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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Paulo Roberto de Medeiros Kreter
Atores e Interesses Chilenos nas Negociações com o Mercosul:
a Política Exterior do Chile para o Mercosul nos Anos 1990-2000
Porto Alegre, 2006
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1
Paulo Roberto de Medeiros Kreter
Atores e Interesses Chilenos nas Negociações com o Mercosul:
a Política Exterior do Chile para o Mercosul nos Anos 1990-2000
Dissertação de Mestrado apresentada como
requisito parcial para a obtenção do título de
mestre em Relações Internacionais no
Programa de Pós-Graduação em Relações
Internacionais do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (IFCH/UFRGS).
Orientadora: Profª. Drª. Heloísa Conceição
Machado da Silva
Porto Alegre, 2006
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2
Catalogação na Publicação
K92a Kreter, Paulo Roberto de Medeiros
Atores e interesses chilenos nas negociações com o mercosul : a
política exterior do chile para o mercosul nos anos 1990- 2000 /
Paulo Roberto de Medeiros Kreter ; orientação de Heloisa
Conceição Machado da Silva, 2006.
188 f. : il. color.
Dissertação (mestrado em Relações Internacionais) – Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas. Programa de Pós-Graduação em Relações
Internacionais, Porto Alegre, BR-RS, 2006.
1. Política Externa 2. Chile 3. Mercosul 4. Comércio Exterior 5.
Acordos de Complementação Econômica 6. Regionalismo Aberto I.
Silva, Heloisa Conceição Machado da II. Título.
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Paulo Roberto de Medeiros Kreter
Atores e Interesses Chilenos nas Negociações com o Mercosul:
a Política Exterior do Chile para o Mercosul nos Anos 1990-2000
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Dissertação apresentada para apreciação e parecer da banca examinadora
Membros da Comissão Examinadora
___________________________________________
Orientadora: Profa. Dra. Heloisa Conceição Machado da Silva
____________________________________________
Profa. Dra. Maria Susana Arosa Soares
____________________________________________
Prof. Dr. Raul Enrique Rojo
____________________________________________
Prof. Dr.(nome do professor e Instituição de Origem)
____________________________________________
Prof. Dr.(nome do professor e Instituição de Origem)
Porto Alegre, de novembro de 2006.
4
AGRADECIMENTOS
Para minha família que sempre me apoiou, se manteve ao meu lado, buscou se fazer
presente, dando as bases para que, mesmo nos momentos difíceis, me mantivesse bem,
acompanhado e feliz. Para meus pais por serem o modelo e exemplo, cuja conduta procuro me
espelhar.
Para minha orientadora, Professora Doutora Heloisa Conceição Machado da Silva, que
em nenhum momento me deixou só, manteve sempre um diálogo saudável, não teve
problemas em fazer qualquer tipo de comentário, enriquecendo minha pesquisa. Ajudou, leu,
pesquisou, sugeriu, ao longo de mais de um ano de relação, sem jamais apresentar descrença
ou dúvida sobre minhas capacidades. Professora, pesquisadora e grande amiga, serei sempre
grato.
Ao governo brasileiro por ter proporcionado o estudo em uma instituição pública de
alta qualidade. A CAPES, cuja bolsa de estudos foi tão importante para que eu pudesse me
dedicar em tempo integral à minha pesquisa. Ao corpo docente, cujo conhecimento e didática
enriqueceram minha vida intelectual e fomentaram minha paixão pelas Relações
Internacionais.
Agradeço ainda a coordenação do Mestrado em Relações Internacionais da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em especial à coordenadora, Doutora
Maria Susana Arosa Soares que, com sua dedicação, buscou elevar o conceito do Curso. A
Beatriz Accorsi, uma das pessoas mais positivas que conheci em toda minha vida, e que
sempre dedicou um pouco de seu tempo para ajudar a mim e a meus amigos de turma.
5
A todas as pessoas que, de maneira direta ou indireta, contribuíram para eu pudesse
me adaptar à cidade de Porto Alegre, a qual me integrei e passei a considerar meu novo lar.
6
RESUMO
O objetivo desta dissertação é explicar os motivos que levaram os subseqüentes
governos do Chile a não se tornarem membros plenos do Mercado Comum do Sul (Mercosul)
durante a década de 1990. Faz-se a abordagem através de uma análise das mudanças ocorridas
no Chile, a partir de meados da década de 1960 até o ano 1990, para explicar a atuação do
país em âmbito regional. Por possuir características singulares, o Chile iniciou a década de
1990 redemocratizado, economicamente estável e com altas taxas de crescimento, o que
despertou a atenção dos demais países da América Latina, que estavam reestruturando suas
economias e seu papel no cenário internacional – principalmente Brasil e Argentina. A análise
da história contemporânea do Chile e a forma como se conduziu sua política externa são as
bases que sustentam esta dissertação. Ao reestruturar seu corpo diplomático e incrementar as
relações entre o Estado e os setores privados chilenos, o país possuiu uma estratégia de
inserção internacional que deu prioridade a outras regiões do mundo, relegando o Mercosul a
um segundo plano em sua agenda de política internacional. Esta postura em sua política
externa, levou o Chile a não se tornar membro pleno do Mercosul durante a década de 1990.
Palavras-chave: Política Externa. Chile. Mercosul. Comércio Exterior. Acordos de
Complementação Econômica. Regionalismo Aberto.
7
ABSTRACT
The present thesis seeks to explain the reasons why Chile did not became a South Cone
Common Market member (Mercosur) during the 1990 decade. The changes occurred in the
Chilean politics during the middle 1960's decade explain its Southern Cone foreign policy at
the 1990's decade. Chile, with its particular characteristics, begun the nineties democratized
with economic stability and high taxes of economic growth. This fact attracted the attention of
other neighbor countries in Latin America that where restructuring their economies and parts
at the international scenario, especially Brazil and Argentina. Chilean contemporary history
analysis and the way its foreign policy was conducted are the basis which sustain this thesis.
Restructuring its diplomatic team and improving the relations between Chilean public and
private sectors, made the country start a new strategy of international insertion giving priority
to other regions of the world, relying to Mercosur a secondary position. This international
politic position led Chile not to be a Mercosur full member during the 1990 decade.
Keywords: Foreign Policy. Chile. Mercosur. Southern Cone. International Trade. Treaty of
Economic Complementation. Open Regionalism.
8
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Cronologia dos principais acontecimentos 1964-1989...........................48
Quadro 2 - Situação e oposição dentro da sociedade chilena referente ao Plano
de Chicago..................................................................................................................68
Quadro 3 - Composição e evolução das exportações, 1960-2000..............................82
Quadro 4 - Os atores Não-Governamentais da Política Comercial Chilena..............93
Quadro 5 - Os Atores Públicos da Política Comercial Chilena ................................104
Quadro 6 - A Política Exterior do 1º Governo da Concertación...............................109
Quadro 7 - Especialização e reestruturação exportadora de bens, grandes fases......118
Quadro 8 - Consulta popular referente à conveniência de um TLC
com os EE. UU. ..........................................................................................................129
Quadro 9 - Cronologia das Relações Econômicas Internacionais
do Chile (1990-1994) .................................................................................................146
Quadro 10 - Elementos chave da política externa do governo de Eduardo Frei
Ruiz-Tagle ..................................................................................................................154
Quadro 11 - Intercâmbio Comercial do Chile com o Mercosul (em milhões
de dólares) ..................................................................................................................161
Quadro 12 - Posição das principais organizações empresariais frente ao
Mercosul, expressada ante a Comissão Mista do Congresso Nacional do Chile .......164
Quadro 13 - Principais aspectos do acordo Chile-Mercosul......................................169
Quadro 14 - Análise comparativa dos resultados imediatos do ACE-35
para o Chile.................................................................................................................171
Quadro 15 - Cronologia das Relações Econômicas Internacionais do Governo
de Eduardo Frei Ruiz-Tagle (1994-2000) ..................................................................178
9
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Quantidade e procedência dos Embaixadores do Chile sob os governos
de Allessandri, Frei, Allende e Pinochet .....................................................................36
Gráfico 2 - Votos condenatórios da situação de Direitos Humanos no Chile na
Assembléia Geral da ONU (1974-1985) ......................................................................38
Gráfico 3 - Assistência econômica dos EE.UU. e fontes multilaterais (em milhões
de US$)........................................................................................................................39
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................................12
2 RETROSPECTO HISTÓRICO: de Allende à redemocratização (1964 - 1990) .........20
2.1 Eduardo Frei Montalva (1964-1970): a Política Externa da Revolução em
Liberdade..............................................................................................................27
2.2 O Governo de Salvador Allende: a via democrática para o socialismo ............30
2.3 Regime Militar (1973 – 1990): radicalismo e ortodoxia em prol do interesse
nacional ................................................................................................................35
3 ATORES, REGIONALISMO ABERTO E NEOLIBERALISMO: adoção,
aplicação e retórica na busca de um consenso..................................................................51
3.1 Breve Histórico do Ideário Cepalino: do desenvolvimentismo ao regionalismo
aberto...................................................................................................................57
3.2 O Pensamento da Escola de Chicago e sua Influência no Regime Militar do
Chile: o legado da ditadura econômica ...............................................................61
3.3 Os Empresários Chilenos como Atores Sociais e a Evolução de suas Relações
com a Junta Militar e a Concertación ...............................................................71
3.4 Os Partidos Políticos que compõe a Concertación e os Partidos de Oposição:
notas sobre sua atuação no período pós-redemocratização ..................................86
3.5 As Relações entre os Partidos Políticos, Sindicatos de Trabalhadores
e Agremiações Empresariais .............................................................................90
3.6 Política Externa do Chile e a Reinserção Internacional durante a Década de
1990: os atores governamentais e o papel que desenvolveram na elaboração e
tomada de decisão.................................................................................................94
4 O GOVERNO DE PATRICIO AYLWIN (1990 - 1994): reinserção internacional
e o segundo passo exportador ..........................................................................................105
11
4.1 Estratégia de Inserção Internacional: as mudanças do primeiro governo
da Concertación....................................................................................................107
4.2 Relações entre os Setores Público e Privado: as agremiações setoriais e o
primeiro governo da Concertación.......................................................................117
4.3 A Política Exterior do Chile para as Américas: opção excludente e relações
político econômicas..............................................................................................123
4.4 Breve Histórico do Mercosul e as Relações Iniciais com o Governo da
Concertación ........................................................................................................132
4.5 Balanço do Governo Aylwin: redemocratização e reinserção internacional......142
5 O GOVERNO DE EDUARDO FREI RUIZ TAGLE (1996 - 2000): a diplomacia
para o desenvolvimento e a aproximação ao Mercosul....................................................149
5.1 A Não-Adesão ao Nafta: uma negociação frustrada...........................................155
5.2 O Início das Negociações com o Mercosul........................................................158
5.3 Crise Asiática e seu Reflexo na Política Externa Chilena...............................174
5.4 Balanço da Política Externa do Governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle
para o Mercosul ..................................................................................................176
6 CONCLUSÃO.................................................................................................................182
REFERÊNCIAS ................................................................................................................187
12
1 INTRODUÇÃO
A década de 1990 foi marcada por grandes acontecimentos internacionais, que
tiveram, em maior ou menor grau, influência em todo o mundo. Foi o início de um período
que, passados dezesseis anos, permanece inconcluso, devido ao reordenamento do sistema
internacional. Parte-se dessa premissa devido a um cenário caracterizado pelo fim da Guerra
Fria, a ascensão do ideário neoliberal, a revolução tecnológica, que acarretou na intensificação
dos fluxos de capitais, bens, e pessoas. Foi, sem dúvida nenhuma, uma década de grandes
paradoxos e perguntas que ainda estão por serem respondidas.
Com o fim do regime soviético, a hegemonia norte-americana era tida como certa.
Única superpotência remanescente, seja no aspecto econômico, militar e cultural, levando
muitos analistas a acreditarem que o mundo seria regido pela égide da Pax Americana. Na
Guerra do Iraque, no ano de 1990, a ação das Forças Armadas dos Estados Unidos da
América (EE.UU.) que impediu a invasão do Kuwait pelo governo do líder iraquiano Saddam
Hussein, era, inicialmente, apontada como o mais importante sinal do predomínio norte-
americano. Anos depois, em um período que vai de 1993 até o ano 2000, a economia dos
EE.UU. apresentou índices de crescimento econômico histórico, enquanto a economia
japonesa passava por um forte período de recessão. Já a Europa Ocidental - envolta em
questões referentes ao processo de integração da Comunidade Econômica Européia
(posteriormente chamada de União Européia) - teve que lidar com o maior dinamismo e
competitividade não só dos EE.UU., como também dos países do Sudeste Asiático; que veio a
13
se tornar uma das mais importantes regiões na economia mundial, e principal foco de
investimentos de conglomerados econômicos internacionais.
Fenômeno de grande importância, e que gerou algo semelhante a um sistema
econômico multipolar em âmbito mundial, foram os projetos de integração criados em várias
regiões do mundo. Para citar apenas os mais importantes; na América do Norte, no ano de
1994, é assinado o North American Free Trade Agreement (NAFTA), que incluiu os EE.UU.,
o Canadá e o México; na Europa Ocidental, como citado acima, o processo de integração
européia entra em uma nova etapa, aumentando a interdependência dos países da região - que
posteriormente veio a ser comparado a um supra-Estado, objetivando estabelecer um novo
status no processo de integração regional. E, finalmente, no decorrer desse período, no
Sudeste Asiático, surge a Asia Pacific Economic Cooperation (Apec), que tem por membros
não apenas países dessa região, mas também da América do Norte, Central, do Sul, e Oceania.
Este bloco conforma um novo corredor econômico, ligando as Américas à Ásia através do
Oceano Pacífico.
Como dito acima, foi um período que gerou muitas interrogantes e poucas respostas
conclusivas, dada a complexidade apresentada pelo sistema internacional que passou a
vigorar. Fizeram, primeiramente, alusão à chegada do fim do Breve Século XX, outros ainda
apontaram para o fim da História, enquanto processo dialético com base na disputa de dois
modelos ideológicos, que culminou com a vitória do modelo liberal. Outro corte analítico de
grande impacto, mas que foge ao objeto de análise da presente pesquisa, trata o novo cenário
internacional como tendo por principal característica o Choque de Civilizações como forma
de análise para melhor compreensão dos fenômenos internacionais. O mundo - antes dividido
ideologicamente - estaria sendo reordenado, caracterizado principalmente pelas diferenças
culturais entre as distintas percepções da realidade. Seria o embate entre o Ocidente e o
Oriente, e a busca por estabelecer um diálogo ante o inevitável choque cultural.
14
Nesse contexto, tal qual em décadas anteriores, a América Latina - e a América do Sul
em especial - se encontrava em posição marginal. Ideologicamente, os movimentos de
esquerda na região, a partir da década de 1960, foram solapados pela Operação Condor,
orquestrada pelo governo dos EE.UU., que apoiou as Forças Armadas dos países do Cone Sul
a reprimir uma eventual insurgência comunista. Pode-se afirmar que o desenvolvimento da
política na região sofreu um período de paralisia, resultado direto de uma forte repressão aos
movimentos vinculados à esquerda. Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, sofreram
golpes militares e, levando em conta as particularidades de cada um destes países, todos
estiveram imersos em um ambiente de inatividade dos setores político-ideológicos,
prejudicando o processo democrático e a maturação política nesses países.
Em retrospecto, buscando identificar as características apresentadas pelo Chile,
especificamente, pôde-se observar que este país possuía particularidades que o caracterizaram
de forma distinta quando comparado aos demais países do Cone Sul. O golpe Militar no Chile
foi, certamente, o marco para todo um processo de reestruturação econômica e política que, a
longo prazo, resultaram em um país fortemente influenciado pelo pensamento neoliberal e que
relegou ao setor privado a maior parte das atividades econômicas. Esses são apenas alguns
fatores – dentre os mais importantes – que levaram os sucessivos governos da Concertación
de los Partidos por la Democracia (1990-1994 e 1994-2000) a desenvolverem uma política
externa que diferiu significativamente das de Brasil e Argentina.
Ao iniciar a pesquisa, que tem por tema as relações entre o Chile e o Mercado Comum
do Sul (Mercosul), durante a década de 1990, constatou-se o pequeno número de estudos
voltados para a política externa do Chile em instituições de pesquisa brasileiras. A distância
entre as perspectivas de inserção internacional é relevante para elucidar, ainda que de forma
parcial, a lacuna existente nos estudos de Relações Internacionais no Brasil sobre o tema ao
qual trata este trabalho. O mesmo não ocorre com outros países da América Latina que
15
abarcam a política externa chilena e contribuíram de maneira significativa para a presente
pesquisa.
É a partir dessa perspectiva que a presente pesquisa foi desenvolvida, no qual as
mudanças estruturais, a postura economicista e mercantil, a desideologização político-
partidária, são características particulares ao Chile, e que influenciaram nas relações
exteriores ante seus pares sul-americanos, especialmente Brasil e Argentina, que ergueram as
bases para a criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul). Como forma de iniciar o
trabalho em questão, no segundo capítulo, faz-se uma retrospectiva da História do Chile entre
os anos de 1964 a 1990. Não se trata de um corte temporal, e sim da necessidade de apontar o
início de um processo que começou após o golpe militar no país, no ano de 1973 e vai até a
redemocratização, no ano de 1989. Sob o regime de exceção, o Chile apresenta similitudes
incontestes aos que prevaleceram nos países do Cone Sul no mesmo período. Pode-se afirmar
que foi uma das ditaduras militares mais radicais dentre os demais países da região, dado o
alto grau de polarização político-ideológica vigente pouco antes do golpe militar,
característica da política chilena no final da década de 1960 e início da de 1970.
Ao longo de todo o governo militar no Chile, os distintos atores que tiveram influência
na vida política do país também passaram por mudanças no cerne de suas posições enquanto
atores sociais. O terceiro capítulo trata justamente das mudanças dos papéis dos diferentes
atores da sociedade chilena, como também do ideário político-econômico que foi adotado no
Chile e que exerceu forte influência em sua política externa, mesmo após a redemocratização
do país. Os atores analisados no capítulo são os partidos políticos que compõe a
Concertación, os mais importantes para a presente análise e que se mantêm no poder até os
dias atuais. As mudanças que resultaram da necessidade de alcançar um consenso entre os
representantes de várias vertentes ideológicas implicou na flexibilização das posturas dos
membros desses partidos – acabando com um longo período de rivalidade.
16
Outro ator, um tanto híbrido, mas de grande importância para a presente pesquisa, são
os economistas chilenos conhecidos como Chicago Boys. Estes foram responsáveis pela
adoção do ideário neoliberal logo após o golpe militar no Chile. A partir de então a influência
desses atores foi crescendo gradativamente. Enquanto o general Augusto Pinochet mantinha o
controle sobre a Junta Militar, os Chicago Boys assumiram o comando da economia do país.
A liberalização radical da economia chilena mudou de maneira significativa a política externa
do país e a idéia de inserção internacional, no período pré-golpe militar, até então fortemente
influenciada pelo ideário da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe
(CEPAL).
Os Chicago Boys mantiveram grande influência na política do Chile, mesmo após a
redemocratização. A situação decorre do vínculo que esse grupo de economistas tinha tanto
com o governo militar (e, posteriormente, com os partidos da Concertación) como também
entre os principais setores econômicos do Chile. Fato de grande relevância foi a filiação dos
Chicago Boys aos partidos políticos chilenos, a partir da segunda metade da década de 1980.
Desde então a condição de economista passou a ser quase um pré-requisito para adesão a
algum partido. No período em que se propôs analisar a política externa chilena, ficou patente
o predomínio de temas econômico-comerciais na agenda de política externa dos dois
governos da Concertación. A tecnocratização e o pragmatismo foram os principais legados
deixados pelos Chicago Boys nas Instituições Públicas do Chile.
No período estudado, o Chile teve um grande número de grupos de pressão, para a
presente pesquisa foram enfatizados os mais ativos e protagônicos, representados pela:
Confederación de la Producción y del Comercio (CPC), Sociedad Nacional de Agricultura
(SNA), Sociedad de Fomento Fabril (SOFOFA ou SFF), e a Asociación de los Exportadores
de Manufaturas (ASEXMA). Após o Golpe Militar de 1973, houve um reordenamento das
agremiações que apoiavam o governo, até então estavam composta dos voltados para o
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mercado interno. Com o golpe militar, foi ocorrendo, de forma gradual, uma nova composição
dos setores privados ligados ao governo e que lhe deram respaldo. A partir de então o governo
do Chile promove uma série de mudanças em sua política econômica que favoreceu os setores
voltados para o mercado internacional. Houve um momento de crise, quando o endividamento
desses setores quase levou a economia do Chile à insolvência, e pela primeira vez durante o
regime militar o Estado teve de intervir para estabilizar a economia do país. A partir de
meados do ano de 1986, a economia chilena iniciou um ciclo de crescimento que foi até o ano
de 1998, quando teve início a crise asiática.
Após o rompimento com o pensamento cepalino, que foi adotado pelos dois governos
que antecederam o Golpe Militar, prevaleceu no Chile o ideário econômico neoliberal.
Contudo, ao início da década de 1990, há uma reaproximação por parte do governo de
Patricio Aylwin, primeiro presidente da Concertación, ao conceito formulado pela CEPAL
conhecido como regionalismo aberto. Elaborado por pesquisadores da CEPAL, tendo Gert
Rosenthal como principal expoente, propõe uma nova forma de inserção econômica
internacional para os países latino-americanos. A importância deste tomo está diretamente
ligada ao retorno do pensamento cepalino na política pública externa do Chile. Mas há de se
fazer uma observação, o reencontro está mais próxima às mudanças ocorridas dentro da
CEPAL do que serem resultado de uma reavaliação na política econômica adotada pelo Chile.
No quarto capítulo é abordada a política externa do primeiro governo da
Concertación, quais foram as suas prioridades, quais atores tiveram papel predominante
enquanto grupo de pressão, e como esses fatores influíram na política externa para o
Mercosul. O objetivo inicial do Chile era de um acordo comercial com os EE. UU., ou a
participação nas negociações para a criação do NAFTA. O objetivo não foi alcançado no
governo de Patricio Aylwin, o que não significou prostração ante as mudanças que estavam
ocorrendo no cenário internacional. O surgimento e/ou criação de blocos econômicos, o
18
reordenamento político, econômico e geoestratégico, foram temas prementes e que impeliram
os tomadores de decisão do governo da Concertación a elaborarem uma agenda concernente a
que a realidade internacional demandava. As relações entre o governo do Chile e os
representantes do Mercosul, no início dos anos 1990, foram mínimas. O governo de Patricio
Aylwin fez consultas para estudar a possibilidade do Chile participar das negociações que
culminaram com o Tratado de Assunção. Dadas as disparidades em relação à política de
comércio exterior e o estágio avançado de inserção internacional alcançado pelo Chile no
período, o governo deste país optou por não fazer parte do bloco.
Após a primeira metade da década de 1990, a realidade internacional havia mudado
por completo. O NAFTA já havia sido criado, o Mercosul apresentava altas taxas de
incremento em suas relações comerciais nos âmbitos interno e externo ao bloco. A partir
dessas premissas é que se desenvolve o quinto e último capítulo, onde ocorre a principal
mudança na política externa chilena ante os blocos regionais pertencentes às Américas,
referentes à não-adesão do Chile ao NAFTA e da aproximação com o Mercosul - então o
principal objetivo na política externa chilena para a América Latina. O capítulo inicia com o
mal fadado resultado das negociações do Chile para tornar-se sócio do NAFTA, resultado da
oposição do Congresso norte-americano à requisição do fast-track feita pelo então presidente
Bill Clinton. Ao iniciar seu governo, o presidente Eduardo Frei Ruiz-Tagle junto a seus
Ministros avaliavam como pouco provável uma adesão ao NAFTA. Ao contrário do que foi
previsto, o Chile, na Cúpula das Américas de 1994, é convidado pelos representantes dos
países partícipes do NAFTA a integrar o bloco. A notícia deu novo vigor aos interesses
público e privado chilenos, que almejavam a condição de membro do NAFTA desde que esse
bloco fora criado. A proposta não vingou, resultado de questões referentes à política interna
dos EE.UU.
19
Como o presidente Eduardo Frei Ruiz-Tagle já havia manifestado a opção de seu
governo por uma maior aproximação à América Latina, a não-adesão ao NAFTA levou o
governo chileno a investir num acordo com o Mercosul. Foi um período conturbado, devido
às distintas políticas comerciais adotadas pelos membros do Mercosul em relação à do Chile,
e também pela oposição manifestada pelo setor agrícola chileno, que levou a questão ao
Congresso Nacional do país. Também existiram setores entusiastas no estabelecimento do
acordo, representados principalmente pelos setores da economia chilena produtores de bens
com maior valor agregado e que tinham na América Latina seu principal mercado. O
resultado das negociações do segundo governo da Concertación com os representantes do
Mercosul foi a criação de uma nova forma de associação. Nela as questões pendentes sobre
comércio foram resolvidas, enquanto o aspecto político do acordo, de grande significado para
o governo do Brasil, não alcançou o grau de integração almejado inicialmente.
Pode-se colocar que ao final da década de 1990 as negociações entre o governo do
Chile e os representantes do Mercosul ficaram em aberto. Fatores endógenos ao bloco, como
a crise do Real, moeda brasileira, e exógenos, como a crise no Sudeste Asiático, a qual afetou
fortemente a economia chilena, levaram a uma estagnação nas relações Chile-Mercosul. O
projeto se manteve, o governo do Brasil, no ano 2000, tentou revitalizar o bloco. Mas foi um
período de difícil aplicabilidade de tal objetivo devido aos sinais de declínio apresentada pela
economia mundial, implicando numa diminuição nas transações econômicas internacionais.
São fatores que obstruíram diretamente as iniciativas integracionistas da América Latina no
início do século XXI.
20
2 RETROSPECTO HISTÓRICO: de Allende à redemocratização (1964 - 1990)
Na segunda metade do século XX a América do Sul foi influenciada pelo ordenamento
mundial então vigente, onde o bloco capitalista – liderado pelos EE.UU. – e o socialista –
liderado pela União Soviética – travavam uma disputa por áreas de influência nas regiões
periféricas do mundo. Este fenômeno ficou conhecido como Guerra Fria e, tal como em
outras regiões do mundo, como a Ásia e a África, incidiu diretamente na política interna dos
países sul-americanos.
Dentre os países desse continente o se Chile sobressai por ter apresentado uma disputa
ideológica que levou o país a adotar políticas extremas e que resultou em um regime de
exceção. Já no ano de 1964, após Eduardo Frei Montalva assumir a presidência, a tendência à
radicalização ideológica já havia se iniciado – um processo gradual, que culminou no ano de
1973. A realidade política do país transpôs para sua política interna as tensões latentes
referentes às questões internacionais e que tornaram o Chile o centro das atenções da
sociedade internacional. É a partir desse ponto que começa a análise do presente capítulo,
onde a crise institucional, influenciada por fatores internos e externos, levou o país a um
regime ditatorial e à uma política econômica de cunho ortodoxo. Estes acontecimentos se
mostraram de suma importância para a presente pesquisa devido à influência que tiveram na
redefinição da política externa do país, e a relação que os subseqüentes governos do Chile,
após o período de redemocratização, mantiveram com os países do Cone Sul.
Inicia-se o presente capítulo abordando o radicalismo político-ideológico e as
21
mudanças institucionais e estruturais que dele resultaram. Com os governos de Eduardo Frei
Montalva (1964-1970) e Salvador Allende (1970-1973), fortemente influenciados pelo
pensamento cepalino, houve um aumento gradual nas divergências entre os atores internos do
Chile e um aumento das pressões internacionais. O ápice da crise ocorreu após o rompimento
da elite econômica que apoiava o governo de Salvador Allende, que veio a se somar com a
crescente insatisfação premente entre o alto escalão das Forças Armadas do país, culminando
com a derrubada do presidente e o estabelecimento de uma ditadura militar.
No dia 11 de setembro de 1973, as Forças Armadas do Chile deram um golpe de
Estado, alegando estar protegendo o país da ameaça comunista. Segundo Joaquín Fermandois
(1999, p. 48, tradução nossa):
As grandes alterações nas relações internacionais do Chile na segunda
metade do século XX, relacionam-se com o choque de percepções acerca da
ordem mundial no interior da sociedade chilena. A relativa continuidade que
se produziu desde o começo do século XX foi substituída por um forte
embate ideológico.
Francisco Rojas Aravena (1997, p. 49), porém, afirma que "[ . . . ] apesar das grandes
mudanças e dos diferentes métodos utilizados, há uma persistência dos objetivos da política
exterior chilena ao longo deste período [1964-1997]." As duas idéias são trabalhadas no
presente capítulo buscando fazer uma breve exposição da crise institucional que surgiu no
Chile, e de como a ditadura militar reformulou a política externa do país. As mudanças então
implementadas influenciaram os governos de período democrático, na década de 1990, e são
de suma importância para a melhor compreensão da política externa dos dois primeiros
governos da Concertación de los Partidos por la Democracia.
Segundo Joaquim Fermandois (1999), antes do Golpe Militar de 1973, era consenso
entre os analistas chilenos que, no âmbito político, o Chile possuía uma história ordenada
isto é, um país de tradição democrática, com instituições públicas estáveis, sem ruptura ou
22
golpe de Estado. Mas após a crise de 1973, a qual resultou no golpe militar, o autor defende
que esta tese não se mantém, tendo por base a radicalização político-ideológica que vigorou
no Chile, que resultou em um período de dezesseis anos de regime de exceção. Entre as
décadas de 1970 e 1980, o Chile passou por transformações institucionais que modificaram
significativamente a suposta normalidade histórica.
No período de 1964 a 1989, o Chile passou de um regime democrático e pluralista
para uma ditadura militar de extrema direita. A política externa chilena não ficou isenta da
crise, a qual atingiu seu ápice no governo de Salvador Allende e que acarretou o subseqüente
golpe militar. No governo da Unidade Popular
1
, a política externa chilena tinha como
características principais: a integração regional, a universalização das relações internacionais,
o respeito à soberania e ao ordenamento internacional. Após o golpe militar, a política externa
chilena foi marcada pelo isolacionismo político e pela abertura unilateral de seu mercado. A
mudança radical no sistema político chileno e as medidas econômicas ortodoxas implicaram
em mudanças no cenário político do país.
No período em que houve o golpe militar no Chile, o sistema internacional estava
dividido ideologicamente entre o bloco capitalista, liderado pelos EE.UU., e o socialista,
liderado pela União Soviética, os quais disputavam áreas de influência na periferia mundial. A
crise institucional pela qual passou o Chile entre os anos de 1970 e 1973, despertou o
interesse da sociedade internacional, devido ao confronto ideológico e a radicalização que
dele resultou. Em sua análise, Joaquim Fermandois (1999) afirma que o fator ideológico
rompeu com a continuidade histórica do país, pois o regime democrático chileno foi
interrompido abruptamente, e em seu lugar foi instaurada uma ditadura militar.
1
Os partidos e movimentos que integravam a Unidade Popular aprovaram o programa básico dessa coalizão em
17 de dezembro de 1969. O texto inicia-se com um diagnóstico que ressalvando a profunda crise pela qual o
Chile estava passando, a qual se manifestava na pobreza generalizada e no abismo social e econômico.
Prossegue com o programa da Unidade Popular, a constituição do poder popular e de um Estado Popular, a
construção de uma nova economia planificada e a definição das tarefas sociais, culturais e internacionais que
deveria abordar o novo governo (ARAVENA, 1997).
23
Durante a Ditadura Militar, o Chile passou a ser considerado pela sociedade
internacional um Estado pária no âmbito político-diplomático, o que levou a Junta Militar a se
afastar dos foros internacionais, principalmente da Organização das Nações Unidas (ONU),
alegando que esta constituía uma ameaça à soberania do país. A política econômica adotada
pelo regime militar, fortemente influenciada pelo ideário neoliberal, tinha o objetivo de
compensar a oposição dos principais países capitalistas em relação à ditadura militar chilena
(FERMANDOIS, 1999).
No decorrer do regime militar foi adotado o ideário da Escola de Chicago, uma
política econômica elaborada pelos acadêmicos da Faculdade de Economia da Universidade
de Chicago, e que exerceu forte influência sobre os economistas chilenos pós-graduados nessa
instituição (MONTECINOS, 1997). O grupo de economistas que assumiu o comando da
economia do Chile após o Golpe Militar, abriu unilateralmente o mercado, dando ênfase ao
aspecto econômico-comercial em detrimento do político-diplomático. O Ministério das
Relações Exteriores teve seus principais postos ocupados por membros da Junta Militar. Estes
adotaram uma postura de afastamento e reticência nas relações exteriores do Chile, dando
ênfase à luta contra o comunismo (FERMANDOIS, 1999).
De 1974 até 1980, o Chile passou por constrangimentos que o tornaram conhecido
internacionalmente como um símbolo de radicalismo institucional e ortodoxia econômica.
Durante a década de 1970 e início da década de 1980, dois acontecimentos tiveram grande
influência na acepção negativa do Chile emvel internacional: o assassinato do ex-Ministro
das Forças Armadas do Chile Orlando Letelier, em Washington, capital dos EE.UU., no ano
de 1976; e a vitória para presidente dos EE.UU. de James Carter (1978-1982), que tinha em
sua agenda internacional a defesa dos direitos humanos.
No Chile, a política econômica neoliberal (FFRENCH-DAVIS, 2002), que foi adotada
pelo regime militar, levou o país a uma grave crise econômica no início dos anos 1980, a qual
24
ficou conhecida como crise da dívida externa. Esta teve origem inicialmente no México e
afetou as economias dos países da América Latina. No período setor privado era o principal
devedor no Chile, dado que, durante o governo de Augusto Pinochet, a política de
privatização foi levada ao extremo, delegando ao Estado o papel de subsidiário
2
. Durante os
primeiros anos de ditadura militar no Chile, a elite econômica teve livre acesso ao crédito
internacional com o respaldo dos tecnocratas do governo e dos organismos financeiros
internacionais – Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). A dívida
internacional do setor privado chileno causou constrangimento nas relações com os credores
internacionais e gerou uma forte recessão econômica no país entre os anos de 1982 e 1984.
Nesse período, pela primeira vez durante o regime militar, a política econômica do governo
foi questionada pelo setor privado e reavaliada pelos membros do governo, o que resultou
numa mudança, ainda que temporária, na política econômica do Chile. Grosso Modo, foram
adotadas as seguintes medidas: aumento no imposto sobre as importações, visando proteger o
país da concorrência estrangeira; e maior participação do Estado no controle dos fluxos de
capitais, com o objetivo de impedir que a economia do país ficasse vulnerável a ataques
especulativos (GATICA; MIZALA, 1990).
Após a crise de 1982, os principais setores da economia chilena foram
progressivamente recuperando seu poder de pressão sobre o governo militar e, após um
período de desentendimentos com o regime, conseguiu fazer valer seus interesses. As medidas
econômicas não significaram um rompimento com o programa de liberalização econômica,
que vinha sendo aplicado desde 1974, mas sim uma solução paliativa para contornar a Crise
da Dívida Externa. Logo após a estabilização econômica, entre os anos de 1985 e 1986, foi
dada continuidade à política econômica de corte neoliberal. A partir de 1987, o Chile inicia
2
Conforme Gatica e Mizala (1990, p. 54): Redução da ação estatal na promoção e orientação do
desenvolvimento econômico, tendo a iniciativa privada como motor deste novo modelo. Marcada pela menor
intervenção estatal na economia e drástica redução no tamanho do setor público. Eliminaram-se instituições,
principalmente as que apoiavam e promoviam atividades produtivas e as que restaram foram fundidas e
reorganizadas. Início de umpido processo de privatização.
25
uma nova fase de crescimento econômico, que continuou durante a década de 1990. Com a
recuperação econômica, o movimento de oposição ao regime militar arrefeceu, mas os
vínculos com instituições internacionais e o ressurgimento de setores da sociedade chilena –
como os partidos políticos –, deram ensejo ao processo que culminaria no ano de 1989, com
as eleições presidenciais e o fim do regime militar (MONTECINOS, 1997).
As mudanças no Chile - como o abrandamento da ditadura militar, a volta à legalidade
dos partidos políticos, e a reavaliação das medidas econômicas-, foram influenciadas pelas
mudanças no sistema internacional. Na União Soviética, no decorrer da década de 1980, o
sistema socialista foi se exaurindo, e entrou em colapso no ano de 1990. A distensão
ideológica gerada por tal fato enfraqueceu a posição da Junta Militar, que tinha no
anticomunismo uma forma de legitimar o regime. Na América Latina, a redemocratização e o
colapso do modelo desenvolvimentista foram acontecimentos que transformaram
completamente o cenário político na região (CERVO, 2001). Os Estados social-democratas da
Europa Ocidental perderam dinamismo econômico, levando a um processo de reformas
políticas no modelo do welfare state. O ideário neoliberal passou a ser o modelo de
revitalização econômica, tendo os EE.UU. e a Grã-Bretanha como símbolos. Em síntese, a
década de 1980 foi um período de transição e de grandes mudanças no sistema internacional -
ideológica, geopolítica e econômica.
Nesse contexto, o Chile estava numa condição paradoxal, pois, diferentemente dos
demais países da região, o regime militar do general Augusto Pinochet manteve forte
repressão aos opositores do regime ainda na década de 1980. Contudo, sua política-econômica
era analisada como sendo de vanguarda, devido às medidas liberalizantes adotadas no início
da ditadura militar. Devido a fatores internos e externos
3
, a Junta Militar do Chile esteve sob
forte pressão para dar início ao processo de redemocratização – que só veio a ocorrer em 1988
3
A Constituição de 1980 previa um plebiscito referente à redemocratização ou não do país para o ano de 1988.
Em âmbito internacional, o governo do general Augusto Pinochet sofreu forte pressão dos países ocidentais
para o fim da ditadura militar (WILHELMY; DURÁN, 2003).
26
-, com o plebiscito referente à continuidade ou não do regime militar e a subseqüente vitória
das forças democráticas. Mas, por ter adotado uma política econômica de corte neoliberal e
apresentar um bom desempenho econômico no final dos anos 1980, o Chile, ao contrário dos
demais países latino-americanos, passou a ser apontado gradativamente como um modelo a
ser seguido.
O plebiscito de 1988
4
, contrariando as expectativas da Junta Militar, foi favorável à
redemocratização do Chile. O acontecimento atraiu a atenção da sociedade internacional,
devido ao fato da ditadura chilena ter sido muito combatida por países e órgãos internacionais
de defesa dos direitos humanos. O resultado foi a vitória esmagadora do NO
5
, isto é, não a
continuidade do regime militar. A chapa que defendia a redemocratização do país era
composta por partidos de centro e esquerda, a qual posteriormente viria a se chamar
Concertación de los Partidos para la Democracia. Os principais partidos políticos que
compunham a chapa eram: Partido Socialista (PS), Partido Por la Democracia (PPD),
Partido Demócrata Cristiano (PDC), Partido Radical Social Democrata (PRSD). No ano de
1989, quando houve a primeira eleição para presidente, após dezesseis anos de ditadura
militar, foi eleito presidente Patricio Aylwin, candidato da Concertación, iniciando um novo
período na história recente do Chile.
Os militares deixaram o poder, ainda que de forma parcial, com um legado de
repressão política e unilateralidade na adoção da política econômica de cunho ortodoxo.
Apesar da afirmação de que a transição para a democracia no país foi tranqüila e bem-
sucedida, alguns aspectos institucionais permaneceram e influenciaram a condução da política
no país. A redemocratização não significou, necessariamente, um rompimento total com o
legado deixado pelos militares – inseridos na Constituição de 1980 -, e que teve influência na
4
Plebiscito referente à continuidade ou término do regime militar, previsto pela Constituição de 1980, a
Constituição em Liberdade, criada pela Junta Militar (1980 CONSTITUTION, [entre 2003 e 2005], online).
5
Campanha liderada pelo Partido Demócrata Cristiano (PDC), junto aos demais partidos de centro e esquerda
que defendiam o retorno à democracia, isto é, “não” a permanência do regime militar (MONTECINOS, 1997).
27
condução da política econômica do país (FERMANDOIS, 1999).
2.1 Eduardo Frei Montalva (1964-1970): a Política Externa da Revolução em Liberdade
No ano de 1964, assumiu a presidência do Chile o candidato do Partido Demócrata
Cristiano (PDC), Eduardo Frei Montalva (1964-1970), concorrendo pela chapa cujo nome era
Revolução em Liberdade. O conceito essencial foi estabelecer uma democracia integrativa,
isto é, um governo de inclusão social, direcionada para a parcela mais pobre da sociedade
chilena. Em sua operacionalização, três aspectos foram centrais:
a) o humanismo cristão, que coloca o homem no centro da ação;
b) uma consciência crescente da elite governamental a respeito do caráter progressivo
da marginalização social, que caracteriza o subdesenvolvimento e a tensão que este
gera; e,
c) o respaldo substancial às instituições democráticas (ARAVENA, 1997).
O desenvolvimento político durante todo esse governo voltou-se principalmente para
geração de formas que permitissem incorporar os setores marginais ao sistema econômico,
cultural e político do País. As perspectivas chilenas conformavam-se às linhas gerais da
Aliança para o Progresso (ALPRO). Em sua política exterior o governo Eduardo Frei
Montalva buscou criar uma imagem que fosse percebida pela sociedade internacional – e
principalmente pelo governo dos EE.UU. -, como um contraponto à Revolução Cubana.
Na percepção do sistema internacional, houve uma forte influência do pensamento do
economista argentino Raúl Prebisch, líder intelectual da CEPAL. As relações diplomáticas
foram universalizadas no governo da Revolução em Liberdade, restabelecendo vínculos com
28
a União Soviética e outros países do centro e leste europeu. No entanto, as relações
diplomáticas com Cuba não foram renovadas, visando não criar tensão nas relações com os
EE.UU.
A mudança estrutural mais significativa impulsionada pelo governo de Frei Montalva,
no campo social, foi a política de reforma agrária. Outra decisão de grande importância no
âmbito nacional, e de um forte impacto internacional, foi o início do processo da estatização
da indústria e jazidas de cobre. Esse processo de estatização só foi concluído no governo
seguinte, de Salvador Allende.
Segundo Francisco Rojas Aravena (1997, p. 54), são três os elementos essenciais para
explicar porque o Chile, a partir de meados da década de 1960, ganha uma projeção ante a
sociedade internacional maior do que sua localização geoestratégica, e sua situação
econômica e política:
[ . . . ] a) a institucionalidade e os processos políticos democráticos; b) o
estilo pragmático e moderado da diplomacia, baseados numa racionalidade
jurídica; c) um contexto externo no qual a consistência e a coerência da
política nacional gerava um sentido de liderança, no sistema bipolar da
Guerra Fria.
