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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (MESTRADO)
IVAN LUIZ DE OLIVEIRA
A LIBERDADE VIGIADA:
ESTUDO SOBRE OS MODOS DE RECEPÇÃO DA OBRA O ALQUIMISTA, DE
PAULO COELHO, PELOS DETENTOS DA PENITENCIÁRIA ESTADUAL DE
MARINGÁ
MARINGÁ-PR
2007
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IVAN LUIZ DE OLIVEIRA
A LIBERDADE VIGIADA:
ESTUDO SOBRE OS MODOS DE RECEPÇÃO DA OBRA O ALQUIMISTA, DE
PAULO COELHO, PELOS DETENTOS DA PENITENCIÁRIA ESTADUAL DE
MARINGÁ
Dissertação apresentada à Universidade
Estadual de Maringá, como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre em
Letras, área de concentração: Estudos
Literários.
Orientadora: Profª Drª Alice Áurea
Penteado Martha.
MARINGÁ
2007
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FICHA CATALOGRÁFICA
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)
Oliveira, Ivan Luiz de
O48l A liberdade vigiada : estudos sobre os modos de
recepção da obra o Alquimista, de Paulo Coelho, pelos
detentos da penitenciária estadual de Maringá / Ivan
Luiz de Oliveira. -- Maringá : [s.n.], 2007.
130 f.
Orientadora : Prof. Dr. Alice Áurea Penteado
Martha.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Maringá. Programa de Pós-graduação em Letras, 2007.
1. Crítica literária. 2. Estética da Recepção -
Teoria. 3. Estudos culturais. 4.Sociologia da leitura.
5. Conceito de literatura. 6. Formação do leitor. 7.
Leitor presidiário. I. Universidade Estadual de
Maringá. Programa de Pós-graduação em Letras.
Cdd 21.ed. 801.3
DEDICATÓRIA
Aos detentos da PEM, pela sensibilidade
que tiveram ao responder os questionários
propostos para esta pesquisa.
AGRADECIMENTOS
À Élida, pela paciência e
companheirismo. Aos professores do
mestrado que contribuíram para a
realização deste trabalho, especialmente à
Prof. Drª. Alice Áurea Penteado Martha,
que me orientou. Ao colega prof. Gilberto
Dada, pela disposição em veicular os
questionários trabalhados junto aos
pesquisados. A Deus, pela força diária.
EPÍGRAFE
Passou a diligência pela estrada, e foi-se;
E a estrada não ficou mais bela, nem sequer mais feia.
Assim é a ação humana pelo mundo fora.
Nada tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos;
E o sol é sempre pontual todos os dias.
(Fernando Pessoa)
RESUMO
A liberdade vigiada: estudo sobre os modos de recepção do livro O Alquimista, de Paulo
Coelho, por detentos da Penitenciária Estadual de Maringá.
Autor: Ivan Luiz de Oliveira
Orientadora: Prof. Drª. Alice Áurea Penteado Martha
A partir da análise sobre os modos de recepção do livro O Alquimista, de Paulo
Coelho, por detentos da Penitenciária Estadual de Maringá, pretende-se evidenciar que a
discussão em torno da divisão crítica que parece haver acerca dos conceitos de
“literatura de massa” e “literatura erudita” é, em grande parte, inócua. Entende-se, em
princípio, que esses pólos devem ser compreendidos relativamente, e não
exclusivamente. Visto que, em contrapartida a determinados preceitos técnicos que
supõem a interpretação do artefato literário apenas a partir das leituras referendadas pela
crítica especializada em literatura, compreende-se que a leitura literária do “leitor
comum” (desprovido do referencial teórico-crítico que tem abalizado o julgamento de
valor das obras literárias publicadas) também tem sua validade.
A metodologia utilizada na pesquisa consistiu na aplicação de dois questionários
aos pesquisados a fim de identificar, primeiro, o nível socioeconômico dos mesmos e,
depois, os modos de recepção de O Alquimista. Para tanto, procedeu-se à
fundamentação teórica do problema a partir do elencamento de teorias e autores cujos
argumentos defendem a compreensão da literatura sem o marco divisório entre o
popular e o erudito (corrente pós-estruturalista) e buscou-se delinear os modos de
operação da Sociologia da Leitura e da Estética da Recepção como meio para justificar o
papel fundamental do leitor quando se trata de buscar uma classificação para o grau de
literariedade de uma obra. Em seguida, estabeleceu-se a comparação entre as opiniões
da crítica especializada sobre a obra de Paulo Coelho, as considerações do autor da
pesquisa sobre O Alquimista e a análise dos questionários propostos.
Os resultados obtidos foram satisfatórios pois demonstraram que a recepção de
O Alquimista por parte dos leitores pesquisados corroborou o que se propunha no
projeto deste trabalho: que, apesar de toda a resistência da crítica literária especializada
em relação à obra de Paulo Coelho, leitores que gostam desse tipo de literatura e,
portanto, não deveriam ser censurados por isso.
Palavras-chave: Recepção e efeito, O Alquimista, leitores na prisão.
ABSTRACT
The guarded freedom: a study about the ways of reception of the book The Alchemist, by
Paulo Coelho, through the prisoner’s reading of the State Prison in Maringá.
Author: Ivan Luiz de Oliveira
Adviser: Prof. Drª. Alice Áurea Penteado Martha
At analysing the ways of reception of the book The Alchemist, by Paulo Coelho,
through the prisoner’s reading of the State Prison in Maringá, the intention is to show
the discussion about the critical division between the concepts of mass literature and
canonical literature is, at least, innocuous. The argument is that these two points must
be understood relatively, not exclusively. Although some technical precepts accord that
the comprehension of the literary artefact must be accepted only through the readings
defended by the specialised criticism in literature, the understanding is that the literary
reading of a “common reader” (without the theoretical-critical references that has
supported the judgement of the value of some published works) has also its validity.
This research’s methodology was developed by the application of two
questionnaires in the way of identifying, at first, the socio-economical level of the
selected readers and, after that, their ways of reception of The Alchemist. The theoretical
grounding of the problem was organized by the selection of theories and authors whose
arguments defend the conception of literature without the division between popular and
scholar (post-structuralist theory) and by the description of the ways as the Sociology of
Reading and the Aesthetic of Reception deal to justify the importance of the (common)
reader as part in the process of the literacy degree’s classification of a literary work. The
following procedure consisted of the comparison between the opinions of the
specialised criticism about Paulo Coelho’s work, the analysis of The Alchemist by the
author of this research and the analysis of the questionnaires applied to the selected
readers.
The obtained results were satisfactory because they showed the reception of The
Alchemist by the selected readers corroborated the initial purpose of this project: even
with the specialised literary criticism resistance in relation to the Paulo Coelho’s work,
there are readers who like this kind of literature and, hence, they should not be
reproached for that.
Key-words: Reception and effect, The Alchemist, readers in prison.
SUMÁRIO
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS....................................................................................13
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA.............................................19
2.1. O QUE FAZ DA LITERATURA, LITERATURA?.......................................19
2.2. CONCEPÇÕES DE LITERATURA....... .......................................................27
2.3. FUNÇÕES DA LITERATURA......................................................................29
2.4. DA LITERATURA COMO AGENTE DE TRANSFORMAÇÃO
CULTURAL...........................................................................................................31
3. TEORIAS DA LEITURA............................................................................................39
3.1. SOCIOLOGIA DA LEITURA: IMPLICAÇÕES NO ÂMBITO DA
PESQUISA LITERÁRIA.......................................................................................39
3.2. ESTÉTICA DA RECEPÇÃO, TEORIA DO EFEITO ESTÉTICO................44
4. A RECEPÇÃO DE O ALQUIMISTA..........................................................................50
4.1. PAULO COELHO: A RECEPÇÃO CRÍTICA...............................................50
4.2. O ALQUIMISTA..............................................................................................64
4.3. O ALQUIMISTA: RECEPÇÃO NO CÁRCERE.............................................71
4.3.1. DESCRIÇÃO DO PRIMEIRO QUESTIONÁRIO.......................71
4.3.2. ANÁLISE DO SEGUNDO QUESTIONÁRIO.............................73
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................87
ANEXOS.........................................................................................................................92
ANEXO 01.............................................................................................................93
ANEXO 02...........................................................................................................100
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A partir do primeiro momento em que toma contato com o postulado crítico
sobre a ciência que pretende reconhecer, o pesquisador sena missão de encontrar um
caminho que não o faça se perder queira em argumentações superficiais, em repetições
de lugares-comuns pisados por críticos antecedentes, queira em juízos de valor
resultantes de crenças em verdades absolutas, que não são senão, na maioria das vezes,
veleidades. Assim, a escolha do que se quer dizer, e do como se pretende dizer o que se
quer dizer, passa por uma análise não apenas do objeto a ser estudado, mas também dos
meios de que se dispõe para estudar tal objeto.
Os meios ora dispostos são parcos, é preciso reconhecer. Seja pela necessidade
de experiência de vida, de leituras, ou pela ausência do tempo que se julga necessário a
tal empresa. Pode ser perigoso mergulhar em um oceano se não se tem todos os
equipamentos de mergulho. Então, muitas vezes, mergulha-se estando à tona, sem
deixar de sentir o ar ao redor, ao mesmo tempo em que se vivencia a profundidade do
ainda desconhecido, do imaginado. O oceano, neste caso, é a literatura, e a pesquisa ora
apresentada deriva da intenção de discutir (de tentar desmistificar) a idéia de
contraposição que possivelmente possa existir entre os conceitos de “literatura
canônica” e “literatura de massa”. A partir da análise sobre os modos de recepção e
efeito das obras literárias lidas pelos detentos da Penitenciária Estadual de Maringá, que,
em geral, correspondem à leitura de obras tradicionalmente classificadas como
“literatura de massa”, pretende-se evidenciar que a discussão em torno dessa divisão
crítica é, em grande parte, inócua. Pois, a quem caberia estabelecer os limites entre o
erudito e o popular, entre o cânone e a marginalidade, pensando que tal intenção não
representaria senão um ato de conveniência particular da crítica que o fizesse? Entende-
se, em princípio, que esses pólos devem ser compreendidos relativamente, e não
exclusivamente. É na teoria sobre os diferentes níveis de formação do leitor, portanto,
na Sociologia da Leitura e na Estética da Recepção, que residem os pressupostos
basilares desta pesquisa, cujo propósito corresponde não a uma perspectiva
discriminatória do leitor por ler obras que a tradição crítica estabeleceu como não-
literárias –, mas a uma perspectiva do mesmo enquanto sujeito ativo do processo de
assimilação e constituição da cultura a que pertence, a partir da literatura.
13
Se por um lado a crítica literária acadêmica contribuiu e ainda tem contribuído
para o entendimento das obras literárias produzidas ao longo dos tempos, o que é
salutar, por outro lado, muitas vezes se percebe que essa mesma crítica também
reivindica o poder de estabelecer aquilo que se deve ler como literatura ou aquilo que
deve ser a literatura, como quando aponta para os grandes clássicos de William
Shakespeare, Miguel de Cervantes, Homero, Honoré de Balzac, Machado de Assis,
entre tantos outros em contrapartida a obras que, principalmente a partir da segunda
metade do século XX, conquistaram o gosto de uma média considerável de leitores em
virtude de seu caráter pragmático, acessível a sujeitos inseridos em contextos sociais
que extrapolam o âmbito acadêmico-literário. As obras características dessa categoria
que ainda encontram resistência junto à critica especializada seriam aquelas de
escritores como Agatha Christie, Sidney Sheldon, Paulo Coelho, e tantos outros.
Essa discrepância quanto ao entendimento do valor literário das obras
produzidas até o presente momento justifica-se, entre muitos fatores, pelo advento da
modernidade no século XX ter permitido a produção e disseminação dos mais variados
autores em escalas jamais conseguidas em outros tempos. Esse avanço, que para alguns
pode ser compreendido como retrocesso, propiciou a descentralização do que se
compreendia por literatura e abriu um leque de possibilidades de leitura muito mais
amplo em relação àquele que se tinha, de certa forma autorizando ao público leitor a
escolha das obras literárias de seu próprio interesse em detrimento daquelas obras que a
instituição crítica literária sempre teve o cuidado de direcionar a um público mais seleto.
Por outro lado, subjacente a essa perspectiva aparentemente democratizante da
literatura – que ironicamente foi condicionada pela expansão do Capitalismo –, outra
questão que é aquela relacionada ao mercado editorial de livros de literatura, situação
em que é questionável, por exemplo, se as recentes obras de grande aceitação pública, os
best sellers, são de fato frutos de alguma intenção literária, portanto também artística, de
seus autores, ou são, meramente, o resultado de acordos financeiros entre autores e
editoras cujos objetivos, vulgarmente, restringir-se-iam ao acúmulo de capital e ao
condicionamento de uma cultura da desinformação de um público leitor-consumidor
carente de novidade e sem tempo para refletir filosoficamente sobre o conteúdo das
obras lidas. Se não tempo nem interesse para se resolverem os conflitos suscitados
pelas obras literárias canônicas defendidas pela crítica acadêmica, como parece que
14
havia de sobra em séculos anteriores ao século XX, é mais plausível, na perspectiva
representada pelo Capitalismo, que tais conflitos nem sejam criados, para que a máquina
mercantil não seja interrompida.
A impotência humana de resolver os conflitos atuais é um problema que diz
respeito a todos os indivíduos, pois se reflete na desordem dos discursos e das práticas
socioculturais tanto das elites quanto das massas. Dessa forma, não se pode deixar de
considerar que tipo de efeito a literatura produzida para as massas representa na
sociedade atual. É nessa perspectiva, então, que este trabalho lida com a questão da
recepção e efeito de obras de literatura voltadas para públicos leitores que não aqueles
críticos, acadêmicos, mas outros, cidadãos que não tiveram oportunidades de aprofundar
seu conhecimento sobre as “técnicas de leitura e escrita literárias”, sujeitos com
discursos representativos dos diferentes modos de ser do brasileiro, indivíduos
literalmente à margem da sociedade: os detentos da Penitenciária Estadual de Maringá.
Tais leitores, em regime de privação de liberdade, encontram na literatura algum
tipo de suplemento para a sua pena? À leitura de uma obra literária, eles são capazes de
refletir sobre a gravidade de seus crimes, sentirem-se culpados, ou, ainda, injustiçados
por estarem ali, se o que os levou a tal pode não ter sido um ato consciente, mas a
conseqüência de um modo de organização social que para garantir o privilégio de alguns
tem que sacrificar a liberdade de tantos outros?
Este trabalho é o resultado do entendimento de que a literatura não é para ser
ensinada, imposta. Tampouco, da crença de que ela deva ser somente gratuita, no
sentido de que fala Antonio Candido (1976). Em suas variadas formas de expressão, ela
existe desde que existe a humanidade. Portanto, determinou-a e deixou-se determinar
por ela, de forma que não apenas gratuidade nesse processo, mas também
cumplicidade. Assim como todas as outras formas de expressão artística objetos da
produção cultural da humanidade ao longo da história –, a literatura atua na sociedade
não apenas como um objeto artístico a ser contemplado, mas evidencia amiúde o desejo
da humanidade por superar os seus conflitos. A literatura seria sempre um discurso além
do seu tempo, um olhar adiante.
Paralelamente ao discurso de grande parte das obras literárias que privilegiam a
liberdade de criação, o discurso autoritário da crítica de literatura que, de alguma
forma, sempre acaba condicionando os modos futuros de produção da arte literária. A
15
crítica parece ter se isolado em seu projeto de avaliação do artefato literário e, dessa
forma, nos meios acadêmicos, contribuiu para que se criasse a concepção de que a
literatura devesse ser analisada sempre como algo alheio às práticas da sociedade
comum, sem uma função social.
Porém, como ignorar o caráter transformador da literatura, capaz de, entre tantas
coisas, influenciar os modos de ser e agir dos indivíduos? A crítica, de fato, não ignora
esse potencial que tem a literatura, mas o reconhece apenas nas obras que lhe apetecem,
denunciando também o caráter subjetivo inerente à sua prática.
O mundo atual, constituído dos mais variados conflitos, requer olhares mais
sensatos para os seus acontecimentos extremos. Mas a literatura eleita pela crítica não
conta sozinha de abarcar o caos moderno, talvez o intensifique. Para além das
recriminações acerca das vantagens financeiras que a literatura de massa traz a quem a
ela se dedica, talvez seja necessário considerar de que forma ela atua e quais as
implicações práticas que dela resultam.
Em decorrência do propósito inicial de se discutir a inviabilidade da
contraposição entre as concepções de “literatura de massa” e “literatura canônica”,
reside um outro objetivo, que é o de analisar em que medida a leitura de literatura pelos
detentos da Penitenciária Estadual de Maringá pode contribuir para a reinclusão desses
indivíduos na sociedade civil. Através da identificação da freqüência de leituras de
obras literárias e da literatura predominante no gosto desses leitores, procurou-se
demonstrar como eles vêem o caráter artístico de uma obra literária onde estão ou o
que são para eles, a beleza, o prazer ou a fruição nas obras lidas. Para tanto,
especificamente, foi preciso analisar em que medida a leitura de O Alquimista permitiu a
esses leitores a obtenção de juízos de valor para além do caráter estético da obra, ou
seja, buscou-se verificar as possíveis implicações pragmáticas decorrentes desta leitura
como forma de justificar o caráter funcional da literatura, ainda hoje combatido por boa
parte da crítica literária acadêmica.
Tais intenções devem-se ao fato de que esta pesquisa não parte de um marco
zero. Sob a orientação da prof. Drª Alice Áurea Penteado Martha, esta pesquisa de
algum modo continua um trabalho já iniciado por ela sobre os modos de ler dos detentos
16
na penitenciária em referência
1
. E sabe-se que, embora limitado, o acervo da biblioteca
daquela instituição possui tanto obras tidas como “literatura de massa” e obras tidas
como “literatura erudita”. Também, que o gosto daqueles leitores tende mais para
“literaturas triviais” do que para “altas literaturas”, emprestando a expressão de Leila
Perrone-Moisés (1998). Gostam muito de Paulo Coelho. Lêem José Saramago mais pela
indicação do bibliotecário do que por vontade própria, visto que nem sempre apreendem
o “alto valor” literário das obras do escritor português.
A metodologia utilizada para a realização desta pesquisa centrou-se, em um primeiro
momento, na fundamentação teórica do problema a ser discutido, a partir do
elencamento de idéias e de autores que subsidiaram a defesa dos argumentos relativos à
compreensão da literatura sem o marco divisório entre o popular e o erudito.
Em decorrência do entendimento de que cabe ao leitor, em seus mais variados
níveis de formação, o juízo de valor sobre o caráter popular ou erudito de determinada
obra literária, em um segundo momento buscou-se delinear os modos de operação da
Sociologia da Leitura e da Estética da Recepção como meio para justificar o papel
fundamental do leitor quando se trata de buscar uma classificação para o grau de
literariedade de uma obra literária.
Em um terceiro momento, procedeu-se o levantamento das opiniões da crítica
especializada sobre a obra de Paulo Coelho, momento em que se pôde verificar tanto
opiniões favoráveis quanto contrárias à produção literária do autor. Em seguida a esse
levantamento da crítica sobre Paulo Coelho, procedeu-se a análise de O Alquimista por
parte do autor desta pesquisa com o objetivo de articular o referencial teórico utilizado e
alguns pontos de vista pessoais sobre a obra.
Enfim, por se tratar de uma pesquisa etnográfica, este trabalho partiu de um
questionário prévio, de caráter sócio-econômico-cultural (vide anexos), direcionado aos
pesquisados, a fim de identificar o grau de formação escolar dos mesmos, sua faixa
1
O projeto Monteiro Lobato: reconhecendo leitores foi desenvolvido como atividade de Pós-doutorado,
na PUC/RS, sob tutoria da Profª Drª Regina Zilberman. A importância desse local de reclusão para
pesquisas sobre leitura se mostrara latente por ocasião da orientação da dissertação de mestrado de
Daniela Carla de Oliveira, O leitor e a leitura do texto literário na Penitenciária Estadual de
Maringá, defendida no Programa de pós-graduação em Letras, da Universidade Estadual de Maringá, em
2004, que estudou, especialmente, a recepção de Drummond por detentos, alunos do Curso Educação de
Jovens e Adultos.
17
etária, a regularidade com que se utilizam da biblioteca da instituição e o tipo de
literatura recorrente em suas leituras.
Com base nos estudos prévios sobre o estado da questão, e sob a perspectiva de
uma abordagem sociológica da leitura dos pesquisados, optou-se pela escolha do livro O
Alquimista, de Paulo Coelho (1988), em decorrência deste autor ter sido mencionado
reiteradas vezes pelos pesquisados ao responderem sobre os livros de sua preferência no
primeiro questionário, pois se constatou tratar-se de obra e autor emblemáticos para a
compreensão do fenômeno “Literatura de Massa”.
2
Em cumprimento aos objetivos da pesquisa, foi encaminhado aos leitores pesquisados
um segundo questionário cujas questões tiveram por objetivo a identificação dos modos
de recepção de O Alquimista, a fim de saber se a obra foi ou não capaz de fazê-los
perceber valores estéticos, morais, religiosos, filosóficos, enfim, literários.
À luz dos pressupostos teóricos delineados, e da avaliação dos questionários
respondidos, foi desenvolvida a análise da recepção da obra pelos pesquisados, com
vistas à articulação entre os pontos de vista teóricos que justificam a defesa de uma
literatura canônica e aqueles que defendem uma interpretação mais flexível para o
conceito. Nesse caminho, buscou-se confrontar os argumentos, as ideologias do “leitor
comum” com o pensamento crítico sobre literatura como forma de identificar seus
pontos de convergência e/ou divergência.
