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ANDREA OLYMPIO DE MELLO MACHADO LOPES
ESCRITA ALFABÉTICA, SUPORTE, COMUNICAÇÃO
E LINGUAGENS POSSÍVEIS
Programa de Pós-graduação em Comunicação e Semiótica - COS
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2006
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ANDREA OLYMPIO DE MELLO MACHADO LOPES
ESCRITA ALFABÉTICA, SUPORTE, COMUNICAÇÃO
E LINGUAGENS POSSÍVEIS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica – área
de concentração: Signo e significação nas mídias – sob a orientação
da Professora Doutora Lucrécia D’Alessio Ferrara.
Programa de Pós-graduação em Comunicação e Semiótica - COS
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2006
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BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
Agradecimentos
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo, cujo apoio foi essencial para o desenvolvimento dessa pesquisa.
A minha mãe, pelo apoio incondicional e por estar sempre ao meu lado. A minha
VóDea, pelos sonhos. Ao Neto, pelo carinho, ajuda e paciência. Aos primos, tios, e
amigos, pela longa espera.
À Irene, pelas conversas, idéias, projetos e, acima de tudo, pela amizade. A Lucrécia,
pelo incentivo, ensinamentos e por ter me acolhido diante da tormenta.
Agradeço a todos os professores do programa que contribuíram para a minha formação
e para o desenvolvimento dessa dissertação.
À Mari e ao Fê, o meu muito obrigado pelos livros, pelas conversas e pelos desabafos.
A Fabi, Tathy e Vanessa, obrigada pela ajuda na correria da reta final.
Como não poderia deixar de ser, agradeço profundamente aos colegas Yuri, Erick,
Murilo e Ana Amélia. E à tia Tânia, com suas palavras mágicas sempre na hora certa.
RESUMO
Essa pesquisa trata do signo escrito alfabético e as transformações pelas quais vem
passando em diversas mídias. O seu surgimento em novos suportes, as significações
decorrentes, a linguagem produzida nestes e por estes, seus traços comuns e novos
rumos apontados. Diante de tal fato foram testadas, dentre outras, as hipóteses de que o
signo escrito alfabético não está passando por um processo de extinção, mas por um
processo de transformação, passando a fazer uso de suportes novos e de mídias que,
originalmente, não previam seu uso, implicando transformações na sua linguagem
original e o surgimento de dialetos. O objetivo central desta pesquisa é identificar e
compreender as atuais transformações do signo escrito alfabético através de seu
comportamento no ambiente cultural e sua manifestação nas diferentes mídias e
suportes, ou seja, as características do signo verbal quando, sofrendo a interferência de
outras características comunicativas, abandona a estrutura bidimensional e contígua da
sua espacialidade e começa a interagir com espacialidades que lhe conferem
movimento, estrutura tridimensional e outras características de mediação sígnica,
cultural e cognitiva. O corpus a ser analisado foi coletado através de pesquisa de campo
e contemplou diferentes suportes que fazem uso do signo verbal. Para a análise, o
campo de orientação teórico adotado foi o da semiótica da cultura, sendo trabalhados os
conceitos de semiosfera, textos da cultura, heteroglossia, cultura visual, sistemas
modelizantes, linguagem discreta e não-discreta. Pretende-se, assim, identificar o papel
que o verbal desempenha na cultura ocidental, sua atual linguagem e os novos rumos
apontados por e para ele. A bibliografia fundamental desta pesquisa é composta por
obras dos seguintes campos teóricos: semiótica da cultura, teoria da comunicação,
meios de comunicação, lingüística, cultura das mídias, teorias da escrita.
PALAVRAS CHAVE:
Verbal, Mídia, Comunicação, Código, Texto, Escrita.
ABSTRACT
This research is about the alphabetic written sign and its transformations in the variety
of media. Also about its origin in new supports, the decurrent significations, the
language produced in them and by them, its common traces and new ways shown. So,
some aspects must be analyzed: the hypotheses that the alphabetic written sign is not
facing a process of extinction but only a process of transformation, manifestating itself
in alternative medias and, therefore, starts making use of new supports and medias that,
originally, did not preview its use. This fact brings some transformations in its original
language and the appearing of dialects. The central purpose of this work is to identify
and understand the current transformations of the alphabetic written sign through its
behavior in the cultural environment and its manifestation in some different medias and
supports, we mean, the characteristics of the verbal sign when, suffering the interference
of other communicative characteristics, it abandons the double dimensional and
contiguous structure of its spatiality and starts interacting with spatiality that confer
them movement, a triple dimensional structure and other characteristics of cultural,
cognitive and sign mediation. The corpus to be analyzed is composed by different
supports that make use of the verbal sign that was collected through field research. To
the analyses, the theoretical field adopted will be the Semiotics of Culture, approaching
the concepts Semiosphere, Texts from Culture, Heteroglossia, Visual Culture,
Modelization Systems, Discreet and Not-discreet Language. So, we intend to identify
the role that the verbal assumes in the Occidental Culture, its current language and the
new ways shown by and for them. The fundamental bibliography of this research is
composed by the following theoretical fields: Semiotics of Culture, Theory of
Communications, means of communication, Linguistics, Culture of Medias, Theories of
Writing.
Keywords: verbal, media, Communication, code, text, writing.
Sumário
Introdução ...................................................................................................................... 10
LIVRO DE CIMA
Capítulo 1 – A escrita alfabética no jornal: linguagem e suporte
1.1 O espaço da escrita .................................................................................................. 28
1.2 Suporte e linguagem ................................................................................................ 32
1.3 O meio é a mensagem .............................................................................................. 37
1.4 O diálogo do verbal escrito ...................................................................................... 42
1.5 Construção da leitura ............................................................................................... 49
1.6 Leitura sem leitor ..................................................................................................... 53
1.7 Novos rumos ............................................................................................................ 56
Capítulo 2 – A escrita alfabética na televisão: linguagem e suporte
2.1 A signagem do suporte na televisão ........................................................................ 61
2.2 Língua, meio e mídia como sistemas modelizantes da cultura ................................ 67
2.3 O espaço da escrita na escritura da televisão ........................................................... 71
2.4 Percepção prolongada .............................................................................................. 76
2.5 A oralidade da escrita .............................................................................................. 81
2.6 Alfabetização pela imagem ..................................................................................... 84
2.7 Relação emissor/receptor ......................................................................................... 86
2.8 Meio ambiente e interferências ................................................................................ 89
Capítulo 3 – A escrita alfabética nas Coisas: linguagem e suporte
3.1 Uma questão de design ............................................................................................ 94
3.2 Uma questão de linguagem ...................................................................................... 99
3.3 Dos objetos nascem Coisas .................................................................................... 103
3.4 Diferentes suporte, diferentes possibilidades ........................................................ 105
3.5 A estória da história ............................................................................................... 108
3.6 Quando as palavras se levantam ............................................................................ 111
3.7 Leitura do signo escrito alfabético nas Coisas ....................................................... 114
Capítulo 4 – A escrita alfabética na internet: linguagem e suporte
4.1 Suporte digital virtual ............................................................................................ 119
4.2 Uma questão de interface ...................................................................................... 123
4.3 O espaço da escrita na rede .................................................................................... 127
4.4 Linguagem discreta e linguagem contínua na rede ............................................... 132
4.5 Homogeneidade e heterogeneidade do sistema ..................................................... 138
4.6 Navegando com o alfabeto .................................................................................... 142
4.7 Internetês ............................................................................................................... 146
LIVRO DE BAIXO
Capítulo 1 – Escrita, história e seus suportes ................................................................ 28
Considerações Finais ................................................................................................... 150
Referências Bibliográficas............................................................................................ 161
8
Introdução
a) A estória.
Neste primeiro momento, em que relato minha experiência com o
objeto de estudo e as dúvidas e incertezas levantas por esse contato, convido
o leitor para participar de um processo de abdução, por meio do qual nos
afastaremos da linguagem e do raciocínio científico estabelecido, em busca de
uma aproximação com o raciocínio ainda imaturo do início desse estudo e das
sugestões despertadas pelo contato com o objeto da pesquisa. Assim, nesse
momento em que conto a estória da pesquisa, tomarei emprestados recursos
de estilo e licenças poéticas, na construção do momento caótico que passei ao
fazer descobertas e me deparar com uma série de questões importantes e
profundas que envolvem o objeto de estudo, mas que infelizmente não teriam
como ser respondidas em uma única pesquisa. Ainda nesse processo abdutivo
em que as questões são levantadas pela hipótese possível, é descrito o
primeiro contato com as teorias e pensamentos de pesquisadores da área e
são levantadas uma série de dúvidas e questões, em busca da idéia central. E
então nossa abdução chega ao fim, ao se deparar com o recorte da questão a
ser estudada e a definição da metodologia empregada, onde tem início o
raciocínio indutivo da pesquisa.
Começa, aqui, a estória de uma dissertação que, como toda estória,
tem um começo, muitas vezes feito de era-uma-vez. Tudo começou com um
projeto falido, etimologicamente falando, que depois de uma longa conversa foi
amassado e deixado para trás. Dessa conversa tudo o que sobrou foi toda a
vontade do mundo, uma paixão, algumas idéias e o livro de Arnaldo Antunes
com Márcia Xavier, ET EU TU. As idéias foram aos poucos se juntando e
cresceram num grande amontoado: idéia de que as palavras possuem uma
força muito maior do que uma simples leitura vê, porque além do significado
elas revelam suas imagens na grafia e na tipografia e carregam o som dentro
delas; idéia de que a escrita jaz muito longe do que seria sua lápide no
cemitério e do atestado de óbito que os institutos médicos legais emitem; idéia
9
de que a escrita possui várias formas de se constituir; idéia de que as palavras
são nosso dia-a-dia porque é aí que estão e é esse território que ocupam cada
vez mais, às vezes passando despercebidas entre o letreiro de um ônibus, as
mensagens de celular e a camiseta guardada no armário do quarto.
Foi então que, com as idéias, vieram também as dúvidas. Se as
palavras são ao mesmo tempo imagem (a iconografia das letras) e som (o valor
fonético de cada letra do alfabeto), como elas se relacionam com esses dois
sistemas e vice-versa? E o que essa percepção implica para as palavras e para
a leitura que fazemos delas? Dividindo espaço com tantas outras formas de
comunicação, como os gestos, as fotos, as imagens em movimento, as
animações, etc. será que as palavras vão mesmo perdurar? Qual a importância
delas para nós e no que elas divergem ou convergem com essas outras formas
de comunicação? Será o signo alfabético realmente insubstituível? E sendo ele
tão antigo, surgido no terceiro milênio a.C., por quais transformações passou
quanto aos suportes de que faz uso? Qual o espaço que ele ocupa hoje na
cultura e em nossas vidas?
O mundo parece, aos poucos, estar varrendo as palavras de seu
mapa. Os anúncios publicitários que antes traziam argumentado em suas
linhas a eficácia do produto e apenas uma ilustração para acompanhar o texto,
hoje já dispõem de recursos que permitem o uso de produzidas e elaboradas
fotografias, que ocupam muitas vezes todo o espaço destinado à publicidade e
falam por si só, fazendo do texto mero acompanhamento deste prato principal.
As pessoas vão ao cinema assistir imagens em movimento, em vez de lerem
os livros onde foram escritas as estória que a tela conta com recursos
audiovisuais de última geração. Não é à toa que Lev Manovich declara em seu
livro, The Language of New Media (2001: 96) que “the traditions of the print
word and of cinema also compete between themselves”.
As palavras parecem, então, irem aos poucos sumindo e se
espremendo em pequenos espaços e pedaços de papel. As pessoas não se
contentam mais com apenas lerem notícias sobre o engarrafamento ou um
assassinato, elas querem ver uma foto de como o trânsito estava e poderem
olhar para a cara do assassino estampada na revista ou no jornal.
Entretenimento hoje é assistir a filme comendo pipoca, em vez de ler livros sem
gravuras. Parece realmente impossível palavra e imagem (aqui expondo a
10
dicotomia simplificada que foi tomada por alguns como verdade) viverem em
harmonia, e aos poucos a primeira apresenta indícios de que está perdendo
essa guerra fria e vai sumir do mapa. Acontece que as palavras são
imagens.
E elas podem até estar aparecendo, proporcionalmente, menos nos meios de
comunicação de massa; mas ao mesmo tempo se apoderam de suportes
novos ou pouco comuns para seu uso, como é o caso de textos em mensagens
celulares e em pijamas.
Em algumas mídias ela é protagonista, como é o caso dos livros,
noutras coadjuvante, a exemplo da televisão aberta. E, assim, interage com as
mais variadas e diferentes formas de linguagem, exercita sua presença em
diversos suportes, adaptando seu comportamento, inserida nesse espaço
cultural povoado por todos os códigos e signos em constante interação.
Enquanto desfilam nesse turbilhão de mídias, distribuindo e apreendendo
imagens e mais imagens em ondas eletromagnéticas e átomos concentrados
nas bancas de jornais e revistas espalhadas pela cidade, as pessoas se
perguntam aonde foram e vão as palavras parar. Elas andam por aí, bem ao pé
da letra, em camisetas e tatuagens. Estão em quadros, caixinhas decorativas,
copos, pijamas, fronhas e até nas calcinhas foram parar. Estão nas mensagens
do celular. Em todos os sites, blogs, fotologs, chats e no orkut. O signo escrito
alfabético está incorporado de tal forma à nossa cultura que muitas vezes não
notamos algumas de suas manifestações e alterações como, por exemplo, na
balança abaixo.
Figura 1: Balança da marca Imaginarium.
1
Como já foi dito antes, no começo da estória desta dissertação está
um livro, que já foi aqui apresentado. Logo abaixo está a imagem de duas
páginas desse livro, escaneadas, para apresentar um poema de autoria de
Arnaldo Antunes.
1
Imagem retirada do site de pesquisa www.google.com
11
2
Temos aqui um fundo preto, impresso em duas páginas de papel
couchê liso fosco, com um poema que ecoa dentro do livro ET EU TU. O
volume, de autoria da artista plástica Márcia Xavier e do músico e poeta
Arnaldo Antunes, traz fotografias e poemas em seu interior, mas nem por isso é
um livro de poesias ou um livro de fotografias. Segundo o próprio Arnaldo
Antunes “Nem poema, nem imagem, mas diálogos, parceria de dois códigos”.
Os close-ups reverberam nos cortes e na desconstrução das palavras, ao
mesmo tempo em que imagens amplas contrastam com os recortes do texto.
Imagens e palavras não foram diagramadas para simplesmente ocuparem as
páginas do livro, elas se distribuem, se encontram, se afastam, se desalinham
e voltam a encontrar uma a outra, num movimento fluido que é próprio da vida
e do diálogo entre duas linguagens, mostrando que uma convivência
harmônica é possível. Até porque não entendemos como linguagem apenas as
línguas ditas naturais (o português, o inglês, o espanhol, etc), mas fazemos
como Iuri Lótman (1978: 32), “metendo no conceito de «linguagem» o largo
conteúdo que é recebido em semiótica - «todo o sistema organizado que serve
de meio de comunicação e que utiliza signos»”. A partir dessa definição
podemos compreender que, assim como um pai conversa com seu filho recém-
nascido e entende alguns de seus sinais de desconforto, como é o caso do
choro incontrolável de quem sente fome mas não fala a mesma língua (ainda),
os diferentes sistemas de linguagem também dialogam entre si e escrevem
textos. Palavras que dão voz às imagens, repetição de sons que reproduzem
2
ANTUNES, 2003, sem paginação.
12
os ruídos observados, fotografias que representam e definem o texto escrito
naquele pedaço de papel.
Voltando ao poema, no fundo preto, impresso em duas páginas de
papel couchê liso fosco, as fotos de Márcia Xavier, que fazem parte do livro e
constroem um diálogo com os poemas de Arnaldo Antunes, não estão lá.
Aparentemente, tudo o que está é uma linha de signos alfabéticos escritos em
cor branca. Aparentemente, tudo o que está são apenas letras, unidades
mínimas de uma língua, que se combinam e se organizam de maneira a dar
algum sentido e forma aos pensamentos. Aparentemente, tudo o que está é um
texto resultante da organização desses 46 caracteres sígnicos. Aparentemente
tudo o que está são signos discretos
3
. E aparentemente tudo o que está são
signos discretos justamente porque eles estão ordenados um a um, de acordo
com as regras que regem o código, e combinados de maneira a estabelecer
uma comunicação com o leitor a fim de que possam lhe transmitir uma
informação. Eles possuem, segundo Lótman (1996: 55), esse caráter
convencional, em que “el texto está dado como uma formación secundaria com
respecto a los signos”. Mas isso é só aparentemente, porque a indiscrição do
conhecimento leva nossa compreensão para além dos signos discretos e faz
desse texto de Arnaldo Antunes muito mais do que letrinhas num pedaço de
papel.
Na verdade, tudo o que está é um poema. Na verdade, tudo o que
está é um texto artístico, e o seu significado se perde se seus diferentes
elementos forem separados. Na verdade, tudo o que está são sons apenas
compreendidos através do contorno das letras, idéias apenas transmitidas
através da diagramação, da significação das palavras, da repetição fonética e
visual. Na verdade, tudo o que está são signos não-discretos, justamente
porque os diferentes sistemas de códigos (sonoro, visual, alfabético e espacial)
encontram-se imbricados, dando origem a uma nova linguagem, que se perde
ao tentarmos decompor o texto em unidades mínimas. E, enquanto signos não-
discretos, eles são indivisíveis, uma vez que constroem uma linguagem
3
Segundo Lótman, o signo discreto representa uma realidade primaria em relação ao texto, que é
“dado como una formación secundaria con respecto a los signos” (1996: 55). Já o signo não discreto
tem como característica principal o fato de o texto representar uma realidade primária em relação ao
signo, pois é mais manifesto que este.
13
contínua: originam textos que são signos, textos indecomponíveis em unidades
menores, como é o caso de um quadro ou de um prédio. Isso acontece porque
“el texto es más manifesto que el signo” (Lótman, 1996: 55). E o poema acima
não é formado apenas de letras, ele é formado de sons, repetição de sons,
forma e espaço. E a linguagem visual possui um papel de destaque nesse
poema, manifestada através da distribuição espacial e da supressão dos
espaços que delimitam o começo e o fim das palavras. Por isso mesmo ele
pediu licença e dispensou as fotografias, deixando-as livres para povoarem as
páginas seguintes.
Podemos, então, dizer que o signo escrito alfabético, enquanto
código, foi pensado para funcionar como signo discreto, mas seu
funcionamento dentro da cultura permite que desempenhe também o papel de
signo não-discreto. Essas duas diferentes possibilidades de funcionamento dão
a ele uma versatilidade, permitindo às pessoas que possuem um conhecimento
mínimo de seu funcionamento lerem textos com variadas composições e
combinações de elementos. Esta questão é parte integrante e fundamental do
problema ao qual dedicamos esta pesquisa.
b) A idéia.
A escrita desempenha uma função importante para o homem, pois
permite aos povos se comunicarem (ou pelo menos possuírem essa
possibilidade de comunicação) uns com os outros. É por isso que podemos
dizer que o signo alfabético constitui um sistema de comunicação. Ele é um
sistema porque possui um conjunto variado de elementos interdependentes (as
letras numa escala menor, e as palavras numa escala maior) que se combinam
e se articulam segundo regras e leis, como por exemplo as regras de
concordância verbal e nominal e as regras para uso de sufixos e prefixos (que
possibilitam a formação de uma nova palavra com outras já existentes).
Segundo Lótman (1978: 45), “cada sistema de comunicação pode
realizar uma função modelizante”. Mas para entendermos o que ele quis dizer
com isso e qual a importância desse pensamento para nós, vamos primeiro
voltar um pouco mais no tempo, com a nossa máquina de tele transportação,
14
em busca do entendimento dessa palavrinha (modelização) como está sendo
usada aqui. A teoria da modelização
4
desenvolvida por Lótman utiliza esse
termo emprestado pelas ciências exatas para definir um sistema de regras que
se sobrepõem aos elementos estruturais e com eles se combinam de forma a
constituírem uma linguagem. Portanto, compreender qualquer linguagem a
partir de sua propriedade modelizadora é vê-la como um sistema dotado de
estruturalidade, ou seja, possuidor de um modo particular seu de organizar as
mensagens. Isso quer dizer que:
1) toda linguagem estabelece relações entre três elementos, aquilo que é
significado ou o objeto significado, o signo ou aquilo do que fazemos uso
para representar o objeto significado e o intérprete, que é aquele que
realiza a leitura do signo;
2) esses três elementos estabelecem diferentes relações entre si que
podem ser estudadas;
3) o estudo dessas diferentes relações são a semântica, relação entre os
signos e os objetos significados, a pragmática, relação entre os signos e
seus intérpretes, e a sintaxe, relação dos signos entre si;
4) cada linguagem (ainda que faça uso dos mesmos signos que uma outra)
implica o estabelecimento de diferentes regras de semântica, sintaxe e
pragmática (um exemplo disso é a existência de diferentes línguas
alfabéticas, em que todas elas fazem uso do mesmo tipo de signo – o
alfabeto – mas as regras que as regem são diferentes, originando
linguagens diferentes umas das outras);
5) as diferentes regras de combinação dos signos que compõem uma
linguagem fornecem a ela uma estruturalidade, uma organização
própria;
6) essa estruturalidade confere à linguagem uma propriedade
modelizadora.
Portanto, dizer que o signo escrito alfabético possui a capacidade
de funcionar como signo discreto e como signo não-discreto implica dizer que
ele possui uma alta capacidade de modelização. Sebeok vê a modelização
como um “modelo ideológico do mundo” (1996: 139) e coloca que:
4
Desde 1962 a teoria da modelização tem sido abordada e trabalhada nos estudos de Semiótica da
Cultura, na escola de Tartu-Moscou. Seu uso foi inicialmente proposto por Ivanov, Zaliznyak e Toporov.
15
De acuerdo com esto, es preferible pensar que las lenguas – que
constan de un conjunto de características que estimulan las
capacidades – han sido contruidas mediante selección para la función
cognitiva de modelización y que, como el filósofo Popper y el lingüista
Chomsky habían insistido, no lo han sido para la función de
intercambio de mensajes de la comunicación.
Sendo assim, a nossa língua natural, o português, não foi concebida
e nem sofre modificações (seja em sua estruturalidade ou em sua
funcionalidade) com o intuito de simplesmente possibilitar a troca de
informações. Esses procedimentos são reflexos de seu entorno e guiados para
possibilitarem à língua essa estrutura da qual precisa para ler e organizar o
mundo semiótico que a rodeia e se configurar enquanto sistema modelizante.
Enquanto tal a língua natural pode ser compreendida sob dois ângulos: como
sendo composta por signos discretos, quando visualizada a partir de suas
regras gramaticais; e como sendo composta por signos não-discretos, quando
visualizada a partir da variedade de modos de uso que possui e, entre eles, os
que fazem uso das diferentes linguagens constituintes do signo (verbal, visual,
espacial e sonora). Essa versatilidade, adicionada ao fato de ser a língua
natural não apenas o sistema que modeliza a nossa comunicação mas também
nossas idéias, faz com que ela seja o sistema modelizante em maior evidência
em nossa cultura (chegou inclusive a ser considerada o sistema modelizante
primário, aquele pelo qual se orientariam todos os outros), e também o sistema
de comunicação que mais se aproxima do funcionamento do cérebro em sua
forma de processar os diferentes tipos de signos no sentido em que
Em la salida del sistema esos textos se mazclan, formando un solo
texto poseedor de muchos estratos com variados estrelazamientos
internos de códigos reciprocamente intraducibles. (...) A pesar de la
evidente intraducibilidad mutua de estas concepciones y tipos de
textos, es en igual medida evidente que precisamente en la
intersección de los mismos nace la conciencia creadora (o sea, la que
crea nuevos textos). (Lótman, 1998: 18-19)
16
Mas é importante ressaltar que o conceito de modelização
desenvolvido pelos russos é diferente do conceito de modalização
desenvolvido pela sociossemiótica, assim como difere também a perspectiva
sobre a qual se vê a posição central da língua natural em relação aos sistemas.
A pesquisadora Irene Machado destaca que
A diferença elementar está no fato de a modalização vincular-se à
decodificação e a modelização, à transcodificação ou à criação de
novos códigos. Na modalização a língua natural é modelo; na
modelização a língua natural é um mecanismo semiótico a partir do
qual até os sistemas carentes de estrutura codificada podem
constituir linguagem. (2003: 146)
É a partir do ponto de vista do conceito de modelização da escola de
Tártu-Moscou que podemos compreender a alta capacidade modelizadora e de
criação de novos textos que o signo escrito alfabético possui, por ser uma zona
de união da linguagem discreta com a não-discreta. Ainda sob essa
perspectiva, existem casos que fogem às possibilidades oferecidas por esse
sistema modelizador, uma vez que o texto formado por signos não-discretos é
intraduzível para um texto formado por signos discretos (e vice-versa). É como
tentarmos explicar o famoso quadro “As meninas”, do pintor Diego Rodrigues
de Silva y Velázquez, através de palavras. Podemos dizer que no centro do
quadro está a infanta Margareta, filha do rei Filipe IV da Espanha; podemos
descrever seu cabelo loiro e como ele está preso, o vestido branco com
detalhes azul e púrpura; podemos descrever o seu olhar e a posição das suas
mãos; podemos descrever a luz, a tinta utilizada e o tipo de pincelada. Nada
disso será o suficiente para traduzir em palavras a pintura em questão ou para
possibilitar que uma réplica de tal quadro seja feita. A língua natural, seja ela
qual for, encontra um de seus primeiros limites aqui.
Tal fato poderia até ser, de certa forma e em certo nível,
menosprezado diante da aparente falta de necessidade de efetuar esse tipo de
tradução, visto que possuímos não apenas o quadro original para servir como
referência para o texto escrito em nossa língua natural, mas também técnicas
desenvolvidas que possibilitam a sua reprodução em livros, jornais, fotografias
e na tela do computador. Acontece que, embora a linguagem escrita possa
17
descrever o conteúdo do quadro, ela não o substitui, pois existem aspectos
dele que estão ligados à linguagem não-discreta da pintura. A linguagem
discreta e a não-discreta se complementam, mas não se substituem. Então as
palavras não dão conta de explicar uma outra linguagem que não a sua
própria. As palavras não explicam com exatidão a linguagem do cinema, da
fotografia, da escultura, da arquitetura... Mas as palavras são tudo o que
possuímos para explicar como compreendemos o funcionamento de outras
linguagens e como as utilizamos. As palavras são nossas ferramentas mais
preciosas para que possamos fazer o exercício da metalinguagem e, no
entanto, elas não são suficientes.
Então, uma vez que o único sistema do qual dispomos para realizar
a metalinguagem é nossa língua natural, essa função da linguagem encontra-
se comprometida, principalmente em se tratando da análise de signos não-
discretos. Mas para que os sistemas de signos se percebam enquanto
totalidade, tomando consciência do seu funcionamento, da sua interação com o
entorno e diferenciando-se dos demais sistemas, a metalinguagem é
necessária, e é então que surge o paradoxo: a única linguagem de que
dispomos para realizar a metalinguagem é nossa língua natural, mas uma vez
que esta é, em sua essência, um sistema de signos discretos, não possui a
capacidade de traduzir um sistema de signos não-discretos. Tal metalinguagem
não é impossível, tanto que a praticamos, nem é inútil, pois é a ferramenta que
possuímos para estudar, analisar e discutir as linguagens não-discretas, mas
ao ser realizado um processo de transdução, em que o texto escrito com uma
linguagem é traduzido para outra, a nova linguagem e o novo código em que o
texto é escrito infelizmente não contemplam todos os aspectos apresentados
pela linguagem original não-discreta. Enquanto sistema, a escrita alfabética
tem consciência de todas essas possibilidades de funcionamento que sua
estruturalidade lhe permite, de modo que, pouco a pouco, ela vai colocando
sua malinha nas costas e parte em peregrinação pelos diferentes espaços da
cultura, experimentando outras funções, percepções e linguagens. Assim, a
lista dos suportes em que encontramos o signo alfabético hoje em dia se
estende para além do que os dedos podem contar, numa miscelânea que
engloba livros, revistas, bulas de remédio, letreiro de ônibus, placas de
sinalização, mensagens via celular, salas de bate-papo na internet, camisetas,
18
logomarcas, objetos de decoração, paredes, calcinhas, e segue ao infinito.
Nesse mundo povoado de letras, dois novos usos da palavra chamam a
atenção: o uso na internet e em objetos do mundo cotidiano.
A internet, indubitavelmente, promoveu mudanças na maneira do
homem se comunicar, criou um espaço onde a intimidade é facilmente obtida e
necessária. O aproach mais direto e a interatividade permitem às pessoas
estarem sempre se comunicando com alguém, ao mesmo tempo em que o
outro tem a escolha de apenas receber a informação no momento que melhor
lhe convém ligar o computador e abrir a caixa de mensagens. As palavras
povoaram essa realidade virtual, e encontraram nessa nova casa uma outra
maneira de existir. Os bytes levam a cabo o que a televisão e o cinema
começaram, brincando com as dimensões material e estética das letras,
animando-as, dando novas cores, criando sons representativos da presença
delas, adicionando efeitos de fade in e fade out, possibilidades tão variadas
quanto a criatividade humana permite. A letra passa, então, a se desprender
cada vez mais da camisa de força que sua classificação enquanto signo
discreto lhe impõe, promovendo uma ruptura na forma de ver este signo que
ultrapassa a essência do código e o liberta para viver todas as dimensões
estéticas que o sistema lhe possibilita. As palavras dão um grande passo, a
caminho de um novo dialeto, regido mais pelo som do que pelas regras
ortográficas: “i deixa mtos professores d português d kbelu em pé”. A
estenografia renasce de roupa nova na tela do computador. As pessoas
praticam a comunicação sonora através do teclado do computador,
aproximando uma conversa no Messenger o máximo que podem de uma
conversa ao vivo, a cores e a som. A leitura se torna algo automático, e
passamos o dia entregues às letras sem percebermos. Afinal de contas,
embora o signo seja o mesmo, existe uma grande diferença entre ficar a noite
inteira na internet e ficar na cama, com um livro aberto, passando as páginas e
lendo.
A presença das letras no mundo dos objetos cotidianos, tais como
camisetas, copos, calcinhas e travesseiro, também ressalta suas dimensões
sensoriais, mas sem fazer uso (ainda) desse novo dialeto surgido com a
internet. Palavras e frases funcionam como texto artístico, ganhando um novo
significado ao mesmo tempo em que o impõem a esses objetos que as
19
carregam. Neles, as letras não existem como unidades mínimas, existe apenas
o texto em sua totalidade, o significado do todo e como ele se apresenta. Esse
mesmo fato ocorre com as logomarcas, nomes próprios desse mundo
capitalista. E para lê-las não é necessário o conhecimento do signo alfabético
enquanto código, pois elas são lidas através de sua tipografia, seus contornos
e suas cores; tanto que crianças ainda não alfabetizadas conseguem identificar
a marca de alguns produtos que povoam seu pequeno mundinho, como Coca-
Cola e Barbie. O mesmo acontece com pessoas analfabetas que, embora não
consigam decodificar as palavras, identificam-nas como nomes próprios
através da percepção dela enquanto texto não-discreto, composto de forma,
espaço, cor... Como quem identifica o quadro pintado por um artista famoso.
Todas essas idéias foram, aos poucos, crescendo e à medida que
muitas outras se juntaram a elas. As dúvidas também aumentaram. Se a
escrita alfabética é um signo, elemento que Nöth (apud Uexküll, 2004: 24)
define da seguinte forma, “O signo é um elemento percebido do qual um
elemento despercebido pode ser deduzido”, então quais elementos
despercebidos estão por trás das transformações pelas quais o signo alfabético
está passando?
Este signo constitui, para a abordagem semiótica da cultura, um
texto da cultura, pois é o produto de uma das linguagens que a compõem,
assim como a música, a pintura, o cinema e as tradições populares. Todos
estes textos estão em interação no ambiente cultural, a semiosfera. A cultura
“possui traços distintivos”, ela não engloba tudo, mas apenas uma parte
específica que reconhece enquanto sua, o que faz com que os elementos que
ela não reconhece façam parte da não-cultura, porém isso não quer dizer que
tais elementos não existam. A cultura não é estática, ela é movimento, e suas
fronteiras são móveis também. Assim, um elemento considerado estranho a ela
pode, ocasionalmente, passar a integrá-la, e vice versa.
A semiótica da cultura não consiste apenas no facto de que a cultura
funciona como um sistema de signos. É necessário sublinhar que já a
relação com o signo e a signicidade representa uma das
características fundamentais da cultura. (Lótman, Uspenskii, 1981:
45)
20
Diante de tal proposição surge o questionamento: será que essas
transformações pelas quais a escrita está passando refletem alterações em sua
signicidade? Por que a cultura está absorvendo transformações nesse signo e
qual mecanismo usa para incorporar tais mudanças?
A cultura é um mecanismo de organização das informações, faz uso
de normas e possui uma memória, a continuidade de suas normas é a
continuidade mesma de sua memória. A existência de normas implica o fato de
que estas podem ser alteradas, mudando a forma com que as informações são
organizadas pela e na cultura. A escrita alfabética, por ser um signo inserido no
ambiente cultural, está sujeita a essas normas, e são precisamente elas que a
reconhecem enquanto pertencente à cultura. Embora a cultura ocidental seja
predominantemente logocêntrica, dentro do seu mecanismo de funcionamento,
escrita e imagem não se anulam, não competem por espaço. Não há
predominância de uma ou de outra, há diálogo e interação. E mudanças nas
normas que excluam determinado texto da cultura não apagam seus traços, ele
continua existindo na sua história e na não-cultura, o que põe fim à
possibilidade de extinção da escrita, e ao duelo entre ela e a imagem. Este
duelo é substituído pelo diálogo, ao contrário do que expõe Giovanni Sartori:
Atualmente estamos passando por um rapidíssimo processo
revolucionário dos Meios de Comunicação. Um processo com muitos
tentáculos (Internet, computadores pessoais, espaço cibernético,
etc.), mas que, basicamente, é caracterizado por um denominador
comum: a capacidade de ver à distância - tele-ver - surgindo daí o
nosso vídeo viver. E é em consideração deste fenômeno que no
nosso livro focalizamos a questão da televisão, constituindo como
tese de fundo a afirmação de que o vídeo está transformando o homo
sapiens produzido pela cultura escrita em um homo videns no qual a
palavra vem sendo destronada pela imagem. Tudo se torna
visualizado. (2001: 7-8)
O exemplo acima é só uma demonstração de como a questão da
escrita ainda apresenta pontos de vista bastante contundentes e até mesmo
contraditórios quando confrontados com a natureza do signo. Pois se “tudo se
torna visualizado” e a escrita alfabética é um signo visual, então por que e
21
como ela pode ser destronada pela imagem? Essa questão já foi aqui
discutida, e no caminho traçado pelo signo, sinuoso e cheio de curvas, muitas
outras questão aparecem, em busca de respostas e explanações.