Um dos projetos mais significativos impulsionado pela administração de Eduardo Frei
Montalva referia-se ao processo de integração. Esse conceito de integração estava vinculado
ao nacionalismo latino-americano, procurando na união dos países da região a resposta para o
desenvolvimento econômico e social. A vontade e a necessidade de se integrar eram
concebidas pelo governo de Eduardo Frei Montalva como uma maneira de alcançar a
autonomia política e a independência econômica. A intenção de concretizar esse objetivo se
manifestou em diferentes iniciativas, como a criação do Pacto Andino e Comissão Econômica
Latino-Americana (CECLA).
A política exterior do Chile nesse período ficou caracterizada como não sendo
29
apropriada, devido à tensão entre o bloco capitalista e o bloco socialista no sistema
internacional. A política externa do governo de Eduardo Frei Montalva buscou não tomar
medidas que desagradassem o governo dos EE.UU., no entanto, a reaproximação com os
países socialistas foi uma decisão de grande relevância. As tensões ideológicas que vigoravam
no sistema internacional nesse período tiveram reflexo na sociedade chilena, cujos setores de
esquerda e direita travavam uma disputa ideológica que resultou num alto grau de polarização
entre os partidos políticos chilenos. No período os movimentos sociais tinham grande
influência na política do país, ligados aos partidos políticos, os quais pressionavam para que
suas reivindicações fossem atendidas.
Apesar do programa de governo da Revolução em Liberdade ter como objetivo a
inclusão social, visando diminuir as desigualdades sociais no país, os setores que compunham
a elite econômica do Chile não foram desfavorecidos. A política de Industrialização através
da Substituição de Importações (ISI), permitia que os setores da economia chilena voltada
para o mercado interno gozassem das vantagens de não ter que competir internacionalmente.
No entanto, a política de reforma agrária gerou polêmica, por ter afetado os interesses dos
grandes proprietários de terras.
Durante o governo da Revolução em Liberdade, o Chile passou por um período de
relativa ordem em sua política interna devido a gradual guinada para a esquerda. O presidente
Eduardo Frei Montalva, buscou adotar reformas estruturais sem crise institucional ou
insurgência. Essas reformas foram aplicadas de forma regular, tendo o Estado como principal
ator na promoção do desenvolvimento econômico e social. Seria, em suma, a antítese do
modelo cubano. A condição de aliado do bloco capitalista jamais foi contestada, a meta era
alcançar o desenvolvimento sem romper com a ordem internacional vigente no período
(ARAVENA, 1997).
30
O governo de Eduardo Frei Montalva chegou ao fim deixando um legado de
busca por uma via alternativa, o qual possibilitasse ao país manter-se
capitalista sem, contudo, deixar de lado as questões sociais e econômicas.
Pode-se colocar como sendo um período de transição, apontando para uma
radicalização ideológica, que atingiu seu ápice no governo subseqüente de
Salvador Allende. Essa reorientação ideológica levou a uma maior
aproximação com os países do bloco socialista e levou a uma situação de
tensão nas relações do governo do Chile com os EE.UU. (ROBLEDO, 1997,
p. 177).
2.2 O Governo de Salvador Allende: a via democrática para o socialismo
No dia 24 de outubro de 1970, Salvador Allende, candidato do Partido Socialista (PS),
concorrendo pela chapa Unidade Popular
6
, assume a presidência do Chile. A sociedade
chilena no período vivia o ápice da polarização ideológica, onde partidários do PDC e do PS
disputavam de maneira acirrada o poder no Chile. Reflexo dessa situação, as eleições
presidenciais foram as mais disputadas de toda a história do Chile. A eleição de Salvador
Allende implicou numa guinada ao ideário socialista, ainda que a adoção deste devesse
ocorrer por vias democráticas. Durante o breve período de governo de Salvador Allende, o
objetivo foi efetuar uma transformação global do Estado. Devido ao seu caráter
intervencionista e estatizante, os setores oposicionistas começaram a se organizar antes de
Salvador Allende assumir a presidência.
As relações entre civis e militares no Chile, no decorrer do século XX, foram
marcadas pelo alto grau de tensão. A ascensão de Salvador Allende à
presidência levou a um aumento na busca por um entendimento com as
Forças Armadas. A conduta do governo ante as Forças Armadas foi
resultado direto do temor que vigorava entre os militares de que estavam
perdendo o monopólio da violência, devido principalmente à crise
econômica que o país passava e o alto grau de movimentos sociais, que
possuíam um forte vínculo com os partidos de esquerda. Salvador Allende
6
Chapa composta pelo Partido Socialista (PS) e Partido Comunista (PC) (MEMORIA CHILENA:..., [2004a],
online).
31
procurou resolver algumas demandas básicas no âmbito econômico e de
aquisições referentes à defesa do País, e designou membros das Forças
Armadas para assumirem importantes cargos governamentais. (ARAVENA,
1997, p. 49-75).
A presidência buscou estabelecer uma área de responsabilidade e capacidade
institucional que permitisse o desenvolvimento estável do país, num momento caracterizado
por mudanças substantivas. Daí a criação de um gabinete civil-militar, visando estabelecer
boas relações com as Forças Armadas.
A política exterior do governo da Unidade Popular não se afastou dos elementos
centrais que até então constituíam as bases fundamentais da política exterior chilena e que lhe
davam continuidade e coerência. Salvador Allende buscou universalizar as relações
diplomáticas e consolidar os princípios da não-intervenção e da autodeterminação, por
intermédio do respeito aos diferentes sistemas políticos e da oposição às fronteiras
ideológicas. A reafirmação dos princípios tradicionais de respeito à soberania,
autodeterminação, paz e cooperação internacional, a universalização das relações
internacionais e a igualdade jurídica dos Estados possibilitaram reatar relações diplomáticas
com países do Bloco Socialista
7
. O conceito de universalização das relações internacionais
possibilitou, nesse caso, sua vinculação ao conceito de solidariedade internacional, cuja
expressão principal consistia no reconhecimento político de um marco de disputa bipolar da
Guerra Fria.
Durante o breve governo da Frente Popular foram tomadas medidas que causaram
grande impacto nos âmbitos nacional e internacional. Salvador Allende deu continuidade à
política de reforma agrária e concluiu a nacionalização da indústria do cobre, processo que
havia sido iniciado no governo de Eduardo Frei Montalva. O Programa de Governo da Frente
Popular previa reformas radicais na economia do Chile, o que significou o aumento do grau
7
"São eles: Cuba, República Popular da China, Coréia do Norte, Vietnã do Norte, República Democrática
Alemã, Nigéria" (ARAVENA, 1997, p. 56).
32
de intervenção estatal na economia do país através, principalmente, da estatização de
empresas-privadas nacionais e internacionais. O objetivo fundamental consistia em recuperar
a capacidade de dispor livremente dos recursos naturais e do parque industrial do país, para
avançar rumo à independência política e econômica. Todavia, o projeto de governo teve fortes
opositores, dentro e fora do Chile, o que impediu que o programa de governo de Salvador
Allende fosse concluído.
A ação do governo norte-americano foi particularmente significativa e buscou,
primeiramente, obstruir a chegada de Salvador Allende ao poder e, depois de eleito,
inviabilizar seu programa de governo. As retaliações por parte do governo dos EE.UU.
ficaram conhecidas pelo nome de bloqueio invisível
8
, e afetaram de maneira estrutural a
economia do Chile. Os processos de estatização produziram uma crise institucional e
econômica que teve início no ano de 1972. A crise política deve-se à obstrução do processo
regimental, quando os congressistas de oposição procuraram inviabilizar a ação do Poder
Executivo. A crise econômica, reflexo da tensão político-ideológica, afetou o
desenvolvimento da produção nacional, em um contexto de hiperinflação e alta taxa de
desemprego.
A política exterior do governo da Unidade Popular buscou um realinhamento
internacional no intuito de obter o apoio dos países do bloco socialista. Essa perspectiva era
pouco viável, por estar em descompasso com a tendência global, e marcada por uma gradual
diminuição de tensões entre as grandes potências. A busca por alianças internacionais do
governo Salvador Allende estava estruturada da seguinte forma: consolidar apoio e
solidariedade dos países da América Latina; aumentar as relações com países do bloco
socialista; incrementar os vínculos com os países da Europa Ocidental, em especial àqueles
8
Oposição indireta ao governo de Salvador Allende patrocinada pelos EE.UU., cuja intenção era inviabilizar o
governo (ARAVENA, 1997).
33
que possuíam um sistema político pluralista similar ao chileno
9
. O governo da Unidade
Popular acreditava que através dessas decisões obstruiria as medidas de sabotagem do
governo dos EE.UU. de buscar desestabilizar o governo chileno, gerando um espaço para as
transformações estruturais.
Ao analisar retrospectivamente, as medidas tomadas durante o governo de Salvador
Allende relativas à política exterior do Chile, percebe-se que não houve uma adequada
visualização do significado e da importância que os EE.UU. outorgavam ao caso chileno.
Porém, mais importante, foi o fato da União Soviética não ter efetuado qualquer ação
significativa ou demonstrado apoio especial ao governo de Salvador Allende. Outro ponto,
também de grande importância, era que um realinhamento chileno em direção ao bloco
soviético geraria um problema sério com os EE.UU., e prejudicaria os esforços a favor da
distensão entre as superpotências. Em um período anterior, tratando do mesmo assunto, o
governo da República Popular da China já havia advertido o governo de Salvador Allende,
colocando que este deveria se manter mediante esforços internos e dar uma ênfase menor à
via da solidariedade internacional (WILHELMY; DURÁN, 2003). A política de não-
alinhamento também não contribuiu para uma melhora dos vínculos com os países europeus e
não logrou despertar a solidariedade dos países latino-americanos (ARAVENA, 1997).
A política exterior do governo de Salvador Allende foi paradoxal, porque utilizou um
instrumento de corte tradicional a serviço de uma política revolucionária. Essa difícil situação
somou-se à tensão interna, a qual membros do governo buscaram reverter através da
utilização de canais de comunicação extradiplomáticos com os governos de outros países e
atores próximos da Unidade Popular.
Entre os anos de 1972 e 1973 a tensão na política interna do Chile foi crescendo
9
Uma série de autores faz referência à França e Itália, apontando-os como os que o regime democrático chileno
apresentava maior similaridade, também havia um forte vínculo entre os partidos políticos destes países e seus
pares chilenos (ARAVENA, 1997; FERMANDOIS, 1999; WILHELMY; DURÁN, 2003).
34
gradativamente, a polarização e a anomia ganhavam cada vez mais força
10
. Com a perda de
controle tanto no âmbito político quanto no econômico, o governo de Salvador Allende
alcançou um nível de instabilidade irreversível. Rapidamente a crise política se transformou
em uma crise institucional. A oposição ao governo da Unidade Popular era composta pelo
governo dos EE.UU., a elite econômica nacional, os partidos políticos de oposição – liderados
pelo PDC - e as Forças Armadas; numa conjugação entre interesses nacionais e estrangeiros.
Essa situação terminou com o levante militar que resultou no golpe de Estado, no dia 11 de
setembro de 1973 (WILHELMY; DURÁN, 2003). Tal acontecimento marcou uma ruptura na
história política do Chile
11
.
O Golpe militar que derrubou Salvador Allende foi um acontecimento de forte
simbolismo, pois se tratava de um governo de esquerda, eleito democraticamente e deposto
pelos militares chilenos com o apoio dos EE.UU. Após o Golpe Militar, o discurso oficial
enfatizava a ameaça comunista e a necessidade de reprimi-la. É preciso, contudo, colocar
alguns pontos que foram determinantes para a queda de Salvador Allende: a política de
estatização rompeu a aliança então existente com a coalizão empresarial que apoiava o
governo; a efetiva privatização das jazidas de cobre e o caráter socialista da Unidade Popular
geraram forte oposição do governo dos EE.UU.; devido ao radicalismo político, setores de
direita, incluindo partidos políticos, empresários e intelectuais, acreditavam que a única
maneira de contornar a crise era através da força. São fatores de grande importância para
melhor compreensão do Golpe Militar e que refletem aspectos internos e externos
relacionados às mudanças ocorridas no Chile, em sua política interna e externa.
10
Greves generalizadas, escassez de produtos de primeira necessidade, hiperinflação e aumento na taxa de
desemprego.
11
Este é um ponto onde Joaquim Fermandois (1999) e Francisco Rojas Aravena (1997, 2000) divergem em suas
respectivas análises. O primeiro defende a idéia que o golpe militar resultou em uma ruptura na política
externa do Chile; enquanto Francisco Rojas Aravena mantém a tese de que as principais características desta
não sofreram grandes mudanças. Após analisar o material levantado acredita-se que a tese de Joaquim
Fermandois reflete melhor o ocorrido.
35
2.3 Regime Militar (1973 – 1990): radicalismo e ortodoxia em prol do interesse nacional
Com o golpe militar de 11 de setembro de 1973, as Forças Armadas do Chile, sob a
liderança do general do Exército Augusto Pinochet, assumem o poder. O Golpe Militar gerou
reações diversas nos países da sociedade internacional. Enquanto os militares chilenos tinham
o apoio, ainda que velado, do governo dos EE.UU., as democracias européias manifestaram
sua oposição ao regime de exceção instaurado. Devido ao grau de radicalismo ideológico que
passou a imperar no Chile, no plano das relações diplomáticas o país se manteve isolado e
adotou uma postura defensiva ante as críticas internacionais. Tal situação ficou evidente no
escasso número de visitas oficiais ao Chile por representantes dos governos de outros países,
como também do general Augusto Pinochet ou membro da Junta Militar ao exterior
(FERMANDOIS, 1999). O corpo diplomático foi reestruturado, resultando em uma
militarização dos representantes no estrangeiro, como pode ser observado no Gráfico 1.
36
Gráfico 1 - Quantidade e procedência dos Embaixadores do Chile sob os governos de
Allessandri, Frei, Allende e Pinochet
Fonte: Muñoz, 1986, p. 308.
A política exterior do regime militar inaugurou um estilo de confrontação ideológica
com os países do bloco socialista, fazendo do anticomunismo o eixo central da política
internacional chilena. A manutenção de relações diplomáticas com a República Popular da
China foi uma exceção – justificada sob o ponto de vista do princípio de não-intervenção -,
motivada por considerações de Realpolitik por ambas as partes. A militância ideológica do
governo, suas práticas repressivas e seu rápido distanciamento do objetivo principal - de
restabelecer o regime democrático -, geraram tensões com as principais democracias
ocidentais.
As relações exteriores da Junta Militar chilena foram restringidas devido à falta de
legitimidade outorgada a ele pelos países do bloco capitalista; característica que marcou a
política exterior do regime militar durante todo o período em que esteve no poder. A partir de
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Serviço Exterior
23 21 37 25
Forças Armadas
01230
Outros Civis
24
30 21 9
J. Alessandri Eduardo Frei S. Allende
. Pinochet (julho 1985)
37
1974, a Junta Militar manifestou a intenção de estabelecer um regime ditatorial de longo
prazo, e o general Augusto Pinochet foi, sistematicamente, consolidando e expandindo seu
poder dentro da Junta Militar. Tais acontecimentos foram, no decorrer dos anos de ditadura
militar, somando-se e contribuíram para obstruir as relações exteriores do país (WILHELMY;
DURÁN, 2003).
Nos órgãos multilaterais, houve investigações e sucessivas condenações na Comissão
de Direitos Humanos e na Assembléia Geral das Nações Unidas – ver Gráfico 2. Ante tal
cenário adverso, ao terminar o ano de 1973, o governo chileno reagiu convocando uma
Consulta Nacional para o ano de 1978. Em um plebiscito, os cidadãos chilenos deveriam
decidir entre o “respeito à soberania nacional” ou os “ditames das organizações mundiais”. A
realização de tal ato, sem registros eleitorais (os existentes até o golpe de Estado haviam sido
destruídos), garantias políticas e jurídicas dos eventuais dissidentes, não teve o efeito
legitimador da previsível vitória oficial da Junta Militar.
38
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Votos condenatórios da situação de direitos humanos no Chile na Assembléia Geral da ONU (1974-
1985)
A favor
90 95 95 96 96 93 95 81 85 89 93 88
Contra
8 11 12 14 7 6 8 20 17 17 11 11
Abstenções
26 23 25 25 3 28 39 40 41 38 40 47
1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985
Gráfico 2 - Votos condenatórios da situação de Direitos Humanos no Chile na Assembléia
Geral da ONU (1974-1985)
Fonte: Muñoz, 1986, p. 308.
No âmbito das relações com os EE. UU., as administrações republicanas dos
presidentes Richard Nixon e Gerald Ford prestaram apoio ao governo militar. A partir de
1976, contudo, a relação entre Washington e a Junta Militar muda, devido a dois
acontecimentos de grande importância. Em setembro de 1976, na capital norte-americana,
ocorreu o atentado terrorista que matou o ex-Ministro de Defesa Nacional e ex-Embaixador
do Chile nos EE.UU., Orlando Letelier. Tal fato causou grande constrangimento nas relações
entre os dois países. A gravidade desse feito foi agravada quando identificaram a participação
de agentes enviados pela Direção de Inteligência Nacional (DINA), órgão encarregado de
39
supervisionar a segurança do governo chileno. O outro fato foi a eleição para a presidência
dos EE.UU., do candidato do Partido Democrata, James Carter. Quando assumiu o poder, o
novo presidente dos EE.UU. reorientou a política externa do país em relação à América
Latina, colocando como principal objetivo a defesa dos direitos humanos e dos valores
democráticos.
0
50
100
150
200
250
300
350
400
Frei Allende Pinochet
Assistência econômica dos EUA e fontes multilaterais (em milhões de US$)
Estados Unidos: Ajuda Econômica Direta Banco Mundial Banco Interamericano de desenvolvimento
Gráfico 3 - Assistência econômica dos EE.UU. e fontes multilaterais (em milhões de US$)
Fonte: Muñoz, 1986, p. 308.
As relações com os países sul-americanos tampouco foram favoráveis ao governo
militar chileno devido à tensão existente com os países fronteiriços. No Peru, o então
presidente Salvador Velasco, militar de tendência socialista, criticava abertamente o regime
militar do Chile, procurando desviar a atenção da sociedade peruana dos problemas internos
do país. O governo do Chile buscou um entendimento com o governo da Bolívia, mas a
40
situação se manteve tensa, perpetuando o clima de inimizade referente à Guerra do Pacífico
(1879-1883). A situação permanece assim até os dias de hoje, Chile e Bolívia mantêm apenas
relações consulares.
Entre os anos de 1977 e 1978, surge uma forte crise diplomática com a Argentina,
referente a uma velha disputa territorial e marítima, na zona austral do Canal de Beagle e ilhas
adjacentes. O laudo arbitral britânico foi favorável ao Chile, mas o governo argentino
declarou não aceitar a decisão, classificando-a como uma nulidad insanable. A posição do
governo argentino constituiu o obstáculo mais sério à política de segurança do Chile sob o
governo militar. Paradoxalmente, a ameaça não provinha de algum dos países do bloco
socialista, mas de outro regime burocrático-autoritário, que tinha afinidade na percepção do
sistema internacional. Foi preciso a intervenção do Vaticano, através do Papa João Paulo II,
para mediar as negociações entre os dois países e impedir o início de um conflito armado.
A situação junto aos países vizinhos, como dito acima, era de tensão e a hipótese de
uma guerra era considerada uma possibilidade não muito remota. Ante esta situação o
governo militar chileno agiu pragmaticamente buscando diminuir as frentes de
vulnerabilidade percebidas a sua volta. Não obteve sucesso com Peru, Bolívia e Argentina. O
único país com o qual o Chile procurou se aproximar, e obteve um relativo sucesso, foi o
Brasil, que no período também estava sob o jugo de uma ditadura militar. Tal aproximação foi
considerada pelo governo militar chileno sob um prisma geoestratégico, devido à postura
hostil dos países vizinhos. A Junta Militar acreditava ser preciso fazer algum tipo de aliança
com um país sul-americano para contrabalancear as adversidades com os governos dos países
limítrofes ao Chile.
No decorrer do governo militar (1973-1990) foi adotada uma política
econômica ortodoxa, com ênfase à abertura unilateral do mercado chileno,
inserindo a economia do país no mercado internacional e influenciando
diretamente na condução da política exterior do Chile. O país sofreu um
extenso isolamento diplomático; sem dúvida, a aversão de alguns governos
41
de Estados da sociedade internacional afetou diretamente as relações
econômicas internacionais do Chile, de tal modo que a Junta Militar teve que
enfrentar situações extremas sem o apoio de nenhum outro Estado. Também
foi um momento de aprendizagem para as relações exteriores no período do
Pós-Guerra Fria, devido, principalmente, à inserção forçada da economia do
Chile à concorrência internacional. (FERMANDOIS, 1999, p. 49, tradução
nossa).
Desde a perspectiva econômica e comercial, o governo militar conseguiu manter uma
imagem positiva ante a sociedade internacional. Em uma primeira etapa, que vai do golpe até
começo da década de oitenta, o regime militar aplicou um modelo de desenvolvimento hacia
fuera (para fora), criando laços entre o governo, conglomerados industriais nacionais, e
instituições financeiras chilenas e estrangeiras. Dessa maneira, enquanto no âmbito dos
direitos humanos a imagem do governo militar estava fortemente abalada, no plano
econômico ajudava a reinserir e equilibrar tal posição. A bonança econômica que o país viveu
até o ano de 1981 resultou em uma projeção altamente positiva do governo nos círculos
econômicos internacionais.
O clima de triunfalismo do regime militar, após a primeira fase de reformas
econômicas, foi violentamente abalado com a quebra da Companhia Refinadora de Açúcar de
Viña del Mar (CRAV), em maio de 1981, marcando o início da crise do modelo econômico
vigente. Como resultado da política econômica adotada, o Estado teve de arcar com a imensa
dívida acumulada pelo setor privado nos anos anteriores a crise. O fim do crédito
internacional levou a uma escassez de crédito interna, o que paralisou a economia do Chile. A
crise do modelo fez com que o governo militar tivesse que lidar com os problemas
econômicos e a oposição política dos setores do centro e esquerda chilenos - reunidos na
Alianza Democratica (AD) -, que exigiam a redemocratização do país (SILVA, P., 1995).
A diminuição do comércio internacional e a profunda crise econômica interna,
levaram a uma forte recessão, e a reivindicação por parte do empresariado, a uma ação mais
ativa do Estado, ou seja, os empresários demandavam uma política mais pragmática. Os
42
empresários, através de suas agremiações, já não estavam mais dispostos a aceitar a
intransigência do regime militar, e argumentavam que a política econômica até então adotada
levara a um grande número de falências e fomentava a oposição política ao regime (SILVA,
P., 1995). Com a crise econômica, a questão das violações aos direitos humanos ganhou força,
e teve um reflexo negativo nas relações exteriores do regime militar. O aumento dos protestos
internos e, conseqüentemente, a repressão aos opositores do regime, contribuíram para
constranger o regime militar em suas relações exteriores.
Após contornar a crise, a partir de 1985, o regime militar do Chile passou a ser
percebido ante os países do bloco capitalista de maneira contraditória. Nas relações exteriores,
o isolamento político-diplomático do governo chileno não arrefecia; a Junta Militar parecia
carecer de uma política visando lidar com a oposição internacional, a qual era exacerbada pela
violência política, particularmente virulenta entre os anos de 1983 e 1986. Contudo, a partir
de 1987, num contexto de crise econômica dos países latino-americanos redemocratizados, a
política econômica do governo militar chileno começou a ser cada vez mais citada por
analistas e órgãos internacionais como modelo de êxito econômico, um exemplo a ser seguido
pelos demais países da região (FERMANDOIS, 1999).
A recuperação econômica teve reflexo na acomodação das forças internas do Chile,
cujos setores políticos ligados ao governo militar, e a recém-criada Concertación de los
Partidos por la Democracia, começaram a estudar a provável situação de uma futura
convivência entre civis e militares. A evolução interna e a repercussão internacional deram ao
plebiscito de 1988 - que para a Junta Militar tratava-se apenas de um formalismo -
características de uma instância arbitral (FERMANDOIS, 1999).
Nesse cenário, até o fim do governo militar, a missão do Ministério das Relações
Exteriores do Chile voltou a centrar-se em melhorar a imagem do regime ante a sociedade
internacional, através de critérios comerciais e econômicos que falavam de um país dinâmico
43
e ordenado. As boas relações entre o setor público e o privado, foram habilmente exploradas
pelos membros do corpo diplomático chileno, logrando derrubar barreiras ideológicas e o
isolamento gerado pela repressão aos opositores do regime. Contudo, por mais que o governo
militar do Chile fosse bem percebido internacionalmente no âmbito econômico, o mesmo não
ocorreu no âmbito político-diplomático.
A maneira pela qual os membros da Junta Militar conduziram a política do
Chile, levanta a questão sobre suas bases de sustentação. O regime militar
chileno teve importantes bases de apoio interno nos grupos que,
inicialmente, faziam oposição ao governo da Unidade Popular – agremiações
empresariais, os representantes do setor agrícola, e partidos de oposição
12
.
Os partidos de oposição ao governo de Salvador Allende ao perceberem os
planos da Junta Militar de se manter no poder, logo passariam à oposição,
com as dificuldades que então implicavam constituir-se como tal até o fim
do regime militar. (WILHELMY; DURÁN, 2003, p. 275, tradução nossa).
Enquanto setores político-partidários mantinham suas reticências em relação ao
governo militar e propunham o término do regime e o retorno à democracia, os principais
setores da economia do Chile – no caso, industriais, grandes agricultores, e instituições
financeiras – percebiam na nova política econômica uma promessa para superar a estagnação
econômica e a hiperinflação, assim como o surgimento de perspectivas comerciais e novas
oportunidades de investimentos.
A política exterior do regime militar implicou em mudanças no estilo do Ministério
das Relações Exteriores do Chile. Durante o governo militar a principal característica da
estratégia de política exterior esteve imbuída de uma complexa combinação de nacionalismo
(porque se propunha a defender os interesses nacionais contra a ingerência estrangeira), e
realismo (ligado diretamente ao plano econômico adotado, supostamente pragmático), através
de uma postura que procurava realçar o estilo bilateral, em detrimento do tradicional
12
É importante frisar que o apoio ao regime militar não foi incondicional e que teve, no decorrer dos dezesseis
anos de ditadura militar, componentes dos mais variados setores da economia do país, sem, contudo, lograr a
plena união dos vários setores da elite econômica e política em prol da manutenção do regime militar (SILVA,
P., 1995).
44
multilateralismo da diplomacia chilena. Nessa perspectiva, para o governo militar, o
multilateralismo representava uma visão utópica das relações internacionais, característica
que convertia os organismos multilaterais (principalmente a Organização das Nações Unidas)
em instâncias sensíveis a ideologias, sendo a maior parte destas incompatíveis com a opção
ocidentalista do novo governo chileno (MILET; ÁLVAREZ, 2003).
A partir da segunda metade da década de 1980, acorrem fatos que implicam
diretamente na vida política do país. Entre os anos de 1985 e 1986, a economia do Chile
apresenta sinais de crescimento econômico e de recuperação da Crise da Dívida Externa. A
recuperação econômica enfraqueceu a oposição, que tinha se valido da crise para pressionar a
Junta Militar a iniciar o processo de redemocratização do país. No contexto regional, os
demais países da região viviam períodos de crise econômica e instabilidade política. De forma
que a década de 1980 passou a ser conhecida como década perdida, dado o grau de recessão
econômica e crise institucional que marcaram a história recente dos principais países da
América Latina
13
.
Por apresentar índices econômicos acima da média dos países da América Latina, o
Chile passou a despertar o interesse dos governos de seus vizinhos na região. Acadêmicos e
políticos buscavam, com base no modelo chileno
14
, medidas políticas a serem adotadas,
visando inserir-se na economia mundial. O debate suscitou um acirramento entre economistas
estruturalistas e desenvolvimentistas chilenos, considerado por Verônica Montecinos (1997)
como o último grande debate antes do predomínio do Consenso de Washington; o que, na
visão da autora, implicou num entendimento entre os dois campos majoritários que
influenciavam a política econômica dos países da América Latina.
O referendo de 1988, que tratava da continuidade do regime militar ou o retorno à
13
Argentina e Brasil, países que durante esse período estavam incrementando suas relações e que viriam a
compor o eixo principal do Mercosul, passavam por momentos de forte crise econômica (ALMEIDA, 2002).
14
A existência de um modelo chileno é questionada por muitos analistas, que defendem a tese de que não se trata
de um modelo per se, mas um caso específico/singular, com poucas chances de dar certo em outro país
(FERMANDOIS, 1999).
45
redemocratização do Chile, marcou de maneira decisiva o futuro institucional do país. A Junta
Militar tinha como certa a vitória. Imperava entre os membros do alto comando a opinião de
que o eleitorado seria favorável à manutenção do regime de exceção. Estes tinham por base os
seguintes motivos:
a) a elite econômica do Chile, principalmente o setor agrícola, desconfiava dos setores
de oposição, porque estes estavam ligados aos partidos políticos que governaram o
país nos dois governos que antecederam o golpe militar – principalmente o Partido
Demócrata Cristiano (PDC) e o Partido Socialista (PS);
b) o crescimento econômico era avaliado entre os membros da Junta Militar como
sendo um ponto favorável e que influenciaria o eleitorado chileno. Como dito
acima, com a superação da crise da dívida, os movimentos sociais perderam força
reivindicatória e poder de pressão;
c) apesar do intercâmbio com organizações internacionais por parte dos opositores ao
regime militar, as bases de sustentação da oposição no Chile eram fracas e, num
primeiro momento, acreditava-se que não implicavam em ameaça ao regime
militar.
A oposição ao regime militar, conformada na chapa criada pela Alianza Democratica,
adotou algumas medidas para viabilizar o processo de redemocratização do Chile. Alguns
pontos devem ser elencados por tratarem das principais decisões da AD na busca de lograr a
vitória no plebiscito de 1988:
a) representantes dos partidos de oposição de centro e esquerda se uniram e chegaram
a um consenso sobre a estratégia para vencer o plebiscito. Para tanto, tiveram de
fazer concessões ideológicas, apesar de terem mantido um discurso de oposição à
política econômica adotada pelo regime militar;
b) foram criados centros de pesquisa privados no Chile ligados aos partidos políticos,
46
cujo objetivo era elaborar um plano de governo a ser implementado num futuro
governo democrático. Essa medida visava também a aproximação ao empresariado
chileno, e deixar claro que não haveria mudança na política econômica à que vinha
sendo aplicada – apesar das críticas feitas pelos opositores à política econômica no
período;
c) os tecnocratas – economistas neoliberais ligados aos partidos políticos –mediaram o
diálogo com o empresariado. Essa união entre tecnocratas e partidos políticos
resultou numa convergência de idéias entre os atores da sociedade chilena. Políticos,
empresários e sindicalistas se uniram na causa da redemocratização através de
reuniões, nas quais tratavam de questões relacionadas ao futuro regime democrático.
A oposição obteve a vitória no plebiscito e a opção pela redemocratização do país teve
grande repercussão nacional e internacional, devido à atenção despendida pelos governos e
demais atores internacionais ao caso chileno. A partir daí, os partidos políticos que
compunham a Concertación, começaram a fazer os preparativos para a campanha presidencial
de 1989. Os representantes dos setores de direita também se organizaram para a
redemocratização do Chile. No decorrer da década de 1980, foram criados partidos políticos
de direita, como o Partido Democrata Independiente (PDI) e o Renovación Nacional (RN),
ligados aos interesses dos militares e dos empresários próximos à Junta Militar. Esses partidos
tiveram candidatos próprios, mas não conseguiram obter um resultado expressivo nas eleições
de 1989.
A chapa da Concertación, cujo candidato era Patrício Aylwin
15
, conseguiu a vitória
nas eleições de 1989. Em nível nacional, apesar das reticências relacionadas ao futuro gover-
15
Candidato filiado ao PDC, maior partido entre os que compõem a Concertación (PARTIDO DEMOCRATA
CRISTIANO, [entre 1999 e 2006], online).
47
no democrático do Chile, os empresários através de suas agremiações
16
, foram gradualmente
se aproximando do governo de Patricio Aylwin. Os sindicatos de trabalhadores tiveram um
papel importante para a vitória da Concertación, apoiando-a devido ao tradicional vínculo
com os partidos de esquerda – principalmente o PS, como também por confiarem na promessa
de que seriam feitas reformas na legislação trabalhista - modificada durante o regime militar,
com a Constituição de 1980.
Internacionalmente, a vitória da Concertación foi bem recebida pelos países
democráticos, principalmente os da Europa Ocidental, que haviam fortalecido seus vínculos
com exilados políticos chilenos durante o período de ditadura militar. Os EE. UU. Também
apoiaram a redemocratização do Chile. As relações entre os dois países haviam sido muito
prejudicadas pela oposição que o Congresso dos EE. UU. Fazia ao governo do General
Pinochet. A redemocratização tornou mais forte o vínculo entre os dois países, os quais
passaram a apresentar afinidades no campo político, além da já existente no econômico. Na
América Latina foram muitas as manifestações de apoio ao novo governo, principalmente da
Argentina e do Brasil. As relações com os países limítrofes passaram para uma nova fase,
dado que foi intensificada a busca por acertar antigos contenciosos referentes às questões
fronteiriças.
Além das manifestações positivas da sociedade internacional, a redemocratização não
implicou em mudanças na política econômica que vinha sendo adotada pelo regime militar.
De forma que o Chile inicia a década de 1990 com o primeiro governo democrático após
dezesseis anos de ditadura militar, e com a economia crescendo à média de 6,5% ao ano. A
partir de então, o país passa a ser apontado como exemplo, por tratar de ser a melhor
expressão do que veio a ser conhecido como Consenso de Washington, e a ser apontado como
16
Dentre as agremiações e confederações chilenas, a que mais mostrou preocupação em relação à
redemocratização foi a Sociedad Nacional de Agricultura (SNA), por ter sido o setor mais prejudicado com os
governos de Frei Montalva e Salvador Allende. Também foi um dos setores mais beneficiados com o regime
militar (SILVA, P., 1995).
48
prova da viabilidade do modelo neoliberal para os países latino-americanos.
No decorrer do período que vai do ano de 1990 até 1994, duas características
marcaram de forma significativa a política externa do Chile durante o governo de Patricio
Aylwin: a afirmação dos valores democráticos em foros multilaterais, onde buscou ter
participação ativa; e a estratégia de regionalismo aberto, cujo objetivo era de assegurar
mercados para seus bens de exportação para as demais regiões do mundo. Isso significou uma
nova etapa na política comercial do processo de inserção internacional do Chile.
Data Acontecimento
1964 04 de setembro – Eduardo Frei Montalva é eleito presidente da
República do Chile, pelo Partido Demócrata Cristiano, com 55,6%
dos votos.
04 de novembro – Eduardo Frei Montalva assume a presidência do
país e dá início ao governo da Revolução em Liberdade.
1966 Janeiro – É dado início ao processo de estatização das minas de cobre
do Chile.
1967 Janeiro – é aprovada a Lei de Reforma Agrária, e tem início a etapa
inicial e transitória para os assentamentos, organização para a
exploração da terra até a transição definitiva da propriedade dos
terrenos. Os assentamentos estiveram sob a supervisão da Corporación
de la Reforma Agraria (CORA).
1970
04 de setembro – Salvador Allende Gossens, fundador do Partido
Socialista e candidato da Unidade Popular, é eleito presidente da
República com 36,3% dos votos.
22 de outubro – René Schneider, comandante-em-chefe das forças
armadas, é assassinado. Allende nomeia o general Carlos Prats para o
substituir.
Quadro 1 - Cronologia dos principais acontecimentos 1964-1989
(continua)
49
Quadro 1 - Cronologia dos principais acontecimentos 1964-1989
(continuação)
Data Acontecimento
1971
O presidente norte-americano Richard Nixon organiza o boicote
econômico do país.
11 de julho – Nacionalização do cobre e das grandes jazidas de
minério.
02 de setembro – Decretado o Estado de emergência.
1972
Outubro – A greve da Confederação Chilena de Transportes,
movimento amplamente financiado pela CIA, paralisa o país.
1973
04 de março – Com o apoio da democracia cristã, e por decisão do
Congresso, Salvador Allende vence as eleições legislativas com 43,4%
dos votos.
28 de junho – Um regimento de blindados ataca o palácio
presidencial. O golpe de Estado fracassa devido ao general Carlos
Prats, que apóia o presidente.
23 de agosto – Numa ação simbólica do legalismo militar, o general
Prats renuncia sob pressão de seus colegas de farda. Allende o
substitui pelo general Augusto Pinochet Ugarte.
11 de setembro – Golpe militar. Salvador Allende prefere se suicidar
a se render. Inicia-se uma repressão sangrenta que resultaria,
“oficialmente”, em 3 mil mortos e desaparecidos.
1974
26 de junho – O general Augusto Pinochet torna-se o “chefe supremo
da nação” por meio de um “decreto” da Junta militar.
1980
11 de setembro – O general Pinochet, através de um plebiscito, valida
uma nova Constituição, que prevê sua permanência no poder e a
realização de um novo plebiscito, programado para 1988, onde os
chilenos iriam escolher entre a continuidade do regime militar ou a
redemocratização.
50
Quadro 1 - Cronologia dos principais acontecimentos 1964-1989
(conclusão)
Data Acontecimento
1988
05 de outubro – O regime é derrotado por ocasião do plebiscito. O
general Pinochet anuncia que ficará no poder até o término de seu
mandato, em março de 1990.
1989
14 de dezembro – Vitória da coalizão Acordo para a Democracia
(CPD), que reúne 17 partidos. O democrata-cristão Patricio Aylwin é
eleito presidente da República com 55,2% dos votos.
Quadro 1 - Cronologia dos principais acontecimentos 1964-1989
Fonte: Elaboração própria com base nas seguintes fontes: CHILE, 30 Anos:...(2003, online) e
MEMORIA CHILENA:... ([2004b], online).
51
3 ATORES, REGIONALISMO ABERTO E NEOLIBERALISMO: adoção, aplicação e
retórica na busca de um consenso
Dentre os países latino-americanos, o Chile figura entre aqueles que, durante a década
de 1990, apresentou um dos índices mais altos de crescimento econômico. A taxa de
crescimento do país durante essa década ficou na média de 6,5% ao ano (1990-2000). Esse
desempenho foi resultado de um longo período de reformulações institucionais e políticas,
que teve início na década de 1970, após o golpe militar, e que obteve continuidade durante os
anos de 1990. O presente capítulo procura expor, de forma clara e sucinta, a dinâmica na
interação dos atores domésticos que mais influenciaram na política econômica e externa do
país, nos últimos trinta anos – numa conjunção de interesses público e privado.
A partir de meados da década de 1970, após a Junta Militar consolidar o
poder no Chile, a política externa do país ganha novas características,
passando a atuar como peça fundamental para o desenvolvimento econômico
nacional, através, principalmente, da abertura unilateral de seu mercado. Na
condução da economia do país foram chamados economistas cuja tarefa era
implementar uma política de corte neoliberal, tornando a economia do Chile
fortemente dependente do comércio exterior e dos fluxos de capitais
internacionais. No longo-prazo essas medidas resultaram num país com alto
grau de dinamismo e competitividade no mercado internacional. Vista pelo
prisma do desenvolvimento social, contudo, essa política econômica
implicou no aumento da concentração de renda para um pequeno grupo da
sociedade, desfavorecendo as classes mais baixas da sociedade, tornando o
Chile um dos países mais desiguais dentre os que compõem a América
Latina. (GATICA; MIZALA, 1990, p. 62).
No decorrer do presente capítulo será feita uma análise dos atores responsáveis pela
formulação e condução da política externa do Chile, na interação entre os setores público e
52
privado. Também será abordado o conceito de regionalismo aberto que, segundo os principais
analistas chilenos – Fermandois (1999), Klaveren (2000), Wilhelmy e Durán (2003) e Milet
(1998, 1999), é o que melhor define a política exterior do país durante a década de 1990. Os
atores aqui analisados são os que, no processo de interação da política interna, influenciaram a
tomada de decisão na política externa dos dois primeiros governos da Concertación (1990-
1994 e 1994-2000). No setor privado temos como principais atores as agremiações industriais,
principalmente aqueles setores da economia chilena voltados para o comércio exterior. Suas
respectivas agremiações mantiveram contato e trabalharam junto aos Ministérios do governo
para incrementar as exportações do país.
As instituições governamentais, no caso, os Ministérios e Secretarias subalternas a
estes, buscaram, no decorrer dos anos 1990, aprimorar as relações exteriores do Chile,
visando tornar a política comercial mais dinâmica e ativa. As relações exteriores do governo
do Chile, como dito acima, incluem mais de um Ministério, que elaboram as políticas e as
submetem ao presidente, que dá a palavra final. Praticamente todos os Ministérios participam,
de alguma forma, na elaboração da política externa do país. Dentre eles, os mais ativos – e
que serão os mais focados no presente capítulo – são o Ministério da Economia, Ministério da
Fazenda e Ministério das Relações Exteriores. A interação intra-govenamental desses
Ministérios resulta em medidas específicas, e são apresentadas ao presidente da República,
quem define a posição oficial da política externa do país. Dentre as secretarias voltadas para a
área de comércio exterior, existe a PROCHILE, que fomenta as exportações de bens chilenos
para as diferentes regiões do mundo, e a Secretaria de Relações Econômicas Internacionais,
que, apesar de vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, apresentou um alto grau de
autonomia.
Os tecnocratas – também conhecidos como Chicago Boys - são tratados em separado,
apesar do vínculo com a elite econômica e política do Chile, durante e depois do regime
53
militar (1973-2000). Isso é resultado direto das transformações políticas e econômicas
ocorridas no país, o que implicou na necessidade de profissionais qualificados para conduzir a
política no governo. Os tecnocratas, em sua maioria economistas, estiveram próximos à Junta
Militar e, após o retorno ao regime democrático, mantiveram vínculos com o governo e se
filiaram aos partidos políticos. Os governos da Concertación possuíam um projeto de
reformulação nas relações econômicas internacionais, que foi a idéia de reinserção
internacional do Chile conhecida como segundo passo exportador. A reorientação da política
comercial foi resultado da necessidade do país de assegurar mercados, incrementar a pauta de
exportação, com bens de maior valor agregado, e capacitar a força de trabalho nacional
(INSTITUTO DE RELACIONES EUROPEO-LATINOAMERICANAS, 1997).
