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Telma Cristina de Almeida Silva Pereira
O ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS COMO
UM FATOR DE INCLUSÃO SOCIAL
O desafio da francofonia no Rio de Janeiro
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Letras da PUC-Rio como requisito parcial para
a obtenção do título de Doutor em Letras
Orientador: Prof. Dr. Jürgen Walter Bernd Heye
Rio de Janeiro, setembro de 2006
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0220913/CA
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Telma Cristina de Almeida Silva Pereira
O ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS COMO
UM FATOR DE INCLUSÃO SOCIAL
O desafio da francofonia no Rio de Janeiro
Tese apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutor pelo Programa de
Pós-graduação em Letras da PUC-Rio.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo
assinada.
Prof.Jürgen Walter Bernd Heye
Orientador
Departamento de Letras – PUC-Rio
Prof
a
. Mônica Maria Guimarães Savedra
Departamento de Letras – PUC-RIO
Prof
a
. Adriana Ferreira de Sousa de
Albuquerque
Departamento de Letras – PUC-RIO
Prof. Pierre François Georges Guisan
Departamento de Letras Neo-Latinas - UFRJ
Prof. José Ribamar Bessa Freire
Centro de Educação e Humanidades- UERJ
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Coordenador Setorial do Centro de Teologia e
ciências Humanas – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 05 de setembro de 2006
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0220913/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial do trabalho sem autorização do autor, do orientador e
da universidade.
Telma Cristina de Almeida Silva Pereira
Graduou-se em Letras (português- francês) pela UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 1987.
Especializou-se em Língua e Literatura Francesa pela UFRJ
em 1989. Obteve o título de Mestre em Letras pela UERJ
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro) em 2002.
Participou como membro de projetos de pesquisa na área de
sociolingüística apoiados pelo CNPq e pela FAPERJ. Foi
bolsista CAPES/PDEE na Université de Provence em 2006.
Participou de diversos congressos nacionais e internacionais na
área de lingüística e língua francesa. É pesquisadora do grupo
de pesquisa Política e Planificação Lingüística no Brasil
(CNPq)
FICHA CATALOGRÁFICA
Pereira, Telma Cristina de Almeida Silva
O ensino de línguas estrangeiras como um
fator de inclusão social: o desafio da francofonia
no Rio de Janeiro / Telma Cristina de Almeida
Silva Pereira; orientador: Jürgen Walter Bernd
Heye. – 2006.
164 f. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Letras)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2006.
Inclui bibliografia
1. Letras Teses. 2. Política Lingüística. 3.
Sociolingüística. 4. Educação. 5. Ensino de
Língua Estrangeira. I. Heye, Jürgen Walter Bernd.
II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Departamento de Letras. III. Título.
CDD: 400
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A Egberto e Francisca,
meus amados e presentes
supporteurs,
Aos sonhos dos meus pais.
Ao camarada L.J, que aqui
e ailleurs, me mostrou que
podemos sonhar com os
pés no chão.
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Agradecimentos
Ao querido e grande orientador Jürgen Heye pelo aguçado senso crítico, estímulo e
confiança.
A Prof ª Mônica Savedra, companheira de projetos, pelo incentivo dado ao tema
desta pesquisa que começou a germinar durante o Mestrado, por sua amizade ao
longo desse tempo.
Aos demais professores do Programa de Pós- Graduação em Letras da Puc-Rio,
em especial a Prof. Rosa Marina, Tânia Saliès e Maria do Carmo cujos
ensinamentos contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho.
Ao CNPq e à CAPES pelo auxílio financeiro durante o curso.
Aos responsáveis pelas secretarias de Educação dos municípios de Resende,
Macaé e Nova Iguaçu, e à Prof. Ana Maria Lucena, responsável pelo setor de
línguas estrangeiras da SME do Rio de Janeiro.
À Prof.ª Lélia Kalil Thiago, Diretora do DAA/SR-1/UERJ, pela colaboração no
levantamento de dados para este trabalho.
Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Letras da
PUC-Rio, em especial a Francisca Ferreira Oliveira.
A Université d`Aix-en-Provence, em especial ao Institut de la Francophonie, pela
acolhida e apoio durante o estágio Capes/PDEE nesta instituição.
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Em especial, ao Prof. Louis-Jean Calvet, da Université de Provence, sociolingüista
sem fronteiras, por sua generosidade, sua contribuição teórica e seu incentivo ao
longo do desenvolvimento desta tese.
A Marilúcia Marques, bolsista de IC-PUC-Rio, que me ajudou na aplicação de
questionários.
Aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Letras, em especial aos que
passaram ou que passam pela área de sociolingüística: Kelly, Karina,
Carmem,Tânia, Beate...
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Resumo
Pereira, Telma Cristina de Almeida Silva. Heye, Jürgen Walter Bernd
(Orientador). O ensino de línguas estrangeiras como um fator de inclusão
social: o desfio da francofonia no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2006.
164p. Tese de Doutorado – Departamento de Letras, Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
A pesquisa O ensino de línguas estrangeiras como um fator de inclusão social:
o desafio da francofonia no Rio de Janeiro tem por objetivo analisar o efeito das
políticas lingüísticas para o ensino de línguas estrangeiras no Estado do Rio de
Janeiro, partindo de um pressuposto básico da sociolingüística que é aquele que
propõe estabelecer uma relação entre língua e sociedade. Esta análise considera dados
provenientes do contexto histórico, econômico e cultural de alguns municípios do
Estado selecionados para este estudo. Consideramos a inserção sócio-econômica dos
cidadãos nas regiões estudadas como um dos critérios para julgar a eficácia das
políticas lingüística adotadas. Para tanto, consideramos as políticas lingüísticas no
domínio das línguas estrangeiras levando primeiramente em conta as medidas
legalmente explicitadas através de leis e decretos, assim como procuramos mostrar de
que modo uma parcela da sociedade resolve as lacunas relacionadas à oferta de
ensino de línguas no sistema educacional.
Palavras-chave
Política Lingüística, Sociolingüística, Ensino de Línguas Estrangeiras.
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Abstract
Pereira, Telma Cristina de Almeida Silva. Heye, Jürgen Walter Bernd
(Advisor) The enseigment of the foreign languages as a factor of social
inclusion: the challenge of the francophonie in Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, 2006. 164p. Phd. Thesis – Departamento de Letras, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro
This study analyzes the effect of language policies for the teaching of foreign
languages in the State of Rio de Janeiro, Brazil, based on the basic postulate of
sociolinguistics - that of establishing a relation between language and society. Our
analysis takes into account a set of data derived from the historical, economic and
social context of a few selected municipalities of the State. We consider the socio-
economic insertion of citizens in the regions under investigation as one of the criteria
to evaluate the efficiency of the language policies adopted. Thus, we consider the
language policies as reflected in the teaching of foreign languages, taking into
account, first of all, the legal means and measures, as expressed in laws and decrees.
We also attempt to show how a part of the society fills the gaps related to foreign
language teaching-or the lack thereof- in the educational system.
Keywords
Sociolinguistics, Language policies, Foreign Language, Teaching
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Resumen
Pereira, Telma Cristina de Almeida Silva. Heye, Jürgen Walter Bernd
(Director). El enseigment de las lenguas extrajeras como un factor de
inclusión social: lo desafío de la francofonía en Río de Janeiro. Rio de
Janeiro, 2006. 164p. Tesis de Doctorado – Departamento de Letras, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Este trabajo tiene como objetivo analizar el efecto de las políticas lingüísticas
para enseñar lenguas extranjeras en el Estado de Rio de Janeiro, partiendo del
principio básico de la sociolingüística que es aquel que propone establecer una
relación entre lengua y sociedad. Este análisis considera datos provenientes del
contexto histórico, económico y cultural de algunos municipios del Estado.
Consideramos la inserción socio-económica de los ciudadanos en las regiones
estudiadas como uno de los criterios para juzgar la eficacia de las políticas
lingüísticas adoptadas. Para tal efecto, consideramos las medidas legalmente
explicitadas a través de leyes y decretos y posteriormente, si tales políticas
corresponden a los perfiles de los municipios.
Palabras-clave
Sociolingüística, políticas lingüística, lengua extranjeras
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Zusammennfassung
Pereira, Telma Cristina de Almeida Silva. Heye, Jürgen Walter Bernd
(Direktor). Der enseigment der Fremdsprachen wie ein Faktor sozialer
Einschließung: der defis der Frankophonie in Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, 2006. 164p. Doktorarbeit – Departamento de Letras, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Ziel der vorliegenden Arbeit ist es, ausgehend von der grundlegenden
Annahme der Soziolinguistik, die eine Beziehung zwischen Sprache und Gesellschaft
herstellt, die Auswirkungen der sprachpolitischen Maßnahmen auf den
Fremdsprachenunterricht im Bundesstaat von Rio de Janeiro zu analysieren. Die
vorliegende Analyse stützt sich auf Daten des historischen, wirtschaftlichen und
kulturellen Kontexts einiger Regierungsbezirke des Bundesstaats, die für diese Studie
ausgewählt wurden. Die sozioökonomische Integration der Bürger in die untersuchten
Regionen wird als eines der Kriterien benutzt, um die Effizienz der sprachpolitischen
Maßnahmen zu beurteilen. Dafür wird die Sprachpolitik bezüglich der
Fremdsprachenbeherrschung berücksichtigt, v.a. solche Maßnahmen, die rechtsgültig
durch Gesetze und Dekrete ausgedrückt werden und darauf folgend wird untersucht,
ob diese den Anforderungen der Bezirkskreise entsprechen.
Schlüsselwörter
Soziolinguistik, Sprachpolitik, Erziehung.
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Résumé
Pereira, Telma Cristina de Almeida Silva. Heye, Jürgen Walter Bernd
(Directeur de thèse). L’enseigment des langues étrangères comme um
facteur d’inclusion sociale: le defi de la francophonie à Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, 2006. 164p. Thèse de Doctorat – Departamento de Letras,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Ce travail a pour but d’analyser l’effet des politiques linguistiques sur
l’enseignement des langues étrangères à l’état de Rio de Janeiro, prenant
par principe l’un des concepts de bases de la sociolinguitsique qui propose
d’établir un lien entre langue et société. Cette analyse prend en compte des
données issues du contexte historique, économique et culturel de quelques
municipalités de l’État . Nous avons consideré l’insertion sócio-économique
des citoyens des régions étudiées comme l’un des critères d’évaluation de
l’efficacité des politiques linguistiques adoptées. Notre point de départ ont été
les politiques des langues étrangères explicitées à travers des lois et des
décrets pour ensuite vérifier comment la société agit face aux lacunes
concernant l’offre de l’enseignement des langues dans le système
éducationnel.
Mots-clefs
Politique linguistique, sociolinguistique, éducation.
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SUMÁRIO
1. Introdução 21
1.1 Delimitação do tema 25
1.2. Justificativa da pesquisa 28
1.3 Objetivos da pesquisa 29
1.4. Metodologia adotada 30
1.5 Organização do trabalho 30
2. Política lingüística: fundamentação teórica 31
2.1 Introdução 31
2.2 Política lingüística: conceitos 34
2.3 Intervenções in vivo e in vitro: uma relação de forças 41
2.4 Intervenções lingüísticas no Brasil: entre o in vivo e o in vitro 43
3. O ensino de línguas estrangeira no Brasi
e a Lei de Diretrizes e Bases 49
3.1 Introdução 49
3.2 As primeiras Intervenções lingüísticas no Brasil 51
3.3 Percurso histórico da LDB 55
3.4 O ensino de línguas estrangeiras segundo a LDB 67
4. Globalização e política lingüística para o ensino
de línguas estrangeiras 74
4.1 Introdução 74
4.2 Globalização: conceitos 77
4.3 Línguas e colonização: “La compãnera del Império” 81
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4.4 Línguas e globalização: “a língua é minha Pátria, e eu não
tenho Pátria, tenho mátria, e quero frátria...” 86
4.5 As escolas bilíngües no Rio de Janeiro 89
4.6 Ensino de línguas estrangeiras e escolas bilíngües:
entre o bilingüismo horizontal e o bilingüismo vertical 92
4.7 A escola bilíngüe francesa (Lycée Molière): um exemplo
de bilingüismo vertical 95
5. O descompasso entre a política lingüística oficial
e a realidade dos municípios fluminenses:Rio de Janeiro,
Macaé, Resende 100
5.1 Introdução 100
5.2 Origem dos municípios como unidades administrativas 101
5.3 O Estado do Rio de Janeiro 105
5.4 Divisão regional do estado do Rio de Janeiro 110
5.5 Rio de Janeiro: “cidade maravilha purgatório
da beleza e do caos” 113
5.5.1 Ensino de línguas estrangeiras no município do Rio de Janeiro 115
5.6 Resende: pólo do desenvolvimento do Médio Paraíba 120
5.7 Macaé: a capital da indústria do petróleo 123
5.7.1 Ensino de línguas em Macaé 125
6. O reflexo das políticas de ensino de línguas
estrangeiras no Rio de Janeiro 127
6.1 Introdução 127
6.2 Línguas estrangeiras no vestibular estadual 128
6.3 Formação e representação lingüística 132
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7. A francofonia: descentralizar para democratizar
o ensino do francês 140
7.1 Introdução 140
7.2 A francofonia: origens 141
7.3 Áreas de atuação da francofonia 145
7.4 A descentralizacão do ensino do francês:
um desafio para a francofonia 146
8.Considerações finais 148
9. Referências bibliográficas 154
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Lista de Tabelas
Tabela 1: Perfil das escolas bilíngües no município do Rio de Janeiro 94
Tabela 2: Línguas estrangeiras nas escolas vinculadas
à AEFE localizadas os países membros do Mercosul 99
Tabela 3: Empresas francesas no Estado do Rio de Janeiro 109
Tabela 4: Número de escolas em 2004 111
Tabela 5: Cursos de línguas no Estado do Rio de Janeiro 117
Tabela 6: Números relativos ao vestibular Uerj 2006,
2
a
fase – exame discursivo 132
Tabela 7: Que língua(s) você fala 135
Tabela 8: A língua mais útil 135
Tabela 9: A língua mais fácil 135
Tabela 10: A língua mais difícil 136
Tabela 11: A língua que gostaria que os filhos apreendessem 136
Tabela 12: A língua mais bonita 136
Tabela 13: Regiões ou cidades plurilíngües no Brasil 138
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Tabela 14: Onde se localizam essas regiões? 138
Tabela 15: Qual ou quais as línguas são faladas no Brasil 138
Tabela 16: Quais são as línguas faladas no Mercosul 138
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Lista de Figuras
Figura1: Mapa do estado do Rio de Janeiro mostrando as
principais cidades das regiões de governo.
Em destaque, as cidades abordadas neste estudo 106
Figura 2: Regiões de Governo do Estado do Rio de Janeiro 110
Figura 3 – Localização das filiais da Aliança Francesa
nas regiões com maiores índices de desenvolvimento
humano (IDH) da cidade do Rio de Janeiro 119
Figura 4 – Distribuição do Produto Interno Bruto
no Estado do Rio de Janeiro 121
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Lista de Quadros
Quadro1: Dados socioeconômicos do Estado do Rio de Janeiro 105
Quadro 2: Opção língua estrangeira na primeira
fase do vestibular estadual 2006 131
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Siglas
ABM: Academia de Bombeiros Militar D.Pedro II
APM: Academia de Polícia Militar D.João VI
ABRALIN: Associação Brasileira de Lingüística
AUF: Agence Universitaire de la Francophonie
CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CIDE: Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro.
CIPLA: Congresso Internacional de Política Lingüística na América do Sul.
CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CPLP: Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
ENPLE: Encontro Nacional sobre Política de Ensino de Línguas
Estrangeiras.
FILE: Fórum Internacional de Ensino de Línguas Estrangeiras.
GELNE: Grupo de Estudos Lingüísticos do Nordeste
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira.
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IPEA: Instituto de Política Econômica e Aplicada
IPOL: Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística.
LDB: Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
LE: língua estrangeira
MERCOSUL: Mercado Comum do Sul
OEI: Organização de Estados Ibero-Americanos.
OIF: Organização Intergovernamental da Francofonia
PCNs: Parâmetros Curriculares Nacionais.
PNE: Plano Nacional de Educação
SBPC: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
UENF: Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
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1
I
NTRODUÇÃO
Deus é um cara gozador
Adora brincadeira
Pois pra me jogar no mundo
Tinha o mundo inteiro
Mas achou muito engraçado
Me botar cabreiro
Na barriga da miséria
Nasci brasileiro
Eu sou do Rio de Janeiro
(Partido alto; Chico Buarque)
As epígrafes ajudam a preencher simbolicamente a perspectiva que o
autor pretende dar ao desenvolvimento de seu trabalho, no caso do presente
estudo não é diferente. A epígrafe aqui escolhida permite que sinalizemos o
viés teórico deste estudo que pretende mostrar a relação entre o
aprendizado de línguas estrangeiras no Brasil, em particular no Estado do
Rio de Janeiro, e como ela se encaixa na dinâmica da inclusão social.
A articulação entre línguas e inserção social já vem sendo investigada
principalmente em trabalhos que abordam contextos de imigração, nos quais
os termos inserção, assimilação, integração e exclusão balizam as
abordagens. Castellotti e De Robillard, (2001) apontam que o emprego de
tais termos indica o modo pelo qual as sociedades agem diante do que é
diferente. Assim, segundo estes autores, o termo assimilação seria uma
herança da política ligada aos ideais da Revolução francesa, predominante
até meados do século XX, que ignorava ou tentava erradicar as diferenças. A
política de integração que aparece entre os anos 60 e 70 apoiava-se
principalmente nas questões da deficiência física sem extender-se ao
domínio social. O termo inserção substituiu progressivamente aquele de
integração refletindo as mudanças em relação ao tratamento do diferente.
Castellotti e De Robillard (2001, p.6) destacam:
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22
Quant à la substituition progressive du terme d’insertion `a celui
d’intégration, il traduit une évolution dans la conception des roles
des différents partenaires dans la prise en compte st le traitement
des differences. […] Face à l’exclusion, l’insertion apparaît donc
comme une réponse impliquant l’ensemble du tissu social et
nécessitant une réflexion sur les synergies et les complémentarités
entre les différents domaines et espaces où elle peut s’opérer.
No presente estudo, abordamos a questão do acesso ao ensino de
línguas estrangeiras como um fator de inserção ou inclusão social em um
contexto diferente daquele focalizado por Castellotti & Robillard (op. cit), no
qual predomina a situação dos imigrantes na França, porém mantendo em
comum a dimensão lingüística como um fator de inserção.
A origem da desigualdade social que demanda reflexões em todos os
domínios, a respeito de políticas de inclusão, está no fato de fazermos parte
de um país cujo desenvolvimento econômico colonial baseou-se nos pilares
de uma enorme concentração inicial da propriedade fundiária e da
importação maciça de mão-de-obra escrava.
Consideramos neste estudo as peculiaridades de alguns municípios
do Estado do Rio de Janeiro, levando em conta que ensino de línguas está
diretamente relacionado aos longos períodos de elitização educacional, de
exclusão e de desigualdade social, constituindo um traço desenvolvido nas
estruturas sociais a partir do período colonial. Desde este período, mesmo o
idioma usado na colônia, recebido da metrópole, conservava traços da
diferenciação de classe, as classes inferiores não falavam a mesma língua
dos senhores de terras e da administração; as atividades intelectuais e
clericais eram exercidas em latim; a utilização de uma língua culta, em
contraposição a uma língua popular, denunciava o divórcio existente entre os
homens de pensamento e o povo.
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23
Observamos que tal divórcio perpetua-se, entre outros domínios,
naquele relacionado ao acesso às línguas estrangeiras. Ao falarmos em
política lingüística para o ensino de línguas estrangeiras seria desejável que
a princípio houvéssemos realmente no Brasil uma política lingüística clara e
bem definida neste domínio, no entanto o que temos são leis e decretos que
nem sempre precedem de um planejamento, e menos ainda de um trabalho
de consulta às comunidades escolares, por exemplo. E ainda que o sistema
de ensino seja regido pela Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
(LDB), são os estados e municípios que se encarregam do processo de
escolarização, desde a pré-escola até o ensino médio. Então como e quem
deveria definir que línguas estrangeiras ensinar,, por quais razões e levando
em conta que tipo de contexto?
Evocamos propositadamente a atuação da Francofonia
1
primeiramente por se tratar de um movimento em favor de um idioma, o
francês, que tem entre os seus princípios a defesa da diversidade cultural e
por aventar propostas de cooperação descentralizada em favor da promoção
do idioma em consonância com os contextos plurilíngües; uma das
vantagens da promoção do plurilingüismo no sistema educacional pode ser
uma forma de evitar a centralização do ensino de uma língua estrangeira em
torno de uma única língua, o inglês.
Uma outra razão é porque a língua francesa ocupa um lugar
importante nas representações lingüísticas da população, como veremos em
1
Segundo Leclerc (2006), Atualmente, fala-se em francofonia (com f minúsculo) para se
referir aos povos ou grupos de locutores que utilizam parcial ou inteiramente a língua
francesa no seu dia a dia ou como língua de comunicação. O termo Francofonia (com letra
maiúscula) refere-se principalmente ao conjunto de governo, países ou instâncias oficiais
que têm em comum o uso do francês em seus trabalhos e interações. Trata-se, portanto, de
de duas realidades diferentes: francofonia (povos e locutores) ou Francofonia (governos
ou países).
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24
uma enquête realizada em algumas universidades da cidade do Rio de
Janeiro e, terceiro, embora os motivos só se limitem aqui por uma questão
metodológica, porque esta língua e a cultura que ela veicula (especialmente
a cultura francesa), já tiveram um lugar de destaque na educação, na cultura,
e na vida cotidiana da cidade do Rio de Janeiro. Um exemplo desta presença
encontra-se na antologia preparada por Isabel Lustosa (2001) na qual são
inúmeras as referências à língua francesa na literatura nacional dos séculos
XIX e XX que tinha por cenário a cidade do Rio de Janeiro.
Estas razões não isentam o poder público e a sociedade civil de suas
responsabilidades na elaboração de uma política lingüística para o ensino de
línguas. Evocamos a francofonia nesta análise sobretudo porque em sua
terceira fase, segundo a divisão proposta por Wolton (2006), ela se propõe a
conjugar cultura, economia, democracia e sociedade.
O contexto social selecionado para este estudo encontra-se no Estado
Rio de Janeiro, e como a barriga da miséria é consideravelmente grande,
detivemo-nos não só no município do Rio, mas também em outros
municípios do estado, alvo de migrações internas e/ou externas. Logo,
procuramos tecer uma linha de investigação que associa também o acesso
ao ensino de línguas ao contexto político-econômico do Estado do Rio e do
país. No caso da cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, podemos assinalar
que o desenvolvimento de um plurilingüismo de elite, através de escolas
bilíngües e de cursos privados, é um exemplo de como uma parcela da
população age in vivo em relação ao aprendizado de línguas.
Por se tratar de uma região referenciada como a capital cultural do
país, centro de uma região metropolitana, com uma forte vocação turística,
sem uma história de línguas em contato como aquela observada no sul do
país e, ao mesmo tempo, uma região com flagrantes desníveis
socioeconômicos, nos perguntamos qual o papel das línguas estrangeiras
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25
neste resumido perfil sociolingüístico; que política lingüística para o ensino
de línguas é a mais pertinente para promover, por exemplo, a inserção
social.
Finalmente, esta representação simbólica a qual nos referimos mais
acima deve afinar-se com uma abordagem teórica que nos permita focalizar
esta parcela da sociedade por um de seus aspectos lingüísticos. Esta
abordagem fundamenta-se na Sociolingüística, mais precisamente nos
estudos sobre política lingüística, para entendermos a associação entre
dominação social e dominação lingüística. O contexto sobre o qual se
fundamenta este estudo justifica-se, em parte, na perspectiva de Calvet
(2002a), para que tal abordagem se dê em um terreno marcadamente
urbano. Uma das razões apontadas por esse autor é o fato da cidade ser em
muitos contextos um lugar de variação e de contato de línguas e,
conseqüentemente, de conflitos e de problemas de comunicação.
1.1
Definição do tema.
Abordar o estudo do ensino de línguas estrangeiras em associação
com o tema política lingüística despertou nosso interesse, primeiramente,
como professora de francês ao constatarmos que nossa área de atuação
limitava-se muito mais no âmbito do ensino privado, onde era maior a oferta
de trabalho, que nas escolas públicas. Posteriormente, durante o
desenvolvimento da coleta de dados para nossa pesquisa de mestrado em
uma escola francesa no Rio de Janeiro (Pereira, 2002), pesquisa esta
vinculada ao Projeto Integrado do CNPq
2
, sobre a aquisição da língua
portuguesa em escolas bilíngües na cidade do Rio de Janeiro observamos
2
Projeto coordenado pela Prof.ª Dr ª Mônica Savedra, que investigou três escolas de língua
inglesa, uma de língua alemã e uma de língua francesa, no período entre 1999-2001.
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26
que as diferentes propostas analisadas para uma educação bilíngüe e as
políticas lingüísticas dos países representados pelas línguas de alfabetização
e pelas segundas línguas ensinadas, desempenhavam um papel relevante
no processo de aquisição formal da língua portuguesa. Isto pôde ser
observado desde as diferentes estruturações das disciplinas nas diferentes
línguas oferecidas nas escolas, passando pela formação dos professores
que ministravam essas disciplinas, pelas interações entre professores e
alunos em sala de aula, pela denominação das séries escolares, até o
espaço físico no qual se dava a aquisição da segunda língua.
O estudo do perfil da clientela das escolas analisadas, geralmente
classe média alta, demonstrava que a opção por uma educação baseada em
uma língua estrangeira continua sendo uma preocupação das classes sociais
mais abastadas, atitude já assinalada por Freyre (1990; p.417):
É verdade que depois da independência começaram a aparecer
colégios particulares, alguns de estrangeiros, pedagogos ou
charlatães.; e a freqüenta-los filhos de magistrados e altos
funcionários públicos, de negociantes e até de senhores de
engenho.
A justificativa apresentada pelos pais para a escolha por este tipo de
ensino está relacionada ao fato de seus filhos terem a possibilidade de seguir
seus estudos no exterior e maiores oportunidades no mercado de trabalho.
O mesmo fenômeno de busca de prestígio não difere muito daquele
observado nos habitantes da Papua Nova-Guiné, ao passarem do uso da
língua vernácula taiap para o tok pisin. Neste caso, as pessoas, sobretudo
aquelas da metrópole, foram associando progressivamente o tok pisin com
as possibilidades econômicas do mundo moderno. De fato, quem dominasse
a língua da metrópole dominava não somente o jogo econômico como
também lhe definia as regras (Romaine e Nettle, 2003). Diríamos que no
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caso do Brasil, nossas elites consideravam como metrópole os países mais
desenvolvidos da Europa; ser alfabetizado em francês torna-se um traço de
distinção social no sentido empregado por Bourdieu (2001).
Situamos esta pesquisa na perspectiva da sociolingüística, mais
precisamente na área de política lingüística. O foco principal é observar o
acesso ao aprendizado de línguas estrangeiras em diferentes municípios do
Estado do Rio de Janeiro, selecionados neste estudo a partir de uma
particularidade em comum, a sua relação com a globalização econômica
(Macaé e Resende) o por ocupar o papel de centro político do Estado (Rio de
Janeiro). O processo de globalização traz a tona a questão do ensino das
línguas estrangeiras não só porque entra em jogo a interação internacional
mas também porque põe em evidência as condições para que os indivíduos
estejam aptos a participarem dessa interação, o conhecimento de línguas é
sem dúvida uma delas.
Neste contexto, é necessário que se observe modo como as políticas
lingüísticas para o ensino de línguas, associadas aos contextos sócio-
econômicos dos municípios estudados, podem contribuir para a promoção da
inserção social dos indivíduos. A caracterização dos municípios faz-se
necessária para avaliar se as políticas propostas são pertinentes com as
necessidades reais dos cidadãos.
Nosso foco inicial pretendia abordar outros municípios que compõe a
região metropolitana do Rio de Janeiro, porém diante da dificuldade em obter
dados relativos ao ensino de línguas junto às respectivas secretarias de
educação desses municípios nos levou a delimitar o estudo ao município do
Rio de Janeiro e aos municípios de Resende e Macaé.
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28
1.2
Justificativa da pesquisa
Os estudos sociolingüísticos no Estado do Rio de Janeiro que tenham
por tema políticas lingüísticas para ensino de línguas ainda são incipientes.
Observamos algumas abordagens em lingüística aplicada relacionada ao
ensino de línguas, mas são perspectivas que priorizam as práticas em sala
de aula.
