbio ahí, com
diferente grafia em português, “aí”, mas de idêntica pronúncia. Trata-se de um conectivo
textual típico do português brasileiro com uma função claramente pragmática (PERINI, 2002,
p. 546; RASO, 2003, p. 14). Dado que se trata de palavras homófonas, é impossível
discriminar se o falante utiliza a forma espanhola ou a portuguesa; conseqüentemente, neste
caso a diferenciação entre interferência da L2 ou alternância de código é inexeqüível.
De forma resumida, o advérbio ahí / aí comparte em espanhol e português o valor
referido a lugar (HO: “em posição próxima da pessoa a quem se fala”; MM: “Designa un
lugar próximo a la vez a quien habla y a la persona a quien se habla”), mas não o temporal,
presente apenas em português (HO: “nesse ou naquele tempo, nessa ou naquela época; então;
nesse momento, nessa ocasião”). Com este sentido, o espanhol utiliza geralmente entonces
(=então) ou locuções como en eso, en tal caso, siendo así. A seguir alguns exemplos
presentes no corpus:
(61)-(I-234, etc.)
162
y ahí empezamos [y entonces empezamos] (= e aí começamos).
(62)-(III-123, etc.)
ahí fuimos saliendo [entonces fuimos saliendo] (= aí fomos saindo).
162
Devido ao grande número de exemplos coletados nas entrevistas (superior a 10, exceto no caso de II,
IV e VIII, nas quais não aparecem casos de utilização inadequada de ahí), será mostrado apenas um exemplo de
cada participante.
78
(63)-(V-167, etc.) podía trabajar en eso ahí [podía trabajar en eso] (= podia trabalhar nisso
aí). Neste caso, ahí é um elemento desnecessário em espanhol.
(64)-(VII-133, etc.) bueno ahí .. después de unos seis años [bueno entonces ..] (= bom aí ..
depois de uns seis anos).
(65)-(X-187) ahí lo puse colga(d)o en el cuarto [entonces lo puse colgado en el cuarto] (= aí
o coloquei pendurado no quarto).
E como acontece com freqüência nessa relação de ida e volta entre português e
espanhol, ahí ocupa o lugar de entonces e este é utilizado como interjeição à maneira do
português. Assim no exemplo: (X-63) uy . el chico
entonces es fanático [uy . el chico no veas,
sobre todo es fanático] (= ui, o garoto então é fanático).
Outros advérbios são “criados” tomando como modelo formas portuguesas. Por
exemplo, (VII-50, 273, 274)
también no [tampoco] (= também não); (VII-138) no salió
también [no salió tampoco] (= não saiu também). Em espanhol o uso de tampoco em frases
negativas é obrigatório. Em português, embora exista a forma negativa “tampouco”, é mais
freqüente “também não”
163
.
Em duas ocasiões são reproduzidas locuções adverbiais do português com a palavra
“frente”, que em espanhol se constroem com delante (=diante) ou adelante. Assim: (VII-282)
en la frente [enfrente, delante], formado provavelmente a partir de “na frente”, e (VII-278) de
ahí pa(ra) frente [de ahí en adelante, ou uma versão muito mais popular de ahí ‘palante’] (=
daí pra frente).
Em (III-60) abajo de [debajo de] (= embaixo de), observa-se um desaparecimento de
restrições da L1 a exemplo da L2. Na variedade da Espanha, do par de advérbios com o
mesmo significado abajo / debajo, apenas este último aceita geralmente
164
a construção com
de (MM). Em português, pelo contrário, tanto “embaixo” como “debaixo” admitem “de”
(AE). Todavia, na Hispanoamérica, abajo de é mais freqüente (MM). Dado que o participante
mora no Brasil e seu espanhol está em contato intenso com o português, o mais razoável é
pensar que se trata de uma interferência da L2, não de outra variedade de espanhol.
163
De fato, nos dicionarios HO e AE a forma “também não” aparece nos exemplos da entrada; assim
HO: “não foste ao casamento dela e ela t. não irá ao teu” e AE: “Se águia não é, também não é graúna”.
164
No CREA, de 5981 ocorrências de abajo, apenas em 188 ocasiões aparece seguido por de.
79
Algo similar acontece com os advérbios acá e allá, muito empregados na América,
mas muito menos freqüentes na Espanha do que aqui e allí
165
, advérbios com o mesmo
significado. Na entrevista II-22, 23 a freqüência de uso de acá não é habitual: “acá . esto . yo
vine acá hace hace seis años . yo vine acá para trabajar . y siempre en la educación porque
yo en España estuve trabajando en la educación y vine acá pa(ra) trabajar”. Talvez poderia
tratar-se de uma interferência das formas Portuguesas “cá”e “lá”; porém segundo HO “há
diferença sensível na preferência do emprego dos adv. cá e aqui entre os utentes do Brasil, de
um lado, e os de Portugal e África, de outro, mas ainda não houve mensuração do fenômeno
no estudo da língua”.
O exemplo (V-25) luego (de) la guerra [después de la guerra] (= logo após a guerra),
mostra um uso de luego inabitual no espanhol (exceto em Argentina e México, RAE). Mesmo
sendo possível a influência de uma dessas variedades, o mais provável é que se trate de uma
interferência do português “logo após”.
A respeito das conjunções, em primeiro lugar, observa-se um uso incorreto da
adversativa pero: (I-38) la lengua no pero el idioma [la lengua no sino el idioma] (= a lengua
não, mas o idioma). As conjunções adversativas “mas” e pero coincidem no seu uso, com
exceção da restrição da conjunção espanhola pero que é substituída por sino
166
quando está
precedida por uma negação como no exemplo presente.
Existem três outros exemplos relacionados com pero: (VII-176) mas tú no vas e (VII-
232) pocos mas bueno, e (X-28) mas no sé quién son. Nos três casos a conjunção usada, mas,
é sinônimo de pero, mas de uso literário (assim em SE) e, portanto, inabitual no discurso oral.
Dado que é idêntica a conjunção portuguesa, seu uso supõe uma interferência da L2.
Nos dois últimos exemplos, a conjunção concessiva espanhola aunque é substituída
por uma tradução literal de locuções Portuguesas equivalentes em significado. Assim (III-
399)
ni que
167
fuese para verla [aunque (sólo) fuese para verla] (= nem que fosse para vê-la);
e (VII-223) mismo que son (L2) vacinados [aunque son vacunados] (= mesmo que sejam
vacinados). Observa-se neste último exemplo que é conservado o indicativo, correto em
espanhol, mas incorreto em português.
165
No CREA oral aparecem 146 casos de acá por 6504 de aqui, e 545 de allá por 2450 de allí.
166
Assim é definida sino no dicionário MM: “conjunción adversativa con la que se contrapone a una
cosa que se niega la que se afirma en vez de ella: ‘No vino él sino su hermano’.”
167
MM: “¡Ni que...! Expresa que cierta cosa consabida tendría explicación sólo si ocurriese lo que se
dice a continuación, lo cual está muy lejos de ocurrir: ‘¡Ni que fuese yo tonto! ¡Ni que fuese el sabio Salomón!’.
¡Como si...! Absurdo, disparate”.
80
4.2.2.3.6 Verbos pronominais
Em três ocasiões é pronominalizado um verbo espanhol não pronominal por
interferência do português: (V-340) eso sí que se pasa
168
[eso sí que pasa] (= isso se passa
sim); (VII-50) no se importó con eso [no le importó eso] (= nao se importou com isso); (VIII-
148) nos encantamos con el camarero [nos encantó el camarero] (= encantamo-nos com o
garçom). Nos dois últimos casos, a pronominalização implica a aparição de uma preposição,
con, inexistente em espanhol.
Em duas outras ocasiões, o verbo da L1 perde a pronominalização a exemplo do verbo
português equivalente: (V-208) quedamos siete años [nos quedamos siete años] (= ficamos
sete anos); (VIII-346) yo he cansa(d)o de ver [me he cansado, estoy cansada de ver] (= cansei
de ver). Embora de acordo com HO o verbo “cansar” em português possa ser pronominal ou
não, segundo AE na acepção usada no exemplo não existe essa opção: “V. t. i. Fazer (algo)
diversas vezes, repetidas vezes, ou excessivamente: ‘Cansei de avisá-lo do risco que corria’.”
4.2.2.3.7 Outras interferências morfossintáticas
No seguinte exemplo, observa-se um uso “pronominal” do substantivo la gente que
supõe um decalque do uso coloquial do português “a gente”: (VII-346) y la gente al final los
tiene que dejar [y al final los tenemos que dejar] (= e a gente no final tem que deixá-los).
Segundo CUNHA (1981, p. 174), “na linguagem coloquial, emprega-se ‘a gente’ por ‘nós’ e,
também, por ‘eu’”
169
. De fato, la gente em espanhol tem o valor que o português brasileiro
atribui a “as pessoas”.
O pronome indefinido otro aparece precedido pelo artigo indeterminado un,
combinação inexistente em espanhol (ver MM), mas possível em português; assim em (V-
170) un otro [otro] (= um outro).
Apenas em um caso um numeral sofre a interferência da L2. Trata-se de (V-51) ciento
y un años [ciento un años] (= cento e um anos). Em espanhol y (= e) usa-se apenas para
separar dezenas de unidades.
Apesar da grande coincidência no uso de “ser” e “estar” (em espanhol de forma
idêntica), em ambas as línguas, existem casos de divergência. Assim acontece nos dois
168
O verbo espanhol pasar é pronominal em algumas das suas acepções (MM): “intr. y prnl. *Ir a un
sitio con cierto objeto, sin detenerse en él mucho tiempo; prnl. Dejar de existir cierto estado o cierto tiempo;
prnl. Perder su lozanía las flores o las plantas. Ô Ajarse, marchitarse”.
169
Ver também BECHARA (2001, p. 96).
81
exemplos seguintes, nos quais se utiliza ser no lugar de estar a exemplo do português: (I-64)
era prohibido [estaba prohibido] (= era proibido); (VII-382) eres obligado a…[tú estás
obligado a…] (= você é obrigado a...).
Em uma ocasião, o verbo estar ocupa o lugar de hacer (= fazer) na referência ao
tempo meteorológico seguindo o modelo português: (V-281) está un frío [hace un frío] (=
está um frio).
Por último, encontraram-se três exemplos com construções impessoais agramaticais.
Em duas ocasiões, o verbo tener substitui ao impessoal haber, como sucede no português
coloquial
170
. Assim (VII-263) tenía otro P mandando [había otro P mandando] (= tinha outro
P mandando); (X-260) tiene otro
171
tele ahí [hay otra tele ahí] (= tem outra TV aí).
No terceiro caso, um verbo impessoal aparece na 3ª pessoa do plural, erro que
BECHARA (2001, p. 31-2) considera comum no português. No espanhol da Espanha, ao
contrário, não é habitual
172
. O exemplo é (III-328) van a hacer cincuenta y siete (años) que
salí de España [va a hacer cincuenta y siete (años) que salí de España] (= vão fazer
cinqüenta e sete (anos) que saí da Espanha).
4.2.2.4. Nível sintático
No nível sintático, uma das áreas que apresenta mais interferências são os pronomes,
apesar de serem muito semelhantes em ambas as línguas
173
. Todavia, essa semelhança
“normativa” está se mitigando por causa de dois movimentos contrários que podem-se
observar no português brasileiro: de um lado, o “preenchimento” do sujeito pronominal
174
,
devido à
redução do paradigma flexional número-pessoal do verbo, isto é, a perda do
chamado parâmetro pro-drop
; do outro, o “apagamento” dos pronomes clíticos (MATTOS E
SILVA, 2004)
175
.
170
Ver BECHARA (2001, p. 33).
171
Ver seção 4.2.2.6, ex. 142.
172
Em outras variedades de espanhol, está generalizado o uso da terceira pessoa do plural em
impessoais seguidas por substantivo no plural, asssim, por exemplo, no Uruguai, na Argentina e no Chile.
173
No espanhol da Espanha os pronomes retos utilizados são: singular, 1ª yo / 2ª (informal), usted
(formal) / 3ª él, ella; plural, 1ª nosotros / 2ª vosotros (informal), ustedes (formal) / 3ª ellos, ellas. Os oblíquos
átonos: singular, 1ª me / 2ª te / 3ª lo, la, le, se; plural, 1ª nos / 2ª os / los, las, les, se. Os oblíquos tônicos:
singular, 1ª / 2ª ti, usted / 3ª él, ella, sí; plural, 1ª nosotros / 2ª vosotros, ustedes / 3ª ellos, ellas, sí.
174
Ver PERINI (2002, p. 530).
175
Na prática, isso significa que no espanhol os pronomes clíticos são mais freqüentes do que no
português, e que neste último são os tônicos os mais freqüentes, isto é, os pronomes retos e os oblíquos, que
exceto nas duas primeiras pessoas do singular, mim e ti, coincidem. Por exemplo, no diálogo: “Onde está o livro
do Luis? –Eu já devolvi para ele”, a resposta contém dois pronomes “tônicos”, “eu” como sujeito e “para ele”
82
Assim, esses dois movimentos de apagamento e preenchimento são os que provocam
os fenômenos que analisaremos a seguir: a maior freqüência de expressão do sujeito
pronominal, a omissão dos clíticos, e ainda, de forma indireta, a substituição do possessivo de
3ª pessoa pelas formas de él/ella/ellos/ellas.