Já no setor privado, o empresariado, através de suas agremiações, exerceu um papel
protagônico na defesa de seus interesses, os quais são expostos em instâncias desenvolvidas
pelo setor público para interagir com o privado. Dada a heterogeneidade destas, e o grande
número de agremiações setoriais afiliadas, serão analisadas as maiores e mais ativas. A
Confederación de la Producción y del Comércio (CPC), é uma entidade que agrupa os mais
variados interesses de setores econômicos chilenos, a ela estão associados membros dos
setores agrícolas, de serviços, e industriais. As duas representantes do setor da indústria são a
Asociación de Exportadores de Manufaturas (ASEXMA) e a Sociedad de Fomento Fabril
(SOFOFA ou SFF) são as principais representantes dos industriais chilenos. E representando
os interesses do setor agrícola – o qual inclui um leque variado de afiliados, que vai do
pequeno agricultor a agro-indústria – está a Sociedad Nacional de Agricultura (SNA).
Durante a pesquisa, ao analisar o papel do Congresso e dos sindicatos do Chile, pode-
se constatar que estes, no início dos anos de 1990, exerceram um papel secundário na
definição da política exterior do país; mas, no decorrer desta década passaram a ter um papel
mais ativo relevante ao final do período analisado (SILVA, V., 2001). Optou-se por delimitar
54
o estudo nas relações entre os dois primeiros governos da Concertación e as principais
agremiações setoriais, citadas acima. Dado o caráter economicista e mercantil da economia
chilena, a necessidade de dar continuidade ao processo de inserção na economia internacional,
e o consenso relacionado à política econômica a ser adotada – herança do ideário político-
econômico implementado pelos Chicago Boys estes atores foram os que mais influíram na
política externa do Chile, principalmente para as Américas.
As negociações com o Mercosul – tema do presente estudo –, apesar terem sido
apontadas estando como em segundo plano por analistas chilenos, fomentaram o surgimento
de divergências de interesses entre os setores público e privado. O significado do ocorrido, o
simbolismo nas relações com a América Latina, em contraste com o pragmatismo que
predominou após a ditadura militar, serão analisados também pelo prisma político. Fato
relevante diz respeito ao papel do Congresso chileno nas negociações do país com o
Mercosul, durante o governo do presidente Eduardo Frei Ruiz-Tagle, pois marcou um novo
período no papel do Congresso em sua participação na definição da política exterior do país.
Os sindicatos de trabalhadores do país - cujos mais importantes representantes são as duas
maiores confederações, a Central Unitaria de Trabajadores (CUT) e a Central Democrática
de Trabajadores (CDT) -, apesar de terem voltado à legalidade após um longo período de
desarticulação, não exerceram grande influência na formulação da política externa nos dois
governos da Concertación aqui analisados. Isso se deve, principalmente, à falta de preparo
dos seus representantes para interagir de maneira plena no espaço que lhes foi reservado
(SILVA, V., 2001).
No primeiro tomo é feita uma análise da relação entre o Centro de Estudos para a
América Latina e o Caribe (CEPAL), para identificar a influência que esta instituição teve na
formulação da política exterior do país nos dois governos democráticos que precederam o
golpe militar no Chile. Será abordado o conceito de Industrialização através da Substituição
55
de Importações (ISI), que foi adotada pelos governos democráticos de Eduardo Frei Montalva
(1964-1970) e Salvador Allende (1970-1973). Mas, a partir de 1973, a política externa do
Chile, tal como a política do país como um todo, passa por um período de reformulação. Data
daí o fim da influência do pensamento cepalino sobre os articuladores da política chilena e a
adoção do ideário neoliberal, também conhecido como Plano de Chicago
17
. Já no início dos
anos 1990, a redemocratização e o projeto de reinserção internacional do Chile apresentam
uma convergência com o conceito de regionalismo aberto, elaborado pelos pesquisadores
ligados a CEPAL. Este é apontado por analistas chilenos como sendo o conceito que melhor
define a estratégia de reinserção internacional do país (MUÑOZ, 1986).
O segundo tomo versa sobre a influência do pensamento da Escola de Chicago durante
o governo militar e o legado dos Chicago Boys na política exterior do Chile desde então.
Após o golpe militar, setores de direita, que tinham um papel pouco
expressivo na formulação e aplicação das políticas de Estado, foram
cooptados pela Junta Militar para assumir postos-chave no novo governo.
Para ocupar o primeiro escalão da equipe econômica do governo militar foi
chamado um grupo de economistas ortodoxos, pós-graduados pela
Universidade de Chicago. Se ao Governo Militar cabia a manutenção da
ordem e a repressão aos opositores do regime, aos Chicago Boys foi relegada
à tarefa de reestruturar e conduzir a economia rumo à estabilidade e ao
desenvolvimento econômico. A união de economistas neoliberais e o regime
de extrema direita resultou na aplicação de um dos mais ortodoxos modelos
econômicos de toda a história da América Latina. (GATICA; MIZALA,
1990, p. 54).
No decorrer do período que vai do início do regime militar até a redemocratização, o
empresariado chileno, enquanto ator social, teve uma influência significativa na condução da
política do país, tendo um importante papel na definição da política exterior chilena nas
últimas três décadas do século XX. O terceiro toma analisa o papel dos empresários e suas
relações com os membros do governo, seja no período em que a Junta Militar esteve no poder,
como também nos dois governos da Concertación que sucederam o regime militar, durante a
17
Série de medidas defendidas pelos principais economistas da Escola de Chicago; caracterizada pela abordagem
neoclassicista, ortodoxista e de cunho anti-estatista. Entende-se por Plano de Chicago (O´BRIEN, 1982).
56
década de 1990. É imprescindível analisar a atuação destes atores que, devido à mudança na
política econômica adotada, passaram a ter um papel ativo nas relações exteriores do Chile.
O papel dos partidos da Concertación bem como os partidos políticos que a ela
fizeram oposição é tratado no quarto tomo. Característica dos partidos políticos no Chile até o
final abrupto do governo de Salvador Allende, foi a defesa de suas ideologias e a busca pelo
poder visando implantar o ideário político que propagavam. A acirrada disputa entre os
democrata-cristãos e os socialistas levaram a sociedade chilena a apresentar um alto grau de
polarização durante os anos 1960 e início de 1970. A crise oriunda de tal conjuntura, e o golpe
militar que pôs fim a instabilidade institucional no Chile, acarretou numa mudança
significativa desses partidos políticos. Com a redemocratização houve a necessidade de maior
diálogo entre os partidos políticos para que o processo de transição à democracia fosse bem-
sucedido. O papel dos partidos políticos do Chile, no caso, os que compõem a Concertación, é
imprescindível para compreender a política exterior do país entre os anos de 1990 a 2000.
Também o papel dos partidos de oposição é analisado, ainda que de forma sucinta. Próximos
aos interesses das Forças Armadas, influenciaram de maneira significativa o período de
retorno à democracia.
Os partidos políticos da Concertación, as agremiações empresariais e sindicatos de
trabalhadores, são o tema do quinto tomo, que trata da necessidade colocada à sociedade
chilena de uma relação positiva entre os três atores, considerada então imprescindível para
uma redemocratização plena e viável. Enquanto os governos da Concertación junto às
agremiações empresariais protagonizaram grande ativismo na estratégia de reinserção
internacional do país, os sindicatos de trabalhadores tiveram um papel menor, em virtude de
problemas relacionados à desarticulação durante o regime militar e a carência de pessoal
preparado para tratar de temas prementes durante a década de 1990.
O modus operandi do governo chileno durante a década de 1990, e o processo de
57
tomada de decisão da política externa, são abordados no sexto tomo. Nele é feita uma
descrição dos atores envolvidos, sua maneira de interagir, e como ocorre o processo
burocrático que resulta dessas relações. É preciso, contudo, explicar como os entraves que a
Constituição de 1980 – tamm conhecida como Constituição em Liberdade -, corroboraram
para a permanência dos interesses das Forças Armadas na política chilena após a
redemocratização do país. Tais entraves foram tratados pelos governos de Patricio Aylwin e
Eduardo Frei Ruiz-Tagle, os quais buscaram apoio político em suas bases no Congresso para
concluir o processo de redemocratização no Chile.
3.1 Breve Histórico do Ideário Cepalino: do desenvolvimentismo ao regionalismo aberto
No período pós-Segunda Guerra Mundial, no ano de 1948, surgiu na América Latina
um núcleo de estudos político e econômico que veio a se tornar o principal instituto de
pesquisa na elaboração de políticas públicas para a região, influenciando governos e propondo
modelos de desenvolvimento para os países latino-americanos. Trata-se da Comissão de
Estudos Econômicos para a América Latina (CEPAL). Encabeçada pelo economista argentino
Raúl Prebisch, e, posteriormente, vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU),
desenvolveu e influenciou fortemente os governos dos países latino-americanos.
Os primeiros estudos da CEPAL caracterizaram a América Latina como
região fornecedora de produtos primários e consumidora de produtos
industrializados, provenientes de países desenvolvidos, resultando em uma
relação comercial que era prejudicial aos países da região. Buscando a
superação desse quadro de subdesenvolvimento, formou-se no organismo
um quadro de especialistas renomados dos países da região (economistas,
administradores, sociólogos) que, trabalhando numa direção comum,
tornaram-se conhecidos como integrantes do que ficou sendo chamada de
Escola da CEPAL. Esses técnicos (entre eles Raul Prebisch, Celso Furtado,
58
Felipe Herrera, e Oswaldo Sunkel) defendiam a necessidade de promover a
industrialização da América Latina e a diversificação geral de sua estrutura
produtiva. Nesse sentido, propuseram medidas para uma melhor distribuição
da renda, reorganização administrativa e fiscal, planejamento econômico,
reforma agrária e formas de colaboração entre os países no mercado
internacional (o que contribuiu para a criação da Associação Latino-
Americana de Livre-Comércio – ALALC). (SANDRONI, 2002, p. 90-91).
A política econômica adotada pelo Chile até o governo de Salvador Allende esteve
fortemente influenciada pelo pensamento cepalino, através de um plano econômico visando o
desenvolvimento hacia dentro. Após o golpe militar a influência da CEPAL no Chile foi
concomitantemente excluída da política governamental do regime militar. A oposição ao
pensamento cepalino no Chile contou com o apoio do governo norte-americano, que
acreditava que a CEPAL tinha influência marxista e desenvolvia um ideário econômico de
esquerda, por colocar o Estado como principal veículo para alcançar a industrialização e o
desenvolvimento econômico e social.
Com economistas ortodoxos dirigindo a economia do Chile após o golpe militar, acaba
a influência que a CEPAL tinha sobre a política chilena, onde o aspecto econômico incidiu
sobre a política externa do país – principalmente na mudança do caráter de seu comércio
exterior. Contudo, após o período de redemocratização do Chile, a estratégia da política
externa do país é apontada pelos acadêmicos e membros do corpo diplomático chileno sendo
melhor definido pelo conceito de regionalismo aberto. Formulado pelos pesquisadores da
CEPAL, esse conceito é uma proposta com o intuito de apontar a melhor maneira dos países
latino-americanos se inserirem na economia internacional, marcada, durante a década de
1990, por grandes mudanças. Pode-se citar como exemplo os analistas Wilhelmy e Durán
(2003, p. 281, tradução nossa), que afirmam que o "[ . . . ] regionalismo aberto constituiu o
marco da diplomacia chilena durante os anos noventa e continuou sendo a tônica de sua
estratégia multilateral durante o primeiro terço da década atual [2000]."
O mesmo pode ser observado na perspectiva do analista Van Klaveren (2000, p. 95),
59
quando afirma que:
[ . . . ] o conceito de regionalismo aberto é o que melhor define a política comercial
chilena atual. O conceito tem múltiplas acepções e não está isento de contradição.
Na prática chilena, o caráter aberto que assume o regionalismo latino-americano se
expressa de três maneiras.
A opção de inserção internacional em diferentes âmbitos não implica em objetivos
excludentes, e sim complementares, de forma que "[ . . . ] não há incompatibilidade entre o
Mercosul e a Alca, ou entre a participação na Apec e um aprofundamento dos vínculos com a
UE." (VAN KLAVEREN, 2000, p. 45). Outro ponto, levantado pelo autor, trata da política de
comércio exterior dessa concepção, onde "[ . . . ] os acordos estão abertos à incorporação de
novos membros." (2000, p. 45). E, por último, o autor coloca os esquemas regionais sendo
compatíveis com a liberalização do comércio global, "[ . . . ] evitando o surgimento de novas
barreiras aos bens e serviços importados de fora da região.
"
(2000, p. 45).
Segundo documento da CEPAL, a definição de regionalismo aberto é a seguinte:
Se denomina regionalismo aberto o processo que surge ao conciliar ambos
os fenômenos descridos em parágrafos precedentes: a interdependência
nascida de acordos especiais de caráter preferencial e aquela impulsionada
basicamente pelos sinais do mercado resultante da liberalização comercial
em geral. O que se persegue com o regionalismo aberto é que as políticas
explícitas de integração sejam compatíveis com as políticas tendentes a
elevar a competitividade internacional, e que as complementem. O que
diferencia o regionalismo aberto da abertura e da promoção não-
discriminatória das exportações é que compreende um ingrediente
preferencial, refletido nos acordos de integração e reforçado pela
proximidade geográfica e a afinidade cultural dos países da região.
(COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL
CARIBE, 1994, p. 13, tradução nossa).
É a partir deste viés integracionista que Rojas Aravena (1997, p. 72) expõe o caráter
da política externa do Chile, sendo:
60
[ . . . ] um dos eixos centrais dos governos democráticos chilenos. Foi
impulsionado por Frei pai, desenvolvida por Aylwin e concretizada, de
modo efetivo, por Eduardo Frei Ruiz-Tagle. Em 1966, criou-se o Pacto
Andino, do qual o Chile foi um dos fundadores. Logo após o isolamento do
governo militar, o governo de Patricio Aylwin impulsionou os acordos
bilaterais e as condições que permitiram resolver a associação com o
Mercosul. A política atual, sobre a qual existe um amplo consenso, é a de
uma inserção global tendo por base um regionalismo aberto.
A redemocratização trouxe novamente esta característica de cooperação e integração
regional para a política externa chilena, onde os dois subseqüentes governos estiveram
focados "[ . . . ] em promover relações de livre-mercado com blocos de integração e países."
(INSTITUTO DE RELACIONES EUROPEO-LATINOAMERICANAS, 1997, p. 37,
tradução nossa). De tal modo que o regionalismo aberto passou a ser imprescindível por
enfatizar "[ . . . ] o uso de acordos regionais como mecanismos para expandir o comércio e o
investimento enquanto insiste na necessidade desses acordos para aumentar a liberalização do
comércio mundial." (INSTITUTO DE RELACIONES EUROPEO-LATINOAMERICANAS,
1997, p. 37, tradução nossa). Tal inserção viabilizou os dois governos da Concertación aqui
analisados a "[ . . . ] combinar ações unilaterais na abertura de sua economia com acordos
bilaterais e com participação ativa em negociações multilaterais." (INSTITUTO DE
RELACIONES EUROPEO-LATINOAMERICANAS, 1997, p. 37, tradução nossa). De tal
forma que o dinamismo possibilitado pela adoção do "[ . . . ] regionalismo aberto é
freqüentemente visto como um modelo ideal para os países em desenvolvimento."
(INSTITUTO DE RELACIONES EUROPEO-LATINOAMERICANAS, 1997, p. 37,
tradução nossa).
Todo o anterior significa que abordar a integração no marco do regionalismo
aberto implica compromissos com determinadas características, que
contribuam a uma redução gradual da descriminação intraregional, à
estabilização macroeconômica em cada país, ao estabelecimento de
mecanismos adequados de pagamento e facilitação do comércio, à
construção de infraestrutura e a harmonização ou aplicação não-
discriminatória de normas comerciais, regulações internas e padrões ou
61
políticas setoriais que aproveitarão, por sua vez, os efeitos sinérgicos da
integração. (COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y
EL CARIBE, 1994, p. 13, tradução nossa).
É necessário observar que, após dezesseis anos de regime militar e a vinculação da
política econômica do Chile a um ideário econômico contrário ao que era proposto pela
CEPAL, há um reencontro entre a política econômico-comercial do Chile e a nova concepção
de inserção internacional cepalina. Entretanto, deve-se fazer uma observação, pois, a
proximidade nas medidas elaboradas no conceito de regionalismo aberto e a concepção de
reinserção internacional do Chile, apontam mais para uma reformulação nas propostas
elaboradas pela CEPAL do que propriamente uma ruptura com a política econômica de
caráter neoliberal que caracterizou o Chile durante a década de 1990.
3.2 O Pensamento da Escola de Chicago e sua Influência no Regime Militar do Chile: o
legado da ditadura econômica
Após o golpe militar no Chile, o principal problema a ser resolvido pela Junta Militar
estava relacionado à condução da política econômica do país, isto é, quem ocuparia os cargos
nos Ministérios da Fazenda e Economia. Dentro das Forças Armadas não havia pessoal
preparado para assumir os principais cargos do Executivo, o que implicou na necessidade de
buscar profissionais aptos para assumir esses cargos. Como o Chile vivia um período de forte
crise econômica foi preciso reunir um grupo de economistas o mais rápido possível para
suprir essa carência nos quadros militares.
A oposição golpista, como dito anteriormente, não era composta apenas pelas Forças
Armadas. Setores civis, incluindo, principalmente, a elite econômica do Chile, fizeram forte
62
oposição ao governo de Salvador Allende. Os opositores, além de criticar o modelo que
vigorava também tinham uma proposta para a solução dos problemas econômicos chilenos.
Entre eles existia um grupo de economistas que fazia oposição às idéias propagadas pelos
pesquisadores da CEPAL. Eram economistas pós-graduados pela Escola de Chicago
18
, e que
elaboraram um programa de governo quando a Junta Militar tomou o poder. Esses
economistas foram cooptados para conduzir a economia do país e tiveram relativa autonomia
para implementar o ideário pelo qual haviam sido doutrinados. Desse modo, passaram a
adotar uma política econômica de cunho ortodoxo, que posteriormente viria a ser conhecida
como neoliberal. O respaldo que os Chicago Boys receberam vinha tanto de atores internos,
empresários de diversos setores e militares, como também de atores externos, em sua maior
parte, instituições financeiras internacionais (tais como o Fundo Monetário Internacional
[FMI] e o Banco Mundial). A retórica tinha como principais características: o anti-estatismo,
18
De acordo com Sandroni (2002, p. 214): A escola de pensamento econômico monetarista, reunida em torno de
Milton Friedman e outros professores da Universidade de Chicago, e que sustenta a possibilidade de manter-se
a estabilidade de uma economia capitalista apenas por meio de medidas monetárias, baseadas nas forças
espontâneas do mercado. Milton Friedman, o principal teórico do grupo, considera a provisão de dinheiro o
fator central de controle no processo de desenvolvimento econômico. Explica as flutuações da atividade
econômica não pelas variações do investimento, mas pelas variações de oferta de dinheiro – entendida como a
demanda monetária que depende da renda permanente dos agentes econômicos. A escola de Chicago baseia-se
na teoria quantitativa da moeda, formulada por meio de uma equação que estabelece uma relação entre os
preços, o número de transações e o volume do dinheiro e sua velocidade de circulação na economia: a
quantidade de dinheiro em circulação é considerada o determinante principal do nível dos preços, que pode ser
influenciável por determinadas formas de política monetária. Dessa maneira, a inflação, por exemplo, é vista
como um fenômeno puramente monetário. Apoiando-se numa forte crença nos mecanismos de competição e
nas forças do livre mercado, a escola de Chicago é contrária a qualquer política pós-Keynesiana de
participação do Estado na expansão das atividades econômicas, sustentando que qualquer intervenção desse
tipo é inútil, nociva e que apenas uma correta política monetária pode levar à estabilidade econômica. Além de
Friedman, destacam-se na escola de Chicago os economistas Henry Simons, F. A. von Hayek, Frank Knight e
George Stigler. A atuação de Friedman como conselheiro econômico do governo chileno do general Pinochet
provocou veementes protestos de setores liberais da comunidade científica internacional, tornando conhecida
do grande público a Escola de Chicago como inspiradora de recentes políticas econômicas ortodoxas
recessivas, praticadas por governos autoritários sul-americano.
63
receitas monetaristas
19
, e inserção nas relações econômicas internacionais através da abertura
unilateral da economia do Chile.
O surgimento desses novos atores no cenário político chileno foi resultado
de um acordo, assinado no ano de 1955, entre a Universidade de Chicago e a
Universidade Católica do Chile, quando um grande número de economistas
chilenos ingressou na pós-graduação em Economia da Universidade de
Chicago. Entre os anos de 1955 e 1963, esse intercâmbio foi financiado pelo
Institute of International Assistance (IIA) dos EE.UU. e tinha o propósito de
conter a propagação das idéias da CEPAL, então em voga entre os países
latino-americanos. Posteriormente, o intercâmbio passou a ser patrocinado
pela elite econômica chilena. (DELANO; TRANSLAVIÑA, 1989, p. 7,
tradução nossa).
Segundo a filosofia da Escola de Chicago o importante é que o Estado atue dentro de
um determinado número de princípios designados para assegurar que as regras do jogo sejam
universais e impessoais. É dada ênfase na liberdade individual a qual, em compensação, é
definida pelo mercado. A ditadura militar possibilitou a adoção dessa política econômica sem
que houvesse oposição por parte da sociedade civil; o que não implica que tenha ficado livre
de críticas. Não obstante, os grupos que tinham poder para pressionar o governo eram os que
compunham a elite econômica do Chile. Foi possível, portanto, existir o livre-mercado dentro
de um sistema autoritário.
O modelo adotado pelos tecnocratas do Chile deu ênfase à doutrina de vantagem
19
Conforme Sandroni (2002, p. 409): Escola econômica que sustenta a possibilidade de manter a estabilidade de
uma economia capitalista recorrendo-se apenas a medidas monetárias, baseadas nas forças espontâneas do
mercado e destinadas a controlar o volume de moedas e de outros meio de pagamento no mercado financeiro.
Para Milton Friedman, principal teórico desta escola, devem-se explicar as variações da atividade econômica
pelas variações da oferta de dinheiro, e não pelas variações de investimento. Assim, os monetaristas
consideram inútil e prejudicial a intervenção do Estado na expansão do desenvolvimento econômico, por meio
de despesas de investimento. Ao contrário, deve-se apenas dirigir cientificamente a evolução da massa de
dinheiro em circulação para obter o desenvolvimento e a estabilidade econômica: a inflação e outros
fenômenos teriam raízes puramente monetárias. O monetarismo é combatido pelos economistas que defendem
a necessidade da aplicação de uma política fiscal austera, por meio da tributação e do controle das despesas
públicas e dos consumidores, para evitar a inflação e o desequilíbrio do balanço de pagamentos. É igualmente
citado e combatido pela escola estruturalista – ligada à CEPAL -, que defende a necessidade de mudança na
estrutura econômica dos países subdesenvolvidos, preconizando a reforma agrária, a distribuição de renda e o
controle dos capitais estrangeiros, entre outras medidas.
64
comparativa
20
, na crença de que os países de terceiro mundo obtêm melhores resultados
através da abertura unilateral de seus mercados. A industrialização voltada para o mercado
interno era considerada um fracasso porque "[ . . . ] tal tipo de industrialização é altamente
ineficiente e propensa à auto-limitação, quando o realmente necessário é o acesso a mercados
maiores." (O'BRIEN, 1982, p. 7, tradução nossa). Soma-se ainda a concepção das corporações
multinacionais como promotoras do desenvolvimento, e, conseqüentemente, a existência de
uma demanda para uma política de abertura com o intuito de atraí-las para investirem no país.
O novo modelo adotado também enfatizou a necessidade de desenvolver um mercado de
capitais, removendo as restrições no desenvolvimento de iniciativas privadas e minimizando o
papel do Estado como principal agente no desenvolvimento econômico e comercial do país.
A abertura financeira implementada no Chile ao longo da década de 1970 favoreceu a
desarticulação das alianças populistas de maneira eficaz (englobando tanto a elite industrial
como os trabalhadores), resultando numa disfuncionalidade entre o tipo de Estado
reformista/populista e a inserção do Chile no fluxo de capitais internacionais. Esse processo
levou a um aumento da radicalização e atomização dos movimentos da classe operária,
consideradas pela elite chilena – empresários, tecnocratas e militares - como um perigo ao
sistema que estava sendo implantado. Um dos motivos que levaram ao golpe militar foi que
existia o medo entre os membros das Forças Armadas de que estavam perdendo o monopólio
da força, devido à radicalização dos movimentos populares, principalmente os sindicatos
trabalhistas, sendo este um dos principais motivos que levaram à crise institucional do
governo de Salvador Allende.
Houve também um intercâmbio entre as Forças Armadas do Chile e as dos EE.UU.,
20
Concepção teórica sobre o comércio internacional desenvolvida por David Ricardo, em 1817. A principal
conseqüência prática dessa nova concepção teórica é que cada país deveria dedicar-se ou especializar-se onde
os custos comparativos fossem menores. O exemplo simplificado dessa concepção consiste em relacionar os
custos da produção dos produtos A e B produzidos por dois países distintos X e Y. Possui a vantagem
comparativa o país que for menor a relação dos custos de produção dos produtos A e B (SANDRONI, 2002, p.
628).
65
quando o Exército do Chile recebeu equipamento e treinamento militar para se doutrinar
contra a suposta ameaça comunista que pairava sob a América Latina. A reestruturação do
Estado se deu diante de uma crise de segurança nacional. Foi essa experiência que em parte
explica o grau de autonomia relativa do aparato do Estado após o Golpe Militar, permitindo
que um grupo relativamente pequeno de pessoas iniciasse uma série de reformas drásticas, as
quais, num curto espaço de tempo, afetaram os interesses imediatos de muitos setores da
economia chilena – principalmente as indústrias voltadas para o mercado interno. O
financiamento e coordenação do movimento foram conduzidos por um grupo de homens de
negócio, conhecidos como Clube da Segunda-feira - assim chamados porque seus membros
se reuniam às segundas-feiras para coordenar as atividades.
Os Chicago Boys já vinham se reunindo de maneira periódica e informal para discutir
a situação econômica no decorrer do governo de Salvador Allende. Mas, após março de 1973,
eles foram chamados para implementar a política econômica de cunho liberalizante e
desestatizante que haviam elaborado. Começa então a ascensão dos Chicago Boys na
condução da política econômica do Chile.
Uma das principais características dos Chicago Boys foi a preocupação em combinar
teoria e prática, tirando proveito da crise para reestruturar a economia e a sociedade,
direcionando-as a sua filosofia. A centralização de poder nas mãos do general Augusto
Pinochet foi patrocinada pelos Chicago Boys de extrema direita dentro do governo, e pelos
setores mais radicais dentro das Forças Armadas. Ao mesmo tempo, o Partido Demócrata
Cristiano (PDC), que inicialmente apoiou o golpe militar, foi gradualmente se direcionando
para o lado da oposição.
Durante o atribulado período inicial, os Chicago Boys estavam preparados para tomar
decisões de importância estratégica e implementar o Plano de Chicago
21
. Duas das principais
21
Entende-se por Plano de Chicago a implementação das políticas econômicas difundidas pela escola com este
mesmo nome e acima explicitadas (O´BRIEN, 1982).
66
decisões iniciais foram: adotar um drástico programa de redução de tarifas alfandegárias,
inserindo de forma efetiva a economia do Chile na economia internacional, e descongelar os
preços. Outra decisão chave nesse período foi à rápida privatização das empresas do Estado.
Os primeiros passos em direção ao estabelecimento de um mercado de capitais foram dados.
As tarifas alfandegárias foram drasticamente desvalorizadas e unificadas. O sistema de tarifas
alfandegárias foi transformado em uma tax on valued added, para atrair o investimento
estrangeiro. As relações com as principiais Instituições Financeiras Internacionais, tais como
o FMI e o Banco Mundial, foram normalizadas. O papel do FMI e do Banco Mundial era
apoiar os Chicago Boys contra qualquer tipo oposição que surgisse (O'BRIEN, 1982).
Segundo Milton Friedman
22
(1975, apud O'BRIEN, 1982, p. 20, tradução nossa):
[ . . . ] a causa imediata da inflação é sempre uma conseqüência do aumento
da quantidade de dinheiro acima do crescimento da produção, e isso é o que
ocorre no caso do Chile. A primeira necessidade é acabar com a inflação e a
única maneira que o Chile pode fazê-lo é através de uma drástica redução
no déficit fiscal, preferivelmente através da redução dos gastos públicos. No
Chile, uma mudança gradual me parece impossível.
Após o fim das divergências internas na Junta Militar do Chile, os Chicago Boys mais
ortodoxos assumiram o comando da economia, definindo as medidas econômicas a serem
adotadas e mediando o diálogo entre o empresariado e a Junta Militar. O ortodoxismo
imbuído nas medidas econômicas implementadas, cuja principal característica foi a
liberalização da economia, implicou numa forte oposição por parte de membros da sociedade
civil. A viabilidade dessas medidas só foi possível com o apoio da polícia secreta chilena, a
Direção de Inteligência Nacional (DINA), que tinha a função de reprimir os que faziam
oposição ao regime militar.
As medidas econômicas adotadas pelos Chicago Boys ficaram conhecidas como
22
FRIEDMAN, Milton. [Entrevista]. El Mercúrio, Santiago de Chile, abril de 1975 (apud O´BRIEN, 1982, p.
20, tradução nossa).
67
políticas de choque. A intenção de tais medidas visava confrontar a crise conjuntural de então
e alcançar os seguintes objetivos em longo prazo: desvalorização da moeda, privatização,
continuidade no estabelecimento de um mercado de capitais, e um superávit na balança
comercial através da desvalorização da moeda. Dentre esses objetivos, o superávit na balança
comercial pela queda nas importações, foi o primeiro deles. Com a queda nas importações e o
aumento nas exportações – que apresentavam diversificação dos bens exportados e balança
comercial superavitária – o governo militar aproveitou o ensejo e utilizou-se da propaganda
midiática para afirmar somos realmente independientes.
Ao final do ano de 1976, a economia chilena apresentava os seguintes resultados:
a) abalança comercial passou a ser superavitária;
b) as indústrias chilenas que estavam em competição desigual, sofrendo dumping de
manufaturados estrangeiros, quebraram com o colapso de seu mercado interno e
passaram a ter um papel secundário;
c) as atividades econômicas e sociais do Estado foram reduzidas, e o setor privado se
tornou a força dominante no processo de acumulação;
d) a classe trabalhadora foi enfraquecida através da repressão, incremento e
capacitação do aparato militar de repressão à oposição.
Assim, nesse ano, o governo militar, tendo os Chicago Boys na condução da
economia, conseguiu marcar a plena integração com a economia internacional. A saída
chilena do Pacto Andino simbolizou a mudança na política externa do Chile, que passou a
enfatizar o incremento em sua pauta de exportação e rechaçar os projetos de integração com
caráter político; em síntese, o econômico passou para o primeiro plano, e o político foi
relegado a uma condição secundária.
Entre os anos de 1977 e 1980, houve a consolidação da política econômica de cunho
neoliberal e o início de uma nova institucionalidade política no Chile. Politicamente a “nova
68
democracia” foi elaborada para culminar com o plebiscito de 11 de setembro de 1980, na qual
mais de 60% da população aprovou a Constituição em Liberdade, sancionando um regimento
que deu maiores poderes para os militares, e que, principalmente, ratificou a concentração de
poder nas mãos do general Augusto Pinochet. Esse plebiscito tinha o intuito de postergar a
transição ao regime democrático por um período de oito anos. Também é importante ressalvar
que os militares, ao estarem com plenos poderes sobre as decisões de Estado, ampliaram seu
projeto de governo por mais dez anos.
Cientes do perigo e da fragilidade de um sistema político cujo poder estava
centralizado nas mãos de uma única pessoa, os Chicago Boys buscaram institucionalizar seu
modelo através de medidas políticas de choque; visando acabar com o legado da era
desenvolvimentista. Com as medidas econômicas adotadas, a concentração de renda e a
divisão de classes foram efetivamente institucionalizadas, fazendo do Chile uma versão
autoritária do Modelo de Chicago. Esse modelo, em síntese, tinha por finalidade transferir
para a iniciativa privada muitas das responsabilidades que até então eram da alçada do Estado.
Nesse contexto, as forças de mercado e a submissão da economia chilena às leis do mercado
foram fundamentais.
SITUAÇÃO E OPOSIÇÃO DENTRO DA SOCIEDADE CHILENA REFERENTE AO
PLANO DE CHICACO
DEFENSORES CRÍTICOS
Aumento na taxa de crescimento
econômico.
Aumento na taxa de desemprego.
Declínio da inflação. Distribuição de renda ficou mais desigual e
queda no poder aquisitivo da população.
Aumento das exportações de bens não-
tradicionais.
Aumento da dívida externa.
Aumento das reservas externas. Repressão, censura e eliminação dos que
faziam oposição ao regime e sua política
econômica.
Redução dos gastos do Estado e equilíbrio
fiscal.
Desregulamentação das leis trabalhistas,
enfraquecendo os movimentos sindicais.
Quadro 2 - Situação e oposição dentro da sociedade chilena referente ao Plano de Chicago
Fonte: Baseada em Gatica e Mizala (1990, p. 59-62).
69
A posição dos Chicago Boys era a de que a estrutura do mercado chileno deveria ser a
da economia internacional, pois caso contrário, ocorreria uma pressão para a interferência do
Estado na economia. A decisão principal do governo chileno foi de integrar-se de forma
rápida à economia internacional, e deixar que o mercado impusesse de forma imparcial a
reestruturação da economia e da sociedade. Com essa entrada, em seis anos, o Chile passou de
uma das economias mais fechadas para se tornar uma das mais abertas do mundo. O resultado
foi uma rápida revolução na extensão e estrutura no comércio exterior do país. O crescimento
nas exportações refletiu vantagens comparativas naturais
23
enquanto a maior parte do aumento
nas importações foi de bens de luxo duráveis. O Chile passou a exportar bens de baixo valor
agregado e importar bens com alto valor agregado.
O principal meio para integrar o Chile à economia internacional foi através de um
mecanismo conhecido como "[ . . . ] contração de débito privado no exterior
24
[ . . . ]", que os
Chicago boys não haviam previsto quando assumiram o comando da economia chilena, em
1974 (O'BRIEN, 1982, p. 25, tradução nossa). Tal mecanismo levou a uma avaliação errônea
por parte dos tecnocratas responsáveis pela política econômica do país. O débito privado foi
interpretado como um sinal de confiança dos organismos e instituições financeiras
internacionais no modelo chileno, por essa razão, os tecnocratas ligados à Junta Militar não
viam necessidade de contê-lo. Mas a maior parte do débito foi para o financiamento de
consumo e compra de bens existentes, e uma parte relativamente pequena do empréstimo foi
para financiar novos investimentos de produção.
Portanto, com uma taxa de câmbio fixa, as finanças equilibradas e um grande fluxo de
capitais estrangeiros - resultado de uma grande reserva de capital no exterior, a economia
chilena foi deixada para se ajustar automaticamente à economia internacional. Os níveis de
23
Vantagens comparativas naturais: aprimoração, desenvolvimento e promoção dos produtos mais dinâmicos e
abundantes de um país, visando o aumento natural das exportações destes (SANDRONI, 2002).
24
Para melhores esclarecimentos ver O´Brien (1982, p. 25).
70
produção no Chile deveriam ser determinados pela economia internacional e não por políticas
nacionais. Essa era a lógica de dependência da Escola de Chicago. A transferência do débito
do setor público para o privado foi uma das características do novo papel exercido pelo
Estado no modelo chileno, definido por analistas econômicos como sendo Estado Subsidiário,
cuja função é assumir o controle de atividades que a iniciativa privada não pode ou não tem
interesse em atuar.
O aumento de capital disponível apresentou um padrão errôneo, revelando as
dificuldades em tentar controlar a oferta de moeda diretamente. A equipe econômica chilena
nunca estabeleceu publicamente metas de oferta de moeda. Contudo, nunca houve uma
revolução monetária no Chile, com uma legislação totalmente nova para os bancos e
instituições financeiras. O desenvolvimento do mercado de capitais foi, desde o início, um dos
principais objetivos dos Chicago Boys, e sua aplicação mostra como estes utilizaram as
reformas econômicas em benefício próprio e da elite econômica ligada à Junta Militar.
Em sua essência foram os bancos que determinaram à alocação de recursos no Chile.
Os Chicago Boys tinham como argumento que o trabalho é uma mercadoria como outra
qualquer, sujeita às mesmas leis econômicas universais e impessoais. Para a obtenção de uma
eficiente operação do mercado de trabalho, como definido pelos Chicago Boys, era necessária
a existência de desemprego. O desemprego também teve um papel político importante na
desestruturação dos movimentos sindicais, que permaneceram divididos, enfraquecidos e
desmoralizados.
O processo produtivo foi caracterizado pelo retorno a um controle rígido e hierárquico
dentro do local de trabalho. A aproximação inicial com o Estatuto Social da Empresa foi
rapidamente abandonada, e ao invés disso os trabalhadores perderam qualquer direito no
processo e condições de trabalho, e foram por lei excluídos do direito de negociar
coletivamente. O papel dos Chicago Boys na economia chilena do período ditatorial pode ser
71
sintetizado pelas palavras de Philip J. O´brien (1982, p. 25-26):
Não há nada acidental em relação à combinação de uma ditadura repressora
e o modelo econômico de Chicago: este não poderia ter sido implementado
sem que estivesse vigorando um regime de exceção. Além disso, os Chicago
Boys se organizaram politicamente para facilitar a extrema centralização de
poder no Chile, que foi acompanhada por uma concentração de poder
econômico: na prática, o Chile é provavelmente um pouco mais do que um
espetacular exemplo de voracidade do setor privado mascarado como um
modelo de desenvolvimento econômico.
3.3 Os Empresários Chilenos como Atores Sociais e a Evolução de suas Relações com a
Junta Militar e a Concertación
Durante o período que vai de 1940 até 1973, um pequeno grupo de empresários
nacionais exerceram influência decisiva na formulação das políticas governamentais do Chile.
Essa elite era composta, basicamente, pelos setores beneficiados com a política de
Industrialização através da Substituição de Importações (ISI). Quando Salvador Allende
assume o governo do Chile, em 1971, e dá início a uma ampla reforma institucional, visando
fazer uma transição pela via democrática para um regime socialista, o grupo de empresários
que apoiava o governo retirou seu apoio por ter seus interesses afetados pela nova política.
Tal situação serviu de ensejo para a reestruturação institucional e política do país.
Após a tomada de poder pelos militares, e com o apoio da elite econômica, composta
variados setores da economia, foi iniciado o processo de reformulação político econômica.
Nela os empresários que então gozavam do privilégio de influenciar diretamente o governo
(representados pela SOFOFA ou SFF) passaram a ter de dividir o poder com outros interesses.
Muitos deles – como parte do setor agrícola e o financeiro – tinham uma proposta de abertura
72
irrestrita da economia do Chile, totalmente distinta daquela que vigorava até então. Mas entre
os interesses setoriais não havia um campo forte o suficiente para fazer valer unicamente seus
interesses.
A tensão entre o empresariado e o Estado começou no governo de Eduardo Frei
Montalva (1964-1970), quando este deu início a política de reforma agrária. O choque de
interesses entre o Estado e o setor agrícola, representado pela Sociedad Nacional de
Agrucultura (SNA), causou constrangimento, mas não o suficiente para desestabilizar a
ordem institucional. No período em que Salvador Allende foi presidente, foi dada
continuidade à política de reforma agrária e, ponto marcante na história econômica do Chile,
iniciou a estatização de centenas de empresas (SILVA, P., 1995).
Os empresários, tanto da indústria, da agro-indústria, e do setor financeiro se uniram
para fazer oposição ao governo Allende e apoiarem o golpe militar. A atitude do empresariado
chileno no período pré-golpe militar foi defensiva e, já sob o regime militar, não buscou se
opor diretamente à política econômica da Junta Militar. Pode-se explicar essa maneira de agir
dos diferentes setores que compunham o empresariado do Chile, através da situação extrema
em que foram colocados durante a crise institucional de 1973. Estes viram seu patrimônio
ameaçado e buscaram no consenso uma forma de se opor ao governo de Salvador Allende.
Essa conjunção de interesses ficou bem simbolizada através do Grupo da Segunda-Feira.
Onde empresários, juntamente com economistas da Escola de Chicago, se reuniram para
elaborar um plano de governo caso houvesse um golpe de Estado.
Após o governo de Salvador Allende, foi colocada em discussão junto a coalizão
golpista alternativas de política econômica a serem adotadas: manter a política de
protecionista; liberalizá-lo, reduzindo as tarifas alfandegárias de forma gradual; ou, ainda,
introduzir uma estabilização econômica baseada na liberalização radical do mercado. No dia
10 de janeiro de 1974, a Junta Militar, com o apoio da elite econômica do país, optou por uma
73
abertura gradual de liberalização e estabilização da economia (SILVA, E., 1993). A adoção e
aplicação, a partir de 1974, do modelo econômico de corte neoliberal, são analisadas por
Eduardo Silva como passando por três fases: gradual, radical, e pragmática (1993). Cada
período foi representado por setores específicos da elite econômica do Chile, que formaram
diferentes coalizões de apoio ao regime militar e ajudaram na sua manutenção.
Patricio Silva (1995) faz uma análise que difere em alguns pontos daquela de Eduardo
Silva (1993), na qual argumenta que no pós-golpe de Estado os empresários se encontravam
numa posição vulnerável, impossibilitados de pressionar a Junta Militar na defesa de seus
interesses. Entre os dois autores há o consenso de que o empresariado chileno, em sua
maioria, apoiou o golpe militar, e que tinham fortes vínculos com as Forças Armadas e os
Chicago Boys. O principal aspecto que difere nas análises dos acadêmicos aqui trabalhados,
trata da posição da elite econômica do Chile durante o regime militar. Patricio Silva (1995)
afirma que, após assumirem cargos no primeiro escalão da equipe econômica, os Chicago
Boys aplicaram uma política de choque, o que, a partir de 1975, resultou num visível
estreitamento dos setores beneficiados pela política econômica. Já Eduardo Silva (1993)
coloca a existência de diferentes coalizões empresariais que, no decorrer do regime militar,
revezaram-se na posição de grupo de pressão ante a Junta Militar e que foram favorecidos
enquanto estiveram numa posição privilegiada. Inicialmente, houve o predomínio da coalizão
que apoiava a opção gradual, no primeiro ano do regime militar. Essa coalizão tinha como
objetivo a adoção de uma política econômica apoiada na abertura do mercado chileno, mas
que fosse feita de maneira gradual, sem radicalismo na inserção do país na economia
internacional.