2
Lista dos livros mais lidos na Biblioteca da PEM, segundo o atendente Luiz Antonio Paulich, no período
entre agosto/2003 e julho/2004:
1- O Alquimista - Paulo Coelho
2- O filho do fogo - Isabela Mastral e Eduardo Mastral
3- O reverso da medalha - Sidney Sheldon
4- Onze minutos - Paulo Coelho
5- A herdeira - Sidney Sheldon
6- Se houver amanhã - Sidney Sheldon
7- Pássaros feridos - Collen MacCullough
8- Dom Casmurro - Machado de Assis
9- Ensaio sobre a cegueira - José Saramago
10- Guerreiros da luz - Isabela e Eduardo Mastral
18
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA
Neste capítulo, no item 2.1., busca-se apresentar pontos de vista acerca da
variabilidade para o conceito de literatura a partir do estabelecimento de relações entre
obras “canônicas” e “não canônicas” especificamente a partir da especulação entre as
possíveis variações quanto à recepção de obras de autores como Paulo Coelho e
Machado de Assis. Pretende-se, desse modo, evidenciar que não é apropriado classificar
esse ou aquele autor como representativo de uma literatura canônica em virtude das
diferentes instâncias em que ocorre o ato da leitura.
No item 2.2., tem-se o objetivo de descrever as concepções de literatura dos
autores com os quais este trabalho dialoga na mesma perspectiva. Procura-se delinear
algumas diretrizes teóricas a partir de textos de Antonio Candido, Antonie Compagnon
e Terry Eagleton, cujas opiniões em tais textos remetem à concepção de que existem
diferentes níveis de interpretação, ou de complexidade, para a literatura.
No item 2.3., apresenta-se uma descrição funcional da literatura com base nos
textos A literatura e a formação do homem (1972) e O direito à literatura (1995),
ambos de Antonio Candido, como suporte para a argumentação de que a literatura não
pode deixar de ser compreendida enquanto elemento formador, humanizador.
Por fim, no item 2.4., a partir da relação entre os pressupostos teóricos do Pós-
estruturalismo e dos Estudos Culturais, busca-se desenvolver a concepção de que o
processo dialético que envolve a literatura sua capacidade de determinar os modos de
ser de uma sociedade e ao mesmo tempo de ser determinada por ela atua diretamente
nos indivíduos e no seu modo de organização social, sempre potencializando algum tipo
de transformação cultural dos mesmos.
2.1. O QUE FAZ DA LITERATURA, LITERATURA?
A discussão parece não ter fim. Há muitos teóricos que discutem a questão e, por
isso, cada vez mais têm aberto o caminho para a fundamentação desse fenômeno tão
complexo e, em certo sentido, inclassificável.
O conceito de literatura, como quase tudo na vida, passou por várias
transformações ao longo de sua história para ser entendido como é hoje em dia. Houve
19
um tempo em que praticamente tudo o que se escrevia era literatura: um tratado médico
sobre um novo remédio capaz de curar determinada chaga era classificado como
literatura, por exemplo. E, nos dias atuais, é comum se ouvir termos como literatura
médica, literatura policial ou literatura gastronômica.
No meio acadêmico, uma espécie de consenso quanto à literatura ser a
expressão de uma sensibilidade estética através da palavra escrita. E esse caráter estético
pode ser expresso tanto através da prosa como do poema.
Embora quando se afirma que a literatura é inclassificável ela esteja sendo
classificada, o sentido do termo inclassificável se justifica quando pensamos a literatura
sob a perspectiva do leitor. Ninguém é dono das palavras, e, porquanto, dos conceitos de
ética e moral, neste caso denotados não pela literatura, mas por todos os discursos.
São eles que dirão se um texto é literatura ou não.
Se a escrita é uma forma de linguagem e as diferentes formas de linguagem
servem para comunicar algo a alguém, compreende-se que a literatura, modalidade da
linguagem escrita, também tem por meta a comunicação de uma mensagem a um tipo de
leitor capaz de interpretá-la, de torná-la comum. Portanto, cabe ao leitor o juízo de
valor sobre a literariedade de uma obra. Mas é que começa o problema da
inclassificabilidade da literatura.
Nos círculos acadêmicos de letras, por exemplo, tem-se o hábito de diminuir a
produção escrita de autores como Paulo Coelho como não-literatura e, por outro lado, o
hábito de se considerar a produção escrita de autores como Machado de Assis,
Guimarães Rosa, Clarice Lispector, entre tantos outros, como a literatura por
excelência. Dadas as diferenças, as qualidades e os defeitos de cada autor, o critério de
classificação acima é extremamente excludente porque quem o estabelece são
basicamente professores ou estudantes de literatura, sem considerar que o leque de
leitores é muito maior do que o restrito aos meios acadêmicos. Portanto, é preciso
verificar por que tantos leitores que, fora do meio acadêmico, se interessam por
literaturas que, academicamente, não são vistas como tal.
Suponhamos que os telespectadores dos programas de televisão aberta, em
número muito maior do que os leitores de literatura, assistem aos programas chulos
que assistem por pura falta de opção, que a programação lhes é imposta e que esses
grandes canais não veiculam programas capazes de engrossar o caldo cultural das
20
massas porque não interessa torná-las críticas o suficiente para contestar o sistema de
pensamento dominante. É uma situação que não permite a possibilidade da escolha,
diferentemente do que ocorre com aquilo que se quer ler.
O critério determinante do gosto do telespectador e do leitor não é o mesmo.
Paulo Coelho e Machado de Assis, assim como inúmeros outros autores, estão
disponíveis nas estantes das bibliotecas e das livrarias. Para chegar até eles, o leitor
precisará deslocar-se de casa até a livraria ou à biblioteca e fazer a sua escolha, um
momento bem mais pessoal e, comparativamente, sem as mesmas imposições externas
que pode representar a “escolha” de um canal de televisão.
Seria necessário, portanto, que todo leitor fora dos círculos acadêmicos passasse
por um curso específico de leitura literária para saber diferenciar o que deve ser lido
como literatura e o que não deve ser lido como tal? Além de impossível de se realizar,
esta atitude não seria uma tentativa de dirigir e, conseqüentemente, restringir o gosto do
leitor não acadêmico? Será que este tipo de leitor está preocupado com os caminhos da
literatura discutida nas Universidades? O que quer, de fato, o leitor comum com a
literatura? Será que ele quer alguma coisa?
O ser humano gosta de comodidade. É bem mais fácil deitar-se no sofá e com o
controle remoto do aparelho de TV “dominar o mundo” do que preparar-se para o
“ritual” da leitura de uma obra literária. Ironicamente, essa sensação de prazer e
conforto do telespectador enquanto dominador é falsa, pois a falta de diversidade
encontrada na mídia eletrônica impõe a ele uma espécie de auto-alienação e de
submissão frente ao conteúdo veiculado pela televisão.
É preciso lembrar que o discurso literário também tem muitas limitações. A
variedade de obras nas bibliotecas, em se tratando de Brasil, é limitada pela falta de
recursos ou pela incompetência no gerenciamento deles. Nas livrarias, imperam as
decisões editoriais sobre quais autores devem ser vendidos e quais não, em atendimento
à necessidade do mercado. Ainda assim, não como negar que a variedade de
informações encontrada nas livrarias e bibliotecas é muito maior do que a encontrada
nos canais de televisão aberta.
Se a leitura de literatura é mais do que uma imposição, quando ela passa a ser
uma opção, comparada à imposição da mídia eletrônica, e desconsiderando aqueles que
têm TV a cabo, o problema está em se verificar os motivos que levam tão poucos
21
leitores a se interessarem pela “grande literatura”, em proporção àqueles que se
satisfazem com a chamada “literatura trivial”.
Aquilo que torna a literatura erudita mais atraente também pode ser o motivo do
distanciamento do leitor comum ao contato com obras desse nível. Quando falamos em
ritual para a leitura de literatura, dois pontos de vista a serem considerados: de um
lado, a sacralização do livro, que é interessante sob a perspectiva de conferir à literatura
um status de nobreza, de liturgia; porém, por outro lado, disso decorre que o leitor não
iniciado não se sente seguro a trilhar um caminho que sabe ser reservado a poucos. Tal
leitura não lhe servirá se não trouxer os elementos correspondentes à “sua realidade
sociocultural”, “a seu horizonte de expectativas” (JAUSS, 1994).
O impacto que a obra de Machado de Assis exerce hoje em dia não é o mesmo
que exercia em sua época contemporânea, visto que o autor de Quincas Borba não foi
uma unanimidade junto à crítica de seu tempo. Embora muito contestada pela crítica
literária atual, em virtude do seu teor impressionista, pode-se mencionar como exemplo
a opinião do crítico Sílvio Romero que, em 1897, portanto em época contemporânea a
Machado de Assis, já discorria sobre as possíveis qualidades e/ou defeitos do autor:
O psicologismo, mais ou menos irônico e pessimista, do autor
de Brás Cubas, prende-se, por mais de uma raiz, ao romantismo
comedido e sóbrio, cheio de certas sombras clássicas, que o escritor
jamais abandonou.
Por outros têrmos, seu romantismo foi sempre, no meio da
barulhada imaginativa e turbulenta dos seus velhos companheiros, pacato
e ponderado, com uma porta aberta para o lado da observação e da
realidade; seu posterior sistema, que poderemos chamar um naturalismo
de meias tintas, um psicologismo ladeado de ironias veladas e de
pessimismo sossegado, tem, por sua vez, uma janela escancarada para a
banda das fantasias românticas, não raro das mais exageradas e aéreas.
(...) Para dizer tudo sem mais rodeios: Machado de Assis é
grande quando faz a narrativa sóbria, elegante, lírica dos fatos que
inventou ou copiou da realidade; é menor, quando se mete a filósofo
pessimista e a humorista engraçado (ROMERO, 1897).
22
No entanto, Machado de Assis atravessou o século XX e hoje é considerado um
mestre, um marco na literatura erudita do Brasil, o que lhe confere um status de
superioridade. Mas, o leitor comum a que nos referimos neste artigo, ao ler a obra de
Machado, saberia identificar o porquê da sua literatura ser chamada de erudita?
Dificilmente, visto que talvez confundisse erudição com falta de nexo. Para o leitor
comum, a grande literatura proclamada pela crítica é pesada demais para se suportar.
Por outro lado, Paulo Coelho é um autor contemporâneo que, devido aos
altíssimos índices de vendagem de suas obras (em escala mundial), é extremamente
criticado pelos estudiosos de literatura que, de certa forma, o acusam de charlatão por
entenderem que o autor vale-se da literatura para fins não-literários. Em suas obras, fala
de Deus, de demônios, de pedras filosofais, buscas existenciais, e seus livros são
consumidos quase que compulsivamente por seus “leitores comuns”.
A questão, então, é: por que um deve ser considerado literatura e o outro não?
Sob o ponto de vista acadêmico, Machado de Assis deve ser literatura e Paulo Coelho
não porque o modo de articulação do discurso machadiano apresenta as marcas estéticas
que deve ter a literatura. Sob o ponto de vista do leitor comum, provavelmente, Paulo
Coelho será literatura porque, pela acessibilidade do seu discurso, ao leitor aquilo
que ele procura: comodidade.
Um outro exemplo do descaso de seus coetâneos é o escritor Lima Barreto que,
em seu tempo, foi praticamente excluído do circuito literário porque seus escritos, mais
de cunho jornalístico, não pareciam conter as marcas ou sutilezas estéticas da literatura.
Como saber se Machado de Assis vislumbrou a força e a perenidade de sua obra ao
longo dos tempos? Lima Barreto, atualmente, é considerado um dos grandes autores da
literatura brasileira. E Paulo Coelho, será que as futuras gerações dirão alguma
qualidade em sua obra? Com esse argumento, procura-se demonstrar que o conceito de
cânone também é questionável, pois seus critérios de classificação da literatura parecem
ser mais subjetivos do que objetivos.
É aquilo que diz o crítico Antonio Candido no capítulo sobre Estímulos da
criação literária (1976), em que distingue a literatura em diferentes níveis de
compreensão. A produção literária de um povo rústico, condicionado a um ambiente
mais restrito de informações e conhecimentos gerais, certamente evidenciará as
23
características da cultura desse povo. Da mesma forma, a produção literária de um autor
inserido em um contexto de maior erudição apresentará as marcas desse ambiente.
Portanto, tanto a produção literária de um povo rústico quanto a de um povo erudito são
literatura. Apenas variam em critérios de classificação. O leitor erudito de hoje não julga
Paulo Coelho literatura, por entender que sua obra carece de elementos que a
caracterizem como tal; assim como o leitor rústico (ou um “iletrado literariamente”)
pode não julgar Machado de Assis literatura, por não estar apto a penetrar as sutilezas
estilísticas (por exemplo, o uso da ironia) presentes em suas obras.
A questão seria ainda menos esclarecedora se, distanciando-se um pouco da idéia
de Antonio Candido, o crítico comum de literatura se preocupasse, ao mesmo tempo,
com a obra literária a partir do contexto social de cada autor e de cada leitor, a cada
leitura, numa soma infinita, sem um denominador com a finalidade de imperar, ditar as
palavras em cada boca, como tentou a crítica impressionista.
Sabendo Machado de Assis um homem de origem humilde e de poucas posses,
em uma época em que nem se sonhava com o avanço tecnológico a que se chegou neste
início de século XXI, e Paulo Coelho um brasileiro de classe média alta com livre
acesso aos grandes centros culturais do mundo, talvez fosse mais lógico imaginar que as
obras de Machado de Assis fossem literatura “fácil” e as de Paulo Coelho, literatura
erudita. Mas se o contrário, o que reforça o tom da crítica de que Paulo Coelho quer
apenas ganhar dinheiro com sua produção literária. No entanto, o que vale mais: o aval
da crítica ou o do leitor? A literatura é inclassificável.
Em Dialética da Colonização, Alfredo Bosi aponta que limitações tanto na
cultura popular quanto na cultura erudita. A cultura popular é limitada por sua falta de
horizontes; a erudita, por sua falta de raízes (BOSI, 1996). Da mesma forma que o
rústico não sabe o céu sobre sua cabeça, o erudito não sabe o chão sob seus s. É
preciso, então, que o rústico alerte o erudito sobre a existência do chão e que este
desperte aquele para a existência do céu. Assim é que se poderá vislumbrar a literatura
em seu conjunto, em sua “função humanizadora”, como aqui se procura interpretar a
palavra de Antonio Candido, cujos pressupostos estão fundados na teoria apresentada
por Hans Robert Jauss em A história da literatura como provocação à teoria literária
(1994).
24
De acordo com Candido, ao contato com uma boa obra literária, o leitor
encontrará subsídios para a formação de sua personalidade e preparar-se-á melhor para
os desafios da vida cotidiana. Mas alerta: “a literatura não corrompe nem edifica”,
apenas “faz viver”. A literatura, enquanto elemento de humanização, desempenha uma
função vital.
Não em relação à literatura, mas em situações diversas, todos tendemos a
relegar aquilo que nos entedia e a buscar algo que nos satisfação ou prazer de
vivenciar. A literatura só existe porque o leitor existe. Há de se supor, então, que o leitor
sinta prazer em ler um bom romance.
Mas, e se ele sentir prazer somente ao ler Paulo Coelho e não o sentir quando da
leitura de Machado de Assis? Seria justo afirmar que apenas Paulo Coelho é literatura?
É certo que não. Na verdade, sob a perspectiva da Estética da Recepção, poder-se-ia
dizer que ambos são literatura, apenas diferindo em função dos níveis de complexidade
que a leitura de suas obras causaria em seus leitores.
Sabe-se que a literatura é a representação de outras áreas do saber, tais como a
filosofia, a história, a antropologia a psicologia, a política, entre tantos outros campos do
conhecimento que ela possa abranger. Dessa forma, pode-se argumentar que não se
ensina literatura, porque, ao se tentar ensiná-la, o que na verdade se ensina são saberes
correspondentes a todas aquelas áreas, menos literatura (CEIA, 1999). Indo mais além
nesse raciocínio, pode-se chegar ao argumento de que a literatura é uma entidade virtual,
visto que, despida da roupagem que empresta nos mais variados campos do saber
humano, resta-lhe apenas seu caráter de arte, de desconstrução da realidade. E a
compreensão de uma obra literária enquanto expressão artística talvez seja o último
momento para o leitor. Para que ele desfrute o prazer estético de um texto literário, terá
antes que identificar as pistas presentes no texto para depois percebê-lo como obra de
arte. E é justamente nesse caminho crucial do entendimento da literatura como
instrumento de inserção social que o leitor formado na atual sociedade carece das
referências daquelas outras áreas do saber que compõem a literatura. Carência esta que,
vale dizer, também parecem sentir muitos professores de literatura, seja pela falta de
25
condições apropriadas ao desempenho de sua função, pela falta de leituras em sua
formação ou mesmo pela falta de interesse.
3
Entre outras coisas, segundo a crítica canônica a respeito da obra de Paulo
Coelho, o argumento de que sua obra não deve ser vista como literatura porque não
renova as estruturas formais ou semânticas da maneira como o fazem os grandes
autores. Ou seja, o discurso presente em seus livros seria a reprodução de muitos
lugares-comuns da literatura, sem o caráter transfigurador do real que devem trazer as
obras pretensamente literárias (BARBOSA, 2003). No entanto, para os alunos que não
agüentam mais ver seus professores de literatura impondo-lhes, indiscriminadamente,
todas as escolas literárias da história e seus grandes mártires, o contato com literaturas
menos eruditas não teria um efeito muito distinto daquele que os críticos de Paulo
Coelho julgam ser fundamental à literatura: a fuga do “lugar-comum”. Visto que, para
tais alunos, o contato com uma literatura que não lhes exigisse tantas regras e
classificações, como as vistas na escola exigem, seria um ótimo exemplo de fuga ao
“lugar-comum” que é a literatura para eles.
Os grandes autores da literatura brasileira estão nos livros didáticos, com toda a
sua riqueza poética a ser desvendada, mas a forma como são apresentados, recortados,
deformados, nega a liberdade que deve ter o leitor/aluno no momento de decifrar a
poesia (a arte) ali presente.
Diferentemente de alguns críticos que prefeririam ver obras como a de Paulo
Coelho na lata do lixo, se o aluno sente prazer em ter contato com leituras desse tipo,
isso não deve ser motivo de censura ou preconceito. É preferível compreender esse
processo como uma etapa na construção do “horizonte de expectativas” desse leitor que,
ao longo da experiência com a literatura, do contato com obras literárias mais
complexas, possa comparar os diferentes processos de criação dos diferentes autores e,
mesmo que não perceba, desenvolver um senso crítico acerca dessas variações que
tornam tão instável uma definição para a literatura.
3
Pensar uma solução única para esse problema, talvez, seja muita pretensão, mas sabendo que o vício
nos meios acadêmicos de se condenar toda “literatura fácil”, como a de Paulo Coelho, e que desses
círculos acadêmicos sairão os futuros professores das redes de ensino públicas e privadas, sugere-se que
tais profissionais não atuem como censores do gosto literário de seus alunos.
26
2.2. CONCEPÇÕES DE LITERATURA
Os textos Estímulos da criação literária, de Antonio Candido, O que é
literatura?, de Terry Eagleton, e A literatura, de Antonie Compagnon são exemplos de
textos que valorizam a diversidade ou a abrangência para o conceito de literatura.
4
Antonio Candido considera literatura tanto as criações poéticas dos povos ditos
primitivos quanto dos povos ditos civilizados. Não seria adequado classificar a literatura
de um ou outro grupo social como maior ou menor, mas considerar os fatores
determinantes desses processos de criação a que Candido nomeia “estímulos
condicionantes”: se a mentalidade do homem é basicamente a mesma e as diferenças
ocorrem sobretudo nas suas manifestações, estas devem ser relacionadas às condições
do meio social e cultural (1976: 44).
Neste ponto, Compagnon dialoga com Candido quando este diz que o critério de
valor de um texto não é “literário nem teórico, mas ético, social e ideológico”, isto é,
extratextual, contextual. Assim, se em um dos pólos do processo literário, o da criação,
essa variação acerca de uma definição para a literatura, isso também ocorre no outro
pólo, o da recepção. Terry Eagleton aponta que literatura será aquilo que o leitor
considerar literatura. E Antonie Compagnon também se refere a uma “complexidade dos
níveis de literatura”: Todo julgamento de valor repousa num atestado de exclusão.
Dizer que um texto é literário subentende sempre que um outro não é (2001: 33).
Os três textos convergem, portanto, quanto à consideração de que literatura é
algo complexo e passível de diferentes níveis de interpretação. Pode-se afirmar que, da
mesma forma como um leitor iletrado poderá não considerar literatura a produção
literária de um autor culto, um leitor culto também poderá não considerar literatura a
produção de um autor iletrado. Tal afirmação dialoga com o texto de Eagleton quando
este diz que a literatura possui um “valor transitivo”, ou seja, uma obra literária é
4
CANDIDO, Antonio. Estímulos da criação literária. In: Literatura e sociedade. São Paulo: Nacional,
1976. / COMPAGNON, Antoine. A literatura. In: O demônio da teoria literatura e senso comum.
UFMG: Belo Horizonte, 2001. / EAGLETON, Terry. O que é literatura? In: Teoria da literatura: uma
introdução. Trad. Waltensir Dutra. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
27
considerada como valiosa por certas pessoas em situações específicas, de acordo com
critérios específicos e à luz de determinados objetivos (1997: 16).
Nos três casos, também fica evidente o pressuposto de que deve haver um
“contrato” entre o leitor, o texto e o contexto da criação para que determinada obra
possa ser chamada de literatura. No exemplo de Candido, se o leitor não assimilar a
gratuidade pretendida pela obra, estará fadado a não efetivar seu horizonte de
expectativas. E isso certamente fará com que tal obra, para tal leitor, não apresente
qualquer valor literário. Compagnon mostra muito bem o caráter comunicativo da
literatura que, dialeticamente, transforma e é transformada pela sociedade em que atua
o que corrobora a assertiva de que, para se efetivar o “contrato” entre o leitor e uma
determinada obra literária, deve haver a aceitação da gratuidade proposta pela obra. Em
Eagleton, pressupõe-se que, para a efetivação da leitura do texto literário, ocorra antes
um acordo de interesses entre leitor e obra – no caso, mais os interesses do leitor que da
própria obra.