Nesse primeiro momento de contato e inferências, tem-se a
impressão de que o signo escrito alfabético está migrando dos meios de
comunicação de massa para novos meios de comunicação e suportes pouco
comuns para seu uso, como os objetos. Desde o advento da televisão e de
técnicas de impressão a cores, as palavras realmente parecem estar
aparecendo em menor quantidade nos meio de comunicação de massa – digo
“aparentemente” porque esta é apenas uma inferência superficial que não se
confirmou. Paralelamente a isso, temos uma maior incidência da escrita em
meios informais, que não prevêem seu uso (objetos de decoração, roupas...), e
em novos meios de comunicação (SMS e internet) o que leva a pensar que,
talvez, a escrita esteja passando por um processo migratório dos meios de
comunicação de massa para novas mídias e meios informais. Essa era uma
hipótese inicial desta pesquisa que, após uma primeira análise do objeto,
mostrou-se inoperante, uma vez que um processo migratório implica abandono,
fato específico que não se verifica no caso da escrita e os meios de
comunicação de massa.
c) A pesquisa.
O contato inicial com o objeto de pesquisa foi favorecido pela
abordagem semiótica da cultura, utilizada como alicerce desta pesquisa e que
possibilitou a análise da movimentação do signo na cultura, uma visão macro
de seu comportamento e da relação tecida com cada um de seus diferentes
suportes. Após o redemoinho inicial de idéias e questionamentos, é chegado o
momento de delimitar a questão a ser estudada, os conceitos que serão
trabalhados, o corpus, seu processo de amostragem e a metodologia aqui
empregada. Diante de tantas questões importantes levantadas pelo objeto de
estudo, a tarefa de recortar o corpus e a questão estudada não foram nada
fáceis. Somou-se a isso um desafio apresentado: como recortar um corpus e
delimitar a área de análise quando se pretende estudar não apenas o signo
22
escrito alfabético em uma mídia específica, mas o comportamento deste signo
na cultura?
A escolha da questão específica a ser pesquisada veio ajudar a
compreender melhor como poderia ser feita a delimitação do corpus. Assim, o
desenvolvimento deste trabalho visa compreender a relação estabelecida entre
a escrita alfabética e seus suportes: como a escrita se apresenta em cada
suporte, que tipo de relação tece com ele e, principalmente, como o suporte
participa da configuração da linguagem deste signo. Para tanto, considera-se
escrita alfabética o processo de transmissão e registro da língua natural por
meio da grafia alfabética. O alfabeto é o código composto por símbolos gráficos
dotados de valor fonético de que faz uso essa linguagem.
Como vamos utilizar ulteriormente o conceito de «linguagem» com a
específica significação que se lhe atribui nos trabalhos de semiótica,
significação que difere fundamentalmente da sua utilização habitual,
definimos o conteúdo deste termo. Por linguagem entendemos todo o
sistema de comunicação que utiliza signos ordenados de modo
particular. As linguagens assim estudadas diferenciar-se-ão:
- Em primeiro lugar dos sistemas que não servem de meio de
comunicação;
- Em segundo lugar, dos sistemas que servem de meio de
comunicação, mas não utilizam signos;
- Em terceiro lugar, dos sistemas que servem de meios de
comunicação e utilizam signos pouco ou quase nada ordenados.
(Lótman, 1978: 35)
Assim, podemos diferenciar a linguagem em primeiro lugar das
outras atividades humanas que não possuem ligação com a transmissão ou
transformação de uma informação, em segundo lugar de uma relação extra-
semiótica que ocorre no interior de um organismo, e em terceiro lugar da
paralinguística, um sistema intermediário que compreende a mímica, os gestos,
etc.
Ao contrário do que afirma Ladislas Mandel em seu livro Escrita,
espelho dos homens e da sociedade (2006), acreditamos que o suporte não
desempenha um papel passivo no processo comunicativo, mas integrante da
mensagem, sua linguagem e configuração. Portanto, ao fazer uso de diferentes
23
suportes, a escrita alfabética se reinventa em cada um deles, se modifica ao ter
sua linguagem modificada pelo meio utilizado na comunicação da mensagem.
Esse caso específico demonstra como o meio se configura como mensagem,
apresentando seu caráter ativo e participativo, onde ele deixa de ser visto como
um mero substrato material e se torna um meio ambiente, transmissor de um
conteúdo próprio. Assim, a proposição mcluhaniana de que “o meio é a
mensagem, porque é o meio que configura e controla a proporção e a forma
das ações e associações humanas” (2005: 23) será utilizada para ajudar na
compreensão do suporte, seu papel e comportamento, uma vez que o suporte
transforma-se em meio de comunicação no domínio cultural ao ser utilizado
como signo ou substrato material para a impressão e transmissão de um signo,
conseqüentemente, para transmitir uma mensagem.
Além da definição de linguagem, outros conceitos serão focalizados,
prioritariamente, do ponto de vista de semiótica da cultura, de modo a evitar
uma heterogeneidade de teorias que não se articulam de forma consistente e
que geralmente pode acontecer nas abordagens semióticas. São eles:
semiosfera, fronteira e sistema modelizante. O conceito de signo aqui utilizado
também é proveniente deste campo teórico, sendo ele compreendido como o
«dicionário» de uma linguagem (Lótman, 1978), ou seja, o signo como algo que
se dirige a outro, tal como foi formulado teoricamente por Charles Sanders
Peirce. O conceito de heteroglossia formulado por Mikhail Bakhtin em The
Dialogic Imagination será usado como hipótese a ser testada, tanto com o
intuito de verificar se ele se aplica ao corpus, quanto com o objetivo de verificar
se existe uma homologação deste conceito com o campo teórico da semiótica
da cultura. Para definir o suporte partimos do conceito de meio técnico utilizado
por John B. Thompson como sendo “o substrato material das formas
simbólicas, isto é, o elemento material com que, ou por meio do qual, a
informação ou o conteúdo simbólico é fixado e transmitido” (2005:26).
As hipóteses podem ser sintetizadas nas seguintes premissas:
o suporte transforma-se em meio ao caracterizar o ambiente
cultural de uma mensagem, nesse processo ele modeliza a
linguagem, apresentando-se como um sistema modelizante;
o papel ativo e participativo do suporte no processo comunicativo
ratifica a máxima mcluhaniana “o meio é a mensagem”;
24
apoiada em suportes distintos, a escrita alfabética desenvolve
linguagens diferenciadas em cada um deles;
o comportamento do signo escrito alfabético na semiosfera
apresenta-se como uma heteroglossia;
a escrita possui natureza e caráter discretos, mas pode, em
alguns casos, funcionar como signo não-discreto;
o signo escrito alfabético não está passando por um processo de
extinção, mas de transformação dentro da cultura;
Para tal averiguação precisamos traçar o caminho desenvolvido pelo
signo. A estrada aqui percorrida é perceptiva, construída com exemplos
garimpados pela visão de um pesquisador em particular, pois um forte fator de
limitação é imposto a este trabalho: a amostra, que retrata o grande número de
suportes do qual a escrita faz uso e sua variedade de modelizações, cujo
processo de seleção denuncia a impossibilidade de analisar a modelização do
verbal escrito em todos eles.
Assim, para selecionar os casos particulares aqui estudados foi
adotado um sistema de amostragem qualitativa intencional, que coletou
exemplos por meio de pesquisa de campo, realizada no ambiente urbano de
São Paulo. Uma vez que os meios de comunicação, e a escrita alfabética em
específico, encontram-se espalhados no ambiente cultural, não se
concentrando em nenhum lugar específico, a pesquisa procurou focar
ambientes que, num plano geral, apresentam grande concentração deste
signo, tendo sido visitadas livrarias, exposições de arte, lojas de moda e de
decoração, feiras, bancas de revista, internet, shopping centers e o ambiente
urbano como um todo, pois é onde a comunicação se desenvolve.
Uma vez coletado o corpus, recorremos à amostragem não-
probabilística intencional para selecionar os suportes que integrarão o corpo
em que será analisada a modelização da escrita pelo suporte. Os fatores
tomados como base para a seleção foram: diversidades de modelização,
diferenças no processo de mediação do signo e configuração de novas
linguagens. Com isso, procuramos obter:
uma diversidade de suportes e, conseqüentemente, de meios –
diante da impossibilidade de analisar todos
os suportes que
existem para o verbal escrito (para não incorrer na
25
superficialidade) priorizamos o aprofundamento da análise em
um corpus específico e delimitado exemplificativo do todo;
uma diversidade de processos de mediação – dessa forma é
possível compreender os processos de mediação uns em
relação aos outros;
uma diversidade de linguagens – para compreender como ocorre
o processo de modelização do signo escrito alfabético
(considerado, por Lótman, como sendo o sistema modelizante
primário) em relação a seus diferentes suportes e meios.
Depois de selecionado, o corpus da pesquisa foi classificado da
seguinte forma: jornal; televisão; Coisas; internet.
Durante esse processo de classificação surgiu uma questão que
sinalizou problemáticas apontadas pela pesquisa. Tal questão apareceu no
processo de nominação da classe que engloba os suportes calcinha, bijuterias,
roupas de cama, etc.. Inicialmente pensou-se em utilizar o termo “mídias
alternativas”, muito empregado em publicidade e propaganda para indicar as
mídias não tradicionais, que se apresentam como uma alternativa de menor
custo ou de acesso mais restrito do que os meios de comunicação de massa
para atingir os consumidores. Entretanto o termo “alternativa” remete ao
emprego do verbal escrito em um suporte que se apresenta como uma opção
para um outro, o que não acontece nesse caso. Outra possibilidade levantada
foi utilizar o termo “meios informais”, que faz referência à não formalidade
desses suportes, sinalizando que não é praxe o emprego do verbal escrito
neles. Mas tal denominação também apresenta uma incoerência com seu
conteúdo, pois o emprego do signo escrito alfabético em alguns suportes
incluídos nesta categoria (roupa de cama e jóias, por exemplo), embora hoje se
apresente como uma novidade, já foi um procedimento de praxe no passado,
como os monogramas. Terminou-se, aqui, optando por utilizar o conceito
formulado por Mikhail Epshtein (1993) que engloba as Coisas
5
da vida
cotidiana, marcadas pelos hábitos e ideais de seus donos. O teórico diferencia
as Coisas dos objetos e ressalta que, enquanto os objetos representam uma
categoria ou um tipo de produto, as Coisas são marcadas pela individualidade
5
A grafia da palavra Coisas com inicial maiúscula é utilizada pelo autor em sua formulação conceitual e
foi aqui mantida.
26
de sua existência e por seu valor pessoal. Assim, segundo o conceito de
Epshtein a presença do signo escrito alfabético é analisada em relação ao
dono da Coisa e ao processo de comunicação que estabelece com ele, e não
como elemento de composição na produção de um item em série.
Tanto o processo de classificação quanto o de seleção retratam uma
visão particular sobre o signo e, para construir o espaço ocupado por ele, é
necessário que outros pontos de vista e outras análises sejam somadas a
essa. A presente dissertação indica a conclusão de uma etapa, mas não o final
da pesquisa, de forma que este não é apenas um trabalho para ser lido, é um
convite, a ver o olhar do outro e depois somar o seu, criar o seu, conversar, e
permitir à pesquisa que continue viva, na memória do signo escrito.
A pesquisa tomou forma nos dois livros que compõem essa
dissertação de mestrado: livro de baixo e livro de cima. Devo confessar que
essa estruturação não saiu de minha imaginação. Esse formato foi mais
inspirado do que criado, e pode ser encontrado nas páginas do livro Último
Round de Julio Cortázar. O escritor, ao cortar o livro e desenvolver um livro que
na realidade são dois (o livro de baixo e o livro de cima, cada um com seu
próprio índice e suas próprias estórias) denuncia a relação íntima que o papel
tece com a linguagem da escrita. Ao provocar alterações no suporte do livro,
modificando seu formato, Cortázar modifica a linguagem do livro e interfere no
processo de leitura. Tal divisão do suporte é muito pertinente quando aplicada
à análise deste objeto de pesquisa para ressaltar o caráter participativo e
simultâneo da história ao fazer-se a si mesma. A escrita alfabética e seus
novos suportes são, aqui, conjugados no presente. Para realizar essa análise é
importante observar e percorrer a trajetória do signo na história, que escreve
linhas no passado, forma textos de um tempo que não existe mais e, no
entanto, ainda fazem parte do presente. É inegável o fato de que a escrita
possui sua história, que não deve ser ignorada, mas sim contada. O livro de
baixo coloca esse passado no lugar que é seu por direito, sem isolá-lo em um
capítulo desconexo de todo o resto, mas integrado ao presente, como um
elemento que forma um todo, ao mesmo tempo em que acompanha a evolução
que a escrita representa para a cultura hoje.
Assim, a pesquisa se divide em dois livros. O livro de baixo é
composto de uma única parte e capítulo, que apresenta a história da escrita,
27
enquanto o livro de cima explana as análises da modelização do signo pelos
suportes, e encontra-se dividido em: capítulo 2, análise do signo escrito
alfabético no jornal e a forma com que o verbal escrito se apresenta nele, sua
linguagem e características; capítulo 3, análise do signo escrito alfabético na
televisão e a modelização e comportamento do signo na televisão; capítulo 4,
análise do signo escrito alfabético nas Coisas, tais como bijuterias, roupas e
objetos de decoração, como as Coisas modelizam o signo alfabético, a relação
estabelecida entre design e escrita e de que forma se configuram suas
linguagens; capítulo 5, análise do signo escrito alfabético na internet, a relação
tecida entre eles, as diferentes linguagens na rede e a modelização da escrita
alfabética pela internet; por fim o livro de baixo e o de cima volta a se unir nas
considerações finais, onde são retomadas as hipóteses levantadas para
discussão.
Nesta viagem que faremos pela cultura do signo escrito, os senhores
passageiros não precisarão de passaporte nem de bagagem, ocasionalmente
forneceremos aqui e acolá algum conceito e exemplo que sejam necessários.
Informamos que as análises são apresentadas no livro de cima porque
introduzem e definem conceitos que também aparecem no livro de baixo (por
exemplo, o conceito de fronteira). Os pontos de maior aprofundamento teórico
do livro de cima e do livro de baixo aparecem em páginas de mesmo número
ou de numeração próxima. Assim, ao ler a definição do conceito de fronteira e
sua explanação nas análises no livro de cima, se procurar a página com
mesma numeração no livro de baixo o leitor encontrará o momento na história
da escrita em que este conceito é identificado pelo pesquisador. Para um leitor
que não possui muita familiaridade com as teorias e conceitos aqui trabalhos é
recomendável ler primeiro o livro de cima e só depois o de baixo. Mas muito
mais importante do que seguir conselhos é preferível que o leitor desenvolva
seu próprio modo de manipular esse volume e lê-lo. Apertem o cinto, façam
uma boa viagem e fiquem à vontade para lerem os livros de cima e de baixo
juntos ou separados. Descubram, criem e construam a sua forma de ler a
história.
28
[1] A escrita alfabética no jornal: linguagem e suporte.
[1.1] O espaço da escrita.
Como todo texto da cultura, a escrita está sempre em contato com
outras formas de linguagem e novos suportes, que contribuem para que ocorram
transformações, seja no aspecto sensível da escrita, composto pela maneira com
que se apresenta por meio de seus traços e suas formas, seja em sua estrutura,
formada pelas regras que orientam e ordenam a configuração de sua linguagem.
Ela está inserida no ambiente cultural, junto com várias outras linguagens, outros
textos e outras mídias. Habita a semiosfera, onde fica em constante contato com
seu entorno: o meio ambiente cultural e todas as estruturas nele imersas. Nesse
contato, existe uma região de interseção entre o espaço da escrita, o espaço
ocupado por outros textos culturais e a escrita do espaço. Há a configuração de
uma fronteira, conceito desenvolvido pelo semioticista russo Iuri M. Lótman para
designar o lugar em que diferentes estruturas culturais se encontram e
entremeiam. Segundo o autor:
Así como en la matemática se llama frontera a un conjunto de puntos
pertenecientes simultáneamente al espacio interior y al espacio exterior,
la frontera semiótica es la suma de los traductores «filtros» bilingües
pasando a través de los cuales un texto se traduce a otro lenguaje (o
lenguajes) que se halla fuera de la semiosfera dada. (Lótman, 1996: 24)
[1] Escrita, história e seus suportes.
A escrita é uma das maiores invenções da humanidade e, ao
contrário da visão romântica que temos do mundo ao imaginar que tudo é
28
29
A semiosfera a que Lótman faz referência é o meio ambiente cultural.
Esse conceito foi desenvolvido através de uma analogia à biosfera de V. I.
Vernádski, a qual engloba o conjunto de toda a matéria viva terrestre e ocupa um
espaço físico determinado do globo. A semiosfera, por sua vez, abarca o universo
dos signos, ícones e índices, delimitando um espaço abstrato fora do qual é
impossível o desenvolvimento da semiose, processo por meio do qual ocorre a
construção da significação. Podemos dizer, então, que a semiosfera é o espaço
ocupado pela cultura, um ambiente que possui características distintivas e escrita
própria.
Assim como a arquitetura e os espaços arquitetônicos possuem
estruturas e elementos que possibilitam a construção de seus ambientes e
particularidades, a semiosfera é constituída por linguagem, estruturalidade e
regras que conferem a ela uma escrita particular. Deste ponto de vista, podemos
observar o espaço da escrita como pertencente à escrita da semiosfera, onde as
línguas naturais e suas expressões gráficas desenvolvem meios ambientes
específicos, que se articulam e combinam com outras estruturas, desenvolvendo
um movimento de escritura e configuração do espaço da cultura.
Nesse espaço, nenhum sistema existe ou funciona de forma isolada. A
tentativa de isolar os sistemas, como uma técnica para observá-los e estudá-los,
é apenas a busca de alcançar, neste estado de separação, uma possibilidade de
estudo. Na prática, tal isolamento não existe e é impossível de ser exercido, uma
vez que nenhum sistema da cultura é capaz de funcionar sozinho, sem que esteja
interligado aos diferentes sistemas com que interage e que dele fazem parte.
criado num lapso momentâneo de inspiração, ela levou anos para ser
desenvolvida, décadas para evoluir e séculos para alcançar a formatação que
possui hoje. A escrita prossegue em constante evolução, pois sua convivência
com outros textos da cultura a coloca num estágio contínuo de
29
30
Dentro dessa dinâmica de integração e compartilhamento de
interseções, a fronteira funciona como uma película que permite a determinado
sistema tomar consciência de sua própria especificidade e homogeneidade, em
contraposição aos outros sistemas e aos contrastes por eles levantados. Esta
película, ao mesmo tempo em que separa, também une, funcionando como um
filtro seletor que permite a penetração do externo no interno, mas o faz de forma
seletiva e por meio de um processo de tradução dos elementos que são
incorporados, pois cada sistema semiótico, ao entrar em contato com outro, irá
interpretá-lo e traduzi-lo para sua própria linguagem. Esta zona de transformações
está localizada na periferia do sistema, é daí que os processos semióticos partem
em direção às estruturas nucleares. Todo sistema semiótico possui uma
centralidade estrutural e organizacional, cuja periferia se caracteriza por possuir
uma forma mais amorfa do que as estruturas nucleares que ficam nela
submersas.
O espaço semiosférico é heterogêneo quanto às suas estruturas e
subestruturas. Entretanto, essas diferenças se combinam de forma a compor uma
unidade homogênea que possibilita a configuração do sistema da cultura. A
transmissão de informações entre as diferentes fronteiras desse espaço
(fronteiras que delimitam o espaço externo e o interno e fronteiras internas, que
delimitam as diferentes estruturas e subestruturas que constituem o sistema) é
que promove a geração de sentido e o surgimento de uma informação que seja
nova, uma vez que os mecanismos de tradução das fronteiras são os
responsáveis pela incorporação do externo, do diferente e do novo. São
justamente as diferenças e a heterogeneidade do sistema que possibilitam o
desenvolvimento, onde está constantemente escrevendo sua história e sua
linguagem.
A invenção da escrita marca a passagem da pré-história para a
história, mas precisar o local e a data de seu surgimento é uma tarefa não
apenas difícil, mas impossível pois, assim como acontece com muitas das
30
31
surgimento e a troca de informação, processo que se dá por meio da tradução
dessas diferenças. Mas é importante ressaltar que esse processo de tradução
implica transformações nos dois sistemas semióticos envolvidos, o interno e o
externo.
A irregularidade da semiosfera viola a hierarquia dos textos e das
linguagens e cria um ambiente onde os diferentes textos da cultura colidem entre
si através de seus filtros seletores, num mecanismo em que são estabelecidas as
regiões de fronteira e onde são desencadeados os processos semióticos
resultantes deste encontro. No momento em que se penetram, ambos os textos
desenvolvem um mecanismo de tradução e produção de nova informação; o
choque e a fronteira funcionam de forma dialógica, nenhum sistema da cultura
entra em contato com outro sem que sofra influências ou transformações
desencadeadas por este outro sistema.
O conceito de fronteira desenvolvido pela abordagem semiótica da
cultura possibilita que a escrita alfabética presente no jornal seja estudada no
contexto em que a mediação ocorre e que a dinâmica dela e de seus suportes, no
espaço cultural, seja analisada. Uma vez que a proposta deste trabalho é estudar
a movimentação do signo escrito alfabético dentro da semiosfera através da
análise de seus pontos de convergência e divergência nos diferentes suportes,
isso só é possível quando os elementos integrantes do corpus são inseridos na
dinâmica do espaço cultural. E a teoria da fronteira é justamente a abordagem
que nos possibilita estudar essas regiões de interseção e de diálogo entre os
diferentes suportes da escrita alfabética.
grandes invenções da humanidade, a escrita surgiu ao mesmo tempo em
diferentes línguas. Além disso, ela passou por tantos processos diferentes que é
difícil precisar o exato ponto em que desenhos deixaram de representar índices
para se tornarem símbolos.
31
32
[1.2] Suporte e linguagem.
Segundo a abordagem semiótica da cultura e seu conceito de fronteira,
podemos compreender o jornal como um ambiente semiótico de fronteira entre
diferentes linguagens. Embora ele seja em sua grande parte composto por texto
escrito alfabético, possui em sua estrutura outros elementos responsáveis por sua
configuração. A escrita alfabética, para se materializar enquanto signo, precisa de
um suporte (o papel, a madeira, etc.) que possibilite o seu uso e que, nesse
processo de escritura, termina por impregnar o alfabético com suas
características particulares e outras linguagens de que faz uso.
Os signos precisam de um suporte para se materializar e transmitir a
informação de que são portadores. John B. Thompson chama esse meio físico de
meio técnico, e o descreve como sendo
um substrato material das formas simbólicas, isto é, o elemento material
com que, ou por meio do qual, a informação ou o conteúdo simbólico é
fixado e transmitido do produtor para o receptor. (2005: 26)
Assim, o substrato material através do qual os símbolos são fixados no
jornal é o papel. Mas, para que seu conteúdo simbólico seja transmitido, faz-se
necessário também uma técnica de impressão, a fim de que os signos sejam
escritos no suporte e transmitidos do emissor para o receptor. Portanto, o
jornalismo e todas as outras linguagens que se combinam para originá-lo estão
Ainda na pré-história, os homens já faziam marcas e desenhos nas
paredes das cavernas para se comunicarem uns com os outros e registrarem
suas vontades, seus feitos, os acontecimentos e seus pensamentos. Era a
chamada arte rupestre. Hoje, considerada mais arte do que escrita porque não
possui uma organização ou uma padronização, não possui uma estrutura.
32
33
condicionadas às limitações e possibilidades oferecidas pelo substrato material e
suas técnicas de impressão.
O papel transmite ao jornal suas características de alto grau de fixação
da informação, possibilidade de mobilidade – ele é portátil – e necessidade de
manuseio. Essas particularidades e a definição de suporte aqui adotada são mais
bem observadas quando confrontadas com as propriedades de outros suportes; e
adjetivações como “alto grau de fixação” apenas são possíveis dentro de um
quadro comparativo.
Tomando outro meio de comunicação para análise, a televisão,
teremos a tela como o substrato material através do qual o signo escrito chega
até nós. Mas a tela por si só não transmite nada, e diferentes elementos podem
funcionar como “tela” para a projeção televisiva: uma parede, um painel de tecido
ou de plástico, um telão. Os signos televisivos são transmitidos pelos feixes de
elétrons, portadores e tradutores de informação. São eles que fazem a tela da TV
ser diferente da tela do computador. Pois, embora a estrutura física e a superfície
de vidro através da qual vemos os signos sejam a mesma, o sistema que
transporta e traduz a informação simbólica para que ela chegue até a tela e até
nós é diferente. Na televisão temos os feixes de elétrons, no computador temos o
HD, o hardware, com sua linguagem binária. Ao ampliarmos o conceito de
suporte, que deixa de ser restrito apenas à superfície na qual o signo é projetado,
compreendemos a dinâmica que o signo tece junto a ele. O hardware do
computador e o feixe de elétrons da televisão têm um modo particular de codificar
e transportar essa informação, o hardware codifica a escrita alfabética em sua
linguagem binária e discreta, a televisão transporta e projeta o signo alfabético na
A
escrita, enquanto forma organizada, padronizada e estruturada de
registro de dados e de comunicação surgiu inicialmente na antiga Mesopotâmia
(região do Oriente Médio localizada entre os rios Tigre e Eufrades), por volta de
4.000 a.C. Essa região era habitada por vários povos, tais como os assírios,
babilônios e sumérios. Foram estes últimos que desenvolveram o primeiro tipo
33
34
tela por meio de um fluxo contínuo dos feixes de elétrons. Assim, a imagem que
vemos na tela do computador não será nunca igual à da tela da televisão, pois
passam por processos diferentes, que interferem na configuração do signo e na
forma como este se apresenta, modificando o modo como nos relacionamos com
ele.
Portanto, para que o signo escrito seja transmitido é necessário, além
de um substrato material, uma forma de transportar o signo para a matéria, a fim
de que ele possa ser escrito e lido. No caso do jornal, o signo é fixado no papel
por meio de técnicas de impressão. Já na Internet, os dados encontram-se
armazenados numa rede de processadores (o servidor, a página de internet e o
computador), que transportam o signo até software específicos, que irão traduzi-lo
e projetá-lo na tela, o substrato material através do qual o conteúdo simbólico
chega até nós.
Substrato material e sistemas de transporte e de projeção do conteúdo
simbólico na matéria são os elementos que dão suporte ao signo para que ele
seja escrito, lido, comunicado. Sem essa tríade o signo escrito alfabético
continuará sendo somente um processamento mental que, sem se materializar,
perde parte do seu potencial comunicativo. É sob estes aspectos que o signo
escrito alfabético será analisado em cada capítulo desta dissertação, como a
formatação de seus suportes interfere na configuração de sua linguagem, e qual a
relação estabelecida entre signo, suporte e linguagem.
De acordo com os pontos levantados podemos, então, destacar que o
jornal (papel) possui maior grau de fixação da notícia do que o jornal digital
(internet), que por sua vez possui uma maior fixação do que o telejornal
de escrita, a cuneiforme, composta por sinais onde cada um deles
representava uma palavra monossilábica. Com ela os sumérios deixavam
registrados em placas de argila a vida cotidiana, dados administrativos e
econômicos e informações políticas. Algumas dessas placas se conservaram
34
35
(televisão). Dentro do conjunto das mídias podemos, então, dizer que o papel
permite uma alta fixação do código e dos dados da informação, ao contrário do
meio digital e do analógico, que não os fixam na tela, apenas projetam. E, quando
comparado à posição fixa da tela de cinema e às condições específicas exigidas
para se ter acesso à internet, o jornal apresenta grande mobilidade, já que não
exige uma infra-estrutura específica para que se tenha acesso a ele (é preciso
apenas pagar seu preço comercial) e é facilmente transportado pelas pessoas (é
leve e dobrável).
As limitações impostas pelo suporte e pelo domínio das técnicas que
envolvem sua produção funcionam como um filtro seletor das linguagens que são
por ele apropriadas. O jornal foi, durante algum tempo, formado apenas por folhas
de papel e letras impressas; essa configuração era imposta pelas limitações do
suporte, pois naquela época o homem ainda não havia desenvolvido os recursos
técnicos necessários para a impressão de ilustrações e fotografias no papel. A
presença apenas do texto escrito e uso da cor preta eram características do jornal
na época de seu surgimento. Mas o maior domínio das técnicas de manipulação e
impressão do papel que o homem desenvolveu deu a este suporte novas
possibilidades, que se traduziram na incorporação das linguagens fotográfica e
cromática.
Hoje, o jornal é formado não apenas por papel e letras, mas também
por cores, fotografias, gráficos e diagramação. Seu suporte permite que outras
linguagens sejam incorporadas e desenvolvidas de forma a originar a linguagem
do jornalismo. No jornal, as linguagens oral, fotográfica, gráfico-visual, alfabética,
tátil, espacial e temporal se articulam de forma combinada para construí-lo
até os dias de hoje e é principalmente através delas que obtemos informações
sobre estes povos.
Como aconteceu com outras invenções, a invenção da escrita
também não foi privilégio de um povo só e, na mesma época em que os
sumérios desenvolviam o cuneiforme, os egípcios também desenvolviam sua
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36
enquanto meio de comunicação e mídia, desenvolvendo uma cadeia interdepende
na qual elas se transformam e influenciam mutuamente. Vejamos como estão
interligadas essas linguagens.
O jornal desenvolve uma relação com o leitor por meio do tato e da
orientação espacial: a textura, o tamanho das folhas, a orientação do papel, as
dobras, a quantidade de páginas, o ato necessário de passar as páginas para que
se possa estabelecer uma relação com a mídia. Sua espacialidade (o tamanho do
suporte e o espaço que ele disponibiliza para a distribuição da informação nele
contida) e tatilidade (a relação que o leitor desenvolve com o suporte por meio da
sua manipulação) vão influenciar sua linguagem, pois essas características
específicas do suporte interferem na quantidade de informação e na distribuição e
organização desta informação. Ora, se a espacialidade e a tatilidade do jornal
interferem na quantidade de informação e na distribuição desta, influenciarão
também as linguagens temporal (processo de assimilação da informação e
situação da relação desenvolvida com a mídia no tempo e no espaço do tempo) e
gráfico-espacial (de que forma a informação é distribuída no espaço que o suporte
disponibiliza). Esta última, por sua vez, permeia as linguagens alfabética e
fotográfica ali presentes. Como se pode perceber, as características do suporte
reverberam em todas as linguagens que o constituem.
Uma outra linguagem presente nesta mídia é a linguagem oral, que, ao
contrário de todas as citadas até aqui, não pode ser percebida nem apreendida
pelo ato instantâneo de olhar e pegar o jornal. O oral faz fronteira com a escrita
alfabética, pois ambas convergem no uso da língua natural, mas cada uma
desenvolve linguagens específicas, que permeiam entre si e criam regiões de
própria escrita. Na verdade, eles desenvolveram dois tipos de escrita: a
demótica, uma escrita mais simplificada, e a hieroglífica, uma escrita mais
complexa, composta por desenhos e símbolos. Assim como os sumérios, os
egípcios também desenvolveram um suporte específico para sua escrita, uma
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interseção. Ler o texto escrito é construir a linguagem oral que está nele implícita
e que pode ser sentida através da pronúncia, da leitura em voz alta, ou mesmo
sem voz alguma, e apreendida pela pontuação e sinais gráficos que têm uma
oralidade subjacente. A escrita alfabética é fonética em sua essência e em sua
origem, a linguagem oral é tão intrínseca a ela que às vezes é difícil ser percebida
ou dissociada da escrita.
[1.3] O Meio é a Mensagem.
Antes da invenção dos tipos móveis, o acesso à escrita era ainda
mais restrito e difícil. Pois, como os registros escritos eram todos feitos à mão, a
reprodução de documentos e de livros era demorada e os suportes de que se
fazia uso, tais como o pergaminho, eram muito caros. A necessidade de
conhecimento de um código específico dominado por poucos e o alto valor dos
materiais envolvidos no registro escrito faziam dele um privilégio restrito às
classes mais abastadas. Esse quadro só começou a se reverter com o advento da
imprensa, que possibilitou a produção e reprodução de textos escritos em larga
escala, diminuindo o custo e possibilitando a mais pessoas o acesso a este
código tão seletivo.
O crédito da invenção da imprensa é, comumente, dado ao alemão
Johannes Gutenberg e, apesar de sua criação ser de ordem técnica, é importante
observar que suas implicações repercutiram nas mais variadas áreas da cultura.
espécie de papel chamado papiro, feito a partir de uma planta de mesmo nome.
“Mas o que a civilização esperava era um alfabeto.” (Kiernan, 1993:
265). Um código capaz de sintetizar um conteúdo infinito de informações
através de um número limitado e reduzido de signos. Os povos semíticos
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38
Com ela, a interatividade e o envolvimento emotivo na transmissão do
conhecimento e da informação via oral entre as pessoas encontrou um
contraponto. A memorização já não era mais um elemento tão importante para a
comunicação das idéias. Seu alto grau de fixação estimulou o processo de
reflexão, possibilitando e facilitando a verificação e averiguação das idéias e do
conhecimento transmitido, bem como a interpretação deste.
Também foi com o advento da imprensa que se tornou possível a
transmissão de idéias e informações a partir de uma única fonte (um enunciador)
para uma quantidade grande e dispersa geograficamente de pessoas (um
público); tinha início aqui o desenvolvimento dos meios de comunicação de
massa. E a tipografia começou a provocar as mudanças necessárias à
configuração de seu meio ambiente, pois “qualquer nova tecnologia de transporte
ou comunicação tende a criar seu respectivo meio ambiente humano” (McLuhan,
1977: 15).