Inicialmente a Junta Militar buscou o apoio da maioria das agremiações através do
discurso de reconstrução nacional
25
. Esse discurso perdeu força rapidamente no decorrer do
25
Nele era defendida a união dos variados setores da sociedade chilena para a busca de estabilização
institucional e econômica (SILVA, E., 1993).
74
ano de 1974, quando boa parte dos setores empresariais começou a perceber o curso que a
política econômica estava tomando. Na fase gradual (1973-1975), surgiu um novo centro de
poder, composto pelas Forças Armadas, pelos Chicago Boys, e por parte das agremiações
empresariais
26
. A Junta Militar e os Chicago Boys lograram abrandar durante um tempo a
emergente dissidência de algumas agremiações empresariais, fazendo alusão à temporalidade
das dificuldades econômicas produzidas pela política de estabilização. Quando criticavam o
governo, as agremiações empresariais procuravam fazê-las de maneira indireta, por não
quererem entrar em choque com os membros da Junta Militar. A situação começou a mudar
em 1976, quando a equipe econômica já havia aplicado a maior parte do pacote de medidas
recessivas que afetaram diretamente alguns setores da economia chilena que apoiaram o golpe
militar.
Em um contexto de relativa conformidade com a Junta Militar, a Sociedad de Fomento
Fabril (SFF ou SOFOFA) foi a agremiação que teve uma posição de liderança dentro da
Confederación de la Producción y del Comercio (CPC) nos primeiros anos do regime militar.
Mas a SOFOFA foi gradativamente deixando de ser a agremiação majoritária dentro da CPC
nos primeiros anos após o golpe militar, não conseguindo estabelecer uma aliança com outras
agremiações setoriais da economia chilena. O principal motivo da perda de poder da
SOFOFA dentro da CPC decorre da estatização durante o governo de Salvador Allende e da
mudança na política econômica adotada pela Junta Militar. A SOFOFA encabeçava o grupo
conhecido como gradualistas, que liderou as mobilizações setoriais contra Salvador Allende, e
foi co-responsável pela elaboração da política econômico pós-golpe militar, a pedido das
Forças Armadas. Os gradualistas tinham suas bases nas agremiações setoriais voltadas para o
mercado doméstico, embora a base fosse muito heterogênea comportando também setores que
26
As agremiações empresariais que apoiaram o período inicial do governo militar são: Sociedad de Fomento
Fabril (SFF), Sociedad Nacional de Agricultura (SNA), Sociedad Nacional de Minería (SONAMI), Camara
Nacional de Comercio (CNC); todas com representação na Confederación de la Producción y del Comercio
(CPC), que seguiu a opção de abertura gradual (SILVA, E., 1993, p. 5-6, tradução nossa).
75
produziam para os mercados interno e externo (SILVA, E., 1993). À medida que os Chicago
Boys foram assumindo o controle da política econômica os desentendimentos com a coalizão
gradualista foram se acumulando, resultando em prejuízos e perda de poder para essa
coalizão.
O predomínio do ideário neoliberal foi obtido através de um processo de hegemonia
dos Chicago Boys na condução da política econômica, tendo por base de apoio a Junta Militar
e parte dos principais setores econômicos chilenos. O discurso neoliberal tinha um caráter
universalista, isto é, expunha idéias que eram, supostamente, do interesse de todos os setores
da economia chilena. Com base nesse princípio, os Chicago Boys passaram a desqualificar as
reivindicações dos grupos econômicos afetados, argumentando que estes estavam agindo
contra o interesse nacional.
A partir de abril de 1975, a coalizão gradualista foi perdendo gradativamente espaço
dentro do regime militar e, conseqüentemente, influência na condução da política econômica
do regime. A maior parte das medidas de liberalização econômica implementadas pelos
Chicago Boys favoreceu os grandes conglomerados econômicos, que passaram a exercer um
alto grau de influência sobre a política econômica do Chile. Há consenso entre os analistas da
história contemporânea chilena de que os grandes conglomerados, dois anos após o golpe
militar, haviam se tornado os novos protagonistas do modelo de desenvolvimento adotado
pelos Chicago Boys.
A falta de assentimento na coalizão gradualista contribuiu para o abrupto fim do ajuste
gradual, em meados de 1975. Outro grupo econômico, chamado por Eduardo Silva (1993) de
radicais internacionalistas, desafiou a posição mais moderada da coalizão gradualista e saiu
vitorioso. As principais características do período radical internacionalista foi a drástica
deflação e a rápida transformação econômica, através da redução nas medidas protecionistas
para a indústria, adoção de medidas mais radicais visando a estabilização e liberalização do
76
mercado. A rápida mudança do período gradualista para o do radical internacionalista
decorreu de mudanças na política econômica, nas instituições públicas, e nas relações entre a
Junta Militar, a elite econômica e os ChicagoBoys (SILVA, E., 1993).
Para melhor compreensão das medidas econômicas aplicadas, é necessário examinar a
composição de uma pequena mas poderosa coalizão que, junto aos Chicago Boys, passou a
definir os rumos da política econômica. Dois acontecimentos foram de grande importância
para o fortalecimento econômico da coalizão radical internacionalista: a mudança na fonte de
capitais estrangeiros para investimento de instituições multilaterais para bancos privados; e o
surgimento de petrodólares, gerando grande liquidez na economia internacional.
A coalizão radical internacionalista era a que estava em melhor condição econômica
para contribuir para o câmbio de reservas estrangeiras. No início do regime militar a política
de liberalização adotada gerou forte recessão. Os dois anos seguintes, 1975 e 1976, foram
marcados pela estagnação econômica e queda no Produto Interno Bruto (PIB) do Chile
(SILVA, E., 1993). O sistema financeiro foi desregularizado em 1975 e permitiu aos
financistas chilenos comprarem as principais empresas nacionais que então se encontravam
desvalorizadas. Desse modo, no final do ano de 1977, os radicais internacionalistas haviam
criado conglomerados industriais e financeiros voltados para os setores de fácil liquidez. A
liberalização do mercado, o fácil acesso a créditos internacionais, e a política de privatização
de empresas públicas possibilitaram o estabelecimento de uma nova rede, formada pelos
radicais internacionalistas e o regime militar.
Entre os anos 1974 e 1978, o General Augusto Pinochet foi, paulatinamente,
centralizando seu poder dentro do governo militar. Assegurou o comando ao se aliar com
ideólogos e principais conglomerados econômicos que controlavam os setores mais dinâmicos
da economia, os radicais internacionalistas. Estes promoveram um rápido crescimento da
economia chilena, viabilizando a estabilização econômica. Entre os meses de abril e junho do
77
ano de 1975, começaram a ser adotadas medidas econômicas mais drásticas, tais como: busca
por rápida deflação, acelerada redução de tarifas alfandegárias, e maior rapidez na
privatização do aparato estatal. À medida que os Chicago Boys assumiram cargos no alto
escalão ministerial do governo militar, os radicais internacionalistas foram sendo cada vez
mais favorecidos.
Os empresários que defendiam uma abertura gradual da economia tiveram de lidar
com as conseqüências de haver cedido de maneira incondicional aos militares a condução da
política econômica do país. Tanto a Junta Militar quanto os Chicago Boys eram céticos ante
os setores empresariais que defendiam o gradualismo, e os viam como um ator que buscava
defender interesses estritamente setoriais, em detrimento do bem-estar geral da sociedade. Os
empresários ligados à coalizão gradualista defendiam que o Estado interviesse mais na
condução da política econômica para proteger o mercado interno - antítese do ideário da
Escola de Chicago.
Os gradualistas apoiavam o regime militar, mas alegavam que o modelo
econômico precisava de algumas correções. Contudo, o discurso dos
gradualistas começou a perder força a partir de 1977, pois a partir deste ano
a economia chilena passou a dar sinais de recuperação. A economia chilena
superou a crise entre os anos 1978 a 1981, período de grande crescimento
econômico e fortalecimento da posição da equipe econômica dentro do
regime militar. A ofensiva ideológica do período marcou os variados setores
da economia chilena, que passou a assimilar definitivamente a doutrina
neoliberal, não somente como algo proveniente da tecnocracia
governamental, mas também como seu próprio credo econômico. (SILVA,
P., 1995, p. 13-14, tradução nossa).
No ano de 1982 tem início uma nova crise econômica no Chile, reflexo da crise da
dívida externa, que começou no México e afetou as economias dos países latino-americanos.
Houve uma nova mudança na coalizão de interesses econômicos que apoiava o regime
militar. As crises econômicas que marcaram o governo militar nos anos de 1975-76 e 1981-
83, afetaram diretamente o empresariado chileno, resultando em um grande número de
78
falências no setor. Com a crise da dívida externa, os empresários, reunidos em suas
respectivas agremiações, passaram a pressionar de forma sistemática a Junta Militar para a
adoção de um plano econômico alternativo, fazendo lobby junto aos membros do governo. A
crise nas relações entre a elite econômica – com o apoio dos movimentos populares – e a
Junta Militar, levou a negociações muito complexas, devido à posição inflexível do general
Augusto Pinochet ante as reivindicações do empresariado por uma maior presença do Estado
na política econômica do país.
O governo militar só veio a ceder no ano de 1984, quando incluiu em seu plano trienal
parte das demandas empresariais. Um dos fatores mais importantes para que o general
Augusto Pinochet acatasse as reivindicações do empresariado, representado principalmente
pela CPC, se deve aos protestos sociais que começaram a partir da crise, no início dos anos
1980, quando milhares de chilenos foram às ruas pedindo o fim da ditadura militar. Os
organizadores desses protestos foram os partidos políticos que compunham a Alianza
Democratica (AD)
27
. A pressão popular sobre o regime militar se tornou muito forte, até
mesmo os empresários ligados ao governo ameaçaram ir para o lado da oposição, caso
nenhuma medida fosse tomada para reverter a crise econômica. Com clima de tensão foi
formada uma nova coalizão, onde o General Augusto Pinochet se uniu ao grupo que Eduardo
Silva (1993) chama de neoliberais pragmáticos, visando estabilizar a economia do Chile.
O grupo neoliberal pragmático era composto por setores da economia chilena com
empreendimentos voltados para o mercado interno e externo
28
. Os setores econômicos
voltados para o mercado interno voltaram a ter um papel relevante dentro da SOFOFA, mas
permaneceram numa condição subordinada. Em 1983, a CPC, que era composta por vários
setores da economia chilena, reuniu para compor a coalizão neoliberal pragmática. Eles
27
Aliança de partidos de centro e centro-esquerda liderados pelo PDC (INSTITUTO DE RELACIONES
EUROPEO-LATINOAMERICANAS, 1997).
28
"Representados pelas seguintes agremiações: Confederación Nacional de Comercio (CNC), Asociacion de
Bancos e Instituciones Financieiras (ABIF), Sociedad Nacional de Agricultura (SNA), e Sociedad Nacional
de Minería (SONAMI)" (SILVA, E., 1993, p. 10, tradução nossa).
79
formularam um programa de recuperação econômico detalhado e amplamente divulgado na
mídia chilena.
Os primeiros sinais de recuperação econômica surgiram no ano de 1986, com a queda
da inflação e da taxa de desemprego (FFRENCH-DAVIS, 2002), a partir de então a relação
entre os neoliberais pragmáticos e o general Augusto Pinochet, que era muito tensa, começou
a arrefecer. Os empresários adotaram um discurso mais popular, que incluía o tema social. No
período, os empresários chilenos já estavam cientes da possibilidade de um provável fim da
ditadura militar. Por possuírem uma imagem negativa ante a opinião pública do Chile, os
empresários lançaram mão de uma forte ofensiva ideológica a partir do ano de 1985 (SILVA,
P., 1995), liderada pela Confederación de la Producción y del Comercio (CPC), onde era
defendido o modelo neoliberal. A busca dos neoliberais pragmáticos em melhorar sua imagem
ante a sociedade chilena foi resultado do temor de possíveis mudanças que poderiam ocorrer
na economia do Chile com a redemocratização do país.
O empresariado chileno, sob a iniciativa da CPC, procurou negociar tanto com os
partidos políticos que compunham a Alianza Democrática, como também com os principais
sindicatos, CUT e CDT, para elaborar um programa de governo no caso de um retorno ao
regime democrático no Chile. O clima no período era de busca por um consenso envolvendo
os empresários, os partidos da Concertación, e os sindicalistas. O principal motivo para os
empresários buscarem acordos com os partidos de oposição e com os sindicatos decorreu do
temor de um retorno às políticas estatistas e dirigistas anteriores ao golpe militar. Outro ponto
também relevante, foi o receio da elite econômica do Chile de uma possível instabilidade
político-social, que implicasse numa nova crise econômica (SILVA, P., 1995). Os setores de
direita, próximos à Junta Militar, criaram partidos políticos para defender seus interesses,
como a Unión Democrática Independiente (UDI) e Renovación Nacional (RN). Mas esses
partidos careciam de experiência e conhecimento, necessários para a disputa política com os
80
partidos da Concertación.
O movimento em busca de um consenso também partiu dos representantes da Alianza
Democrática, que se aproximaram das agremiações empresariais, explicando quais eram seus
planos no caso de um futuro governo democrático. De grande significância para as relações
entre partidos de oposição e empresários, foi a existência de centros de pesquisa privados –
com destaque para a Corporación de Estudios para Latinoamérica (CIEPLAN) - que
elaboraram uma série de estudos onde eram expostos planos de governo no caso de um
eventual retorno à democracia. O ano de 1989 foi marcado pelas constantes reuniões entre os
partidos da Concertación, sindicatos trabalhistas e agremiações empresariais, que visavam
não polarizar o debate e criar um ambiente favorável a um acordo entre esses setores. Ao final
de 1989, após a vitória da Concertación, no dia 14 de dezembro, ainda existiam alguns setores
do empresariado temerosos em relação à capacidade do novo presidente do Chile, Patricio
Aylwin, eleito pela chapa da Concertación, de corresponder às expectativas criadas durante as
eleições democráticas.
Ao assumir a presidência, em março de 1990, o presidente Patricio Aylwin deu
continuidade ao diálogo entre o governo, empresários e trabalhadores. O governo acreditava
que a participação de representantes dos trabalhadores era imprescindível, e a única maneira
de obter êxito em sua intenção de um acordo envolvendo os principais representantes da
sociedade chilena. Foram assinados três acordos marco entre esses setores, os quais tinham
por principal objetivo corrigir questões trabalhistas. O setor privado adquiriu um novo papel
dentro da sociedade chilena, passando a ser o principal agente promotor do desenvolvimento
econômico (SILVA, P., 1995).
O problema social existente no Chile foi vinculado diretamente à necessidade de
modernização do país, que não seria alcançada de maneira plena sem a melhora no Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH). Para tanto era preciso erradicar a miséria e aumentar a
81
qualidade de vida, visando alcançar os mesmos níveis das nações desenvolvidas. O governo
salientava a necessidade de participação do empresariado nessa tarefa, alegando que só
haveria melhora nos níveis sociais com a interação de empresários e governo (SILVA, P.,
1995).
Os empresários do setor agrícola chileno eram os que mais tinham reticências em
relação à redemocratização do país. Procederam com mais cautela em suas relações com o
novo governo democrático porque haviam sido o setor mais prejudicado com os dois
governos democráticos que precederam o golpe militar, quando foi implementada a política
de reforma agrária. Ciente da posição mais hostil desse setor, Patricio Aylwin procurou evitar
constrangimentos e se aproximar dos mesmos. O empresariado agrícola chileno foi um setor
que, durante as décadas de 1970 e 1980, ganhou cada vez mais proeminência, devido aos altos
índices nas exportações alcançados pelo setor. No início da década de 1990, a imagem do
empresariado agrícola ante a sociedade chilena era totalmente distinta da que predominou
durante o regime militar, resultado da modernização tecnológica e do dinamismo exportador.
As mudanças econômicas e políticas ocorridas durante o período que vai do governo de
Salvador Allende até a redemocratização resultaram numa relação positiva entre os
representantes do setor agrícola e o governo de Patricio Aylwin.
Após o primeiro ano de governo democrático, os empresários chilenos voltados para
os mercados internos e externos, passaram a apoiar o governo e confiar na economia do país.
O êxito do primeiro governo da Concertación se refletiu nos índices de crescimento
econômico mantendo uma média alta, e a boa imagem do país ante a sociedade internacional.
Tal cenário levou a sociedade chilena a um clima de triunfalismo. Os ganhos obtidos pelos
empresários no comércio internacional passaram a ser veiculados pela mídia como sendo um
êxito nacional. A interação entre o setor público e privado apresentou um alto grau de
envolvimento nas questões relacionadas à economia e, principalmente, ao comércio exterior
82
(SILVA, P., 1995).
Os empresários passaram a ocupar uma posição privilegiada com a redemocratização
do Chile. O que pôde ser constatado através das delegações desse setor que acompanharam os
presidentes Patricio Aylwin e Eduardo Frei Ruiz-Tagle em quase todas as viagens desses
presidentes ao exterior. Os empresários permaneceram defensores da política de privatização,
e chegaram a pressionar os dois primeiros governos da Concertación para dar continuidade a
essa política. O principal objetivo do empresariado chileno era a indústria do cobre, principal
commoditie na pauta de exportação do Chile, representando uma média de um terço de todas
as exportações. Dado o alto grau de privatização apresentado pelo Chile, o governo, junto aos
sindicatos, rechaçou a idéia, tendo como exemplo os Tigres Asiáticos – países localizados no
Sudeste Asiático, onde o grau de intervenção do Estado na economia é maior que o chileno, o
que não implicou na perda da dinâmica modernizadora destes.
Como se pode observar no quadro abaixo, mesmo havendo grande dinamização dos
setores da economia chilena voltados para o comércio exterior, o cobre continua ocupando a
posição principal dentro da pauta de exportação do Chile.
Composição
Período
Porcentagem
do PIB
Crescimento
Percentual
Cobre Não-Cobre
1960-1970
12,0
3,6
69,5
30,5
1971-1973
10,0
-4,2
74,4
25,6
1974-1981
20,7
13,6
53,8
46,2
1982-1989
28,3
7,8
45,8
54,2
Quadro 3 - Composição e evolução das exportações, 1960-2000
(continua)
83
Quadro 3 - Composição e evolução das exportações, 1960-2000
(conclusão)
Composição
Período
Porcentagem
do PIB
Crescimento
Percentual
Cobre Não-Cobre
1990-2000
37,2
9,3
39,2
60,8
1960-2000
23,5
7,3
54,1
45,9
Quadro 3 - Composição e evolução das exportações, 1960-2000
Fonte: Ffrench-Davis, 2002, p. 32 (tradução nossa).
No Chile, a relação entre o empresariado dos setores industrial e agrícola com os dois
primeiros governos da Concertación, conformou uma questão fundamental na política externa
do país no período (1990-2000). Se ao início do regime militar os empresários voltados para o
mercado externo ocupavam uma posição marginal, na década de 1990 eles passaram à
condição de protagonistas no processo de modernização e inserção internacional do Chile.
Desde o início do primeiro governo democrático, no ano de 1990, a parceria entre o setor
empresarial e o governo têm sido a viga mestra na política interna e externa do Chile.
A articulação entre os grêmios do setor privado ocorre em dois níveis: em
representações horizontais suprasetoriais e supragremiais, como a Confederacion de la
Producción y Comércio (CPC), a Sociedad de Fomento Fabril (SOFOFA ou SFF) e a
Sociedad Nacional de Agricultura (SNA); o segundo nível de articulação produziu-se através
do encontro da participação vertical entre os grêmios e empresas, na forma de participação
simultânea de grêmios e empresas em diversas representações. Em um nível mais específico
existe outra coordenação, que se apresenta em uma variedade de comitês criados com tal fim,
tanto no interior do setor privado como em sua relação com o setor público.
As diferentes posições das agremiações a respeito da prioridade e ritmo da
liberalização nos acordos comerciais com países e blocos regionais surgiram quando estava
84
sendo estudado o tratamento que seria dado ao setor agrícola. Assim, nas negociações de
acordos bilaterais e multilaterais houveram divergências, devido à possibilidade de resultados
negativos para determinados setores da economia chilena que esses acordos poderiam
acarretar (SILVA, V., 2001).
Em primeira instância a estruturação do setor privado nos anos noventa foi ordenada
pela CPC, quando criou a Área de Negociações Internacionais com representação de todos
setores, e delegou a SOFOFA sua secretaria técnica para a coordenação tanto com o setor
privado como com o setor público. Ainda que nas negociações bilaterais a SOFOFA tenha
representado todos os setores da economia e a CPC tenha tentado ir revezando a secretaria
técnica em diversas negociações, a representação voltou a este organismo quando a
coordenação em torno de temas ou produtos específicos ficou passou a ser de difícil
resolução. Por isso, persistiram questionamentos relativos à efetividade da articulação no setor
privado para enfrentar as negociações apesar dos esforços despendidos e considerando a
participação de vários grêmios e empresas em mais de uma associação supra-gremial (SILVA,
V., 2001).
A heterogeneidade existente no setor privado na maneira de abordar as diferentes
negociações apresentou características setoriais e de segmentos empresariais, o qual tamm
incidiu em suas relações com o setor público. Assim, por exemplo, a SOFOFA, representante
em primeira instância do setor industrial, negociou através de duas instâncias:
a) o Comitê de Negociações Internacionais, integrado por representantes de
agremiações e empresas associadas, que faz um seguimento da evolução dos
acordos e define estratégias para cada caso; e,
b) o Conselho de Área de Relações Internacionais que analisa mensalmente, com a
participação de agentes do setor público, o avanço das negociações e os problemas
gerais do setor exportador. Algumas de suas empresas ou grêmios associados que
85
participam também em outras agremiações de coordenação também fazem valer
seus pontos de vista em tais espaços. Já a Associaión de los Exportadores de
Manufacturas (ASEXMA), que é a principal representante das pequenas e médias
empresas, busca uma representação mais autônoma, participando ademais da
principal agremiação de exportadores, a Corporación Nacional de Exportadores
(CNE).
Entre as agremiações do setor agrícola, ainda que reunidas na SNA, também existe a
filiação múltipla e de representação em agremiações especializadas, que formulam seus
interesses negociadores muitas vezes de um modo autônomo. Por outro lado, nesse setor
foram feitos questionamentos sobre a pertinência de estarem sendo defendidos por apenas
uma agremiação nas negociações.
O setor exportador de serviços criou um órgão institucional cujo nome é Comite de
Exportadores de Servicios da CCS (CES), enquanto sua coordenação e representação
anteriores para as negociações ocorriam diretamente, a partir de cada grêmio ou através dos
setores com presença na CPC, como o de comércio, o financeiro e o de construção civil. A
diversidade de setores representados nesse Comitê levou a um trabalho específico assumido
por agremiações mais representativas de cada sub-setor.
As distintas posições e prioridades com respeito aos níveis e temas de negociação não
correspondem somente a especificidades produtivas de inserção setorial, mas também às
características dos mercados de destino. Em particular, as prioridades diferem em grande
medida entre os setores exportadores e setores sensíveis a importações por uma parte, e dentro
dos primeiros, entre aqueles que destinam suas vendas basicamente ao mercado regional
latino-americano e os que estão voltados para a União Européia, EE.UU. ou Ásia (SILVA, V.,
2001).
86
3.4 Os Partidos Políticos que compõe a Concertación e os Partidos de Oposição: notas
sobre sua atuação no período pós-redemocratização
A coalizão de governo Concertación de los Partidos por la Democracia originalmente
era composta por 17 partidos (sendo que muitos deles deixaram de existir), dos quais apenas
quatro mantiveram presença significativa na coalizão. A Concertación foi resultado de um
movimento que teve início na década de 1980, período em que partidos políticos e
movimentos sociais – então na ilegalidade – voltaram a se articular e reivindicar os direitos
democráticos tolhidos pelo regime militar. Inicialmente foi criada a Alianza Democrática
(AD), que surgiu com a crise econômica, e iniciou a campanha política contra o regime
militar. Apesar da origem heterogênea da Concertación, composta por uma ampla gama de
partidos políticos, que vai da extrema-esquerda aos partidos de centro. A administração do
presidente Patricio Aylwin conseguiu conter o confronto ideológico entre os partidos que
compunham a coalizão. Dois fatores tiveram forte influência nas relações entre os partidos
políticos da Concertación: a forte liderança presidencial e seu alto grau de legitimidade
outorgado pela sociedade civil, e o recorrente medo de um possível retorno ao regime
autoritário. Apenas quatro partidos da coalizão tinham representação parlamentar no período
analisado, são eles (INSTITUTO DE RELACIONES EUROPEO-LATINOAMERICANAS,
1997):
Partido Demócrata Cristiano (PDC) - Criado no ano de 1957, é o maior e mais
importante partido político do Chile. Os dois primeiros presidentes da Concertación,
Patricio Aylwin e Eduardo Frei Ruiz-Tagle, foram eleitos quando eram filiados a ele.
87
O PDC compreende uma ampla gama de opiniões que vão da centro-direita à centro-
esquerda.
Partido Socialista de Chile (PS) – Fundado no ano de 1933, é o segundo maior
partido da coalizão. Durante os anos de 1970 surgiram grandes divisões dentro do
partido, mas, após a redemocratização, passou a estar unido por uma única liderança,
abandonando em parte sua linha ideológica marxista. Contudo, no dia 7 de abril de
1997, uma ala marxista de esquerda anunciou seu desligamento do PS para criar um
novo partido: o Socialista de Esquerda, liderado por Francisco Rivas. No período os
dissidentes ameaçaram se desligar da Concertación, o que não veio a se concretizar.
Partido por la Democracia (PPD). Foi originalmente criado em 1987 para ser
um partido temporário, de transição, visando evitar o veto militar para os partidos de
oposição ao governo militar. Contudo, desconfortável com os partidos tradicionais tais
como o PS e o PDC, o PPD obteve maior desempenho do que seus fundadores
poderiam prever, atraindo membros do PS, como tamm políticos independentes de
centro-esquerda e centro-direita. O PPD representa a ala mais liberal de centro e
centro-esquerda da Concertación.
Partido Radical Social Democrata (PRSD) - Liderado pelo Senador Anselmo
Sule, foi formado após a fusão do Partido Radical (PR) com o pequeno Partido Social
Democracia (PSD), que se uniram após a baixa performance nas eleições de 14 de
dezembro de 1993. É composto por uma ampla maioria de centro-esquerda.
88
Partidos que inicialmente compunham a Concertación (INSTITUTO DE
RELACIONES EUROPEO-LATINOAMERICANAS, 1997, p. 4):
Partido Demócrata Cristiano – Presidente Patricio Aylwin (líder da
coalizão); Partido Socialista Almeyda - Presidente Clodomiro Almeyda;
Partido Socialista Histórico - Presidente Juan Gutiérrez S.; Partido
Socialista Mandujano - Presidente Manuel Mandujano; Partido Socialista
Briones - Presidente Carlos Briones; Unión Socialista Popular- Presidente
Ramón Silva Ulloa; Partido Radical de Chile - Presidente Enrique Silva
Cimma; Partido Radical Socialdemócrata - Presidente Anibal Palma;
Partido Socialdemócrata - Presidente Eugenio Velasco; Partido
Democrático Nacional - Presidente Wolfang Priour; Partido MAPU -
Presidente Víctor Barrueto; Partido MAPU-OC - Presidente Fernando Avila
Illanes; Partido Izquierda Cristiana - Presidente Luis Maira; Partido
Humanista - Presidente José Tomas Saenz; Partido Liberal - Presidente
Hugo Zepeda Barrios; Partido Por la Democracia (PPD) - Presidente
Ricardo Lagos Escobar; Partido los Verdes- Presidente Andrés Korizma.
A Unión Progreso de Chile (UPC) é uma chapa composta por dois partidos principias,
os quais, em grau variado, apoiaram o regime militar. Nenhum dos dois existia antes do golpe
de 1973 (INSTITUTO DE RELACIONES EUROPEO-LATINOAMERICANAS, 1997).
Com a redemocratização, passaram a defender os interesses dos setores próximos ao extinto
governo militar; são eles:
Renovación Nacional (RN). Criado em 1987, é o maior partido da UPC, e o
segundo maior no Congresso do Chile (durante o governo Eduardo Frei Ruiz-Tagle).
É o principal partido de oposição à Concertación, e durante a década de 1990,
representou a tradicional direita liberal/conservadora pré-golpe militar. Ele está
profundamente dividido entre políticos moderados e liberais de direita, que são os
líderes do partido, e um setor politicamente autoritário e economicamente
intervencionista, que é representado pela maioria dos senadores do partido. A RN teve
89
de se dissociar da agenda política do regime militar, embora apóie as reformas
econômicas implementadas no período.
Unión Demócrata Independente (UDI). O partido foi criado em 1983, e seu
líder é Jovino Novoa. O partido tem quinze deputados e três senadores (governo
Eduardo Frei Ruiz-Tagle). A UDI é política e socialmente ultra-conservadora e
autoritária, embora extremamente liberal. Ela representa aqueles atores mais próximos
ao regime militar e é muito homogênea.
A UPC também teve o apoio de seis deputados independentes durante todo o governo
Eduardo Frei Ruiz-Tagle. Sua posição no Congresso é freqüentemente fortalecida pela
presença da Union Centro-Centro Progresista (UCCP), que possui um senador, o fundador
desta coalizão, Francisco Javier Errázuriz, e um deputado. A UCCP possui como
característica ser populista de centro-direita e foi criada como meio para alcançar as ambições
presidenciais e Errázuriz. Ele teve um bom desempenho nas eleições presidenciais de 14 de
dezembro de 1989, alcançando a marca de 15% dos votos. Contudo, nas eleições de 14 de
dezembro de 1993, o partido, em aliança com a UPC, obteve apenas 3,2% dos votos.
A trajetória das coalizões políticas de extrema-direita tem sido inconstante. A direita
no Chile permaneceu, no decorrer da década de 1990, incapaz de se adaptar plenamente ao
regime democrático. Além disso, os dois partidos da UPC não tiveram um bom entendimento
quando buscaram trabalhar em conjunto. Isso contribuiu para a ineficiência da coalizão como
uma força política e eleitoral. Durante o período analisado esses partidos não conseguiram
superar suas principais diferenças, o que resultou num grau variado de lealdade. Estes partidos
se mantiveram mais ligados aos interesses daqueles que haviam composto a Junta Militar, ao
invés de adotarem uma posição de defesa de seu ideário político-partidário.
90
3.5 As Relações entre os Partidos Políticos, Sindicatos de Trabalhadores e Agremiações
Empresariais
Após o Golpe Militar, o debate ideológico passou a ser percebido pela sociedade
chilena de maneira negativa, pois a crise institucional do início da década de 1970 foi
creditada a radicalização e polarização ideológica. No período de redemocratização foi
preciso reestruturar os partidos políticos, buscar o consenso para uma transição estável, e
deixar o aspecto ideológico em segundo plano.
A política de inclusão social foi utilizada pelos partidos da Concertación para
estabelecer o diálogo com os empresários e sindicatos de trabalhadores – principalmente a
CUT e a CDT. Durante o regime militar, os movimentos trabalhistas foram proibidos de se
manifestar, de fazer greve, e foram fortemente perseguidos e reprimidos. Com o fim do
regime militar, os sindicatos de trabalhadores tornaram a exercer seu papel, mas não da forma
como ocorria no período pré-golpe militar, pois estava muito enfraquecido e desorganizado.
Apesar do ressurgimento dos sindicatos de trabalhadores, que teve início em meados
da década de 1980, nota-se uma significativa ausência dos atores sindicais na definição da
política exterior do país no período estudado. Em relação aos seus vizinhos do Cone Sul, o
sindicalismo no Chile está muito atrasado, o que pôde ser constatado nas negociações com os
representantes do Mercosul. As centrais sindicais do Chile, ao longo da década de 1990,
tiveram uma posição passiva ante as rodadas de negociações com os demais países e blocos
econômicos.
Essa situação pode ser explicada devido aos problemas estruturais derivados da crise
91
no movimento sindical chileno, que não ficou alheio às transformações na economia e na
história política das últimas décadas. A eles se somam as dificuldades derivadas da falta de
equipes profissionais nas organizações sindicais e a necessária discussão em âmbito nacional,
no seio destas organizações e sua relação com outros agentes. Nesse último aspecto cabe
enfatizar o prolongado debate sobre as reformas trabalhistas reivindicadas por seus
representantes durante os dois primeiros governos da Concertación.
Em relação aos acordos comerciais os sindicatos tiveram uma posição mais reativa que
propositiva, apresentando dificuldades para participar na elaboração de políticas de
reconversão ou de desenvolvimento industrial. A discussão a respeito da associação ao
NAFTA constitui uma exceção em relação à baixa visibilidade dos atores trabalhistas nos
processos de negociação de acordos comerciais. Nesse período, foram criadas comissões com
a participação de representantes sindicados trabalhistas na DIRECON, mas a especificidade
dos temas tratados e o peso de outros conflitos com o governo dificultaram a manutenção
dessa relação (SILVA, V., 2001).
O governo criou espaços para participação dos sindicatos trabalhistas que, direta ou
indiretamente, contemplaram discussões sobre a inserção internacional e os processos de
negociação. Entre esses o Foro de Desarrollo Productivo, de funcionamento mais
permanente, foi o que se acreditava que abriria maior possibilidade de participação do setor
trabalhista. Os analistas chilenos constataram que o movimento sindical paralisou muitas
vezes sua participação como maneira de se defender, mas avaliam mesmo assim que alguns
níveis do âmbito público adquiriram um caráter demasiado tecnocrático. Efetivamente, a
postura dos subseqüentes governos da Concertación em relação à participação dos sindicatos
trabalhistas nesses temas foi percebida como relativamente débil pelos analistas, que apontam
como principais causas a carência na difusão de informação e a incapacidade para explicar
melhor as questões tratadas nas negociações; requerendo-se ademais prestar maior apoio às
92
organizações. Sem dúvida, o governo esteve ciente da complexidade dos temas em discussão
e da capacitação que requer o mundo sindical para participar junto às equipes que
acompanham as negociações. A DIRECON e o Ministério do Trabalho iniciaram trabalhos
coordenados para constituir essas equipes de formação (SILVA, V., 2001).
O setor acadêmico, além de ter representação em alguns órgãos de discussão que
tratam da política exterior chilena, se articula com outros atores, particularmente através de
consultoria, pesquisas, publicações e opinião na mídia. Diferentemente de outros modelos
internacionais, no Chile não existem órgãos independentes que assessorem oficialmente o
governo em política comercial (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE
29
, 1997, apud
SILVA, V., 2001, p. 46).
O protagonismo de parlamentares em algumas discussões relativas à política exterior
agregou novas demandas de articulação no âmbito público. Isso ocorre em particularmente em
relação à aprovação de acordos comerciais, tema em que as equipes econômicas do Congresso
passaram a reivindicar maiores competências, como pôde ser observado no acordo comercial
com o Peru, em meados do ano de 1998. A esse respeito, houve um debate sobre a
constitucionalidade dos procedimentos aplicados na aprovação dos acordos, ainda que
estivessem vinculados à ALADI - que é considerado o marco legal para a maior parte das
negociações bilaterais. A discussão surgiu porque as negociações passaram a ir além das
definições e conteúdo previstos por esse órgão multilateral. De tal forma que os atores
políticos tiveram um papel mais protagônico nas negociações com os EE.UU. devido ao forte
lobby que foi necessário para tornar o acordo viável.
Data das manifestações contra a ditadura militar, no início dos anos 1980, o começo
do entendimento entre os partidos políticos, agremiações empresariais e movimentos
trabalhistas no Chile, cujo objetivo foi a busca por um entendimento e a resolução das
29
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Examen de las políticas comerciales: Chile. Informe de la
Secretaría. Documento WT/TPR/28. [S.l], ago. 1997 (apud SILVA, V., 2001, p. 46).
93
divergências de maneira consensual. Os desdobramentos do acordo inicial estão diretamente
ligados ao papel relegado a esses setores durante o regime militar. No governo de Patricio
Aylwin, tal entendimento foi de suma importância para o processo de redemocratização
estável e gradual. Durante o mandato de Eduardo Frei Ruiz-Tagle, surgiram divergências
significativas entre o governo, as agremiações setoriais e os sindicatos trabalhistas. Os
desentendimentos entre esses atores, contudo, foram percebidos por analistas políticos
chilenos como algo saudável, característica de uma democracia estável.
ATORES IMPORTÂNCIA INFLUÊNCIA RECURSOS VISIBILIDADE
Partidos
Políticos
Baixa Influem na
agenda
Coesão e
Organização;
Sistema de
idéias; Apoio
eleitoral
Visível
Centros de
Estudos
Média Definições
alternativas
Sistema de
idéias; Equipes
de especialistas
Semi-visível
Organizações
Não-
Governamentais
Média Definições
alternativas
Coesão e
organização;
Criação de
opinião pública
Visível
Agremiações e
Grupos
Empresariais
Alta Definições
alternativas
Poder
econômico;
Criação de
opinião pública;
Apoio eleitoral.
Visível
Meios de
Comunicação
Média Influem na
agenda
Criação de
opinião pública
Visível
Quadro 4 - Os atores Não-Governamentais da Política Comercial Chilena
Fonte: Ceppi, 2005, p. 113-115 (tradução nossa).
94
3.6 Política Externa do Chile e a Reinserção Internacional durante a Década de 1990: os
atores governamentais e o papel que desenvolveram na elaboração e tomada de decisão
A partir do início da década de 1970, o processo de formulação e decisão da política
externa chilena foi progressivamente sendo modificado, à medida que a Junta Militar e os
Chicago Boys foram se estabelecendo no poder. Antes, o processo de tomada de decisão
referente à política externa do país esteve nas mãos de um seleto grupo de diplomatas e
funcionários do alto escalão do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da
Economia. Após o golpe militar, essa situação foi se modificando substancialmente e, com o
fim do governo militar no ano de 1989, o processo de definição da política externa estava
totalmente reestruturado.
A reformulação da política exterior do Chile durante o regime militar se tornou uma
necessidade premente devido à nova inserção internacional do país, o que resultou,
principalmente, num maior diálogo entre os distintos Ministérios envolvidos. Foram criadas
subsecretarias (como a DIRECON e a PROCHILE, por exemplo) e os Ministérios das
Relações Exteriores, da Economia e da Fazenda, foram divididos por áreas de trabalho, sendo
definidas regiões específicas do planeta para cada uma delas. O reordenamento e
reestruturação da política externa chilena estão diretamente relacionados à maior dependência
econômica do país do mercado internacional e a ênfase dada a busca em ampliar os mercados
para os bens de exportação chilenos. A política exterior do Chile passou a ser fortemente
influenciada pela necessidade de estabelecer e manter vínculos comerciais com os demais
países da sociedade internacional, posição essa considerada como pragmática, onde primam
os interesses econômicos em detrimento dos interesses políticos.
95
A intenção deste tomo é identificar os atores que tomaram parte na elaboração e
aplicação da política externa chilena após o retorno à democracia e sua estratégia de
reinserção internacional, também conhecida como segundo passo exportador. O enfoque no
aspecto econômico comercial possuiu (e ainda possui) um caráter primordial na política
exterior do Chile. Tal fato decorre, principalmente, da grande dependência dos setores da
economia do país voltados para o comércio exterior. A abertura unilateral significou uma
reestruturação na economia do país, de forma que, por vezes, a política exterior chilena
aparenta estar voltada exclusivamente para as relações comerciais que mantêm e as que
pretende estabelecer. Ao tratar dos atores que são os mais importantes no processo de tomada
de decisão, o analista Porras (2003, p. 17, tradução nossa) afirma: "[ . . . ] são atores que se
enquadram dentro de um contexto institucional que modela suas preferências e que traça
restrições a suas ações."
Dada à natureza presidencialista do regime político chileno, a figura do presidente
sobressai como ator determinante na adoção das principais diretrizes que guiam a modus
operandi governamental frente aos distintos poderes do Estado. Esse amplo poder que ostenta
o presidente, é resultado da Constituição de 1980, que foi elaborada com o intuito de
institucionalizar os princípios autoritários que embasaram a política do governo militar. Essa
característica se sobressai no que se refere ao manejo das relações econômicas internacionais.
De fato, a ordem constitucional outorga amplas prerrogativas ao presidente, que deve "[ . . . ]
conduzir as relações políticas com as potências estrangeiras e organismos internacionais, e
levar a cabo as negociações; concluir, assinar e ratificar os tratados que julgue convenientes
para os interesses do país." (CHILE, 1980, online, apud PORRAS, 2003, p. 18, tradução
nossa)
30
.
30
CHILE. Constitucíon Politica de Chile (1980). Capitulo 4: Gobierno. [Santiago de Chile], 08 ago 1980a.
Disponível em: <http://www.camara.cl/legis/const/c04.htm>. Acesso em: 30 abr. 2006. (apud PORRAS, 2003,
p. 12, tradução nossa).
96
Como dito acima, a elaboração da política exterior está dividida entre os Ministérios
das Relações Exteriores, da Fazenda, e da Economia
31
. Após o golpe militar, com a crise do
Ministério das Relações Exteriores houve uma transferência de competências e recursos para
o manejo da política comercial a favor do Ministério da Economia e, principalmente, do
Ministério da Fazenda. A promoção dos economistas a postos de liderança dentro de órgãos
do governo levou à tecnocratização da política externa, buscando racionalizar o trabalho
governamental (PORRAS, 2003).
O êxito econômico que tem início a partir da segunda metade da década de 1980 e a
acelerada despolitização da sociedade chilena, fizeram com que houvesse no Chile uma
aparente "[ . . . ] convicção institucionalizada
32
[ . . .]" dentro da estrutura político-
administrativa do país (PORRAS, 2003, p. 21, tradução nossa). Uma vez restaurada a
democracia, a presença dos economistas no governo foi mantida. Como ficou patente em
todas as áreas da vida política chilena, os economistas, mais que seus pares na região sul
americana, assumiram uma condição de grande importância e legitimação.
Dentre as subsecretarias criadas para dar maior dinamismo na política externa do
Chile, a que mais se despontou foi a Direção Geral de Relações Econômicas Internacionais
(DIRECON). Ela passou a encarregar-se do desenho e execução do mandato do Presidente da
República em todos os assuntos referentes ao manejo das relações econômicas internacionais.
Ainda que esse organismo estivesse subordinado formalmente ao Ministério das Relações
Exteriores, na realidade gozou de ampla autonomia, tanto em sua gestão como em seu
financiamento (PORRAS, 2003).
