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papel de juizes ou mordomos. Os juizes eram pessoas importantes que
auxiliavam o procurador da festa tanto na logística da festividade como nas
rezas, ladainhas e cânticos. Tratava-se de pessoas cuja religiosidade e fé eram
inabaladas, assim como a conduta pessoal de cada um deles dentro e fora dos
domínios da localidade. A obediência às regras sociais, assim como a
conservação da moral e dos costumes tornavam-se condição essencial para a
participação nas festividades nos postos de organizadores, a saber, na
hierarquia: procurador da festa, juizes e mordomos.
“Justino também festejava São João, saltava fogo, fazia fogueira. Os tições e as capelas eram
guardados pra usar em dia de tempestade. Porque você sabe que em matéria de chuva de
vento, de fogo e assombração, não tem nada igual. É só usar estas coisas que passa. Tem que
rezar também, não adianta querer que uma chuva de vento passe se não orar pra São José
que faz chover, faz ventar e faz parar. A fogueira ele tirava uma árvore quase morta, mas com
muitos galhos e aí ele pendurava as prendas. Era só coisa boa: tinha rapadura, cana, manga,
mangaba, corte de tecido, avoador, brevidade, peta e era muita coisa. Ele ia juntando as coisas
bem antes e aí ele fazia a festança. Enquanto a fogueira queimava, ficava um enxame de
menino saltando fogo, assando batata e abóbora e os mais velhos crismando na fogueira,
enquanto outros saltavam fogo. Lá pelas tantas, apareciam os caretas que eram dois: um
vestido de mulher, bem desengonçado, com máscara preta, pintada de carvão e os dentes
eram de sementes de laranja, com um lenço amarrando na cabeça, usavam uma capa preta e
uma saia grande. Os caretas já saíam de dentro de casa dando chicotadas nos meninos, era
um chicote de três pontas. Era um vestido de homem e outro vestido de mulher, mas os dois
eram homens. Aí eles faziam graça, brincavam de namorar, beijavam os dois, corriam atrás do
povo e só via correria, divertindo o povo todo. Quando a fogueira já estava pra cair todo mundo
caía em cima. Aqueles mais fortes conseguiam pegar o que queriam. Os outros ficavam com
os restos, mas era bom do mesmo jeito. Aí quando acabava a fogueira tinha o samba e o
sanfoneiro. Eram duas latadas, duas festas. A roda de samba com os reiseiros, Seu Zé Maria,
Bernardo Preto, Leandro, Teodoro de Maria de Reimunda, Daliberto do Mane Gome e outros
que nem me lembro. Tinha a chula de Leandro que quando estava lá pro fim da festa eles
cantavam:”Adeus Joana, Adeus, Adeus, Adeus Joana que já vou me embora”. Aí o outro
respondia: “Adeus Seu Zé, adeus, adeus, adeus Seu Zé até uma hora”. Tinha outros dizeres,
mas não me lembro. Na outra latada ficava o sanfoneiro cantando, tocando e comendo poeira.
Os mais novos gostavam de dançar um forró lascado. Na latada do forró ficavam aqueles mais
modernos que queriam namorar e aí as mães e os pais ficavam vigiando as filhas
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”.
Para os moradores do Cercado, a Roda de São Gonçalo é um cerimonial da
maior relevância, cuja tradição remonta aos primeiros moradores do lugar.
Composta por uma complexa dança, cada roda dura cerca de uma hora e
meia, sendo que cada vez que alguém resolve dançar uma roda, outros
moradores também aproveitam para pagar suas promessas dançando até dez
rodas por noite, o que é extremamente cansativo para dançarinos e tocadores.
Mas estes de nada se queixam, sentem que estão cumprindo uma obrigação.
Cada vez mais o número de pessoas habilitadas para dançar a roda se rarifica.
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M.L.S., 57 anos, moradora do Cercado.