Um único enunciador se dirigindo a um público disperso implicava em
um ponto de vista uniforme, as pessoas recebiam a mesma mensagem, do
mesmo emissor e através do mesmo meio. Embora este fato despertasse uma
tendência à homogeneização, a possibilidade de ter consigo a mensagem
impressa para interpretá-la despertava uma força em sentido contrário, permitindo
que as pessoas discutissem o conteúdo impresso, seus diferentes pontos de vista
e interpretações.
Essa maior possibilidade de discussão e de reflexão adquirida com o
surgimento da imprensa sinaliza o pensamento de McLuhan (1977: 160), segundo
o qual “O campo auditivo é simultâneo; o modo visual, sucessivo”. A audição é um
localizados na margem dos mares Vermelho e Mediterrâneo tiveram essa idéia
despertada no segundo milênio a.C., e possuíam como ponto a favor o fato de
as palavras de sua língua serem compostas essencialmente por consoantes.
Eles buscavam uma forma de expressão gráfica que fosse mais simples do que
as escritas cuneiforme e hieroglífica (Higounet, 1988).
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39
processo desenvolvido concomitantemente à fala. Mesmo que o texto seja
gravado e depois reproduzido, cada vez que a fala for acionada, a audição
também o será, e é impossível escutar sem que seja durante o momento de
reprodução de determinada fala ou som.
A simultaneidade não fornece tempo suficiente para a elaboração de
uma reflexão e a percepção da existência de múltiplos pontos de vista a respeito
de um assunto; a informação tem dificuldade de se desenvolver em camadas de
profundidade, já que não há tempo hábil para o desdobramento destas várias
camadas.
Já o caráter sucessivo do registro escrito da língua natural prolonga o
texto no espaço do tempo e, conseqüentemente, o seu processo de semiose. Ele
possibilita que o texto revele suas diferentes camadas do discurso, uma após a
outra, aprofundando a informação e permitindo ao leitor a compreensão do ponto
de vista do enunciador, a análise do discurso feito por este e a comparação com
outros discursos. A informação passa a ser facilmente arquivada, portável,
verificável e, junto com todas essas características, discutível.
É importante esclarecer que não estamos, com isso, afirmando que
antes não havia discussões acerca de múltiplos pontos de vista de um assunto; o
que se pretende clarificar aqui é que, com a imprensa e as mudanças trazidas por
ela, a informação passou a ser verificável e seu discurso, analisável e
compreendido nas diferentes esferas de profundidade, pois a durabilidade do
suporte da escrita não só permitia e permite, como também favorece, o registro
da informação. Essas mudanças implicaram uma maior reflexão sobre o discurso,
sua manipulação e o questionamento dos seus pontos de vista, uma vez que a
O elo entre a escrita silábica e a alfabética é a escrita pseudo-
hieroglífica encontrada em Biblos, gravada em pedra e bronze. Estima-se que
estas inscrições datem do século XV e XIV a.C. A língua usada nesta escrita é o
fenício e, embora o número de sinais seja elevado (cerca de 114), há
características que aproximam este registro escrito da escrita alfabética. São
39
40
escrita funciona como prova material da difusão do pensamento. Tal
possibilidade resultou também numa análise mais profunda do verbal escrito e de
seus aspectos sensíveis, a possibilidade de explorar suas formas e de passar a
percebê-las e apreendê-las de maneira simultânea, por meio da linguagem
gráfico-espacial, que se apresenta como uma forma de organizar a informação
não apenas no espaço, mas também no tempo; articulando os elementos que a
constituem de forma a orientar a leitura. Essa necessidade de organização visual
da informação para torná-la mais fácil e rapidamente apreendida, surgiu por
causa do grande fluxo e volume de informação escrita desencadeados pela
tipografia, desenvolvendo a linguagem gráfico-espacial da diagramação e
intensificando o sentido da visão.
Todas essas questões levantadas pelo surgimento da escrita e da
imprensa são inerentes não apenas à formatação do pensamento, mas também
ao suporte de que faziam e fazem uso, sinalizando a máxima macluhaniana: o
meio é a mensagem. O meio ocupa um local de destaque na comunicação e, ao
contrário do que pode parecer, exerce um papel ativo no processo comunicativo.
O canal não é um mero veículo que apenas transporta conteúdo, inócuo e
passivo, um mero suporte material da comunicação. Muito pelo contrário, meio,
suporte e a tecnologia por meio da qual a mensagem é transmitida afetam
profundamente não apenas o formato da mensagem, mas também sua linguagem
e conteúdo. Cada meio de comunicação estabelece relações específicas com
emissor e receptor, desperta diferentes estruturas perceptivas e implica
mecanismos de compreensão diferenciados. É tomando essa premissa como
elas: emprego, em alguns casos, de um sinal consonantal em vez de um
silábico e o estabelecimento do valor fonético do sinal realizado de forma
independente de sua origem.
A
liás, esse estabelecimento do valor feito
baseado numa regra arbitrária é justamente a forma como são definidos os
valores fonéticos de cada símbolo do alfabeto (Higounet, 1988). O
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base que os suportes do verbal escrito serão analisados em relação às
interferências que provocam na comunicação.
A dimensão gráfico-espacial do jornal é simultânea, enquanto o verbal
escrito se desenvolve na sucessividade de que falou McLuhan. O processo de
leitura é um ato seqüencial, onde a significação é construída através da
consecutividade de seus elementos, que, quando diagramados no espaço gráfico,
passam a ser percebidos de forma simultânea. Portanto, a diagramação da
primeira página do jornal é que possibilita ao leitor perceber numa primeira vista o
conjunto de seus elementos e a variedade de notícias e informação ali presentes,
apresentando-as de maneira organizada para que, embora percebidas de forma
simultânea, não padeçam do efeito de poluição visual que poderia trazer
dificuldade de interpretação. Feita esta primeira leitura, a heterogeneidade desses
elementos e a diferente forma com que cada um deles se apresenta causa um
estranhamento no leitor que, ao perceber a diversidade de formas e linguagens,
desenvolve uma segunda leitura, consecutiva e ordenada, onde os elementos
passam a ser percebidos e lidos um por vez. Esse processo de ordenação da
heterogeneidade não possui certezas, acertos ou rigidez, ele é fluido, realizado
por meio da percepção e construção de sentido através da memória cultural do
leitor, caracterizando uma interatividade entre ele e a diagramação da página.
A linguagem gráfica que a imprensa desenvolveu prolongou o sentido
da visão, em contraposição à cultura manuscrita onde havia uma maior interação
entre os sentidos, principalmente entre o oral (da fala), o tato (das diferentes
texturas dos suportes utilizados para a escrita na sua manufatura) e do visual (da
escrita). Para McLuhan, as tecnologias mecânica e tipográfica especializaram o
estabelecimento de uma lei que rege o processo de significação do signo é a
característica fundamental que o define como um símbolo e faz com que ele se
liberte da função referencial do ícone e do índice.
O alfabeto surgiu na primeira metade do segundo milênio a.C. na
região noroeste da costa do Mediterrâneo, e foi inventado por pequenos povos
41
42
homem, fecharam-no num mundo de produção em larga-escala, o mundo do
público e da massa, um mundo em que uma única fonte fala com muitos, através
de um único sentido e, com isso, os burgueses se aproximaram da
especialização, do isolamento das funções e das etapas, não mais simultâneas.
As características da imprensa aqui citadas de forte estímulo a apenas
um dos sentidos, grande fluxo de informação e massificação, participação limitada
do público no processo comunicativo e informações fechadas, que não deixam
muito a ser completado pelo leitor, foram apontadas por McLuhan ao classificar o
jornal como um meio quente. Ao longo da análise deste meio nos dias atuais,
perceberemos que esta proposição não se aplica mais de maneira tão rígida ao
jornal, uma vez que este passou e tem passado por muitas transformações, pois,
de lá para cá, assistiu ao desenvolvimento da televisão, ao surgimento da internet
e do celular, para mencionar apenas algumas das muitas linguagens que
passaram a dialogar com ele. São analisadas aqui a primeira página dos jornais
Folha de S. Paulo (a Folha) e O Estado de S. Paulo (o Estadão).
[1.4] O diálogo do verbal escrito.
Como foi dito anteriormente, a premissa de que o jornal prolonga
apenas um dos sentidos, o visual, foi levantada por McLuhan em seu livro A
galáxia de Gutenberg e, posteriormente, retomada em Os meios de comunicação
como extensão do homem, na classificação dos diferentes meios de comunicação
livres comerciantes, organizados em cidades-estados, falantes do semítico
cananeu e de escrita cuneiforme. Os escribas de Ugarit foram quem
desenvolveu o primeiro alfabeto, suas primeiras inscrições datam do século
XIV a.C.
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enquanto quentes ou frios. Levando em consideração a configuração atual do
jornal e de sua linguagem, podemos constatar que a visão ainda é, dos cinco
sentidos que o homem possui, o que estabelece uma ligação mais forte com o
leitor, na acepção de despertar com maior intensidade sua percepção para o
estímulo recebido e a necessidade de manter e desenvolvê-lo para que a
informação possa ser apreendida.
No entanto, o fato de a visão destacar-se dos demais sentidos num
primeiro momento não quer dizer que este seja o único dos sentidos a ser
prolongado. Pois, cada vez mais, os jornais fazem uso de formatos diferenciados
em alguns de seus cadernos, como por exemplo, os classificados. Esse uso de
novos formatos aumenta a percepção através do tato, uma vez que, no mesmo
meio de comunicação, o leitor receberá estímulos táteis diferentes por meio dos
distintos formatos dos cadernos, desenvolvendo para cada um deles uma
manipulação e forma de se relacionar também diferente.
Se o jornal estimula o tato por um lado, inibe a audição pelo outro, pois
não comporta a inserção de estímulos sonoros. Entretanto, isso não ausenta por
completo esta linguagem do meio em questão. Os sinais gráficos de pontuação e
as falas dos personagens midiáticos colocadas entre aspas no texto da notícia
introduzem uma audição imaginária, que não ouvimos de fato, mas construímos
mentalmente através dos estímulos sonoros que tais símbolos representam.
Mesmo em meio às transformações e desenvolvimento de outros
estímulos e linguagens, o código alfabético ainda se conserva enquanto meio
principal de transmissão de informação utilizado no jornal, já que as fotos, as
texturas, os formatos, a diagramação precisam deste código para construir suas
Este tipo de escrita era feito com traçados gravados com junco de
ponta em tabuletas de argila, da mesma forma que faziam os sumérios,
inventores do cuneiforme. Os desenhos eram bem mais simples do que os das
escritas anteriormente desenvolvidas e o número de sinais que compunham o
seu alfabeto consonantal era apenas 30.
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linguagens e completar o sentido que transmitem. É justamente através desse
encontro de diferentes linguagens que se dá a construção de significado.
Notemos, por exemplo, que a cor azul é um índice e possui um sentido muito
aberto e abstrato; o texto escrito com o nome O Estado de S. Paulo adquire
significados diferentes de acordo com o contexto em que está inserido; mas esse
texto escrito em cor azul e com uma tipografia específica adquire um significado
próprio, o nome de um jornal impresso conhecido como O Estadão.
Essa união das diferentes linguagens que compõem um texto é que dá
a ele um significado específico e, nesse processo, a escrita alfabética ocupa um
espaço no centro do sistema semiótico do jornal, uma vez que é preciso não
apenas enxergar para ter acesso à mensagem transmitida, mas, além disso,
saber ler este código.
O prolongamento da visão é reforçado também pela fotografia que,
com o desenvolvimento de técnicas de editoração e de impressão, pôde ser
incorporada ao jornal e, conseqüentemente, ao jornalismo. Ela acentua o caráter
pictórico da imprensa e desenvolve uma relação dialógica com o texto, ora
ilustrando, ora complementando a informação. É importante ressaltar, contudo,
que mesmo no primeiro caso a fotografia é sempre portadora de uma informação
visual que o texto não tem como possuir, e que antecipa sua leitura, pois o
processo simultâneo através do qual ela é percebida se desenvolve antes da
cadeia sucessiva em que é construído o significado do texto. Esse diálogo entre
fotografia e texto é mais um dos muitos elementos que constituem a linguagem da
diagramação, e pode ser percebido por meio do espaço ocupado pela foto e seu
posicionamento em relação ao texto, sempre próximos.
Devido ao fato de Biblos e Ugarit serem os principais pontos das rotas
do comércio mundial naquela época, acredita-se que foi o comércio com povos
distantes que despertou a necessidade de registrar por escrito dados referentes
às transações comerciais.
44
45
Tal relação dialógica faz-se presente tanto na Folha quanto no
Estadão, nos quais as fotografias se encontram localizadas próximas a textos
(legenda, manchete, corpo da notícia...) que compartilham com ela a mesma
informação. Entretanto há diferenças na forma de orientação da leitura de um
jornal para o outro.
No Estadão, a foto de maior tamanho é posicionada na parte superior
e, embaixo dela, é posicionada a manchete do jornal (foto e manchete dizem
respeito a uma mesma notícia). Já na Folha
6
, a foto de maior tamanho é
posicionada no meio da página, um pouco abaixo da manchete (foto e manchete
não dizem respeito à mesma notícia).
No Estadão, a relação desenvolvida pela fotografia principal e a
manchete orientam a leitura de cima para baixo, enquanto as outras fotografias
auxiliam na construção de sentido da esquerda para a direita. As informações são
diagramadas de forma a construírem, no jornal, o mesmo sentido de leitura de um
livro (de cima para baixo e da esquerda para a direita). As fotos e as chamadas
das notícias são combinadas de forma a se reforçarem mutuamente e criarem
este efeito de sucessão de tempo no espaço da primeira página.
Na Folha, o posicionamento da foto de tamanho maior no meio da
página desloca o eixo de leitura e cria um contraponto à manchete. As demais
fotografias não correspondem às chamadas das notícias destacadas em fonte de
tamanho maior, orientando a leitura de uma maneira difusa: as fotos criam um
contraste com as chamadas e o sentido da leitura é orientado não pelo sentido da
6
Análises realizadas na primeira página desse jornal antes do lançamento do novo projeto gráfico.
Mas os povos continuavam em busca de uma escrita mais prática. E,
visto que a cronologia das inscrições de Biblos e de Ugarit não possui um
consenso geral, a invenção do alfabeto termina sendo, na maioria dos casos,
atribuída aos fenícios. Este rico povo comerciante, grandes mercadores
marítimos, desenvolveu um alfabeto composto por apenas 22 sinais lineares.
45
46
escrita alfabética (como nós escrevemos e como encontramos no livro), mas por
um sentido de contrastes e por uma nova ordem, construídos pela diagramação.
Figura 3: Jornal o Estadão 17/03/2006 Figura 4: Jornal a Folha 26/02/2006
Outro elemento que prolonga o sentido da visão no jornal são as cores,
cuja pouca variação empregada no texto escrito do jornal é uma conseqüência do
Tal poder de síntese simplificou ainda mais a escrita, tornando-a acessível. No
entanto, até hoje não se sabe ao certo a origem das formas dos sinais gráficos
que compõem o alfabeto fenício.
Junto com as travessias comerciais, atividades dos navegadores
comerciantes, o alfabeto fenício se disseminou e se transformou também. Seu
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alto custo da impressão colorida (tanto por causa do preço da tinta quanto da
tecnologia envolvida no processo) e da necessidade de construção de um padrão
informativo simples e claro, evitando-se uma poluição visual que mais dificulta do
que orienta a leitura do grande volume de informação. A cor apresenta-se como
uma aliada na construção e organização da linguagem do jornal, mas o limite
entre ordem e desordem instaurado por ela é muito tênue, sendo sua presença
marcada pelos espaços de ausência e pela moderação.
Na multidão de caracteres da primeira página, os elementos gráfico-
visuais (cor, tipografia e tamanho) escrevem dois textos diferentes: um texto de
identificação, em que atribuem à escrita características específicas, utilizadas
para identificar um tipo particular de texto frente aos demais; e um texto de
diferenciação, em que atuam apenas diferenciando e destacando determinado
texto escrito. Nesta mecânica, o cromatismo funciona tanto como um elemento
diferenciador quanto identificador, e o tamanho e tipos das fontes funcionam
apenas como elementos identificadores.
A cor dá a determinada palavra destaque, chamando a atenção para
sua presença, e constrói dois tipos diferentes de texto, um de identificação e outro
de diferenciação. O texto de diferenciação caracteriza-se por não possuir regras
fixas para sua aplicação, ocorrendo variação no tipo de texto em que é aplicada e
no cromatismo usado. Nele, a cor é usada para diferenciar e conferir destaque à
palavra. O texto de identificação, por sua vez, segue normas determinadas,
quanto à cor utilizada e local de aplicação, facilitando a localização e identificação
do tipo de texto. A identificação também é construída pela tipografia, cuja variação
alfabeto arcaico evoluiu para o clássico, conservando as mesmas 22 letras,
sempre na direção horizontal e no sentido da direita para a esquerda.
Já nessa fase inicial do desenvolvimento da escrita é possível
observar a influência do suporte sobre o instrumento: os registros traçados com
tinta em argila ou papiro apresentam uma escrita cursiva, enquanto nas
47
48
e dimensão criam um padrão de identidade específica para cada tipo de texto
(manchete, chamadas, legenda...).
No Estadão, a cor constrói um texto de identificação sobre o nome do
jornal (destacando o enunciador do texto do corpo das notícias), o dia da semana
(reforçando o aspecto temporal da mídia e o tempo como princípio organizador) e
tópicos específicos selecionados para o rodapé da página: “notas e informações”;
“artigo”; “dólar”; “tempo”; número das páginas. Já no corpo da notícia da
manchete, a cor constrói um texto de diferenciação, apontando sempre um ponto
de destaque, que varia de uma edição para a outra.
Na Folha, a cor constrói um texto de identificação para a nota do
editorial, “Opinião”, e nomes dos cadernos quando aparecem na primeira página,
orientando a leitura em direção às páginas destes cadernos e seções. Também é
construído um outro texto, de diferenciação, com a aplicação da cor em palavras
e cadernos especiais, conferindo a eles destaque sem, no entanto, seguir uma
regra específica para sua aplicação ou recorrência.
Os textos que a cor constrói sobre a escrita funcionam como um alerta
perceptivo, reforçando o canal de prolongamento do sentido da visão e conferindo
ao caráter discreto do signo escrito alfabético uma configuração não-discreta. Ela
alerta o leitor para este outro aspecto do texto que caracteriza a linguagem do
jornal (o jornalismos) e diferencia a escrita alfabética ali presente da utilizada em
outros meios, como no livro por exemplo.
Além da cor, forma e tamanho também são características visuais dos
elementos gráficos do signo escrito alfabético que conferem a ele um aspecto
não-discreto. A palavra passa a ser vista holisticamente, não apenas como uma
inscrições esses caracteres se apresentam mais flexíveis, alongados e traçados
continuamente.
O alfabeto surgiu como uma forma alternativa para simplificar a escrita
e torná-la acessível aos comerciantes. Os governantes logo perceberam a
importância da nova criação, que os libertava da dependência dos escribas,
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combinação de letras, mas como imagem tipográfica e elemento integrante da
diagramação da página, possibilitando uma forma diferente de leitura deste signo.
O verbal escrito, ao assumir um aspecto não-discreto, entra em comunhão com
os demais textos não-discretos ali presentes (fotografias, diagramação, suporte)
para integrar a linguagem também não-discreta do jornal.
O célebre pensamento de McLuhan, “o meio é a mensagem”, chama a
atenção para este fato: o meio de comunicação desenvolve um meio ambiente e
uma linguagem própria, influenciando as linguagens e códigos nele presentes, a
maneira como os percebemos e a forma pela qual nos relacionamos com eles.
Por mais que o texto escrito alfabético presente no jornal seja encontrado em um
outro suporte e em uma outra mídia, ele nunca será comunicado da mesma
maneira pois, embora a estrutura do código seja a mesma, a estruturalidade e
certas características da linguagem são alteradas pelo meio onde este se
encontra empregado. O simples fato de determinado texto ser lido em um jornal
ou em uma carta muda o contexto, muda o meio, muda a linguagem, muda a
informação, muda a percepção, muda o sentido.
[1.5] Construção da leitura.
Segundo McLuhan (1977: 160), “O simples aumento na quantidade do
fluxo de informação favoreceu a organização visual do conhecimento”. A grande
quantidade de texto escrito alfabético no jornal acentua essa necessidade de
uma classe composta por aqueles que sabiam ler e escrever e que, por serem
os únicos a dominar a escrita, eram os responsáveis por realizar e organizar os
registros escritos referentes à administração da nação.
Com o alfabeto ficou mais fácil aprender a ler e escrever e, assim, os
monarcas deixaram de depender dos escribas para realizar estas tarefas e
49
50
organização, feita por meio da construção de uma hierarquia e também por meio
da identificação e diferenciação. As variações dos tipos de fonte e do tamanho, o
uso do negrito e a diagramação são as ferramentas utilizadas para o
estabelecimento da ordem e da hierarquia, este espaço de encontro do caráter
sucessivo do verbal escrito com a simultaneidade do visual e ponto de articulação
dessas diferenças.
Tanto a Folha quanto o Estadão organizam o fluxo de leitura por meio
de um texto de identificação construído pela tipografia, que organiza e classifica a
informação dos textos alfabéticos. Todas as chamadas (incluindo a manchete)
são impressas com uma tipografia escolhida especificamente para elas; o corpo
das notícias, por sua vez, são todos impressos com uma outra tipografia usada
apenas neste tipo de texto; já as legendas das fotos e as indicações das páginas
possuem uma terceira tipografia específica, que identifica este tipo de texto, ao
mesmo tempo em que o diferencia dos textos anteriores.
Analisando apenas os tipos presentes na primeira página já podemos
identificar, agrupar e classificar os textos ali contidos: chamadas, corpo das
notícias e informações complementares (legendas e paginação). O tamanho dos
tipos estabelece uma hierarquização desses diferentes textos: a manchete é
impressa em tamanho maior, as chamadas num tamanho intermediário, seguidas
das legendas e do corpo das notícias. Tais características não-discretas e
tipográficas da escrita alfabética integram a diagramação do jornal, funcionando
como um elemento da linguagem gráfico-espacial dele.
puderam ganhar uma maior autonomia. Mas esta democratização da escrita
instaurada pelo alfabeto não atingiu apenas os monarcas, ela se espalhou por
todas as classes, fazendo com que a escrita deixasse de ser um privilégio da
aristocracia.
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Figura 5: Detalhe do jornal a Figura 6: Detalhe do jornal o Estadão 17/03/2006
Folha 26/02/2006
Na Folha, a manchete nem sempre é posicionada no topo da página,
local em que a leitura tem início. Mas como o tipo usado para imprimi-la é bem
maior do que o tipo dos demais textos ali presentes, ela se destaca e chama a
atenção, sendo percebida e lida primeiro em relação aos textos posicionados
antes dela no fluxo regular de leitura. Já na primeira página do Estadão, o
posicionamento da manchete na parte superior reforça a ordem de leitura
estabelecida pelo tamanho do tipo. As diferenças no posicionamento da manchete
de um jornal para o outro explicitam que a ordem de leitura é orientada mais pela
gradação do que pelo posicionamento do texto na página, até porque o conjunto
dos elementos é percebido de forma simultânea.
A construção dessa ordem e hierarquia se dá tanto dentro de cada
jornal, na ordem construída pelo enunciatário, quanto entre jornais diferentes, nas
Como já foi dito antes, o alfabeto fenício se disseminou, se modificou
e incentivou outros povos a criarem seu próprio alfabeto, como o fizeram os
hebreus, que desenvolveram o seu baseado no dos fenícios, inclusive
mantendo a mesma ordem e os nomes do abecedário. Outro exemplo são os
arameus, que desde o século IX a.C. também adotaram a escrita fenícia para
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diferenças de ordem estabelecida por enunciadores distintos. É através da
compreensão desta hierarquia que podemos verificar como cada tipo de jornal
constrói sua estruturalidade específica e, a partir desta percepção, analisar pontos
de convergência e divergência entre os diversos enunciadores que este meio de
comunicação apresenta.
A hierarquia da legenda fotográfica apresenta diferenças da Folha para
o Estadão, refletindo uma divergência na forma de apresentar a fotografia, nas
relações estabelecidas por ela e na posição da legenda dentro da hierarquia dos
diferentes textos do jornal. Ambos os jornais utilizam uma fonte diferenciada nas
legendas das fotografias para facilitar a identificação deste tipo de texto mas,
enquanto a Folha imprime a legenda das fotos em um corpo de fonte maior do
que o utilizado no texto das matérias, em negrito e, em alguns casos, localizada
ao lado da foto, o Estadão utiliza um tamanho muito próximo do empregado no
texto das notícias, além de não fazer uso do negrito e de posicionar as legendas
embaixo das fotografias. As características tipográficas e de localização espacial
da legenda na Folha conferem a este tipo de texto um maior destaque dentro da
diagramação gráfico-espacial. A legenda se sobressai mais do que o corpo das
matérias, destacando o caráter informativo e noticioso da foto, portadora de
significado próprio e não apenas um elemento de ilustração da notícia. Na Folha,
a fotografia adquire um espaço próprio que, embora dialogue com o corpo da
notícia, é independente deste. Já no Estadão a relação dialógica é reforçada,
sendo fotografia, legenda e corpo da notícia elementos indissociáveis, a legenda
não se destaca do texto, mas funciona como elemento harmonizador e integrador
os registros escritos da sua língua e, através de suas caravanas, deram
continuidade à disseminação desse alfabeto. As inscrições aramaicas faziam
uso de uma escrita derivada da cursiva fenícia e, mais uma vez, o suporte vem
provocar mudanças: as folhas de papiro, gravadas com cálamo largo e curto
pelos arameus, tornaram a escrita fenícia mais pesada e rígida do que seu
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da notícia com a fotografia, articulando ambas de maneira a transmitir a
informação de forma conjunta.
As características não-discretas da escrita alfabética aqui analisadas
funcionam para organizar a informação e seu fluxo. A visualização da página do
jornal por inteiro, com sua diagramação, o conjunto de linguagens que a
constroem (espaço, texto, tipo, foto) e sua estruturalidade, permite ao leitor
identificar os textos que serão lidos primeiro (como a manchete) e os textos que
complementam outros (como a legenda, que complementa a fotografia). Essa
organização nada mais é do que a configuração da estruturalidade desta mídia e,
portanto, a construção de sua linguagem, que não é apenas alfabética e
reconfigura o verbal escrito com características não-discretas e uma nova
estruturalidade, diferenciando a escrita do jornal da encontrada em outros meios.
[1.6] Leitura sem leitor.
No processo de leitura do jornal, o leitor ocupa uma posição rígida e
distante do emissor da informação, que fala para um leitor-padrão. O que
confirma a presença, hoje, de um dos traços específicos do jornal apontados por
McLuhan: a participação limitada do receptor. É impossível para o receptor
participar de forma direta da elaboração da mensagem transmitida pelo jornal,
pois sua configuração enquanto meio de comunicação de massa não prevê uma
relação dialógica. Ele é refratário à participação do público, desenvolveu um canal
modelo original. Depois vieram os nabateus, exímios comerciantes entre a
Arábia e o Ocidente, e modificaram o aramaico, reunindo as letras umas às
outras através de ligaduras.
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de distribuição para chegar ao alcance dos leitores e, no entanto, esse canal não
funciona em sentido contrário, nem o enunciador estabelece, no processo
comunicativo, um outro canal para receber mensagens de retorno da massa.
Seu emissor se comunica com vários leitores, formadores de um
público anônimo que, por serem anônimos, ao tentarem estabelecer, um diálogo
com o enunciador o fazem como representantes da massa, não como indivíduos,
pois o tratamento homogêneo que o jornal dispensa a eles lhes tira a
possibilidade de se apresentar segundo suas particularidades. O meio de
comunicação de massa estabelece um padrão fixo para o leitor e o engessa
dentro dessa posição, não reconhece distinção de classe, cor ou sexo.
A única possibilidade dada ao leitor para sair dessa posição de massa
é a diagramação. Pois, ao organizar e apresentar a diversidade de elementos da
primeira página do jornal de forma simultânea, ela sintetiza para o leitor o
conjunto das informações presentes no jornal e dá a ele o poder de construção de
sua ordem de leitura. Ele pode escolher o que olhar primeiro, qual caderno abrir, o
que é importante ou não, o que merece mais tempo, mais atenção ou apenas
uma leitura rápida; mas também pode ratificar ainda mais a sua condição de
massa, seguindo a ordenação e hierarquia estabelecida pelo jornal.
A homogeneidade da massa é intrínseca ao jornal. Suas diferentes
unidades impressas diariamente possuem uma uniformidade, decorrente do
processo mecânico de sua impressão em série. A repetição é um outro elemento
característico. Ela está presente na recorrência do material utilizado (normalmente
o mesmo tipo de papel), na padronização do formato e na periodicidade
(geralmente uma edição diária ou semanal). São esses aspectos de
Acredita-se que a escrita árabe seja derivada do alfabeto nabateu e,
por conseguinte, do arameu. Ela e a escrita hebraica são as únicas escritas
consonânticas usadas até hoje.
O árabe evoluiu em dois tipos diferentes de escrita, desenvolvidas e
usadas de acordo com o material utilizado como suporte: o cúfico é uma
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homogeneidade que possibilitam a configuração de uma linguagem específica,
um padrão, e o reconhecimento e identificação do jornal dentre os outros meios
de comunicação.
No entanto, para que haja transmissão de informação, é preciso haver
elementos estranhos que confiram heterogeneidade ao sistema. Assim, a
diagramação diferenciada de cada caderno do jornal, a inserção de partes com
um formato diferente (por exemplo, o Guia do Estadão que possui formato e
tamanho diferentes dos demais cadernos do jornal) e a renovação do conteúdo
vão contra a repetibilidade do meio e desenvolvem os elementos necessários à
transmissão de informação.
Esse diálogo entre as diferenças da homogeneidade e da
heterogeneidade presentes no jornal é um processo contínuo, uma vez que o
jornal enquanto texto cultural e meio de comunicação nunca está acabado, ele é
um processo e não um fim. O jornal, enquanto processo de mediação, está
inserido na semiosfera e, portanto, encontra-se sujeito às transformações que
ocorrem nesse meio, participando do processo contínuo de construção da
semiosfera e da cultura: ele ora provoca transformações no espaço a sua volta,
ora se adapta às transformações impostas a ele, mas nunca está estático nem
isolado. O jornal faz parte da cultura, um organismo dinâmico e vivo.
Quando surgiu, o jornal apresentou-se como um reflexo da
mecanização que permitiu sua impressão em larga-escala, e foi sobre os
princípios dela que ele construiu a padronização necessária e responsável pela
configuração de sua linguagem, ao mesmo tempo em que desenvolveu o meio
ambiente de uma massa. Entretanto, as evoluções tecnológicas, as
caligrafia manuscrita monumental utilizada em couro e pergaminhos, e o nashki
era a escrita dos “copistas”, com formas flexíveis e arredondadas traçadas com
cálamo sobre o papiro. Além do suporte, a função da escrita também influenciou
suas formas, sendo o cúfico utilizado como escrita ornamental e em cópias do
Corão, enquanto o nashki era utilizado pelos “copistas”.
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transformações na sociedade e na cultura e o tempo provocam uma
movimentação na semiosfera como um todo e principalmente nas regiões de
fronteira, onde se encontra o jornal.
[1.7] Novos rumos.
Como todo texto da cultura, o jornal encontra-se em constante
processo de construção, através das interferências que os demais sistemas e
estruturas presentes na semiosfera provocam nele. Uma prova disso foi a edição
da Folha do dia 14 de maio de 2006, data em que foi lançado seu novo projeto
gráfico, anunciado na primeira página do jornal e em um caderno especial feito só
para ele.
A estréia dessa mudança foi anunciada para o dia 21, mas no exemplar
do dia 14 já era possível sentir o gostinho do que estava por vir. No rodapé da
página, um box com duas cores, menu na parte superior, símbolos gráficos do
alfabeto utilizados como substitutos de palavras e texto escrito em negativo (tipos
em cor branca sobre um fundo colorido) já anunciavam o que nem precisava ser
lido para se saber: a linguagem de hipertexto utilizada na internet está se
expandindo para muito além da tela do computador.
Como se pode perceber, a história da escrita é margeada por
sucessivas transformações, em função do suporte, encontros lingüístico-
culturais e diferentes funções designadas para ela. Vários povos
desenvolveram seu alfabeto através do contato com outras culturas,
apropriando-se do código desenvolvido pelo outro e adaptando-o a sua língua
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Figura 7: Jornal a Folha 21/05/2006
As interferências gráficas foram bastante radicais. As cores utilizadas
são mais vibrantes, há a presença do recurso de tom sobre tom, boxes coloridos
destacam informações sobre notícias dos outros cadernos, o endereço eletrônico
do jornal passou a ser impresso no topo da página e em maior tamanho, a
tipografia mudou e recursos diferenciados passaram a ser mais explorados dentro
do jornal: lupa, infográficos, artigos complementares e boxes explicativos.
natural e seus suportes. Isso só foi possível, em primeiro lugar, porque o
alfabeto é omposto por símbolos, regidos por leis arbitrárias que independem
da memória cultural de um povo e de sua forma de perceber e interpretar o
mundo, e em segundo lugar, porque o alfabeto se baseia em unidades mínimas
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O infográfico é uma forma de apresentação visual de dados e
informações através da combinação de gráficos, fotos, desenhos, etc. Ele reforça
uma particularidade do jornal – o uso do suporte papel – que permite uma
manipulação e análise mais demorada e a exposição de uma quantidade grande
de informação gráfica no mesmo espaço visual, pois sua página não apenas é
ampla como possui dobras.
Os novos elementos não representam apenas uma alteração na
estética do jornal e do texto que a linguagem visual constrói dentro da cultura e
nos sistemas que dela fazem uso, muito mais do que isso tais mudanças indicam
alterações no processo de leitura e de alfabetização (termo utilizado aqui não com
o sentido de aprendizado do código, mas como processo de desenvolvimento da
técnica de leitura e escrita de uma linguagem com este código alfabético).
Os boxes sinalizam uma compartimentação da leitura, na qual as
pessoas em vez de lerem partes específicas do texto para obterem de forma
rápida uma síntese de seu conteúdo, passam a ler várias informações
apresentadas de forma sintética para, a partir da reunião destas informações,
formarem o texto maior na qual elas se encontram inseridas.