Mas, vale ressaltar que a aceitação da gratuidade intencionada pela obra literária
(ou o acordo entre o leitor e a obra) é uma atitude de cumplicidade, cujas
conseqüências não se pode preestabelecer.
Ainda, por mais que se pretenda uma liberdade de criação e recepção para a
literatura, essa atitude de gratuidade esbarra nos ditames impostos pela indústria
cultural, visto que o mercado atua como ditador/formador do gosto de cada leitor. De
forma que, ao se falar em literatura, deve-se também pressupor um sistema dominante
que seleciona e direciona a produção literária de cada época segundo interesses menos
literários, artísticos e culturais do que econômicos, ideológicos e políticos: A industria
cultural produz os homens que lhe convêm, inclusive os críticos (WELLERSHOFF,
1970: 04).
Dessa forma, “gratuidade” não pode ser compreendida como sinônimo de total
liberdade de criação ou de recepção de uma obra literária, pois, subjacente a essa atitude
supostamente independente do autor e do leitor, há sempre que se considerar um sistema
de valores do qual a literatura é apenas parte e que, inevitavelmente, terá que aceitar
determinadas regras para não perder sua autonomia.
28
2.3. FUNÇÕES DA LITERATURA
Os textos A literatura e a formação do homem (1972) e O direito à literatura
(1995), de Antonio Candido defendem uma função humanizadora para a literatura. No
primeiro texto, tal função atua na formação da personalidade do homem; no segundo,
defende que esta função de humanizar da literatura merece ser entendida como um
direito inalienável do ser humano, visto que a ficção ou a fantasia estão presentes na
personalidade de cada um e que, por isso, não podem estar restritas a classes sociais
mais favorecidas.
Os textos giram em torno de um único núcleo: a literatura é uma forma de
expressão do homem que visa superar, no homem, a sua carência de fantasia. Assim, as
anedotas, os trocadilhos, os jogos de adivinha etc. seriam formas mais elementares de
literatura, ao passo que as narrativas, as lendas, os mitos, seriam formas mais complexas
para suprir a carência de fantasia que tem o homem (1995).
No primeiro texto, Candido critica a visão puramente estruturalista da literatura
pelo fato de que esta visão contraria seu estudo como um todo. Ele defende uma
acepção dialética da literatura de forma que nesta visão se contemplem dois momentos:
um de cunho estruturalista, mais analítico, que tem no texto o seu objeto de
conhecimento, e outro momento crítico, que indaga sobre a validade da obra e sua
função como síntese e projeção da experiência humana (1972: 804). É o momento
crítico que vai interessar para o autor como aprofundamento da discussão sobre a
literatura como função formadora do homem embora pensar a literatura como algo
funcional, inserida em um sistema de valores, não a distancia muito de uma visão
estruturalista, visto que nesta sempre o pressuposto de um sistema de regras que
também são, observadas as suas características mais analíticas do que críticas,
funcionais. Assim, se Candido enfatiza o momento crítico neste estudo, não nega o
aspecto estruturalista da literatura. Pelo contrário, é a integração dos dois momentos
acima descritos que fará da literatura uma força humanizadora capaz de exprimir o
homem e de atuar na própria formação do homem.
No texto O direito à literatura, isso fica evidente quando o autor distingue três
faces na literatura: primeiro, ela é uma construção de objetos com estrutura e
significado, que é o texto; segundo, ela é uma forma de expressão, pois manifesta as
29
emoções e as diferentes visões de mundo dos indivíduos; por último, ela é uma forma de
conhecimento. Portanto, para se chegar ao momento crítico, no estudo da literatura, é
preciso antes passar pelo caminho analítico. É a forma construída do texto que vai dizer
ao leitor onde ele poderá encontrar o seu significado.
Se a literatura possui uma função formativa de caráter educacional, tal função
atua indiscriminadamente sobre os indivíduos. Isso se explica pelo fato de que ela é uma
modalidade de expressão da fantasia humana e, se esta fantasia “coextensiva ao
homem” sempre contém algo da realidade em que está inserido este homem, essa
transfiguração do real pela literatura sempre evidenciará níveis de complexidade da vida
humana. Será falsa se expressar somente o belo, o bom e o sublime; como também o
será, se externar apenas o feio, o ruim e o horrível da vida. Mas será eficaz e verdadeira
se efetivar situações em que estes pólos atuem concomitantemente, pois a vida é feita de
altos e baixos.
Entre as muitas funções que exerce, a literatura é também uma forma de
conhecimento. Nesse aspecto, ela proporciona o alargamento da experiência individual,
permitindo que o leitor possa não ampliar seu conhecimento de mundo, mas também
“vivenciar” antecipadamente, pela literatura, situações ainda não realizadas.
Nessa sua função de mediadora do conhecimento, a literatura também pode ser
entendida como representação de outras áreas do saber: a filosofia, a história, a
antropologia a psicologia, a política etc., de forma que, ao se falar em literatura,
indiretamente, está se falando sobre todas essas áreas concernentes ao saber humano. O
problema está em que, nos dias atuais, as áreas do saber em que a literatura busca sua
“matéria-prima” a filosofia, a psicanálise, a sociologia, entre outras também se
encontram em crise, em contrapartida à evolução desenfreada da tecnologia industrial
eletrônica. Os valores são efêmeros e não se sabe ou não se pode prever como será a
sociedade daqui a dez anos.
Portanto, a atitude extremista de se pretender classificar o que é e o que não é
literatura não parece considerar o contexto sócio-cultural vigente, passível de uma
infinidade de interpretações e relações, em que os conceitos e os objetos conceituados
não são fixos, mas estão sempre se transfigurando em cada discurso que deles se
apropria. E a literatura, antes de qualquer tentativa de se querer fechá-la ao prazer de
30
quem quer que seja, será sempre uma possibilidade de liberdade, ainda que vigiada por
quem quer que seja.
2.4. DA LITERATURA COMO AGENTE DE TRANSFORMAÇÃO CULTURAL
Partindo da consideração de que a literatura não é apenas a representação estética
de determinado objeto, mas também uma prática discursiva capaz de legitimar novas
significações culturais, este capítulo tece argumentos que procuram justificar um lugar
para a literatura como agente de transformação cultural.
Os estudos literários no século XX atingiram um nível de discussão que
extrapola o campo da literatura e se confunde com o debate político-filosófico acerca
das questões determinantes das relações sócio-culturais da sociedade contemporânea.
Para verificar a intimidade entre os estudos literários e a busca pela afirmação de valores
políticos que almejam alguma forma de poder, seguem-se alguns exemplos.
Os formalistas russos, por não se engajarem a uma ideologia política declarada,
quando propuseram um estudo do texto literário independente de questões ideológicas,
foram combatidos pelo sistema dominante por representarem uma “ameaça” contra o
ideal revolucionário vigente. A proposta de desvincular o texto literário do seu caráter
ideológico foi interpretada politicamente como uma tentativa de neutralizar a força do
discurso ideológico revolucionário e, dessa forma, diminuir o poder de persuasão da
propaganda comunista sobre a sociedade russa.
O estruturalismo nos estudos literários, de seu lado, foi quase que um dominador
da linguagem, a conseqüência de um modo de ver a sociedade sob a perspectiva dos
paradigmas estabelecidos pelo poder político mundialmente vigente. Sua época foi
marcada pela imposição de valores acerca do que era tido como certo ou errado numa
sociedade ainda respirando a fumaça das bombas da segunda guerra mundial. Portanto,
o clima não era muito adequado à promoção das liberdades individuais. Tanto que seu
reflexo na literatura não extrapola aquilo que os formalistas tinham discutido. No
entanto, se os formalistas não evidenciavam uma intenção política em seus estudos, o
estruturalismo não evidencia as suas pretensões como de certa forma também as
impõe. A noção de sistema que oferece não permite a contestação dos paradigmas
estabelecidos na sociedade, apenas considera a possibilidade da reestruturação
31
sintagmática dos diferentes modos de afirmá-los. Não se encontra nesses estudos, por
exemplo, a abordagem do papel da mulher na literatura, visto que tal temática não
pertencia ao rol dos paradigmas então aceitos. À crítica literária estruturalista coube a
função de levar a cabo a classificação dos pormenores discursivos do texto literário,
destacando, tal qual os formalistas, apenas seus aspectos modais, sem questionar a
validade discursiva dos textos abordados.
Se na primeira metade do século XX os estudos literários detêm-se
exclusivamente na abordagem formal do discurso, é na segunda metade do século
especificamente a partir da década de 1960, no momento em que se o início do
rompimento dos paradigmas até então excludentes de grande parte da sociedade , que
uma nova luta política se estabelece e da qual a crítica literária participou,
dialeticamente, contribuindo para que ela acontecesse ao mesmo tempo em que
redirecionava seus princípios em decorrência da influência que recebeu.
Talvez o momento mais significativo e, certamente, o que mais influenciou o
pensamento atual acerca de um lugar para a literatura tenha sido a transição ocorrida
nesse período, entre o estruturalismo e o que se convencionou chamar de Pós-
estruturalismo. Esta corrente filosófica, cujo expoente mais significativo parece ser o
filósofo francês Jacques Derrida, rompe com a noção de oposições binárias do
estruturalismo e, sob a perspectiva do que se chamou “desconstrução”, dissemina uma
nova visão da sociedade na qual é preciso “desconstruir” as verdades criadas pela
cultura estruturalista dominante e permitir que outros valores culturais possam participar
do debate político constitutivo das relações de poder. É o momento em que a crítica
literária se volta para a literatura como elemento capaz de formar a consciência crítica
do leitor sobre os rumos do mundo. O negro, a mulher, o homossexual, o pobre, que
sempre estiveram presentes nas obras literárias mas não eram o foco do debate, visto
que o que valia era a forma organizacional e não a temática discursiva dos textos,
passaram a ter presença certa na literatura: a literatura sai da biblioteca e vai para as
ruas.
No entanto, se alguns críticos literários – dentre eles destaca-se Roland Barthes –
fizeram parte da transição do estruturalismo para o pós-estruturalismo, e souberam
equilibrar os aspectos positivos da análise literária estruturalista e seus correspondentes
pós-estruturalistas, isto é, apresentar a possibilidade de vínculo entre forma e conteúdo
32
discursivos do texto literário, hoje em dia há o risco de que a literatura venha a se tornar
um mero artefato cultural, de modo que uma obra valha mais pelo que diz do que pela
forma como diz o que diz. O debate entre o cânone e o popular, nesse aspecto, parece
ser mais um problema da crítica do que da própria literatura, pois o advento de novas
obras literárias no atual contexto não deve ser entendido como simples representação
dos interesses políticos de uma determinada forma de cultura. Se tal obra não apresentar
em sua forma discursiva o elemento estético constituinte daquilo que os formalistas
definiram como literariedade, não terá que ser classificada como literatura. Caberá não
apenas à crítica esse julgamento mas, sobretudo, ao leitor. A literatura é aquilo que diz e
a forma como diz o que diz, não uma ou outra coisa (LIMA, 2002).
As considerações acima pretendem mostrar como a literatura não está isenta de
determinar e ser determinada pelas práticas políticas estabelecidas na sociedade. Ela
permite o dialogismo entre aquilo que se pensa a respeito da sociedade e aquilo que se
faz por ela. De acordo com Terry Eagleton (1997), ao tratar sobre o pós-estruturalismo
em seu livro Teoria da Literatura: uma introdução, os preceitos desconstrutivistas
disseminados por Derrida não alcançaram o êxito desejado na esfera política, visto que
os momentos marcantes de tentativas de rompimento dos paradigmas vigentes à época
não vigoraram. O famoso mês de maio de 1968 na França não foi capaz de derrubar o
poder. Por isso, se na prática o ideal de abertura política não se concretizou, coube à
literatura, ou melhor, à crítica literária pós-estruturalista, assegurar a validade e a
permanência daquele ideal. É no campo da linguagem que o pós-estruturalismo cria suas
raízes:
O pós-estruturalismo foi produto dessa fusão de euforia e
decepção, libertação e dissipação, carnaval e catástrofe, que se verificou
no ano de 1968. Incapaz de romper as estruturas do poder estatal, (...) viu
ser possível, em lugar disso, subverter as estruturas da linguagem
(p.195).
Desde então, a sociedade tem se transformado muito rapidamente. Todo o teor
do discurso pós-estruturalista preservado e desenvolvido pela crítica literária não é mais
novidade para ninguém. Todos sabem da existência (e da importância) da mulher, do
33
negro, dos pobres e dos homossexuais, apesar do preconceito que ainda sofrem. E a
literatura, ao lidar com esses temas que refletem problemas sociais, mesmo que o faça
de maneira artística, não pode deixar de ser interpretada como um artifício ao mesmo
tempo de contestação política e de afirmação cultural. Pois, se no caso do pós-
estruturalismo ela reflete o pensamento de uma época que valoriza as culturas
marginalizadas, da mesma forma ela atua como agente de conscientização de que tais
preconceitos culturais não devem existir. É sob esse aspecto de ser também um agente
de transformação político-cultural que a literatura é aqui considerada.
Os Estudos Culturais são um importante meio de investigação sobre como se
formam as relações de poder da sociedade. O próprio termo evidencia a ampla
perspectiva de seus objetivos: estudar culturas num universo repleto de diversidades
culturais.
Toda ação e toda forma de linguagem, independentemente do que façam ou do
que digam, são representações culturais. E os Estudos Culturais, por sua vez, investigam
e fundamentam o maior número possível de informações capazes de justificar os fatores
determinantes de tais ações ou formas de linguagem. Essa atitude reflete uma antiga
ambição de se alcançar uma teoria e uma prática que dêem conta das relações humanas
como um todo, sem privilegiar um ou outro seguimento visto que todas as áreas do
saber estão contempladas na perspectiva dos Estudos Culturais.
Considerar a literatura como prática dos Estudos Culturais não é torná-la menos
artística, mas mais atuante quanto à sua capacidade de investigação das relações de
poder estabelecidas nas sociedades. Enquanto elemento de recriação da realidade, por
meios que lhe são peculiares, ela desempenha o mesmo papel que pretendem os Estudos
Culturais, ou seja, o questionamento da validade das práticas culturais existentes. Nessa
perspectiva, ela não é apenas uma forma de organização estética do discurso, mas
também uma força política, capaz de fazer com que as sociedades pensem a respeito de
si mesmas e questionem a validade de suas ações.
Apesar de todas as contradições que a globalização apresenta, em especial no
campo econômico, os Estudos Culturais, neste contexto, apontam para a valorização de
todas as culturas, sem exceção. Contra o pensamento conservador preconceituoso, cujos
interesses particulares evidenciam o temor de se promover a abertura cultural, os
Estudos Culturais apresentam-se como a revalorização da utopia daqueles grupos
34
excluídos não do campo artístico mas também das relações de poder mais objetivas
que, entre outras coisas, determinam qual grupo morrerá de fome e qual morrerá pelo
consumismo descontrolado.
Uma espécie de órgão regulador da democracia, os Estudos Culturais podem
mostrar, mesmo a quem não quer ver, quemais questões a se tratar no mundo do que
questões econômicas.
Neste ponto, talvez fique mais evidente a importância de se considerar a
literatura como parte dos Estudos Culturais. Enquanto arte, cabe a ela o papel de
traduzir as experiências de grupos sociais que nunca tiveram voz na cultura universal.
Pela arte, ela pode reconduzir muitas formas de cultura a seu devido lugar porque
permite a possibilidade metafórica de driblar a censura de poderes políticos dominantes.
E, por isso, neste percurso, ela pode ser até mais objetiva do que a História, visto que
esta geralmente é contada por aqueles próximos ao poder. A literatura, pelo contrário,
desde os seus níveis mais elementares aos mais complexos, está presente no dia-a-dia de
cada indivíduo da sociedade, denunciando o que deve ser denunciado, afirmando o que
deve ser afirmado, enfim, formando indivíduos críticos e sensíveis para a valorização da
arte. Cabe a ela mostrar que as culturas existentes se fazem não apenas de números e
estatísticas mas, principalmente, de indivíduos com diferentes experiências de vida e
diferentes formas de expressão dessas experiências.
a precaução, ou até um certo conservadorismo, da parte de alguns estudiosos
da literatura, quando se relaciona literatura com estudos culturais. Dessa relação, o
receio de que a literatura perca sua posição autônoma na cultura para tornar-se mero
instrumento dos Estudos Culturais (CEVASCO, 2003). No entanto, a literatura não é
senão uma prática cultural, portanto, um objeto dos Estudos Culturais. Dessa relação, ao
invés de se considerar uma perda de autonomia para a literatura, entende-se que é dela o
papel de afirmar os Estudos Culturais como uma prática autônoma. A literatura é um
elemento de afirmação da cultura e, de maneira alguma, tal característica deve ser vista
como algo menor.
A partir das implicações dos Estudos Culturais em literatura, surge a necessidade
de se rever os limites entre o erudito e o popular, o literário e o não-literário. Da mesma
forma como propõem a valorização das culturas marginais, os Estudos Culturais
permitem o surgimento de formas de expressão que reivindicam um lugar na literatura
35
sem que, necessariamente, tais formas de expressão encontrem acomodação no campo
estético literário. talvez resida o problema: os Estudos Culturais não levam
devidamente em conta o caráter estético da obra literária para afirmá-la enquanto
instrumento de transformação político-cultural; para a crítica literária, o caráter
estético da literatura não pode ser dissociado do seu conteúdo discursivo, visto que
ambos é que permitem a expressividade capaz de transformar a cultura. Nem toda forma
de expressão pretensamente artístico-literária poderá ser aceita sem passar pelo crivo da
crítica, ao passo que, para os Estudos Culturais, não ocorre esse tipo de censura: toda
forma de expressão é um produto e um agente da cultura, e reside sua importância,
independentemente de que tal expressão se dê pelo viés literário ou não.
Acerca da questão sobre quem ganha ou perde, na relação entre Estudos
Culturais e literatura, Jonathan Culler, em seu livro Teoria literária: uma introdução,
argumenta que os estudos literários podem ganhar quando a literatura é estudada
como uma prática cultural específica e as obras são relacionadas a outros discursos
(1999:52). Faz referência, ainda, ao fato de que autores como Shakespeare nunca foram
tão estudados sob tão diversas perspectivas quanto agora. Para os Estudos Culturais, a
literatura vale mais pelo teor dos diferentes modos discursivos que apresenta do que
pela forma com que tais discursos são construídos. Embora não sejam poucos os
trabalhos que versem sobre a relação entre a linguagem literária e outras formas de
linguagem (outras formas de cultura), como o cinema e a pintura, por exemplo, uma
característica comum entre eles é a abordagem da linguagem como elemento recriador
de realidades, enquanto elemento estético. Aos Estudos Culturais, não se objetiva o
enfoque meramente estético da literatura, do cinema ou da pintura, mas o papel que
estas formas artísticas representam num contexto mais amplo, em que o que se pretende
é o acréscimo de discursos capazes de produzir novas significações culturais em uma
sociedade tão carente de transformações culturais como é a sociedade atual.
Ao apresentar situações verossímeis, mas sem correlato objetivo na vida real, a
literatura faz com que o leitor vislumbre a possibilidade de uma nova forma de
organização da sociedade. E, nesse processo, ela representa o propósito dos Estudos
Culturais: alertar para a não-gratuidade das relações de poder estabelecidas (GIROUX,
2003). Por isso, em sua função estético-representativa, ela é também instrumento de
transformação cultural.
36
Quando João Ubaldo Ribeiro, em seu livro O diário do farol, apresenta um
narrador condenando o celibato, por exemplo, traz à tona todo o jogo de interesses
sócio-político-culturais envolvidos no processo determinante de tal prática. Se a obra
evidencia a falência dessa prática, caberá ao leitor a construção de uma nova forma de
pensar a sociedade sem o celibato. Neste exercício, o que se faz é justamente questionar
a validade das práticas culturais vigentes, pela literatura.
Dessa forma, se cabe a ressalva de que os estudos literários não podem se fechar
à perspectiva político-cultural da literatura, do mesmo modo deve-se argumentar que os
Estudos Culturais, quando aplicados à literatura, não podem ignorar a existência da
literariedade como parte constituinte do processo discursivo literário. Se se tomar como
exemplo O diário do farol, verificar-se-á que a força discursiva que apresenta, capaz de
questionar a prática cultural do celibato, não pode ser analisada isoladamente, como um
discurso não-literário. É também o modo como o discurso é organizado que permitirá a
inserção do leitor no processo de construção de um novo significado cultural.
No atual contexto sócio-cultural, tão repleto de apelos midiáticos
sensacionalistas e da propagação de uma cultura cada vez mais empresarial e menos
letrada, a crescente pluralidade verbal causada pelos avanços desenfreados da tecnologia
tem feito com que tanto a literatura (microcosmo) quanto os Estudos Culturais
(macrocosmo) não dêem conta de tamanha pluralidade cultural (GIROUX, 2003).
Ao mesmo tempo em que é possível vislumbrar uma força transformadora na
literatura, vive-se um momento crítico em que cada vez mais parecem diminuir os
espaços de aceitação do artefato literário. Na sociedade pragmática atual, o tempo que se
leva para ler uma obra literária é tido, para muitos, como desperdício. Preferem a
comodidade das novas tecnologias eletrônicas da informação do que o esforço que é ler
um livro; e talvez isso explique a inconsistência discursiva da sociedade moderna, na
qual tudo é transitório e prevalece o ceticismo em vez da definição de diretrizes que
objetivem superar o caos estabelecido.
Ainda que se defenda o resgate da utopia, em virtude da recente presença de
vozes culturais até então marginalizadas rompendo o domínio das formas tradicionais de
pensamento e atitude, é também sabido que o horizonte tampouco se apresenta como
definido.