No entanto, uma abordagem que relacione a oferta a um ensino
plurilíngüe às políticas lingüísticas constitui-se em um tema de relevância
social e que necessita de um número maior de reflexões, sobretudo se
considerarmos que estamos tratando de um Estado que atrai um grande
número de imigrantes, internos e externos, com grandes bolsões de pobreza
e de concentração de renda, com regiões que começam a conhecer um
rápido desenvolvimento industrial mas que ainda não o traduziu em termos
sociais, um Estado no qual uma educação bilíngüe desvirtua-se na função de
ser mais um diferenciador social.
São fatos como estes que nos levam a analisar as políticas oficiais
para o ensino de línguas no Brasil no âmbito da história das relações de
forças e de interesses do cenário político nacional bem como o papel das
línguas neste cenário. De acordo com Cooper (1997: 215), a língua (e
acrescentaríamos as línguas) é uma instituição fundamental da sociedade
sobre a qual se pautam outras instituições, o que significa que um
planejamento sobre a mesma tem repercussões na sociedade.
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29
1.3
Objetivos da pesquisa
Através deste estudo gostaríamos de chamar atenção para a
situação do ensino de línguas no Estado do Rio de Janeiro e da necessidade
de mostrar que, em termos de política lingüística, as escolhas devem ser
compatíveis com as diferentes realidades regionais do país.
Muitas das possíveis soluções já foram implementadas com sucesso
em outras regiões, como os centros de línguas no Paraná. Gostaríamos
também de apontar que tais soluções podem surgir da parceria entre as
instâncias públicas e privadas, principalmente nas regiões diretamente
ligadas à dinâmica da globalização. Finalmente, temos por objetivo
evidenciar que medidas dessa natureza demandam uma vontade política
firme que considere a educação em toda a sua capacidade de transformar a
sociedade.
A idéia que procuramos defender neste trabalho apresenta o ensino
de línguas estrangeiras sob dois ângulos que se complementam: (a) aquele
que associa a competência em uma língua estrangeira como fator de
inclusão social e (b) aquele que prevê que o aprendizado de línguas pode
levar em conta o contexto socioeconômico dos falantes. Ilustramos essa
posição com a seguinte afirmação de Furtado (1998: 67): “A primeira
condição para liberar-se do subdesenvolvimento é escapar da obsessão de
reproduzir o perfil daqueles que se auto-intitulam desenvolvidos. É assumir a
própria identidade”.
Neste sentido, o subdesenvolvimento de que fala Furtado, agravado
ou pelo menos mais em evidência em tempos de globalização, pode ser de
fato abreviado pela educação; a educação lingüística é parte constitutiva
deste processo.
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30
1.4
Metodologia adotada.
A abordagem metodológica adotada nesta investigação é a qualitativa,
que nos permite amplitude na descrição, explicação e compreensão do foco
em estudo. A pesquisa utilizou os seguintes instrumentos: levantamento
bibliográfico, análise documental, questionários e entrevistas. A pesquisa
bibliográfica foi desenvolvida no âmbito da sociolingüística e áreas afins para
dar suporte teórico ao tema geral deste estudo. A análise documental visou
os instrumentos legais (leis, decretos, pareceres, resoluções, regulamentos,
regimentos) sobre intervenções lingüísticas no Brasil, com ênfase nos itens
que tratam do ensino de línguas: primeiras e segundas línguas e línguas
estrangeiras e dados socioeconômicos das regiões estudadas.
As entrevistas foram realizadas junto aos dirigentes dos municípios
que respondem pelas secretárias de educação dos municípios (secretários
ou sub-secretários) e junto ao setor de Acompanhamento Acadêmico da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Os questionários foram aplicados
a universitários no município do Rio de Janeiro, no âmbito de uma pré-
enquête sociolingüística no município do Rio de Janeiro.
1.5
Organização do trabalho.
Organizamos textualmente este estudo em cinco partes. No primeiro
capítulo expomos a motivação e a justificativa desta pesquisa. No segundo
capítulo apresentamos uma visão teórica do conceito de política lingüística
associado ao percurso teórico da sociolingüística, mostrando o estado da
pesquisa no Brasil bem como e a articulação entre a política lingüística e
poder político e econômico. No terceiro capítulo mostramos o lugar do
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31
ensino das línguas estrangeiras na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) uma vez
que é esta lei determina, oficialmente, as grandes linhas da política
lingüística para o ensino de línguas no país. No quarto capítulo tratamos da
relação entre globalização e a oferta de ensino de línguas no Estado do Rio
de Janeiro, com ênfase nas escolas bilíngües privadas como lugar
privilegiado de acesso a um ensino plurilíngüe, mostrando que a localização
das escolas tem uma relação direta com o público alvo. No quinto capítulo ,
a partir de um panorama da realidade socioeconômica dos municípios de
Resende, Macaé e Rio de Janeiro, procuramos mostrar que o acesso ao
ensino plurilíngüe circunscreve-se primeiramente em um quadro de
estratificação social. Um outro fator presente a este tipo de ensino é o
contexto de globalização que promove as vantagens de uma formação
bilíngüe. No sexto capítulo, analisamos alguns dos reflexos da limitada
formação lingüística dos estudantes que pleiteiam uma vaga ou já se
encontram na universidade, considerando que os mesmos já efetuaram, no
mínimo, uma formação em línguas estrangeiras como prevista na LDB. No
sétimo capítulo, apresentamos as linhas de ação da francofonia e o onde se
situa o ensino de francês como língua estrangeira nessas linhas. Procuramos
mostrar neste capítulo que a promoção do ensino do francês pode ser um
caminho de mão-dupla entre os objetivos da francofonia e uma possível
política lingüística que favoreça ensino deste idioma, cujos efeitos
relacionam-se à inclusão social. No oitavo capítulo apresentamos uma
síntese das idéias propostas neste trabalho.
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31
2.
Política Lingüística: Fundamentação teórica
2.1
Introdução
Demonstrar a abordagem do ensino de línguas estrangeiras por um
viés teórico vinculado à sociolingüística, considerando que esta disciplina é
definida a priori por colocar em evidência a relação entre língua e sociedade
constituiu uma de nossas preocupações iniciais no desenvolvimento deste
trabalho. Em relação às línguas estrangeiras (LE), estudos relevantes sobre
ensino e aprendizagem de LE têm sido desenvolvidos no Brasil nas áreas da
Análise do Discurso e da Lingüística Aplicada (Celani, 1997; Moita Lopes,
1996). Ainda que de caráter transdisciplinar e cotejando aspectos sócio-
políticos do ensino de línguas, por questões epistemológicas, estes estudos
privilegiam aspectos mais relacionados ao contexto de sala de aula, às
propostas de ensino de línguas, aos discursos entre professores e
aprendizes.
Procuramos, portanto, fazer neste estudo uma abordagem do tema
com ênfase nos aspectos sociais que fundamentam as políticas para o
ensino de LE situando-os ainda no contexto de globalização econômica. Esta
abordagem insere-se no conceito de politologia lingüística, criado por Calvet
(2002a). O objeto de estudo da politologia lingüística é constituído pelas
intervenções em situações lingüísticas. Seu objetivo, segundo Calvet
(2002:24) é o de caracterizar as políticas lingüísticas, avaliar não apenas os
seus resultados mas principalmente seus pressupostos, sua base ideológica,
de mostrar finalmente que política encontra-se por trás de uma política
lingüística.
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32
As cidades consideradas neste estudo são predominantemente
monolíngües, com “ilhas sociais” plurilíngües, ainda que estejam inseridas
em um quadro de mundialização econômica. As situações de bilingüismo
mencionadas neste estudo dizem respeito ao bilingüismo adquirido através
de uma educação formal, regido por legislação em matéria de política
educacional. Entender a dinâmica educacional que determina o acesso a
uma formação bi-plurilingüe para, posteriormente aventar alternativas para
uma formação lingüística de maior amplitude educacional nos pareceu
possível, dentro de um quadro teórico que envolvesse os conceitos de
política lingüística, associados a conceitos de áreas afins, como a história e a
geografia.
Assim, consideramos primeiramente, no âmbito da sociolingüística, os
trabalhos sobre planejamento e política lingüística, (Calvet, 1996, 2002a, b,
c; Cooper (1997); Maurais (1987); Martel, 2002). Nos trabalhos de Calvet
(1996, 2002) encontramos os fundamentos teóricos para as definições dos
termos política e planejamento lingüístico, bem como exemplificações do
modo pelo qual como ambas são conduzidas em diferentes contextos
lingüísticos. O conceito de línguas como um bem simbólico, como proposto
por Bourdieu (1998), é desenvolvido por Calvet (2002a) à medida que este
analisa o fenômeno da globalização e sua repercussão nas questões
lingüísticas partindo de uma associação entre língua e mercado.
Buscamos ainda na sociolingüística urbana (Bulot, 2002; Castellotti e
De Robillard, 2001; Calvet, 2005), parte do suporte teórico para correlacionar
o acesso ao ensino de línguas estrangeiras à inserção ou à exclusão social.
Os conceitos sobre inclusão social e desigualdade social basearam-se em
estudos desenvolvidos por Henriques (2000). Estes estudos mostram que o
Brasil continua a ser um dos países mais desiguais do mundo, e que essa
desigualdade parece ter efeitos negativos sobre o desempenho agregado da
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33
economia. A educação é apontada como sendo a variável de maior poder
explicativo para a desigualdade brasileira.
Ferreira (2000), ao analisar a geração e reprodução da desigualdade
de renda no Brasil, destaca que o foco de nossas atenções deve estar
voltado para o processo de formação e distribuição das oportunidades
educacionais no país. O autor baseia-se nos estudos do mercado de trabalho
durante as últimas duas décadas, que consistentemente apontaram a
desigualdade educacional e o alto retorno a níveis elevados de escolaridade
como principais causas de nossa dispersão de renda.
Ferreira (2000) apresenta três tipos de desigualdades que se reforçam
mutuamente: uma grande desigualdade educacional gera um alto nível de
desigualdade de renda, como se observa no Brasil. Essa desigualdade de
renda ou riqueza, por sua vez, pode implicar uma distribuição desigual de
poder político, na medida em que a riqueza gera influência sobre o sistema
político. E a desigualdade de poder político reproduz a desigualdade
educacional, já que os detentores do poder não utilizam o sistema público de
educação, e não têm interesse na sua qualidade, dependendo apenas de
escolas particulares.
Esta abordagem foi complementada com estudos sobre a francofonia
desenvolvidos por Wolton (2006 a,b), Deniau (1983), Calvet (2002a, 2002b).
Wolton assinala que a francofonia, através ilustra a necessidade de se tentar
fazer coincidir as dimensões lingüísticas, culturais e políticas.
O aspecto dos direitos lingüísticos abordados por Martel (2002)
justifica-se em razão do tema inclusão social. A autora mostra a relação entre
política lingüística e valores sociais na evolução das idéias e dos direitos
lingüísticos e propõe que os procedimentos políticos sejam guiados por
motivos humanitários e de identidade. Esta autora demonstra que a ação da
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34
política lingüística não é nova, mas com o desenvolvimento sociolingüística,
esta ação adquire um novo sentido. Ela ressalta ainda a responsabilidade
dos sociolingüistas cujo papel é o analisar o quadro ideológico das políticas
lingüísticas. Martel ressalta a importância de se fazer política lingüística por
intermédio do Estado, mas lembra que toda prática lingüística deve
sustentar-se em bases justas e objetivas de divisão, de solidariedade e de
valorização do contexto histórico no qual ela será aplicada.
2.2
Política lingüística: conceitos
A palavra política, segundo Bobbio (2000: 954), deriva do adjetivo
originado de polis (politikós) que significa tudo o que se refere à cidade e,
conseqüentemente, o que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável e
social. Coube a Aristóteles estabelecer uma expansão do termo dando ao
mesmo o sentido de arte ou ciência do Governo. Na época moderna, de
“ciência do Estado”, o termo foi sendo substituído por “doutrina do Estado”,
“ciência política”, etc. até ser empregado em relação às atividades ou
conjunto de atividades relacionadas a polis, ou seja, ao Estado. O conceito
de política como práxis humana está intimamente relacionado com a noção
de poder configurando-se freqüentemente em uma relação de busca de uma
vantagem entre diferentes partes.
Bobbio (op cit.) propõe uma classificação do poder político a partir das
várias formas de poder. Assim, o autor propõe três grandes classes no
âmbito de um vasto conceito de poder: (a) o poder econômico, (b) o poder
ideológico e (c) o poder político. O primeiro faz valer sua ação através da
posse dos meios de produção; o segundo se baseia na influência que as
idéias de grupos que desfrutam de certo status social; o poder político
baseia-se no uso da força física. Estas três formas mantêm uma estreita
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35
relação e são utilizados por grupos de pessoas para perpetuarem os seus
privilégios, interesses e vantagens, exigindo e garantindo a desigualdade nas
posses de bens pelo poder econômico, perpetuando assim a diferença entre
sábios e ignorantes pelo poder ideológico, e mantendo a separação entre os
poderosos e os subjugados pelo poder político.
Tais definições de política podem ser aplicadas às línguas e às
situações lingüísticas, uma vez que dentre em suas funções destaca-se
aquela do exercício de um poder. A história do contato lingüístico é rica em
exemplos do poder presente nas línguas, poder este que confere maior ou
menos grau de status em uma relação de línguas em presença. Em tais
situações, o status de cada língua pode variar de acordo com as relações de
força existentes entre os grupos que as utilizam, bem como em função da
percepção que os indivíduos têm destas relações.
Mackey (1976), aponta que a importância de uma língua está
diretamente relacionada com a função que ela exerce na comunicação com
aqueles que são importantes nos diversos domínios relacionados (comércio,
religião, educação, ciências, cultura, esporte, lazer). Porém, ela também
possui em si mesma uma importância que provém dos povos que a utilizam,
do número de pessoas, de suas riquezas, de sua mobilidade, de sua
produção cultural e econômica, fatores cuja soma constitui o que nomeamos
de poder inato de cada língua.
Para Mackey, as línguas exercem um poder de força umas sobre as
outras e as diferenças de poder se manifestam quando as línguas estão em
contato. Elas se manifestam como uma forma de atração ou de repulsão que
uma língua, ou melhor, aqueles que a utilizam, terão um pelo outro. Os
elementos que conformam o status de uma língua não seriam apenas de
ordem jurídica, mas podem ser colocados em termos de força e atração
lingüística. A atração ou repulsão entre as línguas seria em função de três
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36
distâncias: a distância do poder, a distância geográfica e a distância
interlingüística.
A distância do poder reporta-se diretamente aos motivos que um
indivíduo possui para aprender e para utilizar uma determinada língua. A
distância geográfica estabelece que a atração que pode exercer
efetivamente uma língua sobre um povo falante de uma outra língua ou
dialeto dependerá das possibilidades e das probabilidades de contato. A
distância interlingüística diz respeito às diferenças internas entre as línguas.
A similaridade entre duas línguas constitui em si uma força de atração (é o
caso entre o português e o espanhol). Da mesma forma que a distância
geográfica, a distância interlingüística pode diminuir a força de atração de
uma língua para outra.
Podemos ilustrar ainda a proximidade entre língua e poder através de
Barthes (1977) que em sua aula inaugural no Collège de France chamou a
atenção para o caráter classificatório da língua, classificando-a como um
“lugar de poder” que oferece sua estrutura a serviço de um poder, não
importa qual. No cenário que consideramos neste estudo (urbano, que
mantém uma relação direta com a globalização) o acesso ao aprendizado de
uma língua estrangeira revela os lugares de poder que se perpetuaram ao
longo da história e que se encontram ainda sob as políticas lingüísticas para
o ensino de LE.
A relação entre língua e poder, as relações de forças aí presentes,
permeia uma boa parte dos trabalhos de Calvet (2002c, p.109):
Dans tous les cas, la langue dominante est associée aux
formes les plus «modernes» d’économie (c’est-à-dire, du même
coup, aux formes les plus efficaces d’exploitation capitaliste de
l’homme par l’homme) et la langue dominée aux formes
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37
«archaïques» de production (c’est-à-dire,en même temps, aux
formes de vie sociales les plus proches de la tradition locale).
É ainda Calvet (1999) que nos mostra como a sociolingüística, através
do desenvolvimento do conceito de política lingüística, apreende uma das
facetas do caráter eminentemente político das relações entre língua e
sociedade. Calvet (1999: 32-33) aponta que, como área de estudo
lingüístico, a política lingüística aparece na mesma pia batismal da
sociolingüística, em 1964, durante uma reunião na Universidade da Califórnia
(UCLA) da qual figuram os nomes de Ferguson, Fisher, Labov, Haugen,
Gumperz, Hymes, Bright, Rona, entre outros. Nesta reunião, uma das
temáticas concentrou-se na área dos estudos plurilingüismo e política
lingüística.
Embora tenha se constituído como área temática neste encontro, o
termo language planning foi lançado por Haugen, em 1959, em um artigo
sobre a situação lingüística da Noruega no qual o autor desenvolve um
estudo sobre a intervenção de determinadas regras ortográficas do
norueguês e a construção de uma identidade nacional na Noruega. Einar
Haugen generalizou a oposição conceitual entre Planificação do Corpus, isto
é, da forma da língua, e Planificação do Status, isto é, do lugar que esta
língua ocupa numa rede de relações societárias. Planificar o Status de uma
língua implica em estabelecer medidas para que esta língua tenha um lugar
determinado numa dada sociedade, em conformidade com as aspirações da
comunidade falante.
Ferguson (1959) também aborda a questão ao apresentar os
conceitos de diglossia e bilingüismo onde coexistem duas variedades (uma
alta e outra baixa) de uma mesma língua e que são utilizadas em situações
determinadas de comunicação. Ele introduz em sua obra a terminologia de
língua dominante, língua dominada, substituição e normalização. O uso do
termo política lingüística e é portanto relativamente recente.
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38
Uma contribuição importante para o desenvolvimento dos estudos na
área foi introduzida por Kloss (1967) através dos conceitos de
Abstandsprache (línguas consideradas próximas de outras, da mesma
família lingüística). Estes conceitos são utilizados em estudos atuais como
em Born (2003) para a discussão de minorias lingüísticas na Península
Ibérica.
Mas foi a contribuição de Kloss que deu origem a distinção que é
utilizada pela maioria dos autores atuais ao tratarem de política lingüística
nos estudos atuais.Este autor propôs a distinção entre Sprachplanung
(planificação do corpus) e Statusplanung (planificação do status). Com base
nestes conceitos, a planificação do corpus diz respeito às intervenções na
forma da língua (criação de uma escrita, neologismos, estandardização...),
enquanto que a planificação do status diz respeito às intervenções nas
funções da língua, seu status social e suas relações com outras línguas. Esta
distinção abriu consideravelmente o campo da política lingüística, afastando-
se de abordagens mais instrumentais.
Calvet (1999,p.154) observa que tais dados temporais para a história
da conceituação do termo, com datas e nomes, têm uma função
“etimológica” em relação ao conceito de política lingüística uma vez, que
como prática, ela é tão antiga quanto à gestão do plurilingüismo e o mito de
Babel.
Diante da grande diversidade de situações plurilíngües, o próprio
conceito de política lingüística também não escapa das relações de forças
presentes nestas situações. Para se ter uma idéia da situação, Maurais
(1987, p. 12) observa que o termo language planning utilizado por Haugen
(1961) foi traduzido em francês para planification linguistique (planificação
lingüística), aménagement linguistique (reforma lingúística) e normalisation
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39
linguistique (normalização lingüística). O termo planification tem para Maurais
uma conotação de intervenção do estado, de dirigismo, e o termo
aménagement linguistique estaria baseado em um consenso social em
relação a um projeto lingüístico coletivo, enquanto que o termo normalisation
supõe a existência de uma situação onde há algo de errado que precisa ser
normalisado. Coerente com seu próprio contexto político-lingüístico –Quebec
- Maurais (1987, p.13) propõe o uso do termo aménagement linguistique para
designar a intervenção humana consciente sobre as línguas. Já os catalães
preferem o termo normalização no sentido de tornar normal o uso do catalão
em conflito com o uso do espanhol.
Diante do peso político das situações lingüísticas, Calvet (2002a, p.22)
acrescenta o conceito de politologia lingüística para dar conta da análise
destas situações:
La politique est define par les dictionnaires en usage comme l’art et
la pratique du gouvernement des sociétés humaines”, tandis que la
politologie est “la science politique”. Ces deux termes sont clairs et
se distinguent aisément, ils sont en outre utiles en ce qu’ils
permettent de faire le départ entre un ensemble de pratiques (les
politiques) et l’analyse de ces pratiques (la politologie, ou science
politique). Nous nous propososns d’utiliser cette distinction entre
politique et politologie à propôs du syntagme politique linguistique,
ce qui implique donc l’existence d’une politologie linguistique qui
elle-même implique que nous définissions son objet d’étude et ses
instruments. L’objet d’étude de la politologie linguistique est donc
constitué par les interventions sur les situations linguistiques.
Em relação ao termo política lingüística, este autor o apresenta como
parte de um binômio com a planificação lingüística, no qual a primeira
corresponde às grandes escolhas na relação entre língua (s) e sociedade, e
a segunda corresponde à implementação prática dessas escolhas, as
políticas lingüísticas são as intervenções na língua ou nas relações entre as
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40
línguas. Tais intervenções podem partir diretamente do Estado, mas também
podem partir de ações de indivíduos ou grupos. O emprego do binômio
política/planificação generaliza as nuances entre os termos apresentadas
acima em relação ao Quebec e à Catalunha.
Os trabalho de Baylon (1991) e Boyer (2001), procuram definir a área
de atuação da política lingüística. Boyer situa os estudos em política
lingüística e plurilingüismo no domínio da sociolingüística aplicada e gestão
de línguas. Embora tal sistematização possua uma função didática, os
domínios não são de forma alguma estanques, podemos situá-los em uma
zona de interação, na qual uma abordagem em política lingüística, por
exemplo, também pode fazer parte do domínio relacionado à análise sobre
imigração e contato lingüístico ou ao domínio dos conflitos diglóssicos, e
ainda, como tem feito recentemente os estudos em sociolingüística urbana,
em interação com outras áreas de conhecimento como a geografia social.
Para Baylon (1991:184) a planificação lingüística é um esforço
explícito e sistemático, que deve contar com apoio institucional para chegar a
uma realização concreta. Neste sentido, a planificação pode ter um caráter
normativo, ou ainda, agir sobre o funcionamento sócio-cultural de uma
determinada língua em relação à(s) outra(s) em uma mesma comunidade,
bem como agir considerando a forma e o status da(s) língua(s). Baylon
(p.180) atenta para o fato de que o processo de planificação possui três
fases das quais um lingüista deve participar: (a) identificação do problema,
(b) concepção do plano ou da política e (c) a avaliação da eficácia do plano
implementado. O trabalho de Baylon destaca primordialmente o caráter
institucional de uma intervenção lingüística.
Neste sentido, o trabalho de Cooper (1997) sobre a conceituação de
política lingüística nos parece bastante propositivo. O autor apresenta quatro
exemplos de intervenção lingüística nos quais as relações de força estão
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evidentes e conclui com uma conceituação de política lingüística: a fundação
da Academia Francesa em 1634 como um exemplo de intervenção sobre a
forma da língua; a promoção do hebreu na Palestina, no âmbito de um
projeto político idealista de promover a unificação de um povo marcado pela
diáspora, bem como pelo projeto de se criar uma nação; a campanha do
movimento feminista americano contra o uso sexista do idioma, caracterizado
pelo emprego de generalizações lingüísticas a partir do universo masculino
e, finalmente, um quarto exemplo, aquele da campanha de alfabetização em
massa na Etiópia promovido pelo governo (Conselho Administrativo Militar
Provisório) que sucedeu a queda do imperador etíope Haile Sillase,
campanha na qual se privilegiou não só o amárico (língua oficial do antigo
governo) como também outros; idiomas falados no interior do país.
Após apresentar estes exemplos Cooper (1997, p.215) conclui que
uma política lingüística pode ter diversos meios e fins, chamando a atenção
para a complexidade do tema, sujeito à atuação de diferentes fatores
(políticos, ideológicos, econômicos. Para Cooper, a língua é uma instituição
fundamental da sociedade sobre a qual se pautam outras instituições, logo,
planejar a língua significa também planejar a sociedade. O planejamento do
ensino de línguas estrangeiras podem encontrar aí uma forte razão para
existir.
2.3
Intervenções in vitro e in vivo: uma relação de forças
As diferentes formas de intervenções sobre as situações lingüísticas
foram classificadas por Calvet (2002a, p.17) como sendo de iniciativa in vivo
ou in vitro. As intervenções in vivo surgem das escolhas dos indivíduos, sem
que haja uma influência direta do Estado, nesta a solução de um problema é
apresentada através de uma prática social. Este tipo de intervenção
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42
influencia formas das línguas e parte de suas funções, servem ainda para
reforçar a identidade de um grupo e constituem uma forma de fazer a
evolução das situações. Quanto às intervenções in vitro são aquelas que se
fazem por leis e decretos, como uma ação do poder sobre a evolução de
uma dada situação e que são consideradas oficialmente como a política
lingüística. Para isso, este tipo de intervenção lança mão de alguns meios
tais como a padronização da língua, criação de novas palavras, determinar a
função das línguas.
Observamos no caso do acesso e ensino de línguas no Brasil, as
intervenções in vivo e in vitro de que fala Calvet mantém uma relação de
causa e conseqüência. A propagação de cursos línguas, sobretudo de língua
inglesa, em todo o país, a opção pelo ensino bilíngüe por parte daqueles que
podem arcar com tais custos, seriam uma forma de como os indivíduos
resolvem uma carência de educação lingüística não solucionada pelo ensino
escolar que é regido por medidas in vitro. Os cursos de idiomas constituem
um verdadeiro mercado lingüístico; é possível encontrar ofertas de cursos de
inglês nos lugares mais recônditos do país. Uma vez que os cursos de
idiomas são classificados como livres pois seus certificados não são
reconhecidos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) não há um órgão
que regulamente a abertura dos mesmos, permitindo que a cada dia novos
cursos e metodologias apareçam.
Veremos que mesmo nas situações regidas por medidas in vitro,
surgirão as medidas in vivo para adaptar as necessidades ou os objetivos de
um grupo de indivíduos, é o caso da adaptação dos modelos escolares
(brasileiro e estrangeiro) das escolas bilíngües.
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43
2.4
Intervenções Lingüísticas no Brasil: entre o in vivo e o in vitro
Segundo Chardenet (2001), o multilinguismo se caracteriza pelas
orientações em favor do plurilinguismo. No entanto, a história nos mostra que
o multilinguismo brasileiro sempre foi gerado por relações de forças e de
interesses que favoreciam uma política de monolinguismo que teve início
com uma política de assimilação da língua portuguesa. Embora a primeira
intervenção in vitro
1
ter beneficiado o uso de uma língua autóctone, ela foi
concebida com o propósito de facilitar o trabalho de catequização e de
exploração econômica. Em 1727, quando em algumas regiões do Brasil
colônia o uso desta língua havia suplantado aquele da língua portuguesa o
rei de Portugal, D. João V, proíbe o uso da língua geral nas escolas e
determina que o ensino seja realizado em português. A expulsão dos
jesuítas, em 1759, determinada pelo Marques de Pombal, sacramenta a
política monolíngüe da Coroa.
No Brasil, os efeitos das intervenções em matéria de política
lingüística têm sido abordados por diferentes autores. Trabalhos nas áreas
de línguas alóctones (Kreutz
2
, 2000, 2003; Vandresen, 1996,
Wiese&Vandresen, 2003) e autóctones (Freire e Rosa, 2003, Freire, 2004,
Rodrigues, 1985, 1993, Oliveira, 2000) e de fronteiras dão conta da relação
1
Autorizção real de 1681 autorizando o uso da Língua Geral.
2
No século XIX, com o movimento de imigração estrangeira para o Brasil, configura-se um
outro contexto de educação bilíngüe no país, aquele promovido pelos próprios imigrantes
que aqui se instalavam. Kreutz (2000) apresenta um panorama dos objetivos do governo
com a imigração e faz uma abordagem sobre o que ele denomina de escolas étnicas, no
período entre 1820 e 1939. O fim das escolas étnicas tem como marco a política nacionalista
do governo do Presidente Getúlio Vargas. Uma das bandeiras do nacionalismo é a busca a
unificação da língua, da cultura e das tradições e o culto a um sentimento de fidelidade ao
Estado (Bobbio et al, 2000). E foi este aspecto do nacionalismo que atingiu as escolas
étnicas. Durante o governo Vargas iniciou-se um período de forte repressão ao ensino
bilíngüe, com destruição de material didático e a prisão de professores.
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de força de interesses econômicos e políticos traduzida nas intervenções das
situações de contato lingüístico no Brasil. Uma constante nos estudos
citados acima é a evidência de que nas intervenções realizadas ao longo da
história do país sempre houve uma ausência de planejamento, um descaso
com os principais sujeitos envolvidos, posicionando-as sempre a reboque de
interesses político-econômicos.
