Download PDF
ads:
Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Centro de Educação e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
Gustavo Tentoni Dias
Cultura, Política e Alfabetização no Brasil: A “Segunda
Campanha de Nacionalização” do ensino (1938-1945).
São Carlos – São Paulo
Junho de 2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Gustavo Tentoni Dias
Cultura, Política e Alfabetização no Brasil: A “Segunda
Campanha de Nacionalização” do ensino (1938-1945).
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais, da Universidade Federal de São
Carlos, como parte dos requisitos exigidos
para a obtenção do título de Mestre em
Ciências Sociais.
Orientador: Prof°. Dr. Marco Antônio Villa
São Carlos – São Paulo
Junho de 2006
ads:
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
D541cp
Dias, Gustavo Tentoni.
Cultura, política e alfabetização no Brasil: a ‘Segunda
Campanha de Nacionalização’ do ensino (1938-1945) /
Gustavo Tentoni Dias. -- São Carlos : UFSCar, 2006.
219 p.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2006.
1. Sociologia educacional. 2. Estado nacional. 3.
Nacionalismo. 4. Brasil – história – Estado Novo, 1937-1945.
5. Teuto-brasileiro. I. Título.
CDD: 370.19 (20
a
)
~
!
!
J<".'"
BANCA EXAMINADORA DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DE
~ ÚUJ.D- fiento.ni;o~
28/06/2006
~. J, li
Prot. Or.MarcoAntonioVilla
Orientadore Presidente
UniversidadeFederalde São Carlos/UFSCar
~.1Ar~
Prat. Or.FernandoAntonio Farias de Azevedo
UniversidadeFederalde São Carlos/UFSCar
~G~~
Prota. Ora.Tania Regina de Luca
Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho"/UNESP
J,
edico este estudo às cidades
catarinenses de Presidente Getúlio e
de Ibirama, que através de seus singulares
moradores contribuíram e contribuem para a
formação cultural do
Brasil.
D
Agradecimentos
– Á minha querida companheira Tânia, pessoa atenciosa e perfeccionista que me
acompanhou ao longo destes dois anos de Mestrado com um terno sorriso no rosto.
– Aos meus pais, Luis e Lourdes, por todos estes anos de grande amizade e
cumplicidade que passamos juntos e pelos próximos anos que virão; agradeço, também,
pela educação humanística despendida em minha formação e por me ensinarem a sentir
amor e satisfação pelo exercício da leitura.
– Aos meus dois grandes amigos e irmãos, Fernando e Thiago, pela fidelidade
incondicional que demonstram a mim e pelas mãos amigas, sempre prontas para me
ajudar. Não poderia esquecer de agradecer, ainda, os ensinamentos valiosos que ambos
me passaram sobre as Ciências Exatas.
– Aos meus primos, Raquel, Macel, Amanda e Rodrigo, e minha tia, Cristina, que
foram fundamentais para o início desta longa caminhada.
– Aos amigos Emerson, Édson, Alessandro e Diogo pela boa companhia que me
proporcionaram ao longo dos 8 anos que vivi em Araraquara e pelos momentos
divertidos de improvisos e até de pobreza que passamos juntos.
– Ás amigas Patrícia, Maria Carolina e Rafaela pela atenção dedicada a correção
formal do estudo, pelo incentivo nas horas difíceis e pela amizade afetuosa.
– Á Sra. Ruth Gutz pela atenção e bom humor despendidos ao meu estudo. E,
principalmente, por ter me apresentado a sua interessante história pessoal que se
confunde com a História de Presidente Getúlio.
– À Fabiana Cabral e ao Sr. Osnir Cucco pela simpatia e hospitalidade oferecidas a
mim, durante o trabalho de campo realizado em Presidente Getúlio.
– Ao Sr. Ernst Carl Hoppe e sua simpática esposa Carlotta Hoppe, à Sra. Eleonora
Kaestner e à Sra. Marta Joenk por terem me dado a oportunidade de conhecer a
singular História de Presidente Getúlio e Ibirama, através de depoimentos pessoais
marcados por riqueza de detalhes, afetuosidade e, principalmente, muito conhecimento.
– Às eficientes funcionárias do Arquivo Histórico de Ibirama, que além de terem
despendido uma grande atenção, com grande dose de bom humor, às minhas perguntas
e pedidos, permitiram com que eu pudesse ter acesso à orgulhosa História de Ibirama.
– Ao Sr. Harry Wiese, estudioso dedicado ao resgate histórico da antiga colônia de
Hamônia que além de me conceder uma importante entrevista, possibilitou-me conhecer
a fundo a História de Presidente Getúlio.
– Ao Orientador, Prof. Dr. Marco Antônio Villa, pela confiança, liberdade, paciência
e grande contribuição na realização deste estudo.
– Á colega de mestrado, Fernanda Xavier, pela generosa ajuda despendida na
formulação da 2° Seção.
–Às secretárias do Departamento de Ciências Sociais, Ana e Ana Virginia, pela
dedicação e pelo zelo despendido a mim, no que compete aos assuntos burocráticos da
Academia.
– Á Banca Examinadora pelo convite aceito e pela leitura atenciosa dedicada ao meu
estudo.
–Á Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo) pelo apoio
financeiro e pelos pareceristas que foram de grande utilidade.
– Sabe o que sonhei? – perguntou Pablo
– Não.
– Sonhei que era uma pena.
“E pensa”, refletiu Mathieu. Indagou:
– E o que é que você fazia quando era pena?
– Nada.. Dormia.
Jean-Paul Sartre, Idade da Razão (1972).
Resumo
Esta Dissertação tem como objetivo refletir sobre a política educacional
realizada durante o período do Estado Novo (1937-1945) junto aos grupos étnicos teuto-
brasileiros localizados no estado de Santa Catarina, a qual ficou conhecida como
“Segunda Campanha de Nacionalização” do ensino. Pretende-se compreender de que
forma esta medida pedagógica governamental visava utilizar a difusão de escolas
primárias, custeadas pelos governos federal e estadual, entre as cidades teuto-brasileiras,
como um veículo de propaganda dos ideais nacionalistas apregoados pelo Estado
brasileiro. Sobre essa premissa, propõe-se investigar se as preocupações do governo
tinham relação com uma possível fragmentação territorial, pois acusava que nas regiões
sulistas havia uma fraca presença da cultura nacional, ou se pretendia erradicar qualquer
traço cultural deste grupo étnico que pudesse comprometer o país com idéias nazi-
fascistas. Para dar corpo a essa indagação, a pesquisa recorreu ao estudo de documentos
e decretos-leis criados durante a gestão Vargas, além de uma bibliografia previamente
selecionada e a entrevistas com estudiosos e “nativos” do período histórico investigado.
Palavras-Chaves: Estado-Novo, Teuto-brasileiros, nacionalismo, Estado-Nação.
Abstract
This dissertation provides a reflection about the educational politics that aimed
at the teuton-brazilian ethnic group of Santa Catarina, during the period called Estado
Novo (1938- 1945), which became known as “The Second Nationalization Campaign”
of teaching. It is claimed that this governmental pedagogic attitude aspired the diffusion
of the primary school, which were supported by the state and the federal government,
throughout the teuto-brazilian cities, as if it were a vehicle that advertised the nationalist
ideals defended by the Brazilian State. Thus, this work investigate the fact that the
government concerns were related to a possible territorial fragmentation, seeing that,
according to the government, there was a fragile presence of national culture in the
south of Brasil or it may me related to a trial to eradicate any cultural trace of the
referred ethnical group that could endanger the country with nazi-facist idealisms. To
support this argumentation, this dissertation searched for documents and decrees created
at the time of Vargas government, besides studyng a bibliography which was previously
selected and studying interviews collected from students and locals of the investigated
period and place.
Key-words: Estado Novo, Teuton-brazilian, nationalism, Nation-State
INTRODUÇÃO.............................................................................................................02
SEÇÃO 1 – A Formação Cultural e Social do grupo Teuto-brasileiro....................11
1.1. A formação étnica dos teuto-brasileiros.................................................................11
1.1.1. Deutschtum ou jus sanguinis ..............................................................................11
1.1.2. Brasilianertum ou jus solis..................................................................................14
1.2. Os elementos culturais do Deutschtum e sua transformação para o
Deutschbrasilianertum................................................................................................... 17
1.2.1. A Língua Materna ou “die Muttersprache”.........................................................17
1.2.2. A terra natal ou “das Heimat”.............................................................................21
1.2.3. As Associações recreativas ou “die Vereine”......................................................23
1.2.4. A Igreja Protestante ou “die Kirche”...................................................................29
1.2.5. As escolas Teuto-brasileiros ou “die Deutschbraslienertum Schulen”...............36
1.2.5.1. As Escolas comunitárias ou “die Gemeindenschulen”.....................................37
1.2.5.2. A participação religiosa nas escolas teuto-brasileiras......................................42
1.2.5.3. A influência do II Reich nas escolas teuto-brasileiras......................................45
SEÇÃO 2 – A formação cultural e política da Segunda Campanha de
Nacionalização do ensino..............................................................................................62
2.1. Breve histórico do surgimento do governo Vargas................................................62
2.2. Projeto político cultural..........................................................................................67
2.3. O Plano Nacional de Educação..............................................................................75
2.3.1. A Lei Orgânica do Ensino Secundário..............................................................100
2.3.2. A Comissão Nacional do Ensino Primário e a Lei Orgânica do Ensino
Primário.........................................................................................................................104
SEÇÃO 3 – A Segunda Campanha de Nacionalização do ensino nas escolas
sulistas...........................................................................................................................113
3.1. A demonstração sobre a necessidade de nacionalizar as escolas teuto-brasileiras
sulistas...........................................................................................................................113
3.1.1. A Inspetoria Geral de Escolas Particulares e Nacionalização do Ensino..........131
3.1.2. A Liga Pró-Língua Nacional.............................................................................135
3.2. O processo de nacionalização da cultura teuto-brasileira para além da escola....144
3.2.1. As associações recreativas ................................................................................153
3.2.2. A imprensa teuto-brasileira...............................................................................159
3.2.3. A consciência coletiva e a vigilância punitiva dos inspetores de bairro...........163
3.3.4. Os problemas causados pela declaração de guerra do Brasil à Alemanha, em
1942...............................................................................................................................165
SEÇÃO 4 – Conclusão.................................................................................................174
SEÇÃO 5 – Anexos .....................................................................................................179
5.1. Decreto-lei n° 35 de 13 de janeiro de 1938..........................................................179
5.2. Decreto-lei n° 88 de 31 de março de 1938...........................................................180
5.3. Decreto-lei n° 124 de 18 de junho de 1938..........................................................188
5.4. Decreto-lei n° 142 de 20 de julho de 1938...........................................................190
5.5. Decreto-lei n° 301 de 24 de fevereiro de 1939.....................................................192
SEÇÃO 6 – Referências..............................................................................................200
10
INTRODUÇÃO:
O objetivo deste estudo é apresentar a importância do vernáculo e do sistema
educacional para a constituição do Estado-Nação moderno, tendo como Experimentum
Crucis* a Segunda Campanha de nacionalização do ensino (1938-1945), realizada
durante o Estado Novo. Nesse sentido, a pesquisa propõe investigar quais as razões que
levaram o governo de Getúlio Vargas a promover a unificação da rede escolar brasileira
e como através das escolas primárias e do ensino da língua portuguesa foi possível
integrar o sistema educacional teuto-brasileiro ao restante do país.
Em virtude das políticas educacionais desenvolvidas pelo governo brasileiro
durante o período da República Velha, a rede escolar nacional apresentava uma
organização descentralizada, isto é, cada governo estadual criou, segundo suas próprias
concepções ideológicas e políticas, um sistema escolar particular. Dessa forma, nota-se
que não havia no Brasil uma proposta curricular comum que abrangesse todo o seu
território nacional.
No caso dos estados sulistas, em particular o estado de Santa Catarina
1
, a etnia
teuto-brasileira havia criado suas próprias escolas, a fim de atender as suas necessidades
culturais e econômicas. Em virtude da possibilidade de formarem sistemas educacionais
particulares, esse grupo étnico buscou o apoio financeiro do governo alemão e, assim,
instituíram associações escolares, que eram responsáveis por enviar professores e
1
* Termo Latino utilizado pelos primeiros cientistas empíricos britânicos, do século XVII, para
denominar o experimento que serviria como guia ou ponto de referência para a sua pesquisa.
1
Área com grande concentração de teuto-brasileiros.
11
material escolar para as suas escolas associadas e tinha, ainda, como principal
característica o ensino da língua alemã.
Tendo como objetivo centralizar a educação nacional sob a influência do
governo federal, na década de 1930, o governo de Vargas iniciou a criação do Plano
Nacional de Educação. Em 1936, o então ministro da educação e saúde, Gustavo
Capanema, foi incumbido de realizar um amplo debate educacional com os distintos
grupos pedagógicos que operavam no Brasil.
A proposta do governo de Getúlio Vargas era instituir um sistema educacional
integrado em todo o território brasileiro. Este projeto político propôs instituir
parâmetros curriculares nos ensinos primário e secundário a todas as redes de ensino
estaduais. Dentre as principais medidas, estava incluso a obrigatoriedade do ensino da
língua portuguesa e de disciplinas tais como: Educação Moral e Cívica e História do
Brasil que, segundo esse governo, eram matérias fundamentais para incutir na
população jovem do país o espírito de brasilidade.
Entretanto, esta proposta educacional getulista teve de ser inúmeras vezes
adiada, em virtude dos impasses políticos causados pelo antagonismo ideológico dos
grupos pedagógicos participantes de tal plano político e dos governos estaduais que
recusavam a intervenção do governo federal em seus respectivos sistemas educacionais.
Somente com a implantação do Estado Novo, em 1937, é que o Plano Nacional de
Educação pode ser posto em prática efetivamente.
Em relação as escolas teuto-brasileiras as políticas educacionais adotadas pelo
governo federal apresentaram maior severidade, pois, segundo o próprio governo, tal
grupo étnico apresentava um sistema educacional singular e cultivava uma cultura
alienígena (D’AQUINO, 1942) em relação ao restante do país. Dessa forma, por meio
do decreto-lei n°. 88, em 1938, a Comissão Nacional do Ensino Primário – órgão
12
político vinculado ao Plano Nacional de Educação – instituiu a Segunda Campanha de
Nacionalização do ensino, a qual tinha como finalidade a substituição do sistema
educacional teuto-brasileiro, pelo ensino público, custeado pelos governos estadual e
federal e, assim, promover o ensino da língua portuguesa e de disciplinas escolares que
pudessem realizar o processo de assimilação cultural desse grupo étnico com a cultura
nacional.
Como a intenção deste estudo é refletir sobre as atividades da Segunda
Campanha de Nacionalização do ensino especificamente nas escolas teuto-brasileiras, a
leitura de uma bibliografia especializada sobre este grupo étnico foi de suma
importância. Dentre os autores estudados destacam-se: Wiese (2000, 2003, 2004 e
2005), pesquisador dedicado ao estudo do impacto da Segunda Campanha de
Nacionalização do ensino nas regiões teuto-brasileiras pertencentes à antiga colônia
catarinense de Hamônia; e Fiori (2003), que busca apresentar em seus trabalhos as
características pedagógicas e sociais das escolas teuto-brasileiras na primeira metade do
século XX e, ainda, escreve sobre a constituição filosófica das propostas pedagógicas
empregadas em tais escolas. Há, ainda, Monteiro (1979), que através de um estudo
minucioso sobre os decretos-leis instituídos pela Segunda Campanha de Nacionalização
do ensino, apresenta as transformações sofridas no sistema escolar teuto-brasileiro, a
fim de se enquadrar nas regras educacionais estipuladas pelo Governo Federal.
Por intermédio dos livros: “Tempos de Capanema”, “Constelação Capanema” e
“Capanema: o ministro e seu ministério”, a pesquisa teve a possibilidade de acompanhar
a importância política do Ministério da Educação e Saúde para a constituição do Novo
Homem Brasileiro (CAVALCANTI,1999) almejado pelo governo varguista. Graças
aos sutis acordos políticos firmados pelo ministro Gustavo Capanema, este ministério
teve em suas composição os mais distintos intelectuais brasileiros. Desde os
13
modernistas Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Cândido Portinari e
Heitor Villa Lobos, até pensadores católicos como, por exemplo, Alceu Amoroso Lima.
Tal equipe tinha como objetivo projetar um sistema educacional que fosse moderno,
segundo as inspirações do governo. Com isso, sistemas escolares regionalizados como
os dos teuto-brasileiros não tinham mais a possibilidade de continuarem existindo, logo
a homogeneização dos currículos e compêndios escolares deveriam ser efetivados.
Já, através do estudo realizado em torno de autores como Schwartzman (2000,
2005a, 2005b, 2005c e 2005d), Oliveira (1982, 1999 e 2001) e Miceli (1979 e 2001),
entre outros, foi possível pensar o desenvolvimento político adotado pelo primeiro
governo Vargas, para instaurar uma cultura nacionalista que fosse capaz de alinhar o
Estado e a Nação como uma força só. E, ainda, vislumbrar a importância da instituição
escolar para este mesmo projeto político.
Tais leituras realizadas auxiliaram a responder indagações que surgiram ao
longo da pesquisa. Como, por exemplo, a que surgiu através do estudo realizado em
torno das fontes bibliográficas sobre as escolas teuto-brasileiras, que propõem
demonstrar a Segunda Campanha de Nacionalização do ensino como sendo uma política
educacional que surgiu apenas em virtude da Segunda Guerra Mundial. E em
decorrência disto, o governo de Vargas não demonstrava interesse algum em solucionar
os problemas sociais dos teuto-brasileiros, mas apenas em erradicar uma cultura tida
como estranha e avessa aos ideais nacionalistas.
Além destas fontes secundárias, a pesquisa desenvolveu um trabalho importante
em torno de fontes primárias, com a finalidade de trazer informações que pudessem
oferecer contribuições relevantes ao tema discutido. Por meio de entrevistas realizadas
com a teuto-brasileira Ruth Gutz, que vivenciou a implantação da Segunda Campanha
de Nacionalização do ensino, no interior de Santa Catarina, e que hoje reside na cidade
14
de São Paulo, foi possível ter o conhecimento das cidades catarinenses de Ibirama e
Presidente Getúlio (municípios pertencentes a antiga colônia de Hamônia. Colônia
fundada em 1897 e que no início do século XX foi desmembrada nos atuais municípios
de Presidente Getúlio, Ibirama, Dona Emma, Witmarsum, José Boiteux e Vítor
Meireles. Estes municípios compõem a região do Médio Vale do Itajaí e, durante à
realização da Segunda Campanha de Nacionalização do ensino, ficou conhecida como o
principal foco de resistência teuto-brasileira à instauração das políticas educacionais do
Estado Novo).
Sendo assim, através do uso da reserva técnica concedida pela Fapesp, foi
realizado no mês de fevereiro de 2005 uma incursão à estes dois municípios, com a
finalidade de realizar uma etnografia documental nos Arquivos municipais das duas
cidades. Dessa forma, na Casa da Cultura Renate Adele Ax, em Presidente Getúlio, foi
desenvolvido pesquisas em torno de documentos públicos da época – mapas, atas de
reunião, orçamentos públicos e fotos –, correspondências particulares e públicas, bíblias
luteranas publicadas durante o período investigado e cartilhas de ensino religioso. E no
Arquivo Histórico de Ibirama, em Ibirama, foi realizado visitas ao acervo de
documentos públicos da cidade. Dentre eles, destacam-se telegramas expedidos pelas
autoridades públicas, durante realização da Segunda Campanha de Nacionalização do
ensino; correspondências enviadas pelos governos federal e catarinense com assuntos
relacionados à aplicação e ao andamento da mesma política pedagógica nos municípios
de Presidente Getúlio e Ibirama; livros escolares confeccionados pelo governo alemão,
durante a década de 1910 e 1920, e que eram enviados para os teuto-brasileiros; jornais
escolares confeccionados pelos próprios alunos teuto-brasileiros durante o Estado Novo,
que tinham como objetivo intera-los sobre a importância da escola para o avanço do
civismo; correspondências enviadas pelos professores das escolas fundadas durante a
15
Segunda Campanha de Nacionalização do ensino às autoridades locais; relatório e
pareceres dos inspetores escolares sobre o andamento das escolas locais; e, ainda, atas
escolares e fotos que relatam datas festivas e desfiles cívicos, bem como encontro
festivos entre os educandários da região.
O trabalho de campo contou também com entrevistas realizadas com o
historiador local, Harry Wiese, e com teuto-brasileiros que estudaram em escolas teuto-
brasileiras durante a Segunda Campanha de Nacionalização do ensino. Através de
entrevistas em aberto, ou melhor, sem um questionário pré-estabelecido, foi possível
suscitar em forma de diálogo uma atividade que oferecesse informações singulares
sobre a cultura teuto-brasileira, seus costumes religiosos, suas atividades lúdicas, seus
sistemas escolares e demais costumes. Graças a este mesmo método de entrevista,
obteve-se dados relevantes sobre o cotidiano da população getuliense, durante a o
período histórico investigado; informações sobre as transformações institucionais
sofridas nas escolas locais e as metodologias pedagógicas empregadas pelo governo nas
mesmas; fatos sobre as investigações e punições realizadas pelo poder público aos
infratores que não quisessem acatar às novas regras impostas pelo governo e as táticas
utilizadas pelos teuto-brasileiros para se adaptarem as novas transformações culturais
que ocorreram em suas vidas.
Além das entrevistas estes mesmos entrevistados permitiram a consulta de
materiais e documentos particulares, tais como: livros, boletins e diplomas escolares.
Graças a estas peculiares fontes primárias obteve-se informações sobre quais as
matérias eram lecionadas nos educandários, durante a Segunda Campanha de
Nacionalização do ensino e, também, como era realizado o sistema de avaliação e
promoção do aluno.
16
Durante a viagem de volta ao estado de São Paulo, houve a oportunidade de
visitar a Fundação Cultural de Blumenau, localizada no município homônimo. Neste
arquivo fora pesquisado livros escolares impressos durante o período do Estado Novo,
com o objetivo de compará-los com os volumes escolares consultados nos municípios
de Presidente Getúlio e Ibirama para poder entender as transformações sofridas no
material pedagógico das escolas catarinenses; atas de reuniões da Segunda Campanha
de Nacionalização do ensino, realizada no estado de Santa Catarina; e livros acadêmicos
e publicações de autoria do secretário da Educação do estado de Santa Catarina, Ivo
D’Aquino, editados na época e que eram destinados à discussão sobre o processo de
assimilação cultural almejado pelo Estado Novo, sobre os teuto-brasileiros.
Diante do material bibliográfico pesquisado e da documentação e entrevistas
analisadas posteriormente, optou-se por compor a presente Dissertação por meio de seis
seções.
Na Primeira Seção a Dissertação apresenta as características culturais que
compunham a etnia teuto-brasileira. Nesta divisão é apresentado como determinados
elementos da cultura alemã como, por exemplo, as associações de música e esportivas, a
religião, a escola e, sobretudo, o idioma sofreram influência do espaço geográfico e
social brasileiro. Nesta seção, também, foi discutido as transformações históricas que as
escolas teuto-brasileiras sofreram, desde as primeiras Gemeindeschulen e suas
dificuldades de ordem financeira e pedagógica, até a etapa em que o governo alemão
passou a controlar o sistema educativo teuto-brasileiro e, através de suas associações
educativas, financiou o envio de professores e material escolar às escolas teuto-
brasileiras.
Esta seção, por fim, demonstra ao leitor a cultura teuto-brasileira não como uma
cultura alienígena, conforme alguns intelectuais do período do Estado Novo acusavam,
17
mas como uma cultura regional que fora desenvolvida de forma social isolada, mas que
tinha consciência de sua importância econômica no contexto nacional.
Na Segunda Seção enfatiza-se a formulação política da Segunda Campanha de
Nacionalização do ensino. Os interesses políticos, culturais e pedagógicos que
circundaram esta política pedagógica federal. Dessa maneira, apresenta-se as
concepções criadas pelo Estado Novo sobre o que deveria ser a cultura brasileira e como
a educação se encaixava neste contexto. Em seguida foi demonstrado as propostas
pedagógicas e políticas dos distintos grupos pedagógicos, e quais as características de
cada corrente pedagógica que foram adotadas pelo governo.
Já a Terceira Seção tem como escopo evidenciar quais foram os decretos-leis
criados pelo governo federal e de que maneira as escolas teuto-brasileiras, do Médio
Vale do Itajaí, os receberam. Quais modificações elas sofreram e como foi realizada a
assimilação cultural dos teuto-brasileiros por parte do governo federal. Nesta seção,
ainda, foi dedicado uma sub-seção a análise da Nacionalização - política realizada pelo
Ministério da Guerra, sobre os grupos teuto-brasileiros durante o período da Segunda
Guerra Mundial. Com o intuito de mostrar que a perseguição ao nazismo não pode ser
analisado em conjunto com a política educacional da Segunda Campanha de
Nacionalização do ensino.
Já a Quarta Seção, trata-se da Conclusão final do estudo. Esta tem como objetivo
articular as três seções e demonstrar ao leitor a importância de se considerar a Segunda
Campanha de Nacionalização do ensino como uma ação política distinta da
Nacionalização. Uma vez que cada uma destas medidas governamentais, apesar de ter
ocorrido no mesmo espaço social, tiveram sujeitos e objetos distintos.
A Quinta Seção apresenta a versão completa dos decretos-leis que foram
discutidos ao longo da Terceira Seção. É a possibilidade do leitor conhecer na integra
18
todas as medidas governamentais que tinham por finalidade oferecer parâmetros legais a
realização da Segunda Campanha de Nacionalização do ensino, durante o Estado Novo.
Por fim, a Sexta Seção contém todas as referências utilizadas ao longo deste
trabalho. Assim, estão presentes as fontes secundárias que foram consultadas na
biblioteca particular do pesquisador e as pesquisadas nas Bibliotecas da Universidade
Federal de São Carlos, UFSCar; Universidade Estadual Paulista – nos Campis de
Araraquara e Franca –, UNESP; Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP; e
Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC. Encontram-se, também, as referências
aos documentos e demais fontes primárias que foram pesquisados na Casa da Cultura
Renate Adele Ax, no Arquivo Histórico de Ibirama e na Fundação Cultural de
Blumenau. Além dos documentos pessoais pertencentes aos entrevistados e as
entrevistas, que atualmente se encontram sob domínio do pesquisador.
19
Seção 1
A formação cultural e social do grupo teuto-brasileiro
“Entendo perfeitamente. A linguagem nos exime
dos sentimentos, ou quase isso”, respondeu Der Heer,
afagando-lhe o ombro. “É possível que essa seja uma
de suas funções ... compreendermos o mundo sem
sermos inteiramente esmagados por ele”
Carl Sagan, Contato (2002).
1.1. A formação étnica dos teuto-brasileiros
Para se entender a composição étnica dos teuto-brasileiros –
Deutschbrasilianertum – faz-se necessário apresentar as duas características que
constituem este grupo: o Deutschtum ou jus sanguinis e o Brasilienertum ou jus solis.
1.1.1. Deutschtum ou jus sanguinis
O termo alemão Deutschtum pode ser definido como uma categoria referente à
nacionalidade alemã em específico. Esse termo define os traços culturais particulares
desse grupo – língua, religião, sistema de parentesco etc. – que são capazes de oferecer
crenças, regras de conduta e valores morais responsáveis por organizar o universo
cosmológico que o compõe. Além disso, este ordenamento de significados estabelece
como cada indivíduo inserido neste grupo deve se situar no Mundo e, assim, definir-se
enquanto ser ontológico.
Os traços culturais que constituem o Deutschtum seriam transmitidos geração
após geração através da educação escolar, dos ensinamentos religiosos e pela educação
20
recebida no lar. Assim, o professor, o pastor e os pais cumpririam o papel de atualizar
constantemente o passado no presente, graças à capacidade de relatarem não só os
conhecimentos adquiridos socialmente, mas também a experiência de vida acumulada
durante as suas existências particulares. Como enfatiza Benjamin:
A recordação inaugurou, assim, a corrente da tradição, que transmite
de geração para geração os acontecimentos verificados. Ela
representa os elementos artísticos inerentes à obra épica, no sentido
mais lato, e integra esses elementos na obra. Cumpre mencionar entre
eles, e em primeiro lugar, o narrador. A recordação fornece os
elementos àquela rede, formada ao fim pelo conjunto de todas as
estórias. Uma liga-se à outra, tal como os mais destacados narradores
– e principalmente os orientais – sempre timbraram em demonstrar.
Subsiste, em cada uma delas, uma Scheherazade que se lembra, em
cada um dos trechos de suas estórias, de uma nova estória. Eis a
memória épica e o caráter artístico da narrativa (BENJAMIN, 1975,
p. 73).
Dessa forma nota-se que a transmissão dos valores nacionais, dos mitos
históricos e das tradições folclóricas alemãs eram responsáveis por atualizar
constantemente as crenças culturais e oferecer uma coesão social. Em outras palavras, o
Deutschtum agiria na criação de um tempo em padrões cíclicos, responsável por agregar
o passado, o presente e o futuro, num mesmo módulo homogêneo (GIDDENS, 1991).
Sendo assim, proporcionava uma conservação dos traços culturais que eram
dificilmente modificáveis, pois o passado assegurava as referências míticas, o presente
as atualizava através de ritos, responsáveis por gerar um futuro seguro.
Portanto, a noção de Deutschtum no seu conteúdo étnico/nacional, pressupõe
que a nacionalidade alemã é herdada através do sangue
2
jus sanguinis – e perpetuada,
mesmo longe da pátria de origem, através da cultura, do idioma e dos demais costumes
alemães.
2
Segundo a bibliografia consultada, as concepções mais radicais acerca do Deutschtum – como a de
pastores protestantes que pregavam a endogamia, por exemplo – acreditavam que estes valores culturais
eram transmitidos de geração para geração através do sangue alemão. Por isso, é possível considerar o
Deutschtum como sendo uma categoria orgânica.
21
Cabe relembrar a idéia desenvolvida por Koch (2003) de que o ponto que unia
os alemães que para cá imigraram dos mais distintos Estados germânicos era a cultura e
não a política.
Diante disso, seria errado falar em imigração “alemã” anterior a
1871, já que então não existia país que se denominasse “Alemanha”.
Havia, sim, mais de trinta Estados independentes, como a Prússia,
Baviera, Saxônia etc., na região hoje ocupada pela Alemanha. A
imigração entre 1824 e 1871, portanto, seria bávara, prussiana, etc.,
mas não alemã. Os próprios “alemães”, naquele período, estavam à
procura de uma Alemanha, como revela o poema de Ernst Moritz
Arndt (1769-1860) Was ist des Deutschen Vaterland? (Qual é a pátria
dos alemães?), no qual põe em dúvida que qualquer dos países da
Europa central o seja [...] O que, pois, caracteriza o alemão do século
XIX é sua língua e civilização e não sua nacionalidade. É interessante
observar que ainda em 1903, portanto trinta e dois anos após a
criação do Império por Bismarck, o Grande Dicionário Brockhaus
define o termo “alemão” exatamente neste sentido: A palavra
“alemão” está documentada desde o final do século VIII no sentido
de “popular”. Era usada para designar a língua popular surgida na
Alemanha. (...) O significado atual de “alemão” é registrado já no
século IX. (...) Assim como a língua, também os costumes, os trajes,
o direito etc. são ditos “alemães” e também nosso povo chamou a si
mesmo de “alemão”, no sentido de “aqueles que falam a língua
alemã”. Conclui-se daí que “alemão” é, e sobretudo foi, na época a
que este trabalho se refere, um conceito cultural e não político
(KOCH, 2003, p. 196).
Sendo assim, a solução encontrada pelos migrantes alemães a fim de
preservarem seu Deutschtum foi reproduzir os costumes culturais que haviam sido
herdados da Alemanha. Segundo Seyferth (1986, 2003):
Havia nas colônias uma relação entre escola, religião e língua alemã
que foi fundamental para a preservação do Deutschtum, fronteira
ideológica que marca a etnicidade teuto-brasileira. A estes três
elementos se soma um quarto, talvez considerado o mais
fundamental, o lar (Heim), reduto íntimo da etnicidade pelo seu papel
na preservação da língua alemã (SEYFERTH, 2003, p.34, grifo
nosso).
Regidos por esta concepção, os alemães que migraram para o Brasil acreditavam
na possibilidade de preservar o seu Deutschtum em solo brasileiro; como Seyferth
(2003) aponta, de acordo com os pressupostos do nacionalismo alemão, organizados no
Deutschtum, a nação seria um fenômeno étnico-cultural, sem necessidade de estar
22
vinculada a um território particular, característica esta intimamente vinculada à noção
de cidadania. Devido a essa concepção, estes colonos asseguravam que suas heranças
culturais, herdadas de seus antepassados que haviam ficado na Alemanha, fossem
preservadas e atualizadas, mesmo que em uma região distinta de sua terra natal.
1.1.2. Brasilianertum ou jus solis
Além do elemento jus sanguinis, a composição étnica dos teuto-brasileiros
apresentava um segundo elemento: o jus solis. Em outras palavras, este grupo étnico
não era composto apenas pelos seus elementos culturais, trazidos da Alemanha, pois a
partir do momento em que surgiram novas gerações destes em solo brasileiro, a questão
do reconhecimento do elemento “brasileiro” em sua composição étnica fez-se presente.
Não satisfeitos apenas com a condição de jus sanguinis, lideranças políticas das
colônias, na medida em que estas se tornaram cada vez mais organizadas politicamente,
propunham a integração política dos teuto-brasileiros no cenário brasileiro.
Dessa forma, eles lutavam pelo reconhecimento de seus direitos à cidadania
brasileira, uma vez que se tornaram um grupo representativo dentro do território
brasileiro, tanto em número populacional quanto em produção econômica e, mesmo
assim, não eram reconhecidos como cidadãos de direito.
Por isso, dentre os principais fatores que fizeram com que os teuto-brasileiros
reivindicassem seus direitos de participação igualitária na comunidade política brasileira
enquanto legítimos cidadãos brasileiros, estava o fato de considerarem que “aqueles que
contribuem para a riqueza e o bem-estar de seu país têm o direito de serem ouvidos em
seus conselhos nacionais, e estão habilitados a uma posição que imponha respeito”
(BENDIX, 1996, p.103).
23
Pode-se perceber o avanço econômico das áreas de colonização alemã, através
do trecho apresentado por Porto (1996), no qual demonstra o crescimento próspero da
colônia Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, durante a segunda metade do século XIX.
Foi criada por lei provincial de 30-XI- 1855 em terras pertencentes ao
município de Cachoeira, instalando-se em 16-XI-1857 com a chegada
dos primeiros imigrantes. [...] Em 1866 já estavam cultivadas
4.912.830 braças quadradas, havendo 194 fogos, com uma população
de 825 almas, das quais 449 homens e 376 mulheres. Havia já 176
estabelecimentos de lavoura e 25 outros diversos, e 6 casas de
negócio. Dez anos depois, de sua fundação, em 1867, a produção de
Santo Ângelo era a seguinte: Milho, alq. 11.640; Feijão preto, 3.321;
Arroz com casca, 582; Trigo, 297; centeio, 33; cevada, 51; batatas,
7.118; feixes de cana, 3.416; fumo, 32 ar; fumo em rama, 1.093.
Nêsse ano o valor dos gêneros exportados foi de 17:005$000 e o da
importação 13:000$000. Em 1872 contava a colônia de Santo Ângelo
com 4.008 habitantes; em 1890, com 5.848; em 1900, com 6.908; em
1911, com 8.763; em 1913, com 9.245, subindo hoje a mais de 15 mil
habitantes. (PORTO, 1996, p. 170).
Wiese (2004), por sua vez, apresenta a importância econômica da antiga colônia
Neu Breslau, em Santa Catarina, após os seus primeiros 25 anos de existência, no
cenário nacional.
Nas comemorações dos 25 anos de existência, Neu Breslau já era
considerada uma bela cidade. Na periferia e no interior, o progresso
também era visto com entusiasmo. Victor Schleif descreveu muito
bem esse propósito. Eis o texto do historiador: “Quanto mais a
colonização evolui na periferia, mais cresce o centro da cidade e
também aumenta a aquisição de bens para as suas casas, que faz
crescer a demanda por mão-de-obra e profissionais liberais em Nova
Breslau. Situada num vale largo e entremeado por riachos pitorescos
tais com o Krauel e o Índios e, ainda cercados por raros desníveis do
planalto, pode-se, sem errar, chamar Nova Breslau como a cidade
mais bonita e bem situada da região da Hansa”. Na época, por volta
de 1925, houve um desenvolvimento acentuado. Já havia vários
açougues e seus produtos eram vendidos para o Rio de Janeiro e São
Paulo. Vendiam-se, também chucrute e vários tipos de compotas.
Uma cervejaria transformava o milho em fubá. Quatro pequenos
hotéis hospedavam viajantes e novos imigrantes que pretendiam
fixar-se no interior da colônia. Na mesma época, em Neu Breslau, já
era possível comprar tudo que necessitava para uma vida mais
confortável. Também, já, haviam-se instalado profissionais, como:
ferreiros, funileiros, serralheiros, marceneiros, carpinteiros e
pedreiros. Serrarias movidas a vapor e água transformavam cedros,
canelas, tarubas e outras espécies de madeira-de-lei em tábuas. Filas
de carroças carregadas deslocavam-se até Hammonia. Lá, a madeira
era embarcada no trem da Estrada-de-Ferro Santa Catarina. Esse
24
produto chegava a Santos e Rio de Janeiro, via marítima, pelo litoral
brasileiro.(WIESE, 2004, p. 61).
Conforme os exemplos acima aludem, os teuto-brasileiros por se demonstrarem
economicamente ativos reivindicavam para si os direitos políticos e sociais aos quais
tinham direito enquanto cidadãos residentes em terras brasileiras. Dentre eles,
destacavam-se: o direito à eleição de seus representantes políticos e o direito ao acesso à
educação pública. Contudo, queriam ter o direito de assegurarem a sua cultura
particular, ou seja, faziam a distinção entre o jus sanguinis e o jus solis: para os teuto-
brasileiros, a preservação do jus sanguinis significava manter fidelidade à cultura alemã
e o jus solis, os deveres e direitos que tinham como cidadãos residentes em terras
brasileiras.
Todavia, esta distinção entre jus sanguinis e jus solis não se fazia presente na
cultura brasileira. Conforme atesta Gertz (1987), os conceitos de cidadania e cultura
eram pensados, essencialmente no Brasil, como questões atreladas ao território físico,
os quais se encerravam nos limites territoriais do Estado-Nação. Desta maneira, as duas
concepções – jus sanguinis e jus solis – apresentavam-se entrelaçadas intimamente no
entendimento brasileiro de cultura e cidadania, tendo como predominância a segunda,
uma vez que indistintamente da herança cultural do cidadão, o que se levava em conta
era apenas o local de nascimento do indivíduo. A cultura, portanto, era herdada do local
de nascimento e não dos laços de parentesco.
Diante deste impasse ideológico, essa postura de defesa da integridade cultural
adotada pelos teuto-brasileiros perante a jurisdição brasileira teve repercussões em nível
nacional e deu margem a diferentes interpretações. Dentre elas, destacava-se a que
considerava os teuto-brasileiros como sendo um grupo étnico que preservava
severamente uma cultura tida como alienígena (D’AQUINO, 1942) no território
brasileiro e que, em virtude disso, resistia à aculturação (CUCHE, 1999) (de sua
25
cultura local pelos valores nacionais). Mais tarde, durante o período do Estado Novo,
esta mesma interpretação foi reforçada com a tensão mundial vivida em torno da
ameaça nazista, ao considerar as colônias alemãs como sendo áreas de propagação do
pangermanismo na América Latina.
Conclui-se então, que o termo teuto-brasileiro – Deutschbrasilianertum -
demarcava claramente as fronteiras étnicas (BARTH, 1997) com as culturas alemã e
brasileira, pois esta categoria de identificação compunha-se de seus dois elementos
culturais originais: a nacionalidade alemã e a cidadania brasileira: isso significa que os
teuto-brasileiros comportavam-se como alemães em seus costumes e como brasileiros
na exigência de seus direitos e cumprimento de suas obrigações sociais perante o país –
o Brasil, no caso – que os havia acolhido.
1.2. Os elementos culturais do Deutschtum e sua transformação para o
Deutschbrasilianertum
Dentre os aspectos culturais alemães que foram inseridos em solo brasileiro
destacam-se os seguintes: a língua materna ou die Muttersprache, o lar ou das Heim, as
associações recreativas ou der Vereine, a Igreja ou die Kirche e a escola ou die Schule.
1.2.1. A Língua Materna ou “die Muttersprache”.
O vernáculo alemão foi eleito pelos teuto-brasileiros como sendo o principal
ponto de referência cultural em torno do qual eles deveriam se organizar. Mais do que
os demais traços culturais que compunham o Deutschtum, o idioma era a forma basilar
de identificação étnica deste grupo com a nacionalidade alemã. A fim de tornar evidente
esta hipótese, pode-se constatar que tanto os espaços públicos – associações, escola e
Igreja – quanto o espaço privado – lar – tinham como pressuposto básico o uso do
idioma alemão nas práticas do cotidiano.
26
No caso da Igreja, por exemplo, havia a necessidade de se empregar o vernáculo
alemão, a fim de reforçar a sua eficácia simbólica em meio aos fiéis. A Escola, por sua
vez, tinha como meta não apenas educar a população jovem, mas, principalmente,
alfabetizá-la especialmente em alemão
3
, pois este era o idioma que demarcava o grupo e
que oferecia possibilidades aos jovens, com os valores da cultura alemã, de
apreenderem o universo à sua volta.
Com isso, pode-se afirmar que os elementos culturais que compunham o
Deutschtum não apresentavam um grau de importância equivalente para o grupo, pois o
que caracterizava todos estes elementos – das Heim, der Verein, die Kirche e die Schule
– era o uso do idioma como forma de preservá-los e reproduzí-los. Desta forma, a
Muttersprache, ou o vernáculo materno, apresentava um grau de importância maior em
relação aos demais, uma vez que estava presente em todos os outros espaços e era o
elemento que os caracterizava como essencialmente alemães.
Todavia, é importante ressaltar que o idioma alemão sofreu um processo de
aculturação lingüística de ordem morfológica e lexical diante do contato desenvolvido
com o idioma português, na medida em que era utilizado em solo brasileiro. Neste caso,
pode-se dizer que tanto a escrita quanto a fala foram responsáveis pela atualização do
idioma do grupo em questão. Esta conjetura deve-se ao fato de terem sido constatadas
modificações de ordem morfológica no idioma alemão empregado na região do “médio”
Vale do Itajaí.
Como exemplo da transformação sofrida na escrita, houve a substituição do
sinal fonético umlaut (para os falantes da língua portuguesa, este sinal equivale ao
“trema”) pelo acréscimo do morfema e. Com isso, nomes próprios como os
Familiennamen – sobrenomes – Müller, Härtel e Jönk, por exemplo, foram substituídos,
3
Esta proposta de alfabetização não excluía em alguns casos o ensino do idioma português.
27
respectivamente, por Mueller, Haertel e Joenk. Questionando alguns “nativos” do
período histórico investigado do “porque” destas modificações, estes alegaram que as
máquinas de escrever adquiridas no Brasil não apresentavam tal pontuação, logo foi
acrescido o morfema e para oferecer o mesmo som fonético do umlaut.
Já no que corresponde à fala, ocorreram inevitáveis empréstimos lingüísticos
do idioma português. Conforme aponta Wiese (2004), muitos imigrantes – não só
alemães, mas suíços e italianos também – que aportaram em terras catarinenses com o
objetivo de habitarem a colônia de Hamônia contaram com a ajuda de brasileiros e
indígenas para lidar com o cultivo do solo tropical. Entretanto, é importante ressaltar
que este contato pacífico não pressupunha transformações radicais na composição étnica
teuto-brasileira, pois:
Relações interétnicas estáveis pressupõem uma estruturação da
interação como essa: um conjunto de prescrições dirigindo as
situações de contato e que permitam a articulação em determinados
setores ou campos de atividade, e um conjunto de proscrições sobre
as situações sociais que impeçam a interação interétnica em outros
setores, isolando assim partes das culturas, protegendo-as de qualquer
confronto ou modificação (BARTH, 1997, p.197).
Através desta relação interétnica, os imigrantes adotaram não só hábitos
alimentares
4
e técnicas de cultivo da lavoura, mas também novas palavras para o seu
léxico. Com o tempo, estes falares foram sendo modificados e ampliados não apenas
entre os teuto-brasileiros que estavam em constante contato com outros grupos étnicos,
mas para os demais teuto-brasileiros que residiam nas áreas coloniais isoladas, inclusive
para os que se valiam da norma culta, ou gramática normativa, para se expressar. Dentre
eles pode-se destacar os padres e os professores.
4
“Nesta primeira fase de aprendizado, o imigrante também começou a se habituar a comer pirão com
carne seca, feijão, pão de milho, etc. Igualmente aprendeu a andar descalço e a fumar o cigarro ‘caipira’
de fumo em corda envolvido em palha de milho” (WIESE, 2004, p.194). Aliado a este registro, há o
depoimento de Ruth Gutz (GUTZ, 2004), que afirma que o consumo de mandioca tornou-se comum entre
os teuto-brasileiros.
28
Esses falares desenvolveram-se de maneira rápida em Presidente
Getúlio, contrariando a todas as expectativas. Logo a linguagem do
imigrante simples atingiu o imigrante culto. O próprio José Deeke na
sua vasta produção literária, usou centenas desses vocábulos
transformados. A situação tornou-se tão forte que até nomes
diferentes foram atribuídos à língua, como: germanês, ou língua
teuto-brasileira. Alexander Lenard, escritor húngaro, durante muitos
anos residente em Dona Emma, denominou essa forma de falar de
“Língua Teuto-Catarinense.” Eis alguns vocábulos usados por José
Deke na sua vasta obra literária: Agrimensor Agrimensoren, Morro
de Aipim Aipimberg, Barra Barre, Batata Bataten, Botucudo
Botucuden, Bugre Buger, Mulher de Bugre Bugerfrau, Caçador de
bugre Bugerjäger, Amansador de bugres Bugerzähmer, Cacique
Kazike, Canoa Canoe, Capinar Kapinen, Cultura da capoeira
Capoeirawirtschaft, Comarca Komark, Farinha de mandioca
Mandioca-Mehl, Exploração de fazenda Fazendawirtshaft, Goiaba
Goyaben, Engenho de Mandioca Mandiokmühle, Bagaço de maracujá
Maracujaranke (WIESE, 2004, p.196).
Diante destes empréstimos e adaptações lingüísticas e, conseqüentemente, do
aumento do léxico, os teuto-brasileiros buscaram tornar estas palavras ativas em seu
vocabulário, segundo suas necessidade cotidianas. Haja vista o exemplo apresentado a
seguir, que reproduz um incidente envolvendo três pessoas e que fora resolvido na
delegacia:
O delegado ouve o depoimento da vítima:
“Wir sind von die Domingueira gekommen. Die Maria war mit mir.
Dann kam der Mann auf uns drauf-zu, mit seine Mula wie ein Tiger.
Zufort nahm ich die Maria ihre Sombrinha und hab sie auf die Mula
Kaput geschlagen.”
O delegado apresenta a condenação:
“Gut! Du, Roland, als Castigo, kaufst die Maria eine neue
Sombrinha. Und du Max, wie die Briga angefangen hast bleibst ein
Tag hier: Preso ins Cadê!” (WIESE, 2004, p. 195, grifo nosso)
5
.
A presença de palavras como: “Domingueira”
6
, “Mula”, “Sombrinha” e
“Castigo”, demonstram a tentativa, por parte dos teuto-brasileiros, de inserirem
substantivos com seus respectivos gêneros retirados do idioma português. No entanto,
5
O delegado ouve o depoimento da vítima: “Nós chegamos da Domingueira. A Maria estava comigo.
Então chegou o homem atrás de nós com sua mula como um tigre. Por isso eu peguei a sombrinha de
Maria e bati nele que estava sobre a mula cansada”. O delegado apresenta a condenação: “Bom, você,
Roland, como castigo, compra para Maria uma nova sombrinha. E você Max, como começou a briga terá
que ficar um dia aqui: preso na cadeia!” (tradução nossa).
6
Segundo informação obtida na entrevista realizada com a teuto-brasileira Ruth Gutz (GUTZ, 2004), as
“Domingueiras” eram festas dançantes realizadas em salões, durante os finais de tarde dominicais.
29
como a transcrição demonstra, a grafia destes mesmos substantivos obedecia às regras
da gramática alemã, ou seja, eram escritos com a primeira letra em maiúsculo. Outra
característica é que a estrutura gramatical das frases mantinha o mesmo modelo alemão,
ou seja, o verbo assumindo sempre a segunda posição na oração, bem como o auxilio
dos verbos sein (ser, estar) e haben (ter) para formar orações no passado. A mesma
observação é válida para o emprego de preposições – von, mit, auf, als, e in –, todas
utilizadas segundo as regras estipuladas pela gramática normativa alemã.
Diante desta análise, pode-se concluir que a variação sofrida pelo idioma
alemão, em solo brasileiro, não correspondeu a uma reorganização de ordem estrutural
(adaptações de preposições e empregos de tempos verbais, segundo o modelo da
gramática portuguesa, por exemplo), mas apenas ao acréscimo do uso de substantivos e
de verbos portugueses em seu léxico.
Segundo Seyferth (2003), estas modificações (de ordem morfológica e
empréstimos lingüísticos) foram capazes de fazer com que houvesse uma “deturpação”
da língua alemã. Isto foi tão intenso que é possível falar na utilização de um idioma
teuto-brasileiro, mas não alemão. De qualquer maneira, a utilização desse idioma foi o
principal e mais importante canal de divulgação da cultura alemã e, ao mesmo tempo,
da afirmação da identidade étnica teuto-brasileira.
1.2.2. A terra natal ou “das Heimat”
Uma outra característica cultural importante preservada pelos teuto-brasileiros a
fim de preservarem o Deutschtum era o respeito pela Heimat, o que em português
corresponde ao termo “terra natal”.
Para os primeiros colonos alemães a Heim (este vocábulo equivale em
português à palavra lar) era o novo solo colonizado, seria neste novo espaço físico que o
grupo migrante deveria desenvolver o seu jus sanguinis, herdado de sua Heimat. Neste
30
ambiente os colonos tinham que organizar uma paisagem que fosse familiar e apta a
abrigar a tradição cultural do seu grupo. Dessa forma, a Heim conteria a Haus – a casa –
, local destinado ao abrigo da família e o Hof – a propriedade rural –, um quinhão de
terra dedicado ao sustento familiar. Em solo estrangeiro, no caso o Brasil, a Heimat
seria sempre cultuada e lembrada com saudades por aqueles que emigraram.
Como demonstram a seguir os poemas transcritos por Rambo (2003), que têm
como tema a Heimat:
O viajante longe de sua terra natal e lembrando-se dela com saudade
canta:
Im schoensten Wiesengründe
Ist meiner Heimatland
Ich schaut’ so manche Stunde
Ins Tal hinaus
7
[...] A terra natal, ou mais precisamente a Heimat, é o palco onde o
amor se perpetua. Fora deste contexto este sentimento, este valor não
é capaz de lançar raízes e muito menos prosperar. A fim de
comprová-lo:
Wo ich die Liebste fand
Dort ist mein Heimatland
Dort war ich einmal zu Hause. (RAMBO, 2003, p. 76)
8
.
Desta maneira, para os que migraram para as colônias existentes no Brasil essas
seriam sempre a sua Heim, ou seja, o local onde ocorreria a junção imediata do espaço
físico – jus solis – com a sua cultura particular – jus sanguinis –, herdada de sua
Heimat.
Já para os teuto-brasileiros que haviam nascidos nestas colônias, estas não
seriam sua Heim, mas sim sua Heimat, pois foi neste solo que nasceram e que
constituiriam sua terra natal, em meio à cultura herdada de seus pais (RAMBO, 2003).
Um exemplo que ilustra esta afirmação pôde ser constatado em entrevista realizada com
o teuto-brasileiro Carl Ernst Hoppe, residente na cidade catarinense de Presidente
7
“Nas belas campinas esta minha terra natal. Eu a contemplo para além do Vale assim por horas”
(tradução nossa).
8
“Onde eu encontrei o afeto, ali é minha terra natal, ali estive pela primeira vez em casa” (tradução
nossa).
31
Getúlio. Ao relatar para o entrevistador as experiências que tivera sobre o povo alemão,
durante uma viagem que realizara na década de 80 para a Alemanha (neste caso era a
primeira vez que ele conhecia o país), o entrevistador perguntou-lhe:
Gustavo Tentoni Dias Qual a impressão que o senhor teve da Alemanha? Sentiu-se
familiarizado com o povo alemão?
Carl Ernst Hoppe Não. Gostei muito da Alemanha, de sua organização, do respeito e atenção
por parte dos cidadãos, mas aqui é minha terra, foi aqui que eu nasci... prefiro ser brasileiro
(HOPPE, 2005, 2ºcassete sonoro. Lado B).
Conclui-se, portanto, que o migrante alemão, ou neste caso o colono, poderia
constituir sua Heim em qualquer parte do mundo, desde que em sua Haus e em seu Hof
continuasse a conservar o Deutschtum, preservasse o vernáculo materno e “que cantem
as belezas da Heimat com as legítimas canções alemãs” (WIESE, 2003, p. 56, grifo do
autor). Quanto ao teuto-brasileiro, sua Heimat seria o local de nascimento, a casa de
seus pais, a escola onde fora alfabetizado, a igreja na qual fora evangelizado e,
principalmente, o local onde aprendeu o seu primeiro idioma. Caso ele migrasse para
outro local, aí sim, ele deveria constituir uma nova Heim.
1.2.3. As Associações recreativas ou “die Vereine”
A realização de entrevistas e conversas com nativos do período histórico
investigado contribuiu significativamente para que se pudesse perceber de que maneira
as associações recreativas e os espaços de sociabilidade criados pelos teuto-brasileiros
tiveram um papel de relevância na preservação não só da cultura alemã, mas na
atualização da mesma em solo brasileiro. Assim, esses espaços de sociabilidade
colaboraram com a manutenção do idioma do grupo - no caso o alemão -, uma vez que,
em tais espaços coletivos, a exigência cotidiana da fala particular do grupo fez com que
tal sistema lingüístico fosse atualizado constantemente e, sobretudo, muitos de seus
signos reforçados.
32
Tanto a cultura trazida pelos imigrantes quanto as novas necessidades surgidas
pela nova realidade conhecida por eles no Sul do Brasil propiciaram a criação desses
espaços de sociabilidade. Eram áreas dedicadas tanto a reuniões e encontros com
objetivo de melhorar a realidade local e a qualidade de vida – nas associações voltadas
para o interesse da colônia – quanto para “matar as saudades” da terra natal, alegrando o
novo lar – nas associações de canto, por exemplo.
Os primeiros espaços de sociabilidade foram criados a partir de 1855,
com a fundação da Culturverein zu Dona Francisca, sendo essa uma
sociedade filantrópica – para ajuda mútua – e cultural. Nas palavras
de Carlos Ficker “sendo a ‘Sociedade de Cultura’ realmente a
primeira formação cultural de um organismo social em transformação
devido ao afastamento da terra natal e sob pressão de novas
influências [...]” (BRUHNS, 1997, p. 28, grifo nosso).
No município de Presidente Getúlio, por exemplo, pôde-se ter o conhecimento
de uma festa anual que era realizada na cidade, denominada Noite Cultural. Nesta festa
todos os grupos folclóricos (música, dança, teatro etc.), associações de ginástica,
sociedades esportivas e sociedades escolares reuniam-se para fazer apresentações para a
população da cidade, tratava-se de uma reunião realizada pela cidade. Segundo o
entrevistado:
Carl Ernst Hoppe Aqui nós tínhamos um encontro na cidade que chamávamos de Noite
Cultural.
Gustavo Tentoni Dias E o que vocês faziam?
C.E.H. Neste dia tinha uma festa à noite na igreja e todos os grupos culturais da cidade, o de
dança, o de ginástica, o de teatro, o coral da igreja e a escola faziam suas apresentações para a
população da cidade. No final, tinha um baile.
Segundo Bruhns (1997), tais espaços comunitários contribuíram para a definição
do grupo étnico, na medida em que acolhiam manifestações características deste grupo.
A autora em seu estudo sobre Joinville atesta:
33
Nesse ano de 1855 fundou-se também a Schuetzenverein zu Joinville
ou Sociedade de Atiradores de Joinville, tendo finalidades recreativas
e esportivas. Fazendo parte dessas atividades esportivas, que são
encontradas em praticamente todas as comunidades alemãs, as
sociedades de tiro ao alvo alastraram-se também pela região de
Joinville. Porém, os objetivos dessas sociedades de atiradores não
eram e nem poderiam ser os mesmos que regiam as sociedades de tiro
na Alemanha. [...] Na Alemanha estas corporações tinham por
finalidade a proteção contra invasores e contra os abusos cometidos
pelos senhores feudais. Com a ascensão da burguesia da Alta Idade
Média e o surgimento de exércitos organizados, estas corporações
perderam suas funções guerreiras, mantendo apenas a Festa de
Atiradores (Schützenfest), as quais na Alemanha duravam até uma
semana. [...] Na pequena Colônia recém-fundada tal sociedade tinha a
finalidade de suprir os colonos de um treinamento imediato e
ordenado frente aos perigos do ambiente desconhecido, além de –
posteriormente - reavivar velhas tradições (a cada 15 dias organizava-
se um “Ballotement” ou competição, com a presença de pelo menos
12 sócios). Com licença concedida pelo Delegado (cargo já criado em
1853) de Polícia da Vila de Joinville, em 1872, a Sociedade adquiriu
o direito de praticar o tiro com armas carregadas com balas de
chumbo, tomando-se os cuidados necessários (BRUHNS, 1997, p.
29).