37
O que se pode dizer é que a literatura ainda é um dos poucos lugares em que se
pode encontrar um pouco de liberdade. E, para que se possa fazer valer seu caráter
libertário perante uma sociedade mais ampla, é preciso que todos os educadores que
lidam com a literatura se proponham a evidenciar a sua validade enquanto agente de
transformação cultural. Espera-se que os estudos literários não se fechem para esse
aspecto tão evidente em sua prática. Àqueles que não admitem outra finalidade para a
literatura senão uma espécie de arte para se colocar na moldura, a única coisa que se tem
a dizer é que a literatura não mudou em a sua essência, o seu caráter de (des) (re)
construção da realidade, pela arte, permanece. Mas o contexto cultural vigente, também
em constante processo de (des) (re) construção, pede que se a considere como algo mais
amplo, capaz de promover a humanização de todos os indivíduos carentes não de
fantasia, mas também de realidade.
38
3. TEORIAS DA LEITURA
Neste capítulo, no item 3.1., faz-se uma abordagem da Sociologia da Leitura
com vistas à descrição funcional de sua metodologia de pesquisa.
No item 3.2., apresenta-se a descrição dos pressupostos teóricos relativos à
Estética da Recepção e da Teoria do Efeito Estético como meio para justificar a leitura
literária por leitores alheios às conclusões alcançadas pela teoria crítica da leitura de
literatura.
3.1. SOCIOLOGIA DA LEITURA: IMPLICAÇÕES NO ÂMBITO DA
PESQUISA LITERÁRIA
A sociologia da leitura é o segmento da sociologia da
literatura que tem como objetivo estudar o público como elemento
atuante no processo literário, considerando que suas mudanças em
relação às obras alteram o curso da produção das mesmas. Nesse sentido,
pesquisam-se as preferências do público, levando em conta os diversos
segmentos sociais que interferem na formação do gosto e servem de
mediadores de leitura, bem como as condições específicas dos
consumidores segundo seu lugar social, cultural, etário sexual,
profissional, etc. (AGUIAR, 1996).
Os modos de ler as obras variam de acordo com cada momento histórico. Por
mais que o texto literário evidencie um recorte temporal bem definido ao representar
uma idéia, raramente se o pensando unicamente nos aspectos relativos ao seu
momento de fundação, como faz a Filologia. O leitor em geral a partir do seu
universo individual, de modo que a riqueza literária de uma obra estará onde ele puder
se ver ou se estranhar.
É fato que os mais aficionados pela cultura livresca tendem a sentir um certo
grau de ressentimento quando se constata que a “fonte” da leitura literária deixou de ser
39
exclusividade do livro. Embora objetivamente ele seja um mero veículo de informação
através da palavra escrita, como o foram os pergaminhos e como são os cibertextos, por
preceder toda a nossa era tecnológica, o objeto livro tornou-se quase que um mito, pois
sempre se representou como sinônimo de difusão do saber da humanidade através dos
tempos.
Se para o bem ou para o mal, a visão científica dos seres e das coisas tende a
desmistificar toda a magia que a cultura humana naturalmente confere aos seres e às
coisas ao seu redor. Como não poderia deixar de ser, o estudo científico que envolve a
pesquisa sociológica da leitura fez do livro apenas mais um entre tantos outros meios de
difusão da palavra escrita. Pois, embora cultuado como algo sagrado por alguns leitores,
o livro é também um objeto de consumo, por isso não há mais só o leitor comum, que lê
por ler, também o leitor consumidor, que o que lhe vendem, e muitas vezes
sem se preocupar com o preço.
A palavra, em sua função de “código por excelência” da comunicação humana,
uma vez registrada e aceita por um indivíduo ou por um grupo de indivíduos, pode
influir decisivamente na formação sociocultural dos mesmos. Talvez isso explique
porquê, por tanto tempo, o livro, apesar de mercadoria, representa um status de nobreza.
À Sociologia da Leitura caberia a função de investigar, classificar e criticar todo
o processo pertinente ao contexto de produção e recepção de textos capazes de
comunicar alguma mensagem a um público leitor. Embora a concepção de texto e,
conseqüentemente, de leitura, ultrapasse o signo da palavra escrita e falada (signos
verbais) e também englobe a construção de significados por signos não-verbais (as
pinturas, os sinais de trânsito etc.) o que evidencia uma área de pesquisa bastante
ampla para a disciplina –, neste momento o que se pretende mostrar são alguns aspectos
relativos ao modo como a Sociologia da Leitura tem abordado o contexto de produção e
recepção do texto literário, por isso a referência ao objeto livro como um dos meios
mais eficazes, ainda no século XXI, de difusão da literatura.
A crítica literária não raro descarta a consideração de possíveis impactos que
determinadas obras literárias possam causar em algumas sociedades e tende a
centralizar suas considerações geralmente como uma forma de julgar tais obras quanto
ao seu valor artístico sem ver nisso uma possível implicação na adoção de novos
costumes na sociedade em que tais obras se difundirem –, muitas vezes conseguindo
40
estabelecer, pela insistência, novos padrões para o que deva ser aceito como “real” arte
literária ou como pseudoliteratura. A Sociologia da Leitura, por sua vez, vale-se dessa
espécie de “refugo literário que a crítica se ao direito de desconsiderar para buscar
compreender a literatura em seu pleno funcionamento. Se o papel da crítica literária é
analisar a escritura, a Sociologia da Leitura, obviamente, analisa a leitura literária no
meio social, ou seja, busca compreendê-la em seu ponto de chegada e não em seu ponto
de partida, como o faz a crítica. Além do que, pode-se perfeitamente dizer que a leitura
de um leitor-comum também pode ser crítica aqui compreendido como um leitor que
literatura por prazer e não por obrigação, o que pode acontecer com alguns críticos
pelo dever do ofício. Talvez, em alguns casos, até mais crítica que a opinião da crítica
profissional, pois o leitor-comum em regra não trairá suas impressões acerca do objeto
lido como o pode fazer o “crítico profissional” em decorrência de uma possível
imposição do mercado editorial.
que se considerar, no entanto, que um processo dialético quando se fala
em literatura e sociedade. Quando se pretende considerar as implicações da literatura em
uma determinada sociedade, sobressai-se a Sociologia da Leitura como a ciência capaz
de mais bem explorar a ocorrência dessa transição do figurado para o real. Por outro
lado, quando o processo é inverso, ou seja, quando é uma forma de organização social
no tempo e no espaço que determina a produção de uma obra literária, cabe à crítica a
função de mais bem explorar essa transição do real para o figurado. Enquanto a crítica
trabalha com a linguagem literária enquanto possibilidade artística, a Sociologia da
Leitura literária a trabalha enquanto possibilidade prática.
Assim, se a crítica literária parece negligenciar seu papel quando reivindica para
si o poder de julgamento do valor artístico-literário de determinadas obras, a Sociologia
da Leitura também parece cometer um erro ao concentrar demais sua atenção nas
circunstâncias que envolvem o processo editorial das obras literárias, pois tal propósito
restringe-se a uma abordagem apenas marginal de todo o processo que a ela compete
investigar. Tal posição, para Zilberman (1989), restringe a contribuição dessa teoria
aos estudos literários, uma vez que não se interpretam textos nem se emitem juízos de
valor estético (AGUIAR, 1996). Ao que parece, o aspecto fundamental da abordagem
sociológica da leitura é saber de que maneira o ato de leitura de um texto desempenha
41
uma função social no leitor
5
. Concentrando-se meramente nos aspectos estatísticos do
processo de produção e difusão das obras literárias, a Sociologia da Leitura negligencia
o alcance e as conseqüências que o ato de leitura pode implicar nos leitores. Mesmo que
essa forma de abordagem do processo editorial pareça ser o caminho mais prático para
se desenvolver uma pesquisa na área, pois não dúvida de que, embora amplo, este
seja um campo mais fácil de se delimitar, por outro lado, a essência da pesquisa
sociológica em leitura é saber quais relações se estabelecem entre indivíduos ou grupos
de indivíduos da sociedade a partir da leitura de determinado texto. O que vale para a
Sociologia da Leitura é a palavra lida e não a palavra escrita. Contudo, diante da
consideração de que cada indivíduo-leitor é um sujeito com características bastante
peculiares e que sua leitura nunca será igual à de seu semelhante, concluir-se-á que a
Sociologia da Leitura, de fato, é uma disciplina marginal, visto que para ela é
praticamente impossível dar conta do seu objeto de estudo: cada indivídiuo-leitor em
um universo de bilhões de indivíduos-leitores.
Não se pretende com tais argumentos defender uma visão escatológica sobre o
assunto, pelo contrário, pretende-se argumentar que a disciplina constitui-se de um
campo totalmente aberto a novas descobertas no Brasil, por exemplo, país que
infelizmente possui um público leitor muito aquém da média mundial em termos de
assimilação das obras lidas, a Sociologia da Leitura pode ser fundamental para apontar
caminhos e fazer esse público-leitor perceber a importância que a leitura representa na
constituição de uma sociedade consciente das suas decisões políticas e culturais. Na era
do texto eletrônico, no Brasil menos de dez por cento dos jovens entre 18 e 24 anos de
idade estão cursando uma Universidade, em detrimento de uma média muito superior
mesmo em outros países da América do Sul. Na Argentina, por exemplo, a média de
jovens universitários da mesma faixa etária é de trinta e dois por cento, segundo dados
divulgados pelo Ministério da Educação do Brasil em maio de 2005, no programa de
rádio A voz do Brasil. Esses dados revelam que, se muita resistência de boa parte da
população em relação ao desenvolvimento de hábitos de leitura, também falta a
5
O conceito de função social da literatura não deve ser entendido como sinônimo de inclusão social
através da literatura. Embora também se considere importante essa possibilidade de inclusão pela
literatura, quer-se aqui mostrar que a função social desempenhada pelo texto pode fazer não apenas a
crítica, mas também o leitor-comum compreender a existência de um processo dialético entre literatura e
sociedade, e poder-se imaginar como parte desse processo.
42
iniciativa governamental para criar as condições necessárias de acesso à leitura. Por
exemplo, basta mencionar que poucas universidades públicas no país (de um total de
cerca de 1.800, apenas pouco mais de 200 são instituições públicas), fazendo com que
os jovens pertencentes a famílias de baixa renda tenham seu acesso ao ensino superior
ainda mais restrito; e, na maioria das escolas públicas brasileiras, as condições
educacionais básicas estão cada vez mais limitadas pela falta dos recursos técnicos
necessários à difusão dos programas educacionais. O público adolescente quer
acompanhar as inovações do seu tempo, ter acesso a novas tecnologias, mas a escola
ainda não está preparada para lhe oferecer tantas novidades e acaba sendo vista por eles
como algo obsoleto. Se o objeto livro não mais atrai a atenção do público jovem, torna-
se imprescindível que as instituições governamentais equipem adequadamente as
escolas com a tecnologia adequada para atender esta nova demanda. Com a
implementação de computadores em número suficiente para cada escola, talvez seja
possível despertar o interesse dos alunos para o hábito de leitura. A literariedade do
texto literário eletrônico não difere daquela do texto literário do livro, visto que
quaisquer destas formas de veiculação são meios de representação dos veis de
complexidade da literatura.
Nessa perspectiva, compreende-se que a pesquisa sociológica em leitura não se
restringe nem em um espaço nem em um tempo definidos. Por exemplo, ela pode muito
bem valer-se da pesquisa etnográfica para investigar como, hoje em dia, um grupo de
alunos no Brasil assimila o caráter literário das obras a que têm acesso através de textos
eletrônicos, como também pode pesquisar o impacto causado por uma obra como
Viagens de Gulliver, de Jonathan Swif, no público leitor da Inglaterra do século XVIII.
A Sociologia da Leitura tem o desafio de encontrar (ou de fazer ver) as relações
que permeiam a praticidade da vida social dos leitores de literatura e a capacidade destes
de abstrair das obras lidas a essência da arte literária. Se na época das Viagens de
Gulliver isso parece ter sido mais fácil, pelo fato de que as ciências e as artes ainda não
tinham se divorciado, no momento presente isso parece ainda mais difícil visto que a
sociedade capitalista a que estamos submetidos não costuma contabilizar em suas
planilhas a leitura de literatura (ou a apreciação das artes, em geral) pensando em sua
funcionalidade social, mas sim em sua funcionalidade mercantil capaz de garantir um
bom retorno financeiro a todas as partes engajadas no processo.
43
Por isso a crítica que ora se faz em relação ao hábito da Sociologia da Leitura
concentrar demasiada atenção no processo editorial das obras de literatura. Talvez, ao
invés de denunciar as práticas grosseiras de um mercado editorial que privilegia a
vendagem contumaz de best sellers em sua maioria tidos como pseudoliteratura, ela
devesse concentrar seu esforço em demonstrar quantitativamente como os mais variados
públicos-leitores estabelecem (nos casos em que estabelecerem) as relações entre o
artefato literário e a vida cotidiana, pois, conforme Escarpit (1969), pelo menos
mil e uma maneiras de explorar o facto literário. Esse pode ser um caminho para um
salto qualitativo em termos de produção e recepção da literatura, pois se o público-leitor
comum não se a querer saber dos resultados da pesquisa sociológica em leitura, os
pesquisadores e escritores, por outro lado, podem se valer dos resultados dessas
pesquisas tanto para conhecer o público que pesquisam e para quem escrevem,
respectivamente, quanto para avaliar seu próprio trabalho: o que estão produzindo é de
fato o que queriam estar produzindo, da forma como o queriam?
3.2. ESTÉTICA DA RECEPÇÃO, TEORIA DO EFEITO ESTÉTICO
Os fundamentos para uma estética da recepção ganham força com a publicação
do livro A história da literatura como provocação à teoria literária, de Hans Robert
Jauss (1994). Neste texto, o autor critica a história da literatura por ela, até o início da
segunda metade da século XX, ainda concentrar em sua metodologia de análise do texto
literário pressupostos teóricos datados do século XIX. A história da literatura seria, até
então, uma abordagem simplesmente cronológica da produção literária, elegendo alguns
autores ao posto de canônicos e excluindo inúmeros outros, a quem hoje em dia se
convencionou classificar de autores marginais. Tal abordagem não contemplava a
análise do texto literário a partir dos efeitos causados pelas obras em seus leitores
metodologia característica da Estética da Recepção e da Teoria do Efeito –, mas, em
momentos distintos, buscava uma descrição das estratificações sociais a partir da
literatura, conforme os pressupostos da teoria marxista, ou a desvinculação do texto
literário em relação a suas possíveis implicações de mudança dos paradigmas
norteadores do pensamento na sociedade, conforme a doutrina do Formalismo Russo e
do Estruturalismo. Dessa forma, o conceito de literariedade descrito por Roman
44
Jackbson permitia apenas a investigação do texto enquanto objeto estético, antes das
interpelações do leitor inserido em uma sociedade com valores morais e éticos pré-
determinados. Porém, segundo Jauss, os formalistas russos se viram forçados a rever
esse conceito porque, por mais que tentassem desvincular o texto das influências
históricas (talvez motivados pela revolução de 1917), não havia como fazê-lo, pois
ainda que vanguardista, seu método não podia simplesmente ignorar o que até então se
julgava válido como método de análise do artefato literário: os fatores histórico e social,
embora não fossem determinantes para o método que se propunha, pelo menos ainda
eram parte do processo constitutivo do método de análise e classificação do que se
entendia por literatura.
Jauss destaca as limitações da crítica positivista em virtude do seu método de
análise restringir-se à crença de que a produção e representação das obras literárias
dessa época seriam somente o resultado de fatores socioculturais deterministas.
A estética da recepção seria uma tentativa de preenchimento dos vazios deixados
pelas teorias marxista e positivista, de um lado, e pelas teorias do formalismo russo e do
estruturalismo por outro, pois todas elas, segundo Jauss, não vinculavam ao leitor
comum (ao contrário do que ocorria com o filólogo e o historiador literário) a função de
reconhecer nas obras o seu valor literário, aqui compreendido não apenas como valor
estético, mas também como valor ético, sob a perspectiva de uma função social para a
literatura. Dessa forma, inverte-se o pólo que sempre caracterizou a historicização
literária a partir de pressupostos canônicos tanto da crítica como dos círculos de
produção literária fechados em si mesmos para uma possibilidade de análise,
aparentemente muito mais objetiva, centrada na verificação dos efeitos que a recepção
da obra literária implicaria em um público variado de leitores. A Estética da Recepção,
portanto, não refuta totalmente as teorias literárias precedentes, pelo contrário, buscando
nelas um ponto de convergência para que a análise do texto literário de fato corresponda
a uma prática mais objetiva na esfera da sociedade, considera, principalmente, o ponto
de chegada, que é o leitor, e não o ponto de partida, que é todo o contexto de produção
da literatura e cuja investigação teórica cabe à Sociologia da Literatura.
Para Jauss, o leitor irá determinar o valor da obra não por ser capaz de
compreender e assimilar seu caráter estético, mas também quando da necessidade de
redirecionar seu modo de pensar a realidade a partir dos valores éticos e morais
45
apresentados a cada nova obra. O clássico exemplo de Madame Bovary
6
é emblemático
para Jauss, pois tal romance pressupunha a necessidade de uma metodologia de
análise tal qual a da Estética da Recepção, algo que os historiadores e críticos literários
da época pareciam não perceber.
Outro autor que se destacou na pesquisa relativa à função do leitor como peça
fundamental para a investigação e teorização da literatura é Wolfgan Iser, com a
publicação da obra O ato da leitura (1999).
Segundo o autor, o texto é um potencial de efeitos que se atualizam no processo
de leitura. O efeito estético deve ser analisado na relação dialética entre o texto, o leitor
e sua interação. É chamado de efeito estético porque, apesar de motivado pelo texto,
requer do leitor atividades imaginativas e perceptivas a fim de obrigá-lo a diferenciar
suas próprias atitudes. O texto é considerado como reformulação da realidade e como
advento de algo que antes o existia no mundo. Uma tarefa da teoria do efeito seria
ajudar a fundamentar a discussão intersubjetiva de processos individuais de sentido da
leitura, bem como a da interpretação. As idéias sobre o efeito estético chamam a atenção
para o caráter antropológico das análises literárias devido aos acontecimentos
provocados pelo texto no leitor e à sua propensão, enquanto sujeito, à ficção.
Assim, tanto o efeito quanto a recepção são os princípios centrais da Estética da
Recepção. A recepção opera com métodos histórico-sociológicos e o efeito com
métodos teorético-textuais. Tais teorias surgem na década de 1960 na Alemanha,
condicionadas por novas perspectivas históricas, científicas e políticas. Neste contexto,
questionava-se a validade dos métodos críticos da tradição literária que, basicamente,
tratavam a literatura a partir da intenção do autor, e visava-se a uma análise que
considerasse a concorrência de interpretações dos textos ficcionais. A orientação
predominantemente semântica que visava à significação converteu-se em uma análise da
objetividade estética do texto.
A modernidade se manifesta como a negação da harmonia, da superação dos
opostos, a conciliação, a plenitude etc. – pressupostos da tradição clássica – e instaura o
hábito da negatividade às convenções. Nesse processo, busca-se entender os efeitos do
texto. O momento histórico avançara para um sociologismo primário em que os
6
Obra de Gustave Flaubert, cujo impacto causado na sociedade francesa da época de sua publicação, em
1856, e devido ao seu caráter de fuga ao senso comum ao tratar de um assunto tão delicado como o
adultério, revolucionou a forma e o conteúdo do romance.
46
fenômenos de arte eram geralmente reduzidos a alegorias da sociedade. No entanto, a
teoria do efeito toma como seu objeto de análise a elaboração do texto. A interação entre
texto e contexto constitui o objeto da atenção. O caráter de acontecimento se pela
seleção de elementos do mundo real e sua posterior combinação, no nível textual, de
forma que comuniquem uma nova perspectiva em relação a esse mundo real. Na
seleção, a referência da realidade se rompe e, na combinação, os limites semânticos do
léxico são ultrapassados, criando-se assim expectativas de sentido. Uma interpretação
da literatura, orientada pela estética do efeito, visa à função (desempenhada nos
contextos), à comunicação (transmissão de experiências compreensíveis) e à assimilação
(prefiguração da recepção).
O texto nunca se como tal, mas resulta do sistema de referências escolhido
pelos intérpretes para sua apreensão. A ficção não é um pólo oposto à realidade, mas
comunica algo sobre ela. Portanto, exerce uma função comunicativa do real. Dessa
forma, da mediação entre sujeito e realidade, cumpre evidenciar os efeitos provocados
pelos textos ficcionais.
Um modelo histórico-funcional compreende duas interseções, sendo uma que se
dá entre texto e realidade e outra, entre texto e leitor.
Esse modelo servirá como base para discutir o aspecto pragmático dos textos
ficcionais. As frases do ato de fala sempre dependem de um contexto; o ato de fala
nunca é idêntico à mera seqüência de frases; se estabiliza através da referência a uma
situação. Embora no texto as referências extra-textuais assumam significação diferente
daquela que têm fora dele sua dimensão pragmática –, como nos atos de fala, elas
se evidenciam a partir dos diferentes contextos assimilados. Portanto, nos atos de fala a
aceitabilidade da mensagem dependerá de procedimentos aceitos em um sistema de
convenções (estrutura vertical); os textos ficcionais substituem esta estrutura vertical
pela reorganização horizontal das mais diferentes convenções existentes (desvio).
É o feedback o responsável por situar o leitor em relação ao texto; esse trabalho
coincide com a compreensão do texto. O processo da leitura se cumpre pelos feedbacks
constantes que corrigem cada passo da leitura. Em conseqüência, o texto e o leitor
estabelecem a situação dinâmica que não lhes é dada, mas sim é a condição para a
comunicação com o texto. A relação entre texto e leitor se atualiza porque o leitor insere
no processo da leitura as informações sobre os efeitos nele provocados; em
47
conseqüência, essa relação se desenvolve como um processo constante de realizações. O
processo se atualiza por meio dos significados que o próprio leitor produz e modifica.
