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Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro
José Eudes Araújo Alencar
Almada Negreiros e Oswald de Andrade
Experimentação e radicalidade no palco da periferia
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Letras do Departamento de Letras da PUC/Rio
como parte dos requisitos parciais para obtenção do
título de Doutor em Letras.
Orientador: Prof. Renato Cordeiro Gomes
Rio de Janeiro
Agosto de 2006
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0220914/CA
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Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro
José Eudes Araújo Alencar
Almada Negreiros e Oswald de Andrade
Experimentação e radicalidade no palco da periferia
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção
do grau de Doutor pelo programa de Pós-Graduação
em Letras do Departamento de Letras do Centro de
Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada
pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. Renato Cordeiro Gomes
Orientador
Departamento de Letras - PUC-Rio
Profa. Izabel Margato
Departamento de Letras - PUC-Rio
Profa. Vera Lúcia Follain de Figueiredo
Departamento de Comunicação Social - PUC-Rio
Profa. Maria Helena Vicente Werneck
Departamento de Teoria de Teatro - UNIRIO
Prof. Alexandre Graça Faria
Departamento de Letras Clássicas Vernáculas e Teoria
da Literatura - UFJF
Prof. Paulo Fernando Carneiro da Andrade
Coordenador Setorial do Centro de Teologia e
Ciências Humanas - PUC-Rio
Rio de Janeiro, 30 de agosto de 2006
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0220914/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução
total ou parcial do trabalho sem autorização da
universidade, do autor e do orientador.
José Eudes Araújo Alencar
Graduado em Direção Teatral, pela Universidade do Rio
de Janeiro, em 1979 e Comunicação Social, pela
PUC/Rio, em 1988. Concluiu o Mestrado em Educação,
pela PUC/Rio, em 2001, apresentando dissertação sobre
a implantação do FUNDEF - Fundo de Manutenção da
Educação e de Valorização do Magistério.
Ficha Catalográfica
CDD: 800
Alencar, José Eudes Araújo
Almada Negreiros e Oswald de Andrade:
experimentação e radicalidade no palco da periferia
/ José Eudes Araújo Alencar ; orientador: Renato
Cordeiro Gomes. – 2006.
117 f. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Letras)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2006.
Inclui bibliografia
1. Letras – Teses. 2. Vanguardas. 3.
Negreiros, José de Almada. 4.
Andrade, Oswald
de. 5. Dramaturgia do modernismo brasileiro. 6.
Dramaturgia do modernismo português. I. Gomes,
Renato Cordeiro. II. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Departamento de
Letras. III. Título.
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Para Barbosinha, Loretinha e Tia Clarinha
Para Mestre Vina, Vilmar, Carlos Rubens e Maria Luiza, meus irmãos,
Para José Carlos Rodrigues, grande mestre e amigo,
Para Cecela e Laurinha, razão de tudo.
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Agradecimentos
Ao prof. Renato Cordeiro Gomes, pela orientação serena e produtiva.
Às profas. Heidrun Olinto e Mônica Simas pelos ótimos cursos e pela convivência
agradável.
A profa. Dona Cleonice Berardinelli, de quem tive o privilégio de ser aluno por
duas vezes, mestra extraordinária e grande incentivadora.
Aos professores Drs. Alexandre Graça Faria, Izabel Margato, Maria Helena
Vicente Werneck e Vera Lúcia Follain de Figueiredo, participantes da banca
examinadora pelos comentários criteriosos e pela generosa acolhida.
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Resumo
Alencar, José Eudes Araújo; Renato Cordeiro Gomes. Almada Negreiros
e Oswald de Andrade: experimentação e radicalidade no palco da
periferia. Rio de Janeiro, 2005. 117 p. Tese de Doutorado-Departamento
de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Almada Negreiros e Oswald de Andrade ocupam lugares semelhantes e de
muita importância nos movimentos modernistas de 1915, em Portugal e de 1922,
no Brasil. No campo da dramaturgia – em sintonia com as experiências das
vanguardas européias do século passado – escrevem textos revolucionários, que
rompem com as tradições teatrais de seus países. Esse trabalho propõe um
diálogo entre as principais obras dramáticas dos dois artistas, no sentido de
estabelecer aproximações, paralelos, contrastes e diferenças.
Palavras-chave
Vanguardas. Almada Negreiros; Oswald de Andrade. Dramaturgia do
modernismo brasileiro. Dramaturgia do modernismo português.
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Abstract
Alencar, José Eudes Araújo; Gomes, Renato Cordeiro (Advisor). Almada
Negreiros e Oswald de Andrade: radicality on periferic stage. Rio de
Janeiro, 2005. 117 p. D. Sc. Thesis - Departamento de Letras, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Almada Negreiros and Oswald de Andrade - importants figures of the
modernists movements in Portugal, 1915, and Brazil, 1922 - write a revolutionary
dramaturgy. This study discusses similarities and differences among theirs most
important works and the eventual relationships between these plays and the
european historical vanguards of the XXth century.
Keywords
Vanguards. Almada Negreiros; Oswald de Andrade. Brazilian modernist
plays. Portuguese modernist plays.
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Sumário
1. Introdução 9
2. Texto e contexto 16
2.1. Inspirações, sintonias, colateralidades 17
2.2. Radicalidades teatrais 21
2.3.Antes de Almada e de Oswald 32
2.3.1. Panorama português 32
2.3.2. Panorama brasileiro 35
3. Futurista e tudo! 40
3.1. O poeta e seu duplo 46
3.1.1. Pierrot e Arlequim 49
3.1.2. Portugal 53
3.1.3. A “tragédia da unidade” 57
3.1.3.1. Deseja-se mulher 58
3.1.3.2. S.O.S. 65
3.1.3.3. Protagonistas 69
3.2. O Público em cena 72
3.3. O dono do palco 73
4. Agitador profissional 77
4.1. Sob as ordens da mamãe 77
4.2. A tetralogia da devoração 82
4.2.1. O homem e o cavalo 82
4.2.2. A morta 89
4.2.3. O rei da vela/Panorama do fascismo 94
4.3. A lira do delírio 102
5. Considerações Finais 107
6. Referências Bibliográficas 112
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1 INTRODUÇÃO
Decorridas cerca de nove décadas, os movimentos artísticos de vanguarda
1
iniciados em Portugal com a publicação da revista Orpheu, em 1915, e no Brasil,
com a Semana de Arte Moderna, de 1922, embora já exaustivamente esmiuçados,
continuam atraindo a atenção dos pesquisadores. Apesar disso, trabalhos que
estabeleçam aproximações, paralelos, contrastes, divergências entre os dois
Modernismos ainda são relativamente raros subsistindo um vasto campo a ser
explorado.
Saraiva, por exemplo, lamenta que ainda não existam estudos de fôlego
consagrados às possíveis relações entre o trabalho dos artistas envolvidos,
ressaltando que a carência dessas pesquisas parece tanto mais grave, quanto “é
certo que os Modernismos foram momentos culminantes das culturas dos
respectivos países no século XX”. (2004:15).
A propósito das ligações entre os vanguardistas em Portugal e no Brasil,
Jackson
2
enfatiza a existência de um vínculo especial direto: a participação do
brasileiro Ronald de Carvalho na organização da revista Orpheu. Mais tarde,
Carvalho retornaria ao Brasil para ajudar no planejamento da Semana de Arte
Moderna de São Paulo”, salienta. (1978:17)
Assegura também o pesquisador norte-americano que os modernistas
brasileiros já conheciam – bem antes da Semana - textos de Almada Negreiros e
de Mário de Sá-Carneiro. Significativa também na relação entre os dois
movimentos é a atuação de Antonio Ferro – editor de Orpheu
3
- que publica o
1
Serão considerados nessa pesquisa apenas os movimentos renovadores nos quais
Almada Negreiros e Oswald de Andrade atuaram diretamente.
2
Jackson apresentou uma tese de doutorado com o título Vanguardist prose in Oswald
de Andrade, na universidade do estado americano de Wisconsin.
3
De acordo com Saraiva, Antônio Ferro não foi verdadeiramente o “editor” de Orpheu.
Tratou-se apenas de uma “brincadeira” de Mário de Sá-Carneiro e de Fernando Pessoa,
afinal Ferro tinha apenas 19 anos e não poderia ser, legalmente, editor. “Mas, de fato,
Ferro não se importou com a sua “editoria involuntária” nem com a ilegalidade dela.
(2004: 165).
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10
manifesto “Nós” na revista brasileira Festa e cujo texto Leviana, romance de
fragmentos
4
tem edição simultânea, em Lisboa e no Rio de Janeiro, em 1921.
Aliás, o próprio Oswald, em plena forma, reconhece a importância do
intelectual português quando afirma: “é preciso chamar Antônio Ferro de gênio e
Carlos Gomes de burro. Chamamos”. (Jackson, 1978:16). O mesmo Antônio
Ferro que, na década seguinte, se tornará uma espécie de “condestável” da cultura
portuguesa oficial ocupando importantes cargos na estrutura do regime liderado
por Oliveira Salazar.
Ainda para Saraiva, são evidentes as afinidades de visão de mundo entre A
Invenção do dia claro, de Almada e O Primeiro caderno do aluno de poesia
Oswald de Andrade. Assim como as proximidades poéticas e literárias entre
Litoral (publicado pelo português em 1922) e Pau-brasil (1925). Afirma também
o ensaísta que tais proximidades têm a mesma fonte de inspiração – Blaise
Cendrars
5
, colaborador da revista Portugal Futurista, como Almada - e que se
tornara interlocutor de Oswald, em Paris.
O objetivo desse trabalho – no âmbito da linha de pesquisa Tradição e
Ruptura na Literatura, do Departamento de Letras da PUC-RJ, sob a orientação do
prof. Dr. Renato Cordeiro Gomes – é pois, estabelecer um diálogo entre os textos
teatrais de Almada Negreiros e de Oswald de Andrade. Como ponto de partida, a
constatação de que ambos, empenhados na renovação da dramaturgia em seus
países, produzem nas décadas de 1920 e 1930, obras de ruptura que percorrem,
com autonomia e liberdade criativa, os caminhos inovadores sugeridos pelas
vanguardas estéticas européias a partir do final do século XIX.
Como se espera demonstrar, para realizar seus objetivos de combate
radical ao naturalismo – e, em larga medida, também, ao simbolismo - então
hegemônicos, os dois artistas utilizam, simultaneamente, dois procedimentos: 1)
lançam mão de técnicas de decomposição narrativa; 2) garimpam elementos e
inspirações na trajetória do teatro universal – e também da literatura – a exemplo
4
Em seu livro Modernismo em Portugal e no Brasil (Unicamp, 2004) Saraiva promove
comparação entre Leviana, de Antônio Ferro e Memórias sentimentais de João
Miramar, de Oswald.
5
Blaise Cendrars, com quem Oswald priva entre 1923 e 1925, aparece no Manifesto
pau-brasil, autenticando a experiência de síntese, na literatura nacional, por parte dos
revolucionários de 22, do primitivo e do moderno, aspectos contrastantes da literatura
universal. (Nunes, 1979:29)
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11
do que faz o português com Pierrot e Arlequim, criação dos atores-bailarinos da
“commedia dell’arte” italiana e personagens de um dos seus textos mais bem
realizados. Esse último, aliás, também obsessivamente reprisado em sua obra
pictórica.
É nessa mesma direção que o teatro de Oswald de Andrade se apropria de
temas e percepções de diferentes realidades temporais e espaciais, posteriormente
rearticuladas com refinado sentido transformador. Uma das suas grandes peças, A
morta (1934), por exemplo, parodia anarquicamente a Divina comédia de Dante
Alighieri. Com efeito, o Maiakóvski
6
paulista produz, dez anos antes de Nélson
Rodrigues, os primeiros textos importantes, ao tempo em que cria um dos grandes
personagens da história da dramaturgia brasileira: o Abelardo 1º, de O rei da
vela.
Almada, por sua vez, também experimenta tudo o que pode. O resultado
é uma dramaturgia com elevado nível poético e textos curtos – em evidente
sintonia com o projeto futurista – embora, paradoxalmente verborrágicos, quase
sempre antecedidos por copiosos prólogos ou prefácios e, na maioria das vezes,
apoiados por abundantes comentários na forma de minuciosas rubricas. Tudo para
atender a uma programática pretensão de controle absoluto sobre os materiais, em
estreita consonância com seu pensamento a respeito de “quem deve mandar no
teatro”: o autor.
Até porque, como afirma o próprio:
“ Jamais seria capaz de nada em teatro senão sobre o fosse feito por mim,
não só como autor, também como ator e também como organizador do
espetáculo. Francamente, nada mais saberia de teatro que o que nele fizesse
feito por mim. (1997:1101).
Importante também salientar que o modernista português ainda atua como
cenógrafo, figurinista e coreógrafo
7
e publica vários textos teóricos sobre teatro.
6
São realmente interessantes as aproximações entre a linguagem e o estilo do dramaturgo
soviético e o trabalho de Oswald. Reconhecidamente O homem e o cavalo, por exemplo,
do paulista inspira-se em Mistério bufo, do poeta russo.
7
De acordo com Rebello, dois bailados coreógrafados por Almada, Bailado do
encantamento e A princesa dos sapatos de ferro, com música de Ruy Coelho, são
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Em um deles, O meu teatro, enfatiza o que denomina relação entre teatro e
necessidade:
(...) se aprofundarmos o vasto todo da palavra necessidade veremos que esta,
mais do que “um fazer-se” é “um ter de fazer-se”. É neste “ter de fazer-se” que
passa inteiro o articulado de arte. E por isso é necessidade de arte toda a
necessidade, leve esta a um articulado de obra dos sentidos, leve esta a outro
modo desta mesma tensão, o modo sempre finalidade sem registrar intermédios.
Ambos os modos são arte. Ambos são a necessidade de arte.. teatro não é senão
necessidade... (1997:1001)
De fato, para Almada o palco do teatro será sempre um lugar especial,
“pois é apenas em cena aberta que se pode materializar a síntese comunicativa
pela convergência das várias formas de expressão artística que se complementam
no espetáculo teatral”, como escreve no início de outro texto: Teatro, de 1924
8
.
Esse estudo está dividido em três partes, além da Introdução e das
Considerações Finais. O primeiro capítulo – Texto e Contexto apresenta no
início considerações sobre as relações e as sintonias entre os movimentos
modernistas de 1915, em Portugal e de 1922, em São Paulo, e as vanguardas
européias. É consensual para a maioria dos comentaristas que a noção francesa de
“avant-garde” - utilizada desde o final do século XIX para designar experiências
que investem contra os cânones culturais – inspira os anseios de ruptura dos
renovadores portugueses e brasileiros.
Na segunda parte, ainda que de maneira sintética, comentários sobre as
principais correntes de vanguarda do teatro europeu: o expressionismo, o
futurismo, as experiências de Pirandello, o teatro épico de Piscator e Brecht, o
cubo-futurismo, o surrealismo e as propostas de Antonin Artaud que também,
com maior ou menor ênfase, funcionam como motivação para os projetos
modernizadores de Almada e de Oswald.
Apresentados em 17 de abril de 1918, no Teatro de São Carlos. No mesmo ano, no
Teatro da trindade Almada lança outro balé, O Jardim da Pierette.. (1994:133)
8
1924 é um dos anos mais produtivos de Almada no campo do teatro. Além do texto
teórico O teatro escreve duas de suas peças mais importantes: Pierrot e Arlequim e
Portugal.
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No final, um panorama também sucinto sobre o ambiente teatral em
Portugal e no Brasil nas primeiras décadas do século XX. Com raras exceções
9
, as
peças portuguesas são melodramas de qualidade duvidosa ou comédias ligeiras
sobre aspectos da vida provinciana, bastante semelhantes aos textos brasileiros
produzidos pela chamada Geração Trianon (1915-1932).
Só a partir da segunda década do século XX é que surgem as primeiras
tentativas renovadoras como O marinheiro, de Fernando Pessoa, publicado no
primeiro número de Orpheu. Aliás, na sua Doutrina estética, o grande poeta
defende:
(...) um teatro que prescindisse da ação, do movimento e do conflito, um
teatro verdadeiramente lírico que se tornasse revelação da alma através das
palavras trocadas... momentos de almas sem janelas ou portas para a
realidade”(cf. Serôdio, 2003:122).
O marinheiro é um exemplo acabado do “drama estático”, preconizado
por Pessoa e admirado por Almada. No mesmo período, outro grande poeta
vanguardista, Mário de Sá-Carneiro, escreve quatro peças. Duas se perdem e
outras duas - em parceria com Cabreira Junior (Amizade, 1909/1910) e com
Ponce de Leão, Alma (1913), são publicadas apenas em 1982.
No Brasil, o quadro não é muito diferente. O repertório é medíocre e a
maioria dos espectadores também se satisfaz com as exibições de virtuosismo
vazio dos intérpretes carismáticos ou com o histrionismo dos comediantes do
teatro de revista. Durante todo esse período, as exceções de praxe são alguns
espetáculos – em meio a muitos outros de qualidade duvidosa - trazidos por
companhias européias que visitam o país com peças de Ibsen e Shakespeare, entre
outros clássicos.
Os dois capítulos centrais comentam as trajetórias pessoais e as peças mais
significativas dos dois dramaturgos. “Futurista e tudo!”, trabalha os textos
produzidos por Almada, entre 1924 e 1932, ainda no chamado período das
vanguardas. São eles: Pierrot e Arlequim, Portugal, a trilogia Deseja-se
mulher, S.O.S. e Protagonistas e, por fim, O público em cena, os quatro últimos
escritos na Espanha.
9
Os textos de Raul Brandão, considerado um precursor da modernidade no teatro
português.
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O foco do estudo recai sobre as peças da trilogia que sintetizam os
esforços criativos do autor português e são as mais bem realizadas de sua
literatura dramática. Os textos anteriores a 1924 – 23,2º e Antes de começar -
serão apenas brevemente abordados e os publicados em 1949 (Aquela noite e O
mito de psique) e em 1965 (Galileu, Leonardo e Eu e Aqui Cáucaso) não serão
analisados.
Como se espera demonstrar, o fundamento das preocupações de Almada é
uma visão plástica e onírica do teatro. Para ele – em linha de pensamento
rigorosamente artaudiana - “o teatro se afasta de sua “verdade” quando se
submete à hegemonia da literatura, quando a linguagem escrita sufoca a
linguagem cênica - complexo tecido de palavras e de gestos, de sons e
movimentos, de luzes e cores - através da qual o homem e o mundo se nos tornam
inteligíveis”.
Como afirma Artaud em O teatro e seu duplo:
“O domínio do teatro não é psicológico, mas plástico e físico, é preciso que
se diga isso. E não se trata de saber se a linguagem física do teatro é capaz
de chegar às mesmas resoluções psicológicas que a linguagem das palavras,
se consegue expressar sentimentos e paixões tão bem quanto as palavras,
mas de saber se não existe no domínio do pensamento e da inteligência
atitudes que as palavras são incapazes de apreender e que os gestos e tudo
aquilo que participa da linguagem no espaço conseguem captar com mais
precisão do que elas”. (1994:93)
O capítulo sobre Oswald – Agitador profissional - enfrenta os textos que
integram a aqui denominada “tetralogia da devoração”
10
, escrita entre 1933 e
1937: O homem e o cavalo, O rei da vela e A morta, além de Panorama do
fascismo. Não serão, portanto, consideradas, as peças em francês escritas em
parceria com Guilherme de Almeida
11
e publicadas antes de 1920.
Crítico impiedoso das comédias superficiais e dos melodramas sem jaça,
encenados pelas companhias nacionais ou pelas estrangeiras que visitam o Brasil,
Oswald produz uma agressiva literatura dramática na qual a militância política, o
10
Magaldi se refere a uma “trilogia da devoração” apenas. Com a publicação recente de
Panorama do Fascismo, último texto teatral conhecido de Oswald também de 1937,
completa-se a tetralogia.
11
São elas Mon Couer Balance e Leur âme.
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deboche, a paródia, o chiste, a miscelânea e a simultaneidade remetem aos
experimentos mais radicais das vanguardas européias. Tais textos estão entre os
mais importantes do teatro brasileiro em todos os tempos e expõem, com
criatividade inusitada, os contornos do atraso artístico e da lamentável crise
econômica e moral do país.
Do ponto de vista estético, o modernista paulista utiliza com grande
liberdade todo o aparato experimental das vanguardas e, até, antecipa práticas do
“teatro do absurdo”. Sua forma – caótica à primeira vista - de estruturar os textos
remete, principalmente, a recursos desenvolvidos por Bertolt Brecht. Como se
sabe, desde os anos 20, o artista alemão desenvolve sua “teoria do
distanciamento”, com objetivo de criticar e propor uma alternativa ao ilusionismo
dos espetáculos tradicionais, por ele considerados alienantes e “antiteatrais”.
Tal prática, então pouco divulgada inclusive na Europa, dificilmente terá
chegado ao conhecimento de Oswald naquele período. O que ocorre, certamente,
é uma interessante coincidência em função de identidades de propósitos. O
dramaturgo brasileiro sonha o mesmo que Brecht para o teatro, um teatro épico
com realizações memoráveis.
Na parte final do capítulo - A lira do delírio – algumas considerações a
respeito da célebre montagem de O rei da vela pelo Teatro Oficina, de São Paulo,
em 1967. Em sintonia com o projeto revolucionário de Oswald, a encenação de
José Celso Martinez Corrêa apresenta uma radiografia impressionante do Brasil
profundo. No espetáculo, a metralhadora giratória de Oswald e a criatividade
anárquica do diretor se unem na produção de uma extraordinária mistura de
elementos circenses e de teatro de revista, de ópera e de teatro engajado, de
improvisação e de refinamento gestual, de pornografia, de protesto e de festa.
Tudo isso estruturado para demonstrar as criativas possibilidades de articulação
da cultura letrada com as mais espontâneas práticas da tradição popular brasileira.
Nas Considerações Finais, uma síntese das principais convergências, bem como
das diferenças, entre as duas dramaturgias.
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2 Texto e Contexto
A idéia de vanguarda com a qual os modernistas
periféricos travam contato, principalmente na
França, abrange, na verdade, um amplo conjunto
de tentativas de rompimento com as convenções
estabelecidas, muitas delas abertamente
audaciosas, se não chocantes e obscenas.
(Jackson, 1978:14)
A noção de vanguarda repercutindo no campo estético os projetos de
ativistas radicais que, na verdade, pretendem transformar a sociedade como um
todo, está associada a toda a sorte de movimentos empenhados em libertar as artes
da hegemonia do naturalismo e do simbolismo ainda dominantes no final do
século XIX e no início do XX.
Ao trabalhar o tema, Argan afirma que o conceito só pode ser aplicado
legitimamente às manifestações artísticas de ruptura que buscaram interpretar
“com intransigente ânimo radical” as modificações tecnológicas, econômicas e
sociais ocorridas na civilização industrial em fins dos séculos XIX e no início do
XX. (1993:76)
Para Bürger - que articula um jogo dialético entre processo histórico e
produção artística - as vanguardas enquanto criadoras de uma realidade específica
se caracterizaram, entre outras coisas, por uma recusa radical em traduzir em suas
obras realidades alheias ao seu próprio universo. Para o pesquisador alemão, “o
real se encontra implicitamente incluído na arte vanguardista como opção sobre o
uso dos materiais que a história oferece e que podem ser valores, mitos,
instrumentos técnicos, etc. sempre tomados como possibilidades de forma e não
como referentes de alusões simbólicas”. (1990: 11)
Portanto, continua o professor alemão, se na obra de arte tradicional, as
partes e o todo constituem uma unidade e o sentido das partes só pode ser
revelado pelo todo - e este só pode ser entendido através das partes - na obra de
vanguarda, pelo contrário, não existe nenhum todo que se sobreponha às partes.
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17
Nem qualquer impressão geral que permita uma interpretação de sentido.
(1990:12)
Decorridos quase cem anos se pode afirmar que se, por um lado, as
iniciativas dos revolucionários não realizam plenamente seus objetivos - incluindo
a preconizada destruição das instituições artísticas - por outro, sem dúvida,
fulminam de uma vez por todas a possibilidade de uma determinada tendência se
apresentar como universal. Como salienta Bürger, “a ruptura provocada pela ação
dos modernizadores inviabiliza, em grande medida, a possibilidade de atribuição
de valores absolutos às normas estéticas, quaisquer que sejam”. (1991:78).
2.1 Inspirações, sintonias, colateralidades
Nas chamadas sociedades periféricas
12
a compreensão das realizações e
dos limites dos projetos vanguardistas assume, naturalmente, extraordinárias
complexidades. Uma das mais recorrentes diz respeito à natureza de suas relações
com os movimentos europeus. Influência, inspiração, sintonia, assimilação,
contaminação, colateralidade? Tudo?
A esse respeito vale lembrar os argumentos apresentados por Almada
Negreiros durante as comemorações do vigésimo aniversário de Orpheu - com
apenas dois números editados em março e junho do mesmo ano. Almada um dos
principais articuladores e colaboradores da revista, “o mais jovem dos animadores
da geração que, ao lado de Fernando Pessoa e de Mário de Sá-Carneiro, entre
outros, deu a Portugal, entre 1912 e 1915, uns ares de Europa”, para usar a
expressão de Gaspar Simões (1983:37).
12
Para Santos, o sistema mundial de Estados tem um Centro (os países capitalistas
avançados), uma periferia (os países do terceiro mundo) e uma zona intermediária
onde entram a maioria dos países do Leste Europeu e os países semi-periféricos,
dentre eles Portugal, Grécia e Irlanda. Dessa maneira, a sociedade portuguesa seria
uma sociedade de desenvolvimento intermediário, cujo papel estrutural no sistema
mundial é o de realizar, no contexto europeu, a intermediação entre o Centro e a
Periferia. Para os objetivos desse trabalho a observação de Santos, apesar de
importante, não é fundamental pois, do ponto de vista do teatro Portugal no início do
século XX, tal como o Brasil, era rigorosamente periférico. (2002:84)
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18
Eis suas palavras de maio de 1935:
“A 21 de março de 1915 Lisboa conhece o primeiro número da revista
literária Orpheu...A razão de Orpheu era profundamente aristocrática, não no
seu efêmero sentido de sangue, mas na sua verdadeira essência de
valores....éramos portugueses sem ser nacionalistas, nem
regionalistas..Queríamos apenas o mais difícil dos títulos portugueses: sermos
portugueses simplesmente. Outra característica de Orpheu era o europeísmo.
Dirão: como pode ser se estavam em Orpheu dois brasileiros? Dois
americanos?!...O nosso dever é destruir o preconceito europeu. Deixemos de
pensar em europeu. Pensemos em americano...O brasileiro há de encontrar
sua humanidade dentro do americanismo. O português é que não pode deixar
de ser europeu, e cada vez menos pode deixar de o ser, pela simples razão de
que a Europa é cada vez mais a Europa.... Orpheu, meus senhores, foi o
primeiro grito moderno que se deu em Portugal. Orpheu é o pioneiro do
movimento moderno em Portugal! E segue”.
Especificamente em relação a questão das sintonias e inspirações -
assunto não abordado por Almada no texto acima - D’Alge assegura que nos
meios intelectuais portugueses circulavam muitas informações sobre a atuação das
vanguardas francesas, italianas e alemãs, ao ponto de ser, perfeitamente possível,
estabelecer “uma relação direta entre o surgimento da revista Orpheu e a
publicação do primeiro manifesto futurista por Marinetti”. (1989:25)
Nuno Júdice, professor da Universidade Nova de Lisboa, por sua vez
também concorda com D’Alge e afirma que se conhece o cubismo através da
revista Ilustração Portuguesa que também reproduz quadros futuristas; mas
também se acompanha a atividade de Marinetti, cujo manifesto fora publicado, em
1909, no Diário dos Açores. ( s/data:25).
Para Fernando Pessoa, certamente a maior figura da “Geração D’Orpheu”
e da literatura portuguesa do século XX, a questão assume contornos diferentes. O
poeta, num certo sentido, parece propor a existência de uma espécie de
“antropofagia sensacionista à portuguesa”. Para ele, as influências recebidas do
cubismo e do futurismo se devem mais às sugestões do que à substância das obras
propriamente ditas.
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19
Diz o poeta:
“Intelectualizamos os seus processos. A decomposição do modelo que
realizam (fomos influenciados não só pela sua literatura – se é que tem algo
que com a literatura se pareça – mas pelos seus quadros), situamo-la nós no
que julgamos ser a esfera própria dessa decomposição – não as coisas, mas
as nossas sensações das coisas”. (1966:13).
No caso brasileiro, saliente-se que, muito antes de 1922, Mário de Andrade
se torna leitor assíduo dos poetas e teóricos estrangeiros mais relevantes do
período como Apollinaire, Cendrars, Tzara e tantos outros mencionados em A
Escrava que não é Isaura. E que Oswald de Andrade, certamente recolhe em
Paris – onde convive com Eric Satie, Cocteau, Léger e Stravinsky e publica Pau-
Brasil – as sugestões literárias e plásticas que orientam sua futura atuação criativa
vivenciando uma atmosfera cultural rica e turbulenta.