Reuniões em casas de moradores também ocorriam periodicamente, desde os
primeiros anos de fundação das colônias. Eram promovidos pelos imigrantes para
discutirem assuntos referentes às experiências vividas na colônia, além de praticarem
atividades de lazer, como pequenas apresentações teatrais, cantos em corais e em
algumas ocasiões a realização de piqueniques. Havia também atividades restritas às
distinções sexuais. No caso dos homens, era comum a prática do tiro ao alvo (conforme
exposto acima) e grupos de ginástica – Turnverein. Estes tipos de associações
desportivas e recreativas mantinham contatos com outras associações do mesmo gênero
e frequentemente realizavam encontros destinados à apresentação de peças teatrais,
apresentações de ginástica e até de partidas de futebol. Como demonstra o estudo de
Voigt (1996) sobre o município de Timbó:
Em 1930 surgiu o “Timboense”, clube que, além das atividades
desportivas como atletismo e a ginástica, deu início à prática do
futebol, passando a se chamar “União” no ano de 1948. Nessa
associação percebe-se um bom exemplo das mudanças ocorridas nas
sociedades em função de processos de aculturação. A despeito da
sociedade ter seu grupo de ginastas, será no futebol que a mesma
34
alcançará maior prestigio. O futebol não fazia parte das competições
trazidas pelos colonizadores, mas se converte na paixão desportiva de
um crescente número de timboenses. Os embates com outros clubes
próximos, como os de Indaial e Rodeio, eram comuns e receberam
boa cobertura da imprensa regional, especialmente durante a década
de 30. As apresentações das ginastas também faziam parte dos
encontros em que o futebol se destacava como atividade principal
(VOIGT, 1996, p. 121).
Já no caso das mulheres ocorriam encontros para praticarem crochê e reuniões
exclusivamente femininas, conforme a entrevista abaixo sugere:
Gustavo Tentoni Dias A senhora guarda recordações destas festas?
Ruth Gutz Bem... a Páscoa era comemorada na Igreja. Tinha também o dia das mães, elas se
reuniam no clube e tinha o “Chá da Tarde”, passavam a tarde tomando chá, café, comendo bolo
e conversando. Uma festa reservada para elas. Era um dia de descanso
9
.
Havia também bailes domiciliares, bem como bailes em salões. Como aponta
Wiese (2004), estes encontros eram marcados pela presença de conjuntos musicais da
cidade, responsáveis por garantir a alegria e a descontração da festa.
No mês de outubro foi realizado um baile no estabelecimento de
Vanselow em Neu-Bremen, para o qual os colonos vieram de todos
os lados com suas famílias e visitantes de Hamônia. Nós jovens, sob
a direção de meu irmão havíamos fundado uma banda de música, à
qual demos o nome de “Neu-Bremen BurgerKapelle”. O que tocava
bandonion era Mathias Hass. Meu irmão havia enchido uma dúzia de
garrafas de litro com água e estas foram preparadas de acordo com a
escala musical, ficando penduradas e enfileiradas por uma corda.
Ewald Koschel acionava o triângulo, feito de duas brocas de pedra
amarradas numa corda. Para mim foi escolhido o bumbo, para o qual
colocamos um latão leve que continha chumbo e originalmente servia
para embalar fósforos. Raramente o bumbo suportava uma noite de
baile. Heinz Bars usava uma lata de petróleo como tambor. Joseph
Haas usava como contrabaixo um caixote de querosene e como
cordas era usado arame, e o baile assim organizado, podia começar
(WILLE apud WIESE, 2004, p. 198).
Além destas associações, os teuto-brasileiros procuravam manter também as
datas festivas trazidas da Alemanha. No caso do município de Presidente Getúlio,
destacavam-se: o Kinderkaffee café de criança – , uma festa destinada à comemoração
9
É importante ressaltar que a entrevistada menciona que era comum o uso do idioma alemão nestes
encontros.
35
do nascimento de alguma criança na colônia; o Polterabend – barulho noturno – , uma
confraternização na véspera do matrimônio (sempre na sexta-feira à noite, pois os
casamentos eram realizados no sábado), na qual os convidados traziam presentes,
geralmente louças velhas, e no instante de entregá-los deixavam cair de propósito.
“Então, os noivos eram obrigados a recolher os cacos. O objetivo desta tradição
consistia em que os noivos unissem os bens de ambos, a partir do casamento” (WIESE,
2004, p.188); e a Katerfrühstück
10
– lanche de ressaca –, que consistia numa refeição
feita no dia seguinte do casamento, com as sobras da comezaina do mesmo.
Este tempo social particular dos teuto-brasileiros era reproduzido através de
calendários – Kalender – que tinham registrados em seus meses as datas religiosas, os
encontros esportivos e demais datas festivas. Estes calendários eram confeccionados na
cidade e vendidos em bancas de jornal e armazéns. Assim como os jornais impressos e
revistas periódicas, os calendários tinham a importante função de constituir uma idéia
de simultaneidade firme e sólida através do tempo (Anderson, 1989) entre seus
usuários, elemento fundamental para a constituição e consolidação de uma espécie de
comunhão social imaginária do grupo entre si e com a cultura alemã herdada. (ver
figura 1.1)
Além do caráter lúdico e cultural descrito acima, estas associações zelavam
ainda pelo desenvolvimento social das colônias. Tomando como exemplo o caso da já
mencionada Culturverein zu Dona Francisca:
Essa sociedade foi fundada pelos alemães Joseph Ferdinand Reiss, Carl
Julius Ludolph Parker, pelo pastor evangélico Georg Hoelzel e por Ottokar
Doerffel (figura de destaque na sociedade, “foi diretor da colônia, membro
de todas as agremiações artístico-recreativas, fundador do ‘Kolonie-
Zeitung’, além de membro de partido político”). A Culturverein zu Dona
Franscica tinha como objetivo incentivar a agricultura e a indústria na
Colônia, ajudando os colonos recém-chegados, orientando-os dentro das
práticas já estabelecidas. Diligenciaria a fundação de uma biblioteca e de
10
Cabe mencionar que a palavra alemã Kater (gato) é também usada popularmente para expressar o
estado de ressaca.
36
uma sala de leitura na Colônia, bem como manteria correspondência para
troca de experiências com outras sociedades e outras pessoas, trocando,
dessa maneira, experiências sobre os assuntos já citados e, ainda, para fins
de progresso da própria Colônia. Neste momento, esta associação deveria
abster-se de assuntos políticos e públicos do Império. Seria, portanto, um
espaço próprio, de homens públicos, para negócios de interesses privados ao
grupo que, tudo indica, desenvolvia uma sociedade burguesa. Em vários
contextos históricos, estes espaços de sociabilidade restritos têm feito parte
da formação e distinção do “bom burguês” (BRUHNS, 1997, p. 28).
Dessa forma, estes espaços de sociabilidade tornaram-se instrumentos eficazes
para a reelaboração da cultura alemã e para o desenvolvimento social do grupo, perante
uma nova realidade no contexto da colonização.
Figura 1.1. Kalender impresso pelo jornal teuto-brasileiro Blumenau Zeitung, com a foto de Plínio
Salgado, líder da Ação Integralista Brasileira – AIB.
Fonte: Arquivo Histórico de Ibirama.
37
1.2.4. A Igreja Protestante ou “die Kirche”
Dentre as religiões
11
cultuadas pelos colonos alemães e mais tarde pelos teuto-
brasileiros, as de vertente protestante tiveram um papel preponderante para a formação e
preservação da cultura local. Além do caráter cosmológico que a religião em geral
assegura aos seus fíéis ao possibilitar a eles a chance de viverem e agirem no mundo
com “mais força, seja para suportar as dificuldades da existência, seja para vencê-las”
(Durkheim, 1973, p. 524), as religiões de vertente protestante alemã também
asseguravam a união do grupo, não apenas com a propagação de sua moral e
solidariedade cristã, mas com a pregação de sua ascese e com a preservação dos traços
culturais do Deutschtum.
No que diz respeito à ascese protestante (Weber, 2004), pode-se dizer que ela
contribuiu para a constituição da etnia teuto-brasileira, pois a valorização do trabalho
propagada pelo protestantismo auxiliou no florescimento da economia de suas cidades,
e também fez com que este mesmo fator, aliado ao Deutschtum, demarcasse as
fronteiras étnicas (BARTH, 1997) dos teuto-brasileiros com os demais brasileiros.
A preocupação protestante em valorizar o universo intramundano
12
(Weber,
2004), em oposição ao catolicismo que estimava o universo extramundano (Weber,
2004), fez com que o trabalho diário e o possível êxito material se tornasse a garantia de
se obter a graça divina. Com isso, o protestantismo transmitiu uma série de
ensinamentos religiosos capazes de promover a disciplina corporal e, sobretudo, a
11
Dentre as religiões trazidas pelos colonos alemães estavam diversas vertentes do protestantismo, como
a luterana, a menonita e a anabatista; quanto à católica apostólica romana, para maiores informações
sobre a importância desta religião para os teuto-brasileiros consultar os estudos, de Lúcio Kreutz, acerca
do tema.
12
O agir ético de carater intramundano era precisamente a resposta livre e espontânea que o fiel deveria
oferecer ao amor recebido de Deus. Com isto, o protestantismo refutava a ética do dever e da obrigação
católica que deveria ser alcançada apenas através do cultivo espiritual – universo extramundano –
desenvolvido na vida monástica. Segundo a Igreja Protestante esta predestinação isolava o fiel da vida
intramundana, bem como do homem comum.
38
disciplina espiritual, necessárias para que os seus fiéis pudessem alcançar a
predestinação divina.
Como exemplifica Frotscher (1998), em seu estudo sobre o imaginário
constituído em torno do trabalho alemão, a fundação de Blumenau foi
preponderantemente de imigrantes luteranos. Por volta da segunda metade do século
XIX, dos 2.022 habitantes, 1.556 eram protestantes. Para Hermann Blumenau, fundador
desta colônia,
13
fazia-se necessário realizar a assistência espiritual dos trabalhadores
para que o desenvolvimento econômico prosseguisse; logo providenciou a vinda de um
pastor. Afinal como afirma Weber acerca da ascese protestante:
O “descanso eterno dos santos” está no Outro Mundo; na terra o ser
humano tem mais é que buscar a certeza do seu estado de graça,
“levando a efeito, enquanto for dia, as obras daquele que o enviou”.
Ócio e prazer, não; só serve a ação, o agir conforme a vontade de
Deus inequivocamente revelada a fim de aumentar sua glória. A
perda de tempo é, assim, o primeiro e em princípio o mais grave de
todos os pecados. Nosso tempo de vida é infinitamente curto e
precioso para “consolidar” a própria vocação. Perder tempo com
sociabilidade, com “conversa mole”, com luxo, mesmo com o sono
além do necessário à saúde – seis, no máximo oito horas – é
absolutamente condenável em termo morais (WEBER, 2004, p.143).
A partir das características da ascese protestante apresentadas por Weber, pode-
se perceber o tipo de trabalhador que a colônia de Blumenau buscava. Em geral
deveriam apresentar valores tais como: vontade de trabalhar, capacidade em economizar
seus lucros e serem destituídos de vícios humanos degenerativos como o alcoolismo,
por exemplo.
Entre os primeiros colonos trazidos por Hermann Blumenau, a
maioria já tinha conhecimento de uma profissão. Entre eles havia
agrimensores, ferreiros, carpinteiros, marceneiros, pedreiros, um
fabricante de cigarros, e também agricultores. Conforme Vilmar
Vidor, havia “o cuidado em fazer vir pessoas tendo já o
conhecimento de uma profissão, pois as pessoas desapropriadas pelo
sistema eram numerosas [...] Blumenau preocupava-se em obter
13
Esta colônia era tida por definição como um empreendimento capitalista, pois além de gerar lucros para
o Império brasileiro, gerava também lucros para a Alemanha, com a venda de maquinários e prestação de
serviços para a colônia.
39
pessoas laboriosas, visto que o desenvolvimento de sua empresa era
indispensável para que as obrigações prometidas junto ao Governo
fossem cumpridas conforme os prazos estipulados”. Como o próprio
Dr. Blumenau escreveu e publicou na Alemanha, em riquíssimo
documento histórico, “[...] deveriam imigrar para Santa Catarina
somente pessoas que entendem de um ofício; para estar bem
empregado, é indispensável e com o mesmo ganhar o seu sustento, ou
aqueles que praticam a agricultura e queiram uni-la com seu trabalho
[...]”. “Em especial, só mandem gente boa para cá, pessoas que
possamos aproveitar, gente dada a bebida não nos serve”. “[...] Para
os futuros imigrantes mais abastados, também dava seu conselho;
nada de luxo, apenas trabalho:” No que se refere ao restante das
condições de vida, ninguém vai esperar encontrar a Europa no sul do
Brasil, com suas comodidades e prazeres. O mais importante para
Hermann Blumenau era que o imigrante tivesse disposição para o
trabalho:”[...] Para os outros, mesmo que venham com o bolso vazio,
não tenham nenhum receio, pois com vontade de trabalhar e seguindo
os conselhos dados na minha pequena obra anterior, logo terão
trabalho, mesmo que o ordenado no princípio seja baixo”.
(FROTSCHER, 1998, p.120).
As prerrogativas exigidas e a ênfase na busca de um trabalhador “digno” e sem
vícios foram, com o tempo, tornando-se requisitos tradicionalmente inquestionáveis,
não apenas entre as companhias alemãs que recrutavam estes trabalhadores, mas pelo
próprio governo brasileiro que percebeu o florescimento econômico das regiões
ocupadas por alemães (Porto, 1996).
O mesmo imaginário acerca das qualidades do trabalho alemão foi incorporado
mais tarde no processo de constituição da etnia teuto-brasileira e serviu para delimitar
sua fronteira étnica com os demais brasileiros. Portanto, a valorização da ascese
protestante foi vista como um elemento diferencial da cultura teuto-brasileira em
relação à cultura brasileira, o que serviu posteriormente como uma justificativa para o
desenvolvimento econômico e social de suas cidades. Valendo-se das palavras de
Seyferth (2004), acerca da identidade étnica teuto-brasileira:
[...] é constituída por oposição aos brasileiros (termo que, nesse
contexto, assume conteúdo étnico, e nada tem a ver com a cidadania).
[...] os brasileiros são etnocentricamente classificados como
inferiores, através de critérios que vão de uma pressuposta
incapacidade para o trabalho – desqualificados como preguiçosos,
atrasados, descuidados – à falta de fervor religioso (SEYFERTH,
2004, p.10, grifo nosso)
40
No que diz respeito à importância das Igrejas Protestantes para a preservação
dos aspectos étnicos característicos do Deutschtum, pode-se considerar que a
valorização do idioma alemão ganhou destaque particular perante os demais aspectos
culturais alemães. Isto ocorreu pelo fato de que o protestantismo advogava pela
necessidade de disponibilizar aos seus fiéis o acesso às escrituras sagradas através do
próprio idioma nacional, pois a única autoridade reconhecida por eles em matéria de fé
e de costumes era a palavra de Deus, presente nas sagradas escrituras. A palavra de
Deus atuaria como o contato
pessoal mediante a ação do
Espírito Santo, engendrando a fé, e
com ela a salvação. Daí a
importância da pregação da
palavra de Deus, assim como da
tradução da Bíblia para as línguas
vernáculas e da interpretação
pessoal ou livre exame dos textos
bíblicos. Dessa forma, se os fiéis
fossem falantes da língua alemã, a
Bíblia deveria ser impressa no
vernáculo materno. (ver figura 1.2)
Além disso, o outro ponto fundamental da doutrina protestante, que influenciou
a valorização do vernáculo materno, diz respeito à concepção sobre o sacerdócio. Os
reformadores insistiram no princípio bíblico de que Cristo seria o único sacerdote,
mediador ante o Pai, e que todo o povo incorporado a Cristo constituiria o sacerdócio da
nova lei. Os protestantes rejeitavam, portanto, o sacerdócio ministerial católico, ou seja,
Figura 1.2 Bíblia Luterana utilizada pelas igrejas
luteranas teuto-brasileiras.
Fonte: Casa da Cultura Adele Ax
Figura 1.2 Bíblia Luterana utilizada pelas igrejas
luteranas teuto-brasileiras.
Fonte: Casa da Cultura Adele Ax
41
negavam um sacramento que tornasse determinados membros da comunidade
sacerdotes. Para as Igrejas Protestantes, o líder religioso não deveria ser o mediador do
povo com Deus, mas sim alguém com mais experiência que iria acompanhar os fiéis
apenas na leitura da Bíblia, a interpretação caberia ao livre-arbítrio
14
de cada um (Fiori,
1986). A radicalização dessa idéia levou diversas igrejas a substituir o regime episcopal
católico pelo presbiteriano ou pelo congregacionista, que transferiam a direção
eclesiástica à comunidade.
Esta postura de valorização lingüística adotada pelo protestantismo era tida
como uma medida de desaprovação à política de exclusividade do idioma latino, que a
Igreja Católica havia adotado séculos atrás, para a celebração das missas e a tradução da
Bíblia. Segundo o pensamento protestante, o uso do vernáculo nacional durante a
celebração dos cultos religiosos fazia-se necessário para se ter uma população atenta aos
ensinamentos religiosos e, também, capaz de interpretar por si só as escrituras sagradas.
Como as Igrejas Protestantes teuto-brasileiras apresentavam uma forte ligação
com a matriz alemã
15
, adotaram as políticas criadas pela mesma. Assim, todos os cultos
e demais serviços eclesiásticos prestados pelas Igrejas protestantes brasileiras eram
realizados em língua alemã. Sob esta premissa, a preservação do vernáculo também se
fez fortemente presente entre os teuto-brasileiros.(ver figura 1.3)
14
Para mais informações sobre a perspectiva do livre-arbítrio alemão, consultar os ensaios sobre estética
de J.C.F. von Schiller.
15
Como demonstra Magalhães (1998): “Na década de 1930, a região eclesiástica que congregava a
maioria das comunidades evangélicas de Santa Catarina e do Paraná filia-se à Federação das Igrejas
Evangélicas Alemãs, como o fizera o Sínodo Riograndense em 1928. Esta decisão resultou num maior
estreitamento político entre o clero teuto-brasileiro e a igreja-mãe, bem como na expectativa de um
auxílio financeiro mais expressivo, tanto para as comunidades emergentes quanto para aquelas que já
estavam consolidadas. Tal alinhamento passou a ser coordenado por um representante permanente da
Igreja Evangélica Alemã no Brasil, que atuaria ao lado do consulado alemão como um preposto entre
aquelas comunidades e a Federação das Igrejas Evangélicas Alemãs” (MAGALHÃES, 1998, p.165).
42
Além de se preocupar com a
preservação do vernáculo, a Igreja
Protestante também demonstrava interesse
em promover a conservação da cultura
particular de seus fiéis. Para ela, fazia-se
importante a aproximação dos teuto-
brasileiros, através do culto a seus
antepassados e a sua Heimat que haviam
ficado na Alemanha, uma vez que isso
assegurava a preservação das tradições
culturais do grupo. Além disso, a cultura
aliada à fé era importante para os fiéis
vencerem as adversidades climáticas e geográficas encontradas no novo mundo.
Conforme aponta Voigt:
Em grande parte dos núcleos coloniais de origem alemã no Brasil, a Igreja foi,
portanto, um dos principais instrumentos para que a herança cultural dos
imigrantes não fosse perdida. Em suma, para os luteranos a identidade étnica e a
fé estavam estreitamente vinculadas (VOIGT, 1996, p.54).
Uma das formas encontradas pela Igreja Protestante teuto-brasileira para a
preservação da cultura particular do grupo foi a endogamia. Diante do contato
estabelecido com outros grupos étnicos professantes do catolicismo como, por exemplo,
os polaco-brasileiros e os ítalo-brasileiros; além da própria população brasileira,
majoritariamente católica, os teuto-brasileiros demonstraram uma preocupação
particular com a preservação da cultura e da religião de seu grupo, por isso a proposta
de se realizar o casamento restrito entre eles. Como exemplifica Wiese:
O Pastor Rotermund de Porto Alegre, que pregava a manutenção da
Língua Alemã e a endogamia afirmou textualmente: “O cultivo da
Figura 1.3 Invólucro do certificado de 1°
Comunhão da Igreja Luterana de Presidente
Getúlio, 1940.
Fonte: Documentos pessoais de Ruth Gutz.
43
germanidade está no sangue e na alma da Igreja Evangélica, que, com
razão, foi designada de fruto da união do Evangelho com o
germanismo (...) Quem deixa de sentir e pensar evangelicamente,
deixa de ser alemão, e vice-versa; quem nega a língua e a índole
alemã, também se perderá para nossa Igreja” (WIESE, 2003, p. 101).
Através destas evidências nota-se que a Igreja Protestante foi uma das principais
Instituições responsáveis pela preservação do Deutschtum. Para que isso ocorresse,
reivindicou para si desde o início da colonização a responsabilidade de educar as
gerações futuras, por meio da criação de escolas que eram coordenadas pelos próprios
pastores protestantes
16
.
Segundo as referências acerca desse tema, a questão religiosa para o grupo
étnico em questão tivera um papel importante ao lado do ensino escolar no que tange o
desenvolvimento cultural das áreas colonizadas
17
. Tal fato ganhou maior relevância ao
16
Conforme Greggersen (2006) demonstra, desde o início a educação teve um papel importante para a
ética protestante. “Com ajuda de seu amigo Melancton, educador assumido, ele [Lutero] ajudou a
organizar o sistema educacional alemão, que forma a sua base até hoje, naquelas cidades que adotaram o
protestantismo oficialmente. Desta maneira, ele introduziu um modelo de ensino confessional e ao mesmo
tempo, público e gratuito, pelo menos naqueles Estados que abraçaram o protestantismo oficialmente.
Não é para menos que este país também se tornou o berço de pensadores fundamentais para a educação
como Froebel (1782-1852), Herbart (1776-1841) e Francke (1663-1727), entre outros. Se abrirmos o
leque para a Europa toda, não poderemos deixar de mencionar o mal compreendido João Amos
Comênius, que foi pastor protestante, Pestalozzi, e tantos outros educadores protestantes fundamentais.”
(GREGGERSEN, 2006, p. 09) O mesmo fato se deu nas igrejas protestantes calvinistas: “Calvino
também influenciou a cidade no aspecto civil, introduzindo leis que não versassem somente sobre
deveres, mas também falassem de direitos, além de instituir o ensino público obrigatório e leis de higiene
e ética profissional, trazendo certo civismo para a cidade. [...] Ele também lutava pela abertura de uma
escola ao lado de cada igreja protestante, articulando fortemente a formação de valores éticos à educação
cristã, mas também à formação cultural. Segundo a visão de Calvino, todo homem, criado à imagem e
semelhança de Deus tem embutido em si, a “semente da religião”, muito ligada à aquisição do
conhecimento. De acordo com as Institutas, em princípio, todos são capazes de aprender qualquer coisa,
religiosa ou não, independente das diferenças econômicas, sociais, religiosas, etc. Acontece que o homem
só chega ao conhecimento, se antes se confrontar com o conhecimento de Deus, que o conscientiza da sua
limitação e necessidade de estudo. A tarefa do educador é desenvolver as faculdades humanas de forma
equilibrada, com vistas à restauração da imagem de Deus através da obra redentora de Cristo e
regeneradora do Espírito Santo. Por este e outros motivos, Genebra passou assim a ser conhecida como a
“cidade de Calvino”. Na famosa Academia de Genebra fundada por ele em 1559, desenvolveu um
programa de ensino unificado de nível primário, secundário e universitário. Com isto ele provava o
“óbvio não dito” que para ele representava a educação. Em 25 de dezembro do mesmo ano, ele recebeu o
título de cidadão da cidade. No ano da sua morte (1564), a Academia contava com 1200 alunos
universitários, além de 300 alunos de outros cursos.” (GREGGERSEN, 2006, p. 09)
17
Segundo a bibliografia atesta, bem como os depoimentos recolhidos em trabalho de campo, as
primeiras construções a serem edificadas pelos teuto-brasileiros em solo brasileiro foram justamente a
Igreja e a Escola.
44
ser constatado que ambas as instituições – Religião e Escola – estavam diretamente
interligadas em propósitos comuns
18
. Como menciona Harry Wiese (2005):
Gustavo Tentoni Dias E qual o papel da Igreja e da Escola na preservação da cultura local?
Harry Wiese Aqui a Igreja e a Escola caminhavam sempre juntas. O cristão precisava ser
alfabetizado para ler e interpretar a Bíblia. Aqui o que caminhou sempre muito junto foi um
tripé: ou seja, a Igreja, a Escola e o Hospital. As três coisas que sempre andaram muito perto.
G.T.D. Por que o Hospital?
H.W. A Igreja cuidava da saúde espiritual, a Escola da saúde mental e o Hospital da saúde
física. Isso era muito forte havia toda uma História da saúde muito interessante. Sempre houve
uma coisa interligada com a outra.
Assim sendo, a escola foi um ponto importante para a religiosidade protestante,
pois era através da alfabetização na língua vernácula que a criança iria adquirir um
aperfeiçoamento mental, o que mais tarde seria fundamental para o aprimoramento
espiritual. Em outras palavras, o livre-arbítrio seria assegurado a partir do processo de
alfabetização, pois o ensino escolar disponibilizava indivíduos alfabetizados e capazes
de interpretar as escrituras sagradas da Bíblia.
Por isso, ao se discutir o papel da escola ou da religião dentro do grupo teuto-
brasileiro, não é possível desvencilhar uma instituição da outra. Ambas andaram
intimamente vinculadas no processo de preservação da cultura alemã.
1.2.5. As escolas Teuto-brasileiras ou “die Deutschbraslienertum Schulen
Paralelamente ao espaço privado do lar e aos espaços públicos da Igreja e dos
diversos tipos de associações recreativas e culturais, a escola teuto-brasileira também foi
um importante espaço público que possibilitou a transmissão e a manutenção dos traços
culturais alemães, sobretudo a língua alemã. A sua formação perpassa três distintos
18
“Hammonia, no ano de 1904, teve ainda outros avanços na educação. No dia 1° de outubro, foram
instaladas mais 3 escolas: Neu-Bremen, Rafael e Sellin. No final de 1905, o número de escolas subiu para
7, sendo 6 evangélicas e 1 católica, com 110 alunos matriculados. As escolas evangélicas, na verdade,
eram as tradicionais escolas particulares alemãs e a católica denominava-se Escola Paroquial. No ano
seguinte, a matrícula subiu para 140.” (WIESE, 2004, p. 85).
45
momentos históricos. O primeiro é o surgimento das Gemeindenschulen – escolas
comunitárias -, o segundo momento a influência religiosa e, por fim, o terceiro
corresponde à intervenção do II Reich - Segundo Império Alemão – nas regiões teuto-
brasileiras.
1.2.5.1. As Escolas comunitárias ou “die Gemeindenschulen
Tanto os alemães fixados nas colônias alemãs como os primeiros teuto-
brasileiros demonstravam a necessidade de construir suas primeiras escolas, a fim de
desenvolver a cultura alemã – jus sanguinis – em um solo considerado estrangeiro.
Dessa forma, enquanto cidadãos brasileiros – jus solis – economicamente ativos
reivindicavam por parte do governo brasileiro a construção de educandários que
possibilitassem a promoção da cultura alemã e o aprendizado da língua portuguesa.
Tomando como base o estudo de Bendix (1996) – Construção Nacional e
Cidadania – na qual o autor reflete sobre a organização da comunidade política na
modernidade, pode-se afirmar que o acesso à educação reivindicado pelos colonos
alemães e, posteriormente, pelos teuto-brasileiros junto às autoridades brasileiras pode
ser analisado como um elemento constituinte dos direitos sociais; direitos esses que
“vão do ‘direito ao bem-estar econômico e à segurança mínimos ao direito de participar
inteiramente na herança social e a viver a vida de um ser civilizado, de acordo com os
padrões prevalecentes na sociedade” (BENDIX, 1996, p. 111). Sob esta premissa, havia
a reivindicação por estabelecimentos escolares, a fim de possibilitar aos membros do
grupo étnico o acesso aos elementos básicos de educação.
O direito à educação básica é semelhante ao “direito de reunião”.
Enquanto um grande contingente da população é desprovido de
educação básica, o acesso às facilidade educacionais aparece como
uma precondição de educação sem a qual outros direitos legais
permanecem inacessíveis ao analfabeto. Fornecer os rudimentos de
educação aos analfabetos aparece como um ato de liberação. Todavia,
46
os direitos sociais são distintivos pelo fato de, comumente, não
permitirem ao indivíduo decidir se deve ou não tirar proveito de suas
vantagens. Como a regulamentação legislativa das condições de
trabalho para mulheres e crianças, o seguro compulsório contra
acidentes na indústria, e medidas de bem-estar semelhantes, o direito
a uma educação básica não se distingue do dever de freqüentar a
escola. (BENDIX, 1996, p. 122).
Entretanto, as reivindicações destes migrantes alemães e dos teuto-brasileiros
não foram atendidas. Essa omissão por parte do governo brasileiro ocorreu desde o
início do período Imperial, primeira fase da imigração alemã para o Brasil, até o período
da República Velha, governo marcado por políticas educacionais descentralizadoras e
que, em virtude disso, tiveram pouco impacto nas regiões de colonização alemã.
Os imigrantes pressionaram o Estado em favor de escolas públicas.
Mas no período mais intenso da imigração, a partir de 1890, o Brasil
tinha um sistema escolar altamente deficitário, com uma população
de mais de 80% de analfabetos. Não tendo condições ou política
prioritária para a oferta de escolas, o governo estimulou os imigrantes
a abrirem escolas étnicas. O administrador de São Leopoldo, núcleo
original dos imigrantes alemães, no Rio Grande do Sul, queixando-se
ao Presidente da Província da deficiência de escolas públicas, relatou
que havia apenas três destas em relação a 23 escolas da imigração
alemã, das quais apenas uma ensinava em português. Por isto pedia
um decreto obrigando o ensino da língua nacional nas escolas da
imigração. Contra sua expectativa, o Presidente da Província permitiu
o ensino em alemão também nas escolas públicas da região colonial
(Carneiro apud Kreutz, 2006, p. 03).
Em decorrência da postura adotada pelas lideranças políticas brasileiras, como o
exemplo acima alude, os próprios colonos alemães e os teuto-brasileiros optaram por
fundar suas escolas. Conhecidas como Gemeindeschulen – escolas comunitárias –, estes
educandários tinham como objetivo oferecer o ensino primário ao público jovem local,
já que, não existindo um sistema educacional oferecido pelo governo brasileiro, não
seria possível alfabetizá-los senão deste modo. Através da criação de um estatuto
próprio, estas escolas procuravam estabelecer regras internas, a fim de que seu
funcionamento pudesse ser eficiente. Este foi o caso da Escola Particular do Ribeirão da
47
Onça, fundada no antigo distrito homônimo, pertencente ao município de Hamônia.
Segundo o regulamento interno da escola,
§3 O fim desta Communidade é o de ministrar à juventude uma boa
instrução escolar, de accôrdo com as leis do paiz. Afim de ser
realizado este desígnio, será construído um edifício escolar, serão
adquiridos os utensílios escolares necessários,e contratado um bom
professor.(ESTATUTOS, s/d).
Sua manutenção era feita através da arrecadação mensal de donativos doados
pelos próprios moradores da colônia.
§4 poderá ser sócio da Communidade escolar todo morador deste
distrito, de idade maior, gozando boa reputação, mediante declaração
ao Presidente da Communidade, da sua adhesão, e pagando a jóia
estipulada. Em caso de dúvida decidirá a assembléia da
Communidade sobre a entrada do novo sócio. §5 Todo o sócio se
obriga a mandar pontualmente às aulas seus filhos, que tenham a
idade própria de accôrdo com a lei; ao pagamento pontual e regular
das suas contribuições, como também salvaguardar os interesses da
Communidade, tanto quanto lhe for possível. Sócios sem
propriedades pagam mensalmente. (ESTATUTOS, s/d).
A direção escolar era composta pelo presidente, o secretário e o tesoureiro.
Geralmente os próprios membros da comunidade assumiam este cargo. A votação para
a escolha destes membros era realizada por uma assembléia ordinária, e os candidatos
eleitos pela maioria dos votos administravam a escola por dois anos. Ficava sob
responsabilidade do presidente marcar as assembléias da escola, além de realizar a
votação dos “projetos apresentados pelos sócios” (ESTATUTOS, s/d). O presidente por
si só poderia decidir sobre os gastos que a escola deveria realizar, caso o valor fosse
inferior a 80$000; do contrário, ele deveria ter autorização da assembléia da
“Communidade escolar”. Já o secretário era responsável por realizar a redação das atas
das assembléias gerais e as da diretoria. Ficava, ainda, incumbido por todos os trabalhos
de escrituração. Por fim, o tesoureiro era responsável por cobrar e administrar as “jóias”
e as contribuições mensais destinadas à escola. Além disso, deveria realizar o
48
[...] pagamento do salário do professor e das contas legitimadas pelo
presidente; procederá à escrituração pontual e rigorosa de todas as
despezas e receitas, apresentando à assembléia geral o devido
balancete. Para a revisão do caixa a assembléia geral elegerá, por
meio do voto secreto, dois sócios, que não poderão pertencer à
diretoria. (ESTATUTOS, s/d)
Apesar de demonstrar uma organização burocrática estas escolas, como
demonstra Rabuske (2003), constantemente passavam por dificuldades financeiras e,
consequentemente, sofriam com a falta de material didático e de recursos humanos,
como, por exemplo, a contratação de professores.
Diante desta situação, para preencher a vaga de professor nas Gemeindeschulen
recorria-se à contratação de qualquer pessoa da própria colônia que possuísse
habilidades mínimas para ocupar o cargo. Neste caso, a diretoria escolar ficava
responsável pela seleção e contratação do docente
19
. Como demonstra Paiva:
Os professores eram quase que exclusivamente recrutados entre
indivíduos incapazes para o trabalho agrícola (seja pela idade, seja
pela compleição física) ou entre aqueles que, recém-imigrados, ainda
não tivessem encontrado uma ocupação definitiva. Estes primeiros
professores não dispunham de qualquer formação pedagógica e eram
frequentemente limitados em educação escolar. Professores leigos e
Gelegenheitslehrer (professores de ocasião) continuarão constituindo
a regra nas escolas de língua alemã até mesmo na década de 1930
(PAIVA, 2003).
O professor contratado deveria prestar contas constantemente à diretoria, que,
por sua vez “fiscalizava-lhe o desempenho, vigiava-lhe a conduta, garantia-lhe a
remuneração que considerasse condigna. E no caso de não satisfazer às expectativas, era
ainda a diretoria da escola que tratava de sua substituição. Esta era a escola
comunitária.” (KOCH, 2003, p 70).
Conforme já citado, os recursos econômicos destinados às Gemeidenschulen
eram parcos, o que fazia necessário encontrar soluções paliativas para superar este
19
Como forma de atrair pessoas para estes cargos, a diretoria oferecia ao docente uma moradia e uma
área de terra em que sua família pudesse trabalhar e se sustentar.
49
problema. Como relata Wiese (2004) a respeito da fundação da primeira escola na
colônia de Neu-Zürich – atual município de Presidente Getúlio:
A fundação da escola foi descrita por Frederico Kilian. Eis o texto: _
O problema para o momento era: ‘Como conseguiremos um prédio
escolar? ’ _O colono Grage havia construído, além de sua casa
também um estábulo para a criação de porcos, que pretendia iniciar,
porém ainda não estava ocupado com tais animais grunhentos. _ ‘Que
tal Grage’, exclamou um dos colonos, ‘Se você pusesse o estábulo à
disposição para servir de sala de aula da nova escola? Pois por
enquanto não tens porcos para abrigá-los nele’. A proposta agradou a
todos e foi aceita pelo colono Grage e assim o chiqueiro transformou-
se no primeiro instituto pedagógico de Neu-Zürich (WIESE, 2004, p.
84)
No que competia ao material escolar, havia também a dificuldade na aquisição
de livros e demais materiais pedagógicos, tais como cadernos, Atlas escolares e mapas.
Entretanto, além da restrição financeira, o problema da falta de meios de transportes era
uma dura realidade, pois inviabilizava o acesso aos centros urbanos.
Por fim, é importante ressaltar que as Gemeidenschulen não apresentavam
vínculo com instituições religiosas. Conforme alude Paiva (2003), o surgimento destas
escolas remonta a um período anterior à atuação das igrejas protestantes e católicas.
Havia em algumas escolas teuto-brasileiras desse período o aprendizado do
idioma português. O ensino desta língua compreendia os elementos básicos de leitura e
escrita. Segundo Wiese (2004), diferentemente do ensino do alemão, a aprendizagem e
o ensino da língua portuguesa eram tarefa difícil, pois os professores eram
despreparados para o ensino deste vernáculo e, por este motivo, entre outros, os alunos
apresentavam dificuldades na aprendizagem. Além disso, “as aulas de português
aconteciam no máximo duas vezes por semana [...] não havia com quem travar
conversações. Não bastassem os professores sem habilitação, havia ainda a falta de
material didático, cartilhas e livros em português (WIESE, 2004, p. 99)”.
1.2.5.2. A participação religiosa nas escolas teuto-brasileiras
50
Durante a segunda metade do século XIX, quando se iniciou a atuação de
jesuítas católicos e pastores protestantes nas áreas de colonização alemã, o controle
escolar passou gradativamente para o comando das Igrejas Católicas e Protestantes.
Dentre as hipóteses levantadas em torno do processo de intervenção religiosa do
protestantismo e do catolicismo na rede escolar, pode-se considerar a suposição de
Kreutz (2006) que associa a influência confessional religiosa no ensino com a
preocupação que as mesmas tinham com a crescente influência do pensamento liberal
nas colônias teuto-brasileiras, causado, sobretudo, com a chegada dos Brummers
20
.
Observa-se que:
[...] a Igreja Católica e a Luterana começaram a fazer uma frente de
oposição ao avanço deste ideário. Embora católicos e luteranos
tivessem um alinhamento diferenciado com o Movimento da
Restauração no Rio Grande do Sul, as lideranças destas igrejas junto
aos imigrantes declararam, em 1872, que, apesar das diferenças
históricas, estavam conjugando esforços numa frente de oposição ao
avanço do liberalismo ateu (Kreutz, 1991, p. 61s). A partir de então
as duas confissões religiosas centraram suas atividades junto aos
imigrantes principalmente em torno da difusão da imprensa, do
associativismo e da escola. Algumas grandes iniciativas foram
comuns entre as duas igrejas. No entanto, a maior parte da ampla
estrutura de apoio aos imigrantes, na qual a escola recebia uma
atenção especial, tinha caráter confessional. Opondo-se ao
movimento de laicização do ensino e entendendo a expansão da rede
pública de escolas como perda de terreno, as duas confissões
religiosas investiram numa ampla estrutura de coordenação e
incentivo às escolas comunitárias junto aos imigrantes. E assim, a
escola entre imigrantes começou a ser vinculada a projetos
específicos da Igreja Católica e da Evangélica, adquirindo cada vez
mais uma conotação confessional. Iniciou-se o movimento para a
formação das associações de professores que servissem de elemento
20
Autores como Seyferth (2004) e Kreutz (2004, 2006) demonstram que os Brummers eram mercenários
alemães contratados pelo Império brasileiro para lutarem na Guerra contra Rosas, da Argentina, em 1852.
Tratava-se de idealizadores políticos que haviam participado estreitamente das revoluções liberais
sufocadas na Europa a partir de 1848. Após a luta contra Rosas, eles se estabeleceram no Rio Grande do
Sul. Conquistaram rápida ascendência dentre os imigrantes, pois tinham formação acadêmica superior e
participação em movimentos sociais marcantes. “Segundo Schmidt (1949, p. 23), eles foram um
‘fermento’ entre os imigrantes, estimulando o desenvolvimento material e cultural. Trabalhavam em favor
da nacionalização dos imigrantes, de sua participação política, da difusão da imprensa e da promoção do
processo escolar. Em 1870, mais da metade dos professores da imigração alemã eram Brummer. O
apelido ‘Brummer’ foi-lhes atribuído porque eram questionadores, os que faziam ‘zunido’”. (KREUTZ,
2006, p. 05, grifo nosso).
51
catalisador e que se tornassem um canal de intervinculação entre
igreja e escola.(KREUTZ, 2006, p.06).
Foi, portanto, com a entrada das Igrejas Protestante e Católica no sistema
educacional teuto-brasileiro que houve melhorias substanciais. Cada uma das religiões
propôs associações escolares e auxílio financeiro, para que o ensino pudesse ser
realizado de maneira eficiente. A partir deste momento as Gemeindeschulen foram
sistematicamente substituídas pelas chamadas Escolas Particulares Alemãs de Caráter
Confessional.
Contudo, este estudo focalizou apenas a atuação da Igreja Protestante no meio
escolar, dado ao fato de que esta religião tinha como característica principal a
preservação do vernáculo materno de seus fiéis, bem como os valores culturais dos
mesmos. Já a Igreja Católica, por celebrar seus cultos religiosos com o idioma latino
não se preocupava com a preservação da língua alemã, conforme evidencia a entrevista
realizada com Harry Wiese (2005):
Gustavo Tentoni Dias Quer dizer então que a função da escola era preparar a criança para o
aprendizado da língua alemã, que mais tarde seria utilizado pela igreja protestante?
Harry Wiese Exatamente. Os evangélicos aqui zelavam pela cultura e pela escolaridade porque
acreditavam que saber ler e escrever era uma forma de agradar a Deus. Porque de acordo com
eles, Deus não gostaria de seres humanos analfabetos, porque estes não teriam acesso às
sagradas escrituras. Para ter acesso às sagradas escrituras, você precisava ser alfabetizado. E
dentro da filosofia alemã todo o ensino era voltado para o aprendizado da língua alemã. Para
poder ler e interpretar a sagrada escritura. E os católicos não tinham tanto esta questão, para eles
era o padre que interpretava a sagrada escritura, então não precisavam ser necessariamente
alfabetizados. Embora houvesse queixas de padres católicos de não poderem preparar
suficientemente seus fiéis por causa do problema de língua. Só que o estilo era outro, era
comunicação, era problema de comunicação. Para os evangélicos não era só comunicação
(WIESE, 2005, 1° cassete sonoro. Lado A).
52
Tomando como exemplo o caso da colônia de Hamônia, nota-se que se o Pastor
luterano Paul Aldinger
21
criou a primeira escola particular alemã de cunho protestante e,
um ano mais tarde, fundou a primeira escola agrícola do município. Através dessa
escola foi possível ensinar aos alunos o manuseio do solo e das técnicas agrícolas
desenvolvidas pela cultura teuto-brasileira. Já em relação à escola particular, houve a
chance dos alunos não só aprenderem a cultura e a língua alemã, mas em conseqüência
disto, a terem, também, uma assistência espiritual por meio do estudo da Bíblia.
Percebe-se que em Hammonia a igreja evangélica e a escola estavam
sob a liderança de uma mesma personalidade. Assim, a interação
entre a escola e a igreja foi um suporte forte na consciência étnica
com vistas à resistência à inserção da Língua Portuguesa. Coube à
igreja evangélica, a competência da transmissão e conservação da fé
em contraste com outras etnias, principalmente, a brasileira, pois a fé
devia ser expressa em Língua Alemã. (WIESE, 2003, p. 104).
Assim, a Igreja Protestante e a Escola teuto-brasileira caminharam juntas no
processo de preservação do Deutschtum. Da mesma forma que o protestantismo não
ficou restrito a oferecer apenas o universo religioso aos seus fiéis, pois procurou auxiliar
no desenvolvimento econômico e social das cidades teuto-brasileira, o mesmo ocorreu
com as escolas que não se limitaram apenas à função social de educar e alfabetizar o
público jovem. O fato de manter vivo entre os alunos o uso da língua alemã possibilitou
a conservação do Deutschtum e a preservação da própria religião protestante. Como
demonstra Fasel:
A igreja e a escola não representam duas áreas estranhas entre si, mas
dependem uma da outra. Onde a igreja tem que trabalhar sem a
escola, vai faltar-lhe a juventude, e onde a escola se afasta da igreja,
ela quase sempre torna desorientada. Os alemães no Rio Grande do
Sul devem suas melhores realizações culturais à cooperação entre
igreja e escola e só poderão manter sua cultura própria enquanto esta
21
O pastor alemão Paul Aldinger migrou para o Brasil com o intuito de pesquisar a realidade local e criar
um centro de experimentação para formar líderes comunitários. Contudo este seu plano foi modificado
quando, em 1902, um grupo de vinte famílias teuto-brasileiras solicitou que o Sr. Aldinger viesse a
assumir as funções pastorais em Ibirama.
53
unidade não for rompida. Para nossa população teuto-evangélica vale
este princípio: o principal é que as crianças recebam instrução
religiosa e que desenvolvam seus conceitos em língua alemã. (...)
Uma comunidade evangélica sem escola comunal evangélica corta o
galho em que está sentada (FASEL apud KOCH, 2003, p. 202).
Dessa forma, conclui-se que neste segundo momento, segunda metade do século
XIX, estas duas instituições – Escola e Igreja – foram dois elementos inseparáveis para
a constituição da memória cultural e da preservação moral da sociedade teuto-brasileira.
Entretanto, a escola teuto-brasileira sofreria uma nova remodelação, desta vez sob
influência do processo de consolidação do Estado Alemão moderno, em 1871.
1.2.5.3. A influência do II Reich nas escolas teuto-brasileiras
O terceiro momento vivenciado pelas escolas teuto-brasileiras iniciou-se a partir
do financiamento recebido do governo alemão, por meio das associações escolares
alemãs destinadas a promover e preservar o Deutschtum em países estrangeiros.
Em virtude do processo de independência e unificação dos estados germânicos
no final do século XIX, sob a liderança da Prússia, e do crescente florescimento
econômico que esta região demonstrava; o governo alemão em conjunto com seus
intelectuais nacionais, passou a dedicar atenção especial ao sistema escolar nacional,
pois a educação deveria ser utilizada em proveito da prosperidade do país.
O ensino alemão caracterizava-se por um forte espírito nacionalista.
Em nome deste, ficou para trás a paixão romântica pelo campesinato
que, sob a influência alemã, varrera a Europa; sentimento no qual o
povo era visto de uma forma mais folclórica do que política, e que
estava impregnado de um nacionalismo cultural com expressiva
influência religiosa. Nas últimas décadas do século XIX, todavia, a
Alemanha passou a encaminhar-se rumo a um nacionalismo político,
onde a escola vai desempenhar um importante papel. Os Estados
haviam descoberto então – o caso alemão era um expressivo exemplo
– que “ensinar a ler e a escrever envolvia a constante repetição do
catecismo-cívico nacional, em que a criança era impregnada de todos
os deveres que dela se esperavam: defender o Estado, pagar impostos,
trabalhar e obedecer às leis”. Assim, a “defesa do Estado” – na paz e
na guerra – constituía-se em um dos deveres que, em nome do
nacionalismo, eram interiorizados nas mentes infantis. E à educação
54
escolar foi atribuída a responsabilidade de preparar para ambas as
situações (FIORI, 2003, p. 251).
As teorias educacionais alemãs durante a passagem do século XIX para o século
XX sofreram transformações significativas, pois, como destacou Fiori (2003), perderam
o caráter romântico vinculado à cultura popular iniciado pela ética protestante e, mais
tarde, aprimorado pelo movimento cultural do Romantismo alemão. A educação escolar
neste momento, portanto, não era mais orientada por esses movimentos da sociedade,
pois ela se transformava num estratégico programa político nacional, ou seja, saía das
mãos da sociedade para recair em poder do Estado, que se apresentava forte e único na
figura do Chanceler.
Cabia, então, à rede escolar alemã, administrada pelo Estado, concluir o projeto
de unificação lingüística iniciado por Martinho Lutero
22
. Para as lideranças políticas e
intelectuais nacionais, o idioma nacional era uma forma de criar uma identidade
particular da população para com os limites territoriais do Estado-Nação (GIDDENS;
WEBER, 1994, 2004); e assegurar, também, que os demais Estados-Nações
respeitassem as fronteiras políticas e culturais do povo alemão (GIDDENS,2001).
Dessa forma, para que fosse instalado um idioma oficial, o sistema escolar
nacional deveria propagar o ensino gramatical do Hochdeutsch, ou seja, do idioma
alemão pertencente à alta cultura. Esta política lingüística além de estabelecer tal língua
como o vernáculo nacional, procurou também marginalizar as demais variantes
lingüísticas presentes no território alemão ao considerá-las como meras formas dialetais.
Além disso, a escola tinha a incumncia de divulgar à população jovem do país
os valores culturais, de cunho nacionalista, que o governo idealizava. Ficava, assim,
responsável por consolidar a comunidade imaginária (ANDERSON, 1989) da nação
22
No século XVI, o fundador do protestantismo pretendia instaurar um idioma unificado que organizasse
o léxico alemão, presente nos mais diversos dialetos locais, sobre uma estrutura gramatical assentada no
Latim, sendo assim, seria possível que todos os falantes do território germânico tivessem acesso à Bíblia
e, conseqüentemente, aprenderiam os ensinamentos de Deus.
55
alemã e preparar as gerações futuras para a Era da Industrialização, na qual o Império
Alemão pretendia ingressar.
Segundo Pilla (2006), esses valores culturais alemães deveriam ser construídos
em repúdio aos valores culturais estrangeiros, em particular os produzidos pela
Zivilisation Franceise. Pois,
[...] para os alemães Zivilisation, significa algo de segunda classe,
compreendendo apenas a aparência externa (comportamento) de
homens e mulheres. A palavra pela qual os alemães se interpretam e
expressam orgulho de seu ser é Kultur. [...] Kultur para os alemães se
refere basicamente, de acordo com Elias, “a fatos intelectuais,
artísticos e religiosos e apresenta a tendência de traçar uma nítida
linha divisória entre fatos deste tipo, por um lado, e fatos políticos,
econômicos e sociais por outro”. Kultur encontraria sua expressão
maior em seu adjetivo derivado, Kulturell, “que descreve o caráter e o
valor de determinados produtos humanos, e não o valor intrínseco da
pessoa”. O conceito de Kultur delimita o movimento, ao mesmo
tempo em que “dá ênfase especial a diferenças nacionais e à
identidade particular de grupos” (PILLA, 2006, p.03).
Depois de concluída a formação do estado alemão moderno e terminada a era
Bismarck (1862-1890)
23
, a Alemanha iniciou com o chanceler Georg Leo Graf von
Caprivi
24
um processo de expansão política pelo mundo. Diferentemente de seu
antecessor, Caprivi propunha que a Alemanha não deveria ficar confinada aos seus
limites territoriais, pelo contrário, através do governo e da burguesia nacional, a pátria
alemã deveria realizar o processo de transterritorialidade (MAGALHÃES, 1998).
Diante desta proposta política de caráter econômico, a solução encontrada pelo governo
alemão foi utilizar as particularidades da Kultur alemã para concretizar seus planos.
Segundo Magalhães (1998), esta concepção de nacionalismo estatal em nível macro,
para além do território nacional, havia sido herdada do pangermanismo austriaco.
23
Período caracterizado pelo não interesse em promover a expansão ultramarina alemã, pois o chanceler
prussiano julgava dispendioso o investimento bélico e a formação de uma burocracia que possibilitasse
administrar as áreas colonizadas (MAGALHÃES, 1998). Tal medida política gerou um descontentamento
entre segmentos políticos nacionais e na classe burguesa alemã.
24
O conde Georg Leo Graf von Caprivi de Caprara de Montecuccoli ocupou o cargo de Reichskanzler
(Chanceler do Império Alemão) de 1890 até 1894.
56
A identidade nacional era concebida de forma mais ou menos
aleatória; dependendo da conjuntura e das conveniências políticas de
seus adeptos, seus critérios podiam ser a religião, ou o regime
político, ou o espaço geográfico, a história ou a cultura. Logo, a idéia
de unidade que prevaleceu foi a de raça e língua, ao que se ajustou a
noção de superioridade étnica, válida somente para os arianos puros,
e não para qualquer tipo de branco. (MAGALHÃES, 1998, p.104).
O governo alemão por compartilhar desta proposta, de que a identidade nacional
de seu povo estava na raça e na língua, advogava que os colonos alemães que habitavam
terras estrangeiras, como, por exemplo, os que moravam no Brasil, não deixaram de ser
alemães e de reproduzir a Kultur. Contudo, o governo alemão via nesses migrantes
alemães mais do que meros reprodutores da Kultur em território estrangeiro, eles
poderiam se tornar, também, um importante mercado consumidor. Esse fato animou a
classe burguesa alemã, pois os migrantes alemães formavam um mercado consumidor
considerável no exterior, que poderia contribuir para o avanço industrial e para a
disseminação dos produtos industrializados alemães.
No que se refere à América Latina, foi adotada a tática do imperialismo
informal, e mesmo assim, somente a partir de 1890, na era Caprivi,
ainda que seus principais mecanismos já estivessem acionados desde
havia mais tempo. Com apoio institucional, os agentes do imperialismo
alemão passariam a conquistar mercados em países como Chile, Peru,
Argentina e Brasil. [...] No Brasil, dada a maior relevância política da
doutrina Monroe, os agentes do imperialismo alemão limitavam-se às
exportações de mercadorias e à doutrinação pangermanista entre as
colônias em que o número de imigrantes alemães e seus descendentes
fosse expressivo. (MAGALHÃES, 1998, p. 103).
Sendo assim, o Império alemão manteve a concepção inicial de que todo alemão
residente no estrangeiro seria por direito um indivíduo dotado de nacionalidade alemã,
pois a cultura alemã não seria restrita apenas àqueles que estivessem situados nos
limites territoriais do Estado-Nação alemão. Devido à concepção Pangermânica, estes
emigrantes também deveriam ter acesso à cultura, sendo o próprio governo alemão o
responsável por disponibilizar ao emigrante a possibilidade de conservar a sua Kultur.
57
Através de sociedades empresariais privadas que já atuavam no processo de
fixação e auxílio aos alemães presentes no exterior, durante o início do século XIX, o
Estado alemão teve a oportunidade de entrar em contato com estes colonos e difundir as
propostas pangermânicas.
-Divulgação e propagação dos planos expansionistas da germanidade;
-Luta pelo fortalecimento da frota naval; -União integral da
germanidade no exterior; -Luta contra as minorias nacionais
(LEXIKON apud MAGALHÃES, 1998, p. 105).
Assim sendo, percebe-se que essas propostas alemãs de realizar o
pangermanismo apresentavam um caráter étnico. Sua preocupação não era intervir no
espaço político das áreas ocupadas pelos emigrantes alemães, afinal, estes não eram
considerados cidadãos alemães – jus solis –; sua idéia era preservar o Deutschtumjus
sanguinis – que estava situado fora dos limites políticos do estado alemão.
Dentre as primeiras iniciativas de apoio promovidas pelo governo alemão para
auxiliar os alemães situados no exterior estavam as Associações Escolares e
Associações de Professores. A finalidade era oferecer o ensino escolar como forma de
prevenir o desmantelamento da cultura alemã no exterior bem como suprir as
necessidades materiais e econômicas desta população.
As escolas de língua alemã eram encaradas não somente como um
meio de evitar a Entdeutschung (desalemanização) dos jovens de
ascendência alemã residentes no exterior, mas também como
instrumento do comércio externo alemão. Elas contribuíram tanto
para a conservação de certos hábitos de consumo entre a população
de origem alemã com para a maior difusão destes. As escolas de
língua alemã em regiões com forte concentração deste grupo étnico
seriam um meio para manter, criar, consolidar e ampliar a presença
do comércio alemão. (PAIVA, 2003, p. 135).
No caso dos teuto-brasileiros, as Associações Escolares e Associações de
Professores alemãs tiveram um papel importante para a melhoria de suas escolas. A
58
Verein für das Deutschtum im Ausland
25
(VDA) – Associação para a Germanidade no
Exterior – através da Allgemeiner Deutscher Schulverein (ADS) – Liga das Escolas
Alemãs – financiou projetos de construções escolares, doou equipamentos e livros
escolares
26
, enviou professores formados na Alemanha para virem ao Brasil educar os
jovens teuto-brasileiros e, ainda, patrocinou estudos de teuto-brasileiros na própria
Alemanha.
Gustavo Tentoni Dias Já havia escolas aqui quando a senhora nasceu?
Eleonora Kaestner Já tinha. Mas com professor da Alemanha.
G.T.D. Como ele se chamava?
E.K. O primeiro que a minha irmã e meu irmão estudaram era o Streuch, depois foi o Wilhelm
Hartmann, que veio de Hamburgo.
G.T.D. A senhora e seus dois irmãos estudaram aqui?
E. K. Sim, naquela escola ali, era perto do cemitério evangélico.
G.T.D. Lembra-se das aulas?
E.K. Sim. Os professores eram bem enérgicos. Tudo em alemão. As comunidade chamaram,
pagaram as passagens e deram moradia. Embaixo tinha o “rancho” de madeira que era a escola
e os professores lecionavam o dia todo, com até seis classes. Uma turma de manhã e na parte da
tarde outra turma.
G.T.D. Era dividido por idade?
E.K. De manhã eram os mais novos e à tarde os mais velhos (KAESTNER, 2005, 1ºcassete
sonoro. Lado B).
No município de Hamônia, conforme demonstra Wiese (2004), os educandários
fizeram parte da Associação Escolar Hansa. Esta pertencia à Sociedade Hanseática de
Colonização e estava filiada à Deutschtum Schulvereine für Santa Catarina. Dessa
forma, recebia o material escolar provindo de Hamburgo. Através de pesquisas
25
Esta organização germanista surgiu em Viena, durante o período de lutas lingüístico-culturais no
território austro-húngaro. Com a unificação alemã, as seções da VDA que estavam presentes em solo
alemão foram desligadas das demais austríacas. “A seção hamburguesa estruturou-se em 1904, contando
com o apoio do Senado de Hamburgo, da Sociedade Hanseática de Colonização, da Câmara de Comércio,
das autoridades escolares hamburguesas, de bancos e de companhias de seguro e de navegação” (PAIVA,
2003, p.111).
26
Os livros escolares eram editados pela Verein für das Deutschtum im Ausland, em Hamburgo, e
enviados para a Deutschtum Schulvereine für Santa Catarina. Esta era uma associação responsável por
controlar e assessorar todos os estabelecimentos escolares de origem alemã do estado catarinense.
59
realizadas no Arquivo Histórico de Ibirama foi possível consultar um exemplar destes
livros escolares, editado no ano de 1909. (ver figura 1.4)
Impresso todo em alemão, com caracteres góticos, este volume estava dividido
nos seguintes capítulos: I) Brasiliens Lage, Grösse, Grenzen – Localização brasileira,
Tamanho e Fronteira –, II) Bodengestalt und Gewässer – Formatos territoriais e
aquáticos –, III) Klima Pflanzernwelt und Tierwelt – Clima, flora e fauna –, IV)
Bevölkerung – composição étnica –, V) Erzeugnisse, Gewerbe, Handel, Verfehr
produtos, comércio, mercado, transações, VI) Geschichte – História –, VII) Staatliche
Einrichtungen – instituições estatais –, VIII) Staaten und Ortschatskunde – Estados e
comércios locais – e IX) Literaturnachweis –literatura complementar.
Do capítulo I ao capítulo III, o livro propõe apresentar os aspectos da
Geografia natural do Brasil; contém informações sobre os aspectos climáticos das
regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil. Em seguida, apresenta a
fauna e a flora presentes em cada uma destas
regiões. Por fim, faz um estudo detalhado
sobre os principais rios brasileiros.