E todos os outros novos elementos textuais apontam nesse mesmo
sentido: a lupa, uma outra entrada de leitura para a notícia apresentada sob a
forma de um texto completo e resumido; os artigos complementares e boxes
explicativos, que apresentam de forma independe do corpo da notícia os pontos
históricos relacionados ao fato, análises e opiniões sobre o tema, outras versões
do mesmo fato e aprofundamentos de aspectos específicos.
sonoras representadas pelas letras, e não pelas sílabas, possibilitando a povos
de diferentes línguas utilizar o mesmo alfabeto.
A
través desse pequeno recorte da história da escrita, podemos
perceber que ela funciona como um texto da cultura, um organismo vivo, que
se desmembra, se expande, povoa, se adapta e se modifica num processo
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Os boxes e as lupas são recursos incorporados pela Folha que
constroem no jornal uma leitura fragmentada, como a do hipertexto presente na
internet. O suporte do jornal e suas técnicas de impressão não comportam o
sistema de links da internet, mas isso não significa que não possam desenvolver
uma forma própria de construir um processo de leitura similar à sua própria
maneira, a exemplo do acima apontado.
As alterações na escrita alfabética do jornal não se restringem à
disposição e construção dos textos, ela pode ser percebida na linguagem, que se
apropriou de termos cibernéticos, ampliando suas significações para que passem
a ser aplicados também ao jornal. No caderno especial, que explica o novo
projeto gráfico da Folha, o termo “navegação” é utilizado para se referir ao
processo de leitura. O jornal se apropriou de um termo que faz parte do universo
da internet e o aplicou a si mesmo, mantendo o sentido original e modificando o
contexto. Esse novo vocabulário ressalta a espacialidade do jornal, fazendo
referência a uma amplitude comunicacional e informativa tão grande que é
possível navegar em seu espaço. Nessa navegação, o meio de comunicação
fornece ao leitor recursos de orientação (tais como os links na internet, as lupas e
boxes no jornal Folha de S. Paulo) para que ele possa determinar a seqüência em
que deseja realizar a leitura e quais informações gostaria de consultar.
De todas as interferências que a escrita alfabética do jornal incorporou,
a que se encontra no centro do eixo de orientação deste sistema é, sem dúvida
alguma, a utilização de ícones gráficos para substituir palavras. Esse processo é
muito comum na escrita da internet, mas é a primeira vez que aparece no jornal.
Sua grande relevância para o estudo e compreensão dos novos rumos apontados
constante de crescimento, amadurecimento e acúmulo de conhecimento próprio
dos seres vivos. O alfabeto possibilitou não apenas um maior e mais fácil acesso
à escrita, mas também uma maior troca cultural e de informações entre os
povos. Ele tornou a escrita líquida: adaptável e expansível.
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para a escrita alfabética deve-se ao fato de que esta mudança, muito mais do que
provocar alterações na linguagem, interfere na estrutura do código. Em vez de
utilizar a composição |m-a-i-s| para transmitir a palavra «mais», ela passa a ser
escrita com o símbolo +, pertencente à linguagem matemática. Tal processo de
simplificação já era conhecido e praticado muito antes do surgimento da internet
(nos telegramas, por exemplo), entretanto ele ainda não havia rompido as
barreiras do suporte e do meio de comunicação em que era utilizado para se
instalar em um outro espaço, que não previa o seu uso.
Alterações na estrutura do código, como esta, provocam mudanças na
linguagem, na configuração do código, sua percepção e leitura. Quando um meio
de comunicação de massa tradicional, como o jornal, incorpora alterações do
código originadas nos novos meios de comunicação é sinal de que tais
transformações estão se aprofundando e estabilizando na semiosfera. Será que
essas alterações na linguagem e esse movimento da escrita na semiosfera irão
se enraizar na cultura? Quanto tempo levará para que as pessoas passem a
contabilizar o alfabeto como sendo o conjunto formado por 26 letras e 13
símbolos gráficos?
Este é apenas o começo da história da escrita alfabética, muito mais
ainda está por vir, muitas transformações, outros povos, novas línguas e
suportes. E, ao acompanharmos essa trajetória é preciso estar alerta para o
fato de que “ ‘Há apenas um alfabeto, que se espalhou por quase todo o
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61
[2] A escrita alfabética na televisão: linguagem e suporte.
[2.1] A signagem do suporte na televisão.
Quando a televisão surgiu, a formatação audiovisual como recurso
tecnológico não era uma novidade, pois o cinema já havia se constituído como
meio de composição de som e motion pictures. A afinidade e proximidade entre a
linguagem ou signagem
7
televisiva e a cinematográfica ultrapassa a barreira do
recurso audiovisual e se faz presente, também, nas técnicas fundamentais
utilizadas nesses dois meios, como aponta Décio Pignatari:
A televisão absorveu do cinema duas de suas técnicas fundamentais: a
técnica do corte e a técnica da câmera contínua ou câmera na mão (que
não precisa necessariamente ser portátil). O corte é o feijão-com-arroz
da linguagem cinematográfica ou televisual: corte de uma personagem
para outra, corte de uma cena para outra. (1984: 12)
Apesar das semelhanças entre as linguagens, as diferenças básicas de
funcionamento entre o cinema e TV transparecem no processo de construção e
7
Signagem é um termo cunhado por Décio Pignatari (1984) para libertar a linguagem televisiva da
nomenclatura lingüística. O autor passa a chamá-la de signagem, uma vez que a linguagem não está,
necessariamente, relacionada à língua, mas sim aos signos. Apesar desta diferenciação indicada por Pignatari,
signagem e linguagem serão, aqui, utilizados como sinônimos, uma vez que ambos fazem referência a um
mesmo processo semiótico.
mundo’, embora ele tenha proliferado em uma variedade extraordinária de
formas.” (Kiernan, 1993: 265).
O processo de derivação dos alfabetos, como se pode perceber, é
um processo bastante comum. No entanto identificá-lo não é tão simples
quanto parece, pois movimentações semelhantes acontecem em culturas
61
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transmissão da informação. A principal diferença entre o cinema e a televisão
coloca em cheque o próprio conceito de suporte: enquanto o suporte da
linguagem cinematográfica é facilmente identificado na película do filme, que
armazena e registra, quadro a quadro, as imagens e o som que compõem o
conteúdo a ser projetado na tela, o mesmo não acontece na televisão, cujas
imagens eletroeletrônicas passam por contínuos processos de codificação e
decodificação, dificultando a identificação de um suporte específico e
determinado.
Assim como a lente da câmera de cinema, a lente da câmera de vídeo
também possui uma superfície foto-sensível sobre a qual se forma, em seu
interior, a imagem capturada. Entretanto, em vez de gravar essa imagem em uma
película, a câmera de vídeo transforma as áreas de luz e sombra da imagem
projetada em sinais elétricos (volts). Esse processo forma um fluxo contínuo que
cria um circuito eletrônico. Essa informação, recebida pelo aparelho de televisão
como um feixe de elétrons, é invertida no interior do televisor e decodificada para
que seja novamente transformada em luz e projetada na tela da TV.
Enquanto “a imagem cinematográfica é montada em cima do
fotograma; a da TV é contínua” (Pignatari, 1984: 16), colocando em questão a
materialidade do suporte que, em vez de uma mera base estática e passiva em
que o signo é inscrito, se apresenta como uma série de processos semióticos, de
captação, codificação, transmissão, decodificação e projeção do signo televisivo.
Fica aqui lançada a pergunta, qual é o suporte da televisão? Será a superfície
foto-sensível da câmera, que funciona como um receptor da imagem a ser
codificada e transformada em impulsos elétricos? Serão os feixes de elétrons, que
diferentes e os encontros culturais deixam marcas dos dois lados. Por exemplo,
mesmo com as técnicas modernas de calcular as cronologias dos objetos e
registros históricos, ainda hoje não se sabe ao certo qual é a relação
estabelecida entre o alfabeto sul-arábico, utilizado na Arábia meridional, e o
fenício arcaico. É sabido que as letras desses dois alfabetos são extremamente
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transportam o signo até o aparelho e a tela, onde podemos visualizá-lo? Será o
televisor, o aparelho eletrodoméstico comercializado em lojas de departamentos?
Será a tela, a janela vazia de uma caixa ávida por imagens magnéticas? A
imagem contínua da TV questiona o conceito estático de suporte, estendendo o
conceito oferecido pelo dicionário para a amplidão semiótica da linguagem, onde
suporte não se apresenta necessariamente como um material em que algo se
afirma ou assenta, um mero substrato material, mas como um processo contínuo
de apreensão, codificação, transporte e armazenamento ou projeção do conteúdo
simbólico.
Assim, a escrita alfabética ganhou, na televisão, o valor de imagem,
pois para ser apreendida e transmitida ela precisava ser filmada como uma
imagem, uma vez que não havia nenhum substrato material em que pudesse ser
inscrita para que fosse projetada na tela do televisor. O verbal escrito precisava,
então, ser impresso numa superfície qualquer (papel, parede, pedra...) para que
pudesse ser filmado e convertido em impulsos elétricos – enviados à TV no feixe
contínuo de imagens – projetados na tela.
Tal fato mostra a voz ativa do meio técnico e seu papel fundamental na
construção da linguagem pois, embora a escrita alfabética tenha sido concebida
para funcionar como um signo discreto, as características específicas do suporte
da televisão e sua signagem conferem a ela o funcionamento de signo não-
discreto, indecomponível em unidades menores, uma vez que ele é apreendido
como imagem. Dessa maneira, o suporte oferece ao signo novas formas de
construir linguagens, novas linguagens, novos funcionamentos, novas
possibilidades.
semelhantes, porém o eixo de ligação permanece perdido, e não se sabe ao
certo se uma escrita deriva da outra ou se ambas derivam de um terceiro tipo de
escrita.
Acredita-se que as escritas indianas tenham derivado da aramaica,
que por sua vez é derivada do fenício. E, assim como os árabes possuíam dois
63
64
A palavra permite-nos dizer apenas aquilo que se deve dizer, isto é, o
que o código lingüístico autoriza. Isto implica em que a vivência (a
totalidade expressiva de um sujeito) pessoal seja sempre maior do que a
palavra. Comunicar-se verdadeiramente é tentar superar as barreiras
das incomunicações, as restrições do código, e dar curso livre à vivência.
E isto só pode ocorrer num espaço de troca dialética entre as diferentes
instâncias do processo lingüístico (...). (Sodré, 1984: 50)
Além de todas essas questões que a televisão impôs ao código escrito,
ao conceito de suporte e ao processo de construção de linguagem, ela também
lançou um desafio para sua audiência, o de absorver esta nova linguagem em sua
vida e em seu mundo cotidiano privado, transformando o limite entre real e
imaginário numa linha tênue, sinuosa e difícil de ser traçada.
Ao contrário do jornal, que normalmente é lido pela manhã e, passado
esse momento, o receptor se desliga dele, a televisão é companheira até nas
horas de descanso, além de informar a respeito do que acontece ao redor do
mundo no mínimo três vezes ao dia: nos telejornais da manhã, da tarde e da
noite. Mas ainda assim, com esse meio de comunicação e sua linguagem tão
presente em nossas vidas, dia-a-dia e espaço privado, se prestarmos bastante
atenção ao mundo à nossa volta, encontraremos pessoas para as quais essa
linha que divide o real do imaginário, na televisão, é sinuosa. Essas pessoas dão
“Boa noite” ao William Bonner quando ele encerra o Jornal Nacional e xingam a
atriz que interpreta a vilã da novel das oito quando dão de cara com ela na rua.
A característica da TV de trazer o público para o privado cria uma zona
intermediária onde nada é completamente público ou privado, completamente
tipos de escrita, o mesmo ocorreu na região da
Í
ndia, onde eram utilizadas a
kharosti e a brahmi. Essas duas escritas datam da mesma época,
aproximadamente 250 a.C., mas foram empregadas em regiões diferentes e
conheceram destinos distintos.
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fictício ou real. A barreira entre realidade e imaginação é derrubada, uma passa a
se confundir e se transformar na outra, chamando nossa atenção para um fato
característico da cultura oral, em que a efemeridade e o caráter pessoal da
transmissão de informação não conferem a ela legitimidade ou poder de
averiguação, a comunicação é fluida. Mas a TV tem algo que a cultura oral não
possui e que faz toda diferença: o poder de mostrar ações em fluxo contínuo, em
suas motion pictures, com imagens reais e ao vivo. Isso confere a ela
credibilidade, pois para nossa sociedade letrada e visual ver o fato é reconhecê-lo
como real, uma vez que só é possível ver aquilo que é verídico.
Mas a televisão também é muito mais do que um meio de
comunicação, ela não é só o conteúdo que transmite. Ela é um objeto que pode
ser de decoração, com uma tela de plasma, ou pode ser mais objeto do que
decoração, com uma tela de tubo de raios catódicos. Ela é um meio de
comunicação, como o telefone, o jornal e o rádio. Ela é uma forma de
entretenimento, como o livro.
A televisão se desdobra em diferentes funções, meios e
representações. Vejamos uma exemplificação de como se configuram estas
diferentes possibilidades que a TV oferece. A Rede Globo de Televisão é uma
empresa de comunicação que contrata vários funcionários a fim de possibilitar
seu funcionamento. Enquanto empresa, ela se configura como um
empreendimento que atua na transmissão de informação e comunicação, mas
para pagar os salários de seus funcionários e garantir a estrutura necessária a
seu funcionamento, precisa gerar uma receita, que é obtida por meio da
comercialização de espaços em sua programação, ou seja, da “venda” do sinal de
A kharosti se fazia presente em Bactriana e na bacia do Indo,
enquanto a brahmi era encontrada na região de Açoka. A kharosti possuía
formas gráficas derivadas do arameu e, com o passar do tempo, caiu em
desuso; hoje nenhum povo a utiliza mais. Já a brahmi tornou-se a base de
todas as outras escritas indianas e, embora a notação dos seus sinais gráficos
65
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transmissão que recebeu como concessão do governo brasileiro. A valorização
destes espaços é medida pelo índice de audiência, que reforça o caráter
comercial da programação televisiva e faz com que ele impregne todas as etapas
do fazer televisivo. Podemos identificar nesse esquema simplificado a presença
de pessoas que trabalham atrás das telas, os diretores, editores, produtores, etc.
Elas trabalham no ofício de fazer televisão, são funcionários da emissora, mas
não aparecem na tela. Nós não as vemos, assistimos ao produto final do trabalho
conjunto de todas elas. Existem também aqueles que vão ao ar porque este é seu
trabalho, seu emprego, a forma que esta pessoa encontrou de ganhar a vida, ela
também é um funcionário da empresa de televisão. E há as pessoas que
aparecem na televisão porque pagaram para isso, elas querem transmitir
informação por meio deste canal. Seja para vender um produto ou uma idéia,
estas pessoas vão ao ar porque querem comunicar algo às massas e estão
pagando por este serviço, elas são anunciantes, os responsáveis pelo pagamento
da receita gerada pela televisão.
A televisão é um meio de comunicação, um aparelho eletrodoméstico,
uma emissora e uma empresa. Como atesta Sodré, “A televisão é uma técnica,
um eletrodoméstico, em busca de necessidades que a legitimem socialmente.”
(1984: 14), pois ela surgiu diretamente do meio técnico, visto que muitos dos
cientistas que contribuíram para o desenvolvimento do aparelho televisor
estavam, na realidade, pesquisando o fenômeno de transmissão de correntes
elétricas e não o desenvolvimento de um novo meio de comunicação e, menos
ainda, um portentoso sistema de signos.
indiquem uma proximidade com o fenício, a sua estruturalidade difere em
muitos aspectos das escritas ocidentais, pois em vez de registrar os sons
consonantais das palavras ela notava o som das consoantes acompanhado da
vogal “a”.
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[2.2] Língua, meio e mídia como sistemas modelizantes da
cultura.
Assim como os demais meios de comunicação de massa com suas
formas particulares de estabelecer comunicação com o receptor geraram um
ambiente de discussão em torno deles, a respeito de suas linguagens, a televisão
também o fez. E, há mais de meio século, levanta debates vigorosos sobre o
papel que desempenha no meio cultural: será ela vilã ou mocinha em nossa
sociedade?
Quando a análise desta mídia é feita focando apenas suas
características, configuração e projeção de fenômeno de massa, certamente faz
algum sentido medir o impacto causado por ela na vida social e construir um
balanço dos prós e contras. Mas não são estes pontos de análise que interessam
ser desenvolvidos nessa pesquisa, e tão pouco é realizada aqui uma abordagem
sociológica. Este trabalho trata da construção de novas linguagens, através da
sobreposição de diferentes sistemas modelizantes ao código escrito alfabético.
Para tanto, a televisão será abordada não enquanto continente, mas enquanto
conteúdo. Ela funciona como meio transmissor de informações configuradas
numa linguagem específica sua e, sendo assim, nosso objeto de estudo é essa
linguagem, seu suporte e a forma com que ele modeliza a escrita alfabética. Logo,
não emitiremos nenhum julgamento de valor, pois um sistema modelizante, por si
só, não é bom nem mau. O que vai determiná-lo como positivo ou negativo é a
forma com que ele é usado e o conteúdo do discurso veiculado por ele.
Essa característica da brahmi denuncia um caráter de escrita
silábica, embora seu número de sinais não fosse tão extenso quanto o das
primeiras escritas silábicas que surgiram antes do alfabeto ser inventado – ela
era composta por 32 sinais silábicos e 4 vocálicos. Esse ressurgimento de uma
estruturalidade anterior, apresentada de forma atualizada, ressalta o poder da
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Além disso, a televisão é um meio múltiplo não apenas nos diferentes
papéis que desempenha, mas também nas diversas mídias que veicula. Meio de
comunicação e mídia são, para muitas pessoas, sinônimos, o próprio dicionário
Aurélio não diferencia um termo do outro e coloca que mídia é
O conjunto dos meios de comunicação, e que inclui, indistintamente,
diferentes veículos, recursos e técnicas, como, p.ex., jornal, rádio,
televisão, cinema, outdoor, página impressa, propaganda, mala-direta,
balão inflável, anúncio em site da Internet, etc. (FERREIRA, 2004)
Ao fazer isso, o dicionário sinaliza a necessidade de uma diferenciação
mais precisa desses termos dentro da cultura. Aqui adotaremos o meio de
comunicação como a forma utilizada para estabelecer a comunicação, enquanto a
mídia é o formato. Assim, podemos encontrar, em um único meio de
comunicação, a presença de diferentes mídias. A televisão apresenta muito
claramente essa distinção, visto que ela é um meio de comunicação – uma vez
que se apresenta como um canal de comunicação específico utilizado para a
transmissão de mensagens – que veicula diferentes mídias – caracterizadas
como os diferentes formatos televisivos. Assim, podemos dizer por analogia que a
mídia
(...) é uma força aglutinadora e estabilizadora dentro de uma
determinada linguagem, um certo modo de organizar idéias, meios e
recursos expressivos (...) de modo a garantir a comunicabilidade dos
produtos e a continuidade dessa forma junto às comunidades futuras.
(MACHADO, 2005)
memória da cultura, não apenas para preservar o passado, mas para atualizá-lo
no presente.
A escrita brahmi, assim como o fenício, deu origem a diferentes
escritas, tais como a escrita do Nepal, de Gengala, de Java, de Bali, de Orissa,
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A mídia organiza o uso da linguagem dentro do meio, de acordo com
as características específicas do suporte. Ela desenvolve, sobre o sistema
modelizante do meio de comunicação, o seu próprio sistema, com as
características específicas de seu formato.
Podemos, então, dividir as diferentes mídias da televisão em dois
grandes grupos: mídias destinadas à informação, focadas na transmissão de
conteúdo de caráter noticioso, e mídias de entretenimento, com foco na diversão.
Ao primeiro grupo pertencem os telejornais e programas de entrevista, no
segundo encontraremos as telenovelas e minisséries. Essa distinção não é tão
simples e fácil de ser realizada, principalmente porque há uma tendência à
convergência dessas mídias, como acontece na propaganda televisiva que é
informativa mas busca, hoje em dia, informar de uma maneira divertida,
entretendo o telespectador para que ele não mude de canal. O telejornal também
age da mesma forma e dedica boa parte do seu tempo a discutir e informar
amenidades, assuntos de interesse geral que entretêm por meio da informação.
Como se pode perceber, assim como o jornal desenvolveu um meio
ambiente e uma linguagem própria, a televisão também o fez. E da mesma forma
que o jornal, ao fazer uso da escrita alfabética, construiu sobre este código um
novo modelo e uma nova linguagem, a televisão também reinventou a escrita e
criou para ela um modelo e uma linguagem que permite sua incorporação pela
tela.
Podemos dizer que cada meio, ao fazer uso do código alfabético,
constrói sobre ele um sistema modelizante, porque eles possuem um modo
de Caxemira, a nagari, a antiga escrita tibetana, a birmanesa, cambojana e
muitas outras.
Essa é a história de como a escrita fenícia foi tomada emprestada
por diferentes povos até alcançar o oriente, mas não foi a única trajetória
percorrida por ela, pois a cultura não caminha numa linha reta unidirecional.
69
70
particular de organizar este código. A língua natural foi considerada por Lótman,
segundo a teoria da modelização, como sendo o sistema modelizante primário, o
sistema sobre o qual todos os demais se desenvolverão e de onde tirarão a base
para o desenvolvimento de outros sistemas modelizantes. Esse posicionamento
da língua natural no centro da semiosfera deve-se ao fato de a usarmos para
expressar idéias e raciocínio, ela é a linguagem de que se faz uso para descrever
e estudar todas as demais linguagens, pois é a única que permite o
desenvolvimento da função de metalinguagem. Para todos os povos latinos, o
código utilizado para registrar por escrito a língua natural é o alfabeto, daí o
sistema alfabético encontrar-se, junto com a língua natural, no centro da
semiosfera desses povos. Diante de tal classificação, o modelo de emprego da
escrita alfabética que a televisão desenvolve é considerado um sistema
modelizante secundário, pois este sistema se superpõe ao sistema primário,
modificando-o.
Afinal de contas, se a televisão é um meio de comunicação audiovisual,
que transmite informação por meio de imagens e sons, que papel é permitido à
escrita alfabética nesse ambiente aparentemente inóspito para ela? Se a língua
natural já se faz presente na televisão por meio do verbal oral do áudio, de que
forma pode a escrita contribuir para a transmissão da informação sem incorrer
numa redundância ou chocar-se com o áudio? E que transformações a escrita
televisiva provocou no espaço da escrita alfabética e na escrita dos outros meios
de comunicação?
A
imagem que melhor representa essa movimentação da cultura são
os círculos concêntricos produzidos pela queda de uma gota d’água: eles se
espalham por todas as direções e, à medida que se expandem, sofrem
modificações na dimensão do raio e no volume de água deslocado por ele.
70
71
[2.3] O espaço da escrita na escritura da televisão.
A denominação da linguagem televisiva de audiovisual omite a
participação de outras linguagens envolvidas na construção do modelo deste
meio de comunicação e impõe um questionamento limitador: se a televisão é um
meio desenvolvido sobre a base da audição e do verbal oral, que espaço pode
encontrar, neste meio, a escrita?
Em primeiro lugar, é preciso deixar bem claro que outras linguagens
encontram-se presentes nesse meio: tempo, gesto, espaço e escrita. O gesto se
faz presente por meio da linguagem corporal dos personagens televisivos. O
espaço aparece na ambientação de cenários e locações que criam lugares. A
escrita entra na forma dos chamados «caracteres». E o tempo é um fator
predominante na televisão, que se apresenta sob duas formas: valor comercial e
linguagem. Sob o primeiro aspecto ele é utilizado como meio de comercialização
de espaços na televisão. O tempo dos intervalos comerciais são comercializados
em um padrão estabelecido, o de 15 segundos. Pode-se comprar um espaço de
15, 30, 45 segundos ou qualquer número que se encaixe dentro desta média
aritmética; para outros formatos, como o de 20 e 40 segundos, não há
comercialização, pois o tempo também possui uma média-padrão na TV. O
tempo, enquanto linguagem, é onde se desenvolve o processo de semiose do
signo televisivo, pois tanto o áudio quanto as motion pictures da televisão
precisam do espaço temporal para se desenvolver e comunicar. Diferente da
semiose do texto escrito que se desenvolve por sucessividade, o tempo televisivo
é simultâneo, assim como o verbal oral. Portanto, a semiose na televisão se
A
ssim aconteceu com a escrita fenícia, ela partiu rumo a diferentes
povos e distantes regiões e, à medida que foi avançando dentro da cultura, ela
foi sendo modificada a tal ponto que em alguns casos é difícil mensurar o quanto
influenciou uma cultura específica.
71
72
desenvolve por contigüidade: apreendemos um conjunto de informações num
bloco simultâneo e, em seguida, recebemos um outro bloco de informações que,
através de um processo de aproximação e adjacência, combinamos e ligamos ao
anterior.
O tempo da duração funciona como um elemento importante na
modelização televisiva: “A TV tem que fazer zap ao zapador antes que ele ou ela
faça zap ao canal” (KERCKHOVE, 1997: 42). O tempo pode prender a atenção do
telespectador ou deixá-lo enfadado, pode informar ou ser redundante. Essa
necessidade de “fazer zap” a que se refere Derrick de Kerckhove é a dinâmica da
TV, onde o telespectador possui a liberdade de escolher o canal e trocá-lo com
um “zap” no controle remoto. O receptor não possui envolvimento na produção do
conteúdo televisivo, mas tem poder de decisão sobre o que assiste ou não, pois a
variedade de canais permite que ele escolha o que mais lhe agrada, de maneira
que as emissoras de televisão precisam construir uma programação dinâmica,
que prenda a atenção do telespectador e o deixe de antenas ligadas nas
informações transmitidas. Para isso, o canal precisa fazer “zap” na informação,
antes que o leitor faça “zap” e vá para outro canal, em busca da informação que
não obteve no anterior. Essa relação que o telespectador desenvolve com a
programação televisiva reforça a força do espaço do tempo e da simultaneidade
da TV, pois ele se recusa a estacionar em um canal que não lhe comunique
instantaneamente algo que seja de seu interesse.
O “zap” dá ao receptor a possibilidade de construir sua leitura da
televisão. Ele cria seu próprio tempo e ritmo perceptivo, edita o conteúdo que quer
receber, de forma que a televisão que duas pessoas diferentes assistem, cada
No ocidente, o alfabeto fenício influenciou a escrita líbia, utilizada na
Á
frica do Norte, mas é difícil medir e precisar todos os pontos de convergência
entre elas. A idéia de construir um alfabeto consonantal surgiu do contato com
os cartagineses, porém os desenhos utilizados para a notação possuem traços
72
73
uma em sua casa, não será nunca mesma, pois o “zapear” delas constrói recortes
e leituras diferentes, podendo até convergir em alguns pontos, mas nunca serão
exatamente iguais. O controle remoto funciona como uma ilha de edição e dá a
cada telespectador a oportunidade de construir sua própria televisão. Cabe aqui
uma reflexão sobre o caráter assimétrico da televisão, um meio de comunicação
de massa, e a possibilidade que o “zapear” dá ao telespectador de romper com a
massa sem romper a assimetria comunicacional.
Entretanto, o efeito do “zap” na construção do conteúdo televisivo faz
com que a resposta do telespectador aos estímulos televisivos seja mais instintiva
e fisiológica do que racional, uma vez que o cérebro, tão cedo acabe de receber
um estímulo, recebe um outro logo em seguida, que precisa relacionar
rapidamente ao anterior antes que receba um novo estímulo.
Essa simultaneidade da televisão vai de encontro à sucessividade da
escrita e impõe a ela um desafio: como transmitir uma linguagem sucessiva em
um meio simultâneo? E a essa questão soma-se uma outra: como utilizar um
código que limita a apreensão da informação sem comprometer a grande
abrangência da mídia?
Assim, podemos verificar a presença de duas variáveis que participam
do processo de modelização da escrita alfabética na televisão: a delimitação do
caráter simultâneo do tempo na TV e a construção de uma massa mais
abrangente do que a massa do jornal impresso. O primeiro fator, a delimitação do
tempo, irá configurar o texto escrito em pequenos blocos. O texto escrito precisa
ser curto (possuir poucos caracteres) para que possa ser lido na tela, que é
assistida à distância, e também para não interromper a dinâmica televisiva. Esses
em comum tanto com o alfabeto fenício quanto com o antigo silabário utilizado
pelos líbios.
Na Península Ibérica o alfabeto fenício também se fez presente,
sendo utilizado durante mais de quatro séculos para registros em diferentes
línguas, assim como o alfabeto grego também o foi.
73
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blocos pequenos possibilitam que um seja substituído por outro novo num curto
espaço de tempo, fazendo “zap” no telespectador antes que ele mude de canal.
Assim, o formato em bloco apresenta o texto escrito como uma imagem, no
formato simultâneo do tempo televisivo, respeitando a dinâmica desse meio. O
tempo linear do texto é quebrado e sua estrutura temporal de causa e
conseqüência passa a dar lugar à relação de contigüidade, própria da televisão,
pois a imagem preenche o vazio do verbal escrito, alterando sua percepção.
Temos, então, o paradoxo: o texto do caractere televisivo é ao mesmo tempo
linear, pois precisa ser lido nessa ordem para que a mensagem nele codificada
seja apreendida, e simultâneo, visto que estabelece uma relação de continuidade
com as imagens e sons inseridos em seu bloco perceptivo, antes e depois dele.
A grande abrangência da TV também reconfigura a função do signo
alfabético, de forma que o caráter seletivo desse código não se imponha como um
fator limitador na recepção da informação. Assim, o texto escrito passa a ser
usado principalmente na transmissão de informações complementares e no
reforço de dados importantes. Um bom exemplo desses dois usos da escrita pode
ser observado no Jornal Nacional. Em um primeiro momento ela introduz o nome
dos apresentadores e repórteres, sempre acompanhada de sua forma oral (o
âncora do telejornal se apresenta e, toda vez que uma outra pessoa for ser
introduzida, ele diz seu nome). A informação transmitida pela fala e pela escrita é
exatamente a mesma, porém a forma de assimilar o conteúdo de uma e de outra
é diferente. A fala torna a informação acessível a todos e a escrita reforça a
importância desta informação, ao transmiti-la num formato que facilita sua
memorização e ressalta o caráter imagético da televisão. Outro caso em que a
O fato de a escrita alfabética fenícia ter sido utilizada por diferentes
povos ressalta o caráter modelizador do alfabeto, que fornece uma forma e um
formato de comunicação e de leitura/interpretação da língua. Por ser um
sistema modelizante, o alfabeto tanto se adapta a diferentes línguas quanto
74
75
escrita é usada com esta mesma finalidade se dá na transmissão de dados
numéricos: o apresentador cita os números ou a informação central retirada deles
– “queda na bolsa de valores” – e os caracteres apresentam os números por
escrito. Neste caso, a escrita é usada tanto para reforçar uma transmissão, como
nos casos em que o apresentador fala os números que aparecem em caracteres,
quanto para informar detalhes sobre a notícia, nos casos onde o apresentador
fala apenas generalizações a respeitos dos números e eles aparecem detalhados
em caracteres.
A escrita também é utilizada no Jornal Nacional para desempenhar
uma função referencial, como nas imagens externas veiculadas pelo jornal
sempre acompanhadas de um bloco de caracteres, indicando a fonte que
forneceu aquelas imagens à Rede Globo, por exemplo, “Imagem cedida pela
Emissora Clube de Televisão”. Nesse caso, temos a escrita na televisão como
uma forma de transmitir informações legais: a lei exige que a emissora indique
qual é a fonte de suas imagens quando não são produzidas por ela. Embora essa
informação seja obrigatória, ela não é necessária para a compreensão do
discurso televisivo. Pelo contrário, informar que as imagens televisionadas foram
obtidas através de uma terceira pessoa, o fornecedor, coloca em cheque a
veracidade do discurso. O apresentador e a emissora são expropriados do tema,
pois noticiam algo que não viram, um evento presenciado por outra pessoa.
Segundo Sodré
A comunicação real (a conversa, o diálogo) atribui tal importância ao
elemento verbal, que este termina impondo-se, na tevê, ao visual. O
verbal e o visual se repetem exaustivamente no vídeo. Por isso, até
permite o desenvolvimento de diferentes escritas baseadas no seu formato de
codificação da língua natural.
Essa alta capacidade de modelização dificulta o trabalho dos
pesquisadores que, ao procurarem a origem dos diferentes tipos de escrita, se
deparam com ossibilidades infinitas para seu surgimento. Os caracteres
75
76
agora, a tevê tem estado mais próxima do rádio do que do cinema. É que
o compromisso com o real histórico (em termos institucionais, com a
informação jornalística) impele a tevê a uma lógica de demonstração, de
explicitação, que percorre todas as suas possibilidades expressivas. Ela
pode mostrar qualquer coisa, mas tem de explicar, de esclarecer o que
mostra. E nesta operação, a palavra, o verbo, impõem seu poder ao
elemento visual. (1984: 74)
Essa relação observada por Sodré entre verbal e visual pode ser
encontrada também entre o verbal oral e o verbal escrito, como indicado nos
exemplos analisados do Jornal Nacional.
[2.4] Percepção prolongada.
McLuhan classifica a televisão como um meio frio, em contraposição ao
jornal que é considerado por ele um meio quente. Sua classificação ressalta as
características principais da TV como sendo: o prolongamento de mais de um
sentido do homem, a participação da audiência e transmissão de informações
abertas, a serem completadas pelo receptor. Embora essa análise coloque a
televisão e o jornal impresso como meios antagônicos, eles convergem em vários
aspectos: grande fluxo de informação, massificação e uso da língua natural.
O prolongamento de mais de um sentido, apontado por McLuhan, se
dá por meio das diferentes linguagens presentes neste meio que, ao contrário das
iberos, por exemplo, compostos por sinais silábicos e consonantais permanecem
com sua origem desconhecida.
No final do segundo milênio (ainda antes de Cristo), foi a vez dos
gregos se inspirarem no alfabeto fenício para desenvolverem o deles.
76
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linguagens do jornal que convergem para um mesmo sentido, a visão, na
televisão a multissensorialidade está na base da composição de sua linguagem,
formada sobre os alicerces da audição e da visão. O áudio televisivo desperta a
percepção por meio da audição; os gestos e a ambientação do cenário implicam o
sentido tátil; a escrita e as imagens são apreendidas pela visão. Desta
característica decorrem as fortes reações fisiológicas provocadas pela TV, como
foi comprovado em experimento realizado pelos irmãos Steven e Rob Kline que
mediu as reações físicas da TV sobre o corpo e do qual Kerckhove participou
como cobaia.