31
Outros Ministérios do Governo da República do Chile também participam da definição da Política Exterior do
País, mas em menor grau quando comparado aos que foram citados acima.
32
"Termo que designa o consenso entre os setores da sociedade chilena em relação às diretrizes políticas após a
redemocratização" (PORRAS, 2003, p. 21, tradução nossa).
.
97
No início da década de 1990, houve uma segunda fase do processo de reforma
institucional do Ministério de Relações Exteriores. Três principais problemas que tiveram de
ser enfrentados:
a) a substituição de funcionários que ocupavam posições dentro dos órgãos
governamentais por outros, que, em muitos casos, careciam de experiência na gestão
pública;
b) a necessidade de rápido ajuste aos novos requisitos que impunha a democracia no
manejo dos assuntos públicos, como a transparência e adoção de uma atitude mais
conciliadora ante os diferentes interesses da sociedade;
c) a baixa sintonia e o desequilíbrio na distribuição de influências dentro dos
diferentes Ministérios do governo envolvidos na definição da estratégia comercial
como resultado dos cargos designados aos diferentes partidos que compunham a
coalizão governante (PORRAS, 2003).
Como dito anteriormente, foram tomadas medidas para melhorar o desempenho no
processo de definição e implementação da estratégia de comércio exterior do Chile, entre elas
duas se destacam:
a) distribuição das áreas regionais entre os distintos Ministérios – Ministério das
Relações Exteriores passou a ser responsável pela América Latina, o Ministério da
Economia ficou encarregado da Ásia-Pacífico (Apec), Europa Ocidental (UE) e
também América Latina; e o Ministério da Fazenda concentrou seus esforços nas
relações com os países da América do Norte;
b) foi criado o Comitê Interministerial de Relações Econômicas Internacionais em
1992, buscando solucionar os problemas de coordenação e as divergências entre os
diferentes Ministérios envolvidos nas negociações comerciais. Esse Comitê,
coordenado pela Secretaria Geral da Presidência (SEGPRES), assumiu a função
98
consultiva na formulação e administração das políticas referentes às relações
econômicas internacionais (PORRAS, 2003).
Foi dada continuidade às mudanças nos órgãos governamentais durante o governo
Frei, período em que alcançou maior profundidade. Nele buscou-se centralizar a coordenação
de todas as negociações comerciais na DIRECON, a fim de alcançar o máximo de união e
coerência possível, tanto na formulação da estratégia negociadora como em sua execução.
Com esse objetivo foi modificada a organização da DIRECON, para que fosse encarregada da
negociação de acordos comerciais, da administração dos acordos negociados e da solução de
conflitos, problemas na aplicação dos mecanismos ou recursos previstos nos instrumentos
negociados. Houve uma reorganização da DIRECON, órgão que foi totalmente reestruturado
e foi considerado modelo. Por um lado, foi criado um grupo de departamentos a cargo das
diferentes áreas regionais – Mercosul, Ásia-Pacífico (Apec), Europa Ocidental (UE), América
do Norte (NAFTA). Por outro, foram criados departamentos temáticos destinados a apoiar
todos os processos de negociação (acesso ao mercado, propriedade intelectual, temas
ambientais, etc.) (PORRAS, 2003).
De forma paralela às mudanças na DIRECON, foram criados dois organismos para
coordenar e conciliar os recursos e as preferências existentes dentro do governo: o Comitê
Interministerial de Negociações Econômicas Internacionais e o Comitê de Negociação. O
primeiro foi criado em 1995, e veio a substituir algumas atribuições da Direção Geral de
Relações Econômicas Internacionais (DIRECON). Era presidida pelo Ministro das Relações
Exteriores e contava com a participação do Ministério da Fazenda, o Ministério da Economia
e da Secretaria Geral da Presidência. Posteriormente, foram incorporados os demais
Ministérios relacionados em questões que tratavam das negociações de acordos comerciais. Já
o Comitê de Negociação é um organismo presidido pelo diretor da DIRECON e é composto
por representantes do Ministério da Fazenda, o Ministério da Economia e o Ministério da
99
Agricultura. Sua principal função consiste em examinar a situação dos distintos processos de
negociação e propor uma agenda para o Comitê Interministerial (PORRAS, 2003).
No decorrer dos dois governos da Concertación aqui analisados, os Ministérios foram
se adaptando às necessidades surgidas nas negociações comerciais. As reformas realizadas
pelo presidente Eduardo Frei Ruiz-Tagle contribuíram de maneira significativa para fortalecer
o desempenho governamental em matéria comercial.
As competências que outorga a Constituição de 1980 ao papel do poder legislativo em
matéria de política comercial se enquadram ao desenho institucional que foi sendo adotado na
maioria dos países a partir da década de 1990. Seu propósito é impedir que a função de
negociador do governo no cenário econômico internacional possa ser obstruída
constantemente pelas petições e emendas procedentes do Congresso.
O Artigo 50 da Constituição de 1980 chegou ao extremo de impedir a participação do
Congresso. Segundo essa norma: "As medidas que o Presidente da República adote ou os
acordos que celebre para o cumprimento de um tratado em vigor não requererá nova
aprovação do Congresso, a menos que se trate de matérias próprias de lei." (CHILE
33
, 1980b,
online, apud ANINAT, 2001, p. 18, online, tradução nossa). Como esta disposição não faz
distinção entre os conceitos de acordo marco e acordo de complementação, elaborou-se um
preceito segundo o qual a aprovação do Tratado de Montevidéu de 1980 – em virtude do qual
se instituiu a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) – outorgava à presidência
a faculdade de subscrever acordos plenos sem a intervenção do Congresso.
Na medida em que a estratégia do governo chileno em matéria de acordos comerciais
foi ganhando relevância na agenda da política doméstica, no decorrer da década de 1990, veio
do Congresso uma exigência de nova interpretação da lei que previa sua participação nas
negociações dos acordos comerciais. Um requerimento que teve seu principal efeito no
33
CHILE. Constitucíon Politica de Chile (1980). Capitulo 5: Congreso Nacional. [Santiago de Chile], 08 ago.
1980b. Disponível em: <http://www.camara.cl/legis/const/c05.htm>. Acesso em: 05 jun. 2005 (apud
ANINAT, 2001, p. 18, online, tradução nossa).
100
contexto do processo de ratificação do Acordo de Complementação Econômica número 35
(ACE-35) com o Mercosul. Apesar das amarras impostas pela Constituição de 1980, o
Congresso chileno tem um papel mais relevante quando comparado ao dos demais países
latino-americanos (PORRAS, 2003).
No Chile, até o período anterior ao golpe militar os partidos políticos eram muito
fortes, pois, no decorrer de sua história apresentaram estabilidade, coerência ideológica,
organização e apoio da sociedade civil; podendo, deste modo, afirmar a similaridade com seus
pares nas democracias mais estáveis da Europa ocidental – principalmente a França e Itália.
Durante o regime militar, os partidos políticos foram apontados pelas Forças Armadas como
sendo os responsáveis pela tensão político-ideológica que resultou na crise institucional.
Apesar das tentativas da junta Militar de acabar com os partidos políticos e seus filiados, estes
voltaram à vida política no ano de 1983, quando tiveram início as mobilizações contra o
regime militar.
Após o período de redemocratização, os partidos políticos buscaram voltar a ser os
principais canais de transmissão das demandas populares para a esfera do Estado. Mas o
cenário então era outro, e sua atuação passou a ser constrangida devido às restrições impostas
pelo legado institucional do regime militar. Contudo, os partidos políticos que fazem parte da
Concertación também sofreram algumas conseqüências negativas, reflexo da necessidade de
alcançar um consenso na coalizão (PORRAS, 2003), tais como:
a) perda de identidade ideológica na coalizão devido à necessidade imprescindível de
alcançar o consenso supra-partidário, o que acabou resultando na subordinação das
diferenças ideológicas a favor da criação de grandes consensos;
b) a descaracterização ideológica dos partidos políticos foi erodindo progressivamente
sua articulação com os distintos setores sociais, e debilitou o papel que
tradicionalmente tinham como mediadores entre o Estado e a sociedade. Como
101
resultado, a maioria das organizações que representam os interesses civis buscou
defender seus interesses na definição da política de comércio exterior do governo
após a redemocratização, evitando a intermediação dos partidos políticos.
Analisando a história dos partidos políticos chilenos pôde-se constatar o escasso
interesse pela política de acordos comerciais. Característica que permaneceu com a
redemocratização do país, pois prevaleceu a indiferença e/ou falta de propostas. Tal atitude
contrasta com o papel exercido pelos Ministérios da Fazenda e da Economia, como também
dos representantes das agremiações empresariais no debate público sobre o tipo de inserção
do Chile no mercado mundial. Dado a grau de importância auferido à inserção internacional e,
principalmente, ao comércio exterior, a situação foi mudando no decorrer dos anos 1990,
quando os dirigentes dos partidos foram cada vez mais tomando consciência sobre a
necessidade de inteirar-se e formar opinião sobre a estratégia de comércio exterior do Chile,
dada não só a importância que tem no desenvolvimento econômico do país, como também no
comportamento do eleitorado. Mas não são todos os partidos que mostram a mesma
capacidade para tratar de temas relacionados ás relações exteriores do Chile.
Os partidos da coalizão de oposição (centro-direita) apresentaram uma atitude mais
ativa em matéria de política comercial durante a década de 1990, o que decorre dos seguintes
motivos:
a) pela relevância que esta tem em sua oposição ao governo;
b) pelos recursos que contam os centros de estudo vinculados a Unión Democrática
Independente (UDI), e a Renovación Nacional (RN); como o Instituto Libertad y
Desarrollo (ILD) e o Instituto Libertad (IL) para que formulem propostas nesta
área;
c) porque existem fortes vínculos entre os partidos de direita e os grupos empresariais
mais interessados na política de comércio exterior.
102
A posição ideológica dos partidos de direita é liberal-ortodoxa, claramente favorável à
plena inserção do Chile no mercado internacional. Uma inserção, não obstante, onde devem
primar as razões econômicas e não as políticas. Por esse motivo, optou-se por concentrar
todos os recursos no entendimento com as grandes potências econômicas e evitar qualquer
tipo de veleidad latinoamericanista (veleidade latino-americana). Esse apoio incondicional à
abertura comercial por parte dos partidos da oposição contrasta com sua concepção da política
internacional, que tem por base a defesa da soberania nacional. Posição contraditória, devido
à inserção radical da economia do Chile, a grande dependência da economia internacional,
implicando, direta ou indiretamente, em perda de soberania.
A centralização do poder nas mãos do presidente chileno na condução das relações
econômicas internacionais desestimulou, durante o período analisado, os políticos partidários
da Concertación a se preocupar com essa temática, que acabou por ser minorada, quando não
completamente ignorada. Outro fator de grande importância para a exígua participação dos
partidos da Concertación nos assuntos de política comercial reporta ao início da
redemocratização, quando grande parte dos centros de estudo que atuavam dentro de sua
órbita perderam muitos de seus membros, que então passaram a assumir posições dentro da
administração pública. Não obstante, a maioria dos partidos que integram a Concertación
mantiveram estreitos vínculos com seus pares ideológicos de outros países e possuem uma
importante presença nas organizações internacionais que os agrupam. Contudo, esse
intercâmbio foi pouco usado para complementar a diplomacia governamental nos dois
primeiros governos da Concertación.
Apesar do consenso entre os partidos da Concertación sobre a estratégia de comércio
exterior do Chile, é possível identificar diferentes pontos de vista na matéria. Tratam-se de
diferenças transversais, presentes por igual em todos os partidos. Na prática, o protecionismo
e o legado latino-americanista dos dirigentes mais tradicionais se opõem à posição mais
103
favorável de abertura comercial dos dirigentes que representam a ala liberal dos distintos
partidos (PORRAS, 2003).
O trabalho do Congresso chileno articula-se, principalmente, através de comissões
permanentes que existem tanto na Câmara dos Deputados como no Senado, uma das quais se
ocupa de tudo o que é referente às relações exteriores. Os projetos que ingressam a qualquer
das Câmaras remetem-se automaticamente a essa comissão, onde são realizadas audiências e
estudam-se possíveis modificações. Um projeto ordinário não pode sair de uma comissão se
não conta com o apoio da maioria, enquanto o futuro dos projetos que requerem tratamento na
sala pode estar determinado pelas recomendações da comissão. As comissões permanentes da
Câmara dos Deputados são compostas de treze membros cada uma e as da Câmara dos
Senadores de cinco (PORRAS, 2003).
Considerando-se a coalizão em seu conjunto, a Concertación manteve a maioria em
todas as comissões. No interior da coalizão, o princípio da proporcionalidade sobre o apoio
com que conta cada partido ordena a divisão de postos no conjunto de todas as comissões,
mas não no caso particular de cada uma. O Partido Demócrata Cristiano liderou a Comissão
de Relações Exteriores nos dois governos pós-redemocratização. A concorrência técnica de
uma comissão se considera geralmente um indicador da capacidade legislativa. Nesse sentido,
a continuidade dos membros da Comissão de Relações Exteriores é muito menor que no resto
de comissões ao encontrarem-se mais condições pelas diretrizes que se impõem pelas cúpulas
das coalizões partidárias (PORRAS, 2003).
104
ATORES IMPORTÂNCIA INFLUÊNCIA RECURSOS VISIBILIDADE
Presidência da
República
Alta Definição da
Agenda
Competência
legal (firmar
tratados,
Iniciativa
legislativa)
Influência na
opinião
visível
Assessores
Presidenciais
Média Preparação da
Agenda
Confiança do
Presidente
Invisível
Ministérios e
administração
pública
Média Definição de
Alternativas e
agenda
Confiança do
presidente.
Equipes
especializadas.
Competência
legal:
negociação
Visível
Parlamento De baixa à
média
Não define
alternativas e
agenda
Aprovar
Tratados.
Influência ante
a opinião
pública.
Visível
Quadro 5: Os Atores Públicos da Política Comercial Chilena
Fonte: Ceppi, 2005, p. 78 (tradução nossa).
105
4 O GOVERNO DE PATRICIO AYLWIN (1990 - 1994): reinserção internacional e o
segundo passo exportador
A década de 1990 é considerada como um período de transição nas relações
internacionais, que coincide com o fim do regime soviético e, mormente, o fim da Guerra
Fria. Analistas internacionais deram início a uma nova forma de abordagem dos fenômenos
internacionais, marcada pela diplomacia econômica entre as nações e o (re)surgimento das
iniciativas de cooperação e integração entre blocos regionais e países. Foi apontado como o a
vitória do modelo capitalista sobre o socialista, pondo fim ao embate ideológico e o começo
do predomínio do que ficou conhecido como pensamento único: o modelo neoliberal. O
triunfo do modelo neoliberal, a livre circulação de bens, serviços e pessoas, são alguns dos
principais fatores que remodelaram a realidade internacional. Contudo, apesar do declínio do
modelo socialista e da crença de que os EE. UU. manteriam o status de única superpotência, a
década de 1990 foi marcada por instabilidades nas relações econômicas globais e na
incapacidade do surgimento de uma nova ordem na sociedade internacional, fosse ele
unilateral ou plurilateral.
Na primeira metade da década de 1990, surgiu uma "[ . . . ] onda de integracionismo [ .
. . ] (MUÑOZ, 1986, p. 1, tradução nossa)
34
que culminou com a criação de blocos
econômicos regionais e significou um novo passo nos processos de integração do sistema
internacional. As principais regiões do mundo estavam incrementando suas relações
comerciais e de integração regional, as quais podemos citar como exemplos o surgimento do
34
No original: "[ . . . ] hola de integracionismo [ . . . ]".
106
Mercado Comum do Sul (Mercosul), no ano de 1991; o Tratado de Maastricht, em 1992,
assinado pelos países que compõe a União Européia, marcando uma nova etapa no processo
de integração europeu; o North American Free Trade Agreement (NAFTA), em 1994, sob a
liderança dos EE.UU.; e o surgimento da Asia-Pacific Economic Cooperation (Apec) em
1993. Foi o início de uma nova fase no processo de integração econômica mundial, reflexo
direto do que posteriormente veio a ser chamado de globalização.
É nesse contexto internacional que tem início o primeiro governo democrático no
Chile, após dezesseis anos de ditadura militar. O então presidente eleito, candidato da
Concertación, Patricio Aylwin, adotou uma nova forma de governar, que se refletiu na
política externa do país. Durante o regime militar surgiram obstáculos para as relações
exteriores do Chile, como a oposição ao regime ditatorial do general Augusto Pinochet pelos
países do bloco Ocidental, e a condição de inimigos do regime outorgada aos países do bloco
socialista. As mudanças na política interna do Chile foram fortemente influenciadas pelas
transformações que estavam ocorrendo nas demais regiões do mundo. Em função dessas
mudanças, o governo de Patricio Aylwin teve que trabalhar em duas frentes, na política
interna, com o processo de redemocratização, e nas relações exteriores, com a negociação de
acordos comerciais e a necessidade de uma nova estratégia de inserção internacional.
O presente capítulo busca analisar a interação entre o governo de Patricio Aylwin,
candidato da Concertación, as agremiações setoriais chilenas, e os tecnocratas alocados em
ambos os setores. As relações entre esses três atores da sociedade chilena resultaram na
definição da política exterior do país ante a nova realidade internacional. Os interesses
envolvidos moldaram a política exterior do Chile para os países da América Latina, e
exerceram forte influência na não-adesão do Chile ao Mercosul durante a primeira metade da
década de 1990.
107
É preciso, por conseguinte, fazer uma pequena explanação dos tópicos e a ordenação
dos mesmos no texto que segue. Primeiramente, é de suma importância fazer uma descrição
da forma como foi elaborada a nova política exterior, qual foi a estratégia adotada, onde
houve mudança e em quais pontos foi mantida a política que vinha sendo adotada pelo regime
do general Augusto Pinochet. No segundo tomo será feita uma abordagem sobre a interação
dos atores estudados neste trabalho, quais foram seus interesses e de que maneira eles
buscaram alcançar seus objetivos. O terceiro tomo versa sobre as relações continentais do
Chile, sua política exterior para as Américas e, mais especificamente, suas relações com os
EE.UU. e o Mercosul. No quarto tomo será feito um balanço da política exterior do governo
de Patricio Aylwin, as implicações nas relações internacionais do país, e quais foram os
logros e os percalços que marcaram este período.
4.1 Estratégia de Inserção Internacional: as mudanças do primeiro governo da
Concertación
Ao assumir o governo, Patricio Aylwin deu início a uma série de medidas para tornar a
política externa do Chile mais dinâmica, mantendo a política comercial e buscando
incrementá-la com o segundo passo exportador. O retorno ao regime democrático contribuiu
significativamente para a melhora nas relações exteriores do país. O então presidente Patricio
Aylwin buscou reaproximar o Chile de maneira positiva ante os principais países e órgãos
multilaterais do mundo.
O incremento na política comercial do país refletiu-se na capacidade do governo de
firmar acordos comerciais e desse modo assegurar mercados para os bens de exportação
108
chilenos. Ao adotar uma política externa com ênfase na defesa dos valores democráticos e
apoiando as iniciativas de liberalização comercial em vários âmbitos, o governo chileno tinha
a meta de consolidar a imagem de um país redemocratizado, moderno e de economia estável
ante a sociedade internacional. No decorrer de seu o governo, Patricio Aylwin estabeleceu as
condições necessárias para que o Chile pudesse despontar entre os demais países latino-
americanos, devido ao dinamismo de sua política econômica exterior, que encontra sua
melhor expressão no termo global trader.
O analista Manfred Wilhelmy caracteriza o presidente Patricio Aylwin como sendo
um Presidente Impulsor (ou Promotor), por apresentar uma tendência a desempenhar um
papel ativo na orientação e manejo da política comercial, habitualmente guiado por seu
próprio conceito de como deveria ser, em termos gerais, a inserção internacional de seu país
(PORRAS, 2003).
Inicialmente foram estabelecidas seis metas específicas para inserir o Chile na
sociedade internacional (REVISTA CONO SUR, 1990, apud MILET; ÁLVAREZ, 2003, p.
19, tradução nossa)
35
:
[ . . . ] a) recuperar a presença internacional do Chile, mediante uma ação
realista que se inspire nos valores e princípios referidos, com ênfase especial
no que diz respeito aos Direitos Humanos; b) universalizar as relações
internacionais do Chile, em seus aspectos políticos, econômicos, sociais e
culturais; c) promover a integração econômica e a coalizão política latino-
americana, incluindo o desenvolvimento de concepções modernas de
segurança que fortaleçam a paz e a democracia na região; d) desenvolver
uma política econômica externa aberta e moderna que vincule o Chile com
os núcleos dinâmicos de crescimento e inovação tecnológica; e) fomentar as
relações de cooperação e entendimento com os países em desenvolvimento;
e, f) apoiar os organismos multilaterais e a participação do Chile em suas
iniciativas.
35
REVISTA CONO SUR. [Santiago de Chile?: s.n.], v. 9, n. 1, enero/feb. 1990 (apud MILET; ÁLVAREZ,
2003, p. 19, tradução nossa).
109
Desses enunciados é possível desprender que os princípios angulares na
fundamentação do governo da transição foram: a democracia como fator coadjuvante no
fortalecimento de vínculos com a região e o mundo; o modelo de desenvolvimento exportador
do Chile como exemplo de êxito econômico e uma participação ativa em nível multilateral.
No quadro abaixo segue um esquema onde são colocadas em paralelo as principais mudanças
do primeiro governo da Concertación em relação ao regime militar que vigorou até o ano de
1989.
Situação no
governo militar
Política Exterior do Chile no governo de AylwinÁreas
Condição Objetivo Meios
Política exterior
geral
Democracia e
direitos humanos
Organismos
Multilaterais
Comércio Exterior
Isolacionismo
político
Defensiva
Passividade
Economia aberta
Reinserção
internacional
Posição assertiva
Ativismo moderado
Continuidade
Mudanças de tipo,
qualidade e freqüência de
contatos internacionais
Associação ao regime
internacional de direitos
humanos
Coordenação de consensos
Aprofundar mercados
tradicionais;
abertura de novos
mercados;
atração de maior
investimento;
busca de cooperação.
Quadro 6 - A Política Exterior do 1º Governo da Concertación
Fonte: Heine
36
1991, p. 238 (apud MILET; ÁLVAREZ, 2003, p. 20, tradução nossa).
Os primeiros resultados dessa política de reinserção evidenciaram-se
fundamentalmente em cinco áreas: promoção dos valores democráticos, incremento da
36
HEINE, Jorge. Chile, ¿Timidez o pragmatismo? In: HEINE, Jorge (Comp.). ¿Hacia unas relaciones
internacionales de mercado? Caracas: Nueva Sociedad, 1991. P. 233-259. (Anuario de políticas exteriores
latinoamericanas 1990-1991) (apud MILET; ÁLVAREZ, 2003, p. 20, tradução nossa).
110
integração comercial, aumento das instâncias de cooperação, revitalização dos vínculos com
os países vizinhos e com as principais potências internacionais, e uma ação mais ativa em
nível multilateral. Segundo Hugo Fazio (1995, p. 67, tradução nossa), "[ . . . ] o primeiro
governo da Concertación privilegiou a diversificação de relações com aqueles países que
também se encontravam em processo de abertura [comercial] e que possuem economias
similares."
No programa de governo da Concertación havia o distanciamento de medidas
populistas, focando-se na continuidade à política de abertura comercial e de reinserção
internacional do Chile, cujas características são as seguintes: incremento nas relações
econômicas internacionais, a defesa do livre-comércio, dos direitos humanos e dos valores
democráticos. A manutenção da política econômica adotada no governo militar delimitou a
margem de manobra do governo de Patricio Aylwin, devido à necessidade de concluir a
redemocratização do país sem que houvesse uma crise oriunda das tensões entre os diferentes
setores da sociedade.
A reinserção internacional do Chile abarcou pontos que ajudaram a acelerar a
adaptação do país à nova ordem do sistema internacional. Foram medidas complementares à
política econômica vigente, tendo por base as mudanças políticas e econômicas do período.
Dentre as medidas tomadas a de negociação de acordos de livre-comércio foi uma das mais
bem-sucedidas, pois aproximou o Chile dos grandes blocos regionais, como: a Apec, NAFTA,
e União Européia. No ano de 1990 o governo da Concertación demonstrou interesse em
integrar-se ao Mercosul, quando solicitou consultas sobre o aprofundamento da liberalização
do comércio dos países da região. Contudo o Chile optou por não participar do Mercosul
alegando incompatibilidade entre a sua estrutura tarifária linear e uniforme (então fixada
numa tarifa única de 11%) com a Tarifa Externa Comum (TEC) pretendida por Brasil e
Argentina e pelos outros dois membros do Mercosul (ANINAT, 2001, online).
111
No marco multilateral e de coalizão regional, o Chile se incorporou ao Grupo do Rio –
a principal instância política da América Latina -, e foi reincorporado como membro pleno do
Parlamento Latino-Americano. Cumprido o objetivo de reinserção na política internacional, a
política exterior do governo Patricio Aylwin desenvolveu, em 1991, uma frutífera tarefa que
permitiu transformar propósitos em metas efetivas. Isso se expressou na assinatura de um
importante Tratado de Limites com a Argentina, um Acordo de Livre Comércio com o
México – o primeiro do tipo na América Latina – e em uma série de acordos nas mais
diversas áreas, com países e organismos dos diferentes continentes.
Após o período de priorização da reinserção internacional no primeiro ano, tem início
uma nova etapa, cujo objetivo foi de focar as relações exteriores nos temas referentes aos
acordos comerciais. Na primeira etapa da gestão do presidente Patricio Aylwin, evidenciou-se
uma opção que passou a ser central nos distintos governos da Concertación, a ênfase posta na
diplomacia comercial e no reforço dos vínculos com outros países.
O ano de 1992 foi importante para a consolidação do Chile no espaço internacional. O
resultado foi um aprimoramento nas relações entre os setores público e privado na construção
de consensos para atuar em âmbito internacional de maneira conjunta. Durante esse ano
desenvolveu-se com maior força a estratégia de diplomacia presidencial. Patricio Aylwin
realizou uma extensa viagem aos EE.UU. e fez visitas à Europa e Ásia, onde tratou de
reforçar a imagem do Chile como um sócio confiável.
Em 1993, no seu último ano de governo, Patricio Aylwin manteve as linhas principais
de sua política exterior, e teve de enfrentar o agravamento das críticas da oposição
relacionadas à política exterior do Chile. A oposição voltou suas críticas para a condução dos
temas limítrofes, à diplomacia presidencial e, sobretudo, a capacidade do ministro de
Relações Exteriores, Enrique Cimma, de conduzir a política exterior. Assim, produziu-se uma
112
contraste entre a boa imagem da política exterior de Aylwin e a avaliação negativa da opinião
pública em relação à seu ministro das Relações Exteriores.
Pode-se considerar que foi um governo efetivo nas distintas alternativas de abertura
postas em prática, tanto em nível unilateral (com uma redução gradual das tarifas
alfandegárias), como na abertura de caráter bilateral, regional e multilateral. Observa-se uma
acertada aplicação do esquema de regionalismo aberto, cujos três princípios básicos são: que
as distintas opções de inserção regional não sejam excludentes; que os acordos estão abertos à
incorporação de novos membros; que o aprofundamento dos esquemas regionais procura
fazer-se compatível com a liberalização do comércio global.
Um critério fundamental na política de abertura e de reinserção internacional iniciada
durante esse governo foi o de responsabilidade global, entendendo este como o
desenvolvimento de uma política internacional com apego às normas e os direitos
fundamentais.
Segundo Manfred Wilhelmy e Roberto Durán (2003, p. 280, tradução nossa):
[ . . . ] a estratégia de reinserção internacional durante a administração de
Patricio Aylwin consistiu, entre outras, em uma positiva aceitação externa do
processo de recuperação das tradições democráticas e o começo da tarefa de
enfrentar as conseqüências políticas, jurídicas e humanitárias do período
autoritário. Ele pôs fim, essencialmente, a situação de constrangimento
vinculada ao governo anterior, diminuindo a vulnerabilidade da política
internacional do país, permitindo ao mesmo tempo recuperar gradualmente
maior presença e influência nos níveis global, regional e bilateral de sua
política exterior.
Devido ao êxito da política econômica adotada durante o regime militar, os Chicago
Boys permaneceram na condução da economia do Chile. Mas, no início da década de 1990, a
posição dos Chicago Boys não estava restrita apenas à condução da economia, o
neoliberalismo foi universalizado dentro das elites econômica e política do Chile. Aos
Chicago Boys coube o ônus pelo exitoso processo de redemocratização e inserção
113
internacional. Esses tecnocratas continuaram sendo designados a cargos ministeriais, e sua
presença na liderança dos partidos políticos aumentou, tanto nos que compunham a
Concertación como nos de oposição (MONTECINOS, 1997). A presença dos Chicago Boys
no alto escalão do governo de Patricio Aylwin foi muito grande. O economista Alejandro
Foxley, então ministro da Fazenda, filiado ao PDC, foi responsável pela formação da equipe
econômica. Já o economista Carlos Ominami, que no período ocupou o cargo de Ministro da
Economia, atuou como contraparte de Alejandro Foxley junto a seus correligionários do
Partido Socialista. Edgardo Boeninger, também economista, que ocupou o cargo de Ministro
da Secretaria Geral da Presidência, ficou conhecido como engenheiro
37
do consenso, por ter
coordenado o que passou a ser chamado de partido transversal – uma ampla rede de técnicos
de Estado, que subordinaram suas identidades políticas para ajudar a preservar a coesão e
estabilidade das políticas de governo (MONTECINOS, 1997).
A política comercial do primeiro governo da Concertación buscou combinar
estratégias unilaterais, bilaterais, regionais e multilaterais. Unilateral porque decidiu manter o
grau de abertura de sua economia e dar continuidade ao processo de liberalização; bilateral
porque negociou com governos de outros países, fossem eles membros de um bloco regional
ou não; regional porque dividiu as diferentes regiões do mundo visando negociar em várias
frentes e âmbitos; e multilateral porque negociou tanto com blocos regionais como também
em instâncias multilaterais – notadamente a Organização Mundial do Comércio (OMC). Os
Ministérios voltados para a definição da política externa do Chile julgavam que a melhor
atitude a ser tomada era concentrar as negociações no que então era considerado crucial para o
novo modelo de inserção internacional do país: um acordo de livre-comércio com os EE.
UU., fosse ele bilateral ou no marco do Nafta (VAN KLAVEREN, 2000).
Logo no início do governo de Patricio Aylwin, os responsáveis pela política exterior
37
Foi assim chamado por ter liderado e coordenado as diferentes correntes partidárias conseguindo alcançar um
alto nível de consenso entre os partidos que faziam parte da Concertación (MONTECINOS, 1997).
114
perceberam que a abertura econômica unilateral, adotada até então, não asseguraria os
mercados de países e regiões com os quais o Chile já mantinha relações comerciais. A elite
política – compreendendo os partidos políticos de situação e oposição - e econômica – os
setores da economia chilena voltados para o mercado externo; como a CNC, ASEXMA,
SOFOFA, e SNA –, acreditavam na necessidade de reestruturar a política de relações
comerciais. Dado o grau de dependência do mercado internacional apresentada pela economia
chilena, era imprescindível buscar uma nova estratégia para dar continuidade ao comércio
exterior, assegurando e aumentando os mercados para os bens de exportação do país.
A estratégia exportadora do governo chileno e as medidas que foram tomadas para
aumentar a capacidade exportadora do país foram, grosso modo, quatro (CASANUEVA,
2001, p. 38-39, tradução nossa): "[ . . . ] a) organizar a oferta de bens de exportação; b) uma
política ativa de desenvolvimento produtivo;c) a promoção dos bens de exportação;d)
projeção de uma imagem positiva do país ante a sociedade internacional."
Nos primeiros anos de governo, dois temas suscitaram debates relacionados à
estratégia de inserção internacional a ser adotada pelo governo do presidente Patricio Aylwin.
A primeira questão versa sobre a instância na qual seria dada maior ênfase nas negociações
comerciais do Chile, uns defendiam que deveria ser em âmbito bilateral enquanto outros
multilateral. Havia o receio de que os acordos bilaterais poderiam restringir o comércio do
país deixando-o preso a um compromisso de resultados de difícil previsibilidade. Sobre as
negociações em âmbito multilateral, imperou, inicialmente, grande descrença entre os
membros do governo da Concertación, que faziam alusão à estagnação da Rodada Uruguai do
General Agreement of Tariff and Trade (GATT) - que após a Rodada de Marraqueche, se
tornou Organização Mundial do Comércio (OMC).
Outro tema de grande relevância na política exterior do governo de Patricio Aylwin foi
a reafirmação dos valores democráticos, visando dar credibilidade a um país cuja imagem
115
ante a sociedade internacional fora prejudicada, após dezesseis anos de ditadura militar. Era
preciso reverter essa imagem negativa, acelerando o processo de redemocratização e fazendo-
a repercutir em âmbito internacional. Baseados nessa premissa, alguns analistas chilenos, ao
tratarem da redemocratização do país, cunharam o termo transición corta, defendendo que o
Chile concluiu a transição para o regime democrático após Patricio Aylwin assumir a
presidência. Como já foi tratado anteriormente, esse argumento é defendido por Francisco
Rojas Aravena (1997, 2000) que coloca a existência de uma linearidade na política externa do
Chile, apesar da crise institucional e da ditadura militar. Sob esse prisma a reafirmação dos
valores democráticos e a garantia da manutenção da política econômica de corte neoliberal,
constituíram a principal estratégia de projeção internacional do governo de Patricio Aylwin.
Mas permaneceram alguns entraves do regime militar, como, por exemplo, o fato do general
Augusto Pinochet ter ocupado o posto de chefe das Forças Armadas do Chile. No Senado
permaneceram militares ligados à Junta Militar na condição de senadores vitalícios.
A política externa chilena do primeiro governo da Concertación pode ser mais bem
compreendida tendo a busca por um acordo de livre-comércio com os EE.UU. como meta
principal. É uma questão de grande importância para o presente trabalho, principalmente ao
tratar da complexidade de fatores que contribuíram para a não adesão plena do Chile ao
Mercosul no decorrer da década de 1990. Os acadêmicos e membros do corpo diplomático
do Chile classificam a política exterior dos dois governos da Concertación como sendo
pragmática e realista. Com relação à primeira, por tratar-se de uma racionalização levada ao
extremo, resultado da dependência do país ante os principais mercados do mundo – América
do Norte, Europa Ocidental, e Sudeste Asiático. Já o realismo diz respeito ao ceticismo que
os formuladores da política exterior do Chile demonstravam ante os projetos de integração
regional que surgiram durante a segunda metade do século XX. Pode-se citar como exemplo
a Aliança Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), que surgiu na década de 1960,
116
após a assinatura do Tratado de Montevidéu (1960); mas acabou no ano de 1980 devido à
diversidade e à instabilidade das políticas econômicas dos países-membros.
O Mercosul, apesar de representar um mercado de grande importância para os bens de
maior valor agregado chilenos, ficou em segundo plano. Já a política externa do governo de
Patricio Aylwin foi outra, bem sintetizada nas palavras de um diplomata chileno, "[ . . . ] trata-
se de uma integração que vai além de simplesmente comercial, por ser a região onde o país
está inserido." (CASANUEVA, 2001, p. 40, tradução nossa).
Houve insuficiências na política exterior durante esse período, resultado de um déficit
de coordenação entre representantes do setor privado e os Ministérios envolvidos na condução
da política externa do governo de Patricio Aylwin. As disputas entre os tomadores de decisão
em relação a determinadas negociações comerciais evidenciaram carências profissionais
significativas e, prova disso, foram as atribuladas conversações com o governo dos EE.UU. a
respeito do ingresso do Chile ao NAFTA. Também se destacam as complicações originadas
pela interferência de critérios partidários na condução da política exterior (WILHELMY;
DURÁN, 2003). Esta, apesar da menor relevância, também deve ser mencionada. Muitos são
os autores que afirmam a ausência de critérios ideológicos na condução da política externa
chilena no período pós-Ditadura Militar. Mas é bom frizar que houve influência ideológica,
por sinal muito forte. Trata-se do continuísmo na aplicação de uma política econômica
neoliberal e, dentro dessa perspectiva ideológica, os atores aqui tratados se posicionaram da
maneira que julgavam coerentes. As opções das diferentes agremiações, como a ASEXMA,
favorável a um acordo com o Mercosul, enquanto a SNA defendia um acordo com os EE. UU.
como um ponto estratégico para o êxito na política de comércio exterior do Chile.
Em sua política exterior, o governo de Patricio Aylwin buscou construir a imagem de
um país dinâmico, com uma democracia estável, de mercado liberalizado e integrada à
economia internacional. Grosso modo, pode-se dizer que o Chile foi redemocratizado através
117
do consenso entre os atores internos – no caso, os partidos da Concertación, agremiações
setoriais, e tecnocratas - de que a mudança de regime não implicaria em uma mudança na
política econômica.
Apesar das críticas, em geral a avaliação da gestão de Patricio Aylwin foi positiva. Ele
cumpriu com o objetivo central de reinserir o Chile em nível regional e internacional, tanto
através da perspectiva política como econômica. Ademais manteve os valores democráticos e
a proteção dos direitos humanos como pedras angulares de sua política exterior.
4.2 Relações entre os Setores Público e Privado: as agremiações setoriais e o primeiro
governo da Concertación
Um dos pontos que caracterizam a política de comércio exterior do Chile, e que
despertou o interesse dos demais governos dos países latino-americanos durante a década de
1990, trata da atuação conjunta entre o setor público e o privado na definição da política de
acordos comerciais. O início do diálogo entre esses setores data de meados da década de
1980, quando o Chile iniciou a recuperação da crise econômica. A Junta Militar, sob a
liderança do general Augusto Pinochet, iniciou a aproximação com os principais setores da
economia chilena, responsáveis pela recuperação e crescimento econômico do país. De 1985
até o ano 2000, houve um gradual aprimoramento nas relações entre os setores público e
privado, e foram sendo criadas instâncias voltadas para a melhora na estratégia de exportação
de bens do Chile.
No início da década de 1990, houve uma continuidade nessa relação e um incremento
da mesma. Um dos principais aspectos para que o processo de redemocratização do Chile
118
fosse bem-sucedido está diretamente ligado ao alto grau de interação entre os partidos que
conformaram a Concertación e as principais agremiações setoriais. Dentro dos quadros
partidários da Concertación estavam economistas que, junto ao setor privado e a sociedade
chilena, elaboraram e aprimoraram a política de comércio exterior do país. O caráter
economicista da política exterior chilena foi, muitas vezes, passível de uma análise
equivocada dos demais países da região – principalmente pelo Ministério das Relações
Exteriores do Brasil, o Itamaraty. Essa característica da política externa chilena é resultado
direto do modelo econômico implementado no início do governo militar, no qual a
liberalização econômica relegou grande parte da responsabilidade sobre o comércio exterior
do país ao mercado e na definição da maneira de como o país iria inserir-se. O Chile obteve
um bom desempenho econômico durante a primeira metade da década de 1990, mas,
contrariando as expectativas criadas pela estratégia de segundo passo exportador, a pauta de
exportações do país manteve-se baseada em commodities – com forte ênfase no cobre, que
continuou representando pouco mais de um terço do total de exportações do país (o que pode
ser observado no quadro abaixo).
Categorias
(sessões
destacadas)
1975
1985
1995
1998
médias
1990-94 1994-98
Exportações (em
milhões de
dólares)
1.590
3.807
16.039
14.895
Cobre (%) 54 47 40 34 39 38
Matérias-primas 19 18 13 12 15 13
Outros minerais 18 15 8
Florestais 1.5 2 4
Madeira serrada 1 1 2
Chips 0 0 1.5
Quadro 7: Especialização e reestruturação exportadora de bens, grandes fases
(continua)
119
Quadro 7: Especialização e reestruturação exportadora de bens, grandes fases
(conclusão)
Categorias
(sessões
destacadas)
1975
1985
1995
1998
médias
1990-94 1994-98
Primeiro
processamento de
produtos naturais
(%)
14
24
25
26
27
25
Pesqueiros/pescada 2 8 7
Farinha de peixe 2 7 4
Salmão e truta 0 0 3
Agrícola (setor
frutícola)
5 11 8
Celulosa 4 4 8
Segundo
processamento de
recursos naturais e
outras manufaturas
(%)
12
11
22
27
20
23
Manufaturas de
origem florestal
3 3 4
Impressos 0 0 1
Papel e outros 2 1 1
Indústria de
alimentos
4 5 9
Bebidas e tabaco 0 1 1
Produtos químicos 3 2 3
Produtos
metálicos, elétricos
e equipamento de
transportes
1
1
3
Quadro 7: Especialização e reestruturação exportadora de bens, grandes fases
Fonte: Díaz e Ramos
38
, 1998, p. 80-81 (apud SILVA, V., 2001, p. 13, tradução nossa).
Ao analisar a adoção do ideário neoliberal que influenciou as políticas dos principais
países latino-americanos, Amado Luiz Cervo (2001) faz críticas contundentes ao modelo e a
38
DÍAZ, Alvaro; RAMOS, Joseph. Apertura y competitividad. In: CORTÁZAR, René; VIAL, Joaquín (Comp.).
Construyendo opciones. Propuestas económicas y sociales para el cambio del siglo. Santiago de Chile:
CIEPLAN-DOMEN, 1998. P. 73-103, p. 80-81. Apud Silva, V., 2001, p. 13 (tradução nossa).
120
maneira como ele foi aplicado, especialmente quando aborda o caso brasileiro. Esse autor
aponta três modelos de políticas estatais referentes à estratégia de inserção internacional que
marcaram a região nas últimas duas décadas do século XX (2001, p. 196-279, grifo nosso):
Estado desenvolvimentista – possui características tradicionais, reforçando o
aspecto nacional, do Estado empresário, que arrasta a sociedade no caminho
do desenvolvimento nacional mediante a superação de dependências
econômicas estruturais de autonomia e segurança; Estado Normal – invenção
latino-americana da década de 1990, denominado desta forma pela
comunidade epistêmica argentina. A experiência de uma década revela que
esse paradigma envolve três parâmetros de conduta: como Estado
subserviente, submete-se às coerções do centro hegemônico do capitalismo;
como Estado destrutivo, dissolve e aliena o núcleo central robusto da
economia nacional e transfere renda ao exterior; e como Estado regressivo,
reserva para a nação as funções da infância social; Estado Logístico
fortalece o núcleo nacional, transferindo à sociedade responsabilidades
empreendedoras e ajudando-a a operar no exterior, para equilibrar os
benefícios da interdependência mediante um tipo de inserção madura no
mundo globalizado.