4.2.2.4.1 A expressão do sujeito pronominal
No português brasileiro atual, com a expansão de “você” e “a gente” como pronomes
pessoais e com a redução do uso do “tu” e do “vós”, a 3ª pessoa verbal se generaliza
176
.
Quanto mais reduzida é a flexão verbal, mais necessário se faz o uso do sujeito pronominal.
Conseqüentemente, o português do Brasil, especialmente o falado, mostra uma tendência
marcada à expressão do sujeito pronominal e se aproxima às línguas non-pro-drop, que não
permitem o sujeito nulo
177
.
O espanhol, pelo contrário, permite o parâmetro do sujeito nulo e pode ser considerado
uma língua pro-drop
178
. De acordo com LUJÁN (2000, p. 1277-1283), nessas línguas, são as
próprias desinências verbais, uma diferente para cada pessoa gramatical, as que desempenham
o papel dos pronomes sujeito nas línguas non-pro-drop, como o inglês ou o francês. A
expressão (frente à omissão habitual) do pronome em espanhol não é pleonástica ou opcional;
está condicionada por regras semântico-pragmáticas e pode ter diferentes valores: mudança de
sujeito (referência disjuntiva/contrastiva), marca de ênfase, estratégia de desambiguação
(disambiguation), ou pronome relativo
179
.
Conseqüentemente, em contato com o português, o espanhol dos imigrantes começa a
perder essas restrições semântico-pragmáticas e observa-se no corpus uma maior ocorrência
de pronomes sujeito explícitos
180
, como ocorre no português.
como objeto indireto. Já em espanhol essa frase seria: ¿Dónde está el libro de Luis? –Ya se lo he devuelto, com
dois pronomes clíticos, se como objeto indireto (o “para ele” do português) e lo como objeto direto, ausente este
em português.
176
Sobre os pronomes em português ver MATTOS E SILVA (2004); PERINI (2002).
177
O português Europeu conserva o parâmetro do sujeito nulo, já que nele não ocorrem essas reduções
pronominais.
178
Sobre os pronomes em espanhol ver FERNÁNDEZ FUERTES (2001); LUJÁN (2000).
179
Segundo LUJÁN (2000, p. 1281): “... en las posiciones em que el pronombre tónico parece
redundante, en realidad, no lo es. En lo que concierne a su interpretación semântica, este pronombre es
equivalente a uma variable ligada por um operador, y se identifica por su significado con un pronombre de
relativo. (...) a. Él trabaja demasiado. (...) Él es el que trabaja demasiado”.
180
Existem várias pesquisas que analisam esse mesmo fenômeno no espanhol em contato com o inglês.
Assim, o excelente estudo de SILVA-CORVALÁN (1994, cap. 5) e também LAPIDUS; OTHEGUY (2005) e
LIPSKI (1996). Por outro lado, ELIZAINCÍN (1995) analisa o uso dos pronomes com entidades inanimadas no
espanhol Uruguaio em contato com o português.
83
Foi realizada uma análise quantitativa preliminar dos pronomes sujeito expressados
em extratos de 1000 palavras das entrevistas do corpus. Para estabelecer uma comparação
com falantes espanhóis em situação monolíngüe, foi contabilizado o número de pronomes
sujeito usados em dois extratos, também de 1000 palavras, do corpus oral COREC
181
. Os
resultados estão recolhidos na tabela 11.
TABELA 11 – NÚMERO DE PRONOMES SUJEITO USADOS POR 1000 PALAVRAS
ENTREVISTAS
CORPUS MONOLÍNGÜE
PRONOMES I II III IV V VII VIII X COREC
entrevista
COREC
conversação
YO 25 20 22 27 24 19 16 13 3 9
TU 1 4 5 7 2 1 2 2 4
ÉL 1 1 2 4
ELLA 5 5 1
USTED 6 4 1 4
NOSOTROS 2 3 1 1
VOSOTROS
ELLOS 1 2
ELLAS 1
FONTE: A autora - Pesquisa de campo
A tabela mostra nas entrevistas um número de pronomes sujeito de primeira pessoa, yo
“eu”, que, se comparado com os corpora monolíngües, é consideravelmente elevado. A média
de pronomes yo usados nas entrevistas é de 20, frente a 6 nas amostras do COREC. Também
se observa um aumento do uso dos pronomes de terceira pessoa, especialmente do singular, él
“ele” e ella “ela”; nos extratos das entrevistas aparecem estes 19 vezes, mas nenhuma no
COREC.
Segundo SILVA-CORVALÁN (1994, p.163), a maior porcentagem de expressão do
pronome yo é comum em outras variedades de espanhol sem contato ou monolíngües. Na sua
opinião, poderia ser explicado como “conseqüência da natureza egocêntrica da comunicação
verbal”
182
.
Embora esta análise não seja exaustiva, a maior freqüência dos pronomes é um indício
de mudança nos padrões de uso destes, que implica uma certa convergência na direção dos
padrões do português brasileiro. Essa modificação, como as observadas por SILVA-
CORVALÁN (1995, p.10), não produz estruturas agramaticais. Trata-se, portanto, de
interferências relativamente diferentes das observadas no nível léxico, no qual se produzia a
181
Tanto na entrevista do COREC, como na conversação, intervêm dois falantes.
182
“... a consequence of the egocentric nature of verbal communication ”.
84
incorporação de elementos ou traços da L2. Neste caso, são transferências indiretas que
envolvem “diferentes distribuições de freqüência” (ibid. p. 7).
De acordo com SELIGER (1989, p. 173), o fenômeno que nos ocupa poderia ser
interpretado como uma manifestação do Princípio de Redução da Redundância (ing.
redundancy reduction): a regra que determina a expressão/omissão do pronome sujeito no
espanhol é relativamente complexa; conseqüentemente, é substituída pela regra do português
(que tende a não permitir o sujeito nulo), formalmente menos complexa e com uma
distribuição maior (cf. seção 2.3.1). A seguir, alguns exemplos de sujeitos pronominais das
entrevistas
183
:
(66)-(I-30-2) a lo mejor el programa que tú has firmado es otro programa .. yo exigí que XXX
yo lo máximo que tuviera en español (risos) porque es la forma que yo tengo de . de ... vamos
a ver yo sólo tengo contacto…(= talvez o programa que você assinou seja um outro programa
.. eu exigi que XXX eu o máximo que tivesse em espanhol . porque é a forma que eu tenho de
. de ... vamos ver eu só tenho contato...).
O uso dos dois primeiros pronomes, e yo, está justificado porque indica uma
mudança de sujeito. Os outros três pronomes yo são correferentes (coreferencial) ao sujeito
das frases precedentes e, muito provavelmente, não teriam sido expressados por um falante
monolingüe (igual em c).
(67)-(I-172) él trajo libros y entonces él me ponía: clases…(= ele trouxe livros e então ele me
passava aulas...).
O primeiro él poderia ser explicado como marca de ênfase, mas o segundo é
correferente ao sujeito precedente e, portanto, claramente omitível.
(68)-(IV-141) ellas quieren que yo lea . que yo escriba . que yo tenga mi actividad mental…(=
elas querem que eu leia . que eu escreva . que eu tenha a minha atividade mental...).
(69)-(VII-141-2) él no tenía hijos . él era español . aquel aquel señor era español . él
comenzó la vida descargando sacos…(= ele não tinha filhos . ele era espanhol . aquele aquele
senhor era espanhol . ele começou a vida descarregando sacos...).
183
Nos exemplos aparecem sublinhados os pronomes que são considerados omitíveis.
85
(70)-(X-291) cuando yo llegué aquí yo empezaba a …(= quando eu cheguei aqui eu
começava...).
De novo nos exemplos (69) e (70), trata-se de casos de correferencialidade que não
demandam em espanhol a expressão do sujeito pronominal ou completo.
(71)-(VIII-255-6) porque él se mueve . él camina . él camina (= porque ele mexe, se desloca .
ele caminha . ele caminha).
(72)-(III-67) a ver si yo tengo una foto … (= deixa ver se eu tenho uma foto...).
4.2.2.4.2 A omissão de clíticos
Observa-se no português brasileiro uma tendência clara à eliminação dos pronomes
clíticos, sobretudo os de terceira pessoa, “o, a, os, as, lhe, lhes”. Prefere-se, em seu lugar, o
pronome sujeito correspondente, o chamado “ele acusativo” (ex: “eu vi ele ontem”), o
pronome tônico com preposição (ex: “eu disse para ele”), ou ainda a supressão do pronome
complemento (ex: “eu vi ontem”), segundo MATTOS E SILVA (2004) uma “estratégia de
esquiva muito freqüente”
184
.
No seguinte exemplo, aparece um caso muito claro de transferência ao espanhol desse
fenômeno de substituição de um clítico por um pronome sujeito, colocação impossível nesta
língua: (VII-63) consiguieron localizar ella [localizarla] (= conseguiram localizar ela).
Nos exemplos a seguir, o pronome clítico de objeto direto, necessário em espanhol
com os verbos transitivos, é omitido
185
: (I-280,1) fue ella la que * pidió [fue ella la que lo
pidió] (= foi ela que pediu); (V-237) entonces . * vas dejando [entonces . lo vas dejando] (=
então você vai deixando); (VII-67) *descubrieron [lo descubrieron] (= descobriram).
Em espanhol, quando se emprega um pronome pessoal tônico com preposição a, em
geral se repete pleonasticamente na forma átona correspondente, antes do verbo. No exemplo
(V-379) y * tuvo * usted [lo tuvo a usted] (= e teve o senhor, isto é, trouxe ao mundo o
184
Ver também PERINI (2002, p. 533).
185
A posição da omissão é marcada com um asterisco.
86
senhor), estão omitidos tanto a preposição a que deveria acompanhar o complemento
pronominal usted, como o pronome lo, clítico pleonástico.
Por último, um outro caso de omissão de difícil explicação e cuja origem não está
clara: (I-225) lo llevó allí para conocer* porque le parecía muy guapa [lo llevó allí para
conocerme porque...] (= levou ele lá para me conhecer porque eu lhe parecia muito bonita). O
pronome ausente em espanhol, me, é geralmente utilizado em português. Todavia, talvez um
registro mais coloquial possa eliminar esse pronome. Outra possibilidade é que seja a posição
do pronome, proclítico em português e enclítico em espanhol, o que faz o participante hesitar
e finalmente desistir do uso do pronome.
4.2.2.4.3 A substituição do possessivo por de + pronome
O uso extensivo de “você”, em lugar de “tu”, cria no português brasileiro uma
ambigüidade para o possessivo “seu(s), sua(s)”, que pode referir-se ao interlocutor ou não.
Para evitá-lo, são substituídos pelas formas “dele(s)”, “dela(s)”, “de você(s)”, “do(s)
senhor(es)” ou “da(s) senhora(s)”, as quais se transformaram em verdadeiros possessivos
utilizados além das ambigüidades (CUNHA, 1981, p. 183)
186
.
Em espanhol também se produz essa substituição, mas unicamente nos casos de estrita
anfibologia
187
. Todavia, no corpus aparecem vários exemplos de substituição em casos nos
quais não existe verdadeira ambigüidade já que o possessivo só pode se referir a uma pessoa:
(73)-(II-211) mi madre feliz de la vida . le han puesto el nombre
de ella X [… le han puesto su
nombre X] (= lhe puseram o nome dela).
(74)-(III-175) me puso allá en la casa
de él [me puso allá en su casa] (= me pôs lá na casa
dele).
186
Ver também ROCHA (2000).
187
Assim o explica MM: “El poseedor puede ser «él, ella, ellos, ellas, usted» o «ustedes»: ‘Aquí tienen
ustedes su paquete’. Como esto hace que se preste a eqvocos, se recurre a diversos procedimientos cuando es
preciso aclarar quién es el verdadero poseedor; puede repetirse pleonásticamente el pronombre que representa
al poseedor: ‘Durante la enfermedad de su madre de él’; este recurso va siendo cada vez menos usado y el
genitivo del pronombre correspondiente va sustituyendo en todos los casos al adjetivo posesivo: ‘Viven con la
madre de ella. Nos ocupamos del asunto de ustedes’. Cuando también de esta manera puede haber anfibología,
se recurre a otros pronombres: ‘Juan y Antonio estudiaban en casa de aquél [o del primero]’; o bien, ‘de éste
[del segundo o del último]’..
87
(75)-(VII-48) se tenía que casar con una prima de él [suya] (= tinha que casar com uma
prima dele).
(76)-(VII-141) apareció un sobrino de él [apareció un sobrino suyo] (= apareceu um sobrinho
dele).
(77)-(VII-319) la esposa d(e) él [su esposa] (= a esposa dele).
(78)-(VIII-381) un primo de él [un primo suyo] (= um primo dele).
(79)-(X-254) es habitación de él [es su habitación] (= é o quarto dele).
4.2.2.4.4 A posição dos pronomes
O derradeiro problema que aparece em relação aos pronomes é o da sua posição com
respeito ao verbo. No português brasileiro atual, existe uma marcada preferência pela próclise
e inclusive são aceitos de forma generalizada os clíticos na primeira posição da sentença,
exceto os acusativos “o, a, os, as”. Essa tendência o aproxima do espanhol que utiliza a
próclise em todos os casos, exceto quando se trata de imperativo, infinitivo e gerúndio. Com
estes tempos verbais a ênclise é obrigatória. É precisamente neste ponto que surgem as
interferências com construções perifrásticas
188
. Em duas ocasiões se trata de gerúndios
precedidos por um clítico: (VII-315) llevo unos tiempos *me preparando [llevo unos tiempos
preparándome] (= levo uns tempos me preparando) e (VII-359) acabaron *se casando
[acabaron casándose ou se acabaron casando] (= acabaram se casando). Neste último caso,
assim como em V-223, no próximo parágrafo, o espanhol permite duas posições do pronome,
antes do primeiro verbo ou depois do gerundio.