Desse modo, o contexto do acontecimento ganha o caráter de uma situação aberta que
sempre é concreta e, ao mesmo tempo, passível de mudanças. Como a leitura
desenvolve o texto enquanto processo de realização, ela o constitui como realidade.
O repertório é aqui, em um primeiro momento, entendido como “as convenções
necessárias para a produção de uma situação de texto ficcional” (...). O modo como as
convenções, normas e tradições aparecem no repertório de textos ficcionais pode variar
muito. De forma genérica, pode-se dizer que esses elementos do repertório sempre
aparecem em estado de redução. Se o repertório se baseia em decisões de seleção, pelas
quais se incorporam ao texto certas normas de realidades sociais e históricas, além de
fragmentos da literatura de outros séculos, o processo de seleção não pode ser
completamente arbitrário, apesar do caráter individual de sua intenção.
Das condições gerais que são constitutivas para o repertório de textos ficcionais,
a literatura concretiza uma reação ao que a forma histórica do sistema de sentido deixara
como problema, ela produz indícios sobre a fraqueza desses sistemas e possibilita a
reconstrução do horizonte histórico do problema de forma a permitir-nos contemplar o
que estava encoberto. O texto ficcional proporciona tanto os contornos relevantes do
sistema, ou dos sistemas aos quais ele reage, quanto os déficts que ele articula à medida
que oferece uma solução ficcional. duas formas de o leitor acolher no repertório
elementos de convenções: em se tratando de um texto histórico, em que ele não
participa do horizonte de valores que originou o repertório, desempenhará uma atitude
participante, isto é, transcenderá a sua posição de mundo para “vivenciar” a sua leitura
histórica. Por outro lado, tratando-se de um texto dado no momento presente, ou
melhor, no contexto de inserção do leitor, este desempenhará o papel de observador. De
forma que o texto, antes de ser o reflexo de uma realidade dada, será o complemento
daquilo que para o leitor nunca fora efetivo.
A Estética da Recepção, portanto, tece suas considerações partindo do leitor em
direção ao contexto sócio-histórico em que o mesmo se insere, e a Teoria do Efeito
concentra-se nas relações estabelecidas entre o leitor e o texto. A conjunção das duas
teorias, portanto, é que permitiu o trânsito entre as considerações analíticas pretendidas
nesta pesquisa, de modo que o livro O Alquimista seja considerado tanto a partir da
48
teoria do efeito (nível textual), da estética da recepção (nível de leitura) e da sociologia
da leitura (nível contextual), com o intuito de justificar a necessidade de se desvincular a
idéia de literatura como algo distante ao leitor não pertencente aos círculos literários.
49
4. A RECEPÇÃO DE O ALQUIMISTA
Neste capítulo, o livro O Alquimista, de Paulo Coelho, é analisado sob três
vertentes: em um primeiro momento, no item 4.1., busca-se delinear os diferentes
posicionamentos críticos acerca do autor, considerando-se tanto os argumentos
favoráveis quanto os desfavoráveis em relação a sua produção literária.
No item 4.2., analisa-se a obra O Alquimista a partir dos pressupostos teóricos
acerca da estrutura do romance para se chegar a considerações relativas ao valor literário
da obra, sob o ponto de vista do autor da pesquisa em relação aos pontos de vista
críticos apresentados no item 4.1.
Por fim, no item 4.3., analisa-se a recepção da obra pelos pesquisados a partir
das respostas apresentadas nos questionários propostos.
4.1. PAULO COELHO: A RECEPÇÃO DA CRÍTICA
Conforme as argumentações anteriormente apresentadas nesta pesquisa,
evidencia-se que a intenção de utilizar o autor Paulo Coelho como referência para a
discussão sobre a abrangência da conceito de literatura e, conseqüentemente, a
flexibilidade dos seus níveis de recepção, deve-se ao fato de que tal autor ocupa
atualmente uma posição de destaque junto à crítica literária especializada, seja ela
favorável ou não em relação ao que tem produzido o autor de O Alquimista. Como se
pôde perceber até o presente momento, uma das motivações deste trabalho surgiu em
decorrência de Paulo Coelho ser considerado um autor menor tanto por boa parte dos
professores de literatura quanto, também, por boa parte dos acadêmicos dos cursos de
Letras espalhados pelas universidades brasileiras. No entanto, a partir do momento em
que esta pesquisa se propôs fundamentar as opiniões da crítica especializada sobre o
assunto, além das fontes encontradas que, de fato, apresentam opiniões “negativas”
sobre a “qualidade” da produção literária do autor, também foram encontradas fontes
que, independentemente da questão do “gosto” de seus autores, trazem posicionamentos
que justificam a classificação da obra de Paulo Coelho como Literatura.
Em geral, a crítica condena a obra de Paulo Coelho indiscriminadamente, mais
talvez pela surpresa de um autor como ele considerando a sua biografia de repente
50
despontar como escritor de sucesso, do que pelos motivos literários presentes em suas
obras. Não se vêem, quando se trata do estado da questão, muitas críticas
fundamentadas que justifiquem eficazmente o combate que se faz à sua obra. Por
exemplo, há a crítica
fundamentada de João Alexandre Barbosa (2003) que declara ser a obra de Paulo
Coelho um repisar dos lugares comuns da literatura, com suas imagens “simples”, seus
temas “correntes”, enfim, sua possível falta de inventividade. No entanto, também se
tornou lugar-comum na opinião de uma boa parte da crítica sobre Paulo Coelho criticá-
lo por criticá-lo, para se estar inserido no círculo dos que tem a competência e o
“discernimento” de saber diferenciar o que é lixo e o que é perene na literatura.
Em entrevista ao site www.ciberarte.com.br, o crítico e escritor paranaense
Cristóvão Tezza, ao responder à questão sobre se o consumismo destrói a arte, responde
da seguinte maneira:
Depende do artista. Na Literatura, escrever para ser lido, para
ser sucesso, é uma coisa que pode existir (e pode naturalmente corromper
o trabalho, em função disso). No entanto, não é uma coisa fácil. As
pessoas falam do Paulo Coelho, que escreve o que o público quer ler,
mas tem 10 milhões de candidatos a Paulo Coelho e ele deu certo
(Tezza, 2003).
Embora Tezza afirme em sua curta resposta que Paulo Coelho escreve apenas
aquilo que o público quer ler, ao mesmo tempo não nega a complexidade inerente ao
processo, pois Paulo Coelho trata-se de apenas mais um que se deu bem entre tantos
outros milhares de escritores mundo afora que também gostariam de ver as suas obras
lidas por leitores diversos, em grande escala. Dessa forma, conclui-se não se tratar
apenas de um bom trabalho de marketing, pois ainda parece que o que mais vale não é
somente a propaganda midiática, mas, principalmente, a difusão de uma obra entre os
próprios leitores, ou seja, o popular “boca a boca”. E essa disseminação do valor
literário de uma obra entre os próprios leitores, embora muitas vezes motivada pela
mídia, também pode ser motivada pela aceitação de um valor mais profundo, fazendo
com que o leitor se permita um momento de prazer, de dúvida, de comoção, enfim, um
51
valor que o faça ir além dos simplismos da vida corriqueira a que pode estar acostumado
e que lhe propicie um momento de reflexão, de humanização. Neste aspecto, a obra de
Paulo Coelho representa uma importância na literatura ao demonstrar que a maioria do
público leitor parece preferir obras que o insiram em um contexto capaz de promover
reflexões mais de cunho espiritual, místico, do que a obras que “cobram” dele um maior
esforço intelectual para adentrar o universo da “grande literatura” ou, ainda, a obras que
o remetam ao universo da promiscuidade ou da pornografia.
Em um artigo denominado Fenômeno: O código Da Vinci em questão, o
jornalista José Augusto Ribeiro, membro do conselho editorial da revista "Número",
em comentário a um debate entre a crítica Walnice Nogueira Galvão e o teólogo Luiz
Felipe Pondé sobre o Best-Seller – , tece as seguintes considerações:
(...) O que caracteriza um best-seller? Walnice propõe uma
definição:
"Quando falo de best-seller, eu falo não de um livro que
vendeu muito, mas de um livro que é escrito de acordo com uma receita
prévia, destinada a vender muito e rapidamente. É um livro cujo valor
como mercadoria precede o valor artístico ou estético. É um livro
produzido não de maneira livre e desinteressada”.
Para tanto, existe uma fórmula, segundo Walnice,
reproduzida a seguir. Primeiro, a leitura do livro deve ser fácil e
digestiva. Segundo, o autor deve se pautar pelo "mínimo denominador
comum", até chegar a alguma coisa que seja acessível à maioria das
pessoas. Terceiro, a escrita deve fingir que a forma não existe; "deve-se
diluir a camada lingüística, para que ela se torne transparente e
desapareça como fonte de beleza estética". Quarto, é obrigatório aferrar-
se a clichês e evitar o experimentalismo. Quinto, recomenda-se eleger
temas que mexam com emoções primárias e irracionais, como sexo,
violência e, "como vemos ultimamente", esoterismo, religião e
ocultismo. A sexta regra é, segundo a crítica, aquela em que menos se
presta atenção: todo best-seller traz sempre idéias progressistas. "Veja
52
que é muito raro encontrar um best-seller reacionário, e por quê? Porque
cai bem com os leitores, que as camadas sociais que lêem livros, em
geral, têm idéias progressistas. A sétima regra para um best-seller é "ter
um saber, uma técnica, uma especialidade". A obra deve oferecer ao
leitor essa especialidade porque a ideologia burguesa, para a qual "tempo
é dinheiro", exige que haja um efeito de aprendizagem, “que o leitor se
iluda pensando que não está perdendo seu tempo ao consagrar-se à
leitura", nas palavras de Walnice.
"Uma das maneiras de reconhecer o best-seller é até simples:
seu autor publica um livro por ano ou a cada dois anos, no máximo.
Nesse sentido, é bom lembrar os estudos do (sociólogo francês) Pierre
Bourdieu, quando ele diz que a aceleração das coisas no nosso tempo é
nefasta para as artes e para a cultura. Porque as artes e a cultura têm um
tempo de maturação que leva anos, décadas e, às vezes, culos. A boa
literatura, portanto, é avessa à linha de montagem, que é o que ocorre
com os autores de um livro por ano ou a cada dois anos", completou
(Galvão apud Ribeiro, 2005).
Depois de reportar esses aspectos característicos do best-seller, José Augusto
Ribeiro apresenta as considerações de Walnice Galvão no momento em que ela discorre
sobre as obras de Paulo Coelho também se enquadrarem na linha dos best-sellers:
(...)
O escritor seguinte a ser alvo da reflexão foi Paulo Coelho, o
primeiro autor brasileiro a se situar entre os 10 mais vendidos do planeta.
Para a crítica de literatura, o autor de "O alquimista" é um precursor do
gênero "auto-ajuda travestido de esotérico". "Ele (Coelho) estava no
seu canto, escrevendo livros em que oferecia esoterismo, ocultismo, auto-
ajuda, quando o mundo inteiro deu uma guinada nessa direção. Vamos
dizer que o mundo é que foi ao encontro de Paulo Coelho. Como ele
escreve dentro do mínimo denominador comum, isso o globaliza
imediatamente. Ele pode ser lido em qualquer lugar." Até chefes de
53
Estado, como os presidentes de França e Estados Unidos, declararam que
leram livros do escritor brasileiro, que também é sucesso na China, no
Iraque e no Leste europeu.
E o que "O código Da Vinci" tem a ver com isso? Tudo,
segundo Walnice. "Harry Potter, Paulo Coelho e ‘O código Da Vinci’,
além de serem best-sellers, oferecem esoterismo, religiosidade, o oculto e
a magia, que são, a meu ver, compensatórios do excesso de materialismo
de nosso tempo, do fundamentalismo do mercado, do primado da
mercadoria e da idolatria do consumo e seu templo, que é o shopping
center", resumiu a professora de literatura comparada da Universidade de
São Paulo e autora de “O império do Belo Monte”, sobre a Guerra de
Canudos (Galvão apud Ribeiro, 2005).
Tais comentários fazem lembrar o quanto o capitalismo pode ser prejudicial ao
modo de vida das pessoas no atual contexto mundial. Se, pela leitura, o indivíduo busca
fugir do “excesso de materialismo”, do “fundamentalismo do mercado” ou da “idolatria
do consumo”, contraditoriamente ele se inserido em um processo que é, em suma,
ditado pelas leis do capitalismo. É como se ele dissesse: “Estou farto do automatismo
em que me encontro, logo, lerei uma obra que me faça fugir disso tudo e me faça ser
mais “humano””. Porém, como se pôde constatar nas palavras citadas acima, até a
tentativa de fuga das condições estabelecidas pelo capitalismo gera um resultado
favorável a esse sistema, pois autores como os de O código Da Vinci, Harry Potter e O
Alquimista funcionam como verdadeiras minas de ouro a muitas editoras que, como se
sabe, nem sempre estão preocupadas ou comprometidas com uma possível intenção de
melhorar o nível cultural do público leitor. Basta lembrar, também, da forma como o
capitalismo se apropriou e lucrou com um movimento que surgiu justamente para
contestá-lo: o movimento hippie no final dos anos 1960 e início de 1970.
Dessa forma, também se pode argumentar que muitos autores tidos como
aproveitadores da onda do esoterismo e da auto-ajuda não tiveram uma intenção inicial
de se valer da fragilidade (ou da falta de identidade) da sociedade atual para promover a
venda de seus best-selllers, aceitando piamente as leis ditadas pelo capitalismo. Como o
movimento hippie, muitos escritores como Paulo Coelho talvez não intencionassem ou
54
previssem que suas obras fossem atingir escalas de venda tão intensas. O que eles
deveriam fazer, então? Renunciar o seu modo de escritura para não serem subservientes
ao capitalismo? Mas todo autor não almeja poder viver dos dividendos de sua produção
literária? Percebe-se, pois, não se tratar de uma questão tão simples. Paulo Coelho, por
exemplo, em suas composições musicais em parceria com o cantor Raul Seixas, ainda
nos anos 1970, falava em esoterismo. Portanto, não se pode afirmar categoricamente
que ele se valeu de um filão mercadológico com a única intenção de engordar suas
contas bancárias.
No artigo Paulo Coelho para o Prêmio Nobel, o crítico Luís Antônio Giron
apresenta uma defesa explícita do autor de O Alquimista. Seus argumentos, logo no
início do artigo, embora carregados de um certo grau de ironia, procuram elencar os
diferentes modos de interpretação não apenas da literariedade das obras do escritor, mas
também todo o processo mercadológico do qual o “fenômeno” Paulo Coelho é parte
significativa e, por isso, desperta a atenção dos mais variados níveis de crítica:
Uma parte da crítica militante costuma caracterizá-lo como
um autor que vende e, por isso, pode ser bom. São os críticos do oba-
oba, que puxam o saco do Paulo Coelho porque querem pegar a onda e
fazer sucesso junto.
(...) a outra parte da crítica, majoritária, assegura que Paulo
Coelho só pode ser ruim. Esta vertente é formada por acadêmicos que em
geral recusam-se a ler a fundo os 14 títulos da obra canônica de Paulo
Coelho. Para eles, o autor produziria conteúdo de auto-ajuda e pode
ser um gênio do marketing para conquistar a mente e os corações de
tantas pessoas. Existiria "algo por trás" do autor, acham esses intelectuais
de carteirinha: ou uma "estratégia" bem montada ou mesmo um pacto
com o diabo. Em troca da glória, Coelho teria vendido a sua alma (Giron,
2005).
Giron também partilha da opinião de que essa “crítica majoritária”, em geral,
critica a obra de Paulo Coelho aleatoriamente, sem mesmo ter lido as obras do autor, e
tal atitude de crítica da crítica aponta para um problema, no mínimo, metodológico por
55
parte dos críticos especializados no Brasil, que seria o fato de se deixarem levar pela
“atmosfera” depreciativa em relação a obras de autores que tratam de temas como o
misticismo ou o esoterismo em literatura. Não como delimitar níveis comparativos
entre diferentes obras literárias, entre diferentes abordagens temáticas através do que se
pretende por literatura. Nesse sentido, a defesa de um valor literário para obras como a
de Paulo Coelho não quer dizer que se trata de algo melhor ou pior em relação ao que
outros autores fizeram e têm feito, mas que se trata de um tipo de literatura que encontra
respaldo junto a um público leitor que também tem o direito de expressar seu gosto,
independentemente dos ideologismos críticos que muitas vezes acabam cerceando
determinadas intenções de leitura. No trecho que segue, Giron é bastante elucidativo no
que tange aceitar a literatura como um campo mais amplo do que aquele em que ela é
geralmente delimitada pela crítica especializada. Não será o eruditismo de um autor
capaz de elaborar enredos rebuscados ou mesmo a simplicidade de um autor incauto que
farão uma obra melhor ou pior, mas da cumplicidade entre leitor e obra é que resultará
um julgamento de valor. A literatura é um campo aberto às mais variadas formas de
expressão político-ideológicas e, em decorrência disso, haverá sempre “partidarismos
literários” através dos quais o leitor se sentirá mais ou menos “engajado” em relação à
obra que lê:
Em todos os seus livros, Paulo Coelho jamais enganou
ninguém. Não se especializou na exploração da violência urbana, ou nas
misérias do sexo, como boa parte dos autores brasileiros atuais, mais
preocupados em chocar do que em construir uma obra em escala
monumental. Paulo Coelho, nesse sentido, possui uma coerência
assombrosa. Elaborou parábolas com o objetivo de elevar o ser humano,
de consolar o leitor nos momentos difíceis, de alimentar alegria e
converter os profanos.
É puro preconceito dizer que isso não é literatura. As pessoas
gostam da mensagem mística do autor, não de seu estilo que, aliás, é
simples e direto, quase desprovido de efeitos de retórica. Atinge o que
quer de imediato, como deve agir sempre o pregador. Se o leitor não
gosta de religião e misticismo é melhor ficar longe e não julgá-lo. Se
56
gosta, vai encontrar nos seus livros um manancial de conselhos, símbolos
e fábulas edificantes. Paulo Coelho é um Esopo à brasileira: um contador
de histórias morais que passou pelo banho do batismo e hoje se considera
um missionário dentro da literatura. Nem medíocre, nem farsante, nem
gênio: apenas um escritor honesto nos seus propósitos (Giron, 2005).
No texto Literatura arrastando a vida, a jornalista Sônia Oliveira Pinto
entrevista o escritor e jornalista literário José Castello e, em determinado momento,
surge o assunto sobre o fato de Paulo Coelho ter entrado para a Academia Brasileira de
Letras, de modo que Castello faz as seguintes considerações:
Eu não gosto da literatura do Paulo Coelho, acho uma
literatura primária, agora, eu tenho um enorme respeito por ele, porque o
cara conseguir o que ele conseguiu, tantas pessoas apaixonadas pela
escrita dele, em tantas partes do mundo ele é reverenciado; ele chega no
Irã, pára o Irã, chega no Japão, pára o Japão, ele vai à Bósnia, pára a
Bósnia, na França, que eles são tão rigorosos...todo mundo Paulo
Coelho. Quer dizer, alguma coisa tem de valor, ele conseguiu tocar em
algum ponto, em alguns pontos sensíveis, com enorme habilidade, e
depois é um cara que consegue isso, quer dizer, consegue ser traduzido,
vender, ser reconhecido em tantas partes do mundo, merece você tirar
o chapéu pra ele. Acho que quem não tira é muito por inveja, por
despeito, ele que escreve aquela porcaria consegue e eu que escrevo
minha obra genial não consigo, isso é besteira. (...) Mas eu não gosto da
literatura dele, acho a literatura dele simples, beirando o simplório, ela
não me diz nada, muito pouco; teve livro que gostei mais, um que gostei
menos, dos que li, mas não me diz nada praticamente; porém, existem
tantos grandes autores que também não me dizem nada, autores
consagrados e considerados geniais, que também não me dizem nada, da
mesma forma.
Vou dar um exemplo brasileiro, os poetas concretos, que são
tão prestigiados e tão premiados, influenciam toda a poesia até hoje, e a
57
poesia concreta não me diz nada, eu não tenho menor interesse por ela.
(...) sou a favor da liberdade de expressão completa, mas ela, a mim,
pessoalmente, não diz nada; como Paulo Coelho também não me diz
nada. Estou querendo dizer o quê? Que Paulo Coelho é igual à poesia
concreta? Não, certamente é completamente diferente, estão em mundos
diferentes, e até talvez antagônicos.
Eu reconheço, por exemplo, a grandeza da obra de Guimarães
Rosa, mas não é um escritor que me deixe empolgado; eu reconheço
muito a grandeza da poesia de Drummond, é um poeta extraordinário,
tem algumas coisas do Drummond que me tocaram muito, mas, no geral,
o Vinícius, o João Cabral e o Bandeira me tocam muito mais do que o
Drummond. É problema do Drummond? Não, talvez problema meu. (...)
É a mesma coisa que eu sinto em relação ao Paulo Coelho, agora o que
eu acho odioso, primeiro essa tentativa de desqualificar o Paulo Coelho,
“não, não é um escritor”, “não, não faz literatura”, o que ele faz então?
Xadrez? Cozinha pra fora? É literatura sim, você pode dizer que é
literatura ruim, que você não gosta, que te dá até repulsa, mas é literatura
(Castello apud Pinto, 2005).
Certamente, o que interessa na opinião de José Castello sobre a obra de Paulo
Coelho é o fato de que mesmo que a posição dele seja a de repulsa em relação à
“qualidade” literária de Coelho, ele (Castello) tem a sensatez de não desqualificar o
autor, pois reconhece a legitimidade do escritor não a partir apenas do seu próprio ponto
de vista enquanto leitor, mas considera o enorme público leitor que viu alguma
qualidade nas obras de Coelho.