O fato é que mesmo depois da independência, o multilinguismo
continuou sendo caracterizado por uma relação de forças entre a língua
portuguesa e as demais línguas que representasse uma possível ameaça a
sua hegemonia, como é possível observar, sobretudo durante a primeira
metade do século XX, no tratamento dado ao contato e ao ensino de línguas
alóctones. O cenário dessa relação de forças sempre foi a escola pública,
através da qual o governo sempre fez prevalecer suas escolhas, nem sempre
democráticas lingüísticas ocorridas no Brasil.
A situação forçada de perda de prestígio das línguas de imigração
acentuou-se através do Decreto –lei n° 389, de 25 de abril de 1938, que
regulava a nacionalidade brasileira, estipulava que uma das condições para
se obter a nacionalidade brasileira era o conhecimento da língua portuguesa.
O governo de Getúlio Vargas também extinguiu por decreto os cargos de
professores catedráticos de francês, inglês e alemão do Colégio Pedro II:
Decreto n° 20.833, de 21 de dezembro de 1931.
3
.
Talvez seja por isso que, ao contrário do que Hamel (2001) aponta
como uma das conseqüências dos diferentes contatos lingüísticos e das
experiências escolares bilíngües, no Brasil os contatos lingüísticos de grande
3
A situação forçada de perda de prestígio das línguas de imigração acentuava-se ainda com
o Decreto –lei n° 389, de 25 de abril de 1938, que regulava a nacionalidade brasileira,
estipulava que uma das condições para se obter a nacionalidade brasileira era o
conhecimento da língua portuguesa. O governo de Getúlio Vargas também extinguiu por
decreto os cargos de professores catedráticos de francês, inglês e alemão do Colégio Pedro
II: Decreto n° 20.833, de 21 de dezembro de 1931 (em anexo).
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amplitude (índios, negros, imigrantes) não foram aproveitados de modo a se
criar em todo o país uma tradição de oferta escolar plurilíngüe.
Atualmente, as grandes linhas da política lingüística brasileira apoiam-
se em dois eixos principais de atuação: a promoção da língua portuguesa e o
ensino do espanhol como língua estrangeira no sistema de ensino.
Poderíamos afirmar que um terceiro eixo foi estabelecido pelo IPOL (Instituto
de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística), criado em 1988,
para suprir lacunas da política oficial. Este instituto vem atuando,
predominantemente, na área de educação bilíngüe em línguas alóctones e
autóctones, como resultado, o instituto tem oficializado intervenções
lingüísticas que precedem geralmente de práticas in vivo. Uma de suas
atuações mais recentes, constituindo um marco na história das línguas no
Brasil, concerne a lei de co-oficialização de três línguas indígenas:
nheengatu, tukano e baniwa, em 22 de novembro de 2002.
A promoção do espanhol faz parte da política de integração do
Mercosul e representa um passo em direção a quebra de uma barreira
política e histórica entre os países da América do Sul, isolados até o fim dos
anos 80 por suas respectivas ditaduras. A integração regional representava
ainda uma opção à crise econômica acentuada em meados dos anos 80. A
formação do Mercosul (Tratado de Assunção em 1991), inicialmente formado
pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai foi também uma medida para
enfrentar o fenômeno mundial da organização mundial econômica em blocos
A promoção do ensino formal do espanhol no sistema de ensino se
estabelece primeiramente sobre argumentações de caráter econômico . Na
época da assinatura do acordo que garantia a promoção deste idioma no
Brasil, em 2005, o então ministro da Educação, Tarso Genro, lembrou que o
projeto que tornava o ensino do espanhol obrigatório no sistema público e
privado de ensino, permitia que as negociações de conversão de parte ser
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facilitadas. Por sua vez, o secretário de educação do MEC, Francisco de
Chagas Fernades, afirmava que a medida iria contribuir para estreitar os
laços culturais do Brasil com os demais países da América Latina, de acordo
com as orientações do governo federal, e ressaltava a existência de uma
tendência mundial em busca da integração econômica, onde o domínio da
língua oficial dos países com os quais nos relacionamos é muito importante
(www.abrelivros.org.br/abrelivros/texto).
Neste sentido, ao se estabelecer que e o espanhol e o português
sejam as línguas oficiais do Mercosul, delimita-se ao mesmo tempo uma
escolha dos países com os quais as relações comerciais e culturais são
priorizadas, talvez por isso a fronteira norte do país tenha sido injustamente
preterida em termos de escolha lingüística para o quadro das línguas
estrangeiras no sistema de ensino.
A promoção do espanhol não se delimitou a lei que o torna obrigatório
nos sistema de ensino (Projeto de Lei n° 3.987/00) e à criação de escolas
bilíngües português/espanhol nas fronteiras com os países de língua
espanhola; a decisão do Instituto Rio Branco de retirar o caráter eliminatório
da prova de inglês para os candidatos à carreira diplomática constitui mais
um fato em direção à determinação da promoção do espanhol.
As questões relacionadas à política lingüística estiveram, nos últimos
dez anos, na pauta de discussão de vários fóruns lingüísticos no Brasil: Em
1996, a Associação de Lingüística Aplicada do Brasil (ALAB) promoveu o I
ENPLE - Encontro Nacional sobre Política de Ensino de Línguas
estrangeiras. Este encontro deu origem à Carta de Florianópolis, um
documento com diversas propostas de ações de política lingüística, dentre as
quais a oferta de pelo menos uma língua estrangeira obrigatória e o incentivo
ao aprendizado de uma segunda língua estrangeira.
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47
Entre 1997-1999 a ABRALIN (Associação Brasileira de Lingüística),
estabeleceu como uma de suas principais metas a questão da política
lingüística no Brasil, e em 1998 ela organizou o encontro Definições da
Política Lingüística no Brasil. O II ENPLE, ocorrido em Pelotas (RS), em
2000, deu origem à carta de Pelotas, documento que amplia suas propostas
de ações em direção ao status da língua portuguesa em um mundo
globalizado e propõe que "as autoridades brasileiras que atuam junto ao
Mercosul exijam reciprocidade para o ensino do Português como Língua
Estrangeira no mesmo nível das iniciativas do ensino do Espanhol no Brasil".
O tema política lingüística no Brasil esteve presente em edições
posteriores da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), e
em outros fóruns lingüísticos, tais como o 14 Inpla-(Intercâmbio de Pesquisa
sobre Lingüística Aplicada), e o III FILE (Fórum Internacional de Ensino de
Línguas Estrangeiras). Este último, em sua IV edição, em 2006, privilegia
sobretudo o aspecto cultural ao adotar por tema “Cultura e diversidade”.
Em 2006, o Gelne (Grupo de estudos lingüísticos do nordeste)
realizou o primeiro CIPLA (Congresso Internacional de política lingüística da
América do Sul), e na semana seguinte, foi realizado na PUC-Rio o III
Seminário Interamericano sobre Gestão de Línguas: as políticas lingüísticas
das Américas em um mundo multipolar, organizado pela União Latina.
Ainda que consideremos a relevância de tais fóruns para marcar a
importância do tema política lingüística, a passagem à ação não se mostra
tão efusiva. Ainda é preciso desenvolver uma política de ensino de línguas
que abranja as necessidades regionais do Brasil e toda sua diversidade
adotando como ponto para a elaboração de uma planificação lingüística os
critérios mínimos propostos por Cooper (1997): quem adota o quê, quando,
onde, por que, como, para que efeitos?
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Só buscando respostas para estas questões é que talvez possamos
atingir os propósitos do ensino de línguas vislumbrado por Rajagopalan
(2003), ou seja, formar indivíduos capazes de interagir com pessoas de
outras culturas e modo de pensar e agir, para que se tornem cidadãos do
mundo.
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3
O Ensino de Línguas Estrangeiras no Brasil e A Lei de Diretrizes e
Base
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
(Constituição
Federal no artigo 205)
3.1
Introdução
Ao longo de sua história, o Brasil acolheu imigrantes de diferentes regiões
do mundo favorecendo, conseqüentemente, o interculturalismo e situações de
contato lingüístico. Este movimento de população pode ser considerado uma
motivação real para que políticas lingüísticas sejam estabelecidas para os
cidadãos bi-plurilíngües dessas regiões. As mais recente intervenções lingüísticas
no país, de âmbito local, levam em conta este dado histórico, mas as
intervenções aqui realizadas nem sempre o fizeram, caracterizando-se quase
sempre por relações assimétricas de poder, pautadas freqüentemente pela
intolerância e pouca importância à diversidade cultural.
Atualmente, se nos atermos ao repertório de ofertas de línguas estrangeiras
no sistema educacional, verificamos que a despeito da Constituição brasileira
reconhecer, em seus artigos 215 e 216, que o Brasil é um país pluricultural e
multilíngüe. Sem que nos esqueçamos que políticas lingüísticas têm uma relação
estreita com políticas educacionais, esta condição de pluricultural e multilíngüe
não se reflete, na prática, na oferta de ensino de línguas estrangeiras no sistema
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50
educacional. A exceção pode ser atribuída ao ensino de línguas indígenas cuja
política de ensino bilíngüe encontra-se mais consolidada.
1
Através dos estudos desenvolvidos por Freire (2003, 2004), Vandresen
(1996) e Kreutz (2000) é possível observar os primeiros exemplos de intervenção
lingüística do Estado em relação ao ensino de línguas. O trabalho de Freire (2004)
propõe uma periodização das políticas de línguas adotadas para o contato da
língua portuguesa com as línguas indígenas da Amazônia e mostra o modo pelo
qual a língua portuguesa contribuiu para forjar a idéia de um Estado homogêneo e
monocultural.
Os contextos de imigração são abordados por Vandresen (1996) e Kreutz
(2000). Estes autores apresentam exemplos de intervenção lingüística do Estado
em relação à educação bilíngüe quando da criação, por iniciativa dos imigrantes,
de escolas bilíngües no país na primeira metade do século XX. Criadas para dar
suporte à política de imigração estrangeira, e toleradas para camuflar a
ineficiência do Estado em relação a sua política educacional, elas foram abolidas
quando teoricamente não correspondiam mais aos interesses políticos
(nacionalistas) do governo, sem que os direitos dos imigrantes e de seus
descendentes tenham sido levados em consideração.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) é a responsável pela
definição regulamentação do sistema de educação do Brasil com base nos
princípios presentes na Constituição. Atualmente, no que se refere à aquisição de
línguas estrangeiras, a LDB não define o número de línguas a serem estudadas,
1
No Brasil, a partir de 1973, com a Lei n. 6001/73, a educação bilíngüe em áreas indígenas foi a
que mais se fortaleceu. Atualmente a Lei de Diretrizes e Base e a Constituição de 1988 asseguram
às populações indígenas o direito à educação bilíngüe em suas línguas nativas. Ainda que tenha
sido criada em um período de ditadura militar, no caldo ideológico da integração nacional e de um
Brasil grande e hegemônico, a Lei n. 6001/73 favoreceu a manutenção das línguas indígenas.
Nesta época, os índios tinham um papel na estratégia militar de marcação de território e não
representavam uma ameaça à ideologia nacionalista, ao contrário, eles foram representados como
parte constitutiva da Natureza, uma das bases, segundo Chauí (2000:45), do mito fundador do
Brasil.
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nem a carga horária semanal dedicada ao estudo de cada uma delas. No
parágrafo 5. do artigo 26 do Capítulo II, ela diz que o estudo de pelo menos uma
língua estrangeira integra a parte diversificada do currículo, sendo obrigatória a
partir da 5ª série. Qual (is) língua (s) a ser (em) estudada(s), fica a cargo da
própria comunidade escolar. Ou seja, a escola pode oferecer, se quiser.
A partir da 5. série do ensino fundamental, entretanto, é obrigatória. No
ensino médio, fica incluída uma língua estrangeira como disciplina obrigatória e
uma segunda em caráter optativo, ou seja, o aluno pode estudar duas, três, quatro
ou mais línguas, se assim o desejar (inciso III do artigo 36, seção V do capítulo II).
A lei não define o máximo de línguas a serem estudadas, nem o número de horas
semanais a serem dedicadas ao estudo de cada uma delas. Cabe a cada
estabelecimento de ensino tal definição, o que sugere que a escolha fica a mercê
do interesse político de cada instituição. Daí a necessidade de serem discutidas
por especialistas (lingüistas, sociolingüistas, e lingüistas aplicados, entre outros
profissionais) as propostas para o estabelecimento de parâmetros curriculares e
de planejamento lingüístico que atendam não só a pluralidade lingüística do Brasil
mas também de acordo com a pluralidade social das diferentes regiões. O fato é
que as leis que veremos a seguir pouco fizeram avançar na população, sobretudo
a que freqüenta a escola pública, o aprendizado de línguas estrangeiras.
3.2
As primeiras intervenções lingüísticas no Brasil
A história das intervenções lingüísticas no Brasil tem como marco zero o
período da colonização européia que estabeleceu o contato entre línguas
alóctones e autóctones. Foi um período no qual catequese e educação estiveram
estreitamente vinculadas e no qual a língua portuguesa representava a língua de
um Estado (o Império português). De acordo com Freire (2004, p.48), quando os
europeus realizaram as primeiras viagens exploratórias pelo rio Amazonas, nos
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52
séculos XVI e XVII, encontraram uma grande dificuldade de comunicação com os
índios dada a enorme diversidade de línguas faladas na região, fato que fez com
que o padre Antônio Vieira denominasse o Amazonas de rio Babel. Freire estima
que havia cerca de 718 línguas faladas na região que constitui hoje a Amazônia
brasileira. Dessa forma, os colonizadores europeus (portugueses, espanhóis,
franceses, ingleses e holandeses) logo perceberam a necessidade de desenvolver
uma língua de contato não apenas para que pudessem levar a termo seu intento,
mas também por uma questão de sobrevivência, uma vez que os colonizadores
desconheciam a diversidade cultural e ecológica da região. Os primeiros
colonizadores desconsideraram para esta função todas as línguas indígenas e
pensaram que a língua portuguesa poderia desempenhar o papel de língua franca.
Na definição de Calvet (2002b), língua franca é aquela utilizada como meio
de comunicação entre pessoas que falam línguas maternas diferentes; Quanto à
língua veicular, esta é amplamente utilizada pelo falante em contextos
educacionais e no contato com instituições oficiais, e que não é a língua materna
do falante.
Klinkenberg (1999, p.72) define as línguas veiculares como aquelas que as
comunidades ou os indivíduos separados por suas variedades adotam
momentaneamente para favorecer suas interações (comerciais, religiosas,
amorosas, etc.). Este autor subdivide as línguas veiculares em dois tipos: (1) uma
língua, ou uma variedade desta língua, natural já existente, e (b) uma nova
variedade, ou uma língua mista.
Klinkenberg chama a tenção para o fato de que se a mobilização uma
língua natural venha a constituir um fenômeno de expansão lingüística, é preciso
lembrar que este fenômeno não diz respeito apenas às línguas legítimas. Por
razões de comodidade, línguas locais também podem ser promovidas ao status de
língua veicular por um colonizador.O autor observa que a língua adotada é
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53
também adaptada, sofrendo interferências das línguas com as quais ela está em
contato.
Na realidade, a língua portuguesa já possuía antecedentes como
propulsora de intervenções lingüísticas. O século XV foi uma época de grande
expansão da língua portuguesa em razão de da política de colonização de
Portugal. Klinkenberg (1999, p.214) mostra que, ao discutir a história da expansão
da língua portuguesa, a catequização das colônias e a introdução de novos
elementos da vida material e cultural portuguesa foram acompanhadas de uma
expansão lingüística que fez do português uma importante língua internacional,
desempenhando a função de língua veicular em regiões da África e Índia.
No entanto, o projeto de fazer do português uma língua veicular não logrou
êxito na região da Amazônia, limitando-se a língua portuguesa à função de
comunicação com a metrópole; os colonizadores não tiveram outra opção a não
ser organizar as relações sociais baseados em uma língua indígena.
Como muitos missionários já conheciam uma língua do tronco tupi (o
tupinambá, que os colonizadores chamavam de língua geral) em razão do contato
com os índios do litoral brasileiro, sobretudo com os indios das regiões de
Pernambuco e do Maranhão; a língua tupinambá foi adotada como língua de
comunicação e posteriormente tornou-se a língua materna das gerações mestiças.
A expansão da língua geral entre índios de diferentes famílias lingüísticas é
impulsionada pelo trabalho de catequese. O empenho religioso foi de tal forma
incisivo que em 1626 foi fundada no Maranhão, pelo padre Luiz Figueira, uma
escola bilíngüe português-tupinambá para os filhos dos portugueses.
A larga difusão da língua geral foi a postura adotada por Portugal, postura
esta que poderíamos considerar atualmente como uma política lingüística, para
controlar e por fim a diversidade lingüística na Amazônia. Esta língua chegou na
região do rio Negro levada por missionários, onde não havia, segundo Freire
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54
(2004, p.62), nenhuma língua da família tupi, tornando-se conhecida, a partir do
século XIX, como nheengatu.
Posteriormente, na segunda metade do século XVIII, sob a égide do
Marquês de Pombal, o estabelecimento do domínio da língua portuguesa foi
imposto, e o uso das línguas gerais proibido, a partir das medidas tomadas pelo
governo português para se frear a influência dos jesuítas sobre os índios, fato que
contrariava os interesses da Coroa portuguesa. A lei elaborada pelo Marquês de
Pombal, proibindo o uso da língua geral, aplicada em todo o território brasileiro,
recaía sobre os jovens já instruídos nessa língua e a todas as outras línguas
indígenas. No bojo da lei de Pombal, de 1775, as aldeias foram renomeadas com
nomes de localidades portuguesas, caracterizando o que Calvet (1996) classifica
como marcação de território em uma intervenção lingüística, e o ensino do
português nas escolas locais e seminários foi incentivado.
Nas escolas, o nheengatu não foi completamente abandonado em razão de
sua força na cultura oral e de sua vitalidade em diferentes domínios de uso
lingüístico (Savedra e Heye, 1995). Por outro lado, nos seminários que
funcionavam em regime de internato, nos quais as crianças ficavam segregadas
dos pais e das demais redes sociais, a adoção da língua portuguesa foi mais
completa. Neste último caso, a ausência do contato social entre famílias bilíngües
e o uso constante de uma língua atuaram como fatores que contribuíram
significativamente para o decréscimo na manutenção do bilingüismo entre
gerações de uma mesma família.
A língua portuguesa foi se tornando assim um símbolo da elite branca, cujo
principal trunfo era o de representar um vínculo com a política mercantilista e com
o desenvolvimento urbano. Além de abortar o sistema de ensino implantado pelos
jesuítas, nenhum outro projeto educacional foi proposto pela Coroa portuguesa
para atender os falantes bilíngües do nheengatu. Esta medida foi reforçada com a
expulsão dos jesuítas, em 1759, e a destruição das missões no sul, em 1776. Mais
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do que uma reforma educacional, a expulsão dos jesuítas provocou um grande
impacto negativo na educação brasileira da época, aniquilando todo o sistema
colonial de ensino jesuítico.
Ainda neste período, em razão de tentativas de colonização por parte de
outras nações, outras línguas, como o francês e o holandês, também entram para
a história do contato lingüístico brasileiro. Neste momento histórico, o contato do
francês e do neerlandês com o português e as línguas indígenas ocorre na região
nordeste do país (Pernambuco).
A língua holandesa é inserida no Brasil no período entre 1624-1625,
durante a primeira invasão holandesa, ocorrida em Salvador. Após terem sido
derrotados pelos portugueses, eles voltam a atacar as cidades de Olinda e Recife
(1630), permanecendo nesta última por 24 anos. Neste período, o neerlandês
conviveu com a língua portuguesa e com as línguas indígenas. No entanto,
segundo Villalta (2004, p.343), quando os holandeses ocuparam esta parte do
território brasileiro, os portugueses já haviam lançado as bases de sua civilização
envolvendo os negros e os índios. Até mesmo nos trabalhos de evangelização, os
holandeses acharam mais eficaz a adoção do português, e não do neerlandês,
junto aos negros e índios, chegando a compilar para tal intento um catecismo
trilíngüe: neerlandês, português e tupi. (Villalta, 2004, p.344).
3.3
Percurso histórico da LDB
A história do ensino das línguas estrangeiras começa praticamente em
1809, com a chegada da de D. João VI e se materializa no sistema público através
da criação do Colégio Pedro II, fundado em 2 de dezembro de 1837 e oficializado,
por Decreto Imperial, em 20 de dezembro do mesmo ano. Até a década de 50 do
século passado, era designado “Colégio Padrão do Brasil”, visto que seu
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programa de ensino servia como modelo de educação de qualidade para os
colégios da rede privada, que solicitavam ao Ministério da Educação o
reconhecimento de seus certificados justificando a semelhança de seus currículos
aos do Colégio Pedro II.
Prado (1996) aborda a evolução do ensino de línguas no Brasil a partir do
modelo adotado no Pedro II. Em 1854, no colégio no Pedro II, o ensino do francês,
do inglês e do alemão era obrigatório, e o ensino do italiano era facultativo. Em
1942, o ensino do alemão e do italiano é suprimido. Durante a reforma Capanema,
além do ensino do francês e do inglês, acrescenta-se aquele do espanhol.
Neste período em que o Brasil começou a estabelecer relações comerciais
com a Europa, a língua francesa surgiu como língua européia de prestígio. Neste
mesmo período (século XIX), o Estado apoiou, indiretamente, uma política
lingüística plurilíngüe.
A Constituição de 1891, primeira do período republicano, pouco trata da
educação por primar pela autonomia das unidades federativas. Ficava
subentendido que a legislação nessa matéria deveria ser resolvida no âmbito dos
estados. Cabia à Federação apenas o ensino superior da capital (art. 34º), a
instrução militar (art. 87º) e a tarefa, não exclusiva, de "animar,” no país, o
desenvolvimento das letras, artes e ciências" (art. 35º). Não havia nessa Carta e
também na anterior (Constituição de 1824) nem sequer a menção à palavra
"educação".
O século XIX foi marcado pela Independência, pelo movimento romântico
que valorizava a cultura nacional e a formação de uma imagem positiva do Brasil e
pela chamada questão da língua brasileira (Elia, 2003, p.138): a elite cultural
dividia-se entre a língua portuguesa de Portugal e língua portuguesa do Brasil em
meio a um período no qual a consciência cultural do Brasil começou a ser
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discutida. Foi um período em que a língua portuguesa do Brasil procurou se
afirmar como língua nacional e distanciou-se do português de Portugal.
Por outro lado, havia uma revalorização dos hábitos europeus no cotidiano
urbano
2
. Para reforçar a idéia de que o país se modernizava, ou “civilizava-se”,
Freyre (2004, p.689) mostra que no início do século XX, a imagem que se queria
passar do país na Europa era a de que o Brasil era “uma grande nação latina”, ou
ainda, “uma nova civilização européia”. As reformas do prefeito Pereira Passos na
capital do país faziam eco a esta determinação de modernização.
Instituições estrangeiras de ensino, protestantes ou evangélicos chamados
de americanos, se instalaram no país neste período no Rio de Janeiro, Recife,
Salvador, São Paulo e Minas Gerais.
As contradições em relação à representação da definição de uma
identidade irão se refletir, posteriormente, na relação da elite com as línguas
estrangeiras. Fundamentadas na crença em uma espécie de mimetismo sócio-
climático, as famílias mais abastadas do Brasil recém republicano enviavam seus
filhos para escolas na Europa. Em outras palavras, a identidade que se pretendia
moldar era definida por padrões europeus, e o inexpressivo investimento em
educação pública deriva do sectarismo do qual se investiu a elite brasileira. Esta
classe forjava valores próprios, caracterizados por uma rejeição à influência das
culturas negra e indígena, e nos quais a educação em língua estrangeira
acentuava sua diferenciação social.
Quanto à educação das mulheres, Freyre (2004, p.176) mostra que no
período que compreende a passagem do século XIX para o século XX havia no
Brasil colégios para moças, sob a direção de religiosas francesas e belgas, cuja
manutenção era incentivada pelo barão do Rio Branco. A função social de tais
colégios era formar as moças para a vida em sociedade, falando fluentemente o
2
O projeto de urbanização implementada pelo prefeito Pereira Passos, no Rio de Janeiro,
inspirava-se nas obras conduzida por Haussmann, em Paris.
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francês, aptas a se casarem com homens que ocupassem, sobretudo, um lugar no
corpo diplomático.
Ritzkat (2000) destaca o papel das preceptoras como uma forma de
educação não institucionalizada na formação das mulheres das elites brasileiras
No final do século XIX, era corrente nas classes mais abastadas, a contratação de
governantas e preceptoras estrangeiras (alemãs, francesas, inglesas) para
reforçar a formação bilíngüe das moças. A educação das moças a cargo das
precetoras priorizava o ensino das línguas estrangeiras, sobretudo o francês.
O final do século XIX e início do século XX foi também um período de
estímulo à imigração estrangeira no Brasil. Para muitos autores, o estímulo à
imigração, traduzida pela oferta de terras aos imigrantes, é analisada como uma
tentativa de branqueamento da população brasileira (Freyre, 2004; Kreutz, 2000;
Ribeiro 2001; Villalta, 2004). Havia uma crença difundida na época a respeito da
superioridade inata do trabalhador europeu, mas esta crença não incluía os
portugueses. O ideal de branqueamento, associado ao liberalismo político e
econômico dos representantes da elite brasileira constituiriam, dessa forma, as
principais razões de estímulo à imigração.
Seguindo o modelo dos Estados Unidos, a imigração apresentou-se como
uma forma de ocupação de espaço geográfico, sobretudo na região sul, em
conflitos de fronteira com a região da Prata. No âmbito internacional, a imigração
para o Brasil ocorreu na época em que se desenvolvia o conceito de
nacionalidade baseado na universalização do conceito de povo e de nação, na
institucionalização de uma língua em detrimento de outras, na expansão de um
sistema escolar igualitário. No entanto, o quadro educacional que os imigrantes
encontram no Brasil caracterizava-se por uma enorme precariedade, sobretudo
nas áreas rurais. Diante deste quadro, os imigrantes foram organizando escolas
baseadas na língua de seu grupo étnico (alemães, poloneses, italianos,
japoneses). As primeiras escolas bilíngües foram fundadas no sul do país.
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59
Kreutz (2000, p.354) assinala que essas escolas mantiveram até a Primeira
Guerra Mundial uma relação pacífica com o governo, contando mesmo com seu
apoio. A partir da década de 20, estas escolas foram diminuindo nos grandes
centros, sobretudo São Paulo que era considerada uma referência para a idéia de
nação brasileira. Ao lado dessas escolas foram sendo construídas escolas
públicas, mas sem que houvesse ainda uma repressão explícita às escolas
“étnicas”. Nas áreas rurais, observou-se uma progressão nas escolas étnicas até a
década de 30.
A campanha de nacionalização do ensino, empreendida pelo governo do
Presidente Getúlio Vargas, foi particularmente incisiva em relação às escolas de
língua alemã. Os trabalhos de Vandresen (1996), de Wiese e Vandressen (2003) e
Borstel (1992) abordam as conseqüências das intervenções lingüísticas sofridas
por essas escolas e, conseqüentemente, na população local.
No entanto, à medida que se desenvolvia uma tendência política
nacionalista, as escolas criadas pelos imigrantes foram fechadas ou
transformadas em escolas públicas. Dessa forma, o que em um segundo
momento foi a justificativa para sua extinção. A conseqüência mais imediata ao
fechamento dessas escolas é analisada por Vandresen (1996) ao observar que
muitas gerações ficaram sem escola e sem aprender o português, uma vez que
escolas públicas não foram criadas na mesma proporção com que as dos
imigrantes eram fechadas. Os pais, por sua vez, também não dominavam a língua
portuguesa e não podiam ensiná-la aos filhos. Quando as crianças puderam ter
acesso à escola pública, observou-se na região um quadro de evasão escolar e
repetência.
Este período foi marcado por uma série de leis relacionadas às línguas:
assim, após a Primeira Guerra, em um contexto de extremo nacionalismo, o
governo federal passou a coibir, através de uma série de decretos, o
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60
funcionamento das escolas dos imigrantes e o uso de línguas estrangeiras,
proibindo mesmo o seu ensino para menores de 14 anos.Seguiu-se um período de
forte repressão ao ensino bilíngüe, com destruição de material didático e a prisão
de professores. Kreutz (2000, p.365) apresenta as principais leis que coibiam o
funcionamento das escolas étnicas e o ensino de línguas estrangeiras e destaca,
entre outros, o Decreto 1.545 como o mais pernicioso:
-Decreto 406 de maio de 1938: estipulava que todo o material utilizado na escola
elementar deveria ser elaborado em língua portuguesa; que todos os professores
e diretores de escola fossem brasileiros natos; interditava a circulação de material
em língua estrangeira nas áreas rurais; obrigatoriedade do ensino de história e
geografia do Brasil; proibição do ensino de línguas estrangeiras a menores de 14
anos.