Outros dois casos mostram uma vacilação que leva o falante a repetir o pronome em
posição proclítica, agramatical, e enclítica: (VII-132) conseguí *me recuperarme [conseguí
recuperarme] (= consegui me recuperar) e (V-223) se está *s(e) formando [se está formando
ou está formándose] (= está se formando).
188
Situação na qual o português liga o pronome átono ao verbo que o rege, nestes casos gerúndio,
infinitivo e particípio, em ênclise (BECHARA, 2001, p. 329).
88
Para finalizar, um tempo composto com um pronome posicionado entre o auxiliar e o
particípio, colocação impossível em espanhol moderno, mas presente no português
189
: (X-32)
había me casado [me había casado] (= tinha me casado).
4.2.2.4.5 A ordem das palavras
Segundo ALMEIDA FILHO (2001, p. 14) “a ordem canônica da oração” em espanhol
e português é amplamente coincidente, daí aparecerem no corpus poucas mudanças deste tipo.
Entre elas, duas estão relacionadas com o advérbio más (mais), que em espanhol se situa
posposto ao nome ou pronome, ao contrário do português. Assim nos exemplos seguintes: (V-
32) más nada [nada más] (= mais nada); (VII-161) dio más medio metro [dio medio metro
más] (= deu mais meio metro).
Os exemplos restantes estão relacionados com a posição posposta dos indefinidos
ninguna e alguno, que em espanhol são habitualmente antepostos. Não se trata de uma ordem
alheia ao espanhol, já que existe a possibilidade de pospô-los, mas é pouco freqüente,
especialmente na língua coloquial. Assim, a locução adverbial de ninguna manera (RAE)
aparece no corpus como (V-72) de manera ninguna, ordem incomum em espanhol
190
. Em
português, “de maneira nenhuma” é provavelmente mais freqüente
191
.
Por último, em três ocasiões (V-160, 284, 285) o mesmo participante utiliza problema
ninguno, que habitualmente é ningún problema. No CREA oral aparecem dois casos da
primeira colocação por 116 da segunda. No português coloquial “problema nenhum” parece
tão freqüente como “nenhum problema”.
4.2.2.4.6 As respostas com repetição
Uma outra estrutura da língua portuguesa do Brasil que influencia a L1 dos
participantes são as respostas com repetição. No lugar de utilizar os advérbios “sim” ou
“não”, repete-se algum elemento da pergunta formulada
192
. Essa estrutura é pouco freqüente
em espanhol e a sua utilização pode ser uma marca de ênfase ou até indicar impaciência.
A seguir mostram-se alguns exemplos do corpus:
189
Ver BECHARA (2001, p. 329).
190
No corpus CREA oral não aparece.
191
Google Brasil mostra 26.500 páginas para "de nenhuma maneira" e 72.100 para "de maneira
nenhuma".
192
Assim como em PERINI (2002, p. 438), RASO (2003, p. 22); ver também ROCHA (2000).
89
(80)-(II-28-9) Pergunta: pero a tu mujer la conociste aquí? Resposta: la conocí aquí
(= P: mas você conheceu aqui a sua mulher? R: conheci-a aqui).
(81)-(II-116-7) Pergunta: pero tú no sabías portugués? Resposta: yo no sabía portugués
pero
(= P: mas você não sabia português? R: eu não sabia português mas...).
(82)-(III-61-2) Pergunta: su mujer es es brasileña? Resposta: es brasileña.
(= P: a sua mulher é brasileira? R: é brasileira).
(83)-(III-173-4) Pergunta: quieres vivir conmigo . en mi casa? Resposta: quiero.
(= P: você quer morar comigo, na minha casa? R: quero).
(84)-(III-182-3) Pergunta: entonces aprendió a leer y a escribir solo? Resposta: solo.
(= P: então o senhor aprendeu a ler e escrever sozinho? R: sozinho).
(85)-(III-206-7) Pergunta: a Buenos Aires llegó en el cuarenta y nueve? Resposta: en el
cuarenta y nueve.
(=P: a Buenos Aires chegou em quarenta e nove? R: em quarenta e nove).
(86)-(V-90-1) Pergunta: Ud. estudió cuando vino a Brasil? Resposta: estudié . estudié.
(= P: o senhor estudou quando veio ao Brasil? R: estudei . estudei).
(87)-(V-113-4) Pergunta: de un gallego? Resposta: fue . de un gallego.
(= P: de um galego? R: foi . de um galego).
Neste último exemplo, antes da repetição anafórica, aparece fue, tradução de “foi”,
usado como resposta afirmativa no português coloquial do Brasil.
4.2.2.4.7 Omissão da preposição a no objeto direto de pessoa
Tanto no português como no espanhol, a preposição “a” utilizada com o objeto direto
tem como função última diferenciar o sujeito do complemento
193
.
193
Ver ALARCOS (1999, p. 346-7) para o espanhol e BECHARA (2001, p. 208-10) para o português.
90
No espanhol, emprega-se a com o objeto direto de pessoas
194
ou animais
personificados. De acordo com CUNHA (1981, p. 92), no português é obrigatória quando o
objeto direto é expresso por pronomes pessoais tônicos ou relativos. Também costuma ser
usada “com verbos que exprimem sentimentos (...) para evitar ambigüidade” (id.) e quando o
objeto direto vem antecipado. Contudo, o mais freqüente no português coloquial, fora estes
casos concretos, é a aplicação básica da regra: objeto direto constrói-se sem preposição. Vem
a ser, portanto, mais simples do que a regra do espanhol: objeto direto de coisa sem a, de
pessoa com a.
Nas entrevistas, aparecem vários exemplos de omissão da preposição a em objetos
diretos de pessoa. Isto indica que a regra do espanhol, mais complicada que a do português,
foi simplificada para coincidir assim com esta última. Trata-se de mais uma manifestação do
princípio de redução da redundância (SELIGER, 1989, p. 173; ver 4.2.4.1).
A seguir, mostram-se alguns dos casos de omissão da preposição existentes no corpus:
(88)-(IV-303) cito * Carlos I [cito a Carlos I] (= cito Carlos I).
(89)-(V-44) dejé * mi papá * mi mamá * mis hermanos [dejé a mi papá a mi mamá a mis
hermanos] (= deixei meu pai minha mãe meus irmãos).
(90)-(V-120) el que derrumbó * Getúlio Vargas [el que derribó a G. V.] (= o/aquele que
derrubou G. V).
(91)-(VII-40) conoció * mi madre [conoció a mi madre] (= conheceu minha mãe).
(92)-(VII-184) no comen * nadie [no comen a nadie] (= não comem ninguém).
(93)-(VII-250) fusilaron * mi padre [fusilaron a mi padre] (= fuzilaram meu pai).
194
Exceto quando se refere a uma pessoa indeterminada ou está precedida por um adjetivo numeral ou
de quantidade:Busco un buen mecánico”, “Encontramos mucha gente nerviosa” (MONZÚ, 1994, p. 63)
91
4.2.2.4.8 Omissão da preposição a na locução verbal de futuro (ir + a + infinitivo)
Tanto no espanhol como no português
195
existe uma locução verbal com valor de
futuro ou expressão de intenção formada pelo verbo auxiliar ir/ir e o infinitivo. Diferenciam-
se pela presença no espanhol da preposição a, não empregada no português (por exemplo: voy
a viajar = vou viajar). Numa das entrevistas do corpus, a influência do português determina a
omissão da preposição no espanhol,
196
assim como nos seguintes casos:
(94)-(V-111) fui * trabajar en un bar [fui a trabajar en un bar] (= fui trabalhar num bar).
(95)-(V-317) yo fui * inaugurar [fui a inaugurar] (= fui inaugurar).
(96)-(V-372) quiero ir * pasear [quiero ir a pasear, de viaje] (= quero ir passear).
(97)-(V-114) después fui ser ayudante de cocina [después fui ayudante de cocina] (= depois
fui ser ajudante de cozinha). Neste caso, o espanhol não emprega a locução verbal com ir,
mas o verbo ser apenas.
As omissões da preposição a referidas nesta seção e na anterior, somadas à já
mencionada substituição da mesma por en com verbos de movimento (ver 4.2.2.3.3),
refletem, na forma de interferências na L1/espanhol, uma marcada tendência do português
brasileiro falado a limitar o uso da dita preposição (PERINI, 2002, p. 446). Mostram,
portanto, que o uso da preposição a é uma área problemática no contato do espanhol com o
português.
4.2.2.4.9 Uso do subjuntivo
As incorreções relacionadas com os tempos verbais são bastante raras no corpus.
Apenas em duas ocasiões aparecem problemas com o subjuntivo. São eles duas ocorrências
de utilização do presente de indicativo no lugar do correspondente do subjuntivo:
195
Ver BECHARA (2001, p. 112).
196
Tanto neste caso como no anterior do objeto direto, a omissão da preposição a supõe a substituição
de um parâmetro marcado (com a) da L1 por um parâmetro não marcado (sem a) da L2.
92
(98)-(III-294) tal vez en enero ella va [tal vez en enero ella vaya] (= talvez em janeiro ela vá).
O advérbio “talvez”/ tal vez é mais freqüentemente usado com subjuntivo tanto no português
como no espanhol. Todavia, a forma de 3ª pessoa do singular do presente de subjuntivo do
verbo “ir” em português é idêntica à mesma forma do presente de indicativo espanhol (a única
diferença é um acento: “vá” / va). Essa semelhança pode ter causado o “esquecimento” da
forma espanhola do subjuntivo: vaya.
(99)-(IV-393) la espero cinco minutos siempre a que ella llega [la espero cinco minutos
siempre a que ella llegue / hasta que llega] (= espero cinco minutos sempre até ela chegar).
Este caso é de difícil explicação. De um lado, pode ser interpretado como uma interferência
do infinitivo usado em português, “até ela chegar” > a que ella llega, já que a forma do
indicativo llega é muito mais parecida com o infinitivo “chegar” do que a forma do
subjuntivo, llegue. Mas, de outro lado, pode tratar-se de um engano que levou o participante a
dizer a no lugar de hasta (= até), preposição com a qual o verbo poderia ser indicativo: la
espero ... hasta que llega. Neste caso, não poderia ser considerada uma interferência.
4.2.2.4.10 Outros decalques estruturais
A seguir, mostra-se uma série de exemplos nos quais uma estrutura da língua
portuguesa é reproduzida em espanhol numa tradução mais ou menos literal. Dentro da sua
classificação, SILVA-CORVALÁN (1994, p. 170-184) estabelece uma diferença entre os
decalques estruturais (isto é, de mais de uma palavra) “que alteram as características
semânticas e/ou sintáticas da língua receptora”
197
e aqueles que não. Estes últimos constituem
combinações inusuais de palavras, como nos exemplos do corpus (VII-127) campos de
aviones e (VII-199) campo de aviación [pista de aterrizaje, aeródromo], criados a partir do
português “campo de aviação”.
Entre os primeiros, existem no corpus casos claros de alterações sintáticas, como nos
seguintes exemplos com o verbo gustar:
(100)-(V-381) tú eres obligado a gustar [estás obligado a que te guste] (= você é obrigado a
gostar).
197
“These are multiple-word decalques that alter semantic and/or grammatical features of the replica
language”.
93
(101)-(V-383) tienes que gustar *de tu padrino [te tiene que gustar tu padrino] (= você tem
que gostar do seu padrinho).
No espanhol, as orações com gustar têm uma estrutura inversa à do português
198
: o
sujeito português é objeto indireto em espanhol e o complemento com “de”, sujeito. Os
exemplos anteriores reproduzem em espanhol a estrutura do português. No primeiro caso, a
mudança de sujeito faz com que os dois verbos, eres e gustar tenham o mesmo sujeito, , o
que determina a aparição de um infinitivo onde em espanhol seria empregado um subjuntivo,
dado que os sujeitos são diferentes: eres () e guste (él).
Em outro caso, a reprodução da estrutura portuguesa supõe a substituição de um futuro
do pretérito por um infinitivo
199
: (VII-311) ya estábamos combinados para yo ir [ya
habíamos quedado en que yo iría] (= tínhamos combinado para eu ir). Além dessa mudança,
observa-se um decalque semântico no verbo combinar, cujo significado em espanhol não
coincide em todas as suas acepções com o português.
Outros exemplos de alterações sintáticas são:
(102)-(I-48) sea en que lengua sea [sea en la lengua que sea] (= seja em que língua for).
(103)-(III-131) aquel refugio * que nosotros nos escondíamos [aquel refugio en que nos
escondíamos] (= aquele refúgio (em) que nós nos escondíamos). Segundo PERINI (2002,
p.513-4), é comum no português falado a omissão da preposição que precede o relativo
quando o verbo não produz ambigüidade.
(104)-(X-207) de todo cuanto tamaño [de todos los tamaños] (= de tudo quanto é tamanho).
(105)-(X-282) no podías estudiar nada cosa ni una [no podías estudiar nada, ninguna cosa,
nada] (= você não podia estudar nada, coisa nenhuma).