Tirei duas importantes conclusões dessa experiência. A primeira foi a de
que a televisão fala, em primeiro lugar, ao corpo e não à mente. Disto
suspeitava eu há vários anos. A segunda conclusão foi a de que, se o
ecrã de vídeo tem um impacto tão direto sobre o meu sistema nervoso e
as minhas emoções, e tão pouco efeito sobre a mente, então a maior
parte do processamento da informação estava a realizar-se no ecrã.
Estas são as hipóteses que eu quero explorar neste estudo sobre a
nossa relação com os nossos ecrãs, tão ubíqua, íntima e pouco
conhecida: as nossas videomentes. (KERCKHOVE, 1997: 38-39)
A observação acima reforça a premissa mcluhaniana de que a
televisão prolonga mais de um sentido do homem. No entanto, se o experimento
implicou também uma segunda conclusão, a de que o processamento da
informação se dá mais no ecrã do que no cérebro, então ele põe em cheque a
teoria de McLuhan que coloca o meio televisivo como sendo um meio participativo
para o telespectador. Pois, se o experimento de Kerckhove indica que a
Os gregos atribuíam a introdução do alfabeto a Cadmo, o legendário
fundador de Tebas, que teria trazido da Fenícia dezesseis letras;
depois Palamedes teria acrescentado a elas quatro letras durante a
guerra de Tróia, e o poeta Simônides de Céos, quatro outras, mais
tarde. (Higounet, 1988: 87)
77
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informação não é processada pelo receptor, mas pela tela, então não há
participação alguma por parte do telespectador, e o “zapear”, nesse caso, passa a
ser resposta a um instinto fisiológico, em vez de construção de uma leitura. Fica
aqui o confronto desses dois pensamentos: afinal de contas onde é processada a
informação do feixe de elétrons, no televisor ou no cérebro?
O fato de a comunicação por meio da TV prolongar vários sentidos ao
mesmo tempo implica um grande poder de atrair a total atenção do receptor e
envolvê-lo por completo no ambiente televisivo. Enquanto assiste à tela, ele não
pode falar, desviar o olhar ou a audição, caso contrário perderá alguma parte da
informação transmitida pelo meio. Para apreender a informação em sua
completude, o receptor precisa estar atento a todos os sinais emitidos pela tela,
pois uma simples palavra falada, como “obrigado”, pode significar muitas coisas, o
que faz da imagem, entonação e expressão facial elementos importantes para a
interpretação da mensagem, que constituem o meio ambiente no qual está
inserida a palavra. Podemos constatar, então, que o verbal, na TV, constrói sua
significação não apenas por meio das palavras, mas também através da
linguagem não verbal que o cerca.
No filme publicitário da TIM “Interrupção”, a atriz Mariana Ximenez
anuncia o serviço de crédito especial da TIM e explica que a TIM lança o Crédito
Especial, para quem tem pré-pago GSM: “Sabe quando você está no meio de
uma ligação e de repente seus créditos aca...” A fala da atriz é interrompida por
um sinal sonoro que indica que uma ligação telefônica acabou de cair enquanto a
tela fica preta. O sinal sonoro continua enquanto um texto é escrito na tela em
Os gregos tomaram emprestados os símbolos fenícios para fazerem
notações em sua língua, chegando a conservar grande parte dos caracteres
exatamente iguais. Sua grande contribuição para a escrita foi terem sido o
primeiro povo a realizar uma notação rigorosa das vogais. No fragmento
abaixo, retira do livro “Ilíada”, é possível termos uma idéia do processo de
78
79
caracteres brancos: “Aí, você liga *222 do seu celular e a TIM adianta 3 reais em
créditos para você continuar falando até a próxima recarga.”
Figura 8: Filme Comercial "Interrupção" criado pela Lew Lara para a TIM.
8
O uso da escrita para transmitir a informação principal do serviço
oferecido reforça o meio que o consumidor irá utilizar para ter acesso ao serviço:
a escrita, pois ele precisará digitar os números em seu celular. Ao mesmo tempo,
o recurso dos caracteres permite que o áudio transmita o som de ligação cortada,
que é pouco comum na televisão e desperta a atenção do telespectador, pois
embora ele conheça o som não está acostumado a ouvi-lo sendo emitido por sua
televisão.
Em relação a esta explosão de sentidos provocada pela tecnologia
elétrica constituinte da televisão, McLuhan coloca que ela “parece favorecer a
palavra falada, inclusiva e participacional, e não a palavra escrita especializada”
(1997: 100-101). De fato a presença do signo alfabético é limitada por fatores que
já foram citados neste capítulo, mas o simples fato de se fazer presente ressalta
seu caráter participativo na mídia televisiva, que o insere num novo contexto e
8
Imagem retirada do site www.portaldapropaganda.com.br acessado 10/06/2006.
transição que se deu do grego clássico (primeira linha de cima para baixo) para
o atual (segunda linha), e dele para o alfabeto latino (terceira linha).
79
80
apresenta-nos uma nova forma de percebê-lo. A escrita aparece na TV em
caracteres que surgem na tela e depois desaparecem, impondo-nos uma
limitação de tempo para sua leitura. O contexto de imagens no qual ela se
encontra inserida, de motion pictures, reforça sua presença visual que, no novo
ambiente, encontra limitações de tamanho, tipo gráfico e cor, uma vez que o
caractere é uma imagem sobreposta a uma outra imagem de fundo, ainda que
seja apenas uma cor. Por isso, os elementos constituintes do signo que
comprometem sua leitura precisam ser evitados, para que não se transformem
em ruído durante a transmissão da informação. Por exemplo, tamanhos
tipográficos muito pequenos ou muito grandes podem atrapalhar a leitura da tela,
que é realizada à distância; tipologias muito rebuscadas, como a manuscrita,
comprometem a percepção e distinção das letras, pois o tempo de leitura precisa
ser reduzido ao máximo; e a cor do caractere precisa ser trabalhada de acordo
com as cores presentes na imagem de fundo pois, como o tempo é curto e a
linguagem é fluida, é preciso que haja contraste entre elas para que a leitura fique
mais fácil e rápida. Podemos observar estes aspectos no filme publicitário da TIM,
cujos caracteres são todos grafados em branco, uma cor neutra e de fácil leitura,
e com um tipo gráfico sem serifa, que permite um processo de leitura mais rápido.
Na televisão, a percepção e a leitura do signo escrito alfabético
ocorrem simultaneamente à leitura de todas as outras linguagens presentes neste
meio, apresentando-se não apenas no mesmo suporte, mas em camadas que se
sobrepõem uma às outras: enquanto lê o caractere o telespectador ouve o áudio
da TV, assiste às imagens em movimento e interpreta a linguagem tátil presente
Figura 1: Imagem retirada do site www.google.com.br acessado 12/08/2006
80
81
nelas, pois a escrita é mediada pela signagem da televisão. Nas palavras de
Pignatari:
(...) a imagem televisual resulta de um chuveirinho de elétrons projetados
num anteparo ou óculos do olho, que é o screen do cinescópio; a
imagem está se formando e sumindo em microssegundos: é a cor-luz,
realmente; a eletricidade colorida. Junte-se a retícula a esse faiscar
eletrônico e teremos a tatilidade da imagem televisual, tele-hapticovisual:
cócegas de elétrons coloridos no olho. É isso o que McLuhan quer dizer
– sem explicitar claramente – quando fala do mosaico tátil da televisão.
(1984: 16)
[2.5] A oralidade da escrita.
A transmissão da informação na televisão se dá principalmente por
meio das motion pictures e do áudio, deste fato decorre a denominação que
recebe de meio audiovisual. Essa forma de transmissão desenvolve um caminho
de retorno, rumo à antiga sociedade tribal e à oralização, e resgata percepções
que foram aos poucos deixadas de lado durante a explosão da galáxia de
Gutemberg. A leitura desenvolveu uma cultura do isolamento, e um muro de
Berlim foi construído entre as pessoas que tinham acesso ao código e as que
eram ignorantes a respeito de suas normas e interpretação; o processo de
semiose da informação ocorria na solidão da mente e na leitura individual que
A
incorporação da notação fenícia na Grécia não ocorreu de forma
unificada e rápida, mas por tentativa e erro, experimentações realizadas em
diferentes regiões. Somente no século IV, quando Atenas adotou oficialmente o
alfabeto grego jônico com seus vinte e três símbolos, houve uma unificação.
81
82
cada pessoa realizava da mídia. A televisão proporcionou um ponto de ruptura
com a cultura letrada e retomou o oral como forma de transmissão da informação,
expandiu o alcance da comunicação de massa, formatando uma massa ainda
mais homogênea do que a configurada pelo jornal.
A presença marcante da oralidade na televisão e a relação que ela
estabelece com a escrita podem ser fortemente percebidas na telenovela, que
praticamente não faz uso da escrita sob a forma de caracteres. Excluindo-se as
vinhetas de abertura e fechamento, os únicos usos da escrita são para transmitir
informações que não podem ser percebidas por meio das motion pictures, sempre
cumprindo um papel referencial, como por exemplo indicando o tempo na
narrativa em caracteres do tipo “seis meses depois...” Ou então na identificação
de lugares, transmitindo informações, relativas ao local da cena, que não podem
ser obtidas por meio das motion pictures, mas são importantes para situar o
telespectador no espaço específico em que está ocorrendo o drama. Um bom
exemplo do uso que a telenovela faz da escrita neste caso específico foi a novela
América, cuja trama se desenrolava em quatro ambientes diferentes – interior do
Brasil, Rio de Janeiro, México e Estados Unidos – e em que a percepção destes
diferentes ambientes nem sempre se dava por meio do cenário. Para garantir a
distinção dos diferentes ambientes, a telenovela indicava com caracteres no início
da cena o nome do lugar.
Uma relação direta entre verbal oral e verbal escrito pode ser percebida
na presença das legendas no Jornal Nacional, e a forma como esse programa
articula a escrita de forma a evitar uma limitação no acesso da massa à
informação. O telejornal apresenta dois casos específicos para a tradução de
O alfabeto grego clássico (uma evolução do jônico), por sua vez,
continha vinte e quatro letras e, embora sua notação tenha sido inicialmente
feita da direita para a esquerda, por volta de 500 passou a ser realizada da
esquerda para a direita. Ele foi o precursor de todos os alfabetos europeus
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falas: tradução de falas proferidas em uma outra língua; tradução de falas que
foram distorcidas sonoramente a fim de evitar que a voz seja reconhecida,
protegendo a identidade da pessoa, ou falas que possuem ruído na transmissão,
como gravações de conversas telefônicas. No primeiro caso, quando a fala ocorre
em uma outra língua natural que não a do telespectador, é impossível que o áudio
seja compreendido pelo receptor sem que haja um processo de tradução, assim,
para possibilitar a transmissão da informação, o Jornal Nacional realiza uma
tradução simultânea do áudio: à medida em que o texto é proferido na outra
língua, um locutor em off fala o texto na língua natural do telespectador, para que
este compreenda o que está sendo dito. Neste caso, o processo de tradução se
dá por meio do verbal oral, a fim de garantir que o maior número possível de
pessoas tenha acesso à informação. Já os textos onde a fala possui ruídos e
distorção, mas ainda pode ser compreendida pelo receptor, são traduzidos por
meio de legendas escritas; dessa forma a emissora evita adicionar ainda mais
ruídos ao áudio e não compromete a transmissão da informação às massas, uma
vez que o verbal oral, mesmo com ruído, é compreensível. A legenda escrita
apenas reforça a mensagem e facilita a compreensão dela sem, no entanto,
implicar qualquer comprometimento do número de pessoas atingidas por ela.
A presença da escrita na novela das oito é bastante limitada em
comparação ao Jornal Nacional e ao filme comercial da TIM, indicando que cada
mídia modeliza a escrita alfabética de uma forma diferente dentro da televisão. A
telenovela, por ser uma forma de entretenimento, não pode limitar o acesso à
diversão através do uso de um código específico que não é dominado por toda a
massa, disso decorre sua forte oralização e pouco uso da escrita. Uma coisa é
modernos, graças ao seu modo particular de notação para as vogais, que se
tornaram imprescindíveis para a escrita.
Da mesma forma que os árabes desenvolveram dois tipos de escrita
diferentes, de acordo com o suporte utilizado e a destinação do texto, o mesmo
fizeram os gregos, diversificando sua escrita em diferentes categorias. Esse
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84
certa, mesmo com as modificações e limitações impostas pela televisão e pelo
sistema modelizante que ela apresenta, a escrita possui um papel a ser
desempenhado no ecrã. E mesmo quando é utilizada para transmitir dados
complementares, exerce uma função que nenhuma outra linguagem pode
desempenhar no meio ambiente televisivo.
[2.6] Alfabetização pela imagem.
O primeiro contato que o telespectador tem com a escrita em qualquer
programa televisivo é na vinheta de abertura, que traz escrito o nome do
programa que está começando. Ela é uma forma de dizer ao receptor “preste
atenção, o programa vai já começar” e anunciar o início de eventos específicos da
programação televisiva. O nome do programa foge das regras de leitura impostas
pela televisão e busca nas características gráfico-espaciais uma forma de criar
sua identidade: tipografia, cores e efeitos visuais. Por meio da construção de sua
identidade visual esta escrita adquire contornos não-discretos e, por isso, sua
leitura deixa de ser restrita ao grupo daqueles que dominam o código alfabético.
Ao assistir no ecrã o programa Sob Nova Direção ou A Grande
Família o receptor se depara com um contexto específico no qual os nomes estão
inseridos: animação, luz, cores, fonte, canal e meio de comunicação. O texto
escrito passa a ser lido através dos elementos não-discretos que o compõem,
fazendo com que até mesmo um analfabeto consiga identificar a significação do
comportamento recorrente da escrita ressalta a forte ligação entre ela, o suporte
e a função do texto.
A
ssim, os gregos possuíam uma escrita monumental com formas
clássicas, utilizada nas inscrições gravadas em pedra, que era inicialmente
utilizada também nas notações em papiro, para registros do cotidiano. Com o
84
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desenho e da imagem do nome do programa, pois para isso ele não precisa ler as
letras isoladamente e depois agrupá-las de forma a construir sentido; o significado
do símbolo (uma vez que ele passou a funcionar como signo não-discreto) está
em seu todo, não nas partes. Mas, se tirarmos o nome “A Grande Família” e “Sob
Nova Direção” do contexto em que estão inseridos, sua identificação fica
comprometida, pois os elementos que agregavam a ele características não-
discretas e possibilitavam uma leitura diferenciada, que não exige o conhecimento
das regras do código, são justamente os que foram retirados.
Figura 9: Abertura dos programas A Grande Família
e Sob Nova Direção exibidos pela emissora Globo de
televisão.
9
9
Imagem retirada do site www.globo.com acessado 20/06/2006
passar do tempo, a escrita em papiro começou a passar por transformações,
enquanto as inscrições em pedra permaneceram iguais. Na era helenística, já
era possível distinguir três principais tipos de escritas utilizadas no papiro: uma
para os livros, outra para a chancelaria e outra para documentos privados.
85
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Assim a televisão apresenta uma nova cartilha para a alfabetização, a
imagem. A leitura não mais se processa na sucessividade das letras, mas na
simultaneidade de todos os elementos que compõem o quadro da vinheta de
abertura: o contorno das letras, as cores, o tipo gráfico, o cenário, a animação,
movimentação dos elementos na tela e projeção deles no ecrã. O meio de
comunicação de massa altera o processo de semiose da escrita e a transforma
num signo não-discreto para que seja possível alfabetizar a massa sem que
precise ensinar as regras do código, assim ela passa a receber as informações
que são transmitidas através da escrita. A televisão se apresenta, então, como
uma forma de alfabetização não-verbal, confirmando o pensamento de Sodré que
afirma: “Não existe a tão propalada incompatibilidade de estrutura entre a
«civilização da imagem» e a da escrita” (1984: 17).
[2.7] Relação emissor/receptor.
A televisão não tece uma simples relação de mediadora entre emissor
e receptor, ela cria um meio ambiente próprio, com seus formatos e sua
linguagem. Como bem analisa Sodré na apresentação de debates políticos na TV:
O medium não é aí um simples mediador entre informante e público, mas
um espaço autônomo capaz de criar modelos próprios, que neutralizam
o sentido político das ações e dos discursos. O público tende a pôr na
A
escrita dos livros se manteve próxima aos modelos clássicos,
evitando ligaduras e calculando a distância entre seus caracteres, para garantir
seu aspecto ornamental (próximo ao das inscrições gravadas em pedras). A
escrita da chancelaria possuía uma letra ligeira, com módulos grandes, que
ultrapassavam os limites das linhas horizontais da escrita. A dos documentos
86
87
balança o charme, a regularidade plástica, a segurança dramática dos
candidatos, ao invés de suas plataformas políticas. (1984: 28)
A relação estabelecida entre emissor e receptor está impregnada pelas
características específicas do meio. O emissor procura acentuar o caráter
centrífugo da televisão, levando o telespectador a prolongá-lo por meio de
recursos fáticos, que direcionam a comunicação no sentido do receptor, que
completa esse movimento com “uma ideal presença familiar em frente ao vídeo”.
E, embora o processo comunicativo seja assimétrico e unidirecional
partindo do emissor para o receptor, o telespectador pode “zapear”, mudar de
canal e escolher outra programação. O enunciador reconhece esse poder de
decisão e de construção de leitura que o controle remoto oferece ao
telespectador, e procura sempre uma maneira de prender sua atenção, ou até
mesmo uma forma de trapacear o efeito “zap”, a exemplo da programação de
mídia para veiculação do filme de lançamento da operadora de celulares VIVO no
Brasil. Nesta ocasião, a agência de propaganda África, detentora da conta da
operadora, adotou uma estratégia agressiva frente aos consumidores e veiculou o
filme publicitário no mesmo horário em várias emissoras de televisão. Assim, no
domingo em que foi lançada a operadora VIVO, todas as pessoas que estavam
assistindo televisão aberta (canais que não precisam ser assinados e nem pagos
para que seus sinais sejam recebidos), mesmo que “zapeassem” de um canal
para o outro não tiveram escolha a não ser ver o filme publicitário, pois ele estava
sendo veiculado ao mesmo tempo nas diferentes emissoras. Temos então um
exemplo de como a formatação da linguagem televisiva pode funcionar como
fonte de inspiração para o desenvolvimento de uma publicidade criativa.
privados era ligeira como a da chancelaria, com caracteres simplificados para
possibilitar maior rapidez ao escrever e, por causa dessa velocidade, os
caracteres terminaram sendo ligados uns aos outros.
A
proximidade da escrita dos livros com a das inscrições em pedra
ressalta semelhanças fundamentais entre esses suportes e suas funções: os
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88
A TV se apropriou de linguagens que já existiam na cultura, como o
verbal oral e o escrito, para configurar a sua própria e divulgar valores também já
existentes, pois o espectador precisa se identificar com as imagens e o discurso
televisivo. Ela constrói uma linguagem baseada na redundância.
A TV não manda ninguém fazer o que faz; antes autoriza, como espelho
premonitório, que seja feito o que já é feito. Autoriza e legitima práticas
de linguagem que se tornam confortáveis e indiscutíveis para a
sociedade, pelo efeito da enorme circulação e da constante repetição
que ela promove. (Bucci e Kehl, 2004: 19)
A telinha repete uma mesma programação todas as semanas, nos
mesmo horários. Repete formatos. Repete atores. Repete o verbal oral no verbal
escrito, fazendo da redundância uma característica de sua linguagem, na busca
pela construção de uma memória. Visto que a efemeridade da transmissão não
permite ao telespectador reler a mensagem apreendida, a TV repete a mensagem
quantas vezes julgar necessário para ter a certeza de que, naquele curto espaço
de tempo em que a mensagem é oferecida ao telespectador, a repetição
intensificará a mensagem no ato simultâneo de recebê-la.
A televisão trouxe o mundo exterior, público e coletivo, para dentro de
casa e o uniu ao privado. Ela forma imagens do discurso público e as fornece já
acabadas e completas para o receptor, que precisa apenas reunir seu discurso
fragmentado e formar o todo, exterior e público, montado em sua mente e
recebido em seu mundo interior.
dois foram feito para durar por um longo período de tempo pois, embora o
papiro seja mais perecível do que a pedra, a função do livro é armazenar,
transmitir e conservar a informação no decorrer do tempo, garantindo a
existência de seus textos por um longo período; o meio ambiente onde esses
dois tipos de escrita são utilizadas e sua função dentro da cultura exigem dela
88
89
[2.8] Meio ambiente e interferências.
O surgimento da televisão provocou mudanças nos jornais impressos.
Ainda que estes a princípio não tenham mudado sua estrutura e linguagem, o
simples fato de o meio ambiente em torno deles sofrer alterações terminou por
transformá-los pois, com a mudança do ambiente, as pessoas passaram a
perceber e se relacionar com eles de uma forma diferente. Sobre estas
implicações, Bourdieu afirma que
É no plano da história estrutural do conjunto do universo que as coisas
mais importantes aparecem. O que conta em um campo são os pesos
relativos: um jornal pode permanecer absolutamente idêntico, não perder
nenhum leitor, não mudar em nada e ser no entanto profundamente
transformado porque seu peso e sua posição relativa no espaço se
acham transformados. Por exemplo, um jornal deixa de ser dominante
quando seu poder de deformar o espaço à sua volta diminui e ele já não
dita a lei. (Bourdieu, 1997: 60)
As transformações que a televisão causou direta e indiretamente nos
jornais impôs uma questão fundamental: como poderiam eles se adaptar a este
novo ambiente e garantir sua sobrevivência?
Assim, o caráter informativo da televisão, leva o jornal a desenvolver
um diferencial, passando a atuar como um meio de comunicação formador de
opinião, e não apenas informativo. Ele deixa de ser o meio de comunicação mais
abrangente que existe e cede este posto à TV. Assim, o jornal cria para si uma
mais estética do que velocidade, para garantir que o texto seja legível e
agradável, pois livro e pedra são na realidade uma obra, não apenas um registro
escrito.
Essa mesma análise pode ser feita comparando a escrita da
chancelaria com a dos documentos privados, que buscavam não
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90
nova colocação: em vez de transmitir informação para a maior quantidade
possível de pessoas, ele passa a formar a opinião do segmento de pessoas para
o qual seu discurso se dirige.
Sem condições de superar o modelo dominante da televisão e
sobreviver ao meio ambiente desenvolvido por ela, o jornal acentuou suas
diferenças, de forma a impor seu caráter único ao público. Porém, esse processo
não podia romper por completo e entrar em choque com a massa, pois o diálogo
pressupõe diferença, mas também semelhança. Assim, o jornal encontra na
linguagem visual um ponto de diálogo com a televisão, e o fato dela ter reforçado
o discurso “ver para crer” expandiu dentro do jornal o uso das fotografias, gráficos
e ilustrações.
O jornal reconfigurou a linguagem de sua primeira página por meio da
diagramação, e incorporou ao processo sucessivo de leitura da escrita, a
simultaneidade da linguagem gráfico-espacial. O simultâneo foi incorporado ao
jornal como forma de facilitar sua leitura, uma vez que a televisão desenvolveu
um hábito de leitura simultânea nas pessoas, que passaram a apreender
diferentes linguagens concomitantemente, observando o todo em vez das partes.
A televisão, ao mesmo tempo em que provoca interferências no meio
ambiente, também é influenciada por ele. E um bom exemplo do diálogo
estabelecido ente o verbal escrito no jornal e na televisão pode ser encontrado na
vinheta de abertura do programa produzido pela emissora Globo de televisão, A
Diarista. Nela observamos em plano aberto a página da sessão de classificados
do jornal, aos poucos a câmera faz um zoom e coloca em close um dos anúncios,
necessariamente preservar os textos na memória da história, mas apenas
registrar por escrito as informações necessárias para uma boa administração do
governo, da vida e da casa. Embora a durabilidade do papiro do livro e dos
documentos privados seja a mesma, a função deles não é, o que impõe uma
duração diferente para esses dois papiros na memória da história: embora o
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cujo título é “A Diarista”. Um círculo vermelho é traçado ao redor do anúncio,
indicando que ele foi selecionado pelo leitor fictício deste jornal simulado.
Figura 10: Abertura do programa A Diarista exibido pela
emissora Globo de televisão.
10
Nessa vinheta, o verbal escrito do jornal, que é sucessivo por natureza,
é apresentado de forma simultânea, onde o conjunto gráfico formado por seus
elementos se superpõe à linearidade de leitura do código. A escrita, a linguagem
desenvolvida por ela no caderno de classificados e sua dimensão gráfico-espacial
funcionam como ambientação do cenário de abertura do programa, fazendo
referência ao ambiente do jornal. O círculo vermelho traçado em torno do nome
do programa reforça ainda mais a linguagem de classificados, pois este é um
sinal típico do leitor desta mídia para marcar os anúncios selecionados por ele. Na
vinheta de abertura, quando a palavra “A Diarista” salta do jornal para a tela, ela
10
Imagem retirada do site www.globo.com acessado 17/06/2006.
material seja o mesmo, para a cultura esses dois papiros são diferentes – o
suporte utilizado é o mesmo, mas o meio de comunicação não é.
Os quatro diferentes tipos de escrita grega apontados acima (em
pedra, em livros, na chancelaria e em documentos privados) mostram como um
mesmo código pode desenvolver diferentes linguagens, pois o meio ambiente é
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deixa o plano de fundo da vinheta para compor o primeiro plano, onde sua leitura
passa a ser sucessiva para que o telespectador identifique o nome do programa.
Ao observar as interferências que a televisão provocou no jornal e um
exemplo específico de interferência do jornal na televisão, podemos constatar o
caráter dialógico não apenas das regiões de fronteira, mas do meio ambiente
cultural como um todo. O encontro desses dois meios de comunicação não
configura um choque, mas um momento de troca, onde formato, código e
linguagem conversam entre si e trocam informações. Esse processo é
imprescindível para o surgimento do novo dentro da cultura, e para o
desenvolvimento de processos criativos.
A respeito desse encontro entre a cultura livresca e a cultura televisiva,
Pignatari anuncia:
Enganam-se, porém, aqueles que crêem que a televisão se opõe
antagonicamente à cultura da palavra escrita. Num primeiro momento –
que é o que estamos atravessando – o vídeo parece deixar todo mundo
tartamudo, sem fala e sem qualquer capacidade de expressão verbal.
Num segundo momento, o rádio e a televisão, que são formas
comunicacionais de cultura em massa e formas de “alfabetização” não-
verbal em massa, vão resgatar a palavra escrita, mas num outro nível de
consciência das próprias massas. (1984: 102)
Assim, muito mais importante do que taxar as mídias e meios de
comunicação como bons ou maus sob uma ótica maniqueísta que vai contra o
espírito da pesquisa, é preciso escutar o diálogo travado entre eles no mundo dos
signos, para buscar o caminho que leva à compreensão dos fenômenos culturais
no qual a escrita é praticada e onde se desenvolve provoca interferências nela.
Ele exige respostas: como escrever mais rápido, como escrever em pedra,
como escrever os textos da memória da história, como escrever textos
pessoais? E a escrita responde todas essas questões através de suas
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e ao entendimento de como a escrita alfabética se comporta na semiosfera e nos
processos inerentes a este ambiente.
linguagens: ligando letras, aumentando caracteres, modificando a estética do
documento.
Mas ao mesmo tempo em que sofre interferências do meio
ambiente, a escrita também provoca mudanças nele, exigindo que se adeque a
ela. Assim, a principal imposição da escrita é a modelização do pensamento:
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[3] A escrita alfabética nas Coisas: linguagem e suporte.
[3.1] Uma questão de design.
A metodologia de análise adotada neste capítulo é baseada na
proposição do método possível de Lucrécia D’Aléssio Ferrara, onde são
destacados os seguintes pontos:
1) há necessidade de se estabelecer um modo de ler;
2) esse modo se refaz ou se completa a cada leitura, visto que o
próprio objeto lido sugere, na sua dinâmica, como deve ser visto;
3) é necessário ter presente que o que vemos no objeto lido é resultado
de uma operação singular entre o que efetivamente está no objeto e
a memória das nossas informações e experiências emocionais e
culturais, individuais e coletivas; logo, o resultado da leitura é sempre
possível, mas jamais correto ou total;
4) é necessário ousadia nas associações para que se possa flagrar
uma idéia nova, uma comparação imprevista, uma hipótese
explicativa inusitada. (1986a: 31)
Pretendemos, dessa forma, destacar que não buscamos encontrar
erros ou acertos com as análises, procuramos sim compreender como se
desenvolve o processo de semiose do signo escrito alfabético presente nos
objetos e como é por eles modelizado.
como podemos expressar um pensamento que não possa ser escrito se a língua
natural é o código que possuímos para registrar e explicar todos os outros
códigos e linguagens? Como não pensar através de palavras?
Dessa maneira, meio ambiente e código alfabético se permeiam, se
encontram e se conversam, um modelizando o outro, impondo questões, novos
94
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Uma vez que os objetos aqui analisados são produtos desenvolvidos
pelo desenho industrial, uma especialização do design, a primeira questão que
precisa ser colocada para que possamos compreender qual a possível ligação do
design com o corpus analisado é: os objetos do mundo cotidiano são realmente
design? Uma colcha de cama, um jogo de talheres, uma bijuteria e uma calcinha
são design? Para responder a essa questão nos deparamos com uma outra:
afinal de contas, o que é design?
Tal questionamento, além de polêmico, já foi levantado e explanado
por renomados pesquisadores da área como Gui Bonsiepe, Peter Lunenfeld e
Tomás Maldonado, dentre outros. As definições apresentadas para a
conceituação de design são tão diversas quanto suas doutrinas de
projeto/projeção. Uma vez que não há consenso em relação ao termo, optou-se
por seguir aqui um encaminhamento que nos permite, pelo menos, discutir a
relação entre design e função sobretudo porque, com o surgimento da
industrialização e sua linha de montagem em série, teve início um processo de
racionalização da produção de objetos, que visava a padronização para evitar
desperdícios de material, simplificar a linha de montagem, promover uma
otimização do uso das máquinas e aumentar o lucro das indústrias. Para os
funcionalistas mais ortodoxos o objetivo de um projeto de design é atender a uma
função especifica. Assim, a função vem em primeiro plano e a forma, em
segundo, sendo rechaçados os ornamentos derivados apenas de apelos
estéticos, pois só a função justifica os elementos estéticos dos objetos, uma vez
que é dela que nasce a necessidade de criação e desenvolvimento de um objeto.
Essa é a base da estética Stijl, surgida após a revolução industrial e que celebra a
caminhos e exigindo respostas para possíveis problemas. Para compreender as
transformações pelas quais passa a escrita é preciso escutar esse diálogo que
ela estabelece com seu meio ambiente, pois nenhuma mudança surge do vazio,
ela é a reação elaborada a um estímulo recebido, ainda que este seja um
estímulo interno, provocado pelo próprio código.
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máquina e o controle racional do processo criativo (Maldonado, 1993: 56). Diante
do pensamento funcionalista, ao analisar o signo escrito alfabético nesses objetos
é levantada a questão: qual é a função desse signo nesse contexto? Ou ainda, o
signo atende ou ajuda a atender a função do objeto? Para tanto precisamos
explanar quais são as implicações desse ponto de vista na análise do corpus e
qual a relação estabelecida entre design e o texto verbal escrito quando este
passa a integrar um objeto de design.
A questão levantada foi muito discutida pela Bauhaus, que encontrou
na orientação de Walter Gropius a bandeira do formalismo e, sob a direção de
Hannes Meyer, desenvolveu os princípios do funcionalismo que definiram,
historicamente, a Escola. O formalismo de Gropius priorizava a forma, enquanto o
funcionalismo de Meyer defendia a importância de a função ocupar a posição
central nos projetos de design. Em 1922 o próprio Gropius chega a romper com o
pensamento formalista que defendia até então
Gropius rompe definitivamente con todos los residuos de su propio
pasado expresionista, y no solamente en el plano del lenguaje: «Se ha
de rechazar a toda costa la búsqueda de nuevas formas, cuando éstas
no derivan de la cosa en sí misma. Y así, hemos de rechazar la
aplicación de ornamentos puramente decorativos (…)» (Maldonado,
1993: 51)
Esse exemplo ilustra a importância e as divergências de
posicionamento em relação a essa questão, surgida na época da revolução
industrial. A riqueza do debate levantado não está na busca do certo ou do errado
Assim, a escrita demonstra seu potencial não apenas como código
comunicacional, mas como sistema modelizante também. Ela surgiu para
atender a uma necessidade específica de registro de dados e transações
comerciais, mas seu desenvolvimento dentro da cultura permitiu a ela oferecer
muito mais do que isso.
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nem na descoberta de qual dos lados é melhor ou vencedor, mas na percepção
das diferentes possibilidades que o design oferece como doutrina e como campo
conceitual.
Quando a função é colocada como o horizonte mirado pelo design, os
objetos procuram atender a esta função através de seu desenho, suas formas,
melhoramentos ou projeções. Ornamentos e elementos estéticos que não
atendam à função do objeto não fazem parte desse time e devem ser descartados
da prancheta e do projeto. Aqui entra uma questão muito complicada, a da
funcionalidade. Vamos tomar como exemplo um objeto muito presente na vida
cotidiana e que é pouco discutido em relação a esta temática, a roupa íntima
calcinha. Uma calcinha possui a função de proteger o órgão sexual feminino,
tanto de agentes externos quanto da exposição pública, mas para cumpri-la não
precisa de estampas e mistura de tecidos nobres, muito menos de palavras
escritas no derrié. Alguns ornamentos como laços e babados chegam inclusive a
comprometer a funcionalidade da calcinha e, em alguns casos, a substituir seu
valor de uso, que compreende além das funções os valores semânticos e
psicológicos do objeto. Decorar o corpo com pequenos objetos esculpidos em
metais nobres é uma função? E a beleza, é uma função? O design funcionalista
esbarra no verbal escrito, e desconfia que as palavras, quando gravadas nos
objetos, não ajudam no desenvolvimento da função deles. Diante do pensamento
funcionalista, o verbal escrito se encontra desarmado, não desempenha um papel
relevante em relação à função do objeto e, por isso mesmo, deveria ser mantido à
distância dos objetos funcionais do design.