No artigo Um mundo transparente, o crítico Manuel da Costa Pinto inicia seu
texto citando as seguintes palavras do crítico Davi Arrigucci Jr. sobre Paulo Coelho:
“Não li e não gostei” (Revista Cult 70, 2003). Nessa linha, Manuel aponta para a
forma estereotipada com que alguns críticos trataram e ainda tratam a obra de Paulo
Coelho, pelo fato de o autor estar “associado ao esoterismo e à literatura de auto-ajuda”.
Uma das justificativas para esta forma unívoca de se considerar a obra de Paulo Coelho
seria a seguinte:
58
(...) os acadêmicos que rejeitavam e rejeitam Paulo Coelho
são professores e pesquisadores universitários que julgam uma obra
literária segundo critérios eminentemente estéticos e segundo uma
posição dentro de uma tradição literária (ou seus desvios em relação a
ela). E, para esses críticos acadêmicos, sempre foi consenso que Paulo
Coelho não dialoga com essa tradição, não a desenvolve nem a nega ou
supera; e, portanto, não pertence a ela. Dentro dessa perspectiva, Coelho
não constitui objeto de estudo para quem trabalha com literatura; no
melhor dos caminhos, seria matéria prima para a sociologia da leitura
(Revista Cult nº 70, 2003).
Costa Pinto, na contramão da estereotipia representada pela crítica que “não leu
e não gostou” de Paulo Coelho, diz ter lido os livros do autor e chega às seguintes
conclusões:
Acho difícil negar que Paulo Coelho mobiliza uma séria de
temas espirituais que visam apenas reconciliar suas personagens e seus
leitores com o mundo no qual estão imersos. Em praticamente todos os
seus romances, um percurso, uma viagem, uma experiência do
estranho que deveria resultar numa transformação, numa ruptura (Revista
Cult nº 70, 2003).
O que se pretende destacar, quando comparadas todas essas considerações sobre
a escritura de Paulo Coelho, é o fato de prevalecer sempre uma via de duas mãos, um
duplo julgamento de valor. Embora boa parte dos seus críticos denotem uma falta de
identificação com a sua obra (em muitos casos denotam mesmo aversão), ao mesmo
tempo não ignoram o valor que essa obra pode conter se considerada sob o viés da
popularidade alcançada junto ao público leitor, o que sugere que a questão da vendagem
de livros de literatura não diz respeito apenas à Sociologia da Leitura, conforme
argumenta Manuel da Costa Pinto, mas também à crítica literária. E é com essa crítica
menos tradicionalista que esse trabalho dialoga, pois partilha da opinião de que são
válidos tanto os argumentos da crítica especializada quanto os do leitor comum, pois se
59
não coubesse a este também o direito de opinar sobre aquilo lê, isso sim evidenciaria o
automatismo que os ortodoxos procuram denunciar como “negativo” quando se trata de
analisar o possível valor literário de um best seller sob a ótica do leitor não iniciado.
Também na perspectiva de considerar o “outro lado” da obra de Paulo Coelho,
Costa Pinto argumenta:
Mas também é possível tomar as coisas pelo outro lado e
mostrar que Paulo Coelho e nisto estaria não seu defeito, mas um de
seus méritos – sempre perseguiu um tipo de vivência espiritual
compartilhável, acessível a todos e possível de ser percebida no
prosaísmo do cotidiano.
(...) Boa parte dos críticos que “não leram e não gostaram” de
Paulo Coelho se surpreenderia com a capacidade do escritor em criar
tramas cuja irresolução se mantém até a última página.
(...) Saber se esse talento narrativo é suficiente para incluir
Paulo Coelho no rol daqueles escritores que praticam o que
convencionamos chamar de “literatura” é uma outra questão. Para muitos
leitores, não faz muito sentido estabelecer cânones e cláusulas restritivas:
literatura é a materialização de um imaginário disperso no tecido social e
na experiência pessoal. (...) Para outros leitores, a literaturase justifica
como crítica e transcendência desse imaginário; a procura de novas
formas de representação corresponde a um imperativo ético e estético de
romper com a linguagem opaca e alienante com que o mundo se reproduz
(Revista Cult nº 70, 2003).
Dos materiais pesquisados, a crítica mais sagaz em relação à produção de Paulo
Coelho parece ser a do crítico João Alexandre Barbosa, no artigo Dentro da academia,
fora da literatura, para a Revista Cult 70. Barbosa discorre sobre a relação entre
tópicos (topos, topoi), ou os “lugares-comuns”, e a questão da originalidade na obra de
Paulo Coelho. Os “tópicos” seriam os “temas recorrentes em determinadas tradições
literárias”, enquanto que a originalidade seria “uma decorrência do esforço no sentido de
oferecer novas versões, que envolvem novas configurações, de lugares-comuns
60
existentes numa determinada tradição e com os quais se defronta o criador da obra mais
recente.” Segundo Barbosa,
o tema pode ser recorrente, mas para que haja originalidade é
indispensável que o seu tratamento, (...) seja o de perspectiva ou de
criação de personagens, no caso da ficção em prosa, a ele venha
acrescentar alguma novidade, ocasionando um efeito de ruptura de uma
tradição, ao mesmo tempo em que significa a instauração de uma nova.
Ou, para dizer com alguma contundência: os temas são
limitados, em decorrência dos próprios limites da experiência, mas sem
limites são as possibilidades de novos tratamentos que renovam, sem
cessar, a experiência daqueles mesmos temas (Revista Cult nº 70, 2003).
Dessa fundamentação inicial que faz lembrar o capítulo sobre a metáfora, no
livro Esse ofício do verso, de Jorge Luis Borges (1967), em que o autor de Ficções,
valendo-se do bom humor, se questiona: por que diabos os poetas pelo mundo afora, e
pelos tempos afora, haveriam de usar as mesmas metáforas surradas quando tantas
combinações possíveis? , Barbosa inicia o seu combate à produção literária de Paulo
Coelho, especificamente em relação ao livro Onze minutos, que Barbosa “leu e não
gostou”. O crítico argumenta que durante a leitura do livro ocorreu-lhe um “impulso de
desistência” da leitura porque Coelho não faz a utilização dos tópicos sob a perspectiva
de renová-los como manda a tradição, mas, pelo contrário, se entrega ou se rende a eles
(os lugares-comuns) de tal forma que acaba por acentuá-los ainda mais. Para Barbosa, o
livro trata-se de “uma incrível proliferação de lugares-comuns”, tanto no que se refere à
construção das personagens, da paisagem ou da trama em si. Na perspectiva irônica de
Barbosa, a originalidade de Paulo Coelho em Onze minutos estaria justamente na sua
falta de originalidade:
Por todo o livro, e não se espante o leitor de minha
afirmação, passa, entretanto, uma mestria singular: uma espécie de
radicalização do lugar-comum que, consciente ou não, confere ao livro
61
um valor coerente, embora negativo, não havendo, em nenhum momento,
traço de originalidade.
O que permite, sem dúvida, um consumo generalizado,
porque fácil e em nada problematizador, convocando todo o tipo de
leitor, de todos os quadrantes e línguas, menos avisado literariamente
(Revista Cult nº 70, 2003).
De acordo com as considerações acima, a neutralidade discursiva de Paulo
Coelho em suas obras seria fator preponderante para a arregimentação de tantos leitores
no Brasil e no mundo, de modo que em virtude da maioria das pessoas do mundo serem
“comuns”, é natural que elas se identifiquem com as narrativas e as personagens
“comuns” criadas por Paulo Coelho. Se por arrogância ou por grau de erudição, esse
entendimento de João Alexandre Barbosa não faz outra coisa senão intensificar o
isolamento da literatura a uns poucos privilegiados no entendimento dessa arte, os seus
leitores mais avisados” literariamente. Se para a crítica especializada o leitor de um
best seller for tido sempre como um ignorante, que contribuição se poderá esperar dela
no sentido de que a leitura de literatura possa se tornar um hábito entre os indivíduos
“comuns”? O que realmente pretende esse tipo de crítica literária? Que todos os leitores
de Paulo Coelho, de uma hora para outra, se deliciem à leitura de um Ulisses, de James
Joyce ou, de outro modo, que o gosto pela literatura deva permanecer restrito ao clube
dos eruditos assinalados?
Segundo Ivan Teixeira (1998), O crítico seria o indivíduo que melhor do que
a média das pessoas, e sua função primordial seria transmitir noções que orientassem
a leitura, o estudo, a análise, a interpretação e a avaliação de uma obra de arte
literária. Essa definição talvez justifique a empáfia de certos críticos quando se deparam
com obras como a de Paulo Coelho que, em virtude da sua simplicidade (para muitos,
mediocridade), são tidas como meras obras de entretenimento e, por isso, jogadas na
vala comum do desmerecimento crítico, e relegadas à Sociologia da Leitura porque
indignas de uma abordagem abrangente do seu possível valor literário. No entanto,
como se argumentou neste trabalho, por que não considerar também como crítica a
opinião do “leitor comum”, apesar do seu desconhecimento teórico sobre o que se
convencionou denominar literatura? Ainda segundo Teixeira (1998), a função do crítico
62
é facilitar a comunicação entre a obra e o público, o que parece algo dispensável em
relação à obra de Paulo Coelho em virtude da sua linguagem simples. Se o crítico não
encontra na obra analisada a densidade de que precisa para reproduzir o que
determinado autor “quis dizer”, essa obra, aparentemente, não é digna de sua análise. No
entanto,
Diante da inevitável relatividade da noção de valor, o crítico
talvez devesse se deter na investigação de outros aspectos da arte
literária, em vez de se preocupar exclusivamente com as supostas boas ou
más qualidade de uma obra, o que, em última análise, resulta em
recomendar ou proibir seu consumo.
(...) A crítica atingirá a maturidade quando não se calar
diante do real, quando souber, enfim, responder a questões colocadas por
valores tão diferentes como Botelho de Oliveira, o gênero encomiástico,
Olavo Bilac ou Paulo Coelho (Teixeira, 1998).
Dadas as considerações acima, a conclusão a que se chega é a de que o
unilateralismo crítico sobre a fato literário, quando reivindica o estabelecimento de um
cânone para as obras mais “densas”, não conta sozinho das perspectivas suscitadas
pela literatura no tempo presente. Pois, a participação no processo de investigação
acerca da complexidade intrínseca à literatura é algo que diz respeito a inúmeras outras
áreas de conhecimento, como são exemplo nesta pesquisa os Estudos Culturais, a
Sociologia da leitura e a Estética da Recepção. Os posicionamentos críticos ora
abordados demonstram que apenas o estudo do texto literário é limitado para se
compreender o porquê de esse ou aquele autor despontar como escritor de grande
aceitação pública. Evidencia-se uma necessidade de relacionar nesses estudos
considerações acerca da dinâmica em que se encontra o atual mundo globalizado, desde
as relações de poder estabelecidas, as formas de comunicação entre os indivíduos até as
diferentes crenças acerca dos valores éticos e morais de cada indivíduo e cada
sociedade, pois todos esses fatores são elementos que de alguma forma representam a
literatura e também são representados por ela.
A obra de Paulo Coelho é apenas um dos exemplos que podem ser inseridos
nesse contexto. Analisá-la somente sob a perspectiva do gosto acaba sendo uma forma
63
de restrição não apenas do seu entendimento específico, mas também uma restrição às
possibilidades com que se pode lidar com a literatura. Por isso a concordância com os
críticos que vêem alguma importância na obra de o autor de O Alquimista para além da
questão do gosto, pois o a literatura é muito mais do que isso.
4.2. O ALQUIMISTA
Desde a sua primeira edição, pela Editora Rocco, em 1988, o livro O Alquimista,
de Paulo Coelho, tem sido um “fenômeno” de vendagem
7
. A primeira pergunta que se
faria, em um caso desses, seria: o escritor Paulo Coelho, quando da publicação deste
livro, era reconhecido como um escritor “renomado”? Pelas suas publicações
anteriores, não. Era conhecido no Brasil como produtor cultural, jornalista e compositor
da MPB (foi parceiro de Raul Seixas em muitos sucessos da MPB), mas
internacionalmente, como escritor, não. Por que então, um livro torna um escritor tão
famoso de repente? Ou melhor, se fosse mera questão de vendagem, por que então
outros livros do autor não venderam da mesma maneira? Nessa perspectiva, O
Alquimista seria mais do que um produto literário, como o considera boa parte da crítica
literária brasileira. Então, neste capítulo procura-se analisar quais os elementos
presentes no texto que possam justificar o livro como de fato uma obra literária ou,
como se convencionou nos meios acadêmicos, trata-se apenas de literatura fácil, menor.
Primeiro, o autor faz um prefácio em que revela sua relação com a alquimia e,
apesar do livro ser ficção, parece representar em evidência a própria subjetividade,
prática o muito bem vinda em boa parte do meio literário, pois pode se argumentar
que não se pratica deste modo a criatividade e a capacidade do escritor inventar. No
entanto, a discussão sobre os níveis de subjetividade de um autor em textos ficcionais
parece não ter muita razão de ser visto que, se compararmos o romance com a poesia,
esta se constitui explicitamente na maioria das vezes pela expressão da subjetividade de
seus autores sem com isso perder seu caráter artístico, seu valor literário. Portanto, não
se quer neste trabalho criticar a obra analisada sob aspecto da subjetividade do autor
7
Em 2003, o livro estava na 160ª edição. Foi traduzido em 56 línguas, cobrindo 140 países, com
milhões de exemplares publicados. Permaneceu em primeiro lugar nas listas dos livros mais vendidos por
15 anos (Revista Veja, agosto de 2003).
64
possivelmente denunciar um estilo autobiográfico, mas analisar a obra enquanto artefato
literário.
Santiago, o protagonista da obra, é um homem jovem que se torna pastor de
ovelhas para, em sua solitária peregrinação, encontrar sua “lenda pessoal”. Esta
constitui-se da sua necessidade de viver intensamente a vida em busca da sabedoria e do
amor. O misticismo invocado pela presença da alquimia na obra faz com que Santiago
reconheça em todos os seus encontros com estranhos ao longo de suas viagens um
significado simbólico, como algo que ditasse os caminhos a serem percorridos por ele
no cumprimento do seu destino, sua lenda pessoal. Trata-se de um personagem
interessado em livros, principalmente os livros grandes que, além do prazer da leitura
que lhe proporcionam, ainda servem de travesseiro em suas noites pelos caminhos
percorridos.
No caminho, Santiago é representado como um homem sereno, capaz de pensar
a si próprio e o mundo ao redor, sem hesitar. Mas, ao mesmo tempo, ele se questiona
por acreditar demais em si próprio. É um ser contraditório, portanto um personagem
típico da “grande literatura” eleita pelo cânone. Na perspectiva da pluralidade dos
sentidos, outra característica da literatura canônica, O Alquimista faz bem o seu papel no
círculo literário, pois traz situações que vão além dos limites do protagonista, com a
apresentação de imagens literárias bastante convincentes. A travessia do deserto rumo às
pirâmides do Egito, o fim do sonho de Santiago, é um tema pertinente, pois sonha-se o
tempo todo até que o sonho se torne verdadeiro. Mas na “grande literatura” sonhos não
se realizam porque a ciência da literatura parece não acreditar em milagres. A linguagem
simples, em algumas vezes com erros de gramática (de revisão?)
8
, faz-se como ponte
para atingir leitores desprevenidos, chamando-os para a leitura. Segundo Maestri (1999),
a temática das primeiras obras de Paulo Coelho seria uma forma estratégica de
exploração do “horizonte de expectativa” do público leitor:
Paulo Coelho criou magos e feiticeiras adaptadas aos tempos
de globalização, de fins dos anos 1980, quando lançou Diário de um
8
quem diga mesmo que o segredo do sucesso repousa na mente de Mônica Antunes, a agente do
escritor, que trabalha em Barcelona. Mônica teria encontrado os melhores tradutores do mundo para
seu cliente. Esses autores teriam sido capazes de melhorar, em 60 línguas, os textos de livros como “O
Alquimista” e “Diário de um Mago”, criando uma grande reputação literária para um autor que, no
original, seria uma farsa – a maior farsa da História. (Giron, 2005)
65
mago. Criou literatura feita sob medida sobretudo para uma geração
ainda encantada pela retórica neoliberal da época, mas angustiada e
desmoralizada pelo mundo sem perspectivas em que viviam. Uma
literatura que servia e serve como lenitivo suave para um homem
moderno estarrecido diante de um mundo e uma vida que fogem ao seu
controle e não consegue mais compreender, minimamente. (Maestri,
1999)
Fica a questão sobre se Paulo Coelho teve essa intenção quando da publicação
de O Alquimista. O fato é que a temática mística do livro foi bem aceita pelo público e
valeu ao seu autor o codinome de “Mago”. No mundo globalizado, automatizado, todos
parecem buscar a sua dose de lenitivo para fugir ao lugar-comum do dia-a-dia. Nesse
aspecto, ainda que o livro deixe a desejar quanto a sua estruturação textual, ele é eficaz
na sua intenção de facultar ao leitor a possibilidade de “viajar” juntamente com
Santiago no silêncio da sua peregrinação, bem longe das atribulações cotidianas. Isso
seria auto-ajuda? Na verdade, é a questão do gosto que retorna, pois para muitos
leitores, a densidade da “grande literatura” não traria o conforto ou a comodidade de que
julgam precisar, mas faria aumentar o “estresse” disseminado na sociedade capitalista a
que estão submetidos.
O Alquimista não apresenta um tempo demarcado no desenrolar de suas ações. É
interessante, portanto, relacionar a distância existente entre o tempo da obra e a
realidade do leitor do livro. Este, inserido em uma sociedade pragmática, imerso nos
ditames das leis de consumo, da mecanização das ideologias e da supressão das crenças
individuais, tem a oportunidade de remeter-se ao tempo de Santiago e de poder ao
menos participar da possibilidade de um modo de vida completamente diferente do
modo como está acostumado. A característica da meditação que perpassa a obra pode
ser um convite ao leitor no sentido de lhe permitir usufruir outros modos de ser no
mundo, identificando-se, tal como Santiago, com a perspectiva de existir enquanto
indivíduo conhecedor de si próprio e, por isso, capaz de saber até onde pode ir para
efetivar-se como humano. Esta função de espelhar realidades possíveis não é uma
exclusividade da literatura, pois a todo instante, nas mais variadas situações, as pessoas
procuram identificar-se nas práticas e nas palavras de outrem como uma forma de
66
justificar a própria existência. Essa carência parece ser eficazmente suprida em virtude
do distanciamento entre a realidade do leitor e o contexto apresentado na obra,
permitindo a ele desvencilhar-se dos determinismos correntes e observar-se, a partir da
obra lida, como agente de si próprio. Pode-se identificar essa característica
emancipadora da literatura em O Alquimista, embora muitos críticos a classifiquem
como “auto-ajuda”.
O trato da questão filosófica sugerida pela obra talvez não seja tão elaborado
como acontece em obras representativas do “cânone literário”, mas ele está presente e
talvez, justamente pela sua simplicidade de tratamento, seja capaz de atingir tantos
leitores. Filosofia e religião dialogam na obra no sentido de que, para cumprir sua
“Lenda Pessoal”, Santiago precisa, ao mesmo tempo, ter muita em Deus e em si
próprio. Nesse ponto reside uma questão crucial em literatura. Ao invocar Deus para
justificar a sua crença, Santiago representa um tipo de personagem que certamente
agradará um número elevado de leitores. Tal recurso pode ser interpretado como
apelativo se for entendido como uma forma de transferir a responsabilidade da
argumentação para o leitor. Diante do esgotamento das possibilidades literárias, caberia
a Deus o suprimento para tal carência.
Cabe também o questionamento de se querer avaliar até que ponto a leitura de
um leitor acadêmico se deixa guiar pelos subsídios da crítica especializada em oposição
à liberdade que este pode ter de interpretar uma obra segundo suas próprias crenças,
distanciando-se do aparato crítico e tendo a liberdade de elaborar conceitos
independentes sobre o que lê.
Segundo Jauss, é possível determinar o caráter artístico de uma obra “ a partir do
modo e do grau segundo o qual ela produz seu efeito sobre um suposto público” (1994:
31). Pode ocorrer o sucesso espontâneo, rejeição ou choque, ou ainda casos isolados de
aprovação. (3ª tese de Jauss)
No caso de O Alquimista, o efeito causado no público por ocasião de seu
surgimento parece ter sido o sucesso espontâneo. Se a obra modificou ou não o
horizonte de expectativas dos leitores, de um modo geral, não é possível precisar. Mas o
que se pode considerar é que ela é a prova viva de que o público leitor é bastante
variado e que, por isso, pode gostar de ler Paulo Coelho seja pela comodidade que essa
67
leitura parece lhe trazer, seja pela impossibilidade de desvendar o estranhamento que
obras de caráter mais elevado possam representar.
Em Apocalípticos e Integrados, Umberto Eco (1979) analisa os diferentes níveis
de cultura para aprofundar o entendimento sobre o que é “Cultura de Massa” e, aqui,
tais considerações são utilizadas como meio para uma maior compreensão do que vem a
ser “Literatura de Massa”, contexto em que, de acordo com as convenções, parece se
enquadrar O Alquimista. Citando o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900),
Eco traz à tona o questionamento sobre os riscos da propagação da cultura de massa,
relembrando que no século XIX havia uma desconfiança ante o igualitarismo, a
ascenção democrática das multidões, o discurso feito pelos fracos para os fracos, o
universo construído não segundo as medidas do super-homem, mas do homem comum
(1979: 36). Em tal perspectiva, O Alquimista seria uma obra a ser combatida, pois
estaria a serviço do retrocesso das instituições. Mas esse discurso que ele representa,
ainda que aceito como um discurso feito “pelos fracos para os fracos”, não é justamente
um discurso capaz de promover a inserção do leitor no processo de entendimento do que
vem a ser a literatura? Relembrando os conceitos de literatura delineados neste trabalho,
em que se privilegia a aceitação da literatura em seus diferentes níveis de complexidade,
não é possível estabelecer a concordância com a desconfiança apresentada por
Nietzsche. O ponto de vista ora proposto não é o da homogeinização das culturas, de
forma que o nivelamento entre elas ocorra por um nível inferior, mas, sob a perspectiva
dos Estudos Culturais, aqui se procura evidenciar a necessidade de valorizar a
heterogeneidade cultural que a literatura representa. Se o risco da deterioração das
formas de representação cultural por artifícios calculados principalmente pelos agentes
desse mercado, um fator positivo no processo que é a possibilidade da aceitação
dessa heterogeneidade literária sem a necessidade da hierarquização entre os diferentes
níveis representados pela literatura.