198
A construção com “de” do português também existe no espanhol, mas é muito pouco usada
oralmente; nesse sentido o DP afirma:La persona que siente el placer es el sujeto y aquello que lo causa se
expresa mediante un complemento introducido por de: «Gustaba de reunirse con amigos en su casa» (UPietri
Oficio [Ven. 1976]). Es construcción documentada sobre todo en la lengua escrita”.
199
Na realidade, uma oração substantiva introduzida por en que se transforma em oração reduzida
introduzida por para seguindo o modelo do português.
94
Nos exemplos a seguir observa-se a influência do português na topicalização
200
com
“que”. No primeiro caso, no português coloquial omite-se a preposição que acompanha o
relativo; mas, no espanhol
201
, ela é necessária nas frases enfáticas de relativo com o verbo ser:
(IV-392) entonces por eso que yo me levanto a las cinco [entonces es por eso por lo que me
levanto a las cinco] (= então é por isso que eu me levanto às cinco). Nos dois seguintes
exemplos, o relativo que ocupa o lugar de outros relativos por influência do português: de
quien (quem) ou el que (o que) no primeiro caso, (VII-115) ese español es que hizo las
mediciones [ese español es quien / el que hizo las mediciones] (= esse espanhol é que fez as
medições)
202
, e de cuando no segundo caso, (VII-241) en esas alturas fue que yo me casé
[entonces fue cuando me casé, fue en ese momento (entonces) cuando me case] (= nessa altura
foi que eu me casei). Por último, aparece um que utilizado em português como reforço da
pergunta
203
, que no espanhol só poderia ser usado após o verbo ser: (III-147) por qué que sor
M te ayuda tanto? [por qué será que sor M te ayuda tanto?] (= por que que sor M te ajuda
tanto?).
Existem também traduções literais de locuções idiomáticas portuguesas como as
seguintes:
(106)-(III-392)
hago cuestión de hablar el español [insisto, me esfuerzo, me empeño en
hablar español, siempre que puedo hablo español] (= faço questão de falar o espanhol). (VII-
168) ahora quien hace cuestión de medir esos puentes soy yo [quiere, insiste en] (= agora
quem faz questão de medir essas pontes sou eu). Embora exista em espanhol uma locução
ligeiramente semelhante (hacer de una cosa cuestión personal
204
), a utilizada nestes exemplos
está muito mais próxima do português “fazer questão de” tanto na forma como no significado.
(107)-(III-156) íbamos llevándola [íbamos tirando] (= íamos levando a vida).
200
Para a topicalização em português ver PERINI (2002, p. 539-42); para as estruturas espanholas ver
DP.
201
De acordo com DP, no espanhol da América também é freqüente essa omissão, mas dado que os
participantes moram no Brasil e estão em contato intensivo com o português, é altamente provável que o uso
dessa estrutura provenha de uma transferência do português.
202
PERINI (2002, p. 424).
203
Ibid., p. 525.
204
Eis a definição de MM: “Tomar una persona cierta cosa sobre la que se habla o discute o que se
hace o ha de hacer como si le atañera personalmente y, por tanto, hablar u obrar con *pasión en relación con
ella”.
95
(108)-(V-49) con la vieja ya no da pa(ra)…[con la vieja ya no hay nada que hacer, es
imposible] (= com a velha já não dá pra...). No espanhol existe a locução dar una cosa para,
mas com sentido diferente: (MM) “Ser *suficiente para lo que se expresa: ‘Esta tela da para
dos camisas’.”.
(109)-(VII-224) pero tiene horas que...[hay veces, momentos que...] (= tem horas que…).
Observa-se neste exemplo um uso impessoal do verbo tener (=ter) não possível no espanhol
(cf. 4.2.3.7).
(110)-(VII-261-2) al final de las cuentas [a fin de cuentas] (= afinal de contas).
A seguir outros exemplos de decalques estruturais:
(111)-(VII-241) en esas alturas [entonces, en ese momento] (= nessa altura). Existe em
espanhol uma locução semelhante na forma, mas de significado diferente: a estas (esas,
aquellas) alturas, usada para indicar o momento em que se fala, mas dando a entender que
aquilo do que se trata deveria ocorrer ou ter ocorrido
205
.
(112)-(VII-281) por la mañana temprano unas seis o siete horas [por la mañana temprano,
sobre, a eso de las seis o las siete] (= de manhã cedo umas seis ou sete horas).
(113)-(VIII-66) y
a seguir nos fuimos (y después, a continuación nos fuimos) (= e a seguir
fomos embora).
4.2.2.5 Alternância de código
A alternância de código, neste caso o uso da L2/português no discurso em
L1/espanhol, não deve ser considerada necessariamente evidência de atrito (vide seção 2.7).
Todavia, como explicam HAMERS e BLANC (2000, p. 266), a alternância é usada pelos
bilíngües em situações de comunicação bilíngüe, isto é, em companhia de outros bilíngües
com repertórios lingüísticos similares. Dado que a única língua de comunicação utilizada,
205
Assim em MM: “En el momento en que se habla, implicando que es natural que la cosa de que se
trata ocurriera o hubiese ocurrido ya: ‘A estas alturas todavía no me han avisado’.”
96
tanto nas entrevistas como nos contatos prévios com os participantes, foi o espanhol (L1 dos
participantes e da entrevistadora), a situação pode ser considerada como monolíngüe.
Conseqüentemente, como aponta KÖPKE (1999, p. 140), “o recurso à L2 nas respostas pode
ser considerado, se não como um erro, ao menos como um desvio (e na maioria dos casos os
sujeitos o sentiram desse modo)”
206
.
No mesmo sentido, SILVA-CORVALÁN (1994, p. 6) considera que algumas formas
de alternância parecem funcionar como estratégia para compensar uma proficiência reduzida
ou lapsos de memória.
No presente corpus, observa-se um uso bastante limitado da alternância de código,
especialmente daquele que consta de mais de uma palavra. Apenas em três ocasiões aparecem
no corpus alternâncias deste tipo. Trata-se de diálogos relatados/referidos pelo participante,
nos quais um dos falantes é brasileiro e, portanto, se expressa em L2/português:
(114)-(IV-155) hijo mío . no dices buenos dias . no . yo no (L2) eu não falo bom dia
207
.
(115)-(V-275-6) y vas con con tres? y:: y: (L2) que que tem? . tudo bem.
(116)-(VIII-335) me dijo (L2) deixa eu dormir.
A grande maioria são alternâncias de palavras isoladas, as quais, segundo SILVA-
CORVALÁN (1994, p.170-1), devem ser diferenciadas dos decalques léxicos ou
empréstimos. O critério empregado foi a assimilação fonológica, de modo que foram
consideradas alternâncias de código as palavras em L2/português não adaptadas à fonologia
espanhola. Dentro deste tipo, o grupo mais numeroso vem determinado pela realidade
extralingüística. Está formado por palavras lexicais, a maioria substantivos, ligadas ao país da
L2, o Brasil, ou à experiência do falante no país. Assim nos seguintes exemplos: (II-232)
favela [barrio de chabolas]; (V-107/2,280,281/2) dormi (pronunciado como em português,
durmi); (V-128) el bonde [tranvía]; (V-135) un teste [prueba, test]; (V-140) la treliça
[estructura]; (V-149) recalque [recalcadura]; (V-172) quien venía pa(ra) Brasilia a: además
206
“…les recours à la L2 dans les réponses peuvent être considérés si ce n'est comme des erreurs, du
moins comme des déviations (et dans la plupart des cas les sujets les ont ressenties de cette manière).
207
As alternâncias, isto é, as palavras em português, aparecem sublinhadas para diferenciá-las das partes
das entrevistas em espanhol.
97
de ganar la tal (L2) dobradinha… [el doble] = quem vinha para Brasília, além de ganhar a tal
“dobradinha”...; (VII-94) vir [venir]; (VII-95) manchetes [titulares]; (VII-145) afilhados
[ahijados]; (VII-151) contabilidade [contabilidad]; (VII-220) concorrência [competencia];
(VII-224) vacinados [vacunados]; (VIII-115-6) chapeuzinho [acento circunflejo]; (VIII-
205/2) ultrapassar [adelantar]; (VIII-262,324,317) pingüim [pinguino]; (VIII-266) bolo
[bizcocho, pastel]; (VIII-363) abacaxi [piña]; (VIII-370) churrascaria; (X-231,234) asa norte
[ala norte]. Também aparece o adjetivo (I-176) simples [simple].
Um outro grupo de alternâncias está formado por palavras funcionais ou gramaticais:
(V-60) tudo [todo]; (V-182/2) unas ideas meias meias (...) libres [unas ideas medio medio
libres]; (V-257) mais [más]; (VII-221) [solo]; (VII-313) eu [yo]; (X-25) da Pacheco [de
la].
O corpus apresenta igualmente alternâncias emblemáticas, as quais consistem no uso
de marcadores discursivos e locuções com função pragmática do português:
(117)-(I-113), (VII-185-9) e (VIII-226) é [], a forma “é” terceira pessoa do presente do
verbo ser usa-se em português como afirmação, assentimento, no lugar de “sim”.
(118)-(I-200/2) como é? [cómo es?].
(119)-(III-220,382) e (VII-86) [vale, bien, bueno]. Trata-se de uma variante aferética de
está, usada no português popular com o valor de “está bem”. Também é usada no Uruguai,
mas dado que o contato se produz com o português, o mais provável é que apareça por
transferência do português.
(120)-(III-107)
né? [no?]; trata-se da forma contrata de “não é?”, usada segundo HO “como
marcador conversacional, indicando pedido de confirmação ou de concordância com o que foi
dito, ou apenas assinalando uma pausa”.
(121)-(VII-172)
puxa [jobar, hay que fastidiarse].
Em varias ocasiões, o falante expressa a palavra ou estrutura em L2 e depois se
autocorrige: (VII-84) estive estuve; (VII-89) do normal de lo normal; (VII-130) quasi casi;
98
(VIII-307) de uma fazenda . de uma hacienda; (VIII-361) esto son abóboras . calabacines
[calabazas].
Por último, encontram-se quatro alternâncias identificadas ou marcadas pelo próprio
falante:
(122)-(I-191) fuimos a un (L2) acampamento que es como se llamaba [campamento] (=
fomos a um acampamento que é como se chamava). Na realidade a palavra acampamento
existe em espanhol, mas é muito rara. Poderia ser considerado um decalque de uso, mas a
própria participante indica que está usando uma palavra portuguesa quando afirma que era
assim que se chamava.
(123)-(I-229) lo que se dice aquí (L2)
namoro [noviazgo].
(124)-(IV-164) no decía ni mano ni (L2)
mão decía la *mon.
(125)-(X-294) la orquesta . aquí es (L2) orquestra.
4.2.2.6 Desvios intralinguais
Aparecem no corpus desvios da norma não devidos à interferência que podem ser
interpretados como erros intralinguais.
Em primeiro lugar, se podem observar omissões de fonemas características do
espanhol peninsular coloquial. Assim, a supressão das /d/ intervocálicas em particípios e
outras palavras: (III-179) estudia(d)o; (I-282) e (V-270) to(d)as; (VIII-93) to(d)o; (VIII-182)
to(do)s; (VIII-183) la(d)o; (X-132) pinta(d)o. Em outros casos, trata-se de contrações como
(I-255), (II-202/2) e (VII-260) pa(ra); (III-121) pal [para el]; (V-128) pacá [para acá]; (VII-
167) patrás [para atrás].
Um outro grupo está formado por formas incorretas, mas também comuns entre
monolíngües, por exemplo: (III-154) *andé [anduve] (= andei); (III-346) debe * ser [debe de
ser]
208
(= deve de ser); (IV-80) no debíamos de venir [no debíamos venir] (= não devíamos
vir); (V-120) del saco* pan [del saco de pan] (= do saco de pão); (VII-43) independiente de
208
Ver ALVAR (1999, p. 194).
99
tener dinero [independientemente] (= independente(mente) de ter dinheiro); (VII-70)
*aereopuerto [aeropuerto] (= aeroporto).
No terceiro grupo recolhem-se hipercorreções originadas pela coincidência entre
espanhol e português, que levam o falante a procurar uma diferenciação não existente. Assim
nos seguintes exemplos:
(126)-(I-52) traducciendo [traduciendo] (= traduzindo).
(127)-(V-110) la primer cosa [la primera cosa] (= a primeira coisa). Existe diferença quando
se trata do masculino; neste caso em espanhol, primero perde o “o” diante de um nome
(primer libro = primeiro livro). Já o feminino conserva o “a” final como em português.
(128)-(VII-23) *nuevecientos [novecientos] (= novecentos). O falante ditongou o numeral
seguindo o modelo de nueve (= nove), diferente este do português; todavia, as centenas
coincidem, ao menos na primeira sílaba onde se produz o erro.
(129)-(V-302) exploración
209
de manufacturado [explotación de mano de obra] (= exploração
de mão de obra). Tanto “manufacturado” como “mão de obra”/mano de obra têm o mesmo
significado em ambas as línguas.
(130)-(VIII-27) le preguntamos de la capota [le preguntamos por, sobre la capota] (=
preguntamos-lhe pela, sobre a capota).
(131)-(VIII-158) no me voy a acordar * el nombre [no me voy a acordar del nombre] (= não
vou lembrar do nome). À diferença de outras muitas regências verbais, neste caso ambas as
línguas usam “de”.