-Decreto 1.006 de 30 de dezembro de 1938: o presidente da República
estabelecia que o ministro da Educação supervisionasse todos os livros usados na
rede de ensino elementar e de segundo grau.
-Decreto 1.545 de 25 de agosto de 1939: instruía os secretários estaduais de
Educação a construir e manter escolas em áreas de colonização estrangeira; a
estimular o patriotismo por parte dos estudantes; a fiscalizar o ensino de línguas
estrangeiras; a intensificar o ensino de geografia e de história do Brasil; proibição
do uso de línguas estrangeiras em assembléias e reuniões públicas; ordenava que
as aulas de educação física nas escolas étnicas fossem ministradas por um
sargento das Forças Armadas indicado pelo comandante militar da região.
-Decreto 2.072 de 8 de março de 1940: cria a organização da Juventude
Brasileira, obrigatória em todas as escolas. Jovens de 11 a 18 anos deveriam
sujeitar-se à educação física como instrumento de uniformização étnica
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61
-Decreto 3.580 de 3 de setembro de 1941: proibia-se a importação de livros-texto
de língua estrangeira para o ensino elementar e sua impressão em território
nacional.
Além das medidas acima, outros fatores contribuíram para acelerar o fim
das escolas dos imigrantes, tais como: a gratuidade das escolas públicas, a
quebra do isolamento das comunidades rurais em razão do desenvolvimento
econômico, a atitude de alguns grupos de imigrantes, sobretudo das gerações
subseqüentes, em relação ao aprendizado da língua portuguesa como um fator
inserção na sociedade brasileira.
A situação forçada de perda de prestígio das línguas de imigração
acentuava-se ainda com o Decreto–lei n° 389, de 25 de abril de 1938 que regulava
a nacionalidade brasileira, estipulava que uma das condições para se obter a
nacionalidade brasileira era o conhecimento da língua portuguesa. O governo de
Getúlio Vargas também extinguiu por decreto os cargos de professores
catedráticos de francês, inglês e alemão do Colégio Pedro II: Decreto n° 20.833,
de 21 de dezembro de 1931.
Paiva (1995) destaca que a partir da década de 30, a influência americana
se fez mais intensa através do cinema falado. O american way of life foi glorificado
em nossas telas e a elite, que até então usava e abusava dos empréstimos da
língua francesa, aderiu à moda do inglês exportado pelos Estados Unidos
3
.
Leffa (2005) nos apresenta o desenvolvimento do ensino de línguas
estrangeiras no Brasil e as leis que lhe deram suporte. Para este autor, o ensino
de línguas no país alcançou seu apogeu sob a reforma Capanema de 1942.
3
Paiva comenta que o samba, sempre atento às influências culturais e ao comportamento da
classe dominante, nunca perdeu a oportunidade de criticar e denunciar o que era considerado
índice de aculturação. Um bom exemplo dessa denúncia é o samba de Noel Rosa, Não tem
tradução, que diz: “O cinema falado/É o grande culpado/Da transformação/Amor lá no morro é
amor prá chuchu/As rimas do morro não são "I love you"/E esse negócio de alô, alô boy, alô
John/Só pode ser conversa de telefone...
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Convém lembrar, porém, o contexto político no qual tal reforma foi concebida,
aquele do nacionalismo do governo Vargas, o mesmo que em 1939 proibiu o
funcionamento das escolas nos núcleos de colonização estrangeira e vetou o
ensino da língua alemã. As linhas que definiam a política educacional deste
governo eram baseadas na centralização, no autoritarismo, na nacionalização sob
pretexto de modernização do país através da educação.
De qualquer forma, sob essa Reforma, o ensino médio foi dividido em um
primeiro ciclo (ginásio), com duração de quatro anos e um segundo ciclo, que
propunha dois percursos: o clássico, com ênfase nos estudos de línguas clássicas
e modernas, e o científico, com ênfase nos estudos das ciências exatas. No que
diz respeito às línguas estrangeiras, de acordo com esta Reforma, todos os
alunos, desde o ginásio até o científico ou clássico, estudavam latim, francês,
inglês e espanhol.
No período do governo Vargas, no entanto, o ensino secundário técnico foi
o mais priorizado uma vez que se destinava a preparar mão-de-obra para a
modernização do país.
A realidade é que depois da segunda guerra mundial, os laços de
dependência econômica e cultural brasileira em relação aos Estados Unidos foram
estreitados e a promoção da língua inglesa veio a reboque neste contexto. Na
década de 40, o Brasil foi tomado por missões de boa vontade americanas,
compostas de professores universitários, jornalistas, publicitários, artistas,
militares, cientistas, diplomatas, empresários, etc., todos empenhados em estreitar
os laços de cooperação com brasileiros, além das múltiplas iniciativas oficiais.
Assim, com essas missões e com a produção cultural americana veio a
língua inglesa que, aos poucos, foi invadindo o espaço onde predominava
soberana a língua francesa. Paiva (1995) nos lembra que Lamartine Babo, ao
denominar sua canção de "fox-charge", deixava claro sua intenção de satirizar e
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63
provocar o riso diante de um fenômeno que ele rejeitava: a invasão da música
americana na figura do fox-trot. Para atingir esse efeito, caricaturizava o estilo
musical compondo um fox acompanhado de uma letra non sense, em forma de
signos deslocados de seus eixos sintagmáticos/paradigmáticos. O verso em
francês, "Mon Paris je t'aime"
4
pode ser interpretado como índice de saudosismo
da cultura humanista européia que estava sendo trocada pelo cultura tecnicista
americana. No entanto, ao dirigir sua crítica às classes populares, acaba
contribuindo para propagar o preconceito contra essas mesmas classes.
Em 1948, foi encaminhado o primeiro projeto de lei pelo poder executivo ao
legislativo e foram necessários treze anos de debate até o texto final. Assim, a
primeira LDB só foi publicada em 20 de dezembro de 1961, no governo do
presidente João Goulart, quase trinta anos após ser prevista pela Constituição de
1934. A Lei de Diretrizes e Base de 1961 permite que cada estado brasileiro
escolha a inclusão de línguas estrangeiras. A LDB de 1961, no que diz respeito ao
ensino de línguas, reduz a menos de 2/3 o ensino de línguas estrangeiras: retira o
latim do currículo, diminui a carga horária do francês, apenas o ensino do inglês
permanece inalterado.
Paradoxalmente, o prestígio da língua inglesa aumenta a partir do momento
em que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1961 retirava a
obrigatoriedade do ensino de LE do ensino médio, atual ensino básico e deixava a
cargo dos estados a opção pela sua inclusão nos currículos. Esta lei alavancou a
opção pelo inglês e impulsionou uma explosão de cursos particulares de inglês a
partir da intensificação do senso comum de que não se aprende língua estrangeira
nas escolas regulares.
4
I love you /Abacaxi, whisky/Of chuchu /Malacacheta, /Independence Day /No Street-Flesh me
estrepei... /Elixir de Inhame /Reclame de andaime/Mon Paris je t'aime /Sorvete de creme... /My girl
goodnight/ Oi!...
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64
Nesta Lei (nº4024), as matérias obrigatórias são determinadas pelo
Conselho Federal de Educação, as matérias complementares pelos Conselhos de
Educação dos Estados, e a matérias optativas pelos estabelecimentos escolares
(Art. 35, parágrafo 1). Esta lei que estabelecia 7 anos de escolaridade média, não
trata explicitamente do ensino de línguas, ainda que uma ou duas línguas
estrangeiras sejam indicadas entre as disciplinas complementares escolhidas
pelas escolas. As especificações aparecem posteriormente através dos atos n 20
(26/02/62) do Conselho Federal de Educação. A versão seguinte aparece em
1971, vigorando até a promulgação da mais recente, em 1996.
Quanto à lei 5.692, de 1971, ela promoveu mudanças na estrutura do
ensino secundário e preconizava que o ensino de línguas estrangeiras seria
recomendado apenas quando a escola pudesse oferecer condições adequadas e
eficazes para tal ensino, remetendo o ensino de línguas a um status marginal o
que provocou um declínio na oferta de ensino de LE na grade curricular. A política
educacional de 1971, no que diz respeito ao aprendizado de línguas foi
extremamente retrógrada, concebida em plena ditadura militar, de acordo com os
interesses americanos da época.
A LDB de 1971 (Lei 5.692 de 11 de agosto de 1971) foi a mais perniciosa
para a difusão do ensino de línguas, além de reduzir de 12 para 11 anos o ensino
obrigatório: o primeiro Grau com duração de 8 anos e o segundo Grau com 3 anos
de duração. Para o segundo Grau, foi dada ênfase à formação profissional, com o
objetivo não explícito de diminuir a demanda por vagas no ensino superior.
Hilsdorf (2003) aponta que este conjunto de determinações, redução do tempo de
escolaridade e formação profissional, teve um grande impacto sobre o ensino de
línguas. Acrescente-se a estas determinações, o parecer do Conselho Federal
segundo o qual a língua estrangeira seria "dada por acréscimo" de acordo com as
condições de cada estabelecimento. Ao delegar o ensino de línguas às condições
de cada estabelecimento, deixou-se à deriva uma grande parte das escolas
públicas, sobretudo aquelas localizadas longe dos grandes centros. Neste
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65
período, muitos alunos passaram por essas escolas, ao longo do primeiro e do
segundo Grau, sem nunca terem estudado uma língua estrangeira.
A LDB de 1971 foi concebida no âmbito da assinatura dos acordos entre o
Ministério da Educação e Cultura e a agência norte-americana Agency for
Internatinal Development (USAID) e tomou uma direção tecnicista na formação
escolar. Estes acordos também seguiam linhas de ações bastante definidas para a
educação em parceria com governo sob a ditadura militar, visando a adaptação do
indivíduo à sociedade, através da força, do controle, da repressão. Falar inglês,
passou a ser um anseio das populações urbanas e foi ironicamente cantada nos
versos de Caetano Veloso Você precisa aprender inglês (...)...leia em minha
camisa/ Baby, baby, I love you.
Em teoria, esta lei pretendia assegurar uma certa flexibilidade e uma melhor
adequação da escola às condições aos interesses regionais. Em relação às
línguas estrangeiras, o parágrafo 2 do artigo 8 especifica: Toda a abertura
intelectual que o conhecimento de línguas poderia proporcionar estava, por razões
ideológicas, descartadas.
Nesta perspectiva, Ballalai (1989) aponta o ensino de línguas estrangeiras
como um dos fatores que contribuem para a dependência e a reprodução da
divisão de classes. Este autor analisa a trajetória do ensino de línguas
estrangeiras no Brasil, apontando que, a criação da escola pública, as tendências
da chamada Escola Nova nas décadas de 50, 60 e 70 e a lei 5692/71, foram
marcadas pela seletividade, psicologismo ou pragmatismo que impediram uma
discussão mais séria sobre o papel da língua estrangeira no processo educacional
brasileiro. Desta forma, o ensino de língua estrangeira seria um instrumento de
educação, “baseado na reflexão e no espírito crítico", preocupado com as
necessidades da educação no país, voltado para um "saber global" que auxilie na
construção do aluno como sujeito de seu processo de aprendizagem.
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66
No final de novembro de 1996, a Associação de Lingüística Aplicada do
Brasil (ALAB) promove o primeiro Encontro Nacional de Política de Ensino de
Línguas (I ENPLE) e, ao final do evento, é divulgada a Carta de Florianópolis que
propõe um plano emergencial para o ensino de línguas no país. A primeira
afirmação do documento enfatiza que todo brasileiro tem direito à plena cidadania,
a qual, no mundo globalizado e poliglota de hoje, inclui a aprendizagem de línguas
estrangeiras, e após outros considerandos, propõe, entre outros itens, que seja
elaborado um plano emergencial de ação para garantir ao aluno o acesso ao
estudo de línguas estrangeiras, proporcionado através de um ensino eficiente. O
documento defende, explicitamente, que a aprendizagem de línguas não visa
apenas a objetivos instrumentais, mas faz parte da formação integral do aluno.
Bohn (2000), que esteve presente neste encontro, abordou o problema da
definição de uma política de ensino de línguas para o Brasil propondo que
professores e lingüistas participem ativamente em sua elaboração atuando junto
às autoridades educacionais e à sociedade civil. O autor chama a atenção para o
perigo da privatização do ensino de línguas que dificultaria o acesso a este ensino
a todos os cidadãos.
Um mês depois, em dezembro de 1996, enquanto o documento estava
sendo divulgado e enviado a diversas autoridades educacionais do país, é
promulgada a nova LDB, que torna o ensino de LE obrigatório a partir da quinta
série do ensino fundamental. O Art. 26, § 5º dispõe que:
Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir
da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja
escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da
instituição.
Quanto ao ensino médio, o art. 36, inciso III estabelece que:
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67
...será incluída uma língua estrangeira moderna, como
disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e
uma segunda, em caráter optativo, dentro das possibilidades
da instituição.
3.4
O ensino de línguas estrangeiras segundo a Lei de Diretrizes e Base (LDB)
A LDB (Lei de Diretrizes e Bases) e os PCNs (Parâmetros Curriculares
Nacionais) ao tratarem do ensino de línguas estrangeiras parecem concordar com
a idéia segundo a qual o conhecimento de uma língua estrangeira é uma etapa
importante na qualificação pessoal, acadêmica e profissional do indivíduo. Mas
veremos que ficam muito mais no plano dos discursos que de propostas concretas
e inovadoras.
Considerando a relação entre políticas lingüísticas e políticas educacionais,
visto que ambas interagem com os interesses do Estado e podem ser formuladas
e postas em prática em contextos de grande complexidade social, econômica e
política, selecionamos como marcos de políticas educacionais para o ensino de
línguas estrangeiras as Leis de Diretrizes e Base de 1961, 1971 e 1996 e os PCNs
(Parâmetros Curriculares Nacionais) decorrentes da última LDB. A Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) define e regulariza o sistema de educação
do Brasil com base nos princípios presentes na Constituição. Citada pela primeira
vez na Constituição de 1934, a primeira LDB foi criada em 1961, seguida por uma
versão em 1971, que vigorou até a promulgação da mais recente em 1996.
Além das medidas relacionadas às línguas estrangeiras, a LDB de 20 de
dezembro de 1996, transforma os antigos 1 e 2 Graus em Ensino Fundamental e
Ensino Médio. Uma base nacional comum continua existindo, mas com a
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68
determinação de ser complementada em cada sistema de ensino e
estabelecimento escolar, de acordo com as características culturais regionais e
locais da sociedade (Art. 26).
Se nesta LDB tínhamos a impressão de que, finalmente, o ensino de
línguas estrangeiras tinha sua importância legitimada pela legislação educacional,
observaríamos, no entanto, que algumas brechas na LDB demonstram que o
ensino de idiomas ainda não tem um espaço realmente relevante como projeto
pedagógico.
A primeira demonstração da pouca legitimidade do ensino de idiomas está
registrada nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCNs)
para o ensino fundamental publicados pelo MEC em 1998. O documento, um
exemplo típico do que os franceses chamam de langue de bois, minimiza a
importância do ensino das habilidades orais, afirmando que "somente uma
pequena parcela da população tem a oportunidade de usar línguas estrangeiras
como instrumento de comunicação oral". Ao argumentar a favor de se privilegiar o
ensino de leitura em detrimento das outras habilidades, o documento afirma, na
página 20:
Deve-se considerar também o fato de que as condições na sala de aula
da maioria das escolas brasileiras (carga horária reduzida, classes
superlotadas, pouco domínio das habilidades orais por parte da maioria
dos professores, material didático reduzido ao giz e livro didático etc.)
podem inviabilizar o ensino das quatro habilidades comunicativas. Assim,
o foco na leitura pode ser justificado em termos da função social das LEs
no país e também em termos dos objetivos realizáveis tendo em vista
condições existentes.
Ainda na mesma página, além de relegar a um segundo plano a
importância das habilidades orais e da escrita e de ignorar as modificações
advindas da era da informática, acaba reproduzindo mesmo discurso do parecer
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69
853/71 de 12/11/1971. Há uma generalização e uma conseqüente adaptação dos
parâmetros à ineficácia do sistema educacional:
No Brasil, tomando-se como exceção o caso do espanhol, principalmente
nos contextos de fronteiras nacionais, e o de algumas línguas nos
espaços das comunidades de imigrantes (polonês, alemão, italiano etc) e
de grupos nativos, somente uma pequena parcela da população tem a
oportunidade de usar línguas estrangeiras como instrumento de
comunicação oral, dentro ou fora do país. Mesmo nos grandes centros, o
número de pessoas que utilizam o conhecimento das habilidades orais de
uma língua estrangeira em situação de trabalho é relativamente pequeno.
Desse modo, considerar o desenvolvimento de habilidades orais como
central no ensino de Língua Estrangeira no Brasil não leva em conta o
critério da relevância social para a aprendizagem.
O plurilinguismo no sistema de ensino também não encontra no documento
um ponto de apoio. Embora veicule um discurso que reconhece o valor das
línguas estrangeiras, o PCN não considera a viabilidade do ensino de mais de
uma língua estrangeira – o próprio título documento encontra-se no singular:
Outro pressuposto básico para a aprendizagem de uma língua
estrangeira é a necessidade de garantir a continuidade e a
sustentabilidade de seu ensino. Não há como propiciar avanços na
aprendizagem de uma língua, propondo ao aluno a aprendizagem de
espanhol na quinta série, de francês na sexta e na sétima, e de inglês na
oitava série.
O documento dá, no mínimo, provas de uma grande falta de imaginação
para a proposta de um ensino plurilíngüe. Além disso, por seu caráter conformista,
passa a idéia de que os autores não estão empenhados o bastante para
promoverem a importância do ensino de línguas estrangeiras no país. No capítulo
relativo às justificativas para a escolha da língua a ser ensinada, três fatores são
apresentados para se estabelecer uma escolha:
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70
a) fatores históricos:a relevância é dada às línguas nas relações internacionais;
não faltam argumentos para a presença do inglês e do espanhol.
b) fatores relativos às comunidades locais: as línguas indígenas e as línguas de
sinais são citadas.
c) fatores relativos à tradição: apresentados em um pouco mais de quatro linhas
no documento; o francês é citado como um exemplo desta justificativa.
Quanto ao argumento de que o conhecimento das habilidades orais de uma
língua estrangeira em situação de trabalho é relativamente pequeno não condiz
com o contexto globalizado como o nosso. Ora, estar preparado para o exercício
da cidadania, e ter qualificação para o trabalho deveria incluir o conhecimento de
uma língua estrangeira não só para a leitura de documentos como também para a
interação com falantes na modalidade oral ou escrita em função da forte presença
da Internet nas diversas instituições, entre outros fatores. Para isso é necessário
que se crie condições para um melhor ensino de línguas e não condicionar o
ensino à possibilidade de uso efetivo da língua pelo aprendiz como sugerido pelos
PCNs.
Em relação ao argumento da fronteira e do regionalismo, os PCNs parecem
considerar a população como uma soma de conjuntos estáticos de pessoas que
não se deslocam pelos espaços geográficos. Ignoram, também, que as línguas
não são mais produtos territorizados, e, no caso do inglês, como ressalta Milton
Santos(2000), o espaço dos pontos, ou seja, o não-espaço é o espaço geográfico
desse novo império lingüístico.
As leis educacionais continuam pouco enfáticas quanto à necessidade de
se promover o ensino de línguas estrangeiras. Continuar delegando a escolha da
língua estrangeira a ser ensinada à "comunidade escolar" ou às "possibilidades da
instituição" não modifica muito o acesso a um ensino plurilíngue nas comunidades
mais carentes ou afastadas dos grandes centros urbanos.
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71
Nas últimas décadas, sobretudo nas escolas públicas, observa-se o
monopólio da língua inglesa como opção de íngua estrangeira. Em contrapartida,
o Projeto de Lei nº 3.987/00 aprovado no dia 7 de julho de 2005
5
pela Câmara dos
Deputados prevê que as escolas de ensino médio de todo o país deverão a
oferecer língua espanhola dentro do horário regular, porém a matrícula do aluno
será opcional.
Para o ensino fundamental, a inclusão da língua espanhola no currículo
será facultada a partir da 5ª série. O projeto de lei, de autoria do deputado Átila
Lira (PSDB-PI), determina que as escolas públicas e privadas ofereçam a
disciplina e foi aprovado com as emendas recebidas pelos deputados em 2003.
Para o então ministro da Educação, Tarso Genro, a aprovação pela Câmara do
projeto de lei tornando obrigatório o ensino do espanhol nas escolas de ensino
médio de todo o país, reforça o projeto das escolas bilíngües nos estados que
fazem fronteira com países de língua espanhola. Porém um outro argumento para
tal medida era que com a aprovação desta lei, as negociações de conversão de
parte da dívida em investimentos em educação, com a Espanha, poderiam ser
facilitadas.
A Lei Federal 11.161 prevê a implantação gradativa do ensino do espanhol,
no prazo de cinco anos, e atribui aos conselhos estaduais de educação a
responsabilidade pelas normas que tornem viável sua execução de acordo com as
condições e peculiaridades locais.
O artigo 1º do projeto diz que a escola é obrigada a oferecer a disciplina,
mas ao aluno é facultada a matrícula. Quando trata da oferta nas redes pública e
privada, a lei faz distinções. Os sistemas públicos devem oferecer a língua
espanhola em centros de ensino de língua estrangeira, em horário regular de aula;
5
Este Projeto foi transformado na Lei Federal número 11.161, sancionada pelo presidente Luís
Inácio Lula da Silva em agosto do mesmo ano. Esta lei determina que as escolas ofereçam até
2010, a disciplina de Língua Espanhola no Ensino Médio.
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72
já a rede privada pode ofertar a disciplina de duas formas: nas salas de aula e em
horários normais ou em centros de estudos.
De acordo com uma reportagem publicada no jornal Folha de São Paulo
(18/08/2005), e disponível na página do Ipol na internet (
www.ipol.org.brT), esta lei
esperou cerca de cinqüenta anos para ser aprovada. Na realidade, o presidente
Juscelino Kubitschek que governou o país no período entre 1956-1961 pediu que
o Congresso Nacional elaborasse que introduzisse o ensino do espanhol nas
escolas brasileiras. Este primeiro projeto foi rejeitado, e os demais projetos
lingüísticos (cerca de 15) com o mesmo propósito de promover a integração
regional do Brasil com os demais países da América Latina também não foram
aprovados pelo Congresso. Segundo esta reportagem, os motivos que levaram os
governos a rechaçar a idéia de introduzir o idioma no país variavam: problemas de
logística para implementação da lei, escassez de recursos e, principalmente, as
pressões de lobistas americanos, italianos e franceses que não queriam que a lei
fosse aprovada.
No entanto, ainda que o inglês e o espanhol sejam importantes num mundo
globalizado, e que o espanhol tenha um papel importante nas relações com a
maior parte dos países da América do Sul, a substituição de um monopólio por
outro não nos parece o caminho mais democrático para o acesso ao aprendizado
de línguas estrangeiras.
Outros fatores devem ser levados em consideração no momento de
escolher-se a(s) língua(s) estrangeira(s) a ser oferecida pela escola, tais como as
características sociais, culturais, econômicas e históricas da região onde se dará
esse estudo. Não se deve pensar numa espécie de unificação do ensino, mas
sobretudo no atendimento às diversidades, aos interesses locais e às
necessidades do mercado de trabalho no qual está inserido ou virá a inserir-se o
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73
aluno. Mesmo as regiões de fronteiras, por exemplo, têm necessidades diferentes
de acordo com a região.
6
Além disso, mesmo a noção de fronteira ganha nuances novas em tempos
de globalização, indo além das linhas territoriais delimitadas juridicamente. As
instituições supranacionais, por exemplo, os blocos econômicos, ilustram a
flutuação das fronteiras no contexto atual e recontextualizam o papel das línguas.
É este aspecto que salientaremos no capítulo seguinte.
6
A dissertação de Day (2005) a respeito da fronteira do Brasil com a Guiana Francesa nos oferece
elementos para uma política lingüística para o ensino de línguas estrangeiras diferenciada.
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74
4
Globalização e Política lingüística para o ensino de línguas
estrangeiras
Antes o mundo era pequeno
Porque a terra era grande
Hoje o mundo é muito grande
Do tamanho da antena parabolicamará
(Gilberto Gil, "Parabolicamará", 1992)
4.1
Introdução
A configuração política mundial em blocos regionais e a intensificação
razões para que os status funcionais de uma língua sejam definidos, por
exemplo: línguas oficiais, de trabalho, nacional. O Tratado de Roma que
oficializou a criação da União Européia, por exemplo, estipulava que as seis
línguas oficiais dos países membros seriam as línguas oficiais da União. Este
número tem aumentado com a entrada de novos países membros o que
requer a criação de novos cargos de tradutores para dar conta de todas as
combinações de línguas possíveis.
Do ponto de vista lingüístico, este contexto revela ainda questões
como o predomínio da língua inglesa nos organismos internacionais e nos
sistemas educacionais, o papel das línguas minoritárias, bem como a
importância do ensino de línguas como um propulsor da inclusão/exclusão
social. A reivindicação das demais línguas neste contexto abriga-se sobre a
égide do plurilingüismo como uma das maneiras de se promover não só a
inserção social como também uma maneira de fazer face ao monolingüismo
inglês. Ao contrário que ocorria nos séculos anteriores, o status de língua
culta é mencionado em uma escala menor, uma vez que a função das
línguas ganha importância em um contexto de interações econômicas.
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75
No caso da formação do Mercosul (Mercado Comum do Sul), as
línguas espanhola e portuguesa foram estabelecidas como línguas oficiais
deste bloco. Uma vez que o Mercosul prevê medidas de integração
educativas, culturais e lingüísticas, dentre as quais o ensino do português e
do espanhol nos países membros, medidas que de antemão já favoreceriam
as regiões de fronteira com os hispanofalantes. Isto implicou em mudanças
nas políticas educacionais e lingüísticas entre os países de língua espanhola
que fazem fronteiras com o Brasil. Por outro lado, o ensino língua francesa
nas escolas públicas da rede de ensino foi praticamente eliminado,
fortalecendo mais um processo de subtração que de adição de línguas.
Desse modo, a fronteira com uma região francófona (Guiana Francesa) não
foi considerada no projeto Escolas Bilíngües de Fronteiras, um dos projetos
desenvolvidos no âmbito do Mercosul Educacional.
1
Quanto aos resultados dessas medidas, com exceção das fronteiras,
eles se mostram ainda bastante tímidos e, provavelmente, isto se deve em
parte ao fato da língua portuguesa assim como a língua espanhola ocuparem
um lugar de pouco prestígio, ou de pouco valor de mercado, como língua
estrangeira no sistema escolar dos países da América do Sul. De qualquer
modo, o ensino de espanhol na rede pública de ensino no Brasil vem sendo
difundido progressivamente.
No Brasil, a globalização apresenta desafios que se concentram na
área social, mais especificamente na inserção profissional dos indivíduos.
1
Este projeto teve início em 2004 e envolveu cinco escolas brasileiras de educação básica,
nos municípios de Dionísio Cerqueira (SC), Foz do Iguaçu (PR), Uruguaiana, São Borja e
Itaqui, no Rio Grande do Sul, e em escolas argentinas na fronteira com estas cidades. O
objetivo do projeto é promover integração do Mercosul Educacional com a implementação
da educação bilíngüe no ensino fundamental voltado para alunos de escolas públicas
localizadas na região de fronteira do Brasil e dos países do Mercosul. Em 2006, há quatro
mil alunos envolvidos no Projeto, dos quais cerca de 15% têm aulas semanais em espanhol
com os professores argentinos. Entre os 230 professores de cada país das cinco escolas
participantes, 21 cruzam a fronteira para trabalhar com os alunos, uma ou duas vezes na
semana.
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76
Neste contexto, estreita-se ainda mais a relação entre conhecimento de
línguas e mercado de trabalho, no qual a língua constitui um bem simbólico,
um traço diferenciador. Porém, se considerarmos a história do ensino
bilíngüe no país, constataremos que ele não pretende integrar minorias
socialmente desfavorecidas, como ocorre em países desenvolvidos (Canadá,
França, Estados Unidos), e assim a globalização se traduziu por uma
abertura para o ensino de línguas mas de caráter privado (no Estado do Rio
de Janeiro há cerca de 680 cursos de idiomas).
O fenômeno da globalização econômica se evidenciou no Brasil no
início dos anos 90. Em razão das mudanças introduzidas na política
econômica brasileira, tais como a privatização de empresas estatais, a
abertura do setor de petróleo e a instalação de grandes empresas
estrangeiras no Brasil, proporcionaram ao país um novo tipo de fluxo
imigratório.