A
escrita modeliza o pensamento, possibilita que diferentes estratos
sociais desenvolvam linguagens específicas, e configura traçados diferentes de
suas letras de acordo com o suporte utilizado pois, assim como a cultura, a
escrita também se atualiza e reinventa constantemente, imersa na semiosfera.
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Entretanto não é isso o que se verifica na prática. Na ânsia de
apresentar os mesmos produtos com novas roupagens para estimular o consumo,
o capitalismo promoveu o styling, o desenvolvimento da forma como um meio de
incrementar o valor da mercadoria (Bonsiepe, 1978). Mas esse poder da forma de
agregar valor ao produto só ocorre de fato porque o objeto possui, além de um
valor de uso, um valor simbólico. Os objetos de design são signos e, assim como
se comunicam com seus usuários e donos, eles também comunicam suas
escolhas e preferências.
Por exemplo, a função primeira de um copo é reter e abrigar líquidos
para que possam ser bebidos pelos seres humanos. Mas, ao imprimir em seus
copos marcas de dosagem com frases divertidas, a rede de lojas Imaginarium,
que vende produtos para casa com toques diferentes, inusitados e criativos,
sugerindo experiências para serem compartilhadas ou celebradas, agrega outras
funções a este mesmo copo através do signo escrito desenhado sobre ele: o
objeto, ao desempenhar sua função primeira, passa também a cumprir a função
de signo, ele comunica o gosto e a personalidade de seu dono, além de entreter
quem for usá-lo, podendo escolher ler ou não as frases. O texto passa a fazer
parte do copo e, portanto, integra seu significado.
Nos séculos VIII e IX surgiu uma nova escrita, chamada de
minúscula. Ela se parece muito com a escrita grega utilizada hoje, mas ainda
não se sabe ao certo por que ela surgiu nem se ela possui alguma ligação com
a utilização do pergaminho a partir do século IV. Essa escrita foi fixada em
tipos gráficos, reproduzindo as letras dos manuscritos. Mas os sinais
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99
Figura 11: Copos da loja
Imaginarium
11
[3.2] Uma questão de linguagem.
Segundo Gui Bonsiepe (1978), todo design é design de interface, pois
delineia a estrutura por meio da qual o usuário interage com o produto. Nesse
sentido o objeto é não apenas função, mas signo também, uma vez que ele se
comunica com a pessoa que o manipula. Peter Lunenfeld vai além e coloca que
“Even more important than improving our interfaces with machines is design
research’s potential contribution to improving our relationships with each other, our
communities, our cultures and our democracies” (2003: 14). A observação de
Lunenfeld não contradiz a definição de Bonsiepe, pelo contrário, ele a reafirma e
11
Imagem retirada do site www.imaginarium.com.br
acessórios, como os acentos, só passaram a ser regularmente incorporados na
época bizantina.
Do alfabeto grego muitos outros derivaram desde a antiguidade, como
a escrita copta, a dos cários, lícios e lídios. E a ligação de alguns outros
alfabetos, como o cirílico, permanece ainda sem comprovação alguma, embora
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100
ressalta a importância da interface como um produto sócio-cultural portador de
significado e em constante interação com o meio ambiente e com as pessoas.
Assim, a presença do signo escrito alfabético no copo ressalta a função
de signo que este objeto possui e reforça seu potencial comunicativo. A relação
estabelecida entre escrita e objeto é dialógica: ao integrar-se à forma, o texto a
altera e sofre alterações. O verbal escrito no sentido vertical acentua a altura do
copo e faz referência a seu aspecto utilitário de dosar e medir a quantidade de um
líquido, o texto horizontal demarca suas diferentes dosagens, reforçando ainda
mais este aspecto utilitário. O copo, por sua vez, destaca as formas do signo
escrito alfabético, incorporando-o como um elemento gráfico-visual decorativo,
que tem seu caráter não-discreto realçado pela transparência do vidro ao deixar
ver de um lado o que, na realidade, está escrito do outro. Frente e verso se
encontram num texto contínuo: o copo.
Embora esteja ali, presente, o verbal escrito não limita a interação entre
usuário e produto ao conhecimento do código alfabético, como ocorre em livros e
jornais, ele enriquece essa interação e reforça a comunicação estabelecida entre
eles. Segundo Ferrara,
(...) os textos não-verbais não se impõem à observação, mas estão
incorporados à realidade e, por assim dizer, incógnitos. Não se
concentram no espaço branco da página, espaço característico do verbal
escrito, nem no timbre ou ritmo de uma voz, espaço próprio do verbal
falado, nem na dimensão ou textura de uma tela, como no signo visual
pictórico, nem na melodia ou harmonia que acompanham o signo
sonoro; mas são textos que se organizam no espaço tridimensional
alguns estudiosos acreditem que esse tipo de escrita possa ter alguma ligação
com o alfabeto grego.
O alfabeto russo é derivado do cirílico e, embora ainda não tenham
sido descobertas as raízes históricas desse alfabeto, seu papel na história da
escrita é fundamental pois, quando as Igrejas gregas ortodoxa e romana se
100
101
fechado, privado, como o de uma habitação, ou aberto, público, como o
de uma cidade. (Ferrara, 1986a: 18-19)
A presença das palavras em objetos do mundo privado que passam
despercebidos poderia, também, passar despercebida, mas sua presença termina
por causar estranhamento, fazendo com que o objeto se imponha à observação.
Assim, o verbal, ao deslocar-se de seu ambiente original para compor os objetos
do mundo privado, chama a atenção para esses objetos que, normalmente,
permaneceriam incógnitos. E ao valorar o copo enquanto signo, a escrita
alfabética desprende o design dos objetos da rigidez funcionalista.
A forma com que Pignatari aborda o conceito de design coloca no
cerne da questão não o encontro da função com a forma, mas mostra como o
design é o local de encontra do verbal escrito com o gráfico-visual e, por isso, um
ambiente de comunhão de linguagens.
(...) o nosso século é o século do planejamento, do design e dos
designers: o desenho industrial e a arquitetura passam a ser estudados e
projetados como mensagens e como linguagens; escritores, poetas,
jornalistas, publicitários, músicos, fotógrafos, cineastas, produtores de
rádio e televisão, desenhistas, pintores e escultores começam a ganhar
consciência de designers, forjadores das novas linguagens. (1968: 15-
16)
O design denuncia a linguagem não-discreta das letras que os livros
esconderam, fazendo com que as palavras passem a significar muito mais do que
a definição redigida no dicionário para elas. A túnica abaixo, desenhada pelo
separaram, o mundo eslavo foi dividido entre o domínio alfabético cirílico e o
latino.
É
importante ressaltar aqui que mesmo com a evolução da escrita
em seus aspectos técnicos, o caráter místico de seu surgimento fortemente
presente nas inscrições rupestres não foi esquecido. A escrita rúnica, por
101
102
estilista Ronaldo Fraga, traz escrito em seu bordado textos de autoria de
Guimarães Rosa. Ao retirar as palavras do livro e integrá-las a um objeto de
design o estilista apresenta o lado designer do escritor e desenvolve uma
possibilidade de interpretação gráfico-espacial de seu texto. O bordado das letras
retrata o caráter artesanal do sonho e do estilo desenvolvido pelo autor, e a cor
vermelha representa a paixão que está por trás do sonho ali bordado. A escrita se
redescobre em sua própria linguagem ao compartilhar seus elementos com a
linguagem do design e dele tomar emprestadas suas possibilidades estéticas e
plásticas.
Figura 12: Túnica do estilista
Ronaldo Fraga com textos de
Guimarães Rosa.
12
12
Imagem retirada do site moda.terra.com.br acessado 15/11/2006
exemplo, utilizada pelos povos germânicos atribuía a cada um de seus
caracteres e à sua combinação um papel mágico. A escrita ogâmica, utilizada
nas inscrições célticas da Irlanda, apresenta proximidade gráfica e mágica com a
escrita rúnica. Infelizmente, após a conversão dos saxões ao cristianismo a
escrita rúnica desapareceu.
102
103
[3.3] Dos objetos nascem Coisas.
O universo dos objetos do mundo cotidiano é extenso e plural,
compondo um corpus bastante diversificado. Embora esses diferentes itens
estejam agrupados em uma mesma categoria, cada um deles apresenta um
suporte diferente para o signo escrito alfabético: uma camiseta e um anel
apresentam grandes disparidades entre seus suportes, pois são compostos por
materiais diferentes, conseqüentemente desenvolvem semioses diferentes. Ao
agrupá-los em uma mesma categoria procuramos encontrar, por meio de análises
específicas, os pontos de semelhança e compreender como o signo alfabético é
modelizado pela categoria em geral.
Nas análises aqui realizadas os objetos não são apresentados apenas
como produtos de consumo ou ferramentas, eles são considerados segundo seu
valor de signo e, portanto, analisados de acordo com a comunicação que
estabelecem com seu usuário.
Mikhail Epshtein (1993) propõe uma diferenciação entre “objetos” e
“Coisas” quanto à relação que cada um desses conceitos estabelece com seus
contextos, onde
“Object” requires an inanimate noun as the direct object of a sentence
while “Thing” requires an animate one. We say “an object of what” – of
manufacturing, consumption, export, investigation, discussion, or
scrutiny, but “whose thing?” (1993: 156)
O alfabeto latino é derivado do alfabeto grego ocidental. Quando
surgiu, ele era apenas um dentre os enúmeros alfabetos que os etruscos e os
povos da península itálica faziam uso. Mal sabiam eles que esse alfabeto iria dar
origem a várias línguas da atualidade.
103
104
O conceito de Coisas aqui utilizado foi elaborado por Epshtein no livro
Tekstura, onde o teórico utiliza a comparação entre Coisa e objeto para definir o
termo. Para ele, enquanto os objetos representam uma categoria ou um tipo de
produto, as Coisas são marcadas pela individualidade de sua existência e por seu
valor pessoal. As Coisas significam algo para alguém e por isso são signos,
portadores de significado e realizadores de semiose, as Coisas representam um
objeto específico do qual uma pessoa é portadora, e não uma categoria de
produtos; já os objetos representam um modelo ou um tipo de produto. Portanto,
quando nos referimos ao copo da Ana, estamos falando de um objeto específico,
não estamos nos referindo a um copo qualquer ou a um modelo específico de
copo, estamos nos referindo àquele único copo que pertence a Ana; estamos,
então, nos referindo a uma Coisa. As Coisas não são objetos, mas um objeto
pode se transformar em Coisa, ao passar pelo mesmo processo de auto-
reconhecimento, auto-realização e auto-desenvolvimento pelo qual um indivíduo
passa para se tornar uma pessoa. As Coisas são marcadas por uma
individualidade subjacente aos hábitos e ideais de seus donos, sua proximidade a
eles é essencial, pois elas são signos.
Epshtein sinaliza que “every Thing, no matter how insignificant, can
posses a private or lyrical value” (1993: 153) e propõe o desenvolvimento de um
lyrical museum, onde são expostas a importância e o significado das Coisas para
a vida humana, “their rich figurative and conceptual meaning witch is not at all
reducible to the utilitarian function”. O lyrical museum propõe em relação ao
corpus desta pesquisa um ponto de vista oposto ao do pensamento funcionalista.
Aceitamos a aposta e o desafio, analisando neste capítulo a presença do signo
As inscrições da pedra negra do antigo fórum romano é o registro
mais antigo da escrita latina de que se tem notícia hoje e data do final do século
VIII e início do século VI a.C.. Mas somente no século I a.C. o alfabeto latino se
apresenta completamente constituído, com suas 23 letras.
104
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alfabética nas Coisas, e não nos objetos, em busca da compreensão do
significado desses textos e dessa semiose para os indivíduos aos quais as Coisas
em questão pertencem e o funcionamento delas enquanto signos.
[3.4] Diferentes suportes, diferentes possibilidades.
Ao aparecer nas Coisas o signo escrito alfabético ganha textura, cor,
forma e contorno, fugindo da folha de papel horizontal e até mesmo da
verticalidade plana da tela do computador. As coisas dão ao signo a possibilidade
de ser madeira, de ser metal, de ser vidro, de ser opaco, de ser translúcido,
fazendo com que ele se materialize em diversos substratos materiais e em cada
um deles encontre novas manifestações sensíveis. Elas não oferecem ao signo
um único substrato material, como o fazem o jornal, a televisão e a internet. O
vidro do copo oferece ao signo as possibilidades apresentadas por suas técnicas
de impressão e fixação da tinta na matéria, o tecido oferece suas diferentes
texturas e composições, os metais possibilitam técnicas de impressão em baixo e
alto relevo. Cada substrato material oferece ao signo diferentes possibilidades,
alguns possibilitam a impressão das sinuosidades das letras, outros possibilitam a
impressão de caracteres coloridos, em baixo ou em alto relevo, e por aí segue
uma lista infinita de diferentes possibilidades estéticas que a escrita alfabética
encontra nas Coisas.
Durante seu processo de formação, o latim passou por várias
transformações. As consoantes gregas “j”, “y” e “q”, das quais não fazia uso, ele
empregou como sinais de numeração. A letra “g” só surgiu no século III, antes
dela aparecer a letra “c” era usada com o valor fonético de “g” e “k”.
105
106
Todas essas características que a matéria apresenta ao signo não são
exclusivas das Coisas, elas também estão presentes nos objetos, ainda que a
escrita não faça uso delas. Assim, à Coisa não interessa apenas a manifestação
estética da escrita alfabética em seu substrato material. A ela interessa o que está
escrito, que relação é estabelecida entre o proprietário e a Coisa por meio do
texto nela gravado, que processo de semiose é desenvolvido através da presença
do signo escrito alfabético. A todas estas questões se sobrepõe uma principal:
como a Coisa enquanto signo modeliza a escrita alfabética.
O traje usado para cobrir o corpo, o meio de transporte adotado não são
de ordem estritamente funcional, ao contrário, dizem, sem palavras,
nossas preferências, explicitam nossos gostos. Escolher cores, modelos,
tecidos, marcas significa expectativas socioeconômicas, mas sobretudo
revela o que queremos que pensem de nós; aquelas escolhas
representam, são signos da auto-imagem que queremos comunicar.
Estes signos falam sem palavras, são linguagens não-verbais altamente
eficientes no mundo da comunicação humana. (Ferrara, 1986a: 6-7)
Ao aparecer nas Coisas, o signo escrito alfabético não possui um
substrato material específico de que faz uso, pois cada Coisa apresenta um
suporte diferente para a escrita: o copo oferece o vidro, as roupas oferecem o
tecido, as jóias oferecem os metais preciosos, os quadros oferecem a tela, e a
essa lista segue uma infinidade de locais possíveis para as letras e palavras
povoarem. Cada material tece com o signo escrito alfabético uma relação
diferente, pois o procedimento técnico para impressão do signo em cada um
desses suportes é único e diferente dos demais. Mas existe algo que todos esses
Houve várias outras tentativas de introduzir modificações no alfabeto
latim, mas parte delas fracassou, como a sugestão de Valério Franco que queria
notar o “m” no final das palavras com apenas metade da letra.
O alfabeto latino foi o único a sobreviver dentre tantos outros
alfabetos que fizeram parte da história etrusca porque se tornou o alfabeto do
106
107
suportes, por mais diversos e diferentes que sejam, possuem em comum: eles
são Coisas. E por serem Coisas há, apesar das especificidades, alguns pontos
em comum no processo de modelização da escrita alfabética. São eles:
1) Seus suportes tiram a escrita da planicidade da tela e do papel.
2) Salvo poucas exceções como as roupas de cama, tapetes e balanças, as
Coisas retiram a escrita da posição horizontal em que se encontra nas
páginas dos livros e a colocam de pé, em sua posição original.
3) Todas as Coisas em questão fazem parte do mundo cotidiano privado, em
contraposição ao ambiente público das massas em que estão inseridos o
jornal, a televisão e a internet.
4) As Coisas representam escolhas, gostos pessoais e específicos.
Mas o que acontece quando esses signos são manifestados
explicitamente por meio de palavras? O conteúdo simbólico da Coisa, que antes
era expresso de forma implícita, ganha voz nas palavras que são nela escritas. O
verbal passa, então, a compor o não-verbal e nele se distribui sem, no entanto, ter
qualquer força hegemônica ou centralizante sobre ele. Retomemos o exemplo do
copo da loja Imaginarium, o texto “dose de risco” não determina o copo, ele não
centraliza as demais linguagens em torno de si, mas a elas se junta e se associa,
emprestando seu caráter discreto enquanto delas pega emprestada a textura, a
visualidade, a forma e a translucidez.
As letras e palavras não aparecem nas Coisas da mesma maneira com
que se apresentam em um livro ou no jornal. Ao ganhar forma no contorno e
volume das Coisas o signo se afasta de seu caráter discreto e opera visual e
graficamente a palavra, explorando-a enquanto imagem, rica em possibilidades
povo vencedor, que o impôs à península itálica e, depois, a todo o ocidente
antigo.
Aqui chega ao fim a história da constituição de nosso alfabeto, e tem
início a história de sua evolução gráfica, responsável pela forma atual que a
escrita alfabética possui.
107
108
icônicas. O texto escrito continua sendo composto por uma combinação sucessiva
de caracteres gráficos, discretos, que constroem um significado específico, mas a
imagem criada por estes elementos se superpõe a essa modelização primária do
código, dando origem a um texto não-discreto, mais próximo da metáfora artística
do que do verbal escrito no sentido literal da expressão.
[3.5] A estória da história.
As letras, que antes ficavam guardadas em livros, revistas e cartas,
parecem ter sido sopradas como se fossem os pára-quedas de um dente-de-leão,
voam sem futuro certo, pousando e povoando lugares distantes e inimagináveis.
Como expôs Walter Benjamin (1992), as letras sacodem a poeira, enxotam a
preguiça e se levantam, prontas para andar com o mundo.
É esta a rigorosa escola da sua nova forma. Se há séculos começou a
deitar-se e da inscrição vertical passou a escrita manual, repousando
oblíqua nas escrivaninhas, para finalmente a levantar-se do chão. Já o
jornal é lido mais numa posição oblíqua que na horizontal, mas os filmes
e os reclamos forçam a escrita a uma verticalidade ditatorial. (1992: 57)
Verticalidade esta que faz parte de seu surgimento, pois há muito
tempo que a escrita sabe caminhar com as próprias pernas, o homem em sua
teimosia foi que tentou acalmar as palavras na horizontalidade e prendê-las em
A
classificação dos tipos de escrita romana da época clássica ressalta
a importância do substrato material para o estudo da escrita, uma vez que o
instrumento utilizado para se escrever é reflexo da matéria que serve de suporte:
“O instrumento utilizado importa mais para o estudo de uma escrita do que o
registro material subjetivo” (Higounet, 2003: 106).
108
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páginas de papel, para que elas não saíssem por aí a povoar o mundo. Logo em
seus primeiros esboços a escrita se pôs de pé, na parede das cavernas onde a
arte rupestre deixou seus vestígios, na Pedra de Roseta que empresta seu granito
negro aos hieróglifos, também encontrados nas paredes dos templos e túmulos
egípcios.
A relação que o leitor estabelece com as palavras presentes nas
Coisas é diferente da estabelecida quando elas aparecem no jornal ou na
televisão. O leitor não pode mais guardá-las junto com o jornal, calá-las quando
desliga a televisão nem fazê-las sumir quando desconecta o computador da
internet. As palavras expressas nas Coisas são de propriedade do dono, da
mesma forma que a Coisa também pertence a ele. Assim elas se tornam suas
palavras e dão voz aos pensamentos, desejos e posicionamentos de seu dono.
O copo selecionado para análise, enquanto Coisa, apresenta as
preferências e gostos de seu dono. Ao escolher uma peça com palavras escritas,
embora convencionalmente este signo não pertença a esses objetos, a pessoa
sinaliza não apenas que é alfabetizada ou gostaria de ser, mas que gosta do
inesperado e irreverente que sua Coisa carrega em si.
Essa é uma percepção atual, pois hoje em dia encontrar textos e
palavras gravados em objetos se apresenta como uma novidade. Se voltarmos na
linha do tempo, encontraremos exemplos que mostram que nem sempre foi assim
na história da humanidade. O vaso abaixo possui em seu corpo inscrições em
etrusco, de uma época em que a escrita feita em tábuas de argila muitas vezes
saía para passear em vasos, jarros, lápides e monumentos. Como se pode
perceber, a cultura nunca enterra ou deixa o passado para trás, ele é
Assim, a escrita romana desse período é classificada em “inscrições”
e papiros. As inscrições abrangem uma quantidade grande e diversificada de
materiais, tais como pedra, argila, parede e metal. De acordo com o material,
elas eram feitas com cinzel ou estilete. As inscrições feitas com cinzel
apresentam uma escrita monumental, enquanto as feitas com estilete se
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110
constantemente atualizado pelo presente seja em releituras, referências ou na
própria história pois, como todo sistema da cultura, ela “jamais poderá ser
entendida como um sistema isolado e rigorosamente acabado” (Machado, 2003:
50)
Figura 13: Vaso com inscrições em Etrusco retirado do livro
Writing. The Story of Alphabets and Scripts.
aproximam do registro em papiro, feito com tinta. Os romanos possuíam, então,
duas escritas não-especializadas: a escrita comum clássica e escrita
maiúscula. A escrita comum clássica era ágil e cursiva, com letras pequenas, e
apresentava diferenças gráficas entre um documento e outro, ela era
principalmente utilizada em livros e atas. Já a escrita maiúscula geralmente
110
111
[3.6] Quando as palavras se levantam.
As palavras em sua essência possuem uma forma mais espiritual do
que as Coisas, pois se apresentam como uma operação mental para a construção
de significados e não como algo material e palpável. As Coisas emprestam seus
corpos físicos para o registro dessa operação mental, na tentativa de capturar o
espírito das palavras para si. Em troca, as letras conferem às Coisas novos
significados, re-qualificando o valor de uso e a signicidade do objeto, dando voz à
particularidade não dos objetos ou de uma categoria de produtos, mas àquela
Coisa especifica que traz gravado em seu corpo o signo escrito alfabético.
A grife de lingeries Thaís Gusmão ficou famosa por desenvolver peças
inusitadas, como calcinhas que brilham no escuro, com corte estilo cueca boxer e
calcinhas com textos divertidos. No exemplo abaixo, a calcinha Filet Mignon
reforça, através do texto, seus elementos estéticos, fazendo com que o próprio
signo escrito alfabético se integre à linguagem gráfico-visual da peça, tornando-se
um elemento estético da calcinha ao mesmo tempo em que reforça o caráter
simbólico que a peça possui. Sua impressão em alto-relevo reforça o significado
do texto “Filet Mignon”, lembrando a textura e espessura do corte da carne e
sinalizando uma analogia com o corpo feminino percebido com a mesma
qualidade. A cor rosa confere feminilidade à expressão masculinizada e grosseira
comumente empregada para se referir a um corte específico da carne bovina. Ao
serem retiradas do contexto dos frigoríficos e restaurantes e aparecer em um
suporte delicado, o tecido, e em uma peça que faz parte do universo íntimo
feminino, essas palavras passam a integrar um outro meio ambiente, tecendo
apresentava caracteres maiores, pesados, e era utilizada em reproduções de
atas e editais.
Essas duas escritas derivam de uma escrita original: a escrita
comum clássica, que teve suas formas transformadas pela prática corrente,
enquanto a maiúscula teve suas letras ampliadas para desempenhar o papel
111
112
relação com novos elementos e passando por um processo de modelização que
altera sua semiose e, conseqüentemente, seu significado. A distribuição das
palavras na calcinha sinaliza que a marca pontilhada indicadora do corte identifica
a parte central dessa região do corpo como a carne considerada o filé mignon da
mulher.
Figura 14: Calcinha da marca Thaís Gusmão
A presença da escrita em uma peça tão íntima como a calcinha indica
que sua leitura não deve ser realizada por um público, como no caso da televisão,
do jornal e da internet, ela faz parte de um mundo privado onde é estabelecida
uma comunicação mais pessoal e personalizada que, se colocada nos termos da
dicotomia qualidade x quantidade, prioriza a qualidade do processo comunicativo
pessoal à quantidade do público atingido pela comunicação de massa. Essa
de uma caligrafia monumental.Como se pode observar, na escrita maiúscula o “i”
é a única letra que ultrapassa as outras, a diferença de densidade entre seus
traços é forte, indicando que a ponta do cálamo fazia um ângulo agudo com a
linha da escrita.
112
113
constatação também pode ser estendida a todas as outras Coisas onde o signo
escrito alfabético aparece, justificando a profecia de Benjamin.
Mas está inteiramente fora de dúvida que a evolução da escrita não se
submete em toda a linha aos ditames de uma actuação caótica na
ciência e na economia, antes se aproximando o momento em que a
quantidade dá lugar à qualidade, e a escrita, que avança sempre mais
profundamente no campo gráfico, na sua nova imagem excêntrica,
subitamente ficará de posse do seu objecto adequado. (1992: 58)
A «qualidade» a que Benjamin se refere difere de como o termo foi
acima utilizado. No contexto da citação, o termo «qualidade» é usado para se
referir à utilização do signo escrito alfabético na construção de textos não-
discretos, onde não apenas as regras que regem o código são exploradas, mas
observa-se uma nova estruturalidade, onde se unem a linguagem gráfico-visual
das letras, a textura da matéria-prima da peça em que aparecem inscritos e a
forma que adquirem nos contornos do suporte.
A estrutura do código é fixada e regida por leis, enquanto a
estruturalidade é mutante e fluida como a linguagem. Cada sistema modelizante
do signo escrito alfabético constrói sobre o código dado uma estruturalidade
diferente, portanto, compreender como as Coisas modelizam o signo escrito
alfabético é entender de que forma elas constroem uma nova estruturalidade para
o signo e de que forma essa estruturalidade opera. Machado destaca bem a
importância de estudar os sistemas modelizantes ao citar o posicionamento de
Já na escrita comum clássica o corpo da letra é ultrapassado por
numerosas fugas e seu contraste de espessura chega a ser imperceptível,
indicando que foi traçada por um instrumento muito duro.
Entretanto, em todas as duas escritas o ângulo de escrita é o
mesmo e as letras são feitas em um ou mais tempo , onde cada tempo
113
114
Jakobson: “Como diria Jakobson, não é a estrutura pronta o alvo do interesse,
mas a estruturalidade do sistema onde a(s) estrutura(s) opera(m)” (2003: 50).
[3.7] Leitura do signo alfabético nas Coisas.
A escrita, ao ser posta de pé, sai de uma posição de repouso e passiva
para ocupar uma posição ativa. Quando guardada em páginas horizontais as
palavras são apenas mediadoras entre um interlocutor e seu público e, ao
reconhecerem sua verticalidade, elas passam a exprimir seus próprios
pensamentos e não de outrem, pois agora falam para um público que é seu. Ao
ler um texto escrito em uma camiseta ou em um copo, o destinatário está
interagindo com o signo escrito e tem as palavras como suas interlocutoras.
Ao ganhar pernas para caminhar pela cultura e pelo mundo do
design, as palavras passeiam pelos mais diferentes produtos culturais. Segue
abaixo uma pequena mostra de onde elas foram parar.
comporta um ou mais traços. São estes elementos que garantem uma unidade a
esses dois tipos diferentes de escrita. Nos séculos II e III essas escritas
passaram por transformações que deram origem a outros dois tipos e
testemunharam o surgimento do codex, que se apresentou como uma alternativa
aos rolos de pergaminho.
114
115
Figura 15: Fronha para travesseiro da Figura 16: Cortina para chuveiro
marca Imaginarium
13
. da mesma marca.
Figura 18: Balança da marca Imaginarium. Figura 17: Anel da marca Tok & Stok
13
Imagens retiradas do site www.google.com.br acessado 12/07/2005
O codex fragmentou o texto em páginas diferentes, em vez de
organizá-lo em um plano contínuo como fazia o pergaminho. Podemos,
portanto, dizer que ele é o precursor do livro no formato em que o conhecemos
o hoje. Alguns estudiosos acreditam que as transformações pelas quais a
escrita romana passou nesse período se devem ao surgimento do codex e à
115
116
As palavras escritas em objetos de design representam figurativamente
a presença da cultura letrada na cultura da imagem e, assim, o design opera a
metalinguagem entre essas duas culturas. Nele é estabelecida não apenas a
relação entre signos discretos (as palavras) e signos não-discretos (as cores,
texturas e formas), mas pode ser percebido também como o signo escrito
alfabético opera dentro dessas duas perspectivas.
Ao lançar um primeiro olhar sobre as Coisas e realizar uma leitura
rápida do tipo scanning, onde se procura visualizar rapidamente o objeto em seu
todo, são percebidas suas formas e cores. O signo escrito é percebido como um
elemento estético da peça e se apresenta como grafismo, imagem diagramada
em uma linguagem gráfico-espacial não-discreta, integrada aos demais elementos
estéticos como textura, forma, dimensão e cor. Mas para ler a palavra em seu
todo e apreender o significado de que é portadora, é preciso apreender seus
caracteres de forma sucessiva, letra por letra, e combiná-los de forma a construir
seu significado. Nessa segunda leitura é revelado o caráter discreto do signo
alfabético, mas ainda assim seu texto encontra-se profundamente integrado à
Coisa, pela proximidade de significado que compartilha com ela, pois a Coisa e a
palavra nela escrita formam um único texto.
Se as Coisas transmitem particularidades e gostos de seus donos, as
palavras nelas impressas reforçam sua signicidade e explicitam a mensagem de
que a Coisa é portadora. Tomemos a fronha acima como exemplo, o texto “Não
me acorde! Tô fazendo a dieta do sono!” informa que: o dono da fronha possui
senso de humor ou valoriza essa atitude na escolha dos objetos que compra; para
ele o ato de dormir é muito importante; ele possui uma certa preocupação com
posição em que o suporte era colocado durante o ato da escrita. Outros
pesquisadores, embora reconheçam as implicações do codex para o processo
de notação, apresentando mudanças no ângulo de escrita e no posicionamento
do suporte, não vêem nenhum fundamento preciso nessa relação.
116
117
seu físico, ainda que talvez não se esforce para manter a forma; e ele reconhece
a Coisa de que é dono como um signo, não apenas como produto.
Ao escolher um objeto pessoal com um texto escrito em seu corpo, o
destinatário toma a fala da Coisa emprestada e interpreta aquele texto como
sendo seu. Porque, quando está na loja, o objeto comunica o texto escrito em si
para seu comprador, mas quando está em casa o objeto comunica que o texto
escrito em si foi escolhido por seu dono, logo o proprietário comunica sua escolha
e esse texto escrito no objeto – que passa a ser de sua propriedade – para as
pessoas que compartilham de seu universo particular. Desse modo, toda
atividade comunicativa estabelecida por esses objetos está centrada no
destinatário, pois requer sua interação.
As palavras convidam o destinatário a interagir com a peça, pegá-la
mais de perto para ler, entender qual a ligação do texto com a Coisa, procurar se
há algo mais “escondido” ali, como no caso da fronha que trás texto em seus dois
lados.
As palavras presentes em outros meios que a apresentam de forma
passiva e deitada, como os livros e jornais, colocam no centro de toda a atividade
o autor, pois o texto contém tudo o que o destinatário precisa perceber. Já as
palavras escritas nas Coisas convidam o destinatário a interagir com a peça,
colocando-o numa posição ativa dentro do processo comunicativo, da mesma
forma com que a internet com sua interatividade e processo de comunicação
instantâneo também o faz. Lótman (2000), ao expor a diferença do processo
comunicativo estabelecido por uma estátua e o de um boneco, pontua muito bem
esta diferença de comportamento do destinatário.
A
ssim, ainda não se sabe ao certo quais fatores específicos
desencadearam as transformações pelas quais a escrita latina passou nos
séculos II e III. Mas uma coisa é certa, o codex provocou mudanças não apenas
na forma de ler, mas na forma de escrever também, alterando o modo com que o
homem organiza e arquivas as informações.
117
118
En el primer caso, toda la actividad está concentrada en el autor, el texto
encierra todo lo esencial que el auditorio necesita percibir, y a este último
se le asigna el papel de destinatario que percibe. En el segundo, toda la
actividad está concentrada en el destinatario, el papel del transmisor
tiende a reducirse a un papel auxiliar y el texto es sólo un motivo que
provoca el juego generador del sentido. Al primer caso pertenece la
estatua; al segundo, el muñeco. La estatua hay que mirarla; el muñeco
es preciso tocarlo, darle vueltas. La estatua encierra el alto mundo
artístico que el espectador no puede producir de manera independiente.
El muñeco demanda no la contemplación de un pensamiento ajeno, sino
juego. (Lótman, 2000: 98 – 99)
Ao tirar a escrita da posição horizontal e incorporar o signo alfabético,
as Coisas explicitam seu caráter de signo e a mensagem de que são portadoras.
O design do objeto passa a ser claramente percebido como relação e interface,
não apenas como função. Ao ganhar pernas, a escrita se permite caminhar por
diferentes objetos e produtos culturais, passeia pelos meios de comunicação
exercitando sua capacidade de modelização, desenvolvendo seu caráter discreto
ou descobrindo seu potencial não-discreto. Como bem anunciou Pignatari:
No universo dos signos, o período das regiões estanques parece estar
chegando ao fim. A região verbal, permeando outros códigos, deixou-se
também permear por eles; dir-se-ia que a palavra – a escrita, mais do
que a falada – já não é a mesma, depois do surgimento, da multiplicação
e do desenvolvimento dos meios de reprodução e de comunicação de
massa propiciados pela Revolução Industrial. (1995: 250)
A
posição do suporte durante a realização do ato de escrever mudou,
passando a ficar um pouco mais inclinando, conseqüentemente também mudou
a posição do instrumento utilizado para se escrever. Essas transformações
tiveram implicações na grafia das letras dessa nova escrita latina.
118
119
[4] A escrita alfabética na internet: linguagem e suporte.
[4.1] Suporte digital virtual.
A internet surgiu no final da década de 60, desenvolvida pelo
Departamento de Defesa dos Estados Unidos para manter permanentemente a
comunicação entre uma rede de computadores a longa distância, montada
estrategicamente para a eventualidade de a Guerra Fria com a União Soviética
virar uma guerra de verdade, com tiros, armas, bombas, etc. A princípio o serviço
de internet foi disponibilizado apenas para uso das instituições de pesquisa e,
depois, a rede foi ampliada e disponibilizada para a sociedade. Hoje a internet é a
maior rede mundial de conexão de informações.