Expostos os três modelos, verifica-se que o Chile apresenta característica semelhante
às do Estado Logístico. Pois, a partir de meados de 1980, a dinâmica entre o setor privado e o
público passaram a apresentar um alto grau de integração e dinamismo, no qual o Estado
passou a ter um papel pró-ativo junto ao setor privado voltado para a exportação. Pode-se
citar como exemplo a criação do PROCHILE e da Secretaria para Assuntos Econômicos
Internacionais, cujo principal papel era o de auxiliar o setor privado chileno para incrementar
seu processo produtivo e dinamizar a produção de bens, capacitando-os para concorrer com
seus assemelhados no mercado internacional.
A tomada de decisão referente à política externa do Chile no período, foi elaborada
pelos membros do governo da Concertación, que mantiveram contato freqüente com as
agremiações empresariais. Esses atores alcançaram um entendimento em pontos cruciais para
o pleno desenvolvimento da estratégia de negociação internacional a ser seguida, o que não
significa a ausência de divergências referentes, principalmente, à política de acordos
121
comerciais. Foi um processo que evoluiu durante todo o período do governo de Patricio
Aylwin e que, ao final do mandato, deixou um legado significativo na firma de acordos
comerciais.
O setor privado que melhor exerceu seu papel enquanto grupo de pressão, quando
comparado aos demais, foi o das agremiações empresariais. No caso das negociações com o
Mercosul, as que mais se destacaram foram a Asociación de los Exportadores de
Manufacturas (ASEXMA), a Sociedad Nacional de Agricultura (SNA), a Confederación
Nacional de Comercio (CNC), e a Sociedad de Fomento Fabril (SOFOFA ou SFF).
Em âmbito público, o presidente Patricio Aylwin, junto a seus ministros das Relações
Exteriores, Economia e Fazenda, incrementou o papel do governo em parceria com o setor
privado para garantir maior desenvolvimento e competitividade do setor exportador. O setor
público está marcado principalmente pela coalizão de partidos políticos que compõe a
Concertación e os tecnocratas do governo. A importância do setor privado fica evidente nas
palavras do então representante do Chile na Aladi, embaixador Héctor Casanueva (2001, p.
116, tradução nossa):
Este enfoque requer uma divisão comum entre o setor público e o setor
privado, o que representa um elemento chave. No Chile temos conseguido
que exista uma confiança entre o setor público e o privado, que conseguem
caminhar em conjunto, se entendem e se respeitam – além das diferenças
conjunturais – o papel que a cada um corresponde cumprir.
Outro ator que teve um papel significativo na elaboração da nova política de comércio
exterior durante os anos 1990 foram os centros de pesquisa privados. Durante o governo de
Patricio Aylwin, houve uma busca por consenso em relação à política de comércio exterior
junto ao heterogêneo grupo de setores privados e mesmo entre os Ministérios voltados para
esse tema. Dentre os centros de pesquisa privados podemos destacar o Centro de Estúdios
Públicos (CEP), o Libertad y Desarrollo (LyD), ODEPLAN, e Chile21, que elaboraram
122
análises sobre quais países ou regiões do mundo trariam mais benefício ao Chile, no caso de
um acordo de livre-comércio. Data do ano de 1992 o termo Integración Comercial Selectiva,
cujo objetivo era indicar os mercados mais promissores para a concretização do objetivo de
assegurar mercados e dinamizar a política comercial chilena. Dentre os estudos realizados,
pode-se citar um onde foi feito um levantamento das vantagens e desvantagens de estabelecer
vínculos comerciais com cinco países, três da América do Sul – Argentina, Brasil, e
Venezuela – e dois da América do Norte - EE. UU. e México. Segue abaixo os critérios
estabelecidos pelos pesquisadores (LARRAÍN; ASSAEL, 1992, p. 140-152, grifo nosso,
tradução nossa):
a) tamanho do mercado [ . . . ]; b) importância das barreiras comerciais [ . . .
]; c) acesso ao mercado [ . . . ]; d) Condição de sócio natural
39
[ . . . ]; e)
proximidade geográfica [ . . . ]; f) grau de desenvolvimento dos países
membros [ . . . ]; g) competitividade ou complementaridade entre os países [
. . . ]; h) investimento estrangeiro [ . . . ]; i) acordos bilaterais múltiplos [ . . .
]; j) tipo de câmbio real ou política cambiária [ . . . ]; k) política monetária e
inflação [ . . . ]; l) política Fiscal [ . . . ]; m) relação dívida externa/PIB [ . . .
]; e, n) dívida externa/exportações [ . . . ].
Os pesquisadores chegaram à seguinte conclusão:
Com quem integrar-se? Este trabalho sugeriu dois tipos de considerações
para aproximar-se desta pergunta. Em primeiro lugar, considerações de
comércio, as que sugerem integrar-se com economias maiores para ter
acesso a um mercado mais amplo. Segundo estes argumentos a conveniência
maior parece integrar-se com os EE.UU. Dos sócios em potencial hoje
considerados, este possui o mercado mais amplo (média de 150 vezes o
chileno) e a maior estabilidade em suas variáveis macroeconômicas
principais. A integração com os EE.UU. deve ser analisada sob uma ótica
tríplice: primeiro, se agrega a este mercado; segundo, se adquire um seguro
de acesso ao mercado futuro, que seria muito vantajoso no caso de um
surgimento de medidas protecionistas deste país; terceiro, se evita sofrer o
desvio de comércio em relação à nossas exportações, o que ocorreria se os
EE.UU. firmarem acordos bilaterais com outros países da região. Brasil e
Argentina, ainda que em conjunto apresentem um mercado de tamanho
39
No caso dos membros de um ALC já serem grandes sócios comerciais, o que reforçará os padrões naturais do
comércio, e não os desviando artificialmente (LARRAÍN; ASSAEL, 1992).
123
interessante, têm sido os países mais instáveis avaliados por praticamente
qualquer das variáveis que foram utilizadas neste trabalho. Por sua vez, estes
países estão em pleno processo de ajuste estrutural e controle da inflação.
México e Venezuela aparecem como os sócios mais estáveis no contexto da
América Latina. Independente do que seja feito na América Latina, o Chile
deveria perseguir um acordo de livre-comércio tanto com os EE.UU. como
com a Comunidade Econômica Européia. Se o futuro do comércio está em
três grandes blocos (América do Norte, Europa e Ásia), para um país
individual (como o Chile) se torna mais benéfico estar em algum destes
blocos do que não pertencer a nenhum e enfrentar o protecionismo de todos.
(LARRAÍN; ASSAEL, 1992, p. 157-159, tradução nossa).
4.3 A Política Exterior do Chile para as Américas: opção excludente e relações político
econômicas
O alto grau de dinamismo institucional alcançado pelo Chile em sua política de
comércio exterior possibilitou negociar acordos comerciais com vários países e regiões do
mundo. Dentro dos Ministérios e subsecretarias do governo da Concertación haviam setores
voltados especificamente para cada região. Contudo, o início do governo de Patricio Aylwin
foi marcado por um acalorado debate entre os distintos Ministérios voltados para a definição
da política econômico-comercial a ser adotada pelo Chile, referente à opção por priorizar a
negociação de acordos comerciais com a América do Norte ou a América Latina. O dilema
decorreu da percepção dos membros dos Ministérios envolvidos como uma opção excludente.
Dentro do governo, o Ministério da Fazenda defendia uma aproximação com a América do
Norte – visando o mercado dos EE. UU., enquanto os Ministérios da Economia e Relações
Exteriores, priorizavam os países e blocos econômicos da América Latina – com ênfase no
Mercosul (SILVA, V., 2001).
Paralelamente as distintas posições dos membros do governo de Patricio Aylwin, no
âmbito das Américas surgiram dois projetos excludentes de integração continental: a Área de
124
Livre-Comércio das Américas (ALCA), proposto pelo governo dos EE.UU. no ano de 1990,
durante a Cúpula de Miami, cujo objetivo era de criar uma área de livre-comércio que
abrangeria do Alasca à Terra do Fogo, integrando todos os países pertencentes às Américas
(exceto Cuba), assegurando a área dentro da esfera de influência norte-americana; o outro
projeto, elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, foi a Área de Livre-
Comércio Sul Americana (ALCSA). Tratava-se de um projeto ambicioso, na qual era proposta
a criação de uma área de livre-comércio envolvendo todos os países do continente sul-
americano. O objetivo era alçar o Brasil a condição de líder continental, dando maior projeção
ao país ante os demais países e órgãos internacionais (por exemplo, a ONU e a OMC)
(MUÑOZ, 1986).
Em ambos os projetos houve a busca dos governos dos respectivos países de alcançar
a condição de liderança política, o diferencial estava na abrangência dos projetos. O projeto
do governo norte-americano tinha por objetivo principal garantir o livre acesso aos mercados
das Américas, ficando em melhor posição ante as outras áreas desenvolvidas mundo –
notadamente, a Europa Ocidental (com ênfase na UE) e os países do Sudeste Asiático
(membros da Apec).
A liderança política dos EE.UU. no âmbito das Américas data do início do século XX,
quando despontaram como uma das principais potências econômicas do mundo. O projeto
elaborado pelo Itamaraty, por outro lado, foi reflexo da busca pela liderança do Brasil na
América do Sul. A intenção do governo brasileiro de se tornar líder regional era um objetivo
de longa data, que nunca foi alcançado devido a fatores regionais – falta de apoio dos
governos dos demais países sul-americanos -, e internacionais – incapacidade de competir
com as regiões desenvolvidas do mundo. Esses projetos apresentam um alto grau de
assimetria, decorrente das características distintas dos dois países. Em relação aos distintos
projetos, a política externa do Chile, durante o governo de Patricio Aylwin, pendeu para a
125
proposta dos EE.UU. e seu projeto da ALCA. A crítica ao projeto brasileiro foi feita de
maneira indireta, fazendo uma alusão aos projetos latino-americanos de integração regional
como uma "[ . . . ] leviandad latinoamericanista [ . . . ]" (leviandade latino-americana)
(MILET; GASPAR; ROJAS, 1997, p. 26, tradução nossa), tendo como exemplo o projeto
frustrado da ALALC.
Durante o primeiro governo da Concertación, o Ministério da Fazenda do Chile
defendeu o projeto de integração norte-americano. A posição desse Ministério foi reflexo do
modelo econômico implementado no Chile, que dá grande ênfase ao comércio exterior, o que
se refletiu de maneira significativa na política exterior do país durante o governo de Patricio
Aylwin. O projeto da ALCA tem um caráter comercial, na medida em que pretende criar uma
área de livre comércio sem a pretensão de dar continuidade ao processo de integração, pois
não consta a pretensão de passar para outras etapas de integração regional, que implicam em
um grau maior de interdependência. Ao contrário do projeto norte-americano, o projeto da
ALCSA, proposto pelo governo brasileiro, visava através liberalização comercial alcançar a
liderança política na América do Sul, objetivo que os sucessivos governos brasileiros nunca
conseguiram alcançar em sua política exterior durante a década de 1990.
Outro aspecto importante trata das relações comerciais com os EE.UU., que no
período era o principal parceiro comercial do Chile. A parceria comercial entre os dois países
foi intensificada durante o período do regime militar, o que tornou os EE.UU. o país que mais
importava, exportava e investia no Chile. Na América do Sul, o comércio do Chile com os
países do continente não tinha o caráter prioritário das demais regiões do mundo – América
do Norte, Europa e Sudeste Asiático. Devido a esses fatores, a política externa do Chile,
durante o período do primeiro governo da Concertación, foi enfática ao apoiar os projetos de
integração do governo norte-americano.
O governo da Concertación foi incisivo em seu objetivo de estabelecer vínculos com
126
as principais economias do mundo, visando firmar acordos comerciais que favorecessem a
economia do país e viabilizassem a aplicação do segundo passo exportador. Buscando
alcançar esse objetivo, o governo da Concertación iniciou negociações em várias frentes,
principalmente com os países da América Latina e da América do Norte. Devido à
necessidade de manter e incrementar as relações econômicas com seu principal parceiro
comercial, a busca por um acordo comercial com o governo dos EE.UU. foi a principal meta
durante todo o primeiro governo da Concertación.
O Chile gozava de boa imagem ante as principais instituições financeiras
internacionais, principalmente o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), e o Banco Mundial. O início das negociações de
um acordo de livre comércio com os EE.UU. no âmbito do NAFTA (LARRAÍN; ASSAEL,
1992), eram muito favoráveis. As boas relações diplomáticas iniciadas no primeiro governo
da Concertación, que dava primazia ao aspecto comercial, e era fortalecida pela defesa dos
valores liberais, ajudaram a transformar o Chile em um modelo para os demais países da
América Latina, principalmente quando analisada as políticas propostas pelo que ficou
conhecido como Consenso de Washington, que se encaixavam perfeitamente ao modelo de
desenvolvimento econômico aplicado no Chile. O apoio do primeiro governo da
Concertación aos projetos dos EE.UU. de integração – NAFTA e a Iniciativa para as
Américas (ALCA) - foi um sinal da harmonia existente entre o modelo de inserção
internacional do governo de Patricio Aylwin e a política externa norte-americana para a
América Latina.
O governo dos EE.UU., na primeira metade dos anos 1990, demonstrou um grande
interesse em incrementar as relações diplomáticas e comerciais com o Chile. Enquanto a Junta
Militar esteve no poder, as relações diplomáticas entre os dois países foram classificadas por
127
analistas chilenos como sendo esquiva
40
, devido à oposição do Congresso norte-americano à
ditadura do General Augusto Pinochet, enquanto o poder executivo norte-americano dava
apoio de maneira não oficial, principalmente quando Ronald Reagan foi presidente (1980-
1988). Com a redemocratização, o último obstáculo nas relações diplomáticas do Chile com
os EE. UU. foi superado.
No âmbito de cooperação militar, os vínculos bilaterais do governo de Patricio Aylwin
com o governo dos EE.UU., entraram numa nova fase no início da década de 1990. Uma vez
restaurado o regime democrático no Chile, as Forças Armadas norte-americanas se
empenharam em retomar as relações bilaterais no plano militar, que haviam sido rompidas no
ano de 1975. O incentivo dessa renovada interação tinha dois propósitos, fomentar uma boa
relação civil-militar, que também era o propósito das Forças Armadas e os grupos políticos
chilenos, porquanto a restauração da democracia punha no mesmo nível de colaboração
militares e civis.
Em segundo lugar, houve uma aproximação institucional, na qual nem todas as
iniciativas foram bem-sucedidas. Os êxitos dessa aproximação foram variados, mas
implicaram numa mudança substancial nas relações bilaterais entre o Chile e os EE.UU.
É preciso considerar que o restabelecimento nas relações bilaterais no plano
militar esteve diretamente relacionado ao ritmo em que ocorriam os vínculos
políticos. Ainda que estes últimos foram especialmente propícios no
momento, a partir da redemocratização política do país. A demora no
incremento das relações entre as Forças Armadas chilena e norte-americana
decorreu da predisposição que imperava no ânimo dos militares chilenos no
início da década de 1980. A oposição do governo norte-americano ao regime
militar chileno – principalmente em seus últimos quatro anos –, gerou forte
contrariedade entre os oficiais das Forças Armadas do Chile em relação aos
EE.UU. (WILHELMY; DURÁN, 2003, p. 280-281, tradução nossa).
Em suas relações comerciais, o governo de Patricio Aylwin apoiou a proposta norte-
40
Trata do apoio dos EE.UU. à política econômica adotada no Chile e a oposição do mesmo ao regime ditatorial
que vigorou até o ano de 1990. Um apoio velado e não oficial (VAN KLAVEREN, 2000).
128
americana de negociar uma área de livre-comércio que abrangeria do Alaska à Terra do Fogo.
Dois meses depois de anunciar a Iniciativa para as Américas, o então presidente dos EE.UU.,
George Bush pai, em meados do ano de 1990, deu início a uma ambiciosa etapa de contatos e
negociações com o Departamento de Estado norte-americano, com o objetivo de incorporar o
Chile ao NAFTA. Essa estratégia tinha por fundamento o prestígio internacional da transição
à democracia chilena, mas, sobretudo, a imagem emblemática do modelo econômico chileno,
e sua taxa média de crescimento econômico, que, no período ficou na média de 6,5% ao ano.
O apoio do executivo dos EE.UU., e a ênfase dada pela política externa do Chile ao objetivo
de se associar ao NAFTA, não foram suficientes para que o país fosse bem-sucedido em sua
tentativa de incorporar-se ao referido bloco entre os anos de 1994 e 1995 (WILHELMY;
DURÁN, 2003).
No âmbito interno o empresariado chileno foi o setor que demonstrou maior
interesse numa possível firma de um Tratado de Livre-Comércio com os
EE.UU. Em meados de 1991, a Confederación de la Producción y del
Comercio (CPC), começou a se organizar para prestar seu apoio ao governo.
Mas não foram todas as associações empresariais pertencentes à CPC que
apoiaram o acordo. O possível impacto negativo que esse acordo poderia
gerar deixou os representantes da SNA muito preocupados. O governo
apresentou uma proposta formal para a participação da CUT, o maior
sindicato de trabalhadores do país. A participação do sindicato, porém, não
foi ativa na defesa de seus interesses, acompanhando o processo decisório
sem contribuir para o resultado. São dois os motivos que fizeram com que a
CUT tivesse uma participação marginal: a crise interna pela qual passava o
movimento sindical chileno, e a falta de preparo técnico para tratar dos
temas relacionados ao comércio exterior. Agremiações empresariais e
sindicatos formaram parte do Consejo Bilateral de Comércio e Inversión.
Órgão consultivo criado pelo governo, em 1990, para formalizar e ordenar a
participação dos atores privados na definição da estratégia comercial.
Outros dois atores também participaram do debate sobre o TLC com
os EE.UU., o meio acadêmico e os meios de comunicação. Sua
influência foi indireta, marcando um novo período, no qual a
sociedade civil pôde elaborar opinião própria em relação à política de
comércio exterior chilena. No período, o apoio da sociedade civil ao
acordo com os EE.UU. somava mais da metade daqueles consultados,
como mostra o quadro abaixo. (PORRAS, 2003, p. 37, tradução nossa).
129
Você acredita que o livre-comércio com os EE.UU. beneficiaria ou prejudicaria os
interesses econômicos chilenos?
Os prejudicaria 19,9%
Os beneficiaria 54,1%
Não respondeu 26,0%
Quadro 8 - Consulta popular referente à conveniência de um TLC com os EE. UU
Fonte: Pesquisa realizada pela Corporación de Investigaciones Económicas para
Latinoamérica
41
(CIEPLAN), na cidade de Santiago de Chile, área metropolitana, ano 1991
(apud PORRAS, 2003, p. 37, tradução nossa).
Em maio de 1992, o presidente Patricio Aylwin fez uma longa viagem para os EE.UU.
cuja missão principal era de agilizar o processo de negociação de um TLC com o governo
norte-americano; principalmente porque, no período, as negociações relativas à criação do
NAFTA já estavam em processo de conclusão. Patricio Aylwin não conseguiu assegurar com
o então presidente norte-americano, George Bush pai, o apoio à presença do Chile como
membro nas negociações. O resultado mais positivo foi o pedido do executivo dos EE.UU.
para que o Congresso aprovasse o fast-track caso as negociações não estivessem concluídas
até junho de 1993.
Como o governo de Patricio Aylwin passou a depender do apoio dos
congressistas norte-americanos para firmar o TLC, teve início, pela primeira
vez, a articulação para fazer lobby junto ao Congresso norte-americano
favorável a adesão do Chile ao NAFTA – atividade que é legal nos EE.UU.
O governo da Concertación contratou os serviços da agência de consultores
Akin, Gump or Hauer & Field, que operava junto à Casa Branca, ao
Capitólio, a comunidade empresarial, e aos sindicatos e institutos de
pesquisa. A estratégia de lobby do governo chileno foi acompanhada apenas
pelas agremiações empresariais, que se limitou a levar a cabo algumas
41
CORPORACIÓN DE INVESTIGACIONES ECONÓMICAS PARA LATINOAMÉRICA. [Pesquisa].
Santiago de Chile: CIEPLAN, 1991. (Serie Estudios Socio/Económicos - Cieplan) (apud PORRAS, 2003, p.
37, tradução nossa).
130
sugestões pontuais a partir da existência de determinadas relações pessoais e
que não respondiam a nenhuma estratégia pré-estabelecida. Após a
conclusão definitiva das negociações para a criação do NAFTA, em 13 de
agosto de 1992, entre os representantes dos EE.UU., México e Canadá, a
crença de que o Chile seria aceito no bloco era muito grande por parte dos
atores chilenos envolvidos na busca da associação do país ao NAFTA. Mas
houve grande oposição interna nos EE.UU. que levou à suspensão da firma
desse tratado, frustrando as expectativas chilenas. Ainda no ano de 1992, a
eleição de Bill Clinton para presidente dos EE.UU. deu nova esperança ao
objetivo do governo de Patricio Aylwin de firmar um acordo comercial com
os países da América do Norte. A inesperada reviravolta nas negociações
com o governo dos EE.UU. teve impacto direto no equilíbrio de poderes e na
configuração do marco institucional no qual se elaborava a estratégia
comercial do governo chileno. Na medida em que foi se percebendo cada
vez mais longínqua a possibilidade de firmar um TLC com os EE.UU., os
atores governamentais que mais haviam investido capital político nessa
empreitada, tiveram sua liderança debilitada na definição da agenda
negociadora. De fato, José Miguel Insulza, ex-responsável da Direção de
Assuntos Econômicos Multilaterais da DIRECON, notório defensor de uma
aproximação com a América Latina, foi o responsável pela política exterior
no programa eleitoral de Eduardo Frei Ruiz-Tagle. Outro fator de grande
relevância foram as disputas internas no governo de Patricio Aylwin que
deixaram em aberto indefinidamente um possível TLC com os EE.UU. A
situação de divergência refletiu-se no cenário doméstico, através das
dificuldades em obter um consenso referente às ações a seguir em matéria de
política de comércio exterior, e estabelecer uma estrutura de onde fosse
possível alcançar os objetivos pretendidos com essas ações. Uma situação
que colocou na agenda governamental a necessidade de adotar reformas
institucionais para dar maior coerência e integridade a estrutura de tomada
de decisão da estratégia chilena de acordos comerciais. (PORRAS, 2003, p.
38-39, tradução nossa).
No âmbito da América Latina, a política externa do presidente Patricio
Aylwin reativou o papel da diplomacia chilena em foros multilaterais, como
a Organização dos Estados Americanos (OEA), além de incorporar-se às
novas instâncias de coalizão política regional, como o Grupo do Rio. A
atitude pró-ativa do presidente Patricio Aylwin não significou uma
reivindicação de liderança política entre os demais países da região, ponto
onde houve grande preocupação por parte do governo da Concertación.
(WILHELMY; DURÁN, 2003, p. 280, tradução nossa).
Em paralelo às investidas visando o mercado norte-americano, o governo da
Concertación deu continuidade às negociações de acordos comerciais com os países latino-
americanos. O receio de determinados membros do governo – Ministério da Fazenda - e de
setores do empresariado – notadamente os ligados à SNA – era relativo a crença de que a
firma de acordos comerciais com os países da região configurava uma ameaça a economia
chilena, implicava na possibilidade de desvio de comércio, e desta forma afetariam setores da
131
economia chilena. Os opositores a via latino-americanista acreditavam que a assinatura de
acordos com os países da América Latina iria, necessariamente, incorrer numa arriscada
manobra do governo, ameaçando afetar a estabilidade econômica do Chile.
Apesar dos receios de setores da economia chilena e da oposição interna que estes
fizeram, no ano de 1992, entrou em vigor o primeiro Acordo de Livre Comércio (ALC),
firmado com o México. Esse acordo gerou críticas por parte de empresários e partidos de
direita próximos aos militares, os quais avaliavam o ALC de forma negativa, asseverando que
ele não geraria benefício ao Chile e implicaria num possível retrocesso na bem-sucedida
abertura comercial do país.
Dentro do governo da Concertación, o ALC com o México era defendido entre os
membros do Ministério da Economia e Relações Exteriores do Chile, que analisavam de
maneira positiva a aproximação com o México. Novamente, o Ministério da Fazenda se
mostrou contrário ao acordo. A posição desse Ministério é mais bem compreendida quando
expostas as razões que o levaram a tal conduta. Durante o governo de Patricio Aylwin, o
Ministério da Fazenda abordava a política de acordos comerciais do país de uma forma
sumamente economicista, a qual alguns analistas chilenos caracterizam como pragmática,
devido a um suposto caráter não ideológico nas posições deste Ministério. Com base nos
dados levantados no decorrer da presente pesquisa, pôde-se observar que o Ministério da
Fazenda, dentre os Ministérios que compunham o governo, foi o mais pragmático, eximindo
questões político-ideológicas da pauta de negociações. Contudo, essa conduta é, a sua
maneira, ideológica. Partia-se do princípio de que a doutrina neoliberal era a única opção ante
a nova realidade internacional, questão em voga durante toda a década de 1990, não só no
Chile, mas também nos demais países latino-americanos.
O ALC com o México não foi uma escolha aleatória, além do caráter econômico-
comercial, a proximidade do México com os EE.UU. também foi importante para a assinatura
132
do acordo. De tal forma que esse ALC, além de não ser prejudicial – como veio a se
comprovar posteriormente -, também poderia aproximar o Chile de seu principal objetivo, que
era o mercado dos EE.UU. Durante o governo de Patricio Aylwin foram ainda firmados
acordos com outros países latino-americanos
42
, os quais contribuíram (mas não mitigaram),
para pôr um fim ao dilema entre negociar com os países da América do Norte ou com os
países da América Latina.
4.4 Breve Histórico do Mercosul e as Relações Iniciais com o Governo da Concertación
A integração regional não é um tema novo na América Latina. Já na década de 1960,
sob influência da CEPAL, surgiu o projeto da Associação Latino-Americana de Livre
Comércio (ALALC). Nela os países latino-americanos buscavam, através da cooperação e
integração, incrementar os níveis de crescimento social e econômico. Contudo, o projeto não
alcançou seu objetivo devido a dois motivos principais: por reunirem países cujas pautas de
exportação eram compostas principalmente por commodities, e por adotarem a política de
Industrialização através da Substituição de Importações (ISI), que fomentou a concorrência ao
invés de gerar cooperação. A pauta de exportação desses países não encontrava
complementaridade e apresentavam grande dependência do comércio com as regiões mais
desenvolvidas do mundo – no período, América do Norte e Europa Ocidental. Como não
houve um consenso em relação à maneira como os países iriam se integrar, a ALALC perdeu
força e levou à estagnação do projeto de integração na América Latina.
No ano de 1980, visando revitalizar a iniciativa de cooperação e integração na região,
42
Ver anexo cronológico no final do capítulo (Quadro 9).
133
foi criada a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), que substituiu a ALALC,
mas manteve suas premissas. O período, contudo, não era propício à integração, sendo
marcado por crises econômicas sucessivas nos países latino-americanos. A década de 1980,
também conhecida como década perdida, marcou o fim de uma era onde predominou o
ideário desenvolvimentista e marcou o fim da ISI como estratégia de desenvolvimento
econômico e social.
É nesse contexto que os governos de Argentina e Brasil, países que passavam por um
período semelhante em suas realidades políticas – relacionadas, especificamente, à crise
institucional e econômica – deram o início à aproximação, visando através da cooperação
alcançar uma inserção mais dinâmica na sociedade internacional. Os anos de 1986 e de 1988,
foram importantes para os dois países, que iniciaram negociações visando estabelecer as
diretrizes para um eventual acordo bilateral de cooperação e integração. O Mercosul é o
resultado dessas negociações, que podem ser divididas em dois momentos distintos: a etapa
inicial das negociações, na segunda metade da década de 1980, quando ambos os países
visavam firmar um acordo bilateral, projeto que tinha por finalidade ir além das questões
meramente comerciais; e a segunda, etapa que tem início no começo da década de 1990,
quando as relações diplomáticas entre os países foram reavaliadas, a e relação ganhou novas
características, dando um novo caráter ao projeto de integração.
A história do Chile, durante a década de 1980, apresenta características distintas da
situação política e econômica apresentadas por seus vizinhos do Cone Sul, especialmente
Argentina e Brasil. Enquanto estes países passavam por um processo de redemocratização na
primeira metade da década de 1980, o governo militar chileno aumentava a repressão aos
opositores, situação decorrente da crise econômica do país e que, posteriormente, foi o cerne
do movimento pela redemocratização chilena. A crise da dívida externa e os protestos
populares contra a ditadura mudaram de forma significativa a situação do regime militar
134
chileno. Os movimentos sociais, ligados aos partidos políticos e sindicatos de trabalhadores,
voltaram a pressionar o governo, reivindicando uma mudança na política econômica vigente,
direito a liberdade de expressão e a volta ao regime democrático. A partir de 1985, o início da
recuperação econômica foi um fator importante para minorar as reivindicações dos setores
sociais mais afetados com a crise econômica do Chile – a pior crise econômica de toda a
história do país (GATICA; MIZALA, 1990). Com relação à mudança de regime político, este
só veio a ocorrer nas eleições presidenciais no ano de 1989, quando venceu o candidato da
Concertación, Patricio Aylwin, que assumiu o poder no ano de 1990.
É importante fazer uma comparação das particularidades históricas de Argentina,
Brasil e Chile, para melhor compreender as diferentes perspectivas dos governos desses países
em suas relações internacionais durante a década de 1990. A ditadura militar na Argentina,
após a Guerra das Malvinas (1982), ficou enfraquecida e desmoralizada ante a sociedade civil.
Tal situação levou ao início do processo de redemocratização do país, culminando com a
eleição para presidente de Raúl Alfonsín, candidato do Partido Radical, no ano de 1983. No
Brasil, o processo de redemocratização teve início em 1979, sob o governo general do
Exército, Ernesto Geisel. Mas somente no ano de 1985 o país foi redemocratizado, com a
eleição indireta de Tancredo Neves para presidente. A morte de Tancredo Neves, logo após a
vitória eleitoral, fez com que assumisse o poder o candidato à vice-presidente de sua chapa,
José Sarney. Foram três processos de redemocratização em momentos distintos de uma
mesma década, que marcam uma nova fase na história dos respectivos países.
As negociações bilaterais entre Argentina e Brasil, resultaram no Tratado de
Assunção, no ano de 1991, dando origem a um dos blocos de integração econômica mais
importantes da América Latina, o Mercado Comum do Sul (Mercosul). O acordo contou ainda
com a adesão do Paraguai e Uruguai. Inicialmente, as negociações empreendidas pelos
presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín, visavam um acordo bilateral de complementaridade,
135
no qual os dois países pretendiam cooperar para incrementar o desenvolvimento econômico e
social, e superar a crise econômica da década de 1980, resultado do esgotamento do modelo
desenvolvimentista (CERVO, 2001). Dado o grau de instabilidade econômica e política que
vigorou nos dois países entre a segunda metade da década de 1980 e início da de 1990, o
resultado da aproximação foi ganhando características distintas das que haviam sido
idealizadas inicialmente.
Com a eleição de Carlos Menem na Argentina (1989), e Fernando Collor, no Brasil
(1990), a idéia-força que levou à continuidade no processo de aproximação entre os dois
países era distinta e incongruente. Distinta porque o governo de Carlos Menem passou a
conceber a aproximação sub-regional como o primeiro passo no processo de liberalização da
economia argentina – fortemente influenciada pelo modelo chileno. E incongruente porque o
governo de Fernando Collor tinha no Mercosul o intuito de assumir a liderança do bloco sub-
regional para, posteriormente, alcançar a posição de líder regional na América do Sul.
Inicialmente, o processo de integração não previa a criação de uma instância
multilateral, pois não era do interesse dos governos de Argentina e Brasil.
Estes, por razões políticas, buscaram uma maneira de associação de outros
países – no caso, Paraguai, Uruguai e Chile -, que não descaracterizasse o
processo como vinha sendo construído, o que implicava em manter a
capacidade de condução das negociações a partir do eixo bilateral original, e
da necessidade de estender um tratamento diferenciado aos demais países
para além do já disposto nos acordos bilaterais existentes, uma vez que o
processo de integração Brasil-Argentina vinha sendo conduzido com base
nos princípios de simetria e reciprocidade. [ . . . ] Os acontecimentos que
influenciaram na mudança de posição dos governos de Brasil e Argentina em
relação ao processo de integração foram, primeiramente, o projeto do
NAFTA, as dificuldades das negociações comerciais multilaterais no âmbito
do GATT, e, posteriormente, a Iniciativa para as Américas (IPA). Com a
redefinição de todo o processo, já no início do governo de Fernando Collor,
o Brasil mudou sua posição, passando a admitir a incorporação de outros
países, mas esta deveria estar condicionada à aceitação, pelos eventuais
novos participantes, dos princípios, das formas, dos prazos e dos
mecanismos já pactuados bilateralmente com a Argentina. [ . . . ] Após a
eleição para presidente de Carlos Menem, houve uma reformulação da
política exterior argentina, o que implicou em uma mudança na maneira de
conceber o processo de integração promovido pelos dois principais países do
Cone Sul. A partir de então a possibilidade de incorporar novos países ao
processo de integração significava ajustar-se à presença de novos países,
136
ampliando as chances de melhorar as condições de barganha junto ao
governo brasileiro. Dentro dessa lógica, foi proposta pelo governo argentino
a incorporação do Chile, acreditando se tratar de um aliado que fortaleceria o
bloco e a orientação neoliberal, diante da brasileira, fortemente marcada pela
presença estatal na economia. Em face da convergência de interesses entre
os governos do Chile e da Argentina, o presidente Carlos Menem propôs-se
a impulsionar a formação de um espaço comum integrado no Cone Sul,
mediante a incorporação do Chile ao processo de integração. Contudo, a
opção do governo chileno foi de não participar naquele momento do
processo de integração do Cone Sul [ . . . ] Uruguai e Paraguai, ao aceitarem
se tornar sócios do projeto de integração brasileiro-argentino, contribuíram
na definição da composição quadripartite do bloco, que posteriormente viria
a se chamar Mercosul. Assim, pela primeira vez, nos dias 5 e 6 de setembro
de 1990, reuniu-se o Grupo Mercado Comum. As motivações do Brasil e da
Argentina na busca pela associação de Chile (que não se concretizou),
Paraguai e Uruguai, possuíram um substrato comum eminentemente político
e que outorgou o impulso definitivo à multilateralização do processo
integracionista. [ . . . ] A dimensão multilateral do processo de negociação do
Mercosul decorreu de considerações e interesses eminentemente políticos,
particulares a cada país, sem, contudo, haver caracterizado o projeto de
integração bilateral como redefinido na Ata de Buenos Aires, em junho de
1990. Em termos operativos, o multilateralismo no Mercosul esteve
matizado pela preservação do eixo Brasil-Argentina como eixo gravitacional
e vinculante do processo de integração no período considerado, característica
que se manteve posteriormente. (VAZ, 2002, p. 125, 127-128, 129-130, 132,
150).
O projeto de integração era ambicioso e se mostrou de difícil realização. Isso decorre
da meta inicial de alcançar a condição de mercado comum em curto prazo de três anos, o que,
dada a conjuntura das principais economias do bloco, era pouco crível. Outro aspecto
importante foi a contradição entre a retórica e a praxis no âmbito do Mercosul, que objetivava
promover a integração comercial e política. Entretanto, ao analisarem-se os dados referentes
ao período, é possível constatar um incremento significativo no plano comercial que não foi
acompanhado no âmbito político (ALMEIDA, 2002).
Sob o prisma da reinserção internacional do Chile e da estratégia de regionalismo
aberto, adotada pelo governo de Patricio Aylwin, o Mercosul, no início da década de 1990,
tinha uma relevância menor quando comparado a América do Norte (EE.UU.) e Europa
Ocidental (União Européia) para os interesses comerciais chilenos.
A adoção radical do ideário neoliberal pelos presidentes Carlos Menem e Fernando
137
Collor não alcançou os objetivos econômicos esperados. Na Argentina, o plano econômico
adotado por Menem obteve maior sucesso e aceitação dos setores internos da economia, o que
levou a um período de relativa estabilidade política e econômica no país. No caso brasileiro os
resultados não foram positivos devido ao grau de instabilidade política interna, notadamente
marcada pelos escândalos de corrupção, e uma série de medidas econômicas que afetaram
importantes interesses econômicos no país. Também teve forte influência a tradição da ISI
dentro do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. O que gerou divergências entre os
membros do corpo diplomático brasileiro em relação à eficácia das medidas neoliberais que
começaram a ser adotadas. No caso brasileiro, a primeira fase de implementação de políticas
neoliberais foi marcada por uma crise institucional, culminando com a queda do presidente
Fernando Collor, que pediu afastamento do cargo para não sofrer o processo de Impeachment.
Por apresentar características econômicas e de inserção internacional distintas das de
Argentina e Brasil, o governo chileno não aceitou os reiterados convites para se tornar
membro pleno do Mercosul (MUÑOZ, 1986). Suas justificativas estavam embasadas no
pragmatismo e realismo que pautavam a política exterior do país desde o início do regime
militar. O pragmatismo afastou a possibilidade de um projeto de integração fortemente
influenciado pela política regional e a busca por maior independência ante o governo norte-
americano. Já o realismo – complemento do pragmatismo – procurava pautar a agenda das
relações exteriores chilena através de um viés economicista, resultado de anos de política
econômica ortodoxa, herdada do regime militar.
Aspecto de suma importância, e que segue até a atualidade como principal motivo da
não adesão plena do Chile ao Mercosul, diz respeito ao grau de abertura da economia chilena
e sua tarifa alfandegária. Por ter iniciado uma política de liberalização econômica a partir do
ano de 1974, a economia chilena, durante a década de 1990, apresentava um alto grau de
inserção e dependência da economia internacional. A diferença fica evidente quando se faz
138
um paralelo entre a economia do Chile e as de Brasil e Argentina; países que iniciaram a
liberalização de suas respectivas economias posteriormente, o que implicou na necessidade de
medidas radicais de abertura comercial e numa dificuldade de inserir-se plenamente na
economia internacional.
O início da década de 1990 foi crucial para o novo governo democrático do Chile e
para a definição de sua política exterior. A reinserção internacional e o segundo passo
exportador são conceitos importantes para melhor compreensão das relações exteriores do
Chile. A reinserção internacional tinha um aspecto notadamente político, com uma postura
afirmativa ante a sociedade internacional dos valores democráticos, e um aspecto econômico,
voltado para a necessidade de assegurar mercados através de acordos em vários âmbitos
(bilaterais, sub-regionais, regionais e multilaterais).
A política exterior da Argentina e do Brasil encontrou consonância com a do Chile em
assuntos referentes à defesa dos valores democráticos e estabilidade institucional para os
países da região – em foros como a OEA e o Clube do Rio – e em âmbito mundial –
notadamente em sua participação ativa na ONU. Um dos principais pilares da aproximação
dos países do Cone Sul foi a defesa dos valores democráticos em detrimento dos regimes
ditatoriais que vigoraram na região em décadas anteriores. O fato que melhor simboliza essa
postura foi quando, no ano de 1991, houve uma tentativa de golpe de Estado no Paraguai.
Naquele momento Argentina, Chile e Brasil (junto aos demais países do Grupo do Rio),
atuaram em conjunto para que o golpe de Estado no Paraguai não fosse bem-sucedido
(ALMEIDA, 2002). Outro exemplo pertinente foi a adesão do Chile ao Grupo do Rio no ano
de 1992. Esse órgão, composto pela maioria dos países latino-americanos
43
, tem como
objetivos principais:
43
"Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru, Venezuela, Uruguai,
Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e República Dominicana" (BRASIL, [entre 200 e
2006], online).
139
[ . . . ] a) ampliar e sistematizar a cooperação política entre os governos dos
países membros; b) examinar questões internacionais que sejam de interesse
e concertar posições comuns em relação as mesmas; c) promover o melhor
funcionamento e a coordenação dos organismos latino-americanos de
cooperação e integração; d) apresentar soluções próprias aos problemas e
conflitos que afetam a região; e) impulsionar iniciativas e ações destinadas a
melhorar, por meio do diálogo e da cooperação, as relações interamercianas;
f) explorar conjuntamente novos campos de cooperação que favoreçam o
desenvolvimento econômico, social, científico e tecnológico. (BRASIL,
[entre 2000 e 2006], online).
No primeiro governo da Concertación, o motivo oficial apresentado para não adesão
ao Mercosul foi o maior grau de abertura comercial do Chile quando comparada à dos países
que compunham o Mercosul. A partir do ano de 1985 em diante, o Chile passou por um
período de crescimento econômico, no qual o cerne da economia estava ligado ao ideário
neoliberal.
O segunda fase exportadora na política exterior, iniciada no governo de Patricio
Aylwin, advém da limitação existente na pauta dos bens de exportação do Chile, em sua
maior parte com pouco valor agregado e de extração natural – o cobre permaneceu tendo um
papel importantíssimo. A abertura unilateral adotada durante o regime militar é considerada
pelos tecnocratas e analistas políticos chilenos como sendo o primeiro passo no processo
exportador. Nele o empresariado chileno teve de concorrer com bens estrangeiros em
desvantagem, principalmente os setores voltados para o mercado doméstico, sendo assim
prejudicados pela concorrência internacional. A abertura unilateral levou o país a se
especializar em commodities de baixo valor agregado, como, por exemplo, cobre, pesca e
agro-indústria.
Uma das principais características da política exterior chilena, iniciada no regime
militar, e que teve continuidade nos dois primeiros governos da Concertación, é sua ênfase
nos aspectos relacionados ao comércio internacional. O Chile durante a década de 1990, não
apresentou o mesmo grau de vulnerabilidade dos demais países latino-americanos por ter
adotado medidas econômicas de caráter estrutural e que possibilitaram a manutenção dos
140
fundamentos da economia, evitando assim que crises oriundas da economia internacional
afetassem a estabilidade econômica do país (CASANUEVA, 2001). Pode-se citar como
exemplo a crise pela qual o México passou no ano de 1993, que teve grande impacto nas
economias dos países da América Latina, a qual ficou conhecida como efeito tequila. Nela
boa parte dos países latino-americanos sofreu reflexo da crise mexicana em suas economias,
já a economia do Chile não foi afetada.