Ao contrário dos imigrantes estrangeiros que se instalaram no Brasil
no final do século XIX e início do século XX, os novos grupos são formados
por famílias de classe média alta, que possuem uma perspectiva pré-definida
do tempo que permanecerão no país. De acordo com o Ministério do
Trabalho, os americanos, os ingleses e os franceses predominam nesses
novos grupos migratórios.
Em decorrência desse processo, acentuou-se o número de matrículas
nas escolas bilíngües estrangeiras. Em relação às escolas francesas, além
do aumento do número de alunos nos estabelecimentos de ensino já
existentes, observamos o surgimento de novas escolas, sustentadas por
algumas empresas para atender aos filhos de seus funcionários, por
exemplo, a Escola Peugeot-Citröen, na cidade de Resende (RJ), e a Escola
Renaut, em Curitiba (PR).
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77
Embora conte com um grande número de alunos estrangeiros, muitas
dessas escolas, principalmente aquelas localizadas nos grandes centros,
acolhem um número maior de brasileiros, em geral de classe média alta. No
caso das escolas francesas, elas seguem as determinações da política
lingüística daquele país, conseqüentemente todos os alunos são
alfabetizados em língua francesa, a língua portuguesa é freqüentemente
ensinada como segunda língua (Pereira, 2002).
4.2
Globalização
O termo globalização (ou mundialização, para a grande maioria dos
francófanos) ganhou força a partir dos anos 80 em referência às aplicações
financeiras e à circulação de capital em escala planetária, sendo
primeiramente sinônimo de globalização econômica, de mercado mundial. O
contexto histórico internacional marcava a desestruturação da União
Soviética e o fim da Guerra Fria. No Brasil, delineava-se a chamada
“transição democrática”. A reorganização política mundial, acelerada após o
final da Guerra Fria, proporcionou o surgimento de blocos econômicos em
diferentes regiões do planeta, como a União Européia, o Nafta, o Mercosul.
Esta circulação livre de capital para além de fronteiras nacionais,
buscando melhores condições financeiras e maiores mercados, engendrou,
posteriormente, a circulação de tecnologia e informação. O acesso à
informação passou a fazer parte dos itens que classificam o nível de
desenvolvimento de um país, sua base democrática.
Furtado (1998, p.33) observa como conseqüência do processo de
globalização, tanto em sociedades pobres como em sociedades ricas, a
exclusão social de parcelas crescentes da população. Isto decorre não
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78
apenas em razão do progresso tecnológico, mas também pelo fato de que a
globalização das atividades produtivas em escala planetária leva a uma
grande concentração de renda. Furtado acrescenta que o grande desafio da
globalização é de caráter social, o que demandará uma grande imaginação
política para encontrar soluções, e conclui: “Equivoca-se quem imagina que
já não existe lugar para a utopia”.
O fato é que com a globalização as relações sociais ficaram mais
expostas, e embora a exclusão social sempre tenha sido uma constante na
sociedade brasileira, sob diferentes formas, ela adquire novas dimensões. O
processo de exclusão observado aqui em outras partes do mundo agora está
mais visível, logo as questões de caráter étnico, de classes e segmentos
sociais e das minorias até então marginalizadas ganham mais espaço e
exigem visibilidade e alternativas de inserção.
A globalização pôs em xeque as noções de centro-periferia, o que nos
permite partilhar os questionamentos de Santos (2005, p.265): Que é ser um
centro? Que fenômenos tal centro regula? Que é hoje a centralidade e que
relações ela mantém com a capacidade de estabelecer normas? Estas
questões podem ser evocadas no bojo das intervenções lingüísticas
brasileiras, sejam as mesmas in vivo ou in vitro: muitas destas intervenções
ganham legitimidade no centro, mas são geradas fora dele, por iniciativas
locais. Isto exige, por outro lado, uma forte organização da periferia para que
possa gerar suas demandas.
Santos situa o conceito de centro ao longo do período da história
territorial do Brasil, com uma significação nova em cada período. Este autor
divide esta evolução conceitual em três grandes períodos: o primeiro, que
dura até a Segunda Guerra Mundial é anterior à unificação do território e do
mercado; o segundo, com o Brasil unificado, tendo como fator dinâmico a
indústria e como objetivo a construção nacional e, finalmente, o terceiro,
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79
iniciado com o processo de globalização. O primeiro caracterizava-se por um
poder policêntrico (Governo Geral, Vice-Reino, Império). O segundo é o
embrião da área concentrada que viria a gerar, através da industrialização,
as grandes metrópoles do sul e do sudeste do país. No terceiro período, o
fator mais atuante já não é mais a indústria e sim a informação.
Além de gerar um novo paradigma em relação ao conceito de espaço
a globalização põe em evidência, como salienta Wolton (2006, p.28), as
questões de caráter cultural. Para este sociólogo, o grande efeito da
globalização é o aparecimento da cultura como questão política mundial, ao
lado da economia, da saúde, do meio ambiente, etc. Neste contexto, as
línguas, de uma maneira geral, que são portadoras de visões de mundo e
servem como instrumentos de comunicação adquirem um papel crucial.
Calvet (2002, p.135) identifica pelo menos duas conseqüências
lingüísticas da globalização: (a) o fato de algumas línguas passarem a
desempenhar um grande número de funções e (b) o lugar hipercentral
ocupado pela língua inglesa. A aquisição de uma língua estrangeira não foge
à configuração resultante de globalização, isso explica que haja um
bilingüismo “horizontal” (aquisição de uma língua de mesmo nível de status)
e um bilingüismo “vertical” (aquisição de uma língua com status superior).
Mais adiante (4.6), veremos como esta configuração pode ser aplicada ao
ensino de línguas no Estado do Rio de Janeiro.
Um outro fenômeno político-lingüístico ligado à globalização apontado
por Calvet (2002, p.195) é a criação do que ele denomina de ‘X-fonias”, ou
seja, a criação de grandes conjuntos em torno de uma língua, por exemplo: a
francofonia, representada pela Organização Intergovernamental da
Francofonia (OIF), a hispanofonia representada pela Organização de
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80
Estados Ibero-americanos (OEI
2
) e a lusofonia em torno da Comunidade dos
Países de língua Portuguesa (CPLP)
3
. A linha de ação desses conjuntos
baseia-se na promoção das respectivas línguas. Coube à francofonia,
baseada em sua política de diversidade face ao perigos da homogeneização
lingüística decorrente da globalização, a idéia de lançar uma aliança entre
estas representações constituindo, em 2001, os Três Espaços Lingüísticos.
Um dos projetos desenvolvidos por esta aliança lingüística é a elaboração
de um sistema de observação das práticas lingüísticas e do respeito aos
regulamentos lingüísticos nas organizações internacionais .
O que nos parece realmente relevante nessa configuração entre
línguas e globalização é que a linha principal de ação das políticas
lingüísticas dos diferentes Estados consiste em promover sobretudo a língua
do Estado e dependendo do Estado, em nome do respeito à diversidade, as
línguas periféricas deste Estado. O ensino de línguas estrangeiras não ocupa
o mesmo espaço na elaboração dessas políticas e o aprendizado de línguas
continua fazendo parte do leque de desigualdades sociais que caracterizam
o contexto da globalização econômica. Estas desigualdades, porém, têm
origens que precedem o nascimento do conceito propriamente dito de
2
A Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura
(OEI) nasceu em 1949, é um organismo internacional de caráter governamental para a
cooperação entre os países ibero-americanos no campo da educação, da ciência, da
tecnologia e da cultura no contato do desenvolvimento integral, da democracia e da
integração regional. Os Estados Membros de pleno direito e observadores são todos os
países ibero-americanos que conformam a comunidade de nações integrada por Argentina,
Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile, República Dominicana, Equador, El
Salvador, Espanha, Guatemala, Guiné Equatorial, Honduras, México, Nicarágua, Panamá,
Paraguai, Peru, Portugal, Porto Rico, Uruguai e Venezuela. Dentre os seus objetivos,
destaca-se a difusão das línguas espanhola e portuguesa.
3
A CPLP foi criada em 1989, quando da realização do primeiro encontro dos Chefes de
Estado e de Governo, em São Luís do MaranhãoJosé Sarney, do primeiro dos países de
Língua Portuguesa - Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e
São Tomé e Príncipe.
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81
globalização. Saber uma ou mais línguas estrangeiras é também há muito
tempo apreendido como um traço diferencial na sociedade brasileira.
4.3
Línguas e colonização: “la compañera del Império”
Práticas de intervenções político-linguísticas sempre existiram ao
longo da história da humanidade, geralmente no bojo de conquistas políticas
e territoriais. As campanhas coloniais faziam jus à frase de Nebrija
4
relacionando língua e império.
O Brasil, por exemplo, mesmo antes de se constituir oficialmente
como nação independente, já possuía um histórico de contato lingüístico que
testemunhava a importância das línguas nas questões políticas e
econômicas: uma das primeiras intervenções lingüística ocorrida no espaço
que constitui hoje o Brasil data de 1555 e tratava-se de uma autorização do
reino visando a utilização da língua geral na colônia para facilitar o trabalho
de evangelização e de exploração econômica. No entanto, em 1821, quando
da primeira Constituição do país e após uma série de medidas repressoras
4
Elio Antonio de Nebrija (Lebrija, 1441 – Alcalá de Henares, 1522) foi um humanista, filólogo,
e latinista espanhol do século XV, autor da primeira gramática espanhola (1492) e do
primeiro dicionário espanhol (1495). A Gramática de la lengua castellana foi sua obra mais
reconhecida. Nebrija foi o primeiro gramático a considerar uma língua românica
(denominada “língua vulgar”) como digna de ser estudada. A novidade da gramática estava
no fato de que até então não havia uma gramática em língua contemporânea. Na Idade
Média, penas o latim e o grego eram dignas de constituírem objetos de estudo. Reproduzo
aqui o que Orlandi (1993) chama de “discurso fundador” da língua espanhola. O surgimento
da gramática espanhola de Nebrija aparece como propícia em épocas de expansão territorial
em direção à América recém descoberta e de afirmação do reino de Castela como o mais
poderoso naquele momento, com a expulsão dos árabes em seu último reduto na penísula
ibérica (Granada). Não é por acaso que Nebrija dedica o prefácio de sua grámatica à Rainha
Isabel, apontando a necessidade de se fixar a língua como "la compañera del Imperio".
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82
em relação à língua geral
5
, não há sequer uma menção aos índios na carta
magna.
O sistema colonial, como em toda parte, deixou seus traços na
sociedade brasileira, traços que se fazem presente no acesso a um ensino
de qualidade do qual faz parte o acesso ao aprendizado de línguas. O fato
de deixar de “pertencer” à Coroa não fez com que os representantes do
poder abrissem mão dos privilégios, uma das principais características da
relação colonial. Memmi (1985, p.35) observa que estes privilégios não são
apenas de natureza econômica. Em sua obra, cuja primeira edição data de
1957, Memmi estabelece na parte que ele chama de “portrait du
colonisateur” três nuances de colonizador: o colonial, o colonizador e o
colonialista.
O colonial é o europeu que na colônia vive sem privilégios, em
condições de vida não muito distintas daquelas do colonizado. O próprio
autor reconhece que este colonial não existe porque todos os europeus das
colônias já seriam em princípio privilegiados, ainda que em diferentes graus.
O colonizador é aquele que rejeita, de forma quase romântica, alguns
aspectos de desigualdade da colonização, mas que, contraditoriamente,
continua a usufruir os privilégios do sistema; em um primeiro momento ele
procura amalgamar-se ao colonizado, adotando suas causas, mas em seu
íntimo o rejeita. Memmi (1985, p.46) comenta esta relação: “Refuser la
colonisation est une chose, adopter le colonisé et en faire adopter en
5 Nos primeiros tempos da colonização portuguesa no Brasil, a língua dos índios Tupinambá
(tronco Tupi) era falada sobre uma enorme extensão ao longo da costa atlântica. Já no
século XVI, ela passou a ser aprendida pelos portugueses, que de início eram minoria
diante
da população indígena. Aos poucos, o uso dessa língua, intensificou-se e generalizou-se de
tal forma que passou a ser falada por quase toda a população que integrava o sistema
colonial brasileiro.
A partir da segunda metade do século XVII, essa língua, já bastante
modificada pelo uso corrente de índios missionados e não-índios, passou a ser conhecida
pelo nome Língua Geral. Mas é preciso distinguir duas Línguas Gerais no Brasil Colônia: a
paulista e a amazônica.
Rodrigues, Aryon D.. Línguas brasileiras: para o conhecimento das
línguas indígenas. São Paulo: Loyola,1986.
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83
semblent d’autres, qui sont loin d’être liées
6
. Neste grupo encontra-se o
colonizador de esquerda cuja ineficácia política origina-se em sua condição
contraditória de nem ser um colonizado, nem assumir inteiramente o papel
de colonizador.
O colonialista é o colonizador que se aceita como colonizador e que
tem por principal característica, segundo Memmi (p.70), a mediocridade.
Além disso, ao se aceitar como colonialista, ele se aceita como usurpador e
procurará legitimar sua condição através de um discurso enaltecendo e
justificando seus méritos de usurpador e depreciando o colonizado, fazendo
alusões em favor da metrópole com o objetivo de assinalar que ele não se
identifica com a colônia. Resultam daí os demais ingredientes do
colonialismo: o racismo, o paternalismo disfarçado de generosidade, o
conservadorismo e as desigualdades.
A análise de Memmi nos parece pertinente para entender a
constituição das relações sociais no Rio de Janeiro e seu reflexos na
educação e no acesso ao ensino de línguas.
Em relação ao papel do colonizador que aqui se estabeleceu, convém
lembrar, que no caso brasileiro, este papel não se estabelecia
exclusivamente entre indivíduos de nacionalidades diferentes, embora os
negros e índios tenham sido mais explicitamente alvo do colonialismo. O
papel do colonizador se perpetuou nas instâncias do poder, nas elites; o
migrante nordestino no Rio de Janeiro pode ser tão explicitamente alvo de
atitudes racistas em relação ao seu sotaque como o migrante português. Por
outro lado, o desejo dos nossos colonialistas nem sempre se concentrava na
metrópole propriamente dita, isto é, Portugal. A atitude colonialista local
caracteriza-se também pela adoção de outras metrópoles, tais como a
6
“Rejeitar a colonização é uma coisa, adotar o colonizado e aceitá-lo como um semelhante é
uma outra coisa, e as duas estão longe de se juntarem”. Tradução nossa.
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84
França ou a Inglaterra, o que explica a preferência pelas línguas francesa e
inglesa na formação de nossas elites. O colonizador brasileiro ganha vida no
papel do “coronel” nordestino
7
, nos grandes latifundiários, nas elites
econômicas nas grandes cidades.
O fato do Rio de Janeiro ter se tornado capital da colônia portuguesa
em 1763 e sede do Vice-reino do Brasil e de posteriormente, em 1808, ter
abrigado a família real que fugia das guerras napoleônicas fez com que se
desenvolvesse na sociedade local os perfis do colonizador descritos por
Memmi.
Do ponto de vista lingüístico, esta mudança provocou uma
reaproximação das variações da língua falada na colônia e na metrópole. As
duas variedades atravessavam períodos de afastamento marcados pelos
contatos lingüísticos com as línguas indígenas e africanas por parte da
colônia. Thomaz (2005) observa que no contato entre as duas variedades do
português, ocasionado pela mudança da Corte para a colônia, o português
da metrópole passou a ser considerado um modelo de elegância, de boa
cultura e de correção gramatical dando início ao preconceito lingüístico
(Bagno, 1999).
Convém ressaltar que, para abrigar a Corte portuguesa, a cidade
passou por importantes reformas urbanas além de ter sido alvo de
mudanças, tais como: a transferência de órgãos de administração pública e
justiça, a criação de novas igrejas, hospitais, quartéis, a fundação do primeiro
banco do país - o Banco do Brasil - e a Imprensa Régia, com a Gazeta do
Rio de Janeiro. Nos anos seguintes também surgiram o Jardim Botânico, a
Biblioteca Real e a Academia Real Militar. Em 1834, a cidade foi
7 O coronelismo foi um sistema de poder político que se manifestou na época da República
Velha (1889-1930), caracterizado pelo enorme poder concentrado em mãos de um poderoso
local, geralmente um grande proprietário, um dono de latifúndio, um fazendeiro ou um
senhor de engenho próspero.
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85
transformada em município neutro, permanecendo como capital do país,
enquanto a capitania passou a província, com sede em Niterói. Em 1889, a
cidade transformou-se em capital da República, o município neutro em
distrito federal e a província em Estado. Em 1960, a cidade perde o status de
capital da República para Brasília. Esses fatos propiciaram a instalação de
uma elite econômica e intelectual na cidade.
Dentre os perfis estabelecidos por Memmi destacamos, sobretudo, na
sociedade do Rio de Janeiro os perfis do colonizador e o do colonialista. O
colonizador pode ser identificado, em parte, no ecletismo do pensamento
político brasileiro pós-independência, como destaca Prado (2002):
..o pensamento político brasileiro foi marcado pelo
eclectismo: versão francesa do liberalismo conservador inglês que
se ajustava, perfeitamente, à realidade de um império que se
pretendia estruturar segundo o modelo político liberal, mas que
estava assente numa base social, política e económica que não
guardava vínculos com o modelo liberal. Os intelectuais
preocupavam-se em apresentar projectos e propostas destinadas a
possibilitar a construção de um país dotado de instituições políticas
liberais. Num país cuja actividade económica estava centrada no
trabalho escravo, a questão da liberdade individual (questão
central no modelo anglo-saxão) não constituía tema de debate,
salvo excepções.
O século XIX foi palco da querela em torno da língua brasileira. A
polêmica se dimensionou após uma crítica do português Pinheiro Chagas ao
romance Iracema, de José de Alencar. O crítico português chama a atenção
para as “incorreções” de linguagem de Alencar. Elia (2003, p.140) justifica
tais incorreções como sendo fruto da falta de familiaridade com a gramática,
resultante da desorganização do ensino após a expulsão dos jesuítas pelo
Marques de Pombal, em 1759. A querela se estendeu sobre as duas
variedades da língua portuguesa, na qual a variedade brasileira servia de
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86
bandeira, com seus empréstimos e diferenças sintáticas, para uma
diferenciação identitária com a ex-Metrópole. Mas não se viu o mesmo
empenho por parte dos intelectuais para manter a língua geral como língua
nacional, ou mesmo para defender os direitos dos negros as suas línguas de
origem.
4.4
Línguas e globalização: “A língua é minha Pátria, e eu não tenho Pátria,
tenho mátria, e quero frátria”....
8
Como bem observa Hugon (1999, p.10), o fato é que a circulação
através dos mares deu lugar à circulação através dos ares; os movimentos
de mercadorias e de capital passaram a ser acompanhados dos movimentos
de informação. Este cenário evoluiu para a formação de blocos econômicos
ao mesmo tempo em que a afirmação dos valores culturais locais foi
acentuada, sentimento que poderia ser ilustrado pelas frases de Fernando
Pessoa (a minha pátria é a língua portuguesa)
9
, ou de Camus (Ma patrie,
c'est la langue française) na França. Neste contexto foram criadas
organizações tais como: o Instituto Camões, a Alliance Française, o British
Council, o Instituto Cervantes, o Goethe Institut, para servirem à divulgação
da língua e da cultura dos países que representam, invertendo-se a frase de
Nebrija, pois agora é a língua que arrasta consigo o Império, entendido este
como um poder simbólico Bourdieu (2001). As análises de Bourdieu revelam
8
Canção Língua, de Caetano Veloso.
9
“Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto
sentimento patriótico.Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem
ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com
ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem
não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita,
como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon,
como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse. Sim, porque
a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração
greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha. (Livro do
Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1982).
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que a quantidade acumulada de capital, seja ele econômico, cultural ou
social, é o que determina as classes sociais, e sua representação reside no
espaço social. Assim, o padrão de consumo de cada indivíduo, identificado
pelo habitus, representa a posição do indivíduo na hierarquia social.
O argumento cultural passou a ter um maior peso nas justificativas de
expansão das línguas passando a dividir um espaço com o argumento
econômico, mas também servindo para camuflar este argumento. Abaixo
apresentamos as páginas de abertura de alguns cursos localizados no Rio
de Janeiro (cursos oficiais de idiomas, associados às representações
consulares):
Como associação sem fins lucrativos, a Aliança Francesa do Rio
de Janeiro tem por vocação promover a língua e a cultura
francesa. Fundada em 1885 e com aproximadamente 5000
estudantes e membros, ela exerce o papel de centro cultural e de
curso de língua francesa.(página Internet da Aliança Francesa do
Rio de Janeiro).
Enfrentamos os desafios político-culturais da globalização e
desenvolvemos conceitos inovadores para um mundo mais
humano, graças à compreensão mútua, e no qual a variedade
cultural é considerada um enriquecimento. O Goethe Institut do
Rio de Janeiro fomenta a "colaboração cultural internacional"
através de um vasto leque de eventos culturais e acadêmicos,
que são desenvolvidos e realizados em conjunto com parceiros
brasileiros. (página na Internet do Goethe Institut do Rio de
Janeiro)
Instituto Cultural Germânico, ICG, foi fundado em 12 de fevereiro
de 1995 em Icaraí, Niterói com múltiplos objetivos: não somente o
de ensinar uma das línguas mais importantes tanto do ponto de
vista econômico quanto do cultural, como também o de promover
um intercâmbio entre o Brasil e os países de língua alemã. (página
na Internet
do Instituto Cultural Germânico, em Niterói (RJ)
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O Instituto Cervantes é a instituição pública criada pela Espanha
em 1991 para a promoção e ensino da língua espanhola e a
difusão das culturas espanhola e latino-americana. Sua sede
central está localizada em Alcalá de Henares, Madri, terra natal do
escritor Miguel de Cervantes. Os centros do Instituto encontram-se
em quatro continentes. (página na Internet do Instituto Cervantes,
no Rio de Janeiro)
O Instituto de Cultura no Brasil, órgão oficial do Estado Italiano,
tem como objetivo promover e difundir a língua e a cultura italiana
no Brasil.
(página na Internet do Instituto Italiano de Cultura, no Rio de
Janeiro).
A Cultura Inglesa é uma instituição de ensino de inglês que atua
nos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul,
Goiás e Distrito Federal. Foi fundada em 1934 com o objetivo de se
tornar um centro de integração cultural entre a Grã-Bretanha e o
Brasil, e de oferecer serviços educacionais de alta qualidade, tanto
na área pedagógica quanto cultural. Hoje é reconhecida como
referência para quem se dedica ao estudo da língua inglesa.
(página na Internet da Cultura Inglesa, no Rio e Janeiro).
O único curso de idioma que não menciona na abertura de sua
apresentação o argumento cultural foi o Instituto Brasil - Estados Unidos
(IBEU):
O Ibeu é uma instituição com 69 anos de experiência no ensino da
língua inglesa, a única do Rio de Janeiro reconhecida pela
Embaixada Americana como Outstanding Brazilian - American
Binational Center. (página na Internet do Instituto Brasil Estados
Unidos).
Wolton (2006a, p.110) atenta para o valor das questões culturais na
globalização afirmando que o fim das distâncias físicas revela a extensão
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das distâncias culturais. De acordo com o autor, quando se trata de
economia ou de política os homens podem até negociar, mas ao se tratar de
valores culturais as negociações são menos freqüentes. Desse modo, a
diversidade cultural seria a nova fronteira da globalização. As línguas fazem,
portanto, parte deste novo cenário no qual o acesso à informação torna-se
uma das maiores exigências no campo da cidadania. No Brasil, esta
necessidade se acentua, devido aos longos períodos de elitização
educacional, exclusão e desigualdade social.
Assim, se unirmos os pontos de vista de Furtado e Wolton podemos
aventar a hipótese de que a inserção social não deixa de ter na educação
lingüística uma forte aliada como demonstraremos neste estudo.
4.5
As escolas bilíngües no município do Rio de Janeiro
No início dos anos 90 as mudanças introduzidas na política econômica
brasileira trouxeram para o Brasil um novo tipo de fluxo imigratório
constituído de famílias de classe média alta, com perspectiva pré-definida do
tempo que permanecerão no país, geralmente de dois a cinco anos. Este
movimento imigratório é responsável pelo aumento do número de alunos nos
estabelecimentos escolares bilíngües de ensino já existentes, assim como
pela criação de novas escolas, sustentadas por algumas empresas para
atender aos filhos de seus funcionários. Os primeiros a se beneficiarem deste
novo cenário plurilíngüe são aqueles que por acordar a devida importância
para uma formação em línguas optam por essas escolas para a formação
dos filhos e podem pagar por esta escolha.
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90
O apelo do mercado para justificar a educação bilíngüe pode ser
exemplificado na página da Organização das Escolas Bilíngües de São
Paulo, na Internet, na qual se pode ler os seguintes argumentos:
A proposta pedagógica das escolas bilíngües contempla
uma maneira de educar que leva o aluno a interagir na prática com
um contexto planetário, seguindo a tendência de globalização que
espera da escola a formação de homens preparados para atuarem
como cidadãos do mundo. [...] Não é de mais lembrar que falar
outra língua deixou de ser modismo para se tornar aptidão. [...]. Os
pais não necessariamente precisam falar o segundo idioma.
A escolha por uma formação plurilíngüe sempre foi uma constante nas
classes mais favorecidas, mas nunca se constituiu em uma política
educacional pública. Nos trabalhos de Freyre (1989, p.2004) é possível
observar o lugar de destaque das línguas estrangeiras na sociedade
brasileira no início da República. Este autor assinala que depois da
independência, surgiram no país colégios particulares, alguns estrangeiros,
para atender aos filhos de magistrados, de altos funcionários públicos, de
negociantes e até de senhores de engenho. Nesta época, a língua francesa,
e em menor escala a língua inglesa, concorriam com o latim como língua
culta.
Freyre (1989, p.418) apresenta o irônico depoimento do Padre-Mestre
Lopes Gama, em 1842, a respeito dos colégios estrangeiros: “Qualquer
francez, qualquer inglez, qualquer suisso, etc, qualquer abelha mestra
desses paizes aporta a Pernambuco, e não tendo outro gênero de vida diz
que vem repartir comnosco das suas luzes”.
O fato é que a abertura política brasileira do início dos anos 80
traduziu-se muito mais rapidamente como abertura econômica; a educação,
e o ensino de línguas mais precisamente, não adquirem ainda a mesma
importância. Plat (2004) analisa as políticas educacionais inclusivas em
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91
paralelo com as políticas econômicas nos anos 90. A autora faz este recorte
histórico por considerar a década de 90 uma década base para o impacto do
processo de reestruturação do setor produtivo. Plat considera que as
políticas desse período estavam acordadas com a economia mundial
(globalizada, neoliberal, conservadora), tinham um caráter muito mais
assistencialista e não promoveram de fato a inclusão social.
Algumas iniciativas para promover o ensino de línguas despontaram
em alguns estados neste período. Oliveira (2003) assinala que em São
Paulo, nos anos 80, foram criados os Centros de Estudos de Línguas
(CELs), estabelecidos pelo Decreto 27.270 de 10/08/1987. Estes centros
eram unidades vinculadas administrativa e pedagogicamente a uma escola
estadual com a finalidade de proporcionar aos alunos da rede pública
estadual uma possibilidade diferenciada de aprendizagem de várias línguas
estrangeiras modernas. No entanto, Oliveira (op cit) observa que a prioridade
foi dada ao ensino do espanhol.
Ainda que a Resolução SEE n 85, de 13 de agosto de 2001, que
dispunha sobre a reorganização e o funcionamento dos Centros e dava
providências correlatas, com fundamento na Lei de Diretrizes e bases da
Educação Nacional, no Decreto n 27.270, de 10/08/87, no Decreto n 44.449,
de 24/11/99, na Indicação CEE n 08, de 30/07/97, no Parecer CEEE n 67, de
18/03/98, proponha uma ação a favor da promoção do plurilinguismo, em um
parágrafo único desta Resolução, no Título II - Dos Objetivos, já há uma
tendência a adequar a criação dos Centros aos acordos estabelecidos
quando da criação do Mercosul: "Todos os Centros deverão considerar em
sua proposta pedagógica os acordos brasileiros para o Mercosul, priorizando
a oferta de espanhol".
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92
4.6
Ensino de línguas estrangeiras e escolas bilíngües: entre o bilingüismo
horizontal e o bilingüismo vertical
Nas escolas privadas bilíngües a oferta de línguas estrangeiras vai
além do que estipula a LDB, e de acordo com a estabelecimento de ensino a
escolarização pode ocorrer praticamente toda em língua estrangeira. Estas
escolas bi/plurilíngües têm geralmente apoio institucional dos países que
representam e adaptam o seu modelo de educação ao modelo brasileiro de
ensino (Tabela 1). Os países que possuem uma política lingüística bem
definida para a difusão da língua, a França, por exemplo, faz prevalecer tal
política ao adaptar seu modelo de ensino.
