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Para que o homem possa compartilhar a sua opinião com os demais é
necessário que a sua própria opinião seja tida por verdadeira. “A frase socrática sei
que nada sei, não significa mais do que: sei que não tenho a verdade para todos,
não posso saber a verdade do outro, a não ser perguntando-lhe e, assim,
conhecendo a sua doxa, que se lhe revela distintamente de como se revela aos
outros.”
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O mais importante é a veracidade que implica sempre estar de acordo
consigo mesmo. O princípio da não contradição é a origem não apenas da lógica
mas, sobretudo, da ética.
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Representa a possibilidade de aparecer não apenas para
os outros mas para si próprio, o que permite uma tomada de posição perante os
problemas do mundo. Tal questão é da maior relevância política, pois o diálogo de
mim comigo mesmo é a primeira condição do pensamento, que deixa de ser
prerrogativa apenas dos filósofos, para ser qualidade também do cidadão. É a
garantia do bom funcionamento da polis, pois a veracidade, ser fidedigno consigo
mesmo implica no respeito as regras de comportamento por convicção própria e
não por simples medo da punição da lei ou do castigo religioso.
Sócrates acreditou que a virtude pudesse emergir deste diálogo que
examina o que se entende por piedade, justiça, coragem. Nas palavras de Arendt,
“assim, em vez de repetir o que aprendemos com Aristóteles, isto é, que Sócrates
foi o homem que descobriu o ‘conceito’, deveríamos nos perguntar o que Sócrates
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ARENDT, Hannah. O que é Política? p. 100.
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“Sócrates nada ensinou; nunca soube as respostas para as perguntas que fazia. Examinava por
amor ao exame, não pelo amor ao conhecimento. Se tivesse sabido o que eram o coração, a justiça,
a piedade, não mais teria necessidade de examiná-las, de pensar sobre elas. A unicidade de Sócrates
está nessa concentração no próprio pensamento, a despeito de resultados. Não há motivo ou
objetivo posteriores ao empreendimento como um todo. Uma vida destituída de exame não vale a
pena ser vivida. Isto é tudo a esse respeito. Na realidade, o que ele fez foi tornar público, no
discurso, o processo do pensamento – aquele diálogo sem som que se dá dentro de mim comigo
mesmo; ele atuou no espaço do mercado, assim como o flautista atua em um banquete. É pura
atuação, pura atividade. E assim como o flautista tem que seguir certas regras para atuar bem,
Sócrates descobriu a única regra que governa os rumos do pensamento – a regra da consistência
(como Kant a chamaria na Crítica do juízo), ou como mais tarde a chamamos, o axioma da não-
contradição. Este axioma, que para Sócrates era tanto “lógico” (não fale ou pense contra-sensos)
quanto ético (é melhor discordar das multidões do que, sendo um, estar em desacordo comigo
mesmo, isto e, contradizer-me), tornou-se, com Aristóteles, o primeiro princípio do pensamento,
mas apenas do pensamento. Com Kant, entretanto, ele voltou a ser novamente parte da ética, pois a
totalidade de seu ensinamento moral repousa, de fato sobre ele; em Kant, a ética também está
baseada em um processo de pensamento: aja de maneira tal que possa desejar que a máxima de sua
ação torne-se uma lei geral, isto é, uma lei à qual você também se submeteria. Novamente é a
mesma regra geral que determina tanto a ação quanto o pensamento – não se contradiga (não a seu
eu, mas a seu ego pensante)”. (Id., Filosofia e Política. In: A dignidade da política. p. 104).