No início a maior parte do volume dessas informações era veiculada
em formato HTML (Hyper Text Markup Language), ou seja, eram textos escritos,
transcritos de outros meios de comunicação e disponibilizados na rede. Com os
avanços tecnológicos, tornou-se possível a utilização de outros recursos, como
imagens em movimento, som e animações, conseqüentemente, a rede passou a
abrigar e permitir o surgimento de novas linguagens em seu ambiente.
A maior descoberta no campo da internet foi, sem dúvida alguma, o
desenvolvimento de outros meios de comunicação dentro da rede. Pois, se a
televisão é um meio de comunicação com diferentes mídias, a internet é um canal
que cumpre a função de diversos meios de comunicação. Ela funciona como
A
s duas novas escritas romanas derivam do tipo utilizado em um
rolo de papiro com registro de um epítome das histórias do escritor Tito Lívio. A
nova escrita comum saiu diretamente desse documento, ela era inicialmente
vertical (com o tempo passou a ser inclinada para a direita), ligeira e cursiva;
119
120
correio (e-mails), telefone (Skype), loja virtual (americanas.com.br), portal de
informações (uol.com.br), site de relacionamento (orkut.com), diário (blogs),
álbum de fotos (fotologs), banco (bb.com.br), rádio (jovempanfm.com.br), etc.
Hoje em dia, praticamente todos os meios de comunicação e formas de negócio
possuem uma versão on-line.
Assim, a internet se expande em várias mídias. Ela funciona como uma
folha de papel em branco, que pode ser transformada em livro, jornal, diário,
bilhete, cheque bancário, carta ou documento judicial, e se configura como o meio
de comunicação mais representativo do suporte digital virtual – caracterizado pela
linguagem binária e em rede – do qual muitas mídias se apropriam. A emissora
Rede Globo de Televisão, por exemplo, possui um site no qual disponibiliza os
diferentes programas da sua grade de programação (Jornal Nacional, Fantástico,
Caldeirão do Hulk...) e outras mídias encontradas apenas no site (Paparazzo,
Ego, Globolog...), comprovando que a internet se apresenta como um novo meio
de comunicação para as mídias televisivas.
Entretanto, é importante destacar que tal função não confere à rede um
caráter passivo no processo comunicativo e de produção de linguagem. Como
todo meio de comunicação, a internet possui características particulares de
linguagem – derivadas de sua configuração e da configuração de seu suporte
digital – que compartilha com os meios de comunicação que dela se apropriam.
No início, a única possibilidade de linguagem oferecida por ela era a HTML, que
limitava a formatação das linguagens das mídias nela presentes ao uso de textos
e algumas poucas fotografias e gráficos. Porém, o crescente desenvolvimento da
tecnologia em torno da internet (software, linguagem digital, codificação e
assim como a escrita comum clássica, nela predominavam as curvas e era
freqüente o uso de ligaduras.
Já a escrita uncial apresentava uma combinação de elementos da
escrita do epítome com a escrita de um outro documento, o livro de pergaminho
De Bellis Macedonis.
120
121
decodificação da informação enviada para e pela a rede...) permitiu o surgimento
de uma gama de recursos – som, animação, imagens em movimento, espaços
tridimensionais – que ampliaram as possibilidades oferecidas por ela ao mesmo
tempo em que tornaram possível o surgimento de uma versão on-line de outros
meios de comunicação, como a televisão e o rádio.
Outras características da internet são o limite da velocidade de
transmissão da informação, a quantidade de informação que pode ser transmitida
e seu caráter público que viola a privacidade de todos os envolvidos no processo
comunicativo. Entretanto, diante das novas descobertas e possibilidades
oferecidas pela rede, suas limitações de velocidade e quantidade de dados
transmitidos se apresentam mais como desafios a serem vencidos e contornados
do que como empecilhos e entraves impostos por seu suporte digital virtual.
Porém, mesmo com a vasta gama de recursos por ela oferecidos, as
mídias dos meios de comunicação originários de outro suporte necessitam passar
por adaptações de linguagem na hora de elaborar sua versão on-line. As
telenovelas, por exemplo, possuem uma formatação audiovisual que a rede já
comporta e disponibiliza recursos para seu desenvolvimento no espaço virtual,
mas as interferências do suporte podem ser claramente percebidas na
reestruturação da linguagem do espaço da novela na internet. A novela Cobras e
Lagartos, da rede Globo, possui uma versão on-line dentro do site da emissora
(globo.com) e, embora disponibilize vídeos com cenas de seus capítulos para
serem assistidos através da rede, o formato de links característico desse suporte
modificou a linguagem da telenovela, que passou a incorporar sessões dedicadas
à descrição dos principais personagens envolvidos na trama, notícias dos
Esse tipo de escrita era utilizado principalmente em livros e suas
letras eram bem juntas umas das outras para economizar espaço no
pergaminho.
121
122
bastidores, trechos escritos que contam fragmentos da história da novela e os
principais acontecimentos de cada capítulo. Na internet, a novela encontra a
possibilidade de, além da linguagem audiovisual, trabalhar com fotos e textos, e
também de misturar histórias da trama e dos personagens com notícias de fatos
reais envolvendo os atores ou pontos em destaque na novela, instigando ainda
mais a curiosidade e o envolvimento do visitante do site. Cobras e Lagartos
configura-se na internet como um outro produto midiático diferente da Cobras e
Lagartos na televisão, embora seja a princípio um desdobramento do mesmo
produto cultural realizado pelo mesmo enunciador, a rede Globo.
Assim, a web se apresenta como uma possibilidade de a televisão
recuperar a perda de audiência despertada pelo surgimento de novas mídias pois,
mesmo que a audiência não seja recuperada através do direcionamento do
receptor para a televisão, a internet forma sua própria audiência para a novela,
apresentada por ela como um novo produto midiático desenvolvido a partir da
obra televisiva.
Da mesma forma que a novela está desenvolvendo uma linguagem
específica para a internet, todos os demais meios de comunicação também
traçam esse mesmo caminho. E, assim, cada uma das mídias presentes na
internet e oriundas de outros meios de comunicação configuram uma linguagem
específica e diferenciada em relação à linguagem que possui em seu suporte de
origem.
É preciso ressaltar que, da mesma forma que o termo suporte na
televisão não faz referência a um substrato palpável, mas sim a um conjunto de
meios físicos que a mensagem utiliza para que seu conteúdo simbólico possa ser
A
escrita uncial era uma escrita de luxo, que foi utilizada apenas por
um tempo. A nova escrita comum é a escrita que se espalhou por todo o mundo
antigo, acompanhando as conquistas de seu império.
A
s variações que podem ser encontradas de um documento para
outro são derivadas não do surgimento de uma nova escrita, mas dos
122
123
transmitido (feixe de elétrons, ondas eletromagnéticas e a tela), na internet, a
definição de suporte encontra além da questão já mencionada, um novo
problema. Na web o meio de comunicação perde por completo sua materialidade
pois, embora a internet seja acessada por meio de computadores, ela não é em si
um computador específico ou uma simples rede de cabos. O suporte da internet
não é um meio físico ou um substrato material específico, seu suporte se
apresenta como um sistema operacional formado por processamentos, cálculos
de codificação e decodificação da informação em seu sistema algorítmico. Para
que a informação seja transmitida via web é preciso que seja codificada em bytes,
decodificada e codificada em formato HTML e projetada pelo feixe de elétrons na
tela do computador. Dentro desse processo a informação faz uso de diferentes
meios para que seja transmitida: bit, HTML e elétrons. Assim, o suporte da
internet não é palpável como o papel, tão pouco é passível de uma identificação
pontual como o são os raios catódicos da televisão. A web coloca em questão a
materialidade do suporte, pois passa a questionar o próprio conceito de suporte.
[4.2] Uma questão de interface.
A questão da interface tem sido amplamente discutida e debatida, não
apenas por estudiosos, mas também pelos usuários dessas interfaces. É
interessante que uma questão de fundo tão complexo desperte o interesse e a
atenção de pessoas interessadas não em pesquisar o tema, mas simplesmente
diferentes instrumentos utilizados para o registro. Assim, permanece inalterada a
unidade fundamental desse novo sistema gráfico.
A
penetração e fixação dos povos germânicos no território do Império
Romano levaram ao surgimento de diversos reinos, marcando o fim da
autoridade imperial no ocidente.
123
124
entendê-lo, o que é bastante compreensível no caso da interface, uma vez que
ela interfere na forma como o usuário se relaciona com o computador. Ela
determina a forma como o usuário acessa os media objects, os manipula e
visualiza.
Lev Manovich faz uso do termo human-computer interface (HCI),
desenvolvido também por outros autores como Andy Downton e Clayton Lewis,
para se referir ao conjunto de interfaces envolvidas no processo de uso do
computador e da internet, pois o browser é apenas uma das interfaces
mediadoras desse processo, uma camada complexa e diversificada se junta a ele.
Manovich explicita que “The term human-computer interface describes the ways in
which the user interacts with a computer. HCI includes physical input and output
devices such as a monitor, keyboard, and mouse” (2001: 69). Seu conceito
engloba não apenas os softwares e browsers, mas a própria estrutura física do
computador, uma vez que este é o primeiro ponto de contato do usuário, e a
interface mediadora entre o homem e os softwares.
Segundo a definição de Manovich o conceito de interface engloba o
maquinário – com sua tela, teclado, entradas USB (Universal Serial Bus), etc. – o
hardware – com sua linguagem de processamento, gerenciamento e organização
da informação baseada em bits – os softwares – com suas possibilidades de
acesso e manipulação de dados, ferramentas de trabalho específicas – e os
browsers – mediadores do conteúdo disponibilizado no vasto universo da internet.
Ora, esses quatro sistemas que compõem a interface são os mesmos que
compõem o suporte digital, temos então uma mesma definição para dois termos
diferentes.
Os povos bárbaros adotaram o latim e a escrita comum romana, mas
não tiveram sobre elas nenhuma influência, tão pouco foram eles os
responsáveis pela formação de grupos gráficos variados que surgiram nos
séculos VI e VIII.
124
125
Assim, o termo interface e sua definição não anulam o termo suporte
ou colocam de lado as questões por ele levantadas, mas antes, problematizam a
própria definição de suporte e questionam a forma como o vemos e analisamos. A
partir do conceito de interface, o suporte não pode mais ser pensado como um
substrato físico, nem como um mecanismo isolado ou como um único processo
de mediação entre o usuário e a informação disponível na rede. Ele passa a ser
visto como uma cadeia de mediações, entre diferentes agentes e linguagens, uma
rede de traduções e codificações, diversos planos que se entremeiam e se
modificam, modelizando a forma como o usuário irá interagir e se relacionar com
o conteúdo disponível na rede. O conteúdo e a sua forma de apresentação não
podem ser dissociados, denunciando o caráter participativo e modelizador dessas
entidades mediadoras, pois “To change the interface even slightly is to change the
work dramatically” (Manovich, 2001: 67).
Posto que
In semiotic terms, the computer interface acts as a code that carries
cultural messages in a variety of media. When you use the Internet,
everything you access – texts, music, video, navigable spaces – passes
through the interface of the browser and then, in turn, the interface of the
OS. (Manovich, 2001: 64)
E uma vez que o suporte é, segundo o olhar e a definição adotada
nesta pesquisa, o mediador entre a mensagem e o leitor, suporte e interface se
apresentam como campos conceituais próximos. Assim procuramos nesta
As maiores transformações que ocorreram nesse período foram nas
condições sócio-econômicas da arte de escrever. Com a diminuição das
transações comerciais, desapareceram as confecções de produtos de luxo, a
produção do pergaminho entrou em declínio e o uso da escrita sofreu uma
diminuição considerável.
125
126
pesquisa não somente aproximar esses termos, mas atualizar a própria definição
de suporte.
O suporte da internet é composto não apenas por suas interfaces, mas
também pelas interfaces do computador envolvidas no acesso à rede, pois
quando a internet deixou de ser restrita apenas ao poder militar e a instituições de
pesquisa, ampliando sua presença para os lares dos cidadãos comuns, ela
modificou a imagem que as pessoas tinham do próprio computador. Ele deixou de
ser visto como uma mera ferramenta utilizada para processar signos, uma
tecnologia específica, e passou a ser a media machine mediadora dos mais
diversos tipos de produção cultural e artística, uma máquina utilizada não apenas
para produzir e armazenar, mas também para distribuir e acessar signos e mídias.
Todo o conteúdo acessado por meio da internet é processado pelo
hardware do computador, através dos arquivos temporários. Atividades como
organizar, criar e apagar arquivos temporários não são acompanhadas pelo
usuário, a máquina realiza essas operações automática e invisivelmente,
recebendo o conteúdo da rede, decodificando esse conteúdo e recodificando-o
baseado em novos códigos. Embora não vejamos essas atividades, elas ficam
gravadas na memória do computador, assim como o histórico das páginas
visitadas na internet e, como são informações e arquivos de cunho temporário,
após certo período são apagadas automaticamente pelo computador.
A linguagem de base do computador é o bit, um código numérico
binário construtor de uma linguagem discreta. Todas as operações realizadas
pelo computador (e isso inclui a utilização dos browsers e o acesso à internet) são
necessariamente codificadas em bits. A linguagem HTML, composta por signos
Ela encontrou um reduto seguro dentro das muralhas dos mosteiros e
das igrejas, que cresceram em tamanho e importância durante o período da
monarquia.
A concentração da escrita nos scriptoria eclesiásticos levou ao
surgimento de uma rica variedade local da escrita comum romana. Ao mesmo
126
127
alfabéticos e símbolos gráficos, também é uma linguagem discreta, a mediadora
entre os bits e a imagem que vemos na tela. Assim, a HCI é discreta por natureza.
“This language speaks in the form of discrete objects organized in hierarchies
(hierarchical file system), or as catalogs (database), or as objects linked together
through hyperlinks (hypermedia)” (Manovich, 2001: 72). O que implica que
Given that computer media is simply a set of characters and numbers
stored in a computer, there are numerous ways in which it could be
presented to a user. Yet, as in the case with all cultural languages, only a
few of these possibilities actually appear viable at any given historical
moment. (2001: 70)
As interfaces que utilizamos representam apenas um número limitado
diante das infinitas possibilidades oferecidas pelo sistema.
[4.3] O espaço da escrita na rede.
A escrita alfabética é a língua da internet por excelência. Quatro
principais fatores a sustentam na base de toda linguagem que qualquer mídia ou
meio de comunicação possa ter na rede:
a linguagem desenvolvida na internet no início de seu surgimento
era composta basicamente apenas por textos escritos;
tempo teve início também, com a renovação intelectual que ocorreu durante o
reinado de Carlos Magno, um esforço de regularização da escrita.
A escrita carolíngia não possui uma origem única, nem tão pouco
seu surgimento é resultado de uma evolução espontânea. Ela nasceu de
127
128
a codificação HTML usada para colocar os sites no ar é composta
essencialmente pela escrita alfabética;
para acessar qualquer site é necessário digitar seu endereço
eletrônico, fazendo uso do código alfabético;
e a escrita dispensa a presença de emissor e receptor ao mesmo
tempo, no mesmo canal, e também dispensa o uso de softwares e
programas complexos, que necessitam de um tempo de
treinamento antes do uso.
A história da internet ainda está em suas primeiras décadas, mas isso
não quer dizer que inferências não possam ser traçadas sobre seu ainda curto
tempo de vida. Pois, como pode ser observado na história dos meios de
comunicação, a linguagem de base de um suporte e de um meio de comunicação
permanece enraizada nele, mesmo após sua evolução e transformações. O
papel, por exemplo, hoje é meio técnico ou suporte para diversos meios de
comunicação, no entanto mesmo quando utilizado pela técnica de origami que é
extremamente visual e dispensa o uso de palavras, sua essência não pode ser
negada, porque o futuro e o presente não apagam seu passado nem o caráter
simbólico adquirido por ele na cultura. Além disso, a linguagem original de um
meio fica arraigada nele de tal forma que as transformações não conseguem
romper com ela por completo. Linguagem e suporte se permeiam num processo
de mediação e semiose que os transforma. Assim, a escrita, linguagem
originariamente empregada no papel, fixa sua presença mesmo nos livros de
fotografias, que contêm título, índice e legendas; o audiovisual está presente na
esforço contínuo e uma busca incessante da padronização e escolha dos tipos
gráficos.
Embora a escrita romana dos séculos IV e V tenha sido a base de
formação da escrita carolíngia, outras escritas também participaram desse
processo de formação, como a uncial e as grafias insulares.
128
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televisão mesmo em comerciais compostos apenas de cartelas com texto; e a
imagem faz parte da fotografia mesmo quando tudo o que temos nela são cores.
Podemos, portanto, constatar que o signo escrito alfabético é intrínseco
a todas as mídias da internet, pois o nome próprio de todo espaço virtual é escrito
com palavras em seu endereço eletrônico. Para acessar qualquer página da web
precisamos digitar seu endereço na barra do navegador, e mesmo os links
escondem, por trás do seu clique, um direcionamento para o endereço eletrônico,
seu nome próprio on-line.
Aliás, qualquer imagem, som ou motion picture para ser veiculada na
internet precisa ser codificada na linguagem HTML para que seja interpretada
pelos browsers (navegadores) e exibida na web. E, assim, a rede não faz
distinção entre vídeo, imagem, som e escrita, o suporte algoritmo é o mesmo para
todas as linguagens. O meio digital reconhece todas essas linguagens como
iguais, democratizando ainda mais o processo comunicativo e ressaltando o
caráter dialógico entre as diferentes linguagens, sem reconhecer qualquer
competição ou primazia entre elas, inclusive a do verbal escrito e das imagens.
Assim, o suporte da internet reconhece as diferentes linguagens que a compõem
como iguais, através da codificação binária que é utilizada para todas elas.
Outro grande trunfo da escrita na internet é dispensar a presença do
emissor e do receptor ao mesmo tempo, no mesmo canal. E-mails, comentários
deixados nos blogs, “testemoniais” e scraps do Orkut são provas do uso do verbal
escrito para este fim. Mensagens gravadas de som, como as deixadas nas
secretárias eletrônicas e que dispensam o conhecimento e domínio do código
alfabético, também cumprem esse papel, mas todo o aparato tecnológico
Em meados de 820, finalmente se apresenta já definida a escrita
carolíngia, com seus módulos pequenos e de altura igual, sinais gráficos
compostos por hastes e caudas e o uso abundante de espaço entre as palavras.
129
130
envolvido no processo de gravação (software, microfone, caixa de som...)
inviabiliza a disseminação dessa técnica na web (pelo menos por hora), tornando-
a até menos democrática do que a escrita.
Os blogs ou, como são comumente descritos, os diários virtuais
desenvolveram uma ferramenta que possibilita a troca de mensagens entre
enunciador e enunciatário sem que ambos precisem estar conectados na mesma
hora: os comentários. Abaixo de cada post (texto veiculado), próximo à indicação
da sua data de publicação há um link que convida e permite ao leitor deixar
comentários pessoais a respeito do texto que acabou de ler. Para deixar um
comentário tudo o que precisa fazer é digitá-lo no local indicado e clicar no botão
“enviar”. Se imaginarmos que, para deixar um comentário a pessoa precisaria
gravar uma mensagem de som, a participação do público seria restrita apenas às
pessoas que possuíssem microfone, softwares de gravação e que dominassem
as técnicas que envolvem essas duas ferramentas. Logo, embora a escrita seja
um código que limita o acesso das pessoas à informação, uma vez que apenas
aquelas que são alfabetizadas têm acesso a seu repertório, na internet ele surge
como uma forma de democratizar e tornar a interação acessível a um maior
número de pessoas.
Além desses quatro fatores que direcionam a configuração da internet
num sentido de convergência com a escrita, também é importante levar em
consideração que “a maioria do conteúdo da Web ainda é no formato de mídia
impressa” (Dizard, 2000: 25). À medida que a internet constrói uma linguagem
própria com animações, pop-ups e ícones, os traços da mídia impressa vão
ficando para trás, mas a escrita permanece como um forte elo, entre a linguagem
A
escrita carolíngia teve seu tempo áureo na segunda metade do
século IX e início do século X, época em que estendeu seus domínios para além
dos limites da Europa franca. Durante quatro séculos, a escrita carolíngia
forneceu a toda a Europa Ocidental um mesmo tipo de escrita, ainda que cada
130
131
que a rede pegou emprestada em seu início e as que estão sendo desenvolvidas
nela.
A rede possui sua linguagem binária e HTML, mas cada mídia ao se
apropriar dela desenvolve uma linguagem específica e recursos próprios, num
processo de modelização das linguagens HTML e binária tomadas como
primárias. Tal fato pode ser claramente observado ao visitar páginas de diferentes
meios de comunicação na web: portais de notícias, sites de empresas, blogs e
salas de bate-papo (isso para citar apenas alguns poucos exemplos). Alguns
recursos e formatações, como o sistema de links, impõem-se como
características do suporte e do meio, orientando a escritura do emissor em um
sentido específico, que pode ou não ser seguido. Mas é importante observar que
a própria escrita alfabética sofre transformações em sua estruturalidade –
estamos nos referindo aqui à linguagem e não a sua estrutura e leis que regem o
código – de uma mídia para outra, como pode ser observado nestes dois
fragmentos de texto retirados da internet: “Cristian volta a depor e diz que ajudou
a matar o casal” (www.uol.com.br acessado 19/07/06) e “faz tempo q eu naum
posto!!!” (mundorosadoreggae.weblogger.terra.com.br acessado 19/07/06).
Através desses exemplos podemos perceber como a internet modeliza o verbal
escrito de diferentes formas.
Inicialmente, a proposta dessa pesquisa era analisar apenas as
seguintes mídias da internet: o portal de notícias Uol, o site de relacionamentos
Orkut e alguns blogs. Entretanto, as questões com as quais nos deparamos ao
analisar a escrita na web e a “escritaweb” vão muito além dessa reduzida
amostragem e, em vez de priorizar o corpus em questão, o posicionamento
escriba tivesse seu jeito de escrever e que cada país apresentasse suas
peculiaridades.
131
132
adotado coloca no cerne da pesquisa os questionamentos levantados acerca do
comportamento da escrita alfabética no suporte digital, deixando de seguir uma
seleção restritiva e passando a utilizar como objeto de análise todo e qualquer
exemplo que apresente relevância para a questão aqui discutida: a forma como o
verbal escrito se relaciona com o meio ambiente desenvolvido pela internet e com
o seu suporte. Pretendemos, com essa metodologia, explanar as diferentes
formas com que o signo escrito alfabético se apresenta no processo de semiose
do suporte digital e as diferentes formas de modelização do verbal escrito na
internet.
[4.4] Linguagem discreta e linguagem contínua na rede.
A escrita alfabética, assim como os bits e a linguagem HTML, é
discreta por natureza. Mas a cultura, de uma forma geral, e a internet, nesse caso
específico, apresentam a ela a possibilidade de funcionar também como
linguagem contínua. O processo de modelização que diferentes linguagens (tais
como a gráfico-espacial, por exemplo) e diferentes meios ambientes (tais como o
desenvolvido pela internet) exercem sobre o signo alfabético conferem a ele um
caráter não-discreto, construindo um texto contínuo. É importante observar que a
existência de tal possibilidade não quer dizer que todo texto escrito na internet
seja contínuo. Em páginas como o Orkut e os blogs a escrita se apresenta de
forma discreta, signos combinados segundo as leis que regem o código e a língua
Figura 2: Alfabeto da escrita carolíngia. Imagem retirada do livro História concisa da escrita.
132
133
para transmitir uma mensagem. Já no site www.xy-1.com ela constrói um texto
contínuo, cujo conteúdo ultrapassa as leis do código. Nele a linguagem alfabética
se mistura à linguagem HTML, denunciando o código que está por trás daquela
página, deixando-o transparecer para o leitor.
Figura 15: Página inicial do site www.xy-1.com acessado 20/05/2006
Entre os séculos XII e XIII a escrita gótica substituiu a carolíngia.
Embora apresentem semelhanças, há diferenças bastantes claras de uma grafia
para a outra.
Com a escrita gótica reapareceram as ligaduras, os traços verticais e
horizontais se tornaram mais densos e as curvas foram substituídas por
133
134
Toda página da web está codificada em linguagem HTML, o browser
decodifica essa linguagem e a codifica novamente (realizando uma transdução)
para um texto contínuo e não-discreto, que é a página da internet como realmente
a vemos, com suas cores, fotos, vídeos, links e textos. Nessa cadeia, o mesmo
texto é processado por três linguagens diferentes: os bytes, a HTML e a
linguagem gráfico-espacial da página de internet tal e qual a vemos por meio do
browser. O quadro abaixo apresenta as características básicas dessas linguagens
que iremos analisar.
Linguagem Código Tipo de Texto
Binária / Bit Numeral Discreto
HTML
Alfabeto, numerais e símbolos
gráficos.
Discreto
Página da internet Fotos, símbolos, vídeos, alfabeto,
cores, gráficos, links.
Não-discreto /
Contínuo
Figura 16
O conceito de linguagem da Semiótica da Cultura engloba não apenas
as línguas naturais, mas é composto das diferentes classes a seguir:
a) as línguas naturais (por exemplo o russo, o francês, o estoniano, o
checo);
ângulos agudos. Aparentemente o uso da pena em lugar do cálamo ou a
mudança do tamanho da pena poderiam ter provocado o surgimento da escrita
gótica e favorecido sua difusão, mas não há um consenso formado quanto ao
fator que desencadeou seu surgimento.
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b) as línguas artificiais: linguagens da ciência (metalinguagens das
descrições científicas, linguagens dos sinais convencionais (por
exemplo, os sinais de trânsito), etc.;
c) as linguagens secundárias (os sistemas de modelização
secundários) – as estruturas de comunicação que se sobrepõem ao
nível lingüístico natural (o mito, a religião). (Lótman, 1978: 37)
Dentro desse contexto os bits e a linguagem HTML se apresentam
como uma linguagem artificial, enquanto a linguagem da página da internet se
apresenta como uma linguagem secundária. Seguindo a cadeia de mediação,
nossa lógica indica o bit com seu caráter exclusivamente discreto como o sistema
modelizante primário da rede, porém Lótman alerta para o fato que “Como a
consciência do homem é uma consciência lingüística todos os aspectos dos
modelos sobrepostos à consciência, inclusive a arte, podem ser definidos como
sistemas modelizantes secundários” (1978: 37). Portanto, como o bit foi pensado
por uma consciência lingüística para ser desenvolvido, ela atuou como um
sistema de modelização primário desse pensamento e da língua artificial
desenvolvida por ele.
Na internet, o signo escrito alfabético está presente tanto na linguagem
discreta HTML quanto na contínua, e isso não ocorre por acaso. Tal fato denuncia
seu caráter discreto, ao mesmo tempo em que aponta sua possibilidade de
funcionar também como um signo não-discreto na construção de textos
contínuos. Essa dupla possibilidade de funcionamento confere à escrita uma
riqueza na produção de textos plurais, ela abre múltiplas possibilidades dentro do
Nos séculos XII e XIII a escrita finalmente se libertou da clausura
monástica e foi amplamente divulgada, com a retomada do impulso econômico,
o surgimento de uma burocracia e a criação de universidades.
Multiplicaram-se os manuscritos e as razões para escrever. Assim, a
escrita gótica foi difundida em cartas, livros contábeis, atas, livros em língua
135
136
processo de comunicação até mesmo nas estruturas que parecem mais simples e
engessadas.
Tomemos como exemplo o sistema de links da internet. Toda e
qualquer página é construída segundo essa estrutura organizacional, assim, a
página inicial de um site apresenta sempre o índice desse espaço, enumerando
os diferentes conteúdos que podem ser acessados pelo visitante.
Os links estão na base estrutural da linguagem da internet e possuem
um caráter referencial acentuado, por isso, normalmente são compostos por
algum símbolo gráfico que o representa e um texto escrito, que comunica em
palavras o conteúdo daquele link. No portal de informações Uol, os links do índice
do site estão identificados por boxes de cor azul-acinzentado com um texto escrito
em cor branca no interior desses boxes, comunicando o conteúdo que pode ser
acessado através do link: “Cinema”, “Corpo e Saúde”, “Crianças”... Mas a
linguagem contínua da internet também pode ser trabalhada nos links, como pode
ser observado no site www.adrianabarra.com.br.
vulgar e registros. E suas características cursivas foram acentuadas, com traços
angulosos e ligaduras de letras entre si.
A
escrita gótica conheceu uma variedade de tipos bem maior do que a
carolíngia, favorecendo o aspecto pessoal da escrita de cada pessoa e de cada
região.
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Figura 17: Página inicial do site www.adrianabarra.com.br acessado 20/05/2006
A página inicial não possui um índice dos links. A uma primeira vista
tudo o que se vê é uma colagem com alguns elementos animados, como as
formiguinhas na parte inferior, carregando suas folhinhas nas costas. Ao
navegarmos com o mouse pela página percebemos que, ao passarmos o mouse
por cima das imagens, algumas delas acionam um box com uma palavra dentro,
indicando que aquele é um link que direciona o visitante a determinado conteúdo.
Embora os links não possam ser identificados a uma primeira vista na forma com
No final do século XIV os eruditos italianos encontraram nas
bibliotecas das igrejas e dos mosteiros exemplares registrados em escrita
carolíngia. Incentivados pelo gosto que tinham por formas arredondadas, os
escribas de Florença retomaram a escrita carolíngia e deram origem à escrita
humanista, que rapidamente se espalhou pela península itálica.
137
138
que são apresentados – integrados à composição da página – eles estão lá,
compondo um texto contínuo com os demais elementos.
Tal exemplo mostra como a representação do link pode se apresentar
por meio de uma linguagem não-discreta (embora para o sistema operacional do
computador com seus cálculos numéricos ele seja discreto). Como essa
formatação não atende às necessidades de referencialidade de que o link não
pode prescindir, ele precisa do signo escrito alfabético para cumprir essa função
referencial de que é portador. E, assim, palavras surgem ao menor estímulo do
cursor, para indicar a função das imagens ali presentes e indicar para onde elas
direcionam o visitante, caso recebam um clique.
[4.5] Homogeneidade e heterogeneidade do sistema.
Homogeneidade e heterogeneidade serão trabalhados aqui não como
conceitos oriundos de um campo teórico específico, mas como termos utilizados
para designar as semelhanças e diferenças de que é composto o sistema sígnico.
Assim, a internet se apresenta como um sistema homogêneo, pois todos os textos
que dela se apropriam apresentam a mesma formatação digital e virtual. O meio
técnico serve, então, como ponto de semelhança e convergência para as mídias.
O suporte, além de funcionar como substrato, oferece características intrínsecas a
ele que interferem diretamente na formatação da linguagem dos meios de
comunicação que dele se apropriam e geram mídias.
A
escrita humanística é traçada com penas pontudas, inclinada para a
direita, com todas as letras de uma mesma palavra unidas. Assim como ela,
outras escritas também derivaram da carolíngia.
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139
O formato de hipertexto, em que a leitura é quebrada em links e o leitor
precisa navegar em busca da informação que deseja, e a limitação da quantidade
de dados codificados em kilobit e transmitidos pela página são características
intrínsecas ao suporte. O sistema de barra de rolagem, para a publicação de um
texto longo na internet, e a possibilidade de transmissão de informação em
diferentes linguagens (vídeo, fotos, gráficos, 3D, animação, textos...) codificadas
da mesma forma (em bit) decorrem das características e possibilidades oferecidas
pelo suporte digital.
Por meio de sua homogeneidade estrutural, a internet modeliza as
diferentes linguagens, meios de comunicação e mídias que dela se apropriam. E
é também a partir dessa homogeneidade estrutural que a heterogeneidade de
linguagens e de mídias se desenvolve. A estrutura homogênea do suporte oferece
uma base sobre a qual o signo se desenvolve e é projetado. O signo, ao se
materializar no suporte, é modelizado pelo meio ambiente em que se encontra
inserido. Ao mesmo tempo em que este meio ambiente é mediador do signo e de
seu processo de semiose, o signo também atua como mediador do suporte, que
tem os limites apresentados por sua homogeneidade estrutural testados, em
busca de novas possibilidades para oferecer ao signo.
Para entender como tal processo se desenvolve na prática, tomemos
como exemplo a configuração da página da web. Embora a tela apresente a
página em pé, na vertical, sua semelhança com uma página de jornal é bastante
grande.
By the mid-1990s, Web pages included a variety of media types – but
they were still essentially traditional pages. Different media elements –
No final da Idade Média, cinco principais tipos de escrita latina haviam
se configurado a partir da escrita carolíngia: a escrita gótica, a letra de fôrma, a
bastarda, a escrita humanística e as escritas eruditas e modernas.
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graphics, photographs, digital video, sound, and 3-D worlds – were
embedded within rectangular surfaces containing text. To this extent, a
typical Web page was conceptually similar to a newspaper page, which is
also dominated by text, with photographs, drawings, tables, and graphs
embedded in between, along with links to other pages of the newspaper.
(Manovich, 2001: 75)
É neste formato que se apresenta a maior parte das páginas da
internet, então podemos dizer que essa é a configuração básica de uma página
da web. Essa mesma formatação, que parece se impor como uma limitação e
uma regra, abre também portas para questionamentos e tentativas de formular
uma composição diferenciada. É desse processo de questionamento da
homogeneidade do sistema que surge sua heterogeneidade. Apesar de todas as
páginas da internet serem semelhantes quanto a sua estrutura e as possibilidades
oferecidas pelo suporte, cada uma delas é única e constrói um espaço próprio.
Como o site www.metronomic.fr, que desenvolve uma linguagem específica em
busca de uma maior identidade entre a tela do computador e a tela da televisão, à
procura de romper com a estrutura de diagramação jornalística da web.
No Metronomic, cada link sintoniza um canal diferente para a televisão
do site e, assim, o visitante é transformado em telespectador, num processo de
resgate do suporte utilizado especificamente para a veiculação do conteúdo
apresentado: “Publicitie”, “Videoclip”, “Super 8”... Até mesmo o chuvisco,
considerado por alguns como o ruído característico da televisão, é utilizado para
sinalizar que os vídeos estão sendo carregados, no lugar da emissão de um
percentual que normalmente é adotada na internet.
Quando surgiram os primeiros fundidores de tipos gráficos, era a partir
dessas cinco escritas que eles trabalhavam seus modelos, e é delas que
derivam as escritas alfabéticas atuais.
