Do ponto de vista da psicologia cognitiva alguns autores
26
consideram que o
conhecimento lingüístico, como qualquer outro, não pode perder-se, desaparecer. Ele se torna
inacessível com a falta de uso, mas é recuperável com os estímulos adequados (HANSEN,
2001, p. 67)
27
. Assim, segundo SHARWOOD SMITH e VAN BUREN (1991, p. 18-23) o
atrito poderia ser interpretado como problemas de recuperação, de acesso on-line à forma ou à
estrutura apropriada, isto é, ao conhecimento que pode permanecer inalterado
28
. Esta questão
está relacionada com o debate sobre competência e desempenho que será mencionado mais
adiante (vide seção 2.4).
Para HAMERS e BLANC (2005, p. 76-7), o atrito é um processo de regressão
lingüística que forma um continuum
29
, que vai desde leves problemas de acesso até a perda
total de uma língua. Na sua opinião, este último caso só é possível no caso de crianças
imigrantes de pouca idade ou em situações pós-mórbidas. Mais comum seria o que eles
chamam de atrito ambiental, no qual o uso restringido da L1, produto da aquisição e utilização
da língua do ambiente, a L2, leva à perda parcial de certos aspectos da L1. Essas perdas
podem ser supridas com elementos da L2. Porém, como os autores mencionados afirmam, o
atrito não deve ser confundido com a mistura de código
30
. Esta é desencadeada pelo contexto
social, o atrito, pelo contrário, ocorre até em contextos monolíngües.
Por outro lado, em muitos casos a palavra “perda” não chega a refletir o processo de
mudança que o atrito produz na L1. Esse processo se manifesta na forma de desvios da
norma
31
, decalques léxicos e semânticos da L2, mudanças morfossintáticas, manifestações
nas quais SELIGER (1989, p. 175; 1991, p. 238), entre outros, considera que existe uma parte
26
KÖPKE (1999, p. 77) cita BADDELEY, A. La mémoire humaine. Théorie et pratique. Grenoble:
Presses Universitaires de Grenoble, 1992.
27
Hansen é um dos nomes mais importantes no campo do atrito de L2.
28
SHARWOOD SMITH e VAN BUREN (1991a).
29
Cf. seção 2.1.4, Continuum Bilíngüe de SILVA-CORVALÁN (1995, p. 4) e Continuum de
Integração de COOK (2003, p. 6-9).
30
Segundo HAMERS e BLANC (2005, p. 369) mistura de código (ing. code-mixing) é “uma estratégia
de comunicação usada por bilíngües na qual o falante duma língua Lx transfere elementos ou regras duma língua
diferente (Ly) para Lx (a língua base); porém, à diferença do empréstimo, esses elementos não são integrados ao
sistema lingüístico de Lx”. [“A communication strategy used by bilinguals in which the speaker of a language Lx
transfers elements or rules of a different language (Ly) to Lx (the base language); unlike borrowing, however,
these elements are not integrated into the linguistic system of Lx”].
31
Com este termo se alude ao que outros autores denominam “erros” (ing. error, SCHMID, 2004 e
KÖPKE, 1999, entre outros), “mudanças” (ing. changes, SILVA-CORVALÁN, 1994) ou “variantes de contato”
(fr. variantes de contact, PY e GROSJEAN, 2002). É similar ao empregado por SELIGER (1989) e
SHARWOOD SMITH (1989) ing. deviant forms. “Desvio da norma” é a tradução do inglês deviation from the
norm, utilizado por WEINREICH (1968, p. 1) na sua conhecida e já mencionada (cap. 1, nota 6) definição de
interferência.
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