Como escreve Nunes:
“Já em 1925, Tristão de Athayde lamentava que Oswald estivesse sob a
influência do dadaísmo, condenado pelo crítico como uma das formas
negativas do espírito europeu”. (1990:40)
O mesmo Benedito Nunes enfatiza a idéia de que Mário e Oswald
direcionam todo seu trabalho no mesmo sentido das correntes revolucionárias
européias que mais se empenham na superação do naturalismo e do simbolismo. E
que essas correntes representam o “estado de espírito” universal do qual nossos
modernistas começam a se aproximar ainda antes de 1922. (1990: 41)
O próprio Oswald de Andrade, todavia, aborda o assunto de um angulo
mais complexo e introduz na discussão a palavra colateralidade:
“Trouxe para cá essa inquietação, essa vontade de renovação que grassava
intensamente na Europa e procurei atrair os intelectuais não empedernidos
nas velhas correntes estéticas para um movimento sério que nos conduzisse a
novos rumos. Devo dizer mais que embora intimamente ligado ao
pensamento francês dominante (Cocteau, Cendrars, Valéry-Larbaud, Jules
Romain), instalamos aqui uma revolução estética que se pode chamar de
colateral do movimento francês, porquanto teve seus rumos originais”.
(Quincas Borba, nº 5, São Paulo)
Por sua vez Afrânio Coutinho salienta que no início o modernismo paulista
foi designado como futurismo e futuristas os seus autores, circulando a palavra no
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país desde 1915 e que, em 1921, Oswald de Andrade, em artigo retumbante, ainda
chama Mário de Andrade de “o meu poeta futurista” Para o organizador de A
literatura no Brasil, não muito tempo depois, no entanto, a palavra passa a
despertar a oposição dos líderes do movimento, que não aceitam a confusão com
as iniciativas de Marinetti. (2005:247).
Desde sempre, Oswald diverge do ponto de vista de Coutinho contribuindo
para o que já foi denominado de “o parricídio do futurismo”. Em carta escrita com
sua verve característica e publicada no Jornal do Comércio, de em 19 de fevereiro
de 1922, imediatamente após a realização da Semana de Arte Moderna, pretende
não deixar dúvidas:
“A má fé de quatro patas exige que eu venha publicamente matar a
palavra “futurismo”. É tempo. Quem acompanhasse a campanha de
renovamento estético que venho fazendo em São Paulo há cerca de um ano
ao lado dos espíritos altíssimos de Menotti Del Picchia e Mário de
Andrade, veria que, pelo menos por uma dúzia de vezes, desmentimos o
significado estreito do termo “futurismo, a ele dando, quando o
empregávamos, ou um sentido largo e universal que abrangia toda a
revolução moderna das artes, ou o sentido “paulista”, de inovação dentro
de nossa cerradas fronteiras provincianas. Num ou noutro caso, não pode
persistir a pecha idiota que alguns gazeteiros nos querem dar de que somos
cangaceiros do sr. F.T. Marinetti. Não somos. O que podíamos ser (antes
da volta de Graça Aranha e antes da coincidência com os intelectuais e
artistas do Rio) era “futuristas de São Paulo”, personalíssimos,
independentes não só dos dogmazinhos do marinetismo como mesmo de
qualquer outro jugo mesquinho. Futuristas, apenas por quem tendiam para
um futuro construtor, em oposição à decadência melodramática do passado
de que não queríamos depender......denominar-nos, pois, ainda de futuristas
é renunciar à crítica pelo coice, à discussão pela cretinagem peluda...(...)”.
Quem discorda frontalmente de Oswald é Mendonça Teles para quem o
modernismo paulista de 1922 recebeu “influências” das vanguardas européias,
ainda que constantemente negada por seus fundadores. A esse respeito, continua
Teles, é necessário distinguir entre as mais remotas como as do futurismo e do
expressionismo e as que atuam por volta de 1921, como as do dadaísmo e do
“esprit nouveau” ou o “espírito moderno” como traduzido por Graça Aranha.
Sabe-se hoje que Mário de Andrade já possui uma coleção da revista L’Esprit
Nouveau, em 1920. Graça Aranha, outra figura de importância na Semana de Arte
Moderna vive por muitos anos na Europa e conhece bem os movimentos de
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vanguarda, tanto que chega a publicar em 1925, os principais manifestos de
Marinetti. ( 1992: 76 ).
Por outro lado, se a questão das relações de 1922 com o futurismo é
controversa, o lugar de honra das inspirações expressionistas parece garantido por
quase todos. Inclusive por Wilson Martins, que afirma sem maiores delongas que
o modernismo da Semana de 1922 é, fundamentalmente na primeira fase, e,
generalizadamente nas demais, um movimento de natureza expressionista. Para o
crítico paranaense, o conteúdo nacionalista que vinha se constituindo desde 1916,
assim como seu desejo de renovação, conduzem, estilisticamente, ao
expressionismo. ( 2002:50).
Interpretações, consensos e dissensos à parte, os movimentos de 1915, em
Portugal e de 1922 no Brasil, cada um à sua maneira - com seus êxitos, seus
fracassos, suas especificidades são, simultaneamente, cosmopolitas e
nacionalistas, revolucionários, elitistas e anárquicos. Algumas de suas lideranças
mais proeminentes são homens desenraizados, exilados, poetas, estrangeiros,
suicidas ou apátridas que, talvez por isso mesmo – pode-se especular - logram
sedimentar decisivas contribuições para a renovação das perspectivas estéticas em
suas realidades sociais.
Sintonias, colateralidades, assimilação dos movimentos europeus? Claro
que tudo junto. Ou seja: as novas idéias estavam no ar e nesse sentido, o teatro de
Almada e o de Oswald podem ser lidos como exemplares. Afinal, repercutem
inquietações criadoras sintonizadas com o espírito de seu tempo histórico e
psicológico que canaliza a atividade imaginativa para novas direções. Delas cada
um se apropria como quer ou como pode. Nada mais vanguardista.
2.2 Radicalidades teatrais
O combate radical ao naturalismo ganha força em certos círculos do teatro
europeu nas duas últimas décadas do século XIX. Na França, a pioneira e mais
retumbante manifestação desse esforço é a inesquecível estréia de Ubu Rei, de
Alfred Jarry, no Théâtre de l’Oeuvre, no início de dezembro de 1896. Jarry,
seguindo a tradição dos poetas malditos franceses – de Baudelaire a Paul Verlaine,
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deambula insone pelos cafés da Rive Gauche, rejeita categoricamente as sutilezas
das “atmosferas” e dos “estados de espírito” então absolutos no teatro e morre
muito jovem viciado em absinto. Seu objetivo principal: apresentar ao “público
burguês” uma imagem monstruosamente exagerada de sua própria mediocridade,
uma caricatura cruel de suas vidas estupidamente competitivas e, a seu juízo,
desprovidas de sentido. (Fletcher e MacFarlane, 1999:481)
Ubu Rei – evidente paródia de Ricardo III, de Shakespeare - é um
monstrengo decidido a se transformar em rei da Polônia e que, para alcançar tal
objetivo, se entrega ao assassinato e a fraude em grande escala. O poeta Yeats,
presente à primeira apresentação da peça, fica profundamente chocado, e não só
pela fala de abertura, “Merdre que desencadeia instantaneamente uma chuva de
protestos.
Os atores, anota Yeats, pretendem ser bonecos(
13
), brinquedos, marionetes,
e ficam pulando como rãs duras, sendo que a personagem principal, que é uma
espécie de rei, carrega como cetro uma dessas escovas usadas para limpeza de
banheiros. ( Fletcher e MacFarlane, op.cit.: 482)
A reação do público é tão violenta e hostil que a experiência de Jarry
permanece como um caso isolado no teatro francês do final do século XIX. Seu
sucessor direto é Guillaume Apollinaire com o “drama surrealista” As mamas de
Tirésias, que entra em cena duas décadas depois, em junho de 1917. Apollinaire,
aliás, cunha a palavra surrealista exatamente para essa peça:
[...] o adjetivo surrealista não quer dizer simbólico [...] mas antes define uma
tendência da arte que, se não é mais nova do que qualquer outra... pelo
menos nunca foi utilizada para formar um credo artístico ou literário. O
idealismo dos dramaturgos que se seguiram a Victor Hugo buscava a
semelhança com a natureza, numa cor local convencional que corresponde
ao naturalismo trompe-l’oeil da comedia de salão. [...] Para tentar, se não
uma renovação do teatro, pelo menos um esforço pessoal, julguei que se
deveria voltar à própria natureza, mas sem imitá-la como um fotógrafo.
Quando o homem quis imitar a ação de andar, ele inventou a roda, que não
se parece com uma perna. Assumiu, usou o Surrealismo sem o saber. [...]
(apud Fletcher e MacFarlane, 1999: 482-483)
Como se observa, para Apollinaire, a criação surrealista representa uma
“verdade” em relação à natureza, muito mais contundente que sua mera
13
Interessante registrar que as personagens de um dos primeiros textos de Almada, Antes de
começar (1919), são exatamente um Boneco e uma Boneca.
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reprodução por mais “fidedigna” que seja. As mamas de Tirésias é uma peça
fantástica na qual a personagem principal, Thérèse, muda de sexo e se transforma
em Tirésias, com um enorme peito que flutua como balão de brinquedo. Tudo
para realizar uma obsessão de Apollinaire no sentido de que a devastação da
primeira guerra mundial deve ser compensada por um árduo empenho em
repovoar a França. Para isso, Tirésias gera nada menos que 40 049 filhos.
No contexto dessa movimentação liderada por Jarry e Apollinaire é que
atuam a maior parte das correntes vanguardistas do teatro europeu: o
expressionismo, o teatro épico de Piscator e Brecht, o futurismo, as experiências
de Pirandello, o cubo-futurismo, o dadaísmo e o próprio surrealismo, que, com
maior ou menor ênfase - como se pretende demonstrar nesse trabalho - funcionam
como motivação para os projetos revolucionários de Almada Negreiros e de
Oswald de Andrade.
A pioneira das vanguardas históricas, o expressionismo – sem dúvida
também a mais bem sucedida no campo do teatro - preconiza uma rejeição
absoluta tanto do naturalismo, com sua fidelidade à realidade superficial, quanto
de um certo simbolismo
14
, com sua contemplação passiva da beleza e suas
antevisões de paraísos etéreos. Isso no contexto de uma repulsa vigorosa a tudo o
que possa ser identificado com o passado e aos valores mais caros da civilização
ocidental.
Para Bornheim, o movimento desfralda duas bandeiras fundamentais:
“A reação contra o passado é a primeira....Através da história ocidental os
movimentos culturais se sucedem, e tal sucessão obedece invariavelmente
a uma regra básica: cada movimento reage contra o movimento
imediatamente anterior, procurando superá-lo sem abandonar a imanência
da evolução história. Também o expressionismo deve ser considerado um
movimento de reação, mas neste caso ela se apresenta com uma
característica nova e importantíssima, de conseqüências radicais. Porque o
expressionismo não reage apenas contra este ou aquele movimento, contra
o naturalismo, o neoclassicismo e o neo-realismo. O elemento novo da
experiência expressionista é que ela reage, sem mais, contra todo o
passado; é o primeiro movimento cultural que deve ser compreendido,
antes de mais nada, por uma rebelião contra a totalidade dos padrões, dos
valores do Ocidente....O segundo aspecto é o sentido impessoal da
subjetividade absoluta .....pois o expressionismo é o grito de uma solidão
radical, o grito de um homem identificado ao grito....grita-se porque só
resta o grito....o grito que é o grito de ninguém, mas por isso mesmo grito
de todos(...)”. (1975:64)
14
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24
Na expressão de Szondi, o expressionismo é a primeira grande corrente
dramática do século XX e, “até hoje, a única na qual uma geração inteira se
reconheceu”. (2001:103). Nesse sentido, vale a pena transcrever trecho de um dos
teóricos mais importantes do movimento, K. Edschmid. Trata-se de uma espécie
de síntese dos propósitos do grupo:
“Cada homem deixa de ser o indivíduo ligado ao dever, à moral, à sociedade,
à família. Ele não se torna nessa arte senão o que há de mais elevado e
lamentável: ele se torna homem. Eis o novo e inaudito em relação às épocas
anteriores. Enfim não se pensa mais aqui nas idéias burguesas a respeito do
mundo, Não há mais aqui nenhuma relação que vele a imagem do humano.
Nenhuma história conjugal, nenhuma tragédia que resulte do choque entre as
convenções e a carência de liberdade, nenhuma peça sobre o meio, nenhum
chefe severo, oficiais prazenteiros, nenhuma marionete que, pendurada pelos
fios das visões de mundo psicológicas, jogue, ria e sofra com leis, pontos de
vista, erros e vícios dessa existência social construída e feita pelos homens. O
homem é visto pelo expressionismo, conscientemente, como “abstractum”. E,
com a renúncia altiva às relações intersubjetivas, que devem velar “a imagem
do humano”, sucede a recusa da forma dramática, que para o dramaturgo
moderno se nega a si mesma porque aquelas relações se tornaram frágeis.
(apud Szondi, 2001:104)
No terreno especifico do teatro, os maiores feitos da corrente estão
certamente vinculados ao trabalho de grandes teóricos e encenadores como Erwin
Piscator e Bertolt Brecht, cujo impacto ainda é significativo nos dias atuais. Claro
que as primeiras influências sobre os dois artistas alemães, certamente tão
importantes quanto o expressionismo, vêm de Franz Wedekind e seu predecessor
Geörg Büchner; do cabaré alemão; do espetáculo popular de Karl Valentin - cujo
humor corrosivo e “non-sense” antecipa, muitas vezes, o “teatro do absurdo” e do
teatro de variedades tão enaltecido. Em Piscator e Brecht, no entanto, esse
conjunto de tendências, que havia gerado experiências teatrais interessantes, mas
insuficientes, finalmente encontra uma síntese de qualidade magistral: o teatro
épico.
Como ensina Rosenfeld, só em 1926 Brecht começa a usar a expressão
“teatro épico” - depois de abandonar o termo “drama épico” - a partir da
constatação de que o cunho narrativo de sua obra somente se realiza plenamente
no palco:
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(...) do ponto de vista do espetáculo, resumidamente, o teatro épico parte
de uma “interpretação narrativa” (e não de uma “atuação”) que tem como
objetivo tornar o espectador um ser social ativo e capaz de “atos de
conhecimento”, de se posicionar e de tomar decisões diante dos
acontecimentos da vida e da história. O objetivo principal do teatro épico
é, pois, a “dismitificação”, a revelação de os problemas do homem não
eternos e sim históricos, podendo por isso ser superados”. (1965:146)
Ainda para Rosenfeld, o trabalho de Bertolt Brecht como autor pode ser
dividido em três períodos, que muitas vezes se sobrepõem: um primeiro momento
pré-marxista e anárquico (aproximadamente 1918-28); o período das peças
didáticas de propaganda comunista e anti-nazista (1928-38), e a fase madura das
grandes parábolas teatrais (1938-48). Nos últimos oito anos de vida, Brecht
concentra-se mais na direção do grupo Berliner Ensemble do que na criação de
dramaturgia.
Os principais textos do primeiro período Baal , Tambores da noite e Na
selva das cidades incorporam, sem dúvida, muitas das características da estética
expressionista, principalmente em relação à exuberância da linguagem mas, ao
mesmo tempo, também refletem algumas propostas futuristas – a inspiração no
espírito das competições esportivas e uma recusa a qualquer resquício de
psicologismo – e antecipam ao insistir nas ações aparentemente imotivadas - sem
uma seqüência de fatos logicamente articulados - muitas das práticas do
Surrealismo e do Absurdo.
As melhores peças do chamado período didático – como Aquele que diz
sim, aquele que diz não e A exceção e a regra – correspondem a uma espécie de
transição, embora continuem refletindo, basicamente, algumas das lições
aprendidas com os expressionistas como, por exemplo, a utilização da técnica de
apresentar uma ação altamente esquematizada, com tipos anônimos em lugar de
personagens plenamente desenvolvidos.
Em sua fase madura (1938/1948), nos anos de exílio na Escandinávia e
depois nos Estados Unidos, Brecht realiza uma síntese brilhante entre a
exuberância anárquica de seu estilo inicial e a austeridade engajada do período
didático. As grandes peças em parábola, Mãe coragem, A vida de Galileu, A
alma boa de Setsuan, O círculo de giz caucasiano, têm uma dimensão humana
suficiente para elevá-las acima do esquematismo do teatro expressionista, e, ao
mesmo tempo, articulam muito mais do que simples relatos anedóticos das vidas
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de determinadas pessoas: são parábolas sofisticadas que discutem, dialeticamente,
os problemas fundamentais do homem moderno, de sua inserção na sociedade
capitalista, bem como a necessidade da revolução social.
Além das sintonias com o expressionismo o teatro épico de Brecht acolhe
também algumas das propostas dos futuristas – a inspiração no espírito das
competições esportivas e uma recusa de qualquer resquício de psicologismo, por
exemplo – e antecipa, ao insistir nas ações aparentemente imotivadas, sem uma
seqüência de fatos logicamente articulados, muitas das práticas do surrealismo e
do “teatro do absurdo”.
Fundador do movimento futurista, o italiano Filippo Tommaso Marinetti
(1876-1944), vive seus anos de formação em Paris e escreve parte de suas peças
em francês. Em setembro de 1913, lança em Milão seu primeiro manifesto
futurista sobre teatro que começa com uma provocação:
“Temos uma profunda aversão pelo teatro contemporâneo (versos, prosa e
música) porque oscila estupidamente entre a reconstrução histórica e a
reprodução fotográfica da nossa vida cotidiana; teatro minucioso, lento,
analítico e diluído, digno no máximo da época da lâmpada a querosene.
Na continuação, o documento que o futurismo exalta o Teatro de
Variedades porque:
1. (....) como nós nascido da e eletricidade, felizmente não tem tradição
alguma, nem mestres nem dogmas, e se alimenta com a atualidade veloz.
2. (...) é absolutamente prático, porque se propõe a distrair e divertir o público
com efeitos de comicidade, excitação erótica e estupor imaginativo.
Seguem-se quase duas dezenas de razões pelas quais o teatro de variedades
é o modelo da dramaturgia futurista: dentre elas, a utilização de recursos do
cinema - na época ainda muito recente, com sua concisão e sua inventividade - a
velocidade, o desprezo por antiquadas cenas de um amor romântico, a repulsa por
tudo o que seja solene, sagrado, sério e sublime, a insistência na ousadia e na
forma física.
Dois anos depois, em 1915, surge um segundo manifesto, assinado por
Marinetti e outros artistas italianos no qual defendem o que denominam um teatro
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futurista sintético. Segundo o documento é estúpido escrever cem páginas quando
basta uma. São igualmente atacadas a lógica e a verossimilhança. Pelo contrário, o
que se requer é uma moderna concepção de arte segundo a qual nenhuma lógica,
nenhuma tradição, nenhuma estética, nenhuma técnica pode se impor à
genialidade do artista, que deve se preocupar apenas em criar expressões sintéticas
que tenham valor absoluto de liberdade.
Apesar desse conjunto de boas idéias, os futuristas italianos não produzem
textos de valor duradouro, até porque, de acordo com seus princípios
programáticos, suas melhores obras consistam em quadros ultra-curtos e sintéticos
que, muitas vezes, não passam de algumas linhas, ou, no máximo, de uma ou duas
páginas. Marinetti, pessoalmente, ainda cria obras de certa importância como
Simultaneidade (1915), onde apresenta, num palco dividido, dois mundos – o das
classes altas e o das classes subalternas. No final do texto, a classe alta invade o
outro mundo, derrota os opositores e se apropria dos seus bens. E também
Bonecas elétricas (1919), quando utiliza, em estreita consonância com sua crença
inabalável nas virtudes da tecnologia, bonecas mecânicas para expressar a vida
interior de personagens que também aparecem divididas em duas.
Fascinado por dualidades: aparência/realidade; objeto/imagem;
rosto/máscara, o também italiano Luigi Pirandello realiza, com vigorosa
integridade artística, um teatro cujo sentido final é anunciado por um paradoxo:
um homem só é verdadeiro quando usa uma máscara, pois só assim será livre
para não fingir. Num sentido muito real, o rosto nu é a máscara, e, inversamente ,
apenas o uso da máscara permite uma autêntica revelação da alma. Aquilo que é
reconhecível e plausivelmente real – a essência do naturalismo – torna-se, neste
novo nível, o irremediavelmente falso; mas, ao mesmo tempo, essa “nova”
realidade ainda é apenas ilusoriamente real, apenas, ainda, uma meta-ilusão.
Como ensina Esslin:
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“Em Seis personagens à procura de um autor (1921) – como em muitas
outras experiências pirandelianas a respeito da realidade e da ilusão,
principalmente em Assim é, se lhe parece (1922) e Henrique IV (1922) – o
que há, na verdade, é a proposição de novos referenciais. Qualquer tipo de
simulação – e suas peças examinam inúmeras manifestações: o arremedo, a
ilusão, o disfarce, a mascarada, as “momices” – é sempre uma “realidade
simulada” e “uma simulação real”, dependendo do ponto de vista do
observador. Em essência, é entre esses dois pólos – a natureza subjacente da
aparência e a verdade da mentira – que oscilam as peças do genial italiano.
(1999: 435/435)
Há momentos em que se vê Pirandello, como em Seis personagens,
removendo sucessivamente duas “quartas paredes”. a primeira é a parede do
proscênio; a outra é a que separa a vida fictícia do teatro da vida cotidiana fora de
cena. O público assiste não só a um espetáculo (no sentido aristotélico), mas ao
espetáculo de um espetáculo; a ação se estende e uma nova dimensão adicional é
introduzida para realizar não tanto uma peça dentro de uma peça, mas uma peça
para além de uma peça.
Em Pirandello, a “verdade” simplesmente não existe, todas as versões são
conflitantes e, em si, “verdadeiras”. Seu teatro caminha sobre uma faixa
fronteiriça muito tortuosa entre a aparência e a realidade, a sanidade e a
insanidade, o sincero e o fingido. De fato, para ele tudo está em movimento, tudo
é relativo. As palavras são coisas muito pouco confiáveis. O pai, em Seis
personagens, observa que qualquer idéia que possamos alimentar sobre a
possibilidade de um sentido comum nas palavras é pura ilusão: “Pensamos que
nos entendemos, mas nunca entendemos realmente”, afirma. A comunicação entre
as pessoas é, em qualquer sentido real, impossível, e nessa intuição melancólica os
indivíduos finalmente percebem seu isolamento em relação a essência das coisas
com uma clareza ainda maior.
A influência do grande dramaturgo italiano sobre o teatro contemporâneo é
extraordinária. Alguns comentaristas como o citado Esslin, o saudam como o
autor mais original da nossa época,
o “Einstein da dramaturgia”, responsável por
uma revolução completa na atitude do espectador em relação ao palco. Para ele, a
obra pirandelliana se articula no cruzamento de duas tradições dramáticas
distintas, completando o processo de interiorização romântica iniciado por Ibsen e
Strindberg e prefigurando alguns dos avanços mais significativos na dramaturgia
européia mais recente.
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Salienta ainda o crítico americano que o dramaturgo italiano, com sua
angustia em relação à natureza da existência humana, antecipa Sartre e Camus;
com sua percepção da desintegração da personalidade, Beckett; com seu ataque às
idéias estabelecidas, Ionesco; com sua exploração dos conflitos entre realidade e
aparência, O’Neill; com suas pesquisas a respeito das relações entre eu e persona,
ator e personagem, rosto e máscara, a obra de Anouilh, Giraudoux e Genet.
(1997:35)
Muito curiosamente, o primeiro impacto mais imediato do Futurismo se
faz sentir na Rússia, onde, em outubro de 1913, um grupo de artistas, entre eles
Vladimir Maiakóvski, logo em seguida, o principal poeta da revolução soviética,
organiza espetáculos futuristas. De maneira bastante significativa, os
vanguardistas russos, embora sob o impacto direto dos manifestos de Marinetti, se
auto-denominam Cubo-futuristas, sem dúvida uma indicação de quanto o
Cubismo e o Futurismo lhes parecem próximos.
A primeira realização teatral do grupo é a encenação de Vladimir
Maiakóvski, do próprio poeta, em São Petersburgo, no início de dezembro de
1913. O título da peça é inicialmente A estrada de Ferro, a seguir A revolta dos
objetos, e depois Tragédia. Submetida à censura é aprovada, mas, quando o
censor concede a permissão para a encenação se confunde e autoriza um texto
chamado Vladímir Maiakóvski. Para fugir de tediosos trâmites burocráticos o
autor decide manter o novo nome.
Ironicamente, o título atribuído pelo censor é bastante apropriado, pois a
peça revela o próprio poeta acompanhado por personagens estranhas em algum
lugar de uma cidade moderna. Com referências a Édipo rei, de Sófocles, o texto
termina com Maiakóvski assumindo a culpa pelos problemas da cidade. As
personagens – como em muitas obras expressionistas – funcionam como uma
espécie de voz do autor.
Suas peças posteriores, Mistério bufo (1918)(
15
), O percevejo (1928-
29)(
16
)e O balneário (1929-30), são explicitamente grotescas e satíricas e
configuram alguns dos exemplos mais bem sucedidos de uma dramaturgia de
corte futurista também bastante próxima do Expressionismo alemão. Tampouco se
15
Para a maioria dos comentaristas, Mistério-bufo funciona como uma espécie de
modelo para a peça O homem e o cavalo, de Oswald de Andrade.
16
Já realizada no Brasil nos anos 80 com extraordinária direção de Luiz Antônio Martinez Corrêa.
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30
deve esquecer que, boa parte das inspirações para os movimentos vanguardistas
da Europa ocidental, é proveniente da Europa do leste. Da Romênia, por exemplo,
onde entre os fundadores da revista O Símbolo, que começa a ser publicada no
emblemático ano de 1912, estão Tristan Tzara e Marcel Janco, dois dos futuros
líderes do Dadaísmo.
Também da Polônia, onde a reação contra o naturalismo começa com a
obra do pintor e dramaturgo Stanislaw Witkiewicz, conhecido como Witkacy.
Homem de muitos talentos - que serve na Guarda Imperial russa e acompanha o
antropólogo Malinówski, seu grande amigo, em expedições ao sul do Pacífico -
Witkacy antecipa em seu trabalho elementos da pintura psicodélica da década de
1960, faz experiências com drogas e escreve peças grotescamente oníricas, que
também muito se aproximam da linguagem do “Teatro do Absurdo”.
O início da primeira guerra mundial funciona como acontecimento
aglutinador para muitas dessas tendências estéticas revolucionárias, reunindo, no
asilo neutro da Suíça, pintores e escritores de diversas regiões da Europa. É em
Zurique que a vanguarda teatral dadaísta se estabelece, em fevereiro de 1916, com
a formação do “Cabaret Voltaire” na parte velha da cidade, bem em frente à casa
onde reside outro importante exilado – Wladimir Lênin.
Lá, os romenos Tzara e Janco encenam textos como A esfinge e O homem
de palha, de Oskar Kokoschka – elo de ligação entre o movimento expressionista
inicial e o Dadaísmo. No mesmo período , o primeiro e único número do
periódico do grupo, também chamadoCabaret Voltaire”, recebe contribuições de
Apollinaire, Picasso, Kandínski, Marinetti e Modigliani. Como se sabe, os
objetivos dos dadaístas são relativamente “modestos”: a destruição, pura e
simples, do conceito burguês da arte como algo solene e sagrado.
No teatro, a ênfase do dadaísmo recaí sobre o performático, o grotesco, o
chocante. Nesse contexto, o idealismo – para eles sonhador e limitado dos
expressionistas alemães – lhes parece tão ultrapassado quanto o tradicionalismo
da Comédie-Française. Entre 1920 e 1921, o movimento promove uma série
manifestações teatrais (que não podem ser exatamente chamadas de peças) em
Paris, quando apresentam textos de Tzara, Aragon, André Breton e outros, no
mesmo Théâtre de l’Oeuvre que, um quarto de século antes, presenciara a
polêmica estréia de Ubu rei.
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Do ponto de vista específico da dramaturgia o dadaísmo não deixa – até
porque não tem essa pretensão – uma contribuição significativa para a história do
teatro. O mesmo ocorre com o Surrealismo, dele derivado, exceção feita a
algumas peças como Victor ou as crianças no poder, de Roger Vitrac (
17
), que
continua a ser representada até hoje, inclusive no Brasil.
Em compensação, um artista extraordinário, muito próximo do
Surrealismo (e também do Expressionismo), Antonin Artaud, se afirma no final
da década de 1920 como grande teórico de um instigante conceito de espetáculo.
Seu projeto de um “Teatro da Crueldade” permanece como uma das mais
significativas referências para o teatro contemporâneo, repercutindo no trabalho
de importantes encenadores como Bob Wilson, Julian Beck, Jerzy Grotowski ,
José Celso Martinez Correia, Amir Haddad, Rubens Correia e Peter Brook.