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Assim como o site Adriana Barra, no Metronomic os links também são
sinalizados por imagens, para sabermos o que cada um deles contém precisamos
posicionar o cursor sobre eles, com esse procedimento um box explicativo surge
na tela trazendo um texto que indica o conteúdo do link. Assim, mais uma vez a
função referencial da escrita na internet é reforçada.
Figura 18: Página inicial do site www.metronomic.fr acessado 25/07/2006
Com o surgimento da imprensa, foi possível a reprodução quase que
ilimitada de letras sempre idênticas, fixando os caracteres em categorias de base
que permanecem até hoje.
A abreviação, por exemplo, muito empregada hoje na internet e em
SMS enviado pelo celular, foi originada muito antes da estenografia. Os gregos
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[4.6] Navegando com o alfabeto.
A função referencial desempenhada pela escrita alfabética na internet
ocupa um local de destaque, no endereçamento dos sites, sua nomeação e
nomeação dos links. Ao navegar pelo ciberespaço, o signo alfabético se depara
com diferentes linguagens e desenvolve outras funções e características. No
endereço www.theodora.com.br o nome do site aparece como um elemento não-
discreto, integrado à diagramação da página. Ora temos a impressão de que os
rabiscos que saem do nome se expandem para compor o layout da página, ora
percebemos as linhas tortuosas do layout encontrando o nome e interferindo em
suas letras, cortando parte delas e delimitando o espaço por elas ocupado.
Figura 19: Página inicial do site www.theodora.com.br acessado 25/07/2006
e romanos já procuravam obter uma maior rapidez no registro através de um
sistema de notação abreviada, conhecido pelo nome de notas tironianas. Esse
tipo de notação é muito encontrado em manuscritos carolíngios, visto que o
grande período de uso desse recurso foi o das escritas carolíngia e gótica.
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Nos portais de internet – www.uol.com.br, www.terra.com.br,
www.ig.com.br – o verbal escrito se apresenta de uma forma muito próxima à que
temos no jornal. Enquanto os chats, blogs, programas de mensagens
instantâneas (bate-papo) tais como o Messenger e sites de relacionamento como
o Orkut apresentam um contraponto bastante forte, não apenas à linguagem
jornalística que ainda é bastante encontrada na web, mas até mesmo às leis que
regem este código. Podemos identificar três processos diferentes de alteração
das normas lingüísticas nesses meios:
Abreviação: parte das letras que compõem a palavra são
suprimidas, de forma a permitir uma digitação mais rápida da
mensagem sem, contudo, comprometer a apreensão da
informação. Exemplo: td bem?
Substituição fonética: algumas letras que compõem a palavra são
substituídas por outras, ou por terem o mesmo valor fonético ou por
terem um som parecido. Exemplo: akela novidade; fax tanto tempo.
Substituição icônica: a palavra ou parte dela é substituída por um
desenho ou ícone. Esse processo também é bastante utilizado para
transmitir as sensações e humores do emissor.
Figura 20: Trecho de uma conversação extraída do Messenger como
exemplo de substituição icônica.
Os sistemas abreviativos podem ser classificados em siglas,
contração, suspensão, letras sobrescritas e sinais especiais. Se hoje as siglas
são muito empregadas para dar nome a marcas e empresas, na Idade Média
elas foram pouco utilizadas.
143
144
Tanto o processo de abreviação quanto o de substituição fonética
também são encontrados em SMS (Short Message Service), mensagens de texto
enviadas pelo celular que têm uma limitação do número de caracteres
(normalmente no máximo 160, contanto o espaço entre as palavras). A princípio
seria dedicado um capítulo inteiro à analise do SMS, entretanto como todos os
fenômenos observados neste tipo de mensagem também ocorrem na internet,
sendo que esta apresenta uma pluralidade de fenômenos e diversidade de escrita
muito maior do que a das mensagens de celular, decidimos evitar a redundância e
reestruturar os capítulos da dissertação sem uma parte específica para SMS.
A substituição icônica no Messenger apresenta um fato bastante
curioso, o próprio emissor da informação configura seu programa para que, ao
digitar determinada seqüência de letras e símbolos gráficos ela seja substituída
pela imagem, que pode ser um desenho estático ou em movimento. Ao receptor
chega apenas a mensagem já com o ícone, mas caso ele tente copiar o desenho
para colá-lo em um outro local ou até mesmo numa outra mensagem, surge no
local do desenho o comando que foi utilizado para codificá-lo. Assim, ao tentar
copiar e colar a imagem do Cristo, do exemplo acima, tudo o que o receptor
consegue transportar com essa operação é a palavra «deus», que foi utilizada
como “atalho” para a imagem.
Para alguns lingüistas mais ortodoxos e pesquisadores alarmistas
como Sartori, tais alterações podem sinalizar deturpações do código e das leis
que o regem e quiçá o desaparecimento da escrita. A pesquisadora Irene
Machado pondera a questão levantada por Maurizzio Gnerre (1991) de que a
A contração é muito utilizada na internet, onde uma ou mais letras são
suprimidas no interior da palavra; se hoje escrevemos abs para abraços, os
romanos usavam ho como abreviação de homo. A letra sobrescrita era uma
variação da contração, onde uma pequena letra acima da palavra indicava a
supressão, e a abreviação por suspensão deixa a palavra inacabada.
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escrita estaria agora, com o surgimento da tecnologia e do meio digital, entrando
em declínio:
(…) electronic technology need not proceed to lead to the obsolescence
of writing. If the linguist identifies traditional writing, distinguishing it from
that of modern digital writing, it is because “writing modifies itself”. It has
not disappeared and it has shown itself to be even more necessary. The
proof of this is that the text in which he declares the obsolescence of
writing was written and printed in a technological way, or better, digitised
and copied by an electronic system. Such arguments reproduce a
commonality of the type of mistake that Plato fell into when condemning
writing for all in a generation who could only access his ideas through a
written composition. (Machado, 2007)
A movimentação e alterações pelas quais a escrita está passando na
internet se apresentam como releituras de fenômenos que já apareceram antes,
mas em meios de comunicação diferentes. A abreviação era o princípio básico
que regia a linguagem dos telégrafos; a substituição fonética se apresenta como
uma interseção entre o processo de abreviação e o sotaque, que confere
pronúncias diferentes à mesma palavra escrita; e a substituição icônica ainda é
bastante usada em passa-tempos infantis de adivinhação. Portanto, a presença
desses fenômenos na cultura não caracteriza um declínio nem mesmo uma
alienação da escrita, eles apontam no sentido do possível surgimento de um
dialeto, uma língua que não é reconhecida oficialmente como língua da nação,
com regras diferentes do português, mas com estrutura, normas e estruturalidade
própria bem definidas. “Les néo-grammairiens ont notamment insisté sur l’utilité
Os sinais especiais indicam a abreviação ou substituem parte da
palavra, um exemplo que é muito utilizado até hoje é o sinal &, que substitui a
expressão et. Como se pode perceber, a escrita está em constante movimento
dentro da cultura, interagindo com sistemas mais próximos, como os objetos e
os avanços técnicos de impressão, e também com sistemas que a princípio
145
146
de l’étude dialectale, nécessaire pour reconstituer dans le detail l’évolution
linguistique” (Ducrot e Todorov, 1972: 80). É nesse contexto de evolução e
desenvolvimento de um processo de semiose onde a própria escrita se reinventa,
que estão inseridas as transformações do signo alfabético apontadas.
[4.7] Internetês.
O neologismo acima ainda não está presente nos dicionários, mas o
site Wikipedia, uma espécie de enciclopédia on-line que conta com a colaboração
dos navegadores, já tem registrado em suas páginas na rede, a definição do
termo “internetês”.
O internetês é uma linguagem surgida no ambiente da Internet, baseada
na simplificação informal da escrita, com o objetivo principal de agilizar a
digitação. Consiste numa codificação que utiliza caracteres
alfanuméricos. (pt.wikipedia.org acessado 29/10/2006)
Os caracteres alfanuméricos fazem referência ao teclado alfanumérico
do computador e, uma vez que a linguagem surgiu e se desenvolveu na internet,
nada mais natural do que o registro do termo e sua definição se darem primeiro
nas páginas da web.
Três características básicas do meio ambiente desenvolvido pela rede
contribuíram para o surgimento da nova linguagem:
não possuem uma ligação direta com ela, como a religião e a economia. A
movimentação da escrita na semiosfera não dá origem a um traçado contínuo e
reto, mas apresenta semelhanças com uma espiral, onde o presente visita o
passado como uma forma de se atualizar. Assim, grandes novidades que
146
147
a velocidade da comunicação – como o processo comunicativo é
instantâneo, diferente de uma carta ou um telégrafo, ele exige uma
maior velocidade do emissor na formulação da mensagem;
a comunicação em rede – a comunicação na internet
freqüentemente ocorre entre mais de duas pessoas ao mesmo
tempo (chats, msn, ICQ...) ou entre uma única pessoa que utiliza
diferentes meios ao mesmo tempo (digita um e-mail, acessa um site
e bate-papo em um chat), o que também exige uma maior rapidez
no desenvolvimento do processo comunicativo;
o recurso virtual da conversação é um dos mais utilizados na rede –
e-mail, sites de relacionamento, salas de bate-papo e programas de
mensagens instantâneas reproduzem na web situações de
conversação, desenvolvendo um meio ambiente que procura
reproduzir por meio da escrita a linguagem oral.
Embora tenha se desenvolvido na internet, o “internetês” não é uma
linguagem encontrada indiscriminadamente na rede, nem tão pouco é encontrado
somente nesse meio. Seu uso está associado a uma meio ambiente específico de
comunicação instantânea ou de grande velocidade e oral. Assim, o celular com
seu Short Message Service apresenta um ambiente comunicacional com essas
características, sendo o “internetês” bastante utilizado por seus usuários. Os
portais de notícias, por sua vez, possuem uma proximidade maior com o gênero
jornalístico, fazendo uso da linguagem jornalística, e não do “internetês”.
Essa nova linguagem modeliza o verbal escrito, mantendo sua
estrutura original, mas construindo sobre ela uma nova estruturalidade, com
provocam rebuliço, como o “internetês”, se apresentam como releituras de
fenômenos já por ela apresentados.
A
escrita está sempre se reinventando, ora lembrando formas e
fenômenos que fazem parte de sua história, ora se lançando rumo ao novo e
descobrindo novas possibilidades na semiosfera, sempre dialogando numa
147
148
abreviações, substituições fonéticas, onomatopéias e uma diversidade de
recursos que o teclado alfanumérico e os meios de comunicação on-line
oferecem. Suas alterações na linguagem escrita visam diminuir o tamanho das
palavras, expressar sua sonoridade e transmitir o estado emotivo do interlocutor.
Processa-se, portanto, intensa semiose.
A substituição da palavra “você” por “vc” é uma abreviação muito
comum do “internetês”, uma releitura do processo legítimo de abreviação muito
utilizado pelos telégrafos e taquígrafos. Já a substituição do «qu» por «k»
apresenta, além da abreviação, o uso de um único símbolo gráfico que é
equivalente foneticamente a outros dois. Essa ocorrência, além de caracterizar
uma abreviação, denuncia a modelização do verbal escrito pelo oral, onde as
regras de combinação dos fonemas criam uma nova estruturalidade para a escrita
das palavras, aproximando-se de uma escrita fonética. Já a manifestação das
emoções humanas conta com o uso de onomatopéias – hihihi ou huahuahua,
para manifestar o riso – regras específicas – a notação em LETRAS
MAIÚSCULAS para expressas uma “fala gritada” – e os emoticons, uma forma de
comunicação paralingüística que utiliza uma séria de caracteres tipográficos para
traduzir uma emoção – por exemplo: :), :( ou :’(.
A riqueza da manifestação oral através do “internetês” é tão grande
que, em alguns casos, é possível identificar o dialeto da pessoa que o utiliza. Os
nordestinos no Brasil, por exemplo, comumente substituem o “s” e “c”, antes de
“e” e “i” por “x”, e os internautas do norte de Portugal substituem o “v” por “b”.
O surgimento do “internetês” mostra a capacidade modelizadora do
verbal escrito e a riqueza de possibilidades de linguagem que ele oferece. É
parceria íntima com seu suporte. Ela cria formas diferentes para as letras em
cada textura sobre a qual é escrita e descobre a possibilidade de novas
linguagens no diálogo constante com os outros sistemas que também habitam
a semiosfera. A escrita dança uma história sem fim. Pois como bem disse a
148
149
importante notar, contudo, que suas características de linguagem não são
alterações na língua, mas o desenvolvimento de uma nova estruturalidade. O
português continua sendo português. Assim como a língua portuguesa possui
diferentes formas de linguagem como a linguagem técnica, a acadêmica e a
cotidiana, que possuem, cada uma delas, um meio ambiente próprio, o mesmo
acontece com o “internetês”, mostrando que ele não veio ocupar o lugar da língua
materna, mas desenvolver uma linguagem específica para um meio ambiente
comunicacional que antes não existia.
artista plástica piauiense Liz Medeiros, “Deus criou o infinito para a vida ser
sempre mais”.
149
150
[6] Considerações finais.
a) Rever para concluir.
Ao se aproximar o momento de concluir não a pesquisa, pois essa
alcança o infinito do universo sempre cheia de questionamentos e possibilidades,
mas essa etapa da pesquisa iniciada no mestrado, a primeira conclusão de
raciocínio a que cheguei é que essa pesquisa precisava de um novo título, um
nome próprio que apresentasse mais afinidade com ela.
Seu nome original, apresentado à FAPESP (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo) para obtenção da bolsa e à banca de
qualificação, não deu conta de acompanhar o desenvolvimento da pesquisa. As
idéias originadas no projeto correram, mas o nome ficou lá parado, numa época
em que o plano era estudar o novo: A escrita alfabética e seus novos [su]portes.
Confesso que o trocadilho que a palavra suporte possibilita fez com que o título
permanecesse na pesquisa por mais tempo do que devia. É incrível como a
palavra suporte carrega em si a questão principal que motivou o desenvolvimento
dessa pesquisa: o suporte também é porte, no sentido de transportar o signo e no
sentido de apresentar um comportamento, possibilitando diferentes maneiras do
signo se comportar no processo de interação desenvolvido por essas duas
instâncias.
Com o desenvolvimento das análises, uma questão que não ocupava a
mesma posição central passou a exigir atenção ao se mostrar intimamente ligada
à idéia de suporte e meio como entidades modelizadoras dos signos no processo
de mediação: a linguagem. Ora, se modelização é construção de estruturalidade,
então modelização é construção de linguagem. Logo, estudar a participação do
suporte transformado em meio na configuração da mensagem é estudar sua
participação na construção da linguagem daquela mensagem. O “meio é a
mensagem” porque o meio comunica, possui linguagem própria, é signo tanto
quanto os símbolos, ícones e índices de que é portador. Foi então que ficou claro
que as questões levantadas pelo suporte e pela forma como ele modeliza o signo
151
são questões de linguagem, até porque o suporte não interfere na configuração
das leis que regem o código, mas dialoga com a estruturalidade da linguagem e
contribui para a organização da mensagem a ser transmitida.
A proposta inicial de estudar os novos suportes da escrita alfabética e
seu novo comportamento dentro da cultura demonstrou a necessidade de ser feita
uma análise de suportes que fazem parte da história do signo verbal escrito, para
permitir que seja traçado um paralelo entre o comportamento do signo nos
suportes que surgiram mais recentemente e naqueles já familiares, porque para
analisar o movimento do signo na semiosfera é preciso abordá-lo em sua
pluralidade. Diante de questões tão relevantes, o corpus da pesquisa passou a
ser integrado por suportes diversos, e também pelo fato de a abordagem do
“novo” ser muito relativa, principalmente do ponto de vista da semiótica da cultura,
que acredita que nenhum texto da cultura morre ou desaparece, pois ele faz parte
da história e é constantemente atualizado pelo presente.
E assim, o novo título Escrita alfabética, suporte, comunicação e
linguagens possíveis surgiu naturalmente como novo título para essa pesquisa,
explicitando inclusive o caráter inacabado da cultura e da linguagem, que estão
sempre em constante processo de evolução, de transformação, de semiose. O
termo linguagens possíveis faz referência ao processo de construção em que a
linguagem se encontra imersa. Diante do imprevisível, as linguagens que
construímos são a materialização de possibilidades que a semiosfera nos
apresenta. Ao mesmo tempo em que o desenvolvimento de uma linguagem
específica atesta que ela é possível na prática, o seu surgimento aponta que este
é um entre muitos outros caminhos.
Outra conclusão a que se chegou nessa etapa é que o trabalho está
concluído, mas o tema apresenta uma riqueza tão grande que não é esgotado em
uma única pesquisa. Algumas questões foram esclarecidas e respondidas, é
certo, mas a pesquisa não acaba aqui. Essas considerações finais são uma
pequena pausa para se olhar o caminho percorrido, um momento de reflexão
sobre as questões levantadas pela pesquisa, as idéias surgidas no meio do
caminho e os raciocínios desenvolvidos. As conclusões são poucas, são
percepções apreendidas no cruzamento da teoria com a vida, são certezas que
se tem hoje e que, assim como a pesquisa, o signo e a cultura, também estão em
um constante processo de transformação em busca de construírem a si mesmas,
152
seja se reafirmando novamente, seja se negando em novos processos
desencadeados na semiosfera.
b) Suporte e modelização.
O conceito de suporte apresentado na introdução dessa dissertação
comprovou não dar conta da pluralidade de meios de comunicação existentes
hoje em dia. Partimos do conceito de meio técnico formulado por Thompson: “o
substrato material das formas simbólicas, isto é, o elemento material com que, ou
por meio do qual, a informação ou o conteúdo simbólico é fixado e transmitido”
(2005:26). Assim, a definição inicial colocava a espiritualidade do signo em
contraposição à materialidade do suporte.
Aplicada ao jornal, tal definição não apenas se comprovou como
ajudou a diferenciar as características do suporte papel das características do
signo, permitindo que a função do suporte no processo de modelização do signo e
construção da linguagem pudesse ser mais bem compreendida. O mesmo
verificou-se ao analisar as Coisas. Entretanto, ao aplicarmos o conceito acima ao
meio de comunicação televisivo surgem questões que a definição não havia
previsto. A primeira indagação que surge é referente à utilização do termo fixação
em contraposição à idéia de fluxo que é própria da TV. Ora, se a linguagem da
televisão é construída através de um fluxo contínuo dos feixes de elétrons, como
podemos falar de uma fixação da mensagem? A esse fator soma-se um outro: no
processo de transmissão do signo escrito alfabético no meio televisivo ele passa
por contínuos processos de codificação e decodificação, da onda eletromagnética
emitida pela torre de televisão até os raios catódicos dos aparelhos de televisão.
Assim, não é possível apontar um suporte específico para o signo escrito
alfabético no meio ambiente da televisão, visto que para que a transmissão seja
completa ele precisa passar por diferentes suportes. Na internet, as análises do
suporte ratificaram as questões já levantadas pela televisão.
Existe entre suporte e meio uma ligação tão próxima e forte que o
conceito de suporte mostra sua necessidade de ser constantemente atualizado
em cada meio de comunicação. No decorrer da pesquisa, o conceito de suporte
153
foi reformulado pelos questionamentos levantados pelos meios de comunicação,
para que pudesse tornar as análises possíveis e esclarecer o que exatamente é o
objeto de análise no corpus selecionado.
Verificou-se que o suporte não se apresenta como um único elemento
material, estático e passivo. O suporte é o responsável pela apreensão do signo,
sua codificação em uma linguagem que possibilite o transporte, armazenamento
ou projeção do conteúdo simbólico de que é portador. Assim, o suporte digital
codifica a escrita alfabética em bits, pois este é o código que possui para
transportar e armazenar essa informação. As telas do computador e da televisão
codificam o texto em fluxo de eletricidade, pois é o sistema que possuem para
transportá-lo e projetá-lo na tela, a fim de que o signo possa ser apreendido e
compreendido pelo receptor.
Ao analisar o suporte segundo este novo ponto de vista, podemos
conferir e confirmar o seu papel participativo no processo comunicativo, pois se os
meios de comunicação contribuem para o processo de construção da linguagem,
o suporte está diretamente ligado à seleção do código utilizado, pois é ele que
determina que códigos podem ser por ele apropriados.
As análises demonstraram que o suporte é transformado em meio de
comunicação ao ser dotado de conteúdo simbólico. Suas características
participam diretamente da modelização da linguagem do signo escrito alfabético
no meio de comunicação, tal fato pode ser observado mais claramente ao
realizarmos um corte diacrônico em um meio específico. Através desse
procedimento é possível pontuar como os avanços tecnológicos marcaram o
desenvolvimento do suporte por meio de avanços técnicos na impressão do
conteúdo simbólico e no processamento dos dados, e as implicações dessas
transformações nas características e linguagem do meio. Essas mudanças são
acompanhadas de alterações na linguagem do signo escrito alfabético, onde
novas linguagens podem passar a ser incorporadas, como as cores ou a forma de
organizar e se relacionar com as linguagens do meio. Assim, o meio e seu
suporte mostram seu papel no processo de modelização da linguagem e do
verbal escrito, desenvolvendo um meio ambiente específico que modeliza as
linguagens por eles incorporadas. Diante dessa constatação é confirmada a
segunda hipótese enunciada na introdução desta pesquisa que ratifica a máxima
mcluhaniana “o meio é a mensagem”.
154
O suporte, ao ser dotado de conteúdo simbólico, transforma-se em
meio de comunicação, pois passa a ser portador de significado. O meio, por sua
vez, estrutura relações sócio-culturais e desenvolve produtos mídiaticos. Nesse
processo de transmissão de conteúdo simbólico, o suporte e o meio interagem
diretamente com o signo em seu processo de construção de linguagem,
interferindo, não nas regras que regem o código lingüístico, mas na
estruturalidade da língua naquele meio de comunicação específico. Portanto,
assim como a língua pode ser compreendida como o sistema modelizante
primário, pois é ela quem organiza nossa forma de pensar e raciocinar, suporte e
meio podem ser considerados sistemas modelizantes secundários, pois irão
participar da organização da linguagem escrita no ambiente por eles
desenvolvido.
Ora, se o suporte e o meio participam do processo de modelização da
linguagem desenvolvida pelo signo, a escrita alfabética irá desenvolver
linguagens diferenciadas em cada um deles, comprovando a hipótese levantada
de que “apoiada em suportes distintos, a escrita alfabética desenvolve linguagens
diferenciadas em cada um deles”.
c) O código alfabético e sua capacidade de modelização.
Nas análises desenvolvidas, observou-se que o código alfabético
funciona como pecinhas do brinquedo Lego no processo de construção de
linguagem. O código possui um número limitado e definido de caracteres já
determinados que são combinados de acordo com o meio utilizado e com a
comunicação desejada, de forma a constituírem linguagem e transmitirem uma
mensagem.
Os exemplos analisados demonstraram com clareza que, embora a
escrita alfabética seja discreta por natureza, ela pode, em alguns casos, funcionar
como signo não-discreto. Essa hipótese aqui levanta e testada já foi previamente
estudada e também confirmada por Lótman em seu livro A estrutura do texto
artístico e por pesquisadores e escritores da poesia experimental, tanto a visual
quanto a oral, que procuravam romper com a linguagem discreta arbitrária do
signo ao explorar seus aspectos sensíveis de som e imagem.
155
Essa característica do signo escrito alfabético confere a ele uma
grande capacidade de modelização, deste fato decorre a afirmação de Sebeok de
que é preferível pensar que as línguas foram desenvolvidas para a função de
modelização e não para a função de intercâmbio de mensagens de comunicação,
embora tenha sido a necessidade do homem de registrar suas trocas comerciais
que tenha despertado o surgimento da escrita com símbolos arbitrários como a
conhecemos hoje.
Essa grande capacidade de modelização do signo alfabético pôde ser
claramente percebida com o surgimento da eletricidade e a revolução industrial,
pois a forma do homem se relacionar com os signos mudou. Três pontos
presentes nas análises mostram isso muito claramente:
Ao analisar a escrita alfabética no jornal, é possível perceber como
os desenvolvimentos tecnológicos contribuíram para a construção e
transformações de sua linguagem. Os avanços técnicos estão
diretamente ligados ao suporte e à forma como o conteúdo
simbólico é impresso, transportado ou projetado por ele. Assim, a
impressão a cores, técnicas de diagramação, corte e dobra do papel
provocaram mudanças na estética do signo alfabético impresso e
em sua diagramação na página de jornal.
Ao analisar a escrita alfabética na televisão, pôde-se perceber o
impacto que o surgimento da eletricidade teve nesse sistema
sígnico. A eletricidade rompeu com o processo comunicativo
desenvolvido na sucessividade da leitura das letras, possibilitando
uma comunicação simultânea desenvolvida na forma de fluxo. Além
disso, assim que surgiram os primeiros aparelhos de gravação, para
captar o signo escrito alfabético e transmiti-lo para a televisão era
necessário desenhá-lo e filmá-lo da mesma forma como se fazia
para gravar as imagens em movimento. Assim, as características
técnicas do suporte ressaltaram o aspecto imagético do signo, a fim
de que ele pudesse ser incorporado ao conteúdo simbólico
transmitido pelo meio. A televisão apresentou novas possibilidades
ao signo escrito alfabético, incentivando o desenvolvimento de uma
nova linguagem com este código, uma linguagem não-discreta,
simultânea e em fluxo contínuo.
156
Ao analisar a escrita alfabética nas Coisas, foi identificado o
profundo impacto da revolução industrial e do capitalismo sobre seu
valor de uso, que passou a ser valorizado em busca de uma
diferenciação entre produtos comoditizados e do aumento das
vendas. Assim, o valor simbólico das Coisas ganhou uma nova
dimensão, em destaque. Os rótulos das embalagens, com letrinhas
coloridas e desenhos, passaram a ser um elemento de diferenciação
entre os produtos, promovendo um desenvolvimento da linguagem
não-discreta da escrita integrante de rótulos, embalagens e
produtos.
Os exemplos acima mostram como os avanços tecnológicos dialogam
com a produção simbólica, pois esses dois sistemas estão sempre em constante
interação na semiosfera. A cada novo desafio apresentado pela tecnologia, a
escrita alfabética se reinventa e é modelizada, originando novas linguagens,
novas possibilidades sígnicas.
Se a eletricidade pôs em destaque a dimensão imagética das palavras,
a tecnologia digital demonstra indícios de um movimento onde é retomado o valor
fonético de que cada letra é portadora. Manifestações como a substituição de
uma letra por outra de mesmo valor fonético e representação de marcas orais da
fala como o sotaque no texto escrito marcam o desenvolvimento de novas
linguagens para a escrita em que o aspecto oral e o valor fonético das letras são
retomados, em vez da dimensão gráfico-especial dos caracteres. A escrita
alfabética desenvolve, então, um movimento de retorno à sua origem, pois o
sistema de notação com símbolos portadores de valores fonéticos foi
desenvolvido baseado na manifestação oral da língua natural.
Isso não quer, contudo, dizer que o aspecto imagético da palavra não é
mais importante ou que ele está em processo de extinção na semiosfera. A
dimensão gráfica do signo escrito alfabético, as linguagens desenvolvidas nesse
campo específico como a poesia construtivista e o valor imagético do signo
permanecem presentes e em constante movimento dentro da cultura. A exemplo
do desenvolvimento de linguagens que exploram o aspecto gráfico do signo e que
têm trabalhado seu potencial icônico, na construção de desenhos que
representam o estado emocional do enunciador como :-O, :-P, :-D. Mas o aspecto
sonoro do alfabeto apresenta hoje um movimento acelerado que o coloca em
157
destaque na semiosfera, dando continuidade à busca incessante por exprimir a
correlação do som com a imagem que o representa.
d) Heteroglossia na semiosfera.
No livro The Dialogic Imagination, Mikhail Mikhaӿlovich Bakhtin
desenvolve o conceito de heteroglossia e suas implicações no funcionamento da
língua. O teórico define os problemas relativos à heteroglossia como sendo “(...)
the problem of internal differentiation, the stratification characteristic of any
national language” (1985: 67). Portanto, a heteroglossia se caracteriza como
sendo a pluralidade de linguagens que uma língua natural possui, uma vez que
cada estrato social desenvolve uma linguagem específica, com vocabulário e
entonações próprios. A heteroglossia e a monoglossia de uma língua atuam de
forma dialógica, garantindo sua harmonia.
Unitary language constitutes the theoretical expression of the historical
processes of linguistic unification and centralization, an expression of the
centripetal forces of language. A unitary language is nor something given
[dan] but is always in essence posited [zadan] – and at every moment of
its linguistic life it is opposed to the realities of heteroglossia. But at the
same time it makes its real presence felt as a force for overcoming this
hetereglossia, imposing specific limits to it, guaranteeing a certain
maximum of mutual understanding and crystallizing into a real, although
still relative, unity – the unity of the reigning conversational (everyday)
and literary language, “correct language”. (Bakhtin, 1985: 270)
A forma com que Lótman e Bakhtin abordam a questão da língua
enquanto sistema apresenta alguns fatores de convergência, tais como:
A língua é um sistema dinâmico, que está em constante
movimento, possuindo forças centralizadoras e também forças
descentralizadoras.
Embora a língua possua regras claras e fixas que regem o
código, ela possui também uma estruturalidade maleável, que
158
possibilita novas formas de organização e de construção de
linguagem, apresentando, por isso, uma diversidade de
linguagens em seu interior.
A diversidade de linguagens que uma língua possui confere a
ela dinamismo e pluralidade sem, contudo, comprometer sua
unidade e o entendimento entre diferentes partes do sistema ou
diferentes grupos de linguagem.
O sistema lingüístico reconhece a pluralidade de linguagens em
seu interior.
A alta capacidade de modelização da língua a que Lótman se
refere é que possibilita o surgimento de diferentes linguagens no
sistema lingüístico e, conseqüentemente, a heteroglossia por
Bakhtin estudada.
Diante dos pontos acima expostos, seria possível pensar o
comportamento da língua na semiosfera segundo o conceito de
heteroglossia, onde as diferentes linguagens que a escrita
alfabética apresenta em cada um dos meios de comunicação em
que se faz presente se apresentariam como uma manifestação
de sua pluralidade de línguas.
Desse ponto de vista, as explosões e movimentações na semiosfera
que provocam alterações na estruturalidade da língua se apresentariam como
forças centrípetas, que estimulam o surgimento da heteroglossia na cultura. Já a
estrutura da língua com suas normas fixas, seus caracteres limitados e definidos,
seria a força centrífuga que age em prol da unidade lingüística. Assim, a
heteroglossia se faz perceber na linguagem não-discreta do signo, onde suas
nuances e características específicas só podem ser percebidas através da leitura
do texto como uma unidade indivisível e indissociável. E o caráter discreto da
escrita, com suas regras e ordenação sucessiva de caracteres, representa a
monoglossia da língua, a unidade da língua natural.
Os indícios aqui apresentados para uma possível homologação do
conceito de heteroglossia com o campo teórico da semiótica da cultura apontam
no sentido de convergência, mas para averiguar se de fato essa possibilidade se
confirma ou não é necessária uma pesquisa mais aprofundada e específica, que
contextualize os diferentes campos teóricos. Fica, então, aqui apontado o
159
caminho de desenvolvimento da pesquisa iniciada nesta dissertação de mestrado.
e) O suporte e as transformações na escrita.
O suporte sempre esteve intrinsecamente ligado à escrita desde seu
surgimento, não sendo raro em sua história casos em que uma língua deriva
diferentes tipos, de acordo com o material utilizando para a escrita, como atesta
Higounet:
Desde o século I na Hégira (622), quando os documentos se tornaram
mais numerosos, a escrita árabe evoluiu para dois tipos, o cúfico e o
nashki, cuja diferença decorre, sobretudo na origem, do material
utilizado.
O cúfico, que vem do nome da cidade de Kufa do Eufrates, se liga às
primeiras inscrições pré-islâmicas. É uma caligrafia monumental ou de
manuscritos em couro ou pergaminho e se caracteriza por uma linha de
base horizontal sobre a qual sinais angulosos e rígidos se implantam
verticalmente. (...)
O nashki, escrita de “copista”, traçada com um cálamo (qalam) sobre
papiro ou outros suportes lisos, era a escrita corrente, de formas flexíveis
e arredondadas. Ela se opõe ao cúfico também pelo aspecto que dá sua
decomposição em miúdos elementos encurvados. (2003: 76)
O exemplo acima mostra claramente como o suporte participa da
configuração do traçado, tipo de letra e tipo de escrita utilizada nele. Portanto, a
influência do suporte na estética da escrita e na composição de sua linguagem faz
parte não apenas de seu presente, mas de sua história.
Se o suporte mantém com a escrita uma relação dialógica, então é
claro que modificações no suporte e em suas técnicas de impressão do signo
alfabético implicarão mudanças na estruturalidade do signo e na forma com que
suporte e signo se relacionam.
Diante de tantas transformações pelas quais o signo escrito alfabético
está passando, dando origem a novas linguagens e modificando linguagens já
existentes, parece-me contraditório afirmar que a escrita está caminhando para
160
seu fim. Ela está sim, exercitando sua capacidade modelizadora, dialogando com
outras linguagens, descobrindo novos suportes, novas possibilidades e se
transformando.
Assim, o que parece estar chegando ao fim é a possibilidade de se
isolar um sistema sígnico de outro, ainda que este isolamento seja hipotético.
Retomando a citação de Pignatari
No universo dos signos, o período das regiões estanques parece estar
chegando ao fim. A região verbal, permeando outros códigos, deixou-se
também permear por eles; dir-se-ia que a palavra – a escrita, mais do
que a falada – já não é a mesma, depois do surgimento, da multiplicação
e do desenvolvimento dos meios de reprodução e de comunicação de
massa propiciados pela Revolução Industrial. (1995: 250)
Portanto, podemos confirmar a hipótese segundo a qual o signo
escrito alfabético não está passando por um processo de extinção, mas de
transformação dentro da cultura. E com tantas mudanças ocorrendo em seu
sistema sígnico, é bem-vinda uma pausa para reflexão: será que esse momento
pelo qual está passando a escrita alfabética na cultura ocidental é um momento
de explosão
14
?
14
O conceito filosófico de explosão foi desenvolvido por Lótman no livro Cultura y Explosion, onde o autor
descreve esse fenômeno dentro da semiosfera como sendo “uma expansão sobreposta a um processo gradual”
(Machado, 2007). É desta hipótese apresentada sob a forma de questionamento que parte a continuidade
desta pesquisa.
161
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