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tirania. Como apontou JOHN ADAMS
62
*, indignado, a idéia de a liberdade
pública sendo tirana é ilógica: ‘um despotismo democrático é uma
contradição de termos.”
63
(1972: 62-63)
Contudo, com o passar dos anos, pós-independência, este otimismo
antropológico começou a ser diuturnamente ameaçado. E o grande fator responsável por
esta mudança de concepção foi uma cisão existente no tecido social norte-americano e
que se tornou patente com a independência norte-americana.
Um dos fundamentos ideológicos de todo o movimento revolucionário
era a pretensão de a sociedade norte-americana se tornar democraticamente igualitária.
Contudo a concepção de igualdade dos estamentos da sociedade americana não era
homogênea. Se por um lado, os principais mentores intelectuais da revolução
idealizavam uma sociedade democrática pautada no mérito
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*, a parcela mais simples
desta comunidade possuía uma visão, por assim dizer, mais populista, niveladora. Com
62
Esta concepção de ADAMS, após a declaração da independência e, durante o período da politics of
liberty, sofreu uma drástica mudança. Tanto foi assim que, no fervilhar da Convenção de Filadélfia, sua
participação foi irrelevante (Cf. W
OOD, 1972: 567-592).
Esta mudança se faz sentir nas seguintes palavras, proferidas por ADAMS, ao vislumbrar um cidadão
comemorando o fechamento de uma Corte de Justiça, em Massachusetts, e o celebrar pelo feito:
“É esse o objeto daquilo que eu vim defendendo [a independência]? Perguntei a mim mesmo. Por muito
tempo caminhei sem uma resposta a esta indagação. São esses os sentimentos destas pessoas e quantas
iguais hão de haver no país? Metade da nação, pelo que sei; pois metade da nação é composta por
devedores. Se não mais, e isto tem sido, em todos os países, o sentimento de todos os devedores. Se o
poder de um país pudesse cair em suas mãos, e há um grande perigo de que isso ocorrerá, qual foi o
propósito de nosso sacrifício de tempo, saúde e tudo o mais? Certamente nós devemos nos resguardar
contra este espírito e princípios, senão nos arrependeremos por nossa conduta.” (apud K
RAMNICK, In.
MADISON, HAMILTON, JAY, 1987: 24).
“Is this the object for which I have been contending? said I to myself. For I rode along without any
answer to this wretch. Are these the sentiments of such a people and how many of them are there in the
country? Half the nation for what I know; for half the nation are debtors, if not more, and these have been,
in all countries, the sentiments of debtors. If the power of the country should get into their hands, and
there is a great danger that it will, to what purpose have we sacrificed our time, health and everything
else? Surely we must guard against this spirit and these principles, or we shall repent of all our conduct.”.
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“In the Whig conception of politics a tyranny by the people was theoretically inconceivable, because
the power held by the people was liberty, whose abuse could only be licentiousness or anarchy, not
tyranny. As John Adams indignantly pointed out, the idea of the public liberty’s being tyrannical was
illogical: ‘a democratical despotism is a contradiction in terms’.”.
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Acerca desta idealização, WOOD: “Em um sistema republicano, apenas o talento tem importância. Era,
agora, possível que ‘até mesmo as rédeas do Estado sejam conduzidas pelo filho do homem mais pobre,
caso este tenha as habilidades necessárias para tal cargo’. O ideal, especialmente nas colônias do sul, era a
criação e a manutenção de uma verdadeira aristocracia natural, baseada na virtude, temperança,
independência e devoção ao bem comum.” (1972: 71).
“In a republican system only talent would matter. It was now possible ‘that even the reins of state may be
held by the son of the poorest man, if possessed of abilities equal to the important station’. The ideal,
especially in the southern colonies, was the creation and maintenance of a truly natural aristocracy, based
on virtue, temperance, independence, and devotion to the commonwealth.”.
Falar-se-á sobre a aristocracia natural em um outro tópico.
Contudo, importante ressaltar, com base em M
AIN (1974: 4), que tal preferência dos sulistas pela
aristocracia natural em muito decorre do fato de, nestes Estados, haver uma maior concentração de
riqueza do que nas demais partes do país.