Logo no início do primeiro manifesto da “Crueldade” o artista francês
denuncia uma total prostituição do teatro e diz que – para salvá-lo - é preciso
recuperar uma ligação estreita, mágica e atroz com a realidade e com o perigo. Em
seguida, afirma que, na medida em que as peças se limitam a expor um
psicologismo banal que aposta na passividade de um público transformado em
“voyeur”, é fácil entender porque os espectadores mais exigentes se afastam e
porque a massa procura no cinema, nos shows de variedades, na revista ou no
circo, “ satisfações que não os decepcionam.” (1984:108)
O teatro está moribundo e deve ser ressuscitado, grita o autor de Van
Gogh, o suicidado da sociedade. É preciso realizar espetáculos viscerais cuja
ressonância seja realmente profunda, que esteja muito além dos modismos e da
instabilidade dos tempos. “Urge devolver ao teatro tudo o que existe no amor, no
crime, na loucura ou na guerra, para que ele reencontre sua importância perdida”,
conclama. O teatro deve ser sempre um acontecimento relevante, que funcione,
enfim, como uma ação terapêutica inesquecível. “Tudo que atua é uma crueldade.
É a partir desta idéia levada às últimas conseqüências que o teatro deve ser
renovado”, afirma em texto de maio de 1933.
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A peça de Vitrac foi montada com grande êxito em São Paulo, no final da década de
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Na mesma ocasião, continua Artaud:
“Penetrado pela idéia de que a massa pensa primeiro com os sentidos, e que
é absurdo, como no teatro psicológico, dirigir-se inicialmente ao
entendimento das pessoas, o Teatro da Crueldade se propõe a recorrer ao
espetáculo de massa; se propõe a procurar nas massas agitadas - lançadas
uma contra as outras e convulsionadas - um pouco da poesia que se encontra
nas festas e nas multidões naqueles dias, cada vez mais raros, em que o povo
sai as ruas”.(1984:109).
Em síntese, o grande artista francês imagina recuperar o teatro como um
espetáculo total - que une inteligência e beleza plástica - e que saberá retomar ao
cinema, ao show de variedades, ao circo e à própria vida aquilo que sempre lhe
pertenceu. Afinal, não se separa o corpo do espírito, nem os sentidos da
inteligência. “A partir deste princípio, imaginamos um teatro onde os meios de
ação direta sejam utilizados em sua totalidade; portanto, um acontecimento que
não tema ir tão longe quanto necessário na exploração da sensibilidade, com
ritmos, sons, palavras, ressonâncias e tessituras...É nesse espetáculo de tentação
onde a vida tem tudo a perder, e o espírito tudo a ganhar, que o teatro deve
reencontrar seu verdadeiro significado, conclui Artaud.
2.3 Antes de Almada e Oswald
2.3.1 Panorama em Portugal
Na virada do século XIX para o século XX, dez teatros funcionam
regularmente em Lisboa, não contando as salas periféricas, seis na cidade do Porto
e cerca de uma centena país afora - para uma população de cerca de cinco milhões
de habitantes – indicativo de um elevado grau de interesse do público.
Acrescentem-se a esses dados a significativa diversidade de gêneros; a existência
de um bom número de atores dramáticos e cômicos de grande prestígio (os irmãos
Augusto e João Rosa, Eduardo Brazão, Taborda, Ferreira da Silva, Chaby
1970, com direção de Paulo Betti.
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Pinheiro, Rosa Damasceno, Virginia, Ângela Pinto, Lucinda Simões, Adelina
Abranches, por exemplo) e a assiduidade com que grandes companhias, em
particular francesas e italiana e, eventualmente espanholas, circulam pelo país.
Sarah Bernhardt, Eleonora Duse, André Antoine, Maria Guerreiro, Antônio Vico,
entre outros, atuam em Portugal no período.
Mesmo assim - como quase sempre, em todos os tempos, desde Téspis –
os artistas reclamam da grave crise no meio teatral. É esse, aliás, o tema de uma
conferência proferida por um dramaturgo de renome, Henrique Lopes de
Mendonça, em janeiro de 1901, atribuindo os problemas existentes:
“(...) ao mercantilismo dos empresários, às más condições de trabalho dos
atores, à preferência por obras de autores estrangeiros, à escasssez e ao
despreparo dos “ensaiadores”, à decadência da crítica teatral, ora demasiado
severa, ora indulgente ao extremo, à deficiência da educação estética do
público”. (Rebello, 2000: 171)
Do ponto de vista estético, o Naturalismo e, em menor escala, o
Simbolismo, dominam incontestes inclusive nas comédias, muito mais bem
sucedidas que os dramas, como é o caso de O comissário de polícia, de Gervásio
Lobato; A bisbilhoteira, de Eduardo Schwalbch; As nossas amantes, de
Augusto de Castro; A vizinha do lado e A maluquinha de Arroios, de André
Brun e O conde-barão, de Ernesto Rodrigues, João Bastos e Felix Bermudes.
Na grande maioria das vezes as peças pretendem apresentar um retrato ou
uma caricatura da burguesia lisboeta e provinciana resvalando, em alguns casos,
para a farsa rasgada com situações engenhosas, mas inverossímeis, jogando com
personagens burlescos, em tudo semelhante aos textos dos autores brasileiros da
chamada Geração Trianon (1915-1932). Saliente-se no período, a extensa
produção de Ramada Curto, advogado de renome que, durante cerca de meio
século, tem vários de seus textos encenados por companhias profissionais
portuguesas e um dos alvos da poderosa artilharia de Almada Negreiros no
Manifesto anti-Dantas.
Outro nome de destaque nesse período anterior ao modernismo no teatro
português é o do pioneiro Raul Brandão(1867-1930).
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(...) Brandão “é uma voz solitária e enigmática no contexto histórico e
estético do teatro em Portugal”. Na sua obra teatral convivem um
Simbolismo “ainda que tangencial, com um rigor informativo e analítico
novos em relação a realidade social e econômica do país, ao lado de
intervenções que beiram o surrealismo. “Estes sinais aparecem logo no seu
primeiro texto Noite de natal (1899), bem como em O triunfo, de 1902”
(Cruz, 2002:210)
Nos dezesseis anos decorridos entre a proclamação da República (1910) e
o golpe militar que instaura a ditadura (1926), dramas psicológicos e sociais,
peças históricas e regionais, comédias e farsas de situações, continuam dominando
os repertórios dos teatros interpretados por elencos em que veteranos ilustres
como Brazão, Ferreira da Silva, Chaby, Lucinda Simões, Palmira Bastos Adelina
Abranches e Ângela Pinto contracenam com uma nova geração de atores: Alves
da Cunha, Samwell Dinis, Amélia Rey-Colaço, Ilda Stichini, Brunilde Júdice,
Maria Matos, Estevão Amarante e Nascimento Fernandes.
Nesse período têm início as primeiras tentativas modernizadoras. Almada
Negreiros escreve suas quatro primeiras peças ( em 1912, 23, 2º andar; em 1919,
Antes de começar e, em 1924, Pierrot e Arlequim e Portugal e outros dois
integrantes da geração D’ Orpheu, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro
também fazem incursões pelo texto dramático. O mais conhecido desses textos é
O marinheiro de Fernando Pessoa, escrito em 1913, e publicado no primeiro
número de Orpheu. Pessoa, aliás, em sua Doutrina Estética, manifesta-se a favor
de:
(...) um teatro que prescindisse da ação, do movimento e do conflito, um
teatro verdadeiramente lírico que se tornasse revelação da alma através das
palavras trocadas... momentos de almas sem janelas ou portas para a
realidade”( 2003:122).
O marinheiro é um exemplo acabado do “drama estático” preconizado
pelo poeta. Num ambiente irreal, de um castelo sobre o mar, três moças velam,
sentadas, o corpo de uma outra, não ousando o mais tímido gesto e lançando-se
em monólogos que cada vez mais se confundem entre si, como se fossem
modalizações de uma única voz. Trabalhando com tempos narrativos sobrepostos
e simultâneos, idealizando espaços e criando um marinheiro/prisioneiro numa ilha
- que é o referente maior do universo onírico inventado - o texto de Pessoa -
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apesar das pretensões revolucionárias - ainda está bastante próximo da estética
simbolista.
Mário de Sá-Carneiro, por sua vez, escreve quatro peças. Duas se perdem
e outras duas são produto de parceria com Tomás Cabreira Junior (Amizade,
1909/1910) e com Antônio Ponce de Leão, Alma (1913), publicada apenas em
1982.
Como observa Serôdio:
“Em Alma, Sá-Carneiro desenvolve de forma inesperada a motivação de um
triângulo amoroso. Jorge, o protagonista, poeta e dramaturgo considera que
no casamento é mais grave o pecado da alma do que o amor adúltero
realizado sem uma verdadeira entrega espiritual. Define-se, deste modo, não
apenas uma recusa da idéia convencional do casamento e do adultério, mas
também a consciência de que o homem não se limita ao corpo e à vida
social, antes integra uma dimensão espiritual bem importante. Com um
dialogo fluente eu uma resolução dramatúgica eficiente, apresenta um
desenlace inesperado mas feliz, dando conta, no seu conjunto de uma idéia
de teatro que, de resto, Sá-Carneiro desenvolveu num artigo sobre O Teatro-
arte, publicado em O Rebate, em 1913”. (2004: 122)
2.3.2 Panorama no Brasil
Em 1890, ano de nascimento de Oswald de Andrade, o jornal O Estado de
São Paulo noticia a chegada do ator Moreira de Vasconcelos com o objetivo de
organizar na capital paulista uma companhia dramática permanente:
.
“Ele esbarrou na dificuldade de arranjar uma sala.... O São José exigia gastos
imensos e o Congresso estava à venda.... O nosso desejo é que o distinto
artista consiga os seus fins. Que diabo! São Paulo sustentou há quinze ou
vinte anos uma companhia permanente. Por que não poderá sustentar agora,
que a população está quase duplicada?”
Decorridos cinco anos, em 25 de março de 1895, o mesmo jornal publica
um diagnóstico interessante e ácido sobre a situação do teatro no Brasil naquele
momento. Com o título “As ruínas do teatro nacional” o artigo acaba por
reconhecer, ainda que maneira indireta e crítica, a hegemonia do teatro do Rio de
Janeiro em relação ao panorama paulista e nacional. Diz o texto:
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“O que é preciso para o bem do nosso teatro é que a imprensa fluminense
ataque ousadamente o que as companhias fizeram de mau, as peças estúpidas
que montaram, elogiando e sustentando com o prestígio tudo o que for
literária e artisticamente bom. Para isso basta que aceite os bons exemplos da
imprensa de São Paulo onde, para honra nossa, as porcarias são em geral
censuradas com vigor e franqueza, como ficou provado em Abacaxi e ainda
Vovó (encenações da Grande Companhia de Ópera Cômica, Revistas e
Mágicas do Teatro Apolo do Rio, na temporada anterior). Infelizmente a
imprensa de São Paulo tem pouca influência no assunto porque não tem a
orientar nenhuma companhia permanente, mas a julgar somente as que trazem
repertório feito e julgado – ou antes elogiado no Rio. Assim mesmo, artistas
há que temem representar em São Paulo, devido às exigências da crítica.
Em seguida, o artigo traz um comentário duro e pertinente a respeito do
trabalho dos atores de então, exceções de praxe::
“Os atores em geral não têm a mais vaga noção do que seja a arte de
representar, não sabem falar, não sabem vestir-se, não conhecem a história,
nem os costumes, nem a língua, nem nada. São, com louváveis exceções
indivíduos a quem o ofício de sapateiro ou o cargo de agente de polícia
rendia pouco e que se dedicaram ao teatro para ganhar mais”
Dois dias depois, em 27 de março, o mesmo jornal publica:
“O público quer o ruim: operetas descozidas, dramalhões....... Não há papéis
para criar. Há tipo a compor – o ator por aí convence-se ser um artesão e não
um artista, pois não se exercita. Habituou-se a uma certa melopéia – a que o
obrigou sempre a linguagem gongórica e balofa dos seus papéis;
acostumou-se à gesticulação violenta e desordenada das cenas de
assassinatos, roubos e traições. Nota-se a absoluta falta de escola, no teatro
ou fora dele. Onde é então que vão aprender? A condição geral do artista é
nada”.
Não é muito diferente o quadro no Rio de Janeiro onde, a partir de 1915,
reina inconteste o Teatro Trianon, “o templo da comédia ligeira nacional”,
fundado pelo ator português Cristiano de Souza. Seus principais dramaturgos,
Armando Gonzaga - autor entre outras peças, de Ministro do supremo (1921) e
Cala a boca, Etelvina!, (1925) -, Viriato Correia, além de Oduvaldo Vianna,
Gastão Tojeiro e Luís Iglesias, se dedicam a alinhavar textos cuja função
primordial é servir de pretexto para o exibicionismo de atores-estrelas como
Leopoldo Fróes, Procópio Ferreira, Jaime Costa, Itália Fausta e Dulcina de
Morais.
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Outro aspecto importante desse período, a inexistência do Diretor, que só
aparece na cena nacional quase duas décadas depois, com a chega de Z.
Ziembinski ao país As companhias mantém apenas a figura do Ensaiador, uma
espécie de organizador precário do espetáculo. Como decorrência, os exageros das
improvisações, o gosto pelo “caco”, o desequilíbrio das atuações. O elenco, num
certo sentido, existe fundamentalmente como elemento de apoio (“escada”) para
permitir, sempre no primeiro plano, o brilho do astro, senhor absoluto do palco.
Por volta de 1912, ano da primeira temporada de Oswald de Andrade em
Paris, funcionam em São Paulo, regularmente, dezesseis teatros incluindo o
Municipal inaugurado em 1911, sob a direção de Ramos de Azevedo com seus
mais de 1800 lugares. O nível de exigência do público é muito pequeno e a
banalidade do repertório comum a todas as companhias. De fato, os espectadores
apenas se interessam pela habilidade histriônica dos atores, pela eventual riqueza
dos cenários e dos figurinos e pelas comparações que estabelecem entre os
intérpretes. A qualidade literária ou as ambições artísticas do espetáculo são
praticamente irrelevantes.
Durante todo esse período, as exceções de praxe são as companhias
estrangeiras que chegam ao país com certa regularidade. Como exemplo a
Companhia Portuguesa de Eduardo Vitorino, ele próprio autor de um “Estudo
sobre a Regeneração do Teatro no Brasil”, que circula no início do novo século.
Além das italianas de Eleonora Duse, Zacconi, Tina di Lorenzo, Vitória Checci-
Enrico-Cuneo e Novelli que trazem ao Rio e a São Paulo, entre outros textos, Os
Espectros e Hedda Gabler, de Henrik Ibsen; Romeu e Julieta e Otelo, de
Shakespeare; Kean, de Dumas Pai e Édipo rei, de Sófocles.
Bem como Sarah Bernhardt ( atua três vezes no Brasil, em 1886, 1893 e
1905) além de Suzanne Després e Lugné- Poe, que causam grande impacto em
1906 com “uma interpretação simples, sem afetação e com admirável sobriedade”,
segundo o jornal O Estado de São Paulo. Ainda nesta última temporada Desprès
representa um ato de Leur âme, de Oswald de Andrade e Guilherme de Almeida,
no Teatro Municipal de São Paulo “com a maior e mais justa indiferença do
público e da crítica. (apud Magaldi e Vargas, 2004: 37).
No Rio de Janeiro, no início do século XX, funcionam treze teatros, dos
quais apenas cinco montam peças teatrais com texto dramático. “Nos outros
reinam as revistas musicais que pioram de qualidade com a passagem do tempo”.
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(Heliodora, 2004/5:79). Na primeira década, o principal acontecimento no cenário
artístico da cidade é a inauguração do Teatro Municipal, em 1909.
Em seu primeiro ano de funcionamento o Municipal do Rio dedica apenas
um único dia a dramaturgia nacional. Na folga de uma companhia francesa, é
representada a peça O dote, de Arthur de Azevedo. A dramaturgia brasileira não é
considerada – com absoluta razão - digna de ocupar o novo palco que recebe para
longas temporadas a Cia. Dramática Italiana Nina Senzi, por exemplo. No ano
seguinte, vêm o Teatro Nacional de Lisboa, a Cia. Italiana de “Grand-Guignol” e
a Cia. Dramática Siciliana. Apenas em 1912, uma companhia brasileira, a de
Eduardo Vitorino, ocupa o Municipal por um mês inteiro, outubro, apresentando
três peças, dentre elas, A bela madame Vargas, de João do Rio”.
De acordo com Heliodora:
(...) nada define tão bem a precariedade da vida teatral carioca naquele
tempo que o seguinte episódio: a estréia de Leopoldo Fróes com O
comissário de polícia, de Gervásio Lobato, comédia já conhecida do
público, que foi um êxito a obter “duas enchentes”, como se dizia. Ora,
como esperar alta qualidade artística e capricho quando uma peça vitoriosa
sai de cartaz depois de apresentada apenas dois dias no palco ?” (2003:83)
Tal panorama continua praticamente imutável por quase três décadas até
que, finalmente, aparecem os primeiros sinais de modernização do teatro nacional.
Iniciativas essas que surgem, ainda que precariamente, no Rio de Janeiro, com os
projetos de Renato Viana e de Eugênia e Álvaro Moreira e, mais
consistentemente, em São Paulo, com os esforços de Flávio de Carvalho e
dramaturgia revolucionária de Oswald de Andrade. Quem sintetiza a atuação de
Renato Viana é Stegagno-Picchio:
(...) juntamente com homens da primeira leva modernista como Ronald de
Carvalho e Villa-Lobos – (Renato Viana) empreendeu uma verdadeira
guerra santa entre 1922 e 1944 para iniciar a cena brasileira nos mistérios de
Antoine e Stanislávski, mas escreveu depois dramas tão ruins que teria sido
melhor não ter criado as condições para poder representá-los “. (2004:505).
De fato, que promove algo realmente mais consistente é Flávio de
Carvalho que, em 1933, no Clube dos Artistas Modernos, em São Paulo, Flávio de
Carvalho instala seu Teatro da Experiência e encena uma peça chamada Balaio do
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deus morto, cujas apresentações são interrompidas pela intervenção da polícia.
Segundo as descrições existentes sobre a montagem, a encenação, reunindo canto,
dança e fala, com máscaras de alumínio e camisolas brancas, não possuía qualquer
sintonia possível com o teatro que se fazia na época. Como salienta Brandão: “ É
mesmo possível que a conceituação formulada por Flávio de Carvalho para
estabelecer uma definição de “teatro moderno”, em contraposição ao “teatro
antigo” existente ao seu redor na época, tenha influenciado em alguma medida a
produção teatral de Oswald de Andrade...(...) (2004: 37).
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3 Futurista e tudo!
Em fevereiro de 1908, José Sobral de Almada Negreiros – nascido em
abril de 1893, na Ilha de São Tomé e Príncipe - freqüenta o Colégio dos Jesuítas
de Campolide e na capital do país se desenrola o episódio conhecido como a
tragédia do Terreiro do Paço. A precisa descrição é de Castro:
“No fim da tarde de 1º de fevereiro de 1908, o rei de Portugal, dom Carlos I,
fardado de generalíssimo, desceu do vapor S. Luís no Terreiro do Paço, em
Lisboa....Entre os quiosques do Paço, no entanto, dois homens esperavam o
rei com intenções nada regulamentares. Estavam ali para matá-lo....Quando a
carruagem passou o carbonário Manuel Buiça, em segundos, tirou da capa
uma carabina Winchester...e fuzilou o rei pelas costas.....Pode-se dizer que a
brava monarquia portuguesa, velha de oito séculos, acabava ali. O resto seria
mera formalidade. Três meses depois, o infante, de dezoito anos, assumiria o
trono, com o nome de Dom Manuel II”.( 2005:9)
Menos de três anos após o assassinato de D. Carlos 1º, em outubro de
1910, uma insurreição republicana encerra a monarquia portuguesa
definitivamente. O país mergulha numa grave crise política que dura mais de duas
décadas e que, para o bem e para o mal, só será contornada com a chegada de
Oliveira Salazar ao poder no início dos anos 30. É nesse contexto conturbado que
o jovem e irrequieto Almada Negreiros inicia sua movimentada trajetória
artística.
Cinco anos depois, em 1915, associado a Fernando Pessoa, Mário de Sá-
Carneiro e outros militantes, ajuda a lançar a revista Orpheu, ponta de lança do
modernismo português e publica seu Manifesto anti-Dantas e por extenso -
onde se autodenomina Poeta D’Orpheu, Futurista e Tudo – de fato, uma catilinária
contra Júlio Dantas, então figura de proa das letras portuguesas. Ao que tudo
indica, o manifesto é, antes de qualquer outra coisa, uma vingança contra o autor
de A ceia dos cardeais, que escrevera uma crônica classificando os jovens poetas
“modernos” como “paranóicos”.
O texto escrito com deboche e escárnio, além de desancar Dantas, distila
também um insólito conjunto de acusações contra a maioria dos artistas
portugueses do período, sejam eles poetas, pintores, dramaturgos, romancistas,
literatos, etc. Diz o Manifesto anti-Dantas:
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“Uma geração que consente deixar-se representar por um Dantas, é uma
geração que nunca o foi. É um coio de indigentes, d’indignos e de cegos! É
uma resma de charlatães e de vendidos...Portugal que com todos esses
senhores conseguiu a classificação do país mais atrasado da Europa e de
todo o mundo!....! Portugal inteiro há de abrir os olhos um dia – se é que a
sua cegueira não é incurável e então gritará comigo, a meu lado, a
necessidade que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado! Morra o
Dantas! Morra! Pim”. (1999: 647).
Ainda em 1915 Almada escreve uma de suas obras mais importantes, A
cena do ódio que, inicialmente, sairia no terceiro número de Orpheu, afinal não
concretizado. Em 1917, ano muito produtivo, profere em Lisboa sua famosa
conferência Ultimatum futurista às gerações portuguesas do século XX,
publica uma série de desenhos sobre os Ballets Russes, de Serge Diaghilev e lança
a novela K4, o quadrado azul.
No Ultimatum, promove um resumo do ideário do movimento futurista
português. O texto é também, significativamente, um panfleto de propaganda em
função da primeira guerra mundial (“higiene do mundo para Marinetti!”), que
batera às portas de Portugal, tradicional aliado da Inglaterra, e nele Almada, com
empenho, declara seu total apoio ao envolvimento direto do país no conflito.
O poeta exorta os portugueses, “filhos de um país fraco, decadente,
indiferente, saudosista, passivo, povoado por amadores e vadios a desenvolver as
aptidões para o heroísmo moderno e para a vida cosmopolita”. Com isso, acredita,
estariam criadas as condições para o surgimento do Novo Portugal, da pátria lusa
do século XX, de um povo completo, com o máximo de qualidades e de defeitos
– que deveria aproveitar o momento único da guerra e entrar definitivamente para
a civilização. E arremata:
“Portugal é um país de fracos. Portugal é um país decadente: 1) Porque a
indiferença absorveu patriotismo; 2) Porque aos não indiferentes interessa
mais a política do que a própria expressão da pátria, e sucede sempre que a
expressão da pátria é explorada em favor da opinião pública...3) Porque os
poetas portugueses só cantam a tradição histórica e não sabem distinguir a
tradição-pátria. Isto é: os poetas portugueses têm a inspiração na história e
são, portanto, absolutamente insensíveis às expressões do heroísmo
moderno. Donde resulta toda a impotência pra criação do novo sentido da
pátria; 4) Porque o sentimento-síntese do povo português é a saudade e a
saudade é uma nostalgia mórbida dos temperamentos esgotados e doentes. O
fado, manifestação popular da arte nacional, traduz apenas esse sentimento-
síntese; Porque Portugal não tem ódios, e uma raça sem ódios é uma raça
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desvirilizada porque sendo o ódio o mais humano dos sentimentos é ao
mesmo tempo uma conseqüência do domínio da vontade, portanto uma
virtude consciente. O Ódio é o resultado da fé e sem fé não há força...(...) O
povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as
qualidades e todos os defeitos. Coragem, Portugueses, só vos faltam as
qualidades!”. (1999: 660)..
No final de 1917 – 5 de dezembro – revolta liderada pelo major e professor
Sidônio Pais toma o poder em Portugal. Em seguida, Sidônio dissolve a Câmara,
instaura uma ditadura militar e, no ano seguinte, elege-se presidente da República
por sufrágio universal direto. A força do novo regime assenta-se basicamente na
personalidade carismática de seu líder que alguns adeptos mais inflamados
consideram o novo Dom Sebastião. O governo recebe apoio entusiasta dos
monarquistas, da Igreja e da alta burguesia, mas tropeça nas graves questões
sociais que afetam o país agravadas por problemas relacionados a primeira guerra
mundial. Após algumas conspirações mal sucedidas os inimigos conseguem
assassiná-lo em dezembro de 1918, um ano após sua chegada triunfal ao poder.
O país mergulha em sangrenta guerra civil e o governo perde o controle de
diversas regiões do país. No norte e no sul formam-se Juntas Militares que
pretendem, de fato, a restauração da Monarquia. Os republicanos se rebelam,
mas as Juntas do Porto e de Lisboa reagem e em janeiro, proclamam a volta da
Monarquia. Na capital, no entanto, a população majoritariamente republicana
domina facilmente a rebelião com ajuda decisiva do Exército e da Marinha. O
mesmo não ocorre no Norte onde os monarquistas controlam toda região do
Minho. A confusão e as lutas se arrastam até o início de 1920, quando forças
republicanas finalmente reconquistam a cidade do Porto e restauram a
Constituição de 1911.
A situação militar, no entanto, não está totalmente sob controle, nem o país
pacificado. Durante vários anos permanece convulsionado por agitações e
rebeliões que aceleram o caos administrativo e o descontentamento geral da
população. Esse processo culmina com os atentados políticos da “Noite
Sangrenta” – pano da fundo para Portugal, um dos textos teatrais mais bem
realizados por Almada - quando líderes políticos republicanos são assassinados
sem que se consiga identificar os mandantes.
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Em 1919, Almada viaja, pela primeira vez, para a França onde escreve sua
segunda peça, Antes de começar, de evidente inspiração expressionista. Em
1921, já de volta a Portugal, realiza a conferência A invenção do dia claro,
posteriormente editada por Antônio Ferro e Fernando Pessoa. Trinta anos mais
tarde dirá, em entrevista, que esse é o seu “único livro”.
Como afirma França:
“De certo modo o é, porque nele está prenunciada toda sua obra, pós-
revoltada e pós-nacionalista, na invenção de si-próprio, ou no seu próprio
nascimento em outra vez, que aconselhara em A Cena do Ódio e que
finalmente podia fazer, numa simplicidade despida de experiências de
vanguarda formal e antes conduzida como um discurso ingénuo e puro, de
linguagem em certa medidade infantil, colada a um outro género de
experiência da vida – para além de tudo o que de outras experiências lidas
possa vir”.(1997:29)
Em 1924, Almada lança dois textos teatrais importantes, o já citado
Portugal e Pierrot e Arlequim. No mesmo ano publica uma reflexão intitulada
Teatro, que traz no início uma declaração de princípios que serão perseguidos em
toda sua carreira como dramaturgo:
“Nenhuma arte tem de falar para todos a não ser o Teatro. Grandes e
pequenos, instruídos e analfabetos, sábios e ignorantes, no teatro todos são
Um... A origem da palavra Teatro refere-se à disposição em hemiciclo dos
lugares dos espectadores, de maneira que de qualquer lado cada um possa
seguir a cerimônia pública. Por isso o Teatro não pode desculpar-se com
nenhuma espécie de ignorância, seja a que moleste os sábios, seja a que não
ensine os ignorantes...”(1997:697)
No texto curto e substancioso o poeta cita como melhor exemplo de “puro
e admirável” teatro as palavras de Cristo: “Falando para todos não ignora ninguém
e estima cada um”. Para ele, O velho e o novo testamento, a mitologia grega e, de
uma maneira geral, os espetáculos públicos, divinos ou profanos, lendários ou
históricos, são símbolos universais e, portanto, teatro. Na realidade, continua
Almada, todo o conhecimento que humanidade tem das coisas comuns como, por
exemplo, a própria idéia de humanidade, de sociedade; de espaço e de tempo, a
idéia geográfica da Terra; a idéia de vida e de morte, a idéia de deus, de pátria,
família, de religião, de ciência, de arte, são funções da palavra teatro.
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Em seguida, afirma o poeta, que a Igreja Católica compreende
perfeitamente o sentido do teatro: os seus templos têm as portas abertas para o
público e no interior cada qual encontrará a imagem de sua devoção. Por fim,
comenta a facilidade com que os palhaços se comunicam com o público:
Se eles (os palhaços) soubessem tanto como os sábios, nós todos
passaríamos a ser sábios por termos aprendido com os palhaços. Mas,
infelizmente, os sábios não sabem dizer o que sabem, e os palhaços sabem,
mas não são sábios” (1997:698)
No final de maio de 1926, um golpe de estado militar derruba a primeira
república portuguesa implantada em 1910. Dois anos depois, com Carmona na
presidência da República, Antônio de Oliveira Salazar é designado Ministro das
Finanças e se credencia como o homem forte indicado para reestabelecer a ordem.