(132)-(X-42) inauguró el veintiuno de abril [fue inaugurada, se inauguró el veintiuno de
abril] (= foi inaugurada em vinte e um de abril).
(133)-(VIII-33) su mujer es un médico [su mujer es médico] (= a sua mulher é médica).
209
A palavra exploración já foi analisada em 4.2.2.2.2 como aglutinação semântica.
100
(134)-(VIII-320) se están cambiando de plumas [están cambiando las plumas] (= estão
mudando as penas).
(135)-(VII-276) no me eches en la cara [no me eches en cara
210
] (= não me lançes em
rosto)
211
.
(136)-(VII-84) serví * el ejército [serví en el ejército] (= servi no exército)
212
.
Para finalizar, aparecem casos nos quais o atrito se manifesta na perda da capacidade
de selecionar a palavra ou estrutura adequada ao contexto. Alguns deles são desvios da norma
de difícil explicação e a interpretação dada é apenas uma proposta. São eles casos como os
seguintes:
(137)-(V-210) la pedí en bodas [la pedí en matrimonio] (= pedi-a em casamento).
(138)-(III-127) se quedaron ahí prontas [se quedaron ahí tiradas, en el sitio, muertas] (=
ficaram aí prontas, mortas). O adjetivo “pronto/a” coincide em espanhol e português tanto
formal como semanticamente, mas em nenhuma das duas línguas tem o valor de “morto” que
o participante lhe atribui nesta frase.
(139)-(III-223) yo soy español hasta .
hasta el otro día [hasta el final, el último día, después
de la muerte?] (= eu sou espanhol até o fim, até depois da morte?). A locução el otro día
significa “uns dias atrás”, mas o participante parece fazer referência a um momento futuro
distante e posterior à morte.
(140)-(V-117)
fui hacer entregador de leche [fui entregador de leche] (= fui ser entregador de
leite). Na realidade, é possível que se trate de uma interferência da locução verbal portuguesa
“fui ser”, que num intento de adaptá-la ao espanhol, o participante quis acrescentar uma
preposição a, mas pronunciou fui hacer no lugar de fui a ser. Não obstante, nesta frase não
210
Sem artigo em MM e SE.
211
Sem artigo em AE e HO.
212
Assim em AE e em HO, que curiosamente dão o mesmo exemplo: “serviu na Aeronáutica”.
101
seria possível em espanhol a utilização da locução ir+a+infinitivo, no seu lugar seria
empregado o verbo ser: fui entregador.
(141)-(VII-232) yo hice de socio en la fábrica de *mortandela [me hice socio de la fábrica de
mortadela] (= eu me fiz sócio da fábrica de mortadela). Hacer de usa-se em espanhol para
indicar o papel representado por um ator no teatro, cinema, televisão, etc.
(142)-(X-260) otro tele [otra tele] (= uma outra TV).
(143)-(VIII-65) anduvimos por to(d)a la ciudad para ver si *compramos algo [anduvimos por
toda la ciudad para ver si comprábamos] (= caminhamos por toda a cidade para ver se
comprávamos alguma coisa).
(144)-(I-318) cuando los quería . reprochar [regañar, reñir] (= quando eu queria ralhar com
eles, repreendê-los). O verbo “reprochar”, de forma idêntica em ambas as línguas, coincide
também no significado básico de (AE): “censurar”. Todavia, tanto em português como em
espanhol, o verbo é formal e não se aplica no contexto do exemplo: a relação com os filhos
(los no exemplo está referido aos filhos).
4.2.3 Recapitulação e Balanço
A análise das entrevistas permitiu observar, como era o objetivo desta pesquisa, sinais
de atrito na L1/espanhol dos participantes. A modo de balanço, foi realizada a tabela 12 que
recolhe o número de desvios analisados na seção 4.2.2. As cifras são indicativas, já que não
foram contabilizadas todas as ocorrências, mas apenas os desvios efetivamente analisados ou
citados como exemplos ao longo da mencionada seção 4.2.2. Em alguns casos, todas as
ocorrências foram analisadas; em outros (com * na tabela) não. Por exemplo, na seção
dedicada à expressão do sujeito pronominal (4.2.2.4.1) não foram contabilizados desvios
concretos, mas freqüências de uso em fragmentos de 1000 palavras.
Observa-se que, na maioria dos casos, esses traços característicos do corpus, ou
desvios da norma, puderam ser explicados como transferências diretas ou indiretas
213
da
L2/português. De fato, foram analisados apenas 39 desvios não devidos à interferência. Isso
213
De acordo com a classificação de SILVA-CORVALÁN (1994, p.4-5), (cf. seção 2.3.2).
102
sugere que no processo de atrito da L1 de imigrantes em um contexto de L2, o contato entre
ambas as línguas tenha efeitos importantes sobre a L1. Na presente pesquisa, a influência da
L2 /português parece determinar grande parte das mudanças que se observam na L1/espanhol
dos participantes.
TABELA 12 – NÚMERO DE DESVIOS DA NORMA ANALISADOS (POR CATEGORIA)
NÍVEL LÉXICO TOTAL 83
-Extensões semânticas 46
-Aglutinação semântica 5
-Decalques de uso 18
-Decalques léxicos 14
NÍVEL MORFOSSINTÁTICO TOTAL 87
-Gênero 8
-Artigo 4
-Regência verbal 27
-Preposições 13
-Advérbios e conjunções 21*
-Verbos pronominais 5
-Outras interferências 9
NÍVEL SINTÁTICO TOTAL 66
-Expressão do sujeito pronominal —*
-Omissão clíticos 6
-Substituição do possessivo 7
-Posição pronome 5
-Ordem de palavras 6
-Respostas com repetição 8*
-Omissão a do objeto direto 6*
-Omissão a de ir+a+infinitivo 4
-Uso do subjuntivo 2
-Outros decalques estruturais 22
ALTERNÂNCIA DE CÓDIGO 59
DESVIOS INTRALINGUAIS 39
TOTAL DE DESVIOS ANALISADOS 334
NOTA : *Nestes casos, o número de desvios analisados não coincide com o
número de ocorrências no corpus, que é maior.
Com referência aos níveis lingüísticos, habitualmente se considera que o léxico é a
área mais afetada pelo atrito (cf. seção 2.5), mas no presente corpus o número de desvios
léxicos contabilizados é menor do que os morfossintáticos. Contudo, se somarem-se aos
desvios léxicos as 25 ocorrências de alternância de código de apenas uma palavra lexical, o
número total é de 108, agora sim a cifra mais alta. Em todo caso, as diferenças podem ser
devidas à mencionada falta de uniformidade nos critérios de classificação (vide 4.2.2).
No nível léxico, o traço mais reiterado são as extensões ou decalques semânticos, algo
previsível tratando-se de línguas afins, como aponta RASO (2003, p. 26), cujos resultados da
103
análise de L1/italiano em contato com L2/português coincidem neste ponto com os da
presente pesquisa.
Na morfossintaxe, os âmbitos mais afetados pelo atrito são as regências verbais, os
advérbios e conjunções, e as preposições. Dado que os desvios nas regências verbais supõem,
na maioria dos casos, uma troca de preposição, esta categoria aparece como uma das áreas
mais sensíveis no contato espanhol/português. Estes resultados coincidem com pesquisas
como as de KÖPKE (1999, p. 136), RASO (2003, p. 26) e BEN-RAFAEL (2004, p. 182),
apesar das línguas em contato serem diferentes
214
.
Na sintaxe, os desvios relacionados com os pronomes (expressão 4.2.2.4.1, omissão
4.2.2.4.2, substituição 4.2.2.4.3 e posição 4.2.2.4.4) conformam o grupo mais numeroso. No
que se refere à tendência a uma maior freqüência de expressão do sujeito pronominal, os
resultados mostram coincidências com os estudos de SILVA-CORVALÁN (1994, cap. 5) e
LIPSKI (1996), nos quais as línguas em contato são L1/espanhol e L2/inglês, e ELIZAINCÍN
(1995), cujas línguas em contato são as mesmas da presente pesquisa, L1/espanhol e
L2/português.
214
KÖPKE estuda a L1/Alemão em contato com inglês e francês como L2, RASO L1/italiano em
contato com L2/português e BEN-RAFAEL L1/francês em contato com L2/hebraico.
104
5 DISCUSSÃO TEÓRICA
O objetivo deste capítulo é estabelecer em que medida os resultados nos permitem
responder as perguntas de pesquisa. Ao mesmo tempo, serão indicados aqueles aspectos que
podem ser explicados no marco das teorias apresentadas na revisão da literatura. Ao longo da
análise de dados, já foram esboçadas algumas das explicações que neste capítulo serão
analisadas com maior atenção.
5.1 SINAIS DE ATRITO NA L1
A análise das entrevistas apresentada no capítulo 4 permitiu observar, como era o
objetivo desta pesquisa, sinais de atrito na L1/espanhol dos participantes. Não obstante, o
número de desvios contabilizado para cada participante (vide tab. 9, p.56) não parece muito
elevado
215
, impressão que pode ser de certo modo confirmada pela avaliação dos juízes
independentes (vide tab. 10, p. 57), para os quais nenhum dos participantes se enquadra na
categoria de não-nativo.
Um outro dado que aponta na mesma direção é a auto-avaliação da competência em
L1 recolhida nos questionários (vide tab. 5, p. 51), na qual nenhum dos participantes estima
sua competência em L2 melhor do que a de L1. Isso parece indicar que, apesar dos desvios,
das interferências, os participantes não consideram que seu domínio da L1 esteja gravemente
afetado.
Esses resultados coincidem com os de outros estudos
216
sobre atrito da L1 que
constatam pouca incidência do fenômeno. Nesse sentido, os resultados da pesquisa de
SILVA-CORVALÁN (1994, p. 212) sobre o espanhol em Los Angeles, indicam que na fala
dos imigrantes de primeira geração (chegados aos EUA depois dos 11 anos de idade) quase
não aparecem modificações, desvios, com respeito à variedade “ancestral” ou padrão. Como
destaca a autora, isto acontece apesar da redução do uso do espanhol constatada entre os
falantes desse grupo.
215
Contudo, é necessário recordar que não foi utilizado nesta pesquisa um grupo de controle para
estabelecer comparações. Por outro lado, dado que não foram realizadas análises estatísticas do presente corpus,
é difícil efetuar comparações numéricas com outras pesquisas.
216
No levantamento realizado por KÖPKE (1999, p. 94-100), entre os que constatam pouco atrito estão
ALTEMBERG (1991), DE BOT et al. (1991) e P
ELC (1998); SCHOENMAKERS (1989) também registra muito
poucos erros.
105
5.2 FATORES EXTRALINGÜÍSTICOS
Os participantes da presente pesquisa são também imigrantes de primeira geração,
chegados ao Brasil depois dos 11 anos, mas o grau de atrito observado, ainda que baixo,
parece superior ao resenhado por SILVA-CORVALÁN (1994, P. 212). A diferença principal
entre ambas pesquisas é que os imigrantes espanhóis em Brasília e Goiás não formam um
grupo étnico organizado, como é o caso dos imigrantes Mexicanos em Los Angeles (vide
acima seção 4.1.4, tab. 7, p. 54). Dentre os dados dos questionários que proporcionam
evidências nessa direção está o fato de que nenhum dos participantes nesta pesquisa faz parte
de um clube ou organização espanhola no Brasil
217
(vide tab. 7, p. 54). No mesmo sentido
apontam os resultados da tabela 7, na qual se observa que a língua mais usada na família e
com os amigos é a L2. Não obstante, a tabela 6 mostra que a maioria dos participantes
mantém um contato muito freqüente com família e amigos na Espanha.
O fato de SILVA-CORVALÁN constatar menos atrito nos imigrantes de primeira
geração do que a presente pesquisa parece contradizer a hipótese de KÖPKE (1999, p. 109-
110) (vide seção 2.3.2), segundo a qual nas comunidades de imigrantes o atrito poderia ser
maior. Para esta autora, a principal diferença entre as situações nas quais o atrito se produz em
indivíduos que vivem de forma isolada e aquelas nas quais o indivíduo se integra em
comunidades lingüísticas ou enclaves é que, neste caso, a variante modificada da L1 se
transforma na norma à qual se referem os falantes dessa comunidade. Em outras palavras,
quando um número suficiente de falantes da comunidade começa a utilizar esses desvios da
norma, a nova variedade da L1 que resulta do processo de atrito é reforçada e pode supor o
começo de um dialeto imigrante. Assim acontece na situação estudada por PY e GROSJEAN
(2002, o espanhol das comunidades de imigrantes espanhóis na Suíça francófona). Não
obstante, na presente pesquisa não parece se produzir essa dinâmica, já que os imigrantes,
dado que não formam um grupo organizado, não dispõem, em palavras de KÖPKE (1999, p.
20), “do feedback de um grupo de pares”
218
. Neste caso, como não se conta com insumo
suficiente da L1, o falante recorre ao insumo da L2, produzindo-se desse modo a influência da
L2 sobre a L1.
217
Inclusive, alguns dos participantes acrescentaram durante as entrevistas que não existem tais clubes
ou organizações em Brasília e Goiás.
218
“... du feedback d’une groupe de semblables...”.