Em sua análise sobre os efeitos lingüísticos da globalização, Calvet
(1999) estabelece um modelo gravitacional que funciona partindo do
princípio que as línguas se ligam entre si através dos bilíngües e que os
sistemas de bilingüismo podem apresentados de forma gravitacional. Dessa
forma, em torno de uma língua hipercentral gravitam dezenas de línguas
supercentrais, em torno destas gravitam centenas de línguas centrais, que
por sua vez são o centro de milhares de línguas periféricas. Através deste
modelo se organizariam as cerca de 6.700 línguas existentes no mundo. Em
cada um dos níveis de atração deste sistema, manifestam-se duas
tendências que testemunham a relação de forças e dos efeitos da história
sobre as situações lingüísticas: a tendência para um bilingüismo horizontal
(aquisição de uma língua de mesmo status que a sua primeira língua) e a
tendência para um bilingüismo vertical (aquisição de uma língua de status
superior).
Se transpusermos este modelo para as línguas estrangeiras
ensinadas no sistema educacional do Estado do Rio, poderemos observar
que tanto no sistema público como privado o inglês desempenha o papel de
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93
língua hipercentral. Com a lei que determina o ensino do espanhol, esta
língua pode dividir com o espanhol o status de língua hipercentral. A
diferença é que o público das escolas privadas tem acesso a uma oferta
maior de línguas supercentrais (acesso favorecido também pela localização
dos cursos de idiomas). A grande maioria das escolas públicas (com exceção
das escolas consideradas modelos) limita a oferta à línguas inglesa e
espanhola.
A LDB, como vimos anteriormente, prevê nas escolas a inclusão de
uma língua estrangeira, como disciplina obrigatória, escolhida pela
comunidade escolar, e de outra, em caráter optativo, dependendo das
condições da instituição. A língua estrangeira escolhida pela escola como
disciplina obrigatória exige a presença do aluno nas aulas. No caso da
optativa, fica a critério do aluno cursar a disciplina ou não. Em teoria, a língua
obrigatória nas escolas que o aluno terá que cursar é a língua da escolha da
comunidade escolar. Se essa escolha for uma língua diferente do espanhol,
no caso do inglês ou do francês, por exemplo, a segunda língua a ser
oferecida tem de ser, obrigatoriamente, o espanhol, mas, neste caso, cabe
ao aluno optar se deseja cursá-lo, ou não.
Segundo a lei sancionada hoje, os colégios públicos deverão oferecer
a língua espanhola em centros de ensino de língua estrangeira no horário
normal dos alunos. Já a rede privada poderá ofertar a disciplina de duas
formas: nas salas de aula, em horário normal, ou em centros de estudos de
língua moderna, por meio de convênio. Neste ponto , esbarramos com um
problema no Estado do rio de Janeiro: ao contrário de São Paulo e do
Paraná, não há centros de línguas no estado. Portanto, para a rede pública,
a tendência é manter o inglês como hipercentral e o espanhol como única
língua supercentral
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94
Escolas/
Características
Our Lady
of Mercy
(OLM)
Escola
Britânica
Escola
Americana
Lycée Molière
Escola
Corcovado
(Alemã)
Modelo de
ensino
adotado pela
escola
Modelo
americano
adaptado
ao
brasileiro
Modelo
britânico com
contribuições
da cultura
brasileira
Americano
adaptado
ao
brasileiro
Francês
adaptado ao
brasileiro
Modelo
brasileiro e
alemão
Origem dos
alunos
Cerca de
90% de
brasileiros
85%
brasileiros ;
10%ingleses;
5% outros
Cerca de
90% de
brasileiros.
23,5%
françeses
41,5% franco-
brasileiros,
31,5
brasileiros
2% outras
nacionalidades
90% de
brasileiros
Linguas de
alfabetização
Inglês e
português
(bilíngüe)
Inglês e
português
(bilíngüe)
Inglês e
português
(bilíngüe)
francês Alemão e
português
(bilíngüe)
Tabela 1: Perfil das escolas bilíngües no município do Rio de Janeiro
O aprendizado de línguas estrangeiras no sistema educacional público
no estado do Rio de Janeiro segue primeiramente as determinações
previstas pela LDB, o que não chega a garantir um domínio satisfatório nas
línguas ensinadas em razão de uma combinação de fatores, dentre os quais
destacam-se também fatores sociais: reduzida carga horária, pouca
exposição à língua ensinada, ausência de infraestrutura para o ensino das
línguas, entre outros.
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95
Se considerarmos as justificativas para as intervenções lingüísticas no
Brasil, podemos observar que a promoção do espanhol enquadra-se na
configuração política e lingüística: tentativa de mudar, no âmbito do
Mercosul, o status das línguas portuguesa e espanhola (supercentrais) para
hipercentrais (lugar ocupado pela língua inglesa). Em relação às medidas
para a promoção da língua portuguesa, esta faz parte de uma configuração
política: proposta de solidariedade entre os países envolvidos. No caldo
ideológico dessas intervenções observamos a tentativa de ser criar uma
identidade sul-americana a partir das duas línguas.
4.7
A escola bilíngüe francesa (Lycée Molière): um exemplo do modelo de
bilingüismo vertical
No Rio de Janeiro, o bilingüismo vertical é observado nos cursos e
escolas privadas, onde são oferecidas línguas com status de línguas hiper e
supercentrais. Se considerarmos o ensino de línguas no Lycée Molière
10
no
Rio, veremos como se organiza a oferta plurilíngüe em uma escola bilíngüe,
não diferindo muito das demais escolas estrangeiras da cidade. Esta escola
faz parte da AEFE (Agence pour l’Enseignement Fançais à l’Étranger),
instituição criada pelo governo francês para atender, a princípio, os
10
O Lycée Molière iniciou suas atividades em1982. Seu primeiro contingente foi constituído
pela parte francesa do Liceu franco-brasileiro, que funcionava desde 1915, na rua das
Laranjeiras. Essa iniciativa nasceu em 1972, data da constituição da SFBE (Sociedade
Francesa e Brasileira de Ensino, suporte jurídico e financeiro do Lycée), que, graças a
doações de empresas, a uma subvenção do governo francês e a um empréstimo junto à
ANEFE (Associação Nacional das Escolas Francesas) pôde comprar o terreno da rua
Pereira da Silva 728. O Lycée foi posteriormente ampliado com bibliotecas e salas de
informática. Em 1993, graças a uma subvenção do governo francês e a doações de
empresas, a escola foi ampliada.
Quanto ao alunado do Lycée, cerca de 23,5 % são
franceses, 41,5 % franco-brasileiros, 31,5 % brasileiros e 3% são de outras nacionalidades.
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96
estudantes franceses no exterior, mas que recebe também estudantes dos
países nos quais os estabelecimentos estão localizados (há cerca de 400
estabelecimentos vinculados à AEFE no mundo). No caso do Brasil, o
número de estudantes brasileiros é sempre maior que aquele de francófanos.
A língua francesa é a língua de base de todo o ensino nesta escola; a
partir do maternal, o francês é a língua utilizada na maior parte das
atividades pedagógicas. O ensino do português inclui o estudo da literatura
lusófona: o nível adquirido é avaliado através de provas discursivas em
língua portuguesa. Os alunos também aprendem inglês desde o ensino
fundamental e, mais tarde, eles podem escolher aprender tanto espanhol
quanto alemão.
No Ensino Fundamental (EF), as disciplinas
literatura e língua
francesas, história e geografia, matemática, ciências, física e química,
informática e artes plásticas são ministradas em francês;
em português: são
ministradas as disciplinas de l
iteratura e língua portuguesas, história e
geografia do Brasil, educação física. Em relação às línguas estrangeiras são
oferecidas as seguintes línguas: Na 5ª e 6ª séries: português e inglês. Na 7ª
e 8ª séries: português e inglês, além da escolha entre o alemão e o
espanhol.
A língua inglesa tem lugar de destaque no ensino de línguas no Lycée
Molière, sendo obrigatória desde a 2ª série do ensino fundamental até o fim
do ensino médio. Nas primeiras séries, o primeiro contato com a língua é
feito através de atividades lúdicas, com uma carga horária de três horas
semanais. No ensino médio, a gramática, a expressão oral/escrita e as
leituras são aprofundadas, tendo como base o estudo de obras integrais. De
acordo com informações oferecidas pela escola, os alunos atingem um nível
que lhes permite prestar a prova de Vestibular e acompanhar facilmente os
cursos universitários de línguas. Eles obtêm êxito nos exames da
Universidade de Cambridge.
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97
O espanhol é oferecido por este escola durante cinco anos como
ensino opcional, tendo por objetivo preparar o aluno para o exame do
“baccalauréat” (exame que permite o acesso à universidade na França). O
alemão aparece como opção de segunda língua estrangeira a partir da 7
série até o « baccalauréat ». O estudo deste idioma é realizado em cinco
anos, com três aulas semanais.
No Ensino Médio (EM), as disciplinas literatura e língua francesa (1° e
2° ano do ensino médio), literatura, filosofia (3° ano do ensino médio),
história e geografia, ciências econômicas e sociais, matemática, física,
química, ciências, e informática são ministradas em francês; em português,
são ministradas as aulas de língua e literatura portuguesas, história e
geografia do Brasil (HGB), educação física. Quanto às línguas estrangeiras,
os alunos têm como 1ª opção de português ou inglês e2ª ou 3ª línguas:
português, ou inglês, ou alemão, ou espanhol.
O modelo de ensino de línguas esta escola francesa ilustra bem a
relação entre as línguas proposta no modelo gravitacional. Neste ambiente
escolar bilíngüe, a língua hipercentral de ensino é o francês, as demais
línguas, inclusive o inglês, despontam como línguas supercentrais. O
português, como ensino formal na escola, e de acordo com as disciplinas
que lhe são reservadas, também tem um status de língua supercentral, mas
divide com o francês nas interações entre os alunos (interações mais
informais) o papel de hipercentral (Pereira, 2002).
Na grande maioria das escolas públicas do Estado do Rio, que se
limitam a seguir o que determina a LDB, predomina o bilingüismo horizontal,
embora a língua inglesa predomine como primeira opção de língua
estrangeira. Mesmo nestes casos, as dificuldades de infraestrutura para o
ensino da língua são um obstáculo a um ensino de qualidade.
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98
Por exemplo, pode-se desejar aprender o francês no Brasil muito mais
em razão de ser considerada ainda uma língua de prestígio (sobretudo
intelectual) que pelo fato de ser de uma língua latina como o português.
Paradoxalmente, ela já ocupou o lugar de língua hipercentral como língua
estrangeira no sistema público de ensino no Rio de Janeiro, mas este lugar
foi diminuindo à medida que a qualidade do ensino público declinava e que o
inglês se popularizava. Já a recente escolha do espanhol como opção de
língua estrangeira no sistema educacional está de fato relacionada a uma
configuração política, no contexto do Mercosul.
No entanto, é curioso observar que nas escolas bilíngües francesas
localizadas nos demais países membros do Mercosul, vinculadas direta ou
indiretamente à AEFE, a configuração lingüística expressa na oferta de
línguas estrangeiras, denominadas como línguas vivas (LV= langues
vivantes), posiciona o inglês e o espanhol como hipercentrais, às vezes
também como supercentrais, e o português aparece geralmente como uma
terceira opção, ao lado do latim e do italiano . Os dados abaixo (Tabela 2)
foram extraídos da página da AEFE, na internet, e podemos observar que o
português não aparece como opção de língua estrangeira em todos os
estabelecimentos :
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99
País/n
0
estabelecimentos
LV1 LV2 LV3 Outras
Argentina (2)
espanhol;
inglês
espanhol;
inglês
latim; italiano
Bolívia (1)
espanhol inglês português
Chile (5)
espanhol inglês
Paraguai (1)
inglês Espanhol,
português
Uruguai (1)
espanhol inglês Português;
italiano
Venezuela (1)
inglês;
espanhol
inglês;
espanhol
alemão;
italiano; latim
Tabela 2: Línguas estrangeiras nas escolas vinculadas à AEFE localizadas nos
países membros do Mercosul.
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100
5
O descompasso entre a política lingüística oficial e a
realidade dos municípios fluminenses: Rio de Janeiro, Macaé,
Resende
A cidade é o único lugar em que se pode contemplar o mundo com a esperança de
produzir um futuro (Milton Santos, geógrafo, em entrevista à Folha de São Paulo,
02/02/2001).
5.1
Introdução
Os dados estatísticos mais recentes levantados pelo INEP (Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), em 2005,
evidenciaram que dos 207 mil estabelecimentos escolares existentes na
educação básica, 53,4% estão localizados na zona urbana, com 86,4% do
total das matrículas registradas em 2005. Já na zona rural, registram-se
46,6% dos estabelecimentos com 13,6% das matrículas. Essa distribuição de
estabelecimentos e matrículas por localização urbana e rural, reflete não só o
grau de urbanização do Brasil, como também aponta a importância das
escolas em áreas urbanas em relação à quantidade de matrículas,
principalmente na oferta do Ensino Médio, Profissional e da Educação
Especial.
Um outro estudo, este desenvolvido pelo Instituto de Política
Econômica e Aplicada (IPEA), intitulado “Brasil – O estado de uma Nação”,
mostra que a exclusão social ainda é uma marca no sistema educacional
brasileiro. De acordo com este estudo, em relação aos estudantes que
entram no ensino fundamental 84% concluem a 4
a
série e 57% terminam
todo o ensino fundamental. No ensino médio, apenas 37% perfazem este
ciclo. O estudo destaca que a exclusão atinge a população com menos
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101
recursos. Na primeira série do ensino fundamental, cerca de dois terços dos
estudantes vêm de segmentos mais pobres da população. No ensino
superior, menos de 5% têm essa origem. O IPEA destaca a importância em
se investir em um ensino de qualidade, sobretudo de nível básico, e a
expansão do ensino médio. Quanto ao ensino superior, observa-se, de
acordo com este estudo, um aumento da população universitária: de 1,4
milhão em 1980 para 4,2 milhões em 2005. Esta expansão ocorreu
principalmente no setor privado. O mesmo estudo destaca ainda que em
comparação aos dados relativos às décadas de 80 e 90, houve um aumento
no tempo de permanência da criança na escola.
Esses dados nos remetem à importância dessa população de
estudantes como alvo potencial para a difusão do ensino de línguas
estrangeiras. Veremos que para que isto ocorra é necessário um grande
empenho de diferentes setores da sociedade para quebrar uma espécie de
tradição em agir apenas em um centro. Quando mencionamos que 53% dos
estabelecimentos escolares encontram-se em área urbana, é preciso
considerar aí, no caso do município do Rio de Janeiro, as grandes ares
metropolitanas em torno do centro (capital). Neste capítulo, veremos as
bases da organização dos municípios para entendermos o efeito/predomínio
da centralidade no acesso ao ensino de línguas.
5.2
Origem dos municípios como unidades administrativas
O município compreende uma divisão territorial de função,
principalmente, administrativa. Tem origem no municipium romano e no
conventus vicinorum (assembléia de vizinhos) germânico. Originalmente, o
município brasileiro, ao contrário do português, beneficiou-se de grande
autonomia, tendo em vista a distância entre a metrópole e a colônia, o quase
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102
isolamento em que muitos ficaram, com relação ao Governo Geral, e a
necessidade de medidas imediatas para a solução de questões locais.
O aparecimento de um município decorria de fatores variados, por
exemplo, a prosperidade econômica, o aumento demográfico, a estratégia
de defesa e a ocupação do território, além de interesses políticos. Sua
criação dava-se geralmente por decisão da autoridade central. O município
era a base do sistema territorial se distribuíram durante muito tempo ao
longo do litoral (a exceção é acordada a São Paulo), esta tendência só
seria revertida com a descoberta de ouro na região de em Minas Gerais
(Claval, 2004, p.44).
No entanto, há exemplos de iniciativas de moradores de determinados
núcleos populacionais para a instalação do pelourinho e da igreja, marcos
da criação da vila, isto é, da emancipação municipal. A administração
ficava a cargo da Câmara Municipal, sediada na vila ou na cidade. Às
Câmaras Municipais concorriam apenas os homens "bons" (os que
dispunham de posse ou poder), isto é, os proprietários rurais. O voto não
era direito de todos, mas sim dos homens "bons", o que permite concluir
que a base do municipalismo no Brasil foi a propriedade rural, uma vez que
a base econômica da colônia eram as atividades agrárias. Só muito mais
tarde, a partir do século XVIII, os proprietários rurais passaram a competir
com a classe dos comerciantes e burgueses citadinos, que lhes faziam
oposição e reivindicavam também o direito de concorrerem às eleições das
Câmaras Municipais.
Durante os dois primeiros séculos da colonização, as Câmaras
Municipais desempenharam funções administrativas e judiciárias. Já desde
fins do século XVII a Coroa passara a nomear para as Câmaras o juiz-de-
fora em substituição ao juiz ordinário. No Rio de Janeiro, a Câmara
premiada com o primeiro juiz-de-fora foi a da cidade do Rio de Janeiro.
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103
No Império, a Constituição de 1824 garantia a cada cidadão (o homem
livre) o direito de intervir na busca de soluções para os problemas da
municipalidade a que pertencia. No entanto, na prática, isto não aconteceu,
pois a forte centralização que caracterizou o regime imperial esvaziou a
ação das Câmaras Municipais, ficando os municípios à mercê das
determinações dos Presidentes das Províncias, figuras de confiança do
governo central. O exercício das funções municipais, segundo a
Constituição de 1824, deveria ser regulamentado por uma lei ordinária,
determinação esta concretizada a 1º de outubro de 1828, com a lei de
reestruturação das Câmaras Municipais. Essa legislação, embora
estimulasse o desenvolvimento dos orçamentos locais, desconsiderou, na
administração municipal, a presença de uma autoridade executiva e retirou
dos municípios suas atribuições jurídicas. Tais disposições marcam um
retrocesso na evolução do municipalismo brasileiro.
Na Regência, o Código do Processo Penal (1832) aumentou a
autoridade do juiz de paz, de eleição local, que passou a ser a terceira
autoridade, depois da Regência e dos Ministros. Os municípios ganharam,
então, importância, readquirindo uma parte do poder político desfrutado
anteriormente à independência. O poder local saiu fortalecido com o Ato
Adicional, de 12 de agosto de 1834, através do qual os federalistas
conseguiram que não mais o governo central, mas sim as Assembléias
Provinciais ficassem com a tarefa de resolver tudo o que dissesse respeito
aos interesses locais. Correntes contrárias à descentralização conseguiram
aprovar, em 1840, a Lei de Interpretação, retirando das Províncias o poder
de legislar sobre a economia e a política municipais, embora lhes
possibilitasse decidir sobre a criação de novos municípios. Muitos se
utilizaram deste meio para atender interesses políticos diversos, criando-se
municípios sem renda suficiente para desempenhar suas funções. Assim
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104
surgiram, no século XIX, inúmeros municípios fluminenses, ao lado dos que
se emanciparam com o progresso decorrente da economia cafeeira.
Na Monarquia, os municípios não tiveram consolidada a sua
autonomia política. O poder continuou submetido às ambições pessoais
dos chefes políticos locais, sem a preocupação com a solução dos
problemas de interesse comum da municipalidade. O poder local era
representado pela figura do "coronel", chefe político de um ou mais
municípios, cuja origem se liga à Guarda Nacional (instituição de que
faziam parte, como chefes, na patente de coronéis, os grandes
proprietários rurais, fiéis à monarquia, e que desempenhou importante
papel na preservação da soberania imperial sobre o território nacional) e
cuja existência perdurou mesmo depois de proclamada a República.
Na República, os municípios continuaram como instrumentos a serviço
dos políticos interessados nos governos dos Estados, principalmente no
período anterior a 1930. Muitos consideram ter sido a República responsável
pela "desvitalização do município", uma vez que permaneceu o centralismo
do Império. Deodoro chegou a autorizar os governadores dos Estados a
dissolver as Câmaras Municipais. No seu governo e no de Floriano Peixoto,
situacionistas e oposicionistas travaram acirradas disputas no cenário político
do Rio de Janeiro, o que concorreu para, em pequeno espaço de tempo,
inúmeras emancipações, algumas das quais anuladas logo em seguida.
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105
5.3
O Estado do Rio de Janeiro
Superfície: 43.864,5 Km (0,52.% do território brasileiro).
População (2002): 14,92 hab (92% urbana).
Capital: Rio de Janeiro.
Setor primário: 0,6%
Setor secundário: 29,3%
Setor terciário: 70,1%
Quadro 1: Dados socioeconômicos do Estado do Rio Janeiro. Fonte: Fundação
CIDE (2005)
O território brasileiro, refletindo os dispositivos constitucionais que
disciplinam a Federação, é dividido em um Distrito Federal e vinte e seis
Estados-membros, dentre os quais está o Estado do Rio de Janeiro
(Figura 1). As terras que hoje constituem o território do Estado do Rio de
Janeiro fizeram parte de diversas Capitanias Hereditárias (mais tarde
reunidas numa Capitania Real), subdivididas paulatinamente em termos, o
mesmo que municípios.
O Estado do Rio de Janeiro divide-se em municípios – ao todo
noventa e dois. Os municípios constituem, pelo artigo 343, da Constituição
do Estado do Rio de Janeiro, “...unidades territoriais que integram a
organização político-administrativa da República Federativa do Brasil,
dotados de autonomia política, administrativa e financeira, nos termos
assegurados pela Constituição da República”.
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106
Figura 1 – Mapa do Estado do Rio de Janeiro mostrando as principais cidades das
regiões de governo. Em destaque, as cidades abordadas neste estudo. Fonte:
Fundação CIDE (2005)
Os inúmeros núcleos de povoamento, cujas localizações relacionam-
se à estratégia colonial portuguesa de controle e ocupação do espaço, a
partir de pontos-chave, tanto do litoral quanto do interior, constituíram os
embriões dos primeiros municípios do atual Estado. Elevados à condição
de vilas, e até cidades, tiveram sob sua jurisdição amplas extensões do
espaço fluminense, compreendendo grandes blocos territoriais,
posteriormente desmembrados.
O Estado do Rio de Janeiro sediou no município do Rio a capital do
Brasil Império e mesmo depois da proclamação da República, em 1889,
continuou a exercer esta função. Com esta nova forma de governo, a
Província do Rio de Janeiro passou a denominar-se Estado. Ao mesmo
tempo, mudava-se o nome do Município Neutro para Distrito Federal,
permanecendo como tal até 1960, quando se transformou em mais um
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107
Estado da Federação - o da Guanabara, em decorrência da mudança da
capital do país para Brasília
O Estado do Rio de Janeiro resulta da fusão de dois Estados-
Guanabara e Rio de Janeiro, determinada pela Lei Complementar nº 20, de
01/07/1974 e concretizada a 15/03/1975, quando tomou posse seu primeiro
governador. Em decorrência desta fusão, o Estado da Guanabara foi
transformado em município, passando a cidade do Rio de Janeiro a ser a
capital do novo Estado, enquanto a Niterói, capital do antigo Estado do Rio
de Janeiro, atribuiu-se a condição de sede municipal.
O Estado faz parte do que Santos (2005, p. 269) chama de Região
Concentrada, os demais estados dessa Região são Minas Gerais, São
Paulo, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Esta
Região se caracteriza pela implantação do meio técnico-científico-
informaticional sobre um meio mecanizado, portador de um denso sistema
de relações em razão de uma importante urbanização, de uma vida
comercial mais intensa. Nesta Região, observamos atividades ligadas à
globalização que produzem novas formas de serviços, e que demandam
geralmente uma especialização técnica, científica, artística.
Do ponto de vista econômico, desde a liberalização do setor de
exploração de petróleo e de gás em 1999, a atividade de exploração atraiu
mais de trinta companhias estrangeiras que operam principalmente na região
da bacia de Campos. O desenvolvimento desta atividade beneficiou outros
setores econômicos (naval, petroquímico, imobiliário). O Estado do Rio de
Janeiro é também o maior pólo na área das telecomunicações, quatro das
principais operadoras de telefonia fixa e móvel estão sediadas no Estado: -
Oi-Telemar, Embratel (e Star One), Intelig et TIM. Além disso, o Estado do
Rio é também sede de um dos maiores centros midiáticos do país, as
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108
Organizações Globo. A indústria cultural representa 3,8% do PIB do Estado,
através da produção de filmes, novelas, teatro, jornais, etc.
As principais empresas francesas instaladas no Estado do Rio
encontra-se na tabela (Tabela3) abaixo:
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109
EMPRESA SETOR
Alcatel
Telecomunicações
Air Liquide
Indústria química
Areva
Indústria nuclear
Axa Seguros Brasil
Seguradora
BioMérieux
Saúde
Bureau Veritas
Auditoria
CGG
Petróleo
Club Med Tourisme
Turismo
EDF
Energia elétrica
Essilor Lunettes,
Ótica
Ingerop
Engenharia
Laboratoires Servier
Indústria farmacêutica
Lafarge (Cimento Mauá)
Cimento
L’Oreal
Cosméticos
Michelin
Pneus
Pernod Ricard
Bebidas
Peugeot Citroën
Indústria automobilística
Saint Gobain
Metalúrgica
Technip
Petróleo
Thales
Eletrônica
Total
Peróleo
Turbomeca
Aeronáutica
Tabela 3: Empresas francesas no Estado do Rio de Janeiro. Há também a presença
de grandes empresas francesas do setor terciário: Casino, Carrefour, FNAC, Leroy
Merlin e Accor (Fonte: Câmara de Comércio França-Brasil http://www.ccfb.com.br).
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110
5.4
Divisão regional do Estado do Rio de Janeiro
Os 92 municípios fluminenses se repartem administrativamente em
oito Regiões de Governo (Figura 2). Os municípios abordados neste estudo
encontram-se nas regiões Metropolitana (Rio de Janeiro), Norte
Fluminense (Macaé) e Médio Paraíba (Resende).
Figura 2 – Regiões de Governo do Estado do Rio de Janeiro.
Nesses municípios encontramos a seguinte distribuição educacional
relacionada ao ensino fundamental (EF) e ensino médio (EM):
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111
Número de
escolas
Pública Privada
Município
População
EF EM EF EM
Estudantes
do ensino
fundamental
(escola
pública)
Estudantes
do ensino
fundamental
(escola
privada)
Estudantes
do ensino
médio
(escola
pública)
Estudantes
do ensino
médio
(escola
privada)
Rio de
Janeiro.
6.094.183
1099
307
1.157
372
639.729
209.509
246.717
62.881
Macaé
156.410
84
15
21
9
23.766
4.327
7.444
1.536
Resende
117.416
50
10
15
6
17.501
2.840
4.995
806
Tabela 4- Número de escolas em 2004.Fonte: IBGE
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113
5.5
Rio de Janeiro: “cidade maravilha purgatório da beleza e do caos”.
O município do Rio de Janeiro (capital do Estado do Rio de Janeiro)
está localizado na Região Metropolitana do Estado, tendo em seu entorno
outros municípios de grande importância econômica e demográfica (Nova
Iguaçu, Duque de Caxias, etc). Esta região congrega 74/% da população de
todo o Estado. Este perfil permite que tenhamos a noção da importância do
ensino de línguas no município, embora esta importância ainda não se
traduza em políticas para que isto ocorra.
Desde sua fundação até os dias de hoje, a cidade tem tido várias
funções, a de defesa, a de porto, a função comercial; a função administrativa;
a função política, tendo sido palco de grandes acontecimentos históricos
como o movimento que preparou a Independência do Brasil e depois a sua
consolidação, a Abolição da Escravidão, a Proclamação da República, a
passeata dos Cem Mil, em protesto contra a ditadura militar em 1968, a
manifestação que levou um milhão de cariocas à Candelária (1984), pelas
eleições diretas para presidente da República; a função industrial quando,
pela introdução da eletricidade, a instalação de indústrias começou a
transformar o panorama da cidade; a função cultural em razão da presença
de grandes centros de pesquisa, universidades, teatros, bibliotecas,museus,
e finalmente a função turística.
No início do século XX, o Rio de Janeiro , então capital do Brasil,
enfrentava graves problemas sociais em razão de seu crescimento rápido e
desordenado. Como fim do trabalho escravo, a cidade recebia uma grande
quantidade de imigrantes europeus e ex-escravos atraídos pelas
oportunidades de trabalho, o que fez com que a população duplicasse em
número de habitantes no período entre 1872 e 1890.
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114
O aumento populacional e da pobreza agravaram a crise habitacional
no Rio cujo epicentro localizava-se no centro da cidade, na região da Cidade
Velha e adjacências.Tratada como questão nacional, o plano de reforma
urbana, elaborado por Pereira Passos, sustentou-se no tripé saneamento –
abertura de ruas – embelezamento, tendo por finalidade última atrair capitais
estrangeiros para o país. Ruas mais largas estimulariam igualmente a
adoção de um padrão arquitetônico considerado mais digno de uma cidade-
capital. O governo federal e a prefeitura municipal assumiram os gastos da
reforma
.