Esse processo assume muito rapidamente a forma de um poder autoritário - o
Estado Novo – apoiado pela Igreja, pelas classes conservadoras e sustentado por
um aparelho repressor truculento articulado com uma censura tentacular. Logo em
seguida, Salazar cria a Secretaria de Propaganda Nacional (SPN) que, após a
segunda guerra mundial, é transformada em Secretariado Nacional de Informação
e Turismo (SNI), sob a liderança de Antônio Ferro, com uma missão fundamental:
criar uma apologética máquina de propaganda de Salazar e de seu regime.
O mesmo Ferro que, nascido em Lisboa em 1885 no seio de uma família
pequeno-burguesa, tornara-se amigo de Mário de Sá-Carneiro e editara a revista
Orpheu em 1915. Almada produz numerosos cartazes para o SPN/SNI mas, apesar
disso tem seus textos interditados pela censura de Salazar. ( Santos, 2004: 76).
Desde 1927 Almada vive em Madrid onde permanece por cinco anos e
escreve sua “la tragédia de la unidad” - reunindo Deseja-se mulher e S.O.S
(1928) e Protagonistas (1930) – além de O público em cena. Na volta a
Portugal, em 1932, ano em que Oliveira Salazar assume a presidência do
Conselho liderando um governo basicamente formado por professores da
Universidade de Coimbra, passa a colaborar com o Diário de Lisboa. Dois anos
depois, se casa com Sarah Affonso a quem dedicara a citada Deseja-se mulher.
Nesse período produz um texto com o título Arte e artistas no qual, após
demoradas considerações sobre a função da arte, dos artistas e dos artesãos na
vida social, retoma o tema das relações entre o indivíduo, o Estado e a
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coletividade já abordados em uma conferência, Direção única, de 1932. Almada
relaciona Shakespeare, Goya, Ibsen e Picasso, como exemplos de indivíduos
pertencentes a uma ordem superior. Afirma também que a palavra mais
desconsiderada em Portugal é a palavra “artista”. “Desprestigiada, falida, e posta
fora de cena e da vida”. Na parte final, o poeta nem se preocupa em disfarçar sua
adesão entusiasmada ao recém implantado projeto salazarista:
(...) Nas recentes entrevistas de Salazar com o Diário de Notícias há uma
frase sua que diz: “Nem a colectividade pode prescindir do indivíduo, nem o
indivíduo pode prescindir da colectividade”. É o conhecimento exacto de
como funciona a máquina social. Ninguém pode estar em desacordo com
isso. (1999:788)
Não é pertinente a essa pesquisa uma discussão sobre a controversa
questão das relações de Almada com o regime liderado por Salazar. De alguma
maneira – é apenas uma especulação – o poeta avalia que o caudilho reúne
condições políticas para debelar a crise e para promover a estabilidade da
sociedade portuguesa após duas décadas de violência e de dificuldades
econômicas. Importante salientar, todavia, que nos primeiros quinze anos da nova
ordem, o artista enfrenta problemas com a censura e não produz sequer um único
texto para teatro.
De fato, a só volta a publicar dramaturgia em 1949, quando lança Aquela
noite e O mito da psique. Segue-se mais um hiato de dezesseis anos, até 1965,
quando são editados Galileu, Leonardo e Eu e Aqui Cáucaso. O grande agitador
cultural, poeta, dramaturgo e artista plástico morre em 15 de junho de 1970, no
Hospital de São Luís dos Franceses, em Lisboa, no mesmo quarto onde falecera
seu amigo Fernando Pessoa.
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3.1 O poeta e seu duplo
“Não-ação” em teatro apenas parece contradição.
A “não-ação” é o que distingue o teatro do cinema
e da televisão. “Não-ação, à Ésquilo = o
teatro”.(Almada, 1997:1103).
(...) é essa dosagem, simultaneamente sábia e
ingênua, racionalista e lírica, conceitual e
primitiva, esteticista e coloquial, que julgo
caracterizar no teatro de Almada, no qual se
empreende....uma autêntica redescoberta da
dramaturgia, desvirtuada por “toneladas de
realismo importado para acima das tábuas”.
(Rebello, op.cit.: 89).
A dramaturgia de Almada Negreiros
18
para os objetivos desse estudo está
dividida em três fases: 1) as experiências iniciais, produzidas entre 1912 e 1919 –
23, 2º e Antes de começar; 2) as peças mais ambiciosas escritas entre 1924 e
1932: Pierrot e Arlequim; Portugal; Deseja-se mulher, S.O.S., Protagonistas
(a tragédia da unidade); O público em cena; e 3) os textos publicados fora do
chamado período das vanguardas
19
- Aquela noite e O mito de psique, de 1949;
e Galileu, Leonardo e eu e Aqui Cáucaso, ambas de 1965. O foco de análise
recai sobre os textos da segunda fase (1924/1932) considerados, consensualmente,
os mais relevantes do artista português.
Em 23,2º, primeira incursão no teatro - escrita em 1912 quando o poeta
tem apenas dezenove anos – em Antes de começar, de 1919, já estão esboçadas
18
A obra de Almada tem a seguinte ordem cronológica: 1912-23, 2ºandar; 1919-
Antes de começar; 1924 – Pierrot e Arlequim e Portugal; 1928/30 – A trilogia da
unidade/Deseja-se mulher; S.O.S. e Protagonistas; 1932 – O público em cena; 1949
Aquela noite e Mito de psique; 1965 – Galileu, Leonardo e Eu e Aqui Cáucaso. (
França, 1997:415)
19
Para Carvalho, ao limitar-se a atuação das vanguardas do teatro aos anos decorridos
entre 1880 e 1938, estabelece-se um recorte temporal que encontra justificativa em fatos
inegavelmente determinantes: a primeira data marca a entrada em cena da personagem
mais revolucionária da história do teatro: a luz elétrica. A data final, cuja escolha é mais
arbitrária e pessoal, corresponde ao fechamento do teatro de Meyerhold, em Moscou, e à
imposição da pecha de decadente ao teatro experimental russo pelo governo
revolucionário que obrigava às artes em geral a adesão à estética oficial do realismo
socialista”. ( 1994:211).
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algumas das marcas fundamentais de sua produção subseqüente: os textos curtos,
a narrativa não-linear, as longas tiradas, as minuciosas rubricas, o, uso intensivo
dos comentários entre as falas, o gosto pelo paradoxal e pelo inusitado, o erotismo
contido, os sonhos de liberdade total, a busca do amor incondicional que, afinal,
revela-se uma impossibilidade.
Tudo isso no contexto de uma obsessiva pretensão de controle sobre os
materiais, que credencia Almada a um lugar na linhagem dos chamados
dramaturgos-encenadores, ao lado de Appia, Meyerhold, Craig e outros
contemporâneos.
Na primeira peça, típico exercício de juventude, a narrativa lírica de um
amor impossível – porque socialmente inadequado - entre um jovem humilde,
Mário e Camélia, a filha de seu senhorio. O texto está incompleto e em alguns
momentos beira à pieguice:
Camélia – Meu Mário!
Mário – Como vês, cá volto sempre. Sempre! Haja o que houver, tu és a
única pessoa deste mundo sem a qual eu não poderia viver. A única!
Desgraçadamente, a vida tem-nos cada um para seu lado. A vida separa os
nossos lugares que são afinal, ambos no mesmo sítio, minha querida
Camélia. Os outros, os outros passam entre nós dois....Dos outros nunca
estaremos achados nem perdidos, enquanto que um de nós, e só de nós, nos
poderemos perder....
Camélia – Entendo tudo quanto me digas, Mário. Eu vivo quando tu me falas.
Mário – Só duas pessoas que se amam é que podem entender que só o que
amamos se pode perder. E nada há mais nesse mundo do que o que amamos.
Camélia – Meu querido Mário, eu sou tua duma maneira grande para mim, e
duma maneira ridícula para os outros, definitivamente tua....Eu quero-te tanto,
tanto, que até gosto de mim.
Para concluir, uma cansativa tirada de Mário – evidente personagem
projetiva do autor - que, assim, inaugura uma estratégia também recorrente no
conjunto da obra teatral de Almada: as intervenções autorais. Ciente das
dificuldades de concretização da relação, o rapaz discorre sobre seus anseios de
liberdade “para que possa ser o que não lhe consentem” que se contrapõem à sua
realidade medíocre e sem esperança.
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Diz Mário:
(...) E o meu caso é afinal bem simples: sei o que quero, e farei tudo por
escapar-me cumprindo como posso o verdadeiro das necessidades comum
das gentes.......“O meu sonho, o nosso sonho, não é falso, e é legítimo, mas
meus passos são na lama, no lodo e pior ainda. Tenho mais necessidade da
liberdade do que se a tivesse, a liberdade única, a do meu sonho, que a do
nosso sonho, que não nos deixam viver. E assim mesmo outros sonhos ...
sonho com Paris, com Londres, com Nova e Iorque, etc. Todos esses lugares
de gente, todos esses sítios que não conheço, e que necessito de supor
melhores do que este onde me consentem ser eu próprio......Não há nunca
tarde de mais senão para quem se perdeu de si próprio”. (1997:423)
O segundo texto, Antes de começar, apresenta um imaginoso diálogo
amoroso, agora com tintas expressionistas
20
, entre as personagens O boneco e A
boneca que ocorre antes da entrada do público para um espetáculo de que fazem
parte.
A Boneca - Dá-me a tua mão! Que eu saiba da tua mão...Que as tuas mãos
não sejam as minhas! Que sejam outras mãos como as
minhas....As minhas mãos não me bastam...faltam-me outras
mãos como as minha.
O Boneco - É assim que bate o coração...
A Boneca - Dá-me a tua mão!...que os nossos corações sejam a repetição
um do outro como é justo!.....
O Boneco – Cala-te coração! Deixa ouvir o mar...
A Boneca – Tu também viste o mar?
O Boneco – O mar foi feito por nossa causa!
Almada trabalha um dos seus temas preferidos: a dicotomia razão/
coração. Diz a parte final do diálogo:
O Boneco – Acredita no coração! Ele sabe de cor o que quer!...A nossa
cabeça é que precisa de aprender o quer o coração!... O coração nunca está
só...o nosso coração é nosso, ele não pode viver sem aquele a quem
pertence..
A Boneca – Ás vezes, a cabeça quer ser mais do que o coração... e fica de
costas viradas pr`o coração!
20
Personagens sem nome próprio, sem individualidade, sem qualquer tipo de desenvolvimento
psicológico.
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O Boneco – A cabeça não deve ser senão o que o coração quiser! Nunca é o
coração que nos falta, somos nós que faltamos ao coração!
A Boneca – Ah!...é assim, juro, é assim que bate o coração!....
O Boneco – Só não entende o coração quem não sabe escutá-lo........
A peçacomo o próprio título sinaliza - se resolve no momento da chegada
do público ao. Diz a rubrica:
“ Abre-se a cortina do fundo e do lado de fora estão sentadas nos bancos
muitas crianças com as pessoas que as acompanham. Quando já está quase a
começar a representação, desce o pano”.
Como se observa, apesar da singeleza, Antes de Começar já evidencia
algumas das grandes qualidades do teatro de Almada: a boa qualidade do diálogo
e um consistente ritmo narrativo.
3.1.1 Pierrot e Arlequim
Em 1924, o “poeta D’Orpheu” já está pronto para experiências mais
complexas e lança duas peças bem mais ambiciosas. A primeira, Pierrot e
Arlequim – com o subtítulo de “ensaios de diálogos seguidos de comentários”, já
encenada no Brasil no final dos anos 80
21
, é composta por dois quadros, A
Comédia e A Tragédia. No segundo, uma situação dramática de corte surrealista:
as personagens estão mortas. No texto, com apenas meia dúzia de páginas,
Almada tematiza as eternas pulsões vida/morte; paixão/razão; prazer/dor;
introversão/extroversão; alegria/tristeza; preocupações, de resto, onipresentes no
conjunto de sua obra.
Como diz o pequeno prólogo:
“Contam-se tantas histórias de Pierrot e Arlequim e há por esse mundo fora
tantos retratos de um e de outro, que pelas histórias e pelos retratos será
possível, pelo menos, disfarçar a sua ausência”.
21
Em 1989, no pavilhão de Portugal, na Bienal Internacional do Livro, no Riocentro, e em
temporada no Teatro Ziembinski, no Rio de Janeiro, com o ator português Antônio Mello e os
brasileiros Maurício Grecco e Cláudia Palmerston e direção do autor desse texto.
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50
Na seqüência, Almada introduz uma extensa rubrica versificada com
instruções a respeito dos gestos, das atitudes e do figurino das personagens que,
em alguns momentos, lembra o estilo detalhista do brasileiro Nélson Rodrigues:
“A mímica é uma arte só de gestos, e estes querem copiar os próprios gestos
da vida. /Entre o que a mímica desencantou na vida e veio depois imitar
publicamente à luz artificial está o enigma de Pierrot, personagem cuja
história é igual ao figurino. /Todo branco, roupas largas e quase sem feitio de
vestirem um corpo humano...../Pelo contrário, Arlequim usa o “maillot”
esticado por cima da pele e mostra bem o feitio do corpo, a inquietação dos
nervos e o frenesi animal.../Pierrot anda sempre metido consigo e não é fácil
saber quando está acordado ou a dormir.../Pelo contrário Arlequim não pára
nem um momento, não pode estar quieto, e sem dúvida porque não anda
satisfeito(...)
O texto de A Comédia, propriamente dito, é constantemente interrompido
por comentários e esclarecimentos, até que, um pouco antes do final, Almada
encaminha o diálogo para uma agressiva discussão entre o “passional” e
“irrequieto” Arlequim e o “racional” e “ensimesmado” Pierrot:
Pierrot - Alegria é não sentir vontade de procurar.....Eu sinto necessidade da
minha tristeza p’ra saber onde estou, e se ando triste porque não a tenho,
contudo sou feliz porque a encontrei e só a Ela quero.
Ao que retruca Arlequim:
“P
ois a alegria, cá p’ra mim, é andar a procurá-la! E nada de tristezas, que
fazem a gente velha. A chorar ou a rir o tempo passa da mesma maneira;
portanto mais vale a rir. Olha! faz como eu. Vai dizendo a verdade a rir,
porque ela não fica melhor se for a chorar.”
E Pierrot o contradiz:
A rir!
Segue-se uma violenta reação de Arlequim:
Arlequim – Pois se eu agarro as coisas com estas minhas mãos, e sirvo-me
delas, e uso-as, e gozo-as, e gasto-as até o fim, sem deixar de perder um
único pedaço, e depois não fica nada, as mãos ficam-me vazias! Vazias!
Exactamente como se não tivessem pegado em nada deste mundo...Quanto
mais tu, que não pegas em nada, que nem sequer mãos tens, que nada
experimentas, que nunca te arriscastes a entrar na realidade, que não és
capaz de dar um passo p’nada deste mundo!...Farto de fantasias ando eu até
aos olhos! E até a minha cara se enchia de vergonha se houvesse alguma
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51
coisa que eu tivesse de aprender contigo, espantalho de trapo que não
espanta nada, nem as moscas, e bem pelo contrário!
A indicação cênica logo após a explosão de Arlequim, desloca o texto para
uma dimensão espetacular surpreendente e, certamente, inusitada no ambiente
teatral português no início da década de 1920. Almada descreve as ações das
personagens como se fora um coreógrafo
22
, registrando uma estranha pantomima
onde uma das figuras permanece quase imóvel. Pierrot é colocado no “canto
escuro da casa deitado não se sabe se de costas ou de barriga para o ar”. Arlequim,
ansioso como sempre, movimenta-se em torno do amigo tomado por um frenesi
que o leva à beira da exaustão. Diz a rubrica:
(...) Arlequim anda de um lado para o outro, e vai à janela e torna a entrar, e
passeia em volta da mesa, e pára para ver os livros, e põe direitos os que
estavam ao contrário...e tira do violino sons ao acaso..... e assobia uma dança
e molha a pena no tinteiro quinze vezes enquanto pensa.......depois franze o
nariz e zanga-se de repente e ninguém sabe porque...e dá um pontapé na
mesa e espalha tudo pelo meio da casa, e fica a chorar que corta o coração,
virado contra a parede.. (...)
No final da pantomima, Pierrot finalmente se levanta como se nada
houvesse acontecido e faz uma citação do Werther de Goethe, conforme rubrica:
“Não posso compreender que Ela não seja minha se só a Ela amo e com
tamanha perfeição!
O quadro é completado com um anti-climax bem mais ameno:
Pierrot – Eu vou fugir p’ra muito longe.
Arlequim – Não é necessário, descansa, fica aí mesmo a sonhar. E eu
aproveitando o melhor possível os bocados dessa vida, que é só uma –
ouviste bem? Que é só uma, infelizmente, mas eu hei de espremê-la muito
bem espremidinha até o fim, e espero que não há de ter ficado nada por
fazer. Tu nunca ouviste dizer: Quem é lobo faz como lobo, E isso conhece -
se logo?
Na segunda parte, a Tragédia, as personagens já não vivem. O texto tem
apenas duas páginas. O ritmo e a qualidade do diálogo são extraordinários mesmo
22
Almada, de fato, também é coreógrafo. É citado em publicações da época como autor
de bailados, dentre eles o já mencionado A Princesa dos sapatos de ferro
.
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para os elevados padrões almadianos. Pierrot e Arlequim discutem sobre quem é
capaz de ter “a idéia mais genial”. O tom entre os dois continua amistoso e
poético, como na síntese abaixo.
Pierrot – Tive uma idéia!
Arlequim – Não, espera um pouco: deixa-me contar-te primeiro a minha.
Pierrot – Não, não pode ser. Primeiro conto eu!
Arlequim. Bom: conta-a lá, mas depressa!
Pierrot – A minha idéia é esta: pedir-te p’ra que não digas a tua idéia.
Arlequim – Ora essa! Por quê?
Pierrot - Então eu digo-te: Porque tu e eu, nós os dois, já não existimos.
Ambos nós morremos. Ambos morremos e estamos aqui enterrados os dois,
cada um na sua cova, e tão sós como o estivemos na vida. A morte já veio ter
conosco, e ela como tu dizias na vida: é só uma. Agora já não há idéias que
nos valham! Acabou-se tudo: o que foi feito e o que não foi feito!
Como se percebe, Almada mantém o desenho tradicional das personagens
da “commedia dell’arte”. Seu Pierrot é também introvertido e apaixonado. Um ser
angustiado, fatalmente atraído por um amor que não se realiza, que sublima o
próprio desejo e, em função disso, se purifica. E Arlequim, com graça e agilidade
representa a passagem alegre e autêntica do corpo pela vida, a busca infatigável
do prazer e da liberdade ainda que difícil e cara. Duas faces da mesma moeda.
Afinal, para o poeta, são duas personagens e não duas pessoas e cada um
dos homens tem em si um Pierrot e um Arlequim. Nem Pierrot é apenas um
asceta, nem Arlequim, tão somente um sedutor. Pierrot é o êxtase e Arlequim, a
aventura. Pierrot é a inspiração e Arlequim, a experiência. Pierrot é o Werther de
Goethe, e Arlequim, como o Fausto, é capaz de vender sua própria ao Diabo em
troca de bens terrestres.(1999:488).
Nos longos comentários após a segunda parte, Almada afirma que,
enquanto escrevia seu texto, “encontrou os retratos célebres de Santo Inácio de
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Loiola e de Rabelais”. E segue: “O homem do século XX tem um perfil
determinado: não é místico nem pagão.
Em seguida, são cerca de doze páginas, oferece um sem número de
considerações eruditas que incluem citações em francês e menções a Shakespeare,
Goethe, Camões, André Gide e Anatole France. Não satisfeito resolve discorrer
sobre passagens da Bíblia, com referências ao conhecido e admirável personagem
Onan, comparado a Pierrot (“Como Onan, Pierrot não trairá seu desejo nem ainda
quando seja terrível o castigo de Deus!”), a mitologia sírio-babilônica e a história
de Roma. Para pouco depois arrematar suas divagações afirmando que o único
serviço que podemos realmente prestar à humanidade é continuá-la.
Surpreendentemente, ainda acha por bem introduzir, nas últimas linhas de
sua intervenção, uma nova personagem que, a partir daí, se torna quase
onipresente em sua dramaturgia subseqüente: O Anjo da Guarda. Ou seja: a peça
só acaba mesmo após a tirada do Anjo:
(...) e como é provável que estas palavras tenham sido incompletas, quero
dar vos uma prova de lealdade revelando publicamente o segredo infalível
que me ensinaram para conhecer todas as coisas e os seus detalhes. Chama-
se esse segredo: ANJO DA GUARDA....Um anjo lindíssimo, mais lindo sem
comparação nenhuma do que qualquer outro, e tal qual o sonho doirado de
cada um”.
O fato é que em Pierrot e Arlequim, Almada propõe um estimulante jogo
especular – estratégia largamente utilizada pela vanguarda desde o expressionismo
até Pirandello e Artaud – a partir do qual o poeta dramático se desnuda e se revela
sem maiores pudores. Certamente na expectativa de que esse processo radical
estimule os eventuais leitores ou espectadores a fazerem o mesmo.
3.1.2 Portugal
A outra peça do produtivo ano de 1924, Portugal é dividida em três atos
curtos. Os dois primeiros se passam nas proximidades de Lisboa e têm, como
pano de fundo, uma sangrenta revolta contra o governo. O último, parcialmente
escrito em francês, desenrola-se “no estrangeiro”. Para elaborar o primeiro dos
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seus dois únicos textos políticos
23
, é possível que Almada tenha buscado
inspiração nos violentos acontecimentos de 19 de outubro de 1921, quando uma
violenta insurreição obriga o governo liberal constituído a renunciar. No episódio
conhecido como “Noite Sangrenta”, diversas personalidades e chefes
republicanos são assassinados sem que se saiba exatamente a origem das ordens
de execução.
Portugal confirma um dramaturgo engenhoso, em rápido processo de
amadurecimento, com seguro domínio da linguagem teatral e arguto senso de
observação dos acontecimentos políticos e sociais de seu tempo. No primeiro ato,
com ritmo intenso e adequado, o poeta reconstrói, passo a passo, o clima de tensão
vivenciado no interior de uma Quinta, durante os trágicos eventos. Suas
personagens se chamam: A criadita, A governanta, A cozinheira, O porteiro, O
criado, O rapaz, A senhora e uma única com nome próprio, José. A descrição, a
seguir, é de O rapaz:
“Já não se vê ninguém nas ruas. Os polícias andam co’as espingardas, aos
dois e aos quatro. Mandaram fechar tudo. Não querem nem janelas abertas.
As patrulhas a cavalo perguntam às pessoas para onde vão. As sentinelas do
quartel já chegaram até aqui defronte da quinta. A senhora e o Sr. Doutor
devem estar lá por cima. Vou já para lá. O meu pai disse que pelo portão há-
de ser muito difícil.
Logo após, A governanta, fala ao telefone:
Sim menina, foi. Está guardado pela tropa fizeram um assalto..
E se dirige a O criado:
A menina pergunta o que há pela Baixa ?.
O criado responde:
Não se sabe de nada. Boatos, muitos boatos. Ninguém sabe de nada. Ouvi
dizer que desta vez era sério!
23
O outro é S.O.S., integrante da tragédia de unidade, escrita na Espanha entre 1928 e 1931.
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55
No final uma rubrica resume a atmosfera do primeiro ato:
(Ouve-se uma formidável detonação que parece dentro de casa. Gritos de
criados que entram precipitadamente na sala. Ouvem-se vidros partidos. A
criadita ensangüentada cai no meio da cena com um grito horroroso. Os
outros criados não sabem para onde ir. A Rapariga, José e A senhora querem
compreender o que se passa. Grande fuzilaria na rua. Apitos. Os cães a
ladrar. Uma segunda explosão faz cair o estuque das paredes e o retrato do
tenente. A senhora vai levantar o retrato.)
Ao que A rapariga exclama:
“Oh,,não! Não é assim que se fala em nome da pátria!
No segundo ato, Almada aproveita para discorrer sobre as motivações da
rebelião radical e sobre a posição da família em relação aos acontecimentos. Os
donos da quinta são revelados como conspiradores envolvidos numa luta de vida e
morte contra o governo, “os que há vinte anos assassinaram o chefe da família e
um filho mais velho”. Como diz a José sua mãe, A senhora do primeiro ato,
desolada com o fracasso da rebelião:
(...) Desde que os assassinos mataram teu pai, desde aquela noite passaram-
se vinte anos; e durante todo esse longo tempo esperei todos os dias um
milagre....um milagre verdadeiro! Aquele milagre que sabe esperar quem
não pode mais do que esperar! Passaram-se vinte anos, dia a dia, e não se fez
o milagre...(...)
Logo em seguida, adentra O criado com um jornal. A mãe - como passa a
ser chamada A Senhora - lê as manchetes em letras garrafais. Sua decepção é
flagrante:
“O Governo, senhor da situação! A derrota dos revolucionários (rasga o
jornal e diz como se desse uma ordem) Abram as portas aos assassinos de
meu marido e de meu filho, da minha vida inteira, porque eles merecem, eles
ganharam!!.”
A narrativa termina com a família revoltosa sendo acolhida na casa da
personagem chamada de General Inglês – com quem conversam em seu idioma -
antes de partir para o exílio numa “praia estrangeira”. Na terceira parte,
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56
parcialmente escrita em francês, os exilados José e A noiva dominam quase toda
a cena que se resolve com uma dolorida discussão entre os dois. Antes de se
retirar rompendo a relação, A noiva faz um discurso acusatório que tem o dever e
a honra como temas:
“A honra é não hesitar!...Viver ou morrer! Sim ou Não!...Achas impossível a
honra em nossa casa!?...É impossível porque faltaste! Porque faltou o
homem na nossa casa! Eu fui buscar-te porque julguei encontrar em ti o
companheiro indispensável para a vida!
Portugal ocupa um lugar singular na dramaturgia almadiana. Trata-se de
um texto de transição. Sua estrutura ainda é bastante convencional. Três atos com
princípio, meio e fim. Uma despedida do aristotelismo ainda latente nos primeiros
textos. O poeta demonstra habilidade na construção de personagens bem
estruturados e verossímeis, oriundos de diferentes classes sociais, envolvidos
numa situação limite.
Mesmo com todas essas virtudes, o texto padece de um certo desequilíbrio.
Os dois atos iniciais têm ritmo narrativo bem mais estimulante, são ricos em
sugestões cênicas e prendem o interesse do leitor. No terceiro, angustiados pelo
exílio, José e A noiva se perdem em divagações de gosto duvidoso: (“É no exílio
que se conhece melhor a Pátria”; “Não se pode viver sem o resto do mundo. Que
nos estime, que nos odeiem, mas com o desprezo é impossível a vida”). Em
função disso, o diálogo resulta previsível e, em alguns momentos, repetitivo. De
acordo com Rebello, Almada escreve, inicialmente, apenas as duas primeiras
partes de Portugal e só, muito tempo depois, conclui o texto.(1994:133). Isso
talvez explique o desnível qualitativo que ocorre no terceiro ato.
Importa enfatizar progressivo e consistente domínio de Almada sobre os
instrumentos da chamada carpintaria teatral. Principalmente em Pierrot e
Arlequim e Portugal, o dramaturgo inventa e reinventa uma linguagem rica de
sugestões criativas onde, calculadamente, inexistem fronteiras ou solução de
continuidade entre a prosa dialogada, a poesia, o ensaio e a reflexão.
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57
3.1.3 A tragédia da unidade
Escrita na Espanha entre 1928 e 1931, a trilogia
24
composta por Deseja-se
mulher, S.O.S. e Protagonistas configura uma síntese dos esforços
revolucionários de Almada no campo da literatura dramática. Também é o ponto
culminante de sua cruzada contra o naturalismo que, segundo o poeta, “teima em
reprimir no teatro aquilo que ele tem de meio específico de representação”
25
. Até
porque, como também afirma, “o processo de esclerose acelerada vivido pelo
teatro desde o século XIX, está diretamente ligado às toneladas de realismo
expostas em cena”. (1993:70).
