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colapso do Campo Soviético e o fim da Guerra Fria aprofundaram ainda mais tais
tendências no início dos anos 90. A ausência de um inimigo externo permitiu o
aprofundamento da globalização, o triunfalismo do discurso neoliberal e o refluxo
das forças politicamente de esquerda. ... O capitalismo neoliberal triunfante passou
do discurso antiestatalista libertador à prática explícita da redução de salários,
eliminação de postos de trabalho e esmagamento de direitos sociais conquistados
com imensos sacrifícios ao longo de mais de um século.
60
Para Kuntz, a metamorfose dos mercados e a reforma do Estado são as palavras de
ordem da reconstrução do capitalismo, o que acarreta, com a globalização neoliberal, o
enfraquecimento do poder dos Estados nacionais de se auto-governarem apenas baseados nas
suas premissas internas, havendo cada vez mais a ingerência de fatores externos.
61
A noção moderna de Estado, fundada na soberania, evidencia, inegavelmente, uma
crise que modifica o panorama do próprio conceito de Estado
62
. A nosso ver, todavia, embora
essa crise seja geral, ou seja, afete os Estados nacionais em todo o planeta, não é simétrica.
60
VIZENTINI, Paulo G. Fagundes, A “globalização”..., cit., p. 46. Em sentido semelhante, afirma Uriarte “Más
allá de sus diversos aspectos y manifestaciones – cuya variedad la convierten en um fenômeno complejo,
multifacético y dinâmico-, la globalización, puede ser reducida, en su mas intima esencia, a la expansión y
profundización de la economia capitalista y de sus postulados teóricos, tales como libre competencia, mercado,
libre cambio, incremento de exportaciones, etc. La caducidad del mundo bipolar que había caracterizado a la
mayor parte del siglo XX, acelero e intensifico aquella expansión, a la vez que entronizo, sobre todo en el
terreno econômico, el pensamiento único o hegemóico: el neoconservadorismo, neoclasicismo o
neoliberalismo, originario de los años 30 y 40, ahora es desempolvado e instalado como verdad revelada,
probablemente proque ya no parece (tan) necessario mitigar los aspectos más inequitativos del capitalismo.”
URIARTE, Oscar Ermida. Globalización y relaciones laborales. Disponível em
http://www.mundodeltrabajo.org.ar, p. 1.
61
FARIA, José Eduardo e KUNTZ, Rolf. Qual o futuro dos Direitos? Estado, mercado e justiça na reestruturação
capitalista. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 42-43.
62
Aliás, a crise conceitual é apenas uma das crises do Estado. Morais é um dos autores que enfrentam a questão
das crises do Estado. Segundo o autor, devemos ter presente a profunda crise em que se encontra o Estado na
contemporaneidade, o que se agravou por um profundo rearranjo econômico e tecnológico que colocou em
xeque as estruturas tradicionais do Estado em sua visão territorial soberana. Com efeito, o processo de
globalização neoliberal, com um capitalismo financeiro, facilitado pelos avanços tecnológicos (comunicação,
transporte, energia, robótica), foge aos esquemas territoriais e abala profundamente a concepção de soberania
do Estado. Assim, o autor divide a crise do Estado, para efeitos meramente analíticos e críticos, visto que estão
profundamente entrelaçadas, em: conceitual, estrutural, institucional, funcional e política. Quanto à crise
conceitual, que mais de perto nos interessa aqui, o autor afirma que a crise conceitual do Estado se apresenta
pela percepção de que o conceito de Estado foi construído em torno da soberania política (poder) territorial em
relação a uma determinada população; de uma separação rígida entre público e privado; da prevalência do
poder estatal soberano em nível interno e da autodeterminação estatal em nível externo. Todavia, ocorre que o
que se vê hoje é um esfacelamento dessas características conceituais, em virtude de uma hiper-complexidade
social, que não permite respostas a partir da noção rígida de Estado. Assim, pode-se dizer que: a) a soberania,
em seus aspectos interno e externo, é abalada pela configuração de espaços, de centros de poder, supra-
nacionais (comunidades supra-nacionais – União Européia, MERCOSUL, organizações não-governamentais,
organizações internacionais – ONU) e por uma autonomização radical dos organismos econômicos (mega
empresas transnacionais que detém poder econômico superior a muitos Estados – neocapitalismo) que não
dependem na mesma medida do poder estatal; b) a separação rígida entre público e privado é defasada diante
do aparecimento de relações sociais marcadas pelo pluralismo político-social; c) na formação de centros de
poder alternativos, que tomam decisões sem passar pelas estruturas estatais; d) no reconhecimento de direitos
humanos fundamentais, que implicam o respeito e promoção por todos, impondo o seu respeito, como critério
de legitimidade, por parte do próprio Estado. MORAIS, José Luis Bolzan de, As crises ..., op. cit., p. 16.