De inspiração francesa, este plano de reforma urbana promoveu uma
intensa valorização do solo urbano da área central, excluindo a população de
baixa renda que ali se concentrava. Esta população sobrevivia de trabalhos
informais, sem renda fixa, e por isso morar nos bairros localizados no
subúrbio da cidade não constituía uma alternativa (e o governo também não
apresentava um plano para esta parcela da população). De fato, os
habitantes encontraram nas habitações coletivas que se disseminaram nas
áreas adjacentes ao centro (Saúde, Gamboa e Cidade Nova) a alternativa
para o problema habitacional e dando origem a uma nova modalidade de
habitação: a favela
1
.
A reforma da capital constituiu uma ruptura no processo de
urbanização do Rio de Janeiro, a "cidade colonial" cedeu lugar, de forma
1
Em fins de 1905, uma comissão nomeada pelo governo federal para examinar o problema
das habitações populares constatou que as demolições de prédios ultrapassavam todas as
expectativas, forçando a população a "ter a vida errante dos vagabundos e, o que é pior, a
ser tida como tal". Este relatório fazia referência ao Morro da Favella (atual Providência) –
"pujante aldeia de casebres e choças, no coração mesmo da capital da República, a dois
passos da Grande Avenida" – que emprestaria seu nome ao, até hoje, mais destacado ícone
da segregação social no espaço urbano da cidade. O morro da Favella foi ocupado
primeiramente por ex-combatentes da Guerra de Canudos; a origem do nome a este morro
pode estar relacionada à mesma vegetação que cobria o morro da Favella do município de
Monte Santo, na Bahia, palco de resistência ao avanço dos soldados da República sobre o
arraial de Canudos (Biblioteca virtual Osvaldo Cruz, www2.prossiga.br/ocruz/principal.htm).
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115
definitiva à "cidade burguesa", moderna, do século XX, que tinha como
parâmetros as metrópoles européias. Em novembro de 1906, quando
Rodrigues Alves Passou a faixa presidencial a Afonso Pena, o Rio –
remodelado e saneado – já era apresentado como "a cidade mais linda do
mundo", a "cidade maravilhosa".
5.5.1
Ensino de línguas estrangeiras no município do Rio de Janeiro
Ao analisar a versão lingüística da globalização Calvet (2002a, p.156)
afirma que, em um momento ou outro, somos confrontados com escolhas
lingüísticas, como em um mercado, e um exemplo dessa confrontação em
uma situação escolar é a escolha de uma escola bilíngüe (e da língua) em
que o filho vai estudar. No Rio de Janeiro e nos demais município da Região
Metropolitana do Estado, nos municípios de Resende e de Macaé, essa
escolha é concedida a uma parcela reduzida da população, mesmo que um
grupo maior compartilhe a uma representação lingüística semelhante a
respeito das línguas. Para aqueles que seguem os estudos em uma escola
pública o leque de escolhas limita-se ao aprendizado do inglês e do
espanhol.
Uma outra opção para o aprendizado de uma língua estrangeira
encontra-se nos cursos de idiomas. Neste caso também encontramos outro
fator que pode restringir a escolha pelo aprendizado de uma língua
estrangeira, além do tipo de escola (pública ou privada). Trata-se da
localização dos cursos: na área metropolitana do Rio de Janeiro, os cursos
”oficiais” de idiomas, ou seja, aqueles que têm de uma forma ou outra apoio
dos governos que representam, estão localizados majoritariamente na capital
do município (Rio de Janeiro). E mesmo na capital, estes cursos localizam-se
em áreas onde se concentra a população com maior poder aquisitivo. Dessa
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116
forma, à parte o problema dos custos relativos aos preços dos cursos, a
distância é sem dúvida um obstáculo para alguém que habita fora das
regiões da capital com alto índice de desenvolvimento humano (IDH).
A exceção é acordada aos cursos de inglês que se expandiram para
outros municípios, como podemos observar na tabela abaixo:
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117
Curso/língua Número de cursos
Aliança Francesa (francês)
(1885)
Rio de Janeiro (7), Nova Friburgo (1);
Niterói (1), São Gonçalo(1), Macaé (1),
Resende (1).
Cultura Inglesa (inglês)
(1934)
Rio de Janeiro (26);
Campos (1); Macaé (1);
Niterói (4); Duque de Caxias (1); Nova
Iguaçu (1); Petrópolis (1),
São Gonçalo (1);
Teresópolis (1); Três Rios (1).
IBEU (inglês)
(1931)
Rio de Janeiro (15)
Macaé (1)
Goethe – Instituto (alemão)
Rio de Janeiro (1)
Instituto Cultural Germânico (alemão)
(1995)
Niterói (1)
Instituto Cervantes (espanhol)
(1991)
Rio de Janeiro (1)
Instituto Italiano de Cultura (italiano)
(1930)
Rio de Janeiro (1)
Tabela 5 – Cursos de línguas no Estado do Rio de Janeiro
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118
Observamos em relação à localização dos cursos e das escolas
bilíngües a idéia desenvolvida por Jean Baudrillard (1972, apud Bulot, 2002)
ao discutir a ordem retórica pequeno-burguesa e desenvolver uma
abordagem espacial baseada em duas dicotomias que se complementam; a
saturação e a redundância para mostrar a acumulação em um determinado
espaço ao mesmo tempo em que se desenvolve uma marcação de
pertencimento a uma classe, e a segunda dicotomia, simetria e hierarquia,
ao se reportar a uma organização horizontal que serve de base para uma
centralidade e para uma ordenação vertical que explicaria a hierarquização
social.
No caso do município do Rio, a redundância e a saturação explicitam-
se no fato de que as escolas e os principais cursos de idiomas encontram-se
em uma mesma região (centro, zona sul da cidade). Da mesma forma, o
conceito de simetria e hierarquia se caracteriza pela não irradiação da oferta
desse tipo de ensino para regiões mais afastadas do centro de poder. Este
fato pode ser comprovado principalmente pela distribuição preferencial das
filiais da Aliança Francesa em regiões com elevado IDH (Figura 3).
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119
Figura 3 – Localização das filiais da Aliança Francesa nas regiões com maiores
índices de desenvolvimento humano (IDH) da cidade do Rio de Janeiro.
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120
A razão desta concentração pode ser explicada pela história política
do município do Rio de Janeiro: uma história marcada pela representação do
poder central; as desigualdades que encontramos neste espaço remontam a
sua formação como espaço político-administrativo.
5.6
Resende: pólo do desenvolvimento do Médio Paraíba
Resende representa o mais jovem núcleo da divisão regional do
estado, possui uma população estimada em 2005 de 117.416 habitantes,
distribuída em 1.114 km .
Situado no Médio Paraíba fluminense, o município foi criado somente
em 1801. A criação da cidade está intimamente vinculada ao movimento de
idas e vindas de paulistas e mineiros entre a região aurífera e o vale do
Paraíba, o que favoreceu o desenvolvimento da pecuária local.
Posteriormente, beneficiou-se do explosivo movimento cafeeiro. A região na
qual encontra-se este município está localizada entre os três mais
importantes pólos de desenvolvimento econômico e social do país- São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A distância entre Resende e as
principais metrópoles é a seguinte: Rio de Janeiro: 164 km; São Paulo: 265
Km; Belo Horizonte: 474 km .
Este município faz parte de uma malha urbana que inclui ainda os
municípios de Porto Real, Piraí, Barra Mansa e Volta Redonda. Nesta região
se localizam novos e importantes centros de formação da força de trabalho,
como o Instituto Politécnico da UERJ (Resende).
O município possui 61 estabelecimentos públicos e 16 particulares de
ensino fundamental e médio, 3 escolas profissionalizantes (SENAI, SENAC e
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121
SESI), 3 Universidades - uma do Estado e duas participantes. Situa-se no
município a
Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), além de grandes
indústrias como a
Volkswagen e a Peugeot, que fazem parte do pólo metal-
mecânico e a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que é responsável pelo
enriquecimento de urânio. A região é marcada pela presença de muitas
empresas, inclusive francesas, tendo um dos maiores valores de Produto
Interno Bruto do Estado (PIB) (Fig. 04). Resende ocupa a 85ª posição dos
melhores PIBs do Brasil. De acordo com o IBGE, Resende teve uma
participação de 0,17% da riqueza produzida no país.
Figura 4 – Distribuição do produto Interno Bruto no Estado do Rio de Janeiro.
Fonte; Fundação CIDE (2005).
O município vizinho de Porto Real está entre os dez municípios que
tem o maior PIB (Produto Interno Bruto) per capita do Brasil. Isso se deve às
indústrias que se instalaram em Porto Real nos últimos
anos como, por
exemplo, a montadora Peugeot Citröen, além da Coca-Cola há mais tempo
localizada na região. Entretanto, o PIB não está ligado ao Índice de
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122
Desenvolvimento Humano (IDH). Em uma pesquisa do IPEA divulgada em
2004 sobre o IDH, referente ao ano de 2002, mostra que Porto Real tem o
pior índice do Sul Fluminense, ocupando a 58º posição entre as 91 cidades
do Rio. A maioria da mão de obra das indústrias de Porto Real é de outros
municípios por falta de capacitação profissional local. Segundo Oliveira
(2005) a política fiscal instituída pelo estado e as isenções municipais
influenciaram na atração de empresas para os municípios da região.
Uma escola francesa (Escola Peugeot-Citröen) foi criada na região
para atender as crianças das famílias francesas instaladas na região. Se
considerarmos a forte presença de empresas francesas na região,
poderemos ter aí um igualmente forte argumento para a oferta deste idioma
na rede pública. Esta medida corresponde à proposta de Wolton (2006)
segundo a qual a francofonia deve aumentar sua base popular, e que um dos
mecanismos para que isso ocorra é estabelecendo-se parcerias entre as
empresas francesas no exterior e a sociedade civil. Wolton (2006, p.103)
afirma que a diversidade cultural em economia não diz respeito apenas às
indústrias culturais, ela concerne também as grandes empresas.
Em relação ao ensino de línguas no município, o Secretário Municipal
de Resende
2
nos informou que a única língua oferecida atualmente no
município era o inglês. Contudo, de acordo com a Lei Federal 3.987, de
2000, preconizando o ensino obrigatório do espanhol para o ensino médio e
optativo para a 5
a
e 8
a
série, o município estava se preparando para
oferecer o ensino desta língua partir de 2007, primeiramente na única escola
municipal de ensino médio de Resende (Escola Getúlio Vargas) e,
progressivamente “na medida do possível”, nas demais escolas do município.
2
Em Resende, a secretaria que se ocupa da educação denomina-se Secretária de
Desenvolvimento Humano e Fraternidade,
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123
5.7
Macaé: a capital da indústria do petróleo
Macaé possui uma área total de 1.215,904 km², uma população de
160 mil habitantes e é uma cidade economicamente importante tanto para o
estado quanto para o próprio país devido à
Bacia de Campos, até então, o
maior campo petrolífero do Brasil, responsável por 80% da extração nacional
de petróleo. Desde a década de 70, quando a
Petrobras escolheu Macaé
para sediar sua sede na
Bacia de Campos, a cidade teve um crescimento
significativo. Isto fez com que muitas empresas se instalassem na região e a
população foi multiplicada por três - hoje são quase 200 mil habitantes.
Surgiram hotéis de luxo e uma série de empreendimentos do setor de
serviços, principalmente no ramo de restaurantes. O município tem a maior
taxa de criação de novos postos de trabalho do interior do estado, de acordo
com pesquisa feita pela Federação das Indústrias do
Rio de Janeiro (Firjan):
13,2% ao ano. A economia da cidade cresceu 600% desde 1997. De acordo
com dados do IBGE, o Produto Interno Bruto (
PIB) per capita da cidade é de
R$ 11 mil por ano, 30% maior do que a média nacional.
Macaé é o núcleo da Região Norte Fluminense, fazendo parte da área
mais impactada pelas atividades extrativistas de petróleo e gás no estado
(Oliveira, 2003). Neste município e no município vizinho de Campos se
concentra atualmente a maior parte da força de trabalho empregada
formalmente. Oliveira (op.cit) ressalta que estes dois municípios mais
importantes da região basearam, historicamente, suas economias na
produção sucro-alcooleira. O reflexo político dessa base econômica podia
ser observado na influência hegemônica dos usineiros.
A mudança do paradigma econômico teve reflexos na vida política e
científica da região. Para o desenvolvimento de pesquisa foi criada na região
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124
a Universidade do Norte Fluminense (UENF) para a qual foram contratados
inicialmente pesquisadores estrangeiros e de outra regiões do Brasil. Para a
formação técnica, Macaé abriga uma unidade do CEFET (Centro Federal de
Educação Tecnológica) que oferece cursos ligados às atividades do petróleo.
Outras universidades públicas e privadas também mantêm campi na região.
No entanto, mesmo inserido na dinâmica da globalização, o município
ainda não traduziu o desenvolvimento econômico em desenvolvimento
social. Em um artigo publicado no jornal A Folha de São Paulo
3
, o jornalista
Gilberto Dimeisntein aponta que em razão da baixa qualificação da mão de
obra local os empregos gerados são ocupados por profissionais de outros
municípios. Ele chama a atenção para o baixo desempenho das escolas
públicas de Macaé
4
, e o a defasagem entre a arrecadação e o investimento
em educação: o município arrecada 715.575 milhões e investe 118.046
milhões em educação. Dimeinstein acrescenta:
Nessa aula de incompetência de Macaé há pelo menos duas dicas
especialmente valiosas em período eleitoral: 1) quanto mais as
cidades se organizarem como comunidades de aprendizagem,
mais chance haverá de se produzir riqueza e distribuí-la melhor; 2)
quanto mais essa organização partir do nível local -a começar da
prefeitura- , maior eficiência se conseguirá. Se entendermos
Macaé, entendemos por que o Brasil, tão rico, consegue gerar
tanta pobreza.
3
Como dar aula de incompetência”, artigo publicado na FSP em 25/07/06.
4
Ranking Prova Brasil - 598º lugar a nível nacional nas 4º séries e 944º lugar nas 8º séries
em português; 754º lugar nas 4º séries e 1000º lugar nas 8º séries em matemática.
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125
5.7.1
Ensino de línguas em Macaé
O mesmo fenômeno observado no município do Rio em relação às
escolas bilíngües também pode ser observado, ainda que em uma escala
menor, no município de Macaé. A escola bilíngüe canadense ATIVO - a
Global School
5
, instalada no município desde 1999, anuncia:
Many international companies in the field of petroleum have
invested millions of dollars in Macaé. For years, these
organizations have sought to support their international staff by
providing the necessary resources to educate their children.
Options have been limited and parents have found themselves at a
loss in regards to school choices.
Quanto aos cursos de idiomas, a Aliança Francesa abriu uma unidade
no município em 2004
6
; e observamos uma grande a oferta de uma enorme
quantidade de cursos de inglês, desde os mais tradicionais (Cultura Inglesa,
CNA, Brasas, etc) até cursos menos conhecidos e aulas particulares
Ao questionarmos o secretário de educação de Macaé sobre a oferta
de línguas estrangeiras oferecidas nas escolas do município obtivemos como
resposta a informação de que o município oferece o espanhol e o inglês
como línguas estrangeiras. De acordo com a Subsecretária de Educação, o
município está fazendo um estudo em parceria coma a Faculdade de
Ciências e Letras de Macaé- FAFIMA- visando à implementação de uma
escola de idiomas. No entanto, o projeto prevê inicialmente o ensino apenas
do inglês e do espanhol visando preparar mão-de-obra bilíngüe para atuar no
setor petrolífero e de turismo.
5
Endereço: Rua João B. da S. Lessa, 245 - Bairro da Glória - Macaé – RJ
CEP: 27933-160. Esta escola é uma franquia do grupo canadense Maple Bear Canadian.
6
Endereço: Rua Nicomedes de Souza Ribeiro, 324 - Costa do Sol - 27923-390 - MACAÉ -
RJ Tel/fax : (22) 2772 1809 E-mail:
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126
Nos três municípios tratados neste estudo, que são centros das
regiões nas quais se localizam, observamos que a questão de ensino de
línguas não é tratada como uma política pública como talvez devesse ser
abordada (Grim, 2005). Os municípios de Resende, e sobretudo o de Macaé,
repetem os mesmos percursos da tradição de uma formação lingüística em
línguas estrangeiras para uma elite.
A oferta de ensino parece engessada pela falta de recursos, pelas leis
federais e por uma ausência de reflexão e de propostas alternativas. Uma
das possíveis áreas de participação do setor privado poderia ser o da
formação lingüística. De acordo com dados do IPEA, o número de empresas
brasileiras que investem em ações sociais aumentou nos últimos anos, mas
a contribuição delas diminuiu. Em 2000, 465 mil companhias do país
mantinham voluntariamente atuação social, com contribuições equivalentes a
0,43% do PIB (Produto Interno Bruto). Em 2004, a quantidade de empresas
com trabalho nessa área aumentou dez pontos percentuais (para 600 mil, ou
69% do total de empresas no país), mas o montante por elas investido
representou R$ 4,7 bilhões (0,27% do PIB).
Esta pesquisa destacou que 52% e 41% das empresas
desenvolveram ações de alimentação e assistência social, respectivamente.
O estudo revela, ainda, que a principal forma de atuação empresarial não é
direta: 54% das empresas declararam ter doado dinheiro para pessoas ou
comunidades carentes, enquanto 67% destinam verbas para entidades que
executam projetos sociais. Apenas 3% empreendem iniciativas próprias.
Como conseqüência dessa postura diante do ensino de línguas que
perdura ao longo da história do desenvolvimento do Estado do Rio de
Janeiro temos, mesmo no meio universitário, um público com limitados
conhecimentos lingüísticos, como veremos no próximo capítulo.
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127
6
O reflexo das políticas de ensino de Línguas Estrangeiras no
Rio de Janeiro
6.1
Introdução
De acordo com a Secretaria Municipal de Educação do município, mais
especificamente o setor responsável pelo ensino de línguas estrangeiras, a
maioria das escolas municipais opta pelo ensino do inglês em primeiro lugar,
seguido do espanhol, e apenas algumas escolas optam pelo ensino da língua
francesa. Na época em que entrevistamos a responsável pelo setor, ela não
soube precisar quantas escolas faziam esta última opção, mas observou que o
critério de “consulta à comunidade” previsto na LDB para a escolha da língua
estrangeira a ser ensinada resumia-se freqüentemente à vontade da direção da
escola.
Em outras escolas públicas localizadas no município (estaduais e
federais) o quadro de um ensino plurilíngüe é um pouco menos desolador
naquelas consideradas como escolas-modelos: os Caps (Colégios de Aplicação
vinculados à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e à Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Colégio Pedro II e alguns dos
estabelecimentos ligados a Faetec
1
).
1
A Faetec - Fundação de Apoio à Escola Técnica, foi criada em 10 de junho 1997 em
substituição à Faep - Fundação de Apoio à Escola Pública do Rio de Janeiro - a partir da Lei
2.735. A nova fundação passou a gerenciar a rede de ensino tecnológico do estado, que hoje
abrange 114 unidades entre Ceteps (Centro de Educação Tecnológica e Profissionalizante),
ETEs (Escola Técnica Estadual), Institutos Superiores, Unidades Avançadas e Centros Sociais.
No
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128
Assim, com o objetivo de avaliar os reflexos das políticas de ensino de
línguas estrangeiras no Estado do Rio de Janeiro, procuramos analisar o grupo
formado por universitários, entendendo que os mesmos encontram-se no topo
do sistema educacional, já tendo percorrido, portanto, no mínimo, uma formação
básica em línguas estrangeiras.
6.2
Línguas estrangeiras no vestibular estadual
De acordo com o levantamento que realizamos junto ao Departamento de
Assistência Acadêmica (DAA) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) foi possível observar que a baixa oferta de opções em línguas
estrangeiras no ensino público se reflete no exame do vestibular (Tabela 6).
A UERJ é responsável pelo Vestibular Estadual, no qual se insere além
desta universidade, a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
(UENF), a Academia de Polícia Militar D.João VI (APM) e a Academia de
Bombeiros Militar D.Pedro II (ABM). O exame é realizado em duas fases: exame
de qualificação e exame discursivo. No exame de qualificação não há escolha
de instituição ou de curso, o exame é realizado por todos os candidatos do
Vestibular Estadual. Nesta fase, não há notas e sim conceitos (A-B-C-D-E) por
faixa de porcentagem de acertos na prova. O exame discursivo é realizado
apenas pelos candidatos aprovados no exame de qualificação, nesta fase há
escolha de curso.
A partir do Quadro 2, observamos que existe um predomínio da língua
espanhola entre os candidatos que obtiveram os piores conceitos no primeiro e
segundo exame da fase de qualificação. De maneira inversa, os candidatos com
melhores conceitos optaram pelo inglês. Com relação ao francês, mesmo
representando uma opção pouco significativa entre os candidatos, esta opção é
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129
maior entre aqueles que obtiveram conceito A. Convêm ressaltar que o número
de candidatos que optam pela língua francesa como língua estrangeira no
vestibular não só da UERJ como nas demais universidades que ainda oferecem
esta opção é cada vez menor (a PUC-Rio suprimiu a língua francesa de seu
vestibular).
Com relação ao exame discursivo (tabela 6), observamos que a maioria
dos candidatos provenientes de escolas públicas optou pelo espanhol como
língua estrangeira em oposição ao inglês, contrastando com uma escolha mais
equilibrada entre as duas línguas dos candidatos oriundos de escolas
particulares.
Finalmente, observa-se também que a opção pela língua francesa é muito
pequena tanto entre os candidatos provenientes das escolas públicas quanto
entre os candidatos provenientes das escolas particulares. Paradoxalmente,
mesmo entre os candidatos ao curso de Letras Português / Francês a maioria
dos candidatos optou pelo idioma espanhol como língua estrangeira, sendo que
a opção pelo francês se iguala a opção do inglês como língua estrangeira no
exame vestibular: em um total de 80 candidatos, 34 optaram pelo espanhol, 23
pelo francês e 23 candidatos optaram pelo inglês.
A opção pelo espanhol, preferencial entre os candidatos com menor
desempenho no exame do vestibular estadual, não reflete necessariamente o
conhecimento formal desta língua por parte dos candidatos. Em parte, esta
escolha é realizada em função da intercompreensão entre a língua portuguesa e
a língua espanhola. As demais línguas exigem por parte dos candidatos um
maior conhecimento formal.
Em função do vimos ao longo deste trabalho, o acesso ao aprendizado
formal do inglês e, principalmente, do francês esbarram em algumas dificuldades
como: a baixa oferta de ensino público de qualidade, uma oferta centralizada
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130
das escolas bilíngües e dos cursos de idiomas oficiais nas áreas de maior
concentração de renda, entre outros. Geralmente, as pessoas com maior poder
aquisitivo têm a oportunidade de poder escolher por uma aprendizagem formal
do inglês e/ou do francês.
De maneira geral, os candidatos que obtiveram conceito A no vestibular
estadual provêm de escolas com os melhores padrões de ensino, quer sejam
particulares ou públicas. Nestas escolhas, normalmente, como já discutimos é
oferecida uma formação lingüística plurilíngüe e de qualidade, o que justificaria a
escolha destes candidatos pelo inglês e pelo francês como língua estrangeira no
vestibular.
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131
Quadro 2 – Opção língua estrangeira na primeira fase do vestibular estadual
2006.
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132
Opção de Língua estrangeira Escola Pública Escola Particular
Espanhol
1484 1500
Francês
37 23
Inglês
872 1804
Tabela 6 – Números relativos ao vestibular Uerj 2006, 2
a
fase – exame discursivo.
6.3
Formação e representação lingüística
No primeiro semestre de 2006 realizamos uma pré-enquête sobre
representação lingüística junto aos alunos das universidades: Universidade
Veiga de Almeida (campus Barra da Tijuca), Universidade Estácio de Sá
(campus Rio Comprido), Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ/Maracanã) e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC). O
questionário aplicado foi elaborado pelo Prof. Calvet e pelo Prof. Jürgen Heye
como uma primeira abordagem a respeito das representações lingüísticas
(Castteloti & Moore, 2002) no Rio de Janeiro.
Segundo Castteloti e Moore (2002) os estudos sobre as percepções dos
falantes em relação às línguas e aos usos que fazem delas começaram a ser
explorados a partir dos anos 60, primeiramente a partir da noção de atitude.
Esses estudos se dedicaram a explicar os comportamentos lingüísticos levando
em conta as imagens que as pessoas possuem das línguas, resguardando
nessa abordagem os valores subjetivos. O conceito de representação tem
origem na psicologia social.
Castteloti e Moore (2002) definem a atitude como uma disposição para
reagir de maneira favorável ou não a uma classe de objeto a partir de um
estoque de crenças sobre este objeto. Estas crenças, por sua vez, são
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133
motivadas tanto por informações objetivas como por preconceitos e estereótipos.
Jodelet (1989) define o conceito classificando-o como uma forma de
conhecimento, socialmente elaborado e compartilhado, que possui um objetivo
prático e que contribui para a construção de uma realidade comum de um grupo
social. As representações fazem parte da construção identitária dos sujeitos, de
sua relação com os outros e participam da construção do conhecimento. Ela põe
em evidência os traços que um grupo acha mais pertinente na formação de sua
identidade, aí reside sua importância na formulação de uma política lingüística.
Os questionários que aplicamos exploram esses valores mas abordam
também questões que demandam um certo conhecimento sociolingüístico.Nesta
primeira enquête, entrevistamos um total de 114 estudantes posteriormente
pretendemos estender esta pesquisa a outros conjuntos da população.
Embora tenha um caráter preliminar, esta enquête entrevistou um público
que já se encontra no topo da formação educacional, que já percorreu todo o
ensino fundamental e médio. Isto permite que tenhamos o perfil de sua formação
em língua estrangeira, além da repercussão das mais recentes intervenções em
matéria de política lingüística no Brasil (a co-oficialização de línguas indígenas, o
ensino de línguas alóctones em alguns municípios do sul do país, os acordos
lingüísticos no Mercosul).
Em relação à questão que língua(s) o entrevistado fala consideramos a
resposta espontânea do entrevistado, sem precisar o grau de domínio da língua
declarada. Conforme a Tabela 7, observa-se que a maioria entre homens e
mulheres declara falar inglês, em uma proporção que corresponde ao dobro da
escolha pelo espanhol, confirmando a hipercentralidade da língua inglesa.
Acreditamos que um dos motivos para esta hipercentralidade está relacionado a
uma maior oferta de ensino da mesma. Associado a este fator, temos um leque
de representações favoráveis à língua inglesa: a mais útil (Tabela 8), entre as
mais fáceis e menos difíceis (Tabelas 9 e 10), a língua que se deseja que os
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134
filhos aprendam (tabela 11). Nesta questão o inglês aparece em primeiro lugar,
seguido do francês e do espanhol. A escolha do francês em detrimento do
espanhol demonstra que mesmo entre as línguas supercentrais pode haver
graus diferentes de importância. Esta escolha pode ser compreendida também
de acordo com o papel da língua francesa ao longo da história da sociedade
brasileira, como vimos nos capítulos precedentes.
Com relação às demais línguas supercentrais, à parte o espanhol,
observamos que uma pequena parcela declara possuir o conhecimento do
francês, alemão e italiano, com uma ligeira vantagem para o francês. Destaca-se
que esta vantagem se localiza predominantemente entre as mulheres, que
também consideram esta língua como a mais bonita (Tabela 12).
Podemos observar um comportamento deferente entre homens e
mulheres no que diz respeito ao francês e ao português, diferença que se
apresenta em outras questões: o português é citado como mais útil e mais fácil
principalmente entre os homens; por outro lado, um número maior de mulheres
declara desejar que seus filhos aprendam o francês.
As línguas citadas como as mais difíceis são primeiramente as línguas de
origem não latinas, mas que são também línguas de imigração no Brasil (alemão
e japonês) (Tabela 13). Esta representação está associada com a história da
formação da sociedade fluminense, marcadamente sob a influência dos negros
e dos portugueses, assinalando um distanciamento cultural com os fluxos
migratórios predominantes em outras regiões do país.
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135
Língua Total (%) Mulheres (%) Homens (%)
Inglês
61,5 59,4 64,4
Espanhol
29,4 26,6 33,3
Francês
7,3 15,6 2,2
Alemão
5,5 4,7 4,7
Italiano
2,75 4,7 -
Sânscrito
0,92 - 1,6
Crioulo
0,92 1,6 -
Japonês
0,92 - 1,6
Tabela 7 – Que língua(s) você fala.