Sobre o conjunto de textos, comenta o próprio autor no prólogo do
segundo ato de S.O.S.:
“No ano de 1927, em Madrid, comecei a escrever uma peça de teatro na
qual a palavra “unidade” fosse o grande motivo. Como porém não era um
ensaio o que me propunha especular com essa palavra que reunisse a todos
em legítima humanidade, mas sim um espetáculo de teatro onde
comunicasse imediatamente com os públicos, depressa a palavra “unidade”
foi completada pelas de “tragédia da unidade”........era materialmente
impossível...conduzir o assunto reunindo-o em uma única obra. Explico:
verdadeiramente eram dois os protagonistas, a coletividade e o
indivíduo....Em vista disso o meu trabalho separava-se em obras distintas,
vivendo por si cada uma delas, embora respirando ambas a mesma
atmosfera...Numa tratei do indivíduo separadamente da coletividade...o
indivíduo encarando individualmente o seu problema pessoal....Na outra, a
coletividade sofre o inevitável atrito de cada um dos seus indivíduos...A
primeira destas obras recebeu o título de Deseja-se mulher; a segunda é
S.O.S.....Se houvesse público capaz de aguardar curioso o que o artista se
meteu a decifrar, estas duas peças deviam ser-lhe apresentadas em duas
noites consecutivas...”
Como se observa não há referência a Protagonistas. No entanto, como
será demonstrado no decorrer desse estudo, são evidentes as proximidades
temáticas da peça com os dois textos acima mencionados.
24
A afirmação da óbvia existência dessa “trilogia, é uma contribuição desse
estudo para a compreensão da obra teatral de Almada. Estranhamente, nem o
poeta, nem qualquer comentarista em Portugal, fala sobre o assunto.
25
Certamente Almada se refere a elementos plásticos e não-verbais, considerados
por ele – e pelas vanguardas - fundamentais da linguagem teatral.
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3.1.3.1 Deseja-se Mulher
Escrita em 1928 e dedicada a Sarah Affonso, sua futura mulher, Deseja-se
mulher é, consensualmente, a mais sofisticada e mais bem realizada peça de
Almada. Trata-se de um completo laboratório de idéias teatrais vanguardistas que,
como afirma o próprio artista, “não representam coisa alguma, bastam-se a si
mesmos”. (1993:71). Em decorrência, inexiste no texto qualquer tipo de trama ou
de ação no sentido tradicional; pelo contrário, os elementos narrativos –
manipulados com absoluta liberdade pelo dramaturgo - articulam tão somente um
conjunto de variações multifacetadas em torno de um tema recorrente: a
impossibilidade da plenitude amorosa. Para Almada: “Nesta... não se passa
nenhuma intriga. Deste modo fica mais evidente que toda a ação está
constantemente negada”. (1999:74).
Em três atos, com sete quadros, estruturados com extraordinária
inventividade plástica, o poeta potencializa ao limite seu projeto teatral renovador.
Objetivo radical ao qual já antecipara sua adesão desde o Manifesto anti-Dantas,
onde desanca as “pinoquices de Vasco Mendonça Alves (“passadas no tempo da
avózinha!”) e as infelicidades do Ramada Curto que o desiludem tanto quanto “os
atores de todos teatros!”.
O que o poeta propõe em seu texto mais famoso é, portanto, uma sucessão
de “conflitos sem história”, com personagens sem nome ou individualidade
concreta, que surgem, desaparecem, reaparecem, mudam de nome, voltam a
reaparecer, envolvidos quadro a quadro em situações aparentemente desconexas e
surreais: Freguês-Vampa; Ele-Ela; Sereia-Marinheiro. Tudo articulado em um
jogo circular que, afinal, explicita a “tragédia da unidade” que tanto o mobiliza:
o 1 + 1 = 1 que paira sobre todos os eventos narrados.
O primeiro ato tem três quadros. Tudo começa em um clube noturno –
“boîte de nuit” – onde um grupo de “girlso mais despidas possível” apresenta
número de variedades dançando entre as mesas, segundo a rubrica. A estrela da
companhia é A vampa. Quem apresenta a personagem é O Criado, funcionário da
boate:
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“A vampa. Chamam-lhe A vampa. É a mascote de nós todos. Tem cá feito
uma falta. É a primeira vez que aparece depois da operação. Fizeram-lhe
uma operação. Correu tudo muito bem. Deixou de ser mulher. Dizem que
deixou de ser mulher. Tiraram-lhe tudo, tudo, tudo. Vazia como uma casca
d’ostra”.
Em seguida, A vampa – sobre uma cadeira - fala para delírio de seu
público:
“Eh gajada! Obrigado. Obrigado por tudo. Ainda não foi desta. Tiraram-me
todos os parafusos a mais. Vamos lá ver como se agüenta a caranguejola.
Recomeço o serviço. Aqui me têm. Estou mais levezinha. Sem
contrapesos(...)
Ao descer da cadeira é agarrada pelo Freguês. Começa, então, um diálogo
com um desfecho surpreendente:
Vampa – Nunca te vi.
Freguês – Nem eu.
Vampa – Sabias que eu existia?
Freguês – Não.
Vampa – E agarraste-me logo d’entrada?
Freguês – Logo.
...................
Vampa – Queres que eu fique contigo?
Freguês – Quero, quero.
..............
Vampa – Sou tua.
Freguês – És minha.
A ação do segundo quadro se desloca para “uma casita isolada no campo”.
No cenário uma mesa e duas cadeiras. A já conhecida Ela/Vampa acaba de
escrever na parede em grandes números 1 + 1 = 1. Toca um despertador.
Uma voz de dentro de casa – Não dormiste?
Ela (A Vampa) – Não.
Voz (Ele) – Que tens?
Ela – Nada.
Voz – Diz lá: aconteceu alguma coisa?
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Ela – Nada. O que há mais neste mundo: nada (silencio prolongado) Um
mais um igual a um”.......
Voz – Está errado. Um e um são dois.
Ela Também me parece errado. ( Silêncio) Eras tu que dizias a sonhar
alto.
Voz – O que?
Ela - “Um mais um igual a um”
No final da cena - com Ele (O Freguês do primeiro quadro) ausente –
Ela/A Vampa, que abandonara a vida de dançarina, recebe a visita inesperada de
uma antiga colega que descobrira seu esconderijo e que tenta convencê-la a
voltar para um pretendente rico. A Vampa resiste:
A mulher – ....Que queres que eu lhe diga?
A vampa – Diz a todos que a Vampa morreu. Para sempre.
A mulher Também tu? Enamorada!? Pobre Vampa, o que fizeram de ti.
Juro-te que esta não esperava eu. A vampa! A mascote de nós
todas. A que ia adiante de todas. Lembra-te de ti, Vampa! Ele não
vê senão a ti. Ele não sabe onde gastar o que ganha..Não tenhas
dúvidas...Não percas esta ocasião. Não sejas doida....
No último quadro, o cenário é a mesma casa da cena anterior. Só que a
árvore, que estava ao lado da casa, mudou de lugar. Diz a rubrica: “Nasceu uma
árvore no meio da edificação. Ela está em cena, entretida, Ele entra. O tom do
diálogo é de desencontro e desalento. O tão sonhado 1 + 1 = 1, que no quadro
anterior parecia firme, se desvaneceu. As personagens agem como desconhecidos.
A casa em que viviam vira “ruínas do que não se fez”.
Ela – Para onde é que o senhor deseja ir?
Ele –Para sítio nenhum. Vou de passeio. Ao acaso. Gosto de saber os
nomes por onde ando......
Ela Isto esteve para ser um sítio com um nome. O senhor viu aqui uma
casa. Chama a isto uma casa?
Ele – Os restos de uma casa.
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Ela – Nem isso. Também não. Não chegou a ser uma casa. Ficou a meio.
Ele – Não passou das paredes.....
Ela – Ruínas do não se fez......
Na continuação, Almada utiliza uma técnica anti-ilusionista que desloca o
texto para um lugar metalingüístico. As personagens narram seu encontro com as
falas em ordem invertida: Ela passa a dizer o texto dele e vice-versa.
Ele – Uma mulher e um homem encontram-se pela primeira vez. O homem
pergunta-lhe o nome do sítio onde estão. Ela responde-lhe: em sítio
nenhum.
Ela – “É a primeira vez que estou em sítio nenhum”
Ele – “P’ra onde é o sítio que o senhor deseja ir?”
Ela “P’ra sítio nenhum. Vou de passeio. Ao acaso. Gosto de saber os
nomes por onde ando”.
Depois, passam a relatar, em tom retrospectivo, a própria cena que acabam
de vivenciar:
Ele – E o homem viu uma bela árvore e uma casa que ficou por fazer.
Ela O homem não via. Foi a mulher que o fez ver. Há sempre outros
olhos que chegam primeiro às coisas que os nossos...
Ele – Uma mulher sentada a cozer...
Ela –Veio um homem a assobiar.....
O clima final é de mútua sedução. A minuciosa rubrica indica uma
“mímica magistral”. Com a presença referencial das personagens substituída pela
simulação, o 1 + 1 = 1 parece, mais uma vez, possível. No segundo ato, a
narrativa volta a assumir um tom catastrófico. A “unidade” que, apesar de alguns
percalços, parecia possível, volta a se mostrar inatingível. São dois quadros, o
primeiro começa com um ensaio de desfile de modelos, sob a batuta de A
personagem (Ele/O freguês) que age como um regente de orquestra. O espaço se
confunde com o do próprio teatro, a forma é a do ensaio teatral, a disposição
cênica imita a sala de espetáculo (público, personagens, palco, encenador) e se
ouvem “as três pancadas de Moliére”.
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A ação se repete algumas vezes, com pequenas variações, estabelecendo
uma circularidade que funciona como elemento de esclarecimento a respeito das
relações entre as personagens. Tal repetição tem, na estratégia do texto, o objetivo
de produzir uma maior legibilidade dos acontecimentos, tanto para as
personagens, como para o espectador. Não chega a existir, todavia, a configuração
clássica do “teatro dentro do teatro”, situação em que o jogo dramático no
segundo nível grau goza de autonomia espaço-temporal. O que se observa é uma
forma periférica de meta-teatralidade que assume características de paródia. O
processo ocorre apenas como recurso discursivo, no sentido de comentar, em
perspectiva, acontecimentos já ocorridos.
De volta ao desfile: após os ensaios, entra uma cliente e senta-se para ser
atendida. A personagem bate as pancadas de Molière. Surge, então, A mulher
vestida de noiva – novo nome de A vampa - com um imponente vestido de gala e
avança até o fim do estrado. De repente, vira-se para a cliente e proclama:
“Um mais um igual a um”
Ato contínuo, a cliente desmaia. A Personagem, surpresa, repete
alternadamente: “Um copo d’água!: O que a menina disse? Um copo d’água. O
que a menina disse? Um copo d’água!. A mulher vestida de noiva – na realidade
A vampa - desesperada, começa a rasgar seu vestido. A Personagem está
indignado e o desentendimento é agressivo.
Personagem – A menina está bêbada ou é doida?
Vampa – Bêbada? (Começa a rasgar o vestido de noiva) Doida?! (Fica quase
completamente nua e espezinha os restos do vestido no chão) -
Oiça lá! Porque saiu da sua terra? Por alguma coisa foi. Também lá
não se fazem as coisas como você quer? Estrangeiro! (Rasga os
restos do vestido)
Personagem – Selvagem!
Vampa – Estrangeiro! (Avançam uma para a outra)
Personagem – Selvagem!
Vampa – Estrangeiro!
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O quadro termina com uma grande algazarra. O tom da cena é de comédia
rasgada. A mulher, enfurecida, cospe no chão em direção ao Personagem que lhe
devolve a gentileza. Ao mesmo tempo ambos procuram, cada um de um lado do
palco, a porta de saída com A mulher gritando: “Por onde é que se sai deste
inferno? No mesmo tom O personagem, brandindo sua varinha de maestro, pede:
“Polícia!, polícia! Autoridade, autoridade! Justiça, justiça!.
No último ato, a cena é transportada para um “país estrangeiro”. No
início, O protagonista pede informações a O sinaleiro. O que se segue é uma
minuciosa pantomima com a qual O sinaleiro responde à indagação. Logo após,
adentra O anjo da guarda - com sua única intervenção na peça - e se dirige ao
rapaz:
Anjo da guarda – Triste idéia: sair da sua terra p’ra sítio nenhum no
estrangeiro! Quanto mais longe mais perto ficas do que queres fugir..... Já li
umas dez vezes a tua vida. Não te sirvo para nada. Não sou enfermeiro, nem
sentimental. Digo-te agora o que ando por dizer-te desde a tua maioridade:
adeus! Governa-te sozinho.
Após a admoestação, O anjo finge se afastar e O protagonista permanece
impassível. O anjo então volta, beija a cabeça do amigo e sai chorando
convulsivamente. Reaparece O sinaleiro que faz um sinal de passagem.
Atravessam a cena, em sentido contrário, dois grupos que lêem livros. Quando
acabam de passar, O protagonista está atrás de uma pequena mesa. Na frente um
cartaz: 1 + 1 = 1.
De repente, surgem alguns curiosos aos quais o rapaz passa a se dirigir, em
tom de discurso: “como ia dizendo......O único problema desse mundo é caso
pessoal de cada um de nós.......
1
º curioso – O que ele vende?
2º curioso – Não vês que não há nada aqui p’ra vender?
1º curioso – Então p’ra que é?
2º curioso – É p’ra dizer as verdades!
Nesse momento, O protagonista percebe A vampa que caminha,
sonâmbula, vestida como dançarina de boate, nos braços abertos um vestido de
noiva. Em seguida, O Protagonista despe-se rapidamente de sua capa de gabardina
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e com ela faz uma espécie de biombo para proteger A vampa dos curiosos. Dirige-
se a A vampa:
Tu sonhas alto. Quando dormes dizes coisas que nunca me disseste cara a
cara. Dizes sempre a mesma coisa. Tu consintiste que eu te quisesse. E eu
quis. Para sempre......”.(sai)
Após a despedida, o rapaz, como se nada tivesse ocorrido, volta ao seu
discurso aos curiosos:
“Pois bem, minhas senhoras e meus senhores, a humanidade não é unidade
senão com cada vocação: um igual a um mais um. Unidade igual a
humanidade mais cada vocação....Minhas senhoras e meus senhores, é
humanidade que pedem. Pois aí a têm: o deserto inundado de arranha-céus e
as ruas transbordando de gente fugida de sítio nenhum. Não é gente que
cresceu e se multiplicou. São contas multiplicadas e das quais sobra gente. A
maior catástrofe da história: mataram o homem!
Frenéticos aplausos e “os curiosos” entoam uma ladainha: Um e um, um;
Um mais um igual a um; Um e um, um; Um mais um igual a um....
A expressão utilizada pelo Protagonista, “minhas senhoras, meus
senhores” – entre os curiosos só haviam homens - tornam ainda mais ambíguos os
destinatários da mensagem. Trata-se, na realidade, de um aparte autoral que atua
em registro distanciado e exterior ao jogo dramático enunciado.
Para resolver Deseja-se mulher, o poeta traz de volta as personagens Ele e
Ela que, após acalorada altercação, rompem dolorosamente e saem de cena, para
sempre. Surgem então duas novas figuras: O marinheiro e A sereia. Diz a rubrica:
(..) aparece navegando um barco que para no meio do mar. O barco chama-
se à proa 1 + 1 = 1. Traz um marinheiro. Bigodes retorcidos, grossas suíças,
cabelo negro encaracolado.....O marinheiro deita ao fundo mar uma ancora
de prata reluzente enroscada pela palavra Esperança...Lança uma rede pela
borda e espera sentado. Levanta-se e iça a rede. Vem nela uma sereia,
cabelos de oiro comprido, “soutien” para os grandes seios, corpo de escamas
verde-escuro....(...)
A peça termina com mais uma pantomima: O marinheiro se engalfinha
com A sereia dentro de uma grande rede de pesca. Ao cabo de renhida luta
consegue dominá-la. Algum tempo depois, do fundo do barco, sobem O
marinheiro e A sereia trazendo no colo um “serzinho” humano com duas caudas
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de peixe. Entra correndo um fotógrafo e uma máquina com tripé. Levanto alto o
braço e dispara o relâmpago de magnésia. Finalmente, a tão sonhada unidade, o 1
+ 1 = 1 se realiza.
Como se observa, Almada utiliza uma estratégia diferenciada em relação
ao tema central da peça em cada um dos três atos. No final do primeiro, apesar de
alguns desencontros, o 1 + 1 = 1 está prestes a se realizar. No segundo, em meio a
terríveis desentendimentos e cenas agressivas, a unidade se torna uma quimera.
Finalmente no terceiro, a união se realiza de maneira plena e total, frutificando,
inclusive, com o nascimento de um “serzinho”, produto da relação entre O
marinheiro e A sereia, que poderiam ser chamados perfeitamente de
Freguês/Vampa; Ele e Ela; Personagem/Mulher Vestida de Noiva. Um
surpreendente final feliz surrealista.
3.1.3.2 S.O.S.
Da continuação da trilogia, S.O.S. publicada na revista Sudoeste em 1935,
pelo próprio Almada, resta apenas o segundo ato. Até prova em contrário, o
primeiro - que transcorre na sede do grande jornal O Estado, diário nacional – se
extraviou. Trata-se de uma incursão premonitória sobre a vida política portuguesa
na Primeira República, em que o jornal metaforiza um país imaginário, afinal nem
tão imaginário assim, onde se sucedem lutas políticas e revoluções.
No texto, um jovem casal, apenas chamado de O protagonista e A noiva,
procura uma entidade denominada “coletividade. No final da narrativa, uma
personagem chamado “O árbitro”, se dirige diretamente ao público para promover
uma “moralidade” ao estilo medieval onde proclama, por fim, sua total descrença
em relação às “ verdades absolutas que todos imaginam possuir”.
S.O.S
26
foi, conforme declarações do próprio Almada, lida “de propósito”
na Associação Acadêmica de Coimbra, em junho de 1932, após a apresentação da
célebre conferência Direção única exatamente onde o poeta tematiza a questão da
dialética individualidade/coletividade, por muitos entendida como uma declaração
de adesão ao Estado Novo português. A conferência fora pronunciada
26
Almada só produz duas peças com temática política, o próprio S.O.S. e o já comentado Portugal
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66
anteriormente em Lisboa, no Teatro Nacional, seguida pela leitura não 2º ato, mas
do final do 3º ato de S.O.S. que permanece inédito. Almada jamais comentou a
razão da mudança.
No início, a cena se passa na sala de espera de um grande jornal. De
acordo com a meticulosa e típica rubrica almadiana: “Para dar melhor a impressão
de sua pequenez, a sala ocupará apenas um lado do palco”. Um cartaz na parede:
O Estado, diário nacional. A sala está literalmente cheia de fumo de tabaco. As
cadeiras estão ocupadas por distintas personagens “das mais variadas educações”
e todas esperam com paciência que lhes chegue a vez de serem atendidas.
De vez em quando se abre a porta e aparece um continuo fardado,
procurando algum dos presentes. Um homem de meia-idade, muito magro, pálido
e nervoso, passeia de lado para outro e fala freqüentemente sozinho. Um relógio
de parede badala as horas que os presentes acompanham com suspiros de
impaciência e resignação. A atmosfera é tensa. O continuo se dirige ao Senhor que
lhe entrega uma carta:
O continuo - Não está!
O senhor ( de cabeça perdida) – Não está?!
O continuo – Não senhor, não está.
O senhor – Está, sim senhor!
O continuo – Que quer o senhor que eu lhe faça? .
O senhor ( recolhendo bruscamente a carta) – Está bem, Faça o favor de lhe
dizer da minha parte....muito obrigado!(sai esforçando dignidade)
Outro senhor (ao contínuo) Então já? (cada vez mais amável) Já conseguiu
falar com ele?
O contínuo – tenha paciência, tenha paciência! O senhor não é mais que os
outros. Já chegará sua vez(fecha a porta)
O senhor – Eu espero, eu espero... A única coisa que eu sei fazer: esperar.
Tal dialogo é presenciado pelo O Protagonista e por sua Noiva (personagens
saídos de Deseja-se mulher), sentados em cadeiras próximas do público:
O protagonista (para A Noiva) – Está é a porta de entrada para a vida
A noiva – Mas a vida será melhor do que isto
O protagonista – Será melhor se nós a fizermos melhor
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A noiva - Mas nós a faremos, não é verdade? Como tu dizes: Nós somos
bastante poetas para saber vencer a vida”. Escuta! A mim mesmo o
pergunto: que forças são estas minhas desde que eu ando a teu
lado?
O protagonista – São as forças superiores a cada um de nós, as próprias
forças da vida onde nasce a poesia.
O quadro III transcorre na sala do diretor do jornal que finalmente recebe O
protagonista e A noiva. Ao subir o pano, o diretor assina inúmeras folhas de
papel. Uma jovem datilografa trabalha maquinalmente. Antes de sentar-se, o
jovem entrega uma carta ao diretor.
O tom do diálogo entre os dois é inquisitorial:
O diretor (ao jovem) - Que religião tem o senhor?
O protagonista – Religião...na verdade não tenho nenhuma.
O diretor –É ateu?...
O protagonista – Não, não senhor. Os meus país eram católicos...
O diretor – Qual a sua política?
O protagonista – Ah, disso sim, que não tenho nenhuma.
O diretor – Espera um momento....E seus país?
O protagonista – Também não tinham nenhuma
O diretor - ( para a datilografa) Então pode por: nenhuma......
O protagonista O que desejo fazer constar como minha resposta é
simplesmente isso: que não pertenço a nenhuma das facções da
política, nem das direitas nem das esquerdas.
As perguntas se sucedem: é ambicioso? que deseja ser no futuro? alguma
queixa da vida? o senhor é poeta?. Pressionado, o rapaz desabafa: “no entanto,
não posso deixar de dizer que hoje em dia tornou-se perigoso existir”.
A peça anda em círculos – como quase sempre no teatro almadiano - até
que um pouco antes do fim adentra O novo diretor que recomeça o mesmo
interrogatório já respondido pelo Protagonista: Que religião o senhor tem? Qual a
sua política? O senhor é hebreu, maçônico ou jesuíta? Nesse momento começa a
se ouvir o som estridente de uma sirene elétrica que faz com que todos os que
estão em cena, menos O protagonista e A noiva, ponham apressadamente
máscaras contra gases asfixiantes.
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Ato contínuo, no primeiro plano, levantam-se tábuas do chão em todo o
comprimento do palco, formando uma espécie de trincheira subterrânea da qual
emergem várias personagens armadas com espingardas portando tamm
máscaras antigas e capacetes de ferro. Nos braços das personagens laços de cor
diferente. Os da trincheira apontam suas armas para os que estão no fundo e estes
não tem outro remédio senão desistirem. A bandeira dos derrotados é substituída
pela dos vencedores e destruída. No lugar de O diretor agora está uma nova
personagem, “ O outro diretor.
Para resolver tudo, Almada introduz O árbitro – que realiza uma das
típicas intervenções distanciadas e autorais do autor - que vestido como um juiz de
futebol avança em direção à platéia. O humor é corrosivo:
“Respeitável publico. Este quadro ainda não acabou. Fui eu quem mandou
parar. Porque esta cena nunca mais tem fim.. Podíamos estar aqui a vida
inteira e a única coisa que mudava era a cor daquela bandeira...Na
impossibilidade manifesta de se poder terminar esta cena para seguirmos
com o resto da obra, é de justiça dar ao publico as mais completas
satisfações. Este grupos diferentes e com as suas cores próprias estão
empatados...... Já é um empate crônico E acabou por ser um circulo vicioso.
Para o cúmulo de nossa desgraça, o Diretor morreu. Mas a verdade é que foi
assassinado. Que morra um diretor é a coisa mais natural do mundo...Mas
que o matem..Oh Deus do Céu!. Por isso proponho que de hoje em diante
seja dirigida a coletividade de dentro de um “tank” blindado, já que a
autoridade não tem autoridade”.
Após o discurso, O árbitro retorna ao centro do palco, se coloca ao lado de
O protagonista – que está em companhia de sua Noiva - e informa que ele é a
única personagem verdadeira de toda a peça. Em seguida, posta-se entre os dois e
levanta seus braços, como se fossem campeões de boxe. O casal é ovacionado
pela platéia. O árbitro se aproxima, então, da boca de cena para o encerramento da
peça. O tom é de fina ironia:
“Encontrar a verdade é um caso de todos os dias. Na minha longa carreira
de árbitro, rara é a pessoa que eu conheça e que não tenha ainda encontrado
a verdade. Mas o que até hoje eu nunca vi foi que a verdade tivesse sido
encontrada por muitas pessoas ao mesmo tempo....A verdade é para todos ou
para nenhum. Portanto, se alguém de V.Exas. encontrar a verdade, dou-lhe o
conselho que a deixe quietinha onde vir. Não lhe toque. É o melhor que pode
fazer. Porque se a leva para casa e deseja ficar com ela para si...(...)
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Nesse momento, abaixa a voz – para não ser ouvido pelo Protagonista e
pela Noiva – e fala, enigmaticamente, só para o público:
(...) pode estar seguro de ter conseguido o caminho mais curo para o suicídio
ou para o manicômio, ou para a glória....sim ia-me esquecendo: para a
glória! Para a glória também. Ou para o suicídio, ou para o manicômio ou
para a glória”.
Sem dúvida S.O.S é - sem trocadilho - um pedido de socorro. Com seu
clima metafórico e sombrio, o texto é absolutamente profético em relação aos
rumos da sociedade portuguesa nos quarenta anos subseqüentes. A atmosfera é de
asfixia e de impotência.
Interessante que, ao relatar a leitura de S.O.S., em Coimbra na mesma
noite da conferência Direção única, diz Almada que o auditório estava lotado de
estudantes divididos em dois blocos acalorados – como na própria peça - e
politicamente opostos. A final da leitura, ambos, narra Almada,” me tributaram os
aplausos que considero os melhores de minha vida pública de artista e de
português”. (1997:538)
3.1.3.3 Protagonistas
Na terceira parte da trilogia - publicada em espanhol (
27
) - El protagonista
evidente alter ego de Almada - surge em cena vestindo “jersey arlequinado” e
está construindo uma casa. Sem saber como terminá-la, consulta um livro e
promove uma espécie de solilóquio a respeito da obsessão do poeta: 1 + 1 = 1:
“Uno mas uno igual a uno”....El hombre y la mujer nacieram para vivir em
compañia. La atracción de sus seres opuestos los hace juntarse. El hombre
recibe la inspiración de la mujer, su única inspiradora.... Uno mas uno igual
a uno. El hombre y la mujer no suman dos como los números, sino que
forman uma sola individualidad que es la única vital. No vale más uno que
outro (..).
27
Todas as peças da trilogia foram escritas em espanhol. No volume das obras completas da
editora Aguillar apenas Protagonistas está em espanhol.
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Na seqüencia, El disco de gamófono que Almada define como uma
personagem - toca “uma música de jazz al mismo tiempo que aparecem danzando
seis “girls” numeradas y lo menos vestida posible. Al terminar la música quedan
militarmente em fila”. A partir daí El protagonista e La 6ª girl iniciam um diálogo
com tintas surrealistas sobre o desejo, o amor, o orgulho, o homem, até que El
protagonista, em impulso irresistível, atraca-se com La 6ª girl a quem chama de
Mitú ( ingênua brincadeira almadiana Mi –Eu/ Tu-Você) e se “abrazan y se besan
em la más franca intimidad de dos amantes”. Neste momento aparece La novia
com passos solenes e vestida à caráter que dirige-se a El Protagonista:
La novia – Nuestra querida casita!
El protagonista – Si, mi vida. Es nuestra querida casita!
A primeira cena acaba com um diálogo, em tom lírico e francamente
doméstico, sobre a estrutura da casa, onde fica a garagem, o quarto das crianças,
de onde vem o sol e outros temas que tais. Antes de se retirar La novia proclama
embevecida:
La novia – Tenemos el sol todo el dia!
El protagonista – Todo el dia! Para siempre!
La novia - (antes de desaparecer)- Para siempre! Son las palabras que más me
gusta oirte!
Na cena II, são introduzidas as personagens El hombre, Um soldado, El
público, La visita, 1º amigo, 2º amigo e a participação dos espectadores. Os temas
são rigorosamente os de sempre: a busca do amor total e da felicidade
consubstanciada na necessidade de “unidade absoluta” dos amantes, mesmo em
um mundo permeado pelo embate cruel entre as razões do indivíduo e o senso do
dever coletivo.
Almada encerra a peça uma declaração de princípios – espécie de tese
moralista auto-explicativa - de El protagonista que afirma, logo após o 2º Amigo
proclamar: “Felices los que pueden cumprir su deber com alegria”:
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“ Si el deber que tenemos para com nosotros mismos fuera tan fácil como lo que
tenemos para com la sociedad! Llegué a um momento de mi vida em que mi
imaginación, mi deseo, mi deber es todo uma sola cosa, única, insustituible.
Ésto se hace o no se hace. Tomé la vida em sério. He visto com toda sua
crudeza el único camino que el destino trazó para cada uno. Es bueno y
maravilloso pero tiene de terrible ésto de ser el único”.
Como facilmente perceptível, é estranho que nem Almada, nem os
principais comentadores de sua obra, jamais tenham relacionado Protagonistas
com a tragédia da unidade, no contexto de uma trilogia. De um ponto-de-vista
estritamente temático, afinal o fundamento para a existência das trilogias desde a
Grécia, Protagonistas tem muito mais proximidades com Deseja-se mulher do
que, propriamente, S.O.S. considerada por Almada com uma espécie de
continuação da primeira.