Eco argumenta que é possível existir um romance entendido como obra de
entretenimento (bem de consumo), dotado de validade estética e capaz de veicular
valores originais (não imitações de valores realizados) (1979: 56). Então, sabendo
que O Alquimista trata-se de uma obra de entretenimento, portanto um bem de
consumo, e dotado de uma validade estética, cabe o questionamento sobre a sua
originalidade. É neste aspecto que a obra mostra a sua fragilidade, pois a fábula que ela
68
representa (sob a idéia de que vale a pena lutar por aquilo que se acredita, mas que no
final das contas, tudo aquilo por que se lutou estava posto no ponto de partida da
busca) não é senão a reformulação, no plano sintagmático, de um velho paradigma
filosófico-religioso: a necessidade da auto-compreensão, ou o Conheça a ti mesmo e
conhecerás o universo.
Das funções da literatura delineadas por Candido (1995), cumpre saber se elas se
efetivam e de que modo se efetivam em O Alquimista. Acerca da função formativa,
Bastos & Busnello (2006) apontam que Paulo Coelho faz uso intensivo de várias
máximas morais verdades essenciais –-, de senso comum, fornecendo ao leitor uma
imagem ou um modelo socialmente recomendado e individualmente desejado de
homem. Seguem-se alguns excertos do livro que comprovam tal argumentação:
É justamente a possibilidade de realizar um sonho que torna a vida
interessante (p. 34). Quando você quer alguma coisa, todo o Universo
conspira para que você realize seu desejo (p. 48). (...) e quando todos os
dias ficam iguais, é porque as pessoas deixaram de perceber as coisas
boas que aparecem em suas vidas sempre que o sol cruza o céu (p. 54).
Se Deus conduz tão bem as ovelhas, também conduzirá o homem (p. 64).
Aprenda a respeitar e seguir os sinais (p. 70). Existe uma linguagem que
está além das palavras (p. 73). Tudo é uma coisa só (p. 74). Lembre-se de
saber sempre o que quer (p. 88). Às vezes, é impossível deter o rio da
vida (p. 91). Nunca desista de seus sonhos (p. 97). Quando alguém
tomava uma decisão, na verdade estava mergulhando numa correnteza
poderosa (p. 105). Quanto mais se chega perto do sonho, mais a lenda
Pessoal vai se tornando a verdadeira razão de viver (p. 110). Ninguém
sente medo do desconhecido, porque qualquer pessoa é capaz de
conquistar tudo que quer e necessita (p. 115). Quando você deseja algo
de todo o seu coração, você está mais próximo da Alma do mundo (p.
118). O mundo fala muitas linguagens (p. 144). Quando se ama, as coisas
fazem ainda mais sentido (p. 162). A coragem é o dom mais importante
para quem busca a linguagem do mundo (p175). quem acha vida,
69
pode encontrar tesouros (p183). Cada momento de busca é um momento
de encontro (p. 200).
Segundo Bastos & Busnello (2006),
é possível perceber que O Alquimista contém pressupostos
universais, que procuram educar e moldar o leitor, na busca da autonomia
- intelectual e moral – e da liberdade do homem dotado de razão no plano
individual e coletivo. Essa educação moral consiste em “criar condições
sociais e psicológicas para que os indivíduos procurem alcançar, por
esforço e convicção própria, o nível de moralidade mais elevado”, na
busca da perfectibilidade humana, como possibilidade e como
necessidade.
Esse ideal formador representado em O Alquimista pela valorização da busca
existencial, do amor, da luta por aquilo em que se acredita, da meditação, confirma a
idéia de Candido (1972) sobre a função da literatura como síntese e projeção da
experiência humana. Como se pôde perceber em algumas das respostas dos leitores
pesquisados neste trabalho, o livro contribuiu para a “projeção da experiência humana”
deles, de modo que em muitos momentos eles relativizaram a “mensagem” da obra a
sua realidade na prisão.
O Alquimista pode não ser uma obra-prima, hoje visto sob o aparato crítico que
lhe aponta as deficiências e os interesses editoriais que subjazem a sua publicação. Mas
não como negar que a sua primeira leitura, ainda em fase adolescente, antes da
iniciação aos estudos literários, causou uma boa impressão. A sua mensagem “positiva”
contribuiu de alguma forma para o alargamento pessoal de outras leituras literárias e
para a leitura da Filosofia, sob o intuito de se querer compreender melhor os caminhos
pertinentes à aquisição do saber e aos modos do comportamento humano. Se o livro
não renovou nada em termos literários, conforme o argumento de boa parte da crítica,
por outro lado ele supriu a carência de fantasia (CANDIDO, 1995) daquele momento de
leitura. Portanto, teve o seu “valor” literário, da mesma forma como deve ter para seus
milhões de leitores mundo afora. Mesmo vivenciando o jogo dos interesses mercantis
70
muitas vezes determinantes do gosto literário, defende-se que o leitor não deve deixar de
ler obras com as quais se identifica em virtude de imposições externas. É preciso que ele
reivindique a sua autonomia no ato de leitura, visto que
Pensar como Candido a literatura é rejeitar as divisões
estanques que se impuseram, sobretudo, a partir das vanguardas da virada
do século e a instauração do Modernismo, quando se passa a dividir
sistematicamente a cultura em alta e baixa, erudita e massiva (Ceccantini,
2005).
4.3.O ALQUIMISTA: RECEPÇÃO NO CÁRCERE
ANÁLISE DA RECEPÇÃO DE O ALQUIMISTA, A PARTIR DOS
QUESTIONÁRIOS APLICADOS AOS PESQUISADOS
4.3.1. DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS NO QUESTIONÁRIO
(anexo 01)
Antes da análise dos questionários propostos, julgou-se necessária a
contextualização do espaço em que se deu a pesquisa, no caso a Penitenciária Estadual
de Maringá (PEM). Esta instituição, segundo informações da sua diretoria e de alguns
colegas professores que atuam, destaca-se positivamente em relação às demais
instituições penitenciárias das quais se tem notícia no Brasil. Na contramão das
constantes rebeliões e do clima tenso que parece ter tomado conta da grande maioria das
penitenciárias neste país, a PEM se apresenta, em princípio, como uma instituição
preocupada com a recuperação e/ou a reinserção dos detentos que estão junto à
sociedade civil. Não problemas com relação a celas superlotadas, os detentos têm
acesso à educação básica, à assistência médica e psicológica, à biblioteca, participam de
projetos desenvolvidos por variados segmentos da sociedade regional e, para este ano de
2007, está em trâmite a aprovação e implementação de curso de graduação na área de
71
Pedagogia para os detentos. Por medida de segurança e para evitar entraves burocráticos
junto à instituição, a veiculação dos questionários propostos foi feita pelo professor
Gilberto Dada, que leciona naquele local e, gentilmente, se dispôs a aplicar os
questionários.
Com a aplicação do primeiro questionário (Anexo 01), intencionou-se saber,
fundamentalmente, qual a formação do leitor pesquisado a fim de relacionar tal
formação com seus hábitos de leitura. Foram aplicados trinta e cinco questionários os
quais, sem exceção, foram respondidos. Infelizmente, para a análise proposta, cujo
objetivo foi confrontar este questionário com o segundo questionário (Anexo 02),
apenas seis questionários puderam ser aproveitados, visto que, dada a rotatividade de
permanência dos pesquisados na instituição penitenciária, quando da aplicação do
segundo questionário muitos deles não mais estavam lá, além de outros que preferiram
não responder.
Dessa forma, em um primeiro momento, foi feita uma descrição das respostas
apresentadas com o intuito de evidenciar os dados preliminares sobre tais leitores para a
posterior articulação entre as respostas dos dois questionários.
Neste primeiro questionário, optou-se pela descrição apenas das respostas
pertinentes ao objeto da pesquisa, ou seja, a ênfase na descrição das respostas que
justificaram a escolha do livro O Alquimista para o trabalho proposto. Para outros
esclarecimentos que possam não estar relacionados na descrição seguinte, verificar os
anexos.
Quanto à formação escolar, o pesquisado A (25 anos) tem ensino médio
completo. Havia bastantes objetos de leitura em sua casa e diz ter lido romance e outros
tipos de leitura. Gostou do livro Se houver amanhã, de Sidney Sheldon, mas não citou
algum livro que fosse especial em sua vida. Na penitenciária, lê, mas não com tanta
freqüência, e quando o faz, para aprender coisas úteis, em atendimento às pesquisas
escolares da escola da instituição e poesia, histórias de mistério e suspense por
escolha pessoal.
O pesquisado B (23 anos) também possui ensino médio completo. Diz que
havia objetos de leitura em sua casa e que leu na infância A Odisséia (cuja fábula foi
capaz de lembrar) e A ilha perdida. Antes do regime de reclusão, costumava ler
literatura brasileira e gostou de Incidente em Antares e O Alquimista. Um livro especial
72
em sua vida é a Bíblia. Na penitenciária, continua lendo na mesma “quantidade”, seja
por atendimento aos trabalhos escolares para a escola da instituição ou por escolha
própria. Das leituras recentes, mencionou as obras Angústia, de Graciliano Ramos,
Onze minutos, de Paulo Coelho e Código da Vinci, de Don Brown.
Aos 29 anos de idade, o pesquisado C, também com ensino médio completo,
menciona apenas a Bíblia e revistas religiosas como os objetos de leitura que tinha em
sua casa. Não tinha o hábito de leitura antes do regime de reclusão, mas na
penitenciária, esporadicamente, costuma ler romances. Diz que o livro Onze minutos, de
Paulo Coelho, livro que leu na penitenciária, foi especial em sua vida.
O pesquisado D, 23 anos e ensino fundamental completo, cita que dos objetos
de leitura presentes em sua casa, havia a Bíblia, revistas em quadrinhos e almanaques.
Leu muitas revistas em quadrinhos na infância, tais como Turma da Mônica, Super-
Man e Capitão Coragem. Antes do período de reclusão, costumava ler literatura
brasileira, livros de auto-ajuda e psicologia. Um livro especial em sua vida foi O ensaio
sobre a cegueira, de José Saramago. Continua lendo na penitenciária e reivindica livros
sobre “tecnologias modernas” e “atualidades” para a biblioteca da instituição.
Aos 33 anos, o pesquisado E tem ensino fundamental completo e menciona que
em sua casa havia Bíblia, revistas religiosas, romances e jornais como objetos de leitura.
Não leu histórias na infância porque, antes do regime de reclusão, não era alfabetizado.
Com a alfabetização, passou a procurar livros religiosos e de auto-ajuda na biblioteca da
instituição.
O pesquisado F, 40 anos e ensino fundamental completo, menciona a Bíblia
como sendo o único objeto de leitura que havia em sua casa. Não respondeu as
perguntas sobre as suas leituras de infância, e citou a Bíblia como o livro que lia antes
do regime de reclusão e como o livro especial em sua vida. Na penitenciária, mantém o
hábito de leitura de livros sobre religião.
4.3.2. ANÁLISE DO 2º QUESTIONÁRIO (anexo 02)
A leitura das respostas a seguir possibilitou a confirmação de alguns pontos de
vista preestabelecidos e suscitou alguns questionamentos que não estavam em pauta.
Primeiro, em decorrência da análise do primeiro questionário, de caráter
73
socioeconômico, se previa alguma dificuldade na articulação das respostas escritas,
por parte dos pesquisados, em virtude dos baixos índices de escolaridade dos mesmos.
No entanto, uma grata surpresa, percebeu-se que eles, de um modo geral, são bastante
conscientes da sua realidade e isso parece torná-los mais seguros em suas afirmações.
Assim como em Análise do Discurso se argumenta que o analista deve manter a
maior isenção possível em relação ao objeto pesquisado, aqui se propôs algo
semelhante, procurou-se deixar o pesquisado livre para responder às questões com suas
próprias palavras, sem dirigismo, embora se saiba que tal isenção muitas vezes não é
senão uma pretensão, visto que não parece tão simples ao pesquisador isentar-se
ideologicamente do objeto pesquisado (ORLANDI, 2000).
Os seis leitores pesquisados serão representados pelas letras A a F por questão
de ética, pois devido ao seu regime de cárcere não seria viável publicar a sua identidade.
Seguem-se, pois, as respostas da primeira pergunta sobre o livro O Alquimista:
1) Em sua opinião, a linguagem do livro é simples ou você acha que ela atrapalhou a
compreensão da história? Por quê?
Respostas:
A: A linguagem é boa, de fácil compreensão e entendimento.
B: É uma linguagem objetiva, porque mostra com simplicidade a saga de um homem em
busca dos seus próprios sonhos.
C: Simples, pois não tive dificuldade de compreensão.
D: Não é simples porque palavras e trechos incompreensíveis para pessoas leigas
sobre o assunto.
E: É uma linguagem simples porque relata sonhos que todos nós temos.
F: Acho simples porque conta bem claro e detalhado a busca que relata.
Para que se possa analisar o teor das respostas apresentadas, procurar-se-á
relacionar o grau de escolaridade dos pesquisados com as leituras realizadas por eles na
biblioteca da instituição a fim de se verificar em que medida suas respostas revelam
coerência ou incoerência em relação ao conjunto das perguntas propostas. À exceção do
74
pesquisado D, todos os demais concordam que o livro apresenta uma linguagem de fácil
compreensão. Conforme se pressupunha, tais respostas se justificam dado o
levantamento feito através do primeiro questionário de caráter socioeconômico em que
se pôde verificar o tipo de leitura presente no gosto dos leitores pesquisados. O
pesquisado D, 24 anos, nasceu em cidade pequena do interior do Paraná e está cursando
o ensino médio na escola da instituição. Em um primeiro momento, revela-se um leitor
crítico pois, interpretando sua resposta, percebe-se que para ele o livro pode ser bem
compreendido se o leitor entender sobre os fundamentos da alquimia, o que demonstra
não ser o seu caso. É interessante observar que de todos os seis pesquisados, apenas os
leitores D e E responderam que se interessam por livros de auto-ajuda e que os
procuram na biblioteca da instituição. Se se considerar o livro O Alquimista como uma
obra que se enquadre em tal classificação, ver-se-á que os leitor D não leu o livro sob
essa perspectiva.
2) Durante a leitura, você se identificou com algum personagem do livro? Se sim, em
que momento da narrativa e por quê?
Respostas:
A: Não me identifiquei com nenhum porque são pessoas diferentes, de outra cultura e
educação.
B: Me identifiquei com o próprio Santiago, pelo mesmo motivo: sair e conhecer o
mundo.
C: Sim. No momento em que ele vai em busca de sua lenda pessoal. Porque todos nós
temos um objetivo a ser alcançado e a partir do momento que passamos a acreditar ele
se torna possível.
D: Não me identifiquei em momento algum com qualquer personagem, talvez seja pela
minha crença em um ser maior...Deus.
E: Não.
F: Não me identifiquei com nem um, mais no meu pensamento vejo que todos temos
que lutarmos por aquilo que sonhamos.
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Nessas respostas, os pesquisados A, D, E e F disseram não ter se identificado
com quaisquer personagens do livro, restando apenas os sujeitos B e C que disseram se
identificar com o protagonista da obra. A resposta do pesquisado A, 25 anos, com
ensino médio completo, justifica-se porque o mesmo declara-se um leitor que não
com tanta freqüência, e quando o faz, prefere a leitura de poesia, de assuntos escolares
ou de histórias de suspense. o leitor D, embora justifique sua resposta dizendo que
não se identifica com nenhum personagem por sua crença em um ser maior, Deus,
curiosamente não procura leituras de caráter religioso na biblioteca da instituição. O
leitor E, 34 anos , ensino fundamental completo, que não sabia ler antes do regime de
reclusão, atualmente procura livros sobre religião e auto-ajuda na biblioteca da
penitenciária, mas não se identifica com qualquer personagem da obra, o que parece
contraditório visto que o personagem central do livro de Paulo Coelho caracteriza-se por
sua fé incondicional. E o leitor F, 40 anos, ensino fundamental completo, que, tal qual o
leitor E, também freqüenta a biblioteca basicamente para a leitura de livros religiosos,
apesar de responder que não se identifica com quaisquer personagens da obra,
contraditoriamente diz que “todos temos que lutarmos por aquilo que sonhamos”,
denotando sua identificação com o personagem Santiago.
3) O que você achou da história contada no livro? É uma boa história ou é uma história
que não o agradou? Explique as razões pelas quais você gostou ou não gostou da
história.
Respostas:
A: Eu achei uma boa história, porque conta sobre a vida de um ser humano.
B: Ótima. Uma das razões da qual gostei porque Santiago a todo momento está
enfrentando e aprendendo lições na vida para realizar seu sonho, e consegue realizá-los.
C: É uma boa história. Porém o mundo da alquimia não consegue despertar a minha
curiosidade.
D: Particularmente eu gostei da história, pois sou curioso e gosto de conhecer coisas
novas.
76
E: É uma história interessante, mas nas viagens à muito misticismo e isso não me
agrada.
F: É uma boa história e me agradou, por ver tão grande crença, e persistência em busca
do que sonhou um dia encontrar.
À exceção do pesquisado E, que julga a história apenas “interessante”, em
virtude do misticismo que não o agrada, todos os demais concordaram que se trata de
uma boa história. Cabe observar, no entanto, que os mesmos leitores (A, D, E e F) que
na resposta anterior disseram não se identificar com algum personagem do livro, nesta
resposta dizem que O Alquimista trata-se de uma história interessante. Isso demonstra
que não é uma prerrogativa o fato de que, para que se tenha uma leitura prazerosa, o
leitor tenha que se identificar com os personagens de uma obra.
Considerando os níveis de complexidade da literatura defendidos por Antonio
Candido (1976) e a idéia de que uma obra, para ser considerada literária, deva causar um
estranhamento no leitor, conforme a defesa de João Alexandre Barbosa (2003), essa
falta de identificação entre os leitores referidos e a personagem central de O Alquimista
não pode ser entendida como um fator causador de estranhamento? Ainda que essa
renovação não se no nível textual (BARBOSA, 2003), ela ocorre no nível da leitura,
e, de acordo com os preceitos da Estética da Recepção, essa participação do leitor na
constituição do significado de uma obra tem tanto valor para a constituição do que se
entende por literariedade quanto a opinião da crítica autorizada.
4) O livro O Alquimista contribuiu, de alguma forma, para você refletir sobre o seu
modo de ver as coisas e o mundo? Por favor, explique como isso ocorreu.
Respostas:
A: Sim, contribuiu para eu entender sobre a vida. Como ela é em outros momentos que
passa, em outras ocasiões pelo mundo.
B: Contribuiu, porque não adianta ter sonhos e ficar parado às vezes é preciso tomar
uma decisão mesmo sem saber no que vai dar ou encontrar.
77
C: Sim. Fez com que eu observasse o mundo da forma como ele é e não da forma que os
ipócritas querem que o vejamos.
D: Não. Pois tenho meu estilo de vida e sou determinado, sei o que quero.
E: Não mudou a minha maneira de analisar o meu conceito.
F: Contribuiu sim de uma serta forma, dá insentivo para que não desistamos tão fácil do
que buscamos.
Nestas respostas, pode-se constatar que apenas para os pesquisados D e E o livro
não contribui para uma reflexão acerca “das coisas e do mundo”. No entanto, suas
justificavas não recaem sobre uma possível falta de “literariedade da obra, mas sim
porque ambos os pesquisados julgam ter suas próprias opiniões sobre “as coisas e o
mundo”, e isso faz subentender que eles não se deixam influenciar facilmente por uma
obra literária. Por outro lado, as respostas dos demais leitores pesquisados permitem o
enquadramento de O Alquimista na perspectiva de uma obra literária que desempenha
uma função humanizadora, portanto, uma forma de conhecimento (CANDIDO, 1972,
1995).
5) Após o cumprimento de sua pena, você acha que O Alquimista (juntamente com
outros livros de literatura que você já leu e os que você ainda vai ler enquanto estiver na
penitenciária) poderá ajudá-lo a restabelecer uma vida digna perante a sociedade? Como
a leitura pode ajudá-lo?
Respostas:
A: Sim, a leitura é boa, em alguns livros pode ser a uma lição, um entendimento para
a mente, a vida, com a leitura descobrimos novas vidas.
B: A leitura é cultura, e a todo momento ela nos ajuda de alguma forma tanto pessoal
como profissionalmente.
C: Com certeza. Me faz mostrar para a sociedade que apesar de estar onde estou, sou
digno de uma nova oportunidade e capaz de ser um cidadão novamente.
D: Mudar a aceitação da sociedade, a leitura não vai, mas por outro lado, ampliará os
meus conhecimentos, e eu posso, lendo, me tornar uma pessoa com mais cultura.
78
E: Evidentemente, pois cada livro aprendemos ao menos a maneira de expressarmos
melhor.
F: Após cumprir minha pena, sei que vou ter que lutar para conquistar meu lugar na
sociedade. Muitos livros ajuda sim, mas temos que ter um objetivo, pois sempre vamos
estar buscando algo.