Já nos capítulos IV, V, VI, VII e
VIII o livro volta-se para os aspectos
culturais, econômicos e políticos do Brasil.
Ele procura demonstrar as características das
três raças que compõem o território brasileiro
e suas respectivas particularidades. Além
disso, explana como está organizado o
Estado brasileiro, a importância de seus
estados federativos e quais eram os principais produtos comercializados no país.
Figura1.4 Capa de livro escolar impresso
em Hamburgo e enviado pelo governo
alemão às colônias teuto-brasileiras.
Fonte: Arquivo Histórico de Ibirama.
60
Contudo a partir da década de 1910, livros como esses pararam de ser enviados
para o Brasil. Em virtude dos conflitos gerados pela Primeira Guerra Mundial, a
Alemanha teve suas ações políticas enfraquecidas em todos os campos, inclusive no
educacional. Diante desta situação, a Deutschtum Schulvereine für Santa Catarina teve
que começar a demonstrar autonomia na tomada de decisões políticas. Uma das
iniciativas adotadas por esta associação foi gerenciar as diversas associações escolares
do estado catarinense sozinha, conforme evidencia a entrevista realizada com o teuto-
brasileiro Carl Ernst Hoppe (HOPPE, 2005):
Gustavo Tentoni Dias E quem mantinha a escola?
Carl Ernst Hoppe A sociedade escolar. Cada um ajudava com a mensalidade.
G.T.D. E o material escolar?
C.E.H. Muita coisa era impressa em Porto Alegre. Tinha uma Confederação de Escolas Alemãs
em Porto Alegre, e de Blumenau também vinha muita coisa. Da Alemanha acho que veio pouca
coisa. Porque os materiais contavam coisas daqui, nossa ecologia, porque os colonos viviam
bem diferente dos alemães. Lá é nossa raiz, mas é outro mundo (HOPPE, 2005, 1º cassete
sonoro. Lado A).
A maior diferença nesta mudança de poder foi a elaboração de materiais
escolares no próprio território nacional e o fato do ensino da língua portuguesa, que já
era realizado em pequena escala, ter começado a ganhar maior participação no currículo
escolar. (ver figura 1.5)
Essa constatação pode ser averiguada no Manual escolar impresso no Município
de Blumenau e distribuído para as escolas de ensino primário pertencentes à Associação
das Escolas e Professores de Blumenau
27
, impresso no ano de 1930. Neste livro escolar
bilíngüe (português-alemão) é possível visualizar a metodologia de ensino desenvolvida
para se ensinar o idioma português aos alunos e as disciplinas que deveriam freqüentar.
27
Esta Associação era responsável pela região de Blumenau e estava inclusa nos programas educacionais
da Deutschtum Schulvereine für Santa Catarina.
61
No início do livro estão presentes em português as composições dos seguintes
hinos: Hymno Nacional Brasileiro, o Hymno do Estado de Santa Catarina, o Hymno á
Bandeira Nacional, o Hymno da Proclamação da Republica e o Hymno da
Independencia. A partir da presença destes hinos nacionais neste material escolar teuto-
brasileiro, é possível afirmar que estas escolas
apesar de terem uma preocupação em
preservar a cultura alemã, não descartavam os
deveres e conhecimentos que o seu público
jovem deveria saber enquanto cidadãos
brasileiros.
A primeira matéria desse Manual era o
ensino da gramática portuguesa. Nas primeiras
páginas desta lição apenas os exemplos de
substantivo, artigo, verbo, advérbio,
preposição, pronome e pontuação vinham
escritos em língua portuguesa. A explicação
conceitual era redigida em língua alemã e constantemente o Manual escolar realizara
comparações gramaticais entre os dois idiomas, a fim de que o aluno pudesse perceber
as semelhanças e as distinções lingüísticas. A lição sobre o processo de declinação do
substantivo apresentada na página 11 é um exemplo da forma de aprendizagem:
Artigo definido. Gênero masculino.
SINGULAR PLURAL
Nominativo – o pai der Vater os pais die Väter (Werfall)
Genitivo – do pai des Vaters dos pais der Väter (Wetsfall)
Dativo – ao pai dem Vater aos pais den Vätern (Wemfall)
Accusativo – o pai den Vater os pais die Väter (Wenfall)
Na lição seguinte, o aluno estudaria a conjugação dos principais verbos
utilizados na língua portuguesa e como empregar corretamente a concordância verbal e
Figura 1.5 Livro escolar destinado ao ensino
da língua portuguesa. Impresso na cidade de
Blumenau, sob supervisão da Deutschen
Schulverein für Santa Catarina, 1914.
62
seus respectivos pronomes. Além disso, aprenderia como as formas do indicativo e do
subjuntivo devem ser conjugadas nos seguintes tempos verbais: Presente, Pretérito
imperfeito, Perfeito, Pretérito mais que perfeito, Futuro, Infinito e, por fim,
Condicional.
Após as lições gramaticais, os alunos deveriam ter aulas destinadas a ensinar as
características econômicas do próprio grupo teuto-brasileiro, como, por exemplo, o
capítulo destinado ao ensino da agricultura. Neste caso, é possível constatar pequenos
textos impressos em língua portuguesa que apresentam a importância do trabalho
agrícola para a eliminação da pobreza e da miséria nacional; outros textos ensinam
como deve ser feita a aragem da terra, quais árvores frutíferas devem ser plantadas, a
importância do processo de reflorestamento e reaproveitamento da terra utilizada e
quais são as pragas que causam danos à agricultura.
Esse Manual demonstra que o aluno tinha, também, aulas de educação cívica.
Estas aulas tinham por objetivo ensinar, segundo consta no próprio Manual escolar, a
importância da Pátria, o significado da Bandeira Nacional, noções básicas sobre a
Constituição Federal e a organização burocrática do governo federal do Brasil, do
governo estadual de Santa Catarina e do governo municipal de Blumenau. Além disso,
os estudantes aprendiam sobre os deveres do cidadão enquanto eleitor.
I. QUAL É A NOSSA PATRIA? – A nossa Pátria é o Brasil. O QUE
SE ENTENDE POR PATRIA? É O NOSSO MUNICIPIO DE
BLUMENAU OU O NOSSO ESTADO DE SANTA CATARINA? –
A nossa Pátria não só é o lugar onde nascemos, é todo o Paiz. II.
QUAL É O SYMBOLO DA PATRIA? – A nossa bandeira verde
amarella é o symbolo da Pátria. Por isso, deante da nossa bandeira
ficamos em attitude de culto, descobertos como ante de um altar. O
HYMNO NACIONAL É O SYMBOLO QUE OUVIMOS PELA
AUDIÇÃO. III. PORQUE É QUE AMAMOS A NOSSA PATRIA?
– O Brasil é um Paiz muito rico, grande, bello e hospitaleiro; uma
terra com uma história gloriosa, e um futuro certo. O homem ama
muito mais o torrão onde elle nasceu, que outras terras. IV. COMO É
QUE MOSTRAMOS O AMOR Á PATRIA?- Por meio do estudo e
obediência; com cada serviço que prestamos para engrandece-la e
com os cumprimentos de todos os deveres. V QUAES SÃO OS
63
DEVERES DO CIDADÃO? – O cidadão deve respeitar a lei, votar,
pagar os impostos decretados e defender a Pátria. VI. O QUE É QUE
RECEBE O CIDADÃO COMO EQUIVALENTE? – O Governo
constroe estradas, vias férreas, portos, escolas, correios, telégraphos,
pontes sobre os rios, etc. O MAIS IMPORTANTE É: O CIDADÃO
DEVE TRABALHAR EM PAZ E LIBERDADE. (Imagine o
contrário). (MANUAL ESCOLAR, 1930, p. 79).
Por fim, no término de cada capítulo, o Manual escolar oferecia um
glossário com palavras em português de uso recorrente; uma tabela de sinônimos e
antônimos bilíngües; uma tabela de conjugações verbais; e uma lista de termos
geográficos com suas respectivas explicações em português.
Havia, ainda, nas escolas teuto-brasileiras, segundo Rambo (2003) o estudo da
disciplina Realia.
A escola fora pensada também para garantir a perpetuação de uma
série de valores fundamentais da cultura e que interessavam
diretamente aos colonizadores, em particular, e à comunidade como
um valor comum. Assim, incluíra-se no currículo uma disciplina que
levou a designação genérica de Realia. Na proposta curricular, a
disciplina destinava-se a tratar de “coisas reais” como sugere o
próprio termo latino. Por essa sua índole diferenciava-se das outras
disciplinas, como o estudo da Língua, a Leitura, a Aritmética, a
Religião. O que então pretendia essa disciplina? Em primeiro lugar
ou antes de mais nada, abrangia conteúdos que faziam parte da
vivência diária das pessoas e que integravam uma parcela muito rica
da germanidade. Nela se falava da importância da pessoa como valor
fundamental de uma sociedade. Alertava-se para o fato de que uma
comunidade ou uma família somente podem funcionar quando
respeito mútuo, quando são observados os limites dos direitos e
deveres, e à autoridade se reconhece o seu lugar legítimo (RAMBO,
2003, p.71).
Esta disciplina tinha como fundamento desenvolver nos alunos um espírito de
solidariedade e valorização em meio ao grupo social que estavam inseridos. Com isso o
aluno aprendia seus direitos enquanto membro da comunidade, mas também seus
deveres perante os mais velhos, as leis públicas e, sobretudo, a Deus. Outro ponto
trabalhado pela Realia era o estudo pragmático do meio ambiente, propunha fazer com
que o aluno não ficasse preso ao conhecimento apenas por meio de cartilhas e de livros
escolares. A excursão a campo possibilitava ao estudante ter contato com o solo,
64
aprender técnicas de preparo e cultivo do mesmo, além do controle ambiental a sua
volta, como por exemplo, noções de desmatamento, florestamento e reflorestamento.
Contudo, “o espaço reservado formalmente para a disciplina Realia não passava de
meia hora por semana. Não havia necessidade de mais, pois seus conteúdos
perpassavam praticamente todas as outras disciplinas”. (RAMBO, 2003, p. 72).
Em relação ao ensino da matemática o objetivo era ensinar o aluno a contar e
escrever os numerais, realizar as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão
dos números naturais e fracionários. Além disso, o aluno deveria aprender a regra de
três, cálculos com juros, sistemas monetários e medidas. Gaertner (2004)
28
aponta que
este programa escolar primava por duas estratégias de ensino: o cálculo mental,
destinado ao desenvolvimento do raciocínio e da memória; e a resolução de problemas,
voltada para a aplicação da matemática em situações reais. Dessa forma, a orientação
dada aos professores tanto para o ensino de Aritmética quanto de Álgebra era de que
O ensino da arithmetica nas classes superiores deve ser dado o mais
practicamente possível, tratando o asumpto do problema sobre
themas, que appareçam na vida quotidiana. A solução delles deve ser
achada pelos próprios alumnos com toda a certeza e segurança.
Principalmente o professor deve ter o maximo cuidado em não passar
problemas cuja solução vise unicamente a regra. A criança deve
resolver o problema analyticamente. [...] Embora a álgebra auxilie no
ensinamento do abstrato e ajude no cálculo pelas regras, deve-se
cuidar muito para que em todas as etapas, a visualização e a
aplicação, se dê com problemas práticos da vida (SÄTLER apud
GAERTNER, 2004, p.55).
Conforme demonstra, ainda, Gaertner (2004), nota-se que o objetivo de se
ensinar matemática aos estudantes teuto-brasileiros era que para que eles pudessem
utilizá-la em suas vidas diárias e, sobretudo, no comércio. Sendo assim, o ensino dessa
28
A autora em seu artigo “O ensino de matemática na Neue Deutsche Schule de Blumenau” apresenta os
aspectos didáticos que compõem o ensino da Matemática escolar na região do Vale do Itajaí, durante os
anos de 1889 e 1938. Através da análise de documentos escolares, tais como: diários de salas de aula,
currículos e relatórios anuais, Gaertner investigou os conteúdos matemáticos ensinados e os
procedimentos metodológicos, bem como recursos e técnicas adotados em sala de aula.
65
disciplina nos primeiros anos era realizado no vernáculo alemão, para que os alunos
apreendessem bem as regras matemáticas, contudo nos últimos anos da escola os
professores ensinavam matemática em língua portuguesa, com o intuito de que os
alunos que fossem trabalhar no comércio tivessem habilidades nas trocas com os
brasileiros. Destarte, observa-se como o desejo de aprendizado da língua portuguesa era
uma estratégia de sobrevivência e uma preocupação econômica dos alemães em
território nacional.
A seguir tem-se um exemplo da proposta de ensino de aritmética na Neue
Deutsche Schule de Blumenau – Nova Escola alemã de Blumenau –, para o ano de
1929.
A aritmética nos primeiros quatro anos escolares visa desenvolver a
habilidade de operar as quatro operações fundamentais com números
inteiros. Da mesma forma o primeiro contato com moedas, pesos e
medidas. O cálculo com os valores nominais citados é de suma
importância. A aula nas classes mais avançadas tem como objetivo
levar os alunos a “assimilar numericamente as situações da vida e
resolver os cálculos que delas resultam de maneira segura e
independente.” A partir do 6° ano escolar, o cálculo do cotidiano será
apresentado na língua portuguesa. Desta forma, os alunos das classes
avançadas terão mais oportunidade de aplicar a língua indo ao
encontro principalmente dos alunos que futuramente atuarão na área
comercial. Nas classes mais avançadas deverá ser dada atenção
especial para que não haja cálculo mecânico com simples aplicação
de regras (em fração e cálculo do dia-a-dia) (SÄTLER apud
GAERTNER, 2004, p.53).
Portanto, no que diz respeito ao funcionamento e metodologia, as escolas teuto-
brasileiras, devido à influência das associações escolares não apresentavam diferenças
significativas entre si. O currículo constava basicamente do ensino de idiomas (alemão,
português, inglês e em alguns casos o francês), Geometria, Trigonometria, História do
Brasil, História Universal. Em função da necessidade de cada estabelecimento poderiam
ser ofertadas aulas de Desenho, Ginástica, Contabilidade, Piano e Religião. Quando a
clientela era predominantemente feminina abria-se o leque para aprendizagem de
66
instrumentos musicais (violino, cítara, rabeca) e acrescentava-se pintura e trabalhos de
agulha. O sistema educacional nas escolas teuto-brasileiras, apesar de ter inserido
disciplinas que ensinavam sobre o Brasil, ainda mantinha duas particularidades: a
prática disciplinar rígida e o ensino do idioma alemão.
Estas escolas apresentavam uma educação austera, pois partiam do princípio de
que o aluno deveria ser educado desde cedo com práticas educacionais severas, para que
sua natureza humana corrompida fosse adestrada. Este ensinamento deveria ser
ministrado exclusivamente por um adulto que, por sua vez, era considerado um ser
completo e adestrado, além de possibilitar uma educação vinculada a valores divinos.
Dessa forma, havia a possibilidade de ocorrer agressões físicas por parte dos professores
sobre os alunos, sob consentimento dos pais, a fim de que a natureza pecaminosa do
aluno fosse domada. Todavia, não devia haver exageros, pois como demonstra Wiese
(2004) e Seyferth (2003), existiam regras estipuladas para que o ensino rígido e
disciplinar fosse aplicado sobre os jovens não só nas escolas, mas nos lares também.
Estas regras foram denominadas como os dez conselhos de ouro, sendo eles os
seguintes:
1) acostuma teu filho desde cedo à obediência alegre e pronta; 2)
equilibra seriedade e mansidão, deixando claro que o que pedes
realmente desejas e cumpres; 3) quando pedes que teus filhos façam
uma coisa, então mostra com fazê-lo e depois exige seu
cumprimento; 4) não te deixes enganar por teus filhos e nem admite
que falem a respeito; 5) estando os filhos irritados e nervosos,
aguarde até estarem calmos e então mostra-lhes sua falta; 6) um
castigo pequeno é mais eficaz ao início de uma transgressão do que
um castigo grande na reincidência da mesma; 7) não concede algo
aos filhos só porque choram pelo mesmo; 8) nunca permite que os
filhos façam algo que já proibiste em circunstâncias semelhantes; 9)
sugere constantemente a verdade aos filhos realçando que não há
nada mais sagrado do que o cumprimento fiel dos deveres para com
Deus, consigo mesmo e para com o próximo; 10) acostuma teus
filhos a cumprirem fielmente seus deveres diários. (KREUTZ, apud
WIESE, 2004, p.98).
67
Além disso, havia provérbios que organizavam a composição filosófica da
escola alemã e que, também, norteavam os pais e mestres no aprendizado dos jovens.
Dentre eles destacam-se os seguintes:
1)da maneira como se acostuma as crianças, assim se terá as mesmas;
2) o barril cria o gosto daquilo que se coloca nele primeiro; 3) o gato
pega aos pássaros que cantam muito cedo; 4) quem deixa as manias
ao potro, mais tarde será jogado da cela pelo mesmo; 5) é melhor que
chore a criança do que seu pai; 6) é melhor que as crianças peçam aos
pais do que estes tenham que pedir àquelas; 7) quem quiser subir a
escada terá que começar pelos primeiros degraus; 8) entre dez
homens de valor, nove atribuem aquilo que são à mãe; 9) a formação
cristã não se obtém por herança, é pela educação; 10) juventude
ociosa, adulto insatisfeito; juventude obreira, velhice agradável.
(KREUTZ, apud WIESE, 2004, p.98).
Desse modo, a constituição do ensino compreendia a alfabetização (escrita e
leitura), o ensino de operações matemáticas, os ensinamentos religiosos e o aprendizado
de valores moralizantes, necessários para se viver em grupo. Como exemplifica Wiese
(2004).
A repetição era a base do ensino. Insistia-se muito no ensino prático.
O exame de fim de ano era feito na presença do pastor, examinadores
especialmente indicados, diretoria da Sociedade Escolar e pais de
alunos. Essas ocasiões foram sempre tratadas com muita solenidade.
Nos textos do jornal Der Hansabote referentes à educação, nos
relatórios da Sociedade Colonizadora Hanseática e no Jornal do
Professor, percebe-se a constante preocupação com a didática
empregada na sala da aula pelo professor. Recomendava-se o uso de
recursos visuais, pois era preciso passar do prático visível para o
teórico invisível (WIESE, 2004, p. 99, grifo nosso).
Através, portanto, das Associações escolares e de professores, iniciou-se o
processo de centralização política entre as escolas teuto-brasileiras, na medida em que
os investimentos e os estabelecimentos escolares aumentavam. Houve a necessidade de
criar uma proposta pedagógica unificada para as escolas teuto-brasileiras. Com o
impulso administrativo e financeiro fornecido pelo governo alemão, as escolas teuto-
brasileiras iniciaram um processo de uniformização curricular. Contudo, como foi visto,
68
a partir da década de 1920 as Associações tiveram que continuar com os avanços no
sistema educacional sozinhas, e assim ganharam caráter exclusivamente teuto-brasileiro.
Com isso, conclui-se que assim como ocorrera com o caso do idioma, das
associações culturais e das definiçãos de Heimat e Heim, os primeiros colonos alemães
trouxeram consigo práticas culturais próprias, diferentes dos costumes brasileiros.
Porém, devido à influência dos novos meios físico e social na qual estavam inseridos,
estes imigrantes alemães tiveram que adaptar e transformar algumas concepções
culturais próprias. Tal necessidade resultou na criação de uma cultura distinta. Não era
mais a cultura alemã a responsável por proporcionar o universo social, nem a cultura
brasileira existente aqui, que os havia incorporado. Tratava-se agora da cultura teuto-
brasileira, uma interação entre ambas. Mesmo que esta integração entre o jus sanguinis
e o jus solis se demonstrasse incompreensível para a concepção cultural brasileira, a
cultura teuto-brasileira buscaria encontrar um equilíbrio entre seus dois componentes.
Como demonstra Cuche (1996):
É verdade, que mesmo no caso de uma integração de duas referências
de mesmo nível em uma só identidade, os dois níveis raramente são
equivalentes, pois remetem a grupos que não estão quase nunca em
uma posição de equivalência no contexto de uma dada situação.
(CUCHE, 1996, p. 195).
Entretanto, a relativa liberdade que os teuto-brasileiros tiveram, durante os
governos imperial e republicano, para desenvolver sua cultura particular dentro do
estado brasileiro se tornaria insustentável a partir dos primeiros anos da década de 1930.
Diante das transformações políticas e econômicas que o Mundo vivenciava neste
período, o pensamento político e social brasileiro sofreria, também, alterações drásticas.
As concepções de Estado-Nação e as políticas de integração nacional adotadas, até
então, pela Primeira República, que possibilitavam uma maior autonomia aos governos
estaduais, seriam substituídas por um poder concentrado nas mãos do governo federal,
69
que por sua vez, via na defesa dos limites territoriais do país e na preservação da
“legítima” cultura nacional elementos essenciais para a soberania nacional.
70
Seção 2
A formação cultural e política da Segunda Campanha de
Nacionalização do ensino.
A história conta-nos o facto; a tradição os costumes. A
história é verdadeira, a tradição verossímil; e o verossímil
é o que importa ao que busca as lendas da pátria.
Alexandre Herculano, O bispo negro (1992).
2.1. Breve histórico do surgimento do governo Vargas.
O período histórico posterior à Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
caracterizou-se como um momento de rápida prosperidade econômica no mercado
mundial. Todavia, foi um crescimento desproporcional, pois se de um lado as potências
européias reerguiam suas economias nacionais à custa das punições impostas à
Alemanha (através do Tratado de Versalhes), por outro lado, os Estados Unidos - que
saíram ilesos da guerra e com sua economia fortalecida - alcançaram um crescimento
próspero e sem preocupações, graças à exportação de seus produtos não só para a
América Latina, como outrora, mas também para a própria Europa, transformando-se no
maior produtor industrial e credor do mundo (HOBSBAWN, 1995).
Entretanto, esse boom econômico vivido pelos Estados Unidos teve vida curta,
pois não só a Europa, mas todas as nações que realizavam a prática de mercado pautado
no modelo liberal, demonstravam sinais de que seus sistemas econômicos haviam
estagnado. As evidências deste colapso puderam ser sentidas na própria balança
71
comercial americana, que apresentou largos indícios de que a oferta de seus produtos
superava a demanda. Esse fato foi o prenúncio da Crise de 1929, pivô da falência do
modelo democrático liberal e responsável por gerar um ambiente de crise econômica
mundial.
Diante deste esgotamento político e econômico, cada nação fez o possível para
proteger sua economia, substituindo a concepção liberal de Estado mínimo por Estados
interventores na economia nacional
29
. A Crise de 1929 surtiu efeitos arrasadores
também nos países latino-americanos que apresentavam suas economias organizadas em
torno do setor primário (como, por exemplo, a produção de café, trigo e açúcar) e que
tiveram a procura por seus produtos suspendida. O resultado gerado foi o surgimento de
líderes políticos que adotaram características do autoritarismo europeu e de suas
lideranças carismáticas como modelos políticos a serem seguidos
30
. Contudo,
diferentemente da Europa, os inimigos contra os quais eles lutavam não eram externos,
mas as oligarquias rurais nacionais que haviam se formado historicamente nestas
nações.
No caso do Brasil não foi diferente, pois, em virtude da crise política liberal-
oligárquica suscitada durante a República Velha (1889-1930), evidenciava-se que não
era mais possível o país viver da exportação de produtos primários, como o café, já que
29
O projeto econômico promovido, em geral, era pautado na valorização da indústria nacional e no
avanço tecnológico, peças fundamentais para o reaquecimento de suas economias nacionais e para a
diminuição do desemprego interno. Houve, ainda, um discurso nacionalista preocupado em ressaltar a
valorização do passado tradicional, rico em significados, diferentemente do século da industrialização e
da Grande Guerra pelo qual a Europa havia passado. Desta forma, ao Estado coube liquidar, através de
uma política nacionalista, a degeneração na qual a nação estava inserida.
30
No continente europeu observa-se o surgimento de governos autoritários como o de Oliveira Salazar,
em Portugal; de Francisco Franco, na Espanha; de Benito Mussolini, na Itália; e principalmente de Adolf
Hitler, na Alemanha. Todos esses tinham em comum o fato de serem de extrema direita, autoritários e
hostis não apenas à política liberal, mas às políticas comunistas também. Este estímulo criado em
particular na Alemanha e na Itália recebeu apoio não só da classe empresarial, que via no governo
autoritário a possibilidade de reerguer seus negócios, mas também da classe trabalhadora mergulhada no
desemprego e de intelectuais conservadores preocupados com os rumos da nação. No caso da Alemanha,
os números apontaram um crescimento significativo da economia durante essa fase de depressão
econômica, além de uma recuperação social de proporções importantes para o país (HOBSBAWN, 1995).
O triunfo econômico vivido por ambas as nações, no início da década de 30, resultou na projeção de seus
sistemas políticos em âmbito internacional.
72
esta produção agrícola, atrelada à flutuante lei de oferta e procura do mercado, tornava a
nação brasileira sujeita aos processos decisórios da economia internacional.
A indústria nacional brasileira caracterizava-se pela dependência desse setor
agrário-exportador; suas atividades predominantes eram têxteis e alimentares e os ramos
básicos da infra-estrutura industrial – siderurgia e mecânica pesada, por exemplo – não
representavam qualquer contingente apreciável. Portanto, tratava-se de um setor
secundário constituído por uma burguesia industrial subordinada às oligarquias
dominantes – mineira e paulista – e sem condições de criar projetos próprios de
desenvolvimento econômico para o país (FAUSTO, 1970).
A elite intelectual deste período também demonstrava insatisfação diante deste
quadro político-nacional. Através de periódicos, divulgavam suas opiniões e esboçavam
soluções para a superação da crise nacional. Todavia, como afirma Oliveira (1999),
alguns destes autores (simpatizantes dos movimentos autoritários europeus e
intelectuais católicos, por exemplo) não propunham uma transformação radical das
estruturas sociais do país, como, por exemplo, a que uma revolução poderia
proporcionar. A alternativa sugerida por muitos deles consistia em oferecer um novo
pensamento à elite, porém sem retirá-la do poder
31
. Já os modernistas deste período, por
exemplo, repudiavam o passado e valorizavam os aspectos da vida moderna, entendidos
como a vida urbana e industrial, elementos tidos como essenciais para que o Brasil
pudesse se inserir na moderna ordem mundial. Nesse sentido, a cidade de São Paulo era
vista como o símbolo máximo desta nova estética.
31
“Esses autores representam de forma exemplar o conservadorismo reformista da Primeira República,
uma vez que propõem mudanças na ordem oligárquica então vigente. A mudança social é pensada como o
desenvolvimento de um organismo em que é fundamental a existência de um cérebro, ou seja, a presença
de uma elite estratégica que arroga a si o privilégio do poder. O papel dessa elite cultural e política está
configurada na idéia de “civilizar por cima”. Tal visão é compartilhada por muitos pensadores, inclusive
por aqueles que se integram no movimento de renovação católica iniciado em 1921, com a publicação da
revista A Ordem, e reforçada no ano seguinte, com a criação do centro Dom Vital” (OLIVEIRA, 1999,
p.85, grifo da autora).
73
Diante desse quadro de crise econômica mundial e insatisfação política nacional,
argumentava-se sobre a necessidade de promover um mercado interno forte capaz de
desenvolver o setor industrial através de um programa verdadeiramente nacional, o qual
seria responsável por guiar a nação sob a égide de um Estado Forte. Com este discurso
Getúlio Vargas sobe ao poder em 1930, por meio de uma revolução, respaldado pelo
apoio dos tenentistas, das oligarquias periféricas e das classes industrial e trabalhadora.
Dessa forma, como afirma Nogueira:
Rompe-se assim o quadro sócio-político no qual se realizava a
dominação da fração cafeeira da grande burguesia agrária, que é
forçada a ceder espaço para um heterogêneo bloco de forças
impulsionado por um vago projeto de renovar os costumes políticos,
reduzir o exclusivismo agrário e modernizar o País. A inexistência
inicial de um programa de ação foi logo compensada pela afirmação
de um claro ímpeto reformador. Aos poucos, foi-se configurando a
imagem de uma revolução burguesa mais bem definida, direcionada
para a ativação de uma nova economia e de uma nova forma do
Estado. Embalado pela dinâmica da crise, o movimento
revolucionário vitorioso desencadeia uma onda de entusiasmo
modernizante e renovação, fazendo com que a sociedade conheça
uma fase de experimentação, instabilidade e efervescência
(NOGUEIRA, 1998, p. 26).
Além de propor um pleno desenvolvimento industrial através de transformações
na estrutura socioeconômica do país e de um programa nacional burguês, a fim de
superar a Crise de 1929, este novo governo comprometia-se, a princípio, a atender os
interesses populares e oferecer maiores incentivos aos artistas e intelectuais. Para esta
tarefa, os objetivos de nacionalização não se justapunham à proteção de concentração
capitalista, mas condenavam-se os monopólios, trustes e organizações semelhantes. Nos
horizontes ideológicos do programa nacional estavam as pequenas indústrias nas
cidades e as pequenas propriedades agrícolas emancipadas do latifúndio rural
(FAUSTO, 1970).
A ampliação do setor industrial, bem como as crescentes intervenções do Estado
na economia e nos poderes decisórios locais, fizeram com que a unificação nacional
74
ganhasse novos contornos, pois a Revolução de 1930 visava fortalecer o poder central e
eliminar o modelo federalista estipulado pela Constituição de 1891. Esta, por sua vez,
estava pautado nos princípios da democracia liberal e era acusada de ter instaurado a
desintegração nacional
32
. “Durante o período do Estado Novo, essa idéia foi
amplamente difundida através dos aparelhos de propaganda oficial (principalmente o
DIP) e dos discursos de Getúlio Vargas e de outras personalidades ligadas à ditadura,
tais como Francisco Campos” (FILHO; BASSA, 2005). Com isso, essa nova classe
dirigente nacional servia-se dessa ênfase para justificar o crescente fortalecimento do
poder central dentro da federação. O resultado foi que a partir de 1930 os “enclaves
regionais” (FILHO; BASSA, 2005) característicos da República Velha foram sendo
sistematicamente integrados, por meio do novo sistema econômico nacional.
Após sete anos de transformações econômicas (1930-1937), o presidente Getúlio
Vargas ressaltava a necessidade de reforçar seus poderes, pois pregava que um Estado
interventor e centralizador é que poderia continuar a promover as reformas necessárias
para modernizar o Brasil. Por meio de um golpe político dissolveu o Congresso,
colocou na ilegalidade os partidos políticos e instituiu o regime ditatorial do Estado
Novo, em 1937. Tais modificações proporcionaram o início da modernização capitalista
de talhe abertamente conservador, reforçaram ao extremo a presença estatal na
sociedade, impuseram séria derrota à democracia política e inseriram o país, sete anos
após a Revolução de 1930, em um período severo e incisivo, revelando uma preferência
pela ordem à liberdade.
32
Por meio desta Constituição, a República Velha desenvolveu uma integração nacional caracterizada
pela descentralização do poder federal em oposição à maior autonomia para os estados federativos,
garantida por um discurso que valorizava as diferenças culturais, econômicas e geográficas de cada
região. “O lema adotado pelos partidos republicanos, desde 1870, sintetiza bem essa idéia:
‘Centralização-Desmembramento. Descentralização-Unidade’ ”(FILHO; BASSA, 2005).
75
Finalmente, conforme atesta Miceli (1979), o período que sucedeu a Crise de
1929 inseriu o Brasil numa fase de decisivas mudanças no plano econômico, político e
cultural:
As décadas de 20, 30 e 40 assinalam transformações decisivas nos
planos econômicos (crise do setor agrícola voltado para a exportação,
aceleração do processo de industrialização e urbanização, crescente
intervenção do Estado em setores chaves da economia, etc.), social
(consolidação da classe operária e da fração de empresários
industriais, expansão das profissões de nível superior, de técnicos
especializados e de pessoal administrativo nos setores público e
privado, etc.), político (revoltas militares, declínio político da
oligarquia agrária, abertura de novas organizações partidárias,
expansão dos aparelhos do Estado, etc.) e cultural (criação de novos
cursos superiores, expansão da rede de instituições culturais públicas,
surto editorial, etc.) (MICELI, 1979, p. XVI).
Dentre as reformas centralizadoras desenvolvidas pelo governo Vargas estava a
constituição de um projeto nacionalista também no campo cultural, pois, assim como o
autoritarismo europeu, vislumbrava na educação civil um papel crucial para o
cumprimento de seus objetivos.
2.2. Projeto político cultural.
Nestes tempos em que o Estado apontava para a necessidade de reforçar a
cultura nacional, para que o país pudesse afastar a ameaça de outras culturas ou
ideologias avessas aos “interesses brasileiros”, tornava-se imprescindível um amplo
projeto educativo que abarcasse homens, mulheres e jovens. Dessa forma, garantia-se o
compromisso dos primeiros com o desenvolvimento econômico e com a defesa
territorial do país, das segundas com o seu papel na preservação da família brasileira, e
dos jovens com a fidelidade desde cedo aos valores nacionais. Em suma, a
modernização no âmbito cultural proposta pelo Estado consistia num sistema
educacional forte e abrangente e numa preocupação constante com as atividades
culturais e artísticas nacionais.
76
Coube, então, ao ministro da educação e saúde, Gustavo Capanema
33
, intervir
em diversas áreas artísticas como, por exemplo, no teatro, no cinema e na música, e
promover o que o Estado julgava ser a legítima cultura nacional. Deste modo, iniciou-
se, sob o controle do governo e para legitimar suas ações políticas, a criação de um
nacionalismo por meio de uma alta cultura previamente selecionada, que seria a
responsável por oferecer instruções moralizantes às massas, através dos meios de
comunicação, de eventos artísticos e do sistema educacional. Segundo o governo
Vargas, estes eram os primeiros passos para a formação de um nacionalismo adequado à
sobreposição dos interesses particulares pelos coletivos, e apto a tornar o país
homogêneo, eliminando as distinções regionais e raciais que, segundo o pensamento da
época, depreciavam o Brasil.
Com isso, o Ministério da Educação e Saúde tinha a incumbência de elaborar a
construção do novo homem brasileiro (CAVALCANTI, 1999), ou como atesta uma
correspondência do próprio ministro Capanema: “O Ministério da Educação e Saúde se
destina a preparar, a compor, a afeiçoar o homem do Brasil. Ele é verdadeiramente o
Ministério do Homem” (Arquivo Gustavo Capanema, FGV/CPDOC apud
CAVALCANTI, 1999, p.180).
Para que a elaboração da cultura nacional fosse realizada com êxito, o ministro
Capanema contou com o apoio de intelectuais que tinham interesse em participar desta
33
O mineiro Gustavo Capanema, após ser destituído da Interventoria de Minas Gerais, ocupou o cargo de
ministro da Educação e Saúde de 1934 a 1945 e durante a sua gestão possibilitou a diversos intelectuais
circularem em seu Ministério. Conforme atesta Miceli (1979): “[...] convocou seus conterrâneos de
geração que haviam participado do surto modernista em Minas Gerais, mobilizou figuras ilustres que
haviam se destacado nos movimentos de renovação literária e artística dos anos vinte, no Rio Grande do
Sul, Bahia, Pará, etc., acatando os representantes que a Igreja designava e cercando-se de um grupo de
poetas, arquitetos, artistas plásticos e de alguns médicos fascinados pela atividade literária. [...] Fazendo-
se um retrospecto das principais clivagens ideológicas vigentes nas décadas de 20 e 30, poder-se-á
constatar que elementos de praticamente todos os matizes foram pinçados no processo de expansão do
aparelhamento estatal: militantes em organizações de esquerda, quadros da cúpula integralista, porta-
vozes da reação católica, figuras pertencentes à intelectualidade tradicional e os praticantes das novas
especialidades” (MICELI, 1979, p. 162).
77
empreitada
34
. Segundo Miceli (1979), durante o regime Vargas houve um incentivo,
promovido pelo governo, para atrair intelectuais (indivíduos com formação
universitária) aos cargos e postos burocráticos para áreas do serviço público (dentre elas
as áreas da educação e da cultura ganharam importância), com o intuito de auxiliá-lo na
elaboração e divulgação da cultura nacional. Dentre as atividades realizadas por esses
novos funcionários públicos estava a aceitação de encomendas de livros, manuais
escolares e canções, além de representar o governo em congressos, conferências e
reuniões internacionais
35
.
Dando seqüência à postura inaugurada pelos modernistas, esses
intelectuais cooptados se autodefinem como porta-vozes do conjunto da
sociedade, passando a empregar como crivos de avaliação de suas obras
os indicadores capazes de atestar a voltagem de seus laços com as
primícias da nacionalidade. Vendo-se a si próprios como responsáveis
pela gestão do espólio cultural da nação, se dispõem a assumir o
trabalho de conservação, difusão e manipulação dessa herança,
aferrando-se à celebração de autores e obras que possam ser de alguma
utilidade para o êxito dessa empreitada (MICELI, 1979, p. 159).
Contudo, como sugere Schwartzman (2000), essa relação entre os intelectuais e
o governo Vargas intermediada pelo ministro Capanema, apesar de próxima, não foi
sempre harmoniosa, pois embora possuíssem idéias convergentes em relação à
valorização do nacional, eram divergentes no modo de concretizá-las. Sendo assim,
34
Como alude Oliveira, o presidente Vargas em seus discursos reconhecia os intelectuais como
personalidades importantes no processo de transformação nacional, pois para o novo governo - sobretudo
após o regime instaurado em 1937 - cada povo deveria formar suas instituições conforme as necessidades
históricas de seu tempo, e neste processo “o intelectual é visto como aquele capaz de captar, de modo
mais direto e imediato, as aspirações do inconsciente coletivo de um povo” (OLIVEIRA, 1982, p. 34).
Com isso, o governo atrai estes pensadores para junto do ministério de Gustavo Capanema, a fim de
atuarem em conjunto no processo de emancipação cultural do país. “O intelectual é um fornecedor de
idéias e, enquanto tal, um organizador de perspectivas justificadoras. Confere autoridade ao poder à
medida que elabora raciocínios convincentes, justificadores de um curso de ação sobre o qual não há
prova lógica. É daí que se pode entender sua relação com o público e com o poder” (OLIVEIRA, 1999, p.
85) Nota-se que a década de 1930 marcou uma redefinição das políticas institucionais brasileiras. Para
isso o Estado contava com o apoio de intelectuais das mais variadas correntes de pensamento presentes na
década de 1920, a fim de combinar projetos e propostas.
35
“[...] temos o aumento das atividades do Estado enquanto promotor, organizador e mecenas do mundo
da cultura. A criação do Ministério de Educação e Saúde (1930), do Instituto Nacional do Livro (1937),
do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1936, em caráter experimental) e do Serviço
Nacional de Teatro (1937) podem ser tomados como exemplos dessa ampliação da esfera de atuação do
Estado no campo da cultura”(OLIVEIRA, 1999, p. 92).
78
Este projeto ambicioso só explica em parte, no entanto, a
preocupação do ministro com as atividades de tipo cultural e artístico.
Uma outra parte, talvez mais importante, deve ser creditada a suas
vinculações de origem com a intelectualidade mineira e,
particularmente, com alguns dos expoentes principais do movimento
modernista, vinculações mantidas e constantemente realimentadas
por seu chefe-de-gabinete, Carlos Drummond de Andrade. Não era
uma relação tão fácil quanto se imagina. Não há nada que revele, nos
documentos escritos do ministro, que ele se identificasse com os
objetivos mais profundos do movimento modernista, que, na
perspectiva de Mário de Andrade, buscava uma retomada das raízes
da nacionalidade brasileira, que permitisse uma superação dos
artificialismos e formalismos da cultura erudita e empostada [...]
(SCHWARTZMAN, 2000 p.97).
Dentre as vertentes do movimento modernista
36
, alguns intelectuais defendiam a
cultura nacional no âmbito da valorização das raízes e heterogeneidade nacional. Estes
autores, após recolherem um grande número de cantigas, contos populares e
instrumentos musicais pelo Brasil, com o intuito de buscarem as origens da música
brasileira, concluíram que era importante a criação de um órgão responsável pela
documentação e arquivamento do patrimônio cultural nacional. Afirmavam que não se
deveria fazer arte meramente por arte; esta carecia ter uma função, que seria a de
engajar o indivíduo na problemática nacional, pois a população brasileira necessitava de
memória e passado.
Para que o projeto político cultural fosse realizado, o acervo musical, por
exemplo, deveria ser divulgado à população brasileira de forma agradável e atualizada,
função que cabia à música erudita oferecer, pois, como argumentava Mário de Andrade,
o uso de formas musicais modernas e eruditas poderia dar corpo à cultura musical
brasileira. Através do processo antropofágico, seria possível assimilar o elemento
36
Trata-se da segunda fase do movimento modernista, que tinha como tema central em suas
manifestações a questão da brasilidade. Conforme elucida Oliveira (1999): “O Manifesto Pau- Brasil
(1924) e a figura de Oswald de Andrade, entre outros, são representativos desse momento. Mário de
Andrade propõe criar a arte brasileira como o único modo de ser civilizado, e sua obra Ensaio sobre a
música brasileira (1928) é expressiva desta fase em que o modernismo cria e difunde a necessidade de
identificar a substância do “ser” brasileiro, e denuncia os conhecimentos/ saberes atrasados que impedem
a captação desta essência (OLIVEIRA, 1999, p. 88).
79
nacional com a influência estrangeira, sem correr o risco de desvirtuar o primeiro, mas
sim de reformulá-lo. Nas palavras de Naves:
[...] a proposta de desenvolver o “populário” se explica, de certo
modo, pela posição universalista que Mário assume no Ensaio sobre a
música brasileira ao enfatizar a importância do elemento estrangeiro,
notadamente os processos harmônicos, dos quais não poderíamos
prescindir. Mário aconselha: “A reação contra o que é estrangeiro
deve ser feita espertalhonamente pela deformação e adaptação dele”.
Mário pressente os riscos de um procedimento unilateral, capaz de
tomar um único elemento étnico como configurador da identidade
brasileira, criticando uma certa tendência de se pensar o nacional a
partir do “exótico”. Em várias passagens do Ensaio, Mário retoma
esse tema, criticando a postura de muitos “modernos” que “ciosos da
curiosidade exterior”, apelam para a “sensação forte, vatapás, jacaré,
vitória-régia”. O próprio Villa-Lobos se torna alvo dessa crítica ao
criar, segundo Mário, uma “pseudo-música indígena” (NAVES,
2001, p.190).
Desta forma, a erudição harmônica da música erudita acompanhada de
símbolos da cultura nacional poderia ajudar no resgate da cultura brasileira, que vinha
sendo empobrecida pelo popularesco presente na música de rádio, considerada por
Mário de Andrade culturalmente pobre.
Embora reconheça haver exceção no campo da “música popularesca”,
entende que a maioria “é chata, plagiária, falsa”, “Uma espécie de
arte de consumo”. Nesse contexto, a obra “é esquecida e substituída
por outra”, assim como o seu autor “é usado, gastado e em seguida
esquecido e substituído por outro [...]” (NAVES, 2001, p.191).
Em 1934, Mário de Andrade foi convidado pelo ministro Capanema a preparar
um documento de proteção do patrimônio nacional, documento que foi utilizado nas
discussões preliminares sobre a estrutura e os objetivos que cabia ao Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)
37
, criado em 1937, resguardar
(SCHWARTZMAN, 2000), já que a defesa da cultura nacional realizada por Mário de
37
Segundo Falcão (1984), o SPHAN deveria atentar a três aspectos, ao preservar o patrimônio histórico e
artístico: “Primeiro, ao desafio político de estimular e canalizar a participação social na preservação
cultural. Segundo, ao desafio ideológico de identificar e forjar um ‘patrimônio cultural brasileiro’
(diferenciado em relação às experiências européias e norte-americanas, e ao mesmo tempo representativo
da complexidade e heterogeneidade da cultura brasileira). Finalmente, ao desafio administrativo de
cunhar e consolidar uma estrutura estatal burocrático-cultural, nacional e eficiente”(FALCÃO, 1984, p.
27).
80
Andrade era vista com simpatia pelo governo Vargas, ciente de que a formação do novo
homem brasileiro (CAVALCANTI, 1999) não estaria fortemente constituída se não
fossem estabelecidas ligações entre o presente e o passado brasileiro.
Todavia, o projeto inicial de Mário de Andrade sofreu modificações
consideráveis, pois, diferentemente desse, que propunha apresentar à população
nacional um Brasil pluriétnico marcado por distintas características regionais, com uma
raça que ainda não estava definitivamente estabelecida e não desconsiderava o
estrangeirismo, o SPHAN tinha como finalidade preservar não as singularidades
regionais, mas sim valores comuns a todo o país, por meio de heróis nacionais,
personagens históricos e fatos que marcaram a construção do Brasil.
Além disso, como lembra Falcão (1984), o Decreto-Lei criado pelo SPHAN não
acatou as propostas de Mário de Andrade de preservar as artes como a música regional,
lendas, folclores e até hábitos populares. Esse Decreto-Lei restringiu-se apenas à
proposta referente à preservação de bens móveis e imóveis. Com isso, a política federal
de preservação do patrimônio histórico e artístico reduziu-se “praticamente a política de
preservação arquitetônica do monumento de pedra e cal” (FALCÃO, 1984, p.28), em
particular a construída pela etnia branca, com ênfase na arquitetura setecentista mineira.
Assim, foi adotada a sugestão de uma elite que pretendia registrar a experiência cultural
de um país urbano industrial como sendo a experiência nacional, em oposição à
preservação de uma história tida como rural e atrasada. Em outras palavras, optou-se
pelo registro de uma etnia branca, dotada de Capital cultural e Econômico
(BOURDIEU, 1989), em oposição aos outros diversos grupos étnicos que compunham a
nação. Percebe-se, então, que havia uma preocupação em registrar os novos gostos e
tendências da população brasileira, ligados ao progresso material e estético
38
. Esses
38
Falcão (1984) enumera dois pontos que teriam sido responsáveis pela derrota da proposta modernista
de Mário de Andrade. O primeiro ponto seria o fato de ela ter sido uma proposta solitária, sem
81
elementos culturais, segundo o governo, serviriam para desenvolver na população um
respeito à unidade nacional e a fidelidade à pátria, pois enfatizavam características
nacionais.
Nota-se, dessa forma, que o governo não almejava construir um Brasil em
moldes macunaímicos, pautado na diversidade cultural e numa nação que ainda
consolidava a sua cor, ou melhor, a sua identidade. Sua ambição estava na capacidade
de reunir diversos fatos históricos sob a cunhagem de um único suposto mito de origem,
isto é, traços e crenças com os quais os cidadãos de todos os estados federativos e
pertencentes às mais distintas origens culturais pudessem se identificar. Como ressalta
Schwartzman:
O que preponderou no autoritarismo brasileiro, no entanto, não foi a
busca das raízes mais populares e vitais do povo, que caracterizava a
preocupação de Mário de Andrade, e sim a tentativa de fazer do
catolicismo tradicional e do culto dos símbolos e líderes da pátria a
base mítica do Estado forte que se tratava de constituir. Capanema
estava, seguramente, muito mais identificado com esta vertente do
que com a representada pelo autor de Macunaíma, que não temia
entrar em contato com “a sensualidade, o gosto pelas bobagens, um
certo sentimentalismo melado, heroísmo, coragem e covardia
misturados, uma propensão política e pro discurso” que faziam parte
da visão andradiana do caráter brasileiro (SCHWARTZMAN, 2000,
p. 98).
Oliven (1984) contribui com esta discussão ao advertir sobre a importância de se
considerar o fato de que neste período, em que havia uma forte interferência estatal na
produção cultural, o Brasil começava a ganhar formatos de uma sociedade urbano-
industrial, marcada pela disciplina e pela moralidade. Diante deste fato, o governo
repudiava, por exemplo, músicas populares que exaltavam a malandragem e os vícios
degenerativos do brasileiro, e incentivava canções que apresentassem a imagem do país
sustentação e organização política, além de não contar com o apoio de outras teorias. O segundo ponto
deve-se aos escassos recursos federais para se criar uma política de preservação cultural que abrangesse
toda essa gama de manifestação cultural proposta pelo intelectual modernista.
82
como um povo ordeiro, de suave mistura de raças e o associasse à imagem de um país
sério.
Foi durante o Estado Novo que surgiu o chamado "samba da
legitimidade", em que se buscava converter a figura do malandro na
figura exemplar do operário de fábrica. O DIP incentivava os
compositores a exaltar o trabalho e abandonar a boemia. Também
através do samba se ensinava a repudiar o comunismo como ameaça
à nacionalidade ("Glória ao Brasil", 1938). Procurando construir uma
imagem positiva do governo junto aos artistas, em 1939 Vargas criou
o "dia da Música Popular Brasileira". (www.cpdoc.fgv.br, 2006,
p.01)
Destarte, essa vertente adotada pelo governo gerou um descontentamento entre
alguns intelectuais modernistas, sobretudo em Mário de Andrade, que notou o interesse
do governo em registrar uma cultura nacional envolta na mística ufanista do verde e
amarelo, preocupada apenas com os interesses políticos do Estado e destituída das
raízes populares. Conforme Oliveira (1999) adverte, o Estado de Vargas optou por um
grande número de sugestões advindas de uma outra corrente modernista, que dispensava
a apropriação de idéias vindas de fora, ou seja, negava qualquer tipo de estrangeirismo.
Trata-se do movimento verde-amarelo
[...] que tem como proposta abandonar as influências européias, fixar-se
na originalidade brasileira, voltar aos mitos fundadores, ao mito tupi, à
escolha da anta como animal totêmico. Dentre eles estão Cassiano
Ricardo, Menotti del Picchia e Plínio Salgado, que buscam a alma
brasileira no passado histórico ou mitológico. Aceitam a vida do
interior, regional, como a que teria se mantido mais autentica, em
oposição ao litoral, visto como a parte falsa e enganadora do Brasil. A
obra Martim Cererê (1928), de Cassiano Ricardo é expressiva desta
posição: trata da epopéia bandeirante, resume a brasilidade como o
somatório do homem com a natureza, valoriza o sentimento, o contato
direto, a comunhão com a pátria. Vários dos verde-amarelos vão mais
tarde participar da organização da Ação Integralista Brasileira (AIB),
em 1932, e do Estado Novo, engajados no Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP) (OLIVEIRA, 1999, p. 88).
Esta foi a maneira encontrada pelo Estado Nacional para reler a tradição,
voltando ao passado e reescrevendo a história nacional, sob uma nova perspectiva.
Sendo assim, para consolidar seu propósito de promover o “espírito da brasilidade”, o
83
governo Vargas concluiu ser imprescindível atingir ainda dois pontos: a implantação de
um sistema escolar padronizado e a aculturação cultural das minorias étnicas presentes
no país.
A fim de cumprir esses dois objetivos, esse governo, novamente por meio do
ministro Gustavo Capanema, propunha implantar um sistema educacional em âmbito
nacional, até então inexistente no Brasil. Essa educação viria através de um
nacionalismo vinculado aos interesses estatais, divulgado por meio de livros didáticos
de História, Geografia e Educação Moral e Cívica, escritos na língua portuguesa
normativa, e de associações escolares como a Organização Nacional da Juventude.
Ambos seriam inspecionados previamente pelas autoridades governamentais, para
garantir que o processo de formação da cultura nacional fosse eficaz.
A juventude e a educação foram escolhidas, pois “[...] assumem importante
papel na formação da identidade de um Estado-Nação: garantem que uma nova geração
seja comprometida cedo com a identidade da sociedade e que o número de desleais se
reduza ‘naturalmente’” (SCHRADER, 1986, p.101). Esse segmento social seria capaz
de traduzir em manifestações cívicas, em atividades lúdicas e em práticas esportivas a
devoção patriótica, o progresso intelectual e o vigor físico que o governo Vargas
pretendia implantar nos hábitos diários da população brasileira. De acordo com
Anderson (1989), uma juventude escolarizada significava dinamismo, progresso,
devoção e ímpeto revolucionário. Eis o papel que o sistema escolar deveria assumir
neste período de fomento do nacionalismo
2.3. O Plano Nacional de Educação.
Para cumprir seus objetivos, o governo Vargas, através do Ministério da
Educação e Saúde, elaborou pouco antes da criação do Estado Novo, em 1936, um
questionário com o intuito de obter respostas que pudessem auxiliar na criação de um
84
Plano Nacional de Educação. Este documento foi distribuído a professores, jornalistas,
escritores, cientistas, religiosos e políticos que tinham interesse em participar deste
amplo projeto cultural preocupado em incorporar setores como a educação, a ciência e a
religião para a reorganização da cultura brasileira.
O questionário, impresso pela Imprensa Nacional sob a forma de
livreto intitula-se Questionário para um inquérito. As 213 perguntas
inquiriam sobre todos os aspectos possíveis do ensino: princípios,
finalidade, sentido, organização, administração, burocracia, conteúdo,
didática, metodologia, disciplina, engenharia, tudo, enfim, que se
fizesse necessário considerar para a definição, montagem e
funcionamento de um sistema educacional. As perguntas revelam a
preocupação em refletir o debate corrente e, em alguns casos, a
intenção de fixar interpretações para alguns artigos polêmicos da
Constituição de 34 que poderiam afetar a ação educativa, como por
exemplo os de número 149 e 155. O primeiro se referia a um
“espírito brasileiro” e à “consciência de solidariedade humana” como
objetivos da educação; o segundo assegurava a liberdade de cátedra
(SCHWARTZMAN, 2000, p.193).
O Ministério da Educação e Saúde ficou responsável, portanto, por realizar as
negociações e as aprovações de projetos políticos elaborados pelos grupos que tinham o
intuito de participar. Dentre estes grupos, os educadores profissionais (MICELI, 1979,
p. 167) – Escola Nova e intelectuais de extrema direita preocupados com a educação –
tiveram participação importante, pois o governo os considerava competentes e eficazes
em suas propostas educacionais. Essa era a possibilidade do governo, por meio, mais
uma vez, do ministro Gustavo Capanema, de controlar as distintas propostas
pedagógicas
39
que operavam no país, mediante a uniformização do ensino, dos
currículos, dos compêndios e das metodologias pedagógicas. A realização desse
controle se daria através da padronização do ensino escolar, capaz de abranger todo o
39
Enquanto Capanema já estava instalado no Ministério da Educação e Saúde, em 1935, nos meios
culturais e políticos do país travava-se uma forte disputa sobre a constituição e as funções que deveria
adotar o sistema educacional brasileiro. De um lado, os educadores do chamado movimento
escolanovista, com Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e outros educadores à frente,
buscavam uma revolução pedagógica e uma educação igualitária sob a responsabilidade do Estado. Do
outro lado, o movimento católico defendia um ensino religioso e livre da tutela do Estado. “Entre os
extremos, Capanema jamais se decide de maneira totalmente explícita, mas o peso da influência de Alceu
é, sem dúvida alguma, o predominante” (SCHWARTZMAN, 2005, p.30,d).
85
território nacional, uma vez que até então não havia no Brasil algo parecido. A educação
poderia perpetuar e reforçar no caráter das crianças “as similitudes essenciais que a vida
coletiva supõe” (DURKHEIM, 1958, p 67).
O movimento da Escola Nova, através de seus líderes regionais, demonstrou
interesse em participar da criação deste Plano Nacional de Educação. Dado ao fato de
que, em 1932, havia lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, liderado
pelo sociólogo paulista Fernando de Azevedo e assinado por outros conceituados
educadores e intelectuais da época. Nas páginas que compõem este documento, estes
intelectuais discutem a necessidade da criação de um sistema educacional em âmbito
nacional e que fosse consonante com os interesses econômicos que o Brasil buscava,
pois acreditavam que somente através de uma educação moderna
40
é que a economia
nacional poderia ter bases sólidas; portanto:
40
O movimento pedagógico Escola Nova tinha como base teórica as propostas filosóficas do americano
John Dewey. Sua proposta é um esforço de conciliar e ajustar a tradição cultural de cada povo, centrada
no passado, com o conhecimento científico, por sua vez, tido como moderno. Essa aproximação
possibilitaria que o presente estivesse dotado de valores e fluísse cada vez mais rápido em direção a um
futuro amplo que, por sua vez, pudesse acomodar e promover o diálogo entre o tradicional e o moderno.
Trata-se de uma teoria filosófica – assim como a de H. Bergson, C. Peirce, W. James e até de A.
Schopenhauer – marcada pelas transformações políticas e econômicas vividas no fim do século XIX.
Dessa forma, diferentemente do positivismo que valorizava a observação científica dos fatos, a proposta
pragmática de Dewey não oferece valores científicos absolutos, pelo contrário, ao invés de sugerir a
adoção de fórmulas ou conceitos aprioristicos para interpretar um objeto, prima pela construção
pragmática do saber em contato com o Universo, ambos (conhecimento e experiência) caminhando em
conjunto. Como afirma AnísioTeixeira (1956), a concepção filosófica de John Dewey faz com que a
“contingência mesma do mundo faz dele um mundo de oportunidades, um mundo em permanente
reconstrução, um mundo em marcha, com suas repetições e suas novidades, cousas acabadas e cousas
incompletas, uniformidades e variedades, em que o presente é uma função entre um ‘teimoso passado’ e
um ‘insistente futuro’. Nesse imenso processo há, ao lado do determinado, regular e irrecorrível, o
indeterminado, o irregular, o recorrível; ao lado do fatal, o eventual; e daí ser possível a ação e a direção.
O homem constitui um dos agentes, entre muitos outros agentes – cósmicos, físicos e biológicos – da
transformação do universo. O instrumento dessa contínua transformação é a experiência concebida como
uma ocorrência cósmica [...]Todos os seres vivos agem e reagem em seu meio, alterando-se e alterando o
universo. E o homem exalta esse processo de interação e experiência. Graças à linguagem torna a
experiência cumulativa e, com o auxílio do seu registro simbólico, ela mesma objeto de experiência. Essa
experiência da experiência o leva à descoberta das suas leis, com o que acrescenta uma dimensão nova ao
universo, a da direção da experiência, abrindo as portas a desenvolvimentos insuspeitados na ordem e
desordem, harmonia e confusões, seguranças e incertezas do mundo, que constitui o seu meio e que ele
passa a transformar em benefícios.” (TEIXEIRA, 1956, p.307). Enfim, esse fragmento revela que a
proposta filosófica de John Dewey e da Escola Nova era a de buscar a unidade e a integração do Homem
enquanto ser cosmológico, pois dadas as transformações ocorridas no fim do século, ele encontrava-se
compartimentado e limitado às experiências e aos conhecimentos terrenos.
86
Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em
importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter
econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução
nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país
depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as
forças econômicas ou de produção sem o preparo intensivo das forças
culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que
são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade.