Ao se analisar modelo econômico chileno pode-se observar que há um consenso entre
os atores chilenos aqui analisados, tendo por base o modelo econômico neoliberal. O que
muda são os matizes, oriundo dos diversos grupos de pressão, principalmente das
agremiações setoriais. Ao tratar da inserção internacional do Chile durante os dois primeiros
governos da Concertación, o embaixador Héctor Casanueva (2001, p. 34, tradução nossa),
então representante do Chile na ALADI, afirma:
Não se trata de substituir a exportação de produtos básicos, isso não é
assim, em nossa estratégia não tem sido assim e não existe tal pretensão.
Nós seguiremos sendo exportadores de produtos básicos e commodities. Do
que se trata é que ademais disso temos que ser capazes de desenvolver a
respeito desses produtos vantagens competitivas.
O embaixador Héctor Casanueva coloca ainda que entre os componentes da inserção
econômica do Chile no mercado internacional, os principais são: a abertura unilateral, que não
é um momento no tempo, é um continuum; após a redemocratização do país, o início de
negociações visando o estabelecimento de acordos bilaterais como forma de assegurar a
abertura dos demais mercados; e outro ponto, de grande importância, foi a incorporação e
ativa participação em instâncias do comércio internacional (GATT, OMC) (CASANUEVA,
2001).
A estratégia comercial chilena durante a administração de Patricio Aylwin, esteve
pautada pelas exigências que eram impostas pelo processo de transição à democracia. O que,
141
para o caso da estratégia de comércio exterior, traduziu-se em um alto grau de aversão por
parte do governo em enfrentar os riscos e custos inesperados que pudessem vir a ameaçar o
legado institucional do período anterior, e dar continuidade à abertura do processo de tomada
de decisão aos parâmetros próprios do pluralismo democrático. A mais clara constatação
desse feito encontra-se na posição marginal que teve o Congresso e os partidos políticos
durante todo esse período.
Não obstante, a manutenção do enfoque tecnocrático na elaboração da
estratégia comercial chilena não só respondeu aos fatores que envolveram o
processo de transição para a democracia. Houveram outros fatores que
contribuíram para prolongar esse tipo de institucionalidade. Por um lado,
existiam dificuldades entre os membros da administração de Patricio Aylwin
para chegar a um consenso em relação aos objetivos e os procedimentos que
deviam guiar a estratégia de comércio exterior. O que se tornou um
obstáculo expor à participação e o escrutínio dos atores domésticos. Por
outro lado, houve uma apatia dos atores domésticos em relação à estratégia
de comércio exterior, avaliando-a como distantes de seus interesses mais
concretos. Finalmente, a complacência de muitos dos membros da
administração Aylwin de que deveria permanecer o enfoque tecnocrático que
caracterizou a condução governamental da economia durante o período do
regime militar. (PORRAS, 2003, p. 45, tradução nossa).
O analista Porras (2003), devido aos fatores acima elencados, e sob a perspectiva da
lógica dos jogos de dois níveis de Putnam, conclui que o único ator relevante na arena
doméstica nas negociações comerciais durante esse período presidencial foram as
agremiações empresariais. Uma influência que não era tanto conseqüência de seu especial
interesse e conhecimento pela estratégia comercial ou por sua capacidade organizacional para
intervir nas negociações comerciais internacionais; e sim pelo poder que ostentava para vetar
o conjunto de decisões governamentais em matéria de política econômica, quando as
percebiam como uma ameaça aos seus interesses. A comunidade empresarial chilena não era,
portanto, homogênea em suas preferências sobre a estratégia comercial a ser adotada.
Existiram, por exemplo, divergências entre grêmios industriais e de agricultores.
142
Sem dúvida, a margem de manobra que o governo teve para aproveitar essas
diferenças e intervir nos constrangimentos domésticos, para conseguir o
apoio do empresariado era muito pequena. As razões principais são duas: a
posição relacionada ao consenso básico do empresariado chileno durante
esse período, que manteve uma atitude preventiva em relação ao governo,
devido ao receio de uma possível mudança nas coordenadas básicas da
política econômica herdada do regime militar; segundo, os constrangimentos
no interior da administração Aylwin em adotar estratégias que poderiam
implicar em mudanças na divisão de preferências na arena doméstica. Ao
terminar o governo de Patricio Aylwin, as conseqüências que teve a
frustrada tentativa de assinar um TLC com os EE.UU. e os resultados das
negociações com o México, Venezuela e, principalmente, com a Bolívia,
marcaram o início de novas tendências no desenvolvimento do marco
institucional na definição e execução da estratégia de acordos comerciais.
Tendências que foram reafirmadas e consolidadas no decorrer do governo de
Eduardo Frei Ruiz-Tagle. (PORRAS, 2003, p. 45-46, tradução nossa).
4.5 Balanço do Governo Aylwin: redemocratização e reinserção internacional
O primeiro governo democrático no Chile, após dezesseis anos de ditadura militar,
teve sua agenda pautada por dois fatores que exigiram a atuação em duas frentes;
internamente, a busca por um consenso entre os grupos de interesse (notadamente, os
empresários); e em sua política externa, através da elaboração de uma estratégia dinâmica,
que desse conta de garantir os mercados para os bens de exportação chilenos. A mediação do
governo com os atores internos e a estratégia de negociação comercial em várias frentes,
levou o Chile a desempenhar um papel exitoso e alcançar boa parte dos objetivos iniciais de
sua estratégia de comércio exterior.
Houve um esforço integrador durante a década de 1990 por parte de vários países da
América Latina, o que resultou num aumento do comércio intra-regional que era de 13,8%,
em 1980, passando para quase 20% no ano de 1993, segundo fontes da CEPAL. Também
houve uma mudança na concepção de integração que passou a imperar, tornando-o mais
dinâmico e capaz de adaptação para a melhora nas relações de cooperação latino-americanas.
143
Durante os anos 1960, o processo de integração cumpria etapas claras e obrigatórias, tornando
pouco viável – quando não, impossível – os projetos de integração regional. A partir de 1990
ocorre uma rápida e significativa mudança na dinâmica das relações de cooperação entre os
países latino-americanos, reflexo direto das mudanças pelas quais passada o sistema
internacional.
Devido justamente às mudanças apresentadas pela nova onda de processos de
integração ocorridas durante a década passada, o período por muitas vezes foi analisado de
forma insuficiente, marcado por um enfoque excessivamente unilateral. Daí que Heraldo
Muñoz (1986, p. 2) afirmou que devido às mudanças ocorridas na década de 1990 os
conceitos mais clássicos de integração econômica (zona de livre-comércio, mercado comum,
etc.), "[ . . . ] estão começando a ser irrelevantes do ponto de vista prático."
Para melhor resolver o problema acima descrito – uma realidade mais complexa para
modelos pouco abrangentes -, e contrapondo ao classicismo de décadas anteriores, Heraldo
Muñoz (1986) segue a concepção de integração exposta por Felix Pena
44
(1992, p. 126), que
concebe tal fenômeno como "[ . . . ] quality free trade areas [ . . . ]", que "[ . . . ] pode ter a
forma de uma zona de livre comércio ou de mercado comum [ . . . ]", sendo que as diferenças
entre tais rótulos pouco relevantes para o novo período que se inicia. Ante o novo cenário em
que passou a ocorrer as relações econômicas internacionais, o sistema passou a sofrer o
predomínio da flexibilização e pragmatismo para alcançar metas concretas de integração e
cooperação. Uma característica que não pertence apenas a América Latina, mas também as
demais regiões do mundo (MUÑOZ, 1986).
Sem dúvida, houveram carências na política exterior durante esse período.
Entre elas houve um déficit de coordenação entre os atores e nos diferentes
44
PENA, Felix. Pré-requisitos políticos e econômicos da integração. In: POLÍTICA Externa. Rio de Janeiro. Paz
e Terra, 1992. V. 1. P. 35-48 (apud MUÑOZ, 1996, p. 2).
144
níveis de decisão do Ministério das Relações Exteriores, além de uma
situação similar entre estes e outros setores governamentais. As disputas
burocráticas na tomada de decisão em relação à estratégia de comércio
exterior evidenciaram carências profissionais também prejudicaram, prova
disso foram as pouco produtivas conversações entre o governo do Chile e os
EE.UU. a respeito do ingresso ao NAFTA. Essa desfuncionalidade pôde ser
verificada durante as primeiras administrações da Concertación. Também se
destacam as complicações originadas pela interferência de critérios
partidaristas na condução da política exterior. (MUÑOZ, 1986, p. 13).
A estratégia de reinserção internacional chilena durante a administração de Patricio
Aylwin esteve pautada pelas demandas que foram impostas pelo processo de transição para a
democracia. A política de comércio exterior do período esteve diretamente vinculada ao
crescimento econômico iniciado durante o regime militar, ponto no qual o governo não tomou
nenhum tipo de medida de risco e/ou de custos inesperados que implicassem em uma eventual
mudança do legado institucional do período militar e proceder à abertura do processo de
tomada de decisão nos parâmetros próprios do pluralismo democrático. Isso se pôde constatar
com o papel marginal que o Congresso do Chile e os partidos políticos tiveram durante esse
período.
Outros aspectos também contribuíram para o continuísmo dado ao modelo
econômico adotado durante o regime militar, e diz respeito às dificuldades
que existiram entre os membros do governo de Patricio Aylwin para chegar
a um consenso sobre os objetivos e os procedimentos que deviam guiar a
estratégia de comércio exterior. A apatia dos atores domésticos também
implicou em um obstáculo para a estratégia comercial, percebida como
distante de seus interesses mais concretos. A complacência que encontrou
entre muitos dos membros da administração Aylwin o enfoque tecnocrático
que havia caracterizado a administração governamental durante o período do
regime militar. (PORRAS, 2003, p. 45, tradução nossa).
Por tudo isso, e dentro da lógica dos jogos de nível duplo de Putnam, utilizada pelo
analista Porras (2003), o único ator relevante na arena doméstica durante este período foram
as agremiações empresariais. Sua influência não esteve pautada pelo seu interesse e
conhecimento da estratégia de comércio exterior, tampouco por sua capacidade de
organização para intervir nas negociações comerciais internacionais; mas pelo poder que teve
145
para vetar as decisões governamentais em matéria econômica que poderiam percebidas como
ameaças para seus interesses.
A comunidade empresarial chilena não era, contudo, homogênea em suas
preferências sobre a estratégia comercial a ser seguida. A margem de
manobra que o governo tinha para aproveitar essas diferenças e intervir nos
constrangimentos domésticos e colocar o empresariado a seu favor era muito
limitada. São duas as razões principais: a base que sustentava o consenso
básico entre o empresariado chileno durante este período, priorizando uma
atitude preventiva ante o governo devido ao receio de uma possível mudança
nas coordenadas básicas da política econômica herdada do regime militar;
por outro lado, os constrangimentos que existiam no interior da
administração de Patricio Aylwin para pôr em prática estratégias visando
modificar as preferências na arena doméstica Ao terminar o governo de
Patricio Aylwin, as conseqüências que tiveram o frustrado objetivo de firmar
um TLC com os EE.UU., e os resultados das negociações comerciais com
México, a Venezuela e, principalmente, com a Bolívia começaram a marcar
novas tendências em que o desenvolvimento do marco institucional de
definir e executar a estratégia chilena de acordos comerciais. Umas
tendências que se mantiveram e consolidaram durante o período da
administração Frei (1994-2000). (PORRAS, 2003, p. 45-46, tradução nossa).
146
Data Acontecimento Observações
Março - Patricio Aylwin
assume a presidência do
Chile.
Mudança de um regime
ditatorial para um regime
democrático.
O presidente dos EE.UU.,
George Bush, anuncia a
Iniciativa para as Américas,
proposta que visa
estabelecer uma zona de
livre-comércio abarcando
todos os países do
Continente Americano
(exceto Cuba).
Paralelamente, o presidente
dos EE. UU., George Bush
propõem ao governo da
Concertación seguir o
exemplo do México e
incorporar-se ao NAFTA
(ou TLCAN em espanhol).
Outubro - o governo de
Patricio Aylwin cria o
Conselho Bilateral de
Comércio e Investimento,
órgão consultivo com a
finalidade de formalizar e
ordenar a participação dos
atores privados na definição
da estratégia comercial do
país.
1990
Têm início as negociações
com o México para
estabelecer um Acordo de
Complementação
Econômica (ACE) no marco
do Tratado de Montevidéu
de 1980 (ALADI).
A opção pelo México se
insere na estratégia latino-
americana, de acordo com a
política voltada para a
segunda fase exportadora e
a presença de capitais
chilenos na região.
1991 São negociados Acordos de
Complementação
Econômica com a Argentina
e o México.
1991 Ingresso oficial do Chile ao
Pacific Economic
Cooperation Council
(PECC).
Março de 1991 É criado o Mercosul, com a
assinatura do Tratado de
Assunção por Argentina,
Brasil, Paraguai e Uruguai.
1991 O Tratado de Maastrich
estabelece a União Européia
(UE).
Quadro 9 - Cronologia das Relações Internacionais do Chile (1990-1994)
(continua)
147
Quadro 9 - Cronologia das Relações Internacionais do Chile (1990-1994)
(continuação)
Data Acontecimento Observações
Junho de 1991 Baixa unilateral da tarifa
alfandegária do Chile de
15% para 11%.
Busca incentivar a demanda
de investimentos com o
objetivo de baixar o nível de
reservas e brecar a
valorização do peso chileno.
Agosto de 1991 Assinado o ACE 16 com a
Argentina.
Setembro de 1991 Assinado o ACE 17 com o
México.
Fevereiro de 1992 Entram em vigor os Acordos
com a Argentina (ACE 16) e
com o México (ACE 17).
1992 Têm início as negociações
de um ACE com a Bolívia e
a Venezuela.
1992 São criados Conselhos
Conjuntos sobre Economia e
Comércio com os governos
do Canadá, Equador e
Colômbia.
Maio de 1992 O presidente Patricio
Aylwin viaja para os EE.
UU.
Tem início o lobby junto ao
Congresso norte-americano
para a inclusão do Chile no
NAFTA.
1992 Bill Clinton assume a
presidência dos EE. UU.
Ganham maior influência
nos EE. UU. os grupos de
pressão opostos aos
Tratados de Livre Comércio
(sindicatos e ecologistas).
Outubro de 1992 O presidente do Chile,
Patricio Aylwin, cria com
caráter de organismo
consultivo permanente o
Comitê Interministerial de
Relações Econômicas
Internacionais (Decreto
Supremo No.1.153 de 2 de
outubro de 1992).
1992 Chile se incorpora ao
Conselho de Cooperação
Econômica do Pacífico
(PECC).
148
Quadro 9 - Cronologia das Relações Internacionais do Chile (1990-1994)
(conclusão)
Data Acontecimento Observações
1992 Chile participa ativamente
nas negociações do GATT,
a Rodada Uruguai.
1993 Têm início as negociações
com a Colômbia para o
estabelecimento de um
ACE.
Julho de 1993 Entram em vigor os Acordos
de Complementação
Econômica com a Bolívia
(ACE 22) e Venezuela
(ACE 23).
Agosto de 1993 É assinado o ACE com a
Bolívia.
Dezembro de 1993 É assinado o ACE 24 com a
Colômbia.
1993 A Quinta Reunião
Ministerial do Foro de
Cooperação da Ásia
Pacífico, Apec, aceitou o
ingresso do Chile para
tornar-se membro efetivo
durante a Sexta Reunião
Ministerial, em novembro
de 1994.
1994 Fim da Rodada Uruguai,
assinatura do Acordo de
Marrakesh: Novo acordo do
GATT (1994), criação da
OMC, é incorporado o setor
de serviços.
Janeiro de 1994 Entra em vigor o ACE 24
com o governo da
Colômbia.
Quadro 9 - Cronologia das Relações Internacionais do Chile (1990-1994)
Fonte: Ceppi, 2005, p. 96-98 (tradução nossa).
149
5 O GOVERNO DE EDUARDO FREI RUIZ TAGLE (1996 - 2000): a diplomacia para o
desenvolvimento e a aproximação ao Mercosul
Em março de 1994, assume a presidência do Chile o candidato da Concertación,
Eduardo Frei Ruiz-Tagle. Filho de Eduardo Frei Montalva, presidente do Chile entre os anos
de 1964 e 1970, iniciou a vida política através da criação de uma Fundação em homenagem a
seu pai e do intercâmbio político com partidos democrata-cristãos do exterior, principalmente
nos países europeus. Teve um papel ativo durante a campanha pelo NO, quando movimentos
sociais e político-partidários do Chile se uniram para reivindicar o retorno ao regime
democrático. Após a vitória da Alianza Democrática, Eduardo Frei Ruiz-Tagle ingressa na
vida política filiado ao Partido Demócrata Cristiano, o mesmo de seu pai.
O segundo governo da Concertación tem início em meio a uma nova realidade, seja
em sua política doméstica como também nas relações exteriores do Chile. O processo de
redemocratização do país era dado como concluído e bem-sucedido, pois não acarretou em
nenhum tipo de crise institucional ou econômica. Permaneceram alguns entraves relacionados
à Constituição de 1980, que foram tratados pelo governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle, dando
continuidade ao que já fora realizado pelo governo anterior. A manutenção do regime
democrático, a continuidade ao processo de liberalização - com ênfase nos acordos
comerciais, e o consenso entre os principais grupos de interesse chilenos foram mantidos e
reafirmados.
"O analista chileno, Manfred Wilhelmy, caracteriza o presidente Eduardo Frei Ruiz-
150
Tagle em seu conceito de Presidente Árbitro, pois deu menor relevância às questões externas
em favor dos assuntos da política doméstica." (PORRAS, 2003, p. 18, tradução nossa). Este
modelo não implica a ausência de propostas próprias relacionadas à estratégia de comércio
exterior, mas tende a limitar sua participação à escolha de uma preferência dentre as que
surgem à sua volta, ou busca uma solução intermediária. Conseqüência dessa relativa inação
do presidente, a situação se torna mais propícia para que gere um maior grau de politização na
condução da estratégia comercial, ao ampliar a margem do jogo de forças políticas. No
segundo governo da Concertación a economia passou a ter uma posição prioritária na agenda
presidencial, o que se refletiu nos vários acordos comerciais firmados no período.
O dinamismo apresentado pelos setores da economia do Chile voltados para a
exportação, e a interação entre os setores público e privado, fez com que o país pudesse ser
classificado como um global trader, pois sua estratégia de negociação tem por base a
flexibilidade e o dinamismo, onde os vários níveis de negociação se mostraram
complementares ao objetivo de estabelecer um multilateralismo comercial. A mudança mais
importante na política externa do Chile durante a década de 1990, esteve na ênfase dada às
negociações com países e blocos regionais. O analista Heraldo Muñoz (1986, p. 10) classifica
a postura nas relações exteriores do Chile durante os dois primeiros governos da
Concertación, como sendo melhor definida através do conceito de "[ . . . ] regionalismo
aberto [ . . . ]", por tratar-se "[ . . . ] de uma política pragmática de inserção múltipla na
economia internacional."
Na política exterior do segundo governo da Concertación a resinserção
internacional era considerada concluída e bem-sucedida em seus principais
objetivos. O nome dado à política externa deste governo foi diplomacia para
o desenvolvimento, pois deu ênfase a uma política exterior voltada para os
interesses econômico-comerciais. Durante esta administração buscou-se
maior proximidade entre o processo político interno e a diplomacia, em seus
aspectos político e econômico-comercial. (WILHELMY; DURÁN, 2003, p.
282-283, tradução nossa).
151
Em matéria de acordos econômico-comerciais, o governo procurou conciliar múltiplas
iniciativas, visando equilibrar e diversificar o comércio exterior através de associações com
diversas regiões e sub-regiões da América Latina (principalmente com o Mercosul), com os
países da América do Norte, com a União Européia e Sudeste Asiático (Apec).
Cabe assinalar que o individualismo foi uma característica da política exterior chilena
durante este período, especialmente entre os anos de 1994 e 1996. Nesse período, o governo
de Eduardo Frei Ruiz-Tagle não concebia como organizacionalmente homologáveis os
debates e conclusões nas instâncias políticas (como as reuniões anuais do Grupo do Rio e as
Reuniões/Cúpulas de Presidentes Latino-Americanos) e os órgãos de cooperação comercial (
como o sistema econômico Latino-Americano, SELA, a ALADI e o Mercosul), por que cada
um desses tinha suas próprias prioridades institucionais.
No início do segundo governo da Concertación, o governo chileno demonstrou
interesse em negociar com o Mercosul devido aos avanços que este bloco havia alcançado
durante a primeira metade da década de 1990. O Mercosul já possuía personalidade jurídica e
apresentava altas taxas de incremento comercial intra-bloco e extra-bloco. No presente
capítulo será feita uma análise da política externa do governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle nas
negociações com os representantes do Mercosul, tendo como pano de fundo a não adesão do
Chile ao NAFTA. Esta perspectiva não é consensual, muitos analistas chilenos relegam uma
posição secundária ao bloco do Cone Sul por parte do segundo governo da Concertación.
Pode-se citar como exemplo a analista internacional chilena, Paz Milet (1997, p. 7, tradução
nossa), que, na introdução de um livro do qual foi organizadora, é enfática, afirmando que o "[
. . . ] Mercado Comum do Sul não ocupava um espaço central na operacionalização da
inserção internacional chilena." No caso, a autora se refere ao ano de 1995, quando a
negociação entre o governo do Chile e os representantes do Mercosul foi concluída.
Fatos significativos, e que colocam em questão a afirmativa dessa autora, são o
152
fracasso na tentativa de adesão do Chile ao NAFTA e a prioridade outorgada pelo governo
chileno às negociações com o Mercosul. Dentre os membros dos Ministérios do governo da
Concertación, persistiu uma divisão entre dois grupos, os latino-americanistas e os
defensores de uma política de maior aproximação com a América do Norte, tendo os EE.UU.
como principal objetivo. O contexto no qual está inserida a aproximação do Chile ao
Mercosul é complexo e passível de uma interpretação distinta da que é defendida por alguns
analistas chilenos.
Os fatores internos e externos que influenciaram na conduta do segundo governo da
Concertación não implicaram, necessariamente, em uma opção divergente na forma de
conceber e adotar a política externa do Chile no período tratado. Uma das características
principais dos subseqüentes governos do país durante a década de 1990, foi a prioridade
outorgada às relações com os EE.UU. Por outro lado, as negociações de acordos comerciais
em que o governo do Chile esteve envolvido, foram, muitas vezes, conduzidas em paralelo ao
objetivo principal do país. De tal forma que não há contradição ao se afirmar que o governo
de Eduardo Frei Ruiz-Tagle, frente ao impasse nas negociações de uma adesão ao NAFTA,
passou a investir numa associação com o Mercosul, apesar das disparidades em matéria de
integração e liberalização comercial entre o Chile e o bloco do Cone Sul.
O período analisado no presente capítulo trata, ainda, de alguns aspectos que
influenciaram direta ou indiretamente as negociações do Chile com o Mercosul. O primeiro
tomo trata do convite de adesão feito ao Chile para ingressar ao NAFTA, durante a Cúpula
das Américas, na cidade de Miami, pelos líderes dos países que compõe este bloco. Até então,
o governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle avaliava a possibilidade de adesão como um objetivo
difícil de ser alcançado. O convite, contudo, surpreendeu os membros do governo da
Concertación e reavivou o interesse do Chile na busca por fazer parte do bloco. Problemas
que fogem ao escopo do presente trabalho impediram que o Chile obtivesse êxito em suas
153
negociações de adesão ao NAFTA ou a firma de um TLC com os EE.UU.
O multilateralismo comercial, característica dos dois governos da Concertación
analisados na presente pesquisa, deu base para a manutenção e desenvolvimento de uma
diplomacia dinâmica, mantendo negociações em várias frentes. Esta característica foi mais
bem desenvolvida durante o segundo governo da Concertación, e foi um dos motivos que
levaram o governo do Chile a negociar um acordo comercial com o Mercosul. Inicialmente o
tema referente ao Mercosul suscitou um acalorado debate entre os atores público e privado do
país. A oposição foi incisiva e buscou, de variadas formas, inviabilizar sua concretização. A
concepção de bloco econômico que fomentou a criação do Mercosul era distinta da concepção
integracionista desenvolvida pelos setores relacionados à política externa do Chile durante os
dois primeiros governos da década de 1990. Foi uma negociação difícil, que resultou na
assinatura de um Acordo de Complementação Econômica, o ACE-35 no âmbito da ALADI.
Ainda neste capítulo serão abordados dois acontecimentos que influenciaram na
política externa do governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle: a Crise Asiática, no ano de 1998,
que levou a economia chilena, pela primeira vez em mais de dez anos, a apresentar índices de
estagnação econômica; e o outro fato, ainda que secundário para a presente pesquisa, diz
respeito à detenção do então Senador Vitalício da República do Chile, Augusto Pinochet, na
Grã-Bretanha. Optou-se por fazer alusão a este acontecimento porque tocou em um ponto
onde ficou explícito os entraves institucionais referentes à influência que os militares mantêm
na condução da política do Chile, reflexo direto da Constituição de 1980. Segue abaixo os
principais objetivos da política externa do Chile no período e, logo depois, o quadro 4.1, em
que são elencados seus elementos chave.
Objetivos Principais da Política Exterior para los nuevos tiempos (UM GOBIERNO
para..., [entre 1998 e 2006], p. 7-8, online, tradução nossa):
154
[ . . . ] a) aprofundar a internacionalização da economia chilena, gerando
alianças e acordos que assegurem uma adequada inserção; b) desenvolver
relações estáveis e um clima externo favorável à estabilidade democrática,
especialmente na região latino-americana; e, c) participar de maneira seletiva
em iniciativas tendentes a lograr a paz, a extensão da democracia e ao
respeito dos direitos humanos e ao desenvolvimento e a eqüidade no sistema
internacional.
Objetivos Áreas de atuação
Resolver os temas da agenda tradicional,
principal fonte de distanciamento com os
países vizinhos.
Fronteiras limites, herança histórica.
Principalmente Bolívia e Peru.
Aumentar de forma considerável os
acordos comerciais com outros países.
Negociou-se o aprofundamento dos acordos
já firmados e a abertura de novos espaços
comerciais. De principal importância no
período foi a aproximação ao Mercosul e a
Apec.
Promover todas as vias de negociação para
a resolução de conflitos e para o
aprofundamento dos vínculos.
Além da abertura unilateral, optou-se por
participar em nível bilateral, regional e
multilateral. Objetivando expandir o
mercado para os bens de exportação
chilenos.
Atuar com modéstia no plano
internacional, o que não implica na não
participação ativa e responsável nas
distintas instâncias.
Expresso no fato não ter almejado alcançar a
liderança regional por parte do Chile.
Diplomacia presidencial.
O presidente participou ativamente nas
distintas iniciativas de integração e nas
diversas cúpulas regionais e inter-regionais.
Assumiu de maneira pessoal grande parte do
trabalho de gerar vínculos mais estreitos com
os países da América, da Europa e da Ásia.
Esta atitude foi criticada por setores da
oposição, que foram contrários a suas
constantes viagens.
Quadro 10 - Elementos chave da política externa do governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle
Fonte: Milet, 1998, p. 28 (tradução nossa).
155
5.1 A Não-Adesão ao Nafta: uma negociação frustrada
No início do governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle um TLC com os EE.UU., ou um
acordo de associação ao NAFTA, permaneceu sendo o principal objetivo da política externa
chilena. Logo no início do segundo governo da Concertación já haviam sido iniciadas
conversações com os representantes do governo norte-americano sobre temas específicos
tendentes a adiantar as negociações do processo de adesão ao bloco (MUÑOZ, 1986, p. 11).
No dia 11 de dezembro de 1994, durante a Cúpula das Américas, na cidade de Santiago, foi
feito um convite formal para o Chile se tornar membro do NAFTA. O convite foi reiterado
pelo presidente norte-americano, Bill Clinton, em uma mensagem ao Congresso dos EE.UU.
no mesmo ano.
Apesar da pré-disposição do executivo dos EE.UU., as negociações estagnaram-se
devido à resistência do Congresso deste país em conceder ao presidente o fast track
45
, devido
as divergências relacionadas à inclusão ou não de cláusulas trabalhistas e ambientais no
acordo – chamado de acordo limpo. A crise econômica do México, no ano de 1995, reforçou
a oposição dos congressistas norte-americanos à possível adesão de outros países da América
Latina ao NAFTA. Visando as eleições presidenciais no ano de 1996, os Republicanos não
estavam propensos a apoiar qualquer medida que pudesse beneficiar o pré-candidato a re-
eleição, Bill Clinton. Outro ponto está relacionado à solução de controvérsias; os
congressistas norte-americanos queriam um acordo com o Chile utilizando os mecanismos da
OMC. Já o governo do Chile almejava uma incorporação plena, o que implicava em adotar os
mecanismos de solução de controvérsias do NAFTA (MUÑOZ, 1986).
45
Que tem por objetivo dar maior rapidez aos acordos comerciais, através da independência que o Congresso dos
EE.UU. dá ao presidente do país para negociar acordos comercias.
156
No Congresso norte-americano, o processo de negociação do NAFTA provocou
divergências não só entre os políticos dos partidos Republicano e Democrata, mas também
dentro de diferentes alas do Partido Democrata – principalmente as ligadas aos sindicatos de
trabalhadores e movimentos ecológicos -, situação que não era favorável para o presidente
Bill Clinton, que precisava do apoio do seu partido, e optou por não se arriscar em dar início a
novas negociações comerciais. No decorrer do ano de 1994, o presidente dos EE.UU.
precisava criar uma base de apoio dentro do Congresso para viabilizar a sua agenda política.
Devido a estes impasses o acordo de adesão do Chile ao NAFTA foi perdendo prioridade à
medida que as negociações foram se estagnando, o que levou a uma descrença do governo e
dos setores privados do Chile, interessados na firma do acordo.
Os entraves relacionados à negociação da adesão do Chile ao NAFTA
levaram o governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle a adotar uma estratégia para
minimizar os custos políticos do que já era tido como um novo fracasso na
tentativa de firmar um TLC com os EE.UU. As críticas feitas pelos partidos
de oposição no Chile acusaram o governo de ter sido negligente na condução
das negociações. Por outro lado, a maioria dos representantes dos setores
empresariais chilenos apoiou o governo, alegando que o problema estava na
dinâmica burocrática da política interna dos EE.UU., e que os setores
público e privado haviam tido bom desempenho atuando em conjunto nas
negociações. A posição do empresariado chileno ante o desempenho do
governo nas negociações com o EE.UU. demonstrou que, no decorrer da
década de 1990, houve uma mudança nas relações entre o setor público e
privado. As agremiações empresariais chilenas deixaram de apoiar os
partidos de oposição e foram gradativamente se aproximando do governo da
Concertación. (PORRAS, 2003, p. 47-48, tradução nossa).
Dois pontos devem ser colocados para a não adesão do Chile ao NAFTA, que dizem
respeitos a questões exógenas, relacionadas às negociações em âmbito multilateral: as
complicações na negociação da rodada Uruguai do GATT e o efeito tequila
46
, oriundo da crise
econômica mexicana. Tais entraves levaram o presidente Bill Clinton, a retirar a requisição de
concessão de um fast-track do Congresso norte-americano.
46
Crise econômica que afetou fortemente a economia mexicana e os EE. UU. tiveram que dar obrigatoriamente
uma significativa ajuda econômica ao país. A opinião pública norte-americana e para a oposição, este fato foi
um sinal das inconveniências de haver assinado o NAFTA.
157
A estratégia de busca por um acordo de livre comércio com os EE.UU. permaneceu
como um dos objetivos do segundo governo da Concertación. A possibilidade de adesão ao
NAFTA foi minorada, devido, principalmente, a aspectos relacionados à política interna
norte-americana. Tal situação não implica que o governo do Chile estivesse desistido de
alcançar seu objetivo maior. Como já foi dito anteriormente, a política externa chilena, e,
principalmente, a relacionada aos acordos comerciais, não tratava as diferentes negociações
como opções excludentes. O presidente Eduardo Frei Ruiz-Tagle, manteve a meta de obter o
tão esperado acordo com os EE.UU. Não podendo concretizá-lo e levando em consideração as
demais negociações comerciais com países e blocos, optou-se por priorizar os de maior
viabilidade.
Nas relações com o governo dos EE.UU. a busca por uma associação do NAFTA ou
um acordo comercial em âmbito bilateral, foi obstruída pela política interna norte-americana.
No governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle ouve uma mudança na estratégia de comércio
exterior, marcada pelo pragmatismo, simbolizado pela aproximação do mercado norte-
americano através da firma de acordos comerciais de seus países limítrofes, México e Canadá.
A repercussão política da estagnação nas negociações de um acordo comercial com os
EE.UU. foi muito forte na política doméstica do Chile, principalmente entre os setores mais
liberais e de partidos de oposição, marcados pelo seu liberalismo radical e desprezo pela via
latino-americanista.
Por outro lado, a estratégia do governo dos EE.UU. na segunda metade da década de
1990, passou por duas etapas: primeiro, fomentou a continuidade das negociações com os
países dos Continentes Americanos, na busca de concretização do projeto da Área de Livre-
Comércio das Américas (ALCA); e a segunda, que tem início no ano 2000, quando as
negociações de um bloco abarcando todos os países americanos estava enfraquecida, devido a
incapacidade de harmonizar a grande quantidade de interesses envolvidos, e passou a buscar
158
acordos em separado no âmbito bilateral.
No ano 2000, último do governo de Bill Clinton, a proposta da ALCA perdeu força.
George W. Bush, ao assumir a presidência dos EE.UU., no ano de 2001, inicialmente, buscou
através da forte presença da economia de seu país na região, acelerar o processo de
negociação para a criação da ALCA. Contudo, os atentados terroristas de 11 de setembro de
2001 levaram a uma mudança na política externa norte-americana, e o projeto da ALCA ficou
em segundo plano. Desde então o governo dos EE.UU. vêm assinando uma série de acordos
bilaterais com os países latino-americanos, estratégia que tem sido bem-sucedida.
5.2 O Início das Negociações com o Mercosul
No início do primeiro governo da Concertación, a hipótese de um acordo comercial ou
de adesão ao Mercosul foi logo descartada. Isso está relacionado a ênfase dada nas
negociações de um possível acordo comercial com o governo dos EE.UU., principal objetivo
do governo de Patricio Aylwin. Mesmo havendo divergências em relação à área a ser
priorizada no primeiro governo, o Chile negociou acordos comerciais com países da América
Latina – como Bolívia, Peru e México, que tratavam, em sua maioria, da liberalização
comercial em âmbito bilateral. Estes aspectos foram abordados no capítulo anterior, mas cabe
agora fazer uma alusão a esse início das relações exteriores do Chile, para melhor
compreender o contexto no qual Eduardo Frei Ruiz-Tagle assumiu a presidência do país.
Atendo-se especificamente às relações do governo do Chile com os representantes do
Mercosul, pôde-se observar que os objetivos do bloco, dentre eles, o principal, de acelerar o
processo de integração, visando chegar no ano de 1994 à condição de mercado comum, levou
159
a uma postura de distanciamento por parte do governo de Patricio Aylwin nos assuntos
concernentes ao Mercosul.
Segue abaixo a posição de membros da área econômica do governo de Patricio Aylwin
e do empresariado chileno em relação ao Mercosul, que impediram o início das negociações
no primeiro governo da Concertación (PORRAS, 2003):
a) as limitações que implicariam a condição de membro pleno do bloco para a
estratégia de política comercial chilena, principalmente nas negociações de
acordos comerciais com outros países;
b) a resistência dos economistas do governo de Patricio Aylwin de estabelecer
vínculos formais com países caracterizados por sua instabilidade econômica;
c) o ceticismo frente aos resultados reais do Mercosul tendo em vista a extensa lista de
projetos de integração latino-americanos que fracassaram.
No discurso oficial do segundo governo da Concertación, a estratégia de reinserção
internacional do país tinha por objetivo fomentar uma política integracionista nas relações
econômico-comerciais com os países da América Latina. A reorientação na política de
comércio exterior com os países da região era sumamente necessária para a implementação da
estratégia de segundo passo exportador. A América Latina era então o principal mercado para
os bens com alto agregado do setor exportador chileno, daí a necessidade de firmar acordos
com os países e blocos da região.
No primeiro ano de seu governo, Eduardo Frei Ruiz-Tagle iniciou sua
administração ante um cenário que apresentava mudanças significativas. Os
dados mostravam a importância que em meados da década de 1990 o
Mercosul havia alcançado dentro do conjunto da balança comercial chilena.
Dos 2,1 bilhões de dólares que chegou o câmbio comercial em 1991 entre o
Chile e os países que compõe o Mercosul, havia passado para 4,5 bilhões de
dólares em 1995. A ele soma-se o crescimento do investimento direto
chileno nos países deste bloco comercial, sobretudo na Argentina. Outro
ponto de grande relevância, foi que boa parte das dúvidas relacionadas à
viabilidade do Mercosul haviam-se dissipado ao demonstrar sua solvência
como projeto de integração regional na América do Sul. Esses ganhos
160
fizeram com que o bloco despertasse o interesse do governo de Eduardo Frei
Ruiz-Tagle como um aliado em potencial ante a reestruturação das alianças
comerciais em processo nos mercados mundiais. (PORRAS, 2003, p. 50,
tradução nossa).
As relações com o bloco do Cone Sul foram mudando gradativamente. No ano de
1994 o Mercosul era o bloco regional que apresentava maior potencial na América do Sul, o
que despertou o interesse do governo chileno em estreitar as relações com o bloco. No
Tratado de Assunção havia sido criado um artigo visando especificamente dar maior rapidez a
uma possível integração do Chile ao bloco, possibilitando o ingresso antes do prazo marcado
para a adesão por um membro da ALADI. A importância do Mercosul para a política de
comércio exterior do Chile foi se tornando cada vez maior no período que compreende os
anos de 1994 à 1996, pois Argentina e Brasil passaram a ser, respectivamente, o terceiro e o
quarto sócios comerciais do Chile (MUÑOZ, 1986).
As exportações de manufaturas provenientes do Chile para o Mercosul cresceram de
forma significativa na primeira metade da década de 1990. Em 1994 o Mercosul recebeu
11,6% das exportações totais do Chile, equivalente a 1,4 bilhões de dólares. Já nos primeiros
seis meses de 1995 as exportações atingiram a marca de 1,1 bilhão de dólares – crescimento
de 64,5% em relação ao mesmo período no ano anterior (MUÑOZ, 1986, p. 5-6).
As exportações do Chile para os países do Mercosul aumentaram para U$ 3 bilhões,
no ano de 1994, quase um terço do intercâmbio total dos países membros do Mercosul entre si
no mesmo período (ver Quadro11).
O Chile também passou a representar um grande mercado para os países do Mercosul;
no ano de 1994 o Brasil exportou para o mercado chileno um bilhão de dólares. Nos primeiros
três meses de 1995 o intercâmbio comercial entre o Chile e o Mercosul ultrapassou um1
bilhão de dólares, 300 milhões mais que no mesmo período de 1994. Outros fatores que
contribuíram para a aproximação do segundo governo da Concertación ao Mercosul foram: a
orientação diplomática dos países do Mercosul, favoráveis a uma associação do Chile ao
161
bloco; e a questão geoestratégica do país, que facilitaria o acesso ao mercado asiático,
possibilitando a projeção do bloco a este mercado.
ANO EXPORTAÇÕES IMPORTAÇÕES BALANÇA
COMERCIAL
INTERCÂMBIO
COMERCIAL
MERCOSUL 1990
1991
1992
1993
1994
1995
652.021
769.983
990.475
1.089.195
1.352.324
1.774.679
1.123.926
1.331.750
1.740.451
1.760.951
2.054.100
2.677.153
- 471.905
- 561.767
- 749.976
- 671.756
- 701.776
- 902.474
1.775.945
2.101.733
2.730.926
2.850.146
3.406.424
4.451.832
Quadro 11 - Intercâmbio Comercial do Chile com o Mercosul (em milhões de dólares)
Fonte: Milet; Gaspar; Rojas, 1997, p. 44 (tradução nossa).
No ano de 1994 o governo chileno havia constatado dois pontos em relação aos países
que compõem o Mercosul: o primeiro diz respeito à estabilização econômica alcançada por
Argentina e Brasil, aspecto muito relevante, tendo em vista que o governo de Patricio Aylwin
temia que a economia do Chile fosse afetada por uma crise econômica oriunda de algum dos
dois países; e o outro aspecto trata da frustração decorrente da não adesão do Chile ao
NAFTA, resultado da oposição dos congressistas norte-americanos ao pedido de autorização
do fast-track para o então presidente dos EE.UU., Bill Clinton.
Foi dentro desse contexto que, em junho de 1994, o segundo governo da
Concertación fez uma proposta de negociação comercial aos representantes
do Mercosul, visando dar início ao processo de adesão do Chile ao bloco.
Não se tratava de um pedido formal de ingresso como membro pleno, e sim
de uma proposta visando estabelecer uma zona de livre-comércio entre o
Mercosul e o Chile num prazo de dez anos. Além da já existente
interdependência econômica, a iniciativa também abarcava outros temas,
como serviços, infra-estrutura, integração energética, investimentos,
cooperação científica e tecnológica. (MUÑOZ, 1986, p. 6).
A proposta de vinculação ao Mercosul foi resultado da nova agenda de
política externa do Chile para a América Latina, concebida dentro do
conceito de regionalismo aberto. O governo do presidente Eduardo Frei
Ruiz-Tagle decidiu não incorporar-se plenamente ao bloco devido à
obrigatoriedade de adotar as mesmas tarifas alfandegárias pelos membros do
Mercosul (a Tarifa Externa Comum – TEC) frente a terceiros países. Este
veio a se conformar no principal obstáculo para a viabilidade de uma
162
associação plena do Chile ao Mercosul. (VAN KLAVEREN, 2000, p. 92-
93).
A maioria dos analistas chilenos argumenta acertadamente que, no decorrer da
primeira metade da década de 1990, a média da tarifa alfandegária estabelecida pelos
membros do Mercosul era mais elevada que a adotada pelo Chile, que então estava na média
de 11%.
Por outro lado, a persistência de assimetrias em matéria de políticas econômicas (p.ex.
matéria cambiária, fiscal, financeira e propriedade intelectual) entre o Chile e os países do
Mercosul, tornava difícil que o país pudesse abdicar de sua política de comércio exterior para
integrar-se ao mercado comum – o que implicaria num retrocesso no processo de inserção
internacional do país. Devido à importância dada pelo segundo governo da Concertación para
a América Latina, optou-se por uma fórmula alternativa de associação, devido a uma série de
discordâncias entre os representantes do Mercosul e os membros do governo chileno, o que
resultou na criação de uma forma de associação até então não existente, a de membro
associado (MUÑOZ, 1986).