106
Continuando com o perfil sociolingüístico dos participantes, aparecem nos
questionários dados relevantes. Dentre os fatores extralingüísticos que intervêm no
desencadeamento e evolução do atrito (vide seção 2.6), um dos mais importantes de um ponto
de vista psicolingüístico é a idade (vide seção 2.6.1). Na presente pesquisa, as idades na
chegada ao Brasil variam dos 11 aos 34 anos (cf. tab. 3, p. 50). Porém, os dois participantes
que imigraram com 11 anos, P1 e P8, não são os que mostram (vide tab. 9, p. 56) um número
maior de desvios. Não se observa nesses dois bilíngües mais precoces do grupo um atrito mais
pronunciado como evidenciam os resultados das pesquisas revisadas por KÖPKE (1999, p.
91-94). Segundo a autora, esses resultados parecem indicar que a L1 das crianças se encontra
numa posição vulnerável durante a aprendizagem de uma L2; o atrito, portanto, pode ser
rápido e chegar até o apagamento total, sobretudo se a criança é de pouca idade. Todavia,
existe um fator que poderia explicar a diferença entre esta pesquisa e as resenhadas por
KÖPKE: o contato que tanto P1 como P8 mantêm com a L1, dado que ambos utilizam essa
língua no seu trabalho (vide tab. 7, p. 54).
Como vimos em 2.6.4, o tempo transcorrido desde o começo da imigração não aparece
nas pesquisas como um fator determinante. Os resultados deste estudo parecem corroborar
essa idéia. Assim, no caso dos dois participantes com um menor número de desvios (vide tab.
9, p. 56), ambos avaliados como “perfeitamente nativos” pelos juízes (vide tab. 10, p. 57),
esse tempo é absolutamente díspar: 6 anos para P2, 43 para P4. Do mesmo modo, a terceira
participante com menos erros chegou ao Brasil 51 anos atrás, mas o participante com mais
desvios, P7, não é quem mais anos passou no Brasil (44 anos; o tempo máximo é o de P3, 53
anos).
Esses resultados aparentemente surpreendentes podem ser explicados mediante outros
dois fatores: o contato com a L1 e as atitudes. Com respeito ao primeiro, como vimos na
seção 2.6.4, segundo DE BOT et al. (1991, p. 94) o tempo transcorrido desde o começo da
imigração unicamente tem um efeito quando há pouco contato com a L1. Assim, os três
participantes com menor grau de atrito (P1, P2 e P4, avaliados como “perfeitamente nativos”
pelos juízes e que mostram menos desvios na sua fala), mantêm um contato relativamente
elevado com a L1 (vide tab. 6 e 7, p. 53-54). De fato, a diferença entre P4, o segundo
participante com menos desvios na sua fala, e P7, o participante com mais desvios, não é o
tempo passado no Brasil, 43 e 44 anos respectivamente, mas o contato com a L1, no caso de
P7, o mais baixo do grupo, para P4, um dos mais elevados.
107
Porém, como foi mencionado anteriormente (seção 4.1.4), segundo SCHMID e DE
BOT (2004, p.221-2) e SCHMID (2005?, p.16-7) o contato está determinado não só pela
oportunidade (fora do controle do indivíduo), mas também pela própria eleição, a qual, de
algum modo depende das atitudes. São estas, portanto, que aparecem como um dos fatores
mais decisivos (vide seção 2.6.5).
De fato, as atitudes muito favoráveis à língua e à cultura da L1 (vide seção 4.1.5, tab.
8, p. 55) poderiam explicar a surpreendente resistência ao atrito de P4, após 43 anos de
emigração no Brasil, do mesmo modo que as atitudes negativas puderam explicar na pesquisa
de SCHMID (2002) as maiores perdas lingüísticas do grupo que emigrou por último (vide
seção 2.6.5). Contudo, o caso de P7, o participante com mais desvios na fala, não pode ser
explicado pelas suas atitudes, tão positivas quanto as de P4, mas, provavelmente, pela falta de
oportunidade para usar a L1 (vide tab. 6, p. 53).
5.3 INFLUÊNCIA DA L2
A análise das entrevistas permitiu que se examinassem os traços característicos do
espanhol falado pelos participantes. Os traços observados consistem em desvios da norma
que, na maioria dos casos (vide tab. 12, p.103), foram interpretados como transferências
diretas ou indiretas (vide acima 2.3.2 e abaixo nesta mesma seção) da L2/português. De fato,
dos 334 desvios analisados, apenas 39 são intralinguais ou não devidos à interferência.
Esses resultados indicam que no processo de atrito da L1 de imigrantes em um
contexto de L2, o contato entre as línguas tem efeitos importantes sobre a L1. Na presente
pesquisa, portanto, a influência da L2/português parece determinar grande parte das mudanças
que se observam na L1/espanhol dos participantes, tal como sugere SHARWOOD SMITH
(1989, p. 185) na Hipótese da Influência Interlingüística (vide seção 2.3.2).
Como vimos nos dados proporcionados pelos questionários, todos os participantes são
bilíngües
219
(vide tab. 5, p. 51) e usam majoritariamente a L2 no âmbito familiar e com os
amigos (vide tab. 7, 54). Isso supõe uma redução no uso da L1 em diferentes graus.
Conseqüentemente, produz-se uma insuficiência de insumo da L1. Esta situação parece
adequar-se à análise que realizam SELIGER (1991, p. 227 e seg.) e SHARWOOD SMITH e
VAN BUREN (1991, p. 23), (vide seção 2.3.2) do fenômeno do atrito, o qual, na sua opinião,
219
Todos os participantes, exceto P2 e P4, respondem na questão 72 do questionário (anexo 1) que se
consideram bilíngües. P2 e P4 são os participantes com menor número de desvios na sua fala (cf. tab. 9, p. 56).
108
está sempre presente nas situações de bilingüismo e é originado pela falta de insumo da L1 e a
crescente dominância da L2. Nesse contexto, a influência da L2 poder ser explicada nos
termos que propõe SELIGER (id.): a gramática da L2 se transforma em fonte interna de
evidência positiva indireta da L1; isto é, quando se produz um problema para se recuperarem
ou acessarem formas ou estruturas da L1, o bilíngüe acode à gramática da L2 como fonte de
conhecimento para avaliar a L1. De acordo com KÖPKE (1999, p. 109), ante a falta de
insumo de L1/espanhol, os imigrantes recorrem ao insumo da L2/português.
SILVA-CORVALÁN (1994, p. 217) considera que não existem evidências de
transferências diretas (vide seção 2.3.2) no nível sintático no seu corpus de hispanofalantes
mexicanos em Los Angeles. De acordo com ela, verifica-se a existência de transferências
diretas no léxico e nas reproduções de construções idiomáticas. De modo geral, essas
conclusões coincidem com o observado na análise do presente corpus. Existem, de fato,
alguns traços coincidentes no espanhol em contato com o inglês do estudo de SILVA-
CORVALÁN e no espanhol em contato com o português desta pesquisa. Assim, por exemplo,
as maiores freqüências de expressão do sujeito pronominal (vide seção 4.2.2.4.1) e a omissão
de clíticos (vide seção 4.2.2.4.2). Nestes casos, se produz uma perda (uma transferência
indireta, portanto) das restrições (constraints) semântico-pragmáticas que regulam a
expressão ou omissão destes pronomes.
Não obstante, a maior ocorrência de sujeitos pronominais no espanhol dos
participantes também poderia ser explicado como um caso de simplificação de regras de
acordo com o Princípio de Redução da Redundância proposto por SELIGER (1989, p.173),
(vide seção 2.3.1). A expressão (frente à omissão habitual) do pronome em espanhol tem
conseqüências semânticas, e pode indicar mudança de sujeito (referência disjuntiva), pode ser
uma marca de ênfase, ou inclusive pode ter o valor de um pronome relativo (vide seção
4.2.2.4.1). A regra é, portanto, relativamente difusa e pouco clara. O abandono das restrições
e a maior freqüência de uso dos pronomes tônicos que se observam na fala dos imigrantes
supõem, de fato, uma simplificação: sendo a regra da L1/espanhol mais complexa (o sujeito
pronominal se omite ou se expressa de acordo com uma série de restrições semântico-
pragmáticas), não resiste à pressão da regra mais simples da L2/português brasileiro
(expressão generalizada do sujeito pronominal), a qual é, portanto, adotada. Como vimos na
seção 2.3.1, PY e GROSJEAN (2002, p. 23) propõem um princípio análogo.
Segundo SELIGER (1989, p.182-3), essa transferência das regras mais simples da L2
reduz a carga da memória do falante bilíngüe, o qual pode manter as duas línguas combinando
109
elementos da L1 e da L2, conseguindo desse modo uma gramática mais econômica. Outros
autores, como SHARWOOD SMITH (1983, p. 226) e SILVA-CORVALÁN (1995, p. 9),
expressam idéias semelhantes. Para eles, a transferência da L2 supõe a facilitação do
processamento lingüístico quando se trata de duas línguas. Desse modo, o atrito leva a uma
convergência entre L1 e L2, isto é, a uma maior semelhança entre as duas línguas (vide seção
2.3).
Todavia, esse processo não se observa unicamente na transferência de regras a nível
morfossintático. Existem, como foi mencionado acima, transferências diretas no nível léxico
que também podem ser interpretadas em termos de convergência. Assim, os decalques léxicos
e semânticos, as aglutinações semânticas e os decalques de construções idiomáticas, eliminam
as diferenças e levam, de fato, a uma maior semelhança entre L1 e L2. Nas extensões ou
decalques semânticos (vide seção 4.2.2.2.1), palavras idênticas ou muito similares que
coincidem semanticamente em algumas das acepções, mas tem outras não coincidentes,
tornam-se equivalentes semanticamente, prevalecendo os significados da L2. Consegue-se,
assim, um léxico mais econômico e mais fácil de se processar. Por exemplo, em (1)-(I-30) el
programa que tú has firmado [has suscrito] = o programa que você assinou, o verbo espanhol
firmar torna-se equivalente semanticamente do verbo português “assinar” (mas na língua
padrão unicamente compartem uma acepção, “pôr assinatura em”; para o sentido de “tomar
assinatura de publicação periódica, transmissão de televisão, série de espetáculos, etc.” o
espanhol utiliza suscribir).
Algo semelhante acontece no caso das aglutinações semânticas (vide seção 4.2.2.2.2):
a L1/espanhol possui duas palavras para expressar conceitos que em L2/português são
expressos por uma forma só. Como conseqüência da influência da L2, os dois termos da L1 se
aglutinam, perdendo as diferenças, assemelhando-se à forma única portuguesa. O termo mais
próximo desta é o que predomina, facilitando deste modo o processamento do léxico. Assim
no exemplo (32)-(V-302) fue un una exploración [explotación] = foi uma exploração, as duas
palabras espanholas exploración e explotación se aglutinam na única existente em português
“exploração”, eliminando uma complicação e tornando a língua mais econômica. De fato,
para um falante que tem acesso a um insumo reduzido de L1/espanhol, mas recebe um insumo
abundante de L2/português, a utilização de duas palavras em L1, quando a L2 apenas usa
uma, pode resultar em uma “redundância” (vide seção 2.3.1) a ser eliminada. Adaptando o
Princípio de Redução da Redundância de SELIGER (1989, p.173), poderíamos dizer que a
palavra com uma distribuição maior substituirá a palavra com menor distribuição.
110
KÖPKE (1999, p. 311-2) considera que esse tipo de desvios interlinguais consiste na
utilização de um equivalente de tradução errôneo: o falante prepara de forma espontânea uma
resposta em L2 que traduz depois à L1; mas ele escolhe a tradução mais freqüente, não a
adequada ao contexto. Assim, poderiam ser explicados vários casos de extensões semânticas
da presente pesquisa, por exemplo: (17)-(V-309) me están llenando [me están hartando,
cansando] = estão me enchendo. Os verbos “encher” e llenar compartem numerosos traços
conceituais. De fato, o verbo português “encher” é habitualmente traduzido por llenar, mas
não neste caso (vide ex. 17, seção 4.2.2.2.1), em que a tradução apropriada é hartar ou
cansar. No corpus de KÖPKE (id.), os desvios referidos a verbos polissêmicos são freqüentes,
algo que também se observa na presente pesquisa: de 47 extensões semânticas analisadas, em
25 ocasiões tratam-se de verbos (vide seção 4.2.3). A autora aponta como hipótese que “os
verbos são particularmente propensos a erros devidos a uma má tradução, já que são mais
polissêmicos do que os substantivos e são utilizados com mais freqüência de forma
idiomática”
220
.
5.4 PERDA DE COMPETÊNCIA OU PROBLEMAS DE DESEMPENHO?
Como foi apresentado na seção 2.4, um dos pontos mais debatidos no estudo do atrito
é determinar se as mudanças que produz o atrito implicam uma modificação da competência
lingüística subjacente ou se situam no nível do desempenho, isto é, são problemas de acesso.
Como explica KÖPKE (1999, p. 326), a produção repetida dos mesmos desvios (ou
em outras palavras, a repetição dos mesmos problemas de acesso), pode gerar uma
reestruturação da competência. Porém, com os dados desta pesquisa é difícil determinar se
isso aconteceu. O presente corpus, do mesmo modo que o corpus de KÖPKE, não comporta
suficientes repetições dos mesmos itens léxicos ou estruturas para se poder constatar que um
falante concreto comete sempre o mesmo desvio, isto é, se efetivamente a sua competência
mudou, ou são problemas de desempenho não constantes
221
.