(AZEVEDO, 2005, p.1)
Passados 43 anos de regime republicano, os Pioneiros da Educação Nova
acusavam um amadorismo, por parte dos governos federal e estadual, na administração
do sistema educativo. Segundo esses autores, o poder público havia desenvolvido uma
escola destituída de aspectos filosóficos e sociais, além de métodos científicos obsoletos
e incapazes de oferecer uma educação rica em cultura ao público infantil, conforme o
mundo contemporâneo exigia. Soma-se a este problema a falta de unidade e
continuidade de projetos e planos de reformas educacionais.
Sob essa premissa é que, em 1920, surgiu esse movimento que se auto-intitulava
“o movimento de reconstrução educacional” (AZEVEDO, 2005). Por meio de estudos
científicos desenvolvidos por membros como Fernando Azevedo, o primeiro passo
desse grupo foi projetar um quadro sobre a situação educacional do país, para refletir e
cogitar propostas em pontos que julgavam deficientes. Em seguida, propuseram sair do
plano administrativo e inaugurar no plano político-social suas transformações, já que
alegavam uma falta de iniciativa para a reformulação dos planos educacionais. Sendo
assim, argumentavam:
De fato, por que os nossos métodos de educação haviam de continuar
a ser tão prodigiosamente rotineiros, enquanto no México, no
Uruguai, na Argentina e no Chile, para só falar na América
espanhola, já se operavam transformações profundas no aparelho
educacional, reorganizado em novas bases e em ordem a finalidades
lucidamente descortinadas? Por que os nossos programas se haviam
ainda de fixar nos quadros de segregação social, em que os encerrou
a república há 43 anos, enquanto nossos meios de locomoção e os
processos de indústria centuplicaram de eficácia, em pouco mais de
um quartel de século? Porque a escola havia de permanecer, entre
nós, isolada do ambiente, como uma instituição enquistada no meio
87
social, sem meios de influir sobre ele, quando, por toda parte,
rompendo a barreira das tradições, a ação educativa já desbordava a
escola, articulando-se com as outras instituições sociais, para estender
os seus raios de influência e de ação? (AZEVEDO, 2005, p. 2).
A solução proposta foi a criação de associações e iniciativas escolares pelo
território nacional, que propunham despertar a curiosidade, “pondo em circulação novas
idéias e transmitindo aspirações novas com um caloroso entusiasmo” (AZEVEDO,
2005, p.3). Diante desse quadro, alguns estados federais, dentre eles o Distrito Federal
(atual Rio de Janeiro), em virtude da descentralização política existente na República
Velha (FILHO; BASSA, 2005) iniciaram reformas educacionais em seus territórios,
reformas essas modeladas sob a perspectiva da Escola Nova
41
.
Segundo esses autores, a reforma por eles instaurada era diferente das demais
ocorridas até então, uma vez que
Em lugar dessas reformas parciais, que se sucederam, na sua quase
totalidade, na estreiteza crônica de tentativas empíricas, o nosso
programa concretiza uma nova política educacional, que nos prepara,
por etapas, a grande reforma, em que palpitará, como o ritmo
acelerado dos organismos novos, o músculo central da estrutura
política e social da nação. (AZEVEDO, 2005, p.4).
Esse movimento, portanto, declarava seu interesse em aproximar-se do novo
governo ao afirmar que a reforma educacional, enquanto uma reforma social, não podia
prosseguir em seus avanços se não fosse pensada dentro de uma perspectiva maior de
transformações, não apenas educacionais, mas também culturais e vice-versa. Deste
modo, afirmava que se fazia necessário que a Revolução iniciada no âmbito econômico,
político e cultural, na década de 1930, caminhasse ao lado da Revolução educacional
que vinha ocorrendo no país desde a década de 1920. Assim, formava-se um plano
41
Durante a década de 1920, Fernando de Azevedo tinha sido diretor de Instrução Pública do Distrito
Federal; Manuel Lourenço Filho foi responsável pela reforma educacional no Ceará, em 1923; Anísio
Teixeira pela reformulação, na Bahia, em 1925; Carneiro Leão, por sua vez, em Pernambuco, em 1928; e
Francisco Campos e Mario Cassanta realizaram a reforma educacional em Minas Gerais, em 1927. Uma
das ações de Francisco Campos, enquanto Secretário do Interior de Minas Gerais, foi a promoção da
Segunda Conferência Nacional de Educação em Belo Horizonte, em 1928, assim como a vinda de alguns
educadores europeus que trouxeram para o estado mineiro uma filosofia pedagógica inovadora.
88
integral de transformações sociais, imprescindíveis para o desenvolvimento nacional, e
eliminava-se de uma vez por todas os projetos fragmentados que ainda operavam no
país.
A união entre esse grupo e o Estado fazia-se mister, ainda, por outro motivo: o
historicismo. Segundo os Pioneiros da Educação Nova, cada período histórico é
responsável pela criação de uma filosofia e de uma perspectiva de mundo que dê conta
de responder à necessidade e às angústias humanas daquele dado período. Dessa forma,
o momento histórico em que o Brasil estava adentrando requeria uma nova concepção
de mundo. A modernidade expressa pela industrialização crescente almejava indivíduos
que estivessem preparados para um universo mais prático e que fossem capazes de agir
e operar no universo a sua volta.
Para isso, este grupo de intelectuais procurava desenvolver uma política
pedagógica dotada de métodos menos rígidos de aprendizagem e travou embates
ideológicos com diversas oligarquias regionais, pois defendia uma proposta de ensino
pragmática, preocupada não apenas com a formação extramundana (WEBER, 2004)
do indivíduo, ou melhor, com a formação “espiritual”, mas com as suas necessidades
intramundanas (WEBER, 2004) também. Assim, pretendia educar o indivíduo para a
vida coletiva, para os problemas práticos e para a Era Industrial que o Brasil almejava
adentrar
42
. É evidente que se tem aqui uma crítica feroz do movimento escolanovista
desferida à Igreja Católica. Segundo eles, a pedagogia católica estava presa a um
sistema educacional literário, ou seja, contemplativo, destinado a confinar a capacidade
de atuação do aluno apenas em sala de aula.
42
Sob a influência direta da filosofia pragmática norte-americana à qual estava arraigado o movimento
Escola Nova, é possível especular que o oferecimento, por parte deste, de um ensino técnico e,
consequentemente, a valorização do trabalho, bem como da vida coletiva fossem influências indiretas dos
valores protestantes presentes na cultura capitalista norte-americana. Por este viés torna-se mais fácil
entender os conflitos ideológicos travados entre a Igreja Católica e a Escola Nova.
89
Um vício das escolas espiritualistas, já o ponderou Jules Simon, é o
“desdém pela multidão”. Quer-se raciocinar entre si e refletir entre si.
Evita de experimentar a sorte de todas as aristocracias que se estiolam
no isolamento. Se se quer servir à humanidade, é preciso estar em
comunhão com ela...[...] Mas, para a escola socializada, não se
organizou como meio essencialmente social senão para transferir do
plano da abstração ao da vida escolar em todas as suas manifestações,
vivendo-as intensamente, essas virtudes e verdades morais, que
contribuem para harmonizar os interesses individuais e os interesses
coletivos (AZEVEDO, 2005, p. 6).
Deste modo, o movimento escolanovista argumentava que somente o setor
público poderia oferecer um ensino desvinculado de interesses políticos particulares,
formando cidadãos livres e conscientes de seu papel no desenvolvimento da nação.
Conclui-se, então, que a meta deste movimento pedagógico era promover uma educação
que fosse pública, universal e gratuita, e que pudesse oferecer um ensino igual a todos,
ou seja, almejavam uma escola que estivesse sob tutela do Estado e não aos proveitos
privados e/ou religiosos.
A nova doutrina, que não considera a função educacional como uma
função de superposição ou de acréscimo, segundo a qual o educando
é “modelado exteriormente” (escola tradicional), mas uma função
complexa de ações e reações em que o espírito cresce de “dentro para
fora”, substitui o mecanismo pela vida (atividade funcional) e
transfere para a criança e para o respeito de sua personalidade o eixo
da escola e o centro de gravidade do problema da educação.
Considerando os processos mentais como “funções vitais” e não
como “processos em si mesmos”, ela os subordina à vida, como meio
de utilizá-la e de satisfazer as suas múltiplas necessidades materiais e
espirituais. A escola, vista desse ângulo novo que nos dá o conceito
funcional da educação, deve oferecer à criança um meio vivo e
natural, “favorável ao intercâmbio de reações e experiências”, em que
ela, vivendo a sua vida própria, generosa e bela de criança, seja
levada “ao trabalho e à ação por meios naturais que a vida suscita
quando o trabalho e a ação convêm aos seus interesses e às suas
necessidades”. (AZEVEDO, 2005, p. 9).
É importante destacar, ainda, que dentre os educadores profissionais (MICELI,
1979) havia os simpatizantes da extrema direita européia, que participaram da
formulação do Plano Nacional de Educação, e, conseqüentemente, contribuíram para a
consolidação do projeto político do governo Vargas. Estes acreditavam na criação de
uma imagem mítica do governo, capaz de agregar sob sua aura todos os ideais
90
nacionalistas que o Estado propunha já em 1930. Com isso, ao serem cultuadas as
imagens e dísticos do governo de Vargas através de manifestações públicas,
indiretamente estaria sendo cultuada a própria sociedade brasileira, o que garantiria sua
perpetuidade. Pois, como afirmou Durkheim:
Para que a sociedade possa tomar consciência de si mesma e manter,
num grau de intensidade necessário, o sentimento que tem de si
mesma, é preciso que ela se reúna e se concentre. Ora, essa
concentração determina uma exaltação da vida moral, que se traduz
por um conjunto de concepções ideais em que vem manifestar-se uma
nova vida assim despertada (DURKHEIM, 1958, p.32).
Um dos mentores do projeto de criação da imagem mítica de Vargas foi
Lourival Fontes
43
, o qual já havia demonstrado suas inclinações para um nacionalismo
radical, ao publicar a revista Hierarquia. Dentre as matérias que esse periódico publicou,
estavam artigos de personagens que mais tarde compuseram o movimento integralista,
como San Tiago Dantas e Olbiano de Melo, e figuras importantes da Igreja Católica,
como Everardo Backheuse
44
.
Os artigos publicados na Hierarquia evidenciam um posicionamento
conservador adotado por essa revista, que tinha a preocupação de lidar com temas
como: o federalismo, a centralização governamental, bem com as diretrizes e rumos
para o Brasil. Além disso, a revista discutia a respeito da constituinte, do ensino, do
sindicalismo e do corporativismo; enfim,[...] todos os temas que então se
apresentavam ao mundo político brasileiro, após a Revolução de 1930” (OLIVEIRA,
2001, p.40).
43
Segundo Oliveira (2001), dois pontos ganham importância para a compreensão do pensamento de
Lourival Fontes: o primeiro seria a íntima ligação que ele apresentava com a Igreja Católica desde 1920,
junto com a qual combatia o comunismo; e o segundo foi o momento em que este intelectual aproximou-
se de Pedro Ernesto – prefeito do Distrito Federal – e iniciou suas experiências com o autoritarismo
europeu. Desta forma foi “[...] identificado com o lado fascista do governo. Assim, na aproximação do
Brasil com os Aliados, as figuras mais nazifascistas – Filinto Müller, Francisco Campos e Lourival
Fontes – tiveram que ser afastadas” (OLIVEIRA, 2001, p.37, grifo nosso).
44
Auxiliou na criação da Associação Brasileira de Educação (ABE) em 1924, conforme atesta Miceli
(2001).
91
Apesar de ter tido uma curta duração (1931-1932), a revista teve tempo
suficiente para promover, em 1934, Lourival Fontes a dirigente do Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), responsável por divulgar as ações do governo
45
e a figura
de seu governante, além de auxiliar na criação do mito Vargas (OLIVEIRA, 2001) que
seria explorado a partir de 1937, com mais intensidade entre o público escolar.
Com o Estado Novo, outras figuras tiveram participação neste processo de
centralização política e elaboração da imagem carismática
46
(WEBER, 2004) de
Getúlio Vargas. Dentre eles podemos citar o ministro da Justiça Francisco Campos
47
,
que foi importante na propaganda política do governo não só durante o período do
Estado Novo, mas no processo de consolidação do governo em 1930, também, enquanto
esteve à frente do Ministério da Educação (1931-1934) e, conseqüentemente, da
organização do Conselho Nacional de Educação. Segundo Schwartzman (2000), o
ministro Campos era leitor assíduo de teóricos europeus autoritários, e seu intuito era
criar, no Brasil, um Estado Moderno essencialmente fundamentado em ideais nacionais,
com uma ideologia responsável por desenvolver um projeto pedagógico direcionado à
criação de uma nação fiel às aspirações do Estado.
45
Criado durante o período do Estado Novo, o DIP estava vinculado diretamente à Presidência da
República e sua função era construir uma imagem positiva do novo regime, de suas instituições e do
chefe de governo, como afirma Capelato (1999). Desta forma, produziu-se durante a sua vigência livros,
folhetos, cartazes, programas de rádio, revistas, filmes e documentários destinados a divulgar a
propaganda política do governo. Ao mesmo tempo em que havia essa produção intelectual, o governo
procurava controlar, por meio da censura e da concessão de favores, empresas radiofônicas e jornais
privados, por exemplo.
46
Tomando como auxílio o estudo de Camargo (1999), que procura definir o tipo ideal carismático
weberiano em Vargas, temos que “O carisma, segundo ele (Weber), seria gerado por situações
socialmente instáveis, conturbadas, em momentos de transição, de destruição ou decomposição das
instituições, bem como de aceleradas mudanças de estrutura. Em tal contexto, a liderança pessoal atua
com uma função social de coesão e unidade, ao criar, por um processo transferencial de cunho passional e
afetivo, a identidade entre o indivíduo e a sociedade, aliança do líder. Diante da fragilidade social que
produz uma insegurança crescente, provocada pela perda dos vínculos tradicionais, o líder é afastado do
homem comum e é tratado como se possuísse qualidades supernaturais, superhumanas, ou no mínimo
excepcionais (CAMARGO, 1999, p.14, grifo do autor).
47
Após deixar o movimento Escola Nova e o Ministério da Educação e Saúde, em 1934, Francisco
Campos voltou ao governo como ministro da Justiça, com a implantação do Estado Novo. Durante este
regime foi visto como um dos principais mentores intelectuais do novo regime.
92
Como afirmam Bomeny (1999) e Schwartzman (2000), Francisco Campos era
leitor em particular do teórico romeno Mihail Manoilesco. A proposta deste intelectual
europeu era que:
Enquanto o século XIX foi a era do pluralismo político, o século XX
seria a era do monismo político. Esse seria o imperativo do século
que imporia a todos os países a aparição do partido único como um
instrumento político com a mesma característica de universalidade do
sistema parlamentar e do polipartidarismo do século XIX. Não era
casual que o partido único vinha ocupando o cenário político de
países tão distintos à guisa de ilustração, Manoilesco cita as
experiências da URSS (1917); Turquia (1919); Itália (1928);
Alemanha (1933) e Portugal (1933). Os exemplos o levavam a
acreditar que havia qualquer coisa no clima político contemporâneo
que impunha essa instituição. Tomará o confronto entre a ordem legal
e a ordem real para explicitar a falência da ordem liberal. O século
XX ensinaria ao mundo sobre a ineficácia e impertinência da
neutralidade do Estado que ao liberalismo interessava conservar.
Somente um Estado portador de uma ideologia específica e precisa
desenvolveria a grande missão pedagógica e técnica em torno de um
eixo ideológico definido, o que garante uma eficácia ímpar ao esforço
de condução das massas (BOMENY, 1999, p.145).
Diferentemente da análise de estudiosos como Carneiro (2005), que consideram
as políticas culturais do governo de Vargas como sendo posturas adotas aleatoriamente
e de face autoritária no que concerne à intolerância com a diversidade cultural e étnica
presente no país, pode-se concluir que o governo seguia o processo de modernização
política que vigorava em sua época. Este era marcado pela proposta nacional-
desenvolvimentista, que tinha como pressuposto a necessidade de um Estado
responsável por homogeneizar a cultura nacional, realizar a integração territorial e
garantir o desenvolvimento de uma economia sólida.
Portanto, Francisco Campos defendia a idéia de que a educação não podia ser
vista como um projeto democrático, mas sim como uma forma de padronizar a
população sob um ideário comum defendido pelo Estado, pois não era possível ao
governo educar os jovens sem propósito nenhum. Campos via a necessidade de
93
promover, por meio de símbolos e imagens, a integração nacional de forma
inconsciente. (ver figura 2.1)
O mundo moderno é um mundo onde o que predomina é a cultura de
massa, que acaba gerando a mentalidade de massa, uma nova forma
de integração que se origina nos mecanismos de contágio via
ampliação e difusão dos meios de comunicação. Nesse novo
ambiente, tomado pelos apelos e pelos recursos irracionais de
mobilização, a ação política tem que necessariamente se atualizar e se
render ao imperativo irreversível dos novos tempos. Numa época em
que as forças estão desencadeadas é preciso que se construa um
mundo simbólico capaz de arregimentá-las, unificando-as de forma
decisiva, de tal forma que esse mundo simbólico se adapte “às
tendências e aos desejos” das massas humanas
( CAMPOS apud
SCHWARTZMAN, 2000, p.81).
Para que esta estratégia ganhasse forma, fazia-se necessário envolver a Igreja
Católica como fonte de inspiração ideológica e legitimação política para a nova ordem
que se buscava estabelecer. Esta Religião deveria oferecer ao novo regime uma
ideologia que lhe desse substância e conteúdo moral, sem os quais, intuía Campos, não
conseguiria se consolidar. Todavia, para o ex-Ministro da Educação, os princípios
cristãos pareciam ser, principalmente, um instrumento de mobilização política, e não um
valor em si. Isto talvez explique por que, apesar da aproximação inicial, o
relacionamento da Igreja Católica com o tipo de política preconizado por Francisco
Campos jamais tenha se aprofundado. Dessa forma, ele percebia a Igreja Católica como
um importante instrumento para o seu projeto político, não somente como fonte de
inspiração, mas também por fornecer modelos e quadros de disciplina e de ordem
espiritual.
A similaridade entre este projeto político e os regimes fascistas e
totalitários que começavam a se instalar na Europa nesta época não é,
evidentemente, casual. Diferentemente dos exemplos alemão e
italiano, no entanto, o projeto de Francisco Campos buscava uma
vinculação com a Igreja Católica que só seria tentada mais tarde em
Portugal e, principalmente, na Espanha (SCHWARTZMAN, 2005 d).
94
Outro ponto importante nas políticas
pedagógicas de Francisco Campos foi durante a
sua atuação já como Ministro da Justiça (1937-
1941), na qual propôs a criação da Organização
Nacional da Juventude. Como o próprio nome
alude, tratava-se de um projeto de
arregimentação militar da juventude, com o
objetivo de preparar e disciplinar os jovens para
os novos princípios que deveriam reger o Estado
Nacional. Baseado nos modelos fascistas
alemão e italiano, Campos almejava criar uma
juventude fiel, desde cedo, aos valores da nação. Todavia, seu projeto sofreu resistência
por parte do Ministério da Guerra, que via nessa organização juvenil uma possível
divisão de tarefas e força, a qual competia exclusivamente ao Exército. O ministro
Capanema, por sua vez, também demonstrou desinteresse perante esse projeto
militarizante juvenil, pois poderia gerar confusões desnecessárias entre os Ministérios
da Guerra e o da Educação e Saúde. Ao invés desta proposta, Gustavo Capanema
sugeriu uma valorização do ensino cívico, educativo e físico, como o modelo português
adotava – a Mocidade Portuguesa
48
–. Em seguida substitui o nome, em 1940, para
Juventude Brasileira e restringiu a esta associação juvenil apenas a responsabilidade por
realizar desfiles cívicos em datas nacionais.
48
Em entrevista realizada com o português Luis Curto Dias (2005), que participou da Mocidade
Portuguesa entre os anos de 1959 a 1963, na cidade de Maputo, em Moçambique, foi possível constatar
que esta instituição apresentava um caráter militar (pois oferecia a possibilidade do jovem ingressar no
exército como suboficial após sete anos de atividades), pois o governo português apresentava um
contingente militar pequeno e enfrentava constantes conflitos em suas colônias africanas, o que fazia com
que os treinamentos de seus jovens tivessem o caráter de recrutamento desde cedo. Já no caso do Brasil, o
ministro Gustavo Capanema optou por adotar apenas os condicionamentos físicos e os ensinamentos de
caráter moralizante e patriótico que a instituição portuguesa apresentava.
Figura2.1Estudantes no dia da bandeira,
1938/1945. Rio de Janeiro (RJ).
Fonte: (CPDOC/GC foto 716/3)
95
Dessa forma, os objetivos de Francisco Campos de formar uma mobilização
radical dos diversos segmentos sociais em torno do Estado, influência dos governos
europeus autoritários, durante a sua passagem pelos Ministérios da Educação e
Ministério da Justiça, foram fracassados.
Para amenizar o crescente radicalismo de Francisco Campos, o governo federal
contou com Almir de Andrade
49
que propôs dar novos contornos à imagem pública do
presidente. Nota-se na análise de Oliveira que os estudos de Almir de Andrade
[...] procura vincular o governo Vargas às raízes culturais brasileiras.
A primeira das tradições brasileiras se refere às qualidades
excepcionais da colonização portuguesa no Brasil. Essa colonização
teria gerado uma política original. A autoridade fora deslocada das
mãos do Estado para a família, para o senhor patriarcal, fazendo o
interesse local predominar sobre os interesses gerais e tornando o
brasileiro um ser refratário a leis e princípios que não se
corporificassem na figura concreta de um chefe. Essa mentalidade e
seu traço predominante, o “espírito cordial”, marcariam a vida do
homem brasileiro. Assim, o localismo e o personalismo são traços
culturais que legitimam o novo regime. A singularidade das relações
sociais do homem brasileiro constituía a tradição a ser respeitada, e
Vargas é o principal intérprete dos ideais e dos sentimentos que se
encontram subjacentes na vida brasileira. A valorização da pessoa de
Vargas encontra respaldo na mentalidade política brasileira, que
sempre pessoalizou o mando (OLIVEIRA, 2001, p.42).
Dessa forma, observa-se que esses educadores profissionais (MICELI, 1979)
tinham propostas de ressaltar a importância do passado tradicional como uma eficiente
ferramenta para mobilizar o povo brasileiro em torno de um espírito comum. Para isso,
estes intelectuais demonstravam através de seus estudos a necessidade de recriar
significações em torno da história brasileira, com o intuito de desconstruir (DERRIDA
apud NASCIMENTO, 2000) a imagem de um país de imigrantes e sem uma raça
definida. A figura pessoal de Vargas foi a responsável por desempenhar esse papel, pois
havia uma ligação direta entre a população e o líder, que “desde cedo foi escolhido
49
Almir de Andrade, além de ter desempenhado atividades de cunho acadêmico como professor da
Universidade do Brasil, ter fundado e dirigido a revista Cultura Política, financiada pelo DIP, ocupou o
cargo de diretor da Agência Nacional de 1943 a 45, segundo Velloso (1982).
96
como o predestinado para conduzir o país”. Conforme constata-se em diversas canções
presentes nos livros didáticos distribuídos nas escolas públicas:
Das fronteiras do sólo gaúcho
Veio um homem de excelso valor,
Que, vivendo sem fausto nem luxo,
Quis da Pátria ao serviço se pôr.
Estribilho:
Getúlio Vargas, Getúlio Vargas,
Nobre filho dos pampas do Sul,
A Pátria tôdas, por ti remida,
Quís erguer-te á mais alta curul!
Getúlio Vargas, Getúlio Vargas,
O teu vulto de impávido edill
Terá um culto de amor eterno
Na alma grata de todo o Brasil! (JUNGES, 1937, p. 2, grifo nosso).
Cabia a Getúlio Vargas, portanto, como chefe político, na definição de
Guibernau (1997), encarnar não apenas o Estado, mas era necessário encarnar toda a
nação. Para tal, foram realizadas manifestações públicas e criados símbolos, os quais
eram responsáveis por atualizar constantemente no imaginário da população o Estado
personificado na figura de Vargas.(ver figura 2.2)
A primeira e mais importante das tarefas do chefe era servir como
uma encarnação simbólica do mito que configura o destino histórico
de seu povo. O chefe é sempre um homem devotado a incitar
emoções e a estimular seus ouvintes a “viver” o mito fascista, mais
do que a examiná-los de modo crítico (GUIBERNAU, 1997, p.107).
Além dos educadores profissionais (MICELI, 1979) a Igreja Católica também
procurou participar da elaboração do Plano Nacional de Educação. Ela teve um papel
marcante não só nos bastidores, como propunha Francisco Campos, mas tamm como
elaboradora de métodos pedagógicos.
Para se compreender a pedagogia católica faz-se necessário retomar a
discussão sobre as negociações entre esta instituição religiosa e o governo de Getúlio
Vargas, antes de Gustavo Capanema assumir o posto de Ministro da Educação e Saúde,
em 1934. É cabível afirmar que apesar de a Igreja Católica ter sido contrária à
97
Revolução de 1930 - pois a via “como a vitória do movimento tenentista, que trazia
consigo certas idéias modernas perigosas, associadas ao liberalismo e ao positivismo,
com suas crenças nos poderes da técnica e da ciência como critérios para a organização
da vida e da ação social” (SCHWARTZMAN,
2000, p.73) -, não almejava ficar de fora do novo
regime, da formação do Conselho Nacional de
Educação (CNE) e, mais tarde, da elaboração do
Plano Nacional de Educação (PNE).
A aproximação entre estas duas
instituições foi proposta pelo governo Vargas,
quando este promulgou um decreto em abril de
1931 que facultava o ensino religioso nas escolas
públicas
50
, abolido da Constituição desde 1891.
O mesmo governo sofreu forte influência da
proposta de conciliação feita por Francisco Campos que em correspondência enviada ao
presidente, solicitou a introdução do ensino religioso facultativo nas escolas públicas de
todo o país:
"Permito-me acentuar a grande importância que terá para o governo
um ato da natureza do que proponho a V. Exa. Neste instante de
tamanhas dificuldades, em que é absolutamente indispensável
recorrer ao concurso de todas as forças materiais e morais, o decreto,
se aprovado por V. Exa., determinará a mobilização de toda a Igreja
Católica ao lado do governo, empenhando as forças católicas, de
modo manifesto e declarado, toda a sua valiosa e incomparável
influência no sentido de apoiar o governo, pondo a serviço deste um
movimento de opinião de caráter absolutamente nacional". Assinando
o decreto, prossegue Campos, "terá V..'Exa. praticado talvez o ato de
50
Além da interpretação proposta por Schwartzman (2005 d), que considera a aproximação política
realizada entre o Estado e a Igreja graças à figura do então ministro da Educação, Francisco Campos,
conforme já foi exposto acima, há também as considerações de Miceli (1979) ao apontar que, dadas as
condições em que se encontrava o ensino escolar na década de 1920, na qual a Igreja Católica era tida
como a principal investidora e concorrente direta do Estado, não era possível ao governo deixá-la de fora
das negociações.
Figura 2.2 Cartão postal exaltando as realizações
do governo Vargas, editado pelo DIP, 1937/1945.
Rio de Janeiro (RJ).
F
onte:
(
CPDOC/ GV foto 091/10
)
98
maior alcance político do seu governo, sem contar os benefícios que
da sua aplicação decorrerão para a educação da juventude brasileira".
"Pode estar certo", conclui, evidentemente com conhecimento de
causa, "que a Igreja Católica saberá agradecer a V.'Exa. esse ato, que
não representa para ninguém limitação à liberdade, antes uma
importante garantia à liberdade de consciências e de crenças
religiosas” (SCHWARTZMAN, 2005d).
Em virtude deste acordo político, a Igreja Católica suspendeu suas críticas à
forte interferência do Estado na área educacional e este, por sua vez, adotou inúmeras
propostas doutrinárias e educacionais da Igreja Católica na elaboração do Plano
Nacional de Educação, conforme será apresentado a seguir. Essa vinculação firmada
revelaria, também, as afinidades que o Estado nacional, cada vez mais centralizador,
teria com os setores mais conservadores do Brasil.
Nota-se, portanto, que assim como o movimento Escola Nova, a Igreja Católica
tinha interesse em participar dos projetos políticos do governo federal exclusivamente
no setor educacional, pois esta instituição religiosa tinha uma grande quantidade de
escolas particulares espalhadas pelo território nacional, e com o crescente processo de
intervenção do Estado, sobretudo após 1937, temia perder o controle de seus
educandários.
Repudiando a proposta da Escola Nova de apresentar um ensino com propostas
pedagógicas inovadoras e que oferecesse formação política aos indivíduos
51
, os
católicos propunham oferecer uma educação espiritual responsável por preparar a nação
para a compreensão da ordem teológica do mundo e demonstrar que não cabia aos
homens tentar mudá-la. Além disso, ressaltava que os representantes dessa ordenação
divina na Terra eram a Igreja Católica e a Família, e ao indivíduo cabia buscar por meio
destas duas instituições seu aprimoramento espiritual. Como sugeriu na época o
51
Dentre as ojerizas da Igreja Católica com relação ao projeto pedagógico escolanovista estavam inclusas
a proposta de salas de aulas mistas (meninos e meninas), pois na ótica católica esta metodologia de ensino
ameaçaria o papel tradicional da mulher na família; e a proposta de educação pública, laica, universal e
pautada na meritocracia soava aos religiosos como uma proposta comunista.
99
Arcebispo Metropolitano de Diamantina, Dom Joaquim Silvério de Sousa
52
, em
discurso proferido como paraninfo para a Escola Normal Américo Lopes:
Não se pode, porém, negar, digo, que a consciência nacional, o
espírito de solidariedade, que nasce do conjuncto de costumes e
aspirações communs, o patriotismo, se forma quasi tão prompta e
fortemente sob o influxo de uma professora, como sob a influencia e
as caricias da mãe. Numa e noutra existe o quid divino de que fala
Tacito, que, attrahe, electriza, suavemente subjuga; uma e outra são
uma escola que com prazer se pode freqüentar largos tempos, e á qual
se rejubila de volver, mormente nos momentos difficeis, nas horas
criticas, em que nos exige sacrifício, abnegação, heroísmo, o amor do
torrão que nos deu o berço. Mas o ideal nacional não se separa do
religioso. A história, os cânticos populares, as epopéas, sob todos os
céos, em todos os idiomas, o demonstram. A semelhança da mãe, em
cujos joelhos se forma a obra prima da creação, o homem, a
professora, em cujo peito pulsa o coração de mãe, é divinamente feita
para a religião (SILVÉRIO DE SOUSA, 194 ¯, p.34, grifo do autor).
Portanto, para a Igreja Católica a educação seria o campo ideal para articular sua
doutrina e a prática. Sendo assim, sua proposta foi elaborar uma sociologia cristã com
um certo teor racional, capaz de vincular as propostas filosóficas e científicas do novo
governo à fé cristã
53
. “Ela seria antes de tudo um método científico aplicável à
sociedade, à filosofia e à religião, contribuindo para que a Igreja Católica pudesse
desempenhar bem a sua tarefa de ‘reespiritualizar a cultura’” (SCHWARTZMAN,
2000, p.73), acabando com a incompatibilidade entre a religião e ciência. Observa-se
que os intelectuais católicos faziam parte daquele grupo de intelectuais da década de
1920, já mencionado, que propunham realizar uma “civilização” pautada na elite
cultural e social brasileira (OLIVEIRA, 1999). Sob esse viés, a vertente católica
acreditava que, sendo o povo brasileiro essencialmente católico, bastava ocorrer um
processo de resgate dos valores espirituais, por meio da recatolização na elite (que, por
52
O Arcebispo D. Joaquim Silvério de Souza foi um forte defensor da concepção moralista criada em
torno do papel feminino na sociedade, especialmente no que diz respeito ao cumprimento das funções de
mãe e de esposa.
53
Diferentemente da proposta empregada pelo movimento da Escola Nova, a proposta cristã era de
superar o que ela acusava como sendo marcas do individualismo e do socialismo, pois sua meta não era o
indivíduo e nem o Estado, mas sim a família.
100
sua vez, estava contagiada pela descrença e pelo individualismo racional burguês), para
então se restaurar a ordem e a moral nacional. Seria a superação dos valores
extramundanos (WEBER, 2004), então em crise, pelos intramundanos (WEBER,
2004) que o movimento Escola Nova tentava imputar na sociedade, em particular na
escola.
Para reforçar esta meta, a Igreja Católica valeu-se não só da aproximação
política feita com o governo federal, em 1931, mas também da aproximação pessoal que
Alceu Amoroso Lima tinha com o ministro Gustavo Capanema. Segundo Schwartzman
(2005 d), este pensador católico foi provavelmente a influência mais importante sobre o
ministro Capanema nos 11 anos (1934-1945) em que permaneceu à frente do Ministério
da Educação e Saúde. Sua influência ganhou força, sobretudo pelo fato de que foi
consolidado em 1934, ano em que Gustavo Capanema assumiu o Ministério da
Educação e Saúde, o pacto político mediado por Francisco Campos entre a Igreja
Católica e o governo de Getúlio Vargas.
Segundo este acordo, a Igreja daria ao governo apoio político e
receberia em troca a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas
públicas. Mais do que isto, o pacto levou a que o Ministério da
Educação fosse entregue a pessoa de confiança da Igreja que
trabalharia em consulta constante com Alceu Amoroso Lima
54
.
(SCHWARTZMAN, 2005c, p.1, nota de rodapé nossa).
Apesar da forte influência sofrida pelo intelectual católico Alceu Amoroso Lima,
o ministro Capanema procurou não descartar nenhum dos segmentos ideológicos e
personagens apresentados acima, sobretudo a figura de Fernando de Azevedo, por quem
54
Todavia, apesar de considerar válida a orientação fascista do ministro Francisco Campos, Alceu
Amoroso Lima demonstrava a sua divergência em relação à crença na supremacia da ação e da vontade
sobre o uso da razão (princípio este básico na concepção fascista e do próprio pensamento político de
Francisco Campos). Fiel à proposta católica, Alceu Amoroso Lima acreditava que era possível estabelecer
uma ordem social de base moral erigida de acordo com os princípios da filosofia racional, cujas
conclusões coincidiriam, necessariamente, com as verdades reveladas da religião cristã. “É esta
racionalidade que permitiria substituir a debilidade de princípios que Alceu via no liberalismo
democrático por uma ordem social fundada em princípios cristãos bem definidos” (SCHWARTZMAN,
2005 d).
101
guardava forte simpatia. Com isso, as crises e diferenças políticas presentes entre esses
distintos grupos foram aos poucos sendo superadas e passaram, mesmo que sob estado
de tensão, a orbitar em torno da figura de Vargas. Fiéis à obrigação de demonstrar
lealdade e culto à figura do chefe político (GUIBERNAU, 1997), fosse para angariar
privilégios para seus pares, fosse para aprovarem suas propostas políticas, estes diversos
e antagônicos grupos de intelectuais procuravam apresentar soluções para o processo de
reformulação do caráter nacional no plano educacional.
As propostas pedagógicas dos grupos que demonstravam interesse na área da
educação, apresentadas acima, foram encaminhadas ao CNE, órgão responsável por
redigir e definir o texto final do Plano Nacional de Educação. Este órgão poderia ser
definido como o espaço político onde determinados grupos pedagógicos – educadores
profissionais, educadores católicos e militares – apresentavam e discutiam suas
concepções acerca do ensino superior e secundário, através de seus respectivos
representantes.
Conforme demonstra Miceli (2001), o CNE desde a sua criação – 11 de abril de
1931, pelo decreto n°. 19 850 – durante o mandato de Francisco Campos no Ministério
da Educação e Saúde, foi marcado por disputas e inúmeros impasses ideológicos. De
um lado, havia a Associação Brasileira de Educação e do outro lado a Igreja Católica. A
primeira defendia o ensino laico e a crescente intervenção do Estado e vinculava-se “aos
movimentos de reforma e modernização do ensino, à expansão das escolas normais e à
difusão de novos modelos pedagógicos” (MICELI, 2001, p. 300); a segunda exigia, por
sua vez, a obrigatoriedade do ensino religioso e a permanência dos estabelecimentos de
ensino particular e contava, para isso, com a figura do padre Leonel Franca, que além de
ser líder da intelectualidade católica e militante das organizações da Igreja Católica, era
102
tido como o “representante do ensino privado e confessional que, em 1929, atendia a
90% da instrução secundária” (MICELI, 2001, p. 300).
Até 1936, a composição dos membros do Conselho era feita por meio de
indicação definida na antiga lei – Reforma Francisco Campos, de 1931 – a cargo das
faculdades dominantes – medicina, direito e engenharia –, o que fazia com que os temas
discutidos e aprovados pelos Conselhos girassem sempre em torno do interesse de um
pequeno grupo. A reformulação proposta por Capanema (lei n° 174, de 6 de janeiro de
1936) acabou exigindo que a formação do CNE se desse por meio do voto secreto, e a
seleção, dessa forma, possibilitaria que a demanda de grupos de interesses educacionais
emergentes – faculdades de Ciências Sociais e escolanovistas, entre outros – pudessem
concorrer a uma posição no CNE. Destarte, a distribuição foi assim estabelecida:
Nove listas, correspondentes às categorias acima mencionadas,
contendo cada uma três nomes de representantes do ensino oficial,
escolhidos dentre os que forem indicados pelos conselhos estaduais
de educação, ou, enquanto não existirem tais conselhos, pelas
congregações dos estabelecimentos mantidos pela União e pelos
governos dos estados e do Distrito Federal (artigos 3°, 5° e 13°).
Dentre os representantes das cinco últimas categorias mencionadas,
dois, no mínimo, devem ser professores da universidade, e dois, no
mínimo, devem ser professores de estabelecimentos isolados (artigo
3°, § 2°). Três listas, correspondentes aos ensino particular, primário,
secundário e superior, contendo cada uma três nomes dentre os
diretores e professores de estabelecimentos particulares, reconhecidos
oficialmente, que forem indicados pelos conselhos estaduais de
educação (artigo 5°). Não existindo, atualmente, esses conselhos, três
listas serão organizadas pelo CNE, independentemente de qualquer
indicação [...] Duas listas correspondentes a representantes da cultura
livre e popular, contendo cada uma três nomes [...] dentre os que
forem indicados respectivamente pelas associações de imprensa e de
educação, consideradas idôneas a partir da data da Constituição ou
reconhecidas posteriormente [...]. Os outros dois nomes dessa
categoria [...] serão nomeados por livre escolha do presidente da
República [...] somente poderão ser indicados para a composição das
referidas listas pessoas de reconhecida competência nas funções que
terão de exercer, e, de preferência, experimentadas na administração
do ensino e conhecedoras das necessidades nacionais [...] e que tenha
capacidade e experiência no ramo ou grau de ensino que tiverem de
representar [...] devendo ser especialmente mencionadas as atividades
por elas exercidas. (Sessão de 20 de abril de 1936, Diário Oficial da
União, 10 de junho de 1936 apud MICELI, 2001, p. 304).
103
Diante destas mudanças realizadas, o CNE adquiriu maior autonomia para impor
seus interesses. Com isso, tornou-se o intermediador entre o Estado e os grupos que
tinham pretensões de participar dos planos de reformulação pedagógica, com o intuito
de criar propostas que atendessem a todos.
Todavia, esses acordos de alianças não foram pacíficos, pois apesar de ter
havido um acréscimo da participação dos novos membros de especialistas em educação
(de 12,5% para 31,3%) – educadores profissionais, docentes do ensino técnico e
profissionalizante, cientistas sociais e burocratas da área educacional – e a ala católica
ter tido uma parcela menor do que 25% dos representantes do Conselho, a coesão deste
grupo composto por intelectuais do Centro Dom Vital
55
era maior, e os conflitos
internos eram raríssimos. Além disso, contava com o apoio de empresários, da própria
Igreja Católica e de suas ordens religiosas. Tais fatores fizeram com que o embate entre
estes dois grupos perdurasse, mesmo após a tentativa do ministro Capanema de
distribuir o poder interno.
Após a acirrada disputa pelos seus respectivos interesses, a proposta ficou pronta
e, em maio de 1937, foi encaminhado ao ministro Gustavo Capanema o texto final –
definido como código, conjunto de princípios e normas – para a elaboração do Plano
Nacional de Educação, para que em seguida fosse enviado ao Congresso para
aprovação. “Era um documento extenso, com 504 artigos ao longo de quase cem
páginas de texto, e buscava consagrar uma série de princípios e opções educacionais que
não eram, de nenhuma forma, consensuais, e cuja discussão a proposta de aprovação
visava, justamente, evitar” (SCHWARTZMAN, 2000, p. 198). Segundo Schwartzman
(2005a), para o ensino médio, antigo ginásio, destinado a crianças a partir de 10 anos, o
Ministério da Educação e Saúde acabou pendendo para a proposta de um ensino
55
Fundado pelo pensador católico Jackson de Figueiredo, em 1922, tornou-se um importante núcleo de
debate e difusão do catolicismo.
104
pautado no Modelo italiano que, por sua vez, era organizado numa educação formal e
abstrata, tanto das ciências como das letras, o que consolidava um ensino classicista e
uma pedagogia “de fora para dentro”. Isso revela uma aproximação com a proposta
Católica, em oposição à proposta escolanovista de preparar uma formação tanto para a
vida pessoal como para a vida coletiva.
Na primeira parte do texto foram definidos os princípios gerais de educação
nacional que as escolas públicas e particulares deveriam adotar, além da regulamentação
do ensino da religião, da educação física e da educação moral e cívica. Essa última
deveria ser oferecida obrigatoriamente em todos os ramos do ensino, ficando a encargo
do professor de História do Brasil oferecê-la no ensino secundário. Esta disciplina seria
responsável por ensinar as leis naturais e civis, demonstrar as personalidades heróicas e
os trabalhos de assistência social.
Na segunda parte do texto do Plano Nacional de Educação era apresentado o
quadro sobre os institutos educativos, isto é, estabeleceu-se como a educação nacional
deveria ser constituída. Essa seria organizada em dois modelos educacionais: o primeiro
modelo chamado de ensino elementar, que iria do pré-primário ao secundário. Este
último era considerado a etapa escolar em que somente os futuros líderes nacionais,
intelectuais e homens de negócios deveriam ser educados. Para tanto, o curso
secundário deveria ser ministrado por professores catedráticos, que passassem por uma
rigorosa seleção; e o segundo modelo educacional prepararia o aluno para o ensino
especializado, que iria do nível elementar ao superior. Este tipo de ensino era destinado
àqueles que não tinham conseguido ingressar no ensino secundário, mas que tinham
interesse em prosseguir com seus estudos de forma prática e obter empregos técnicos.
Já as últimas partes do Plano Nacional de Educação eram dedicadas ao regime
escolar didático, ao regime financeiro e às fiscalizações que cabia à União realizar.
105
Dentre as normas estipuladas, o regime didático determinava a freqüência obrigatória
dos alunos, regime de provas e reprovações, além da separação de sexos entre os alunos.
Quando o Plano foi encaminhado à proposta de votação, seu parecer não foi
aceito pela Comissão especial da Câmara dos Deputados, conforme aponta
Schwartzman:
A proposta de “votação em globo” do plano é objeto de análise de
uma Comissão Especial da Câmara de Deputados, que tem como
parecerista o deputado Raul Bittencourt. Para ele, esta proposta do
governo era inadmissível. O plano descia a minúcias que deveriam
ser objeto de legislação específica, tentava dar soluções imediatas a
profundas controvérsias doutrinárias, invadia áreas de jurisdição dos
estados, ia contra os princípios da própria Constituição. O plano
previa a existência de escolas-padrão, o que ia também contra os
princípios constitucionais. A votação em globo significaria, ainda, a
renúncia da Câmara de Deputados do seu direito de entrar no mérito
dos diversos aspectos do plano, faculdade que seria transferida para o
Senado, estabelecendo, assim, a precedência deste sobre aquela
(SCHWARTZMAN, 2000, p.204).
Contudo, o Plano Nacional de Educação ficou suspenso por pouco tempo, pois
após o golpe de 1937 esta reforma educacional proposta pelo ministro Gustavo
Capanema rapidamente ganhou forças para ser implantada; desta vez suas medidas
estavam declaradamente convergente com as metas centralizadoras do novo governo
56
.
Por meio de um sistema escolar centralizado e hierárquico, no qual as diretrizes
partiriam, agora, do Distrito Federal para os demais estados federativos, o governo
objetivava aumentar seu controle sobre a formação moral e política das próximas
gerações de brasileiros. Esse controle do governo federal sobre a educação resultaria na
possibilidade do Ministro da Educação, de seu gabinete no Rio de Janeiro, saber o que
56
No Estado Novo, o poder pessoal de Vargas se consolidou. A suplantação das oposições e divergências
favorecia, com a ajuda do aparelho de controle estatal, a personificação do mito do chefe político
predestinado a guiar a nação. O controle da informação, através do DIP, por exemplo, estimulava o culto
do Estado e a disseminação de rituais coletivos, que exaltavam sempre a figura do presidente Getúlio
Vargas, suas virtudes e suas origens. “Desfiles, manifestações e programas de rádio encarregam-se de
comemorar o aniversário do ditador, em 19 de abril, enaltecendo as qualidades pessoais de ‘coragem,
magnanimidade e singeleza’. Exaltam-se sua brandura contra o adversário e sua firmeza, quando se faz
necessário assumir, como em 10 de novembro de 1937, dia do golpe, a responsabilidade de um gesto,
‘sem titubeios, sem reservas’” (CAMARGO, 1999, p. 17).
106
cada criança estava aprendendo em qualquer ponto do território nacional, desde que
soubesse a série escolar em que ela estava matriculada, já que todas as escolas
brasileiras deveriam seguir o mesmo padrão didático e curricular. Conforme conceitua
Anderson, acerca dos sistemas educacionais projetados pelos movimentos nacionalistas
do século XX:
As escolas do governo constituíam uma hierarquia colossal,
extremamente racionalizada e rigorosamente centralizada, análoga
em sua estrutura à própria burocracia estatal. Livros didáticos
uniformes, diplomas e certificados padronizados, uma gradação
estritamente regulada de grupos etários de classes e de materiais
didáticos criavam, por si só, um universo autônomo e coerente de
experiência. Não menos importante, porém, era a geografia da
hierarquia. Escolas primárias padronizadas espalhavam-se pelas
aldeias e pequenas vilas [...]; escolas secundárias, de grau inicial e
avançado, pelas cidades maiores e centros provinciais; enquanto a
educação terciária (o ápice da pirâmide) estava restrita à capital.
(ANDERSON, 1989, p.133).
Esta política educacional aliada ao projeto cultural que vinha sendo
desenvolvido desde o início da década de 1930 revela dois fenômenos interessantes no
processo de formação do nacionalismo proposto pelo governo de Vargas. O primeiro é
o fato de que os elementos culturais que foram selecionados pelo ministro Gustavo
Capanema e seus acessores, durante os anos que precederam o Estado Novo, eram a
partir deste novo regime sistematicamente organizados como os valores simbólicos
necessários para que a sociedade brasileira pudesse se consolidar como uma nação
homogênea e moderna. Além de auxiliar nesta política cultural de padronizar as
diferenças culturais sob um mito fundador, o sistema educacional funcionava como um
“braço político” do governo para difundir a cultura e a política do Estado Varguista não
só entre o público infantil, mas entre os pais e os educadores dos mesmos.
Em relação ao segundo fenômeno, percebe-se o presente governo dialogando
com as heranças políticas herdadas da República Velha. Ao mesmo tempo em que o
Estado Novo procurava repelir o nacionalismo descentralizado característico da
107
primeira República, que oferecia relativa autonomia aos governos estaduais, ele
objetivava implantar uma hierarquia autoritária do poder federal sobre os poderes
estaduais. Para dar corpo a estas duas premissas pode-se aliá-las à reflexão de Nunes:
A Constituição de 1937, que implantou o Estado Novo, atribuiu à
União competência para “fixar as bases e determinar os quadros da
educação nacional, traçando as diretrizes a que deve obedecer a
formação física, intelectual e moral da infância e juventude [...]” Essa
mesma orientação foi retomada por Gustavo Capanema, que em
discurso proferido durante a comemoração do centenário do Colégio
Pedro II, um mês após a implantação do Estado Novo, admitia a
impossibilidade da neutralidade em educação, afirmando que o
Estado deveria assumir a “suprema direção” da educação em todo o
país, não só fixando seus princípios fundamentais, mas controlando
sua execução (NUNES, 2001, p. 113).
Através do forte poder de articulação do ministro da educação, Gustavo
Capanema, o Estado Novo concretizou seus objetivos educacionais em paralelo com sua
política autoritária cada vez mais atuante e pouco aberta a diálogos, forçando os grupos
que participaram da elaboração do Plano Nacional de Educação a adequarem suas
propostas aos objetivos estatais. Assim sendo, criou-se um ensino de cunho moralizante,
preocupado com os valores católicos e com os símbolos tradicionais da cultura
brasileira.
Entretanto, este amplo projeto educacional de cunho nacionalista não foi
efetivado completamente após a instauração do novo regime político, apenas alguns
decretos-leis foram gradualmente implantados. Dentre eles os que interessam ao
presente estudo: a Lei Orgânica do Ensino Secundário, de 1942, e a Comissão Nacional
do Ensino Primário, que diante de inúmeros impasses políticos foi implantada em 1938,
através do decreto-lei n°88, por meio da Segunda Campanha de Nacionalização do
ensino.
108
2.3.1. A Lei Orgânica do Ensino Secundário
A Lei Orgânica do Ensino Secundário
57
, 1942, propôs realizar algumas
modificações sobre o modelo educacional vigente até então, estabelecido pela Reforma
Francisco Campos, de 1931
58
. O sistema educacional do início de 1930 propunha um
ensino primário comum a todos os alunos, no qual, através de suas notas e qualidades
escolares, seriam encaminhados para o ensino secundário ou para o ensino
profissionalizante. Contudo, apenas os matriculados no ensino secundário teriam
oportunidade de atingir o ensino superior. Cabe ressaltar que para o público feminino,
após o ensino secundário, restava apenas um ensino profissionalizante dedicado à
instrução para os cuidados da família. Desta forma, a educação seguia uma divisão
social e econômica do trabalho a serviço da nação, preparando indivíduos para o
trabalho intelectual, por meio do ensino secundário, homens aptos a integrar a classe
trabalhadora do país e mulheres destinadas ao zelo do lar, por meio do ensino
profissionalizante.
57
“Em 1942, por iniciativa do então Ministro de Vargas, Gustavo Capanema, começam a ser reformados
alguns ramos do ensino. Ainda uma vez o Governo preferia conduzir-se para o terreno das reformas
parciais, antes que para a reforma integral do ensino, como exigia o momento. Essas reformas, nem todas
realizadas sob o Estado Novo, tomaram o nome de Leis Orgânicas do Ensino. Abrangeram elas todos os
ramos do primário e do médio, foram complementadas por outras [...] decretadas entre os anos de 1942 e
1946. Assim, pois, durante os três últimos anos do Estado Novo, foram postos em execução os seguintes
decretos-lei: a) Decreto-lei 4.073, de 30 de janeiro de 1942: - Lei Orgânica do Ensino Industrial; b)
Decreto-lei 4.048, de 22 de janeiro de 1942: - Cria o Serviço de Aprendizagem Industrial; c) Decreto-lei
4.244, de 9 de abril de 1942: - Lei Orgânica do Ensino Secundário; d) Decreto-lei 6.141, de 28 de
dezembro de 1943: - Lei Orgânica do Ensino Comercial;” (ROMANELLI, 1978, p. 154, grifo nosso).
58
Conforme já foi discutido, a nova realidade brasileira passou a exigir uma mão-de-obra especializada e
para isso era preciso investir na educação. Sendo assim, após a criação do Ministério da Educação e
Saúde Pública, em 1930, o governo provisório sancionou decretos organizando o ensino secundário e as
universidades brasileiras ainda inexistentes. Estes Decretos ficaram conhecidos como "Reforma Francisco
Campos”: - O Decreto 19.850, de 11 de abril, cria o Conselho Nacional de Educação e os Conselhos
Estaduais de Educação (que só começariam a funcionar em 1934). - O Decreto 19.851, de 11 de abril,
institui o Estatuto das Universidades Brasileiras que dispõe sobre a organização do ensino superior no
Brasil e adota o regime universitário. - O Decreto 19.852, de 11 de abril, dispõe sobre a organização da
Universidade do Rio de Janeiro. - O Decreto 19.890, de 18 de abril, dispõe sobre a organização do ensino
secundário. - O Decreto 21.241, de 14 de abril, consolida as disposições sobre o ensino secundário.
109
Entretanto, o grau de importância atribuído pelo governo a estes dois ciclos
escolares – secundário e profissionalizante – apresentava disparidades consideráveis.
Enquanto eram exigidos para o ensino secundário professores com formação superior
selecionados por meio de um concurso supervisionado pelo próprio governo federal,
percebe-se que o profissionalizante era um ensino “de segunda classe, sobre o qual o
ministério colocava poucas exigências, nem sequer previa uma qualificação
universitária e sistema de concursos públicos para seus professores como deveria
ocorrer com o ensino secundário” (SCHWARTZMAN, 2000, p.206).
A Lei Orgânica do Ensino Secundário, ou “Lei Capanema” (BARBIERI,
1979), consagrava uma divisão do secundário distinta da proposta da Reforma
Francisco Campos. Enquanto esta disponibilizava o ensino secundário apenas para
quem fosse seguir seus estudos no ensino universitário, a proposta do ministro
Capanema era oferecer um secundário composto de dois ciclos: um primeiro de cinco
anos que deveria ser feito em comum por todos os alunos e um outro ciclo de dois anos,
dividido entre o clássico e o científico, destinado a preparar o público escolar que
prosseguiria seus estudos na universidade. Conforme aponta Schwartzman:
Desta forma, os cursos ginasiais, obedecendo a um programa mínimo
comum em todo o país, e controlados pelo ministério, também
funcionariam como habilitação básica para os cursos profissionais de
nível médio. Isto, para o ministro, viria concorrer para a maior
utilização e democratização do ensino secundário, que assim não terá
como finalidade apenas conduzir ao ensino superior
(SCHWARTZMAN, 2000, p. 207).
Além disso, atenta-se para o fato de que os ensinos primário e secundário
repousavam numa base comum, uma vez que “não há povo em que não exista certo
número de idéias, sentimentos e práticas que a educação deve inculcar a todas as
crianças, indistintamente, seja qual for a categoria social a que pertençam
(DURKHEIM, 1958, p. 64)”. Portanto, ambos constituíam um estratégico bloco
110
educacional criado pelo governo Vargas, que afirmava ser necessário incutir na
formação dos jovens um conhecimento sobre a história do Brasil, as particularidades de
sua geografia e a importância da cultura nacional, antes de especializá-los através do
ensino profissionalizante ou universitário. Segundo Lourenço Filho, em 1939, o projeto
educacional do governo tinha como
[...] fito capital homogeneizar a população, dando a cada nova
geração o instrumento do idioma, os rudimentos da geografia e da
história pátria, os elementos da arte popular e do folclore, as bases da
formação cívica e moral, a feição dos sentimentos e idéias coletivos,
em que afinal o senso de unidade e de comunhão nacional repousam
(FILHO apud SCHWARTZMAN, 2000, p. 93).
Um outro ponto na Lei Orgânica do Ensino Secundário foi a importância dada
à formação humanística clássica, em oposição à formação técnica que acusavam a
Reforma Francisco Campos de realizar. Esta modificação, segundo o ministro Gustavo
Capanema, era para atender às necessidades dos alunos de conhecer as culturas clássicas
que originaram a civilização ocidental, além de demonstrar a eles as similitudes
apresentadas entre a cultura brasileira e as principais culturas ocidentais. O ensino
secundário deveria, ainda, não perder o enfoque de oferecer aos alunos uma formação
moral e ética pautada na crença religiosa, familiar e na fidelidade à pátria. Para o
ministro Capanema
[...] qualquer escola, seja qual for o grau ou ramo de ensino [...], deve
incluir no programa de seus trabalhos a educação moral. Não basta o
saber e a técnica [...] A educação moral deverá despertar e endurecer
no seu coração a virtude [...] que o ensino religioso é das bases mais
sólidas (Conferência no Colégio Pedro II apud SCHWARTZMAN,
2000, p. 209)
Nota-se que sob influência católica o ensino secundário caminhou para uma
formação clássica e humanista, pois visava manter a proposta de tornar este nível
educacional como o responsável por preparar as elites condutoras do país, enquanto a
grande parcela da população tinha apenas a oportunidade de sair do primário para o
111
ensino profissional – comercial, agrícola e industrial –. Diante deste fato, nota-se que as
propostas da Lei Capanema em democratizar o acesso ao ensino escolar tiveram poucos
avanços em relação à Reforma Francisco Campos.
O ensino secundário, caracterizado como um ensino literário e preocupado com
a formação pessoal para gerar a classe intelectual da nação, ou seja, aquele em que o
governo em parceria com a Igreja Católica investia um maior Capital Cultural
(BOURDIEU 1989), ficou voltado às famílias dotadas de um maior Capital
Econômico (BOURDIEU 1989); já o ensino profissionalizante que seguia as propostas
pragmáticas da Escola Nova em educar indivíduos para a vida coletiva foi destinado à
população que detinha pouco Capital Cultural e, sobretudo, Econômico para avançar
em seus estudos. “Desta forma, o ensino médio profissional nunca chegou a ter os
recursos, a atenção e o envolvimento de pessoas motivadas e qualificadas para dar-lhe
um mínimo de qualidade, apesar das honrosas exceções de sempre (SCHWARTZMAN,
2005 d, p. 3).”
A Lei Orgânica do Ensino Secundário também demonstrava preocupações com
o padrão e a qualidade do ensino secundário que era oferecido nas escolas públicas e
particulares. O governo tinha interesse em saber se o quadro curricular, as horas de aula
e a rigidez do ensino estavam sendo cumpridos rigorosamente pelos estabelecimentos
escolares, já que agora a centralização e a homogeneização das escolas nacionais era
uma realidade imposta por decretos-leis. Diante deste fato, o governo estabeleceu uma
rede de inspeção escolar, que ficaria incumbida de realizar esta fiscalização.
Estes inspetores escolares deveriam realizar visitas nos estabelecimentos
escolares particulares e públicos para conferir se o material escolar e as aulas
ministradas pelos professores estavam de acordo com as exigências do governo, além de
112
avaliarem o conhecimento do professor e dos alunos, por meio de provas escritas e
chamadas orais; caso contrário, a escola seria penalizada e/ ou fechada.