A apresentação oficial que fez o governo chileno na secretaria pro tempore
do Mercosul em junho de 1994, com o fim de estabelecer uma zona de livre-
comércio, provocou variadas reações dentre os atores chilenos. Os que
receberam com maior entusiasmo a notícia foram as agremiações industriais
– notadamente a ASEXMA e a SOFOFA, que acreditavam serem os grandes
beneficiários com o acordo, enquanto os representantes do setor agrícola,
através da SNA, se opuseram a integração do Chile ao Mercosul (PORRAS,
2003, p. 50-51, tradução nossa).
Durante este período novamente se evidenciaram avanços fundamentais no âmbito
comercial. Alcançou-se uma integração mais plena com o Mercosul e o Chile foi autorizado
para participar em todas as instâncias institucionais deste bloco. A analista chilena Paz Milet
(1998), ao tratar da condição de membro associado do Chile ao Mercosul, colocou que o
163
resultado das negociações foi favorável ao Chile que, além de não precisar adotar a Tarifa
Externa Comum (TEC), passou a obter todas as vantagens de um membro pleno.
Antes do governo do Chile manifestar a intenção de se aproximar do
Mercosul, foram constantes as ações de lobby da SOFOFA e ASEXMA para
que fosse negociada alguma forma de manter as preferências tarifárias com
os países do Mercosul. A posição majoritária do empresariado chileno foi de
grande ceticismo, já não existiam elementos para poder argumentar um
rechaço frontal ao acordo com o Mercosul, já que este não implicava em
nenhum limite à autonomia chilena para levar adiante sua política de
comércio exterior; e que seus principais interesses encontravam-se nesse
momento no TLC com os EE.UU. e no aprofundamento do processo de
abertura unilateral. (PORRAS, 2003, p. 50, tradução nossa).
Os setores mais críticos estavam ligados às agremiações agrícolas, com principal
destaque para a SNA, agremiação que solicitou a exclusão do acordo de todos os produtores
da agricultura tradicional, considerados sensíveis frente à concorrência, principalmente, da
agricultura argentina. Uma reivindicação dificilmente defensável pelo governo chileno na
mesa de negociações, já que estes produtos correspondiam à maior parte das exportações dos
países membros do Mercosul para o Chile (ver Quadro 12).
O governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle, no período em que estava em negociação com
o Mercosul, enfrentava pressões internas e externas. Internamente, o setor agrícola fazia uma
oposição contumaz a qualquer vínculo comercial com o Mercosul. Também foi muito
criticada a posição do segundo governo da Concertación de não assumir a condição de
membro pleno do bloco, o que gerou críticas contundentes dos demais sócios do Mercosul.
Estes alegavam que a postura do governo chileno nas negociações era uma atitude oportunista
com relação à viabilidade do bloco (PORRAS, 2003). Tanto os setores críticos à associação
do Chile quanto a dos sócios do Mercosul em relação à política chilena para o bloco tem
embasamento e devem ser explicitadas.
O setor agrícola chileno é um dos mais refratários aos acordos comerciais firmados
pelo Chile, devido a sua dificuldade de concorrer com produtores mais dinâmicos em âmbito
164
internacional. A adesão ao Mercosul teve grande oposição dentro da sociedade chilena porque
envolvia outros atores que eram contrários a firma de um acordo. O Ministério da Fazenda se
destacou como o órgão do governo que manifestou maior oposição ao Mercosul, decorrente
do pragmatismo característico dos membros do alto escalão deste Ministério. O grau de
tecnocratização foi e ainda é levado ao extremo, onde política exterior e política comercial
devem ser distinguidas e tratadas de maneiras distintas.
Com relação aos membros do Mercosul, o realismo e o pragmatismo apresentados
pelo Chile quando do período de negociação, entre os anos de 1994 e 1996, foram
interpretados de maneira crítica, pelo fato da política externa chilena manter negociações em
várias frentes. Trata-se de uma interpretação que pode ser entendida de duas formas: a de um
país dinâmico e globalizado, capaz de conduzir sua política econômica internacional de
maneira a fazer com que possa obter os melhores resultados; ou então, a de um país que busca
certificar-se de forma contundente sobre os perigos que uma associação equivocada pode
resultar para sua economia.
ORGANIZAÇÃO
APOIO
REIVINDICAÇÕES
CPC
Apoia o acordo.
Fixa prevenções ante a
situação do setor agrícola e
apoia a aplicação de
medidas de ajuda de ajuda e
compensações, ainda que
sob condições.
SOFOFA
Apóia a associação do Chile
e destaca que tem apoiado a
negociação em todas as suas
etapas. Estima que o
impacto no tipo de mudança
será marginal.
Solicita avançar brevemente
no processo de privatização
da Emporchi.
Quadro 12 - Posição das principais organizações empresariais frente ao Mercosul, expressada
ante a Comissão Mista do Congresso Nacional do Chile no ano de 1996
(continua)
165
Quadro 12 - Posição das principais organizações empresariais frente ao Mercosul, expressada
ante a Comissão Mista do Congresso Nacional do Chile no ano de 1996
(continuação)
ORGANIZAÇÃO
APOIO
REIVINDICAÇÕES
SONAMI
Apoia o acordo e destaca
vantagens para alguns
setores, especialmente o do
cobre (refinado).
Coloca que haveria sido
conveniente uma
desgravação mais rápida
para o petróleo.
Cámara Chilena de
Construcción
Apoia o acordo e adverte
que pode permitir uma
interessante expansão do
setor se o trato de esse setor
nos países do Mercosul for
similar ao recebido no
mercado chileno.
Lamenta que os serviços,
como a construção, tenham
sido pouco considerados,
que a engenharia e a
construção estejam
“praticamente excluídos” e
que não se tenha definido
prazos para incorporá-los
Cámara Nacional de
Comercio
Apoia o acordo e a política
de inserção econômica
internacional
SNA
Contrária ao acordo
Mantêm, em síntese, que o
Mercosul afetará
negativamente setores
fundamentais da produção
agrícola, por prejudicar
amplos os setores da
população e comprometer o
futuro produtivo de vastas
zonas do país.
Asociación de Bancos
Assinala que a banca se
encontra em boas condições
de competir com o
Mercosul. Coloca que em
uma segunda etapa deve-se
incorporar ao setor de
serviços, acelerar a
desgravação do patrimônio
histórico e da lista em geral,
evitar desvio de comércio e
materializar a idéia do Chile
como ponte entre a Ásia-
América Latina.
166
Quadro 12 - Posição das principais organizações empresariais frente ao Mercosul, expressada
ante a Comissão Mista do Congresso Nacional do Chile no ano de 1996
(conclusão)
ORGANIZAÇÃO
APOIO
REIVINDICAÇÕES
Asociación de Exportadores
Apoia o acordo. Destaca
efeitos na produção horti-
frutícola e as desvantagens
que haveria existido caso o
acordo não fosse firmado.
Propuseram um programa
complementário para
melhorar a competitividade
exportadora e compensar
custos do acordo,
desburocratizar operações,
limitar efeitos do tipo de
câmbio, entre outros.
ASEXMA
Apoia o acordo e destaca as
vantagens potenciais de não
tê-lo firmado anteriormente.
Corporación de
Exportadores
Apoiou o acordo,
considerando-o positivo
para o país e para as
exportações.
Considerou que o acordo é
passível de aprimoramento
em serviços, solução de
controvérsias e maior
rapidez de/nos prazos de
desgravação.
Instituto Textil Nacional
Apoiou o acordo. Se
mostrou parcialmente
favorável a ele; e
completamente satisfeito
com a gestão negociadora
do governo.
Pede para acelerar as
desgravações tarifárias para
o setor, que se constituiu em
um novo mecanismo de
solução de controvérsias,
que se agilizem os
mecanismos contra a
concorrência desleal.
Quadro 12 - Posição das principais organizações empresariais frente ao Mercosul, expressada
ante a Comissão Mista do Congresso Nacional do Chile no ano de 1996
Fonte: Chile
47
, 1996 (apud ROBLEDO, 1997, p. 198-199).
Até o início de setembro de 1995 a negociação entre o Chile e os países do Mercosul
tinha atingido resultados significativos. Na reunião 4 + 1 (países membros do Mercosul +
governo do Chile) realizada na cidade de Montevidéu, no mês de agosto, o Chile
intercambiou com os países do bloco as listas preliminares de produtos sensíveis e excluídos
47
CHILE. Câmara dos Deputados. Boletim no. 1.891-10. [Santiago de Chile], agosto de 1996 (apud
ROBLEDO, 1997, p. 198-199).
167
do programa de desgravação. Além disso houve um acordo para constituir grupos de trabalho
e comissões para analisar os temas específicos das negociações, e um programa de trabalho
com datas específicas para abordar as diferentes matérias envolvidas no acordo. Finalmente, a
reunião de agosto também definiu critérios possíveis para a multilateralização do patrimônio
histórico - que significava que qualquer preferência tarifária dada pelo Chile a um dos
membros do Mercosul se estenderia aos outros sócios, respeitando-se a maior preferência
vigente. Este mecanismo, sendo adotado em definitivo, permitiria um forte impulso ao
intercâmbio comercial. A lista de produtos sensíveis, de exceção ou de desgravação tarifária
lenta, intercambiadas em Montevidéu, representava apenas 7% de um universo de 7.000
produtos – um mercado muito variado e sem grandes obstruções para a sua viabilização.
Segundo o analista Porras (2003):
[ . . . ] o fato que acabou catalisando a decisão do presidente Eduardo Frei
Ruiz-Tagle de assinar um ACE com o Mercosul está relacionado aos
prejuízos que seriam impostos às exportações chilenas com o
estabelecimento, no ano de 1995, de uma união aduaneira entre os países
deste bloco comercial. Concretamente, isso implicaria na eliminação das
tarifas preferenciais acordadas no tratado da Associação Latino-Americana
de Integração (ALADI). (p. 50-51, tradução nossa).
Desde o início das negociações o governo do Chile visava estabelecer um acordo
abrangente com o Mercosul, que abarcasse todos os aspectos referentes à integração, cujas
principais objetivos são os seguintes: não imposição de limites à liberalização do comércio de
mercadorias; também deveria compreender todos os aspectos da inter-relação econômica com
os países do bloco, incluindo serviços, promoção de investimentos recíprocos, impulso à
integração física, desregulação do serviço de transportes, e mecanismos relacionados à
propriedade intelectual e compras governamentais. Essa era a perspectiva do governo de
Eduardo Frei Ruiz-Tagle no caso de uma eventual firma de um acordo. Isto não implicava na
impossibilidade de ser assinado um acordo inicial de associação antes de 30 de novembro de
168
1995, que tratasse apenas de assuntos comerciais, matérias relativas à integração física e os
temas institucionais (MUÑOZ, 1986).
A proposta de integração ao Mercosul não significou uma mudança na prioridade da
política do Chile em seu objetivo de aderir ao NAFTA – ou um acordo comercial com os
EE.UU. Analistas internacionais chilenos, como Paz Milet (1998, 1999), Heraldo Muñoz
(1986) e Alberto Van Klaveren (2000), argumentam que o fato dos dois primeiros governos
da Concertación não terem conseguido a adesão ao NAFTA, não foi o que motivou o governo
chileno, no ano de 1994, a buscar um acordo com o Mercosul. A proposta de associação feita
pelo governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle, segundo esses analistas, não foi uma solicitação
formal de adesão plena ao Mercosul.
O segundo governo da Concertación tinha por estratégia negociar em várias
frentes simultaneamente, de tal forma que manter conversações com os
representantes do Mercosul não era uma opção excludente ao objetivo do
governo chileno em diversificar os mercados para seus bens de exportação.
(VAN KLAVEREN, 2000, p. 95).
No âmbito latino-americano, foi dada continuidade à aproximação, com ênfase aos
países do Mercosul. A maneira escolhida – um acordo de associação – permitiu contornar os
obstáculos que implicariam no caso de uma incorporação plena do país. Como dito acima, a
inviabilidade de integração plena do Chile era decorrente da existência de notórias diferenças
nas políticas de comércio exterior e, em menor medida, ao tratamento dos Investimentos
Externos Diretos (IED). A postura protecionista do governo do Chile em relação ao setor
agropecuário e de determinadas atividades agro-industriais obstruíram a possibilidade de que
isso ocorresse (WILHELMY; DURÁN, 2003).
No dia 25 de junho de 1996, os representantes do governo do Chile e os representantes
dos países membros do Mercosul assinaram o Acordo de Complementação Econômica
número 35 (ACE-35) após, aproximadamente, dois anos de negociações. O acordo permitiu
169
ao Chile acesso preferencial a um mercado de aproximadamente duzentos milhões de
consumidores. O acordo, que passou a ter validade no dia primeiro de outubro de 1996, previa
o estabelecimento de uma zona de livre-comércio para produtos, capitais e serviços, o que não
implicou na necessidade de adoção da Tarifa Externa Comum (TEC) pelo governo chileno,
obrigatória para os membros plenos do Mercosul. No período de negociação a condição de
membro pleno do bloco era inviável, tendo em vista a política de comércio exterior do Chile,
cuja média da tarifa alfandegária estava muito abaixo da TEC, além do alto grau de
liberalização comercial adotado pelo governo do Chile.
Liberalização Comercial
Programa de desgravação geral de oito
anos. Lista especial de produtos sensíveis,
com três anos. Lista de produtos sensíveis
de dez anos. Lista de produtos de alta
sensibilidade, que serão desgravados de
forma linear entre dez e quinze anos.
Regime de Origem
Regime geral de origem baseado na
mudança de posição alfandegária (salto de
partida), para as importações efetuadas ao
amparo do Programa de Liberalização
Comercial.
Práticas desleais de comércio
Plena aplicabilidade de metidas anti-
dumping e compensatórias de subsídios de
conformidade com suas legislações
nacionais, consistente com o GATT/OMC.
Regime de salva-guardas
Dispõe-se de um regime de Medidas de
Salva-guardas que entrará em vigor em
primeiro de janeiro de 1997.
Quadro 13 - Principais aspectos do acordo Chile-Mercosul
(continua)
170
Quadro 13 - Principais aspectos do acordo Chile-Mercosul
(continuação)
Solução de Controvérsias
Contempla um procedimento de consultas
diretas entre as partes (salto de partida),
para as importações efetuadas com o
amparo do Programa de Liberalização
Comercial.
Valoração aduaneira
O Chile não incluirá novos produtos nem
modificará os mecanismos utilizados em
seu atual sistema de bandas de preços para a
importação de determinados produtos
agrícolas.
Incentivos às exportações
Será intercambiada uma lista dos incentivos
às exportações vigentes, para analisar seu
impacto nos fluxos de comércio recíprocos.
Integração Física
Protocolo de Integração Física para
investimentos em obras de infraestrutura
básica.
Serviços
Foi estabelecido um marco para a
liberalização, expansão e diversificação
progressivas do comércio de serviços.
Transporte
As mercadorias elaboradas no Mercosul ou
no Chile que circulem – com destinos a
terceiros mercados – pelo território da outra
parte, não se aplicará restrições
discriminatórias.
Cooperação científica e tecnológica
Se estimulará o desenvolvimento de ações
conjuntas que permitam executar projetos
de cooperação para a investigação científica
e tecnológica , e efetuar programas de
difundam os progressos alcançados em tais
campos.
171
Quadro 13 - Principais aspectos do acordo Chile-Mercosul
(conclusão)
Administração do acordo
A administração do acordo estará a cargo de
uma Comissão Administrativa integrada
pelo Grupo Mercado Comum do Mercosul e
a Direção Geral de Relações Econômicas
Internacionais (DIRECON).
Outras Matérias
Em matéria de impostos, taxa e outros
tributos internos, as partes se remetem ao
disposto no articulo III do GATT/OMC.
Serão promovidas ações normativas
para disciplinar eventuais práticas anti-
competitivas.
Quadro 13 - Principais aspectos do acordo Chile-Mercosul
Fonte: Milet, Gaspar e Rojas, 1997, p. 39 (tradução nossa).
No período em que o ACE-35 entre o Chile e o Mercosul foi assinado, foram
levantadas as vantagens e desvantagens imediatas para o Chile, como segue o quadro abaixo:
VANTAGENS DESVANTAGENS
Preserva um fluxo comercial que, desde
1990,experimentou um crescimento
considerável. O Mercosul veio a constituir
um dos principais mercados para os
produtos chilenos. Além disso passou a ser
o pólo de maior expansão potencial para a
exportação das manufaturas provenientes do
Chile. De tal modo que, em 1995, 34% do
total das exportações chilenas para o
Mercosul era composta por produtos
industriais. Comparativamente, estes
produtos então representavam somente 12%
das exportações mundiais chilenas.
O impacto em alguns sub-setores da
economia que deveriam se adequar,
especialmente alguns produtos da
agricultura tradicional. Esta deveria se
dinamizar para fazer frente às novas
exigências. Contudo, antes que o acordo
fosse assinado já era consenso que este
processo deveria ser desenvolvido de
qualquer maneira.
Quadro 14 - Análise comparativa dos resultados imediatos do ACE-35 para o Chile
(continua)
172
Quadro 14 - Análise comparativa dos resultados imediatos do ACE-35 para o Chile
(conclusão)
VANTAGENS DESVANTAGENS
Liberalizou um mercado potencial de
duzentos milhões de pessoas, pois em
dezoito anos o comércio entre o Chile e o
Mercosul deverá estar sem tarifas
alfandegárias. Desta maneira
incrementaram-se as preferências
comerciais que o Chile tinha com esse
acordo no marco da ALADI.
Os ingressos fiscais diminuiriam como
conseqüência da queda nas tarifas
alfandegárias.
Elimina restrições para-alfandegárias que
afetavam o comércio chileno
fundamentalmente nos intercâmbios com a
Argentina e Brasil.
A redução das tarifas alfandegárias é um
ponto que gera conseqüências positivas e
negativas, pois, ao ser díspar, ocasiona um
desenvolvimento desigual dos setores
produtivos. Da mesma forma, possibilita um
desvio de comércio, já que os produtores
poderão ter acesso a insumos mais baratos
nos países membros do acordo.
O Chile se consolida como mercado atrativo
para o investimento estrangeiro, pois passou
a oferecer um mercado mais amplo e,
através da integração física e a criação de
corredores bioceânicos, se consolida como
porta de entrada dos produtos de outros
mercados.
A desgravação fixada é de prazo muito
longo, o que implica que os custos serão
percebidos antes dos benefícios. Isto é
notório no caso dos alimentos de consumo
em massa.
Com este acordo gera-se um novo espaço
para produtos que antes o Chile não
comercializava com os países do Mercosul.
A abertura comercial de Brasil e Argentina
permite ao Chile aproveitar certos nichos
comerciais, nos quais possui vantagens
comparativas.
Consolida a presença do Chile no âmbito
latino-americano e acrescenta seu prestígio
como sócio para futuros acordos.
173
Quadro 14 - Análise comparativa dos resultados imediatos do ACE-35 para o Chile
Fonte: Milet, Gaspar e Rojas, 1997, p. 40-41 (tradução nossa).
O acordo com o Mercosul foi resultado da progressiva intensificação do comércio de
bens e serviços do Chile com este bloco durante a década de 1990. O comércio se tornou mais
importante tanto em quantidade quanto em qualidade. Entre os anos de 1990 e 1995, as
exportações chilenas para o Mercosul cresceram a uma taxa anual de 15.2% e as importações
cresceram na média de 19%. Em 1996, 11.4% das exportações chilenas foram para o
Mercosul, enquanto as exportações deste bloco para o Chile representaram 9.4% do total de
importações. Soma-se ainda que o Mercosul importou mais bens de alto valor agregado do
que as outras regiões, exportações que eram de grande relevância para o desenvolvimento da
segunda fase exportadora. Algo em torno de 70% dos investimentos externos do Chile
passaram a ter como destino os países que compõe o Mercosul; analisando a relação entre o
Produto Interno Bruto nacional (PIB) e o nível de investimento, o Chile foi o país que mais
investia no Mercosul no período (INSTITUTO DE RELACIONES EUROPEO-
LATINOAMERICANAS, 1997).
O acordo com o Mercosul selou um compromisso do Chile com a sub-região, que era
considerada pelo governo do país como central na nova aliança estratégica. Essa aliança
visava facilitar a interação do Chile no sistema internacional de forma mais dinâmica e
competitiva, assim como almejava aumentar sua importância e capacidade de negociação vis-
à-vis com os mais importantes blocos internacionais – principalmente a União Européia
48
.
A condição de membro associado, que até então não existia no âmbito do Mercosul,
foi uma maneira de fazer com que se chegasse a um acordo entre o governo chileno e a
secretaria pro-tempore do Mercosul. Naquele período era de suma importância para os
48
Em suas negociações com o Mercosul e Chile os representantes da União Européia sempre buscaram um
contato onde o Chile negociasse em conjunto com o Mercosul, rechaçando uma negociação bilateral exclusiva
com este país (INSTITUTO DE RELACIONES EUROPEO-LATINOAMERICANAS, 1997).
174
governos do Brasil e da Argentina ter o Chile como membro do bloco, ainda que numa
condição parcial. Foi um momento em que, devido às investidas no governo dos EE.UU. para
criar uma zona de livre comércio incluindo todos os países latino-americanos, o Mercosul
tinha a necessidade de abarcar mais sócios para aumentar seu poder de barganha frente ao
projeto da ALCA. É importante salientar que para o governo da Concertación não havia
nenhum problema ou entrave em negociar ao mesmo tempo a adesão como membro pleno do
Mercosul e uma possível associação ao NAFTA – ou um acordo de livre-comércio com os
EE.UU. Contudo, a percepção dos demais membros do Mercosul era bem distinta,
principalmente a brasileira; relacionada a uma interpretação onde o governo chileno era tido
como oportunista. O aceite dos representantes do Mercosul decorreu da certeza de que não
haveria outra maneira de contornar o impasse a que haviam chegado as negociações de
adesão. O Chile continuou mantendo uma postura de grande reticência relacionada à
viabilidade do Mercosul.
5.3 Crise Asiática e seu Reflexo na Política Externa Chilena
A interrupção do crescimento econômico do Chile, produto da crise que teve início no
começo do ano de 1998, no Sudeste Asiático – e que teve seus reflexos em todo o mundo -
levou a um aumento da preocupação do governo da Concertación e dos setores da economia
voltados para o comércio exterior, relacionada à temporalidade da estagnação econômica. O
principal desafio da dinâmica exportadora persistiu, devido à pauta de bens de exportação
estar concentrada em recursos naturais e de seus produtos derivados, o que determinou maior
vulnerabilidade na demanda, pela concentração em poucos setores, a instabilidade de seus
175
preços no mercado internacional e as possibilidades limitadas de crescimento sustentável
deste tipo de bem (SILVA, V., 2001).
A crise financeira internacional determinou fortes quedas de preços dos principais
produtos de exportação chilenos, uma média de 18% e, no caso do cobre, mais de 25% em
1998. Conseqüentemente, as exportações chilenas de bens sofreram uma queda superior a
10%, enquanto os termos de intercâmbio, foram reduzidos em 14%. O saldo comercial
negativo ultrapassou os 60% quando comparado ao ano de 1997 e, pela primeira vez desde
1985, o intercâmbio comercial diminui em relação ao ano anterior. Em 1999 a queda dos
preços de exportação foi um pouco menor (-7%), o cobre e os termos de intercâmbio
apresentaram uma queda similar. Por outro lado, as exportações mostraram um incremento
em torno de 5%, sem chegar a recuperar os níveis de 1997. O saldo comercial tornou-se
positivo, impulsionado por uma forte queda das importações em torno de 20%, enquanto o
intercâmbio comercial seguiu diminuindo (SILVA, V., 2001, p. 16). A vulnerabilidade que
esses dados revelam é mais facilmente explicável pela concentração em produtos e mercados
que caracteriza a estrutura exportadora do Chile. Em 1999 a recuperação foi resultado de um
forte aumento das exportações para o NAFTA, de cerca de 20%, e a uma recuperação
significativa das exportações para os países asiáticos (SILVA, V., 2001).
As exportações para os países que possuíam acordos com o Chile, em
especial, os da região, apresentaram uma situação mais matizada em 1998, já
que enquanto as exportações para o Mercosul caíram, aquelas voltadas para
a Comunidade Andina apresentaram um aumento. No ano de 1999 a situação
era radicalmente distinta em relação ao ano anterior, a recuperação
apresentada pelo conjunto das exportações se contrapõe a uma queda
significativa dos destinos latino-americanos (exceto México), cerca de 7%, e
particularmente aqueles destinados à Comunidade Andina. Em seu conjunto,
este comportamento pode-se entender pelo deficitário crescimento das
economias da região (0,4% média do ano de 1999), e as quedas muito
significativas do produto em vários dos países com os que o Chile têm
acordo. (SILVA, V., 2001, p. 17, tradução nossa).
176
Atendo-se especificamente às relações do Chile com o Mercosul, pode-se afirmar que
a crise asiática e a estagnação econômica apresentada pelos países latino-americanos, foram
fatores importantes para o arrefecimento do intercâmbio comercial e, como resultado direto, a
obstrução nas relações com o Mercosul.
5.4 Balanço da Política Externa do Governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle para o
Mercosul
O governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle teve como uma de suas características
principais a ênfase na aproximação com os países latino-americanos. Foi uma posição que
teve início a partir da elaboração de seu programa de campanha presidencial, quando o então
candidato se aproximou dos setores que defendiam uma política externa com ênfase na
América Latina. Em momento nenhum se tratou de uma posição excludente, as negociações
em vários âmbitos, e com diferentes países e blocos regionais foram mantidas, característica
marcante nos dois governos da Concertación analisados neste trabalho.
Ao propor negociar com o Mercosul, então o principal objetivo de governo nas
relações com a América Latina, o papel do governo teve características que diferiam
significativamente da posição do governo de Patricio Aylwin em relação com o bloco sub-
regional do Cone Sul. Patricio Aylwin, mesmo mantendo negociações com todas as regiões
do mundo, estabeleceu a meta de um acordo com os EE.UU. No governo de Eduardo Frei-
Ruiz Tagle, inicialmente, foi dada prioridade ao acordo com o NAFTA. Devido às
dificuldades que surgiram para consumar a adesão ao bloco da América do Norte, o governo
de Eduardo Frei Ruiz-Tagle voltou suas atenções para o Mercosul e, mesmo diante de um
177
cenário desfavorável, devido às diferenças de política comercial do Chile em relação aos
países que conformam o Mercosul. Houve um grande esforço por parte do governo chileno e
dos representantes do Mercosul para que se chegasse a um acordo; mesmo que este fosse
muito distante do que havia sido idealizado.
Outros acontecimentos internacionais, próximos ou não às relações do Chile com o
Mercosul, tiveram importância significativa e, por tal motivo, foram abordados. Referente às
relações Chile-Mercosul, pode-se colocar a desvalorização do Real (1999), a moeda
brasileira, como sendo o início da crise no Mercosul e que repercutiu nas relações comerciais
com o Chile. Os governos de Brasil e Argentina, após o período de estabilização econômica,
mantiveram as suas respectivas moedas sobre-valorizadas, o que resultou na falta de
competitividade econômica ante as demais regiões do mundo. A crise intra-bloco levou a um
arrefecimento nas relações com o governo do Chile, devido, principalmente, ao grande fluxo
comercial deste país com a Argentina.
Também se deve ter em conta a opção do governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle por um
incremento nas relações com os países do Sudeste Asiático, com ênfase na Apec. O Japão foi
um importante sócio nas negociações do Chile com a região, pois era o país que respondia por
quase metade do que era exportado para a Ásia no período. Após a firma de um acordo
comercial com o Canadá, e o incremento no ALC já existente com o México, o governo de
Eduardo Frei Ruiz-Tagle se aproximou ainda mais de um eventual acordo com o governo dos
EE.UU. O que só veio acorrer posteriormente, no período em que Ricardo Lagos ocupava o
cargo de presidente da República do Chile.
A detenção do Senador Vitalício Augusto Pinochet foi um desafio para o governo de
Eduardo Frei Ruiz-Tagle. A política exterior para os novos tempos, esteve voltada à
manutenção do processo de internacionalização da economia chilena, gerando alianças e
acordos que assegurassem uma adequada inserção. O constrangimento envolvendo o governo
178
do Chile, da Espanha e da Grã-Bretanha, não só abalou a sensível ordem Institucional chilena,
como suscitou um acalorado debate em âmbito internacional, envolvendo especialistas em
Direito Internacional, que tratavam da legitimidade do ocorrido. A questão só chegou a uma
resolução quando ao final do governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle, com o retorno de Augusto
Pinochet para o Chile.
As principais deficiências deste governo se encontraram no âmbito da inserção política
internacional. Isto ficou evidente durante o caso Pinochet, em que não foi possível para o
governo chileno exercer uma maior pressão sobre os governos da Espanha e Grã-Bretanha.
Também houve um déficit na criação de espaços para que a sociedade civil pudesse participar
na elaboração da política exterior do país. Isso foi conseqüência, em grande parte, de uma
política que careceu de diálogo na transmissão dos resultados de suas negociações com países
e blocos, como a associação ao Mercosul ou a participação ativa na Apec.
DATA ACONTECIMENTO OBSERVAÇÕES
Março: assume a presidência da República do Chile
Eduardo Frei Ruiz-Tagle, candidato da Concertación.
Assinado o Protocolo de Ouro Preto, que modifica
parcialmente o Tratado de Assunção e dá personalidade
jurídica internacional ao Mercosul.
1994
Novembro: parlamento adota por unanimidade a Ata Final
da Rodada Uruguai, do GATT.
Novembro: o Chile torna efetivo o ingresso ao Foro de
Cooperação da Ásia-Pacífico (APEC).
Dezembro: cúpula das Américas na cidade de Miami, nos
EE. UU. Têm início as negociações para a criação da
ALCA.
Dezembro: os presidentes do Chile, EE. UU., México, e
Primeiro Ministro do Canadá anunciaram a decisão de
iniciar o processo de incorporação do Chile ao NAFTA (ou
TLCAN).
Quadro 15 - Cronologia das Relações Econômicas Internacionais do Governo de Eduardo
Frei Ruiz-Tagle (1994-2000)
(continua)
179
Quadro 15 - Cronologia das Relações Econômicas Internacionais do Governo de Eduardo
Frei Ruiz-Tagle (1994-2000)
(continuação)
DATA ACONTECIMENTO OBSERVAÇÕES
Dezembro: assinatura do ACE-32 com o Equador.
1994
Janeiro: Entra em vigor o ACE-32. É criada a
Organização Mundial do Comércio (OMC), sucessora do
GATT.
Resultado do incremento
das relações com os
países da região,
principalmente com o
Japão, então o maior
mercado do Sudeste
Asiático para o Chile.
1995
Entrada em vigor, no dia 1 de janeiro, da União Aduaneira
(em implementação) do Mercosul.
Encontro dos presidentes do Cone Sul em Brasília, no dia
2 de janeiro: Bolívia e Chile começam a negociar sua
associação ao Mercosul, capacitando-se a participar como
observadores nas instâncias técnicas do Mercosul.
Têm início as negociações para a associação do Chile ao
Mercosul.
Têm início as negociações com o Peru para estabelecer um
ACE.
Negociação de um aprofundamento do ACE-22 vigente
com a Bolívia.
Governo do Chile inicia a criação de equipes de
negociação para tratar da firma de um TLC com os
EE.UU.
Segundo semestre: Administração Clinton não obtêm o
fast track, e as negociações de um TLC com o Chile são
paralizadas.
O governo cria o Comitê Interministerial de Negociações
Econômicas Internacionais.
Reforçando o projeto de
1992.
180
Quadro 15 - Cronologia das Relações Econômicas Internacionais do Governo de Eduardo
Frei Ruiz-Tagle (1994-2000)
(continuação)
DATA ACONTECIMENTO OBSERVAÇÕES
Novembro: entra em vigor o Acordo de Complementação
Econômica com o Mercosul (ACE-35).
1996
Continua a negociação de um ACE com o Peru e para o
aprofundamento do ACE com a Bolívia (ACE-32).
Junho: Culminam as negociações em torno de um Acordo
Marco de Cooperação entra a União Européia e a
República do Chile.
O Congresso dos Estados Unidos nega autorização para o
Executivo negociar, chamada fast track, o ingresso do
Chile no NAFTA, o que leva esse país a se aproximar mais
do Mercosul.
Julho: Entrada em vigor do TLC com o Canadá.
1997
Continuam as negociações com a Bolívia e o Peru.
Início das negociações para avançar de um ACE-17 para
um TLC com o México.
Julho:Assinatura e entrada em vigor do ACE-38 com o
Peru.
Tem início a negociação de um ACE com Cuba e um TLC
com os países da América Central.
Abril: II Cúpula das Américas em Santiago, no Chile.
Início das negociações da ALCA.
1998
Novembro: É aprovada a lei 19.589, que define um
programa de baixa na tarifa alfandegária de um ponto
percentual por ano, de 1999 até 2003, baixando a média de
11% para 6%.
181
Quadro 15 - Cronologia das Relações Econômicas Internacionais do Governo de Eduardo
Frei Ruiz-Tagle (1994-2000)
(conclusão)
DATA ACONTECIMENTO OBSERVAÇÕES
Maio: Nova Lei sobre salva-guardas (sobre as taxas
alfandegárias no caso de um aumento de importações que
ameacem algum setor produtivo do Chile).
Limita a aplicação desta
medida para além do que
é permitido pela OMC.
Agosto: Entra em vigor o TLC com o México.
1999
Novembro: Firma de um TLC com os países da América
Central.
Dezembro: Firma de um ACE com Cuba.
Continuidade nas negociações da ALCA.
Quadro 15 - Cronologia das Relações Econômicas Internacionais do Governo de Eduardo
Frei Ruiz-Tagle (1994-2000)
Fonte: Ceppi, 2005, p. 113-115 (tradução nossa).
182
6 CONCLUSÃO
Dentre os objetivos dessa pesquisa, buscou-se, principalmente, explicar porque o Chile
não aderiu como membro pleno do Mercosul no decorrer da década de 1990. Com esse
objetivo, deu-se ênfase à política interna do país, à sua história recente e quais os atores
internos que influenciaram na formulação da política externa do Chile (1990-2000) – no caso,
a coalizão de partidos políticos que esteve no poder durante este período, a Concertación; os
setores de pressão que atuaram na priorização da agenda internacional do país, representados
pelas agremiações empresariais CNC, SOFOFA, ASEXMA, SNA; e os tecnocratas, mais
conhecidos como Chicago Boys, que implementaram um modelo de política econômica no
Chile que mudou completamente a estrutura econômica e social do país.
Através de um retrospecto histórico, pôde-se observar que houve uma mudança radical
no Chile em seu sistema político e econômico, marcado pelo ideário neoliberal. Essa política
econômica permaneceu após a redemocratização do país, e a ela foram dadas novas
características, como uma maneira de responder às necessidades prementes na formulação da
política exterior chilena, marcada fortemente pelo aspecto econômico-comercial, tendo em
vista o alto grau de abertura da economia chilena. De tal forma que, no início da década de
1990, no governo de Patricio Aylwin, é aplicado o conceito de regionalismo aberto. Conceito
formulado pela CEPAL, visa priorizar os principais mercados para os bens de exportação
chilenos, com o objetivo de conciliar a integração regional sem, contudo, imiscuir outras
possibilidades em nível internacional.
183
O viés neoliberal está imbuído na concepção de inserção internacional, com forte
proximidade aos aspectos comerciais, relacionados diretamente ao grau de participação na
economia internacional – economia internacionalizada e fortemente dependente deste
comércio.
Dentro desse contexto, o recém-formado bloco do Cone Sul, não esteve entre as
prioridades da política externa governo do Chile, devido, principalmente, à baixa
complementaridade das economias dessa região com a economia chilena. Outro fator
importante foi a instabilidade macroeconômica, no início da década de 1990, apresentadas
pelos principais sócios do Mercosul, no caso, Brasil e Argentina.
No primeiro governo da Concertación, o mercado norte-americano foi o principal
objetivo da política exterior do Chile, que visava estabelecer um acordo comercial com os
EE.UU., ou fazer parte das negociações para a criação do NAFTA. Mas a política externa do
Chile não se ateve apenas ao mercado norte-americano. No governo de Patricio Aylwin
também deu-se prioridade às demais regiões do mundo – como a Europa Ocidental (UE) e
Sudeste Asiático (Apec) -, caracterizada pelo grande dinamismo na negociação e firma de
acordos comerciais com países e blocos regionais.
A política exterior da Concertación não se ateve somente aos aspectos econômico-
comerciais, também buscou ter um papel afirmativo na defesa dos valores democráticos como
forma de dar legitimidade internacional à redemocratização do Chile. Esse foi um ponto em
que o primeiro governo da Concertación encontrou apoio na região, e procurou se aproximar
de seus vizinhos latino-americanos. Pôde-se observar também um alto grau de ativismo ante
órgãos multilaterais, como a OMC e a ONU.
O primeiro governo da Concertación termina com um saldo positivo, seja no âmbito
econômico-comercial ou no político-diplomático. Houve, durante todo esse período (1990-
1994), um dilema que permaneceu até o fim desse governo, concernente a priorizar as
184
negociações com a América Latina ou a América do Norte. O então presidente, Patricio
Aylwin, chegou ao final de seu mandato sem conseguir a firma de um acordo comercial com
os EE. UU., mas ainda existia uma remota possibilidade de adesão ao NAFTA – ponto que
ficou em aberto e foi retomado no governo seguinte.
Eduardo Frei Ruiz-Talge inicia seu mandato de Presidente do Chile com mudanças
significativas nas relações exteriores do país. A busca por uma maior aproximação ao
mercado norte-americano se evidenciou com a firma de um acordo comercial com o Canadá e
o incremento no acordo firmado com o México. Foi um governo que pôs fim ao dilema entre
as opções acima citadas. O principal objetivo nas relações com a América Latina foi o início
das negociações para a adesão do Chile como membro pleno do Mercosul. A negociação foi
muito difícil, devido às prerrogativas que o Chile teria de assumir na condição de membro
pleno. As negociações, que tiveram início no ano de 1994, chegaram a um impasse no ano de
1996 – principalmente na questão relativa à TEC, acima da média da tarifa alfandegária
chilena. Foi um momento em que os representantes do Mercosul precisavam de um acordo de
adesão do Chile, fosse ele integral ou parcial, na busca de afirmação do Mercosul como bloco
regional viável ante o projeto norte-americano da ALCA.
No período analisado a política de exterior do Chile não priorizou somente as
negociações em âmbito bilateral, mas sim buscou uma forma de negociar em várias frentes, e
foi bem-sucedida. A dificuldade especificamente relacionada às negociações com o Mercosul
diz respeito à forma de negociação 4+1, que gerou divergência entre as distintas
representações dos países que conformam o bloco, resultando numa dificuldade de encontrar
uma forma para estabelecer uma posição consensual ante os representantes do governo
chileno.
O Acordo de Complementação Econômica número 35 (ACE-35), firmado entre o
Chile e os países membros do Mercosul, no ano de 1996, foi a única alternativa viável para
185
que se chegasse a um acordo entre as partes. Tal fato não implicou numa ruptura da sintonia
existente entre as políticas externas do Chile e dos EE. UU. O Chile participou ativamente da
Iniciativa para as Américas, chegando a ser sede de uma reunião no ano de 1998. Outro
objetivo de grande importância para o governo de Eduardo Frei Ruiz-Tagle, foi a
aproximação à Apec, devido ao incremento do comércio entre o Chile e os países do Sudeste
Asiático, como também a posição geoestratégica de ligação entre o Cone Sul e a Ásia.
A posição do governo chileno foi – e continua sendo – a de que só haverá um aumento
significativo na integração com o Mercosul, quando a TEC chegar aos mesmos níveis da
média da tarifa alfandegária chilena. O Mercosul permaneceu com crises internas que até o
final do período analisado não foram resolvidas, além das decisões por parte dos governos dos
países partícipes que inviabilizaram um incremento nas relações tanto intra-bloco como
também com o Chile. Um ponto onde não há consenso refere-se ao caráter político outorgado
ao Mercosul por parte do governo do Brasil, enquanto a postura dos subseqüentes governos
chilenos da Concertación aqui analisados apresentou as seguintes características:
pragmatismo e ênfase às questões econômico-comerciais; uma opção de proximidade ao
projeto de integração norte-americano (ALCA); e a busca por manter a liberdade de negociar
individualmente, sem ficar preso às diretrizes do Mercosul.
A Tarifa Externa Comum se configurou no maior obstáculo para a plena adesão do
Chile ao bloco, porém, não foi o único. Existiu entre setores os da sociedade chilena – público
e privado – forte oposição à associação do Chile ao bloco, caracterizado pelos atores chilenos
como contendo um forte componente político, além da busca de liberalização comercial,
como o próprio nome já diz, o bloco do Cone Sul visa alcançar o status de mercado comum, o
que foi interpretado como um entrave nas negociações que o governo do Chile poderia iniciar
com um terceiros. O setor agrícola, o mais protecionista da sociedade chilena, temia a
concorrência dos bens produzidos pelos países do Mercosul. Membros do governo,
186
principalmente os ligados ao Ministério da Fazenda, eram contrários devido à instabilidade
das economias de Brasil e Argentina.
Chega-se à conclusão de que as relações entre Chile e Mercosul, durante o período que
vai de março de 1990 à março de 2000 -, foi marcado por avanços e retrocessos, tornando a
adesão do Chile como membro pleno uma questão que ficou em aberto. Dentre os fatores que
mais influenciaram nesse panorama, ao final da década de 1990, figura-se a queda nas
transações econômicas internacionais, que afetaram as relações do Chile com o Mercosul. A
crise do Sudeste Asiático teve forte influência para a queda no crescimento econômico do
Chile e, no âmbito do Mercosul, a desvalorização do Real, moeda brasileira, e a repercussão
que esta medida teve entre os países do bloco, levaram a um período de estagnação e declínio
do comércio entre Chile e Mercosul.
O que se pode sugerir como continuidade à pesquisa que aqui foi elaborada é a análise
mais acurada da estratégia de inserção internacional chilena frente não só aos seus parceiros
das Américas, mas para as demais regiões do mundo. A política externa chilena do período da
Concertación apresentou características singulares e de grande riqueza empírica no trato de
suas relações exteriores, seja no âmbito econômico-comercial ou no político-diplomático. É,
sem dúvida nenhuma, uma contribuição para melhor compreender as relações exteriores entre
os países da América Latina e as distintas percepções que os mesmos têm da realidade
internacional.
187
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