Esta pergunta tem a particularidade de questionar o que é um dos pontos cruciais
desta pesquisa, ou seja, se a literatura pode contribuir para a reabilitação desses
indivíduos junto à sociedade. E, conforme se pressupunha, a maioria dos pesquisados
concorda que a leitura de literatura pode, sim, ser fundamental para que eles possam
refletir sobre sua atual condição carcerária, e através desse meio de “aquisição de
cultura”, repensarem a si próprios sob a perspectiva de uma nova chance após o
cumprimento da sua pena. Interessante a resposta do candidato D, cuja consciência
mostra uma percepção de que suas leituras não farão com que a sociedade passe a
aceitá-lo de um modo livre das recriminações convencionais, mas que
independentemente disso, para ele, vale o fato de saber que a leitura é um meio de
ampliar-lhe os horizontes, de torná-lo uma pessoa “com mais cultura”. Ainda, vale
destacar a opinião do candidato F que, embora reconheça nos livros uma possibilidade
de crescimento pessoal, sabe que a literatura sozinha não pode redimi-lo de seus atos
reprovados pela sociedade, visto que ele julga apenas depender dele próprio a iniciativa
para reconquistar o seu devido lugar.
Embora esta questão não se restrinja à obra O Alquimista, mas à literatura de um
modo geral, é interessante perceber como os leitores pesquisados interpretam a
expressão “livros de literatura”. Para eles, a literatura não é algo distante, reservado a
poucos eleitos, mas sim um elemento de valor reconhecido dada a sua capacidade de
torná-los indivíduos mais cultos e, conseqüentemente, capaz de mais bem prepará-los
para o retorno à sociedade civil.
6) Santiago, personagem central do livro, busca a sua “lenda pessoal”. O que você acha
que significa isso? Você valoriza esse tipo de busca? Justifique.
Respostas:
79
A: O que eu entendi nisso é que ele busca o passado dele, sobre alguma pessoa da
família, um bisavô, e é bom buscarmos saber sobre o passado, as raízes da família.
B: Eu acho que significa concretizar seus objetivos de vida, e isso eu valorizo muito.
Porque temos que vencer os obstáculos do mundo.
C: A busca dos seus objetivos. Sem dúvida, toda pessoa que tem um sonho, um
objetivo, deve mesmo enfrentando dificuldades, realizar aquilo que busca. Claro que,
tudo dentro do possível.
D: não respondeu.
E: Não. Tenho que buscar a minha idealização pessoal. Esta é a minha opinião.
F: Não valorizo por estar ele em busca de um sonho, eu acho que temos que viver o dia-
a-dia, lutando e buscando em espírito e verdade.
Nestas respostas, talvez em virtude da utilização de uma expressão retirada da
obra trabalhada (a “lenda pessoal”), pode-se perceber que houve uma variação de
respostas atípica em relação às anteriores. As respostas que vão ao encontro do que diz o
livro são as respostas dos pesquisados B e C. O pesquisado A demonstrou um relativo
grau de incompreensão da obra em sua resposta, visto que o livro não estabelece tal
relação de busca entre o protagonista e seus antepassados. Curiosamente, o pesquisado
D esquivou-se de responder à questão e o pesquisado E, embora tenha respondido
negativamente, contradiz-se visto que pode-se muito bem equiparar os conceitos de
“idealização pessoal” (resposta do pesquisado) e “lenda pessoal” (proposta do livro).
Por último, a resposta do pesquisado F mostra que ele não concorda com a idéia
apresentada no livro, não acredita em sonhos, pois para ele é viver o dia-a-dia, lutando
e buscando em espírito e verdadeaqui a evidência de sua leitura associada a conceitos
religiosos.
Essa variação nas respostas apresentadas confirma o pressuposto de que, se os
modos de recepção de uma obra (mesmo no caso dos leitores pesquisados, cuja
formação escolar e social não é tão discrepante) são vários, o julgamento de valor dessa
obra também poderá variar de acordo com a apropriação que o leitor fizer da sua leitura.
Mesmo que a escolha de determinados signos e/ou discursos por parte de um autor
delimite o campo interpretativo de uma obra (BARTHES, 1977), se considerada sob a
leitura de leitores pertencentes a classes sociais, nacionalidades ou faixas etárias
80
diversas, as possibilidades de interpretação serão ainda maiores. Isso parece justificar o
equívoco em que se incorre quando se outorga uma classificação restritiva sobre o valor
de determinadas obras.
7) O que você acha que significa a travessia do deserto vivida por Santiago no livro?
Pensando na sua realidade, em regime temporário de reclusão, você acha que também
atravessou, atravessa ou atravessará algum deserto? O que pode significar isso em sua
vida?
Respostas:
A: Para mim significa uma vitória, um tempo difícil que passa, é como se fosse um
deserto aonde tudo é difícil, mas com força e perseverança, a pessoa vence.
B: A busca de seu sonho; atravesso um deserto mas de pedras; mas com o mesmo
espírito de realizar o sonho, escalar uma a uma para concretizar uma perfeita travessia.
C: Os obstáculos para realizar seu objetivo. Atravesso a luta para conquistar meu
objetivo, a tão sonhada liberdade.
D: No meu ponto de vista, todos atravessão desertos simbólicos, mas na realidade isso
significa que eu ou qualquer um temos que lutar e vencer os obstáculos da vida, seja ele
qual for.
E: Na vida, atravessamos por vários obstáculos, este que estou passando é apenas mais
um que tenho que superá-lo.
F: É uma história de persistência, e na minha realidade a cada dia venho atravessando
um deserto, mas acredito que chegarei em um lugar muito mais que as pirâmides.
A alegoria do deserto utilizada na questão parece ter motivado os pesquisados a
formularem suas respostas, visto que todos concordam com a idéia de que também estão
“atravessando seu próprio deserto” e que poderão atingir seus objetivos se tiverem a
paciência e a sabedoria necessárias durante a travessia. Nesta questão pretensamente
direcionada à realidade dos leitores pesquisados, houve a intenção de se fazer ver na
prática o potencial transformador que pode exercer a literatura em alguns leitores. A
idéia de isolamento representada pela personagem Santiago, em sua travessia no
81
deserto, em analogia ao isolamento carcerário dos leitores pesquisados, fez com que
estes leitores, a partir da apropriação da obra lida, considerassem sua condição como
apenas uma etapa em seu percurso e, tal como na obra, todos demonstraram um objetivo
de superação da condição de exclusão em que se encontram.
8) Como você interpreta a frase Um pastor gosta de viajar, mas jamais esquece suas
ovelhas (pág. 60)?
Respostas:
A: Interpreto assim: um pastor que cuida das suas ovelhas jamais esquece elas, é como
se fosse um pai que jamais esquece seus filhos que criou e educou com tanto amor.
B: Mesmo estando longe, ele deixará alguém para cuidar das ovelhas, mesmo assim,
terá as mesmas preocupações: porque ele sabe que sempre será seu guia.
C: Ele pode estar longe, mas nunca se esquecerá o que elas ensinaram para ele. Assim
pode ser com nossa família, hoje estamos longe mas nunca esquecemos o que eles nos
ensinaram.
D: Eu entendi da seguinte maneira: Deus é onipresente, mas não deixa de nos vigiar por
um minuto sequer.
E: Por mais que esteja longe, um pastor jamais desampara suas ovelhas.
F: A história mostra do início ao fim que o viajante nunca esqueceu de suas ovelhas, e é
assim na realidade, nós também não esquecemos do que se passa em nossas vidas.
Todas as respostas se assemelham, haja vista todos os pesquisados terem
compreendido o sentido figurado da frase apresentada na pergunta e de terem-na
relacionado a suas próprias vidas.
9) Em geral, a literatura conta histórias imaginadas por cada autor, histórias que não
aconteceram mas que poderiam ter acontecido. Você conhece alguma história real
semelhante à contada em O Alquimista? Qual?
Respostas:
82
A: Ainda não conheci nenhuma história fictícia para falar.
B: Não conheço.
C: Não.
D: Conheço uma, não é igual mas se identifica muito; é a história da vida real de
Paulinho Bang-bang, um dos maiores e mais temidos bandidos das décadas de 80 e 90,
o nome do livro é: “Encontrei Jesus”.
E: Não.
F: Não tenho conhecimento, mas se pararmos e olhar ao redor, podemos ver que a cada
dia nós vivemos uma história parecida com essa.
À exceção do pesquisado D, que cita a história de Paulinho Bang-bang como
similar à história contada em O Alquimista, todos os demais demonstraram não
conhecer histórias como a que leram no livro de Paulo Coelho. Vale ressaltar a resposta
do pesquisado F que, mesmo não tendo conhecimento de uma história real parecida com
a do livro, reconhece a possibilidade de “vivermos histórias como essa”.
10) O personagem Santiago, que ao longo da história se revela um apaixonado pelos
livros, passa determinados períodos de tempo em lugares diferentes, vivendo
intensamente cada experiência. E no seu caso, o que acontece quando você um livro?
E o que aconteceu enquanto você lia O Alquimista?
Respostas:
A: Quando leio um livro, me misturo na história, entro nela, e aproveito cada momento.
Quando li “O Alquimista” me lembrei da Bíblia, que Jesus cuidava de suas ovelhas,
como no livro.
B: Tento mesmo quando não me agrada entrar na história. Viajei junto com o
personagem principal em busca de sua lenda fazendo dela a minha.
C: Passo a fazer parte da história mesmo que na imaginação e com “O Alquimista não
foi diferente, às vezes em determinadas situações cheguei a me colocar no lugar do
personagem principal (Santiago).
83
D: Enquanto lia o livro, viajei com os personagens, vou aprendendo a entender coisas
que antes de adotar o abito de ler, era impossível compreender.
E: Quando leio um livro gosto de interagir com a história. “O Alquimista” não consegui,
pois não me agradou a história.
F: Eu acho que não podemos viver todas as histórias lidas em livros, “O Alquimista” é
um bom livro, ensentiva da animo para buscar algo em nossas vidas, mais eu acho e
afirmo com serteza que só há um livro que devemos seguir as istruções que nele á.
Apenas os pesquisados E e F disseram não ter se envolvido com a história
contada em O Alquimista: o pesquisado E, pela história não ter lhe agradado; e o
pesquisado F, pelo fato de julgar O Alquimista um livro “menor”, fazendo subentender
que o único livro capaz de fazê-lo participar de fato da história narrada é a Bíblia.
Como se pôde verificar, não houve questões que abordassem explicitamente a
questão da literariedade na obra trabalhada. Preferiu-se tentar fazer com que os
pesquisados apontassem ou não elementos capazes de justificar a afirmação de que O
Alquimista também é literatura. Com base nas teorias apontadas na fundamentação
teórica desta pesquisa, é perfeitamente coerente dizer que o livro, para o público leitor a
que foi direcionado, é literatura. As respostas acima descritas confirmam tanto as
palavras de Antonio Candido e Terry Eagleton quanto as de Antonie Compagnon
quando estes discutem e analisam os níveis de complexidade da obra literária, desde a
sua produção a sua recepção.
Em momento algum das respostas analisadas, houve a indicação de que a obra se
trata de auto-ajuda, ou de que seu autor vale-se de mecanismos alheios ao que se
entende por literatura. É óbvio que tais leitores não dominam a nomenclatura crítica
literária, mas se não tivessem gostado da leitura que fizeram, certamente o teriam
evidenciado em suas respostas. Houve, sim, a confirmação do que se pressupunha: que a
leitura de uma obra como O Alquimista, apesar de toda a contestação quanto a sua
provável falta de literariedade, por boa parte da crítica literária acadêmica, não impediu
que seus “leitores comuns”, à margem dos preceitos acadêmicos sobre o que é ou não é
a literatura, pudessem vislumbrar na obra, entre tantos outros aspectos, a função
humanizadora de que trata o crítico Antonio Candido (1972).
84
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se dizer que os resultados obtidos nesta pesquisa se aproximaram bastante
do esperado, visto que as respostas dos leitores pesquisados atenderam ao conceito de
que os veis de interpretação da literatura são de fato variáveis e que, portanto, a
divisão crítica sobre o conceito de literatura deve repensar a sua prática. Pois o “leitor
comum” não está fora do processo de assimilação do valor literário das obras
produzidas. Interrogar-se sobre as condições de possibilidade da leitura é interrogar-
se sobre as condições sociais de possibilidade de situações nas quais se [...] e
também sobre as condições sociais de produção dos lectores (BOURDIEU APUD
CHARTIER, 1997). A expectativa de apresentar um recorte dessas possibilidades de
leitura se efetivou na medida em que mostrou, a partir do restrito grupo de leitores
pesquisados, que a concepção de leitura de literatura não se estanca em dogmatismos
classificatórios do que é ou não é literatura. Embora uma das ilusões do lector é a que
consiste em esquecer suas próprias condições sociais de produção, e universalizar
inconscientemente as condições de possibilidade de sua leitura (BOURDIEU APUD
CHARTIER, 1997), ou seja, ler como se estivessem lendo a si próprios, se os leitores da
PEM encontraram nas leituras de O Alquimista algum suporte para pensar os motivos
que os levaram à condição carcerária e disso puderam depreender algum “ensinamento”
para quando do seu retorno à sociedade civil, ainda que ilusória, tal conclusão não pode,
simplesmente, ser ignorada. A leitura da obra, portanto, teve a sua função social.
Segundo Adorno apud Perrone-Moisés (1998),
Não se deve buscar a relação da arte com a sociedade na
esfera da recepção. Essa relação é anterior à recepção, e se situa na
produção. O interesse do deciframento social da arte deve voltar-se para a
produção, em vez de se contentar com sondagens e classificações dos
impactos, que na maior parte das vezes, por razões sociais, divergem das
obras de arte e de seu conteúdo social objetivo. Desde tempos
imemoriais, as reações dos homens às obras de arte são mediatizadas ao
extremo e não se referem imediatamente à coisa.
85
Este excerto, totalmente contrário aos pontos de vista apresentados neste
trabalho, serve para mostrar que o assunto abordado está longe de encontrar um
denominador comum. Saber quem tem razão nessa história toda talvez todos tenham
razão , é uma discussão que, aparentemente, não vale a pena. O que se critica são os
posicionamentos unilateralistas, excludentes. Enfim, de acordo com Antonio Candido,
Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar
nenhuma dessas visões dissociadas; e que a podemos entender
fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em
que tanto o velho ponto de vista que explicava pelos fatores externos,
quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente
independente, se combinam como momentos necessários do processo
interpretativo. Sabemos, ainda, que o externo (no caso, o social) importa,
não como causa, nem como significado, mas como elemento que
desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se,
portanto, interno (Candido apud Barbosa, 1998).
86
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91
ANEXOS
92
ANEXO 01
93
LEITORES DA PEM
1º - Questionário (Sociocultural)
Prof.ª Orientadora: Drª. Alice Áurea Penteado Martha
Mestrando: Ivan Luiz de Oliveira
1-Identificação
Nome...................................................................................................................................
Idade..................................................................................................
Profissão............................................................................................
Escolaridade:
( ) Ensino Fundamental: ( ) 1ª a 4ª série ( ) 5ª a 8ª série ( ) Completo
( ) Ensino Médio ( ) 1º ano ( ) 2º ano ( ) 3º ano ( ) completo
Escola............................................................... Cidade.................................
Estado...............
Cidade em que nasceu........................................ Estado.....................
2-A família
2.1- Qual a profissão de seus pais?
Pai.....................................................................................................
Mãe...................................................................................................
2.2- Seus pais têm formação escolar?
( ) apenas o pai
( ) apenas a mãe
( ) ambos
( ) nenhum deles
2.3.- Qual o nível de escolaridade:
Pai: ..............................................................................................
94
Mãe: ............................................................................................
2.4- Em sua casa havia:
( ) Rádio
( ) TV
( ) Aparelho de som
( ) Outros......................................................................................
2.5- Você tem lembrança de alguém que lia em sua família?
( ) apenas o pai . O que lia?.........................................................
( ) apenas a mãe O que lia?.........................................................
( ) irmão ou irmã O que lia?.........................................................
( ) avô O que lia? ........................................................
( ) avó O que lia?.........................................................
( ) ninguém
2.6- Havia em sua casa objetos de leitura?
( ) bíblia
( ) revistas religiosas
( ) livros de poesia
( ) romances
( ) revistas de atualidades
( ) jornais
( ) revistas em quadrinho
( ) almanaques
( ) outros..................................................
3- A infância
3.1.Quando criança, o que você mais gostava de fazer? Numere, de acordo com a
ordem de preferência (1 para o que mais gostava)
95
( ) jogar ou brincar
( ) ver TV
( ) ouvir música
( ) ouvir histórias
( ) ler
( ) outra...........................................................................
3.2- Quem lhe contava histórias?
( ) o pai
( ) a mãe
( ) a avó
( ) o avô
( ) ninguém
( ) outros.............................................................................
3.3- Cite uma ou mais história (s) ouvida (s) na infância
.............................................................................................................................................
.............................................................................................................................................
3.4- Que sentimento essa (s) história (s) causava (m) em você?
( ) Medo
( ) Alegria
( ) Tristeza
( ) Outros........................................................................................
3.5- Cite uma (ou mais) história (s) que você leu na infância:
.............................................................................................................................................
3.6- Do que tratava (m) a (s) história (s)?
.............................................................................................................................................
.............................................................................................................................................
96
3.7- Esse (s) livro(s) lido (s) por você:
( ) era(m) seu (s) ou de alguém de sua casa
( ) foi (foram) retirado(s) na biblioteca escolar
( ) foi (foram) emprestado (s) por um amigo
( ) foi ( foram) retirado (s) da biblioteca da cidade
4- Antes do regime de reclusão
4.1- Você costumava ler? Se sim, que tipo de leitura mais te interessava?
.............................................................................................................................................
.............................................................................................................................................
4.2- Você se lembra de algum livro que tenha gostado ou detestado muito?
.............................................................................................................................................
.............................................................................................................................................
4.3- Você se lembra de algum livro em especial em sua vida? De que gênero?
.............................................................................................................................................
.............................................................................................................................................
5- Hoje
5.1 - Você continua estudando na Penitenciária?
( ) Sim
( ) Não
5.2 - Você gosta de ler? O que leu ultimamente? Você acha que lê mais agora?
.............................................................................................................................................
.............................................................................................................................................
5.3 - Você costuma ler ( Numere em ordem de importância):
( ) somente para tarefas escolares
97
( ) para se distrair
( ) para aprender religião
( ) para aprender coisas úteis
5.4 - Você freqüenta a biblioteca da Penitenciária:
( ) sempre
( ) de vez em quando
( ) nunca
5.5 - Que tipo de leitura você procura na biblioteca:
( ) ficção
( ) detetive/policial
( ) poesia
( ) religiosa
( ) escolar
( ) auto-ajuda
( ) Outra.........................................................................................
5.6 - Cite uma ou mais leituras que você tenha feito na biblioteca da instituição penal.
.............................................................................................................................................
.............................................................................................................................................
5.7 - Por que você fez essas leituras?
( ) trabalho escolar
( ) indicação de amigos
( ) indicação do professor
( ) escolha pessoal
5.8 - Que gênero de leitura você gostaria de encontrar na biblioteca da instituição?
( ) pesquisa escolar
( ) romances
( ) poesia
98
( ) aventuras/ policiais/suspense
( ) ficção científica
( ) religiosa
( ) técnica (Assunto
(s):......................................................................................................)
( ) Outra (s).........................................................................................................
99
ANEXO 02
100
A LIBERDADE VIGIADA:
ESTUDO DA RECEPÇÃO DE O ALQUIMISTA, DE PAULO COELHO, POR
DETENTOS DA PENITENCIÁRIA ESTADUAL DE MARINGÁ
2º - Questionário
Prof.ª Orientadora: Drª. Alice Áurea Penteado Martha
Mestrando: Ivan Luiz de Oliveira
1-Identificação do pesquisado
Nome.....................................................................................................................
Idade......................................................................................................................
Profissão................................................................................................................
Escolaridade:
( ) Ensino Fundamental: ( ) 1ª a 4ª série ( ) 5ª a 8ª série ( ) Completo
( ) Ensino Médio ( ) 1º ano ( ) 2º ano ( ) 3º ano ( ) completo
Escola......................................................Cidade............................ Estado..............
Cidade em que nasceu.............................................................. ..... Estado..............
1) Em sua opinião, a linguagem do livro é simples ou você acha que ela atrapalhou a
compreensão da história. Por quê?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
2) Durante a leitura, você se identificou com algum personagem do livro? Se sim, em
que momento da narrativa e por quê?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
3) O que você achou da história contada no livro? É uma boa história ou é uma história
que não o agradou? Explique as razões pelas quais você gostou ou não gostou da
história.
101
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
4) O livro O Alquimista contribuiu, de alguma forma, para você refletir sobre o seu
modo de ver as coisas e o mundo? Por favor, explique como isso ocorreu.
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
5) Após o cumprimento de sua pena, você acha que O Alquimista (juntamente com
outros livros de literatura que você já leu e os que você ainda vai ler enquanto estiver na
penitenciária) poderá ajudá-lo a restabelecer uma vida digna perante a sociedade? Como
a leitura pode ajudá-lo?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
6) Santiago, personagem central do livro, busca a sua “lenda pessoal”. O que você acha
que significa isso? Você valoriza esse tipo de busca? Justifique.
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
7) O que você acha que significa a travessia do deserto vivida por Santiago no livro?
Pensando na sua realidade, em regime temporário de reclusão, você acha que também
atravessou, atravessa ou atravessará algum deserto? O que pode significar isso em sua
vida?
102
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
8) Como você interpreta a frase Um pastor gosta de viajar, mas jamais esquece suas
ovelhas (pág. 60)?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
9) Em geral, a literatura conta histórias imaginadas por cada autor, histórias que não
aconteceram mas que poderiam ter acontecido. Você conhece alguma história real
semelhante à contada em O Alquimista? Qual?
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10) O personagem Santiago, que ao longo da história se revela um apaixonado pelos
livros, passa determinados períodos de tempo em lugares diferentes, vivendo
intensamente cada experiência. E no seu caso, o que acontece quando você um livro?
E o que aconteceu enquanto você lia O Alquimista?
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