2.3.2. A Comissão Nacional do Ensino Primário e a Lei Orgânica do Ensino
Primário
Durante a gestão do ministro da educação Gustavo Capanema houve, ainda, a
elaboração da Lei Orgânica do Ensino Primário. Segundo o governo federal, esta lei
fazia-se necessária, uma vez que a última reforma do ensino primário tinha sido feita no
ano de 1827.
O novo diploma legal da escola primária distingue nesta época duas
categorias de ensino – o fundamental e o supletivo. O primeiro,
compreendendo um curso elementar de quatro anos e outro
complementar de um ano de duração. Este “era, no fundo, o anterior
‘cursinho’ de adestramento para o exame de admissão ao ginásio”. O
curso supletivo, com dois anos de estudos, destinava-se a
adolescentes e adultos. Para o desenvolvimento curricular, além de
perseguir objetivos de unidade nacional e fraternidade humana,
estava prevista a adoção de princípios de inspiração escolanovista:
atender aos interesses naturais da criança, considerar as
características do meio ambiente, desenvolver o espírito de
cooperação e o sentimento de solidariedade social, revelar tendências
e aptidões do educando (CUNHA, 1981, p. 134).
O ensino primário não recebia a mesma atenção que o ensino secundário havia,
até então, recebido do Governo Federal. Dessa forma, a administração, as legislações de
leis e a inovação pedagógica das escolas primárias ficaram sob a alçada dos governos
estaduais, que em parceria com grupos pedagógicos
·
criaram metodologias particulares
dada a ausência de diretrizes centrais. Isto resultou numa desorganização do sistema
educacional nacional, pois cada estado federal inovava ou abandonava práticas
pedagógicas, de acordo com a sua própria política.
Assim a Lei Orgânica do Ensino Primário, através de seus órgãos técnicos,
estabelecia programas e diretrizes mínimas para impedir que as variações pedagógicas
regionais continuassem a existir. Dentre estas normas estipuladas, estavam inclusos os
113
procedimentos objetivos que as escolas deveriam adotar para poderem avaliar o
rendimento escolar de seus alunos.
Portanto, no que compete à administração do sistema escolar, a Lei determinava
que os Estados deveriam atender às seguintes condições:
Cobrir todas as necessidades de escolarização, plano de construções
escolares, preparo do corpo docente e do pessoal administrativo,
organização da carreira do magistério, orientação de órgãos técnicos
centrais de orientação e fiscalização, organização de serviços de
assistência aos escolares, execução de normas de obrigatoriedade de
matrícula e freqüência escolar. As unidades federadas que não
observassem tais requisitos não poderiam receber auxílio do Fundo
Nacional do Ensino Primário (CUNHA, 1981, p. 135).
Entretanto esta lei só foi assinada em 1946, como demonstra Romanelli (1978):
Após a queda de Vargas e durante o Governo Provisório,
respondendo, pela Presidência da República, José Linhares e, pelo
Ministério da Educação, Raul Leitão da Cunha, foram baixados os
seguintes decretos-leis: a) Decreto-lei 8.529, de 2 janeiro de 1946: -
Lei Orgânica do Ensino Primário; b) Decreto-lei 8.530, de 2 de
janeiro de 1946.- Lei Orgânica do Ensino Normal; c) Decretos-lei
8.621 e 8.622, de 10 de janeiro de 1946 – criam o Serviço Nacional
de Aprendizagem Comercial. d) Decreto-lei 9.613, de 20 de agosto de
1946: - Lei Orgânica do Ensino Agrícola. (ROMANELLI, 1978, p.
154, grifo nosso).
59
No ano seguinte à promulgação da Constituição estado-novista, foi criada a
Comissão Nacional do Ensino Primário
60
, pelo decreto-lei nº 869, de 1938 (NUNES,
2001). A justificativa apresentada pelo governo para a criação desta Comissão era
modificar as políticas do ensino elementar que ficavam a cargo dos estados e
municípios, já que estes não conseguiam resolver o problema de desnacionalização das
zonas de colonização estrangeira e a qualidade do ensino oferecido nas escolas nestas
áreas não atendia às normas estipuladas pelo governo.
59
Segundo Nunes (2001), o atraso e o posterior fracasso que Capanema encontraria no processo de
reformulação do ensino primário deve-se em parte às condutas adotadas pelas interventorias estaduais,
condutas estas marcadas pela forte resistência aos objetivos unificantes do Estado Novo.
60
Dentre os nomes que estavam inclusos nesta Comissão destacam-se: Lourenço Filho, Everardo
Backheuser e Fernando Azevedo.
114
Como exemplo, pode-se considerar o fato de que já em 1931 o governo federal
preocupado com a ausência do ensino de Língua Portuguesa e de História e Geografia
do Brasil no ensino primário das áreas de colonização estrangeira, procurou destinar
verbas para os estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. Entretanto, o
mesmo acusou que a utilização dos recursos financeiros segundo os interesses
pedagógicos locais não apontava melhorias no quadro educacional da região.
A nacionalização do ensino elementar foi uma das tarefas da então
criada Comissão Nacional do Ensino Primário, ao lado da
organização de uma campanha nacional de combate ao analfabetismo
que contaria com a colaboração dos governos federal, estaduais e
municipais e, ainda, com o aproveitamento de iniciativas de ordem
particular (NUNES, 2001, p.119).
Além destas propostas, a Comissão Nacional do Ensino Primário foi vista como
um órgão educacional necessário para dar suporte ao cumprimento da Lei Orgânica do
Ensino Secundário, pois cabia a ela preparar alunos para o ensino ginasial, através de
uma alfabetização da língua portuguesa e de ensinamentos sobre História, Geografia,
Ciências e Matemática.
Com estes intuitos, o ministro Gustavo Capanema procurou obter consenso
perante os Interventores Federais em relação às questões que envolvessem o destino dos
financiamentos providos pelo governo ao ensino primário e à ordenação curricular.
No projeto de resolução, define-se que a função coordenadora do
sistema educativo estadual cabe ao governo de cada estado, devendo
ser exercida em sua totalidade por um único órgão a isso destinado. À
União cabia cooperar supletivamente, e na medida do possível e
necessário em cada caso, na organização dos sistemas educativos
estaduais, seja mantendo sob sua direção administrativa e técnica
determinados estabelecimentos de maior importância, destinados a
suprir deficiências desses sistemas; seja cooperando financeira ou
tecnicamente para a organização ou manutenção de estabelecimentos
oficiais ou particulares (HORTA, 2001, p. 155).
Dentre as emendas aprovadas, após árdua disputa de Capanema com alguns
delegados regionais que se opunham à intervenção do governo federal no ensino
115
primário, estava inclusa a criação de um fundo de educação primária em cada estado
federativo que seria mantido com a contribuição das receitas tributárias estaduais e
municipais. Segundo o ministro Capanema, a função deste Fundo era solucionar o
problema financeiro da área educacional que assolava os estados federativos e até a
própria União, o que comprometia o desenvolvimento de um ensino primário de
qualidade. O governo federal também contribuiria com uma parcela monetária
arrecadada de impostos e taxas especiais que deveriam ser distribuídas “às diferentes
unidades federativas de acordo com as suas maiores necessidades (HORTA, 2001,
p.158)”.
Essas medidas culminariam, em 1938, com a criação da Segunda Campanha de
Nacionalização do ensino e, mais tarde, em 1942, com a criação do Fundo Nacional do
Ensino Primário, um órgão destinado a centralizar as políticas referentes ao ensino
primário.
Dada a pouca atenção que o governo brasileiro historicamente havia dado ao
ensino primário e, depois, com os impasses sofridos pelo Ministério da Educação e
Saúde com os governos estaduais no que compete ao ensino primário, a proposta de
criação de um fundo educacional para financiar o ensino poderia dar um novo impulso
para este segmento educacional. Segundo Capanema:
[...] é um dado irrecusável de nossa experiência que os Estados, só com
os seus recursos ou iniciativas não conseguirão resolver o problema do
ensino primário: a interferência federal é imprescindível, e não apenas
para fixar diretrizes, mas também para cooperar nas realizações
(Gustavo Capanema, in Fundos e campanhas e educacionais, MEC-
DNE 1° v. p. 21 apud CUNHA, 1981, p. 136).
Os estabelecimentos primários graças a esta reforma foram caracterizados da
seguinte forma:
[...] em quatro tipos: a) escola isolada (uma única turma); b) escolas
reunidas (duas a quatro turmas); c) grupo escolar (cinco turmas ou
116
mais); e d) escola supletiva (qualquer que fosse o número de turmas).
Esta divisão representava, na observação de Valnir Chagas, uma “feliz
sistematização do que a experiência já construirá”. As escolas
particulares estariam sujeitas ao registro prévio. Havia várias
exigências para a concessão do registro – entre elas, prova de que a
escola era dirigida por brasileiro nato e existência de instalações e
equipamentos compatíveis (CUNHA, 1981, p. 136).
Dentre essas políticas promovidas por este Fundo monetário houve a criação, no
mesmo ano, da Campanha do Níquel. Esta campanha objetivou implantar no ano de
1942 a mesma quantidade de escolas que já haviam sido criadas durante os dez anos de
políticas educacionais promovidas pelo governo Vargas
61
. Para o alcance desta meta, o
presidente dessa ação política, Gustavo Armbrust, exigia uma completa mobilização
nacional para que tal meta fosse atingida.
De modo que tudo está preparado no sentido de que a Cruzada
Nacional de Educação ponha em prática o seu primeiro grande plano.
Primeiro grande plano, porquanto ele envolve a cooperação de todo o
povo brasileiro, representando, por sua vez, a sua cooperação máxima
com os poderes públicos – agora que estes intensificam seus esforços
a fim de solucionar o problema extensíssimo do ensino primário.
Solicitando a presença do povo brasileiro na sua vasta campanha, a
Cruzada Nacional de Educação solicita um auxílio a todos acessíveis,
pede o que a todos é possível dar, pede um NIQUEL, ao menos “um
tostão” que até os pobres podem dá-lo – para enriquecer de escolas o
Brasil (ARMBRUST, 1942, p. 4).
A Campanha do Níquel deveria ser presidida pelos Interventores Federais de
cada estado, responsáveis por fundar a Comissão Executiva do Plano Nacional de
Educação nas capitais e recrutar a participação dos prefeitos na criação de uma
comissão municipal composta por representantes militares, professores, trabalhadores,
mulheres e estudantes. Ao prefeito caberia também a função de recolher o dinheiro
arrecadado por esta comissão.
Após o término da campanha, toda a somatória angariada seria destinada à
criação e manutenção de escolas públicas, previstas para iniciarem o seu ano letivo em
61
Segundo o folheto referente à Campanha do Níquel atesta, o governo havia inaugurado cerca de 7.000
escolas primárias em todo o território nacional. Este documento pode ser pesquisado no Arquivo
Histórico de Ibirama.
117
19 de abril de 1943, “[...] com o propósito de homenagear a data natalícia do Sr.
Presidente da República [...]” (ARMBRUST, 1942, p. 6). Como forma de
agradecimento, Gustavo Armbrust enviava cartas às prefeituras municipais que
participavam desta campanha, demonstrando o reconhecimento do presidente, Getúlio
Vargas aos esforços despendidos pelos prefeitos e seus respectivos municípios. Este foi
o caso do município de Hamônia que, em 27 de janeiro de 1942, recebeu uma carta
assinada pelo Presidente da Campanha do Níquel, Gustavo Armbrust:
Acusando o recebimento de seu atencioso oficio n°. 33, de 21 de
Janeiro, a Cruzada nacional de Educação vem agradecer a adesão de
V°.S°. e do município que V°. S°. administra às comemorações
promovidas por esta instituição, em homenagem ao Exmo. Snr.
Presidente da República na data do aniversário natalício de S° Ex°,, a
19 de Abril de 1942. A Cruzada Nacional de Educação dirigiu a V°
S° um apelo para ser inaugurada, naquele dia, ao menos mais uma
escola primária municipal. A atenção dispensada por V° S° ficou
registrada e renovamos o pedido no sentido de, no dia 19 de Abril
dêste ano, telegrafar ao Exmo. Snr. Dr. Getúlio Vargas, comunicando
as comemorações aí realizadas, bem como à Cruzada Nacional de
Educação dizendo o número de escolas inauguradas, para a
apresentação de um relatório a S° Ex°. Será uma prova de irrestrita
solidariedade ao grande homem, a quem a Providência Divina
entregou os destinos da nossa Pátria.
O apoio das mulheres e da juventude nessa campanha consistia em ações
cívicas. Para o público feminino a sugestão era que elas organizassem reuniões, ou
melhor, um “círculo de senhoras” (ARMBRUST, 1942, p. 6) em que cada membro teria
o compromisso de levar uma amiga, para que pudesse aumentar de maneira constante o
círculo. Estas reuniões deveriam ser realizadas semanalmente ou quinzenalmente e cada
membro deveria contribuir com um níquel. Já para os jovens, a Campanha do Níquel
sugeria
62
que os professores os organizassem e os incentivassem a sair às ruas pedindo
“um níquel – um tostão ao menos – peçam-no para a pátria e para que a terra do Brasil
fique luminosamente semeada de escolas. Aos jovens que mais se distinguirem devem
62
Esta proposta era pautada no decreto nº 21.731, de 15 de agosto de 1932, que autorizava as escolas a
mobilizarem seus alunos, de 12 a 19 de outubro de cada ano, para uma campanha financeira em todo o
território nacional.
118
ser conferidos prêmios” (ARMBRUST, 1942, p. 8). Como forma de agradecimento ao
apoio destes dois grupos, o governo federal disponibilizava o uso de um distintivo: um
pequeno laço de fita com as cores nacionais.
Essa campanha estipulava também obrigações ao público masculino adulto,
segundo a profissão de cada um. Na cartilha federal consultada no Arquivo Histórico de
Ibirama constatam-se os seguintes ofícios: prefeito municipal, comerciante e classe
militar. O primeiro, além de ser incumbido de recolher os totais monetários arrecadados
em todo o território municipal, conforme já mencionamos, deveria verificar, em janeiro
de 1943, quantas escolas poderiam ser criadas para começar a lecionar especialmente no
Dia do Presidente. Ao comerciante, a Campanha do Níquel informava:
Calculando-se em quatro milhões o número de pessoas que,
diariamente, fazem uma compra no comércio, e que todos
contribuíssem com 100 réis, teríamos uma renda diária de 400 contos
de réis, mensal 12 mil contos e anual de 144 mil contos. Com esta
importância poder-se-ia dar instrução e educação a mais de 2 milhões
de crianças. A Cruzada Nacional de Educação, pede, entretanto, essa
contribuição mínima – UMA VEZ POR SEMANA. Necessário é,
outrossim, atentar no seguinte: não basta a boa vontade de quem
compra; é igualmente, indispensável a boa vontade de quem vende.
Assim o êxito da campanha depende, em grande parte, do
compenetrado idealismo de empregadores (ARMBRUST, 1942, p. 8).
Já a categoria militar ficou responsável por arrecadar dinheiro entre suas
corporações. Através da contribuição mensal de quinhentos réis per capita que os
membros da Escola Militar, o 1º Regimento de Cavalaria, o 2º Batalhão de Caçadores, o
1º Grupo de Obuzes, a Escola Naval, o Corpo de Fuzileiros Navais, a Diretoria de
Saúde da Armada, a Escola de Aeronáutica, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros
poderiam fornecer, seria possível gerar subsídios para realizar a matrícula de mais de
mil crianças no ensino primário. (ARMBRUST, 1942).
119
Por fim, pode-se dizer que a importância dada pelo Estado Novo à ação de
promover esta política educacional pode ser melhor compreendida se for observado o
pensamento étnico do governo da época. Nas palavras de Arrais:
O Estado Novo no Brasil, fundando-se nas diretrizes traçadas na
Constituição de 10 de Novembro, não desatendeu aos avisos
decorrentes da maneira de compreender acima exposto, quando,
sôbre bases verdadeiramente nacionais, vem impondo aos filhos de
estrangeiros nascidos em território pátrio, portanto brasileiros, não só
o conhecimento obrigatório da nossa língua, mas também, através
dela, das tradições da vida nacional. Brasileiro, educado em língua
estrangeira ou no culto de tradições alienígenas, será, pela sua
cultura, pelo conteúdo de seu pensamento tudo, menos um padrão
autentico da ética e do patriotismo nacionais. Os fatores, naturais,
com nos exemplos supra-mencionados cederão ao fenômeno da
cultura, pois pouco importa ter, diante da vista, o solo e a paisagem
da terra em que se nasceu, se, pela formação intelectual, outras são as
perspectivas desdobradas à contemplação do espírito. (ARRAIS,
1938, p.176).
Assim, constata-se que de maneira semelhante ao ocorrido na elaboração da
cultura nacional, na qual o governo rejeitou as propostas pluriétnicas de preservação do
patrimônio nacional de Mário de Andrade em oposição à simpatia demonstrada pelas
idéias totalizantes e centralizadoras de grupos como o Verde-Amarelo, por exemplo, o
mesmo ocorreu no plano educacional. Pois, apesar do governo adotar algumas propostas
inovadoras do movimento Escola Nova, conforme já foi exposto, ele acabou vendo esse
projeto como algo irreal para as necessidades que o Brasil almejava naquela época.
Segundo o governo federal, o país necessitava promover um nacionalismo coeso na
educação também; portanto, ele (governo) caminhou para um sistema cada vez mais
uniforme, centralizador e rígido. Preocupado com o conteúdo didático que deveria ser
ensinado em todo o país foi projetado um enorme sistema burocrático
63
público para
gerenciar as escolas, eliminando qualquer tentativa de sistema educacional com
63
Mais informações à esse respeito consultar Barbieri (1976).
120
propostas pedagógicas distintas e que valorizasse a cultura e as realidades regionais do
público escolar atendido.
A seguir será apresentado como a Comissão Nacional do Ensino Primário
realizou a Segunda Campanha de Nacionalização do ensino, entre os anos de 1938 e
1945. O objetivo era promover a expansão do ensino primário público nas zonas de
colonização européias – sobretudo entre os grupos teuto-brasileiros –, além de
regularizar as escolas particulares presentes nestas áreas.
121
Seção 3
A Segunda Campanha de Nacionalização do ensino nas
escolas sulistas.
Mas o homem é uma criatura volúvel e pouco atraente e,
talvez, a exemplo do enxadrista, ame apenas o processo de
atingir o objetivo, e não o próprio objetivo
Fiódor Dostoiéviski, Memórias do subsolo (1992).
3.1. A demonstração sobre a necessidade de nacionalizar as escolas teuto-
brasileiras sulistas.
A criação da Segunda Campanha de Nacionalização do ensino em 1938 e
finalizada em 1945, foi uma política educacional estabelecida pela Comissão Nacional
do Ensino Primário destinada a regulamentar escolas primárias públicas e particulares
nas zonas de imigração, em destaque as áreas ocupadas por teuto-brasileiros.
A União não havia, até agora, atuado no terreno do ensino primário,
que ficara, exclusivamente, a cargo dos governos locais, quer no que
respeita à legislação, quer quanto às responsabilidades do custeio e da
administração escolar. Resolvemos dar novo rumo a esse ramo do
serviço público. Fazia-se necessário, por um lado, imprimir unidade
espiritual ao ensino primário de todo o país, promovendo a
nacionalização de todas as escolas, e, por outro lado, conjugar os
esforços dos governos locais e do federal para uma solução mais
rápida do problema (Discurso do Presidente Getúlio Vargas, em
10/11/1939 apud BARBIERI, 1979, p.73).
Por meio da obra “Nacionalização do ensino: aspectos políticos” (1942) redigida
pelo secretário da Educação do estado de Santa Catarina, Ivo D’Aquino, constatou-se
quais eram os interesses e justificativas iniciais do governo federal em desenvolver a
Segunda Campanha de Nacionalização do ensino. Esta campanha defendia a
nacionalização do ensino primário por meio de três argumentos: o primeiro referia-se à
eliminação de correntes liberais presentes na educação. Fazendo referência à obra
122
Democracia e Educação (1916) do educador e filósofo americano John Dewey
64
, Ivo
D’Aquino desfere críticas às “doutrinas individualistas dos filósofos e juristas do século
XVIII” (D’AQUINO, 1942, p.8), demonstrando que as novas idéias sobre educação
indicam que o Estado substituiu a noção de humanidade por cidadania e o
cosmopolitismo cedeu ao nacionalismo; portanto, a escola deve contribuir para a
formação do cidadão e não do Homem. O segundo argumento sugere a necessidade do
Estado representar o povo, pois ele seria uma tradução jurídica, política, social,
econômica e moral da nação, ou seja, a própria nação politicamente organizada. Por
fim, o terceiro argumento afirma que a escola é um dos meios de poder político, pois é
graças a ela que a conservação e o desenvolvimento da sociedade são assegurados.
Ivo D’Aquino alega, ainda, que desde a Constituição elaborada no Império é
reconhecido cidadão brasileiro aquele que no Brasil nasceu – concepção de jus solis –, e
este postulado foi repetido nas três Constituições republicanas subseqüentes, portanto há
128 anos o Estado brasileiro regulamenta esse assunto. Desse modo, afirma o autor:
Dentro do Brasil, não se reconhecem, portanto, minorias políticas
estrangeiras, nem a nossa lei se compadece das duplas
nacionalidades. Quem nasceu no Brasil é brasileiro, sem
subordinação a origens raciais. Deve, por isso, ser ensinando e
educado como cidadão brasileiro e, com ele, falar e sentir. É nestes
postulados que se funda a ação dos poderes públicos, para resolver os
problemas da nacionalização do ensino primário. E o meu objetivo é
expor, através de alguns dos seus aspectos políticos, o modo por que
foi considerado e tratado, no estado de Santa Catarina (D´AQUINO,
1942, p.11).
Dessa forma observa-se que Ivo D’Aquino justificou o não reconhecimento
das culturas alienígenas
65
presentes no Brasil, por parte do Estado Novo, em virtude
da lei constitucional. Desta maneira faz-se necessária a eliminação destes quistos
64
Nota-se aqui a influência do pragmatismo norte-americano divulgado pelo movimento pedagógico
Escola Nova no governo brasileiro.
65
Terminologia apresentada por este autor para se referir àquelas culturas, presentes no Brasil, que não
apresentavam características nacionais.
123
étnicos pela Segunda Campanha de Nacionalização do ensino, particularmente dos
teuto-brasileiros.
Com a finalidade de demonstrar a importância das medidas políticas adotadas
pelo governo federal, o político catarinense desenvolveu um estudo comparativo entre a
nacionalização formulada pelo Estado Novo e a Primeira Campanha de Nacionalização
do ensino, promovida durante a República Velha. Segundo o autor, os atos legislativos
desta primeira campanha foram promulgados em Santa Catarina com o objetivo de
difundir a língua nacional nas escolas particulares; todavia, não conseguiu eliminar o
problema do ensino escolar em língua estrangeira, pois segundo D’Aquino formaram-se
dois modelos de escolas: a custeada pelo governo, preocupada em ministrar o ensino
perfeitamente integrado ao espírito nacional; e aquela sob a denominação de estrangeira
que estava alfabetizando crianças nascidas no Brasil, portanto brasileiras, sem
considerar a realidade nacional. Para D’Aquino, o legislador catarinense que elaborou
as normas para a Primeira Campanha de Nacionalização do ensino
66
atrapalhou o
processo de construção da unidade nacional.
[...] declarava expressamente serem cidadãos os nascidos no Brasil,
não era compreensível que a lei estadual fizesse distinção entre
brasileiros de origens raciais diversas, criando, destarte, um princípio,
que, sobre enfrentar o texto constitucional, repugnava às nossas
tradições políticas. O descuido do legislador, no atender a princípios
basilares do nosso direito político, quando laborava leis que tocavam
profundamente o interesse nacional, levou-o a semear,
inconscientemente, dentro do Brasil, o germen de um problema de
minorias raciais, de todo em todo inadmissível, na nossa construção
política nacional (D´AQUINO, 1942, p.13).
Concluiu, portanto, que para os nascidos no Brasil, não havia no estatuto
político quaisquer possibilidades de combinações raciais e lingüísticas com outras
nacionalidades, pois tal fato desvirtuaria o sentido essencial da cidadania brasileira, que
66
A Inspetoria Geral da Instrução de Santa Catarina, sob a direção de Orestes Guimarães, a partir de
1911, organizou o ensino público primário do Estado, que se estendeu nas administrações Vidal Ramos,
Felipe Schmidt e Hercílio Luz.
124
deveria ser indivisível e homogênea – a junção entre o jus sanguinis e o jus solis.
D’Aquino aponta que os erros promovidos pelo legislador da Primeira Campanha de
Nacionalização do ensino teriam sido conservados nos decretos-leis promulgados
posteriormente, em 1917, 1919, 1929 e 1931. Para demonstrar as falhas da legislação
que vigoravam antes do Estado Novo, o secretário da Educação do estado de Santa
Catarina apresenta o decreto n°. 58, de 28 de janeiro de 1931, que perdurou até 1938.
Em particular os artigos 2°, 3°, 4° e 5°.
No artigo 2° é focada a importância de serem legalizadas e inscritas as escolas
primárias estrangeiras na Direção de Instrução - órgão responsável por regulamentar o
ensino primário estadual. Para que isso ocorresse, deveriam apresentar um professor
habilitado no ensino da língua portuguesa e das matérias obrigatórias. O programa de
ensino deveria assim ser correspondente ao das escolas oficiais do Estado e o diretor de
tais escolas deveria falar corretamente o vernáculo nacional. Já o artigo 3° declara que
escolas estrangeiras que não cumprissem os requisitos do artigo 2° e, ainda, que
tivessem menores de 14 anos freqüentando suas salas de aulas seriam fechadas. O artigo
4° acrescentava:
As escolas estrangeiras que, de ora em diante, se abrirem num raio de
três quilômetros das escolas públicas, só poderão lecionar nas
seguintes condições: a) fora do horário regulamentar das escolas
públicas; b) com matrícula de crianças, que, no dito horário,
freqüentar as escolas públicas ou que possuírem certificado de
conclusão do curso primário em tais escolas (Artigo 4° do decreto-lei
n°58 apud D’AQUINO, 1942, p. 15).
Já o artigo 5° garantia a conclusão da questão, afirmando que as escolas nas
condições do artigo 4° seriam consideradas apenas cursos de língua estrangeira e,
somente assim, poderiam continuar ministrando os seus programas escolares em
qualquer idioma.
125
D’Aquino concluiu por meio destes artigos que o professor primário podia ser
estrangeiro e que as disciplinas responsáveis pela formação social, política, cívica e
moral da juventude eram vistas como meros acessórios do curso, podendo ser oferecidas
por professores de qualquer nacionalidade. As crianças, apesar de serem obrigadas a
cantar os hinos patrióticos nacionais, estavam isentas da proibição de cantar os hinos e
canções estrangeiras, nem de utilizar, também, o idioma estrangeiro. Assim, tal quadro,
ao invés de gerar uma unidade nacional na escola primária, tornava-a fragmentada em
escolas nacionais e escolas estrangeiras. Estas últimas poderiam ministrar as aulas em
qualquer idioma, desvinculadas de qualquer compromisso com a pátria e o
nacionalismo
67
.
Em virtude desse quadro descrito, o governo federal, em parceria com os estados
federativos do Sul, resolveu dar início à reforma educacional proposta pela Comissão
Nacional do Ensino Primário. Entre 1938 e 1939, o Estado Novo promoveu uma série
de decretos-leis. Entre eles destacam-se os de n°. 35 de 13 de janeiro; n°. 88 de 31 de
março; n°. 124 de 18 de junho; n°. 142 de 20 de julho, todos de 1938. Do ano de 1939 é
o de n°. 301 de 24 de fevereiro.
Esses decretos-leis serviram de suportes legais para que o governo pudesse
garantir de forma gradativa e rápida a substituição das ditas escolas particulares
68
pelas
escolas públicas estaduais e federais, pois tais estabelecimentos escolares iam em
67
Por meio deste estudo comparativo, desenvolvido por Ivo D’Aquino, entre a Primeira e a Segunda
Campanha de Nacionalização do ensino, pode-se perceber que o Estado Novo não reconhecia os grupos
teuto-brasileiros como uma cultura local. Graças ao costume brasileiro de preterir o jus sanguinis em
nome do jus solis, os valores herdados da cultura alemã – com destaque para o idioma – foram
características suficientes para tratar os teuto-brasileiros como uma cultura alienígena, em solo nacional.
Como prova desta afirmação pode-se observar os termos utilizados pelo secretário da educação
catarinense, para defini-los: cultura alienígena, quistos étnicos e escolas estrangeiras.
68
É importante salientar que por escolas particulares, no caso dos teuto-brasileiros, entendiam-se aqueles
estabelecimentos de ensino regional ou municipal que foram historicamente criados pelos próprios teuto-
brasileiros para atender às necessidades educacionais de seus filhos, uma vez que as autoridades públicas
anteriores haviam demonstrado pouco interesse em solucionar esse problema. Dessa forma, estes
estabelecimentos educacionais, em alguns casos com auxílio do movimento educacional Escola Nova e
do próprio governo alemão, desenvolveram métodos pedagógicos que valorizavam a sua cultura alemã,
em particular o idioma herdado de sua terra natal,
126
direção oposta aos interesses educacionais que o Ministério da Educação e Saúde vinha
desenvolvendo para todo o território nacional, após a instauração do Estado Novo. Com
isso, o governo federal observava a necessidade de inserir a escola primária pública
nestas regiões para servir “como mola mestra de todo o processo nacionalizador que se
pretendia encetar” (MONTEIRO, 1979, p.65).
Entretanto, para que o ensino público pudesse atender às necessidades políticas
da educação infantil e da juventude brasileira “[...] no culto às tradições, à língua, aos
costumes e às instituições nacionais, e na compreensão dos direitos e dos deveres do
cidadão brasileiro (decreto-lei n° 88 apud D’AQUINO, 1942, p.64), o Estado Novo
devia promover uma série de melhorias na infra-estrutura do ensino primário. Por isso
entendeu-se que deveriam investir em recursos materiais e em recursos humanos nestes
estabelecimentos escolares, pois do contrário dificilmente seria possível realizar a
uniformização cultural e escolar da região Sul com o restante do país.
Para atingir seus objetivos, o governo federal, portanto, implantou uma série de
transformações que foram sentidas nos estados Sulistas. Dentre eles, Santa Catarina, em
particular, ganhou um destaque especial pelo fato da região do Vale do Itajaí concentrar
a maior parcela populacional dos grupos teuto-brasileiros do país. Eram locais, na sua
maior parte, situados em áreas rurais, que haviam desenvolvido uma cultura muito
particular em função do isolamento social que até então tinham vivenciado.
O Interventor Federal do Estado de Santa Catarina, Nereu Ramos
69
, ciente desse
agravante, comprometeu-se não apenas a aplicar os decretos-leis mencionados, mas em
fazer com que tais prescrições legais, relativas ao ensino primário privado, fossem
realmente cumpridas sob a orientação social e política do Estado Novo e estes
69
O político catarinense Nereu de Oliveira Ramos assumiu em 1º de maio de 1935 o cargo de interventor
do estado, dando início a um período de dez anos em que esteve à frente do governo de Santa Catarina.
Em 1945, passou o seu cargo para Luís Gallotti, procurador da República.
127
problemas educacionais envolvendo os núcleos de descendência germânica
(D’AQUINO, 1942, p.36), situados em Santa Catarina, fossem solucionados
70
.
No decreto-lei n° 88, de 1938, constatam-se quais as modificações o Estado
Novo procurava alcançar sobre as escolas particulares. Dentre elas estavam inclusas
questões que envolviam o método e a maneira de lecionar do corpo docente, o material
escolar adotado nestes estabelecimentos, as disciplinas ministradas em sala de aula, as
datas comemorativas festejadas pelo grupo escolar e, por fim, o prédio escolar em que o
ensino era ministrado.
Por meio de alguns artigos deste decreto-lei podem-se constatar as medidas
impostas ao professor para lecionar:
(Art.4°) 1° - prova de serem brasileiros natos os professores da língua
nacional, geografia, história da civilização e do Brasil e de educação
cívica e moral, em todos os cursos. 2° - prova de que o diretor, ou
responsável, e os demais professores são brasileiros natos, ou
naturalizados. 3° - prova de serem professores diplomados por
estabelecimento de ensino oficialmente reconhecido, ou habilitados
conforme o decreto n° 1.300, de 14 de novembro de 1919; [...]10° -
prova da capacidade didática dos professores. (Art.6°) – Não poderá
ser diretor, ou professor de estabelecimento de ensino primário ou
por êste responsável, pessoa que o Governo do Estado, a se exclusivo
juízo, não reputar idônea, sobretudo em relação ao objetivo da
propaganda dos sentimentos de brasilidade e de educação moral e
cívica. (Art. 9°) – Nenhum estabelecimento de ensino particular
poderá, direta ou indiretamente, ser mantido, ou subvencionado, por
instituição ou governo estrangeiro, ou elementos que, embora não
estrangeiros, não exprimam, a juízo exclusivo do Governo do Estado,
cabal garantia de que o auxilio escolar fornecido não concorra para
desvirtuar ou enfraquecer os sentimentos de brasilidade, que devem
ser transmitidos à infância e à juventude nascidas no Brasil. (Art.12°)
Fica obrigado ao exame previsto pelo Decreto n° 1300, de 14 de
novembro de 1919, o diretor, ou professor, de escola particular que
70
Um exemplo da determinação do interventor federal catarinense em cumprir as regras estipuladas pelo
Ministério da Educação e Saúde pode ser visto na carta redigida pelo prefeito do município de Hamônia,
Rodolpho Koffke, ao Presidente da Comissão Executiva catarinense da Campanha de Nacionalização do
ensino, indicando um delegado, para se formar a comissão da Campanha no município “Attendendo a
solicitação constante da vossa circular n°. 64, de 29 de março do anno corrente, informo a V.S. que, neste
Município, até o momento, não foi ainda organizada qualquer comissão da C.N.E. Para Delegado da
Comissão Executiva, neste Município, indico, conforme vosso pedido, o sr. Mario Pedrelli, Director do
Grupo Escolar desta cidade e pessoa de bastante idoneidade moral e social, satisfazendo todos os
requisitos exegidos pela C.N.E., pois é pessoa bastante interessada pelas questões de ensino e
alphabetização. Sempre prompto a attender qualquer informação ou pedido que esteja ao meu alcance e
que reverta em prol do ensino, subscreve-me com a mais alta estima e distincta consideração.”
128
não fôr diplomado por estabelecimento de ensino oficial, ou
reconhecido, nem possuir certificado de professor provisório.
(decreto-lei n°88 apud D’AQUINO, 1942, p. 15).
Diante dessas normas estipuladas, muitos professores de estabelecimentos
particulares teuto-brasileiros foram surpreendidos e destituídos de seus cargos.
Conforme Paiva (2003) e Kreutz (2006) atestam, uma parcela significativa desses
professores era composta por homens que dentro das colônias eram tidos como
inválidos, fosse por problemas de saúde ou por deficiência física. Dessa forma, não
podiam trabalhar na lavoura e, então, eram deslocados para a sala de aula para iniciarem
o processo de alfabetização do público infantil. Havia também professores enviados
pelas sociedades escolares alemãs que, na sua grande maioria, vinham lecionar já com
uma formação universitária realizada na própria Alemanha.
De acordo, portanto, com as exigências do Artigo 4º, do decreto-lei n°.88, nota-
se que muitos professores tiveram graves problemas para permanecer em seus cargos. O
resultado foi o abandono das salas de aula, ou a criação de escolas clandestinas por parte
daqueles que não aceitavam as condições impostas pelo governo federal. Todavia,
conforme menciona Monteiro (1979), o governo estadual proporcionou aos professores
cursos de adaptação às novas exigências e houve uma parcela significativa que foi
aprovada e passou a exercer legalmente o magistério, fosse ele público ou particular.
Estes cursos eram ministrados pelos inspetores escolares
71
, que por sua vez eram
71
Para que o decreto-lei n° 88 fosse cumprido com eficiência, o Estado Novo havia criado a figura do
inspetor da nacionalização. Este era o funcionário responsável por realizar rotineiramente visitas nas
escolas particulares, com o intuito de fiscalizar o ensino que estava sendo ministrado nestes locais e
enquadrando-as no sistema das escolas estaduais. Deveria, também, propor ao Departamento de Educação
as providências que fossem necessárias para os casos particulares investigados e dar o parecer nos
processos de abertura e fechamento de escolas particulares. Dessa maneira, era diante desta figura pública
que o responsável pelo estabelecimento particular deveria assinar o termo de responsabilidade, pelo
cumprimento de todas as exigências do presente decreto-lei. Segundo o Artigo 23
º
, competia ao Inspetor:
1° - fiscalizar o ensino primário nas escolas particulares, enquadrando-as no sistema das escolas
estaduais, e propor ao Departamento de Educação as providências que, a respeito, julgar necessárias; 2° -
dar parecer nos processos de abertura e fechamento de escolas particulares; 3° - fazer cumprir os
dispositivos deste decreto-lei.
129
funcionários do governo responsáveis pela supervisão do cumprimento dos decretos-leis
nas escolas de um determinado município que ficara incumbido a ele. Será dito mais a
respeito desses funcionários do governo adiante.
Dessa forma, o professor seria afastado de suas funções caso:
(Art. 17°) 1° não tiver ensaiado os hinos oficiais em todos os cursos,
nem der aos alunos a explicação e a interpretação das respectivas
letras; 2° - não fizer a escrituração escolar no idioma nacional e de
acordo com o modelo oficial; 3° - não adotar programas oficiais para
o curso primário; 4° não usar a série de livros didáticos adotados pelo
Departamento de Educação, para o curso primário; 5° - negar
informações solicitadas pelas autoridades escolares, ou fornece-las
inverídicas; 6° - aplicar castigos físicos aos alunos; [...] 8° - infringir
individualmente quaisquer outros dispositivos deste decreto-lei; §1° -
Não poderá, durante cinco anos, exercer o magistério no Estado, o
diretor, responsável ou professor afastado por qualquer dos motivos
previstos neste artigo. §2° - Se o afastamento for motivado por ter
cooperado para impedir ou dificultar a nacionalização do ensino, não
poderá exercer qualquer função pública em repartição do Estado, nem
em instituição ou estabelecimento por este subvencionado (decreto-
lei nº 88 apud MONTEIRO, 1979, p.123).
No lugar do professor afastado, o governo encaminhava um professor que já
tivesse passado pela seleção realizada pelos inspetores escolares. Este novo professor
deveria enviar ao prefeito do município um relatório em que constasse: a data em que
assumiu o posto na escola, a procedência étnica dos alunos, o material didático presente
na escola e as suas metas escolares. Abaixo apresenta-se um modelo pesquisado no
Arquivo Histórico de Ibirama, redigido pelo professor Henrique José Santana:
Comunico-vos, ter assumido o exercício nesta escola na presente
data. Faço mensão do seguinte: nesta Zona a totalidade das crianças,
são de origem germânica; urge, pois empregar, por meio de aulas
orais, à vista de figuras, que lhes provoque a curiosidade, recursos
para levar à efeito a nacionalização, para o que não somente à estas,
mas igualmente aos pais, opinei, para a manutenção de aulas
noturnas: três, semanais. Peço a V. Excelência, suprir-me com algum
exemplares da D.N.P.
72
, para auxilio aos ensinos.
Em relação ao material utilizado nos estabelecimentos escolares, o decreto-lei
n°. 88 apresentava no Artigo 7º a seguinte medida, no parágrafo 2º: “adotar os livros
72
Departamento Nacional de Propaganda (nota nossa).
130
aprovados oficialmente” (D’AQUINO, 1942, p.68). Dessa maneira, dentre os livros
escolares que o governo havia aprovado oficialmente estavam inclusas as obras
Patriotismo e Liberdade do Frei Alfredo Tetaro, de 1937, e a cartilha escolar Viva o
Brasil! de Júlio de Faria e Sousa, de 1940. Através de pesquisa realizada na Fundação
Cultural de Blumenau, constatou-se que a primeira obra consiste numa cartilha
educacional composta por inúmeras canções como: Oração à Pátria, Hino Getúlio
Vargas e o Hymno Nacional, além de discursos como Patriotismo e Liberdade,
proferido em 7 de setembro de 1937, pelo próprio Alfredo Tetaro, por ocasião da Sessão
Cívica promovida em comemoração ao Dia da Pátria.
Nota-se, assim, que nesta obra escolar estão contidos valores culturais
proferidos pelo Estado Novo, para atender ao seu interesse de criar uma comunidade
imaginada (ANDERSON, 1989) de Nação. Abaixo apresenta-se a definição de Pátria
que este livro adota:
Pátria – como bem escreve o leader católico Tristão de Ataíde
73
– não
é um grêmio político que pode ser dissolvido arbitrariamente desde
que cesse o nosso interesse em nos conservarmos adidos a esse
grêmio. A Pátria trazemo-la no sangue, trazemo-la na educação que
recebemos, na forma do nosso espírito, íntima conformidade com o
passado, na adequação sutilíssima à paisagem que nos cercou desde
infância. A nacionalidade não é uma associação arbitrária, e sim,
como a própria etimologia da palavra indica, o lugar em que
nascemos ou renascemos (TETARO, 1937, p.7, nota de rodapé
nossa).
Já a cartilha escolar Viva o Brasil! (1940) tratava-se de uma edição feita
exclusivamente para o Estado de Santa Catarina. (ver figura 3.1) Nesta cartilha foi
possível encontrar fotos e pequenas biografias de Getúlio Vargas e de Nereu Ramos,
além de hinos e poesias dedicados aos símbolos nacionais e textos curtos, que aludiam à
história do Brasil, como, por exemplo, o intitulado Viva o Brasil, o qual afirmava que
73
Pseudônimo do representante intelectual da igreja católica, Alceu Amoroso Lima, no Ministério da
Educação e Saúde, durante o Estado Novo.
131
[...] 10 de Novembro é uma data auspiciosa para os brasileiros de bôa
vontade. [...] Nesse dia, em 1937, o Brasil, ameaçado, como se
achava, de desordem e desorganização, para assegurar a tranqüilidade
do povo, inaugurou, pacificamente, graças ao apôio das briosas e
patrióticas forças armadas do país, a sua atual forma de govêrno forte.
A nova Constituição posta, então, em vigor, determinou, como era
necessário, fundas alterações nos costumes políticos brasileiros. E,
como conseqüência, surgiram inúmeras medidas de proveito público,
as quais nos deram o período de paz e progresso que gozamos. Esse
feliz estado de cousas a Nação Brasileira deve ao seu ilustre filho,
presidente da República, dr. Getúlio Vargas, que, com habilidade
pouco vulgar, inteligência e patriotismo, vem dirigindo os destinos da
nossa terra. Bem haja, pois, o grande brasileiro! Viva o Brasil!
(FARIA E SOUSA, 1940, p.56).
Caso as escolas estivessem carecendo de
novos livros escolares, ou mesmo de material
didático, era função do professor encarregado
pelas escolas do município requisitar o material à
prefeitura do município. Neste pedido deveria
constar detalhadamente de quais livros a escola
necessitava, o número de exemplares e para
quais séries escolares estes volumes seriam
destinados. É o que mostra a carta redigida, em
20 de fevereiro de 1939, pelo professor
Henrique José Santana, encarregado das escolas
municipais de Hamônia.
Atendendo à necessidade de livros para os alunos que foram
promovidos do 2° segundo para o 3°terceiro ano, e a falta de quatro
segundos livros que se acham estragados; envio-vos junta a relação
constante do numero preciso, e de alguns exemplares dos livros “O
Brasil é bom”, o “Catecismo Cívico do Estado Novo”, que dada a sua
utilidade instrutiva é de grande proveito sua existência em numero
regular nas escolas. Estes serão distribuídos a titulo de premio aos
alunos que obtiveram melhores graus de aprovação nos exames finais
e passam a constituir objeto de estudo e ensino de educação cívica;
quer um, quer outro. Caso haja em vosso arquivo, mais algum
opúsculo que o Departamento tenha fornecido, peço enviardes, pois
saberei expontaniamente utiliza-lo bem como – gis, lápis, ou coisa do
material.
Figura 3.1 Capa da cartilha escolar Viva o
Brasil!, 1940.
Fonte: Fundação Cultural de Blumenau
132
Por intermédio da consulta realizada em documentos pessoais (boletins, cartas e
diplomas escolares) cedidos pela teuto-brasileira Marta Joenk, obtiveram-se
informações sobre quais matérias eram ministradas nas escolas após 1938, e, ainda,
como foi a conduta adotada pelos professores no processo de alfabetização da língua
portuguesa.
As disciplinas oferecidas para o curso primário eram: Língua Portuguesa, Língua
Francesa, Aritmética, Álgebra, Geometria, Ciências Físicas e Naturais, Desenho,
Geografia Geral, Geografia do Brasil, História da Civilização, História do Brasil e
Trabalho (aulas de bordar, pintura e tricote) (ver figura 3.2). Ao professor cabia avaliar
o aprendizado das disciplinas, o comportamento em sala de aula, a aplicação que o
aluno tinha nas matérias e o comparecimento às aulas
74
.
74
Pode-se dizer que a reformulação do currículo escolar e o fechamento das escolas particulares que não
adotassem tais propostas governamentais geraram um descontentamento entre a população teuto-
brasileira, o que contribuiu para aumentar a evasão escolar. A percepção destes problemas foi
rapidamente constatada pelas autoridades governamentais. A publicação do decreto-lei nº 301, em 1939,
que exigia a matricula e a participação escolar das crianças teuto-brasileiras nas escolas públicas, pelo
governo do Estado de Santa Catarina veio constituir-se numa maneira de solucionar, ou pelo menos
amenizar uma série destes problemas. Os pais viram-se obrigados a enviar seus filhos à escola sob pena
de infringirem a lei e, portanto sofrerem as penalidades pré-fixadas, que consistiam na aplicação severa de
multas que, enquanto não pagas, ficaria o infrator em dívida com o Tesouro Nacional. Como exemplo,
pode-se citar a carta enviada pela Inspetoria Escolar Municipal de Hammonia a um pai de aluno, Antonio
Juvêncio, em 1937: “Tendo chegado ao conhecimento desta Inspectoria Escolar Municipal que V.S.
apesar de não mandar seus filhos matriculados á escola dessa localidade, ainda, está estimulando outrens
a procederem da mesma forma que a reputo de incorrecta e indigna, bem como desfazendo das
autoridades escolares municipaes, chamo a attenção de V.S., vos scientificando que se esse caso se
repetir, tomarei as mais severas providencias, lhe applicando as multas regulamentares”.
(CORRESPONDÊNCIAS EXPEDIDAS, 1937).Com isso a escola pública ganhou novo impulso, pois a
obrigatoriedade do ensino serviu para conscientizar as comunidades rurais das áreas de colonização sobre
a importância e, agora, a necessidade de tê-las em seu seio. Desta nova situação se beneficiou também o
professor novato, até então estranho à comunidade, que deixou de ser um empecilho para se tornar
solução.
133
No término de cada ano letivo – aulas de fevereiro a dezembro – o aluno era
submetido uma avaliação final e seria por meio da nota obtida neste exame que ele
poderia ser aprovado para a próxima série do primário. A prova final era composta de
quatro critérios avaliativos: Geografia e História, Noções Comuns, Aritmética e
Linguagem e, por fim, Leitura. Conforme a pesquisa e as entrevistas revelam, o motivo
principal pelo qual a maioria dos alunos devia refazer o exame final era a reprovação
nos critérios Linguagem e Leitura. Diante desta situação, o professor realizava um
pedido de reavaliação; caso o aluno não obtivesse novamente uma nota satisfatória, ele
deveria refazer a série. Segundo Marta Joenk (JOENK, 2005), as notas obtidas na
avaliação bimestral de comportamento acabavam ajudando muitos alunos a passarem de
ano, mesmo sem terem o domínio da língua portuguesa
75
. (ver figura 3.3.)
75
Apesar de haver “brechas” como essas no sistema escolar desenvolvido pela Segunda Campanha de
Nacionalização do Ensino, que possibilitavam a aprovação de alunos sem terem o domínio mínimo
exigido, muitos alunos, professores e diretores acabaram vitimados por estas infrações quando ocorriam
as visitas dos inspetores, destinadas a realizar não só a avaliação do quadro docente, mas dos próprios
alunos (MONTEIRO, 1979).
Figura 3.2. Boletim escolar de escola primária, de Jaraguá do Sul - SC, de 1945.
Fonte: Documentos pessoais de Marta Joenk.
134
Para incentivar o gosto pela
leitura de livros brasileiros, o Estado Novo
através do decreto-lei nº 88, no Artigo 7º,
parágrafo 11
º
, afirmava que era preciso “11°
organizar uma biblioteca de obras nacionais
para os alunos” (D’AQUINO, 1942, p.69).
Dessa forma, o governo federal pretendia
reforçar o espírito cívico nacionalista no
público infantil por meio de obras
didáticas; sugeria às prefeituras dos
municípios e aos diretores escolares a
criação de associações literárias que proporcionassem o encontro de jovens para a
leitura e discussão em torno de obras nacionais, tendo um supervisor responsável por
realizar esta atividade. Para isso era exigida uma biblioteca aparelhada e capaz de
oferecer ao público subsídios necessários para saciar a curiosidade do mesmo, além de
conferências em datas nacionais proferidas pelos sócios, sob permissão do diretor do
estabelecimento. Esta idéia pode ser constatada através do oficio elaborado pelo
comandante da região de Hamônia, General Raymundo Sampaio:
Por meio de sessões literárias, os sócios poderão conhecer as páginas
mais vibrantes de nosso passado e presente literários. Abrangerão
principalmente a feição histórica, gravadas em feitos que se
sucederam depois do descobrimento (SAMPAIO, 1939, p. 2).
Ou ainda:
III- Cultivando o espirito, a graça e a harmonia, dentro do espirito da
mais pura e sã doutrina de preparar homens uteis à Pátria, pela clareza
da mente e pela saúde do corpo; difundindo com carinho as belezas da
nossa história, o heroismo da nossa gente e os explendores do nosso
futuro, assim enriquecendo as já inexgotaveis fontes do nosso
civismo, podeis crer, vós e os vossos companheiros de Diretoria,
Figura 3.3 Boletim escolar do ensino primário,
Jaraguá do Sul – SC, 1946.
Fonte: Documentos pessoais de Marta Joenk
135
estaes realisando notavel obra de grande alcance Nacional, que vos
assegura logar de destaque entre os obreiros do grande Brasil de
amanhã (SAMPAIO, 1939, p.1).
A exigência, por meio do decreto-lei n° 88, das celebrações de datas nacionais,
do hasteamento diário da bandeira nacional, bem como do canto do Hino nacional era
outro ponto importante no reforço da brasilidade com “as cousas do nosso Brasil”
(TETARO, 1937, p.9) sobre o público infantil teuto-brasileiro e, ainda, no auxílio à
tarefa de distanciá-los dos valores alemães e regionalistas que eram vigorosamente
celebrados nas escolas teuto-brasileiras. Percebe-se em alguns trechos dos artigos 7 º e
8º:
(Art.7º) 5°- ter sempre ensaiados os hinos oficiais; 6° - homenagear
aos sábados a bandeira Nacional, conforme se pratica nos
estabelecimentos oficias, fazendo recitar a oração que será fornecida
pelo Departamento de Educação; 7°- respeitar os feriados nacionais,
comemorando-os condignamente.(Art.8°) Os mapas, fotografias,
estampas, dísticos ou emblemas, assim nas salas de aula, como em
qualquer outra parte do prédio escolar, não poderão perder o
característico de brasilidade. Parágrafo único – É obrigatória a
colocação da Bandeira Nacional, em lugar de destaque, em todas as
salas do estabelecimento (decreto-lei nº. 88 apud MONTEIRO, 1979,
p.118).
Nas entrevistas realizadas com teuto-brasileiros que foram educados neste
período histórico, pode-se constatar que estes pontos recebiam uma atenção especial dos
inspetores. Citando uma passagem da entrevista realizada com Eleonora Kaestner,
observa-se esta afirmação.
Gustavo Tentoni Dias E quem ensinou a vocês o Português?
Eleonora Kaestner Esse professor que veio da Alemanha, mas no jeito dele, né... (risos). Pode
imaginar como, porque de vez em quando vinha uma visita do governo de Florianópolis, para
ver como as escolas estavam funcionado.
G. T. D. Quanto anos a Senhora tinha?
E. K. Nem 10 anos
G. T. D. E como eram as visitas?
136
E. K. Normalmente duas a três pessoas, para ver como as escolas estavam funcionando, eles
queriam saber como funcionava, ai nós precisávamos cantar o Hino Nacional, rezar o Pai
Nosso. E isto era o que nós sabíamos em português.
G. T. D. E quem conversava com eles?
E. K. O professor, do jeito que ele sabia. Porque esses professores já estavam mais ou menos
preparados, antes de vir da Alemanha para cá eles já aprendiam um pouco de português e nós
também não sabíamos quase nada, em casa só se falava em alemão (KAESTNER, 2005, 1º
cassete sonoro, Lado B).
Os documentos investigados sob esta temática elucidam com detalhes as
práticas realizadas para o cumprimento destes rituais nacionalistas durante datas
nacionais, como por exemplo, uma ata pertencente à Federação Brasileira dos
Escoteiros do Paraná e Santa Catarina. Nesta, constata-se o planejamento das
festividades que seriam celebradas no dia 21 de Abril de 1939
76
. Dada a riqueza de
informações e detalhes do material citam-se a seguir uma passagem:
Hamônia, o rico município de Santa Catarina, um dos Estados mais
progressistas do Brasil, hoje faz acompanhar a cadência cívica que vai
por todos os municípios brasileiros. A sua população, em grande
parte, já se esforça para acompanhar o ritmo patriota que impulsiona
todo o Vale do Itajaí. Hamônia, dentro em pouco será a Meca do
Cívismo de Santa Catarina. Possui uma Cia do 13 º R.I., força federal,
célula mater da organização cívica que serve de modelo a todos os
demais, possue uma Associação de Externos, um bom grupo escolar e
já conta com uma organização social que é o Grupo Escolar Olavo
Bilac, centro cívico de primeira grandeza do qual fazem parte toda a
sociedade local, brasileiros e alemães natos. Todas as organizações
acima citadas, orientadas pelo Centro da Cia. Oficiais, em colaboração
com o Prefeito Municipal, promovem no dia 21 de Abril, fatos que
marcarão época nos anos cívicos deste Estado (Federação brasileira
dos escoteiros do Paraná e Santa Catarina, 1939, p. 2).
Percebe-se, dentre alguns aspectos, a necessidade do autor anônimo em
demonstrar a preocupação do município de Hamônia em incorporar os valores
76
Faz-se mister mencionar que estas comemorações se estendiam a todos os estados nacionais, por meio
da promoção de rádios, colégios, jornais e instituições. Como afirma Oliveira (1999), durante o Estado
Novo, a obra administrativa de Vargas era constantemente sacralizada, ação fundamental para consolidar
ideologicamente o Estado constituído em 1937, não apenas em âmbito nacional, mas, sobretudo, regional.
“E contribui ainda para arregimentar em torno do líder a participação das massas – nelas incluindo a
juventude e os trabalhadores - que aderem às grandes manifestações públicas, como as que foram
promovidas no estádio do Vasco da Gama nesse período” (OLIVEIRA, 1999, p. 17).
137
nacionalistas exigidos pelo Interventor Federal, Nereu Ramos. Assim, o documento
elenca os diversos grupos e organizações sociais existentes no município que poderiam
auxiliar no processo de nacionalização. Dentre eles: o Exército, o Grupo Escoteiro
Bandeirantes
77
e os grupos escolares locais.
Outros dois documentos que demonstram o cumprimento dos artigos 7º e 8 º
são apresentados a seguir. O primeiro intitulado: Programa da festa das escolas
municipal e estadual de Nova Bremen. Este apontamento revela uma série de atividades
que deveriam ser realizadas pelos alunos das escolas e a professora para o cumprimento
desta festividade.
Hasteamento da Bandeira com o canto do Hino Nacional.
Prelação sobre a data- pela professora da escola estadual.
Prologo (poesia) – Guilhermina Dehnerdt (escola municipal).
Terra de Santa Cruz (poesia) Gehard Krüger (escola municipal).
Hino do descobrimento do Brasil – por todos os alunos.
Minha terra é o Brasil (poesia) Adolfo Bruns (escola estadual).
Menino de talento (monólogo) – Rolf Kranbeck (escola municipal).
Para a escola (poesia) – Amalia Hoppe (escola estadual).
Nini na escola (monologo) – Erica Tank (escola estadual).
Hino à Bandeira – Por todos os alunos (CARDOSO, 1939, nº 19).
Em seguida, aproximadamente seis meses mais tarde, 30 de novembro de
1939, é redigido um outro documento pelo mesmo professor Alfredo E. Cardoso
comunicando ao Secretário Geral do município de Nova Bremen o programa da festa de
encerramento das aulas. Nota-se que a festividade era marcada pela abertura com o
Hino à Bandeira, cantado por todos os alunos, seguido de poesias com títulos que
77
Através da pesquisa realizada no Arquivo Histórico de Ibirama, pode-se constatar que os grupos
escoteiros nacionais tiveram um papel importante para o processo de nacionalização, promovido pelo
Estado Novo. Diversos telegramas emitidos e recebidos pelo então Prefeito de Hamônia, Rodolpho
Koffke mencionam a importância de se ter presente grupos escoteiros nos desfiles cívicos e nas
comemorações das datas nacionais. Conforme ele menciona, isto seria um “grande empreendimento para
a educação de nossa juventude brasileira” (CORRESPONDÊNCIAS EXPEDIDAS, 1939).
138
abordam temas nacionais e moralizantes, como: Brasileiros
78
, O operário, A verdade e a
mentira e Oração pela Pátria. E, finalmente, a entoação do Hino Nacional.
Conforme mencionam inúmeras cartas redigidas por inspetores escolares
destinadas às escolas por eles fiscalizadas, as apresentações escolares precisavam ser
sempre grandes festividades cívicas que deveriam envolver não apenas alunos e
professores, mas também os pais dos alunos e demais familiares, pois estes eventos,
celebrando as datas nacionais, eram responsáveis por “incutir no espírito da população
noções sobre a grandeza e fecundidade da nossa terra, o amor da nossa pátria, veneração
e respeito ao símbolo nacional, culto às nossas tradições”
79
.
Por fim, o decreto-lei n° 88 reservava as seguintes obrigações ao prédio em que
o ensino era ministrado:
(Art. 1°) – Os estabelecimentos particulares de ensino primário reger-
se-ão, no Estado pelas normas deste decreto-lei. (Art.2°)– Nenhum
estabelecimento particular de ensino primário poderá funcionar no
Estado, sem prévia licença do Secretário do Interior e Justiça.