Sintetizando essas observações sobre a dramaturgia mais relevante de
Almada, cabe enfatizar a especial sintonia dos textos com o projeto épico de
Bertolt Brecht. Seja em função da inexistência de tramas lineares condutoras das
ações (ausentes nas vanguardas em geral); seja em relação ao caráter supra-
individual das personagens e dos temas (herança do expressionismo); seja na livre
exploração da descontinuidade espaço-temporal (também típica das vanguardas);
seja na utilização de recursos distanciados na relação entre o palco e a platéia; seja
no adequado uso coral de canções e toadas do repertório popular como elementos
integrantes da narrativa, também muito próprio da narrativa do dramaturgo
alemão.
Para a realização dessa estratégia épica contribui ainda a utilização
recorrente da fórmula 1+1=1, que paira sobre os eventos narrados em todos os
textos da trilogia, evidenciando uma deliberada intervenção autoral. Nesse
sentido, cabe ainda reafirmar que importantes elementos discursivos utilizados no
decorrer das peças derivam, simplesmente, da vontade unilateral do autor e não do
jogo dialogal entre as personagens. Em todas elas, são inúmeras as passagens nas
quais personagens, fora do contexto dialogal, se aventuram por longas tiradas
expositivas. Essa opção remete para um nível meta-textual e de reflexão,
naturalmente facilitado pela rarefeita estrutura dramática das narrativas.
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3.2 O Público em Cena
O canto do cisne da experiência espanhola de Almada, O público em
cena, escrito em 1932, antes de um longo jejum de dezoito anos – só em 1949
publica Aquela noite (O meio do tempo) e O mito de psique - com pouco
mais de dez páginas e inspiração pirandelliana
28
, é um exercício que trata de dois
temas muito caros ao dramaturgo português: a “decadência” do teatro e o elogio
do autor.
De início, o texto propõe uma curiosa inversão. Os autores ficam na platéia
e O Público, no palco, junto com Os Atores. A primeira intervenção é da
personagem Mulher:
(...) Minhas senhoras e meus senhores...Hoje o público subirá aqui à cena, e
vós, senhores autores dramáticos, ocupareis hoje os vários lugares do
público....Vós, autores dramáticos, andais tão estreitamente ocupados nessa
vossa altíssima missão de imaginar assuntos que entretenham o público
durante o preço de cada entrada, que, por vezes, alheais-vos( o que é
natural), involuntariamente já se vê, de realidades que afinal só são visíveis
através da bilheteria....
A cena prossegue com uma afirmação que também poderia ser
perfeitamente assinada por Antonin Artaud: “desgraçadamente, não é novidade
para ninguém, o teatro está em decadência. O público abandona cada vez mais o
teatro e prefere outros espetáculos. Temos feito por nossa parte todo o possível
para trazer de novo o público para o teatro. Mandamos limpar a casa toda de alto a
baixo....(...).
Na continuação, uma mesa-redonda entre A mulher, O público, A diretora
e os atores – A atriz mais Jovem, o 1º ator, etc. O assunto é recorrente: Por que o
público vai ao teatro? O que o público deseja?
Um pouco antes do final, O público revela:
“.Saber divertir o público é a missão de todo o espetáculo. Mas quem sabe
divertir não é aquele que faz parte do espetáculo, mas sim aquele que o
imaginou. Entende-me?
28
O público em cena está datada de 1932 – ano seguinte ao da visita de Pirandello a
Portugal, como convidado de honra do Congresso Internacional de Crítica, grande
operação de propaganda do Estado Novo montada por Antônio Ferro. Na ocasião, assiste
estréia mundial de sua peça de um ato Sogno, com Amélia Rey-Colaço e Samwell Dinis
.
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A Diretora responde:
Sim, perfeitamente.”
O Público retruca, com agressividade:
Não entende tal. É muito mais simples do que a senhora julga: eu, o
público, vou a um espetáculo, os actores divertem-me, mas o que sabe
distrair-me é o que os actores dizem ou fazem, ou seja, o autor que eles
actores, representam; a imaginação do autor que os actores tornam presentes.
Em sua intervenção final, O Público promove mais uma exaltada defesa
do autor:
“Sem autores não há arte. Com bons edifícios, boas companhias teatrais, mas
sem autores, não há Arte, só são possíveis exibições. Eu público não me faço
ilusões a este respeito sobre a minha pessoa. Eu sei que a minha vida, o
melhor da minha vida, está nas maõs dos autores .Eu serei alguém se os
autores o souberem dizer por mim....deixem os autores levar intacta até o
público a sua imaginação de autores!....A imaginação dos autores é o único
segredo do mundo que faz nascer, correr e sem perigo de secar a fonte de
oiro!
3.3 O Dono do Palco
Inegavelmente a dramaturgia de Almada constitui um inventivo conjunto
onde estão impressas as marcas de um projeto artístico mais amplo, radical e
alternativo. Para realizá-lo, se vale de uma autonomia formal nunca dantes
reivindicada no contexto português. Lopes, por exemplo, ao comentar Deseja-se
mulher, recorre a expressões que deixam antever seu desconcerto: inventividade
cênica e frouxidão de nexo lógico entre alguns quadros que mal esboçam uma
coerência extensiva a toda a peça. “ eles são inquestionavelmente poéticos (...)
mas muda-se de poema dramático quase cada vez que se muda de quadro cênico”.
(apud Rebello, 2003:170).
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Ainda para Rebello, a expressividade e o “não-formalismo” desta
movimentação acabam por radicalizar a preferência almadiana pela
“performance” em detrimento da representação:
”O enorme cuidado das rubricas na definição exata da dinâmica no palco
propicia momentos em que a própria comunicação verbal se apaga e, em seu
lugar, explora-se o transporte imaginoso da expressão corporal e mímica, de
inspiração verdadeiramente oriental, muito diversa da orientação naturalista
e socializante dos hábitos europeus da encenação oitocentista. (,2003: 172 ).
Exemplo quase solitário da estética vanguardista na dramaturgia
portuguesa (ao lado de Os gladiadores, de Alfredo Cortez e dos exercícios de
Branquinho da Fonseca), os textos articulam, pois, uma síntese programática entre
as provocações e o “non-sense” futuristas, a estilização expressionista, o jogo de
espelhos pirandelliano, o distanciamento épico de Brecht, o surrealismo e a
“crueldade” artaudiana. Tudo isso metabolizado e misturado pelo poeta às suas
recorrentes e obsessivas preocupações com as relações entre os indivíduos e entre
eles e a coletividade. Como diz o próprio Almada:
“Numa tratei do indivíduo separadamente da coletividade, isto é a pessoa
humana colocada exatamente diante do seu próprio caso pessoal, o individuo
encarando individualmente o seu problema pessoal da Ordem; A
coletividade sofre o inevitável atrito de cada um dos seus indivíduos, até
que, por desespero geral ou necessidade fatal, todos se submetem ao comum
imediato e acabando esse movimento coletivo, imperioso e tirânico, por
estabelecer o novo ritmo da sociedade e seu indivíduos..(1997: 789 )
Importa, portanto, considerar que, ao proclamar, de maneira enfática, em
seus textos teóricos que “quem manda no teatro é o texto do autor”, na verdade o
poeta toma precauções contra a ação de um eventual encenador que pretenda
ocupar o lugar que, a seu juízo, lhe cabe por definição:
“Uma vez posto o autor de teatro na sua legítima casa, o teatro; uma vez que
tenham fala as próprias obras do autor de teatro desde o seu legítimo lugar
público, o teatro; desde que o “metteur-en-scène” seja o próprio autor, então
ficarão melhor demarcadas as fronteiras que separam para sempre o teatro do
cinema”.(1997: 789)
Para tanto, abandona – principalmente a partir da “tragédia da unidade” -
o campo de um teatro baseado nas eventuais potencialidades cênicas do texto,
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para investir na construção de uma espécie de modelo cerimonial capaz de
teatralizar-se. Como decorrência, observa-se de maneira clara no conjunto de sua
obra uma programática predominância da “semiosis” sobre a “mimesis”. A
narrativa basta-se a si mesma jamais pretendendo a “representação” de qualquer
coisa. Nesse processo, a palavra não tem qualquer privilégio especial, como já não
o tem em Meyerhold:
Privado de palavra, de vestuário, de lamparinas, de bambolinas, do edifício,
o teatro, com o ator e a sua arte de movimentos, os gestos e as interpretações
fisionômicas do ator são quem informa o espectador sobre seus
pensamentos e impulsos (1986:75).
Certamente a dramaturgia de Almada o é com todos os sentidos. A ação
dessa declaração de princípios, evidenciada nos textos comentados nesse capítulo,
incorpora de maneira inovadora ao espaço do teatro português as possibilidades
expressivas de muitas formas artísticas até então tidas como secundárias ou
mesmo marginais: o espírito carnavalesco, o circo, o “cabaret”, , o “music-hall”, a
“commedia dell’arte”.
Aliás, especialmente em Pierrot e Arlequim e na “tragédia da unidade”,
não faltam exemplos desta abertura ao carnavalesco, “ à grande algazarra com
serpentinas”, à dança, à música e ao universo da “comedia dell’arte”. A
recuperação destas formas históricas promovida pelo poeta, não se faz em função
de qualquer tipo de nostalgia erudita, mas, certamente, em obediência a uma
estratégia de aproveitamento de seu potencial formal renovado como novo
material significativo.
Em síntese: o investimento do modernista português no terreno da
literatura dramática investe contra toda e qualquer forma de dissimulação, seja ela
cênica ou textual. Suas complexas narrativas não se articulam num acontecer
previsível, na objetiva evolução psicológica das personagens ou num código
visual rígido que, entre o espetáculo e o receptor, assegure uma óbvia
interpretação dos gestos, do cenário, do figurino, dos movimentos. Claramente seu
teatro não oferece qualquer “realidade” ao re-conhecimento sensível do
espectador. Pelo contrário, os textos existem, tão somente, como produto de uma
ação organizativa singular do autor sobre os materiais básicos de que dispôs:
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corpo, palavra, espaço, tempo e história. Rigorosamente como preconizam as
vanguardas históricas.
Ao combater com tenacidade a tradição naturalista pelo investimento
radical na “espetacularidade”, o artista realiza, no contexto português, um radical
enfrentamento crítico em relação ao que denomina “logocentrismo mimético”.
Essa reação, em certa medida, se aproxima de uma linha esotérica assumida pela
própria “Geração d’Orpheu” como um todo e por outras vanguardas
contemporâneas (Dadaísmo,etc..), na Europa e na periferia.
Na realidade, toda a aventura da modernidade teatral, a partir das
experiências das vanguardas, pode ser resumida na busca de uma “síntese
comunicativa”. Ou, como afirma Jacques Copeau, nos anos 20: só haverá um
teatro novo no dia em que o homem da sala disser ao mesmo tempo as mesmas
palavras que o homem da cena”. (2003:174). Não foi outra a motivação de
Almada Negreiros, poeta, futurista e tudo.
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4 Agitador profissional
4.1 Sob as ordens da mamãe
29
No final da primeira década do século XX as oligarquias paulistas e
mineiras dominam política e economicamente o Brasil. Continua sua trajetória a
letárgica e corrupta república do café com leite estabelecida logo após o governo
de Floriano Peixoto. Os índices de analfabetismo são alarmantes e a grande
maioria da população vive em condições lamentáveis. Oswald de Andrade,
nascido em 1890, rapaz de família rica, es matriculado na Faculdade de Direito
de São Paulo e faz freqüentes viagens ao Rio de Janeiro, onde participa da vida
boêmia dos escritores e artistas.
Em 1911, lança a revista semanal O Pirralho, na qual usa o pseudônimo
Annibale Scipione . No final do ano interrompe seus estudos e prepara-se para
embarcar para Europa pela primeira vez, o que ocorre em fevereiro de 1912. Em
setembro, quando retorna, traz na bagagem as novidades futuristas, dentre elas o
Manifesto, escrito por Felippo Tomaso Marinetti.
Oswald só lança suas primeiras peças – escritas em francês - Mon coeur
balance e Leur âme, quatro anos depois. Ambas são editadas em 1916, ano
também bastante produtivo para Almada Negreiros que publica, em Lisboa, o
poema Litoral dedicado a Amadeo de Sousa-Cardoso e seu primeiro Manifesto –
defendendo o referido amigo contra a crítica conservadora - e encena o bailado
Lenda de Inês, no Palácio da Rosa dos Condes de Castelo Maior. 1916 é também
o ano do suicídio em Paris do grande poeta Mário de Sá-Carneiro, figura
exponencial de sua geração.
No ano seguinte, que marca o triunfo da revolução soviética, retorna à
Faculdade de Direito de São Paulo, torna-se amigo de Mário de Andrade, Menotti
Del Picchia, Victor Brecheret e Di Cavalcanti formando, juntamente com
Guilherme de Almeida e Ribeiro Couto, o primeiro grupo que se auto-intitula
“modernista” no Brasil. Quando da polêmica exposição “expressionista” de Anita
29
Sub-título de sua autobiografia Um homem sem profissão/sob as ordens da mamãe.
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78
Malfatti, defende-a vigorosamente contra um virulento artigo crítico de Monteiro
Lobato intitulado “Paranóia ou mistificação”.
Ainda em 1917, Oswald colabora com o jornal Correio Paulistano, lidera a
campanha preparatória da Semana de Arte Moderna e viaja para o Rio de Janeiro
na companhia de Mário de Andrade com o objetivo de conseguir adeptos para o
movimento. Em maio, apresenta no jornal a poesia de Mário de Andrade com o
artigo “O meu poeta futurista”. Provoca polêmica com o próprio Mário que, em
junho, lhe responde com uma indagação “Futurista?”. No início de fevereiro de
1922, publica no Jornal do Comércio um artigo com o título: A triunfo de uma
revolução:
“Anuncia-se para o próximo dia 10 a abertura, no Teatro Municipal, de uma
Semana de Arte Moderna à qual, chefiada pelo grande nome de Graça
Aranha, concorre, vigorosa e moça, toda uma plêiade de nomes ilustres. Não
faz um ano que, pelas colunas do Jornal do Comércio, começava-se o bom
combate. E daí para cá o grupo de audazes renovadores, através da sátira
engraçadíssima dos vencidos, só tem contado adesões....De fato é de São
Paulo a glória de abrigar os primeiros portadores comovidos da nova luz –
luz do século forte e construtor que já deu a França de Romain Rolland,
Claudel e Apollinaire, a Itália de Marinetti e Papinni, a Sérvia de Mestrovic,
Portugal, de Antônio Ferro(...)”
Com cinco dias de atraso, em 15 de fevereiro, no primeiro dia da Semana,
Oswald lê, sob intensas vaias, um trecho de Os condenados. No mesmo ano cria,
com Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Anita Malfatti e Menotti Del Picchia,
o Grupo dos Cinco e embarca de novo para a Europa em companhia de Tarsila -
com quem passa a viver - onde fica até o final do ano seguinte.
A respeito das relações Oswald/Tarsila e de suas andanças escreve Micelli
com muita acidez:
“ O casal formado pelo poeta Oswald de Andrade e pela pintora Tarsila do
Amaral é a encarnação mais perfeita e acabada do estilo de vida dos
integrantes dos círculos modernistas, obcecados ao mesmo tempo pela
ambição do brilho social e pela pretensão de supremacia intelectual. O fato
de ambos pertencerem a famílias abastadas da oligarquia e de poderem viver
às custas das rendas provenientes da especulação imobiliária com terrenos
onde se edificariam os futuros bairros elegantes da cidade de São Paulo e dos
lucros derivados da exportação de café lhes assegurou o capital necessário
para que pudessem se impor como modelos requintados de importadores
tanto no âmbito do consumo de luxo como no tocante a investimentos
culturais...” ( 2001:96).
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79
Além da Semana outros acontecimentos tornam o ano do centenário da
Independência especial na trajetória política e cultural do país. Desde o final da
década anterior ampliam-se os problemas estruturais e a crise sócio-econômica
herdados da Monarquia que permanecem sem solução após a Proclamação da
República em 1889. As rebeliões militares iniciadas com os acontecimentos no
Forte de Copacabana, em 1922 – marco inicial dos movimentos liderados pelos
jovens tenentes contra o governo central - e a eclosão em 1924 da chamada
Coluna Prestes, que durante dois anos desafia vitoriosamente o poder federal, são
elementos fundamentais de uma crise que só se resolve, de fato, do ponto de
vista institucional, com a instalação do Estado Novo por Vargas em 1937.
Também em 1922 é fundado, em Niterói, o Partido Comunista que posteriormente
recebe entusiasmada adesão de Oswald.
Na volta ao Brasil, no final de 1923, Oswald faz escala em Portugal onde
profere uma conferência e concede entrevista ao Diário de Lisboa
30
. No ano
seguinte recebe, em São Paulo, o poeta Blaise Cendrars que conhecera na França e
lança o Manifesto da poesia pau-brasil e as Memórias sentimentais de João
Miramar, ambos concluídos em Paris.
De volta ao Brasil, em 1928, Oswald lança uma de suas obras mais
importantes e polêmicas, o Manifesto Antropófago.
31
O comentário é de Nunes:
“No “antropofagismo” tudo é contraditório, e tudo é significativo por ser
contraditório. Mitifica-se a antropofagia, e utiliza-se o mito, que é irracional,
tanto para criticar a história do Brasil – para desmitificá-la – quanto para
abrir-lhe, com o apelo igualitarista da sociedade natural e primitiva, um
horizonte utópico, em que o matriarcado, símbolo da liberdade sexual,
substitui o sistema de sublimações do patriarcado rural....Vanguarda de todas
as vanguardas, o antropofagismo passaria da América à Europa...A herança
caraíba reencontrava, assim, o mundo civilizado e devia fertilizá-lo. Nosso
Modernismo cronologicamente atrasado, era um começo, uma origem”.
(1979:34)
30
Não há qualquer referência a encontro de Oswald com Almada Negreiros
31
A “antropofagia “ oswaldiana é o pensamento da devoração crítica do legado universal,
elaborado não a partir da perspectiva submissa e reconciliada do “bom selvagem”
(idealizada sob o modelo das virtudes européias no romantismo brasileiro do tipo
nativista, em Gonçalves Dias e José de Alencar, por exemplo), mas segundo um ponto de
vista desabusado do “mau selvagem”, devorador de brancos, antropófagos. Ela não
envolve submissão (uma catequese) mas uma transculturação, uma transvaloração: uma
visão crítica da história , capaz tanto de apropriação como de expropriação,
deshierarquização, desconstrução...(..) (cf. Campos: 1981)
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80
Como escreve o próprio Oswald no Manifesto:
“Queremos a revolução.... A unificação de todas as revoltas eficazes na
direção do homem. Sem nós a Europa, não teria sequer a sua pobre
Declaração dos Direitos do Homem – “Já tínhamos o comunismo. Já
tínhamos a linguagem surrealista”.
Ou seja, também de acordo com Nunes (1979:37): “há coerência na
loucura antropofágica – e sentido no não-senso de Oswald de Andrade” que um
pouco antes do triunfo do movimento liderado por Getúlio Vargas – a Revolução
de 1930 - conclui Serafim ponte grande e separa-se de Tarsila do Amaral. No
ano seguinte, funda o jornal O homem do povo e, em 1933, escreve O rei da
vela, que circula em 1937 juntamente com A morta. O homem e o cavalo é de
1934. Como já mencionado, Oswald já publicara duas outras peças, ambas em
francês, em parceria com o também modernista Guilherme de Almeida e ainda
impregnadas por um vagaroso clima simbolista “cheio de meios tons”, para usar a
expressão de Magaldi (2004:40)
32
.
A propósito dessas peças, Guilherme de Almeida – com quem Oswald
para variar, se desentendera - em entrevista a Magaldi, afirma que a idéia foi do
próprio Oswald:
“No Brasil não tem teatro ainda., mas para ser universal, é preciso escrever em
francês”. (2004:10)
Magaldi confirma ainda (2004:11) a existência de dois textos inacabados
de Oswald: o primeiro chamado de A recusa, drama em três atos datado de 1913,
que lhe chegaria às mãos apenas em 1972. O segundo, O filho do sonho, também
um drama em três atos, que teria sido escrito em 1917, um ano após as peças em
francês. Sem esquecer a pequena peça (três páginas) Panorama do fascismo,
publicada em Problemas, revista mensal de cultura, em São Paulo, setembro de
1937.
32
Por coincidência, Almada também escreve em francês parte de um dos seus textos
teatrais mais conhecidos: Portugal.
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81
Em 1939, Oswald está de volta à Europa para participar de um congresso
de escritores e, no ano seguinte, através de uma carta-desafio, lança-se candidato a
uma vaga na Academia Brasileira de Letras contra as candidaturas de Menotti Del
Picchia e Manuel Bandeira que acaba sendo escolhido. Anteriormente, em 1925,
havia ameaçado candidatar-se, mas não se inscrevera. Agora se trata também
apenas de uma provocação que recebe ampla divulgação pelos jornais:
“Neste momento em que desaparecem sob o peso dos tanques e das bombas
todas as manifestações de um mundo velho e caduco, a Academia precisa de
sangue novo, de gente que, como eu, representa o futuro. Se não a
Academia, com a tristeza dos velhos que a forma, desaparecerá”.
E a respeito de sua campanha afirma que:
“Está sendo feita pela rádio, haverá um comício, enfim será uma disputa pública,
não uma apagada eleição acadêmica. Nomearei dois representantes para
acompanharem a eleição no dia: o pintor de sentimentos de amor filial e escritor
Flávio de Carvalho e o romancista Jorge Amado. Não serei eleito, mas o público
saberá que o espírito novo está empenhado na conquista da Academia”.(cf. Fonseca,
1981:73).
A partir de 1944 começa a escrever uma coluna no jornal Correio da
Manhã, do Rio de Janeiro com o titulo “Telefonema”. A colaboração dura até os
últimos dias de sua vida. Em 1945 com o fim do Estado Novo, Oswald – após
participar do lançamento da candidatura de Luis Carlos Prestes à presidência que
acabou não se concretizando - rompe com o Partido Comunista mas continua se
dizendo de esquerda. Nas eleições gerais de 1950, Oswald candidata-se a
deputado federal pelo Partido Republicano Trabalhista. Não se elege. Sobre a
saída de Oswald do “partidão”, o comentário é de Benedito Nunes:
(...) Na verdade, ao abandonar o marxismo, por uma reação contra a ditadura
do proletariado e a dogmática obreira do estado soviético, Oswald não
abandonou o pensamento de Marx, por ele conservado naquilo que tem de
essencial. É que o poeta, e eis onde começa a originalidade do seu pensamento,
mesmo como marxista, o que pode ser confirmado pela leitura dos escritos da
fase em que durou a sua militância partidária, nunca deixou de ser utopista. E
jamais fez, na realidade, a distinção, sabidamente estratégica, entre socialismo
utópico e socialismo científico. Manteve ele no marxismo a dimensão ética das
doutrinas do chamado socialismo utópico (Proudhon, sobretudo), e o anti-
estatismo anarquista de um Kropotkin. Seu socialismo jamais deixou de ser,
fundamentalmente, o da rebeldia do indivíduo contra o Estado, mais interessado
numa sociedade nova, cuja vida passasse pela morte da organização estatal, do
que no fortalecimento de uma ditadura do proletariado”. (1970: 51)
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82
4..2 A tetralogia da devoração
De modo geral, os comentaristas consideram que os textos escritos por
Oswald, entre 1933 e 1937, configuram uma trilogia. A recente redescoberta (e
republicação) de Panorama do fascismo aponta, todavia, para a existência de
uma tetralogia da devoração.
4.2.1 O homem e o cavalo
A primeira peça importante editada por Oswald, O homem e o cavalo é
de 1934
33
. Trata-se de uma espécie de revista política buliçosa e irreverente, com
nove quadros e dezenas de cenas curtas, como nos textos futuristas de Marinetti e
seus companheiros. Na peça, o sarcasmo, o humor ferino e a agressividade, típicos
do artista paulista se fazem onipresentes, amparados por uma prolixa teia
referencial recheada citações eruditas e de informações advindas do universo da
política. Oswald usa sem constrangimentos sua metralhadora giratória recém
engajada
34
para investir com extemporâneo ardor juvenil – na época já tinha 44
anos - contra os valores mais caros da civilização ocidental, pátria, família e
religião. E para alardear as virtudes do projeto revolucionário que se instalara na
União Soviética.
Os quadros se passam em cenários tão inusitados quanto O céu, O balão
Ícaro, chamado de estratonave, o hipódromo de Epson na Inglaterra, o Vaticano,
“A barca de S.Pedro”, uma grande cidade industrial com estaleiros e tudo mais, a
maior usina do mundo socialista, uma creche, a sala do Prêmio Nobel travestida
de tribunal revolucionário, com o Gólgota ao fundo e, por fim, uma gare
interplanetária, o estratoporto.
De fato, O homem e o cavalo é uma novidade absoluta no ambiente
teatral brasileiro. Não há exagero na afirmação de que, dez anos antes de Nélson
Rodrigues lançar seu Vestido de noiva, Oswald inaugura definitivamente a
33
O rei da vela e A morta foram escritas em 1933 mas só publicadas em 1937.
34
No início dos anos 30 Oswald filia-se ao Partido Comunista onde permanece até 1945.
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83
modernidade na dramaturgia nacional. Logo na primeira cena o texto diz a que
veio: no Céu, um diálogo entre quatro “messalinas modernas”, as garças
assistentes de São Pedro, tendo como pano de fundo um velho carrossel com uma
inscrição auto-explicativa, Deus-Pátria-Bordel-Cabaço. Na seqüência, entram O
poeta-soldado, enlouquecida e debochada personagem inspirado pelo futurismo
marinettiano; o divo; um cantor de ópera desafinado e absolutamente idiota e, por
fim, o professor Icar, uma espécie de cientista-louco, recém-chegado em um
balão estratosférico – Ícaro I, nave espacial feita de alumínio. Entusiasmado e
agressivo, O Poeta-Soldado faz uma invectiva diretamente ao público:
Eu sou o companheiro de leito da morte! A morte é o cabaço da
necessidade! Como é que espermatozóide pretende ser imortal! Que és tu,
espectador, senão um espermatozóide de colarinho! E por isto te recusas a
conhecer a verdade que guerra traz nas artérias. Cantemos o nosso hino!!
Entoemos a nossa loa! Kip! Kip! Burra!”
O segundo quadro que se passa no interior do Icaro I - utilizado pelas
personagens do primeiro quadro para voltarem ao planeta Terra - é dividido em
cinco cenas, uma delas, inusitada e futurísticamente, com apenas uma fala: O
Divo bêbado, na cabine de comando, berra:
“Acabou o éter! Estamos na atmosfera! Garçom! Um uísque!
No terceiro, “debout les rats”, a cena passa-se no Derby de Epson e no
início uma rubrica anuncia que “o palco liga-se à platéia”. Nele um diálogo entre
o cavalo de Tróia e o cavalo branco de Napoleão. O quadro acaba com uma
Walquíria nua, “mascarada contra gases asfixiantes”, que atravessa a pláteia e o
palco, montada sobre um cavalo de guerra, também protegido por uma máscara,
“ao som da trompa heróica de Lohengrin”.
O quadro seguinte, a barca de São Pedro, também é dividido em três cenas.
O cenário é o Vaticano sobre uma jangada. No primeiro andar um dancing. Entre
altares, hermas falantes, com cartazes identificadores mister Byron e lord Capone
desenvolvem seu primeiro diálogo, talvez o mais bem acabado de todo o texto.
Quando Byron fala da Grécia, Capone explode:
Não fale nisso! Isso é passadismo! Leia os modernos!”
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Mais adiante São Pedro - a quem O Mestre da Barca, travestido de líder
revolucionário, chama de “pescador miserável da Galiléia que se tornou chaveiro
da prisão religiosa das massas” - declara:
“Eu sou materialista. Nunca acreditei em Deus nem quando andei com ele pela
Terra Santa!”
O quinto quadro, S.O.S, desenrola-se no mesmo cenário do anterior, o
Vaticano que ganha um fundo de cena com estaleiros e arranha-céus iluminados.
Do outro lado da platéia, uma divisão naval. Sinais. Foguetes de Guerra.
Holofotes. Além de Byron, Capone, São Pedro, Icar que estão em cena, ouvem-se
as vozes do Poeta-Soldado e de trabalhadores do Cais. Na cena dois, em meio a
uma rebelião proletária liderada pelo Mestre da Barca “Sereias uivam. Ao fundo
acende-se um cartaz luminoso com a inscrição “Proletários de todo o Mundo, uni-
vos”. Vozes de trabalhadores em off, clamam:
Todo poder aos Sovietes! Viva o proletariado em armas!”
Em seguida, adentram Cleópatra, rainha do Egito, cercada pelo provo e
por marujos ferozes, com uma cobra enleada no corpo, conforme a rubrica.
Cleópatra atira-se aos pés de São Pedro que defende-a contra o ataque de Byron.