Nesse sentido, as autocorreções que se observam em alguns dos participantes podem
ser um indício de que não se modificou a competência, de que apenas existem problemas para
220
... les verbes se prêtent particulièrement à des erreurs provenant d'une mauvaise traduction
puisqu'ils sont plus polysémiques que les noms et sont plus souvent employés de façon idiomatique.
221
Além disso, os dados desta pesquisa foram obtidos em discurso livre (vide seção 3.1), mas segundo
SHARWOOD SMITH e VAN BUREN (1991, p. 19, 27) certas técnicas de elicitação mais formais, como os
julgamentos de aceitabilidade (ing. acceptability judgements), “podem, de fato, fazer a competência
relativamente transparente”, [“... can, in fact, make competence relatively transparent...”, grifo dos autores].
111
se recuperarem as formas ou estruturas corretas em L1. Assim, por exemplo, em (VII-134) de
*unas puentes . de unos puentes; (20)-(VII-136) *la metraje . los metros; (VIII-240) de *la .
del árbol del viento; (VIII-388) viajar *de coche . en coche; (VII-84) estive estuve; (VII-89)
do normal de lo normal; (VII-130) quasi casi; (VIII-307) de una fazenda . de una hacienda;
(VIII-361) esto son abóboras . calabacines.
Em outros casos, o participante emprega primeiro uma construção de forma correta e à
continuação de forma incorreta. Por exemplo, em (VIII-97,98) todo el mundo me llama M
[…] le llaman *de D, onde o verbo llamar é utilizado na primeira frase corretamente, sem a
preposição de que aparece na segunda frase por influência do português (“chamar alguém de”;
vide seção 4.2.2.3.3). Algo similar acontece no exemplo seguinte, no qual na primeira frase o
complemento direto de pessoa está introduzido pela preposição a, necessária em espanhol,
mas desaparece na segunda frase: (90)-(V-119,120) yo conocí a Gregorio Fortunato [...] el
que *derrumbó * Getulio Vargas.
Tudo o que está acima pode indicar que os participantes se encontram na primeira
(desvios de desempenho, competência estável) ou segunda etapa (algumas mudanças na
competência) do atrito, das três propostas por SHARWOOD SMITH (vide seção 2.4).
Nenhum dos participantes parece se amoldar à terceira etapa que supõe, segundo o autor, a
emergência de uma nova competência. De fato, como foi mencionado anteriormente (vide
seção 4.2.1, 5.1 e tab. 10), nenhum dos participantes exibe um desempenho não-nativo. Não
obstante, TORIBIO (2001, p.775-6), na sua pesquisa sobre imigrantes mexicanos nos Estados
Unidos, considera que um desempenho não-nativo não reflete necessariamente uma
competência não-nativa. Na sua opinião, os resultados da sua pesquisa indicam que o atrito
pode representar a progressiva falta de controle sobre uma competência nativa inalterada. Para
TORIBIO (2000, p. 184), algumas manifestações morfológicas específicas podem ser
susceptíveis de variabilidade e erosão, mas as características formais subjacentes talvez não
estejam sujeitas à deterioração ou à reestruturação. Os resultados da sua pesquisa de 2001
mostram que a língua dos imigrantes preserva as características gramaticais centrais (ing. core
grammatical phenomena), por exemplo, características verbais fortes (ing. strong verbal
features). Esses resultados coincidem com os da presente pesquisa, na qual os desvios
referentes a verbos são muito raros.
No mesmo sentido, os resultados de SILVA-CORVALÁN (1994, p. 216) indicam que,
inclusive em condições de contato intenso, o atrito não introduz elementos que possam causar
mudanças radicais no sistema da L1. Seus dados sugerem (ibid. p. 135) que o processo de
112
reestruturação não alcança os traços mais fortes da gramática, mas leva à redução da
opcionalidade e a diferentes distribuições de freqüência. Os resultados da presente pesquisa
parecem apontar nessa mesma direção. Assim, a maior freqüência de expressão do sujeito
pronominal (vide seção 4.2.2.4.1), como conseqüência da perda das restrições semântico-
pragmáticas que regulam a sua expressão ou omissão, leva, de fato, a uma perda de opções.
Do mesmo modo podem ser interpretados os decalques de uso, que supõem a utilização da
forma menos freqüente em L1 (vide seção 4.2.2.2.3) e produzem também a perda da opção
que supunha a existência de duas formas; ou as aglutinações semânticas (vide seção
4.2.2.2.2), que causam a perda de uma das duas palavras da L1 que correspondiam a apenas
uma na L2; ou também a substituição do possessivo por de + pronome (vide seção 4.2.2.4.3),
que supõe, como no caso do sujeito pronominal, a eliminação de uma restrição semântico-
pragmática e a perda de uma opção.
No entanto, como vimos na seção 2.3.2, para PAVLENKO (2004, p. 54) a influência
da L2 na L1 somente deve ser considerada como atrito quando produz uma perda ou
reestruturação permanente de formas ou regras da L1, constatável (observável) não só em
contextos bilíngües, mas também em contextos monolíngües de L1. Nas entrevistas realizadas
com os participantes nesta pesquisa, a única língua utilizada, tanto pela entrevistadora como
pelos participantes foi o espanhol; o contexto foi, portanto, monolíngüe (vide seção 4.2.2.5).
Se for adotada a interpretação de PAVLENKO, os desvios interlinguais observados na fala
dos participantes seriam uma evidência de atrito e de reestruturação da competência.
5.5 O ATRITO NOS DIFERENTES NÍVEIS LINGÜÍSTICOS
Os dados da presente pesquisa mostram uma grande incidência das interferências no
nível léxico (vide seções 4.2.2.2, 4.2.2.5 e 4.2.3) que poderia ser explicada mediante a
hipótese de PERECMAN (1989, p.233) sobre o processamento lingüístico do bilíngüe (vide
seção 2.5). No nível léxico-semântico, as línguas do bilíngüe têm uma ligação forte, já que no
nível “pré-lingüístico conceitual” estão unificadas num sistema único. À medida que o
processamento se aproxima ao nível fonético-articulatório, essas ligações entre as línguas vão
sendo cada vez mais fracas. Dado que as interferências são produzidas pela interação dos
sistemas lingüísticos, no nível em que a ligação é mais forte, o léxico-semântico, se produzem
em maior numero do que em outros níveis.
Dentro do nível léxico, o maior número de desvios corresponde às extensões ou
decalques semânticos. A hipótese conceitual de SCHOENMAKERS (1989, p. 103-4), (vide
113
seção 2.3.2), permite interpretar esses desvios como evidência de uma mudança semântico-
conceitual no sistema lingüístico do bilíngüe em conseqüência da influência da L2. O
essencial do significado (ing. core) coincide em português e espanhol mas mudam as
fronteiras, os limites, daí que algumas acepções sejam diferentes. Assim, o atrito se produz
nessa área não coincidente e causa a adição de acepções das palavras da L2 às da L1. Por
exemplo, em (21)-(VII-190)- ligué pa(ra) San Pablo [llamé a] (= liguei para São Paulo). O
verbo ligar comparte em ambas as línguas o significado básico de “apertar, atar”; mas em
espanhol não está presente a acepção utilizada pelo participante “telefonar”. Essa acepção
diferente é acrescentada ao verbo espanhol, o qual muda, portanto, as suas fronteiras.
114
6 CONCLUSÃO
O objetivo desta pesquisa foi explorar um fenômeno pouco estudado: o atrito da
L1/espanhol de imigrantes espanhóis adultos no Brasil. Devido ao caráter exploratório do
estudo, os resultados devem ser tratados com cautela e servem basicamente como indicadores
preliminares para estudos posteriores de maior alcance.
A análise dos dados e sua discussão à luz das teorias selecionadas na revisão da
literatura permitiram responder às perguntas de pesquisa que nortearam este trabalho.
A primeira pergunta de pesquisa se interessava pela forma em que se manifesta o atrito
lingüístico nos níveis léxico, morfológico e sintático da L1 de imigrantes hispanofalantes
espanhóis adultos com proficiência em português/L2. A análise dos dados permitiu observar
na L1/espanhol desses imigrantes uma série de mudanças em relação ao espanhol peninsular
padrão na forma de desvios da norma. Essas mudanças foram interpretadas como
manifestações ou sinais de um processo de atrito na L1 dos participantes. Não obstante, o
número de desvios contabilizado na fala de cada participante (vide tab. 9, p. 56) não parece
muito elevado e nenhum deles foi avaliado pelos juízes como não-nativo. Isso sugere que os
participantes não se encontram numa fase muito avançada do processo de erosão da sua L1.
Os desvios, na sua maioria, foram interpretados como interlinguais. Consistem em
transferências diretas (substituições de formas ou estruturas da L1 por outras da L2, ou
incorporações de formas ou estruturas da L2 à L1) ou indiretas (maiores freqüências de uso ou
perdas de certas formas ou estruturas) da L2/português (vide 5.3). De fato, dos 334 desvios
analisados (vide tab. 12), apenas 39 foram explicados de forma intralingual (desvios comuns
entre monolíngües, hipercorreções, etc.). Responde-se deste modo a terceira pergunta de
pesquisa que interrogava sobre a freqüência dos desvios interlinguais.
Em relação à segunda pergunta de pesquisa, referente à importância da influência da
L2 no processo de atrito (vide seção 5.3), os resultados indicam que é considerável, já que
parece determinar grande parte das mudanças observadas na L1/espanhol dos imigrantes.
Os dados proporcionados pelos questionários sociolingüísticos aplicados aos
participantes permitiram distinguir outros fatores atuantes no processo de atrito. Assim, todos
os imigrantes se consideram bilíngües ou trilíngües e usam majoritariamente a L2 no
ambiente familiar e com os amigos. Isso supõe uma redução no uso da L1 em diferentes graus
e, conseqüentemente, uma diminuição do insumo dessa língua. Esta situação parece adequar-
se à análise que realizam SELIGER (1991, p. 227 e seg.) e SHARWOOD SMITH e VAN
115
BUREN (1991, p. 23), (vide seções 2.3.2 e 5.3) do fenômeno do atrito, o qual na sua opinião
está sempre presente nas situações de bilingüismo e é originado pela crescente dominância da
L2 e a falta de insumo da L1; em substituição deste, os imigrantes recorrem ao insumo da
L2/português, língua que se transforma em fonte interna de evidência positiva indireta para a
L1 (SELIGER, id.).
Em muitos casos, (por exemplo, as maiores freqüências de expressão do sujeito
pronominal, vide seção 4.2.2.4.1, e a omissão de clíticos, vide seção 4.2.2.4.2), a influência da
L2 pode ser explicada como evidência do Princípio de Redução da Redundância proposto por
SELIGER (1989, p.173), (vide seção 2.3.1). De acordo com esse princípio, o atrito implica a
transferência das regras da L2 que são mais simples do que as da L1; isso reduz a carga da
memória do falante bilíngüe, já que se consegue uma gramática mais econômica, sem
“redundâncias” (SELIGER, 1989, p.182-3).
Por outro lado, as transferências diretas no nível léxico e sintático (decalques léxicos e
semânticos, aglutinações semânticas, decalques de construções idiomáticas) (vide seções
4.2.2.2 e 4.2.2.4.10), também eliminam diferenças entre L1 e L2 e supõem a facilitação do
processamento lingüístico bilíngüe.
Todos esses dados parecem indicar que, na linha das idéias expressadas por SELIGER
(1989, p.182-3), SHARWOOD SMITH (1983, p. 226) e SILVA-CORVALÁN (1995, p. 9),
entre outros, o atrito leva a uma convergência entre L1 e L2, isto é, a uma maior semelhança
entre os dois sistemas que facilita a tarefa de armazenar e processar duas línguas (vide seção
2.3).
Em relação ao verdadeiro alcance das mudanças produzidas pelo atrito, os dados da
presente pesquisa não permitem determinar de forma conclusiva se os desvios observados
implicam uma modificação da competência lingüística subjacente, ou se situam no nível do
desempenho, isto é, são problemas de acesso (vide seções 2.4 e 5.4). As autocorreções e a
utilização duma mesma construção, primeiro de forma correta e à continuação de forma
incorreta, podem ser um indício de que não se modificou a competência, de que apenas
existem problemas para recuperar as formas ou estruturas corretas em L1. Isso nos leva de
novo à mesma conclusão apontada no começo desta seção: nos participantes desta pesquisa o
processo de atrito da sua L1 não parece ter atingido um nível tão elevado que suponha uma
reestruturação profunda da competência em L1 (isto é, a terceira das etapas que distingue
SHARWOOD SMITH (1983) e que se caracteriza pelo surgimento de uma nova competência,
vide seção 2.4).
116
Um dos fatores que podem ter favorecido a conservação da L1 são as atitudes
positivas para com a língua e a cultura da L1 que exibem a maioria dos participantes, tanto
nas respostas ao questionário como nas entrevistas (vide seções 2.6.5, 4.1.5 e 5.2 ; tab. 8, p.
55).
Em suma, a importância que a influência da L2 parece ter no processo de atrito da L1
dos participantes nesta pesquisa sugere que, como aponta SELIGER (1991, p. 227), o atrito “é
um fenômeno onipresente”
222
nos contextos de bilingüismo e pode proporcionar evidências
interessantes sobre as relações que se estabelecem entre línguas em contato.