Parágrafo único – Dentro em um raio de três quilômetros de escola
pública, ou particular licenciada, só poderá ser localizada outra
escola, de vez que as existentes não comportem a totalidade das
crianças, em idade escolar, recenseadas na circulação correspondente.
(Art. 3°) A concessão de licença depende de requerimento que
especifique: 1° - o nome do estabelecimento; 2° - o local da escola,
com indicação do município, cidade, vila, ou povoado; rua e número;
3° - os cursos que se manterão, as disciplinas que serão professadas, e
o programa e horário adotados; 4° - a duração do curso; 5° - o
número máximo de alunos para cada classe; 6° - o período de férias;
7° - o corpo docente, com a designação do diretor; 8° - se a escola
representa iniciativa singular do professor ou organização de um
grupo de professores ou de sociedade escolar; 9° - o nome do
responsável pelo estabelecimento perante o Governo do Estado; 10° -
a relação do material escolar e a declaração de estar este, ou não,
exonerado de dívida (decreto-lei nº 88 apud MONTEIRO, 1979,
p.113).
Assim, os colégios particulares seriam temporariamente fechados se tais
exigências não fossem cumpridas. Tinham a responsabilidade de regularizarem-se
78
É curioso mencionar que este era o único título de poesia que recebia aspas. Contudo, as aspas
utilizadas seguiam o modelo alemão: ,,Brasileiros”, ao invés de “Brasileiros”.
79
Trecho retirado de uma carta pesquisada no Arquivo Histórico de Ibirama, de autor desconhecido.
139
dentro do prazo de 90 dias, conforme os requisitos acima exigidos pelo decreto-lei, do
contrário eram definitivamente fechados. Segundo Monteiro (1979), foi freqüente o
fechamento de escolas que continuavam ministrando o ensino de língua estrangeira para
as crianças, em substituição ao idioma nacional, ou, então, que promovessem
dificuldades nas visitas dos inspetores escolares, além de realizarem fraudes ou
simulação de registros.
Outro autor que oferece evidências desta ação política é Luna (2000), que
comenta ter havido a proibição de muitas escolas e professores de continuarem a
oferecer serviços escolares, pois não conseguiram dentro do prazo estipulado pelo
governo alcançar as metas exigidas. Com isso, diversas escolas foram gradativamente
sendo assumidas pelo governo e deixaram a condição de escolas particulares para
virarem escolas públicas.
Este é um ponto importante para o presente estudo, pois a substituição
sucessiva de estabelecimentos escolares particulares pelos mantidos pelo governo abriu
a possibilidade ao Estado Novo de, finalmente, adentrar nestes espaços educacionais
constituídos em torno de uma cultura regional, que se apresentavam fechados dentro de
uma organização burocrática e filosófica própria e independente do cenário político
nacional. Com estas medidas políticas, o governo federal obteve parte da meta de
desterritorializar (DELEUZE; GUATTARI, 2000) os municípios de origem teuto-
brasileira - desta cultura germânica - e reterritorializá-los (DELEUZE; GUATTARI,
2000) com a legítima cultura nacional. No entanto, esta é uma discussão que será
complementada mais adiante.
3.1.1. A Inspetoria Geral de Escolas Particulares e Nacionalização do Ensino
A fim de fiscalizar e orientar tais medidas exigidas pelo governo e efetivar o
decreto-lei n°. 88, o Interventor Federal de Santa Catarina, Nereu Ramos, estabeleceu
140
em 18 de junho de 1938, por meio do decreto-lei n°. 124, a Inspetoria Geral de Escolas
Particulares e Nacionalização do Ensino. Neste decreto composto de cinco Artigos, o
interventor decretou que este cargo de inspeção deveria ser um departamento
educacional subordinado à Superintendência Geral do Ensino
80
, e funcionaria como um
ponto intermediário entre o governo Federal e o governo Estadual, uma etapa
burocrática responsável por receber os relatórios dos inspetores escolares de cada
circunscrição municipal e enviar, também, relatórios para o governo federal. Desta
forma, competia à Inspetoria Geral:
b) velar pelo fiel cumprimento das leis estaduais quando à adoção dos
programas, normas de ensino e educação, orientação pedagógica e
eficiência dos professores nas escolas particulares, dando as
necessárias instruções aos inspetores escolares e docentes; c) tornar
efetivas as exigências do decreto-lei n° 88, de 31 de março de 1938, e
das leis federais, no tocante à nacionalização do ensino, propondo à
Superintendência Geral do Ensino as medidas que, para esse fim,
julgar necessárias, especialmente quanto ao afastamento de
professores e interdição de estabelecimentos escolares que
transgridam aquelas leis; d) fiscalizar as associações a que se refere o
decreto-lei n° 76, de 4 de março de 1938, e exigir delas o
cumprimento das leis do Estado e das determinações do
Departamento de Educação, quanto à educação cívica e organização
de programas comemorativos; e) cooperar com a Superintendência
Geral do Ensino nos trabalhos que esta indicar e com ela colaborar
para o aperfeiçoamento do ensino e educação nas escolas primárias
particulares; f) auxiliar a fiscalização federal do ensino primário
privado no Estado, tomando as providências que por ela forem
solicitadas em beneficio do ensino; g) aplicar penalidades
regulamentares aos funcionários que lhe forem diretamente
subordinados (decreto-lei nº 124 apud MONTEIRO, 1979, p. 135).
Todavia, apesar dos esforços dos inspetores escolares e seus superiores em
realizar as visitas nos estabelecimentos escolares, era comum o não cumprimento das
leis em algumas escolas
81
, já que, como aponta Monteiro (1979), estas em geral
80
A Superintendência Geral do Ensino era um departamento educacional responsável por encaminhar as
propostas do governo federal aos estados federativos.
81
Através da consulta no Arquivo Histórico de Ibirama de um “Termo de visita” redigido pelo inspetor
escolar Adolfo da Silveira, foi possível saber o que era inspecionado pelos inspetores escolares. “No dia 8
de julho de 1939, visitei a escola mista municipal de Nova Bremen, no município de Hamônia, regida
pelo professor Snr. Alfredo Cardoso, e observei o seguinte: 1°. – que a matrícula total era de 366 alunos,
sendo 17 do 1° ano, 12 do 2° ano e 7 do 3° ano; 2°.- que não faltavam alunos; 3°. – que a sala de aula é
141
situavam-se a uma distância considerável umas das outras e uma inspeção durava em
média de 3 a 4 horas. Em geral, se a escola seguinte fosse próxima da que estava sendo
inspecionada, então era possível serem visitadas duas por dia. No entanto isso não era
comum.
As quinze circunscrições escolares em que estava dividido o Estado
de Santa Catarina eram constituídas, em sua maioria, de extensas
áreas rurais, ficando as escolas distantes umas das outras dezenas de
quilômetros. As precariedades das estradas, dos meios de transportes
e número reduzido de diárias disponíveis a cada inspetor dificultavam
sobremaneira esta tarefa. No ano de 1938, quando se intensificou o
processo de nacionalização, as escolas visitadas pelos inspetores
atingiam o índice de 56,5%. De um total de 2.104 escolas, foram
visitadas 1.190, ficando 914 delas, sem qualquer orientação direta dos
inspetores escolares (MONTEIRO, 1979, p.67).
Assim, o mais corrente era uma inspeção por dia, gastando-se o resto do
tempo com o transporte (automóvel, carroça e estrada de ferro), sem se levar em
consideração as inspeções repetidas. O autor comenta, ainda, que no ano de 1938
ficaram sem qualquer trabalho de orientação e fiscalização 101 escolas; isso em uma
zona onde havia uma preocupação especial com a nacionalização. No caso da
circunscrição de Hamônia havia 95 unidades escolares. Destas apenas 78 foram
inspecionadas num período de 88 dias
82
.
Para enfatizar essa questão, a seguir cita-se um artigo retirado do jornal escolar
O Sabiá, de 1943, escrito pela aluna do 3° ano do primário, Rosa Wippel.
Dias passados, quando todos os alunos estavam reunidos na escola
após o recreio vimos parar um auto em frente da escola. A professora
abriu a porta e entrou o Sr. Inspetor Escolar e um outro Senhor. Fazia
já quase três anos que na nossa escola não tinha entrado nenhuma
pessoa estranha a não ser pais dos alunos e as vezes o Padre
Francisco para dar 45 minutos de aula do catecismo. Maior parte de
alunos nunca tinham visto Inspetor nenhum porisso ficaram muito
assombrados, apesar que a Irmã professora tinha alguns dias antes
regular. Pertence a Comunidade Escolar; 4°. – que não faltava material didático; 5°. – que a escrituração
estava em ordem; 6°. – que o aproveitamento dos alunos foi bom em leitura, regular a bom em
linguagem, bom em aritmética, geografia, história e canto. 7°. – que tive em geral, boa impressão.
Recomendo ao Snr. Professor continuar a dedicar-se com o mesmo esforço que vem empregando para o
bom aproveitamento de sua escola.”
82
Fonte – Relatório do Departamento de Educação – 1938 apud Monteiro, 1979, p.74.
142
avisado, que algum dia chegava na escola o Sr. Inspetor que ele era
muito bonsinho muito amigo do professor e das crianças espertas mas
naquele momento ninguém se lembrou disso. Quando porém o Sr.
Inspetor saiu ficamos com muita pena. Ele porém antes de partir
prometeu vir mais uma vês visitar a nossa escola. Agora sim nos
todos esperamos com ância o Sr. Inspetor porque todos o
conhecemos (WIPPEL, 1943, p.3).
Através dos jornais escolares A Sineta, de 31 de janeiro de 1943, e A Folha, de
31 de março de 1943, publicados respectivamente na Escola Municipal de Rafael e na
Escola Mixta Municipal de Rafael Cedro – pertencentes ao município de Hamônia – é
possível acompanhar a vistoria do mesmo inspetor escolar, João Rodrigues de Araújo,
nesta região e a impressão causada nos estudantes locais. Sendo assim, n’A Sineta
constata-se:
No dia 25 deste mês a nossa escola foi visitada pelo Sr. Inspetor
Escolar João Rodrigues de Araújo, ao qual agradecemos muitas vezes
pelo serviço que prestou aqui, ensinando-nos muitas coisas e nos
disse que passava outra vez aqui no mês de abril. Nos queremos se
esforçar bastante para outra vez saber responder melhor ainda do que
essa vez (KRÜGER, 1943, p. 04).
Dois meses depois o mesmo inspetor vistoriou a Escola Mixta Municipal de Rafael
Cedro, conforme o jornal A Folha relata:
Aos 13 dias do corrente mês, nossa escola recebeu com alegria, a
digna visita do Sr. João Rodrigues de Araújo, M.D. Inspetor escolar
da 13° Circunscrição de Hamônia. Ao Sr. Inspetor apresentamos os
votos de boas-vindas a nossa escola (REINERTE, 1943)
Com isso pode-se concluir que as visitas escolares demandavam um tempo considerável
por parte dos inspetores escolares, bem como uma disciplina rígida no processo de vistoria.
Além disso, através destes fragmentos apresentados acima, é possível afirmar que tal trabalho
era bem recebido por parte dos alunos, que não hesitavam em cooperar.
143
3.1.2. A Liga Pró-Língua Nacional.
Com o passar do tempo, a Inspetoria Geral das Escolas Particulares e
Nacionalização, sob chefia de Luiz Sanches B. de Trindade
83
, percebeu que não seria
suficiente apenas realizar o fechamento de escolas, suspensão e afastamento de
professores, ou ainda aplicar punições aos pais infratores. Em seus relatórios enviados à
Superintendência Geral do Ensino, Trindade observou a necessidade de fazer com que
os dispositivos legais aplicados sobre as escolas particulares fossem incorporados pelo
próprio corpo docente e discente das escolas vistoriadas, facilitando o trabalho de
acompanhamento que os inspetores escolares deveriam realizar.
Foi então que Trindade propôs a criação da associação escolar Liga Pró-
Língua Nacional nas escolas. Esta associação era composta por alunos do primário que
estivessem avançados no aprendizado do idioma português em relação aos demais. Sob
a orientação de um professor, com a supervisão do diretor da escola, auxiliavam os
demais alunos com dificuldades no aprendizado do idioma oficial, possibilitando uma
maior integração entre as crianças que não falavam o português com os demais alunos.
Esta assistência despendida aos alunos atrasados no ensino era realizada
durante o intervalo escolar. Neste momento era impreterivelmente proibido conversar
em idioma alemão e, para isso, havia professores espalhados pelo pátio que exigiam o
cumprimento desta norma
84
. No intervalo, entravam em cena os membros da Liga Pró-
Língua Nacional que, através de formas lúdicas como jogos, canções e pequenas
histórias, familiarizavam os demais alunos com o novo idioma que devia ser aprendido.
É sabido, também, que durante este intervalo era recomendado aos alunos a troca de
83
Já havia trabalhado anteriormente, como integrante da equipe de Orestes Guimarães, na Primeira
Campanha de Nacionalização do ensino.
84
Em entrevista realizada com o teuto-brasileiro Carl Ernst Hoppe (HOPPE, 2005), ele relatou que,
quando aluno, junto com outros estudantes, foi convidado pelo professor a participar de uma equipe
responsável por delatar alunos que se comunicassem em alemão escondidos, durante o intervalo.
144
figurinhas, com fotos de heróis nacionais, que estes deveriam colecionar. Durante esta
atividade os membros da Liga Pró-Língua Nacional deveriam contar um pouco sobre a
biografia destas personalidades.
Outra forma desenvolvida para auxiliar neste aprendizado foi a criação de
jornais escolares. Através de pesquisa realizada no Arquivo Histórico de Ibirama, foi
possível consultar inúmeras edições de diferentes periódicos escolares publicados nas
escolas municipais da região de Hamônia. Dentre os exemplares examinados estão
inclusas edições dos seguintes periódicos: O Sabiá (1943), da Escola Mista Municipal
de Rio Scharlach; O Éco (1943), da Escola Mista Municipal de Alto Rio dos Índios; A
Sineta (1943), da Escola Municipal de Rafael; Alegria Infantil (1943), da Escola Mista
do distrito de Gustavo Richard; A Folha (1943), da Escola Mixta Municipal de Rafael
Cedro; e O Lar (1945), da Escola Municipal de Ribeirão Tucano.
Estes periódicos eram redigidos a mão pelos próprios alunos em folhas de
almaço e logo no início apresentavam um cabeçalho que constava: O nome da escola, o
município na qual ela estava situada, o ano e o número da tiragem e os membros que
compunham a equipe responsável por editar o mesmo. No caso particular do jornal
Alegria Infantil, a jovem equipe editorial tinha o costume de iniciar a edição com a
poesia “Escola”, uma ação interessante, pois evidencia a função que o jornalzinho tinha
de valorizar a instituição escolar em meio aos seus leitores:
A escola é mansão sagrada.
Templo sublime
Que amor exprime.
Catedral iluminada.
Divina estância
Que ampara a infância.
As letras do alfabeto
São claridade, luz e verdade.
Do mestre o risonho afeto.
Feliz se evola na paz da escola
A criança que hoje estuda.
Semêa a rir o seu porvir.
145
E quando a Pátria saúda
Lhe dá o penhor
Do seu amor. (ALEGRIA INFANTIL, 1943).
Ao longo do corpo de tais jornais é possível, também, verificar diversos
desenhos com temas cívicos que acompanham o texto escrito. No que diz respeito ao
grupo de alunos incumbidos da edição e publicação, a divisão cumpria sempre os
seguintes cargos: Diretor, Gerente e um ou dois repórteres, em alguns casos havia os
sub-diretores e os sub-gerentes, e eram supervisionados por um professor.
Graças à matéria “Eleição da nova diretoria”, do jornal A Folha, de 31 de março
de 1943, é crível conhecer a forma que se dava a escolha anual dos novos membros:
Em vista de que os membros da Diretoria desta jornalzinho, fizeram
conclusões do curso nos exames finais de 1942, era necessário
organiza-lo novamente, para que o referido jornalzinho, circulasse no
presente ano. Já havia sido nomeado o aluno Edgar Reinert para
Gerente, mas faltava a Diretora. Então foi resolvida uma eleição, para
que, a escolha fosse por meio de votos. Pois o numero de alunos do
3° ano, existentes, em nossa escola são cinco, a saber: Edeltraut
Naatz, Erna Schmithd, Gertrudes Schulz, Helga Kindlein e Irmgard
Padaratz. O professor não queria escolher uma dentre elas, e
descontentar as demais. Por isso, dia 11 do corrente dentro da sala de
aula, procederam-se a referida eleição. Cuja eleição, ocorreu em
festiva alegria. O professor escreveu os nomes das cinco alunas no
quadro, e reuniram os outros alunos, “eleitores” a fim de fazer
experiência à dignidade da nova Diretora. Entretanto, foi sugerida
opinião de cada qual alunos e alunas e coube a maioria de votos a
aluna Gertrudes Schulz, que recebeu com grande satisfação, o cargo
de nova Diretora. Para que não houvesse descontentamento, o
professor nomeou o aluno Coniberto Krieser para 2° Gerente, a aluna
Erna Schmithd para Sub-diretora e os demais alunos e alunas do 3°
ano para Repórteres (A FOLHA, 1943, p. 01).
Estes noticiários eram publicados mensalmente, e as notícias a serem divulgadas
eram fatos que, segundo os inspetores escolares, cabiam a todos os alunos da escola
saber. Dentre elas, destacam-se informações sobre os acontecimentos locais de seus
respectivos municípios. Como, por exemplo: datas de aniversário, notas de nascimento
e falecimento de moradores locais, professores e alunos que eram transferidos para
outras escolas ou, ainda, pequenos dizeres moralizantes e piadas.
146
Um camarada passa de trem por um campo cheio de gado e diz para
outro: Vês? Que bonita boiada! 105 cabeças. Mas?, respondeu o
companheiro. Como diabo pudeste contar tão rápido passa o trem?
Muito fácil: Contei as pernas e dividi por quatro...(ALEGRIA
INFANTIL, 1943, p. 04).
E havia, também, pequenas biografias de personalidades nacionais, bem como
textos que homenageavam a data de nascimento dos mesmos. Este fato pode ser
constatado no jornal escolar A Sineta que relembrou o aniversário do presidente Getúlio
Vargas, por meio da noticia intitulada “Dia 19 de abril”, publicada no dia 30 de abril de
1943:
É um grato dever para nós todos, e estamos cheio de contentamento
por ver que o Presidente da República Sr. Dr. Getúlio Vargas contou
mais um ano de vida útil e proveitosa à Pátria e a família. O intenso
júbilo que nos vai n’alma, jubilo que só iguala a gratidão que no
nosso coração existe pelo bem que ele tenha feito não só à nós, mas a
todos que existem no Brasil. Assim a data de hoje é a festa
comemorativa de um justo e de um bom. Que Deus o proteja, são os
votos que fazem a ele os alunos desta escola. (FRECH, 1943, p. 01).
Outros acontecimentos nacionais também eram bastante enfatizados. Dentre
eles, pode-se entender a constante preocupação que o jornal escolar tinha de reforçar em
seus leitores o imaginário da nação brasileira. Desta maneira, a quantidade de textos que
propõem narrar brevemente a formação do território brasileiro, oferecer hinos nacionais
e apresentar poesias, redigidas pelos próprios alunos, que exaltam a cultura nacional são
de significativa importância.
No caso relacionado à formação territorial e cultural do Brasil, observam-se dois
exemplos. O primeiro esta presente no texto “O que é o Brasil”, publicado no jornal O
Eco, de 1943:
O Brasil é tudo o que temos feito em prol do progresso da moral da
cultura da liberdade e da fraternidade. O Brasil não é o Solo o mar o
céu que tanto cantamos. É a História de que não fazemos caso
nenhum. Brasil é a obra de seus construtores ou melhor daqueles que
o tiraram do nada Selvagem e o fizeram terra civilizada. É o trabalho
dos jesuítas em plena floresta transformando antropófagos em seres
147
humanos. O Brasil é coragem dos defensores do seu solo. É Estácio
de Sá e Mem de Sá repelindo Francezes no Rio de Janeiro. É
Jerônimo de Albuquerque, repelindo os Francezes no Maranhão. São
os patriotas de Pernambuco arrasando o domínio holandês do Norte.
O Brasil é obra dos bandeirantes: Antonio Raposo, Fernão Dias Paes
Lemes, Bartolomeu Bueno desbravando sertões a procura e ouro e
pedra preciosas e formando povoações. É a lavoura da cana de
assucar do café do algodão do cacau, da borracha. As criações das
industrias. É o trabalho dos escravos. É a inconfidências Mineira com
Tiradentes. É a Independências com Jose Bonifácio. É o verbo de
Ruy Barbosa. É a Republica com o Marechal Deodoro. O Brasil é a
espada de Duque de Caxias. General Osório. Almirante Barroso que
defenderam o Brasil contra o ditador Lopes. E finalmente é a criação
do Estado Novo inteligente organizado pelo eminente chefe Exmo.
Sr. Dr. Getúlio Vargas cujo valor a sua inteligência é reconhecida por
todos os Brasileiros. Eis o que é o Brasil (DOROW,1943, p. 03)
O segundo exemplo aparece no jornal A Sineta, de 1945, com o texto “Os
presidentes da Nação”, que procura formular um ideário de nação muito próximo com o
ideal proposto pelo Estado Novo:
A família, meninos é formada pela reunião de pessoas do mesmo
sangue que trabalham para o bem de todos que se amam e protegem
durante a vida toda. Respeitando-se e obedecendo-se uns aos outros.
É uma pequena sociedade dirigida por dois chefes modelos: o pai e a
mãe. A nação é uma família muito grande também dirigida por um
chefe a quem todos obedecem. O Brasil é uma grande nação cujo
chefe é chamado de presidente. Dirige-o atualmente o Dr. Getúlio
Vargas. Antes dele a nossa querida Pátria teve com presidentes os
seguintes brasileiros ilustres: marechal Deodoro da Fonseca,
marechal Floriano Peixoto, dr. Prudente de Morais, dr. Campos Sales,
dr. Rodrigues Alves, dr. Afonso Pena, dr. Nilo Pesanha, marechal
Hermes da Fonseca, dr. Venceslau Braz, dr. Epitácio Pessoa, dr.
Artur Bernardes e dr. Washington Luiz. Pelo muito que trabalharam
em bem da nossa querida Pátria, todos estes presidentes são dignos da
nossa estima e do nosso respeito. (QUISINSKI,1945, p.01).
Além disso, verifica-se, também, a presença dos valores apregoados pela Igreja
Católica. Nota-se com isso, que a cultura nacional difundida nas escolas públicas
apresentava um forte viés deste segmento religioso que, no caso das regiões ocupadas
pelos teuto-brasileiros, procurava atrair fiéis que historicamente se identificavam com a
religião protestante. Abaixo segue a transcrição do texto “O problema de todos”,
publicado no jornal escolar A Folha:
148
O Brasil só será grande na medida em for de Nosso Senhor. E o
Brasil só será todo de nosso Senhor, quando possuir um numero de
sacerdotes, capaz de atender aos seus interesses espirituais. Terra
privilegiada, terra bendita de Santa Cruz! Para o coração que deseja
ver sempre mais perto de Deus, porquê nasceste a sombra da Cruz,
como é doloroso contemplar-te tão necessitada de sacerdotes! A tua
linda capital, e Cidade Maravilhosas precisa de mil padres e não
possue 200. Por que esta crise espantosa de sacerdotes?E tu, ó Brasil,
só serás grande no dia em que fores inteiramente de Deus. Não são os
engenheiros não são os militares, não são os advogados, não são os
médicos que te elevarão a gloria. Todos eles contribuirão certamente
para tua grandeza material. Mas os buriladores das almas imortais, os
construtores para a eternidade, são os sacerdotes quem Deus confiou
de modo especial a missão sublime de elevar, engrandecer, conduzir
as almas ao caminho que leva ao céu. Brasileiro! Todos a uma
sejamos brasileiros, concorrendo para o aumento das vocações
sacerdotais em nossa extremecida Pátria.
Além destas matérias, havia noticiários sobre as duas principais sociedades
escolares da época: boletins sobre o Pelotão Saúde e a Liga Pró-Língua Nacional.
Conforme atestam os jornais escolares consultados, o Pelotão Saúde era composto por
alunos que exerciam o cargo de monitores em sala de aula, e eram responsáveis por
assegurar a higiene em sala de aula
85
. A seguir cita-se um informe intitulado: Pelotão
Saúde referente ao mês de Março de 1943, retirado do jornal Alegria Infantil, que
pertencia à Escola Mixta Municipal de Caminho do Posto, no distrito de Gustavo
Richard, do município de Hamônia.
Tendo em vista de alcançar e conservar o que notamos pelos
respectivos dizeres da flâmula: Saúde, Força e Alegria, estamos em
função de efetuar diariamente os trabalhos deste Pelotão. Não é muito
grande o numero dos que foram tratados de saúde durante o mês,
porem, maior é o cuidado, a higiene e ao anseio, ao que tomamos
conta (EBEL, 1943, p.02).
85
A educação sanitária, moral e cívica do corpo e da mente eram o trampolim para o sucesso da
construção de um bom trabalhador, segundo a concepção do Estado Novo. O mundo escolar tornou-se um
espaço disciplinador muito eficiente para que a disciplina não só da mente, mas do corpo também
proporcionasse cidadãos sadios. Conforme demonstra Virtuoso (2005): “O Pelotão Saúde foi uma das
organizações impostas às escolas pelo Estado por meio dos inspetores. [...] Segundo a historiadora
Cynthia Machado Campos, ‘As questões educacionais apareceram vinculadas à temática do saneamento e
da higiene’. Nereu Ramos priorizou a saúde e educação como carro chefe de seu governo. O indivíduo
saudável e instruído começou a ser idealizado para a construção da identidade brasileira: ‘a escola foi a
instituição onde pareceu ser possível, naquele momento, atingir amplos segmentos da população no
sentido de normalizar, homogeneizar, disciplinar, ordenar e higienizar hábitos e comportamentos’”.
(VIRTUOSO, 2005, p.6)
149
os boletins sobre a Liga Pró-Língua Nacional
86
eram mais recorrentes e
demonstravam a situação em que se encontrava o aprendizado da língua portuguesa.
Abaixo aparece um boletim redigido pelo aluno Heberto Voigt, secretário do jornal
Alegria Infantil.
Estando presentes todos os alunos desta escola de Caminho do
Posto, reuniu-se esta no dia 17 do mês em curso, a fim de prestar
entrevista à Liga Pró-Língua Nacional. Verificou-se que esta está
funcionando com plena satisfação, bem, em relação à língua
vernácula, não existindo mais qualquer fôlego de idioma estrangeiro.
Foi bem aproveitado esta reunião em contar histórias e ver gravuras
e álbuns dos quais esta liga já possue três bem organizados. Tudo
pela grandeza da nossa Pátria! (VOIGT, 1943, p.02).
Estes informativos relatavam também sobre as reuniões mensais que eram
realizadas pela Liga Pró-Língua Nacional pertencente à mesma “Escola Mixta
Municipal” citada acima. Por esta amostra constata-se que o encontro consistia em uma
palestra proferida pelo professor, na qual ele recordava o senso de fidelidade que os
alunos deveriam ter para com o país e a língua nacional. Em seguida, os alunos
deveriam expor seus álbuns uns aos outros para mostrarem as qualidades geográficas e
históricas do Brasil e, por fim, o aluno com o cargo de orador encerrava o encontro
narrando aos demais a história de um herói nacional.
As informações publicadas nestes jornais escolares sobre os problemas
enfrentados na escola e no próprio município tinham importância para os alunos similar
à do rádio, pois os mantinham atualizados com os feitos do governo. O mesmo coube à
linguagem jornalística, adotada nestes jornais escolares, responsável por padronizar a
86
Assim como o Pelotão Saúde e a própria diretoria do jornal escolar, seus membros eram renovados
anualmente.
150
escrita com o objetivo de suplantar os regionalismos lingüísticos
87
. Como pode-se
constatar na matéria intitulada A nossa escola, presente no jornal A Sineta, de 1943:
1° No dia 10 deste mês foi renovado a diretoria do Jornal Escolar, no
dia 13 foi renovada a diretoria do Pelotão Saúde e no dia 24 à da Liga-
Pró Língua Nacional. 2° Na nossa escola têm 45 alunos matriculados e
falta matricular 18 crianças ainda, a professora esta esperando à
desdobrar a escola no mês de março 3º A nossa escola este ano é
freqüentada por cinco filhos de estrangeiros. 4 º Não há nesta
localidade nenhuma família estrangeira, cujo filho não freqüenta a
escola. 5° Falta pintura na sala de aula e cerca por fora para fazer o
clube agrícola. 6° Este ano há muitas crianças pobres que freqüentam
a escola sem uniforme e a Caixa Escolar
88
aqui é muito fraca, não dá
para comprar o uniforme. (KRUGER,1943, p.04)
Estas propostas educacionais criadas pela Campanha de Nacionalização
revelaram-se de grande produtividade, pois faziam com que a língua portuguesa fosse
divulgada e valorizada entre os próprios estudantes, mantendo-a constantemente ativa
entre eles. Como se percebe acima, a direção escolar, com o auxílio dos inspetores
escolares e gerais, desenvolveu uma estrutura organizacional entre os jovens escolares
capaz de gerar disciplina e comprometimento deles para com a própria escola.
Para aqueles grupos escolares que tinham definitivamente suas atividades
suspensas pelo governo, ocorria o cumprimento do artigo 21°.
Fechado estabelecimento particular de ensino primário, com
freqüência escolar, promoverá, desde logo, o Departamento de
Educação, no mesmo local ou dentro na mesma área a abertura de
escola estadual, com capacidade correspondente à do estabelecimento
interdito (decreto-lei nº 124 apud MONTEIRO, 1979, p.138).
Por meio dos dados registrados em relatórios referentes à relação de escolas
particulares fechadas em 1938 (por não cumprirem a legislação) e o número de novas
87
Tais jornais tiveram uma importância fundamental. Constata-se a proposta de Anderson (1989), em
afirmar que o jornal tinha a função de assegurar que a idéia de uma comunidade política imaginada
fosse firmada entre os leitores, no caso presente o público alvo era o infantil.
88
Ao que parece, a “Caixa Escolar” funcionava como um fundo monetário adicional que cada escola
municipal tinha. A arrecadação de dinheiro para este caixa era feita entre os próprios alunos e os
moradores do município. Tratava-se de um dinheiro extra para suprir as dificuldades materiais que o
Estado não pudesse atender nas escolas.
151
escolas criadas pelo Estado no mesmo ano
89
, constata-se que os números foram
equivalentes. No caso de Hamônia, foram suspensas 20 escolas em 1938, e criadas no
mesmo ano 17 escolas estaduais e 4 municipais. Para a abertura das novas escolas,
levavam-se em conta as normas estipuladas pelos decretos-leis; sobretudo, as
relacionadas ao processo de nacionalização. A organização do corpo docente procurava
atender, sem prejuízo à legislação, a oferta da região, desde que os professores tivessem
o domínio da língua portuguesa.
Todavia, o governo percebeu que não bastava apenas oferecer escolas públicas e
estipular normas nas escolas particulares que permaneceram abertas para promover a
alfabetização dos alunos no idioma português, pois muitos destes continuavam
apresentando sérias deficiências no aprendizado. A suspeita era de que o uso do idioma
nacional pelas crianças sofria retaliações fora dos espaços escolares, ou seja, nos outros
espaços públicos – igreja e associações recreativas – e no lar. Dessa forma, o Estado
Novo precisou ampliar o processo de nacionalização para além da escola, pois ele
começava a perceber que somente atuando no campo escolar não seria possível
concretizar seus objetivos. Fazia-se necessário intervir sobre o público adulto, já que
este, além de criar resistência à aceitação de valores culturais nacionais, a partir de
1938, era tido como suspeito de promover a instalação de células políticas do
Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei (NSDAP) – Partido Nacional Socialista
dos Trabalhadores Alemães (Partido Nazi
90
) – no território nacional
91
.
89
Departamento de Educação. Relatório do Departamento de Educação –1938. Secretária do Interior e
Justiça. Florianópolis apud MONTEIRO, 1979, p.107-113.
90
O termo Nazi é uma contração da palavra alemã (NA)tionalso(ZI)alist – Nacional Socialista – que
significava a proposta política da NSDAP.
91
Esta ação política realizada sobre os teuto-brasileiros adultos é conhecida popularmente entre a
população catarinense como “a Nacionalização”.
152
3.2. O processo de nacionalização da cultura teuto-brasileira para além da escola.
Antes de explicar as medidas políticas adotadas pelo Estado Novo para combater
os militantes da NSDAP em solo brasileiro e nacionalizar os teuto-brasileiros
simpatizantes, faz-se necessário realizar um breve retrospecto das influências que este
partido alemão, depois de ascender ao poder em 1933, gerou no território brasileiro.
Na Alemanha do início da década de 1930, a propaganda política realizada pela
NSDAP consistia em demonstrar ao povo alemão como este partido de cunho
nacionalista estava erradicando do território nacional as mazelas sociais, culturais e
econômicas obtidas com o término da Primeira Guerra Mundial. Segundo o próprio
Partido, os principais elementos que possibilitavam esta restruturação nacional eram a
união e a cooperação firmada entre a nação alemã e a própria NSDAP. Somente com a
valorização dos legítimos traços da cultura alemã é que seria possível restaurar a
dignidade alemã.
Sendo assim, pode-se dizer que as definições acerca do termo Deutschtum foram
reelaboradas pela NSDAP, a partir do século XX. O caráter de identidade étnica, que
tinha sido construído desde a Reforma Protestante e aprimorado no II Reich, havia sido
substituído por uma dimensão política, centrada especialmente nos interesses
expansionistas alemães. Valendo-se do estudo de Guibernau (1996) – Nacionalismos: o
estado nacional e o nacionalismo no século XX –, pode-se considerar que a NSDAP
propunha formular um estado legítimo (GUIBERNAU, 1996) no território alemão, ou
seja, a proposta política do partido nazista confundia-se com a nação, seu interesse não
era apenas de formar um elo político com os cidadãos alemães, mais sim de instituir
uma relação de cumplicidade do partido com a cultura e a História alemã.
O resultado disso é a criação de alguma espécie de personalidade –
“anglicidade”, “germanidade” -, que salienta as características dos
153
cidadãos de uma nação particular, comparados com os de outras.
Nesse processo, o nacionalismo usa elementos preexistentes da
cultura da nação, mas não apenas revive tradições, como também as
inventa e transforma. O nacionalismo, nessa espécie de sociedade em
que o estado se harmoniza com a nação, nem sempre bota as cartas na
mesa. Mais propriamente, ele impregna a vida diária do estado
nacional e só aparece em primeiro plano em situações específicas,
quando a integridade do estado nacional está em perigo ou há a
necessidade de defender certos interesses [...]. (GUIBERNAU, 1996,
p. 69).
Dessa forma, as instituições culturais alemãs, tais como as associações
recreativas e culturais, as escolas e até a igreja protestante tornaram-se possíveis canais
políticos para o governo alemão divulgar suas idéias nacionalistas para a nação alemã.
Essa ação política servia, também, para as populações de cultura alemã situadas
em território estrangeiro. Com isso, foi elaborado pelo governo hitlerista
Auslandorganization der NSDAP – Organização Estrangeira do Partido Nacional
Socialista dos Trabalhadores da Alemanha – (A.O.) (MAGALHÃES, 1998). Através
desta organização, os objetivos do governo alemão eram obter informações sobre a
possibilidade de realizar transações econômicas em solo estrangeiro, conseguir
simpatizantes políticos, também, no estrangeiro e, com isso, formar um reservatório de
cidadãos do Reich para o caso de haver necessidade de recrutá-los para um eventual
conflito militar. Para isso, era necessário promover a filiação partidária dos interessados.
A A.O. é organizada pelo partido com o objetivo de realizar uma
contrapropaganda sobre os discursos dos adversários do movimento
nacional-socialista. Dentre os primeiros grupos do exterior,
destacam-se os do Paraguai, fundado em 1929, da Suíça, em 1930, e
da Argentina e Brasil, em 1931. (MAGALHÃES, 1998, p.135).
Ocultado sob o discurso do Deutschtum, a A.O. divulgava, através de seus
espiões, a necessidade dos portadores da cultura alemã espalhados pelo mundo
demonstrarem fidelidade ao pangermanismo, que o governo alemão procurava
revitalizar após o término da Primeira Guerra Mundial. Todavia, não recomendavam
apenas a valorização da cultura alemã – jus sanguinis –, solicitavam, também, a
154
fidelidade ao Estado alemão – jus solis. Esta poderia ser feita através da criação de
comitês filiados à NSDAP alemã e, consequentemente, da divulgação dos ideais
nazistas entre os demais descendentes de alemães que desconhecessem as propostas do
partido. Além disso, esta organização pedia que seus filiados estrangeiros não
participassem da política local de seus países de hospedagem, deveriam servir apenas
aos interesses do III Reich. Conforme as publicações da A.O., seus membros deveriam
obedecer a “dez mandamentos”, como demonstra Magalhães (1998):
1. Respeita as leis do país em que és hóspede e não te intrometas na
política interna; 2. Faze-te conhecido como partidário do NSDAP;
(...) 5. Todo alemão no exterior é um partidário em potencial. Sê
como um pastor entre ovelhas; (...)10. Sê calmo, ordeiro e pacífico –
não participes de badernas (MAGALHÃES, 1998, p. 136)
O Brasil ganhava destaque nesta ação, pois além de oferecer uma posição
estratégica no continente americano (HILTON, 1983), Hitler via, tamm, a
possibilidade de recrutar a população teuto-brasileira para os interesses nazistas.
Segundo MacCann (1995), os planos de expansão militar em solo brasileiro eram
ousados.
Hermann Rauschning, líder nazista em Dantzig e amigo pessoal de
Hitler, fez um relato interessante dos planos do Führer na Voz da
Destruição: Ele estava particularmente interessado no Brasil.
“Criaremos lá uma nova Alemanha”, bradou. “Encontraremos lá tudo
de que necessitamos. Todas as pré-condições de uma revolução lá se
encontram, revolução que em algumas décadas, ou mesmo anos
transformaria o estado mestiço corrupto em domínio alemão... Nós
lhe daremos...nossa filosofia...Se há um lugar em que a democracia é
sem sentido e suicida, esse lugar é na América do Sul... Vamos
aguardar alguns anos e, nesse interregno, fazer o que pudermos para
ajudá-los Mas temos que enviar nossa gente até eles... Não iremos
desembarcar tropas como Guilherme, o Conquistador, e dominar o
Brasil pela força das armas. Nossas armas não são visíveis. Nossos
conquistadores...têm uma missão muito mais difícil que a de seus
antecessores e, por essa razão, dispõem de armas mais complexas”.
Os conquistadores de Hitler eram os serviços diplomático e consular
alemão, as organizações internacionais da NSDAP e outras agências
do partido, além de associações culturais, econômicas e educacionais.
A política nazista com relação ao Brasil tinha como objetivos a
completa arregimentação das comunidades de língua alemã, a
promoção de relações cordiais com o Brasil, a estimulação de atitudes
155
governamentais e populares favoráveis à política exterior de Hitler,
relações comerciais mais cerradas e a infiltração de agentes e
simpatizantes nazistas em posições-chave do Governo, das Forças
Armadas e da economia. O objetivo final era a conquista e a
dominação nazista para realizar o sonho do Führer da ditadura
mundial. (MaCCANN, 1995, p. 71).
Como MacCann ainda demonstra, a investida dos representantes da NSDAP em
solo brasileiro fora bem sucedida entre os teuto-brasileiros, pois havia controlado uma
significativa parcela de associações e clubes, além de disponibilizar aos novos filiados
políticos do nazismo acesso às estações de rádios pertencentes ao governo alemão
92
.
As transmissões, em geral, mesclavam música erudita e notícias destacando a atual
situação de pujança alemã sob o III Reich
93
. Eventualmente, no Brasil eram transmitidos
discursos de Hitler com posteriores cópias impressas gratuitas aos ouvintes. A sede em
Berlim também se preocupava com a opinião dos ouvintes teuto-brasileiros, como
revela a seguir a carta enviada pela transmissora a um ouvinte teuto-brasileiro, que
residia em Santa Cruz do Sul – RS:
Supomos que lhe será agradável receber, regularmente, nossos
programas impressos e demos instruções a nossa seção de expedição
para que lhe faça a respectiva remessa. Anexo, lhe remetemos um
questionário a fim de ser preenchido com as suas observações,
desejos e sugestões. Como impresso, lhe remetemos um discurso
pronunciado pelo nosso Führer em 28/4, recortes de jornais e dois
artigos. O programa de julho [seguirá] nos próximos dias (PY apud
NASCIMENTO, 2006, p.06).
92
Não se infere daí que todos os alemães fossem simpatizantes do nazismo, mas sim que o nazismo se
encontrava infiltrado nos mais importantes núcleos dos grupos teuto-brasileiros.
93
Conforme demonstra Nascimento (2006), a propaganda era importantíssima para o governo nazista.
Logo que foi criado o ministério de propaganda, Josef Goebbels passou a controlar a máquina de
radiodifusão e reforçou os emissores de rádio tanto em número como em potência. “Nos anos anteriores
à guerra os alemães criaram no estrangeiro um engenhoso sistema de relações públicas. Em 1934 o
governo alemão gastou cerca de 260 milhões de marcos em propaganda fora da Alemanha. Também as
embaixadas alemãs no estrangeiro foram dotadas de adidos de propaganda. Goebbels, então ministro do
Reich, enviava instruções secretas sobre as orientações que deveriam ser dadas à propaganda as
representações diplomáticas.” (NASCIMENTO, 2006, p.01). Joaquim Fest resume a importância da
propaganda no III Reich: “A propaganda foi o gênio do nacional socialismo. Ela não foi apenas a
determinante das mais importantes vitórias de Hitler. Mais que isso, ela foi a alavanca que promoveu a
ascensão do partido, sendo mesmo parte de sua essência, e não simples instrumento de poder. É muito
mais difícil compreender o nacional-socialismo através de sua nebulosa e contraditória filosofia do que
pela índole de sua propaganda. Indo ao extremo, pode-se dizer que o nacional socialismo era a
propaganda disfarçada em ideologia” (FEST apud Nascimento, 2006, p.06).
156
Segundo Nascimento (2006), o sucesso do programa diário em ondas curtas da
Transmissora Alemã no Brasil foi tão grande que o chefe de policia no Rio Grande do
Sul, Tenente-Coronel Aurélio Py, menciona em seu estudo (1942) – A Quinta Coluna
no Brasil - que era alarmante o número de cartas que passavam mensalmente pela
Repartição dos Correios com destino a estação com sede em Berlim.
Dessa forma, esse novo Deutschtum que chegava ao solo brasileiro começou a se
fazer presente na cultura teuto-brasileira. Conforme as entrevistas demonstram, cidades
teuto-brasileiras maiores como, por exemplo, Blumenau, se tornaram pólos irradiadores
da NSDAP entre os teuto-brasileiros filiados ao partido nazista. Carros, caminhões e até
vagões de trens partiam de cidades teuto-brasileiras situadas no interior catarinense com
destino à Blumenau, a fim de promover encontros e debates políticos entre os filiados
políticos. Pequenas células da NSDAP, situadas em cidades como, por exemplo,
Presidentes Getúlio e Ibirama, também promoviam passeatas e encontros pela cidade.
Em geral, estas manifestações públicas eram constituídas por indivíduos que
viam na NSDAP a possibilidade de se manterem fiéis ao seu Deutschtum. Contudo,
havia também uma parcela de filiados políticos que demonstravam atitudes extremadas,
conforme demonstra a entrevista realizada com a teuto-brasileira Eleonora Kaestner:
Gustavo Tentoni Dias A senhora se lembra de alguma manifestação deste caráter aqui em
Presidente Getúlio?
Eleonora Kaestner Sim. Eu me lembro quando um dos membros deles morreu. No caminho
para o cemitério, o caixão foi levado por simpatizantes de Hitler e tinha, também, uma grande
bandeira com a suástica em cima do caixão.
G.T.D. Do que mais a senhora se lembra?
E.K. Durante o enterro, eles cantavam músicas nazistas. (KAESTNER, 2005, 2° cassete sonoro.
Lado B).
157
Aos poucos, as ações promovidas pela A.O. foram se tornando bem sucedidas no
Brasil. Entretanto, o número de filiados à NSDAP era pequeno quando comparado ao
número de teuto-brasileiros presentes no território nacional. Em 1939, foram
contabilizados 233.392 teuto-brasileiros no Brasil (GERTZ, 1987)
94
. A partir deste
levantamento, pode-se afirmar que o número de teuto-brasileiros filiados ao Partido
Nazista em todo o país – 5000 filiados (GERTZ,1987) – correspondia a apenas 2,14 %
da população teuto-brasileira.
Conforme foi dito anteriormente, o governo alemão incentivava a promoção da
cidadania alemã, entre aqueles que se demonstrassem fiéis à NSDAP. Tal ação fazia
com que o teuto-brasileiro que já havia cultivado por meio de seus espaços de
sociabilidade – associações recreativas e culturais e igreja, por exemplo – a sua
nacionalidade alemã – jus sanguinis -, pudesse diante da filiação política com o NSDAP
adquirir também a cidadania alemã, ou melhor, o jus solis.
Tal postura soou como uma ofensa ao governo brasileiro que, conforme já fora
demonstrado, preteria a condição de jus sanguinis para preservar o jus solis. Qualquer
indivíduo que tivesse nascido no Brasil seria efetivamente brasileiro. Afinal,
[...] a Constituição do Império declarava que eram cidadãos
brasileiros os que no Brasil tinham nascido, ainda que o pai fosse
estrangeiro, uma vez que este não residisse por serviço de sua nação.
Este postulado, repetido nas três Constituições republicanas, rege-nos
há cento e vinte e oito anos. Nunca o Brasil, por lei, ou por tratado ou
acordo com nação estrangeira, reconheceu outro princípio de
nacionalidade, senão aquele. Quem, por conseguinte, emigrou para o
Brasil e aqui se estabeleceu, veio sob a égide daquele preceito.
(D’AQUINO, 1942, p. 10).
94
Tomando como base o estudo de Gertz (1987), Dietrich afirma que “segundo o censo de 1940, estes
alemães concentravam-se, nesta época, em São Paulo e nos estados do Sul, sendo 33.397 (São Paulo),
15.279 (Rio Grande do Sul), 12.343 (Paraná), 11.293 (Santa Catarina). Esta concentração de alemães nos
estados reflete, de uma maneira geral, o levantamento de alemães filiados ao Partido Nazista. São Paulo,
que mais concentrava alemães natos em 1940, foi também o estado com maior número de adeptos (785
filiados). Em seguida, estão os Estados do Sul e o Rio de Janeiro, sendo que este último aparece em
terceiro lugar. Santa Catarina aparece com 528 filiados, Rio de Janeiro com 447, Rio Grande do Sul com
439 e Paraná com 185, seguido por outros grupos menores”. (DIETRICH, 2006, p.5).
158
Acusada de interferir politicamente nas áreas ocupadas por teuto-brasileiros a
NSDAP foi posta na ilegalidade pelo governo brasileiro a partir de 1938. Logo, iniciou-
se uma perseguição aos membros filiados da NSDAP que teimavam em divulgar os
ideais nazistas pelo território brasileiro. Para o Estado Novo, esta postura ousada
adotada pelo governo alemão infringia a soberania nacional.
Por meio do decreto-lei nº. 383, de 18 de abril de 1938, que proíbe aos
estrangeiros residentes no Brasil exercer qualquer atividade política, organizar, manter
ou criar sociedades partidárias que sejam mantidas com verbas do exterior, o governo
brasileiro atingiu em cheio as atividades nazistas no Brasil.
Art. 1º. Os estrangeiros fixados no território nacional e os que nele se
acham em caráter temporário não podem exercer qualquer atividade
de natureza política nem imiscuir-se, direta ou indiretamente, nos
negócios públicos do país. (Decreto-lei N. 383 de 18 de abril de 1938
apud MICAEL, 2006, p.5).
Através desta lei ficava impedida, também, a
organização de desfiles, a publicação e
distribuição de periódicos e outros meios de
propaganda que fossem mantidos por entidades
estrangeiras. Nas centrais do correio, por
exemplo, as cartas que fossem destinadas ou
provenientes da Alemanha eram interceptadas,
assim como o material de propaganda que Berlim
enviava constantemente para o Brasil. (ver figura
3.4).
Nota-se, com isso, que o combate ao nazismo promovido pelo Estado Novo, não
criou nenhuma distinção entre os termos jus sanguinis e jus solis, fato este que não pode
ser apontado como sendo intolerância por parte do governo brasileiro, pois assim como
Figura 3.4 Carimbo do Ministério
da Guerra batido em envelopes de
carta.
Fonte: casa da Cultura Renate
Adele Ax,
Presidente
Getúlio
SC.
159
a cultura alemã distinguia os dois termos, a cultura brasileira, por sua vez, não os
diferenciavam. A partir de então, qualquer manifestação que demonstrasse
características de uma cultura alienígena seria assunto do Ministério da Guerra e, neste
caso, o idioma alemão foi tido como o principal sinal diacrítico (BARTH, 1998)
adotado pelo governo brasileiro para demarcar os simpatizantes do nazismo.
Deste modo, ciente de que muitas regiões geográficas e áreas sociais recebiam
denominações alemãs e de que os espaços de sociabilidade teuto-brasileiros também
contribuíam para a preservação da cultura alemã, a partir do ano de 1938, o Estado
Novo instaurou uma política voltada para a renomeação em vernáculo oficial de todas
as áreas públicas que estivessem alcunhadas em idioma alemão. Além disso, iniciou
uma rigorosa fiscalização e proibição do uso da língua alemã entre a população teuto-
brasileira.
Dessa forma, foram estabelecidos decretos-leis que tinham por finalidade
rebatizar ruas que antes homenageavam personalidades alemãs, com nomes que
demonstrassem a presença da cultura brasileira; e espaços públicos como, por exemplo,
hospitais. Este foi o caso do antigo Hospital Hansahoehe, em Hamônia, que teve o
pedido inicial para alterar o seu nome em 1938. A seguir pode-se ler o texto que
transcreve a solicitação do prefeito local, Rodolpho Koffke, para o Presidente da
Associação de Caridade Hospital Hamônia:
Estando esta administração municipal empenhada em cooperar, sem
restrições, com os Governos da Republica e do Estado, na obra de
nacionalização, e, tendo, por decreto lei recente sido vedado o direito
de pôr nomes extrangeiros em associações estabelecidas no Paiz,
rogo a V. Excia. a fineza de substituir o nome do hospital
Hansahoehe, pertencente a essa associação, por um nome
genuinamente brasileiro, ou seja o nome do Município, que já é o
nome da associação que tão dignamente dirigis. – Esta medida se faz
necessária, até o dia 29 do corrente mez, data em que se promoverá
nesta cidade, grandes festas de caracter nacionalizador, com a
presença de altas autoridades civis e militares do Estado e de Estados
vizinhos. Sabedores como somos, que o Hospital Hansahoehe é um
160
estabelecimento que muito honra o Município que dirijo, é de inteira
justiça, substituir o seu respectivo nome, pelos factos que expus.
Valho-me do ensejo para apresentar a V. Excia,. os meus protestos de
alta estima e distincta consideração. (CORRESPONDÊNCIAS,
1938).
Os decretos-leis instituídos com estes propósitos também exigiam a mudança
das inscrições nos túmulos e mausoléus dos cemitérios. Religiões como a Protestante
que, em particular, tinha o hábito de grafar nos sepulcros de seus fiéis mensagens
religiosas em alemão gótico, viram-se obrigadas a mudar suas tradições culturais diante
desta medida. Todavia, os documentos ressaltam a importância de não serem cobradas
multas, mas sim de que as prefeituras deveriam convencer os cidadãos sobre a
necessidade desta medida política, conforme, demonstra a circular n°. 39 do
Departamento de Administração Municipal encaminhada ao Prefeito de Hamônia.
O decreto sugerido por este Departamento às Prefeituras, a propósito
de inscrições nos túmulos em línguas vivas estrangeiras, teve, como
salientamos, o objetivo principal de contribuir para um oportuno
trabalho de brasilidade. Tanto quanto possível, porém, sua execução
deverá obedecer a um critério suasório, procurando-se demonstrar aos
interessados a procedência dessa medida, levando-os a cumprí-la sem
a recalcitrância que providências de tal natureza, mal compreendidas
ou mal encaradas, sugerem, a princípio. Será para desejar, assim, que
essa Prefeitura consiga a substituição de inscrições estrangeiras sem a
aplicação de multas, sobretudo tratando-se de estrangeiros, que se
deverão convencer da justeza do decreto municipal em apreço pelos
meios eficientes da persuasão. O rigor da aludida providência terá de
se fazer sentir no que respeita ás novas inscrições, as quais só se
permitirão em vernáculo, como ficou decretado. (CIRCULAR N° 39,
1939).
Segundo o próprio governo, esta medida abrangedora fazia-se necessária, pois
era “dever de cada brasileiro, propugnar com os mais vivos interesses, pelo bom êxito
do nobre e patriótico problema da nacionalização”. (RESOLUÇÃO N° 33, 1939).
Deste modo, a proibição do uso do idioma alemão foi feito também dentro da própria
Prefeitura. O exemplo do aprendizado da língua portuguesa deveria ser dado pelos
próprios homens públicos. Este é o caso da circular n° 1 encaminhada para o município
161
de Hamônia e demais municípios e distritos catarinenses, destinada aos seus
funcionários públicos.
a) – Fica terminantemente proíbido aos funcionários públicos
municipais, entre si, dentro das Repartições Públicas Municipais e
nas Horas de expediente, falares outro qualquer idioma a não ser o
português, língua vernácula. b) – Quando partes interessadas, em
matéria de serviço, que conheçam o vernáculo, procurarem
entenderem-se com os funcionários em idioma extrangeiro, estes
deverão responder únicamente na língua oficial do Pais. c) – É
facultado, entretanto, ao funcionário municipal, no intéresse do
serviço, attender em alemão ou outra qualquer língua extrangeira as
partes que não conhecerem em absoluto o vernáculo. d) – Ao
funcionário que não cumprir fielmente a presente circular, em todos
os seus itens, será aplicada a pena deciplinar, de acordo com a
gravidade da falta. (CIRCULAR N° 1, 1938).
3.2.1. As associações recreativas
Através das transformações administrativas e estatutárias sofridas pelas
associações recreativas teuto-brasileiras, observa-se que não é plausível considerar que
o Estado Novo, através da intervenção federal realizada no estado de Santa Catarina,
tinha como objetivo único a problemática do idioma; como por vezes foi ressaltado, seu
intuito era maior, pois pretendia por meio da desconstrução lingüística também o
desmantelamento cultural e o da identificação do teuto-brasileiro com a pátria de
origem. Esse desmantelamento se daria com a intervenção do exército nas associações
recreativas, bem como nas igrejas protestantes. Para dar sustento a essa afirmação
propõe-se analisar abaixo algumas descrições realizadas por Bruhns (1997) e Voigt
(1996) sobre as proibições impostas pelo governo, assim como a substituição das
lideranças de tais associações.
Bruhns (1997) apresenta em sua dissertação um grande número de associações
recreativas de caráter esportivo e cultural que, durante a década de 1930, na cidade de
Joinville, estavam em atividade, e que, mais tarde, com a instalação da Nacionalização,
162
em 1938, passaram a ser controladas por autoridades militares vinculadas aos interesses
do Estado Novo.
Um dos exemplos seria a Sociedade Harmonia Lyra que tinha como atividade
a dança e acabou sendo acompanhada de perto pelo Estado. A requisição de inúmeras
exigências legais fez com que ela tivesse o seu ritmo de apresentações diminuído.
A Harmonia Lyra, que passou a ser presidida pelo capitão Numa de
Oliveira transformou-se em palco de bailes em homenagem ao
presidente Getúlio Vargas, a datas comemorativas de heróis
brasileiros. Geralmente, as peças teatrais eram apresentadas por
Companhias de outras localidades, em português. Houve, portanto,
uma intervenção de fora para dentro, nesses espaços de sociabilidade
criados pelos imigrantes em Joinville. As regras que regiam a
organização desses espaços – mantidas através da escrita (estatutos
das sociedades) ou da oralidade (em sua maioria eram organizações
feitas por pessoas de origem alemã e como tal regidas nesse idioma)
– foram atingidas diretamente pelas novas normas governamentais,
baseadas na unificação da língua (a língua
portuguesa), incentivando
a idéia da formação da nacionalidade ( BRUHNS, 1997, p.100).
Há também o caso da Deutscher Turnverein zu Joinville (Sociedade Ginástica de
Joinville), criada para promover a prática da ginástica atlética em Joinville. Esta, em
1938, sofreu intervenção do governo para modificar sua denominação para Sociedade
Ginástica de Joinville e substituir o seu presidente, Otto Pfuetzenreueter, pelo Tenente
Lino da Costa Sobrinho. Já em 1942, em decorrência da Segunda Guerra Mundial, suas
atividades foram suspensas, permanecendo assim até 1947, quando retomou às
atividades.
Outro exemplo que Bruhns (1997) cita é o da Nur fuer Uns (Apenas para Nós),
uma companhia de teatro amador que foi fundada em 1895. Durante o ano de 1937 foi
considerada a companhia teatral de Joinville mais assídua em termos de apresentações,
levando ao público três espetáculos: Zwei Wappen (Dois Brasões), Einsam (Solitário) e
Die Logenbrueder (Os maçons), contudo suas atividades foram encerradas em 1938,
ano do início da perseguição aos nazistas.
163
Voigt (1996) em seu estudo sobre o município de Timbó comenta que “em
julho de 1935, após a criação do Município de Timbó, foi fundada a Sociedade
Esportiva e Recreativa Cedro, que era essencialmente um clube de caça e tiro. Apesar
da Nacionalização já estar bem atuante, ainda era possível iniciar uma associação deste
tipo” (VOIGT, 1996, p.120). Expõe, ainda, que esta sociedade conservou-se ligada ao
modelo associativo clássico, com seus rituais bem detalhados, no caso a hierarquia dos
membros, salvas com tiro em homenagens a lideranças comunitárias e discursos
proferidos pelo comandante dos atiradores. Contudo, no início da década de 1940
tiveram início os fechamentos de quaisquer manifestações associativas deste gênero, e,
em 1942, foi a vez da Sociedade Esportiva e Recreativa Cedro.