Língua Total (%) Mulheres (%) Homens (%)
Francês
2,7 5,2 0
Inglês
86,5 89 82
Português
7,2 3,12 12,7
Espanhol
3,6 3,1 4,2
Tabela 8– A língua mais útil
Língua Total (%) Mulheres (%) Homens (%)
Francês
1,8 1,5 2,3
Inglês
65 71 55
Português
10 7,5 13
Espanhol
22 18 27
Tabela 9 – A língua mais fácil
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136
Língua Total (%) Mulheres (%) Homens (%)
Francês
6,8 6,9 6,9
Inglês
8,6 8,3 9
Português
6,8 6,9 6,8
Italiano*
0 0 0
Espanhol*
0 0 0
Alemão
41 40 44
Japonês
25 27 23
Árabe
6,3 4,1 9
Russo
4,3 5,5 2,2
Tabela 10– A língua mais difícil. *Ninguém assinalou
o italiano e o espanhol como uma língua mais difícil
Língua Total (%) Mulheres (%) Homens (%)
Francês
19 22 14
Inglês
66 63 69
Espanhol
9,1 8,1 10,7
Alemão
3,5 3,4 3,5
Tabela 11– A língua que gostaria que os filhos apreendessem.
Língua Total (%) Mulheres (%) Homens (%)
Francês
36,8 47,6 23,5
Inglês
15,7 12,6 15,6
Português
14,0 9,5 21,5
Italiano
13 12,6 13,7
Espanhol
9,6 12,6 5,8
Alemão
5,2 1,5 9,8
Japonês
2,6 0 2,6
Tabela 12 – A língua mais bonita
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137
Em relação às questões mais diretamente relacionadas às intervenções
político-lingüísticas brasileiras (Mercosul, línguas alóctones e autóctones)
observamos ainda um significativo desconhecimento das razões que são as
bases destas políticas.
Embora a maioria reconheça a existência de regiões plurilíngües no país
(Tabela 13) esta percepção é mais forte em função da região sul (Tabela 14),
onde há uma predominância de outras línguas supercentrais, uma vez que
somente uma minoria dos entrevistados reconhece a região amazônica como
uma região plurilíngüe por causa das línguas indígenas. O desconhecimento
mostrado em relação às línguas indígenas, entre as línguas faladas no Brasil e
no Mercosul (Tabelas 15 e 16), indica que as mesmas têm uma representação
de línguas periféricas.
Como salientado por Calvet (informação escrita): Les langues indigènes
sont très peu citées, le japonais et l’allemand sont ignorés, alors que ces deux
langues sont en tête des langues “difficiles” et apparaissent à nouveau deux
questions plus loin. Il y a là un paradoxe qui reste à expliquer: allemand et
japonais sont “difficiles”, parlées dans le sud ou à SP, mais pas au Brésil...
A pouco conhecimento demonstrado pelos entrevistados nestas questões
deve-se, em nossa opinião, ao desconhecimento por parte dos mesmos da
realidade histórica e sociolingüística brasileira. A perspectiva que se possui é o
resultado da experiência local, uma cidade praticamente monolíngüe, com forte
influência da migração portuguesa.
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138
Há cidades
ou regiões
Total (%) Mulheres (%) Homens (%)
Sim
80,2 84,2 75
Não
19,8 15,8 25
Tabela 13– Regiões ou cidades plurilíngües no Brasil.
Onde se
localizam
Total (%) Mulheres (%) Homens (%)
Sul
60 61 57,5
Amazônia
15 12,7 18
Fronteiras
11,2 12,7 9
Regiões
Indígenas
11,5 12,7 9
São Paulo
2,5 0 6
Tabela 14 – Onde se localizam essas regiões?
Língua Total (%) Mulheres (%) Homens (%)
Português
90,8 89,6 92,5
Português e línguas
indígenas
5,1 3,4 7,5
Português e Tupi
2 3,4
Português/Espanhol/Inglês
2 3,4
Tabela 15 – Qual ou quais as línguas são faladas no Brasil.
Língua Total (%) Mulheres (%) Homens (%)
Português/espanhol/Inglês
10 15 3
Português/espanhol
61 53 73
Espanhol
18,6 23 11
Espanhol/Inglês
9,3 7,6 11,7
Tabela 16– Quais são as línguas faladas no Mercosul.
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139
As atitudes e representações que encontramos no público de
universitários entrevistados também apontam o desconhecimento das razões
adotadas para a política de promoção do espanhol, o que pode ser o resultado
típico de uma medida elaborada essencialmente in vitro. Acreditamos que
adoção desta língua como LE no sistema educacional não altera o status do
inglês.
Por outro lado, os entrevistados mantêm uma atitude favorável em
relação à língua francesa. Esta atitude, associada a outros fatores tais como a
intercompreensão (Cassen, 2005; Ploquin
2
, 2005), o apelo econômico, cultural,
etc, poderia favorecer um plano político lingüístico que favorecesse o seu
ensino. Isto iria ao encontro das propostas da francofonia como veremos no
capítulo a seguir.
2
Ploquin defende a intercompreensão entre as línguas românicas. A autora define a
intercompreensão lingüística como o fato de compreender determinadas línguas sem
necessariamente dominá-las oralmente: o indivíduo fala e escreve em sua língua materna e
compreende a outra língua. Tal procedimento não demanda um conhecimento anterior do latim e
serve para aproximar países cujas línguas pertencem a mesma família e que têm interesses e
cultuas próximas.
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140
7
A francofonia: descentralizar para democratizar o ensino do
francês.
550 empresas francesas no Brasil. E você ainda não fala francês?
(Publicidade da Aliança francesa veiculada no Rio, em 2006)
7.1
Introdução
Vimos no capítulo sobre as escolas bilíngües do Rio de Janeiro que
todas essas escolas estão localizadas em regiões com um alto índice de
IDH. Quantos aos cursos de idiomas, ao contrário dos cursos de inglês (Ibeu
e Cultura Inglesa, por exemplo) que se expandiram por outros municípios da
Região Metropolitana do Estado (Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Mesquita,
Queimados, Magé, etc.) e por bairros com índices de IDH menos elevados, a
Aliança Francesa, bem como o Instituto Goethe, o Instituto Cervantes e o
Instituto Italiano, permaneceram em regiões mais favorecidas
economicamente.
Embora a Aliança Francesa acentue seu caráter de ser “uma
instituição sem fins lucrativos cujo principal objetivo é a difusão da língua e
da cultura francesa fora da França”, estes objetivos não estão ao alcance
daqueles que habitam as regiões fora do centro. Suas mais recentes filiais
fora da capital estão localizadas nas regiões consideradas, por seu turno,
como novos centros econômicos. Ela mantém sua política de concessão de
convênios e bolsas integrarando tal prática ao seu discurso de instituição
sem fins lucrativos. No entanto, esta política já foi bem mais significativa; as
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141
bolsas oferecidas tinham uma margem de desconto que podiam ir até a 80%
de desconto sobre o valor dos cursos.
A Aliança Francesa foi criada em 21 de julho de 1883 nos planos de
ação do governo francês em prol da difusão da língua francesa, da defesa do
status internacional desta língua. No Brasil, sua primeira Associação foi
fundada no Rio de Janeiro, em 1885, dois anos após a criação da sede, em
Paris. Contrariamente ao que é destacado na publicidade de 2006, a Aliança
Francesa afirma em sua página na Internet que a presença francesa no
Brasil não se caracterizou por uma imigração de caráter econômico, e sim
por um enriquecimento das relações políticas e culturais entre os dois países.
Ela destaca a influência cultural francesa durante o período da Monarquia e
da República no Brasil.
Ora, a Aliança Francesa é um dos agentes precursores da francofonia,
atuando no que Deniau (1983, p.43) chama de área de difusão deste
movimento. Esta francofonia se apresenta como um fórum de relações
internacionais, como um meio de aproximar povos através de uma língua em
comum, o francês. No entanto, uma oferta centralizada como tem sido a
oferta do ensino da língua francesa no Rio de Janeiro não favorece a difusão
da língua nem atua em favor de uma globalização mais humana.
7.2
A francofonia: origens
A francofonia é definida por Calvet (1996, p.103), no âmbito da política
lingüística francesa, como uma realidade sócio-lingüística (produto da história
colonial da França) e como um conceito geopolítico pós-colonial, criado nos
moldes da Comonwealth. A francofonia pode reunir assim os falantes usuais
do francês como língua materna ou segunda língua, aqueles que vivem no
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142
espaço francófano mas com um domínio rudimentar da língua e aqueles que
aprendem o francês fora do espaço francófano, por exemplo, no Brasil, como
língua estrangeira.
O termo francofonia apareceu pela primeira vez por volta de 1880,
utilizado pelo geógrafo Onésime Reclus (1837-1916) ao definir como
francófanos “tous ceux qui sont ou semblent être destines à rester ou à
devenir participants de notre langue”. (Atlas ondial de la francophonie, 2006,
p.8). O termo foi relançado em 1962 por Léopold Sédar Senghor na revista
Esprit, n 311, que definia liricamente a francofonia como sendo um
“humanismo integral que se tece em torno da terra, uma simbiose de
energias adormecidas de todos os continentes, de todas as raças que
despertam com o seu calor complementar”. Desde então, a francofonia tem
feito parte da pauta das ações governamentais francesas.
Como já assinalamos no início deste estudo, os especialistas no
assunto empregam a palavra Francofonia com letra maiúscula para designar
a francofonia geopolítica, a organização em torno dos Estados-membros.
Quando utilizada com letra minúscula, ela designa os territórios sobre os
quais o francês é falado, ainda que com diferentes graus de domínio. Estes
dois conjuntos nem sempre coincidem.
Em 1969 foi realizada em Niamey, na Nigéria, a Primeira Conferência
intergovernamental dos Estados Francófanos e em 20 de março de 1970,
ocasião da segunda conferência, foi criada a Agência de Cooperação cultural
e técnica (ACCT), primeira estrutura intergovernamental francófona. Esta
agência deu lugar à Agência Intergovernamental da Francofonia (AIF),
principal operadora da organização.
Em 1998, a conferência ministerial adota
a denominação de Organização Internacional da Francofonia
(OIF). Em
novembro de 2005, a AIF passa a integrar a secretaria geral da OIF.
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143
Wolton (2006, p.20) vê na globalização o tempo da terceira
francofonia. A primeira compreendendo o período que vai do século XVII ao
século XX, época em que o francês adquiriu status de língua internacional. A
segunda francofonia começa nos anos 70, com os fundadores que
organizaram a francofonia moderna e vai até 2005, com o voto da UNESCO
reconhecendo a diversidade cultural. A terceira, segundo Wolton, está em
processo de criação, mas tem como meta valorizar a diversidade cultural; o
fato da francofonia se articular não só em torno da língua mas também em
torno de valores humanos e democráticos permite a adesão de países que
não são necessariamente francófanos: “Cet élargissement sera ce que
j’appelle la troisième francophonie, avec laquelle le français devient une autre
langue, pour une mondialisation plus humaine”. (D.Woton, Demain la
Francophonie, 2006, p. 22)
Wolton (2006c) observa ainda que a francofonia passou rapidamente
da atuação em defesa da língua francesa à defesa da língua e das culturas,
incorporando também a defesa dos direitos humanos. Em resumo,
atualmente, a francofonia encontra-se também nas questões da
solidariedade e do desenvolvimento sustentável, estando, portanto, na pauta
das grandes questões ligadas à globalização.
E neste ponto que entrevemos um espaço para uma política de
promoção do francês como língua estrangeira no seio da francofonia. Na
realidade, a francofonia já estabeleceu um canal com o meio universitário de
diferentes países através da Agence Universitaire de la Francophonie (AUF)
1
que promove projetos científicos entre os países que fazem parte das
1
A AUF foi criada em 1961, em Montreal, Canadá. Trata-se de uma instituição multilateral
de apoio à cooperação e à solidariedade entre instituições universitárias que trabalham em
francês, principalmente na África, nos países árabes, na Europa Central , na Ásia, e no
Caribe. As Instituições brasileiras com as quais a AUF mantém convênios são: a Unicamp, a
UERJ, a USP e a UFRJ
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144
grandes áreas lingüísticas, ou no âmbito do que Calvet (2002a) chama de X-
fonias.
Mas a terceira francofonia de que fala Wolton (2006ct) demanda
ações ainda mais criativas, mais ousadas. Nos municípios que citamos neste
estudo, estas ações podem ser estabelecidas através de parcerias entre as
empresas instaladas nas regiões e o poder local. Este tipo de iniciativa vai ao
encontro das propostas apresentadas pelo Ministério das Relações
Exteriores da França (Ministère des Affaires Étrangers) para a promoção da
língua francesa:
“La politique de diffusion de la langue française mise en
œuvre par le ministère des Affaires étrangères se situe à l’exact
croisement des deux priorités qui orientent l’action de coopération
internationale menée par la France : l’impératif de solidarité et les
stratégies d’influence. Solidarité à l’égard des pays partenaires où
le français est langue d’enseignement et avec lesquels nous
développons une importante coopération éducative ; influence
conçue comme un dialogue avec les autres langues et cultures du
monde pour promouvoir la diversité culturelle. Dans ce cadre
général d’action, notre politique linguistique extérieure s’organise
autour de trois grands axes de travail : la promotion du
plurilinguisme qui implique notamment le maintien de la place du
français dans les organisations internationales, en particulier en
Europe ; la valorisation du français comme outil d’aide au
développement dans les pays de la zone de solidarité prioritaire ; et
la redéfinition de notre offre linguistique dans les grands pays
émergents, afin d’attirer vers le français de nouveaux publics ».
A proposta de atrair novos públicos requer, em nossa opinião, a
execução de um movimento em direção aos novos centros que se deliniam
com a globalização, bem como em direção às grandes áreas metropolitanas
do município do Rio de Janeiro. Este movimento pode se dar não só através
das Alianças Francesas (e da retomada de uma política de concessão de
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145
bolsas de estudos neste estabelecimento), como também em direção às
prefeituras locais para que se estabeleça acordos de parcerias locais.
7.3
Áreas de atuação da francofonia
Enfrentar os desafios da globalização é a palavra de ordem da
Organização Internacional da Francofonia (OIF) para definir suas áres de
atuação. De acordo com esta instituição, a estratégia selecionada para tal
empreitada, baseia-se nos seguintes pontos:
- Promoção da língua francesa e da diversidade cultural e lingüística
- Promoção da paz, da democracia e dos direitos humanos;Apoio à
educação, à formação, ao ensino superior e à pesquisa;O
desenvolvimento da cooperação ao serviço do desenvolvimento
sutentável e da solidariedade. Estas estratégias dizem respeito
principalmente à Francofonia com F maísculo, ou seja, aquela que concerne
os países francófanos. Porém, evidentemente, o sucesso de seu plano
estratégico passa também pela atuação nos países onde o francês é
ensinado como língua estrangeira.
De acordo com as estratégias apresentadas são muitos abrangentes,
deixando de ir ao encontro do desafio, que se apresenta no caso do Brasil e
dos demais países periféricos não francófanos, que é o de promover o
ensino da língua estrangeira como um instrumento ativo para a inserção
social de grupos menos favorecidos. Para Wolton (2006 c), a intervenção da
francofonia basicamente ao nível diplomático não é uma estratégia suficiente
para enfrentar os desafios da globalização.
7.4
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146
A descentralizacão do ensino do francês: um desafio para a
francofonia.
Ao longo dos últimos anos, observamos no Brasil um aumento no
número de estudantes na rede pública, uma demanda cada vez maior por
mão-de-obra especializada do qual faz parte o domínio de uma língua
estrangeira, políticas de inclusão social nas universidades através do sistema
de cotas, enfim, sinais pertinentes a uma sociedade que está em processo
de evolução e se quer constituir sobre uma base democrática (mesmo que,
reconhecemos, haja ainda muito o que fazer para atingir este ideal).
Dessa forma, é preciso que mecanismos que contribuiram para
manter a estratificação social, principalmente durante os longos períodos de
governos ditatoriais ou não, percam sua razão de existir. No que diz respeito
ao aprendizado da língua francesa, vimos que ele esteve durante muito
tempo vinculado à formação de nossas elites, e nunca observamos um
empenho por parte dos idealizadores de nossas políticas educacionais nem
da atuação dos orgãos associados à francofonia para reverter tal quadro.
Atribuir o predomínio do inglês à globalização nos parece um motivo
simplista para escamotear a inércia de nossas políticas lingüístico-
educacionais e da própria atuação das instituições francófonas responsáveis
pela promoção da língua francesa.
A pergunta veiculada na publicidade da Aliança Francesa, com uma
conotação de surpresa, não procede se considerarmos que o público visado
não parece mais ser aquele composto por intelectuais, artistas, diplomatas,
moças de boa família. Há um apelo para o indivíduo que vai atuar em um
mercado de trabalho vinculado às empresas francesas instaladas no Brasil.
A resposta que subentende-se («não, eu ainda não falo francês») pode ser
justificada com uma série de porques: porque não era ensinado na escola
em que estudei; porque o curso da Aliança Francesa mais próximo ficava há
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0220913/CA
147
kilômetros de distância do lugar que moro, porque o curso de francês era
muito caro, etc.
Portanto, entendemos por descentralização do ensino desde a
presença física de instituições de ensino de francês em regiões até então
ignoradas por este tipo de oferta de idiomas, até ações concretas para a
promoção do idioma. Afinal, a descentralização é uma das característica da
globalização; a democratização do ensino do francês pode ser uma maneira
de se traduzir esta característica de uma forma mais positiva em termos
sociais.
Um outro exemplo de uma ação política descentralizada pode ser
observado na parceria entre as prefeituras de Diadema (SP) e de Montreuil,
na França. O convênio estabelecido entre as duas prefeituras tem por
objetivo estabelecer acordos de cooperação nas áreas de cultura, saúde,
segurança, desenvolvimento econômico, esporte e meio ambiente, A Aliança
Francesa se ocupou da formação lingüística dos jovens que participam do
projeto.
Em 2003, no âmbito deste acordo, três jovens diademenses
conseguiram bolsa de estudo integral na Universidade de Sorbonne, com
alojamento, ajuda de custo, assistência médica e curso da língua francesa.
Embora o acordo entre as duas prefeituras já exista há dez anos, a
oficialização do mesmo ocorreu em 2002.
Ainda, no âmbito do acordo entre as duas prefeituras, ocorreu em
Montreuil, em 2005, um seminário sobre a promoção da língua portuguesa,
ilustrando a parceria lingüística entre as áreas lingüísticas da francofonia e
da lusofonia.
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148
8
Considerações Finais
Iniciamos este trabalho evocando a relação entre o aprendizado de
línguas estrangeiras (LE) no Brasil, em particular no Estado do Rio de
Janeiro, e a inclusão social. Este tipo de inclusão adquire uma abrangência
ainda maior se considerarmos a complexidade do atual cenário mundial,
resumido no termo globalização. Neste cenário, no Brasil, mesmo o sintagma
inclusão social já se desdobrou em inclusão digital como política pública para
promover o desenvolvimento social auto-sustentável e a promoção de
cidadania. O mesmo ainda na foi observado em relação ao ensino de LEs,
de tal forma que um programa LEs zero ou Inclusão lingüística ainda não
consta nas plataformas de governo.
Ora, Bagno (2002) nos lembra que mesmo na sociedade greco-
romana antiga, o título de cidadão que permitia exercer o poder político só
era atribuído ao indivíduo que preenchesse certos requisitos, entre eles ser
do sexo masculino e não ser escravo; o domínio da língua de prestígio
também era privilégio de poucos. Os tempos mudaram, e entre os séculos
XIX e XX o Brasil eliminou os dois primeiros critérios de classificação de
cidadão. Quanto ao critério língua, diríamos que em certos domínios ele foi
multiplicado, seja em relação ao uso da língua-padrão, seja em relação ao
domínio de línguas estrangeiras. E os quesitos de definição de cidadão ficam
ainda mais complexos com a elaboração do conceito cidadão do mundo.
Bortoni-Ricardo (1984, p.87) também ressalta a relação entre língua e
classe social:
Em sociedades mais democráticas, como a dos países
escandinavos, a língua-padrão está associada ao contexto de uso.
Qualquer cidadão apresentando-se-lhes o contexto adequado ao
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149
emprego da variedade supra-regional, faz uso dela, pois dispões
aos recursos lingüísticos necessários para implementa-la. No
Brasil, a língua padrão é determinada, só secundariamente pelo
contexto. Sua distribuição é em princípio, associada à classe
social. As classes que têm acesso à cultura de letramento, por
meio de uma escolarização eficiente, têm o apanágio das formas
prestigiosas de falar. À grande massa de dos brasileiros é
sonegada uma boa escolarização e, conseqüentemente, o acesso
aos recursos lingüísticos que permitem ao falante transitar, com
segurança, de um estilo menos monitorado ao mais monitorado, de
acordo com as exigências da situação social. Nessas
circunstâncias muitos brasileiros são silenciados porque se sentem
no uso da sua própria língua materna.
A realidade evocada por Bagno e Bortoni-Ricardo para a língua
materna também se aplica às línguas estrangeiras no Estado do Rio de
Janeiro. A formação dos municípios brasileiros é a expressão da organização
da sociedade em torno de um centro de poder. Esta organização
centralizada permanece praticamente intacta até os dias de hoje, a mudança
desta tendência tem se anunciado com o desenvolvimento econômico (não
correspondendo necessariamente a um imediato desenvolvimento social) de
outras regiões em função da globalização. Observamos que esta
centralização evidencia-se também na localização dos principais cursos de
línguas estrangeiras no Estado do Rio que não “ousaram” investir em regiões
mais periféricas. Romper com esta centralização que não favoreceu a
promoção do plurilingüismo no meio educacional é a situação inicial a ser
transformada através de uma política lingüística para o ensino de línguas.
Ressaltamos mais uma vez que o Brasil é um país multilingüe (mas
não na totalidade de seus 8.511.965. Km
2
) e pluricultural, mas com uma
pluralidade distinta de acordo com a região ocupada por seus 186.848.202
habitantes. Estamos nos referindo exclusivamente ao multilingüismo
baseado na diversidade das línguas faladas no Brasil; se considerarmos a
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150
língua portuguesa, esta nos caracteriza indubitavelmente, por sua
diversidade interna, como um país multilíngüe e pluricultural. Estas
características per si constituem razões para políticas lingüísticas
diferenciadas, ainda que não tenham um interesse geopolítico imediato.
No contexto focalizado neste estudo, o conhecimento de uma ou mais
línguas estrangeiras não é evidentemente uma panacéia para todos os
problemas relacionados à inclusão social, pois perduram ainda problemas
mais graves no âmbito educacional. Porém, o domínio de uma língua
estrangeira permite que o indivíduo elimine um dos parâmetros de
diferenciadores sociais e, portanto, que esteja mais apto a participar de um
mercado de trabalho cada vez mais exigente. Além disso, o não-
conhecimento de uma língua estrangeira, em determinados contextos, tem o
mesmo efeito excludente que o analfabetismo.
A idéia de partage e solidariedade tem sido o carro-chefe do discurso
da francofonia, Deniau (2001, p.100) reitera: “la francophonie a pour vocation
d’être une solidarité vécue entre les peuples parlant ou utilisant le français”.
Propomos aqui que este discurso se estenda, na prática, ao domínio do
ensino do francês como língua estrangeira. Em tempos em que nas
referências das relações lingüísticas afloram um campo semântico bastante
bélico (invasão, domínio, ditadura, perigo, morte, etc), a política lingüística
pleiteada pela francofonia apela, ao menos, para termos mais humanistas
que se aproxima da idéia defendida neste trabalho de uma política lingüística
de ensino de LE como um elemento de inclusão social.
As razões para que se estabeleça uma política lingüística de LE
compartilhada com a francofonia vão desde a representação favorável que
esta língua encontra na sociedade fluminense até as razões econômicas
advindas da mundialização econômica (por exemplo a instalação de
empresas francesas no estado). Este ponto de vista é defendido por Wolton
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151
(2006, p.11): “Quant aux entreprises classiques (Air France, Renault,
Total...), elles doivent prendre conscience qu’elles sont porteuses d’une
identité culturelle et la mettre plus souvent en avant qu’elles ne le font
actuellement”. A contrapartida para a francofonia seria a promoção do
francês e a conseqüente expansão desta língua com o aumento no número
de falantes.
É fato que uma política lingüística para ser posta em prática, demanda
um poder político. Assim, quanto à participação do poder público, ela
também demanda parcerias para a implementação de políticas de ensino de
LE. Estas parcerias podem se dar tanto com as instâncias privadas (e neste
ponto é preciso reverter o declínio da ação social das empresas brasileiras)
seguindo o modelo já adotado de isenção/redução de impostos em relação
às empresas, como através da parceria com outros municípios. Neste ponto,
é preciso arriscar abrir mão de preconceitos de ordem ideológica que em
nada contribuem para o desenvolvimento justo da sociedade.
Vimos que a divisão do estado em regiões de governo permite que
tenhamos uma visão menos centralizada da ação política nessas regiões, ou
seja, que as decisões tomadas para o município de Resende, por exemplo,
dizem respeito também diretamente aos municípios vizinhos, como Porto
Real e Barra Mansa.
Segundo Calvet (1999), não são os homens que existem para servir
às línguas, mas são as línguas que existem para servir aos homens. Criar
condições para que isso ocorra sobre bases igualitárias é, na nossa
percepção, uma das razões para a elaboração de políticas lingüísticas para o
ensino de línguas estrangeiras. Dessa forma, é justificável que em
determinadas áreas do Rio Grande do Sul, por exemplo, seja muito mais
significativo o ensino do italiano, em função das colônias italianas presentes
no local, do que oferecer cursos de francês; em regiões onde a presença
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alemã é mais marcante, provavelmente o ensino dessa língua tenha mais
relevância do que o ensino de uma outra língua.
A elaboração de uma política lingüística deve, evidentemente, atentar
para a realidade, em geral para mudar esta realidade. O contexto mais eficaz
para sua aplicação é o contexto educacional. No Brasil, a lei educacional
prevê a possibilidade da inclusão de uma segunda língua estrangeira em
caráter optativo, parece conveniente vincular tal oferta também aos
interesses da comunidade. Esses interesses podem ser mapeados através
da pesquisa sociolingüística.
Em outras regiões do Brasil, experiência importante na linha de
concepção da oferta de línguas estrangeiras e dos objetivos de sua
aprendizagem é aquela dos Centros de Estudos de Línguas Estrangeiras,
como os existentes nos Estados de São Paulo e Paraná. Nesses centros, os
alunos têm a oportunidade de aprender outra(s) língua(s) estrangeira(s), à
sua livre escolha entre as opções que os centros oferecem. Tais centros,
criados ao final da década de 80, em muitas ocasiões têm apresentado
resultados altamente satisfatórios.
A língua francesa se propõe, segundo as instituições ligadas à
francofonia, a agir contra o monolingüismo internacional em língua inglesa,
tendo por principio a solidariedade e o respeito à diversidade. Passar do
discurso à prática, através de ações policêntricas, é a proposta que
registramos neste estudo como uma forma de contribuir para uma formação
lingüística mais democrática no Estado do Rio de Janeiro. E a eficácia desta
ação que favorece a difusão da língua francesa como língua internacional
deve considerar a população de estudantes nas escolas públicas
1
.
1
Segundo o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira),
há no Brasil 56,5 milhões de matrículas em 2005, considerando-se todas as etapas e
modalidades da educação básica.
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153
Convém ressaltar que esta língua já faz parte da história da formação
lingüística brasileira desde o final do século XVIII, com o início da
escolarização pública brasileira. Nesta época, o francês, nos lembra Razzini
(2000), concorria com o latim como língua culta, sendo seguida de longe pelo
inglês. Mesmo depois do decreto do Marques de Pombal proibindo o uso de
outras línguas que não o português, o francês continuou sendo difundido
guardando seu status de língua estrangeira. Esta relação com a língua
francesa continuou nos séculos seguintes favorecida pela política econômica
entre os dois países. A influência cultural se fez presente desde o
financiamento da Missão Artística Francesa por D.João VI, no início do
século XIX, passando pela fundação de instituições como o Colégio Pedro II
(1837), o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838) e a Academia
Brasileira de Letras (1897), até as influências político-culturais em meados do
século XX na sociedade carioca.
Assim, como francófila assumida, considero relevante lembrar que o
se o contexto no qual a idéia de francofonia apareceu foi o contexto pós-
colonial, seus mentores intelectuais eram todos francófanos estrangeiros: o
senegalês Léopold Senghor, o tunisiano Habib Bourguiba, entre outros.
Desse modo, na perspectiva de uma francófila de um país periférico, para
que a prática da difusão da língua francesa no Brasil corresponda
exatamente à idéia que se pode ter de partilha e solidariedade, ela deve se
desvincular de sua origem, que foi estabelecida no seio de uma elite
econômica e intelectual, e se aproximar das classes menos favorecidas.
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