Logo depois surgem O Mestre da Barca, agora chamado de Tigre do Mar Negro,
e o Soldado Vermelho de John Reed ao som da Internacional “que toma conta da
Barca e do Mundo”
Nos quadros nº seis e sete denominados A Industrialização e A Verdade na
Boca Crianças, o texto leva o momentâneo fervor comunista de Oswald ao
paroxismo. As falas tecem loas e mais loas aos feitos pós-revolucionários na
União Soviética e a defesa da necessidade da Revolução. Em off, a Voz de Stálin
e a Voz de Eisenstein..
Lá para as tantas a Voz de Stálin opera uma catilinária em defesa do
“sonho revolucionário”:
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85
(....) É preciso sonhar! Quem vos falava assim era o companheiro Lênin. Ele
ensinou que o vosso sonho deve sobrepujar o curso natural dos
acontecimentos. Sonhar não vos faz nenhum mal. O sonho sustenta e anima.
O desacordo entre o sonho e a realidade nada tem de perigoso se quem sonha
crê seriamente em seu sonho, se trabalha conscientemente para a realização
de seu sonho. Quando há contato entre o sonho e a vida tudo vai bem.....Não
tínhamos indústria siderúrgica, agora temos! Não tinhamos industria
mecânica, agora temos! Não tínhamos indústria de tratores, agora temos!
Não tínhamos indústria química, agora temos. Não tínhamos máquinas
agrícolas,,agora temos! Não tínhamos liberdade, agora temos!”.
Em A Verdade na Boca das Crianças, a cena se passa no interior de uma creche
em um não identificado país socialista. Três crianças discutem temas como o
direito de propriedade, as teorias de Marx, a monogamia e a luta revolucionária,
etc. Uma delas pergunta:
Custou muito a passagem de um mundo para o outro?”
Ao que outra responde:
“O sacrifício de milhões de vidas. Os trabalhadores conquistaram o poder
palmo a palmo, país por país. A maior parte dos que iniciaram a luta não
chegaram o fim dela. Mas deixaram um mundo novo para nós e para seus
filhos!”
No final, uma criança dialogando com vários personagens, inclusive São Pedro,
responde a uma pergunta de Madame Icar: “Mas davam-te educação?”
São Pedro - Uma educação mentirosa e errada. Enganavam-me que existia
Deus. O meu pai oficial era o mais desonesto e ambicioso dos homens.
Roubava lá fora., garantido pelas leis burguesas e roubava em casa o salário
das empregadas que seduzia. Deus perdoava-o e protegia-o porque ele dava
dinheiro para os padres”.
O nono quadro, O Tribunal é, certamente, o mais provocativo em meio a um
cipoal de provocações. Para Magaldi:
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(...) É o mais importante e audacioso.... porque promove o julgamento direto
de Cristo e de outras figuras bíblicas pelo mundo socialista. Oswald atinge o
ponto máximo no proselitismo ideológico e no ardor blasfêmico. A
fotografia que Verônica tem nas mãos é de Hitler crucificado na Suástica,
em evidente identificação com a imagem de Cristo. A aproximação (entre
Cristo e Hitler), entretanto, não se realiza pela simbologia do martírio, mas
pela opressão que, na exêgese marxista, ambos significaram para as
massas...(...) (2005:26)
S
ão também nove cenas. Entre os personagens uma Madame Jesus que fala
espanhol e uma Maria Madalena que aparece travestida de guerrilheira
revolucionária:
“Eu surgi para vocês como uma prostituta analfabeta do século I. Aquilo
tudo era fita. Como fita foi a Paixão, a Cruz, a Ressureição e o resto....Nós
mantínhamos a luta tenaz contra o Imperialismo Romano...A luta idealista! “
Na segunda cena, Verônica dirige-se a Madalena usando, certamente, uma
típica expressão do auto-deboche oswaldiano em relação às enfadonhas discussões
sobre as “influências” das vanguardas européias no modernismo paulista:
Você recitava uma poesia futurista que o Rabi adorava..
.
Maria Madalena retruca:
Hoje sou cubista!”.
No final da cena cinco, o personagem O tigre lê a decisão do Tribunal
Revolucionário sobre Cristo:
“A Comissão de textos evangélicos, examinando seu caso, chegou às
seguintes conclusões: as suas parábolas foram todas reacionárias. A
Consagração da injustiça e do arbítrio. Do salário iníquo. A incitação à usura
e aos juros altos......Lições contra o divórcio e o adultério. O plano
qüinquenal da sabujice e da mentira. O senhor foi um espermatozoide feroz
da burguesia e nada mais. Ela tinha razões de sobra para endeusá-lo. As suas
declarações foram aliás positivas. Não veio revogar a lei mas cumpri-la. O
Sermão da Montanha era uma provocação clara. Preparava-se o
imperialismo romano. Não pode negar suas ligações secretas com Pilatos. O
provocador Judas e o famoso centurião convertido eram as pontes. Estavam
todos interessados no monopólio do azeite”.
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Após uma envergonhada saída de Cristo que diz: “De novo, o Calvário”,
entram Fumanchú, D’Artagnan e Barrabás e A Camarada Verdade que encerra
sua participação dizendo:
(...) fui companheira de Cromwell e assisti à agonia de Marat. Preparei o
advento da máquina. Flama do socialismo utópico, fui a base do socialismo
científico. Morei na cabeça genial de Hegel e na de Feuerbach. Hoje sou a
física de Einstein e a ciência social de CARLOS MARX!”
O homem e o cavalo acaba com o premonitório – uma das grandes
qualidades de Oswald como observador da vida social - quadro O estratoporto
35
.
Em uma espécie de anticlímax poético, com pretensões didáticas, associa o
progresso do mundo socialista à conquista espacial que, de fato, acabaria
ocorrendo nos anos 50. O professor Icar se lança na estratosfera, “único túmulo
digno dele” e São Pedro e Madame Icar resolvem abrir um pequeno comércio –
“permitido pela nova ordem socialista soviética”. Na última fala, “O chaveiro do
céu”, logo após ouvir os latidos do cachorrinho Swendemborg – presente no texto
desde o início, vitupera:
Swendemborg! Fomos julgados!”
Para a maioria dos comentaristas, são inegáveis e importantes as
semelhanças estruturais entre o texto de Oswald e o Mistério-bufo, de
Maiakóvski:
(...) não será tolo nacionalismo, porém, inferir que O homem e o cavalo,
embora sugerido pelo texto de Maiakóvski, o supera pela felicidade no
tratamento do tema e pela eficácia dos meios expressivos. De posse de um
modelo, Oswald o submeteu a critico rigoroso ,e, se ele não tem a altitude
poética do escritor russo, é, por outro lado, muito mais divertido e satírico, o
que filtra melhor para o público o aspecto épico(e ingênuo) de exaltação da
sociedade soviética”. ( Magaldi, 2005:29)
35
Em algumas versões o 9º quadro tem o título de “O Planeta Vermelho”
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Como, de modo geral, tem feito ao trabalhar parte da obra teatral de
Oswald – de quem é grande conhecedor e divulgador e por quem, inegavelmente,
demonstra empolgada admiração – Magaldi costuma tomar uma série de
precauções, talvez para não parecer apologético demais ou, quem sabe
simpatizante do “stalinismo”. Seus comentários pautam-se, na maioria das vezes,
no “reconhecimento dos posteriores fracassos históricos do projeto socialista” que
Oswald, evidentemente, não pode prever. São observações cuidadosas que
acentuam “o caráter ingênuo da adesão de Oswald ao projeto socialista”.
Ora, Oswald escreve sua peça no início dos anos 30 quando a revolução
socialista parece um grande êxito, a União Soviética é uma superpotência política
e militar e o “stalinismo” ainda não evidencia seus problemas posteriores. Não
parece razoável descontextualizá-lo. São também palavras de Magaldi:
“Lamentavelmente para Oswald, penso que a peça, por advogar teses que a
história não confirmou (ninguém de boa fé, sem reacionarismo, pode negar
que a União Soviética frustrou as esperanças de muitos e, sob o comando de
Stalin, mitificado num quadro, se converteu num pesadelo), tem hoje em dia,
sob o prisma político, inegável caráter museológico, incapaz de assustar o
público. Não estou negando a virulência da sátira de Oswald, mas acredito
que o modelo soviético por ele imaginado se encontra tão longe da verdade
atual quem ninguém se encantaria por esse paraíso prometido” ( op.cit.:
2005:31).
Na realidade, com seu texto seminal, Oswald pretende demonstrar que
existem outras possibilidades de ser e estar no mundo e que, principalmente, o
teatro pode ser um acontecimento vivo e um instrumento de transformação. Esse
empenho o aproxima certamente das experiências renovadoras introduzidas pelas
vanguardas históricas européias como um todo e, de maneira especial, com o
projeto brechtiano de um “teatro épico”. “Partir para a ação. Ação estética. Como
nas palavras de Benjamim, ao invés de adotar o discurso fascista de estetizar a
política, politizar a estética. Dar a essa uma função social”. (1995:145).
Por tudo isso, o texto de Oswald é um marco fundador na trajetória do
teatro brasileiro. No medíocre ambiente dos anos 30 – alimentado por irrelevantes
comédias de costumes, por melodramas rotineiros ou por filosofices de caráter
duvidoso, representa um sopro de criatividade admirável e o estabelecimento de
um novo paradigma para o texto teatral brasileiro.
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4.2.2 A morta
A tetralogia oswaldiana prossegue com A morta, escrita em 1933, mas só
publicada em 1937. As palavras a seguir são do próprio Oswald na carta-prefácio
endereçada à então namorada Julieta Bárbara:
“Dou a maior importância à Morta em meio a minha obra literária. É o
drama do poeta, do coordenador de toda ação humana, a quem a hostilidade
de um século reacionário afastou pouco a pouco da linguagem útil e
corrente. Do romantismo ao simbolismo, ao surrealismo, a justificativa da
poesia perdeu-se em sons e protestos ininteligíveis e parou no balbuciamento
e na telepatia. Bem longe dos chamados populares. Agora, os soterrados,
através da análise voltam à luz e através da ação, chegam às barricadas. São
os que têm a coragem incendiária de destruir a própria alma desvairada, que
neles nasceu dos céus subterrâneos a que se acoitaram. As catacumbas líricas
ou se esgotam ou desembocam nas catacumbas políticas. A você que é
minha companheira nessa difícil aterrissagem, dedico A MORTA”.
A peça - paródia anárquica da Divina comédia, de Dante Alighieri -
começa com um prólogo didático intituladoCompromisso de O hierofante”,
sacerdote que preside os Mistérios de Eleuses na Grécia Antiga, grão-pontífice na
Roma Antiga, cultor das ciências ocultas, feiticeiro e advinho. Sentado sobre a
caixa do Ponto, O hierofante se dirige à platéia, como uma espécie de narrador
brechtiano, para propor um jogo onde palco e platéia são nivelados num único
plano e os espectadores estimulados a aderirem a um pacto antropofágico com O
poeta devorador que não perdoa nem a si próprio e se auto-devora. Tal como no
célebre texto de Luigi Pirandello
36
, O hierofante e os demais – inclusive os
espectadores - são pedaços de personagens, perdidos no teatro, à procura de um
autor:
“Senhoras e senhores, eu sou um pedaço de personagem perdido no teatro.
Sou a moral. Antigamente a moral aparecia no fim das fábulas. Hoje ela
precisa se destacar no princípio, a fim de que a polícia garanta o espetáculo...
Como nos terremotos de vosso próprio domicílio ou em mais vastas
penitenciária, assistireis o indivíduo em fatias e vê-lo-eis social e
telúrico...Vossa imaginação terá que quebrar tumultos para satisfazer as
exigências da bilheteria.....Não vos retireis das cadeiras horrorizados com
vossa autópsia....”
36
Evidentemente trata-se de “Seis Personagens a Procura de um Autor”.
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A ação está dividida em três quadros: O país do indivíduo, agressiva
investida contra o individualismo e o narcisismo típicos da sociedade burguesa;
O país da gramática, libelo contra os clichês de linguagem, a falsa erudição e as
dificuldades de comunicação; e O país da anestesia, espécie de síntese dialética
dos dois anteriores, direcionado contra a perda da sensibilidade, da criatividade e
do caráter por uma sociedade mais interessada na matéria que no espírito, que só
pode ser salva pelas chamas de um grande incêndio, a “revolução”.
Neles transitam personagens sem biografia ou desenvolvimento
psicológico. São, na verdade, apenas “signos”, na maioria das vezes referidos a
outros textos e contextos, articulados por uma estrutura narrativa paródica,
sintonizada com as mais variadas fontes vanguardistas e canibalizadas por Oswald
para compor um painel original e instigante.
Se O homem e o cavalo é absolutamente transparente do ponto de vista
político-ideológico, A morta, pelo contrário, é clivada por extraordinárias
ambigüidades que possibilitam uma multiplicidade de leituras. Como ensina
Perrone-Moisés “é um modo de dizer as coisas, uma enunciação e não está
centrada num lugar seguro “mas produz-se no próprio texto, em instâncias sempre
provisórias”. (1987:30).
Para Manuel Bandeira, a poesia de A morta é a mais intensa que Oswald
produziu:
”Infelizmente ela não poderá ser entendida pelos que mais precisariam dela.
Creio que Oswald faz um pouco o jogo dos turistas, da polícia, “das
empresas funerárias mais dignas, como a imprensa, a política” quando
transporta o conflito entre mortos e vivos para aquela estratosfera de
iluminações poéticas. Os turistas se divertem. Os soldados, os marinheiros
não entendem. E a polícia acaba pondo os cremadores heróicos na cadeia...
Este senão, que restringe o alcance social da Morta, tão bela obra como obra
de arte em si, é bem menos sensível em O Rei da Vela. Aqui o avião de
Oswald toma os primeiros contatos com o campo de aterissagem. Com as
súbitas guinadas de quem, em suma, gosta de loopings, dos parafusos, das
folhas mortas. Oswald-poeta versus Oswald-cremador. Quando os dois um
dia se entenderem, teremos enfim a obra-prima do Brasil esquerdo”.( Dom
Casmurro, nº 5, 1937)
Por certo, o poeta pernambucano se refere ao hermetismo do texto o que é
rigorosamente verdadeiro. Afinal “não poderá ser entendido pelos que mais
necessitam dele”. Dos três quadros, o de leitura mais complexa é, certamente, o
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primeiro: O país do indivíduo. Nele, as rubricas e indicações cênicas apontam
para uma encenação que desconstrói o espaço cênico tradicional, pelo rompimento
dos limites entre palco e platéia. Está escrito no início:
“A cena se desenvolve também na platéia [...] microfones, colocados em
dois camarotes opostos no meio da platéia. No camarote da direita estão
Beatriz, despida, A outra [...]. No da esquerda, O poeta e O hierofante”,
caracterizados com extrema vulgaridade. Expressam-se todos estáticos, sem
um gesto e em câmara lenta, esperando que as marionetas a eles
correspondentes executem a mímica de suas vozes. Sobre os quatro
personagens da platéia, jorram refletores no teatro escuro. É um panorama de
análise”.
Personagens na platéia, marionetes no palco, vozes saindo de microfones,
tudo com a deliberada intenção de eliminar, de plano, qualquer possibilidade de
ilusão cênica e de concentrar a força da teatralidade que invade todo o espaço da
representação na direção dos espectadores. Tal estratégia, constantemente
reforçada por intervenções de personagens, tem como objetivo não permitir que o
público-participante perca, em momento algum, a consciência de que são
cúmplices de um jogo dialético. Por exemplo, quando A outra diz:
“Praticamente este edifício só tem forros fechados. Habitamos uma cidade
sem luz direta – o teatro”.
O comentário é de Gardim:
“Oswald faz uma indicação de que a iluminação deve sugerir um ambiente
propício à análise. Nota-se aqui um enorme diálogo com o teatro
expressionista. A poesia quer tomar conta do palco e incendiar e platéia e se
dizer.....O teatro se inunda de poesia...Não resta dúvida que grande parte
disso tudo está inscrito nos postulados de Antonin Artaud...A morta sem
dúvida opera um dialogo com a estética proposta por Artaud...Mas não para
por aí....Hoje pode traçar-se um paralelismo também com a estrutura do
“teatro do absurdo”, posterior a Oswald e, em especial, com textos de
Samuel Beckett....” (op.cit.:166).
Em O país do indíviduo os pedaços de personagens não se movimentam:
suas falas são acompanhadas por gestos de marionetes (seus duplos no já aludido
sentido artaudiano), colocados em torno da Enfermeira que ocupa o centro do
palco. Platéia e fragmentos de personagens diante do palco que lhes serve de
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espelho e que neles se reflete: imagem de fundo infinito. Beatriz tem seu duplo (A
outra) e ambas, sua marionete; Beatriz, metáfora da origem e da fonte da vida está
nua; A outra, seu passado, de negro como a morte. A vida se revela aos pedaços.
As pulsões contraditórias subjacentes (vida/morte, amor/paixão, sexo/castidade,
novo/velho, consciente/inconsciente, ego/alter-ego) não impulsionam uma ação
teatral “stricto senso”. Materializam tão somente os movimentos de um jogo de
conceitos em luta.
O poético se realiza por associações livres de idéias e imagens. O poeta
busca a saída do abismo insondável da individualidade pura e simples. Almeja a
ação dialetizante que sua poesia deve instaurar. O país do indivíduo é o primeiro
estágio da aventura de O poeta em busca de Beatriz. Porém não se trata, como na
Divina comédia, de penetrar na morte para acompanhar a amada. É preciso trazê-
la de volta à vida. Nesse contexto, a própria morte é metáfora dos fragmentos (que
lutarão para reconstruir um todo); do velho(que será expulso pelo novo); do
inconsciente (que sairá da obscuridade; da castidade (vencida pela plenitude do
sexo e do amor, na construção da vida); do inexprimível (que cede lugar ao verbo
para fazer-se luz e carne).
O segundo quadro, O país da gramática, apresenta uma seqüência mais
linear e bem mais legível. De um lado, as ações evidenciam a redescoberta de
Beatriz por parte de O poeta e a corrida em sua direção e, de outro, há o conflito
claro entre os mortos e os vivos. Os conceitos saem de cena para dar lugar à uma
expressão social dos conflitos. Toda a problemática individual do primeiro quadro
assume feições coletivas. Os fragmentos de personagens são agora alegorias de
forças sociais em luta. O que parecia inexprimível (porque perdido nas
profundezas obscuras do inconsciente) ganha materialidade - num país não
nomeado que é, evidentemente, o Brasil - onde O poeta estabelece a luta entre os
pólos conservadores (O polícia ) e os revolucionários (Os cremadores) aos quais o
adere :
Os cremadores - “Abaixo os mortos! Limpemos a Terra! Abaixo!
O polícia – De um tempo apara cá, não sei porque agravou-se a contenda.
Creio que os vivos cresceram, agora querem se emancipar. Os mortos os
agriloam à industria. E eles querem ocupar fábricas, cidades e o mundo..
.Ingratos. Não sabem que, sem os mortos, eles não teriam tudo, emprego,
salários, assistência...
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O turista – E patrões. Que seria do mundo sem patrões?
O último quadro - O país da anestesia, – embora mais complexo que o
segundo – também apresenta uma narrativa desenvolta e acessível. Grande parte
do texto é dedicada à sátira literária, com caricaturas de figuras, como A dama das
camélias (de Dumas) e o Urubu de Edgar (de Poe). A região da morte é invadida
por O poeta que pretende resgatar Beatriz evitando que a musa se torne habitante
do país da anestesia. A Arvore da Vida já não tem galhos e aparece no cenário em
forma de cruz; é habitada pelo Urubu de Edgar, que ronda a cena anunciando seu
refrão (“nunca mais”). A “árvore desgalhada da vida” configura-se, claramente,
como um símbolo da decadente civilização ocidental:
A dama das camélias – Mas não tem frutas essa arvore?
O hierofante - Tinha uma. Comeram. Foi com seus galhos que se acendeu
o primeiro fogo....E, com ela toda, se fará a última fogueira.
No final, as personagens que habitam a região da morte saem do palco e se
sentam na platéia para apreciar o duelo entre Eros e Thanatos. É nesse transito
que se concretiza em cena a idéia oswaldiana de fusão entre palco/platéia;
vida/morte; real/representação.
Mas a obra do poeta exige soluções radicais. Ele realiza o projeto
incendiário (revolucionário) dos Cremadores, anunciado no segundo quadro.
Ressuscitadas Beatriz e A árvore da vida, abre-se, dialeticamente, o caminho para
o novo, que nasce das entranhas do velho e nele se contém. O Poeta deglute sua
própria história:
Beatriz – Poeta! Permanece para sempre dentro de mim! Sê fiel!
O poeta – Devoro-te trecho noturno de minha vida! Serei fiel para com os
arrebóis do futuro.. Todo o mistério será aclarado! Basta que o
homem queime a própria alma!.
......................
O hierofante – O dilúvio de fogo nos seguirá...
..
Beatriz - Sexual! Sexual!
O poeta – Incendiarei os teus cabelos noturnos! A tua boca aquosa! A
aurora dos teus seios. (Flamba tudo nas mãos heróicas do poeta).
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Com o incêndio reconstitui-se também a noção do espaço da
representação. O hierofante volta à seu lugar para finalizar a peça
37
:
(aproximando-se da platéia) - Respeitável público! Não vos pedimos
palmas, pedimos bombeiros! Se quiserdes salvar a tradições e a vossa moral,
ide chamar os bombeiros ou se preferirdes a polícia! Somos como vós
mesmos, um imenso cadáver grangrenado! Salvai nossas podridões e talvez
vos salvareis da fogueira acesa do mundo!
4.2.3 Rei da Vela/Panorama do Fascismo
Publicado em 1937, O rei da vela é o texto mais bem realizado de Oswald
de Andrade. Em seus três atos, apresenta um retrato habilidoso e cruel do frágil
capitalismo brasileiro e de suas relações subalternas com o sistema internacional.
Fortemente impregnada por um idealismo socialista recente e entusiasta - afinal
Oswald aderira ao comunismo há apenas dois anos - a peça também articula, com
admirável lucidez, os contornos da eterna e lamentável crise social e moral vivida
pela sociedade brasileira.
Para Décio de Almaieda Prado a peça expõe as entranhas de um país,
“atualizado e pessimista..., mas com a jocosidade rabelaisiana e ubuesca
substituindo vantajosamente a tristeza para compor, juntamente com a cobiça e a
luxúria, o tríptico constitutivo do caráter brasileiro” (2002:149). De fato, Oswald
organiza em sua narrativa uma visão cruel da realidade nacional, em que a palavra
“trópico” aparece associada, não à grandiosidade do Amazonas e/ou à beleza da
Baía de Guanabara, tão louvada pela personagem Coronel Belarmino, mas ao
atraso material e mental e às mazelas gerais do subdesenvolvimento.
A trama: o protagonista Abelardo I, O rei da vela, domina o mercado de
fabricação de velas. Trata-se de um empreendedor de porte relativamente
pequeno que se situa na base do sistema de exploração. No topo, o capitalismo
internacional liderado pelos americanos e ingleses. Abelardo I casa-se com uma
37
Na célebre montagem de O rei da vela , em 1967, pelo Teatro Oficina de São Paulo, o
diretor José Celso Martinez Corrêa utilizou essa fala de O Hierofante
.
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moça oriunda da oligarquia cafeeira paulista, onde é tratado pejorativamente como
elemento intruso e sem classe.
Abelardo representa o arrivista pequeno burguês típico com seus sonhos de
ascensão social. No decorrer da peça será destruído pelo próprio sistema de
exploração do qual participa. Quando um rei da vela cai, outro toma seu lugar:
Abelardo II. É o ciclo imutável recorrente do processo histórico de todos os países
latino-americanos desde sempre, segundo o enfoque antiimperialista de Oswald.
No Brasil dos anos 30, problemas relacionados ao mercado mundial do
café restringem os créditos bancários levando à falência dezenas de empresários
de um dia para o outro. Abelardo I, o agiota, locupleta-se com a situação cobrando
juros absurdamente altos por seus empréstimos aos falidos. O Cliente,
personagem que simboliza todos os outros devedores, paga de juros mais de duas
vezes o montante de seu empréstimo, e ainda continua em atraso no pagamento da
ultima parcela. Abelardo manda matá-lo.
Paralelamente, Oswald promove o casamento do “novo-rico” Abelardo I
com Heloisa oriunda de tradicional família de produtores de café arruinada pela
crise. Na paródia do clássico Abelardo e Heloísa, esta só aceita se casar para
reaver antigos privilégios perdidos. Suas predileções sexuais mais genuínas são
reveladas pelo nome: Heloisa de Lesbos. Ela admite francamente o teor da união:
“Nosso casamento é um negócio”. Já para Abelardo I, o casamento significa a
aquisição de um brasão, de um símbolo de status, a possibilidade de freqüentar
certos círculos sociais antes inatingíveis.
No desfecho da peça, Abelardo I é “destronado” por Abelardo II, que o
substitui como o rei da vela e como marido de Heloisa, estratégia que na peça
representa a mudança sem mudança (para que tudo continue na mesma!), uma das
especialidades das elites brasileiras. Um explorador cai, outro o substitui,
enquanto houver imperialismo e diferença de classes. Ou seja: nas pobres nações
colonizadas e espoliadas as modificações são sempre exteriores, cosméticas e
superficiais. Estruturalmente, o sistema continua o mesmo e sua lógica segue
imutável. Sempre haverá um Abelardo para uma Heloisa.
Tudo começa no escritório de Abelardo I, em São Paulo, conforme a
rubrica inicial:
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“Abelardo & Abelardo. Um retrato de Gioconda. Caixas amontoadas. Um
divã futurista. Uma secretária Luís XV. Um castiçal de latão. Um telefone.
Sinal de alarma. Um mostruário de velas de todos os tamanhos e de todas as
cores......O prontuário, peças de gavetas, com os seguintes rótulos:
Malandros – Impontuais – Prontos-Protestados – Na outra divisão: Penhoras
– Liquidações – Suicídios - Tangas....”
O cenário representa o espaço onde se estabelece uma relação hierárquica
em cadeia baseada na exploração política e econômica – a dominação estrangeira
sobre a burguesia local, e desta sobre o proletariado local urbano e rural e sobre os
setores deserdados. O primeiro ato se resolve com um extraordinário diálogo entre
Abelardo I e Heloisa, diagnóstico cruel do processo de decadência da carcomida
aristocracia do café, eternamente dependente dos dinheiros públicos, e da
ascensão da nova burguesia financeira representada pelo rei da vela . Oswald fala
pela voz de suas personagens:
Heloisa – Meu pai era o coronel Belarmino que tinha sete fazendas, aquela
casa suntuosa de Higienópolis...ações, automóveis. Duas filhas viciadas,
dois filhos tarados...Ficou morando na nossa casinha da Penha e indo à missa
pedir a Deus a solução que os governos não deram.
Abelardo I– Que não deram aos que não podem viver sem empréstimos.
Heloisa – Meus pais...meus tios...meus primos...
Abelardo I Os velhos senhores da terra que tinham de dar lugar aos novos
senhores da terra!
No final do primeiro ato, o cinismo-realista de Abelardo resume
magistralmente o dilema do sub-capitalismo nacional corrupto e dependente:
Abelardo I - (...) Nós dois sabemos que milhares de trabalhadores lutam de
sol a sol para nos dar farra e conforto. Com a enxada nas mãos
calosas e sujas. Mas eu tenho tanta culpa nisso como o papa-
níqueis bem colocado que se enche diariamente de moedas. É
assim a sociedade em que vivemos. O regime capitalista que
Deus o guarde...
Heloisa – E você não tema nada?
Abelardo – Os ingleses e americanos temem por nós. Estamos ligados ao
destino deles. Devemos tudo, o que temos e o que não temos.
Hipotecamos palmeiras...quedas de água. Cardeais!
Heloisa – Eu li num jornal que devemos só a Inglaterra trezentos milhões de
libras, mas só chegaram até aqui trinta milhões...
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Abelardo I – É provável! Mas compromisso é compromisso! Os países
inferiores têm que trabalhar para os países superiores como os
pobres trabalham para os ricos...Eu sei que sou um simples feitor
do capital estrangeiro. Um lacaio, se quiserem! Mas não me
queixo. É por isso que possuo uma lancha, uma ilha e você....
O cenário do segundo ato é uma ilha tropical na Baia de Guanabara, no Rio
de Janeiro:
(...) Durante todo o ato, pássaros assoviam exoticamente nas árvores brutais.
Sons de motor. O Mar. Na praia ao lado, um avião em repouso. Barraca.
Guarda-sóis. Um mastro com a bandeira americana. Palmeiras......Móveis
mecânicos. Bebidas e gelo. Uma rede de Amazonas. Um rádio. As
personagens se vestem pela mais furiosa fantasia burguesa e equatorial.
Morenas seminuas. Homens esportivos, hermafroditas, menopausas...(...).