No Arquivo Histórico de Ibirama, por exemplo, foi possível consultar o estatuto
da Sociedade de Atiradores Rio dos Índios, datilografado em 1926 e modificado pelo
governo brasileiro em 1938. Dentre as modificações realizadas é possível constatar
trechos de parágrafos que desagradavam o governo e que foram rasurados e reescritos
novamente, além de exigir que a diretoria da Sociedade de Atiradores Rio dos Índios
fosse composta por brasileiros natos. (ver figura 3.5)
Ao observar os exemplos citados sobre o funcionamento de algumas associações
recreativas e quais as modificações sofridas durante a Nacionalização, faz-se a
constatação de que há um elemento comum – o idioma – a todos estes diversos grupos
culturais e esse é tido como o motivo da intervenção do Estado Novo. A língua alemã
nesta região de Santa Catarina era uma marca comum das práticas do cotidiano dos
indivíduos, não importava qual o papel social ou faixa etária destes. Contudo, pode-se
crer que a língua não era o único empecilho para o governo; havia outro também: a
capacidade de tais associações recreativas de garantir uma comunhão social
imaginária do grupo.
164
Dessa forma, não bastava
ao Estado Novo intervir nestes
espaços de sociabilidade apenas
por serem áreas onde a língua
alemã era praticada, era
necessário, também, eliminar o
espírito coletivo que geravam
entre os associados. Assim
interveio no funcionamento de
tais associações, que regido por calendários que marcavam datas religiosas e festivas da
sociedade, paralelamente ao calendário alemão, e impôs o calendário nacional.
Na década de 1930, era grande o número de sociedades joinvilenses
em plena atividade, apresentando seus corais, suas peças teatrais, seus
concertos sinfônicos e promovendo seus bailes públicos em
comemoração às mais variadas datas, inclusive datas festivas alemãs
(BRUHNS, 1997, p.99).
Tal afirmação pode ser reforçada, ainda, pelas modificações imediatas que eram
realizadas assim que o novo presidente da associação recreativa, indicado pelo
Interventor Federal, assumia o posto.
Esta questão não era outra senão a campanha de nacionalização, que
vem empolgando todos os setores do Paiz e muito especialmente a
região sulina, onde mais se faz sentir a influência no elemento
estrangeiro. Disse a necessidade, urgente e imperiosa, de se
amoldarem ás exigências das nossas leis. Os Estatutos da maioria das
sociedades aqui existentes, frisando que, não obstante já terem
algumas feito essa alteração, haviam ainda deixado pontos duvidosos,
que precisavam ser esclarecidos e daí se tornar precisa, quanto antes,
uma revisão acurada desses Estatutos.(...) Assim, urgia a adopção de
medidas para que todas as sociedades cuja reforma de estatutos se
impõe, tratassem de fazê-lo imediatamente, mas sob vistas de um
official do exército, que ficaria á testa de cada sociedade, conforme
resolvera o sr. general Meira de Vasconcelos (Jornal de Joinville,
28/05/38- n. 62- p.2 apud BRUHNS, 1997, p.99).
Figura 3.5 Trecho do Estatuto da Sociedade de
Atiradores Rio dos Índios
Fonte: Arquivo histórico de Ibirama.
165
Dentre as modificações que as associações recreativas deveriam realizar para
continuarem funcionando, estavam incluídas a tradução dos estatutos da língua alemã
para a língua portuguesa, a inclusão de associados brasileiros e a proibição dos
costumes, práticas e tradições germânicas, responsáveis por reproduzir o Deutschtum.
Para um governo como o Estado Novo, que estava preocupado em eliminar
qualquer forma de cultura alienígena que, segundo o próprio, pudesse comprometer a
integração nacional e o avanço da NSDAP em solo nacional, tornava-se necessário
eliminar qualquer projeção espaço-temporal que não acompanhasse o modelo nacional.
Assim, associações culturais e esportivas como as acima mencionadas eram
responsáveis, através de suas apresentações, por atualizar constantemente o calendário
particular do grupo teuto-brasileiro com a cultura alemã.
Constatou-se através de tais evidências recolhidas em trabalho de campo que o
tempo social reproduzido através do calendário alemão – Kalender - de tais grupos
tornava-se um empecilho quanto ao uso do idioma para o Estado Novo, pois este
calendário era a afirmação da particularidade, uma vez que, através da valorização de
seus símbolos, ritos de origens desempenhavam a atualização de sua identidade e sem
dúvida proporcionavam uma identidade local e particular que estava mais próxima da
identidade nacional alemã do que da identidade nacional brasileira, e que acabava
influenciando a própria formação cultural da juventude teuto-brasileira.
Eliminar, portanto, esse Kalender e inserir o calendário nacional, com datas
como: o 7 de setembro, o 21 de abril e o dia do presidente e, ainda, tornar obrigatório
nestas datas desfiles militares e escolares acompanhados da bandeira nacional seria
marcar a presença da cultura nacional sobre a alemã e a comprovação de que as
manifestações públicas teuto-brasileiras que pudessem ter vínculos com a NSDAP
fossem eliminadas.
166
É importante ressaltar que peças de teatro, por exemplo, ganharam um papel de
destaque para o Estado Novo, pois, sendo encenadas em língua portuguesa, essas peças
educavam no idioma oficial tanto aqueles que as assistiam quanto os que as encenavam,
além de suscitar questões nacionais, como a composição racial do país e fatos históricos
marcantes na história do Brasil. Essas práticas ajudavam, ainda, a integrar os teuto-
brasileiros à realidade sócio-política nacional.
Apesar das dificuldades que tal grupo sentia por ter que readaptar suas
referências culturais às novas imposições recebidas, essas não foram extintas
completamente. Diferentemente do que considera a autora Petry (1982), que, ao se
referir às mudanças ocorridas durante a Nacionalização, demonstra que,
[...] com os clubes tradicionais fechados, impedidos de falar a língua
que sabiam, proibidas as aglomerações e reuniões públicas, toda a
vida social e recreativa se extinguiu. A maioria da população,
temendo represálias, não saia de casa a não ser em casos de
necessidade, receando expor-se à prisão e outros embaraços com as
autoridades brasileiras. Nas sociedades e nas ruas havia silêncio e
insegurança. Em casa o medo; no comércio, pouco movimento; nas
indústrias, a fiscalização (PETRY, 1982, p.85).
A repressão sofrida pelo grupo teuto-brasileiro fez com que suas manifestações
culturais sofressem uma sensível diminuição, pois necessitavam da autorização de
autoridades públicas para poder continuar a existir. Todavia, esse cerceamento imposto
pelo governo a tal grupo não significou que os indivíduos que o compunham tinham
sido despojados de seu universo simbólico cultural, que os caracterizava como teuto-
brasileiros; sua constituição cultural manteve-se, embora latente no espaço público, e
era constantemente atualizada no espaço privado.
A organização social desse grupo, portanto, esteve passível de sofrer
modificações no curso da história, devido aos empréstimos e às reacomodações
culturais, entretanto permaneceu com sua identidade estabelecida. A ruptura com a
língua e com as associações recreativas, produtoras da comunidade imaginária do
167
grupo, auxiliavam enquanto sinais diacríticos dos teuto-brasileiros, porém não podem
ser vistas como o próprio grupo, pois mesmo após inúmeras sanções sofridas tais
indivíduos permaneceram como teuto-brasileiros.
Durante os oito anos em que ocorreu a perseguição aos nazistas no Brasil, para
alguns autores como Petry (1982) houve um vazio, os teuto-brasileiros ficavam
recolhidos em casa e a vida social foi silenciada. No entanto, as entrevistas realizadas
em trabalho de campo demonstram que as manifestações culturais e artísticas de tal
grupo durante o período discutido continuaram a existir e não foram extintas ou
silenciadas. Um exemplo desse fato foi a permanência da Noite Cultural relatada pelo
teuto-brasileiro Carl Ernst Hoppe, porém, essas manifestações sofreram sensíveis
mudanças, mas não foram extintas, pois durante esta fase tais grupos continuaram a
existir, salvo aqueles que não aceitaram as mudanças impostas. Contudo, além de terem
que se adequar à língua portuguesa tiveram que se inserir numa dinâmica temporal e
espacial nova. Tais percepções seguiriam as regras do Estado Novo, as datas (tempo)
comemoradas seriam as da nação e os momentos históricos também.
3.2.2. A imprensa teuto-brasileira.
Deve-se também atentar para a crise que foi instaurada, durante a instauração do
decreto-lei n°.383, nos meios de comunicação, sobretudo no jornal e no rádio que
circulavam entre os teuto-brasileiros. Jornais como o Kolonie- Zeitung – Jornal da
Colônia –, ao lado do Blumenauer Zeitung – Jornal de Blumenau – e do Urwaldsbote
Mensageiro da Floresta –, todos redigidos em língua alemã, eram importantes órgãos de
divulgação do pensamento teuto-brasileiro e de notícias sobre a NSDAP.
Coelho (1993) aponta:
168
Alguns jornais editados em língua alemã em Santa Catarina, como o
Blumenauer Zeitung se aproximariam dos ideais nazistas. Em
Joinville destaca-se o “Jornal de Joinville” editado em português.
Outros, porém, entre eles o Kolonie Zeitung, adotariam uma linha de
reafirmação da identidade étnica teuto-brasileira, embora não
totalmente desvinculados dos princípios ideológicos do nacional-
socialismo. A base de tal reafirmação girou em torno das idéias sobre
pátria do teuto-brasileiro, do seu relacionamento com o Estado e da
valorização de sua índole ao trabalho interpretada como superior e
determinante no progresso do Brasil (COELHO, 1993, p.88).
Diante de tais circunstâncias o Estado Novo não poupou esforços para intervir
na editoração de tais jornais, tomando como primeira medida a proibição da publicação
de tais periódicos em língua alemã. Em seguida, notar-se-á que estes jornais deveriam
vetar notícias e textos que remetessem à Alemanha e às ações políticas da NSDAP, ou
seja, deveriam publicar notícias que estivessem vinculadas à propaganda do governo
Vargas, ou mesmo emitindo informações sobre acontecimentos ocorridos no país. De
maneira semelhante ao que aconteceu nas associações recreativas, o Estado Novo
novamente se deparou com o problema do idioma alemão e do calendário local.
Conforme sugere Anderson (1989):
O leitor de jornal, vendo réplicas exatas de seu jornal sendo
consumidas pelo seu vizinho, sente-se permanentemente tranqüilo a
respeito de que o mundo imaginado está presente na vida cotidiana
[...] criando aquela notável segurança de comunidade anônima que é
a marca de garantia das nações modernas (ANDERSON, 1989, p.44).
Os jornais publicados em língua alemã em período anterior ao decreto n°. 383
para a população teuto-brasileira possibilitavam uma idéia de simultaneidade firme e
sólida através do tempo com o cotidiano do país de origem. Esses jornais faziam com
que a população estivesse constantemente atualizada com fatos que ocorriam em sua
sociedade e na Alemanha. Tal fato, associado ao isolamento geográfico em que eles se
encontravam no Brasil, fez com que as notícias de âmbito nacional se tornassem
secundárias, dando prioridade ao cultivo de seus valores próprios. Observa-se que
169
A situação da identidade étnica teuto-brasileira na década de 30 fica
bem caracterizada através da análise de Seyferth sobre os chamados
“dez mandamentos do teuto-brasileiro”. Publicado em 1937 por vários
jornais (inclusive pelo Kolonie-Zeitung em 19/08/1937), esses
mandamentos exprimiriam os principais componentes da identidade do
grupo étnico teuto-brasileiro: a ênfase na utilização da língua alemã, a
necessidade do teuto-brasileiro em educar seus filhos numa escola
alemã e a importância de sua atuação política como cidadão brasileiro
sem prejuízo da sua particularidade alemã: 1. Mostra e confessa, como
brasileiro, que tu és um descendente de alemães, mesmo quando no
momento não pareça vantajoso. 2. Fala e escreve em alemão nas
relações com alemães, sejam eles alemães natos ou descendentes de
alemães como tu. 3. Leia também jornais e livros alemães; se a ordem
natural é dominar a língua oficial portuguesa, não deve ser descuidado o
uso da tua magnífica língua materna alemã. 4. Promove também a
utilização da língua alemã na tua família e dá para teus filhos ensino
alemão: eles te agradecerão por isso. 5. Não modifiques em nenhum
ponto o teu nome de família alemão, para que tenhas de imediato o
direito de domicílio no Brasil, como fazem com os nomes de família os
portugueses, espanhóis, italianos, eslavos e sírios. Teu nome alemão é
tua bandeira pessoal. 6. Seja, de preferência, apenas membro de um
partido nacional brasileiro, que conceda a ti, como descendente de
alemães, direitos iguais, tais como os outros membros, e que não
sufoque a tua particularidade. Quando tu, com todos os teus
compatriotas de origem, se filiarem como membros ativos desse
partido, terás guardada tua particularidade para o bem da tua pátria
brasileira. 7. Consagra um dia do ano para teu Volkstum, no qual tu,
com toda a tua família, festejarão o dia do teuto-brasileiro, o dia do
colono, e dele toma parte. 8. Não inveja o êxito dos teus compatriotas
de origem alemã, dá antes o melhor de ti ajudando-os. 9. Ordena tua
ânsia pessoal de desenvolvimento, pondo acima disso os grandes
objetivos da vida cultural dos teuto-brasileiros. 10. Atua na tua
sociedade com a finalidade de elevar os interesses do nacionalismo
teuto-brasileiro junto às associações estatais maiores (SEYFERTH apud
COELHO, 1993, p. 91).
Conforme se lê acima, observa-se que esses dez mandamentos do teuto-brasileiro
procuravam revigorar a conduta étnica que os membros de origem alemã deveriam
adotar, e também realizam um discurso enfatizando que o teuto-brasileiro deveria
valorizar a sua origem, preservando a sua língua através da oralidade, da escrita e da
leitura. Assim se reforçaria a coesão do seu grupo e de suas particularidades culturais.
Quanto às estações de dios da região onde viviam os teuto-brasileiros, a
prática não foi diferente, pois essas noticiavam informações sobre a Alemanha e tinham
sua programação cultural vinculada às tradições alemãs locais. Contudo, assim como os
jornais, estas estações de rádio também foram suspensas. Em substituição a essas foram
170
inseridos canais que transmitiam notícias nacionais e governamentais, e todas as
notícias tinham que ser transmitidas na língua portuguesa.
Manoel Coelho, inspetor da nacionalização em Joinville, relata a Monteiro
(1979) que os pedidos de licença realizados pela imprensa e pelo rádio geralmente não
eram concedidos, já que as atividades propostas em forma de programa feriam
diretamente os princípios da Nacionalização, seja porque fossem escritos em alemão,
seja porque neles constavam músicas folclóricas e marchas militares germânicas, o que
representava manifestações de valorização da nacionalidade alemã e exortação ao
nazismo.
Desta forma, a proibição de estações de rádio alemãs promoveu uma fratura na
cultura e na identidade dos teuto-brasileiros com sua nação de origem, ou seja, sofreram
uma violência simbólica (BOURDIEU, 1989). Cabe salientar, ainda, que talvez a
proibição de rádios tenha sido mais violenta que a dos jornais, já que neste último caso
os leitores, com as modificações e fechamentos sofridos pelas Editoras, ficavam apenas
privados do consumo de tais periódicos. Já a proibição dos rádios fez com que, em
muitos casos, a polícia ou os inspetores da nacionalização invadissem residências para
realizar a apreensão dos aparelhos.
Em entrevista realizada com as teuto-brasileiras Eleonora Kaestner
(KAESTNER, 2005) e Martha Joenk (JOENK, 2005) pôde-se constatar tais ações
coercitivas, uma vez que as entrevistadas relataram que era muito comum os inspetores,
após rondarem próximos às janelas das casas e constatarem o acompanhamento de
programas radiofônicos germânicos pelos moradores, invadirem a residência e retirarem
à força o aparelho. Sendo assim, nota-se como o discurso do governo Vargas de
assimilação das regiões mais afastadas, como as colônias alemãs rurais em Santa
Catarina, era um processo de diluição das particularidades no interior da sociedade
171
nacional, e a base de sustentação desse processo conjugava uma ação militar, policial e
medidas coercitivas.
3.2.3. A consciência coletiva e a vigilância punitiva dos inspetores de bairro.
Outro ponto que ganha destaque na análise a respeito do combate ao nazismo,
por parte do Estado Novo, foi o papel desempenhado pelos inspetores da
nacionalização. Estes homens realizavam rondas nos bairros de pequenas cidades
isoladas habitadas por imigrantes teuto-brasileiros, percorriam ruas e demais espaços
públicos, onde pudessem ser encontrados grupos de pessoas reunidas que estivessem se
comunicando no vernáculo de origem.
Aos poucos estas inspeções começaram a ser descobertas pelos próprios teuto-
brasileiros, na medida em que as prisões iam ocorrendo. Em geral, as pessoas detidas
pelos inspetores eram encaminhadas para prisões onde pernoitavam e no dia seguinte
eram liberadas. Contudo, em alguns casos a punição era mais severa. Conforme relatou
a teuto-brasileira Eleonora Kaestner (2005), seu irmão foi preso por ter sido flagrado
conversando em língua alemã, estando a noite avançada, na casa dos tios. Na prisão,
segundo a entrevistada, seu irmão teve que pernoitar e como punição pela infração foi
obrigado a ingerir óleo automobilístico
95
.
A ingestão do óleo e a prisão, portanto, foram adotadas como formas punitivas
para aqueles que insistissem no uso da língua estrangeira e na manutenção de costumes
e hábitos que remetessem à cultura alemã. Conforme sugere em entrevista o historiador
local, Harry Wiese (WIESE, 2005), receber estas punições acarretava marcas
irreversíveis sobre o punido, pois esse sofria não apenas a violência física, mas também
95
Por sugestão do orientador do bolsista, as menções sobre a punição com óleo diesel em tais entrevistas
podem ser interpretadas como sendo o óleo de rícino, produto bastante usado pelos fascistas para torturar
adversários.
172
simbólica do ato de ser preso. Muitas vezes esta pessoa passava a ser estigmatizada
pelos demais (GOFFMANN, 1974).
Tomando como base o estudo de Bendix (1996), percebe-se que o governo
nacional, através destas medidas coercitivas negava aos teuto-brasileiros os direitos
civis, já que as detenções realizadas pelos inspetores da Nacionalização eram feitas sem
tribunais
96
, o que excluía a possibilidade de se realizar um julgamento justo.
A medida adotada pela população teuto-brasileira foi, então, tentar
desenvolver novas práticas cotidianas da vida social, para poderem superar esse clima
de terror que fora instaurado em meio a eles. Assim, algo rotineiro - como realizar
compras no comércio, por exemplo - precisou ser revisto, pois conforme depoimento
dado pela teuto-brasileira Ruth Gutz (GUTZ, 2004), a mãe da entrevistada pedia a ela
e/ou aos irmãos que buscassem as mercadorias no comércio, já que não sabia falar
português e tinha receio de sofrer retaliações. O mesmo fato foi constatado na entrevista
realizada com Marta Joenk (JOENK, 2005):
Gustavo Tentoni Dias E como sua mãe fazia para realizar compras no comércio, já que ela não
dominava a língua portuguesa?
Marta Joenk Ela escrevia em alemão os produtos que queria num bilhetinho e, então, ia até a
venda e entregava ao vendedor. Este, como sabia alemão e era amigo da gente, lia o bilhete e
colocava na cesta os produtos anotados. Daí minha mãe voltava para casa. Era tudo realizado
com silêncio.
Conforme relata ainda a senhora Ruth Gutz, havia grande dificuldade entre os
adultos para aprenderem o idioma português, fosse por serem raras as escolas públicas
destinadas à alfabetização de adultos, fosse porque em cidades como Presidente Getúlio,
onde a economia predominante era a agricultura e a pecuária familiar, muitos adultos
96
“[...] para a salvaguarda dos direitos civis e, especificamente, para a proteção de todos os direitos
extensivos aos membros menos articulados da comunidade nacional” (BENDIX, 1996, p. 111).
173
destinavam grande parte do seu dia ao trabalho, o que resultava no isolamento e na falta
de tempo para o aprendizado do vernáculo português.
Portanto, a fim de intensificar a inspeção, alguns inspetores passaram a
contratar serviços de membros teuto-brasileiros do próprio grupo vigiado para poderem
delatar infratores, conforme evidencia Harry Wiese em entrevista. Havia inspetores à
paisana que a qualquer momento poderiam flagrar algum morador utilizando o idioma
alemão; eles tinham a permissão de invadir sua casa e levá-lo para a delegacia, o que
causava um clima de insegurança e tensão entre a população teuto-brasileira.
O inspetor, sendo um delator invisível, instaurou no cotidiano desta população a
lógica do vigiar e punir (FOUCAULT, 1990, p 78.), uma vez que, como essa
população não sabia mais por quem e onde estava sendo vigiada para não falar o
vernáculo materno, ela própria passou a se policiar constantemente. O temor de ser pego
ou mesmo entregue às autoridades fez com que os teuto-brasileiros internalizassem o
controle do Estado, pois já não sabiam se alguém à volta podia ser um delator. Dessa
forma, policiar a si mesmo para não ser pego tornou-se uma constante em meio a tal
grupo étnico, e assim nota-se que esses grupos realizavam um controle rotineiro sobre a
sua fala, o que os violentava, pois a auto-vigilância era também uma forma de auto-
punição.
3.2.4. Os problemas causados pela declaração de guerra do Brasil à Alemanha, em
1942.
A partir de 1942, com a entrada do Brasil na II Guerra Mundial ao lado dos
Aliados, a política de Nacionalização ganhou uma nova dimensão. Empenhado em
eliminar qualquer vestígio de cultura alemã que pudesse colocar em desconfiança o
posicionamento político do país, o Estado Novo passou a intervir com maior severidade
sobre as áreas teuto-brasileiras. Para isso não descartou o uso da coerção física e da
174
intimidação sobre os teuto-brasileiros, características estas comuns do Estado moderno.
Como sugere Weber:
O Estado moderno é um agrupamento de dominação que apresenta
caráter institucional e que procurou (com êxito) monopolizar, nos
limites de um território, a violência física legitima como instrumento
de domínio e que, tendo esse objetivo, reuniu nas mãos dos dirigentes
os meios materiais de gestão. Equivale isso a dizer que o Estado
moderno expropriou todos os funcionários que, segundo o principio
dos “Estados” dispunham outrora, por direito próprio, de meios de
gestão, substituindo-se a tais funcionários, inclusive no topo da
hierarquia. (WEBER, 1998, p.62).
Dentre as medidas adotadas pelo governo, em 1942, destacam-se as seguintes: A
cobrança monetária aos súditos alemães
97
, a fim de reparar o estrago econômico
causado pelo naufrágio do navio “Taubaté”; e a obrigação de declaração de bens por
parte dos mesmos súditos alemães, a fim de demonstrarem as origens de seus pertences,
bem como o valor econômico dos mesmos.
Em virtude do ataque alemão ao navio brasileiro “Taubaté”, no Mar
Mediterrâneo, em 1941, o Estado Novo criou em 11 de março de 1942 o Decreto-lei n°.
4.166, que “dispõe sobre as indenizações devidas por atos de agressão contra bens do
Estado brasileiro e contra a vida e bens de brasileiros ou de estrangeiros residentes no
Brasil” (DECRETO-LEI N° 4.166, 1942, p.01). O Estado Novo considerou que além do
desrespeito alemão em relação à postura neutra adotada pelo Brasil no conflito, o ataque
a uma “unidade desarmada da marinha mercante brasileira, viajando com fins de
comércio pacífico” (DECRETO-LEI N° 4.166, 1942, p.01), causou danos econômicos à
nação brasileira. Apesar do governo brasileiro ter demonstrado ao longo dos anos
hospitalidade aos súditos alemães residentes no Brasil, ele se via no direito de cobrar
indenizações econômicas destas populações para reparar os danos ocorridos um ano
atrás, enquanto o governo alemão não o ressarcisse . É importante salientar que além
97
Denominação criada pelo Estado Novo para demarcar os teuto-brasileiros, que segundo o próprio
governo, eram simpatizantes do nazismo.
175
dos súditos alemães, os ditos súditos japoneses e italianos deveriam, também, participar
desta indenização, haja vista que Japão e Itália eram aliados militares da Alemanha. Por
isso, seriam potências consideradas “necessariamente solidárias na agressão”.
Dessa forma, o governo decretava:
Art. 1° Os bens e direitos dos súditos alemães, japoneses e italianos,
pessoas físicas ou jurídicas, respondem pelo prejuízo que, para os
bens e direitos do Estado Brasileiro, e para a vida, os bens e os
direitos das pessoas físicas ou jurídicas brasileiras, domiciliadas ou
residentes no Brasil, resultaram, ou resultarem, de ato de agressão
praticados pela Alemanha, pelo Japão ou pela Itália. Art. 2° Será
transferida para o Banco do Brasil, ou, onde este não tiver agencia,
para as repartições encarregadas da arrecadação de impostos devidos
à União, uma parte de todos os depósitos bancários, ou obrigações de
natureza patrimonial superiores a dois contos de réis, de que, sejam
titulares súditos alemães, japoneses e italianos, pessoas físicas ou
jurídicas. A parte dos depósitos ou obrigações, à qual se refere este
artigo será: 10% dos depósitos e obrigações até 20:000$0; 20% dos
depósitos e obrigações até 100:000$0; 30% dos depósitos e
obrigações cuja importância exceda de....1000:000$0. Art. 3° O
produto dos bens em depósito servirá de garantia ao pagamento de
indenizações devidas pelos atos de agressão a que se refere o art. 1°,
caso o governo responsável não as satisfaça cabalmente. Art. 4° Os
súditos alemães, japoneses e italianos, e quem possuir bens a eles
pertencentes comunicarão, dentro de quinze dias após a publicação
desta lei, às repartições incumbidas do recolhimento, a natureza, a
qualidade, e o valor provável daqueles bens. [...] Art. 10° Os súditos
alemães, japoneses e italianos não poderão recusar doações, heranças
ou legados não onerosos. Art.11° Passam à administração do
Governo Federal os bens das pessoas jurídicas de direito público que
praticarem atos de agressão a que se refere o art.1° desta lei, bem
como dos seus súditos, pessoas físicas ou jurídicas, domiciliadas no
estrangeiro e que não estejam na posse de brasileiros.(DECRETO-
LEI N° 4.166, 1942, p.01).
A partir deste decreto-lei tanto as populações teuto-brasileiras como as
sociedades alemãs que promoviam o desenvolvimento cultural e econômico das áreas
ocupadas por este grupo étnico se viram na obrigação de prestar contas e realizar
depósitos bancários para o governo brasileiro. Este foi o caso da Sociedade
Colonizadora Hanseática LTDA que, no dia 8 de outubro de 1942, teve de realizar o
depósito bancário no valor de 251:854$100, na filial Hamônia do Banco Agrícola e
Comercial de Blumenau, para o governo brasileiro e, ainda, declarar seus pertences.
176
Sete meses após o início da cobrança dos reparos dos danos causados pelo
governo alemão, o Estado Novo emitiu um novo decreto-lei, o Decreto-Lei n°. 4.806,
com a incumbência de suspender os artigos do Decreto-Lei n° 4.166 referentes a estas
cobranças. Essa medida foi em virtude do próprio governo brasileiro considerar que o
recolhimento do dinheiro já havia restituído o prejuízo tido com o naufrágio. Dessa
forma, a Comissão de Defesa Econômica decretou:
Art. 1° A partir da data da publicação deste decreto-lei cessa a
obrigação de recolhimento ao Banco do Brasil ou a repartição
arrecadadora da União, de que trata o art. 2° do decreto-lei n° 4.166,
de 11 de março de 1942, para as pessoas físicas alemãs, japonesas ou
italianas, domiciliadas no Brasil. Art. 2° O disposto no artigo anterior
aplica-se também aos agricultores, industriais ou comerciantes,
firmas individuais ou coletivas das mesmas nacionalidades que, nos
termos do parágrafo único do art. 9° do referido decreto-lei estavam
obrigados a recolhimento baseados nos lucros líquidos verificados em
balanços trimestrais. (DECRETO-LEI N° 4.806, 1942).
Entretanto o artigo 4° permaneceu ativo, o governo brasileiro continuou
exigindo dos súditos alemães, japoneses e italianos a declaração de seus bens
econômicos, assim como a procedência de seus lucros:
Art. 3° Continuam sujeitos às disposições do decreto-lei n° 4.166, de
11 de março de 1942, os súditos alemães, japoneses e italianos,
pessoas físicas ou jurídicas, domiciliados no estrangeiro e as pessoas
jurídicas das mesmas nacionalidades que funcionem no Brasil, mas
tenham sede no estrangeiro. (DECRETO-LEI N° 4.806, 1942).
As perseguições aos teuto-brasileiros que levantassem suspeitas também
prosseguiram nesta época. Qualquer marca corporal que pudesse comprometer o
indivíduo com a cultura alemã, sinônimo de nazismo, era motivo suficiente para detê-lo,
como evidencia este trecho a seguir, retirado da entrevista com a teuto-brasileira Ruth
Gutz:
Ruth Gutz Na época era moda os homens cortarem o bigode rente ao nariz como o bigode de
Hitler, não que quisessem copiá-lo, mas era moda e por isso ele também usava. Mas os
brasileiros rapidamente associaram esses bigodes com a idéia de que nós éramos simpatizantes
177
de Hitler. Fomos bastante descriminados, muitos, inclusive meu pai, por precaução rasparam o
bigode. (GUTZ, 2004, 2° cassete sonoro, lado B).
É notório mencionar que, dentre as ações adotadas pelo governo brasileiro para
ocultar a sua postura repressiva adotada em relação aos teuto-brasileiros, destaca-se o
uso do significado das palavras “imigrantes” e “colonos” empregadas nos discursos
presidenciais, impressos e decretos-leis destinados aos distintos públicos que
interessavam ao governo atingir.
Pode-se observar essa prática ao comparar as denominações presentes nos
discursos proferidos por Getúlio Vargas e nas encontradas nos decretos-leis e
legislações nacionais. No primeiro caso têm-se:
O Brasil é brasileiro. Agora, esta população, de origem colonial, que
há tantos anos exerce a sua atividade no seio da nossa terra,
constituída de filhos e netos de primitivos povoadores, é brasileira.
Aqui, todos são brasileiros, porque nasceram no Brasil, porque no
Brasil receberam educação. (VARGAS apud COELHO, 1993, p.74).
Nesse discurso de Vargas percebe-se a presença dos termos “colonos” e
“povoadores”. A associação destes termos às populações teuto-brasileiras, significa que
este povo migrou para fixar-se permanentemente no território brasileiro. Dessa maneira,
Vargas releva a importância da cultura e do labor alemão na constituição nacional.
Conseqüentemente seus descendentes, aqui nascidos, devem ser acolhidos e vistos
como brasileiros legítimos.
Contudo, se atentar para um trecho selecionado da Legislação sobre estrangeiros,
percebe-se uma situação adversa:
Entretanto, pode dizer-se que até 1930 o problema imigratório no
Brasil foi tratado com erro fundamental: confiou-se demasiado na
capacidade de absorção da etnia brasileira e não se cogitou de evitar a
formação de núcleos coloniais com predominâncias raciais
estrangeiras muito acentuadas. Em conseqüência da formação dessas
“colônias” mais ou menos homogêneas, os paises emigratórios de
política imperialista começaram a exportar, com os seus nacionais, as
doutrinas que estes deveriam transmitir aos filhos e netos, para
178
impedir a sua assimilação ao novo meio e, assim, facilitar futuras
campanhas de anexação territorial. Ao governo instituído pela
Revolução de 30 não passou despercebido esse perigo que, muito
mais cedo do que se esperava, veio a exigir do poder público medidas
enérgicas, não só no domínio da organização e da educação, mas até
no terreno da repressão policial (HILTON, 1977, p. 108).
Nota-se com isso que, nas políticas de assimilação étnica, o termo “colono” não se
faz presente. No discurso sobre a necessidade de agrupar os teuto-brasileiros, sob
ameaça de uma possível desintegração política e, consequentemente, a presença do
espectro nazista, ocorre o surgimento do termo “imigrante”. Desvinculado
completamente da história e do solo brasileiro, estão presente aqui na condição de
estrangeiro. Valendo-se das palavras de Bourdieu
98
:
Como Sócrates, o imigrante é atopos, sem lugar, deslocado,
inclassificável. Aproximação essa que não está aqui para enobrecer,
pela virtude da referência. Nem cidadão nem estrangeiro, nem
totalmente do lado do Mesmo, nem totalmente do lado do Outro, o
“imigrante” situa-se nesse lugar “bastardo” de que Platão também
fala, a fronteira entre o ser e o não-ser social. Deslocado, no sentido
de incongruente e de importuno, ele suscita o embaraço; e a
dificuldade que se experimente em pensá-lo – até na ciência, que
muitas vezes adota, sem sabê-lo, os pressupostos ou as omissões da
visão oficial – apenas reproduz o embaraço que sua inexistência
incomoda cria. (BOURDIEU, 1998, p.11).
Nesse contexto, o governo na tentativa de integrar culturalmente os teuto-
brasileiros, acabava construindo uma eficaz propaganda sobre a necessidade de
nacionalizá-los. Por um lado, em relação a implantação dos decretos que davam aval à
Nacionalização, o governo brasileiro criava um sentimento de “estranhamento” sobre os
teuto-brasileiros, gerando uma diferenciação de “Nós/ Eles”, ou seja, um corpo
estranho. Dessa forma, ele ganhava o apoio político da população brasileira para
legitimar a intervenção coerciva, com fundo moralista, sobre tal grupo étnico. Por outro
lado, procurava através dos discursos presidenciais e da opinião pública criar um
sentimento de ancestralidade e afinidade com o território nacional, adverso ao projetado
98
Presente no prefácio do livro A Imigração, de Abdelmalek Sayad.
179
pelos os teuto-brasileiros. Objetivando causar um sentimento de pertença, ou melhor, de
“Nós”, sobre eles
99
.
A partir de 1942, as apreensões feitas pelos inspetores da nacionalização sobre
os pertences dos teuto-brasileiros também ganharam maiores proporções. Cientes de
que eram tidos como autoridades indubitáveis nas áreas em que fiscalizavam, alguns
destes inspetores autuavam qualquer objeto que lhe despertasse o interesse. Desta
maneira, bicicletas, motocicletas e até automóveis foram confiscados. Acuados e sem
seus direitos civis assegurados, muitos teuto-brasileiros optaram pelo silêncio e pela
discrição. É o que demonstra a entrevista realizada com o teuto-brasileiro Carl Ernst
Hoppe:
Gustavo Tentoni Dias O que mais o senhor se lembra sobre os inspetores?
Carl Ernst Hoppe Bom, na época da guerra, eles tiraram muitas coisas da gente, pois sabiam
que nós não podíamos fazer nada. Então pegavam nossas motos e até alguns carros. Ficavam
andando com eles o dia inteiro, depois que estivesse velho e quebrado deixavam as motos e os
carros abandonados na cidade.(HOPPE, 2005, 2° cassete sonoro, lado A).
Contudo, é importante destacar que as perseguições realizadas aos teuto-
brasileiros suspeitos de serem simpatizantes do nazismo foram uma ação datada, pois
ela se concentrou no período de 1938 a 1945, época em que o Brasil rechaçou as células
políticas da NSDAP e depois rompeu as relações diplomáticas com a Alemanha. Após
1945, os documentos pesquisados, assim como a bibliografia estudada revelam que as
retaliações aos teuto-brasileiros durante o período da Nacionalização foram finalizadas.
E, assim, eles puderam lentamente voltar ao curso de suas vidas e à preservação de sua
cultura. Destarte,
99
Essa construção tinha como objetivo final prover a nação de uma existência, ou seja, ter uma
consciência de si, como grupo, que o separa de todos os outros. E, ainda, passar a imagem de um povo
coeso e moderno ao Mundo. Já que “[...] a nação é o grupo mais amplo ao qual as pessoas crêem estar
ligadas por uma filiação ancestral [...] a convicção que têm seus membros de formar um mesmo povo,
tendo uma origem comum e um “mesmo sangue” -, segundo a qual ele pode avaliar ‘nação autênticas’”.
(CONNOR, 1993, p. 375).
180
[...], é importante destacar que perseguição aos alemães foi uma
perseguição datada e que se concentrou no período de 1942 a 1945, a
partir do momento em que o Brasil rompeu relações diplomáticas
com o Eixo. Antes de 1942, os nazistas “agiam” em território
brasileiro livremente. Após 1945, encontramos documentos que
demonstram que os nazistas presos durante o “estado de guerra”
foram libertados no pós-guerra e, continuaram sua vida normal em
território brasileiro, sem qualquer tipo de repressão. A presença
destes alemães suspeitos de nazismo no Brasil no pós-guerra é
demonstrada pelos inúmeros requerimentos de atestado de
antecedentes e devolução de máquinas fotográficas neste período.
Nesse sentido, podemos afirmar que houve de fato uma repressão aos
nazistas no Brasil, mas esta repressão teve momento certo para
acontecer (1942-1945). Com o término da guerra, de acordo com o
levantamento documental, esta repressão praticamente cessa.
(DIETRICH, 2006, p.08)
Todavia, pelo menos nos maiores centros urbanos teuto-brasileiros, o isolamento
cultural ao qual eles haviam aprendido a conviver fora superado. As obrigações
impostas pelo Estado Novo por meio de decretos-leis para que a cultura nacional se
fizesse presente em meio aos teuto-brasileiros apresentaram resultados visíveis.
O exemplo mais evidente pode ser visto no uso dos idiomas alemão e português.
Percebe-se que ambos acabaram coexistindo mesmo que de uma maneira velada, pois
cada um delimitou um espaço de atuação, e até mesmo em alguns momentos se
mesclavam nestes espaços. Com isso, pode-se concluir que a língua portuguesa foi
aquela que deveria ser usada no espaço público, na escola, no mercado, no correio, no
banco ou em repartições públicas. Já a língua alemã, por sua vez, apesar das
dificuldades, conseguiu se manter no espaço privado, mesmo que o seu uso exigisse
falar-se baixo, para não ser ouvido por algum eventual espião
100
. Nota-se que esta,
portanto, prevaleceu no espaço da casa, pois, como sugere a teuto-brasileira Ruth Gutz
(2004), não era possível para ela e os irmãos, que dominavam a língua portuguesa,
comunicarem-se através dessa em casa, pois seus pais só falavam alemão.
100
Mesmo após o término da Guerra e a aproximação política firmada novamente entre o Brasil e a
Alemanha, muitos teuto-brasileiros continuaram a acreditar na presença destes agentes do governo
brasileiro
181
Assim sendo, a cultura teuto-brasileira – que havia sido construída
historicamente ao longo de pouco mais de um século
101
– foi obrigada a delimitar locais
de atuação com a cultura nacional – idealizada e projetada pelo Estado Novo. Cientes
dos fatores positivos que este encontro cultural poderia acarretar em meio ao seu espaço
social – como por exemplo, a ampliação de seus direitos político e o fortalecimento de
sua produção econômica –, muitos teuto-brasileiros optaram por incorporar os novos
signos culturais.
Todavia, esta aceitação não significou o abandono ou a substituição de suas
tradições culturais. Pelo contrário, através de um lento processo de acomodação
movente e permeável, ambas as culturas – local e nacional – puderam delimitar
claramente seus espaços e campos de atuação, na sociedade teuto-brasileira. Foi a
possibilidade encontrada por este grupo étnico de preservar o seu “Eu”, caracterizado
pelo Deutschbrasilianertum, e adquirir o “Nós”, essencialmente brasileiro.
101
PORTO, 1996.
182
Seção 4
Conclusão
Após apresentar, ao longo deste estudo, o processo de formação política e
cultural da Segunda Campanha de Nacionalização do ensino e a forma como ela foi
empregada pelo governo brasileiro e recebida pelos teuto-brasileiros, faz-se mister tecer
neste momento as conclusões finais deste estudo.
Pode-se dizer que na 1° Seção, foi possível constatar como se formou a cultura
teuto-brasileira no território nacional, em particular no estado de Santa Catarina. Uma
cultura que contém características e fronteiras étnicas bem definidas com as duas
culturas que a gerou: a alemã e a brasileira. Conforme esta seção demonstrou, o
nascimento desta cultura local perpassou por momentos da história brasileira em que era
aceitável aos distintos grupos étnicos, presentes em solo nacional, resguardarem e
cultivarem suas particularidades étnicas. Como foi o caso ocorrido durante a fase da
República Velha, na qual o modelo federativo adotado por este regime político, que
primava pela descentralização política do governo federal em prol da preservação dos
estados federativos, possibilitou aos teuto-brasileiros constituírem uma cultura local
forte e coesa, capaz de superar as adversidades geográficas e sociais às quais estavam
sujeitos.
Com isto, seu sistema religioso, suas práticas econômicas, sua rede escolar e,
principalmente, seu idioma puderam adotar um percurso divergente da dita cultura
oficial do restante do país. Todavia, é importante ressaltar que estes pontos referem-se a
preservação de seu jus sanguinis, pois havia, ainda, o jus solis. Enquanto cidadãos
183
brasileiros, os teuto-brasileiros exigiram a sua integração política com o restante do
país. Entretanto, os limites institucionais do Estado fez com que ele não se dispusesse a
atender aos pedidos realizados pela aquela população, tal postura resultou na
impossibilidade de alcançar uma integração nacional, por meio da ampliação dos
direitos civis aos brasileiros descendentes de alemão residentes no Brasil.
Conforme a 2° Seção procura demonstrar, em decorrência das transformações
políticas e econômicas ocorridas durante a década de 1930, a sociedade brasileira sofreu
mudanças drásticas. O governo de outrora, marcado por políticas oligárquicas e por uma
economia essencialmente agrícola foi substituído por um novo governo, que propunha
mudanças consideráveis na economia nacional e, sobretudo, na organização política do
país. Ciente da necessidade de instituir um sistema econômico industrial capaz de
substituir as importações por uma produção própria e, ainda, adepto dos modelos
políticos de extrema direita europeus, o presidente Getúlio Vargas aceitou as
reivindicações de diversos segmentos políticos e sociais da sociedade brasileira e optou
pela centralização política e pelo processo de homogeneização cultural e social da nação
brasileira. Diante disto, a assimilação cultural sobre os teuto-brasileiros ganhou
destaque no processo de integração nacional promovido pelo Estado varguista.
Contudo, como a 3° Seção almeja evidenciar, o caminho adotado pelo Estado
Novo não foi o de uma assimilação cultural gradativa, na qual a integração nacional
seria feita sistematicamente. Convicto em concluir o projeto inacabado de formação do
povo brasileiro e influenciado pelo momento histórico, o governo brasileiro projetou
por intermédio do Ministério da Educação e Saúde uma política cultural capaz de
integrar as minorias étnicas à cultura nacional de maneira rápida e intensa, com pouca
abertura ao diálogo. Dentro deste projeto cultural a educação ganhou destaque. Eis,
então, o surgimento da Segunda Campanha de Nacionalização do ensino.
184
Esta política educacional fez parte das ambições nacionalistas do Estado Novo
em criar uma moderna e, até então, inédita rede educacional no país, o Plano Nacional
de Educação (PNE), capaz de abranger todo o território brasileiro. Diante desta ação
política, com início no ano de 1938, é que foi possível com que a cultura brasileira e a
cultura teuto-brasileira pudessem, finalmente, ficar face a face. A eliminação da
distância cultural, através do sistema educacional, promoveu para ambos os lados um
processo de alteridade dramática que só fora abafada a partir do momento em que o
Estado impôs a agressão simbólica e a violência física em prática, afim de introjetar nos
teuto-brasileiros a cultura nacional.
Diante destes fatos, o presente estudo chegou a duas conclusões: A primeira
conclusão refere-se ao fato de que a política educacional conhecida como Segunda
Campanha de Nacionalização do ensino, promovida pelo Ministério da Educação e
Saúde, não pode ser analisada como um projeto vinculado a Nacionalização, ação
realizada pelo Ministério da Guerra. Conforme Schwartzman (2000) aponta, desde o
incidente envolvendo Francisco Campos e a sua proposta de criar a Organização
Nacional da Juventude os limites de atuação política destes dois ministérios eram bem
delimitados, pois nenhum dos dois tinha interesse em dividir tarefas e nem criar
confusões desnecessárias. Dessa forma, ambas – Segunda Campanha de Nacionalização
do ensino e Nacionalização – foram ações políticas que apesar de terem propósitos
parecidos – integrar a cultura teuto-brasileira à cultura nacional, uma vez que o governo
não aceitaria uma cultura distinta em solo nacional – tiveram objetivos diferentes.
A Nacionalização foi instituída a partir de 1938, ano em que o governo brasileiro
colocou na ilegalidade as ações políticas da NSDAP no território nacional, e teve suas
ações concluídas com o término da Segunda Guerra Mundial. Esta ação política foi
realizada exclusivamente pelo Ministério da Guerra, que foi acionado a partir do
185
momento em que o Estado Novo viu desrespeitado o limite territorial do estado
brasileiro e, consequentemente, a soberania brasileira. Através das evidências colhidas
pelo DIP – de que havia um grande número de espiões nazistas atuando no Brasil
(HILTON, 1977) –, o governo de Vargas não aceitou a entrada de células políticas
estrangeiras em solo nacional e, assim, iniciou uma perseguição política por todo o
território nacional, inclusive nos estados sulistas. Esta ação, por conseguinte, tinha um
objetivo distinto ao da Segunda Campanha de Nacionalização do ensino, a de erradicar
qualquer ação política que não atendesse aos interesses brasileiros e, neste caso, o
idioma alemão foi tido como o melhor sinal diacrítico para evidenciar quem poderia ser
militante da NSDAP ou não. Para esta ação, o Ministério da Guerra recorreu ao uso
legitimo da força e às perseguições indiscriminadas.
Já a Segunda Campanha de Nacionalização do ensino, conforme foi dito, tratou-
se de uma ação política que fez parte de um projeto político maior, o Plano Nacional de
Educação. Este plano vinha sendo desenvolvido pelo ministro da educação e saúde,
Gustavo Capanema, desde 1936 – período em que o Brasil apresentava relações
diplomáticas sólidas com o governo alemão. Dessa forma, esta Campanha propunha
auxiliar no processo de constituição da rede escolar nacional nos estados sulistas,
através da implantação de escolas custeadas pelo governo e da regulamentação
pedagógica imposta às escolas particulares que continuassem abertas.
Conclui-se assim, que o público alvo da Segunda Campanha de Nacionalização
do ensino eram os jovens em idade escolar e, também, os adultos que estivessem
envolvidos com a educação. E, em nenhum destes segmentos sociais (salvo no caso de
professores que fossem suspeitos de envolvimento com a NSDAP) foram constatadas
agressões físicas por parte do governo. Fato, este, que não exclui a violência simbólica
186
sofrida nas escolas, ao ser proibido o uso de qualquer sinal diacrítico que revelasse a
cultura teuto-brasileira em oposição à cultura brasileira.
Portanto, independentemente de haver ocorrido a Segunda Guerra Mundial, ou
ainda a perseguição aos nazistas no Brasil, pode-se afirmar que a Segunda Campanha de
Nacionalização do ensino teria ocorrido. Esta ação política inserida num contexto
maior, o Plano Nacional de Educação, revela a necessidade que o Estado Novo tinha de
implantar um sistema educacional em moldes modernos, que pudesse capacitar as
futuras gerações brasileiras para a Era da Industrialização de que o Brasil almejava
participar, mesmo que de forma tardia. Neste contexto, não havia mais espaço para as
práticas educacionais regionalizadas como as desenvolvidas pelos teuto-brasileiros.
A segunda conclusão trata-se de uma interpretação oposta à de autores como
Wiese (2005), Coelho (1993) e Kreutz (2005) que afirmam que a Segunda Campanha de
Nacionalização do ensino e a Nacionalização não conseguiram atingir seus objetivos,
pois ainda hoje a língua alemã é falada em certas regiões no Sul do Brasil, bem como a
religião protestante e as associações culturais ainda cultivadas. A afirmação destes
estudiosos não é sustentável, uma vez que ela desconsidera a possibilidade de dois
campos culturais poderem acomodar-se sobre o mesmo espaço (BARTH, 1997).
No caso, a cultura local – teuto-brasileira – por meio de sua língua e de seus
espaços de sociabilidade passou a organizar e dividir um espaço geográfico com a
cultura nacional tida como oficial, mesmo que a princípio ambas negassem a
possibilidade de coexistirem, a partir deste embate cultural, promovido pela Segunda
Campanha de Nacionalização do ensino e pela perseguição aos supostos nazistas,
através da Nacionalização. Em suma, tanto a cultura local quanto a nacional começaram
a mostrar marcas de uma reorganização silenciosa e constrangida.
187
Seção 5
Anexos
5.1. Decreto-lei n° 35 de 13 de janeiro de 1938
Decreto-lei n°. 35
Proíbe o uso de nomes
estrangeiros em sedes, ou núcleos, de
populações que se criarem, e nos
estabelecimentos escolares, ou outros,
que recebam auxílio, ou favor, dos
Estados ou dos Municípios.
O Doutor Nerêu Ramos, Interventor Federal no Estado de Santa Catarina, no uso
das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 181 da Constituição da República,
DECRETA:
Art. 1° - Salvo homenagem de caráter estritamente cientifico, moral ou religioso,
com prévia licença do Governo do Estado, é proibido dar o nome de pessoas
estrangeiras, ou usar de denominações que não sejam em língua nacional, em sedes, ou
núcleos, de populações, que se criarem, quer por iniciativa pública, quer particular.
§1°- Estende-se a proibição aos estabelecimentos escolares, cujo funcionamento
dependa de licença do Governo do Estado, ou quaisquer outros que gozem de auxilio ou
favor do Estado ou dos Municípios.
§ 2° - Os estabelecimentos, nas condições do parágrafo anterior, serão fechados,
se escolares, e terão suspensos os auxílios ou favores, se destes gozarem, desde que
persistam na conservação da denominação proibida por este decreto-lei, uma vez
intimados a mudá-la.
Art. 2° - Revogam-se as disposições em contrário.
Palácio do Governo, em Florianópolis, 13 de janeiro de 1938.
NEREU RAMOS
Ivo d’Aquino
Ivens de Araújo
Rodolfo Vitor Tietzmann
188
5.2. Decreto-lei n° 88 de 31 de março de 1938
Decreto- lei n° 88
Estabelece normas relativas
ao ensino primário, em escolas
particulares, no Estado.
O Doutor Nerêu Ramos, Interventor Federal no Estado de Santa Catarina, no uso
da atribuição que lhe confere o art. 181 da Constituição da República,
Considerando que, embora a arte, a ciência e o seu ensino sejam livres à
iniciativa individual e à de associações ou pessoas coletivas, “não se pode confundir
liberdade de pensamento e de ensino com a ausência de fins sociais”;
Considerando que o ensino é “um instrumento em ação para garantir a
continuidade da Pátria e dos conceitos cívicos e morais que nela se incorporam”;
Considerando que, portanto, é dever do Estado tutelar a educação da infância e
da juventude brasileiras, não apenas apercebendo-as de conceitos e noções sem
fisionomia moral e cívica, mas formando-lhes o espírito no culto às tradições, à língua,
aos costumes e às instituições nacionais, e na compreensão dos direitos e dos deveres do
cidadão brasileiro;
Considerando que, sendo cidadãos brasileiros “os nascidos no Brasil, ainda que
de pai estrangeiro, não residindo este a serviço do governo do seu país”, - corre ao
Estado a obrigação de resguardar e defender as novas gerações brasileiras, sem
distinção de sua origem racial, de toda e qualquer influência que contrarie aquele
postulado constitucional e desvirtue, tolha ou dificulte a propaganda dos sentimentos de
brasilidade no espírito dos que nasceram no solo nacional:
Considerando a necessidade de consolidar e uniformizar as disposições
existentes relativas ao ensino primário privado, bem como de pô-las de acôrdo com a
orientação social e política do Estado Novo;
DECRETA:
Art. 1° - Os estabelecimentos particulares de ensino primário reger-se-ão, no
Estado, pelas normas deste decreto-lei.
Art. 2° - Nenhum estabelecimento particular de ensino primário poderá
funcionar no Estado, sem prévia licença do Secretário do Interior e Justiça.
189
Parágrafo único – Dentro em um raio de três quilômetros de escola pública, ou
particular licenciada, só poderá ser localizada outra escola, de vez que as existentes não
se comportem a totalidade das crianças, em idade escolar, recenseadas na circunscrição
correspondente.
Art. 3° - A concessão de licença depende de requerimento que especifique:
1° - o nome do estabelecimento;
2° - o local da escola, com indicação do município, cidade, vila, ou povoado; rua
e número;
3° - os cursos que se manterão, as disciplinas que serão professadas, e o
programa e horário adotados;
4° - a duração de cada curso;
5° - o número máximo de alunos para cada classe;
6° - o período de férias;
7° - o corpo docente, com a designação do diretor;
8° - se a escola representa iniciativa singular do professor; ou organização de um
grupo de professores ou de sociedade escolar;
9° - o nome do responsável pelo estabelecimento, perante o Governo do Estado;
10° - a relação do material escolar e a declaração de estar este, ou não,
exonerado de dívida.
Art. 4° - Deverá o requerimento ser instruído com os seguintes documentos:
1° - prova de serem brasileiros natos os professores da língua nacional,
geografia, história da civilização e do Brasil e de educação cívica e moral, em todos os
cursos.
2° - prova de que o diretor, ou responsável, e os demais professores são
brasileiros natos, ou naturalizados;
102
3° - prova de serem professores diplomados por estabelecimentos de ensino
oficialmente reconhecido, ou habilitados conforme o decreto n.1300, de 14 de
novembro de 1919;
4° - prova de identidade e idoneidade moral do diretor, ou responsável, e dos
professores;
5° - prova de sanidade do diretor, professores e demais funcionários da escola;
6° - prova da propriedade do material escolar;
102
(*) O art. 85, § 1°, do decreto-lei federal n. 406, de 4-5-38, determina que sejam sempre regidas por
brasileiros natos as escolas situadas em zonas rurais.
190
7° - demonstração dos meios de mantença da escola, pormenorizando-se a
receita e a despesa anuais; e, recebendo o estabelecimento auxílio ou contribuição
individual, quer diretamente, quer por meio de sociedade escolar, especificar os nomes
dos auxiliadores, ou contribuintes, sua nacionalidade, residência, idade, profissão, e se
são representantes legais de alunos matriculados;
8° - cópia do regimento interno, que será adotado;
9° - fotografia e planta do prédio e de seus compartimentos;
10 - prova da capacidade didática dos professores;
11 - declaração expressa do responsável, com firma reconhecida, de que o
estabelecimento não será mantido nem subvencionado por instituição ou governo
estrangeiro;
12 - um exemplar dos respectivos estatutos e a prova de se acharem inscritos no
registro competente, se o estabelecimento for mantido por sociedade escolar.
Art. 5° - O Governo do Estado poderá rejeitar no todo, ou em parte, as provas
oferecidas, desde que as não julgue bastantes, bem como, por intermédio do
Departamento de Educação, determinar as investigações necessárias para averiguar a
procedência, ou a veracidade, das declarações feitas.
Art.6° - Não poderá ser diretor, ou professor de estabelecimento de ensino
primário ou por este responsável, pessoa que o Governo do Estado, a seu exclusivo
juízo, não reputar idônea, sobretudo em relação ao objetivo da propaganda dos
sentimentos de brasilidade e de educação moral e cívica.
Art. 7° - É obrigatório aos estabelecimentos particulares de ensino primário:
1° - dar em língua vernácula todas as aulas dos cursos pré-primário e
complementar, inclusive as de educação física, salvo quando se tratar do ensino de
idioma estrangeiro;(*)
103
2° - adotar os livros aprovados oficialmente;
3° - usar exclusivamente a língua nacional quer na respectiva escrituração, quer
em taboletas, placas, cartazes, avisos, instruções ou dísticos, na parte interna ou externa
do prédio escolar;
103
(*) Posteriormente, o art. 85 do decreto-lei federal n. 406, de 4-5-38, determinou que, em todas as
escolas rurais do país, o ensino de qualquer matéria será ministrado em português, sem prejuízo do
eventual emprego do método direto no ensino das línguas vivas. E no § 2° desse artigo proibiu o ensino
de idioma estrangeiro, nas escolas rurais a menores de 14 anos. O decreto federal n. 3010, de 20-8-38, que
regulamentou o decreto-lei n. 406, de 4-5-38, considera, para seus efeitos, zonas rural toda porção do
território nacional não compreendida nos limites do Distrito Federal , das capitais dos Estados e dos
portos de entrada de estrangeiros.
191
4° - confiar os cursos de jardins de infância e escolas maternais a professores
brasileiros natos;
5° - ter sempre ensaiados os hinos oficiais;
6° - homenagear aos sábados a Bandeira Nacional, conforme se pratica nos
estabelecimentos oficiais, fazendo recitar a oração, que será fornecida pelo
Departamento de Educação;
7° - respeitar os feriados nacionais, comemorando-os condignamente;
8° - adotar uniformes escolares, desde que seja mantido mais de um curso,
submete-los, préviamente, à aprovação do Departamento de Educação, que poderá
determinar as modificações que julgar necessárias;
9° - ter à vista, na sala de aula, o horário das lições;
10 – receber e acatar as autoridades escolares, prestando-lhes todas as
informações que exigirem;
11 – organizar uma biblioteca de obras nacionais, para os alunos;
12 – apresentar, anualmente, ao Diretor do Departamento de Educação, o
relatório dos trabalhos escolares;
13 – fornecer, ao Departamento de Educação e às autoridades de ensino, os
dados estatísticos solicitados;
14 – não admitir aplicação de castigos físicos aos alunos.
Art. 8° - Os mapas, fotografias, estampas, dísticos ou emblemas, assim nas salas
de aula, como em qualquer outra parte do prédio escolar, não poderão perder o
característico de brasilidade.
Parágrafo único – É obrigatória a colocação da Bandeira Nacional, em lugar de
destaque, em todas as salas do estabelecimento.
Art. 9° - Nenhum estabelecimento de ensino particular poderá, direta ou
indiretamente, ser mantido, ou subvencionado, por instituição ou governo estrangeiro,
ou elementos que, embora não estrangeiros, não exprimam, a juízo exclusivo do
Governo do Estado, cabal garantia de que o auxilio escolar fornecido não concorra para
desvirtuar ou enfraquecer os sentimentos de brasilidade, que devem ser transmitidos á
infância e à juventude nascidas no Brasil.
Art. 10 – Deverá ser préviamente aprovada pelo Secretário do Interior e Justiça a
denominação de estabelecimentos de ensino particular.
Parágrafo único – Não poderá ser adotada denominação que, embora em língua
nacional, recorde, ou exprima, de qualquer forma, origem ou relação estrangeira.