Porém, como aponta SHARWOOD SMITH (1989, p. 185) na Hipótese da Influência
Interlingüística
223
(vide seção 2.3.2) o contato entre línguas não produz apenas a influência da
L2 na L1 como acontece no caso do atrito; esse contato origina igualmente a influência da L1
sobre a L2 no caso da aquisição de L2.
Essas reflexões nos levam a perguntar-nos acerca das analogias que podem existir
entre atrito e aquisição. De fato, segundo a Hipótese da Regressão, o atrito seria o reverso da
aquisição (vide seção 2.2).
Surge, desse modo, um tema para futuras pesquisas: mesmo se o atrito não reproduz
exatamente os mesmos estágios da aquisição como prevê a Hipótese da Regressão, podemos
nos perguntar se os desvios observados no atrito e na aquisição são do mesmo tipo (KÖPKE,
1999, p. 88). Adaptando a propostas de ARAÚJO (2004, p. 2) e RASO (2003, p. 1) para o
contato entre Italiano e português, o objetivo desse futuro estudo seria observar se existem
coincidências entre as “interlínguas” dos aprendizes brasileiros de espanhol e dos imigrantes
hispanofalantes no Brasil; isto é, se a influência do português, no primeiro caso como L1, no
segundo como L2, produz desvios similares.
Por último, esperamos que esta pesquisa tenha mostrado o interesse do estudo do atrito
como fonte para aprofundar o conhecimento dos fenômenos de contato lingüístico e do
processamento bilíngüe.
Não obstante, como toda pesquisa, este trabalho suscita mais perguntas do que
proporciona respostas. Corresponde a futuros estudos examinar de forma mais aprofundada os
aspectos que aqui foram apenas esboçados.
222
... is a ubiquitous phenomenon found wherever there is bilingualism”.
223
Já WEINREICH (1968, p. 1) afirmava que as interferências se produzem em qualquer uma das
línguas do bilíngüe (vide seção 1.2).
117
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JOHANSEN, A. (Ed.). Proceedings of the 25th Annual Boston University Conference on
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WINFORD, D. An introduction to contact linguistics. London: Blackwell Publishing, 2003.
129
ANEXO 1
CUESTIONARIO SOCIOLINGÜÍSTICO
Con este cuestionario se quiere obtener una impresión de las circunstancias personales y del
uso lingüístico de los españoles residentes en Brasil. Consiste en 77 preguntas. Si alguna de
ellas no se aplica a su caso personal (por ejemplo, si se pregunta sobre sus hijos y usted no
tiene) puede tachar el número de esa pregunta y pasar a la siguiente. Es importante que sea
usted mismo quien responda a las preguntas, ya que nos interesa su propio uso del lenguaje.
Si alguna pregunta no está clara, no dude en preguntar. No hay respuestas correctas o
incorrectas.
1) Fecha de nacimiento ………………………………………19…….......
2) Sexo: mujer hombre
3) Lugar de nacimiento: …………………………………………………………………......
4) Nacionalidad: española española y brasileña brasileña
5) ¿Cuándo vivía en España hablaba castellano o alguna otra de las lenguas oficiales?
.............................................................................................................................................
6) Nivel de estudios: elemental medio superior
7) ¿Cuándo llegó a Brasil (año)? 19…………
8) ¿Por qué vino a Brasil? trabajo trabajo del cónyuge cónyuge brasileño otros:
.............................................................................................................................................
.............................................................................................................................................
9) Aparte de Brasil, ¿ha vivido en algún otro país que no sea España por más de 6 meses?
no menos de 1 año 1 año o más (¿dónde? ..........................................................)
10) ¿En qué lengua aprendió a hablar?
español español y otra otra/s (¿cuál/es?..............................................................)
11) ¿Asistió a clases de portugués antes de venir a Brasil? no
menos de 1 mes menos de 3 meses menos de 6 meses menos de 1 año
más de 1 año
12) ¿Ha realizado estudios en Brasil? (de cualquier tipo, no necesariamente relacionados con
la lengua) no sí (¿cuáles?…………...………………………...…………........)
13) ¿Qué lengua o lenguas ha aprendido en el colegio o por motivos profesionales?
………………………………………………………………………………………….
14) ¿Qué lengua o lenguas ha aprendido fuera de un ambiente educacional (es decir, fuera del
colegio o del trabajo)?
…………………………………………………………………………………………….
15) Profesión actual (si está jubilado indique su última profesión antes de retirarse):
…………………………………………………………………………………………….
130
16) Si ha tenido varias profesiones, puede indicarlas en orden cronológico?
1…………………………………………..de……………...……..a………………..
2…………………………………………..de……………...……..a………………..
3……………………………………...…...de……………...……..a………………..
4…………………………………………..de……………...……..a………………..
17) ¿Ha asistido a clases de español en Brasil? no sí, ¿cuánto tiempo?.................
………...... horas por semana:……………
18) ¿Visita España desde que vino a vivir en Brasil? nunca pocas veces una vez cada
2 ó 3 años una vez al año más de una vez al año
19) Si ha respondido afirmativamente que ha visitado España, indique el/los motivo/s de la/s
visita/s (puede marcar más de una casilla):
acontecimiento familiar importante visita sin motivo especial otros
20) ¿Va a la iglesia en Brasil?
nunca a veces regularmente
21) Si ha respondido que va a la iglesia, ¿puede indicar en qué lengua son los oficios?
portugués español español y portugués otras
22) En general, ¿cómo calificaría su nivel de portugués antes de venir a Brasil?
ningún conocimiento muy malo malo suficiente bueno muy bueno
23) En general, ¿cómo calificaría su nivel de portugués en la actualidad?
ningún conocimiento muy malo malo suficiente bueno muy bueno
24) En general, ¿cómo calificaría su nivel de español antes de venir a Brasil?
ningún conocimiento muy malo malo suficiente bueno muy bueno
25) En general, ¿cómo calificaría su nivel de español en la actualidad?
ningún conocimiento muy malo malo suficiente bueno muy bueno
26) ¿Con qué frecuencia habla español?
raramente pocas veces al año algunas veces a la semana diariamente
27) ¿Considera importante mantener el español?
nada importante poco importante importante muy importante
28) ¿Considera importante que sus hijos puedan hablar y entender español?
nada importante poco importante importante muy importante
29) En general, ¿tiene más amigos que hablen portugués o español?
sólo portugués más portugués igual más castellano sólo castellano
30) ¿Se siente más a gusto con la cultura española o con la brasileña?
sólo con la brasileña más con la brasileña igual más con la española
sólo con la española
31) ¿Se siente más cómodo hablando español o portugués?
portugués español igual
32) ¿Puede explicar su respuesta a la pregunta anterior: por qué se siente más cómodo
hablando portugués o español, o por qué no tiene preferencia?
131
.............................................................................................................................................
.............................................................................................................................................
33) ¿Cuál es su estado civil?
casada/o divorciada/o viuda/o con pareja soltera/o
34) ¿En qué lengua fue criado su (ex)cónyuge?
español portugués otra
35) Si su (ex)cónyuge no nació en Brasil, ¿por qué motivo vino a Brasil?
trabajo trabajo del cónyuge cónyuge otro
.............................................................................................................................................
36) Si su (ex)cónyuge no nació en Brasil, ¿en qué año vino a Brasil?.............................
37) ¿Dónde se conocieron? España Brasil otro …………………………………….
38) ¿Qué lengua o lenguas usa usted en general cuando habla a su (ex)cónyuge?
sólo portugués más portugués igual más español sólo español otra
39) ¿Qué lengua o lenguas usa su cónyuge en general cuando le habla a usted?
sólo portugués más portugués igual más español sólo español otra
40) ¿Cuál es la profesión actual de su (ex)cónyuge?
.............................................................................................................................................
41) ¿Tiene hijos? no sí, ¿cuántos? ………………………………
Sus nombres y sus edades son: ..............................................................................................
.....................................................................……………………………………..………..
42) ¿Qué lengua o lenguas usa normalmente cuando habla a sus hijos?
sólo portugués más portugués igual más español sólo español otra
43) ¿Qué lengua o lenguas usan normalmente sus hijos cuando le hablan a usted?
sólo portugués más portugués igual más español sólo español otra
44) ¿Tiene nietos? no sí, ¿cuántos? ………………………………
Sus nombres y sus edades son: ..............................................................................................
.....................................................................……………………………………..………..
45) ¿Qué lengua o lenguas usa normalmente cuando habla a sus nietos?
sólo portugués más portugués igual más español sólo español otra
46) ¿Qué lengua o lenguas usan sus nietos cuando le hablan a usted?
sólo portugués más portugués igual más español sólo español otra
47) ¿Estimula a sus hijos para que hablen español? nunca a veces a menudo
48) ¿Han asistido sus hijos a clases de español? no
49) ¿Corrige alguna vez a sus hijos cuando hablan español?
nunca raramente algunas veces a menudo muy frecuentemente
50) ¿Le disgusta que sus hijos no hablen o no entiendan español?
no me da igual un poco mucho
132
51) ¿Tiene contacto con familiares y amigos en España?
nunca raramente algunas veces a menudo muy frecuentemente
52) ¿Cómo se mantiene en contacto con esos familiares y amigos en España?
teléfono cartas correo electrónico otros
53) ¿Qué lengua usa normalmente para relacionarse con familiares y amigos en España?
sólo portugués más portugués igual, más español sólo español otra
54) ¿Cree que el castellano juega un papel importante en las relaciones entre los miembros de
su familia más próxima? no probablemente un poco mucho
55) ¿Tiene muchos nuevos amigos en Brasil? no
56) ¿Cuál es la lengua materna de la mayoría de esas personas?
portugués español igual otra
57) ¿Cómo ha conocido a la mayoría de esas personas?
instituciones españolas amigos comunes trabajo o colegio otro
……………………………………………………………………………………………
58) ¿Podría indicar en la siguiente tabla las personas con las que tiene más contacto? El
objetivo es observar qué lengua usa más en su vida diaria: portugués o español.
¿Cuál es su
relación o
parentesco
con esta
persona?
¿Dónde vive esta
persona?
¿Qué lengua(s)
usan cuando se
comunican entre
sí?
¿Cómo conoció a
esta persona?
¿Cuánto tiempo
hace que conoce
a esta persona?
133
59) En las siguientes tablas indique, por favor, en con qué frecuencia usa el español (tabla 1) y
el portugués (tabla 2) en los ámbitos mencionados. Márquelo con una cruz en la casilla
correspondiente. Si algún dominio no le concierne (por ejemplo, si no tiene animales
domésticos) puede dejar la casilla vacía.
Hablo español: TABLA I
siempre frecuentemente a veces raramente nunca
Con familiares
Con amigos
A los animales
domésticos
En el trabajo
En la iglesia
En las tiendas
En clubes,
instituciones u
organizaciones
Otros, por
ejemplo:
Hablo portugués: TABLA II
siempre frecuentemente a veces raramente nunca
Con familiares
Con amigos
A los animales
domésticos
En el trabajo
En la iglesia
En las tiendas
En clubes,
instituciones u
organizaciones
Otros, por
ejemplo:
60) ¿Ha sido alguna vez miembro de un club u organización española en Brasil? no
nombre de la organización………………………………………..
61) ¿Es ahora miembro de algún club u organización española en Brasil? no sí nombre
de la organización………………………………………..
62) ¿Echa de menos España? no a veces sí, y lo que más echo de menos
es/son……………………………………………………………………………………...
63) ¿Escucha alguna vez música española? no
64) ¿Escucha alguna vez programas de radio en español? no me gustaría, pero no
puedo
134
65) ¿Lee alguna vez periódicos, revistas o libros españoles? no me gustaría, pero
no puedo
66) ¿Ve alguna vez programas de televisión españoles? no me gustaría, pero no
puedo
67) Si ha respondido que nunca escucha música o programas de radio españoles, ni lee
periódicos, revistas o libros españoles, ni tampoco ve programas de televisión españoles,
¿podría indicar por qué piensa que es así?
……………………………….……………………………………………………………
…………………………………………………………………………………………….
68) ¿Cree que su competencia lingüística en español ha cambiado desde que se mudó a
Brasil? sí, es peor no sí, es mejor
69) ¿Piensa que usa más o menos el español desde que se mudó a Brasil? sí, más no, no
creo que lo use más o menos sí, menos
70) ¿Se siente incómodo cuando habla español con una persona española que no sabe
portugués? no
71) ¿También se siente incómodo cuando habla español con alguien que, como usted, vive en
Brasil desde hace tiempo? no
72) ¿Se considera bilingüe?, es decir, ¿piensa que es igual de competente en español que en
portugués? no, mi portugués es mejor sí no, mi español es mejor no sé
…..………………………………………………………………………………………...
73) ¿Cómo se siente cuando oye a españoles (turistas por ejemplo) hablar portugués con un
fuerte acento español? me molesta me causa cierta incomodidad no me
incomoda
74) ¿Tiene intenciones de volver a España algún día? no sé no
75) ¿Por qué?
………………………………………………………………………………………….……
………………………………………………………………………………………….
76) Mirando hacia atrás, ¿piensa que tomó la decisión correcta al venir a Brasil? no
no sé,
porque.....................................................................................................................................
................................................................................................................................................
................................................................................................................................................
77) Ha llegado al final de este cuestionario. Si desea realizar algún comentario
(observaciones relacionadas con la lengua o con el propio cuestionario), puede
hacerlo en las líneas que siguen. Muchas gracias por colaborar.
................................................................................................................................................
................................................................................................................................................
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