Para Corrêa, passado numa Guanabara de farra brasileira, uma Guanabara
de telão pintado “made in States” verde-amarela, o segundo ato resume a Frente
Única Sexual. É um retrato de como vive, de como é o ócio do burguês brasileiro.
O ócio utilizado para negócios e canalhices, quase sempre escusos. A burguesia
rural paulista decadente, os caipiras trágicos, personagens de Jorge Andrade
38
e
Tennessee Williams se reúnem para conchavar com a nova classe, com os reis da
vela e tudo sob os auspícios norte-americanos. (2000:27).
Abelardo I aproveita o ensejo para cortejar a futura sogra, D.Cesarina. O
tom é rodrigueano
39
. Sobra para Oscar Wilde e Sigmund Freud:
D. Cesarina – Seu Abelardo, não me olhe assim! Eu sou ligada pelo mais
doce dos sacramentos ao mais digno dos esposos. Não! Nunca! A vida de
uma esposa tem que ser uma renúncia, um sacrifício, uma purificação! Por
mais dolorosa...
(entra D.Poloca)
D. Poloca – Dando em cima da sogra!
Abelardo I – Que é isso, d. Poloca? Bancando a polícia especial?
D. Poloca – Ouvi tudo!
38
Em sua peça A moratória, montada pelo Teatro Brasileiro de Comédia nos anos 50,
Jorge Andrade descreve tchecovianamente a decadência da aristocracia cafeeira de São
Paulo a partir do final dos anos 20..
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Impressionante em certas passagens as semelhanças entre o texto de Oswald e o estilo
de Nélson Rodrigues
.
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Abelardo Pois ouviu mal. Eu estava muito respeitosamente explicando a
senhora minha futura mãe que somos de duas gerações diferentes. Ela um
personagem do gracioso Wilde. Eu sou um personagem de Freud!
D. Poloca – Que?
Abelardo A senhora não conhece Freud, o último grande romancista da
burguesia?
D. Poloca – O senhor me empresta os romances dele? São inocentes?
Abelardo I – Oh! São. Não conhece O complexo de Édipo? É o meu caso.
No terceiro ato, a cena volta ao mesmo cenário do primeiro, o escritório de
São Paulo. Diz a indicação cênica:
“A cena está atravancada de ferro-velho penhorado a uma Casa de Saúde.
Uma maca no chão. Uma cadeira de rodas. Um rádio sobre uma mesa
pequena. A iIuminação noturna vem de fora, pela ampla janela. Heloisa se
lastima prendendo com os braços as pernas de Abelardo I.
Oswald parodia tragicomicamente a agonia permanente das classes
dominantes do Brasil e de todas as repúblicas de banana da América Latina, com
seus governantes corruptos e histriônicos, algozes de seus povos e vítimas da
engrenagem mais sofisticada do grande capitalismo internacional. Um cai, o outro
o substitui. Forças ocultas, golpes de estado, caudilhos e suicídios, tudo ocorre
numa sucessão de Abelardos que mantém as regras do jogo e explicita o grotesco
das engrenagens imperialistas.
Logo na primeira cena Abelardo I, agora desesperado e falido, dialoga
com a noiva Heloisa:
Heloisa – Que desgraça, meu bem! Que pena! Que pena!
Abelardo I – (...) Você sabe por que nos íamos casar.....
Heloisa – Que pena! Meu Deus!
Abelardo I – Terás que procurar outro corretor.... Você sabe....Nos casávamos
para você pertencer mais à vontade ao Americano. Mas eu já não
sirvo para essa operação imperialista. O teu corpo não vale nada
nas mãos de um corretor arrebentado que irá para a cadeia
amanhã...Ou será assassinado pelos depositantes. Essa falência
imprevista vai me desmacarar.
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Heloisa – Que horror! Eu não quero que você vá preso!
Abelardo I – Não há perigo. Não irei (Tira um revólver do bolso)
Heloisa – E eu como é que fico? Na miséria outra vez. Eu não sei trabalhar,
não sei fazer nada. E a minha gente....Eu acabo dançando no
Moulin Bleu....
Abelardo I (consolando-a) Não será preciso, meu amor. Você se casa
com o ladrão...
Heloisa ( choramingando e soluçando ) – Qual deles? Eu já perguntei!
Abelardo I – O último, o que deu a tacada final nesta partida negra em que
fui vencido...
Heloisa – O Americano não quer casar....
Abelardo I – Mas o outro casa. É um ladrão de comédia antiga...
Em seguida, Oswald, faz Abelardo I – numa espécie de aparte e quase fora
da personagem - dialogar com o público e até com o Ponto do teatro:
Heloisa – Vamos recomeçar. Fugiremos daqui para bem longe! Vamos...
Abelardo – Recomeçar...uma choupana lírica. Como nos tempos do
romantismo! As soluções fora da vida. As soluções no teatro. Para tapear.
Nunca! Só tenho uma solução. Sou um personagem do meu tempo,
vulgar, mas lógico. Vou até o fim. O meu fim! A morte no terceiro ato.
Schopenhauer! Que é a vida? Filosofia de classe rica desesperada! Um
trampolim sobre o Nirvana! (Grita para dentro) Olá! Maquinista! Feche o
pano. Por um instante só. Não foi à toa que penhorei uma Casa de Saúde.
Mandei que trouxessem tudo para cá. A padiola para me levar...(Fita em
silêncio os espectadores) Estão aí ? Se quiserem assistir a uma agonia
alinhada esperem! (Grita) Vou atear fogo às vestes! Suicídio nacional!
Solução do Mangue! (Longa hesitação. Oferece o revólver ao Ponto e
fala com ele). Por favor seu Cireneu (Silêncio. Fica interdito) Vê se afasta
de mim esse fósforo.. (grifos do autor).
O Ponto – Não é mais possível!
Abelardo I – Como? Não é possível? O autor não ligaria...Então?
O final de O rei da vela é apoteótico. Logo após a morte de Abelardo I,
Heloisa e o sucessor Abelardo II acertam os ponteiros:
Heloisa (levantando-se entre soluços enormes) – Abelardo! Abelardo!
Abelardo II – Heloisa será sempre de Abelardo. É clássico!.
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Na continuação - conforme rubrica - ouvem-se os acordes da Marcha
Nupcial. Aparecem vestidos a rigor todas as personagens do segundo ato que,
sem dar atenção ao cadáver de Abelardo I, cumprimentam o novo casal,
atravessando solenemente a cena. O fascista os saúda à romana. O Americano é o
último que aparece e o único que fala:
O Americano – Oh! Good business!
Como se observa, o grande texto de Oswald é uma decorrência natural de
seu projeto antropofágico. Uma metáfora escrachada no decorrer da qual os
brasileiros se auto-devoram e são, ao mesmo tempo, devorados pelos estrangeiros,
colocada num contexto político de hierarquia da exploração econômica. Ao
mesmo tempo, Oswald promove uma grande catarse pessoal, vomita tudo o que o
incomoda, e expõe, sem receios, não só sua empolgação de comunista recém-
convertido, como também ódios, afetos, mágoas, ressentimentos e experiências
eróticas, canalhices de toda natureza, vividas ou observadas.
Tudo isso sem esquecer de fofocas de bastidores do mundo cultural,
chavões sentimentais, trocadilhos, anedotas sobre homossexuais, denúncias contra
manobras financeiras, ao lado de reflexões morais e imorais de gosto duvidoso –
numa tentativa evidente de lavar a alma em público - expurgando os resquícios de
uma vida burguesa vivida com intensidade, para retratar burlescamente um Brasil
eternamente atolado no pântano da corrupção endêmica gerenciada pela
voracidade de suas elites assustadas pela maré vazante do capitalismo mundial.
A última peça da tetralogia, Panorama do fascismo, publicada em
setembro de 1937 – ano de instalação do Estado Novo no Brasil – tem apenas três
páginas. Espécie de exercício, ironiza o fascismo tupininquim e é uma evidente
provocação contra o regime que se instala no país sob o comando de Getúlio
Vargas. Na rubrica inicial o delírio e o “non sense”:
“Ante a multidão encapelada e comprimida numa praça, O Chefe surge
num estrado alto e embandeirado. A seu lado o Burro, o Pirilampo, a Forca,
o Urubu, setenta capangas, uma banda de música, cinco microfones, trinta e
dois refletores duplos e centúrias de fotógrafos e operadores de cinema.
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O pequeno texto é recheado de onomatopéias Vivvoooooooooooo!
Ooooooooo! Bravissímooooooo! Aaaaaaaaaaaaaa!, etc. :
A multidão – Vamooooooos! Abaixo os desafetos!
O chefe – Os indiferentes também!
A multidão – Vamooooooos! Abaixo os indiferentes! Mataremos todos!
O chefe – Vamos dizer que são todos comunistas!
A multidão – Vamooooos!
O burro – Eu sou fascista! Da primeira hora!
A multidão – Sabemos! Vivooooo!
O burro – Fascista histórico Hi! On!
No final, o clima é de histeria anti-semita:
O chefe – ..... Abaixo os judeus!
A multidão -. Abaixoooo!
O chefe – Os judeus pobres!
A multidão – Abaixoooo!
O chefe – Vamos tirar tudo dos judeus pobres!
A multidão – Vamooooos! Vamooooos!
O chefe – Quando eles não tiverem mais nada, tiraremos a vida!
A multidão – Sim! A vida! Vamooooos! Oooooooo!
Certamente os maiores feitos de Oswald como dramaturgo, estão ligados à
sua incrível capacidade - pioneira na cena teatral do país - de articular com
consistência um vigoroso painel crítico do tumultuado momento histórico em que
foi escrito. O conjunto de textos promove um verdadeiro ajuste de contas com os
valores mais significativos do que seu autor denomina “a decadente e carcomida
civilização ocidental”, na qual o Brasil se insere de maneira subalterna.
A maior parte dos segmentos da vida brasileira é citada ou participa, direta
ou indiretamente, das narrativas: os intelectuais, os artistas, o clero, os militares,
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os imigrantes, os políticos, os grupos econômicos dominantes da Republica
Velha, as oligarquias decadentes, a nova burguesia comercial e industrial
ascendentes, as classes médias, o proletariado urbano e rural, os pobres e
marginalizados, o capitalista americano.
As lutas políticas do período também estão presentes com referências aos
embates entre grupos revolucionários liberais e socialistas. Há, inclusive,
premonições sobre o advento do Estado Novo e sobre a futura era das
multinacionais misturadas com sentimentos antiimperialistas e com um anti-
americanismo radical.
Oswald apresenta, pois, sem subterfúgios, nos quatro textos, um panorama
impiedoso de um Brasil miserável, refém da ganância do capitalismo internacional
e governado com proverbial incompetência por grupos políticos corruptos
absolutamente desinteressados, em benefício próprio, de promover qualquer
projeto de desenvolvimento harmônico da nação. Até por que, como reconhece
Abelardo I, o primeiro grande personagem do teatro nacional, as classes
dominantes brasileiras - paradigma de crueldade e de voracidade - são por sua
própria natureza, as principais responsáveis pelo caos, pelo sofrimento e pelas
mazelas do país. Irretocável.
4.3 A Lira do Delírio
“Decidimos questionar o público habitual,
que nos parecia anestesiado e adormecido, e
assim questionar o próprio teatro..
Estávamos todos profundamente sufocados
pelas consequências do Golpe de 1964,
atingidos por uma paciência incontida,
atacados por uma rebeldia irada, marcada
pela perda das ilusões e pela perda de
ilusões e pela descrença nos projetos
reformistas pseudo-revolucionários”.
(Peixoto,1982:72).
“Esculhambo, logo existo!” (Manifesto do
Oficina, 1967)
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No final de 1967, encenado com maestria pelo Teatro Oficina de São
Paulo, O rei da vela finalmente chega ao palco. O espetáculo, com direção de
José Celso Martinez Corrêa. - em absoluta sintonia com a iconoclastia
revolucionária de Oswald - apresenta uma radiografia trágica e sem retoques do
Brasil profundo, retrato debochado e impiedoso que revela um tecido social
apodrecido mas, ainda assim resistente, porque renovado na passividade, no
ingênuo conformismo, no medo e na impotência.
A liberdade de criação oswaldiana e o rigor criativo do Oficina se
encontram para revelar, sem concessões ao caos ou ao improviso deletério, um
potencial espetacular revolucionário, disciplinado e racionalizado. Ao misturar
elementos circenses e teatro de revista, ópera e teatro crítico, sarcasmo e
refinamento gestual, pornografia, protesto e festa, a montagem revaloriza a
criatividade dionisíaca do autor e demonstra suas possibilidades de articulação
com as mais espontâneas e autênticas práticas da cultura popular brasileira.
Sem dúvida, é o empreendimento de maior repercussão do teatro brasileiro
na segunda metade do século XX. Em entusiasmada síntese crítica, o então crítico
do Jornal do Brasil, Yan Michalski - polonês radicado no Brasil - afirma que o
espetáculo funde consciência política e vanguarda. Para o comentarista como
Oswald, apenas Brecht, Maiakóvski e uns poucos mais souberam unir pensamento
e formas revolucionários. Esse é um privilégio dos gênios, enfatiza. “Não há
exageros dispensáveis nem comentários supérfluos. Tudo se integra num conjunto
coeso, em que a ação progride e é, ao mesmo tempo conscientizada, para não se
perder o didatismo revolucionário do autor”. (Dionysos, 1982: 169).
O mesmo comentarista, quando da estréia do espetáculo no Rio de Janeiro,
no emblemático ano de 1968, escreve em sua coluna :
“Eis o grande e fascinante acontecimento que vai dar muito o que falar...O
rei da vela está fadado a sacudir o ambiente. José Celso domou o monstro....
seu espetáculo, ao mesmo tempo barroco, épico e ritual, é todo ele penetrado
de um espírito de violência agressiva e debochada talvez inédita em nossos
palcos. Numa época em que é tão importante despertar as pessoas da letargia
em que se encontram, como não admirar um espetáculo que cumpre essa
missão com tanta eficiência, entusiasmo e beleza?” (Dionysos, 1982:1969).
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Dois meses antes da estréia, em São Paulo, um manifesto do Oficina
promove um conjunto de reflexões sobre a peça e sobre o momento do teatro
brasileiro. O texto, assinado por José Celso, começa dizendo que o grupo
procurava uma peça para a inauguração de sua nova casa de espetáculos que ao
mesmo tempo inaugurasse toda uma nova visão do teatro e da realidade brasileira.
“O problema era o aqui e agora. E o aqui e agora foi encontrado em 1933, no rei
da vela de Oswald de Andrade. Senilidade mental nossa? Modernidade absoluta
de Oswald? Ou pior, estagnação da realidade nacional?
José Celso confessa que já havia lido o texto que ficara profundamente
irritado. A peça lhe parecera “modernosa e futuristóide”. “Mas mudou o Natal e
mudei eu....uma leitura do texto em voz alta para um grupo de pessoas fez saltar
todo o percurso de Oswald na sua tentativa de tornar obra de arte toda a sua
consciência possível de seu tempo”, salienta. E continua omanifesto:
(...) Esculhambo, logo existo.... Pois essa consciência se inspirava numa
utopia de um país futuro, negação do país presente, de um país desligado dos
seus centros de controle externo e conseqüentemente do escândalo de sua
massa marginal faminta..”
Para o Oficina, a inteligência corajosa de Oswald, seu anarquismo
indomável, sua agressividade e sua falta de educação são os instrumentos
adequados para captar a vida medíocre do homem recalcado do Brasil, produto da
economia escrava e da moral desumana” que faz milhões de onanistas e de
pederastas, com esse sol e essas mulheres...para defender o imperialismo e a
família reacionária...”.O que é fato, continua o diretor do Oficina, é que os
brasileiros somos muito subdesenvolvidos para reconhecer a genialidade da obra
de Oswald. “Nosso ufanismo vai mais facilmente para a badalação do óbvio sem
risco do que para a descoberta de algo que mostre a realidade de nossa cara
verdadeira”, conclui o manifesto.
A crítica especializada, no Brasil e na Europa, de modo geral recebe muito
bem o texto de Oswald. Apresentado em pleno maio de 1968, no Festival de
Nancy, na França, provoca espanto, paixões e polêmicas. O crítico de Les Lettres
Françaises, Emile Copfermann assim se refere ao espetáculo:
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(...) Parece que realmente as pesquisas atuais colocam em questão o papel
que pode desempenhar o teatro de hoje em relação à própria noção de
cultura....O rei da vela, violento panfleto dirigido contra a burguesia
industrial e a oligarquia da terra, escrita em 1933 por Oswald de Andrade
com uma forma livre que desafia as regras teatrais. O primeiro ato é tratado
como circo, o segundo no estilo das revistas, das variedades, e o terceiro
como um final de ópera....A peça fustiga também a entrada dos americanos
no Brasil, “cadáver podre do qual se nutre a burguesia”.....Alguma coisa
como o Ubu-rei de Jarry, mas um Ubu violentamente político” (...)
Igualmente impactada, Nicole Zand do Le Monde – 10 de maio de 1968 –
relata que o Oficina apresentou um espetáculo decididamente mal educado,
grosseiro, vulgar, de mau gosto. “Grosseria e vulgaridade reivindicadas pelos
brasileiros e pelo encenador José Celso Martinez Correia, que apresentou um dos
espetáculos mais importantes do Festival de Nancy”, acentua.
Diz também a crítica do Le Monde:
“ A partir de uma peça escrita há trinta e cinco anos... Correia como Glauber
Rocha em Terra em transe, busca uma linguagem de teatro realmente
nacional. Para exprimir o “trabalho, o amor e a morte” da burguesia
brasileira, ele utiliza o estilo da comédia popular unindo a Ópera e o
carnaval do Rio de Janeiro. Para denunciar a podridão de unm mundo, ele
não teme dar os nomes, mostrar sua prodridão e seu atributos ...Em São
Paulo, a capital econômica do Brasil, o espetáculo chocou e quiseram
interditá-lo....Ele traduz a realidade de uma sociedade bem viva.(...).
Já o crítico italiano Carlo Degl’Innocenti, do jornal L’Unitá considera O
rei da vela um espetáculo que não pode ser julgado, seja no terreno artístico como
no terreno ideológico e político com uma fita métrica da crítica européia. Pode ser
discutido, aceito e recusado, mas nunca julgado num sentido estreito. Para nós,
pondera Degl’Innocenti, trata-se de um espetáculo que apesar de certos aspectos,
deve ser aceito e sobre o qual é preciso refletir para compreender uma realidade
tão interessante e tão contraditória como é a realidade particular do Brasil e a do
3º Mundo latino-americano em geral. E finaliza suas observações:
(...)
Para atingir seus objetivos, Correia (José Celso Martinez) e seus
companheiros optaram por um caminho de provocação, de sátira
dessacralizante para destruir o velho e construir no palco “o novo”: um
teatro que oscila entre a pesquisa intelectual e o popularesco...(..)(cf.
Dyonisos, 1982: )
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Objetivamente, a seminal montagem do Oficina amplia uma radiografia
trágica do Brasil profundo, tema ao qual o grupo retorna com seu Gracias senõr,
do início da década de 1970. Mais do que um espetáculo teatral, O rei da vela
desfralda – em pleno regime militar - uma bandeira de luta agressiva, promove um
manifesto político-radical, explosivo e criativo. Configura uma espécie de vômito
desmedido e irrefreável que recebe uma estrutura orgânica, pensada e trabalhada
nos mínimos detalhes.
Para Décio de Almeida Prado, a liberdade criativa de José Celso atinge um
nível de escritura cênica surpreendente e fascinante. O elenco se lança num
ímpeto estimulante, na elaboração de uma nova atitude de interpretação
incorporando, com autonomia e sem provincianismo, elementos sugestivos
trabalhados pelas vanguardas estéticas de Maiakóvski a Artaud e, principalmente
Brecht, colocados lado a lado de alguns dos mais espontâneos e criativos achados
do teatro popular brasileiro. (1985:130)
Misturando circo e teatro de revista, opera e teatro crítico, rigor textual e
avacalhação, ritual e pornografia, protesto e festa, espetáculo do Oficina
representa uma segunda revolução no teatro brasileiro após o furacão provocado
por Vestido de noiva, de Nélson Rodrigues em 1943. Um bem sucedido ato de
transgressão.
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5.Considerações Finais
“É interessante observarmos que, embora sem ter
mantido qualquer tipo de contato, as reflexões de
Almada Negreiros e Oswald de Andrade
apontavam na mesma direção: o projeto de
definição da identidade nacional....Almada, com
seus olhos de gigante, observou desde o início do
século XX, a necessidade de Portugal
universalizar-se, o quanto essa disponibilidade
multicultural era importante para a definição de
uma identidade cultural portuguesa, daí sua
relevância, o seu valor como artista, como homem
das palavras....”(Campiti, 2003:119/20).
Como demonstrado no decorrer desse trabalho, Almada Negreiros e
Oswald de Andrade canalizam seus talentos artísticos radicais para a tarefa de
superar poéticas que consideravam ultrapassadas e atitudes anacrônicas. Tais
propósitos enunciados em agressivos manifestos, em atitudes desafiadoras e, na
prática, materializados por obras inovadoras e, principalmente, pelo empenho no
fortalecimento de uma consciência cultural crítica, se colocam em perfeita
sintonia com os projetos e com as realizações das vanguardas estéticas européias.
Seus papéis estratégicos nos movimentos modernistas do início do século
passado, em Portugal e no Brasil, e também suas trajetórias pessoais revelam
muitos pontos em comum: estudam em colégios religiosos, fundam jornais,
publicam manifestos seminais, passam longas temporadas no exterior e, mais do
que qualquer outra coisa, como bons vanguardistas polemizam à vontade e
pretendem mudar o mundo à sua volta. Daí, resultam intervenções artísticas e
experiências textuais que subvertem completamente os cânones de então,
articulando formas experimentais de linguagem, muitas vezes mescladas,
pontualmente, com estruturas narrativas conservadoras.
Personalidades carismáticas, irreverentes e temperamentais, Almada e
Oswald fazem contraponto a dois outros companheiros também eles
extraordinários renovadores da cena cultural nos dois países: Fernando Pessoa e
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Mário de Andrade. Para o próprio Pessoa, em passagem do Prefácio para uma
antologia de poetas sensacionistas, seu amigo:
“ É mais espontâneo e rápido, mas nem por isso um homem de gênio
40
. É
mais moço do que os outros, não só em idade, mas em espontaneidade e
efervescência. É uma personalidade bastante distinta e o que causa
admiração é como o haja conseguido tão cedo “ (1998:450)
Almada, por sua vez, em texto escrito para comemorar os cinqüenta anos
de Orpheu, em 1965, se compara diretamente a Pessoa:
“Pois era este o homem a quem devo ter encontrado pela primeira vez
alguém absolutamente diferente de mim mesmo... totalmente oposto a mim.
Até ele todos me foram alguma vez parecidos, não-parecidos.... Ele era o
meu oposto. Era-nos impossível a inveja um do outro. Até o fato de ele ser
um auditivo e eu um visual, não o trocávamos”. ( 1997:1983) .
Essa diferença, eventualmente irrelevante em outros contextos, adquire um
peso significativo no plano da criação teatral, atividade na qual o trabalho do
artista – mais do que o de qualquer outro contemporâneo, inclusive o próprio
Pessoa e Sá-Carneiro – se desenvolve, principalmente, sob o signo da
“performance visual.
Nesse terreno específico, os caminhos percorridos pelo vanguardista
português e por Oswald de Andrade apontam para interessantes convergências:
1) Sintonizados com as propostas programáticas das
vanguardas européias, se insurgem contra o “status quo” do teatro
em seus países, denunciando o que denominam “a insipidez”, “o
atraso” e “a mediocridade” e o “comodismo”.
2) A partir dessa posição escrevem textos de ruptura nos quais
desenvolvem, com autonomia e sentido crítico, experiências de
40
É evidente no texto que Pessoa se refere a “gênio” no sentido de temperamento.
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linguagem anti-miméticas e anti-ilusionistas que se contrapõem ao
naturalismo e ao simbolismo, então dominantes;
3) Para tanto utilizam técnicas de decomposição narrativa –
repetições, paródias, intervenções autorais, apartes, comentários,
redefinição do espaço da representação, recursos de meta-
teatralidade, entre outros, absolutamente inusitados em seus
respectivos ambientes teatrais;
4) Certamente, muito em função disso, seus textos complexos,
inusitados e não-comerciais, não logram se viabilizar nos palcos
na época em que são escritos
41
embora sejam lidos, discutidos e
obtenham repercussão em certos círculos artísticos;
5) Nesse contexto, se credenciam como referências
inspiradoras e marcos definitivos nos processos de renovação da
literatura dramática em Portugal e no Brasil nas primeiras décadas
do século passado.
Paralelamente, subsistem entre as duas obras diferenças não menos
relevantes. No que diz respeito aos elementos temáticos e, principalmente, aos
objetivos mais imediatos, as discrepâncias são bastante significativas. De um lado,
a anárquica e esfuziante proposta de Oswald materializa o esforço de um ativista
político radical que pretende lançar mão das potencialidades persuasivas do teatro
para atingir objetivos claros de agitação e de propaganda.
Do outro, a poética e introvertida produção de Almada que,
definitivamente, não tem essa pretensão. Pelo contrário, em sua literatura
dramática a política “stricto sensu” ocupa decidido segundo plano, presente
apenas como pano de fundo, em dois textos: Portugal e S.O.S. Trata-se de obra
de um criador multifacetado, com uma poderosa visão plástica da realidade que
41
Os de Oswald também em função do início do “estado novo” varguista. Os de Almada
só seriam censurados a partir de 1932/33.
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preconiza, antes de qualquer outra coisa, por uma revolução criativa que sacuda a
combalida cena teatral de seu país.
Outra diferença relevante: os textos de Almada, recheados de imagens
líricas, verdadeiros poemas dialogados, sem métrica e quase impenetráveis são,
naturalmente, direcionados a pequenos grupos de iniciados. Neles, o poeta e a
própria poesia estão expostos ao debate e os leitores (ou a eventual platéia) -
certamente esse é um dos objetivos do autor – constantemente estimulados a
vivenciar um corajoso processo de desnudamento e, por conseguinte, a se refletir
no que está recepcionando, ou seja, a participar de um jogo de espelhos ao estilo
pirandelliano. As criações de Oswald, em posição diametralmente oposta, se
destinam aos grandes anfiteatros e, para uma realização eficaz, precisam da
participação acalorada dos grandes públicos.
Também do ponto de vista da transposição para o palco, as duas obras têm
percorrido trajetórias diferentes. Apesar da dramaturgia almadiana já ter
inspirado
42
– principalmente após o fim do regime de Oliveira Salazar - alguns
espetáculos de qualidade, os textos mais bem realizados, incluindo Portugal,
Deseja-se mulher e o restante datragédia da unidade” (S.O.S e Protagonistas),
ainda fazem por merecer encenações à altura de seu potencial provocador.
43
Sobre o tema, o crítico português Gaspar Simões, escreve com
propriedade:
(...) Consagrado como pintor, apreciado como poeta, valorizado como
romancista, José de Almada Negreiros parece condenado a não obter no palco
o êxito alcançado noutras atividades em que pôs à prova o seu engenhosíssimo
espírito.....Parece injusto que assim seja, visto que, de uma maneira ou de
outra, não há “arte modernista” mais espetacular....Infelizmente o nosso teatro
é aquilo que todos sabem.....Num país de arte dramática mais florescente, de
há muito que Almada Negreiros teria podido ver em cena peças suas,
experiência decisiva para sua carreira de dramaturgo... a verdade é esta: que o
autor de Deseja-se mulher, não pode acompanhar a maturação do seu talento
dramático....Estamos prontos a deplorar que a cultura teatral do nosso país não
tenha sabido amadurecer o extraordinário talento cênico de seu autor”. (
1982:129 )
42
Em junho de 1949 – portanto em pleno período salazarista – Almada proferiu palestra
no dia da estréia de Antes de Começar, no Teatro-Estudio do Salitre.
43
Deseja-se Mulher foi encenada, em 1972, com direção de Fernando Lapa, na Casa da
Comédia. Em dezembro de 2005, a Companhia do Chiado apresentou, com direção de
Juvenal Garcês, uma montagem de Antes de Começar.
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Oswald, a partir da metade da década de 1960, tem sido mais bem sucedido.
A já comentada montagem de O rei da vela, pelo grupo Oficina, foi, por ordem
apenas cronológica, o segundo grande momento da história do teatro brasileiro em
todos os tempos. O primeiro, Vestido de noiva, de Nélson Rodrigues, em 1943,
pelo grupo Os comediantes, com direção do diretor polonês Zbigniew Ziembinsky
e o terceiro a realização de Macunaíma, a partir de Mário de Andrade, por
Antunes Filho no final da década de 1970.
Também O homem e o cavalo – já encenada com brilho e competência por
Carlos Gardim e Pablo Moreira no TUCA (Teatro da Universidade Católica) de
São Paulo, durante as comemorações do centenário do nascimento de Oswald
(1990) – e A morta têm recebido montagens importantes em várias regiões do
país nos últimos 25 anos.
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