192
Art. 11 – O responsável por estabelecimento particular de ensino primário
assinará, perante o Inspetor Escolar da circunscrição, termo de responsabilidade pelo
cumprimento de todas as exigências do presente decreto-lei.
Art. 12 – Fica obrigado ao exame previsto pelo decreto n. 1300, de 14 de
novembro de 1919, o diretor, ou professor, de escola particular que não for diplomado
por estabelecimento de ensino oficial, ou reconhecido, nem possuir certificado de
professor provisório.
§1° - A reprovação no exame inhabilita o candidato, assim para as funções de
professor, como para as de diretor, ou responsável.
§2° - Sómente passados dois anos poderá requerer novo exame o candidato
reprovado.
§ 3° - O exame será presidido pelo Inspetor federal das escolas subvencionadas,
quando realizado nas zonas sob sua jurisdição.
Art. 13 – Excetuados os estrangeiros que sejam hóspedes oficiais do Governo do
Estado, nenhum orador, ou conferencista, poderá expressar-se, nas reuniões ou
comemorações escolares, senão em língua nacional.
Parágrafo único – Serão préviamente submetidos á aprovação do inspetor de
ensino da circunscrição os programas dessas comemorações, ou reuniões.
Art. 14 – O ensino religioso será feito em língua nacional, quando ministrado
dentro no horário dos trabalhos escolares.
Art.15 – Os estabelecimentos particulares de ensino primário na poderão ter
outro horário, senão o aprovado pelo departamento de Educação.
Art. 16 – Á infração de dispositivos do presente decreto-lei corresponderão as
seguintes penalidades:
a) afastamento do diretor, ou responsável, e professores;
b) fechamento temporário do estabelecimento;
c) fechamento definitivo, com apreensão do material escolar didático.
Art. 17 – O diretor, ou professor, será afastado, quando:
1° - não tiver ensaiados os hinos oficiais em todos os cursos, nem der aos alunos
a explicação e a interpretação das respectivas letras;
2° - não fizer a escrituração escolar no idioma nacional e de acordo com o
modelo oficial;
3° - não adotar programas oficiais para o curso primário;
193
4° - não usar a série de livros didáticos adotados pelo Departamento de
Educação, para o curso primário;
5° - negar informações solicitadas pelas autoridades escolares, ou fornecê-las
inverídicas;
6° - aplicar castigos físicos aos alunos;
7° - for acometido de moléstia contagiosa, ou que o torne incapaz, para a função.
8° - infringir individualmente quaisquer outros dispositivos deste decreto-lei;
§ 1° - Não poderá, durante cinco anos, exercer o magistério no Estado, o diretor,
responsável, ou o professor afastado por qualquer dos motivos previstos neste artigo.
§ 2° - Se o afastamento for motivado por ter cooperado para impedir, ou
dificultar, a nacionalização do ensino, não poderá exercer qualquer função pública em
repartição do Estado, nem em instituição ou estabelecimento, por este subvencionado.
Art. 18 – Fechar-se-á o estabelecimento temporariamente, e enquanto persistir a
irregularidade, quando:
1° - não ministrar todo o ensino na língua nacional, exceto o de idioma
estrangeiro;
2° - não houver cometido a brasileiro nato o ensino da língua nacional, história
da civilização e do Brasil, geografia, educação moral e cívica e os cursos de jardim de
infância e de escolas maternais;
3° - adotar livros em língua estrangeira, sem prévia licença do Departamento de
Educação;
4° - tiver professor em situação ilegal no corpo docente;
5° - houver reincidência na aplicação de castigos físicos aos alunos;
6° - não tomar parte nas comemorações cívicas promovidas na localidade, ou
deixar de comemorar os dias de festa nacional, recomendados pelo Departamento de
Educação;
7° - não mantiver o prédio escolar em condições de salubridade, higiene, ou
segurança;
8° - deixar de ter, por qualquer motivo, responsável pelo seu funcionamento, ou
o que for aceito não assinar o respectivo termo de responsabilidade;
9° - não lhe for, manifestamente, a renda ou auxílio, bastante à manutenção,
tendo-se em vista o disposto no artigo 20;
10 – contravier a dispositivo do presente decreto-lei, e para a infração não tiver
sido prevista sanção especial.
194
Art. 19 – Fechar-se-á definitivamente o estabelecimento, quando:
1° - não estiver registrado no departamento de educação, conforme o presente
decreto-lei;
2° - houver fraude, ou simulação, no registro;
3° - receber, direta ou indiretamente, subvenção, ou auxílio compreendidos na
proibição prevista pelo artigo 9°;
4° - constituir-se, por qualquer motivo, ou forma, centro desnacionalizador;
5° - ministrar o ensino de língua estrangeira a crianças que não tenham o curso
primário no idioma nacional;
6° - impedir ou dificultar a visita de autoridade do ensino;
7° - houver graves e manifestas irregularidades no seu funcionamento, ou
emprego de fraude, ou simulação, para evitar o cumprimento deste decreto-lei;
8° - houver reincidência nas faltas previstas nos artigos 17 e 18.
Art. 20 – A manutenção de estabelecimento particular de ensino primário, desde
que baseada em contribuições de alunos, será calculada, tomando-se em consideração os
seguintes dados:
a) Para o cômputo da receita, não se admitirá contribuição mensal excedente de
seis mil réis (6$000), por aluno, nas sedes de distritos e nas zonas rurais, e de dez mil
réis (10$000) nas sedes de municípios.
b) Para o cômputo das despesas, calcular-se-ão, no mínimo, os vencimentos
mensais de cento e vinte mil réis (120$000), nas sedes de distritos e nas zonas rurais, e
de cento e cincoenta mil réis (150$000) nas sedes dos municípios, para cada professor, e
de trinta mil réis (30$000) mensais, para a conservação ou aluguel, do prédio escolar.
Havendo diretor, ser-lhe-ão computados os vencimentos de duzentos mil réis (200$000)
mensais, incluídos nestes os de professor, se o for também.
c) A cada professor corresponderá uma classe de cinquenta alunos, no máximo,
salvo autorização especial do Secretário do Interior e Justiça.
Parágrafo único – O Departamento de Educação poderá promover os meios
necessários à fiscalização das contribuições, ou subvenções. E caso se presuma, com
fundado motivo, existência de fraude, ou simulação, no modo de ser dada a subvenção,
ou contribuição, poderá o Secretário do Interior e Justiça determinar que se faça por
intermédio daquele Departamento, com as cautelas e garantias que julgar necessárias.
Art. 21 – Fechado estabelecimento particular de ensino primário, com freqüência
escolar, promoverá, desde logo, o Departamento de Educação, no mesmo local, ou
195
dentro na mesma área a abertura de escola estadual, com capacidade correspondente à
do estabelecimento interdito.
Art. 22 – As penas previstas nas alíneas a, b e c do artigo dezesseis serão
impostas:
a) pelo Diretor do Departamento de Educação, com recursos para o Secretário do
Interior e Justiça, as da alínea a;
b) pelo Secretário do Interior e Justiça, como recurso para o Governador, ou
Interventor Federal, as da alínea b;
c) pelo Governador ou Interventor Federal as da alínea c, do referido artigo.
Parágrafo único – Os recursos deverão ser interpostos dentro em quinze dias,
contados da data da publicação do ato, ou despacho, sob pena de deserção.
Art. 23 – Compete ao Inspetor Escolar:
1° - fiscalizar o ensino primário nas escolas particulares, enquadrando-as no
sistema das escolas estaduais, e propor ao Departamento de Educação as providências
que, a respeito, julgar necessárias;
2° - dar parecer nos processos de abertura e fechamento de escolas particulares;
3° - fazer cumprir os dispositivos deste decreto-lei.
Art. 24 – Os atuais estabelecimentos particulares de ensino primário deverão,
dentro em noventa dias e sob pena de fechamento, regularizar a sua situação, de acordo
com os novos requisitos criados por este decreto-lei.
Parágrafo único – Não beneficia, porém, esse prazo, em relação ao cumprimento
de condições já existente em leis anteriores e que, por este decreto-lei, foram apenas
consolidadas. Neste caso, a aplicação da pena independe do transcurso do prazo.
Art. 25 – As Prefeituras Municipais não poderão subvencionar escolas
particulares de ensino primário, sem prévio parecer do Departamento de Educação e
despacho do Secretário do Interior e Justiça.
Art. 26 – Ficam revogados o Decreto n. 58, de 28 de janeiro de 1931, e as
demais disposições em contrário.
Art. 27 – Este decreto-lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Palácio do Governo, em Florianópolis, 31 de março de 1938.
NERÊU RAMOS
Ivo d’Aquino
196
5.3. Decreto-lei n° 124 de 18 de junho de 1938
Decreto-lei n°. 124
Cria a Inspetoria Geral de
Escolas particulares e
nacionalização do Ensino.
O Doutor Nerêu Ramos, Interventor Federal no Estado de Santa Catarina, no uso
das atribuições que lhe confere a art. 181 da Constituição da Republica, e
Considerando a necessidade de tornar efetivas e expeditas as medidas
estabelecidas pelas leis federais e pelo decreto-lei n. 88, de 31 de março do corrente ano,
relativamente á orientação e fiscalização das escolas primárias, particulares e,
especialmente, quanto á nacionalização do ensino,
DECRETA:
Art. 1° - É criada a Inspetoria Geral de Escolas Particulares e Nacionalização do
Ensino, subordinada à Superintendência Geral do Ensino.
Art. 2° - Compete à Inspetoria Geral:
a) fazer, com o concurso dos inspetores escolares, que para esse fim forem
nomeados, ou designados em comissão, a inspeção dos estabelecimentos de ensino
particular regidos pelas leis do Estado;
b) velar pelo fiel cumprimento das leis estaduais quanto à adoção dos programas,
normas de ensino e educação, orientação pedagógica e eficiência dos professores nas
escolas particulares, dando as necessárias instruções aos inspetores escolares e docentes;
c) tornar efetivas as exigências do decreto-lei n. 88, de 31 de março de 1938, e
das leis federais, no tocante à nacionalização do ensino, propondo à superintendência
Geral do Ensino as medidas que, para esse fim, julgar necessárias, especialmente quanto
ao afastamento de professores e interdição de estabelecimentos escolares que
transgridam aquelas leis;
d) fiscalizar as associações a que se refere o decreto-lei n. 76, de 4 de março de
1938, e exigir delas o cumprimento das leis do Estado e das determinações do
Departamento de Educação, quanto à educação cívica e organização de programas
comemorativos;
197
e) cooperar coma Superintendência Geral do Ensino nos trabalhos que esta
indicar e como ela colaborar para o aperfeiçoamento do ensino e educação nas escolas
primárias particulares;
f) auxiliar a fiscalização federal do ensino primário privado no Estado tomando
as providências que por ela foram solicitadas em benefício do ensino;
g) aplicar penalidades regulamentares aos funcionários que lhe forem
diretamente subordinados;
h) apresentar anualmente à Superintendência Geral do Ensino relatório dos
serviços desempenhados.
Art. 3° - O cargo de Inspetor Geral de Escolas Particulares e Nacionalização do
Ensino será exercido em comissão, com os vencimentos do cargo efetivo, pelo
funcionário que for designado pelo Governo do Estado.
Parágrafo único – Quando em viagem, por motivo de serviço, terá o Inspetor
Geral as diárias que lhe tocariam na função efetiva.
Art. 4° - Decreto-lei especial criará os cargos de inspetores e funcionários, que
forem necessários aos serviços da Inspetoria Geral.
Art. 5° - Este decreto-lei entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas
as disposições em contrário.
Palácio do Governo, Florianópolis, 18 de junho de 1938.
NERÊU RAMOS
Gustavo Neves
Altamiro Guimarães
198
5.4. Decreto-lei n° 142 de 20 de julho de 1938
Decreto-lei n°. 142
Dispõe sobre sociedades escolares
O Doutor Nerêu Ramos, Interventor Federal no Estado de Santa Catarina, no uso
das atribuições que lhe confere o art. 181 da Constituição da República, e
Considerando que não obstante a orientação traçada pelo Estado Novo e
refletidas em reiteradas medidas legislativas, no tocante à nacionalização do ensino,
elementos interessados no desvirtuamento desse programa tentam veladamente
perturbar e distrair seu cumprimento;
Considerando que essa influência se faz sentir sobretudo nas sociedade escolares
dos meios de ascendência alienígena, muitas das quais estão servindo de veículo à ação
maliciosa daqueles elementos;
Considerando que, para serem confiados a essas sociedades a educação e o
ensino primário de alunos brasileiros, é necessário que elas exprimam cabal garantia de
não sofrerem influências estranhas e nocivas ao interesse nacional,
DECRETA:
Art. - As sociedades escolares que mantenham cursos primários ou pré-
primários devem ser pessoas jurídicas autônomas e com a exclusiva finalidade de
ministrar a educação e o ensino consoante as leis em vigor e a orientação do
Departamento de Educação.
Art. 2° - Deverão ser modificados de acordo com este decreto-lei e, com a
modificação, de novo inscritos no registro público, os estatutos de sociedades escolares
em que se mencione relação de dependência, concerto ou conformidade com qualquer
outra organização, cuja finalidade não seja a de exclusiva e legalmente ministrar a
educação e o ensino.
Art. 3° - Desde que os estatutos de sociedade escolar façam referencia a
qualquer outra entidade, com a qual relacione deverá ser junta ao requerimento de
pedido de licença da escola a certidão dos estatutos da outra entidade, com a prova de
seu registro relacione, deverá ser junta ao requerimento de pedido de licença da escola a
certidão dos estatutos da outra entidade, com a prova de seu registro.
199
Art. 4° - Serão fechadas, nos termos do decreto-lei n. 88, de 31 de março de
1938, as escolas particulares primárias mantidas por sociedades em contravenção a este
decreto-lei, que entrará em vigor na data de sua publicação.
Art.5° - Revogam-se as disposições em contrário.
Palácio do Governo em Florianópolis, 20 de julho de 1938.
NERÊU RAMOS
Ivo d’Aquino
200
5.5. Decreto-lei n° 301 de 24 de fevereiro de 1939
Decreto-lei n°. 301
Estabelece normas para a
obrigatoriedade do ensino
primário, institue a quitação
escolar e cria o registro do censo
escolar.
O Doutor Nerêu Ramos, Interventor Federal no Estado de Santa Catarina, no
uso das atribuições que lhe confere o art. 181 da Constituição da República,
CONSIDERANDO que a Constituição da República estabelece a
obrigatoriedade do ensino primário como meio de educar a infância e a juventude no
cumprimento de seus deveres para com a economia e a defesa da Nação;
CONSIDERANDO que a orientação do Estado Novo, no tocante à educação,
é intensamente nacional, cumprindo aos poderes públicos exercer contínua
vigilância e tutela eficaz, para que o espírito da criança seja impressionado e guiado
por ensinamentos que, além de úteis à cooperação social, lhe estimulem o amor, o
culto e a compreensão às tradições e às instituições brasileiras;
CONSIDERANDO que, sendo a educação da infância e da juventude
problema que interessa à construção moral da Nação e ao seu equilíbrio político, não
pode ficar adstrita à vontade individual ou a opiniões puramente especulativas,
devendo ser coordenada e disciplinada, desde já, para fazer parte de um plano futuro
de educação nacional;
CONSIDERANDO que, destarte, devem cooperar para a efetivação da
obrigatoriedade do ensino primário, assim os responsáveis pelas crianças, em idade
escolar, como todas as autoridades públicas e todos os cidadãos brasileiros;
CONSIDERANDO a necessidade de ser iniciado o recenseamento escolar,
para o conhecimento exato do problema do ensino e da educação no Estado,
DECRETA:
Art. 1. – São obrigadas à freqüência escolar, em estabelecimento primário
oficial ou registrado, regularmente, no Departamento de Educação, todas as crianças
de oito a quatorze anos.
201
Art. 2° - O limite do ensino primário obrigatório é fixado pelo programa do
quarto ano dos Grupos Escolares ou do terceiro ano das escolas isoladas, conforme a
zona de influência de cada um desses estabelecimentos.
§ 1° - É considerada zona de influência o circulo com o raio de três
quilômetros, tendo por centro o estabelecimento escolar.
§ 2° - O mesmo critério é aplicável aos estabelecimentos de ensino
municipal.
Art. 3 – São isentas da obrigação escolar as crianças que:
a) por incapacidade física ou mental, estejam impedidas de receber instrução
primária, em estabelecimentos comuns;
b) sofram de moléstia repugnante ou contagiosa;
c) tenham residência distante mais de três quilômetros de estabelecimentos
oficial ou licenciado, salvo nos lugares em que lhes sejam proporcionados meios de
transporte;
d) não tenham domicilio fixo ou seja temporário, considerado assim até seis
meses, o seu domicilio no Estado;
e) não tenham nascido no Brasil, e sejam estrangeiros os seus pais;
f) antes dos quatorze anos tenham completado o curso primário;
g) por motivo legitimo, não sejam admitidos em estabelecimentos da
circunscrição escolar da sua residência, enquanto perdurar esse motivo;
h) por motivo que, embora não previsto neste artigo, seja julgado relevante
pelo Secretário do Interior e Justiça.
Parágrafo único – Provar-se-ão os motivos das letras a e b por atestado de
médico do Departamento de Saúde Pública, que nessa qualidade o ateste; os das
letras c e d por atestado do prefeito ou intendente municipal; o da letra e por certidão
autenticada por autoridade competente do país, e os das letras f e g por atestado do
diretor ou professor do respectivo estabelecimento escolar, devendo todos os
documentos ter reconhecida por tabelião a firma de quem os subscrever.
Art. 4 - Os pais ou noutros representantes legais são obrigados a promover a
matrícula e a freqüência das crianças em idade escolar, estabelecimento primário
oficial ou registrado no Departamento de Educação.
§ 1° - Quem quer que tenha menores em idade escolar a seu serviço deve
permitir-lhes a freqüência escolar.
202
§ 2° - se o aluno faltar à aula mais de três dias consecutivos, deve a ausência
ser justificada pelo seu representante legal, perante o diretor ou professor da escola,
que anotará a justificação.
Art. 5 – A infração ao disposto no artigo anterior determinará as seguintes
penalidades:
a) falta de matrícula, na época legal, multa de 20$000 a 200$000;
b) a não justificação de faltas por mais de três dias, dentro do prazo de uma
semana, multa de 10$000 a 30$000;
c) a cessação da freqüência da criança, por mais de um mês, sem motivo que
a justifique, multa de 50$000 a 300$000.
Art. 6 – Na aplicação de multas, por quaisquer infrações a este decreto-lei,
serão observados os seguintes preceitos:
a) se o motivo alegado da falta de freqüência for moléstia e esta perdurar por
mais de um mês, deverá ser exibido atestado subscrito por médico do Departamento
de Saúde Pública, que nessa qualidade o ateste, ou, na falta deste, por outro
profissional;
b) não existindo médico na localidade, o atestado poderá ser subscrito pelo
intendente municipal, que ficará responsável pela afirmação nele contida;
c) sendo a interrupção de freqüência motivada por mudança de domicilio do
responsável pelo menor, deverá ser esta provada por atestado do prefeito ou
intendente municipal, com a obrigação da matricula imediata da criança no
estabelecimento escolar do seu novo domicilio dentro do Estado, salvo se não
houver vaga na escola, o que se provará por atestado do respectivo diretor ou
professor;
d) as multas serão aplicadas gradualmente, tendo-se em vista as posses dos
infratores, o seu grau de instrução, as condições do meio em que vivem, a facilidade
ou dificuldade de comunicações e o motivo determinante da infração, se esta
resultar de resistência ao cumprimento da lei;
e) sendo precipuamente educativas as normas de obrigatoriedade do ensino
primário, as multas somente devem assumir o caráter repressivo e ser aplicadas além
do mínimo, quando, com elementos de justa convicção, se averiguar que a infração
representa uma deliberada resistência ou burla ao cumprimento deste decreto-lei;
203
f) as multas, porém, serão sempre aplicadas no máximo, quando se averiguar
que a falta de matrícula ou freqüência é determinada por contrariar ou burlar, direta
ou indiretamente, as leis de nacionalização do ensino;
g) as multas serão impostas com o aumento de cinqüenta por cento (50%)
sobre o grau aplicado, nos casos de reincidência, considerando-se tal qualquer nova
infração a este decreto-lei;
h) multado o representante legal ou o patrão de menor, por infração a este
decreto-lei, ser-lhe-á, independentemente da obrigação de satisfazer a multa,
marcado prazo, até dez dias, para providenciar a matricula ou a freqüência escolar
do menor, conforme for o caso, sob pena de continuar a ser multado até cumprir
essa determinação legal;
i) as autoridades escolares não ficam adstritas a qualquer atestado, desde que
tenham elementos de convicção, para presumi-lo inverídico, o que devem expor, por
intermédio do Departamento de Educação, ao Secretário do Interior e Justiça, para
que este, caso julgue procedente a representação, mande submeter a criança a exame
por profissional ou por junta médica que designar;
j) a recusa ou esquivança do responsável pelo menor, de submetê-lo a exame
médico, determinará a aplicação da multa, nos termo deste decreto-lei.
Art. 7 – Incorrerá na multa graduada de 200$000 a 500$000, que será
aplicada pelo secretário do Interior e Justiça, a autoridade ou profissional que der
atestado inverídico, e com ele forem burladas disposições deste decreto-lei.
Art. 8 – Será demitido a bem do serviço público o funcionário estadual ou
municipal, contra quem se apurar, pelos méis regulares, responsabilidade tendente a
contrariar ou burlar a obrigatoriedade do ensino primário.
Art. 9 – Os promotores públicos promoverão, perante o Juízo de Menores, o
processo para a suspensão do pátrio poder dos pais ou remoção de tutor, quando
estes, faltando ao dever que lhes incumbe da educação dos menores sob sua guarda,
persistirem na recusa de fazê-los freqüentar o curso primário, desde que em idade
escolar.
Art. 10 – Serão passíveis da multa graduada de 200$000 a 500$000 e o
dobro nas reincidências os professores que, sem prévias licença e registro previstos
no decreto-lei n.88, de 31 de março de 1938, ministrarem o ensino primário ou pré-
primário em classes, individualmente, a domicilio do aluno, ou por qualquer outra
forma, seja permanente ou transitoriamente, em caráter fixo ou ambulante.
204
§ 1° - Será passível de igual pena a pessoa natural ou jurídica que ceder título
residência, prédio ou recinto, seja ou não de sua propriedade, para o exercício de
ensino primário ou pré-primário, em contravenção ao decreto-lei n. 88, de 31 de
março de 1938, ou a este decreto-lei, e bem assim quem, direta ou indiretamente,
prestar auxílio de qualquer espécie, para aquele fim.
§ 2° - Em se tratando de sociedade, além da multa, ser-lhe-á cassada a
licença para funcionar, se esta depender das autoridades estaduais.
§ 3° - A multa será sempre aplicada no máximo, se, além do exercício
clandestino do ensino, se apurar infração às leis federais ou estaduais de
nacionalização.
Art. 11 – Serão multados em 100$000 a 300$00 e o dobro nas reincidências
todos quantos obstarem, burlarem ou tentarem obstar ou burlar, por qualquer forma
ou meio não previsto especialmente neste decreto-lei, o cumprimento das leis de
obrigatoriedade e de nacionalização do ensino, ou contra elas ou as medidas para a
sua efetivação, fizerem propaganda escrita, figurara ou oral, em público ou de
pessoa a pessoa, seja qual for o meio empregado.
Parágrafo único – em igual multa incorrerão os que de qualquer forma
prestarem auxílio à resistência ou a propaganda, referidas neste artigo.
Art. 12 – Compete a fiscalização direta da obrigatoriedade do ensino
primário:
a) aos inspetores escolares;
b) aos diretores e professores de Grupos Escolares;
c) aos auxiliares de inspeção;
d) aos professores de escolas isoladas;
e) aos exatores da fazenda estadual, nos casos dos arts. 14 e 17;
f) aos promotores públicos, nos termos do art. 9°.
Art. 13 – Mensalmente, os diretores de Grupos Escolares e os professores de
escolas isoladas estaduais e municipais enviarão aos inspetores escolares da sua
circunscrição os nomes dos pais ou responsáveis por crianças em idade escolar, os
quais, por aqueles intimados a fazer a matrícula ou tornar efetiva a freqüência
exigida por este decreto-lei, não tenham cumprido essa obrigação, dentro dos prazos
legais.
§ 1° - O inspetor escolar aplicará a multa que no caso couber e ordenará a
intimação do infrator, para pagá-la dentro em cinco dias, ou no mesmo prazo
205
recorrer para o Superintendente Geral do Ensino, mediante prévio depósito da
respectiva importância, na Coletoria Estadual, a cuja jurisdição pertencer.
§ 2° - dado provimento ao recurso, será o depósito restituído, mediante
simples comunicação do Departamento de Educação, ou do inspetor escolar.
§ 3° - Não havendo recurso ou não sendo satisfeito o pagamento, o inspetor
remeterá a certidão da multa ao Departamento de Educação, para que este dê as
providencias necessárias à sua cobrança.
§ 4° - Da mesma forma procederá o inspetor escolar nos demais casos de
infração a este decreto-lei, por ele verificada ou de que tenha conhecimento por
meio de representação de qualquer autoridade.
§ 5° - As certidões de multa independem para a sua validade da assinatura
do infrator ou de testemunhas, devendo, porém, especificar o fato que a determinou
e conter o nome do infrator, sua residência e nacionalidade.
Art. 14 – Compete ao inspetor escolar a aplicação das multas previstas nos
artigos 5 e 11; ao Superintendente Geral do Ensino a aplicação nos casos destes
artigos e do artigo 10 e ao secretário do Interior e Justiça em quaisquer casos
previstos neste decreto-lei.
§ 1° - As multas serão impostas por simples despacho, pelo Secretário do
Interior e Justiça e pelo Superintendente Geral do Ensino, cabendo recurso do
despacho deste para o primeiro, dentro em sete dias da sua intimação, ou da
publicação no “Diário Oficial”, se o infrator não for encontrado, mediante prévio
depósito da importância da multa, na Coletoria Estadual a cuja jurisdição pertencer
o infrator, ou no Tesouro do Estado. Provido o recurso, será o depósito restituído
por meio de simples comunicação do Departamento de Educação.
§ 2° - As intimações aos infratores para o pagamento administrativo das
multas serão feitas por qualquer autoridade escolar estadual ou municipal, que dará
os certificados necessários.
§ 3° - Em se tratando de infração às leis de nacionalização do ensino, poderá
sempre o Secretário do Interior e Justiça avocar a si o conhecimento do fato, para
aplicar a multa que no caso couber, ou modificar a que tiver sido aplicada, embora
agravando-a.
Art. 15 – Não satisfeita a multa administrativamente, será feita a
comunicação necessária ao Tesouro do Estado, para sua inscrição e imediata
cobrança executiva.
206
Art. 16 – Negado provimento ao recurso, a Fazenda do Estado arrecadará o
depósito, para ser entregue, por intermédio do Departamento de Educação, à Caixa
Escolar da circunscrição a que pertencer o infrator.
Art. 17 – As pessoas multadas por infração a este decreto-lei ou às leis de
nacionalização de ensino não poderão extrair quaisquer licenças ou certidões
negativas e obter atestados de repartições estaduais ou municipais; adquirir
estampilhas de vendas e consignações, tomar parte em concorrência pública ou
administrativa, vender ou celebrar qualquer outro contrato com o Estado ou o
Município ou destes receber dinheiro a qualquer título, ainda que por vencimentos,
enquanto não pagarem, ou não depositarem o valor da multa
Parágrafo único – Para esse fim, far-se-á a devida publicação no “Diário
Oficial”, e o inspetor escolar comunicará imediatamente às coletorias e demais
repartições estaduais e municipais da sua circunscrição a aplicação da multa e,
posteriormente, o seu pagamento ou depósito, se qualquer deles fôr feito.
Art. 18 – Não estão isentos da obrigatoriedade escolar e serão passíveis das
penas previstas neste decreto-lei os representantes legais de menores em idade
escolar, quando estes não freqüentem os estabelecimentos a que alude o artigo
primeiro, embora sob alegação de que se preparam para exame de admissão a curso
não primário.
Art. 19 – Os inspetores escolares estaduais poderão fiscalizar os
estabelecimentos de ensino municipal, para o cumprimento dos dispositivos deste
decreto-lei e solicitar dos Prefeitos as providências que, a respeito, julgarem
necessárias.
Art. 20 – É instituída a quitação escolar, que consistirá no atestado, a pedido
verbal do interessado, de que este está cumprindo as exigências das normas que
regem a obrigatoriedade escolar, ou delas está isento legalmente.
§ 1° - Esse atestado será subscrito pelo diretor e na falta deste pelo professor
de estabelecimento de ensino primário reconhecido ou equiparado pelo estado, ou
regularmente registrado no Departamento de Educação, e dele constarão o nome,
nacionalidade, estado civil, profissão e residência do interessado; o nome das
crianças sob sua guarda e responsabilidade, com a declaração da idade,
estabelecimento escolar e classe em que estão matriculadas.
§ 2° - Não sendo responsável por criança em idade escolar, ou estando no
caso de isenção legal, será feita essa declaração.
207
§ 3° - Cada diretor ou professor dará atestado relativo às pessoas residentes
na zona de influência do respectivo estabelecimento escolar.
Art. 21 – A partir de 1° de julho vindouro, ninguém poderá, sem
apresentação da quitação escolar:
a) ser admitido em qualquer serviço do Estado ou do Município;
b) ser promovido em cargo público estadual ou municipal;
c) receber dinheiro do Estado ou do município, a qualquer título e ainda que
em remuneração de cargo público, com eles celebrar qualquer contrato ou transação,
nem tomar parte em concorrência pública ou administrativa;
d) adquirir estampilhas de vendas e consignações;
e) extrair certidões negativas ou obter atestados de quaisquer repartições
estaduais ou municipais.
Art. 22 – É criado o Registro do Censo Escolar, cuja direção, organização e
finalidade serão definidas em regulamento especial, que também especificará as
medidas, para a efetividade da quitação escolar, a que se referem os artigos 20 e 21.
Parágrafo único – Todos os demais artigos deste decreto-lei entrarão em
vigor na data da sua publicação, sem dependência de regulamentação.
Art. 23 – A prova de idade será feita por certidão do registro civil, isenta de
emolumentos e selos, se extraída especialmente para os fins de matricula em
estabelecimento escolar.
§ 1° - A certidão, uma vez produzidos os efeitos legais, será remetida ao
Departamento de Educação.
§ 2° - Será consentida a matrícula condicional, em casos justificados, com a
obrigação de ser apresentada a certidão dentro em 30 dias.
Art. 24 – A incidência das sanções deste decreto-lei não veda a acumulação
com as do decreto-lei n. 88, de 31 de março de 1938.
Art. 25 – Os casos omissos neste decreto-lei serão resolvidos pelo Secretário
do Interior e Justiça, mediante representação do Departamento de Educação.
Art. 26 – Revogam-se as disposições em contrário.
Palácio do Governo, em Florianópolis, 24 de fevereiro de 1939.
NERÊU RAMOS
Ivo d’Aquino
Altamiro Guimarães
208
Seção 6
Referências:
ANDERSON, B. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989.
ARMBRUST, G. Cruzada nacional de educação: campanha do níquel. Rio de
Janeiro: Imprensa Oficial do Governo, 1942.
ARRAIS, M. O estado novo e o conceito teórico do nacionalismo étnico, geográfico e
cultural. In: O Estado Novo e suas diretrizes. Estudos políticos e constitucionais. Rio
de Janeiro: Ed. Livraria José Olympo, 1938.
AZEVEDO, F. et al O manifesto dos pioneiros da educação nova (1932). Disponível
em: http://.pedagogiaemfoco.pro.br/heb07a.htm. Acesso em 21 de outubro de 2005.
BAGNO, M. Dramática da língua portuguesa tradição gramatical, mídia & exclusão
social. São Paulo: Ed. Loyoloa, 19¯ ¯.
BARBIERI, I. A educação no governo de Vargas (1930-1945) com ênfase no ensino
normal e na escola primária. Vol. I. Osasco: Faculdade Municipal de Ciências
Econômicas e Administrativas de Osasco, Tese de Doutorado, 1973.
___________ A educação no governo de Vargas (1930-1945) com ênfase no ensino
normal e na escola primária. Vol. II. Osasco: Faculdade Municipal de Ciências
Econômicas e Administrativas de Osasco, Tese de Doutorado, 1973.
BARTH, F. Grupos étnicos e suas fronteiras. in: POUTIGNAT, P.; STREIFF-
FENART. Teorias da etnicidade seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik
Barth. São Paulo: Ed. Unesp, 1998.
BARROS, M. C. D. M.; L. C. BORGES; M. MEIRA. A língua geral como identidade
construída. In: Revista de Antropologia, São Paulo: Ed. USP, v°. 39, n°.1, 1995.
BENDIX, R. Construção nacional e cidadania: estudos de nossa ordem social em
mudança. São Paulo: Ed. Edusp, 1996.
BENJAMIN, W. O narrador. In: Os Pensadores, vol.48 São Paulo: Ed. Victor Civita,
1975.
Biografias / os anos de JK / Nereu Ramos. Disponível em:
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jk/htm/biografias/Nereu_Ramos.asp. Acessado em 02
de fevereiro de 2006.
BOMENY, H. (org.) Constelação capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro:
Ed. FGV, 2001.
209
___________ Três decretos e um ministério: a propósito da educação no Estado Novo.
In: PANDOLFI, D.C. (org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. FGV,
1999.
BORTONI-RICARDO, S. M. Problemas de comunicação interdialetal. In:
Sociolingüística e ensino de vernáculo. São Paulo: ed. Tempo brasileiro, 1984
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1989.
BRASIL. Correspondência enviada por Gustavo Armbrust ao Prefeito Municipal de
Hamônia, agradecendo a adesão do município à Cruzada Nacional de Educação, de 27
de janeiro de 1942. In: Pasta de correspondências. Ibirama, SC, Arquivo Histórico de
Ibirama.
BRASIL. Decreto-lei n°. 1.545, de 25 de agosto de 1939. In: Pasta de decretos e leis.
Ibirama, SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
BRASIL. Decreto-lei n°. 4.166, de 11 de março de 1942. In: Pasta de decretos e leis.
Ibirama, SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
BRASIL. Decreto-lei n°. 4.806, de 07 de outubro de 1942. In: Pasta de decretos e leis.
Ibirama, SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
BRASIL. Decreto-lei n°. 4.807, de 07 de outubro de 1942. In: Pasta de decretos e leis.
Ibirama, SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
BRUHNS, K. Espaços de sociabilidade e o idioma: A campanha de nacionalização em
Joinville. Florianópolis: UFSC, Dissertação de Mestrado. Curso de Pós-Graduação em
História, 1997.
CAMARGO, A. Carisma e personalidade Política: Vargas, da conciliação ao
maquiavelismo. In: D’ARAUJO, M. C. (org.) As instituições brasileiras da era
Vargas. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, Ed. FGV, 1999.
CAPELA, C. E. S. Língua-pátria, línguas-párias. In: Revista da Anpoll, n°.4, 1998.
CAPELATO, M. H. Propaganda e controle dos meios de comunicação. In: PANDOLFI,
D.C. (org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1999.
CARDOSO, A.C. Programa da festa das escolas municipal e estadual de Nova Bremen,
nº 19. (1939). In: Pasta: diversos documentos. Ibirama, SC: Arquivo Histórico de
Ibirama, 2003.
CARDOSO, S. A. M.; MOTA, J. A. Dialectologia brasileira: o atlas lingüístico do
Brasil. In: Revista Anpoll. São Paulo, n°. 8, 2000.
CARNEIRO, M. L. T. O mito da hospitalidade brasileira em tempos de guerra:
intolerância, nacionalismo e autoritarismo nos bastidores do poder. Conferencia I, in:
210
Muitas faces de uma guerra: 60 anos do término da Segunda Guerra Mundial e o
processo de nacionalização no sul do Brasil. Florianópolis: UDESC, 2005.
CAVALCANTI, L. Modernistas, arquitetura e patrimônio. In: PANDOLFI, D.C. (org.)
Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1999.
COELHO, L. Joinville e a campanha de nacionalização. São Carlos, SP: UFSCar,
Dissertação de Mestrado. Curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 1993.
CUCHE, D. A noção de cultura em ciências sociais. Bauru, SP: Ed. Edusc, 1999.
CUNHA, C. de Educação e autoritarismo no Estado Novo. São Paulo: Ed. Cortez,
1981.
D’AQUINO, I. Nacionalização do ensino: aspectos políticos. Florianópolis: Imprensa
Oficial do Estado, 1942.
____________. Reunião dos inspetores escolares e diretores de grupos escolares em
1945. Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado, 1945.
DEBALD, B S.; SILVA, M. A. Reflexos do Nazismo na Tríplice Fronteira: um estudo
de caso da representatividade das idéias nazistas na cidade de Foz do Iguaçu. Disponível
em: http://www.cce.udesc.br/cem/simposioudesc/anais/st4/st4debald.doc. Acessado
em 25 de dezembro de 2005.
DELEUZE, G.; GUATTARI. Geo-filosofia. In: O que é a filosofia? São Paulo: Ed. 34,
2000.
DIAS, G.T. Cultura, Política e Alfabetização no Brasil: A importância do Ministério da
Educação e Saúde (1934-1945) para a constituição da nacionalidade brasileira. In:
Caderno de resumos e artigos. Araraquara: IV Semana de Pós-graduação em
sociologia. Reformas e projeto nacional: Uma comemoração aos 50 anos do ISEB,
2005.
_________ Cultura, Política e Alfabetização no Brasil: A “Segunda Campanha de
Nacionalização” do ensino (1938-1945). Disponível em:
http://www.cce.udesc.br/cem/simposioudesc/anais/st3/st3gustavo.doc. Acessado em
05 de fevereiro de 2006.
DIAS, L. C. Luis Curto Dias. depoimento [dez. 2005]. Entrevistador: G.T. Dias. São
Paulo: Residência – SP. 1 cassete sonoro.
DIETRICH, A. M. Organização política e propaganda Nazista no Brasil (1930-1945).
Disponível.em:http://www.cce.udesc.br/cem/simposioudesc/anais/st5/st5dietrich.doc
Acessado em 25 de dezembro de 2005.
Diretrizes do Estado Novo(1937-1945): Educação, cultura e propaganda. Disponível
em: http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos37-45/ev_ecp001.htm. Acesso
em 5 de outubro de 2005.
211
DURKHEIM, E. Educação e sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1958.
EBEL, N. T. Alegria infantil. Gustavo Richard: Escola mista municipal de caminho do
posto, 1943. In: Pasta de jornais escolares. Ibirama, SC: Arquivo Histórico de Ibirama,
2003.
Estatuto da Communidade da escola particular do Ribeirão da Onça. In: Pasta de
documentos escolares. Ibirama, SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
Estatuto da Sociedade de atiradores Rio dos Índios. In: Pasta de decretos e leis.
Ibirama, SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
FALCÃO, J. A. Política cultural e democracia: A preservação do patrimonio histórico e
artístico nacional. In: MICELI, S. (org.) Estado e cultura no Brasil. São Paulo: Ed.
DIFEL, 1984.
FARIA E SOUSA, J. de Viva o Brasil! Cartilha popular. Rio de Janeiro: Ed. Record,
1940.
FAUSTO, B. A revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo: Ed. brasiliense,
1970.
Federação brasileira dos escoteiros do Paraná e Santa Catarina (1939). In: Pasta:
diversos documentos. Ibirama, SC: Arquivo Histórico de Ibirama, 2003
FILHO, L.L.D.; BASSA, V.de C. Território e política: as mutações do discurso
regionalista no Brasil. Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/163.pdf.
Acesso em 5 de outubro de 2005.
FIORI, N. A. Germanismo pedagógico: contribuição ao entendimento do ensino
elementar no século XIX. In: FIORI, N. A. (org.) Etnia e educação: a escola “alemã”
do Brasil e estudos congêneres. Florianópolis: Ed. da UFSC; Tubarão: Ed. Unisul, 2003.
FROTSCHER, M. Etnicidade e trabalho alemão: outros usos e outros produtos do
labor humano. Florianópolis: UFSC, Dissertação de Mestrado. Curso de Pós-Graduação
em História, 1998.
GAERTNER, R. O ensino de matemática na Neue Deutsche Schule de Blumenau. In:
Blumenau em Cadernos, Blumenau, SC, n° 11/12, 2004.
GERTZ, R. O fascismo no sul do Brasil: germanismo, nazismo, integralismo.Porto
Alegre, RS: Ed. Mercado Aberto, 1987.
GIDDENS, A. Conseqüências da modernidade. São Paulo: Ed. Unesp, 1991.
___________. O estado-nação e a violência. São Paulo: Ed. Edusp, 2001.
GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Ed. Perspectivas, 1974.
212
GOMES, A. de C. (org.) Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: Ed.
FGV, 2000.
GREGGERSEN, G. O protestantismo e os valores éticos. Disponível em:
http://www.hottopos.com/mirand15/gabriele.htm#_ftnl. Acesso em 3 de fevereiro de
2006.
GUIBERNAU, M. Nacionalismos: o estado nacional e o nacionalismo no século XX.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
GUIMARÃES, E. Uma política da língua em Said Ali (o culto como norma e a recusa
do purismo). In: Revista Anpoll. São Paulo, n°. 8, 2000.
GUTZ, R. Ruth Gutz. depoimento [jul. 2004]. Entrevistador: G.T. Dias. São Paulo:
Residência – SP. 1 cassete sonoro.
HAMÔNIA. Circular n°1 da Secretária Geral do Município de Hâmonia, de 06 de
janeiro de 1938. In: Pasta de decretos e leis. Ibirama, SC, Arquivo Histórico de
Ibirama.
HAMÔNIA. Correspondência enviada pela Inspetoria escolar municipal ao ítalo-
brasileiro Antonio Juvêncio, exigindo que o mesmo matricule seus filhos na escola
pública de Hamônia, de 02 de abril de 1937. In: Pasta de correspondências. Ibirama,
SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
HAMÔNIA. Correspondência enviada pelo Prefeito de Hamônia ao Presidente da
Comissão Executiva da Campanha de Nacionalização do ensino, solicitando a criação
de um comitê desta campanha no município, de 11 de abril de 1938. In: Pasta de
correspondências. Ibirama, SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
HAMÔNIA. Correspondência enviada pela Prefeitura Municipal de Hamônia à
Associação de Caridade Hospital Hammonia, solicitando a mesma que troque o nome
da instituição, em prol da nacionalização, de 24 de maio de 1938. In: Pasta de
correspondências. Ibirama, SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
HAMÔNIA. Correspondência enviada pela Prefeitura Municipal de Hamônia ao
Interventor Federal, informando ao mesmo sobre as festividades realizadas no
município, de 24 de maio de 1939. In: Pasta de correspondências. Ibirama, SC,
Arquivo Histórico de Ibirama.
HAMÔNIA. Decreto-lei n°. 26, de 15 de dezembro de 1938. In: Pasta de decretos e
leis. Ibirama, SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
HAMÔNIA. Decreto-lei n°. 29, de 6 de março de 1939. In: Pasta de decretos e leis.
Ibirama, SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
HAMÔNIA. Oficio n°.05, de 16 de agosto de 1939, enviado pela Escola Mixta
Municipal de Caminho da Bôa-Vista para a Prefeitura Municipal de Hamônia,
comunicando o início das atividades escolares. In: Pasta de correspondências.
Ibirama, SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
213
HAMÔNIA. Termo de visita escolar redigido pelo inspetor escolar Adolfo da Silveira,
de 08 de julho de 1939. In: Pasta de correspondências. Ibirama, SC, Arquivo Histórico
de Ibirama.
HILTON, S. A guerra secreta de Hitler no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira,
1983.
HOBSBAWN, E. A era da guerra total In: A era dos extremos. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
HOPPE, C. E. Carl Ernst Hoppe: depoimento [fev.2005].Entrevistador: G. T. Dias.
Presidente Getúlio: Relojoaria Hoppe –SC. 2 cassetes sonoros.
HORTA, J.S.B. As diferentes concepções de “diretrizes e bases” e a questão do
nacional na história da educação brasileira. Cadernos Anped, n°. 2, 1989.
JOENK, M. R. H. Martha Rumilda Haertel Joenk: depoimento [fev. 2005].
Entrevistador: G.T. Dias. Presidente Getúlio: Casa da Cultura Adele Axe – SC. 1
cassete sonoro.
JUNGES, J. Hino Getúlio Vargas In: TETARO, A. Patriotismo e liberdade. Rio de
Janeiro: Imprensa Oficial do Governo, 1937.
KAESTNER, E. Eleonora Kaestner: depoimento [fev. 2005]. Entrevistador: G.T. Dias.
Presidente Getúlio: Casa da Cultura Adele Axe – SC. 2 cassetes sonoros.
KOCH, E. Assimilação e integração simbiótica: tentativa de sinopse de discursos. In:
FIORI, N. A. (org.) Etnia e educação: a escola “alemã” do Brasil e estudos congêneres.
Florianópolis: Ed. da UFSC; Tubarão, SC: Ed. Unisul, 2003.
KOCH, W. A escola evangélica teuto-brasileira. In: FIORI, N. A. (org.) Etnia e
educação: a escola “alemã” do Brasil e estudos congêneres. Florianópolis: Ed. da
UFSC; Tubarão: Ed. Unisul, 2003.
KREUTZ, L. A Associação de professores católicos da imigração alemã, no RS, e a
Campanha da Nacionalização do Ensino (1920-1939). Disponível em:
http://www.cce.udesc.br/cem/simposioudesc/anais/st3/st3lucio.doc. Acessado em 20
de dezembro de 2005.
___________ Escolas comunitárias de imigrantes no Brasil: instâncias de coordenação
e estrutura de apoio. Disponível em: www.anped.org.br/rbe15/10-artigo9.pdf.
Acessado em 06 de fevereiro de 2006.
___________O professor paroquial católico teuto-brasileiro: função religiosa,
sociocultural e política. In: FIORI, N. A. (org.) Etnia e educação: a escola “alemã” do
Brasil e estudos congêneres. Florianópolis: Ed. da UFSC; Tubarão: Ed. Unisul, 2003.
KRUGER, C. A sineta. Rafael: Escola municipal de Rafael, 1945. In: Pasta de jornais
escolares. Ibirama: Arquivo Histórico de Ibirama, 2003.
214
KUPER, A. Cultura: a visão dos antropólogos Bauru, SP: Ed. Edusc, 2002.
LONDRES, C. A invenção do Patrimônio e a memória nacional. In: BOMENY, H.
(org.) Constelação capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.
LUNA, J. F. A política governamental para o ensino de português à imigrantes alemães
no Brasil: Geradora e destruidora da experiência da escola teuto-brasileira. In: Revista
ANPOLL, São Paulo, n° 8, 2000.
MAGALHÃES, M. B. Pangermanismo e nazismo a trajetória alemã rumo ao Brasil.
Campinas: Ed. Unicamp/ Fapesp, 1998.
Manual escolar. Blumenau:Camara Municipal de Blumenau,1930.
MACCANN, F. D. A aliança Brasil-Estados Unidos. Rio de Janeiro: Ed. Biblioteca do
exército, 1995.
MICELI, S. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2001.
_________ Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Ed.
Difel, 1979.
MOLES, A. A. Sociodinâmica da cultura. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1974.
MONTEIRO, J. Nacionalização do ensino em Santa Catarina 1930 – 1940.
Florianópolis: UFSC, Dissertação de Mestrado. Curso de Pós-Graduação em História,
1979.
MONTEIRO, J. L. Para compreender Labov. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2000.
NASCENTES, A. O Idioma Nacional na escola secundária. São Paulo: Ed.
Melhoramentos, 1935.
NAVES, S. Bachianas brasileiras n˚ 7: de Heitor Villa-Lobos. In: BOMENY, H. (org.)
Constelação Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.
NASCIMENTO, E. Em torno de Jacques Derrida. Rio de Janeiro Ed. 7 (sete) Letras,
2000.
NASCIMENTO, F de S. AS irradiações da transmissora alemã no Rio Grande do Sul.
Disponível.em:http://www.cce.udesc.br/cem/simposioudesc/anais/st5/st5nascimento.
doc. Acessado em 25 de dezembro de 2006.
NASCIMENTO, P. C. Dilemas do nacionalismo. In: Anpocs bib revista brasileira de
informação bibliográfica em ciências sociais. nº 56. São Paulo: Ed. Edusc, 2003.
NÓBREGA, P. de Orestes Guimarães e as questões educacionais de sua época: da
direção do colégio municipal de Joinville à reforma do ensino catarinense de 1911.
215
Disponível em: http://www.anped.org.br/24/P0291926962769.DOC. Acessado em 02
de fevereiro de 2006.
NOGUEIRA, M. A. As possibilidades da política. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1998.
NUNES, C. As políticas públicas de educação de Gustavo Capanema no governo
Vargas. In: BOMENY, H. (org.) Constelação capanema: intelectuais e políticas. Rio
de Janeiro: Ed. FGV, 2001.
OLIVEIRA, G. M. de, Brasileiro fala português: monolingüismo e preconceito
lingüístico. In: LOPES da SILVA, F.; MOURA, H.M. de M. (orgs) O direito à fala.
Florianópolis: Ed. Insular, 2000.
OLIVEIRA, L. L. de O intelectual do DIP: Lourival Fontes e o Estado Novo. In:
BOMENY, H. (org.) Constelação capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro:
Ed. FGV, 2001.
_________________ Tradição política: o pensamento de Almir de Andrade. In:
OLIVEIRA, L.L. de et al. Estado Novo ideologia e poder. Rio de Janeiro: Ed. Zahar,
1982.
_________________ Vargas, os intelectuais e as raízes da ordem. In: D’ARAUJO, M.
C. (org.) As instituições brasileiras da era Vargas. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, Ed.
FGV, 1999.
OLIVEN, R. G. A relação estado e cultura no Brasil: cortes ou continuidades? In:
MICELI, S. (org.) Estado e cultura no Brasil. São Paulo: Ed. DIFEL, 1984.
PAIVA, C. Escolas de Língua alemã no Rio Grande do Sul: o nazismo e apolítica de
nacionalização In: FIORI, N. A. (org.) Etnia e educação: a escola “alemã” do Brasil e
estudos congêneres. Florianópolis: Ed. da UFSC; Tubarão: Ed. Unisul, 2003.
PAUL, H. Princípios fundamentais da história da língua. Lisboa: Ed. Fundação
Calouste Gulbenkian, 1983.
PEREIRA, V. H. A. Os intelectuais, o mercado e o Estado na modernização. In:
BOMENY, H. (org.) Constelação capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro:
Ed. FGV, 2001.
PETRY, S. M. V. Os clubes de caça e tiro na região de blumenau (1859-1981).
Blumenau: Fundação Casa Dr. Blumenau, 1982.
PILLA, M.C.B.A. Manuais de Civilidade, modelos de civilização. Disponível em:
http://ich.ufpel.edu.br/ndh/rev09art04.htm. Acesso em 5 de fevereiro de 2006.
PORTO, A. O trabalho alemão no rio grande do sul. Porto Alegre: Martins Livreiro,
1996.
POUTIGNAT, P.; STREIFF-FENART. Teorias da etnicidade seguido de grupos
étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. São Paulo: Ed. Unesp, 1998.
216
RABUSKE, A. A Igreja Católica e a colonização teuto-brasileira: o caso do Rio Grande
do Sul. In: FIORI, N. A. (org.) Etnia e educação: a escola “alemã” do Brasil e estudos
congêneres. Florianópolis: Ed. da UFSC; Tubarão: Ed. Unisul, 2003.
RAMBO, A. B. O teuto-brasileiro e sua identidade In: FIORI, N. A. (org.) Etnia e
educação: a escola “alemã” do Brasil e estudos congêneres. Florianópolis: Ed. da
UFSC; Tubarão: Ed. Unisul, 2003.
ROHRBACH, P. Der deutsche gedanke in der welt. Leipzig: Blauen Bucher,1920.
ROMANELLI O. de O.; BOMENY, H. M. B., COSTA, V. M. R. Nos tempos de
capanema. São Paulo: Paz e Terra; Rio de Janeiro, FGV, 2000.
__________________ História da Educação no Brasil (1930/ 1937). Petrópolis: Ed.
Vozes, 1978.
SANTA CATARINA. Circular n°.10 da Diretoria do Interior e Justiça, de 18 de junho
de 1935. In: Pasta de decretos e leis. Ibirama, SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
SANTA CATARINA. Circular n°.39 do Departamento de Administração Municipal. In:
Pasta de decretos e leis. Ibirama, SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
SANTA CATARINA. Decreto-lei n°. 941, de 31 de dezembro de 1943. In: Pasta de
decretos e leis. Ibirama, SC, Arquivo Histórico de Ibirama.
SILVA, E. G.; WILK, F. B. Mídia, políticas identitárias e população germânica e teuto-
brasileira na região de Blumenau-SC durante o período da 2ª Guerra Mundial.
Disponível.em:http://www.cce.udesc.br/cem/simposioudesc/anais/st4/st4dietrich.doc
Acessado em 01 de janeiro de 2006.
SILVA, F. L. da; DALLABRIDA, N. Soldados para a Pátria: O Ginásio Lagunense e o
projeto de Nacionalização Brasileira (1932-1945). Disponível em:
http://www.cce.udesc.br/cem/simposioudesc/anais/st3/st3fernando.doc. Acessado
em 20 de dezembro de 2005.
SAMPAIO, R. oficio nº 106-B/O de 16 de março de 1939. In: Pasta de ofícios e
decretos. Presidente Getúlio: Arquivo Público de Ibirama, 1939.
SAYAD, A. A Imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: Universidade de
São Paulo, 1998.
SCHRADER, A. Minorias étnicas na política educacional do Brasil: escolas de língua
estrangeira nos anos 30 e 70. Revista de Antropologia, São Paulo, n. 29, 1986.
SCHWARTZMAN S. A revolução de 30 e o problema regional. Dísponivel em:
http://www.schwartzman.org.br/siomon/urgs.htm. Acesso em 10 de outubro de
2005.
217
__________________ Gustavo Capanema e a educação brasileira. Disponivel em: http//
www.schwartzman.org.br/simon/e. Acesso em 4 de outubro de 2005.
__________________ Gustavo Capanema e a educação brasileira: uma interpretação.
Disponivel em: http://www.schwartzman.org.br/simon. Acesso em 5 de outubro de
2005.
__________________ et al Nos tempos de capanema. São Paulo: Paz e Terra; Rio de
Janeiro, FGV, 2000.
_________________ O intelectual e o Poder: A carreira política de Gustavo Capanema.
Disponivel em: http:// www.schwartzman.org.br/simon. Acesso em 5 de outubro de
2005.
SELLIN, H. W. Verein für Deutschtum im Auslande - Allgemeiner Deutscher
Schulverein. Hamburg: Ortsgruppe E.D.,1909.
SEYFERTH, G. A conflituosa história da formação da etnicidade teuto-brasileira
In: FIORI, N. A. (org.) Etnia e educação: a escola “alemã” do Brasil e estudos
congêneres. Florianópolis: Ed. da UFSC; Tubarão: Ed. Unisul, 2003.
______________ Imigração, colonização e identidade étnica. (Notas sobre a
emergência da etnicidade em grupos de origem européia no Sul do Brasil). In: Revista
de antropologia, São Paulo, n° 29, 1986.
SILVERIO DE SOUSA, J A educação na escola: três discursos. São Paulo: Ed.
Melhoramentos, 194 ¯ .
SOUZA, R.L. de. Uma raça mista, uma sociedade homogênea: o projeto étnico do
catolicismo em santa catarina.
Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~larc/artigo_raca_mista_rogerio.htm.
Acesso em 27 de julho de 2004.
TETARO, A. Patriotismo e liberdade. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial do Governo,
1937.
TEIXERA, A. S. A educação e a crise brasileira. São Paulo: Ed. Companhia Editora
Nacional, 1956.
TRINDADE, E. M. de C. Uma escola teuto-brasileira em Curitiba: o Colégio da Divina
Providência. In: FIORI, N. A. (org.) Etnia e educação: a escola “alemã” do Brasil e
estudos congêneres. Florianópolis: Ed. da UFSC; Tubarão: Ed. Unisul, 2003.
VELLOSO, M. P. Cultura e poder político: uma configuração do campo intelectual. In:
OLIVEIRA, L.L. et al. Estado Novo ideologia e poder. Rio de Janeiro: Ed. Zahar,
1982.
VIRTUOSO, T. dos S. Comunidades étnicas – culturas diferentes nacionalismo a
homogeneização das culturas. Disponível em: http:
218
//www.cce.udesc.br/cem/simposioudesc/anais/st3/st3tatiane.doc. Acessado em 21 de
dezembro de 2005.
VOGT, O. P. Medo, intriga e perseguição: repercussão da campanha de nacionalização
em santa cruz do sul, RS.
Disponível em: http:// www. lainsignia.org/2001/julio/cul_001.htm.Acesso em 31 de
julho de 2004.
VOIGT, H. Alegria infantil. Gustavo Richard: Escola mista municipal de caminho do
posto, 1943. In: Pasta de jornais escolares. Ibirama: Arquivo Histórico de Ibirama,
2003.
VOIGT, M. R. Imigração e cultura alemã no vale do itajaí: educação, religião e
sociedades na história de timbó (SC). 1869-1939. Florianópolis: UFSC, Dissertação de
Mestrado. Curso de Pós-Graduação em História, 1996.
WEBER, M. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Ed.
Companhia das Letras, 2004.
___________ A política como vocação. In: Ciência e Política duas vocações. São
Paulo: Ed. Cultrix, 1996.
__________ Capítulo IX. Sociologia da dominação. In: Economia e sociedade. Vol.2.
São Paulo: Imprensa Oficial, 2004.
WIESE, H. A inserção da língua portuguesa na colônia hammonia. Ibirama:
Edigrave, 2003.
_________ De neu zürich a presidente getúlio: Uma história de sucesso. Presidente
Getúlio: Nova Era, 2000.
_________De neu zürich a presidente getúlio: Uma história de sucesso (2°. Edição).
Presidente Getúlio: Nova Era, 2004.
_________ Harry Wiese: depoimento [fev. 2005]. Entrevistador: G.T. Dias. Ibirama:
Residência – SC. 2 cassetes sonoros.
WILLEMS, E. Evolução social, progresso e educação. In: Sociologia: revista didática
e científica. Vol.III n°4. São Paulo: Ed (s/n), outubro de 1940.
WIPPEL R. O Sábia. José Boiteux: Escola municipal de rio scharlach, 1943. In: Pasta
de jornais escolares. Ibirama: Arquivo Histórico de Ibirama, 2003.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo